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A Batalha de Duzentos Sóis / Kurt Brand
A Batalha de Duzentos Sóis / Kurt Brand

 

 

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A Batalha de Duzentos Sóis

 

Os laurins atacam o Mundo dos Duzentos Sóis... E os homens não conseguem detê-los!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano. Portanto, menos de um século e meio se passou para os habitantes do planeta Terra, desde o momento em que o primeiro foguete de propulsão química conseguiu pousar na Lua, ato que representou o prelúdio da verdadeira navegação espacial.

É um lapso de tempo incrivelmente curto, se medido pelos padrões cósmicos. Mas o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan já conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.

A maior parte dos povos da Via Láctea já aprendeu que é melhor ser amigo que inimigo dos terranos. Até mesmo os pos-bis, nome dado aos seres positrônico-biológicos, que atacavam com uma fúria cega todas as formas de vida da Galáxia, já suspenderam seus ataques!...

Provavelmente isso aconteceu porque, depois da eliminação da programação do ódio, levada a efeito pelos terranos, o centro de plasma, que é amigo dos homens, assumiu o poder no Mundo dos Duzentos Sóis.

As lutas fulminantes que de repente irromperam entre os pos-bis preocupam os dirigentes da Aliança Galáctica. Afinal, os pos-bis representam um trunfo valioso para enfrentar o perigo dos laurins. Por isso, Perry Rhodan resolve apostar todas as chances numa única carta. Todas as reservas técnicas são mobilizadas, e uma grande frota comandada por Reginald Bell arrisca o Salto no Intercosmo.

Por pouco a frota não chega tarde, pois A Batalha dos Duzentos Sóis já começou...

 

                                                    

 

Owen de Soto, o inspetor-chefe encarregado das usinas energéticas da Teodorico, era um homem de quarenta e três anos que só parecia ter vinte. Seus antepassados haviam emigrado da Terra para o planeta Siga, um mundo semelhante ao nosso. Foi um dos primeiros a pertencer ao Império Solar.

Quando Siga foi liberado para a colonização, os biólogos, especialistas de radiações, analistas e muitos outros técnicos terranos nem desconfiavam de que, apesar dos resultados favoráveis das investigações, aquele planeta na verdade era um dos mundos proibidos.

Durante quinze anos, tudo correu normalmente em Siga, mas um belo dia os pediatras puseram em alarma os geneticistas... Naquela época o planeta colonial terrano já tinha mais de três milhões e meio de habitantes, e sua indústria funcionava a toda potência.

Os pediatras e os geneticistas viram-se diante de um mistério. Nos últimos dois meses haviam nascido oito crianças que tinham o tamanho de pigmeus. A Terra enviou seus especialistas mais competentes para Siga. Porém eles voltaram sem terem conseguido nada. As notícias que trouxeram foram inquietantes. Em Siga, nascia um número cada vez maior de crianças anãs.

A Terra interditou Siga.

Durante trinta anos, o planeta pertenceu ao número dos mundos proibidos. Mas não havia mais como impedir a estranha evolução dos acontecimentos naquele mundo. Quatro quintos de todos os recém-nascidos eram pigmeus. Todas as tentativas de estimular o crescimento dos mesmos por meio de medicamentos, hormônios e outros recursos biológicos resultaram em fracasso. Nem mesmo os médicos galácticos, os aras, encontraram solução para o mistério. No planeta isolado a vida continuou. Em Siga, qualquer pessoa que tivesse noventa centímetros de altura era considerada muito grande. Mas foi só na terceira geração dos anões de Siga que se descobriu que a mutação não lhes dera apenas o tamanho de pigmeus, mas de certa forma compensara a desvantagem, concedendo-lhes um tempo de vida extremamente longo.

O inspetor-chefe Owen de Soto tinha vinte e um centímetros de altura. Já estava acostumado a andar entre os gigantes terranos. A natureza dotara os anões siganeses de uma autoconfiança exagerada, motivo por que não sabiam o que era complexo de inferioridade. E a posição de inspetor-chefe das usinas energéticas da Teodorico não permitia que De Soto tivesse complexos.

De Soto viu Menke Laas, um jovem mecânico vindo da área de Antuérpia, ajoelhado diante dos circuitos de distribuição, onde estava examinando as diversas fases. O último controle entre as unidades 1 e 4 revelara uma perda insignificante no desempenho. Segundo as indicações dos instrumentos, o defeito só poderia estar nos distribuidores.

“Esse Laas está doido”, pensou De Soto apavorado.

Esteve a ponto de gritar: Será que o senhor está doido ou cansado de viver? Por que não desliga a força?

Mas não teve tempo.

Um raio da grossura de um braço humano, provocado por um curto-circuito, passou junto à sua cabeça e fez estragos na parede atrás dele. Owen de Soto viu Menke Laas cambalear e cair ao chão. Alcançou-o com alguns saltos. O pequeno siganês ajoelhou-se ao lado do mecânico desmaiado. Não deu atenção aos chiados e ao crepitar do conjunto distribuidor, montado segundo os princípios arcônidas. O lado esquerdo do rosto de Laas apresentava queimaduras gravíssimas. Owen de Soto lembrou-se do curso de enfermagem que havia feito. Haviam-lhe ensinado que as queimaduras devem ser tratadas imediatamente com o preparado tola-tolgen, um remédio dos aras. Qualquer pessoa que trabalhasse no sistema elétrico era obrigada a ter sempre esse remédio. Owen de Soto, que era o inspetor-chefe, pertencia a esse grupo de pessoas.

Enquanto a mão esquerda erguia ligeiramente a cabeça de Laas, a direita segurava o spray com tola-tolgen. Dirigiu-o sobre a parte queimada do rosto e espalhou o remédio. Uma camada cinza-pálida cobriu a parte queimada. Owen de Soto sabia que, no dia seguinte, o mecânico já poderia barbear o lado esquerdo do rosto, desde que recuperasse os sentidos.

O curto-circuito acionara automaticamente o alarma.

Quatro homens entraram na pequena sala de controle. Eram dois enfermeiros e dois médicos pertencentes à unidade. Sua tarefa consistia em arrancar da morte as pessoas que fossem atingidas por descargas elétricas.

O siganês afastou-se. Finalmente ouviu os chiados e o crepitar das instalações, que ainda estavam recebendo carga. Virou-se e desligou o suprimento de energia. A ligação entre os circuitos energéticos 1 e 4 não existia mais.

— Ele foi apanhado em cheio! — disse um dos médicos. — Regule a máquina cardíaca para a potência máxima.

De Soto compreendeu o sentido da última frase. O estado de Menke Laas era desesperador. Além de paralisar o coração do mecânico, o choque elétrico crispara todos os músculos cardíacos.

A máquina cardíaca dotada de uma unidade energética autônoma tinha o tamanho de um pequeno estojo. Passou a emitir um zumbido forte e agudo. Menke Laas, cujo peito estava descoberto, não sentiu os choques elétricos de elevada potência com seu efeito de descontração, irradiados pela placa de sucção presa ao tórax.

— Avise o hospital de bordo! — ordenou o outro médico.

Isso significava que resolvera suspender o tratamento do mecânico.

O intercomunicador chamou:

— O que está acontecendo com as unidades energéticas um e quatro?

O inspetor-chefe De Soto viu-se obrigado a cuidar de seus deveres. Cabia-lhe providenciar para que os geradores energéticos 1 e 4 voltassem a funcionar. O siganês moveu alguns contatos e inseriu o conjunto distribuidor sobressalente número um, que era uma cópia fiel do original, entre os circuitos energéticos 1 e 4.

Nos dois salões contíguos, onde estavam instalados os gigantescos geradores, algumas luzes acenderam-se, transmitindo a ordem de fazer funcionar os conjuntos a título experimental. De Soto examinou atentamente as indicações dos instrumentos. Mexeu nas chaves do pequeno painel de controle e fez os geradores funcionarem à potência máxima. O indicador de perdas, um aparelho complicado que controlava automaticamente as fases principais no interior do distribuidor, acendeu o campo verde. No painel geral de comando, instalado na sala central da Teodorico, também se acendeu uma luz que indicava que tudo estava em ordem. Dessa forma, De Soto não teve necessidade de avisar pelo interfone que as unidades 1 e 4 estavam em ordem.

O controle demorou menos de um minuto. O siganês voltou a dedicar sua atenção a Laas, que continuava desmaiado.

Os enfermeiros já o haviam colocado na maça antigravitacional. A pequena máquina cardíaca que trabalhava a toda potência estava ao lado do corpo de Laas. Um dos médicos usava o mini comunicador para manter contato com os colegas que se encontravam no hospital de bordo.

— Já estamos a caminho — informou. Nesse instante um dos enfermeiros tocou-o com a mão e fez um gesto nervoso em direção a Menke Laas.

O mecânico começara a respirar.

— O pulso volta a bater — leu o outro médico, num instrumento embutido na máquina cardíaca. — Desapareceu de novo. Continua desaparecido. Parece que foi o fim. Acho que terei de tentar com o pectobastão.

No curso de enfermagem, Owen de Soto aprendera o que vinha o ser o pectobastão. O médico que fizera uma preleção sobre o aparelho o comparara a uma granada de mão que se usa para abrir uma porta. Era perigosíssimo.

— Deixem o pectobastão para lá! — gritou um enfermeiro que estava com a ponta do dedo encostada ao pulso de Laas.

O médico baixou a pistola de injeção que já mantinha apontada para a veia do braço de Laas.

— O que está fazendo, Flibus? — perguntou o médico, em tom áspero.

O enfermeiro sabia o que estava fazendo.

— Ponha o dedo aqui, doutor. O pulso está batendo.

Era verdade.

Se bem que a máquina cardíaca nada indicasse.

— Não é possível! — exclamou o médico em tom exaltado, pois sentiu que o pulso de Laas batia cada vez mais forte.

Para os médicos e enfermeiros, o gemido fraco, mas inconfundível do mecânico, era um som muito agradável.

— Obrigado! — disse o médico ao ajudante, que impedira no último instante que ele injetasse o pectobastão em Laas. — Da próxima vez pode berrar mais alto.

— Dou-dou-tor — gaguejou o homem, perplexo. — Não sei como isso me escapou. Queira desculpar.

O médico não concordou.

— Não tenho nada para desculpar. Fui eu que cometi um erro grave, não o senhor. Confiei mais na tecnologia médica que nos meus conhecimentos. Garanto que o incidente me servirá de lição. — Dirigiu-se a um colega. — Acho que daqui em diante o mecânico poderá receber seu tratamento na enfermaria de bordo. De acordo, colega?

O outro médico confirmou com um gesto e fez um sinal para que os enfermeiros levassem Menke Laas. Quando estavam saindo, o siganês respirou profundamente e enxugou o suor da testa. Lembrou-se da jovem esposa de Menke Laas e da filhinha que nascera há quinze dias...

 

Reginald Bell soube do acidente por acaso. Esteve a ponto de exaltar-se, mas conseguiu controlar-se no último instante.

— Que idiotice desse Laas! — disse, contrariado.

Era de se espantar que, em meio aos preparativos do destacamento especial da frota, Bell ainda tivesse palavras para isso. Fitou Deringhouse com uma expressão pensativa.

— Será que o homem vai escapar?

— Está fora de perigo, mister Bell. A culpa não foi dele. Por pouco não foi morto por nossa supertecnologia. Pelo que diz De Soto, em Árcon III instalaram um conjunto distribuidor que combina com um cruzador pesado, mas não com uma nave da classe Império! Laas desligou a corrente, mas nem desconfiava de que o cabo mestre ainda estava conduzindo energia. Quando aconteceu a catástrofe, Laas teve sorte, pois a irrupção energética só o atingiu de raspão.

Bell abanou a cabeça.

— A viagem está começando muito bem, Deringhouse. Tomara que na Teodorico não passemos por outras surpresas deste tipo, pois assim nunca chegaremos ao Mundo dos Duzentos Sóis.

Três camarotes adiante estava reunida uma equipe. Na nave, costumavam ser chamados de coordenadores. Cabia-lhes cuidar da decolagem do destacamento especial da frota. Há vinte minutos chegara uma mensagem de hiper-rádio expedida pela Gauss, que se encontrava no espaço intergaláctico. Segundo essa mensagem, nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis fora constatada a presença de naves-pingo dos laurins.

Por alguns segundos Bell ficou imobilizado atrás da escrivaninha. Jefe Claudrin, que lhe entregara pessoalmente a folha com a mensagem gravada, vira inúmeros pinguinhos de suor porejarem em sua testa. Mas Bell logo se controlou e disse com a voz firme:

— A contagem regressiva será iniciada às dezenove horas e trinta e cinco minutos. Mande transmitir a informação às outras naves.

Depois disso solicitara o comparecimento de Deringhouse. Este lhe perguntara, perplexo:

— Gostaria de saber como os laurins descobriram nosso projeto Mundo dos Duzentos Sóis...

— Pois eu lhe direi, Deringhouse. Foi Perry que chamou os invisíveis para o

Mundo dos Duzentos Sóis, por meio dos raios-vetores transmitidos pela Gauss. E agora os laurins já sabem como encontrar o planeta situado no espaço vazio. Gostaria de saber por que ninguém se lembrou de que esse perigo existia...

Bell nem desconfiava de que Perry Rhodan acabara de formular a mesma pergunta.

A equipe de coordenadores chamou. Nas três mil naves estavam sendo tomados os últimos preparativos da decolagem. Alguém indagou se o vôo para o Mundo dos Duzentos Sóis não poderia ser “abreviado” por meio da redução de uma etapa.

— Sir, dispomos dos dados necessários para isso.

Bell berrou a resposta para dentro do microfone.

— Nem quero saber que dados o senhor reuniu. Realizaremos oito etapas pelo semi-espaço. Que coisa! Será que o senhor ainda não compreendeu que existe uma diferença entre o espaço intergaláctico e o espaço galáctico? Basta! Final.

— Isso é resultado da sobrecarga nervosa, mister Bell! — disse Deringhouse para desculpar o procedimento da equipe.

— Já? — respondeu o gorducho. — Como não deverão estar quando tivermos penetrado duzentos mil anos-luz no espaço sem estrelas! Desde quando um membro da Frota Solar pode ter nervos “frouxos”? Afinal, não somos arcônidas.

— O senhor não compreendeu o sentido de minha observação. — Deringhouse não queria dar-se por satisfeito. — A exposição que o chefe fez em Árcon III está circulando em todas as naves.

Desta vez Bell falou em termos ásperos para Deringhouse.

— Faça o favor de explicar-se melhor. Que exposição é essa? Nas últimas horas, Perry proferiu inúmeros discursos. Faça o favor!

— Estou aludindo à exposição durante a qual informou os comandantes de nosso destacamento de que, no vôo de ida e volta para o Mundo dos Duzentos Sóis, devemos contar com a perda de cinqüenta por cento da frota. Os cinqüenta por cento já se transformaram em oitenta, e chega-se a falar em pesadas perdas humanas...!

O rosto de Bell assumiu uma expressão sombria. Inclinou-se para a frente e cochichou:

— Por que fico sabendo disso só agora, Deringhouse?

— Havia algum motivo para que soubesse antes? Enfrentei os boatos com uma declaração lacônica e precisa, pondo fim ao falatório. Mas a inquietação, provocada pelos boatos, ainda durará algum tempo.

A sala de comando chamou. Jefe Claudrin estava do outro lado da linha. Faltava pouco para o início da contagem regressiva, e Claudrin anunciou que as diversas unidades começavam a reunir-se em grupos e aguardavam a decolagem.

A frota estava espalhada por um trecho de dez minutos-luz. Bell pediu que lhe passassem o hipercomunicador. Voltou a dirigir-se a todos os comandantes e ordenou-lhes que, em todas as unidades, sua fala fosse transmitida pelo sistema de intercomunicação de bordo. Todos os homens deveriam ouvir o que tinha a dizer.

Preferiu não formular frases bonitas. Falou pela forma que estava acostumado, em termos simples, mas claros.

— Todos estamos assumindo o mesmo risco. E esse risco será diminuído se cada um de nós puder confiar em todos os outros. Pouco importa que, durante o vôo para o mundo do plasma, percamos cem ou duzentas naves. O importante é que não tenhamos de lamentar a perda de vidas humanas. Fizemos tudo para evitar que isso acontecesse. E não podemos permitir que aconteça. Não devemos esquecer-nos de que o chefe e seu comando especial encontram-se em situação perigosa no Mundo dos Duzentos Sóis, motivo por que pediu que fôssemos para lá o mais depressa possível. Esse pedido de socorro fala por si, motivo por que, de minha parte, também não tenho mais nada a dizer.

Na sala de rádio da Teodorico foi interrompida a ligação de hipercomunicação com as outras naves. Os tripulantes dessa nave também começavam a preparar-se para a decolagem, quando a Gauss, que se encontrava a um ano-luz do Mundo dos Duzentos Sóis, voltou a chamar.

Mas a mensagem não foi muito bem recebida, o que era incompreensível face à potência de transmissão da Gauss. Só se entenderam alguns fragmentos.

— Afastamo-nos... Forte ataque de na... Armamento muito... Impacto na... Fugimos para a zona de libração e...

O computador positrônico recorreu ao cálculo das probabilidades para completar a mensagem mutilada e deu-a a conhecer na mesma fita perfurada:

— Afastamo-nos. Forte ataque de naves-pingo dos laurins. Armamento muito fraco. Impacto na (não há como completar a passagem). Fugimos para a zona de libração e...

Bell viu a fita perfurada em sua tela e leu o texto. Precisou de um forte autodomínio para não abandonar de vez o plano de viagem ao Mundo dos Duzentos Sóis. Por alguns segundos Bell brincou a idéia de tentar alcançar o planeta do espaço vazio em quatro etapas em vez de oito. Dessa forma poderia ganhar muitas horas. Talvez a frota até chegasse um dia mais cedo ou... nunca chegasse.

A última alternativa, que nem era tão improvável, foi o fato decisivo na resolução de Bell.

Manteve o plano de viagem já fixado.

 

A essa altura Perry Rhodan já tinha certeza de que os objetos estranhos localizados pela Gauss eram naves dos laurins. Mas não sabia explicar por que não atacavam a Gauss nem tentavam aproximar-se do Mundo dos Duzentos Sóis. A distância que as separava do planeta continuou inalterada.

Depois da primeira mensagem passaram-se várias horas sem que acontecesse nada. O contato de rádio com a Gauss não foi interrompido mais. Representava o posto avançado e, com seus instrumentos, observava o grupo de naves dos laurins.

Perry Rhodan e Atlan aproveitaram o tempo. Acharam que haviam sido favorecidos pela sorte, pois, naquelas horas, o centro de plasma dominava completamente o cérebro hiperimpotrônico, motivo por que ao menos desse lado não tinham nada a recear. Era bem verdade que ninguém deixou de dar atenção à advertência dos entendidos, segundo os quais a situação poderia inverter-se num tempo brevíssimo.

A unidade especial composta de três mil homens, dotados de equipamento especial, colocou-se de prontidão espalhando-se entre as oitenta gigantescas abóbadas de plasma. Tal estratégia era bastante desfavorável sob o ponto de vista militar... Os alojamentos que um willy havia oferecido aos terranos eram excelentes posições de defesa, onde seria muito mais fácil rechaçar um ataque dos robôs positrônico-biológicos!

Os jatos espaciais transformaram-se em veículos de socorro. Sua tarefa consistia em sempre que se tornasse necessário, levar unidades de combate a todos os pontos do centro de plasma, a fim de evitar que a biossubstância fosse danificada.

A nave esférica X-l também mudou de posição. Encontrava-se nas proximidades do núcleo do centro de plasma, que tinha a forma de gasômetro. As torres de canhões da nave de cem metros de diâmetro ficaram ininterruptamente de prontidão. A X-l também era a base de operações dos técnicos e cientistas, que não permitiam que houvesse sossego em seu interior. Nos camarotes que lhes haviam sido destinados, o ambiente era bastante agitado. As opiniões chocavam-se violentamente, e os interlocutores não regateavam as palavras ásperas. Rhodan sabia disso, mas nem pensou em intervir na discussão.

— Deixe que arranquem os cabelos uns dos outros, arcônida — disse, dirigindo-se a Atlan.

Este fitou-o com uma expressão desconfiada. Conhecia o terrano, e sabia que este não conseguiria esconder mais nada.

— Quanto tempo deverá durar a briga? Até que sejamos agarrados pelos laurins ou pela hiperimpotrônica, bárbaro?

A palestra estava sendo travada no camarote de Rhodan.

— Os cientistas sempre foram um tipo especial de gente. São teimosos, cheios de manias, alérgicos e esquentados ao extremo. Em resumo, são um pouco loucos.

— Nosso destino está ligado ao de um grupo de loucos. Isso é um belo consolo!

Rhodan deu uma risada.

— Não acho que nossos especialistas sejam loucos, pois, nesse caso, já poderíamos ter começado a cavar nossa própria cova. Os cientistas não devem ser avaliados pelos nossos padrões.

Atlan demorou algum tempo para responder. Finalmente disse:

— Há quatrocentos anos ainda não havia uma única estrada de ferro na Terra. Na Rússia ainda reinava o regime da servidão e grandes partes do planeta permaneciam inexploradas. E hoje, que são passados trezentos anos, os terranos procuram lidar com a hipertóictica e a hiperimpotrônica. E, o que é pior, os especialistas de vocês muitas vezes fazem de conta que tudo isso foi criado por eles. Não é de admirar que, muitas vezes, a carga mental prejudique o cérebro dos cientistas... Rhodan voltou a rir.

— Você já passou dez mil anos conosco, mas ainda lhe causamos pavor, não é mesmo, Atlan? Quem sabe se nos próximos dez mil anos você se acostumará?

— Se é que você ainda me conhecerá quando estiver governando o Universo, Perry Rhodan fez como se não tivesse ouvido a alusão irônica. E nem teve tempo para responder. O grupo de Moders, que estava à procura da fonte hipertóictica do erro, chamou do interior do cérebro. Mas o robólogo não teve tempo para falar. Um jato espacial que patrulhava o espaço aéreo do Mundo dos Duzentos Sóis chamou de outro continente. A tripulação notara que os pos-bis voltavam a travar batalhas aniquiladoras.

— Ouviu, Moders? — perguntou Rhodan pelo telecomunicador.

— Ouvi, chefe. As informações fornecidas pelo jato espacial combinam perfeitamente com aquilo que observamos. As reservas energéticas do centro de plasma diminuem com uma rapidez apavorante, e o grau de independência do cérebro hiperimpotrônico cresce ininterruptamente. Em virtude disso tivemos uma recepção nada amistosa. De repente todas as paredes começaram a cuspir robôs. Pretendia solicitar reforços. Mas, na situação em que nos encontramos, será preferível que nos retiremos.

— Não assuma nenhum risco, Moders.

— É impossível que o risco ainda aumente... Final, chefe!

O último som transmitido pelo aparelho foi um grito do robólogo. Depois disso o telecomunicador manteve-se em silêncio.

Rhodan imediatamente entrou em contato com o plantão de blindados. Este confirmou o recebimento da ordem, mas Perry logo foi informado de que esta não poderia ser executada.

— Sir, nossos blindados conseguem avançar até a segunda barreira da hiperimpotrônica. Dali em diante, o corredor fica tão estreito que os veículos não passariam.

Atlan já se encontrava junto à porta.

— Reunirei um comando e avançarei até o lugar em que está o grupo de Moders, Perry.

— Não! No atual estado de coisas não convém, arcônida. O grupo terá de sair do cérebro com suas próprias forças.

