Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
O Inferno Atômico
Poucos dias após a morte de sua esposa, Perry Rhodan, administrador do Império Solar, apresenta um plano por meio do qual pretende desferir um ataque relâmpago, afim de pôr fora de ação o computador positrônico.
São 500 mil homens decididos a destruir o principal inimigo da Terra!
Porém a ordem de ataque foi suspensa, pois Fera Cinzenta, onde se encontram quatro pessoas proeminentes do Império Solar, transformou-se numa bola de fogo...
No momento em que a transição terminou, Paul Brackett viu a fileira de linhas angulosas verdes que corria rapidamente sobre a tela do oscilógrafo. Paul Brackett ainda sentia a dor provocada pelo hipersalto, mas compreendeu imediatamente o que significavam essas linhas.
O pânico tomou conta dele!
A Rigel, um cruzador pesado da frota terrana, estava regressando à base espacial de Fera Cinzenta. Estivera nas proximidades da área de superposição, onde se verificava o encontro entre o plano temporal dos druufs e o do Universo einsteiniano, e descarregara material destinado à base secreta de Hades, levando-o ao destino por meio do transmissor fictício. A operação consumira algumas horas, durante as quais a metade dos oitocentos tripulantes ficava de olho no espaço, a fim de verificar a eventual aproximação das naves da frota arcônida de bloqueio. Tal grupamento mantinha vigilância contínua sobre a área de superposição e rechaçava os druufs toda vez que estes tentavam transferir-se para o Universo einsteiniano. Os arcônidas não conheciam a base terrana de Fera Cinzenta, e, por enquanto, uma das coisas que mais preocupava os homens da Terra era que ela continuasse em segredo.
Em virtude disso, as naves terranas que trafegassem entre Fera Cinzenta e a área de superposição, situada a apenas alguns anos-luz de distância, e que constituía a área de operações da frota de bloqueio arcônida, viam-se obrigadas a tomar todas as precauções possíveis, para que as naves de Árcon não lhes seguissem a pista e fossem ter com a base espacial.
Durante as últimas semanas, haviam conseguido esse intento, o que representava uma obra-prima da técnica de camuflagem, fato que ninguém se atreveria a contestar. No entanto, Paul Brackett tinha certeza de que, naquele momento, estava começando a catástrofe.
As linhas angulosas deslizaram pela tela, da esquerda para a direita, e logo desapareceram. Tudo não demorara mais que dois segundos ou dois segundos e meio. Mas os espiões de rádio do regente de Árcon estavam em toda parte, e a atenção que dispensavam a qualquer sinal permitiria que não lhes escapasse um reflexo ainda mais breve.
O oscilógrafo da nave de Paul Brackett estava acoplado ao neutralizador de vibrações. Esse aparelho evitava que a energia desprendida pelo mecanismo hiperpropulsor, no início e no fim de cada transição, se espalhasse pelo espaço, pois era absorvida pela própria nave.
Se o neutralizador funcionasse perfeitamente, Paul Brackett não teria visto os ângulos verdes. Acontece que ele os vira; logo, o neutralizador não funcionara como devia. A energia remanescente da transição fora descarregada para o espaço, e, em algum ponto, situado no máximo a cinco anos-luz, um arcônida, especialista em localização, estaria empenhado em interpretar os estranhos sinais. Face à sua estrutura situada na quinta dimensão, o campo de ondulações gerado pela descarga energética se espalharia com uma velocidade infinita.
Não havia a menor dúvida de que os arcônidas não levariam mais que alguns minutos para descobrir o significado desses sinais. E, dali a pouco mais de dois minutos, saberiam de que ponto do espaço estes partiram.
E esse ponto ficava a apenas vinte unidades astronômicas de Mirta, o astro central do sistema de Fera Cinzenta. Assim que descobrissem o ponto de origem das ondulações, os arcônidas saberiam onde deveriam prosseguir com suas buscas.
Paul Brackett deu o alarma. O uivo das sereias encheu todos os recantos da enorme nave. As palestras foram interrompidas e os homens moveram-se rapidamente, a fim de dirigir-se aos seus postos.
Paul Brackett pegou o microfone do sistema de intercomunicação e explicou o que havia acontecido. Enquanto isso, o oficial de rádio transmitiu um relato resumido para Fera Cinzenta.
— Podemos esperar qualquer coisa — concluiu Brackett. — Inclusive a presença de uma frota arcônida composta de dez mil unidades que venha para destruir a base de Fera Cinzenta.
A decolagem em massa estava em pleno andamento. Uma após outra, as naves desprendiam-se do solo e subiam ao céu azul, com os propulsores cantantes. Os gigantescos couraçados também subiam com igual leveza e elegância.
A frota terrana pôs-se a caminho. Viajaria de Fera Cinzenta para Árcon, a fim de oferecer ao computador-regente uma demonstração concreta do que os terranos pensavam de um falso aliado.
Foi o grande dia de Perry Rhodan: 23 de outubro de 2.043. O poder da Terra concentrava-se para o grande golpe contra Árcon. A Terra estava prestes a oferecer às potências galácticas uma demonstração do papel que, dali em diante, pretendia desempenhar.
As unidades da frota, comandadas pelo General Deringhouse, reuniram-se num ponto afastado de todas as rotas de navegação espacial, isto é, a quinhentos anos-luz de Fera Cinzenta. Nesse planeta só ficaram vinte e três naves e o pessoal estritamente necessário ao funcionamento da base. Isto se devia ao fato de que algumas unidades ainda se dirigiam à área de superposição — local onde se fazia o aprovisionamento da base de Hades, situada no plano temporal dos druufs — ou de lá regressavam.
A Rigel, por exemplo, ainda estava fora.
Todavia, em Fera Cinzenta permaneciam quatro pessoas que teriam de liquidar alguns assuntos importantes. Só se uniriam à frota, pouco antes do ataque a Árcon.
Estes quatro indivíduos eram Perry Rhodan, Atlan, o arcônida, Reginald Bell e o mutante Fellmer Lloyd.
Encontravam-se num abrigo subterrâneo situado fora da área da base propriamente dita. Dali extraíam do setor de processamento as últimas normas relativas à ação que seria desencadeada contra o computador-regente.
O trabalho foi iniciado pouco depois das onze horas, tempo de Terrânia.
Às onze horas e trinta e quatro minutos, um cruzador pesado chamado Rigel, comandado pelo Major Paul Brackett, concluiu seus trabalhos na área de superposição e, adotando todas as precauções, iniciou a viagem de volta para Fera Cinzenta.
As tarefas foram distribuídas entre os homens, que trabalharam com a concentração peculiar aos indivíduos que querem fazer um serviço rápido e esmerado.
Quem forneceu o primeiro relato intermediário foi Reginald Bell. Este tinha à sua frente uma folha saída da máquina, repleta de cifras. Leu-a atentamente e depois de algum tempo disse:
— O momento decisivo deve ser adiado pelo menos por quatro horas.
Não olhou para trás; continuou a fitar atentamente a folha. Apesar disso, tinha certeza de que todos interromperam seu trabalho e olhavam para ele.
— São muitas ramificações, não é? — perguntou Rhodan.
— Exatamente — respondeu Bell. — A máquina apurou duas mil quatrocentas e trinta e quatro alternativas. E cada alternativa encerra, em média, cinco subalternativas, parte das quais poderá ser recombinada no estágio final.
Levantou os olhos.
— Estas informações ainda deverão ser programadas e introduzidas nos autômatos das naves — prosseguiu. — É verdade que a programação pode ser concluída em trinta minutos, mas sua distribuição levará mais tempo.
Perry Rhodan virou-se na poltrona, ficando de costas para a mesa de programação. Atlan, o arcônida, estava sentado à sua direita. Tinha o cotovelo esquerdo apoiado na mesa. Lançou um olhar pensativo para Reginald Bell.
— Sugiro cancelarmos todas as alternativas e subalternativas que apresentem um nível de probabilidade inferior a zero vírgula quatro — disse.
Perry Rhodan sorriu.
— Vejo que o almirante dispensa a prudência costumeira e se declara disposto a concordar com procedimentos simplificados — disse em tom irônico.
— Você sabe perfeitamente que o momento X não pode ser adiado indefinida mente — respondeu Atlan. — As naves do regente estão em toda parte. Assim que descobrir a concentração de unidades terranas, saberá o que está em jogo, e, depois disso, será tarde.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Eu sei. Acontece que, se eliminarmos todas as alternativas, de probabilidade inferior a zero vírgula quatro, estaremos assumindo um risco muito grande. A probabilidade de zero vírgula quatro não é pequena, se considerarmos que a cifra um representa a certeza absoluta.
Atlan manteve-se calado.
— Vamos falar em termos mais concretos — sugeriu Bell. — O computador descobriu um total aproximado de cinco mil alternativas básicas, ou seja, cinco mil maneiras diferentes pelas quais o regente poderá reagir ao nosso ataque. Essas cinco mil alternativas, em conjunto, têm uma probabilidade de zero vírgula noventa e oito. A fração de zero vírgula zero dois, que falta para atingir a unidade, distribui-se por outras dez mil alternativas básicas, que a máquina deixou de indicar uma por uma, porque seu grau de probabilidade é muito reduzido. Abandonamos todas as alternativas básicas, cuja probabilidade seja inferior a zero vírgula zero seis. Com isso, o número de alternativas básicas baixou para dezessete.
“Consideremos uma das alternativas básicas. A reação do regente poderia consistir na retirada da frota de bloqueio. Nesse caso teríamos, dentro de alguns minutos, mais de dez mil naves pelas costas. O grau de probabilidade desta alternativa básica é de zero vírgula treze. Logo, inclui-se entre aquelas que devem ser consideradas.
“Passemos às subalternativas. Segundo uma delas, o regente, em vez de nos atacar com a frota de bloqueio retirada da frente de combate, manda que ela proteja Árcon III, ordenando que forme um anel de naves em torno deste mundo. A probabilidade desta subalternativa é de zero vírgula quarenta e quatro, ficando acima do limite sugerido por Atlan. E é igualmente provável que o regente dê ordem para que essa frota nos ataque.
“Resta, portanto, uma probabilidade de zero vírgula doze por outra ou outras subalternativas. Entre elas se conta, por exemplo, a de que a frota de bloqueio pouse em Árcon II, leve certos materiais importantes, entre esses, talvez, algumas peças do próprio regente, e desapareça com os mesmos, fazendo pouco de nós. Se seguíssemos a sugestão de Atlan, deveríamos abandonar esta subalternativa.”
Suspirou e passou a mão pelos cabelos curtos.
— Sou de opinião que não nos podemos permitir o luxo de proceder assim.
— Também tenho opinião idêntica — disse Rhodan em tom sério. — A idéia é boa, mas a proposta é muito radical. Vamos eliminar todas as alternativas cuja probabilidade seja inferior a zero vírgula um. Qual seria o número de alternativas que restaria depois disso?
Reginald Bell fez alguns cálculos.
— Trinta e cinco — respondeu.
— Isso basta. E procederemos da mesma forma com as subalternativas. Com quantas ficaremos?
— Quarenta e uma subalternativas e... — desta vez, os cálculos foram mais demorados — ...zero vírgula 937 de probabilidade de...
Perry Rhodan bateu com a mão espalmada na mesa.
— Isso basta! — decidiu. — E basta, mesmo que consideremos que o regente fará o possível para escolher uma reação pouco provável.
— Está bem — concordou Bell. — Neste caso, só resta confeccionar as matrizes de programação. Vamos fazer uma para cada unidade?
— Duas — ordenou Rhodan.
Atlan, o arcônida, continuava imerso em profundas meditações.
— Não está de acordo, almirante? — perguntou Rhodan, virando o rosto em sua direção.
Atlan sacudiu a cabeça. Isso poderia significar um não, ou então, que a formulação da pergunta não fora correta.
— É muito arriscado — disse. — Quem dera que eu estivesse em condições de provar isto, Perry. Mas por enquanto não sei onde está o problema — levantou a cabeça.
— Na minha opinião deveríamos esperar mais alguns meses. Você tem certeza absoluta de que não foi o ressentimento causado pela morte de Thora que lhe incutiu este plano?
Perry Rhodan tinha uma resposta na ponta da língua. Mas resolveu refletir um pouco. Levou algum tempo para responder.
— Não tenho certeza absoluta, arcônida — confessou em tom inseguro. — É possível que a causa disto seja a morte de Thora. Mas para que havemos de preocupar-nos com isso? Já refletimos centenas ou mesmo milhares de vezes sobre cada lance do jogo que pretendemos lançar. E nossos planos não foram elaborados com o maior cuidado? O computador positrônico não apurou, com absoluta segurança, que nas circunstâncias atuais a probabilidade de que a missão seja bem sucedida é superior a noventa por cento? Será que, com tudo isso, ainda faz alguma diferença que a verdadeira causa da ação seja analisada?
Atlan refletiu.
— Acho que faz diferença. Geralmente um plano concebido em estado de excitação tem algum erro. É claro que a existência do erro independe do fato de que nós o conheçamos ou não.
— Se houvesse um erro, o computador positrônico o teria descoberto — respondeu Rhodan.
O fato de Atlan não concordar inteiramente com seus planos deprimia-o de uma forma estranha. Desde o momento em que começaram a trabalhar lado a lado, praticamente não houvera nenhuma divergência entre eles. Esta era a primeira vez que não concordavam sobre um assunto de grande importância.
Numa questão de segundos, Perry Rhodan rememorou os motivos que o haviam levado a acreditar que este seria o momento mais favorável para lançar o ataque contra Árcon. E ainda desta vez não encontrou qualquer erro.
Como os computadores também não houvessem constatado qualquer ponto falho, concluiu que Atlan era um pessimista. Talvez isso tivesse sua origem no fato de que, embora estivesse sendo governado por um gigantesco computador, Árcon era sua pátria. E, quando a pátria está em jogo, os sentimentos sempre desempenham papel relevante.
Perry Rhodan olhou para o relógio.
Eram onze horas e trinta e quatro minutos.
As naves não apareciam nas telas de visão global. Mas as telas foscas verde-escuras dos instrumentos de localização as mostravam como pontos de interseção de uma rede uniforme de malha fina.
Pensativo, o General Deringhouse lançou um olhar para o quadro. Estavam todas reunidas: eram vários milhares de naves, prontas para incutir ao computador-regente de Árcon algum respeito por seu “aliado” terrano.
Pelos padrões terranos, era uma frota gigantesca. À medida que contemplava o quadro, Deringhouse teve a impressão de ter uma sensação física de força incorporada nestas naves. Sabia até onde chegava o poder das mesmas. Estava perfeitamente ciente de que o potencial energético da frota, manipulado por um indivíduo irresponsável, seria capaz de desagregar e destruir vários sistemas solares...
Bem, o sistema de Árcon também era um sistema solar. Não havia dúvida de que era rodeado por um gigantesco anel de fortificações, mas continuava a ser apenas um sistema solar.
“A dificuldade consiste em avançar rápida e profundamente”, pensou. “Se conseguíssemos isso, o regente perderia a guerra antes que a mesma tivesse começado.”
Desviou os olhos do quadro.
“O golpe será bem sucedido”, voltou a refletir Deringhouse. “Quando estivermos sobre Árcon, o computador-regente ainda estará ocupado com o problema dos druufs. Depois disso, as coisas serão diferentes na Galáxia. Teremos liberdade de movimentos. Já não precisaremos realizar acrobacias mentais para manter em segredo a posição galáctica da Terra e das nossas principais bases.
“Já deveríamos tê-lo feito há muito tempo”, continuou a pensar, prosseguindo no seu raciocínio. “Sabemos perfeitamente que, nos últimos dezessete anos, o regente não realizou nenhum progresso técnico. Já o excedemos em qualidade, e faremos tudo para que a quantidade não venha a ser o fator decisivo.”
Deringhouse tinha certeza de que os oficiais superiores pensavam da mesma forma. O golpe contra Árcon estava no ar há dois anos. Nos últimos meses tiveram, por assim dizer, que prender o ar para não pôr tudo por água abaixo.
Deringhouse voltou a examinar a tela. Quinhentos mil homens aguardavam ansiosamente o momento em que pudessem dar provas de seu valor.
— Cuide-se, Árcon! — balbuciou.
Às onze e trinta e seis, hora de Terrânia, o posto de observação da nave capitania captou um ligeiro impulso, causado pela transição de uma espaçonave desconhecida. Essa transição foi realizada a quinhentos anos-luz de distância.
Mesmo depois de cientificado, o General Deringhouse não atribuiu maior importância ao impulso. A quinhentos anos-luz do lugar em que se encontravam, a frota de bloqueio arcônida aguardava outra investida dos druufs. Provavelmente uma de suas unidades realizara uma transição a curta distância, dando origem ao impulso.
Não valia a pena quebrar a cabeça sobre isso.
Paul Brackett recebeu ordens para afastar-se do sistema de Fera Cinzenta o mais rápido possível. O comandante da base tomou essa decisão sem consultar Perry Rhodan. Era evidente que a decisão deste não seria outra. Devia-se impedir que os arcônidas descobrissem Fera Cinzenta. E, para isso, a Rigel não deveria prosseguir diretamente em direção à base, mas afastar-se do sistema.
O Major Brackett prontamente iniciou outra transição. Já sabia que seu neutralizador de vibrações entrara em pane, motivo por que os arcônidas seriam capazes de medir também esse novo salto. Esperava que assim pudesse confundi-los, muito embora no fundo essa esperança fosse um tanto suicida. Se os confundisse, faria com que a Rigel fosse perseguida, e só mesmo o deus de pele escamada e cabeça de dragão dos tópsidas seria capaz de dizer o que os arcônidas fariam com uma nave terrana isolada, se conseguissem encontrá-la.
A transição afastou a Rigel cerca de trinta anos-luz de Fera Cinzenta, e isso numa direção diversa da Terra e da concentração das naves de guerra comandadas pelo General Deringhouse.
Os tripulantes continuaram a guarnecer as posições de artilharia. Paul Brackett anunciava que, se atacada, a Rigel se defenderia, por maior que fosse a superioridade do inimigo.
Mas o ataque não se verificou.
O que se seguiu foi uma série de impulsos, produzida por centenas de transições realizadas em seqüência rápida num trecho de alguns poucos anos-luz.
Não podia haver a menor dúvida sobre o significado desse fato.
Paul Brackett sentiu a boca seca.
O intercomunicador chamou.
Perry Rhodan olhou para o relógio.
Eram onze e trinta e quatro.
O rosto do Tenente Judson dizia mais que um discurso de cem palavras. Os olhos de Judson estavam arregalados de medo e os pingos de suor brilhavam em sua testa.
— Alarma, Sir! — gritou. — Uma frota arcônida está atacando a base. Ainda temos...
Perry Rhodan interrompeu-o. Sua reação foi a de uma máquina. Não se via o menor sinal de surpresa, susto ou medo. Numa fração de segundo, avaliou a situação.
— Por que aconteceu isso? — perguntou.
— Foi a Rigel — respondeu Judson com a voz triste. — O neutralizador falhou; localizaram-na imediatamente.
Perry Rhodan não levou mais de um segundo para avaliar todas as chances que lhe restavam. Não eram muitas.
— Procure rechaçar os arcônidas! — ordenou. — Mande guarnecer todas as posições de defesa. As naves deverão ficar no solo. A partir deste momento, as decolagens estão suspensas. Ainda existe uma chance pequenina de os arcônidas passarem por Fera Cinzenta e descarregarem sua raiva contra Peep. Quanto tempo ainda nos resta?
— Dez minutos, Sir — respondeu Judson em tom apressado. — Se até lá não mudarem de rota, poderão reconhecer a base a olho nu.
Rhodan confirmou com um gesto.
— O que está fazendo a Rigel?
— Seguiu as instruções que lhe foram ministradas, afastando-se do planeta. Achei preferível afastar a nave quanto antes de nosso sistema.
Perry Rhodan rememorou rapidamente...
A Rigel era comandada pelo Major Brackett. E Brackett não seria capaz de levar uma nave, cujo neutralizador estivesse avariado, para a Terra ou qualquer outro lugar onde houvesse segredos importantes. Quanto a isso, não precisaria preocupar-se.
— Está bem — disse Perry Rhodan, encerrando a palestra. — Mantenha-nos informados.
Antes que Judson desligasse, virou-se. Atlan, Bell e o mutante Fellmer Lloyd fitaram-no.
— As coisas estão ruins — disse Rhodan em tom tranqüilo.
O arcônida suspirou.
— Sabia que haveria um problema.
Perry Rhodan esboçou um sorriso amargo.
— Não havia nenhum problema que razoavelmente pudesse ser previsto — retrucou. — De qualquer maneira, você tem razão. Mas isso não altera nada.
Mantiveram-se calados por algum tempo. Finalmente Rhodan levantou-se e foi a uma das portas que davam para os corredores situados entre a sala de computação e os outros recintos do abrigo subterrâneo. Ao se aproximar da porta, virou-se.
— Acabo de me lembrar de uma coisa — sua voz não revelava a menor comoção.
— É possível que os arcônidas acreditem que Fera Cinzenta seja a Terra. Isso não acontecerá, se ficarem com os olhos bem abertos. Mas acho que estão muito nervosos... Nesse caso será altamente provável que lancem algumas bombas muito perigosas, como por exemplo, bombas de Árcon, que desencadeiam incêndios atômicos inextinguíveis. Eu lhes recomendaria que colocassem os trajes protetores.
Saiu. Aos poucos, seus passos firmes foram se afastando pelo corredor.
Já durante a palestra com Judson, havia avaliado corretamente a situação. Agora podia concentrar sua atenção inteiramente sobre aquilo que tinha pela frente, era claro que os arcônidas encontrariam Fera Cinzenta. Seria inútil convocar Deringhouse e sua frota. Não havia dúvida de que a mesma seria capaz de rechaçar os atacantes. Porém, nesse caso, sofreria pesadas perdas. E a Terra não podia dispensar uma única das suas naves. E, o que era o principal, havia uma coisa que Deringhouse não conseguiria fazer: impedir que os arcônidas lançassem bombas. Chegaria tarde. Portanto, era preferível que continuasse onde se encontrava.
Afinal, o que estava em jogo aqui era apenas o destino de uma base. E essa base não era muito importante. Além das vinte e três naves ali estacionadas — tratava-se de veículos pequenos, destinados apenas ao transporte — não havia muita coisa a perder em Fera Cinzenta. O grosso da frota encontrava-se, sem que os arcônidas o soubessem, a quinhentos anos-luz de distância. Não havia nenhum perigo para a Terra e a Humanidade...
