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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Xeque Mate Universo / Kurt Mahr
Xeque Mate Universo / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Xeque Mate Universo

 

Depois que Perry Rhodan voltou de sua prisão entre os druufs, a situação política do sistema solar se estabilizou.

Por motivos ponderáveis, porém, não seria de bom alvitre que os terranos fizessem uma visita oficial aos druufs, que eram adversários declarados do regente de Árcon, muito menos que celebrassem com eles um tratado de aliança.

Os responsáveis pela sobrevivência do Império Solar concebem então um plano maravilhoso: enfraquecer substancialmente os dois grandes pretendentes ao domínio das Galáxias, os arcônidas e os druufs.

O plano vai necessitar novamente da “grande astúcia cósmica”. E o “velho” Julian Tifflor, conservado jovem pela ducha celular do planeta Peregrino, como outros grandes líderes do Império Solar, não hesita um instante em colocar o Universo em xeque.

 

                                                

 

Julian Tifflor tinha certeza de que jamais vira estes dois homens antes. Eram jovens, vestidos de maneira mais do que simples, cada um deles com uma pistola de raios térmicos na mão, apontando-lhe para o peito.

Num relance de vista, Tifflor percebeu que, nestas circunstâncias, não podia fazer outra coisa do que obedecer aos dois rapazes, por absurdas que fossem suas pretensões. Não estava, porém, com medo. Encontrava-se mais ou menos no centro da metrópole Terrânia.

É verdade que a rua, onde se localizava o restaurante em que acabara de jantar, não tinha mais movimento. Já era tarde demais para se ver gente andando pelas ruas. Dois carros disparavam nas faixas de alta velocidade, mas já iam longe, para seus ocupantes poderem notar o que dois assaltantes faziam com um senhor uniformizado, à beira da calçada.

Neste sentido, a situação era mesmo muito desfavorável para Tifflor. O restaurante, a esta hora, também estava quase vazio e certamente ainda levaria muito tempo até que mais um freguês saísse.

A princípio, julgou se tratar de simples raptores. Queriam apenas dinheiro e acreditavam que nas imediações de um restaurante de categoria podiam consegui-lo. No dia seguinte, pela manhã, quando se espalhasse a notícia do desaparecimento do Coronel Julian Tifflor, da Frota Espacial Terrana, o mecanismo gigantesco da polícia se poria em movimento e os dois coitados, com medo das conseqüências, o haveriam de soltar, caso ele mesmo, até lá, não arranjasse outra solução para o caso.

Quando um dos dois lhe perguntou se o belo carro cinza, estacionado ao longo do meio-fio, lhe pertencia, respondeu bem-humorado:

— É meu, sim. É um grande carro, não?

Mas o outro assaltante parecia não gostar de conversa fiada:

—- Abra-o e entre — disse o segundo rapaz, fazendo o gesto com a arma na mão. — Sente-se atrás.

Tifflor não se intimidou. De pé, diante da porta, olhou para os dois, dizendo:

— Sou coronel, talvez os senhores sejam mais do que isto, para me darem ordens.

Não se preocupou muito com o que os dois iriam fazer. Porém um deles deu uns passos à frente e desferiu-lhe uma forte pancada na cabeça. Cambaleou e quase caiu. No último instante, mãos fortes o pegaram por baixo dos braços e o seguraram.

Ouviu então uma voz, que lhe parecia vir de muito longe:

— Não podemos perder tempo com piadas bobas. O senhor vai fazer o que lhe mandarmos.

Tifflor não teve mais dúvida. Como poderia ele se defender, se, de antemão, eles já o deixaram quase desacordado com um soco? Liberou-se dos braços que o apoiavam e foi para o carro. Com a chave-segredo destravou as portas e o contato para a ignição. Entrou pela porta de trás e se sentou no segundo banco. Sentiu-se melhor quando sentou-se. O soco fora forte e exigia repouso.

Um deles colocou-se a seu lado, enquanto o outro, ao volante, já tinha posto o carro em marcha. Quando a pequena tela do interceptador de microondas, que servia para rastrear as pistas de alta velocidade, isto é, para indicar se estavam ou não livres, lhe indicou que a pista estava vazia, o carro disparou numa delas, bem no centro da estrada, ficando entregue a si mesmo. O fato de o assaltante ter escolhido uma faixa interna convenceu Tifflor de que o objetivo de seus algozes não ficava muito próximo.

Tentou fazer perguntas ao homem a seu lado. Começou com perguntas diretas, e quando notou que ele não respondia, passou a soltar indiretas provocativas. Mas o seu companheiro de banco estava bem escolado, não abria a boca. Não respondeu uma palavra, nem mostrou a menor reação.

Depois disso, passou pela cabeça de Tifflor a idéia de, com muito jeito, sem que o rapaz reparasse, pegar a arma num coldre sob seu uniforme.

Tentou meter a mão no bolso do casaco, onde havia um furo no enchimento que ia dar no coldre.

De repente, o rapaz deu uma rápida virada, pôs o cano de sua pistola bem rente ao rosto de Tifflor e disse com calma:

— Coloque as mãos na posição normal, em cima das pernas. Mister, sabemos muito bem como os uniformes da Frota Espacial são feitos. Não perca tempo com bobagens.

Tifflor acabou desistindo. Teve, então, tempo para pensar com mais calma em outras coisas, principalmente nas primeiras impressões que os dois rapazes lhe causaram.

Da maneira como agiram, deixaram supor que sabiam muito bem o que queriam. O posto hierárquico de Tifflor e suas ponderações de que, no mais tardar, dentro de cinco horas toda a polícia secreta estaria em seu encalço, nada disso os impressionou.

Tifflor já não tinha muita certeza se eram assaltantes comuns. Lembrou-se da inquietação que se apoderou de toda a Terra, quando, há poucas semanas, correu o boato de que Perry Rhodan tinha morrido. Quando Perry Rhodan apareceu de novo em público, demonstrando à Humanidade que não havia nenhum motivo de preocupação, os boatos foram se dissipando, até desaparecerem completamente.

Chamou a atenção de todos para não darem ouvidos aos “pescadores de águas turvas”, que aproveitavam toda oportunidade para seus fins egoístas.

Será que ele teria caído em mãos de gente assim?

O pensamento lhe parecia absurdo. Ele era coronel, alta patente, é verdade, mas nem por isso se podia esperar que Perry Rhodan e o Conselho Supremo Solar haveriam de mudar suas determinações, só pelo fato de os adversários políticos terem tomado como refém um coronel da Frota Espacial.

A situação não deixava de ser confusa e desagradável. Já era um pouco tarde para isso, mas Tifflor chegou à conclusão de que, há minutos atrás, quando ainda estava na rodovia de Goshun, devia ter provocado algum “barulho”. Tinha impressão de que, daí para frente, não teria mais oportunidade de dar sinais que avisassem alguém de seu seqüestro.

 

Julian Tifflor tivera as aventuras mais emocionantes de sua vida nas profundezas da imensidão galáctica. Ainda não havia enfrentado os bandidos da Terra. Imaginava que a viagem que os seqüestradores faziam no seu carro particular fosse terminar na solidão da estepe, numa casa em ruínas, constantemente batida pelos ventos.

Mas a casa que servia de esconderijo não correspondia muito à imaginação de Tifflor. Parecia mais um abrigo, construído há quatro séculos, para uso de bandos de nômades, geralmente assaltantes. Mas Tifflor sabia muito bem que, há pouco menos de setenta anos, não existia nenhuma casa nesta região. Porém tal fato não alterou esta singular impressão.

Quando entrou e se deparou com um moderno hospital, sua surpresa aumentou. Os corredores reluziam de tanta limpeza, e a iluminação era simplesmente exuberante. O salão para onde foi levado estava equipado com os instrumentos mais sofisticados que a psicofísica moderna podia oferecer.

A finalidade de todos aqueles aparelhos não passou despercebida a Julian Tifflor. Compreendeu que tinha de agir imediatamente, caso quisesse recuperar a liberdade. Depois de ser submetido ao tratamento em um daqueles aparelhos, seria tarde. Não teria mais o domínio de sua vontade e passaria a fazer tudo que lhe fosse exigido, pois estaria sob forte influência hipnótica.

O momento tinha de ser este. E Tifflor mostrou que era um homem de coragem, quando começou a agir, mesmo sabendo que os dois seqüestradores não o perdiam de vista. Assim que entraram na casa, ladearam-no.

Enquanto transpunham o andar térreo, pararam só uma vez, exatamente para tirar a pistola de raios térmicos que Tifflor trazia sob o casaco. Teve de permiti-lo, sem opor qualquer resistência.

Agora, continuavam andando ao lado dele. Já estavam penetrando no salão repleto de instrumentos psicofísicos. Um deles o apanhou pelo ombro e continuou levando-o através do salão. O outro ficou uns metros para trás, para trancar a porta.

Devia ser o momento decisivo.

Não interessava a Tifflor que o da frente o olhasse firme e desconfiado. Colocou o pé direito atrás do esquerdo e fez como se tivesse tropeçado, levando o corpo arqueadamente para frente, de tal modo que a mão do seqüestrador escapou de seu ombro. Ergueu-se de novo e, aliás, com toda a força que a ira lhe podia fornecer. Não precisou usar o punho. Só o choque violento de seu ombro atirou o rapaz ao chão.

Tifflor sabia do que precisava para sua garantia. Pulou para cima dele, levantou-o e o colocou à sua frente, para cobrir-se do ataque do outro, que estava trancando a porta.

O homem usado como cobertura estava meio zonzo, mas não inconsciente. Ao perceber o que acontecia, fez um esforço ingente para prejudicar Tifflor. Tentou livrar-se da bem aplicada gravata que o prendia e aplicou uma canelada em seu adversário.

Tifflor foi mais ágil. Deu uma virada com ele e, com muita força, chocou sua cabeça contra a base metálica do encefalógrafo. Ouviu-se o estalo da pancada; e o rapaz, ainda preso ao braço de Tifflor, desmaiou.

Tifflor recuou um pouco. O braço que sustinha o rapaz inconsciente já lhe estava doendo muito. Olhou para a porta e viu, surpreso, que o outro homem, que devia estar ali, havia desaparecido. Olhou em volta, deixou cair o corpo do inconsciente e se agachou entre dois grandes aparelhos, a fim de cobrir-se. Começou então a se preocupar com o paradeiro do outro rapaz.

A única coisa que conseguia ouvir era sua respiração ofegante. Fez esforço para se controlar, e passou a respirar pela boca, com a intenção de não provocar ruído. Mas ainda lhe ficaram as fortes pulsações na fonte e as dores do soco. Seu maior desejo era arranjar uma arma. Qualquer uma. Não precisava ser sua pistola de raios térmicos. Uma granada de mão, um fuzil, ou qualquer outra coisa.

Devagar, para não fazer nenhum ruído, conseguiu se virar. O rapaz inconsciente estava a dois metros dele e a mais dois metros se via a arma que deixara cair. Quatro metros, portanto. Pôs-se em movimento. Tinha que sair da proteção daqueles aparelhos, quase tão altos como ele, e passar ao lado do rapaz desmaiado. Fez tudo isto com cuidado, olhando sempre em volta.

Onde estaria o segundo homem?

Julian Tifflor não conseguiu saber, nem teve mais tempo para isto. Quando já estava quase pegando a arma, bastando-lhe apenas esticar o braço, sentiu um impacto violento, que fez seu corpo estremecer de dores lancinantes. Ainda teve tempo de reconhecer que aquele tipo de dor só podia provir de raios portadores de forte descarga elétrica. Logo depois perdeu os sentidos.

Despencara num abismo tenebroso e profundo.

 

De repente, em plenas trevas, surgiu uma luz clara, porém, sem contornos visíveis. Não era real.

Tinha dores terríveis nos olhos. Procurou mover as pálpebras, constatando, no entanto, que os olhos estavam fechados. Não era, pois, uma luz comum. Também não vinha de fora.

Ouviu então uma voz. Porém, não se via o dono da tal voz.

— Julian Tifflor — dizia — preste bem atenção!

Falava ridiculamente baixo e vagaroso. Era enorme a vontade que Tifflor sentia de rir. Mas antes que começasse a rir, a voz continuou a falar. E quanto mais falava, mais fascinado ficava com a solene lentidão e o tom cavernoso da voz. E não podia fazer outra coisa a não ser ouvir, ouvir... Sugava as palavras como uma esponja absorve a água e jamais se esqueceria de uma só delas. E além de tudo, o que a voz dizia era extremamente desconcertante, para não dizer sensacional...

 

Com a naturalidade costumeira, Reginald Bell entrou no salão, de onde Perry Rhodan dirigia os destinos do Império Solar, desde sua volta à Terra.

Da mesa à qual Rhodan estava sentado, descortinava-se o belo panorama de Terrânia. Seu gabinete estava no último andar do edifício da administração. Rhodan fez questão de instalar aí seu local de trabalho.

— Tudo em ordem — explicou Reginald Bell, depois que a porta se fechou atrás dele.

Estava certo de que Rhodan sabia de que estava falando.

Rhodan interrompeu o que estava fazendo.

— O que ele disse?

Bell sorriu malicioso:

— Um dos rapazes ele já nocauteou, quando ainda não sabia de que se tratava. Também o outro não teve melhor sorte. Ambos estão recebendo tratamento. Creio, porém, que você compreende como Tifflor deve se sentir, ou devia se sentir.

Perry Rhodan concordou.

— Que dizem os guardas de Mercant a tudo isto? Suspeitam de alguém?

A resposta de Reginald Bell foi um tanto evasiva:

— Viram alguns vultos suspeitos que seguiam o carro de Tifflor um pouco além da periferia da cidade, não, porém, até o posto psicofísico. Mercant anotou estes poucos em sua lista particular. Provavelmente se trata de espiões galácticos. Não sabem o que está acontecendo. Mas quando Tifflor entregar os pontos, haverão de compreender. Parece assim que tudo está em ordem.

Bell chegou mais perto e sentou-se numa cômoda poltrona que ali estava para as visitas.

— Ainda não sei... — disse pensativo. — O que se pode esperar deste negócio?

Parece que Rhodan não ouviu a pergunta. Seu olhar se perdia na amplidão do panorama. O sol claro e pálido de inverno estava a quase dois palmos do horizonte. Eram nove horas da manhã. Há meia hora, ainda havia geada nos telhados. O ano estava chegando ao fim.

— Muita coisa — respondeu finalmente Perry Rhodan. — Um sensível enfraquecimento do potencial militar de nossos dois adversários: os druufs e os arcônidas.

Reginald Bell pigarreou:

— Lembro-me de que ainda há dois meses tínhamos a intenção de atacar diretamente Árcon. Tudo já estava pronto. Um mero incidente nos fez desistir de levar a cabo nosso plano. Por que não o realizamos agora?

Rhodan fitou longamente seu amigo.

— O que você chama de pequeno incidente — disse Rhodan bem-humorado — por um triz não custou a vida de nós dois e de muitos outros. Você esquece as coisas assim tão depressa? Você se recorda do quadro horroroso quando todo o planeta Fera Cinzenta parecia explodir aos nossos pés?

Bell concordou.

— Bom, para nós foi sério. Mas, tendo-se em mira o grande conjunto da política galáctica, foi de fato um mero incidente. Conseguimos sobreviver a esta aventura e podemos um dia retomar o plano, não é verdade?

A resposta de Rhodan não tardou — Não, não podemos não — fez uma pausa, acendendo um cigarro. Ficou pensativo, olhando as volutas da fumaça. — Temos que compreender que nossos pés ainda não têm o tamanho suficiente para calçar as botas arcônidas.

Bell se inclinou para frente.

— É uma bela comparação, mas não creio que corresponda à realidade.

Rhodan apontou para uma pilha de papel plastificado, que estava sobre sua mesa, dizendo:

— Não me admiro de seu ponto-de-vista, pois você ainda não leu os resultados dos cálculos da positrônica de Vênus.

Bell se levantou.

— Não, realmente ainda não li. Não sabia que Atlan tinha trabalhado tão depressa.

Rhodan apenas sorriu para seu amigo.

— Foi gente de sua raça que construiu a positrônica em Vênus, há mais de dez mil anos, e não há ninguém que lide com ela melhor do que ele.

Bell sabia disso.

— Ah! Foi por isso então que você o mandou para lá. E o que diz a maravilhosa positrônica?

— Acabei de lhe dizer há pouco: Nossos pés ainda não têm o tamanho suficiente para calçar as botas arcônidas.

Sem dizer uma palavra, Bell foi pegando nas folhas. Tinham o tamanho das folhas de papel de carta, divididas em vinte colunas estreitas por linhas verticais, formadas por pontinhos fracos. Estas colunas estavam repletas de pontos, cruzes, traços alongados e pequenos círculos, sinais estes que pertenciam ao código dos computadores arcônidas. Era mister muita prática para ler diretamente estes sinais, sem uso da transcrição positrônica. Bell leu apenas algumas páginas, deixando o resto intacto sobre a mesa.

Durante esta rápida leitura, seus traços fisionômicos foram se fechando. Seus olhos se fixaram na visão panorâmica da cidade, como se um pensamento muito sério o preocupasse.

— O Império Arcônida está em pé de guerra — repetia ele mais para si mesmo o que havia lido. — O regente robotizado acabara de mobilizar suas últimas reservas para enfrentar o perigo iminente dos druufs. Este robô que dirige o Grande Império não sabe, nem pode saber, que o perigo dos druufs é uma coisa muito passageira. A zona de superposição, em que o nosso Universo e o deles se encontram, se dissolve e caminha para o interior da Via Láctea.

“Com o desaparecimento desta zona de superposição, não haverá mais nenhuma possibilidade natural de se passar do espaço de Einstein para o plano espacial dos druufs, ou vice-versa. Isto quer dizer então que, a partir daí, os druufs não representarão mais nenhum perigo para nós.”

Olhou para o lado e mediu a expressão fisionômica de Rhodan.

— Não li mais do que isto, mas acho que as conclusões que daí podemos tirar são mais do que cristalinas, não é verdade?

— Só lhe posso dar uma resposta, depois de saber o que realmente você pensa.

— O regente robotizado de Árcon — recomeçou Bell — mobilizou todo seu império. Isto significa primeiramente que ele reuniu oitenta mil belonaves. O robô não está em condições de compreender o fenômeno da existência dos diversos planos temporais. Ele se detém apenas no que vê de concreto, isto é, nas espaçonaves dos druufs que, de vez em quando, penetram em nosso Universo, e na zona de superposição, por onde sua frota chega até os druufs. Quando os druufs não derem mais sinal de si, pelo fato de haver desaparecido a zona de superposição, o regente robotizado vai pensar que isto é mais um truque e vai continuar na expectativa de um assalto a qualquer momento, crente no reaparecimento dos druufs.

Bell fez uma pausa, passando a mão nervosa por entre os cabelos. Parecia muito abatido. Depois continuou:

— Quem quer que ataque Árcon, agora ou em futuro próximo, terá de enfrentar uma frota de oitenta mil cosmonaves. Não estão incluídas aí as novas construções que saem diariamente dos estaleiros. Quando se considera que a frota terrana não passa de poucos milhares de naves, então... sim, então a gente tem de chegar à conclusão de que não é hora ainda de mexermos nesta casa de marimbondos.

Rhodan não disse nada. Reginald Bell, esperando por uma resposta, perguntou pouco depois:

— Era isto que você estava pensando, não é verdade, Perry?

— Sim, foi isto mesmo. Estamos ainda muito fracos. Se calcularmos apenas pelo número das espaçonaves, sentimos que o regente robotizado mantém uma supremacia arrasadora, com uma proporção de vinte para um. Isto, porém, não diminui o moral de nossas forças e ninguém duvida de que o espírito de luta de nossa gente é muito superior ao de todas as raças arcônidas. É um fato indiscutível. Mas, apesar deste espírito de luta destemido, ficaríamos em pior situação do que Frederico, o Grande, na Guerra dos Sete Anos. E... não podemos contar com o milagre que outrora salvou o velho Frederico da ruína total.

Bell deu uma volta e parou diante da janela.

— Você acha que Tifflor vai nos conseguir estas forças aliadas?

— Tifflor não passa de uma pedrinha neste grande mosaico. Daqui para frente a Terra vai se limitar a pequenos golpes. Somente passo a passo é que conseguiremos chegar ao nosso objetivo. Como os ratos no queijo, temos que continuar beliscando o Império Arcônida. Até que um dia, os ratos roerão o queijo todo.

— Não estou gostando desta comparação — disse Bell — mas sei que você está certo.

Voltou para a mesa de Rhodan e pegou as outras folhas que ainda não tinha lido.

 

Franklin Lubkov era tenente da Frota Espacial Terrana, tinha vinte e sete anos e estava com o queixo inchado, e agora, depois de ter executado a parte mais desagradável de sua missão, mostrava o maior respeito por seu superior.

Quando Tifflor lhe ordenou que tirasse a mão do queixo e exibisse um semblante mais alegre, obedeceu prontamente.

— O senhor sabe, isto dói bastante. Nunca pensei que o senhor tivesse um soco tão firme assim.

Tifflor não deu maior importância a esta afirmação.

— Diga-me o que você sabe sobre todo este negócio.

Lubkov fez um gesto afirmativo.

— Não é tanta coisa assim. Deram a mim e ao sargento Fryberg a incumbência de apanhá-lo na noite do dia dez de dezembro, após seu jantar no Restaurante Tai Wang e de conduzi-lo para uma casa, cuja localização nos foi dada com todos os detalhes. Instruíram-nos ainda que isto tinha que ser feito à maneira dos assaltos comuns. Camuflaram-nos os traços fisionômicos e nos cederam roupas velhas, dizendo sempre que era muito importante que tudo desse a impressão de verdadeiro.

— Sim — interrompeu Tifflor — mas quem foi que lhes deu estas ordens ou instruções?

Lubkov sorriu desajeitado:

— Marechal Mercant, senhor, ele pessoalmente e com muitos detalhes.

Tifflor soprou por entre os dentes.

— Quer dizer, então, que não lhes restou nada, a não ser obedecer, não? Bem, mas depois que vocês me trouxeram para cá, o que devia acontecer?

— Isto não seria mais nossa missão, senhor — respondeu Lubkov. — Devíamos colocá-lo lá sobre a mesa, amarrá-lo bem e depois desaparecer. O Marechal Mercant nos dissera que viria outra pessoa para cuidar do senhor.

— E nunca lhes passou pela cabeça a idéia de que o que vocês estavam fazendo era uma coisa ilegal e, sob certas circunstâncias, poderiam prejudicar o Império Solar?

— Não, senhor. Para isto teríamos de supor que o Marechal Mercant estivesse superembriagado. Além disso, enquanto ele nos dava as instruções, estava presente o Marechal Freyt. Eu, pelo menos, estava certo do que fazia.

Tifflor se virou para o lado e começou a andar de um canto para o outro.

— E como vai continuar o negócio? — perguntou ele depois de algum tempo de reflexão.

— Não sei, senhor. Disseram-me que receberíamos novas instruções do senhor mesmo.

— Onde estão os outros?

— Lá embaixo, no porão, senhor, esperando pela ordem de partida.

Tifflor se virou para ele:

— Vá lá para baixo e diga-lhes que dentro de uma hora e meia estará tudo pronto. Partimos às vinte e quarenta.

