Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Caso Columbus / K. H. Scheer
O Caso Columbus / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Caso Columbus

 

A Terra coesa contra a invasão dos seres descendentes de insetos!

Uma espaçonave arcônida encalhada na Lua, descoberta por Perry Rhodan, foi o ponto de partida para a unificação política da Humanidade e a pedra angular do Império Solar.

O fato de que este Império — minúsculo em comparação com as demais potências do Universo — ainda continua existindo e ainda não se transformou num inferno atômico, ou não foi degradado a uma simples colônia de Árcon, só pode ser atribuído às magistrais jogadas dos terranos, aglutinados em torno de Perry Rhodan, no grande xadrez das Galáxias — e também à sorte, que, como fato permanente, é exclusiva dos fortes.

No entanto, a fantástica linha da sorte, que, conjugada com os inteligentes esforços de Rhodan, conseguiu até hoje ocultar a posição da Terra nas Galáxias, parece ter chegado ao ponto de ruptura iminente.

O Império Solar sofreu, nos últimos tempos, uma série de pesados reveses, embora nenhum deles justificasse a entrada em vigor do CASO COLUMBUS.

Mas, agora, a situação atingiu este ponto crítico, este clímax, e surge então a pergunta angustiante: TERÁ O TÃO JOVEM IMPÉRIO FORÇA SUFICIENTE PARA RESISTIR A UM ATAQUE DIRETO?

 

                                       

 

Com cuidado especial, o sargento Bidge conferia seu registro no livro de assentamento dos rádios recebidos, referente ao dia 11 de maio de 2.044.

Tratava-se de um hiper-rádio 76-Hy-11-5-44, enviado num código em vigor na época, entre as forças espaciais, com a duração de um décimo de segundo, num ângulo de incidência do setor espacial M-13, conforme a medição do raio direcional.

Com esta constatação, teria normalmente terminado o trabalho de Bidge, se o aparelho automático de antidistorção não tivesse estampado na fita perfurada, além dos sinais habituais, um símbolo muito especial.

Este sinal, colocado no final do radiograma, foi também assinalado no corpo do texto. Assim, o sargento Bidge não precisaria esperar pela demorada interpretação de uma mensagem, cuja gama de chaves de códigos se estende por 4,6 bilhões de possibilidades.

Reteve a respiração, quando a máquina, por meio de um tilintar estridente, denunciou a antidistorção. O que apareceu diante dos olhos estupefatos de Bidge foi uma fita plástica com um emaranhado, aparentemente sem sentido, de pontos, traços e figuras geométricas de miríades de formas diferentes, para cuja interpretação, mesmo um cérebro eletrônico de alta categoria, precisaria mais de meia hora.

Assim sendo, era de todo impossível a Bidge pegar alguma coisa do sentido do radiograma. Mas o sinal que estava no fim lhe era bem compreensível:

— “I-Rho-Ad-T” — repetiu bem baixo.

Estava tão perplexo que por uns instantes não ouviu mais o zumbido e os pequenos estalos do aparelho automático em funcionamento. O sargento Bidge estava a serviço do Departamento de Decifração de Códigos do Ministério da Defesa Solar.

Uma olhada para o relógio lhe indicou que havia perdido três preciosos segundos. Quando o telegrafista percebeu o gesto brusco com que Bidge pôs a mão no botão de alarme, levou um enorme susto.

— Epa! Que é isso...

O toque estridente das sirenes o impediu de terminar a frase. Bidge esperou até que o oficial de serviço aparecesse na comporta de deslizamento automático. O Departamento de Decifração do Ministério da Defesa Solar estava incluído no setor de sigilo de primeiro grau.

Conhecido por suas maneiras pedantes, o Major Abucot se aproximou com passos solenes, que não eram nem apressados, nem lentos. Seu rosto não denotava nenhuma expressão particular.

— Quem foi que tocou o alarme?

— Eu, senhor — disse o sargento erguendo a mão.

Abucot o mediu de alto a baixo, com severidade.

— Quem é “eu”? — perguntou friamente.

— Primeiro-sargento Bidge, senhor.

— Assim soa melhor. E o que está acontecendo?

“A pergunta não está bem feita”, pensou Bidge um tanto irritado. “Abucot parece estar de novo num de seus dias de superpedantismo.”

Bidge se levantou, fez posição de sentido e com voz bem acentuada disse:

— O radiograma captado há poucos instantes, proveniente do Setor M-13-Hércules, está assinalado com a sigla pessoal do primeiro mandatário do Império Solar, no texto original.

Estas duas últimas palavras, Bidge não precisou dizer no mesmo tom marcial das outras, para fazer com que o Major Abucot desse um pulo de espanto ou surpresa. Curioso, mas com um sentimento de repentina superioridade, olhou de novo firme para o oficial, cujos olhos pareciam querer penetrar nas tiras plásticas.

— Realmente — disse Abucot tentando reassumir seu porte de homem comedido. Olhou em volta, como que procurando um apoio em alguém. — Isto não é uma brincadeira, sargento?

— Pelo amor de Deus! Jamais faria isto.

O espigado sargento de serviço deixou escapar um soluço. O major se mostrou preocupado em voltar ao seu estado de perene serenidade. Seu rosto estreito voltou de novo à mais completa falta de expressão. Senhor absoluto de si mesmo.

— Muito obrigado. O alarme está terminado.

Tocando de leve na larga pala do boné de serviço, passou empertigado pela comporta blindada, que já estava aberta. Mas, ainda antes de desaparecer de todo no corredor, o pessoal do Departamento de Decifração pôde perceber que os pés do Major Abucot, de repente, se aceleraram ao máximo.

Bidge olhou de novo para o relógio. E sorrindo um pouco vagamente, falou:

— O velho major ficou contente de uma hora para a outra, não é? Até a comporta ainda conseguiu bancar o homem sereno, dono de si. Aposto meu salário que ele agora está correndo pelo corredor afora, pelo menos com a metade da velocidade do som.

— Vamos dizer com vinte quilômetros por hora — atalhou um outro operador de rádio. — Aí não haverá nenhum exagero.

— Mas de qualquer maneira, ainda bem veloz, para sua serenidade — completou Bidge. — Alguém se recorda de ter algum dia recebido um rádio direto de Perry Rhodan? Sem passar por uma estação intermediária ou um transmissor camuflado em qualquer nave no espaço?

Ninguém respondeu no momento. O homem, sentado a seu lado, passou as costas da mão na testa, para tirar o suor.

— Sei apenas que, em todo meu curso de telegrafia, me martelaram na cabeça que a posição da Terra no espaço devia permanecer tão secreta, que ninguém poderia se atrever a transmitir diretamente para ela.

— Pois é! Para evitar que possam descobrir sua posição, não é? E como pode acontecer então, que exatamente o homem que nos impôs esta lei, venha a infringir de maneira tão perigosa sua própria proibição?

Voltou a reinar o silêncio naquela repartição tão vital para os grandes interesses do Império Solar. Todos se entreolhavam preocupados. Sabiam que devia ter acontecido algo muito importante na Via Láctea, importante e imprevisível. A partir daí, a atenção da equipe do setor de decifragem se concentrou exclusivamente no aparelhamento automático de descodificação, que, inclusive, já havia sido alimentado com a fita, tendo no final a sigla de Rhodan.

Um minuto mais tarde, era o Major Abucot quem chamava. Exigia a imediata transmissão do texto decifrado. Bidge concordou.

— Daqui uns vinte minutos, senhor. O aparelho está trabalhando.

— Apresse o máximo que puder — respondeu Abucot, nervoso.

É claro que ele sabia que não havia possibilidade alguma de ir mais depressa. O aparelhamento eletrônico tinha seu curso certo.

 

— ...permita-me uma pergunta, meu amigo: você está bêbado?

O Marechal Allan D. Mercant, Ministro da Segurança Solar, sorriu tranqüilo. Vagarosamente colocou sobre o porta-folhas da escrivaninha uma espátula de abrir cartas, toda trabalhada em metal de Luur. Pelas altas janelas térmicas, entrava uma faixa estreita da luz do sol, dando um brilho de ouro nos cabelos louros de Mercant.

Continuou sorrindo, quando o Major Abucot tentava tornar mais exemplar a sua já correta postura marcial.

— Senhor, por favor! Vim correndo pelo caminho mais curto para lhe trazer pessoalmente o radiograma. Por gentileza, senhor.

Abucot deu uns passos à frente, colocou as folhas de papel na mesa e se afastou imediatamente.

O rosto liso de Mercant, sem nenhuma ruga, não deixou transparecer nada do que lhe ia no íntimo. Descontraído, apanhou as folhas e começou a ler.

Finalmente, levantou os olhos. Se Abucot estava ali esperando para saber mais coisas sobre o conteúdo do radiograma, sua decepção devia ser enorme. Mercant apenas perguntou:

— Pelo que vejo, você mandou calcular a potência do transmissor estrangeiro por meio dos dados do receptor. Você tem certeza de que seus matemáticos não cometeram nenhum erro?

— Absolutamente, senhor — respondeu o major. — A estação opera com uma potência de transmissão de, pelo menos, cinqüenta milhões de kilowatts, numa base de hiper-rádio. Conheço apenas um planeta onde poderia existir uma instalação tão gigantesca assim.

— E qual seria este planeta?

— Árcon III, senhor.

Mercant concordou pensativo. Seus dedos finos remexiam as folhas de papel com o texto decifrado.

— Muito obrigado, major. Pode se retirar.

Atônito, o major passou por entre os dois robôs de vigilância, atingiu a comporta blindada e desapareceu.

Só depois que acendeu a luz vermelha, indicando que a fechadura da porta externa estava travada, foi que o chefe da Segurança Solar começou a agir. O dedo indicador da mão direita apertou um botão que tinha escrito por cima “Comando Supremo da Armada”. Na grande tela, ligada por fios de uma rede invisível, surgiu o rosto estereotípico com o sorriso plástico do robô.

— Marechal Freyt, ligeiro — disse Mercant em voz alta e apressada. — Urgência urgentíssima.

— O marechal será avisado, senhor. Aguarde um instante, por favor.

Mercant teve de esperar dois minutos, até que o rosto estreito e expressivo de Freyt aparecesse na tela. Sua respiração estava ofegante. Certamente veio correndo de onde estava. O chefe supremo da Segurança Solar não lhe deixou tempo para respirar. Já se conheciam há muito para perderem tempo com fórmulas de civilidade.

— Um hiper-rádio de Perry Rhodan, Freyt — disse Mercant sem nenhuma introdução. — Você está sozinho?

Freyt fez um gesto que sim.

— Está bem. Então prepare-se para ouvir a notícia mais sensacional dos últimos cinqüenta anos. Perry Rhodan acabou de passar um radiograma diretamente de Árcon. Os dados da medição são absolutamente claros. Uma estação com cinqüenta milhões de kilowatts existe somente em Árcon III, a base militar do Grande Império.

Marechal Freyt, vice-presidente do Império Solar, ainda estava ofegante.

— Quer dizer que ele se comunicou diretamente conosco, sem se utilizar de qualquer espaçonave terrana, como estação intermediária de relê? Se, por este rádio, captarem a direção da Terra, estamos completamente perdidos.

— Existe de fato esta possibilidade. No entanto, Rhodan assumiu o risco. A situação mudou do dia para a noite. — A voz de Mercant tomou, então, um tom mais imponente: — Freyt, o regente robotizado de Árcon foi deposto. Nosso movimento, tão bem e com tanto sacrifício preparado, foi coroado de êxito. Atlan foi reconhecido pelo controle de segurança do grande cérebro positrônico como o arcônida que permaneceu ativo e fiel à sua gente, descendente direto de um célebre imperador da estirpe Gonozal. Daí se deduz uma situação que, para nós, pode acarretar sérias conseqüências. A partir de agora, muita coisa vai mudar na política das Galáxias.

— Nosso chefe menciona isto? — perguntou Freyt preocupado.

— Sim, com muita clareza. Vou enviar o texto decifrado para o quartel-general. Perry Rhodan se encontra no momento com seu comando de ação em Árcon III. Atlan assumiu o governo, no entanto, para o foro externo, persiste ainda a impressão de que quem está governando ainda é o gigantesco robô. Desta forma, Atlan se esconde atrás da máquina eletrônica, considerada poderosa e inflexível e de cuja autoridade ele se serve inteligentemente. Acho isso muito certo, pois, se, desde o começo, se espalhasse a notícia de que um arcônida vivo sucedeu ao cérebro robotizado, poderiam surgir pelo vasto império colonial desordens de toda espécie. Rhodan diz também que a situação está tranqüila. O cérebro robotizado continua atuando independente somente em questões de administração e de abastecimento. Decisões importantes são tomadas pelo Almirante Atlan, que nós temos de classificar agora como soberano e imperador.

Depois de meditar um pouco, o marechal ainda acrescentou:

— Uma situação que nos pegou de surpresa. Você sabe que Atlan conhece a posição da Terra melhor do que você e do que eu...

Allan D. Mercant exibiu de novo seu célebre sorriso.

— Sei muito bem. Quando ele se indispuser conosco, basta fazer um aceno para que a Terra seja atacada pela maior frota do Universo. Perry Rhodan pondera também esta hipótese. No aludido radiograma, você recebe instruções de enviar imediatamente para Árcon a nave capitania Drusus. O Coronel Sikermann deverá comandar a Drusus. Ele receberá a ordem de voar para o planeta Zalit, apanhando lá os cientistas restantes, técnicos e mutantes, descendo depois em Árcon III. É mais ou menos tudo que a mensagem contém.

— Realmente muito pouco, tomando-se em consideração o alcance do fato, que vai ocasionar muita alteração — concluiu o chefe da frota terrana.

— Para mim, é o suficiente, por enquanto. Presumo que virão tempos difíceis, Freyt. O futuro da Humanidade passa a depender agora da boa vontade arcônida de nome Atlan. Depois de ter afastado o cérebro de um robotizado, todos os caminhos lhe estão abertos. Em tese, não duvido de sua amizade com a Terra. Mas, já que não sou psicólogo de raças estrangeiras, não posso fazer nenhuma previsão, sobre se a plenitude do poder, agora nas mãos de Atlan, poderá alterar seus pontos de vista. Esteja preparado para tudo, mesmo para o pior. Mantenha toda a frota em estado de prontidão. Mande o Coronel Sikermann visitar-me, antes de partir para o planeta Zalit. Queria lhe entregar o relatório sobre a malsucedida invasão dos druufs. Rhodan haverá de se interessar muito em saber que estes descendentes de insetos, originários de um Universo estranho, conseguiram construir no Estado norte-americano de Wyoming uma base para seus transmissores...

De repente, fez uma pausa. Mas logo prosseguiu:

— Ou não, espere um pouco, por favor. Eu mesmo vou ter com você. Segure um pouco o Coronel Sikermann. Até logo mais.

Mercant desligou. Continuou ainda imóvel, por uns momentos, à sua mesa de trabalho. Os últimos raios do sol poente davam um brilho vivo nos metais do quadro de comando.

Quando o chefe da segurança terrana se levantou, não estava bem certo de sua ida de... A ducha celular, que recebera no planeta Peregrino, tinha de ser renovada brevemente, se não quisesse ver em pouco tempo a decadência total de sua juventude artificial.

Passou devagar pelos robôs de vigilância que o saudaram. Na sua mão direita estava o punhado de folhas plásticas com a sensacional notícia.

O regente robotizado de Árcon seria desativado e reprogramado. Mercant sabia que então começaria uma nova era.

 

O Coronel Baldur Sikermann entregou os papéis com o relatório ultra-secreto ao seu robô assistente. Havia terminado a discussão da situação no quartel-general da armada e não havia mais nenhuma pergunta a fazer.

— Desejo-lhe uma boa viagem — disse-lhe o Marechal Freyt. — Fique de olhos abertos e, apesar dos últimos acontecimentos, evite tudo que possa levar ao conhecimento dos escutas galácticos a posição da Terra. No espaço há muitas inteligências com bons instrumentos de orientação. Faça suas transições sempre sob a proteção dos compensadores estruturais, mantenha-se sempre cauteloso. Provavelmente vão recebê-lo com muita festa. Abrigue os nossos a bordo da Drusus e voe depois para Árcon. Se, contra nossa expectativa, vocês forem atacados, volte imediatamente. Perry Rhodan haverá de achar uma saída neste caso. Diga ao nosso chefe supremo que aqui na Terra está tudo em ordem.

— Com exceção da base de transmissão dos druufs em Wyoming — acrescentou Mercant, sorrindo.

— Ah! É verdade, isto você deve dizer pessoalmente a Rhodan. Ele então vai decidir se comunica isto ao novo imperador Atlan, ou não.

Freyt olhou para o relógio.

— Está chegando a hora. Não se arrisque demais nas transições. Fazemos questão de vê-lo chegar com saúde e boa disposição ao grande aglomerado de estrelas M-13.

O supercouraçado Drusus, último lançamento das grandes naves de combate da Frota Solar, partiu no dia 12 de maio de 2.044, às cinco horas e 13 minutos.

Com o impulso gigantesco das turbinas para a arrancada, o espaçoporto de Terrânia foi inundado por intenso clarão amarelado. E antes que o cavernoso trovejar das máquinas chegasse aos ouvidos dos habitantes de Terrânia, que ainda dormiam, a gigantesca esfera de mil e quinhentos metros de diâmetro já estava em pleno espaço, onde Sikermann, com a velocidade de 500 km por segundo, estava em vias de fazer a primeira transição. Obtivera permissão especial para dar o primeiro salto espacial ainda dentro do sistema solar.

 

O Coronel Poskanow, de estatura descomunal e notório como grande estrategista espacial, foi o primeiro a receber o comunicado de posicionamento do chefe do Quarto Grupo de Caças Espaciais, o Major Untcher. Poskanow exercia o cargo de comandante do Grupo de Caça Espacial 16 no setor da faixa dos planetóides, entre Marte e Júpiter, Região de Vigilância 12-14A-3746.

De sua nave capitania, o couraçado Osage, captou o radiograma de Untcher, quando a Drusus estava atingindo quase a velocidade da luz.

Como homem inteligente, Poskanow deu ordem para que todas as estações energéticas de suas naves fossem ser aplicadas nos envoltórios de proteção e ordenou também que se abstivessem, no momento, de qualquer alteração de rota.

Nas unidades sob seu comando os mecanismos de propulsão foram desligados, enquanto que o bojo cintilante das grandes naves recebia uma camada invisível de proteção energética. Desta feita, todos os grandes aparelhos estavam bem protegidos, quando a gigantesca Drusus, nas proximidades da órbita de Marte, iniciou sua transição.

Apesar de terem sido desligados os compensadores estruturais, os aparelhos de absorção de quase todas as naves foram danificados. O Coronel Poskanow sentiu como sua Osage de quinhentos metros de diâmetro estremeceu. Os abalos estruturais, produzidos pela supertransição no conjunto do espaço quadridimensional estável, equivaliam a uma sucessão de choques de uma violência fantástica. Terminado o fenômeno, os comandantes das pequenas unidades davam notícia dos danos nas partes externas e mesmo nas instalações das naves. Quatro gazelas, rápidas naves auxiliares dos pequenos cruzadores, já haviam pedido reboque para reparos nos estaleiros.

O Coronel Poskanow não achou razões para se opor a isso. A nave auxiliar G-275 avisou que o envoltório energético de proteção contra a sobrecarga térmica não estava funcionando.

Poskanow resolveu então reunir as gazelas danificadas e, a bordo do cruzador Kongo, levá-las para a base na Lua. Enquanto estava tomando as providências atinentes ao reparo, chegou-lhe às mãos uma importante mensagem cifrada, diretamente do alto comando da Frota Solar. A decodificação durou exatamente trinta e seis minutos.

Neste meio tempo, o comandante da Kongo executava uma manobra dificílima para colocar sua nave numa posição que pudesse, por meio dos raios de tração, aparar as naves auxiliares em sua queda livre pelo espaço. Dois minutos antes do início desta fase da operação, o Coronel Poskanow recebeu o texto decifrado. Assim que terminou a leitura, a primeira medida que tomou foi chamar o cruzador Kongo. Extremamente mal-humorado, o comandante da Kongo recebeu ordem de interromper imediatamente o trabalho de pôr a bordo as pequenas naves danificadas e de voltar, incontinenti e a toda velocidade, para seu setor de caças.

O Tenente Nafroth, comandante de uma das gazelas danificadas, assistiu com espanto, pela tela de sua nave, ao rápido desaparecimento da Kongo, tão rápido que quase não poderia ser localizada.

Dez segundos depois, entravam em ação os receptores de rádio. O chefe do grupo fez uso do telecomunicador. Nafroth recebeu instruções de deixar sua nave flutuando, tendo apenas o cuidado de evitar colisões com fragmentos cósmicos que existem no espaço.

A nova base da frota espacial na Lua, no momento mais próxima do que Marte, que se achava então do outro lado do Sol, mandou uma nave de salvamento, que, sete horas depois, estava rebocando para dentro de suas comportas a pequena gazela, cuja velocidade era de apenas um décimo da velocidade da luz. Assim, ao menos para o Tenente Nafroth, o assunto gazela havia terminado. Não podia realmente supor que o hipersalto da Drusus, realizado tão perto deles, seria o início de episódios em que sua participação seria quase nula.

Quando a nave de salvamento iniciou o vôo de regresso, o Coronel Poskanow já havia reunido o Grupo de Caças Espaciais 16 no setor 12-14A. As naves seguiam em queda livre e com velocidade reduzida pelo espaço intersolar. O controle da situação por parte de Poskanow se dava, tanto na telefonia como na transmissão da imagem, simplesmente por aparelhos de videofone, que tinham apenas a velocidade da luz. Não havia, pois, nenhum perigo de serem descobertos, ainda mais que a potência de sua estação transmissora na nave capitania não passava de 250 watts.

Os comandantes das diversas unidades tinham se dirigido para suas respectivas centrais de radiofonia. A figura de Poskanow podia ser vista em todos os aparelhos.

— Meus senhores, a partir deste momento passa a vigorar o estado de alerta de operações bélicas — explicou ele de maneira sucinta. — Na nebulosa esférica M-13 estão acontecendo coisas que podem levar a um rápido descobrimento da posição da Terra. Assim que os dados a respeito chegarem às minhas mãos, os senhores receberão mais informações. Por enquanto, recebi ordens de reequipar nossas forças, de manter nossas tripulações no nível previsto e, a seguir, rumarmos para o Grupo de Segurança Plutão, sob as ordens do General Deringhouse. Somente depois é que deixaremos nosso atual posto de vigilância. Voaremos juntos para a Base Ganimedes, faremos provisão de água e de alimentos, bem como de munição e de peças de reposição, de acordo com o Plano de Equipamento Columbus. Comuniquem a suas tripulações que a entrega da correspondência será feita no máximo na Base Ganimedes. Ficam automaticamente canceladas as licenças. Não haverá necessidade de uma censura postal mais rigorosa; no entanto, é bom advertir seus subordinados de que não podem fazer nenhuma menção das medidas que estão sendo tomadas. Obrigado. É tudo que tenho a dizer por enquanto. Desliguem agora e sintonizem para receberem os dados concretos da nave capitania. Eu os irei guiando.

As telas se apagaram. Os comandantes retornaram pensativos para suas cabinas de comando.