A não ser que, provavelmente, dali a cinco horas, Perry Rhodan estaria morto...
A calma inabalável de Perry Rhodan transmitiu-se ao Tenente Judson. Com alguns movimentos rápidos, ligou o sistema de intercomunicação geral. Todos os homens que se encontrassem em algum recinto fechado poderiam ouvi-lo.
As ordens eram rápidas e precisas.
— Todos se dirigirão aos seus postos. Até segunda ordem fica proibido sair do planeta. Temos pela frente algumas horas difíceis, mas conseguiremos atravessá-las.
Quando proferiu estas palavras eram onze horas e cinqüenta e um. Às onze horas e cinqüenta e três minutos, Judson e o posto de observação espacial tiveram certeza absoluta de que Fera Cinzenta constituía o objetivo dos arcônidas. Sua rota dirigia-se diretamente ao planeta.
Mike Judson ordenou aos postos de foguetes que disparassem, assim que as naves arcônidas se aproximassem a menos de dois mil quilômetros da superfície do planeta.
Isso aconteceu às onze horas e cinqüenta e oito minutos. Às doze horas em ponto os primeiros foguetes disparados pelo sistema defensivo da base atingiram o alvo. Alguns sóis ofuscantes surgiram nos céus de Fera Cinzenta, mergulharam a paisagem numa luz colorida e voltaram a desaparecer. Mike Judson pegou o microfone do intercomunicador, apertou alguns botões e esperou que o rosto de Reginald Bell surgisse na tela.
— O ataque começou, Sir — anunciou laconicamente. — Na primeira investida destruímos dez naves arcônidas.
Reginald Bell sorriu.
— Bendito seja seu otimismo, Judson - respondeu. — Pelo que sei, são ao todo mil naves.
Era um fato que Judson não podia contestar. Os postos de observação espacial já haviam apurado o número exato de naves. A frota atacante era formada por mil e duzentas unidades pesadas e ultra pesadas.
— Faremos o que estiver ao nosso alcance, Sir — asseverou Judson.
— Não tenho a menor dúvida — respondeu Reginald Bell. — Estamos subindo para dar apoio ao senhor.
Mike Judson parecia surpreso. Esteve a ponto de responder alguma coisa, mas nesse instante sentiu-se ofuscado por um relâmpago que emitia uma luminosidade insuportável!
O rosto de Reginald Bell desapareceu em meio a uma confusão de anéis coloridos chamejantes...
Subitamente, a lâmina de plástico transparente, pela qual Judson olhara para a ampla superfície do espaçoporto, partiu-se. Sentiu-se agarrado por um punho de gigante que o arrancou da cadeira e o atirou contra a parede. Judson soltou um grito de dor. Por alguns segundos ficou deitado no chão, quase inconsciente. Mas para sua surpresa, conseguiu levantar sem qualquer dificuldade.
Era bem verdade que a sala na qual se encontrara ainda há pouco não existia mais. Uma cadeira quebrada estava a seu lado. A pressão desencadeada pela explosão atirara as paredes e o teto a algumas centenas de metros de distância, reduzindo tudo a um montão confuso de destroços.
No centro do campo de pouso, o raio incandescente de uma pequena bomba nuclear subia. Judson sentiu o calor irradiado pela mesma. Ainda bem que no momento crítico, ficara protegido pela lâmina de plástico transparente. Se não fosse ela, a essa hora estaria reduzido a cinzas.
A lâmina já não existia!
A próxima bomba o encontraria ao ar livre, sem a menor proteção, e completaria o que a primeira deixara de fazer. Olhou em torno. Mais adiante havia algumas construções baixas que escaparam aos efeitos da explosão. Estavam ligeiramente inclinadas, mas continuavam de pé. Correu para lá. Por estranho que pudesse parecer, não estava com medo. Apenas desejava um intercomunicador que lhe permitisse manter contato com os subordinados.
Enquanto corria, um foguete defensivo subiu à sua direita. Mike Judson parou e seus olhos acompanharam o artefato com uma expressão de enlevo. Subitamente, viu acender-se, muito acima do azul, a bola ofuscante da explosão. Não ouvira nada, nem o disparo, nem o trovejar do mecanismo propulsor. Levantou a mão direita e estalou os dedos perto do ouvido. Nada!
Tudo continuava em silêncio.
Perdera a audição... Não sabia se a perda era temporária ou definitiva. De qualquer maneira, era a pior coisa que lhe poderia ter acontecido na hora do perigo.
Como poderia dar ordens e receber informações? Desorientado e inseguro, continuou a caminhar.
A bomba nuclear levantara toneladas de pó, que se espalhavam numa nuvem, e esta obscurecia o sol. Começou a escurecer. Os raios fulgurantes dos mecanismos propulsores cortavam a penumbra como os relâmpagos de uma gigantesca trovoada.
Continuando aos tropeços, Judson chegou às primeiras construções. A porta da frente estava “empenada”, mas Judson, animado pela cólera e pelo desespero, conseguiu abri-la com um pontapé.
No interior da construção estava escuro. Ao que parecia, a bomba inutilizara parcialmente o sistema de suprimento de energia da base. Judson tateou à procura do intercomunicador e ligou-o. O sistema de intercomunicação dispunha de suprimento energético independente. A tela e as luzes de controle acenderam-se imediatamente.
Mike Judson refletiu sobre o que deveria fazer. O recinto estava mergulhado num silêncio perigoso e deprimente. Tinha a impressão de estar só no planeta. A luminosidade dos foguetes, a poeira que era tangida pelo vento, os homens que corriam abaixados em meio à escuridão, tudo isso se passava num outro universo com o qual Mike Judson não tinha nada em comum.
Judson fez um esforço para controlar-se. Devia fazer alguma coisa, pois os homens aguardavam instruções. Procurou avaliar quantas dentre as vinte e três naves ainda estavam intactas. As outras oito haviam sido esfaceladas, derrubadas, esmagadas ou fundidas pela bomba nuclear.
Judson resolveu entrar em contato com o posto de observação espacial. A tela mostrou um rosto vermelho, banhado em suor.
— Preste atenção! — gritou Judson. — Não posso ouvi-lo; estou surdo. Responda às minhas perguntas dando um sinal ou escrevendo alguma coisa num pedaço de papel. Entendido?
O homem acenou com a cabeça e disse alguma coisa que ele não ouviu.
— Onde está o inimigo? — perguntou Judson.
O homem do posto de observação olhou para o lado. Por alguns segundos fitou um lugar à sua frente. Depois levantou um pedaço de papel e Mike Judson leu as palavras escritas às pressas:
— Está espalhado por cima do planeta. A altitude média é de mil e quinhentos quilômetros.
“É muito alto para os desintegradores”, pensou Judson bastante desanimado. “E principalmente, está muito espalhado para um bombardeio maciço.”
— Quais são nossas perdas?
Seguiu-se outra ligeira pausa, depois da qual foi apresentado outro papel.
— Oito naves, oitenta e quatro mortos ou feridos. Há perigo de novas perdas, em virtude da radiatividade.
“Os trajes protetores”, pensou Judson, que se sentia perplexo. “Por que não colocaram os trajes protetores?”
Lembrou-se de que ele mesmo ainda não o envergara. Nestes poucos minutos havia acontecido tanto atropelo que ninguém tivera tempo de pensar em outra coisa senão naqueles terríveis acontecimentos.
— Encarregue-se disso por mim — ordenou ao operador de rádio. — Todos deverão colocar imediatamente os trajes protetores. Isso é mais importante que qualquer outra coisa. Avise-me assim que haja algo de novo. Parece que, no momento, os arcônidas se mantêm calmos, não é?
O homem do posto de observação confirmou com um sinal. Judson interrompeu a ligação.
Sabia que não conseguiriam manter a base. Suas instalações defensivas eram muito fracas, isso porque, na época de sua construção, ninguém contara com a possibilidade de que os arcônidas pudessem passar a operar com uma gigantesca frota a poucos anos-luz de Fera Cinzenta.
A proteção mais eficaz da base residia no fato de que os arcônidas não a conheciam. Se eles a tivessem descoberto há alguns dias atrás, a frota ainda estaria por perto para rechaçar qualquer ataque. Mas, naquele momento, só dispunham de algumas pequenas naves de transporte, desarmadas, que se encontravam indefesas diante do próximo ataque. Eram vinte e três, mas oito delas já estavam reduzidas a sucata.
Do lado oeste do campo de pouso, mais um foguete subiu ao céu. Estava equipado com um dispositivo de auto comando. Dentro de poucos instantes, atingiria o alvo e o transformaria numa nuvem reluzente de gases. Os arcônidas sabiam disso. Por que não desferiam logo seu golpe?
Mike Judson olhou pela janela inclinada, fitando a escuridão.
Que faixa de luz amarela era esta que se estendia ao noroeste? Seria um incêndio?
Tolice! Num campo de pouso de cromo plastificado não havia nada que pudesse pegar fogo.
Mike Judson passou a mão pelos olhos. Mas a faixa de luz amarela continuava lá. Tornou-se mais forte e larga e parecia aproximar-se. Judson voltou a chamar o posto de observação. Antes que a tela se iluminasse, viu pelo canto dos olhos que os homens do posto de foguetes mais próximo se levantaram e correram desabaladamente pelo campo de pouso, em direção ao edifício do depósito. Dentro de quinze minutos, no máximo, todos estariam usando os trajes protetores.
De tão nervoso, o rosto do homem do posto de observação tornara-se ainda mais vermelho e o suor lhe escorria pela testa.
— Que linha de fogo é esta que se vê no noroeste? — perguntou Judson.
O homem do posto de observação já se esquecera do pedido de Judson; deu uma resposta verbal. Judson viu que seus lábios se moviam; interrompeu-o com um gesto contrariado.
— Escreva!
Dali a alguns segundos, leu o papel.
— Causa desconhecida. Supomos que se trate de um incêndio atômico provocado por bombas de Árcon.
Mike Judson soltou um assobio entre os dentes. Numa fração de segundo, elaborou seu plano.
— Preste atenção. Desligue seus rastreadores e não se preocupe mais com os mesmos. Temos coisas mais importantes a fazer. Diga aos homens que entrem, quanto antes, nas naves que ainda nos restam e dêem o fora de Fera Cinzenta. Por aqui não temos mais nada a ganhar. Entendido?
O homem não acenou com a cabeça. Inclinou-se para o lado e mostrou mais um pedaço de papel. Nele, leu:
— Qual é o destino?
— Nenhum destino — gritou Judson. — Se conseguirem passar pelas linhas das naves arcônidas, deverão dirigir-se a Peep ou qualquer outro planeta do sistema onde possam abrigar-se até que a frota venha buscá-los.
Quando percebeu que o observador ainda hesitava, acrescentou:
— Vamos logo! Não podemos perder tempo!
Apesar disso, o observador escreveu mais um bilhete. Judson leu:
— E o senhor?
— Não se preocupe comigo! — gritou Judson. — Saberei arranjar-me. Desligo.
De qualquer maneira, sentiu-se feliz porque o homem perguntara por ele.
“Tudo em ordem”, pensou, tentando ser otimista. “Dentro de alguns minutos, todos já terão abandonado Fera Cinzenta. Agora preciso arranjar um traje protetor para mim.”
Levantou-se e saiu. Lá fora rugia uma forte tormenta. O ar estava quente e abafado. Mike Judson sentiu-se mal ao pensar que o ambiente exterior devia conter boa dose de partículas radiativas.
Reuniu todas as energias e disparou...
Apesar da frente de fogo amarelo que se estendia ao noroeste, a escuridão era tamanha que receava não achar o caminho do depósito. Procurou localizar os outros homens, mas estes deviam estar passando a mais de dez metros dele, ou então já estavam devidamente escondidos.
Mike Judson compreendeu por que os arcônidas não faziam mais nada. Haviam lançado suas bombas de Árcon em vários pontos do planeta e esperavam até que o incêndio atômico se espalhasse. Não tinham motivo para preocupar-se com os postos de foguetes terranos. Uma das bombas caíra nas proximidades do campo de pouso. Numa questão de minutos o incêndio atingiria as posições defensivas. Ainda acontecia que as naves eram dirigidas por robôs. E o instinto de autoconservação dos mesmos era puramente mecânico, subordinando-se às considerações táticas.
A tormenta fez Judson cambalear. Depois de algum tempo, foi atirado contra um obstáculo que parecia uma casamata. A dor fez Judson praguejar, mas sentia-se satisfeito por ter alcançado o objetivo.
Uma vez no interior, Mike Judson apoiou fortemente o corpo contra a porta e esforçou-se para fechá-la, apesar da tormenta que insistia em mantê-la aberta. Depois disso, encostou-se à parede e descansou para respirar profundamente.
A surdez não o incomodava. Conhecia perfeitamente o interior do depósito. Levou menos de um minuto para encontrar o armário no qual estavam guardados os pesados trajes. Tirou um deles e abriu os fechos.
Em dois minutos conseguiu colocar a pesada armação e fechá-la. Nesses dois minutos ficou olhando pelas amplas janelas e viu cinco manchas luminosas pálidas que se ergueram por cima da parede do fogo e desapareceram em direção ao céu. Eram cinco naves que se punham a caminho, para retirar os homens do inferno atômico de Fera Cinzenta.
Enquanto se dirigia à porta, Judson esbarrou na mesinha sobre a qual estava guardado o intercomunicador. Subitamente lembrou-se de que há quinze minutos — ou seriam duas horas? — Reginald Bell lhe dissera que ele e o arcônida viriam para cima, a fim de dar-lhe apoio...
“Santo Deus! Não terão a menor chance de me encontrar, quanto mais de ajudar-me!”, pensou apavorado.
Com um movimento desajeitado da mão enluvada segurou o microfone. Errou três vezes ao apertar as teclas numeradas, mas finalmente chamou o número do abrigo subterrâneo. A tela iluminou-se, mas a única coisa que Judson viu foi o sinal vermelho de espera. A linha estava desocupada, mas do outro lado não havia ninguém que pudesse responder ao chamado.
Mike Judson sentiu-se dominado pelo pavor. Estavam subindo! Rhodan, Bell, o arcônida e o mutante. Não estavam informados a respeito do incêndio atômico desencadeado pelos arcônidas. Conforme a saída escolhida, poderiam correr diretamente para dentro do fogo.
Isso não deveria acontecer em hipótese alguma!
Mike Judson resolveu voltar.
E voltou!
Agora que envergava o traje pesado e o capacete contra radiações já não sentia o calor trazido pela tormenta. Mas o ar era como uma pesada tábua que tivesse de empurrar com o peito para avançar.
A parede luminosa amarela crescera e espalhava uma luminosidade pálida em meio à poeira. Mike Judson seguiu para a direita, ou seja, para o norte, a fim de chegar à saída do abrigo situado nas proximidades do lugar onde antes ficara seu posto de comando. Não sabia o que deveria fazer para avisar Perry Rhodan e seus companheiros sobre o caos reinante na superfície do planeta. Mas achou que seria boa idéia entrar no abrigo e atravessar o corredor circular do pavimento superior, que ligava as quinze saídas.
Vez por outra, via bolas de luz pálida que subiam à esquerda, no oeste. Eram os mecanismos propulsores das naves que decolavam, cuja imagem sofria uma deformação grotesca produzida pelo calor e pela tormenta. Contara as decolagens e sabia que das quinze naves intactas apenas três ainda permaneciam no solo. Sentiu uma alegria feroz pela fuga bem sucedida dos homens. Fazia votos de que nenhum deles fosse tolo a ponto de esperá-lo na última nave. E torcia para que os veículos espaciais conseguissem atravessar as linhas arcônidas, sem serem notados.
Viu destroços à sua frente. Eram os remanescentes de alguns edifícios. Reconheceu o perfil oval de um tanque de água. O tanque propriamente dito fora arrancado pela explosão, mas sua base continuava intacta.
Judson avançava aos tropeções. A tormenta atirou-o ao solo e arrastou-o por alguns metros. Sentiu uma dor ao bater contra uma coisa dura e pontuda. Ao levantar-se seu peito doía tanto que teve a impressão de estar com uma costela fraturada.
“Só faltava isso!”, pensou. “A entrada do abrigo fica a mais de duzentos metros. Preciso chegar lá.”
Viu que a parede de fogo amarela crescera mais, erguendo-se na altura de uma casa. Ao norte e ao sul, estendia-se a perder de vista. Já devia ter atingido o centro do campo de pouso. Mas não continuava a crescer em altura. Judson percebeu que, na parte superior, sua luminosidade era muito menos intensa que na inferior. Sem querer, lembrou-se do que aprendera sobre as bombas de Árcon. Uma vez reguladas para o número de ordem de um ou vários elementos, desencadeava, logo após a detonação, o processo de fissão nuclear desses elementos, iniciando um incêndio atômico que só se extinguia depois de consumido todo o “combustível”.
O fato de que o incêndio só se propagava pelo solo, sem estender-se à atmosfera, levava a concluir que os arcônidas preferiram não regular o artefato nuclear para os números de ordem sete e oito, correspondentes ao nitrogênio e ao oxigênio. O efeito das bombas estendia-se aos elementos pesados.
Mike Judson sentiu falta de ar. A dor no peito era insuportável.
“Preciso chegar lá”, pensava.
Prosseguiu, sempre tropeçando, sem saber se estava caminhando na direção certa.
Depois de longo tempo, viu os remanescentes de um edifício. Reconheceu-o. Fora uma das cantinas. Dali em diante, deveria seguir para a esquerda, obliquamente em direção à parede de fogo amarela. Os escombros do muro serviram-lhe de apoio. Arrastando-se por lá, economizava suas forças e conseguia avançar mais depressa.
Só faltavam cinqüenta metros até a entrada do abrigo. Mike Judson nem se lembrou de que a cada passo que dava a temperatura ambiente subia. E também não se lembrou de que, acima de determinado limite de temperatura, o traje que usava deixaria de funcionar. Só se fixava nos cinqüenta metros que faltavam, e na necessidade de vencê-los.
Fungando, suando e gemendo de dor, avançou penosamente em meio a um mundo no qual rugia o caos, mas que era completamente silencioso. Nem se deu conta do irreal da situação. Sentia-se dominado pela idéia de que devia chegar ao abrigo e prevenir Perry Rhodan. Já não olhava para a parede fulgurante da fogueira nuclear que se aproximava pelo pavimento do espaçoporto, e não se dava conta de que sua temperatura seria suficiente para provocar certos acontecimentos perigosos, como, por exemplo, a fusão de duas metades distintas de um catalisador de urânio.
Depois de ter vencido vinte e cinco ou trinta metros dos cinqüenta que ainda faltavam, suas forças o abandonaram. Deu um passo cambaleante e tombou para a frente. Usou a energia que lhe restava para resistir à tormenta mortífera que ameaçava carregá-lo dali.
“Só um instante...”, pensou. “Daqui a pouco poderei andar de novo. Só alguns segundos...”
O raciocínio venceu o corpo.
Mike Judson voltou a levantar-se e prosseguiu cambaleando, embora quase não lhe restassem forças para mover as pernas e resistir à tempestade.
Viu a casinha da guarda do abrigo surgir em meio à bruma da poeira radiativa. A consciência de estar tão próximo do destino deu-lhe novas forças. Tropeçando, fungando, cambaleando, avançava metro por metro, passo a passo. Naquele momento, veio uma lufada escaldante, levantou-o do solo e atirou-o vinte metros para trás. Caiu pesadamente ao solo e, sob a força do impacto, perdeu a consciência.
Isso até parece que aconteceu para que não tivesse de assistir ao inferno que, naquele momento, desabou sobre a base espacial de Fera Cinzenta. Inferno este que, dentro de poucos segundos, devoraria tudo... inclusive Mike Judson.
Às doze e quarenta e nove, hora de Terrânia, a muralha de fogo atiçada pelas bombas de Árcon atingiu a posição de foguetes XVII, situada na parte norte do campo de pouso. Meia hora antes, um foguete fora preparado para ser disparado. Naquele mesmo instante, foi divulgado o comando do Tenente Judson, para que os ocupantes da base vestissem os trajes protetores. Os homens, que guarneciam a posição, obedeceram à ordem e deixaram o foguete no lugar onde se encontrava. Assim que envergaram os trajes protetores, subiram a bordo das naves de transporte que os aguardavam.
Ninguém se lembrava do foguete, cujo dispositivo de segurança fora destravado.
O fogo derreteu as duas partes do catalisador, reunindo-as numa massa crítica. A temperatura superior a um milhão de graus derreteu a espoleta de fusão do detonador.
Uma bola incandescente de energia nuclear ergueu-se sobre o campo de pouso de Fera Cinzenta, fazendo com que, por alguns segundos, empalidecesse até mesmo a clareza radiante da frente de fogo nuclear.
Às doze e quarenta e nove, hora de Terrânia, a base terrana de Fera Cinzenta deixou de existir.
No momento em que a explosão da bomba nuclear fez estremecer o abrigo, Perry Rhodan compreendeu que iria perder Fera Cinzenta. Os arcônidas estavam atacando. A base não possuía instalações que permitissem uma defesa eficaz. Sua arma mais importante fora o segredo que cercava sua posição galáctica. E agora um acaso ridículo, um defeito num pequeno aparelho, o neutralizador da nave Rigel, arrancara essa arma das mãos dos terranos. Fera Cinzenta estava praticamente indefesa diante do ataque tremendo do inimigo. A frota terrana encontrava-se a quinhentos anos-luz de distância. Era uma distância tão grande que qualquer tentativa de intervenção estaria fadada ao fracasso.
Além disso, não havia a menor possibilidade de avisar a frota. A explosão da bomba nuclear pusera fora de ação o grande transmissor de hiperrádio, que fazia as ligações entre Fera Cinzenta e o mundo exterior. Havia grande número de aparelhos menores, mas estes estavam espalhados pelos depósitos e escritórios. O único aparelho pertencente ao equipamento de emergência do abrigo não tinha potência suficiente para romper a camada de terra de quase um quilômetro de espessura que o cobria.
Quinze minutos depois de iniciado o ataque, o observador espacial informou Perry Rhodan de que uma parede de fogo amarela se aproximava, vinda do noroeste. E o homem manifestou diante de Rhodan a mesma suspeita que transmitira a Mike Judson através de um pequeno bilhete. Os arcônidas haviam lançado bombas de Árcon.