O Tenente Lubkov fez continência e foi embora. Agora, já de uniforme e sem as pinturas de camuflagem, da noite anterior, em frente ao Restaurante Tai Wang, junto com o sargento Fryberg, ele dava uma impressão muito mais simpática.

Julian Tifflor sentou-se na beira da cama, onde durante muitas horas recebera o tratamento psicofísico. Só olhar para a cama lhe despertava recordações desagradáveis, mas no quarto todo não havia uma cadeira.

Tenente Lubkov, sargento Fryberg e mais doze homens seriam a tripulação com a qual, dentro de hora e meia, obedecendo a ordens superiores, teria de partir para a aventura mais arriscada de sua longa e gloriosa carreira.

Sabia como devia agir. Estava a par de sua situação e da de sua gente. Por estas horas, em Terrânia, os jornais deviam estar circulando com notícias sensacionais sobre quatorze homens que, sob o comando de um alto oficial da Frota Espacial — homem este conhecido em toda a Terra — haviam se desgarrado da Humanidade e dos ideais políticos de Perry Rhodan, tornando-se traidores. Acreditava-se, ou melhor, os jornais acreditavam que os desertores já haviam se apossado de uma espaçonave para deixar a Terra. Apesar disso, estavam sendo procurados por todos os cantos da Terra.

O Coronel Tifflor, portanto, não ignorava que qualquer policial terrano tinha o direito de atirar nele, assim que o reconhecesse. Ele e os quatorze lá embaixo no porão já estavam automaticamente condenados ao exílio.

Tudo foi tramado com muita inteligência. Quando os arcônidas pusessem sua gente nas pegadas de Lubkov, chegariam certamente à seguinte conclusão: De início eram somente quatorze homens que pretendiam renunciar à cidadania terrana: Lubkov, Fryberg e doze outros. Precisavam de um líder e escolheram Tifflor. É claro que não passaria pela cabeça de Tifflor trair seu mundo, a Terra e o Império Solar. Para este fim, Lubkov e sua gente teriam de “condicioná-lo”. Seqüestraram-no e o arrastaram bem para fora da cidade e o “prepararam” de tal maneira, que não lhe restava outra coisa senão aderir às idéias de Lubkov.

Quando, alguns minutos após a partida, a casa fosse pelos ares, certamente haveriam de sobrar alguns fragmentos da instalação que seriam suficientes para convencer os melhores espiões de que Lubkov possuía um aparelhamento capaz de transformar o homem mais fiel num reles traidor.

E tudo estava caminhando conforme o previsto. Julian Tifflor estava realmente “condicionado”. Através de meios mecano-sugestivos, tinham-lhe inculcado todo o plano, que era a base do empreendimento. Isto levou muitas horas. Mas agora, cada detalhe do plano repousava tão firme na cabeça de Tifflor, como se desde sua infância não tivesse pensado em outra coisa. De acordo com a própria opinião de Tifflor, o plano era tão perfeito que nada nele podia dar errado.

Mesmo assim, nem tudo estava ao seu gosto, mas, o exemplar oficial terrano estava habituado a obedecer. Compreendia que as coisas tinham de ser feitas assim e não de outra maneira, para se atingir um grau de quase perfeição. Sentia falta apenas de algumas palavras amigas de algum dos responsáveis, que haviam colocado em seus ombros uma missão tão árdua.

Fazia mais de sessenta anos que Tifflor servia na Frota Espacial. Pertencia ao número dos privilegiados que haviam recebido, no planeta Peregrino, a ducha celular conservadora da juventude. Estava agora com oitenta anos, mas sua aparência, sua elasticidade corporal e sua agilidade mental eram as de um jovem de trinta anos. O processo de envelhecimento parou no ponto em que recebeu a primeira ducha celular. Com oitenta anos, era um homem de larga experiência. Mas apesar de toda sua vivência, gostaria que alguém lhe dissesse amigavelmente: “Não se preocupe, Tiff, nós estamos acompanhando você!”

Deitou-se de costas e acendeu um cigarro. Pensativo, soprava a fumaça, olhando para o teto.

Ouviu de repente uma voz estranha. Aliás, não era tão estranha assim. Já a conhecia e sabia de quem era. Surpreso, levantou-se e olhou em volta, mas não havia ninguém no quarto e a voz também não vinha de nenhum alto-falante.

Era Perry Rhodan quem estava “falando” e suas palavras ressoavam dentro do cérebro de Tiff.

Deitou de novo e ficou prestando atenção.

— Você necessita de uma explicação, Tifflor — “disse-lhe” Rhodan em tom amigável. — Sei disso e faço questão de transmiti-la. Não estranhe o meio de comunicação. Você agora passa por um proscrito e eu não posso procurá-lo diretamente. Esta mensagem foi gravada em fita e lhe está sendo transmitida por meio de mecano-sugestão. É inerente a este processo um comando pós-hipnótico, que provoca a recepção da mensagem só algum tempo depois. Suponho que, em volta de você, agora, reine plena calma, a calma que precede sempre à tempestade. Portanto, você tem tempo para me ouvir.

“A Terra se encontra numa enrascada, num beco sem saída, para lhe falar bem claramente, Tifflor. Vivemos em paz internamente. Mas Árcon, de armas até nos dentes, está de prontidão, e quando o regente robotizado descobrir qual a posição da Terra, vai nos acontecer o mesmo que aconteceu com o planeta Fera Cinzenta. Com os druufs o perigo é mínimo: o caminho para nosso Universo logo lhes será fechado. A zona de superposição desaparece e muda para outro lugar. Aí, então, o robô vai recomeçar a se preocupar conosco. Temos que aproveitar toda oportunidade que nos possa fazer ganhar mais tempo e que nos possibilite prejudicar os interesses de Árcon.

“Uma oportunidade destas, aliás magnífica, está agora diante de nós, enquanto os druufs não ficarem separados de nosso Universo.

“Sobre o plano em si não lhe preciso explicar nada, Tifflor. Você o conhece nos mínimos detalhes. Pode confiar plenamente nos homens que estão com você. Pertencem à elite da Terra, mesmo que ainda não tenha visto a maior parte deles. Todos estão ‘condicionados’. Caso o plano fracasse e eles caiam nas mãos dos inimigos, não poderão fazer nada que prejudique a Terra, como você também, Tifflor. Tivemos que tomar todas estas providências, pois estamos diante de um Império superarmado. O ser coletivo do planeta Peregrino, o único que nos poderia ajudar, não se manifesta. Não podemos obrigá-lo a vir em nosso auxílio.

“Portanto, Tifflor, não considere sua missão como qualquer patrulha de emergência. Do seu sucesso depende muito do futuro da Terra. Por isto, vamos acompanhá-lo constantemente. Dois encouraçados estarão sempre por perto. Você levará o sinalizador telepático que permitirá aos nossos mutantes localizá-lo prontamente até uma distância de dois anos-luz. Fique sabendo que você e os seus não se perderão.

“Bem, é o que lhe queria dizer. Desejo-lhe boa viagem, meu jovem. Volte logo e com muita saúde.”

A voz silenciou. Julian Tifflor se levantou, dizendo, perdido em seus pensamentos:

— Muito obrigado, Sir.

Esta frase foi supérflua. Perry Rhodan não estava por perto. Não poderia ouvi-lo.

Tifflor, de um momento para o outro, começou a se sentir melhor. Sorriu e se encaminhou para o porão, para conversar com os quatorze homens, que com ele rumariam em direção aos druufs.

 

Além do Tenente Lubkov e do sargento Fryberg, que Tiff já conhecia, encontravam-se, entre os quatorze, mais quatro homens conhecidos: John Marshall, o telepata; Ras Tschubai, o teleportador; André Noir, o hipno e Tama Yokida, o telecineta. Julian Tifflor estava admirado. Perry Rhodan havia privado o Exército de Mutantes, durante o período da missão secreta, dos seus elementos mais competentes. Marshall, Tschubai, Noir e Yokida representavam uma força tal que podia enfrentar um regimento inteiro.

Foi um grande motivo de tranqüilidade para Tifflor. Mutantes eram auxiliares extremamente valiosos, mormente para esta situação, pois tanto os arcônidas como os druufs não estavam muito “avançados” neste importante setor dos poderes para-mecânicos e parapsicológicos.

Das dezenove e trinta até quase vinte horas, Tifflor revisou com os homens todo o plano. Fez muita questão de frisar que tudo tinha sido minuciosamente preparado e que não havia motivo de temor, enquanto não estivessem ainda na zona de superposição, que distava da Terra mais de seis mil anos-luz. Esta explicação tinha que ser prestada, pois o primeiro ponto do plano não tratava de outra coisa, a não ser do seqüestro de uma espaçonave dos estaleiros de reparo da Frota Espacial.

 

Às vinte horas, o sargento Cooper revezou o sentinela que montava guarda diante do portão de entrada para os estaleiros onde estava o cruzador espacial Infant. Geralmente havia só um vigia para todo o estaleiro. Não era mesmo necessário ficar vigiando espaçonaves que se achavam em reparo. Já o fato de necessitarem de conserto, impedia que fossem roubadas.

O caso da espaçonave Infant era diferente. Os consertos ficaram prontos hoje à tarde, mas não deu mais tempo de levá-la para o espaçoporto. Foi por isto que recebeu mais um vigia, além do vigia-geral dos estaleiros.

O sargento Cooper não estava muito conformado com o fato de ter sido ele o sorteado para passar duas horas de uma noite tremendamente fria de pré-inverno, ao lado de uma nave, andando de um canto para o outro.

Além disso, a Infant era uma nave velha, esférica, com um diâmetro de dezenove metros. Naves de dimensões tão reduzidas não existiam mais, só por aí se podia ver como era antiquada. Seu mecanismo de propulsão era fraco, produzindo uma aceleração de apenas 17 mil unidades, enquanto as modernas apresentavam uma aceleração normal de 50 mil. A Infant necessitava de meia hora para elevar sua velocidade até a diferença habitual de 0,2% da velocidade da luz. E, conforme a opinião do sargento Cooper, nada disso justificava colocar um guarda especial só para a Infant.

Os vinte passos que dava de um lado para outro, constantemente, para não sentir o frio, pareciam ter a cadência do protesto. Depois de muito tempo, chegou à conclusão de que dava os vinte passos exatamente em quinze segundos. Portanto, cada dois movimentos de ida e volta faziam exatamente um minuto. E assim começou a contar os minutos. De agora até o final de sua vigília, faltavam-lhe ainda setenta e três minutos. Duncan viria então rendê-lo.

“Coitado do pobre Duncan! É um rapaz da Flórida e vai estranhar muito o frio”, pensou o sargento.

De repente, Cooper interrompeu suas passadas. Ouvira um ruído como se fosse um carro pesado que se aproximava. Este estranho ruído vinha da entrada principal, estranho porque a gente devia notar os faróis do carro. Mas não se via nada.

Cooper saiu da sombra da Infant e aguardou. Fosse qual fosse o carro, o oficial de sentinela o teria deixado passar e Cooper não precisava se preocupar com isto.

Finalmente, surgiu da escuridão o tal carro, parando a alguns metros de Cooper. A carroceria estava encoberta por uma lona e Cooper não pôde ver o quê ou quem se encontrava lá dentro. Alguém saltou da cabina do motorista e veio na direção de Cooper, que conseguiu ver os galões da hierarquia militar. Não deu para distinguir direito qual a patente, mas não havia dúvida de que era alguém do estado-maior.

Cooper fez a continência. Para isso, tirou a mão da cintura onde estava o revólver e a apoiou na aba do capacete. Nesse meio tempo, o oficial chegara mais perto, de modo que Cooper pôde ver nitidamente sua patente. Era um coronel, e Cooper sentiu mais respeito ainda. Por fim, reconheceu Julian Tifflor, e num estalo de sua memória se lembrou de ter ouvido, de manhã, qualquer coisa absurda sobre Tifflor. O que seria mesmo?

Cooper precisava de alguns segundos para se recordar.

Mas Tifflor não lhe deixou este tempo todo. Cooper não representava nenhum perigo para ele, enquanto mantivesse a mão na posição de continência. Sem que ele percebesse, aplicou-lhe um tremendo soco no queixo, com tanta força, que não precisou repetir. Cambaleando, Cooper rolou no chão. O fuzil lhe escapou dos ombros, caindo a seu lado.

De repente o Tenente Lubkov se aproximou. Tifflor viu seus dentes reluzirem no escuro.

— Peço-lhe desculpas, senhor. Só queria ver de perto como se dá um soco destes. Vejo agora que é melhor assistir do que receber.

Tifflor apenas sorriu.

— É, houve muita pancadaria nas últimas horas e infelizmente sempre contra os inocentes. Este pobre homem não se lembrará de mim com muito amor, quando voltar a si.

— É este o objetivo do empreendimento — disse Lubkov.

Voltou ao carro, batendo palmas perto da lona que o cobria.

— Desçam todos — disse. — Já chegamos ao nosso destino.

Depois disso, Tifflor não ficou mais parado ao lado de Lubkov. Já havia aberto uma pequena escotilha para a tripulação e ligado uma lâmpada de emergência, para mostrar o caminho a Lubkov e aos outros.

“Para Lubkov e para os outros”, pensava Tifflor, “mas aposto que Tschubai já está há muito na sala de comando.”

O embarque não demorou mais do que dez minutos. Julian Tifflor foi o último a entrar. Antes, ergueu o sargento desmaiado e o levou nos ombros, colocando-o na cabina do carro, descendo depois um pouco mais com o carro, até ao portão de entrada. Voltou a pé. Pensativo, passou pela escotilha, travando-a por dentro. Entrou num velho elevador antigravitacional que o levou para o convés do meio.

A segunda parte do plano se encerrava aí com êxito. Os “amotinados” estavam de posse da espaçonave.

Iniciava-se o caminho para os druufs!

 

A tela estava ligada, havia o clarão branco, mas não se via ninguém, pois quem estava falando não era nenhum ser que precisasse ser visto. A voz mecânica era de um timbre profundo, forte e com as mais refinadas modulações. Ninguém, que de antemão não soubesse que a voz pertencia ao regente robotizado de Árcon, chegaria a idéia de que estava falando com um interlocutor não orgânico.

Era um dos traços característicos da política galáctica o fato de o regente robotizado de Árcon estar sempre disposto a receber uma mensagem de Perry Rhodan, embora Árcon e a Terra estivessem em franca hostilidade e se digladiassem, quando havia oportunidade para isto. Mesmo esta hostilidade era sui generis. Não excluía, por exemplo, que, em algum ponto da Galáxia, naves terranas e arcônidas se aliassem contra um inimigo comum, enquanto que, simultaneamente, a alguns milhares de anos-luz, uma frota robotizada dos arcônidas bombardeasse uma base terrana.

Quanto à troca de mensagens, porém, Perry Rhodan sabia muito bem a verdadeira causa da solicitude do regente: mensagens eram irradiadas pelo telecomunicador. Acontece, porém, que as conversas pelo “telecom” proporcionavam a oportunidade de se determinar a localização do transmissor, e a coisa que o regente robotizado mais desejava no momento era determinar a posição galáctica da Terra.

É claro que Rhodan já havia tomado suas providências para que, ao menos por este veículo, Árcon nada conseguisse. Os diálogos, que mantinha com o regente, passavam por várias estações de relê, antes de serem transmitidos para Árcon.

Partindo da Terra, a mensagem era transmitida por raios direcionais para uma estação a dois mil anos-luz de distância. O feixe de ondas do “telecom” tinha um diâmetro de pouco menos de quarenta metros. A cobertura do feixe de ondas atingia cerca de três décimos milionésimos de segundo. Isto queria dizer que, numa distância de dois mil anos-luz, o feixe de quarenta metros abria-se para trinta mil quilômetros e passava a possuir um diâmetro por poucos porcentos maior que o feixe do planeta onde se encontrava a estação do relê repetidor.

O ponto capital em tudo isto, era que um observador inimigo, que estivesse captando uma mensagem assim transmitida, e, aliás, neste caso com muita facilidade, somente poderia localizar o transmissor se ele mesmo, casualmente, estivesse dentro deste raio direcional. A possibilidade de isto acontecer era tão reduzida que nem precisava ser levada em consideração.

A Terra estava, pois, tranqüila. A transmissão do diálogo de uma estação de relê para outra, seguia o mesmo princípio. Além disso, para cada nova irradiação, mudava-se a ordem destas estações de relê.

O regente robotizado não tinha, portanto, nenhuma chance de descobrir, por esta via, a localização da Terra.

O próprio regente emitia suas mensagens por um transmissor comum multidirecional, pois não poderia saber em que direção usar os raios.

A conversa, que Perry Rhodan tivera esta tarde do dia 11 de dezembro com o regente robotizado, fora curta, mas de conteúdo importante. Rhodan dizia:

— Encontro-me numa situação bem desagradável. Um oficial de alta patente da minha frota revelou-se, de repente, um traidor e mancomunado com um punhado de descontentes deixou a Terra numa nave seqüestrada. Não sabemos até agora para onde foram. Eu lhe seria grato se me avisasse tão logo ele se aproxime de uma de suas naves. Não que estes homens tenham muita importância para nós, pois não possuem nenhuma informação que nos possa prejudicar. Trata-se apenas de um princípio básico de nossa disciplina terrana: um desertor tem que ser punido.

Reconhecendo as circunstâncias, o regente prometeu auxílio. Já que sua voz, apesar de toda sua variada modulação, não deixava perceber nenhum sentimento, que realmente não possuía, não se poderia saber suas impressões sobre as alegações de Rhodan.

Não se podia dizer que um oficial de alta patente era um homem sem importância. O regente de Árcon sabia muito bem que este desertor, se caísse em suas mãos, lhe seria um elemento muito útil, lhe prestaria enormes serviços. Por este motivo, pediu a Rhodan que lhe desse maiores informações sobre os quinze desertores. Depois de lhe satisfazer este pedido, Rhodan acrescentou:

— Acho que lhe posso dar outra informação para lhe facilitar a compreensão de toda a situação. Há poucas semanas, tive uma longa conversa com o desertor. Este oficial graduado da Frota Terrana era de opinião de que a melhor coisa que a Terra poderia fazer era se aliar aos druufs. Parecia estar obcecado por esta aliança. Presumo, pois, que ele procurará penetrar no Universo dos druufs.

Todo este diálogo foi feito em arcônida. O regente agradeceu as informações e se despediu com a fórmula de sempre.

Naturalmente, logo após este diálogo, o regente deve ter ativado o setor de lógica, para analisar profundamente as notícias que recebera. Como supunha, constatou-se a possibilidade de que a mensagem de Perry Rhodan não passasse de um truque. Mas, de qualquer maneira, tinha que aceitar também a hipótese da veracidade daquelas palavras. Poderia acontecer mesmo que um oficial superior chegasse a esta conclusão e desertasse.

As duas alternativas se equilibravam. O melhor que podia e devia fazer era mandar aprisionar a espaçonave dos desertores. Assim não incorreria em nenhum erro.

A frota arcônida de bloqueio estava nas proximidades da zona de superposição que os terranos tinham de atravessar para chegar até os druufs. Estavam lá reunidas trinta mil espaçonaves de Árcon. Podia-se mandar para o local mais dez mil unidades e destacar vinte mil delas para procurar a nave dos desertores.

 

Quando Franklin Lubkov chegou com os outros “desertores” ao posto de comando, Ras Tschubai já lá estava realmente. Tinha o dom de transportar a si mesmo ou outros, que se firmassem bem nele, a qualquer distância, com as forças de sua mente. Esta força surpreendente, que possibilitava este transporte miraculoso, residia numa parte especial de seu cérebro de mutante e estava permanentemente à sua disposição. A única coisa indispensável para este “pulo”, como dizia Tschubai, considerando seu dom maravilhoso, eram um certo grau de concentração e uma idéia aproximada do objetivo a ser atingido.

Aliás, este incompreensível dom da natureza estava aliado a uma segurança fantástica. Se o salto de Ras Tschubai encontrasse pela frente uma matéria impenetrável, entrava então em ação uma velha lei da física de que, onde está um corpo, outro não pode ficar simultaneamente. Neste caso, Tschubai se materializava de novo no mesmo local de onde havia saltado.

Fora disso, Ras Tschubai era um cosmonauta muito experimentado. Quando, alguns minutos depois, o Coronel Tifflor chegou ao posto de comando, as turbinas de propulsão já estavam pré-aquecidas e prontas para partir.

Quando notassem a partida de uma espaçonave diretamente dos estaleiros de reparo, Tifflor sabia que haveria uma grande confusão no espaçoporto. O piso do estaleiro não fora construído para decolagem de espaçonaves. O revestimento plástico haveria de rebentar sob a forte pressão das turbinas e mesmo derreter completamente. Já do outro lado do espaçoporto, haveriam de presenciar uma enorme fogueira.

Julian Tifflor estava informado de que nos serviços de rotina do espaçoporto, esta noite, haviam sido tomadas certas providências, que na hora da decolagem da Infant, impediriam os caças espaciais de, como seria seu dever, sair imediatamente no encalço dos desertores. Portanto, a Infant sairia com uma boa vantagem de tempo, que naturalmente não poderia ser grande demais, para não dar na vista. Era importante aproveitar esta pequena dianteira para se obter um máximo de segurança.

O coronel distribuiu o pessoal em seus locais de trabalho. Todos estavam preparados para sua função. O Tenente Lubkov fazia o papel de primeiro-oficial e co-piloto. O sargento Fryberg controlava com mais dois outros as instalações de rádio, rastreamento e orientação. Não deixariam de perceber qualquer caça espacial que a Terra lhes mandasse no encalço. Os mutantes se mantinham calmos, afastados. Em caso de extrema urgência, Ras Tschubai se teleportaria para a nave que os estivesse perseguindo, causando nela tanta confusão até que a Infant ficasse em plena segurança.

Seria tudo questão de quinze minutos. Após este tempo, a Infant atingiria a velocidade para entrar em transição, isto é, para penetrar no hiperespaço.

Se conseguisse superar estes quinze minutos críticos, tudo estaria salvo.

Enquanto sua mão repousava na alavanca principal, percebeu que tudo aquilo não passava de um sofisma. De agora até sua volta à Terra, não teriam realmente um segundo de garantia. A perseguição por parte dos caças espaciais terranos não passaria de uma simples brincadeira de pique, em comparação com o que os arcônidas lhes estavam preparando, quando a Infant fosse aprisionada.

Julian Tifflor consultou o cronômetro.

Que importância teria se ater rigorosamente a um horário? Podia muito bem decolar às vinte e duas e quatorze ou às vinte e duas e quinze, dava na mesma. Para o cálculo da rota propriamente dita, teria muito tempo no espaço lá fora.

Comprimiu o pequeno botão que encimava a alavanca-geral e ouviu a sirene que indicava a partida. Fechaduras rangiam durante o controle e quando as sirenes silenciaram, parecia que todos tinham a respiração presa.

Pela última vez, Tifflor examinou as luzes de controle do painel. Tudo em ordem.

De que lhe interessava saber se tudo estava em ordem, se um míssil atômico de um caça espacial o atingisse ou um raio de desintegração de uma belonave arcônida viesse lhes dar as boas-vindas? A Infant datava dos primórdios da Frota Espacial Terrana e seu envoltório de proteção não era dos mais modernos.