Poskanow estava de novo no meio dos oficiais de seu estado-maior. A nave Osage iniciou o vôo. O chefe do grupo estava atento ao ronco característico do mecanismo de propulsão, quando, perdido em seus pensamentos, falou:

— Um velho provérbio russo diz que o urso lambe tanto o mel que as abelhas entram pela sua garganta adentro. Tenho a impressão de que a Humanidade vai receber agora as primeiras picadas de abelha. Infelizmente, aqui no nosso caso, não se trata de abelhas, mas de uma infinidade de belonaves das profundezas do espaço. Teremos uns dias quentes, meus amigos.

Poskanow fez um sinal ao comandante da Osage, que, meio abatido e um tanto recurvado, se dirigiu para a poltrona do piloto. Na sua frente luziam as muitas telas de observação, formando uma verdadeira galeria resplandecente.

Ali, o espaço estava, como sempre, indiferente a tudo. Bilhões de estrelas cintilavam na negridão do nada. Muitas delas possuíam planetas e de um destes planetas, de qualquer sistema solar das Galáxias, surgiria um dia uma frota estrangeira. Então, seria quase que o fim...

Poskanow resolveu escrever uma carta para sua esposa. Sim, e também outra para Sergej, que, nestes dias, estaria nos exames finais do segundo ciclo. Os estudos eram puxados e Sergej não era muito forte em assuntos de ecologia e colonização espacial. Talvez, porém, conseguisse equilibrar esta pequena falha com boas notas em outras disciplinas. Nenhum cadete da Academia Espacial de Terrânia podia tirar menos de cinco em nenhuma matéria. Poskanow estava mesmo preocupado, pensando se valia a pena que seu filho único cursasse o estabelecimento de ensino mais cobiçado da Terra, para vestir um dia o glorioso uniforme de oficial do espaço.

Angustiado, pulou para fora da poltrona. Não tinha mais a calma necessária para ficar sentado.

— Para qualquer coisa, você me encontra no meu camarote — disse para o primeiro-oficial da belonave. — Se chegarem notícias, traga-as imediatamente para mim.

 

— Gostaria de sair daqui, se você o permite. Estas moradias muito abaixo da superfície podem ser práticas em caso de um ataque aéreo, mas para o meu gosto são muito abafadas e escuras. Há mais de trinta minutos que a Drusus aterrissou. Que estamos esperando?

Perry Rhodan, administrador do Império Solar, empertigou-se todo, tentando atingir com a vista toda a grande tela. Mas não o conseguiu. Estava demasiadamente próximo da tela ovalada.

A figura em três dimensões, vista na tela, era verdadeiramente espetacular. Rhodan tinha a sensação de estar sentado ao lado do Almirante Atlan. Também a voz do arcônida, ampliada por um aparelho de som estereofônico 3-D, era absolutamente fiel.

Por um momento, os dois homens se olharam fixamente. O longínquo interlocutor era espadaúdo e musculoso, visivelmente mais forte que Rhodan, cuja estatura esbelta mal deixava perceber sua grande resistência física.

Atlan esboçou um sorriso irônico.

Rhodan notou-o com visível desagrado, olhando de alto a baixo o sorridente arcônida, de olhos albinos, avermelhados.

— Eu lhe perguntei alguma coisa!

— Sei disso — soou dos alto-falantes.

A entonação não deixava dúvidas de que Atlan estava compenetrado da importância decisiva de suas relações com Perry Rhodan, exatamente neste momento.

— Então...?

— Bárbaro, parece que você me considera um monstro terrível. Qual a razão de sua pergunta? Se você quer ir para sua nave capitania, então vá. Você não é meu prisioneiro.

Rhodan fez como se não tivesse ouvido a admoestação. Ficou examinando a figura do arcônida no vídeo. Aquele homem, depois da queda do todo-poderoso regente robotizado, se transformara na figura-chave de toda a Galáxia. Apenas alguns iniciados nos “grandes segredos” podiam supor que as ordens irradiadas em seqüência contínua das antenas-ciclópicas do planeta da guerra não provinham mais da gigantesca máquina positrônica, fria e impiedosa, mas de uma arcônida relativamente imortal, de alta estirpe.

Atlan foi suficientemente inteligente em não abandonar de uma hora para outra a maravilhosa sala central do cérebro eletrônico. Ele — após uma ação ousada, onde a morte o cercava de todos os lados — foi oficialmente reconhecido pelo setor de segurança do imenso computador como mentalmente capaz. Atlan estava há poucos dias de posse do governo.

A grandiosidade do grande cérebro robotizado eram os conhecimentos nele armazenados. A história do Império Arcônida era de um passado quase pré-histórico, de muitas dezenas de milênios. No entanto, não havia nada que escapasse ao imenso repositório de dados da descomunal máquina.

Este fato foi de grande utilidade para Atlan — ex-almirante do Grande Império e sobrinho do Imperador Gonozal VII, que governara há dez mil anos — para dar base mais sólida às suas pretensões. Por enquanto estava tomando suas decisões ainda escondido no anonimato. Os muitos povos de raças diferentes, que viviam como colonos do Grande Império Arcônida, ainda eram de opinião de que se achavam sob o poder de um ditador, de um robô conhecido como frio e impiedoso.

Rhodan ainda estava com as recordações vivas dos últimos acontecimentos da semana. Lembrava-se da aterrissagem em Zalit, dos ataques infrutíferos dos mutantes contra o formidável envoltório de proteção do cérebro robotizado e, finalmente, do começo da derrocada, que só se transformou em vitória depois que Atlan interveio, descobrindo a chave do poder.

— Como é? Você perdeu a fala? O que houve, meu amigo?

Rhodan levou um susto. Nervoso e incerto, olhou em torno de si, naquele recinto totalmente fechado. Já estava fora do misterioso envoltório energético, cujas forças foram erroneamente tão subestimadas. Por detrás das portas blindadas, fechadas e vigiadas por robôs altamente armados, esperavam seus companheiros. O ingresso só fora permitido a Rhodan.

Esta sala hexagonal era usada antigamente para proporcionar aos cientistas do Grande Conselho de Árcon uma consulta tranqüila ao supercérebro eletrônico que eles mesmos criaram.

O rosto expressivo de Atlan ocupava quase toda a tela.

— Para eu perder a fala, seria necessário que o mundo acabasse — afirmou o intrépido terrano. — Atlan, há dois dias, pedi a assinatura do pacto de aliança e de assistência mútua, lavrado por meus especialistas. Desde quando você começou a menosprezar os homens?

— Não os menosprezo mais desde que se uniram sob sua direção, desde que aprenderam a assimilar o imenso saber técnico-científico de minha veneranda raça, usando-o para seus próprios fins. Você não deve se esquecer de que eu conheci seus antepassados, quando...

— ...eles ainda moravam em cavernas e se combatiam atirando pedras uns nos outros — disse Rhodan completando a frase.

Não havia nenhum ressaibo de amargura em sua voz.

Atlan sorriu de novo.

— Oh! Já mencionei isto alguma vez?

— Mais de mil vezes.

— Então, peço-lhe desculpas.

— Mas como fica mesmo o tratado de aliança entre o Grande Império e o Império Solar?

— Com este nome tão pomposo, você designa naturalmente a sua estrelazinha diminuta, cujos nove planetas juntos não dariam um volume suficiente para formar um único corpo celeste digno deste nome.

— Exatamente — confirmou Rhodan indiferente.

Atlan sorria de modo franco. Nos dois homens não se notava mais nenhuma tensão. Há uns instantes, o ar parecia saturado de animosidade.

— Amigo, você deveria compreender minha situação. Por ora, sinto-me ainda numa imensa cabina de comando, cujos instrumentos mirabolantes não conheço bem. Quando o cérebro eletrônico foi montado, eu já era considerado há muitos milhares de anos, anos da Terra, como morto. Não costumo assinar tratados, quando não sei se os posso cumprir. Você acha que eu devo subscrever um convênio para sua própria e exclusiva segurança, convênio, este cujo teor satisfaça o formalismo de vocês terranos. Você me exige uma garantia de segurança para a Terra, com palavras sonoras e bonitas.

— E estou, com isto, exigindo demais? Até o presente momento, a posição da Terra era um segredo. Somente você é quem sabe dele.

— E daí? Haverá por isso um motivo para você desconfiar de mim? Ou você acha que daqui para frente todo meu trabalho consistirá em tentar destruir vocês, bárbaro? Perry, conserve sua tranqüilidade. Se eu quisesse traí-los, teria tido inúmeras ocasiões nos últimos anos, com todos os meios à minha disposição, para, com um simples rádio, enviar toda a frota robotizada de Árcon contra a Terra. Será que sua cabeça ficou tão confusa assim? Não posso assinar este tratado. Minha posição ainda não está bem segura.

“Sirvo-me do pretexto da validade do cérebro eletrônico, para fazer com que minhas ordens sejam cumpridas. Se eu aparecer perante o público como Imperador Atlan, teríamos que contar nos próximos dias com revoltas e desordem por toda parte. Você sabe qual é o tamanho do Império Arcônida? Quantas inteligências estranhas e quantos descendentes de antigos colonizadores arcônidas vivem por aí? Como poderei eu, em nome deles, assinar um tratado, se eles nem sabem se eu existo? Ou você é capaz de pensar que eu, mal acabo de chegar de volta à minha pátria, já quero passar por traidor?

— Você poderia assinar o tratado em nome do regente robotizado, não é?

— Bárbaro sabido! — disse Atlan de modo brusco. Seus olhos demonstravam irritação. — Sempre foram assim e mesmo você não é melhor, quando está em jogo o bem de sua raça.

— Acho que isto não tem nada de incorreto — retrucou Rhodan.

Atlan desatou num riso sarcástico. Seu rosto foi diminuindo de tamanho e a parte superior do tronco apareceu na tela. Vestia ainda o mesmo uniforme com as insígnias de almirante da frota arcônida. Este uniforme tinha sido confeccionado na Terra, conforme seu desejo.

— Para você não tem nada de indecente, mas tem para meus conceitos. Para mim, já basta ter que continuar na situação meio clandestina em que estou. Se pudesse seguir minha consciência, ordenaria ao cérebro eletrônico que me proclamasse imediatamente o soberano legítimo. Mas eu me abstenho disto, justamente porque olho para o bem de muitos povos. Tenho que agir com muita cautela. Contente-se, pois, com a minha palavra de que a Terra não será nem traída nem atacada. Será assim tão difícil de acreditar em mim?

Rhodan pigarreou.

— Nem parecem mais palavras de um arcônida, Atlan.

— Quando um homem, durante milênios e milênios, procura ensinar boas maneiras e um pouco de ciência aos habitantes da Terra, pode acontecer que, sem querer, adote uma ou outra de suas expressões selvagens ou bárbaras — respondeu Atlan aliviado.

Rhodan cerrou os olhos. Atlan sabia ser mordaz. A leve risada do arcônida o arrancou de seus pensamentos.

— Está certo, aceito — disse hesitante. — Você não nos vai trair, nem nos atacar. Mas quem me dá a garantia de que o poder não lhe vai subir à cabeça? A Terra é perigosa, você sabe disso.

— Tão perigosa, que para vocês saírem um pouco da obscuridade, lhes é necessário andar se arrastando e se escondendo por aí. É realmente uma tática estranha.

— São apenas atitudes do instinto de autoconservação. Eu lhe venho oferecer o que vocês não possuem mais, isto é, especialistas competentíssimos para suas espaçonaves, já há muito com deficiência de tripulação. Dez milhões de soldados de ótima formação lhe podem ser fornecidos prontamente. Juntos poderemos dominar todas as insurreições, inclusive o ataque dos druufs nas proximidades da zona de descarga. Eu lhe forneço o pessoal e você entra com as naves necessárias.

— Combinado, mas sem contrato. Não posso assinar nada com um nome, que ninguém, fora você, conhece. Quando eu chegar um dia abertamente em público, você receberá seu tratado assinado. Há mais alguma coisa a tratar?

Rhodan percebeu que estava na hora de encerrar o diálogo.

— Nada mais? Então vou me retirar e você volta com sua gente para a Drusus. Você vai deixar Árcon?

— Só depois que o tratado for assinado.

— Cabeça-dura — disse Atlan. — Você não aprende nunca. Ah! Sim, ainda me lembro de uma coisa.

Rhodan olhou de novo para a tela. As últimas palavras de Atlan foram ditas bem destacadas.

— Faça esta criatura com cara de rato, que tem o nome de Gucky, compreender que, daqui para frente, tem que acabar com estas brincadeiras bobas.

— Como? — perguntou Rhodan surpreso. — Não faz meia hora que Gucky chegou de Zalit, com o pessoal que lá estava. Que aconteceu com ele?

— O malandro tentou, desde que chegou aqui, destruir, por meio de seus dons de teleportador, o envoltório de proteção do cérebro robotizado. Provavelmente este fanfarrão extraterreno é de opinião que seus dons são infinitamente superiores aos dos mutantes humanos. É claro que, ao saltar, foi preso pelo campo hexagonal transdimensional do cérebro e lançado para trás violentamente, sofrendo muito com isto. Recebi uma mensagem do alerta automático. Tome providências para que tais brincadeiras não se repitam. Acho que expus a você e aos seus, bem claramente, que o alerta automático construído por meus antepassados não tolera a entrada de seres vivos estranhos nos domínios do robô. A programação está feita e eu não posso alterá-la em nada. Será que estamos entendidos?

As últimas palavras foram duras e frias.

Rhodan notou que estava chegando aos limites da paciência de Atlan. Concordou, sem dizer uma palavra, para, instantes depois, continuar:

— Isto é um assunto que também não me agrada. Ao menos nos podiam permitir, uma vez, visitar esta maravilha da técnica.

O movimento rápido da cabeça deixou brilhar por um momento os cabelos claros de Atlan. Era como se houvesse uma advertência nos seus olhos cor de ouro.

— Perry, você é inteligente demais para compreender perfeitamente o que estou dizendo. Digo-lhe mais uma vez que não posso mudar nada na instalação de segurança do robô. Meus antepassados já sabiam por que tinham de garantir assim o insubstituível cérebro positrônico. Além disso, neste particular, não confio muito em você. Você conseguiria, por meio de uma microbomba trazida “por engano”, mandar pelos ares as instalações do grande cérebro. Conheço vocês muito bem. Primeiro vocês chegam, não fazem nada, depois se mostram dispostos a oferecer aos outros sua benévola amizade, mas somente quando esses outros não lhes parecerem mais perigosos.

“Você fica no seu canto e eu no meu. Depois de se cancelar o regente, ele se transformará num autômato inócuo, aliás, com características singulares. Mas antes de destruí-lo, teríamos de destruir primeiro você e seu sistema solar. E isso não está nos meus planos. Mas quando se pensa com uma visão galáctica, como eu realmente penso, então cinqüenta mil mundos povoados parecem muito mais importantes do que sua pequena Terra. Portanto, acautele-se de atacar nossa grande máquina. Aí, todas as minhas promessas cairiam por terra. Estamos entendidos, Perry Rhodan?

— Totalmente entendidos, obrigado.

— Pode poupar um pouco de sua ironia. Mas, me desculpe agora, tenho muito que fazer. Na zona de descarga se inicia agora um ataque monstro.

Atlan levantou a mão em cumprimento. O brilho da tela esmaeceu e atrás de Rhodan se moveram as pesadas portas corrediças de aço blindado. E a luz clara do dia iluminou a sala hexagonal.

Rhodan caminhava empertigado. As últimas palavras de Atlan o atingiram em cheio. Não havia mais dúvidas de que o almirante arcônida, apesar de sua mui longa permanência na Terra, se transformara no maior político do grande Universo galáctico.

“Manter-se prudente e tolerante”, pensava Rhodan, “e nunca haverá uma desgraça.”

Com este propósito, Rhodan penetrou na ante-sala.

Reginald Bell, braço direito de Rhodan, estava sentado no canto de um sofá de módulos. Olhou preocupado para o administrador do Império Solar.

Rhodan ficou parado ao lado dele, olhando para o relógio. Não disse nada. Quando o silêncio se tornou incômodo, Bell comentou, com uma frase mais murmurada do que falada:

— A julgar pela sua expressão, Sua Excelência não se deixou convencer, não é?

Não houve resposta de imediato. pensativo, Rhodan olhava para as portas blindadas, já novamente fechadas, da sala hexagonal de consultas.

— Era de se esperar. Os argumentos também não me convenceriam, caso eu estivesse no lugar dele. O tratado de não-agressão e de assistência mútua, puramente do ponto de vista estratégico, não tem nenhum sentido. Quem é que o poderia impedir em dado momento de mudar de idéia, apesar do papelucho assinado e tal? Chamou-me de um selvagem sabido...!

Bell começou a rir.

— É, ele nos conhece bem.

— O fato de ele nos conhecer bem é a minha grande esperança. Deve saber que estamos a seu lado. O Grande Império sob a tutela de Árcon é pobre em pessoas inteligentes e de maiores iniciativas. A degeneração do atual Império é tão profunda que não será alterada de um dia para o outro. Atlan terá de contar não com esta geração, mas com a que vier depois, iniciando um amplo programa de reeducação, que será capaz de arrancar os jovens da decadência moral, da letargia e dos passatempos idiotas e absurdos. Acho que, em sessenta anos, ele conseguirá erguer esta imensa nação. Mas, até lá, muita coisa mudará na Terra.

Bell se levantou. Ele e Rhodan eram os únicos homens aqui nesta descomunal cidade subterrânea, junto do cérebro positrônico. Nas amplas galerias, havia intenso movimento. Eram principalmente homens do planeta-colônia Zalit convocados para o serviço militar, que, aqui embaixo, aguardavam o momento de embarque.

Os dois não foram molestados por ninguém, quando em passos rápidos se dirigiam para os elevadores antigravitacionais. Mesmo os inúmeros robôs de vigilância deixavam-nos passar tranqüilamente.

— Como os tempos estão mudados — disse Bell com ironia. — Ainda há poucos dias atrás, eles nos teriam reduzido a cinza, se aparecêssemos por aqui. Acho que a fase de governo de Atlan começa muito bem.

Um oficial da força aérea zalita parou para admirar o uniforme dos terranos. Era evidente que nada entendia das insígnias de hierarquia. Assim, resolveu por prudência fazer uma saudação muito cerimoniosa.

Rhodan agradeceu. Nesta ocasião se lembrou dos dias pouco agradáveis em que foi obrigado a passar por um habitante de Zalit, tendo o cuidado de dar uma coloração avermelhada aos olhos. Era o único meio de chegar são e salvo ao planeta da força aérea e de todos os armamentos do Império.

Já bem próximos do elevador, Bell perguntou:

— Você já está mais calmo? Ou melhor, sua indignação já acabou?

Rhodan diminuiu o passo e acabou parando. Virou a cabeça lentamente. Bell mantinha um sorriso enigmático.

— O que há?

Bell olhou rapidamente para cima, onde um sol artificial seguia sua órbita fictícia. A conversa constante dos muitos zalitas enchia o ar e pesava nos ouvidos.

— Mas, o que há? — perguntou de novo Rhodan, mais alto do que pretendia.

Bell passou a mão na testa para limpar o suor.

— Faz calor demais aqui nesta caverna — disse ele, depois de pigarrear. — Está certo, eu vou falar. Perry, não podemos ficar esperando por este contrato ou tratado. Sikermann veio com notícias alarmantes. Os druufs conseguiram instalar na Terra uma base de transmissão.

Rhodan parecia perplexo, procurando palavras. Bell o tranqüilizou:

— Não se assuste. O caso já está liquidado. Os druufs foram descobertos por um ex-agente do Serviço de Segurança Solar e logo postos fora de combate. Constatou-se depois que os monstros souberam de nossas freqüências de transmissão por mero acaso. Foi por ocasião do reforço que se enviou para a base da Lua. Calcularam os efeitos 5-D e chegaram às nossas hiperfreqüências. Com isto não está dito que eles conhecem a posição galáctica da Terra. Nossa investigação provisória já constatou que, entre um vôo direto para uma base normal e um salto de transmissor superestrutural, há uma distância enorme.

Rhodan já estava mais senhor de si.

— Houve interferência dos órgãos de defesa?

— Graças a um detetive, cujo nome esqueci. Alguns traidores estavam de um canto para o outro, para proporcionar aos druufs um ponto de apoio inicial. Fundaram uma entidade chamada Companhia do Sono, unicamente para dar cobertura aos invasores. Mercant teme novas complicações.

— É só o que me faltava! — exclamou Rhodan. — Aqui as dificuldades com Atlan e em casa uma invasão. Sikermann trouxe dados mais exatos?

— Tudo que Mercant pôde averiguar.

— E quais são as conseqüências disso?

Já foram calculados os fatores de possibilidade no computador?

— Parcialmente. O tempo não deu para uma observação completa. Chegou nosso radiograma cifrado e Mercant resolveu enviar Sikermann para trazer as notícias e poder ajudar em qualquer coisa.

Bell se pôs a caminho para conseguir acompanhar o amigo que já ia a passos rápidos. Conseguiu pegar o elevador antigravitacional, pulou para o campo quase invisível. Sem peso nenhum, foram flutuando para cima.

Alcançaram a saída perto da cúpula externa, que haviam parcialmente destruído alguns dias atrás, quando, depois de uma luta desesperada, se retiravam das profundezas de Árcon. Ainda estavam ali vários robôs trabalhando para consertar o grande elevador do estaleiro.

A luz esbranquiçada do sol de Árcon os veio receber. Rhodan pulou para o vagonete deslizante, dando algumas instruções ao robô piloto.

A três quilômetros dali — ainda perto do envoltório de proteção invisível — estava parada a nave capitania da Frota Solar. A Drusus era de construção gigantesca, mas neste ambiente com mais de cinqüenta couraçados arcônidas das mesmas dimensões, ela não sobressaía.

Rhodan chegou à comporta inferior de passageiros da gigantesca esfera de 1.500 metros de diâmetro, exatamente quando, a poucos quilômetros dela, uma frota de couraçados arcônidas rumava para o espaço, num estrondo ensurdecedor. As ondas de compressão das enormes belonaves foram totalmente absorvidas pelos campos de defesa de funcionamento automático. Em Árcon III nada acontecia sem o controle planificado do grande cérebro robotizado.

Rhodan parou pensativo para olhar as naves que, em poucos segundos, tornaram-se pontos minúsculos no céu sem nuvens de Árcon. Eram aparelhos novos, recém-saídos das linhas de produção contínua. Era seu primeiro batismo de fogo.

— Se tivéssemos uma capacidade de produção assim, eu me sentiria melhor — disse Rhodan. — Onde está Sikermann?

A figura espadaúda do comandante surgiu na porta. Cumprimentou cheio de respeito.

— Nossos amigos do outro plano temporal tencionavam nos surpreender, não é verdade? Gostaria de ver logo os documentos. Como foi sua viagem? — interrogou Rhodan.

— Excelente, Sir, obrigado. Voamos em estado de alerta para o sistema Volat, mas não tivemos nenhuma dificuldade. Nossa gente, que estava esperando em Zalit, também não teve dificuldade alguma para embarcar. Depois de uma permanência de duas horas, prosseguimos viagem. Também não fomos incomodados com o círculo de proteção do sistema arcônida. Não houve nem os costumeiros aparelhos de escolta. Em seguida, fomos teleconduzidos com toda exatidão para este espaçoporto pelo regente.

