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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Monstro de Plasma / Kurt Brand
O Monstro de Plasma / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Monstro de Plasma

 

Os acônidas brincam de matar...

Uma nova época raiou para a Humanidade. Cinqüenta e sete anos são passados, desde a morte de Crest. Na Terra, registra-se o ano 2.102.

Muita coisa aconteceu neste meio tempo. O arcônida Atlan conseguiu, com o auxílio dos terranos, firmar-se em sua posição de imperador. A aliança entre Árcon e o Império Solar trouxe seus frutos — especialmente para os terranos, muitos dos quais ocupam cargos e posições importantes em Árcon. Atlan tem de tolerar tal situação, já que não pode confiar na maior parte de seus compatriotas.

O Império Solar é agora a mais importante potência comercial da Via Láctea. Há 22 anos, um verdadeiro fluxo de emigrantes dirige-se aos mundos que podem ser colonizados. Além disso, o Império Solar mantém embaixadas e entrepostos comerciais em muitos planetas habitados...

Desta vez a curiosidade dos terranos foi a grande culpada pelos acontecimentos... Mas, também, como poderiam saber que espécie de arapuca os acônidas lhes haviam armado?

 

                                       

 

— Quero conhecer este homem — disse Perry Rhodan, enquanto dobrava o Europa News e apontava para um nome que se encontrava sob o artigo de fundo. — Walt Ballin...

Parecia querer sentir a sonoridade do nome, enquanto de sua escrivaninha contemplava a cidade de Terrânia.

Naquele dia, as informações diárias, que seus encarregados de imprensa selecionavam entre a montanha de jornais do império, haviam despertado um estranho interesse em Rhodan. Ele, que não era amigo nem inimigo da imprensa, acabara de manifestar o desejo de travar conhecimento com determinado jornalista.

Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança Solar, lançou um olhar indagador para Rhodan, mas o Administrador do Império Solar não reagiu ao mesmo. Continuava a olhar pela janela, para além do oceano de casas de Terrânia, onde já se estendera o deserto de Gobi, hoje, transformado numa área de parques.

— A pessoa precisa de muita coragem e senso de responsabilidade para perguntar-nos se estamos empenhados numa política destrutiva. Geralmente não vale a pena ler manifestações agressivas como esta, mas o tal do Walt Ballin apresenta certas reflexões que também deveriam ocupar nossas mentes. O que achei mais interessante foi sua afirmativa de que deixamos de preparar o homem para pensar em termos galácticos. Será que Walt Ballin não tem razão, Mercant?

O rosto do chefe do Serviço de Segurança estava voltado para Rhodan.

— Criticar é fácil, sir — contestou com a voz tranqüila. — Não podemos acelerar ainda mais o desenvolvimento da Humanidade. Temos o dever de adaptar-nos à média. Se esclarecêssemos os homens sobre a efervescência que se verifica no interior da Galáxia, sobre os perigos iminentes que ameaçam o Império Solar, ou sobre o fato de termos descoberto no centro da Via Láctea um povo infinitamente superior aos próprios arcônidas, isso sob todos os pontos de vista, só poderíamos semear a confusão, e até mesmo o tumulto.

— Acho preferível que haja um tumulto agora do que em outra época, quando não estivermos em condições de enfrentá-lo, Mercant. Geralmente gosto de seguir seus conselhos, mas hoje não posso deixar de dar razão a Walt Ballin e dizer como ele: acabaremos fazendo uma política de auto-destruição, a não ser que transformemos os terranos, ou seja, a massa do povo, em cidadãos do Universo.

“Todo indivíduo, inclusive o homem da rua, deve sentir-se ligado a nós. Mas este só poderá compartilhar nossos sentimentos se deixarmos que participe das nossas preocupações e dos nossos problemas. É exatamente isso que não estamos fazendo, e é do que Walt Ballin nos acusa. Não nos esqueçamos do pânico que tomou conta de nosso planeta quando a frota dos druufs, as naves de Árcon e, com elas, as dos mercadores galácticos foram aparecendo no sistema.

“Devemos preparar os homens, paulatinamente, para o fato de que, no centro da Via Láctea, há um povo infinitamente superior ao nosso, do qual devemos esperar uma visita nada agradável à Terra. Se cumprir aquilo que promete seu artigo, Walt Ballin é o homem indicado para a tarefa. Por isso quero travar conhecimento com ele o quanto antes. Quando poderá ser isso, Mercant?”

Um sorriso surgiu no rosto de Allan D. Mercant.

— Sir, Walt Ballin é jornalista, e os jornalistas são uma classe toda especial de homens. Tomara que se disponha a vir a Terrânia, quando o Serviço de Segurança lhe pedir, em seu nome, que procure o senhor. Espero que chegue amanhã.

 

Quando conversava pelo videofone do jornal Europa News com Yvonne Berclais, Walt Ballin já não se lembrava do artigo de fundo que escrevera para o primeiro número de junho. O visitante que se encontrava na ante-sala que esperasse mais um pouco; a visita não podia ser muito importante. Walt Ballin não conhecia ninguém que se chamasse de Garibaldi, e por outro lado era-lhe muito importante o encontro, que marcaria com Yvonne para essa noite, a fim de que as coisas ficassem esclarecidas entre eles.

— Então está combinado, chérie? Hoje às vinte horas no Trois Poulardes. Mandarei reservar uma mesa, na frente e do lado esquerdo. De acordo?

Yvonne Berclais era uma jovem encantadora, morena e elegante, mundialmente conhecida apesar dos seus vinte e dois anos. Quando a artista Berclais fazia soar seu soprano e as telas reproduziam suas conferências, centenas de milhões de homens prestavam atenção à sua voz divina.

Mas, naquele momento, Yvonne Berclais não era cantora, apenas uma moça jovem e feliz, apaixonada por Walt Ballin.

— Sinto-me muito satisfeita e desta vez serei pontual, Walt. Não o farei esperar. Até lá.

Desligou, e Walt Ballin, que tinha vinte e sete anos, mas já era o encarregado dos artigos de fundo do Europa News, ainda ficou fitando a tela do videofone por alguns segundos.

Um zumbido discreto fez-se ouvir acima de sua cabeça. Foi então que se lembrou do visitante que esperava na ante-sala.

Que entrasse!

Walt Ballin encontrava-se em disposição eufórica.

Enquanto cumprimentava distraidamente o visitante, pensava em Yvonne. Teve a impressão de tê-la diante de seus olhos, quando o desconhecido, atendendo ao seu gesto convidativo, sentou-se. À noite Yvonne não o faria esperar no Trois Poulardes, e a mesa deveria ser reservada imediatamente, pois do contrário seria tarde.

O que dizia mesmo o visitante?

Quem era ele? E como era?

— Hein? Como foi mesmo? Quer fazer o favor de repetir?

Walt Ballin lançou um olhar de perplexidade para o homem careca, que exibia um respeitável ventre de barril.

O homem gordo repetiu a mensagem de que era portador.

E agora Walt Ballin aguçou o ouvido, perplexo.

“O que era mesmo?”, refletia o jornalista tentando ordenar seus pensamentos. “O artigo de fundo do dia anterior foi apresentado ao administrador?”

— E daí? — Ballin sentia-se alarmado. Tirou suas conclusões e já antevia as maiores dificuldades, inclusive problemas com o redator-chefe. Este já manifestara suas dúvidas, quando Ballin pedira que o artigo fosse liberado para a impressão.

— Face ao seu artigo, meu chefe, que é o diretor do Serviço de Segurança Solar, me pediu...

Walt Ballin apenas ouviu as palavras Segurança Solar e sentiu-se jogado à rua, como jornalista desempregado. Desde já poderia riscar da agenda a noite que pretendia passar com Yvonne.

Mas o que é que seu artigo de fundo tinha que ver com o Serviço de Segurança Solar? Será que na Terra voltara a ser criada a censura à imprensa?

— Para onde quer que eu vá? Para Terrânia? — perguntou em tom mordaz.

Mais uma vez só ouvira metade do que seu interlocutor lhe dissera, e achara que o convite de visitar Terrânia tinha algo a ver com o Serviço de Segurança Solar.

— Isso mesmo, mister Ballin. Acho que o senhor não pode esperar que o administrador venha a Paris para conversar com o senhor.

Conversar... foi esta a palavra que o visitante calvo e barrigudo usara; teria uma conversa com Perry Rhodan!

Walt Ballin acendeu um cigarro e, por quatro vezes, tragou-o. Depois esmagou-o no cinzeiro e levantou-se.

— Hoje não é o dia primeiro de abril, mister — disse em tom áspero. — Não acredito que o administrador tenha tempo para ler diariamente todos os artigos de fundo da imprensa terrana.

O gorducho abriu a carteira e entregou a Ballin uma folha de plástico do tamanho de um cartão-postal.

— Mister Ballin, este é seu bilhete. O senhor não viajará num dos vôos comerciais. Hoje, às 13:40 h, um jato espacial chegará ao espaçoporto, área 68-V, e esperará pelo senhor. Quer fazer o favor de anunciar-me ao redator-chefe, a fim de que possa providenciar uma licença para o senhor, mister Ballin?

Ballin respirava com dificuldade.

— Devagar! — protestou. — Afinal, ainda não estou a caminho de Terrânia, mister... Como é mesmo seu nome?

— Jeff Garibaldi, mister Ballin, mas no meu caso não se pode dizer que o nome representa um presságio. Meus pais vieram da Itália...

— E seu avô foi o tão falado...?

— Meu tetravô, mister; não foi apenas falado, mas já era célebre, enquanto vivo.

Allan D. Mercant sabia perfeitamente qual dos seus homens deveria mandar para falar com o jornalista. Aquilo que parecia ser uma conversa indiferente na verdade era um truque psicológico que tinha por fim acalmar Walt Ballin.

Mesmo sem querer, Walt Ballin sorriu, quando comparou Jeff Garibaldi, um homem pequeno, gordo e calvo, com o herói italiano Garibaldi.

Jeff Garibaldi sabia perfeitamente por que Ballin estava sorrindo, mas não se manifestou a este respeito; estava satisfeito com o curso que o diálogo ia tomando.

— O que vou fazer com este bilhete, mister Garibaldi? O que farei em Terrânia? A idéia de que o administrador queira conversar comigo sobre um artigo de fundo é um absurdo rematado. Deve haver outra coisa atrás disso.

— Mister Ballin, a Segurança Solar só foi incumbida da transmissão do convite; as instruções que me foram fornecidas não vão além disso.

— Mas isso é ridículo — disse o jornalista em tom exaltado e agarrou seu disforme visitante pela gola do paletó. — Suas intenções para comigo são outras. Os argumentos pelos quais pretende convencer-me a aceitar o convite de Rhodan não resistem a um exame. O senhor sabe perfeitamente que no artigo do dia primeiro deste mês ataquei o governo do Império Solar, e por isso o senhor me quer silenciar. Se não conseguir isso, criará problemas para mim junto à redação, fazendo com que eu seja demitido imediatamente. Diga logo por que veio, mister Garibaldi. Tenho a impressão de que seu nome é um presságio.

O homem baixo e gordo deu uma risada bonachona.

— Mister Ballin, meu antepassado não foi nenhum bandido, e a Segurança Solar não dá emprego a raptores e gângsteres. Conhece o sinete da Segurança? Pois leia minhas ordens. Ao mostrar-lhe as mesmas, infrinjo certas normas, mas assumo o risco para convencê-lo. Quem quer conversar com o senhor é Perry Rhodan, e não a Segurança Solar. Isso é uma chance única, mister Ballin. Qual é o jornalista que poderá dizer que já entrevistou o administrador?

— O senhor devia ser pregador, e não funcionário da Segurança Solar — respondeu Walt Ballin, ainda desconfiado.

A idéia de que seu artigo de fundo tivesse despertado a atenção de Rhodan para um jornalista insignificante como ele era tão estranha que não estava disposto a acreditar no convite.

— Mister Garibaldi, será que a Segurança Solar pagaria uma ligação de videofone para Terrânia? — perguntou Ballin.

— Com quem pretende falar? Com Rhodan? — perguntou o homem gordo e baixo, com uma indiferença bem fingida.

— Com quem poderia ser? Se ele quer que eu vá a Terrânia, não poderá ter nada a objetar a que eu lhe fale rapidamente, não acha?

Mister Jeff Garibaldi não estava em condições de responder a esta pergunta do jornalista. Porém disse que o escritório de Paris da Segurança Solar estaria disposto a cobrir o custo da ligação para Terrânia.

— Estou curioso para descobrir! — limitou-se Walt Ballin a dizer e levantou-se de cima da borda da escrivaninha.

Entrou em contato com a central de videofone do Europa News, que, embora não tivesse nome francês, era o jornal de língua francesa de maior tiragem.

— Faça o favor de ligar para Terrânia. Quero falar com Rhodan, o administrador — pediu Ballin.

— Com quem? — perguntou a voz do dispositivo automático.

— Com Perry Rhodan — repetiu Ballin em tom decidido e olhou para Garibaldi.

A ligação com Terrânia foi estabelecida. Um ligeiro tremeluzir da tela revelou que um relê positrônico de Terrânia estava captando as mensagens de serviço de Rhodan.

— Pois não.

Walt Ballin engoliu em seco. Os olhos cinzentos do homem mais poderoso do Império Solar fitaram-no da tela.

— Se as informações que acabo de receber são corretas, o senhor é Walt Ballin. Será que posso contar com sua presença em Terrânia ainda hoje, mister Ballin? Ou será que já está chamando para comunicar sua chegada?

Foram estas as frases que o jornalista estupefato ouviu da boca de Rhodan.

— Sim, senhor, sim... — gaguejou.

Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Rhodan.

— Fico muito satisfeito em poder conversar com o senhor, mister Ballin. Mais alguma coisa?

— Não senhor... Obrigado, senhor... Não há mais nada, senhor...

Walt Ballin estava banhado em suor.

A tela esteve prestes a apagar-se, mas tremeluziu e voltou a iluminar-se.

Mister Jacqueuse, o dono do Europa News, estava diante da objetiva.

— Mister Ballin, o senhor acaba de realizar uma palestra intercontinental sem licença? — perguntou em tom áspero.

— Perfeitamente! — respondeu Walt Ballin. Não havia mais a menor insegurança em sua voz. — Acabo de falar com o administrador. Agradeci pelo convite que ele me enviou, mister Jacqueuse.

— Com Perry Rhodan? O senhor, Ballin?

Walt Ballin não fez caso da perplexidade de seu interlocutor e resolveu aproveitar a situação.

— Hoje, às 13:40 h, um jato espacial me esperará em nosso espaçoporto, mister. Quero pedir-lhe o obséquio de me conceder licença sem limite de prazo para uma visita a Terrânia. Quanto à palestra pelo videofone...

— Ora, meu caro Ballin — interrompeu-o mister Jacqueuse com um gesto teatral. — Naturalmente concedo-lhe a licença que acaba de solicitar, e o custo da palestra de videofone correrá por nossa conta. Mas espero que, antes de ir ao espaçoporto, ainda escreva o artigo para a edição noturna.

Walt Ballin não tinha conhecimento de qualquer artigo que devesse escrever naquele dia.

— Ora, meu caro Ballin... — Ballin tampouco se lembrava de que o arrogante Jacqueuse jamais lhe tivesse dispensado o tratamento “meu caro”. — Mandarei parar as máquinas. Publicaremos na primeira página, em letras bem grandes, que o Administrador Perry Rhodan convocou nosso redator de artigos de fundo para servir de assessor em Terrânia...

Nesse momento Walt Ballin demitiu-se, sem que tivesse usado a palavra demissão.

— Mister Jacqueuse — disse, interrompendo o proprietário do Europa News — não sou assessor de Perry Rhodan ou coisa que o valha. E não lhe permito que publique um artigo nos termos que acaba de indicar. Já são 12:58 h, e por isso, dentro de alguns minutos terei de sair daqui. Bom dia, mister Jacqueuse.

— O senhor deveria ter dito adeus — disse o homem gordo e baixo, levantando-se da poltrona. — Uma vez terminada sua conferência com Perry Rhodan, já não haverá neste edifício nenhum lugar que o senhor possa ocupar. Mas não se esqueça do bilhete. Sem ele não conseguirá passar pelo robô. Vamos?

 

Às doze horas, tempo padrão, o Tenente Harald Fitzgerald voltou a assumir o comando da estação retransmissora Ori 12-1.818. O sargento Stainless não tinha nenhum acontecimento extraordinário a comunicar e, tal qual fazia todos os dias, às doze horas, dirigiu-se ao seu camarote para repousar.

Ori 12-1.818 gravitava em torno do maior sistema da constelação de Orion, o gigante amarelo-avermelhado de Beta. Esse sol gigantesco, cujo diâmetro era quinhentas vezes maior que o de nosso sol, já possuíra quatorze planetas, mas num passado recente, mais precisamente, há cento e dezoito anos, perdera o terceiro desses planetas numa explosão atômica.

Naquela época se verificara nesse setor da Via Láctea o choque entre as grandes frotas dos saltadores e dos tópsidas. Os mercadores galácticos tomaram os tópsidas como aliados dos terranos. Já os tópsidas acreditaram na advertência de Conrad Deringhouse, segundo a qual os saltadores vinham para destruir Topsid. Quem ficou de parte, rindo, foi Perry Rhodan, que naquele tempo andava ocupadíssimo em ocultar a posição galáctica de um planeta tão fraco como a Terra, e que, com um verdadeiro golpe de mestre, conseguira falsificar os dados armazenados no computador positrônico de uma das naves dos mercadores galácticos. Segundo os dados erroneamente introduzidos no computador, o terceiro planeta de Beta era a Terra. E a terrível potência de uma só bomba de Árcon destruíra esse planeta desabitado.

O planeta número quatro, denominado Aqua, aproximadamente do tamanho da Terra, cuja superfície era formada em 95 por cento de água, era o único em que havia vida. Há anos a Terra construíra um entreposto comercial e uma base militar da frota no único continente desse planeta, cuja extensão correspondia aproximadamente à da Europa. No curso dos decênios o nome Aqua caiu no esquecimento. Tal qual os outros mundos de Beta, esse planeta era designado pelo número. O número quatro passou a ser o número três, e o último dos planetas, um gigante coberto de gás metano, passou a ser conhecido como o número treze.

Os tripulantes da estação retransmissora do terceiro planeta eram revezados de três em três meses.

Depois de ter realizado os controles, o Tenente Fitzgerald teve tempo para refletir; começou a pensar no revezamento, que era iminente.

A cento e setenta e dois milhões de quilômetros, para além da órbita do décimo terceiro planeta, Ori 12-1.818 gravitava em torno do sistema Beta. Seus aparelhos ultra-sensíveis registravam todo e qualquer abalo da estrutura espacial. Aquela estação de formato esférico, dotada de um mecanismo propulsor não muito potente, era um posto avançado do Império Solar, colocado nos limites da área de influência terrana.

Fitzgerald era alto, muito esbelto e fora dotado pela natureza com cabelos louro-claros. Quando ouviu o ruído característico, sobressaltou-se em meio às reflexões. O sistema de rastreamento estrutural dera o alarma, anunciando a presença de uma espaçonave que não fora previamente anunciada.

A Frota Solar mantinha uma vigilância ininterrupta sobre os setores espaciais incluídos na área de intercâmbio comercial da Terra. A chegada de qualquer nave estranha teria de ser previamente anunciada. Um anel de estações retransmissoras interligadas fazia com que até mesmo o mercador galáctico mais rebelde se conformasse com as ordens de Rhodan. Sempre que isso não acontecesse, as unidades da frota de Rhodan apareciam imediatamente e faziam com que a nave não anunciada se identificasse.

— Deve ser mais um saltador! — disse o Tenente Fitzgerald para si mesmo, depois de ter lançado um olhar para o oscilógrafo de amplitude, cuja curva revelava que o abalo estrutural fora provocado por um hipersalto normal.

Fitzgerald comprimiu um botão. No mesmo instante, uma mensagem breve foi transmitida às duas naves da Frota Solar que cruzavam em seu setor. Estas receberam os dados que lhe permitiam atingir sem quaisquer problemas o ponto de imersão da nave desconhecida, a não ser que a mesma desaparecesse, em poucos segundos, fazendo outra transição.

A Nil, uma nave da classe Terra, com duzentos metros de diâmetro e quatrocentos tripulantes, foi colocada em estado de alarma pela mensagem de Fitzgerald. O grande computador positrônico de bordo processou as coordenadas e preparou a transição. Os potentes propulsores passaram a trabalhar a plena carga. Os geradores de absorção e as unidades energéticas começaram a uivar, os conversores trabalharam com o desempenho máximo. Quatrocentos homens vestiram apressadamente os trajes espaciais e dirigiram-se aos seus postos. A central de comando de tiro anunciou que estava preparada para entrar em combate. O sistema de intercomunicação de bordo anunciou o momento da transição.

Na sala de comando da nave tudo corria normalmente. O alarma não era motivo de nervosismo. Os homens estavam acostumados a missões mais difíceis que a de enfrentar uma nave cuja chegada não fora anunciada.

— Foi um hipersalto normal? — procurou certificar-se o comandante junto à sala de rádio, que acabara de concluir a interpretação da mensagem condensada expedida por Ori 12-1.818.

— Sim senhor; um hipersalto normal — respondeu a sala de rádio.

Dali a três minutos, a Nil entrou em transição e voltou a imergir no espaço a vinte e oito anos-luz de distância, desenvolvendo 0,4 da velocidade da luz.

No momento da imersão o dispositivo de localização captou a nave desconhecida e transmitiu os dados ao computador positrônico de bordo. Enquanto os tripulantes se recuperavam do choque da transição, a Nil tomou automaticamente a rota que conduzia à espaçonave desconhecida.

Na tela do dispositivo de localização surgiu um ponto cintilante; era a nave desconhecida! Sua velocidade era 0,1 por cento superior à da Nil.

— Já devem estar equipados com os novos rastreadores de relevo, sir — observou o cabo Penter, sem levantar os olhos do instrumento de localização.

— Está pensando na advertência de Rhodan, Penter? — perguntou o comandante.

— Sim. Quem nos garante que o veículo que temos à nossa frente não é uma dessas naves de Ácon? Por que os pré-arcônidas não poderiam dominar esta arte, que para eles pertence à Idade da Pedra, a fim de saltar pelo hiperespaço com a mesma facilidade que nós?

Desde o dia em que Rhodan voltara do Sistema Azul, situado no centro da Via Láctea, onde encontrara, por ocasião de um vôo experimental com a Fantasy, os acônidas, que atingiram um nível inimaginável de desenvolvimento tecnológico, tanto ele como a Frota Solar contavam com uma visita desse povo. Acontece que não se tinha a menor idéia sobre como viriam: se numa nave espacial ou através de um processo técnico, cuja existência os homens nem sequer chegavam a imaginar.

Rhodan expediu a seguinte diretiva à Frota e às estações retransmissoras: “Se surgir em nossa área de influência uma nave não anunciada que apresente, sob qualquer forma, algum elemento extraordinário, o quartel-general de Terrânia deverá ser avisado imediatamente.”

O comandante do cruzador de patrulhamento Nil não respondeu à pergunta de Penter. Introduziu em seu quadro de comando a ordem de acelerar a nave acima do máximo de segurança.

— Chame a nave desconhecida! — disse pelo sistema de intercomunicação de bordo, dirigindo-se à sala de rádio.

A antena enviou a mensagem para o espaço. O setor de rádio ligou a sala de comando da Nil com o receptor. Uma leve tensão apoderou-se dos homens. A nave desconhecida acelerou fortemente, a fim de escapar à perseguição.

— Atenção, comando de tiro! Faça três disparos de advertência!

O pesado canhão de impulsos da Nil, que se encontrava na torre polar da nave, expeliu um raio de vários metros de espessura em direção à nave desconhecida.