Dali em diante, Rhodan não perdeu mais tempo. Se as bombas estivessem reguladas de forma a desencadear o processo de fusão nuclear no elemento número quatorze, ou seja, no silício, a fogueira atômica penetraria no solo, atingindo em pouco tempo o lugar mais profundo do abrigo.
Só restava a fuga. E, já que o fogo vinha do noroeste, deveriam fugir na direção sudeste. Nessa direção havia uma saída que atingia a superfície quinze quilômetros além da extremidade sul do espaçoporto. Isso bastava para que estivessem a salvo da fogueira nuclear pelo menos por uma hora.
Reginald Bell teve suas dúvidas. Prometera subir para ajudar Mike Judson. Perry Rhodan procurou entrar em contato com o Tenente Judson pelo intercomunicador, a fim de explicar-lhe que a luta estava perdida. A guarnição da base devia receber ordem para afastar-se do campo de pouso ou sair de Fera Cinzenta nas pequenas naves de transporte, se é que alguma delas havia resistido à explosão da primeira bomba.
Mas o aparelho se manteve num silêncio total. Durante sua palestra com Judson, o próprio Reginald Bell vira a explosão destruir a pequena casa do comandante. As comunicações ficaram interrompidas e, conforme informavam os homens do posto de observação, Judson saíra para o ar livre. Era de supor que ele mesmo já havia dado ordens de evacuar a base. Não se podia fazer mais nada em relação a Judson e ao resto da guarnição. Se não quisessem ser queimados pela fogueira nuclear, eles mesmos teriam de procurar um lugar seguro.
Revelando a prudência e a tranqüilidade costumeiras, Perry Rhodan procurou em meio às provisões de emergência tudo de que pudesse precisar um grupo de quatro homens num planeta devastado por uma fogueira nuclear; retirou antes de mais nada um minicomunicador, alguns instrumentos de medição, mantimentos e armas.
Depois puseram-se a caminho. Foram subindo, pensativos e em silêncio. Uma fita rolante de alta velocidade levou-os pelos corredores desertos, em direção ao poço do elevador da saída sudeste. O elevador levou menos de três minutos para vencer a distância de novecentos e cinqüenta metros que separava o fosso da superfície.
O poço do elevador terminava vinte metros abaixo da saída propriamente dita do abrigo, num corredor circular, dotado de uma série de fitas rolantes de diversas velocidades, que o ligava à saída.
Esse corredor também estava deserto. Quem estivera lá embaixo no momento em que surgira a frota arcônida, depois de atender ao alarma, dirigira-se aos seus postos junto às rampas de disparo ou às posições de artilharia. O abrigo estava vazio; os quatro ocupantes aos quais até então oferecera proteção contra o efeito mortífero das bombas arcônidas também se dispunham a abandoná-lo.
Felizmente a escada rolante que conduzia à saída estava intacta. No interior da pequena guarita havia uma série de telas e alto-falantes, que transmitiam tudo que se passava lá fora. Um furacão de violência nunca vista rugia pela savana, dirigindo-se à selva. O vento arrastava uma parede impenetrável de poeira e fumaça. O sol fulgurante havia desaparecido. Nos alto-falantes rugia um verdadeiro inferno de ruídos.
Os homens fecharam os capacetes. Apesar da tormenta furiosa que bramia lá fora, teriam de sair. Só poderiam dirigir-se a um destino: a cidade de Greenwich, abandonada pelos colonos, situada a quatro quilômetros do lugar em que se achavam, à margem do Rio Verde. Lá encontrariam veículos abandonados pelos colonos transferidos para Vênus. Se não conseguissem atingir Greenwich, correriam o risco de dirigir-se diretamente para a parede de fogo que vinha do oeste, e esta os devoraria.
O vento furioso arrancou-lhes a porta das mãos assim que a abriram. Rhodan foi o primeiro a sair. Hesitou um pouco, deu um grande passo e desapareceu. Bell e Atlan soltaram um grito de surpresa, mas Fellmer Lloyd, que, além de telepata, era localizador, levantou a mão num gesto tranqüilizador.
— Não houve nada — disse em voz baixa. — Está lá na frente. Foi a tempestade que o arrastou.
Dali a alguns segundos, Rhodan chamou. Não o viram em meio à escuridão, mas ouviram a voz nos seus receptores:
— Nem tentem andar! Teremos de rastejar para Greenwich!
Quando o primeiro impulso isolado foi seguido, poucos minutos depois, por uma série de mais de mil outros, captados pelos receptores da nave capitania Drusus, até mesmo o General Deringhouse se sentiu perplexo. O primeiro impulso não o deixara preocupado, mas a série seguinte significava que, naquela área, uma verdadeira frota estava em movimento. E a frota não poderia ser composta de naves terranas, pois o planeta Terra não dispunha de mil naves além daquelas que se mantinham silenciosas no espaço.
Eram naves arcônidas. Naturalmente era possível que o regente tivesse resolvido retirar parte da sua frota de bloqueio ou reforçá-la, mas Deringhouse teve a impressão de que havia algo de errado. Talvez o primeiro impulso lhe infundisse a idéia de que uma nave isolada estava sendo perseguida por um grupo de unidades arcônidas.
Refletiu por um instante e mandou enviar uma mensagem condensada para Fera Cinzenta. Não recebeu resposta e logo compreendeu que acontecera algo não previsto nos planos da frota terrana.
Fera Cinzenta não estava respondendo. General Deringhouse agiu imediatamente. Passou o comando da frota ao oficial que lhe seguia em graduação e mandou que a Drusus se preparasse para a transição. O setor de astronavegação recebeu ordens de percorrer num único salto a distância que separava a nave de Fera Cinzenta. Quinze minutos antes da transição, Deringhouse deu o alarma. Gastou cinco minutos para explicar aos tripulantes que a Drusus provavelmente pararia no meio de uma frota arcônida. À tripulação caberia destruir o maior número possível de unidades inimigas, e não deixar que a nave terrana fosse atingida. Também não ocultou o fato de que provavelmente a base de Fera Cinzenta estava perdida.
Apenas guardou para si um detalhe: no momento do ataque — se é que realmente houvera um ataque — Perry Rhodan se encontrava em Fera Cinzenta. Se os demais prognósticos eram corretos, nesse caso também ter-se-ia de admitir que Perry Rhodan estivesse morto.
A Drusus se pôs em movimento às doze e cinqüenta, hora de Terrânia. Às treze horas e um minuto, atingiu a velocidade mínima para a transição e desapareceu do espaço einsteiniano. No mesmo instante, emergiu do hiperespaço a poucas unidades astronômicas do sol Mirta. O salto fora muito bem calculado. Fera Cinzenta estava tão próximo que com os supertelescópios se reconheciam detalhes na superfície do planeta. Viram o cogumelo de uma gigantesca explosão nuclear, a superfície amarela da fogueira atômica a as extensas nuvens de fumaça que começavam a envolver toda a face diurna do planeta.
E observaram mais uma coisa! Viram centenas de pontos reluzentes. Cada ponto representava uma das naves. Achavam-se espalhadas e a uma distância segura sobre toda a superfície do planeta. Pareciam esperar, até que a fogueira nuclear tivesse destruído Fera Cinzenta.
Conrad Deringhouse deu ordem de atacar. Sabia que nem mesmo uma nave como a Drusus teria qualquer chance de êxito j numa luta contra mais de mil naves robotizadas da frota arcônida. Mas sentia uma espécie de necessidade psicológica de, num ataque fulminante, fazer o inimigo pagar ao menos pequena parte daquilo que fizera em Fera Cinzenta. Ainda acontecia que, em Fera Cinzenta, talvez pudesse haver sobreviventes, e que o ataque-relâmpago desfechado pela Drusus fosse capaz de infundir-lhes novas esperanças, convencendo-os de que a Terra ainda não os abandonara.
Quando deu ordem de avançar, Conrad Deringhouse sentiu uma tensão quase insuportável.
Só ele e os oficiais de patente mais elevada da nave capitania sabiam que, quando a frota terrana se reunira no lugar convencionado, para desferir seu golpe contra Árcon, Perry Rhodan ficara em Fera Cinzenta. Mas houve uma fonte secreta que criou um boato entre os tripulantes. Segundo o disse-me-disse, em Fera Cinzenta se perdera muito mais que uma simples base espacial. E o ataque desfechado contra a unidade mais próxima da frota arcônida foi interpretado como confirmação do boato.
Os arcônidas não deram mostras se já haviam ou não percebido a aproximação da nave terrana. Mantiveram-se em posição de espera. Ao que parecia, só estavam interessados numa coisa: aguardar que o planeta se transformasse por completo numa bola de fogo.
Mas a calma era enganadora. Assim que a Drusus se aproximara, em alta velocidade, a menos de dois mil quilômetros da nave que se encontrava mais perto, seus campos defensivos entraram em incandescência sob a ação dos disparos das naves arcônidas. Ao precipitar-se sobre a nave, estava transformada numa bola chamejante de energia concentrada. Sacudiu o fogo de vinte canhões inimigos como quem espanta uma mosca incômoda. Só começou a disparar quando a distância que a separava da nave inimiga estava reduzida ao mínimo.
A nave arcônida, que era um veículo de dimensões médias, estava em posição nitidamente inferior face a Drusus. Seus campos defensivos fizeram um esforço desesperado para repelir as tremendas energias disparadas pelos canhões térmicos e desintegradores. Dentro de três segundos, entraram em colapso. A nave desapareceu em meio à incandescência branca de uma explosão nuclear.
Quando viu a nave arcônida explodir, o General Deringhouse sentiu satisfação e raiva. Agindo com a frieza e a reflexão de quem executa um exercício tático, fez a Drusus passar uns dez mil quilômetros além do alvo. Acelerando sempre, a nave não demorou a entrar em transição e subtrair-se à ação da frota arcônida. Mas a satisfação não durou muito. Afinal, a vida de Rhodan valia mais que cem mil naves! Ainda mais que, provavelmente, a nave derrubada era robotizada...
Conrad Deringhouse nem sequer tinha motivo de orgulhar-se com o êxito alcançado. A nave era infinitamente inferior à Drusus e, ao escolhê-la em meio a uma poderosa formação arcônida, na verdade havia antes cometido uma tolice que realizado algo de notável.
Deringhouse obrigou-se a manter a calma. Teve de realizar algum esforço para compreender que a situação com que se defrontava não podia ser contemplada sob o ângulo sentimental. Era bem verdade que, segundo tudo indicava, Perry Rhodan estava morto, e a morte de um amigo é um motivo de tristeza para qualquer pessoa.
Mas o que estava em jogo aqui não era a pessoa de Perry Rhodan ou a tristeza de Conrad Deringhouse. O que realmente importava era a segurança da Terra. Novas medidas teriam de ser adotadas. Por enquanto não se poderia cogitar do ataque a Árcon. Talvez então se deveria considerar um ataque maciço contra a frota que cercava Fera Cinzenta...
Por quê? Para vingar-se? Será que a vingança poderia ajudar uma única das pessoas mortas em Fera Cinzenta?
Não!
Deringhouse logo abandonou a idéia. Em meio às reflexões, deu-se conta de um fato de que quase se esquecera. Daqui em diante, seria o único responsável pela frota terrana. Não havia mais ninguém a quem pudesse recorrer para pedir um conselho, e nenhuma pessoa dotada de uma genialidade inata estaria em condições de retificar os erros que ele, Deringhouse, viesse a cometer.
Dependia única e exclusivamente de si mesmo. Ao menos até que houvesse um novo governo na Terra.
Por enquanto só poderia fazer uma coisa: numa distância segura ficar aguardando, para ver se alguém tinha sobrevivido ao ataque traiçoeiro desfechado contra Fera Cinzenta, e agora estava esperando que alguém viesse buscá-lo antes do planeta transformar-se numa nuvem incandescente. Se o sobrevivente possuísse um minicomunicador ou um hiper-rádio de maior potência, não deixaria de irradiar o pedido de socorro.
A cinco horas-luz de Fera Cinzenta, a Drusus entrou em posição de espera. O boato de que um homem muito importante — talvez o próprio Perry Rhodan — ficara no planeta, ganhou corpo, transformando-se quase em certeza.
A cada hora que passava, o nervosismo de Conrad Deringhouse crescia. Não “viu” o menor sinal de vida. Fera Cinzenta manteve-se em silêncio.
Deringhouse sabia que seria inútil esperar mais de três dias. Se até então não houvesse nenhum chamado, as esperanças estariam perdidas. O incêndio nuclear não levaria mais de três dias para completar sua obra de destruição.
Os pesados trajes quase os esmagavam, mas eram a única proteção contra a furiosa tempestade que ameaçava tangê-los como folhas secas.
Os trajes estavam equipados com geradores antigravitacionais, que permitiam reduzir em determinada proporção o peso do homem e do equipamento. Reginald Bell desligou o gerador por um instante, quando pareceu-lhe que o traje o esmagaria. A tempestade levantou-o e o arrastou uns cinqüenta metros. Ficou inconsciente durante quinze minutos e levou outros trinta para reencontrar os companheiros em meio à escuridão quase impenetrável.
Perry rastejava na ponta do pequeno grupo. Em pleno meio-dia, as densas nuvens de fumaça vindas do oeste provocavam tamanha escuridão que Rhodan mal conseguia enxergar um metro. Com grande esforço, conseguiu orientar-se por meio dos detalhes do terreno de que ainda se lembrava. Mas, à medida que se afastavam da base, esses sinais iam diminuindo. Depois de algum tempo, Rhodan apenas pôde avançar em linha reta, não em curva ou em círculo.
Assim mesmo talvez tivessem errado o caminho. Mas quando tinham percorrido cerca de metade do trajeto, aconteceu alguma coisa com que Rhodan não contara!
Alcançaram uma estrada que ligava a cidade colonial de Greenwich com o espaçoporto. Essa estrada corria quase em ângulo reto em relação ao sentido em que Rhodan e seus companheiros de sofrimento se deslocavam. Dali se concluía que, apesar de todos os esforços, se haviam desviado bastante do caminho. Logo se defrontaram com um problema: deviam seguir para a esquerda ou para a direita? Perry Rhodan resolveu tomar a direita e, dali a algumas horas, viu que sua escolha fora acertada.
A escuridão cedeu a uma penumbra vermelho-amarelada. O incêndio nuclear vindo do oeste avançava com uma rapidez cada vez maior. Já não se via mais nada da bola incandescente gerada pela explosão do foguete. Em compensação, a parede de fogo amarela começou a brilhar por entre a fumaça, desenhando no horizonte, a oeste, um traço finíssimo de perigo mortal.
Teriam de agir depressa. O fogo avançava a uma velocidade aproximada de cinco quilômetros por hora, isso de maneira uniforme, em todas as direções. Dentro de muito pouco tempo, em duas horas no máximo, chegaria a Greenwich.
Os medidores revelavam que o teor de radiatividade alcançara uma tal intensidade que qualquer pessoa desprotegida seria morta num tempo extremamente curto. A temperatura exterior era de setenta graus centígrados, e a tempestade se tornara tão forte que já não podia ser medida com os instrumentos usuais.
Rastejando sempre e agarrando-se ao solo com as mãos enluvadas, Perry Rhodan e seus companheiros penetraram na cidade-fantasma.
As casas não estavam mais de pé. A tempestade as derrubara e as arrastara. Os alicerces quebrados assinalavam o lugar em que antes existiam as pequenas e primitivas casas pré-fabricadas dos colonos. A rua estava coberta de cacos de plástico transparente.
Protegendo-se atrás dos escombros, Perry Rhodan parou e olhou cautelosamente em torno. Não se atreveu a levantar a cabeça mais de um palmo acima dos alicerces. Teve a impressão de que, se o fizesse, a tempestade a arrancaria.
— Se por aqui ainda existe algum veículo — gritou Rhodan — deve estar onde ficava a Prefeitura, ou na parte norte da cidade, junto à saída e na margem do rio. Lloyd, vá até o rio com Atlan. Cuidado para não se perderem.
Lloyd e o arcônida mal apareciam em meio à semi-escuridão. Confirmaram com um ligeiro “sim” e desapareceram.
Perry Rhodan e Reginald Bell seguiram em direção ao centro da cidade; o destino deles era o lugar em que, há algum tempo, os colonos haviam reunido as peças de duas casas para fazer uma, à qual deram o nome de Prefeitura.
O caminho a ser percorrido não ultrapassava cem metros. Apesar disso, levaram quinze minutos. A força da tempestade era crescente. E isso constituía prova da tremenda velocidade com que se aproximava o incêndio nuclear.
Perry Rhodan procurou lembrar-se em que lugar se encontrara a Prefeitura. Estivera poucas vezes em Greenwich e agora, que as casas tinham desaparecido, sentiu certa dificuldade em orientar-se.
“Tomara que a tempestade não tenha carregado os veículos”, pensou.
Agachou-se atrás dos alicerces de uma casa e ergueu ligeiramente o corpo. A seguir, tentou acender a lâmpada embutida na parte da frente de seu capacete.
O potente feixe de luz recortou uma faixa branca em meio à penumbra. Do outro lado da rua viam-se restos branco-acinzentados de plástico, sobressaindo em meio à escuridão. A luz da lâmpada continuou a deslizar, e foi refletida pelos cacos de plástico transparente, espalhados pelo solo. Depois desapareceu em meio à poeira, turbilhonante, assim que Rhodan a fez girar, procurando olhar rua acima. Não viu nenhum veículo. — Talvez tenhamos de andar mais um pedaço — disse Bell.
— É possível — confirmou Rhodan. — Vamos.
Desligou a lâmpada e deixou-se cair para a frente. Saiu cautelosamente detrás dos alicerces. Foi então que viu...
Talvez fosse apenas uma sombra irreal em meio à semi-escuridão poeirenta. Chamava a atenção pela rapidez com que se deslocava e pelo sentido em que ia. Seguia contra a tempestade. Mas tão rápida como surgiu, a sombra desapareceu.
Perry Rhodan estirou-se no solo e ficou parado. Reginald Bell apareceu a seu lado. Não vira a sombra.
— Há alguém indo por ali — cochichou Rhodan.
— Será Atlan ou Lloyd? — perguntou Bell em voz baixa.
— Não pode ser. Estão lá no rio.
Subitamente a voz de Atlan se fez ouvir.
— O que houve por aí? — perguntou o arcônida. — Ouvi meu nome.
— Santo Deus, onde está você? — perguntou Rhodan.
— Perto do rio — respondeu o arcônida. — Mas o rio não existe mais; secou.
— Lloyd está com você?
Ao que parecia, o arcônida teve de procurá-lo antes de responder.
— Lloyd! O senhor está aqui? Está, sim. Por enquanto...
— Prestem atenção! — interrompeu-o Rhodan em tom apressado. — Há mais alguém na cidade, além de nós. Vi uma sombra. Tomem cuidado. Se fosse um dos nossos, teria ouvido nossa palestra e dado um sinal de sua presença.
— Desde que use traje protetor.
— Se não usasse, já estaria morto. Só pode ser um estranho.
Atlan ficou calado por um instante.
— Está bem; e agora? — perguntou em tom tranqüilo.
— Vamos continuar a procurar — disse Rhodan. — Fiquem de arma na mão e assim que virem alguma coisa, atirem.
— Está bem — respondeu o arcônida. Nesse momento, Fellmer Lloyd se fez ouvir.
— Acontece que não sinto nada, Sir — afirmou. — Se houvesse alguém na cidade, eu deveria ser capaz de constatar sua presença.
— A não ser que seja um robô — ponderou Rhodan. — Não confie demais nos seus dotes.
— Compreendo, Sir — respondeu Fellmer Lloyd. — É melhor confiar na minha pontaria.
Perry Rhodan suspirou aliviado. Se os homens ainda sabiam responder com sangue-frio, nem tudo estava perdido.
Procurou olhar para Reginald Bell e levou um tremendo susto ao descobrir que seu amigo desaparecera.
“Que estúpido! Como foi que ele pôde sair na situação em que nos encontramos?”, pensou irritado.
— Bell, seu idiota! — gritou Rhodan. — Volte imediatamente.
Algum tempo se passou sem que houvesse qualquer resposta. O pânico começou a dominar Rhodan.
Será que a sombra levara Reginald Bell?
— Bell! — voltou a gritar. — Onde está você?
De repente, ouviu a resposta proferida em voz débil:
— Perry! Estou aqui. Ajude-me!
A voz veio quase num cochicho. Perry Rhodan pôs-se em movimento. Nos poucos segundos em que conversara com Atlan e Lloyd, Bell não poderia ter-se afastado mais de dez metros. Portanto, bastaria procurar nas imediações.
— Socorro! — ouviu Perry novamente, em voz abafada.
“É a tempestade”, pensou Rhodan. “Deve tê-lo arrastado e atirado contra uma parede.”
Saiu rastejando em direção ao lado oposto da rua. Na pressa ergueu-se demais. Foi quando a tempestade o agarrou e o atirou de cabeça contra uma parede baixa.
Instintivamente levantou os braços para amortecer o choque. Uma dor cruciante subiu do pulso esquerdo, tomando conta de todo o braço.
O incidente desorientou Perry Rhodan.
— Bell! — gritou.
— Aqui! — disse uma voz débil. — Ajude-me!
— Já vou! — respondeu Rhodan. — Agüente firme, Bell.
Passou por cima do muro contra o qual fora atirado pelo vento e teve de cuidar-se para não ser arrastado de novo. As dores no braço esquerdo eram quase insuportáveis. Mas o sofrimento atiçou-lhe a raiva, e esta deu-lhe novas forças.
— Aqui! Ajude-me! — cochichou a voz e estimulou Perry Rhodan a dar mais de si.
Encontrava-se atrás do muro e, ao menos por alguns segundos, não teve de preocupar-se com a tempestade. Esteve a ponto de levantar e acender a lanterna, quando a voz chamou de novo:
— Perry! Estou aqui! Socorro!
Rhodan aguçou o ouvido. A voz parecia ter se aproximado. Reginald Bell deslocava-se na direção em que se encontrava...
E, caso estivesse em condições de locomover-se, teria motivo para pedir socorro de forma tão lamentosa?
— Bell — chamou Rhodan em tom impaciente. — O que houve?
A única resposta foram as mesmas palavras de sempre:
— Perry! Aqui. Ajude-me!
Rhodan continuou deitado. Depois de algum tempo, pôs-se de joelhos sob a proteção do muro.
Alguma coisa moveu-se na escuridão.
— Bell, é você?