— Atlan manteve a palavra — declarou peremptório Bell. — Será que nós não cometemos um erro ao desconfiarmos dele?

— É uma coisa que em pouco tempo virá à luz — observou Rhodan. — Sikermann, você acredita que os druufs não encontrarão a Terra? Você acha que estes seres inteligentes não conseguirão um contato razoável através de um transmissor? Estão num estágio de grande evolução científica. Será que nós, por exemplo, conseguiríamos, por meio de componentes supermatemáticos, atingir um ponto de referência estabilizado de quatro dimensões, apenas com um coeficiente de, no máximo, mais ou menos 0,5 por cento? Conseguiríamos?

A equipe de cientistas da nave capitania, que viera para dar boas-vindas ao mandatário supremo do sistema solar, continuava parada nos fundos da grande comporta, olhando calada para o homem de olhos castanhos.

O porte gigantesco de Sikermann encobria a porta de compressão, próxima da qual os robôs estavam parados. Era como se pretendesse impedir a entrada de pessoas estranhas.

— Sir, com toda certeza, nós haveríamos de conseguir.

Rhodan deu um sorriso convencional.

— Então os outros também o podem — disse ele em voz mais baixa. — Sikermann, prepare a Drusus para a partida. Onde estão os documentos?

— Na central de comando, Sir.

Dez minutos depois, já havia estudado todos os relatórios. Enquanto os homens fatigados pela sua missão se dirigiam a seus alojamentos e iniciavam uma conversa animada com os membros da tripulação do supercouraçado, Perry Rhodan solicitou um contato direto com o regente arcônida.

Trinta minutos depois de ter entrado na Drusus, chegou à comporta inferior da grande nave um comando robotizado, altamente armado. Simultaneamente, ouviu-se a voz de Atlan, na freqüência especial do regente.

— Alguma dificuldade, amigo? Fui informado de seu pedido. Que há de novo?

Rhodan chegou mais perto da tela do videofone.

— Sinto muito incomodá-lo novamente. Sikermann me comunicou... você se lembra de Sikermann? Baldur Sikermann?

— Naturalmente.

— Sikermann me trouxe notícias inquietadoras. Os druufs descobriram a posição da Terra.

— O quê...?

— Meu pessoal não teve o tempo necessário para estudar melhor os dados. Você pode fazer isto para mim? Gostaria de saber qual a porcentagem de probabilidade que há nisto.

Atlan percebeu logo o alcance do novo fato. Quarenta e cinco minutos após a chegada de Rhodan na Drusus, o comando robotizado estava saindo. Começava então para o supercouraçado um período de espera.

Não houve, neste meio tempo, fato de maior importância. Só agora, Rhodan teve tempo para cumprimentar seus auxiliares, que acabavam de chegar do planeta Zalit. Os mutantes contaram como foi a morte repentina do falso almirante arcônida. Gucky, cujas experiências com o misterioso campo de segurança hexagonal haviam fracassado, ainda estava desacordado na clínica de bordo.

O Capitão Hubert Gorlat, que até então nutria esperança de penetrar na campânula energética do grande cérebro, usando o transmissor fictício, acabou desistindo de propor a Rhodan seus planos a respeito. Desiludido, deu ordem à equipe responsável pelo aparelho, para desarmá-lo.

Gorlat estava agora mais do que convencido de que seria um erro grave causar aborrecimentos a um aliado. A maneira de agir de Atlan estava até então corretíssima. Árcon abria os braços para os terranos.

O Major Art Rosberg, o maior especialista em transmissor fictício do Império Solar, estava debruçado sobre os documentos do Serviço Secreto. Os originais de Mercant já estavam há muito em mãos de Atlan.

— O que foi que colocou os druufs em nossas pegadas? — perguntou Rosberg meio confuso. — Será que o pessoal da defesa ficou maluco?

O biólogo Costara mostrou-se meio desanimado.

— Não sei bem o que pensar a respeito. Confesso que a mim interessa muito mais a conservação bioquímica desta gente de Druufon.

Rosberg passou as duas mãos por entre os cabelos grisalhos. Irritado, empurrou para o lado o catatau de documentos, a fim de olhar somente os desenhos e fotografias anexados. Mas não precisou de muito tempo para perceber que não poderia fazer nada com aquilo. Os dados principais não estavam completos.

— O senhor deveria assistir a equipe dos matemáticos — aconselhou o biólogo. — Acho que a metade da tripulação deveria estar no departamento de cálculos, embora não creia que, com os parcos recursos de que dispomos, possamos ter um resultado definitivo.

— A quem você está dizendo isto? — interrompeu-o o Major Rosberg, com seu jeito rude. — Se dependesse de mim, já estaríamos bem próximos da primeira transição. Quanta coisa pode estar acontecendo em nossa pátria, se realmente estes monstros resolveram chegar até lá!? Você já chegou a ver pessoalmente as gigantescas frotas dos druufs? Já esteve alguma vez na assim chamada zona de descarga?

Fez uma pausa, depois prosseguiu:

— Primeiramente, as quarenta mil naves pesadas dos druufs devem ter tentado romper a linha de bloqueio dos arcônidas. Se formos atacados com esta avalanche descomunal, nossos poucos supercouraçados serão destroçados em alguns instantes.

Rosberg pôs o boné de serviço e caminhou pesadamente para a porta. O Dr. Miguel Costara olhou pensativo para ele. Sentia ecoar em sua cabeça o que dissera há pouco tempo seu colega Rosberg.

“A Pátria”, pensava o cientista, “a Pátria!”

Já estava sentindo o cheiro suave das florestas de pinheiros, ouvindo o suave sussurro dos regatos cristalinos. Tanta coisa bonita havia em sua Pátria.... na verdadeira Terra.

 

— ...mando em quinze minutos a interpretação escrita aí para a Drusus — soou a voz firme de Atlan nos alto-falantes. — Aqui está o resultado, que você poderá ir estudando desde já.

— Como é ele, bom ou ruim? — perguntou Rhodan.

— Ruim para a Terra e, com isso, também ruim para todas as raças humanóides das Galáxias. Ninguém deseja a aproximação destes completamente estranhos descendentes de insetos, que devem ter espaço suficiente para viver em seu Universo. O computador declara, com noventa e nove por cento de probabilidade, que o descobrimento da Terra está iminente. Examinei bem os resultados da pesquisa do grande cérebro. O material é novo, proveniente das últimas batalhas e refregas da defesa. Portanto, de plena garantia.

“O cérebro partiu das constatações objetivas que os comandos arcônidas realizaram com suas equipes de pesquisadores especializados a bordo das naves druufs conquistadas. Daí se depreende que a ciência destes seres inteligentes, mormente sua matemática, está tão desenvolvida que podem tirar as necessárias conclusões, através das transmissões já realizadas na Terra. Não há mais dúvida de que acharão a Terra assim que tentarem. Outras coisas mais não lhe posso dizer.

Rhodan ficou olhando por muito tempo para a tela. Atlan esperava com paciência. Sabia o que ia no íntimo do amigo.

— Que pretende fazer, Perry?

Rhodan estremeceu em seus sonhos. Deu um sorriso incerto.

— Voar para casa e ficar atento. Não vejo outra alternativa no momento. O cérebro positrônico dá ainda alguma informação sobre como os druufs pretendem realizar a invasão do espaço de Einstein?

— Este é o fator desconhecido que o robô assinalou apenas com um por cento de probabilidade. Não fosse isso, os cálculos estariam perfeitos. O que eu puder fazer para manter firme a frota de bloqueio, será feito. É o que posso prometer à Terra.

Rhodan fez apenas um gesto com a cabeça. Palavras seriam supérfluas.

— Talvez o plano dos druufs jamais se concretize — disse o arcônida tranqüilizando. — Ainda é problemática a existência de um tal plano. Acho que você devia entrar em contato com seus agentes no Universo dos druufs. Este... este...

— Ernst Ellert — acudiu Rhodan.

— Exato, Ernst Ellert! Pode ser que ele saiba de coisas importantes.

Novamente Rhodan fez um aceno com a cabeça.

Neste momento, chegou o comando robotizado com a interpretação escrita dos documentos. A comunicação foi feita diretamente do oficial de vigilância para a sala de comando.

— Seus enviados estão aqui. Muito obrigado, amigo — Rhodan estava exausto. — Vou partir agora. Não se esqueça de nós. A temporada que passamos juntos foi muito agradável, embora um dia, você esteve convencido da necessidade de me eliminar.

Atlan sorriu de leve.

— Perry, tenho um pedido para lhe fazer. Em Vênus, vive uma moça que se chama Marlis Gentner. Ajudou-me muito, quando os seus especialistas estavam atrás de mim. Quer dar a ela um grande abraço em meu nome? Diga-lhe que eu nunca me esqueci dela, mas que, por motivos de sua louca caçada, não tive tempo de visitá-la aí em Vênus. Você se recorda da jovem estudante de cosmobiologia, de cabelos pretos, com um sentimento pronunciado de justiça?

O sorriso de Rhodan ganhou em calor.

— Não haverei de esquecer. Ela já deve estar com o diploma de doutorado nas mãos. Devo-lhe transmitir o abraço, mesmo se ela já estiver casada?

Atlan hesitou um pouco antes de responder:

— Sim, mesmo neste caso. Passe bem, meu amigo. Não esqueça que, atrás do regente de Árcon, está Atlan, da dinastia dos Gonozal e não esqueça também que a raça humana tem nas veias uma gota de sangue arcônida. Quando eu, há dez mil anos atrás, cheguei à Terra, houve muitos casamentos entre meus homens e as mulheres nativas daquela região. Inkar, comandante do couraçado Paito, é um nome que nunca foi esquecido na América do Sul. Seu filho se tornou o primeiro inca, o primeiro rei-deus sob o signo do Sol de minha veneranda família. Bárbaro, desejo-lhe boa viagem.

A Drusus decolou sob a escolta de dez cruzadores rápidos da Frota Imperial. Nos confins do sistema arcônida, os dez cruzadores fizeram uma meia-volta e o gigante terrano se preparou para a primeira transição. Atlan não se apresentou mais.

O ambiente a bordo era de tristeza.

Descobriram, de repente, que estavam deixando para trás um grande amigo.

 

Coube ao Major Untcher, chefe do Quarto Grupo de Caças Espaciais, no 16o Distrito dos Caças Espaciais, o privilégio de ser o primeiro a captar os sinais energéticos. Seu grupo se compunha do cruzador leve Áustria e de 27 pequenas espaçonaves de formato lenticular, do tipo ultra-rápido space-jet. O cruzador Áustria era também a nave capitania do Quarto Grupo de Caças Espaciais.

Untcher havia recebido do responsável pelo almoxarifado a quota de 32 litros de água fresca para sua ducha. Quando estava sob o jato relativamente fraco do chuveiro, veio o sinal de alarme da central de radiogoniometria.

Uma tela panorâmica se acendeu. Viu-se o rosto do oficial telegrafista de serviço. Neste momento, o Grupo de Segurança e todas as suas unidades achavam-se a 102 horas-luz além da órbita de Plutão, no espaço interestelar. Por razões de camuflagem, este trecho estava sendo percorrido à velocidade da luz. A partir do alarme de prontidão bélica dentro do sistema solar, era ordem expressa se abster de qualquer transição que não fosse absolutamente indispensável.

O Major Untcher, um homem de boa estatura, porém de rosto precocemente envelhecido, fechou a torneira do chuveiro resmungando. O relógio registrava um consumo de apenas 23 litros de água, até então.

— Não se tem sossego nem para tomar banho — gritou Untcher na direção dos microfones. — Provavelmente estão me vendo também, neste estado, na tela deles.

— Perfeitamente, major — confirmou o primeiro-tenente completamente indiferente ao fato. — Peço-lhe desculpas. Acabamos de descobrir na constelação Auriga, ou como o povo diz, do Cocheiro, nas proximidades do gigantesco sol Capela, um foco energético muito esquisito. Na tela panorâmica ainda não se distingue nada, em compensação, os rastreadores estruturais estão em plena atividade.

Untcher não quis saber de perder tempo com mais comentários. De um só pulo, entrou no jato quente do secador e apanhou suas roupas.

Dez minutos depois, Untcher estava entrando na central do cruzador. Podia-se ver nas telas os pontos esverdeados dos 27 aparelhos menores. A distância média entre as diversas naves era de apenas cinco milhões de quilômetros, estando bem no centro da linha de reconhecimento a imponente Áustria.

Na cabina de goniometria, bem perto da radiotelegrafia, parecia que um vulcão havia entrado em erupção. O barulho dos dois rastreadores estruturais, que se achavam medindo um deslocamento de um contínuo quadridimensional, superava tudo. Estava, porém, claro que não se tratava da captação de uma onda de superchoques. Os abalos energéticos, provocados pelas transições das supernaves, eram completamente diferentes.

Untcher ouvia, meio atônito, ao trovão ininterrupto. O aparelho automático de interpretação já havia constatado a origem de todo aquele estrondo esquisito. Nas proximidades do grande sol Capela, a mais ou menos 42 anos-luz de distância, formava-se algo que nem Untcher, nem os mais qualificados radiorastreadores eram capazes de explicar. Até que o Primeiro-Tenente Fynkus teve uma idéia diferente.

— Está parecendo, major, como se estivéssemos bem perto da zona de descarga, no setor do sistema Mirta — disse ele, pensativo.

— Ah! Não diga bobagem. A zona de descarga está a mais de seis mil e quinhentos anos-luz.

— Isto não quer dizer nada, pois eu conheço bem este barulho, major. Estive muito tempo por lá. Há alguma coisa errada no setor da constelação Auriga. Olhe bem este dentilhado esquisito. É muito característico da região de superposição. O negócio parece que está se estabilizando. O senhor se lembra dos resultados do rastreamento durante o último ataque dos druufs?

Untcher tinha consciência suficiente para respeitar a opinião do experimentado oficial. O barulho ensurdecedor dos rastreadores estruturais continuava o mesmo. Fynkus foi para o rastreador de matéria. O sargento que lá estava apenas meneou a cabeça. Fynkus fez o mesmo.

— Corpos estranhos ainda não se manifestaram, senhor — constatou ele com objetividade. — O fenômeno energético, porém, continua inalterado.

Untcher parecia indeciso. O acaso lhe havia colocado nos ombros um fardo de responsabilidade.

Podia... ou devia se comunicar pelo rádio?

A situação em Plutão era favorável. Mas para se poder operar com ondas normais, a distância não era boa. Com toda certeza, os demais aparelhos do Grupo de Caça Espacial 16 teriam constatado o mesmo fenômeno.

E por que então o chefe ainda não se havia manifestado? Seria tão perigoso assim, apesar de poderem se utilizar dos raios direcionais rigorosamente concentrados, entrarem em contato com uma espaçonave voando fora do sistema solar? Se fosse assim, era sinal de que os matemáticos da nave capitania da frota tinham chegado às mesmas conclusões que o Primeiro-Tenente Fynkus.

“O que o Major Untcher está esperando de mim?”, pensou, indagando-se.

Apesar das pequenas dimensões da cabina de rastreamentos, Untcher caminhava nervoso de um lado para outro. Estava numa situação desesperadora.

O que poderia fazer apenas com suas pequenas espaçonaves?

Esperar, no espaço vazio, a 102 horas-luz da órbita de Plutão? Caso a situação ficasse difícil, não poderia fazer muita coisa.

Em compensação, os 27 space-jets e o veloz cruzador Áustria, numa ação conjunta, podiam fazer muita coisa.

Além de tudo, se não voltasse imediatamente, correria o risco de ser descoberto por espaçonaves estrangeiras que aparecessem. No espaço, não dispunha da cortina de camuflagem do sistema solar, percorrido por milhões e milhões de linhas de força magnética, cuja massa planetária fornecia ainda uma proteção extra contra a possibilidade de serem rastreados.

Depois de três minutos de muita concentração, Untcher tomou uma decisão.

— Radiograma para todos os jatos, mas através de ondas simples, não acima da velocidade da luz — ordenou ele. — Dissolver a linha de vigilância. Iniciar o vôo de regresso sob o comando do grupo. Iremos nos reunir nas proximidades de Plutão. Proibido o hiper-rádio. Velocidade máxima durante a viagem: cem quilômetros por segundo. Perigo de sermos rastreados no setor Capela. Ligar o aparelho de absorção de freqüências no máximo.

O gravador automático havia registrado as palavras ditadas. O Primeiro-Tenente Fynkus olhava para o chefe do grupo, querendo perguntar alguma coisa.

— É tudo — declarou Untcher. — As ondas extras já há muito estão a caminho. Seguiremos somente a rota da Terra, depois que o último aparelho sair comprovadamente de nossas telas de ultra-som.

Untcher levou a mão para a ponta do boné, que ensombreava um pouco seu rosto cheio de rugas. Ao passar pela eclusa de segurança, teve de encolher as pernas e nenhum dos homens da tripulação se atreveu a rir.

Os rastreadores estruturais continuavam roncando, como antes. O fenômeno, que se formara a uma distância de quarenta e dois anos-luz, não podia deixar ninguém tranqüilo.

Fynkus transmitiu a ordem, que, daqui a dezessete segundos, alcançaria os space-jets mais próximos. Mais difíceis seriam os aparelhos de asas.

No momento de maior aceleração, o maquinismo de propulsão da Áustria estremeceu por uns instantes.

— Se os tripulantes dos jatos forem espertos, já terão notado alguma coisa diferente no ar — balbuciou Fynkus.

— O ar faz bem... — disse um radiotelegrafista para seu colega.

 

— Graças a Deus! — exclamou o Coronel Poskanow, aliviado. — Untcher acabou compreendendo. Suas naves já estão em movimento. E elas vêm separadas. Isto é muito bom. Foi muito inteligente, pois absteve-se de uma transição. Está tudo bem. Deve ter chegado à conclusão de que, por lá, estaria muito mais exposto e nada conseguiria.

Poskanow se levantou. Ainda há poucos instantes, sentia-se apreensivo, dando a impressão de querer atravessar a tela panorâmica com seus olhos. Com um leve movimento da mão, enxugou as gotas de suor da testa. Depois se concentrou de novo nos rastreadores estruturais da Osage.

O que o Major Untcher não podia ver, foi facilmente reconhecido pelos instrumentos especiais na gigantesca nave.

A típica freqüência estrutural de um também típico funil de descarga deixou ver na tela seus claros contornos. Parecia como se um gigante invisível tivesse perdido no meio do espaço interestelar uma flor muito longa com uma corola imensa. Fossem como fossem os contornos, não havia dúvida de que se tratava de uma fenda de superposição, surgida de repente, através da qual se realizava uma violenta permuta energética entre o campo magnético do Universo de Einstein e o do plano druuf.

De respiração presa, Poskanow observava como a curvatura superior se adensava cada vez mais. Ele tivera oportunidade de conhecer in loco, durante muitos meses, a grande zona de descarga, de origem natural, nas redondezas do sistema Mirta. Assim ninguém lhe precisaria dizer que as ordens do comandante da frota, a respeito do arcônida Atlan, já estavam superadas.

Este fenômeno não tinha nada a ver nem com o regente de Árcon, nem com o Grande Império. A equipe científica da Osage não estava dormindo, e os primeiros resultados de suas pesquisas foram apresentados ao chefe do grupo. Ao reconhecer que estava simplesmente diante de um funil de descarga, e não diante de espaçonaves estranhas, Poskanow resolveu enviar um radiograma elucidativo ao comando supremo da frota.

Ainda havia tempo de serem tomadas certas medidas de precaução. Se as belonaves estranhas, esperadas por Poskanow, já estivessem realmente atravessando a região de superposição, seria então tarde demais para um rádio às muitas naves em movimento na Via Láctea.

Três minutos depois da emissão de sua longa mensagem, os aperfeiçoados rastreadores da Osage já haviam registrado um leve abalo estrutural. A avaliação automática indicava que a nave, que acabara de fazer sua transição, devia ser de origem Terrana.

A transição, que somente poderia ser percebida com instrumentos especialíssimos, indicava também com toda clareza que a nave, que havia feito o salto espacial, o fizera sob a proteção de um aparelho de absorção de freqüências. A série de choques, obrigatoriamente inerentes à transição, era amortecida pelos compensadores estruturais. As vibrações destes últimos aparelhos eram, por sua vez, desviadas para grandes amortecedores. Tornava-se praticamente impossível perceber a presença de uma espaçonave que voasse com estes dispositivos avançados, ou mesmo calcular o local onde estava. Somente os cruzadores dos grupos de caça solares possuíam rastreadores tão perfeitos assim. Chegavam ao ponto de poder determinar se a nave era amiga ou inimiga. Era a segunda vez nesta mesma semana que o couraçado de Poskanow sofria um violento estremecimento.

Quando as telas do vídeo começaram a funcionar com mais clareza, desenharam-se os contornos da imponente Drusus!

Ao reconhecer a nau capitania da Frota Terrana, o Primeiro-Tenente Hauer, da Osage, ficou tranqüilo. A Drusus entrava com uma velocidade fantástica no sistema solar, em cujos limites externos ela se rematerializou.

Segundos mais tarde, realizou-se o que Poskanow havia considerado natural. Espaçonaves do tipo da Drusus possuíam um sistema de rastreamento tal, que nada lhes podia escapar. Antes mesmo que o chefe do Grupo de Caça Espacial 16 tivesse oportunidade de chamar o supercouraçado, os dois receptores da Osage estavam funcionando.

Na grande tela surgiu o rosto de Rhodan. Os traços largos, que prejudicavam a nitidez da imagem, eram um sinal evidente de que a Drusus estava trabalhando com o mínimo possível de energia. Rhodan, portanto, já devia saber o que havia acontecido nas vizinhanças da Terra.

— Rhodan para o supercouraçado: — Quem são vocês?

— Supercouraçado Osage, Grupo de Caças Espaciais dezesseis, falando Coronel Poskanow.

— Ah! Poskanow, prazer — disse Rhodan. — Suponho que você foi transferido pelo Marechal Freyt para o extremo setor de defesa, não é?

— Exatamente, Sir, pouco antes da partida da Drusus. O senhor foi informado de que se formou um funil de descarga no setor de Capela?

— Sim, nós o percebemos antes de iniciarmos a última transição. O quartel-general foi posto a par disto?

— Há exatamente dez minutos, Sir. Eu consegui me arriscar a isto, já que, além do fenômeno, nada mais se manifestou até agora. Meu grupo de jatos mais avançados, sob o comando do Major Untcher, está voltando em vôo normal. Por aqui está tudo em ordem.

— Muito bem. Você será colocado imediatamente sob as ordens do General Deringhouse. Sua base será em Plutão. Caso os estaleiros de lá e os depósitos de suprimento forem atacados ou mesmo destruídos, recue, conforme o Plano Columbus, para situações catastróficas, para a órbita de Saturno, onde a frota do setor central deverá se reunir sob meu comando. Aguarde novas instruções e envie pequeno impulso, se surgirem naves estranhas do funil de descarga.

A imagem na tela ia ficando cada vez pior, à medida que a Drusus, mais veloz que a luz, se afastava.

O Coronel Poskanow estava aterrorizado. Plano Columbus para catástrofe? A posição galáctica da Terra havia sido descoberta por povos estranhos!