Puxou então a alavanca central. Não lhe interessava o que iria acontecer com o revestimento plástico do chão do estaleiro. Que rebentasse e voasse pelos ares em milhares de pedaços.

Nas telas tremulava toda sorte de faíscas. As turbinas de propulsão cumpriam seu dever. Mas na cabina de comando não se percebia nada, pois os absorventes antigravitacionais funcionavam a contento.

A Infant estava a caminho.

 

Não havia duvida de que o destino tinha conjurado contra Julian Tifflor e sua gente. A Infant necessitou de três transições para vencer o espaço de seis mil anos-luz, até a zona de superposição nas proximidades do sistema Mirta.

E quando a nave terrana emergia pela terceira vez do hiperespaço, a menos de vinte mil quilômetros dela havia uma enorme espaçonave, provavelmente de origem arcônida. A Infant mantinha pequena velocidade. A nave arcônida determinou em poucos segundos sua posição, disparou um tiro de advertência, exigindo que parasse. Um pelotão de apresamento viria a bordo.

Tifflor protestou energicamente contra este tipo de tratamento, sem resultado, porém. A nave arcônida repetiu a advertência, com o mesmo tom de indiferença. E como a velha Infant não tinha a menor chance para enfrentar a moderna nave de oitocentos metros de diâmetro, Julian acabou cedendo e parou sua nave, isto é, adaptou sua velocidade à da nave arcônida.

Com isto, estavam entrando numa situação que, para a missão ter sucesso, devia ser evitada a todo custo. Os arcônidas deviam saber que uma nave terrana com desertores estava a caminho dos druufs. Mas não podiam de maneira alguma aprisioná-la.

Tifflor manobrou a Infant até uma distância de cinco mil quilômetros para junto da nave arcônida. A voz com que esta nave transmitia suas mensagens era nitidamente mecânica. Falava na língua arcônida e julgava que o comandante terrano tinha obrigação de compreendê-lo.

Com toda certeza, pois, devia se tratar de uma espaçonave robotizada. Teria, no máximo, cinqüenta tripulantes a bordo e estes cinqüenta arcônidas teriam funções bem secundárias. A pilotagem da nave e distribuição de ordens deviam ser assunto exclusivo dos robôs programados. O pelotão de combate devia também ser constituído de robôs móveis. Quanto ao comandante da nave, seria um sonolento arcônida ou outra pessoa das raças irmãs de Árcon. Mas, de qualquer forma, este comandante não teria voz ativa em nada.

Assim era a situação a bordo da nave arcônida. Tifflor sabia de tudo isto. O que ele não sabia era como aproveitar estes conhecimentos para salvar a Infant daquela situação. A casualidade de uma espaçonave, emergindo do hiperespaço, ir parar exatamente diante de uma outra nave já no espaço de Einstein, era uma coisa tão rara que Tifflor não estava preparado para isto. Perderam-se minutos preciosos, até que se preparasse um outro plano, naturalmente um plano de desespero, o único que cabia nesta situação.

Do pelotão de aprisionamento, provavelmente feito de robôs arcônidas, não se via nenhum sinal. A nave arcônida agia com segurança e não tinha necessidade de ter pressa.

Tifflor dirigiu-se ao sargento Fryberg:

— Já houve algum sinal?

Fryberg entendeu de que ele estava falando. Meneou a cabeça e sorriu contente.

— Não, nem uma palavra.

— Bem, continue atento.

O arcônida podia estar convencido de que sozinho resolveria a questão. Sendo uma nave robotizada, parecia razão suficiente para ele considerar completamente supérfluo chamar outra nave em auxílio ou simplesmente comunicar o que estava ocorrendo. Os robôs com sua lógica ajudariam em tudo. E somente quando terminasse a ação e toda a tripulação da Infant já estivesse presa, o comandante apresentaria seu relatório ao computador-regente. Supondo isto foi que Tifflor formulou seu plano.

 

Panjel Dreeb era um homem de Iriam. Pelos padrões da Terra, teria um metro e meio de altura, cabeleira densa e cabeça ovalada. Já pelo seu aspecto, Panjel Dreeb não acreditava na balela de que os habitantes de Iriam eram descendentes de colonizadores arcônidas. Não podia, porém, negar que estava a bordo de espaçonave arcônida, e aí trabalhando como qualquer outro. Não sabia nada do que se passava em torno dele. A nave possuía absorvedores antigravitacionais, mas Panjel Dreeb nem ao menos conhecia o aparelho. Também não poderia dizer se a nave estava parada ou em movimento. Os serviços que Panjel executava eram muito humildes — tinha de apanhar o lixo miúdo e jogá-lo no conversor. Era um trabalho para cuja execução seria antieconômico o uso de um robô. E um homem como Panjel Dreeb parecia nascido para esta função.

Estava mesmo contente com seu novo emprego. Fazia poucos dias que pertencia à tripulação da nave arcônida, achando o ambiente muito interessante. Tinha medo apenas dos homens-máquina, mas felizmente era raro se encontrar com eles.

Panjel Dreeb deslizava por uma esteira transportadora num corredor onde não se via ninguém. Na mão direita segurava uma pinça automática e ia apanhando tudo que havia de sujeira dos dois lados da esteira. Não era muita coisa. Aqui e ali um pedaço de plástico, um parafuso, ou coisas semelhantes. Quase não fazia esforço para isso.

Mas, por distração, acabou deixando passar o local onde devia saltar da esteira. Ficou indeciso. Não sabia se saltava à esquerda ou à direita, ou mesmo se continuava no mesmo corredor. Ainda não tinha chegado a uma decisão, quando lhe surge um homem estranho à sua frente.

Sim, estava realmente na sua frente. Não tinha vindo nem de cima, nem de baixo, mas estava ali. Panjel tremeu e seu rosto mudou de cor.

O susto foi tão grande que, por uns instantes, não conseguiu ver nada. Depois notou que o estranho parecia com um arcônida, nos traços gerais. Era bem mais alto que ele, de ombros muito largos. Usava também um uniforme, que Panjel Dreeb já conhecia. Só uma coisa que parecia muito estranha: sua pele era preta.

— Não tenha medo — disse o tal sujeito em arcônida. — Não lhe vou fazer nenhum mal. Diga-me apenas onde é que estou.

Panjel Dreeb começou gaguejando. Só depois de algumas tentativas foi que sua língua voltou ao normal e conseguiu dizer algumas palavras claras. Disse que estava numa nave dos arcônidas, mas isto não interessou muito àquela aparição, pois este o interrompeu.

— Sei disso. Quero saber agora onde é a cabina de comando.

A pequena cabeça de Panjel Dreeb começou a funcionar. Quem seria este preto? Por que se interessava pela cabina de comando? Será que queria fazer alguma coisa contra a nave?

— Vamos, diga logo — insistiu o estranho.

Panjel Dreeb estendeu o braço para indicar a direção.

— Ali — disse hesitante.

— Para cima ou para baixo? — perguntou o preto.

Panjel Dreeb respondeu prontamente, pois seu medo aumentava. Depois de pouco tempo, o preto já estava certo quanto ao caminho.

“Não tem importância”, pensava Panjel Dreeb, “enquanto ele estiver caminhando para lá, eu aperto o sinal de alarme, e num instante ele será preso.”

— Muito obrigado — disse o preto — você me prestou um grande favor. Infelizmente sou obrigado a lhe causar um pequeno sofrimento. Estou com receio de que você me traia. Não tenha medo, não vai acontecer nada com você. Vai apenas dormir uns minutos.

Panjel queria gritar, mas não houve tempo. O preto apontou-lhe um negócio luzidio. Panjel Dreeb levou um choque, sentiu uma forte dor em todo o corpo.

Depois foi tudo escuridão. Seus sentidos deixaram de funcionar.

 

Grande tensão nervosa imperava na cabina de comando da Infant. O pelotão de aprisionamento não havia aparecido ainda. Tranqüila e ameaçadora lá estava a grande nave arcônida — um ponto minúsculo de brilho fosco, em comparação com o mar de estrelas fulgurantes.

O novo plano de Julian Tifflor estava entrando em ação. Só poderia dar certo se o arcônida continuasse calado. O sargento Fryberg, a pedido do comandante, tentava medir, através da captação de toda a radiotelefonia, a potência dos transmissores e descobriu que a energia de irradiação era muito restrita e condicionada a pequenas distâncias. A mais de cem mil quilômetros, não era possível ouvi-los. A frota de bloqueio, portanto, não sabia nada do que uma de suas naves havia feito a um cruzador terrano.

Não foi fácil para Tifflor dominar a tensão. Seu olhar atento não perdia aquele ponto de luminosidade fosca no meio das estrelas brilhantes, passando dali para a mancha pardacenta da zona de superposição, que, apesar dos rigorosos cálculos para as transposições, ainda estava a dois anos-luz da Infant.

Os arcônidas levariam dez minutos para fazer chegar até ali o pelotão de aprisionamento. Será que este tempo daria para Ras Tschubai realizar seu intento?

 

Ras Tschubai não pensava em fazer o trajeto para a cabina de comando a pé. Sabia qual era a direção. Depois de esconder o homem de Iriam num local onde tão cedo ninguém o acharia, concentrou-se uns segundos, procurando mentalizar seu objetivo e saltou. Foi parar exatamente onde queria, mas a situação que encontrou não era bem a que imaginara.

Materializou-se bem no centro da sala de comando e esbarrou num objeto rígido e bem grande. Cambaleando, abriu os olhos e viu que tinha “atropelado” um robô arcônida. O homem-máquina voltou-se imediatamente contra ele, apontando-lhe a arma. Ras Tschubai retesou os músculos!

Porém não aconteceu nada do que esperava. A arma continuou apontada para ele; parecia, no entanto, que o robô não tinha ordem para atirar.

A sala de comando estava repleta de robôs. Mas depois que um deles já ocupara-se com o invasor, os demais não se preocuparam com o incidente e cada um continuou tranqüilo seu trabalho. Mas havia ali mais um ser orgânico, além de Ras Tschubai. De boa estatura, sentado numa poltrona baixa e confortável, este homem de cabelos brancos fazia como se nada do que estava acontecendo lhe dissesse respeito.

Era indiscutivelmente um arcônida, talvez até o comandante nominal da espaçonave. Ras Tschubai o examinou atentamente, apesar da arma do robô apontada para ele. Mas, mesmo que o arcônida tivesse notado seu aparecimento na sala de comando, isto não lhe interessava agora. Seu rosto inteligente dava mostras de indiferença, parecendo até aborrecido.

Notando que do robô não podia advir nenhum perigo imediato, Ras Tschubai começou a raciocinar mais calmamente. Passou a pensar por que os robôs estavam todos na sala de comando, se a presença deles ali tornava-se desnecessária, pois ali era o local de onde a positrônica governava a nave.

Descobriu logo. Viu uma chapa de metal plastificado, que estava desparafusada, e notou que dois robôs desciam por um enorme poço para cabos de comando. A situação era bem cômica para ele: alguma coisa não funcionava bem no possante encouraçado arcônida e os robôs estavam preocupados em consertar o defeito.

Em conseqüência da intensa movimentação dos robôs, o barulho era muito grande. Teve de gritar para que o arcônida de cabelos brancos o pudesse ouvir:

— Você não pode ordenar a seu robô que me deixe em paz? — perguntou ele em arcônida.

Vagarosamente, o arcônida virou a cabeça e fitou Ras, com olhar de indiferença.

— Pelo que estou vendo, ele não o está incomodando.

Ras deduziu as palavras mais pelos movimentos labiais, do que pelo que ouviu, pois o arcônida não fez o menor esforço para aumentar um pouco a voz.

— Quero dizer, será que o senhor não pode mandá-lo embora?

— Não, isso eu não posso fazer, meu filho. Não sei por que os robôs não me obedecem.

Ras desistiu. Este arcônida não lhe podia ser útil. Ras tinha de contar com suas próprias forças, se quisesse ter sucesso. E isto parecia difícil. O robô, com o braço levantado e a arma pronta, não o perdia de vista. E Ras Tschubai sabia que não havia a menor possibilidade de distraí-lo, muito menos de dominá-lo.

Nem por isso, porém, tinha a intenção de desistir de sua missão. Sabia de sua responsabilidade, do que estava em jogo. Custasse o que custasse, tinha que sair vitorioso.

Olhando em volta, veio-lhe uma idéia à cabeça. O negócio não era nada seguro, mas para a situação em que estava, bastava uma chance, por menor que fosse. Não podia mudar o quadro que ali estava.

O plano do Coronel Tifflor supunha que Ras encontraria a cabina de comando vazia e era só desligar o robô central e ligar o comando manual. Aí, então, ele executaria uma transição que o levaria para fora das fronteiras das Galáxias, de onde a nave arcônida não conseguiria mais voltar, nem dar sinais de si. O suprimento energético de cada nave tinha um determinado limite. Se esta reserva fosse consumida numa longa transição, a nave chegaria a um ponto de onde não podia mais sair por força própria. Este era o plano de Tifflor. Mas bastava que Ras Tschubai desse um passo na direção do comando manual para que o vigilante robotizado o matasse com uma descarga energética.

Só lhe restava uma única possibilidade. Ras fechou os olhos, não sabendo se o robô ia estranhar este procedimento. Esperou ansioso uns segundos, e quando percebeu que nada acontecia, começou a se concentrar. Conhecia as naves deste tipo e sabia onde se localizava o conjunto de propulsão...

 

O sargento Fryberg deu um pulo.

— Um rádio, senhor! Tifflor virou para trás.

— Em código?

— Não, senhor. Normal e bem legível.

O mecanógrafo acoplado ao rádio mostrava também uns sinais gráficos da escrita dos arcônidas. Fryberg nada entendia desta língua. Sabia, porém, que o aparelho não funcionaria se o rádio fosse cifrado. Foi com grande admiração que Tifflor leu:

 

Avaria positrônica. Enguiço no canal principal. Pedimos ajuda técnica.

 

Tifflor estava perplexo.

Seria isto obra de Ras Tschubai? Se o fosse, por que razão não fez o que lhe fora ordenado? E mais, por que motivo uma nave robotizada iria se utilizar da língua arcônida a fim de chamar a atenção de outras naves também robotizadas para sua situação de emergência? Os robôs se comunicavam por intermédio de simples impulsos eletrônicos. Para que então esta mensagem tão explícita?

— Captou ainda qualquer outra coisa, Fryberg? — perguntou-lhe Tifflor.

— Sim. Havia ainda uma série de pequenos impulsos.

“Que naturalmente devem significar a mesma coisa”, completou mentalmente Tifflor.

— Quer dizer então que enviaram a mensagem em dois canais: primeiro para as antenas dos robôs e depois para os ouvidos dos arcônidas. E por quê? Qual é o arcônida que exerce um cargo tão importante que tem de estar informado de tudo que se passa nas milhares de naves?

Esta questão de avaria podia explicar o motivo do atraso do pelotão de aprisiona-mento, embora já fossem decorridos vinte minutos depois da primeira advertência dos arcônidas ou de seus robôs. Se o canal central estava enguiçado, poder-se-ia deduzir que não lhes era possível abrir nenhuma escotilha.

Ou seria tudo isto um truque? Estariam tentando forçar a Infant a empreender a fuga, para então terem um pretexto para destruí-la? Um defeito positrônico deixaria fora de uso alguns postos de canhões e baterias, mas não todos. Talvez esperassem que a Infant fosse tentar a fuga.

Tifflor tinha no rosto um sorriso zombeteiro. Não iria de maneira alguma dar-lhes esta oportunidade.

 

Trabalhando com rapidez, Ras Tschubai foi “abrindo” seu caminho para o conjunto de propulsão. Ao perceber que o corredor que dava para lá estava vazio, ainda deteve-se por cinco minutos, refletindo, cheio de escrúpulos, se estava certo fazer o que planejava. Teve que se conscientizar de que se tratava do destino da Humanidade. Lembrou-se de que o regente robotizado, conforme as coisas iam se encaminhando, haveria de descobrir, através da confissão forçada de um ou outro membro da tripulação da Infant, a verdadeira posição da Terra. Procurou imaginar o que aconteceria quando uma frota de cinqüenta mil naves arcônidas atacasse o sistema solar terrano e fosse destruindo um planeta após o outro.

Depois disso, não teve mais escrúpulos. Estava resolvido a fazer o que se propusera.

Para um homem experimentado, profundo conhecedor da técnica galatonáutica, não era difícil fazer com que os reatores nucleares funcionassem com sua capacidade máxima e vedassem de tal modo todos os escapamentos. Pelas suas dimensões, isto levaria uns quinze minutos até a plena saturação e até que a fusão controlada se tornasse incontrolável e, sob a pressão de um acúmulo exagerado de energia, viesse a explodir, destruindo a nave arcônida com a violência de cem bombas de hidrogênio.

Provavelmente, aquele robô, de cujas lentes eletrônicas ele conseguira escapar, já teria ligado o alarme no posto de comando lá em cima. Certamente, todos os robôs estavam agora à sua procura, tentando descobrir o que ele tencionava fazer.

Haveriam então agora de procurá-lo por toda parte, e até que os robôs chegassem ao recinto dos propulsores, a nave já teria explodido. Já que a positrônica não estava funcionando, ninguém poderia descobrir lá em cima que os reatores estavam funcionando de tal modo que, em pouco tempo, haveriam de explodir.

Com a calma de sempre, Ras reexaminou detalhadamente tudo que fizera ali no mecanismo de propulsão. O africano de boa estatura parecia um anão ali, aos pés daquelas máquinas monstruosas. Outra vez foi assaltado pela dúvida se tinha agido honestamente. Na realidade, estas dúvidas agora não adiantavam mais nada. A esta altura, o destino da nave arcônida já estava selado. Ras não podia fazer mais nada. A energia nuclear ali gerada seguia seu curso. Ras só tinha uma opção: sair dali o mais cedo possível.

Cerrou os olhos e se concentrou para o f pulo. Mas ao invés da Infant, surgiu diante de seus olhos mentais aquele homenzinho, que encontrara no convés de baixo e que lhe indicara o caminho para a central de comando. Havia-lhe prometido que nada lhe aconteceria, quando o imobilizou com a pistola energética!

Tentou banir esta visão. Dos quinze minutos, pelo menos dez já haviam passado. Ainda mais, se tomasse em consideração que não marcara bem o tempo exato, já poderia estar correndo perigo...

Conseguiu fazer desaparecer a imagem do homenzinho da pinça automática de recolher lixo, voltando-lhe novamente a figura da Infant. Deixou o quadro crescer, até poder ver nitidamente através da parede da cabina de comando.

Foi então que pulou.

 

Julian Tifflor não percebeu o que se passava atrás dele. Ouviu um barulho qualquer e sentiu que alguém dera dois passos às suas costas. Mas seu olhar e sua atenção estavam concentrados na tela panorâmica onde se via o ponto de luz fosca da nave arcônida. O que até agora se distinguia tanto das estrelas, por seu tipo de claridade opaca — uma poeirazinha no infinito — se estufou de repente, centuplicou sua luminosidade, transformando-se num sol radiante. Um disco de luz intensa, duas vezes maior que a lua cheia da Terra, surgiu subitamente das trevas e Tifflor foi obrigado a cerrar os olhos, pois a claridade era de ofuscar.

Não se ouviu o menor ruído.

O homem acostumado às maiores explosões, não estava compreendendo o que se passava lá ao longe. Uma espaçonave explodia. Silenciosa, fulgurante como um sol, ia pelos ares num inferno atômico de proporções nunca vistas.

Esgotado e muito tenso, Julian Tifflor se virou para trás. A dois passos dele, estava imóvel Ras Tschubai. Foram seus passos que ouvira antes. O africano correspondeu a seu olhar, com sentimento de culpa, e explicou:

— Não foi possível fazer de outra maneira. A sala de comando estava repleta de robôs, que consertavam alguma coisa. Não podia nem mexer um dedo, sem que algum deles o percebesse.

Tifflor compreendeu a situação.

— É difícil para a gente — disse ele pensativo — poder julgar se você agiu corretamente. Mas não tenho nenhuma dúvida de que você fez o melhor possível.

Ras Tschubai respirou aliviado.

“Santo Deus!”, pensava Tifflor zangado consigo mesmo. “Que está acontecendo comigo? Os arcônidas mandam pelos ares planetas inteiros, destruindo tudo, sem pestanejar, e eu aqui cheio de escrúpulo só porque uma de suas naves robotizadas foi espatifada?”

Tifflor procurou tirar estes pensamentos da cabeça. A nave arcônida, pouco antes de explodir, havia enviado mensagem pedindo socorro. Este socorro chegaria a qualquer momento e seria muito conveniente para a Infant não ficar na proximidade do “acidente”.

Aliás, o próprio pedido de socorro devia servir de explicação suficiente às naves que viessem em auxílio de sua irmã acidentada. A grande nave esférica estava com uma avaria positrônica, conforme o rádio enviado. Num caso destes, podia acontecer de tudo, inclusive uma super expansão dos reatores nucleares. Não poderiam nunca culpar a Infant.

Assim, mais uma parte do plano tinha sido bem sucedida. Restava-lhe ainda outra fase, a mais espinhosa. Tinha de penetrar na zona de superposição e cumprir sua missão junto dos druufs.

Julian Tifflor tocou sua nave para frente. Acelerou rumo à indecisa neblina avermelhada, provocando a transição, ao atingir a velocidade necessária. Até aí, não havia nenhum indício de que alguma nave arcônida houvesse localizado os “desertores” da Terra.

E o grupo desejava que tudo continuasse assim.

 

Para os conceitos arcônidas, Door-Trabzon era um homem esquisito, embora parecesse muito com um arcônida. A expectativa geral era de que ele apenas assumiria o comando da frota de reconhecimento, composta de vinte mil unidades, e, no mais, deixasse todo o trabalho entregue aos robôs, ficando ele comodamente sentado, observando o desenrolar da interessante programação do projetor fictício.

Door-Trabzon realmente aceitou o comando, mas não fez nada daquilo que se esperava dele. Era um ekhônida. Os ekhônidas, descendentes de emigrantes arcônidas, conservaram a estatura e a língua de seus antepassados. Porém, em suas ações, eram muito diferentes de seus “primos”, os arcônidas legítimos. Estes últimos, devido a muitos milênios de paz, de bem-estar e de total poder sobre a Galáxia, tornaram-se uma raça decadente, preguiçosa e apática.

Já os ekhônidas eram homens de ação. Principalmente Door-Trabzon, um alto oficial da frota, composta de pelo menos trezentas naves, a quem não se podia oferecer coisa melhor do que o comando da armada arcônida de vinte mil unidades. Ele, homem de iniciativa, tinha a intenção de se mostrar digno do cargo. Fazia questão de estar a par de tudo que acontecesse na frota de reconhecimento e queria que pelo menos a metade das decisões dependesse dele. A outra metade — e aí não podia fazer nada, estava fora de sua alçada — pertencia à positrônica central.

Desde que Door-Trabzon havia assumido o comando, as naves arcônidas não se comunicavam mais com simples impulsos de hiperrádio, mas transmitiam suas mensagens diretamente em arcônida, de maneira que ele mesmo as pudesse entender.

A nave capitania de Door-Trabzon era uma espaçonave esférica do tipo mais possante. Ao tomar posse dela, seu nome era simplesmente KK XVII. Chamava-se agora Wa-Kelan, nome do maior guerreiro da história ekhônida. Door-Trabzon, sentindo-se orgulhoso da nave e de seu nome, mantinha sua tripulação, entre a qual se contava um batalhão de robôs, em constante movimento.

