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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Estrela do Destino / K. H. Scheer
A Estrela do Destino / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Estrela do Destino

 

Surge uma nova época da cosmonáutica e o cruzador experimental Fantasy sai para uma grande viagem...

O Império Solar se tornou a maior potência comercial no setor conhecido da Via Láctea e na Nebulosa M-13. Supertransportes de colonizadores levam ininterruptamente os emigrantes para novos mundos. Estabelece-se contato com as mais diversas e estranhas raças inteligentes.

É neste ambiente que se realiza, sob o maior sigilo, a experimentação de uma nova propulsão para cosmonaves, propulsão esta que elevará a cosmonáutica a um clímax jamais imaginado!

 

                                           

 

— Se estivesse em seu lugar, não faria isto, cavalheiro!

Alfo Zartus levou um susto, ficando como que paralisado. Apertava na mão de tal maneira a dentadura, como se fosse a mais perigosa arma de fogo.

— Dê meia-volta, deixe cair a dentadura e cruze as mãos sobre a cabeça — ordenou a mesma voz, num tom quase impessoal, interrompendo Zartus em sua atividade clandestina.

Acompanhou atento o som daquelas palavras, tentando descobrir de onde vinham.

Bem na frente de Zartus, corria a esteira transportadora, plenamente automatizada, fazendo o ruído típico dos cilindros de aço. As peças que estavam sendo transportadas na esteira eram componentes de um braço oscilante teleguiado para artilharia pesada. Com toda certeza, destinava-se às giratórias cúpulas externas dos grandes cruzadores tipo Terra.

A novidade naquelas construções eram os mancais de campo deslizante, por meio dos quais se punha um ponto final nas terríveis dificuldades de lubrificação, que surgiam sempre no vácuo absoluto.

Como que acossado por força superior, Alfo Zartus olhou em volta e não viu ninguém. No corredor estreito e comprido não havia jeito de ninguém se esconder. Somente os pilares de sustentação da armação da esteira rolante é que poderiam oferecer tal oportunidade.

Zartus seguiu seu instinto. Num movimento muito rápido, meteu a dentadura superior na boca. Sentiu-se um tanto incomodado: a pequena cápsula, onde estava o microfilme, se deslocara. Desesperado, começou a trabalhar com a língua, até a chapa côncava chegar ao lugar certo. Desapareceu então a sensação de incômodo.

Respirando apressadamente, e com um vago sorriso denunciando sua incerteza, o homem de pequena estatura levantou as mãos.

— Bravo! Gostei, mister — voltou a voz, em tom de ironia. — Como você faz tudo direitinho, merecia até um emprego no circo de cavalinhos.

Zartus estava ciente de que, se fosse surpreendido naquele setor da esteira de transporte, toda automatizada, estaria em maus lençóis. A velha Lua da Terra, nestes últimos 57 anos, sofrerá enormes transformações.

Resumindo, podia-se dizer que o satélite da Terra se transformara num gigantesco estaleiro, no qual eram construídas as gigantescas espaçonaves. Uma instalação fabril ao lado da outra, nos moldes dos adiantados padrões arcônidas!

Ainda há pouco tempo, inaugurara-se ali o maior conjunto da construção astronáutica do Universo. A partir daí, a linha de produção tornou-se constante e dirigida praticamente por poucos postos de controle.

Zartus devia supor que fora descoberto por algum circuito interno de televisão, pois em toda parte havia instalações de segurança e controle. Sendo assim — e não havia mesmo outra alternativa, como Zartus procurava inculcar a si mesmo — era bem provável que ninguém tivesse visto o que ele escondeu na dentadura. Confirmando isto, existia o fato de não ter visto em lugar nenhum câmaras de televisão. Como foi então que estavam tão bem informados sobre seus movimentos?

Olhou de novo em volta e começou a pensar na sua missão, na microcâmara fotográfica, embutida na chapa de fundo do seu relógio de pulso. Depois, seu pensamento pulou para o Serviço Lunar de Segurança, uma ramificação da Defesa Solar.

Caso fosse apanhado em flagrante com a câmara e o filme, estaria terminada sua brilhante carreira de engenheiro de planejamento das esteiras rolantes, controladas por robôs. Estaria na certa ameaçado de processo penal e seria condenado à detenção, ou até a trabalhos forçados num satélite qualquer sem oxigênio.

Perry Rhodan, primeiro administrador do Império Solar, se reservara o direito de presidir os julgamentos de casos de espionagem que atingiam a segurança do Império Solar.

O pensamento numa corte marcial — pois estaria de fato sujeito a ela — fez com que Zartus perdesse a cabeça. Olhou de novo em volta e não percebeu os sinais de alarme.

Soltando um grito meio abafado, usando de toda força que possuía, deu um grande galeio e pulou para a esteira transportadora, onde acabou caindo. Foi levado com grande velocidade para a passagem estreita na rocha.

Atrás desta muralha de pedra começava a Seção de Montagem 136, onde as peças, que vinham de várias direções, eram encaixadas para formarem grandes conjuntos.

— Você está ficando doido, homem? — ouviu de novo a voz do desconhecido. — Salte daí para fora, está ouvindo? Salte daí! Perigo de vida! Salte, homem!

Zartus começou a rir contra sua vontade. Cravou as unhas nos rebordos de reforço da esteira de plástico e equilibrou os solavancos dos cilindros giratórios com gritos de dor meio abafados. Tentava ainda descobrir um jeito de escapar da seção 136.

O desconhecido continuava chamando por ele, mas as palavras ele nem as ouvia.

Alfo Zartus já estava chegando à conclusão de que tinha que destruir aqueles documentos secretos, quando foi atingido e erguido pelas garras de aço de uma instalação de descarga de funcionamento robotizado.

Ouviu-se um grito de desespero. Zartus percebeu tardiamente que os gritos de alarme do desconhecido não haviam sido nenhum truque.

O pobre homem foi dilacerado através da abertura na rocha e atirado no ar. Não chegou a ver bem a boca de uma instalação de isolar metais com injetor de plástico líquido. As peças semiprontas recebiam uma camada de plástico para impedir a oxidação ou a dilatação excessiva com o calor.

Atrás dos portais de aço, havia chamas de um vermelho intenso. Com um calor de mais de mil e duzentos graus Celsius, o plástico se liquefazia e era injetado por diversos bocais, sob alta pressão.

O movimento robotizado das garras era impiedoso. Não iria distinguir entre um pedaço de metal e um corpo humano.

 

O Coronel Hildrun, chefe do Serviço de Segurança Lunar no setor F-81, colocou de lado os documentos pessoais do engenheiro de planejamento Alfo Zartus, nascido a 22 de junho de 2.062 em Lowman, no Estado de Idaho.

Olhava atentamente e de cara fechada para o sargento que estava de pé diante de sua mesa de trabalho; seus olhos o percorreram de alto a baixo. Quando viu, porém, na cintura do guarda, a arma de choque energético, sua ira chegou ao máximo. Com o dedo indicador apontado para a arma, a voz de Hildrun foi firme:

— E isso aí, o que é? Você acha que é um enfeite ou um radinho de pilha que nós lhe colocamos na cintura para completar o uniforme? Por que razão não atirou para deixar Zartus inconsciente? Estava bem perto de você, não é?

O pobre sargento estava branco como cera, em posição de sentido diante de seu superior. Os oficiais do setor F-81 que estavam presentes não disseram uma palavra. O caso não era tão simples como Hildrun julgava.

— Estava bem perto, sim — balbuciou o guarda do Serviço de Segurança. — Liguei o envoltório de deflexão e assim Zartus não me podia ver. Não queria deixá-lo inconsciente, pois o regulamento de serviço proíbe o emprego de raios narcóticos, quando seu emprego não é estritamente necessário. E a mim não parecia necessário. O espião era de estatura baixa e fraco e podia dominá-lo com a maior facilidade. Por que razão haveria de feri-lo?

O Coronel Hildrun se levantou. Esbravejando, empurrou a cadeira para trás e de braços cruzados caminhou até o bule de café.

— É muito engraçado! Você não queria feri-lo, mas acabou mandando-o para a morte certa, não é?

— Senhor, não podia prever que iria saltar para cima da esteira rolante. Foi tão inesperado! E depois de ele estar na esteira, não podia mais atirar.

— Por que não?

— Porque a esteira transportadora movimenta-se muito mais depressa do que um homem correndo. Senhor, tivesse eu usado os raios letárgicos contra o técnico, ele não teria possibilidade de pular da esteira no último momento. Seria sua última chance. Gritei-lhe avisando que atrás da abertura na parede havia a instalação de isolamento. Não quis me ouvir. Que o senhor acha que eu devia fazer?

O coronel virou-se para ele. Tinha na mão uma caneca de café fumegando.

— Pode provar que você chamou a atenção dele?

O sargento olhou desesperado em volta, como a pedir socorro. Um tenente da turma de vigilância deu a sua opinião:

— Existem as fitas gravadas, sir. Assim que o sargento Rodzyn deu o sinal de alarme com o transmissor do capacete, ligamos o aparelho de telecontrole. Ele chamou a atenção do espião em voz bem alta.

Sem dizer uma palavra, Hildrun voltou à sua mesa de trabalho. Colocou a caneca de café com tanta força na mesa, que algumas gotas respingaram sobre ela.

— É sua sorte, Rodzyn, sua salvação! Como é que você teve a idéia de seguir o espião sozinho, no setor de transporte?

— Já há mais tempo que eu vinha observando Zartus. Queria pegá-lo em flagrante, por isso fui atrás dele sob a proteção do defletor. Estava de novo filmando com sua câmara miniatura do relógio de pulso. Estava bem próximo a ele, esperando. Depois tirou o microfilme, puxou da boca a dentadura e escondeu a diminuta cápsula do filme numa depressão apropriada no centro da chapa. Foi aí que lhe dirigi a palavra pela primeira vez. Devia estar muito nervoso e perturbado, parecendo mesmo desesperado. Sir, seu salto até a esteira foi uma surpresa para mim. Não podia esperar de maneira alguma uma loucura daquela. Também não podia mais detê-lo.

Hildrun olhou para os oficiais de seu estado-maior. O sargento estava quase em pânico.

— Está certo, sargento, por favor preste seu depoimento no Protocolo. Por enquanto você está dispensado do serviço. Outra coisa, você sabe que eu tenho a obrigação de comunicar o caso ao chefe da segurança?

Rodzyn concordou hesitante. E momentos depois deixou o gabinete de seu chefe. Na ante-sala procurou uma poltrona e esgotado sentou-se para tentar se acalmar.

Por mais que se esforçasse, não conseguia tirar aquela cena de sua memória. A cara desesperada do pobre homem na esteira rolante estava sempre diante de seus olhos.

— Foi um acidente, Rodzyn — disse um oficial que passou pela ante-sala. — Vá para seu alojamento e se prepare para prestar o depoimento. Você está abatido demais.

— Minha situação tem que ser mesmo de abatimento — respondeu Rodzyn com os lábios ressecados. — Posso lhe fazer uma pergunta?

— Por que não? Às ordens.

— Como é que vai acabar tudo isto? Não tive culpa em nada do que aconteceu, fiz o melhor que pude.

— Sabemos disso. Se você não tiver sorte, a história passa para outras esferas. Existe mesmo uma ordem de serviço que manda comunicar tais casos ao administrador pessoalmente. Você sabe que os estaleiros de astronaves da Lua são a menina dos olhos de Perry Rhodan.

O sargento Rodzyn, retendo a respiração, olhou horrorizado para o oficial.

— Você... desculpe, o senhor está se referindo a Perry Rhodan?

— Por quê? Você conhece outro administrador? Se tiver que comparecer perante ele, então conte o que aconteceu com toda franqueza. Ninguém pode lhe imputar falta alguma. O que aconteceu foi um acaso, como lhe disse. Vá agora, mas antes tire este uniforme de combate.

O oficial bateu com as pontas dos dedos na aba do boné e abandonou o pequeno aposento. Estava a uns cem metros abaixo da superfície da Lua. Nas proximidades, estrugia a usina destinada a alimentar aquele setor de fabricação.

 

Brazo Alkher, com os olhos demasiadamente brilhantes, como se estivesse com febre muito alta, olhava para a fenda aparentemente pequena da grande aparelhagem de computação.

O conjunto da aparelhagem para controle das tiras estreitas de plástico dava mesmo uma impressão assustadora. Brazo Alkher, tenente da Frota Solar, fora transferido por ordem especial para a base da Lua, sentindo-se, desde algumas horas, como se estivesse num hospício.

Depois de sua aterrissagem na Lua, já havia sido interrogado onze vezes por guardas do Serviço de Segurança. Fizeram-lhe mil perguntas sobre sua vida pregressa, interessaram-se por seus pais e seus avós, inclusive perguntando sobre o que pretendia fazer, de onde vinha e para onde ia.

Brazo passava de um aborrecimento para outro. Mas tinha a oportunidade de conhecer a mais poderosa base de cosmonáutica da Humanidade. Sabia que a Lua tornara-se, nos últimos 57 anos, um gigantesco estaleiro de cosmonáutica e de fabricação de material bélico. Praticamente, o satélite natural da Terra estava sendo escavado por dentro. Na superfície mesmo da Lua não se via nada das gigantescas instalações industriais, que, a peso de ouro e com enormes sacrifícios, foram instaladas sob a crosta morta do nosso satélite.

Na superfície só se viam mesmo os grandes espaçoportos e as cúpulas blindadas das enormes casamatas cósmicas.

Brazo levou treze horas até chegar ao seu objetivo e, mesmo aí, surgiu mais um empecilho.

Brazo Alkher, um rapaz de vinte e três anos, esbelto e de boa estatura, estava ainda sobraçando alguns pacotes, quando um capacete com um brilho de prata pousou em sua cabeça.

Suportou com muita paciência a tortura da medição das vibrações cerebrais, que naturalmente era uma parte essencial dos testes robotizados. Se alguma coisa tivesse escapado aos guardas humanos, o robô haveria de descobrir.

— Deixe estes pacotes de lado — veio o comando pelo alto-falante.

Brazo ficou em posição de sentido e abrindo nervoso as duas mãos, deixou os pacotes caírem no chão.

Alkher se enrubesceu e olhou em volta com muita timidez.

— Desculpe — disse apressadamente, com um sorriso incerto para a desalmada máquina, que naturalmente não mostrava a menor reação às suas palavras.

Quando no robô acenderam-se as luzes verdes e de uma fenda saltava a tira ID, respirou profundamente.

— Entrada permitida, senhor — ouviu-se do alto-falante. — O senhor está sendo esperado.

— Muito obrigado — disse Brazo, em voz baixa.

Agachando-se rápido para apanhar suas coisas, bateu com a cabeça numa alavanca pintada de vermelho. O aparelho começou a fazer barulho e Brazo ficou ainda mais assustado. Finalmente, com uns saltos um tanto temerários, resolveu sair de perto daquela chapa metálica.

Brazo Alkher, conhecido já na Academia Espacial como tremendamente azarado, confiou demais no seu corpo magro e ossudo. Levado pela força da gravidade, caiu com os braços elegantemente estirados e os pés separados, sendo que sua cabeça coberta pelo capacete bateu casualmente contra a canela de um homem parado no caminho.

Brazo, de ordinário tão calmo e manso como um cão São Bernardo depois de bem velho — como afirmavam seus colegas — deixou escapar nomes pesados e imprecações. Depois, ainda levou algum tempo, até que suas mãos tateantes colocassem no lugar o capacete que escorregara, como também a correia, onde estavam presos os pequenos pacotes.

Levantou-se resfolegando e logo a seguir veio mais um momento de angústia, quando percebeu bem perto dele uma cara sorridente, toda lambuzada de óleo e graxa, de um homem de boa estatura que usava o macacão do pessoal da manutenção.

O tal indivíduo alto e de boa compleição trazia um boné completamente amarrotado, protegendo os cabelos castanhos. Não usava nenhum sinal de classificação hierárquica, motivo pelo qual Brazo deu vazão à sua ira acumulada, permanecendo, porém, num plano de boa educação. Disse meio agastado:

— Você não pode pular um pouco para o lado, vareta de medir o óleo do cárter?! Puxa! O que você está parecendo...?

Surpreso consigo mesmo, Brazo olhou para cima, depois disse meio sem jeito:

— Desculpe, cavalheiro. Não me leve a mal. Acho que o culpado sou eu. Você quer me ajudar um pouco?

— Com prazer — respondeu o homem esbelto, de olhos claros. — Você estava pulando como um macaco de três pernas.

— Existe mesmo macaco de três pernas?

O estranho deu uma boa gargalhada, batendo com suavidade nos ombros de Brazo.

— Está tudo certo, senhor tenente, não é verdade? Pode-se perguntar para onde o senhor vai?

Alkher recomeçou com a procura desesperada pelos papéis que em todo lugar lhe exigiam. O homem alto esperou com paciência até que o tenente, cada vez mais nervoso, achou, no bolso da perna do seu uniforme, o salvo-conduto.

Brazo não sabia se devia perder a paciência com aquela gargalhada sonora ou se controlar um pouco mais. Optou pela segunda alternativa. Além do mais, sua visão inteligente estava à procura de uma cúpula de aço reluzente de um cruzador tipo Terra, novinho em folha.

A espaçonave de duzentos metros de diâmetro estava num enorme hangar. Guardas armados e robôs de combate, por toda parte. Brazo sabia estar agora no coração secreto dos moderníssimos estaleiros de astronáutica da Lua. O que ali acontecia, sabiam poucos iniciados.

Não demorou muito até Brazo constatar que o aro de reforço equatorial do cruzador de duzentos metros tinha uma conformação bem diferente das construções anteriores. O aro de propulsão era bem maior que nos modelos anteriores e mais abaulado nas bordas. Mas era tudo que se notava de diferente, assim à primeira vista.

O homem de olhos claros não estava mais dando gargalhada. Observava o jovem tenente com muita atenção. A fisionomia juvenil de Brazo, calma e sonhadora, estava agora mais tensa, dando impressão de um senso de determinação já de homem maduro.

O técnico deu um sorriso quase imperceptível e, sem dizer uma palavra, agachou-se e apanhou as várias sacolas.

— VAmos, cavalheiro, o senhor é esperado.

Brazo concordou, com o pensamento bem distante. Segundos depois, chegou até a estranhar a saudação exemplar dos guardas presentes e dos técnicos. Até mesmo os robôs de vigilância começaram a fazer continência e numerosos gritos de “Atenção” encheram de tal modo o espaço, quase suplantando os ruídos contínuos das instalações.

Meio desconfiado, parou, virou-se para seu risonho acompanhante e lhe sussurrou nos ouvidos:

— Homem de Deus! Diga-me uma coisa, será que todo tenente é recebido aqui com tanta honra? Será que esta gente toda está meio maluca?

— Estão se divertindo — disse o homem de boa estatura.

O sorriso de Brazo foi forçado. Um coronel, que cruzou-lhes o caminho, empertigou-se todo e fez a continência. Brazo estava com uma cara esquisita, mais próxima do choro que do riso.

— Ele me olhou com pouco-caso — disse ao seu acompanhante. — Olhe aqui, meu amiguinho, você não me quer explicar que tipo de hospício é este? Mas você está mesmo com uma aparência horrenda. Por que não lava pelo menos o rosto? Se você estivesse sob meu comando, eu lhe ia ensinar umas tantas coisas.

Abanando a cabeça, olhou para a cara do acompanhante, que era tão alto como ele, depois ergueu o braço e com o dedo indicador raspou a face do homem de cabelos castanhos.

— Puxa! Quase um metro de espessura de graxa! Tem que ser assim mesmo, como um porco no chiqueiro?

— Não, não tem que ser necessariamente assim — respondeu o homem alto que lhe carregava os pacotes.

Um tremendo ruído obrigou Brazo a cair de joelhos e depois a rolar no chão. Os sons horríveis saíam, sem dúvida, de uma eclusa de ar do singular cruzador pesado. Os sons fortíssimos terminaram num ronco surdo, como o afogar lento de um grande sáurio.

— Santo Deus, que será isto? — perguntou Brazo estupefato.

— O comandante está cantando — explicou-lhe o outro. — Você já ouviu o cântico de uma pessoa nascida em Epsal?

Brazo desistiu. Parecia já saturado de tanta coisa esdrúxula. Talvez não houvesse ninguém normal por ali. Nem do Serviço de Segurança, nem entre os robôs, nem mesmo o comandante.

Desesperado, foi caminhando ao lado do seu acompanhante ou carregador de pacotes, até que a figura balofa de um gorducho careca lhe apareceu no caminho, fungando e suando, com as bochechas riscadas por veias finas e azuladas, pendentes dos dois lados do rosto, porém, com olhos tão penetrantes, que Brazo ficou com receio de outra desgraça. Mas o colosso não lhe deu a menor importância.

— Ah! Até que enfim a gente pode ver o senhor — disse com vozeirão tão forte como o do nascido em Epsal.

Olhando com ar de zombaria, o careca se plantou na frente do carregador de pacotes, de cara toda besuntada de graxa.

— Bom dia, professor — disse seu acompanhante.

Vagarosamente, tirou o boné da cabeça e passou a mão pelos cabelos molhados de suor.

Brazo ficou pálido. Depois que o seu acompanhante descobriu a cabeça, levou poucos segundos para reconhecer, no carregador de pequenos embrulhos, Perry Rhodan, o administrador do Império Solar. Os olhos arregalados do pobre Brazo começaram a ver círculos de fogo no ar e suas pernas se sentiam muito fracas.

Assim foi que, depois de um rouco “Perdão, senhor!”, acabou caindo nos braços do maior físico dos tempos modernos, Doutor Amo Kalup. Este cientista, conhecido como um homem colérico e temperamental, tinha seu nome ligado à estonteante invenção da chamada propulsão “Hiper Line”.

Quando os pilotos de prova e os especialistas em “comando linear” começaram a falar do supermoderno conversor de compensação para construção de um campo de compensação, consistindo de linhas de campo de seis dimensões superpostas, ninguém mais se deu ao trabalho de se expressar com exatidão a respeito destas teorias tão complicadas. Chamavam a máquina simplesmente de um “Kalup”, e estava dito tudo.

Amo Kalup, o maior cientista vivo, olhou espantado para o rosto lívido do pobre tenente, e depois disse, quase gritando:

— Que é isto, rapaz! Fique mais à vontade.

Meio sem jeito, ajudou Brazo Alkher a sentar-se no chão, onde continuou se sentindo mal.

Rhodan fez um aceno de mão para dois guardas que observavam a cena. Postaram-se ambos diante do administrador que os penetrou com seu olhar profundo. Todos exaltavam em geral o bom humor de Rhodan, mas desta vez estava superando a si mesmo.

Os dois tenentes da vigilância eram bem diferentes não só quanto à compleição física, mas também quanto ao temperamento. Mas os lábios de ambos tremeram do mesmo modo. O mais baixo deles tinha nos olhos um brilho úmido. Brazo começou a se erguer, quando Rhodan falou com a maior calma:

— Acompanhem seu colega, meus senhores, e ofereçam a ele uma bebida bem forte. Este jovem, a julgar por seus documentos, é o mesmo Brazo Alkher, o maluco oficial de artilharia de bordo, que conseguiu no setor de Orion, com as bocas-de-fogo já bem danificadas do cruzador Formosa, deixar fora de combate duas grandes naves dos saltadores. Como ele conseguiu isto, é ainda mistério. Mas o fato é que o Estado-Maior da Frota Espacial não conseguiu homem melhor do que ele. O primeiro-oficial deve proceder à cerimônia do juramento. Partiremos dentro de duas horas.