Afobadamente, sua voz voltou aos microfones:

— Sir, devemos esperar por um ataque arcônida?

— Que loucura! Atlan está do nosso lado. O que você está vendo foi provocado pelos druufs. Prepare-se para ser inundado, no verdadeiro sentido da palavra, por belonaves de todos os tipos. Nossa única chance está em não chamarmos a atenção desta gente. O fenômeno do funil nas imediações do sol Capela prova que mesmo os matemáticos dos druufs podem se enganar. Cometeram um engano de cálculo de, pelo menos, cerca de quarenta e dois anos-luz. A partir de agora não se deve mais usar abertamente o rádio. Se tiver que mandar alguma mensagem, só com potência bem reduzida e com grande concentração de ondas.

Antes que o rosto de Rhodan desaparecesse totalmente, Poskanow reparou que o primeiro mandatário do Império Solar estava com um sorriso amargo. Segundos depois, a ligação foi interrompida.

Embora Poskanow tivesse pedido aos operadores de rádio que redobrassem sua vigilância, não conseguiram captar as mensagens do supercouraçado, que certamente eram transmitidas em rápida sucessão. Isto provava que a técnica de concentrar as ondas transmitidas impedia-as de serem descobertas. Um rastreamento só seria possível se, por um infeliz acaso, uma espaçonave estrangeira entrasse na mesma faixa de onda. Poskanow estava resolvido a tomar todas as medidas de segurança. As Galáxias eram um espaço muito grande e 42 anos-luz também significavam alguma coisa. Com um pouco de sorte e de inteligência, podiam passar sem serem descobertos.

Poskanow sentiu um calafrio ao pensar na frota gigantesca dos druufs, os descendentes de insetos. Perto da frente de bloqueio, tinha presenciado pessoalmente como e com que fúria eles atacavam.

— Tudo, menos isto — balbuciou e, em voz alta, prosseguiu: — Hauer, informe os comandantes das diversas naves das recomendações de Rhodan. Mas preste muita atenção para que nenhum impulso lhe escape dos raios direcionais.

O oficial-ajudante olhou para os armários, onde estavam dependurados os uniformes espaciais. Poskanow compreendeu.

— Ainda não — determinou ele. — Ainda temos algum tempo, vamos dizer, uns momentos de descanso. Vou...

Uma mensagem da central de rádio interrompeu o chefe do grupo. Os alto-falantes chamavam.

— Diversas mensagens chegam da Terra — disse o responsável pelo rádio. — Mais de quarenta delas, até o momento. Os rastreadores mostram que se destinam a todos os setores. As espaçonaves que se encontram fora do sistema solar recebem ordem de não decolarem e de não usarem o rádio. O tráfego comercial fica totalmente cancelado. Os cruzadores de vigilância da frota externa recebem ordens especiais. Há um intenso movimento, major. Puxa vida! O quartel-general age rápido e com determinação.

Poskanow preferiu ficar calado. Seus traços fisionômicos indicavam a seriedade do momento. A tela se apagou. Depois de transmitida toda a mensagem aos comandantes das unidades e confirmada sua recepção, o chefe do grupo de caças ficou mais tranqüilo. Tinha a consciência de que se fizera tudo que era humanamente possível.

Esta constatação elevou o moral de Poskanow. O coronel sentou-se à sua mesa de comando e entrou em contato com o comandante da Osage. O Primeiro-Tenente Hauer não tinha mãos a medir, para responder com precisão, conforme a ordem de serviço, às mensagens decifradas sobre assuntos estratégicos, que chegavam sem cessar. O coronel esperou uns instantes, até que Hauer, cansado, se recostou na poltrona. Atrás deles roncavam os pesados rastreadores estruturais do couraçado. O ruído estava mais uniforme, sinal de que o conhecido funil de descarga se estabilizava cada vez mais. Talvez já estaria se realizando mesmo uma troca de energia entre os dois universos.

— Estou contente por Rhodan já estar em casa — disse Poskanow, em voz baixa. — Isto vai ajudar a elevar o moral da frota e apressar a tomada de importantes medidas de defesa. Hauer, tenho o pressentimento de que estamos às vésperas de uma guerra cósmica. Tudo que fizemos até agora, não foi nada em comparação com o que está para vir. Até hoje, todos os empreendimentos e ações de comando não passaram relativamente de escaramuças, sem a menor importância.

O comandante assoou o nariz estrepitosamente, dobrando depois com cuidado o lenço antiquado, enfiando-o no bolso interno do casaco do uniforme. Poskanow parecia mais feliz. Hauer era um oficial formidável, só que, de vez em quando, parecia um pouco cerimonioso. Mas isto desaparecia tão logo ele tivesse de tomar decisões importantes para sua nave. Nestes momentos então, sua reação era fulminante e precisa.

— Senhor — disse ele, finalmente — não terei nenhum prazer em dar ordem de abrir fogo, mas, se for necessário, não hesitarei um segundo.

Poskanow percebeu que, com estas palavras, estava expresso o pensamento de todos os homens das naves terranas. Esboçava-se, nos confins do espaço interestelar, uma ameaça de morte e de extermínio da Humanidade. Seres estranhos, que não pertenciam às raças humanóides, achavam-se em vias de atacar o espaço vital de outros povos.

No seu íntimo, Poskanow estava em perfeito e sereno equilíbrio, pensando, com toda razão, que iria agir somente numa batalha inevitável e num caso de legítima defesa. Fazia-lhe muito bem deixar bem claros na cabeça estes pensamentos.

— Ninguém quer a guerra, ninguém se alegra com ela. Por que então ela aparece? — perguntou a si mesmo. — Não tenho nenhum prazer em atirar em outras inteligências. E, Deus me perdoe, mas possuímos uma infinidade de instrumentos de destruição. Será que aqueles seres a quem chamamos de druufs sabem disso?

— Eles sabem disso, senhor — respondeu Hauer, calmo. Suas mãos espalmadas se agarraram no espaldar da poltrona, parecendo querer evitar uma queda. — Eles sabem disso — repetiu. E seus olhos não se desgarravam das telas da grande galeria.

Bilhões de estrelas da Via Láctea refulgiam como sempre. Jamais o espaço parecera mais vazio e tranqüilo do que naqueles momentos.

 

O encontro decisivo entre os oficiais da Frota e os da Defesa Solar, para discussão da situação, teve lugar em meados de maio de 2.044, no profundo abrigo antiaéreo do quartel-general do Comando Supremo. As gigantescas instalações subterrâneas foram construídas expressamente para que, no caso Columbus, pudessem proporcionar o máximo em medidas de segurança.

Os centros de comando, com suas enormes instalações automatizadas e caríssimas, obra de muitos decênios de sérios trabalhos, formavam a célula central do Império Solar, do qual o Almirante Atlan dizia ironicamente não ser mais do que “uma caverna de trogloditas”, em comparação com os elevados padrões arcônidas.

Mas Perry Rhodan e outros homens de importância da Terra tinham uma outra opinião...

Os planos, já há muito tempo preparados pelos melhores cientistas e estrategistas da Terra, constantemente renovados e atualizados com a ciência e a tecnologia mais avançada do momento, foram novamente avaliados no curto espaço de duas horas.

Se não tivesse havido esta previsão miraculosa de conservar o plano Columbus sempre atualizado, com a máxima noção de responsabilidade, mesmo nos menores e aparentemente supérfluos detalhes, o tão jovem Império Solar estaria agora diante do mais completo caos.

Assim que Rhodan chegou, entraram em vigor as normas de emergência. Computadores especiais transmitiam os impulsos, programados há muitos anos, para as gigantescas instalações industriais da Terra, todas automatizadas. A produção normal, feita durante o tempo de paz, iria terminar dentro de trinta minutos. Novos dados para produção maciça e em série foram transmitidos aos técnicos e diretores responsáveis.

Os grandes parques industriais da Terra, planejados para esta eventualidade, se adaptaram prontamente à nova situação. A matéria-prima acumulada há muito tempo, reservada exclusivamente para esta emergência, foi retirada dos grandes silos e transportada para os pátios das fábricas.

Ninguém nas três Américas, na Europa, na Ásia ou na Austrália e nas regiões povoadas dos Pólos, precisava nesta hora vital de um plano ou de instruções especiais. Todos estavam, há muito, cientes de suas ações.

O denodado trabalho dos últimos decênios agora começava a aparecer. Tudo corria harmoniosamente dentro dos planos já traçados; corria como que lubrificado pelo óleo de uma racionalização previdente e de uma Humanidade educada para a cooperação.

O Ministério do Planejamento em Terrânia teve muito pouco trabalho em responder a algumas perguntas. Cada qual sabia o que devia fazer.

A convocação dos reservistas da Força Espacial foi feita em pouco tempo. Os grandes transportes das linhas aéreas terranas conduziam as tripulações para os conhecidos espaçoportos.

Em tempo algum da História da Humanidade se viu coisa semelhante. Uma organização perfeita. A base da Lua começou a trabalhar a todo vapor. Principalmente os aparelhos menores e rápidos dos tipos de caça, destróieres, gazelas e space-jets, passavam pelas instalações de controle.

A Terra estava bem armada — bem armada mesmo — em unidades pequenas e médias. Neste particular, não estava muito atrás do Império Arcônida, apenas a Terra não conseguia ainda fabricar assim em série os grandes cruzadores. A construção de um couraçado de 500 metros de diâmetro levava anos. E um supercouraçado tipo Império, apesar de toda racionalização e automatização, demorava, no mínimo, 12 anos. Com as instalações gigantescas de Árcon, um aparelho destes poderia ser feito em 5 meses.

Rhodan, que estava a par da produção terrana, conhecia bem as limitações de sua grande Terra. Sabia dos recursos de que podia dispor. Os pequenos e rápidos aparelhos podiam causar muito prejuízo aos inimigos, mas não iriam decidir uma guerra. Faltavam a estas pequenas naves os armamentos pesados e superpesados, que só podiam ser instalados nos gigantes do espaço. Faltavam à Terra principalmente as grandes espaçonaves de transporte, sem as quais seria impossível levar centenas e centenas de caças e rápidos destróieres, de uma só vez, de curto raio de ação, para os longínquos teatros de guerra no espaço.

Os novos cruzadores de 100 metros não tinham grande poder de ataque. A Terra nunca esteve interessada em atacar outros povos ou em subjugá-los. Daí a razão por que as naves construídas até então estavam insuficientemente preparadas para a atual emergência. Os novos cruzadores de 100 metros eram naves de reconhecimento, destinadas a grandes velocidades para operações de sondagens.

Foram estes os assuntos tratados na grande reunião da segurança terrana. Ninguém sobreestimava a força da Terra e ninguém pretendia que os habitantes da Terra fossem os mais aguerridos de todo o Universo.

Dentro destas condições, chegou-se a um plano de defesa muito meticuloso e cheio de responsabilidade para os terranos. Todas as unidades disponíveis da frota foram distribuídas, os respectivos comandantes, determinados. E todas as outras naves que estavam fora do sistema solar foram chamadas de volta.

Não havia dúvida de que o aparecimento de um funil de descarga druuf tinha colocado a Terra, de repente, numa situação desagradável. Rhodan não se aventurou a mudar o estado de coisas com golpes de surpresa ou pela intervenção dos mutantes. Qualquer passo impensado poderia provocar uma catástrofe.

A população dos planetas habitados recebia informações da Terra através da televisão. Abriram-se as portas blindadas do abrigo subterrâneo e as esteiras rolantes do abastecimento começaram a funcionar. Gêneros alimentícios armazenados e bens de consumo de toda espécie foram levados para os abrigos antiatômicos.

O trânsito nas grandes cidades da Terra quase que parou!

Cinco horas depois da chegada de Rhodan ao espaçoporto de Terrânia, o planeta parecia uma fortaleza abandonada. A partir daí, toda a vida humana se concentrava apenas nos subterrâneos. Somente aqueles que tinham obrigações indispensáveis, tinham autorização para permanecerem fora.

Milhares de caças, destróieres e pequenos discos voadores cortavam os céus em todos os sentidos. Os grupos mais pesados da Frota Terrana estavam assumindo as posições já bem calculadas.

Isto tudo aconteceu antes que a primeira espaçonave druuf cruzasse a fenda cintilante do funil de descarga.

 

Os relógios eletrônicos no Comando Supremo da Frota marcavam onze horas da noite. A conferência ainda não terminara. As primeiras avaliações sobre a natureza dos fenômenos da região de descarga já estavam prontas.

Crest, o velho arcônida, pediu para falar com Rhodan. Os resultados, apresentados de forma objetiva, mas de qualquer maneira assustadora, davam o que a pobre Humanidade ainda tinha que esperar.

Além das questões com a defesa, surgiu um problema que o cientista Crest descreveu assim:

— Com os meios que nos estão à disposição, não pode ser constatado se a existência de um funil de descarga, que permanece estável, é algo intencional ou casual. A experiência demonstra que tais formações energéticas têm uma duração relativamente curta, caso sejam conseqüência de superposição natural. Já que, há oito horas e num crescendo contínuo e uniforme, a zona descoberta por nós liga os dois planos temporais, pode-se admitir que os druufs conseguiram, com uma base artificial, criar a transição. Aponto aqui para o jogo de espelhos, por nós inventado e utilizado, que possibilita igualmente a entrada para outros tipos de espaços. Temos de admitir que os druufs também puderam chegar a uma descoberta semelhante ou melhor. No interesse da defesa, é conveniente que aceitemos como real a existência desse invento perigoso.

Também eram estas as idéias que os mais eminentes matemáticos da Terra conseguiram depreender.

A partir de então, diante da possibilidade do aparecimento de outras zonas de descarga, o estado-maior do Império Solar resolveu tomar todas as providências. Foi Reginald Bell quem resumiu em poucas palavras os fatos inquietadores:

— De um só funil de descarga ainda podemos dar conta, mas mais de um, não. Pois se tivermos que lutar em várias frentes de combate, seremos obrigados a dividir nossas forças. Isto significaria a derrota da Terra. Como seria uma grande loucura confiarmos no acaso, solicito o envio imediato do já previsto e preparado radiograma urgentíssimo de calamidade, destinado a Atlan.

Marechal Freyt ficou perplexo. Allan D. Mercant não deixou transparecer nenhuma emoção maior. Rhodan cruzou os braços nas costas e caminhou, ao longo da enorme parede da tela panorâmica. Depois de alguns minutos, parou de novo diante da mesa dos mapas.

— Radiograma para Atlan? Muito bem, mas só em último caso. Para Atlan nos poder ajudar, terá que nos mandar seus grandes aparelhos. Isto quer dizer que ele estará obrigado a tornar pública a posição da Terra, ou então suas naves jamais chegarão até aqui. A partir deste momento, o caminho para a Terra estaria franqueado a todos os seres inteligentes da Via Láctea. Acabaria assim nosso longo e necessário jogo de esconder.

— Chegará o dia em que teremos que botar as cartas na mesa — interveio Mercant.

— Não há dúvida, chegará este dia. Tenho, porém, a intenção de continuar “escondendo” o tempo que nos for possível. Estamos ainda demasiadamente fracos para agüentar abertamente o jogo com os povos galácticos, meu amigo Mercant — Rhodan fez uma pausa proposital. — Mercant, temos de tentar botar por água abaixo os planos dos druufs, com os meios que estão ao nosso alcance. Mande-me, por favor, John Marshall.

O chefe da defesa tinha lá suas dúvidas. Acreditava que os mutantes não teriam nenhuma chance num caso destes.

Quando ele se levantou, ocorreu o que todos aguardavam já há várias horas. Uma das telas se acendeu, surgindo bem reconhecível o rosto do Major Abucot.

— Central de Rádio da Defesa — identificou-se ele. — Sir, acabamos de decifrar uma curta mensagem da frota de vanguarda. No mencionado funil de descarga, estão aparecendo as primeiras espaçonaves. O Major Poskanow já conseguiu avistar vários corpos estranhos. Chegam cada vez mais. De acordo com os cálculos dos nossos instrumentos de medição, nenhum deles tem menos de duzentos metros. Estamos, portanto, diante de grandes unidades.

Marechal Freyt passou o dedo nervoso entre o colarinho e o pescoço. Reginald Bell tinha um sorriso amargo.

— Obrigado — interrompeu a voz de Rhodan o pesado silêncio. — Chame-me assim que tiver outras notícias. Mas não por causa de uma única nave. Agrupe-as, vamos dizer, em lotes de cem.

Abucot desligou. Havia compreendido a intenção de Rhodan.

— Sua idéia é boa — disse Bell irônico. — De cem para cima, não é? Quantos encouraçados druufs você está esperando?

— Conforme as experiências na frente do bloqueio arcônida, o primeiro ataque será feito com cinco mil aparelhos. Se forem rechaçados, voltarão depois com dez mil.

Marechal Freyt procurou uma cadeira. Rhodan recomeçou seu vaivém ao longo da parede das grandes telas, dizendo para si mesmo:

— Tudo vai depender se eles vão ou não vão nos achar. Acho que estão tomando o sistema Capela como se fosse o nosso sistema solar. Vamos deixá-los nesta crença. Mercant, traga-me finalmente John Marshall e me prepare uma missão especial para os mutantes. Tenho um bom plano.

O chefe da defesa retirou-se. Antes que entrasse no elevador, Rhodan ainda lhe disse:

— Nossa base em Hades ainda não se manifestou?

Mercant abanou a cabeça.

— Não. O cruzador ligeiro Nippon está, porém, diante da frente de bloqueio arcônida. A ligação com Hades continua normal. Estou aguardando informações a qualquer hora.

— Elas não podem ser transmitidas pelo rádio. Você explicou isto ao comandante?

— Naturalmente, Sir. Em caso de necessidade, o Major Matsuro terminará sua transição nas proximidades da Terra. Já tomamos as providências para absorver as ondas de superchoque. Até lá, se formos descobertos, chamarei então Matsuro, pois, neste momento, não terá mais nenhuma importância o rádio ser ou não captado.

Rhodan, preocupado, acompanhou com os olhos o chefe da segurança da Terra. Tudo estava dependendo de não se cometer nenhum erro.

 

O Estrela da Terra, um velho cruzador tipo normal, transformado depois em nave de carga e de passageiros, partira do espaçoporto intercósmico do planeta central do sistema Vega, no dia 16 de maio, às 14 horas e 32 minutos, em vôo normal de carreira.

O Estrela da Terra estava voando, há muitos anos, na linha normal entre os sistemas planetários de Vega e do Sol, tendo em vista que, devido às intensas relações comerciais entre os homens e os ferrônios, o tráfego de passageiros havia aumentado muito.

Seu comandante era o Capitão Carl Lister, ex-astronauta da Frota Terrana. Lister era tido como um homem corajoso, de muita iniciativa e muito agradável no convívio com tripulantes e passageiros. Por ser de estatura avantajada e por sua grande sociabilidade com todos, era realmente um comandante ideal para uma espaçonave da frota comercial.

A carreira militar de Lister, no entanto, não foi muito feliz. Nunca conseguiu de fato conquistar a benevolência de seus superiores. Entre seus companheiros, passava simplesmente por um terrível azarento, para quem tudo corria mal nos momentos decisivos. Foi assim que Lister achou melhor se afastar da Frota Espacial. Desde então passou a comandar o velho Estrela da Terra.

Já há seis anos neste serviço, sem lhe haver ocorrido nenhum contratempo, muito menos um acidente sério, Lister tinha pois toda razão em pensar que o azar o havia completamente esquecido.

Mas o destino quis que, exatamente quando ele já não mais se recordava da série de complicações e acidentes, quando ele fazia tudo para andar na linha e ser correto, que exatamente neste momento, os velhos tempos fossem revividos.

Lister tinha feito sua refeição com os passageiros no salão da primeira classe, soltara naturalmente algumas piadas galantes e já bem gastas e, por fim, até permitiu que um rapaz de seus dezoito anos fosse visitar o salão de máquinas da velha nave.

Um quarto de hora mais tarde, já estavam prontos os cálculos para o salto e o Estrela da Terra iniciou a transição. Lister venceu 27 anos-luz num único salto. Achava uma coisa sem sentido castigar os passageiros duas vezes com transições sucessivas.

Estaria tudo certo, se Carl Lister não tivesse aparecido na dimensão superior, exatamente no momento em que a grande estação transmissora de Terrânia estava mandando para o espaço cósmico uma advertência dirigida especialmente a ele. Entretanto o Capitão Lister não pôde ouvir as importantes ordens.

Quando sua nave se rematerializou a sete horas-luz antes de Plutão, a transmissão já tinha terminado. Desta maneira, o Estrela da Terra continuou tranqüilo sua rota na direção do sistema solar com oitenta por cento da velocidade da luz.

Plutão estava no outro lado do Sol. Seguindo as normas de segurança, Lister reduziu ainda mais sua velocidade. E com apenas setenta por cento da velocidade da luz, foi levando sua velha espaçonave na rota certa. Mas não demorou muito para que a conhecida má sorte do experimentado capitão voltasse a se manifestar. Quando as primeiras naves dos druufs estavam saindo do funil de descarga, Lister resolveu comunicar sua chegada à Terra através de hiper-rádio.

Enviou um radiograma longo, com ondas pouco concentradas. Nessa mensagem falava até que o soberano de Ferrol estava quase à morte. Lister achava que esta notícia era muito importante para explaná-la com muitos detalhes. E tudo isto em linguagem decifrada, na freqüência de uso normal nas comunicações comerciais.

Mesmo isto seria tolerável, se o Estrela da Terra não estivesse saindo do hiper-espaço diretamente de encontro ao funil de descarga. Assim aconteceu que o amplo feixe de ondas atingiu a Terra, mas dali continuou em linha reta para o sistema Capela.

Depois de estar telegrafando uns vinte segundos, ouviu um grande ruído no receptor do hiper-rádio de bordo, vendo ao mesmo tempo na tela o semblante furioso de um major terrano.

— Você ficou louco? — ouviu-se com toda força nos alto-falantes. — Pare imediatamente com seu rádio. Desligue, seu maluco. Está em vigor o caso Columbus. Terei que colocá-lo diante de uma corte marcial. Não transmita mais nada. Você está transmitindo para Capela...

Com isto, a mensagem foi interrompida. O Capitão Lister estava branco como cera.

Como fazia sempre, estava de pé na cabina de rádio, para controlar pessoalmente a transmissão de suas ordens. Lister puxou as mãos do telegrafista, que, estupefato, ficou olhando para ele. Naturalmente, todos sabiam o que significava a expressão caso Columbus.

— Santo Deus! — suspirou o pobre telegrafista. — Terrânia deve ter comunicado o que está se passando ou, pelo menos, deve ter dado o alarme habitual...

— ...quando estávamos efetuando a transição — completou Lister, assustado.

Tinha compreendido o erro que havia cometido. Sabia também agora que o perigo vinha do sistema Capela.

Sem perder tempo com qualquer palavra inútil, virou-se para trás e, devagar, como se estivesse acordando naquele instante, dirigiu-se para a central de comando.

A novidade se espalhou num instante e os homens atônitos olhavam para seu comandante, que, pálido e de olhos parados, perscrutava o espaço.