A única resposta foi um gemido abafado. Perry Rhodan abaixou-se. Viu que a sombra à sua frente crescia. Pelo microfone externo, ligado ao volume mínimo, ouvia o uivo da tempestade que investia contra outro obstáculo.
Naquele instante, Perry Rhodan percebeu que caíra numa armadilha. O que vinha em sua direção não era Bell. Era um monstro que não “se importava” em andar ereto em meio à tormenta escaldante de fim de mundo. Mantinha-se de pé sem a menor dificuldade. Rhodan apenas viu uma sombra confusa de mais de dois metros e meio de altura. Foi o suficiente. A arma de radiações térmicas praticamente “escorregou” para dentro de sua mão. Bastou girar o cano ligeiramente para cima e comprimir o gatilho.
Perry superestimara a distância. Bem à sua frente, alguma coisa explodiu com um forte estrondo.
Perry Rhodan viu um raio ofuscante e sentiu os golpes provocados pelos fragmentos da explosão. Foi atirado para trás. Sem proteção, a tempestade agarrou-o e tangeu-o mais um pedaço.
Foi a salvação!
Seu crânio bateu com tanta força contra os restos dos alicerces de uma construção que o deixou inconsciente por alguns minutos. Mas só assim escapou ao calor mortífero irradiado pelos destroços do monstro.
Uma voz angustiada chamou-o de volta à realidade.
— Perry! Responda! O que houve, Perry? Que barulho foi esse?
Era a voz de Atlan. Perry Rhodan ergueu-se cautelosamente e olhou em torno. A dez metros do lugar em que se encontrava, uma fogueira vermelha brilhava em meio à escuridão. Assustado e ainda meio confuso, acreditou ser o incêndio nuclear que já havia chegado à cidade. Mas logo se lembrou do monstro contra o qual disparara. Suspirou aliviado. Além da dor no braço esquerdo, sentia um zumbido na cabeça. Mas o medo pelo destino de Bell fê-lo esquecer as dores.
Virou-se cautelosamente e saiu rastejando em direção ao lugar em que havia a incandescência cada vez mais fraca. Enquanto rastejava, respondeu ao chamado de Atlan.
— Por aqui tudo em ordem — disse. — Parece que os arcônidas desembarcaram robôs em Fera Cinzenta. Um deles quis atrair-me a uma armadilha, mas eu o reconheci no último instante. Foi este o barulho que vocês ouviram. Mas há uma coisa muito pior. Bell desapareceu. Acho que os culpados sejam os robôs.
Ouviu a respiração ofegante do arcônida em meio ao uivo abafado da tempestade.
— Sei que não conseguirei convencê-lo, bárbaro — respondeu Atlan em tom sério.
— Acontece que o incêndio nuclear atingirá a cidade dentro de vinte minutos, muito mais cedo do que pensávamos. Daqui o vemos perfeitamente e se você quiser dar-se ao trabalho de olhar para o termômetro, acreditará no que estou dizendo. Encontramos um veículo de múltiplas finalidades, que resistiu à tempestade e está em condições de voar. Possui um potente estabilizador, e o aparelho lhe permite resistir à tempestade. Poderemos buscá-lo e tratar de sair quanto antes, mas...
— É isso mesmo, almirante; mas... — respondeu Perry Rhodan em tom zangado — ...não sairei daqui antes de encontrar Bell. Ele deve estar nas proximidades. Esperem mais dez minutos. Se até lá não o tiver encontrado, dêem o fora. Ninguém lhes levará a mal se agirem assim.
— Levará, sim — respondeu Fellmer Lloyd prontamente. — Eu mesmo me levaria a mal — de repente sua voz parecia zangada. — Irei até aí, Sir. Se Mr. Bell não estiver morto, eu o encontrarei dez vezes mais depressa que o senhor. Afinal, para que serve o veículo?
Subitamente ouviu-se uma risada que parecia vir de longe.
— Está bem, bárbaro — disse Atlan em voz baixa. — Todos por um. Daqui a dois minutos estaremos aí.
Perry Rhodan suspirou aliviado. A idéia de Fellmer Lloyd era a mais acertada. Caso Reginald Bell estivesse vivo e se encontrasse por perto, Fellmer Lloyd, o telepata, registraria as vibrações de seu cérebro e o localizaria.
Continuou a rastejar. A incandescência vermelha do robô destruído já se apagara. Rhodan olhou para o termômetro. A temperatura era pouco inferior a duzentos graus.
Por várias vezes chamou Reginald Bell. Mas não houve resposta. Talvez estivesse inconsciente. Dali se concluía que o pedido de socorro não fora feito por Bell. E sim pelo robô!
Era um robô especial, cuja programação abrangia o conhecimento da língua inglesa.
Não haviam esquecido nada.
Passou perto do robô, ou melhor, do que sobrara dele depois da explosão. Mais adiante havia um pedaço de muro. Rhodan aproveitou-o para erguer-se e examinar a penumbra com o raio de sua lanterna.
Naquele instante ouviu a voz de Fellmer Lloyd:
— Já chegaremos aí, Sir. Dentro de cinco minutos encontraremos Mr. Bell.
Aquelas palavras eram bastante reconfortadoras. Perry Rhodan sorriu. Dirigiu a luz da lanterna para um lugar cintilante, que se destacava dos arredores.
— Não é necessário — respondeu. — Acabo de encontrar Bell. Do jeito que está deitado conclui-se que o robô lhe aplicou um choque...
Depois de dez horas de espera, durante as quais não aconteceu nada, o Major Brackett expediu o sinal de emergência. Era um único sinal modulado e condensado em alguns nanossegundos. Só os receptores terranos reagiriam automaticamente ao sinal. Um receptor estranho só o faria se por coincidência um operador ouvisse o chamado e lhe atribuísse um significado especial.
É claro que Paul Brackett sabia que esse perigo existia. Algumas dezenas de milhares de naves arcônidas estavam reunidas nesse setor da Galáxia, e a bordo de cada uma delas havia pelo menos um operador de rádio, destacado para ouvir sinais suspeitos.
Paul Brackett se arriscou a irradiar o sinal, pois estava convencido de que o inferno já estava a solta em Fera Cinzenta e achava que não valia a pena continuar inativo com a Rigel.
O sinal foi captado em vários pontos. As naves da frota terrana registraram o pedido de socorro com a maior atenção. A Drusus também o ouviu. E alguns operadores de rádio das naves arcônidas também o captaram. Procuraram determinar o código utilizado na feitura do sinal e ampliá-lo ao comprimento originário. Depois passaram à localização goniométrica do local em que o sinal foi expedido. Tudo isso era muito complicado e levaria algumas horas.
A Drusus não saiu do lugar em que se encontrava, pois pretendia continuar aguardando eventuais pedidos de socorro, vindos de Fera Cinzenta. No entanto, dois cruzadores pesados saíram da formação de naves terranas que aguardava ordem de atacar e, com uma transição rápida, transportaram-se ao ponto onde achava-se a Rigel.
Pelo rádio comum Paul Brackett transmitiu um relato ligeiro da situação. Sugeriu que os tripulantes de sua nave fossem transferidos para os dois cruzadores, e que a própria Rigel fosse destruída. Face à movimentação que se verificava nesse setor espacial e à circunstância de que a qualquer momento poderiam surgir naves arcônidas que também tinham captado o pedido de socorro, não havia idéia mais razoável que esta. A bordo da nave não existiam recursos que permitissem o reparo do neutralizador avariado. E a montagem de outro aparelho demoraria pelo menos cinco horas. Já o transbordo dos oitocentos tripulantes, muito bem treinados nesse tipo de ação, não demoraria mais de uma hora e meia.
Paul Brackett transmitiu as respectivas instruções. Foi o último a sair da Rigel. Preparou os explosivos nucleares que não deixariam que a preciosa nave caísse nas mãos do inimigo. Suas mãos estavam encharcadas de suor e sentia um nó na garganta. Comandava a nave há apenas seis meses...
Quando sua pequena nave auxiliar foi acolhida a bordo da Bilbao, Brackett não conseguiu dizer uma palavra. O Tenente Huyghens, comandante da Bilbao, teve bastante inteligência para compreender sua dor; limitou-se a apertar a mão de Brackett.
Brackett não testemunhou o fim da Rigel. Assim que subiu a bordo da Bilbao, os dois cruzadores partiram.
O que aconteceu com a Rigel foi uma coisa incrível!
Mal os dois cruzadores terranos desapareceram, um grupo de naves arcônidas emergiu do hiperespaço. Uma das espaçonaves arcônidas ainda teve tempo de colocar-se junto ao costado da Rigel e lançar uma série de naves auxiliares tripuladas por robôs, a fim de ocupar a nave terrana.
Enquanto os robôs se esforçavam para abrir a grande comporta da nave, as bombas explodiram. A Rigel, os robôs e a nave arcônida desmancharam-se numa gigantesca bola de fogo branco-azulada.
Reginald Bell estava vivo; não havia a menor dúvida. Mas achava-se paralisado, inerte. Foi muito difícil colocá-lo dentro do veículo. A tempestade atingira uma violência inacreditável.
A clareza em torno deles crescia rápida e constantemente. A oeste, o céu era uma única luminosidade, contra a qual se destacavam tristemente os restos das casas, as muralhas esfaceladas e os alicerces arrancados. A temperatura exterior havia se elevado a quatrocentos e trinta graus e subiu à razão de aproximadamente quatro graus a cada dez segundos. Os potentes mecanismos de refrigeração dos trajes espaciais passaram a funcionar a toda potência.
O uivo da tempestade estava sendo superado por um trovejar, que parecia vir das profundezas de Fera Cinzenta e fazia tremer o chão. Esperavam que a qualquer momento a terra se rompesse e soltasse torrentes de lava incandescente. Sabiam que uma catástrofe desse tipo era perfeitamente possível. O incêndio nuclear desenvolvia temperaturas de vários milhões de graus e fazia fundir os núcleos dos átomos. E a energia liberada, em virtude do desarranjo dos núcleos atômicos, fazia a temperatura subir cada vez mais, não permitindo que o incêndio se extinguisse.
A fusão dos núcleos atômicos admitia uma série de variantes. As funções da bomba de Árcon não se restringiam à fusão do silício com os núcleos do próprio silício ou do sódio com os núcleos dos átomos do cálcio. Embora isso fosse menos provável, também poderia ocorrer a fusão de dois núcleos atômicos diferentes, como por exemplo a de um núcleo de silício com um núcleo de sódio.
De qualquer maneira, a propagação da fogueira atômica se verificava com maior rapidez na direção em que a massa de fusão era mais homogênea, ou seja, mais uniforme, formada de um só elemento. Se, por exemplo, a oeste o fogo atingisse uma veia de cobre que surgisse à luz do dia e que se estendesse embaixo do solo em direção ao leste, nesse caso o fogo prosseguiria com maior rapidez subterraneamente, seguindo a porção de matéria homogênea.
Já na superfície, onde teria de atingir a massa heterogênea de vários elementos, sua propagação seria mais lenta. Não havia nenhum sinal pelo qual se pudesse saber se, naquele instante, o fogo já ardia sob os pés dos homens, ou melhor, sob os alicerces da antiga cidade de Greenwich. Só no momento em que o incêndio se alastrasse a uma camada de solo menos estável, o tremendo calor abriria caminho para cima, racharia o solo e atiraria para a superfície todos os produtos incrivelmente quentes do processo de fusão subterrânea.
O veículo encontrava-se na rua. Tiveram de reunir as últimas forças para erguer Reginald Bell por cima do muro atrás do qual estivera deitado. Quinze minutos pareciam passar num instante. A oeste, a parede de fogo continuava a crescer inexoravelmente. A escuridão já havia cedido lugar a uma claridade radiante. E o vento se tornara maligno. Toda vez que acreditavam dispor de uma pequena pausa, voltava a golpeá-los, atirando-os para trás.
Do outro lado da rua, os alicerces de uma casa explodiram ruidosamente. Uma chuva de fagulhas espalhou-se por todos os lados. Fellmer Lloyd abrigou-se instintivamente. Com isso, soltou Reginald Bell, que sob a força da tempestade voltou a escorregar para junto da muralha sobre a qual o haviam passado.
Tiveram de fazer o mesmo esforço outra vez!
Perry Rhodan sentiu que a dor de cabeça ameaçava estourar-lhe o crânio. O braço esquerdo, destroncado ao bater contra o muro, estava sendo inundado por verdadeiras ondas de dor. Mas, mesmo assim, continuou avançando banhado em suor. O ato da respiração havia ficado difícil. Sempre que abria a boca, como alguém que morre sufocado, e procurava encher os pulmões de ar, sentia uma pontada no peito que quase o deixava louco.
Gritava, dizia que Fellmer Lloyd era um idiota por ter soltado Bell e o recriminava por andar muito devagar. Mas Lloyd não ouvia nada, pois também gritava ininterruptamente. Até mesmo Atlan, o arcônida, já perdera a calma. Com palavrões arcônidas respondeu à sensação de medo que lhe oprimia a garganta.
Finalmente conseguiram. A parede de fogo já havia chegado à periferia da cidade. As peças de plástico que haviam resistido à tormenta derreteram-se e estouraram. O veículo começou a balançar. Reunindo as ultimas forças, arrastaram o corpo imóvel de Reginald Bell para cima e enfiaram-no pela escotilha da pequena comporta. Depois disso, mal lhes restava energia para penetrar na comporta, comprimir-se no reduzido espaço da cabina e fechar a escotilha.
O ar quente foi expelido muito devagar e substituído por ar puro e fresco, vindo do reservatório do veículo. No momento em que a luz verde se acendeu, Perry Rhodan deixou-se cair para o lado e bateu com o ombro direito contra a escotilha interna. A escotilha abriu-se. Rhodan entrou aos tropeções na cabina de passageiros, segurou-se na poltrona do piloto e jogou-se de encontro aos comandos.
Com alguns movimentos automáticos, acionou o motor.
De um instante para outro, os contornos chamejantes dos restos dos edifícios foram diminuindo. Depois de algum tempo, desapareceram sob o tapete do incêndio nuclear. Agindo como uma máquina, Perry Rhodan regulou a rota do veículo. Altitude: máxima. Velocidade: máxima. Direção: leste.
O estabilizador trabalhava a plena potência. À medida que o veículo subia, a velocidade da tormenta ia diminuindo. Em compensação, surgiram os componentes verticais da velocidade do vento. As superfícies aquecidas pelo incêndio nuclear faziam as massas de ar subirem na vertical, e sua influência tinha de ser neutralizada. Rhodan o fez apenas na medida em que isso se tornava necessário, para que o veiculo obedecesse ao comando. Aproveitou o resto da componente vertical, a fim de subir mais depressa do que o propulsor teria conseguido.
Dali a dez minutos, percebeu que estavam em segurança. A superfície incandescente do incêndio nuclear afastou-se para oeste. O veículo atingira uma altitude de quinze quilômetros e, nesse setor, a temperatura do ar era pouco superior ao normal.
Mas o sol não apareceu mais. As energias nucleares desencadeadas haviam atirado a fumaça e as nuvens de pó para as camadas superiores da atmosfera, impedindo, a partir de agora, que Fera Cinzenta visse a face do sol... a partir de agora e para sempre, pois, dentro de três ou quatro dias, o planeta deixaria de existir.
Pela primeira vez Rhodan teve tempo para olhar os colegas. Reginald Bell e Fellmer Lloyd jaziam imóveis no solo. Ao que parecia, o choque provocado pela aceleração, que o débil campo antigravitacional do veículo não conseguira neutralizar inteiramente, fizera com que Lloyd tombasse. O destino de Atlan fora idêntico. Mas agora o arcônida já começava a erguer-se entre dois bancos. Perry Rhodan o viu sorrir por entre a sujeira que cobria o visor de seu capacete. Era um sorriso cansado. E os olhos injetados de sangue e profundamente encovados completavam o quadro do esgotamento total.
— Conseguimos, bárbaro? — perguntou o arcônida em voz baixa.
Perry Rhodan fez que sim. Pretendia responder alguma coisa, mas sua voz não obedecia. Teve de engolir fortemente por algumas vezes. Os pulmões martirizados libertaram-se por meio de um acesso de tosse, que durou vários minutos. O processo foi doloroso, mas as palavras foram perfeitamente inteligíveis:
— Por enquanto sim, almirante. Você sabe que só estaremos a salvo, quando conseguirmos sair deste planeta.
Empurrando-se nos bancos, Atlan foi chegando para a frente e tomou lugar ao lado de Rhodan.
— Fiquei refletindo sobre o robô arcônida — disse. — Tenho certeza de que não estava só.
— Também tenho certeza — confirmou Rhodan.
Estava tão cansado que não conseguia sentir-se curioso para saber onde o arcônida pretendia chegar.
— Devem ter vindo num barco espacial, que os trouxe de uma das naves arcônidas, não é?
— Sem dúvida. Mas não tivemos tempo para procurar sua nave auxiliar. Além disso, devem ter dado o fora antes de nós.
— Pois é. Mas é possível que voltem a procurar-nos, num lugar ainda distante da fogueira nuclear.
Perry Rhodan olhou para o lado e conseguiu esboçar um débil sorriso.
— Nesse caso, almirante — respondeu em tom enfático — vamos cuidar o quanto antes de sua nave auxiliar.
Atlan acenou com a cabeça; parecia pensativo. Dali a alguns segundos, quando voltou a falar, o timbre de sua voz era diferente.
— O que vamos fazer?
— Muita coisa — respondeu Perry Rhodan. — Antes de mais nada precisamos procurar um lugar mais ou menos seguro onde possamos descansar algumas horas.
— Numa ilha — sugeriu Atlan.
— Fico satisfeito em notar que também neste ponto nossas opiniões coincidem — respondeu Perry Rhodan numa amável ironia. — O incêndio nuclear não atingiu a atmosfera de Fera Cinzenta. Por isso podemos admitir com toda segurança que as bombas de Árcon, lançadas no planeta, não (oram ajustadas para os elementos cujo número de ordem é sete e oito, ou seja, para o nitrogênio e o oxigênio. Uma das ajustagens mais comuns das bombas é a do número dez. Quando todos os elementos cujo número de ordem é superior a dez entram na reação, o núcleo sólido do planeta não escapa à destruição. E a destruição da atmosfera é por assim dizer automática.
Olhou para Atlan, que confirmou com um gesto.
— Dali se conclui — disse este — que a água, composta dos elementos oxigênio e hidrogênio, originariamente não será atingida pelo fenômeno.
— Originariamente — repetiu Perry Rhodan, enfatizando a palavra. — O incêndio nuclear não é detido na margem de um oceano. O calor que se desenvolve na periferia da área de incêndio não será suficiente para evaporar a água e deixar descoberto o fundo do mar. Mas o processo sofre um retardamento. A propagação através do fundo do mar é dez vezes mais lenta que na terra firme. É bem verdade que, para uma pessoa que se encontre numa ilha, existe outro perigo. O incêndio pode propagar-se embaixo do leito do oceano, avançando até a ilha, fazendo com que o homem insulado, que se acreditava em segurança, realmente esteja sentado sobre a cratera de um vulcão.
— É verdade — disse Atlan. — De qualquer maneira, temos de aproveitar todas as chances, por menores, que sejam. Por isso pousaremos numa ilha.
— Vamos trabalhar com o equipamento de localização — prosseguiu Rhodan — para verificar se os arcônidas ainda estão por aí. Em caso negativo emitiremos pedidos de socorro. Assim virão buscar-nos, dentro de poucas horas.
— E depois?
Por algum tempo a pergunta parecia oprimi-los. Apesar do cansaço, Perry Rhodan não deixou de perceber o tom estranho que vibrava na voz de Atlan.
— Depois — respondeu tranqüilamente — prosseguiremos nos preparativos para o ataque contra Árcon. Não se trata de um assunto puramente pessoal entre mim e o regente de Árcon. O que está em jogo é a existência da Terra. Perdemos uma base e alguns homens muito bons. Foi isso que mudou nestas últimas horas. Mas o que não mudou é a necessidade de obrigar o regente de Árcon a agir razoavelmente.
Atlan refletiu. Depois de alguns minutos, respondeu:
— Acho que você tem razão, bárbaro. Admiro sua persistência.
O veículo deslocava-se a uma velocidade de quinhentos quilômetros por hora. Era o máximo que seus motores permitiam. Tratava-se de um veículo de múltiplas finalidades, que podia servir de automóvel, avião, barco e submarino. Destinava-se às expedições a serem realizadas depois do pouso de uma espaçonave num planeta estranho, nas quais não se pudesse escolher o terreno em que o veículo teria de operar. Seus construtores não tiveram a intenção de fazer dele um veículo de corrida.
Os quatro fugitivos, dois dos quais continuavam inconscientes, levaram pouco menos de três horas para atingir o litoral oriental do continente, situado a mil e quatrocentos quilômetros da base.
Em frente à costa leste, estendia-se uma península estreita que avançava do sul. Estava separada do continente por um braço de mar de oitenta quilômetros de largura. Além da península, começava o grande oceano central, que naquele lugar tinha uma largura de perto de sete mil quilômetros. Pelo oceano espalhavam-se algumas centenas de ilhas pequenas e minúsculas. Perry Rhodan escolheu uma que ficava no centro do oceano.
Enquanto voavam sobre a parte leste do continente, perceberam toda a extensão da catástrofe que se abatera sobre Fera Cinzenta. Sobrevoaram as áreas atingidas pelos incêndios provenientes de cinco bombas de Árcon.
Parecia o fim do mundo. Em muitos lugares, o incêndio nuclear havia penetrado profundamente no interior do planeta, para irromper em outro lugar com a violência de dez mil vulcões. Colunas de lava incandescente subiam no local de irrupção e, ao atingirem a estratosfera, espalhavam-se em gigantescos cogumelos. Verdadeiros oceanos de pedra liquefeita cobriam os lugares em que, no dia anterior, ainda havia uma selva verdejante. Os rios haviam desaparecido. As paredes recurvadas de vapores brancos assinalavam o traçado que tiveram no dia anterior. Os microfones externos da embarcação transmitiam os estouros, estalidos, chiados e burburinhos do cataclisma que, dentro de poucos dias, destruiria todo um planeta.
Nenhum sinal da dor, do medo e do pânico, que naquelas horas se apossava dos animais desse mundo, chegou às alturas onde se movia o veículo. A fantasia daqueles homens que procuravam colocar-se em segurança muito acima da fúria do elemento seria impotente para imaginar a miséria que se abatera sobre Fera Cinzenta.
