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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Os Agentes da Destruição / Kurt Brand
Os Agentes da Destruição / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Os Agentes da Destruição

 

Sua espaçonave desce na Terra e sua carga é três mil vezes mortal.

Estamos no ano 2.114 da cronologia terrana. Para os terranos, nem sequer se passou um século e meio desde que se deu a bem-sucedida descida na Lua de um foguete de propulsão química, descida esta que foi o ponto de partida para a Astronáutica.

Apesar de ser um período extremamente curto, em relação à cronometria cósmica, o Império Solar, fundado e dirigido por Perry Rhodan, conseguiu se guindar a uma posição de liderança e se tornar a pedra angular do poderio galáctico.

Durante todo este tempo, tanto a Terceira Potência como o Império Solar se viram quase que constantemente ameaçados em sua existência. Não obstante, a todos os ataques e invasões, a Humanidade soube se opor com galhardia. Sim, dava mesmo a impressão de que, após cada agressão destruidora, qual nova Fênix, ressurgia mais poderosa.

Realmente a comparação com a ave Fênix é muito feliz, pois esta renasce sempre, e sempre rejuvenescida, saindo das próprias cinzas. No entanto, os últimos acontecimentos no espaço trazem certas preocupações aos responsáveis pelo Império Solar... Por ora, banido o grave perigo dos pos-bis, os invisíveis entram em ação. Eles são Os Agentes da Destruição que invadem a Terra!

 

                                            

 

O planeta Na-Thir, no Sistema Azul, era o centro científico da Biônica.

Alltok, mestre laureado, olhava pensativo para seu assistente Sill, que há poucos dias atrás tivera a honra de ser nomeado para o cargo. Sill não se sentia bem sob aquele olhar pesquisador.

Depois de um gesto vago, Alltok lhe fez a pergunta:

— O senhor admira estes terranos, Sill? Será que fiz uma escolha errada, quando o convoquei e lhe dei a oportunidade de ser meu assistente?

Sill pertencia à nova geração. Ainda na puberdade, presenciara como as espaçonaves terranas surgiram no Sistema Azul. Depois ouvira como os adultos pronunciavam o nome de Perry Rhodan, como se fosse uma maldição. Pôde também, mais tarde, acompanhando a evolução, ver como o Grande Conselho cada vez mais se inclinava em considerar os terranos como seus parceiros, permitindo-lhes bases comerciais em todos os planetas do império.

Nas conversas com os colegas, chegara à conclusão de que eles, aberta ou veladamente, admiravam os terranos sob o comando de Perry Rhodan. Por isso, naquele instante, a pergunta do mestre Alltok o deixara chocado.

Sill olhou para ele, confuso.

— Sim — disse com simplicidade — admiro os terranos. Principalmente, tenho por Perry Rhodan o conceito mais elevado possível, é um estadista, um líder genial, como só aparece de dez em dez mil anos.

Com um timbre de sarcasmo na voz, Alltok o interrompeu:

— É ainda muito moço para poder julgar estas coisas. O futuro vai lhe ensinar ainda que Perry Rhodan não entrará para a História da Galáxia, nem com, nem sem os pos-bis.

Sill não tomou nenhuma posição perante a opinião do mestre. Depois, ambos voltaram ao trabalho.

 

O coordenador Ohd, um acônida, ria desbragadamente.

— Você tem razão, Ge-Latz — disse ele. — É a melhor piada que já ouvi até hoje e agradeço isso a este Perry Rhodan. Esperei muito por esta hora.

— Ohd — disse o antipático Ge-Latz, do outro lado do vídeo — eu estarei contente só quando não houver mais nenhum Perry Rhodan. Este homem já nos estragou muitos planos aparentemente perfeitos.

Ohd continuou rindo.

— Confie nos meus homens, Ge-Latz, nós não apenas construímos os melhores transmissores de matéria, mas temos também os melhores especialistas no assunto. Cuide da primeira parte, que eu dou conta da minha. Estou curioso para saber como Rhodan vai sair desta.

Já há muito tempo que Ge-Latz não estava assim tão certo da vitória, como seu amigo Ohd. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, perguntou:

— O plano não foi examinado positronicamente, Ge-Latz?

— Sim — foi a resposta a cerca de oitocentos anos-luz de distância. — O computador afirma com noventa e oito vírgula cinco por cento de probabilidade que o Império Solar será destruído...

— O que você quer mais, Ge-Latz? É um valor quase absoluto. Ou você queria cem por cento? Uma positrônica jamais daria uma probabilidade assim.

Ohd olhava para a tela que lhe mostrava o rosto do amigo. Nenhum músculo se contraía e Ge-Latz disse:

— Em qualquer outro caso, eu diria que, dentro de pouco tempo, o Império Solar não existirá mais: um vírgula cinco por cento de probabilidade não representa mesmo nada! Mas, aqui, estamos lidando com Perry Rhodan. Nós não podemos fazer nada com um vírgula cinco por cento de probabilidade, mas Perry Rhodan pode. Só ele é capaz de virar pelo avesso o nosso Sistema Azul, com um e meio por cento de chance.

— Mesmo que nós lhe...?

A pergunta impulsiva de Ohd foi cortada por Ge-Latz.

— Nada de nomes, Ohd. Quero-lhe ainda chamar a atenção para o fato de que não lhe dei nenhuma incumbência oficial. Não se esqueça disso. Se o negócio não der certo pelo seu lado, nós nos distanciaremos de você. Oficialmente, não sei de nada.

Indiferente, Ohd respondeu:

— Para mandar Rhodan, com seu Império Solar, para os quintos dos infernos, estou pronto a arriscar alguma coisa.

 

Abis Thegis possuía no Sistema Azul uma função sobre a qual somente quatro membros do Grande Conselho estavam bem informados. O “grande fundo de répteis” de Thegis era muitas vezes maior que o do próprio Conselho. Desde vinte e uma gerações que os membros da família dos Thegis se mantinham ativos nesta estranha função.

Thegis mandara vir três homens. Todos eles tinham uma expressão de pessoas que não inspiram confiança.

Não parecia ser a primeira vez que vinham à presença de Thegis. Olhavam-no tranqüilos, como se o que estava sendo dito já lhes fosse conhecido. De repente sorriram. Abis Thegis não se deixou interromper. Continuou seu plano com todo entusiasmo.

— Vocês pegam uma nave do comando de energia. Sua chegada já está anunciada no Império Solar. Os terranos também já conhecem a rota e vocês não podem, no meio do caminho, fazer nenhuma alteração. Na última transição, porém, será feito um salto falho. Todo o restante se deduz daí. Certo?

Os três homens fizeram um gesto de anuência.

— Alguma pergunta? Fizeram que não com a cabeça.

— Pena que os terranos nunca saberão quem foi que erradicou do mapa sideral seu ridículo império — lamentou um deles.

Com visível desdém, Thegis acrescentou:

— Isto não tem a menor importância. Importante mesmo é que logo não existirá mais na Galáxia quem se lembre do Império Solar.

Com isso, foram dispensados os três homens, que deixaram o local calados.

 

O chefe da Segurança Solar, Allan D. Mercant, dispunha de um dom que os antigos chamavam de sexto sentido. Apenas algumas pedras do mosaico, que nem de longe formavam nexo, eram suficientes para alarmá-lo.

As seis pedras do mosaico estavam ali, em forma de seis informações da Via Láctea. Todas elas oriundas do Sistema Azul, aliado do Império Solar.

Os acônidas não queriam se conformar com o fato de Perry Rhodan não estar disposto a transmitir ao Sistema Azul os novos aperfeiçoamentos feitos nos raios conversores, capturados em combate.

Duas mensagens continham pronunciamentos não oficiais de membros do Grande Conselho. Três outras apresentavam um manifesto interno das camadas intelectuais do reino acônida. O último comunicado exprimia veladamente a suposição do andamento de uma conspiração contra Perry Rhodan no Sistema Azul. Este movimento subterrâneo podia ter a aprovação tácita do Grande Conselho...

Allan D. Mercant não sabia no momento o que devia fazer, mas estava certo de que havia perigo em esperar muito. Deveria importunar o chefe com sua suspeita? Os pos-bis, por si só uma ameaça latente, já não eram bastante? E o outro problema, os laurins, também não era menos importante.

— Será que nunca teremos paz em nossa Via Láctea? — perguntou a si mesmo.

Estava sozinho no escritório. Resignado, passava a mão pela cabeça. Teria sido acertado por parte do chefe dar um “não” categórico ao pedido ou exigência dos acônidas sobre a cessão de um canhão de raios conversores? Não seria mais indicado uma resposta diplomática? O próprio Reginald Bell não tinha outra opinião sobre o mesmo assunto? Podia-se interpretar desta maneira o tratado de 10 de setembro de 2.113 que criara a aliança galáctica entre os terranos, os arcônidas e os acônidas?

— Os acônidas vão fazer tudo para nos destruírem — disse Mercant para si mesmo. — Sua amabilidade para conosco não é sincera, aliás, nunca foi sincera. Em geral, desprezam-nos. Os arcônidas são para eles bichos incultos, enquanto nós não passamos de novos-ricos, arrivistas atrevidos. Os parceiros da tríplice aliança são mesmo maravilhosos...! Será que não devo dizer ao chefe que os acônidas são os coveiros da Galáxia?

Sem nenhum ruído, o teletipo ao lado de Mercant trabalhava. Através de linha direta, estava ele em contato com o teletipo de Perry Rhodan. A representação diplomática da Terra no reino do Sistema Azul anunciava laconicamente o seguinte texto:

 

Agente VF-56 desde as quatorze horas e cinqüenta e cinco minutos, tempo padrão, desaparecido do Sistema Azul sem vestígios. Avisou embaixada quatorze horas e cinqüenta e quatro minutos; urgência grau um. Investigações VF-56 até momento infrutíferas. Fim.

 

A letra V significava que o agente 56 tinha grau diplomático, isto é, quando muito podia ter sido expulso como persona non grata.

A letra F dizia que o agente 56 era especialista no ramo de técnica de absorção estrutural, isto é, daqueles instrumentos que deviam impedir que fosse sentido ou rastreado qualquer abalo estrutural.

E quem se escondia sob o número 56? Nem o chefe da defesa sabia...

Mercant continuava olhando para o teletipo. O texto da mensagem já desaparecera. Além de Perry Rhodan e de Mercant, ainda outros postos de investigação teriam recebido o comunicado. De um destes postos, veio a seguinte nota:

56, Dr. Paol Nash, 31 anos, casado, passaporte diplomático No B-556-754, acreditado junto do Grande Conselho. Ramo de trabalho: técnica de absorção. Conhecido por trabalhar discretamente. Até hoje nunca usou mensagem com grau um de urgência.

 

— Doutor Paol Nash... — repetiu Mercant, pensativo, o nome do diplomata e agente desaparecido em Sphinx. — Provavelmente não tem filhos... Santo Deus, que besteira que estou falando?

Mercant repreendeu a si mesmo, mas não conseguiu se desfazer do pensamento de que o Dr. Paol Nash não estava mais vivo.

Era mais uma pedrinha para o mosaico, mas mesmo assim não dava sentido. Apesar disso, eram muito elucidativas para Mercant. O chefe da defesa previa desgraça.

Viria do Sistema Azul? Viria dos pos-bis ou dos laurins, os invisíveis? Ou estaria iminente uma grande ameaça para o Império Solar, ameaça esta totalmente nova, inesperada?

Mercant se levantou. Já tomara uma decisão. Tinha de falar com Perry Rhodan. Era seu dever comunicar ao chefe suas suspeitas.

 

Ele se chamava Mano-Ma. Era um anti. Era um assassino. Enfiou na cintura a pistola de desintegração com que acabara de matar o terrano Paol Nash.

Na mesma hora, Mano-Ma deixou o local do crime. Caminhou normal, como um homem que se sente plenamente seguro, se bem que o ato criminoso não se dera sem testemunhas. Estas testemunhas, porém, nada fizeram para obstar o crime.

Eram três as testemunhas. Não eram nada simpáticas, dando mesmo a impressão de serem capangas...

E foi na direção destes três indivíduos que Mano-Ma caminhou, sem a menor sombra de medo.

No fundo estava uma nave acônida do comando de energia.

 

O Imperador Gonozal VIII, chefe supremo das frotas unidas de Árcon e da Terra, bramia de fúria.

Oito oficiais do Estado-Maior do Império Solar olhavam para Atlan. À porta da grande sala de radiotelegrafia estava parado o oficial de serviço, muito assustado. Não compreendia por que o imperador estava assim tão excitado. Não havia nada de extraordinário na mensagem, um simples relatório da situação em Árcon III, onde havia uma frase sobre os acônidas que serviam na grande estação do transmissor de matéria.

Aos poucos, Atlan foi se acalmando.

— Aqui, meus senhores, leiam! Que pouca-vergonha!

Com isto, lhes entregou a folha de papel.

Um dos oficiais pegou o comunicado e o leu. No fim dizia o seguinte:

— “O pessoal de serviço do transmissor acônida impôs a exigência de que nem arcônidas, nem terranos possam ter acesso ao funcionamento do mecanismo. A exigência teve que ser admitida...”

Atlan interrompeu o oficial que estava lendo:

— E um belo dia, nossos antepassados vão nos exigir que lhes entreguemos Árcon III, Árcon II e finalmente também Árcon I. Quero saber quem foi o superburro que cedeu à exigência do comando do transmissor.

E, virando-se para o oficial de serviço que ainda estava de pé à porta da cabina de rádio, disse:

— Mande investigar isso, preciso saber imediatamente.

Depois se dirigiu a seu estado-maior.

— Meus senhores, os senhores são terranos, eu sou arcônida. Para os acônidas isto é uma grande diferença. Eles os vêem como aventureiros arrivistas. E a nós, como traidores da raça acônida, de quem descendemos. Os acônidas têm pressa em nos ver destruídos.

Nervoso, penetrou o radiotelegrafista na central de comando.

— Então, o que houve? — perguntou Atlan.

— Senhor, acabo de ser informado de que a equipe acônida do transmissor lançou um ultimato de prazo muito curto. O chefe estava ausente nesse ínterim. E mister Bell ordenou que...

Atlan praguejava alto. Virou-se de repente para o radiotelegrafista.

— Mande uma mensagem ao administrador exprimindo-lhe que não aceito de maneira alguma a decisão de mister Bell. Seria perda de prestígio se nos curvarmos ao ultimato arrogante do pessoal de serviço acônida em Árcon III.

Seu protesto, porém, não poderia anular nada...

Atlan, que comandava as duas frotas fora da Nebulosa M-13, ouviu calado a resposta de Perry Rhodan. Foi suficientemente diplomata para reconhecer que não se podia, no momento, alterar nada no estado de coisas de Árcon III.

Tudo isto por culpa de Bell.

Pelo rádio enviado, Atlan leu claramente que Rhodan não estava de acordo com a decisão de Bell e leu também outra coisa, das poucas linhas: o perigo vinha chegando a passos rápidos.

De que direção?

 

— Você fez uma obra-prima de diplomacia míope, Bell! — disse Perry, em tom sério de censura. — Não sei por que você não fez o menor esforço para me procurar através do rádio. Criou-se, agora, em Árcon III uma situação que mal podemos controlar. O que lhe passou pela cabeça, gorducho?

Bell se defendeu.

— Você pode desistir deste tom áspero, Perry. Foi você e não eu quem criou esta situação tensa. Você se negou peremptoriamente a fornecer um canhão de raios conversores ao Sistema Azul. Assim, você interpretou o tratado de 10 de setembro no seu sentido...

— Então me aponte o parágrafo que nos obrigue a entregar nas mãos dos acônidas uma arma sob ultimato.

O gorducho atalhou solene.

— Uma aliança deve ter uma base de fidelidade e de confiança.

Rhodan respondeu calmo:

— Para se transformar em suicida, não se precisa de raios conversores, mas sim de um pedaço de corda. Para destruir uma raça inteira, a melhor arma são os raios conversores. Dar aos acônidas essas armas, significa nos transformarmos em assassinos da Humanidade. Será que você ainda não compreendeu como eu julgo os acônidas? Bem entendido, o Grande Conselho e aquela camada dos descontentes do Sistema Azul, que vêem em nós uma espécie de macacos e nos arcônidas insetos degenerados. Há uma meia hora, falei com Mercant. Com minha total anuência a Defesa Solar está de prontidão. O Sistema Azul está sendo vigiado com todos os meios possíveis.

— Você dá tanta importância assim ao desaparecimento do agente diplomático em Sphinx? — perguntou Bell, em voz mais baixa.

— Mercant me deixou muito preocupado. A interpretação do computador também. O Dr. Nash nunca enviou uma mensagem com urgência grau um.

— E depois disso, não se tem nenhuma notícia sobre seu paradeiro? Pergunto, naturalmente, depois de sua mensagem urgente.

— Não. A embaixada em Sphinx está tateando no escuro. A polícia acônida deve estar envidando todos os esforços para esclarecer o fato. Mas, mensagens deste tipo devem ser recebidas sempre com muita reserva, mormente dos acônidas.

— Com isto, você está me levando com muitos rodeios a confessar, sem o querer, ter cometido um erro palpável, Perry.

Os traços de Rhodan esboçaram um sorriso irônico.

— Gorducho, você não vai conseguir me botar na defensiva. Não falei em “erro palpável”. Quanto à sua decisão, se vai ter conseqüências ou não, temos de esperar. Os grandes transmissores dos acônidas não são brincadeira. Devido a estes mecanismos, já estivemos quase à beira do abismo. Pode-se ter pontos de choque com o parceiro-adversário mais ferrenho e, mesmo assim, não se deve, por isto, ofender os princípios da fidelidade e da confiança. Mas se tem sempre o dever de manter a mais estrita vigilância. Por este motivo é que jamais cederia ao ultimato do comando do transmissor acônida em Árcon III. Pelo que se pode deduzir, Atlan deve ter ficado furioso contra sua decisão. Gorducho, sinto muito, mas tenho de dar razão ao arcônida.

— E a mim, não? — resmungou Bell, que não se sentia muito à vontade.

— É claro que a você também. Do contrário não seríamos amigos.

 

Gus Maltuus perdeu o jogo para Geo Arendt. O contador automático da quadra de tênis marcava 21 x 7.

Na rede, deram-se as mãos.

— Fui muito azarento hoje, hein! — disse Maltuus.

Com a raquete debaixo do braço, caminharam para o vestiário.

— Você andou ontem por alguma festa quente? — perguntou Arendt, olhando para seu amigo.

— É, foi uma festa quente mesmo, uma noite maravilhosa... com os nossos três laurins. Que o diabo os conservasse lá no inferno!

— Os três laurins?... Por quê?

Gus Maltuus deu largas ao seu mau humor. Levantou-se de repente.

— Primeiro eles, os laurins, e, logo depois, você também... Você foi muito esperto, escapando nos últimos dias das terríveis pesquisas.

Ambos pertenciam à grande equipe que recebera do administrador a incumbência de estudar o metabolismo dos laurins.

Há seis semanas lutavam, no verdadeiro sentido da palavra, com o problema, para descobrirem com que meios os laurins conseguiam se tornar invisíveis para os olhos humanos. Gus Maltuus pertencia ao grupo de médicos incumbido de uma tarefa quase insolúvel, isto é, examinar os órgãos vitais dos laurins e, na medida do possível, determinar-lhes as funções.

Quando lhes foi dada esta incumbência, os dois não estavam nada entusiasmados. Já sabiam que não iriam contar com a ajuda dos mutantes. Os poderes extra-sensoriais deles não poderiam mesmo fazer muita coisa, a não ser localizá-los pelos impulsos mentais. As primeiras pesquisas foram feitas somente com o apoio das observações que os homens de Rhodan viveram no planeta Aptulad. Pelo processo rudimentar do tato, constataram logo os contornos dos invisíveis. A pele pardacenta, semelhante a uma camada fina de borracha, já tinha sido tocada por Ron Landry e seu pessoal em Aptulad.

