Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Herança dos Sáurios / Clark Darlton
A Herança dos Sáurios / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Herança dos Sáurios

 

Novos caminhos para a alimentação do Universo?

No longínquo planeta Snarfot, a mais de 33.000 anos-luz da Terra, conseguiram os terranos descobrir e desativar duas enormes espaçonaves estrangeiras: a Scout, nave de reconhecimento, que até então havia descoberto planetas de oxigênio adequados ao cultivo do assim chamado musgo da gordura, e a gigantesca Nave Semeadora, cujas dezenas e dezenas de robôs voadores tinham a missão de espalhar as “Sementes da Desgraça”. Sob a égide de Perry Rhodan, os terranos descobriram, para sua grande surpresa, que as duas naves inimigas eram totalmente robotizadas e agiam estritamente condicionadas à programação de seus construtores. De acordo com as investigações já realizadas, parece muito improvável que os construtores, que se alimentavam com os fungos do musgo da gordura, ainda estejam vivos.

O mundo dos construtores é o planeta da mecanização.

Este mundo da robotização, como descobriram os terranos, está em plena atividade, embora já desde séculos e séculos não possua vida orgânica. Os construtores já morreram há muito tempo, mas A Herança dos Sáurios está cada vez mais ativa, mormente a misteriosa “Nave da Colheita”, que terá agora de trabalhar em benefício dos homens.

 

                                           

 

Era um sol verdadeiramente isolado, pois estava a oito mil duzentos e quarenta anos-luz de Árcon e trinta e sete mil cento e onze anos-luz da Terra, portanto, nos confins do Universo.

Este sol solitário estava consignado nos catálogos siderais e recebia o nome de “Sol de Azgos”. Seus quatro planetas nunca tiveram maior importância, sendo que apenas o segundo deles era habitado. Chamava-se Azgola e seus poucos habitantes, outrora magros como palitos, tiveram que ser evacuados, devido ao mal da engorda repentina. Devido a este fato, o até então desconhecido planeta Azgola começou a chamar a atenção de muitos povos poderosos da Galáxia, saindo de sua obscuridade para se tornar um mundo cobiçado por muitos. Realmente, era em Azgola que se iria comprovar se o ser humano era de fato superior aos robôs.

A frota de Rhodan circunvoava o sistema a uma grande distância, estando o administrador no cruzador Sírius, do tipo das naves Solar. A seu lado estavam Reginald Bell e alguns mutantes. Teve lugar então a última discussão da situação. Em rápidos traços, Rhodan resumiu os acontecimentos. Estas providências eram indispensáveis a fim de tornar bem claros os preparativos para o próximo empreendimento.

Fazendo uma pequena pausa, Rhodan observou cada uma das várias telas do sistema de videofone da central de comando da Sírius. Em cada uma havia sempre um rosto conhecido, de expressão calma e resoluta, sendo que o de Jefe Claudrin chamava mais a atenção pelas suas “dimensões”. O major, comandante do supercouraçado Ironduke, sorria confiante.

Rhodan pigarreou.

— Não seja otimista demais, Claudrin — disse ele com voz estranhamente séria. — O que vai decidir a luta não é nossa força material bélica, mas tão-somente nossos dons técnicos e nossa lógica. Teremos de enfrentar um adversário cujo cérebro positrônico é muito superior ao nosso. Se cometermos apenas um pequeno erro, estará tudo perdido. Torno a repetir para que todos compreendam: uma raça extinta, provavelmente de sáurios, vivia no mundo robotizado, a mais de cinqüenta mil anos da Nebulosa M-13. Seu metabolismo era completamente diferente do nosso. Não se alimentavam da nossa maneira, mas viviam exclusivamente dos fungos dos musgos que absorviam pela respiração pulmonar ou mesmo cutânea. Para disporem em maior quantidade destes fungos, enviaram naves robotizadas pelo espaço a fora.

“Eram três as que executavam esta missão. A Scout, ou nave de reconhecimento, que procurava planetas adequados para o cultivo, a grande Nave Semeadora, com os silos repletos de fungos e, finalmente, a ainda desconhecida “Nave da Colheita”. As duas primeiras, conseguimos achar e praticamente destruir. Estamos esperando agora pelo aparecimento da “Nave da Colheita”. Se é que conseguimos utilizar corretamente a abandonada estação de contatos no planeta da mecanização e soubemos transmitir os sinais de rádio com exatidão, a tal “Nave da Colheita”deve se encontrar aqui no sistema Azgos.”

Rhodan fez de novo uma pequena pausa. Sabia que os homens estavam aguardando ordem de entrar em ação, mas não era ainda o momento exato.

— Estes sáurios, extintos talvez já há muitos milênios, construíram uma gigantesca civilização robotizada, cuja herança são as três naves. As duas primeiras estão fora de uso, excluindo assim futuras contaminações do espaço. Precisamos, porém, da “Nave da Colheita” para debelar o mal já causado, pois o que é bom para uns, pode ser ruim para outros. Os sáurios se alimentavam dos fungos de uma planta semelhante ao musgo, que era semeada em planetas de calor relativo.

“Este musgo cresce muito rapidamente e sem nenhum cuidado maior de clima ou de solo. Floresce praticamente o tempo todo, exalando sem cessar fungos microscópicos, que em si não são nem venenosos nem prejudiciais. Possuem, no entanto, um incrível poder alimentício. Se respirarmos estes fungos, teremos então uma nutrição superconcentrada que automaticamente produz um acúmulo de gordura tão elevado que, em poucos dias, se torna uma grave ameaça à saúde. E ninguém pode se defender deste engordar nocivo, enquanto estiver respirando. É por este motivo que os cientistas batizaram esta planta simplesmente com o nome de musgo da gordura.”

Por isso, quando um dos comandantes, quase sem o perceber, fez uma cara de meio espantado, Rhodan continuou com voz mais firme:

— Sei perfeitamente, senhores oficiais, que até hoje jamais tivemos que lutar contra a superalimentação, mas o fato é que o incrível se tornou realidade. Fomos obrigados a evacuar os dois milhões de habitantes do planeta Azgola, pois engordaram de tal maneira que não conseguiam mais se mover. Não nos restou outra alternativa senão a difícil evacuação dos superalimentados, pois ainda não estamos a par dos métodos de colheita da extinta raça dos sáurios. É verdade que este musgo é muito sensível e definha com temperaturas abaixo de dez graus Celsius. Azgola, porém, tem um clima quase subtropical. O musgo aí é nativo e impossível de ser eliminado. Somente agora que o planeta está despovoado é que podemos tentar sua destruição. Mas se o fizermos, cometeremos um grande erro, pois Azgola deixará de ser uma armadilha para capturarmos a “Nave da Colheita” e, com isso, Árcon II está perdido, pois a equipe de cientistas arcônidas foi tão imprudente ao ponto de negligenciar as medidas de isolamento dos fungos e a esta altura já se manifestam os primeiros sinais da contaminação. Grandes trechos do planeta industrial arcônida encontram-se cobertos com o musgo da gordura e seus habitantes já apresentam uma obesidade descomunal.

— Será que Árcon II terá que ser também evacuado? — perguntou Claudrin com o vozeirão de sempre.

— Isto seria coisa impossível — explicou Rhodan. — Árcon II é demasiadamente importante e mesmo vital para o Imperador Atlan. Além disso, não será possível evacuar tantos milhões de habitantes sem correr o risco de se espalhar mais ainda os germens da contaminação. Por mais benéfica e aproveitável que seja esta plantinha singular, não deixa de ser um terrível fantasma quando não controlada. E nós não a controlamos ainda. Nem sabemos como colhê-la e como usá-la racionalmente. Somente a desaparecida “Nave da Colheita” é que nos pode ensinar estas coisas. E é por isto que estamos aqui esperando. Enquanto a aguardamos, permitam que lhes dê umas explicações necessárias sobre o mundo robotizado. Conseguimos encontrá-lo graças aos cálculos do cérebro positrônico de Árcon que usou para isto as transmissões de hiper-rádio das outras duas naves capturadas e destruídas por nós. Este planeta é um mundo seco e frio atualmente, mas a civilização criada pelos sáurios ainda existe, ao menos parcialmente. Da central de comando, lá no mundo da mecanização, nós transmitimos ordens para a “Nave da Colheita”, que deve estar aí pelo espaço aguardando instruções para novas operações. Demos-lhe as coordenadas de Azgola. Assim que esta nave chegar aqui, a central de comando lá no planeta da robotização deve ser destruída. Isto será sua missão, Claudrin. Permaneça em Árcon III, até receber minhas instruções.

— Perfeitamente, senhor — respondeu o Major Jefe Claudrin a mais de oito mil anos-luz de distância.

Rhodan prosseguiu:

— Encontramos ainda, neste mundo da mecanização, uma cabal demonstração de como os sáurios se alimentavam e daí podemos deduzir como estes fungos do musgo da gordura poderão ser um dia utilíssimos para nós. Nas gigantescas cúpulas de um material semelhante ao cristal, ardiam sóis artificiais: eram as salas de jantar dos sáurios, para onde levavam-se os fungos. Mais tarde, quando o planeta começou a esfriar, iniciou-se então a missão específica da “Nave da Colheita”, isto é, trazer para as cúpulas as colheitas das semeaduras, feitas em longínquos planetas. E quando um dia estas colheitas deixaram de ser feitas, os sáurios morreram.

— E a tal “Nave da Colheita”...? — perguntou alguém. — Por que motivo deixou de funcionar?

— Não o sabemos. Talvez por defeito mecânico, ou talvez mesmo porque a Scout, isto é, a nave de reconhecimento, não encontrou mais mundos apropriados para o cultivo dos fungos. Afinal, também não podemos afirmar peremptoriamente que o desaparecimento da “Nave da Colheita” foi a causa única da extinção dos sáurios. O que sabemos ainda é muito pouco. Mas de uma coisa estamos conscientes: temos que encontrar esta misteriosa “Nave da Colheita” para salvar Árcon. Por isto estamos aqui. Temos que armar uma cilada para um adversário que há muito tempo já morreu, cuja herança, porém, continua viva nos milhares de robôs do planeta da mecanização. A própria nave é um robô. Sua tripulação, se é que existe, deve ser constituída também de robôs. Se conseguirmos construir, em espaço relativamente curto, instalações adequadas de hiper-rádio, o que já se vem tentando na Terra, poderemos então controlar a “Nave da Colheita” e mandá-la para onde quisermos. Poderemos assim introduzir a alimentação pela respiração dos fungos.

Alguma coisa se movia atrás de Rhodan. Era o rato-castor refestelado numa poltrona, que se levantou, caminhando na direção dos que rodeavam o administrador.

— Qual é mesmo o sabor do tal musgo alimentício? — perguntou ele interessado. — Pode-se também comê-lo? Acho que não conseguirei respirá-lo.

— Como é que a gente pode ser tão guloso assim? — observou Reginald Bell, do outro canto da sala.

Gucky levantou ameaçador a pata direita, apontando para o gorducho, fazendo cessar com isto qualquer outro comentário.

A resposta de Rhodan, tinha um tom carinhoso:

— Você poderá provar, meu amigo. Terá logo oportunidade para isto quando voltar a Azgola.

— Eu... em Azgola? Lá não mora mais ninguém... — disse Gucky um tanto espantado.

— Exatamente! Mas antes de lhe responder com mais exatidão, deixe-me terminar a exposição de meu plano. Então você poderá fazer suas objeções, se ainda tiver vontade. De acordo?

Depois que Gucky fez que sim com a cabeça, Rhodan prosseguiu:

— A “Nave da Colheita”, isto é, o grande robô, não pode desconfiar de nada. Por isso é que não há nenhuma de nossas naves aqui por estas paragens. Ficarão em Azgola somente os três teleportadores Gucky, Ras Tschubai e Tako Kakuta, aguardando instruções por via telepática. Isso será tudo. Só podemos pedir a Deus que a “Nave da Colheita” caia mesmo em nossa cilada e faça o nosso jogo. Se isto não acontecer...

Semblantes tensos olhavam para Rhodan na grande tela do videofone, sem dizer nada. Começavam a medir a extensão do perigo que derivava de uma coisa em si utilíssima, pois os fungos nutritivos representavam realmente uma nova esperança para os habitantes da Galáxia. Poderiam provocar uma mudança total nos hábitos e na política alimentar, resolvendo talvez o problema da escassez de gêneros. Porém, enquanto não controlassem perfeitamente seu plantio e seu preparo, os musgos continuariam pondo em risco todos os habitantes da Galáxia.

Apagaram-se as telas. Minutos depois, estabeleceu-se a ligação com Atlan, que de Árcon dava os primeiros passos para a grande operação. O semblante do imperador de Árcon era a imagem da preocupação e do cansaço.

— Como está a situação, Atlan?

— Muito séria, Perry. Mandei isolar Árcon II e deixar todos de quarentena. Ninguém pode sair do planeta. É claro que esta providência nos acarreta graves problemas, pois Árcon é o centro de todo nosso comércio e a sede de nossa indústria. Conseguimos, porém, evitar o pânico e os médicos estão tentando debelar as conseqüências do excessivo acúmulo de gordura, neutralizando a superalimentação ingerida pela respiração obrigatória dos fungos. Apesar de todas as dificuldades, nota-se uma pequena melhora, sendo que a tal engorda já é mais lenta.

— Ótimo — acudiu Rhodan com visível alívio. — Deve haver realmente alguma possibilidade de compensar a excessiva ingestão de carboidratos por um dispêndio mais elevado de energia física.

— Não exagere a capacidade dos cientistas — advertiu Atlan friamente. — Os fungos contêm quase oitenta por cento de lipídios de alta concentração, que se depositam total e imediatamente no organismo. Um só grama desta gordura, com a combustão que se realiza no organismo, desenvolve o valor equivalente a 9,6 calorias. Os restantes vinte por cento redundam em carboidratos e albumina. Para nós, o importante e o que nos preocupa são apenas os lipídios.

— Mas antes de mais nada — disse Rhodan objetivamente — temos que resolver a questão da “Nave da Colheita”. Somente ela nos pode salvar. Quando estivermos a par dos verdadeiros métodos de colheita, Árcon estará fora de perigo. Ainda não sabemos se muitos foram os planetas atingidos pela atividade da Nave Semeadora. Infelizmente, estes fungos podem se espalhar pela Galáxia como uma verdadeira epidemia, ou melhor, endemia. Se conseguirmos realmente capturar esta nave, devemos também estar em condições de entrar em ação em qualquer parte do espaço onde surgir o flagelo dos fungos. Você vai ter paciência e esperar um pouco, Atlan, pois seria demasiadamente arriscado trazer a “Nave da Colheita” diretamente para Árcon II. O robô deve saber que a Nave Semeadora nunca operou aí.

— Não estou muito a par deste assunto, Perry. Além disso, prefiro mesmo que se faça um teste geral primeiramente em Azgola. Acho, que vou ficar em ligação de hiper-rádio constantemente com você, não é?