Alcançaram a costa ao pôr-do-sol. Sabiam que era a hora em que o sol se punha. Não puderam ver o sol.
Pouco depois de terem sobrevoado a península, Fellmer Lloyd recuperou os sentidos. Queixou-se de dores de cabeça. Perry Rhodan pediu-lhe que fosse buscar a caixa com os medicamentos. Ele mesmo bem que precisava de uns comprimidos. Sua cabeça não estava melhor que a de Fellmer Lloyd, e a dor no pulso esquerdo crescera tanto que mal podia abrir a mão.
Dali a uma hora, Reginald Bell também recuperou os sentidos. O corpo já havia superado as piores conseqüências do choque nervoso. Ao despertar, deu sinal de sua presença da maneira seca e dramática que lhe era peculiar. Ergueu o corpo sobre os cotovelos, gemeu e finalmente disse num acesso de humor fúnebre:
— Que hospital é este em que os pacientes são jogados no chão?
A disseminação de campos alternados hipereletromagnéticos, usada no sistema de comunicações instantâneas pelas amplidões incomensuráveis do espaço, constitui um exemplo flagrante do caráter dificilmente explicável dos fenômenos da física moderna. É bem verdade que as vibrações hipereletromagnéticas podem ser representadas por fórmulas matemáticas iguais às relativas aos fenômenos eletromagnéticos da eletrodinâmica clássica. Acontece que até esta possui alguns traços não explicitáveis.
Vista por uma pessoa não familiarizada com o assunto, a hipereletrodinâmica não fez outra coisa senão erigir em necessidade o caráter não explicável e fazer desaparecer os últimos remanescentes do explicitável. A capacidade de imaginação do homem não foi feita para conceber um vetor que pode ser decomposto em cinco componentes, que se distinguem pelos respectivos eixos e que periodicamente modifica seu tamanho no espaço de cinco dimensões. Além disso, precisa-se lançar mão de uma teoria física inteiramente nova para explicar como nesse espaço de cinco dimensões, também denominado hiperespaço, não prevalecem nem mesmo as restrições da mecânica relativista, e que, no mesmo, o decurso do tempo deve ser medido por um novo padrão, daí resultando que, no hiperespaço, todos os fenômenos se processam infinitamente mais depressa que no espaço normal ou einsteiniano.
É bem verdade que esse fenômeno não é só aproveitado na técnica de hipercomunicações. A astronáutica vale-se dele para os hipersaltos ou transições.
De resto, não é só quanto à representação através de fórmulas que as ondas hipereletromagnéticas, abreviadamente designadas como hiperondas, têm muito em comum com as ondas eletromagnéticas. Tal qual acontece com estas, são absorvidas ou refletidas por certos materiais, enquanto penetram em outros. Além disso, as hiperondas utilizadas nas comunicações usuais pelo rádio são dotadas de um volume energético equivalente aproximadamente às ondas roentgen do espectro eletromagnético, situadas na faixa entre os dez e os cem angstrom. Face a isso, a hiperonda é capaz de produzir os efeitos que já conhecemos nas ondas roentgen: é capaz de ionizar e estimular.
É nesse efeito que se baseia a técnica goniométrica de hiperrádio. Imaginemos uma esfera cujo material seja capaz de absorver uma percentagem elevada de hiperondas. Imaginemos ainda que a esfera é tão espessa que qualquer hiperonda, por mais potente que seja, não consiga penetrar além do centro da mesma. Dessa forma, teremos uma antena goniométrica de hiperrádio. A esfera é subdividida em milhares de pequenos setores esféricos, ou seja, de cones cujo vértice fica no centro da esfera e cuja base se situa na superfície da mesma. Assim, a antena esférica terá uma superfície facetada.
Para continuarmos fiéis à imagem, diremos que os pequenos cones são câmaras de ionização, feitas de matéria sólida. Pode-se medir a ionização causada pela hiperonda que incide sobre essa câmara. E também se pode medir a direção da qual provém a onda.
Finalmente, pode-se determinar a distância entre transmissor e receptor, desde que o operador domine o complicado mecanismo matemático da potência irradiada, potência captada, resistência às ondulações oferecida pelo vácuo e por todas as porções de matéria, situadas entre receptor e transmissor. Dessa forma, dispõe-se de todos os elementos de que precisa o goniometrista para localizar o transmissor: as duas coordenadas dos ângulos teta e phi e o valor do vetor do raio.
É bem verdade que o goniometrista terá outros problemas. Tal qual acontece com todas as medições, também a determinação da posição de um transmissor está ligada a uma margem de erro inevitável, determinada pelo poder de difusão do equipamento. É o que os goniometristas costumam chamar de fator de insegurança.
Se designarmos a distância entre o transmissor e o goniômetro por r, o fator de insegurança, segundo uma velha regra pragmática, crescerá à razão r1-6. Isso significa que, se a uma distância de um ano-luz o goniômetro pode determinar a posição do transmissor com uma precisão de mais ou menos mil quilômetros, numa distância de dez anos-luz, esse fator de insegurança crescerá para mais ou menos quarenta mil quilômetros, e numa distância de cem anos-luz, para mais ou menos seiscentos mil quilômetros.
O volume a ser vasculhado corresponde à terceira potência do fator de insegurança, uma vez que este representa o raio da esfera dentro da qual deve ser procurado o transmissor. Assim sendo, o tempo que deverá ser despendido para que se possa ter à mão uma transmissão crescerá em média na proporção de r4-6.
Apresentaremos outra ilustração numérica. O goniômetro, que constatou um emissor a uma distância de um ano-luz, precisará em média de um minuto para localizá-lo. Esse tempo não inclui o tempo gasto na aproximação, mas apenas a operação de busca na área-destino. Nessa hipótese, o goniometrista que, ao captar o sinal, se encontrava a uma distância de dez anos-luz, gastará, em vez de um minuto, quarenta mil minutos, ou seja, cerca de vinte e oito dias. É claro que isso se baseia na suposição de que tenha sido captado um único sinal, e que o transmissor não continue a emitir sinais durante as buscas.
É óbvio que estas indicações são unilaterais. Fundam-se numa série excessiva de pressupostos, como exemplo: o de que numa operação realizada a uma distância de dez anos-luz seria utilizada a mesma aparelhagem empregada à distância de um ano-luz, não um equipamento melhor, que reduziria o tempo de busca, ou um equipamento inferior, que o aumentaria. É claro que, nos cálculos práticos, estes fatores se revestem de uma importância marcante. Mas uma coisa permanece de pé: um goniometrista que se encontre a grande distância precisará de mais tempo para localizar um emissor, cuja presença já foi constatada, que aquele que se encontrava mais próximo.
Estas considerações não só são úteis para acostumar os aspirantes de oficiais de rádio da Academia Espacial com a técnica do hiperrádio. Num momento decisivo, poderão modificar radicalmente o curso da história galáctica.
Vista de cima, a ilha apresentou-se nas telas de luz infravermelha com um péssimo aspecto. Quando o veículo desceu, seus ocupantes perceberam que esse péssimo aspecto era devido a uma cadeia de montanhas de cerca de dois mil metros de altura que rodeava toda a ilha. Os quatro ocupantes do veículo nunca haviam visto uma ilha como aquela.
De qualquer maneira, porém, era um ótimo abrigo para quem quisesse permanecer em Fera Cinzenta durante as últimas horas que antecediam o fim do planeta. A cordilheira litorânea deteria os maremotos, que quisessem investir contra a ilha.
Enquanto descia sobre a ilha, o veículo balançava assustadoramente. Durante as dez horas ou mais de vôo, consumira vinte vezes mais energia na estabilização da rota que na propulsão. Segundo se concluía das indicações constantes do painel à frente de Perry Rhodan, nas condições atuais, as reservas dariam no máximo para cinqüenta quilômetros.
No entanto, os ocupantes do veículo sentiam-se muito melhor do que corresponderia às circunstâncias. Uma observação espacial, realizada há duas horas, revelara que, ao menos sobre a parte do planeta abrangida, não havia nenhuma nave arcônida. Era bem verdade que também não existia qualquer nave terrana.
Quer dizer que o inimigo se retirara. Estava convencido do êxito alcançado com o bombardeio. O mundo de Fera Cinzenta já não representava qualquer elemento de risco.
Fellmer Lloyd esvaziara a caixa de medicamentos e encontrara uma coisa para cada ocupante do aparelho. Para si mesmo, Atlan e Perry Rhodan encontrou um analgésico e, para Reginald Bell, um preparado que expelia do sangue os restos do choque nervoso.
Aguardavam febrilmente o momento em que, uma vez atingido um ponto fixo na superfície, pudessem expedir seu pedido de socorro e aguardar a chegada de uma nave terrana.
Perry Rhodan pousou bem no centro da ilha. Ficou sentado por um instante, deixou os olhos vagarem sobre a savana que enchia a bacia da ilha. Depois observou os instrumentos que registravam o teor de radiatividade fora do veículo. Esse teor chegava a sessenta rens por hora. Nenhum homem sensato se disporia a agüentar por alguns minutos tal índice de radiatividade.
Com um suspiro, Rhodan desligou as lâmpadas infravermelhas. A tela apagou-se. A pequena cabina do veículo estava totalmente isolada da escuridão, onde rugia o fim do mundo.
— Ficaremos aqui! — decidiu Rhodan. — Não adianta pôr o nariz para fora.
Fez um sinal para Fellmer Lloyd. O mutante pegou a pequena bolsa, onde estava o transmissor, e colocou-a sobre o painel, ao lado de Perry. Rhodan levantou a tampa de plástico e fitou por alguns segundos o pequeno painel que surgiu sob a mesma.
“O que acontecerá se o transmissor não estiver funcionando?”, pensou Rhodan martirizado.
Finalmente levantou a mão num gesto decidido e comprimiu o pequeno botão vermelho que ficava no canto inferior esquerdo do painel. No mesmo instante, a luz, de controle, embutida no botão, acendeu-se. O aparelho emitiu um zumbido agudo que, para os ocupantes do veículo, foi o ruído mais agradável ouvido nas últimas vinte e quatro horas.
Não havia praticamente mais nada a fazer. Como a bordo do veículo não existissem meios que permitissem fazer da antena do microcomunicador uma antena direcional, apontando-a para o lugar em que a frota terrana se reunira para o ataque contra Árcon, Perry Rhodan não teve outra alternativa senão irradiar um sinal difuso. O pedido de socorro estava codificado e especialmente programado no interior do transmissor. Bastaria comprimir um segundo botão para emitir e irradiar a mensagem.
Ouviu-se um ligeiro clique, quando Rhodan comprimiu o botão, e mais um quando o botão voltou à posição inicial.
— Trinta a oitenta minutos a partir de agora — disse. — Depois disso, deverão aparecer.
André Larchalle era um jovem com um complexo de inferioridade profundamente enraizado. Na opinião de seus professores quase chegava a ser um gênio, mas na sua opinião ainda não havia realizado nada na vida; apenas conquistara a patente de tenente depois de seis semestres em vez de oito.
André Larchalle estava de plantão em uma das salas de rádio da Drusus. Conforme era de seu hábito, preferiu operar pessoalmente um dos aparelhos, em vez de recostar-se confortavelmente na poltrona do oficial e esperar que seu quarto de serviço passasse.
Assim que o sinal chegou, André Larchalle pôs-se de pé de um salto. Antes que o sargento de cabelos grisalhos que se encontrava três poltronas adiante, junto aos aparelhos de interpretação, percebesse que alguma coisa acabara de acontecer, Larchalle colocou-se atrás dele e disse:
— Vamos logo! O que está esperando? O que diz a interpretação?
O sargento lançou um olhar contrariado para os aparelhos.
— O que diz a interpretação sobre o quê, tenente? — perguntou com a voz tranqüila.
No mesmo instante, algumas lâmpadas acenderam-se à sua frente.
— Sobre isso! — respondeu Larchalle um tanto zangado. — Ande depressa! Talvez seja o sinal de Fera Cinzenta.
O sinal. Esse sinal só poderia dizer uma coisa: “Socorro! Venham buscar-nos!” Há mais de seis horas todos os tripulantes da Drusus aguardavam esse sinal.
O sargento não levou mais de um segundo para sair do conforto sonolento para a atividade máxima. Seus dedos passaram com uma rapidez espantosa sobre as teclas de comando. No interior do painel que se encontrava à sua frente, ouviu-se um ruído matraqueante. Um pequeno computador positrônico estava interpretando os dados fornecidos pela antena esférica e extraía as necessárias conclusões dos mesmos.
Subitamente o computador forneceu os dados!
Com um gesto impaciente, André Larchalle arrancou a fita das mãos do sargento e caminhou rapidamente três poltronas adiante, a fim de entregá-la a um jovem cabo. Este enfiou-a com um movimento rápido na fenda de uma pequena caixa parafusada à mesa que tinha à sua frente. Depois disso, moveu algumas chaves que se encontravam na tampa da mesa e recostou-se confortavelmente.
— Quanto tempo demorará? — perguntou Larchalle.
A pergunta era supérflua, pois ele já conhecia a resposta. A demora seria de dez a dois mil minutos, de acordo com a precisão da parte do catálogo que correspondia aos dados a serem interpretados.
André Larchalle voltou a seu lugar e obrigou-se a permanecer calmo.
Ficou refletindo sobre se devia notificar a sala de comando, antes de determinar o ponto do qual fora expedido o sinal. Esteve prestes a comprimir o botão de chamada do intercomunicador, mas refletiu um pouco. Naquele instante, ouviu-se o som da campainha. Com um salto, colocou-se ao lado do jovem cabo e arrancou-lhe das mãos a flta-resposta do computador-catálogo.
Apenas poucas linhas estavam impressas na pequena folha. Diziam o seguinte:
Sistema Mirta, órbita VII,
± 1.225.000 M.
Agora que segurava o resultado na mão e via que essa era a notícia que todos aguardavam, André Larchalle foi a calma em pessoa. Olhou em torno, e os homens que o fitavam atentamente viram que seus olhos brilhavam.
— Nós os encontramos, gente! — exclamou em tom exultante. — Ainda existe gente viva em Fera Cinzenta!
Depois disso, voltou à sua poltrona e avisou a sala de comando.
O chão tremia.
Mas, no interior da cadeia circular de montanhas, a tempestade apenas tinha uma fração da força que lá fora causava tamanha desgraça.
Saíram do veículo e andaram pela escuridão. Quando a nave chegasse, esta seria alcançada mais depressa a pé do que com o veículo, pois este teria de ser introduzido pela comporta. Desde a emissão do sinal, já se haviam passado 20 minutos. Dali a mais dez, a nave salvadora poderia chegar. Deveriam sentir-se felizes com a salvação que estava prestes a vir, mas o tremor do solo constituía sinal de que o incêndio nuclear já havia chegado ao subsolo da ilha. Não sabiam se a desgraça os pouparia por mais dez minutos.
Perry Rhodan pendurou o microcomunicador ao pescoço e ligou o receptor a um contato de seu capacete. Esperava uma resposta, embora soubesse que não a obteria, a não ser que o comandante da nave que viesse em seu auxílio fosse um idiota. Na situação em que se encontravam, qualquer tráfego de rádio, por menor que fosse, representava um perigo.
Apesar disso, Rhodan esperava.
Falavam muito pouco. Sentados sobre pedras espalhadas pela savana, apoiavam os pés firmemente no chão e prestavam atenção ao rugido vindo das profundezas da terra. A temperatura exterior era pouco inferior a cem graus centígrados. Rhodan olhou para o relógio; vinte e cinco minutos já se haviam passado. Dentro de cinco minutos, transmitiria mais um sinal goniométrico, a fim de que a nave pudesse orientar-se.
Deixou cair o braço e começou a contar os segundos. Quando chegou ao número trinta e dois, alguma coisa vinda de baixo agarrou a pedra na qual estava sentado e atirou-a para o alto. Perry Rhodan foi junto!
Viu confusamente os contornos dos arbustos, que se aproximavam vertiginosamente. Abriu os braços para amortecer a queda. Com um estrondo imenso, caiu em meio a uma confusão de galhos e folhas duras. A queda foi então amortecida. O impacto do corpo de Rhodan dividiu em dois o arbusto sobre o qual caíra. Estava apenas um tanto confuso. Dali a dois segundos, pôs-se de pé e procurou descobrir a direção da qual viera.
Naquele instante, sentiu-se ofuscado por um forte raio de luz. Segundos depois, o ribombo de uma enorme explosão soou nos alto-falantes e fez seus ouvidos zumbirem. Pôs a mão no capacete e reduziu o volume dos microfones externos. Uma violenta onda de pressão aproximou-se do lugar em que estava. Na ofuscante luz amarela, viu os arbustos ondularem que nem a água de um lago. Abrigou-se antes que a onda o atingisse.
Pedras e blocos de pedra foram atirados contra ele, cobrindo-o. Os espinhos arranharam seu traje. Alguma coisa atingiu-o violentamente no ombro, fazendo-o sentir dores.
Perry Rhodan levantou-se com grande esforço e pôs-se a gritar. Chamou os nomes dos companheiros e, de algum lugar, veio uma resposta. Não entendeu o que diziam.
À sua direita, a menos de um quilômetro do lugar em que se encontrava, uma coluna incandescente subiu ao céu. Bramindo e roncando, os gases e a lava tangidos pela força de centenas de milhares de graus de calor subiam e continuavam a dilacerar a terra, abrindo sempre novas passagens para os fluxos chamejantes.
O incêndio nuclear atingira a ilha, que se esfacelava.
Perry Rhodan continuou no mesmo lugar. Não adiantava mais. Não havia salvação.
“É o fim, seu idiota”, pensou numa disposição zangada. “Você pensou que, dentro de setenta anos, pudesse transformar a Terra na potência dominante da Via Láctea. Agora estão apresentando a conta, e você não poderá deixar de pagá-la. Não há saída.”
Olhou em torno, em atitude tranqüila, quase relaxada, conforme fizera durante toda a vida.
A coluna de lava, que dera início à destruição da ilha, transformou-se em vinte, quarenta, cem...
No centro da ilha, havia uma área estreita e alongada ainda não atingida pelo desastre. Os arbustos ardiam, mas o chão parecia firme.
“Será que devo correr para lá a fim de prolongar minha vida por alguns segundos?”, refletiu.
Viu um vulto agachado que corria em meio à vegetação. Movia-se de forma grotesca, planando uns quatro metros a cada salto que dava. Era Bell, Atlan ou Lloyd. Ligara o gerador antigravitacional para diminuir o peso do corpo. Corria em direção ao lugar ainda não atingido pelo caos.
Perry Rhodan ficou espantado.
O que adiantava correr para salvar uma vida que, de qualquer maneira, estava perdida?
Estreitou os olhos, evitando que a claridade o perturbasse. Foi então que viu. Era um vulto reluzente e gigante, pouco nítido. A iluminação vinha de baixo.
Era a espaçonave!
Não foi necessário despertar o General Deringhouse. Ele jurara a si mesmo que, enquanto houvesse uma esperança de salvar alguém que se encontrasse em Fera Cinzenta, não dormiria.
Quando André Larchalle transmitiu sua informação, o próprio Conrad Deringhouse achava-se junto ao intercomunicador. Com a rapidez inimitável que os tripulantes admiravam em sua pessoa, preparou a Drusus para entrar em ação.
A nave passou a deslocar-se à velocidade máxima. Os instrumentos de observação mantinham-se em silêncio. Ao que parecia, não havia mais naves arcônidas por perto. Era bem verdade que Conrad Deringhouse envelhecera demais no exercício da profissão, para dar um excessivo valor às aparências.
Recomendou aos homens dos postos de observação que mantivessem um máximo de atenção. Sabia perfeitamente que era muito difícil localizar, a partir de uma nave em movimento, outro veículo espacial que se encontrava a alguns milhões de quilômetros de distância, mantendo-se em silêncio e com os propulsores desligados, sem transmitir qualquer mensagem pelo rádio.
E foi a desconfiança de Deringhouse que salvou a Drusus da destruição...
Quando a gigantesca nave se havia aproximado a dois milhões de quilômetros de Fera Cinzenta, o negrume do espaço começou a cuspir naves arcônidas. Os observadores constataram a presença do inimigo, quando as naves passaram a acelerar em direção à Drusus. Dali a mais alguns minutos, aproximaram-se à distância de um tiro.
Era uma frota composta de cerca de cem unidades. Conrad Deringhouse cerrou os dentes e deu ordem de abrir fogo. Por maior que fosse o número de arcônidas que se interpunham em seu caminho, teria de chegar a Fera Cinzenta.
Perry Rhodan corria sem parar. Ligou o pequeno gerador antigravitacional e logo sentiu seu peso diminuir. Empurrou-se com toda força do chão, passou por cima da fenda do solo que se abria naquele instante e parou a uns cinco metros de distância. Deu um segundo pulo e um terceiro. Quando estava preparando o quarto, a espaçonave escamoteou as colunas de apoio telescópicas e as comprimiu fortemente contra o chão balouçante.
À sua direita e à sua esquerda, viu mais dois vultos que tropeçavam e corriam. Chegaram ao mesmo tempo que Rhodan no lugar oval de pouco menos de cem metros de comprimento que fora poupado pela desgraça. A nave pousara no centro dessa área. Uma escotilha da comporta do pé da nave abriu-se. Era uma abertura de apenas dois metros por dois metros, mas esta representava a salvação. Ficava cinco metros acima do solo. Era demais para que pudesse ser alcançada num único salto. O homem, que Perry Rhodan vira correr em primeiro lugar, colocou-se embaixo da comporta, com os braços abertos, e olhou para cima. A extremidade de uma fita rolante surgiu na abertura, saiu pela mesma e desceu ao chão.
No momento em que a fita tocou o solo, os quatro estavam lado a lado: Perry Rhodan, Atlan, Reginald Bell e Fellmer Lloyd. Depois de tanta correria, finalmente tiveram tempo para lançar um olhar de estímulo uns aos outros.
Pisaram um após o outro na fita estreita que os levou para cima. Ela os levou pela abertura da comporta e colocou-os do lado de dentro. Logo subiu e escorregou para dentro da nave. Desapareceu na fenda do soalho que era o lugar em que ficava guardada. A escotilha externa da comporta fechou-se.
Abraçaram-se e balbuciaram palavras desconexas.
No último instante, ainda haviam enganado a morte.