O raio de impulso cortou a trajetória da nave desconhecida a menos de cem quilômetros do ponto reluzente. A velocidade e a aceleração da nave haviam sido consideradas, motivo por que o veículo espacial não penetrou no raio, que se manteve no espaço por três segundos.

— Suspender fogo! — disse o comandante da nave de patrulhamento para dentro do microfone, enquanto a identificação da nave desconhecida saía do alto-falante.

Era um saltador!

Dali a cinco minutos, a Nil freou perto da nave cilíndrica e enviou um comando de inspeção à mesma. Toda a bateria do costado do cruzador dirigia-se ameaçadoramente para o corpo cilíndrico de menos de duzentos metros de comprimento.

— Abordamos uma nave dos saltadores vinda do sistema de Gelslasy — transmitiu a sala de rádio da Nil à estação retransmissora Ori 12-1.818 e à base planetária de Beta. — O comando de inspeção já entrou na nave. Atenção para as informações do comando... Santo Deus! Alô, estação Ori 12-1.818, chame imediatamente uma nave-hospital. A nave dos saltadores está contaminada. Mais da metade dos tripulantes morreu; só oito dos saltadores apresentam boas condições de saúde. O sargento Hopkins, chefe do comando, acredita que o clã dos saltadores contraiu a doença de endurecimento intestinal. Esta informação é fornecida sob reserva. Para quando poderemos contar com a chegada da nave-hospital, Tenente Fitzgerald?

Fitzgerald, que se encontrava de serviço em Ori 12-1.818, perguntou:

— Já proibiu ao comando de inspeção que saia da nave UG DVI?

— Ainda não, mas providenciarei imediatamente. Já chamou a nave-hospital? Em que setor ela se encontra?

O Império Solar dispunha de apenas três naves desse tipo. Estas só tinham cem metros de diâmetro, mas eram grandes clínicas voadoras, equipadas com tudo que havia de mais moderno na Medicina dos aras e dos terranos. A primeira nave desse tipo entrara em serviço há dois anos, e quatro meses depois já pôde registrar um êxito notável: num trabalho hercúleo de dez dias, realizado no planeta Sulf, conseguira isolar um germe que provocava uma transpiração contínua nos imigrantes terranos radicados no planeta, fazendo com que morressem de desidratação. Dali a mais cinco dias, já se dispunha de uma vacina que salvou a vida de cento e vinte mil colonos que, sem ela, estariam irremediavelmente perdidos.

E agora a vida dos doze membros do comando de inspeção e dos saltadores que ainda não haviam morrido estava em jogo.

Uma das naves-hospital encontrava-se no estaleiro de Terrânia. A segunda nave estava em ação, no setor de Vega. E a terceira mantinha-se em posição de espera no espaço, a 8.590 anos-luz de distância. Avisada pelo Tenente Fitzgerald, anunciou sua chegada para dali a seis horas.

Enquanto a nave-hospital III abandonava a posição de espera e tomava a rota do ponto de transição, o médico-chefe entrou em contato com o comandante do cruzador de patrulhamento e, por intermédio deste, falou com o sargento Hopkins, chefe do comando de inspeção, que se encontrava a bordo da nave contaminada.

— Descreva os sintomas, sargento! — pediu o médico-chefe.

Hopkins fizera vários cursos sanitários na Academia Espacial, mas não era médico. Hesitou.

Mas o médico-chefe da nave-hospital parecia estar com pressa.

— Não faça drama, sargento — disse. — Pegue um dos saltadores e apalpe seu abdômen. A esta hora pouco importa que o senhor toque em algum doente, pois já está infetado. Pois bem. O abdômen parece duro como pedra até a altura do tórax, ou está sentindo partes macias? Em caso afirmativo, diga onde estas se localizam.

O hipercomunicador transmitiu os gemidos do sargento Hopkins a uma distância de 8.500 anos-luz. Teve a impressão de que estavam exigindo demais. Com a voz hesitante transmitiu o resultado de seu exame. O médico-chefe limitava-se ora a um sim ou um não ocasionais; quase sempre estava ouvindo.

— Já cheguei ao tórax, doutor — disse Hopkins, que ainda não parecia sentir-se muito seguro. — Minhas informações servem para alguma coisa?

— Obrigado, sargento. O senhor fez um ótimo trabalho. Infelizmente suas suspeitas de que se trata da doença de endurecimento intestinal se confirmaram. Prepare seus homens, avisando-os de que, dentro de duas ou três horas, começarão a ter cólicas intestinais. Tomarei todos os preparativos por aqui. Desligo.

— Alô, doutor! — gritou Hopkins para dentro do microfone, mas logo silenciou, bastante decepcionado.

O hipertransmissor da nave-hospital já fora desligado. Não poderia perguntar mais quais eram as chances de sobrevivência. Sabia que a doença de endurecimento intestinal era uma das que apresentavam os maiores índices de mortalidade.

O Tenente Harald Fitzgerald acompanhara a palestra e resmungara várias vezes. Nos últimos anos, a doença de endurecimento intestinal surgira com tamanha freqüência nesse setor da Via Láctea, e o número de vítimas causadas pela mesma era tão elevado, que, até os aras, que eram os médicos galácticos, se declararam dispostos a combater a terrível moléstia em cooperação com os terranos. Do trabalho em conjunto resultará um bom remédio contra a doença. Porém as pesquisas em busca do germe causador da moléstia ainda não tinham sido coroadas de êxito.

— Faça uma ligação com o quartel-general de Terrânia — disse Fitzgerald, dirigindo-se à sala de rádio.

A ligação de hiper-rádio foi estabelecida num instante. O tenente relatou a ocorrência, mas não conseguiu pronunciar mais de dez palavras. A nave-hospital III já notificara a estação terrana sobre a doença.

— De resto nada de extraordinário, tenente? — perguntou o Major Dung, que falava de Terrânia.

— Nada, major.

— Bem que eu gostaria de ficar por um mês num cargo tranqüilo como o seu — concluiu o major com uma ponta de inveja na voz, dando por terminada a palestra com a estação retransmissora Ori 12-1.818.

— Tranqüilo... — resmungou o Tenente Fitzgerald. — Este trabalho chega a ser monótono. Quem me dera que estivesse em Terrânia...

 

O carro parou, e a voz metálica e impessoal de um monstro de aço exigiu os documentos pessoais.

Walt Ballin já conhecia os robôs, mas nunca tivera contato com nenhum deles. E agora um desses homens mecânicos o levava para junto de Perry Rhodan, que apenas conhecia das apresentações na televisão.

Não se deu conta de que, enquanto se dirigia ao gabinete do administrador, passou por meia dezena de controles invisíveis. Mesmo que o trabalho destes fosse menos discreto, a essa hora ele não os teria notado. Walt Ballin transpirava de tão nervoso que estava e, ao lembrar-se do atrevimento que tivera ao chamar Perry Rhodan de Paris, começava a sentir-se mal.

O robô que caminhava à sua frente abriu mais uma porta e disse:

— Mister Walt Ballin, sir!

O jornalista quase sofreu um colapso. Parou e, estupefato, fitou a grande sala inundada de luz e a escrivaninha atrás da qual estava sentado o homem que transformara uma Terra, antes desunida pelas dissensões políticas, no Império Solar.

— Faça o favor de aproximar-se, mister Ballin! — disse a voz amável de Rhodan. Ballin viu o Administrador do Império Solar levantar-se atrás da escrivaninha.

Walt Ballin procurou controlar-se. Mas, devido ao nervosismo, esquecera-se das palavras de cumprimento que estudara durante o vôo para Terrânia. Entrou em atitude hesitante, sentou-se e viu-se diante do homem, cujo rosto jamais seria esquecido por quem tivesse fitado esses olhos frios e cinzentos.

Rhodan foi diretamente ao assunto.

— Li seu artigo de fundo no Europa News, mister Ballin. Interessei-me tanto por ele, que gostaria de ouvir outros comentários a este respeito. O senhor acusa a administração por não deixar os terranos suficientemente informados sobre o que acontece na Via Láctea. Essa acusação já foi formulada antes contra nós. Na época foi manifestada no Parlamento; ao que parece, o artigo escrito pelo senhor despertou a atenção da imprensa mundial para o assunto. Mister Ballin, peço-lhe que me diga o que tinha em mente, ao escrever o artigo para a primeira edição de junho.

Perry reservara trinta minutos para a palestra com Walt Ballin, pois sua agenda não apresentava grandes disponibilidades de tempo. Mas uma hora e meia depois, o jornalista ainda se encontrava à frente de Rhodan, que continuava a ouvi-lo atentamente. Já formara seu juízo sobre Walt Ballin. O lugar desse homem era em Terrânia; mas não deveria juntar-se às dezenas de milhares de colaboradores que executavam trabalhos de rotina, e sim passar a pertencer ao círculo dos elementos mais chegados a Rhodan.

Estava a ponto de submeter essa proposta a Ballin, quando o videofone transmitiu o alarma.

Rhodan levantou-se de um salto e correu para a escrivaninha. Fitou o rosto do chefe da grande estação de hiper-rádio de Terrânia, que estava fortemente marcado pelo nervosismo.

— Sir... — disse o homem em voz rouca, e teve de engolir em seco.

Perry Rhodan imaginava o que viria a seguir.

Lembrou-se do Sistema Azul.

Eram 18 horas e 59 minutos, tempo padrão.

 

Eram 18 horas e 50 minutos, tempo padrão. O Tenente Harald Fitzgerald bocejava gostosamente no interior da estação retransmissora Ori 12-1.818.

Fazia uma hora que a nave-hospital se encontrava ao lado da nave dos saltadores UG DVI. Uma equipe de médicos dirigira-se à nave contaminada, a fim de iniciar a luta contra a doença traiçoeira.

Por algum tempo Fitzgerald acompanhara a troca de mensagens. Para a maior parte dos tripulantes da nave cilíndrica, o socorro vinha tarde. E, na opinião dos médicos era duvidoso que vinte saltadores enfermos jamais sarassem. Uma das características da doença consistia no fato de provocar a morte com uma rapidez extraordinária, e de, já num estágio incipiente, paralisar e petrificar todo o aparelho intestinal. Este processo de petrificação podia ser detido e invertido por meio de um preparado mas, uma vez atingido o estágio final, os médicos viam-se impotentes diante da doença.

Durante a hora em que acompanhara a troca de mensagens, Fitzgerald soubera tanto a respeito da moléstia traiçoeira, que, por várias vezes, se vira levado a apalpar o abdômen, a fim de verificar se continuava macio. Chamou de idiota a si mesmo e esteve prestes a desligar-se da troca de mensagens. Porém só conseguiu fazê-lo quando os médicos passaram a palestrar exclusivamente em sua linguagem técnica.

E agora estava sentindo tédio.

O relógio mostrava 18 horas e 51 minutos.

Harald Fitzgerald, o escocês louro e muito esbelto, levantou-se e ia bater um papo na sala de rádio, quando viu o oscilógrafo do rastreador estrutural entrar em funcionamento. No mesmo instante perdeu a vontade de conversar. Com um salto colocou-se diante do aparelho de localização. O oscilógrafo encontrava-se à sua frente.

Curvas muito achatadas surgiram na tela esverdeada. Eram curvas provocadas por uma transição. Acontece que nem as naves terranas, nem as do Império Arcônida seriam capazes de revelar um salto pelo hiperespaço por meio de amplitudes tão estranhas.

A deformação das curvas mostrava a suavidade da manobra de imersão da nave desconhecida.

O alarma soou. Mais uma vez, o grande computador positrônico de bordo constatara a presença de uma nave não anunciada. O Tenente Fitzgerald não teve necessidade de espantar seus cinco auxiliares da modorra em que trabalhavam.

O rastreador de relevo, criado juntamente com o sistema de propulsão linear, estava acoplado ao computador. E quase ao mesmo tempo que o alarma, transmitiu as coordenadas ao rastreador de matéria. O computador positrônico levou apenas alguns segundos para determinar a posição galáctica da espaçonave desconhecida.

Alain Berliez e Roger Dempsey, que há seis meses, quando eram tenentes recém-promovidos, tinham sido designados para a estação Ori 12-1.818, haviam recebido um treinamento especial no rastreador de relevo. Era sobre eles que pesava a carga principal da responsabilidade.

No caso, aplicava-se a advertência de Perry Rhodan. Mas antes de irradiar o alarma para o quartel-general, teriam de apurar mais alguns dados.

Dali a pouco, os contornos da nave desenharam-se na tela do rastreador.

— É uma nave esférica! — irrompeu Alain Berliez em tom de surpresa. — Por pouco não cometemos um vergonhoso engano.

— Tem certeza de que é uma nave esférica?

O Tenente Fitzgerald lembrou-se da curva achatada e não era capaz de acreditar que o estranho abalo estrutural tivesse sido provocado por uma nave de Árcon.

— Não existe a menor dúvida! — respondeu Berliez, em tom convicto.

— Não é verdade! — observou Roger Dempsey. — Esta nave tem os pólos muito achatados, Berliez. Que diabo! Qual será a causa da distorção da imagem?

Fitzgerald foi apressadamente até o rastreador. Um dos jovens tenentes afastou-se para ceder-lhe o lugar. Examinou atentamente o quadro que se apresentava na tela. A imagem estava distorcida, mas não tanto que o achatamento se apagasse.

— Nave desconhecida desloca-se a 0,8 luz. Distância 4,10 horas-luz.

— Qual é a direção? — perguntou Fitzgerald.

— O sistema Orion! — respondeu um dos tenentes.

O relógio mostrava 18 horas e 56 minutos, tempo padrão.

— Berliez, o senhor não poderia obter uma imagem mais nítida?

Fitzgerald nem se deu conta de que numerosos pingos de suor apareciam em sua testa. Deixou que Berliez se aproximasse do hiper-rastreador. O jovem tenente começou a manipular com uma segurança de sonâmbulo os três botões de regulagem. A imagem desfez-se, voltou, ficou muito nítida e dali a pouco voltou a desaparecer.

— Berliez... — gritou Fitzgerald, em tom impaciente.

Alain Berliez, um tenente de vinte e um anos, não deixou que essa observação o perturbasse.

A imagem voltou bastante nítida.

E apresentou claramente os achata-mentos nos dois pólos da nave.

18 horas e 57 minutos.

Fitzgerald transmitiu a ordem destinada à sala de rádio. Esta ordem restringia-se a poucas palavras:

— Comando 486. Alarma para o quartel-general.

O comando 486 dizia respeito à advertência de Rhodan. Dois impulsos concentrados, preparados pelo computador positrônico, foram irradiados pela antena de hiper-rádio. Frases lacônicas informaram o quartel-general da Frota Solar, situado em

Terrânia, sobre as observações realizadas pela estação Ori 12-1.818.

Terrânia não fez perguntas. O conteúdo da mensagem era inequívoco.

No supercouraçado Drusus, as sereias de alarma começaram a uivar. O cintilante quadro transparente da gigantesca sala de comando, que não poderia deixar de ser notado, informou os três oficiais de plantão de que o alarma fora desencadeado pelo chefe, o que significava que a decolagem seria imediata.

 

Walt Ballin sentiu-se fascinado com a ação rapidíssima, mas ponderada de Perry Rhodan. Levou algum tempo para compreender que assistia ao início de uma nova série de acontecimentos.

— Chegaram, Bell!

— Marshall, envie todos os mutantes disponíveis à Drusus. Alarma!

— Freyt, assuma aqui. Tenho de sair.

— Drusus...?

Pela primeira vez ouviram-se palavras saídas do alto-falante.

— Sim senhor, aqui fala a sala de comando da...

— Decolagem de emergência dentro de quinze minutos. Desligar tráfego de hiper-rádio; triangular Drusus—Terrânia—estação Ori 12-1.818.

— Entendido, sir. Decolagem de emergência em...

Rhodan modificou a posição da chave e entrou em contato com o quartel-general.

— Instruções para a frota de Orion: Não dar combate à nave desconhecida que se encontra no setor. A Drusus irá até aí. Se surgirem outras naves desconhecidas, entrem em ação imediatamente, guiando-se pela instrução 486-A. Toda a frota de Orion deverá ficar de prontidão para decolar. Desligo.

Walt Ballin estremeceu sob o olhar de Perry Rhodan.

— Quer ir comigo, Ballin?

O jornalista voltou a estremecer.

— Eu...?

— Pois bem. Venha comigo. Decolaremos dentro de treze minutos.

Rhodan correu em direção à porta. Ballin seguiu-o. O elevador antigravitacional levou-os à cobertura do edifício. Enquanto subiam, Rhodan dirigiu-se ao jornalista.

— Se não quiser não precisa vir, Ballin. Suponho que o vôo envolva certos riscos.

— Tenho o maior prazer em aceitar seu convite. Toda profissão tem seus riscos.

Estas palavras fizeram surgir um sorriso no rosto de Rhodan. Ballin não saberia dizer se este sorriso exprimia compaixão ou ironia.

— O que o senhor acaba de dizer sobre o risco não deixa de ser exato, mister Ballin. Mas tenho minhas dúvidas de que o senhor esteja avaliando corretamente a diferença entre o risco profissional comum e o risco ligado aos nossos vôos.

No momento em que chegaram à cobertura do edifício, o planador de Reginald Bell levantava vôo e saía velozmente em direção ao espaçoporto. Dali a pouco, Walt Ballin viu-se em outro planador, ao lado de Rhodan. Seguiram a toda velocidade em direção ao setor do espaçoporto em que o vulto gigantesco da Drusus se erguia para o céu.

— Por que não faz perguntas, Ballin? — disse Rhodan ao jornalista surpreso. — Naturalmente pode conhecer o destino do vôo e o motivo do alarma.

Não deu maior atenção ao espanto de Ballin. Quando voltou a controlar os pensamentos do jornalista, percebeu que ele acreditava tratar-se de um acaso. Nem desconfiava de que o homem que se encontrava a seu lado dispusesse de certas faculdades.

— Sir, a modificação da situação é tão surpreendente... — gaguejou Ballin e interrompeu-se, perplexo, ao ouvir a risada de Rhodan.

— Foi uma surpresa para o senhor, Ballin. Para mim e meus colaboradores, não foi. Já nos habituamos a isso, e talvez o hábito seja o culpado de não informarmos os terranos conforme devíamos. Gostaria que o senhor se incumbisse disso, Ballin. Foi por isso que lhe pedi que viesse para Terrânia. Bem, chegamos.

Rhodan fez pousar o planador junto às primeiras colunas telescópicas da Drusus, que tinham a grossura de uma torre de igreja. Saltou agilmente do veículo e já tinha dado dez passos quando Walt Ballin se dispôs a segui-lo.

Walt Ballin não sabia para onde devia dirigir seus passos. Nunca estivera nas imediações de um supercouraçado da Frota Solar e, agora que o via à sua frente, não queria conformar-se com a idéia de que um colosso deste pudesse erguer-se um centímetro que fosse.

A rampa que levava à comporta polar tinha o formato de uma grande rodovia. A comporta propriamente dita parecia um portão superdimensionado. E ainda havia um gigantesco tubo. Era o elevador antigravitacional, que os fez subir com uma velocidade espantosa.

— Compare o tempo, Ballin — disse Rhodan, arrancando-o de seu espanto.

— São 19 horas e 12 minutos, sir — disse Ballin, sem desconfiar de nada.

— Correto. Dentro de dois minutos decolaremos. Desculpe se não posso dedicar-me mais ao senhor, Ballin. Fique com as orelhas de pé e os olhos bem abertos. Seu trabalho começará depois que tivermos concluído nossa missão. Por que estremeceu de repente, Ballin?

Walt Ballin acabara de lembrar-se de uma jovem chamada Yvonne Berclais, com a qual combinara um encontro no Trois Poulardes, às vinte horas daquele dia.

Ballin esquecera-se completamente desse encontro...

No elevador antigravitacional havia um tráfego de emergência. Algumas centenas de pessoas subiam e desciam ininterruptamente, cada uma em direção ao lugar que lhe cabia no interior da nave. Desde o momento em que entrara na Drusus, Walt Ballin notara que ninguém tomava conhecimento da presença do administrador, que não fora cumprimentado por uma única pessoa. Este fato e a impressão tremenda causada pelo gigante esférico foram esquecidos, quando se lembrou do encontro com Yvonne.

Pela primeira vez compreendeu o sentido da frase “dar um tranco no coração”.

E foi o que fez. Contou a Rhodan aquilo que ele esquecera completamente na turbulência daquele dia.

— Vamos sair aqui — disse Rhodan, segurando-o e subindo ao convés central da nave, que levava à sala de comando. — Quer voltar, Ballin?

— Isso não, mas... Bem, acho que não é possível, sir! — gaguejou o jornalista, confuso.

— Venha comigo, Ballin. É claro que podemos arranjar isso. Vou deixá-lo na sala de rádio. Entre em contato com quem estiver lá e peça uma ligação para Paris. É aqui... Vá. Tudo de bom, Ballin!

Será que Rhodan desconfiava de que, naquele momento, conquistara mais um amigo?

— Que homem — cochichou Ballin, enquanto acompanhava Rhodan com os olhos, até que o administrador desaparecesse no interior da escotilha que dava para a sala de comando.

No momento em que ia entrar na sala de rádio, o jornalista estremeceu.

A Drusus soltou um rugido.

A espaçonave esférica de mil e quinhentos metros de diâmetro iniciou a decolagem. Os motores de impulsos titânicos, instalados na protuberância equatorial da nave, foram regulados para o desempenho máximo, e o envoltório da nave ressoou sob a ação das tremendas energias liberadas.

— Olá, quem é o senhor? — disse uma potente voz masculina perto do ouvido de Ballin, que sentiu uma mão pousada em seu ombro.

Virou-se. Já conhecia o rosto sardento que fitou.

— Mister Bell, eu sou Walt Ballin do jornal Europa News. O administrador convidou-me a acompanhá-lo no vôo da Drusus.

Um par de olhos desconfiados fitou o jornalista.

— Percebe-se de pronto que o senhor é estranho no lugar. Logo saberemos se as informações que acaba de fornecer são corretas. Afinal, o senhor não pode fugir. Quando muito pode perder-se na nave. O que veio fazer na sala de rádio? Não sabe ler? Aqui há uma placa que diz “Entrada Proibida”.

— O administrador...

Ballin não conseguiu prosseguir. Bell interrompeu-o com um gesto violento.

— Pare com isso. O maior favor que pode fazer a Perry e a nós é chamá-lo de chefe, não de administrador. Mas o que deseja na sala de rádio?

Walt Ballin estava muito bem informado sobre a posição que Reginald Bell ocupava na nave, e por isso não teve outra alternativa, senão confessar que esquecera-se de um encontro e que, agora, queria desculpar-se.

O sorriso de Bell tornou-se cada vez mais amplo.

— Ora — disse. — Se o senhor quiser me pregar uma peça...

Walt soltou um grito e afastou-se, pois uma forte lufada de ar quase lhe arrancara o boné, e um animal de um metro de altura, que na parte de cima era um rato e na de baixo, um castor, materializou-se e piou com a voz penetrante:

— O rapaz não está mentindo, gorducho. Realmente quer falar com a namorada. Você nunca fez uma coisa dessas, não é? Mas não houve uma certa Sheila Gibbons, uma Madeleine Ykes, uma Rosita Menderes e...

— Por favor, mister — disse Bell.

Walt Ballin não compreendeu por que merecera a honra de ver o representante de Rhodan abrir a porta, que dava para o sala de rádio, e convidá-lo a entrar.

Mas Bell sabia por que se deixara levar a este ato de ridículo. Mal acabou de fechar a porta virou-se para Gucky. Ao ver que a pequena criatura, que o fizera passar vergonha diante do jovem, desaparecera tão depressa como havia surgido, soltou uma praga.

Enquanto Walt Ballin conseguia a ligação com Paris e esperava o momento em que o rosto de Yvonne Berclais aparecesse na tela, Perry Rhodan, que se encontrava na sala de comando, pediu que lhe dessem as últimas notícias vindas da estação retransmissora Ori 12-1.818.