— Será que a gente também pode falar alguma coisa? — perguntou o professor Kalup, com sua perigosa mansidão.

— Um momento, por favor — pediu Rhodan, para dar atenção a um major do Serviço de Segurança.

— O sargento Rodzyn está no posto de vigilância, sir. Ainda deseja falar com ele?

— Espere um momento. Deixe-me ver o sujeito que caiu no meu caminho — disse Rhodan apontando para Brazo, que, meio cambaleante, caminhava entre os dois tenentes em direção à escotilha do cruzador pesado.

Rhodan sorriu. Esfregou as costas das mãos no rosto.

— Será que estou mesmo tão horrendo assim? Ele me chamou de porco.

Kalup caiu numa estrondosa gargalhada, ficando seu rosto meio roxo de tanto rir. De sua luzidia careca escorriam gotas de suor.

— É a melhor piada da semana — disse tossindo. — Bem, eu o espero na nave. O que houve com este sargento?

— Acho que nada de mais. Ele descobriu um espião na seção vizinha.

A expressão de Kalup ficou mais séria.

— Oba! E você supõe que este espião estivesse atrás de nossa nova nave?

— Tenho impressão de que sim. Mas o espião sofreu um acidente mortal. De qualquer maneira, quero saber se sua atividade foi nas proximidades da estação linear e se isto foi mero acaso ou coisa planejada. Acho que o sargento de serviço vai me esclarecer muita coisa. Com licença, professor, estarei de volta em meia hora.

— Não vá cair de novo num tanque de óleo — disse o cientista brincando. — Você parece mesmo um leitãozinho. Acho que a gente devia beijar os pés deste tenente pelas suas palavras francas.

Rhodan saiu sorrindo. Os ponteiros do grande relógio dos estaleiros indicavam treze horas e vinte e dois minutos do dia 4 de março de 2.102, tempo padronizado.

O corpanzil de Kalup desapareceu sob o bojo esférico da extraordinária espaçonave. Ao olhar para cima, viu os enormes bocais das turbinas de propulsão.

Kalup ficou imóvel naquele local, absorto na longa história do desenvolvimento daquele novo projeto da tração linear, que, há cinqüenta e oito anos atrás, fora mencionado por especialistas do planeta Terra, e só agora chegara a ser executado.

Fora mais ou menos naquela época que Kalup vira a luz do mundo, quando uma poderosa frota espacial, dirigida por inteligências não humanas, penetrou no sistema solar.

Deu-se a estes gigantes de um outro plano temporário o nome de druufs. Eles já usavam nesta época a tração linear e foi a partir deles que a Humanidade começou a sonhar com esta nova propulsão. Levou-se, porém, 57 anos para se descobrir o segredo da superpropulsão linear. As pesquisas de Kalup foram decisivas para isto.

Ao atingir a pequena escotilha na parte inferior da grande esfera, continuando suas meditações, o cientista estava convencido de que, além dos terranos, não havia nenhuma outra raça humanóide que soubera aproveitar a herança dos já esquecidos druufs, herança esta de um valor inestimável.

 

— Meu irmãozinho, você tem nervos de um robô, ou melhor dizendo, você não tem nem sistema nervoso — constatou o Tenente Stana Nolinow.

Olhava para Brazo Alkher muito curioso, notando que o coitado estava quase esgotado e talvez bem próximo de um desmaio, sentado e encolhido, ali, no seu beliche.

— Pare com isto, por favor — suplicou quase chorando. — Como poderia saber que exatamente eu...

— Está bem! — interrompeu Nolinow, um baixote de cabelo louro-escuro bem eriçado. — Vou mandar lhe trazer logo a comida.

Mahaut Sikhra deu uma risada abafada. Baixo e magro, de uma aparência insignificante, apoiou as costas na parede da cabina e, com um movimento rápido, desceu até Brazo.

— Chamam-me Sik na intimidade — disse se apresentando. — Minha função aqui é de chefe dos comandos de ação para missões especiais. Stana é o chefe das tropas robotizadas. E, se não estou enganado, você tomará conta da central de artilharia.

Ainda meio acanhado, Brazo apertou a mão dos novos colegas.

— Muito prazer! — disse ele. — Mas... um momento, como é que vou ser empossado no cargo de artilheiro-chefe? Isto é feito em geral por um major, no mínimo por um capitão.

Mahaut Sikhra apenas sorriu e Brazo não compreendeu bem seu sorriso tranqüilo.

— Aqui a bordo da Fantasy tudo é diferente. Realmente isto não é uma nave convencional, mas um aparelho de pesquisa e de experimentação.

A atenção e a curiosidade de Brazo foi se despertando cada vez mais. Olhou com mais admiração os jovens oficiais que, como tudo indicava, deviam ter qualidades especiais.

— Uma nave experimental? — disse Brazo com destaque. — Bem que reparei no extraordinário reforço do rebordo do aro central.

— Menino inteligente! — disse Nolinow com uma ponta de ironia. — Você apenas reparou? Nós já aprendemos a ficar de boca aberta. Aqui a bordo da Fantasy se encontra a elite política, militar e técnico-científica do Império Solar. Todos os homens que se tornaram notórios, pelo menos a julgar pela fama que possuem, que adquiriram uma relativa imortalidade, baseada em pressupostos biomédicos, marcaram um encontro aqui na Fantasy.

— Pare com isto, já estou sentindo um vácuo no estômago.

Stana meteu as mãos nos bolsos externos de seu uniforme e se sentou, bocejando e estirando as pernas, ao lado de Brazo.

— Mas isto não é tudo ainda, meu irmãozinho. Todo homem da tripulação é, em sua categoria, um ás. Por conseguinte você também deve ser um craque em alguma coisa, do contrário não seria convocado. Está compreendendo melhor por que foi testado de toda maneira, mesmo da mais absurda?

Brazo concordou. Seus olhos castanhos tinham um brilho febril. Stana olhava para ele com cara de gozação. O esbelto nepalês Mahaut Sikhra estava no videofone em conversa com a central da espaçonave.

— Dentro de uma hora, no máximo, você prestará seu juramento e vai ser muito solene, posso lhe garantir.

— Juramento?

— Exatamente. Guardamos os maiores segredos da nova história da Humanidade a bordo da Fantasy, que externamente parece um cruzador pesado do tipo Terra, mas quando você vir a seção de máquinas, vai ficar de boca aberta.

— Já estou há muito tempo de boca aberta — disse Brazo.

Nolinow gostou de seu modo de falar.

— Mas a gente vai se acostumando, colega. Já fizemos alguns vôos espaciais, vôos estes que Perry Rhodan em sua modéstia chama de “prova de vôo curto”. Estes tais vôos curtos variam entre três a dez mil anos-luz. Talvez ache um exagero, não é? E em todos estes vôos, a performance da Fantasy foi excelente. Kalup estava radiante de alegria e o nosso venerando comandante, que você ainda vai conhecer, ria tão alto que as portas blindadas quase que vergavam, e nosso chefe supremo, chamado Perry Rhodan, tinha no rosto um sorriso tão sublime, que, sem querer, a gente ficava pensando na conquista de toda a infinita Galáxia. Quando o velho olha assim, desta maneira, para a gente, é sinal de que há algo de novo no ar.

Stana acenou com a cabeça, confirmando as palavras do colega, e Brazo enxugou as mãos suadas nas pernas das calças.

— Isso mesmo, lambuze bem a calça, temos uma lavanderia a bordo — era a voz de Sikhra.

Brazo se desculpou imediatamente.

— Oh! Por favor, nada de acanhamento! — disse Stana, sempre sorrindo. — Estamos aqui para deixar você bem familiarizado com as coisas.

— Ah! Não sabia.

— Gentileza da casa, meu amigo. Você é o primeiro tenente do Império Solar a quem Rhodan serviu de empregado, carregando as malas. Eu me sinto profundamente comovido em poder dar instruções a um cavalheiro tão importante.

— Malandros — disse Brazo, sorrindo.

Nolinow piscou o olho para o nepalês.

— Acho que vamos viver muito bem, sabendo suportar um ao outro. Falando mais claramente, irmãozinho, a Humanidade trabalhou, no verdadeiro sentido da palavra, cinqüenta e sete anos, para desvendar o segredo da tração linear. Há cinqüenta e oito anos, surgiram os chamados druufs, seres monstruosos, que, em virtude de fenômenos físicos, vieram de um outro plano temporal, a fim de conquistar o espaço de Einstein. Nenhum de nós era ainda nascido naquela época, mas Rhodan já era o primeiro-administrador. Isso lhe pode dar uma idéia de qual deve ser a idade do nosso chefe.

— Idade? — repetiu Brazo admirado. — Dá a impressão de um desportista bem treinado, dos seus trinta anos.

— É isto mesmo. No entanto, é o terrano mais idoso que existe. Se você consultar a enciclopédia “Terrânia” haverá de achar que Rhodan foi o primeiro homem a pisar na Lua, no ano 1.971. Naquele tempo, já devia ter mais de trinta anos. Hoje, estamos no ano 2.102. Isto já diz tudo. Foi ele quem, a despeito da ingente resistência de inteligências estranhas e ambiciosas, criou, ou melhor, estabeleceu a unificação do sistema solar.

“Neste exato momento, iniciamos a terceira fase da História da Humanidade. Estamos em vias de transformar em realidade os segredos conquistados da astronáutica dos druufs, há cinqüenta e oito anos. Todo o complexo mecanismo da propulsão linear já está pronto para ser aplicado, ao menos neste cruzador pesado, que servirá de protótipo para próxima construção em série. Você terá a honra de, juntamente conosco, poder cooperar decisivamente no desenvolvimento do poderio solar, ou...?”

— ...ou o quê?

— ...ou junto com a Fantasy ser uma vítima do espaço infinito — interveio Sik. — Será que fui bem claro?

— Um tanto confuso, acho eu.

— Ele diz a verdade, Sik — constatou Nolinow um tanto preocupado. — Você vai continuar?

— Prossiga com seu talento retórico.

Stana fez um gesto confirmativo. Observava Brazo com um princípio de inquietação.

— Pois bem, não há mais muita coisa a dizer, meu irmão, vamos partir dentro de meia hora. Para onde vamos, desta vez, ninguém sabe. No momento, a política espacial está calma, satisfatória. Os comerciantes das galáxias, os saltadores, estão mais acomodados, respeitando o poderio do Império Solar. Quanto ao Império Arcônida, parece que Atlan é senhor absoluto do imenso império de centenas de povos diferentes. A invasão dos druufs já caiu no esquecimento e nossos colonizadores ocupam e exploram paulatinamente todos os planetas habitáveis, isto é, onde haja oxigênio, nos setores espaciais mais próximos do sistema solar.

“Há cinqüenta e sete anos, iniciou-se a exploração da Lua. Hoje, o satélite da Terra se assemelha a um imenso formigueiro, com as enormes escavações subterrâneas para estaleiros de astronáutica, instalações industriais, com grandes linhas de fabricação automatizada. Mesmo as gigantescas espaçonaves são produzidas em série. Desta forma, conseguimos agora o que os arcônidas possuíam já há alguns milênios. Transformamos este grande corpo celeste numa base da nossa frota espacial, para assim podermos enfrentar, sem nenhum dano para a população civil, os hóspedes indesejáveis e estrangeiros ávidos de uma conquista fácil.

“A Lua passou a ser um posto avançado da defesa terrana. Seguindo o modelo do Grande Império de Árcon, o Império Solar é hoje uma organização estatal, cuja segurança repousa no seu poderio técnico e militar. Afirma-se com conhecimento de causa que a capacidade de construção astronáutica dos estaleiros da Lua se equipara hoje à do terceiro planeta de Árcon. Mais de cem milhões de terranos de excelente formação estão preparados para, em caso de necessidade, provar nossa absoluta independência dos demais povos do espaço. Você está me compreendendo?”

A resposta de Brazo foi muito positiva.

— Este retrospecto histórico é tão interessante como o conteúdo de suas meias. Sei muito bem que dentro delas estão seus pés...

Sikhra riu muito e Nolinow se levantou, soltando uma imprecação.

— Está bem! Tinha que ser assim, não é? Ordem é ordem. De qualquer maneira, você vai viver o início da terceira fase da História. Agora, se quiser aprender alguma coisa sobre propulsão linear, por favor, procure gente mais competente. Só posso dizer a você que o tempo das transições já passou, pelo menos para a Fantasy. Até hoje, conseguíamos vencer o hiperespaço por complicados e violentos saltos executados pelo processo dos pulos da lebre. Ia relativamente bem, mas os dificílimos cálculos necessários para cada transição, a conseqüente desmaterialização e os muitos erros que podiam ocorrer faziam sentir que não era a solução perfeita.

“A bordo da Fantasy você vai fazer uma viagem espacial com velocidade muito superior à da luz. Voamos com visão ótica para a estrela ou planeta visado. Não se pula mais, no estrito sentido da palavra, como antigamente, quando não se podia ver nem ouvir nada. Agora a gente pode ver tudo o que quer. Mergulhamos no assim chamado semi-espaço. O campo de compensação de Kalup cobre, principalmente, as constantes da quinta dimensão que entram mais em ação, sendo que, com isso, se evita um penetrar direto no hiperespaço. Por este motivo não há necessidade de nenhuma desmaterialização, como nas velhas naves de transição.

“Voamos num setor do semi-espaço, que só pode ser explicado pela Matemática, localizado entre a quinta e a quarta dimensão, onde ambas as influências energéticas perdem toda a eficácia. Por isto, um corpo que por ali passe se torna uma parte integrante deste semi-espaço, onde, naturalmente, as leis de Einstein perdem sua validade.

“Talvez, se possa obter velocidade milhões e milhões de vezes mais elevada do que a velocidade da luz, no vôo linear direto. Mas Rhodan não quis ainda chegar a tanto. Com este vôo reto, não se produz nenhuma onda frontal de algum vulto, nem choque estrutural, como acontecia com as espaçonaves que rompiam violentamente a muralha do tempo-espaço. As vantagens bélicas são mais que evidentes! Quem possuir a propulsão linear, está automaticamente acima das demais inteligências da Via Láctea. Eu... você já está ficando pálido de novo?”

Brazo fechara os olhos e sua respiração estava mais difícil. Mesmo com Nolinow se esforçando para explicar estas coisas tão inovadoras e sensacionais de maneira simples e entremeadas de piadinhas, Brazo sentiu-lhes a seriedade e o significado profundo.

Quando abriu os olhos de novo, os jovens oficiais estavam bem perto dele. O rosto largo de Nolinow estava transfigurado, não ria mais.

— Isto é um abacaxi, não é verdade? Você vai compreender com o tempo — disse ele. — Talvez agora você justifique o cuidado do comandante nos recomendando que o preparássemos. Jefe Claudrin é um bom psicólogo, se bem que à primeira vista dê a impressão de um tanque de guerra descontrolado, que ameaça destruir tudo que estiver na frente. Ele nasceu em Epsal, um dos primeiros homens do programa de adaptação de 2.045. Não perca o controle quando ele vier para seu lado. É tudo que lhe posso dizer. Tem alguma pergunta a fazer?

Brazo não queria saber de mais informações. Sik voltou do videofone e deu uma explicação. Momentos depois, penetrou na cabina um robô de serviço, com o sorriso estereotipado.

— Este é o ômega-185 — explicou Stana. — Está encarregado do seu bem-estar físico. Venho apanhá-lo aqui em meia hora.

Antes de Sikhra deixar a cabina, ainda se dirigiu a Brazo.

— Você naturalmente pode desistir do vôo, ninguém vai obrigá-lo a tomar parte nesta missão. O negócio é perigoso. Pense bem. Depois de você prestar o juramento...!

O nepalês interrompeu bruscamente sua frase, preferindo calar. Àquela altura, Brazo sabia exatamente que, por motivo nenhum deste mundo, haveria de desistir, mesmo se lhe pintassem os futuros perigos, com as cores mais exageradas.

Completamente distraído, disse ao robô:

— Quero tomar uma ducha. Minha arma de serviço, eu mesmo a limpo.

Trinta minutos mais tarde, Brazo ostentava um uniforme verde-claro que lhe mandara o oficial camareiro.

 

Tinha estranhamente as mesmas dimensões, tanto na altura como na largura. Um cofre-forte médio não seria muito diferente dele. O Major Jefe Claudrin, na largura do tórax, correspondia a quatro homens bem desenvolvidos. Naturalmente, possuía uma musculatura fenomenal.

Nascido e crescido num planeta de 2,1 gravos, quando ingressou na Frota Solar sentia muita dificuldade em se mover num ambiente de gravidade de mais ou menos um gravo. Quando o nativo de Epsal notou que sua musculatura começou a se tornar flácida sob a pressão de apenas um gravo, resolveu trazer, dia e noite, um microgravitador, fabricado especialmente, que lhe fornecia uma pressão duas vezes maior. Desta forma, sem medir sacrifícios, conseguiu conservar sua estupenda compleição física.

O maior prazer de Jefe era quebrar, “por acaso”, cadeiras e bancos normais. Seus braços se assemelhavam a bielas de tamanho exagerado e suas mãos eram respeitadas. Os tripulantes da Fantasy evitavam de cumprimentar o colosso cúbico, pois sempre saíam perdendo. Antes de Jefe perceber a periculosidade de suas mãos, houve alguns incidentes desagradáveis.

Resumindo, o comandante do cruzador de reconhecimento Fantasy parecia um gigante cortado ao meio, cuja cabeçorra com cabelos cor de fogo se assentava num senhor pescoço, tão largo e cheio de músculos que não havia no almoxarifado da Frota Espacial o número do seu colarinho. Tinha de ser confeccionado sob medida.

Como comandante e galatonauta, Claudrin era inquestionavelmente um ás da Frota Solar. Vinha comandando a super-moderna Fantasy desde o primeiro vôo experimental e o fazia com garra.

Perry Rhodan ouviu o ronco tonitruante normal do conjunto de propulsão, cujas partículas de alta compressão e, com isso, de elevada força motriz, davam ao pesado cruzador uma aceleração de quinhentos quilômetros por segundo. As máquinas do novo gigante do espaço funcionavam com a mesma perfeição e segurança como em dez mil outras grandes naves da Frota Solar. Utilizando modelos arcônidas, porém, muito mais aperfeiçoada em detalhes de vital importância, a Fantasy representava, no momento, o clímax da neotecnologia. Ninguém lhe podia apontar um senão. Parecia mesmo sem sentido experimentar ainda mais seus motores.

No entanto, Rhodan pessoalmente controlava com todo rigor os pequenos painéis de instrumentos no rebordo central. Não se percebia nada de anormal, a não ser uma leve cintilação azulada de aquecidas camadas de ar que se levantavam. Devido à construção compacta da Fantasy, bastavam-lhe seis conversores no aro de rebordo. Muito maior espaço ocupavam, porém, os novíssimos motores de propulsão que proporcionavam uma velocidade superior à da luz. Tais motores não deveriam ser chamados de motores ou de máquina de propulsão, no sentido estrito da palavra.

O compensador Kalup tinha exclusivamente a função de abrigar a nave num campo esférico, que agia refletindo ou absorvendo as influências energéticas da quarta ou quinta dimensão.

Criou-se desta forma, dentro do campo esférico, o estado instável de zonas de libração, estado este que anularia a validade das leis do hiperespaço, bem como das leis do Universo de Einstein.

As velocidades alcançadas dentro do semi-espaço, com o sistema de propulsão normal, que mal atingem a velocidade da luz, oscilam, conforme a intensidade energética do campo de compensação de Kalup, entre dez a muitos milhões de vezes mais do que a velocidade da luz. Um dos pontos do programa de experimentação era exatamente constatar os limites desta oscilação.

Até o presente momento tinha-se como certo que o processo dependia de dois fatores. Primeiro: as variações nas ondas de impulso, na zona de influência das librações, eram de origem natural. Segundo: sua velocidade podia ser, por sua vez, enormemente alterada pela variação da carga no campo de Kalup — e isto veio provar mais uma vez que a eliminação das leis físicas e das do Universo de Einstein era um problema que envolvia conteúdo energético no campo kalupiano. Quanto melhor for o campo de proteção, quanto mais o corpo da Fantasy se adaptar à zona de semi-espaço, tanto mais facilmente a nave se tornará uma parte do setor artificial entre as dimensões.

Para se poder atingir este estado ideal, o cruzador foi equipado com um quinto conjunto de propulsão, ainda nos estaleiros, o que lhe possibilitaria uma produção adicional de vinte mil megawatts.

Assim, Rhodan esperava atingir o ponto almejado, ou seja: a compensação total das constantes da quarta e da quinta dimensão.

O zunido dos conjuntos propulsores da faixa de rebordo foi se reduzindo. Rhodan despertou de suas divagações. Os problemas relacionados com o vôo linear só se resolverão com experiências práticas e não com teoremas ainda discutíveis.

A cintilação nos painéis de controle cessou e, num último bramido abafado, desligaram-se os conversores de impulsos. Em queda livre, com a metade da velocidade da luz, a Fantasy percorria a órbita de Marte. Terra e Lua há muito estavam sepultadas nas trevas do espaço. Nos painéis da grande nave viam-se apenas as estrelas da Via Láctea.

Com a mão fechada, Perry Rhodan deu uma leve pancada num interruptor, e, no mesmo instante, todos os cinturões de segurança, obrigatórios, a bordo da Fantasy, se abriram. Reginald Bell, com sua mesma aparência de 131 anos atrás, postara-se às costas do comandante da expedição. Contemplando todos os instrumentos do painel, seu rosto irradiava tranqüilidade.

Um pouco mais à direita, estava a enorme poltrona especial do comandante, que não deu maior atenção aos dois homens à sua esquerda. Sua missão era controlar com todo rigor e a cada segundo o comportamento global da nova maravilha. Rhodan olhou para o outro lado e fixou-se em Claudrin, cujos ombros espadaúdos ultrapassavam um pouco o espaldar da poltrona.

— Tudo bem, Jefe?

O homem de Epsal virou a cabeça e a pele morena de seu rosto se contraiu num sorriso.

— Como sempre, sir — reboou sua voz grave. — Quer fazer alguma experiência? — continuou com a mesma voz cheia.

Rhodan confirmou com a cabeça. Depois de um demorado olhar nos instrumentos, levantou-se da poltrona. Bell ainda estava em pé e parado. Seu rosto coberto de sardas se fechava naquele momento numa seriedade pouco comum a seu temperamento brincalhão. Toda a equipe da sala de comando olhava atentamente para Rhodan e seu lugar-tenente. O administrador do Império Solar passou por entre as poltronas e os diversos controles manuais. A central de comando da Fantasy estava superlotada de instrumentos.

— Alguém tem algum palpite? — perguntou ele, sem delongas.

Bell fechou os olhos por uns instantes. Ao abri-los de novo, Rhodan já estava na sua frente. E os olhares dos dois grandes amigos se cruzaram.

— Palpites? — repetiu Bell bem silabado. — Não, acho que não tenho nenhum palpite. Esta casca de noz, o máximo que pode fazer é explodir, nada mais.

Os lábios de Rhodan se contraíram num sorriso irônico, mas na sua voz havia muito sentimento, qualquer coisa de saudade.

— Oba! Chama de casca de noz um cruzador pesado, de duzentos metros de diâmetro? Interessante, acho que posso lhe dizer o que está se passando com você.

— Ah! Que nada!