Lister parecia um sonâmbulo. A idéia de ter cometido uma traição, mesmo sem o querer, o afogava num mar de tristeza. Como era cruel seu destino de ter que passar sempre por um homem errado. Gostaria de gritar ou chorar, mas não conseguia emitir nenhum som, tão secos estavam seus lábios. Seu corpo pesado parecia o de um animal mortalmente ferido, em busca da toca salvadora. Nada lhe seria poupado, teria de sofrer as conseqüências de sua má sorte, além dos remorsos que lhe ficariam na alma.

Lá fora, ao lado da central de comando, estavam alguns passageiros. O segundo-oficial do Estrela da Terra, encarregado dos serviços normais a bordo, estava explicando a um grupo de passageiros, com termos rebuscados e conceitos supercientíficos, as vantagens de uma eclusa de divisões transversais.

Lister sentiu que alguém o agarrava pelo braço. Era a senhora Nattan, esposa do diretor das minas da General Cosmic, residente em Ferrol, que dava expansão ao seu explosivo entusiasmo.

— Oh! Meu querido capitão, que coisa fenomenal! Nem sabia que isto existe. Estou vendo que esta nave é uma maravilha, e como tudo isto funciona encantadoramente.

Carl Lister esboçava um sorriso forçado.

— Naturalmente, minha senhora, tudo aqui funciona.

O gargalhar estridente da velha senhora o irritou mais ainda. Mas teve de ouvir até o fim aquela avalanche de palavras bobas, até que foi obrigado a responder a uma pergunta:

— Mas, capitão, o senhor está muito pálido! Não está se sentindo bem?

 

— É... é por causa do vôo, um rapaz tão jovem como eu está muito sujeito ao enjôo do espaço, não é?

Quando fechou atrás de si a porta de seu camarote, o Capitão Lister cambaleava. Muito abatido, deixou-se cair em seu beliche, para ficar de olhos perdidos no forro do camarote.

“Você ficou louco?... Desligue, seu maluco... Caso Columbus... Corte marcial... Capela... pare com a porcaria de seu rádio...!”

Tudo isto estava martelando seu cérebro. Maldito o dia em que, pela primeira vez, transpôs os degraus da Academia Espacial.

 

Apenas alguns poucos homens poderiam compreender a finalidade daquele estranho instrumento. Ao invés das curvas de medição, usadas convencionalmente nos cérebros positrônicos da Terra e dos registros de comando eletromagnético, este aparelho vomitava símbolos geométricos terrivelmente confusos.

Por dentro, o aparelho não se diferenciava muito dos outros, construídos por seres vivos humanóides. Os princípios da matemática eram válidos também para as inteligências estranhas, não humanas. Em consonância com estes princípios básicos da matemática, possuíam somente a possibilidade de ligar os diversos circuitos e de regular de tal modo os coletores finais escalonados, que os resultados obtidos podiam ser reconhecidos de outra forma.

Mas, tudo isto eram exterioridades de somenos importância. Capital mesmo era o fato de que existia uma segurança de funcionamento fora do comum.

A aterrorizante luz vermelha do espaço se espelhava nos grandes olhos de um monstruoso ser vivo. Ali, ele estava inerte diante da máquina que trabalhava com um zunido constante, até que os últimos sinais fossem reconhecidos.

Um som superagudo, numa amplitude de freqüência de mais ou menos duzentos mil hertz, podia ser captado pelas antenas orgânicas que os corpos dos druufs possuíam.

Pisando firme, o gigante druuf de três metros de altura passou pela porta aberta. No interior do recinto reconhecia-se uma grande tela oval e uma quantidade de instrumentos de todas as formas. Cabeças esféricas com bocas triangulares sem lábios e de olhos fosforescentes se viraram para aquele que estava entrando. Era uma cópia fiel das profundezas do inferno. Um ser humano não ouviria nenhuma palavra e, no entanto, todos estavam falando. Impulsos ultra-elevados substituíam os movimentos da boca para formar palavras. As antenas invisíveis de seus corpos captavam as vibrações, para levá-las ao cérebro a fim de serem identificadas.

Mas estes descendentes dos insetos, vindos de um plano temporal que não tinha nada em comum com o restante Universo, não eram totalmente incompreensíveis...

O diálogo mudo entre os matemáticos e os oficiais do comprido aparelho bélico se deu quinze minutos depois do registro do estranho radiograma. Foi o tempo necessário para os druufs realizarem a localização do ponto de onde partira o rádio. Outras máquinas de cálculo estavam em funcionamento. Numa tela arredondada, viam-se as estrelas daquele setor do espaço, que circundava o funil de descarga.

Os surpreendentemente finos dedos do druuf apontaram para um trecho onde as quatro linhas goniométricas se cruzavam. Neste local havia uma estrela de clarão amarelado, porém de muito pequeno tamanho.

O ribombar cavernoso dos motores de propulsão aumentou de intensidade. A nave começou a se mover. Ao mesmo tempo, chegaram as primeiras informações. Neste exato instante, um grupo de quinhentas naves estava transpondo a fenda na região da superposição. Na tela da nave capitânia, a cabeça redonda de um druuf brilhava. Comunicou mais ou menos o seguinte:

— Resultado da radiogoniometria. Vejam depois e confiram. Seguirei assim que a localização estiver bem conhecida.

As quinhentas grandes belonaves desapareceram. Aconteceu naturalmente o que os cientistas da Terra chamam de mergulho na quinta dimensão.

A técnica de hipervôo dos druufs, ao contrário do método básico dos arcônidas, se baseava no curso linear, sob a influência do espaço de cinco dimensões. Era um vôo liso, sem saltos constantes. Neste sentido, os druufs eram muito superiores aos demais seres vivos, cujos mecanismos de propulsão seguiam os moldes e a experiência dos arcônidas.

A frota desapareceu com uma onda de choque estrutural curta e muito lisa, rumando para o espaço superior. Não houve propriamente nem desmaterialização, como nas naves terranas, nem processos dolorosos de dissolução e perda total dos sentidos.

Voavam a uma velocidade milhares de vezes superior à da luz, em direção daquele ponto de onde haviam recebido o hiper-rádio. A orientação foi de fato perfeita e eles estavam no sentido certo...

Só um ponto lhes estava um pouco obscuro. Não sabiam se os sinais rítmicos provinham dos procurados terranos ou de qualquer nave comercial, que por acaso passasse por ali, talvez de raça desconhecida. Caso desvendassem tal ponto, estaria comprovada a alta técnica de sua radiogoniometria. Entretanto não conseguiriam por vias científicas nenhum resultado prático.

De qualquer maneira era necessário olhar o que se passava em volta deste solzinho de terceira categoria. De acordo com as concepções dos druufs, que, fiéis à sua mentalidade, julgavam tudo em escalas de enormes proporções, parecia excluído, impossível mesmo, que uma raça tão importante como a dos terranos vivesse e crescesse sob a luz de um sol tão fraco.

A nau capitânia da frota druuf rumou direto para Capela. Porém, nos planetas desse sol, não podia haver condições de vida. Foi dada então a ordem de se reunirem. Duas mil unidades, que, a cada hora, conforme os planos dos druufs, recebiam um reforço de mais quinhentas naves, se agruparam nas proximidades do sistema Capela. Enquanto isto, o comandante druuf estava ocupado com o pensamento de mandar dar uma busca rigorosa nos sóis em volta, dentro de um raio de ação de pelo menos cinqüenta anos-luz. Os matemáticos druufs não poderiam de maneira alguma ter se enganado tanto assim. Mas de qualquer maneira, era bom olhar um pouco em volta.

O comandante supremo da frota resolveu então aguardar o resultado das pesquisas. Tinham bastante tempo. Além disso, durante esta exploração, poderiam confeccionar mapas siderais tentando localizar a frente de bloqueio dos terranos entre estas estrelas da Galáxia.

Estes seres esquisitos do segundo plano temporal haviam feito cálculos maravilhosos sobre tudo, esquecendo-se apenas de calcular o patriotismo dos terranos e sua vontade de resistir. O chefe dos druufs também não suspeitava que sua infinidade de naves já havia sido localizada. O decisivo seria agora o potencial bélico, especialmente em grandes encouraçados. Assim o chefe druuf não precisava se preocupar se já tinha ou não sido visto pelos terranos. Seu potencial bélico era berrantemente superior. Uma descoberta prematura poderia significar, no máximo, uma pequena dificuldade para os planos druufs. Mas uma pequena dificuldade não ia atrasar a vitória dos seres de Druufon.

Os druufs tinham é que ter paciência e saber esperar. Do funil artificial de descarga saía uma esquadrilha depois da outra. Não podiam se expor sem necessidade. Afinal de contas, estavam penetrando num Universo estranho, cujo tempo natural corria duas vezes mais rápido que o do segundo plano. O comandante druuf estava a par de tudo isto. Sabia que suas naves teriam apenas a metade da velocidade que as do adversário. Quando se conhece, porém, o perigo, tem-se muito mais possibilidade de evitá-lo. E os druufs tinham a intenção de superar tal inferioridade através do potencial mirabolante de suas enormes espaçonaves, armadas até os dentes.

Esta tática já dera bons resultados na linha de bloqueio contra os arcônidas. Para o sucesso de todo o plano, era necessário apenas impedir o acesso da frota arcônida, que eles conheciam de sobra. A Terra seria derrotada e estaria aberta uma nova frente de combate nas costas dos arcônidas. Assim que terminasse esta primeira fase de seus planos, a estratégia toda se modificaria, de uma hora para outra.

 

O Tenente Aluf Tehete, comandante do grupo de Caça 586, da esquadra RJV-64, pertencia ao número dos primeiros oficiais terranos que atacou, num vôo rasante, com seu caça de um só tripulante, de velocidade superior à da luz, a densa falange de reconhecimento das naves druufs.

O caça de Tehete não era nada mais que um projétil de 15 metros de comprimento e de um e meio de diâmetro, cujo espaço interno era ocupado 90 por cento pelo conjunto compacto de propulsão de alta potência. Possuía ainda um canhão de impulso embutido, de grande alcance. Quando este canhão atirava, o piloto tinha a impressão de que toda a fuselagem explodiria junto, reduzindo tudo a poeira, no espaço.

Seus envoltórios de proteção eram frágeis demais. Mas mais lamentável ainda foi o espaço diminuto que os construtores deixaram para o piloto. Tehete estava espremido num banquinho redondo, bem rente ao nariz agudo do aparelho, que coincidia com a boca do canhão. Não deixava de ser uma temeridade colocar rapazes corajosos para lutar em tais condições.

No entanto, estes jovens estavam entusiasmados e não tinham inveja dos homens que desempenhavam suas funções em grandes aparelhos com todos os recursos. A vida de piloto de caça tinha que ser assim mesmo. Viam e ouviam tudo que se passava no espaço e não precisavam esperar por uma ordem de fogo. Eles é que tinham de decidir quando deviam atacar e o que deviam fazer para salvar a vida.

Tehete levou sua esquadrilha para a frente de ataque druuf, assim os cruzadores rápidos do RJV-64 perceberam a invasão do inimigo no espaço normal da Terra. Do seu lado direito, Tehete tinha a alavanca do comando dos impulsos, que dava ao aparelho um domínio maravilhoso de controle energético para manobras rapidíssimas, manobras estas que, alguns minutos depois, haveriam de deixar os druufs de boca aberta.

O primeiro combate na luta em defesa do Império Solar se desenrolou exclusivamente entre os grupos de caça da Terra e as unidades de reconhecimento dos druufs. Nenhum grande couraçado da Frota Terrana participou deste embate. O choque deu-se muito depressa e não houve tempo para o deslocamento dos aparelhos maiores.

Os ágeis caças terranos, ou “vespas”, como eram chamados, obtiveram seu primeiro sucesso, exatamente pelo fator surpresa. Equipados com enormes canhões que, em geral, somente se instalam em aparelhos de pelo menos 500 metros, produziram um verdadeiro furacão atômico entre os druufs e no curto espaço de sete minutos destruíram 85 por cento de seus pequenos cruzadores de reconhecimento.

O Tenente Tehete estava pensando em sua pátria, no Oeste Africano, quando apoiou a mão na alavanca de comando dos impulsos, que controlava os tiros do canhão. Na tela de 30 centímetros de diâmetro, totalmente automatizada, brilhavam os contornos bem delineados de uma espaçonave alongada, tipo charuto. A lâmpada verde do goniômetro piscava sem cessar. Por aí se podia saber que o objeto descoberto não era uma nave terrana. As ligas metálicas empregadas eram diferentes e os impulsos eram muito diversos dos terranos.

Aluf constatou que o druuf que voava na frente dele tinha apenas a metade da velocidade da luz. Portanto, estavam certos os dados de que havia uma diferença de tempo de um para dois. Naturalmente a maior velocidade representava uma grande vantagem. Maior vantagem ainda eram as dimensões reduzidas de sua pequena nave, que, no meio do espaço infinito, mal era reconhecida.

Assim, continuou no rumo certo, até que o dispositivo automático lhe indicou a distância de apenas trezentos mil quilômetros — distância ideal para o canhão do pequeno caça. Era suficientemente grande para a própria segurança e ainda contava com 95 por cento da possibilidade de atingir o alvo. O ângulo de correção era mínimo e os raios energéticos atingiriam o objetivo em um segundo.

Quando os contornos da nave inimiga, depois das manobras de pontaria de controle automático e positrônico, entraram no círculo verde da mira, Tehete comprimiu o botão de disparo. Seu aparelho estava numa velocidade quase idêntica à da luz. Diante da proa do aparelho, se formou a bola cósmica da micromatéria, que normalmente não é visível. A compressão ali provocada não era nada simpática aos pilotos de caça, pois os impulsos energéticos do projétil ao explodir provocavam um clarão de sol, que naturalmente poderia trair sua posição no espaço. Sempre havia naves inimigas por perto. Se não houvesse esta explosão luminosa, os disparos energéticos jamais seriam percebidos.

Tehete sentiu o bruto contrachoque de seu aparelho. Diante dele se levantou a chama branca, formando uma bola de fogo de onde saiu um raio energético de uns dez metros de comprimento. Depois disso, desapareceu completamente nas profundezas do espaço. No entanto ele estava ali, apenas não podia ser visto devido à ausência do meio material.

Terrivelmente ofuscado, o comandante do grupo tirou o aparelho da direção em que ia, pois sua velocidade era quase idêntica à do raio energético, portanto não podia continuar na mesma rota. Quando Tehete, a apenas dez mil quilômetros da nave dos druufs, deu uma guinada para outra direção, abaixo dele se formou uma bola de fogo. O rastreador energético registrava a explosão de forte carga atômica. O jovem terrano se sentiu orgulhoso, sabia que o primeiro aparelho abatido nesta guerra era um feito dele. Seu grito de alegria assustou os telegrafistas da nave capitânia do RJV-64. Mas não foi apenas o urro que os operadores do rádio tiveram de ouvir, parecia mesmo uma transmissão especial em hiperfreqüência, vinda dos fundos do inferno.

Os pilotos eram jovens demais e não podiam ter muita experiência de luta para receberem seus primeiros triunfos com ânimo mais calmo. Precisavam de reconhecimento, de aplauso, de uma palavra quente de amigo ou do sorriso feliz de seus superiores.

Mas ficaram roucos de tanto gritar e seus vôos foram executados com tanto ardor que a grande frota de reconhecimento dos druufs ficou quase dizimada.

Porém aconteceu que um cruzador terrano, emergindo do hiperespaço, foi atingido tão seriamente pelos raios energéticos de um dos caças, que três turbinas pararam e houve um princípio de incêndio na casa de máquinas.

O comandante deste cruzador do tipo Estado era o Major Matsuro, que estava acabando de chegar com notícias importantes da frente de bloqueio. Por questões da importância de suas notícias, Matsuro se atrevera a transpor a grande distância entre o sistema Mirta e a Terra através de uma única transição. Em saltos tão grandes assim, nunca se podem evitar pequenos erros. Em relação com as proporções da transição, este pequeno erro podia ser, por exemplo, emergir do hiperespaço oito bilhões de quilômetros antes do ponto pretendido.

Jamais se conseguiu saber quem foi o piloto de caça que deu este tiro tão nocivo. A Nippon foi se arrastando lentamente com menos da metade de sua potência. Mas, nem mesmo assim, Matsuro teve coragem de usar o rádio. Porém a resolução do primeiro mandatário da Terra veio auxiliá-lo.

Em todas as espaçonaves do Império Solar, a começar pelos poderosos supercouraçados até os pequenos caças, acenderam-se as telas do videofone. Rhodan irradiava na freqüência convergente, sendo ouvido e visto em toda parte.

— Fala Perry Rhodan, atenção! É para todos. A partir deste momento fica cancelada a proibição de uso do rádio. Qualquer um pode falar. Mantenham as freqüências obrigatórias de cada grupo, para que um não prejudique o outro. Fomos finalmente descobertos. Radiogramas das unidades dos druufs, atacadas por nossos caças, foram captados e os especialistas tentam decifrá-los. Acostumem-se agora com o pensamento de que têm que lutar de olhos abertos. Nossa brincadeira de esconde-esconde já terminou.

A seguir, foram transmitidas diversas informações a respeito da disposição estratégica das forças terranas. Muitas esquadrilhas de cruzadores transpuseram com curtos supersaltos a frente de defesa externa. Nas proximidades de Saturno, o cinturão de defesa foi reforçado com naves maiores. Neste cinturão, o próprio Rhodan assumiu o comando. A primeira zona de defesa estava sob o comando do General Deringhouse.

Major Matsuro esperou pacientemente até que as mensagens mais importantes fossem transmitidas. Somente após isto, chamou a Drusus, com urgência urgentíssima. A ligação foi imediata. O semblante de Matsuro apareceu na gigantesca tela de hipercomunicação do supercouraçado, cuja central estava funcionando como quartel-general no espaço, há já algumas horas.

— Cruzador Nippon, comandante Major Matsuro — apresentou-se o oficial. — Estou chegando da frente de bloqueio, Sir, mas um piloto de caça, que deve ter enlouquecido, no calor da batalha me confundiu com uma nave dos druufs. Meu cruzador perdeu a metade de sua eficiência. O incêndio na casa de máquinas pôde ser dominado com a diminuição do teor de oxigênio do ar. No entanto, a central ficou imprestável. O senhor tem algumas instruções especiais para mim?

Rhodan compreendeu imediatamente. A Nippon devia trazer notícias especiais da base de Hades.

— Proibido falar — foi a rápida resolução de Rhodan. — Solte uma gazela e venha com ela para bordo da Drusus. Nós o receberemos aqui por telecomando. Seu primeiro-oficial deve assumir o comando da Nippon e dirigir-se devagar para a base de Plutão, onde o cruzador irá para os estaleiros. Ainda é possível fazer isto?

Matsuro olhou para seu engenheiro-chefe. O técnico fez um sinal afirmativo.

— Perfeitamente, Sir, os motores ainda darão para isto. Só não sei como conseguiremos aterrissar.

— Está bem, a base de Plutão será avisada. Eu o estou esperando. Prepare um relatório da situação. Quero saber quais foram os efeitos do tiro do caça. Em que parte é que a Nippon foi atingida?

— No meio do bojo, pouco acima do rebordo de reforço. O impulso energético destruiu ambos os envoltórios de proteção, derreteu a parte blindada, conduzindo o restante da energia térmica para o quadro de comandos.

Matsuro não se admirou da expressão de contentamento no rosto do primeiro mandatário do Império Solar. Naturalmente Rhodan queria saber como o projétil dos caças atuava. Por certo, esta constatação muito o agradou.

— Está certo, Matsuro, isto me basta por ora. Não perca mais tempo e venha depressa. Você tem notícias importantes, não é?

— E como, senhor! Do contrário, não teria voltado de Hades.

 

O Major Nako Matsuro se viu no meio dos mais graduados oficiais da Terra. Até o Marechal Allan D. Mercant se encontrava na central do supercouraçado Drusus. Parecia que se planejara algo que apenas alguns homens sabiam.

O relatório de Matsuro já havia sido apreciado. Tinha conseguido entrar em contato com os agentes na base de Hades. Interrogado mais uma vez, o comandante do cruzador de reconhecimento resumiu em poucas palavras:

— Perfeitamente, Sir. Os dados foram fornecidos integralmente. O Capitão Rous afirma que os druufs conseguiram criar um funil de descarga artificial. Nosso agente Ernst Ellert parece estar em sérias dificuldades. Confessou a Rous que está perdendo aos poucos o poder sobre a mente do cientista druuf Onot. Onot é acusado pelo Conselho de Ministros de Druufon de culpado pela destruição da grande central calculadora, pelo menos de ter participado nas ações de sabotagem.

— No que eles têm razão — observou Rhodan, secamente. — Continue, Matsuro!

— É mais ou menos tudo, Sir. Ernst Ellert se esconde agora, aliás, como sempre, atrás deste Onot. A ligação pelo rádio com o décimo terceiro planeta do sistema gigantesco não parece fácil para Ellert. Capitão Rous teme complicações.

— E para que serve aquela gigantesca estação espacial perto do sol duplo de Siamed? — perguntou Mercant.

Matsuro percebeu que o homem que parecia tão indiferente estava tocando no cerne da questão.

— Esta notícia chegou exatamente na hora em que eu me preparava para a transição. Por intermédio de Rous, Ellert comunicou que os druufs haviam construído este monstro. A estação espacial foi montada com a finalidade exclusiva de se obter um funil de descarga artificial. Rous conseguiu ainda constatar, por meio de medições, que a zona de ligação começa logo acima desta estação espacial.

Mais não se conseguiu tirar de Matsuro. A bem treinada tripulação do cruzador, seriamente danificado, foi rebocada por uma nave-socorro da Frota e levada para a base da Lua. Quando Matsuro lá chegou, foi-lhe dado o comando de uma nave recém-saída dos estaleiros.

Sete horas após a conversa com Perry Rhodan, o Major Matsuro partia novamente para um vôo experimental.

 

Estas sete horas se converteram nos momentos decisivos para o plano de defesa do comando supremo solar. Primeiramente, o cruzador leve Califórnia, sob o comando do já famoso Coronel Tifflor, atracou perto do rebordo de reforço na fuselagem da Drusus. E depois, o comandante supremo da gigantesca nave deu certas ordens importantes.

Quando Matsuro partiu para o vôo experimental, quando o Coronel Tifflor chegava a bordo da nave capitânia, quando o chefe dos mutantes, John Marshall, reunia seu grupamento em torno de si, e quando cinco mil caças mono piloto se reuniam sob a proteção dos grupos de cruzadores, que avançavam para um determinado setor de defesa, apareciam as primeiras belonaves dos druufs, irrompendo de seu esconderijo... o segundo plano espacial.

O cruzador pesado Cattano, da ala direita do RJV-106, explodiu sob o impacto dos disparos de quatro grandes unidades dos druufs. O Cattano foi o primeiro cruzador que a Frota do Império Solar perdeu em combate.

Para surpresa dos pilotos dos jatos, os atacantes fizeram uso de uma arma que jamais teria sido nociva a uma belonave de maior tamanho. Tratava-se de um lançador de agulhas térmicas, cujos impulsos super-potentes eram transformados em milhares e milhares de raios de ataque de poucos milímetros de extensão, por meio de um desintegrador filtrante de circuitos. Surgia assim uma verdadeira granada atômica com um enorme raio de divergência e conseqüentemente com grande garantia de acertar o alvo.