— Claro que sim. Não há nenhum perigo de sermos interceptados, pois a nave robotizada reage somente com determinados grupos simbólicos de hiper-rádio. Estamos em condições de reproduzir estes sinais específicos, pois, para nossa felicidade, o mundo robotizado nos deu as bases para a construção de um transmissor especial, com o qual, se tudo der certo, poderemos entrar em contato com a mencionada nave.

— Se tudo der certo... — repetiu Atlan meio céptico.

Foi para a longínqua Terra, a próxima ligação. Os técnicos encarregados da construção do transmissor especial prometeram entregar o aparelho ainda naquela semana. Os dados que lhes foram fornecidos — todos procedentes do mundo da mecanização — foram suficientes.

Resolvido tudo isto, Rhodan respirou aliviado.

— Agora não nos resta nada mais a fazer a não ser aguardar, desejando que nossa gente na Terra gaste menos tempo no trabalho do que a viagem da “Nave da Colheita” até aqui. Uma diferença de dois ou três dias, porém, não terá importância, pois a nave necessita certamente de alguns dias para a colheita — olhou para Bell, um pouco pensativo. — Você quer me fazer o favor de pedir ao comandante da Sírius para se aproximar até uma distância de vinte mil quilômetros de Azgola? Estarei na central dentro de cinco minutos.

Bell se levantou, depois de dar uma piscadela para Gucky.

— Já está então na hora?

Rhodan fez que sim.

— Não podemos esperar mais. Depois que a nave chegar aqui, poderá ser tarde demais. Ela não deverá de maneira alguma perceber a presença de naves estranhas, nem mesmo suspeitar. Em cinco minutos, pois, estarei lá em cima.

Bell subiu. Gucky, o teleportador africano Ras Tschubai e seu colega, o japonês Tako Kakuta, se mantiveram em silêncio. A missão que lhes cabia não era lá das mais fáceis. Era uma situação completamente nova. Não precisariam de nenhum alimento durante sua permanência no solitário planeta Azgola, no entanto estariam obrigados a ingeri-lo forçadamente. A cada respiração, estariam absorvendo calorias que seu organismo não iria consumir tão depressa. A obesidade daí resultante não era propriamente perigosa, muito menos mortal, no seu estágio inicial, mas não deixava de ser desagradável. Principalmente para Gucky.

— Quer dizer que a gente fica gordo pelo simples fato de respirar? — perguntou ele, desconfiado. — Mesmo que não se coma nada?

— Você não vai sentir fome alguma — explicou-lhe Rhodan. — Assim será inútil você encher os bolsos com cenouras. Não vai comê-las.

— Puxa! — disse Gucky, incrédulo. — Pelo menos, as cenouras não engordam.

Depois, olhando com certa dose de malícia para o esbelto japonês, disse:

— Estou curioso para ver como vai ficar Tako, quando engordar. Certamente não sentirá muita diferença, nem sofrerá nada...

— Ninguém vai sofrer nada — tranqüilizou Rhodan. — Temos medicamentos suficientes para fazê-los voltar ao normal. É claro que somos obrigados a seguir as prescrições médicas e não tomar simplesmente qualquer tipo de pílula de emagrecimento. Acho que estão bem informados a respeito, não é verdade, Ras?

O africano concordou, percebendo a indireta de Rhodan.

Os três teleportadores receberam as últimas instruções, sendo que Gucky foi nomeado chefe do grupo, ou da expedição, cujo objetivo tinha simplesmente o seguinte teor: a nave robotizada para a colheita deveria ser levada incólume para Árcon, logo após sua chegada.

Mas a questão principal era se a nave iria mesmo chegar.

 

Não foi mister uma teleportação, pois quando a Sírius estava a vinte mil quilômetros de Azgola, Rhodan deu ordem para que mantivessem de prontidão uma das gazelas. Estas naves pequenas, mas muito rápidas, tinham o formato de um disco, empregadas quase sempre como aparelhos de reconhecimento E mesmo que a “Nave da Colheita” chegasse inesperadamente, a gazela podia desaparecer sem deixar vestígios.

— O disco vai largá-los em algum lugar — informou Rhodan. — Terão plena liberdade de movimento em Azgola, que no momento é um planeta desabitado. Procurem um bom esconderijo, talvez na própria cidade de Timpik, onde antes moravam uns duzentos e cinqüenta mil habitantes, ou fiquem então nas florestas. Assim que a “Nave da Colheita” chegar, Marshall vai entrar em contato telepático com vocês. Ou se ele não o conseguir, Betty o fará. Vocês então farão exatamente o que eu mandar. Está bem claro, Gucky?

O rato-castor estava meio desconfiado.

— Por que que você faz esta pergunta diretamente a mim? Por acaso já deixei de obedecer a alguma ordem sua?

O esperto mutante fez uma cara de tamanha inocência que Rhodan teve que sorrir.

— Não toquemos mais no assunto, Gucky. Você entendeu bem, não é? Somente fazer o que for mandado. Não estamos diante de um adversário humano, mas de um robô.

— Oh!. — disse ele decepcionado. — Conheço bem esta laia de robôs. Já não tivemos tanto aborrecimento com o cérebro positrônico de Árcon?

— Isto aqui é coisa bem diferente — acentuou Rhodan com mais ênfase. — A diferença está no fato de que o computador de Árcon sabia com quem estava lutando. Mas o robô que comanda a “Nave da Colheita” age sob determinações de uma raça, já extinta há muito tempo. Age, portanto, comandado por fantasmas. Não sabemos o que ele faria se soubesse que as ordens que executa emanam de defuntos e não têm mais sentido algum. Quem sabe então se, neste caso, ele se destruiria, o que seria o pior desastre para nós, digo, para Árcon? Você não pode, pois, de maneira alguma comparar a “Nave da Colheita” com o computador de Árcon. Este robô da “Nave da Colheita” não pode nem saber que tem um adversário. Mas caso ele chegue a saber disso, deve ser desativado no mesmo instante. Neste sentido, a missão de vocês se transforma em ação-relâmpago, embora não possa dizer quanto tempo têm que esperar por ela. Ninguém sabe quanto tempo esta nave leva para seu vôo, nem se sabe em que parte do Universo ela está esperando por um comando.

— Mas ela recebeu uma ordem, não foi?

— Recebeu do mundo robotizado, se é que fizemos corretamente a transmissão dos impulsos simbólicos. De qualquer maneira, recebemos a confirmação da ordem. Deve estar, portanto, a caminho.

Gucky se encaminhou para a porta que dava para o corredor.

— Vamos à luta, então! — exclamou resoluto.

— Esperem, pois eu vou também — disse Rhodan.

Ras Tschubai e Tako Kakuta o seguiram, entrando todos no elevador que os conduziu para o andar de baixo, isto é, para o hangar.

A gazela já estava pronta. Um tenente ainda bem jovem se encaminhou para Rhodan, dizendo:

— Aparelho de reconhecimento G-7 está pronto, senhor!

Rhodan agradeceu.

— Deixe o comando de ação em qualquer ponto. O local não tem nenhuma importância; somente o tempo. Têm que voltar o mais depressa possível e permanecer o mínimo possível em Azgola. Ficaremos esperando aqui, até que retornem. A Sírius voltará, então, imediatamente para sua posição anterior.

Os mutantes se despediram de Rhodan e entraram na gazela. É claro que não se sentiam bem. Mas ninguém dava a menor mostra disso.

Poucos minutos depois, Rhodan presenciou na tela panorâmica como a gazela foi atirada no espaço, desaparecendo na direção do planeta. O sol de Azgos dardejava seus raios no firmamento. O planeta Azgola tinha um colorido entre o verde e o azul, lembrando um pouco a Terra. Na verdade, apresentava condições bem semelhantes, sendo porém bem menor, mais ou menos do tamanho de Marte. Sua superfície era grandes continentes e mares sem ilhas. A parte de terra firme era quase toda coberta de florestas, rasgadas por grandes rios. Havia também vastas estepes e algumas montanhas com planaltos áridos. O musgo da gordura, planta pouco exigente, crescia normalmente nestas regiões secas.

Vinte minutos depois, estava de volta a gazela.

— Os passageiros foram desembarcados, senhor — anunciou o tenente.

Rhodan olhou para Bell, que estava ao lado do comandante da Sírius.

Reginald Bell apenas meneou a cabeça. Respirava um tanto irregularmente e sua expressão fisionômica exprimia os cuidados e a preocupação por causa de Gucky. Apesar de suas discussões freqüentes com o rato-castor, todos sabiam que os dois seres tão desiguais estavam ligados por grande amizade.

— Volte para sua primeira posição, major! — ordenou Bell. — Mantenha a distância de quinze dias-luz de Azgola.

Poucos segundos depois, o planeta solitário desapareceu da tela. Um planeta onde havia apenas três seres inteligentes. Dois homens e um rato-castor... esperando pela “Nave da Colheita”!

 

Gucky olhava para todos os lados. A expressão de seus olhos não era exatamente de entusiasmo. Também seus companheiros não pareciam muito alegres com o ambiente. A gazela os deixara num planalto sem nenhuma vegetação, onde nem mesmo as raízes do musgo da gordura conseguiam medrar. Era tudo rocha nua. Varando um céu bem cheio de nuvens, sobressaíam ao longe os píncaros azulados de uma grande serra. Os planaltos eram de novo enormes extensões de rocha e areia.

— Aqui não vamos ficar — disse Gucky. — Se chover, vou ficar com o pêlo molhado...

— Temos a liberdade de escolher o lugar para ficar — lembrou-lhe Ras. — Se não gostamos daqui, vamos para outro ponto.

— Andar faz bem — observou Tako rindo. — Para onde vamos, então?

Como não conheciam o planeta Azgola, estavam obrigados a teleportarem-se somente para lugares que podiam ver. Procuraram então um ponto visível, desmaterializaram-se e no mesmo instante estavam no local desejado. Se quisessem, poderiam desta forma percorrer todo o planeta em poucas horas.

Ras olhava para a montanha distante. Mas Gucky meneou a cabeça.

— Estou cheio de montanhas, pelo menos por enquanto. Vamos dar um pulo lá na planície. Até o sopé do morro não é muito longe. Podemos ir a pé.

Caminharam até onde o planalto terminava numa descida íngreme, coberta de cascalho e com alguns blocos maiores de pedra. Algumas árvores desgalhadas davam um pouco de vida àquele cenário tão triste e sem vegetação.

— Lá embaixo há um rio — disse Tako apontando numa determinada direção. — Ele vai serpenteando pela mata virgem. Não vejo outra coisa que floresta.

— No meio do curso d'água há uma ilha — disse Ras. — Lá ninguém nos achará e é muito mais agradável do que aqui em cima. Lá poderemos fazer fogo, se a noite ficar muito fria.

Gucky sorria enquanto se preparava para o salto de teleportação.

— Então, vamos à ilha. Vejamos quem chega primeiro!?

Teleportação era um dom parapsíquico que exigia grande concentração. Tinha que se ativar um setor do cérebro que em geral permanece inexplorado. Na fase inicial de todo teleportador, um salto de desmaterialização era muito cansativo. Hoje, porém, estes encanecidos teleportadores faziam-no com a maior facilidade.

Não foi, pois, nada de extraordinário quando, no mesmo instante do desafio de Gucky, os dois desapareceram no espaço em fração de segundo logo depois.

A rematerializaçáo também se deu na mesma ordem, chegando Gucky por um nada na frente dos dois outros na ilha fluvial.

Pela grande distância, não puderam medir bem a altura. Gucky sentiu logo que estava caindo, abriu os olhos e, já consciente, agarrou-se ao primeiro galho de árvore que conseguiu pegar. Sua queda se interrompeu com um grande safanão e só então notou que estava a vinte metros acima do chão coberto de musgo.

Quando se rematerializou, Ras Tschubai caiu como uma pedra. Não teve a presença de espírito de se teleportar novamente e, certamente, teria se machucado não fosse o segundo dom do rato-castor, que com suas forças telecinéticas manteve no ar o pesado africano, fazendo-o depois descer bem de leve, até atingir o solo. Tako aterrissou num bom galho de árvore e se manteve firme.

— Ganhei! — gritou Gucky alegre, enquanto suas forças parapsíquicas deixavam Ras Tschubai cair lentamente. — Você teria aberto uma boa cratera no chão.

— Venham aqui para baixo — disse o africano. — Esta ilha é um paraíso cercado de água, como na minha terra natal, onde ainda existem matas virgens e rios inexplorados.

— Sinta-se na sua própria casa, Ras — disse Gucky se teleportando para perto dele. — Também estou gostando muito daqui.

Tako não se teleportou. Meio sem jeito, desceu da árvore e nos últimos dois metros pulou no musgo macio e disse, franzindo e testa:

— Puxa! Isto aqui é o musgo da gordura. Não estou gostando.

Gucky se agachou e apanhou um punhado da planta e desconfiado começou a cheirar.

— Não tem cheiro nenhum!... Acho que nem com uma fome dos diabos comeria um negócio deste.

Ras olhou na direção do rato-castor.

— Você não sente fome nenhuma? — perguntou com uma entonação diferente.

— Não — respondeu Gucky. — Rhodan deve ter razão. Não se tem fome em Azgola. E você, Ras, como é que se sente? Com a sua estatura de gigante, que tal um bom bife acebolado?

— Não tenho apetite, não. Sinto-me como se tivesse acabado de almoçar neste instante a metade de um boi.

— Comigo se passa a mesma coisa — disse o japonês, esfregando satisfeito a mão na barriga. — Este planeta tem um ar agradável que nutre a gente. A respiração nos mata a fome.

— É... Espere só um pouco para ver! — disse Gucky se encaminhando para a margem do rio. — Quando você começar a ficar gordo, vai pensar diferente.

— Eu ainda posso agüentar alguns quilos a mais. Quanto a você... não sei não.

Era este o calcanhar de Aquiles de Gucky. Apesar de sua dieta vegetariana, tinha sempre tendência para engordar. Cada quilo a mais o iria deformar, e Gucky fazia os maiores sacrifícios para não perder a linha. Tinha o privilégio de poder chamar os outros de “gordo”, nunca lhe passando, porém, pela cabeça, que alguém pudesse fazer o mesmo com ele, muito menos Bell.

A água do rio era clara e fresca. Aproveitaram para um banho reconfortante, resolvendo permanecer na ilha. Já que o planeta estava desabitado, não trouxeram nenhuma arma, nenhum alimento, nem aparelhagem de rádio. Quanto ao rádio, seria mesmo inútil, devido aos receptores ultra-sensíveis da “Nave da Colheita”.

Quando já estavam sentados na areia da margem, contemplando o sol poente, Ras fez uma boa sugestão:

— Será que você pode entrar em contato com Marshall ou com Betty Toufry, ou a distância é grande demais?

Gucky pigarreou com ironia.

— Você ainda não aprendeu, Ras, que na telepatia a distância não tem a menor importância. Dificulta apenas uma seleção mais rápida dos impulsos. A intensidade permanece, porém, quase sempre a mesma. Se eu posso entrar em contato com Betty? Vamos tentar.

Recostou-se na touceira de musgo e fechou os olhos. Os dois colegas o observavam atentos, tendo o cuidado de não prejudicar sua concentração, pois sabiam o esforço enorme que o inteligente animalzinho estava fazendo...