Rhodan continuou com sua voz tranqüila e muito pensativo:

— Há cinqüenta e sete anos, mais ou menos nesta época do ano, morreu o arcônida Crest. É pena que não pôde mais participar dos sucessos da Humanidade. Você estava pensando nele, não?

Fazendo que sim com a cabeça, Bell interferiu:

— Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que encontramos na Lua sua espaçonave de reconhecimento escangalhada no solo. Isto deve ter sido há mais de 130 anos, num mês de junho. Algumas semanas depois, sentíamo-nos orgulhosos e invencíveis, somente porque estávamos de posse de uma nave auxiliar de origem arcônida. Depois veio a unificação dos povos da Terra e logo a seguir nossos primeiros contatos com inteligências extraterrenas. Finalmente surgiu Atlan e pouco depois veio a invasão dos druufs. O cérebro robotizado de Árcon foi desligado, e Atlan tornou-se o imperador do Grande Império Arcônida. De lá para cá, passaram-se cinqüenta e sete anos e agora começa a terceira fase da História da Humanidade...

Com um gesto amplo, abrindo os braços, Bell fez uma pausa.

— Quando olho agora, aqui em volta de mim, vêm-me à cabeça estranhas comparações. Crest e Thora chegaram à Lua há 131 anos. Naquela época, nossos primitivos foguetes nos enchiam de orgulho. Agora partimos para pesquisas espaciais e os nossos colonizadores se deparam com seres estranhos nos confins do Universo. A Terra se tornou, em tão pouco tempo, uma potência de primeira grandeza. Qual será o destino desta evolução vertiginosa desta nova potência da Via Láctea? Quando e quem será que nos vai demarcar os limites desta expansão incrível? Já ultrapassamos e quase que já substituímos os degenerados arcônidas, de quem muito herdamos. O imperador de Árcon, Atlan, vê esta nossa expansão com um olho chorando e com o outro rindo. Compreende naturalmente que nossa penetração constante em sua esfera de ação é mera conseqüência do incrível progresso da Terra. Não é de se estranhar que atualmente um bom número de terranos ocupem cargos importantes na administração de Árcon. Posso lhe dizer mais uma coisa?

Bell olhou para cima, vendo o rosto de Rhodan mergulhado na penumbra que reinava na sala de comando, que, naquela hora, tinha como iluminação apenas as pequenas luzes coloridas dos vários instrumentos. O rosto de Rhodan recebia os reflexos multicores, dando a impressão de que um poder oculto pretendia retalhar a face do grande líder da Humanidade.

— Mas, o que você quer dizer mesmo, Bell?

— Não é nada de extraordinário. Eu penso apenas que estamos tendo e vamos ter ainda um longo período de calma. Os saltadores só nos atacam de vez em quando e... pelas costas. Parece mesmo que, no momento, não há ninguém que possa nos ameaçar seriamente.

— Não; há muitas inteligências no Universo que estão interessadas em nos atacar. O que as impede de agir é nossa aliança com o Grande Império de Árcon.

Bell fez um aceno com a cabeça, concordando.

— Árcon é um reino muito confuso. Atlan nos assusta a todo momento, chamando-nos para sufocar no nascedouro as constantes revoltas de seus povos. Mas Árcon não é toda a Galáxia. Conhecemos uma pequena parte dela. O Império Arcônida, que no começo nos parecia quase infinito, domina apenas um pontinho da Via Láctea. As dimensões se alteraram muito nestes últimos anos... O que será que vamos encontrar no centro da Via Láctea, lá onde ninguém ainda penetrou?

— Novamente suposições.

— Talvez — disse Bell pensativo. — Este vôo me faz lembrar muito a viagem de Crest e Thora, que saíram à procura da imortalidade. Em vez de encontrarem a vida eterna, encontraram a Terra e nos trouxeram a tecnologia arcônida. Agora, faço a pergunta: O que vamos descobrir nesta viagem, ou melhor, nesta expedição?

Acendeu-se uma tela, aparecendo o rosto do primeiro-oficial, o Major Hunt Krefenbac.

— Estamos à sua espera, sir.

— Já estou indo — disse Rhodan ao microfone, e voltando-se para Bell, falou em voz baixa: — Não assuste o pessoal assim. Você sabe tão bem como eu, que existem seres inteligentes que nós não podemos enfrentar assim, de uma hora para outra. E mesmo os saltadores, não podemos menosprezar seu poderio. A nossa sorte é que estes nômades do espaço talvez nunca consigam unir suas forças, devido às divergências pessoais de seus chefes.

Afastando-se dali, Bell se dirigiu para a escotilha blindada II. Rhodan acenou para o comandante do outro lado, que naquele momento se levantara de sua poltrona especial. Pesado como um rochedo, estava ele diante de Rhodan. O administrador era um pouco mais alto que ele.

— Jefe, continuaremos na mesma rota, não acelere mais do que isto. Só um pouco antes da órbita de Júpiter, novas ordens serão dadas. Enquanto isto, vá procurando no meio deste formigueiro de corpos celestes a estrela vermelha e esqueça também tudo que aprendeu na Academia Espacial sobre hipersaltos ou transições. Temos que voar agora vendo o que está à nossa frente. Acho que só esta vantagem da propulsão linear compensa todos os esforços que fizemos para sua concretização. Daqui para frente, não faremos os complicadíssimos cálculos para as transições. Voando nesta velocidade fantástica, onde iríamos parar se houvesse apenas um pequeno erro de cálculo?

Claudrin, de repente, virou para trás. Um radiotelegrafista, que “por acaso” estava parado perto, tomou posição de sentido.

— Qual é o bobo que está xeretando por aqui? — perguntou o homem de Epsal, com seu vozeirão cavernoso.

O jovem telegrafista saiu correndo e Claudrin, contente, acariciou o cavanhaque.

Rhodan tossiu, levando a mão à boca e resolveu também deixar a sala de comando.

— Acho que ainda me verei obrigado a botar uma mordaça nesse sujeito — disse Bell, um tanto irritado. — Esta voz berrante me faz mal aos ouvidos.

 

Toda a tripulação da Fantasy fora convocada para o salão dos oficiais. Brazo Alkher ainda não se sentia à vontade no meio destes homens dos mais diferentes setores da Frota Espacial selecionados a dedo. Eram-lhe apresentados constantemente outros homens, entre eles personalidades de maior relevo, que conhecia apenas de nome.

Professor Kalup, o matemático considerado a maior capacidade da Terra, Riebsam e Gorl Nkolate, a sumidade médica da África, especialista em cirurgia de adaptação, eram apenas alguns dos grandes nomes que integravam a tripulação da Fantasy.

Além de toda esta gente dos altos coturnos, havia outras pessoas que Brazo — como muitos milhares de outros tenentes da Frota Espacial — olhava com um misto de medo e de respeito. Eram os membros do lendário Corpo de Mutantes, que, conforme todos sabiam, tiveram uma atuação preponderante na formação do Império Solar. Até então, Brazo nunca se defrontara com um deles.

Podia-se ver a figura alongada e magra de Hunt Krefenbac junto dos registros automatizados de alimentação. Brazo já percebera em conversa com os colegas que Krefenbac não era tão vagaroso como parecia, embora, no momento, seu rosto pudesse dar esta impressão. Aliás, a tripulação da Fantasy parecia mesmo composta de pessoas dotadas de inequívocas qualidades pessoais.

Neste momento, entrou no salão dos oficiais o Tenente Mahaut Sikhra, em companhia de um homem de aparência quase insignificante, portando o emblema de engenheiro operacional. O singular neste engenheiro e capitão do cruzador Fantasy era que seu tórax apresentava uma exagerada saliência para frente, deixando supor que seus pulmões eram duas ou três vezes maiores do que os de um homem normal.

— Apresento-lhe o Capitão Slide Narco, nascido no planeta Marte — disse o tenente, em tom mais baixo. — Falam que este marciano, com seus pulmões descomunais, é capaz de encher num só sopro um balão do tamanho de um arranha-céu, o que é, naturalmente, um belo exagero.

— Também acho — confirmou Brazo. Sik se abriu num largo sorriso. Alguns dos oficiais do setor técnico, ali reunidos, se entreolharam com ar de zombaria. Realmente, o singular marciano parecia um pateta a bordo.

Brazo mordeu os lábios para dominar o riso. Olhou em volta para disfarçar e antes que achasse palavras adequadas, aconteceu algo que o deixou desnorteado. Bem rente dele, o ar começou a tremeluzir e, no mesmo instante, do meio deste estranho fenômeno luminoso, surgiu uma figura estranha, de pouco mais de um metro, portando o uniforme da Frota Espacial. Não era nenhuma alucinação.

Gucky viera apenas para dar uma olhada e curioso começou a detectar os impulsos mentais do subitamente lívido oficial Brazo. Os sentimentos paternais de Gucky foram fundamente atingidos, ao ver o jovem tomar posição de sentido, com o máximo de respeito, se bem que de início ele se assustara, dando um pulo para trás e olhando decepcionado para o focinho pontudo de rato.

“Fantástico! Este deve ser o elemento mais sensacional do Corpo de Mutantes... Parece um tipo muito simpático, um pouco cômico, mas formidável e de olhos muito inteligentes.”

Gucky não quis prosseguir na leitura dos pensamentos do recém-chegado a bordo da Fantasy. Irradiando imensa satisfação pelos bons conceitos a seu respeito, lidos nos pensamentos de Brazo, Gucky se apoiou nas patas traseiras e, erguendo o corpo, estendeu a mão em cumprimento. Os olhos de Brazo se arregalaram ao ver o dente roedor, bem saliente, do intrépido mutante.

— Olá! Bem-vindo a bordo! — disse Gucky, em tom sibilante. — Você é Brazo Alkher, não é?

— Sim... perfeitamente, senhor — gaguejou o jovem.

Gucky, triunfante, deu uma olhada em volta. Todo mundo ouvira que ele fora tratado por “Senhor”.

— Gucky, chame-me simplesmente de Gucky — disse benévolo, nadando num oceano de contentamento. — Para você, estou sempre às ordens. Agora, não se deixe levar por estes malandros, está entendendo?

— Por quem, senhor?

Gucky riu com gosto. Seus olhos brilhavam de felicidade à luz indireta dos tubos fluorescentes embutidos.

— Dos malandros. Daqueles ali.

Sua mão apontou para os homens em volta.

— Se não o deixarem em paz, venha falar comigo que eu dou um jeito neles.

Ainda meio confuso, apertou a mão daquele ser inteligente extraterreno. Sentiu-se meio sem jeito, ao perceber a longa cauda em forma de concha saindo para fora do uniforme. Enxugou o suor do rosto, depois que o pequeno animal deu-lhe as costas. Sik tapava e apertava a boca com a mão, enquanto seus olhos úmidos quase saltavam das órbitas. Depois de esfregar as pálpebras com o indicador, pigarreou fortemente.

— Saia do caminho, seu anão! — gritou Gucky para um tripulante de estatura avantajada.

— Rapazes! — disse Brazo extenuado — isto foi realidade ou eu estava sonhando de olhos abertos?

Sik sorriu.

— Você ainda vai conhecê-lo melhor. Dizem que é capaz de liquidar mil homens ao mesmo tempo, sem uso de qualquer tipo de arma.

— Ah! Essa não!

— É sério, não estou brincando não. Ele é teleportador, telecineta e ainda de sobra telepata. Você não vai acreditar como ele nestes poucos segundos virou você pelo avesso. Estou conven..., oba, o chefe está chegando, calma.

Antes que Rhodan penetrasse no salão dos oficiais, captou um chamado telepático de Gucky. O rato-castor, neste momento, se encontrava no balcão que circundava uma parte do salão.

— Dei uma olhada nele — continuou Gucky. — Tem um medo pueril de mim, imagine.

— Extraordinário — emitiu Rhodan, utilizando-se de seus fracos dons de telepatia.

Gucky o entendeu perfeitamente.

— Não o maltrate, grande chefe, por favor! O coitado ficou muito impressionado comigo.

— Eu já disse, extraordinário.

— Vamos deixar isto de lado. Fiz apenas um teste rápido com ele. Gostaria de dizer que está tudo cem por cento. Naturalmente, sente-se um tanto inquieto devido à nova situação. Fora disso, vai tudo bem.

— Ótimo, muito obrigado, Gucky. Rhodan interrompeu a comunicação telepática. O chefe do Corpo de Mutantes, John Marshall, “ouviu” toda esta conversa. Seu olhar perscrutante demorou-se por uns instantes no novo oficial da artilharia, antes de sussurrar nos ouvidos de Rhodan:

— Dá uma ótima impressão, espírito jovem e sadio, sir.

— Não há dúvida, John, conheço bem sua ficha. A bordo da Formosa, o rapaz realizou proezas que fizeram Bell empalidecer. Isto quer dizer muita coisa, e você não pode negar.

Marshall tentou esconder o sorriso, enquanto correspondia aos cumprimentos dos tripulantes da Fantasy, ali agrupados. Brazo Alkher ameaçava se dissolver numa onda de respeito e admiração, quando Rhodan penetrou no balcão do grande salão, puxando para junto de si o braço articulado do microfone. Era este exatamente o homem que havia ajudado Brazo a carregar as malas. Agora, porém, o administrador envergava o sóbrio mas distinto uniforme da Força Espacial. Os emblemas da hierarquia não tinham nada de bombástico nem de espalhafatoso, mas eram facilmente reconhecíveis.

— Seremos breves — soou a voz de Rhodan nos alto-falantes. — Mandei convocá-los para este salão, a fim de informá-los do nosso vôo. Trata-se desta vez de um teste de longo percurso. O nosso destino é um grande sol vermelho nos confins da parte central da Galáxia, sol este que ainda não tem nome. A distância deste sol ou estrela vermelha, indicada nos catálogos, de quarenta e dois mil cento e oitenta anos-luz, talvez não esteja exata. Com uma espaçonave convencional, necessitaríamos de, pelo menos, dez transições, tendo que executar os terríveis cálculos de distância de cada salto, ainda sob a incerteza de não atingir o alvo com exatidão. Gastaríamos para isto pelo menos uma semana de viagem.

“Tenho intenção de transformar em realidade a maior velocidade já obtida teoricamente. Assim sendo, a Fantasy vai rasgar o semi-espaço com uma velocidade de vinte e cinco milhões de vezes superior à velocidade da luz. Este valor deve ser visto de uma maneira sumamente relativa e dependente de certas condições. Não se assustem, pois, com a cifra gigantesca. O decisivo não é o conceito relativo sobre uma escala de velocidade a ser mantida, mas tão-somente o período de tempo real de que carecemos para perfazer uma distância mais ou menos preestabelecida. Todo o resto é de somenos importância.

“As espaçonaves de propulsão linear abrem assim novos horizontes para viagens no hiperespaço. É, pois, necessário nos familiarizarmos com conceitos novos, embora assustadores.”

Rhodan apalpou o bolso da jaqueta e dele tirou uns papéis. Seu olhar sereno perscrutou os trezentos membros da tripulação do cruzador de experiência. Eram olhares atentos e fisionomias tensas de homens escolhidos a dedo.

— O outro ponto que merece uma explicação, diz respeito à exatidão do nosso destino — continuou Rhodan. — Como nos vôos experimentais anteriores, estaremos em condições de ver a estrela do nosso objetivo à base do sistema paraótico. Voando 25 milhões de vezes mais rápido que a luz, haveremos de atingir a estrela vermelha em apenas quatorze horas e meia. Conforme todas as experiências feitas até hoje, não haverá necessidade de prorrogação destas quatorze horas, excluindo o caso de a proteção total do campo kalupiano apresentar alguma surpresa, o que, aliás, até hoje nunca se deu. Não podemos ter uma certeza absoluta, mas, de qualquer forma, estamos preparados para tudo.

“Uma coisa está totalmente fora de dúvida: os druufs, que não são seres humanos e de quem herdamos o novo tipo de propulsão, atingiram sempre seus objetivos com absoluta precisão. Sabemos, além disso, através de nossos agentes cósmicos, que nos vôos de longo percurso dos druufs jamais ocorreram dilatações de prazo devido ao tempo relativo. Tenho a certeza de que manteremos nossa medição de tempo, sem que com isso possam surgir fenômenos desagradáveis.

“Se surgirem fatores de distorção, haveremos de enfrentá-los normalmente. Isto seria tudo sobre a parte puramente técnica da Operação Estrela do Destino. Tenente Alkher...!”

Brazo estremeceu de susto ao ouvir seu nome dos lábios do administrador do Império Solar. Perplexo, se deu conta de que todos os olhares se convergiam para ele.

— Pronto, sir! — respondeu com voz trêmula.

— Você já inspecionou a central de artilharia da Fantasy?

— Perfeitamente, sir.

— Está claro a respeito de tudo?

— Acho que sim, sir. Não é propriamente diferente das centrais das espaçonaves tradicionais.

— Ótimo, muito obrigado! Prepare-se para, se for necessário, poder agir com a maior presteza. A Fantasy não é propriamente uma belonave nem um supercouraçado, nem mesmo um cruzador pesado no sentido estrito da palavra. Uma boa parte dos armamentos teve de ser suprimida para dar lugar a outros mecanismos. Somos realmente uma usina energética voando pelo espaço. Os poucos canhões de que dispomos devem pois estar em condições de fazer fogo com extrema rapidez e pontaria perfeita, para não termos surpresas desagradáveis. Tome todas as providências neste sentido e não se preocupe com outras coisas.

— Certo, sir.

Rhodan pôs suas anotações no bolso e, olhando para o relógio, disse determinadamente:

— Em meia hora atingiremos a órbita de Júpiter. De lá passaremos ao semi-espaço, acelerando rumo ao nosso destino. Vistam o uniforme espacial e deixem ligados os aparelhos de intercomunicação. Afivelem bem firme o cinturão de segurança. Esperamos já haver eliminado as causas das vibrações celulares, observadas até então. Porém não temos plena certeza disso. Não se esqueçam de que estão a bordo de um protótipo. A questão é de tudo ou nada, sendo que temos que arriscar tudo para conseguir nosso objetivo.

Antes de se retirar do salão dos oficiais, Rhodan cumprimentou os presentes com um sorriso afável. Por uns segundos, um pesado silêncio cobriu todo o recinto. Depois, as vozes se entrelaçaram. Formaram-se então grupos e grupinhos, onde o assunto devia ser um só.

— Puxa! Mais de quarenta e dois mil anos-luz...! É dose para leão, é espaço que não acaba mais — disse Stana Nolinow perplexo. — Desta vez, o negócio é para valer. Como é que você se sente, meu irmãozinho?

Brazo tinha um sorriso esquisito estampado no rosto. Como que alheio a tudo, olhava absorto para o lugar onde estivera Rhodan, há poucos instantes.

 

Aquilo tudo parecia mesmo um pesadelo, mentalmente um tanto obscuro e materialmente inacessível às mãos humanas.

A manobra fora impecável. Depois que se instalou o campo de compensação kalupiano e se efetuou a conversão estrutural das ondas de impulso, tinha-se a impressão de que nada de anormal acontecera a bordo da nave experimental. As dores alucinantes habituais deixaram de existir — eram coisas do passado.

Nada mudara, nenhum corpo se dissolvera. A visão ótica do objetivo, que estava na linha reta do protótipo Fantasy, era absolutamente perfeita. Somente nas regiões em que a duração dos raios de ressonância paraestáveis se tornava mais curta é que desapareciam os contornos da parte conhecida da Via Láctea.

Na tela central, como se fosse um grãozinho de areia, cintilava a estrela vermelha, o destino daquela incrível expedição.

Voava-se com o objetivo à vista, sem os complicados cálculos das transições e os estudos meticulosos dos ângulos. A tremenda velocidade da Fantasy tornava fácil a correção do pequeno desvio provocado pelo movimento de translação do sol vermelho.

Bem abaixo do posto de comando, estrugia o conjunto de propulsão kalupiano. Apenas alguns minutos após o início da aceleração das zonas de libração, havia-se constatado que o conversor de compensação, apesar da altíssima solicitação a que era forçado, estava ainda muito longe de qualquer sobrecarga. Duzentos e vinte mil megawatts não era o suficiente para “afogar” o monstro devorador de energia.

As máquinas calculadoras trabalhavam ininterruptamente no Departamento de Matemática. A compressão energética do campo kalupiano aumentara apenas 5%, comparada a experiências de vôos anteriores, se bem que a usina adicional montada na Fantasy continuava fornecendo vinte mil megawatts a mais. Depois de um período de aceleração de somente oito minutos no âmbito do semi-espaço instável, produzido artificialmente, o cruzador experimental chegou à maior velocidade possível, atingindo com as ondas de impulso a fantástica velocidade de vinte e cinco milhões de vezes a velocidade da luz. Por outro lado, tinha-se como certo e comprovado que esta alucinante velocidade não poderia ser ultrapassada com nenhum recurso técnico, caso não se conseguisse atingir a necessária proteção total das influências energéticas quadridimensionais.

A visão para o espaço normal era indecisa. Não se via outra coisa a não ser formações luminosas de formas estratificadas, envoltas na penumbra. Claridade mesmo existia apenas no setor dos raios paraóticos refletidos. Com a distância que aumentava, ampliava-se também o campo visual. Os primeiros resultados das medições mostravam que o manto ou campo de proteção, baseado no princípio kalupiano, mantinha sua estabilidade, embora a compressão energética diminuísse com a crescente dilatação. A estrela vermelha, destino daquela fantástica jornada, estrela esta que estava no foco do rastreamento paraótico, surgia também nítida na tela panorâmica.

Em virtude dos muitos afazeres a bordo da Fantasy, ninguém tinha propriamente consciência exata de que a nave protótipo se encontrava num setor irreal do espaço, fato este explicável somente pelos cálculos matemáticos. As constantes da quinta dimensão eram absorvidas plenamente pelo campo kalupiano. Realmente, não havia nenhum indício de desmaterialização. Quando se penetrava no hiperespaço os sintomas eram por demais notórios para se poder constatar que a regularidade hiperfísica, ou simplesmente as leis da hiperfísica, não possuíam nenhuma validade na zona de libração.

Rhodan ligou o segundo posto de controle. Em caso de emergência poderia assumir o comando manual da espaçonave. Jefe Claudrin estava sentado tão calmo e descontraído na sua poltrona especial, que Rhodan aos poucos começou a compartilhar daquela serenidade. O primeiro quarto de hora de imersão no hiperespaço fora um tanto turbulento. Já agora, os comunicados vinham sem afobação e não havia mais aquela tensão nos olhos e nos gestos dos tripulantes.

Rhodan chegou a apalpar com atenção seu corpo. Nada se alterara.

— Você pensou que ia poder apalpar seu estômago por dentro? — perguntou Bell, em tom de brincadeira.

Os olhos do gorducho, de um azul-claro, irradiavam aquela cintilação que demonstra avidez por novas aventuras.

— Aqui tudo é possível — disse Rhodan, desconfiado. — Como é que você se sente?

— Muito bem. Chego mesmo a não acreditar que nos movemos a uma tal velocidade.

— Quantas vezes terei de lhe explicar que o fenômeno deve ser visto como coisa de somenos importância, apenas como apoio para o pensamento? Importante é...

— ...o trecho realmente percorrido. Sim, sei disso.

Rhodan se ergueu da poltrona. Momentos mais tarde deu uma instrução pelo microfone:

— Todos devem abrir o capacete do uniforme espacial. Prestem, porém, atenção! Pode ser que, dentro de pouco tempo, tenhamos de nos isolar novamente do mundo externo.