No processo pelo tato, um aparelho especial constatou uma saliência, tipo papo, nos três laurins, localizada onde os seres humanos têm a laringe.

Pensando nas dificuldades que teriam de vencer, foi que Gus Maltuus deu aquela resposta bruta para Geo Arendt.

Este olhava agora seu amigo, sorrindo.

— Muito obrigado, Gus, pelos seus bons desejos. Eu não procurei fugir dos testes, você se engana. Trabalhei também um pouco. Não fiz, provavelmente, tanta pesquisa fundamental como vocês, pobres médicos, mas mesmo assim tivemos uma luta enorme com experiências. Nós, físicos, temos também um laurin à disposição e não desejaria mandá-lo para aquele lugar... para onde você os mandou. Ao contrário da sua suposição, trabalhamos muito, fazemos algum progresso, naturalmente não com tanta sensação como vocês.

— Geo, estarei obrigado a romper a amizade com você? — perguntou Maltuus enérgico. Ficava muito sensível quando. atingiam seu orgulho profissional.

— Por causa destes desgraçados laurins, Gus? Pelo amor de Deus, vamos primeiro tomar uma ducha fria. Isto é muito bom. Depois falaremos das menções honrosas que nós todos merecemos neste mês e meio de trabalho duro.

Quinze minutos depois, já estavam de roupa trocada. Geo Arendt, que, com quarenta e dois anos, parecia muito mais moço e que era de fato um maravilhoso jogador de tênis, foi caminhando devagar, seguido logo depois por Gus Maltuus.

Gus, um pouco mais baixo, devia estar beirando os trinta. Eram velhos amigos de há mais de dez anos. Enquanto deixavam as quadras de tênis e percorriam os passeios ajardinados, Geo falou dos resultados de sua equipe de físicos.

— O fato de este órgão flexível, esta saliência cartilaginosa ser uma tela de deflexão operando em base biológica, quase nos deu um tombo. Quando nos recuperamos desta má surpresa, ficamos abismados com impulsos complicados que desviam a luz impulsos estes emitidos pelo tal órgão.

Para Gus Maltuus, estavam um pouco fastidiosas estas explanações.

— Ouvi falar de uma espécie de óculos antiflex. Como é que vai este novo processo?

— Os milagres, para nós, duram um pouco mais de tempo — foi a resposta lacônica de Arendt.

Maltuus não se deu por vencido:

— Pode-se mesmo esperar, por pouco tempo, por estes óculos que permitem ver os invisíveis?

— Se apertar muito o conceito “pouco tempo”, talvez sim. Você sabe, aliás, que com seus três olhos os laurins podem se ver entre si, apesar do campo de deflexão?

— Sim, esta notícia não me pegou de surpresa, já era mesmo de esperar. Mas, quando penso no formato do corpo dos laurins: de frente como se fosse uma estaca, de lado como um risco, então devem nos achar verdadeiros monstros, com nossa compleição compacta e robusta. Será que seu medo de morrer, que foi medido exatamente com o psicômetro, tem alguma coisa a ver com isto?

Os dois especialistas viraram à esquerda no estreito caminho do parque. Tal direção os levava para o estacionamento de seus flutuadores. Não havia ninguém por perto, e o ronco distante e contínuo das espaçonaves em movimento no espaçoporto não lhes chegava mais ao consciente.

— Quanto ao medo de morrer dos invisíveis, tenho uma outra opinião, que ouvi há pouco tempo, Gus. Hoje ou amanhã ela será dada a conhecer a todos os membros da equipe. De acordo com ela, o que provoca o medo alucinante dos invisíveis é seu exaustivo instinto de conservação. Falando francamente, os laurins são covardes.

— Puxa! Nada mal, mas um pouco difícil de se acreditar — disse Maltuus.

— Eu também pensava assim, no começo. A nova versão contém ainda mais algumas explicações. Não podemos julgar a covardia dos laurins de acordo com nossos parâmetros, mas temos que considerá-la como peculiaridade psíquica dos invisíveis. Lembre-se apenas dos relatórios de combates espaciais onde as lutas com os laurins são descritas. Não reparou que as espaçonaves dos invisíveis, em forma de pingo ou gota d’água, sempre entram em fuga, quando notam uma resistência mais séria?

— Mas, Geo, não acha um bocado de leviandade querer de três prisioneiros fazer uma dedução para uma raça toda?

Geo Arendt não se deixou perturbar.

— Não se esqueça do local onde estes três laurins foram aprisionados. E lembre-se de que, em tais circunstâncias, os laurins com toda certeza usam o mesmo ponto de vista que nós, isto é, tentam poupar forças...

— Um homem prudente, nem sempre é um homem decente — disse Gus.

Geo Arendt desistiu.

— Você hoje está de fato num dia pesado. Eu lhe pergunto apenas por que, em vez de jogar tênis, você não foi dormir?!

A resposta que Maltuus deu foi característica:

— Estava cansado demais para dormir. Mas agora, vou tirar uma boa soneca. E o que você vai fazer hoje de tarde?

— Às quinze horas entro de serviço. Novamente as medições de Gauss e de Oersted no órgão saliente, no tal pescoço. Já entro um pouco pessimista, porque, provavelmente, não se chega a nenhum resultado.

 

Os bangalôs, cada um mais lindo que o outro, se alinhavam ao longo da margem do lago. Ao longe, se via a silhueta de Terrânia, tendo ao fundo um céu sem nuvens.

No terraço sul, espichado numa cadeira arcônida, tipo espreguiçadeira, estava o Tenente Guck. Parecia dormir. Num terno esporte, feito sob medida, o rato-castor estava ridículo.

Bem encostada na cadeira, num balde, havia uma garrafa de boa aguardente de cereais. Cheia é que não estava...

No caminho estreito cascalhado, conservado pelo próprio Gucky quando lhe sobrava tempo, ouviam-se passos.

O rato-castor nem se mexeu. Surgiu um homem, o robólogo, isto é, especialista em robôs, Van Moders.

Parou em frente à cadeira de sol.

— Gucky — disse ele.

O Tenente Guck nem reagiu.

Moders levantou a mão para tocar no pêlo de Gucky. No mesmo momento, a mão foi repelida por uma força invisível e Moders fez um movimento para trás, caindo sobre o balde térmico onde se achava a garrafa. Em condições normais, a garrafa teria batido no chão de cascalho e se quebrado. Mas nada disso aconteceu.

A garrafa estava flutuando a uns palmos do chão e o rato-castor roncava sem mudar de posição. Gucky, ainda de olhos fechados, falou:

— Amigos como você, Van, são sempre bem-vindos.

A garrafa flutuava macia na direção de Gucky e chegou a tocá-lo de leve. O rato-castor levantou-se de um salto.

— Meu Deus, como fui ficar assim, Van?!

Estava de pé e olhou para o balde térmico.

— Santa Via Láctea! O negócio está a oitenta graus abaixo de zero. Bell, falso cinqüentão, da próxima vez você vai receber um bom troco. Pode esperar por isso.

— Se você puser a garrafa no sol, dentro de quinze minutos vai poder me oferecer um bom trago — disse Van Moders.

Gucky exibiu seu dente-roedor. Neste meio tempo já estava lendo os pensamentos de Van Moders.

— Você vem a serviço, não é? Por causa destes laurins? Só estava faltando mesmo sua visita. Você, como robólogo, o que tem a ver com os invisíveis? Isto não é seu campo de trabalho.

— Tenho uma idéia.

— Van, se você soubesse como é criticado em toda a Galáxia por causa de suas idéias...! Não compreendo o ara Kule-Tats... como agüenta tanto tempo junto de você. Você é um dos homens mais horríveis que já vi.

— Em compensação, para mim, você é um dos mais simpáticos — respondeu Moders.

Isto desarmou Gucky. Seus olhos brilharam, com algum receio.

— Está certo — disse ele e para dominar sua emoção, pediu que Van Moders falasse em linguagem mais simples. — Vamos, despeje sua ladainha, mas não use expressões muito elevadas, para que eu o possa compreender.

— Os laurins... — começou o robólogo.

— Ótimo — interrompeu-o Gucky num gesto espalhafatoso. — Já peguei seus pensamentos. Sua idéia é excelente!

— Gucky — começou Moders, de novo — você conhece bem os laurins, pelo menos enquanto se pode falar em conhecer. Vocês telepatas são os únicos que estão em condições de localizá-los. Não precisam apalpá-los para saber de fato se estes três seres ainda existem. Quando colocarmos os três num aposento, você poderia talvez constatar se seu terrível medo de morrer diminui ou não?

— Então você supõe que o medo deles é devido ao isolamento?

— Não é isso, meu amigo. Pelo contrário. Sou de opinião de que, para os nossos três laurins, não tem importância alguma se estão presos isoladamente ou em conjunto. Acho também que não são supercovardes, como já ouvi dizer. São simplesmente assim, por natureza...

— E por que serei eu exatamente quem terá que descobrir a causa de seu medo de morrer? Van, prefiro lidar com os pos-bis, seus robôs biopositrônicos.

— John Marshall não se consegue encontrar. Você é o único, além dele, que pode captar as vibrações colaterais.

— Van, hoje é minha tarde livre. Moders apelou para o brio de Gucky.

— Se você não quer, Gucky, que se pode fazer?

O rato-castor se empinou todo, esbravejante.

— Que negócio é este de não querer? Simplesmente não suporto estes laurins. Com sua desgraçada invisibilidade, são-me muito mais perigosos do que mil pos-bis. Van, se eu continuar em sua presença, meus pêlos começam a arrepiar.

O minicomunicador no pulso de Gucky começou a chamar. Soou a voz de Reginald Bell:

— Tenente Guck, o chefe quer falar com você...

— Com você, não, com o senhor — protestou ele.

E porque Bell o chamou de Guck e não de Gucky, desfez a ligação e chamou diretamente pelo minicomunicador a Perry Rhodan, em sua freqüência especial.

— Sim, Perry, que há de novo?

— Meu caro, Van Moders tem uma idéia importante e precisa...

— Adeus minha tarde livre! — exclamou Gucky, de permeio. — Van está sentado aqui a meu lado já há mais tempo e quer me convencer... Estou lutando com ele aqui a respeito dos “cartilagens...”

— A respeito de quê? — perguntou Perry.

Gucky suspirou.

— Está bem, Perry, não é cartilagem não, são os laurins, desculpe.

— Está bem, Gucky, Fim.

Perry desligara a transmissão do seu lado.

Com um olhar para o lado de Van Moders, disse Gucky:

— Acho que não posso mais chamar os invisíveis de “cartilagens”. Se bem que a expressão calha muito bem para eles. Mas vamos agora voltar para os invisíveis, Van? Pegue a minha mão aqui.

Segundos depois, o ar cintilou no lugar em que Moders e Gucky estiveram. O rato-castor se teleportara com o cientista.

Rematerializaram-se no meio de especialistas. Moders se desculpou pelo modo como chegara.

— Propus ao Tenente Guck que nos teleportássemos, pois, embora tenha ele hoje sua tarde livre, foi tão gentil em desinteressadamente, vir trabalhar conosco e ficar à nossa disposição para os testes.

Gucky se sentia lisonjeado e mostrando seu dente-roedor, perguntou tão alto quanto permitia sua voz fina:

— Onde estão as três cartilagens?

— Ele quer dizer com isso os laurins — explicou Van Moders, olhando com ar de censura para Gucky.

Neste momento Gucky localizara um dos invisíveis.

— Van — disse ele — acho que já estou me simpatizando com os laurins. Você vem mais tarde, não é?

Dizendo isto desapareceu, surgindo depois, três salas mais para frente, entre os mutantes e os especialistas, ocupados com complicados preparativos técnicos.

— Que está acontecendo? — quis ele saber logo. — Quando começa?

— Só daqui a duas horas — disseram-lhe. Gucky não gostou.

— Quero, então, saber por que me fizeram apressar tanto assim.

 

O Grande Conselho no Sistema Azul não sabia de nada. Também não queria ser informado. Em certo sentido, os membros do governo estavam intencionalmente desinteressados. Confiavam em Abis Thegis, o homem sem título, responsável absoluto pelo “grande fundo de répteis”.

Já há muitas gerações, os homens da família de Thegis resolviam, para satisfação geral, coisas desagradáveis que não podiam ser superadas pelos canais diplomáticos. Alltok, mestre de primeiro grau, recebeu uma mensagem que lhe causou grande satisfação... Em código, o coordenador acônida dos transportadores de matéria lhe comunicou que “a estrela dos deuses brilhava no zênite”.

Simultaneamente, a alguns milhares de anos-luz do planeta Na-Thir, Ge-Latz leu a mesma mensagem. Contente, balançou a cabeça, leu-a outra vez e monologou:

— Tomara que o desgraçado do um e meio por cento de probabilidade não nos estrague tudo.

Abis Thegis tinha três visitas do sexo masculino, de caras não muito simpáticas. Um deles estava expondo alguma coisa. Na conversa se mencionou o nome do diplomata terrano Paol Nash. Não se tocou, porém, no nome do assassino do terrano, o anti Mano-Ma.

— Faz dezoito minutos, tempo padrão, que eles estão a caminho, Thegis.

Com estas palavras, terminou o relatório. Quem estava falando não explicou quem eram “eles”. Abis Thegis apenas fez um aceno de cabeça e se levantou da mesa.

— Neste caso é necessário que apaguemos sua memória. Haverão de...

Quem estava falando sacou da pistola de raios energéticos e assassinou Abis Thegis.

— Não permito que guardem recordações de minha vida pregressa — disse furioso.

Seus companheiros estremeceram de medo ao verem o acônida cair morto no chão.

— A nave já está pronta para partir — disse alguém.

Referia-se à espaçonave de cem metros de diâmetro com que estiveram de viagem pela Galáxia.

— Se alguém não nos viu aqui através de alguma instalação de televisão...

O assassino riu cinicamente.

— Vamos dar um jeito de fugir. Deixaram o morto ali caído e, como se nada tivesse acontecido, abandonaram a sala e saíram.

Não sabiam de nada do um e meio por cento num certo cálculo de probabilidade...

Quando correu a notícia do assassínio de Abis Thegis, a espaçonave já estava fora do Sistema Azul.

 

Mano-Ma estava diante da grande estação do transmissor de matéria que mantinha ligação direta com o aparelho correspondente em Árcon III. Via os últimos laurins desaparecerem no arco chamejante.

Viu-os quando chegaram perto dele. Desapareceram de seus olhos, ao se afastarem de seu próprio campo de absorção. O que os cientistas terranos ainda não haviam conseguido, isto é, tornarem visíveis os invisíveis, ele e todos os outros antis faziam com a maior naturalidade.

Três mil laurins haviam desaparecido duas vezes. Isto é; uma vez após deixarem um campo de absorção, quando se dirigiam para o transmissor, a fim de chegarem a Árcon III invisíveis; a segunda vez, quando passaram pelo transmissor para saltarem em Árcon III no mesmo instante.

Há uns quinze minutos atrás, o anti vira decolar do espaçoporto uma nave achatada do comando de energia. Os ruídos dos fortes reatores interromperam por segundos toda conversa, quando a grande nave passou pela estação de transporte de matéria.

Mano-Ma não suspeitava que naquela nave fugiam os três homens com quem tivera uma viagem cheia de perigos. Ao ouvir atrás de si o zunido atordoante das sirenas, olhou em volta e viu quatro aparelhos fazerem uma aterrissagem quase vertical, a toda velocidade. Sabia que não era bom sinal. Mas não podia, nem de longe, sonhar com o que acontecera...

Mano-Ma começou a gaguejar.

— Abis Thegis assassinado? Os assassinos fugiram numa espaçonave? Já fora do envoltório de proteção? Será que não vão contar tudo aos terranos?

Dizia o que os assustados acônidas temiam.

— A ação deve ser cancelada — exigia um acônida de estatura fora do comum. — Do contrário, Rhodan vai receber os invisíveis com fogo cerrado.

— Como assim? — perguntava um outro ironicamente. — Pois não os pode ver... Só os servos de Baalol é que os podem ver, em certos casos. Devemos de fato suspender a ação? Acho que não.

— Pelo menos podemos prevenir os laurins — era o palpite de outro.

Mano-Ma estava cercado de acônidas curiosos. Quase não se podia compreender o que ele dizia. Finalmente, um deles se fez ouvir e obrigou os demais a manterem silêncio.

— A ação vai continuar, como foi planejada. Não podemos mandar ninguém para Árcon III. Com os teletransportadores é impossível, pois a estação do transmissor de matéria seria vista por todos. Também não podemos correr o risco de que um de nossos embaixadores caia nas mãos destes telepatas terranos. Este é o grande perigo. Muitos terranos vivem em nossos planetas. Se um deles domina a arte de ler os pensamentos...?

Cinco minutos depois, a gigantesca estação do transmissor estava completamente abandonada, com exceção dos técnicos que de nada sabiam. Até Mano-Ma escapulira. Mas o um e meio por cento de probabilidade, dado a Perry Rhodan, subira já para trinta por cento.

No departamento sem nome, a cuja frente estava Abis Thegis, o assassinado, o silêncio era profundo e ninguém sabia o que fazer.

 

Na bem afastada estação de satélite ZT-974, o serviço de rastreamento deu o alarma.

Oito terranos correram para seus postos. Depois de quatro meses e meio, foi este o primeiro alarma.

O serviço de rastreamento dava sempre novos valores, enquanto o armazenamento positrônico era controlado para se saber se o vôo fora legalmente autorizado e comunicado.

— Objeto desconhecido — foi o resultado do computador.

O transmissor de hiper-rádio chamou a nave desconhecida em algumas dúzias de freqüências. No posto de rastreamento, um oficial franziu a testa.

— Pelos valores energéticos com que funcionam os reatores, poderia ser um aparelho do comando espacial acônida — disse ele.

O radiotelegrafista, que o estava ouvindo, não perdeu tempo. Chamou o Sistema Azul. O oficial no posto de artilharia disse descontente:

— Bobagem, só tempo perdido. Por que motivo a nave não se apresentou? Porque alguma coisa não está em ordem.

E sua suspeita estava muito próxima da verdade.

Sphinx, o mundo administrativo do reino acônida, respondeu estranhamente depressa. Mas isto não chamou a atenção de ninguém na base terrana espacial ZT-974.

— Nave Santo-65 desviada por três criminosos. Nave leva como carga a bordo Therku-Lant. Perigo de contaminação dos planetas. Agir por conta própria, como achar melhor. Autorizado bombardeio.

A memória do computador disse com voz metálica:

— Therku-Lant, parasita resistente a ácidos, bacilo do tipo T 5. Antídoto desconhecido.

— Temos ainda os torpedos espaciais reconstruídos, cujo rastreamento corresponde agora a outros aparelhos! — exclamou o oficial do posto de artilharia, que já estava calculando a hora em que a nave, com os criminosos e com a carga infernal a bordo, iria entrar em transição.

— A Santo-65 não responde a nenhum hiper-rádio — anunciou o telegrafista, com voz neutra.

O comandante hesitou pela fração de um segundo, depois transmitiu a ordem ao posto de artilharia:

— Disparar torpedo espacial! Mas apenas um.

Estes torpedos espaciais, desenvolvidos na luta contra as naves fragmentárias dos pos-bis e empregados com muito sucesso, necessitavam só de cinco minutos para atingirem a velocidade da luz. Pela sua própria construção, tinham mira robotizada. Podia-se dar-lhes a orientação automática pelas ligas metálicas das naves arcônidas ou acônidas.

— Nave acônida acelera! — disse um oficial de olho no rastreador.