De repente, estremeceu todo e arregalou os olhos, mostrando triunfante o dente de roedor. Via-se a satisfação na expressão dos olhos quando percebeu a mensagem do interlocutor invisível, a muitas horas-luz de distância.

— Fantástico! — exclamou em voz alta, para que os colegas o ouvissem. — Chegamos muito bem. Tako, depois de um salto, ficou dependurado no galho de uma árvore, como uma ameixa madura. Estamos nos sentindo bem, com a impressão de termos terminado um lauto banquete. Quando é que vem a tal nave?

Passou de novo para a escuta e fez uma cara de desencantado, deixando desaparecer o dente de roedor. Abanou umas tantas vezes a cabeça e olhou perplexo para os companheiros.

— Ordem de Rhodan... — repetiu ele para acalmar a curiosidade dos dois teleportadores. — Devo poupar minhas energias... Bonito... vocês compreendem isto?

— Provavelmente para o próximo regime de emagrecimento — disse Tako com malícia.

Ras riu à vontade, ignorando o olhar zangado do rato-castor.

— Ordem é ordem — afirmou o africano. — Estou ansioso para ver como se pode dormir ao ar livre, como faziam meus antepassados.

— Isto mesmo — resmungou Gucky, ainda meio irritado. — Ainda hoje você continua um semi-selvagem.

Houve silêncio depois disso e todos se encantavam com as cores do poente. O sol de Azgos se despedia por trás da ramagem verde-escura da imensa floresta que começava na margem do rio e não tinha mais fim. Em poucos minutos, o véu da noite se estendeu sobre o planeta, destacando um céu de poucas estrelas, devido às grandes nuvens.

— Isto não é lindo? — indagou eufórico Ras Tschubai, que realmente ainda mostrava os laços firmes que o prendiam à natureza.

Esta noite ao ar livre lhe parecia um paraíso. Mas também Gucky e Tako não haviam perdido o encanto pelas belezas da natureza. Felizmente os mosquitos se mostravam mais tranqüilos, talvez devido ao ar dos fungos.

Aos poucos, os três foram se aconchegando e tentaram dormir.

Gucky despertou no meio da noite. Teve pressentimento de que alguma coisa não estava bem e constatou que seu pêlo estava molhado.

Chovia.

Levou bastante tempo até que seus olhos se acostumassem à escuridão. Ras e Tako dormiam tranqüilos em seus lugares. Parecia que a chuva não os incomodava, pois ainda estava quente. Com a chuvazinha morna, o musgo da gordura devia vicejar como erva daninha.

“Será que os azgônidas deixaram alguma coisa em Timpik? Barracas ou lonas de proteção?”, pensava Gucky e não fez nenhum movimento para não acordar os companheiros. “Acho que devo dar uma olhada lá pela cidade.”

Lembrava-se ainda em que continente a gazela os desembarcara. Até a capital abandonada seriam mais ou menos dois mil quilômetros. É claro que não a acharia logo no primeiro salto. Isto, porém, não tinha maior importância.

Concentrou-se mais ou menos na direção e se desmaterializou. Quando abriu os olhos, estava numa grande planície com capim ralo, em parte coberto pelo musgo. Mais dois saltos o levaram até o mar e então foi fácil encontrar a cidade.

“Como foi bom eu ter apreciado da gazela o panorama do planeta e guardado na memória sua topografia!”, exclamou mentalmente.

A civilização de Azgola estava talvez uns dois séculos mais atrasada do que a da Terra. Ainda usavam a propulsão a vapor e à explosão, pois havia restos de barcos a vela e de aviões.

Gucky ficou admirado ao ver que a iluminação das ruas ainda funcionava. Nas ruas principais, as lâmpadas ainda estavam acesas, embora com menor luminosidade, talvez já no fim das reservas acumuladas. Mas Gucky não precisava de maior claridade para seus objetivos.

Uma cidade morta deve pertencer aos quadros mais desagradáveis que se possa imaginar. É um condicionamento psicológico, pois cidade quer dizer vida, trânsito e movimento. Não pode ser de outra maneira. Mesmo à noite a gente encontra carros e muita gente circulando. Numa cidade morta, porém, sem habitante, o ser humano parece perdido ou abandonado.

Gucky quedou imóvel e deixou que a imobilidade atuasse sobre ele. Na floresta, na ilha ou na planície, esta imobilidade não o oprimia. Mas aqui...

As lojas se enfileiravam e algumas vitrinas estavam intactas, dando a impressão de que foram retiradas somente as coisas mais importantes. Havia também algumas onde se notavam sinais de saques impiedosos.

Se os azgônidas não tivessem sofrido a engorda excessiva e com isto se tornado flegmáticos e indiferentes a tudo, certamente teriam esvaziado suas lojas antes de partir. Assim, ainda restou muita mercadoria nas prateleiras. Gucky finalmente descobriu uma grande loja, como ele procurava.

O rato-castor no fundo era de natureza romântica. Com sua grande capacidade de adaptação, imaginava transformar aquela permanência forçada no planeta abandonado em férias deliciosas, repousantes. Não estava com isto indo de encontro a nenhuma prescrição de Rhodan, a quem interessava apenas que os teleportadores permanecessem de prontidão. O que eles fizessem até o momento da chegada da “Nave da Colheita”, não vinha ao caso. Era assunto exclusivo deles.

Vasculhou os quatro andares da loja e acabou achando o que procurava. Com calma e muito capricho empacotou tudo. Para voltar era fácil, já conhecia bem a ilha. Ser-lhe-ia fácil chegar até os companheiros num só salto.

Tako e Ras dormiam ainda o bom sono, embora estivessem praticamente bastante molhados. A chuva, porém, já terminara, surgindo um céu mais estrelado. Quando raiasse a luz do sol, tudo estaria em perfeita ordem.

Gucky deixou que os dois continuassem dormindo e se deitou na grande trouxa de roupas que trouxera, para descansar mais algumas horas.

No coração da mata virgem, numa ilha do rio, cercados pela água clara e morna — isto é que eram férias diferentes, como sempre desejou.

Quando pegou no sono, já estava quase esquecido da “Nave da Colheita”.

 

Mas Rhodan não estava...

Depois de ter a certeza de que os três mutantes haviam chegado bem a Azgola e não havendo no momento nada importante para fazer, recolheu-se para descansar algumas horas. Depois entrou em contato com algumas espaçonaves, discutiu diversos assuntos com seus comandantes, inculcando-lhes sempre todo o cuidado e atenção a respeito da “Nave da Colheita”. Os rastreadores estruturais estavam permanentemente ligados, pois era de se supor que para vencer distâncias muito grandes a tal nave fizesse uso dos hipersaltos.

Atlan não tinha nenhuma novidade. A situação em Árcon II era séria, mas não se podia mais falar em catástrofe. A princípio, a engorda foi demasiadamente rápida, depois, porém, o mal diminuiu de intensidade. O interessante foi que a desagradável endemia teve seu lado útil para a economia de Árcon, pois, com a alimentação gratuita pela respiração, foram economizadas enormes quantidades de comestíveis.

Rhodan prometera a Atlan deixá-lo sempre a par dos acontecimentos a respeito da “Nave da Colheita”.

O próximo contato por hiper-rádio foi feito para o Major Jefe Claudrin. O homem de Epsal estava fazendo um bom exercício de paciência. É verdade que sua voz não perdera nada do som volumoso de sempre, mas já estava mais calma. Conhecia bem o mundo da mecanização, onde estivera com Rhodan. Assim, uma segunda visita não lhe causava nenhum receio. Sua missão era muito simples: a central de comando deve ser destruída para que a “Nave da Colheita” não possa mais receber nenhuma instrução de uma raça extinta já há muito tempo.

— “Esperar”! — balbuciou Claudrin, repetindo a ordem de Rhodan.

Depois de todos estes contatos, Rhodan encontrou-se com Bell na sala de comando. Um segundo mais tarde entraram também John Marshall e Betty Toufry. Haviam captado a ordem telepática de Rhodan.

— Que estão fazendo nossos três teleportadores em Azgola?

Marshall olhou para Betty, que hesitava em responder.

— Então, que há com eles? — repetiu Rhodan, enquanto Bell aguçava os ouvidos.

A expressão fisionômica de Betty não demonstrava nenhuma preocupação, no máximo um pouco de acanhamento.

— Estão... tirando férias, senhor — disse finalmente, hesitante e incerta.

Rhodan indagou perplexo:

— O que disse a senhora? Férias?

A jovem mutante fez que sim com a cabeça.

— Sim, ao menos foi esta a expressão usada por Gucky. Arranjou nas lojas da cidade uma grande barraca e uma canoa. Está o dia inteiro remando no rio e pesquisando a região. Não pensa quase na “Nave da Colheita”.

— É isso? — olhou pensativo os controles do grande encouraçado, como se eles lhe pudessem dar um conselho. — É isto que ele está fazendo?

— O senhor não pode censurar Gucky — disse Betty, defendendo seu grande amigo. — Afinal de contas a ordem que recebeu foi apenas de ficar aguardando novas instruções. Estou em contato permanente com ele. Assim que a “Nave da Colheita” chegar, haverá de interromper suas férias.

— Deveria ter aconselhado a ele que assim o fizesse. E os seus companheiros, que dizem a isto?

Betty riu com alguma ironia.

— São de opinião de que Gucky tem razão. Se estão sentados na ilha sem fazer nada, ou se procuram alguma ocupação... qual é a diferença no tocante à finalidade de sua missão? Em Azgola não há mais ser vivo, portanto nenhum perigo os ameaça. E Gucky é de opinião de que uma boa ocupação conserva o moral da tropa.

— Que malandro! — exclamou Bell. — Nós dependurados aqui no espaço e suando de cuidados, enquanto o malandro do pequeno Robinson brinca e descansa na natureza virgem do planeta.

— Eu, em seu lugar, não invejaria a situação de Gucky, meu velho. Deixe que o coitado aproveite bem o primeiro dia, pois temo que no segundo terá muito o que fazer. Sem falar no terceiro dia. E se você estivesse no lugar dele, iria se espantar. Ou você consegue se imaginar com uns dez quilos a mais? E Gucky terá que suportar esta gordura.

Betty estava feliz em ver que Rhodan se mostrava compreensivo. É claro que ela sabia dos grandes cuidados que tomavam conta do administrador.

A “Nave da Colheita”!

O misterioso robô, que estava a caminho, despertado para uma nova missão pelo chamado inteligente dos terranos, equipado com uma arma de defesa, aparentemente simples, mas de grande eficiência! Se este robô fizer uso das granadas narcóticas, conseguirá talvez escapar e então será praticamente impossível encontrá-lo novamente.

— Não foi este meu pensamento — defendeu-se Bell.

— Sei disso — disse Rhodan sorrindo. — Em última análise, não são as férias de Gucky que deixam você nervoso, mas a longa espera. Receio que tenhamos de exercer ainda muito a paciência, muito mais do que imaginamos.

Em algum lugar do espaço infinito voava neste momento uma nave, comandada por um robô pensante e possuído pela vontade de executar cabalmente sua missão.

Poderia penetrar no sistema Azgos a qualquer momento...

Ou também cem anos depois!

 

Cada um tinha uma determinada incumbência, embora não houvesse propriamente trabalho para ninguém.

Das muitas coisas trazidas por Gucky, Tako Kakuta fez um anzol. Ficou horas a fio na margem do rio atirando sua isca, feita por ele mesmo. Nenhum peixe se deixara atrair por ela. Ao cair da tarde começou até a duvidar de que houvesse peixe em Azgola.

Ras Tschubai arrastava madeira seca e fazia uma enorme fogueira. Quando as chamas atingiram mais de um metro de altura, sentou-se diante das labaredas, cruzou as pernas e começou a sonhar. Seu olhar atravessava as línguas de fogo e continuava numa lonjura incalculável, talvez mesmo na direção do passado. Assim deviam ter vivido seus antepassados e isto lhe fazia bem.

Gucky, porém, bancava o naturalista, o pesquisador da natureza. Ser-lhe-ia muito fácil, através da teleportação, examinar os arredores da ilha, mas não lhe seria nada romântico. Por isso, montou a canoa que trouxera da loja abandonada, pegou o remo e partiu para sua primeira “expedição científica”.

A correnteza não era forte demais. Remava rio acima.

A paisagem não era lá muito diferente da existente na Terra. Lembrava um pouco a Amazônia, sem ter as surpresas e perigos do maior rio em volume d'água. Aqui não havia nem animais ferozes, nem cobras venenosas. O clima era mais saudável que nas regiões tropicais da Terra e a água dos rios era sempre potável.

Gucky continuava remando rio acima, todo banhado em suor, e já teria desistido de sua luta contra a correnteza, se não tivesse atrás de si o olhar de Ras Tschubai. O velho africano certamente fazia uma comparação do pequeno rato-castor com um de seus ancestrais semi-selvagens, um corajoso chefe africano. Gucky não tinha o direito de lhe destruir o sonho. Tinha, pois, que continuar remando contra a correnteza.

Para sua felicidade, o rio dobrou à esquerda, afastando-o dos olhares de seus companheiros, ocupados na pequena ilha. Sem perder tempo, enfiou seu bote por um braço preguiçoso do rio, que penetrava serenamente na floresta.

A água agora era escura e inspirava mais cuidado. Não se espantaria de ver de repente o focinho de um crocodilo ameaçar sua canoa. Depois, porém, se convenceu de que por aqui não havia tais répteis.

Gucky não sentia fome. Embora não tivesse comido nada nas últimas vinte e quatro horas, era como se estivesse com quilos de cenoura no estômago. Apalpou com cuidado o ventre. Teve a impressão de estar mais gordo.

O braço do rio se espraiou num pequeno lago, alterando também suas margens. A mata virgem recuou um pouco, dando lugar a idílicas enseadas de areia branca e a escarpas cobertas de capim, sendo que o musgo da gordura vicejava por toda parte. Mais para frente surgia uma cachoeira. O terreno dali para frente subia em forma de patamares superpostos.

Aconteceu com Gucky o que aconteceria com a maioria dos homens em tais circunstâncias: ele tinha que saber o que havia atrás da cachoeira. Não lhe foi difícil fazer seu barco subir cachoeira acima, graças às suas forças telecinéticas. E valeu a pena “todo sacrifício”. Muito mais do que supunha no momento.

Encontrava-se agora num amplo lago que terminava no outro lado por mais uma queda d’água. Múltiplas ilhotas, com paisagens lindas de vegetação variada, atraíam sua curiosidade. Remava exuberante em sua direção, quando de repente parou todos os movimentos e ficou como petrificado.

Impulsos de pensamentos estranhos!

Era uma coisa impossível, pois o planeta havia sido evacuado. Nenhum azgônida vivia mais neste mundo. Ou será que vivia?

Concentrou-se nos impulsos que estava captando e chegou à conclusão de que numa daquelas ilhas devia morar um azgônida.

Gucky não tinha o menor receio, pois os azgônidas eram pacíficos. Além de tudo, podia ser alguém que precisasse de auxílio, pois se continuasse vivendo em Azgola acabaria morrendo de excesso de gordura.