O General Conrad Deringhouse estava de pé a seu lado.

— Não há muitas novidades, sir — disse na sua maneira tranqüila. — Mas o pouco que há é muito inquietante. Acho que são eles.

— Tem tanta certeza, Deringhouse?

A pergunta de Rhodan não foi proferida em tom irônico.

Sem dizer uma palavra, o general entregou-lhe uma fotografia transmitida pelo rádio, que mostrava uma pequena espaçonave com os pólos achatados.

— Olhe também este oscilograma com as curvas achatadas, sir. Para nós, é uma coisa nunca vista. Se não for uma nave acônida, vinda do Sistema Azul, então, mais uma vez, iremos encontrar-nos com uma raça desconhecida. Acontece que o formato esférico contraria essa suposição. Pouco importa que haja um achatamento nos pólos ou não, em princípio a nave representa uma esfera, e face a isso só se pode concluir que se trata de um artefato acônida.

Enquanto isso a Drusus saía do sistema solar em velocidade cada vez maior. Mas muitos minutos preciosos ainda se passariam antes que a nave capitania do Império Solar entrasse em transição.

Novos dados chegaram da estação re-transmissora Ori. Com base em tais cifras, os oficiais da sala de comando da Drusus marcaram a rota da nave desconhecida no mapa estelar. Rhodan e Deringhouse aproximaram-se, Bell entrou sem que ninguém o percebesse e colocou-se atrás dos dois.

— Não parece que pretendem pousar no número três do sistema Beta — mais uma vez Bell disse o que pensava.

— Tive a mesma impressão, gordo — respondeu Rhodan. — Mas o que é que a nave veio fazer em Beta, se não pretende pousar no único planeta habitado do sistema?

— Deveríamos chamar a nave e perguntar. A propósito, você sabe que na Drusus há um jovem...

— Fui eu quem o trouxe. No momento, o jovem não nos interessa. Encarregue-se do hiper-rádio, Bell. Acho que não devemos irradiar mais de três impulsos.

Reginald Bell adiantou-se e lançou um olhar um tanto desconfiado para o amigo.

— O que é feito do seu otimismo, Perry?

— Ele só voltará depois que eu souber quem se encontra na nave desconhecida e o que está procurando na constelação de Orion. Deringhouse, mande que toda a frota e todas as bases fiquem de prontidão. Acho que não lhes devo ocultar que há alguns minutos sinto algo parecido com o medo.

Bell e o General Deringhouse entreolharam-se ligeiramente e saíram. Um deles chamaria o veículo espacial desconhecido pelo hiper-rádio, a fim de perguntar de onde vinha e para onde ia, enquanto o outro colocaria em estado de prontidão a Frota Solar e as bases fortemente armadas.

Dali a cinco minutos chegou mais uma informação de Ori 12-1.818. Mais um trecho da rota percorrida pela nave desconhecida foi assinalado no mapa estelar.

Reconhecia-se perfeitamente que, por enquanto, seu destino era o sistema do sol gigante de Beta, um monstro de mais de quatrocentos milhões de quilômetros de diâmetro e um verdadeiro gigante da classe M.

Perry Rhodan refletia cada vez mais intensamente sobre a superioridade técnica dos acônidas do Sistema Azul, que descobrira no centro da Galáxia por meio do conversor de compensação de Kalup, isso por ocasião do primeiro vôo experimental da Fantasy. Os acônidas já não usavam espaçonaves, quando iam de uma estrela a outra. Recorriam a transmissores de alta capacidade. Mas, para sair de sua área de soberania, dependiam de espaçonaves, a não ser que no planeta de destino houvesse uma estação de transmissores.

A nave desconhecida cada vez mais se aproximava do sistema Beta. Via-se nitidamente que o destino era um dos planetas exteriores, a não ser que a nave pretendesse desviar as atenções dos terranos.

Bell voltou da sala de rádio.

— Não respondem. E não estão transmitindo qualquer mensagem. Ao menos, a estação do sistema Orion ainda não constatou nada.

Bell não estava gostando do caso que tinham de resolver. Respeitava o poderio dos acônidas.

— Que diabo os acônidas querem conosco? — continuou o gorducho. — Seu aparecimento numa área tão próxima ao nosso sistema solar não poder ser um simples acaso. Ou será que você acredita no acaso, Perry?

— Desde que tive conhecimento da existência do Sistema Azul, prefiro não especular com o acaso. Faço votos de que meus temores sejam infundados. Torçamos para que os acônidas não conheçam a posição galáctica da Terra. Você pode fitar-me com essa cara de espanto, Bell. Com os acônidas não podemos brincar de esconder, tal qual fizemos com os arcônidas e os mercadores galácticos.

— Você está com uma excelente disposição — ironizou Bell, passando a mão pelos cabelos ruivos. — E isso somente porque esta pequenina estrela candente achatada voa pelo sistema Beta. Não compreendo o seu pessimismo.

— E eu não compreendo o que os acônidas estão procurando por aqui. No meu entender pretendem chocar-nos. Querem que nós os observemos. E quem age assim sempre tem um trunfo escondido.

Um sorriso juvenil surgiu no rosto de Bell.

— Pelo menos num ponto levamos vantagem sobre eles — disse. — E isso no que diz respeito ao sistema de propulsão linear, Perry. Ele nos permitiu entrar num sistema estelar, fortemente guarnecido, e depois abandoná-lo.

— Coitado! — exclamou Perry Rhodan, em tom de compaixão.

— Você deve saber — respondeu o gorducho. — Mas se continuar assim, tornar-se-á contagiante; tão contagiante como a doença de endurecimento intestinal. Ora! Será que não existe uma relação entre o adoecimento dos saltadores e o aparecimento dos acônidas?

A pergunta foi formulada em voz exaltada.

— Os saltadores gostam de viver tanto quanto nós, gordo. Pense um pouco antes de falar. Um moribundo não faz um jogo equívoco, e os médicos da nave-hospital III já nos teriam informado se houvesse qualquer combinação entre os acônidas e os mercadores galácticos. Sua teoria é absurda, Bell.

— E qual é a sua teoria, Perry?

— Por enquanto não me ocorreu nenhuma. Gostaria que alguém respondesse à minha pergunta: por que os acônidas vieram?

Com uma expressão pensativa, o administrador examinou a rota da nave desconhecida, assinalada no mapa estelar.

— Quer dizer que você está convencido de que se trata de uma nave dos acônidas, Perry?

— Por enquanto estou.

— E pretende enfrentar essa nave com a Drusus?

— Se necessário, sim. Mesmo que o poder de fogo da pequena nave acônida seja muito superior ao nosso, os campos defensivos da Drusus resistirão ao ataque.

Mais uma vez, Bell lançou um olhar desconfiado para o amigo.

— Você está ficando preocupado por pouca coisa, Perry. O que receia com o aparecimento da espaçonave acônida?

— Tudo! Não me esqueci da recepção e do tratamento que recebemos no Sistema Azul. Trataram-nos como selvagens rudes, não como homens dotados de certo grau de inteligência.

— Os acônidas são os esnobes galácticos — disse Bell, em tom impulsivo.

Rhodan não pôde deixar de rir.

— Você que é feliz — ainda conseguiu dizer antes que o general aparecesse.

— Trago uma notícia importante, sir. O Tenente Fitzgerald, da estação retransmissora do setor de Orion, acaba de informar que a nave desconhecida emite impulsos de rastreamento, para os quais ainda não há nenhuma explicação. Inicialmente Ori 12-1.818 foi atingida por impulsos condensados numa potência extraordinária. Depois disso, a nave de patrulhamento Nil percebeu que estava sendo envolta em alguma coisa que era capaz de interferir nas recepções de hiper-rádio, a tal ponto que as transmissões quase não podiam ser entendidas. Antes que a estação e a nave de patrulhamento pudessem realizar qualquer medição, o fenômeno chegou ao fim. A estação Ori apenas conseguiu determinar a intensidade da transmissão. Foi de 2512 Oersted, sir, e isso a uma distância daquelas...

Reginald Bell estava perfeitamente familiarizado com essa área da Física. Numa só operação de raciocínio estabeleceu a ligação entre a distância que separava a nave desconhecida da retransmissora Ori 12-1.818 e a intensidade do campo magnético que a atingiu, e disse em tom convicto:

— Essa espaçonave só pode ser tripulada por acônidas.

Rhodan e Deringhouse não formularam qualquer objeção.

— Dessa forma, nossa lógica e o centro de computação de Vênus mais uma vez estão com a razão — disse o General. — Por ocasião de nossa visita involuntária ao Sistema Azul, devemos ter exibido nosso cartão de visita.

— Acho mais provável que ele nos tenha sido arrancado do bolso — conjeturou Rhodan. — Talvez seja graças à dama acônida Auris que os habitantes do centro da Via Láctea já saibam de onde viemos. Será que não há motivo para suspeitarmos que o traidor seja o computador de bordo da nave Fantasy, destruída numa explosão?

Dois homens balançaram a cabeça; ambos respiravam com dificuldade. Não refletiram sobre a maneira pela qual a acônida Auris teria conseguido extrair do computador de bordo da nave-protótipo os dados galácticos da Terra. Dali só resultaria uma série de perguntas, e não haveria possibilidade de responder a qualquer uma delas, face à enorme superioridade técnica dos acônidas.

Rhodan lançou um olhar ao oficial que estava próximo do grande computador positrônico de bordo e perguntou:

— Quando saltaremos?

— Daqui a oito minutos, sir. Então já teremos saído do campo gravitacional do sistema solar.

— Obrigado — respondeu Rhodan e voltou a dirigir-se a Bell e ao general. — Por enquanto a única coisa que podemos fazer é esperar. Não vale a pena irmos aos camarotes. Vamos descansar um pouco.

Naquele momento, a voz metálica do computador de bordo iniciou a contagem regressiva para a transição. Os três homens se haviam acomodado nas poltronas dos pilotos.

Deringhouse lançou um olhar ligeiro, mas penetrante para seu chefe, e disse:

— Está preocupado, sir?

— Estou — confessou Rhodan. — Realmente estou. Este vôo bem traçado da espaçonave dos acônidas constitui prova inequívoca da existência de um plano. E minhas suspeitas a este respeito ainda se reforçam pelo fato de a nave desconhecida não expedir mensagens pelo rádio. Mas as adivinhações não nos levarão a nada. Teremos de aprisionar aquela nave e obrigar os acônidas a pôr as cartas na mesa.

Bell, que ouvira a resposta de Rhodan, endireitou o corpo de sopetão.

— A idéia de que os acônidas só vieram com uma única nave, que além do mais é um veículo de cem metros, deixa-me muito assustado. Será que outras naves estão percorrendo as áreas de influência da Terra, sem que até agora tenham sido descobertas?

— Não há nada que seja impossível. Nem sequer podemos excluir a hipótese de que sejam capazes de envolver suas naves num campo antilocalização diante do qual somos impotentes.

— Nesse caso ainda poderemos esperar algumas surpresas — resmungou Bell.

A Drusus estava prestes a realizar a transição em direção ao sistema Orion, situado a seiscentos e cinqüenta anos-luz.

O computador positrônico de bordo estava fazendo a contagem do último minuto que precedia a transição. As sereias começaram a uivar em todos os recantos da gigantesca nave esférica. Seu uivo ligeiro representava o seguinte: todos os tripulantes teriam de atar os cintos.

Finalmente chegou o momento X. Seguiu-se a transição. O local do espaço, onde há pouco se encontrava uma gigantesca esfera, estava vazio.

 

Homens altos de pele morena aveludada estavam de pé junto à sua espaçonave e conversavam; riam e contavam piadas, como se fossem habitantes do planeta Terra e não forças especiais do Sistema Azul, que levavam uma vida cheia de ações perigosas.

A pele morena era um produto natural do gigantesco sol azul sob o qual viviam, e que tinha cento e oitenta vezes o diâmetro do sol terrano. As potentes radiações ultravioletas haviam produzido a cor, que caracterizava esta raça.

A luz do sol azul de Ácon rompeu uma camada de nuvens pouco espessas e fez com que, naquele dia de verão, um calor sufocante reinasse no planeta Esfinge.

O pequeno grupo de acônidas não se importou com isso. Era composto de jovens que conversavam alegremente e nem pensavam na missão que tinham pela frente. Estavam esperando Vu-Pooh, comandante da Retse-U, uma nave esférica de cem metros de diâmetro.

O veículo estelar de pólos achatados era a trigésima oitava unidade do Comando Energético, formado por cinqüenta e duas naves desse tipo.

No Sistema Azul não chegava a haver cinqüenta e três espaçonaves.

Há muitos milênios neste sistema deixara de existir aquilo que os homens e os arcônidas designavam como navegação espacial. Há muito os acônidas haviam dispensado estes meios de transporte. Consideravam-nos lentos. Transformaram a lua do planeta Esfinge numa gigantesca estação transmissora e instalaram em quase todas as colônias, situadas num círculo muito amplo, pequenas estações receptoras conjugadas com a estação transmissora da lua. Essas estações realizavam o transporte de homens e mercadorias através do tempo e do espaço.

Com isso uma viagem de um planeta a outro transformara-se num simples passeio. O acônida atravessava a porta energética da estação, dava um passo adiante, e saía no planeta que queria.

A pequena frota de espaçonaves de cem metros era reservada para cuidar de casos muito especiais. Seu nome oficial era Comando Energético. Mas por menores e insignificantes que fossem, encerravam um gigantesco volume de energia. Há mais de oito mil anos do calendário acônida o comando não perdera uma única nave. Por isso os tripulantes achavam que suas missões não eram perigosas. Para eles, aquilo não passava de uma viagem pela Galáxia, realizada por meios primitivos, durante a qual surgiriam certas aventuras, sem nenhum perigo.

Voavam para resguardar a segurança do Sistema Azul. E agora parte da tripulação da Retse-U esperava seu comandante, a fim de proteger mais uma vez a segurança de seu império estelar.

Pan-Thel, o acônida de cabelos negros, foi o primeiro a ver o comandante Vu-Pooh atravessar o pequeno espaçoporto. Avisou os companheiros. As risadas cessaram de repente. Todos lançaram um olhar cheio de expectativa para Vu-Pooh.

Era um homem gigantesco, de cabelo encaracolado cor de fogo, que já de longe fez um gesto de desapontamento.

— Ainda não é nada! — disse Mna E-Ig, um homem esbelto. — E olhem que eu esperava que, pelo menos desta vez, tivéssemos um trabalho interessante.

— Você está pensando naquelas criaturas pequenas, feias, e de pele branca e repugnante, Mna? — perguntou Gim Sarem, que era o representante do comandante.

— Será que há alguém que não estava pensando nelas? — interveio O1 Pan-Thel. — Também os vi, mas devo confessar que para mim não foram feios nem repugnantes. A gente logo se acostuma à cor estranha de sua pele e, quando me lembro de um homem alto, de olhos cinzentos, devo dizer que me impressionou de certa forma. E esses desconhecidos não acabaram nos impressionando porque desapareceram de repente, embora devessem ficar presos.

Mna E-Ig riu baixinho. Dirigiu-se a O1 Pan-Thel.

— Se é assim, nosso trabalho ainda poderá tornar-se interessante, OI.

— Tolice — disse Gim Sarem. — O1 tem uma queda toda especial por esses seres. Os nojentos peles-brancas apenas tiveram sorte. Soube de fonte segura que subestimaram a potência de seu propulsor. Quanto ao resto, sua nave não vale nada — por acaso lançou um olhar para O1 Pan-Thel e notou-lhe o sorriso irônico. — Sei que você não acredita no que acabo de dizer, O1. Isso é uma atitude tipicamente sua. Neste ponto você já se manifestou por várias vezes de forma bastante desagradável. Não gostou de alguma coisa do que eu disse?

— Não gostei de você ter chamado os desconhecidos de nojentos peles-brancas, Gim. Será que nós os conhecemos? Afinal, na Galáxia existem outras criaturas além de nós.

— Ora! — chiou o representante do comandante da Retse-U, dirigindo-se a O1 Pan-Thel. — Então você não gostou. Mas será que você concorda com o comportamento que esses peles-brancas adotaram? Será que nos dispensaram um tratamento modesto e discreto, conforme convém a desconhecidos? Nada disso. Insinuaram-se de forma altamente inconveniente, muito embora nós tivéssemos dado a perceber de forma inequívoca que não queríamos nada com eles. Será que você se atreve a contestar este ponto, O1 Pan-Thel?

— Gim Sarem, lembro-me de uma frase de Untk, nosso maior filósofo — respondeu Pan-Thel com a voz tranqüila, muito embora o comandante Vu-Pooh já se tivesse juntado ao grupo. — Untk disse...

— Deixe-nos em paz com seus velhos filósofos... — esbravejou Sarem. Porém teve de ficar calado, porque Vu-Pooh interveio na palestra.

— Que frase pretendia citar, O1?

— É uma frase lacônica de Untk: “Não há nada que aconteça sem motivo.”

Alguns homens riram; quem riu mais alto foi Gim Sarem. Mas Vu-Pooh não riu.

— Nossa missão também não deixa de ter um motivo, Pan-Thel. O Conselho Deliberativo de Ácon decidiu que se lançaria mão de Mal-Se. Vamos subir a bordo. É melhor do que discutir os pronunciamentos dos filósofos.

Era uma ordem. A discussão não foi reencetada. Dali a pouco, um recipiente foi colocado a bordo. Segundo os caracteres acônidas que apareciam no mesmo, sua representação gráfica formava “Mal-Se”.

A Retse-U obteve permissão de decolar.

A espaçonave esférica achatada nos pólos subiu tal qual uma flecha, atravessou a camada de nuvens pouco espessa e desapareceu. Sua missão iniciara-se.

 

O retorno da Retse-U ao Universo normal foi macio, sem qualquer efeito de choque. Beta apareceu à sua frente sob a forma de um olho vermelho luminoso.

Vu-Pooh e Gim Sarem eram os únicos que se encontravam na minúscula sala de comando. Não se impressionaram com aquele sol monstruoso. Mantiveram-se inativos em suas poltronas; nem sequer dedicavam um olhar de controle aos poucos instrumentos que tinham diante de si.

Alguns minutos passaram-se em silêncio. De repente Vu-Pooh inclinou-se para a frente e contemplou uma pequena esfera, que parecia flutuar no interior de um estojo metálico. Dois pontos incandescentes surgiram na superfície da esfera. Vu-Pooh parecia satisfeito; acenou com a cabeça e voltou a reclinar-se na poltrona.

— Fomos descobertos, Sarem.

— Está bem — respondeu Sarem. Com isso, o caso estava liquidado para ambos...

A Retse-U parecia correr desgovernada em direção ao sistema planetário de Beta. Os dois acônidas fitavam com uma expressão indiferente a tela que pareceria estranha aos olhos de um homem. Estava regulada para a área de destino da nave, e conseguia captar até mesmo os planetas exteriores do sol gigante.

O tempo foi passando. A Retse-U continuava a correr vertiginosamente em direção ao destino. De repente Gim Sarem fez um movimento. Apontou para a tela, que mostrava um círculo, debilmente refletido, de diâmetro extremamente reduzido.

Vu-Pooh limitou-se a lançar-lhe um olhar ligeiro.

— Deve ser a estação localizadora, Gim.

O comandante da nave Retse-U, pertencente ao Comando Energético, achava que não valia a pena perder mais palavras sobre isso. Por que haveria de fazê-lo? Aquela missão era simples rotina, tal qual as que já realizara.

A pequena nave cruzou a órbita do planeta exterior, que era um mundo de gás congelado. Aproximou-se a apenas 30 mil quilômetros do astro seguinte. No interior da nave ninguém percebeu que esta penetrara nas massas de ar revolto. Dali a alguns segundos, o planeta já ficara bem para trás.

De repente um instrumento destacou-se da superfície do pequeno painel de comando. Parou na altura dos olhos dos dois acônidas.

— Ora, veja... — disse Gim Sarem em tom de espanto. — São três naves dos peles-brancas.

Os corpos dos dois acônidas pareciam adquirir vida. Não tiravam os olhos do instrumento, e com um ar desconfiado liam os dados fornecidos pelo mesmo.

— É estranho — murmurou Vu-Pooh. — Não tomam conhecimento de nossa presença. São três naves que não saem do lugar.

E continuaram no mesmo lugar.

Os acônidas não poderiam saber que a nave de patrulhamento Nil recebera ordens expressas de não tomar nenhuma providência diante da presença da nave desconhecida, permanecendo junto à nave-hospital e à nave cilíndrica contaminada.

O interesse dos acônidas pelas três naves logo diminuiu. Confiavam demais na força combativa e na velocidade da Retse-U.

A nave achatada passou a uma distância enorme de Beta. O monstro tangia para o espaço protuberâncias de centenas de milhões de quilômetros. Era uma fornalha de energias atômicas em constante mutação.

Os acônidas nem sequer chegaram a lançar um olhar para o gigante.

— Há um chamado — constatou Vu-Pooh laconicamente, quando a tradutora estacionaria se dirigiu a eles.

Ouviram a mensagem de Reginald Bell, que lhes pediu que se identificassem. A mensagem foi repetida três vezes, e por três vezes a tradutora a converteu em sua língua.

Vu-Pooh e Gim Sarem agiram como se fossem deuses. Não se abalaram com o pequeno incômodo causado pelos peles-brancas.

— Há um tráfego de rádio muito intenso...

Vu-Pooh fez essa constatação para introduzir um pouco de variedade na monotonia do serviço. Tinha certeza de que Gim Sarem não se pronunciaria. E, como esperava, este não disse nada. A tradutora permaneceu em silêncio, o que constituía um sinal inequívoco de que as mensagens não se referiam diretamente a eles. Não tinham o menor interesse pelo conteúdo das mesmas.

A Retse-U cruzou mais três órbitas planetárias. De repente, três instrumentos saíram simultaneamente do painel de comando. Além disso, a imagem oferecida pela tela modificou-se de um instante para o outro.

Viram uma espaçonave de dimensões gigantescas. Os três instrumentos, que se mantiveram imóveis na altura dos olhos dos acônidas, mostraram a distância que os separava do gigantesco veículo espacial e sua capacidade de aceleração. Ainda revelaram que ele os seguia.

— Levarão nove períodos de tempo para alcançar-nos, a não ser que aumentemos nossa velocidade — constatou Vu-Pooh, com um sorriso, e ergueu-se lentamente.

Sua mão esquerda tocou uma roda de regulagem, modificando sua posição.

O quadro oferecido pela tela permaneceu inalterado, mas a posição da Retse-U no interior do sistema Beta modificara-se de um instante para outro. A espaçonave desaparecera do lugar em que pouco antes se encontrara, para surgir, no mesmo instante, sobre o sétimo planeta, que era um gigante de metano.

O quadro reproduzido pela tela modificou-se. Uma massa de gases borbulhantes parecia precipitar-se na sala de comando da Retse-U.

Desenvolvendo uma velocidade incrível, e dirigida ainda pelo sistema de pilotagem automática, a nave achatada iniciou as manobras preparatórias do pouso.

Dali a alguns segundos, as massas de ar que envolviam a nave entraram em incandescência. A tela mostrava faixas de gás metano, reluzindo num vermelho cada vez mais intenso.

Vu-Pooh e Gim Sarem não se interessaram pelo espetáculo. Neste instante chegava uma mensagem. Era a primeira, vinda do interior da nave, desde o momento em que decolara do planeta Esfinge, situado no centro da Via Láctea.

— Comando preparado para entrar em ação.

Vu-Pooh respondeu:

— Pousaremos em um décimo de período de tempo.

Depois disso voltou a reinar o silêncio.