Tal aceleração podia ser acompanhada também nas telas da estação. Não se via o torpedo. Somente a medição de sua energia é que podia acompanhar seu rumo. Cada vez mais, os homens olhavam o mostrador de segundos.

Três minutos se passaram

Quatro!

Podia ser apenas questão de segundos e, logo a nave acônida com os criminosos entraria em transição, como todos temiam.

— Parece que os criminosos erraram o salto e calculam de novo suas coordenadas. Estão demorando muito com a transição.

Esta era a opinião do comandante do satélite.

Um raio de luz na negridão do espaço acabou com o assunto.

A Santo-65 não existia mais.

Num cálculo de probabilidades, atribuíram a Perry Rhodan um e meio por cento de chance de sucesso. Este valor, infelizmente, continuava valendo.

A estação do satélite ZT-974 passou um rádio simultâneo para Terrânia e Sphinx. Seu texto:

 

Espaçonave Santo-65, do comando de energia acônida, com três criminosos que tentavam fugir e cuja carga era Therku-Lant, foi destruída por torpedo espacial, dezenove horas e oitenta e sete minutos tempo padrão. Assinado: Volkmer ZT-974.

 

Na organização secreta sem nome, no Sistema Azul, os responsáveis esfregavam as mãos e respiravam aliviados.

No quartel-general da frota em Terrânia, a nota foi arquivada, como de praxe. Devido a uma “pane”, que mais tarde jamais foi bem esclarecida, não chegou nenhuma cópia aos escritórios da Defesa Solar. Por isso Allan D. Mercant não teve conhecimento imediato do acontecimento.

Os coveiros da Via-Láctea podiam continuar operando.

 

A Lua terrana era, ao mesmo tempo, um gigantesco estaleiro espacial e uma série contínua de fábricas de armamentos, enquanto que o planeta Marte representava dentro do Império Solar o porto de transbordo. E era realmente um espaçoporto atrás do outro, com todos os tipos de espaçonaves, um movimento contínuo de sobe e desce.

O planeta Marte podia ser atingido por todos os aparelhos sem visto especial, mas para uma aterrissagem na Terra era indispensável autorização especial, autorização esta que, desde as lutas contra os pos-bis, a administração concedia muito raramente. Mas, antes desta época, foram outorgadas autorizações especiais a alguns clãs de confiança dos saltadores, dos superpesados e dos aras, que, naturalmente, no correr da evolução política, podiam ser declaradas nulas de um dia para o outro.

Cafzen, patriarca de um pequeno clã comercial e proprietário de seis espaçonaves cilíndricas, era chefe de um grupo de famílias há pouco mais de meio ano. Seu tio, Olzin, morto há um ano atrás, pertencia ao tipo dos comerciantes de mais larga visão e soube, em boa hora, se adaptar ao comércio com a Terra. Foi somente na terceira votação que Cafzen se tornou patriarca do clã e ficou de posse da licença especial de poder aparecer na Terra a hora que quisesse.

Cafzen, um saltador de cara amarrada, de olhar incerto, se achava com três espaçonaves no Espaçoporto 16 de Marte. Duas delas estavam esvaziando seus porões, ao passo que sua nave capitania tinha mercadoria que se destinava a Terrânia.

Já há dois dias que Cafzen não aparecia mais. É verdade que era um comerciante de poucos amigos, quase misantropo, homem de poucas palavras. E desde a parada em Nudd, um diminuto planeta colonial de Árcon, que se retraíra ainda mais!...

Este estranho retraimento dava ensejo em suas naves a muitos boatos. Muitos do clã de Olzin consideravam o novo chefe como um excêntrico. Duvidavam ainda muito da última votação de desempate, em que Cafzen surgiu como o novo patriarca.

De repente, Cafzen apareceu entre eles e se fez então um silêncio mortal no posto de comando da nave capitania. O olhar incerto do patriarca fulminou todos ao mesmo tempo. Cada um se sentia atingido.

— Quem disse que a eleição foi uma mistificação? — perguntou Cafzen, com voz ameaçadora.

Ninguém se apresentou.

Repetiu a mesma pergunta.

Novo silêncio. De repente, penetrou por entre os homens e se deteve diante de um jovem saltador, pegou-o pelos ombros, sacudiu-o violentamente.

— Não foi você, Colle?

O saltador Colle se livrou dele, deu um passo atrás e disse resoluto:

— Sim, eu o disse e continuarei dizendo, pois sei que oito da estirpe Cafz andaram trabalhando com alto suborno. E são estes oito que...

Neste momento, Cafzen lhe aplicou um murro e Colle tombou inconsciente. O patriarca se virou e ordenou calmo:

— Levem-no para fora. Será declarado um pária. Quem lhe prestar socorro terá a mesma sorte que ele.

Com rosto frio e impenetrável olhou para os dois homens que arrastaram Colle para fora da central de comando. Depois, deu as costas a todos e se enfurnou em sua cabina, logo ao lado da sala de comando.

Não se mostrou mais nas próximas horas, mas quando apareceu de novo, estava em trajes festivos. Chegou até o intercomunicador e disse à tripulação boquiaberta.

— Folga até as vinte e três horas e quarenta minutos com permissão para descerem em terra. Terá de ficar a bordo apenas um comando de quatro saltadores.

Estes quatro eram seus parentes próximos...

Aos poucos, a nave Cafzen I foi se esvaziando. Envoltos em trajes espaciais, pois as condições atmosféricas em Marte eram bastante desagradáveis, os saltadores se dirigiram para os pontos dos táxis-flutuadores, nos quais voavam até a próxima cidade, onde, sob uma cúpula energética, havia ar com pressão normal.

Cafzen continuava sentado sozinho na cabina de comando, parecendo esperar alguma coisa. Um depois do outro, foram chegando seus quatro parentes mais próximos.

Para ter plena certeza, fez questão de perguntar ao seu genro:

— Saíram mesmo todos de bordo?

— Todos. As borboletas de contagem, nas duas escotilhas, confirmam que todos saíram. O senhor pode ficar tranqüilo.

O comerciante abanou a cabeça.

— Não antes de me desembaraçar da mercadoria que está a bordo.

Olhou para um grande relógio na parede da cabina. — Se o plano não for alterado, vamos receber a carga dentro de doze minutos.

Seus quatro cúmplices sorriram maliciosamente. Os lábios continuaram fechados, mas os olhos diziam tudo.

Passaram-se os doze minutos. Na Cafzen I havia apenas uma escotilha aberta. Em frente a ela, estava o patriarca, esperando.

De repente, recebeu um empurrão e, logo depois, mais dois com a mesma força. Ruídos estranhos se ouviam, acreditando ele perceber, também, passos bem leves.

Embora soubesse o que estava recebendo a bordo, viu-se, de repente banhado em suor e começou a sentir pavor do tal empreendimento.

Recuou uns passos e fugiu para o convés superior onde se sentia mais livre. Olhou pelo largo corredor e viu seu genro Hinzu parado diante do depósito 6.

Por toda a nave, agora, se ouviam estes ruídos estranhos e misteriosos. Mas o barulho não demorou muito. Viu como Hinzu fechou a porta dupla do depósito e a travou com o dispositivo à prova de arrombamento. Só então foi que o patriarca se pôs em movimento, dirigindo-se para seus parentes.

Mesmo Hinzu, jovem e disposto, parecia muito excitado, respirando ofegante. Os dois se entreolharam mudos, mas sabendo um os pensamentos do outro.

As horas até a partida pareciam uma eternidade. De um em um, iam regressando os membros da tripulação de suas horas de folga em terra. Como o exigiam as prescrições, Cafzen I pediu licença para decolagem ao controle de vôo e, no segundo exato, a nave comercial levantou vôo. Com as turbinas roncando, alçou-se pela noite a dentro, rumo à Terra. Destino: espaçoporto de Terrânia.

Mas o espaçoporto não estava livre e a Cafzen I teve que esperar algumas horas, parada entre a Terra e a Lua. O patriarca não estranhou o fato. Desde o Império Arcônida, que se falava no assunto, isto é, que o espaçoporto de Terrânia estava recebendo uma camada de reforço em sua superfície útil, reduzindo assim o funcionamento do gigantesco campo a apenas um terço de sua área.

Pelo meio-dia, o serviço de rádio do soberbo espaçoporto deu o tempo exato para a aterrissagem da nave dos saltadores.

— Mais uma vez esperar horas inteiras! — resmungou o velho Cafzen impaciente, sumindo em sua cabina.

Estas horas também passaram e a Cafzen I iniciou a rota de descida, passou sobre a região, que antigamente se chamava deserto de Gobi, fez uma ampla curva e se aproximou mais lenta do fabuloso espaçoporto.

O aparelho cilíndrico de trezentos metros de comprimento parou no lugar determinado e a rampa da escotilha de passageiros se projetou para fora. Funcionários da alfândega entraram no grande cargueiro. O patriarca Cafzen recebeu pessoalmente os sete terranos e lhes entregou os conhecimentos da carga, ordenando a cinco homens de sua tripulação que ficassem à disposição dos funcionários da alfândega. Um dos cinco era o seu genro Hinzu.

Exatamente meia hora depois, Cafzen recebeu de volta seus papéis, juntamente com a autorização de descarregar sua mercadoria e de mandá-la para a supervisão alfandegária.

Entraram em funcionamento os robôs de serviço. Por meio das esteiras transportadoras saíam milhares de toneladas de mercadorias, vindas do quase inesgotável bojo do cargueiro, todas, porém, pela escotilha A, embora a escotilha B estivesse também aberta.

Uma hora e dez minutos após a aterrissagem, o elevador antigravitacional descarregara a última grande caixa de plástico do fundo do porão. Um saltador, de traços sombrios sem dizer uma palavra, recebeu um papel e se afastou para o interior da nave.

Os dois funcionários da alfândega, que em vão tentaram falar com ele, não o perderam de vista.

— Um sujeito mal-educado.

— Mal-educado e horroroso, tão horroroso como o patriarca Cafzen. Não confio nada nesta gente toda.

— Nem todos têm obrigação de ter uma cara simpática — disse o primeiro, atenuando.

— Pois, para mim, este Cafzen é um gângster. Se dependesse de mim, ele não teria permissão nem de descer em Marte.

 

Já fazia três horas que se iniciara a experiência com os três laurins. Sete telepatas sob o comando de Gucky formaram uma corrente psíquica a fim de arrancar os segredos dos invisíveis. Contra a experiência mais otimista, conseguiram-se resultados parciais de grande monta nestes testes.

Contente, o robólogo Van Moders esfregava as mãos. Sua teoria de que o tremendo medo de morrer dos laurins seria uma característica destes seres se confirmava cada vez mais, e de tal forma que já considerava o fenômeno como coisa inata e natural dos invisíveis.

Fora do leve zumbido dos transformadores e de outros aparelhos, reinava silêncio profundo no salão onde se encontravam, além dos três laurins, dos sete telepatas e Moders, mais vinte especialistas.

Com a maior concentração possível, os mutantes procuravam penetrar cada vez mais no mundo mental dos laurins, que estavam um ao lado do outro. Gucky, o mais sensível dos mutantes, se sentiu de repente perturbado. Apesar de todo esforço, não conseguia mais se concentrar. Contra sua vontade, teve de se isolar da corrente. No mesmo tempo, seus olhos de rato se arregalaram de pavor. Suas mãos desceram até os quadris e, naquele instante, constatou que não estava mais com seu uniforme de tenente, mas com sua roupa leve esporte, feita sob medida.

— Cuidado! Ataque dos laurins!

Sua voz fraca se fez ouvir em todo o salão. Um mutante que estava ao lado de Gucky se levantou, deixando escapulir sua arma de desintegração. O rato-castor pegou-a e disparou contra a parede. Viu-se uma figura semelhante à que o sensor apresentava dos três laurins.

Com um grito sem a menor modulação e uma visão luminosa meio apagada, o laurin atingido desapareceu.

— Estamos cercados de laurins — gritou Gucky que, com seus dons telepáticos, estava em condições de senti-los.

Os três prisioneiros invisíveis começaram a emitir gritos agudos e os outros seis telepatas, arrancados de seu transe, olhavam perplexos. Os cientistas se jogaram no chão, pois, por sobre suas cabeças, passavam os raios desintegradores. Instrumentos caríssimos caíam aos pedaços, enquanto os invisíveis atacantes emitiam uma curta claridade e logo depois sumiam.

Gucky fez uma pequena teleportação até a porta metálica que fora aberta pelos invisíveis. Fechou-a de novo e com o desintegrador do seu colega atirava sem parar.

Tentava impedir que alguns laurins fugissem, mas não podia estar em toda parte. Tarde demais percebeu que outra porta ainda estava aberta. Infelizmente, a posição de quatro especialistas impedia que Gucky atirasse naquela direção. Resignado, deixou cair a arma.

— Já estão todos fora daqui.

Os demais telepatas confirmaram a afirmação de Gucky.

— E os nossos prisioneiros, Gucky? — perguntou Gus Maltuus, preocupado.

Gucky caminhou sério para junto dele.

— Foram assassinados por seus irmãos de raça. Olhe aí!

Dizendo isto apalpou o lugar onde os laurins estavam amarrados e não se viu nenhuma resistência. O cinturão plástico completamente frouxo já falava por si.

O vozerio cresceu de repente no salão, mas Gucky obrigou os cientistas a ficarem em silêncio.

Estava falando no minicomunicador na freqüência especial de Perry Rhodan.

— Chefe, dê o alarma, estamos diante de uma invasão dos laurins. Terrânia deve estar cheia deles. Nossos três prisioneiros foram assassinados por eles. De repente surgiram mais de trinta no salão dos testes. Oito deles não existem mais.

 

O administrador não deu nenhum alarma. Pelo menos oficialmente não.

Dar alarma só porque os invisíveis estavam na Terra, sem poderem ser vistos por nenhuma espécie de instrumento, seria apenas provocar o pânico. Perry Rhodan convocou seus técnicos e cientistas. Aguardou-os em companhia de Bell, Deringhouse, Allan D. Mercant e Gucky.

Cinco homens chegaram à presença deles, trinta minutos após o ataque dos laurins.

O rato-castor ainda estava com seu traje esporte de fim de semana.

— Nenhuma formalidade, meus senhores.

A voz de Rhodan soou, como sempre, com muito autodomínio. Já o rosto de Bell deixava transparecer excitação no afogueado das faces e no modo como a todo momento passava a mão nos cabelos hirsutos. Os olhos de Allan D. Mercant cintilavam. Deringhouse, pela terceira vez, umedecia os lábios com a língua.

— Os senhores assistiram à mudança da situação com os laurins. Quando é que poderá estar resolvida a questão dos óculos antiflex? Arendt, não é este seu setor?

Geo Arendt não demorou com a resposta:

— No momento, ainda não posso estabelecer um prazo, senhor. Os resultados de hoje ainda têm de ser elaborados. Talvez...

Rhodan fez um sinal.

— Não sabemos quantos laurins se encontram entre nós. Temos de calcular um número bem grande. Que medidas imediatas os senhores me aconselham tomar?

A pergunta foi feita no plural, portanto dirigida a todos.

— Não há contramedidas cabíveis! — disse Gucky.

Bell olhou furioso para ele. Apesar da situação séria, Gucky se lembrou de uma coisa bem banal:

— Gorducho, você regulou meu balde térmico para oitenta graus abaixo de zero...

— Tenente Guck, desapareça, por favor! Mas por teleportação.

Esta ordem partiu de Rhodan.

— Pessoa boa suporta tudo calado... Gucky tinha sempre de contra-argumentar. Muita coisa, porém, não lhe podia acontecer. No mesmo instante, a cadeira onde estava ficou vazia.

— Então, meus senhores, são da mesma opinião que Gucky? — perguntou Rhodan aos especialistas.

Todos fizeram um sinal com a cabeça, concordando.

— Mas não podemos ficar de braços cruzados — esbravejou Bell. — Mercant, não apresenta uma sugestão?

O chefe da Segurança Solar olhou perplexo para ele:

— Bell, os invisíveis podem nos ver? Este era o problema.

Bell deu um pulo de repente.

— Santo Deus! As estações transmissoras para a Lua!

No mesmo instante, Rhodan apertou o botão do telecomunicador e, com voz moderada, mandou que se desligassem todas as estações de transmissor para a Lua, até ordem contrária.

Depois disso olhou para o relógio.

— Não sabemos há quanto tempo os laurins estão na Terra.

Parou um momento, pensativo.

— Mercant, haveria possibilidade de uma espaçonave estranha chegar à Terra sem ser percebida?

— Impossível, senhor! — respondeu o chefe da defesa, com segurança. — Nem mesmo Árcon possui uma vigilância espacial tão perfeita como a nossa.

— É... e se os laurins foram trazidos para a Terra, de qualquer maneira, como mercadoria invisível, meus senhores? — conjeturou Rhodan.

E tão depressa como pensou ordenou:

— Chamada para o espaçoporto de Terrânia! Proibição de decolagem para todas as naves, inclusive as da Frota Solar.

Foi um fato inédito!

— Moders, você não tem alguma idéia? — perguntou Perry, tranqüilo, como se nada de mais tivesse ocorrido.

O robólogo tentou um sorriso.

— Chefe, gostaria de ter uma sugestão, mas... — e fez um gesto vago com as mãos.

O intercomunicador fez o ruído típico e se ouviu uma voz chiada.

— Chefe, pequei um laurin na minha rua. Alguns transeuntes estranharam o clarão avermelhado... Fiz bem em atirar nele?

Rhodan ouviu apenas o mais importante.

— Você localizou um laurin?

— Três, chefe. Mas só pude deixar fora de combate apenas um. E daí até minha casa é um bom pedaço de caminho. Se os laurins andaram este trecho todo a pé, então temos de supor que já estão há muitas horas na Terra, isto é, em Terrânia.

Gucky não tinha mais nada a dizer e Rhodan olhou para seus colaboradores.

— Que fazer agora?

Silêncio pesado. Ninguém sabia de nada.

— Arendt, quando é que os óculos antiflex podem ser fabricados em série? — perguntou Rhodan de modo bem objetivo.

O físico compreendeu o significado da pergunta. Dos óculos antiflex dependia agora o bem-estar ou o sofrimento da Terra. Com eles, se podia ver os laurins.

— Senhor, estaria sendo muito leviano, se lhe desse um prazo certo.

Rhodan aceitou a explicação. Estava ciente, melhor do que ninguém, que seus homens sabiam trabalhar bem e rápido, mas não podiam fazer milagres.

Allan D. Mercant sussurrou alguma coisa a Rhodan. O administrador fez um gesto de quem concorda. O chefe da defesa se levantou e saiu. Quando a porta se fechou atrás dele, Rhodan disse:

— Os senhores não precisam manter segredo a respeito do aparecimento dos laurins. Em poucos dias todos devem saber acerca do grande perigo que nos ameaça.

— Os telepatas... — interveio Maltuus. Rhodan meneou a cabeça.

— Não dispomos assim de tantos telepatas para vigiar todo o planeta. Além disso, uma parte deles está ocupada em importantes ações. A meu ver, devemos informar a Terra sobre a invasão dos invisíveis. Nos primeiros noticiários da tarde, as emissoras de Terrânia irão transmitir a nota oficial.

Assim terminou a reunião... infrutífera.

 

Heyko Asmussen vivia retirado, à beira da floresta. Há muitas gerações que a casa pertencia à sua família e era tão sólida que duraria ainda outras tantas gerações, muitos séculos certamente. Ontem de tardinha, Heyko Asmussen convidara a esposa e os dois garotos para fazer um passeio pelos arrecifes. O mar estava tranqüilo e a temperatura, excelente. Para o mês de fevereiro era um dia excepcionalmente belo. Tinham velejado bastante mar a fora e assistiram com um misto de devoção e encantamento ao sublime pôr de Sol. Voltaram só depois da meia-noite, embevecidos com o que viram. Cansados como estavam, foram para a cama e pegaram logo no sono.