Depois de alguns minutos, a tormenta de alegria amainou e os quatro amigos deram-se conta de que não poderiam permanecer na comporta, durante todo o tempo de vôo. Resolveram dirigir-se à sala de comando. Iriam transmitir seus agradecimentos ao comandante, fosse ele quem fosse.
Caminharam em direção à escotilha interna. Antes que a atingissem, ela abriu-se... Na abertura surgiu um monstro, um robô. Tinha dois metros de altura.
Perry Rhodan, que caminhava à frente do grupo, estacou. Como que num sonho viu o robô abrir sua boca repugnante. Ouviu as palavras proferidas pela voz mecânica e impessoal:
— Sejam bem-vindos a bordo da Lan-Zour, uma das naves de Sua Alteza, o regente de Árcon.
Acelerando ao máximo, a Drusus atravessou as fileiras das naves inimigas, que investiam sobre ela, vindas de todos os lados. Entre os arcônidas não havia nenhuma nave que tivesse o tamanho da Drusus, motivo por que nenhuma delas isoladamente lhe traria maiores incômodos. Só mesmo o fogo conjunto de vários veículos espaciais poderia danificar a nave capitania da frota terrana.
Os campos defensivos da Drusus iluminaram-se sob o relampejar ininterrupto das descargas energéticas por eles absorvidas. Mas não houve sério perigo para o General Deringhouse e seus tripulantes. Em contrapartida, as torres de canhões, muito bem ajustadas da nave capitania, destruíram mais de dez naves inimigas, e causaram avarias tão pesadas em outras vinte e cinco que essas nem seriam capazes de deixar o sistema de Mirta com suas próprias forças.
A maior proteção da Drusus consistia em sua enorme velocidade. Conrad Deringhouse abandonou todas as normas que regulavam o deslocamento das grandes naves no interior dos sistemas planetários. Confiou na potência dos seus agregados e arrancou o máximo dos propulsores da nave. Não tinha um segundo a perder. Fera Cinzenta estava prestes a explodir.
Já as naves arcônidas eram dirigidas por robôs. E os robôs tinham recebido instruções sobre as manobras que poderiam arriscar nas imediações de um grande planeta. Não dispunham de poderes para deixar de lado essas instruções. Dessa forma, as unidades arcônidas foram bem mais lentas que a Drusus, que aos olhos dos seres orgânicos que sobreviveram à batalha devia parecer um monstro que cuspia fogo, trazendo a morte e a destruição, e contra o qual seria inútil lutar.
Conrad Deringhouse nem percebeu que o fogo inimigo diminuiu e acabou cessando de todo. Mantinha contato ininterrupto com a sala de rádio. Via na tela o rosto de André Larchalle, que estava rubro de excitação, aguardando que os sobreviventes de Fera Cinzenta enviassem o primeiro sinal goniométrico. Um dos operadores de rádio de Larchalle emitia sem cessar mensagens pelo telecomunicador, pedindo que Fera Cinzenta respondesse. Se lá embaixo houvesse alguém que possuísse um hiper-rádio, esse alguém não poderia deixar de ouvir as mensagens e respondê-las.
Mas era praticamente inacreditável que ainda houvesse alguma coisa viva naquela bola incandescente, que já atingira o dobro de seu tamanho normal...
Enquanto a Drusus freava a toda força, a fim de não penetrar em velocidade interestelar na atmosfera superaquecida, as proporções da devastação tornaram-se bem perceptíveis.
Havia um restinho de esperança de que lá embaixo ainda houvesse um pedacinho de chão firme no qual alguém, que estivesse equipado com um traje protetor, se conservasse vivo.
Mas o receptor continuou mudo. Era bem verdade que nas faixas extremas captavam ruídos esquisitos que jamais tinham sido ouvidos, tais como ondas de choque hipereletromagnéticas emitidas por um planeta moribundo. Porém desses ruídos não se podia extrair qualquer sentido, pois não provinham de um transmissor manejado por uma criatura pensante.
A Drusus penetrou nas massas de gases incandescentes. Com os mecanismos propulsores uivantes atravessou o caos, deixando atrás de si um rastro de gases ionizados incandescentes, cuja luminosidade chegava a ser mais forte que a das colunas de lava que subiam ao céu.
Conrad Deringhouse não estava disposto a capitular. Há quarenta minutos ainda existiam seres vivos lá embaixo, e esses seres humanos tinham expedido um pedido de socorro.
Por cinco vezes a Drusus circundou o planeta moribundo, deslocando-se de cada vez num ângulo diferente em relação ao eixo polar. Mesmo que, lá embaixo, houvesse um transmissor que já tivesse perdido noventa e nove por cento de sua potência, a sala de rádio não poderia deixar de ouvi-lo.
Mas não ouviram nada!
No momento em que Conrad Deringhouse se dispôs a iniciar a sexta volta em torno do planeta, Fera Cinzenta explodiu. Os instrumentos registraram o súbito aumento de pressão das massas gasosas. Deringhouse interpretou corretamente o fenômeno e desligou os estabilizadores de rota. A Drusus saiu da órbita pela qual até então se deslocara com o triplo da velocidade de fuga, e dirigiu-se ao espaço livre. Os homens dos postos de combate voltaram a prestar atenção à eventual presença de naves arcônidas.
As telas panorâmicas da sala de comando mostraram uma gigantesca bolha de gases branco-amarelenta que aumentava constantemente. Gigantescas línguas de fogo subiam do oceano de gases, e o hidrogênio das camadas superiores da atmosfera acrescentou seu verde-claro ao quadro. Outras cores surgiram, e Fera Cinzenta desfez-se em meio a uma visão irreal e colorida, que jamais o olho humano vira com tamanha intensidade.
Muito deprimido, Deringhouse ordenou a retirada. Enquanto a bola colorida, que antes fora Fera Cinzenta, ia minguando nas telas de popa, a nave atingiu a velocidade de transição e num salto ligeiro afastou-se do sistema.
Voltou a surgir no espaço einsteiniano em sua antiga posição de espera. Deringhouse mandou que a nave se mantivesse à espera por mais duas horas. Queria ver o que iria acontecer no sistema de Mirta.
Sabia que seria inútil. Toda e qualquer vida se extinguira em Fera Cinzenta. Qualquer coisa que os arcônidas fizessem naquele lugar ou em seus arredores não se revestiria de interesse para ele.
Depois do vozerio das ordens que se atropelaram nos últimos quarenta e cinco minutos, o silêncio voltou a reinar na sala de comando. Os oficiais de Deringhouse sabiam que tinham perdido uma batalha, muito embora um ou outro talvez fosse de outra opinião, em virtude da cifra das naves inimigas destruídas.
Reginald Bell foi o primeiro a dizer alguma coisa.
— Caramba! — praguejou. — Logo deveria ter visto. Esta nave não tem duzentos metros de diâmetro, nem quinhentos. É um tipo intermediário, que não existe em nossa frota.
O robô esperou pacientemente.
“Agora isso já não importa”, pensou Perry Rhodan em atitude resignada.
Olhou para trás. Fellmer Lloyd olhava para baixo, mas Atlan retribuiu seu olhar.
— Até parece que você não demorará em rever sua pátria — disse Perry Rhodan.
Atlan quase não moveu os lábios ao responder:
— Não gostaria de revê-la nestas condições.
O robô voltou a falar.
— O comandante Lathon sentir-se-á honrado em cumprimentar os visitantes.
Aquilo era um pedido para que acompanhassem o robô. Perry Rhodan aproximou-se do homem-máquina, que se virou e foi caminhando pelo corredor, que começava logo após a escotilha interna. Os “visitantes” seguiram-no.
Passado o primeiro abalo, o raciocínio de Perry Rhodan começou a funcionar a toda força.
Era claro que os arcônidas os consideravam como prisioneiros. Restava saber o que pretendiam fazer com eles.
Rhodan achou que não seria má idéia insistir desde logo em que os levassem a um espaçoporto terrano situado nas proximidades. Não havia uma guerra oficialmente declarada entre Árcon e a Terra, e segundo os costumes arcônidas, como segundo as normas terranas, só a declaração de guerra justificava o status de prisioneiro de guerra. Por isso seria preferível nem mencionar perante o comandante Lathon a ação desencadeada contra Fera Cinzenta e, apesar do que se sabia, fazer de conta que não havia acontecido nada, fingindo se tratar de uma simples operação de resgate de náufragos. Em poucas palavras, o melhor seria fingir que não sabiam de nada.
A sala de comando da Lan-Zour estava quase vazia. Apenas dois homens estavam sentados ou quase deitados nas poltronas articuladas. Se não fossem os inúmeros instrumentos, o recinto circular e de tamanho médio da sala de comando, daria a impressão de uma platéia de teatro durante a pausa, num dia de pouco público.
Um dos dois homens ergueu o corpo, ficando sentado, quando o robô entrou com os quatro terranos. O robô deixou que os homens que o acompanhavam passassem à sua frente e anunciou sem a menor comoção:
— Quatro sobreviventes do planeta que está explodindo, senhor.
O homem na poltrona fez um movimento de enfado, que significava compreensão, concordância e dispensa. E para o outro o assunto foi tão pouco interessante que nem sequer olhou para trás.
Ambos eram arcônidas e possuíam a letargia e o enfado peculiar de sua raça. Perry Rhodan lançou um olhar ligeiro para Atlan e viu-o contorcer o rosto numa expressão de desprezo.
A caminho da sala de comando haviam retirado os trajes protetores, deixando-os nas proximidades da comporta para que fossem descontaminados, isto é, para que a poeira radiativa fosse retirada. Era a primeira vez, em muitas horas, que podiam mover-se livremente, e a sensação de alívio provocada por esse fato bastou para aumentar-lhes a coragem e a iniciativa.
O arcônida, que agora se erguera na poltrona, fitou prolongadamente os convidados. O robô saiu da sala de comando. Perry Rhodan procurou ver nas telas o que se passava no espaço, mas elas não mostravam nada dos arredores da Lan-Zour.
— Pois bem — disse Lathon em arcônida. — Aí estão os senhores.
Perry Rhodan olhou para o lado. O homem indicado para palestras tão profundas era Reginald Bell. Este entendeu o gesto.
Acenou a cabeça com uma expressão furiosa e confirmou.
— É verdade; aqui estamos nós. Muito obrigado por nos ter salvo.
Lathon fez um gesto de desprezo.
— Ordens — disse em tom cansado. — Apenas foram ordens. Pelo que vejo, há um arcônida entre os senhores.
— O senhor vê corretamente — disse Reginald Bell em tom amável. — É um remanescente dos tempos em que os arcônidas ainda podiam olhar para trás sem que seus pescoços tremessem de fraqueza.
Se Lathon compreendeu a ofensa, não se sentiu impressionado.
— Qual é seu nome? — perguntou, dirigindo-se a Atlan.
Atlan cerrou os dentes e não respondeu.
Lathon não se perturbou com isso. Voltou a dirigir-se a Bell numa atitude presunçosa.
— Aonde pretendem levar-nos? — indagou Bell.
Lathon levantou a mão e fez um gesto pálido em direção à tela.
— Não faço a menor idéia.
Bell ficou sem fôlego. Reunindo todo o autocontrole de que ainda era capaz, disse:
— O senhor é o comandante desta nave, não é?
— Sim, naturalmente. Mas será que só por isso tenho que saber qual é o destino da nave?
A hilaridade foi uma válvula para o nervosismo refreado de Reginald Bell, que soltou uma estrondosa gargalhada. Depois disse em tom cordato:
— Acho que não. Tem toda razão. Apenas pensei que talvez o senhor soubesse.
Lathon fez um gesto negativo. Ao que parecia, cansava-se ao falar, mas julgava a conversa suficientemente interessante, para submeter-se a esse esforço.
— É claro que poderíamos indagar ao computador principal qual é o destino da Lan-Zour — sugeriu Lathon. — Mas não sei se ele estaria disposto a fornecer esse tipo de informação, e além disso saberemos de qualquer maneira quando chegarmos lá, não é?
Reginald Bell fez que sim.
— Naturalmente. É isso mesmo.
Dirigindo-se a Perry Rhodan, disse em voz baixa, e em inglês:
— Fale com esse idiota, senão ainda acabo perdendo as estribeiras.
Perry Rhodan dirigiu-se a Lathon.
— De qualquer maneira, eu lhe ficarei muito grato se quiser colher informações junto ao computador positrônico — disse, dirigindo-se ao comandante. — Seria muito desagradável se não soubéssemos para onde estamos sendo levados.
— Terei o maior prazer em atender ao seu pedido — respondeu Lathon. — Basta chamar um robô e este formulará a indagação junto ao computador.
Comprimiu um botão embutido na braçadeira da poltrona.
— Há mais algumas coisas que eu gostaria de saber — prosseguiu Perry Rhodan. — Por exemplo, o que é feito dos nossos homens que...
— Oh! — interrompeu Lathon em tom queixoso. — Receio que não consiga lembrar-me de tudo. Forneça as perguntas ao robô.
Apontou para a escotilha que acabara de abrir-se, dando entrada a um robô.
— Estou pronto — disse o homem-máquina.
— Pergunte! — pediu Lathon. — Ele está devidamente instruído.
Perry Rhodan procedeu sistematicamente.
— Primeiro: no momento do ataque a base de Fera Cinzenta tinha uma guarnição de cento e cinqüenta e dois homens. Esses cento e cinqüenta e dois homens pegaram naves transportadoras leves e procuraram salvar-se do planeta que explodia. Sabe-se alguma coisa sobre o paradeiro dessas naves e de seus ocupantes?
“Segundo: duas horas depois de iniciado o ataque, meus companheiros e eu fomos detidos por um robô arcônida. Esse robô vinha da Lan-Zour?
“Terceiro: para onde seremos levados?
“Quarto: desejamos ser conduzidos a um pequeno espaçoporto da frota terrana, cujas coordenadas lhes seriam fornecidas. Este pedido está em condições de ser atendido?
“Obrigado. É só. Será que você poderia responder minhas perguntas?”
O robô fez a repetição. Depois disso, atravessou a sala a passos pesados e manipulou vários controles de um painel. Ao que parecia, estava ligado diretamente com o computador positrônico. Quando se virou para dar as respostas, Perry Rhodan e seus companheiros haviam ouvido tão-somente o clique das chaves.
— Pergunta número um — principiou o robô. — Quinze naves de transporte terranas foram aprisionadas por naves arcônidas. Cento e trinta e quatro terranos são prisioneiros da frota arcônida.
“Pergunta número dois: a Lan-Zour desembarcou três robôs, a fim de salvar eventuais sobreviventes do planeta que explodia.
Perry Rhodan exibiu um sorriso feroz ao lembrar-se de que maneira Reginald Bell seria salvo.
— Dois robôs regressaram — prosseguiu — enquanto o terceiro anunciou sua perda total.
“Pergunta número três: a Lan-Zour chegará ao destino dentro de poucos minutos. Quanto ao mais, nenhuma resposta.
“Pergunta número quatro: o pedido não pode ser atendido.
“Fim.”
Perry Rhodan olhou para baixo. Já esperava um não à quarta pergunta. Mas o que o deixou deprimido foi a perda de dezoito homens que, ao que tudo indicava, não conseguiram sair de Fera Cinzenta. Lembrou-se do comandante da base, Mike Judson. Enquanto ainda houvesse alguém correndo perigo, Judson não seria capaz de abandonar seu posto. Concluiu que o tenente era um dos dezoito homens que encontraram a morte em Fera Cinzenta.
Isso doía. Rhodan sentiu ódio. O regente atacara a base sem aviso prévio, porque esta o incomodava ou porque acreditava que fosse a Terra. Haveria outras maneiras de eliminar a base de Fera Cinzenta. Maneiras que permitiriam a salvação de todos. Mas o regente agira com a insensibilidade própria de uma máquina.
Perry Rhodan levantou os olhos.
— Obrigado — respondeu. — Isso basta.
O robô saiu. Mal a escotilha se fechou atrás dele, ela voltou a abrir-se, dando passagem a outro robô. Este olhou para Lathon e disse:
— Chegamos ao destino, senhor. Outra nave acolherá os visitantes. Pedem que nos apressemos.
Lathon fez um gesto de enfado.
— Sempre essa maldita pressa! Levantou-se.
— Sinto muito ter de perder tão depressa um visitante tão ilustre como o senhor, Perry Rhodan — disse. Rhodan estremeceu ao ouvir pronunciar seu nome. Não sabia que Lathon o conhecia. — Desejo-lhe uma boa viagem — concluiu Lathon.
Isso parecia uma amarga ironia, mas a intenção com que foram pronunciadas estas palavras não era irônica. Lathon estava falando sério. Era um homem velho e cansado, que não sabia nada do que se passava em torno dele.
Inclinou-se, e Perry Rhodan retribuiu o cumprimento. Depois deu as costas a Lathon e deixou que o robô o levasse para fora. Voltaram à comporta pela qual haviam entrado meia hora antes. A escotilha interna abriu-se. Na câmara da comporta havia dois vultos altos que envergavam trajes espaciais e faziam movimentos impacientes.
Na comporta havia mais quatro trajes espaciais. Perry Rhodan envergou um deles. Um dos dois vultos fez um gesto impaciente em direção ao capacete. Rhodan compreendeu. Aquele indivíduo queria que ligasse o rádio.
Rhodan obedeceu, e logo ouviu uma série de palavras pronunciadas num estranho dialeto arcônida.
— ...caramba, andem mais depressa. Não podemos perder tempo. Lá fora está cheio de terranos. Vamos embora!
Tirou do bolso de seu traje uma arma de cano curto e balançou-a de um lado para outro. Rhodan procurou compreender o que se passava. Havia naves terranas nas proximidades.
Por que os estavam transbordando justamente aqui? Se transmitisse um pedido de socorro, será que os terranos poderiam tirá-lo do aperto?
Não havia como responder à pergunta enquanto não lançasse um olhar para o espaço. Ainda acontecia que o microcomunicador fora levado juntamente com os trajes espaciais, para ser descontaminado. Seria inútil pedir que lhe entregassem esses objetos. Os robôs da Lan-Zour não os devolveriam.
Perry Rhodan fechou o traje espacial. Atlan e Reginald Bell também estavam prontos. Apenas Fellmer Lloyd teve dificuldade em arranjar-se. Perry Rhodan resolveu ajudá-lo. Olhando pelo visor do capacete, notou que o rosto de Lloyd estava vermelho e que o suor lhe corria profusamente pela testa.
— Algo de errado? — perguntou em tom de perplexidade.
— Não sei — respondeu o mutante. — Sinto-me muito mal.
“Parece que é febre”, pensou Rhodan.
No mesmo instante sentiu-se apavorado à idéia de que talvez Fellmer Lloyd tivesse absorvido uma quantidade excessiva de poeira radiativa. Quando a dose de radiações ficava entre cinqüenta e cem rens muitas vezes surgia, logo após a absorção, a chamada febre gama ou de cem rens. Em alguns casos, o resultado era a morte, mas antes viria uma doença longa e desagradável.
— Ande depressa! — pediu a Lloyd. — Ao que parece, essa gente é mais ativa que Lathon. O senhor será tratado.
Fellmer Lloyd nem sequer teve força para fechar o traje. Rhodan teve de fazê-lo por ele.
— Pronto? — perguntou um dos desconhecidos.
Rhodan fez um gesto afirmativo. Os desconhecidos compreenderam o sinal. O robô desapareceu pela escotilha interna, que se fechou. A seguir, a escotilha externa abriu-se.
O quadro que se ofereceu era o mesmo de sempre. Um verdadeiro oceano de estrelas. Muito mais variado que o céu terrano, este parecia um verdadeiro tapete luminoso. Em meio àquelas cintilações havia um buraco circular. Era a nave dos desconhecidos. Estava pelo menos a dez quilômetros de distância.
Junto ao costado da Lan-Zour achava-se uma pequena nave auxiliar. Sempre vigiados pelos desconhecidos, Rhodan e seus companheiros entraram na mesma. Um dos desconhecidos tomou o lugar do piloto à sua frente, enquanto o outro se acomodava atrás dos terranos.
Perry Rhodan ficou triste ao pensar nas armas que haviam levado do abrigo de Fera Cinzenta, e que agora se encontravam nos trajes protetores deixados para trás. Caso tentassem apoderar-se da nave auxiliar, poderiam ter possibilidades de êxito, mas seria uma ação temerária...
O barco partiu. A Lan-Zour foi ficando cada vez menor na pequena tela, e, depois de algum tempo, estava reduzida a um buraco escuro no espaço. A parede metálica da nave passou a tornar-se cada vez mais nítida e brilhava à luz das estrelas. O embarque deu-se depressa e sem incidentes. Ao que parecia, aqueles desconhecidos, fossem eles quem fossem, tinham um respeito tremendo pela frota terrana. Uma fita e um elevador gravitacional conduziram os quatro terranos à sala de comando. Se a nave havia dado partida, não se percebia nada.
Ao contrário do que acontecia na sala de comando da Lan-Zour, uma atividade febril reinava na desta nave. Viam-se alguns robôs pequenos e extremamente ágeis, que executavam trabalhos de ordenança. Mas os seres orgânicos estavam em maioria. Ao vê-los trabalhar tão apressadamente e falar uns com os outros, Rhodan lembrou-se de quem eram eles. Eram ekhônidas, isto é, habitantes do planeta Ekhas, situado em algum lugar nas profundezas da Galáxia. Haviam emigrado na época de apogeu do Império Arcônida. Portanto, eram verdadeiros arcônidas, que haviam conservado a vitalidade de sua raça.
Na tela panorâmica, via-se que o Universo estava em movimento. As estreitas faixas coloridas, espalhadas na borda das telas, provavam que a nave ekhônida estava prestes a atingir a velocidade relativista. Provavelmente pretendia atingir o quanto antes a velocidade que lhe permitisse penetrar no hiperespaço. A Lan-Zour havia desaparecido.
A maior parte dos ocupantes da sala de comando não se interessou pelos terranos. Apenas dois homens, um dos quais devia ser o comandante, segundo se depreendia das insígnias que trazia, aproximaram-se de Perry Rhodan e seus companheiros.
— Os senhores são meus prisioneiros — disse o comandante, dando início à palestra.
— Como se arroga o direito de considerar-nos prisioneiros? — perguntou Rhodan.
Perry já havia tirado o capacete. Um sorriso irônico surgiu no rosto do comandante.
— Terei de levá-lo a determinado lugar e entregá-lo a quem de direito. Para isso não preciso observar as leis. Os problemas jurídicos serão resolvidos por meu superior.