Pensando nisto, remou firme na direção da ilhota de onde vinham os impulsos. Reparou então que as águas não eram mais tão claras como antes. Estavam cobertas por uma camada gordurosa de um verde-azulado. Não sabia a explicação para o fenômeno, mas depois compreendeu o que se passava. Na noite passada chovera bastante. Uma parte dos fungos, que pairava na atmosfera, devia ter descido com a chuva. Olhou para as margens da ilhota. Também lá se via a camada oleosa nas plantas, mormente no musgo.

De repente a quilha do barco encalhou na areia e Gucky pacientemente puxou-o para fora d’água, caminhando à procura dos donos dos pensamentos estranhos. Havia entrementes constatado que eram pelo menos dois azgônidas que se escondiam na ilha.

Quando os encontrou, não se sentiu decepcionado. Numa pequena clareira, coberta em parte por rochas avulsas e muito musgo, e cercada por densa floresta, estavam dois azgônidas, deitados, com os braços cruzados sob a cabeça, contemplando o céu sem nuvens.

Estavam já bem gordos, mas não tanto como Gucky esperava. Pelas ferramentas que havia em torno deles, notou que deviam ser exploradores. Num dos lados da clareira, estava armada uma barraca de lona.

Ao entrar na clareira, o rato-castor ficou parado diante dos dois vultos ali deitados, assustando-se com a letargia dos azgônidas. O mais gordo dos dois apenas ergueu um pouco a cabeça, olhou para ele e disse com indiferença:

— Temos visita.

Recostou-se de novo e fechou os olhos.

Os azgônidas falavam um arcônida confuso mas que Gucky conseguia entender, mesmo sem fazer uso dos seus dons telepáticos. É claro que ele também seria entendido.

— O que vocês estão fazendo aqui? Não sabem que Azgola já foi evacuado?

O mais gordo abriu de novo os olhos.

— Quem é você?

Gucky respirou mais aliviado. Sabia que com um pouco de paciência conseguiria alguma coisa. Sentou-se e começou a falar dos musgos da gordura. Os dois azgônidas eram homens instruídos, certamente cientistas. Deviam compreendê-lo. Terminando, disse-lhes Gucky:

— Acho que se esqueceram de vocês aqui, do contrário teriam deixado Azgola junto com os outros. E como é que conseguiram sobreviver apesar deste “engordamento” excessivo? Será que vocês não respiram mais?

Estavam os dois agora sentados, com as costas apoiadas no rochedo. O mais gordo ainda observou Gucky com grande curiosidade, antes de declarar que eram cientistas e que esta região lhes interessava muito. Não sabiam nada a respeito dos fungos, embora seu apetite terminasse de repente e não comessem nada já há várias semanas. Sentiam-se, porém, bem alimentados e ficavam cada vez mais gordos. Se Gucky não os achava gordos demais, estava enganado. Para eles já era um excesso de peso insuportável. Ficavam deitados ao sol o dia inteiro ou saíam um pouco para passear. Para eles, era tudo indiferente, contanto que ninguém os incomodasse. Nunca tiveram uma vida tão boa assim e era mesmo uma coisa maravilhosa não precisar mais de alimentos. Estavam felizes e ficariam ali para sempre.

Reparou que o mal da engorda provocou uma verdadeira letargia nos dois. O esquisito era que não engordaram tanto como os outros, que nem podiam mais se mexer. Será que ali havia menos fungos do que em terras mais altas? Ou a água tinha alguma coisa a ver com isto? Os cientistas terranos deviam investigar este assunto.

— Vocês serão retirados daqui, para ficarem livres dos fungos. Será que existem mais azgônidas que foram esquecidos?

O mais gordo resmungou:

— Falando francamente, para mim é a mesma coisa. Podem nos deixar aqui que não faz mal. Já lhe disse isto.

— Sei disso — interrompeu-o Gucky, um tanto indeciso, chegando depois à conclusão de que devia pôr Rhodan a par de tudo.

O rato-castor calculou não haver perigo imediato para estes dois cientistas. Achava melhor ajudá-los mais tarde.

— De qualquer maneira, lhes desejo boa sorte.

Deu meia-volta e tomou o caminho para o barco. Aí, um dos azgônidas lhe gritou:

— Você também não está muito magro, meu gorducho!

Gucky sentiu um calafrio e parou perplexo.

“Gorducho?”, pensou intrigado.

Controlou-se, porém, fazendo como se não tivesse ouvido, e com muita dignidade prosseguiu caminho. Empurrou a canoa até a água e saltou para dentro dela. Remou com toda força pelo lago abaixo na direção da cachoeira.

...Gorducho!

Olhou furtivamente para si mesmo.

— Puxa... magro é que não estou!

Havia engordado bastante e isto em vinte e quatro horas. Suas pernas estavam mais troncudas e mostravam já acúmulo de gordura.

— Desgraçado regime de engorda! Teleportou-se cachoeira a baixo, não sentindo mais vontade para novas aventuras.

Quando viu Tako na margem da ilha, seu estado de espírito melhorou. O japonês também já estava bem gordo.

 

A grande nave prosseguia firme, rumo a seu objetivo. Tinha o formato de um enorme cilindro de quinhentos metros de diâmetro e de dois quilômetros de comprimento. A carcaça brilhava como prata suja e não se viam escotilhas. Em alguns pontos se notavam pequenas concavidades que davam a entender existirem mecanismos de abertura ou talvez mesmo instalações de defesa.

A impressão geral da nave era de ser muito velha.

A carcaça com brilho de prata velha exibia muitos arranhões, provenientes dos meteoritos. Na parte traseira, não se notava mais a cor primitiva, dando a impressão de que raios energéticos de alta temperatura a haviam atingido duramente.

Nenhum ser vivo comandava esta espaçonave.

A central de comando era completamente diferente de tudo que um ser humano possa imaginar. Não existiam os controles habituais, e seria mesmo impossível querer alterar ou influenciar a rota da nave. A maior parte do espaço na sala de comando era tomada por um complexo que poderíamos chamar positrônica robotizada. Esta positrônica não podia ser manipulada, pois possuía uma vontade independente. Apenas na sua extremidade superior é que aparecia um grosso cabo condutor, dando diretamente para a central automática de rádio.

Esta central radiotelegráfica era tanto receptora como transmissora do complexo robotizado. Aqui se encontravam todos os cabos, cabos estes que foram instalados por uma raça já há muito extinta.

Havia corredores e cabinas, mas ninguém até hoje poderia dizer para que serviam eles. Quem sabe, de vez em quando viajavam nestas naves engenheiros e técnicos da extinta raça dos sáurios inteligentes, durante a colheita em planetas longínquos? Tudo isto, porém, eram meras hipóteses.

A maior parte da nave constituía-se de espaços iluminados por sóis artificiais. Todos eles estavam vazios. Tinham exclusivamente uma atmosfera permanentemente renovada por mecanismos de perfeito funcionamento. Do teto pendiam aberturas afuniladas, terminando em tubos estreitos que se uniam num mesmo ponto. Daí partia uma tubulação para a parte superior da nave. Uma escotilha redonda, de metal especial, fechava tudo hermeticamente. Outro tipo de tubulação seguia para a parte inferior, terminando em funis de sucção, também hermeticamente fechados por escotilhas de vedação.

Todo o resto da nave eram mecanismos, mecanismos trabalhando automaticamente e controlados por um cérebro eletro-positrônico.

Este cérebro comandava a nave, que podia então ser considerada como um “ser vivo cibernético”. Este pseudo ser vivo recebera a ordem, calculara a posição indicada e a transmitira aos mecanismos automáticos de hipersaltos. As transições atingiam uma capacidade de até cem anos-luz. Entre os diversos saltos de transição, havia necessidade de novos cálculos. A ordem a ser executada não tinha, porém, caráter de urgência, pois embora a seara estivesse em ponto de ser colhida, não havia nenhum perigo de super amadurecimento. Podia-se, pois, esperar.

Ele, o robô, o “ser vivo cibernético”, ou como se chamava, Rabotax III, esperara muito desta vez. Quem sabe a culpa disto havia sido um defeito na instalação de rádio, ou então em Rabotax II e Rabotax I? Este último podia não ter encontrado mundos apropriados para o cultivo do musgo. Mas por que motivo estes senhores mantiveram silêncio por tanto tempo? Se estivessem em grandes dificuldades, deviam tê-lo avisado. Mas nem isto fizeram. Simplesmente não deram mais notícias de si, até que enfim viera este hiper-rádio.

Achou-se então um novo mundo onde a Nave Semeadora fizera um ótimo trabalho. E a seara estava madura, pronta para a colheita.

Mais ou menos assim devia ter sido o teor da mensagem. E ele, o “ser vivo cibernético”, Rabotax III, se pusera a caminho.

Vôo. Transição. Espera.

Sempre a mesma coisa. Hora por hora, dia por dia. Era um longo caminho do espaço sem estrelas até a extremidade da Via Láctea, mas em pouco tempo estaria feito o longo trajeto. Apenas mais quatro transições e então...

 

Rente à margem do lento curso d’água, Gucky estava sentado numa pedra lisa, olhando com certa tristeza para o líquido quase cristalino. De quando em quando, quase automaticamente, apalpava as pernas, os braços e o peito peludo. Não restava mais dúvida, estava engordando.

Depois de um longo suspiro, começou a refletir qual dos palavrões usados por Bell se enquadraria melhor na desgraçada situação do momento.

Ras estava deitado uns metros para frente, dormindo ao sol poente. Tornara-se demasiadamente preguiçoso para fazer ou preparar a fogueira para a noite. Também engordara bastante e sentia qualquer coisa diferente, uma dor leve na boca do estômago. Parecia sentir-se com uma grande fome, mas ele estava bem nutrido. Não conseguiria comer nada, por mais apetitoso que fosse.

Era inútil descrever o estado de Tako, que em tudo se assemelhava ao dos outros, sendo que apenas não se notava muito nele o aumento de volume.

— Esta “Nave da Colheita” não chega nunca? — perguntou Ras mal-humorado, virando-se de um lado para o outro. — Não agüento mais por muito tempo.

Gucky, que conversara telepaticamente com Betty quase meia hora, apenas abanou a cabeça, dizendo:

— Ninguém o sabe. Temos que esperar, mesmo que rebentemos de gordura.

— Você já está chegando a este ponto — opinou Tako com toda naturalidade. — Ah! Se a pequena Betty o visse assim...

— E por que não?

Ras apontou rio acima.

— Gostaria de saber por que os dois cientistas não engordaram mais. Parece haver um determinado limite em que cessa o “engordamento”. Talvez o organismo tenha meios de defesa contra o excesso de lipídios.

Gucky não sabia o que responder.

— De qualquer maneira, não há perigo maior e isto me tranqüiliza. Nós todos ficaremos mais magros, é só esperar. Um momento...

Parou de repente, fechou os olhos e ficou escutando. Os amigos se mantiveram calados, não se mexeram. Sabiam que Gucky estava captando impulsos telepáticos procedentes da Sírius. Na monotonia daquela tarde, era sempre um derivativo agradável, independente do fato de que qualquer contato podia significar a tão desejada notícia. Já estavam saturados das tais férias. Já há dois dias que a canoa ali estava, sem que ninguém a utilizasse.

Gucky abanou a cabeça muitas vezes e já estava de olhos abertos, piscando triunfante para Tako e Ras. Até mesmo o dente de roedor chegou a aparecer, demonstrando a boa disposição de seu dono. Mas logo depois sumiu de novo.

— Tanto tempo ainda? — chilreou o rato-castor, não conseguindo esconder sua decepção. — Três dias?

Tako e Ras, que naturalmente não podiam acompanhar o diálogo, estavam morrendo de impaciência. Das poucas palavras que Gucky disse em voz alta, não conseguiam deduzir muita coisa, nem mesmo imaginar algo concreto.

Finalmente, Gucky fez um gesto de assentimento e relaxou os músculos, deitando-se lentamente.

— Então, o que há? — era grande a ansiedade de Ras. — Quanto tempo temos que mofar ainda aqui?

— Conseguiram localizar a “Nave da Colheita” — respondeu Gucky com a maior calma. — Materializou-se bem próxima do sistema e pode descer a qualquer momento. Agora, ela não pode notar a nossa presença, de maneira alguma, pelo menos por enquanto. Portanto, prolongamento das férias...

— A nave! — exclamou Ras. — Já chegou então?

— O que há de excitante nisso? Afinal de contas, estamos aqui porque ela tinha de chegar. Mas o fato de não podermos fazer nada também me irrita um pouco. Ah!... É verdade, temos que descobrir como ela colhe os fungos. Ninguém sabe quanto tempo isto pode durar. Mas nós vamos observar pelo menos três dias. Depois disso, receberemos novas ordens.

E depois de um suspiro de conformação, Gucky concluiu:

— Temos que engordar mais três dias. Bell vai morrer de rir, quando me vir.

— Ele não tem motivo para isto e se o fizer, vai se arrepender — disse Ras, sério.

— É isso mesmo — confirmou Tako, procurando alguma coisa no firmamento. — Quando é que ela estará aqui?

— Conforme disse Marshall, se ela mantiver a velocidade habitual, poderá chegar aqui em quatro horas. Está voando com muita cautela, e apenas com a metade da velocidade da luz. Ah! É verdade, há mais uma coisa: chegou a nave que veio da Terra, trazendo o transmissor especial. Não tiveram tempo de experimentar, portanto a prova final será já na próxima missão.

— Belos prognósticos — comentou com sarcasmo o japonês.

Gucky cerrou os olhos.

— Quanto a mim, vou tirar uma soneca, pois creio que mais tarde não teremos tempo para isto. Dentro de quatro horas começará a caçada.

— Caçada? — perguntou Ras, admirado.

— Naturalmente, o que seria então? Temos que seguir a nave, enquanto estiver sobrevoando o planeta. Portanto, vou dormir agora.

Não podia haver argumento contrário.

As horas passaram e logo escureceu. Por sorte, desapareceram as nuvens, mas eram poucas as estrelas no céu. Aqui nos confins da Galáxia era visível a grande diferença entre o acúmulo de sóis no centro da Via Láctea e o abismo negro da noite eterna. É verdade que também aqui havia algumas estrelas, mas em geral não eram sóis isolados, mas simplesmente nebulosas que irradiavam sua luz fraca por muitos milhões de anos-luz, indo mesmo além do sistema Azgos.

Gucky não despertou por acaso. Fortes impulsos martelavam seu subconsciente, prejudicando seu repouso. Finalmente compreendeu que estava sendo chamado.

— Gucky, manifeste-se, aqui fala Betty.

Levantou-se de imediato. Ao seu lado estavam Tako e Ras que dormiam o bom sono, sem perceber nada do que se passava. Não tinham a faculdade de captar impulsos de pensamentos.

— Sim, desculpe, estava dormindo. Que há de novo?