Dizendo isto, se encaminhou para o assento do comandante. Jefe Claudrin não tinha mãos suficientes para executar todas as instruções ditadas pelo professor Kalup, que, calmo, controlava tudo. Eram geralmente alterações mínimas quanto ao funcionamento das turbinas e à correção da rota.

Rhodan ficou parado atrás do homem de Epsal, cujas manobras eram de uma rapidez e de uma precisão notáveis. Infelizmente não se havia ainda inventado um piloto automático para o vôo linear. Desta forma, seu fantástico poder de reação possuía um valor inestimável. Rhodan olhou em volta. Bem à sua frente estava instalada a tela abaulada de paraobservação em terceira dimensão. A parte do vídeo de imagens normais mostrava apenas reflexos indefinidos.

— Maravilhoso, sir! — tonitroou o vozeirão de Claudrin. — Kalup quer me forçar a um desperdício de energia. Que acha, sir?

Rhodan refletiu um instante. O pensamento de Kalup era de fácil compreensão. Queria tentar, a todo custo, aumentar a velocidade da Fantasy, embora o compensador tivesse já atingido sua capacidade máxima de carga.

— Experimente! — disse Rhodan.

— De que maneira? — perguntou Claudrin muito surpreso, mostrando no rosto um misto de medo e de perplexidade.

— Experimente, Jefe. Injete mais combustível e force um pouco mais o conversor de impulsos. Eu também estou curioso para ver o que vai acontecer. Afinal de contas, chegará a hora de termos de usar tal velocidade.

A central de cálculos matemáticos ouviu as instruções. Por trás de um rastreador superestrutural, cujas escalas cilíndricas giravam com uma velocidade tremenda, apareceu a figura do corpulento Kalup.

— Até que enfim! — esbravejou Kalup, com seus gestos temperamentais.

Suas bochechas estufadas, sulcadas de veias azuladas, estavam agora mais rígidas e tensas.

— Traga-me o microfone para dar umas explicações.

Um técnico de seu setor afastou-se, para dar passagem ao grande cientista. Resmungando qualquer coisa, Kalup puxou para perto de si o braço articulado do microfone.

— Aqui fala Kalup — disse superfluamente, pois aquele vozeirão era demasiadamente conhecido de todos os tripulantes. — Sir, está me ouvindo?

— Claro que sim!

Era a voz de Rhodan pelo intercomunicador.

— Bem, melhor assim! — continuou Kalup no seu estilo quase irreverente. — Já que houve por bem acatar os conselhos de um homem experimentado, então vamos resolver isto logo e... com perfeição. Para esta experiência, necessito de trinta e duas toneladas de bismuto por segundo para cada unidade de propulsão. Será que seus miseráveis carregadores vão conseguir isto?

— O quê? — tonitroou a voz de Claudrin em todos os alto-falantes. — O senhor diz isto duas vezes, professor?

— Perfeitamente — afirmou Amo Kalup, enfezado. — Por cada conjunto de propulsão e por cada segundo. Senhor, está por aí o engenheiro-chefe?

— Você está um pouco enganado, Amo — interveio o engenheiro-chefe, amigo íntimo de Kalup. — O conteúdo energético de um plasma que está se aproximando do estado sólido, quase atingindo o estágio de desintegração nuclear, não pode mais ser controlado, em determinadas proporções. Vou precisar de cada quilowatt para o compensador. O fornecimento da estação de emergência não é suficiente para a criação de um campo de proteção na potência requerida.

— Nada disso — acudiu Kalup, fora de si de tanta raiva. — O plasma é controlável.

— Somente com, pelo menos, três estações geradoras de boa potência.

— Com duas estações de emergência, seu engenheiro de meia-tigela! — gritou Kalup gesticulando demais.

— Você tem uma idéia a que leis físicas estamos submetidos no momento? Vou lhe provar que...

— Solicito um pouco mais de silêncio no recinto — ecoou a voz fria de Rhodan, através do ruído das turbinas e do intenso vozerio. — Senhor Narco, ligue o aquecedor do tanque de bismuto até mil e quinhentos graus e regule as turbinas até o ponto de carga solicitado, dando toda a força ao conversor de impulsos pronto para a injeção das cargas adicionais. Professor Kalup, estou arriscando muito. Não pode ignorar que a potência de empuxo dos conjuntos de propulsão será multiplicada muitas vezes em curto espaço de tempo. Suponho que deva ter em mãos o resultado de todos os cálculos. Quais os coeficientes de segurança que terá com trinta e duas toneladas por segundo?

Kalup olhou com atenção para a tela panorâmica. Estava se controlando, mas a muito custo. Sua calva brilhava com o suor a escorrer em bicas.

— Sir — disse com a voz sibilante. — O conceito de coeficiente é análogo à contagem da grandeza alterada de uma função em matemática, ou idêntica a um número que exprime o coeficiente de dilatação de um determinado material. Por acaso, julga que eu tenha negligenciado o fator segurança?

Os traços fisionômicos de Rhodan não se alteraram.

— Eu o conheço bem, meu jovem!

— Como assim, jovem? — irrompeu Kalup; seu rosto ficou ainda mais azulado e seu corpanzil balofo estremeceu. — Você disse jovem?

— Exatamente, jovem. Venho lidando com geometria e trigonometria desde os tempos em que seu bisavô nem era ainda nascido. Será que isto lhe significa alguma coisa, meu jovem?

Kalup estava desnorteado. Os semblantes risonhos de seus assistentes acabaram de desconcertá-lo, destruindo seu autodomínio. Rhodan contornou a situação, antes que o temperamental físico explodisse num assomo de cólera.

O chefe da expedição e administrador de todo o Império Solar sorriu para o homem nascido em Epsal, que resmungara alguns palavrões.

Bell tapou os ouvidos, dizendo em voz alta:

— Ainda acabo colocando-lhe uma mordaça, com toda certeza. Claudrin, eu lhe desejo sinceramente uma dor de garganta, acompanhada de muita irritação nas amídalas. Quem sabe se assim você poupará um pouco mais meus ouvidos?

O comandante sorriu, isto é, explodiu numa gargalhada, que mais parecia o som de uma queda d’água.

 

Stana Nolinow vinha mais caindo pela escotilha blindada do setor de artilharia do que propriamente andando. Procurando apoio, firmou-se num aparelho de mira automática, para depois, com muito esforço, cair sentado num banco. Estava ofegante. Procurou logo pela proteção do cinturão, afivelando-o bem firme.

Seguindo as prescrições de seu serviço, Brazo Alkher estava sentado atrás do “órgão de tubos”, como era chamado, na gíria dos tripulantes, o conjunto de canhões. Achava-se atento, olhando para um adversário que não existia. Olhou rapidamente em volta, sem compreender o que se passava. Todos que ali estavam aguçaram os ouvidos, quando Stana Nolinow disse, ainda ofegante:

— Talvez, dentro de pouco tempo, vocês todos tenham que apertar os cinturões. Acho que não podem fazer uma idéia de como são repentinas as manobras de Kalup.

Foi com uma sensação de intranqüilidade que Brazo verificou que seus comandados procuraram imediatamente afivelar os cinturões, com uma agilidade incrível.

Estava ainda refletindo sobre as medidas que teria de tomar, quando soou o videofone de bordo. No aparelho, surgiu o Capitão Slide Narco, cujo rosto estreito parecia um pouco tenso.

— Alkher, vou precisar de cada miserável watt que seus conversores de artilharia possam fornecer. Transfira sua ligação para o circuito geral quatro.

Os traços fisionômicos do jovem oficial, quase sempre plácidos, se enrijeceram numa expressão negativa tão firme, que Nolinow arregalou os olhos espantado. Sikhra, o oficial de serviço, estirou os lábios para um assobio mudo, olhando perplexo para o novato, responsável pelo setor de artilharia.

— Sinto muito, sir — respondeu Brazo moderadamente. — A ordem que recebi foi para conservar sempre em condições de fogo as poucas armas que possuímos.

— Não seja tão fanático assim — insistiu o capitão mais excitado. — Os geradores dos seus canhões me fornecem quarenta mil megawatts a mais.

— Aliás, quarenta e três mil, sir.

— Seja o que for, canalize este precioso líquido na minha tubulação. Vamos lá, rapaz.

— Negativo. Quem manda aqui sou eu, meus canhões continuam em estado de prontidão.

— Puxa! Você se desenvolveu cedo demais, senhor tenente — disse o marciano.

O rosto de Brazo continuava impassível.

— É meu dever, sir. No entanto, estarei à sua disposição, se conseguir do comandante a permissão para lhe ceder a energia das peças de artilharia. Se o senhor me permitir uma observação, Capitão Narco: acho que, se o administrador der tal ordem, muito estará se arriscando. Enfim, ele é quem deverá saber até que ponto as exigências do professor Kalup são cabíveis.

Narco desligou subitamente o videofone.

Levando à boca a palma da mão e olhando temeroso para Nolinow, disse o oficial de serviço:

— Meu irmãozinho, não faça inimigos. Por que você não dá a ele os megawatts solicitados? Se as massas que apóiam o plasma em expansão romperem os campos mais fracos de estrangulamento, os seis conjuntos de propulsão levarão a breca.

— Quer dizer então que são fabricados com papelão ao invés de aço temperado, não é? — perguntou Brazo, com calma. — Independente disso, se a potência do conjunto de emergência não é suficiente, os conversores dos canhões também não poderão mais fazer milagre. O perigo continuaria o mesmo, com a única diferença de que, num caso de ataque de qualquer adversário, estaríamos de mãos atadas.

— Que nada! Aqui na zona de libração?

— Basta apenas uma pequena falha de Kalup, para cairmos novamente e automaticamente no espaço normal, onde podem surgir surpresas desagradáveis.

Brazo afivelou o cinturão com o máximo de cuidado. Ninguém notou nada da grande excitação que lhe ia no íntimo. Era a terceira vez, em toda a sua carreira de oficial da Frota Espacial, que se recusara a cumprir uma ordem superior.

“Posso voltar atrás, quando a ordem do administrador chegar”, pensava ele, para logo depois se envergonhar do que fizera. “Não, não vou jamais executar uma ordem desta. Narco não tem o direito de paralisar todas as possibilidades de defesa da Fantasy, havendo ou não havendo encontro com adversários.”

Stana ia dizer alguma coisa, quando as turbinas de propulsão da Fantasy começaram a roncar muito mais acentuadamente. Havia uma voz fazendo a contagem regressiva. No zero, o ronco se transformou num barulho ensurdecedor de provocar dores agudas nos ouvidos.

Brazo viu que Nolinow estava dizendo alguma coisa, mas não se ouvia uma só sílaba. Dois segundos após a injeção da carga adicional, toda a estrutura do cruzador pesado começou a vibrar. Momentos depois, a vibração atingiu tamanha proporção que instrumentos mais sensíveis se partiram.

Um som mais profundo de órgão chegou até a encobrir o tonitroar dos motores de propulsão. O bojo esférico da Fantasy zunia como se fosse um imenso sino de bronze badalado por mãos ciclópicas. Além de tudo isto, o alarme automático acrescia ao inferno de ruídos o ulular agudo das sirenes.

De repente voltou tudo ao silêncio de antes. Somente as estruturas da grande nave é que ainda vibravam. As lentas ondas sonoras do sino invisível também emudeceram. Brazo apertou a cabeça com as duas mãos. Alguém gritava alguma coisa pelo intercomunicador de bordo, mas ninguém conseguia entender, pois todos estavam momentaneamente ensurdecidos. Foi necessário algum tempo até que os homens recuperassem a audição. Então ouviram a voz abafada de Rhodan. Soava calma e compassada. Além disso, estava usando termos que fizeram o sorriso aflorar nos lábios de Brazo.

— Muito bem, professor, foi isso! As turbinas agüentaram, apesar de terem recebido pouca corrente. Se fosse no espaço normal, teriam explodido. Não se preocupe, porém, com o fenômeno das vibrações. Teriam surgido mesmo que nos utilizássemos das quatro centrais elétricas para os envoltórios de proteção. O que acha do resultado geral?

Surgiu na tela o semblante de Kalup. Estava radiante e eufórico.

— Ótimo, excelente! Acho que você deve perdoar o jovem do posto de artilharia. A aceleração foi como eu esperava e seus efeitos ainda continuam. Com isto conseguimos provar que as demais influências de campo do espaço quadridimensional podem ser superadas por forças puramente mecânicas. O que eu vou precisar mesmo é de mais três fontes energéticas.

— Mas, não mais na Fantasy.

— Então, mande construir uma nave especial nas dimensões de um supercouraçado, e não venha nos falar dos pesados gastos de construção. Ainda não estou plenamente satisfeito.

Rhodan desligou. Brazo virou-se para Nolinow. A fisionomia do jovem oficial da artilharia estava de novo descontraída.

Stana se levantou e sem dizer nada apalpou-se todo, para depois cocar os ouvidos com a ponta dos dedos. O oficial de serviço trocou com os homens do posto de artilharia um olhar significativo. Depois, deixou seu lugar, meteu a mão no bolso e ficou parado junto de Brazo. As mãos de Alkher começaram a tremer, quando o sargento Enscath disse meio tímido:

— Fuma, tenente?

— Muito obrigado, não sou fumante, Enscath.

O sargento de mais idade fez um gesto reverente com a cabeça e voltando para seu lugar, disse com muita calma:

— Não se preocupe com o incidente com o Capitão Narco. Não é homem de guardar rancor e sabe muito bem apreciar a coragem e determinação. É isso que nós todos lhe desejávamos assegurar.

— Nós...?

— Sim, todos os rapazes que no momento lhe sorriem reconhecidos, tenente!

Brazo acompanhou Nolinow até a escotilha de ventilação. Lá chegando disse baixo e gaguejando:

— Sabe de uma coisa, Stana, é uma sensação formidável saber que a gente tem amigos.

— A quem que você está dizendo isto, meu irmãozinho? Fique sossegado agora e não se esqueça de que, mesmo na zona de libração e a vinte e cinco milhões de vezes a velocidade da luz, a gente pode comer alguma coisa. Vamos nos encontrar daqui a meia hora? Tenho que me ocupar um pouco com meus robôs de combate. Espero que meus “rapazes” tenham sido suficientemente espertos ligando na hora certa seus envoltórios de proteção individual. Estes cérebros eletrônicos são muito sensíveis a vibrações mais fortes.

— Qual é propriamente seu setor técnico?

Stana fez uma reverência mais do que teatral.

— Com sua permissão: Stana Nolinow, tenente da Frota Solar, nas horas vagas engenheiro diplomado em hiperfreqüências eletrônicas. Isto é um setor especializado de outro setor também especializado, que juntos formam o conceito geral de cibernética. Um pouco confuso, não é?

E sorrindo desapareceu atrás da escotilha, de onde ainda gritou:

— Meia hora! Sua primeira refeição no semi-espaço deve ser comemorada condignamente.

Brazo concordou mecanicamente. Ao voltar para seu lugar, estava imaginando que já pertencia à comunidade seleta dos grandes especialistas, agora seus amigos.

Na grande tela que mostrava o que havia à frente da Fantasy, cintilava a longínqua estrela vermelha, que Rhodan esperava atingir em apenas quatorze horas de vôo.

 

Rhodan levou um susto. Bastou-lhe uma fração de segundo para compreender a situação.

— Claudrin, desligue o sistema Kalup! — gritou ao comandante.

Também o homem oriundo de Epsal percebeu imediatamente que seria totalmente impossível mudar bruscamente de direção naquela velocidade maluca, como não haveria sentido tentar forçar um desvio na rota linear daquela massa bruta, que devorava o espaço como um bólide.

Aquela imensa bola de fogo que surgiu de repente, nada mais era que um grande sol amarelo, encobrindo e ofuscando a já tão nítida estrela vermelha do destino. Estava acontecendo um fato que a teoria da probabilidade classificaria com a proporção de um para trinta e oito bilhões, portanto, como praticamente impossível de se concretizar.

E a Fantasy se aproximava deste sol estranho com aquela velocidade inimaginável. Antes que Claudrin pudesse desligar, Rhodan já havia mudado de pensamento. Teve a intuição de que já era muito tarde para desligar o sistema Kalup.

Sem perder tempo, precipitou-se para frente, caindo nos braços de Claudrin. A mão larga do epsalense escorregou pelo interruptor de emergência, batendo contra o invólucro de plástico que se espatifou e atingiu o rosto de Rhodan. O administrador caiu para trás com um leve gemido, mas o que veio depois foi ainda pior do que este acidente...

A Fantasy colidiu com o sol amarelo, em condições físicas que não eram conhecidas nem mesmo teoricamente. A última sensação de Rhodan, ante o caos que se iniciava, foi a de que o cruzador, na altura da linha equatorial, se projetava para dentro do sol amarelo.

O que aconteceu a seguir, só pôde ser compreendido depois que ficaram patentes as conseqüências do choque. Por um curtíssimo espaço de tempo, menor que um milésimo de segundo, houve um estrondo na Fantasy, como se ela fosse se partir ao meio. Depois, surgiram coisas estranhas em que ninguém ousaria pensar.

Rhodan ouviu apenas o ruído e o ranger do material supersolicitado. Cada emenda de solda parecia receber vida nova! As cinco usinas produtoras de energia funcionavam com a carga máxima e o conversor de compensação kalupiano trabalhava produzindo um ronco que dava a impressão de explosões de armas atômicas!

Ninguém, fora da espaçonave, podia presenciar o acontecimento mais estranho que jamais acontecera na história da astronáutica.

Um corpo extremamente rápido, infinitamente pequeno em comparação com a massa solar, disparava para o interior daquela atmosfera incandescente, penetrando-a incólume, atravessando seu centro ígneo, como se fosse algo inconsistente.

O processo todo foi rápido demais e sob condições tão estranhas, que o diminuto corpo esférico de fabricação humana não teve tempo de ser atingido fatalmente. Antes que o campo de compensação se desintegrasse, a Fantasy já tinha escapado daquele inferno atômico. Mas, mesmo assim, aconteceu algo que não foi possível relatar, depois, com maior exatidão.

Apesar do avanço rapidíssimo da Fantasy, desprenderam-se pedaços do núcleo solar que foram arrastados em vôo linear pelo espaço afora. Dando a impressão do surgimento de novos planetas, cujo núcleo havia sido um corpo estranho, criado por mãos humanas.

Uma língua de gás chamejante, ultra-clara, semelhante a uma protuberância produzida artificialmente, tremulava pelo vácuo infinito e, desta maneira, um corpo até então protegido pelo campo kalupiano perdia sua razão de ser nas regiões do semi-espaço. Tornava-se novamente um componente estável do Universo de Einstein, ao qual também pertencia o sol amarelo perfurado pela espaçonave.

Um outro resultado, igualmente imprevisto como o primeiro, era conseqüência do fator mecânico-gravitacional dos envoltórios normais de proteção, pelos quais as massas de nuvens provenientes do interior do sol eram captadas e retidas. Mais de noventa e nove por cento dessas massas incandescentes ficaram para trás, não podendo assim ser mais influenciadas. A parte restante, porém, foi arrastada pela espaçonave Fantasy, voando agora com apenas a metade da velocidade da luz.

Quando começou seu movimento de rotação, o sol amarelo varado pela Fantasy era apenas uma mancha luminosa entre milhares de outras manchas.

A primeira espaçonave de propulsão linear foi rápida demais para ser destruída ou aprisionada pelas forças do sol amarelo. Atravessou-o como um míssil de velocidade cem vezes ultra-sônica atravessaria uma cuba com aço líquido, com a diferença de que um projétil desse tipo teria a desvantagem de não dispor de um eficiente envoltório de proteção, tal qual o da Fantasy.

Um fantasma de incandescência esbranquiçada disparava com rotação própria pelo espaço saturado de estrelas, nas regiões do centro da Via Láctea.

A estrela vermelha do destino estava mais para o lado, quase não mais reconhecível. O terceiro efeito de todo o fenômeno, os tripulantes da Fantasy só conheceriam muitos meses mais tarde. Não foi absolutamente um acaso o fato de o pequeno planeta recém-formado voar em direção a um sol azul, que distava muitos anos-luz do sol amarelo. Ninguém a bordo da Fantasy desconfiou de que, no momento de choque, se realizara uma verdadeira transição.

Aliás, não tinha a menor importância se a tripulação a bordo da espaçonave acreditava num acaso improvável ou num fenômeno natural e independente.

O importante era o fato de que a Fantasy voava diretamente e com exatidão rumo ao sol azul.

 

Rhodan tentou em vão atingir o botão de emergência assinalado com a luz verde. A pressão que comprimia todo o seu corpo devia estar em volta de cinco gravos. Aliás, a finalidade dos órgãos de controle automático seria manter a esfera do cruzador em rotação, através dos fortes motores de propulsão e de estabilização.

Era evidente que, com o grande impacto, todo o sistema automático fora prejudicado. Rhodan já havia notado isto, como também estava a par do fato de que a Fantasy girava em torno de seu eixo polar mediante a força centrífuga. Um pouco mais difícil de compreender era por que não funcionavam os maquinismos de absorção de compressão. Provavelmente, também com o impacto, os conjuntos produtores de energia entraram em curto e se desligaram com a supressão dos conversores de compensação. A instalação automática de emergência não conduzia mais corrente para os neutralizadores de pressão, impedindo assim seu funcionamento.

Rhodan sentiu com dolorosa clareza que esta situação se assemelhava muito aos primeiros vôos espaciais tripulados. Naquele tempo não existiam ainda os neutralizadores para abrandar a lei da inércia, mas os astronautas da época tinham outra formação.

A pressão de apenas cinco gravos quase não teria incomodado os especialistas da já esquecida “Força Espacial”, treinados durante anos e anos nas mais duras condições de trabalho. Vivia-se, naquela época, em melhores condições para executar manobras importantes, como também se dominava melhor uma outra técnica de respiração, que eliminava qualquer ameaça de sufocamento.

Rhodan estava encostado na parede abaixo das grandes telas panorâmicas. Reinava em toda a nave um silêncio angustiante. Dezenas de sinais vermelhos dos alarmes davam à central de comando um aspecto apavorante, e os membros da tripulação pendiam como que colados em suas poltronas automaticamente deslocadas para trás. Rhodan foi o único que, pouco antes da colisão, deixara sua poltrona giratória. Lutava agora desesperado contra a força da gravidade gerada pelas poderosas forças centrífugas. Sabia, naturalmente, que a cada momento ficava mais debilitado e sem meios de reagir.

Sua visão estava ficando turva. Os nervos óticos não reagiam mais. Dos seus lábios não brotavam mais do que sons guturais ininteligíveis, que a cada esforço o ameaçavam de sufocamento.

Seu pensamento se voltou para Gucky, que como telecineta estaria em condições de acionar a chave de emergência. Quem sabe o rato-castor, de constituição mais fraca, não estaria também inconsciente? Também não foi possível um contato telepático com John Marshall.

“É o fim!”, pensava Rhodan, quase chegando ao estado de inconsciência. “Tudo por causa dos cinco gravos de pressão, ridículos cinco gravos que não conseguimos superar!”

Já quase sem irrigação sangüínea no cérebro, não conseguia mais concatenar os pensamentos. Viu confusamente um vulto avantajado, cuja mão ciclópica muito lentamente se levantou até a altura do peito, onde pendia um aparelho pouco maior que um punho fechado.

Jefe Claudrin, o homem nascido em Epsal, ainda lutava. Cinco gravos de pressão não seria muita coisa para ele.

Rhodan já havia perdido os sentidos, quando Claudrin conseguiu desligar o aparelho de aumentar a pressão. O resto foi uma brincadeira para ele. Vencendo a enorme pressão reinante, estendeu o braço direito e impulsionou a alavanca verde para baixo.