— Será nosso amigo, o computador-regente? — perguntou Rhodan em tom de escárnio.
— Não estou autorizado a dar informações, seja sobre o motivo de sua prisão, seja sobre seu destino. Os senhores serão vigiados por três homens e um robô. Forneça seus nomes e outros dados ao robô, para que possa saber quem tenho a bordo. Dentro de vinte horas, deveremos chegar ao destino. Uma vez lá, poderão formular as perguntas que desejarem.
Três homens e um robô aproximaram-se. Os homens tinham um aspecto tão sombrio quanto o robô... Mas Rhodan teve sua atenção despertada por outro fato. O comandante lhes havia pedido que fornecessem seus nomes. Será que isso significava que não sabia quem eram os prisioneiros?
O ekhônida esteve a ponto de afastar-se.
— Um instante — disse Rhodan. — É bom que saiba que na primeira oportunidade que se oferecer protestarei contra o tratamento que me está sendo dispensado. E posso garantir que Perry Rhodan...
O ekhônida fez um gesto de desprezo.
— Ora, Perry Rhodan! — disse. — Será que ainda não sabe que ele explodiu juntamente com a base?
Rhodan sabia o que deveria fazer, mas naquele instante teve de esforçar-se para dar a seu rosto uma expressão que manifestasse o pavor.
— Rhodan...! — disse em tom de perplexidade. — Explodiu? — soltou uma risada forçada. — Pense em algo melhor para intimidar-nos.
O ekhônida não parecia interessado na conversa. Respondeu:
— Acredite no que quiser. Isso não me diz respeito. Apenas vim buscá-lo em determinado lugar e o entregarei em outro lugar. Minha missão é apenas esta.
— Isso em nada altera o fato de que seu procedimento constitui uma infração do direito galático — respondeu Rhodan em tom enérgico. — Sou um terrano livre. Entre a Terra e Árcon não existe o estado de guerra. Por isso, nenhum arcônida tem o direito de me tratar como se fosse um prisioneiro.
O ekhônida perdeu a paciência.
— Não me amole! — disse em tom áspero.
Afastou-se, dirigindo-se a seu posto. Os guardas ergueram as armas. O ekhônida que os havia trazido abriu a escotilha.
Naquele instante, as sereias de alarma começaram a uivar. Perry Rhodan estacou. O ruído causava-lhe um nervosismo eletrizante. Se os arcônidas estavam dando o alarma, havia naves terranas nas proximidades. Sem dar atenção às armas que os guardas mantinham apontadas para ele, Rhodan virou-se e olhou para a tela.
No centro da mesma via-se uma bola reluzente branco-azulada.
Era uma bomba ou uma nave que explodira atrás do veículo ekhônida?
As sereias silenciaram, e as vozes exaltadas dos ekhônidas tornaram-se perceptíveis. Os resultados das localizações goniométricas foram anunciados. Perry Rhodan não conhecia o sistema ekhônida de coordenadas, motivo por que os dados fornecidos não significavam nada para ele. Em compensação, quando alguém gritou a plenos pulmões, compreendeu perfeitamente o que havia acontecido.
— É a Lan-Zour! Os terranos conseguiram abatê-la.
“Isso mesmo”, pensou Perry Rhodan, “pela direção só poderia ser a Lan-Zour.”
O comandante ekhônida transmitiu suas instruções com uma calma que Perry Rhodan não pôde deixar de admirar. O veículo espacial recorreu a um propulsor auxiliar para acelerar mais e atingir mais depressa a velocidade de transição. Os observadores procuravam febrilmente localizar outros sinais da presença de naves terranas, mas não encontraram nenhum, antes que a nave entrasse em transição.
A dor provocada pelo salto foi mínima. Perry Rhodan calculou que a distância entre o ponto inicial e o ponto final da transição não deveria ser superior a dez anos-luz. Ainda um tanto confuso, o ekhônida olhou para ele.
— Escapamos dos terranos — disse. Não parecia sentir-se muito orgulhoso. — Bem que gostaria de possuir uma nave de tamanho suficiente para enfrentá-los.
Perry Rhodan limitou-se a fazer um sinal e foi andando. Os guardas formaram um semicírculo atrás do grupo e obrigaram-no a sair pela escotilha.
Enquanto percorria a reduzida distância que os separava dos camarotes em que se abrigariam, Perry Rhodan refletiu sobre a Lan-Zour. Suspeitou de algo, e à medida que pensava, a suspeita transformava-se em certeza.
Lathon sabia quem era ele. O ekhônida não sabia. O computador-regente de Árcon conhecia a mentalidade terrana e, como estrategista hábil, devia empenhar-se, a fim de manter em segredo a prisão de Perry Rhodan. Sabia que os terranos moveriam céus e infernos para libertar o chefe, caso soubessem que este ainda estava vivo. Mas, se fossem mantidos na crença de que Rhodan já estava morto, eles se manteriam em silêncio e, além disso, demorariam um ano para vencer a confusão.
O computador-regente não fazia questão de que a prisão de Rhodan se tornasse conhecida pelo Universo a fora.
Isso lançava uma luz diferente sobre o destino da Lan-Zour. Não se pôde evitar que Lathon conhecesse a identidade dos prisioneiros. Mas pôde-se evitar que transmitisse seu conhecimento a uma pessoa não credenciada.
Os responsáveis pela destruição da Lan-Zour não eram as naves terranas. O próprio regente ordenara ao computador da nave que a fizesse explodir.
Depois de algumas horas de espera, a Drusus, comandada pelo General Deringhouse, voltou ao ponto de reunião da frota terrana.
A espera se revelara vã. A base de Fera Cinzenta estava perdida e Perry Rhodan estava morto. O tempo X, ou seja, o momento do ataque contra Árcon, já passara há seis horas. Quando retornou para junto da frota que o esperava, Conrad Deringhouse já havia preparado seus planos. Não se poderia pensar mais num ataque a Árcon.
O General Deringhouse deu ordem para que a frota se retirasse. As unidades da frota receberam ordens para se reunirem no sistema de Vega, situado a pouco menos de trinta anos-luz da Terra.
As naves foram saindo uma por uma ou em grupos de duas. Dez horas depois de Deringhouse ter transmitido sua ordem, o setor espacial em que o planeta Terra reunira suas forças para desferir o golpe decisivo contra Árcon estava vazio e abandonado.
Apenas três naves, um couraçado e dois cruzadores pesados, foram destacadas por Conrad Deringhouse para manterem, às escondidas e sem que os arcônidas o percebessem, as comunicações com a base de Hades, situada na outra dimensão temporal.
O robô anotou os nomes e não apareceu mais, embora os guardas garantissem que se mantinha constantemente nas proximidades. Naturalmente deram nomes errados. Perry Rhodan passou a ser George Barrimore, Reginald Bell usou o nome Frederick O’Lannigan e Fellmer Lloyd passou a chamar-se de Walter Highman, enquanto Atlan transformou-se em Talan-Nuur. O robô registrou os sons numa ficha, por meio de impulsos, o que bastava para satisfazer às exigências do comando da nave.
Os prisioneiros foram alojados em três camarotes interligados. Um deles servia de dormitório, outro de sala de estar, enquanto no terceiro se encontrava o banheiro e os aparelhos de ginástica. Com isso, os prisioneiros não poderiam queixar-se de falta de conforto, muito embora as comodidades que lhes foram concedidas fossem de valor apenas simbólico, pois não sabiam como utilizar as excelências da cultura habitacional arcônida nas vinte horas que, segundo a informação do comandante, deveria demorar o vôo.
Logo constataram que era altamente provável que o quarto e a sala não continham qualquer aparelho de escuta.
Mas, para evitar qualquer risco, os prisioneiros conversaram sempre em voz baixa, a fim de que os microfones — caso existissem — só pudessem transmitir um murmúrio incompreensível.
Subitamente Fellmer Lloyd desmaiou. O médico chamado às pressas aplicou duas injeções contra a febre gama. Face à difícil situação, Atlan disse:
— Precisamos fazer alguma coisa. Acho que ninguém duvida de que o ekhônida nos levará para Árcon pelo caminho mais rápido. O tempo de vôo combina com esta suposição. Uma nave comum leva de quinze a vinte e cinco horas para percorrer a distância que separa Fera Cinzenta de Árcon. Quando estivermos em Árcon, não haverá mais salvação para nós. O regente tomará todas as providências para que seus prisioneiros não lhe escapem mais.
A única resposta às palavras de Atlan foi um aceno de cabeça. Perry Rhodan sabia tão bem quanto Reginald Bell que Atlan não estava exagerando. Depois de chegarem a Árcon, seriam submetidos a um interrogatório psicológico que destruiria seu corpo e sua mente. Se quisessem fazer alguma coisa para salvar-se teriam de fazê-lo agora, enquanto se encontravam a bordo da nave ekhônida.
Fossem quais fossem as idéias concebidas nos minutos ou horas que se seguiriam, uma coisa parecia certa: seria inútil lutar contra a tripulação da nave, ainda mais que o grupo de terranos tinha entre si um enfermo. Perry Rhodan apenas encontrou uma circunstância que favorecia a ele e a seus amigos. O regente de Árcon fazia questão de que os prisioneiros lhe fossem entregues vivos.
Por isso, no momento decisivo, os ekhônidas hesitariam muito antes de empregar outras armas que não as pistolas de choque. E para alguém que se vê diante de um importante empreendimento, a esperança de que, se as coisas correrem mal, provavelmente continuará vivo, já representa um grande consolo.
A alguns milhares de anos-luz de distância, quase exatamente no centro geométrico do grupo estelar M-13, o regente estava classificando as informações fornecidas por cento e trinta e quatro prisioneiros terranos. O regente não hesitara em recorrer aos recursos mais modernos da psicofísica para interrogar os prisioneiros. Agia na sábia convicção de que dificilmente um terrano estaria disposto a revelar um segredo importante enquanto não fosse obrigado a tanto.
Apesar da aplicação de modernos métodos, o resultado do interrogatório foi escasso. O regente percebeu que os terranos haviam tomado suas providências para o caso de uma catástrofe, isto é, a captura de grande número de prisioneiros.
Na verdade, o regente só conseguiu obter a seguinte informação: o planeta destruído não era, conforme de início se supusera, a Terra, mas apenas uma base avançada.
Porém esta informação perdeu grande parte de seu valor, pois o regente já a possuía antes do interrogatório dos terranos, pois, pouco antes do início do bombardeio, as naves robotizadas haviam tirado fotografias da superfície do planeta. Com exceção da área da base, não descobriram qualquer indício de vida inteligente. Ninguém seria capaz de acreditar que todas as cidades terranas eram construídas no subsolo, portanto essa informação bastava para provar que aquele mundo não era a Terra.
Restava descobrir onde ficava o mundo dos terranos. Os prisioneiros foram interrogados sobre a distância entre a Terra e a base destruída. De início recusaram-se a dar qualquer resposta. Quando finalmente a dor os obrigou a responder, indicaram cifras que iam de dez a quarenta mil anos-luz. O psicodectetor revelou que a indicação desses números não fora precedida de qualquer atuação da memória. Em outras palavras, representavam uma invenção. O computador-regente viu-se diante de um fato surpreendente: os homens de Perry Rhodan em Fera Cinzenta não sabiam a que distância ficava seu mundo natal.
E as informações que puderam dar sobre a direção onde ficava o planeta Terra eram ainda mais escassas. Eram técnicos do tipo dos que costumam ser empregados nas bases, ou seja, pessoal de superfície. Nenhum deles possuía o menor conhecimento de galatonáutica. Por isso, não foram capazes de indicar as coordenadas angulares que indicariam a direção do vetor Fera Cinzenta—Terra.
A última pergunta formulada aos prisioneiros dizia respeito a certos detalhes do sistema solar terrano. O computador-regente estava convencido de que, apesar de todas as falhas, conseguiria encontrar a Terra, se o respectivo sistema fosse por exemplo um dos sistemas gigantescos formados por mais de cem planetas ouse a própria Terra descrevesse uma órbita altamente excêntrica em torno de seu sol. Essas características extraordinárias eram mencionadas no catálogo galático, daí não seria difícil localizar o sistema.
Infelizmente, segundo as declarações dos prisioneiros, o sistema solar terrano era o que havia de mais comum. Interrogados sobre as dimensões de seu sistema, os prisioneiros mais uma vez formularam declarações divergentes. Seus conhecimentos astronômicos eram extremamente escassos.
O regente concluiu que Perry Rhodan de propósito mantivera baixo o nível de conhecimentos de seu pessoal. A única informação de valor, obtida pelo regente, foi a de que um dos planetas do sistema terrano — mais uma vez surgiram divergências entre as declarações dos terranos sobre se era o quinto, o sexto, o sétimo ou o oitavo — possuía um anel.
Porém mesmo esse êxito tornou-se apenas relativo. Com ele, o número dos sistemas possíveis ficou reduzido de alguns bilhões para algumas centenas de milhões. Mais ou menos, dez por cento dos sistemas planetários possuíam um anel.
A primeira tentativa de descobrir a posição galáctica da Terra representou um fracasso para o regente.
Mas, por enquanto, o cérebro positrônico ainda não lançara seu grande trunfo.
Perry Rhodan estava preso e encontrava-se a caminho de Árcon. Era bem verdade que o computador duvidava de que justamente Rhodan fosse revelar a posição de seu mundo. No entanto, bastaria que lhe desse uma certa liberdade de ação para que procurasse entrar em contato com seus homens, do que poderiam resultar algumas indicações preciosas.
O regente concluiu que dominava a situação.
Ao que tudo indicava, o ekhônida pretendia vencer o trecho que o separava de Árcon numa série de transições. Quem conhecesse o tamanho da nave, contaria com isso. Mas foi só a primeira dor, seguida do funcionamento dos propulsores, observado na tela, que devia acelerar para a segunda transição, que lhes deu a certeza.
Os prisioneiros sabiam perfeitamente que, só nas pausas entre as duas transições, poderiam fazer qualquer coisa. Depois de realizado o último hipersalto, já não haveria a menor esperança.
Face à duração e à intensidade da dor da transição, Perry Rhodan e Atlan calcularam a distância percorrida: de cinco a sete mil anos-luz. A distância entre Fera Cinzenta e Árcon era de aproximadamente trinta e sete mil anos-luz. Por outro lado, o lugar em que passaram da Lan-Zour para a nave ekhônida ficava apenas a alguns minutos-luz de Fera Cinzenta. Face a isso, podia-se calcular que durante o vôo para Árcon seriam realizadas de cinco a oito transições. Entre uma transição e outra havia uma pausa de quarenta minutos, durante a qual a nave era acelerada. Teriam de agir numa dessas pausas.
Zachan praguejou contra o serviço na frota espacial e especialmente contra o tédio a bordo da Keenial. Zachan era um dos três guardas que vigiavam os quatro prisioneiros terranos. E foi o único que ficou pensando sobre os motivos por que um destes se parecia com um arcônida. Ficou quebrando a cabeça. O que mais o espantava era que, além dele, ninguém parecia interessar-se pela estranha coincidência.
Zachan andava de um lado para outro pelo corredor. Levava a tiracolo a arma de choque de cano comprido. Colocara-a nas costas e segurava o cano com a mão, pois assim o passeio se tornava mais agradável.
Na verdade, Zachan e os dois outros guardas estavam mesmo passeando. Ninguém calculava com a possibilidade de que os terranos pudessem revoltar-se contra a sorte que os atingira.
Zachan caminhava vinte passos e dava uma rápida volta. Nas últimas três horas, as voltas rápidas e precisas foram seu único passatempo. Durante o caminho de volta, um dos outros guardas passava por ele, percorrendo também o caminho de vinte passos, que de um lado e de outro terminava numa meia-volta. Zachan disse um palavrão e sorriu; o outro não demorou a dar uma resposta...
O terceiro homem, chamado Olthaur, estava sentado numa poltrona, num cruzamento do corredor.
No momento em que o outro guarda fazia meia-volta atrás de Zachan, este passou pela porta que levava ao conjunto de camarotes. Olhou para trás, para verificar se o outro sabia dar meia-volta tão bem quanto ele. Quando voltou a virar a cabeça, percebeu que a porta estava entreaberta. A meia altura da fresta, surgiu uma placa de plástico reluzente. Zachan deu dois passos rápidos que o levaram para junto da porta. Pegou a folha de plástico, olhou pela fresta da porta e viu o vulto alto do terrano, que se parecia com um arcônida. Ouviu-o cochichar:
— Ande depressa! Não deixe que os outros três percebam.
Zachan estacou.
“Os outros três? Aqui fora só há dois”, pensou e, quebrando a cabeça, chegou à conclusão de que o terrano, que parecia um arcônida, deveria ter-se referido aos outros prisioneiros.
A porta voltou a fechar-se. Zachan ficou parado à frente da mesma, com o bilhete na mão. O outro guarda percebeu alguma coisa. Até mesmo Olthaur inclinou-se ligeiramente na confortável poltrona em que se encontrava a fim de ver o que estava acontecendo.
Zachan abriu o bilhete e viu que nele estavam escritas algumas linhas. Os sinais de escrita eram arcônidas. Como os ekhônidas usassem os mesmos símbolos, Zachan pôde ler o texto.
Tenho uma coisa importante a comunicar
ao comandante. Preciso falar a
sós com ele. Os terranos não devem
perceber nada. Talan-Nuur.
O outro guarda olhou por cima do ombro de Zachan.
— Avise imediatamente! — disse. — Parece que é importante.
Zachan era mais desconfiado. Era bem possível que aquilo não passasse de um truque.
Mostrou o bilhete a Olthaur. Este estudou-o com uma expressão de desconfiança.
— Acho que será melhor informar o comandante — disse Zachan de repente.
— É mesmo — confirmou Olthaur.
A poucos metros de distância, havia uma cabina de intercomunicação. Enquanto Olthaur continuava sentado na sua poltrona e a outra sentinela começava novamente a andar nervosamente pelo corredor, Zachan comunicou-se com a sala de comando. Falou em voz baixa, a fim de que os prisioneiros não pudessem ouvi-lo. Zachan sentiu-se surpreso ao notar que na sala de comando atribuíram tamanha importância à notícia que o ligaram com o comandante Chollar em pessoa. Este ouviu o que o guarda tinha a dizer. Prometeu enviar um sinal, dando ordens para que Talan-Nuur fosse levado à sala de comando.
Zachan ficou satisfeito com o resultado de sua atuação.
Dali a alguns minutos, um oficial apareceu. Era um homem jovem, bem mais jovem que Zachan. E não estava armado.
— Tire Talan-Nuur — ordenou. — Quero que vá comigo à sala de comando. O senhor me acompanhará, pois estou desarmado.
“Que homem imprudente”, pensou Zachan. “Terei de cuidar dele.”
Abriu a porta do camarote e gritou:
— O comandante quer falar com Talan-Nuur!
Nenhum dos prisioneiros estava na sala da frente. Mas quando Zachan chamou, com exceção do doente, os prisioneiros apareceram na porta que ligava os dois aposentos. Zachan repetiu a ordem. Examinou atentamente os prisioneiros, mas não notou nada de suspeito. Estava realmente convencido de que Talan-Nuur desejava dar alguma informação importante sobre os outros prisioneiros.
O oficial mandou que Olthaur e o outro guarda tivessem muito cuidado durante a ausência de Zachan. Disse que Zachan logo voltaria.
Puseram-se a caminho da sala de comando. O oficial ia à frente, Talan-Nuur no meio, enquanto Zachan fechava o grupo.
Os camarotes dos prisioneiros ficavam num corredor circular. Depois de alguns passos, este terminava num corredor provido de fitas rolantes.
A confusão aconteceu no lugar em que o corredor secundário encontrava-se com o corredor principal. E deu-se tão de repente que Zacham levou algum tempo para compreender o que estava acontecendo...
O oficial desaparecia na curva do corredor, seguido por Talan-Nuur. Zachan esforçava-se para segui-lo bem de perto, pois não queria perder o prisioneiro de vista por um instante sequer. Mas no momento em que pretendia entrar na curva do corredor uma barulheira violenta surgiu atrás dele. Zachan parou e olhou para trás, per- plexo. A porta do camarote dos prisioneiros estava aberta. O maior dos terranos estava parado na entrada, gesticulando nervosamente. Olthaur e o outro guarda se haviam colocado à sua frente, com as armas apontadas.
Zachan ficou totalmente perturbado. Finalmente lembrou-se de que sua tarefa consistia em levar um prisioneiro à sala de comando, não em cuidar do que Olthaur e o outro guarda faziam. Controlou-se e quis prosseguir...
Atlan só estava esperando este momento!
À frente dele, o jovem oficial, que não desconfiava de nada, pisou na mais lenta das fitas rolantes. O guarda que vinha atrás dele estava oculto pela curva do corredor. Enquanto isso, o ruidoso protesto de Perry Rhodan se fazia ouvir no corredor lateral, conforme fora combinado.
Numa das paredes laterais do corredor, ficava a escotilha pressurizada: ali localizava-se a saída de ar comprimido. Bastava que Atlan estendesse a mão para tocá-la. No momento em que a voz forte de Perry Rhodan começou a soar, Atlan escorregou para o lado. Suas mãos treinadas não levaram mais de um segundo para destravar a escotilha e abri-la. O poço de ar pressurizado era uma saída de emergência, e... uma saída de emergência sempre possui uma entrada fácil de ser aberta!
No momento em que Atlan abriu-a, ouviu-se um forte chiado. O jovem oficial, que já se havia afastado alguns metros na fita rolante, percebeu que alguma coisa não estava correndo bem. Virou-se e viu o arcônida abaixar-se e entrar apressadamente no poço. Por um segundo ficou mudo de pavor. E esse segundo foi suficiente para que Atlan desaparecesse no poço e fechasse a escotilha atrás de si.
No interior do poço, acendeu-se uma luz ofuscante. As paredes — lisas e brilhantes — do longo tubo abriram-se à frente do arcônida. Não se ouvia mais nenhum som vindo de fora. A escotilha era à prova de pressão e de som. E, o que era mais importante, não se podia abri-la, enquanto alguém se servisse das respectivas instalações.
Atlan agachou-se no soalho redondo do tubo. Fazia mais de dez mil anos que pela última vez saíra de forma tão desagradável de uma nave. Por um instante sentiu-se deprimido com a lembrança de Tarts... Recordava-se de que o guerreiro impetuoso o empurrara pelo tubo pressurizado da Tosoma, gravemente danificada, quando Atlântida estava submergindo.