— Vai abandonar seus cientistas mais competentes, bárbaro? São homens que não têm a menor idéia da técnica do combate.

— Moders tem uma idéia, certo? Ras Tschubai também. Se os dois não conseguirem abrir caminho, qualquer grupo de resgate vindo da superfície chegará tarde.

Atlan não dissimulou o desassossego.

— Por que não esperamos até que um dos willys se oferecesse a conduzir-nos pelo labirinto subterrâneo?

— Porque não podemos perder tempo, almirante. Acho que você conseguirá compreender isso. É possível que todos os willys se recusem a levar-nos à hiperimpotrônica. E então? Nesse caso nos recriminaríamos por termos perdido tanto tempo.

Sem que os homens percebessem, a situação no Mundo dos Duzentos Sóis tornava-se cada vez mais crítica. Sofreram vários ataques, depois de terem pousado no planeta do espaço vazio, vindos em duas naves fragmentárias. Praticamente não se notava nenhum sinal do poder do centro de plasma. A hiperimpotrônica recorrera a um golpe de força para interromper o suprimento de oxigênio das quantidades gigantescas de biossubstância. Se os terranos tivessem demorado mais algumas horas, o centro de plasma desse mundo já teria deixado de existir e o cérebro hiperimpotrônico, que raciocinava com base numa lógica estranha, seria o senhor absoluto dos pos-bis e das naves fragmentárias. Moders concebeu a idéia de que deveria haver um controle recíproco que controlasse o dispositivo hiperimpotrônico. E aconteceu aquilo que ele mesmo quase não ousara esperar. Encontrou o controle e voltou a ativar o suprimento de oxigênio das gigantescas quantidades de plasma guardadas nas bolhas metálicas.

Mas nem por isso foram eliminadas as oscilações no desempenho da biossubstância. Naquele momento estava em curso mais uma vez a estranha alteração, e o poder de comando passava progressivamente para o cérebro hiperimpotrônico.

E a hiperimpotrônica só poderia trazer a destruição para os três mil terranos que se encontravam no Mundo dos Duzentos Sóis.

Bem no interior do cérebro, o grupo de Moders lutava com os robôs que de repente surgiam em toda parte.

A única esperança de Rhodan era Ras Tschubai, o teleportador, se bem que soubesse dar o devido valor às qualidades combativas de Moders. Enquanto Tschubai não aparecesse no camarote em que estava Rhodan e pedisse desesperadamente que mandassem reforços, as coisas não poderiam estar tão ruins para Moders e seus colaboradores.

Dez dos trinta jatos espaciais que haviam trazido controlavam a área adjacente ao mundo do plasma.

De repente transmitiam de toda parte notícias sobre o reinicio da luta entre os robôs amigos e os inimigos. Naquele momento mais uma notícia estava chegando. Também aludia a lutas, mas seu tom era diferente.

Um número cada vez maior de pos-bis juntava-se ao grupo dos robôs hostis. Isso significava que os contatos com o centro de plasma estavam totalmente interrompidos. E significava ainda que o poder era exercido exclusivamente pela hiperimpotrônica.

Além disso quatro naves dos invisíveis circulavam à distância de um ano-luz, preparadas para precipitar-se a qualquer momento sobre o Mundo dos Duzentos Sóis. Ninguém sabia dizer por que ainda não haviam atacado.

A Gauss chamou.

A X-l recebeu quase a mesma mensagem mutilada que a Teodorico, que se encontrava nas proximidades de Frago.

— Afastamo-nos... ataque de na... armamento muito fraco... pacto na... fugimos para a zona de libração e...

O receptor emitiu alguns estalidos. Depois tudo ficou em silêncio.

O rosto do oficial que comandava o plantão de blindados apareceu na tela.

— Sir, os robôs hostis estão desfechando outro ataque contra nós. De uma hora para outra, todos os pos-bis passaram a desenvolver atividades hostis! Dei ordem para abrir fogo!

— Mantenha-me informado. — Foi só o que Rhodan disse.

Os canhões da X-l começaram a disparar. As unidades energéticas da nave esférica, que estavam trabalhando em ponto morto, saltaram para a potência máxima. Em todos os compartimentos da nave ouvia-se o zumbido da aparelhagem pesada. O interfone transmitiu o alerta:

— Atenção! Os campos defensivos da X-l voltaram a ser ativados.

Rhodan continuou sentado em sua poltrona. Não fez menção de levantar-se.

— E agora? — perguntou Atlan em tom áspero, quase provocador.

Rhodan sorriu.

— Qual é sua sugestão, almirante? Eu não tenho nenhum comentário sobre a situação atual.

— Nem eu, Perry. Pensei...

Calou-se por um momento, mas logo se pôs a praguejar.

O casco da X-l vibrava ligeiramente. Os dois homens se entreolharam.

A X-l foi obrigada a disparar para todos os lados. O espantoso era que a sala de comando ou o centro de controle de tiro não oferecessem nenhum relato da situação.

— Sinto-me como se fosse uma avestruz que enfia a cabeça na areia, bárbaro.

— Pois quanto a mim não estabeleço esta comparação. Só estou curioso para ver de que forma evoluirá a situação.

— Ah, é? Apenas está curioso? Só isso? Prefere nem pensar na possibilidade de a Gauss já ter sido destruída, não é?

O arcônida começou a apavorar-se diante da calma de Rhodan.

— Não foi destruída, arcônida — objetou Perry Rhodan, com a maior calma. — Hal Mentor é um comandante muito experimentado. Ele provou na luta travada com os pos-bis em torno de M-13. Atlan, você deve confiar muito mais em meus homens. Em certas situações de emergência, cada um deles é chefe de si mesmo, mas nem por isso o indivíduo perde a visão do objetivo comum. Eu...

Alguma coisa tilintou às suas costas. Um armário fora aberto repentinamente.

— Ras Tschubai! — disse o arcônida, com um gemido.

O teleportador africano estava parado à frente do armário em que achavam-se guardadas as armas de Perry Rhodan. Não reagiu diante da exclamação do arcônida. Ras pegou dois desintegradores pesados e disse rapidamente.

— Chefe, não temos mais com que atirar!

E desapareceu no mesmo instante!...

— É um relato breve, mas muito elucidativo — comentou Rhodan diante da informação lacônica do teleportador, que acabara de apoderar-se das armas de Rhodan, sem pedir licença ao homem mais poderoso do Império Solar.

Atlan pôs a mão no ativador celular que trazia sobre o peito. Naquele momento sentiu as batidas fortes do aparelho que lhe prolongava a vida. Mas a atividade do mecanismo também constituía uma prova de que a situação atual representava um peso muito maior para Atlan que para Perry Rhodan.

Os dois homens, e o pessoal de serviço na sala de rádio da X-l, ouviam as mensagens que chegavam. Mais um receptor entrou em atividade. Era a faixa de ondas da Gauss.

— Sofremos impacto leve na sala de geradores. A perda foi compensada pelo equipamento sobressalente. A frota de Frago decolou há um minuto e trinta segundos, tempo padrão. A ação Grande Escala será realizada em oito etapas. Final. Mentor.

Rhodan e Atlan estavam preocupados. Sabiam perfeitamente quanto tempo demoraria até que Reginald Bell e as três mil unidades de seu destacamento especial aparecessem na área do Mundo dos Duzentos Sóis.

O que encontraria por ali quando as naves procurassem pousar?

De repente Brazo Alkher chamou pelo rádio.

— Chefe, todos os jatos espaciais foram reunidos sobre o conjunto de abóbadas. A coordenação com os blindados é excelente. O trabalho em conjunto com o oficial de comando de tiro da X-l funciona muito bem. O perigo que os robôs representam no interior do centro de plasma tornou-se insignificante. Não conseguimos localizar as naves fragmentárias. Voltarei a chamar.

— Acontece que não temos notícias do grupo de Moders, que se encontra no interior da hiperimpotrônica, bárbaro.

Rhodan demonstrou compreensão diante da observação que acabara de ser feita. Afinal, Atlan era e sempre continuaria a ser um arcônida, embora tivesse vivido durante dez mil anos na Terra, na condição de refugiado.

— Eles encontrarão um meio de sair de lá.

Mas dali a uma hora, quando a prontidão foi suspensa no interior da X-l, o grupo de Moders ainda não havia dado nenhuma notícia. Não respondia aos chamados pelo rádio. Rhodan também começou a preocupar-se com os homens que se encontravam nas profundezas do cérebro. Andava com a idéia de pedir a um telepata que procurasse estabelecer contato em base paranormal. Mas não seria uma irresponsabilidade retirar um dos telepatas que foram mandados para apoiar com suas energias mentais o centro de plasma debilitado?

A porta do camarote abriu-se abruptamente. O comandante da X-l entrou correndo:

— Sir, acabo de surpreender o teleportador Tschubai saqueando meu estoque de armas. Quando lhe dirigi a palavra nem sequer olhou para mim. Eu...

Calou-se, apavorado. Atlan deixara-se cair numa cadeira e ria a bandeiras despregadas. Riu do comandante exaltado e acabou dizendo:

— Pelos deuses de Árcon. Acho que, se uma coisa dessas acontecesse numa nave arcônida, meu império já teria desaparecido há alguns milhares de anos.

Era claro que o comandante da X-l não sabia o que estava acontecendo. Depois de tentar várias vezes, desistiu de entender o sentido da graça e gaguejou:

— O que quer di-di-zer com isso?

Rhodan respondeu no lugar de Atlan.

— Tschubai pertence ao grupo de Moders. Os homens têm problemas com o cérebro. Tschubai já veio buscar minhas armas antes das suas e lançou mão dos mesmos recursos. Mande trazer outras armas para o senhor e para mim.

O comandante compreendeu. Quer dizer que o chefe aprovava o procedimento de Ras Tschubai. Recapitulou a ordem que Rhodan acabara de dar e, com um ligeiro cumprimento, retirou-se do camarote tão rapidamente como havia entrado.

 

A uns oitocentos metros de profundidade, cinco homens encontravam-se num labirinto e aguardavam o regresso do teleportador. A arma de Van Moders era a única que ainda estava em condições de ser usada. Nos outros desintegradores, as câmaras energéticas estavam vazias. Não poderiam disparar mais um único tiro.

— Atrás do senhor, à direita! — berrou o professor Gaston Durand, que, até o momento em que fora iniciada a missão no Mundo dos Duzentos Sóis, era adversário ferrenho de Moders.

Este estava deitado numa plataforma de três metros de altura. Embaixo dele estendia-se alguma coisa que, à falta de uma palavra mais adequada, só podia ser chamada de corredor. Aquela área angulosa, absurda, não correspondia a nenhum conceito preciso.

Atrás do robólogo estendia-se a negridão, o desconhecido.

Os homens levavam desvantagem face aos robôs do cérebro. Não tinham o poder de percepção em base infravermelha. Para eles, a escuridão realmente era escura. Já os robôs do cérebro não se importavam nem um pouco com o negrume. Enxergavam através das irradiações térmicas, e, para eles, os homens com seus trajes de combate estavam muito bem iluminados.

Foi só graças aos faróis de grande alcance que os homens ainda não haviam sido destruídos pelos guardas da hiperimpotrônica.

Diante do grito de alerta do professor, Moders fez meia-volta, sempre deitado de barriga. Seu rosto não prometia nada de bom, quando mirou ligeiramente pelo dispositivo ótico de sua arma, fazendo-a expelir o raio destruidor.

— Três robôs estão subindo!

Moders não deixou que estas palavras o perturbassem. Só poderia mirar um alvo de cada vez.

Mais um ser mecânico desfez-se a oitenta metros dali.

Moders fez meia-volta, deitado de barriga. Abaixou-se instantaneamente. Agiu no último instante. Pouco acima de sua cabeça estavam passando raios disparados por robôs que obedeciam às ordens da hiperimpotrônica.

— Não se mexa, Moders!

Um dos robólogos soltara o grito de alerta em meio à confusão de formas bizarras, onde cinco homens se mantinham escondidos.

Mas outro gritou:

— O terceiro robô está se aproximando! Moders manteve-se obstinadamente imóvel.

“Nem o diabo me fará levantar a cabeça”, pensou. “Por que será que o teleportador está demorando tanto?”

Dali a um segundo ficou sabendo onde estava Ras Tschubai.

Uma luz fulgurante surgiu à sua frente. Uma onda energética escaldante passou por ele. Em parte era formada por uma elevada dose de radiações. Era o que indicava o dispositivo de alerta de seu traje de combate.

Houve outra explosão. Os microfones externos, ligados para o volume máximo, transmitiram o ruído da explosão com força redobrada.

— Moders — disse de repente a voz controlada de Ras Tschubai. — Como está a reserva energética de seu desintegrador?

— Que pergunta! — retrucou o robólogo pelo rádio de capacete. — Mais dois ou três tiros prolongados, e estará...

A palavra “vazia” foi abafada por uma terceira explosão. Os três robôs que estavam escalando a plataforma onde Moders estava deitado haviam sucumbido diante dos tiros de Tschubai.

Este executou um salto de teleportação e foi parar ao lado de Moders. Sem dizer uma palavra, entregou ao robólogo uma arma carregada até o limite máximo de sua capacidade. Moders colocou a arma usada no chão.

— No momento não há nenhum perigo? — perguntou pelo rádio.

Ras Tschubai já desaparecera, para distribuir as armas restantes entre os melhores atiradores.

Os raios azulados dos faróis traçavam faixas de vários metros de largura em meio à escuridão. Sempre que os raios batiam em algum material, iluminavam cantos, reentrâncias, saliências e ângulos retorcidos.

— Não vejo nenhum robô.

Ouviu pela quarta vez as mesmas palavras.

— Tomara que estes homens-máquinas não saibam voar! — disse Moders com um gemido.

Só neste instante deu-se conta de que nos últimos trinta minutos não se haviam encontrado com um único pos-bi voador.

Há trinta minutos ainda se achavam mais uns mil e duzentos metros abaixo da superfície, e ainda estariam travando um combate desesperado com os robôs que se encontravam por lá, se Ras Tschubai não tivesse descoberto o poço estreito de um elevador antigravitacional.

Todos viram em Moders o chefe do grupo combatente. O teleportador, que já participara de centenas de operações, mantinha atitude discreta.

— Vamos descer! Cuidado para vocês não quebrarem seus pescoços — avisou Moders.

Foi o primeiro a descer para o corredor. Agachou-se num nicho e deu cobertura aos outros. Para o teleportador, as coisas eram mais fáceis. Colocou-se do lado oposto do corredor e, olhando para além de uma saliência, vigiou a área.

Moders desenvolvera um instinto combativo. De repente regulou seu farol para um número de lúmenes vinte por cento superior ao permitido. No lugar que lhe parecera viu a cintilância metálica de uma pele de robô. O desintegrador superpesado estava bem seguro na mão de Moders. Dali a meio segundo, a hiperimpotrônica teve de registrar a perda de mais um ser mecânico.

— São como a areia no mar! — disse Moders, amargurado.

O professor Gaston Durand parou a meio caminho, durante a descida. Ficou de costas para a parede, pôs o desintegrador sob o braço direito e abriu fogo ininterrupto. Foi girando o cano para a direita, voltou para a esquerda e novamente dirigiu-o para o outro lado.

“Em que estará atirando o professor?”, indagou-se mentalmente Ras Tschubai.

Quando se encontravam em situação quase desesperada, a mil e duzentos metros abaixo da superfície, Durand revelara subitamente uma nova faceta de sua personalidade. Investira com uma coragem quase suicida contra os robôs-voadores. Até parecia que não passavam de pombos. Durante uma refrega, Tschubai e Moders lhe haviam recomendado que não se expusesse ao abrir fogo, mas Durand se limitara a fazer uma observação:

— Nunca se desaprende uma coisa que já se aprendeu. Quando tinha quatorze anos, eu quis ser campeão de tiro!

Tschubai se lembrou desta passagem, quando de repente se viram envoltos por uma luminosidade ofuscante. Só então notaram que se encontravam numa gigantesca catedral. Conjuntos gigantescos de máquinas enfileiravam-se. Gigantescos arcos, feitos de condutos retorcidos, subiam a alturas superiores a cem metros. As pontes assim formadas tinham um vão superior a trezentos metros. Pareciam constituir os elementos de ligação hiperimpotrônicos.

Os revestimentos bizarros tinham uma cor preto-cinza, que logo cansava a vista. Sob as cascatas luminosas que surgiram mais atrás, no lugar para o qual o professor havia atirado, o horrível preto-cinza adquiriu pela primeira vez uma tonalidade mais viva, se bem que irreal.

Tschubai ouviu pelo rádio de capacete a pergunta que Moders dirigiu ao professor:

— O que é isso que está “explodindo”, professor?

O cientista, que não era muito jovem, respondeu em tom de triunfo:

— É um bando de robôs. São coisas grandes e feias. Nunca vi nada igual. Já estou curioso para saber quantos tipos de robôs existem neste cérebro hiperimpotrônico.

— Bem que eu gostaria de ser tão curioso quanto o senhor! — disse Moders, num gemido.

Atirou-se ao chão. Mais uma vez seu instinto o prevenira de que havia algum perigo. No lugar em que pouco antes estivera sua cabeça abrigada sob um capacete de visão total, surgiu um raio. A parede começou a derreter-se e iluminou-se numa incandescência rubra.

O seres mecânicos atacavam sem a menor contemplação. Pouco lhes importava que danificassem ou destruíssem as instalações hiperimpotrônicas.

Moders não se atreveu a fazer o menor movimento. Achou que sua hora estava soando. Só a saliência larga do conjunto de máquinas que se encontrava à sua frente impedia os pos-bis de estreitarem ainda mais seu ângulo de tiro.

Nem notou o desaparecimento de Ras Tschubai.

O teleportador saltou para uma das pontes arqueadas mais próximas. Viu três caixas do tipo que Gaston Durand acabara de descrever. Sentiu-se dominado pelo pavor. Mas este não conseguiu paralisá-lo. Controlou-se, levantou a arma, fez pontaria com a mão tranqüila e abriu fogo permanente.

No ponto em que se encontrava, a ponte arqueada era muito mais estreita do que calculara. Por isso a onda de pressão desencadeada pela explosão atingiu-o com tamanha força que desceu turbilhonando. Foi só a parafaculdade da teleportação que o salvou do impacto mortal.

Quando voltou a sentir chão firme sob os pés, foi ofuscado pela torrente de luz produzida pela explosão.

— Moders — gritou para dentro do microfone. — Se o cérebro enviar mais robôs desse tipo, poderemos fazer nosso testamento.

Os outros também o haviam ouvido.

— Será que a direção é correta? — perguntou Moders, depois que o grupo se havia unido e Ras Tschubai voltara a surgir à sua frente.

— Temos de seguir três graus mais para o norte — gritou para o homem que acabara de recorrer à peça de equipamento mais importante. A tal peça era um velhíssimo artefato arcônida, usado pelos técnicos de Árcon III naqueles tempos remotos em que o gigantesco cérebro positrônico começara a tornar-se cada vez maior e mais complicado. O aparelho de registro fora criado para que ninguém se perdesse no labirinto, pois mostrava o caminho certo a qualquer pessoa que se aventurasse a andar em seu interior.

Os homens do grupo só tinham em seu poder esse equipamento e as armas. Quando se encontravam no pavimento situado a 1.200 metros de profundidade, o ataque inesperado dos robôs-voadores obrigara-os a deixar o resto para trás.

— Iremos buscar o resto! — afirmou Moders, se bem que ele mesmo não acreditasse muito nisso.

Avançaram o mais depressa que podiam. O homem que segurava a registradora mantinha-se à direita do robólogo. Ras Tschubai ia no fim.

— Será que passamos pelo elevador antigravitacional? — perguntou Moders, depois de iluminar inúmeras vezes a parede do lado esquerdo com seu farol, sem descobrir o menor sinal do respectivo poço.

— Ainda faltam cem metros, mister Moders! — disse o homem que se encontrava a seu lado.

Chegaram ao poço do elevador pelo qual haviam descido. O sistema antigravitacional não estava funcionando. Fora desligado pela hiperimpotrônica. Até mesmo o professor Durand pôs-se a praguejar que nem um vagabundo estelar. Por alguns segundos todos sentiram-se perplexos. Ras Tschubai abriu caminho para a frente e Moders virou o rosto para ele.

— Tschubai, será que o senhor pode teleportar todo o grupo para cima em dois saltos?

Para cima — essa expressão significava que ainda se encontravam no interior da hiperimpotrônica, a uma profundidade de 350 metros.

— É fácil — disse o teleportador. — Mas... — hesitou um pouco — ...dessa forma nos dividiremos por algum tempo em dois grupos. Tomara que o cérebro não deseje exatamente isso.

Van Moders tinha uma capacidade toda especial de desvendar as linhas de raciocínio de um cérebro positrônico ou hiperimpotrônico.

— Um momento — disse, sem perceber que de repente se encontrava no centro do grupo, já que os outros formaram um círculo que o protegia de todos os lados.

De repente uma série de processos intelectuais, que se ativeram a um padrão puramente lógico-matemático, desenvolveram-se no cérebro de Moders. Os sentimentos e a experiência humana foram deixados de lado.

Pensar em algarismos e fórmulas! E chegar a um resultado! No Império Solar e no Império de Árcon não havia ninguém que possuísse essa faculdade no mesmo grau que Moders.

O resultado que o robólogo alcançou por este meio disse-lhe que nunca sairiam vivos da hiperimpotrônica.

Eram prisioneiros do cérebro do Mundo dos Duzentos Sóis!

— Qual foi o resultado, Moders? — perguntou Durand.

— Estamos presos. As chances de sair daqui são iguais a zero. Foi ao menos o que a hiperimpotrônica calculou. Acontece que ela já errou nos seus cálculos, quando cortou o ar da biossubstância. Qual é a situação atual?

— No momento está tudo calmo — respondeu Tschubai, enquanto seis faróis de grande alcance iluminavam as formas bizarras das máquinas e os homens procuravam localizar os robôs que eventualmente se encontrassem nas proximidades.

Os seres mecânicos que se achavam no interior do cérebro eram diferentes dos outros pos-bis, pois não possuíam nenhuma biossubstância e não dispunham de qualquer engaste hipertóictico. Obedeciam exclusivamente ao cérebro gigante, sem jamais terem atendido às ordens do centro de plasma.

Moders fizera essa chocante descoberta no pavimento onde se viram obrigados a fugir precipitadamente, deixando para trás o que tinham consigo.

— É a calma antes da tormenta! — constatou Moders, com certo humor fúnebre. — Está na hora de ter uma idéia, pois todos vivem me chamando de “pavor ideológico”. Acontece que não tenho a menor idéia de como poderíamos pregar uma peça ao cérebro. Será que alguém tem uma sugestão aproveitável?

Um silêncio deprimente reinou entre os membros do grupo.

 

De repente Owen de Soto, o inspetor-chefe, teve de segurar-se. O chão não estava cedendo sob seus pés, mas Owen se achava convencido de que afundava lentamente.

Olhou para a porta, onde Menke Laas, o mecânico, estava rindo para ele.

— Será que o senhor está...?

— Não, inspetor-chefe, não estou doente. Até já me deram alta para voltar ao serviço. Aliás, fico-lhe muito obrigado por ter aspergido o tola-tolgen na pele queimada do meu rosto. Quase não se nota mais o menor sinal da queimadura. Mas agora já não precisa ficar olhando para mim.

O siganês soltou um gemido.

— Há uma hora estava mais morto que vivo, e agora diz que está em condições de voltar ao trabalho! Já não compreendo mais nada. Afinal, como se sente, Laas?