Soube do defeito positrônico que acontecera com uma de suas naves, a três anos-luz da Wa-Kelan. Não lhe foi nada agradável deslocar uma nave de reconhecimento só para realizar o conserto positrônico. Mas, não havia outra solução. Mandou um transporte bem armado.

Depois de alguns minutos, a nave enviada comunicou que não encontrara mais o grande couraçado de oitocentos metros de diâmetro. Avisou que, no local onde tal nave estava, uma nuvem fina espalhava-se rapidamente. Os tripulantes analisaram esta nuvem e chegaram à conclusão de que, com pequenas variações, era a mesma composição da nave de oitocentos metros. Ocorrera, pois, uma explosão.

Door-Trabzon soltou impropérios quilométricos, sem com isto perder a calma. Era senhor de mais de vinte mil aparelhos e mesmo se um ou outro desaparecesse, ainda seriam vinte mil.

— Foi um bom castigo para a tripulação. Mesmo com falha positrônica, pode-se fazer com que os reatores sejam reduzidos ao mínimo, para não acumular excesso de energia — balbuciou.

Para Door-Trabzon havia coisas muito mais importantes do que a perda de um aparelho. Estava no encalço de um terrano. Não sabia bem por que se mandava vinte mil naves atrás de um único aparelho terrano, mas já que a vantagem era toda para ele, estava tudo bem. Porém, o regente lhe havia garantido que não se tratava propriamente de vida e morte para Árcon. Contudo, era muito importante que se pegasse a nave terrana.

Door-Trabzon não tinha a menor dúvida de que o inimigo não lhe escaparia. A frota de reconhecimento não estava dormindo. Movia-se de um canto para o outro, esquadrinhando cada quilômetro cúbico do espaço.

“Se o terrano, aparecer”, pensou, “vou lhe preparar uma recepção honrosa.”

 

Fora bem sucedida a transição. Ali estava a muralha vermelho-escura do trecho de superposição, na tela panorâmica da Infant. A poucos milhares de quilômetros, abria-se o abismo em forma de uma garganta afunilada; mostrando o caminho que levava para o Universo dos druufs.

Era a primeira vez que Julian Tifflor ia percorrer este caminho. Já tinha formado a mentalidade para considerar este fenômeno como um problema físico-matemático. Mas, agora, ao ver diante de si a boca escancarada do abismo, não se sentiu muito bem. Aquela garganta de um vermelho estranho, pulsando lentamente, parecia mais com a entrada do inferno.

Antes disso, porém, a Infant ainda tinha outra tarefa. Teria de averiguar se seu salto fora captado pelos arcônidas. Com este objetivo, movia-se agora com o mínimo possível de velocidade, na direção da garganta incandescente. O sargento Fryberg, com seus dois soldados, estava ocupado em captar qualquer mensagem pelo telecomunicador.

Esta tarefa era antes de tudo uma questão de estatística. A frota terrana já conhecia a “densidade de comunicação” neste setor do espaço. O número de telecomunicações que se realizavam por segundo entre as naves da frota arcônida era quase constante. A bordo da Infant, logo após o encontro com o aparelho avariado dos arcônidas, constatara-se que tal número aumentara, a partir da última medição feita por naves de patrulhamento da Terra, pelo fator 1,333. Mas isto não tinha nada a ver com o aparecimento da Infant, pois o valor não aumentara depois do aparecimento da Infant, mas permanecera igual ao que era desde o começo.

Também não havia diminuído a partir de então. Tudo isto apenas queria dizer que o número dos aparelhos arcônidas também havia aumentado pelo fator 1,333. Era um bom sinal, pois provava que o regente de Árcon tinha caído na armadilha dos terranos e fazia um esforço ingente para capturar a nave dos “desertores”.

Fryberg fez algumas experiências. Decifrou algumas das mensagens dos arcônidas e achou que giravam em torno de coisas sem importância, instruções que eram dadas de uma nave a outra para fins de orientação e assuntos particulares.

Tudo indicava que a Infant não tinha sido localizada. E parecia que ninguém suspeitava da autoria da destruição da nave avariada. Com novo ânimo, Tifflor voltou para seu trabalho. O destino parecia ter abrandado sua severidade para com os terranos. Preparava-se para prosseguir a viagem com a Infant, quando o sargento Fryberg se apresentou:

— Há alguma coisa perto de nós — disse ele desconfiado e com voz trêmula. — Não consigo, porém, descobrir o que é.

— Sintonize bem — ordenou Tifflor alarmado — e ligue para cá.

Logo apareceu na tela do intercomunicador de Tifflor a imagem do rastreador de Fryberg. Nos primeiros instantes, além do verde-escuro da tela vazia, Tifflor não conseguiu ver nada.

— Do lado direito, em cima, Sir — explicava o sargento. — Uma mancha fraca, bem esmaecida.

Tifflor apagou a lâmpada de sua escrivaninha e olhou de novo. Conseguiu ver no canto superior direito o que Fryberg apontava. Não era propriamente uma mancha, mal se aproximava de um halo pouco perceptível, como se fosse um vidro embaciado de uma tela.

— Que dizem os outros instrumentos? — perguntou ele.

— Nada, senhor. O rastreador de matéria não diz nada, mas talvez seja porque o objeto esteja longe demais. O espaço aqui em volta está isento de resíduos de combustíveis. Somente as microondas é que registram o fenômeno.

Tifflor constatou que o objeto se movia e vinha na direção da Infant. Segundo o rastreador, não estava a mais de dez mil quilômetros. Ali, tão perto da zona de superposição, onde a luz das estrelas penetrava apenas num diminuto ângulo, não se podia esperar que este objeto fosse visto na tela a não ser quando já estivesse a poucos quilômetros de distância.

O comandante Tifflor quebrava a cabeça para descobrir alguma coisa. Pensava numa nuvem de poeira cósmica, mas com seu tamanho restrito, tinha que ser de uma densidade improvável para refletir, em microondas, a mais de dez mil quilômetros, um halo reconhecível na tela.

Tifflor se negava a aceitar a hipótese de uma espaçonave. Não havia nenhum sistema de proteção capaz de esconder uma espaçonave dos aparelhos de rastreamento em distância tão reduzida. Se houvesse tal sistema, então uma frota de espaçonaves que dispusesse dessa proteção estaria de antemão infinitamente superior a seu adversário. Tifflor reconheceu que tinha abandonado o caminho impessoal da lógica. Assustou-se, de repente. O que lhe passava pela cabeça era tão aterrador que não conseguia conservar-se calmo. Tinha de saber o que estava acontecendo.

Ordenou que os homens ficassem de prontidão nos pontos de defesa. Disse-lhes que Fryberg tinha percebido um objeto estranho e a Infant haveria de examiná-lo agora. Não havia perigo por enquanto, mas deviam estar de olhos abertos.

Sabia que tinha abandonado o caminho rigorosamente traçado, com todas as prescrições e instruções. O que estava fazendo agora, inclusive, podia ajudar os arcônidas a descobri-lo e assim fazer com que todo o plano fracassasse.

Apesar de tudo, tinha que averiguar os fatos e não lhe restava outra opção. Os homens que lhe traçaram o plano e lhe deram as instruções não contavam naturalmente com um incidente como este.

Com as turbinas em ritmo reduzido, a Infant começou a descrever uma curva. Tomando-se como ponto de referência a garganta afunilada, o estranho objeto se encontrava agora atrás da nave terrana. A Infant descreveu um ângulo de cento e sessenta graus e quando iniciou seu movimento, bem reduzido no começo, para não ser percebida, fê-lo na direção da frota de bloqueio dos arcônidas, ao invés de se afastar dela, como era seu dever.

Tifflor ainda estava preocupado com o halo da tela. Podia ser um truque dos arcônidas. Então tentou imaginar o que um estrategista arcônida pretendia com isto, que efeito esperava, quando nas imediações de uma garganta afunilada, aparecia um objeto misterioso, que mal podia ser visto pelos instrumentos da nave terrana.

Caso houvesse qualquer espécie de efeito psicológico atrás de tudo isto, estava muito acima da percepção de Tifflor.

Com pequena aceleração, a Infant se encaminhou para a mancha esmaecida da tela, que continuava seu movimento no mesmo sentido de antes. A rota da Infant foi calculada para um encontro com o estranho objeto dentro de trinta minutos.

Os homens na sala de comando esquentavam a cabeça, imaginando o que iria acontecer dentro em breve. Um silêncio pesado cobria todos os semblantes. O leve ruído das turbinas, que ninguém mais estranhava, era a única coisa que quebrava a monotonia.

Na tela de rastreamento do sargento Fryberg, a mancha esmaecida se aproximava do centro. Fryberg olhava fixo para ela e sua boca estava seca, como a de um caminhante no deserto. Se o objeto misterioso fosse realmente uma espaçonave, haveria de esperar calmamente até que a Infant se aproximasse, para depois reduzir a pedaços seu envoltório energético com uma salva de tiros bem certeiros.

“Não teremos tempo nem de piscar o olho”, pensava Fryberg.

Levantou a cabeça para olhar melhor a tela panorâmica, cada vez mais preocupado. A imagem ainda era a mesma. De um lado, o setor de um vermelho-escuro da zona de superposição; do outro, o emaranhado fulgurante das estrelas. Não se via em nenhum ponto um brilho diferente. Em nenhum lugar se podia perceber o brilho fosco das paredes de uma cosmonave.

“Talvez não seja nenhuma nave”, pensava Fryberg. “Tomara que não seja mesmo. Gostaria de ficar livre de um encontro com uma nave que se pode tornar tão invisível como um pedaço de carvão em plena escuridão!”

Percebeu que seus nervos estavam para explodir. Encostou-se na poltrona e respirou profundamente. O ar do assobio passava por entre os dentes, fazendo um ruído de panela de pressão.

“Coragem, homem”, pensava Fryberg. “Não é nenhuma espaçonave. Move-se em órbita, como um corpo inerte. Não há nenhum indício de que seja tripulado ou dirigido por alguém. É um meteorito de fibra de vidro ou algo semelhante.”

De repente, um grito quase fez estremecer toda sala de comando:

— Ele se move! Vem direto em nossa direção! — gritou Fryberg, completamente fora de si.

 

Tornava-se uma sensação horrível ver o objeto vir a seu encontro e não saber o que era.

Primeiramente, era uma mancha esmaecida na tela e a ótica não mostrava outra coisa, no local onde tinha que estar, a não ser sempre a mesma imagem.

A distância diminuía depressa. Fosse o que fosse a tal mancha esmaecida, devia ter um bom mecanismo de propulsão.

Julian Tifflor teve de sufocar o desejo de fazer uma curva com a Infant e fugir o mais depressa possível. Quando determinou a rota de encontro ao objeto, já devia prever uma espaçonave estrangeira. Agora que não lhe restava mais dúvidas, seria um ato inconseqüente tentar uma fuga e inconseqüente era uma palavra que não existia no vocabulário de Tifflor.

Também não deu aos homens das vigias nenhuma ordem de atirar, embora estivessem esperando por isto, sentados nos seus abrigos, tentando ocultar o medo e o nervosismo.

Tifflor compreendeu o que eles queriam. Balançou-lhes a cabeça e todos entenderam.

A mancha se aproximava e finalmente chegou o momento em que o astronavegador gritou:

— Alguma coisa está errada com a nossa rota. Estamos nos desviando!

Julian Tifflor reagiu pronta e instintivamente. Colocou o conjunto de propulsão em ponto morto e ficou olhando como os ponteiros dos mostradores pararam. A velocidade da Infant continuou a mesma. As turbinas pareciam continuar funcionando!

Isto não queria dizer nada, pelo menos nada a respeito da verdadeira velocidade da nave. O astronavegador tinha melhores valores, isto é, os oriundos dos desvios das paralaxes.

— Diga alguma coisa mais exata, assim que você puder — ordenou Tifflor.

O astronavegador se inclinou sobre seus instrumentos. Trabalhava febrilmente. Tifflor continuou de olhos fixos na tela do rastreador e averiguou que a mancha esmaecida tinha parado. Fryberg notou seu olhar. Sabia qual a pergunta que então viria e respondeu com antecipação:

— Distância: mil trezentos e vinte quilômetros, Sir.

Tifflor olhou para cima. A tela panorâmica ainda não mostrava nada de concreto do objeto. No entanto a uma distância tão pequena, já devia mostrá-lo bem nítido, caso tivesse as dimensões normais de uma espaçonave.

Já havia muito tempo que Tifflor não se sentia assim tão desesperado. Não lhe passava mais nenhuma idéia nova pela cabeça. Era um fenômeno estranho.

— Uma coisa é certa — disse o astronavegador, de repente. — Nós nos movemos tal qual o objeto para dentro da garganta afunilada.

Tifflor ouviu com atenção e pensou: “Por isso é que o objeto parece parado. A Infant se move na mesma direção e com a mesma velocidade. Sem nenhuma manobra, manual ou automática, alterou seu rumo. Ao invés de se afastar da garganta afunilada, encaminha-se para ela... A explicação”, concluiu mentalmente, “só pode ser uma: o tal objeto a está arrastando como que rebocada. Deve irradiar um campo magnético de atração que dá para rebocar a Infant.”

Julian Tifflor não tinha nada contra este tipo de “tratamento”, pelo menos por enquanto o trajeto fosse idêntico ao que ele planejara. Mas estava preocupado em saber que medidas o estranho objeto iria tomar para conseguir seus objetivos.

Usou o alarme chamado SA, usual em tais emergências. SA não queria dizer outra coisa, a não ser “súbita aceleração”. O alarme SA significava para a tripulação que, a partir deste momento até o final do alarme, tinham de estar prevenidos para os choques de aceleração, que, em certas condições, podiam ser tão violentos que mal poderiam ser absorvidos pelos dispositivos antigravitacionais, chegando às vezes a danificar tais dispositivos.

Após dar este alarme, Tifflor acionou novamente as turbinas de propulsão. Com a energia ampliada, de uma hora para a outra, a Infant lutava para se libertar do campo de atração que a arrastava. Num período de poucos segundos, elevou ao máximo a potência do mecanismo de propulsão. Via, pela oscilação dos ponteiros, como suas turbinas e o campo de atração magnética travavam uma luta renhida entre si. Viu também quando os ponteiros oscilaram mais forte e começaram a movimentar-se. A Infant livrava-se do campo de atração e agora continuava sua própria trajetória.

O astronavegador soltou um grito de triunfo. Com a voz rouca, disse uma seqüência de números que comprovavam que o golpe de surpresa dera bom resultado. O objeto não tivera tempo de reagir rapidamente à aceleração-relâmpago executada por Tifflor. Assim, a nave terrana escapara do campo de atração.

Tifflor não queria saber de outra coisa. Ordenou uma curva de cento e oitenta graus e colocou a Infant novamente no encalço do estranho objeto. Conduziu-a até ao local em que se encontraria, se não tivesse escapado do campo de atração, e depois se entregou de novo, espontaneamente, à mesma força.

Gostaria de saber agora a cara que o desconhecido estaria fazendo. Ele teria de compreender que a nave terrana escapara com seus próprios meios e, agora, voltava espontaneamente para se entregar como prisioneira.

Julian Tifflor, porém, duvidava de que o desconhecido fosse capaz de compreender seu gesto.

 

Duas coisas diferentes deixaram Tifflor pensativo, enquanto a nave terrana deslizava mansamente pela garganta afunilada, aproximando-se de seu ponto mais estreito.

Primeiro, o objeto desconhecido reagira muito lentamente à sua tentativa de fuga, portanto não era algo comandado por robôs, pois, do contrário, em milésimos de segundo, o robô teria reagido para se adaptar à nova situação de reforçar a potência do campo de atração. Não era, portanto, uma nave robotizada e por isso não seria também nenhuma nave arcônida.

Mesmo que se aceitasse a hipótese de haver um ser orgânico no comando do objeto estranho, a reação de tal indivíduo estaria classificada como extremamente lenta, como se estivesse muito distraído ou mesmo dormindo. Tifflor estava admirado que só agora, depois de passados quinze minutos, é que esta idéia lhe vinha à cabeça e não muito antes. Pois eram bons indícios sobre as qualidades de quem estava no comando do estranho objeto. Uma pessoa normal, nestas circunstâncias, não ficaria distraída ou dormindo, mas reagiria com grande atenção. Reações muito lentas podiam significar também a impossibilidade de tomar resoluções próprias e no momento.

Talvez pelo simples motivo de que seu tempo próprio fosse diferente do terrano. Uma coisa que um terrano faria em um segundo, ele precisaria de dois. Pois ele provinha de um outro Universo, de um outro plano temporal, e o fator através do qual seu tempo próprio se diferenciava do tempo do espaço de Einstein, era exatamente dois.

Isto, porém, era uma acepção que valia para todos os druufs.

Julian Tifflor, a esta altura, não tinha mais nenhuma dúvida de que este objeto desconhecido devia ser uma nave dos druufs. Apenas não sabia como é que a nave conseguia permanecer invisível a todos os instrumentos de rastreamento, com exceção do aparelho de microondas. Mas estava crente que também isto ele descobriria.

“No momento”, refletiu ele, “o essencial é que a Infant está na rota certa.”

 

Reinava muita agitação sob o céu marrom de Druufon. Um gigantesco sol avermelhado e um outro esverdeado, menor mas de intensa luminosidade, brilhavam sobre um povo que olhava para o futuro com muita apreensão.

Ainda há alguns dias atrás — naturalmente dias do tempo de Druufon — os druufs acreditavam que lhes estava aberto o caminho fácil para um novo mundo, como que preparado para ser ocupado por eles. Penetraram num Universo diferente, através de uma brecha no espaço. Tudo aquilo que havia de inteligência orgânica caíra-lhes, sem dificuldade, nas mãos sedentas de conquistas.

Mas chegou o dia em que, ao invés de uma brecha, abrira-se um gigantesco rombo, e aí começou a fatalidade. Cada vez que os druufs tentavam atravessar o paredão para invadir o outro espaço, uma frota de naves desconhecidas se abatia sobre eles e os expulsava prontamente. Paravam prontamente. Paravam por algum tempo, mas logo depois voltavam à carga, sempre com o mesmo resultado. O inimigo, que espreitava do outro lado do paredão, era poderoso demais. E pior ainda, era muito mais rápido do que os druufs podiam imaginar.

Os druufs conheciam, naturalmente, o fenômeno. A velocidade muito superior do adversário não era outra coisa do que a conseqüência dos diferentes planos temporais. Caso os druufs não tivessem feito esforços ingentes para dominar este fenômeno, teriam sucumbido completamente. Pois, originariamente, seu tempo corria 72 mil vezes mais lento que o do inimigo. O tempo de que precisavam, por exemplo, para uma respiração, era suficiente para os adversários reunirem uma grande frota e destruírem todas as naves dos druufs, tão logo botassem o nariz para fora da zona de descarga.

Com grande esforço, conseguiram os druufs dominar o problema até um certo ponto. Seus cientistas criaram um campo temporal que lhes modificava o tempo próprio. Podiam então, conforme as condições, apressar ou retardar a passagem do tempo. Naturalmente, para eles, o mais importante era apressar. Chegaram até a proporção de dois para um. Mais não lhes era possível obter com o campo temporal. Tinham, pois, que deixar nas mãos dos adversários a vantagem de uma velocidade duas vezes maior.

Não se atreviam mais a penetrar no Universo estranho com grandes frotas. Não podiam mais se arriscar a grandes prejuízos. Enviavam naves avulsas, que, dependendo da experiência da tripulação, conseguiam furar o bloqueio do adversário e executar longos vôos de patrulha pelo outro espaço. Depois das grandes baixas sofridas com frotas numerosas, restringiam-se a estas saídas e estavam felizes pelo fato de o adversário ainda não haver feito “pesadas” incursões em seu Universo.

Mas parece que a situação estava mudando. A última nave que viera de fora falava de enorme aglomeração e movimentação de frotas em torno da zona de superposição. A frota de bloqueio adversária tinha sido reforçada. Tudo fazia supor um ataque iminente. Entre os druufs havia uns poucos otimistas, entusiasmados com os primeiros resultados da vanguarda de robôs, que acreditavam que este ataque redundaria em total fracasso. Entretanto, já pela simples comparação numérica, se podia ver a uma grande inferioridade dos druufs, acrescida da dura realidade de seu tempo próprio, duas vezes mais lento.

Não havia dúvida de que os druufs tinham de temer por sua própria sobrevivência.

Nos últimos momentos, porém, chegou inesperadamente à capital do planeta Druufon uma nova mensagem. Depois de examiná-la com cuidado e muita reserva, os técnicos chegaram à conclusão de que o que a última nave de patrulhamento havia conseguido em seu regresso era um ponto de apoio estratégico importante, para uma guinada definitiva à vitória.

Pois, em última análise, se tratava apenas de se obter um grupo de pessoas que estivesse em condições de reagir a um ataque inimigo com a mesma presteza que os adversários.

Este punhado de pessoas parecia estar agora à disposição dos druufs.

 

Era um Universo totalmente diferente. Podia-se percebê-lo pela cor do céu, onde o mar de estrelas refulgia num brilho insólito. Para Julian Tifflor, que realizara pela primeira vez na vida a transição do espaço de Einstein para o dos druufs, a visão era qualquer coisa de descomunal, para não dizer assustadora.

O espaço teria de ser preto, pois não era outra coisa a não ser o próprio vácuo que se plasmara numa determinada forma. Mas não era preto, era de um vermelho-escuro.

Brilhava incandescente, como se alguém ou alguma coisa o fizesse arder por fora.

Julian Tifflor dominou a perplexidade que causava nele e em todos os seus tripulantes, que aqui estavam pela primeira vez, o espetáculo daquele Universo singular, e começou a reparar no estranho aparelho. Não era mais a mancha esmaecida da tela do aparelho de microondas. Tinha se transformado num ponto luminoso que a ótica agora mostrava como uma estrela pequena, de coloração avermelhada, porém, bem diferente das estrelas reais.

Os druufs haviam acabado de retirar o véu de camuflagem.

A nave terrana não tomou nenhuma iniciativa. Os druufs tinham de saber que haviam sido descobertos pela Infant. Tinham arrastado o cruzador terrano; portanto, a eles cabia iniciar o diálogo.

O campo de sucção, ou melhor, de atração, ainda funcionava, mas a nave dos druufs estava em operação de frenagem e, uma hora depois de transpor a garganta afunilada, parou completamente. Os rastreadores da Infant assinalaram todos os dados referentes à velocidade, conjugados com o sistema dos dois sóis de Druufon.

Mais uma meia hora se passou sem novidade alguma. Tifflor tinha resolvido que chamaria a nave dos druufs, se dentro de dez minutos não se manifestassem. Não precisou, porém, esperar tanto. Dos dez minutos, havia passado apenas um, quando da escuridão avermelhada surgiu uma numerosa frota de unidades alongadas e cilíndricas, fechando um círculo estreito em torno da Infant. Tifflor havia dado severas instruções aos pontos de defesa para que não atirassem, a não ser em caso de extrema necessidade.