Já para uma nave auxiliar do tipo girino, estes raios finíssimos de muito pouca energia não trariam perigo. No entanto, conseguiriam prejudicar muito os pequenos jatos e os destróieres de três tripulantes. As espaçonaves de menor tamanho da Terra que entrassem em ataque, em sessenta por cento dos casos seriam logo descobertas e atacadas com este novo tipo de arma.

O Tenente Aluf Tehete voou com suas máquinas para uma destas frentes de combate. Nem ele, nem nenhum de seus companheiros ainda tinha tido a honra de derrubar algum aparelho inimigo. Os doze aparelhos do grupo de caça 586 foram todos destruídos pelo fogo da frota dos druufs, que avançava com um número de naves nunca visto antes.

Poucos segundos antes da desgraça, o cruzador pesado Osage ainda conseguiu escapar da frente arrasadora dos druufs, graças à ousadia de seu comandante. Os impactos vibratórios destinados a ele resvalavam em seu bojo e se perdiam no espaço.

Duas horas depois do ataque maciço, aliás, após o primeiro embate, a situação já estava mais ou menos clara. Tomaram parte neste ataque cerca de cinco mil unidades dos druufs, mas do funil de descarga brotavam ininterruptamente centenas e centenas de outras naves. Após três horas de combate, Perry Rhodan sabia que, com suas forças em visível inferioridade numérica, não poderia salvar a Terra. Estava iminente um fracasso total. As primeiras naves druufs já achavam-se atacando a base de Plutão, cujo fogo antiaéreo, a princípio, parecia suficiente para afastar os invasores. Mas o planeta não ia resistir por muito tempo a este ataque maciço.

À crua realidade destes fatos, advinha ainda a seguinte pergunta cruel: Será que os druufs não iriam conseguir abrir um outro funil de descarga? Caso isto acontecesse, não se podia mais nem pensar em defesa...

O Coronel Poskanow anunciou a perda de onze cruzadores de seu grupo de caças espaciais. Os caças e os destróieres de três tripulantes, catapultados dos grandes couraçados, não podiam mais retornar à nave-mãe durante os combates que se davam no momento da fuga.

Foi assim que os pilotos receberam a instrução de tentarem romper o cerco cada vez mais fechado dos druufs, para ver se conseguiam chegar até o setor, onde estava a frota sob o comando direto de Rhodan.

Terminada a missão de vigiar os postos mais avançados no espaço, reduziu-se o trecho a ser defendido. Quanto mais se aproximavam do Sol, que era o centro de todo o sistema, tanto mais se encurtava o teatro de operações bélicas.

Rhodan antevia assim melhores possibilidades de defesa. Seus poucos supercouraçados podiam se concentrar melhor e mais rapidamente chegar aos pontos de maior urgência.

Cinco horas após o início da invasão dos druufs, os gigantes terranos entraram em ação pela primeira vez. Eram os supercouraçados de 1.500 metros de diâmetro Hannibal, General Pounder, Barbarossa, Wellington e Alexander, que, depois de uma curta transição, apareceram no meio da enorme confusão para abrir fogo imediatamente.

Somente a Titan, já um tanto envelhecida, e a Drusus ficaram para trás para proteger a retaguarda. Em tempo algum de sua vida, os druufs experimentaram desgraça tão grande. Já conheciam estes gigantes do tipo Império, de outras refregas, mas tão-somente como supernaves robotizadas do Império Arcônida.

Agora a situação era outra. Atrás dos canhões das supernaves terranas estavam homens de alta qualificação técnica, que, além de tudo, sabiam por que estavam arriscando sua vida.

Somente o novo couraçado Wellington, no curto espaço de oito minutos, conseguiu fazer vinte e sete disparos, sem ser atingido seriamente. Seu poderoso envoltório de proteção resistia a tudo que os druufs podiam fazer.

Os outros supercouraçados também não tiveram muito trabalho com os invasores e puderam olhar a situação com mais calma. A ponta de lança do ataque druuf estava dominada. Porém, uma hora mais tarde, eles se reorganizaram novamente.

Mais ou menos nesta hora, o General Deringhouse chamou a nave capitânia. Seu rosto comprido, denotando grande cansaço, apareceu na grande tela da nave de Rhodan. Este se postou diante do vídeo.

— Sir, conforme meus cálculos, dentro de trinta minutos Plutão vai cair nas mãos do inimigo. Não posso mais me arriscar em deixar as grandes espaçonaves na linha de frente. Os druufs estão começando a atacar todas as naves maiores com um fogo concentrado de mais de cinqüenta aparelhos. Nossa maior agilidade de manobra nos livrou até agora do pior. Sir, que pretende fazer?

Rhodan simplesmente deu ordem de retirada. Plutão seria evacuado e as instalações de defesa, entregues aos robôs. As esquadrilhas mais avançadas recuaram até a órbita de Saturno, onde se reuniram, formando novos grupos.

Rhodan esperou até que chegassem os boletins das últimas perdas. Quando os números foram conhecidos, olhando para os oficiais do estado-maior, sentenciou:

— Meus senhores, o ponto crítico chegou. Se tivéssemos mais algumas naves, não precisaríamos pedir o auxílio de Atlan. Os senhores farão alguma objeção em chamarmos nosso amigo Atlan?

— Eu já teria feito isto há mais de vinte e quatro horas — disse Reginald Bell, com calma. — Nossas perdas são horrorosas. O fato de já termos abatido mais de duas mil naves dos druufs, não nos vai ajudar muito, no balanço geral. Ninguém tem objeções a fazer.

Sem dizer uma palavra, Rhodan voltou para a central de comando. Foi o momento mais importante na história da raça humana. Perry Rhodan, primeiro administrador do Império Solar, resolvera abrir mão do segredo da localização da Terra, mantido até então com tanta firmeza e prudência.

A ligação por hipercomunicador, preparada já há muito tempo, se fez em menos de quatro minutos. Podia-se ver claramente o rosto de Atlan. A enorme distância de 34 mil anos-luz não representava nada para as freqüências do hiper-rádio.

— Já chegou a este ponto? — perguntou o arcônida sério. — Estou acompanhando o ataque há algumas horas. Cinco cruzadores robotizados estão nas redondezas de Capela. Você quer meu auxílio? Em caso afirmativo, não se esqueça de que não poderei manter por muito tempo o que lhe prometi.

— Peço o apoio do Grande Império — respondeu Rhodan, gaguejando um pouco. — Atlan, estamos sendo atacados por cerca de oito mil naves dos druufs. Acho que ainda consigo manter a resistência por mais vinte e quatro horas. Depois disso, atacarão a Terra e Vênus através de Marte.

— Todas as ligações já estão preparadas. Tenho a impressão de que estes insetos monstruosos vão fazer tudo para deter as forças arcônidas na zona de descarga. Vou lhe mandar tudo que não me for indispensável. Daqui a dez ou doze horas, a frota chegará aí. Estão ainda em vigor as nossas velhas senhas de reconhecimento?

— Sem exceção. Vou avisar os comandantes terranos. Os sinalizadores de impulso receberão logo a programação combinada.

Depois que o arcônida desligou, Rhodan ainda ficou longo tempo diante da tela. Acreditou que estava recebendo nas costas os olhares de todos os seus oficiais superiores.

— Caso você nos pergunte se o consideramos um traidor, vou ficar realmente zangado — disse alguém.

Rhodan virou-se para trás. Reginald Bell o encarava. Os olhares dos dois homens se encontraram, até que Rhodan disse em voz baixa:

— Não... não vou perguntar. Santo Deus, como tudo isto foi tão simples. Com um simples radiograma, a gente destrói tudo que se construiu em setenta anos. Daqui em diante, a Terra estará aberta, franqueada para amigos e inimigos. Vai começar uma nova época.

— Eu me alegro com isto, Sir — disse o Marechal Freyt. — Nós não poderíamos nos esconder mais por muito tempo.

 

Allan D. Mercant havia iniciado a reunião às 13:30, hora padrão, no grande salão da tripulação do cruzador Califórnia. Estavam presentes todos os membros da tripulação da nave e os especialistas do exército de mutantes. Perry Rhodan não se achava ali. Tinha outros assuntos importantes para resolver. Os preparativos para a ação dos mutantes era um assunto exclusivo do setor geral da defesa.

No sistema solar, estrugia a mais dura das batalhas. A Humanidade fora obrigada a pegar em armas. Além do sistema solar, reinava calma na imensidão do espaço.

Mercant foi sucinto:

— Os acontecimentos provam que os senhores e as senhoras, apesar de seus dons sobrenaturais, não têm o poder de se opor aos invasores. Isto é uma guerra, ou melhor, uma batalha aberta, que, realmente, não tem nada a ver com as suas atividades de agentes de forças paranormais. Entre os senhores, apenas os três teleportadores teriam uma possibilidade limitada de destruir naves inimigas, transportando explosivos nucleares. Gucky já experimentou atacar desta maneira. Foi bem-sucedido em dois casos. Na sua terceira teleportação, errou o alvo móvel e quase foi morto.

— O druuf decolou, exatamente quando eu estava me concentrando — ouviu-se alguém dizer, em tom de voz fina, nos fundos da sala.

Podia-se ver a figura pequena do rato-castor.

— Eu pulei para fora, exatamente para fora, coisa que nunca me aconteceu.

— E isto vai acontecer muitas vezes. Numa aglomeração de tantos milhares de espaçonaves assim, de todos os tipos, a intervenção dos mutantes se torna irracional, pelo menos desta forma. Permaneçam, portanto, no campo de ação que lhes é peculiar e deixem a batalha apenas para as espaçonaves.

Mercant interrompeu seu discurso e cumprimentou o administrador do Império Solar, que estava entrando naquele momento. Rhodan agradeceu rapidamente. Sobre sua cabeça, pairou Harno, o singular ente esférico.

— Já está pronto, Marshall, confia no nosso plano?

A figura imponente de Marshall se destacou dos corpos que estavam agrupados rente à parede.

— Tudo em ordem, Sir. Estamos experimentando. Sei que telepatas e pessoas de meu tipo não podem fazer muita coisa numa batalha aberta.

— Isto já foi dito, há anos, por um homem sábio e experimentado — disse Rhodan. — Seu nome é Atlan. Para sua informação: pedi o auxílio dele. Vai nos enviar todas as naves de que não estiver precisando no momento. Apesar disso, temos que tentar tudo. A Drusus vai partir daqui a alguns minutos para fora da frente de batalha e o Major Tifflor a acompanhará com a Califórnia. Vou mandar instalar para você um dispositivo de lentes, através do qual possa enxergar, perfeitamente, o Universo dos druufs. Aproveite o grande poder de aceleração do cruzador. Entre em contato com a base de Hades. Gucky pode tentar encontrar Ernst Ellert. Parece que ele está em dificuldades. Penetre no sistema de Siamed e passe a averiguar se realmente existe a estação espacial anunciada por Rous. Se esta instalação corresponde de lato a uma usina voadora para construção dos funis de descarga artificiais. A seguir, faça o que achar melhor.

“Tifflor e você, Marshall, trabalharão juntos. Tifflor controlará a nave Califórnia e Marshall colocará os mutantes preparados para atuarem. Mas, de qualquer maneira, você deverá tentar destruir esta estação espacial. Terá muitas oportunidades, pois um empreendimento deste tipo é um ótimo campo de ação para suas forças mentais. Agora, uma coisa: de mim vocês não podem esperar socorro. Ficarei demasiadamente ocupado por aqui. Estejam bem compenetrados de que vão estar entregues às suas próprias forças. Também não lhes posso prometer auxílio por intermédio dos transmissores fictícios. Todos os instrumentos existentes nos supercouraçados estão sendo usados para salvamento urgente dos feridos e acidentados. Os tripulantes das naves atingidas estão sendo levados para outras unidades com o auxílio dos transmissores fictícios.

“Vocês estão vendo como nossa situação é difícil. Não quero ainda usar a expressão ‘desesperadora’, mas pode ser que, em futuro próximo, tenhamos que usá-la.”

Depois de pequena pausa, Rhodan continuou:

— Nós todos somos homens, temos uma pátria comum, a nossa Terra. Gucky e Harno pertencem ao nosso meio. Não consideramos como monstros outras inteligências que existam no espaço, se forem justas e honestas. Ninguém é responsável por seus aspectos exteriores.

— Muito obrigado, pelo que me toca — disse Gucky lá dos fundos.

Seu dente roedor estava à vista.

— Não estava me referindo a você — disse Rhodan sorrindo.

E este sorriso quebrou um pouco a tensão expressa no rosto dos homens que o ouviam. Era como se Rhodan tivesse rompido uma barreira.

— Os senhores precisam saber que a empreitada é dura. Se tudo correr bem, os senhores irão separar a base de suprimento dos druufs de sua frota que está em combate. Isto será meia vitória. Naturalmente ainda continuaria o problema de liquidarmos com o restante dos aparelhos inimigos. Este problema não diz respeito aos senhores, mas sim a nós, aqui no nosso Universo. Procurem a todo custo destruir esta estação espacial. Guerra é guerra. Se forem obrigados a atacar com armas atômicas, lembrem-se de que estamos defendendo a Humanidade. Não deixará de ser uma legítima defesa. Bem... é tudo que pretendia dizer. Resta ainda alguma dúvida?

Rhodan olhou para o relógio. Marshall ainda se informou sobre a extensão da missão de Harno, televisor vivo.

— Harno fica aqui — resolveu Rhodan. — Vou precisar de seus dons com urgência, para poder regular corretamente o transmissor fictício da Drusus. Quero atacar com ele as naves mais importantes dos druufs.

Logo em seguida, o chefe do Império Solar voltou para a nave capitânia, em cujo flanco estava ancorada a Califórnia, que media apenas 100 metros de comprimento.

O cruzador se desprendeu de suas travas magnéticas, decolou e pouco depois entrou em transição. Era a única nave do Império Solar que ainda dispunha de uma estação especial a bordo para instalação do campo óptico.

Atrás dela, desapareceu também no hiperespaço a Califórnia. Ambas se rematerializaram, depois de um longo salto, nas proximidades da frente de bloqueio, que distava mais ou menos 6.300 dias-luz da Terra.

A duas horas-luz da tal frente, estavam lutando as grandes esquadrilhas da frota arcônida com os druufs que irrompiam do funil de descarga. Era evidente que os seres estranhos faziam de tudo para se aproximar das unidades arcônidas. Além disso, se notava facilmente que esquadrilhas inteiras estavam se afastando da frente de combate. Assim, Rhodan se convenceu de que Atlan estava cumprindo sua palavra, isto é, dando ordens de que estas esquadrilhas voassem para o sistema solar.

Mas ninguém sabia que ele, Atlan, estava atrás do cérebro robotizado. Suas ordens eram transmitidas na freqüência conhecida do grande cérebro, motivo pelo qual eram obedecidas imediatamente.

A Califórnia estava apenas a cem quilômetros atrás da Drusus que freava com toda força. Tifflor iniciou também as manobras de frenagem. Quando a nave capitânia parou, ele desviou cauteloso a Califórnia. Rhodan apareceu na tela do vídeo de telecomunicação.

— Bom trabalho. Chegamos bem. Se você penetrar por este lado, deverá sair perto do sistema Siamed. Em todas as suas operações, não se esqueça de que os pontos de referência do espaço de cinco dimensões não são idênticos aos do de quarto. Não se admire, portanto, quando você descobrir a mencionada estação espacial do planeta Druufon, embora o funil de descarga produzido por ela esteja a cerca de seis mil e trezentos anos-luz de distância, bem rente da Terra. Trata-se de um processo de ligação, para o qual a separação espacial nada representa. Aqui estão as últimas instruções:

“Se vocês forem bem-sucedidos, nós o saberemos pelo desaparecimento repentino do funil. Neste caso, virei com a Drusus até este setor do espaço, instalo aí um campo refletor e os apanho. Se o ataque de vocês fracassar, ou se a suposta existência desta estação energética voadora se baseia num erro, vocês voarão para Hades e lá aguardarão novas instruções. Tentarei, neste caso, tirá-los de Hades através de uma nave com transmissor fictício. Está tudo claro? Então, mãos à obra.

 

Julian Tifflor sentiu umas agulhadas dolorosas na região dos rins, quando, bem rente de seu cruzador, se desenhou aquele fenômeno luminoso, causado pela aproximação da Drusus.

Lembrou-se, neste momento, de sua primeira missão, realizada em obediência a uma ordem de Rhodan. Tratava-se, naquela época, de enganar os comerciantes das Galáxias. Julian Tifflor estava se recordando. Naquele tempo, ele era ainda bem jovem. Um rapaz que, para perplexidade de seus colegas, foi arrancado dos bancos da Academia, em plena época de provas finais. Um cirurgião terrano lhe implantara no corpo um pequeno aparelho. Tratava-se de um sinalizador orgânico, que servia para localizá-lo onde quer que estivesse. Este micro aparelho estava implantado em sua cavidade renal...

No momento, a situação era esta: bem próximo da Califórnia, formou-se um campo de transição, de onde partiam os diferentes influxos energéticos dos dois tipos de espaço. Um círculo luminoso de apenas trezentos metros de diâmetro surgiu no meio do espaço sombrio. O que havia por trás dele, não se podia explicar com poucas palavras.

O rosto de Tifflor, que se mantinha admiravelmente jovem, mostrava traços de preocupação. Acabaram-se os sonhos e recordações da juventude. Só um pensamento podia haver em sua cabeça neste instante: a sobrevivência da Terra.

John Marshall, um dos primeiros elementos do Exército de Mutantes, estava de pé, atrás dele. Tifflor fitou aqueles olhos, cuja expressão não permitia nenhuma conclusão sobre os sentimentos de Marshall. Quase a contragosto, disse o comandante:

— John, temos de nos desejar boa sorte. Estava há pouco pensando nos bons velhos tempos.

— Eu também, Tiff — respondeu Marshall em voz baixa. — Você sabe que nós já devíamos estar mortos há muito tempo? Recebemos a ducha celular renovadora do planeta Peregrino e nosso processo natural de envelhecimento foi suspenso temporariamente. Tiff, em certo sentido, esta poderá ser nossa última missão.

— Autorização para decolar — soou a voz de Rhodan nos alto-falantes. — Vamos, o que estão esperando? Não percam tempo.

Julian Tifflor deu as ordens necessárias. Com os motores de propulsão funcionando com pouco ruído, o mais moderno cruzador da Terra deslizou em direção ao círculo luminoso. Pequenas correções o colocaram exatamente no centro do campo. Trinta mil metros antes, Tifflor passou para velocidade mais elevada. O fogo-fátuo ficou mais visível e depois desapareceu. Uma dor breve, mas penetrante se fez sentir em toda a tripulação. A comunicação de rádio com a Drusus cessou repentinamente. As últimas palavras de Rhodan não foram mais ouvidas.

— Manobra terminada, Sir — soou a voz do segundo-oficial. — Já atravessamos.

Tifflor se dirigiu para as telas. O que elas mostravam não era outra coisa que o monótono e sombrio Universo dos druufs, onde todas as colorações se fundiam num avermelhado forte. Era o quadro de sempre. Quantas vezes Tifflor já havia visto isto!

Os instrumentos de rastreamento da Califórnia começaram a trabalhar. A uma distância de pouco mais de dois anos-luz, constatou-se intenso movimento de espaçonaves. Simultaneamente, veio a comunicação de que o duplo sol captado pelo rastreador de matéria era idêntico ao do sistema Siamed.

O gigantesco sol tinha um companheiro de brilho esverdeado. Já que não era coisa rara encontrar-se um sol duplo rodeado de planetas, ninguém se mostrou preocupado.

Mas a situação se alterou, quando se constatou a multiplicidade de órbitas dos 62 planetas. Uns giravam apenas em torno do sol maior, outros davam volta em torno dos dois sóis e um terceiro grupo serpenteava em órbitas aparentemente contraditórias, por entre os fortes campos de gravitação dos dois sóis.

O sistema Siamed foi sempre um pesadelo para Julian Tifflor. Nada aqui parecia normal, era tudo imprevisível. Acrescia a tudo isto a grande variação de tempo do sistema, de cujas dimensões não se sabia muita coisa. A cosmonáutica dos terranos se contentara em estudar mais seriamente apenas o sistema pátrio dos druufs. O que se passava nos planetas dos diversos sóis estava além dos conhecimentos de Tifflor. Para ele parecia suficiente saber de que maneira se entrava neste quase inferno.

A Califórnia estava parada no espaço.

— Desapareceu o campo de refração — disse o “goniômetro” Tanaka Seiko, através do rádio.

Tifflor passou a mão pelos cabelos. Seu rosto jovem, de barba feita, parecia indeciso. Olhou em volta, meio desajeitado.

— Mas é isto mesmo. Tínhamos que contar com isto. Certamente a presença da Drusus se tornou necessária na frente de combate. Marshall, o que você propõe agora? Infelizmente não nos foi possível receber instruções mais detalhadas.

Marshall se aproximou mais das telas do vídeo. A galeria das diversas telas, de ordinário repletas do argênteo cintilar de grandes estrelas, tinha agora um aspecto sombrio, deprimente.

Os rastreadores estruturais do cruzador mantinham o ruído de sempre. A uma distância de apenas dois anos-luz, havia grandes levas de espaçonaves que tentavam penetrar num funil de descarga formado pela própria natureza ou imergir na estreita garganta energética.

O número tão grande de naves desenvolvia um volume tal de energia que as freqüências próprias, já existentes no funil de descarga, recebiam uma sobrecarga grande demais. Marshall se dirigiu mais vezes à central de rastreamento, mas ninguém lhe conseguiu dar maiores explicações.

Uma coisa, porém, estava certa: o cálculo de Rhodan fora exato. Estavam bem próximos do sistema pátrio dos druufs, onde devia estar localizada a misteriosa estação espacial.

Não se conseguia ainda encontrá-la. As distâncias eram demasiadamente grandes, o número fantástico de planetas os confundia muito e os motores de propulsão das inúmeras naves, que funcionavam a todo vapor, ainda contribuíam para fazer desaparecer os poucos vestígios do mundo druuf.

John Marshall surpreendeu-se pronunciando uma terrível imprecação que deixou a mutante Betty Toufry horrorizada.

— John!... — disse ela com ar de repreensão.

O rato-castor caiu numa risada estridente. Parecia ser o único completamente calmo a bordo.

Aparentemente enfastiado da longa espera, o pequeno animal começou a andar pela central. Depois esticou as patas dianteiras e se apoiou na larga cauda de castor, com todo conforto.

— Ah!... se eu não existisse... — declarou cheio de si.

— Medroso — disse o mutante de duas cabeças Goratchim. Ivan, o mais velho, sorriu feliz.

O focinho pontiagudo de Gucky se contraiu numa expressão de desprezo. Suas orelhas viraram para a direção do gigante de dois metros e meio.

— Ninguém está falando com vocês. E tem mais: cheguei à conclusão de que...

— Como? — interrompeu Marshall. — Você chegou à conclusão de que nós não temos outra opção a não ser pular para o interior do sistema, não é?

— Exatamente — confirmou Gucky. — O que vocês pretendem fazer? Estamos aqui completamente isolados. Em Hades não há nenhum telepata, e eu não acho conveniente usar um hiper-rádio. Ernst Ellert é um bom telepata, mas me parece que está demasiadamente ocupado com este cientista druuf. Venho observando há tempo como Onot tenta escapar da influência mental de Ellert. Assim sendo, não há outro jeito, a não ser...