— Sinto-me muito bem, De Soto. Já descobriu a causa do curto-circuito nos distribuidores?

O siganês engoliu em seco e iniciou seu relato. À medida que prosseguia a exposição de De Soto, os olhos de Menke Laas se arregalavam.

— Que coisa! — exclamou o mecânico. — Por pouco não mando o bloco dos distribuidores daqui para outra melhor. Já estamos a caminho, De Soto?

O inspetor-chefe passara a gostar do jovem mecânico desde o momento em que este subira a bordo da Teodorico. Menke Laas era um ótimo trabalhador, possuía uma elevada sensibilidade e merecia toda confiança. De Soto não poderia dar o mesmo conceito para todos os mecânicos que trabalhavam nas grandes instalações dirigidas por ele.

Nesse setor do supercouraçado, o rugido do kalup era abafado pelo zumbido forte dos conjuntos de máquinas. De Soto informou que, há alguns minutos, a frota penetrara pela segunda vez na zona de libração do semi-espaço.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Laas. — Há várias semanas só ouço falar em manifestações de fadiga do material Às vezes tenho a impressão de que muita gente acredita que os fantasmas andam soltos no espaço intergaláctico.

O siganês admirou-se da excelente capacidade de observação de Laas. Até então não falara com ninguém sobre isso, mas também tinha a impressão de que muita gente sentia uma antipatia instintiva contra o espaço intergaláctico.

Depois de trocarem mais algumas palavras, Menke Laas voltou ao seu posto. Puxou a poltrona e sentou-se à frente dos controles. Oitocentos metros acima de sua cabeça ficava o coração da Teodorico, que era a sala de comando. Naquele momento nem desconfiava de que, dentro em breve, também estaria lá em cima.

Menke Laas era muito jovem para ficar refletindo sobre o acidente que sofrerá. Não havia o risco de qualquer lesão permanente, e era só isso que importava.

Observava atentamente os instrumentos.

O ponteiro do indicador de intensidade do campo magnético tremulou de forma quase imperceptível. Laas teve a impressão de que aquilo era devido ao cansaço de suas pálpebras. Dali a alguns minutos voltou a examinar o ponteiro e compreendeu que o motivo do tremor devia ser outro. Os graus Oersted já não eram estáveis.

— Hum... — resmungou.

Inclinou-se para a frente e fitou prolongadamente o aparelho. Usou um dos traços da escala como ponto de referência. Logo reconheceu que, além de serem instáveis, os graus Oersted caíam lentamente.

Menke Laas estendeu a mão em direção à tecla do alarma. Mas, de repente, deteve-se em meio ao movimento... Empurrou a poltrona articulada para trás, levantou-se e colocou-se diante da parede dos fundos. Esta possuía um revestimento. Eram quatro chapas de aço do mesmo tamanho que cobriam os controles existentes sob a parede. Nela se lia em letras vermelhas a seguinte legenda, escrita em terrano, em intercosmo e em arcônida:

 

Perigo de vida! Antes de retirar o revestimento, coloque a chave da fase principal na posição zero.

 

Menke Laas não deu atenção à advertência. Comprimiu com uma das mãos o mecanismo eletromagnético de travamento de uma das chapas, pegou com a outra, firme, as duas alças que saíram da superfície e, após dar um ligeiro puxão tirou a chapa dos seus suportes, colocando-a no chão ao seu lado.

Viu à sua frente um sistema complicado de controles, que fora aperfeiçoado na Terra com base num modelo arcônida.

— Hum... — voltou a dizer Menke Laas.

Tornou a olhar para os instrumentos. Fitou intensamente o medidor de intensidade do campo magnético e constatou que nesse meio tempo baixara ainda mais.

Laas colocou a poltrona à frente dos controles expostos e passou os olhos pelos mesmos. Por um instante desejou que o inspetor-chefe estivesse ali. De Soto entendia muito mais do assunto que ele. Em sua opinião o motivo primordial da queda de intensidade do campo magnético deveria estar ali mesmo.

Achava-se tão concentrado em suas observações que não ouviu Owen de Soto entrar. O inspetor-chefe estava fazendo sua ronda costumeira. Quando viu Laas sentado diante dos condutores desguarnecidos, por pouco não soltou um grito. Ficou com os olhos vidrados. Procurou em vão o fio que permitiria fazer a ligação-terra do setor exposto. Antes de dar o passo seguinte, hesitou. Quanto mais se aproximava dos controles, maior se tornava o risco de vida. E esse jovem, que acabara de escapar da morte, “brincava”, agora, de suicidar-se.

A posição tensa de Menke Laas deu o que pensar a De Soto. Sem dúvida o mecânico não se teria exposto a tamanho risco se não houvesse um sério motivo. Quando suas reflexões chegaram a este ponto, o siganês começou a combinar os dados. Num movimento instintivo virou a cabeça para os instrumentos. Na distância em que se achava, não podia ver nada. Chegou mais perto. Laas ainda não tomara conhecimento da presença de De Soto. Este passou os olhos pelos instrumentos. De repente viu o ponteiro do indicador de intensidade do campo magnético. O número de Oersteds era surpreendentemente baixo. Foi quando o siganês compreendeu por que Laas havia removido apenas a quarta parte do revestimento. Mas não compreendeu o que o mecânico esperava encontrar nos controles. O fato de que ele mesmo também estava arriscando a vida não o incomodava mais.

— O que houve, Laas? — perguntou em tom de curiosidade.

Menke Laas estremeceu, mas não virou a cabeça.

— São os Oersteds...

— Espera localizar o defeito por aqui? Por quê, Laas?

De Soto colocou-se a seu lado e fitou os complicados controles.

— Que distância já percorremos no espaço intergaláctico, De Soto?

— Que diabo! Antes de mais nada quero saber por que está interessado nisso? — indagou o siganês em tom exaltado.

— Por nada! — disse Laas com a maior tranqüilidade e apontou para um entroncamento de condutores. — Não está vendo a manifestação de fadiga do material... a mudança de coloração, De Soto?

— O senhor está sonhando! — respondeu De Soto em tom grosseiro. — Acho que ainda está sob os efeitos do choque.

— Que distância já percorremos no espaço vazio, De Soto? Será que o senhor pode descobrir? Rápido!

De Soto pegou o interfone, chamou a sala de comando da Teodorico e fez a pergunta.

O rosto de Reginald Bell apareceu na tela. O fato de o pequeno siganês formular a pergunta não o deixou nem um pouco admirado, mas quando ouviu o nome de Menke Laas espantou-se.

— Não é o homem que sofreu um acidente em seu setor pouco antes da decolagem, De Soto?

— Sim senhor.

— E este mesmo homem quer saber que distância já percorremos no espaço vazio? Um momento...

Bell pediu a informação. O interfone transmitiu a pergunta dirigida a um de seus oficiais. Reginald Bell forneceu o número de anos-luz percorridos, mas quis saber por que haviam pedido essa informação. Quando ouviu falar em fadiga do material, interrompeu seu interlocutor em tom áspero.

— Tolice! A Sosata penetrou muito mais profundamente no espaço intergaláctico, e não houve nenhuma manifestação de fadiga do material. Menke Laas deveria estar no hospital, não em seu posto.

Quando voltou a dirigir-se a Laas, o rosto juvenil de De Soto tinha uma expressão zombeteira.

— Ouviu? — perguntou.

O mecânico confirmou com um gesto, mas não disse nada.

O inspetor-chefe ficou nervoso.

— Pare com isso! Coloque o revestimento, seu suicida.

— O senhor também se encontra na área de perigo, De Soto — respondeu o mecânico.

O siganês estremeceu. Recuou apressadamente.

— Quando voltar quero ver esta parede fechada. Entendido, Laas?

De Soto era a autoridade responsável pelo setor. Por ali, uma ordem sua tinha o mesmo peso de uma ordem que Bell desse na sala de comando. Quando fechou a porta, tinha certeza de que Laas estava prestes a recolocar o revestimento dos controles.

Mas Laas continuou sentado na poltrona articulada, totalmente imóvel. A descoloração progressiva do entroncamento deixava-o cada vez mais fascinado. Nunca vira uma coisa dessas. Não sabia se aquilo era o estágio inicial de um processo de alteração do material.

De repente ouviu a voz de Reginald Bell saída do alto-falante. Por certo a suspeita do mecânico deixara-o mais preocupado do que quisera confessar no início.

— Olá, Laas! Algo de novo por aí?

Naquele instante o entroncamento desmanchou-se em pó!

Menke Laas sabia que sua suspeita fora bem fundada. Deu um salto para retirar-se da área de perigo, colocou-se no ângulo de visão da objetiva e permitiu que Bell o visse correr para os instrumentos.

O medidor de intensidade do campo magnético estava na posição zero.

O mecânico virou-se no mesmo instante, olhou para a tela que mostrava a cabeça de Bell em tamanho natural e disse:

— Um instante, sir.

Em movimentos rápidos, mas não apressados, comprimiu alguns botões. O dispositivo automático cuidou do resto. Um conjunto sobressalente passou a exercer as funções do bloco avariado.

— A intensidade do campo magnético voltou ao normal, sir. Está interessado em conhecer o resultado das minhas observações? Vi um entroncamento de condutores desmanchar-se em pó. Não sei explicar como isso pôde acontecer.

Bell interrompeu-o apressadamente.

— Avise seu inspetor-chefe e compareça imediatamente à sala de comando.

E foi assim que Menke Laas se viu na sala de comando da Teodorico, à frente do segundo homem mais poderoso do Império Solar, onde teve de apresentar seu relato a um grupo de homens que ouviam atentamente.

Dali a pouco foi ao seu local de trabalho acompanhado pela tal equipe. Mostrou o lugar onde o condutor se havia desmanchado em pó. Um dos homens recolheu as partículas e retirou-se apressadamente. Laas teve de responder a uma porção de perguntas. De Soto, que se mantinha discretamente em ponto mais afastado, ficou satisfeito ao notar a habilidade com que o mecânico respondia.

Reginald Bell usou o interfone para participar da palestra. Quis ouvir alguma coisa sobre os resultados das investigações. Quando lhe pediram que esperasse um pouco, disse sem rebuços que deviam andar depressa.

Dali a pouco o laboratório transmitiu uma informação. O resultado era desanimador. Tratava-se de manifestação de fadiga do material.

A suspeita de um simples mecânico fora confirmada por um analista. A informação foi transmitida imediatamente a Reginald Bell. Toda a frota foi avisada pelo hipercomunicador. Por algum tempo o silêncio reinou em todas as faixas de hiper-rádio. Mas, depois disso, seis comandantes informaram que em suas naves haviam sido observados os mesmos fenômenos, que resultaram na desintegração de um entroncamento de condutos do circuito do campo magnético.

Bell mandou que os especialistas comparecessem à sala de comando e interpelou-os.

Os homens procuraram esquivar-se às perguntas. Bell não se conformou com isso. Finalmente um cientista disse:

— Sir, encontramo-nos na zona de libração do espaço extragaláctico. Não sabemos se esta zona é igual à do espaço galáctico, ou se representa um território desconhecido.

Bell dispensou os homens. Uma das pessoas que se encontravam a bordo recebeu uma incumbência especial: Menke Laas.

— Preste atenção, Laas — disse Bell pelo interfone. — A única coisa que o senhor terá que fazer, até que voltemos às nossas estrelas, é dirigir-se aos lugares onde há suspeita de ocorrência das manifestações de fadiga do material. Pouco importa que o senhor não entenda nada da parte técnica das respectivas instalações. O senhor tem uma visão toda especial para esse tipo de fenômeno. Nada de objeções. O senhor sabe fazer isso. Não me decepcione. Final.

Era uma atitude típica do gorducho. Sugerira a Laas ser ele o homem capaz de executar a tarefa, e realmente estava convencido de que o técnico daria conta da missão.

Jefe Claudrin parecia menos otimista.

— Não gostaria de estar no couro desse pobre-diabo — disse.

Bell passou a mão pelos cabelos ruivos muito curtos. Aborreceu-se com a desconfiança de Claudrin.

— Espere para ver, Jefe. De resto tudo bem?

— Por enquanto, sim. Acontece que não percorremos nem a quarta parte dos anos-luz que devemos vencer. Se agora as naves já estão estalando, o que não nos esperará quando penetrarmos pela última vez no semi-espaço, nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis? Tenho a impressão de que esta viagem não é nenhum passeio.

— O senhor vem dizer isso logo a mim? — resmungou Bell, mas no mesmo instante mudou de assunto. — Ainda não temos notícias da Gauss?

A Gauss mantinha-se em silêncio.

 

Hal Mentor, comandante da Gauss, e seus tripulantes não tinham mãos a medir nos seus esforços de escapar à desgraça.

E a desgraça assumiu a forma de milhares de gigantescas naves-pingo dos invisíveis.

O setor espacial intergaláctico foi forçado até o limite pelos inúmeros abalos estruturais. Assim sendo, o sistema de rastreamento estrutural da Gauss deixou de funcionar. A nave-rádio procurou fugir para o semi-espaço a fim de escapar às naves dos laurins, que se aproximavam velozmente, vindas de todos os lados. Mas outro grupo gigantesco de naves-pingo saiu do semi-espaço, justamente na direção em que Mentor se afastava com sua nave.

O oficial de artilharia da Gauss atirava com todos os canhões de radiações. A nave não dispunha de muitos armamentos. Por ocasião de sua adaptação, realizada em Árcon III, ninguém contara com a possibilidade de a nave-rádio se ver envolvida numa batalha espacial de grandes proporções.

O oficial de artilharia, que participara da batalha de M-13 do primeiro ao último dia, não perdeu a calma quando seis naves-pingo se aproximaram em grande velocidade. Até teve tempo para cuidar do dispositivo automático de controle de tiro. Depois disso agiu instintivamente. Usou o mesmo procedimento que salvara sua nave da destruição durante a batalha de M-13.

Ajustou as duas torres de canhões polares para o fogo de desintegração, enquanto os canhões menos fortes existentes no interior do envoltório esférico foram regulados para disparos intermitentes de raios térmicos e de impulsos. Essa forma de tiro nunca constituíra objeto de aula na Academia Espacial Solar.

O próprio Hal Mentor pilotava a Gauss. Era de opinião que numa situação praticamente desesperadora como esta, o homem adequado para enfrentá-la seria ele próprio. Mas o quadro oferecido pelo localizador, que tornava visíveis as naves dos laurins, fez com que se esforçasse desesperada-mente para descobrir uma saída. A Gauss estava cercada de todos os lados por grandes grupos de naves dos laurins. Se não estava muito enganado, outras continuavam a sair do hiperespaço...

Mentor usou o interfone para gritar com seu oficial de artilharia:

— Por que não abre fogo?

Medira a distância e constatara que a nave-pingo mais próxima se encontrava a menos de um minuto-luz. E a distância diminuía vertiginosamente, pois as duas naves corriam uma em direção à outra.

O oficial de artilharia compreendeu o raciocínio de Mentor. Queria que tentasse enganar os laurins por meio dos disparos prematuros, levando-os a efetuar uma manobra tática. Provavelmente o comandante esperava ganhar um pouquinho de tempo com isso... o tempo de que precisava para levar a Gauss ao semi-espaço.

— Major, a nave está pronta para abrir fogo. Faça o favor de manter de qualquer maneira a rota em direção ao grupo de seis naves.

— O que pretende...?

Mentor não chegou a completar a frase. Acabara de descobrir uma coisa inacreditável, medonha, no painel com os inúmeros instrumentos. A capacidade energética dos campos defensivos que cercavam a Gauss diminuía rapidamente. Há pouco ainda estivera em noventa por cento e agora, segundo os instrumentos, estava baixando para oitenta por cento. Logo passou por essa marca e aproximou-se ainda mais depressa dos setenta por cento.

Nesse momento, o oficial de artilharia calcou o botão de comando geral dos canhões. De repente um conjunto confuso de feixes de raios térmicos, de desintegração e de impulsos cortou o espaço escuro em cores feéricas e atingiu a primeira nave dos laurins com uma força fulminante.

“A mistura foi correta”, pensou o oficial de artilharia, satisfeito.

No interior da nave, todos os conjuntos energéticos começaram a uivar. O casco da Gauss retumbou que nem um sino rachado. O oficial de artilharia passara o comando para o dispositivo automático. Viu três das cinco naves dos laurins romperem a nuvem alaranjada espalhada em torno do centro da explosão, sem tomar conhecimento da destruição da nave-comando. Numa fração de segundo, a mira automática atingiu mais uma nave-pingo.

Será que também explodiria? Ou teria resistido ao primeiro impacto dos tiros disparados pela nave terrana?

O oficial de artilharia ainda conseguiu ver as cinco naves dos invisíveis abrirem fogo ao mesmo tempo contra a Gauss, enviando seu inferno de radiações de encontro à pequena nave da classe Cidade!

Mas o momento em que as naves abriram fogo coincidiu com aquele em que Mentor moveu o comando que arrastou a Gauss para o semi-espaço, fazendo com que os veículos dos laurins desaparecessem de um instante para outro.

A Gauss prosseguiu velozmente em vôo linear, em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis. Mentor inclinou-se para o microfone, a fim de instruir a equipe de rádio a informar o chefe sobre a aproximação duma gigantesca frota dos laurins. Porém, naquele momento, ouviu o kalup emitir um rugido que ainda não conhecia.

A sala de máquinas chamou.

O kalup não estava funcionando como devia.

Mentor entrou em contato com o engenheiro-chefe.

— Major, temos de sair do semi-espaço, senão o kalup explodirá à nossa frente.

A Gauss corria pela zona de libração, desenvolvendo cento e dez vezes a velocidade da luz. No rastreador de relevo o distante Mundo dos Duzentos Sóis tornava-se cada vez maior e mais nítido.

— Quanto tempo ainda agüenta o kalup? — perguntou Mentor.

A calma que irradiava transmitiu-se aos homens que trabalhavam na sala de máquinas. Ouviu o engenheiro-chefe pigarrear.

— Provavelmente uns cinco ou dez minutos. Mas não garanto nada.

— Isso basta. Daqui a três minutos desligarei o kalup.

O aparelho poupou-lhe esse trabalho. Deixou de funcionar.

A Gauss voltou a penetrar no Universo einsteiniano.

O localizador antifletor entrou em funcionamento. Os contornos projetados na tela logo se estabilizaram.

— Era exatamente o que eu esperava! — resmungou Mentor, em tom mordaz.

As naves dos laurins também se encontravam nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis.

— Caramba! Ainda é muito longe — disse Mentor de si para si.

Não deu atenção ao olhar espantado do co-piloto. Entrou em contato com o comando de tiro.

— Será que pelo menos aí tudo está em ordem?

— Infelizmente não, major. Acredito que fomos atingidos. Não consigo mais a força necessária para meus canhões.

Teve de encerrar a transmissão, pois a sala de máquinas acabara de entrar na linha. As notícias transmitidas pelo engenheiro-chefe também eram alarmantes.

— Major, a Gauss tem um rombo de um metro de largura e pelo menos vinte metros de comprimento. Os comandos preliminares do kalup foram atingidos. E o primeiro estágio do hiper-rádio foi totalmente destruído. Como pôde acontecer uma coisa dessas? Não percebemos o impacto.

Hal Mentor lembrou-se do que observara pouco antes da nave penetrar na zona de libração. Os campos defensivos da Gauss haviam ficado sem energia. As cinco naves dos laurins tinham desfechado o ataque no mesmo instante em que o cruzador foi arrastado para o semi-espaço. A potência dos campos defensivos devia ser pouco inferior a sessenta por cento. Por isso o dispositivo protetor do cruzador da classe Cidade perdera um terço de sua força. Dificilmente poderia resistir a um impacto direto.

Era de admirar que a Gauss ainda existisse e fosse capaz de deslocar-se por meio dos jatos-propulsores. Mentor compreendeu por que nenhuma das pessoas que se encontravam a bordo haviam notado o impacto. Este ocorreu no mesmo instante em que a nave mergulhou na zona de libração. Mentor ordenou uma inspeção geral. — Rápido, minha gente! O primeiro grupo dos laurins já nos localizou e aproxima-se. Todos os defeitos deverão ser informados ao setor de máquinas, ao comando de tiro ou ao rádio. Dali me será fornecido um relatório global. Certo?

O impacto do primeiro estágio do hipercomunicador fizera com que a carreira da nave-rádio Gauss tivesse chegado ao fim. O objetivo de Mentor consistia exclusivamente em chegar quanto antes ao Mundo dos Duzentos Sóis. O fato de ainda se encontrar a dois meses-luz do planeta não o preocupava. Poderia recorrer à técnica antiquada da transição para chegar lá num único salto. Restava saber se os jatos-propulsores ainda estavam em boas condições.

Na sala de comando da Gauss, não se notava o menor sinal da tensão crepitante que reinava na nave. Mentor teve tempo para refletir. Seus oficiais olhavam ininterruptamente para o localizador antifletor, no qual as naves-pingo que se aproximavam cresciam a olhos vistos. Era bem verdade que ainda se encontravam a três horas-luz de distância. Isso deixava os homens um pouco mais tranqüilos. Na opinião dos invisíveis, a pequena nave esférica devia ser uma presa fácil. Provavelmente era este o motivo por que não acharam necessário percorrer as três horas-luz num salto.

— Acho que neste ponto a lógica dos laurins apresenta uma falha — disse um oficial às costas do Major Mentor, dirigindo-se a um colega.

Acabara de cometer um engano.

Apesar dos esforços de três técnicos, os rastreadores estruturais da Gauss ainda não estavam em ordem, motivo por que não foi possível constatar o abalo estrutural ocorrido nas imediações da nave. No entanto, o localizador antifletor funcionava perfeitamente.

Duas naves-pingo corriam velozmente para a Gauss, vindas do nada!

— Os canhões estão em ordem? — perguntou Mentor pelo interfone. — Já está recebendo energia suficiente?

— Por aqui tudo bem!

A resposta foi tranqüilizadora.

Mentor não deu muita atenção à mesma. A observação que acabara de fazer era mais importante. Mais uma vez assistia a um fenômeno temível: a energia dos campos defensivos diminuía assustadoramente.

Será que os invisíveis haviam descoberto uma nova arma voltada em primeira linha contra os campos relativistas das naves fragmentárias, mas que não se revelava menos eficiente na luta contra as naves terranas?

O homem sentado diante dos controles, na sala de máquinas, chamou.

— Major, há algo de errado com nossos campos defensivos?

Mentor não sabia o que responder. Não tinha explicação para a queda da energia.

A Gauss começou a disparar um instante depois da primeira nave-pingo. O campo defensivo debilitado da nave-rádio foi atingido de raspão e esfacelou-se. O veículo dos laurins não teve tempo de disparar de novo. O fogo concentrado da nave terrana transformou-o num pequeno sol ofuscante.

Mentor modificou abruptamente a rota da Gauss. Os jatos-propulsores foram solicitados ao máximo e uivaram fortemente. A velocidade da nave era de 0,45% da velocidade da luz. Seria muito perigoso entrar em transição numa velocidade tão baixa. Poderia haver lesões orgânicas.

A Gauss afastou-se pela coordenada verde. Deixou que o distante Mundo dos Duzentos Sóis desaparecesse embaixo dela e acelerou ininterruptamente. O ponteiro do velocímetro foi subindo lentamente pela escala. Naquele momento estava passando pela marca correspondente à metade da velocidade da luz. Mas a segunda nave dos laurins era mais rápida que a Gauss. Aproximava-se pela rota de colisão.

Assim que foram ativados, os campos defensivos da nave-rádio perderam a energia.