Na sala em que estavam reunidos dois grupos de técnicos acônidas, também reinava uma tranqüilidade total. Os homens conversavam indiferentes, enquanto aguardavam o pouso da nave. Os finíssimos trajes espaciais, bem ajustados ao corpo, encobriam seus uniformes. Os capacetes, totalmente transparentes, estavam virados para trás, pareciam quebradiços. Às costas dos homens, algo do tamanho de uma caixa de charutos revelava que dispositivos especiais haviam sido adaptados sob o traje espacial.

Uma luz acendeu-se, e as conversas cessaram. Os capacetes espaciais foram fechados. Os jovens distribuíram-se pela sala alongada. Um terço de sua área estava tomado por peças de máquinas de todos os tamanhos.

Cinco acônidas colocaram-se junto a um painel quadrangular, situado nas proximidades de uma comporta. Uma segunda luz verde juntou-se à primeira. No mesmo instante abriu-se a comporta, até então invisível, que servia para a carga e descarga da espaçonave.

As massas de gás metano penetraram no recinto com a força de um furacão e procuraram envolver tudo.

Mais de vinte acônidas saíram da nave. Não demonstraram o menor interesse pelo ambiente mortífero em que se encontravam. No curso das ações por eles desenvolvidas, haviam conhecido tantos planetas, que aquele mundo de metano com seus furacões incessantes já não lhes representava qualquer novidade.

Apesar das massas de gás revoltas, apesar da tremenda gravitação desse astro que representava a própria negação da vida, os acônidas moviam-se com uma segurança inacreditável.

Atrás deles as peças de máquinas, sustentadas por campos antigravitacionais extremamente concentrados, seguiram-nos em seqüência ininterrupta.

Essa equipe acônida estava entrosada como um grupo de artistas. Cada movimento preenchia uma finalidade; o trabalho realizado por um dos homens completava ou iniciava a tarefa do outro. O chão congelado foi perfurado por meio de sondas de radiações até uma profundidade de vinte metros. Barras de metal foram introduzidas nas aberturas.

Num ponto um tanto afastado da equipe principal, o grupo de regulagem entrara em atividade. Todos mantinham contato pelo rádio com a Retse-U.

A elipticidade do planeta de metano, a velocidade de seu movimento de translação, os movimentos do conjunto do sistema em relação ao sistema de seu sol — estes e mais algumas centenas de fatores, cujos efeitos em parte se contradiziam mutuamente, tinham de ser considerados, a fim de que se alcançasse um resultado final, que se harmonizasse com as condições naturais.

No fim do sétimo período de tempo,

Gut-Ko, engenheiro-chefe da equipe, ligou o conversor à base, que tinha a altura de uma casa. Esse conversor era uma reprodução em escala reduzida do gigantesco transmissor instalado no Sistema Azul.

Um aparelho versátil de ensaio, tal qual a mão humana, tateou todas as faces com seus raios, antes que Gut-Ko pudesse liberar a energia.

Juntamente com o grupo de regulagem realizou os últimos ajustamentos. A equipe principal já havia voltado para bordo da Retse-U. Dali a pouco, Gut-Ko e os membros de seus grupos seguiram-nos. A comporta fechou-se silenciosamente, assim que o último homem penetrou no recinto. O gás metano venenoso foi expelido não por bombas, mas por meio de campos energéticos. O processo apenas durou uma fração de segundo.

Mais uma vez, a luz verde acendeu-se. A mesma informava à equipe de especialistas de que a Retse-U estava decolando.

Na pequena sala de comando, Gim Sarem dirigiu uma pergunta a Vu-Pooh:

— O que vamos fazer com Mal-Se, Vu?

— Nada. Vamos levá-lo de volta, pois ainda temos uma vantagem superior a um período de tempo sobre os peles-brancas — uma ligeira expressão de triunfo surgiu em seu rosto marcante. — A lentidão das naves dessas criaturas é ridícula. O Conselho Deliberativo ficará surpreso, quando eu o informar sobre a lentidão desses veículos espaciais. Em compensação, torna-se ainda mais incompreensível o fato deles terem rompido a barreira energética.

Enquanto a atmosfera de metano voltava a rugir em torno da Retse-U e a espaçonave acônida abandonava o planeta hostil à vida, desenvolvendo uma aceleração inacreditável, um ligeiro zumbido se fez ouvir na tranqüila sala de comando.

Por meio desse sinal, o transmissor, que os acônidas haviam instalado no planeta do sistema Beta, anunciava que mantinha contato com a gigantesca estação transmissora do Sistema Azul.

Vu-Pooh não esperara outra coisa de seus especialistas. Afinal, não era a primeira vez que executava esse serviço-relâmpago.

Gut-Ko, o engenheiro-chefe, entrou na sala de comando. Queria obter informações sobre a nave gigante dos peles-brancas.

Gim Sarem efetuou uma regulagem, e à sua frente uma estranha tela surgiu do nada, tela esta que representava um modelo do sistema Beta com seus planetas, e também indicava a posição da nave dos desconhecidos de pele-branca e de sua própria nave.

— Neste momento, o sol se interpõe entre nós e os estranhos — disse Gim Sarem, dirigindo-se ao engenheiro. — Só mesmo sua estação localizadora pode atingir-nos neste instante. A grande nave está penetrando no sistema com 0,9 da velocidade da luz. Vamos ampliar ao infinito nossa vantagem de um período de tempo.

Gim Sarem ergueu a cabeça e fitou o engenheiro-chefe.

— Não está muito satisfeito, Gut-Ko? — perguntou ao ver a boca contorcida de seu interlocutor.

Gut-Ko confirmou com um gesto e disse:

— Gim, de que forma esses desconhecidos, que voam em gigantescas naves totalmente antiquadas, penetraram em nosso império estelar? Não pode ter sido um simples acaso.

— Dentro de pouco tempo será totalmente indiferente que tenha sido acaso ou não, Gut-Ko. Os desconhecidos pousarão e então receberão a visita de Mal-Se. Por isso seria ocioso continuarmos a falar sobre o assunto.

Naquele momento, a Retse-U desapareceu do cosmos e penetrou numa dimensão espacial superior.

Os rastreadores de relevo da estação Ori 12-1.818 não mais conseguiram que a nave se tornasse visível na tela espacial. Ao mesmo tempo, o oscilograma do rastreamento estrutural voltou a apresentar as amplitudes achatadas que representavam um enigma para todos.

 

Desenvolvendo 0,9 da velocidade da luz, a Drusus penetrou no sistema do sol gigante de Beta. Os efeitos secundários da rematerialização haviam cessado em todos os ocupantes da nave. Enquanto Bell e Deringhouse conversavam a meia voz, mantendo-se de pé à frente do mapa estelar em que estava assinalada a rota da pequena nave desconhecida, Perry Rhodan continuava sentado em sua poltrona e refletia intensamente.

Nem mesmo a mensagem do setor de rastreamento estrutural conseguiu arrancar Rhodan de suas reflexões:

— Abalo estrutural com amplitudes anormalmente alongadas. Posição: cerca de um milhão de quilômetros acima do planeta número sete.

Sentia que o aparecimento dos acônidas numa área tão próxima ao sistema terrano não poderia ser um simples acaso, mas era incapaz de descobrir o plano que havia por trás dessa rápida visita.

Ori 12-1.818 chamou. A mensagem foi transmitida simultaneamente ao quartel-general da Frota Solar.

— Nave desconhecida abandonou nosso complexo espaço-temporal há um minuto e dezoito segundos, provavelmente por meio de uma transição. Rastreador de relevo não reage mais. Fim da mensagem.

De repente Rhodan pareceu adquirir vida. Levantou-se e foi até o hipercomunicador.

— Aqui fala Rhodan. Estação Ori, por quanto tempo a nave desconhecida permaneceu no planeta número sete e em que ponto do mesmo pousou? Aguardo resposta.

No momento em que pronunciou estas palavras a palestra entre Bell e o general cessou abruptamente. Os dois viraram-se para Perry Rhodan, que continuava de pé à frente do microfone.

— Estação Ori 12-1.818 ao chefe — disse a voz do Tenente Harald Fitzgerald, saída do alto-falante. — Tempo de permanência da nave estranha no Sete: vinte e nove minutos e quatro segundos. Local de pouso...

O computador de bordo assimilou automaticamente os dados que o Tenente Fitzgerald estava fornecendo.

Quando a mensagem chegou ao fim, Rhodan levantou a cabeça; parecia pensativo. Muitos dos homens que se encontravam na sala de comando viram-no balançar a cabeça.

— Quanto tempo ainda demorará? — a pergunta, um tanto desconexa, foi compreendida pelo co-piloto.

— Daqui a vinte ou vinte e cinco minutos poderemos chegar ao local de pouso, sir, desde que a localização seja exata.

— Obrigado — respondeu Rhodan e foi para junto de Bell e Deringhouse. — Então, o que me dizem, senhores?

Bell envolveu-se em silêncio. O General Deringhouse levantou os ombros e deixou-os cair.

— Isso é misterioso, sir! Uma atitude totalmente inexplicável. O que se pode fazer durante uma visita de trinta minutos a um planeta estranho?

Bell irrompeu com o pensamento que lhe passou pela cabeça:

— Pode-se deixar um contrabando! Deringhouse soltou uma risadinha e disse:

— Sim, se existisse um contrabando galáctico.

No mesmo instante, o general lançou um olhar de alarma para Bell e apontou discretamente para Perry Rhodan.

Este fitava o mapa estelar, mas não parecia vê-lo.

Enquanto isso, a Drusus passou velozmente a uma distância segura de Beta e, logo depois, mudou de rumo, para tomar a rota do grande planeta de gás metano.

A gigantesca tela de visão global fora obscurecida, deixando passar somente a décima parte da torrente luminosa do monstruoso sol vermelho-amarelento. Apesar disso a luminosidade continuava a ser muito mais intensa que a iluminação normal da sala de comando.

— Contrabando galáctico — repetiu Rhodan e fitou Bell. — Às vezes você tem idéias impagáveis, gordo.

— Meu Deus, eu não disse nada — objetou Reginald Bell, que estava interpretando erroneamente as palavras de Rhodan.

— Disse, sim. Você até disse muita coisa. Desde o momento em que ouvi sua observação, a pressão que sentia na cabeça desapareceu.

— Pode ser — disse Bell, que não se sentia muito à vontade. — Mas não compreendo o que é que minhas palavras podem...

Rhodan sorriu. Com um ligeiro olhar procurou verificar se o general percebera quanta verdade havia na observação que Bell soltara por acaso. Mas Deringhouse também não conseguira acompanhar o raciocínio de Rhodan.

— Muito bem — disse este. — Por ora não falaremos mais sobre isto. Quando atingirmos o campo de pouso dos acônidas no Sete, talvez possamos dar uma olhada no contrabando que deixaram lá.

— Você não espera muita coisa boa deles, Perry — voltou Bell.

Rhodan refletiu e perguntou:

— Será que nossas experiências com os pré-arcônidas foram boas? Quando travamos conhecimento com os arcônidas, eles fizeram questão de que sentíssemos seu orgulho e arrogância. E quando chegamos ao Sistema Azul, onde conhecemos o povo do qual descendem os arcônidas, eles nem tomaram conhecimento de nossa presença. Será que isso não é orgulho e arrogância?

“Hum... Os acônidas têm um adiantamento de quarenta mil anos sobre nossa técnica. Se partirmos desse pressuposto, e admitindo que você acredita no contrabando galáctico, o que nos esperará no gigante de metano?”

Fez uma pausa e concluiu.

— Um perigo! Um perigo traiçoeiro, que talvez seja ainda mais temível porque não o reconhecemos como tal.

O chamado do setor de localização energética interrompeu a palestra.

— Sir — gritou um tenente. — Acabamos de observar uma emissão de energia pouco intensa, mas constante. Vem do Sete, mais precisamente, do local de pouso da nave desconhecida, determinado por Ori 12-1.818.

— Avise assim que haja qualquer alteração, por menor que seja — ordenou Rhodan.

A nave esférica de um quilômetro e meio de diâmetro começou a frear; a força da inércia foi neutralizada pelo dispositivo de absorção. Poucos minutos depois, a Drusus passou de uma velocidade próxima à da luz para 300 km/seg. Nesse lapso de tempo a terça parte dos conversores trabalhou com a potência máxima, os propulsores de jato da protuberância equatorial rugiram e os transformadores e usinas de força zumbiram. Apesar do tamanho da nave e da distância que separava a sala de máquinas da sala de comando, estes ruídos romperam todos os isolamentos acústicos e obrigaram os homens que se encontravam na sala de comando a falar mais alto.

A luz de Beta já se reduzira a um nível suportável ao olho humano. O planeta Sete, que gravitava a uma tremenda distância do enorme sol, surgiu na extremidade superior da tela de visão global sob a forma de um astro do tamanho de uma bola de futebol. À primeira vista parecia consistir numa nuvem de gases que se encontrava em estado de turbulência, mas assim que o computador de bordo efetuou algumas regulagens, a atmosfera nevoenta desapareceu, deixando descoberto um gigantesco planeta.

Era um mundo sem vida, enrijecido de frio, que parecia jazer imóvel no espaço. O planeta levava cento e noventa e três horas para efetuar um movimento de rotação, mas em comparação com suas dimensões gigantescas girava com uma rapidez espantosa, do que resultavam fortes convulsões na atmosfera.

Os instrumentos da Drusus, que nunca se enganavam, constataram a presença de furacões de quatrocentos quilômetros por hora. Quatro mil quilômetros acima da superfície do planeta as massas gasosas corriam a uma velocidade dez vezes superior.

O Sete era um mundo morto. Face à gravitação de 5,3 G, contava-se entre os planetas pesados.

— Quanto mais penso, menos compreendo o que os acônidas vieram fazer justamente aqui — disse Deringhouse.

O general dera ordens pelo intercomunicador para que os homens, que fossem desembarcar, vestissem trajes espaciais do feitio especial.

Desde o momento em que a Drusus reduzira a velocidade, todos os seus tripulantes entraram de prontidão. As torres de canhões estavam guarnecidas, as escotilhas que cobriam as peças de artilharia foram abertas. Na sala de comando de tiro reinava uma tensão extrema. Dois conveses abaixo, cento e oitenta homens trocaram, sem dizer uma única palavra, seus trajes espaciais pelos trajes protetores especiais.

Dez minutos antes do pouso da Drusus no Sete, a sala de comando recebeu o último aviso de que tudo estava preparado.

Ao que parecia, o supercouraçado da Frota Solar achava-se pronto para qualquer eventualidade, inclusive para o contrabando galáctico que os acônidas possivelmente haviam escondido no planeta.

 

A Drusus pousou no sétimo planeta do sistema Beta. Apesar do furacão que rugia, a nave mantinha-se segura e tranqüila como se estivesse no espaçoporto de Terrânia. Mas por enquanto todas as comportas continuaram fechadas; nem um único robô e nem uma única sonda-foguete foram enviados para fora.

Ainda não havia sido dada a ordem de entrar em ação. E Perry Rhodan nem pensava em dar.

Antes disso teria que descobrir qual era a finalidade da coisa que se encontrava a uns quatro quilômetros e tinha o tamanho de uma casa comum.

A ampliação máxima fez com que o estranho objeto preenchesse a tela frontal. Constatou-se inequivocamente que de lá provinham as emanações energéticas; eram fracas, mas de intensidade constante.

— Então, senhores — disse a voz de Rhodan, rompendo o silêncio, que reinava na sala de comando. — O que é isso? Eu não sei. Será que alguém sabe dizer?

Ninguém respondeu à pergunta. Consultou a sala de comando de tiro, e de lá informaram que mais de cinqüenta por cento dos canhões da nave estavam dirigidos para a construção desconhecida.

Essa certeza tranqüilizou os presentes, pois bastavam trinta por cento do potencial de fogo da Drusus para, num bombardeio ininterrupto de alguns minutos, devastar um pequeno planeta, sem recorrer às bombas de fusão. Estas também se achavam no interior da nave, prontas para serem lançadas. Nada poderia acontecer ao supercouraçado, mas todos tiveram a impressão de se encontrarem diante de um perigo contra o qual não havia proteção.

— O que é isso? — disse Perry Rhodan, repetindo a pergunta. Seus olhos cinzentos exprimiam uma tremenda tensão. — Não foi por nada que os acônidas se deram tanto trabalho para que encontrássemos isso tão depressa. O que será, Bell?

— Um maldito contrabando! — limitou-se Bell a exclamar, dando de ombros num gesto de desânimo.

— Sir! — o tenente que trabalhava junto à localização energética pronunciou esta palavra num grito. — Houve uma emissão de outra espécie. Nunca vi uma coisa dessas. Parecem ondas de choque, mas são diferentes. Terminou... a emissão desapareceu.

Será que estas palavras representaram um sinal para que Rhodan entrasse em ação?

— Atenção, pessoal da computação. Peço a interpretação dos dados; rápido!

Bell e Deringhouse entreolharam-se rapidamente. Conheciam muito bem o significado desse tom na voz de Rhodan.

Uma folha de plástico saiu do computador de bordo. Um oficial pegou-a, lançou-lhe um olhar, estremeceu e disse com a voz entrecortada:

— Nada! O computador não pode informar nada sobre a emissão energética.

Rhodan respondeu com a voz tranqüila:

— Não esperava outra coisa. Então, Bell, ainda tem alguma dúvida de que essa nave era tripulada por acônidas?

— Infelizmente não tenho. Mas nem por isso sabemos o que vem a ser aquilo.

Rhodan retrucou em tom sarcástico:

— Uma vez que os acônidas não nos forneceram as instruções de uso, quero assumir o menor risco possível. Prefiro não envolver os homens nisso. Deringhouse, os robôs de guerra estão preparados?

— São quatro grupos de sessenta unidades, chefe.

— E os técnicos-robôs, general?

— Dei ordens para programar cinco unidades.

— Mande que estes também entrem em ação. Ficaremos aqui e os acompanharemos pela tela. Bell, você tem outra sugestão?

— Harno, o televisor vivo, está a bordo, Perry?

— Não. Já lamentei sua ausência. Talvez Harno pudesse dar-nos informações mais precisas.

Nesse momento ouviu-se barulho às costas dos homens. Uma voz áspera perguntou:

— O que está fazendo por aqui? Afinal, quem é o senhor?

Perry Rhodan sabia perfeitamente quem acabara de entrar na sala de comando. Virou a cabeça e viu que Poul Naya detivera Walt Ballin, o jornalista.

— Deixe o cavalheiro passar, Naya. É jornalista do Europa News de Paris e afirmou num artigo de fundo que a Administração Solar está realizando uma política autodestrutiva, pois não mantém os terranos suficientemente informados sobre os acontecimentos felizes e infelizes, que se verificam na Galáxia.

Estas palavras representaram uma agulhada nos sentimentos de todos os que se encontravam na sala de comando da Drusus. Estes homens, que não hesitavam em enfrentar qualquer perigo quando se tratava de ajudar o chefe, eram inimigos de todos que formulassem acusações contra Perry.

— Ah, é? — disse Poul Naya, e seus olhos começaram a chamejar. — Sir, será que este escrevinhador não é o homem indicado para realizar esta missão? Poderia dar uma olhada na coisa que está lá fora. Assim, ele faria uma reportagem ao vivo.

Apesar da situação incerta em que se encontrava a Drusus, os homens aproveitaram a oportunidade para dar vazão à contrariedade. Nunca foram amigos dos jornalistas.

Acontece que todos se enganaram em relação a Walt Ballin. Ele não estava disposto a transformar-se em mártir e pagar pelos pecados de seus colegas. Num gesto impulsivo estendeu a mão para Poul Naya e disse:

— De acordo. Mas só sairei para cumprir a missão depois que o senhor tiver escrito um razoável artigo de fundo para o Europa News.

— Ora, eu não sou jornalista! — respondeu Poul Naya, sem pensar em nada.

Walt Ballin acenou tranqüilamente com a cabeça.

— E eu não pertenço à Frota Solar, mister. Encontro-me a bordo da Drusus na qualidade de convidado do administrador.

Rhodan sorriu com a presença de espírito do jornalista, que, com as palavras que acabara de pronunciar, tornara impossível qualquer ataque à sua pessoa. Rhodan pediu-lhe que se aproximasse.

— O Tenente Naya teve certa razão de lhe falar sobre o ensino visual, mister Ballin. Sente-se nesta poltrona e acompanhe pela tela a evolução dos acontecimentos. Já obteve informações sobre nossa tarefa?

— Sim senhor. O Tenente Gucky já me forneceu alguns esclarecimentos.

Bell assumiu instintivamente uma posição de espreita. Não queria perder uma única palavra, pois supunha que os pretensos esclarecimentos representavam mais uma das artes do rato-castor.

— O que foi que o Tenente Gucky lhe disse, Ballin? — indagou Rhodan, em cujos olhos cinzentos surgiu um brilho ligeiro.

— Disse que no curso desta missão teremos um encontro com os acônidas do Sistema Azul. Disse mais que seu desenvolvimento técnico é infinitamente superior ao nosso, a tal ponto que, para eles, será facílimo destruir o Império de Árcon juntamente com o sistema solar. Por que ficou tão espantado? A informação não é correta?

— É correta, sim. Estou espantado por causa de Gucky que...

No mesmo instante, Gucky surgiu no meio do grupo e piou, numa tentativa grotesca de ficar em posição de sentido:

— Aqui estou, Perry. Você deveria saber que entre seus oficiais não existe nenhum mentiroso e nenhum contador de histórias de fadas.

No mesmo instante, Gucky desapareceu.

As risadas dos oficiais da sala de comando cessaram imediatamente, quando a tela mostrou 245 máquinas de guerra que caminhavam em direção à coisa que estava a quatro quilômetros. Nem a tremenda gravitação do planeta de metano, nem o furacão conseguiram detê-las.

— Uma ação em grande escala dos robôs contra o cavalo de Tróia! — observou Bell, em voz baixa:

Ninguém percebeu que Perry Rhodan estremeceu ligeiramente. A alusão ao cavalo de Tróia fizera com que compreendesse instantaneamente o que representava a coisa.

Era um transmissor construído pelos acônidas!

 

O transmissor instalado no sétimo planeta do sistema Beta era de um tipo especial.

Além de ser um meio de transporte interestelar, servia à transmissão de imagens.

No planeta Esfinge três acônidas estavam sentados à frente de uma tela, ligeiramente abaulada, e contemplavam com uma expressão indiferente a gigantesca nave de mil e quinhentos metros de diâmetro e o grupo de robôs, que marchava e já se havia aproximado dois quilômetros da estação do transmissor.

O mais jovem dos três acônidas soltou uma risada.

— O destino está do nosso lado. Mal-Se nem precisará esforçar-se.

O velho acônida que se encontrava à sua esquerda contraditou-o.

— Isso não é uma manifestação do destino, mas do Comando Energético e das qualidades superiores de Vu-Pooh. O lugar foi escolhido de tal forma que a nave dos peles-brancas forçosamente teria de pousar ali. O que vem a ser o destino? Apenas um jogo do acaso. E os números não deixam campo para o acaso. Até são capazes de encerrar o próprio acaso em números. Não se esqueça disso, Hut-Up!

— Farei o possível, mestre — respondeu Hut-Up, e calou-se.

Sem se impressionarem com o espetáculo, com uma expressão que quase chegava a ser de tédio, os três acônidas do Sistema Azul acompanharam o avanço dos robôs terranos em direção à estação do transmissor. Quando as primeiras máquinas do grupo ainda se achavam a algumas centenas de metros do destino, o acônida que fora chamado de mestre por Hut-Up, disse ao que se encontrava à sua direita:

— Mal-Se pode começar.

O homem ao qual foram dirigidas estas palavras repetiu a ordem, proferindo-as em outra direção. E logo veio a resposta:

— Mal-Se começará dentro de um vinte e cinco avôs de um período de tempo.

O mestre fez que sim e desligou.

— Concluímos nosso trabalho. Mais uma vez, o Conselho Deliberativo ficará satisfeito com a atuação do Comando Energético. Vu-Pooh já entrou em contato conosco?