Às cinco em ponto, o velho despertador disparou com seu ruído irritante. Muita coisa naquela casa era para lá de centenária e, talvez por isso, todos os visitantes se sentiam encantados.

Heyko Asmussen e sua esposa levantaram sem fazer ruído, a fim de não acordarem as crianças.

Ao chegarem embaixo, isto é, na cozinha, Freya ligou a televisão.

— Não, por amor de Deus! — pediu o marido. — Ainda estou, em pensamentos, me deleitando entre os arrecifes. Por nada neste mundo gostaria de ouvir notícias de fora.

E ela desligou o aparelho.

Bebeu café com ele e o acompanhou até a porta. Como todos os dias, beijou-a, dizendo:

— Até ao meio-dia, querida.

Seus olhos brilhavam para ele e os lábios exprimiam sorriso. Ficou muito tempo de pé à porta, até que o flutuador desapareceu.

Entrou de novo na cozinha e estava para ligar outra vez a televisão, quando julgou ver de repente o sol poente entre os arrecifes.

Não queria voltar à rotina do dia-a-dia e preferiu deixar o aparelho desligado. O passeio no barco a vela, ontem à noite, era coisa que não podia esquecer.

Assim, pela segunda vez, Freya Asmussen perdera a oportunidade de ouvir alguma coisa sobre os invisíveis.

 

A usina atômica, em que Heyko Asmussen trabalhava, estava a quatrocentos metros de profundidade de uma superfície plantada. Um antigo abrigo antiaéreo contra foguetes espaciais servia já há muitos decênios para uma missão pacífica.

Asmussen olhou para o relógio, ao se aproximar do poço antigravitacional. Sorriu tranqüilo. Toda manhã, às cinco horas e quarenta e nove minutos descia para suas atividades. Dali a quatro minutos, Olaf Björnsen lhe passaria o posto e iria embora.

Relativamente rápido, o elevador o levou para baixo e os controles registraram sua chegada. Atrás de uma porta de brilho prateado, estava a gigantesca estação geradora, que abastecia toda a Escandinávia com energia elétrica. Tudo funcionava automaticamente. O homem estava ali, só para intervir em caso de algo excepcional.

Heyko Asmussen refletia sobre isto, quando abriu a porta. Coisa extraordinária, porém, nunca acontecera.

Um pouco ofuscado, Heyko fechou os olhos. Toda manhã era a mesma coisa, mas não se habituava. No entanto lá fora, no corredor, a claridade era a mesma.

Mas onde estava Olaf Björnsen?

Olhou ao longo da parede com os painéis, de trezentos metros de extensão. A comprida sala estava vazia.

— Olaf?

O eco lhe devolveu a voz. O leve zumbido na grande ala dos controles nunca lhe pareceu tão monótono como neste instante.

— Olaf? Nada.

— Olaf, onde está você?

Heyko correu para a cabina de comando, onde cada um que ficava de serviço permanecia oito horas sentado.

Estava vazia.

— Olaf Björnsen!

Assustado, interrompeu o que iria dizer, pois ouvira um gemido. Correu, dando a volta em torno da cabina de comando. Lá estava Olaf Björnsen caído do chão.

— Olaf!...

Heyko se ajoelhou a seu lado, mas não tinha coragem de tocar o amigo, cujo corpo acusava graves queimaduras.

— Heyko... Heyko...

O moribundo tentava dizer alguma coisa.

— Não diga nada, Olaf. Em dez minutos estará no hospital. Vou telefonar para...

— Heyko... Heyko... distribuidor... estação distribuidora... os invisíveis...

A cabeça pendeu para o lado. Olaf Björnsen não estava mais vivo.

— Meu Deus! — sussurrou Heyko Asmussen abalado. — Meu Deus, como é possível uma coisa desta? As travas automáticas dos portões só se abrem com nossas vibrações individuais. Nenhum estranho pode entrar aqui. Que foi que ele disse? Estação distribuidora? Mas que pretendia dizer ainda? Que significa a palavra “invisíveis”?

Muito excitado, olhou em volta. Ruídos estranhos chegavam-lhe ao ouvido, ruídos que se assemelhavam a leves passos, mas tudo de uma maneira singular.

Olaf Björnsen jazia morto à sua frente.

— Você tem que dar o alarma — disse a si mesmo.

O dispositivo do alarma estava quatro passos mais para frente, na parede atrás de Olaf.

Mas... os ruídos misteriosos! Vinham cada vez de mais perto e ficavam mais nítidos. Os olhos de Heyko se arregalavam de pavor.

A enorme sala estava e continuava vazia.

“Meu Deus, que será que aconteceu?”, perguntou-se mentalmente.

E seus pensamentos voaram para Freya e os dois garotos.

De repente, deu um pulo do posto de comando na direção do dispositivo de alarma. Atravessou a fraca barreira de indução e gritou:

— Aqui há assombrações na...

Surgiu um raio na comprida sala e no mesmo instante, sem um grito, Heyko Asmussen caiu fulminado junto da parede.

Não podia ouvir mais, nunca mais, os misteriosos ruídos.

Mas o alarma fora dado. Os homens que o ouviram sabiam que assombrações eram aquelas. Quando voaram para a usina atômica subterrânea, em aparelhos bem armados, estavam sentados de cara fechada, de cinturão salva-vida bem apertado. Ninguém contava com algum sucesso.

Três quilômetros antes de atingirem o objetivo, o rochedo despido de qualquer planta, que caía íngreme no mar, se transformou subitamente num vulcão.

Num tremendo estampido, como de bomba subterrânea, a rocha se partiu. Línguas de fogo ergueram-se na clara manhã, atirando para o alto blocos de pedra.

O chão estremecia e, no mesmo segundo, toda a Escandinávia ficou sem energia elétrica.

Os laurins estavam em plena tarefa de conquistarem a Terra a seu modo.

 

Einar Tobsen foi incumbido de anunciar à senhora Freya Asmussen que seu marido nunca mais voltaria para casa. Freya era sua irmã.

— Como posso explicar isso a Freya e aos dois garotos? — perguntava a si mesmo.

O automático dirigiu seu flutuador, pois Einar não estava em condições de pilotá-lo. Sentia-se arrasado intimamente. Ouvira dos homens, que a toda velocidade corriam para a usina nuclear e que assistiram a tudo, como ela fora pelos ares numa tremenda explosão atômica.

Já se viam os primeiros arrecifes. O flutuador diminuiu a velocidade, baixando cada vez mais. Apareceu, então, a casa de Heyko Asmussen com sua cobertura de palha, muito inclinada.

Com facilidade, o flutuador parou no local onde Heyko geralmente estacionava seu aparelho, quando voltava para casa.

Ao desembarcar, Einar olhou em volta.

Onde estaria Freya, sua irmã?

— Freya, alô!

Dizendo isto foi entrando pela casa.

Ninguém respondeu. Estaria talvez na adega. Tentou disfarçar a inquietação que o assaltava. Caminhou para a porta da frente que estava aberta.

Comprimindo a testa com as duas mãos, repetia trêmulo:

— Não, não, não!

Mas, na penumbra da sala de visita, viu deitada no chão de madeira Freya e os dois meninos. Estavam mortos.

Ouviu um ruído atrás de si. Virou-se assustado, mas os raios mortíferos o atingiram.

Os laurins haviam tomado a casa dos Asmussen e nela estabelecido sua base local.

Apenas uma larga faixa de mar os separava agora da Inglaterra.

 

O caos se abatia sobre a Terra. Os laurins agiam por toda parte. O período de vinte e quatro horas lhes fora suficiente para dar uma “olhada” nas mais importantes indústrias da Terra. Instalações gigantescas iam pelo ar com explosões nucleares e o pior era que se tratava sempre de indústrias importantes, das quais dependiam centenas de outros serviços.

A função de Allan D. Mercant, agora, era apenas de transmitir notícias das terríveis destruições e do grande número de mortos.

Logo depois da invasão dos laurins, pusera-se em contato com Árcon III. Estava convencido do caminho que os laurins utilizaram para, através de Marte, chegarem à Terra. Era o grande transmissor de matéria acônida.

A Defesa Solar em Árcon III recebeu ordens de tomar posse imediata de toda a instalação do transmissor. Em caso de necessidade, deviam fazer uso das armas.

Em ação fulminante, os homens da Defesa Solar fecharam todas as instalações em torno do transmissor. Quando chegaram até os acônidas, depararam com técnicos de cara amarrada.

As investigações apuraram que estes acônidas estavam ali há poucas horas, tendo substituído a antiga equipe de técnicos.

Na comissão de inquérito dos terranos, haviam um mutante telepata. Lia os confusos pensamentos dos acônidas e constatou que os homens do Sistema Azul diziam a verdade. Não tinham um só pensamento sobre os laurins. Muitos, porém, pensavam num certo Mano-Ma.

— Quem é Mano-Ma? — perguntou o chefe da Defesa Solar em Árcon.

O mais graduado dos técnicos acônidas respondeu:

— Não sei, senhor. Não sei realmente. Atrás dele estava o mutante, que fez um sinal a seu colega. O acônida dizia a verdade mais uma vez.

Aos poucos foi se formando a figura real do tal Mano-Ma: um servidor de Baalol, um anti.

Mercant acabara de comunicar ao administrador o insucesso da missão em Árcon III.

— E o que que você fez depois disto, Mercant? — perguntou Rhodan. — Nosso representante diplomático em Sphinx recebeu suas ordens?

Mercant, resignado, deu as informações:

— Não. Mobilizei meus homens em Sphinx e felizmente pude colocar lá dois telepatas. Rhodan, o grande Conselho do Sistema Azul não participou deste atentado contra a Terra. A não ser que tenha sido arquitetado pelos cinco membros do Conselho que não conseguimos “ examinar.”

— Não é muito provável — disse Rhodan. — E o que descobriu sobre o anti Mano-Ma?

— Nada. Desapareceu sem deixar vestígio.

— Puxa vida... Quem foi então que deu a ordem aos técnicos acônidas para deixar Árcon III?

Rhodan perdera alguma coisa de seu proverbial autodomínio. Não era também para admirar, após as ininterruptas notícias de grandes catástrofes que vinham de todos os continentes.

Antes que Mercant pudesse responder, veio um rádio da Lua, dos estaleiros 4-1, onde se construíam as supernaves. Seu texto:

Estaleiros 4-1 e a maior parte das linhas de produção não existem mais. Mais de trezentos técnicos e funcionários de controle foram mortos e mais de dez mil robôs de serviço destruídos. Quatro supercouraçados quase prontos e dezoito em construção desapareceram no fogo atômico.

Todos ficaram de respiração suspensa. Os laurins tinham, pois, conseguido botar os pés na Lua. Os transmissores de matéria na Lua foram desligados tarde demais.

— Então, Mercant?

O experimentado chefe da Defesa Solar olhava admirado para Rhodan. Aparentemente calmo o administrador ouvira esta ladainha de catástrofes de sérias conseqüências, causadas pelos invisíveis na base lunar.

— A primeira equipe acônida dos técnicos do grande transmissor em Árcon III foi chamada de volta por uma ordem misteriosa. E também a equipe de revezamento foi chamada para Árcon III por uma ordem assim. E agora, para tornar o mistério ainda mais misterioso: os técnicos acônidas que foram rendidos no serviço dos transmissores não chegaram a Sphinx, ou seja, não saíram do transmissor.

O Marechal Solar Allan D. Mercant chegou a gaguejar quando Perry voltou a inquiri-lo:

— Descobriu algum erro, Mercant?

Rhodan simplesmente não podia acreditar que o Conselho dos ministros acônidas não sabia nada deste ataque traiçoeiro.

— Não, Rhodan. Não descobri nenhum erro, mas há outra coisa. Nunca tivemos uma idéia clara sobre a função de Abis Thegis no Sistema Azul. Há já algumas horas que corre o boato em Sphinx de que Abis Thegis foi assassinado. Não pudemos ainda constatar se a notícia tem fundamento.

Rhodan também não sabia quase nada sobre Abis Thegis.

— Qual era a posição dele em relação ao sistema solar, Mercant, e em relação a Árcon?

— Oficialmente era atencioso conosco, mas Árcon não existia para ele. Em nossos documentos há sempre uma ponta de suspeita de que mantinha certas ligações com os antis. Infelizmente, não temos provas disso.

— Quem o teria assassinado, Mercant?

— Os boatos dizem que três bandidos o cercaram em plena rua e o mataram...

A notícia da estação de satélite ZT-974, que Mercant não chegou a ouvir, era do conhecimento de Reginald Bell. Quando chegou a notícia do torpedeamento da nave acônida, Bell estava casualmente na estação de hiper-rádio de Terrânia.

Agora, se apresentou para falar e interrompeu Allan D. Mercant.

— Três bandidos? Três bandidos que devem ter assassinado Thegis? Não são estes os mesmos que logo depois fugiram numa espaçonave do comando de energia acônida e, um pouco mais tarde, foram derrubados por um torpedo de uma de nossas afastadas estações espaciais?

— Não sei nada disto — disse Mercant, perplexo.

— Mas eu sei.

Pouco tempo depois, estavam diante de Mercant todos os radiogramas que diziam respeito à destruição da pequena nave acônida.

A pergunta de Rhodan veio clara e objetiva:

— Thegis ainda estava vivo por ocasião do torpedeamento?

Mercant hesitou por um instante. Respirou fundo.

— Chefe, como chegou a esta idéia?

— Coisa de pressentimento, Mercant. Espero que não nos tenham privado, com o torpedeamento da nave acônida, exatamente da única testemunha que nos poderia explicar como, de repente, fomos invadidos pelos laurins que...

Estavam diante de um emaranhado cipoal inextricável.

A situação não permitia mais conversas e delongas. Nos últimos sessenta minutos, mais de duzentos grandes centros industriais da Terra tinham ido pelos ares. O número de vítimas beirava os cem mil. A televisão continuava a transmitir cenas horripilantes.

De repente, Bell se levantou, chegou perto de Rhodan e desligou.

— Nestes fúnebres relatórios de catástrofes, não podemos alterar nada. Nós temos é que...

Não chegou a dizer o que devia ser feito. Uma terrível explosão fez tremer todo o arranha-céu. As paredes rangiam. Rhodan se aproximou da grande janela e viu o cogumelo de fogo subindo no dia claro.

Lá onde estava o espaçoporto de Terrânia, o flagelo dos laurins se abatera sobre as espaçonaves da Frota Solar.

Dois supergigantes e três cruzadores pesados voaram em mil pedaços pelos ares. Os invisíveis atacavam com muita precisão.

— Estão nos destruindo de dentro para fora — constatou Bell, quase não se contendo de ira. — Se isto durar uma semana, a Terra pertencerá aos laurins, enquanto nós perderemos a vida, se não nos rendermos.

— Quem sabe Atlan pode nos dar um conselho? — disse Rhodan, ainda com esperança.

— O pobre coitado? — perguntou Bell, com ironia.

— Então será que você está em condições de nos dar este conselho, de como podemos sobreviver à invasão dos laurins, Bell? — perguntou Rhodan, um tanto áspero.

Bell não deu mais uma palavra e Rhodan exigiu.

— Uma ligação urgente pelo hiper-rádio com o Imperador Gonozal, que deve estar na Nebulosa M-13, comandando as frotas unidas. Rápido, antes que os invisíveis também mandem pelos ares nossa estação de rádio!

Na grande tela surgiu o rosto de Atlan.

— Estava para chamar você, neste instante, bárbaro. Na sua Terra, as coisas devem estar caóticas, se as notícias que aqui recebemos não forem exageradas.

— Não há exagero, arcônida. O caos não pode ser maior. Estamos no fim de nossas forças. Por isso o estou chamando. Como é que a gente deve expulsar os invisíveis?

— Pois não, bárbaro — fez uma pausa. — Há uma possibilidade. Pense nos pos-bis que são inimigos figadais dos laurins...

Muito espantado, o terrano olhava para o amigo, a muitos milhares de anos-luz. Estava impaciente.

— Atlan, fale direito, com mais clareza, a situação é séria demais.

— Perry, você não se lembrou nas últimas horas como os pos-bis localizavam imediatamente os laurins, muitas vezes a distâncias de dezenas de anos-luz?

— Opa!... — era a voz de Bell. Bateu com a mão na testa e sussurrou: — Como somos idiotas!

Perry Rhodan também estava perplexo.

— Atlan deixe-me pensar um segundo. O arcônida esperou com calma, olhando sorridente para o terrano.

Dez segundos depois, o rosto de Rhodan se desanuviou.

— Você tem razão. A única saída deste caos é através dos pos-bis. Devem ter um rastreamento especial com o qual neutralizam os órgãos dos laurins, isto é, o efeito da deflexão, que os torna invisíveis. Mas agora vem o tremendo problema, Atlan...

— Fale, que estou ouvindo com atenção.

— Você deve tentar entrar em contato com os pos-bis. O melhor seria que você desse uma chegada a Frago...

— Por que não diretamente ao inferno?

Rhodan não deu atenção à pergunta de Atlan, mas continuou em seus argumentos.

— Você vai a Frago numa pequena nave, com tripulação bem selecionada, não mais do que trinta pessoas. Não se esqueça dos novos tradutores-simultâneos de símbolos. Descreva aos pos-bis nossa situação. Se eles forem mesmo os inimigos figadais dos laurins, têm de vir nos ajudar.

— Que os deuses abençoem seu otimismo, Rhodan. Neste momento você me parece estranho...

— Por favor, Atlan, compreenda a situação. O número de vítimas já está além de cem mil. Os laurins destroem tudo. Estes fantasmas de uma outra galáxia parecem não saber o valor de uma vida. Estão mandando pelo ar todas as nossas instalações. Há menos de meia hora, perdemos dois supergigantes e três cruzadores pesados. Sou indispensável aqui, do contrário iria pessoalmente a Frago.

— Está bem, bárbaro. Vou voar para o inferno. Sinto mais é pelos trinta homens que vão comigo. Mas está certo, se não nos virmos mais, este será o último adeus.

— Atlan...

Tarde demais. O arcônida já desfizera a ligação. Rhodan sentiu o olhar de Bell e olhou para ele.

— Deixe-me ir para lá em lugar de Atlan, Perry.

Houve apenas um não categórico.

— Por que não?

— Não se discute mais. Está tudo liquidado.

 

Um quarto de hora depois da conversa com Perry, um pequeno cruzador emparelhou com a nave capitania de Atlan. Num

radiograma, o arcônida solicitou o comparecimento de trinta voluntários.

Mais de quatro mil se apresentaram.

— Estes terranos! — suspirou o imperador de Árcon.

Ele os admirava no íntimo. Eram verdadeiros homens de ação.

Deu ordem aos operadores do computador para selecionarem os trinta melhores. A futura tripulação da Pingüim — era assim que todos a chamavam — deixou suas naves de origem e fez o transbordo. De todos os lados vinham as gazelas com os voluntários escolhidos. Todos eles sabiam para onde se ia.

Muitos maldisseram o destino, mas assim mesmo continuaram firmes.

Atlan entrou na pequena central da Pingüim.

Aí encontrou três velhos conhecidos, dois oficiais e um sargento. Este imediatamente saltou do assento do piloto, se empertigou e bateu continência. Atlan lhe sorriu, dizendo em inglês:

— Aqui a bordo da Pingüim não temos necessidade disso, meus amigos. Qual de vocês sabe manipular o novo tradutor-simultâneo?

— Cada um de nós o sabe, como convém a um bom soldado.

Da escotilha de entrada, veio pelo intercomunicador que o trigésimo voluntário estava acabando de entrar a bordo.

— Maas, você está pilotando a Pingüim? — perguntou Atlan, admirado, ao sargento, quando este puxou a alavanca principal para o número um.

— Quem é que o promoveu assim?