— Que arma infernal será esta? — perguntou Hal Mentor e calcou a tecla de transição.

A Gauss desapareceu num vôo realizado em tempo zero, para rematerializar-se nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis. Não havia ninguém a bordo que não gemesse sob o efeito do choque de transição e esfregasse a nuca dolorida. Em todos os lugares os homens praguejaram contra a técnica antiquada. Mentor não teve tempo para controlar seu estado físico.

Oito naves-pingo do tipo mais pesado aproximaram-se da Gauss!...

O anel solar semelhante ao de Saturno estava bem à frente da nave. Um grupo ainda mais numeroso de naves dos laurins aproximou-se, passando entre dois sóis artificiais. Ao ver nos instrumentos que os campos defensivos da Gauss já haviam deixado de existir, Hal Mentor nem chegou a estremecer.

Nestas condições a espaçonave era apenas uma esfera metálica fácil de ser destruída. Fatalmente haveria de desintegrar-se com o primeiro impacto.

Mentor deu ordem para abandonar a nave.

Ainda se encontravam a 247 mil quilômetros do Mundo dos Duzentos Sóis.

Naquele momento a nave sofreu o primeiro impacto. As instalações da protuberância equatorial foram esfaceladas. Os tripulantes que se encontravam na sala de rádio saíram correndo. Mentor esperou que o último homem saísse da sala de comando. Não acreditava que ainda conseguisse chegar a um dos planadores espaciais.

Mais um impacto retumbou pela nave. Quando o ribombo cessou, já não se ouviram os zumbidos vindos da sala de máquinas. Mas parte do sistema de suprimento energético interno ainda estava funcionando. O poço principal do elevador antigravitacional se achava em condições de ser usado. Mentor foi o último a descer por ele em direção ao hangar em que estavam guardados os planadores espaciais.

Correu pelo convés, entrou no hangar e viu um oficial que se encontrava junto ao interfone e realizava um controle sobre os tripulantes que se achavam presentes. O interfone permaneceu em silêncio.

— Major, faltam setenta e três homens.

— Vamos abandonar a nave! — respondeu Mentor.

— Repetirei a chamada.

Não teve tempo para isso. Algumas das naves dos laurins que se aproximavam já haviam regulado os canhões para a Gauss. Só por milagre o hangar dos planadores espaciais ainda não fora atingido.

A nave estalava em todos os cantos.

Finalmente a Gauss partiu-se em vários pedaços. A escotilha externa do hangar de planadores espaciais não abria mais.

— Atenção, ocupantes do primeiro planador! Saiam e abram a eclusa por meio dos controles manuais! — berrou Mentor pelo rádio de capacete.

Era a única chance de escapar.

Os homens que se encontravam no primeiro planador não haviam perdido o sangue-frio. Correram para fora do barco de salvamento como se estivessem realizando um treino, foram até a eclusa, acionaram o dispositivo mecânico e começaram a abrir a gigantesca escotilha de duas partes centímetro por centímetro.

O anel de Saturno do Mundo dos Duzentos Sóis brilhava nas profundezas, iluminando o hangar.

A Gauss estava ardendo. O alerta de radiações dos trajes espaciais deu o sinal. A desintegração atômica se iniciava no interior da nave. Os destroços poderiam explodir a qualquer momento.

Os homens que procuravam abrir as duas metades da eclusa lutavam pela vida. Mentor, que os contemplava de junto do interfone, sabia que estavam fazendo o possível. Não havia motivo para dar-lhes ordens.

A Gauss girava cada vez mais depressa.

De repente pareceu cair de lado. A nave abriu-se acima das cabeças dos homens, sob um ribombo contínuo provocado pela explosão. Mentor teve poucas esperanças de que alguém conseguiria sair vivo dali.

Finalmente os ocupantes do primeiro planador abriram a eclusa o suficiente para que os pequenos aparelhos espaciais pudessem atravessá-la.

O planador número um logo o conseguiu. Os outros barcos seguiram-no de perto. Três barcos de salvamento deixaram de ser usados.

Havia setenta e três mortos a bordo da Gauss.

Ao equipar o destacamento especial da frota, a Administração do Império Solar não fizera questão dos dez milhões de solares gastos. Também para os planadores espaciais levados pelas naves só servia o melhor.

“Conseguiremos passar”, pensou Hal Mentor depois de cinco minutos, quando a Gauss já havia deixado de existir.

A pequena tela mostrava os outros planadores passando pelas fileiras de naves dos laurins numa série de manobras arrojadas. Os barcos de salvamento eram muito mais lentos que as naves dos invisíveis, mas compensavam a lentidão por meio da extraordinária agilidade. Os laurins que se encontravam atrás das miras óticas já deviam estar assustados, pois não conseguiam atingir os minúsculos objetos com os raios disparados por suas armas. Quando chegavam a disparar, o lugar em que antes estivera um barco espacial se achava vazio, pois a pequena embarcação já havia mudado de rota.

Mentor fez passar seu planador perigosamente perto de um dos duzentos sóis artificiais. Sabia que estava assumindo um risco, mas calculava que as fortes radiações do sol artificial não deixariam de provocar pequenos desvios nas medições telemétricas dos laurins. Ele e seus homens já haviam colocado todos os filtros, contudo a intensidade da luz ofuscante era tamanha que esses dispositivos mal conseguiam absorvê-la.

O propulsor, solicitado ao máximo de sua potência, uivava. Mentor descobriu uma nave-pingo que estava seguindo seu planador.

— Se não fossem os localizadores anti-fletores, os laurins já nos teriam derrubado — disse com um leve triunfo na voz.

Voltou a seguir em direção ao espaço vazio, porém conservou a rota apenas por alguns segundos. Viu a nave dos laurins descrever uma curva gigantesca, girou rapidamente o planador e colocou-o de cabeça para baixo, a fim de disparar em direção ao planeta, auxiliado pela gravidade.

— Major, somos os últimos! — gritou um homem.

Apontou para uma série de pontinhos reluzentes, que já se encontravam perto da superfície do Mundo dos Duzentos Sóis.

 

— A hiperimpotrônica é um monstro! — disse Atlan, em tom exaltado.

— É verdade — respondeu Rhodan com uma calma que despertou a atenção do arcônida. — Se não conseguirmos submetê-la ao controle do plasma, farei o centro de computação voar pelos ares.

Atlan inclinou ligeiramente o corpo.

— Perry, permite que lhe pergunte por que tomou essa decisão justamente agora?

Um brilho irônico surgiu nos olhos cinzentos de Rhodan.

— Procure você mesmo a resposta a essa pergunta, almirante.

Os dois entendiam-se muito bem.

— Quer dizer que você também já descobriu que a hiperimpotrônica se aliou às frotas dos laurins. Infelizmente não consigo ver nenhuma lógica nessa decisão.

— Nem eu. Talvez não tenhamos captado algumas das mensagens trocadas entre os invisíveis e o cérebro. Talvez a hiperimpotrônica seja de opinião que o aparecimento dos laurins reforça seu poder. Por que acha que o centro de computação está agindo de comum acordo com os invisíveis?

— É por causa do silêncio dos fortes planetários. Nenhuma posição de canhões de radiações entrou em atividade. Até parece que as naves-pingo não existem.

— Raciocinei pela mesma forma. Para . o centro de computação os invisíveis não são inimigos.

— Em compensação nós somos! Quando penso no grupo de Moders, sinto um frio na espinha.

Rhodan resolveu informar o arcônida sobre o que o telepata Marshall lhe comunicara há trinta minutos sobre o grupo de Moders.

— Estão todos bem, mas ficaram presos. Enquanto Ras Tschubai não aparecer para pedir auxílio, não vejo nenhum motivo para enviar um comando de busca.

— Conseguiram alguma coisa? — perguntou o arcônida.

— Não conseguiram nada. Tiveram de largar o equipamento para salvar a vida. Isso significa que não temos outra alternativa senão recorrer aos willys. Se eles não nos servirem de guia, ficaremos até o dia do juízo final naquele labirinto subterrâneo, à procura do controle que garantirá a predominância do centro de plasma.

— Sejamos francos, bárbaro. Fomos nós que demos causa a isso por termos eliminado a programação do ódio. Foi só depois disso que se verificou a oscilação na intensidade do engaste.

— Vejo que você endossa a suposição de Moders, arcônida. Minha opinião é outra, mas infelizmente não posso prová-la. Não acredito que você e eu tenhamos dado origem a tudo isso. A causa deve ser outra; é uma coisa de que nenhum humano se lembraria, uma coisa que talvez seja inconcebível para nós.

— Quer dizer que você ainda deposita suas esperanças no centro de plasma que está praticamente inativo?

— Não acha que é exatamente o que devo fazer? Se não pudermos contar com o auxílio do plasma, então estaremos liquidados no Mundo dos Duzentos Sóis. A frota de Bell ainda levará alguns dias para chegar aqui. Até lá as naves dos laurins terão transformado o Mundo dos Duzentos Sóis num inferno chamejante. Mas há uma coisa que não compreendo. Por enquanto as naves-pingo não dispararam nenhum raio de destruição contra o planeta. Não acha isso estranho?

Atlan soltou uma risada amarga. — Estranho para cá, estranho para lá. Já desisti de compreender qualquer coisa dos laurins. Acho...

Um tremendo solavanco sacudiu a superfície do Mundo dos Duzentos Sóis. A X-l balançou. Suas colunas telescópicas de apoio estenderam-se e encolheram-se. Os copos que se encontravam sobre a mesa, à frente de Rhodan e Atlan, caíram ao chão.

A segunda onda de abalo não demorou. Foi ainda mais forte. Por pouco os dois homens não caíram das poltronas. O solavanco foi acompanhado de um indescritível rugido subterrâneo.

Os dois homens entreolharam-se, perplexos. A X-l desceu num movimento elástico, mas o sistema de colunas telescópicas de apoio logo a recolocou na posição anterior. O alarma não soou no interior da nave. Os interfones permaneceram mudos. Seria um tremor de terra? Acontece que os estudiosos haviam informado que a estrutura geológica do Mundo dos Duzentos Sóis praticamente não apresentava tensões.

— Sir — disse um oficial da sala de comando da X-l. — Poderia fazer o favor de comparecer até aqui? Não compreendemos o que está acontecendo lá em cima...

— Lá em cima?... — perguntou Rhodan. Levantou-se tão rapidamente que, quando Atlan começou a erguer-se para segui-lo, já estava fora da cabine.

Encontrou Rhodan diante da tela panorâmica, cuja ampliação estava regulada para o máximo. Todos os filtros disponíveis haviam sido sobrepostos ao aparelho. Os processadores magnéticos uivavam fortemente, o que provava que tinham de lidar com irrupções luminosas extremamente intensas.

Atlan olhou por cima do ombro do terrano. Quase no mesmo instante recuou, apavorado.

— Malditos laurins! — gritou.

Rhodan virou lentamente a cabeça. Fez um gesto para Atlan.

— Provavelmente eles nunca teriam tido essa idéia. Mas agora já sabemos o que pretendem fazer aqui. — Respirava pesadamente. — Como estão as coisas lá fora?

Um oficial modificou o enfoque da tela panorâmica.

Não se via mais o menor sinal das oitenta bolhas metálicas. Tempestades violentas rugiam em rajadas, tangendo grossas nuvens de pó. A luz dos numerosos sóis artificiais não conseguia rompê-las. Árvores e arbustos arrancados apareceram por alguns segundos, enquanto subiam e desciam em meio ao furacão. A X-l era o único objeto que não podia ser atingido pela tormenta, cujas forças esbarravam nos campos defensivos da nave.

— Obrigado — disse Rhodan.

A porta que dava para a sala de rádio abriu-se violentamente.

— Chefe — disse um tenente. — O Major Hal Mentor acaba de informar que a Gauss foi destruída. Houve setenta e três mortos. Pretende esperar até que o furacão diminua um pouco para apresentar-se aqui o mais depressa possível. Ainda aludiu a uma nova arma dos invisíveis.

Todos os homens da sala de comando esperaram que Rhodan formulasse algumas perguntas ligadas às informações que acabavam de ser transmitidas. Mas tiveram uma decepção. O administrador limitou-se a fitar o comandante da X-l e disse:

— Coloque a nave em estado de prontidão e chame de volta todos os jatos espaciais. Quero que esta ordem seja cumprida em quinze minutos.

Quando Rhodan e Atlan já se encontravam no convés, a caminho de sua cabina, o segundo disse:

— Será que às vezes você não exige demais dos seus homens, bárbaro?

Rhodan preferiu ficar calado.

Quando entraram na cabina, Ras Tschubai levantou-se da poltrona. O afro-terrano estava radiante.

— Chefe, daqui a pouco Moders e os homens de seu grupo estarão novamente a bordo da X-l.

Rhodan teve de raciocinar instantaneamente.

— Um momento, Ras! Quando foi que a situação se modificou no interior da hiperimpotrônica? Depois do tremor de terra?

— Houve um tremor de terra, chefe? Quando? — perguntou o teleportador, em tom de espanto.

Atlan fez que sim.

— As instalações do centro de computação estão muito bem protegidas contra abalos. Os seres de Mecânica eram excelentes construtores. Já não me admiro com mais nada do que exista por aqui.

Rhodan informou Ras Tschubai sobre o forte tremor de terra e explicou suas causas.

O rosto do africano assumiu uma tonalidade cinzenta. Apoiou-se no encosto da poltrona.

— O que, chefe? Os laurins estão destruindo os sóis artificiais?

— É o que estão fazendo. Já conseguiram destruir um deles. Se os invisíveis destruírem todos os sóis artificiais, roubarão a vida do centro de plasma. Para subsistir, precisa de luz e de temperaturas razoáveis. A falta de luz e de calor o matará mais depressa que a privação de oxigênio. O centro de computação deve ter percebido as intenções dos laurins muito antes de nós. Por enquanto não deu ordem a qualquer um dos fortes espaciais para que disparasse contra uma nave-pingo. Se os dados do Major Mentor forem corretos, devemos contar com a presença de três a quatro mil naves dos laurins sobre o Mundo dos Duzentos Sóis. Ras, teleporte-se imediatamente de volta para o grupo de Moders e traga os homens para a nave. Moders deverá vir em primeiro lugar, pois quero fazer-lhe algumas perguntas.

Ras desapareceu imediatamente. Atlan pigarreou.

— Será que minha presença é necessária, bárbaro?

O arcônida confessara francamente que o robólogo não era seu amigo. Simpatizava com ele como homem. Mas, como cientista, ele o assustava um pouco.

O brilho irônico voltou a surgir nos olhos de Rhodan.

— Desde quando posso dar ordem ao imperador de Árcon, majestade?

Quando estavam a sós, usavam exclusivamente a língua terrana. De início Atlan parecia perplexo, mas depois mostrou-se aborrecido. Finalmente disse em tom amargurado:

— Acho que nunca existiu um arcônida que se aborrecesse tanto de brincar de imperador como eu. Se você voltar a me chamar de majestade, nós nos separaremos. Mas está bem... Enquanto você conversar com seu “pavor ideológico”, ficarei aqui.

— Não quero obrigá-lo, almirante... Atlan interrompeu-o.

— É claro que não, bárbaro. Você nunca força ninguém a fazer qualquer coisa. Acontece que seus desejos quase chegam a ser ordens. Bem, já estou preparado para ouvir o que Moders tem a dizer.

 

Uma das pessoas que se encontravam a bordo da Teodorico ameaçava sucumbir sob o peso da responsabilidade que lhe fora atribuída. Era o mecânico Menke Laas.

Reginald Bell supunha nele uma capacidade que esse homem não possuía.

Laas sentia-se como uma criança de três anos perdida nas ruas de uma metrópole. Afinal, o fato de ter notado a desintegração do cruzamento de condutores resultará de um simples acaso. Naquele momento estava passando pela gigantesca sala dos conversores, onde se ouvia um terrível borbulhar.

“Vamos sair o quanto antes”, pensou Laas e apressou o passo.

Um homem dobrou a esquina do corredor e desviou-se no último instante. Laas estremeceu.

— O senhor não é o novato? O “farejador”? É claro que sim... — disse o homem.

Já lhe haviam dado um apelido. Mas não gostou de ser chamado de “farejador”.

— Venha comigo. É bom que conheça isso.

Laas sentiu-se agarrado pelo braço e arrastado para junto de dois conjuntos gigantescos.

Seu acompanhante desconhecido parou.

— Olhe.

— O que é isso? — perguntou Laas, perplexo.

— Um acelerador de partículas — respondeu seu interlocutor prontamente. — Mas será que isso ainda é normal?

Se naquele momento conseguisse distinguir o normal do anormal, Laas seria o homem mais feliz a bordo da Teodorico.

— Parece que sim.

Afinal, tinha que dizer alguma coisa. Agachou-se, para dissimular a ignorância. Tirou a chave de fenda isolada que trazia e pôs-se a raspar a superfície metálica que o outro lhe mostrava. Nem notou que seu acompanhante o deixara só...

O mecânico Laas sempre tivera um interesse todo especial pela Metalurgia. Foi justamente por causa de seus conhecimentos nessa área que resolveram transferi-lo para a Teodorico. Espantou-se ao constatar que o metal podia ser cortado pelo fio de sua chave de fenda de tensão.

Os pensamentos começaram a atropelar-se em sua mente. Bateu com o dedo no metal. O som era normal. Mas, quando chegou mais perto de um certo ponto, o tom tornou-se estranho.

— Quem dera que esse som borbulhante parasse — disse à meia voz.

De repente teve a impressão de estar só. Virou a cabeça.

Seu companheiro desaparecera.

Qual era mesmo o nome do aparelho à frente do qual estava ajoelhado? Acelerador de partículas? O conjunto media mais de dez metros de aresta. O tamanho parecia irradiar uma ameaça. Antes que Laas compreendesse o que estava fazendo, saiu correndo. Atrás dele a escotilha controlada por um comando positrônico fechou-se ruidosamente. Encontrava-se numa sala de controle. Viu à sua frente o desconhecido, que o deixara só.

— Pronto — disse o estranho. — A terceira etapa já...

Naquele momento houve uma explosão na sala dos conversores. O alarma uivou em todos os recantos da gigantesca Teodorico. Uma fileira de luzes vermelhas acendeu-se na sala de comando. O homem que Laas não conhecia calcou vários contatos.

— Mova a chave que está à sua esquerda! — berrou o homem para Laas.

Falha do Mecanismo Positrônico, estava escrito em letras luminosas sobre a chave.

Uma vez acionada a mesma, o texto se modificou para Unidade Positrônica de Emergência.

O alarma continuava a uivar.

— O que houve? — indagou Laas, confuso.

— Você ainda pergunta?! — admirou-se o homem em meio ao alarma. — O acelerador de partículas foi pelos ares. Cara, seu faro foi ótimo.

Menke Laas não pôde evitar a desgraça. O homem que era o encarregado da sala de conversores falou com a sala de comando. Mencionava constantemente o nome de Menke Laas. Seu relato culminou numa frase final:

— Infelizmente o mecânico Laas não conseguiu desligar o acelerador. Escapou à explosão no último instante.

Laas teve vontade de esganar aquele sujeito. Só agora compreendeu que ele o deixara entregue a um certo destino... Recriminou-o seriamente por isso. Mas o outro não teve tempo para ouvi-lo.

Os robôs entraram em ação. Os passos retumbantes dos seres mecânicos soaram no corredor.

— Temos de sair daqui — disse o companheiro de Laas. — Senão seremos assados pelas radiações.

Acompanhou-o. Espremeram-se junto a um comando de robôs, que se mantinha à espera junto à escotilha atrás da qual ficava a sala dos conversores. Entraram numa grande sala de controle, em cujo interior oito homens observavam os instrumentos. Quando a porta maciça fechou-se atrás deles, viram-se em segurança. No mesmo instante, a grande escotilha da sala dos conversores abriu-se diante dos robôs, e o comando positrônico de reparos penetrou na área devastada.

Na sala de comando do supergigante a explosão praticamente não provocara nenhum alvoroço. Os especialistas já haviam previsto a ocorrência de falhas misteriosas das máquinas, à medida que a frota penetrasse no espaço intergaláctico.

— Gostaria de saber uma coisa — disse Reginald Bell, dirigindo-se a Jefe Claudrin. — Por que isso não aconteceu antes? Quando nossas naves viajaram para Frago nunca ocorreram panes...

O epsalense esfregou o queixo.

— Acontece que Frago não fica muito longe do ponto mais próximo da Galáxia. É bem verdade que a distância de M-13 é grande. Por ocasião do último controle tive um pouco de tempo e marquei a rota da Sosata. A mesma também não havia penetrado tão profundamente no espaço intergaláctico como nós.

Jefe Claudrin não conseguiu prosseguir. A frota chamou por todas as ondas de hiper-rádio disponíveis.

— Deste jeito ficarei com os cabelos brancos — disse Bell com um gemido, quando as notícias sobre avarias pareciam não terminar.

Três cruzadores de cem metros tiveram de ser abandonados, por falta do dispositivo positrônico, que era o coração de qualquer espaçonave. Bell não perdeu tempo.

— As tripulações passarão para as unidades mais próximas. Antes de abandonar as naves, coloquem cargas explosivas. A freqüência do detonador será avisada à Teodorico. Avisem assim que a ordem tenha sido cumprida.

— É uma pena que tenhamos de perder essas lindas naves — disse Claudrin.

— Também acho, mas prefiro que sejam destruídas a vê-las cair nas mãos dos laurins. Como estamos de peças sobressalentes?

Claudrin fez um gesto de pouco-caso.

— Por enquanto tudo bem. Resta ver como estarão as coisas quando chegarmos ao Mundo dos Duzentos Sóis.

Bell preferiu não responder. Levantou-se, atravessou a sala de comando e dirigiu-se à sala de rádio. Queria obter as informações de primeira mão. O que mais o interessava era entrar em contato com a Gauss. Queria tentar pessoalmente.

Ao examinar a pilha de folhas de plástico, deu-se conta de que as falhas de peças de máquinas nas diversas naves eram muito mais extensas do que haviam previsto os especialistas mais pessimistas.

Quando a Teodorico usou a potência máxima de seus transmissores para expedir sua mensagem destinada à Gauss em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis, Bell ainda estava trabalhando.

O hiper-rádio permaneceu em silêncio.

— Vamos repetir. Chame ininterruptamente nos próximos trinta minutos — ordenou Bell.

Acontece que a Gauss se manteve em silêncio.

Quando voltou a sentar-se ao lado de Jefe Claudrin, falou com o epsalense sobre aquilo que o preocupava.

— Desconfio de que a Gauss não exista mais, Claudrin.

— Será que foram os laurins?

— Quem poderia ter sido se não eles? De repente lembrou-se do mecânico.

— É uma pena — disse com a voz triste — que Laas não tenha tido tempo para desligar o acelerador. Já notou que esse homem “fareja” as manifestações de desintegração do material?

Claudrin encarava o caso sob um ângulo mais realista que Bell.

— Mister Bell, será que o senhor não está atribuindo uma importância excessiva à capacidade desse mecânico?

Mas Bell tinha certeza do que estava dizendo. Ao responder, ergueu instintivamente o corpo.

— Aposto que, em cada etapa, Menke Laas descobrirá conjuntos mecânicos prestes a entrarem em pane.

— É apenas um homem nesta caixa gigantesca... — disse Jefe Claudrin, que não pensava como Bell. — Sugiro que o mecânico volte ao setor do siganês. Não notou que Laas não se sentiu nada bem quando o senhor lhe confiou a tarefa especial?

— Pois ele continuará a desempenhar essa tarefa especial! — disse Bell, em tom resoluto.