Na nave esférica em rotação soaram as sirenes de alarme. A instalação automática de emergência entrou em ação, registrou a situação e iniciou o esquema de ligações necessárias. O conjunto de propulsão III funcionava em plena carga e os neutralizadores de pressão receberam os primeiros impulsos. Segundos após, desapareceu aquele peso terrível que oprimia os tripulantes. O ronco dos motores de correção comprovava que o movimento giroscópico estava sendo absorvido.

Quando Rhodan voltou a si, viu o vulto possante de Claudrin na sua frente. Sem desperdiçar uma palavra, Claudrin ergueu Rhodan e o colocou numa poltrona giratória.

Em todos os cantos da Fantasy, os homens voltavam a si. Também Brazo Alkher se levantou com um leve gemido, sentindo falta de ar. Seu primeiro olhar foi para a tela da mira automática, onde um clarão amarelado lhe ofuscou a vista.

Num esforço sobre-humano, chamou a central de comando. O comandante atendeu logo e Brazo falou com dificuldade:

— Aqui na central de artilharia, tudo bem, sir. Que aconteceu? Contra o que nos chocamos?

— Se não estou enganado, atravessamos em menos de um milésimo de segundo um respeitável sol amarelo.

— Santo Deus!

— Permaneça atento em seu posto, Alkher. Não sei ainda o que significa esta incandescência. De qualquer maneira, encontramo-nos de novo no espaço normal.

— Sir, talvez eu esteja caducando, mas tenho a impressão de estarmos ainda dentro deste sol.

Claudrin queria dizer alguma coisa, mas silenciou de repente.

— Meu jovem, você me chamou a atenção para outra coisa — disse ele finalmente e com voz pausada, como quem está com o pensamento longe. — Olhe um pouco agora para sua gente, mande os feridos para o hospital e comunique-se com o primeiro-oficial. Fim.

— Fim, sir — repetiu Brazo mecanicamente.

Estava ouvindo, sem querer, o ronco dos geradores energéticos que protegiam o cruzador por meio dos envoltórios de proteção contra os perigos do espaço.

Alguma coisa não estava certo a bordo da Fantasy. A visão ótica não era mais possível. Só se via nas telas o clarão amarelado.

Brazo procurava respirar profundamente. Levantou-se lentamente de seu assento. A situação não lhe estava agradando.

 

— ...um acidente que pode acontecer a qualquer nave de vôo linear — dizia Kalup com toda calma no intercomunicador de bordo.

Sua fisionomia pálida, contraída e principalmente as bochechas sulcadas de veias, agora rígidas, não tinham nada desta calma. Continuou falando com a maior pachorra:

— A experiência está terminada. Mandei coletar em toda a nave, através dos raios de tração, algumas Amostras de matéria. Estamos levando conosco uma bela porção da massa solar, o que aliás não é um merecimento da nossa pequena espaçonave, mas apenas do campo de compensação. Os fenômenos físicos estão de alguma maneira claros. Foi sorte nossa que, no momento da colisão, o conversor de proteção estivesse funcionando com a potência máxima. De outra forma, não estaríamos mais vivos agora. Parece que estou falando uma grande asneira, mas o fato é que nos encontramos no centro de uma massa em rotação e em fase de rápido resfriamento, onde não pode haver mais nenhuma reação atômica. Isto me parece muito estranho, mas haveremos de descobrir a razão de tudo isto.

Na central de comando, Jefe Claudrin virou a cabeça para trás. Rhodan estava sentado na poltrona do co-piloto; parecia muito cansado. Seu rosto estava um pouco inchado abaixo do olho esquerdo.

— Foi realmente uma grande sorte o senhor ainda ter conseguido desviar minha mão da alavanca — disse Claudrin, com a voz mais fraca possível. — Do contrário teria desligado o sistema de Kalup na hora da colisão.

Rhodan trincava os dentes, para dominar as dores que estava sentindo. Durante o período da forte pressão, foi atirado contra a parede de aço e talvez tivesse quebrado alguma costela.

— Compreendi a situação no último momento — disse ele. — Já estávamos próximos demais. Mas vamos esquecer isto. Kalup, que propõe agora?

— Temos que varar esta massa enquanto está macia, isto é, antes que esfrie totalmente. Precisamos estudar os problemas que podem advir daí.

— Exatamente por isto lhe estou perguntando, meu jovem.

Kalup não gostou do adjetivo. Seu rosto já estava recuperando a cor.

— Pare com essa brincadeira, por favor! Temos que nos comportar como o pintinho que começa por picar a casca do ovo por dentro para poder sair. Não há outra possibilidade. Para se conseguir isto, deparam-se-nos dois caminhos.

— Oh! Dois de uma vez? — acudiu Rhodan.

— Por favor, não seja irônico. A situação é muito séria para isto. No momento, não quero ainda me arriscar a desligar os campos normais de proteção, o que seria necessário com a entrada do conversor de compensação. É possível, em determinadas circunstâncias, que ocorram, ainda nesta massa, reações atômicas que dificilmente agüentaremos sem os campos de defesa.

— Ah! É isto!

— O senhor arranjou no comando da Frota Espacial um oficial artilheiro dotado de qualidades especiais, não é assim?

Rhodan ficou atento e um rapaz de nome Brazo Alkher ficou nervoso, olhando assustado para os homens do setor de defesa. O sargento Enscath apertou as mãos nervosas no espaldar da poltrona.

— Santo Deus! Era isto que eu estava pensando... — disse ele bem baixo.

— Você pretende mandar bombardear esta nuvem incandescente, professor? — soou a voz de Rhodan nos alto-falantes do intercomunicador e todos ouviram-na.

— Vamos experimentar. De qualquer maneira é menos arriscado do que desligar os campos de proteção, assim sem mais nem menos. Alô! O oficial-chefe da artilharia está me ouvindo?

— Sim, perfeitamente, senhor! — respondeu Brazo, gaguejando no microfone. — Fala o Tenente Alkher, senhor.

— Ótimo. Acho que já nos conhecemos, não é verdade?

Kalup deu uma daquelas suas gargalhadas estrondosas.

— É verdade, sir. O senhor foi tão gentil de me proteger de uma grande queda.

— Lembro-me disso. Você tem coragem de atirar na nuvem em rotação, produzindo nela uma espécie de fenda?

Brazo esqueceu seu nervosismo. Rhodan estava olhando atento para o videofone. Quando reparou na determinação que havia no rosto daquele rapaz, ficou feliz.

O cálculo mental de Brazo tinha terminado. Com um tom de voz completamente diferente, como quem trata de um negócio friamente, continuou ele:

— Não é tão fácil assim. O senhor disse que a nuvem está em rotação, não é verdade? Portanto, se alvejar um determinado ponto com fogo mais demorado, a Fantasy deve acompanhar o movimento de rotação da nuvem, para que meu fogo se concentre no lugar alvejado. De outra forma não alcançaremos o ponto certo, e o fogo se espalhará, não causando o menor efeito.

— Certo, era isto que eu ia lhe explicar. Você sabe pensar, meu jovem amigo. Prepare seus canhões e use tudo que estiver à sua disposição. Apenas não faça uso de armas que nos possam prejudicar.

— Só poderemos utilizar canhões de impulsos e desintegradores.

Rhodan deu as últimas instruções. Apareceu na tela, através dos instrumentos de rastreamento, a mancha de clarão incandescente. Os neutralizadores de pressão foram ligados sincronicamente.

Momentos mais tarde, a Fantasy começou seu movimento de rotação, desta vez, porém, de maneira planejada. Na tela de mira de Brazo, o clarão amarelado se tornava cada vez mais visível, até que finalmente ficou se equilibrando na cruz da mira. Seguiram-se as últimas correções. O pesado cruzador girava 22.364 vezes por segundo em torno de seu eixo polar. Os canhões, solidamente afixados nas cúpulas avançadas, giravam junto. O bombardeio podia começar.

— O distanciamento do aglomerado de matéria está em relação com o envoltório de defesa gravitacional — dizia o vozeirão de Claudrin no alto-falante. — São exatamente dez quilômetros. Dirija seus canhões de tal forma que cortem pelo menos uma faixa de três quilômetros.

— Perfeitamente — respondeu Brazo, mecanicamente.

Estava concentrado na tela de mira. Seus dedos finos, de grande sensibilidade, apalpavam de leve as teclas de disparo. Todos os canhões de frente da Fantasy apontavam para o mesmo ponto.

— Fogo livre — sentenciou a voz de Rhodan.

Brazo apertou a tecla mestra de disparo automático de todas as bocas-de-fogo da frente e o cruzador parecia urrar como um monstro acuado. Jatos de impulsos chamejantes num tom arroxeado, quentes como o Sol e quase tão velozes como a luz, eram vomitados com toda fúria. Os raios desintegradores que destruíam as moléculas eram invisíveis, mas muito mais velozes que os canhões de impulso ou de raios térmicos.

Durante três segundos, Brazo manteve a tecla comprimida. A Fantasy estremecia em toda sua estrutura. O ponto da massa amarelada, atingido pelo fogo cerrado, parecia fazer explodir a parte mais fria do lado de fora. Violentos processos de reação atômica atingiam os envoltórios de proteção da espaçonave, ameaçando destruí-los. Fora das paredes resistentes da nave, era um inferno. Línguas de gás chamejante irrompiam de repente da massa superaquecida para a escuridão do espaço. Brazo provocara um sol em miniatura que vomitava no espaço faixas de hidrogênio incandescente.

— Cessar fogo! — ordenou Rhodan pelo microfone. — Não tem mais sentido. A fenda obtida com o bombardeio é enchida novamente com massas de gás! Vamos sair daqui antes que esta nuvem incandescente se transforme em um novo sol. Kalup, pronto para uma manobra linear. Narco, alimente os conjuntos de propulsão para velocidade máxima.

— Isto é uma loucura, pois arrastamos a nuvem chamejante conosco!

— Faça o que estou dizendo, Kalup. Vamos partir já. Desligar o campo de proteção normal e instalar os campos de compensação. Se não conseguirmos isto, seremos queimados vivos. Está compreendendo a situação?

— Claro que sim — respondeu Kalup, secamente. — Pois bem, aguarde, porém, minha mensagem.

Brazo Alkher retirou o dedo da tecla de disparo geral. Lá fora, o espaço pegava fogo. Brazo sabia que fora ele quem provocara, por meio dos raios térmicos, aquela reação nuclear, reação esta tanto desejada pelo grande físico... Agora, os átomos do hidrogênio, de fácil fusão, tinham se tornado ativos. Era hora de fugir.

Os comandos saíam em rápida seqüência. O tonitroar dos conversores kalupianos superava todos os ruídos.

Dois minutos mais tarde, o setor de máquinas anunciou o ponto máximo de aceleração. A matéria solar, cada vez mais aquecida, foi arrastada pela Fantasy. Assim, tornava-se praticamente impossível ficarem livres. Além de tudo, o que aconteceria ao se atingir uma velocidade próxima à da luz?

Rhodan deu suas últimas instruções. Os membros da tripulação fecharam o capacete do uniforme espacial. Perry esperou ainda um pouco até que os instrumentos de correção eliminassem a rápida rotação da espaçonave.

Quando os campos de proteção da Fantasy estavam próximos do rompimento, em virtude do crescimento exagerado das forças nucleares dentro da nuvem chamejante, Rhodan, com a serenidade que lhe era característica nos momentos mais críticos, disse:

— Jefe, faça o seguinte: acelerar cinco segundos no semi-espaço, logo em seguida desligar o sistema kalupiano. Isto deverá ser suficiente. Está pronto? Pode começar.

Claudrin olhou mais uma vez para a lâmpada verde do automático da sincronização. Desligar os campos normais e ligar a zona kalupiana tinham que acontecer numa fração de segundo.

Então o homem nascido em Epsal, num gesto rápido, quase invisível, acionou o contato de direção manual.

Era como se o cruzador fosse explodir. Chamas esbranquiçadas pareciam querer saltar das telas para dentro da espaçonave. O sistema kalupiano abafava todo outro barulho. O sibilar da parte externa do bojo, supersolicitada pela velocidade, também não se ouvia mais. Apenas se sentiam os grandes abalos.

Tudo isto durou poucos instantes. As chamas desapareceram de uma hora para outra, e com elas as forças desenfreadas da reação nuclear. Na grande tela frontal surgiu novamente o espaço coalhado de estrelas cintilantes.

Rhodan estava se recostando no espaldar da poltrona, para respirar um pouco, quando a Fantasy recebeu de repente um solavanco forte, facilmente perceptível. Os controles de velocidade caíram rapidamente. Era como se a Fantasy navegasse num mar de algodão que reduzia grandemente sua velocidade.

O fenômeno foi muito rápido, no máximo um segundo; no entanto, este curto espaço foi suficiente para que Claudrin pudesse desligar o sistema kalupiano antes do prazo de cinco segundos estipulado por Rhodan.

Privado de seu campo de compensação, o cruzador protótipo mergulhou de novo no espaço normal, onde continuou voando em queda livre com a velocidade adquirida durante a manobra de fuga.

Os motores de propulsão e o sistema kalupiano silenciaram. Nas telas de observação normal, cintilava um sol gigantesco de coloração azulada. Os rastreadores funcionavam normalmente e as escalas cilíndricas em rotação comprovavam que este sol resplandecente possuía numerosos planetas. Este fato não despertou muito o interesse da tripulação. Quase ninguém se preocupou com isto, pois era a coisa mais comum um sol ter um determinado número de planetas.

Rhodan contemplou fascinado, por uns momentos, as grandes telas da galeria panorâmica. Cinco dos planetas descobertos apareciam como pontos minúsculos esverdeados. O próprio Rhodan não se preocupou com a nova aparição. Muito mais importante lhe parecia o fato de terem escapado do centro de um novo sol em miniatura e principalmente a singular redução de velocidade, que possibilitara a Claudrin poder interromper rapidamente o vôo linear.

— Que foi isto? — perguntou Rhodan preocupado. — Você deve ter reparado, não é?

— Evidentemente, sir!

Reginald Bell levantou-se de sua cadeira giratória, e aproximou-se das telas panorâmicas. Com os olhos comprimidos, ficou contemplando o sol azulado, agora bem nítido. Depois que os olhos dos observadores se acostumaram com o brilho intenso, Bell constatou que o espaço vazio em volta do estranho sol tinha uma coloração também azulada. Faltava, pois, a negridão pronunciada do Universo, apenas interrompida em geral pelo cintilar multicor das inúmeras estrelas.

— Alguém me pode explicar onde nós estamos? — perguntou Bell. Meteu as mãos nos bolsos externos do uniforme e olhou vagarosamente para cada um ali presente.

Kalup e alguns outros cientistas da nave experimental penetraram no posto de comando. Um ponto positivo, comprovando o grande poder de reação de Kalup, era o fato de que não perdera nenhuma palavra com a fuga bem-sucedida do sol amarelado. Para ele, já era um fato consumado e esquecido. Com alguma hesitação, aproximou-se das telas. Ouvira a pergunta de Bell.

— Onde nós estamos? Em hipótese alguma no hiperespaço ou em algum universo estranho ou ilusório. Isto é um sistema solar absolutamente normal, pertencente à nossa Via Láctea.

— Sistema solar absolutamente normal? — repetiu Rhodan, com uma ponta de ironia. — Kalup, você está se desenvolvendo maravilhosamente como um super-homem sabe-tudo.

O extraordinário físico balançou a cabeça de um modo insólito, sério e, ao mesmo tempo, descontraído.

— Simplesmente, meu cálculo foi mais rápido do que o seu e minha observação também. Quando a camada de ar, ou a atmosfera de um planeta tem cintilação azulada, está tudo normal. Mas quando o espaço, que sabidamente é um vácuo, apresenta esta coloração, então o caso é totalmente fora do comum. Ou você já viu um vácuo ter qualquer tipo de reação?

Rhodan hesitou. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Kalup prosseguiu:

— Durante o vôo linear, fomos detidos por uma força desconhecida. Tenho a impressão de que atravessamos um envoltório de proteção magnética, que deve ser um pouco semelhante com o campo de compensação. De outra forma, seríamos impedidos de passar ou mesmo seríamos destruídos. Este envoltório protetor produz esta cintilação. Gostaria de dar a este sistema o nome de sistema Azul.

— Um campo de proteção... no meio do espaço? — disse Bell confuso. — Uma ilha de força de tal dimensão que abriga no seu bojo um grande sistema solar, com, pelo menos, quinze planetas? Professor, o senhor está consciente do que acaba de afirmar?

Kalup fez que sim com a cabeça. Seus olhos brilhavam. Para ele, o cientista, o fenômeno observado era fascinante.

Perry Rhodan e os principais oficiais da nave protótipo pensavam de modo essencialmente mais prático.

 

O Major Hunt Krefenbac, o primeiro-oficial, ativou-se. Mais do que depressa, puxou o braço do microfone.

— Krefenbac falando para o oficial-chefe da artilharia: prontidão de fogo imediata. Estabelecer a ligação do rastreador com o comando central. Espero confirmação.

Os dedos ágeis de Brazo começaram a se mover. No alojamento dos sentinelas soaram os sinais de alarme.

— Posto central de artilharia, Tenente Alkher: prontidão de fogo já estabelecida e rastreador já ligado com o circuito central. Fim.

Rhodan olhou pensativo para o primeiro-oficial do outro lado. Depois se dirigiu a Kalup:

— Você viu como os artilheiros pensam a respeito do seu “sistema Azul”?

Kalup fez um gesto de descontentamento.

— Bobagem! Haveremos de descobrir o que se passa aqui.

— Exatamente, professor, foi por este motivo que Hunt ordenou a prontidão. Parece-me, meu jovem amigo, que a terceira fase da História da Humanidade se inicia com toque de tambor exagerada-mente forte. Krefenbac, o que você sugeria?

Antes que o primeiro-oficial pudesse expressar seu pensamento, as instalações de alarme acústico dos rastreadores estruturais começaram a estalar tão fortemente, no compartimento ao lado, que um segundo mais tarde, todas as resistências estavam queimadas.

 

Rhodan não disse uma palavra. Com um sorriso singular, ficou olhando através da parede transparente de aço plastificado para a central de rastreamento do outro lado, onde os técnicos tentavam restabelecer os automáticos. O oficial de rastreamento ligou os mais fortes aparelhos de absorção de choque de que dispunha.

Quando os aparelhos de rastreamento para medição das alterações estruturais, ocorridas no conjunto do espaço quadridimensional, estavam em condições de funcionar, o que se ouviu então foi um ronco estranhíssimo.

— Central de rastreamento para o comandante — soou dos alto-falantes a voz do operador de serviço. — Uma frente de ondas estruturais com a intensidade trinta, do vermelho 14 graus, verde 3,264. Amplitudes oblíquas, eco de retorno claro. Deve haver aí muitas transições de espaçonaves, no entanto os aparelhos não acusam suas presenças. Fim.

Rhodan perguntou admirado:

— Como? Estão captando abalos estruturais de transições e não encontram nenhuma nave?

— Perfeitamente, sir. A origem dos ecos está a 18,253 horas-luz de distância e, apesar disso, não se percebe nada das espaçonaves.

— Ah! Agora chega! — disse Bell, meio desiludido. — Não lhe disse que íamos viver uma grande surpresa? Nossos rastreadores daqui a pouco irão rebentar, mas as espaçonaves não aparecem. De onde chegam, então, estas ondas de impulsos? Quem ou o que as produz? Se eu não fosse uma pessoa muito curiosa que quer saber todas as coisas com exatidão, coisas que não têm nada a ver comigo, haveria de propor agora desaparecer daqui a toda velocidade.

— Infelizmente você é uma pessoa curiosa — disse Rhodan com um sorriso irônico.

Depois de olhar em volta, falou secamente:

— Então, meus senhores, antes que fiquemos com os nossos sistemas nervosos arrasados, vamos voar para a direção de onde vêm essas ondas de impulsos e ver in loco quem está provocando este barulho todo. Neste momento, seria muito mais agradável estar num supercouraçado do tipo Império. Voaremos com a simples velocidade da luz. Krefenbac, dê-nos a origem, o ponto de partida destes ecos, e lance os resultados no automático. Os oficiais da Fantasy devem em... — Rhodan consultou o relógio — ...em dez minutos se apresentar para discussão da situação. Tenente Alkher, o senhor não poderá tomar parte, preciso de sua presença na central de artilharia. Mais tarde será informado a respeito.

Trezentos homens, altamente especializados, se entreolharam. Alguém disse:

— Ele quer saber exatamente, como? Viva o “sistema Azul” à beira do centro da Via Láctea, cuja densidade estelar é fantástica. Lá estaremos como em casa, não é?

— Isto você tem que perguntar ao seu irmão maior — disse outro técnico de propulsão linear.

— Ele não está aqui.

— Bem, então cale a boca. Eu também gostaria de saber quem é que está soltando fogos de artifício, aqui, nestas alturas. Permita Deus que não chamusquemos o nariz.

Abanando a cabeça, o homem se encaminhou para seu posto de trabalho e ligou a tela panorâmica para o grupo de propulsão II.

Parece que ele sabia o que seria resolvido naquela reunião. E realmente, não se enganou.

Uma hora mais tarde, eram transmitidas as primeiras ordens. A Fantasy arrancou com as máquinas a toda carga. Seu objetivo era o quinto planeta do sistema Azul. Não havia mais dúvida de que os abalos estruturais provinham daquele mundo ou eram nele provocados.

 

A primeira providência que Rhodan tomou após a partida foi mandar para a cama toda sua tripulação, até mesmo os mais simples vigias. Era de opinião que, com homens descansados se conseguiria muito mais do que com os maiores gênios tresnoitados.

Já eram decorridas dezenove horas desde o início do vôo experimental e a Fantasy agora se encontrava em manobras de frenagem, depois de, há quinze minutos atrás, ter sobrevoado a órbita do quinto planeta. Nas telas panorâmicas brilhava um alongado corpo celeste com grandes mares, montanhas extensas e campinas verdejantes.

Tinha a gravitação de 1,1 gravo e uma atmosfera de muito oxigênio com um céu transparente como um cristal, de um tom azul-claro. Neste setor do espaço, tudo parecia azul, o que já dera ensejo aos tripulantes de criar novas piadas.

Rhodan dera a este quinto planeta o nome de Sphinx, com o que deixava bem à mostra o caráter misterioso deste novo mundo. Sphinx tinha duas luas, sendo que uma delas possuía mais ou menos as dimensões de Mercúrio, enquanto que a outra era um corpo celeste menor e aparentemente desabitado, provavelmente pouco maior que um meteorito.

Estes fatos não tinham nada nem de sensacional nem de interessante se, nas proximidades do quinto planeta, houvesse apenas uma única espaçonave. Os homens a bordo do cruzador pesado estavam diante de um enigma.

Os abalos estruturais ficaram mais brandos, no entanto a freqüência com que eram registrados deixava supor um intenso tráfego espacial. Apesar de tudo, não se viam nem espaçonaves, nem aparelhos menores. Era como se os supostos habitantes do quinto planeta nunca tivessem ouvido falar de viagens espaciais tripuladas. Mas os aparelhos de rastreamento não cessavam de registrar certo movimento no espaço. O mistério perdurava, até que medições mais exatas das estações de rastreamento clarearam o fenômeno.

A causa dos constantes estremecimentos espaciais não estava no quinto planeta, mas em seu satélite de tamanho aproximado de Mercúrio, que provavelmente também possuía uma camada de ar respirável para os homens.

Rhodan resolvera então voar para esta lua.

 

A Fantasy se deslocava a uma velocidade de 7,6 quilômetros por segundo. O posto central de artilharia, sob o comando de Alkher, já se achava há tempo em regime de alarme total. O cruzador pesado estava preparado para se defender, se bem que parecia não haver nada que representasse ameaça.

Foram captados alguns ecos curtos, pelos quais se podia concluir que os habitantes de Sphinx conheciam a medição por hiper-rádio mais rápida que a luz. A razão por que não dominavam a cosmonáutica continuava sendo o mistério número um.

Podia-se ver Sphinx nitidamente na tela. Mais nítida ainda a superfície desértica e abandonada da segunda lua, que dava a volta em torno de seu planeta numa órbita de 53 horas. Rhodan lhe deu o nome de Ramsés.

Os ecos estruturais já não se repetiam com tanta freqüência, mas continuavam com intensidade, às vezes, forte demais.

Rhodan esperou ainda uma hora e, durante este tempo, deixou que a Fantasy se aproximasse cada vez mais da lua maior. Não se deu nenhum rastreamento por parte de alguma estação do solo, isto é, dos habitantes daquela lua, como também não houve resposta à amável saudação pelo rádio e nem se levantou algum aparelho para saudar os recém-chegados ou dar uma salva de tiros em sua homenagem. Foi, de certo modo, a aproximação mais decepcionante de toda a vida galáctica de Rhodan.

Os departamentos de Astronomia e de Galatonáutica transmitiram, neste meio tempo, as proporções do sistema Azul. O sol possuía dezoito planetas, entre os quais talvez só o quinto fosse habitado.

Depois de a Fantasy haver circunvoado quase por duas horas a maior lua do planeta Sphinx, Rhodan perdeu a paciência. Os homens que o conheciam de perto, notaram nos seus movimentos mais descontraídos e na rigidez de seu rosto que ele havia tomado uma resolução. Os telepatas John Marshall e Gucky se esforçavam em vão para captar os impulsos mentais dos possíveis habitantes. Não restava, porém, a menor dúvida de que, tanto em Sphinx como em Ramsés, existiam muitos milhões de seres que pensavam, cujo consciente, no entanto, não podia ser captado com a devida clareza.

O rato-castor já esgotado se retirou para uma cadeira giratória e se enrolou na macia espuma de borracha. Com a respiração ofegante, o animalzinho tapou os olhos com as patas. O próprio John Marshall teve que capitular. Caminhou pálido para junto de Rhodan, que durante uma hora acompanhou os esforços de seus mais competentes mutantes. Marshall sentou-se na cadeira ao lado, esticou as pernas e ficou pensativo olhando a tela panorâmica.

— Então, John?

Marshall passou a palma da mão na testa molhada de suor e olhou preocupado para Gucky no outro lado, cujo corpo fraco e já combalido pela idade tinha sofrido muito com o descontrolado e longo movimento de rotação da nave experimental.

— Uma situação desagradável, sir — disse John cauteloso. — Não posso fazer nada com os paraimpulsos destas estranhas inteligências. Tudo é confuso e aos pedaços. Vejo figuras geométricas mal delineadas, refletindo todas as cores possíveis. Mas isto não é sinal de acolhimento ou de recepção direta. Gostaria quase de dizer...

— Dizer o quê?

— Os desconhecidos lá embaixo estão se escondendo. Não é nada impossível que tenham notado os esforços meus e de Gucky.

— Isto suporia um grande conhecimento sobre assuntos de Parapsicologia, como também os dons físicos necessários para isto, não é?

— Exatamente, senhor...!

Marshall interrompeu o que ia dizer. Olhou para Rhodan um tanto sem jeito.

— Pois não, John.

— Sir, se lhe pudesse dar um conselho, iria lhe recomendar uma retirada imediata. Alguma coisa não está certa aqui. Por que não respondem ao nosso comunicado pelo rádio? Todos nós temos um padrão elevado de cultura e de tecnologia para compreender os conceitos básicos de Matemática. Permita que nos retiremos, sir.

Rhodan ficou calado por algum tempo e depois falou com calma:

— John, é tarde demais para isto. O administrador de um império ainda jovem não tem o direito de deixar de lado inteligências deste gabarito, somente pelo motivo de que elas lhe parecem assustadoras.

— Eles não sabem de onde nós viemos — disse Bell.

— Não há dúvida, mas nós sabemos que eles existem e isto basta. Eu não teria mais um momento de sossego, se ao menos não soubermos com quem estamos tratando. Major Claudrin...!

O homem de Epsal se empertigou na cadeira. Seus olhos encovados brilhavam com os reflexos dos metais do capacete.

— Pronto, sir.

— Prepare a manobra de aterrissagem. Vamos nos encontrar lá embaixo. Leve a Fantasy para perto daquele fenômeno luminoso esquisito lá no chão. Contamos com a prontidão da nossa artilharia. Comando de aterrissagem pronto para desembarcar. Tenente Mahaut Sikhra...!

O nepalês se apresentou pelo videofone.

— Cuide dos armamentos de seus homens. Utilize os uniformes de combate arcônidas. Vou acompanhar vocês. O ar desta lua é respirável e as temperaturas são suportáveis. É tudo. Obrigado.

Sikhra desligou. Numa outra seção da Fantasy, os robôs de combate, prontos para entrarem em ação, recebiam os primeiros impulsos para uma nova programação.

Brazo Alkher sentiu que as palmas das mãos lhe estavam úmidas. Momentos depois, começou um assobio fino na parte externa da nave. Claudrin foi descendo numa curva íngreme, enquanto os envoltórios antichoque desviavam as moléculas de ar.

Os fenômenos luminosos estavam cada vez mais próximos. Pouco antes da aterrissagem descobriram-se os primeiros seres vivos. A ampliação ótica das imagens trouxe para as grandes telas panorâmicas as figuras esbeltas, semelhantes aos homens.

Também isto não seria nada de extraordinário, se ao menos uma daquelas criaturas se dignasse o olhar a nave. O ronco possante dos conjuntos de propulsão não poderia deixar de ser ouvido, até por surdos. No entanto, lá embaixo cada um seguia seu caminho com toda calma, como se nada estivesse acontecendo.

A dois quilômetros de altura, o primeiro-oficial ligou os motores acionadores dos suportes telescópicos que servem de apoio para a nave cilíndrica em terra. Mesmo assim, as estranhas inteligências não tomaram conhecimento da chegada da nave. Agiam como se a Fantasy não existisse.

A quase um quilômetro das enormes e altas construções, que, ao que tudo indicava, eram meramente funcionais, deu-se a aterrissagem. Quando os motores de propulsão pararam e o deslocamento de ar, imanente às manobras de aterrissagem, deixou de agitar a areia e a poeira daquele terreno meio desértico, centenas de terranos se agrupavam nas clarabóias de observação, sem poder compreender o que se passava.

Os rastreadores estruturais continuavam registrando, e agora com tal intensidade que tiveram de ser desligados. Os instrumentos de sondagem energética indicavam a existência de usina geradora tão forte, que o próprio Amo Kalup ficou perplexo. A corrente ali produzida seria suficiente para acionar e prover de força algumas centenas de milhares de gigantes espaciais do tipo Império. As possíveis instalações dessa usina deviam estar nos extensos galpões e edifícios altos da cidade vizinha.

Fora disso, não havia outra novidade. Os seres desconhecidos não se mostravam nem com intenção amigável, nem com aparência hostil. Simplesmente não se mostravam.

Bell pareceu ter compreendido melhor a situação, quando disse com um sorriso irônico:

— Para estes senhores, nós devemos dar a impressão de insetos vagabundos com quem não se perde tempo. É o que a gente sente. Mas quem é que vai se preocupar com moscas varejeiras, a não ser quando começarem a morder?

Claudrin soltou uma imprecação bem epsalense que não foi compreendida pelos terranos.

— Insetos? — repetiu Rhodan, pensativo. — Quem sabe você não está tão errado assim? Eu acho que nós...

— Desculpe, sir!

E assim Rhodan foi bruscamente interrompido pelo médico Gorl Nkolate que, um tanto nervoso, vinha entrando. O rosto moreno do homem esbelto e de boa compleição demonstrava séria preocupação. Atravessou rápido a central de comando. Trazia na mão direita umas grandes folhas que colocou imediatamente na escrivaninha articulada de Rhodan.

— São chapas de raios X? — perguntou Rhodan surpreso. — De quem que você as tirou?

Nkolate, que era visto geralmente com um sorriso nos lábios, passou a mão nervosa pelos cabelos em desalinho. Era tido como a maior capacidade em cirurgia de adaptação. Seus transplantes de coração, por exemplo, eram famosos.

— Não são dos nossos homens, sir — explicou apressado. — Pouco antes da aterrissagem, fiz algumas tomadas com a teleobjetiva dos tubos de Rõentgen. É tudo, sir. Veja, não está reparando nada? Olhe isto aqui. O esqueleto destes estranhos seres deve lembrar-lhe algo importante.

Bell se aproximou. Oficiais e cientistas logo rodearam a poltrona de Rhodan. Perry, depois de alguns segundos, disse espantado:

— Será que estou ficando maluco? São ossos de um esqueleto arcônida, não há dúvida. Só as placas reforçadas do peito e das costas, que estão em lugar das costelas, dizem tudo. Ou será que estou enganado, Gorl?

O grande cirurgião abanou a cabeça.

— De maneira alguma, sir. É isto mesmo. Conheço os arcônidas muito bem para poder afirmar de consciência tranqüila que aqui vivem seres inteligentes, que, ao menos do ponto de vista fisiológico, lhes ficam muito próximos. Apenas os seres desta lua não possuem os cabelos brancos dos arcônidas e seus olhos avermelhados. Também a cor da pele não é tão clara, como são os arcônidas que conhecemos. Apesar disso, estes seres desconhecidos são aparentados com os arcônidas.

O Dr. Carlos Riebsam, médico e matemático da equipe de pesquisadores, forçou passagem entre os homens ali agrupados. Sem dizer nada, pegou as chapas de raios X. Enquanto isto, Rhodan baixou os olhos para os instrumentos de bordo. Os olhos de Riebsam ficaram detidos algum tempo numa das chapas, colocando-a depois na escrivaninha de Rhodan.

— Então, Riebsam, que pensa de tudo isto?

— Aqui não há nada para a gente pensar. Os fatos falam por si. A mim, me interessa a pergunta: “Quem descende de quem?”

— ...e sua inteligência fulminante achou a solução na mesma hora — completou Kalup em tom de caçoada.

Riebsam não se deixou perturbar.

— Temos de esclarecer se os arcônidas que conhecemos são descendentes destas inteligências que vivem aqui, ou se esta gente do sistema Azul descende de velhos colonizadores arcônidas. Qual das duas culturas é a mais velha? Qual dos dois povos foi o primeiro a se adaptar biológica e fisicamente às novas condições ecológicas? Os arcônidas ou... estes daqui? Procure chegar a uma conclusão, sir, e seus conhecimentos aumentarão.

Riebsam tinha razão. Não havia nada para pensar. A história era resolver esta questão, o que aliás só tinha interesse meramente teórico. Não se podia ainda prever um valor prático para a questão.

Rhodan pigarreou e depois se ergueu de seu assento.

— Bem, procuremos esclarecer o assunto. Se os arcônidas descendem destas inteligências, só isto já é uma grande descoberta.

— Pode-se perguntar de que maneira? — interveio Bell.

— Oh! De uma maneira pouco agradável para nós — disse Rhodan. — A história da política de expansão galáctica prova que, em todas as ocorrências até hoje, os descendentes dos colonizadores emigrados jamais chegaram ao nível técnico e científico de seus antepassados. Parece ser uma lei da natureza: as inteligências arrancadas do seu primitivo ritmo de vida são mais susceptíveis de manifestações de degenerescência. Olhando deste ponto de vista, gostaria de afirmar que os arcônidas aqui residentes são os antepassados dos nossos conhecidos e não o contrário.

— É uma afirmação muito ousada — disse Nkolate. — O senhor tem certeza disso?

— Absoluta. A tremenda degeneração de todos os arcônidas fala de por si. Os cabelos brancos, os olhos avermelhados e o corpo mais fraco e, mais ainda, a indiferença e a falta total de interesse em todas as coisas práticas da vida, são outra prova. Quando o senhor olha agora a técnica visivelmente superior desta gente que aqui vive, esta simples comparação não lhe dá a certeza da decadência dos arcônidas nossos conhecidos? Creio mesmo que estes seres aqui chegaram, através dos séculos, a tal ponto de evolução que já não usam mais naves tripuladas.

Bell foi se aproximando, olhando agora para as telas com olhar bem diferente.

— O negócio está ficando interessante — disse ele arrebatado. — Como é que você prova tal teoria? De que maneira podem eles deixar de lado a cosmonáutica? Não estou compreendendo bem.

Carlos Riebsam deu a resposta na hora. Parecia irrefutável.

— As centrais elétricas rastreadas deviam bastar para provar isto, como também os tremendos abalos estruturais, que representam um domínio absoluto sobre a quinta dimensão. Temos que investigar melhor os fenômenos luminescentes. Tenho um pressentimento a respeito...

Rhodan mandou que dois homens da tripulação o ajudassem a vestir o pesado e volumoso uniforme de combate e enquanto isto dizia com um sorriso nos lábios:

— Ah! Você tem um pressentimento? Eu também, meu caro. Se por acaso você for de opinião que esta grande lua não passa de uma gigantesca estação de transmissor fictício, então podemos nos dar as mãos. Com isso teríamos a melhor explicação para os muitos abalos no espaço.

Sem dizer uma palavra, Riebsam estendeu a mão direita que Rhodan apertou. O professor Kalup saiu correndo dali, pálido de surpresa. Apenas Bell disse com sarcasmo:

— Maravilhoso! E sem ninguém nos obrigar, viemos parar num mundo deste. Provavelmente, os desconhecidos, a esta altura, estão pensando: “O que vamos fazer com eles?” Saibam que, ao penetrarmos neste sistema, tivemos que romper uma espécie de proteção energética.

Depois, Bell continuou pensativo:

— Bom, ninguém se esqueceu disso, não é? Percebo na fisionomia de vocês. Se eu pertencesse à raça destes legítimos arcônidas, haveria de me perguntar, antes de tudo, o seguinte: como foi que a tripulação desta nave experimental penetrou neste gigantesco envoltório de proteção, principalmente pelo fato de que ninguém até hoje o conseguiu atravessar? Talvez mesmo não iria consentir que estes estranhos entrassem e andassem por aí, como se fossem os donos da casa. Haveria de passar uma descompostura em vocês, bem séria, aliás.

“Quando um povo está tão evoluído assim que já não usa mais o transporte aéreo, por tê-lo substituído pelo transmissor fictício, pode também se dar ao luxo de se considerar sem fronteiras. Quem sabe vem daí o total pouco-caso dedicado à nossa nave? Somos apenas insetos incômodos, um desmancha-prazer a quem se mostra o caminho para fora, o mais depressa possível. Os senhores vêem alguma lógica nos meus pensamentos?”

Bell se levantou, meteu as mãos nos bolsos e se dirigiu para Rhodan, que, no momento, estava recebendo a mochila com os microprojetores para os campos de anti-gravidade e deflectores. Assim estava completo o uniforme arcônida.

— Quase lógico demais — disse ele, abstraído. — Você se esqueceu de uma coisa, pelo menos não a mencionou.

— O que foi?

— Por que os chamados ancestrais dos arcônidas ou os pré-arcônidas teriam que ser tão pacientes assim? Se eu tivesse tanta coisa para guardar e proteger, como esta gente, não deixaria esta meia dúzia de terranos aterrissar aqui. Onde está a resposta? Por que nos deixam assim, sem nos dar a mínima importância, ao invés de nos tocar daqui para fora? Se eu fosse chefe aqui, não aconteceria isto. Antes de aterrissar, eu já teria mandado a Fantasy para outros mundos, mas não a deixaria em minha terra.

Bell riu bastante. Parou de repente ao ver o rosto estarrecido de Marshall. Rhodan também percebeu e perguntou:

— O que você tem, John? Alguns impulsos?

Levou ainda alguns segundos até que o telepata despertasse de sua imobilidade. Esfregou os olhos, confuso.

— Alguém lá fora desligou seu campo de proteção mental — disse apressado. — Recebi vibrações claras e conscientes. Sir, é incrível, mas acham que somos arcônidas, que viemos para visitar a antiga pátria de nossos antepassados. Não posso mais ouvir nada, eles se trancaram de novo.

A tensão nervosa entre os tripulantes estava insuportável. Rhodan, porém, parecia a própria calma personificada. Bell teve então um rompante original:

— Se você declarar agora que já havia pensado nisto, eu sou capaz de explodir em mil pedaços.

Rhodan afivelou o cinturão com a pesada pistola energética, controlando exatamente o nível da carga. Depois disse com a maior tranqüilidade:

— Então pode explodir, mas não suje muito a sala de comando, pois eu havia Pensado exatamente nisto.

— Mentira! Você não é onisciente.

— Claro que não, mas sei pensar. Na parte conhecida da Via Láctea há, ou havia até poucos anos, apenas um povo que construía suas espaçonaves em forma de esfera. Eram os arcônidas, meu caro. Atualmente, nós também as construímos. Como então que as inteligências desta lua podem saber que não pertencemos ao sistema arcônida mas sim à Terra? Há quantos séculos não têm contato com seus descendentes emigrados? Também não podem saber o que se passou no mundo de Árcon, que dista daqui mais de quarenta mil anos-luz. Por outro lado, nós também chegamos aqui com uma nave esférica e descobrimos o sistema Azul. Qual é pois a conclusão mais plausível do que sermos nós os descendentes dos pré-arcônidas emigrados há mais de vinte mil anos?

— Eu lhe dou plena razão — disse Riebsam. — Vão supor que nós descobrimos em velhos documentos os dados sobre a posição do sistema Azul. É por este motivo que ninguém nos ataca, pois sabem que, de qualquer maneira, somos seus parentes. Por outro lado, dão-nos a compreender quão incômoda é nossa visita.

— Estão vendo? Mas já que somos homens, de cabeça mais dura, vamos fingir que não entendemos este outro lado. Major Claudrin, o senhor fica a bordo. Conservar a nave pronta para se defender e deixar as máquinas ligadas para a eventualidade de uma partida de emergência. Não se preocupe conosco. Nós nos veremos em breve. Por quanto mais tempo nos considerarem arcônidas, tanto melhor. Se, porém, perceberem que não temos nada em comum com seus descendentes, a não ser a forma do corpo, daremos meia-volta imediatamente.

Bell solicitou um uniforme de combate. No comando geral dos conjuntos de propulsão, zuniam os campos de defesa e, nas usinas energéticas, funcionavam os reatores novamente.

Os elementos de propulsão estavam com luzes verdes e a Fantasy achava-se preparada para decolar em caso de perigo. Somente no posto de artilharia não havia muita coisa a fazer, já que se encontravam de prontidão.

O pelotão de robôs sob o comando do Tenente Stana Nolinow não chegou a sair da espaçonave. Apenas uma pequena parte da tripulação saiu de bordo. Rhodan se utilizou de três naves auxiliares, aparelhos anfíbios, de fácil locomoção em qualquer terreno, como no ar. Estes aparelhos faziam parte dos equipamentos de emergência da Fantasy.

Apenas trinta homens pisaram no solo do mundo estranho. O mutante de duas cabeças, Ivã Goratchin, permaneceu na Fantasy. Somente Gucky, John Marshall e o telecineta Tama Yokida acompanharam os demais tripulantes.

Alguns homens, que, em virtude de seu temperamento, não podiam deixar de tentar desvendar um mistério que se lhes apresentava, faziam todo esforço para saber tudo a respeito daquela civilização antiqüíssima. Era um empreendimento às vezes perigoso. Mas, os homens da equipe da nave experimental já estavam acostumados a isto.

 

...para Auris de Las-Toor: averiguar de onde vêm estes estranhos e de que maneira conseguiram romper o envoltório de proteção.

A jovem retirou o bilhete do transmissor de notícias, colocou de novo a cápsula na fenda de ejeção e apertou o botão de contato. A cápsula desapareceu com um pequeno clarão, para no mesmo instante rematerializar-se no aparelho receptor da Central de Notícias.

Com muita atenção, Auris leu a ordem escrita do Conselho Regente.

— Tomaram coragem — disse um técnico mais idoso, apontando para a tela do vídeo. — Estão saindo da nave. Parece que não conhecem mais boas maneiras e bons costumes. Estão naturalmente degenerados, inferiores. Dê-lhes a entender que não são bem-vindos e faça tudo para que sua nave nos deixe o quanto antes.

Auris de Las-Toor inclinou a cabeça. Com o interesse prático e simples de uma cientista, ela examinou os estranhos que, bem reconhecíveis, acabavam de sobrevoar as primeiras estações dos reatores.

— Não apresentam nenhum sintoma de degeneração física — disse o técnico. — Admirável! Mantenha-os dentro de seus limites.

Auris passou a mão nos longos cabelos vermelho-cobre e ligou seu campo de proteção. Depois abotoou seu manto curto e se dirigiu para o portão de segurança que se abriu sem o menor ruído. Do portão ao ponto de condução eram poucos passos. O “ponto de condução” era o campo de ação do transmissor fictício. O técnico observou a dissolução instantânea de seu corpo esbelto. Sem intervalo de tempo, a moça rematerializou-se no aparelho de recepção da maior lua do planeta.

Auris de Las-Toor estava disposta a executar a ordem do Conselho Regente. Olhava descontraída a aterrissagem das três viaturas anfíbias. Já era tempo de fazer alguma coisa.

— Estão se dirigindo para os campos estruturais — explicou o técnico da grande estação energética 18-IV-3645. Devem ser tratados como hóspedes?

— De maneira alguma — disse Auris categórica. — O comportamento deles não é decente. Você deve ter notado que nós não pensamos em retribuir suas abrutalhadas tentativas de aproximação. Mande-me um deslizador robotizado e informe os que estão viajando. Os degenerados não devem ser tomados em consideração.

 

Pouco antes de deixar a Fantasy, Rhodan havia ordenado que a partir daquele momento só se podia falar a língua arcônida a bordo. Todo membro da tripulação dominava esta língua plenamente.

Sem serem molestados, sobrevoaram os gigantescos armazéns e as enormes cúpulas das centrais, que haviam sido rastreadas da espaçonave. Do outro lado dos edifícios, que vistos de cima, pareciam formar uma grande cidade, já eram visíveis os focos luminescentes, observados já antes da aterrissagem da Fantasy. Eram pistas energéticas com nuances do branco-pálido ao vermelho-escuro, surgindo sem transição do solo, para depois, na altura de cinqüenta a trezentos metros, se unirem em arco.

Desta maneira, formavam-se singulares portões em cujas aberturas o mundo parecia acabar.

Rhodan ia confeccionando seu mapa. Os três aparelhos anfíbios desceram a poucas centenas de metros do grande fenômeno luminescente. Aquela gente desconhecida abrira estradas largas de muitos quilômetros de comprimento, terminando todas diante das gargantas escuras das colunas energéticas, como se as tais estradas ali se interrompessem de repente.

Trinta terranos olhavam boquiabertos para os inúmeros homens estranhos do outro lado, que saíam das grandes galerias existentes em volta, ou que estavam ocupados em outros terrenos, lidando com mercadorias de todos os tipos.

Máquinas gigantescas robotizadas se arrastavam para fora dos silos. Os objetos transportados em campos antigravitacionais eram depositados numa espécie de caminhão sem rodas, construído em forma de concha, que, depois de carregado, era levado como se não tivesse peso nenhum para um dos portões em arco.

Não havia dúvida de que se tratava de transmissores fictícios, mas de uma espécie que não era ainda conhecida nem na Terra, nem no Império Arcônida. Rhodan observava tudo, todos os processos, até poder compreender o significado de todos os aparelhos e instalações.

Aquela enorme região, que não se abrangia com a vista, estava tão saturada de campos de transmissão fictícia, que não era mais o espaçoporto para o despacho de mercadorias e de passageiros. O que ali se passava, não era nada de assustador nem de descomunal, mas tão-somente de uma técnica superapurada e superevoluída.

Os pré-arcônidas — se é que se tratava deles — encontraram uma maneira viável e tecnicamente amadurecida para acabar com as complicadas viagens espaciais até planetas distantes ou superdistantes.

Se fosse realizado em campos em arco, em transmissores para desmaterialização e condução de mercadoria de qualquer tipo, o transporte se faria sem nenhuma perda de tempo e sem as complicadas manobras de carregar e descarregar.

Rhodan sabia agora por que motivo havia ali nas proximidades uma central elétrica de tamanha proporção. Era para alimentar os vários transmissores fictícios. No entanto não se viam em parte alguma as redes de transmissão ou cabos condutores isolados. Não se podia, pois, imaginar de que modo os transmissores recebiam a necessária energia. Também não se viam as chaves de comando ou de sincronização, que, certamente, deviam existir.

Rhodan e seus cientistas já haviam visto bastante para poderem concluir sobre o elevado nível técnico daquelas inteligências.

— Olhe uma coisa aqui — disse Bell impressionado, com os olhos claros bem arregalados.

O olhar de Rhodan acompanhava a mão do amigo. Do outro lado, a uns trezentos metros, zunia uma longa e interminável cadeia de gigantescas plataformas flutuantes, sem rodas, na direção de um dos grandes portões do transmissor fictício. As plataformas flutuantes transportavam máquinas monstruosas, mercadorias bem acondicionadas e uma multidão de pré-arcônidas, em fila e em perfeita ordem, estavam sentados nos deslizadores.

Lá onde começava a terrível e tenebrosa garganta do arco de desmaterialização, desapareciam uma por uma as plataformas flutuantes, com um rápido clarão de brilho intenso. Demorou poucos minutos até a interminável cadeia se dissolver, para no mesmo instante, talvez, rematerializar-se, num mundo distante, numa instalação semelhante de transmissor de recepção.

— Em comparação com esta gente aqui, nós somos órfãos — disse Bell com um sorriso indeciso. — Provavelmente, poderão facilmente cobrir grandes distâncias.

— Devem ter pelo menos um aparelho de recepção em cada uma de suas bases — opinou o Tenente Sikhra. Seu rosto estreito lhe dava uma aparência de tímido. — Sir, pensando bem, não me resta outra opção a não ser admitir que os pré-arcônidas possuem ainda uma navegação espacial tripulada. De outra feita, como poderiam eles transportar para outros mundos os aparelhos de recepção, absolutamente indispensáveis? Ou o senhor acha que haveriam de usar aparelhos que não carecem de receptores? Seria o cúmulo, não acha?

— Nada é impossível. O Ser do planeta Peregrino tem este poder. No supercouraçado Drusus, existe um transmissor fictício, oriundo do planeta Peregrino, através do qual se pode enviar qualquer objeto desmaterializado para qualquer lugar.

— Estas instalações não parecem deste tipo — disse Bell. — Mas não me olhe assim, que eu fico com cara de bobo. O que você está pensando, Rhodan?

— Voltar, voltar o mais depressa possível — disse ele, depois de curto silêncio. — O pessoal desse planeta não nos está dando nenhuma importância. Acho que, para eles, somos ar empesteado, que não se pode respirar. Sikhra, reúna seu pessoal.

Mahaut fez um sinal para um de seus sargentos, Totrin, um homem baixo de cabelos negros, de seu comando de ação. Totrin tentava, há minutos, entrar em conversa com algum dos transeuntes. Era um tipo sempre bem-humorado e, além disso, muito paciente. Assim, respondia sistematicamente com um sorriso neutro, quando simplesmente o deixavam de lado, como se ele não existisse.

Mas Totrin devia ter descoberto alguma coisa. Quando percebeu o sinal de Sikhra, voltou lentamente para o veículo anfíbio mais próximo e saltou por sobre o peitoril mais baixo do bagageiro.

— Então? — perguntou Rhodan, com visível inquietação.

— Nada feito, sir. Não querem diálogo. Se a gente fica parado no meio da calçada, eles simplesmente se desviam. Continuam conversando como se não ouvissem nada. Tentei umas quinze vezes, com diversos tipos de pessoas. A maioria deles tem cabelos cor de cobre, muitos, no entanto, têm cabelos escuros, com um reflexo azulado. Todos possuem uma pele morena aveludada. Neste ponto não parecem muito com os arcônidas, mas em compensação falam bem o arcônida.

Rhodan se admirou.

— Que você está dizendo?!

— Falam o arcônida arcaico, sir. Pude compreendê-los muito bem. É mais ou menos a língua que encontramos nos lugares de colonização arcônida. Mais importante é o fato de que chamam o sol azul deste sistema de “Ácon”.

— Está aí o negócio — exclamou Bell, agitado. — “Ácon”! Se acrescentarmos a letra “r”, teremos “Árcon”. Está mais do que claro que os arcônidas de hoje se espalharam pelo Universo, saindo daqui. Nosso bom amigo Atlan não devia se gabar tanto do grande passado de seu povo. Os nossos arcônidas não são mais do que um ramo degenerado desta raça.

— Um veículo flutuante vem em nossa direção, sir — avisou alguém.

Rhodan virou-se imediatamente.

O deslizador disparava pela ampla pista e parou exatamente em cima das viaturas anfíbias.

— Oba! Estão perdendo a paciência, não é? — disse Rhodan como que monologando.

Seus olhos se estreitaram. O sol azul estava até muito camarada: a temperatura média era em torno de 29 graus centígrados.

Esperou uns momentos até que pudesse discernir bem as pessoas que estavam no deslizador.

— Estão mandando uma mulher, aliás uma bela mulher — disse John Marshall. — Está pensando em nós e numa determinada missão. Esta gente irradia paravibrações instáveis, distorcidas, sir. É muito difícil pegar o fio de seu pensamento.

— É isto mesmo — confirmou Gucky, que desde a fuga da nuvem chamejante não dera mais sinal de si.

Todos sabiam que o rato-castor sofria muito com as conseqüências da sobrecarga dos muitos gravos.

— Está pensando numa missão? — repetiu Rhodan. — Sikhra, prepare tudo para a partida. Quando ela se aproximar mais de nós, escaparemos por aí. Quem sabe o que ela está tramando contra nós?

— Uma frágil donzela! — exclamou Bell com ironia.

— Para mim, não é uma frágil donzela, mas uma representante deste grande povo, que, em dadas circunstâncias, pode perder a paciência e se tornar perigosa. Não preciso dizer o que pode então acontecer.

— Ela e sua comitiva vêm de fato na nossa direção — disse Gucky com mais animação. — Está pensando em algo pequeno, que se arrasta com antenas na cabeça, e sente nojo pensando nisto, mas está sempre comparando este animalzinho nojento conosco.

— É percevejo! — disse Reginald Bell.

— Percevejo não tem antena, sir — corrigiu Mahaut Sikhra sorrindo.

— Não tem importância! Quem sabe os percevejos daqui possuem antenas?! Mas isto é o cúmulo! Esta mulher parece estar mais orgulhosa de seu povo do que, em seu tempo, a arcônida Thora. Para ela, nós éramos apenas os habitantes de um inferno, um pouco melhorado.

Rhodan estremeceu e Bell teve remorso do que disse. Desde a morte de Thora, seu nome não era mais pronunciado na presença de Perry Rhodan.

— Sikhra, vamos embora! Depressa!

Os três veículos desprenderam-se do solo, movidos por projetores antigravitacionais, exatamente quando a cientista Auris de Las-Toor parara sua viatura deslizante.

Quando um homem de boa estatura, com traços marcantes e irônicos, de olhos escuros, curvou o corpo e a cumprimentou, Auris ficou confusa e pela primeira vez sentiu admiração pelos estranhos.

Consternada, olhava para os aparelhos que, segundos depois, desapareciam atrás das grandes construções da central elétrica.

Nervosa, Auris transmitiu a notícia para sua central. Recebeu a instrução de não molestar mais os aparentemente assustados homens de outros mundos.

Auris não sabia por que começara a duvidar de repente do conceito “assustado”. O homem alto, ponderado, de autodomínio, não dava a impressão de ter ido embora assustado por ela. Tentou refletir sobre a situação com clareza e isenção de ânimo, sem nenhum preconceito. Depois resolveu voltar o mais depressa possível para sua repartição, a fim de obter novas informações sobre a pré-história dos emigrantes acônidas.

Auris de Las-Toor era galato-socióloga. Estava dentro de seu quadro profissional investigar os problemas sócio-políticos dos mundos colonizados pelos acônidas e enquadrá-los dentro das normas das antigas legislações.

Quando, em rápida viagem, voou de volta para a base do transmissor fictício, era de opinião de que ia esclarecer tudo sem nenhuma complicação. Descontente consigo mesma, tentou tirar de sua memória aquela aparição esbelta.

“O fato de aquele homem ter olhado sarcástico e sobranceiro para mim foi apenas uma questão de situação, pois ele estava, no momento, em posição mais alta do que eu”, pensava ela, tentando convencer-se. “Mas por que o degenerado tinha que olhar logo assim para mim?”

 

O Tenente Brazo Alkher retirou a ponta dos dedos dos interruptores do quadro de mira dos canhões, assim que o último veículo anfíbio entrou são e salvo na grande comporta equatorial da Fantasy. Stana Nolinow que, no momento, não estava ocupado na direção da nave, apareceu na central de artilharia, a fim de contar a Brazo as últimas novidades.

— ...ninguém deu bola à nossa gente — disse ele, em voz alta. — Uma ofensa destes orgulhosos! Mas a moça... que classe! — virou os olhos e estalou os dedos.

Brazo sorriu. Nolinow parecia muito sensível a este gênero de fascinação.

— Você a viu, meu irmãozinho? Não, naturalmente não, você tinha que olhar para o seu quadro de mira. Mas eu tomei parte na transmissão das imagens para a televisão. Mahaut me havia prometido captar os lances mais importantes com a câmara portátil. Assim, vi tudo, vi principalmente a moça bonita. Imagine só aquela figura esbelta, pneumática...

— Como?

— Figura pneumática de uma deusa — continuou Stana, arrebatado. — Cabelos compridos, levemente ondulados, da cor de cobre velho, que, dependendo da incisão da luz, tinham reflexos esverdeados. Ainda por cima, o nariz clássico de uma deusa grega, os lábios cheios de uma espanhola, a frieza reservada de uma rainha inglesa. Tinha gelo nos olhos de esfinge, mas, quando viu Perry Rhodan, respirou duas vezes e meia mais rápido.

— Por que não três vezes?

— Duas vezes e meia, eu contei. Por que haveria de mentir?

— Você não acha este tenente um pouco maluco, sargento Enscath? — perguntou Brazo ao velho graduado.

— Não compete a mim julgar os oficiais da nave assim abertamente — disse Enscath, sorrindo.

— É isto que gostaria de aconselhar a você — ameaçou Stana. — Meus amigos, vocês não têm idéia... que coisas maravilhosas existem nesta lua meio deserta! Vocês estão vendo que estou apaixonado, virado do avesso por ela, pronto para sacrificar minha vida pela Humanidade, com a única condição de que eu pudesse tratar com ela sobre o destino da tripulação da Fantasy. Caminharia sorrindo e bêbado de felicidade para a morte, caminharia, não, pularia... depois, acho que...

— Tripulação para os postos de manobra — tonitroou o vozeirão de Claudrin, em todos os alto-falantes. — Prontos para decolagem de emergência. Confirmem.

Stana silenciou, olhando aborrecido em volta.

— Que brutamontes! — disse ele. — Interromper-me assim desta maneira. Vocês ouviram? Eu estava falando dela.

— Está certo, mas agora, corra para seus robôs, seu poeta de meia-tigela — disse Brazo, com calma.

Sem dizer mais uma palavra, Stana caminhou para a porta blindada. O sargento Enscath disse com cara de sério:

— Senhor, estamos preocupados com seu bem-estar. Caso o senhor deseje colocar uma peruca vermelha num dos seus robôs, eu poderia falar com o oficial do almoxarifado.

Stana olhou furioso para Enscath.

— Seu maluco!

Depois que ele desapareceu, Brazo Alkher levantou o dedo em tom peremptório:

— Gostaria de saber se um oficial da nave tem o direito de ofender os membros da tripulação.

— Vamos perdoá-lo, sir — disse o sargento, sorrindo. — Bem, o painel do controle de armas está com luz verde.

 

— Para onde você quer voar, para onde? — perguntava Bell, excitado.

Rhodan apertou o cinturão de sua poltrona. Sob seus pés roncavam os projetores antigravitacionais, eliminando a forte atração da grande lua.

— Para o quinto planeta deste sistema solar, planeta este chamado Sphinx — disse Rhodan, tranqüilo.

— Você está caducando? Já vimos coisas demais e minhas vértebras cervicais superiores estão começando a comichar, o que sabidamente é um mau presságio.

— Você está é muito gordo — disse Gucky, em tom de deboche.

— Cala o bico, garotinho. O assunto é sério. Perry, o que pretende mesmo?

— Não é muito. Quero dar uma olhada no número cinco para constatar qual é o jogo que se esconde por lá. Esta lua é apenas uma enorme central energética com funções já conhecidas. Quero saber de que maneira os acônidas, daqui em diante os chamaremos assim, levam seus aparelhos de recepção para os planetas de destino. Para isto necessitariam de uma frota espacial.

“Onde estão estas espaçonaves? Qual é sua velocidade? Que tipo de propulsão usam os acônidas? E o que é mais importante: o que há nesta raça no tocante à vontade de fazer novas conquistas?

“Não seria nada agradável encontrar um dia na Terra uma enorme instalação de transmissor fictício, de onde surgissem milhões de robôs de combate. Se levarmos em conta a tremenda ambição despótica dos velhos arcônidas, não podemos fugir da seguinte pergunta: de que maneira se comporta o povo de onde se originaram os arcônidas? Voaremos lá para o planeta Sphinx. Pronto, Jefe, pode partir.”

As palavras de Bell se perderam no tonitroar dos conjuntos de tração. A Fantasy avançava com tanta força para o espaço que poucos segundos depois não podia ser mais vista pela gente da lua. Apenas uma onda de ar superaquecido invadiu as imensas instalações do singular espaçoporto do transmissor fictício.

Um técnico dos acônidas gritou zangado:

— Que gente sem-educação. Não mereciam pisar aqui. A gente devia destruí-los.

Destruir era uma palavra que não cabia no dicionário de Rhodan. Sempre aproveitava a ocasião que se lhe oferecia, a fim de garantir os interesses da Terra.

A viagem durou poucos minutos. Foi uma alegria para o homem de Epsal poder executar uma estonteante aterrissagem.

O cruzador pesado disparava a toda e só começou as manobras de frenagem nas camadas mais baixas da atmosfera do quinto planeta.

Foi por isso que o comandante disse:

— De qualquer maneira, já fomos rastreados. Não há mais motivos para cautela exagerada. Ao menos ficarão cientes de que os terranos sabem lidar com grandes naves.

O Major Krefenbac olhou admirado para as costas de suas mãos, com que limpara o suor do rosto. A pele estava úmida.

— É uma miséria! — resmungou o primeiro-oficial.

Seu rosto melancólico e enrugado estava ainda mais inexpressivo do que de costume. Lembrou-se de que fazia mais de dez anos que não suava assim. Já que o fenômeno veio de repente, Krefenbac resolveu, por medida de segurança, colocar o cinturão com a pistola térmica, o que aliás já há tempo não fazia, apesar das prescrições a respeito.

— Santo Deus! — disse Bell. — O monstro comprido pega em arma. Quem ia pensar nisso? Miséria! Por que estes acônidas cruzam os braços assim? Claudrin, arranque as florestas deles com as ondas de compressão. Estou curioso para saber quando esta gente disciplinada vai perder a paciência...

— Eu também — disse Rhodan. — E pode não demorar muito. Jefe, lá na frente estão aparecendo cidades. Vamos aterrissar no primeiro espaçoporto que encontrarmos. A nave continuará preparada para decolagem de emergência. Central energética, apresente-se...!

O engenheiro de serviço apareceu no videofone.

— Vamos aterrissar logo — disse Rhodan, tranqüilo. — Com seus rastreadores de energia e de massa, tente localizar as possíveis espaçonaves. Suponha que os aparelhos acônidas voem também com propulsão linear. Regule seus rastreadores pelo impulso correspondente. Está tudo claro?

— Entendido, sir. Faremos o melhor possível.

— O que você disse mesmo? — soou a voz de Kalup, nos alto-falantes. Ouvira a conversa. — Você pensa, por acaso, que estas inteligências chegaram a desenvolver o vôo linear de supertração sem os saltos de transição?

— Estou até convencido disto. Não tem que ser uma cópia direta do nosso conversor de compensação, mas o sistema deve funcionar de maneira idêntica.

— Exijo uma comprovação objetiva — gritou Kalup, como nos momentos de cólera.

— Você não tem nada para exigir, meu jovem. Mas assim mesmo quero satisfazê-lo.

— Atrevimento!

— Está bem. Fique sabendo que nós passamos incólumes pelo singular campo energético, porque voávamos com o sistema kalup. Quando os acônidas têm que atravessar este gigantesco envoltório que envolve todo o sistema Azul, devem se utilizar também de um campo de compensação semelhante, de outra forma não conseguiriam sair de seu sistema. Não seria compreensível que, à passagem de cada espaçonave, tivessem que desligar estas instalações extensas e muito complicadas. Assim, temos de admitir que os acônidas não usam mais a transição, mas viajam com a visão paraótica do objetivo, em vôo linear. Basta isto?

— Somente depois que eu calcular as várias hipóteses.

— Faça isto, professor. Estou curioso pelos seus resultados.

Momentos depois, Hunt Krefenbac estava soltando os apoios telescópicos para o pouso da Fantasy. O engenheiro-chefe, o marciano Slide Narco, dirigia a operação.

Como um monstro assustador, pronto para o ataque, a Fantasy pousou suave no meio de uma grande planície, que possivelmente podia ser um espaçoporto.

 

Os homens do comando de ação, sob a direção do Tenente Mahaut Sikhra, já estavam de volta. Rhodan acompanhara o pequeno grupo de exploração através dos transmissores de capacete. Constatara que não fora possível entrarem em contato com ninguém.

Vinte minutos após a aterrissagem, os primeiros resultados das estações de rastreamento foram conhecidos. Havia espaçonaves no campo de pouso, das quais se ouviam os impulsos dos conjuntos de propulsão.

Depois dos estudos meticulosos destes resultados pelo setor de Matemática e sob a rigorosa fiscalização pessoal de Kalup, constatou-se que os acônidas, como já se supunha, dominavam o vôo linear. Trabalhavam com um campo de proteção quase idêntico ao do compensador, que, em muito, se aproximava do conversor kalupiano, aliás bem mais desenvolvido.

Arno Kalup estava fora de si. Delineavam-se no horizonte possibilidades ilimitadas de uma evolução perene da nova tecnologia terrana. No entanto, não havia nenhuma esperança de conseguir que os acônidas revelassem espontaneamente seus segredos.

O comando de Mahaut Sikhra não fora enviado apenas para tentar contatos. Seus membros portavam instrumentos especiais com os quais se podia constatar se as espaçonaves detectadas eram um aglomerado de peças velhas ou aparelhos prontos para o uso imediato.

Gucky desaparecera já há alguns minutos. Provavelmente conseguira penetrar numa das galerias isoladas por fortes campos de proteção magnética.

Bem mais para longe, quase sumindo no horizonte, erguiam-se as típicas construções arcônidas de teto afunilado. Já esta forma arquitetônica provava que os arcônidas provinham deste mundo distante. Conservaram os costumes e usos de seus antepassados, mas com o correr dos séculos desenvolveram uma cultura que se distanciava sempre mais de sua origem.

Rhodan não se atreveu a sobrevoar a grande metrópole. Tinha a impressão de ter atingido um ponto crítico. Além do mais, tudo indicava que aquela tranqüilidade se assemelhava muito à calma que precede à tempestade.

No amplo espaçoporto, já haviam recolhido todos os aparelhos. Não se via nem um acônida. Não havia melhor forma para se exprimir a desconfiança, talvez mesmo o desprezo.

— Vai acontecer qualquer coisa dentro de pouco — afirmava Bell inquieto. — Ou vão nos transformar numa nuvem radiativa ou usarão uma “novidade” de que não temos conhecimento.

Mahaut Sikhra acabou de entrar. Estava apenas de uniforme, pois Rhodan dera a ordem para não usarem mais os trajes arcônidas de combate, que podiam dar impressão de provocação. Mas era o caso de se perguntar o que era mais provocante: a aterrissagem feita sem mais nem menos, sem nenhuma comunicação, ou o simples uso de um uniforme com equipamentos que eventualmente serviriam para combate. Tudo por tudo, a atuação dos terranos não deixava de ser um atrevimento, o que Rhodan bem sabia.

Sikhra fez uma continência perfeita. Seu rosto estava encharcado de suor, pois o sol azulado Ácon irradiava um calor desagradável.

— O que você descobriu?

Mahaut tirou o boné. Seu rosto revelava desânimo.

— Não muita coisa. Nas proximidades das galerias, instalaram campos energéticos que não pudemos atravessar. Mas não há dúvida de que as espaçonaves detectadas possuem eficientes motores de propulsão. Não são peças de museu, mas aparelhos prontos para entrar em ação a qualquer momento. Acônidas, não encontramos nenhum. Dois homens se retiraram assim que nos viram no campo de pouso. Não querem falar conosco, parecem não se preocupar com nossa presença. É praticamente tudo, sir.

— Basta — disse Rhodan desanimado. — Meus senhores, todos prontos para partir? Esperaremos apenas por Gucky.

Três minutos depois, o rato-castor se materializou no posto de comando. Estava de novo esgotado. Marshall o apanhou nos braços e o levou para a cama mais próxima. Foi daí que o habitante de Vagabundo deu algumas informações:

— O envoltório de proteção era quase impenetrável, mas consegui rompê-lo. Custou-me um esforço terrível. Cheguei a ver as espaçonaves que também são protegidas por um campo especial.

— Tente descrevê-las. São cilíndricas?

— perguntou Rhodan com cara de quem tivesse acabado de acordar naquele instante.

Bell começou a ficar nervoso, pois conhecia o amigo. Esta acentuada sonolência era um sinal certo do nervosismo reinante em Rhodan.

— Claro que eram cilíndricas, apenas os dois pólos são planos, dando impressão de que alguém serrou bem certinho o arredondamento superior e inferior. Possuem, porém, o rebordo central, mas muito reduzido. O maior diâmetro será talvez de cento e cinqüenta metros.

— São o transporte para a instalação das contra-estações — afirmou Claudrin. — Então, que estamos esperando? Já sabemos o suficiente sobre esta gente.

— Central de rastreamento: dois aparelhos apareceram de repente sob a Fantasy — disse uma voz excitada.

Rhodan se assustou. Pulou para os controles do outro lado e ligou os campos protetores da parte inferior da nave.

Dois grandes flutuadores, de construção muito elegante, com cobertura transparente, pararam a poucos metros da escotilha do pólo inferior.

— Como foi que eles chegaram até aqui? — perguntou Rhodan. — Alguém os viu se aproximar?

— Não, sir. Não houve nenhum rastreamento anterior. Simplesmente apareceram aí.

— Fala a central de rádio — disse um outro oficial. — Estamos sendo chamados. Falam o velho arcônida, sir. O senhor é solicitado a sair da nave para uma entrevista.

— Solicitado?

— Perfeitamente, sir. Devo transferir a ligação para seus alto-falantes?

— Não é necessário, já esperava por isso. Comunique-lhes que eu não demoro. Fim.

Rhodan apanhou o boné e Claudrin levantou-se devagar. Reinava silêncio na central, até que Bell indagou:

— Como foi que eles chegaram à parte inferior da nave? A Fantasy tem duzentos metros de diâmetro. Assim sendo, devem ter percorrido cem metros por baixo dela, para poderem chegar à escotilha do fundo.

Houve outra interrupção. O posto de rastreamento estava falando:

— Estamos recebendo ecos indefinidos, que aparentemente vêm do interior da Fantasy, dando a impressão de serem impulsos de ondas curtas.

— São novamente sinais de rádio?

— Não, de maneira alguma. Parecem mais grupos de números e símbolos, sir. Não sei como julgar isto.

Rhodan desligou.

— Claudrin, Bell, Marshall e Tenente Nolinow, os senhores vão me acompanhar. Vamos.

— Loucura — disse Bell. — Loucura rasgada. Você devia ter notado que a senhora que nos espera é muito parecida com aquela de quem nós fugimos quando estávamos próximos do transmissor fictício da lua.

O sorriso de Rhodan era mais do que enigmático.

— Quanta bobagem você diz. Você pensa que eu não notei aquela criatura?

Balançou a cabeça, quase que criticando seu amigo. Dois andares para baixo, Stana Nolinow corria ofegante para o elevador central. Quando pulou no elevador antigravitacional e foi descendo, tentou ajeitar a gola do uniforme. Nolinow seria, assim, o primeiro tripulante a alcançar a escotilha inferior.

Segundos depois, chegaram Rhodan e os oficiais do comando da Fantasy.

 

Ela estava de pé, ereta como uma coluna grega, diante de sua viatura. A luz que irrompia pela escotilha aberta se refletia nos seus cabelos com fulgores metálicos. Auris de Las-Toor sabia, desde alguns minutos, que o rastreador de imagens instalado no segundo deslizador estava funcionando com perfeição.

Depois da surpreendente aterrissagem dos estrangeiros, recebera ela a incumbência de descobrir a todo custo de onde vinham estes intrusos. O rastreador de imagem acônida era um instrumento que produzia e captava os impulsos acumulados nos computadores de bordo, sem necessidade de fios. Ninguém na Fantasy suspeitava de que, no posto de computação, todos os dados referentes à posição do planeta Terra e do sistema solar estavam sendo transmitidos para fora.

Auris comunicou tais dados imediatamente ao Conselho Regente.

Quando o primeiro homem surgiu na escotilha, já as máquinas calculadoras estavam em atividade numa cidade distante. Cientistas e especialistas do Conselho Energético Acônida estavam evocando e concatenando todos os dados, acumulados há mais de vinte mil anos, sobre a colonização de um mundo muito distante, para confrontá-los com as indicações conseguidas por Auris a respeito de seu posicionamento.

O último a aparecer foi Rhodan. Parado na escotilha, olhou firme para baixo, bateu de leve com as pontas dos dedos na aba do boné, para em seguida, com toda calma, dar instruções completamente supérfluas para o interior da nave.

John Marshall captava todos os pensamentos do administrador do Império Solar. Era norma geral de Rhodan, quando se deparava com inteligências desconhecidas, dar a entender claramente que ele não se sentia inferiorizado.

Auris, que já tinha vindo com o propósito expresso de não se deixar influenciar pelo fluido pessoal do desconhecido, surpreendeu a si mesma olhando fascinada para o alto.

Rhodan desceu pelo elevador antigravitacional, encaminhou-se sereno e elegantemente para a bela jovem. Seus olhares se cruzaram pela primeira vez. Notou que aqueles olhos de um castanho-claro pareciam dissecá-la. Numa reação inconsciente de defesa, seu corpo se empertigou.

Major Jefe Claudrin desempenhou de modo magnífico seu papel. Com sua voz, já agora um pouco mais domada, apresentou Rhodan. Ela estremeceu levemente, mas se dominou num instante. Foi exatamente neste momento que se apercebeu de que estes homens tão esquisitos não poderiam ser descendentes dos velhos emigrantes acônidas. Intranqüila e pensando nas conseqüências provenientes deste raciocínio, deteve o olhar mais tempo no espadaúdo epsalense.

— Sinto-me honrado por perguntar seu nome, gentil senhorita?

Auris olhou-o com frieza.

— Cabe a mim usar da palavra — retorquiu um tanto ríspida.

Por um momento, Perry pensou em sua falecida esposa. Um sorriso leve e saudoso brincou nos seus lábios. Como esta linguagem altiva lhe era familiar!

— Suponho que a senhora já o tenha feito — respondeu ele. — A senhora vai me proporcionar hospitalidade, ou por que motivo voltou?

Sentiu-se chocada.

“Este degenerado esqueceu-se das boas maneiras”, pensou.

Tentou insistir na sua frieza.

— Os senhores aterrissaram sem receberem permissão. Tenho que pedir que abandonem o planeta imediatamente. Fui encarregada de lhes transmitir as desculpas do Conselho Regente, que se sentiu obrigado a uma tal atitude. Aparentemente, os senhores não sabem mais honrar as boas maneiras de seus antigos antepassados.

Rhodan curvou a cabeça, num gesto de aceitação. Esperava por uma frase desta. Esta raça lhe parecia exageradamente cortês.

— Por nossa parte, lamento muito termos sido recebidos com tanta indiferença. Será que se tornou costume do sistema de Ácon tratar os representantes da própria raça como parentes pobres e mendigos? As notícias de nossos antepassados falavam do povo bom e generoso de Ácon.

— Os senhores podem estar certos de que debatemos muito sua inesperada vinda. Porém não parecem saber como as velhas guerras coloniais dividiram tremendamente o vosso e o nosso povo. Não possuem mais documentos a respeito em seus arquivos?

— Provavelmente devem ter se perdido — disse Rhodan evasivo.

John Marshall reteve a respiração.

Rhodan meditou: “Aí está a razão de tudo. Quer dizer que entre os primitivos emigrantes colonizadores, que são os arcônidas de hoje, e os representantes da velha pátria, chegou a haver coisa mais séria!”

— Estava imaginando — disse Auris mais afável. — Volte para sua terra, Rhodan de Árcon! Ou será que o devo tratar de outra forma?

O telepata Marshall transmitiu uma mensagem a Rhodan. O administrador logo a compreendeu. A moça suspeitava de algo. Esta indireta fora seu primeiro ataque.

— Desculpe, podia se explicar melhor?

— Não tem maior importância, foi apenas uma pergunta.

Novamente seus olhares se encontraram. Sentia algo daquele fluido eterno, que a tornava ainda mais insegura. Rhodan resolveu pôr um fim ao perigoso diálogo.

— Vou seguir seu conselho. Poderia ter o prazer de ouvir seu nome?

— Auris de Las-Toor.

— Muito obrigado. Meu nome é realmente Rhodan. Com toda sinceridade, do fundo do meu coração, desejava mesmo manter boas relações de amizade com seu povo. Os mundos que constituem nossa pátria são ricos e jamais pensamos em subjugar outros povos.

— Como os senhores se tornaram diferentes de seus antepassados — observou com malícia.

— Cometeram-se muitos erros — continuou Perry.

Os avisos irradiados por Marshall, “acautele-se, acautele-se”, estavam mais insistentes. O telepata não podia compreender por que a desconfiança de Auris era cada vez mais forte.

Segundos mais tarde, aconteceu algo com que ninguém contava. A lâmpada instalada na capota do deslizador começou a piscar, e Auris notou. Sem dar nenhuma explicação, dirigiu-se para a viatura, onde estavam sentados, como estátuas, dois acônidas. Rhodan reparou que o semblante delicado da donzela se contraíra. Segundos mais tarde, ela se dominou. Quando a beldade se virou para os terranos, Marshall avisou telepaticamente:

— Cuidado! Ela abriu por uns instantes a guarda de seus pensamentos; está muito nervosa. Agora protege de novo seus pensamentos. Deve ter recebido uma notícia importante. Parece que conseguiram ler alguma coisa em nossos computadores de bordo. Os cientistas de Ácon devem ter conferido os dados da localização da Terra com os do sistema Arcônida. Sabem agora que não somos arcônidas, mas um povo estrangeiro.

Rhodan esperou ainda um pouco. Os avisos de Marshall chegaram até Gucky, que os transmitiu para o primeiro-oficial. Os conjuntos de propulsão que, até então, trabalhavam em ponto morto, começaram a estrugir. As bocas-de-fogo da cúpula inferior apontavam para uma certa direção. Um jovem oficial estava preparado para tocar na tecla de disparo.

Auris achava-se parada diante de Rhodan. Seus lábios cheios estremeceram.

— Quem é o senhor? — perguntou em voz baixa e apressada. — Parta, parta o quanto antes, o senhor me faz mal. Não volte nunca mais e se esqueça de que encontrou minha pátria. Maluco, imprudente, como pôde se atrever a enganar o Conselho Regente?

— Nada mais do que curiosidade — explicou Rhodan, também em voz baixa. — Auris, eu ainda venho vê-la um dia.

— Nunca!

Correu uns metros para trás, e seu corpo esbelto de repente se dissolveu. Também as duas viaturas desapareceram num forte clarão colorido. Ficou para trás apenas um transmissor fictício. Foi então que Rhodan percebeu de que modo as viaturas penetraram sob a Fantasy, sem serem notadas. Segundos depois, o transmissor disparou a alta velocidade, quase rente ao chão...

Neste instante, os alto-falantes externos começaram a roncar. Ouvia-se bem a voz do Major Hunt Krefenbac, que gritava:

— Sir, volte para a nave! Cuidado! Começamos a ficar entorpecidos, estamos sendo cercados por uma cintilação esverdeada. Alguém está nos atacando com uma arma desconhecida. Sir, não consigo mais falar. Minhas mãos parecem de vidro, chefe...

Claudrin pulou num grande galeio diretamente para a escotilha. Bell, Marshall, Nolinow e Rhodan o seguiram. A escotilha se fechou, mas o barulho do funcionamento dos motores de tração não se alterou. Ainda não notavam a cintilação esverdeada. Um soldado, que devia ser o vigia da comporta, gritou perturbado:

— Sir, olhe isto aqui. Os homens da sala de comando foram os primeiros a serem paralisados e, logo depois, o pessoal das máquinas.

Rhodan afastou o vigia e olhou para a pequena tela de controle. Krefenbac, Slide Narco e todos os cientistas mais importantes da Fantasy estavam sentados ou de pé nos seus postos como se fossem estátuas de pedra. Apenas alguns homens tentavam ainda escapar da zona de perigo, arrastando-se com dificuldade.

— Gucky! — disse Rhodan, chamando o rato-castor com impulsos mentais. — Gucky, você está bem?

— Consigo ainda pensar, nada mais. Não consigo mover-me.

— A cintilação está chegando, agora, aqui embaixo. E, se formos até você, ficaremos também entorpecidos. Consegue se concentrar para um salto telecinético?

Rhodan viu quando o homem de Epsal pulou no elevador que o conduziria até a casa de máquinas.

— Estou procurando chegar até as máquinas — disse ele.

Depois ouviu-se um grito. Claudrin tornava-se mais uma vítima da cintilação esverdeada.

Bell puxou Rhodan de volta para o corredor lateral. A cintilação se espalhava lentamente, mas quando atingia uma pessoa, o corpo desta sofria reações misteriosas. Rhodan, intuitivamente, chegou à conclusão de que se tratava de uma transformação molecular dos organismos. Porém, neste momento, tal conclusão nada valia.

O silêncio foi tomando conta cada vez mais da nave experimental Fantasy. Os chamados cessaram e os gritos dos homens pegos de surpresa quase não se ouviam mais nos alto-falantes do videofone. Nem Gucky se manifestou mais, se bem que os impulsos de sua consciência ainda continuassem nítidos. Provavelmente, era um misto de torpor e cãibra, que paralisava o corpo completamente, mas não atingia o cérebro, isto é, as faculdades mentais.

Rhodan, Bell e Marshall se abrigaram no ponto mais baixo da nave esférica. Era evidente que a misteriosa radiação se iniciara no rebordo central da nave. Os acônidas pareciam saber muito bem que ali estavam os mais importantes elementos de comando.

Mais para frente deles estava Stana Nolinow paralisado, agachado sobre um instrumento. Parecia não ter conseguido tirar, a tempo, da zona de perigo, o guarda da escotilha caído no chão.

Rhodan tinha em mente procurar alguma arma que anulasse a cintilação. Mas acabou deixando esta idéia de lado. Jamais conseguiria encontrá-la. Bell também já estava mais dono de si. Achava-se parado num canto, olhando para frente, onde a cintilação parecia se aproximar. Disse com certa preocupação:

— Agora sabemos como é a situação, quando eles perdem a paciência. Seria muito melhor se eles tivessem percebido que nós não éramos arcônidas, logo de início. Não têm mesmo dó de ninguém, quando se sentem ameaçados.

— E quem não agiria desta maneira? — perguntou Rhodan, fechando as mãos em punho.

Não havia mais ruído nenhum na parte superior da nave. Todos que lá estavam teriam sido atingidos pela cintilação. A enorme Fantasy se transformara num museu de figuras de cera, onde só se moviam os conjuntos de propulsão, prontos para a decolagem. Bastava só um impulso para fazer entrar em ação a decolagem automática, anteriormente programada.

— Marshall, entre em contato com meus impulsos mentais e procure reforçá-los. Vamos chamar Gucky, que está no posto de comando. Se ele, de fato, não conseguir fazer mais nada, estaremos então perdidos. Os acônidas irão nos pegar daqui um pouco como passarinhos de asas cortadas. Gucky tem apenas que puxar a alavanca da decolagem de emergência automática.

— Se ele não a puder ver mais, de nada adiantarão suas forças telecinéticas — disse Marshall.

Recuaram uns metros, tentando se afastar o máximo da cintilação esverdeada.

— Acho que ele não está nem podendo mais mover a cabeça — acrescentou Marshall.

Rhodan começou a chamar telepaticamente pelo rato-castor.

— Gucky, está ouvindo? Diga alguma coisa! Se você pode ainda pensar, responda!

Veio um impulso nítido.

— Estou ouvindo, acho que fiquei desacordado por algum tempo. Sinto muitas dores.

— Esqueça isso um pouco. Meu amigo, você consegue ver a alavanca vermelha de decolagem?

— Não, estou virado de cabeça para baixo na poltrona giratória e não posso mover-me.

— Então procure mudar de posição com uma curta teleportação. A alavanca está em cima, na estante inclinada dos controles manuais. Você deve conhecê-la. Quando estou sentado na minha poltrona, fica a uns dez centímetros da minha mão direita. Lembra-se?

— Conheço-a perfeitamente. O que devo fazer? Vamos depressa, que não estou agüentando mais.

A cintilação esverdeada já estava atingindo também os três homens. Primeiro sentia-se dor. A seguir, esta dava lugar a uma insensibilidade total, começando pelas pernas. Assim Rhodan notou que, instantes depois, seu corpo ia ficando rígido e insensível. Tocou no braço esquerdo e constatou que os tecidos endureciam cada vez mais. Começavam ficando como cartilagem, para terminarem consistentes como vidro.

Apesar de tudo, podia pensar, ver e ouvir com clareza. Depois que não podia movimentar a boca e a língua se transformara num pedaço de chumbo, seu pensamento mais se aguçou:

— Gucky, você tem que se obrigar afazer um salto. Tem de conseguir. É totalmente indiferente que você se desmaterialize neste estado ou em condições normais de saúde. O processo é o mesmo, em qualquer hipótese.

Os sentidos de Rhodan captaram um indistinto lamento, e o administrador insistiu nos seus apelos a Gucky:

— Gucky, você tem que conseguir. Imagine bem claramente a alavanca, sua posição exata e se lembre de que ela se move de cima para baixo. Sobressai horizontalmente do conjunto de interruptores. Quando você se rematerializar a um pouco mais de meio metro da alavanca, talvez nela resvale, arriando-a. Será que você não consegue?

— Vou tentar, chefe. Não me perturbe mais; preciso de todas as forças para me concentrar.

Rhodan quedou esgotado. Em toda nave não se percebia um sinal de vida. Apenas as máquinas funcionavam.

 

Auris de Las-Toor não tirava seus olhos assustados das telas de sua central. Sabia o que se passava dentro daquela nave estrangeira, já agora completamente envolta pelo campo de irradiação. Ouvia pelo mesmo videofone as instruções que eram transmitidas. Um pelotão de robôs já estava em marcha para a Fantasy. Estes monstros de aço receberam a instrução de colocar os terranos entorpecidos nos flutuadores, e aguardar ordens posteriores.

Auris não podia deixar de pensar no homem esbelto, de olhar fascinante e irônico. Pensava, neste momento, que devia tê-lo avisado do que aconteceria. Não podia explicar o que a atraía para o estranho, mas tinha um pressentimento de que seu destino estava concatenado com o dele. Não podia ser um selvagem e mesmo a curiosidade do estranho lhe parecia natural.

Quando alguns membros do Conselho Regente passaram triunfantes por ela, procurou ficar de lado. Lá fora os robôs pareciam uma muralha de aço em movimento ritmado.

 

Gucky conseguiu se aprumar um pouco. Concentrou seus pensamentos na alavanca descrita por Rhodan, fazendo dela uma representação cada vez mais viva. Depois de ter bem nítido na mente o quadro dos controles manuais, saltou...

O pequeno corpo, coberto de um pêlo marrom-avermelhado, desapareceu da poltrona giratória, para no mesmo momento materializar-se em cima do quadro de controles.

Gucky não pôde ver onde estava. Sabia apenas que agora iria escorregar quase um metro até bater na chapa de aço do chão. Ao cair, seu corpo Amortecido, isto é, totalmente insensibilizado, passou raspando pelo revestimento da prateleira. Não sentiu nada da queda, que normalmente lhe devia causar muita dor. Antes de cair sobre a chapa, seu corpo raspou na alavanca. E foi o bastante!

Gucky não ouviu mais o ronco cavernoso das turbinas, pois desmaiara de novo.

O computador passou a trabalhar com a maior precisão, seguindo a programação que lhe fora feita, fazendo com que o cruzador decolasse com a velocidade de vinte quilômetros por segundo e depois de atingir o espaço livre passasse para maior aceleração.

Os impulsos da sincronização automática se irradiaram em fração de segundo. Os aparelhos de absorção de pressão começaram a zunir e os campos antigravitacionais livraram a Fantasy da atração do grande quinto planeta. Das turbinas do rebordo central saíam línguas de fogo e os robôs, que naquele momento se aproximavam, foram atingidos por elas e reduzidos a pó. Com um bramido descomunal, o cruzador deu um salto no ar e iniciou sua rápida ascensão.

Já estava livre da zona de influência da cintilação esverdeada e mal decorridos quatro segundos havia ultrapassado a camada de ar que envolvia o planeta, atirando-se para o espaço.

Um raio energético, grosso e arrasador, procurou atingir a Fantasy, passando, porém, a quase um quilômetro da nave. A aceleração automática atingia agora o máximo.

Antes que, lá embaixo, os acônidas pudessem compreender o que acontecera, a nave dos terranos desaparecera. As máquinas roncavam a toda e tudo estava em ordem, apenas os homens não era capazes de mover um dedo...

 

A automática deu o alarme. O impulso para injeção de combustível adicional achava-se em sobrecarga e o piloto automático não estava programado para cumprir tal tarefa.

Rhodan ouviu o ruído do alarme. Aos poucos, seus membros foram recuperando a agilidade motora. Antes de poder entender claramente o que se passava, sentindo ainda dores agudas, soou de repente uma voz profunda e forte:

— Comandante falando para todos. Já estou de novo na central. Tenham um pouco de paciência, o entorpecimento já vai passar. Eu também não estou cem por cento. Vou usar o comando manual, e ativar o sistema kalupiano.

Com a sensação de um grande alívio, que o ajudou a se desfazer das dores do desentorpecimento, Rhodan ouviu o ronco do compensador. Claudrin era mesmo um homem insubstituível. Seu corpo ciclópico conseguira romper mais rápido que os demais o entorpecimento. E, antes que os outros homens se pudessem mexer, o Major Jefe Claudrin já havia ligado o vôo linear.

“Salvos”, pensou Rhodan visivelmente mais contente.

Logo depois captou um impulso telepático de Marshall:

— Ninguém mais nos pode alcançar, sir. Para onde que Claudrin nos está levando?

— Isto não tem importância, pode ir para qualquer lugar, contanto que fujamos daqui deste quinto planeta. Estes acônidas não nos foram muito simpáticos, não é?

John não respondeu mais. Alguns minutos depois, Rhodan já podia movimentar-se. Cambaleando um pouco, foi para o elevador antigravitacional, onde se encontrou com outros membros da tripulação. Quando penetrou, ainda com dores, na central de comando, o homem nascido em Epsal achava-se sentado calmamente em sua poltrona feita sob medida.

Enquanto conversava, não desviou a cabeça das telas dos rastreadores. O sol amarelo surgiu na tela maior.

— Cuidado! Aí vem o solavanco!

Sem estar apoiado em nada, Rhodan caiu, quando a Fantasy penetrou no misterioso envoltório de proteção do sistema Azul, perdendo boa parte de sua velocidade. O interior da nave escureceu, apenas as luzes dos painéis piscavam.

Segundos depois, um setor após o outro, foi se manifestando. Apareceu o Dr. Gorl Nkolate. Sem dizer nada, auscultou o corpo adormecido de Gucky, para colocá-lo depois numa cama.

— Ele o conseguiu, não foi?

Rhodan fez que sim com a cabeça.

— Ponha-o novamente de pé, doutor.

Sem ele, estaríamos perdidos. Claudrin, para que tanta velocidade? Por enquanto basta que consigamos escapar dos acônidas.

Depois voltou novamente o silêncio sobre a Fantasy, que voava com uma velocidade milhões de vezes superior à da luz, rumo a um sol que Claudrin escolhera ao acaso.

— Já havia pensado que não deixaríamos de encontrar dificuldades — disse Bell, que chegara naquele momento à sua poltrona.

Seu rosto dava mostras de preocupação.

Rhodan lhe ficou devendo a resposta. Estava pensando na jovem Auris e na exortação que fizera e que acabou se realizando. No fundo, ela queria ajudar os terranos e só isto era o que importava.

A Operação Estrela do Destino havia terminado. Tratava-se agora de saber o que esta casual descoberta do sistema Azul iria representar para o futuro da Humanidade.

“Haveremos de dar conta do recado”, pensava Rhodan. “Ninguém pode duvidar disso.”

Agora, a Fantasy disparava pelas regiões do semi-espaço. Nem o misterioso sistema Azul conseguira detê-la.

 

                                                                                            K. H. Scheer

 

 

                      

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