— A não ser o quê? — acudiu novamente Marshall.

— Não gosto muito de ser interrompido a cada instante. Isto é falta de respeito. Posso falar ou não?

Marshall resignado fez um sinal afirmativo. Tifflor sentou-se pacientemente na primeira cadeira.

— Então vamos lá — disse Gucky mais tranqüilo. — Sugiro penetrarmos pelo menos dez horas-luz. Desta distância poderei entrar em contato com Ellert, com toda certeza. Se for necessário, John, Betty, Ishy Matsu e eu teremos que formar um bloco ou uma corrente mental para atingirmos de fato Ellert. Ele haverá de saber onde devemos procurar esta estação espacial. Talvez não precisemos enviar um radiograma ao Capitão Rous. Ele se encontra agora no décimo terceiro planeta. Quando a usina voadora explodir, ele logo saberá que fomos nós os autores da façanha. O que os senhores dizem do meu plano?

Marshall, muito pensativo, continuou limpando as unhas.

— Hum...! — pigarreou evasivamente a mutante telepata Ishy Matsu.

John Marshall enfiou as mãos nos bolsos da calça. Seu olhar procurou o comandante da Califórnia.

— Tiff, que diz você de tudo isto? Tem o nosso amigo de fato uma boa idéia, ou você possui outros planos?

— Não vejo caminho melhor do que este. Haveria outras possibilidades, mas muito complicadas e perigosas. Vamos arriscar. Tenho que encontrar o início do funil de descarga, independente do fato de ele se achar num planeta ou numa estação espacial. Só desejo uma coisa, é que nossos agentes não tenham se enganado. E se a garganta de transição for de origem natural, podemos voltar satisfeitos.

O semblante de Marshall se anuviou. Tifflor não gostou quando percebeu o olhar sério do telepata.

— Não, não podemos... — opôs-se o chefe dos mutantes. — Pelo que Atlan contava sobre a submersão da Atlântida, sabemos que ele conseguiu, naquela época, fazer desmoronar semelhantes formações energéticas por meio de fogo cerrado de mecanismos de impulsos reativados. Possivelmente, vamos nos orientar por estes dados e aproveitar a experiência dos velhos arcônidas, ou melhor, fazer o que seus cosmonautas fizeram já há milênios. Está certo? Vamos embora?

Tifflor se levantou. Tinha compreendido tudo muito bem. John Marshall estava firme na sua resolução de terminar com o estranho fenômeno, de um modo ou de outro. Os mutantes voltaram à sala, pois não tinham nada a ver com o comando da nave.

Meia hora mais tarde, já estavam prontos os cálculos para a transição. Tifflor os conferiu três vezes, para que houvesse absoluta segurança nos dados mais complicados. Conforme os cálculos, a Califórnia haveria de chegar ao ponto do hiperespaço, que equivalia para os druufs ao que é para nós o espaço de Einstein. Já este fato bastaria para provar, logo que penetrassem no segundo plano temporal, que a nave estava no local certo.

— Transição cerca de seis minutos após a partida — comunicou Tifflor através dos alto-falantes. — Colocar os trajes espaciais. Os mutantes, que sairão em missão, devem usar os uniformes arcônidas de combate. Pode ser que os teleportadores tenham de saltar antes do tempo combinado. Não gostaria de perder uma excelente oportunidade por mero descuido. Marshall, por favor, apanhe com o oficial do almoxarife as microbombas já preparadas, distribuindo-as com seu pessoal. O negócio tem de ser bem feito.

Havia um novo surto de vida dentro do pequeno cruzador. Com os motores funcionando em plena carga, foi dada a partida. Os cento e cinqüenta tripulantes já estavam familiarizados com o grande abalo nervoso, que então se iniciava. Fazia-se até o impossível para que todas as mensagens fossem rápidas e claras.

Os dispositivos de absorção de pressão amorteciam as alucinantes forças da inércia, provenientes da súbita aceleração.

Ninguém a bordo notou que a Califórnia varava o estranho universo druuf a mil quilômetros por segundo. Para Julian Tifflor, as qualidades daquela pequena nave eram excelentes. Embora, do ponto de vista de armamentos, a Terra fosse inferior a Druufon, os descendentes de inseto não podiam apresentar um aparelho que se comparasse à Califórnia, principalmente no tocante aos grandes valores de aceleração. Além disso, os aparelhos dos druufs, exatamente devido à grande diversidade de planos de tempo, conseguiam no máximo atingir a metade da velocidade da luz.

A situação, porém, se alterava assim que passavam para a transição linear. Aí, novamente, eram superiores às construções terranas.

Depois de alguns minutos, a carcaça do cruzador começou a vibrar intensamente. Os motores de propulsão já estavam funcionando com injeção extra de combustível, para que a velocidade fosse mantida nos valores previstos. Dez segundos antes da transição, Tifflor ligou as telas da instalação do intercomunicador.

— Vamos saltar. Está tudo em ordem com você, John?

— Certo, está tudo bem. Boa sorte! Veio então a dor da desmaterialização, penetrando até na medula dos ossos. Já deviam estar acostumados, no entanto cada salto parecia ser o primeiro, uma verdadeira tortura...

A nave Califórnia desapareceu do plano normal dos druufs. Não houve a onda de abalos, devido ao fato de estarem ligados os aparelhos de absorção estrutural.

Surgia assim a possibilidade de emergirem inesperadamente diante do sistema de Siamed.

 

As oscilações do décimo terceiro planeta inspiraram cuidados. Não havia mais dúvida de que, numa órbita aparentemente impossível, estavam se aproximando cada vez mais do gigantesco sol vermelho.

De acordo com as medições da astronomia, este sol não era muito quente, mas para os habitantes da base de Hades ele se assemelhava a um forno atômico, cujas labaredas, chamejantes de hidrogênio, podiam a qualquer momento cobrir toda a superfície do planeta.

Hades mantinha virada para o sol sempre a mesma face. Na parte ensolarada a temperatura média era de 168 graus. A outra metade, de eterna noite, já havia há muito perdido os últimos restinhos de calor. A temperatura ali reinante era de zero absoluto.

A base estava construída na zona do lusco-fusco. Tinha a extensão de apenas oitenta quilômetros de largura, no entanto achava-se sujeita a variações de suas dimensões, e seus limites não eram constantes.

O Capitão Rous estava olhando para seu relógio. Na parte traseira do grande capacete pressurizado, o motor do condicionador de ar abafava os pequenos ruídos que vinham de fora. Hades havia girado novamente pela fração de um grau. Provavelmente, este planeta, mais ou menos das dimensões de Marte, estava sujeito de tal modo às influências gravitacionais do gigantesco sol vizinho, que uma parte considerável da zona de meia-luz entraria agora na parte iluminada.

Em crescente desassossego, Rous olhava agora para as colinas da esperança do outro lado. No primeiro ataque, haviam incendiado nos seus flancos uma estação camuflada nas cavernas, que foi reconstruída e ampliada nos meses subseqüentes.

Jatos de luz de um vermelho intenso se acumulavam na crista íngreme dos morros, em direção ao céu escuro. Não iria demorar muito até que a região sombria se convertesse num cadinho de fundição.

Rous se retirou para a proteção de um rochedo bem alto. Já estava na hora de deixar aquele ambiente desagradável, a fim de procurar abrigo nas instalações bem refrigeradas da base.

Mais para trás, a um quilômetro, começavam a evaporar os gases antes congelados. O calor aumentava sensivelmente. Dentro de poucas horas, se daria uma tempestade de gás de grande violência.

Capitão Rous resolveu deixar seu posto de observação. Antes de o fazer, porém, virou a parte superior do corpo para trás, para assim ampliar seu campo visual. Respirando profundamente, olhou para o espaço cintilante de estrelas. Os poucos resíduos de gás não podiam ser tomados como atmosfera.

De repente, Rous viu o que os homens da Califórnia não tinham ainda presenciado: o clarão vermelho-escuro da técnica dos druufs. Tal clarão começava como uma formação tubular, fina, partindo das proximidades do décimo sexto planeta, para dali em diante se perder no espaço infinito.

Caso Rous se inclinasse mais para trás, veria bem nitidamente o surgimento do terrível funil.

Gemendo, com as mãos procurando um apoio, o capitão se levantou. Seu uniforme, muito pesado, dificultava-lhe cada movimento, apesar da gravitação relativamente reduzida de apenas 0,35 Gravos.

Rous estava pensando que já fazia muito tempo que não conseguia um contato via rádio com os cruzadores terranos, os pontos de ligação com a Terra. Aliás, estava prevista a chegada de uma nave com transmissor fictício, que viria para a região do funil de descarga, não muito longe da base.

Rous sentia-se um pouco perdido no seu posto avançado. As últimas informações sobre os acontecimentos na Terra, ele as recebera do Major Matsuro, comandante da Nippon.

Matsuro falara de um ataque dos druufs e, logo após, desaparecera com seu cruzador.

Rous podia imaginar o que estava se passando no sistema solar. Amaldiçoou o destino que o prendia aqui neste planeta do inferno. Desanimado, olhou de novo para a formação luminosa na sua frente. O vento provocado pelo movimento dos gases estava cada vez mais forte e os raios do sol mais intensos.

“Se dependesse de mim, já teria abandonado este recanto perdido do espaço”, refletiu.

Preocupado com estes pensamentos, assustou-se com o ruído no alto-falante do capacete. Era o Tenente Kagus que se apresentava.

— Alô, Marcel Rous, você ainda está vivo?

— Obrigado pela bela saudação — respondeu Rous mal-humorado. — Se eu pudesse, destruiria esta toca aqui na rocha. A vibração aumenta. Dentro de três ou quatro horas teremos duzentos graus Celsius aqui na entrada da caverna.

— Oh! Que coisa “gostosa”! Por este motivo é que você deve vir correndo para cá. Creio que acabamos de registrar a transição de uma nave terrana. De qualquer maneira não houve as habituais ondas de choques e nem o estremecimento próprio das naves druufs. Pode bem ser possível que alguém, protegido pelo dispositivo de absorção de freqüências, tenha penetrado no hiperespaço.

— Só agora é que você vem dizer isto!? — exclamou Rous, interrogativo.

— Como assim só agora? Mal comecei a falar!

O capitão se pôs a caminho. Depois de dez minutos, chegou ao tabique onde achavam-se os homens. Era tão bem camuflado que ninguém o descobriria.

Impaciente, Rous olhava para o movimento lento da enorme porta blindada, atrás da qual começava a estreita comporta do ar pressurizado. Quando conseguiu ouvir o chiar do ar que entrava, Rous bateu com a palma da mão no botão do interruptor do comando magnético. O ar comprimido escapou de uma só vez.

Sem dar atenção ao sentinela que o saudou, Rous ganhou o corredor. A central de rastreamento e de rádio estava repleta de terranos.

À esquerda da central, começavam os aposentos onde se localizavam os transmissores fictícios. Com o uso destes aparelhos, se conseguia contato direto com as rápidas naves do Império Solar, sem se expor ao perigo de a mensagem ser captada pelos adversários.

Os transmissores fictícios trabalhavam em planos superpostos. Quando dois aparelhos estavam bem sintonizados entre si, não havia perigo de erro, independente das muitas influências do meio ambiente. Ocorreu certa vez um erro, mas descobriu-se a causa posteriormente, e tudo foi sanado.

Alguém puxou a porta corrediça. Rous entrou no posto de rádio e completamente cansado procurou uma cadeira.

O Tenente Kagus estava concentrado diante dos instrumentos de medição. Sem tirar os olhos dos aparelhos, falou:

— Já estão emergindo novamente no espaço normal. Aposto qualquer coisa: trata-se de uma nave terrana. A curva branda já é uma característica de nossas naves. Alguém deu um salto espacial, protegido pelo aparelho de absorção de freqüências. Olha isto aqui, por favor.

O diagrama da medição era de fato interessante. Não se constatou realmente nenhum abalo estrutural. Apenas um resto insignificante de irradiação de um compensador foi registrado pelos sensibilíssimos instrumentos especializados.

— Quem será? — perguntou Rous. — O que você acha? Antes de mais nada, como é que esta nave conseguiu penetrar no espaço dos druufs? Se tivesse irrompido pela garganta de descarga, teríamos percebido o imenso clarão no espaço. Já há muitos dias, os druufs não permitem a passagem de ninguém. Mantêm várias esquadrilhas postadas bem na entrada da garganta.

Rous continuou examinando as escalas do rastreador de freqüências. Mas não houve mais nenhum registro.

Kagus tirou o fone do ouvido.

— Se não estou enganado, alguém lá na Terra se lembrou dos velhos geradores de campos visuais. Por meio deles se pode também penetrar no segundo plano. Temos de nos preparar para uma sobreposição de campo a qualquer momento.

Rous olhou para seu colega, com a fisionomia carregada.

— Sobreposição de campo? Quer dizer então que você está acreditando numa destruição do funil de descarga?

— Exatamente. Se o chefe mandou um grupo de pessoas por intermédio do campo óptico para o espaço dos druufs, então não podem ser homens comuns. Estou crendo numa missão especial dos mutantes. Afinal de contas, não comunicamos ao comandante da Nippon nossos cuidados com a estranha formação aqui perto de nós? Não posso imaginar de que maneira um funil de descarga, instalado nesta distância, aqui em Druufon, possa servir para um ataque à Terra, mas de qualquer maneira, este funil aqui está. Por outro lado, também, não se pode imaginar que o Major Matsuro não tenha comunicado aos seus superiores na Terra o que viu aqui. Assim, me parece muito lógico que Perry Rhodan não perdeu a oportunidade de tentar alguma coisa.

Kagus tamborilava com os dedos na fita plástica com os dados do rastreador, enquanto Marcel Rous continuava pensativo.

— Só podemos é esperar pelo que vai acontecer. É claro que se eles estiverem por aqui, não cometerão a imprudência de fazer uso do rádio. O perigo de serem localizados pelo rádio é muito grande. De qualquer modo, temos de nos preparar para coisas desagradáveis. Talvez sejam obrigados a aterrissar em Hades. Sargento Eicksen, você assume com seu grupo, a partir de agora, uma severa vigilância aqui no posto do transmissor. Quando as máquinas derem o sinal verde, quero ser avisado imediatamente.

Assim já estavam cientes do mais importante. A pequena tripulação de Hades sabia da gravidade dos acontecimentos que estavam para se desenrolar.

Ignoravam, porém, a extensão da invasão dos druufs. Para os seus conceitos, o funil, surgido nas proximidades da zona de descarga, tinha de destruir o espaço de Einstein. No entanto, ele se aproximava bastante da Terra e esta era a grande diferença.

Rous e Kagus deixaram o posto de observação. Depois de fechar a porta, o capitão ainda perguntou:

— Você crê mesmo na teoria de que falou? Na ação dos mutantes?

Kagus sorriu.

— Você deveria conhecer os especialistas do Comando Supremo melhor do que eu. Acha que eles teriam ficado parados, depois de nossa comunicação? Além do mais, há poucos minutos uma nave terrana entrou em transição. Deve ter sido aqui no espaço dos druufs, do contrário nossos instrumentos não a teriam registrado. Se nossa gente encontrar o funil, temos que estar preparados para tudo.

— Se antes disso não forem derrubados pelos milhares de aparelhos druufs — disse Rous sério. — O sistema de Siamed está coalhado de belonaves de todos os tipos.

 

A permanência num local situado a dez horas-luz fora do sistema de Siamed foi muito curta. O Coronel Tifflor já estava preparando a próxima transição, depois de ter constatado que não tinham sido localizados pelos druufs.

Enquanto isto, o intenso movimento de naves, que reinava no espaço dos 62 planetas, veio favorecer à Califórnia. Devia ser praticamente impossível para as bases localizadas nos planetas distinguirem o relativamente pequeno cruzador terrano, entre a multidão de seus próprios aparelhos.

Ainda não tinham encontrado o funil. Mas depois de uma procura febril, um dos cientistas da equipe chegou ao pensamento certo.

Estava mais do que evidente: uma sondagem por via energética era totalmente desaconselhada, devido aos efeitos de sobreposição. Um reconhecimento por via óptica também seria falho, devido às enormes dimensões de um tal funil. Quando se estava perguntando se já estavam no local certo, um dos físicos disse, depois de uma tremenda imprecação:

— Há quanto tempo existe este funil? Só há poucos dias? E qual é a velocidade da luz no espaço dos druufs? Mais ou menos cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo? Então não se admirem se ainda não pudemos ver o fenômeno. A luz não chegou aqui ainda, meus senhores. Voemos um pouco mais, e ela aparecerá.

Foi este o motivo que levou Tifflor a fazer uma segunda transição.

Agora, depois do segundo salto, estava tudo claro. As grandes telas panorâmicas não conseguiam captar o fenômeno luminoso em toda sua grandeza. Tifflor calculou sua altura em dez bilhões de quilômetros. A boca do funil poderia ter, na parte de transição onde se torna quase invisível, aproximadamente vinte milhões de quilômetros em diâmetro.

Eram espaços enormes, que, no entanto, para os parâmetros astronômicos, eram pequenos e de pouca significação. De qualquer maneira, o diâmetro era suficiente para permitir a uma frota inteira a livre entrada no espaço de Einstein.

Os instrumentos de rastreamento da Califórnia trabalhavam sem cessar. Tinha-se chegado ao décimo quinto planeta, vindo do plano superior. O décimo sexto planeta, a pátria dos druufs, distava ainda duzentos e cinqüenta milhões de quilômetros. Nas telas de ampliação de rastreamento, mais veloz que a luz, já brilhava o número dezesseis — chamado de Druufon — do tamanho de um punho cerrado.

Bem perto de Druufon, começava, em forma de um tubo enorme, a extremidade do funil de descarga, que estava sendo a causa da desgraça do sistema solar.

Tifflor supunha naturalmente que este conjunto artificial repousasse também numa base artificial. Da anunciada estação espacial, não se sabia nada ainda. Tifflor estava pensando em chamar a base de Hades e pedir informações.

Isto era, porém, muito perigoso. Portanto, acabou desistindo. Um radiograma podia ser uma verdadeira traição, mais comprometedor do que o aparecimento do próprio cruzador terrano.

Um rugido tonitruante das turbinas superpotentes fez estremecer todo o bojo do cruzador. Ainda estavam nas manobras de frenagem. A seguir, tentariam, com a nave parada, colher melhores dados sobre a localização do fenômeno luminoso.

Além disso, era fato notório de que um corpo parado tinha muito mais peso de um objeto a grande velocidade. Temia não poder levantar vôo mais uma vez. Três minutos depois, a Califórnia parou completamente.

Com a nave pairando no espaço, os técnicos rastreadores começaram de novo a procurar a estação espacial. Os ecos registrados, porém, provinham de naves dos druufs que decolavam ou aterrissavam. Parecia mesmo que o décimo sexto planeta era a grande base da frota. Quanto mais se aproximavam da fonte de interferência, mais confusas se tornavam as medições.

— Continue tentando — disse Tifflor. — Enquanto permanecermos incógnitos, o tempo perdido não tem importância. Agora, como anda a situação na Terra, nem é bom pensar.

O comandante queria logo depois chamar John Marshall. Deixou de fazê-lo porque Goratchim lhe disse que Marshall estava ocupado. O comandante se contentou então em observar a cena tão singular através das telas do vídeo.

Os membros do corpo de mutantes, com poderes telepáticos, estavam todos de pé de mãos dadas. Eram Gucky, John Marshall, Betty Toufry e Ishy Matsu. Seus rostos pareciam vazios e os olhos arregalados não tinham nenhuma expressão.

Fora deles, não havia ninguém por perto. Uma corrente de vontades, formada por telepatas tão competentes, não podia ser perturbada por nenhum ruído.

A única coisa a mover-se eram as tele-câmaras de captação óptica, que aliás não faziam o menor ruído.

Marshall fazia o papel de porta-voz do conjunto de vontades. Os outros três mutantes simplesmente lhe colocavam à disposição suas forças individuais através do contato manual. Forças estas que Marshall podia aplicar tanto para sua própria irradiação, como também para ampliação dos impulsos recebidos.

Somente depois de dez minutos da mais intensa concentração, conseguiram o contato desejado.

A distância não lhes causou propriamente nenhuma dificuldade. Mas pelo fato de que Ellert, que por uma rara fatalidade, tinha se apossado da personalidade do cientista Onot, tivesse levado tanto tempo para responder aos insistentes apelos dos mutantes, já se podia perceber que ele se achava em grandes dificuldades. Marshall teve que transmitir muitas e muitas vezes os impulsos combinados, até conseguir se comunicar.

O subconsciente de John Marshall captou uma voz fraca:

— Quem chama? É John?

— Você está em apuros, nós o sentimos. Formamos uma corrente. Podemos ajudá-lo?

— Não. Consegui a muito custo dominar o espírito de Onot que se revoltou. Vocês vieram por causa do funil?

Marshall confirmou. Ele e os outros mutantes tiveram que fazer o maior esforço para ampliar os impulsos de Ellert, debilitados por sua extrema fraqueza.

— Estamos à procura da estação espacial, Ellert.

— Ela gira em torno de Druufon a uma distância de três milhões de quilômetros. Vocês devem destruí-la. Os maiores cientistas de Druufon estão dentro dela. Tudo de importante se encontra nessa estação. Essa estação é a responsável pelo funil. O aparelhamento necessário para criar o tal funil foi construído de acordo com as descobertas do cientista Onot no seu novo compactador do tempo. Essa estação foi a primeira feita pelos druufs. Se for destruída, e com ela também os responsáveis pela sua montagem, não haverá mais possibilidade de os druufs reconstruírem uma outra plataforma espacial. Onot está praticamente numa prisão preventiva. Ele e eu estamos no planeta. Ataquem o quanto antes, do contrário será tarde.

A seguir, a comunicação foi interrompida. Por mais que Marshall chamasse, Ellert não respondia.

Tifflor estava numa grande excitação. Ao desaparecer a rigidez da expressão dos mutantes, o coronel perguntou afobado:

— Que aconteceu? Que foi que ele disse? Por favor, digam alguma coisa, podemos ser descobertos a qualquer momento.

— A estação espacial está girando em volta de Druufon, a uma distância de três milhões de quilômetros. Por isto é que ela não pode ser localizada. O gigantesco planeta encobre tudo. Ellert parou de falar de repente. Receio que ele não esteja bem. Deveríamos tentar auxiliá-lo...

— Não!

Marshall estranhou o tom duro do “não” de Tifflor. Quando olhou para cima e examinou a tela, sua fisionomia se transformara. Era um Coronel Tifflor diferente, aquele homem de aço, pronto para qualquer sacrifício.

— O salvamento de Ellert será uma incumbência para outra expedição. Não estamos nem preparados para isto, nem temos o tempo necessário. John, vamos fazer mais uma transição. Preparem-se. Acho que não temos mais um minuto a perder. Venha com os três telepatas para a central de comando.

Julian Tifflor tentou abrandar suas duras palavras. Notou que tinha sido um pouco ríspido. Aquele “não” ainda lhe estava queimando na boca. Levado pelo remorso, olhou calmo em volta. Mas ninguém demonstrava qualquer sinal de reação.