Pouco depois deste “abraço” pouco fraterno, o telecomunicador começou a funcionar. Tifflor ligou para a escuta, declarando em inglês que estava disposto a ouvir qualquer um que desejasse falar com ele. A tela do vídeo continuava apagada. Ou os druufs não davam nenhuma importância ao videofone ou seu transmissor não estava acoplado com a projeção da imagem.

Apreensivo, Tifflor via como o tempo passava, depois de ter declarado estar à disposição de quem quisesse falar. Enquanto isto, imaginava como lá do outro lado, a bordo de uma daquelas estranhas naves, agrupadas em volta deles, um druuf falava num aparelho, esperando depois que o referido aparelho traduzisse suas palavras para o inglês, diretamente no microfone que estava sobre a mesa. Tifflor ainda estava pensando se os druufs já sabiam se a nave por eles arrastada era arcônida ou não. Só pelo formato, não podiam deduzir com certeza. Com raríssimas exceções, todas as naves no espaço de Einstein eram esféricas. Seria, pois uma conclusão lógica se os druufs considerassem a nave atraída por eles como oriunda de Árcon. Mas parece que não estavam muito certos disso, do contrário não perderiam tanto tempo, depois de transpor a garganta afunilada.

Seus devaneios foram interrompidos. O receptor parou de chiar e uma voz, quase que de além-túmulo, disse:

— Os senhores são uma nave terrana. Que desejam aqui?

Tifflor já estava com a resposta engatilhada:

— Avisá-los de uma coisa importante — disse ele, depois de uma pequena pausa, para não confundir os druufs no seu lento sentido de tempo.

— Qual é o aviso? — foi a contra pergunta.

Entrementes, Tifflor notou com surpresa que o instrumento de tradução que os druufs estavam usando funcionava com toda perfeição, pelo menos no tocante ao inglês. As frases eram fluentes e corretas. Somente a voz é que podia provocar calafrios ou visões de além-túmulo.

— De um ataque maciço dos arcônidas — respondeu Tifflor. — Este ataque está iminente e eu acho que os senhores ficariam gratos se alguém os advertisse a respeito.

Desta vez, levou alguns minutos, até que os druufs respondessem. Mais uma vez, aquela voz fria e imóvel. Mas do contexto se percebia nitidamente a desconfiança:

— Os senhores esperam um determinado tipo de gratidão?

Também para uma frase desta, Tifflor tinha a resposta conveniente.

— Caso os senhores pensem que nós pretendemos ganhar dinheiro através da denúncia, não. Além disso, para que tanta desconfiança? Os senhores pretendem manter todo este diálogo através do intercomunicador?

Novamente uma grande pausa.

— Venha o senhor, acompanhado de dois homens, todos desarmados, para bordo de nossa nave. Os senhores possuem uma nave auxiliar ou devo mandá-los buscar?

Tifflor não se conteve:

— Primeiramente — começou um tanto brusco — irei assim como estou, ou não irei de maneira alguma. Ando sempre com minha arma na cintura. Ou os senhores vão supor que com uma simples pistola vou lhes tomar toda a frota espacial? Segundo, tenho minhas naves auxiliares. Também não se preocupem em me querer mostrar, entre as naves todas que me cercam, qual é a sua.

Parece que o druuf desistiu de fazer novas exigências.

— Eu o espero. Sua nave auxiliar receberá um sinal para me encontrar.

Julian Tifflor interrompeu a ligação. Voltou-se para seus homens e disse:

— Começa a ficar sério. Tschubai e Marshall preparem-se para ir comigo.

 

Comunicaram a Door-Trabzon que num setor do espaço, não muito distante da Wa-Kelan, que vagarosamente estava sobrevoando a zona de superposição, foram localizadas duas naves estranhas. Door-Trabzon sentia-se tremendamente confuso. Estas duas naves deviam pertencer ao mesmo povo, por voarem assim sempre juntas. Mas até agora Door-Trabzon não sabia de outra coisa a não ser que deveria encontrar, mais cedo ou mais tarde, uma nave dos terranos.

Quando os rastreadores lhe deram as dimensões exatas destas duas naves, sua confusão chegou ao clímax. Não eram em nada inferiores às poderosas unidades de Door-Trabzon. Eram verdadeiros gigantes do espaço com uma potência de fogo que poderia obscurecer, por algum tempo, um sol de grandeza média.

Um tanto precipitado, Door-Trabzon ordenou que os dois aparelhos estrangeiros fossem cercados e atacados. Para agir com maior segurança, colocou à disposição do ataque duzentos encouraçados. Mal, porém, iniciaram a perseguição, uma das duas naves entrou em contato com Door-Trabzon, afirmando que ali se achavam em missão de paz e, no tocante a seus planos, estavam de comum acordo com o regente de Árcon.

Isso esfriou o ânimo de Door-Trabzon. Cancelou suas ordens e deu instruções para que os duzentos encouraçados se mantivessem a uma distância maior, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. E, logo em seguida, se dirigiu pessoalmente para o local, para ver de perto as coisas.

Mas antes que lá chegasse, recebeu uma mensagem sucinta de Árcon, dizendo que o comandante supremo da Terra tinha resolvido tomar parte pessoalmente na caça à nave desertora e que esta resolução de Perry Rhodan parecia muito plausível e mesmo desejável ao regente robotizado.

Esta notícia deixou Door-Trabzon boquiaberto. Primeiro, porque Perry Rhodan era um nome que já havia penetrado nas Galáxias já há muitos decênios e segundo, porque Door-Trabzon sabia das relações entre a Terra e Árcon, ou melhor, entre Perry Rhodan e o regente, para compreender como Rhodan podia andar livremente entre as unidades arcônidas da frota de reconhecimento e da frota de bloqueio.

Door-Trabzon sabia, porém, que os avisos de Árcon valiam por ordens. Tinha que se sujeitar incondicionalmente a eles. Sua opinião, porém, era de que Perry Rhodan não faria uma viagem tão longa só por causa de uma nave de desertores, se não houvesse atrás de tudo isto uma vantagem muito substancial. Mas sua opinião particular não valia nada, se não conseguisse convencer o regente da veracidade de seus argumentos.

Tentou fazer isto, mas o momento lhe era muito inoportuno.

O regente estava ocupado demais para atendê-lo.

 

Door-Trabzon não podia imaginar com o que o regente estava tão ocupado no momento.

O regente se recordou da suspeita externada pela teoria das combinações, quando se soube pela primeira vez da comunicação de Perry Rhodan sobre a nave desertora. Uma certa taxa de possibilidade, que de maneira alguma podia ser desprezada, falava que o negócio dos desertores era simplesmente um blefe. Até agora, porém, a teoria das combinações não podia se pronunciar sobre quais os objetivos deste blefe, isto é, se este seria de tal importância, podendo, a partir dele, ser montado um plano de grande envergadura. Neste sentido é que eram dadas as instruções do regente. Todos tinham de estar muito atentos, agora, para descobrir a rota das duas naves terranas. Tinham que se comunicar imediatamente com o regente, sobre qualquer manobra das duas naves de Perry Rhodan.

Entretanto, o regente esperava impaciente que os trabalhos com a teoria das combinações, devido às mais recentes informações, pudessem adiantar maiores possibilidades, a fim de que houvesse tempo suficiente para formular um plano de emergência.

É claro que o regente não ignorava que a Terra sobreviveria ou desapareceria com Perry Rhodan, isto é, o destino de Perry Rhodan se identificava com o da Terra. Ainda há poucos meses, quase que Rhodan caiu prisioneiro em suas mãos. Aqui estava uma segunda oportunidade. Talvez com esta viagem, estaria selado o fim da carreira gloriosa de Rhodan.

O regente era um robô. Como tal só podia agir segundo o princípio da maior vantagem. Assim, não conhecia a palavra escrúpulo.

 

Por sua vez, Perry Rhodan seria um louco ou bobo se não soubesse de tudo isto. Os dois gigantes do espaço, Drusus e Kublai Khan estavam de prontidão permanente. Em qualquer fase dos acontecimentos, sua velocidade era suficiente para uma transição imediata. Uma grande quantidade de postos de rastreamento controlava os movimentos das naves arcônidas e dariam logo o alarme, assim que se aglomerassem ou se aproximassem demais, pondo em risco a garantia da Drusus ou da Kublai Khan.

Mas não era ainda este o caso. Rhodan calculara bem: o regente não tomaria nenhuma iniciativa, enquanto não soubesse o que os terranos pretendiam.

Quando soubesse, haveria de atacar, com a rapidez de um raio e com muita ganância. Isto é, um ataque-relâmpago, feito por milhares de naves e de tal forma que os envoltórios de proteção dos dois gigantes terranos seriam ultrapassados e, sob a violência do fogo concentrado, tais gigantes seriam destruídos.

Perry Rhodan sabia que sua vida não valeria um vintém, se fosse confiar nas promessas do regente. Falavam de união para a cooperação, de boa vontade, etc. Mas, melhor do que ninguém, Rhodan sabia que se podia programar um grande computador para uma mentira perfeita.

A presença das duas espaçonaves terranas tinha dupla finalidade. Primeiro, era dar assistência a Julian Tifflor e à Infant, tão logo eles precisassem. Segundo, era necessário manter ligação com a base Hades, situada no Universo dos druufs. Ninguém podia prever os acontecimentos que se desencadeariam com a penetração da Infant no espaço dos druufs. De um momento para o outro, podia surgir um ambiente que forçasse Hades a intervir nos acontecimentos. E já que Hades quase não tinha possibilidade de informar sobre a situação, a Drusus e a Kublai Khan ficariam de prontidão.

Rhodan estava consciente dos riscos que assumia neste empreendimento. Estava certo de não se ter descuidado de nada.

Mas não sabia que chegaria o momento em que todas as precauções se tornariam inúteis...

 

Já o tinham avisado de que o druuf era como um personagem de pesadelos. Mas, apesar de tudo, quando um deles lhe apareceu diante dos olhos, teve que fazer força para disfarçar o choque.

Aquele que estava ali na sua frente devia ter mais de três metros de altura!

Mas logo lembrou-se do tamanho das construções desses seres, e sentiu-se menos chocado.

O druuf estava de pé, sobre suas pernas-colunas. Somente elas já passavam da cabeça de Tifflor. As pernas sustentavam um corpo quase cúbico, em cima do qual achava-se uma cabeça redonda, um pouco maior que uma bola oficial de futebol. A cabeça, completamente sem cabelo, tinha quatro cavidades oculares e uma boca triangular. No restante do corpo também não havia pêlo. Da forma cúbica do tronco, pendiam dois longos braços, que, como Tifflor sabia, terminavam em dedos muito finos. Não se podia notar agora a tal finura dos dedos, devido à luva do uniforme espacial.

Como Tifflor já esperava, o oficial druuf trazia o pequeno transdutor idiomático. Parecia que já tinha gravado alguma coisa, pois quando os terranos entraram, ainda ouviram um ruído qualquer, depois o aparelho falou:

— Estou sozinho, mas pode perder as esperanças, pois meus homens estão a postos.

Tifflor fingiu não ter ouvido esta advertência. Precisava de algum tempo para contemplar o druuf e reprimir o choque inicial. Fez depois um aceno com a mão e respondeu à altura:

— Não tenha receio. Não viemos para cá com a finalidade de prejudicá-los.

Olhou em volta. O aspecto do ambiente dava uma impressão estranha, quase grotesca, para os parâmetros terranos. Bem no meio do recinto havia uma construção, do tamanho aproximado de uma pequena casa de campo, que devia ser o posto de comando, devido aos dispositivos de alavancas, interruptores e medidores. As alavancas eram mais compridas que uma barra de ginástica. A maior parte dos aparelhos, do ponto-de-vista dos terranos, só poderia ser manobrada com as duas mãos.

Ao longo de toda a parede, corria uma enorme tela panorâmica, mostrando o fundo vermelho-escuro do espaço, com uma infinidade de estrelas. Dos muitos instrumentos que se viam abaixo da tela panorâmica, Tifflor não conseguiu identificar nenhum. A tecnologia dos druufs era muito diferente da dos terranos.

No posto de comando não havia nenhuma poltrona. Para os druufs, com um peso médio de quatrocentos quilos, só mesmo um grande esgotamento podia levá-los a procurar uma cadeira para sentar. E, geralmente, quando se sentavam para descansar, o esforço para se levantar era tão grande, que ficavam mais cansados ainda. A gravitação em Druufon era de 1,95 do normal, portanto, quase o dobro da gravitação terrana.

Provavelmente, dentro das naves dos druufs, a gravitação era a mesma do planeta. No entanto os terranos nada sentiram, isto porque usavam uniformes com absorvedores automáticos antigravitacionais, que lhes garantiam a mesma gravitação habitual da Terra, onde quer que estivessem.

— O senhor possui, portanto, informações de que os arcônidas, como os senhores os chamam, pretendem nos atacar.

Julian Tifflor olhou para o druuf. Era difícil saber em que direção ele estava olhando. Os druufs eram descendentes de insetos. Seu campo de visão era dividido em centenas de pequenas facetas. Isto deixava Tifflor um tanto constrangido.

— Sim — foi sua resposta seca.

— Qual é sua fonte de informações?

As palavras que o druuf pronunciava no transdutor não podiam ser ouvidas pelos terranos. Os órgãos fonadores dos druufs produziam ruídos em ultra-som. A língua dos druufs era uma confusão de fonemas em ultra-som de alta freqüência.

— Participei de algumas conversações que se realizaram por meio de intercomunicação, entre a Terra e Árcon — explicou Tifflor.

— Qual foi o assunto tratado nestas conversações?

Tifflor não podia saber o quanto os druufs entenderiam da mímica dos terranos. Mas de qualquer maneira, tentou dar a impressão de estar impaciente e aborrecido.

— Preste atenção — disse ao druuf. — O perigo é iminente. O ataque dos arcônidas virá de repente, e o senhor fica aí fazendo perguntas supérfluas como se ainda dispusesse de meio ano para estudar o assunto. O senhor tem credenciais para receber minhas informações? Desejo que me leve para seu país, para que lá eu possa expor a seu governo o que me traz até aqui.

Não se podia perceber se o druuf estava ou não impressionado. Mas Tifflor respirou mais tranqüilo. Tinha acabado de executar a parte mais importante de sua incumbência. E estava certo de tê-la feito com perfeição. Nenhum psicólogo da Terra teria percebido que todo aquele seu rompante de cólera era fruto de um frio raciocínio, bem calculado, cuja finalidade era apenas convencer o druuf de que sua fuga da Terra tinha realmente algo que interessasse aos objetivos de Druufon.

Após curta hesitação, veio a resposta do druuf:

— Como posso saber se você não é de fato um falso amigo?

Tifflor estava exultante de alegria. A resistência estava quebrada.

Ele teria de entrar em contato com Ernst Ellert, que era um cientista de Druufon, e por intermédio dele fazer chegar sua mensagem ao governo de Druufon. Só aí sua missão poderia ter sucesso, isto é, conseguir convencer as altas autoridades do perigo iminente dos arcônidas, iniciando imediatamente um contragolpe fulminante.

— Isto o senhor não conseguirá saber — respondeu Tifflor, evasivo. — Mas o senhor pode se informar a respeito. Além disso, devo lhe dizer que esperava mais consideração por sua parte. Expus-me a uma série de perigos para vir preveni-los da iminência do ataque arcônida.

Parece que isto interessou muito ao druuf.

— Perigos? O senhor não teve escolta de proteção?

“Santo Deus”, pensou Tifflor, “será que o homem que nos arrastou para cá não observou o que aconteceu?”

— Claro que não tínhamos nenhuma escolta. Saímos da Terra como fugitivos, como desertores, se é que o senhor vai compreender isto.

— O senhor fugiu? Por quê?

— Porque de outra maneira não podíamos preveni-los do perigo. A Terra está em negociações com Árcon, não que ela vá auxiliar os arcônidas, mas espera deles apenas um armistício. É claro que estaria fora da linha de conduta da Terra avisá-los do ataque iminente de Árcon. O senhor compreende isto?

— Não muito. Dizem que na sua terra há liberdade de expressão. Cada um pode manifestar seu pensamento. Por que então os senhores não poderiam ter também uma opinião diferente de seu governo?

Pela primeira vez Tifflor teve a impressão de que o druuf estava querendo brincar de gato e rato.

Julian Tifflor olhou para John Marshall, que era telepata. Mas Marshall lamentou nada poder fazer.

— Sou oficial da Frota Terrana — respondeu Tifflor, medindo bem as palavras. — Somente a frota dispõe de espaçonaves com que se pode penetrar no Universo. Mas todo elemento da frota depende das ordens do comandante. E estas ordens dizem claramente que todas as negociações entre a Terra e Árcon sobre o ataque iminente são extremamente sigilosas. Quem obedece às ordens, não pode, pois alertá-los do perigo, e quem não obedece será julgado e condenado. Nós tivemos que seqüestrar uma espaçonave e, aproveitando uma noite de muita neblina, fugimos. Assim estão as coisas para nós. E agora, vem o senhor e nos trata como bandidos ou assaltantes de rua. Quero ser levado para Druufon para falar com as autoridades responsáveis e não perder tempo aqui no espaço com um simples capitão.

Esta última frase foi dita de propósito para fazer o druuf perder a calma, obrigando-o a “destampar” seus pensamentos mais secretos. Mas isto só daria resultado se os druufs fossem tão vaidosos como os homens.

E certamente não o eram. O druuf continuou completamente calmo e descontraído:

— Sou pessoa mais importante do que o senhor pensa e, dentro em pouco, o senhor se convencerá disso.

Julian Tifflor ouviu uma série de ruídos diferentes. Olhou em torno e percebeu que as portas da sala de comando se abriam. Entravam mais druufs, verdadeiros gigantes de pele parda, ao todo quinze. Fecharam um círculo em volta dos três terranos.

Tifflor pressentiu que algo não estava saindo certo, mas não sabia o que era.

Os quinze druufs não davam impressão de hostilidade. Estavam ali e ninguém podia saber em que direção estavam olhando.

— Responda-me ainda, por favor, só mais uma pergunta — disse o comandante.

Tifflor observou que estava usando pela primeira vez a palavra “por favor”.

— Por que razão o senhor fez tanto sacrifício para nos alertar do perigo do ataque arcônida? Por pura amizade?

Tifflor comprimiu os olhos. Esta pergunta tinha que vir, e ele não se atrapalhou:

— Não! — disse numa excitação simulada. — É porque odeio os arcônidas.

Houve algum movimento, de repente, entre os druufs em volta. Cabeças se levantaram e os olhos facetados brilharam. Tifflor tinha certeza de estarem confabulando entre si. Seus sons, porém, não penetravam nos ouvidos humanos.

Somente depois de alguns instantes foi que o comandante se virou para Tifflor. Do transdutor idiomático veio a voz mecânica:

— Somos de opinião de que o senhor está falando a verdade. Tínhamos também quase a certeza de que sabíamos do ataque, mesmo antes de sua chegada aqui. Todos os preparativos já foram tomados para nos defendermos do ataque arcônida. O senhor não precisa mais convencer nossas autoridades, já estão convencidas.

“Em vista disso, não lhe será mais necessário o penoso caminho para nossa pátria. Nós lhe somos muito gratos e estamos certos de que os senhores nos vão auxiliar. Por isso lhe fazemos um pedido: fique aqui conosco e assuma o comando de uma parte da frota. O senhor está a par de nossa inferioridade em relação aos arcônidas, no tocante à presteza de reação e, conseqüentemente, no que diz respeito à velocidade de nossas naves. Fique conosco e nos ajude, para que pelo menos uma parte da frota reaja com presteza às manobras dos arcônidas e possa ter mais sucesso. É o que lhe pedimos.”

Tifflor sabia agora que todo seu plano estava se diluindo. E não havia como escapar. Causaria enorme suspeita se recusasse o pedido. Além disso, o pedido era justo e ele deveria ter pensado nisto, antes que os druufs chegassem a esta idéia. Não podia voltar atrás, tinha que dizer sim. Uma recusa não iria adiantar nada para os objetivos do plano. Os druufs teriam razão para suspeitar e o haveriam de levar à força para Druufon.

Estaria então tudo perdido. Sem a participação de Ernst Ellert não haveria sucesso, nem mesmo parcial.

Tifflor fez um grande esforço para esconder seu desânimo.

— Naturalmente e com todo prazer, haveremos de ajudá-los a derrotar os arcônidas — disse num grande esforço para simular sinceridade.

 

O plano era deixar os druufs desesperados.

Não havia dúvida alguma de que Ernst Ellert, isto é, o cientista druuf Onot, conseguiria tal ação com o auxílio dos supostos desertores. Os druufs deveriam ser induzidos a realizar uma incursão no espaço de Einstein: uma coisa naturalmente com que os arcônidas não contavam. Os terranos haveriam de instruí-los como prejudicar os interesses dos arcônidas, por exemplo, atacando separadamente suas bases mais afastadas e destruindo seus pontos de grande comércio.

É claro que os arcônidas pagariam na mesma moeda, mas também isto estava dentro dos planos, pois toda a estratégia das idéias terranas tinha a intenção de fazer druufs e arcônidas se digladiarem alucinadamente, causando mutuamente pesados danos. Assim, a Terra, fora da briga, seria realmente a vencedora, a maior beneficiária.

Mas este plano já estava caducando!

Os arcônidas, naturalmente, não pensavam em atacar os druufs no Universo que era seu habitat. Pelo menos não em futuro próximo. Toda a movimentação da enorme frota arcônida, que tanto tinha impressionado os druufs, possuía como único fim, para o regente robotizado, prender a espaçonave terrana, tripulada pelos “desertores”.

Assim sendo, não se chegaria a nenhum combate, a não ser de um ou outro posto avançado. O enfraquecimento substancial do poderio arcônida e das forças dos druufs, realmente não se daria, pois, sem os documentos falsificados, que o cientista Onot forneceria ao governo de Druufon, apontando o calcanhar de Aquiles do Império Arcônida, os druufs jamais teriam coragem de sair para o espaço de Einstein e atacar seu grande adversário. Conheciam de sobra suas limitações e não duvidavam de sua inferioridade.

Julian Tifflor estava, pois, de mãos atadas. Poderia tentar fazer com que os comandantes druufs fizessem uma ou outra investida contra os arcônidas e os pegassem de surpresa. Mas mesmo nestes casos avulsos, os comandantes não podiam agir sem instruções do governo.

A aprovação dos projetos de Tifflor era uma coisa que levava muito tempo, e exatamente tempo era a mercadoria que não sobrava para a Terra...

Dentro de poucos meses estaria fechada a brecha na região de superposição. Não haveria então mais ligação entre os dois Universos e nenhuma possibilidade para que os dois adversários se desgastassem em ataques mútuos.

Visivelmente abatido, Julian Tifflor se preparava para sua nova função de comandante de uma frota dos druufs. Estava certo de que nesta nova posição não poderia fazer nada. Não conseguiria tramar nenhum combate de vulto. Os druufs ficariam de um lado e os arcônidas de outro, e até que a brecha na zona de superposição se fechasse, o máximo que podia ocorrer eram simples escaramuças, sem maiores conseqüências.

Mas a linha básica do plano era a destruição de quarenta ou cinqüenta mil naves!