Depois disso não teve mais tempo para pensar no caso.

Os controles de cada nave consumiam o triplo do tempo normal. Bell parecia estar de pé sobre brasas, pois a mensagem de Rhodan parecia espicaçá-lo para que chegasse o quanto antes ao Mundo dos Duzentos Sóis. Apesar disso não estava disposto a prosseguir imediatamente na viagem, sem dar a devida atenção às perdas sofridas.

De um momento para o outro, Gucky atravessou-se em seu caminho. O pequeno penetrara nos pensamentos de Bell e percebera o estado de ânimo do gorducho. Gucky teve bastante inteligência para não dizer uma única palavra. Dava vazão às suas faculdades telepáticas por puro tédio. Mas, fossem quais fossem os pensamentos que lia, infringindo uma proibição, todos eles giravam em torno dos perigos do espaço vazio.

De repente estacou. Por acaso encontrara a freqüência mental de Menke. Um sorriso malicioso apareceu no rosto de Gucky. E o que o teórico pensava dizia respeito ao gorducho, que confiava tanto em sua descoberta e achava que Menke Laas era um gênio.

“Ora essa!”, pensou o rato-castor. “Vou debochar dele na frente de Perry.”

Mas logo resolveu outra coisa.

Esse mecânico não era um homem igual a qualquer outro. Será que chegava a ser um mutante num campo até então desconhecido?

“Não”, pensou Gucky. “Laas não é um mutante, mas apenas um pobre-diabo ao qual foi confiada uma tarefa de que nunca conseguirá desincumbir-se. Sabe disso, e também sabe que o gorducho o julga capaz de coisas muito especiais. Laas quase fica doente com isso. Santo Deus! Mas... o que foi que ele descobriu?”

Gucky, que até então estivera confortavelmente deitado em seu sofá, ergueu-se abruptamente. Irradiou suas paraenergias com a intensidade máxima. No mesmo instante teleportou-se para junto de Menke Laas, e segurou-o. O técnico sentia-se incapaz de dar um passo, pois via a morte diante dos olhos. Então Gucky, com mais um salto, teleportou-se a um lugar seguro, levando o mecânico.

Atrás dele o comando automático de um banco de energia entrou em pane. Toda a energia foi liberada de um instante para outro.

Gucky saltou com Menke Laas para a sala de comando. Bell ouviu a pequena criatura piar nervosamente:

— Se neste momento este homem estivesse morto, o culpado seria você, Bell. Menke Laas não é nenhum “farejador” de panes. É um pobre-diabo do qual você exigiu demais quando lhe confiou aquela tarefa.

Reginald Bell enfrentou o ataque violento do rato-castor com uma pergunta:

— Como foi que Laas notou que o comando de um banco energético estava prestes a entrar em pane e ainda conseguiu avisar-nos? Será que também foi por simples acaso, seu superinteligente? Não acontecem tantos acasos em seguida. Então?

Gucky estava com vontade de arrancar os braços, porque não sabia o que dizer diante das perguntas de Bell. Concordava com o gorducho de que tantos acasos não aconteciam em seguida. Fitou o mecânico, que estava parado sem dizer uma palavra.

O que havia de especial nesse homem? Gucky não conseguiu descobrir. Bell não deu maior atenção a Laas. As novas avarias que acabavam de ocorrer na Teodorico exigiriam pelo menos duas horas de trabalho para serem reparadas, e isso representava um atraso igual na decolagem para a próxima etapa do vôo.

Reginald Bell disse, em voz preocupada, dirigindo-se a Jefe Claudrin:

— Se os acidentes continuarem a ocorrer na mesma proporção, levaremos vários dias para chegar ao Mundo dos Duzentos Sóis. Quem dera que ao menos a Gauss respondesse às nossas mensagens!

 

O Major Mentor entrou juntamente com Van Moders na cabina de Perry Rhodan. Apesar do furacão, conseguira chegar à X-l com seu planador espacial.

Moders apresentou seu relato, e depois dele o comandante da antiga nave Gauss. Os dois já sabiam que os laurins haviam começado a destruir os duzentos sóis artificiais.

Moders, o “pavor ideológico”, teve mais uma idéia. Começou a desconfiar por que o cérebro hiperimpotrônico de repente não oferecera mais nenhuma resistência em seu interior e não mobilizou nenhuma máquina de guerra contra eles, para cortar-lhes a retirada para a superfície.

A idéia de Moders foi expressa numa pergunta. Quis saber a hora exata em que os laurins haviam começado a destruir os sóis artificiais.

Devia haver alguma espécie de entendimento entre os laurins e a hiperimpotrônica. Quando Rhodan lhe forneceu a hora exata em que o primeiro sol artificial fora destruído, Moders ficou com o rosto zangado.

— No mesmo instante, o cérebro tornou-se pacato, chefe — disse. — É um monstro frio e calculista. Deve ter percebido muito bem o que devemos esperar dos laurins. No momento vê nos laurins um aliado que o ajudará a destruir o plasma celular que tanto o tem incomodado. Nós seremos liquidados juntamente com ele. Por que a hiperimpotrônica haveria de esforçar-se para destruir-nos por meio das máquinas de guerra que obedecem exclusivamente a ela? Um monstro hiperimpotrônico não sabe o que vem a ser aquilo que nós chamamos de tempo.

— Muito bem pensado, Moders — disse Rhodan, em tom de elogio. — Sou da mesma opinião que o senhor. Mas, daqui em diante, devemos pensar e agir em conjunto. Nossos telepatas acham-se próximos ao esgotamento psíquico. Dificilmente estarão em condições de usar suas energias mentais para reforçar os impulsos extremamente débeis do centro de plasma. Dentro de uma hora terei de pôr fim à sua atuação. Assim que eu der ordem para isso, Tschubai e Kakuta saltarão com uma superbomba arcônida para o centro da hiperimpotrônica. Ainda não posso dizer quando detonarei a bomba... O senhor esteve a ponto de interromper-me, Moders. O que tem a dizer?

— Chefe, não estou gostando de seu plano com a bomba.

— Nem eu — respondeu Rhodan. — Uma bomba como um meio para atingir certo fim nunca foi do meu gosto, mas para nossa Galáxia a sobrevivência do centro de plasma é mil vezes mais importante que a existência da hiperimpotrônica, que fará tudo que estiver ao seu alcance para subjugar-nos. Moders, não devemos pensar exclusivamente nos terranos. Assumimos a tarefa de proteger a vida de todos os outros povos da Via Láctea, inclusive a do centro de plasma, que guarda certa relação com essa vida. Tem mais alguma coisa a dizer?

— Está bem. Vamos manter o plano que prevê a utilização da bomba, chefe, mas peço-lhe que me dê tempo para descobrir o motivo dessas oscilações na intensidade do engaste. Sempre chego automaticamente à conclusão de que as mesmas têm uma relação causal com a destruição da programação do ódio. Nunca mais conseguiremos encontrar o lugar em que o senhor e mister Atlan estiveram. Agora a hiperimpotrônica resolveu tomar cuidado. Gostaria de saber o seguinte: qual é a relação entre a programação do ódio e o engaste hipertóictico, que é o elemento de ligação entre a biossubstância e a hiperimpotrônica? Talvez seja tolo demais para dar resposta a esta pergunta.

Moders pôs-se a refletir. Rhodan fez um sinal para Atlan e Mentor para que não dissessem nada, a fim de não perturbar as reflexões do jovem e genial robólogo. Van Moders sabia pensar em termos positrônicos e até mesmo hiperimpotrônicos. Naquele momento seu cérebro transformou-se num elemento hiperimpotrônico. Era um nada em comparação com o cérebro cujas instalações chegavam a dois mil metros de profundidade, mas em muitos pontos podia equilibrar-se com ele. A capacidade de Moders tinha bases naturais, enquanto a hiperimpotrônica representava uma obra de arte dos seres de Mecânica, que já pertenciam ao passado. Fora equipado com o saber dos mesmos, mas também carregava seus erros.

Durante a pausa, Mentor lembrou-se do que acontecera com os campos defensivos da Gauss quando as naves-pingo atacaram-na.

— Não consigo descobrir! — disse Moders, com um gemido. — Que tipo de relação pode existir entre a programação do ódio e as oscilações na intensidade do engaste?

O robólogo parecia perplexo.

Mais um tremor de terra sacudiu o planeta do centro de plasma. Quando a sala de comando da X-l anunciou que os laurins acabavam de destruir o segundo sol artificial, ninguém se surpreendeu. A X-l balançava sobre as colunas de apoio elásticas que nem um navio em mar agitado.

— Se os laurins continuarem a destruir os sóis na mesma velocidade, levarão menos de uma semana para dar cabo de todos os duzentos — disse Atlan, em tom contrariado.

— Devemos usar os jatos espaciais e a X-l para dificultar o trabalho dos invisíveis...

— Acho que isso não é possível — interrompeu Mentor.

E diante do olhar indagador de Rhodan apresentou seu relato.

— Isso representa uma surpresa nada agradável — constatou Rhodan. Voltou a olhar para o robólogo. — Ouviu, Moders? Vejo-me obrigado a entregar o coringa novamente ao senhor. Descubra a causa da oscilação na intensidade do engaste. Verifique por que os impulsos do plasma guardado nas oitenta bolhas metálicas ficaram tão débeis. Conte com a possibilidade de a frota de mister Bell chegar hoje ou amanhã. Se não encontrar a solução do enigma nos próximos dois ou três dias, Bell não encontrará um terrano vivo por aqui.

Moders sorriu.

— Isso não é comigo, chefe. Permite que me retire?

— O que pretende fazer, Moders?

— O que poderia fazer, chefe? Refletir! Quero voltar a ser aquilo que dizem de mim: o “pavor ideológico”. Será que Ras Tschubai poderia teleportar-me para o núcleo do centro de plasma?

Rhodan fez que sim.

Van Moders retirou-se.

O comandante da X-l chamou. A nave e os trinta jatos espaciais estavam prontos para decolar. Além do veículo de Brazo Alkher, Rhodan pediu mais dois jatos espaciais para sua missão. Os outros caças continuariam a sobrevoar o centro de plasma para protegê-lo, até que recebessem novas ordens.

— E a bomba destinada ao cérebro? — lembrou Atlan.

Com essas palavras deixou claro que nunca seria amigo da hiperimpotrônica. Tinha uma repugnância muito enraizada contra um poder de comando tão gigantesco. O enorme centro de computação de Árcon III, que governara o Império durante alguns decênios, causara muitas preocupações a ele e a Rhodan. Quando foi destruído, sentiram-se aliviados.

E a hiperimpotrônica era um monstro ainda mais gigantesco que o centro de computação de Árcon III.

Há algum tempo as informações do centro de plasma haviam proporcionado a Rhodan e Atlan uma boa visão de conjunto do cérebro. Fora construído pelos seres de Mecânica, de forma a dividir-se em oito partes autônomas. Cada uma dessas partes era protegida por campos defensivos, mas era provável que estes só reagissem aos laurins. Mesmo que um dos setores fosse totalmente destruído, isso não afetaria o setor vizinho. Apesar disso, o cérebro tinha seu ponto nevrálgico, que consistia na técnica da hiperimpotrônica.

Os oito setores eram independentes, mas transmitiam sinais de controle a um minúsculo centro, que se limitava a armazená-los. Enquanto tudo corresse normalmente, não interferia. Mas sempre que houvesse alguma destruição de proporções graves num dos setores, o centro deveria avisar os demais sobre a ocorrência. Isso significava que no interior do cérebro havia um lugar do qual os oito setores podiam ser atacados pelo caminho mais curto.

Era para esse lugar que Ras Tschubai e Tako Kakuta deveriam teleportar a superbomba!

Tako era pequeno e franzino enquanto Ras era alto e forte. Os dois desapareceram do depósito de armas da X-l juntamente com a bomba e rematerializaram-se no recinto do cérebro que Rhodan lhes descrevera detalhadamente.

Quando chegaram com sua carga perigosa, os dois entreolharam-se com uma expressão de perplexidade.

Será que estavam no lugar certo? Pela descrição do chefe o centro era diferente. Falara num recinto muito pequeno.

Acontece que se encontravam num recinto gigantesco.

— Estou certo de que não estamos no lugar correto — disse o teleportador japonês ao lembrar-se dos detalhes que o chefe descrevera.

— Estamos no lugar certo, sim — contestou o afro-terrano. — Este lugar me faz lembrar a central do planeta Mecânica. Se partirmos do pressuposto de que a máquina tradutora da biossubstância cometeu um erro ao converter as medidas indicadas pelo centro de plasma em medidas terranas, concluiremos que o simples deslocamento de uma vírgula para uma casa decimal transformará um lugar pequeno num lugar grande.

Os dois não se viam. Os campos estavam regulados para a potência máxima. A bomba também estava resguardada por campos. Só mesmo um acaso infeliz faria com que o cérebro localizasse a superbomba. Um neutralizador de alta potência evitava que qualquer radiação energética atingisse o exterior.

Só agora, quando já se dispunham a saltar de volta, os teleportadores notaram que a gigantesca sala onde se encontravam estava iluminada, enquanto os outros setores achavam-se mergulhados na escuridão.

O chefe ressaltara este ponto. E a lembrança disso fez com que tivessem certeza de terem colocado a bomba no lugar certo.

Quando se encontravam novamente à frente do chefe e apresentaram seu relato, este não se admirou com o fato de terem encontrado uma sala gigantesca, enquanto o centro de plasma havia dito a ele e a Atlan que a central ficava num minúsculo recinto.

— Que nem a programação de ódio! — observou Atlan laconicamente. — Também era muito maior do que o plasma havia descrito, bárbaro.

Nesse instante, a X-l ergueu-se do solo, acompanhada por três jatos espaciais. As colunas telescópicas de apoio foram encolhidas. A nave transformou-se numa esfera perfeita, com exceção da protuberância equatorial em cujo interior rugiam os jatos-propulsores. Estes liberaram as forças que impeliram a X-l para o espaço adjacente ao mundo de plasma em direção ao sol artificial que estava exposto ao fogo de radiações de numerosas naves dos laurins.

Os invisíveis empenhavam-se na destruição do terceiro sol artificial.

 

Moders usou o rádio para entrar em contato com John Marshall e seu grupo de telepatas.

O robólogo fazia exigências desumanas a esses homens, que estavam próximos ao esgotamento total. Moders sabia. Assim mesmo insistiu em que se unissem mais uma vez num bloco mental. Queria que irradiassem suas paraenergias em direção ao centro de plasma, a fim de que este ficasse em condições de responder às perguntas de Moders.

— O senhor tem de fazer isso, mister Marshall! — disse Moders, em tom enfático. — O senhor e os outros homens de seu grupo têm de voltar a mobilizar suas forças. Sem isso não conseguirei nada. Ainda não sei onde deverei procurar para localizar essa oscilação na intensidade do engaste. Marshall, o senhor tem de ajudar!

John Marshall mal conseguia ficar com os olhos abertos. As palavras de Moders não o impressionaram. Todos os telepatas, inclusive John Marshall, estavam exaustos.

— Marshall! — gritou Moders pelo rádio.

O chefe dos mutantes não respondeu. Não ouvira o chamado de Moders. Estava dormindo. A tela mostrou a Moders o chefe do Exército de Mutantes todo encolhido, com a cabeça apoiada sobre os braços cruzados. Estava dormindo à frente da objetiva.

O cientista não fez mais nenhuma tentativa de acordar Marshall. Lembrou-se de certas oportunidades em que também entrará em colapso.

Não estava em Condições de sair do edifício em forma de tacho. As perturbações atmosféricas eram tão intensas, que qualquer tentativa de mover-se em meio à tempestade seria puro suicídio. A desgraça que desabara sobre o Mundo dos Duzentos Sóis devia ter deixado um rastro de destruição por toda parte. Moders não se lembrava de jamais ter visto tempestades titânicas como esta. Admirou-se de que o edifício central e as gigantescas abóbadas do plasma tivessem resistido a tudo sem sofrer danos.

Seu rádio portátil chamou. Era um dos três grupos de cientistas, que se encontrava no interior de uma bolha metálica. Os especialistas em plasma queriam falar com ele.

— Está na hora de falar — disse Moders a contragosto.

Prestou atenção. Arregalou os olhos. Seu rosto assumiu uma expressão sombria.

— Ora, o senhor enlouqueceu! — gritou para dentro do microfone, sem pensar em nada.

Seu colega afirmava seriamente que os impulsos de plasma, saídos da bolha metálica em cujo interior se encontravam os cientistas, estavam fluindo novamente a toda intensidade. Haviam realizado medições complicadas para determinar a intensidade dos impulsos, e os resultados foram sempre os mesmos.

O colega reagiu de modo brusco à expressão impulsiva de Moders. O receptor deste deu um estalo e a ligação com a abóbada do plasma foi cortada.

Moders ficou matutando. Estava zangado consigo mesmo e a afirmação absurda do especialista em plasma deixara-o aborrecido.

— Que tolice! — exclamou em voz alta.

Naquele momento recebeu um chamado do professor Gaston Durand, que pertencia ao mesmo grupo do especialista em plasma que há pouco fizera aquela incrível afirmativa.

— Caro colega — disse Durand. — Compreendo sua incredulidade, mas o fato é que aquilo que o senhor acaba de ouvir corresponde à verdade, ou então nossos instrumentos nos pregam uma peça. Desde o momento em que o suprimento de oxigênio voltou a funcionar perfeitamente...

Até ali Moders conseguiu ouvi-lo calmamente. Mas, de repente, quase chegou a explodir. Engoliu em seco e, fazendo um esforço para controlar-se disse:

— Professor, será que o senhor quer afirmar que nossos telepatas são mentirosos? Eles nos confirmaram repetidas vezes que os impulsos do centro de plasma se tornam cada vez mais débeis. Os telepatas se desgastaram tanto, física e psiquicamente, que no momento não se pode falar com eles. John Marshall adormeceu enquanto estava falando comigo. Dali se conclui...

— Endosso tudo que o senhor já disse, Moders, mas quero formular uma pergunta. Algum dos telepatas se lembrou de medir o fluxo de impulsos biológicos que sai de qualquer das bolhas de plasma?

De repente Moders teve sua atenção despertada.

— O que quer dizer com isso, professor?

Moders lembrou-se de que em Árcon III, pouco antes de iniciarem o vôo para o Mundo dos Duzentos Sóis, o professor Gaston Durand ainda fora seu inimigo ferrenho.

— Acho que todos cometemos um erro ao não darmos a devida atenção ao que era mais evidente. O plasma propriamente dito encontra-se num estado biológico de completa sanidade e seus impulsos são fortes. Apenas acontece que não chegam ao centro. E os telepatas irradiaram suas paraforças para esse centro. Nesse ponto quero fazer uma pergunta. A última afirmativa que acabo de fazer é correta?

— É, sim.

— Obrigado, Moders. Neste caso nosso raciocínio não leva à conclusão final de que as perdas de intensidade dos impulsos se verificam na ligação entre as diversas abóbadas e o centro?

Van Moders manteve-se calado. Refletiu intensamente. Vez por outra o estouro de uma perturbação atmosférica chegava a ele. Quanto ao mais, tudo permaneceu em silêncio em sua faixa de ondas.

Naquele momento nova mensagem foi transmitida em outra faixa. Também vinha de uma abóbada de plasma. Moders regulou o receptor de tal maneira que o professor podia ouvir a palestra.

Os mesmos resultados foram fornecidos ao robólogo. Os biólogos e especialistas em plasma que se encontravam em outra bolha metálica afirmavam que a biossubstância emitia fortes impulsos.

— Então, Moders, já concorda comigo? — perguntou o professor.

Van Moders não era fácil de ser convencido a submeter-se ao raciocínio de outra pessoa. Teve a sensação de que algo não estava certo, ou então não se dera a necessária atenção a algum fator. Não conseguia esquecer os telepatas. Por que é que eles não teriam notado os poderosos fluxos de impulso com suas fantásticas paraforças?

Moders achou que isso era impossível, portanto a conclusão final de Durand não podia ser correta. Se realmente as oitenta porções de plasma estavam organicamente sadias e fortes e transmitiam seus impulsos sob essa forma ao centro, restava saber onde ocorria a misteriosa perda de intensidade desses impulsos.

— Professor, antes de pronunciar-me sobre sua suposição terei de conversar com os telepatas. Acho que o senhor compreende, não compreende?

O professor Gaston Durand não teve a menor compreensão para com a atitude hesitante de Moders. Tinha certeza absoluta de que suas suposições eram corretas. E foi com base nessa segurança que deu à sua voz um tom inconfundível de sarcasmo quando disse:

— É claro que compreendo, caro colega. Já sinto prazer diante da expectativa de seu próximo chamado.

Moders foi bastante inteligente para só fazer uma careta depois de ter sido cortada a ligação com os dois grupos que se encontravam em abóbadas diferentes.

O robólogo estava preso no lugar em que se encontrava. E os dois teleportadores estavam a bordo da X-l.

— Tenho de encontrar um meio de acordar Marshall!

Procurou entrar em contato pelo rádio com o chefe dos mutantes.

Mas suas tentativas não deram resultado...

 

Rhodan fitou o Major Mentor e disse:

— O senhor tem razão. Os invisíveis possuem uma nova arma. Os laurins subtraem dos nossos campos defensivos um volume maior de energia do que nós conseguimos suprir. As perspectivas não são nada boas.

O piloto da X-l transformara-se em co-piloto. Perry Rhodan, o chefe, voltara a agir como nos tempos antigos: estava pilotando a nave esférica.

— Olá, amigo — disse pelo interfone, dirigindo-se ao oficial de artilharia. — Não me decepcione. Procure adaptar-se à rota por mim escolhida. Se entre as diversas investidas tiver alguma pergunta, fique à vontade. OK?

O Administrador do Império Solar conseguia com poucas palavras cativar os homens que o cercavam. Raras vezes assumia o papel do chefe obstinado. Nunca perdia nada de sua autoridade ao tratar os outros de igual para igual. Continuava a ser ele mesmo, enquanto as pessoas às quais se dirigia nesses termos passavam a sentir-se estreitamente ligadas a ele.

O homem que costumava pilotar a X-l arregalou os olhos, quando a nave esférica saiu do semi-espaço e mergulhou no Universo normal, bem atrás de três naves-pingo. Estava à distância de tiro das mesmas e voava em sua direção.

Sem que o quisesse, o homem exclamou:

— Sir, estamos seguindo uma rota de colisão!

— Não diga! — respondeu Rhodan, com um ligeiro sorriso.

O oficial de artilharia adaptou-se imediatamente à tática de Rhodan. Não dirigiu mais nenhuma pergunta ao chefe. Agiu sem pensar nas conseqüências.

Disparou as torres de canhões dos pólos do costado da X-l para a nave dos laurins que se encontrava mais próxima. Dispunha de três segundos. Quatro segundos depois, Rhodan fez a X-l voltar ao semi-espaço.

— Muito bem, chefe! — berrou o oficial de artilharia, entusiasmado, pelo interfone.

O rastreador de relevo reproduziu o espaço normal. O localizador antifletor acoplado ao mesmo tornou visíveis as naves invisíveis dos laurins. Hal Mentor não exagerara ao falar em três ou quatro mil naves-pingo.

— Brazo, onde está o senhor? — perguntou Rhodan pelo rádio, dirigindo-se ao jovem oficial de artilharia que se encontrava num jato espacial.

O co-piloto não compreendia como uma pessoa podia fazer tanta coisa ao mesmo tempo.

— Um momento, chefe — disse a voz saída do receptor.

Perry Rhodan não se impacientou. Se Braço Alkher pedia que lhe concedesse algum tempo era porque precisava.