Enquanto se faziam os cálculos para a curta transição, apareceram Marshall, o rato-castor Gucky, Tako Kakuta e o negro Ras Tschubai. Com exceção de Marshall, todos eram teleportadores. Todos vestiam trajes espaciais de combate de fabricação arcônida, cujo envoltório de proteção individual dispensava a pesada couraça. Traziam a tiracolo um objeto preto brilhante, do tamanho de uma bola de futebol. Ali estava uma terrível arma de destruição.

Três minutos antes da preparada transição, a Califórnia foi descoberta, apesar do envoltório protetor. Do posto de radiotelegrafia, o sentinela chamou:

— Tenente Instedt, Sir. Acabamos de registrar hiperimpulsos, com volume sete. São três reflexos diferentes, agora já cinco. Acho que nos descobriram.

— Ecos de ondas de choque, em amplitude rasa — comunicou a central de rastreamento. — Algumas naves penetram no meio-espaço, estamos perdendo o contato. O eco das ondas indica motores de propulsão linear. Fim.

Tifflor era a calma em pessoa. Para não perder tempo, se absteve de conferir, como sempre fazia, os cálculos para a transição.

Enquanto ainda estavam entrando os últimos dados para o salto, as turbinas da Califórnia já estrugiam, e, em poucos segundos, deslocou-se para o espaço.

A brusca aceleração a atirou para longe.

Quando o posto de rastreamento anunciou a presença de cinco naves dos druufs, a Califórnia já tinha percorrido alguns milhões de quilômetros.

Os valores para o salto ainda não estavam completos. A programação automática do campo estrutural levava sempre algum tempo.

Nas telas que correspondiam ao campo óptico instalado fora da nave, as estrelas, até então bem claras, começaram a se ofuscar. Estava-se aproximando da velocidade da luz. Quando o zumbido dos motores de propulsão indicou que a injeção adicional de combustível havia entrado em ação, Tifflor sabia que, voando normalmente, não seria mais alcançado. As naves druufs não conseguiam nem a rápida aceleração, nem a velocidade final das naves terranas.

Tifflor calculou que ainda dispunha de cinco minutos. Com toda calma, virou-se para os três teleportadores do grupo:

— Eis o meu plano, que vocês devem seguir rigorosamente: é impossível para a Califórnia atacar com tiros de canhão a estação espacial, pois poderiam nos abater. Vamos nos rematerializar a uma distância de três milhões de quilômetros, antes do planeta principal do sistema. Depois, terei o espaço de um minuto para localizar a estação e atacá-la numa ação fulminante.

“Assim que ela aparecer nas telas e vocês conseguirem se orientar, saltem com as bombas. Quando desaparecerem, eu entro numa curta transição. Assim, desapareço do teatro de operações. Depois da manobra de reaparecer no espaço, vou levar cinco minutos para as operações de frenagem. Depois, mais cinco minutos para calcular a transição de volta. Vou me abster de, antes da volta ao hiperespaço, fazer outra transição. Em compensação, vou me arriscar a uma perigosa transição de nível para chegar exatamente diante da estação espacial.

“Assim que acontecer tudo isto, vocês receberão de mim um curto impulso em hiperonda. Concentrem-se de novo e pulem de volta para bordo. Ao todo, terão de agüentar dentro da estação dez ou doze minutos. Antes disso, certamente não poderei estar de volta. Agora, quando receberem meu impulso, terão apenas trinta segundos para atingirem a nave. Está tudo claro? Há alguma pergunta a fazer?”

Gucky se apresentou:

— Por que você não espera um instante, até que atiremos as bombas? Isto não dura mais que um minuto.

— Um minuto eu já vou levar para procurar a estação. Outro minuto seria exatamente o tempo que os canhoneiros druufs levariam para transformar a Califórnia numa tocha viva. Temos que ficar com o meu plano. Vocês saltam, eu desapareço no hiperespaço, detenho a Califórnia, volto e lhes envio o curto impulso. Prestem atenção nos trinta segundos que lhes restam depois do impulso recebido. Não posso esperar um segundo mais, para reiniciar o vôo. Vocês vão conseguir isto?

Tako Kakuta sorriu.

— É a isto que eu chamo de um plano de emergência perfeitamente estudado! Daremos conta do recado.

Logo depois, constatou-se a aproximação de nove espaçonaves druufs. Estavam perseguindo a Califórnia, que se mantinha no espaço normal por meio de aparelhos com propulsão linear.

— Agora — disse Tifflor — toda a frota de emergência será avisada. Atenção, transição. Quero deixar para longe de nós esta barreira de fogo dos druufs.

Quando os perseguidores surgiram de repente no espaço normal do Universo dos druufs, a Califórnia já havia desaparecido na dimensão superior. Os projéteis de raios energéticos disparados contra ela se desfizeram inutilmente no espaço.

Simultaneamente, o posto de rastreamento de Hades registrava novos dados. O Capitão Rous deu alarme geral, o mesmo acontecendo com as naves de reconhecimento em torno da estação espacial. Demorou poucos instantes, até que o cruzador desaparecido terminasse sua reduzida transição a duzentos e cinqüenta milhões de quilômetros para frente.

Quando se tornou novamente visível, apareceu também nas telas das naves dos druufs.

 

Uma coisa extraordinária foi a visão dos projéteis de raios energéticos disparados pelos druufs. Uma coisa impossível no espaço de Einstein, em decorrência da absoluta ausência da matéria, se tornava aqui uma fantástica realidade.

Os feixes de impulsos, em consonância com as leis do tempo ali reinante, alcançavam somente a metade da velocidade da luz. Foi assim que o Comandante Tifflor achou muito simples poder escapar dos raios mortíferos e continuar tranqüilo em sua rota.

Mas, por quanto tempo ainda teriam tanta sorte assim? Tifflor sabia que a situação daqui para frente pioraria. Estava comandando a Califórnia com controle manual. Conseguia, assim, manobras incríveis, com as quais escapava dos inúmeros projéteis do inimigo.

O espaço entre os planetas, de um brilho vermelho-sombrio, foi percorrido por uma tempestade de cintilações das mais pesadas descargas térmicas.

Provavelmente devia haver, bem próximo aos dois sóis, uma espécie de micro-matéria cósmica, que era atraída e mantida presa por poderosos campos de gravitação. Quando Tifflor mandou abrir fogo, formaram-se, nas bocas dos canhões da nave terrana, flamejantes bolas de fogo. Os dois disparos, feitos no correr de cinco segundos, atingiram em cheio seu alvo. Os sóis atômicos coruscantes tragaram as duas naves druufs que estavam no encalço da Califórnia.

Foi fácil localizar a estação espacial, mais fácil do que se esperava. Bastou que se orientasse pela delgada extremidade tubular do grande funil. Divisava-se com nitidez a estranha figura luminosa no espaço. Ali, onde a garganta começava, devia estar instalada a usina flutuante. Não podia ser de modo diferente.

Tifflor não se deteve. Os motores de propulsão da Califórnia trabalhavam com toda a potência. Há dois segundos atrás, os campos magnéticos de proteção antichoque foram ligados automaticamente, em virtude da estranha e surpreendentemente grossa camada de micromatéria no meio do sistema, causando desagradáveis atritos nos flancos da nave.

O bojo esférico do cruzador já estava atingindo a coloração de metal incandescente, quando os projetores entraram automaticamente em ação. Ionizavam as diminutas partículas, expulsando-as para longe do trajeto da nave.

Do minuto que Tifflor tinha dado, como tempo suficiente para o vôo, quarenta segundos já se haviam passado. Na grande tela da frente, viu-se claramente uma figura em forma de disco, com cerca de oito quilômetros de diâmetro por um e meio de altura.

Antes de esgotar o prazo estabelecido de um minuto, parecia que os postos de defesa automática da frota de vigilância estavam atirando. Os ângulos de correção foram bem calculados, pois o primeiro projétil atingiu o envoltório de proteção.

Isto aconteceu um minuto antes da planejada ação. Vencido o minuto, Tifflor sabia que o tempo urgia. Um segundo projétil veio de encontro à barragem magnética e, no centro da nave, houve um ruído como de um grande sino rachado. A estação espacial distava ainda cinqüenta mil quilômetros.

— Saltem! — gritou o comandante, já com um atraso de uma fração de segundo.

Os três teleportadores sabiam que venceriam aquela distância, apesar das perigosas bombas.

No local onde os três estavam em grande concentração, surgiram pontos luminosos de várias colorações, que logo se dissolveram.

No mesmo instante, Tifflor puxou a alavanca de transição. A Califórnia desapareceu no hiperespaço, quando quatorze projéteis de raios térmicos cruzaram o local onde devia estar, se continuasse em seu vôo normal.

Dentro da estação espacial, onde já reinava o estado de alerta, os cientistas druufs se parabenizavam eufóricos. Estavam convencidos de terem repelido um desesperado ataque de um comando suicida, ainda mais que se havia percebido claramente como o estranho inimigo tentara atingir seriamente a grande estação flutuante. Não tinha acertado nenhum tiro, a estação estava intacta, o funil funcionando como antes.

Exatamente esta crença é que Tifflor queria provocar neles. Tudo dependia agora de que os mutantes pudessem agir sem serem vistos. Pelos cálculos humanos, tudo devia dar certo. Ninguém podia contar com o fato de que três seres dotados de forças sobrenaturais pudessem sair de uma nave em velocidade quase idêntica à da luz, sem uma nave auxiliar, ou qualquer outro meio mecânico.

Quando a Califórnia se rematerializou, e seus oficiais navegadores começaram logo os cálculos para um salto de regresso, chegaram também ao seu objetivo os três mutantes.

 

Ras Tschubai teve o azar de saltar exatamente num local desprotegido, onde estavam instalados transformadores de alta tensão. Ofuscado por incessantes descargas de curto-circuito dos cabos de alta voltagem, gemendo de dores cambaleou para trás. Seu corpo ainda estava ressentindo-se da terrível compressão da desmaterialização. Só no último instante notou-se que toda a superfície da enorme estação estava envolta numa barragem energética em forma de uma campânula de proteção.

Aparentemente, a estação possuía uma estranha energia. Tschubai já tinha sentido isto, pois quando tentou andar mais para frente, viu-se preso...

Sentou-se num canto mais protegido, prestando muita atenção para não encostar nos cabos condutores desprotegidos.

Do outro lado da parede metálica, roncavam as possantes máquinas de propulsão. A julgar pelo ruído, deviam ser fornos de grande potência, acoplados a conversores. Neste sentido, o modo de agir dos druufs não era essencialmente diferente do dos terranos. Apenas usavam para estabilização de sua energia nuclear um outro processo catalítico.

Sem perda de tempo, Ras começou a agir. Com todo cuidado, desatarraxou a bomba de seu cinturão, olhou para o relógio, e regulou o detonador, descontando os segundos já decorridos, para um prazo de quinze minutos.

A ação tinha sido planejada para três homens, a fim de se poder atingir um alto grau de segurança. Mesmo que duas bombas fossem descobertas a tempo, sempre sobraria uma, que bastaria para destruir toda a estação flutuante.

A partir daí, Ras Tschubai ficou esperando pelos impulsos combinados. Seu receptor de pulso estava ligado. Os trinta segundos depois dos impulsos tinham que ser aproveitados, ou não haveria mais um regresso.

Gucky e Tako Kakuta tiveram a sorte de aterrissar nos grandes corredores, onde havia muitos cantos para se esconder. Depois de chegarem à estação, o resto do trabalho foi muito simples. Como se esperava, as grandes instalações técnicas eram quase todas de controle remoto. Gucky conseguiu ver apenas um druuf, que naturalmente estava de ronda.

Exatamente aos 12:03 minutos, os microcomunicadores se fizeram ouvir. Ao mesmo tempo, escutaram as tonitruantes descargas dos canhões energéticos, com as quais a estação espacial devia estar bem equipada para se defender.

Pularam ao mesmo tempo. Quando se materializaram, estavam a bordo da nave terrana, cujo comandante tentava, com manobras desesperadas, fugir ao fogo cerrado dos druufs, que atiravam sem parar. Depois de ter recebido dois projéteis, arruinando o envoltório de proteção, Tifflor resolveu entrar em transição, embora não tivesse ainda a necessária velocidade prescrita.

As dores da desmaterialização foram terríveis, muito mais fortes do que todas as vezes anteriores, isto porque não se atingira a necessária velocidade para abrandar o choque, como nos saltos normais.

A Califórnia desapareceu na quinta dimensão. Quando voltou ao espaço normal, o gigantesco funil de descarga havia sumido. Estavam nos confins do sistema Siamed. Mas, no lugar onde o rastreador ainda há pouco mostrava o grande funil, o campo óptico apenas apresentava uma eclosão energética.

E, no entanto, ainda se podia ver o funil em sua forma primitiva. Era naturalmente uma ilusão ótica, já que no espaço dos druufs os raios luminosos tinham a metade da velocidade, produzindo uma imagem que já não existia mais.

Do mesmo modo, não se podia ainda ver a gigantesca bola de fogo. Sua luz ainda não havia chegado até ao sexagésimo segundo planeta. Somente um rastreamento espontâneo, trabalhando à base de maior velocidade que a luz, podia provar que o sol artificial não se identificava com o funil de descarga.

Ras Tschubai e Tako Kakuta sofriam terrivelmente com um grande mal-estar. Gucky jazia sem sentidos. O salto superapressado e as dificuldades com o singular envoltório de proteção da estação já destruída haviam causado um profundo esgotamento nos três teleportadores.

Tifflor, porém, estava de excelente humor. Podia anunciar seu sucesso. Mas lhe faltava ainda sair são e salvo do Universo dos druufs.

A Califórnia continuou seu trajeto, possivelmente se preparando para a transição. Tifflor parou o cruzador exatamente no local onde Rhodan pretendia aparecer com a Drusus e montar o campo óptico. Todas as máquinas que pudessem traí-los por suas irradiações estavam paradas. O ágil cruzador terrano parecia uma nave-fantasma.

A única coisa a funcionar era um reator de alimentação independente, cuidadosamente blindado, que fornecia a energia para os sensibilíssimos rastreadores. Por meio deles se constatava se a Califórnia tinha sido atingida por impulsos sonoros e desta maneira localizada pelos druufs.

 

Três horas após a erupção da quinta onda de assalto, detonaram nas luas de Júpiter as primeiras bombas de telecomando. Um cruzador, acidentalmente atingido, rolou sobre um grupo de caças e destróieres, já prontos para decolar.

No setor central, rugia a mais incrível das batalhas. As perdas do Império Solar eram tremendas, no entanto, os druufs já haviam perdido cinco vezes mais em espaçonaves do que os terranos.

Os supercouraçados formavam a espinha dorsal da defesa. Principalmente a Drusus causou tantos prejuízos ao inimigo com seu transmissor fictício, que, em todo lugar onde aparecia a nave gigante, abriam-se enormes lacunas na linha de ataque dos druufs.

Nove horas após o regresso da nave capitania, aconteceram duas coisas importantes. Um radiograma anunciava que o funil de descarga perto do sistema Capela tinha sido destruído repentinamente. Os gritos de alegria a bordo das naves terranas, Rhodan não conseguiu ouvir, mas notou bem que suas forças, de moral irremediavelmente deprimido, se lançaram com novo entusiasmo ao ataque.

A esquadra druuf sediada em Marte foi aniquilada em pouco tempo. Mas ainda havia muita nave dos druufs pelo sistema solar, para se poder proclamar uma vitória da Terra.

Rhodan ordenou então, por hiper-rádio, a retirada para a terceira e última linha de defesa do Império Solar. Unidades danificadas de todos os tipos lá estavam reunidas.

Foi então que se deu o segundo grande acontecimento, decisivo para o resultado das operações.

Instantes depois da destruição do couraçado Osage, sob o comando do Coronel Poskanow, os rastreadores estruturais das espaçonaves terranas ameaçavam rebentar.

Num movimento surpreendentemente rápido, surgiram do hiperespaço numerosas belonaves. Atlan agira mais rápido do que se esperava. Apenas nove horas depois do pedido de socorro, chegaram dez mil belonaves pesadas e pesadíssimas, da frota robotizada dos arcônidas.

Estavam sob o comando do almirante arcônida Senekho, que após a troca radiofônica das senhas combinadas, entrou imediatamente em ação, para expulsar os invasores.

Cinco minutos mais tarde, chegaram outras quatro mil naves, cuja forma externa demonstrava serem construções dos saltadores.

Foi a primeira vez que os comerciantes das Galáxias penetraram livremente no sistema solar, naquele sistema que eles há tanto tempo procuravam sem sucesso.

— Venho por ordem do regente, administrador — reboou a voz de um velho patriarca de barba branca, através dos alto-falantes. — Cokaze é meu nome. Sou o chefe de minha estirpe. Onde é que se torna mais importante nossa intervenção?

Rhodan parecia paralisado diante da tela. A expressão sombria do velho despertou em Rhodan toda a antipatia que nutrira durante longos anos contra os saltadores.

Com muita reserva, deu algumas informações. Ao mesmo tempo retirou suas unidades menores da frente de combate. Somente os couraçados e supercouraçados, como também os cruzadores não danificados, ficaram na linha de frente. Os extenuados pilotos dos caças e dos destróieres de três homens voaram a toda, de volta para suas bases.

A partir deste momento, os oficiais do estado-maior, a bordo da Drusus, não tiveram mais nada que fazer, a não ser observar de longe a sistemática destruição das restantes oito mil naves dos druufs.

Depois de quinze minutos, o comandante dos inimigos, que não era um ser humano, reconheceu a situação. Vendo que suas naves iam explodindo uma após a outra, sem poder mais contar com reforço, em virtude do súbito desaparecimento do funil de descarga, deu ordem de reunião de suas unidades. Com apenas três mil naves — melancólico fim da gigantesca frota de invasão — desapareceu no segundo plano.

De um minuto para o outro, o sistema solar se libertou de seu ferrenho adversário. Mas agora, ficavam outros aqui, não muito desejáveis.

Rhodan pediu uma ligação para falar com o Almirante Senekho. O ancião pertencia aos poucos arcônidas ativos a quem se podia ainda confiar o comando de uma esquadra. Quando o rosto cansado e enrugado apareceu na tela da Drusus, Rhodan teve que rir, sem querer. Senekho era o mesmo oficial que examinava os navegadores espaciais na grande lua do ciclópico planeta Naat. Eram navegadores de Zalit a quem Senekho também instruía sobre as naves do Império de Árcon.

Isto tudo fora há apenas algumas semanas e, no entanto, parecia a Rhodan um fato de muitos e muitos anos atrás.

— Foi uma viagem enorme, terrano — começou Senekho. — Tenho impressão de que você mantém boas relações com o regente, não é? Seus inimigos fugiram. E não se podia esperar outra coisa. Fui instruído para executar todas as suas ordens. Que resta ainda a fazer?

Foi uma pergunta clara e objetiva. Em oposição à grande maioria dos homens de sua raça, Senekho tinha grandes qualidades.

— Nada, muito obrigado. Se precisar de água fresca, mantimentos ou qualquer outra coisa, nossas bases no Império Solar estão à sua disposição.

— Império? — repetiu Senekho admirado. E começou a sorrir. — Império? Gostei de ouvir, terrano. Você chama de império sua miserável estrelazinha com planetas em miniatura?

Ao ouvir isto, Reginald Bell ficou vermelho de ira, olhando furioso para a tela. Rhodan não perdeu a calma devido a esta arrogância, que era típica dos arcônidas. Respondeu muito à vontade:

— Realmente, Império, almirante. O senhor já deve ter ouvido falar muito de nós, para saber que a grandeza territorial de um sistema solar não é decisiva para as qualidades de seus habitantes. Mas não é sobre isto que gostaria de falar.

— Sobre o que, então?

Senekho se inclinou interessado. Seu rosto parecia maior e mais expressivo.

— Quando propus aliança com o regente de Árcon, foi-me prometida a proteção do Império. Como pode acontecer então que de repente aparecem no meu sistema quatro mil naves dos saltadores?

Senekho sorria.

— Não sabia nada desta aliança, mas não duvido de sua existência, pois se não fosse assim, não me tirariam da frente de bloqueio. O regente mandou também as naves dos saltadores por recear que as minhas dez mil unidades sozinhas não seriam suficientes. Nós não podíamos saber que os monstros do outro Universo já haviam sofrido tão grandes perdas. Fora disso, você tem algum desejo especial, terrano?

Rhodan refletiu um pouco. Sabia que Cokaze, o patriarca dos saltadores, estava ouvindo tudo.

— Gostaria de lhe pedir para explicar a Cokaze que a Terra não deseja ser anexada ao domínio dos saltadores. Somos um sistema independente e queremos continuar assim.

— Compreendi — disse o almirante pensativo. — Está bem claro.

Com isto, interrompeu a ligação. Enquanto a frota arcônida se reunia nas proximidades da órbita de Marte, para daí partir direto para sua frente de bloqueio, os quatro mil aparelhos dos saltadores voavam na direção da Terra.

Rhodan chamou o chefe do clã e lhe disse com toda firmeza:

— Você vai mudar de direção em três minutos, Cokaze, do contrário vai levar uma boa lição. Não pedi seu auxílio, portanto não exija nenhuma recompensa.

— Somos comerciantes e não fazemos nada de graça.

— Não os chamei. Se vocês abaixam a crista para o regente, cumpram suas ordens, isto não tem nada a ver comigo. Ainda estou bem forte para lhes dar um banho de sangue. Caso não mude de rumo, minha frota partirá imediatamente.

Como Cokaze recebeu tudo isto, Rhodan não podia saber. No mesmo momento, porém, suas naves entraram na operação de frenagem e logo depois se ajuntaram à frota dos robôs arcônidas.

Somente sessenta unidades danificadas em combate obtiveram permissão de Rhodan para aterrissar. Assim aconteceu que, pela primeira vez, alguns comerciantes das Galáxias pisaram o chão do nosso planeta, onde foram recebidos por uma multidão de homens calados, de expressão pouco amistosa.

Rhodan passou para o supercouraçado Wellington, a fim de observar melhor os que vieram de tão longe para ajudá-lo. Os comandantes das esquadrilhas terranas receberam instruções secretas.

Concluindo, Rhodan disse o seguinte:

— É claro que nem o Almirante Senekho, nem os saltadores estão informados sobre a mudança que houve em Árcon III. Por amor de Deus, sejam prudentes, não digam nada a respeito, pois do contrário a situação de Atlan ficará muito séria. O que nos interessa agora é vermos os saltadores longe de nós. A frota robotizada voltará em um ou dois dias, conforme garantiu Atlan. Somente estes saltadores é que nos podem incomodar. Abram fogo imediatamente assim que um deles tente descer em Vênus, em Marte ou na Terra, sem minha expressa autorização.

“Meus senhores, está na hora de despertarmos. O jogo de esconder já acabou. A partir de agora, todo mundo sabe onde moramos. Temos, pois, que reformular nossa política galáctica. Tenho plena certeza de que encontraremos o caminho certo. Permaneçam de olhos abertos. Muito obrigado.”

Enquanto a Drusus disparava pelo hiperespaço para apanhar o cruzador Califórnia, Rhodan voltou para seu camarote.

“Esperar”, pensava ele, “esperar, mais uma vez. Até hoje a Terra não dormiu, e também amanhã ou depois de amanhã, ela não vai dormir. Vocês, de outros mundos, ainda haverão de nos conhecer!”

 

                                                                                            K. H. Scheer

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades