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Ameaça a Vênus / Kurt Mahr
Ameaça a Vênus / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Ameaça a Vênus

 

Perry Rhodan e Reginald Bell, os expoentes máximos de uma humanidade que avança impetuosamente, foram as únicas pessoas submetidas a um tratamento realizado no planeta Peregrino, que por um espaço de sessenta e dois anos interrompe qualquer processo de envelhecimento. Com isso um velho sonho dos homens encontrou sua realização nesses dois terráqueos: o sonho da imortalidade.

Mas tudo tem seu preço. E esse preço tem de ser pago no momento em que a Stardust-III volta a penetrar no sistema solar terreno.

 

                                      

 

Com ele e ao redor dele, a sala de comando redonda da gigantesca nave passou a ser.

Os quadros de comando e de controle, as telas, as poltronas, os instrumentos de medição emergiram do cinza sem contornos, resultante da transição, e recuperaram as formas usuais.

Perry Rhodan foi o primeiro a superar o choque da transição. Seu cérebro voltou a funcionar praticamente no mesmo instante que o relê do dispositivo positrônico: avaliou a situação e fez com que os olhos absorvessem o quadro exibido pelas telas.

Reginald Bell, que naquele vôo desempenhava as funções de primeiro-oficial e co-piloto, estava caído sobre o painel coberto de instrumentos. Levantou-se com um gemido e, com uma expressão de espanto, lançou os olhos arregalados em torno de si.

— Onde... o que...? Ah, sim! É sempre a mesma coisa.

Durante a transição a atividade neurônica do organismo humano era reduzida a um mínimo. O fim da transição representava para o indivíduo a mesma coisa que o despertar de um sono leve ou de um ligeiro desmaio.

— A posição! — ordenou Rhodan com a voz áspera. — Verificar dados. Fornecer a trajetória de um vôo normal.

Bell começou a se mover. Os comandos de Rhodan também sobressaltaram os outros tripulantes que, profundamente reclinados em suas poltronas, ou seguros às bordas das mesas, ainda estavam empenhados em superar o choque do hiper-salto.

A atividade voltou a tomar conta da central de comando. Os comunicados foram rápidos e precisos.

— Posição: R = 6:10l2 m.  Pi = 81°20”.  Teta = 113°.

Ouviu-se o tilintar característico do registrador positrônico que, no cartão introduzido no aparelho, lançou um ponto vermelho que designava a posição da nave.

— Diferença dos dados: R = -108 m.  Pi =  +11’.  Teta =  nenhuma diferença.

Um sorriso apressado passou pelo rosto de Rhodan.

— Mais exato não é possível — resmungou Reginald Bell.

— Solicitaram-se os dados da trajetória para o prosseguimento do vôo — anunciou um dos oficiais-navegadores, e acrescentou, em tom menos rígido: — Aí estão!...

 

A Stardust-III se encontrava a seis bilhões de quilômetros do Sol e se deslocava em linha reta em direção ao sistema, ligeiramente inclinada em relação à trajetória dos planetas.

Saíra do hiperespaço com uma velocidade correspondente a setenta e cinco por cento da velocidade da luz; por ordem de Rhodan a velocidade foi aumentada para noventa e cinco por cento.

A Terra se encontrava do lado oposto do sistema. Segundo os cálculos de trajetória, a nave passaria pelo Sol a uma distância de menos de quarenta bilhões de quilômetros.

Vênus e Marte se encontravam em oposição a esse lado do Sol.

A transição decorrera perfeitamente, com um erro muito inferior ao esperado.

Ninguém se deu ao trabalho de verificar se a oposição entre Marte e Vênus se harmonizava com a data registrada no calendário de bordo, existente acima do assento do piloto.

 

— Chamado para a central de Gobi!

O oficial de comunicações ligou o hiper-comunicador e regulou a energia de emissão na potência necessária para fazer a mensagem atingir a Terra.

— Quero falar com o coronel Freyt — completou Rhodan.

Observou o jovem oficial que manipulava o aparelho complicado.

“Todos estão cansados”, pensou. “Está na hora de descansarmos. Essa história do Peregrino foi mais do que os rapazes podem agüentar.”

Vez por outra olhava para a grande escotilha de entrada. Reginald Bell surpreendeu um de seus olhares e um sorriso amargo se esboçou em seu rosto.

— Não querem aparecer, não é?

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Ainda bem. Por mais que me esforce, sempre tenho a impressão de ter feito um papel feio com os arcônidas.

Bell fez um gesto de desprezo.

— A culpa não é sua. Foi ele quem decidiu que nem Thora nem Crest, nem qualquer outro arcônida, jamais poderá ser submetido ao tratamento com o fisiotron. Ele...

— Que nada! — interrompeu Rhodan em tom exaltado. — É sempre ele. Quase chegamos a acreditar que ele é Deus, não é?

No mesmo instante ouviu-se a voz rouca e carregada de pânico do jovem oficial de informações.

— A Terra não responde!

De um instante para outro Rhodan se esqueceu daquilo que ainda há pouco o deixara nervoso. Deu dois ou três passos e se colocou ao lado do hipercomunicador, examinando os controles do mesmo.

— Está tudo em ordem — disse o oficial — se é nisso que está pensando. O instrumento funciona, e pelo eco pode ver que a mensagem está chegando ao destino. Alguma coisa aconteceu na Terra.

Rhodan percebeu.

— Deixe por minha conta! — gritou para o oficial de comunicações.

O jovem oficial se levantou do assento. Rhodan sentou diante do aparelho. Seus dedos ligeiros passaram pelo teclado e introduziram a mensagem automática no aparelho. Viu o ponto verde na lâmina do oscilador e esperou.

Nada.

A Terra continuava muda.

Outro chamado. Mais uma vez a tecla de chamada automática foi comprimida vigorosamente.

O ponto vermelho.

E logo surgiu a luminosidade tremeluzente na tela.

Viu-se o rosto do coronel Freyt, de início desconfiado, mas logo com os olhos brilhantes e a boca sorridente, quando reconheceu seu interlocutor.

— Ora, chefe! É você mesmo?

Rhodan não estava disposto a enfrentar uma cena de boas-vindas.

— O que houve? Apresente um relato em condições e diga por que tivemos de chamar três vezes antes que você respondesse.

O rosto de Freyt enrijeceu. O sorriso desapareceu. Mas os olhos ainda brilhavam.

— É o coronel Freyt de Galáxia — relatou. — Pronto para receber a mensagem. Não respondi aos primeiros dois chamados porque pensava que se tratasse de uma armadilha.

— Uma armadilha?!

— Sim. Pensei que alguém quisesse descobrir nossa posição. Recebi instruções para ter cautela no uso do hipercomunicador.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Sei. Mas você bem poderia imaginar que voltaríamos a chamar mais ou menos a esta hora, não é?

— Não, não poderia. Não estava em condições de adivinhar que você teria tantas dificuldades com sua viagem de regresso. Isso seria...

— Que dificuldades? — gritou Rhodan. — Foi a viagem de regresso mais tranqüila que já tive.

Freyt não se perturbava com muita facilidade.

— Para evitar mal-entendidos, talvez tivesse sido conveniente que, depois de sua última mensagem, houvesse me informado sobre sua nova posição, desde que as condições permitissem, naturalmente.

Rhodan enrugou a testa.

— Ouça, Freyt, quantas mensagens tenho de lhe enviar num mês para que esteja informado sobre minha situação? Acredito...

— Num mês? — interrompeu Freyt aos gritos. — Afinal, sua última mensagem foi recebida há muito mais de um mês!

Rhodan se sobressaltou.

— Hoje não faz um mês e alguns dias da última mensagem?!

Percebia-se que Freyt começava a duvidar da sanidade mental de Rhodan. Este percebeu os olhos semicerrados de seu interlocutor e começou a compreender que, no entretempo, havia acontecido alguma coisa de que ainda não sabia.

— Hoje — disse Freyt, esforçando-se para conservar a calma — faz quatro anos e meio!

A palestra foi conduzida em tom elevado, de modo que alguns dos oficiais que se encontravam nas proximidades conseguiram acompanhá-la.

Rhodan sentiu o silêncio angustiante que de repente se espalhou pelo recinto. Teve algumas idéias bastante aventurosas enquanto encarava o rosto de Freyt e esperava que os homens que se encontravam atrás dele se acalmassem.

— Muito bem — disse depois de algum tempo. Sua voz parecia tão indiferente que qualquer um se indagaria se um salto de quatro anos e meio não significava nada para ele. — Parece que, por algum motivo, deixamos alguns anos de fora. Como é que as coisas têm sido para você nesse meio tempo?

Freyt respirou aliviado. Receara complicações.

— Mal — respondeu segundo a verdade dos fatos. — A Terra está convencida de que não pode contar mais com você. O Bloco Oriental calcula que isso representa uma chance para ele, enquanto a Federação Asiática e a OTAN continuam a se esforçar para formar um verdadeiro governo mundial. No Bloco Oriental houve uma reviravolta. Tudo indica que mais cedo ou mais tarde acabará havendo uma terceira guerra mundial. Até agora não fiz qualquer esforço para interferir na situação, porque...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Está bem, Freyt. Pousaremos no máximo dentro de uma hora, e então veremos o resto.

Interrompeu a comunicação e girou a poltrona de tal forma que olhou para Bell. Este parecia desorientado.

— Onde estivemos todo este tempo? — perguntou.

Rhodan deu de ombros.

— Teremos de quebrar a cabeça sobre isso... mais tarde. Talvez no planeta Peregrino o fluxo do tempo seja diferente. O que importa no momento é que, segundo parece, na Terra muitas coisas não são como deviam ser.

 

Alguns minutos depois, a Stardust-III passou pela órbita de Marte. O planeta se encontrava a cerca de vinte milhões de quilômetros de distância.

A nave dispôs-se a cruzar a órbita da Terra — apenas a órbita, pois a própria Terra se encontrava além do Sol — quando Rhodan recebeu um chamado do setor de vigilância.

A voz que transmitiu a mensagem parecia espantada.

— Localizamos uma porção de matéria.

— Qual é a posição?

O interlocutor de Rhodan forneceu os dados.

— Em relação a nós — acrescentou — isso fica além de Vênus.

— Prossiga nas observações! — ordenou Rhodan. — Avise assim que obtiver dados mais precisos.

Desligou o aparelho e fixou a tela que se encontrava à sua frente.

Uma localização de matéria junto a Vênus.

Não havia nada que fosse mais precioso para a Terceira Potência, nada de que Rhodan precisasse tanto como da base em Vênus com suas poderosas armas defensivas e o gigantesco cérebro positrônico.

Será que dessa localização se devia concluir que alguém se preparava para pousar em Vênus?

Um sorriso amargo se esboçou no rosto de Rhodan. Acreditara que poderia regressar ao lar em triunfo. Batera um inimigo poderosíssimo, os tópsidas, encontrara o segredo da vida eterna, adquirira conhecimentos que nem sequer estavam ao alcance de Crest e Thora, os dois arcônidas, e obtivera a garantia do ser do planeta Peregrino de que à Humanidade seria concedido o domínio da galáxia.

Eram motivos mais que suficientes para transformar a viagem de regresso numa marcha triunfal.

O homem do posto de observação voltou a chamar, esbaforido:

— Novos resultados: o que temos pela frente são pelo menos quatrocentos objetos. Trata-se de naves espaciais ou coisa parecida. São bem pequenas. O volume de cada objeto não ultrapassa trinta mil metros cúbicos. Aproximam-se de Vênus. Tudo indica que pretendem pousar lá.

Rhodan se sobressaltou.

— Vamos mudar de rota, meus amigos! — disse em tom áspero. — Voaremos em direção a Vênus. Neste instante a nave entra em estado de rigorosa prontidão.

Sem olhar, abaixou a chave de alarma. O uivo das sereias encheu os longos corredores e as salas da gigantesca nave.

A Stardust-III havia retornado ao seu sistema planetário. A primeira coisa que teria de fazer era abrir os tampos dos compartimentos em que se encontravam as peças de artilharia e mostrar ao inimigo que tipo de adversário teria que enfrentar.

 

O coronel Freyt não sabia de nada. Rhodan o informou sobre a mudança de rota, no mesmo instante em que a Stardust-III entrou em sua nova trajetória.

Não parecia muito satisfeito; mas sabia que Vênus era importante.

Na central de Gobi não havia sido observada qualquer movimentação no espaço. Ninguém saberia dizer quem estava fazendo das suas na área de Vênus.

Rhodan era o único que tinha suas suposições. Por enquanto as mesmas ainda lhe pareciam um tanto temerárias; mas não havia outras. Freyt não teria deixado de detectar uma frota de quatrocentas naves que penetrasse no sistema solar terreno, vinda do hiperespaço.

Dali se concluía que a mesma não vinha do hiperespaço.

O coronel Freyt recebeu instruções para se manter na expectativa.

 

O general Tomisenkow observou os trabalhos de montagem de sua barraca. Usava roupa leve, de acordo com as condições climáticas daquele mundo. Trajava calças curtas e camisa bem aberta no peito. As ombreiras com as platinas haviam escorregado para a frente e balançavam por cima da clavícula.

Tomisenkow tirou o boné e enxugou o suor da testa. Depois olhou para seu ajudante.

— Que tempo horrível, não é?

O ajudante se apressou em assegurar que o tempo realmente estava horrível.

Vinha de Sebastopol, onde o tempo no verão não era muito diferente daquele lugar. Mas o general Tomisenkow passara a maior parte de sua vida em Ochotsk, e naquele lugar as pessoas sentiam frio até no verão.

Não convinha contrariar o general Tomisenkow, fosse no que fosse.

— Não demoraremos em nos livrar disto — prosseguiu Tomisenkow. — Aí não precisaremos mais enxugar o suor a cada trinta segundos.

Nesse instante, um homem com uma folha de papel na mão saiu correndo por entre as barracas que estavam sendo montadas.

— Uma mensagem! — gritou de longe.

— Uma mensagem para o general.

Tomisenkow se virou.

— Passe para cá — resmungou.

Num instante passou os olhos pelas poucas palavras da mensagem. O ordenança viu que seu rosto ficava vermelho.

— Por que ficam correndo de um lado para outro com este papel? — gritou para seu ordenança. — Por que não atiram?

O ordenança ficou em posição de sentido.

— Vamos, corra! — gritou Tomisenkow.

— Diga-lhes que derrubem aquele objeto.

O ordenança saiu correndo. Tomisenkow pegou seu ajudante pelo braço e arrastou-o consigo.

— Localizaram alguma coisa — explicou. — No início pensaram que se tratasse de um corpo celeste, por causa do tamanho. Acontece que seus movimentos estão sendo dirigidos. Agora querem que eu lhes diga o que devem fazer.

Lançou um olhar matreiro para seu ajudante.

— Sabe o que é? — perguntou.

— Não, general.

— Pois eu lhe digo. Andaram falando muito naquele major americano, o tal Perry Rhodan. Está lembrado? E também naquela nave gigantesca em que anda passeando pelo espaço. Acho que ficou sabendo de nossa missão em Vênus mais cedo do que esperávamos, e agora quer estragar nossa festa.

O ajudante ficou pálido.

— Perry Rhodan?

Tomisenkow confirmou com um vigoroso aceno de cabeça.

— Provavelmente. Sempre desejei um encontro com ele. Parece que chegou a hora.

Naquele instante o solo começou a ressoar. Longe dali, no meio da selva, oito foguetes defensivos se puseram a caminho, subindo com um uivo ao céu encoberto de Vênus.

Tomisenkow riu.

— Ficará admirado com a recepção calorosa que lhe estamos preparando.

 

— Pouso dentro de quatro minutos. Verificar os envoltórios protetores.

— Em ordem!

Rhodan olhou em torno. Na sala de comando só havia quatro homens, além dele mesmo e do primeiro-oficial Reginald Bell. Os outros tinham retornado às suas posições junto à tripulação, nos postos de observação e de combate.

O céu nublado de Vênus se estendeu nas telas.

Escureceu.

Mas os aparelhos infravermelhos e de microondas captaram a superfície daquele planeta quente coberto de selvas. Surgiu o delta de um rio, que parecia se aproximar vertiginosamente do observador. Percebeu-se o litoral, uma clareira na selva.

— Localização! Foguetes de combate! Um raio ofuscante surgiu nas telas. Era branco-azulado e doía nos olhos surpresos.

Mas não se ouviu o menor ruído. Imperturbável, a gigantesca nave prosseguia na sua rota.

Bell anunciou com a voz indiferente.

— Explosivo nuclear, detonador de fissão. Potência de um megaton de TNT.

Virou-se e indagou perplexo:

— O que será isso?

Rhodan sorriu, divertido. Outro raio passou pela tela de imagem.

— O que poderá ser isso, que dispara foguetes antiquados com um poder explosivo desses contra uma nave espacial?

Deixou a resposta por conta de Bell. Chamou o encarregado do posto de observação e soube que as trajetórias dos foguetes haviam sido fixadas até o ponto de origem. Vinham do continente polar norte, de um ponto situado pouco além do litoral. Os postos de combate esperaram em vão pela ordem de abrir fogo. Rhodan decidiu outra coisa.

Assumiu a direção da Stardust-III e desceu quase ao nível do mar. Depois deslocou-a em alta velocidade em direção ao litoral do continente norte.

Perry Rhodan observou a superfície imóvel do oceano e viu a luminosidade azulada que envolvia as capas protetoras da nave, já que a Stardust-III desenvolvia velocidade tamanha que o impacto das capas protetoras ionizava as moléculas do ar e fazia com que brilhassem.

Na luz turva do meio-dia de Vênus via-se o traço escuro da costa longa e pouco recortada.

Atrás dela começava a selva.

 

Tomisenkow praguejou.

— Dispare outra salva! — gritou para o oficial de armas. — Seja qual for a capa protetora, basta bombardeá-la o suficiente para fazê-la ceder.

Acontece que Tomisenkow não tinha a menor idéia sobre o que seria uma sobrecarga para as capas protetoras da Stardust-III. Os cem foguetes nucleares de que dispunha nada representavam; nem mesmo mil.

O oficial de armas pôs-se em movimento. Através do pequeno transmissor portátil deu ordens lacônicas ao pessoal que equipava as rampas de foguetes.

Foi quando os homens encarregados do radar anunciaram outra surpresa.

— O inimigo vem em nossa direção. A velocidade é de cerca de quinze quilômetros por segundo... A nave é enorme!

A bola chamejante foi crescendo. No momento em que acreditava que dentro de um instante se encontraria por cima do acampamento, Tomisenkow percebeu como tinha subestimado seu tamanho.

Continuou a crescer por mais três ou quatro segundos. Depois se encontrava diante do acampamento como se fosse uma montanha que cuspia fogo, passou por cima e...

Então veio o fim do mundo.

Os tímpanos de Tomisenkow deixaram de funcionar quando foram atingidos pelo ruído ensurdecedor do primeiro choque. Não viu mais nada, porque os relâmpagos o cegaram. Mas sentiu nitidamente que uma força irresistível fez com que perdesse o apoio dos pés, ergueu-o e atirou-o para longe. Sentiu uma chicotada no rosto quando foi arrastado por entre os fios de um telefone de campanha, e pouco depois o impacto doloroso sobre uma aresta dura. A pancada expeliu o ar dos seus pulmões. Fez um esforço desesperado para se erguer sobre os joelhos. Depois perdeu a consciência.

Quando recuperou os sentidos, não tinha a menor idéia sobre o tempo que se passara. Seu relógio de pulso havia desaparecido.

Levantou-se. Apesar da dor aguda que sentia no peito, respirou profunda, mas cautelosamente, e lançou os olhos em torno.

O que viu ultrapassou seus piores temores.

O acampamento não existia mais.

A selva estava modificada. Uma faixa de vários quilômetros de largura se abria em meio a ela. Começava ao sul, passava pelo lugar em que fora montado o acampamento, pelas posições de embasamento dos foguetes e pelo campo de pouso da frota espacial e prosseguia em direção ao norte.

Era uma reta perfeita, que parecia ter sido traçada por um gigantesco rolo compressor.

Tomisenkow constatou, admirado, que havia situações em que era perigoso ceder aos sentimentos. Movimentou seu corpo de touro e pôs-se a examinar as pessoas que com ele se encontravam na pequena clareira quando o desastre desabou sobre todos.

O oficial de armas estava morto. Mas no ajudante surgiram sinais de vida, depois que Tomisenkow o sacudira bastante.

Após algum tempo abriu os olhos e encarou o general, todo perplexo.

— Levante! — gritou Tomisenkow. Entendia perfeitamente suas próprias palavras; mas o ajudante sacudiu a cabeça, confuso, e passou as mãos pelas orelhas.

Tomisenkow sabia o que fazer numa situação dessas. Comprimiu a testa contra a do ajudante e repetiu a ordem:

— Levante!

Conseguiu o efeito desejado. Os sons foram transmitidos através da vibração dos ossos do crânio. O ajudante entendeu e se levantou de um pulo.

Tomisenkow fez um movimento amplo do braço em direção ao acampamento. Depois saiu andando. O ajudante seguiu na direção oposta.

A procura pelos sobreviventes teve início.

O general Tomisenkow trouxera dez mil homens para Vênus. Era uma divisão de elite.

Ainda encontraram oito mil. Destes, seis mil estavam gravemente feridos, e os restantes mais ou menos machucados.

Todos tinham perdido a audição. Quando tinham algo a dizer, comunicavam-se por escrito ou comprimiam as testas uma contra a outra.

Das quinhentas naves com que a divisão pousara só oitenta continuavam de pé. O resto fora derrubado pelo torvelinho; algumas chegaram mesmo a ser arrastada e atiradas em meio à selva mais ao norte.

O rastro da tempestade tinha uns dez quilômetros de largura. No centro, havia uma faixa queimada de pouco menos de um quilômetro de largura. A terra derretida irradiava um calor insuportável. No momento, Tomisenkow não poderia atravessar essa faixa para entrar em contato com os homens que se encontravam do lado oposto.

— O que foi isso?

Era esta a única pergunta formulada naquelas horas.

O único que tinha uma idéia clara da situação era Tomisenkow. Tinha coisa mais importante a fazer do que informar seus homens de como subestimara o poderio de Rhodan. O acampamento — ou melhor, o que ainda sobrava dele — teria de ser transferido. Era de recear que Rhodan voltasse, e Tomisenkow ainda não estava convencido de que teria de capitular.

As selvas de Vênus eram muito extensas. Nelas poderiam ser escondidas centenas de divisões, de tal forma que nenhum inimigo conseguiria encontrá-las.

Tomisenkow deu prova de seu talento de organizador. Muito embora perto de seis mil de seus homens estivessem tão gravemente feridos que não conseguiam se deslocar por suas próprias forças, e embora se tivesse de consumir o triplo do tempo usual para fazer com que os ouvidos ensurdecidos entendessem qualquer comando, o início da transferência não demorou mais de duas horas a partir da catástrofe.

As naves que ainda se encontravam intactas transportaram a maior parte dos homens gravemente feridos. O resto foi carregado pela selva sobre macas grosseiras

Para os homens que se encontravam além da faixa de terra incandescente foram deixadas indicações sobre o lugar ao qual teriam de se dirigir.

O destino de Tomisenkow era uma cordilheira situada ao noroeste. Não distava mais de duzentos quilômetros do acampamento; mas, face aos meios primitivos de locomoção de que dispunham, Tomisenkow calculou que levariam pelo menos uma semana do tempo terreno para atingi-la.

Foi o último a abandonar o acampamento, juntamente com o ajudante e alguns oficiais de elevada patente. A evacuação decorrera sem incidentes e não demorara mais que dez horas. Nesse meio tempo os tímpanos haviam recuperado parte de sua capacidade, e os homens podiam conversar, embora aos gritos.

A curiosidade e a insegurança dos homens crescera tanto que Tomisenkow julgou preferível romper seu silêncio e informar os oficiais sobre o que realmente havia acontecido.

— Suponho que todos tenham notado aquela esfera — gritou. — Não existe a menor dúvida de que era a nave espacial que Rhodan usa em suas grandes viagens.

— Mas tinha pelo menos um quilômetro de altura! — objetou alguém.

Tomisenkow balançou a cabeça.

— Mais ou menos. O que nos atingiu não foi nenhuma arma especial. O posto de radar informou no último instante que a nave se deslocava a uma velocidade de cerca de 15 km/s. Isso é quase cinco quilômetros mais que a velocidade de um meteorito que penetra na atmosfera terrestre, vindo do espaço cósmico. O ar não tem tempo de se desviar de um objeto desses. É comprimido. E a compressão é tão intensa que faz com que as moléculas emitam radiações ou sejam mesmo ionizadas. Ao mesmo tempo a compressão do ar produz uma elevação instantânea e considerável da temperatura.

Fez um gesto vago em direção à faixa de terra incinerada e continuou a gritar:

— Vejam! Uma pergunta permanece em aberto: Como é que Rhodan consegue que o ar se torne incandescente, e sua nave não? Não posso fornecer qualquer informação exata a este respeito. Sabemos que a nave está provida de campos energéticos protetores de elevada potência. Provavelmente os mesmos estão em condições de absorver os efeitos nocivos de um vôo desse tipo.

Fez uma pausa, aguardando perguntas. Não houve nenhuma.

— Devemos nos apressar — sugeriu Tomisenkow. — Rhodan não se fará esperar por muito tempo. Sabe perfeitamente quanto tem a perder em Vênus. Vamos lhe preparar uma recepção bem calorosa!

 

A uma velocidade de 15 km/s o olho humano não tem capacidade de perceber e fixar detalhes.

Rhodan não tinha a menor idéia sobre o lugar e o momento em que a Stardust-III passara por cima do acampamento inimigo. Mas os instrumentos automáticos haviam tirado fotografias, e não haveria nenhuma dificuldade em obter todos os dados interessantes a partir das mesmas.

A bordo da nave ainda se procurava adivinhar quem teria sido o inimigo que conseguira pousar em Vênus, tão perto da base preciosa que se encontrava naquele planeta.

A única pessoa que poderia dar informações a este respeito permanecia num mutismo total. Aos poucos foi desacelerando a imensa nave, e numa curva suave dirigiu-a para o complexo montanhoso sob cujas encostas rochosas se situava a base.

Mas subitamente a Stardust-III foi detida a cerca de quinhentos quilômetros da mesma. O efeito foi violento, mas não representou qualquer perigo para a nave. Os neutralizadores gravitacionais absorveram o choque produzido pela frenagem. Dentro de poucos segundos a nave se imobilizou pouco acima da selva úmida.

Um tanto cansado, Rhodan se reclinou na poltrona. O nervosismo se espalhou em torno dele. Reginald Bell corria de um instrumento para outro, o telegrafista fez tentativas frenéticas para transmitir o sinal codificado em hiperondas ao grande cérebro positrônico situado no interior da fortaleza, e o terceiro-oficial indagou junto ao centro de comando técnico se toda a aparelhagem estava em ordem.

Nenhuma dessas providências produziu o menor resultado.

Finalmente Rhodan deu o comando:

— Descer! Vamos pousar!

Bell olhou-o perplexo.

— O que houve? Por que não podemos entrar?

— Porque fomos cautelosos demais — respondeu Rhodan com a voz cansada.

No momento se limitou a essa resposta. Observou atentamente como a Stardust-III descia em direção ao solo. A floresta densa, de cerca de quarenta metros de altura, desmoronou como se fosse de capim, sob o peso da nave de oitocentos metros de altura. Os suportes hidráulicos foram escamoteados e afundaram vários metros no solo macio da selva. Uma luz vermelha se acendeu no painel, e um zumbido tranqüilizador anunciou:

— Pousamos!

Rhodan se levantou e foi até o telecomunicador de bordo.

— Peço aos senhores oficiais que compareçam à sala de comando. Tenho uma declaração a fazer.

A ordem foi cumprida imediatamente. De um minuto para outro a sala de comando se encheu. A Stardust-III tinha uma tripulação de quinhentos homens, e menos de quarenta destes eram oficiais. Além disso, havia vários mutantes que, segundo o regulamento da Terceira Potência, ocupavam a posição de oficiais.

A declaração de Rhodan, de que a Stardust-III retornara ao sistema natal quatro anos e meio depois do tempo calculado, provocou um espanto considerável. Mas Rhodan se limitou a transmitir a informação relativa ao fato; não forneceu qualquer comentário, muito menos uma explicação.

Ainda relatou o que soubera do coronel Freyt sobre a evolução dos acontecimentos políticos na Terra.

— Quando retornarmos à Terra — disse — veremos um quadro diferente daquele que temos na lembrança. Ao que parece quatro anos e meio foram suficientes para afastar ao menos parte da Humanidade do caminho certo. Teremos de tomar providências para que essa série de equívocos não produza danos ao nosso planeta. Mas, antes disso, temos de enfrentar outro problema. Todos os nossos planos, na parte em que dizem respeito à Humanidade e ao seu desenvolvimento no quadro galáctico, dependem em boa parte da nossa capacidade de em qualquer tempo, hoje ou dentro de algumas dezenas de milhares de anos, reencontrarmos o planeta Peregrino. Com base no trecho da órbita de que dispomos, o grande cérebro positrônico instalado em nossa base em Vênus pode calcular a órbita de Peregrino até os tempos mais longínquos.

“Por isso uma das nossas tarefas preferenciais consistiria em introduzir no dispositivo positrônico os dados sobre o trecho conhecido da órbita de Peregrino, e isso com a maior urgência, já que a cada minuto que passa o cálculo se torna mais difícil. E essa tarefa se tornou ainda mais premente, já que um inimigo que aparentemente sabe o que quer vem realizando esforços para se apoderar das instalações existentes em nossa base de Vênus.”

Fez uma pausa e lançou os olhos para diante de si, como se tivesse de refletir cuidadosamente sobre as palavras que iria proferir.

— A base positrônica foi regulada de maneira a não produzir dano a qualquer ser humano. Quando efetuei essa regulagem contei com a possibilidade de que num vôo a Vênus pudesse acontecer alguma coisa a um de nós que o impedisse de transmitir o sinal convencionado em código. Com a regulagem anterior o cérebro positrônico teria partido automaticamente ao ataque. Isso tinha de ser impedido. Para ser franco, nunca contei com a possibilidade de que algum ser humano fosse pousar em Vênus contra nossa vontade.

— “Mas tudo indica que foi precisamente o que aconteceu. Não há dúvida de que os numerosos pontos que se deslocavam a pequena velocidade, localizados pelos instrumentos de vigilância nas proximidades da base de Vênus, não são outra coisa senão naves espaciais de propulsão nuclear, construídas na Terra, fora do território da Terceira Potência. Os foguetes com que fomos atacados também indicam que os invasores provêm da Terra. Por fim, o simples fato de que o cérebro positrônico não impediu o pouso constitui a melhor prova de minha suposição.

“Face ao relato do coronel Freyt, não há como duvidarmos de que uma poderosa frota espacial do Bloco Oriental pousou em Vênus para se apoderar da base. O cérebro positrônico ainda fez outra coisa. O bombardeio da Stardust-III com foguetes nucleares foi um acontecimento que na memória do cérebro está armazenado sob a classificação de fato extraordinário e inquietante. Transmiti ordens expressas ao cérebro para que nessa hipótese toda a área da base seja fechada hermeticamente, de tal forma que ninguém possa penetrar na mesma.

“Reconheço, cavalheiros, que efetuei essa regulagem num acesso de cautela excessiva. Mas peço-lhes que considerem que um caso como o presente não poderia ter sido previsto pela fantasia mais extravagante. O fato é que nem mesmo nós podemos romper o campo protetor da base. Devemos nos empenhar em reduzir o invasor à impotência o quanto antes e convencer o cérebro positrônico de que não existe mais qualquer perigo em Vênus.”

Lançou um olhar penetrante para os oficiais.

— Quanto antes, é o que acabo de dizer. Não é difícil compreender que daqui a umas três semanas da contagem de tempo terrena será impossível até mesmo para o grande cérebro positrônico calcular toda a órbita do planeta Peregrino com base no trecho conhecido. Peço-lhes que esclareçam os suboficiais e a tripulação sobre a nova situação e aguardem minhas instruções. Obrigado, cavalheiros.

A Stardust-III encontrava-se diante de um problema difícil, mas não insolúvel.

Na sala de comando só permaneceram Rhodan, Bell e os dois oficiais que ocupavam seus lugares nos postos de telegrafia e de direção.

Bell sacudiu a cabeça.

— Para falar com franqueza — disse, contrariado — já não entendo mais nada. Você acha que foi acertado confessar um erro seu perante os subordinados?

Estavam sentados diante do quadro de pilotagem. O posto de telegrafia e de direção se encontravam a uma distância suficiente para que pudessem conversar à vontade.

Rhodan riu.

— Por que não? Cometi um erro, não cometi?

— Não diria que foi um erro. Todo mundo teria chamado você de idiota se, naquele tempo, tivesse manifestado a idéia de tomar providências para impedir que o Bloco Oriental pousasse em Vênus com uma frota de invasão.

— Acontece que fizeram isso mesmo. Foi um erro meu. Deveria ter considerado todas as possibilidades.

Bell estendeu as mãos, com a palma para cima.

— Está bem. Mas há outra coisa que não entendo.

— O que é?

— Freyt devia estar informado sobre os acontecimentos que se verificaram na Terra. Por que não fez nada?

Rhodan contorceu o rosto.

— Também foi minha culpa — respondeu. — Freyt está sujeito a um bloqueio hipnótico. Não está em condições de exercer qualquer influência sobre a política do Ocidente. Apliquei esse bloqueio nele porque não tinha certeza de que não acabaria acalentando certas ambições. Poderia dispor irrestritamente do potencial técnico da Terceira Potência. Era bem possível que caísse em tentação.

— É por isso que está sujeito ao bloqueio.

— E é por isso que não podia fazer nada quando houve uma reviravolta no Bloco Oriental e este se desviou do bom caminho.

Reginald Bell acenou com a cabeça.

— Pois bem — disse depois de algum tempo. — Naquela época ninguém contaria com a possibilidade de que só depois de quatro anos e meio voltássemos a aparecer, não é? Se não fosse assim, você teria agido de outra forma.

Rhodan acompanhou as riscas de soalho com a ponta da bota.

— Não procure desculpar meu procedimento — recomendou a Bell. — Cometi um erro ao tomar todas as decisões de acordo com minha cabeça e a capacidade restrita de raciocínio de que disponho. No futuro terei de conversar com maior freqüência com nosso grande cérebro positrônico. Suas previsões são mais objetivas que as minhas.

Bell lhe lançou um olhar sério.

— E a frota de invasão? Por que não a eliminamos pura e simplesmente?

Rhodan respondeu em tom hesitante:

— Em primeiro lugar repugna ao meu gênio eliminar alguém pura e simplesmente, e depois isso não será possível. Se o chefe da frota tiver alguma inteligência, terá abandonado imediatamente o lugar em que se encontrava. E nesta selva teremos dificuldade até mesmo em localizá-lo.

Bell se sobressaltou.

— Além disso deve ter espalhado seus homens a tal ponto que um bombardeio concentrado não nos adiantará mais nada. Você não acha?

Rhodan acenou com a cabeça; estava muito sério.

Bell refletiu por algum tempo.

— Quer dizer que teremos de travar uma pequena guerra na selva?

Rhodan sorriu.

— Se for pequena — disse com a voz baixa — poderemos nos dar por satisfeitos.

 

A franqueza que Rhodan demonstrou perante seus subordinados produziu um efeito que era exatamente o oposto do que Reginald Bell previra.

Era a primeira vez em toda a história da Terceira Potência que Rhodan tinha motivo para confessar um erro, porque era a primeira vez que cometia um.

Seus subordinados — os oficiais, suboficiais e tripulantes — que até então o veneravam graças ao seu saber superior e à sua capacidade extraordinária, agora sentiam que precisava deles, porque, apesar de seus dotes geniais, era um homem como qualquer outro.

Pela primeira vez a veneração, que sempre sabia guardar distância, era acompanhada de um forte sentimento de comunhão.

Qualquer ordem que Rhodan desse para preparar a ação contra a frota invasora era executada depressa, mas cuidadosamente. Tudo engrenava exatamente. Duas horas após o pouso, as fotografias tiradas durante o vôo pelos instrumentos automáticos de observação haviam sido interpretadas a tal ponto que Rhodan podia preparar seus planos táticos. Dali a mais duas horas soubera através de sondas de espionagem de que forma o general Tomisenkow reagira ao golpe, e sete horas após o pouso uma força expedicionária com o efetivo inicial de cinqüenta homens, totalmente armado e equipado, estava pronta a sair pelas comportas.

O próprio Rhodan assumiu o comando.

Mas antes teve uma palestra com Thora e Crest, os dois arcônidas.

 

A finalidade que levara os dois arcônidas a penetrar nessa área da galáxia a bordo de um cruzador espacial — um dos últimos que a raça arcônida, decadente, conseguira pôr a caminho — fora a procura do mundo da vida eterna, isto é, de um mundo cujos habitantes conheciam o segredo da conservação das células.

O cruzador pousara na lua terrestre em virtude de avarias, justamente no tempo em que o primeiro foguete guiado por homens se punha a caminho da Lua.

O encontro era inevitável, e a constelação das circunstâncias fez com que os tripulantes da velha Stardust, Rhodan, Bell e o Dr. Manoli, se ligassem a Crest e Thora, sobreviventes da nave arcônida, para a vida e a morte.

Na Terra impediram, através do poderio proporcionado pelos recursos arcônidas, a irrupção da terceira guerra mundial, e se constituíram em Terceira Potência no deserto de Gobi.

Do ponto de vista de Rhodan, a ligação de início se inspirara unicamente na finalidade que tinha em vista. Seus objetivos eram muito elevados: a união da Humanidade e a consolidação da posição da Terra no seio da galáxia. Os arcônidas com sua técnica superior apareceram em boa hora.

Também da parte de Crest e de Thora no princípio a perspectiva de uma vantagem pesava mais que qualquer simpatia. Rhodan era um homem ativo. Depois de ter absorvido o saber arcônida através de um processo de treinamento hipnótico, estaria em condições de montar uma indústria capaz de construir uma nave de grande alcance do tipo arcônida. Com uma nave dessas, Crest e Thora poderiam prosseguir na sua viagem em busca do mundo da vida eterna ou retornar a Árcon, seu mundo natal.

Houve complicações. Inteligências estranhas atacaram a Terra. A Terceira Potência conseguiu repeli-las. A Terceira Potência ainda travou uma guerra no sistema Vega, e a Stardust-III, uma nave inimiga apresada, empreendeu uma viagem longa e arriscada à procura do mundo em cuja busca Thora e Crest partiram há anos de Árcon.

Peregrino — era este o nome do planeta da vida eterna.

Um mundo artificial, que seu construtor forçara a descrever uma órbita extravagante em torno de trinta sistemas solares.

Rhodan soube do segredo, e soube ao mesmo tempo que, no relógio do Universo, havia soado a hora final para os arcônidas. Para eles não haveria qualquer renovação celular. A vida eterna lhes foi negada.

Crest e Thora haviam colocado Rhodan na pista do segredo e agora, que o haviam descoberto juntos, a revelação lhes foi recusada.

Rhodan obteve a solução — Rhodan, o herdeiro do império galático.

 

Crest estava só, no seu camarote.

Reclinara-se profundamente na macia poltrona articulada e fitava o teto. Não se mexeu quando Rhodan entrou.

Rhodan parou perto dele.

— Não sei — disse em voz baixa e cautelosa depois de algum tempo — se vale a pena se entregar exclusivamente à melancolia.

Falava no idioma arcônida.

Crest deixou passar algum tempo; depois virou a cabeça e lançou um olhar sério para Rhodan.

— O senhor não imagina — respondeu — o que esta derrota representa para mim e para todos os arcônidas. Para alcançarmos a perfeição final só nos faltava o segredo da vida eterna, nada mais. É um golpe duro ouvir que o grau mais elevado da evolução nos foi recusado.

Rhodan refletiu no que devia dizer. Sentou perto de Crest.

— Sairei da nave — disse em tom sério. — Alguém se instalou em Vênus e vem nos causando dificuldades.

Crest ergueu as sobrancelhas brancas e espessas. De resto não deu mostras de qualquer surpresa ou nervosismo.

— Não sei quanto tempo demoraremos lá fora — prosseguiu Rhodan. — Por isso quero lhe pedir um favor.

Crest conseguiu esboçar um sorriso débil.

— Tem certeza de que ainda conseguirei levantar desta cadeira e vencer minha depressão? — perguntou.

Rhodan fez que sim.

— Tenho certeza absoluta. Cuide de Thora, sim? Também foi afetada por essa história do planeta Peregrino; além disso, é muito impetuosa.

Crest ainda estava sorrindo.

— É claro que cuidarei — asseverou. — Desde a decolagem não a vejo mais, mas irei vê-la imediatamente.

Levantou-se.

— Faça um bom trabalho! — disse, dirigindo-se a Rhodan. — E volte são e salvo.

Rhodan respondeu com um aceno de cabeça.

Dois minutos depois se encontrava na comporta sul e transmitia as últimas instruções aos seus homens.

O corpo expedicionário de cinqüenta homens estava subdividido em quatro grupos. Rhodan confiou o comando dos grupos aos experimentados majores Deringhouse e Nyssen, e ao tenente Tanner.

Cada homem envergava um traje transportador arcônida. Tratava-se de um aparelho de múltiplas aplicações, dotado de um gerador de força gravitacional para a produção de gravidade artificial. Com isso, podia transportar seu portador pelo ar. Além disso, um minúsculo dispositivo eletromagnético produzia um campo de deflexão, que conferia qualidades quase hidromecânicas ao meio circundante, em relação à propagação de emanações luminosas, de forma que as ondas luminosas contornavam o campo em forma de linhas de fluxo, tornando invisível o traje e o homem que o envergasse.

Cada grupo dispunha de três câmbios. Tratava-se do veículo ultra versátil dos arcônidas, que se deslocava com igual facilidade em três elementos.

Os homens estavam equipados com o armamento usual. Só os oficiais portavam pequenos projetores mentais.

— O inimigo encontra-se em marcha — explicou Rhodan. — Creio que conheço seu objetivo; mas, para termos certeza, devemos manter contato ininterrupto com a nave. O que temos pela frente é nada menos que uma guerra na selva ao estilo antigo. Quem quer que detenha o comando do outro lado há de saber que os recursos de que dispomos são superiores aos seus, e planejará sua ação de acordo com esse fato. Distribuirá seus homens por uma área bastante ampla e travará uma guerra de guerrilhas, o que nos impedirá tirarmos proveito de nossa superioridade. Apesar de tudo isso, temos de chegar quanto antes a uma solução final. Não temos tempo a perder. Portanto, façam um trabalho bem feito.

 

O general Tomisenkow logo constatou que subestimara grandemente as dificuldades da marcha.

Chanicadse, um jovem tenente armênio, marchara durante duas horas diante dele, cuidando para que os galhos, que a selva já voltara a estender por cima da trilha aberta pelo destacamento de vanguarda, não fustigassem o rosto do general com demasiada violência.

No início da terceira hora, quando Chanicadse se dispunha a remover uma trepadeira, um verme branco, da grossura de uma cocha humana, surgiu da esquerda com uma agilidade incrível, envolveu o corpo do tenente, e desapareceu com ele na selva.

Antes que Tomisenkow, seu ajudante e os dois oficiais que o acompanhavam se dessem conta do que estava acontecendo, o gigantesco verme já havia desenrolado uns vinte metros de sua repugnante extensão. Sobre o resto, que media outros vinte metros, dirigiram que nem um bando de loucos os disparos de suas pistolas automáticas; mas aquela criatura de Vênus pouco se incomodou com as balas.

Chanicadse continuava desaparecido. Tomisenkow proibiu a perseguição do verme. Não queria perder mais gente naquela selva impenetrável.

Meia hora depois ouviram um ruído rítmico e retumbante vindo do oeste. O ajudante acreditava que se tratasse de um terremoto.

Uma hora depois viram o que era — ou melhor, estavam em condições de realizar uma reconstituição aproximada do quadro. Um animal de dimensões fenomenais cruzara a trilha, colocando uma das pernas exatamente sobre a mesma. A marca do pé era redonda, e tinha o diâmetro de cinco metros. No centro da mesma viam-se alguns restos de uniforme, e o solo estava ensopado de sangue. Nem havia possibilidade de verificar quantos dos homens de Tomisenkow haviam perecido.

Dali a dois quilômetros a trilha descreveu uma curva acentuada em direção ao sul e conduzia a um lago estreito e comprido, rodeado pela selva. Um dos dois oficiais não quis percorrer o caminho longo em torno do lago. Entrou na água, andou um pedaço e pôs-se a nadar.

Depois de ter vencido cerca de três quartos da distância, teve que se desviar de um objeto estranho; parecia um tapete brilhante e colorido, pousado tranqüilamente na superfície da água. O oficial passou a grande distância. Mas subitamente o tapete pôs-se em movimento e seguiu-o. De início o nadador não percebeu nada. Só teve a atenção despertada quando Tomisenkow, o ajudante e o outro oficial o preveniram aos gritos.

Com amplas braçadas procurou alcançar a margem oposta. Mas, no lugar exato em que seus pés alcançaram o fundo do lago, foi alcançado pelo tapete. A água começou a fervilhar, e o homem mergulhou aos gritos. O tapete passou por uma estranha transformação. Subitamente não era mais colorido, nem se estendia sobre a água; tornou-se cinzento e assumiu o formato de uma massa compacta e disforme, cujas forças evidentemente eram muito superiores às de sua vítima.

Com uma rapidez incrível aquela massa atingiu a zona de água profunda. Mergulhou. O homem do grupo de Tomisenkow nunca mais foi visto.

 

Do outro lado da faixa de terra derretida e calcinada, que a Stardust-III parecia ter traçado a régua em meio à selva, alguns homens da divisão de defesa de foguetes do general Tomisenkow conseguiram ficar vivos.

De início, o destacamento espacial de desembarque contara com mais de duzentos homens. Agora sobravam vinte e oito.

Das dez rampas de lançamento apenas duas continuavam de pé. O suprimento de foguetes nucleares se reduzira de cem para cinco.

O major Lysenkow assumiu o comando dos vinte e oito sobreviventes. Era um homem relativamente jovem, que punha todo seu empenho em mostrar aos homens que mantinha o domínio perfeito da situação.

Também a leste da faixa devastada, a nave em sua rápida passagem afetara os tímpanos dos homens. Lysenkow teve de se comunicar por escrito com seus homens; não lhe ocorreu a idéia brilhante de Tomisenkow.

Depois de algumas horas, quando acreditava estar em condições de manejar um dos transmissores portáteis, procurou entrar em contato com o general. Até então os vinte e oito homens só estavam ocupados em tratar das feridas, apurar a radiatividade da faixa derretida e, de tempos em tempos, medir a temperatura do solo na mesma.

Tomisenkow não respondeu, e nenhuma outra pessoa acusou o recebimento do chamado.

Lysenkow se sentiu terrivelmente perturbado. Levou bastante tempo até que lhe ocorreu que provavelmente Tomisenkow teria abandonado o acampamento, deixando no local alguma indicação sobre seu paradeiro atual.

Lysenkow não gostou da idéia de aguardar até que a faixa calcinada esfriasse a ponto de não representar qualquer perigo. Eram cento e oitenta horas, tempo local; dentro de dez ou doze horas ficaria escuro.

Lysenkow participara do bombardeio infrutífero da nave inimiga; por isso estaria em condições de imaginar mais ou menos o que tinha acontecido, mesmo que não soubesse explicar certos detalhes. Mas calculava que dentro de algum tempo o inimigo voltaria a atacar e mandou preparar as rampas de disparo que ainda restavam.

Depois, ficaram à espera.

 

O major Deringhouse recebera instruções para verificar de ambos os lados da faixa calcinada, para apurar se ainda havia restos das tropas inimigas escondidos na área em que antes se encontrava o acampamento.

Deringhouse se afastara do destacamento com dois dos seus câmbios; passando rente à copa das árvores, avançou na direção sul.

Encontrou a parte oeste do acampamento vazia e abandonada, com exceção dos cadáveres de alguns homens vitimados pelo furacão.

Passou pela faixa devastada a cerca de quinhentos metros de altitude. Ao pôr do sol os dois veículos pousaram junto a uma das rampas de foguete escondidas na folhagem, que o furacão derrubara.

Deringhouse examinou a rampa; a única coisa interessante que encontrou foi uma inscrição em letras cirílicas existente no quadro de comando eletrônico, que provava se tratar de uma expedição do Bloco Oriental.

O que ainda dava que pensar era o fato de que a rampa — se porventura não tivesse sido atirada para aquele local em virtude do deslocamento do ar — se encontrava em meio à folhagem, com um campo de tiro mínimo. Poderia haver mais uma dúzia dessas posições de disparo; mas sem encostar o nariz nelas não seria possível descobri-las.

Deringhouse dispunha de um único mutante em seu grupo. Era Son Okura. O japonês franzino com os grandes óculos de aro de tartaruga possuía uma faculdade estranha. Seus olhos sabiam captar uma faixa muito mais ampla do espectro eletromagnético que os de um homem comum. Son Okura via o infravermelho com suas ondas longas, da mesma forma que o azul radiante do céu terreno. Estava em condições de captar até mesmo certa faixa de luz ultravioleta.

Naquele instante era da maior importância para Deringhouse, porque este, apesar da escuridão que irrompia, não quis assumir o risco de usar os holofotes de luz infravermelha, que poderiam ser detectados pelos instrumentos do inimigo. Mas, como o calor do dia se mantivesse, úmido e opressivo, sob a cobertura espessa das folhas, os olhos de Okura mantinham toda sua eficiência. Para ele, de noite a floresta continuava tão iluminada como uma paisagem coberta pelos raios do sol.

Outro auxiliar de Deringhouse consistia nos pequenos localizadores de microondas, que todo câmbio conduzia a bordo. Um dos homens estava pesquisando os arredores do local de pouso. Pequeninos pontos verdes começavam a emitir uma débil luminosidade sempre que o feixe de ondas atingia a massa metálica de outras rampas de lançamento.

Outro homem anotava os resultados num mapa provisório.

Enquanto Deringhouse ainda aguardava o resultado, o homem que manejava o dosímetro anunciou um nível anormal de radiatividade. Deringhouse pegou um pequeno contador e, acompanhado de dois homens, saiu em busca da fonte de radiações. Um dos dois homens era Son Okura.

Aproximaram-se da faixa de terra calcinada.

Subitamente Okura parou e ergueu a mão. Deringhouse permaneceu imóvel. O ruído produzido por uma série de pisadas e estalos se aproximou da esquerda. Deringhouse viu uma sombra comprida e achatada, que atravessou a folhagem a uns vinte metros de distância.

Desapareceu na direção norte. Ao que parecia não percebera o grupo dos três homens que se mantinham numa expectativa ansiosa, ou não se interessava pelo mesmo.

Prosseguiram em sua marcha. Para vencer obstáculos maiores, valiam-se dos geradores antigravitacionais de seus trajes. Finalmente chegaram a um ponto em que o contador acusava uma emanação tão elevada que Deringhouse achou preferível não prosseguir.

A uns cem metros de distancia, na faixa da selva que o furacão escaldante da Stardust-III reduzira a cinzas, Okura pôde distinguir um conjunto de objetos de cor escura; provavelmente tratava-se dos remanescentes de um edifício. Não havia a menor dúvida de que as radiações provinham dali. Deringhouse estava praticamente convencido de que os homens do Bloco Oriental haviam armazenado parte de seu armamento nuclear naquele edifício, e que esse armamento fora atingido pela tempestade de fogo.

Dispôs-se a regressar. Mas nesse instante Okura, num gesto de advertência, colocou a mão sobre seu braço.

— Psiu!...

Aguçaram os ouvidos. Ouviram sons martelantes, vindos do sudoeste, trazidos pelo vento causado pelo calor da faixa de terra queimada. Deringhouse não sabia que ruído era esse, mas Okura logo descobriu.

— É um facão! — cochichou. — Alguém se aproxima. Eu o vejo.

Deringhouse resolveu esperar.

As pancadas chicoteantes cessaram assim que o desconhecido atingiu a faixa devastada, passando a se mover em terreno desimpedido. Nem Deringhouse nem o cabo que o acompanhava distinguiam qualquer coisa; mas o japonês via o homem com toda nitidez.

— Está de uniforme — cochichou. — Traz uma carabina automática na mão esquerda e um pequeno aparelho na direita.

Dali a um minuto acrescentou:

— Vem exatamente em nossa direção. Vamos procurar uma cobertura.

Agacharam-se atrás do toco de uma gigantesca árvore que o furacão carregara. Deringhouse preparou seu radiador de impulsos energéticos.

Pouco depois viu o vulto desconhecido emergir da escuridão. Ouviu-o murmurar.

Parou a uns cinco metros de seu esconderijo. Continuava a segurar a carabina descuidadamente na mão esquerda. Mas colocara a caixinha bem diante dos olhos; Deringhouse viu uma luz débil, que na sua opinião provinha de uma escala luminosa.

Era um dosímetro. Os homens do Bloco Oriental vigiavam o foco do perigo radiativo.

Deringhouse não teve muito tempo para refletir sobre a tática que devia empregar. Se atirasse com o radiador de impulsos, mataria o homem. Acontece que pretendia saber alguma coisa por seu intermédio.

Ergueu-se cautelosamente. O desconhecido se encontrava quase de costas. As longas pernas de Deringhouse venceram a distância em dois ou três saltos rápidos. Antes que o homem compreendesse o que estava acontecendo, foi golpeado na cabeça com a coronha da arma de Deringhouse.

Dobrou os joelhos e caiu molemente ao solo.

— Venham! — chamou Deringhouse a meia voz. — Agarrei-o.

 

O major Lysenkow fez tudo para que seus homens não percebessem nada, mas já não conseguia esconder a verdade de si mesmo: se a incerteza durasse mais algumas horas, sofreria um colapso.

Tinha diante de si, sobre o solo batido diante da cabana de folhas primitiva que sobrara do furacão, um mapa provisório da área em que pousara a expedição do general Tomisenkow. Guiando-se pelas estimativas realizadas juntamente com seus homens desenhara no mapa a faixa atingida pelo furacão, a faixa de terra calcinada e o ponto em que a radiatividade atingia um nível perigoso, em cujo centro se encontravam os foguetes derretidos.

Quis o acaso que justamente nesse ponto a faixa aquecida fosse mais estreita. Dentro de três horas, o mais tardar, Lysenkow assumiria o risco de fazer com que seus homens transpusessem a faixa nesse ponto, em passo acelerado; numa situação dessas não importava quantos homens resistissem a um empreendimento desses. O que interessava a Lysenkow era que ele mesmo, o chefe do grupo, fosse bastante rápido para atingir o lado oposto são e salvo.

Mas havia a mancha contaminada. Se o nível de radiatividade não baixasse com suficiente rapidez, teriam de esperar até que a faixa de terra queimada esfriasse o bastante em outro ponto, onde a largura era maior.

É que nem mesmo o major Lysenkow estava livre dos efeitos das emanações radiativas.

Enviara um homem ao local para medir as radiações.

Olhou para o relógio.

Por que o sujeito estaria demorando tanto?

Lysenkow se levantou e saiu da cabana. Seguiu na direção em que o homem se afastara. Passando entre as trepadeiras que lhe barravam o caminho, aguçou o ouvido.

Percebeu o som de passos.

Parou. A folhagem se movimentou diante dele e uma sombra emergiu da mesma.

— Por que demorou tanto? — chiou Lysenkow.

O homem parou; não respondeu.

— Aproxime-se! — ordenou Lysenkow.

O homem deu alguns passos em sua direção.

— Por que demorou tanto? — repetiu Lysenkow. — Responda.

No momento em que começou a suspeitar, porque o homem que tinha diante de si era mais baixo que aquele que enviara ao local, já era tarde.

Com um salto de felino, Son Okura se grudou na garganta do major. Lysenkow não teve a menor chance. Uma pancada vigorosa com a coronha do radiador de impulsos energéticos pôs fim à luta antes que a mesma tivesse começado.

Okura deu um assobio estridente. Trinta segundos depois Deringhouse e o cabo se encontravam ao seu lado.

O japonês apontou para o corpo imobilizado de Lysenkow.

— Parece que é o chefe — cochichou.

Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça.

— Vamos amarrá-lo e amordaçá-lo — ordenou laconicamente.

O cabo recorreu a algumas trepadeiras e ao seu lenço para cumprir essa incumbência.

— Prosseguir! — ordenou Deringhouse. — Deixem o homem aqui.

Son Okura seguiu à frente. Andando pelo caminho que Lysenkow abrira em meio à vegetação, encontraram a cabana. Num raio de cinqüenta metros Okura notou mais três cabanas, de maiores proporções, espalhadas sob as árvores. Pelos cálculos de Deringhouse deviam ser uns trinta homens que viviam ali.

Convocou o resto de seus homens e lhes explicou a posição exata do objetivo. A fonte de radiatividade constituía um excelente ponto de referência.

Oito minutos depois, os câmbios pousaram. Atrás da cabana de Lysenkow, ao sudoeste, havia uma faixa de mata livre de vegetação rasteira. Desceram ali sem provocar o menor ruído.

Deringhouse transmitiu instruções lacônicas. Quando terminou, viu uma sombra que se aproximava da cabana, vinda do leste. Admirado, Deringhouse se ergueu por completo.

— Kto tam? — perguntou a sombra. Aquelas palavras de uma língua estrangeira provocaram a reação instantânea de Deringhouse. Antes que a sentinela soubesse se a suspeita que o trouxera até ali era justificada ou não, Deringhouse atirou. O efeito do choque térmico do radiador de impulsos energéticos foi tão fulminante que a vítima nem teve tempo para gritar.

O resto foi fácil. Diante de cada cabana havia uma sentinela. Todos foram dominados prontamente e com um mínimo de ruído. As dificuldades causadas pelos soldados que dormiam no interior das cabanas foram ainda menores. Dentro de quinze minutos a ação estava concluída. Deringhouse capturara mais vinte e sete prisioneiros. Um deles lhe havia revelado que daquele lado da faixa de terra calcinada não havia outros homens do bloco Oriental. Mandou dois dos seus homens trazerem o prisioneiro capturado em primeiro lugar, através do qual souberam a situação daquela posição provisória.

Quando uma tormenta desabou sobre a selva, Deringhouse prosseguiu no interrogatório. Mas só dali a uma hora, quando a tormenta já estava amainando, apurou a importância de sua presa. Depois que o furacão causado pela Stardust-III destruíra a maior parte do arsenal nuclear da expedição do Bloco Oriental, e uma vez capturados pelos homens de Deringhouse os cincos foguetes nucleares remanescentes, a mesma já não dispunha de qualquer arma nuclear cujo poder explosivo fosse superior a um quiloton de TNT. Restavam as armas defensivas das naves espaciais, das quais Tomisenkow — no meio tempo Deringhouse apurara o nome — provavelmente teria salvo algumas.

O perigo maior havia sido eliminado.

Deringhouse imediatamente transmitiu o respectivo relatório a Rhodan, através do hipertransmissor.

 

A tempestade, que Deringhouse e seus homens enfrentaram sem maiores problemas, trouxe uma situação bastante difícil para o general Tomisenkow, seu ajudante e os outros membros da coluna que comandava.

Depois da aventura pavorosa junto ao lago, Tomisenkow também perdera o terceiro dentre seus acompanhantes. Quinze minutos depois, quando o mesmo se esforçava para afastar um cipó grosso e resistente, percebeu tarde demais que se havia metido com uma cobra.

Esta, que era do tamanho de uma jibóia, fugiu pelo ombro do jovem oficial que a atacara a golpes de facão e desapareceu em meio à vegetação. Parecia que tudo tinha terminado bem; fora só o susto, que atingira Tomisenkow e seu ajudante quase com a mesma intensidade que ao jovem oficial.

Mas, alguns minutos depois, o jovem subitamente caiu ao chão. Tomisenkow procurou lhe prestar auxílio. O pescoço, que era a única parte do corpo tocada pela cobra, estava tão inchado que era da mesma grossura da cabeça. O homem morreu dentro de poucos instantes.

O ajudante tirou o facão das mãos do morto e foi abrindo caminho. Em uma hora não avançaram mais que mil e quinhentos ou dois mil metros.

Ao pôr do sol perceberam que a trilha aberta por um dos grupos que ia à frente começava a se abrir; parecia mais recente. Realmente, dali a quarenta e cinco minutos alcançaram um grupo de cinco homens levemente feridos, que carregavam as macas em que iam dois feridos graves.

Quase no mesmo instante, o ajudante, que carregava o rádio pendurado ao pescoço, recebeu a mensagem expedida por um dos grupos que iam mais à frente. O grupo havia encontrado um local adequado para montar acampamento, numa área de terreno aberto. Muito embora os cinco homens com ferimentos leves a que se haviam reunido minutos antes bem merecessem que alguém lhes prestasse auxílio, carregando as pesadas macas ao menos por alguns metros, Tomisenkow não hesitou em seguir à frente com seu ajudante, para chegar ao local do acampamento antes que ficasse completamente escuro.

— Abriremos um bom caminho para vocês — prometeu Tomisenkow para consolar os homens.

Pouco depois do pôr do sol chegaram ao pé do platô de pedra de onde fora expedida a mensagem do grupo de vanguarda.

Quinze minutos depois, Tomisenkow e seu ajudante chegaram ao acampamento levantado nesse meio tempo. Ficava numa clareira circular com cerca de trinta metros de diâmetro, situada em meio à vegetação rasteira.

Nas proximidades havia uma nascente que despejava sua água num ribeirão, por cima de uma pedra ligeiramente inclinada. Era uma água fresca e boa de beber; mas logo se percebia seu elevado teor de ferro. Havia possibilidade de cuidar dos homens que haviam sofrido ferimentos graves, cujas condições gerais tinham piorado bastante face às condições adversas em que eram transportados e ao calor úmido reinante em Vênus.

Foi quando desabou a tempestade.

Quando Tomisenkow decolou com sua frota expedicionária, foi informado de que, face à reduzida velocidade com que Vênus executava seu movimento de rotação, a diferença entre a temperatura diurna e noturna devia ser considerável, o que provavelmente ocasionaria fenômenos atmosféricos anormais ao nascer e ao pôr do sol.

Acontece que Tomisenkow não sabia muito bem o que seriam esses fenômenos atmosféricos anormais, motivo por que decidiu aguardar os acontecimentos.

Se tivesse sido avisado de que o alvorecer e o anoitecer traziam consigo furacões de intensidade extraordinária, teria tomado suas providências.

Como de nada desconfiasse, o rugido surdo que se aproximava do leste, de início, só causou um ligeiro susto a ele e a seu ajudante. Ambos procuraram disfarçar o susto.

Quando perceberam que o rugido representava um perigo real já era tarde.

O furacão atingiu o acampamento com a intensidade de uma gigantesca punhalada. Pela segunda vez no mesmo dia Tomisenkow se sentiu agarrado por uma mão de ferro e arrastado para a frente. Caiu dentro de alguma coisa que devia ter uma forte semelhança com as urtigas terrenas. De um instante para outro sentiu um ardor insuportável no rosto e nas mãos. Teve vontade de gritar; mas, como era um homem duro, mesmo para consigo mesmo, deixou de fazê-lo.

A tempestade prosseguiu no seu rugido, agitou a vegetação e lhe tornou impossível a respiração enquanto virasse o rosto na direção de onde soprava o vento. Voltou-se para o outro lado e comprimiu o corpo contra o solo pedregoso.

Ficou deitado por alguns minutos, que lhe pareceram horas. Seus olhos, ofuscados pelas lâmpadas de pilha do acampamento, se acostumaram à escuridão.

Viu alguma coisa que se aproximava sob a vegetação. Eram formigas, ou alguma coisa que se parecia com formigas, uma massa cintilante, coberta por córneas. Cada animal media uns cinco centímetros.

Centenas delas se deslocavam em sua direção, rentes ao chão. Imobilizado pelo susto, permaneceu deitado até que a primeira atingisse o ponto em que se encontrava sua mão estendida. O animal percebeu que havia algo de estranho, levantou a cabeça e cravou as tenazes na mão. Tomisenkow soltou um grito de dor, encolheu a mão e sacudiu-a até se livrar da formiga. Na mão havia uma pequena mancha vermelha.

O incidente parecia ter despertado a atenção das formigas. Numa velocidade maior que antes, precipitaram-se em sua direção.

Sacudido de pânico, o general se ergueu de um salto. Esquecera a tempestade. Esta agarrou-o com uma força irresistível, levantou-o por cima das moitas e tangeu-o como se fosse uma folha. Bem ao oeste, largou-o no chão. Com o impacto perdeu os sentidos.

 

Rhodan passou a hora da tempestade crepuscular em plena segurança, no chão da selva. Desde a primeira expedição a Vênus ficou sabendo que a parede formada pela mata constituía a melhor proteção contra a força do furacão. A selva era tão densa, e as plantas que a compunham tão flexíveis que no acampamento de Rhodan a tempestade só era sentida como um ruído perturbador.

O acampamento se situava ao pé de uma singular encosta de pedra, que se erguia suavemente em direção ao sul e estava coberta somente de pequenos arbustos.

Rhodan pretendia prosseguir assim que amainasse a tempestade, a fim de se lançar quanto antes ao ataque do primeiro grupo inimigo. Mas nem desconfiava de que Tomisenkow, cujo nome ficara conhecendo através do relato de Deringhouse, naquele mesmo instante se encontrava a apenas dois quilômetros de distância, pouco além da elevação de cento e cinqüenta metros de altura, que a encosta de pedra formava em meio à planura da selva.

A bordo da Stardust-III tudo ia bem.

 

Por mais que a tempestade tivesse fustigado o acampamento e os homens, assim que tudo terminou, ainda havia bastante disciplina para que os homens compreendessem que antes de mais nada deveriam procurar o general Tomisenkow.

A única coisa que o ajudante sabia era que Tomisenkow fora arrastado pelo vento na direção oeste.

Equipados com lanternas de pilha, os homens penetraram na área coberta de arbustos. Encontraram-se com uma trilha de gigantescas formigas marrom-claras e tiveram inteligência suficiente para contorná-las a grande distância.

Depois de uma hora de buscas encontraram Tomisenkow. Estava recuperando a consciência e gemia. A costela, trincada pelo furacão que a Stardust-III desencadeara, fora fraturada totalmente na queda.

Tomisenkow foi carregado por um trecho. Quando recuperou os sentidos por inteiro, achou que essa forma de locomoção não correspondia à sua elevada dignidade e passou a se arrastar sobre as próprias pernas, sempre resmungando.

O balanço levantado por dois homens ilesos que haviam permanecido no acampamento era assustador. Inicialmente o grupo era composto de trinta homens, doze deles ligeiramente feridos e dezoito com lesões graves. Destes últimos, seis haviam morrido e oito não foram encontrados. Entre os feridos leves havia dois mortos e quatro desaparecidos.

As cabanas tiveram de ser levantadas de novo. Tomisenkow mandou que seu ajudante entrasse em contato pelo rádio com a nave espacial pousada nas montanhas. Depois de algumas tentativas inúteis o ajudante conseguiu estabelecer contato. Tomisenkow deu ordem para que uma das naves voltasse a decolar e viesse buscá-lo. Nada restava do desejo de fornecer um exemplo brilhante aos subordinados.

Os componentes da expedição espacial haviam sido preparados para as condições especiais reinantes nas selvas do planeta Vênus. Por isso não gastaram mais de quinze minutos em levantar uma cabana relativamente confortável, e outros quinze minutos para fechar a entrada com uma cortina de trepadeiras praticamente opaca, da qual Tomisenkow fazia questão. Sabia perfeitamente que várias horas seriam necessárias para colocar um foguete pousado em condições de decolar, e que ele mesmo disporia de pelo menos oito horas para tratar suas feridas e descansar.

Deitou confortavelmente no leito de folhas e pôs-se a discutir com seu ajudante as perspectivas que a situação abria para o futuro. A dor provocada pela costela fraturada era suportável e, passado o susto das últimas horas, a confiança começou a voltar ao espírito de Tomisenkow.

O ajudante se mostrava menos confiante.

— Sou de opinião que nos encontramos numa posição perdida — disse com toda franqueza. — A tempestade provou que nosso preparo é insuficiente até mesmo para enfrentar os fenômenos naturais deste planeta. Acontece que, além da natureza de Vênus, ainda teremos de lutar contra um inimigo superior em forças. Como poderemos resistir a isso?

Tomisenkow se zangou.

— Não culpe o Ministério da Força Espacial pela presença de Rhodan. Todo mundo estava convencido de que ele se encontrava em algum ponto bem afastado do espaço. Ninguém poderia prever que iria retornar justamente neste instante.

O ajudante deu de ombros. Não cometeria a imprudência de continuar a contrariar seu superior.

— O que acha — principiou Tomisenkow depois de algum tempo. Mas nesse instante alguma coisa mexeu na cortina de trepadeiras.

— Quem é? — perguntou Tomisenkow em tom áspero.

Ouviu-se um ruído borbulhante, vindo do lado de fora.

— Veja o que é. — ordenou Tomisenkow.

O ajudante se levantou, afastou a cortina e se defrontou com dois olhos vermelhos e chamejantes de tamanho descomunal, que se encontravam bem diante de seu rosto.

Recuou com um grito estridente; mas quem se encontrava do lado de fora — fosse lá quem fosse — não quis saber de brincadeira. Tomisenkow, cuja atenção fora despertada pelo incidente, viu uma pata com vários dedos sair da cortina e segurar o ajudante pela gola do uniforme. Este foi arrastado aos gritos; a cortina foi arrancada. Lá fora, viu-se uma sombra disforme e oscilante, e dois círculos chamejantes do tamanho de uma palma de mão dançavam pelo ar.

Os gritos do homem surpreendido de maneira tão apavorante cessaram. Tomisenkow, que estava enrijecido de susto, ouviu sons tateantes, que se afastavam rapidamente, e logo a seguir uma estranha batida.

Só então recuperou as faculdades. Sem se preocupar com as dores que sentia na costela, saltou do leito e pôs-se a gritar:

— Alarma! Socorro!

Logo foi ouvido. Mas algum tempo se passou até que os homens pudessem deduzir de seu relato confuso o que realmente havia acontecido. Os três holofotes de pilha de que o grupo dispunha foram montados e os feixes de luz iluminaram toda a área do acampamento. Nem o ajudante, nem o ser misterioso que o vitimara foi encontrado. A frente da cabana de Tomisenkow o chão era duro. Não havia rastros.

Tomisenkow mandou dobrar as sentinelas. Ainda estava transmitindo instruções aos homens, quando um grito selvagem soou nos fundos do acampamento. Um dos holofotes girou rapidamente e abrangeu, do lado direito, junto à última cabana, ainda não concluída, um quadro horripilante.

Um animal que se movia sobre duas pernas e, à primeira vista, parecia ser da metade do tamanho de uma casa se aproximara de um dos feridos em estado grave, agarrara-o com o bico longo e pontudo e, sem dúvida, estava prestes a se afastar com a presa quando foi surpreendido pela luz ofuscante do holofote. Fechou os grandes olhos vermelhos encravados na cabeça semelhante à de um pássaro e ficou na expectativa. O ferido continuava a gritar.

— O que estão esperando? — berrou Tomisenkow. — Atirem logo! Atirem.

Com essa ordem os homens puseram-se em movimento. Ouviu-se o estrondo de uma confusão de tiros: as pancadas duras e matraqueantes das carabinas automáticas e o estouro metálico das pistolas.

À luz dos holofotes via-se que grande número de tiros acertou o alvo. A pele do animal, que tinha a configuração do couro, se abriu sob os impactos, e um tipo de sangue porejou pelas feridas. O ferido silenciou de repente.

O animal já não parecia ter interesse nele. Deixou-o cair e saiu correndo. Enquanto corria, as pernas pareciam crescer em comprimento. Pela segunda vez, Tomisenkow ouviu o ruído rápido e tateante, sempre que as patas tocavam o chão.

O estranho animal havia percorrido uns cem metros, a uma velocidade cada vez maior. Subitamente dois retalhos de pele desdobraram-se nas suas costas e se abriram em asas de uma envergadura inacreditável. A velocidade da corrida foi suficiente para erguer o animal no ar de um instante para outro. Produziu alguns sons repulsivos produzidos pelas batidas das asas e saiu voando tão rapidamente que a luz dos holofotes não pôde segui-lo.

Por algum tempo Tomisenkow e os membros do grupo mal ousavam respirar, de tão assustados que estavam. Depois de uns dois ou três minutos alguém disse com a voz quase devota:

— Um lagarto voador!

O encanto estava rompido.

Examinaram o ferido. Estava morto.

Tomisenkow não se atrevia a voltar à cabana. Mandou suspender a construção das mesmas e determinou aos homens que dormissem ao ar livre. Mais da metade dos membros dos grupos foram destacados para servir de sentinelas. Assim mesmo Tomisenkow praguejou contra a técnica e os pilotos dos foguetes, que levavam tanto tempo para vir buscá-lo.

 

Rhodan dormira duas horas. Isso bastava para que se sentisse perfeitamente descansado.

Desenvolveu, com base nos novos dados fornecidos pelo sistema de localização da Stardust-III uma rota de marcha provisória que, pelos seus cálculos, devia levá-lo a pelo menos dois grupos inimigos.

Ainda estava ocupado em interpretar os dados, quando um dos homens do sistema de localização se fez ouvir:

— Aí vem alguma coisa. É do tamanho de um avião, mas não faz o menor ruído.

Rhodan deu alguns passos e se colocou junto ao pequeno aparelho de localização. Surpreso, observou a larga mancha verde, que lentamente foi rastejando da borda para o centro da tela.

— A velocidade é de cerca de oitenta quilômetros por hora — completou o homem.

A mancha ainda se encontrava a certa distância do centro da tela, quando subitamente alterou sua rota.

— Está descendo — disse o homem surpreso.

Rhodan recebeu a informação com os olhos semicerrados. Procurou descobrir que objeto seria este; mas a imagem projetada na tela de microondas praticamente não permitia qualquer conclusão além do tamanho.

Com a modificação da altitude a mancha verde se aproximara bastante do centro da tela. Antes que o alcançasse, parou subitamente.

— O que será isso?

Rhodan compreendeu. Um animal provocara o reflexo. Era um animal grande, com asas, talvez um lagarto voador. Descera sobre as árvores nas proximidades do lugar em que se encontravam. A mancha verde encontrava-se exatamente sobre a linha sinuosa que marcava a altura da mata.

— Não se preocupe — disse Rhodan ao vigilante. — Foi apenas um animal. Provavelmente um...

Estacou.

— Ouviu alguma coisa? — perguntou.

— Também tive a impressão... — respondeu o vigilante.

Prenderam a respiração e aguçaram o ouvido, bastante tensos.

Depois de algum tempo voltaram a ouvir o ruído. Era um grito, um grito que exprimia o grau mais elevado de pavor. Um grito humano.

A reação de Rhodan foi instantânea.

— Verifique a direção! — gritou para o vigilante.

Logo desapareceu na escuridão.

Dentro de poucos segundos estava pronto para decolar num câmbio, juntamente com cinco de seus homens. Colocou o veículo pouco acima da cabeça do vigilante-localizador e mandou que este lhe indicasse a direção exata. Depois rompeu a folhagem das copas das árvores e pôs-se a procurar.

O câmbio dispunha de um localizador próprio. Na tela do oscilógrafo o animal estranho e imenso se destacava nitidamente sob a forma de um ponto reluzente contra o fundo representado pela mata.

— Mantenham as armas prontas para disparar — disse Rhodan, enquanto deu uma brusca acelerada no câmbio. — Abram os olhos. Um homem está em perigo.

A distância que separava o animal do acampamento não era superior a duzentos metros. O câmbio se aproximou a trinta metros; os homens já haviam enquadrado seguramente o alvo.

Rhodan ligou o holofote de luz infravermelha e olhou através do filtro. Viu o gigantesco animal na copa de uma árvore gigantesca. Por um instante se assustou com o vulto horrível envolvido por uma pele nua.

Era um lagarto voador, não havia a menor dúvida, muito embora se parecesse bastante com um pássaro.

Ao que parecia o raio infravermelho inquietava o animal. A cabeça se levantou e Rhodan pôde distinguir o bico longo e pontudo, de mais de dois metros de comprimento.

— Acionar o raio neutrônico — ordenou Rhodan, sem tirar os olhos do filtro. — Um centésimo.

A ordem foi executada imediatamente. A graduação mais fraca do radiador neutrônico mal foi suficiente para fazer o animal sentir que alguma coisa não estava em ordem. Abriu as asas e, com algumas batidas surdas transmitidas pelo microfone externo, elevou-se alguns metros acima da copa da árvore.

Não se via mais nada do homem que gritara ainda há pouco.

— Um décimo — ordenou Rhodan.

A intensidade do raio neutrônico foi aumentada. O animal soltou um grito agudo e procurou fugir.

— Acionar o radiador de impulsos! — gritou Rhodan.

A terrível arma alcançou o animal em meio ao vôo e fez com que se precipitasse na selva.

Rhodan voltou a acelerar. A folhagem da gigantesca árvore foi bastante densa para sustentar o veículo. Rhodan desceu e recomendou aos homens que tivessem cautela ao saírem.

Além da pequena comporta de ar foram recebidas pelo cheiro nauseante do animal queimado. Equilibravam-se sobre os galhos da grossura de um braço humano, que as garras do lagarto haviam limpado de toda folhagem. Com o auxílio de um holofote manual, encontraram o corpo amolecido daquele que pouco antes gritara por socorro. Estava deitado num entroncamento de galhos.

Rhodan examinou o homem antes que fosse carregado ao câmbio. Seu uniforme estava rasgado, e sangrava por várias feridas. Rhodan espalhou sobre as mesmas um remédio destinado a estancar o sangue, pertencente à farmácia arcônida da Stardust-III.

Não conhecia o homem. Mas, pelo uniforme, concluiu que pertencia ao Bloco Oriental. Se permanecesse vivo poderia fornecer indicações importantes.

Levaram-no com todo cuidado ao câmbio e retornaram ao acampamento.

Sob a influência dos medicamentos de que Rhodan podia dispor lá, o homem logo recuperou a consciência. Ao despertar não sentiu dores; Rhodan cuidara disso.

Olhou em torno, um tanto admirado, apoiou-se sobre os cotovelos e levantou-se.

— Onde estou? — perguntou em russo.

— Não o entendo — respondeu Rhodan. — O senhor fala inglês?

O homem fez que sim.

— O senhor... é Rhodan? — perguntou em tom hesitante.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Quem é o senhor?

Talvez o homem não tivesse a intenção e dar uma resposta verídica a Rhodan. Mesmo que este o tivesse libertado das garras do lagarto, ainda continuava a ser seu inimigo.

Mas o olhar de Rhodan, a força imensa daquela vontade e as energias vitais irradiadas por um homem dotado de imortalidade relativa representavam uma sugestão irresistível que reforçou a pergunta. Ao homem não restou outra alternativa senão dizer a verdade.

— Meu nome é Trewuchin. Sou ajudante do general Tomisenkow.

Satisfeito, Rhodan acenou com a cabeça.

Formulou outras perguntas. Embora Trewuchin antes estivesse decidido da enganar Rhodan na medida do possível, respondeu sem hesitação e conforme a verdade.

 

Tomisenkow não conseguiu conciliar o sono.

A costela doía, e os acontecimentos do dia que passara representavam uma carga excessiva até mesmo para um homem enrijecido como o general.

Sempre que conseguia mergulhar numa espécie de torpor, lagartos voadores que cuspiam fogo exibiam seus olhos vermelhos e queriam agarrá-lo, fazendo-o despertar com um grito de pavor reprimido.

Deitou sobre o lado direito do corpo e olhou para a orla da moita de arbustos que, numa linha negra, se destacava de forma estranha contra o céu cinzento.

A atmosfera densa e o sol muito próximo, curou sua mente cansada. Em Vênus a claridade nunca é completa, porque o ar é muito denso, nem a escuridão é total, porque a atmosfera é um ótimo condutor da luz.

Um holofote iniciou o trabalho, cansado, descrevendo um círculo lento. O círculo começou ao norte, girou para o leste e para o sul. Tomisenkow cerrou os olhos para não ser ofuscado quando o feixe de luz atingisse os arbustos.

Pretendia fechar os olhos; mas não o fez.

Viu alguma coisa. Os arbustos se moviam, e alguma coisa larga e desajeitada saiu por entre os mesmos.

Só Tomisenkow o vira à luz do holofote. De início pensara que fosse um animal; mas logo ouviu o zumbido fraco e agudo de uma máquina.

Perry Rhodan!

A idéia provocou o impacto de um choque elétrico.

Rhodan descobrira a posição do acampamento e iria atacar.

Nem concluiu seus pensamentos. Levantou-se, devagar e gemendo baixinho, para não chamar a atenção dos outros.

A área dos arbustos não ficava a mais de cem metros. Rhodan usaria de cautela ao se aproximar do acampamento, e até lá...

Seria inútil tentar organizar a resistência com o punhado de homens sonolentos e de moral abalada. Se Rhodan atacasse o acampamento, estaria preparado.

Naquela situação só uma coisa importava: que ele, Tomisenkow, não caísse nas mãos do inimigo.

Penetrou no mato de arbustos na direção noroeste, rastejou por uns cinqüenta metros e ficou aguardando.

Levou algum tempo para examinar a decisão tomada às pressas e nada de errado viu na mesma. De nada teria adiantado despertar os homens que se encontravam no acampamento e procurar resistir a Rhodan. Mas, ao sair furtivamente e sozinho, teria uma chance de escapar na confusão do combate que devia começar a qualquer momento.

Depois de ter esperado uns cinco minutos sem ouvir nada, começou a ficar nervoso. Pelos seus cálculos Rhodan já deveria ter iniciado o ataque.

Outros cinco minutos se passaram e Tomisenkow se sentiu dominado pela curiosidade. Rastejou cautelosamente em direção ao acampamento.

Quando se encontrava a quinze metros da clareira, ouviu vozes. Mais três metros, e conseguiu distinguir as palavras.

Alguém falava em inglês.

Por um instante ficou imobilizado de susto, ao ouvir a voz de Rhodan:

— Deve estar escondido nestas moitas. Não pode ter ido longe. Procurem-no; tenham cuidado.

Tomisenkow ouviu o estalo de galhos que se quebravam. O ruído reanimou-o. Voltou a fugir na direção noroeste o mais rápido que pôde.

Não se sentiu nada bem ao correr a toda pressa pelo matagal escuro. Mas não perdeu tempo em refletir para onde a fuga o levaria. A direção geral era correta, e talvez conseguisse chamar a atenção dos tripulantes do foguete.

O que mais o perturbava era que, segundo tudo indicava, Rhodan tomara o acampamento em silêncio e sem qualquer luta.

Depois de algum tempo — não saberia dizer há quanto tempo já vinha percorrendo o matagal de arbustos — o terreno, que até então subia suavemente em direção ao norte, tornou-se plano para depois descer, num declive também suave, na mesma direção.

A vegetação de arbustos foi se tornando cada vez mais densa e vez ou outra surgiam árvores, das quais Tomisenkow se desviava. Toda vez que fazia uma pausa para descansar ouvia seus perseguidores, que falavam e faziam farfalhar os arbustos.

Não era de admirar. Se dispusessem de lâmpadas, mesmo que estas não fossem muito boas, o rastro teria de lhes revelar o caminho.

Dali em diante se esforçou para usar um pouco mais de agilidade, não quebrando tantos galhos e evitando deixar marcas no solo.

Esse esforço devia ter consumido toda sua atenção, pois apesar do tamanho descomunal só percebeu aquilo que dele se aproximava quando, por um triz, iria esbarrar no peito largo e peludo e o hálito fétido e chiante atingiu seu rosto, vindo de cima.

Tomisenkow reagiu de forma instintiva, e foi o que o salvou. Não sabia que animal era este em cujas garras quase chegara a se atirar espontaneamente. Pelo que podia ver no escuro parecia um urso, mas tinha pelo menos o triplo do tamanho do maior dos ursos que Tomisenkow já havia visto.

De qualquer maneira Tomisenkow, muito assustado, deu um salto para o lado, escapando assim à primeira patada. Ao primeiro salto se seguiu um segundo, que, no momento o colocou fora do alcance das patas do animal exaltado.

Saiu tropeçando, sem prestar atenção à direção em que se deslocava. Atrás de si ouviu o ruído de patas e de galhos que quebravam. Lançou um olhar rápido por cima do ombro e viu a massa escura e cambaleante que vinha atrás dele.

Provavelmente estaria perdido, se o acaso não o tivesse protegido de forma tão estranha.

Ao se levantar depois de um grande salto por cima de uma árvore tombada, o chão cedeu sob seus pés. Soltou um grito abafado e abriu os braços, à procura de apoio. Mas ao que parecia aquele buraco traiçoeiro tinha um diâmetro maior que a envergadura de seus braços. Praticamente sem a menor resistência caiu vertiginosamente para dentro de um poço onde a escuridão era ainda maior que na selva noturna.

Aos arranhões e pancadas a viagem para o fundo prosseguiu ao menos por uns cinco ou seis metros. Depois o poço descreveu uma curva. Uma viagem infernal levou Tomisenkow a um recinto cuja forma era regular, semelhante à de um funil, conforme constatou logo depois.

Aguçou o ouvido e percebeu um rugido profundo. Torrões de terra caíram pelo poço. Depois houve alguns segundos de silêncio. Logo depois ouviu passos retumbantes que se afastavam lá em cima.

Tomisenkow respirou aliviado. Fosse qual fosse o lugar em que acabara de aterrisar, se salvara das garras do urso.

Arriscou-se a acender um fósforo e observou o lugar em que se encontrava.

Era um verdadeiro milagre que se encontrasse são e salvo depois da queda. O funil tinha cerca de quatro metros de altura, e o buraco pelo qual viera ficava mais de três metros acima da ponta do funil. Havia outros buracos, indicando que vários poços desembocavam ali.

Infelizmente a parede era tão íngreme e lisa que Tomisenkow não poderia subir por ela para alcançar a borda de um dos buracos.

Tirou o grande canivete que trazia consigo e pôs-se a trabalhar a parede revestida de uma massa vítrea. O trabalho progredia bem. Embora não fosse fácil, Tomisenkow tinha esperança de, nas próximas cinco horas, cavar os degraus que lhe fossem necessários para atingir um dos buracos.

O que importava por enquanto era que Rhodan e seus homens não o encontrassem. Quanto a isso, se julgava em segurança lá embaixo.

Só depois de algum tempo começou a refletir sobre a finalidade daquele funil e de suas diversas entradas. Notara que, até a altura de cerca de cinqüenta centímetros, a ponta do funil estava cheia de certo tipo de lixo; talvez fosse a poeira que penetrava pelos buracos, fechados apenas por uma fina camada de terra. Acontece que aquilo que Tomisenkow sentia sob os pés eram objetos sólidos.

Acendeu outro fósforo e examinou o material sobre o qual se apoiavam seus pés. Pegou ao acaso um objeto duro e examinou-o.

Era um pedaço de osso; não havia a menor dúvida.

Tomisenkow teve uma sensação desagradável. Como teria aquele osso vindo parar no buraco em que se encontrava?

O formato do funil era tão regular que não poderia ter sido escavado pela erosão provocada pela água da chuva. Ainda havia o revestimento vítreo da parede. E os buracos no solo, tão bem disfarçados.

Era uma armadilha!

Uma armadilha pertencente a qualquer fera do planeta Vênus. De tempos em tempos viria para verificar o que havia capturado e devorava-o.

Tomisenkow pôs-se a cavar o revestimento vítreo numa rapidez desesperada.

 

Perry Rhodan valera-se do projetor mental para atacar o acampamento, cuja localização lhe fora revelada pelo ajudante de Tomisenkow.

Poucos segundos depois da fuga de Tomisenkow, o projetor cobriu toda a área do acampamento, impondo a vontade de Rhodan aos que ali se encontravam. Não se opuseram quando lhes tiraram as armas e amarraram os braços. Ninguém ofereceu resistência.

Só quando se encontravam em segurança Rhodan suspendeu a influência hipnotizante. Os prisioneiros puseram-se a praguejar.

Rhodan deixou-os à vontade. Escolheu um deles e interrogou-o sobre o general Tomisenkow que, segundo tudo indicava, não se encontrava entre as pessoas aprisionadas. O homem estivera de sentinela próximo ao lugar em que Tomisenkow havia desaparecido no matagal. Dispôs-se prontamente a prestar um relato fiel, já que Rhodan reforçara sua pergunta com toda a força sugestiva do projetor mental.

Após isso Rhodan ordenou a saída de um grupo de busca, o mesmo do qual Tomisenkow havia fugido.

Depois de uma hora o grupo retornou sem ter conseguido nada. Encontrara a pista do gigantesco animal, que encobria a de Tomisenkow. Era tudo. Ninguém sabia dizer onde se encontrava o general.

O êxito inicial de Rhodan foi seguido de outro. Cerca de duas horas após o ataque ao acampamento, um foguete grosseiro desceu cuspindo fogo e, depois de executar algumas manobras complicadas, pousou a uns quinhentos metros do acampamento.

O piloto foi aprisionado, e também o resto da tripulação. O piloto revelou que, naquela altura, a divisão só dispunha de um total de oitenta naves espaciais. A resposta de Rhodan foi lacônica: — Agora só restam setenta e nove.

 

Para Rhodan, Tomisenkow estava desaparecido. Estava convencido que sua fuga desesperada lhe causara a própria morte. Nenhum homem isolado que dispusesse apenas do armamento do Bloco Oriental, totalmente inadequado para as condições reinantes em Vênus, conseguiria se manter vivo na selva por mais de meio dia de Vênus.

O próximo objetivo de Rhodan era o acampamento da divisão espacial, situado na parte noroeste do complexo montanhoso. Pelo que ouvira dos prisioneiros, o trabalho não seria fácil. Muito embora não conhecesse as características do local, Tomisenkow dera ordem para que os remanescentes de sua divisão se distribuíssem por uma área extensa. Se ainda considerasse o terreno difícil, Rhodan poderia ter certeza de que teria de travar uma verdadeira guerra de guerrilhas.

Seria inútil atacar o acampamento nas montanhas com o armamento da Stardust-III. As armas de bordo haviam sido concebidas para alvos compactos, e Rhodan teria de calcinar toda a zona montanhosa para ter certeza de que a expedição do Bloco Oriental havia sido destruída.

Não pretendia fazer nada disso. Suas armas leves também eram muito superiores às de que dispunham os membros da expedição. Se agisse com alguma cautela poderia atingir seu objetivo sem sofrer perdas e sem recorrer às armas da Stardust-III, que provocariam alterações na superfície de Vênus.

Ainda era de se considerar que nesse meio tempo o objetivo de Rhodan se modificara.

Já não estava interessado em destruir a expedição do Bloco Oriental. Antes pelo contrário, gostaria que o maior número possível de membros da divisão espacial sobrevivesse às lutas que se aproximavam.

Pretendia destruir suas naves espaciais e lhes tirar as armas com que poderiam causar estragos em Vênus. Poderiam conservar o resto, inclusive a vida.

Rhodan imaginava perfeitamente o que seria feito dos remanescentes da divisão depois disso.

 

Tomisenkow desenvolveu uma atividade tão furiosa que só ouviu o ruído rastejante quando quase já era tarde demais.

Imobilizado pelo susto, entreparou, aguçou o ouvido, percebeu o rastejar que se aproximava cada vez mais, e finalmente ouviu um zumbido no ar.

Não imaginava o que poderia ser aquilo. A escuridão era total, e não se atrevia a acender uma luz.

Mas aquela coisa monstruosa espalhou um mau cheiro que quase o levou a vomitar.

Ouviu outro zumbido e sentiu uma forte pancada no ombro. Quase chegou a cair. Apesar do pânico que se apossou dele, percebeu que aquilo que o havia atingido no ombro era mole e tinha a grossura de um robusto braço de homem.

Ao menos era o que concluía com base na sensação provocada pela pancada.

Tomisenkow se encolheu o mais que pôde. O medo projetou luzes coloridas e dançantes diante de seus olhos e cobriu-lhe a testa de suor. Sentiu um chiado no ouvido.

Mas tirou a pistola, reuniu a coragem que lhe restava e esperou.

Ao que tudo indicava a coisa que acabara de ouvir havia penetrado por um dos poços. Mas o fato de que não despencara como ele, mas movia-se tranqüilamente, indicava que não era uma das vítimas da armadilha, mas provavelmente o possuidor da mesma.

Naquele momento parecia bastante irritado. Alguma coisa tateou na escuridão, acima da cabeça de Tomisenkow, e logo o braço mole e vigoroso voltou a descer.

Desta vez se moveu com segurança. Envolveu o ombro de Tomisenkow e passou por baixo de seus braços. Este se controlou e esperou.

Só começou a disparar quando o braço flácido e gosmento começou a levantá-lo.

Os tiros de pistola encheram o recinto subterrâneo com um ribombar ensurdecedor. Quase inconsciente, Tomisenkow percebeu que a sensibilidade acústica dos ouvidos diminuía, e eles se encheram de uma música aguda.

Os tiros provocaram nele uma espécie de embriaguez. Continuou a comprimir o gatilho da arma automática, até que a pancada seca do percussor indicou que o pente de balas estava vazio.

O braço que enlaçara Tomisenkow começou a tremer. Este percebeu que a força do mesmo diminuía, e subitamente caiu ao solo. O braço soltara-o. Por cima dele, o animal, ferido pelos tiros de pistola, provocava um barulho infernal em meio à escuridão.

Com um movimento suave, Tomisenkow enfiou outro pente de balas na pistola e esperou. Calculava que o animal, ferido pelos tiros, se poria em fuga ou morreria.

Por isso levou um susto quase mortal quando voltou a ouvir o zumbido que já conhecia e, pelo que se deduzia do deslocamento de ar, o braço tentacular passara rente ao seu rosto. Com a queda, Tomisenkow encontrava-se em posição diferente. O animal teria que procurá-lo de novo.

A resistência de seus nervos estava chegando ao fim. Não quis esperar para ver se o animal conseguiria encontrá-lo de novo; apontou a pistola na direção de que viera o ruído e apertou o gatilho.

Quando o pente estava vazio, seu corpo emborcou para o frente e o rosto caiu em meio ao lixo fedorento acumulado na ponta do funil.

As forças o haviam abandonado por completo. Tentou em vão levantar o corpo com o auxílio dos braços, mas os músculos já não suportavam o peso. Com um choro desesperado voltou a cair para a frente.

Só depois disso se deu conta de que acima dele tudo estava em silêncio.

Aguçou o ouvido.

Tinha a impressão de que percebia um ruído rastejante bem ao longe, mas era só.

A idéia de que talvez tivesse posto o animal em fuga lhe deu novo ânimo. Conseguiu pôr-se de pé e, depois de ter esperado cinco minutos, durante os quais não ouvira nada, voltou a riscar um fósforo.

O funil estava vazio, tal qual ele o vira meia hora atrás. Não havia o menor vestígio dos acontecimentos que se desenrolaram no meio tempo, com exceção dos buracos que os tiros de pistola abriram na parede.

Tomisenkow estacou. Percebiam-se nitidamente duas séries de pontos de impacto. Era óbvio que a primeira provinha do primeiro pente de balas que disparara, e a outra do segundo.

As duas séries ficavam à direita e à esquerda de um dos buracos, aproximadamente a igual distância do mesmo. Concluía-se que fizera pontaria em direção ao buraco onde supunha que o animal estivesse, mas só atingira a parede, uma vez à direita, outra vez à esquerda do alvo.

Cada pente continha cinqüenta balas. Segundo um cálculo ligeiro de Tomisenkow, cada série de impacto era formado por uns cinqüenta furos.

Concluía-se que nenhum dos tiros havia atingido o alvo.

Por que teria fugido o animal?

Tomisenkow achou a pergunta muito interessante; mas o que importava no momento era sair daquele buraco. Num trabalho febril voltou a escavar degraus na parede. Dentro de pouco tempo pôde subir ao buraco pelo qual caíra no interior do funil.

Ainda esperava encontrar algumas dificuldades no interior do poço que, de forma tão surpreendente, o conduzira ao interior do planeta Vênus. Mas constatou que parte da cobertura superior do mesmo consistia em cipós. Com a queda de Tomisenkow estes foram arrastados para o interior do poço e esperavam que ele os usasse como uma corda de escalada. Experimentou sua firmeza, julgou-a satisfatória e pôs-se a subir. Prosseguindo sem pausa, conseguiu pôr-se em chão firme.

Uma vez lá em cima, ficou deitado por algum tempo de bruços e respirou profundamente. Depois se levantou e dispôs-se a prosseguir em sua caminhada, na direção primitiva.

Não se ouvia mais nada dos perseguidores que Rhodan mandara no seu encalço. Às vezes ouviam-se ruídos estranhos e pavorosos; mas Tomisenkow era de opinião que, de animais estranhos e pavorosos, não eram de se esperar ruídos de outra espécie. Por enquanto deu-se por satisfeito com o fato de que não estava sendo atacado nem perseguido.

No entanto, se interessou em saber em que direção seguira o animal em cuja armadilha caíra. Não estava disposto a realizar uma fuga apressada e cair novamente em suas garras.

Acendeu um fósforo e lançou os olhos em torno.

A luminosidade do fósforo não alcançava muito longe; mas logo encontrou o que estava procurando.

Não era o rastro do animal, mas o próprio animal.

Oferecia uma visão estranha. Tomisenkow ofereceu outro e mais outro fósforo e deixou que lhe queimassem os dedos para não perder nada do quadro.

O animal estava morto; não havia a menor dúvida. Se o nariz de Tomisenkow não tivesse sido irritado pela fumaça dos tiros, provavelmente já teria sentido o mau cheiro.

Era um animal sem esqueleto, conforme já supusera, uma espécie de pólipo terrestre. O tronco, que devia ter um metro e meio de altura, estendia em todas as direções tentáculos de mais de três metros. Um deles fora o suposto braço que erguera Tomisenkow.

Tomisenkow refletiu sobre o que poderia ter causado a morte do animal. Finalmente teve uma idéia que de início lhe pareceu um tanto ousada.

Os tiros que disparara produziram três efeitos distintos: primeiro as balas, depois a fumaça e finalmente o barulho.

As balas não haviam acertado o alvo.

Concluía-se que a morte do animal fora causada por um dos outros efeitos — o barulho ou o cheiro. As probabilidades a favor de uma ou outra das alternativas eram idênticas, e Tomisenkow não se decidiu por nenhuma delas.

Introduziu outro pente de balas na pistola e pôs-se a andar. O fato de ter se livrado do pólipo reforçou-o na convicção de que conseguiria resistir também aos outros perigos da selva.

 

Nesse meio tempo Rhodan obtivera informações precisas sobre as intenções, a força e as relações pessoais da expedição do Bloco Oriental.

Sabia que originariamente a expedição era formada por quinhentas naves.

O comando cabia ao general Tomisenkow. Era assessorado por dois majores, cinco coronéis e grande número de oficiais de menor graduação. Dos dois majores só um sobrevivera. Era Lemonovitch. Os prisioneiros de Rhodan tinham certeza de que Lemonovitch assumiria em definitivo o comando dos remanescentes da expedição, assim que soubesse que não devia contar com o aparecimento de Tomisenkow.

O objetivo da expedição era evidente. Ao retornar de sua primeira grande expedição a Vênus, Rhodan não ocultara o fato de que ali realizara descobertas importantes — descobertas que o tornariam independente da boa ou má vontade dos blocos de potências terrenas.

O Bloco Oriental também não dispunha de dados mais exatos. Mas o novo governo do mesmo decidira se apossar dessas descobertas de qualquer maneira, mesmo sem conhecer sua natureza. Por isso a divisão de Tomisenkow decolou em direção a Vênus depois de ter sido submetida a um treinamento intensivo, e ali pousara com quinhentas naves, segundo as previsões.

Ainda mais notável que a falta de escrúpulos do governo do Bloco Oriental foi o trabalho técnico levado a efeito. As naves da divisão espacial dispunham de mecanismos de propulsão nuclear do tipo daqueles com que estava equipada a Stardust em seu primeiro vôo à Lua. No momento da decolagem, Vênus se encontrava no ponto mais afastado da Terra. A viagem durara quatro semanas, e a frota conseguiu realizá-la sem qualquer perda.

— Com esse tipo de gente poderíamos conquistar o Universo, se não aparecesse sempre algum idiota que os põe no caminho errado — disse Rhodan em tom amargo.

Prosseguindo na execução de seu plano, decolou do acampamento conquistado em direção ao noroeste, onde pretendia atacar os remanescentes da expedição em seu novo esconderijo. Nesse meio tempo, Deringhouse voltara a se reunir ao pequeno grupo. Conduzira Lysenkow e seus homens à Stardust-III, e fizera com que principalmente Lysenkow fosse interrogado sob constrição hipnótica. Suas declarações foram cotejadas com as de Trewuchin, ajudante de Tomisenkow. Coincidiam.

Pela meia-noite de Vênus o grupo de Rhodan atingiu o pé da cordilheira em que os remanescentes da divisão espacial se ocultavam com suas naves. Além das escassas indicações sobre a direção do vôo, fornecidas pelo setor de localização da Stardust-III, Rhodan não dispunha de dados sobre a área em que deveria procurá-los. Mas, como soubesse que o novo esconderijo abrangia uma área de dez mil quilômetros quadrados, supôs que, de tempos em tempos, os homens do Bloco Oriental se comunicariam pelo rádio.

Mandou que o grupo assumisse suas posições num ponto elevado e instruiu os operadores de rádio para que procurassem captar as mensagens expedidas pela expedição e localizassem os emissores por meio do goniômetro.

Dentro de umas oitenta horas já havia registrado cinqüenta pontos em seu mapa. Cada um deles correspondia à posição de um emissor inimigo.

Os pontos se estendiam em três filas, por vezes em quatro, sobre a área central da zona montanhosa. Rhodan não pôde extrair qualquer detalhe do mapa levantado por ocasião do primeiro vôo sobre Vênus. Mas estava convencido de que, em todo lugar em que havia registrado um ponto, ficava um vale. As naves não teriam pousado em encostas onde seriam facilmente visíveis, muito menos em platôs.

Pelas oitenta e cinco horas da manhã, quando a noite já ia chegando ao fim, Rhodan pôs-se a caminho com os membros de seu grupo. Da Stardust-III, Bell transmitira a informação de que tudo estava em ordem. Mas observou que, segundo os dados fornecidos pelo dispositivo positrônico da nave, não deveria retardar muito sua entrada no forte de Vênus, pois do contrário o grande dispositivo positrônico da fortaleza não mais estaria em condições de, com base no trecho conhecido, calcular toda a órbita do planeta Peregrino.

O grupo de câmbios voou próximo às encostas, na direção noroeste. Deslocava-se a uma altitude média de quatro mil metros acima da planície. Mesmo nessa altitude os flancos da montanha estavam cobertos com uma selva tão densa como na planície. Quatro mil metros não representavam uma diferença de altitude muito significativa para o clima quente e úmido reinante em Vênus.

A projeção do terreno sobre as telas localizadoras forneceu um quadro bizarro. A montanha era uma formação jovem. As rochas eram íngremes, arestosas e, na expressão de Deringhouse, “livres de qualquer compromisso”.

Pelas oitenta e oito horas passaram à altura do primeiro ponto registrado no mapa de Rhodan. Este não pretendia atacar a posição mais próxima. Preferia vir do norte, para lançar confusão nas posições inimigas.

Dentro de uma hora atingiram o centro da fileira de pontos. Rhodan tomou o rumo do sul e se dirigiu a um ponto que, segundo as medições realizadas pelo telegrafista, apresentava uma potência emissora maior que os demais.

O primeiro alvorecer do novo dia surgia no horizonte quando o câmbio de Rhodan passou cautelosamente por cima do cume pontudo da montanha que limitava um vale que, em linha quase vertical, descia profundamente por entre as montanhas. A diferença de altitude entre o cume da montanha e o fundo do vale era superior a dois mil metros. Todas as encostas eram verticais, embora entrecortadas, e o diâmetro do vale era de cerca de oito quilômetros.

Os câmbios foram descendo rentes à encosta. No fundo do vale o mundo ainda não percebera o irromper do novo dia. Era escuro; se os radares inimigos não estivessem dirigidos exatamente sobre a encosta vertical, não perceberiam nada do ataque iminente.

Por enquanto Rhodan só conseguia perceber a nave nas telas dos localizadores. Os holofotes de luz infravermelha não revelavam nada, e Son Okura, já em companhia de Rhodan, também não pôde distinguir o objeto. Ao que tudo indicava a nave se encontrava num lugar cercado de árvores muito altas. Com o crescimento incrivelmente vigoroso que se verificava em Vênus, a clareira aberta durante o pouso já devia ter sido fechada.

Rhodan pousou junto ao paredão de rocha. Deixou quatro homens junto aos câmbios, para servirem de sentinelas. Com os outros avançou pela selva em direção à nave, cuja posição era indicada com elevado grau de precisão pelo reflexo do aparelho localizador.

Deslocaram-se pelo chão da selva. Rhodan achou que seria muito arriscado recorrer aos trajes transportadores. Levaram duas horas para atingir a área em que supunham que estivesse o objetivo.

Nesse meio tempo clareara também no fundo do vale. Son Okura já não era o único que conseguia ver alguma coisa.

Subitamente se depararam com a nave espacial.

Afundara alguns metros no chão macio da selva e se encontrava em posição ligeiramente inclinada. Mas não havia dúvida de que estava em boas condições, e para um piloto hábil a inclinação não representaria maior problema durante a decolagem.

A nave descansava sobre os suportes de popa. Entre dois dos suportes, os contornos da escotilha de uma comporta desenhavam-se sobre o metal. Rhodan deu ordem para que os homens parassem.

— Abriremos a escotilha a maçarico — sugeriu. — Não deve demorar mais de um minuto; terminaremos antes que lá dentro desconfiem de qualquer coisa. Cada nave destas tem uma espécie de depósito, onde são alojados vinte homens durante o vôo, e, na ponta, a sala do piloto. Não sei quantos homens se encontram nesta nave, mas de qualquer maneira deveremos encontrar alguns tanto no depósito como na sala do piloto. Fiquem de olhos abertos. Não queremos torcer-lhes o pescoço, mas se houver qualquer resistência, atirem imediatamente. Entendido? Tudo há de dar certo!

 

O major Lemonovitch pousara sua nave na extremidade noroeste da cordilheira. Uma segunda nave pousara pouco depois da sua no mesmo vale.

Face à mensagem de Tomisenkow, Lemonovitch deu ordem para que uma das naves pousadas no setor sudeste decolasse e fosse buscar o general. A nave não deu mais sinal de vida, e já fazia cem horas que decolara. Lemonovitch estava convencido de que caíra ou fora derrubada pelo inimigo. Fazia aproximadamente o mesmo tempo que não tinha qualquer contato com o general Tomisenkow e seu ajudante. Procurara localizar o general pelo rádio e, de algumas horas para cá, acreditava que fora vitimado pelas condições reinantes em Vênus, tal qual o piloto e seu foguete.

Esclarecera a tropa de que provavelmente o general Tomisenkow estaria morto, ou teria caído em mãos do inimigo, e que ele mesmo, Lemonovitch, como oficial de patente mais elevada, assumiria o comando da divisão.

Parecia tudo muito simples; mas Lemonovitch ficou quebrando a cabeça sobre o que deveria fazer.

Ao que tudo indicava o esconderijo era seguro. Aquilo que receara no início, que o inimigo atacasse toda a zona montanhosa com suas armas superiores e a transformasse num pantanal incandescente e radiativo, não se realizara. Não sabia dizer por que Rhodan não adotara esse procedimento, mas o mesmo lhe convinha sobremaneira.

Todavia, a missão da divisão espacial não consistia em ficar parado nos esconderijos até que as naves se deteriorassem ou os homens envelhecessem. Alguma coisa tinha de ser feita.

O dia foi amanhecendo, e Lemonovitch, sorvendo seu café preto — que para os demais membros da divisão fora submetido a um racionamento extremamente rigoroso — matutava sobre seu problema, quando houve uma ocorrência que de golpe o livrou de todas as dores de cabeça.

Alguém abriu com uma forte pancada a escotilha que separava a sala do piloto do depósito situado abaixo da mesma e enfiou a cabeça. Lemonovitch esteve a ponto de repreender o homem. Mas este pôs-se a falar, extremamente exaltado:

— Há um comunicado, major, um comunicado! A C-145 foi atacada pelo inimigo. Só a sala do piloto ainda resiste com cinco tripulantes. Estão pedindo socorro. Rhodan participa pessoalmente do ataque.

Por alguns segundos Lemonovitch ficou imobilizado pelo susto. Compreendeu em primeiro lugar o perigo que ameaçava a C-145, e logo após a chance que se lhe oferecia.

Levantou-se de um salto, comprimiu o botão que acionava as sereias de alarma e gritou para o ordenança:

— Diga ao oficial de armas que se apresente imediatamente com seus homens.

A escotilha foi fechada com um forte ruído. Lemonovitch se inclinou sobre uma grande folha de papel coberta por uma rede de coordenadas. A posição das naves estava registrada com a precisão de um minuto de coordenada, a configuração das montanhas apenas constava com certa aproximação.

Quando o oficial de armas e seus três homens precipitaram-se através da escotilha, Lemonovitch já sabia como devia ser orientado o tiro.

Pegou o oficial pelo ombro e arrastou-o para junto do mapa.

— Aqui! — disse ofegante. — Esta é a C-145. Há poucos minutos foi atacada por Rhodan e seus homens. Dirija uma salva de ao menos cinco foguetes contra a mesma. Nunca mais teremos uma chance destas. E atire bem para o alto. Não quero que os projéteis sejam interceptados por alguma montanha. Entendido?

O oficial fez que sim e transmitiu a um de seus homens as coordenadas constantes do mapa. Três oficiais subalternos começaram a apontar as peças de artilharia.

Subitamente o homem que havia recebido a ordem de Lemonovitch estacou:

— Major, será que Rhodan já se apoderou da C-145? — indagou. — Todos os nossos homens estão mortos?

Lemonovitch se limitou a gritar:

— Podemos agarrar Rhodan, e vamos agarrá-lo!

O jovem oficial de armas deu de ombros.

— Pronto para disparar — anunciou um de seus subordinados.

E o oficial ordenou, lançando um olhar para Lemonovitch:

— Fogo!

 

Os quarenta homens que se encontravam no compartimento de depósito se entregaram imediatamente. Mas não foi possível evitar todo e qualquer ruído, e os cinco homens que se encontravam na sala do piloto desconfiaram. A escotilha foi trancada, e mesmo a força unida dos quatro projetores mentais levou algum tempo para transpor o maciço anteparo metálico e vencer a resistência da tripulação da sala do piloto.

A escotilha foi aberta, e Rhodan entrou com uma pressa estranha. Os cinco homens se agruparam em torno da escotilha e pelos seus rostos se concluiria que há muito tempo se preparavam para receber a visita de Rhodan.

Este fez sinal para que o japonês se aproximasse. Son Okura subiu pela escotilha com a agilidade de um esquilo.

— Pergunte se enviaram uma mensagem pelo rádio — ordenou Rhodan.

Okura formulou a pergunta em russo. Rhodan viu que um dos homens respondeu com um aceno de cabeça. O homem disse algumas palavras, que Okura traduziu:

— Informou o major Lemonovitch de que a nave estava sendo atacada, e de que o senhor se encontrava entre os atacantes.

Rhodan virou-se apressadamente e gritou pela escotilha:

— A nave será evacuada imediatamente. Existe um perigo gravíssimo.

Houve muita confusão. Só os homens de Rhodan sabia que este aludia a um perigo realmente gravíssimo quando usava essa expressão. Apesar da influência hipnótica a que se achavam submetidos, os prisioneiros não se deram muita pressa em executar a ordem de evacuação. Os homens de Rhodan tiveram que tangê-los com suas armas.

— Aos câmbios — gritou Rhodan atrás deles.

Depois disso fez os cinco tripulantes da sala do piloto saírem pela escotilha e descerem a escada. Ele mesmo e Okura puseram-se no fim da fila. Okura estava curioso para conhecer o motivo de tanta pressa, mas nem sequer teve tempo para perguntar.

Uma vez fora da nave, Rhodan indicou aos prisioneiros a direção em que deviam correr.

Son Okura traduziu:

— O caminho é este. Corram como o diabo, se quiserem continuar vivos.

Rhodan e o japonês valeram-se dos trajes transportadores arcônidas e voaram a toda velocidade acima da folhagem das árvores. Satisfeito, Rhodan constatou que seus homens iam uns duzentos metros à sua frente. Tinha certeza de que, uma vez livres da influência do projetor mental, não teriam coisa mais urgente a fazer senão se reagrupar na tentativa de um contra-ataque. O importante era que tinha chamado sua atenção para o perigo.

Quando Rhodan e Okura alcançaram o local do pouso, os câmbios estavam prontos para decolar. Levantaram vôo imediatamente e foram subindo junto à encosta íngreme.

Finalmente Rhodan teve tempo para esclarecer seus homens sobre o perigo que os ameaçava.

— Lemonovitch, que é o comandante atual da expedição, está informado sobre nosso ataque — disse pelo telecomunicador. — Até sabe que eu participei dele. É de esperar que, sem consideração por sua gente, procure destruir nosso grupo. Conforme sabemos, as naves do Bloco Oriental dispõem... olhem, aí vem.

Os câmbios haviam vencido aproximadamente metade da encosta quando, lá embaixo, sucederam-se quatro explosões ofuscantes. Quem prestasse atenção perceberia que duas delas ocorreram exatamente sobre o local em que se encontrava pousada a nave, enquanto as outras detonaram mais ao sul.

Dentro de uma fração de segundo, uma enorme onda de compressão atingiu os câmbios. Ao mesmo tempo o ribombar tremendo das explosões envolveu os veículos e provocou um forte zumbido no ouvido dos homens.

Os câmbios dispunham de um dispositivo automático de compensação. Mantiveram o equilíbrio e, além disso, o deslocamento de ar provocado pela explosão levou-os para o alto com uma velocidade maior do que seria conseguido com a potência dos motores.

Depois de terem passado pelo cume da montanha e pousado do lado oposto, encontravam-se em segurança.

Rhodan espiou para o interior do vale. Sabia que com isso se expunha pessoalmente, pois o nível de radiatividade desprendida até mesmo por um foguete de tamanho médio era considerável, e o traje arcônida, que era um excelente meio de transporte, oferecia uma proteção reduzida contra a mesma.

Não viu nenhum sinal dos homens que tangera para fora da nave. Contara com um único foguete. Mas já que Lemonovitch não quis assumir nenhum risco, disparando quatro foguetes de vez, achou duvidoso que qualquer dos tripulantes da C-145 ainda estivesse vivo.

Apesar disso entrou em contacto com a Stardust-III, e instruiu Bell para que enviasse quanto antes um câmbio cujos tripulantes deviam ser protegidos contra radiações, para empreender a busca de eventuais sobreviventes.

Enquanto isso, um dos subordinados do tenente Tanner constatou que, no flanco norte da montanha que fechava o vale pelo oeste, explodira um quinto foguete, que abrira uma cratera de dimensões apreciáveis.

Poucos minutos depois, os cinqüenta homens da expedição de Rhodan puseram-se a caminho, tanto para abandonarem a área submetida a uma radiatividade mais intensa como para, quanto antes, acrescentarem outra ação à primeira. Rhodan não se iludiu: dali em diante as dificuldades seriam bem maiores. Lemonovitch estava prevenido. Se não estivesse plenamente convencido de que Rhodan fora vitimado pelos foguetes, avisaria seus homens.

Por enquanto o que mais importava a Rhodan era a constatação de que a expedição do Bloco Oriental fora desfalcada de mais uma nave.

Ainda sobravam setenta e oito.

 

Pelas cento e dez horas, tempo local, o general Tomisenkow chegou a um lugar da selva em que acreditava reconhecer uma trilha aberta por seus homens.

Não tinha certeza absoluta. O crescimento vegetal extremamente rápido de Vênus faria desaparecer dentro de uma hora qualquer trilha que fosse aberta. Mas na antiga trilha predominariam os brotos recentes.

Tomisenkow examinou o local e concluiu que tivera razão. Seus homens haviam passado por ali; se seguisse a trilha, dentro de pouco tempo se uniria a eles.

As horas passadas — pela contagem de tempo terreno seriam dias — produziram uma modificação profunda em Tomisenkow.

Matara a tiros dois monstros em forma de urso que queriam devorá-lo, esmagara uma cobra com a mão, e matara quinze outras também a tiro. Escapara a um daqueles pólipos, cujos métodos de caça não ficavam restritos às armadilhas, mas compreendiam a perseguição em terreno aberto; imitando os macacos, deslocou-se pelos galhos com rapidez maior que o animal de corpo flácido. No fim de seu passeio aéreo ficara preso numa teia de aranha cujos fios tinham a grossura de um dedo humano. Vira a horrível aranha, de tamanho superior ao de um homem, bem perto de si; balançando-se fortemente e de maneira ritmada, conseguiu romper a rede. Gastara duas horas para se libertar dos fios pegajosos a ponto de poder se locomover livremente. Nessas duas horas estivera praticamente indefeso.

Às cento e quinze horas fez uma longa pausa. Consumiu os alimentos colhidos no caminho e se deitou para dormir num entroncamento de galhos, bem no alto, na copa de uma árvore.

Descobrira que a vida na selva se desenvolve em quatro degraus distintos. O primeiro era o das armadilhas dos pólipos e dos animais revestidos de córneas que, como os enormes vermes, com eles viviam em simbiose. Esse degrau ficava em média cinco metros abaixo do solo. O segundo degrau era o nível do solo, com seus animais perigosos, entre os quais se destacavam os sáurios, com os quais Tomisenkow ainda não se defrontara diretamente, e os monstros em forma de urso que, conforme Tomisenkow descobrira, também pertenciam à classe dos sáurios, sendo apenas de uma outra espécie.

O terceiro degrau situava-se na altura das copas das árvores, na galeria inferior de galhos, a uns dez metros acima do nível do solo. Era o reino das aranhas, muito mais numerosas do que Tomisenkow supusera de início. Isso acontecia porque sabiam esconder suas teias com muita astúcia. Quem não desconfiasse de sua presença nunca as encontraria.

O último degrau, situado entre uns vinte e quarenta metros acima do nível do solo, correspondia à parte superior das copas das árvores, cuja população era bastante restrita. Havia pequenos lagartos voadores, cujo tamanho variava entre o de um pardal e o de um pombo, e outros seres estranhos, também inofensivos, que para Tomisenkow representavam um degrau intermediário entre os lagartos e a classe mais baixa de animais de sangue quente. Ali podia se deitar para dormir sem ser devorado imediatamente, e Tomisenkow aproveitou a vantagem. No início se aborreceu com o fato de que um lagarto voador curioso, que pousara em seu rosto, despertou-o de um sono profundo. Mas acabou se conformando com o fato de que o lugar mais agradável de Vênus era muito pior que o chão duro da tundra siberiana.

Outra zona a ser evitada era o limite superior da folhagem. É que acima das árvores mais altas começava um setor que poderia ser designado como o quinto degrau. Era a região dos grandes lagartos voadores, pelos quais Trewuchin, seu ajudante, havia sido vitimado.

Mas quem se mantivesse escondido na folhagem não tinha por que temê-los.

Perto do meio-dia, Tomisenkow voltou a pôr-se a caminho. Cinco horas de sono foram suficientes para restituir-lhe as forças. A mata fumegava sob os raios do sol, e a temperatura na superfície do solo aproximava-se da marca dos cinqüenta graus. Mas também a esse calor Tomisenkow já se acostumara.

Manteve-se na trilha aberta por seus homens, afastando com os braços os galhos e as trepadeiras finas que cresceram nesse meio tempo.

Dali a duas horas, percebeu que o terreno entrava em aclive. Poucos minutos depois o caminho se tornou bastante íngreme, e o suor começou a porejar na testa de Tomisenkow.

Num lugar em que havia uma pequena abertura na folhagem viu os cumes das montanhas, quase na vertical acima de sua cabeça.

Atingira a cordilheira! Conseguira!

Tinha certeza de que encontraria ainda nesse dia algum dos seus homens.

A trilha, que até então cortara a selva em linha reta, começou a descrever curvas. Grandes blocos de pedra estavam espalhados pela mata, e às vezes a subida era tão íngreme que Tomisenkow teve que se deslocar de quatro.

Não teve mais sossego. Avançava rapidamente sem pensar em outra coisa além do caminho e da esperança feroz de encontrar seus homens além da primeira curva.

Não foi na primeira curva, nem na segunda. Mas, depois de ter marchado quase dez horas depois do último descanso, viu-se num desfiladeiro estreito que representava a entrada de um imenso vale, que se estendia entre as montanhas na direção quase exata do norte. Espantado, Tomisenkow constatou que praticamente não havia qualquer vegetação no fundo do vale. Era o primeiro trecho de solo nu que descobria em Vênus. Talvez os vapores vulcânicos fossem responsáveis pelo fenômeno. Tomisenkow viu a neblina passar diante das encostas.

As imensas montanhas que fechavam o vale retinham a luz, já por si bastante turva. Tomisenkow não enxergava a mais de cem metros. Mas, como seus homens deviam ter penetrado no vale, não hesitou em proceder da mesma maneira.

Depois de percorrer algumas centenas de metros fora da selva, a atmosfera começou a se modificar. Sentiu o cheiro do enxofre e de outras coisas desagradáveis. Parou por um instante e aspirou o ar. Ao que parecia não havia qualquer perigo. Teve uma ligeira tosse, era tudo.

Depois de ter prosseguido por meia hora, ficou perguntando a si mesmo qual seria o comprimento daquele vale. Subitamente alguém o chamou da escuridão reinante entre as rochas caídas.

Eram palavras russas. Mas fazia tanto tempo que Tomisenkow não ouvira qualquer voz humana, que até sua língua materna o assustou. Reagindo com a rapidez que aprendera na selva, deixou-se cair para a frente e procurou abrigo numa fenda na rocha.

— Sou Tomisenkow! — respondeu. — Quem está chamando?

Um riso de deboche soou entre as rochas.

— Conte isso a outro! Tomisenkow está morto.

Furioso, Tomisenkow se levantou de um salto.

— Pois olhe, seu idiota! — gritou. — Sou Tomisenkow ou não sou?

A sentinela não se perturbou.

— Largue a arma; depois darei uma olhada em você.

Tomisenkow obedeceu.

— Está bem; já vou.

O homem saiu de seu esconderijo, com a pistola automática engatilhada. Parou a dois metros de Tomisenkow. Ficou intrigado com o cabelo branco do mesmo, e a barba crescida no meio tempo. Além disso, o general não tivera oportunidade ou interesse em se lavar. Cada centímetro quadrado de sua pele estava oculto sob uma grossa camada de sujeira.

Apesar disso a sentinela o reconheceu.

— É o general! — disse perplexo. — Vejam só!

Voltou-se e sua mão apontou para um ponto situado no fundo do vale.

— Por ali está a C-103. É a última nave de que dispomos.

O susto de Tomisenkow foi tamanho que por algum tempo não conseguiu dizer uma palavra.

— Não é bem isto — retificou a sentinela. — Temos mais algumas; mas estão deitadas de nariz, ou os tanques estão vazios, ou o reator queimou, e não sei mais o quê. De qualquer maneira, a C-103 é a única que está em condições de voar.

Durante sua marcha Tomisenkow não se entregara a muitas ilusões; mas o que acabara de ouvir ultrapassou seus piores temores. Levou algum tempo para se recuperar do choque.

— Leve-me para junto dos meus homens — ordenou à sentinela.

 

Rhodan agiu rapidamente e com uma precisão absoluta. O ataque à C-145 ficou sendo um caso isolado. Dali em diante Rhodan colocou seus homens em ação em vários pontos ao mesmo tempo e lhes ordenou que não assumissem qualquer risco. Utilizando o dispositivo defletor dos trajes transportadores, se aproximavam de forma invisível das naves inimigas. Colocavam sob os suportes uma carga de explosivo suficiente para derrubar a nave, abriam os tanques a tiro, fazendo com que o precioso hidrogênio líquido se exalasse em poucos segundos ou danificavam os reatores de tal forma que ficavam inutilizados para sempre.

Todas essas ações foram executadas praticamente sem incidentes. Pelo meio-dia o inimigo só dispunha de três naves, que Rhodan poupara para o caminho de volta. Às cento e vinte e cinco horas, duas delas haviam sido destruídas, e Rhodan dispôs-se a atacar a última, a C-103, com maior dose de cautela, já que, do contingente de cerca de cinco mil homens com que a expedição do Bloco Oriental ainda contava, mais de dois mil se encontravam no esconderijo da C-103.

 

O motivo era convincente.

Depois da evacuação do primeiro acampamento, a maior parte dos sobreviventes teve que se privar de qualquer conforto e empreender a marcha pela selva.

Ao chegar à cordilheira, a coluna encontrou em primeiro lugar a nave C-103, que pousara mais ao leste. Como os homens não tivessem a intenção de acrescentar outros quilômetros aos até então percorridos para encontrar o esconderijo de outra nave, a maioria ficou junto à C-103. Só alguns homens mais corajosos e apenas levemente feridos prosseguiram na marcha e se abrigaram junto a uma das outras naves.

Os dois mil e duzentos homens que o general Tomisenkow encontrou no acampamento da C-103 contavam que o próximo alvo dos ataques de Rhodan seria aquela nave.

À primeira vista, Tomisenkow percebeu que teria de jogar tudo numa cartada e pôs-se a preparar a recepção de Rhodan. Soube que poucos dos grupos atacados por Rhodan ainda mantinham contato radiofônico. A opinião generalizada era a de que, nos outros pontos, ninguém mais estava vivo. Mas Tomisenkow retificou essa opinião pronta e radicalmente.

— Sempre que Rhodan inutiliza uma nave, derrubando-a, as instalações de rádio são destruídas — explicou. — Assim que nossos homens tenham reparado os aparelhos, voltaremos a ter notícias deles.

As informações recebidas das naves cujas instalações radiofônicas não haviam sido destruídas pareciam um tanto confusas a Tomisenkow. Em todas elas se dizia que, apesar da vigilância intensa da área que cercava a nave, a aproximação do inimigo não foi notada.

— O que é isso? — resmungou Tomisenkow. — Ele não pode se tornar invisível.

Mas não estava muito convencido do que estava afirmando.

Para Tomisenkow era ainda mais estranho o fato de que, em todas as ações de Rhodan sobre as quais recebera relatos radiofônicos, nenhuma pessoa sofrerá o menor dano. Sem dúvida a coisa seria diferente no caso das naves tombadas. Teria havido mortos e feridos. De qualquer maneira, dos relatos chegados à C-103 se deduzia que Rhodan se esforçava para derramar a menor quantidade possível de sangue.

Por quê?

De inicio Tomisenkow mandou retirar da nave duas bases de lançamento de foguetes e empilhar uma reserva de munições em redor das mesmas. Se, apesar de tudo, Rhodan conseguisse derrubar a nave, não ficaria indefeso.

Os foguetes traziam um núcleo explosivo do tipo Baby, com uma carga de plutônio que, por si, estava abaixo do limite crítico. Ela só se tornava crítica por meio de um refletor de paredes grossas que funcionava com base no oxido de berílio. O detonador funcionava segundo o princípio da implosão. Os foguetes, com os respectivos detonadores, não eram muito maiores que a granada de um projétil de canhão.

Além disso, Tomisenkow postou seus homens em várias fileiras através dos blocos de rocha que, de ambos os lados, margeavam as encostas do vale. Um grupo de técnicos de comunicação instalou uma linha telefônica provisória de ambos os lados da entrada do vale, para que a sentinela pudesse avisar Tomisenkow assim que Rhodan se aproximasse.

Tomisenkow ordenou, ainda, a suspensão de todas as comunicações pelo rádio. Não havia dúvida de que Rhodan só conseguira descobrir os esconderijos com tamanha rapidez porque os telegrafistas das naves lhe facilitaram a localização goniométrica. O general rugiu de raiva ao saber que ninguém se lembrara de suspender em tempo as comunicações pelo rádio.

A última instrução que transmitiu antes do ataque foi dirigida aos mil e quinhentos homens que não receberam qualquer incumbência específica. Receberam ordem para se comportar como quem se sente em segurança. Tomisenkow tinha certeza de que Rhodan observaria o acampamento por algum tempo antes de iniciar o ataque.

Depois disso Tomisenkow ficou à espera.

 

Rhodan veio do norte. Pelas cento e quarenta horas os câmbios sobrevoaram a entrada do vale e pousaram junto à borda oeste, uns mil metros acima do fundo.

O acampamento foi observado por algum tempo.

— Parece que está tudo em ordem — disse o major Deringhouse.

Rhodan olhou pelo binóculo.

— Alguns prisioneiros afirmaram que nesse acampamento se encontram dois mil e duzentos homens — disse em tom pensativo. — Lá embaixo vejo uns mil e quinhentos. Onde estão os outros?

Deringhouse deu de ombros.

— Não faço a menor idéia. Talvez estejam caçando.

Rhodan riu.

— Setecentos homens? Não, alguma coisa não está em ordem. Sabem que nós atacaremos e estão preparados.

Deringhouse voltou a pegar o binóculo e olhou para o vale. Mas, como Tomisenkow tivesse escondido seus homens muito bem, não pôde ver nada.

O major Nyssen e o tenente Tanner sugeriram que se desistisse do procedimento habitual, destruindo a nave e o acampamento por meio de uma bomba nuclear.

Rhodan rejeitou a proposta.

— Não posso dispensar nenhum homem em Vênus — respondeu.

Decidiu voar para dentro do acampamento em companhia de Tanner e Deringhouse. Enquanto isso, Nyssen assumiria o comando dos câmbios.

Rhodan e seus acompanhantes tornaram-se invisíveis por meio dos defletores. O único objeto visível era a carga explosiva, do tamanho de um melão, que Tanner carregava consigo e pretendia colocar por baixo de um dos suportes da C-103. Mas só parte do melão ficava fora do campo de deflexão.

A grande desvantagem dos campos defletores consistia no fato de que um homem envolto pelo mesmo não podia ver outro que se encontrasse nas mesmas condições; neste ponto era tal qual um estranho. Para não perderem o contato, Rhodan e seus homens tiveram de voar de mãos dadas.

 

O tenente Jossip ocupava seu posto na última fileira, junto à encosta oeste. Ali estava há algumas horas e já começara a praguejar contra o mundo em geral e contra o general Tomisenkow em particular, porque proibira fumar.

O que Jossip mais precisava era de um cigarro, mas não podia...

Alguma coisa atingiu-o no ombro e caiu ao solo com um baque.

Era uma pedra, uma pedra bem achatada.

Jossip se virou e procurou descobrir de onde viera a pedra.

Evidentemente de cima. Às vezes alguma pedra se desprendia do paredão. A posição não era isenta de perigo. Mesmo que Rhodan não atacasse, a gente poderia esticar as botas.

Jossip voltou à posição anterior e, por falta do que fazer, olhou por cima da mira de sua pistola automática. Dali poderia acertar...

Jossip cerrou os olhos e bateu com a palma da mão na testa. Mas a coisa continuava ali.

Era uma semi-esfera de uns quinze centímetros de diâmetro, de cor cinza-escura. O objeto flutuava no ar, um metro ou pouco mais acima da superfície da rocha achatada, atrás da qual Rhodan estava deitado.

Dançava para cima e para baixo e foi se afastando lentamente.

Jossip levantou a arma e fez pontaria. No mesmo instante alguém bateu no seu ombro.

— No que pretende atirar?

Jossip se virou sobressaltado.

— Deixe de tolices! — chiou alguém.

Era o capitão Ljubol, que se encontrava atrás dele. A mão trêmula de Jossip apontou na direção do objeto voador.

— Olhe, ali está... — gaguejou.

Parou espantado. A semi-esfera havia desaparecido.

Mas a curiosidade de Ljubol fora aguçada. Jossip contou sua história. Ljubol torceu o rosto e disse:

— Dê-me um gole daquilo que você andou bebendo e ficarei bem quietinho.

 

O tenente Tanner procurou avaliar a melhor posição para provocar a queda da nave. Decidiu-se pelo suporte voltado para o interior do vale e ali colocou seu melão, sem que ninguém desconfiasse.

A explosão arrancaria o suporte e faria a nave tombar para o lado em que se encontrava o mesmo. A proa bateria perto do lugar em que estavam sentados alguns dos homens aos quais Tomisenkow ordenara que fizessem de conta que não temiam qualquer perigo, e lhes meteria um tremendo susto.

— Pronto? — perguntou Rhodan com a voz baixa.

— Sim — respondeu Tanner.

— Tenha cuidado; vamos regressar — ordenou Rhodan.

Voltaram pelo mesmo caminho. Mas, antes de chegar à primeira linha de soldados, Rhodan deu ordem para acionar os neutralizadores gravitacionais para voarem acima das fileiras, em vez de passarem andando.

Foi quando aconteceu o desastre.

Tanner estava de pé sobre uma rocha inclinada; quando se dispôs a acionar o neutralizador, escorregou. Não teve tempo para regular o desempenho do mesmo de tal forma que o traje o conduzisse para cima. Praguejando, caiu sobre a rocha e rolou para baixo. Com um baque, mas invisível, aterrizou no chão mole do vale.

Sua praga foi ouvida e a sentinela viu a impressão que o corpo de Tanner deixara no chão macio.

O homem não perdeu tempo em descobrir o que havia acontecido ou indagar se uma coisa dessas era possível: atirou. Gritou para os que se encontravam nas proximidades e apontou para a impressão deixada pelo corpo de Tanner. Dentro de poucos segundos o fogo de pelo menos vinte pistolas automáticas se concentrou sobre o tenente.

Era bem verdade que o traje transportador de Tanner dispunha de um anteparo energético que absorvia os projéteis e os fazia cair ao chão. Mas fora concebido de forma a permitir que seu portador resistisse incólume ao fogo de uma ou duas armas. Para resistir a centenas de impactos produzidos pelas balas expelidas por vinte pistolas automáticas teria de recorrer a uma suplementação de energia, e esta foi extraída do gerador do dispositivo de neutralização gravitacional e do defletor.

Com isso Tanner ficou privado da possibilidade de se locomover, e seu defletor falhou: tornou-se visível. Além disso, o impacto dos projéteis sobre o envoltório energético causou uma série de sacudidelas desagradáveis, que o impediam até mesmo de sair correndo.

Procurou cobertura às pressas e respondeu ao fogo com seu radiador de impulsos. Seguindo a ordem de Rhodan, de, na medida do possível, poupar vidas humanas, traçou uma barreira incandescente sobre a barreira de rocha atrás da qual se abrigara a primeira linha de atiradores, obrigando os homens a encolherem a cabeça e se afastarem apressadamente da área atingida pelo calor escaldante.

Mas Tanner não alcançou um êxito completo porque fora observado por grupos mais distantes, que contra ele dirigiram seu fogo.

— Agüente firme! — gritou Rhodan de algum lugar.

Tanner resmungou sua concordância.

Tinha certeza de que Rhodan e Deringhouse não o abandonariam.

Sua situação não era das mais brilhantes. Era verdade que estava a salvo de ferimentos; mas o fogo concentrado ininterrupto impediu o funcionamento do neutralizador e do defletor. Estava preso ao lugar, e todo mundo podia vê-lo.

 

O general Tomisenkow logo compreendeu a situação. Não gastou um segundo para rever sua opinião de que o inimigo não poderia se tornar invisível.

Numa pressa extrema convocou os homens das posições mais afastadas e lançou-os em combate no lugar em que Tanner lutava desesperadamente pela invisibilidade e pela liberdade de movimentos.

Nesse instante, Deringhouse, com um ligeiro impulso transmitido pelo rádio, provocou o melão alojado sob o suporte da nave. Tanner, que se encontrava a menos de cem metros de distância, foi erguido no ar e atirado para o lado. De sua nova posição viu a proa da nave se inclinar e desaparecer numa imensa nuvem de pó. Poucos instantes depois o solo começou a dançar sob o impacto do colosso metálico.

O fogo cessou por alguns segundos. O defletor de Tanner voltou a funcionar, e ao mesmo tempo a tração leve do campo neutralizador da gravidade se fez sentir.

Mas, naquele instante, o major Nyssen já cometera seu erro funesto. Sem ter a visão da luta que se desenrolava rio fundo do vale, ficou convicto de que por algum motivo inexplicável Rhodan e seus homens corriam perigo. Por isso ordenou o ataque geral. Todos os câmbios, com exceção de um, que permaneceria no cume da montanha para servir de posto de observação, desceram pela encosta.

Os câmbios provocaram um susto tremendo entre as últimas linhas de atiradores dos homens do Bloco Oriental. Os veículos pousaram praticamente sem ruído; ouviram-se vozes exaltadas, mas não se via nada. Poucos segundos depois a rocha começou a entrar em incandescência e a ferver bem diante do nariz dos homens.

Os homens de Tomisenkow não tiveram outra alternativa senão a fuga. Saíram dos abrigos aos montes e correram para o centro do vale.

Tomisenkow logo reconheceu a situação e percebeu que contra um inimigo desses era quase indefeso.

Quase! Ainda havia uma possibilidade.

Fez sinal a três dos seus oficiais para que se aproximassem e transmitiu-lhes algumas instruções apressadas. Os oficiais se puseram a caminho, de início em direção à saída norte do vale.

 

Rhodan ordenou a retirada.

No mesmo instante o inimigo, que assumira novas posições no centro do vale, começou a dirigir o fogo de suas armas contra os câmbios. Como estes dispusessem de campos protetores, nem mesmo as granadas de fuzil, que funcionavam como foguetes em miniatura, podiam lhe causar qualquer dano. Mas os homens de Rhodan se tornaram visíveis assim que penetraram na chuva de granadas que desabava em redor dos câmbios, e o fogo das fileiras de atiradores concentrou-se sobre os homens que por alguns instantes podiam ser vistos.

Rhodan deu ordem para decolar, pois acreditava que todos já se encontravam em seus lugares. As máquinas se ergueram de um golpe e dispararam para o alto.

Todos os câmbios, com exceção de um.

Quando começou a confusão, Tanner se afastou em direção ao norte. No momento em que Rhodan deu ordem de retirada, voou em direção ao câmbio que pousara mais ao norte.

Ouviu vozes. A tripulação do câmbio seguia as instruções de Rhodan. Tanner não se deu conta de que, ao contrário dos outros, este câmbio não estava sendo submetido ao fogo do inimigo. Mas ouviu que os homens praguejavam enquanto tentavam colocar em funcionamento o gerador.

— O que houve? — perguntou em tom áspero.

Não via ninguém, e ninguém o via.

— Não quer pegar — lamentou-se um dos interlocutores invisíveis.

— Deixe-me ver.

Tanner ocupou o assento do piloto. Comprimiu o botão verde que acionava o gerador e aguardou o zumbido que já conhecia.

Não veio.

— Não há tempo a perder — gritou. — Procurem se acomodar num dos outros veículos ou subam nos seus trajes. Rápido!

Ouviu o ruído de passos que se afastavam.

Tanner deixou-se cair de lado, para fora do veículo, e examinou o chassi. À primeira vista, notou o buraco oval cortado no lugar exato em que antes ficara o transmissor de impulsos positrônicos, que conduz os comandos emitidos pelo piloto ao mecanismo de propulsão.

Alguém o retirara. Alguém que não entendia praticamente nada da estrutura do câmbio, pois do contrário teria retirado o gerador.

De qualquer maneira a falta do transmissor de impulsos bastava para inutilizar o veículo.

Nesse instante Tanner foi alvejado. Alguém devia ter visto a impressão que suas botas deixaram no chão macio.

Não era um fogo concentrado. O campo protetor absorvia-o sem necessidade de recorrer à energia destinada ao neutralizador e ao defletor. Tanner se levantou e viu, a uns vinte metros de distância, metade de um braço e uma pistola automática que saía de detrás de uma rocha. Disparou o radiador de impulsos até que a rocha entrasse em incandescência e achou que já era tempo de dar o fora.

Os câmbios já se encontravam próximos à borda do vale. Tanner dependia de seu traje transportador. Deu o empenho máximo ao neutralizador gravitacional, se desprendeu do solo e foi subindo rente à encosta. Levou mais tempo que os câmbios para atingir a borda segura. Mas agora, que não deixava qualquer rastro, ninguém mais o molestava.

No fundo do vale os tiros emudeceram quando os atiradores não tinham mais nada em que atirar. A poeira levantada pela queda da C-103 já desaparecera. Viu-se que a nave se partira no meio. Nunca mais decolaria.

Os homens de Rhodan haviam capturado três prisioneiros e conseguiram levá-los apenas com ferimentos leves através do fogo dos próprios companheiros. Rhodan julgava necessário interrogar esses homens o quanto antes. Era bem verdade que considerava a posição atual muito perigosa; ordenou o regresso imediato à Stardust-III.

Tanner ofereceu seu relato sobre a maneira pela qual o último câmbio fora impedido de decolar. Rhodan ergueu as sobrancelhas e disse com certo respeito:

— Parece que lá embaixo o comando é exercido por um homem bastante inteligente.

 

Tomisenkow tomou conhecimento de que, entre seus homens, havia sete mortos e vinte e dois feridos graves.

Mas não demonstrava muito interesse.

Os homens com os quais confabulava eram os especialistas em eletrônica da C-103.

— Peguem o bloco — insistiu Tomisenkow — e coloquem-no no mesmo lugar de que foi retirado. Não pode ser difícil. Depois coloquem a coisa em funcionamento.

Os técnicos puseram-se a trabalhar. Realmente não houve a menor dificuldade em recolocar o bloco. Como o buraco fosse oval, só havia uma posição de encaixe.

Uma vez que a técnica de transmissão de impulsos dos arcônidas funcionavam sem fios, não havia condutores arrancados dos quais não se soubesse quais os seus correspondentes. Uma vez recolocado e soldado, o bloco estava em condições de funcionar.

Os técnicos não tiveram que fazer outra coisa senão mexer cautelosamente nos diversos comandos e observar a reação da nave.

Dentro de uma hora sabiam perfeitamente o que teriam de fazer para movimentar o câmbio, para dirigi-lo à direita ou à esquerda, para cima ou para baixo. A incumbência mais importante recebida de Tomisenkow estava cumprida.

 

Rhodan realizou o interrogatório na margem de um pequeno lago situado aproximadamente a meio caminho entre o acampamento da C-103 e o ponto em que se encontrava a Stardust-III.

Realizou o interrogatório pessoalmente e valeu-se do projetor mental para obter a verdade.

Quando soube tudo que lhe interessava, se tornou bastante pensativo.

— Tomisenkow voltou a aparecer — disse, dirigindo-se ao major Deringhouse. — Ninguém tem a menor idéia de como conseguiu vencer a distância entre aquele acampamento e a C-103, mas o fato é que voltou.

Deringhouse olhou-o perplexo.

— Qual é a distância? Um momento... Quase duzentos quilômetros, não é? Duzentos quilômetros percorridos a pé na selva de Vênus, e isso com uma pistola automática ou seja lá o que ele trazia.

— E metade do caminho foi percorrida de noite — completou Rhodan.

Deringhouse respondeu com um aceno de cabeça.

— Este homem é de tirar o chapéu — disse Rhodan, em tom pensativo.

— O que pretende fazer? — perguntou Deringhouse.

Rhodan deu de ombros e sorriu.

— Nada. O inimigo não dispõe de qualquer nave com que possa sair de Vênus. Talvez consiga reparar o câmbio; nesse caso não será mais obrigado a se deslocar a pé. O que acha que será deles?

— Acredita que esses homens continuarão vivos? — perguntou Deringhouse.

Rhodan fez que sim.

— Um deles conseguiu. Para todos em conjunto será muito mais fácil.

 

Logo após a decolagem, Rhodan transmitiu pelo telecomunicador a ordem para que Tako Kakuta, que se encontrava na Stardust-III, executasse o salto.

Dias atrás — segundo o tempo terreno — quando Rhodan adotou o plano de, na medida do possível, poupar a vida de Tomisenkow e seus homens, abandonou automaticamente a outra alternativa, isto é, o plano de livrar Vênus dos invasores para convencer o dispositivo positrônico de que não havia mais perigo, fazendo com que abrisse as portas.

Tako Kakuta, japonês como Son Okura e muitos outros membros do Exército de Mutantes, era até então o único dentre os homens de Rhodan que possuía o dom da teleportação. As energias encerradas no cérebro de Tako Kakuta, submetido a um processo de mutação, lhe possibilitavam o transporte por um trecho de até cinqüenta mil quilômetros, e isso por um meio que equivalia à transição realizada por uma nave espacial.

Face a isso, era o único que poderia estar em condições de penetrar pelas barreiras atrás das quais o cérebro positrônico de Vênus se isolava do mundo exterior.

Desde o início Rhodan considerara essa possibilidade. Mas, como a mesma envolvesse certo risco para o japonês, teve outra idéia. Mas agora, que a sobrevivência dos homens de Tomisenkow parecia compensar o risco a que iria submeter o mutante, não hesitou em transmitir a este a ordem correspondente, para a qual o mesmo já estava preparado há algum tempo.

O campo protetor que o cérebro positrônico estendera em torno da fortaleza tinha um raio de quinhentos metros. Mesmo com um traje transportador, Tako levaria algum tempo para penetrar no recinto da fortaleza propriamente dita.

 

Pela alegria quase infantil que os homens demonstraram quando a silhueta da Stardust-III se desenhou no horizonte, Rhodan percebeu que, depois dos dias difíceis passados no planeta Peregrino e da atuação ininterrupta de Vênus, os mesmos haviam chegado ao limite de suas forças.

Os câmbios se deslocaram na formação usual, cerca de dez metros acima da folhagem das árvores.

Todos os perigos haviam chegado ao fim, e o conforto da gigantesca nave acenava ao longe. Uma cama macia, um bom café — que não viria dos pacotes de rações arcônidas — e, principalmente, tempo para ficar de papo para o ar. Não eram motivos mais que suficientes para ficar alegre?

Por algum tempo Rhodan acompanhou com um sorriso a palestra excitada que se desenvolvia pelo telecomunicador. Depois pediu silêncio.

Reginald Bell fizera todos os preparativos para o regresso da pequena expedição. A uma distância de vinte quilômetros, Rhodan percebeu com o auxílio de um bom binóculo que o portão da comporta sul havia sido aberto.

Tako Kakuta efetuara o salto. Valendo-se do telecomunicador, que não era afetado pelos campos protetores da fortaleza, avisou que se encontrava a caminho da entrada da base. Executara o salto sem o menor contratempo. Rhodan calculou que mais uma hora se passaria até que Tako obtivesse do cérebro positrônico autorização para desativar o campo protetor.

 

— Consegui! — gritou o capitão Ljubol cheio de entusiasmo.

Fitou a tela de pontaria do radiador neutrônico e puxou a alavanca que acreditava ser o gatilho. De início nada aconteceu, mas dentro de poucos segundos as árvores que apareciam na tela se desfizeram em cinza.

O general Tomisenkow resmungou satisfeito.

— Já estava na hora — disse. — Aí vêm eles.

Esforçou-se para não olhar a área da tela que mostrava os arredores do veículo na direção nordeste. O vulto brilhante da gigantesca nave o preocupava e lhe incutia a idéia de que aquilo que pretendia fazer talvez fosse tão arriscado e irracional que ele e seus homens não conseguiriam sobreviver aos acontecimentos.

Depois de pôr o câmbio em funcionamento, procuraram encontrar a pista de Rhodan. Não encontraram a pista, mas a Stardust-III. Não se atreviam a atacar a nave; mas tinham certeza de que nessa área conseguiriam interceptar Rhodan e seu grupo. De início só contavam com suas próprias armas, pistolas automáticas e lança-granadas. Mas através de tentativas ininterruptas, o capitão Ljubol descobrira o funcionamento de uma das armas embutidas no veículo.

 

— Localização! — gritou o homem diante do aparelho de busca de microondas.

Mas já era tarde.

A estrutura do câmbio emitiu um ruído crepitante. Rhodan logo identificou o ruído: Era produzido pelo impacto de um radiador neutrônico.

O veículo e seus ocupantes estariam perdidos, se Rhodan não possuísse a faculdade de, na fração de um décimo de segundo, reagir adequadamente à situação mais surpreendente.

Atirou-se para a frente e manipulou a direção do veículo por cima do ombro do homem que, imobilizado de pavor, estava sentado diante do volante oval.

O câmbio emborcou para a frente e despencou os dez metros que o separavam das folhagens da selva. Os galhos bateram ruidosamente na carroçaria, mas quando o veículo se imobilizou estava abrigado dos olhares do inimigo sob uma folhagem de três metros de espessura.

A campainha do monitor de radiações soou ininterruptamente. A radiatividade induzida pelos nêutrons havia atingido o limite da periculosidade.

A voz estereotipada de Deringhouse se fez ouvir:

— Reconheci o inimigo. Vou disparar.

O radiador de impulsos do câmbio de Deringhouse foi posto a funcionar.

A primeira salva teria transformado o veículo de Tomisenkow numa massa incandescente, se este não tivesse reagido instantaneamente ao fracasso da tentativa de aniquilar o inimigo, colocando o veículo em movimento.

O tiro disparado por Deringhouse atingiu o câmbio de Tomisenkow na popa, onde se situavam os principais pólos gravitacionais que propagavam o campo neutralizador. O câmbio caiu como uma pedra antes que Tomisenkow pudesse executar qualquer manobra para equilibrá-lo.

Uma forte pancada se fez ouvir quando o veículo penetrou pela folhagem. A cabeça de Tomisenkow bateu com tamanha violência contra um dos painéis que o general imediatamente perdeu a consciência.

Neste meio tempo Rhodan havia empurrado o piloto para fora de seu assento, assumindo pessoalmente a direção. Pelos cantos dos olhos, através de uma abertura na folhagem, observou a queda do veículo inimigo e viu outro câmbio que se precipitava atrás dele.

— Deringhouse, é você?

— Sim — respondeu Deringhouse. — Desta vez o sujeito não escapa!

— Deixe-o em paz! — ordenou Rhodan em tom enérgico.

— Ele usa nossas próprias armas contra nós! — protestou Deringhouse.

— Assim mesmo deixe-o em paz.

Deringhouse fez meia-volta. Os câmbios voltaram a entrar em formação.

Rhodan enviou à Stardust-III um ligeiro relato do incidente e concluiu:

— Meu carro precisa de uma descontaminação, e os ocupantes também. Preparem tudo.

Descontaminação é a expressão para a remoção da radiatividade que adere a qualquer corpo. A Stardust-III, o produto refinado de uma técnica superior, estava preparada para incidentes como o que acabara de se verificar. A campainha do monitor de radiações deixaria de soar assim que o câmbio fosse colocado sob o chuveiro descontaminador.

 

Tako Kakuta, o teleportador japonês, tinha uma noção bastante precisa da forma pela qual o cérebro positrônico reagiria à sua visita não anunciada. Apesar disso não se sentiu muito à vontade quando foi avançando pelos corredores amplos e profusamente iluminados em direção à sala de comando da gigantesca máquina.

Estava sendo observado, não havia a menor dúvida. Havia grande número de aparelhos de visão e de escuta ocultos nas paredes.

Quando tinha percorrido metade do caminho no interior da montanha, o cérebro compreendeu qual era o lugar a que se dirigia. Subitamente a parede lateral direita do corredor se abriu e dela saiu grande número dos guardas robotizados que há milênios cuidavam da vigilância e conservação da fortaleza.

Tako não resistiu. Os robôs conduziram-no pelos corredores e galerias antigravitacionais. Penetraram cada vez mais profundamente na terra, até chegarem ao recinto em que o cérebro positrônico inquiria seus prisioneiros pela forma mais detalhada e segura: o interrogatório hipnótico.

Sem que pudesse fazer qualquer coisa, a consciência de Tako se abriu à inquirição da máquina, deixando claro que a última ordem fornecida por Perry Rhodan não poderia ser cumprida mais, pois do contrário ele mesmo correria sério perigo.

Por ora o cérebro positrônico assumiu seu autocomando e fez aquilo que achava mais acertado.

Um receptor de telecomunicação da Stardust-III deu sinal e anunciou:

— Os campos energéticos ficarão abertos das cento e setenta e três horas e zero minutos até as cento e setenta e três horas e dez minutos. Penetrem nesse intervalo.

Rhodan preparou a nave.

 

Sentado na parte mais elevada da copa de uma gigantesca árvore, o capitão Ljubol observava a Stardust-III. Outro homem estava sentado ao seu lado.

O general Tomisenkow, cuja cabeça apresentava um enorme galo e zumbia terrivelmente, esperava mais embaixo e, de tempos em tempos, perguntava o que havia para ver.

O quarto homem da equipe, um técnico em eletrônica, se equilibrava nos destroços da nave, mantidos em posição inclinada por três galhos fortes, procurando descobrir se os mesmos ainda poderiam servir para alguma coisa.

Era bem verdade que a Stardust-III oferecia um quadro impressionante; mas depois de ter esperado meia hora sem que a gigantesca esfera se movesse, Ljubol teve a impressão de que estavam desperdiçando seu tempo.

O técnico em eletrônica teve um resultado mais compensador, embora o mesmo levasse Tomisenkow à beira do desespero.

Conseguiu constatar, fora de qualquer dúvida, que as peças mais importantes do câmbio haviam sido danificadas a ponto tal que sem o conhecimento da estranha tecnologia jamais lhe seria possível voltar a utilizá-lo.

— Pois retire ao menos o canhão com que Ljubol atirou há pouco — resmungou Tomisenkow.

— Isso não adiantaria nada, general — respondeu o técnico. — Todos os componentes do veículo, inclusive as armas, são alimentados por um gerador, e é justamente este que sofreu as piores avarias.

Tomisenkow não acreditou enquanto o técnico não lhe mostrou as peças do veículo e lhe explicou como estavam danificadas, e como ninguém poderia ter a menor idéia dos princípios em que se baseava a tecnologia daqueles seres estranhos.

Só então Tomisenkow reconheceu que também perdera esse round do jogo, um round em que jogara extremamente alto.

Compreendeu que, dali em diante, ele e seus homens teriam de viver em paz com aquele mundo. Teriam de encontrar um meio de se adaptar às condições reinantes em Vênus, ou não viveriam sequer o bastante para que uma expedição pudesse vir em seu socorro.

— Ljubol desça daí! — gritou Tomisenkow.

A ordem foi prontamente executada pelo capitão. Estava contente de poder abandonar aquele posto tedioso.

Ainda não havia descido dois metros quando a Stardust-III começou a se mover, deslocando-se numa velocidade considerável em direção a uma cordilheira que se via no horizonte. Mas Ljubol não a via mais.

— Esse veículo está imprestável — disse Tomisenkow com um gesto de desprezo, depois de ter reunido seus homens no chão da selva. — Teremos de caminhar até o acampamento. Será duro; mas nós havemos de conseguir o que já pude fazer sozinho. Ljubol, pegue a bússola e vá na frente. Por enquanto a regra mais importante é esta: ficarmos bem juntos e não tocar em nada que não seja necessário. Vamos!

No início as coisas nem pareciam tão ruins. A vegetação era muito densa, e por vezes certos animais que passavam sobre seus pés causavam-lhes calafrios. Mas foram avançando, e não muito devagar.

Só quando o sol começou a descer sobre o horizonte se lembraram de que a noite que se aproximava duraria cinco dias da contagem de tempo terrena. Passariam cento e vinte horas na escuridão da selva.

Continuando a refletir, chegaram à conclusão de que dali em diante nunca mais seria diferente. Não dispunham de naves nas quais pudessem sair daquele planeta. Teriam de viver para sempre em Vênus.

Por algumas horas não disseram nada; cada um seguia a trilha de seus pensamentos melancólicos.

Mas logo dois daqueles animais em forma de urso começaram a se ocupar com eles. Ljubol foi o primeiro a notá-los, e Tomisenkow deu instruções sobre o comportamento que deveriam adotar. Esconderam-se e, quando aqueles animais dotados de inteligência medíocre puseram-se a procurá-los, mataram-nos com granadas disparadas dos fuzis.

Prosseguiram em sua marcha.

Ainda teriam de lutar várias vezes antes de chegarem ao acampamento. De repente a coragem voltou, e também o orgulho entusiástico de poderem mostrar àquele mundo que havia chegado alguém que era mais poderoso que a selva com seus sáurios de milhares de toneladas, seus ursos-lagartos e toda a gama de vermes nojentos e rastejantes.

Fosse qual fosse o deus em que acreditavam, fosse qual fosse a ideologia implantada em seus cérebros, fossem quais fossem as injustiças que praticavam entre si, eram homens.

Pertenciam à raça mais ativa, arrojada e orgulhosa da galáxia.

E continuariam vivos, não todos, mas um número suficiente para que o fio não se rompesse.

 

O cérebro positrônico interpretou o trecho da órbita de Peregrino e deu a entender que o problema seria solucionado nas próximas duas horas.

Mais um dia, e a órbita total do planeta Peregrino não seria mais mistério.

Pela primeira vez desde que o conheciam, os homens notaram a sensação de alívio que se espelhava no rosto de Rhodan.

Ele manteve uma palestra com o coronel Freyt, que se encontrava em Galáxia, a capital da Terceira Potência. Freyt se mostrou muito satisfeito quando soube que, dentro de poucas horas, Rhodan e a Stardust-III regressariam à Terra.

— Não sei se compreende, mas aos poucos... começo a não ser entendido por meus homens — confessou. — Querem que eu faça alguma coisa contra as tendências expansionistas do Bloco Oriental, mas eu... eu...

Rhodan acenou com a cabeça.

— Poremos tudo em ordem. Não se preocupe. Mas fique de boca calada; não diga a ninguém que estamos para chegar. Entendido?

Reginald Bell, que acompanhara a palestra, entendia muito pouco do que estava sendo feito. Enquanto o cérebro positrônico estava ocupado no cálculo da órbita do planeta Peregrino, Rhodan forneceu a explicação:

— Quando saímos da Terra, não sabia quando regressaríamos. Fiz do coronel Freyt o meu representante. Mas será que o conhecia bastante bem? Quem me garantiria que não se aproveitaria da primeira oportunidade para usar o poderio imenso que tinha ao seu dispor para fazer alguma tolice? Tive que tomar minhas precauções. Freyt ficou submetido a um bloqueio hipnótico que o impede de interferir na política terrena. Além disso, deixei mutantes em Galáxia, que exerceram certa vigilância sobre Freyt, cuidando para que não fizesse bobagens. Conforme vemos hoje, a idéia do bloqueio hipnótico teve sua origem num erro de cálculo da minha parte. Em outras palavras, minha opinião sobre o desenvolvimento da política terrena foi muito simplista. Acreditei que reinasse uma situação de razoável estabilidade. Não calculava com a possibilidade de que alguém ainda poderia ter interesse, muito menos que poderia conseguir, pôr uma pedra no caminho da união.

Sacudiu os ombros.

— Se não fosse assim, as ordens transmitidas a Freyt evidentemente teriam sido outras. Da forma como agora se encontra na base de Gobi, não poderia fazer outra coisa senão se defender de um ataque contra a mesma. Até agora não houve nada disso. Mas, quanto ao mais, ficou de mãos amarradas.

— Você não deve se recriminar por isso — disse Bell. — Ninguém poderia prever que nossa viagem duraria quatro anos e meio.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Poderia, sim. Quem se acha investido das minhas responsabilidades deve incluir em seus cálculos até mesmo as possibilidades mais remotas.

Passou a outro tema.

— Aqui na fortaleza tivemos de enfrentar o mesmo problema. Fui cauteloso demais, e, além disso, nunca imaginei a possibilidade de que, em qualquer tempo, outros homens que não nós fossem pousar em Vênus. O cérebro reagiu pela forma que eu lhe prescrevi: deixou os homens em paz, eram os homens de Tomisenkow, e, se não tivéssemos aparecido em tempo, provavelmente a fortaleza já teria sido ocupada por eles. No momento em que Tomisenkow disparou seus foguetes contra nós, o cérebro registrou acontecimentos extraordinários e inquietantes e se bloqueou também contra nós. Modifiquei tudo isso. No futuro, assim que você, eu ou alguma das outras pessoas que ainda selecionarei irradiar um sinal em código, o cérebro positrônico abrirá as portas, por mais crítica que seja a situação.

— Obrigado — respondeu Bell.

— Por quê? — indagou Rhodan, perplexo.

— Pela confiança depositada em mim.

— Ora, cale a...

O cérebro positrônico fez soar um sinal.

— Os cálculos serão concluídos dentro de cinqüenta minutos — anunciou uma voz metálica.

Bell se levantou.

— O que faremos agora?

Subitamente o rosto de Rhodan assumiu uma expressão dura.

— Acho que já tivemos muita paciência — disse baixinho, mas com um tom ameaçador na voz. — Se os homens que habitam a Terra não quiserem se unir, terão de ser obrigados. Não podemos operar no universo com a insegurança representada pela desunião terrena às nossas costas. Temos de limpar a mesa. E começaremos com os perturbadores da ordem. Às vezes ainda surge um sinal.

Mal Rhodan acabou de pronunciar estas palavras, um vulcão começou seu trabalho terrível no oeste. Sob a pressão tremenda desencadeada pelas forças aprisionadas no interior do planeta, uma lava amarela e incandescente subiu numa coluna de centenas de metros e envolveu a paisagem semi-obscurecida numa luz irreal.

— Até parece um símbolo — murmurou Bell.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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