Dali a um segundo, bateu com o punho fechado no botão luminoso vermelho à sua esquerda. Um forte ruído surgiu no interior do tubo. Bombas gigantescas aspiraram o ar, causando uma queda de pressão ao longo do eixo do tubo. Ouviu um chiado na altura da escotilha. O ar pressurizado estava entrando, e aumentava a pressão na outra extremidade do tubo. Uma tormenta rugiu em torno do arcônida, fazendo seus cabelos esvoaçarem. Sofreu uma forte aceleração e o sangue subiu-lhe à cabeça.
Viu a escotilha da comporta à sua frente. Naquela comporta, terminavam mais cinco poços de ar pressurizado, vindos de todas as direções. Se o jovem oficial fosse bastante rápido, teria alarmado a nave e ocupado a comporta o mais rápido possível. Nesse caso, alguns ekhônidas zangados estariam atrás da escotilha para receberem Atlan de armas em punho.
Uma dúvida tomava conta da mente do arcônida. Se na comporta não houvesse trajes espaciais, Atlan poderia regressar, mesmo que ninguém apontasse a arma para ele, e anunciar a Perry Rhodan que seu plano fracassara. Pois o plano não poderia ser executado sem um traje espacial.
Impaciente e nervoso, viu a escotilha deslizar para o lado. A câmara da comporta estava vazia e profusamente iluminada. Em compensação, pelo menos uma dezena de trajes espaciais, além de outros equipamentos, estavam pendurados nas paredes.
Atlan envergou um dos trajes o mais rápido que pôde. A escotilha interna fechara-se automaticamente. Atlan abriu a externa e suspirou aliviado. Enquanto esta estivesse aberta, ninguém poderia alcançá-lo. Estava em segurança. Ninguém poderia impedir a execução de seu plano. Bastaria agir com bastante prudência, e praticamente já teriam conquistado a liberdade.
Examinou o pequeno aparelho de retropropulsão embutido no traje espacial. Seu funcionamento era impecável. Escolheu entre os inúmeros equipamentos, pendurados às paredes, uma corda de plástico de cerca de trezentos metros de comprimento e enganchou-a no cinto do traje espacial. Prendeu a outra extremidade à alça presa da parede interna da comporta.
Depois saiu, fazendo a corda deslizar pela mão. No instante em que se lançou para fora, sentiu-se abandonado pelo campo de gravitação artificial existente no interior da nave. A aceleração parecia querer arrastar a Keenial a uma velocidade terrível. Mas logo ligou o retropropulsor. Face ao pequeno campo antigravitacional a pressão tornou-se suportável e a corda não foi submetida a uma tensão excessiva.
Atlan foi planando lentamente ao longo do envoltório da nave, em direção à protuberância equatorial que expelia para a escuridão as chamas branco-azuladas dos bocais de jato.
O som estridente das sereias de alarma encheu todos os corredores e compartimentos da nave. Perry Rhodan parou de discutir em inglês com os dois guardas. Olthaur e seu camarada fitaram-se com uma expressão de perplexidade.
Rhodan esforçou-se para ocultar a sensação de triunfo. Se as coisas continuassem a correr conforme haviam previsto, então...
As sereias calaram-se. O silêncio que se seguiu tinha algo de fantasmagórico. Olthaur lançou um olhar assustado para os prisioneiros e dirigiu-se à cabina do intercomunicador. Perry Rhodan continuou parado na porta, fitando o terceiro guarda, que o ameaçava de arma em punho.
Olthaur manteve uma palestra ligeira e exaltada. Descansou o fone e disse em tom nervoso:
— Os prisioneiros serão levados à sala de comando.
Se soubesse quanto Rhodan teve de esforçar-se para não suspirar aliviado, teria desconfiado. No entanto, a única coisa que ouviu foi o protesto formal de Rhodan:
— O doente não pode ser transportado.
Ao que parecia, Olthaur se sentia zangado com a própria insegurança.
— Pode ser transportado, sim! — gritou em tom furioso. — Vamos logo! Não quero conversa.
Perry Rhodan entrou no camarote. Sem que o guarda o percebesse, lançou um olhar encorajador para Reginald Bell.
Este, muito sério, acenou com a cabeça.
Fellmer Lloyd já havia recuperado os sentidos. Já estava melhor; o remédio começava a fazer efeito. Fez questão de caminhar até a sala de comando, mas Rhodan e Bell não deram atenção aos seus protestos e levaram-no, amparando-o.
Os dois guardas estavam atentos e prontos para disparar suas armas.
— Para lá! — disse Olthaur em tom enérgico, apontando sua arma pelo corredor.
Atlan conhecia a nave como a palma da mão. Era do mesmo tipo da que comandara há vários milênios, quando instalou uma colônia no sistema de Larsaf. Sabia qual era a ligação entre a abertura dos bocais e a potência do empuxo. E também sabia que na parte externa da nave, junto às saídas dos jatos, havia pequenos mecanismos manuais, capazes de alterar a abertura de cada bocal.
Às vezes os mecanismos manipulados a partir da sala de comando falhavam. E uma nave não podia ser manobrada, caso não se pudesse regular a abertura dos bocais e, com isso, a potência do empuxo. Para tanto, havia dispositivos manuais, destinados a controlar os bocais.
Era mais ou menos a mesma coisa que acontecia com os velhos automóveis dos terranos. Além do motor de arranque elétrico, tinham uma manivela capaz de pôr o veículo em movimento quando o arranque falhasse. Atlan lembrou-se desses veículos e não pôde deixar de pensar nos mesmos, enquanto se deslocava ao longo da protuberância equatorial, em direção aos raios de partículas...
Agora, poucos metros o separavam do primeiro mecanismo de regulagem manual.
Puxou rapidamente a corda e percebeu a resistência que oferecia. Precisaria da corda assim que começasse a trabalhar. Teria necessidade também do retropropulsor e do campo antigravitacional.
É que os mecanismos de regulagem manual não estavam acoplados aos mecanismos neutralizadores de pressão da nave. Assim que modificasse a largura dos bocais, a Keenial empinaria que nem um potro selvagem!
Chollar estava muito nervoso, mas não teve tempo de descarregar sua raiva sobre os prisioneiros.
Perry Rhodan sentiu a inquietação reinante na sala de comando. Um dos prisioneiros desaparecera por um caminho estranho, raras vezes trilhado. Abandonara a nave. Naquele instante vagava em algum lugar do espaço.
Por quê?
Chollar mandou que seus homens fossem procurá-lo. Os corredores principais da nave estavam fortemente vigiados. Era possível que o prisioneiro tentasse entrar por uma das comportas.
Metade dos tripulantes preparou-se para sair da nave. Naquele instante, Chollar ainda não conseguia imaginar que tipo de prejuízo um prisioneiro desarmado, que se encontrasse do lado de fora, poderia causar à nave. Porém tinha de contar com todas as possibilidades, e até com aquelas que no momento não lhe ocorriam...
Os três prisioneiros mantiveram-se nos fundos da grande sala. Estavam sendo vigiados pelos dois guardas.
Perry Rhodan contou os ocupantes da sala de comando. Incluídos os dois guardas, eram dezessete pessoas. O número de ekhônidas não lhe causava incômodo. Só no momento adequado veria como esses homens reagiriam à surpresa que os aguardava.
Perry Rhodan levantou cautelosamente o braço. Olthaur reagiu imediatamente, entortando o dedo junto ao gatilho. Com um sorriso amável, Rhodan sacudiu a cabeça e apontou para o relógio. Queria apenas saber das horas.
Eram dezoito horas e cinqüenta e três minutos. Em Terrânia, a noite principiava. Mas não era isso que importava. O importante era que, às dezoito horas e cinqüenta e cinco minutos, Atlan começaria a agir.
Atlan lançou um olhar para o relógio. Faltavam quarenta segundos.
Sua mão direita segurava a alavanca do pequeno mecanismo de regulagem. Tentou empurrá-lo um milímetro. A alavanca obedecia perfeitamente.
Não teria a menor dificuldade de, com um único movimento, modificar de tal forma a abertura dos primeiros três bocais que a potência do empuxo fosse reduzida em quarenta por cento.
Olhou para cima, ou melhor, para o lugar em que, segundo a impressão do momento, devia ser em cima. A grande comporta de carga continuava fechada. Ao que parecia, até então ninguém tivera a idéia de procurar o fugitivo junto à parede externa da nave.
Mais vinte segundos.
Finalmente chegou a hora!
De início houve um forte solavanco, que parecia fazer o estômago subir à boca, seguido de um forte estrondo: o mecanismo propulsor, que funcionava de forma assimétrica, obrigou a nave a descrever uma curva fechada.
Os homens de Chollar foram tomados de surpresa. Viram-se arrancados das cadeiras, rolavam pelo chão, batiam com a cabeça, os ombros e as pernas, e soltavam gritos de pavor.
Mesmo para os terranos, que já contavam com aquilo, as coisas não foram boas. O primeiro solavanco atirou Fellmer Lloyd ao chão e fê-lo perder os sentidos. Perry Rhodan e Reginald Bell deram um tremendo salto para perto daquela confusão de pernas e braços ekhônidas e, imediatamente, passaram à realização da outra parte do plano.
Quando Perry Rhodan conseguiu apoderar-se da primeira arma, a Keenial ainda jogava violentamente. Era uma arma de choque, e Perry começou a disparar sobre os homens deitados à sua frente. Não compreendia que as coisas pudessem ser tão fáceis. Mas, quando conseguiu levantar-se de forma pouco segura e procurou compensar o jogo da nave com movimentos dos joelhos, viu que já havia colocado fora de combate sete dos dezessete homens da sala de comando.
Nos fundos da sala, Reginald Bell trabalhava que nem um louco. Segurando duas armas de choque ao mesmo tempo, disparou salvas paralisantes sobre os homens caídos, antes que estes compreendessem o que estava acontecendo.
Parte dos tripulantes já havia sido posta fora de ação por causa da queda. Às dezenove horas e dois minutos, Reginald Bell e Perry Rhodan se haviam apossado da sala de comando da Keenial. Recolheram as armas dos homens inconscientes e trancaram as escotilhas de entrada. A sala de comando foi transformada numa fortaleza.
Finalmente Perry Rhodan foi ao painel de pilotagem e desligou os mecanismos propulsores. Dali em diante, a Keenial cortava o espaço em velocidade constante. Não havia qualquer aceleração.
No momento em que os raios chamejantes dos propulsores se apagaram, Atlan soube que o golpe fora bem sucedido.
Um silêncio sepulcral reinava na nave. Os oficiais chamaram a sala de comando. Perry Rhodan lhes contou o que havia acontecido. Ao mesmo tempo, foram advertidos de que não deveriam atacar a sala de comando. Perry Rhodan deixou bem claro que os ocupantes da sala de comando deviam ser considerados reféns.
A advertência produziu o efeito desejado. Os terranos foram deixados em paz.
Atlan voltou por um tubo pressurizado que o conduziu diretamente à sala de comando. Perry Rhodan apertou-lhe a mão, sem dizer uma palavra. Não havia tempo para palavras, mas todos sabiam quanto o arcônida tinha feito.
Perry Rhodan começou a calcular os dados para o salto que levaria a nave a um setor espacial controlado pela frota terrana. Teve alguns problemas com o computador ekhônida.
Seu trabalho progredia lentamente. Isso o deixava impaciente. Quanto mais tempo a Keenial se deslocasse livremente pelo espaço, melhores seriam as idéias que acudi-riam aos ekhônidas que se encontravam nos corredores da nave, aguardando o inimigo cometer um erro.
Já há algum tempo, Perry Rhodan bolava um plano simples e fácil de ser executado, pois não representaria um perigo para quem quer que fosse. Apenas o impediria de colocar a nave em movimento a fim de pôr-se em segurança através um hipersalto.
“Vou enviar uma mensagem enigmática...”, pensou Rhodan.
De repente, o suprimento de energia da sala de comando foi interrompido. A partir desse instante, a sala de comando passou a ser um recinto morto. Sem luz, calefação e renovação de ar!
Um único aparelho continuava a funcionar, porque dispunha de gerador próprio. Era o emissor de emergência. Aliás, era ele que estava nos planos de Perry.
Rhodan e Bell tatearam pela escuridão. Os corpos rígidos dos ekhônidas não lhes davam muito trabalho. Encostaram-nos à parede, junto a duas escotilhas trancadas.
— Fique com os ouvidos bem atentos, almirante — disse Rhodan. — E não atire contra Lloyd, quando ele recuperar os sentidos. Ele se encontra nessa direção.
Depois voltou à poltrona do piloto. O pequeno painel do transmissor de emergência ficava à esquerda do painel geral. Perry Rhodan tateava, procurando a chave mestra. Por fim a encontrou e logo a virou. Cinco lâmpadas pequenas acenderam-se, espalhando uma claridade suficiente para reconhecer o painel.
Enquanto punha o transmissor a funcionar, ficou refletindo sobre o texto da mensagem que deveria transmitir. Devia ser concebido de maneira a não despertar a atenção das naves arcônidas, mas sim a dos terranos.
Devia parecer uma mensagem de rotina, mas, apesar disso, a frota terrana deveria compreender que havia um grupo de terranos em perigo.
Depois de refletir por algum tempo, Perry Rhodan decidiu enviar a seguinte mensagem: “Lamira XII chamando YN-LISS. Posição Goshun.”
O texto foi redigido em arcônida. A única palavra intraduzível foi a palavra Goshun. Mas Perry Rhodan achava que os arcônidas que captassem a mensagem acreditariam que Goshun fosse o nome de algum planeta e não dariam maior importância ao fato. Certamente nenhum deles saberia que Goshun era o nome do lago em cuja margem ficava a capital da Terra, Terrânia.
Rhodan pegou o microfone e repetiu o texto três vezes. Tinha a intenção de repetir o chamado de dez em dez minutos, até que chegasse o socorro.
A disposição espacial Terra—Fera Cinzenta—Árcon III formava um triângulo irregular, com um ângulo obtuso no vértice correspondente à Terra e um ângulo muito agudo, que media poucos graus, no ponto em que ficava Árcon III. Ao sair de Fera Cinzenta, a Keenial se deslocara pelo lado maior do triângulo, em direção a Árcon. Em virtude disso, depois de duas transições, que a haviam levado a uma distância de cerca de doze mil anos-luz, não estava muito mais longe da Terra que por ocasião da partida.
Perry Rhodan calculava que uma nave terrana, vinda do setor em que ficava o planeta Terra, levaria cinco a seis horas até encontrar a Keenial. Isso, naturalmente, se partisse assim que fosse captada a primeira mensagem.
O suprimento de ar da sala de comando, que estava isolada, também daria para cinco ou seis horas. Se todas as esperanças fossem vãs, ainda se poderia expedir um pedido de socorro em linguagem clara, que evidentemente faria acorrer ao local naves vindas de todos os setores.
É bem verdade que, neste caso, as primeiras naves a aparecerem provavelmente seriam as arcônidas.
A tripulação da Keenial continuava tranqüila.
A espera martirizante não queria chegar ao fim.
Subitamente houve movimento no interior da nave. Ouviram-se gritos e o som cantante dos disparos energéticos atravessou as paredes. A Keenial começou a tremer.
Os três terranos que se encontravam na sala de comando logo se colocaram de pé. Gritos e disparos! Isso só podia significar que, para os ekhônidas, as pessoas, que procuravam penetrar na nave, eram inimigas.
E, se fossem inimigos dos ekhônidas, só poderiam ser terranos.
Os prisioneiros continuavam inconscientes. Três horas e meia se haviam passado a partir do momento em que Perry Rhodan expedira a primeira mensagem... A nave terrana deveria estar bem longe da Terra, quando recebeu a mensagem. De outra maneira, não poderia ter vindo tão depressa.
O barulho foi aumentando. Reginald Bell caminhou impacientemente na escuridão e parou junto a uma das escotilhas. Aproximou-se da parede metálica e procurou ouvir o que se passava lá fora.
Os ruídos não puderam ser identificados. De qualquer maneira, uma luta mortífera estava sendo travada nos conveses e corredores da nave. Os ekhônidas pareciam oferecer um máximo de resistência ao intruso.
— Deveríamos abrir a escotilha — sugeriu Reginald Bell. — Assim essa gente ficaria entre dois fogos.
Perry Rhodan achou que o plano seria muito arriscado.
— Vamos esperar! — decidiu.
O fragor da luta crescia. A nave tremia.
Ao que parecia, a resistência da tripulação ekhônida estava entrando em colapso. O barulho foi-se aproximando. Reginald Bell encostou-se na parede e ouviu perfeitamente as pisadas que corriam pelo corredor.
Os minutos foram passando. Perry Rhodan olhou para as cifras luminosas de seu relógio. A luta pela posse da Keenial já estava demorando mais de uma hora.
Subitamente uma das escotilhas começou a ribombar!
Atlan e Rhodan abrigaram-se do lado oposto da sala. Não deram a menor atenção aos prisioneiros.
— Não abra! — ordenou Rhodan. — É uma armadilha!
O ruído cessou. Perry Rhodan aproveitou um tempo para “enviar” sinais. Bateu ritmicamente. Dava três batidas seguidas. Mas a pessoa que se encontrava do lado de fora não parecia “disposta a aprender” o ritmo. Depois de algum tempo, a escotilha voltou a ribombar. Desta vez, o ruído foi tão forte e furioso que os três terranos recuaram alguns passos.
Era uma situação irreal. Encontravam-se a bordo de uma nave inimiga, onde ocupavam uma única sala, isolada do resto. Haviam irradiado um pedido de socorro e esperavam que uma nave terrana viesse em seu auxílio e os resgatasse. Esperavam que, do lado de fora, alguém batesse na escotilha e gritasse: “Abram!”
Acontece que a pessoa que se encontrava do lado de fora não dizia uma única palavra. As pancadas, que fizeram a escotilha estremecer, eram tão fortes que nem dez punhos humanos reunidos poderiam tê-las desferido.
Uma suspeita terrível surgiu na mente de Rhodan.
— Abram! — ordenou. — E mantenham as armas para baixo.
Com um ruído metálico, o fecho da escotilha correu. A escotilha abriu-se e uma luminosidade profusa entrou na sala, avivando os contornos de um vulto gigantesco, que fez o sangue gelar nas veias dos terranos.
Era um “toco”, um toco negro e em forma de cubo, que se mantinha sobre duas pernas, que mais pareciam colunas. Na parte superior do toco havia uma esfera sem cabelos, que era a cabeça. Os olhos facetados brilhavam mesmo na escuridão, e a abertura triangular da boca estava escancarada. Os braços pendiam ao lado do toco. Eram grossos e robustos e terminavam num par de mãos que chegavam a ser ridículas de tão finamente articuladas.
Aquele ser era um druuf!
Uma vez passado o susto, notaram que o druuf estava armado e ainda trazia um aparelho tradutor.
Subitamente a boca triangular moveu-se. Aquilo nem de longe era uma fala. Os druufs utilizavam outros órgãos para emitir as vibrações de ultra-som que transmitiam sua fala ininteligível. Apesar disso, o pequeno aparelho de fala começou a soar e disse numa voz impessoal e mecânica:
— Ouvimos sua mensagem. Chegamos à conclusão de que devem estar em situação difícil e viemos para auxiliar. Nossa nave está à sua disposição.
Perry Rhodan não levou muito tempo para recuperar o autocontrole. Uma nave dos druufs estivera nas proximidades quando expediu o pedido de socorro. Quer tivessem entendido a palavra Goshun, quer não, o fato é que tinham vindo para ver o que estava acontecendo. Não demonstraram o menor escrúpulo para com os tripulantes da Keenial. Afastaram tudo que se interpôs em seu caminho.
Subitamente teve uma idéia bastante desagradável. Os druufs fariam questão de que ele, Atlan, Bell e Fellmer Lloyd subissem a bordo de sua nave. As estranhas relações existentes entre os druufs e os terranos, que os separavam mais do que os uniam, provavelmente fariam com que os druufs os considerassem como prisioneiros.
Isso não era tão ruim como poderia parecer à primeira vista.
Apesar disso, Perry Rhodan resolveu fazer uma tentativa.
— Ficamos muito gratos — disse. — Mas achamos que não precisamos valer-nos de sua amável oferta. Nossas naves estarão aqui dentro de algumas horas.
O aparelho tradutor levou algum tempo para realizar a transladação. Assim que isso aconteceu, mais cinco druufs apareceram na sala de comando.
— Não acredito que nosso comandante goste da recusa — disse o primeiro druuf. — Vemo-nos obrigados a insistir em que, daqui por diante, se considerem nossos hóspedes.
“Quem dera que a mentira fizesse você morder a língua”, pensou Perry Rhodan numa disposição amarga.
Sabia que já não havia nenhuma saída. A superioridade dos druufs era tremenda. Teriam de acompanhá-los.
Em Fera Cinzenta, já haviam passado de mal a pior, e mais uma vez sua situação se modificava sem que conseguissem livrar-se. Passavam da mão de um inimigo para a de outro. A liberdade dos terranos parecia ter entrado num beco sem saída.
Num galático beco sem saída!
Perry Rhodan levantou a mão num gesto de concordância.
— Está bem — disse. — Iremos com os senhores.
O druuf esperou que o aparelho traduzisse estas palavras. Depois deu as costas a Rhodan e saiu caminhando.
A nave era um dos gigantescos cilindros e parecia ser a conquista mais recente na arte da construção de naves espaciais dos druufs. Os prisioneiros receberam um tratamento amável, mas frio. Indicaram-lhes alguns camarotes e postaram alguns druufs nas respectivas portas, a fim de vigiá-los.
Conforme se depreendeu de vários sinais, a nave — seu nome era composto de vários sons sibilantes impronunciáveis pôs-se a caminho assim que os prisioneiros foram colocados a bordo. Perry Rhodan teve certeza absoluta de que os druufs procurariam passar pela área de superposição, situada nas proximidades do sistema de Mirta, a fim de retornar o quanto antes à sua dimensão temporal.
Perry Rhodan teve pena dos companheiros, que, desde o momento em que surgiu o druuf, mantiveram-se calados.
Rhodan ainda tinha esperança. Era bem verdade que se encontravam numa situação muitíssimo mais desagradável do que a inicial. Mas, de qualquer maneira, entre os druufs estavam melhores do que estariam em Árcon.
Ainda havia um pouquinho de esperança.
Uma pequena luz poderia surgir no fim do... beco sem saída.
Kurt Mahr
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