A tela de imagem indicou o motivo por que Alkher não pudera responder. Acabara de derrubar uma nave dos laurins com seu pequeno jato espacial.

— Não se arrisque demais, Brazo! — advertiu Rhodan pelo hiper-rádio.

O jato espacial de Alkher surgiu no semi-espaço, ao lado da X-l.

— Saberei cuidar-me, chefe. Eu... Naquele instante o jato espacial voltou a desaparecer. Dali a alguns segundos, a X-l também mergulhou novamente no espaço normal. Perry Rhodan nem deu tempo para que os invisíveis usassem seus perigosos raios de sucção de energia.

— Meu caro, o senhor está fazendo um trabalho excelente! — gritou para o oficial de artilharia, que aproveitara os dois segundos de permanência no espaço de três dimensões para destruir mais uma nave-pingo.

O oficial respondeu num misto de orgulho e modéstia.

— Sir, o senhor dirige a X-l diretamente para o alvo. Com essa manobra de aproximação o impacto é a coisa mais natural deste mundo.

Uma leve inquietação se fez sentir entre os laurins. Mais de quinhentas naves haviam cercado um sol artificial de duzentos metros de diâmetro e concentravam seu fogo sobre o mesmo. Por meio do forte afluxo de energia pretendiam provocar a supersaturação energética do processo atômico, o que causaria a explosão do sol.

Pelo menos um terço das naves-pingo, que eram muito maiores que as que Rhodan conhecera até então, afastaram-se. O aparecimento e desaparecimento instantâneo da X-l deixou-as preocupadas.

— Ah! — disse Rhodan.

Voltou ao espaço normal entre o sol artificial e a nave dos laurins que avançara mais longe. Estava em posição ligeiramente lateral. Mas o oficial de artilharia da X-l não teve tempo para disparar. Um pequeno jato espacial disparara uma fração de segundo mais cedo e atingira em cheio a nave-pingo, que se desmanchou num repuxo energético.

No mesmo instante, o casco da X-l estremeceu. Foi só graças aos potentes campos defensivos que o tiro não atingiu seu envoltório esférico.

Com a maior calma Rhodan colocou a nave em segurança no semi-espaço. O vôo linear permitiu-lhe descrever um círculo completo e voltar ao espaço no mesmo lugar.

Ainda desta vez o oficial de artilharia não pôde abrir fogo. Um dos três jatos espaciais fora derrubado. Brazo Alkher transmitiu a informação. Enquanto oferecia o breve relato, o segundo jato espacial explodiu.

— Retirar! — ordenou Rhodan.

Perry percebera que os invisíveis se haviam adaptado à sua tática.

O Major Mentor manifestou sua preocupação.

— Sir, não vamos tentar mais nada para impedir que os laurins façam explodir um sol artificial atrás do outro?

— Vamos, sim, major, mas não agiremos mais como temos feito até aqui. Os jatos espaciais não me preocupam tanto como as perdas humanas. Devemos pensar depressa para descobrir outra tática de ataque.

A X-l e o jato espacial que a acompanhava contornaram o Mundo dos Duzentos Sóis pela zona de libração, a fim de sair a mil quilômetros de altura sobre o continente no qual se encontrava o centro de plasma.

O serviço de vigilância de rádio da X-l captou a tentativa frustrada de Van Moders, que pretendia entrar em contato com John Marshall.

Rhodan foi informado a este respeito. O administrador virou a cabeça. Tschubai e Kakuta encontravam-se num lugar mais afastado.

— Ras, salte para onde está Moders.

Na X-l só ficou um teleportador, pois Tschubai desapareceu.

No mesmo instante, os filtros de luz magnéticos da tela panorâmica fecharam-se. Mais um sol artificial explodira a cem mil quilômetros de altura sob o fogo de radiações das naves dos laurins. Apesar dos filtros fechados, a sala de comando foi inundada por uma luminosidade excessiva. O co-piloto cobriu os olhos com as mãos. Quando voltou a enxergar, ficou perplexo ao notar que, nesse meio tempo, o chefe fizera descer a X-l num vôo arriscado, levando-a para perto da superfície.

Será que os olhos do chefe eram diferentes? Esta pergunta estava escrita no rosto do homem que ocupava o assento do co-piloto.

O oficial de artilharia reconheceu no mesmo instante que o perigo vinha de baixo. Uma das numerosas fortificações subterrâneas do cérebro saíra à superfície e estava dirigindo sua antena de radiações para a pequena nave esférica.

O oficial de artilharia transmitiu a ordem de atirar ao dispositivo positrônico que controlava o armamento. O feixe concentrado de mais de trinta peças de radiações da X-l atingiu o forte em meio ao movimento das antenas. A uma distância de menos de mil metros os raios concentrados tinham a força de uma bomba atômica. Rhodan não conseguiu desviar a nave a tempo para escapar à nuvem ofuscante levantada pela explosão. Um fogo de artifício surgiu no mesmo instante em torno dos campos defensivos da nave. Mas não foi só a energia que bateu contra os campos energéticos. Estes também sofreram o impacto de blocos metálicos de várias toneladas, que antes haviam sido aparelhos pertencentes à fortaleza hiperimpotrônica.

Dali a alguns segundos, o local devastado pelo gigantesco cogumelo de fumaça ficou bem atrás da nave. A X-l voltou a pousar no lugar de onde havia decolado, em direção aos sóis artificiais ameaçados. A nave não sofreu qualquer solavanco, por leve que fosse, quando o anel de colunas telescópicas de apoio tocou o solo.

— Santo Deus! — exclamou o homem que costumava pilotar a X-l. — Como o senhor sabe pousar!

Rhodan voltou a ligar a chave mestra sincronizada ao controle positrônico. Levantou-se. Deu uma risada ao ver o homem que se sentia embaraçado por causa das palavras “petulantes” que acabara de proferir.

— Quando o senhor tiver decolado e pousado cem mil vezes, fará tão bem quanto eu.

Rhodan parou junto ao interfone. Dirigiu-se ao oficial de artilharia.

— Meus parabéns. Se um dia voltarmos a Terrânia, apresente-se a mim. O senhor fez um serviço excelente.

Depois disso fez um sinal para que Atlan o acompanhasse.

O arcônida teve a impressão de ser o homem menos importante no comando. Contrariado com isso, acompanhou Rhodan até o camarote.

 

Bell chamou o rato-castor pelo interfone da Teodorico. Gucky não respondeu.

Bell repetiu o chamado. Não aconteceu nada. Mister Bell deu ordem para que o pequeno fosse chamado até que o encontrassem. Nem desconfiava de que, ao ouvir o primeiro chamado, o Tenente Guck desligara o interfone de sua cabina.

Não tinha tempo para comparecer à presença do gorducho. Havia coisa mais importante a fazer.

Deitado em seu sofá, Gucky testava Menke Laas por via telepática. Para ele, o jovem mecânico era um mistério. Havia algo de especial nele. Mas, por mais que se esforçasse, Gucky não descobriu o que era.

“É um ‘farejador’ de panes”, pensou o rato-castor. “Mas como é que Laas fareja as panes?”

Com o tempo a leitura dos pensamentos de Laas tornava-se menos interessante. Gucky arrependeu-se e pôs-se a tatear outros cérebros. De repente sentou-se.

O que era isso que estava captando? Penetrara nos pensamentos do homem que deixara Menke Laas só, diante do acelerador de partículas que estava prestes a explodir.

O homem soltou um grito.

Gucky surgiu à sua frente, vindo do nada. O rato-castor, que mal atingia o peito do homem, segurava com sua mão o tecido resistente do traje de combate deste, esforçando-se para fazê-lo descer até onde estava ele. O homem ainda se achava paralisado pelo susto provocado pelo súbito aparecimento de Gucky, aliado a uma consciência pesada. Todas as pessoas que se encontravam a bordo sabiam que o rato-castor era capaz de ler pensamentos.

O homem resistiu.

O pequeno logo desistiu de sua tentativa de usar a débil força muscular.

— Ora, amiguinho! — limitou-se a dizer e recuou um passo.

No mesmo instante o homem dobrou os joelhos, pois sentiu um peso insuportável sobre os ombros.

Naquele momento, Gucky era apenas um tenente da Frota Solar.

— Ora, amiguinho — principiou, em tom ameaçador. — Por que contou a mister Bell essa história mentirosa logo após a explosão? Quem você procurou limpar com isso? Será que não foi você mesmo, meu caro?

— Sir...

— Tenente! — piou Gucky.

— Tenente Gucky...

Imediatamente aquele homem totalmente perplexo esperneava junto ao teto.

— Quem lhe deu licença para me chamar de Gucky? Mas não é o que interessa. Vamos logo! Conte a verdade. Quais foram as mentiras que andou contando? E o que quis esconder com a história mentirosa que contou a mister Bell?

Gucky usou um de seus truques psicológicos para facilitar a confissão.

Ouviu-se um grito. O homem caiu vertiginosamente. Teve a impressão de que iria arrebentar-se de encontro ao chão. Mas, no último instante, uma força invisível freou a queda. Flutuou no ar a um palmo do chão.

— Muito obrigado, amigo! — piou Gucky, furioso.

Acabara de ler os pensamentos do técnico. Já sabia de tudo. A explosão do acelerador de partículas poderia ter sido evitada se esse homem tivesse realizado os controles prescritos. Além de tudo, esse sujeito deixara Menke Laas covardemente exposto ao perigo, quando o mesmo estava ajoelhado à frente de acelerador, embora desconfiasse de que o aparelho iria explodir.

De repente o homem sentiu chão firme sob os pés. Mas o Tenente Guck tinha desaparecido.

Depois de fazer um outro homem passar alguns minutos desagradáveis, o rato-castor teleportou-se para junto de Bell.

— Você nos fez esperar bastante, Gucky! — resmungou o gorducho, quando finalmente apareceu o rato-castor.

O pequeno interrompeu-o com um gesto grandiloqüente.

— Não vim em atenção ao seu chamado, representante. Vim para delatar duas ovelhas negras que se encontram entre a tripulação. Um deles era o encarregado do controle de um acelerador de partículas, enquanto a outro cabia supervisionar um banco energético. Ambos falharam. E, para os dois, Menke Laas apareceu na hora exata. Afinal, você mandou espalhar pela nave que ele era um “farejador” de panes. Esses dois sujeitos traiçoeiros pegaram-no, sem que ele de nada desconfiasse, e...

— Bem que eu gostaria que você levasse umas boas! — interrompeu Bell, que já imaginava o fim do relato.

— Não tenho dúvida de que você gostaria, meu caro — respondeu Gucky em tom arrogante.

Depois prosseguiu:

— Pois bem. Menke Laas foi levado conscientemente por dois homens para os locais de perigo ou de pane. Não é de se admirar que não tenha percebido que se aproveitaram dele. Menke Laas é apenas um mecânico que, dentro de sua área de serviço, descobriu sozinho uma pane, mas jamais será um “farejador” de panes. Os dois homens, com os quais alguém deveria falar umas palavras enérgicas, atendem pelos nomes de Opta e Lasur. Mas por que mandou chamar-me, Bell?

Penetrando nos pensamentos do gorducho, Gucky logo descobriu.

— Essa não! — exclamou. — Foi só por isso? Ora. representante-chefe, não se pode exigir que um tenente da Frota Solar execute uma tarefa desse tipo. Permita que me retire.

— Gucky... — gritou Reginald Bell, indignado, e tentou segurar o pequeno, mas sua mão só atingiu o ar.

O rato-castor já estava confortavelmente refestelado em seu sofá e disse em tom furioso:

— Não sou nenhum trabalhador braçal. O que será que esse sujeito pensa? Por certo acha que é fácil liberar as forças telecinéticas. Para que servem as plataformas antigravitacionais e os robôs-gigantes que temos a bordo?

Mas, à medida que prosseguia no solilóquio, mais se acalmava. Depois de algum tempo chegou à conclusão de que na verdade Bell não exigira demais.

— Bem, vou dar uma olhada lá embaixo.

Dizendo estas palavras, teleportou-se.

Lá embaixo, era o estágio preliminar número um do kalup, instalado num salão de cento e vinte metros de comprimento, setenta e cinco de largura e quarenta de altura. Três gigantescos conjuntos de máquinas ocupavam quase todo o espaço disponível. Entre os dois maiores encontrava-se o estágio preliminar número um. Os técnicos terranos haviam informado que ele agüentaria uma eternidade.

Acontece que apesar disso acabara de falhar. E estava instalado num lugar tão infeliz que era impossível ou extremamente difícil trabalhar com plataformas antigravitacionais ou robôs-gigantes, que levantavam as peças mais pesadas como se fossem bolas.

Gucky fora parar na borda de um. dos aparelhos muito altos e olhou para baixo. O estágio preliminar estava sem revestimento. E o que aparecia ali só podia ser considerado um montão de destroços.

“Não demorarei em tirar isso dali”, pensou o pequeno.

Naquele momento teve uma ardente lembrança do pedido de socorro que Perry Rhodan enviara do Mundo dos Duzentos Sóis, no qual pedira que a frota viesse o mais depressa possível.

— Tenente Guck — disse a voz retumbante de Jefe Claudrin pelo interfone. — Compareça imediatamente à sala de comando. Isto é uma ordem, tenente!

Os homens e robôs que se encontravam diante do montão dos destroços, lá embaixo, não deram atenção a estas palavras. Embaraçavam-se uns aos outros. Era quase impossível desmontar o estágio sem demolir grande parte dos gigantescos conjuntos de máquinas instalados ao lado.

Gucky leu seus pensamentos como se estivesse folheando um livro aberto. Antes de mais nada, sem sair do lugar, usou suas forças telecinéticas e afastou os homens e robôs. Sua atuação provocou confusão entre os homens. A voz de Gucky era tão fraca que não conseguia fazer-se ouvir. Para fazer com que notassem sua presença, fez subir a peça maior dos destroços a um metro de altura e deixou-a cair ao chão. lias de trinta homens levantaram os olhos pai» Gucky. Compreenderam seus sinais. Os robôs desapareceram. O rato-castor encontrou a faixa de freqüência de seus rádios de capacete e conseguiu comunicar-se com os homens.

— A peça sobressalente tem revestimento? — perguntou.

— É claro que tem — respondeu alguém.

— Pois então coloquem o revestimento em torno do montão de destroços, para que possa pegar tudo “embaixo do braço” — disse o pequeno, em tom presunçoso.

Ouviu alguém cochichar no rádio de capacete. A palavra telecineta foi mencionada. Os robôs apareceram com as chapas de revestimento. Bell berrou pelo interfone. Estava chamando o Tenente Guck. O rato-castor não se abalou nem um pouco.

— Como foi feita a fixação da base? — perguntou pelo rádio. — Não quero abrir buracos na Teodorico.

Às vezes Gucky sabia gabar-se desavergonhadamente.

— Do lado de baixo o estágio preliminar está completamente solto.

— OK. — Por enquanto foi a última palavra de Gucky.

Continuou sentado conforme estava, com uma perna cruzada sobre a outra, o capacete jogado para trás, o braço aberto em ângulo, o cotovelo apoiado no joelho e a mão segurando o queixo.

Nem se notava que estava liberando tremendas energias telecinéticas. Mas via-se pelo estágio preliminar defeituoso. Começou a subir, como se estivesse sendo levantado por mãos de fantasmas. Efetuou um giro de sessenta graus e inclinou-se para a esquerda. Ouviam-se os destroços baterem uns nos outros atrás do revestimento.

O pequeno estava realizando uma experiência eficientíssima. Teve de fazer passar a peça desajeitada junto a condutores muito sensíveis e agora teve de fazê-la deslizar entre duas veias energéticas. Já a deslocara numa extensão de quarenta metros.

Sentado na borda de uma máquina, Gucky parecia assistir a tudo. O interfone voltou a chamar o rato-castor.

Um dos homens que se encontravam lá embaixo atendeu e informou o que Gucky estava fazendo no momento.

O estágio preliminar defeituoso planava a trinta e cinco metros de altura, em direção à escotilha alta e larga.

O rato-castor teleportou-se, mas a peça a ser trocada não se moveu nem um centímetro. Flutuava bem embaixo do teto.

Parado na escotilha aberta, Gucky fez descer a peça, deixou-a passar por cima de sua cabeça e de repente viu-se cercado por um grupo de homens que o fitavam, fascinados.

— Um de vocês tem de mostrar-me o caminho do depósito de peças sobressalentes. Pode caminhar uns dez metros à minha frente.

Ninguém queria arriscar-se a isso, pois dez metros à frente de Gucky a peça que pesava algumas centenas de toneladas flutuava a cinco metros de altura. Todos imaginavam a sorte terrível que teriam se a peça caísse...

Dez minutos depois da primeira intervenção telecinética de Gucky a peça foi entregue no depósito de partes sobressalentes. Dali a mais quinze minutos, um grupo de robôs estava firmando a base da peça que substituiria a defeituosa. Efetuavam as últimas ligações.

Gucky despediu-se em silêncio. Estava deitado no sofá, onde descansava do “grande esforço” que fizera.

Lembrou-se do chamado de Bell. Nem pensava em apresentar-se na sala de comando. O trabalho que acabara de concluir era exatamente a tarefa que recusara, indignado, diante do gorducho.

O pequeno não se sentia nada satisfeito. Lembrou-se de Perry Rhodan, que não o levara em sua viagem ao Mundo dos Duzentos Sóis.

— Perry — disse a meia voz. — Se você continua a proibir que eu atue no mundo do plasma central, tenho de arranjar alguma coisa a fazer.

A porta da cabina foi aberta. Bell entrou. Já se esquecera do incidente que houvera na sala de comando.

— Pequeno — disse. — Captamos uma mensagem da X-l. Os laurins estão derrubando os sóis do mundo do plasma. Concentraram cerca de quatro mil naves-pingo, que estão azedando a vida de Perry.

— Não é de admirar que essa gente esteja passando mal. Por que o chefe não me levou? — perguntou o pequeno, convencido.

Bell fez como se não tivesse ouvido. Conhecia Gucky e sabia perfeitamente que, por trás das palavras presunçosas, ele apenas ocultava o medo de que algo pudesse acontecer a Perry Rhodan.

— Pequeno, em hipótese alguma poderemos chegar antes de vinte e quatro horas. Até lá os laurins extinguirão os duzentos sóis. Depois disso teremos de enfrentar os invisíveis e a hiperimpotrônica, que é mil vezes pior do que costumava ser o centro de computação de Árcon III.

— Por que veio me contar isso, gorducho? — Gucky sacudiu o corpo. — Por que a cada etapa que vencemos, alguma coisa nestas caixas gigantescas quebra? Quem...

Calou-se. Os jatos-propulsores entraram em funcionamento. Era um sinal de que a penúltima etapa iria ter início. Dentro de algumas horas venceriam também este trecho do espaço intergaláctico.

— Por que levaremos vinte e quatro horas para chegar ao destino, Bell? — perguntou Gucky, em tom de espanto.

Reginald Bell fez um gesto de pouco-caso e deixou-se cair numa poltrona.

— Gucky, o diabo está solto em nossas naves. O número de defeitos é trezentos por cento maior que as previsões mais pessimistas.

— Mas por enquanto não tivemos a perda de dez por cento das naves que se previa, Bell.

— É verdade — admirou Bell a contragosto. — Acontece que se temos uma vantagem de um lado, essa é compensada por uma desvantagem de outro. Os reparos pequenos e médios em centenas de lugares consomem o que temos de mais precioso: tempo! É o tempo, sempre o tempo! Por isso gastaremos nada menos de vinte e quatro horas entre o fim da sétima etapa e a chegada ao Mundo dos Duzentos Sóis. Afinal, não posso sair com as naves que estão em boas condições e dizer às unidades defeituosas que sigam depois. Umas quatro mil naves-pingo estão circulando em torno do mundo do plasma. Pelo que dizem, são muito maiores que as que vimos até agora. Será que você já compreende por que tenho de esperar até que, concluída a sétima etapa, todas as naves estejam em condições de voar?

— Não — disse Gucky. — Não compreendo.

Sem dizer uma palavra, Bell tirou do bolso uma folha de plástico e entregou-a a Gucky. O rato-castor pegou-a sem muita vontade e pôs-se a ler os sinais codificados positrônicos. Não simpatizava com os robôs nem com os lampejos mentais dos computadores positrônicos.

O computador de bordo da Teodorico transmitia uma informação lacônica: a relação de forças entre a frota dos laurins e as naves terranas seria de dezessete para um.

— A máquina ficou maluca — piou Gucky.

Seus olhos chamejaram. Devolveu a folha de plástico.

— Infelizmente não, Gucky. Os laurins possuem uma nova arma. Devem ter criado raios de sucção supervelozes ou coisa que o valha, por meio dos quais subtraem a energia aos nossos campos defensivos. É só o que sei dizer a este respeito. A mensagem da X-l inclui uma advertência explícita contra a nova arma.

— Que belas perspectivas — disse Gucky, em tom de desânimo. — Quantos sóis já foram derrubados pelos invisíveis?

— Mais de cinqüenta, o que corresponde a mais de vinte e cinco por cento.

— Bem, gorducho, se é assim acho que você tem razão. Caso arriscássemos tudo, deixando as naves defeituosas para trás, chegaríamos com um potencial debilitado e os laurins teriam um jogo fácil conosco. Isso não adiantaria para ninguém. Nem para nós, e muito menos para Perry. Quer saber de uma coisa, gorducho? Sinto-me satisfeito por não estar no seu couro.

 

Acompanhada por vinte jatos espaciais, a X-l realizava ininterruptamente vôos de ataque contra os laurins.

Era uma pequena nave esférica, de cem metros de diâmetro, contra quatro mil naves-pingo. Não havia a menor esperança de êxito. Se bem que de certa forma alcançou certo resultado. A derrubada dos sóis artificiais passou a ser feita num ritmo bem mais lento. Muitas vezes os laurins não podiam agir calmamente para fazer explodir os artefatos de duzentos metros de diâmetro.

A missão desesperada não deixou de trazer suas perdas. Rhodan partira com vinte jatos espaciais. As oito unidades restantes realizariam vôos de patrulhamento sobre o centro de plasma, a fim de evitar que os robôs hostis destruíssem as abóbadas cheias de biossubstância.

Dos vinte veículos espaciais velozes restavam doze. Apenas a tripulação de um deles conseguira descer e chegar ao Mundo dos Duzentos Sóis. As outras haviam perdido a vida.

Rhodan e seus homens não tinham de lutar apenas contra desumanos laurins. O cérebro mecânico também se transformara em inimigo. Dessa forma os terranos se viram envolvidos numa guerra de duas frentes.

A arma mais perigosa eram os novos campos de sucção dos laurins, que faziam desmoronar a estrutura dos campos defensivos terranos.

Apesar de tudo Rhodan não desistiu. Não poderia nem deveria fazê-lo. Tinha de travar a luta desesperada até que Bell chegasse com a frota. Era necessário salvar o plasma. No futuro poderia desempenhar um papel muito importante nos planos de Rhodan. Face à sua disposição amistosa para com as inteligências da Galáxia, era um importante fator de força. As lutas entre os robôs haviam causado a destruição da maior parte dos centros dos pos-bis, mas os planetas e satélites que ainda restavam no espaço intergaláctico representavam um baluarte contra os invisíveis de Andrômeda. A cada hora que passava, aumentavam as alarmantes notícias vindas do Mundo dos Duzentos Sóis. Os milhões de robôs existentes submetiam-se em escala cada vez maior ao comando da hiperimpotrônica. As lutas entre os pos-bis diminuíam com uma rapidez surpreendente. No entanto, neste lugar, situado a uns trezentos mil anos-luz dos limites da Galáxia, não era de se esperar uma evolução caótica como a que se verificara em Frago. Ao que parecia, o destino do centro de plasma estava definido.