Maas, um jovem com muitas brotoejas no rosto, respondeu sorrindo:

— Há mais de um ano que estou dirigindo esta nave.

— Sargentos como pilotos de belonaves, para mim era uma novidade até o momento! Você ainda há dois anos estava na infantaria, não é, Maas?

Ele fez que sim com a cabeça.

— Para o meu capitão, eu atirava bem demais. Para mim só havia tiro certeiro e como não consegui me “corrigir”, fiz novo curso e me formei em primeiro-piloto. Desde este tempo, estou voando com a Pingüim. Nem mesmo os caixões horrorosos dos pos-bis conseguiram atingir minha nave.

— Para vocês, terranos, nada é impossível!

Com estas palavras, Atlan deixou a central e prosseguiu seu giro de inspeção pela Pingüim.

 

— Atlan já partiu!

Foi com esta frase que Rhodan recebeu Bell.

No fundo da sala estava um telepata de arma engatilhada, aliás, era um desintegrador. Bell, Mercant e também Deringhouse insistiram para que Rhodan usasse essa precaução. Somente eles, os telepatas, estavam em condições de localizar os invisíveis e, com esta medida, os laurins não podiam se aproximar do administrador.

Bell trazia debaixo do braço um pacote de folhas: notícias sobre o caos que se ampliava na Terra.

— Há alguma coisa muito importante em tudo isto? — perguntou Rhodan.

Há dois dias, toda notícia era de muita importância, mas agora?

— Não, muito importante mesmo não há nada, Perry. A gente acaba ficando com os sentimentos embotados perante tantos horrores. O número de vítimas até agora atinge duzentos e treze mil! Homens, mulheres e crianças...!

Rhodan perguntou abatido:

— Você leu alguma notícia sobre a Escandinávia? Lá eles assassinaram, friamente, uma família inteira.

— Apesar disso são, por natureza, covardes, Perry.

— Nós os julgamos covardes, Bell, há uma pequena diferença.

— Aliás, estou chegando do setor de medicina-física, Perry. Fiquei empolgado com dois homens: um físico chamado Geo Arendt e um médico com o nome de Maltuus. Os dois jovens estão de mãos dadas com o nosso “espantalho mental”.

Rhodan sabia que quando Bell falava de “espantalho mental”, se referia ao robólogo Van Moders.

— Mas então? Qual é a novidade?

— Quem sabe os três estão à espera, impacientes, de um tal Tenente Guck? Os três me queriam de fato convencer de que nosso bom rato-castor é um corifeu em matéria de observações parapsicológicas. Mas não quiseram me explicar o que tinha tudo isto que ver com os tais óculos antiflex.

A porta abriu de repente. Mercant entrou ofegante.

— Chefe, os antis estão atrás dos laurins invasores. Nossos homens conseguiram apanhar Mano-Ma no Sistema Azul. Infelizmente, antes de o podermos examinar telepaticamente, teve oportunidade de suicidar-se. Também o falecido Abis Thegis tem os dedos neste jogo sujo.

— E qual o motivo de toda sua excitação, Mercant? — perguntou Rhodan tão calmo que o chefe da Segurança Solar enxugou a testa e sentou-se vagarosamente na cadeira à sua frente.

Novamente a porta se abriu. Vigiado por dois robôs de combate, foi introduzido na sala Cafzen, o patriarca dos saltadores. O comerciante das galáxias chegou em péssimo estado. Dava a impressão de haver levado uma tremenda surra em luta de boxe.

Bell olhava tão espantado para o patriarca, como Perry Rhodan.

— O que houve com o comerciante, Mercant? — perguntou o administrador, severo.

— Este é o sujeito que nos trouxe os laurins para a Terra, chefe. Foi Gucky quem o encontrou.

— E quem foi que o deixou neste estado, Mercant?

O chefe da defesa não tinha coragem de dizer.

— Quem foi, Mercant?

— Gucky.

O ar cintilou e Gucky apareceu no uniforme de combate. Fez uma inclinação diante de Rhodan, tentou bater continência e disse:

— Alguns aqui estão me julgando mal. Perry não precisa ocultar seus pensamentos, pois seus olhos me são bem claros. Há meia hora atrás, dei um pulo na Inglaterra para ver pessoalmente o que os laurins fizeram por lá. Liquidei dois deles.

— Não quero ouvi-lo contar vantagens, Tenente Guck — disse Rhodan, enérgico.

— Não é conversa, administrador. Estou fazendo o relatório. Vi mulheres e crianças assassinadas pelos laurins. Voltei para cá e fui de nave em nave dos saltadores. Estive na Cafzen I e lá me apareceu este sujeito — apontou para o saltador — exatamente no meu caminho. Vi em pensamento as crianças e mulheres assassinadas na Inglaterra e, quando voltei a mim, ele estava com esta cara. Fim do relatório. Não tenho mais tempo. Van Moders está precisando de mim. Ao menos, ele sabe valorizar minhas qualidades. E desapareceu.

— Pode falar, Mercant.

A voz de Rhodan estava muito fraca.

O patriarca dos saltadores, ladeado pelos robôs de combate, todos com as armas de desintegração na mão, tremia como vara verde. Seu olhar incerto parecia o de um animal acuado.

Mercant relatou em poucas palavras, citando sempre os feitos corajosos de Gucky. O rato-castor captou os pensamentos de Cafzen e descobriu de que maneira os laurins penetraram no planeta.

— Trazidos secretamente para Sphinx, por três homens de uma organização secreta, em pequena espaçonave do comando de energia, os invisíveis foram enviados para Árcon III pelo grande transmissor. Lá passaram para o mesmo aparelho que tem ligação direta para Marte e foi aí que o patriarca os pegou em sua Cafzen I. Eram três mil, e saltaram todos no espaçoporto de Terrânia.

— Está tudo certo, Cafzen?

Pela primeira vez, Rhodan dirigiu a palavra ao saltador.

Este, envergonhado, não disse nada.

— Cafzen, depende de você — continuou Rhodan — ser colocado diante de um tribunal da Terra ou ser entregue à justiça de Árcon. No Império Arcônida, no entanto, foi introduzida há séculos a pena de morte.

Cafzen contraiu os lábios, nervoso.

— Podem levá-lo. Preparem o transporte para Árcon — disse Rhodan com a maior calma.

— Eu... eu... Senhor, quero contar tudo — gaguejou o comerciante, tentando agora escapar das garras dos robôs.

— Esperem — disse Rhodan para os robôs.

Obedeceram imediatamente. E Rhodan iniciou o inquérito.

— Quem foi que lhe fez a proposta de apanhar três mil laurins em Marte, Cafzen?

— Um anti, ilustre senhor, servo do Grande Baalol de Trakarat.

— Quem é ele?

— Pelos nossos deuses, ilustre senhor, não conheço seu nome, nem vi seu rosto. Usava uma máscara feita pelos aras.

— Onde foi que lhe fizeram a proposta, Cafzen?

— No planeta Nudd. Devia trazer algumas drogas dos médicos galácticos para Sulger, quando recebi a visita do anti.

— E você concordou, Cafzen. Não parece uma coisa monstruosa? Incrível mesmo! Você não sabia que os laurins são perigosíssimos? Explique isto ou você irá para Árcon com o próximo transporte.

O que dentro de seu próprio clã era sussurrado de ouvido em ouvido e que todos sabiam, nos círculos mais fechados, o patriarca expôs. Falou que sua eleição para patriarca fora adulterada. O anti que o procurara em Nudd sabia disto.

— Ilustre senhor, fui coagido, tinha de fazer o que o servo de Baalol exigia. Eu o fiz por cem mil...

— Levem-no para fora — ordenou Rhodan aos robôs.

Quando a porta se fechou atrás dos robôs e de seu prisioneiro, Bell perguntou:

— Para que nos serve saber de todas estas coisas agora?

— Muito nos serve — disse Rhodan, aborrecido. — Saber de todas as coisas sempre nos é útil.

As coisas estavam de tal modo que dava para perder até a esperança. Pelo intercomunicador veio a última notícia: o setor industrial subterrâneo na Lua, apesar da rigorosa vigilância, também fora destruído. Era o Setor Central, o mais importante, a Usina de Absorção Estrutural. Ou melhor: UAE-SC. Deste setor é que provinham todos os complexos instrumentos das espaçonaves. Na Terra havia mais duas fábricas menores, com capacidade muito inferior, insuficiente para alguns meses de consumo.

— Como é que os laurins chegaram às bombas atômicas? — perguntou Mercant.

Rhodan deu um sorriso de ironia.

— Mercant, se você não souber, quem vai saber? Quem sabe estão usando nossas próprias bombas?

Allan D. Mercant balançou a cabeça.

— Foi realmente isto que pensávamos no começo, chefe. Mas até agora não falta nenhuma bomba em nossos arsenais. Porém, fazendo esta verificação, descobrimos que na Inglaterra, nos Estados Unidos e no sul da África desapareceu uma enorme quantidade de material físsil.

Surpreso, Rhodan se inclinou para frente e Bell se levantou um pouco de sua poltrona. O administrador perguntou incrédulo:

— Mercant, você quer dizer com isto que os laurins fabricaram aqui mesmo na Terra as bombas nucleares com que nos tentam destruir? Já pensou o que isto significa?

— Já pensei sim, chefe. As opiniões quanto a este ponto ainda não são unânimes dentro da nossa equipe de segurança. Dito sucintamente, equivaleria a dizer: os laurins dominam nossa técnica.

Bell estava esbravejando e Rhodan olhou para ele com ar de censura.

— Por que razão, Mercant, só agora isto me chega ao conhecimento?

— Por quê, chefe? Simplesmente não tive oportunidade de informá-lo a respeito. Além do mais, trata-se por enquanto de apenas uma suposição. Deduzimos isto somente pelo desaparecimento do material físsil.

A porta se abriu e entrou John Marshall, que ninguém esperava encontrar na Terra. Há três semanas que tentava, com três mutantes e uma dúzia de peritos da Defesa Solar, localizar e sondar bem aquele grupo de comerciantes que, no Império Arcônida, estavam em contato íntimo com os sacerdotes do culto de Baalol.

— Você aqui, Marshall?

Foi assim que Rhodan recebeu o chefe dos mutantes.

Marshall vestia ainda o uniforme de combate.

— Chefe, a ação “Neblina” está praticamente terminada. Estávamos primeiro numa pista falsa. Os mercadores galácticos de quem suspeitávamos eram inocentes. Não sabiam mesmo o que transportavam. O planeta Holos, para onde voavam, foi liberado por Árcon I para colonização. Isto dizem os documentos oficiais que lhe foram remetidos para exame. As falsificações foram feitas em Sphinx, senhor.

— Marshall — interrompeu-o Rhodan.

— você está dizendo então que acônidas e antis se uniram contra nós?

— Não o Grande Conselho em si, chefe, mas os círculos que não aceitam a aliança e que desde o início tudo fizeram para conturbá-la.

— E qual foi o objetivo desta conspiração, Marshall?

O telepata explicou:

— O ataque planejado não era contra a Terra diretamente, mas contra o Grande Conselho. Os laurins deviam ser alojados no planeta Holos, um mundo virgem, muito quente, sem nenhuma sombra de vida inteligente. Os antis, com a ajuda dos conservadores do Sistema Azul, queriam treinar os invisíveis para seu futuro “trabalho” e depois enviá-los para Sphinx para acabar com o Grande Conselho e eles tomarem conta do poder. Descobrimos que...

Marshall deu de repente um galeio com o corpo, já com a arma desintegradora na mão, e atirou. A porta pela qual entrara se dissolveu sob a intensa energia dos raios. Houve um segundo disparo, quase simultâneo. Era o telepata responsável pela vida de Rhodan, que até então se mantivera calado e atento no fundo do gabinete do administrador.

Entre os batentes da ex-porta, viram-se dois vultos que deram um grito agudo, espalhando logo uma claridade avermelhada, para nela desaparecerem.

— Estes diabos! — exclamou Marshall, olhando para a arma e colocando de novo no coldre do cinturão.

De rosto pálido, virou-se de novo para Rhodan.

— Chefe, foi por pouco, hein? Estava muito ocupado com meu relatório e vi os laurins um pouco tarde.

— John, você não tem motivos para se desculpar. Nós todos aqui devemos nossas vidas a vocês dois. Estou vendo de novo que temos de mandar instalar o envoltório de proteção em volta de nossos escritórios.

Olhou depois pensativo para Mercant, e disse:

— É isso, meu caro, não acredita ainda que os laurins fabricam suas bombas nucleares aqui na Terra, utilizando-se de nossas instalações? Não é uma obra maravilhosa destes invisíveis descobrir onde estávamos?

— Chefe, jamais se consegue explicar ou aprender tudo — respondeu Mercant.

Rhodan virou-se de novo para Marshall:

— Você comunicou isto ao Grande Conselho?

— Sim, ainda quando estava em Holos.

— E qual foi a reação do Conselho?

— De singular indiferença. Agradeceram formalmente, declarando que o Grande Conselho estava de olho atento no grupo de intelectuais descontentes. Que não se esperava, porém, perigo sério deste lado. O plano poderia ser, no máximo, produto de alguns fanáticos.

— Foi tudo, Marshall? E não falaram nada dos laurins e dos antis? — perguntou Allan D. Mercant.

— Foi tudo mesmo. O Grande Conselho se apressou em terminar a conversa comigo. Não estavam interessados na extradição dos acônidas e dos antis que se achavam presos em nosso poder em Holos. Estão no momento de viagem para Árcon, onde serão submetidos a julgamento.

— Como temos aliados maravilhosos! — disse Bell, com desdém.

— Não temos, porém, nenhuma prova de que o Grande Conselho esteja fazendo jogo sujo conosco, gorducho.

Bell não se deu por vencido:

— É opinião contra opinião e eu fico com a minha. Fique você com a sua. No fim, vamos ver quem tem razão. Eu...

O telecomunicador estava anunciando mais catástrofes.

— Calcutá... três quartos da cidade arrasados... utilização de bombas atômicas... contaminação radioativa num âmbito de cento e vinte quilômetros... milhões de mortos.

O rosto de Perry Rhodan estava pálido como cera.

Ninguém se atreveu a dar uma palavra.

 

Quando o monstro invisível se abatera impiedoso contra os homens, para destruí-los, quando tudo parecia perdido, e até o número de suicídios crescia espantosamente, aí foi que surgiu a tábua de salvação.

Milhões e milhões de homens destemidos se apegavam a esta tábua de salvação, embora em volta deles detonassem as bombas nucleares e as instalações industriais iam pelos ares, uma depois da outra, dia e noite.

Era deste milagre que falavam Angelique e Luís, quando se encaminhavam para a Usina P., para cuja guarda Luís fora requisitado, desde o início da invasão dos laurins.

Haviam se casado há um mês atrás e uma semana antes regressaram da lua-de-mel. Encontraram sua nova casa maravilhosamente arranjada pelos pais e pelos sogros. A vida, com seu lado de céu azul, parecia esperar por eles.

Aí então chegaram os malditos invisíveis. Com eles, o terror e a morte. Luís foi designado para a vigilância do grande parque industrial, depois de receber instruções sobre o uso do pesado desintegrador, a arma mais eficaz do momento. Sobre os laurins, sabia tudo que era necessário para sua nova função de vigia.

Ninguém, porém, lhe ensinara como podia ver os invisíveis.

Angelique estava de braço dado com seu marido, olhando carinhosamente para ele. Quanto mais se aproximavam da usina, com seus tetos metálicos a refletir a luz do Sol nascente, mais espaçadas eram suas palavras.

Mais três passos e chegaram à cerca de arame das instalações. Ficaram parados, se entreolhando. Luís segurou seu rosto com as duas mãos e a beijou demoradamente.

— Até logo mais, querida. Nada de medo, não vai acontecer nada. Vá com Deus.

Era o que dizia diariamente, mas não acreditava muito.

Virou-se mais uma vez para ela e entrou na ampla cabina da sentinela, completamente remodelada. Era o último deste turno a chegar. Mudou de roupa no seu armário, recebeu do chefe da equipe o pesado desintegrador, assinou a entrada e foi para seu posto.

Atravessou grande parte das instalações, passou pela ala L, virou à esquerda e galgou uma escada de metal leve. Depois passou por sobre a cobertura da sala dos geradores, desviou-se do tubo de aeração e chegou agora, diante de uma torre de aço de cinqüenta metros de altura, com não mais de cem centímetros de diâmetro, tendo, porém, na sua extremidade uma guarita de vidro que lhe dava visão para todo o parque industrial.

Luís abriu a portinhola e sentou-se no elevador individual que o tocou para cima, assim que fechou a portinhola. Em poucos segundos, estava no seu destino. O colega que ia render, já o esperava.

— Muita sorte, Luís.

— Obrigado, Jacques.

Jacques desapareceu no mesmo elevador. Luís estava e ficaria sozinho na guarita. Oito horas sozinho, em companhia do medo!

Acionou todos os controles, como fazia diariamente. Três vezes veio o sinal de confirmação. Daqui para frente, era só ficar atento.

Luís olhava para todos os lados. A seus pés estava a usina, robôs e operários. Ao longe, a cidade, no primeiro plano, uma colina com algumas árvores e arbustos e um caminho. Neste caminho, passava um caminhão de transporte dirigido por um robô.

— Eles é que sabem viver — disse para si mesmo. — Robôs não sabem o que é medo. Medo não está na sua programação.

O ruído do elevador que subia veio tirá-lo destas fantasias. Depois sorriu tranqüilo.

— Será que vou receber reforço ou o chefe da equipe vem fazer vistoria?

O elevador estava vazio.

— Quem é capaz de fazer uma brincadeira boba assim? Devo...

E, então, Luís deu um grito.

Havia uma coisa no elevador. Era acinzentado e tinha aparência de um cubo achatado.

“Um laurin chegou com o elevador”, pensou Luís horrorizado e não teve mais força para dar o alarma. “Ele está aqui!”

O pânico o invadiu.

“O laurin está talvez atrás de mim ou na minha frente e me está vendo. Mas não quero morrer. Não, não quero...”, pensava desesperado.

Luís apertou nos braços a pesada arma, apertou o gatilho de fogo contínuo e deu uma volta completa.

As línguas de fogo do desintegrador cortaram a cúpula de vidro e o teto desabou e caiu ruidoso no solo. O vento soprava agora de todos os lados.

Escutou passos. Talvez não fossem passos... mas algo semelhante.

— Ah! Você está aí!

Luís ouviu sua própria voz que quase encobria o grito desesperado de um laurin, cuja figura apareceu indecisa, espalhando uma coloração avermelhada. Logo depois, sumiu.

Havia um buraco no chão, a seus pés. Tinha, aproximadamente, dois metros quadrados. E lá embaixo, a cinqüenta metros, dava para Luís avistar o telhado do setor dos geradores.

Aos poucos, foram voltando ao normal os traços fisionômicos do jovem. Dobrou o braço esquerdo e enxugou a testa com a manga do uniforme.

— Você não vai mais prejudicar a ninguém, ninguém mais...

Assustou-se com o timbre de sua voz. Movimentava-se ainda com certo temor, quando avistou uma coisa estranha no elevador. Uma parte do cérebro de Luís trabalhava muito lentamente. Ao invés de dar o alarma, para avisar do que ocorrera, inclinou-se sobre o elevador, largou a arma que pendia de seu ombro por uma correia, esticou a mão até a coisa estranha. Muito assustado, tocou em algo que parecia uma porca sextavada e...

Luís não chegou a ver o feixe de raios luminosos, nem ouviu a tremenda detonação de uma bomba. Não chegou também a saber que completara a obra destruidora dos laurins, ao tocar na porca, que não era outra coisa senão o detonador da bomba. O parque industrial não existia mais.

Uma jovem senhora na cidade, Angelique, quando viu o enorme clarão e o cogumelo atômico surgirem no local das grandes instalações, perdeu os sentidos.