— Preste atenção, Gucky, a “Nave da Colheita” já atingiu o planeta e está começando a circunvoá-lo a baixa altura. Não podemos observar daqui por estarmos muito longe e precisamos de medições quanto ao rumo da nave. Ela está agora no lado iluminado do planeta e vai demorar um pouco lá. Talvez mesmo já tenha iniciado a colheita.

— Vamos observar o que ela está fazendo.

— Mas muita atenção, pois a nave não deve nem suspeitar da presença de vocês.

— Por que isto? O robô que a controla deve saber que este planeta é habitado, embora não conheça seus habitantes. Acho, pois, que não há nenhum inconveniente se a tal nave reparar em nossa presença.

— Não é assim, Gucky — acentuou Betty. — A nave não pode de maneira alguma constatar que vocês são teleportadores. Isto haveria de lhe causar suspeitas. Imagine o que aconteceria se a nave mudasse de atitude e desaparecesse para sempre!...

— Você tem razão mais uma vez. É bom que tenhamos todo cuidado. Fique na escuta, Betty. Assim que virmos a nave, eu a chamarei.

Era muito fácil para a jovem telepata da Sírius manter contato ininterrupto com Gucky e seus dois colegas. Não precisava fazer outra coisa a não ser ouvir a conversa entre eles, a fim de saber de tudo que se passava em Azgola.

— Levantar, rapaziada!

Gucky terminou a sonolência de Tako com um toque nas suas costas. Também Ras se levantou quando Gucky puxou um tanto forte seus cabelos.

Discutiram sobre a situação e se despediram da ilha. Teriam que voltar mais uma vez ao local para apanharem os dois azgônidas, caso o tempo desse para isto. Se não fosse possível, Rhodan certamente mandaria buscar os dois exploradores.

Deram-se as mãos e pularam primeiro para a cidade, pois Gucky já a conhecia bem. Partindo daí, contentaram-se com saltos de menor distancia, para não incorrerem no risco de uma queda repentina de altura desconhecida. Foram na direção do sol e... em poucos instantes amanheceu. Quando se rematerializaram no cume de uma serra de quase quatro mil metros, estavam já no ponto desejado.

Achavam-se num diminuto planalto com numerosos blocos de pedra oferecendo ótimos esconderijos. Era também excelente a vista panorâmica que dali se descortinava em todas as direções, principalmente para cima.

— Lá está a nave! — exclamou Gucky, agachando-se automaticamente na sombra de um rochedo íngreme. — É um caixão gigantesco...!

Tako e Ras a viram também. Bem sobre a cabeça deles, um pouco para o oeste, pendia aquela coisa enorme no ar. Um de seus lados tinha um brilho prateado, pois recebia os raios do sol nascente, enquanto o outro parecia bem escuro. Não se via nada que indicasse mecanismo de propulsão e no entanto a nave deslizava calma e vagarosa como se não estivesse sujeita à lei da gravidade.

Sob o bojo do gigante, cintilavam ao que parecia os campos magnéticos. Fervilhavam num movimento circular, sendo possível distingui-los somente devido à refração da luz. Eram oito estes campos de força que ficavam debaixo da nave como funis gigantescos.

— São campos de sucção — interveio Ras. — É com isto que a nave suga os fungos que flutuam livres no ar. É realmente um processo bem simples e no entanto da maior eficiência.

— Está bem, mas como é que estes campos sugam os fungos? — quis saber Gucky, que estava preocupado em dar informações exatas a Rhodan.

Ras tentou uma explicação.

— Podemos apenas fazer suposições — disse ele. — O ar sugado é filtrado e expelido pelo lado de cima, sendo que os fungos dos musgos são retidos. Só pode ser assim. Como tudo isto funciona mais detalhadamente, não posso saber. Talvez por uma espécie de magnetismo.

— Magnetismo? Você não vai afirmar que os fungos sejam magnéticos.

— Não, não é assim — explicou Tako, que observava atentamente a grande nave. — Os fungos têm uma certa irradiação celular e sobre esta propriedade é que se baseia o mecanismo de sucção. Os campos de sucção energeticamente são homogêneos aos fungos e às suas irradiações. Atuam junto deles como verdadeiros magnetos em relação à limalha de ferro. Deve ser mais ou menos isto.

Tako não podia imaginar como estava bem próximo da verdade.

— Besteira! — disse Gucky categórico e apressado.

Entretanto logo depois mudou de fisionomia, quando Betty, em nome de Rhodan, lhe fez uma crítica muda. Os cientistas da Sírius eram da mesma opinião e estavam de acordo com as linhas mestras de Tako.

Muito mais cauteloso agora, Gucky não mencionou nada dos impulsos mentais de Betty, mas por prudência apenas acrescentou o seguinte:

— Mas afinal de contas, tudo é possível neste mundo, mesmo as coisas mais doidas.

— Não há nada de doido nisto — disse o japonês. — Há cem anos atrás já houve uma coisa semelhante na Terra, na colheita do café. Os grãos maduros recebiam uma carga eletrostática e eram sugados por magnetos. Por que razão os extintos sáurios não podiam chegar a uma idéia desta?

A “Nave da Colheita” se afastou um pouco e fazendo uma grande volta retornou ao ponto de partida. Sob o imenso bojo, os oito campos de sucção mantinham a mesma cintilação.

— O que eu gostaria mais de fazer seria dar um pulo lá dentro e observar todo o funcionamento — disse Gucky.

— Logo mais vamos ter oportunidade para isto — atalhou Ras. — E, falando francamente, não tenho muita vontade de fazer isto.

— Mas eu tenho. Não quero engordar mais.

Ras olhou de soslaio para ele, antes de contemplar de novo a grande nave.

— Mais gordo do que está, você não pode ficar — disse ele. — Você parece uma bola de soprar estufada ao ponto de rebentar.

Gucky nada respondeu, mas no seu interior deve ter resmungado bastante e escolhido bons palavrões.

O fato é que Betty se espantou com o incrível vocabulário de seu amigo, geralmente tão pacato.

 

Rabotax III se rematerializou exatamente no ponto previamente determinado. Prudente e cauteloso, dirigiu a nave para o sistema solar e mais exatamente para o segundo planeta, objetivo de sua longa caminhada.

É claro que Rabotax não podia ter sentimentos, mas sua construção era de tal maneira bem aprimorada, que podia fazer suas ponderações sem ser mandado e por conta própria, contanto que estivessem no quadro de interesse de seus construtores e senhores. E, realmente, ele se fizera perguntas querendo entender por que ficara tanto tempo parado à espera de nova missão, perdido no espaço vazio.

Se seus senhores já tivessem descoberto um método de se alimentarem sem seu auxílio, seria mais do que ilógico procurá-lo novamente agora. Por outro lado, foi mais ilógico ainda tê-lo deixado de lado por tanto tempo, caso não possuíssem ainda melhores métodos de colheita. De uma maneira ou de outra, não havia uma resposta satisfatória.

“É um lindo planeta”, constatou ciberneticamente Rabotax III.

Assim devia ter sido um dia a pátria primitiva de seus senhores, quando ainda havia no solo fertilidade. Depois, porém, o sol definhou e com ele morreram os fungos nutritivos. Foi então que surgiu a civilização da robotização ou o mundo da mecanização.

Rabotax dava a ordem e a gigantesca maquinaria começava a funcionar, como acontecera milhares de vezes antes, isto é, quando o trabalho de colheita era realizado regularmente e não interrompido por tanto tempo como o foi agora. O interior da nave virava uma verdadeira oficina, cheia de roncos e vibrações. Os campos magnéticos começavam a cintilar a fim de ativar a irradiação celular dos fungos. Ligavam-se os campos de sucção e a colheita estava em andamento.

Rabotax III sabia que sua atividade era muito benéfica para os eventuais habitantes de cada planeta. Se ele não aparecesse, porém, os respectivos habitantes estariam condenados ao extermínio, pois nada podia deter o processo da engorda. Mas isto só aconteceu uma vez, quando os senhores insistiram em fazer uma experiência. Rabotax III foi obrigado a intervir no último momento para salvar aquela raça que não tinha a menor idéia de como se colhem os fungos nutritivos.

Parecia-lhe, no entanto, que este planeta era desabitado. Havia cidades abandonadas e ótimas estradas de ligação, mas não se viam seres humanos ou outras inteligências. Já deviam ter saído quando a Scout aqui chegou.

No arquivo das memórias do robô estava assinalado um fato semelhante. Na outra extremidade da Galáxia, a Scout, ou nave de reconhecimento, achara um ótimo planeta para fazer uma esplêndida plantação e começou os trabalhos. Existia por lá uma civilização surpreendentemente elevada, ou melhor, tinha existido. Cidades gigantescas e espaçoportos quase intactos davam testemunho de uma raça superinteligente. Ainda do espaço, se podiam ver os avançados meios de comunicação ligando cidades e continentes. As espaçonaves pareciam prontas para decolar, mas não havia ninguém para operá-las. Não havia ninguém nas cidades, que jaziam vazias e abandonadas ao sol quente. O ar era quente e bom, mas não havia ninguém mais para respirá-lo. A população desaparecera sem deixar perceber para onde. Nem mesmo Rabotax III podia descobrir onde estava.

Agora o quadro era mais ou menos o mesmo, embora a civilização não tivesse atingido ainda o estágio elevado da Cosmonáutica. Mas mesmo aqui, os habitantes desapareceram sem motivo plausível e sem deixar nenhuma pista.

Mas isto tudo não tinha nada a ver com ele. Cumprira seu dever e o resto não lhe interessava.

Os campos de sucção funcionavam normalmente e traziam para a grande nave os preciosos fungos. Grandes conjuntos de filtragem os encaminhavam para os silos, onde permaneceriam depositados. Muito lentamente entrava o elemento de ligação e unia os fungos. Depositava-se então no fundo dos silos uma camada oleosa, ficando cada vez mais densa. O enchimento dos silos demorava um pouco. Os fungos se transformavam numa massa nutritiva de grande concentração. O conteúdo de um único silo podia alimentar a população de um grande planeta, por muitos anos.

Rabotax III não poderia imaginar como a sua atividade era maravilhosa. Não podia supor o benefício que estava proporcionando à Galáxia, nem como seria desastrosa a falta deste alimento tão prático. Por outro lado, sabia do terrível perigo para os planetas visitados pela Scout e pela Nave Semeadora, mas não por ele.

Eram cada vez maiores as voltas que dava e cada vez mais cheios os silos. Ao mesmo tempo, melhorava também a atmosfera do planeta Azgola.

E lá embaixo, na superfície do planeta, acontecia algo muito singular, que Rabotax III achava muito natural, mas que assim não era para aqueles observadores invisíveis, empenhados em acompanhar os movimentos da grande nave.

 

A Sírius estava agora apenas a uma hora-luz de Azgola.

Rhodan estava na sala de comando, com os olhos fixos na grande tela. A grande ampliação permitia ver detalhes, mas a distância os tornava confusos e apagados. Sem a ampliação, Azgos não passava de um pontinho luminoso, não maior que um sol comum. Mas Gucky estava tão perto, como se estivesse com eles na cabina de comando da Sírius.

— Não perdem de vista a “Nave da Colheita” — anunciou Betty que estava sempre em contato com Gucky. — A nave precisa de muito tempo para fazer a colheita de um determinado trecho. Se continuar assim, pensa Gucky que ela pode levar ainda uma semana até que a ação em Azgola esteja terminada.

Bell estava um pouco de lado. Notava-se nele uma mistura de alegria e de cuidado.

— Uma semana inteira? Vamos esperar todo este tempo?

Rhodan fez um sinal para Betty.

— Não vamos, não. Já temos o aparelho especial e vamos usá-lo. Não vejo motivo para esperarmos, pois Azgola não tem nenhum habitante mais — parou um momento, preocupado com alguma coisa. — Aliás, os azgônidas pretendem voltar à sua pátria, não o podendo, porém, devido ao musgo da engorda. Será que não há um meio de acabar com o musgo sem tornar o planeta um mundo inabitável? Talvez com o congelamento...?

Uma inesperada observação de Gucky lhes poupou outras observações e suposições. E Betty transmitiu os pensamentos do rato-castor tão rápida e diretamente que cada um podia pensar que o inteligente animalzinho estivesse presente na cabina de comando.

“— O musgo... está morrendo. Sim, está ficando murcho. Que o diabo me leve se não estou dizendo a verdade, ou será que isto é obra do acaso?”

— Calma! — ordenou Rhodan indiretamente a Gucky.

Betty transmitiu logo a ordem do chefe.

— Explique as coisas com mais exatidão, Gucky. Cada detalhe. Que está acontecendo com o musgo?

Depois ela mesmo ia transmitindo a mensagem do rato-castor:

“— Está murchando. Sem dúvida nenhuma, fizemos alguns saltos por aí, mas em toda a parte, em que a “Nave da Colheita” esteve, o musgo está murchando. Não compreendo o que tem a ver a colheita com o musgo cá embaixo.”

— Tem muita coisa, Gucky, pena que por enquanto nada podemos explicar. De qualquer maneira, acho que encontraremos uma solução. Acompanhe a nave e observe atentamente se o negócio é assim mesmo como você disse. Será que o musgo morre mesmo, assim que os fungos são colhidos?

Levou três horas, mas depois veio a confirmação:

“— Assim que a nave robotizada recolhe os fungos de uma região, morre o musgo. E como se fosse destruído logo depois de cumprir sua missão.”

Rhodan reconheceu então que a extinta raça dos sáurios foi boa e humana. Deram ao musgo a peculiaridade de definhar logo após a colheita, para não prejudicar a ninguém. Que coisa admirável! Seres inteligentes, que em nada se assemelham aos homens, podem pensar mais humanamente do que os próprios seres humanos. A aparência não tem a menor importância quando se trata da maturidade espiritual e de um procedimento correto.

— Muito bem, Gucky! Infelizmente, porém, temos que manter os três dias, como já disse. Temos que agir com toda segurança.

“— Mas já estamos agindo assim, chefe! Já estou pesando quase cem quilos, sem falar em Ras Tschubai. Não existe na Sírius balança suficiente para pesá-lo.”

— Um belo exagero, não é? Vocês vão ficar boquiabertos de quão depressa essa gordura toda vai desaparecer. Estarão todos esbeltos quando nos encontrarmos em Árcon II.

“— Que é isto? Que que você disse? Betty deve ter cometido algum engano.”

— Não, ela tem razão. — continuou Rhodan via Betty. — Vamos nos encontrar em Árcon e assim que lhes der a ordem vocês vão entrar na “Nave da Colheita”. E isto, mesmo antes de eu saber se ela vai obedecer às ordens do meu transmissor especial. Poderá haver algumas surpresas para vocês.

“— Estou gordo demais e muito flegmático para me excitar” — respondeu Gucky, também por via Betty. “— Só de uma coisa você não deve esquecer, Perry. Mais trinta quilos e nós não poderemos mais pular.”

Houve um silêncio mais longo. Rhodan não contara com esta dificuldade. Certamente o mero peso do corpo não teria nenhuma influência no salto de teleportação, mas sim o peso psicológico. E o permanente “engordamento” não deixava de ser um peso psicológico. Era indispensável para a teleportação bastante concentração. Se estivessem muito preocupados com o excesso de gordura, não haveria concentração perfeita. Além do mais, a gordura excessiva produz preguiça mental.

Gucky tinha razão.

— Vocês ainda vão agüentar mais dois dias, sem aumentar a gordura. Até lá saberemos o suficiente. Você acha isto possível?

“— Dois dias...? Está bem, vamos tentar.”

— Permaneçam nos trechos em que o musgo já foi colhido, quem sabe assim terão até apetite.

“— Comer?” — parecia decepcionado. “— Acho que nunca mais vou botar comida na boca.”

— Vou me lembrar disso quando surpreender você mexendo na seção de hortaliças da cozinha da Sírius.

O rato-castor emudeceu.

Seus impulsos mentais cessaram.

 

Fazia quase três dias que a nave ia realizando sua missão: encher os silos. O processo realmente exigia menos tempo do que Rhodan supôs a princípio. Notava-se que, por onde passava o campo de sucção da grande nave, todos os musgos feneciam.

Não havia nenhum indício de que o robô desconfiasse de alguma coisa. Ao terminar sua missão de colher, haveria de se dirigir ao mundo da mecanização para descarregar sua preciosa mercadoria. E isto sem necessidade de novos impulsos.

Já estava pronto para entrar em ação o transmissor especial trazido da Terra, construído de acordo com o dados obtidos no mundo robotizado. As freqüências estavam corretas e o robô da grande “Nave da Colheita” não haveria de notar nada de estranho. Ele teria de supor que os impulsos vinham da terra de seus criadores, o tal planeta robotizado.

É claro que iria cumprir, como sempre, cegamente seu dever. Ao menos assim esperava Perry Rhodan e toda sua gente.

Os últimos entendimentos para a grande ação foram feitos telepaticamente por Betty e Marshall simultaneamente.

— Como é que você se sente, Gucky? Que estão fazendo os seus colegas?

“— Vocês não deveriam perguntar isto” — reclamou ele dramaticamente. “— Estou pesando certamente duzentos e cinqüenta quilos.”

Betty fez grande esforço na sua resposta, tentando mostrar-se tranqüila.

— Não exagere.

“— Mas, sem dúvida, pelo menos cem” — continuou em tom mais sério. “— Tako também, enquanto Ras deve ter cento e cinqüenta. Está parecendo um imenso pudim de chocolate.”

— O doutor Manoli vai cuidar de vocês — prometeu Betty, que não sabia se devia estar alegre ou preocupada. Não podia mesmo imaginar o rato-castor com cem quilos, mas sabia que era possível um aumento de peso desta proporção. — Em breve chegará a hora.

“— Para entrar em ação?” — indagou Gucky mais aliviado. “— Ótimo, quando podemos saltar ou eu salto sozinho?”

— Ninguém salta sozinho! — interrompeu-o Rhodan, via Betty.

Rhodan também tinha o dom da telepatia, mas não dava para se comunicar diretamente com seu amigo.

— Vocês vão saltar juntos, mas somente quando eu disser. A nave não pode pressentir nada, para que o robô não tenha oportunidade de se defender. Se ele disparar os raios narcóticos, estaremos perdidos. E vocês também.

“— É claro, Perry” — concordou Gucky. “— E quando chegará este momento?”

— Você não estava tirando férias? Por que tanta pressa de repente? Já não gosta mais da ilha fluvial?

“— Não é isso, Perry. Não tenho o mesmo temperamento dos nossos exploradores de mata virgem, lá na cachoeira do lago. São flegmáticos por natureza. Vão ficar admirados quando não houver mais fungo nutritivo e tiverem que procurar alimento no mato.”

— Deixarei o transmissor pronto para entrar em ação — disse Rhodan, voltando ao assunto. — Somente depois que vocês estiverem a bordo da “Nave da Colheita” é que vou ligá-lo, tentando entrar em contato com o comandante robotizado. Neste meio tempo, vocês vão desativar os raios narcóticos e desligar os elementos de propulsão. A nave não nos pode fugir, de maneira alguma.

Ras Tschubai nesse momento apalpava as pernas grossas.

— Se ficarmos aqui mais uns dias, vou perder todos os movimentos. É pena que não temos uma balança.

Gucky virou os olhos para seu próprio corpo:

— Por nada neste mundo eu subiria agora numa balança. Daqui a pouco, não quero saber de mais nada. A gente luta a vida toda para manter um físico decente, depois em poucos dias se perde tudo. Se encontrasse um destes sáurios do musgo da gordura, não sei o que faria com ele. Talvez lhe arrancasse a pele.

— Isto não o prejudicaria em nada — disse Tako. — Os sáurios mudam constantemente de pele.

— É verdade isto?! — perguntou Gucky, admirado. Ele que tinha um pêlo bem grosso, mal podia imaginar como se troca assim de vestimenta. — De qualquer maneira, eu lhe daria uma lição.

Olhou para o alto, onde a nave fazia suas andanças e colhia os fungos.

— Gostaria de saber quanto tempo ainda vamos esperar. O último salto de teleportação já me foi bem mais difícil que os anteriores.

— A mim também — disse Ras com um vislumbre de tristeza. — Acho que devemos comunicar isto a Rhodan.

— Ele já está a par de tudo. Se alguma coisa não der certo, ele será o culpado. Por que demora tanto assim?

— Deve ter motivos muito importantes — disse o japonês.

Era natural que Rhodan tivesse seus motivos, mas por mais longo que fosse, todo tempo de espera tem seu fim.

A fisionomia de Gucky se transformou, ao receber os impulsos de Betty.

— Atenção, Gucky, salto para a “Nave da Colheita” exatamente dentro de dez minutos.

— Já? — exclamou surpreso, sem perder de vista o gigantesco cilindro que continuava vagaroso em suas voltas. — O negócio com o transmissor vai dar certo?

— Saberemos isto, quando o experimentarmos. Em caso de necessidade, Rhodan dará ordem de saltar de volta para Azgola.

— Nem se pense nisso, pois em caso de complicação, haveremos de seqüestrar a nave de qualquer maneira — protestou ele.

Não houve resposta nem qualquer reação às suas últimas palavras, o que deixou o rato-castor deveras admirado. Será então que Rhodan lhes deu plena liberdade de ação? Aliás, não restava outra alternativa, se não quisesse perder para sempre a indispensável colhedora de fungos.

Gucky comunicou tudo aos outros dois mutantes e consultou o relógio.

— Faltam ainda oito minutos, desejo ter boa sorte!

— É o que nós todos desejamos — foi a resposta de Betty.

Cerca de minuto e meio antes do salto, Gucky ouviu mais uma vez a voz de Betty:

— Atenção, Gucky! Vou repetir: as armas automáticas da nave, provavelmente raios narcóticos, devem ser desativadas imediatamente. É uma ordem urgente, compreendido?

— Ciente, em meu próprio interesse — confirmou, olhando de novo para o relógio.

Ainda cinqüenta segundos.

Ainda dez.

E já.

O lugar onde estavam ficou de repente vazio. Apenas a leve cintilação do ar dava a perceber que de um segundo para o outro três seres vivos mergulharam na quinta dimensão. Mas isto, apenas por uma fração de segundo.

 

Rabotax III registrou o estremecimento do conjunto espaço-tempo, por mero interesse intelectual, se é que um robô possa ter interesse em alguma coisa.

Este estremecimento foi relativamente pequeno e certamente não podia provir de uma espaçonave em transição. Mas já que somente as naves podiam entrar em transição, a causa do fenômeno continuava desconhecida.

Mais de cinqüenta por cento dos fungos flutuando na atmosfera já estavam armazenados na nave e transformados numa massa nutritiva. Os silos já encontravam-se quase cheios e a missão de Rabotax III estaria terminada em pouco tempo.

Uma instalação automática deu o alarma, acendendo as luzes vermelhas. Havia organismos estranhos na nave!

Rabotax III deixou as máquinas de colheita funcionarem sozinhas e transmitiu o alarma para as centrais de defesa e no mesmo instante o grande cilindro espacial estava de prontidão.

Em tempos idos não era uma coisa freqüente o fato de inteligências estranhas atacarem a “Nave da Colheita”, se bem que por algumas vezes tal fato já tivesse ocorrido.

Rabotax se lembrava de tudo e os acontecimentos de muitas horas se desenrolavam diante de suas células fotoelétricas em fração de segundo. Foi no tempo em que a Scout, ou nave de reconhecimento, descobriu um mundo habitado, recusando, porém, as tentativas de contato das inteligências que lá residiam. Pouco depois surgiu a Nave Semeadora que, desprezando igualmente os pedidos transmitidos pelo rádio, despejou uma enorme quantidade de sementes dos musgos, desaparecendo depois. Mais tarde, Rabotax recebeu impulsos dando-lhe ordem para vir a este planeta e efetuar a colheita.

Não foi, porém, bem recebido. Mal iniciara suas atividades, quando, sem nenhum aviso prévio, uma frota inteira de espaçonaves pequenas, mas de grande versatilidade, se abateu sobre ele. Vários disparos energéticos atingiram sua parte traseira e a teriam quase destruído, não fosse a reação instantânea da central de defesa. Entrou em ação o mecanismo dos raios narcóticos e os atacantes foram rechaçados sem apelação para a superfície de seu planeta e suas naves destruídas, pelo menos enquanto não funcionavam seus envoltórios de proteção. Depois disso, Rabotax concluíra seu trabalho com toda calma, mas as recordações do acontecimento ficaram.

Bem mais tarde, o planeta-pátrio de seus criadores já tinha entrementes dado mais de mil voltas em torno de seu sol. Houve um segundo ataque, desta vez, porém, não nas proximidades do planeta, mas em pleno espaço. Não seria digno de menção, caso não tivesse ocorrido sob circunstâncias bem especiais: os atacantes não eram inteligências orgânicas, mas robôs. Uma pequena frota de quatro naves atacara Rabotax, sendo que seus raios narcóticos então falharam.

Não foi propriamente uma falha. Mas não houve o esperado efeito. Os raios narcóticos atuam somente em seres vivos, não em robôs. Os quatro atacantes se abateram sobre Rabotax, que não teve outro recurso a não ser entrar em contato radiofônico com os desconhecidos. O encontro terminou com um compromisso. Rabotax tinha que dar garantias de nunca mais aparecer nestas regiões da Galáxia e jamais comunicar a alguém a posição do encontro. Depois disso, as terríveis espaçonaves comandadas por robôs, deixaram-no partir. Rabotax não conseguira obter mais detalhes acerca daquelas quatro naves, mas o encontro foi o suficiente para ter uma impressão geral. E a conclusão que dai tirou, registrou-a assim:

— Nesta parte da Via Láctea deve ter existido outrora uma raça muito grande e inteligente. O caminho normal da evolução os levou até as estrelas e finalmente à mais absoluta automatização. E com isso se iniciou a decadência. Os robôs se apoderaram não só do trabalho, como também do seu pensamento e assim a raça desapareceu, restando dela somente os robôs, que, aceitando conscientemente o legado de seus construtores, criaram uma poderosa civilização, um império de proporções siderais. Com muita sabedoria, isolaram hermeticamente este reino imenso das inteligências orgânicas, a quem eram inferiores, não obstante todo seu poder material. Podiam viver e usufruir apenas do acumulado em sua memória, mas jamais criar novos pensamentos. Enquanto que as inteligências orgânicas continuam crescendo, pensam coisas novas e assim estão sempre criando, os robôs permanecem estéreis.

Em algum lugar da Via Láctea existia, pois, um império robotizado, entre as estrelas e os grandes reinos. Não havia necessidade de nenhum envoltório de proteção para isolá-los de ataques de outras raças; bastavam as vigilantes patrulhas, também robotizadas. Nenhuma nave estranha podia entrar neste misterioso império, sem se expor ao perigo de ser imediatamente destruída. Rabotax teve por isso uma chance, somente porque era um robô. Viam nele um irmão de raça.

Rabotax estava se lembrando de tudo isto. Uma vez, chegou até a tentar fugir de seus senhores. Mas as leis o impediram. Estava obrigado a seguir as leis.

E agora...! O esquisito estremecimento.

Alguém penetrara na nave, e, aliás, usando outra dimensão. Rabotax não tinha explicação para isto, mas agiu automaticamente e por isto com toda rapidez. Primeiro proteger-se; depois haveria tempo para outras perguntas.

As armas de raios narcóticos esticaram para as estrelas seus tubos embutidos no interior da nave, mas os dispositivos automáticos da mira não encontraram nenhum adversário. O espaço estava vazio, não se vendo nenhum sinal de qualquer nave.

No interior da “Nave da Colheita”, fecharam-se todas as comportas e portas, a fim de prender um eventual intruso. Rabotax, no entanto, sabia que isto de nada adiantava. Se o estranho ou os estranhos chegaram até ele através da quinta dimensão, as portas de aço não significavam nada para os intrusos.

E agora chegava um comunicado de emergência da central de defesa, dizendo clara e simplesmente:

— Uma força desconhecida desativou as armas.

Rabotax sabia que estava diante de um adversário superior a ele. E enquanto aguardava, aconteceu outra coisa...

 

Os três teleportadores se rematerializaram no meio de um grande recinto repleto de instrumentos de todo tipo. Rematerializaram-se já com a intenção de saltar novamente, caso as circunstâncias os obrigassem a isto.

Não foi necessário.

Primeiro não aconteceu nada. Ras Tschubai e Tako estavam no momento condenados à inação, pois se havia alguém que conseguia desativar qualquer tipo de máquina, era exatamente Gucky, devido aos seus dons telecinéticos. Para isto, porém, era preciso que o rato-castor conhecesse o funcionamento da respectiva aparelhagem. Infelizmente, as máquinas não podiam ser telepatas, de maneira que Gucky estava restrito à observação e ao seu dom de combinar as coisas.

A primeira alteração se deu depois de dez segundos. Um bloco pesado do canto extremo começou a zumbir.

— Ras! — chilreou Gucky nervoso. — Vá lá fora, olhe e volte imediatamente.

Tudo isto se fez sem maior perigo, pois a nave ainda estava na atmosfera de Azgola. Caso agora pudessem ver lá fora as bocas dos canhões, saídas da carcaça, tinha-se então a certeza de que elas eram controladas por aquele pesado bloco que começou a zumbir.

Ras desapareceu para voltar três segundos depois.

— Os tubos dos canhões foram projetados para fora — disse o africano calmo.

Gucky apenas fez um sinal com a cabeça.

Estava resolvido o primeiro problema. As armas de raios narcóticos tinham um alcance ignorado, mas era bem possível que pudessem atingir a Sírius e as demais unidades. Tinham, portanto, que ser postas fora de combate.

Gucky estava imóvel no meio do recinto, concentrando-se no gigantesco bloco de metal. Todas as suas energias fluíam para aquele setor de seu cérebro que controlava as forças telecinéticas. Possantes correntes mentais se concentraram no bloco de metal, penetraram, fizeram contatos, destruíram ligações... e lá fora, na carcaça da nave, os grandes tubos de defesa ficaram emperrados. Não se mexiam mais. Não havia mais ligação com a central de comando.

Gucky respirou aliviado, quando Ras, depois de um outro salto, lhe comunicou o resultado positivo. Assim, a primeira parte de sua missão estava resolvida cabalmente. No entanto, o verdadeiro senhor da nave, o robô, ainda não estava fora de combate. Talvez isto nem fosse necessário.

O sistema de propulsão!

— Betty, você está me ouvindo?

— Perfeitamente, Gucky. Estamos vendo a nave na grande tela. E os raios narcóticos?

— Já estão fora de combate. Que aconteceu com o transmissor especial?

— Vai ser aplicado agora, dentro de vinte segundos. Paralise os motores de propulsão, antes que o robô possa fugir.

Gucky fez um movimento com a cabeça, mas não se ouviu nada.

“O sistema de propulsão... onde fica isto?”, indagou-se mentalmente.

Em algum trecho do corredor fechavam-se escotilhas e em toda a nave se ouvia barulho de algo que rolava e se esfregava. Os teleportadores compreenderam logo o que se passava. Fechavam-se as comportas e a cabina de comando ficava assim hermeticamente isolada do resto da nave. O robô devia ter notado que alguém estranho penetrara e queria naturalmente impedi-lo de chegar até o comando. Não sabia, porém, que estava tratando com teleportadores.

— Ficaremos juntos — ordenou o rato-castor.

Tako e Ras concordaram alegres. Ser-lhes-ia desagradável uma separação naquela nave esquisita, embora pudessem se salvar com um simples salto de teleportação.

Agora, neste exato segundo, Rhodan iniciara a transmissão dos símbolos de impulsos para a “Nave da Colheita”.

O mecanismo de propulsão do robô era tão complicado que Gucky estava hesitando em atacá-lo pela telecinese. Caso ele se enganasse e quebrasse uma peça insubstituível, a nave jamais chegaria a Árcon, para liberar o segundo planeta dos fungos do musgo da gordura. Resolveu-se, pois, por um método que de qualquer forma era mais prudente do que destruir ao acaso peças de uma instalação cujos criadores já há séculos não existiam mais.

Gucky interrompeu o cabo de comando entre a central e o bloco de propulsão na popa da nave.

Foi uma jogada bem inteligente, mas teve como conseqüência uma série de aborrecimentos para Rhodan.

O transmissor especial, trazido especialmente da Terra, começou sua atividade e transmitiu ao robô-comandante da “Nave da Colheita” a ordem de interromper imediatamente seus giros e tomar a direção do sistema de Árcon. Foram-lhe transmitidas as coordenadas correspondentes. Toda a transmissão foi repetida três vezes.

Mal se dera esta transmissão, queimou uma parte essencial da resistência do aparelho transmissor, para a qual não havia peça sobressalente no momento. Os técnicos estavam desesperados, mas não podiam fazer nada. Somente na Terra é que se podia consertar o defeito.

Para isto, porém, não sobrava tempo.

Mas não foi só isto. A “Nave da Colheita” não acatou a ordem recebida e continuou no seu vôo, colhendo os fungos de Azgola.

 

— Gucky!

O rato-castor não ouviu o chamado telepático de Betty.

Tinha deixado Ras e Tako na sala de máquinas, depois de ter cortado o cabo de comando para o mecanismo de propulsão. Inspecionou depois outros corredores e diversos recintos, chegando finalmente à extremidade dianteira da nave onde deu com um compartimento quase redondo. Ao centro havia um maciço bloco de metal. Parecia uma coisa rústica e sem muito significado, comparado com a sofisticação das espaçonaves terranas ou arcônidas, mas Gucky não se deixou enganar pela simplicidade externa. Estava mais do que convencido de que encontrava-se na sala de comando da misteriosa nave, o que se confirmou logo.

O bloco metálico não teve nenhuma reação visível e Gucky o contemplava com muita atenção. Podia ser realmente o robô central, mas não dava nenhuma aparência disto. As partes mais vitais estavam atrás da carcaça de metal, que Gucky não conseguia penetrar com seu olhar. Restava-lhe, porém, um outro método para pesquisar o interior da máquina.

Telecinese.

Seus fluidos mentais podiam apalpar a matéria como se fosse com a ponta dos dedos. Obtinha assim uma visão plástica do que existia por trás da parede metálica e suas suposições se confirmaram. Estava mesmo diante do robô central da nave.

Gucky estava na frente de Rabotax III.

— Gucky! — novamente o chamado de Betty da Sírius.

— Pronto, que há de novo?

— A nave não está reagindo aos impulsos transmitidos pelo aparelho especial. Você tem de fazer tudo para paralisar o mecanismo de propulsão, para que a nave não possa fugir.

— Desgraçado! — deixou escapar quase sem o perceber. — O transmissor está pifado? Será que a interrupção do cabo de comando é a causa de a nave não ter reagido?

— Confiamos em você, Gucky.

— Está certo, obrigado. Por favor, não me interrompa agora, vou tentar entrar em contato com o robô.

Betty se retirou e Gucky continuou contemplando o colosso de aço. Não restava dúvida, tinha que ser ele. Apalpou mentalmente seu interior, pela segunda vez, e não teve dúvida. Um conjunto tão complicado só podia ser o robô central — o cérebro da nave. Mas, como é que iria se comunicar com ele? Entenderia ele sua língua? Poderia produzir pensamentos? Ou obedeceria somente a impulsos positrônicos?

Uma repentina e forte corrente de pensamentos interrompeu suas ponderações:

— Gucky, depressa! Ajude-nos, as máquinas...

Era Ras. Devia estar em apuros, mas então não se compreendia por que não se safara por uma teleportação? Ou não estava em condições de fazê-lo?

Gucky, reunindo suas forças, concentrou-se e saltou para aquele aposento onde sabia estar Ras. Ao se rematerializar, notou logo que alguma coisa não estava certa. Um excessivo cansaço o acometeu, fazendo-o cair no chão. Com muito esforço, reconheceu Ras que estava todo encurvado, ao lado de um vulto da estatura de um homem normal, sendo, porém de constituição metálica, movendo-se lentamente. No outro canto estava Tako, que não se movia.

Gucky continuava pensando, mas não recebia mais os impulsos dos outros. Uma dormência ou torpor tomara conta dele, torpor este que não sabia explicar. Certamente provinha do vulto misterioso, encostado na parede.

— Raios paralisantes? Uma outra modalidade dos raios narcóticos?

O fato é que Gucky não podia mais se mover, não chegando, porém, a perder os sentidos. Podia até abrir os olhos, embora não conseguisse virar a cabeça. De qualquer modo, agora já estava deitado de tal jeito que podia ver Ras, que ali também estava imóvel.

O robô os surpreendera e os pusera fora de combate. E como o transmissor especial de Rhodan não funcionava, estavam todos irremediavelmente perdidos, caso o robô conseguisse consertar o dano causado por Gucky no mecanismo de propulsão. Era perfeitamente possível, pois se existiam robôs de combate a bordo, haveria também outros capazes de reparar danos técnicos.

Gucky tinha que aproveitar o tempo que lhe restava.

— Alô, Betty!

Não houve resposta. A comunicação telepática com a Sírius fora interrompida a pedido dele mesmo. Não podia esperar auxílio daquele lado, pois Rhodan haveria de esperar e evitar de intervir fora de hora.

Enquanto isto, o rato-castor contemplava o robô que o prendera. O monstro tinha até alguma semelhança com o corpo humano e não apenas a estatura correspondente. A que imagem e semelhança fora ele criado? Somente poderia ser pela imagem dos sáurios. Seu corpo repousava sobre quatro diminutos rolamentos, quase escondidos. Não havia pescoço: cabeça e tronco formavam uma única peça. Acima da cabeça possuía uma antena fina e oscilante. Estava em contato com o robô central, contato, aliás, ininterrupto.

Embora estivesse completamente paralisado, sem poder se mover, Gucky calculou que deveria lhe ser ainda possível produzir e transmitir fluxos telecinéticos. Estava convencido de que o robô de combate irradiava sem parar os raios paralisantes. Se o deixasse de fazer, cessariam seus efeitos.

Concentrou-se com as últimas forças na antena oscilante, dando tudo o que podia... mas nada conseguiu. Foi uma decepção tão grande para ele, que sentiu tontura. Seria de todo impossível que tivesse perdido seus dons.

Na parede do lado oposto — Gucky podia perceber de soslaio — abriu-se um vão maior. Ouviram-se passos, irregulares e desajeitados, aproximando-se cada vez mais. Surgiu depois uma sombra escura que nada tinha de humano. Forçou a vista, mas nada conseguiu distinguir. Reparou depois que estava penetrando no recinto um outro bloco metálico, apoiado em pernas que se moviam, não em esferas rolantes, mas em pernas mesmo. Não se ouviam mais os passos e o súbito silêncio era desagradável e ameaçador. Alguma coisa estava para acontecer. Que seria?

Gucky sentiu que a rigidez que imobilizava seu corpo começava a ceder. Já podia

virar a cabeça ao ponto de ver todo o bloco metálico. Mesmo Ras e Tako já conseguiam fazer alguns movimentos. Era de fato um conjunto metálico, mas não totalmente de metal. O lado da frente era de um material convexo. Sim, como uma tela de televisão, dando o conjunto a impressão de ser um aparelho de TV.

E quem sabe era mesmo?!

Quando começaram a surgir reflexos coloridos na chapa abaulada, formando já quadros, confirmou-se a suposição de Gucky.

Mas que quadros!... Um quarto muito comum com cadeiras, uma mesa e uma televisão da Terra, idêntica à que Gucky possuía na sua casa de fim-de-semana no lago de Goshun, perto de Terrânia. Apareceu na tela também o lago.

A confusão na cabeça de Gucky ia num rápido crescendo, quando, sobre o espelho da água do manso lago, surge uma floresta virgem, típica do centro da África e ao lado uma linda paisagem característica do Japão, com cerejeiras em flor.

De repente, os quadros diluem suas cores e formam uma nova imagem...

O espaço infinito!

Uma espaçonave flutuava entre as estrelas. Pela forma externa, podia ser a “Nave da Colheita”, desfilando aos raios de muitos sóis, até parar completamente. Estava agora parada no espaço, como se mão de gigante a sustentasse. Mais para baixo surgia uma paisagem de um planeta. Era Azgola, não havia dúvida.

A nave deslizava vagarosa sobre o planeta, iniciando a colheita. Exatamente neste momento, Gucky começou a compreender...

 

Rabotax esqueceu os estranhos intrusos que certamente seriam liquidados pela central de defesa, se já não o haviam sido. O receptor principal se manifestou. Era a central de hiper-rádio dos “senhores” que estava chamando.

Rabotax registrou as informações e ordens que estavam chegando e confirmou a recepção. Já que Rhodan não tinha nenhum receptor especial, perderam-se no vasto espaço os radio-impulsos. Ninguém os pôde ouvir, a não ser o robô do receptor no mundo da mecanização, o qual, porém, não podia fazer mais nada.

A transmissão foi repetida três vezes, depois cessaram os impulsos.

O trabalho não estava terminado, sabia Rabotax, embora não entendesse por que motivo tinha de ser interrompido neste instante. Mas isto não era coisa de sua competência, analisar as ordens de seus senhores. O novo objetivo estava marcado e suas coordenadas registradas.

Deu ordem ao robô-engenheiro de iniciar a viagem e de manter a velocidade da luz. As coordenadas para os saltos de transição seriam dadas oportunamente.

Porém nada aconteceu!

No interior da nave, permaneceram mudos e parados os mecanismos de propulsão. A nave continuava em seus serenos giros, como se não tivesse recebido nenhuma ordem. Os campos de sucção não interromperam seu trabalho, mas continuaram colhendo o fungo e o transformando em massa nutritiva. Os silos se enchiam sempre mais.

Rabotax repetiu a ordem, embora a tentativa frustrada lhe desse a entender que o cabo de comando da propulsão estivesse interrompido. Como era de supor, mesmo desta vez não houve reação.

Este defeito podia ser naturalmente a causa, mas os acontecimentos anteriores diziam a Rabotax que não era bem assim. Solicitou um relatório da central de defesa e soube do enguiço dos raios narcóticos, o que ele aliás já sabia. Como havia acontecido tudo isto, era-lhe inexplicável, pois não houve nenhum uso de força.

Ainda enquanto Rabotax III raciocinava, houve um estremecimento próximo do conjunto tempo-espaço. Um vulto pequeno e quase redondo se materializou no centro da sala de comando, a menos de cinco metros de Rabotax. Viera da quinta dimensão e conseguia fazer transições no espaço sem necessidade de aparelhagem mecânica. Rabotax não tinha em seus registros de arquivo nenhuma indicação de que isto fosse possível para seres vivos orgânicos. Somente as espaçonaves podiam entrar em transição e os seres orgânicos dentro delas. Jamais estes últimos isoladamente.

Mas este ser vivo o conseguiu. A prova estava à vista.

Rabotax reconheceu a grande periculosidade do pequeno ser vivo e deu ordem à central de defesa de neutralizar imediatamente qualquer atividade dos estranhos intrusos para evitar maiores danos. Segundos depois, Ras e Tako foram atacados e paralisados. Gucky, que lhes veio em socorro, também teve a mesma sorte.

Rabotax III se sentia contente, enquanto sua natureza lhe permitia tal sentimento... Os estranhos tinham sido dominados e o vôo podia ser reiniciado, se... Sim, aí estava o problema! Registrara a ordem três vezes e já a transmitira duas. Só lhe restava fazer mais uma tentativa. Se não desse certo, teria que esperar e isto poderia levar muito tempo. Por conta própria, não tinha direito de levantar vôo.

O enguiço! Tinha de ser consertado e ninguém melhor para isto do que aquele pequeno ser vivo que o tinha provocado. Se não quisesse perder a vida, teria que ajudar agora. Rabotax ordenou que o robô auxiliar fosse para a central de defesa, onde estavam deitados os prisioneiros. Já uma vez, encontrara-se com estes humanóides, mas naquela época não significavam nenhum perigo. Estes de agora, não. Eram portadores de certas qualidades muito nocivas.

Seria necessário enviar muitos quadros e imagens, que em parte provinham de pensamentos dos próprios prisioneiros, até que eles compreendessem. Quando estivessem nesta fase, Rabotax exigiria com toda energia:

— Restabeleçam o cabo de ligação para a propulsão!

 

— Está se manifestando de novo, posso entendê-lo!

Betty parecia muito aliviada ao constatar isto, sorria como uma criança. Rhodan e Bell também sorriam nervosamente. Olharam-se uns para os outros e em todos havia sinal de alegria.

— Estão vivos?

— Sim, Gucky diz que uma estranha irradiação os deixou paralisados por algum tempo. Até mesmo as faculdades parapsíquicas foram bloqueadas. Através de um dispositivo muito singular, restabeleceu-se um entendimento com o robô central, que exige o conserto imediato do cabo de propulsão.

Rhodan explicou:

— Com isto, nossa intenção de não aparecer em cena falhou inteiramente. Nossos teleportadores foram descobertos e seria sem sentido continuar fingindo, pois o robô é muito experiente e versátil. Um entendimento? Ótimo, então Gucky deve impor condições, antes de fazer o conserto.