— Já, mestre — informou Hut-Up. — A Retse-U chegará no primeiro quinto do quarto período.

— Está bem. Diga a Vu-Pooh que entre em contato comigo. Preciso falar com ele, Hut-Up.

 

— Você tem razão! — exclamou Bell. — Realmente é um transmissor acônida.

Já não havia a menor dúvida.

Um campo energético de mais de cem metros de altura e igual largura surgira numa questão de segundos acima da coisa. Resistiu à fúria dos elementos e emitiu uma luminosidade avermelhada nas bordas interiores. Aquela figura devia ser uma concentração de linhas energéticas potentes e condensadas, que fizeram surgir um túnel negro.

A única pessoa que disse alguma coisa na sala de comando da Drusus foi o General Deringhouse. Ordenou aos robôs, pelo rádio, que ficassem parados e aguardassem novas ordens. Não precisou dizer mais do que isso. O resto ficava a cargo da programação.

As máquinas de guerra terranas pararam a duzentos metros do transmissor acônida.

Rhodan puxou o microfone para junto de si.

— Qualquer coisa que saia da estação do transmissor deve ser aprisionada; em hipótese alguma deverá ser morta ou destruída.

Devolveu o microfone ao general.

Depois disso teve início a espera.

Os canhões do costado da Drusus, apontados para a construção dos acônidas, estavam prontos para disparar. As pesadas peças de raios térmicos, de desintegração e de impulsos ficaram dirigidas para a obra técnica de uma raça estranha; a qualquer momento fariam com que esta submergisse num furacão de fogo.

O jornalista Walt Ballin estava recebendo um ensino visual sobre as atividades da Frota Solar com o qual nunca chegara a sonhar.

Olhava constantemente para Rhodan. E, quanto mais olhava, mais admirava este homem cauteloso, ponderado e frio. Perry Rhodan não era nenhum ditador, e nem um tagarela que sempre queria estar com a razão.

Naquele momento disse:

— Tenho certeza de que os acônidas não estão apenas brincando conosco. Será que não estamos esperando demais?

— Por enquanto não aconteceu nada — ponderou Bell.

Rhodan não se impressionou.

— Deringhouse, faça recolher os robôs à nave. Mande que voltem o mais depressa possível. Isto já está me assustando. O que dizem os instrumentos?

A pergunta foi dirigida aos oficiais da sala de comando. Deringhouse deu ordem pelo rádio para que os robôs voltassem. Bell não estava de acordo, mas limitou-se a balançar a cabeça.

Pela primeira vez em toda vida, Walt Ballin compreendeu o que significava ter os pés frios.

Sentia um medo terrível, não da luminosidade vermelha ou da estranha construção, mas de alguma coisa que não sabia o que fosse.

Na tela de visão global viu-se que os robôs já haviam percorrido metade do caminho.

— Torre polar. Pode abrir fogo contra o alvo.

A voz de Rhodan tinha um som metálico, quando proferiu a ordem para dentro do microfone do intercomunicador.

No mesmo instante, os raios de impulsos e de desintegração de vários metros de espessura destruíram o transmissor acônida. Tudo submergiu numa nuvem de gases atomizados, que foi desmanchada imediatamente pelo furacão de gás metano. O local em que estivera a estação entrou em incandescência. A rocha congelada derreteu-se e gaseificou-se.

A torre polar da Drusus abrira fogo por três segundos. Quando os canhões de radiações foram desligados, viu-se a quatro quilômetros uma cratera, na qual a rocha liquefeita foi endurecendo, formando uma compacta massa vitrificada.

— Se eu fosse você, teria esperado mais algum tempo, Perry!

— Esperado o quê, Bell? — indagou Rhodan, apreensivo.

O homem baixo e sardento não deu mostras do espanto que lhe causara o nervosismo de Rhodan. Limitou-se a dizer:

— Então você está assim....

“Pois eu também estou”, pensou Walt Ballin, que não compreendia por que ainda estava com medo.

Dali a pouco Deringhouse dirigiu-se a Rhodan:

— Sir, os robôs já entraram na nave. Instruí os robôs técnicos a comparecerem à sala de comando.

— Bell, encarregue-se do computador. Desejo conhecer quanto antes a interpretação dos dados colhidos pelos robôs, muito embora não espere muita coisa.

— OK!

Bell dirigiu-se ao computador e colocou-o na posição de consulta.

Antes que os robôs chegassem à sala de comando, a fim de entregar o resultado de suas observações, mais dez minutos se passaram. Rhodan aproveitou este tempo para conversar com Walt Ballin. A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi o aspecto nada sadio do jornalista.

Walt Ballin estava com medo; sentia o mesmo medo que ele.

Ocultou de forma magistral o espanto e a perplexidade. Concentrou-se no serviço profissional de Ballin e envolveu o jornalista numa palestra interessantíssima.

— Quer dizer que posso escrever o que quiser, sir? Não haverá necessidade de submeter minha reportagem ao senhor ou a alguma comissão quando voltar à Terra?

Rhodan riu com os olhos, embora a expressão do rosto permanecesse inalterada.

— Ora, Ballin, não vivemos numa ditadura! E, o que é mais importante, senhor jornalista, a administração não tem nada a esconder, a não ser as coisas que, em qualquer lugar, costumam ser mantidas em segredo. Apenas estou ansioso para saber o que o senhor fará publicar nos jornais e o que não fará publicar.

— Farei publicar tudo, sir. Não omitirei nada — afirmou Walt Ballin, em tom convicto.

— Também já pensei assim, Ballin. Faz muito tempo. Era tão jovem como o senhor. Mas depois surgiu a responsabilidade e as dúvidas, e fiquei perguntando a mim mesmo sobre o que deveria trazer ao conhecimento do público e o que não deveria.

— Sir, um jornalista também tem certa responsabilidade!

Walt Ballin teve a impressão de que deveria defender o conceito de sua profissão.

— Foi justamente por acreditar que o senhor é um homem dotado de senso de responsabilidade que o convidei a ir para Terrânia... Olhe os robôs, Ballin. Mais uma vez temos de interromper nossa palestra.

Cinco robôs entraram ruidosamente na sala de comando. A visão dos colossos metálicos em movimento nunca deixava de ser um espetáculo imponente. Ballin, que os ouviu falar um de cada vez e teve de constatar que não compreendia suas palavras, por lhe faltarem os conhecimentos técnicos, começou a admirar essas criaturas artificiais e seus criadores.

Mas Bell não as admirou. Manteve-se inativo diante do computador de bordo. A cada segundo que passava, a expressão de seu rosto tornava-se mais zangada.

As observações colhidas pelos robôs científicos não serviam para nada. As medições por eles realizadas diante do transmissor acônida eram contraditórias e evidentemente falsas.

Deringhouse apagou a programação especial das máquinas e mandou que voltassem ao depósito.

No momento em que Rhodan pretendia dar ordem para decolar, houve um chamado do depósito de robôs número 4. Ortlow, que era o chefe do depósito, informou que todos os robôs estavam sujos.

— Ora, Ortlow, a bordo desta nave existem instalações de lavagem; use-as — disse Rhodan em tom contrariado, por ter sido interrompido em suas atividades por causa de uma bagatela como essa.

— Acontece que a sujeira não sai. Parece incrustada nos robôs.

— Isso não me interessa, Ortlow. Arranje-se como puder. Desligo.

Dirigiu-se a Deringhouse.

— Assuma a nave, general. Decolaremos...

Rhodan foi interrompido pelo setor de hipercomunicação, que anunciou uma mensagem urgente dirigida a Rhodan, expedida pela nave-hospital III. Os traços que apareciam na tela da sala de comando estabilizaram-se.

— Sir — principiou — constatamos a presença da doença de endurecimento intestinal na nave cilíndrica UG DVI. Os homens do comando de abordagem também contraíram a moléstia. Mas não é por isso que estou chamando. O mais importante é que a doença foi provocada artificialmente a bordo da nave dos mercadores galácticos. Ao que tudo indica, as culturas da doença provêm da Terra.

— Professor Degen, pense bem no que está dizendo! — advertiu Rhodan, em tom enérgico.

O médico fez um gesto com o braço esquerdo, gesto este que deveria representar um pedido de desculpas, mas disse:

— Sir, é claro que não sou nenhum policial e posso estar enganado, mas como é que uma ampola quebrada com restos de culturas da doença veio parar na nave dos saltadores? Aviso-lhe que nos últimos trinta dias a nave só entrou em contato com terranos.

— Ora, professor, meu dia também só tem vinte e quatro horas, nem um minuto a mais. Suspenda a palestra neste ponto e entre em contato com o chefe da Segurança Solar, Allan D. Mercant, expondo ao...

— Sir, há poucos minutos ele me pediu que entrasse em contato com o senhor e lhe transmitisse em seu nome o pedido de passar por nossa posição, a fim de que a ampola chegue à Terra o mais depressa possível. Naturalmente o transporte não envolve o menor perigo. O material contaminado foi acondicionado. Não há perigo.

Rhodan fez um sinal para a tela do telecomunicador.

— Está bem. Dentro de uma hora estaremos aí.

Dali a pouco a Drusus decolou do gigantesco planeta de metano. Reginald Bell encontrava-se no camarote de Rhodan. O baixote caminhava de uma poltrona para outra e não sossegava em nenhuma delas. Enquanto isso, Perry Rhodan demonstrava uma tranqüilidade extraordinária.

— Se Allan D. Mercant recorre a nós, é porque atribui a maior importância ao caso, ligado a esta doença, Bell. Muito bem; façamos-lhe este favor. No momento não perderemos nada por causa da pequena volta que daremos. Por mais duras que possam parecer estas palavras, o fato é que o caso não me interessa. Não tenho tempo para ocupar-me com ele, pois a misteriosa visita-relâmpago dos acônidas causa-me tamanha preocupação que não consigo pensar em outra coisa. Sinto uma sensação cada vez mais forte de que existe um detalhe que nos escapou.

— Naturalmente não há ninguém que chame nossa atenção para isso, mesmo depois que aconteceu... O que houve? Perry, é a estação. Deve ser para você.

O Tenente Harald Fitzgerald da estação Ori 12-1.818 tinha uma informação para Rhodan.

— Sir, cometemos um engano nas nossas observações. A estação receptora sincronizada com o transmissor emitiu duas séries de ondas de choque. A primeira série também deve ter sido registrada pelos instrumentos da Drusus. Porém exatamente vinte e três minutos e oito segundos após o primeiro impulso, houve uma segunda emissão. Entretanto esta era abafada por um impulso de categoria superior e foi tão débil que só por um acaso a notamos. Sir, passamos tudo de novo...

— Está bem, tenente — disse Rhodan, interrompendo o Tenente Fitzgerald, que falava com certa insegurança. — Vou ligá-lo com a sala de comando da Drusus. Passe novamente o respectivo trecho e transmita-o pelo rádio. Quero observá-lo pessoalmente. Muito obrigado.

Dali a pouco correu apressadamente em direção à sala de comando, acompanhado por Bell. A transmissão da estação Ori 12-1.818 já fora realizada. Os oficiais cederam lugar para Rhodan e Bell, e dali a pouco ouviram o primeiro dizer:

— É perfeitamente compreensível que não tenham notado isso.

Regulou a imagem para um setor específico e mandou retroceder o aparelho, para voltar a olhar tudo a partir de determinado instante.

Quando no interior do Sistema Azul, Rhodan e Bell viram muitas vezes essas curvas, supuseram tratar-se de ondas de choque expelidas pelos transmissores. Porém não conheciam as ondas de superposição que encobriam quase totalmente as amplitudes achatadas.

— Não sabemos mais que antes — disse Bell subitamente, em tom impulsivo.

Entretanto calou-se ao sentir a mão de Rhodan pousada em seu braço.

— Você está enganado, Bell. Ao menos já sabemos que os acônidas enviaram mais alguma coisa ao sétimo planeta e se deram ao trabalho de evitar que tivéssemos conhecimento disso. Deringhouse, ponha em ação a frota. O mundo número sete deve ser mantido sob vigilância cuidadosa e ininterrupta. Não devemos dar aos acônidas a menor possibilidade de instalar uma base por lá. Ordene ao comandante da frota que evite isso, usando todos os meios ao seu alcance. Quando entraremos em transição?

O salto realizou-se dali a três minutos.

 

A Drusus voltara a ocupar a área que lhe estava reservada no espaçoporto de Terrânia. Fazia meia hora que a ampola, encontrada na nave cilíndrica UG DVI, fora retirada por dois médicos. Lidaram com o pequeno invólucro, como se fosse um explosivo que pudesse detonar ao menor abalo.

Bell, o General Deringhouse e o jornalista Walt Ballin estavam sentados no planador de Rhodan.

O veículo corria vertiginosamente em direção ao arranha-céu. De repente descreveu uma curva para pousar. Foi quando Rhodan rompeu o silêncio.

— Poucas vezes voltei de uma ação com uma sensação tão desagradável como hoje. Não sei...

O planador pousou suavemente; desceram e o elevador antigravitacional levou-os ao gabinete do administrador, situado um andar abaixo da cobertura. No momento em que o grupo passou pela ante-sala, as autoridades mais importantes de Terrânia tornaram-se logo cientes de que o chefe estava de volta.

A tela do intercomunicador já fora ligada, e nela se via o rosto de Allan D. Mercant. No momento em que se acomodava na poltrona, Rhodan falou para dentro do microfone:

— Mercant, deixe-me em paz com essa doença de endurecimento intestinal. Não sei o que há por trás disso, mas no momento não estou interessado. É a respeito da moléstia que quer falar comigo?

Mercant fez que não.

— Sir, a Drusus alarmou a Segurança Solar. Há suspeita de sabotagem nos depósitos de robôs. Ortlow, o chefe do depósito, solicitou uma investigação minuciosa. Todos os robôs, até mesmo os de trabalho que atuam no interior da nave, apresentam danos... As amostras, que examinei há poucos instantes, foram alarmantes.

— Está bem, Mercant. Se as suspeitas de sabotagem se confirmarem, avise-me. Mais alguma coisa?

O chefe da Segurança Solar conhecia Perry Rhodan e compreendia que naquele momento não queria ser incomodado com ninharias. Apressou-se em dar resposta negativa à pergunta que acabara de ser formulada e em desligar o aparelho.

— Então, Ballin — disse Rhodan, dirigindo-se ao jornalista. — O que vamos ler amanhã no Europa News sobre a última missão da Drusus? Já tem uma idéia do que vai escrever?

— Por enquanto não vou escrever uma única linha, sir — respondeu Walt Ballin. — Não posso publicar um artigo baseado em conjeturas.

Bell e Deringhouse fitaram-no com uma expressão de espanto. Não esperavam uma resposta dessas.

— Mas por nosso intermédio o senhor ouviu falar pela primeira vez nos acônidas, Ballin. A administração terá muito prazer em fornecer-lhes outros dados a respeito — disse Rhodan, a fim de fazê-lo sair da atitude de reserva em que se mantinha.

— Sir, não sou um repórter sensacionalista — começou Ballin, cocando a mão esquerda. — O senhor mesmo disse que sabe muito pouco a respeito dos acônidas. Tenho a impressão de que o assunto terá de amadurecer antes de ser publicado. Por que está rindo, sir?

Bell e Deringhouse também irromperam numa gargalhada. O homem sardento chegava a balançar-se de tanto rir e disse:

— O senhor está seguindo nossas pegadas, Ballin. Sempre pensamos da mesma forma que o senhor, mas foram surgindo novidades e mais outras novidades, quando as primeiras ainda não estavam maduras. Um belo dia alguém disse no Parlamento que violamos nosso dever de prestar informações. Caramba, como minha mão está cocando. O que será?

— A minha também está — falou Deringhouse.

— A minha também!

Estas últimas palavras foram proferidas por Rhodan. Quatro homens contemplavam as mãos. E quatro homens viram alguns pontos do tamanho da cabeça de um alfinete, que se mostrava visível um pouco abaixo da pele.

— Esta coceira chega a ser uma impertinência! — exclamou Bell, que nunca fora um homem paciente, e sempre ficava nervoso quando qualquer coisa o incomodava. — Vou chamar o médico de plantão. Pedir-lhe-ei que me dê um remédio contra isso. Deixe-me usar o intercomunicador, Perry.

— Por causa de uma bobagem dessas, Bell?! Bem, fique à vontade.

Afastou-se. Bell pediu o comparecimento do médico. Por coincidência este encontrava-se no mesmo andar.

— Estarei aí num instante, mister Bell.

Dali a pouco estava entre eles. Contemplou quatro mãos. Balançou a cabeça, perplexo.

— Sir — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Há pouco pediram-me que diagnosticasse um caso idêntico, mas não sei de que se trata. Na minha opinião isto deve ser um trabalho para a divisão dermatológica. O senhor também tem algumas manchas vermelhas no rosto.

O aparelho de telecomunicação emitiu um zumbido.

Era a Drusus. Um dos oficiais estava no aparelho.

— Sir, há algo de errado na Drusus. De um instante para outro, todos os tripulantes foram atacados por uma terrível coceira. Já notifiquei a grande clinica de Terrânia.

Antes que Rhodan tivesse tempo para responder, o médico falou.

— Coloque sua mão junto à objetiva! — pediu ao homem que falava da Drusus.

O oficial atendeu ao pedido, e o médico constatou:

— É o mesmo quadro mórbido. Caramba, também estou começando a sentir coceira!

— Doutor — disse Bell. — Será que fomos atacados pela doença de endurecimento intestinal?

Deringhouse e Walt Ballin entesaram o corpo.

— Não, senhores, esta suposição é absurda. A doença de endurecimento intestinal não apresenta estes sintomas.

— Posso desligar, sir? — perguntou o oficial, que se encontrava na sala de comando da Drusus.

Rhodan fez que sim. A imagem da tela desfez-se. Mas logo houve outro chamado. Era a grande clínica de Terrânia.

— Sim?! — a voz de Rhodan denotava nervosismo.

— Sir, acabo de ordenar que a Drusus fique de quarentena. E vejo-me obrigado a pedir ao senhor e a todas as pessoas, com as quais entrou em contato após o pouso, que não saiam dos recintos onde se encontram.

Estas palavras foram pronunciadas pelo doutor Haenning, chefe do setor de quarentena e inspetor sanitário de todo o Império Solar.

Rhodan nem pensou em formular qualquer objeção, mas sentiu-se tomado pela curiosidade que fustiga qualquer pessoa enferma, e não inteirada a respeito de sua doença: quis saber alguma coisa a este respeito.

— Não posso dar nenhuma informação, sir — respondeu o doutor Haenning, em tom triste. — Ao que tudo indica, a doença não é perigosa, mas as normas de quarentena me obrigam...

Houve um chamado de emergência da grande estação de hiper-rádio.

— Peço-lhe que aguarde um instante, doutor Haenning — disse Rhodan, interrompendo o médico. — Fique na linha.

A imagem da segunda tela estabilizou-se. O rosto do médico-chefe da nave-hospital III fitou-o com uma expressão preocupada.

— Sir, acabo de ouvir a notícia de que a Drusus foi colocada sob quarentena. A Drusus foi contaminada por nós, por ocasião da entrega das culturas, ou então sua nave levou a doença à minha, à Nil e à nave cilíndrica UG DVI. De um instante para outro, os mesmos sintomas se manifestaram nos tripulantes das três naves.

— Que reação em cadeia será esta? — indagou Bell em tom exaltado, e fitou Deringhouse com uma expressão preocupada.

— É impossível que tenhamos sido os portadores da infecção — afirmou o general e fitou a mão com uma expressão contrariada. — Que diabo! — praguejou, embora raramente usasse este tipo de expressão. — As manchas estão cada vez maiores, e meu ombro esquerdo também já está cocando.

— Pois eu estou sentindo coceira na sola dos pés — resmungou Bell e perguntou ao jornalista. — Onde é que o senhor está sendo atacado, meu caro?

— A expressão não é bem esta, mister Bell. Sinto-me incomodado em toda parte. Nunca vi uma coisa destas.

Enquanto isso, o doutor Haenning colocou sob quarentena a Nil, a nave-hospital III e a UG DVI. E a determinação que acrescentou a esta ordem fez com que os homens do gabinete de Rhodan se sobressaltassem.

O médico não deixou que as três espaçonaves se dirigissem a qualquer planeta.

— Faço questão de que o senhor explique o motivo desta ordem, doutor — disse Perry Rhodan com a voz penetrante. — Quero que o senhor me relate a quantas andamos, sem preocupar-se com a minha doença.

O rosto do doutor Haenning assumiu uma expressão rígida.

— Sir, infelizmente nunca houve um caso como este no Império Solar. Três colegas, que estavam estudando a infecção, adoeceram, muito embora tenham observado as rigorosas medidas de segurança. E eu também já começo a sentir coceiras.

— Doutor — principiou Rhodan. — De repente me ocorreu uma hipótese sobre a causa desta terrível infecção. O senhor seria capaz de imaginar que até mesmo os robôs podem ser atacados pela doença?

Muito estranha foi a expressão com que o médico fitou o administrador.

— Os robôs? — repetiu. — O senhor acha que um robô, que afinal é feito de metal, pode contrair uma doença infecciosa? Não senhor; não sou capaz de imaginar uma coisa dessas. A Medicina não conhece nada disso. Por que teve essa idéia?

— Trata-se apenas de uma suspeita, doutor. Mais tarde conversaremos melhor a este respeito. Providencie já o início de uma quarentena para a Terra. Nenhuma nave deve decolar ou pousar. As naves, que tenham decolado depois do pouso da Drusus, deverão regressar imediatamente. Se alguma delas já tiver pousado em outro planeta, este fica submetido às mesmas normas aplicáveis à Terra.

— Sir, pelo amor de Deus, quais são seus receios? — perguntou o doutor Haenning.

— Eu lhe direi assim que tivermos os primeiros resultados dos exames — respondeu Perry Rhodan com uma calma, que produziu um efeito hipnótico.

Desligou o telecomunicador e o intercomunicador. Lançou um olhar curioso para a mão. Os pontos haviam crescido, transformando-se em pequenas manchas. A velocidade com que cresciam era assustadora. O comichão que acompanhou o fenômeno cessou no momento em que os pontos começaram a modificar seu formato.

— Trouxemos à Terra uma mensagem de morte dos acônidas. Sim, fomos nós mesmos. Um presente de grego. Não foi por brincadeira que construíram uma estação de transmissor no sétimo planeta.

— Mas o que foi que eles nos mandaram por meio dessa coisa maldita? — esbravejou Bell. — Não vimos nada, e os cinco robôs científicos que fizemos sair da nave não constataram coisa alguma.

— Isso não prova que realmente não saiu nada do transmissor. Bell, não se esqueça da segunda onda de choque. Você não acha que a esta hora já podemos compreender o que significa aquela superposição? Os acônidas acham que somos capazes de captar e interpretar ondas de choque, mas também nos julgam capazes de adotar uma conduta irresponsável. E agora...

Mais uma vez, o sistema de comunicação chamou. O Serviço de Saúde Solar pedira uma ligação com Rhodan.

Uma hora e meia depois do pouso da Drusus, já havia cinco grandes áreas de infecção na Terra.

Rhodan estremeceu em meio à palestra.

— Bell, esquecemo-nos das estações de transmissores da Lua. Providencie imediatamente...

— Sir — interrompeu-o o interlocutor do Serviço de Saúde — as providências chegariam tarde. Neste momento estamos recebendo uma informação vinda da Lua, segundo a qual por lá irrompeu uma misteriosa doença da pele, que provoca comichão.

Deringhouse soltou um gemido.

 

Com o tempo até as notícias mais calamitosas deixam de produzir qualquer efeito, se o conteúdo sempre for o mesmo.

Doze horas após o pouso da Drusus, sabia-se que vinte e um milhões de seres humanos, que se encontravam na Terra e na Lua, haviam contraído a misteriosa doença. Até mesmo de lugares bem afastados, que não tiveram o menor contato com qualquer portador da infecção, vieram notícias de que ali a doença se havia manifestado.