 

A cinco segundos-luz de Frago, o sargento Maas fez a Pingüim passar do semi-espaço para o espaço normal. O Imperador Gonozal lhe ordenara chegar o mais perto possível do planeta dos robôs.

No mesmo instante, o hipertransmissor emitiu o radiograma em símbolos, já preparado há mais tempo, e o continuou repetindo.

Os trinta homens da Pingüim se achavam tensos. Atlan, dois oficiais e o sargento Maas esperavam por uma resposta dos pos-bis.

A mensagem transmitida pela nave era a seguinte:

Somos vivos de verdade, pois vivemos juntamente com os robôs. Mas nossa vida verdadeira está ameaçada, como também a vossa já o foi muitas vezes. Os irreais se abateram sobre nosso mundo e tentam acabar com a vida verdadeira. Destroem os robôs e suas obras, procurando destruir tudo. Nós, vivos de verdade, pedimos ao íntimo da vida verdadeira por socorro contra os irreais.

O rastreamento indicava que estavam sobre Frago. A tela panorâmica mostrava sempre o eterno abismo escuro do espaço extragaláctico, até aquele traço de leve claridade que era uma parte da nossa Via Láctea.

Quase na direção oposta, numa distância infinita, flutuava na escuridão a galáxia de Andrômeda. Mas a claridade das duas galáxias não era suficiente para tornar Frago visível aos olhos humanos.

— Estamos agora na centésima repetição do rádio em símbolos — disse King, primeiro-oficial do cruzador pesado Pestalozzi.

— Transmitam o segundo rádio — ordenou Atlan, que estava imóvel diante do hiper-rádio-oscilógrafo, esperando por uma amplitude que lhe permitisse constatar quando o transmissor de Frago começaria a irradiar.

O hiper-rádio-oscilógrafo não assinalou nenhuma amplitude estranha.

No segundo radiograma em símbolos, se descrevia aos robôs biopositrônicos de Frago como os laurins executaram seu ataque à Terra. Ambas as mensagens haviam sido redigidas pelo robólogo Van Moders, em trabalho conjunto com seus colegas, e irradiadas para a Pingüim, antes de sua decolagem. Atlan estava aliviado por terem feito para ele este lado técnico de sua missão. Era bem verdade que os novos tradutores-simultâneos possibilitavam uma conversa razoável com os pos-bis. Contudo, se fosse introduzida no engenho uma mensagem preparada pelo especialista Van Moders, mais eficaz se tornaria a comunicação.

O segundo “formulário” também foi irradiado sem parar. De repente, surgiu a imagem clara no rastreador da Pingüim, regulado especialmente para as naves fragmentárias. Três cubos gigantescos emergiram do nada.

Maywong avisou e o sargento Maas gritou empolgado:

— É disso que eu gosto!

E continuou manipulando no quadro de comandos. A Pingüim estava com plena aceleração. Os aparelhos de absorção de pressão zuniam num barulho infernal.

— Parem! — ordenou Atlan.

— Parar!? — repetiu Maas calmo, contudo agiu com presteza.

O insuportável barulho foi diminuindo aos poucos e já se podiam ouvir as vozes dos companheiros.

— Artilharia está liberada? — foi a pergunta dos postos de defesa da espaçonave.

— Com os diabos, não! — gritou Atlan. A interrogação nos olhos dos dois oficiais exigia uma resposta.

— Meus senhores, não viemos para cá a fim de nos batermos contra as naves fragmentárias, mas para pedir socorro aos pos-bis — explicou Atlan.

Um repentino feixe de raios conversores passou pela frente da Pingüim, perdendo-se no infinito.

— Um belo modo de socorrer! — disse Maas, que não perdia a oportunidade de fazer sempre uma observação sarcástica.

— Mais duas naves dos pos-bis!

A voz de King parecia calma, mas seus olhos estavam saltando das órbitas.

Os robôs biopositrônicos encurralaram a Pingüim. Atlan percebeu a manobra e Maas também.

— As naves fragmentárias nos estão obrigando a descer para Frago, mas, francamente, nunca tive saudade deste planeta...

O sargento dominava bem o humor negro. Apesar da situação mais do que séria, o arcônida Atlan não pôde reprimir o sorriso.

Maas levou a Pingüim mais para cima. Mas logo teve que ver a insensatez da manobra. Parou a pequena nave cilíndrica. Pareciam ter caído numa cilada.

As cinco naves fragmentárias, que estavam aparentemente sem proteção de campo magnético, distavam no máximo trinta quilômetros da Pingüim.

— Acho que vão construir um monumento em nossa homenagem.

— Homem de Deus! Você parece que tem a língua mais solta que a de Gucky.

King pigarreou.

— Ligação da central de rádio, senhor, o chefe quer lhe falar.

— Transfira a ligação para cá — Atlan teve de tomar lugar ao lado do piloto. Aí havia uma tela de tamanho regular para transmissões de hiper-rádio. Apareceu o rosto de Rhodan.

— Como está a situação, Atlan?

— Estamos em Frago, encurralados por cinco naves fragmentárias. Até agora nenhuma resposta aos dois “formulários”.

— Restam-nos ainda na Terra vinte e quatro horas, depois disso, não se poderá mais controlar o pânico. Atlan, os pos-bis têm de nos ajudar. Sua missão não pode falhar... Repito, não pode falhar. Fim.

Ouviu-se o estalo. A tela apagou-se.

— Como está calmo aqui fora...!

O arcônida respirou fundo, botou as mãos nos quadris, olhou para o sargento e meneou a cabeça. Neste momento, duas naves dos pos-bis atiraram, passando os raios não muito longe da Pingüim.

— Calmo mesmo, só que de vez em quando com fogos de artifício!

Novo comunicado da central de artilharia:

— Senhor, aqui é o posto de artilharia.

— E aqui é a central de comando. Com isto, Atlan obrigou o oficial ao silêncio.

Maywong, que foi o primeiro a perceber os três aparelhos dos pos-bis que surgiram do nada, sorriu.

— Senhor — chamou a central de rádio — há intensa troca de símbolos entre as naves cúbicas.

O aparelho de tradução dos símbolos já estava ligado na central, quando veio o sinal vermelho!

Atlan usou até um palavrão terrano. Os pos-bis já haviam aprendido a usar rádios em código. Assim sendo, o tradutor de nada servia, não estava adaptado para verter sinais de rádio em símbolos...

— Senhor, a troca de sinais de rádio continua — foi o comunicado, um minuto depois. — Estamos recebendo agora símbolos do espaço vazio, de estação desconhecida.

Fora disso, tudo continuou em calma... Atlan resolveu tomar a iniciativa.

— Suspendam a transmissão do segundo radiograma. Vou falar diretamente com Frago através do tradutor-simultâneo.

— O transmissor está pronto, senhor. Ao lado dele, estava Maas, que fizera algumas rápidas ligações.

— Aqui também, senhor. Pode falar. Neste momento, o arcônida teve de render homenagem ao sargento que falava demais.

Atlan começou a falar. O tradutor vertia suas palavras em símbolos e quase sem perder tempo, o hipertransmissor irradiava a fala de Atlan.

Frago nada respondia.

Da central de rádio alguém veio em passo rápido e entregou na mão de Atlan uma mensagem. Sem interromper sua fala com os pos-bis, o arcônida olhou-a.

Troca de símbolos entre as naves fragmentárias cessou quando começou seu discurso. Só irradia agora uma estação misteriosa.

O arcônida terminou então, sua fala com as seguintes frases:

— Não dêem aos irreais nenhuma chance em nossa pátria. Não os deixem firmar pé no mar dos mundos, que vocês também conhecem. Os irreais são os únicos inimigos da vida verdadeira. Será que vocês vão negar socorro a nós que, desapegadamente, já lhes oferecemos uma vez nossa colaboração?

Terminou e assobiou aliviado.

“Santo Deus!”, pensou Atlan, se refestelando na poltrona. “Se Van Moders estiver errado em sua teoria e se enganou com sua idéia de escala de sentimentos dos pos-bis, então todo meu apelo foi inútil.”

Maas fez uma observação em voz baixa.

— O que você disse? — perguntou ao sargento, cuja observação não compreendera.

Seus olhos irradiavam sinceridade.

— Senhor, nunca digo nada de importante, apenas penso em voz alta. Já fazia isto na escola e o senhor não imagina como os professores gostavam de mim.

De repente, petrificaram-se os trinta homens da Pingüim. O tradutor-simultâneo estava falando. Frago respondia:

— Não se nega auxílio aos vivos de verdade. Devem se mover até nós. Vamos recebê-los como a vida verdadeira merece ser recebida. E vamos lhes dar o auxílio.

Atlan compreendeu.

Frago exigia que ele e mais alguns companheiros se dirigissem a bordo de uma das naves fragmentárias. Não deixava de ser uma quase temeridade. E se os pos-bis não os considerassem como vida verdadeira?

— Senhor, o administrador! — avisou a central de rádio.

— Não tenho tempo agora — respondeu Atlan; a seguir dirigiu-se a Maas.

— Você vem comigo?

A resposta de Maas foi instantânea:

— Eu não me apresentei como voluntário?

— Bem — falou o arcônida ao oficial. — King, você toma conta da Pingüim. Maywong, se eu não der mais notícias da nave fragmentária, o que é sempre possível, você vai agir por conta própria e procurar se salvar.

Depois, virando-se para Maas, disse:

— Sargento, vamos!

Pegou a sacola de armamentos, um transformador de símbolos e seis aparelhos de absorção individual. Não tinha certeza se os pos-bis os iam levar para muito longe. Caso se decidissem a auxiliar a Terra, deveriam saber que nosso planeta não era habitado por raça de robôs, mas por inteligências orgânicas...

— Gostaria de encontrar quatro voluntários na escotilha e não uma dúzia. Meus amigos, unam-se!

De caminho para a escotilha C, Atlan foi informado de que uma das naves fragmentárias se deslocara do anel de observação e vinha lentamente em sua direção.

— Deve ser quem estamos procurando. Mas então, Maas, como se sente agora? — perguntou e olhou para o rapaz.

— Como antigamente, como menino de dez anos, quando não recebia nada no dia de Natal!...

Apesar do momento tão sério, Atlan não pôde dominar o riso.

Diante da escotilha C, esperava-o uma grande surpresa.

— O quê? Você por aqui? Deuses da Galáxia, que posso eu fazer com um pesquisador de línguas?

Ephraim Balthazar Newman, chamado por seus amigos simplesmente de E.B.N. se empertigou todo. Com a viseira ainda jogada para trás, disse ele:

— Senhor, desde os primeiros contatos com os pos-bis, interessei-me como filólogo por seus símbolos. Deve ser certamente de seu interesse saber que o robólogo Van Moders me pede conselhos sobre o assunto.

Atlan concordou conformado. Talvez Newman tivesse razão e pudesse ser de muita valia no encontro com os robôs semi-orgânicos, cujos símbolos conhecia mais do que ninguém.

Os demais homens do pequeno grupo eram: Olymp, Maxwell e Henderson.

Atlan olhou para o oficial da escotilha.

— Prepare-se para abrir.

Pelo intercomunicador, o imperador deu ordem à central de rádio para que pusesse Rhodan a par do que se passava.

Quase sem ruído, abriu-se a escotilha interna e seis homens se prepararam para deixar a Pingüim, a fim de flutuarem até a nave fragmentária.

Penetraram calados na comporta, fechando-se atrás deles a escotilha interna. Como primeira precaução, suas viseiras se fecharam automaticamente, enquanto as bombas sugavam o ar. Depois, abriu-se a escotilha externa.

A escuridão do espaço intergaláctico quase que oprimia os homens. Três feixes de luz tentavam iluminar o caminho até um caixão bizarro de tamanho gigantesco, quase um fantasma nas trevas. Eram os holofotes da Pingüim.

— Sigam-me — disse Atlan, pegando a dianteira.

Toda as outras funções eram executadas pelo traje espacial. Seis homens flutuavam sobre o abismo infinito, na direção da nave pos-bi.

 

Às treze horas e dois minutos, tempo padrão, Londres não atendia mais.

Pânico na Inglaterra, pânico na índia, no Japão. De alguma maneira, ainda era normal a situação na América, na África e na Austrália, caso não se levassem em conta as centenas de instalações industriais que iam voando pelos ares.

Também notícias de pânico na Lua. Quatro grandes instalações de montagem foram destruídas. Os dois telepatas, enviados para nosso satélite, não conseguiram localizar nenhum laurin.

Na Terra, um ou outro invisível era surpreendido e morto. Mas não havia assim tantos telepatas para dominarem esses fantasmas vindos de outra galáxia.

Às treze horas e cinco minutos, Londres ainda não dava sinal de vida. Neste meio tempo, já haviam partido para a Inglaterra três cruzadores pesados. Mas o que poderiam eles fazer, se a situação na grande capital era de caos total?

Há uma hora atrás, Atlan transmitira um hiper-rádio de bordo da Pingüim. A partir daí, a nave silenciara no espaço intergaláctico, próxima do planeta dos pos-bis, Frago.

Às treze horas e dezessete minutos, a maior parte da cidade de Milwaukee estava em ruínas. Não se sabia ainda do número de mortos.

Às treze horas e cinqüenta e sete minutos, tempo padrão, Paris anunciou que a Torre Eiffel havia sido destruída por uma minibomba.

Cabisbaixo e calado, Rhodan ouvia o rosário de cataclismas.

Na Terra, ordenou-se a paralisação de todo trânsito. Medida esta normal, pois tinha mesmo de ser tomada. Queria-se, assim, tornar a circulação mais difícil para os laurins.

Através de seu embaixador plenipotenciário em Terrânia, o Sistema Azul externou pesar pela aflitiva situação da Terra.

— Com isto, não podemos melhorar nada — comentou Bell, quando a mensagem lhe chegou às mãos.

Perry Rhodan se debruçou sobre o microfone:

— Ligação urgente com a Pingüim.

Mas a ligação urgente não vinha. Rhodan tamborilava nervoso com as pontas dos dedos na mesa. Depois do terceiro minuto, a estação de hiper-rádio de Terrânia avisou:

— Senhor, não conseguimos ligação com a Pingüim.

Na mesma hora, disse Bell:

— Então ela também já foi tragada por eles.

— Por favor, Bell, feche a boca. Você não sabe fazer outra coisa senão bancar a ave agourenta?

Bell olhou assustado para o amigo. Não se ofendeu com a recriminação, pois sabia muito bem como Perry se sentia.

Homer, o gênio financeiro do Império Solar, comunicou:

— Senhor, em todas as bolsas, as ações caem a zero...

Não concluiu sua comunicação. As gargalhadas dos que estavam com Rhodan em Terrânia chegaram aos seus ouvidos. Depois ouviu com nitidez:

— O coitado se preocupa com ações, quando nós não temos mais ar para respirar amanhã.

Foi a voz de Reginald Bell, explicando o porquê da gargalhada geral.

Na mesma hora Homer desligou.

— Senhor, posso falar-lhe? — no vídeo aparecia o rosto de Geo Arendt.

— Sim, com a condição de que você tenha alguma coisa boa para dizer.

— Acho que sim, tenho alguma coisa. Estamos de posse de novos conhecimentos sobre o órgão de reflexão dos laurins. A confecção em série de óculos antiflex já está próxima.

— Quando poderá ser posta à nossa disposição, Arendt?

O físico hesitou com a resposta.

— Talvez dentro de uma semana, talvez também um mês. Ainda temos de falar com o Tenente Guck...

— Está muito difícil encontrá-lo. Anda por aí em qualquer parte da Terra à procura de laurins. Infelizmente não lhe posso colocar Gucky à disposição.

— Mas desta maneira, a confecção dos óculos antiflex ficará adiada por tempo indefinido...

— Não adianta mais nada, Arendt! Rhodan desligou. Estava supercansado e não conseguia mais se concentrar para acompanhar a conversa de ninguém.

Primeiro tremeu o chão, depois veio de longe o trovão assustador, fazendo vibrar até o colossal edifício da administração. Ouviu-se ainda o estouro de uma segunda explosão, em algum lugar lá fora, naquela fértil região do outrora deserto de Gobi.

No escritório de Rhodan, a iluminação oscilou por um instante.

— As instalações de emergência entraram em funcionamento — disse Bell, que era muito entendido neste assunto. — Será que os malditos laurins...

O resto não foi dito.

— Você ainda tem dúvida a respeito, gorducho?

Os laurins tinham feito voar pelos ares as centrais termoelétricas a cento e trinta quilômetros de Terrânia, apesar de toda vigilância dos telepatas e apesar do envoltório de proteção.

Da estação de hiper-rádio:

— Senhor, ainda não temos nenhuma ligação com a Pingüim.

Bell apagou o cigarro que acabara de acender. Parecia não sentir mais prazer em nada...

Quatorze horas e quatro minutos!

A notícia veio de Oslo, na Escandinávia. Registrara-se por teleobservação a explosão de sete bombas atômicas sobre a região de Ruhr. O valor Roentgen apresentado era tão elevado que para a população da região não haveria salvação.

Rhodan se levantou, olhando para Bell completamente abstraído.

— Avise-me quando chegarem notícias mais alegres.

Com estas palavras deixou seu gabinete de trabalho.

 

Atlan não pôde escapar de um calafrio quando se viu escoltado, ele e os seus rapazes, pelos pos-bis que os conduziam cada vez mais para longe neste imenso caixão voador. Já depois dos primeiros minutos, o imperador desistira de conversar com os robôs através do tradutor-simultâneo. Aqueles seres pareciam não ter nem plasma para sua positrônica, nem uma engrenagem hipertóictica.

Entraram num elevador de uma rapidez incrível. A viagem terminou na central de plasma da nave fragmentária. Atrás deles se fechou a porta do elevador. Sua vedação era absoluta.

O arcônida tentava, outra vez, dialogar. Agora seu interlocutor seria o comandante.

— Maas, será que nosso rádio está enguiçado? — perguntou ele, depois de alguns minutos, ao sargento.

— O transmissor está irradiando, senhor. Atenção, aí vem um chamado.

O tradutor reduziu os símbolos a duas palavras:

“Locais de cruzamento!”

“Meu Deus! Que será ‘locais de cruzamento’?”, indagou-se Atlan.

No mesmo instante lembrou-se do filólogo, o especialista em línguas. Fez um sinal para Newman.

— Que quer dizer “locais de cruzamento”?

E.B.N. refletiu um pouco.

— Esta expressão tem três tipos de significação, mas em nosso caso está claro que significa coordenadas — disse ele.

— Você está certo do que está afirmando? Será que o comandante biopositrônico não está pensando em outra coisa com “locais de cruzamento”?

O filólogo balançou a cabeça: um não categórico.

— Senhor, a expressão quer dizer coordenadas, mas quais, não sei.

— Mas eu sei, obrigado pela grande ajuda — respondeu Atlan, volvendo-se para o sargento Maas. — Introduza esta tira de papel na entrada dos símbolos, sargento.

O graduado executou a ordem e a tira foi apanhada pelo automático e desapareceu. Cerca de meia hora depois, o transmissor irradiava símbolos na cúpula do plasma.

Perplexos olhavam Atlan e Maas para os instrumentos de tradução. Não estavam mais funcionando. O plasma recebera as coordenadas da Terra, sem achar necessário agradecer por isto. No mundo dos robôs semibiológicos, isto devia ser normal.

— Senhor, não pretendia entrar em contato com a Pingüim? — lembrou-o Maas.

— Transmita um recado. Diga a Maywong que ele deve se deslocar com a nave para a Via Láctea.

Maas ligou o transmissor. Depois falou admirado:

— Senhor, o negócio está estragado ou um destes pos-bis está mexendo nele! A energia não chega nem à antena...

— Mas há pouco ainda funcionava... — disse Atlan.