Naquela altura não passava de uma massa de biossubstância, guardada em oitenta recipientes gigantescos e incapacitada para qualquer tipo de ação.

Há uma hora, Rhodan entrara em contato com seu robólogo.

— Moders — dissera. — Mande que Ras o leve a um lugar seguro juntamente com seus colaboradores. Uma vez cumprida esta ordem, a hiperimpotrônica irá pelos ares. Colocarei uma bomba no cérebro.

Moders pronunciara-se contra esse propósito de Rhodan.

— Espere mais um pouco, chefe. Estamos na pista do mistério. É possível que essa pista não leve a lugar algum, mas não devemos abandonar nenhuma chance.

Rhodan hesitou um pouco e concordou. — Está bem! Concedo-lhe seis horas, Moders. Se até lá não conseguir nada, farei explodir a hiperimpotrônica. Já notou que os laurins demonstram um grande interesse na conservação do cérebro?

Esse diálogo fora há duas horas.

Moders voltou a olhar para o relógio, Ras Tschubai estava de pé a seu lado. O africano modesto sentia o nervosismo do cientista. Tinha uma simpatia enorme pelo jovem especialista, em cuja mente muitas vezes borbulhavam idéias grandiosas. Foi essa simpatia que o fez dizer:

— Não perca a calma, mister Moders. Quatro horas são um tempo muito longo.

Moders respondeu com um olhar agradecido.

Encontravam-se no círculo de tráfego. Moders dera o nome original ao setor. Precisava-se de uma boa dose de fantasia para imaginar o que o mesmo designava.

Uma profusão de tubos retorcidos vindos de todos os lados dirigia-se para uma área em que se ligava a um anel oco de vinte metros de grossura. Apesar de suas formas bizarras, esse conduto tinha uma semelhança remota com um anel fechado. Para Moders, esse anel representava o círculo de tráfego. O anel passava sobre o pavimento de aço, a quarenta metros de altura. O furacão rugia furiosamente sobre o Mundo dos Duzentos Sóis, mas a gigantesca figura não se deslocava por um centímetro que fosse. Era um verdadeiro milagre, face à grande área que oferecia à atuação da tormenta.

Moders seguiu os fortes impulsos sobre os quais fora informado por vários especialistas em plasma. O robólogo despertara John Marshall de um sono profundo e pedira-lhe que verificasse a exatidão das informações fornecidas pelos especialistas.

As declarações de John Marshall levaram-no a perguntar:

— Quem foi que enlouqueceu por aqui? Eu ou os especialistas em plasma?

Marshall continuava a afirmar que as massas de biossubstância guardadas nos oitenta recipientes, estavam mais próximas da morte que da vida. Não notou o menor sinal de qualquer impulso.

Ras Tschubai usou a teleportação para levar o robólogo aos lugares que este desejasse. Face à turbulência reinante na superfície do Mundo dos Duzentos Sóis, a teleportação era o único meio de transporte digno de confiança.

Depois de ter falado com Marshall, Moders foi teleportado para junto do professor Gaston Durand, cujo grupo se encontrava nos corredores de uma das bolhas metálicas.

Por ali havia impulsos! E John Marshall acabara de contestá-los...

Van Moders começou a duvidar da própria inteligência. Sabia que um telepata que trabalha em parabase era incapaz de enganar-se.

Nesse meio tempo Ras Tschubai desaparecera para fazer uma visita-relâmpago ao cérebro. Face às ordens de Rhodan, teria de certificar-se de que a superbomba continuava no interior da hiperimpotrônica, no mesmo lugar em que Kakuta a havia deixado.

Ao voltar, Ras Tschubai encontrou um robólogo que olhava para o chão e sacudia a cabeça.

— Vamos repetir todas as medições! — pediu Moders de repente.

Alguns colegas iam protestar, mas Moders desprezou seus protestos.

Mais um solavanco sacudira as camadas superiores do solo do mundo extragaláctico. Mais um sol artificial explodira a cem mil quilômetros de altura. Tal qual acontecia na hiperimpotrônica, os abalos não foram notados no interior do centro de plasma. As instalações haviam sido construídas à prova de terremotos.

— Acho que sou mesmo um tapado — disse Moders com um gemido e verificou mais uma vez todos os aparelhos de medição, dispostos numa longa fileira.

Naquele momento, Moders e Ras Tschubai encontravam-se no círculo de tráfego. Os raios de seus faróis caíam sobre um conjunto confuso de coisas que não poderiam ser descritas por qualquer palavra terrana. As ordens de Moders foram lacônicas:

— Dirija o raio mais para a direita. Agora, para a esquerda e para cima. Desça lentamente pela Impo-P, Ras.

Uma de suas discussões com Gaston Durand girara em torno do bloco Impo-P que fazia parte do engaste.

— Pare! — gritou Moders para o teleportador, quando seu farol estava iluminando o trecho desejado.

— Santo Deus! O que será isso? — disse o robólogo com um gemido e coçou a cabeça.

Aproximou-se. As peças apresentavam-se sem qualquer revestimento. Ras Tschubai não fazia o menor movimento. Não tinha a menor noção da tecnologia dos seres de Mecânica.

Mas Moders soube dizer alguma coisa sobre aquilo que estava vendo. Ras ouviu-o cochichar.

— Onde será que já vi coisa parecida?

Sem virar a cabeça, perguntou:

— Ras, trouxe a ferramenta?

— Sim.

Mas Moders nem chegou a usá-la. De repente estremeceu, virou-se abruptamente e pediu que Ras o levasse ao setor de suprimento de ar do centro de plasma.

Tschubai teleportou-o para lá. Tudo continuava como era no momento em que os terranos se haviam retirado da sala, depois de Moders ter restabelecido o suprimento de oxigênio que fora desligado pela hiperimpotrônica.

— Ah! Foi aqui que eu vi.

Quando o cientista lhe pediu que o levasse novamente ao círculo de tráfego, Ras Tschubai espantou-se e fitou o robólogo com uma expressão estranha.

O teleportador fez-lhe este favor. Moders parecia ter esquecido a presença de Tschubai. Ras chamou sua atenção para o fato de que mais de uma hora se passara. Moders não lhe deu a menor atenção. Nem, se dava conta de que estava violentando seu cérebro. Obrigou-o a pensar exclusivamente em termos de tecnologia de Mecânica.

— Ras, arranje-me uma bebida que seja boa, pois, do contrário, ainda acabarei enlouquecendo. — Depois de ter proferido essas palavras, a presença de Moders voltou a ser exclusivamente física. Seus pensamentos vagavam por paisagens espirituais em que até então nenhum humano se aventurara.

Ras refletiu desesperadamente sobre como faria para arranjar uma bebida alcoólica no Mundo dos Duzentos Sóis. Talvez valesse a pena tentar junto a um dos comandos de superfície. Quando voltou, Moders lhe perguntou em tom áspero:

— Que diabo! Por onde foi que o senhor andou, Ras?

— O senhor não pediu uma bebida? Faça o favor.

O robólogo bebeu distraído. Depois disse:

— Traga Durand com seu conjunto de aparelhos. Deixe os outros onde estão.

Com três saltos o africano trouxe o que Moders havia pedido. Depois disso começou a sentir tédio. Não entendia uma palavra do que os dois cientistas diziam, e além disso não havia nada de interessante para ver.

Depois de bastante tempo voltou a olhar para o relógio. Levou um susto. Do prazo de seis horas que o chefe havia marcado ao robólogo já haviam passado cinco horas e trinta minutos.

— Mister Moders, o senhor ainda dispõe de trinta minutos — observou.

O especialista respondeu com o maior sangue-frio:

— Procure entrar em contato com o chefe. Ele tem de conceder mais algumas horas.

Ras sobressaltou-se.

— Desse jeito, mister Moders? Acho que não será possível.

— Qual será o jeito? — perguntou Moders, aborrecido. — Preciso de mais algumas horas. É indispensável que eu as receba.

Ras teleportou-se ao edifício central de plasma, onde estava instalado um pequeno hipertransmissor. Levou um tempo relativamente longo para estabelecer contato com Perry Rhodan. Expôs a solicitação de Moders ao chefe. E insinuou que o robólogo exigira o prazo adicional em termos bastante enérgicos.

— Concedido, Ras. Não tenho qualquer...

A ligação de hiper-rádio foi interrompida. Naquele segundo, a X-l conseguira, depois de mais uma hora, destruir mais uma nave dos laurins.

Quando voltou ao círculo de tráfego, Tschubai teve de sair à procura de Moders e Durand. Um deles estava lá em cima, em meio à confusão de objetos, enquanto o outro se encontrava mais de cem metros à direita. Comunicavam-se aos gritos.

— Aqui também! — gritou o professor. — Para onde quer que olhe, é a mesma coisa, colega.

— Aqui também, professor. O senhor também descobriu? — gritou Moders lá do alto.

— Mais alguma coisa, Moders? Não. Afinal, o que foi?

— Um momento. Vou descer. Também vai voltar?

Ao ver Ras Tschubai, nem perguntou qual fora a resposta de Perry Rhodan. O teleportador disse:

— O chefe concedeu a prorrogação do prazo.

Moders sorriu.

— Se não o tivesse feito, eu lhe teria dado ordem para tirar a bomba do interior do cérebro. Por aqui não vai explodir coisa alguma. Em compensação dentro em breve voltaremos a colocar a brida na hiperimpotrônica.

Ras Tschubai procurou não querer compreender o que Moders dizia. Este estava sentado à frente de um instrumento de medição. Fez um gesto para que Durand se aproximasse.

— Veja só! São cifras bonitas e estáveis. Não há nada de errado com as massas de plasma. Absolutamente nada! Basta pensar na capacidade dos supercondutores. Foi uma coisa parecida que nos pregou a peça. Os impulsos circulam nesta parte dos condutores, até as abóbadas de biossubstância. Mas aqui... — levantou-se e apontou para certa parte — ...não passa mais nada. Tal qual nos outros lugares, o isolamento dos campos energéticos do bloco de biopom foi interrompido. Se não tivéssemos imaginado o engaste com base no mesmo quadro esquemático que já conhecíamos nos pos-bis e pensado uma única vez na possibilidade de o mesmo ter uma forma diferente, nós nos teríamos lembrado disso mais cedo. O senhor é da mesma opinião, professor?

Durand acenou com a cabeça. Parecia abalado. Era difícil, muito difícil concordar com as palavras do colega. Nos últimos minutos percebera nitidamente que o jovem colega lhe era infinitamente superior.

— Um momento, preciso descobrir mais uma coisa. — Não havia quem segurasse Moders.

Arrastou três aparelhos, os pôs a funcionar e fez a ligação de áreas de rastreamento e realizou medições.

— Logo descobrirei suas manhas! — Sentiu o olhar indagador de Durand e virou a cabeça. — Professor, são estas interrupções no isolamento dos campos energéticos que causam as temíveis perdas de impulsos ou oscilações na intensidade do engaste. Foi isso que causou o esgotamento do centro do plasma. Todos os projetores dos campos protetores estão defeituosos, e por isso a ligação com a hiperimpotrônica foi totalmente interrompida. Este trecho abrangido pelo teste não se desloca nem para o lado hipertóictico nem para o lado hiperimpotrônico. Sabe lá que ligação é esta? Santo Deus! Quem seria capaz de imaginar uma coisa destas? O chefe e Atlan fizeram explodir a programação do ódio a alguns quilômetros deste lugar, e, no mesmo instante, tudo se quebrou por aqui. Andamos à procura deste lugar nas profundezas do cérebro.

— Não é possível! — objetou Durand, em tom exaltado. — Na época o centro de plasma informara o chefe e Atlan de que a destruição da programação de ódio não poderia trazer outras conseqüências.

— E daí? — respondeu Moders com a maior tranqüilidade. — Continuo a afirmar o contrário. E afirmo mais uma coisa, se bem que no momento não tenha condições de prová-lo. Deve haver uma relação causal entre o súbito desaparecimento dos campos relativistas das naves fragmentárias e os fenômenos que acabamos de descobrir.

O professor Gaston Durand cresceu para além de si mesmo. Fizera um esforço tremendo para alcançar uma objetividade inigualável e reconheceu integralmente a capacidade extraordinária de Van Moders. Limitou-se a dizer com uma ponta de ironia:

— Seu “pavor ideológico”!

— Antes ser isso que nunca ter uma idéia. Mas acho que está na hora de começarmos a trabalhar. Ras, quer fazer o favor...?

Naquele momento, Ras Tschubai já se encontrava no edifício central, à frente do hipertransmissor, onde informava Rhodan sobre a descoberta que Van Moders acabara de fazer.

 

O octogésimo quinto sol estava explodindo quando a frota de Reginald Bell saiu do semi-espaço nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis e mergulhou no espaço normal. Sofrerá perdas que chegavam a um total de duzentas e dezoito naves antes de chegar ao destino, no espaço intergaláctico. Mas em vez de ver um anel grandioso semelhante ao de Saturno em torno do planeta, deparou-se com o fogo de radiações das naves dos laurins que atacavam furiosamente.

Jefe Claudrin pilotava a nave capitania, Bell estava sentado a seu lado. A projeção da imagem sobre a gigantesca tela panorâmica provinha do localizador antifletor. Era só por meio dele que se tornava possível reconhecer as naves-pingo invisíveis, se bem que cada membro da expedição possuía um par de óculos antiflex.

Desde o início da batalha as naves esféricas terranas ficaram em desvantagem. Os campos de sucção dos laurins atingiam os campos defensivos das naves terranas, subtraíam-lhes a energia e provocavam seu desmoronamento. No momento em que um campo desaparecia, o inimigo começava a atirar.

Ao ver explodir três naves da classe Cidade, Bell ficou apavorado.

— Retirar para o semi-espaço! — gritou pelo hipercomunicador, dirigindo-se a todos os comandantes.

A gigantesca frota desapareceu tão de repente como havia aparecido. Encontrava-se na zona de libração de um universo diferente, mas os homens assistiram pelo rastreador de relevo à explosão do octogésimo sexto astro artificial que fornecia luz ao planeta.

Bell dirigiu-se a todos os comandantes.

— A frota B atacará quando as naves da frota A constatarem a perda de energia nos campos defensivos. Assim que isso acontecer, nenhuma nave da frota A permanecerá no espaço normal por um segundo que seja. Todas as unidades retirar-se-ão imediatamente para a zona de libração. A frota C penetrará no Universo einsteiniano quando a frota B se retirar. Espero que tenham compreendido o esquema. Os laurins deverão ser atacados com todas as armas. Devem aprender que é muito perigoso meter-se conosco. Nunca deverão esquecer a lição que lhes vamos dar. Alguma pergunta?

O comandante da frota D pediu a palavra. Acabara de perder uma nave da classe Cidade, destruída pelo fogo disparado da superfície. Bell não deixou que concluísse.

— Não tenho nenhuma receita para isso. Só em caso de extrema emergência deverão dar ordem para abrir fogo contra os fortes hiperimpotrônicos. Sei perfeitamente que a ordem que acabo de dar não servirá para muita coisa, mas afinal não viemos para destruir o Mundo dos Duzentos Sóis.

Bell transmitiu a hora exata em que a frota A iniciaria o ataque. O resto seria feito segundo a evolução dos acontecimentos. Comandou pessoalmente o grupo A.

O momento zero chegou. Bell penetrou na estrutura espacial comum com pouco menos de oitocentas naves e foi parar bem no meio de três gigantescos grupos de naves laurins que se dispunham a destruir mais um sol.

A Teodorico ocupava a posição mais avançada. Podia disparar à vontade para todos os lados, sem correr o risco de atingir uma nave terrana. Algumas naves dos invisíveis abandonaram a frente de luta com graves avarias. Mas cada nave que se afastava logo era substituída.

Ao notar que a estabilidade dos gigantescos campos defensivos da Teodorico ia enfraquecendo cada vez mais, Bell ficou apavorado. Jefe Claudrin, o epsalense, não disse uma palavra quando o kalup começou a rugir no interior da nave. No último instante, Jefe levou a Teodorico ao semi-espaço, onde estava a salvo.

O grupo C avisou Bell de que o grupo B substituíra o A no momento adequado.

Finalmente vieram as notícias das perdas. Duas naves haviam sido destruídas.

Reginald Bell e Jefe Claudrin fitaram-se prolongadamente. Se as coisas continuassem assim, suas chances não seriam muito boas.

O grupo B permaneceu no Universo einsteiniano durante três minutos e procurou impedir as naves-pingo de destruírem os sóis artificiais. Depois disso o grupo C penetrou no Universo normal. O grupo B perdera uma nave da classe Cidade.

O grupo C anunciou a perda de quatro naves!

Bell suspendeu o ataque. Procurou entrar em contato com Rhodan. Por um instante teve a impressão de ver a X-l na tela. Os potentes transmissores da Teodorico chamaram o chefe por várias faixas de ondas.

A X-l não respondeu.

Sofrera um impacto quando estava voando em direção ao planeta. Pusera fora de combate um forte do cérebro instalado no planeta e, depois disso, arrastara-se a custo até o campo de pouso. O único consolo era que não houvera perdas entre os tripulantes. Mas a perda do hiper-rádio poderia trazer graves conseqüências. Rhodan imaginava que Bell o estaria chamando.

Este não perdeu tempo. Ficou satisfeito ao saber que Gucky penetrara em seus pensamentos. O pequeno apareceu à sua frente. Envergava um enorme traje de combate.

— Está bem, gorducho, já sei de tudo. Saltarei para onde está Perry. Apenas lhe peço o favor de penetrar no Universo normal por um segundo.

— Faça o que puder, pequeno — disse Bell, enquanto Jefe Claudrin fazia a Teodorico precipitar-se na estrutura espacial da terceira dimensão.

Gucky desapareceu no mesmo instante.

O rato-castor rematerializou-se no interior da sala de comando da X-l, que numa altura de dois mil metros enfrentava a uma velocidade de mach 5 os furacões que rugiam ininterruptamente sobre o mundo do centro de plasma. Jogou para trás o capacete de visão total e arrastou os pés em direção a Perry Rhodan, que se encontrava junto ao painel de instrumentos e o fitava atentamente.

— Olá, chefe, foi Bell que me mandou...

A pequena criatura irradiou o resto da mensagem por via telepática. Era mais rápido, e além disso não havia a possibilidade de um mal-entendido.

Sem rebuços, Rhodan disse ao rato-castor que não havia uma solução definitiva para os campos de sucção dos laurins... Gucky interpretou estas palavras como uma ordem de voltar para a Teodorico, mas não estava com vontade. Antes de entreter essa idéia protegeu sua mente e inventou uma desculpa:

— Perry, não posso teleportar-me para junto de Bell. Não sei onde está; pode ser no Universo normal ou no semi-espaço. Será que...

Rhodan fitou-o com uma expressão enérgica.

— Nada disso, pequeno. Não me venha com truques. Localize a nave e salte. Diga a Bell que deve trazer o quanto antes armas pesadas. Aqui embaixo, os pos-bis se organizaram, em três continentes, com exércitos de muitos milhões. Parece que, dentro em breve, pretendem atacar-nos.

Enquanto Rhodan falava, Gucky foi arregalando os olhos. Já não pensava mais em continuar na X-l.

— Está bem, chefe. Mas, quando o gorducho não precisar mais de mim, posso vir para cá, não posso?

Não esperou a resposta de Perry Rhodan. Localizou a Teodorico e saltou no mesmo instante.

Quando se rematerializou, o supergigante parecia arrebentar com o ribombar de seu casco. O tiro de radiações de uma nave-pingo acabara de romper os campos defensivos da nave capitania, debilitados por um raio de sucção. Mas, felizmente, este perdera tanta energia que já não conseguira destruir o envoltório da nave.

Bell ficou furioso com o impacto que a nave acabara de sofrer e transmitiu novas ordens a todos os comandantes. Cada unidade só deveria permanecer no Universo normal por dez a vinte segundos.

Até então dezessete naves haviam sido postas fora de combate. Quatorze delas representavam perdas totais.

— O que é que você está dizendo? — Bell ficou com o queixo caído.

Gucky acabara de falar-lhe nos milhões de pos-bis hostis que, na opinião de Rhodan, se preparavam para o ataque aos três mil terranos.

— Você deve levar canhões de radiações lá para baixo o mais depressa possível, gorducho. Perry não pode falar com você. O hiper-rádio da X-l foi destruído.

Reginald Bell recuperou o autocontrole no mesmo instante. Fez uma ligação coletiva e falou com todas as unidades ao mesmo tempo. Os compartimentos de carga de quatrocentas das quase três mil naves estavam cheios até o teto com canhões de radiações superpesados. Essas quatrocentas naves separaram-se dos grupos a que pertenciam, contornaram o Mundo dos Duzentos Sóis sob a proteção do hiperespaço e prepararam-se para pousar no planeta.

Antes da partida, todos os comandantes haviam sido prevenidos contra os fortes planetários que obedeciam exclusivamente ao cérebro.

Foram recebidos por um terrível fogo de artilharia. Duas naves foram destruídas. Mas as unidades logo revidaram com todas as armas. Ao mesmo tempo espalharam-se para todos os lados, desenvolvendo a velocidade máxima. Um grupo de quatro naves avistou uma gigantesca concentração de pos-bis. O oficial de artilharia da primeira nave não perdeu tempo para solicitar permissão de abrir fogo. Os robôs desfizeram-se sob a violência dos raios desintegradores. As naves que tinham armas superpesadas a bordo pousaram próximas à X-l, que estava quase impossibilitada de voar. Os tripulantes ficaram perplexos com as condições atmosféricas do planeta. Quase não conseguiam compreender que os furacões haviam sido causados pela destruição dos sóis artificiais. De qualquer maneira a tormenta não impediu a descarga dos pesados canhões de radiações.

Atlan elaborara um plano para a utilização das armas. Posições de artilharia foram montadas nos três continentes. A operação foi realizada sem incidentes. Até parecia que os homens já a haviam treinado centenas de vezes.

A falta de mais de oitenta sóis artificiais fazia-se sentir principalmente nos momentos em que o mundo do plasma chegava, durante sua rotação de trinta e duas horas e vinte minutos, ao ponto do céu em que faltava uma fileira ininterrupta de trinta luminárias atômicas. Quando isso acontecia, o mundo do centro de plasma era coberto pelo crepúsculo. Não havia nada que melhor caracterizasse a situação catastrófica que a luz mortiça do dia.

Rhodan e Atlan esperavam ver aparecer a qualquer momento grupos de naves fragmentárias, mas as caixas feias em forma de cubo não foram vistas em lugar algum.

Será que não se haviam submetido ao comando da hiperimpotrônica porque cada nave levava quantidades consideráveis de plasma, que continuavam a comandar as unidades? Ninguém seria capaz de responder a esta pergunta.

No interior da X-l desenvolvia-se uma atividade febril. Os técnicos e os robôs trabalharam nos destroços das instalações de hiper-rádio. As avarias dos propulsores já haviam sido reparadas. O rádio comum transmitiu as primeiras informações dizendo que os canhões haviam sido colocados nos lugares previstos. As notícias sempre falavam em gigantescos exércitos de robôs, que se deslocavam em direção ao continente onde ficava o centro de plasma.