Com isso e com muitas outras coisas, o caso tornou-se cada vez mais misterioso. Os resultados dos exames realizados nos robôs da Drusus foram negativos, e o mesmo aconteceu com os exames de algumas centenas de doentes. As tentativas realizadas com os recursos mais modernos da Medicina davam em nada, enquanto os sintomas da doença se modificavam constantemente.

O doutor Koatu não sabia por que pegou seu projetor hipnótico e saiu à caça de alguns pássaros cantores. E não se espantou ao notar que até estes também foram atacados pela doença.

No interior de Terrânia, uma cidade totalmente contaminada, não havia qualquer restrição à liberdade de movimento. O doutor Koatu não teve a menor dificuldade de chegar à Drusus.

Interessou-se pelo envoltório externo da nave. A sala de comando foi informada sobre sua atividade e transmitiu a informação ao chefe.

— Ligue-me com o doutor Koatu! — pediu Rhodan.

— Sir, ele não quer ser incomodado — respondeu Poul Naya, com a voz tímida.

Apesar da situação crítica, Rhodan ainda conseguiu rir.

— Bem, meu caro, acho que fomos postos fora de ação. Quem manda no Império Solar são os médicos. Reze para que eles descubram logo a causa da infecção, Naya.

O doutor Koatu estava enfiado num traje espacial e planava a trezentos metros de altura, do lado de fora da Drusus. Dedicava sua atenção às estranhas manchas de sujeira, que haviam atacado a carcaça. Koatu ainda não conseguira raspar a menor partícula dessa sujeira.

Resolveu subir mais um pouco, mas naquele instante viu à sua esquerda uma mancha de aspecto diferente, que lembrava uma camada de gelatina.

Koatu, que já estava contaminado, venceu seu estado de letargia mórbida e, com o entusiasmo irresistível de pesquisador, precipitou-se sobre o local em que aparecera a estranha mancha. Colocou a raspadeira, mas logo estremeceu de susto.

Seu rosto denotava pavor. Seus olhos arregalaram-se até adquirirem um tamanho descomunal. Os lábios tremiam.

No momento em que pretendia tocar a mancha com a raspadeira, a “gelatina” começou a desprender-se da superfície esférica da Drusus e modificou seu aspecto coloidal.

A matéria adquiriu a transparência do vidro e parecia volatilizar-se, sem demonstrar a menor reação diante da forte turbulência que se verificava a mais de trezentos metros de altura.

Koatu não acreditou no que seus olhos viam. A modificação daquela mancha de um metro quadrado era um fenômeno pavoroso, que parecia contrariar todas as leis da natureza. Mas o pior era que a massa vítrea procurava fixar-se no traje espacial de Koatu. O cientista teve a impressão de ter sido localizado pela “gelatina”.

No momento em que voltou a olhar para a superfície de aço, soltou um grito.

Não havia mais nenhuma mancha de sujeira nesse ponto da Drusus. Em compensação esta aparecia em seu traje espacial, e voltara a assumir o aspecto de uma camada de gelatina e de espessura variável.

— Isto até parece plasma! — disse num gemido.

Sentiu o pavor sacudir seu corpo debilitado pela doença. Uma terrível suspeita surgiu em sua mente...

Plasma! Aquilo era gosmento, disforme e de configuração variável; uma mistura coloidal viscosa de complicados compostos de proteína e substâncias inorgânicas.

Koatu recapitulou os conhecimentos que há mais de dez anos se haviam fixado em sua mente. Mas o plasma que aparecia na superfície de seu traje espacial era diferente de todos os plasmóides que conhecera até então.

Um chamado, captado pelo receptor de capacete, arrancou-o do estado de pavor.

— Alô, doutor! Encontrou alguma coisa? Sua respiração é estranha! — disse Gentkirk, um colega, que se encontrava na clínica.

— Venha buscar-me. O bicho está em cima de meu traje espacial. Venha num traje espacial fechado e traga um pedaço de pão.

— Pão? — perguntou o outro interlocutor, em tom de espanto. — E que bicho é esse? O senhor se sente muito fraco, Koatu?

— Venha buscar-me logo, Gentkirk — disse Koatu, em tom insistente. — O monstro está em todos os lugares... Não se esqueça do pão!

— Ficou louco!

Koatu ouviu seu colega dizer estas palavras a outra pessoa que se encontrava na clínica. Depois a ligação foi interrompida.

Dali a alguns minutos, o planador mais veloz do instituto de pesquisas correu em direção à Drusus, a fim de buscar o Dr. Koatu. Os dois ocupantes, que envergavam trajes espaciais, levavam um pedaço de pão.

Koatu viu o planador aproximar-se. Ainda pairava a trezentos metros de altura, junto ao corpo esférico da Drusus. Ligou apressadamente o rádio de capacete.

— Não aterrissem. Venham até aqui. Embarcarei diretamente, senão o monstro acabará fugindo. Aí embaixo há muita gente.

— Iremos! — respondeu Gentkirk e lançou um olhar significativo para seu colega.

Gentkirk acreditava que Koatu tivesse enlouquecido. Provavelmente nele a doença chegara a um estágio mais avançado que nos outros.

Koatu entrou no planador.

— Onde está o pão? — mais uma vez comunicou-se pelo rádio de capacete.

Gentkirk apontou para a direita.

— Estão vendo a mancha em meu traje? Observem-na atentamente. Daqui a pouco o bicho... olhem, já começa a modificar-se. Localizou o pão. Estão vendo o fluxo transparente que se dirige ao pão?

Koatu falava com a voz rouca e entrecortada pela emoção. O médico mantinha-se imóvel e viu que, dez segundos depois, a mancha gelatinosa desapareceu do traje espacial.

Gentkirk já não acreditava que Koatu estivesse louco. Ambos não riram da afirmativa de que o plasma acabaria por localizar o pão.

— E agora? — perguntou Gentkirk, perplexo.

— Vamos lá! — disse Koatu. Pegou a raspadeira e empurrou o pão para dentro de um pequeno recipiente, que se fechou e lacrou automaticamente. — Agora este bicho não poderá mais fugir, quando passarmos perto de alguma pessoa.

Não sabia que no Sistema Azul o bicho tinha nome: costumava ser chamado de Mal-Se.

 

Mal-Se era um monstro feito de proteína, que se caracterizava por uma voracidade insaciável. Realmente era capaz de localizar substâncias protéicas estranhas ao seu corpo. E toda localização positiva provocava naquela figura de plasma, feita de bilhões de partes, uma reação instintiva; fazia com que abandonasse sua configuração gelatinosa disforme e se tornasse transparente, quase chegando a ser invisível. Uma vez atingido esse estado, utilizava seu impulso localizador para, com base nele, mover-se rapidamente e atacar as substâncias orgânicas ou compostos protéicos.

— Sir — disse o doutor Koatu, prosseguindo no relatório fornecido a Rhodan. — Este ser é resistente ao vácuo, ao frio, aos gases e aos ácidos. Só é destruído por temperaturas superiores a treze mil graus centígrados. Seguindo seu hipotético raio localizador, cuja presença neste breve espaço de tempo ainda não conseguimos constatar de forma inequívoca, desloca-se à velocidade de setecentos quilômetros por hora. E o plasma localiza compostos protéicos a uma distância de vinte quilômetros.

“Sir, não existe a menor dúvida de que esse plasma é o agente causador da doença que grassa na Terra e na Lua. Não temos a menor chance de deter a propagação da moléstia, pois o plasma se multiplica à razão de alguns bilhões de vezes por segundo. Pelos nossos cálculos, dentro de dezesseis meses, no máximo, a Terra estará coberta por uma camada de plasma de um metro de espessura e não haverá mais um homem vivo.”

Tal qual acontecia com todas as pessoas atacadas pela doença, Perry Rhodan fitou o rosto de Koatu, desfigurado por hematomas, e sabia que seu aspecto não era melhor.

As mãos, os braços, o corpo, todos os membros estavam cobertos por hematomas traiçoeiros. Eram pontos de fixação do plasma, que a cada segundo penetrava mais profundamente na pele, multiplicando-se sempre.

Ainda não fazia vinte e quatro horas que a doença grassava na Terra, mas já havia atacado a quinta parte dos terranos.

Os acônidas deram um verdadeiro presente de grego aos terranos!

— Querem exterminar-nos como se fôssemos animais daninhos — disse Bell, assim que o doutor Koatu concluiu seu relato. — E conseguirão, a não ser que aconteça um milagre, Perry.

— O milagre só poderá vir de Árcon, gordo. Agora, que já dispomos de alguns dados, posso entrar em contato com Atlan. Ele terá de consultar o grande centro de computação. Se este não conseguir nos ajudar, dentro de três meses, no máximo, tudo estará no fim, pois o tempo de vida dos que contraem a doença não é maior que este. Vou chamar Atlan.

A grande estação de hiper-rádio de Terrânia estabeleceu contato com o mundo de cristal, recorrendo a uma faixa de ondas, reservada exclusivamente às comunicações instantâneas entre Rhodan e Atlan.

— Alô, bárbaro! — disse Atlan a título de cumprimento, e só depois disso viu o rosto do amigo, desfigurado pelos hematomas. — Perry, o que houve com você? Por que está com esse aspecto?

— É justamente por isso que estou chamando, arcônida — respondeu Rhodan. — Todos os terranos estão precisando de seu auxílio. Fomos atacados por um insaciável ser de plasma. Meu rosto constitui um exemplo do aspecto que os doentes apresentam vinte e quatro horas depois de terem contraído a moléstia.

— Quantas pessoas já adoeceram? — perguntou Atlan.

— A quinta parte da população da Terra, amigo. As condições reinantes na Lua são semelhantes. A única proteção contra a doença é um traje espacial fechado.

Na tela viu-se que os olhos avermelhados do arcônida começaram a chamejar cada vez mais fortemente de emoção.

— O que sabem a respeito da doença? Sabem de onde veio?

— É um plasma, que se precipita com uma ferocidade tremenda sobre qualquer composto protéico ou substância orgânica. Ê capaz de localizar qualquer alvo que contenha proteína e atinge a velocidade de setecentos quilômetros por hora. A Drusus deve ter trazido a terrível doença do sistema Orion. Em virtude de um feliz acaso e graças ao trabalho de um médico, há uma hora sabemos do que se trata. Mas é tudo que sabemos. Compreende a razão do meu pedido, arcônida?

Perry Rhodan ainda não revelou ao imperador de Árcon quem fizera o presente mortífero à Terra, e como o ser de plasma havia entrado na Drusus.

— Perry, você está irreconhecível, e esses sintomas surgem vinte e quatro horas após a contaminação?

— Isso mesmo. A doença começa com pontinhos vermelhos na pele, do tamanho de uma cabeça de alfinete. Nas primeiras duas horas, estes produzem uma comichão e espalham-se lentamente. Mas acho que é preferível dispensar estas explicações de leigo e transmitir-lhe o resultado das investigações por meio de uma mensagem condensada.

— Envie o material imediatamente ao centro de computação de Árcon III, Perry. Mandarei que o mesmo verifique se por aqui se tem conhecimento de um caso semelhante. O que é que você acaba de dizer? Não falou num presente mortífero?

Perry Rhodan ocultou seu espanto. Sabia perfeitamente que só pensara nisso, mas não pronunciara essas palavras. Entretanto antes que a pergunta provocasse qualquer desconfiança em sua mente, lembrou-se do rosto desfigurado que mostrava ao amigo, e que devia ser a causa da observação que Atlan acabara de fazer.

— Atlan, a pessoa atacada por este plasma não tem mais que três meses de vida.

O arcônida, que, no curso dos últimos dez mil anos, vivera todos os grandes lances da História da Terra e tivera de acompanhar o destino de inúmeras pessoas, deu mostras de um profundo abalo psíquico.

— Três meses, Perry? Confie em mim, amigo. O que eu puder fazer será feito. Pelos deuses de Árcon, de onde veio essa doença infernal?

— Do sétimo planeta de Beta, que é um mundo de metano, Atlan.

Rhodan exprimia-se cautelosamente. Evitou toda e qualquer mentira; preferiu que o amigo se contentasse com os dados escassos que acabavam de ser fornecidos.

— O que estão fazendo seus mutantes, Perry?

Rhodan fez um sinal de desânimo.

— Estão tão mal quanto eu, arcônida.

 

A Terra foi sacudida por quatro ondas de pânico, que lembravam a época sombria da Idade Média em que a peste inundou a Europa.

Tortos os meios de comunicação da massa pediam aos terranos que se conservassem calmos e cuidassem do seu trabalho.

Logo se constatou que uma explicação franca contribuiria muito mais para acalmar os homens que uma série de promessas vagas.

Ao que parecia, durante as primeiras vinte horas, o hemisfério sul não foi atacado pelo plasma. Mas mesmo de lá, acabaram chegando notícias de que a infecção se espalhava com uma rapidez vertiginosa.

Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança Solar, também não foi poupado pela doença, mas da mesma forma que Rhodan continuou a exercer suas funções.

O ser de plasma atacara a cultura de germes da doença de endurecimento intestinal, que para ele representava uma verdadeira guloseima, e a divisão dos respectivos biogenes proporcionou-lhe outra oportunidade de multiplicação.

O monstro de plasma era um meio que, segundo o provérbio, servia para expulsar o demônio com Belzebu.

Mercant pediu uma ligação com a estação de hiper-rádio. Falou com o médico-chefe da nave-hospital III. Essa nave, a Nil e a UG DVI permaneciam no mesmo lugar do espaço.

A tela mostrou a cabeça do professor Degen. Seu aspecto não era melhor que o de Mercant; também tinha o rosto desfigurado pela infecção de plasma.

— Quero fazer-lhe uma pergunta, professor — principiou Mercant. — Como vai a doença de endurecimento intestinal a bordo da nave dos saltadores?

— Por que faz essa pergunta, Marshall? — perguntou o professor Degen, que devia ter encostado o rosto junto à objetiva, pois este parecia querer sair da tela que Mercant contemplava.

— Tenho à minha frente o relatório fornecido pela Divisão de Doenças Infecciosas de Terrânia, professor. Refere-se em tom de amargura ao desaparecimento das culturas do germe. O plasma devorou-o, a fim de multiplicar-se ou subdividir-se. O senhor sabe que não sou muito firme na Medicina. Já compreende o motivo de minha pergunta?

— Compreendo.

Seguiu-se uma pausa. O professor balançou a cabeça, num gesto de resignação. Contemplou as mãos desfiguradas e prosseguiu:

— A doença de endurecimento intestinal desapareceu subitamente a bordo da UG DVI. Já começo a compreender aquilo que, para mim e meus colegas, representava um mistério indecifrável.

“A infecção de plasma modificou o germe causador da doença, conferindo-lhe sua estrutura protéica. Talvez seja por causa da infecção de plasma que no momento não consigo resolver a situação. Um acaso traiçoeiro fez com que descobríssemos um meio de curar a doença de endurecimento intestinal, mas em compensação a pessoa que contraiu a doença será transformada, dentro de três meses no máximo, num corpo protéico disforme.”

O Marechal Mercant sobressaltou-se. Seu rosto estava desfigurado.

— O que será feito da pessoa que contrai a infecção do plasma, professor? Será que entendi bem o que o senhor acaba de dizer? Uma massa disforme de proteína?

— Não é só isso, marechal. Seremos todos transformados em monstros de plasma. Seremos iguais ao plasma que hoje nos ataca.

— E quando tivermos sido transformados, devoraremos os homens que ainda não tenham sido atacados, professor?

— Será mais ou menos isso.

Allan D. Mercant, um homem que graças às duchas celulares do planeta Peregrino não envelhecera mais, soltou um muxoxo e desligou. Preferiu não contemplar as mãos desfiguradas pelos hematomas. Empurrou para o lado o relatório da Divisão de Doenças Infecciosas de Terrânia e bocejou.

Os médicos haviam previsto o cansaço exagerado. Este marcaria o segundo estágio da doença, que dentro de quinze ou vinte dias iria terminar com uma paralisia ligeira, para dar início ao terceiro e penúltimo estágio.

Não se sabia o que aconteceria ao doente nesse terceiro estágio.

— Que belo presente nos deram os acônidas! Que povo maldito! — disse Mercant para si mesmo.

Mas o velho perito em matéria de segurança ainda dispunha de reservas de energia para espantar os pensamentos sombrios e voltar a dedicar-se ao trabalho.

Dali a pouco chamou e colocou seus especialistas em estado de alarma. Dos oito homens altamente qualificados apenas um ainda não contraíra a doença do plasma.

— Boyd, cuide do assunto. E se não conseguirem qualquer resultado positivo, o plasma terá ganho a corrida contra os senhores. Acabo de saber que este monstro de proteína tem uma predileção toda especial pelas culturas da doença de endurecimento intestinal, por meio das quais consegue multiplicar-se. Apesar disso gostaria que os senhores conseguissem pôr as mãos nesse bando desumano que quis fazer seus negócios com a doença de endurecimento intestinal. Leve estes dados. Estes não deixam a menor dúvida de que os germes foram cultivados na Terra, e de que a ampola quebrada foi produzida na Terra. Trata-se de um caso raro. Façam tudo que estiver ao seu alcance, para que possamos pôr fora de ação esses maus terranos.

Dispensou-os e, assim que se retiraram, voltou a bocejar. Após isso informou Rhodan sobre a palestra que acabara de manter com o professor Degen.

 

As linhas confusas, que surgiram na tela do receptor de hipercomunicação de Perry Rhodan, anunciavam uma comunicação do gigantesco centro de computação de Árcon III. Antes que a voz metálica se fizesse ouvir, Rhodan transmitiu a ligação para o centro de pesquisas da clínica de Terrânia. Queria que os pesquisadores fossem informados imediatamente sobre os dados que seriam fornecidos pelo grande centro de computação.

— Santo Deus, tomara que o computador não nos decepcione... — disse Reginald Bell, antes que a voz do gigantesco cérebro se fizesse ouvir.

— Resposta à consulta 973/3. De Sua Majestade, o Imperador Gonozal VIII, a Perry Rhodan, Administrador do Império Solar:

“Durante o segundo ano de governo de Sua Majestade Fufulgon IX, os habitantes de três planetas colonizados por Ácon foram dizimados por uma infecção de plasma. Para evitar a propagação da moléstia, o imperador mandou que esses planetas fossem destruídos. Os mesmos não existem mais.

“A destruição dos três planetas aconteceu porque não havia remédio contra a infecção de plasma. As pesquisas realizadas na época limitaram-se à análise do plasma. Não se descobriu se a infecção foi produzida propositalmente ou se surgiu casualmente.

“Resultados da análise:...

Ansiosos, Perry Rhodan, Reginald Bell e John Marshall ouviram as informações do gigantesco centro de computação de Árcon III. Embora não entendessem nenhum dos termos técnicos usados pelo computador, a quantidade de dados fez com que tivessem esperança de que estes servissem de base aos cientistas de Terrânia, para realizarem um trabalho rápido e eficiente.

— Já faz oito minutos... — cochichou Rhodan para Bell, cujo rosto estava mais desfigurado pela infecção de plasma.

Depois de oito minutos e onze segundos, a transmissão dos resultados da análise, realizada pelo centro de computação de Árcon III, chegou ao fim. O conjunto confuso de linhas marcou o encerramento. A ligação foi interrompida.

Mas a ligação com o centro de pesquisa continuava de pé.

Porém esse centro não formulou qualquer comentário sobre o volume enorme de dados vindos de Árcon III; e Rhodan não formulou nenhuma pergunta pelo intercomunicador.

Não permitia que alguém o interrompesse em meio às suas reflexões, e agora achava que os homens, em cujas mãos repousava o destino de todos os terranos, tinham o mesmo direito.

Com um olhar, obrigou Bell a não pronunciar a observação que o amigo exaltado esteve a ponto de formular. Controlado como sempre, Marshall olhou fascinado para a tela que reproduzia a imagem da junta médica. O alto-falante transmitiu vozes confusas e ininteligíveis.

Viram o doutor Koatu levantar-se. Esse médico, que nunca se destacara entre seus colegas, parecia ter sua grande hora.

— Sir — disse em tom exaltado — devo ressalvar a possibilidade de um engano, mas creio poder adiantar que a análise de Árcon representa um excelente ponto de partida. Segundo essa análise, trata-se de proteína desnaturada, ou seja, um tipo de proteína formado da substância natural, sob a ação do calor, dos ácidos, dos álcalis e dos fermentos. Mas há uma novidade, que ainda não conseguimos compreender: trata-se de uma proteína oticamente neutra, que não é dextrogira nem levogira. É só o que posso dizer no momento, sir.

 

Milhões de seres humanos da Terra bocejavam, bocejavam e bocejavam.

Todos os indivíduos atacados por essa estranha doença do sono estavam desfigurados. Não havia nenhum remédio que removesse os hematomas esponjosos que cobriam a pele. As partes do corpo atingidas pela doença não se tornavam supersensíveis, mas a tensão que surgia nas zonas não atingidas causava uma sensação de dor ininterrupta.

Três dias haviam passado desde os momentos iniciais da doença. E há três dias todas as emissoras de televisão procuravam convencer os homens da Terra e da Lua a não perderem a calma. Não procuravam enchê-los de promessas vazias. Com toda franqueza disseram que Rhodan e seus colaboradores mais chegados foram atacados da infecção da mesma forma que milhões de outros indivíduos.

No momento em que a noticia foi transmitida, o jornalista Walt Ballin encontrava-se no gabinete de Rhodan.

— Ballin — disse Rhodan. — Está na hora de o senhor falar aos terranos. E deve falar da forma que exigiu em seu artigo. Peça que lhe concedam um horário de televisão que lhe seja conveniente. Não se esqueça de pedir dez minutos para mim. Quero falar ao mundo, depois que o senhor tiver falado.

Assim que o jornalista se retirou, Bell disse em tom contrariado:

— Por que não exigiu que ele lhe apresentasse antecipadamente a exposição que pretende fazer? O que acontecerá se provocar nova onda de pânico? Ouviu os últimos relatórios da polícia de Terrânia, meu caro? Em nossa bela capital a ralé está saindo da toca, e o perigo ronda todos os lugares. Isso até parece uma revolução; parece até o fim do mundo. E nestas condições você ainda se arrisca a permitir que Ballin diga o que quiser...

— Sim, Bell. Eu...

Não conseguiu falar mais nada. O tele-comunicador fez soar o alarma. Muito nervoso, o chefe de transmissões da emissora de televisão de Terrânia anunciou.

— Sir, um certo Walt Ballin acaba de interromper a transmissão em seu nome e está falando por intermédio de mais vinte e oito estações que entraram em cadeia e cobrem todo o hemisfério norte...

— Passe a transmissão para cá! Já! — interrompeu-o Rhodan.

Um brilho estranho surgiu em seus olhos cinzentos.

— Santo Deus! — disse Bell, num gemido. — Este jornalista está falando de improviso. Vai ser uma coisa!

Foi uma coisa formidável.

O discurso que Walt Ballin dirigiu aos terranos foi formidável devido à simplicidade e à convicção sincera. Ninguém poderia deixar de acreditar no que dizia. Naquele momento, sua voz saía do alto-falante:

— Sou jovem. Tenho apenas vinte e sete anos. Ainda tenho muito para viver. A tela lhes mostra como estou neste momento...

“Se não houver salvação, terei três meses de vida, no máximo. Mas espero que nestes três meses venha a salvação e nem penso em pegar uma corda para enforcar-me.

“Qualquer pessoa que se deixa dominar pelo desespero e põe fim à própria vida jamais teve fibra para ser um cidadão do Universo. E eu quero sê-lo; mesmo agora. Acredito que serei. E, neste momento, sei por que acredito nisso.