 

Gucky, o rato-castor, deu uma olhada para dentro da sala de comando, através do gradil dos aparelhos de transmissão. Depois fechou os olhos e comprimiu o botão que já estava há tempo sob a sua pata. Não sentiu nada. Mas quando abriu de novo os olhos, estava num recinto de grandes blocos de pedra, onde havia uma série de aparelhos, iguais àquele onde ele se encontrava, há pouco, a bordo da Drusus.

Viu alguns homens de pé diante da grade do transmissor. Mas não se demorou com eles.

Queria “ouvir”. Concentrou-se em seus sensores telepáticos, tentando captar os sinais que o homem irradiava.

E conseguiu captá-los. Era um zunido muito baixo, mas nítido. Vinham dos fundos do recinto, e Gucky não teve dificuldade em perceber, por estes sinais, que o homem que os irradiava ainda gozava de saúde perfeita. O sinalizador que ele trazia no próprio corpo era um aparelho semi-orgânico, cujo funcionamento dependia totalmente da capacidade física de seu portador.

Gucky sentiu-se feliz. Julian Tifflor encontrava-se nas imediações, pelos cálculos de Gucky, a alguns bilhões de quilômetros, e o sinalizador telepático, que Tifflor carregava como uma espécie de radiofarol parapsicológico, funcionava com a capacidade normal.

Neste meio tempo, os homens lá fora abriram a porta do transmissor. Gucky saiu equilibrando elegantemente sua volumosa cauda, para a qual havia um abrigo especial no seu uniforme espacial. É claro que os homens começaram a rir. Gucky percebeu e respondeu com um olhar de indiferença.

Estava, há muito, acostumado com o fato de os homens o acharem engraçado e rirem de sua aparência. Era uma mistura de rato com castor, que, por um descuido da natureza, crescera demais. É verdade que os homens tinham uma infinidade de lendas nas quais apareciam animais inteligentes que falavam e agiam racionalmente. Mas, quando davam de cara com um rato-castor que falava e pensava igual ou melhor do que eles, não sabiam o que fazer de estupefação, a não ser... rir.

Gucky sentou-se sobre as patas traseiras, apoiando-se com a longa e volumosa cauda. Fez um grande esforço para emprestar ao seu focinho de rato, com olhos arregalados, um ar de grave seriedade e explicou com sua voz chiada:

— Deram-me a incumbência de entrar imediatamente em contato com o Capitão Rous. Peço comunicar isto ao capitão.

Os homens começaram a rir, mas antes que Gucky pudesse responder, à sua maneira, a esta risada, os homens pararam de repente. O Capitão Rous vinha atravessando o corredor dos transmissores.

— Já estou informado — disse ele. — Nossos transmissores captam muito raramente sinais verdes. Deve ter acontecido algo de estranho lá fora, não é?

O capitão sabia como Gucky gostava de ser tratado como ser humano e lhe estendeu a mão para cumprimentá-lo. O rato-castor correspondeu à saudação com um gesto quase gracioso.

— Se há alguma coisa por lá? — repetiu com gravidade. — Há, e muito. O Coronel Tifflor e mais quatorze homens penetraram no Universo dos druufs com um velho couraçado. Deve estar falando aos druufs do ataque iminente dos arcônidas.

Dizendo isto, piscou um olho, como havia aprendido com os homens. O Capitão Rous não pôde deixar de rir.

— Não estou compreendendo bem o conjunto das coisas. Mas você me haverá de explicar tudo, não é verdade?

— Naturalmente — confirmou Gucky. — Assim que receber alguma coisa para comer.

Marcel Rous contraiu o semblante:

— Que pena — disse com voz sincera — não temos cenoura.

Gucky deixou à mostra o dente de roedor e esboçou uma espécie de sorriso.

— Não tem tanta importância assim — disse Gucky concordato. — Em caso de emergência eu me contento com qualquer tipo de conserva.

Todos riram. Cada um dos homens procurava descobrir o que podia oferecer ao hóspede. E Gucky, que adorava todo tipo de brincadeira, principalmente as alegres “escaramuças” verbais, deu sua contribuição para que todos se divertissem.

Cessada a brincadeira, atravessaram o recinto dos transmissores e chegaram ao setor da administração e dos aposentos da tripulação, localizados mais ou menos no centro de uma caverna da base secreta. Durante todo este tempo, Gucky continuava ouvindo o leve ruído do sinalizador telepático que Julian Tifflor trazia “embutido” em seu corpo.

Gucky deu a entender que pretendia ficar mais tempo em Hades, pelo menos até que a missão de Tifflor tivesse dado bom resultado e pudesse voltar seguro à Terra com a Infant.

Deram-lhe um alojamento e lhe trouxeram boa comida. O Capitão Rous lhe fez companhia por muito tempo, enquanto os outros homens voltaram para seus postos. Gucky aproveitou o ensejo para expor ao capitão a situação no Universo dos druufs e no espaço de Einstein.

O plano era bem claro, e o Capitão Rous o compreendeu facilmente. Compreendeu também que a base secreta de Hades, instalada num dos planetas do sistema Siamed, passaria a ter então uma importância capital nos acontecimentos, assim que a situação de Tifflor se tornasse perigosa ou no caso de sua missão se tornar falha.

Enquanto o capitão se preocupava com a seqüência dos acontecimentos e procurava prever os golpes futuros, Gucky, com toda a calma e com todas as boas maneiras de um cavalheiro, saboreava o conteúdo de duas latas de conserva. Não dava mais atenção a Rous nem ao fino sibilar dos sinais dos transmissores. Estava mesmo com fome e queria apenas saciá-la. Talvez, quando Gucky acabasse de comer, Rous já teria recebido as notícias pelos rádios, devendo estar a par de tudo.

— Diga-me uma coisa — disse Rous depois de uma longa pausa, completamente contra as expectativas de Gucky — o que é...

Gucky não ouviu mais nada. Rous continuou falando, mas Gucky não prestava atenção. Alguma coisa estava se passando. Não sabia o que era, mas como possuísse um grande senso de prudência, insistiu em descobri-la.

Era como se um relógio parasse de repente. O ouvido habituado ao permanente tic-tac não “sentia” mais seu ruído. Se, porém, o ruído cessasse, o ouvido haveria de perceber uma grande alteração, embora, de início, a pessoa não soubesse do que se tratava.

A comparação com o relógio levou Gucky a pegar a pista certa. Como que de um estalo, sabia de repente do que se tratava.

Os finos sinais do sinalizador embutido em Tifflor, haviam perdido muito em intensidade. Às vezes sumiam completamente, para voltar instantes depois. Isto só poderia ter uma explicação:

Tifflor estava em perigo.

 

Antes de Gucky deixar a Drusus, para iniciar sua estada de alguns dias em Hades, Perry Rhodan falara muitas vezes com o regente robotizado de Árcon. Sempre conversaram sobre o mesmo assunto: descobrir o paradeiro da nave dos desertores. O regente perguntava admirado por que ainda não tinham chegado à zona de superposição, se sua rota era o planeta dos druufs. E Rhodan dizia que não poderia haver outra explicação a não ser que, se dirigindo de encontro aos druufs, tivessem passado despercebidos pela frota arcônida de bloqueio.

Recorrendo à sua teoria das combinações, o computador-regente elaborou para si esta pergunta e a resposta foi a seguinte: não era realmente impossível a uma nave de porte médio para pequeno passar imperceptível pela frota de bloqueio. A teoria das combinações admitia ainda uma quota de probabilidade não desprezível de que a nave terrana já tinha conseguido penetrar no Universo dos druufs, nas últimas horas.

O regente estava então diante de uma situação completamente nova. O que lhe interessava até agora era capturar a nave dos desertores. Não pelo fato de serem desertores. O que o regente tinha em mira eram informações sobre a posição exata da Terra na Galáxia.

Fizera tudo para impedir a passagem dos desertores. Tinha mobilizado todo seu poderio espacial. Mais de trinta mil espaçonaves, no encalço de uma só nave terrana. E agora estava quase certo de ter perdido esta oportunidade, pois os desertores já se encontravam no meio dos druufs.

O regente começou então a pensar seriamente numa invasão ao Universo dos druufs. Até então havia tentado esquecer esta idéia. O regente robotizado era um computador monstro, uma maravilha da positrônica, mas seus construtores se esqueceram ou julgaram desnecessário lançar nele os conhecimentos científicos, relativos à teoria dos diferentes planos de tempo.

Na época em que o regente foi montado, a teoria dos planos temporais ainda estava engatinhando e era considerada pura fantasia de matemáticos malucos. Ninguém poderia imaginar que, um dia, surgiriam problemas que só seriam resolvidos através desta teoria. Foi por este motivo que ela não constava no cabedal, quase infinito, do grande cérebro positrônico. A tudo isto, acrescia ainda o fato de que o regente não tinha o menor senso de tempo. Era uma máquina, uma máquina imortal. Podia contar segundos, mas isto não lhe representava nada. Não podia fazer nada com o conceito tempo.

Foi por este motivo que o problema dos druufs, desde o primeiro instante, lhe foi difícil de compreender, para não dizer impossível. Foi obrigado a pedir o auxílio de Perry Rhodan. Quando surgiu a tal zona de descarga, reuniu sua imensa frota em torno dela, contentando-se com o fato de os druufs não tentarem invadir o espaço de Einstein.

A questão agora era medir os prós e os contras. De um lado, a incerteza sobre as conseqüências que podiam surgir de uma invasão maciça do Universo dos druufs. De outro, a possibilidade de aprisionamento da nave dos desertores terranos e, com isso, a obtenção da posição certa da Terra na Via Láctea.

Depois de muitas horas de hesitação, o regente se decidiu pela segunda opção. Já que estava provado que a simples presença da frota arcônida na abertura da zona de superposição — a zona de descarga — impedia os druufs de tentarem uma saída para o espaço de Einstein.

Estava, pois resolvido que a imensa frota arcônida invadiria o espaço dos druufs. Achou prudente não retirar toda a frota de bloqueio, mas tão-somente a frota que estava sob o comando de Door-Trabzon.

Além disso, estavam ali, junto à entrada da zona de superposição, os dois maiores couraçados da Terra, Drusus e Kublai Khan. E o regente esperava matar dois coelhos com uma só cajadada: saber da posição exata da Terra e, ao mesmo tempo, destruir a espaçonave em que estava Perry Rhodan.

Rhodan, naturalmente, não poderia saber nada destes planos, embora suspeitasse de que o regente invadiria o Universo dos druufs à procura da Infant.

Somente alguns momentos após o salto de Gucky para os transmissores, foi que Rhodan soube que suas suspeitas tinham razão de ser: a frota arcônida estava se movimentando. Vinte mil naves foram mobilizadas para atravessar a zona de superposição e invadir o espaço dos druufs. Vinte mil belonaves estavam a caminho de uma aventura de desfecho duvidoso. E tudo isto para capturar uma velha nave terrana com quatorze desertores.

Foi dado o alarme na Drusus e na Kublai Khan!

Havia começado a grande jogada. Dentro de poucos instantes se daria o choque das naves arcônidas com a linha de defesa dos druufs.

A tática de Perry Rhodan era um exemplo maravilhoso de como, por meio de golpes de inteligência, até mesmo a máquina da lógica, o monstro positrônico imbatível, tinha que se sujeitar à vontade de um homem.

A única dúvida era saber se Julian Tifflor e a Infant se achariam no meio da confusão, quando começasse o ataque, ou se já estariam seguros em Druufon.

 

Julian Tifflor teve que se desfazer da Infant. Fê-lo com muito pesar no coração, e somente depois de ponderar todas as hipóteses. Os doze homens restantes, sob a liderança do Tenente Lubkov, tinham sido levados para bordo de uma nave druuf, enquanto que a Infant, poucos minutos após, de acordo com os planos de Tifflor, fora destruída por uma explosão.

Foram dois os motivos principais que levaram Tifflor a esta resolução: ele iria ficar a bordo de uma nave druuf, e mais do que nunca iria precisar da tripulação terrana, caso quisesse ter alguma esperança de sucesso.

Por outro lado, não podia deixar a Infant nas mãos dos druufs. Ninguém poderia prever o quanto os druufs iriam aprender da tecnologia terrana sobre a construção de espaçonaves.

A Infant foi pelos ares. O Tenente Lubkov, o último a deixar a velha nave, ligou o automático das bombas. A nave se reduziu a uma nuvem incandescente de gás, espalhando-se pelo espaço e perdendo rapidamente a luminosidade. Meia hora após a explosão, não havia mais o menor vestígio do velho couraçado.

Parece que os druufs estavam de acordo. Provavelmente, estes achavam-se impressionados com a declaração sincera do coronel de que ele, Tifflor, aderira aos druufs, mais por ódio contra os arcônidas do quê por simpatia pelos habitantes deste Universo tão diferente do seu. Colocava-se como um homem que, apesar de agir contra a vontade de seus superiores, tudo fazia para não causar nenhum dano à sua pátria, que deixara como desertor.

Julian Tifflor já tinha, naturalmente, um novo plano. Embora seu objetivo principal parecia ter fracassado, não queria voltar à Terra de mãos vazias. Havia duas coisas pelas quais valia a pena correr algum risco: primeiro, a proteção anti-rastreamento, que facultava às naves druufs se tornarem quase invisíveis; segundo: o misterioso sistema de propulsão que capacitava os druufs a vôos mais rápidos que a luz, sem transição, ou seja, sem os saltos para o hiperespaço. Tifflor estava convencido de que a posse destes dois segredos haveria de garantir a supremacia à frota terrana, apesar da superioridade numérica dos arcônidas.

Confiaram-lhe o posto de comando. Um grande número de robôs druufs estava à sua disposição, preparados para executar qualquer ordem sua, também prontos para manejarem os instrumentos, caso ele tivesse alguma dificuldade, por desconhecer a tecnologia druuf. Depois que Tifflor assumiu o comando, nenhum druuf mais apareceu na cabina do piloto.

Em poucos segundos, Tifflor avaliou bem a situação. Os robôs ali estavam, não somente para executarem as ordens de Tifflor, mas, e talvez principalmente, para a alta missão de controlarem os terranos, impedindo qualquer abuso dos poderes que lhes foram atribuídos.

Pois a parcela da frota que havia sido colocada sob o comando de Tifflor tinha ao todo quatorze mil unidades. Equivalia a três vezes mais do que toda a frota terrana reunida. Julian Tifflor ainda estava convencido de que não chegaria a nenhum confronto direto com os arcônidas. Havia instruído sua tripulação sobre seus planos e aguardava a oportunidade para pô-los em execução.

É claro que, com a destruição da Infant, alguma coisa lhes estava faltando. Não tinham mais meio de locomoção próprio, com que pudessem escapulir rapidamente, em caso de emergência. Não sabiam manobrar uma nave druuf, e os robôs haveriam de se abster de fazer isso tão logo notassem o que estava em jogo.

No entanto, Tifflor via uma remota possibilidade de entrar em contato com a base clandestina de Hades e, no momento decisivo, receber apoio de lá. Naturalmente, mais cedo ou mais tarde, os druufs descobririam que seus hóspedes não aspiravam a outra coisa a não ser ao roubo de dois importantes segredos da tecnologia druuf. Haveriam de comprovar isto no momento em que, em qualquer ponto, à volta da nave capitania druuf surgisse uma espaçonave de Hades para receber os terranos e colocá-los a salvo. Não eram lá muito grandes as chances de conseguirem tal ação. Mas Tifflor era de opinião que a vantagem obtida, a partir daí, poderia ser grande, e valia arcar tranqüilamente com o risco inerente.

Ainda não sabia das medidas que Perry Rhodan havia tomado neste meio tempo, para apressar o desenrolar dos acontecimentos. Não podia, pois, supor que suas preocupações, em breve, não teriam mais razão de ser, porque os próximos acontecimentos as dissolveriam.

Também não lhe era possível adivinhar a desgraça que se abateria sobre ele...

 

E o Universo presenciou a um grande espetáculo!

O Firmamento se tornou incandescente, quando a frota arcônida, sob o comando do Almirante Door-Trabzon, irrompeu pela brecha da zona de superposição, a imensa zona de descarga. A garganta afunilada, que até então era de um vermelho-escuro, resplandeceu como sob a claridade de milhares de raios, quando a frota de vinte mil unidades interrompeu, quase extinguindo, a corrente compensadora de energia. O Universo parecia partido em duas metades. De uma, uma parte escura, recebendo apenas a tênue cintilação das estrelas, e, de outra, de um vermelho-amarelado, refulgindo com a energia dos íons.

O próprio Perry Rhodan assistia, de respiração presa, àquele espetáculo sem par. Já havia previsto que a invasão de uma quantidade tão exagerada de espaçonaves haveria de alterar a estrutura da zona de contato, provocando uma série de conseqüências de grande alcance. Mas não podia prever que uma destas conseqüências seria tão nítida e de tamanha visibilidade como era o clarão ofuscante de toda a zona de superposição.

Dava a impressão de que, num determinado local, o Universo rebentara e na região do rompimento se podiam ver as chamas rubras do verdadeiro inferno. Uma visão inesquecível.

Esse fogo infernal durou mais de uma hora. Aos poucos, a excessiva luminosidade foi se reduzindo, voltando ao normal depois de uns vinte minutos. Tudo terminado, ali estava de novo a região de superposição como uma nuvem vermelho-escura, no meio do espaço.

A frota de Door-Trabzon já tinha partido e passado pela região de superposição. Havia ficado para trás o resto da frota arcônida, ao todo vinte mil unidades, e as duas espaçonaves terranas, a Drusus e a Kublai Khan, ambas poderosas e majestosas, com energia para dar e vender.

Mas em caso de emergência, que podiam fazer sozinhas no meio das vinte mil?

Dez minutos após o desaparecimento das naves de Door-Trabzon, Gucky, o rato-castor, regressava para bordo da Drusus, trazendo notícias alarmantes...

 

Julian Tifflor estava procurando familiarizar-se com as instalações técnicas da cabina de comando, quando um dos robôs equipados com transdutores idiomáticos começou a falar:

— Estão surgindo naves estrangeiras. Uma gigantesca frota de espaçonaves cruzou a linha de superposição. Começa, portanto, o ataque arcônida.

Julian Tifflor, a princípio, se sentiu meio atordoado, inclinado até a julgar que o alarme fosse uma brincadeira de mau gosto. Lembrou-se, porém, logo depois, que nem mesmo o mais sofisticado robô conseguiria fazer uma brincadeira e, quase ao mesmo tempo, viu na parede, pouco abaixo da tela panorâmica, uma tela menor que se acendeu, mostrando uma infinidade de pontos vermelhos que se moviam no fundo azul.

Julian Tifflor conhecia este aparelho. A tela estava acoplada com um dispositivo de rastreamento e outro de registro. O rastreador funcionava na maneira convencional, enquanto o dispositivo de registro determinava se o objeto rastreado era conhecido ou desconhecido.

Tratava-se de uma espaçonave inimiga. De acordo com a determinação do registrador, que estava sempre a par da rota das naves dos druufs, o objeto localizado surgia na tela com um sinal verde ou vermelho. Vermelho significava perigo e verde queria dizer amigo ou aliado.

Tifflor não perdeu tempo em querer saber de que maneira os arcônidas penetraram no Universo dos druufs. Estavam próximos e era bastante. O que ele tinha de fazer agora era pensar no seu novo cargo de comandante druuf, do contrário os arcônidas haveriam de esmagá-los com suas vinte mil naves, sem que os druufs tivessem tempo de desfechar um só tiro.

Deu uma outra olhada para a tela do rastreador, procurando ter uma idéia do número das naves arcônidas.

Oito dos quatorze companheiros de Tifflor estavam presentes no posto de comando. Os outros seis, ele os distribuíra pelas torres blindadas da nave capitania, colocando-lhes à disposição robôs equipados com transdutores idiomáticos, para que os terranos pudessem transmitir suas ordens. Julgou que isto fazia parte de seu papel como comandante. Mas, de uma hora para a outra, não havia mais papel, o que havia era a dura realidade.

Tifflor começou a agir. Depois de receber algumas instruções a respeito, não teve mais dificuldade em ler a tela do rastreador. Notou então que o núcleo da frota arcônida se encontrava no momento a quase cinco horas-luz de distância e se movia a uma velocidade média de trinta e cinco mil quilômetros por segundo. A velocidade estranhamente baixa era para Tifflor uma prova de que os arcônidas estavam hesitantes, com medo.

Isto daria aos druufs uma boa chance.

— Todas as naves prontas para a partida! — explicou Tifflor ao robô que lhe estava mais próximo.

Uma pessoa estranha teria ali a impressão de que o robô não mostrava a menor reação ao comando recebido. Mas Tifflor sabia que o robô estava transmitindo a instrução por via rádio, e os comandantes das outras naves recebiam a mensagem.

Para os conceitos de Tifflor, demorou muito até que o robô respondeu:

— Todas as naves prontas para a largada.

Tifflor se viu obrigado a expor seu plano de combate. Os robôs druufs possuíam uma qualidade fantástica: a duplicidade mental. E isto lhes possibilitava simultaneamente ouvir e transmitir. Tifflor sabia, portanto, que, com a transmissão de suas explicações, não se perdia tempo algum.

— Vamos acelerar, dentro de poucos instantes, para velocidade superior à da luz. Não adianta nada chegarmos até os arcônidas como alvos visíveis em campo aberto. São superiores a nós em velocidade e no poder de reação. Só começaremos as manobras de frenagem depois que tivermos deixado para trás a vanguarda da frota arcônida. Desta maneira, vamos aparecer de repente, bem no meio deles. No momento em que aparecermos, abrimos fogo. Os arcônidas ficarão surpresos, embora esta surpresa não dure muito, pois quase todas as naves deles são robotizadas. Depois de rápidos ataques, ficaremos um pouco abaixo da velocidade da luz, a fim de podermos desaparecer a qualquer momento. É tudo. Cada um deve cuidar de si. E agora... vamos!

A fantasia de Tifflor tentava imaginar como, nos quatorze mil aparelhos druufs, neste momento, os comandantes agigantados, estariam ouvindo suas palavras através dos receptores de telecomunicação.

Que haveriam de pensar, recebendo ordens de um terrano?

Tifflor não gostaria de ouvir e receber ordens de um arcônida. Mas as coisas aqui eram diferentes.

As naves dos druufs também estavam equipadas com amortecedores antigravitacionais, como as da Terra. Não se sentia nada, mesmo com a nave na mais alta velocidade. Nem mesmo a imagem da tela panorâmica sofria qualquer influência. Os pontos de luminosidade fosca das demais naves, moviam-se na mesma direção e com a mesma velocidade, tal qual a nau capitania.

Já há uns instantes atrás, o Tenente Lubkov tomara seu lugar numa mesa de comando. Precisava fazer grande esforço para acionar a grande alavanca e os demais controles. O principal, porém, era que ele sabia a função de cada um daqueles comandos.

— Diga a Fryberg que o barulho vai começar — ordenou-lhe Tifflor. — Precisa explicar aos druufs que devem atirar o mais rápido possível e sem parar. Diga-lhes que temos à nossa frente mais ou menos vinte mil espaçonaves arcônidas e que nossa vida depende da velocidade de nosso ataque.

— Perfeito, senhor — respondeu ele.

Depois se levantou e, passando para o outro lado da mesa, pegou no cabo da enorme alavanca, que ultrapassava o quadro de comandos. Pegou-o no ponto mais alto possível, levantando-se para isso nas pontas dos pés, de maneira que todo o peso de seu corpo ficou dependurado na alavanca. Isto fez com que esta cedesse um pouco. Foi abaixando devagar. Lubkov veio-lhe em auxílio, conseguindo os dois abaixá-la completamente.

Pela viseira do capacete, Tifflor viu que o suor escorria pela face do tenente, que continuava sorrindo.

Lubkov repetiu palavra por palavra o que Tifflor dissera. Fryberg fez um gesto afirmativo e acrescentou:

— Se eles souberem atirar tão rapidamente como nós, os arcônidas serão facilmente aniquilados. Tenho receio de que o negócio não vai depender só de nós.

Julian Tifflor ouviu sua resposta e lhe deu razão.

Quando aparecessem no meio dos arcônidas, os druufs começariam a atirar. Mas como? Levariam mais tempo para localizar o alvo, do que os robôs arcônidas para se refazerem da surpresa e organizar a resistência.

Como é que os aparelhos de Árcon penetraram assim tão depressa e em tão grande quantidade no espaço dos druufs?

Julian Tifflor estava correndo este risco todo, para se apoderar de dois segredos e poder transmiti-los à tecnologia terrana. Mas, enfrentar uma gigantesca frota dos arcônidas a bordo de uma nave druuf, com uma tripulação cuja capacidade de reação era exageradamente lenta, era bem outra coisa. Seu nome verdadeiro seria suicídio.

Mesmo sem se deixar abater, Tifflor estava pensando neste assunto, enquanto a nave mantinha sua aceleração e enquanto na tela panorâmica já se podiam ver as conseqüências do duplo efeito.

O mecanismo de propulsão dos druufs era muito potente. Bastariam poucos minutos para se atingir a velocidade do ponto crítico, ultrapassar o contínuo quadridimensional e começar a mover-se num espaço superior, sem contudo perder de vista o Universo de quatro dimensões.

O tempo era curto demais e os acontecimentos se precipitavam de tal forma, que Tifflor não podia tomar uma resolução clara sobre se continuava na rota inicial ou se devia tentar chegar até à base de Hades.

A única coisa, bem clara no seu subconsciente, era o seguinte: no plano primitivo estava previsto que os druufs e os arcônidas deviam se dizimar em ataques recíprocos. O plano como tal falhara, mas seu objetivo verdadeiro estava se concretizando por si mesmo. Os arcônidas iriam atacar e, dentro de quinze minutos, teria lugar uma batalha espacial, como nunca houve na história. Vinte mil naves arcônidas investiriam contra quase o dobro de naves druufs. Os danos seriam pesados, dos dois lados. Frotas inteiras seriam destruídas — tal e qual previa o plano primitivo.

E os quinze terranos, envolvidos nesta catástrofe, não teriam função nenhuma? Não, eles tinham uma missão muito importante. Os druufs, de antemão convencidos de sua flagrante inferioridade, iriam logo no começo dar a batalha como perdida e haveriam de fugir. Os prejuízos dos arcônidas seriam relativamente pequenos. Somente quando a frota comandada por Julian Tifflor provou que era possível enfrentar com sucesso os arcônidas, foi que o resto da força espacial druuf se mostrou inclinada a tomar parte ativa na luta e causar grandes danos ao adversário.

Tifflor chegou à conclusão de que, absolutamente, não era possível voltar atrás.

“Aqui está a oportunidade que nós esperávamos”, pensou o coronel, “e, mesmo que nos custe a vida, ainda é um preço muito pequeno para a sobrevivência da nossa querida Terra.”

Resolveu não pensar mais no assunto e dedicou toda sua atenção em observar o que acontecia com a nave enquanto a aceleração atingia o ponto crítico.

 

O acontecimento em si não foi nada de sensacional. A alteração do colorido na tela panorâmica foi a única coisa que aconteceu. Desapareceu o vermelho-escuro, dando lugar a um preto nebuloso, contra o qual cintilavam com maior brilho as estrelas.

A nave druuf já havia deixado o Universo quadridimensional e rumava, com uma velocidade superior à da luz, para o ponto em que pretendia encontrar-se com a frota arcônida. A visão das naves inimigas — os pontos vermelhos na tela do rastreador — ainda era a mesma. O aparelho de rastreamento funcionava independente do meio em que a nave se achasse.

Julian Tifflor estava calmo. Não imaginara que as coisas pudessem correr tão bem, como até então. A princípio, julgava que teria de ser comandante de uma nave, cujo curso lhe fosse imposto e cuja direção estivesse nas mãos frias de estranhos robôs. Só o fato de ele poder ver para onde ia sua nave, já lhe parecia uma grande vantagem.

Na tela do rastreador, a avalancha dos pontos vermelhos se aproximava com incrível velocidade. Tifflor procurava perceber qual seria a primeira manobra dos arcônidas, quando as espaçonaves inimigas surgissem no meio deles. Mas seus pensamentos estavam confusos. Não conseguiu se concentrar.

Olhou para o Tenente Lubkov, que lhe sorriu tranqüilamente. Neste momento, ouviu-se o intercomunicador. Era Fryberg quem estava falando:

— Não sei — disse para Lubkov — se isto ainda tem importância. Mas o cabo Mainland descobriu nas proximidades da torre blindada um hangar de naves auxiliares. O hangar tem...

— Não — interrompeu-o Lubkov. — A esta altura isto não tem mais importância alguma.

— Continue falando, sargento — ordenou-lhe Tifflor antes que Fryberg desligasse. — O assunto me interessa muito.

Fryberg pigarreou e continuou:

— Há um grande aparelho aqui no hangar, Sir. O cabo Mainland informou-se com um dos robôs e ficou sabendo que este aparelho está sempre preparado para decolar. Há um druuf sentado no posto do piloto, vigiando o aparelho. Ele faz o papel de piloto quando esta nave auxiliar é utilizada. E... parece que este aparelho alcança a velocidade da luz, senhor.

Tifflor olhou de novo para a tela do rastreador. Conforme seus cálculos, faltariam poucos segundos para que as naves druufs começassem a frenagem e iniciassem o fogo cerrado.

— Avise a Mainland — ordenou ele — que não se preocupe mais com o aparelho auxiliar. Informe a todos, com muita discrição, que se a situação ficar impossível aqui, nós fugiremos com este aparelho. Lubkov ou eu daremos a ordem para isto. Ninguém deve agir por conta própria, entendeu?

— Entendido, senhor — respondeu Fryberg, desligando logo após.

Julian Tifflor virou-se para trás. Fez todo o possível para manter a conversa em tom muito baixo. Os robôs estavam tão preocupados com seus afazeres — iniciar a frenagem e aparecer de novo no espaço quadridimensional no momento certo — que não podiam prestar atenção em outras coisas. Mas ele não estava muito seguro disto. Esperou ainda uns instantes e só depois que não havia nenhum robô por ali, dirigiu-se a Ras Tschubai, o teleportador.

— Tschubai, chegou sua hora — disse ele baixinho e apressado. — Leve Noir com você. Ele tem que tentar sugestionar o piloto.

André Noir, o sugestor ou o hipno, como era chamado, estava encostado comodamente contra a parede, ao lado da grande comporta. Ao ouvir seu nome, se aproximou.

— Não posso garantir que isto vai dar certo, Sir — disse pensativo. — É um cérebro completamente diferente do nosso.

— Tente, Noir — insistiu Tifflor. — Agarre-se bem firme em Tschubai.

Noir obedeceu. Parou na frente de Tschubai, enlaçou os braços em seu pescoço e deixou que Tschubai o agarrasse pela cintura. O africano fechou os olhos e quase no mesmo instante, os dois, Ras Tschubai e André Noir, dissolveram-se.

Julian Tifflor esperava que os dois chegassem sem dificuldade a seu objetivo. Dedicava agora toda atenção, novamente, aos robôs. Um dos homens-máquina virou-se e disse:

— Estamos no momento exato. A luta pode ser iniciada.

No mesmo instante, o firmamento vermelho-escuro do Universo druuf iluminou-se nas telas da sala de comando. Entre as estrelas cintilantes, pairavam os pontos luminosos da frota arcônida. Eram como uma nuvem de gafanhotos, alucinantemente numerosos.

— Fogo com todas as baterias! — exclamou Tifflor. — E vamos para frente.

Um dos robôs transmitiu suas palavras na língua dos druufs. Tifflor não tirava os olhos das telas, aguardando com grande excitação os primeiros relâmpagos. E eles vieram.

A pouca distância das naves druufs surgiu um novo sol de uma claridade ofuscante. Era uma bola incandescente que se avolumava, crescendo em poucos segundos até o tamanho de uma lua cheia e depois se desfazendo numa nuvem de gás. Uma outra bola de fogo surgiu ao lado. Quando a primeira estava se apagando, a segunda atingiu o maior grau de incandescência.

De um momento para o outro, o Universo vermelho-escuro estava congestionado de bolas incandescentes. E num avanço curioso, a frota dos druufs ia ceifando, às centenas, as filas imensas das naves arcônidas. Sem serem vistos, os raios energéticos das baterias atingiam os adversários, transformando-os em pequenos sóis. Morte e destruição reinavam nas hostes arcônidas. Em poucos minutos, haviam perdido mais de oito mil naves.

Mas, de qualquer maneira, já se haviam refeito da surpresa inicial e estavam se adaptando à nova situação. Sabiam agora onde estava o inimigo e a positrônica central indicava que somente um contra-ataque imediato poderia salvar a gigantesca frota de um colapso total.

E veio o contra-ataque!

As bolas incandescentes iluminaram de novo o espaço. Mas desta vez a destruição e a morte se espalhavam mais pelo lado dos druufs.

Julian Tifflor ordenou retirada imediata para o espaço superior. As naves druufs aceleraram novamente e tomaram uma outra rota, que, num ângulo agudo com a órbita de até então, conduzia para fora da zona ocupada pelos arcônidas. Mais ou menos doze minutos depois de surgirem repentinamente entre os arcônidas, desapareceram de novo. Nestes doze minutos perderam cerca de dois mil aparelhos.

Tifflor parou para respirar. O primeiro round lhes fora plenamente favorável. Sabia que o resto da frota teria agora coragem para repetir outro golpe semelhante. Já conheciam a receita: surgir de repente, atacar rapidamente e fugir.

Mas de qualquer maneira, o resultado final do combate ainda era um ponto de interrogação. É claro que, no segundo ataque, os arcônidas não iam levar mais três minutos para se adaptar à situação. E os druufs sabiam muito bem que eles eram muito mais rápidos e muito mais concentrados no seu ataque.

Julian Tifflor deu algum tempo para que as naves que se haviam desgarrado durante a peleja, se reunissem novamente. Nas telas, tendo como fundo o preto nebuloso do hiperespaço, ainda se viam os últimos vestígios das naves destruídas, em forma de pequenas nuvens alvacentas.

Julian Tifflor estava mesmo resolvido a um segundo ataque. Pela movimentação dos pontos vermelhos na tela do rastreador, era evidente que os arcônidas não tinham desistido de sua intenção, isto é, penetrar ainda mais no Universo dos druufs. A frota arcônida vinha em linha reta da zona de descarga, na direção do centro do sistema Siamed. A velocidade havia também aumentado. Deviam estar a oitenta mil quilômetros por segundo.

Por parte dos druufs não havia nenhuma objeção contra um novo ataque. Julian Tifflor manteve a frota que estava sob seu comando em posição de alerta, até que na tela panorâmica surgissem novos pontos brilhantes, indicando que também o restante das naves já estava em condições de partir.

Só então permitiu a partida de suas naves. Duro e sem piedade, como na primeira vez...

Quando sua frota, depois da manobra rápida de frenagem, emergiu do hiperespaço e entrou de rijo na luta, o Universo vermelho-escuro incandescia no brilho ofuscante de milhares de sóis. O número de pontos verdes na tela do rastreador havia diminuído. Os arcônidas não se deixaram mais surpreender, como na primeira vez. Mais de três quartos das bolas incandescentes provinham das naves druufs. A lentidão de suas tripulações era-lhes uma verdadeira desgraça.

Mas o ataque mais rápido da nau capitania de Tifflor pelos flancos do inimigo deu novo alento aos druufs. A frota arcônida, atacada simultaneamente e maciçamente dos dois lados, abriu-se, formando duas alas. Assim, os arcônidas não conseguiam mais concentrar o fogo de dez ou mais naves sobre um único alvo, destruindo assim seu envoltório de proteção logo na primeira saraivada de disparos. Os druufs se recuperaram um pouco do desânimo sobre suas primeiras perdas.

A nau capitania de Julian Tifflor, juntamente com cinqüenta naves dos druufs, abriu caminho por entre um grupo de aparelhos arcônidas, desgarrados dos demais, grupo este de mais ou menos quarenta unidades. Tifflor sabia que estava enfrentando um grande risco. Se os arcônidas tivessem a oportunidade de concentrar o fogo de dez aparelhos numa única nave druuf, era uma vez uma espaçonave...

O que estava dando mais força a Tifflor nestes momentos era a coordenação verdadeiramente surpreendente das unidades dos druufs entre si, durante as refregas. Dava a impressão de que aquela infinidade de naves de origens diferentes pertencessem a uma só frota e estivessem muito treinadas. Os enormes danos que as forças de Árcon estavam sofrendo deviam ser atribuídos mais a esta coordenação dos druufs do que à reação inteligente e rápida de Tifflor.

Tifflor deu a ordem de atacar, ainda quando as forças arcônidas estavam a uma distância de quarenta mil quilômetros. As naves dos druufs tinham ajustado sua velocidade pela dos arcônidas. Era como se os aparelhos estivessem parados no espaço.

Mais uma vez, luziam as bolas de fogo. Seu clarão ofuscante se estendia até ao centro da grande aglomeração das forças arcônidas, que pareciam completamente desorientadas. Não se notava o menor sinal de reação por parte delas.

Pelo menos assim pensava Tifflor, até que, de repente, faltou-lhe o chão sob os pés e foi atirado para cima. Bateu com a cabeça no teto, com bastante força. Um pouco mais lentamente do que a catástrofe que sobre ele se abatia, seu amortecedor antigravitacional reagiu à nova situação, colocando-o de novo de pé no chão da nave. A cabeça lhe doía barbaramente e seu estado geral era péssimo. Ouvia muita gente gritando, inclusive a voz de Lubkov, mas não entendia nada do que diziam.

Foi aí que se lembrou da nave auxiliar, já de prontidão lá no hangar. Deu uma olhada para a tela e viu o brilho amarelado do envoltório de proteção que estava sendo destruído. A nave capitania fora atingida em seu flanco. Não estava totalmente destruída, mas podia se considerar perdida. Ouviu-se um forte estalo, como que um impacto de metal com metal. Julian Tifflor sentiu um novo abalo. Apoiou-se no último instante numa alavanca.

De repente havia alguém a seu lado. Através dos olhos embaciados por dores atrozes, reconheceu vagamente a figura de Lubkov. Viu que os lábios de Lubkov se moviam, mas levou muito tempo para compreender que o que estava ouvindo eram as palavras dele:

— Temos de fugir, a nave foi destroçada.

Fez um gesto de confirmação, esperando que Lubkov o entendesse. Lubkov o deixou ali e saiu correndo. Parece que corria ao longo da parede. Tifflor tentou reunir toda sua força. Sacudiu a cabeça para afugentar a dor e se dirigiu para a porta. No recinto, só havia robôs.

Alguma coisa devia ter acontecido com o soalho. Tifflor tinha a impressão de estar pisando numa rampa de cascalho. Quem sabe seu aparelho antigravitacional estava com defeito, após o choque? Subiu com dificuldade até a porta, sem olhar para trás. Tinha só uma preocupação, que lhe era martelada pelo subconsciente: “Você tem que chegar até a nave auxiliar”.

Não percebeu que um dos robôs se levantou. O grande impacto o obrigara a cair e certamente algumas de suas funções ficaram prejudicadas. Mas ainda sabia qual era a sua obrigação, quando o estrangeiro tentasse fugir. Postou-se de tal maneira que uma de suas armas apontava diretamente para a porta, e quando Julian Tifflor ia ultrapassá-la, ele atirou.

Julian Tifflor sentiu que uma dor lancinante se espalhava por todo o corpo. Gritou e segurou no batente da porta. Mas os braços foram perdendo as forças, parece que não lhe pertenciam mais. As mãos escaparam no seu ponto de apoio e Tifflor rolou no chão inclinado, até encostar na parede. Quando ali chegou, já estava inconsciente.

 

Perry não tinha dúvida do que devia fazer. Tifflor corria perigo, Rhodan tinha de socorrê-lo. As duas naves terranas, a Drusus e a Kublai Khan, deviam penetrar no Universo dos druufs para procurar por Tifflor e seus auxiliares. Deu ordens para isto. Não sabia, porém, que uma grande parte da frota arcônida estava de olho e registrava com cuidado cada passo que ele dava. Quando as duas naves alteraram a rota e se dirigiram para a zona de superposição, os arcônidas logo perceberam.

O regente robotizado foi colocado a par de tudo e julgou que o momento era oportuno. Quando a Drusus e a Kublai Khan estavam a um décimo de ano-luz da região de superposição, surgiu na frente delas uma frota de belonaves pesadas e os arcônidas abriram fogo sem nenhum aviso.

Rhodan sabia que estava em inferioridade numérica. Ordenou uma transição imediata, não tendo nem tempo para se preocupar com a direção a ser tomada. O essencial era escapar da armadilha dos arcônidas.

Os envoltórios de proteção da Drusus já estavam incandescentes sob o fogo cerrado da primeira saraivada, quando a gigantesca nave deu o salto para a quinta dimensão, desaparecendo no hiperespaço.

Não foi um mero acaso o fato de a Drusus e a Kublai Khan terem realizado o mesmo salto, com transição igual. Ao voltarem para o espaço de Einstein, estavam novamente próximas uma da outra. Medições exatas feitas na hora, constatavam que, tomando-se como ponto de referência sua rota anterior, a zona de superposição estava quinze anos-luz atrás delas.

Isto queria dizer, primeiramente, que estavam a salvo. Mas que adiantava isto, se Tifflor e seus companheiros estavam em perigo, precisando de seu auxílio? As duas naves tinham que voltar.

Rhodan não perdeu tempo com considerações inúteis. Era supérfluo falar de sua responsabilidade com Julian Tifflor. Jamais poderia ignorá-la. E de nada valia o argumento de que iria arriscar duas das maiores belonaves da Terra, na tentativa de salvar Tifflor.

É verdade que não havia nenhum plano de combate para resolver o problema. Havia um único caminho: avançar e procurar abrir uma brecha na “nuvem” de naves arcônidas.

Perry Rhodan instruiu a Kublai Khan de como coordenar seus movimentos com os da Drusus. As duas naves terranas juntas tinham uma fantástica potência de fogo. Não precisavam ficar preocupadas com o número de naves arcônidas que tinham de enfrentar, desde que esse não fosse superior a quinze unidades.

A desgraça era que os arcônidas também sabiam disso e mandavam sempre um número bem grande de naves no encalço dos terranos.

Perry Rhodan tomou sobre seus ombros toda a responsabilidade e deu ordens para o vôo de volta. As duas naves partiram e, dentro de poucos minutos, já estavam em transição.

 

A grande nave druuf sacolejava. Diante do painel dos instrumentos, estava o piloto druuf, olhando petrificado para frente, sem desviar a atenção da tela escura, como se a confusão ali dentro não tivesse nada com ele. A seu lado, estava sentado André Noir, o hipno. Seu rosto estava assustadoramente pálido. Os olhos fechados. O suor escorria pela sua testa.

O Tenente Lubkov, apesar dos estremeções da nave capitania, tentava ficar sempre ao lado do mutante. Sua preocupação era se o hipnotizador André Noir iria suportar toda aquela carga nervosa. Se ele falhasse, seria uma desgraça para todos. Pois ninguém, fora o piloto druuf, estaria em condições de manejar o aparelho e de conseguir tirá-los dali. Podiam matar o piloto, caso André Noir fracassasse, mas isto não resolveria nada.

John Marshall foi o último a entrar. O telepata subiu rápido a escada que dava para o posto de comando e a primeira coisa que os homens ouviram de seus lábios foi:

— Coisa muito perigosa! Tifflor sofreu um ataque.

Lubkov não perdeu tempo. Sabia que o telepata estava em condições de, mesmo a grande distância, saber se alguém estava acordado ou dormindo, se estava doente ou com saúde. Os pensamentos captados indicavam tudo.

— Onde está ele? — gritou Lubkov.

— É difícil dizer — respondeu Marshall. — Estou recebendo apenas sinais muito fracos, quase imperceptíveis. Aparentemente, está inconsciente. Nas proximidades do posto de comando, acho eu.

Um novo abalo percorreu toda a grande nave. Lubkov foi atirado para o alto, caindo depois com muita força.

— Tschubai! — disse ele, sem dar importância a sua queda. — A nave está se rebentando. Você não quer procurar Tifflor? Temos de levá-lo conosco.

Ras Tschubai nem perdeu tempo em responder. Apenas se concentrou, mentalizando a imagem da cabina de comando, e desapareceu.

 

Não conseguiu encontrar Tifflor. O posto de comando estava com o chão e as paredes entortados. Os robôs achavam-se ocupados em consertar um aparelho rebentado. A tela panorâmica havia caído da parede. A iluminação estava piscando. Qualquer um podia ver que a nave capitania estava sendo destruída.

Mas, pelo menos os tiros tinham cessado. Ras Tschubai gostaria de saber o que estava acontecendo lá fora. Será que os arcônidas voltariam a um novo ataque para desfechar o tiro da misericórdia na pobre nave druuf?

Mas não havia meios de se saber isso. Os instrumentos não funcionavam mais e de Julian Tifflor ninguém tinha mais notícia.

Os robôs não deram maior atenção a Ras Tschubai. Estavam muito ocupados. Assim sendo, Tschubai não tinha nenhum receio deles. O africano subiu despreocupado para a cabina de comando, olhou em volta com calma e descobriu o corpo de Tifflor, deitado entre a parede e o chão rebentado. Estava sem sentidos.

Num só escorregão, Tschubai chegou lá embaixo e auscultou Tifflor. Tinha impressão que seu peito subia e descia lentamente; estava, portanto, vivo. Alguma coisa o devia ter atingido, mas o esquisito era que não se achava o menor sinal de ferimento.

A nave druuf tremia como se tivesse um ataque de malária. Parecia, nestes últimos instantes, ter se transformado num ser vivo que lutava contra a morte.

Ras Tschubai pegou Tifflor e o carregou nos ombros. Sabia que não podia perder um segundo. Olhou mais uma vez em volta. Lá na frente vinha um robô, caminhando com cautela. Ras não sabia por que, mas de repente ficou com medo de ser visto pelo robô. Fechou os olhos, segurou firmemente o corpo inerte de Tifflor e se concentrou na diminuta cabina de comando da nave auxiliar. Quando o quadro se apresentou bem nítido em sua mente, a parte especial de seu cérebro lhe forneceu aquela energia extraordinária e Ras desapareceu, deixando o robô ali parado, sem saber o que fazer.

O tiro, com que o robô pretendia aniquilar Ras Tschubai e o terrano inconsciente, abriu uma fenda na parede da sala de comando da nave druuf de mais de um metro de diâmetro.

Quando Ras Tschubai chegou à nave auxiliar, André Noir jazia no chão. Sua resistência física não deu para agüentar mais. Mas o druuf continuava petrificado, olhando para frente, sem tomar conhecimento do que se passava em torno dele. Queria dizer então que os influxos hipnóticos de Noir ainda continuavam ativos. Mas até quando?

Para o Tenente Lubkov, que havia assumido o comando, a volta de Ras Tschubai com Tifflor era o sinal para a partida. Inclinou-se para André Noir e lhe gritou no ouvido:

— Partida, imediatamente!

Noir piscou os olhos por um segundo. Era o único sinal de que ele havia compreendido.

Momentos depois, o druuf começou a se mexer. Com as mãos fortes, puxou a alavanca tão grande que parecia uma barra de ginástica. Seus dedos exageradamente longos apertaram botões. O chão começou a vibrar, a tela se iluminou, mostrando o interior do hangar.

A comporta se abriu para a pequena nave sair. O Tenente Lubkov ainda não tinha visto o funcionamento das comportas druufs. Ao entrar na nau capitania, a comporta já estava aberta. Ficou encantado com a velocidade com que as duas partes da comporta interna recuaram para os lados, deixando livre o caminho para o espaço. O druuf na poltrona do piloto atirou a pequena nave para o espaço. Lubkov olhou para a nave semidestruída e viu a parte superior da comporta de repente tombar para o lado. A imagem da tela panorâmica da nave auxiliar lhe provou que não estava tendo alucinações. A queda da parte superior da comporta não fora ilusão ou sugestão.

A grande nave capitania estava desintegrando-se, exatamente quando o aparelho auxiliar saltou para o espaço. A fuga deu-se literalmente no último instante. Um segundo mais tarde, a nave auxiliar seria também destruída.

O capacete do Tenente Lubkov estava bem fechado, de maneira que seu gesto de enxugar o suor foi mais simbólico. Depois de se recuperar do susto, passou a observar o comportamento do piloto druuf. Constatou, muito surpreendido, que em volta da nave auxiliar havia poucos pontos de luz fosca, que pelo tipo de seu brilho se diferenciavam das estrelas. Muito menos do que imaginara. Bem para o fundo, muito longe, ainda brilhavam algumas bolas de fogo das naves destruídas e, a cada segundo, outras mais se incendiavam. Mas o setor para onde se dirigia a pequena nave, achava-se incrivelmente calmo.

Lubkov, não muito acostumado com os instrumentos druufs, procurou inutilmente por uma tela de rastreador, como na nau capitania, mas não encontrou.

Teria que dar ordem a André Noir para que arrancasse telepaticamente do piloto druuf o que desejava saber, mas cada pergunta custaria um grande esforço para o já debilitado hipnotizador. Assim, Lubkov acabou desistindo. Noir já havia sugestionado ao druuf o destino do vôo e isto devia ser suficiente. De fato, o piloto dirigia aparentemente certo do que fazia.

Os pontos luminosos dos aparelhos no espaço — arcônidas ou druufs, de qualquer maneira ambos inimigos — foram ficando para trás. A pequena, mas veloz nave, foi deixando o teatro de operações bélicas, onde o terrano representara um papel importante. Infelizmente Lubkov não tinha nenhum meio de saber como havia terminado a luta, isto é, os prejuízos de ambos os lados. Deu-se por feliz em saber que Tifflor e os seus estavam fora de perigo.

Mas isto não era bem verdade.

Dez minutos depois de saírem dos destroços da grande nave druuf, quando as estrelas começaram a luzir com maior brilho na pequena tela, André Noir interrompeu repentinamente sua atuação telepática sobre o druuf. Com um soluço quase imperceptível, descontraiu-se e perdeu os sentidos.

No mesmo instante, o druuf começou a se virar de um lado para o outro. Parece que estava se lembrando de que, originariamente, não deveria ser sua missão obedecer cegamente a um grupo de terranos.

Virou-se e olhou para Lubkov. Este nada entendia da mímica dos druufs, mas deu para entender que o até então tranqüilo piloto estava resolvido a se opor a eles.

 

Já tinham feito três tentativas de furar a frente inimiga e três vezes foram rechaçados. Aliás, a Drusus foi atingida por um projétil que deixara fora de funcionamento um dos motores de seu envoltório de proteção. Daí para frente, a Drusus teria de agir com mais cautela. O gerador podia ser reparado na Terra em um dia, mas no espaço era totalmente impossível.

A quarta investida foi realizada para, por meio do transmissor, enviar Gucky para Hades. Combinaram um determinado tempo para que a Drusus ou a Kublai Khan ficassem preparadas, nas proximidades da zona de superposição, para receber Gucky de volta.

O resto do tempo ficariam aguardando. Gucky teria de informar-se sobre o que acontecera com Julian Tifflor. Havia três hipóteses: ou o sinalizador do corpo de Tifflor continuava funcionando com a força de sempre, ou estaria trabalhando com muito pouca força e com intermitência, ou então não funcionava mais. A primeira e a última hipótese significava que seria completamente inútil a intervenção dos dois grandes couraçados. A segunda hipótese, porém, os obrigava a tentar, pela quinta, sexta, centésima ou milésima vez, irromper pela frente inimiga e penetrar no Universo druuf.

Os arcônidas não se limitaram a ficar esperando pelas duas naves terranas nas proximidades da zona de superposição. Pelo menos a metade da frota de bloqueio, isto é, cerca de dez mil unidades, estava sempre em movimento, pesquisando todo o espaço em volta para destruírem os dois couraçados, assim que os localizassem.

Por este motivo, Perry Rhodan fazia com que toda transição que a Drusus e a Kublai Khan fizessem, fosse terminar, pelo menos, a dez anos-luz da garganta afunilada da região de superposição. Naturalmente ele pensava que os arcônidas não o fossem procurar tão longe assim.

Os minutos de espera pela chegada de Gucky foram momentos de terrível tensão nervosa. O nervosismo ia num crescendo constante a bordo dos dois couraçados. Pois a maior infelicidade para o homem é ficar sem poder fazer nada numa hora das mais importantes decisões.

 

O druuf não tinha nenhum transdutor idiomático para se entender com os terranos. O Tenente Lubkov fez o que supôs ser o mais indicado. Ordenou que quatro de seus homens se postassem de armas embaladas na frente do piloto, esperando que com isso ele compreendesse qual era sua obrigação. Depois aproximou-se dele, pegou no seu tronco quase cúbico e tentou virá-lo para a posição em que estava antes.

O druuf devia entender toda esta movimentação tão “palpável” para qualquer tipo de cérebro.

Se entendeu ou não entendeu, o fato é que o druuf fez apenas um pequeno movimento com seu corpo e com os longos braços. O Tenente Lubkov recebeu um tremendo golpe e foi atirado para frente, rolando no chão. Ao bater com o ombro em qualquer coisa dura, deu um grito de dor. Mas logo a seguir se levantou e viu como o druuf virou para a frente, levando a mão à alavanca de comando.

Depois de um soco daquele, a mão do druuf na alavanca de comando somente poderia significar a alteração da rota. Lubkov sacou da arma e atirou. A violência do tiro seria suficiente para matar um homem instantaneamente, mas para o druuf mal foi suficiente para obrigá-lo a curvar-se e cair no chão.

E não passou disso. Depois que o druuf rolou no chão com grande ruído, passou a reinar silêncio total na diminuta cabina de comando. Parecia que na cabeça de todos só havia um pensamento: como conseguiremos agora chegar ao nosso objetivo?

De repente, porém, soou um grito agudo de Marshall, que lhes fez gelar o sangue nas veias:

— Cuidado! Deixem-no em paz. Ele está pensando... e eu o posso compreender.

 

Ao chegar a Hades, Gucky se admirou do chiado estridente do sinalizador telepático de Julian Tifflor. Pois realmente Gucky estava muito temeroso sobre o estado do coronel. E de fato não lhe tinha passado pela cabeça uma possibilidade de encontrar Tifflor em boas condições.

Comunicou apressadamente ao Capitão Rous o objetivo de sua segunda vinda a Hades. Explicou-lhe que, entretanto, tudo estava bem com Julian Tifflor e que tinha a impressão de que ele se aproximava da base de Hades. Não sabia, porém, explicar como isto era possível.

Em vista disso, o Capitão Rous deu ordem para que as estações de rastreamento estivessem bem atentas, principalmente no setor da zona de superposição, chamando atenção especial para um objeto desconhecido que se deslocava a grande velocidade na direção da Base Hades. Devido à comparação das mais diversas estações, isto é, do observado por seus aparelhos de rastreamento, com o que Gucky estava percebendo, podia-se afirmar que Julian Tifflor estava mesmo a bordo do objeto desconhecido. Como ele tinha penetrado neste aparelho, que pretendia ali dentro, por que vinha em linha reta para Hades — isto ninguém podia explicar.

A batalha espacial nos limites do sistema Siamed tinha sido observada pela base de Hades. Ela mesmo se mantivera calada, sem tomar parte na luta. As diversas bolas de fogo das explosões foram filmadas. Este filme, mais tarde, seria utilizado para estudo do andamento da batalha e seu resultado. Ninguém até agora sabia ao certo o que acontecera por lá, e quais as conseqüências que daí podiam advir.

O maior interesse no momento se concentrava em Tifflor que, provavelmente numa nave druuf, estava a caminho de Hades.

 

Apesar das enormes dificuldades, estavam conseguindo o que queriam. Lubkov fez como se quisesse manobrar as alavancas do quadro de comando, e o druuf ferido começou, em pensamentos, a zombar dele:

— Desta maneira o aparelho vai se perder no espaço.

No entanto, Marshall conseguira captar-lhe os pensamentos. A dor que o piloto druuf sentia, a ira que crescia dentro dele, rebentaram o possível envoltório mental que até então impedira a comunicação telepática entre os terranos e o druuf. Marshall era um telepata experimentado. Assim, o druuf ali deitado não sabia que seus pensamentos estavam sendo lidos por Marshall. Logo que notava um pensamento importante, comunicava-o a Lubkov.

Lubkov largou as alavancas, e tentou mexer em outros comandos.

Logo veio o pensamento do druuf:

— Desgraçado, como é que você sabe que são estes os certos? Mas ainda está faltando uma coisa. Tem de “ligar também a outra alavanca”

Marshall não compreendeu bem o termo técnico, mas disse a Lubkov simplesmente o que ouvira. E Lubkov começou a procurar, entre outras, as tais alavancas. Procurou tanto até que o druuf, todo encolerizado, pensou:

— Com os diabos! Acertou outra vez!

Desta maneira aprenderam, passo a passo, como funcionava o comando da nave druuf. Tão logo tudo lhes estava claro, ultrapassaram a velocidade da luz e se aproximaram de Hades, em vôo mais rápido que a luz, através do hiperespaço.

As manobras de frenagem correram normalmente. O temperamental druuf, que levado pela dor e pela cólera não descobriu que era ele mesmo quem fornecia todas as dicas, continuou sendo uma fonte inesgotável de informações.

Depois que emergiram do hiperespaço, Julian Tifflor voltou a si. Levou alguns minutos para compreender a nova situação. A seguir, assumiu o comando. Lubkov ficou muito contente, porque daí em diante tinha todo o tempo para prestar atenção nas complicadas alavancas e botões.

Finalmente surgiu no canto de dentro da tela panorâmica a base de Hades. A pequena nave auxiliar, em menos de duas horas, venceu uma distância de quase doze bilhões de quilômetros — devendo-se notar que foi pilotada por terranos que há duas horas antes não tinham a menor noção da astronáutica dos druufs.

Aliás, ainda lhes restava uma parte substancial de sua missão: a aterrissagem em Hades. O Capitão Rous haveria de tomar a nave como pertencente aos druufs, como de fato era, e teria todo o direito e mesmo o dever de abrir fogo contra ela. Não poderia permitir que uma nave druuf se aproximasse demais da entrada das cavernas onde se escondia a base terrana.

Tifflor tinha muitas idéias de como evitar este erro, mas todas elas eram de execução demorada. Uma destas idéias, por exemplo, era descrever com a nave no espaço voltas enormes para formar letras da escrita terrana, com um S ou um R, qualquer letra, enfim, até que Rous chegasse à conclusão de que não eram os druufs. Mas havia um caminho aparentemente mais garantido. Assim como os terranos aprenderam o segredo da navegação através do truque da telepatia, podiam tentar fazer o mesmo para aprender a lidar com os transmissores de bordo.

Havia muita coisa que podia ser feita. Mas enquanto Tifflor e Lubkov discutiam qual seria a mais prática, surge a voz de Marshall, trazendo uma grande sensação:

Havia “percebido” a voz de Gucky, por via telepática. Gucky estava em Hades e tinha notado a aproximação da nave dos druufs. As comportas da base de Hades já achavam-se abertas para acolher a nave. Portanto, tudo certo.

 

No momento predeterminado, a Drusus e a Kublai Khan estavam com seus transmissores fictícios já preparados para receber Gucky da base de Hades. No exato segundo, Hades solicitou o sinal verde e o recebeu. Um momento após, Gucky já se encontrava a bordo da Drusus, justamente oito horas depois de sua última despedida.

As novidades que trazia eram importantes e mesmo excitantes. Julian Tifflor não somente estava fora de perigo, como tinha “aprisionado” uma nave druuf, equipada com a assombrosa turbina de velocidade superior à da luz.

O Capitão Rous compreendera a importância do fato e instruíra seus homens para desmontarem todo o mecanismo, o mais depressa possível, e acondicionar as diversas peças de modo a facilitar um transporte rápido. Fizeram tudo isto em apenas oito horas. Quando Gucky estava penetrando na Drusus, as quinze toneladas de todo o maquinismo já achavam-se acondicionadas em fardos de duzentos quilos cada um. Iriam para bordo dos dois couraçados terranos pelo mesmo meio como Gucky viajara há poucas horas.

Enquanto Gucky estava “despejando”, emocionado, suas novidades, o setor de rastreamento anunciou que havia uma formação de cerca de cem belonaves arcônidas voando em direção ao local onde se encontravam os dois couraçados e que, dentro de doze minutos, já estariam em distância de atirar.

Perry Rhodan não titubeou.

A posse do novo tipo de mecanismo de velocidade acima da luz era importante demais para a Terra. Tinham, pois, que topar a jogada. Hades recebeu sinal verde. Marcel Rous mandou carregar todos os transmissores fictícios, para que, de sua parte, não se perdesse um segundo. A Kublai Khan foi avisada e começou o transporte. E, peça por peça, todo o pesado mecanismo foi “pulando” de Hades para os dois encouraçados, numa distância fabulosa. Numa agitação febril, homens e robôs iam recebendo os fardos de duzentos quilos dos transmissores.

É claro que Marcel Rous, em Hades, não podia estar a par da difícil situação dos dois couraçados, mas mesmo assim fez tudo para não perder um segundo. Os homens da Infant eram incansáveis no transporte das peças do mecanismo. A última coisa a ser transportada foi o druuf ferido.

Dez minutos depois, havia acabado todo o trabalho. A esquadra arcônida estava se formando para o ataque. Mas antes de chegarem à distância de fazer fogo, as duas supernaves partiram para o espaço. Os arcônidas tentaram ir em seu encalço. Mas Perry ordenou a transição, e as naves terranas desapareceram, diante dos inimigos boquiabertos.

Não era a primeira vez, nem seria a última, que Perry Rhodan zombava da supremacia numérica dos arcônidas.

 

É verdade que eles pretendiam muito mais. Mas, deviam estar contentes com o que conseguiram. Queriam que os arcônidas e os druufs se aniquilassem mutuamente e não deixassem de lutar, senão depois que, dos dois lados, não houvesse ninguém mais em condições de se levantar. Esperavam, com um único empreendimento, criar uma situação em que o poderio terrano pudesse ficar igualado ao dos arcônidas.

Não chegaram até isto. E era mesmo impossível.

Conforme cálculos bem ponderados, o Império Arcônida perdera em toda a refrega dezoito mil naves. Era realmente um número respeitável, conforme os parâmetros da Terra, mas de maneira alguma uma perda irreparável, capaz de colocar em jogo o poderio de Árcon.

As perdas dos druufs foram também elevadas, mas isto não interessava a ninguém na Terra. Conforme as previsões da positrônica de Vênus, a zona de descarga estaria em pouco tempo fechada e, a partir daí, os druufs não representariam nada mais para a Terra.

O dever da Terra continuaria sendo, portanto, de acompanhar de longe a política da Galáxia. Ainda não era chegado o momento em que a frota terrana podia entrar em cena e impor, pela força, sua vontade. O grande dia da Terra ainda iria demorar um pouco. Estas considerações eram uma boa lição que se podia tirar da missão de Julian Tifflor.

De outro lado, porém, havia dois grandes sucessos a registrar: a captura de uma nave druuf, com o mecanismo de propulsão de velocidade superior à da luz e do aprisionamento de um piloto druuf, que podia fornecer informações sobre o desenvolvimento tecnológico de sua raça.

Os cientistas e técnicos terranos haveriam de se lançar com grande ardor para estudar o fabuloso mecanismo que a Drusus e a Kublai Khan lhes estava desembarcando. E teriam uma função dupla: tentariam procurar compreender uma tecnologia estranha e transmitir o modo de funcionamento de um dispositivo, cujo princípio lhes era totalmente desconhecido.

Quatro semanas após, já haviam desvendado o essencial e, em pouco tempo, estariam construindo mecanismos iguais.

Uma das exposições mais conhecidas, explicando o funcionamento da propulsão druuf de velocidade superior à da luz, era a do professor Lawrence, do Instituto de Tecnologia de Terrânia. O trabalho deste mestre começava clareando o incompreensível através de um exemplo da física:

— Pode-se aquecer um pedaço de matéria sólida. Pode-se transferir calor para ela e, para cada caloria que se adiciona ao pedaço de matéria, aumenta sua temperatura, conforme o calor específico de cada corpo, num determinado número de graus. Mas se chegará a um ponto em que o calor adicionado não servirá mais para aumentar a temperatura do objeto, mas tão-somente para alterar o estado da matéria.

“Tomemos como exemplo um pedaço de gelo, H2O em estado sólido, para falarmos mais exatamente. Comecemos com dez graus abaixo de zero grau Celsius a aquecer o gelo. Quanto mais calor lhe adicionarmos, tanto mais sobe sua temperatura, até atingirmos grau zero de Celsius. Se ao gelo de zero grau adicionarmos mais calor, ele passa a não se aquecer, mas apenas se derrete. Continua com a temperatura de zero grau, até se liquefazer todo, portanto, H2O líquido. Somente depois disso, é que o calor adicionado à matéria será aplicado para elevar a temperatura da água. A quantidade de calor que adicionarmos ao grau zero, sem que a temperatura da matéria aumente, chamamos de calor da fusão do gelo e, com relação ao peso molar, chamamos de calor da fusão molar.

“Os senhores, futuros galatonautas, como certamente o serão, haverão de me perguntar o que o gelo derretido tem a ver com a sua vocação de cosmonauta. Permitam-me explicar um pouco mais. Os senhores adicionam mais energia ao motor da nave e este motor aumenta-lhe a velocidade. Este princípio não funciona indefinidamente, como os senhores sabem. Até hoje, nós acreditávamos que não podíamos ultrapassar um determinado limite, isto é, o da velocidade da luz.

“Já os druufs estão um passo à frente. Do mesmo modo que nós, eles adicionam energia ao mecanismo, para aumentar a velocidade de suas naves. Mas chega então o ponto em que a energia fornecida não é mais utilizada para aumentar a velocidade, e sim para mudar o estado do aparelho. É claro que a nave sólida não se transforma em nave líquida, como é o caso do gelo, mas o estado da nave se altera de tal maneira, que depois do acréscimo de uma determinada quantidade de energia, ela, a nave, não pertence mais ao contínuo quadridimensional, mas passa para um espaço superior.

“É, pois, como o fenômeno do gelo. A função, que o aumento de temperatura possui com relação à massa e com a dimensão do calor fornecido, permanece contínua até o ponto de fusão, quando tem então um momento de instabilidade. Diz-se então que para qualquer alteração na temperatura, por menor que seja, é necessário um aditamento de certa dose de calor.

“O mesmo se dá com a nave dos druufs: aumento de velocidade de acordo com o tamanho da massa e da quantidade de energia, como função da velocidade imprimida, é uma função contínua, até um ponto-limite. Ali chega o clímax, semelhante a uma função delta. Esta função delta marca o ponto em que a energia adicionada é utilizada para levar a nave para um outro estado espacial.

“Por favor, meus senhores, não julguem toda esta complicada explicação mais do que como uma comparação, pois toda comparação é falha em algum ponto. Deve-se tomar também em consideração a estrutura da energia fornecida ao mecanismo, além do tipo de propulsão e muitas coisas mais.

Tudo que lhes disse tem o único propósito de lhes dar um quadro rudimentar do processo. Não se esqueçam de que estamos tocando num setor da ciência onde uma demonstração concreta se torna impossível. A tentativa de dar um modelo do fenômeno ou um esboço claro tem de falhar sempre.”

Foi este o quadro esquemático do professor Lawrence. Assim mesmo, apesar de parecer um tanto irreal, os conceitos do professor entraram para os manuais de técnica e aí ficaram por muito tempo, imutáveis.

A inquirição do piloto druuf aprisionado não trouxe grandes elucidações sobre o fenômeno ou sobre a técnica de camuflagem com que a nave druuf pôde, sem ser vista, arrastar a Infant para dentro da garganta afunilada.

O druuf sabia que o aparelho ainda estava em fase experimental — um dos motivos por que os terranos ainda não tinham dificuldades em determinar a posição das naves druufs. Eram pouquíssimos os aparelhos que já estavam equipados com os novos dispositivos.

O druuf sabia ainda que o funcionamento do aparelho se baseava no fato de que ele só podia absorver dois setores restritos e bem determinados do feixe de ondas eletromagnéticas. Estes setores pertenciam à parte visível do espectro. Eram ondas cujo comprimento variava de 4.000 a 7.500 unidades de angstrõm, sendo que uma parte delas também pertencia ao pequeno setor em que se moviam as freqüências dos rastreadores terranos. Se fosse utilizada uma outra freqüência de rastreamento, a nave invisível dos druufs certamente aparecia nítida na tela do rastreador. Em outras palavras, no tocante ao rastreamento com microondas, o novo aparelho druuf oferecia apenas a vantagem de operar numa faixa muito raramente utilizada pelos operadores dos postos de rastreamento.

Esta constatação não chegou a ser uma novidade sensacional para os terranos. Tudo que se pôde concluir sobre o processo druuf foi encaminhado aos técnicos em alta freqüência, com a sugestão de se aprofundarem mais no assunto. Ninguém, porém, acreditava que surgisse alguma coisa útil de tudo isto.

Apenas três semanas depois de ter chegado à Terra, o druuf morreu, recusou-se a ser atendido por um médico. Seu ferimento foi piorando mais do que os responsáveis podiam supor. Fora disso, não se tomou muito a sério sua obstinação em recusar tratamento, do mesmo modo que a inquirição também foi feita contra sua vontade.

A Terra havia, pois, dado mais um passo em busca da supremacia galáctica. Estava de posse do mecanismo de velocidade superior à da luz, graças aos druufs. E os cientistas terranos estavam em vias de dar, também, mais um passo para vencer a superioridade numérica dos arcônidas.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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