Maas, inteligente, olhou para as possantes cúpulas e acabou dizendo:

— Há pouco não é agora, e nesse momento não está funcionando. Devagar, estou me habituando a esperar tudo destes pos-bis. São seres incríveis.

Seus microfones de capacete, além do tropel dos robôs, receberam uma nova carga, um barulho mais forte. Cada um do grupo dos seis terranos reduziu bem o volume de seu aparelho. Um barulho infernal irrompia de todos os lados.

— Senhor! — exclamou Maas. — Não será isto uma espécie de lavagem cerebral? Será que os pos-bis nos querem primeiro anestesiar com este ruído, para depois...

Não quis dizer mais nada. Os outros também sentiam a compressão.

Os seis terranos ficaram apavorados. Ainda existia isto nas espaçonaves: compressão?

— Liguem os aparelhos automáticos de absorção de compressão — ordenou Atlan, com muita presença de espírito.

A ordem chegou na hora H. A nave fragmentária acelerava cada vez mais e os terranos teriam caído no chão impelidos por aquela força titânica, se os aparelhos de absorção do uniforme de combate não estivessem funcionando, eliminando automaticamente tais forças.

— Senhor, só falta agora que este caixão dos infernos não disponha de dispositivos para absorção dos choques. Que vamos fazer então na hora da transição?

— Maas, não imagine situações ainda mais difíceis — pediu o arcônida.

Quase no mesmo momento foram sacudidos por forte abalo e, como se tivessem recebido um bom soco, rolaram pelo chão até ficarem parados de encontro a uma barreira, imóveis.

O arcônida foi o primeiro a voltar a si.

“Meu corpo”, pensou ele, “minha nuca e também minhas costas...! Que aconteceu?”

Aos poucos, sua memória foi aclarando até chegar a se lembrar nitidamente dos momentos anteriores. A nave fragmentária entrara em transição e não dispunha de aparelhos para absorção de choques, como Maas imaginara. Cada hiper-salto que fizesse no espaço, seria sempre o mesmo martírio.

“Ainda vamos ter que sofrer um bocado”, pensava Atlan.

Tentou se levantar, mas as pernas não lhe obedeceram. Olhou para o pequeno medidor à esquerda, na altura do peito. O ponteiro indicador da compressão estava no zero e o regulador da gravidade estava no um. Portanto, a nave dos pos-bis, no momento, não acelerava. A seu lado, alguém se movia. Era Henderson que, gemendo, tentava se erguer.

— Ficar deitado até que todos os músculos se reativem — disse Atlan.

No seu íntimo desejava que entrementes não fossem atingidos por outra transição.

E ela veio inesperadamente, privando-os de novo dos sentidos. Não repararam que desta vez o período de inconsciência foi duas vezes maior que antes. Novamente, o primeiro a se recuperar foi o arcônida, que, há mais de dez mil anos, foi almirante e comandante de uma poderosa frota espacial e tinha muita experiência em acontecimentos deste tipo.

Descontraído, continuou deitado, aguardando a terceira transição, sem suspeitar que realmente já tinham sido realizadas três. Esperou, mas acabou perdendo a paciência e se levantou. Como um bêbado, procurou apoio na parede abaulada. Com o olhar convergindo para o chão, esperava recuperar as forças. Seus microfones externos estavam ainda na mais baixa graduação. Apesar disso, teve a impressão de que o ronco era diferente do de antes da transição. Aumentou bem o volume dos microfones e ficou surpreso.

Os ruídos eram idênticos aos das naves terranas ou arcônidas! Mas, de repente, ouviu também passos de robôs.

Dois se postaram à sua frente, puseram as garras pegadoras sob seus braços e lhe apontaram o caminho. Não lhe restou outra coisa a não ser segui-los.

Entraram no elevador antigravitacional, onde as forças de frenagem lhe provocaram dores. Somente graças às garras dos robôs não se machucou.

À sua frente se abria um corredor, ou coisa parecida. Atravessou-o até que, de repente, alguma coisa se desfez à sua frente em quatro partes! Surgiu então uma espécie de salão, quadrado, com chão irregular, isto é, com muito sobe e desce, o teto abobadado, com inúmeras saliências, ângulos e nichos. O mais surpreendente neste salão não era sua forma absurda, mas a exuberante claridade que o inundava. Luz de dia claro, como que criada para os homens. Uma coisa que, naturalmente, os pos-bis não necessitavam de maneira alguma, pois viviam sob outra freqüências. Atlan podia desligar a lanterna de seu capacete. Olhou casualmente para o manômetro do uniforme e leu espantado: 760 milibares. Era mais ou menos a pressão atmosférica da Terra ao nível do mar.

Será que o ar neste salão era respirável? Mas, sem análise prévia, Atlan não queria correr o risco. Continuou com a viseira hermética do capacete fechada.

Ainda guiado pelos dois robôs, aproximou-se de algo, cuja finalidade lhe era desconhecida. Os robôs o largaram e um deles começou a fazer qualquer coisa no objeto de quase um metro de altura.

Uma luz fortíssima veio contra Atlan, que fechou os olhos ofuscado.

Será que os robôs repararam que a luz excessiva o incomodava?

Atlan abriu os olhos com receio, e uma luz suave e quente o circundou.

— O sistema solar... o Sol, a Terra e os outros planetas! — ouviu surpreso sua própria exclamação. Inclinou-se mais para ver melhor os detalhes, mas já estava ali um pos-bi para ampliar a reprodução do sistema solar, de forma que Atlan pôde calmamente estudar todo o quadro. Neste momento se confirmava a teoria de Van Moders sobre o instinto dos robôs semibiológicos de procurar sempre se instruir.

Como ponto de grande luminosidade estava o Sol e em torno dele, nas devidas proporções, os planetas e seus satélites. Atlan se perguntava como fora possível aos robôs fazer uma projeção daquela. Sabia que uma coisa assim não encontrava semelhante em toda a Galáxia.

Um dos robôs mostrava agora a projeção da Terra. Atlan começou então a suspeitar que aquela máquina extraordinária, dotada de plasma orgânico, estava ali, dando instruções de vôo para a cúpula no posto de comando.

A projeção alterou-se de um momento para o outro. Fora dos círculos de Newton, não se observou outra coisa por alguns segundos. Depois, o quadro se estabilizou.

O arcônida via a Terra. Viu-a no momento em que se levantaram sete cogumelos atômicos na região de Ruhr, transformando todo aquele imenso parque industrial num inferno de raios e fogo.

Era exatamente quatorze horas e quatro minutos, tempo padrão.

— São os laurins — disse o arcônida, esquecendo-se de que estava na presença de dois robôs sem alma. — Vocês estão vendo?

Ele não disse mais nada, depois que botou a mão no “ombro” de um deles.

Será que eles viram ou compreenderam que lá, naquele mundo, seus inimigos figadais estavam em vias de destruir uma raça inteligente. Será que eles não se interessavam pelos destinos da vida orgânica?

O quadro lhe mostrava agora pontos luminosos, como pequenas pérolas, muito distantes. Eram as naves da frota terrana, orbitando a Terra. Suas tripulações assistiam à destruição do planeta, sem nada poderem fazer. Atlan não duvidava do auxílio dos pos-bis, mas uma coisa o inquietava: entre os robôs biopositrônicos e eles, os homens, não havia nenhuma troca de idéia.

O quadro tão nítido desapareceu. Sentiu de novo as garras metálicas dos robôs lhe dando a entender que era hora de voltar. Quando chegou ao local onde ficava o plasma, encontrou os cinco voluntários muito nervosos. Em poucas palavras lhes explicou sua aventura. Olymp e Maxwell ficaram pálidos de medo. O sargento Maas queria perguntar alguma coisa. Mas, na última hora, resolveu ficar calado. Henderson disse:

— Então o risco valeu a pena.

E Newman acrescentou:

— Meu Deus, como estes trinta minutos custaram a passar!

Atlan ficara meia hora com os dois robôs! E onde estavam eles agora, os dois robôs? Aos pés de Maas jazia o pequeno tradutor simultâneo de símbolos.

— Maas, durante minha ausência, você tentou entrar em contato com o plasma?

O sargento olhou admirado:

— Sem sua autorização, senhor? Vou experimentar agora.

De nada adiantou. O plasma não manifestou a menor reação e Atlan acabou logo desistindo. Teve impressão de que o plasma não queria mesmo nenhum contato com eles.

Se eles de fato expulsassem os laurins da Terra, seu comportamento não teria nenhuma importância. Mas...

Começaram a sentir nova compressão e com ela a onda de ruídos. Todos reduziram a potência de recepção dos microfones externos e os aparelhos de absorção passaram a trabalhar com noventa por cento de sua força. A nave fragmentária devia estar acelerando forte.

— Senhor, a nave pos-bi está se dirigindo à Terra?

— Espero que sim. Se a projeção que me mostraram foi real, devíamos estar nas proximidades de Júpiter. Assim, dentro de duas ou três horas estaremos chegando à Terra.

 

As bases de observação espacial do Império Solar haviam recebido notícias de abalos estruturais e elas mesmas os mediram com exatidão. Em virtude do quadro de amplitudes, deduziu-se que os abalos foram provocados por transições de naves fragmentárias.

Perry Rhodan foi inteirado da situação. Ao receber a notícia, seu rosto conservou os traços de impassibilidade. Já Deringhouse, que casualmente estava junto de Rhodan, saltou de alegria e começou a correr, como criança, de um lado para o outro.

— Não espere tanto assim, Deringhouse, é ainda um pouco prematuro.

Bell entrou esbaforido.

— Finalmente, os robôs estão chegando. Atlan conseguiu.

— Não se afobe! — disse Rhodan, botando água na fervura de Bell. — Quem sabe os pos-bis vieram apenas para dar o golpe de misericórdia?

Começou então a longa e fatigante espera. Mas, os subseqüentes choques de transição, medidos com exatidão, não deixavam mais dúvidas quanto à rota da nave fragmentária. Estava se aproximando da Terra.

Uma nave fragmentária!

Uma estação de satélite havia anunciado que mais ou menos a um ano-luz de distância, a nave dos pos-bis passara do hiperespaço para o contínuo normal. A estação, porém, frisara que era uma nave só!...

— Uma única nave? — perguntou Bell, decepcionado.

Nem Rhodan, nem Deringhouse estavam em condições de lhe responder. A tensão nervosa os devorava. Continuavam chegando de todas as partes do mundo notícias aterradoras da obra diabólica dos laurins. Apenas cem deles foram descobertos e destruídos pelos telepatas. Comparado com três mil, era um resultado muito insignificante. Não se estava com isto incriminando os zelosos telepatas que tudo faziam com raro desprendimento.

No escritório de Rhodan, podia-se ver um mapa sideral com a rota da nave fragmentária.

— Mais uma transição e estará em nosso sistema — constatou Deringhouse.

Já estavam em contato contínuo com a estação terrana de hiper-rádio.

— Ainda não houve nenhum chamado da Pingüim? — perguntou Rhodan.

A resposta foi negativa. A Pingüim não reagia nem aos chamados de outras estações.

A base espacial de observação em Plutão entrou em contato com Terrânia:

— Abalos estruturais nas proximidades de Júpiter. Nave estranha se movendo em direção à Terra com zero vírgula três por cento da velocidade da luz.

Bell sacudiu a cabeça.

— Realmente, só se fala de uma única nave. Por que será que os pos-bis não vieram com sua frota gigantesca?

— Quem sabe ainda vamos saber disso, gorducho? Agora, outra coisa, diga-me exatamente onde foi que nossas unidades de observação se cruzaram com os pos-bis.

— Na órbita de Júpiter.

— Então dê ordem a estas naves que voltem imediatamente para trás de Plutão. Os pos-bis devem reparar logo que não temos nenhum sentimento hostil para com eles.

— Tão sensíveis assim, acho que os robôs não são...

— Por favor, gorducho, faça o que lhe mandei — disse Rhodan em tom sério.

No mesmo instante a ordem foi transmitida ao quartel-general da frota.

Logo mais, diante de uma tela, Atlan estava observando como as espaçonaves terranas, de repente, se afastaram.

O alto-falante do gabinete de trabalho de Rhodan dava mais notícias:

— Cidade do Cabo, na África, chamando...

Mas Rhodan não queria mais ouvir o contínuo relatório de misérias. Ou a salvação vinha com o único aparelho dos pos-bis ou tudo estaria perdido. A um sinal dele, Deringhouse desligou.

A defesa espacial de Marte se anunciou. A estação se localizava no menor satélite de Marte. Medira com exatidão a rota da nave fragmentária.

— Espaçonave dos pos-bis está em aceleração e se aproxima da órbita da Terra com zero vírgula quatro por cento da velocidade da luz. Considerando-se a velocidade da translação da Terra, a espaçonave passará a quatro mil quilômetros da Lua...

E do satélite natural veio uma notícia por um canal ainda não desligado:

— Central energética VH-8 destruída por bombas. Dois laurins aniquilados pelo telepata Huy, que acabou morrendo na explosão da VH-8.

Trinta por cento das instalações industriais da Lua eram alimentadas pela usina energética da VH-8. Embora todas as instalações dispusessem sempre de geradores de emergência, não dariam para funcionar a plena carga durante muito tempo. Mais cedo ou mais tarde, acabariam falhando.

Felizmente Bell teve a idéia de perguntar ao quartel-general da frota se as fortalezas da Terra receberam ordem de não disparar nenhum tiro contra os pos-bis. Um esquecimento deste poderia ser fatídico.

Todas as fortalezas terranas receberam ordem expressa de não fazer fogo e confirmaram a ordem recebida. O ponto luminoso no mapa sideral indicava que a nave pos-bi voava com a metade da velocidade da luz. De um momento para o outro, diminuiu a aceleração.

— Está se inclinando para a órbita da Terra — disse Deringhouse, acompanhando com olhos febris a trajetória do ponto luminoso.

Do quartel-general da Lua chegou uma mensagem da base de observação:

— A nave pos-bi vai circunvoar a Terra a uma altura de cem mil quilômetros.

Bell olhou para Rhodan, querendo perguntar alguma coisa. Este, porém, lhe fez um sinal para esperar. Compreendera o pensamento do amigo, mas não sabia se com esta distância os pos-bis podiam entrar em contato com os laurins. Quem sabe se esta manobra já era o início das hostilidades? Quem é que podia saber exatamente como pensavam estes robôs com suas engrenagens hipertóicticas e com seu tremendo ódio a tudo que era orgânico? Nem mesmo Van Moders podia dizer alguma coisa a respeito.

— Aqui fala o administrador — disse Rhodan ao microfone. — Irradiem a mensagem em símbolos para a nave fragmentária.

O radiograma já estava preparado há mais tempo e a estação de hiper-rádio de Terrânia o transmitiu com toda energia.

— Não vem resposta, senhor. Entrementes, a nave já dera meia-volta em torno da Terra, ainda na exagerada altura de cem mil quilômetros.

— Espaçoporto auxiliar do lago de Tschad destruído e dezoito cruzadores leves também. Número de vítimas desconhecido.

Bell esbravejava furioso:

— Onde é que estes malditos laurins não chegam?

— Domine-se Bell! Excitação não adianta nada.

Reginald Bell ficou todo vermelho. Levantou-se rápido e começou a praguejar em voz baixa. No fundo, imóvel, estava um telepata, atento sempre à chegada de qualquer laurin.

De Melbourne se apresentou Gucky.

— Perry, aqui há mais laurins do que em qualquer outro lugar, nas últimas horas liquidei sete. Mas estou quebrando a cabeça para saber o que andam procurando por aqui. Você sabe o que há de importante nesta região?

Rhodan parou para pensar, consultou Deringhouse.

— Melbourne... — repetiu o administrador, pensativo. — Temos alguma coisa de importante por lá... que será...? Meu Deus! É verdade, são as usinas de Harrington, o maior produtor do império de material físsil.

— Onde estão elas? — perguntou Gucky de Melbourne, pelo seu minicomunicador.

— São subterrâneas. Se não me engano, na parte sudoeste da cidade, meu caro.

— Obrigado.

Rhodan não parecia muito contente com as ações-relâmpago de Gucky.

— Não estou gostando, nosso amigo se expõe demasiadamente a um perigo tremendo. Bell, procure entrar em contato com ele e o chame de volta.

Bell fez um sinal negativo:

— Não adianta, Perry. Você conhece Gucky tão mal assim? Se entrar em conversa com ele agora, o malandro vai arranjar uma boa desculpa e continuar por lá...

— Ele aprendeu com você a procurar estas desculpas vazias. Deixa para lá... Mas seremos os grandes culpados se acontecer alguma desgraça ao rato-castor nas instalações de Harrington!

Deringhouse interveio na conversa.

— Senhor, a nave pos-bi se aproxima da Terra. Parece estar baixando para Terrânia.

E era verdade. O desajeitado caixão caía como uma pedra, rumando para a capital da Terra, parando, porém, a cerca de cem quilômetros. Vista na tela de ampliação, causava impressão desagradável com sua forma bizarra, como se fosse uma terrível ameaça.

— E agora? — perguntou Bell. Ninguém podia responder nada.

 

Atlan, inquieto, andava de um lado para o outro no posto de comando da nave fragmentária. Tentara várias vezes manter contato com o plasma através do tradutor-simultâneo. Parece que seus chamados foram desprezados e os seis terranos condenados à inatividade.

Não sabiam onde estavam, nem se já haviam chegado à Terra. Levaram um grande susto, quando, de repente, a nave brecou fortemente e os absorvedores de pressão não puderam suportar totalmente a “força viva”.

— Senhor, escute isto — disse Maas, pelo rádio do capacete. — Antes aumente o volume e ouça um ronco estranho.

— Dá impressão de que os robôs estão correndo, sargento.

Henderson não estava acreditando.

— Só se fossem centenas ou milhares ao mesmo tempo.

— E por que não pode ser? A nave não é bastante grande para isto? Não tem uns dois quilômetros de cumprimento?

Todos estavam ouvindo, mas eram poucos os que acreditavam, como Atlan, se tratar do tropel dos robôs em marcha acelerada pelos corredores.

Um solavanco bem sensível perpassou pela nave.

— Estes robôs têm uma técnica maluca de dirigir espaçonave — disse Maas.

O sargento caíra da poltrona e se levantava de cara fechada. Estas quedas repentinas se repetiam a espaços.

— Estamos nos movendo aos pinotes — comentou o arcônida. — Tenho de supor estarmos bem próximos da Terra ao pularmos de um canto para o outro.

Atlan se levantou e se pôs diante de uma das cúpulas de plasma. Ficou observando o Interior, como era chamado também o plasma. Por que razão não queria o Interior entrar em conversa com ele? Já em Frago fora a mesma coisa.

Abanando a cabeça, com a estranha constatação, retirou-se dali, procurando no grande recinto qualquer saída, sem encontrar, porém, nenhuma porta ou coisa parecida.

“Estamos presos aqui”, refletiu inquieto. “Para que fim?”

 

A exótica nave fragmentária já tinha deixado para trás Terrânia, quando veio do espaçoporto um homem correndo e gritando para Rhodan:

— Senhor, está chovendo robôs! São muitos...

A reação de Perry Rhodan foi instantânea. Em poucos segundos já estava em contato com a estação transmissora de Terrânia.

— Interrompa imediatamente a programação normal e durante uma hora irradie com intervalos de cinco minutos a seguinte mensagem: a espaçonave cúbica descarrega os robôs dos pos-bis em grandes levas. Não devem ser atacados e sua ação não pode ser dificultada. Estes robôs biopositrônicos estão em condições de localizar e destruir os laurins invisíveis. Fez uma pausa e concluiu:

— Anteponha sempre a esta mensagem a ser repetida que se trata de uma comunicação oficial da administração. Chame depois, pela rede internacional, todas as agências de notícias que devem publicar e espalhar o comunicado.