“Acredito porque sou um terrano, e o futuro abre-se diante de nós, mesmo que no momento pretendam barrar nossos passos para o futuro por meio de uma infecção de plasma...”

Reginald Bell sentiu o olhar indagador de Rhodan pousado sobre si. Walt Ballin continuava a dirigir-se aos homens do hemisfério norte.

— Meus respeitos, Perry! O que será que este Ballin tem que consegue falar de forma tão simples e tão convincente? Até mesmo eu sinto-me atingido por suas palavras. Até tenho a impressão de que se dirige especificamente a mim.

— Isso acontece porque acredita no que está dizendo. Preciso ir ao estúdio...

A vontade de bocejar obrigou-o a interromper-se. No mesmo instante viu-se que Walt Ballin também bocejava. Esse fato fez com que tecesse novas considerações.

— A infecção de plasma deixa-nos cansados, mas ainda não se pode dizer se os nossos médicos conseguirão um antídoto. Não quero infundir esperanças vazias nos senhores, mas tenho todos os motivos para acreditar que os médicos também saberão dominar esta repugnante moléstia.

Dali a alguns minutos, Rhodan falou pela televisão.

A transmissão ao vivo também foi captada no centro de pesquisa. Por três vezes todas as palestras cessaram e os médicos, que na sua grande maioria também tinham adoecido, balançavam a cabeça.

Todos viam a morte pela frente. Mas todos queriam viver um pouco mais, inclusive o doutor Koatu, que só tinha vinte e três anos e estava casado há um ano.

 

Jeff Garibaldi, um homem baixo, gordo e calvo, esvaziou o cachimbo, enquanto olhava pela janela e contemplava o Arco do Triunfo.

Desde que a infecção do plasma se manifestara na Terra, há dez dias, ele e seus homens do setor francês quase não tinham trabalho.

Ainda não estava doente. Mas, face ao monstro de plasma, isso significava muito pouco. Poderia ser localizado a qualquer momento. Algum alimento que ingerisse poderia estar contaminado pelo plasma...

O monstro transformara-se numa presença universal, e a mensagem codificada que Garibaldi recebera de Terrânia na manhã daquele dia era desencorajadora. Por lá ainda se tateava no escuro. O plasma resistia a todos os meios empregados contra ele e, a cada dia, parecia multiplicar-se com uma rapidez ainda maior, pois precipitava-se sobre toda e qualquer substância orgânica.

Frigoríficos nos quais estavam armazenados milhões de toneladas de alimentos, enormes áreas de terra cobertas de plantações prontas para a colheita, gigantescos rebanhos de gado — tudo isso fora destruído ou estava na iminência de sê-lo.

A ameaça de fome andava de mãos dadas com a infecção. Tratava-se de um perigo do qual os homens ainda não se davam conta, mas que causava preocupações cada vez mais intensas em Terrânia.

— Hum... — Jeff Garibaldi, bisneto de um conhecido batalhador da liberdade, endireitou-se repentinamente na poltrona. — Hum... — repetiu.

No dia anterior estivera em Soisy sur Seine, uma cidadezinha situada a cinqüenta quilômetros de Paris, a fim de encontrar-se com o homem V, mas este não viera. Garibaldi esperara até o anoitecer no pequeno café da Rue de Ia Republique, gozando as delícias de um belo dia de verão.

— Hum... — disse pela terceira vez. — Será que em Soisy sur Seine eu vi alguma pessoa que sofria da doença do plasma ou não?

Garibaldi procurou lembrar-se, mas não conseguiu. Quanto mais se esforçava, mais nervoso ficava, sem compreender por quê.

— Será que a coisa já está começando comigo? — perguntou de si para si e examinou as mãos.

Mas as mesmas não apresentavam os pontinhos vermelhos.

— Que diabo! O que será que eu deixei de notar nesse lugarejo?

Podia dar-se ao luxo de refletir em voz alta, pois não havia mais ninguém da Segurança Solar no escritório de Paris, isto é, na seção da área de língua francesa.

Jeff Garibaldi encheu o cachimbo e acendeu-o. Depois da terceira tragada fez uma careta.

— Que gosto horrível tem este tabaco! É uma erva miserável. Preciso respirar um pouco de ar puro.

Sabia que estaria violando normas se abandonasse o escritório.

Lá fora o Sol brilhava no céu límpido. Era mais um dos célebres dias de verão de Paris.

— É o último verão... para todos — disse Garibaldi ao entrar no carro. — Depois não haverá mais nada; apenas o monstro de plasma.

Geralmente levava pelo menos uma hora para sair de Paris, mas hoje conseguiu atingir a periferia da cidade em doze minutos. Havia uma placa que dizia: Soisy sur Seine, 42 quilômetros.

Jeff Garibaldi precisava saber o que deixara de notar naquela cidadezinha, durante a visita que lhe fizera na véspera.

Há dez dias a via expressa ainda estava coberta por uma fileira de carros. Mas hoje, ao chegar a Soisy sur Seine, Jeff Garibaldi ultrapassou quatro veículos e apenas cruzou com um único.

A Terra aguardava a morte!

Garibaldi lembrou-se disso e usou uma terrível praga francesa para livrar-se do pavor que ameaçava dominá-lo.

Estacionou à direita do Café Nicole e desceu do carro.

Havia duas mesas ocupadas e onze vazias.

— Un café au lait — disse, fazendo seu pedido à moça magra de cabelos castanho-escuros, que fitou seu rosto com uma expressão assustada e suspirou aliviada ao ver que nele não havia o hematoma esponjoso.

Naquele momento, um véu parecia cair dos olhos de Garibaldi.

Lembrou-se do fato que sua memória guardara por ocasião da visita àquela cidadezinha.

Não vira uma única pessoa que sofresse da doença do plasma... Nem uma única pessoa! E Soisy sur Seine tinha 45 mil habitantes!

O café com leite foi servido.

A moça fitou Garibaldi, perplexa. O segurança pagou o café, mas não tocou no mesmo. Atravessou a rua, em direção ao antiquado edifício da Prefeitura.

Já que era um elemento da Segurança Solar, obteve com a maior facilidade as informações que desejava.

— Não, mister Garibaldi, por enquanto não há em Soisy sur Seine uma única pessoa que tenha contraído a doença do plasma.

— Tem certeza?

Garibaldi era incapaz de acreditar no que acabara de ouvir. Em todo o hemisfério norte não havia uma única localidade, mesmo que possuísse apenas duas casas, que tivesse ficado livre do monstro de plasma, enquanto aqui, numa cidade de 45 mil habitantes, a doença ainda não havia grassado.

— Obrigado! — disse Jeff Garibaldi, perplexo, e foi-se.

Os dois funcionários, que lhe haviam fornecido a informação, seguiram-no com os olhos e balançaram a cabeça.

 

Eram três horas e vinte minutos, tempo padrão. O dia começava a raiar em Terrânia. Naquele momento, Perry Rhodan foi acordado por um sinal de alarma.

Despertou num instante.

— Aqui, Rhodan. O que houve? — perguntou, falando para dentro do microfone do telecomunicador que ficava ao lado de sua cama.

Os contornos ainda não se haviam fixado na tela, quando ouviu a voz de Allan D. Mercant.

— Sir, acabo de receber um chamado da França. É do mesmo homem que pediu a Walt Ballin que o procurasse em Terrânia. Seu nome é Jeff Garibaldi. Esse Garibaldi constatou um fato totalmente incompreensível: em seu setor...

— O que houve com o senhor, Mercant? Nunca o vi desse jeito. Procure ser breve! — disse Rhodan, interrompendo o chefe do Serviço de Segurança.

— Perdão, sir, mas esta notícia... A cinqüenta quilômetros de Paris existe uma cidade chamada Soisy sur Seine, com quarenta e cinco mil habitantes, na qual não houve um único caso de infecção de plasma.

— Nem um...?

Rhodan não completou a frase, e Mercant também não disse nada.

— Esse Garibaldi é um elemento de confiança, Mercant?

— É de confiança, exceto quanto ao regulamento, que ele não leva muito a sério. Hoje mesmo...

— Sim, está bem! Quer dizer que a cidade tem quarenta e cinco mil habitantes, e não há um único caso de plasma. O senhor ainda está na cama?

— Estou.

— Saia imediatamente, Mercant! Encontramo-nos daqui a meia hora no espaçoporto, na área sessenta e sete; é onde está estacionada a Burma, com a qual decolaremos.

— Sir, não podemos...

— Podemos, sim senhor...

Rhodan não disse o que podiam fazer. Acordou Reginald Bell, John Marshall, Gucky, Ras Tschubai e Walt Ballin.

— Decolaremos em pouco menos de meia hora com a Burma, que se encontra na área sessenta e sete da espaçoporto.

Não os informou sobre o lugar para onde decolariam.

No momento em que dois planadores com sete pessoas atacadas pelo plasma se aproximavam da Burma, os propulsores da nave da classe Estado já estavam esquentando.

O interior da comporta polar estava iluminado, mas só a escotilha externa achava-se aberta. Na escotilha viam-se sete trajes espaciais.

— Coloquem isto! — ordenou Rhodan. — Fechem os capacetes. Controlem as provisões de ar.

Enquanto envergavam os pesados trajes, a escotilha externa fechou-se. Dali a trinta segundos, os propulsores rugiram e a Burma levantou-se do solo. As máquinas superpotentes da nave permitiam-lhe atingir a velocidade da luz dentro de poucos minutos.

Rhodan era o único que conhecia o destino do vôo. Mercant desconfiava de alguma coisa, mas não tinha certeza. Como sempre, Bell foi o primeiro a perder a paciência.

— Você não vai nos dar algumas informações, Perry? — resmungou, terminando a pergunta num bocejo.

— Voamos ao encontro da Condor, para a qual nos transferiremos. Ali também permaneceremos na comporta polar e pousaremos em Soisy sur Seine.

— O que vem a ser isso, Perry? Um médico?

Bell não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, e, com exceção de Mercant e Walt Ballin, a mesma coisa acontecia com os outros.

Gucky penetrou nos pensamentos de Mercant e descobriu que se tratava de uma cidade que ficava nas proximidades de Paris.

Piou para dentro do rádio de capacete:

— Acho que em Geografia você sempre tirou nota de deficiente na escola, não é, gorducho? Soisy sur Seine é uma pequena cidade que fica nas proximidades de Paris. Não é o nome de qualquer médico. É bem verdade que eu também preferiria voar para junto de algum médico que me restituísse o aspecto normal. O atual é horrível, e o seu não é muito melhor, gordo.

— O que é que vamos fazer em Soisy sur Seine, Perry? — perguntou Reginald Bell, que aceitou sem comentários a observação sobre sua ignorância geográfica. — Por que não vamos para dentro da nave? Por que temos de enfrentar o desconforto da comporta polar?

— Acho que o motivo é evidente, Bell — respondeu Perry Rhodan, em tom um tanto áspero. — O monstro de plasma ainda não atacou nenhum dos tripulantes da Burma, isso porque não teve oportunidade de penetrar na mesma. Não podemos cometer a irresponsabilidade de levar o monstro aos homens que se encontram a bordo. Na Condor também não surgiu um único caso da doença. Seria inútil passarmos para a Condor se o comandante, Tenente Brisby, tivesse experiência de combate.

— O quê? — berrou Bell para dentro do rádio de capacete. — O que está acontecendo mesmo?

Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:

— Trata-se apenas de uma vaga suspeita, Bell. De uma esperança brilhante como uma bolha de sabão e frágil como a mesma. A tal de Soisy sur Seine, uma cidade de quarenta e cinco mil habitantes, não tem um único doente da infecção de plasma. Você compreende uma coisa dessas? Pois eu não compreendo.

— Sim, e daí?

— É justamente para podermos responder a essa pergunta que estamos a caminho para lá?

— E temos de ir com duas espaçonaves da classe Estado?

— É possível que seu poder de fogo não seja suficiente. Talvez teria sido preferível se tivéssemos recorrido aos couraçados.

— Santo Deus, o que está acontecendo? — perguntou Gucky, que também se sentia espantado.

A tentativa de ler os pensamentos de Rhodan fracassou em virtude do bloqueio erigido pelo mesmo.

— Trata-se de uma suspeita; de uma esperança. Por isso não pousaremos junto à cidadezinha, mas saltaremos sobre a mesma.

Dali a pouco transferiram-se para a Condor, que saíra de sua órbita para ir ao encontro da Burma. Mais uma vez, o grupo de sete indivíduos permaneceu entre as escotilhas da comporta polar e comunicavam-se exclusivamente pelo rádio de capacete.

Só agora Rhodan esclareceu-os sobre a natureza de suas suspeitas. Concluiu com esta observação:

— Quem me deu essa idéia foi o professor Degen, médico-chefe da nave-hospital III.

— Pois ele sabia que nessa cidadezinha francesa só há pessoas sadias, Perry?

Bell, que costumava ser otimista, mostrava-se sob outro aspecto.

— Não. Nós mesmos só sabemos disso há pouco tempo — respondeu Rhodan e voltou a bocejar.

Era impossível vencer a tendência de bocejar. Esta superava tudo, e qualquer ato para reprimi-la apenas representava um desperdício de energia.

— Por que não consultou os médicos antes de decolar, Perry? Seu plano está sobre um alicerce inseguro. Afinal, você não entende muito de Medicina.

— Não quero contestar isso, meu caro. Acontece que nem sempre o saber é o fator decisivo. O que importa é fazer o que está certo, e tenho a impressão de que em Soisy sur Seine descobriremos alguma coisa que se reveste da maior importância para toda a Humanidade. Por que não há casos de doença de plasma nessa cidade? Por que será? Deve haver um motivo para isso.

— Onde é que vamos procurar uma coisa que nem sabemos o que é? — perguntou Bell, que ainda não concordava com o plano de Rhodan.

— Esta parte ficará a cargo de John Marshall e de Gucky! — respondeu Rhodan em tom tão penetrante que Bell compreendeu ser suas perguntas supérfluas.

Quando saltaram a dez mil metros de altura e caíram para dentro da noite que cobria Soisy sur Seine, formaram uma fileira. Dentro de seu traje espacial, cada pessoa formava uma pequenina espaçonave, dotada de campo protetor-propulsor e capacidade de aceleração. Os minúsculos geradores forneceram o máximo de energia para os campos de repulsão. Os campos antigravitacionais estavam funcionando com metade de sua potência.

Quando o altímetro baixou para a marca dos trezentos metros, os geradores antigravitacionais foram regulados para a potência máxima. Os membros do grupo pousaram suavemente, como se fossem penas.

— Ligar o defletor! — ordenou Rhodan pelo rádio.

Era mais uma cautela em meio à escuridão da noite: os sete indivíduos se tornariam invisíveis por meio dos defletores.

Conformaram-se com a desvantagem que isso representava; não podiam ver seus companheiros, nem mesmo se ligassem os holofotes.

A cidade de Soisy sur Seine ficava a três quilômetros.

O telepata John Marshall e Gucky começaram a trabalhar. Tentaram detectar fluxos mentais estranhos, que lhes pudessem servir de indicação.

— Nada! — disse Marshall depois de quinze minutos.

Gucky, que geralmente gostava de salientar-se, manteve-se calado.

Um veículo passou pela via expressa; estava com os faróis altos. O feixe de luz penetrou profundamente na noite. O carro ia em alta velocidade. O motorista devia conhecer a estrada. Passou a um quilômetro dos homens, que estavam em campo aberto e esperavam para ver se Gucky descobria alguma coisa.

— Chefe, nesse carro vai um ara! — disse Gucky, tremendamente excitado. — Vou dar o fora! Marshall, mantenha contato comigo!

Mal acabou de pronunciar a última palavra, teleportou-se. Dali a pouco, John Marshall disse:

— Gucky está louco. Está sentado em cima da coberta do carro. Vai em direção ao centro da cidade... Está passando pela praça... Dá a volta... a terceira rua da direita. Gucky diz que é uma rua que sai da cidade... O carro está acelerando... Ora, como o pequeno está praguejando! Mal consegue segurar-se... Pensa em teleportar-se... Não, resolveu ficar. O veículo parou; está entrando numa estrada particular. Controles robotizados... Um momento, já não entendo o pequeno. Está pensando cada tolice! O que um confeito poderia ter que ver com seus pensamentos? É um pequeno castelo que parece estar confeitado... São quatro aras! Três deles estão esperando o carro. Um está saindo da casa. São aras com máscara de terranos...

John Marshall reproduzira trechos dos pensamentos de Gucky.

— Ras Tschubai — disse Rhodan, dirigindo-se ao teleportador africano. — Dê cobertura a Gucky. E cuide para que o pequeno não se arrisque demais. Em hipótese alguma os aras devem desconfiar de que estamos em sua pista.

— OK, Sir!

Ras Tschubai também desapareceu. Marshall também manteve contato mental com ele, embora não pudesse estabelecer uma comunicação telepática tão eficiente como a que mantinha com Gucky.

— Vamos decolar, minha gente. Marshall, vá à frente! — ordenou Rhodan.

Ergueram-se do solo, formaram uma fileira e, voando a cem metros de altura, dirigiram-se à cidadezinha.

As luzes das ruas estavam acesas. A praça era perfeitamente visível. Em poucas casas havia luzes acesas. Soisy sur Seine estava dormindo.

John Marshall levou-os pelo caminho mais curto em direção ao lugar onde se encontravam os dois teleportadores e os aras. Pousaram em meio a flores e arbustos perfumados, dentro do parque que cercava o pequeno castelo. Os homens continuavam envoltos nos campos de deflexão.

— Marshall, o que os dois estão fazendo? — perguntou Rhodan.

E antes que o telepata tivesse tempo para responder, acrescentou:

— Vamos abrir os capacetes espaciais e desligar os campos de deflexão.

Sentiram-se atingidos pelo frescor da noite e pelo ar supersaturado de umidade. A uns duzentos metros do lugar em que se encontravam, notaram a entrada iluminada do castelo. À frente da construção estava parado um veículo. Provavelmente era o mesmo que viram correr pela via expressa.

— Sir, os dois teleportadores estão no interior da casa. Lá dentro há uma quantidade enorme de médicos galácticos. Pelo que informa Gucky, estão conversando sobre a infecção de plasma... Divertem-se com isso, sir...

— Não se divertirão por muito tempo! — resmungou Bell, em tom de ameaça.

— Cale a boca! — gritou Perry para o amigo. — Marshall, chame Gucky e Tschubai!

Em um segundo, os dois apareceram entre eles.

— Abram os capacetes e desliguem o defletor e o rádio. Não queremos ser localizados pelo goniômetro.

Os aras já os haviam localizados. Marshall interrompeu o chefe em tom apressado:

— Sir, os aras estão lançando um ataque de robôs contra nós. Temos que dar o fora. Determinaram nossa posição exata pelo goniômetro.

Ao ouvir a advertência, Rhodan ligou o potente minicomunicador e gritou:

— Pombo! Pombo! Duas vezes gavião! Os aras jamais descobririam o sentido destas palavras codificadas. Antes que o compreendessem, a Burma e a Condor apareceriam sobre o castelo.

No mesmo instante teve início o ataque.

Os robôs de guerra arcônidas dispararam as armas de radiações contra eles, mas os raios energéticos de grande alcance apenas devastaram parte do parque, pois antes que fosse disparado o primeiro tiro, Gucky e os seis terranos subiram verticalmente ao céu.

Subitamente Gucky desapareceu!

Allan D. Mercant, que era o penúltimo membro da fileira, notou sua falta. Mas no mesmo instante percebeu-se para onde o rato-castor havia desaparecido.

Cinco máquinas de guerra arcônidas de uma tonelada subiram ao céu como se fossem aviões a jato. Os monstros positrônicos, que não compreendiam o que estava acontecendo, dispararam em todas as direções. Os raios, que nos primeiros instantes cintilaram em todas as cores, empalideceram e tornaram-se cada vez mais finos.

Quando estavam reduzidos a um traço, Gucky libertou as máquinas de sua energia telecinética. Acompanhadas de massas de ar uivantes, as mesmas precipitaram-se ao solo. Penetraram profundamente no chão do parque, como se fossem bombas não detonadas.

— Sir, os aras farão explodir o castelo!

A advertência de John Marshall chegou com alguns segundos de atraso.

A terra abriu-se. Um furacão de fogo esfacelou um castelo que se encontrara há mais de quatrocentos anos junto à cidade de Soisy sur Seine. A fúria atômica tangeu uma chama para o céu noturno.

Graças ao dispositivo automático de seus capacetes, os seis terranos não morreram imediatamente sob os efeitos da radiatividade. Porém os débeis reatores antigravitacionais foram impotentes face às energias atômicas liberadas.

Assim que foram atingidos pela primeira onda de compressão, sentiram-se tangidos por cima da cidade como se fossem folhas secas. A fileira que formavam, de mãos unidas, rompeu-se.

Walt Ballin, que só conhecia espetáculos desse tipo das transmissões de televisão, pensou que sua hora tivesse soado. Não recebera qualquer treinamento na Academia Espacial, e por isso esqueceu-se das funções dos diversos botões que havia em seu traje espacial. Por engano ligou o gerador do campo defensivo para a potência máxima e desligou o campo antigravitacional.

Só no último instante percebeu que já não voava em meio às massas de ar revoltas, mas caía que nem uma pedra. Uma nova onda de pressão evitou que fosse esmagado de encontro ao solo. A queda vertical transformou-se numa queda oblíqua. O campo defensivo fê-lo deslizar por cima da cumeeira de um telhado. A chaminé da lareira não representou um obstáculo mortal, mas desviou sua trajetória e reduziu a velocidade da queda. Ao cair de cima do telhado, foi parar na copa de uma árvore frutífera. O campo defensivo protegeu-o dos galhos, mas foi sacudido com tamanha violência que perdeu os sentidos.

Gucky só ouvira o rugido da explosão atômica, mas não vira nada. Um segundo antes da catástrofe teleportara-se, seguindo um impulso mental, vindo do subsolo.

Seus inteligentes olhos de camundongo piscaram. Sua mão direita segurava um desintegrador e a mão esquerda uma arma de impulsos. As armas estavam apontadas para três aras. Estes médicos galácticos tinham o aspecto de verdadeiros aras; não usavam qualquer disfarce que os transformasse em terranos.

— É Gucky! — gritou um ara e sua mão procurou atingir a arma que trazia no cinto.

Em vão. Perdeu o apoio dos pés e voou em direção ao teto como se fosse uma bola.

Gucky lançou mão de suas forças telecinéticas.

O ara, que o reconhecera, já estava estirado no chão, inconsciente. As forças telecinéticas de Gucky comprimiam os outros dois contra o solo com tamanha força que não podiam fazer o menor movimento.

Gucky farejou perigo. Captou impulsos ininteligíveis. Desde o momento em que tivera seu primeiro contato com robôs, aprendera a diferençá-los dos de um homem. E se havia no Império Solar uma única criatura inteligente que não suportava os robôs, essa criatura era Gucky, o rato-castor.

No mesmo instante trocou a arma de impulsos por um projetor hipnótico e despejou toda a carga sobre os três aras. A seguir, o rato-castor dissolveu-se no ar.

Sabia que se encontrava numa reserva subterrânea dos aras, que, devido a uma forma por enquanto inexplicável, conseguiram vir à Terra sem serem notados e estabelecer-se na periferia da cidade de Soisy sur Seine, disfarçados em terranos.

Mas quando rematerializou-se perdeu a fala e... por pouco não perdeu também a vida.

Fora parar num gigantesco laboratório!

E esse laboratório estava cheio de robôs. Nem todos eram robôs médicos, cuja programação os incumbia de vigiar o processo de fabricação. Dois deles, que se encontravam a apenas quatro metros de Gucky, eram máquinas de guerra. Mas felizmente estas haviam sido reguladas para arcônidas, saltadores e terranos, mas não para uma criatura que tinha apenas um metro de altura e se parecia com um gigantesco camundongo.