Quatro naves esféricas da frota de Bell romperam as linhas dos laurins, precipitaram-se em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis e levaram ao planeta os técnicos e especialistas que o robólogo Moders solicitara pelo pequeno hipertransmissor instalado no centro da biossubstância. De surpresa, as posições de artilharia do cérebro abriram fogo cerrado contra essas unidades. Apesar disso as mesmas alcançaram sem maiores avarias a área onde se erguiam oitenta bolhas metálicas gigantescas.

Nos céus já se traçava o quadro de um êxito parcial. Nas últimas horas, os invisíveis só haviam feito explodir três sóis artificiais. A primeira mensagem que Rhodan recebeu pelo novo hiper-rádio da X-l veio de Bell. Este informou, sem rebuços, que só poderia manter sua posição por mais algumas horas, se as naves dos laurins continuassem a surgir do nada. Perguntou em termos ásperos o que era feito do fogo de radiações dos canhões que haviam sido levados ao Mundo dos Duzentos Sóis.

Acontece que Rhodan e Atlan não podiam fazer milagres.

Nem Moders. Antes de mais nada teve de instruir os novos técnicos. Os biólogos e especialistas em plasma já estavam trabalhando. Fariam o possível para conservar vivo o biomaterial que estava morrendo.

Para os colegas de Moders, os blocos de biopom descobertos por este eram um mistério completo. O robólogo explicou aos cientistas que esses blocos estabeleciam a ligação entre o plasma e o cérebro. Em outras palavras, eram o engaste hipertóictico que convertia os impulsos orgânicos em fluxos energéticos e convertia os comandos elétricos em comandos orgânicos.

— Isto são os projetores dos campos defensivos. Ali fica o isolamento dos campos energéticos. O centro de plasma entupiu-o com seus impulsos. Em vez de transformar-se em unidades de comando energéticas, os impulsos orgânicos dirigiram-se ao exterior, romperam o isolamento dos campos energéticos e encontraram nos projetores dos campos defensivos, danificados com a destruição da programação do ódio, um caminho de fazer retornar os impulsos com toda força para as massas de plasma.

“Em outras palavras, o centro de plasma machuca constantemente a si mesmo. Quanto mais se esforça para submeter a hiperimpotrônica novamente ao seu comando, mais se arruína. Enquanto isso tornava-se cada vez mais difícil as unidades de comando convertidas em energia chegarem ao cérebro hiperimpotrônico. Já conhecemos a confusão que resultou disso. Basta lembrar o destino de Frago, onde milhões de robôs destruíram a si mesmos e ao próprio planeta. Não sei se conseguiremos realizar os reparos antes que o plasma se transforme numa massa biologicamente morta. Isso depende exclusivamente da sensibilidade dos senhores, que lhes permitirá reparar os complicados blocos de biopom. E, o que é mais importante, qualquer pessoa que não tenha nada a fazer no círculo de tráfego deve dar o fora.”

Alguém puxou a manga do uniforme de Moders. Este esteve a ponto de irritar-se, quando viu Gucky parado a seu lado.

— Será que também devo dar o fora? — perguntou o rato-castor.

No mesmo instante, Gucky pareceu prestar atenção a uma voz em seu interior... Moders sabia o que significava isso. Algum telepata estava falando com Gucky.

Esse telepata era Perry Rhodan, que procurava o rato-castor com suas débeis paraenergias.

— Sinto muito, mas tenho de ir embora, Van — disse Gucky em tom triste e desapareceu.

Encontrou John Marshall reunido com Rhodan. O chefe do Exército de Mutantes estava totalmente exausto.

— Preste atenção, pequeno! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Gucky. — Temos necessidade absoluta dos willys. Sabe onde encontrá-los?

— Naturalmente — disse Gucky.

— Está bem, Gucky. John e seus telepatas estão completamente esgotados. Por isso você vai procurar entrar em contato com os willys. Faça com que compreendam que só eles, com suas faculdades mentais, poderão evitar a morte do plasma. A maneira de fazer isso é problema seu, pequeno, Gucky, traga os willys. Muita coisa depende disso!

 

Reginald Bell, o homem que se encontrava na direção da Administração Solar, era do tipo colérico. Mas quanto mais perigosa se tornava a situação de sua frota, mais calmo parecia ficar.

Os laurins traziam constantemente novos reforços vindos das profundezas do espaço intergaláctico. Nas últimas horas a relação de forças, computada em termos de números de naves, sofrera uma modificação de 7:3 para 11:2,5 contra os terranos. Bell poderia calcular pelos dedos a hora em que teria que dar ordem de retirada, se quisesse evitar uma situação em que nem uma única nave jamais voltaria à Galáxia.

A todas essas desgraças juntou-se um fato novo, totalmente inesperado. Os kalups estavam esquentando!

Quem primeiro trouxe a notícia a Bell foi o engenheiro-chefe da Teodorico. Bell sentiu-se desesperado. Dentro de alguns minutos, a mesma notícia veio de todas as outras naves.

Será que o aquecimento dos kalups tinha algo a ver com os potentes campos de sucção dos laurins?

O problema ameaçava pôr fim à tática de combate de Bell. Acontecesse o que acontecesse, não poderia abandonar Perry. Há meia hora o administrador anunciara uma invasão de robôs no continente em que se encontrava. Bell enviara dez espaçonaves ao Mundo dos Duzentos Sóis, a fim de evitar que os exércitos formados por milhões de seres-máquinas avançassem até a área onde se encontrava o centro de plasma.

Bell perguntava constantemente aos engenheiros-chefes das naves por que os kalups estavam esquentando. Ninguém soube informar.

Todas as naves receberam novas instruções. Deveriam penetrar isoladamente no espaço normal, disparar todas as peças é voltar a mergulhar no semi-espaço.

Era uma série ininterrupta de idas e vindas. As espaçonaves só permaneciam no campo de batalha por uma questão de segundos. Dessa forma os invisíveis não tinham tempo para usar sua nova arma.

— Como estão os kalups? — perguntou Bell.

Ao ouvir que estavam esfriando, soltou uma risada amarga. O aquecimento realmente era provocado pelos campos de sucção dos invisíveis.

A tarefa de dez naves esféricas consistia exclusivamente em realizar observações por meio dos rastreadores de relevo e localizadores antifletores, a fim de verificar se os laurins estavam trazendo reforços e, em caso afirmativo, qual era o volume dos mesmos.

Essas dez naves transmitiam quase ininterruptamente pelo rádio, a fim de comunicar o resultado de suas observações à Teodorico. A cada minuto que passava, a relação de forças modificava-se em desfavor da frota terrana.

— Agüentem! — ordenou Rhodan, que continuava no Mundo dos Duzentos Sóis.

A primeira grande batalha entre espaçonaves da Galáxia e naves-pingo dos invisíveis de Andrômeda transformava-se progressivamente numa derrota da Terra.

A Teodorico irrompeu no Universo de três dimensões. Jefe Claudrin era um mestre em sua especialidade. Uma nave-pingo arrebentou a quarenta quilômetros do veículo terrano. O tiro de todos os canhões do costado do supergigante pusera fim nela.

Dali a dois segundos, quando os potentes campos defensivos da grande nave esférica começaram a se enfraquecer, esta desapareceu na zona de libração do semi-espaço.

— Ainda bem que os laurins não podem seguir-nos para cá — disse Claudrin, com um suspiro de alívio.

Nos próximos trinta segundos perderam-se mais nove naves terranas. Quando souberam que os laurins haviam feito caça a um único homem que, em seu traje voador, procurava pôr-se a salvo no Mundo dos Duzentos Sóis, os tripulantes ficaram irados.

— Isso não é normal! — esbravejou Bell, muito indignado. — Santo Deus! Que presente não estamos recebendo da outra galáxia!

A D-185 explodiu sob o efeito de um impacto. Conforme os relatos de outras naves, metade da tripulação conseguiu pôr-se a salvo em direção ao mundo do centro de plasma.

Mas ninguém chegou lá. Grandes grupos de naves laurins preocupavam-se em matar até o último terrano.

Bell ouviu Jefe Claudrin soltar um gemido. Antes que o epsalense levasse a nave ao espaço normal, Bell gritou pelo interfone para seu oficial de artilharia:

— Cuidado!

Dali a um segundo duas naves-pingo esfacelaram-se sob o fogo concentrado da nave capitania.

Mas isso não adiantava nada.

— Um grupo de trezentas a quatrocentas naves dos laurins está penetrando no Universo normal! — anunciou uma das dez naves cuja tarefa consistia em verificar as chegadas dos barcos inimigos.

Dali a um minuto veio outra notícia:

— Três sóis artificiais acabam de explodir!

Bell segurou o microfone do hipercomunicador com um gesto que exprimia cansaço e desânimo. Chamou o Mundo dos Duzentos Sóis:

— Perry, nossa situação é desesperada. Descerei daqui a meia hora. Até lá todos os homens deverão reunir-se junto à X-l e...

A voz vinda do Mundo dos Duzentos Sóis interrompeu-o:

— Espere mais duas horas, Bell. É possível que até lá Moders consiga.

— Está bem. É possível que consiga sepultar-nos no espaço intergaláctico. Final.

O epsalense fitou-o com uma expressão em que havia uma ligeira recriminação.

— O senhor não deveria ter dito isso, mister Bell.

— O que deveria ter dito? — esbravejou o gordo, cujos nervos estavam forçados ao máximo. — Sabe quantas naves perderemos nas próximas duas horas? Não gosto de enviar homens para a morte somente porque o “pavor ideológico” manifestou uma vaga suposição.

 

Gucky encontrou os willys. A pequena criatura conduziu-se com uma habilidade extraordinária no papel de diplomata de Perry Rhodan. Comunicou-se telepaticamente com os willys.

Gucky se encontrou com os principais representantes dessa raça extremamente pacata e inteligente num recinto subterrâneo que era uma espécie de auditório. O tremor de terra que sacudira as formações rochosas superiores do Mundo dos Duzentos Sóis também deixara seus rastros nesse lugar. Gucky olhou por acaso para o teto e viu uma gigantesca placa de pedra desprender-se. Sem que o quisesse soltou um pio estridente. Os willys ergueram seus olhos proeminentes para o teto. Depois disso ninguém fez o menor movimento. Encontravam-se exatamente na área de perigo.

Enquanto se desprendia do teto, a superfície grande e maciça rangeu. Mas não caiu mais de um metro... Gucky segurou-a por meio de suas energias telecinéticas, manteve-a suspensa e dirigiu uma pergunta telepática aos willys perplexos:

— O que devo fazer com isso?

Teve de explicar-lhes que era ele que estava evitando a desgraça. Para facilitar a compreensão dos willys, o rato-castor fez girar a peça que pesava pelo menos cem toneladas.

Finalmente colocou-a no lugar indicado pelos willys.

A telecinese de Gucky tornou-se ainda mais impressionante quando libertou os pontos de ruptura da rocha solta. Nem uma única peça caiu ao chão.

Isso fez com que os willys se decidissem de vez. O porta-voz dessa raça extremamente simpática prometeu todo auxílio possível a Gucky. Quase chegou a envergonhar-se quando salientou não ter possibilidade de atravessar a tormenta para chegar ao centro de plasma.

— Deixem isso por minha conta, willys. Daqui a pouco estarei de volta com dois amigos.

Falando isto, desapareceu.

Um minuto depois, Gucky voltou com Ras Tschubai e Tako Kakuta. Os willys usaram seus sentidos telepáticos para dar a entender que estavam dispostos a ajudar os terranos, mas não confiavam muito nas forças desconhecidas da teleportação. Porém, quando num instante se viram no interior daquilo que Moders chamava de círculo de tráfego, sua desconfiança desapareceu de vez.

— Ainda é cedo — disse Moders. — Não estamos conseguindo nada, Gucky. O que direi ao chefe? Os blocos biopônicos e seus projetores são muito mais complicados do que eu pensava.

Gucky fez de conta que estava familiarizado com o engaste hipertóictico. Inclinou ligeiramente a cabeça de rato-castor, fitou Van Moders com a expressão mais ingênua deste mundo e disse:

— Você conseguirá, Van. Não é por nada que o chamam de “pavor ideológico”.

Era uma maneira de encorajar um homem que começava a duvidar de sua capacidade.

— Gucky — disse Moders, com um sorriso. — Você é um sujeito formidável. — Até encontrou tempo para acariciar o pêlo do rato-castor.

No círculo de tráfego havia mais de cem blocos biopônicos, mas só três assumiam importância vital para o centro de plasma. Era verdade que os outros também teriam de ser reparados para garantir o funcionamento normal do conjunto, mas a tarefa mais urgente consistia em colocar em funcionamento um desses três blocos.

Gucky olhou para os willys. Ao que tudo indicava, o ambiente em que se encontravam não lhes era estranho. Introduziu-se em seus pensamentos e, ao constatar que só esperavam a oportunidade de ajudar os terranos, ficou satisfeito.

Além de Moders trabalhavam no bloco biopônico dois homens que haviam reparado o equipamento de suprimento de oxigênio. Vez por outra o robólogo transmitia instruções lacônicas. Todo mundo lhe fazia perguntas. Não perdeu a calma e a visão de conjunto. Além de uma memória incrível possuía o dom de identificar-se com a técnica dos seres de Mecânica.

— Ainda não consigo compreender por que a explosão no interior da programação do ódio danificou todos os blocos biopônicos que se encontram por aqui — disse o professor Gaston Durand.

Moders respondeu com uma santa paciência:

— Já tive oportunidade de fazer esta constatação. As criaturas em quem os seres de Mecânica confiavam menos eram eles mesmos. E isso também acontece com sua tecnologia. Ao contrário do que dizia o plasma, a programação do ódio dispunha de um controle alternativo que a colocava em contato com os outros blocos. Quando a programação do ódio explodiu, parte da energia excedente chegou aos blocos. Do lado oposto vieram os impulsos reforçados do centro de plasma. Será que o senhor ainda não. compreendeu, professor? Ao reforçar cada vez mais os seus impulsos, o centro de plasma dava ininterruptamente pontapés em sua própria espinha dorsal. Não consigo explicar a coisa de forma mais clara... Oh, como sou idiota!

O professor Durand não sabia o que estava acontecendo quando Van Moders, radiante, bateu em seu ombro, riu a bandeiras despregadas e transmitiu algumas instruções aos dois colaboradores. Van Moders imaginara que a solução do problema fosse mais fácil. Os três blocos biopônicos principais teriam de funcionar perfeitamente. Depois de algum tempo, os projetores dos campos defensivos estavam funcionando, e as medições dos potentes isoladores de campos energéticos revelaram uma eficiência de cem por cento.

Moders e seus dois colaboradores desceram de oito metros de altura. Moders fez um sinal para Gucky. Este compreendera seus pensamentos e transmitira seu sentido aos willys.

Será que estavam formando um bloco mental que nem os telepatas dirigidos por John Marshall, a fim de irradiar seus impulsos conjugados para o plasma moribundo?

Gucky fez um grande esforço para descobrir, mas não conseguiu.

Moders estava agachado à frente do hipercomunicador portátil e falava com o chefe. Não sabia como estavam as coisas a cem mil quilômetros acima do Mundo dos Duzentos Sóis, e muito menos imaginava que por lá se esboçava o quadro de uma catástrofe.

Rhodan não comentou a situação. Sabia o que podia esperar de seus colaboradores.

— Quando poderemos contar com uma modificação total das condições reinantes no Mundo dos Duzentos Sóis, Moders? — perguntou.

— Não posso dizer, chefe. Ninguém sabe se o plasma ainda voltará a entrar em atividade — respondeu Moders.

— Obrigado. Avise-me assim que haja qualquer modificação, quer seja ela favorável, quer seja desfavorável.

Moders desligou o aparelho sem desconfiar de nada. Só conhecia uma tarefa: concluir o quanto antes os reparos de mais de cem blocos biopônicos. Não poderia saber que, no mesmo instante, Reginald Bell berrou para dentro do microfone:

— O lugar desse sujeito é no hospício!

Rhodan não deu tempo para que Bell continuasse a esbravejar.

— Concentre os ataques de suas naves exclusivamente nas naves-pingo que tentarem fazer explodir os...

Achou que não havia necessidade de concluir a frase.

Mais uma nave dos laurins acabara de ser destruída.

Dali a dez minutos Bell voltou a falar com Perry Rhodan.

— Daqui a trinta minutos estarei aí. Eu...

Depois disso o hiper-rádio transmitiu o estertor de um homem e os gritos de muitos outros.

— O que houve, Bell? — perguntou Rhodan em tom de alarma.

Repetiu a pergunta.

Mas, na sala de comando da Teodorico, ninguém o entendeu. Suas palavras foram abafadas pelos gritos...

 

O Mundo dos Duzentos Sóis transformara-se num monstro que cuspia raios.

Isso de um instante para outro!

De repente os homens, que estavam sentados atrás dos canhões de radiações e nem sabiam mais contra qual das naves-pingo deveriam disparar, viram a terra abrir-se em todo lugar; as posições de artilharia saíam da superfície.

Os visores infravermelhos, que ignoravam a tormenta e as massas de areia tangidas pela mesma, pareciam exibir-lhes um espetáculo infernal. Junto ao embasamento de um pesado canhão de impulsos saltou um raio de quase cinqüenta metros de diâmetro e avançou pelo espaço, em direção ao lugar onde ainda se viam alguns sóis.

— Alvejar a terra! — berrou o chefe de uma posição de artilharia e logo comprimiu pessoalmente a tecla vermelha que separava seu canhão do suprimento energético.

O localizador antifletor permitiu que, a uma altura de cem mil quilômetros, vissem uma coisa que ultrapassava sua capacidade de compreensão.

De novo! Mais uma vez! E mais uma vez! As posições de artilharia do planeta, que há alguns segundos ainda eram desconhecidas, golpeavam com seus raios.

Outra vez!

À direita, à esquerda, em toda parte!

O bramido dos raios era mais forte que o ruído do furacão desencadeado pelas explosões em grandes altitudes.

Uma após outra, as posições de artilharia dos terranos foram suspendendo o fogo.

Não adiantava.

Eram impotentes diante do poder concentrado dos fortes hiperimpotrônicos.

Cada um desses fortes tinha a força combativa de um supergigante. A união dos raios começou a agir como uma barreira contra o furacão. E a barreira penetrava profundamente no espaço vazio.

O furacão foi cortado em pedaços e desviado. Subia juntamente com os raios. A cada segundo que passava, perdia parte de sua força destrutiva.

Finalmente, depois de muitos segundos, ouviu-se um grito. Um grito, dois e... finalmente todos berravam num júbilo frenético.

Por mais de uma vez, homens que costumavam ser um modelo de autocontrole caíam nos braços uns dos outros.

O Mundo dos Duzentos Sóis estava golpeando, mas obedecia às ordens do centro de plasma. Também a hiperimpotrônica, o gigantesco cérebro, estava submetido às ordens da biossubstância. A potência fulminante dos fortes abria clareiras nas fileiras das naves dos invisíveis.

Mas não foram só os canhões estacionários que travaram combate com as naves-pingo. Naves fragmentárias surgiram, vindas do nada, disparando seus terríveis raios conversores com todos os canhões dos costados.

Uma luminosidade cada vez mais forte surgiu em torno do Mundo dos Duzentos Sóis.

Milhares de naves dos laurins desfizeram-se sob o processo de desintegração atômica.

Todos os receptores de hipercomunicação deram o sinal de chamada. Era o chefe que estava entrando em contato com seus homens. Disse tudo numa única frase:

— O centro de plasma voltou a assumir o controle do cérebro hiperimpotrônico.

O rosto sorridente de Bell apareceu na grande tela.

— Isso é uma fábula, Perry! — disse. Rhodan respondeu prontamente:

— E olhe que você queria ver trancado no hospício o homem que nos trouxe esta fábula. Quando é que você aprenderá a confiar nos nossos colaboradores?

— O quê! — exclamou Bell, fora de si. — Perry, você realmente acreditava que Van Moders conseguiria? Acreditava mesmo?

Perry Rhodan respondeu imediatamente, sem tirar os olhos de Bell:

— Se não fosse o homem que atende pelo nome de Van Moders, eu nunca teria arriscado o vôo ao Mundo dos Duzentos Sóis.

 

Só algumas naves-pingo resistiam ao inferno e conseguiram pôr-se a salvo, fugindo para as profundezas do espaço intergaláctico. Com o auxílio inesperado das naves dos pos-bis, os humanos saíram vitoriosos da batalha mais importante da História Galáctica.

O centro de plasma, que começou a recuperar-se com uma rapidez surpreendente e controlava firmemente a hiperimpotrônica, não se esqueceu da grande dívida de gratidão que havia assumido para com os humanos. O tratado celebrado entre ele e Rhodan, consistente apenas numa série de acordos verbais, foi um dos poucos que nunca chegaram a ser rompidos.

O plasma cedeu prontamente os dados sobre os raios conversores que lhe foram solicitados. Sem demonstrar a menor desconfiança, aceitou a sugestão de Rhodan. Iria instalar, com o auxílio de Van Moders, uma segurança entre o engaste hipertóictico e a hiperimpotrônica, segurança esta que só funcionaria na direção do cérebro. Dessa forma se evitaria para todo o sempre que o gigantesco mecanismo voltasse a assumir o poder.

Os teleportadores retiraram a superbomba das profundezas da hiperimpotrônica, pois o gigantesco centro de computação, dotado de uma inteligência impotrônica era de valor inestimável, caso não se tornasse independente.

Quando interpretaram os dados sobre as bases pos-bis que ainda existiam no espaço intergaláctico, os especialistas chegaram à conclusão de que só restavam dez por cento. A grande massa dos planetas e satélites artificiais fora destruída nas lutas entre os robôs. Os terranos ficaram chocados ao tomarem conhecimento de que, em virtude da destruição da programação do ódio, as naves fragmentárias não estavam mais em condições de criar os campos relativistas atrás dos quais podiam transportar-se até dez horas no futuro.

Rhodan recebeu a notícia com uma calma surpreendente.

— Nem mesmo para nós, as árvores crescem até o céu — disse.

Nem mesmo Bell compreendeu seu sorriso. Mas Gucky conhecia o motivo. Mais uma vez introduzira-se nos pensamentos de Rhodan. E aquilo que leu deixou-o perplexo.

O que estava pensando Perry Rhodan?

— A conquista do Universo não deve tornar-se muito fácil para nós, pois, nesse caso, existe o perigo de nos cansarmos muito antes de atingirmos nosso objetivo — disse o administrador, pensativo.

Rhodan recebeu mais um pedido de comparecer ao edifício central do plasma. A frota terrana, que passara por uma revisão completa, já estava pronta para decolar em direção à Galáxia.

Rhodan não se surpreendeu ao receber um pedido do centro de plasma.

— Procure o mundo de plasma do qual eu vim, Rhodan. Procure-o e liberte-o dos laurins, que são os inimigos da verdadeira vida.

Rhodan pediu dados, mapas estelares.

Acontece que o centro de plasma não possuía dados nem mapas. Só tinha uma vaga suposição quanto ao lugar de que havia vindo. Viera do outro lado do abismo intergaláctico, da nebulosa de Andrômeda.

Rhodan não se limitou a dizer algumas palavras vazias.

— Por enquanto ainda não posso prometer nada. Nossas naves não estão em condições de atravessar o grande abismo. Quando chegar o dia em que os terranos alcançarem o distante oceano de estrelas, eu me lembrarei do pedido que você acaba de fazer e sairei à procura do mundo que é o seu. Prometo!

Ao sair da sala de tradução, ouviu estas palavras:

— À verdadeira vida pertence o Universo.

Perry Rhodan nunca mais se esqueceu desta frase. Mas também não se esqueceu de indagar-se: “Quem corporifica a verdadeira vida?”

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

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