— Você agora está otimista, hein, Perry? — indagou Bell. — Eu ainda não estou convencido de que os robôs chegaram como anjos salvadores.

— Então espere um pouco.

Na principal rua comercial de Terrânia, os transeuntes saíram em disparada, alguns até em pânico, ao verem os horrorosos robôs descendo rapidamente do céu. Viaturas paravam subitamente, pessoas procuravam abrigo nas casas de estranhos, num trecho de quase quatro quilômetros dominava o pavor e o pânico.

Os primeiros já haviam atingido o solo e se punham em movimento, sem dar maior atenção à massa que, espavorida, corria desordenada em todas as direções. De repente, uma dúzia de transeuntes viu num local ermo um clarão avermelhado seguido de um grito longo e agudo.

— Os robôs os estão destruindo — gritava alegre um velhinho e sua voz chamou a atenção de todos. Gesticulava e dançava como um louco, louco de alegria.

— Eles estão expulsando os diabos, estão expulsando os diabos invisíveis...

Na Praça Crest, o negócio não foi fácil. Por uma rua lateral um pos-bi corria atrás de um laurin. O interessante foi que deu a impressão de o robô estar querendo proteger a “vida verdadeira” dos homens em confusas correrias pela praça, pois, de repente, subiu no ar e ficou flutuando. Passou veloz bem rente às cabeças da multidão que se agachava, foi para a grande coluna, sobre a qual estava eternizado o nome do grande arcônida Crest. Quando ia descendo foi atingido por um disparo de raios energéticos.

A multidão gritou espavorida e o robô rolou pelo chão e saiu em saltos. Um de seus braços, em nada semelhante ao dos homens, foi atirado para longe, batendo num rapaz e o jogando no chão. O pos-bi conseguiu se manter de pé, mas foi cercado por disparos que vinham do nada e o destruíram.

O povo, mais assustado ainda, começou a gritar:

— Os invisíveis, os invisíveis... E depois se dispersou para todos os lados.

Os robôs semi-orgânicos deviam dispor de aparelhos de rastreamento de alta sensibilidade, com os quais localizavam seus inimigos ferrenhos.

Por sobre os telhados vizinhos surgiram três robôs em vôo rasante. Será que teriam ouvido o chamado de seu irmão já destruído? Os três atiravam sem parar. À esquerda e à direita da coluna, viam-se os contornos dos monstros de três pernas, finos como estaca, os malditos laurins.

Novamente gritos alucinantes e os robôs cada vez mais próximos da coluna, atirando um jato ininterrupto, até surgirem dois clarões anunciando a morte de mais dois laurins.

Aos poucos, o trânsito na praça foi diminuindo. As linhas telefônicas para a polícia central estavam já há tempo bloqueadas. Pessoas em estado de quase histeria queriam o apoio da polícia. Não sabiam que com isto estavam até prejudicando a ação dos valentes pos-bis.

 

Gucky estava voando para as usinas de Harrington.

— O senhor não vai conseguir entrar lá — disse o condutor do flutuador a seu passageiro tão singular, de quem certamente já ouvira falar.

— Deixa isto por minha conta e preste mais atenção no trânsito, para não irmos de encontro a outro flutuador.

— Não há perigo não — defendeu-se o motorista. — Somos os mais experimentados do mundo. Melbourne tem a menor taxa de acidentes da Terra.

Gucky penetrou nos pensamentos do condutor e viu que estava mentindo.

— Se você souber mesmo dirigir tão bem um flutuador como sabe mentir, estarei então tranqüilo. Ou não foi você quem anteontem deu uma tremenda batida ao sobrevoar o estacionamento 6-D?

O motorista sabia muito bem que havia um rato-castor trabalhando ao lado do administrador, mas não estava a par de seus muitos dons extra-sensoriais.

— Temos que descer aqui. As usinas estão protegidas por um campo magnético contra os laurins. No momento, ninguém entra, nem sai lá de dentro. Nem o senhor.

Estranhou por não receber resposta. Olhou para trás e soltou um grito sem querer. O banco estava vazio. O rato-castor que falava... sumira.

— Meu Deus, onde é que ele foi parar?

Quase que perdeu os sentidos. No banco havia apenas uma nota de dinheiro.

— Pagar, ele pagou... mas estou ainda a cem metros de altura e a porta é de trava magnética! Não compreendo mais nada.

O engenheiro Tosh também não compreendeu de onde vinha o estranho animal que estava diante dele.

“Que rato estranho é este?”, pensava confuso, ficando perplexo quando o ouviu falar:

— Amigo, não se assuste e mostre-me o caminho para o centro da usina.

Neste momento, parece que as vendas caíram dos olhos do engenheiro Tosh.

— O senhor é Gucky, não é verdade?

Automaticamente, o pequeno animal se empertigou. Fazia muita questão de ser reconhecido em toda parte.

— Como é que o senhor conseguiu entrar aqui? — perguntou de novo o engenheiro.

— Isso não tem maior importância para você. Eu...

Gucky parou, seus pelos se arrepiaram sob o uniforme de combate. Localizara um laurin com seus dons telepáticos.

— Oh! Estes desgraçados invisíveis.

Teleportou-se, deixando para trás o engenheiro Tosh quase sem poder respirar, não acreditando no que vira; deu ainda um beliscão no próprio braço para saber se estava acordado.

Gucky se rematerializou num corredor bem iluminado, mas sem viva alma. Via, em pequenos grupos, os robôs de serviço nos seus lugares de trabalho.

No seu capacete com viseira bem larga, que se fechou imediatamente quando chegou às usinas, estava ouvindo um certo zumbido. Com um olhar rápido para o instrumento na gargantilha reforçada do seu uniforme de combate, constatou que o valor R era muito elevado neste corredor. Compreendeu logo por que ali trabalhavam somente robôs: devido aos raios Roentgen. Mas onde estava o invisível que pressentira agora pouco?

Reforçou seus dons parapsíquicos. Achou o laurin, pulou de novo e abriu fogo com a arma de desintegração na direção de uma máquina blindada. Teleportou-se num salto curto até a própria máquina e de lá fez fogo para o chão. A um metro do aparelho, vira um laurin, que sob a ação dos raios se tornou visível em seus contornos. Seu grito reboou em toda a galeria e o clarão avermelhado indicava mais um invisível destruído.

Qual jovem acrobata, pulou para o chão. Na sua campanha voluntária contra os laurins já adquirira certas experiências: depois de liquidar o maldito invasor, sempre encontrava por perto bombas nucleares.

Estava agora procurando por ela.

Nesta galeria infestada de tantas irradiações, não podia mais confiar no seu medidor dos valores Roentgen. Precisava ter muita sorte e descobrir a bomba depressa, do contrário as usinas de Harrington iriam pelos ares e ele com elas.

— Onde é que eu esconderia uma bomba? — perguntou a si mesmo.

Perry Rhodan lhe ensinara, em tais situações, se colocar sempre na posição do inimigo.

“Em qualquer lugar”, concluiu mentalmente, depois de refletir um pouco. “Até um laurin haveria de ver nos robôs de trabalho uma simples máquina programada que não teria outra função, a não ser trabalhar. Se nesta galeria havia um ser humano ou outro ente qualquer, o robô não iria se preocupar...” Correu o mais depressa que pôde em volta do terceiro complexo. Sentiu-se extenuado, muito extenuado. Viu seu fim se aproximar.

— Onde foi que ele colocou a bomba?

Assustou-se com a própria voz. Fez meia-volta ali mesmo. Estava cercado por um complicado sistema de tubulações. À sua frente roncava um transformador, teleportou-se para ele e... quase tropeçou na bomba!

Conhecia de sobra as construções maliciosas dos laurins. Ninguém veria naquele corpo metálico, quase amorfo, uma bomba de enorme força explosiva.

Pegou-a com as duas mãos e, segurando-a bem firme, se teleportou.

O mar não distava muito dali. Gucky era muito exigente quanto à qualidade e o equipamento de seu uniforme de combate. A três mil metros sob o nível do mar, chegou ele com o perigoso artefato, terminando aí sua teleportação! Largou a bomba e se teleportou novamente.

A oitenta quilômetros de altura, o rato-castor ficou olhando para o oceano lá embaixo. Contou de vinte e um até vinte e nove. E, no azul distante, se levantou uma coluna de água e vapor descomunal, ampliando-se para todos os lados.

Gucky se sentia aliviado e contente, quando, olhando casualmente atrás de si, estremeceu todo.

Da direção de Melbourne veio rápida uma nave fragmentária e desapareceu no oeste. Sentiu que se pêlo se eriçava. Não estava informado e não sabia nada das mensagens extraordinárias da administração a respeito dos pos-bis.

— O que este caixão nojento está fazendo na Terra? Já não nos bastam os laurins?

Lembrou-se, porém, da missão que se impusera. Teleportou-se de volta para as usinas de Harrington.

Passou por uma verdadeira chuva de robôs. Robôs que vinham flutuando do céu e em parte já tinham alcançado os três portões subterrâneos do complexo de enriquecimento de minério físsil. Gucky os viu correr para lá. Dois estavam atirando. Muito curioso contra o “que” os robôs semi-orgânicos estavam abrindo fogo, teleportou-se para até trezentos metros deles.

Viu que um laurin foi liquidado no clarão avermelhado. No mesmo instante lhe veio o pensamento de que os pos-bis estavam perseguindo os laurins.

— Deuses da Galáxia! — suspirou confuso. — Nunca podia imaginar que exatamente os pos-bis me seriam um dia simpáticos. Mas como foi que os robôs penetraram no campo magnético de proteção que cobre as usinas?

Mal sabia que este campo fora desligado, a fim de possibilitar a entrada deles, e que os pos-bis eram recebidos como amigos bem-vindos em toda parte.

Gucky se atreveu a chegar mais perto, teleportando-se para a instalação subterrânea. Bem atrás dele, desceram oito pos-bis.

— Dois laurins! — gritou ele, arrancando o pesado desintegrador e abrindo fogo.

Seu jato de raios tinha a duração de fração de segundo. Não podia dar conta de dois laurins ao mesmo tempo. Teleportou-se até bem rente do teto da alta galeria subterrânea, apoiou-se numa trave de ferro e estava crente de que os invisíveis não o perceberiam lá em cima...

Ouviu o tropel de pés metálicos, cada vez mais nítido. Só poderiam ser os pos-bis. Sete robôs biopositrônicos chegaram correndo e, neste momento, Gucky viu o terceiro laurin. As usinas deviam estar infestadas deles!

Gucky não perdeu nenhuma fase da luta. Os robôs semi-orgânicos pareciam programados só para a destruição. Por meio dos seus instrumentos sensores e de rastreamento regulados apenas para os laurins, descobriam-nos, onde quer que se escondessem. Não interrompiam a marcha acelerada nem mesmo quando os laurins de armas em punho tentavam barrar-lhes a passagem. Um dos pos-bis voou pelos ares numa forte explosão.

Os seis restantes continuaram correndo atrás de seus objetivos invisíveis. Depois de executar sua missão, voltaram e deixaram a galeria.

Gucky continuava sob o teto, apoiado na trave de ferro, tentando localizar outros invisíveis. Minutos depois, acabou desistindo. Mesmo se fosse para outra parte das instalações, não encontraria mais laurins. Admirado e aliviado, perguntou a si mesmo se os pos-bis foram capazes de expulsar, em tão curto espaço de tempo, todos os laurins que estavam na usina.

Acabou achando outra bomba dos laurins, nas proximidades do local onde foram destruídos três deles pelos pos-bis. Desapareceu com ela em teleportação e num trecho onde não havia nenhuma embarcação por perto, deu-se de novo uma explosão surda, acompanhada de uma coluna de vapor d’água que se espalhou por todos os lados.

 

A Humanidade começava a respirar melhor. Três mil laurins não existiam mais, liquidados sem piedade. A uma altura de cem mil quilômetros, uma nave fragmentária ainda circunvoava a Terra.

Não respondia a nenhum chamado, o que era tentado de Terrânia já há algumas horas. Os transmissores da nave dos pos-bis continuavam mudos. Não entravam em contato nem com os seus robôs que estavam lá embaixo. Pelo menos, era o que relatava o serviço de fiscalização radiofônica.

Perry Rhodan reunira seus colaboradores mais íntimos. Estavam conferindo as comunicações de todos os recantos da Terra. Foi gloriosa a obra dos robôs: haverem derrotado os sempre terríveis invisíveis! Notícias incríveis chegavam a Terrânia!

De repente, na frente dos homens reunidos com Rhodan, surgiu Gucky, com o capacete jogado para trás. Fizera num único salto o trecho Austrália-Terrânia. Naquele exato instante, ouvia-se uma das incríveis notícias. Depois de escutar a segunda frase, Gucky interveio indignado:

— São uma cambada de mentirosos que querem transformar os pos-bis em semideuses. Falam sem saber nada.

Só então é que deram pela presença de Gucky. Bell perguntou meio zangado:

— Como é que você sabe disso assim tão bem?

— De onde eu sei? Ora essa! Porque vi tudo, enquanto você não se atreveu a sair porta a fora. Presenciei, lá nas usinas de Harrington, em Melbourne, como os pos-bis destruíram os laurins. Isso, eles sabiam fazer muito bem, mas chegar à idéia de procurar as bombas deixadas por eles... não foram capazes. Gorducho, deveria ter trazido umas bombas de presente para você ou para amarrar no pescoço destes “fiapos de cartilagem”... Ah! Perry, desculpe, prometo não chamar mais os laurins de “cartilagem”. Dou minha palavra de honra.

— Então foi você o autor das duas explosões submarinas lá no Pacífico, Gucky?

— Eu? — protestou o rato-castor. — Chefe, você pergunta de um modo tão cômico! Eram bombas dos laurins que depositei a três mil metros de profundidade. Aliás, tenho direito ainda a uma tarde livre — chilreou ele, teleportando-se na mesma hora.

O lugar onde estava, ficou vazio. Rhodan não o levou a mal. Olhando para seus colaboradores, disse:

— Que a gente queira ou não, meus senhores, temos de ter, algumas vezes, verdadeira admiração pelo nosso Tenente Guck.

De repente veio uma mensagem de hipercomunicação da nave capitania de Atlan. Enquanto na Terra a situação se consolidava depressa, não se tinha o menor vestígio do paradeiro de Atlan e dos seus cinco companheiros, muito menos da Pingüim.

O radiograma terminava com a pergunta se não se devia enviar uma supernave para o espaço intergaláctico, a fim de procurar pelo arcônida e pela Pingüim.

Rhodan estava hesitando sobre a decisão a tomar. Olhou para seus colaboradores, como a pedir sugestão.

— Eu seria a favor — disse Bell. Os outros não disseram nada.

A estação de vigilância espacial na Lua anunciou que a espaçonave fragmentária havia parado sobre Terrânia e agora estava descendo. E da estação de televisão localizada no nordeste de Terrânia chegou a imagem. Via-se na tela o bizarro caixão, baixando lentamente. A mais ou menos cinqüenta quilômetros sobre a megalópole, quedou imóvel. A imagem no vídeo mostrava os mínimos detalhes desta horrenda nave.

Seis pontículos, um pouco mais iluminados, se destacavam da parte inferior da nave. Moviam-se mais rapidamente na direção da Terra.

— Seis...? — disse Rhodan, falando sozinho.

E, depois, como era sempre do seu feitio, tomou logo uma decisão coerente: pediu ligação para a estação de vigilância espacial.

— Tente focalizar com maior aproximação os seis pontos.

Segundo depois, desapareceu da tela o monstro fragmentário, dando lugar a um cintilar indeciso.

— Espero que encontrem os seis pontículos — desejava Bell.

Finalmente a estação conseguiu enfocar os pontos desejados. Eram seis homens em uniformes arcônidas flutuando rumo a Terrânia.

— Aquele é o sargento Maas! — exclamou John Marshall.

— E ali está o nosso imperador — disse Reginald Bell entusiasmado, batendo com a palma da mão no ombro de Rhodan.

Não se tinha porém nenhuma pista da Pingüim. Atlan e seus voluntários não podiam dar nenhuma notícia da nave. Enquanto conversavam com Rhodan, veio a notícia de que a nave fragmentária estava ocupada em receber de volta a bordo os robôs desembarcados há dez horas, que, em grandes bandos, voavam de encontro à grande nave, parada sempre na altura, agora de cinqüenta quilômetros.

Atlan falou das terríveis transições na nave dos pos-bis, da inexistência de aparelhos de absorção de choques e dos esforços infrutíferos de entrar em contato com o grande plasma.

— Bárbaro, nossos “amigos” robôs não querem, por ora, nada conosco. Salvaram a Terra de uma situação crítica... mas creio que não confiam muito em nós.

— Você está falando com toda convicção, arcônida?

— Por que não, Rhodan?

— A Pingüim está desaparecida, não responde aos nossos chamados. Todas as estações de satélites já foram interrogadas. Nenhuma delas ouviu sequer um sinal que fosse de sua freqüência. Acho que devo mandar um supergigante para o espaço intercósmico, para Frago, a fim de procurar pela Pingüim.

O sargento Maas, que jamais tivera oportunidade de trocar uma palavra com Rhodan, interveio na conversa:

— Minha Pingüim ficar perdida? Impossível. Minha gente não se perderá com estas coisas quase cotidianas. Naturalmente, os pos-bis lá em Frago mantêm o aparelho como penhor da nave que enviaram para a Terra. Senhor, não se esqueça de que também nós na nave fragmentária não conseguimos nenhuma ligação com a Pingüim, através do rádio.

E no seu modo original e um tanto excitado de falar, o sargento estendeu a mão para Rhodan:

— Quer apostar que amanhã já estou voando com a Pingüim?

Mercant e Deringhouse ficaram perplexos, de respiração presa. Bell queria intervir e ensinar a este sargento que não era esta a forma de se dirigir ao Administrador do Império Solar.

Rhodan os impediu.

Aceitou a mão estendida do sargento:

— Aceito a aposta, Maas, você está apostando com isto sua futura patente de oficial, entendido?

Neste momento foi que o sargento compreendeu o que fizera. Na sua confusão, continuou o velho hábito de pensar em voz alta:

— Eu, burro, apostei com o chefe! Santo Deus, ele vai me mandar embora...

Depois, um pouco mais calmo, viu que interpretara mal Rhodan. E teve na hora muita presença de espírito:

— Senhor, pela minha patente de oficial?!... — um sorriso juvenil passou pelo seu rosto. — Sei agora com certeza que amanhã estarei de novo na minha bela Pingüim.

— Maas, isto seria minha maior alegria — disse-lhe Rhodan, soltando-lhe a mão. — E a Frota Solar teria então uma promoção a tenente extraordinária, por bravura.

Ainda dentro do sistema solar, a nave fragmentária entrou em transição. O tremendo abalo estrutural não deixou de fazer alguns estragos. Contudo, em relação com a onda de destruição planejada, que assolou a Terra, através dos horrorosos invisíveis, era de pequena monta.

A nave horrenda, bizarra, assustadora, mas a quem os terranos deviam sua salvação, com a intervenção enérgica dos pos-bis, em dez horas de combate, já terminara a primeira transição, rumo ao espaço intergaláctico.

Assim que isto foi constatado pelas estações terranas de rastreamento, a Pingüim se apresentou.

— Ao Quartel-General da Frota Solar. Ligação por rádio até agora impossível. Impossibilitados pelas naves fragmentárias de nos retirarmos de Frago. Acabamos de receber neste instante, através do tradutor-simultãneo, a permissão para levantarmos vôo. Pingüim volta para Terra agora. A bordo tudo bem.

Rhodan caminhou então para o sargento Maas.

— Meus parabéns, tenente! — disse cordialmente. — Apostas como esta, perco-as com muito prazer.

O Tenente Maas irradiava felicidade...

 

                                                                                            Kurt Brand

 

                      

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