— Ui... — piou Gucky, apavorado, quando compreendeu o que vinha a ser a construção metálica que se encontrava à sua frente.

Saltou.

O raio expelido pelo robô, que acabara de “despertar”, derreteu o concreto plastificado no lugar em que Gucky se encontrara um instante atrás.

O robô não teve tempo de disparar pela segunda vez. Ele e seu colega metálico derreteram sob o fogo do desintegrador de Gucky, que se materializara um metro atrás dos dois.

— O que está acontecendo aí atrás, pegador? — gritou uma voz exaltada em arcônida.

Vinha da outra extremidade do gigantesco laboratório e sala de fabricação.

Gucky concentrou-se sobre o próximo salto, que o levaria para junto do ara que acabara de proferir essas palavras. Mas nesse instante, Ras Tschubai surgiu à sua frente.

— Ajude-me a procurar o chefe e os outros, Gucky! — disse Tschubai, dirigindo-se ao rato-castor.

O pequeno ser nem perguntou como o africano o encontrara.

— Fora! — limitou-se a dizer, e saltaram em direção à superfície.

O dispositivo automático dos trajes espaciais reagiu imediatamente à elevada dose de radiações da atmosfera e fez com que os capacetes se fechassem.

Uma gigantesca cratera abriu-se no lugar em que durante quatrocentos anos houvera um pequeno castelo. O parque também desaparecera. A área periférica esquerda de Soisy sur Seine estava em chamas. A onda de calor provocada pelo vulcão atômico incendiara as casas.

Aquela cidadezinha, que fora poupada pelo monstro de plasma, corria perigo de transformar-se numa gigantesca fogueira.

— Estabeleci contato com o chefe, com o gordo e com Mercant, Ras, Mas não consigo localizar John nem o jornalista. Segure minha mão e vamos embora!

Saltaram outra vez.

Rhodan, Bell e Mercant estavam parados junto ao muro de uma fábrica de máquinas.

— Ras e eu estamos aqui! — disse Gucky, ao ouvir a voz de Bell em seu alto-falante de capacete.

— Não sabemos onde estão Marshall e Ballin, Gucky!

— Deixemos isso para mais tarde, Perry! — interrompeu-o Gucky, apressadamente. — Os aras instalaram uma gigantesca fábrica de medicamentos a quinhentos metros de profundidade. Está funcionando a toda força. Temos de ir para lá, antes que os médicos galácticos a façam explodir. Se o fizerem, todos os habitantes desta cidade morrerão.

— Quer dizer que é isso mesmo! — limitou-se Rhodan a dizer.

Em compensação Mercant, que se mantivera em silêncio, falou:

— Sir, já começo a adivinhar do que se trata, e também imagino por que a observação do professor Degen fez nascer essa suspeita em sua mente.

Rhodan e Bell seguraram o traje espacial de Gucky; Allan D. Mercant colocou os braços em torno dos ombros de Ras Tschubai.

— Saltar! — comandou o pequeno, e os dois teleportadores levaram os três companheiros para as instalações subterrâneas dos médicos galácticos.

Foram parar num verdadeiro inferno.

Oito máquinas de guerra arcônidas correram em sua direção; onze aras seguiram-nos, abrigando-se atrás dos colossos metálicos.

— Grandes moleques! — piou Gucky. Seus olhos de camundongo faiscaram em direção aos robôs quando disse:

— Ras, vamos ficar lá em cima e liquidar os robôs! Agora!

Os dois teleportadores saltaram, sem aguardar as ordens de Perry Rhodan.

Desapareceram atrás do aparelho de refrigeração que também servia de abrigo a Rhodan e seus companheiros. Pousaram sob o teto, em meio a uma confusão de tubos, alguns finos e outros com até vinte centímetros de diâmetro.

O rato-castor foi mais rápido que o africano. Segurando a arma de choque na mão esquerda, regulou-a para o desempenho máximo e apontou para os onze aras, que não desconfiavam de sua presença naquele lugar situado quatro metros acima deles.

Os médicos galácticos caíram sob os efeitos do choque como se tivessem sido atingidos por um raio. Um deles, que não tinha levado a dose integral, procurou fazer pontaria com a arma de impulsos para atingir o aparelho de refrigeração. Mas Gucky foi mais rápido!

As máquinas dirigidas por um dispositivo de comando positrônico não haviam notado o ataque desfechado às suas costas. Dois raios de desintegração e os fluxos energéticos das armas de impulsos atingiram-nos. Na primeira investida foram destruídos cinco robôs. Depois disso, os outros três perceberam de onde vinha o ataque.

Pararam, giraram as cabeças metálicas e não notaram que Perry Rhodan saiu de trás de seu abrigo. De pé, segurava uma arma de desintegração em cada mão e começou a disparar contra os robôs. Numa fração de segundo, Bell também começou a disparar e destruiu as pernas do colosso metálico que tinha Gucky como alvo.

Subitamente o cheiro dos metais derretidos, dos isoladores queimados e dos transformadores fumarentos encheu o gigantesco pavilhão. Oito robôs haviam virado sucata. Poucos metros atrás eles, onze aras inconscientes estavam deitados no chão.

Os robôs de trabalho do pavilhão não tomaram conhecimento dos acontecimentos. Continuaram a vigiar o processo de fabricação, como se nada tivesse acontecido.

Gucky e Ras voltaram a aparecer na frente dos companheiros.

— O que é isto, chefe? — perguntou o rato-castor curioso.

— Bem, Gucky, para saber o que é isso precisamos trazer o doutor Koatu e mais dois ou três especialistas. Você poderia cuidar disso, Gucky?

O pequeno empertigou-se e lançou um olhar de recriminação para Rhodan.

— O quê? Será que você desconfia de que não sou capaz de dar um pulo de gato que só representa metade da volta em torno da Terra? Daqui a cinco minutos estarei de volta com esses homens de branco!

 

Dali a poucos segundos, Ras Tschubai saltou atrás de Gucky, em direção a Terrânia.

— Tschubai — dissera Rhodan em virtude de uma idéia repentina. — Salte para Terrânia e traga Ulland, Kokstroem e Church, o quanto antes. Hoje não importa que venham de pijama ou de fraque.

Ras Tschubai limitou-se a confirmar com um aceno de cabeça e desapareceu.

— Você pediu a presença de Ulland, Perry? — perguntou Bell, com um olhar pensativo.

Esta pergunta nunca obteve resposta. O débil dom telepático de Rhodan captou os impulsos mentais de alguns aras. Imediatamente informou Bell e Mercant sobre o que acabara de perceber.

— As irradiações vêm da esquerda. Suponha que estejam no setor do laboratório que fica atrás dessa porta.

— Quantos são, Perry? — perguntou Bell.

— Três ou quatro — limitou-se Rhodan a responder.

O Marechal Mercant acenou com a cabeça. Contornaram o montão de destroços e passaram por quatro faixas rolantes, diante das quais os robôs de trabalho continuavam a desempenhar suas tarefas. Não demonstraram o menor interesse pela luta. Sua programação lhes ordenava que cuidassem do preparo dos produtos farmacêuticos.

Junto à porta do outro setor do laboratório, Rhodan constatou, graças à sua débil capacidade telepática, que por lá havia quatro aras.

— Ligar os defletores! — comandou.

— Desse jeito não nos veremos uns aos outros! — ponderou Bell.

— É um risco que temos de assumir. Você ficará à minha direita; Marshall, fique à minha esquerda. Liguem!

No mesmo instante tornaram-se invisíveis. Essa forma de proteção tinha a desvantagem já assinalada por Bell: não se viam uns aos outros.

Dali a dois minutos, dois dos quatro aras que ainda transitavam por aí estavam inconscientes, enquanto os outros dois foram muito bem amarrados por Bell.

Não se conseguia arrancar uma única palavra dos aras. Seus pensamentos consistiam exclusivamente em ódio, raiva e medo.

— Olá, chefe! — piou uma voz no gigantesco pavilhão do laboratório. — Acabo de chegar com quatro doutores. Ora veja! Ras também esteve em Terrânia, e trouxe três pessoas. Será que temos trabalho para tanta gente?

Assim que ouviu a voz fina de Gucky, Rhodan voltou ao grande pavilhão. Lembrou-se das instruções que dera a Ras Tschubai, quando viu que Ulland, Church e Kokstroem estavam impecavelmente vestidos.

Dirigiu-se aos médicos.

— Senhores, na Medicina não passo de um leigo. Por isso não posso apresentar-lhes uma tarefa perfeitamente definida. Peço-lhes que, o mais cedo possível, procurem descobrir no interior destas instalações subterrâneas o preparado que impediu que até agora surgissem casos de infecção de plasma na cidade de Soisy sur Seine. Outra tarefa consistirá em localizar as culturas do germe causador da doença de endurecimento intestinal. Não existe a menor dúvida de que a ampola encontrada na nave dos saltadores foi de fabricação terrana. Os senhores já conhecem as conclusões que extraí com base nesse fato. Queiram começar, cavalheiros.

Rhodan esforçou-se para não bocejar, mas a tendência produzida pela infecção foi mais forte que sua vontade. Sentiu os tremendos progressos que a doença fazia em seu organismo. Teve de esforçar-se mais que nunca para poder concentrar-se. E quando passou a dirigir a palavra a Ulland, Church e Kokstroem, sua voz parecia perfeitamente normal.

— Os médicos de Terrânia manifestaram a suspeita de que o monstro de plasma tem um senso de localização. Por enquanto não ofereceram provas dessa hipótese. Mais uma vez, parto do fato de que em Soisy sur Seine não houve um único caso de infecção originado pelo plasma. Procurem descobrir se os aras dispõem de alguma instalação especial capaz de perturbar o sentido de localização do monstro. A tarefa é quase insolúvel, pois funda-se numa hipótese. Mas, na situação em que nos encontramos, não podemos desprezar qualquer alternativa, por mais vaga que seja. Façam o favor de começar, cavalheiros.

Mercant e Bell fitaram-no, perplexos. O marechal solar manteve-se em silêncio, mas Bell pôde tomar a liberdade de dizer ao amigo:

— Fantasia é o que não lhe falta, Perry! Pela grande Via Láctea, hoje sua fantasia até me mete medo.

— Ah, é? — respondeu Rhodan, sem se impressionar. — Pois a mim não. No fundo devo agradecer ao nosso marechal pelas especulações que acabo de fazer.

— O quê?

Muito espantado, Mercant esqueceu-se do rosto desfigurado pelo plasma e fez menção de dar expressão normal às suas emoções. A dor avivou-lhe o estado em que se encontrava, mas mesmo assim prosseguiu:

— Sir, há pouco, junto ao muro da fábrica, o senhor fez uma observação que se assemelha a esta. Acontece que não me lembro de lhe ter fornecido uma pista, por mais aleatória que seja.

— Forneceu, sim, Mercant. O senhor me contou a palestra que manteve com o professor Degen. Perguntou como está a doença de endurecimento intestinal a bordo da nave dos saltadores. Em Terrânia, as culturas do bacilo foram devoradas pelo monstro e, na nave dos mercadores, a doença desapareceu de uma hora para outra. Queira acompanhar meu raciocínio.

“Não segui pela trilha comum. Parti do pressuposto de que a ampola foi fabricada na Terra e do fato de que nos arredores de Soisy sur Seine não há um único caso de infecção de plasma, e isso encaixou com a simplicidade de dois mais dois são quatro. Em última análise, concluí que por aqui devia encontrar-se o meio de manter afastado o monstro de plasma. Contrariando as indicações do centro de computação de Árcon, os aras mais uma vez conseguiram criar, às escondidas e com base nos acontecimentos remotos verificados no Império de Árcon, um antídoto ou um meio de defesa.

— Tomara que sua conta esteja certa — disse Bell, com a voz pausada.

Depois, ao ver o doutor Koatu parado entre duas fitas rolantes, gritou:

— Doutor, faça o favor de vir até aqui! Koatu aproximou-se bocejando.

— Quero fazer-lhe uma pergunta — principiou Bell. — Dizem que este monstro maldito se precipita sobre os compostos de proteína. Ele me fez compreender que eu também sou feito de proteína. Mas como foi que o monstro caiu em cima dos robôs e se fixou na superfície da Drusus? Esse fato não se harmoniza com a tese de que sempre anda à caça de proteína.

— Não — respondeu Koatu, em tom delicado. — O senhor não considerou o sentido de localização hipotético do plasma. Todo robô contém três ou quatro elementos protéicos de ligação. E o plasma localizou estes compostos de proteína. Na sua tentativa de encontrar a substância, encontrou um obstáculo no envoltório metálico dos robôs. Não devemos partir do pressuposto de que o monstro seja dotado de inteligência. Seu sentido de localização não passa de um instinto. Por isso não saiu de cima dos robôs. Verificou-se que aquilo que no início supúnhamos ser ferrugem era um monstro cujo sentido de localização funcionava com um máximo de intensidade.

— Tem alguma prova do que está dizendo, doutor Koatu?

O cientista balançou a cabeça.

— Tudo não passa de hipótese, de suposição, sir.

O rato-castor piou em tom exaltado, em meio à conversa.

— Perry, você está com a razão. Acabo de captar os pensamentos de um ara. O sujeito está com medo de que encontremos a coisa... Aliás o que vem a ser um pulsador Oska?

— Nunca ouvi falar nisso. O que poderia ser, Gucky? — perguntou Rhodan, com certo nervosismo.

Os outros fitavam o rato-castor com uma expressão de curiosidade.

— O pulsador Oska é a coisa que não devemos encontrar, chefe. Caramba! Já chegou ao fim de novo. O ara está com um medo terrível. E este medo supera qualquer outra manifestação de sua mente. O outro não demorará a morrer se voltar a mergulhar no medo. É uma pena que você esteja na minha frente, Perry, pois do contrário eu praguejaria para desabafar.

— Mais tarde você terá tempo para isso. Informe logo Ulland, Church e Kokstroem sobre o pulsador Oska. É possível que esta indicação lhes facilite a busca.

Gucky desapareceu sem o menor comentário. O doutor Koatu seguiu-o. Os dois amigos, Mercant e Ras Tschubai permaneceram no mesmo lugar.

— Olá, sir! — Rhodan captou a mensagem telepática de John Marshall. O chefe do Exército de Mutantes, que havia desaparecido, voltava a dar sinal de vida. — Estou com o jornalista. Procuramos contornar as áreas em que lavra o incêndio para chegarmos ao parque. Não é mais necessário, chefe! Gucky acompanhou nossa conversa e acaba de chegar. Saltaremos com ele.

No momento em que John Marshall emitiu o último impulso mental, Gucky apareceu com os dois companheiros.

— Já informei os três especialistas, Perry. Também não sabem o que vem a ser um pulsador Oska — nem mencionou o fato de, numa ação instantânea, ter trazido Marshall e Ballin. Achava que não valia a pena perder uma única palavra por isso.

— Marshall — disse Rhodan, fazendo de conta que não notava que o telepata ainda estava muito debilitado. — Cuide dos dois aras amarrados, que se encontram na sala ao lado. Tire tudo que está na cabeça deles. Cada minuto a menos que levarmos para descobrir o que estamos procurando aqui talvez possa salvar muitos homens da doença do plasma.

— OK, sir! Minha presença será um prazer para os aras.

Estas últimas palavras representavam uma ameaça que não previa a violência física.

Os médicos galácticos não corriam perigo de levar pancadas para confessar. Marshall não tocaria um fio de seus cabelos, mas arrancar-lhes-ia por via telepática os pensamentos mais recônditos.

Walt Ballin olhou em torno, espantado. Viu o grupo de robôs de guerra destruídos. E viu os robôs de trabalho que se encontravam junto às faixas rolantes e prosseguiam na execução de sua atividade programada.

— Sir — perguntou, dirigindo-se a Rhodan. — Está aguardando algo de específico?

— Espero um milagre, Ballin — respondeu Rhodan, com a voz embargada.

— Ora! — piou Gucky e desapareceu.

Rhodan procurou estabelecer contato telepático com o rato-castor, mas este colocou um bloqueio em torno de seus pensamentos.

— Seu atrevido! — disse Rhodan a meia voz, quando viu Gucky voltar só.

— Perry, dei uma beliscada nos pensamentos de Ulland. Sabe onde ele está? Junto ao pulsador Oska. Encontrou a geringonça e no momento está rouco de tanto chamar seus colegas Church e Kokstroem.

— Será que já posso saber o que vem a ser o pulsador Oska? — gritou Rhodan, em tom impaciente.

Gucky teve o atrevimento de mostrar o dente roedor solitário.

— Perry — disse em tom condescendente. — É a coisa, e a coisa é aquilo que mantém o monstro afastado de Soisy sur Seine.

O rato-castor falara com um atrevimento descarado, mas naquele momento Rhodan lhe teria perdoado falhas muito mais graves.

— Como é que isso funciona, Gucky? — perguntou Rhodan, em tom delicado.

Mas Bell, que se encontrava a seu lado, falou em tom ameaçador:

— Se você nos deixar no ar por mais tempo, eu lhe torço o pescoço, seu rato Jerry!

— Seu gorducho convencido! — com isso, Gucky liquidou a ameaça que acabara de ser pronunciada. — Perry, se interpretei corretamente os pensamentos de Ulland, o pulsador Oska é um transmissor que emite complicados impulsos de interferência, que impedem ao monstro fazer a localização.

— Ah! — exclamou Bell, atônito.

— Perry — disse o rato-castor, com certo temor. — Será que vamos ficar curados?

Rhodan fitou seu pequeno amigo por alguns segundos e depois balançou a cabeça.

— Não acredito, Gucky. Afinal, já fomos localizados. Acho que o pulsador Oska não poderá fazer mais nada por nós. Certo, Marshall!

Pronunciou estas palavras, embora Marshall tivesse apenas entrado em contato com ele por via telepática.

— Onde? O quê? No silo dezoito? Que remédio é este? Uma substância perfumada que também constitui uma isca para o monstro? Marshall, não estou compreendendo nada. Faça o favor de repetir.

Os outros prenderam a respiração e fitaram Rhodan. Este converteu os impulsos telepáticos de Marshall em palavras, a fim de que os companheiros logo fossem informados.

— A substância perfumada forma um composto com o monstro de plasma e o inativa, provocando a cristalização de seu líquido celular.

A pequena instalação de telecomunicação, embutida nos trajes espaciais, emitiu um sinal. O centro de pesquisas médicas de Terrânia queria falar imediatamente com Perry Rhodan. O interlocutor identificou-se.

— Sir — rejubilou-se uma voz masculina, saída do alto-falante. — Com base nos dados das análises vindas de Árcon, conseguimos criar um antídoto. Trata-se de uma substância perfumada, que transforma o monstro de plasma em inofensivos cristais de proteína. Conseguimos, sir! Meu Deus, que dia maravilhoso!

John Marshall voltou. Apesar de tudo, seu rosto parecia amargurado.

— O que houve, John? — perguntou Rhodan.

O chefe dos mutantes respirou profundamente.

— Chefe, o que os aras pretendiam fazer conosco é inacreditável. Suas suspeitas se confirmaram. Nestes laboratórios eles produziam culturas do germe da doença de endurecimento intestinal. Pretendiam usá-las, para dizimar a população da Terra e apoderar-se do planeta. Os casos de doença que se verificaram na nave cilíndrica seria o último teste. Dentro de três dias desencadeariam a ação na Terra. O fato de termos sido atacados pelo plasma deixou-os bastante satisfeitos. Não tinham motivo para receá-lo. Mantinham-no afastado por meio do pulsador Oska, e, além disso, dispunham de um medicamento que lhes permitia curar qualquer pessoa que contraísse a doença. Quem encontra continuamente criminosos desse tipo, acaba perdendo a crença em tudo que é bom.

— Não diga isso, John Marshall — interrompeu-o Rhodan. — Nem todos os aras são criminosos, assim como nem todos os homens são maus. Mas sempre haverá os maus. Não se pode aplicar a mesma medida a todos. Venha comigo; quero que esteja presente, quando eu falar com os aras.

A palestra foi breve.

— Aras, a Terra já aboliu a pena de morte. As vítimas resultantes de seus atos não foram terranos, mas mercadores galácticos, ekhônidas, arcônidas e outras raças do Grande Império. Farei com que todos sejam submetidos aos impérios do Império de Árcon. Neste momento, o Imperador Gonozal VIII será informado sobre os acontecimentos e providenciará para que sejam levados a Árcon.

Um dos aras fez uma oferta, numa tentativa de evitar a extradição.

— Rhodan, poderíamos ajudar o Império Solar a combater a doença do plasma.

Rhodan interrompeu o médico galáctico com a voz fria:

— Com o pulsador Oska e a substância perfumada que se encontra no silo dezoito, ara? Será que você ainda não compreendeu que nunca negociei e nunca negociarei com criminosos?

Retirou-se. As pragas, que os aras rogaram contra ele, deixaram-no indiferente.

 

Perry Rhodan dispunha de trinta minutos para conversar com Walt Ballin. Sua agenda não permitia mais que isso, e Walt Ballin não queria demorar-se, pois a nave em que viajaria para Paris partiria às 13:45 h. Às vinte horas teria um encontro com Yvonne Berclais, no Trois Poulardes. Mandara reservar a mesa de Terrânia.

— Quando aparecerá sua reportagem sobre o monstro de plasma, Ballin? Por enquanto a administração não trouxe ao conhecimento do público os motivos por que a Terra e o gênero humano escaparam mais uma vez. Cuide disso. Inclua na reportagem todas as informações, inclusive o erro cometido por mim.

— Sir — interrompeu-o Ballin em tom exaltado. — Quem poderia acusar o senhor? De qualquer maneira os acônidas teriam enviado o monstro à Terra. Da maneira como as coisas correram, todos devem agradecer ao senhor, pois foi o único que, no auge da catástrofe, conseguiu perceber a ligação entre os fatos.

— Não é bem assim, Ballin. Se não fosse Jeff Garibaldi, nunca teria ouvido falar numa pequena cidade chamada Soisy sur Seine. Quero que este exemplo lhe ensine que o indivíduo não vale nada, a não ser que possa contar com bons colaboradores. O trabalho de equipe é tudo, e o Império Solar repousa sobre este. O artigo em que o senhor esclarecerá a Humanidade a respeito do monstro fará parte desse trabalho de equipe.

— Sir, hoje que já se passaram quatro meses desde a primeira infecção e vinte dias desde a notícia do último caso, ninguém mais está interessado em falar no monstro. E, o que é mais importante: seria uma irresponsabilidade da minha parte revelar todos os detalhes. Nesse caso teria de mencionar que, de um dia para outro, devemos esperar outro ataque dos acônidas.

Os rostos dos dois homens não apresentavam a menor deformação. O hematoma esponjoso não deixara marcas.

Rhodan sorriu.

— Lembro-me perfeitamente de que, em certo artigo, o senhor manifestou uma opinião diametralmente oposta à que acaba de externar. Nesse artigo quase exigiu que a administração informasse os homens sobre tudo o que acontecesse, já que do contrário estes jamais seriam verdadeiros cidadãos do Universo.

— Sir, naquele tempo ainda não sabia o que sei hoje. Agora compreendo a tremenda responsabilidade que o senhor assumiu por nós. Antes de retirar-me, quero formular mais um pedido. Será que oportunamente poderei vir para Terrânia?

— Eu o espero, Ballin — respondeu Rhodan, estendendo-lhe a mão.

Walt Ballin hesitou em pegá-la.

— Mais uma pergunta, sir. O que predomina no Universo? O monstruoso ou o admirável?

— Ballin, ajude-me a transformar os homens em cidadãos do Universo. Enquanto o homem sente medo, este medo se revela sob a forma do monstruoso; entretanto, assim que perde este medo, começa a enxergar as maravilhas do Universo. Temos um longo caminho a percorrer, antes de chegarmos a este ponto. Mas, no fim deste caminho, estará o homem que será o dono do Universo.

 

                                                                                            Kurt Brand

 

                      

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