Betty Toufry concordou.

— Está ouvindo, Gucky? Primeiro impor condições, depois consertar. Sim? “Que condições?” — olhou para Rhodan e interpretou bem seu movimento de cabeça. — Qualquer uma, procure ganhar tempo.

Ficou um pouco na escuta e depois disse para Rhodan e Bell:

— Ele compreendeu. Vai tentar convencer o robô de voar para Árcon.

Rhodan silenciou por um instante, depois disse:

— Disse mesmo isto?

— Pelo menos pensou, não é?

 

De fato, a “conversa” entre Rabotax III e Gucky demoraria bastante, pois só poderia ser por via visual. Para poucas frases era necessário quase meia hora.

— Você está então em condições de reativar a propulsão?

— Fui eu que a interrompi, portanto posso restabelecê-la novamente. Mas o que vai acontecer conosco?

A pergunta era supérflua, pois Gucky não precisaria mais da generosidade do robô assim que estivesse livre e dono de seus movimentos. Poderia a qualquer momento fazer uma teleportação para Azgola ou para a Sírius. O mesmo valia para Ras e Tako, que ainda estavam deitados no chão de metal, seguindo com atenção a esquisita “conversa”.

— Levá-los-ei para meus senhores, assim que terminar minha missão.

Rabotax não mencionava o tipo de sua missão.

— Vocês então morrerão.

— E você vai ficar eternamente girando sobre Azgola.

Seguiu-se uma pausa, apagando-se os quadros coloridos da tela. Gucky relaxou um pouco e piscou o olho para seus colegas.

— Não se preocupem, nós ganharemos a partida.

— Gostaria de ver um robô bem preguiçoso — disse Ras.

Tako riu em voz alta. Passaram-se os minutos até que Rabotax se manifestou de novo.

— De que maneira vocês entraram na nave? Vocês dominam o transporte através da quinta dimensão. Conclusão: podem fugir quando quiserem. Por que não fazem isto?

— Permita-me outra pergunta antes de responder a sua. Existe alguma lei de seus senhores pela qual sejam protegidas as inteligências orgânicas dos danos causados pela ação da colheita dos fungos?

A resposta foi categórica:

— Para o cultivo dos fungos, é necessário selecionar planetas adequados, que freqüentemente são habitados. Infelizmente, seus habitantes não sabem regular ou dosar a quantidade de alimento e começam então a engordar, como vocês. Mas eu entro logo em ação e inicio a colheita, afastando com isto qualquer perigo. Sim, existe uma lei específica.

Gucky respirou aliviado. Sabia que o robô cumpriria a lei, quisesse ou não. Teria certamente o direito de matar quem o atacasse, mas de maneira alguma poderia consentir na destruição de uma civilização toda, quando estava em suas mãos evitá-lo.

— Quer dizer então que, quando um mundo habitado for visitado pela Nave Semeadora de seus senhores, a colheita se torna então obrigatória?

— Perfeitamente, porque de outra feita esta civilização estaria condenada ao extermínio.

— Muito bem, nós sabemos que num planeta bem distante onde a colheita já está muito atrasada, isto é, não foi feita ainda, e seus habitantes estão sofrendo muito sob os efeitos dos fungos. Cada hora que você fica neste mundo, aumenta o perigo. Este planeta aqui, que chamamos de Azgola, não é habitado. Por este motivo ele se torna de menos importância quanto ao cumprimento da lei. Você está entendendo o meu pensamento?

— Tenho primeiro que cumprir minha missão aqui.

— Mesmo que o outro planeta, de que lhe falei, seja destruído?

Pausa.

Não havia dúvida de que as perguntas e argumentos de Gucky trouxeram confusão para o cérebro do robô-comandante da “Nave da Colheita”. Infelizmente, Gucky não percebeu que ambos estavam falando do mesmo mundo, de Árcon II.

— Se você não reativar minha propulsão, nada poderei fazer.

— Você vai para o planeta de que lhe falei?

— Não, não posso. Tenho que interromper minha atividade aqui, somente porque chegou uma ordem de meus senhores. Não me resta nada a fazer, senão obedecer aos impulsos de comando.

Gucky ficou meio perplexo. Impulsos de comando? Ordem via rádio dos senhores?

— Você recebeu uma ordem?

— Sim, dos meus senhores.

— Quando?

Rabotax deu uma medição de tempo que não ficou nada clara, mas dava para perceber que não fora há muito tempo. Gucky bolou logo a ligação de uma coisa com a outra. E uma nova esperança brotou nos seus olhos.

— Você me pode dar as coordenadas do novo planeta onde vai ser feita a colheita?

— É muito complicado. Posso lhe mostrar a direção. Olhe...!

O espaço surgiu novamente na grande tela. As constelações eram estranhas e diferentes, mas o sol de Azgos não era difícil de se reconhecer. Saía daí um raio luminoso atravessando o nada e se dirigindo para uma concentração de estrelas. Gucky supôs que era lá que devia estar o Império de Árcon. E não se enganou.

O truque deu o resultado desejado. O robô recebera os impulsos irradiados por Rhodan e os considerava, como era a intenção, como uma ordem de seus construtores.

Gucky estava externamente calmo ao dizer:

— Pois bem, estou de acordo. Você executa a missão nova, recebida há pouco, e eu lhe restabelecerei a ligação do comando da propulsão.

Rabotax III não demonstrava nem alívio nem satisfação.

— Seus dois colegas vão continuar paralisados, até que tenhamos partido.

Gucky concordou com esta exigência. Não via mesmo outra alternativa. Assim que se apagou a tela do aparelho de comunicação, começou a sentir boa melhora na paralisação, podendo se mover à vontade e receber melhor os impulsos de Betty lá da Sírius.

Sem dar atenção ao ambiente, se dirigiu aos seus:

— Não se preocupem, Ras e Tako. Assim que estiver restabelecido o cabo da propulsão, o robô os libertará. Ele tem que fazer isto, do contrário eu o estraçalho.

A única confirmação que recebeu deles foi um leve piscar de olho. E Gucky correu para o corredor, teleportou-se e chegou finalmente ao ponto de onde interrompera a tração.

— Atenção, Betty!

— Estou aqui!

— O robô recebeu os sinais do transmissor especial. Estou consertando o cabo de propulsão que havia interrompido. Acompanhem o vôo e só intervenham se notarem que ele não está indo para Árcon. Entendido?

Após certa pausa, veio a resposta:

— Tudo certo, Gucky, muita sorte!

Não respondeu mais. Concentrou-se totalmente em seu trabalho. Em pouco tempo achou o lugar, aliás invisível para o olho humano. O cabo estava desligado num determinado ponto e apenas a poucos milímetros do contato. Custou-lhe grande esforço puxá-lo o tanto necessário, para que as faces de contato se tocassem e a ligação fosse restabelecida.

“De qualquer maneira”, pensava ele, “caso seja necessário, será de novo fácil fazer nova interrupção do cabo.”

Por outro lado, comprovara-se pela experiência que a propulsão funcionava de um certo modo independente. Mesmo sem o auxilio do robô-comandante, a nave executaria a ordem emitida pelo transmissor especial, se não recebesse outra.

Gucky olhava atento para o cabo escuro. Nesta nave não se levava muito a sério o senso estético, com toda razão, já que não tinha tripulação orgânica. Tudo ali visava o imediatismo funcional. Numa nave terrana seria muito difícil descobrir um sistema de contato tão importante.

Em algum lugar da cauda do aparelho, a vibração e o zumbido aumentaram sensivelmente. Gucky sentiu no próprio equilíbrio do corpo, quando a nave mudou de direção. Ligaram-se então os campos de gravidade. Gucky estava acompanhando tudo. A grande lei vedava ao robô destruir vidas orgânicas, sem grave justificativa. Caso não tivesse ligado os campos de gravidade, Ras, Tako e ele seriam inexoravelmente amassados pela compressão. Sua vida não estava, pois, em perigo.

Como já se disse, não havia escotilhas nem janelas na “Nave da Colheita”. Ninguém podia, pois, acompanhar a direção que se tomava. Gucky podia apenas esperar que sua suposição se confirmasse e que as ordens que a nave recebera procediam mesmo de Rhodan.

De quem haveriam então de proceder? Os sáurios não viviam mais.

Ainda enquanto a “Nave da Colheita” acelerava e tomava o rumo de Árcon, desprendeu-se da Sírius um objeto voador. Levava de volta para a Terra o transmissor especial, onde deveria ficar pronto para entrar em ação. O comandante do veloz aparelho de reconhecimento tinha a incumbência de voar diretamente para Árcon depois dos consertos efetuados na Terra.

Rhodan podia apenas esperar que o transmissor chegasse a tempo a Árcon, a fim de controlar a “Nave da Colheita”.

 

A mais de cinqüenta mil anos-luz da Nebulosa M-13, vagava no espaço sem estrelas um sol isolado, vermelho e quase extinto. Era circundado por três planetas mortos, dos quais apenas o segundo apresentava vestígios de uma civilização desaparecida, que outrora florescera ali, tão separada dos mundos habitados, e depois decaíra totalmente. Ninguém sabia nada desta civilização, antes de os terranos a terem descoberto casualmente.

Deram a este sol o nome de Outside, e ao seu segundo planeta chamaram de Planeta da Mecanização. Tal planeta foi a terra pátria daquela raça extraordinária que tentou se salvar de modo desesperado.

Suas três naves robotizadas penetraram na vizinha Via Láctea e se utilizaram de seus planetas para o cultivo do musgo nutritivo. Mais tarde, quando estavam na dependência exclusiva destas três naves, que lhes forneciam o alimento — os fungos — deu-se um grave defeito na central de impulsos, perdendo-se assim a ligação com elas. A massa alimentícia, extraída dos fungos, deixou de chegar ao planeta mecanizado e a raça dos sáurios definhou por completo.

De todo o seu passado, restou apenas a robotização. O planeta tornou-se um mundo apenas robotizado.

Não oferecia mais perigo, abstraindo-se naturalmente dos ainda intactos raios narcóticos, que Rhodan não conseguiu desativar por ocasião de sua primeira visita ao planeta. Mas a civilização da robotização ficou por muito tempo em decadência, para poder reagir como era necessário. Muita coisa se estragou com a falta de uso.

Tais argumentos é que davam mais um pouco de esperança ao Major Jefe Claudrin, comandante da Ironduke, ao deixar Árcon e tomar a direção de Outside, para lá aguardar as últimas instruções de Rhodan.

O gigantesco couraçado, uma esfera de oitocentos metros de diâmetro, do tipo Stardust, devorava o espaço em espantosa aceleração, já nos confins da Via Láctea. Era de propulsão linear e não usava mais o velho sistema de transições, para atingir mais rapidamente seu objetivo. Podia atingir uma velocidade milhões de vezes superior à da luz, deslocando-se num semi-espaço entre o universo normal de Einstein e a quinta dimensão. O seu objetivo se tornava visível através de um rastreador de relevo.

Os inúmeros pontos luminosos iam ficando para trás e a Nebulosa M-13 diminuía de tamanho e poucos minutos depois já não passava de uma mancha luminosa desbotada, igual a muitas que se viam no espaço. E, no entanto, esta mancha desbotada representava o maior acúmulo de estrelas que jamais existiu. Quem sabe seria melhor dizer que Árcon era apenas o maior reino estelar conhecido pelos terranos? Nas profundezas da Via Láctea devia haver centenas ou milhares de tais reinos estelares, que não mantinham contato entre si e não sabiam mesmo da existência de outros povos. Apesar da inimaginável velocidade das espaçonaves, a Galáxia não ficava menor. Seria ainda sempre como se um andarilho quisesse encontrar o outro habitante de um imenso planeta. Se as velocidades dos corpos voadores eram inimagináveis, mais inimaginável ainda era o tamanho da Galáxia. E esta Galáxia era apenas uma entre milhões. O espaço entre elas era vazio.

Os terranos já haviam atingido as estrelas, mas eram apenas algumas da Via Láctea. Tinham sempre surpresas, boas e ruins, encontrando sempre novas civilizações. Que haveriam então de encontrar se saíssem da Via Láctea e avançassem na vastidão sem fim do espaço intergaláctico?

Era o que devia estar pensando Jefe Claudrin ao ver que a Galáxia se encolhia atrás dele, transformando-se numa simples faixa leitosa. E, no entanto, estava apenas nas bordas externas do espaço intergaláctico, onde se localizava Outside, um sol que começara a se extinguir há milhares de anos, depois de possibilitar a vida de uma raça já extinta: a raça dos sáurios.

Claudrin estava numa poltrona especial, observando fascinado a tela panorâmica que lhe dava a imagem do que lhe estava à frente.

Apenas um único sol ainda cintilava na escuridão profunda da imensidão. Tinha um brilho avermelhado e ameaçador, como um olhar zangado. Além dele, Claudrin só via manchas de pouco brilho — outras tantas vias lácteas, maiores ou menores que a conhecida. Sua luz ainda haveria de brilhar, mesmo depois de desaparecidas ou esquecidas. Haveria de atravessar o espaço, sempre para frente até que... no fim dos tempos voltasse ao lugar de partida, onde nada mais existiria.

Que aconteceria então?

O velho Major Claudrin deu um suspiro.

Gostava de sonhar, enquanto a automática da nave tomava conta de tudo e ele podia descansar sozinho na central de comando. Principalmente em ocasiões como esta, quando tinha diante de si uma missão especial e estava obrigado a penetrar em regiões desconhecidas.

À esquerda e à direita desmanchavam-se os últimos sóis, que mergulhavam no oceano da larga faixa de luz, desaparecendo no anonimato. Mas o sol à sua frente aumentava de tamanho e de repente surgiu outro sol ao lado dele.

Aparecera de repente, como se tivesse acabado de nascer. Pequeno e meio branco, estava aparentemente bem perto do gigante vermelho. Afastou-se depois visivelmente dele, tomando-se como referência a linha de vôo da Ironduke...

— Um sol que se move?! — espantou-se o epsalense.

Jefe Claudrin recuou a poltrona, sem tirar os olhos da tela. Não tocou o alarma, pois não havia motivo para isto. Em caso de ataque, o supercouraçado sabia se defender sozinho. Mas não havia a menor possibilidade da Ironduke ser atacada.

Dentro da nave era noite, período de repouso obrigatório, pois o vôo para Outside requeria muito tempo. Claudrin só interromperia este tempo de descanso, quando isto se tornasse indispensável.

Continuou observando o sol perambulante. Mas não podia ser um sol, era um enorme corpo voador que se movia numa direção que tinha de ser cruzada pela rota da Ironduke.

As mãos pesadas mas ágeis do major manipularam alguns controles. Aumentou a ampliação da tela e aproximou mais o misterioso objeto. Constatou-se que não era esférico, mas tinha o formato de um fuso.

— Uma espaçonave! Uma espaçonave aqui, no espaço vazio, entre as galáxias!

Talvez estivesse às portas de uma descoberta sensacional que poderia ter muita importância. A velocidade da estranha nave estava acima da da luz, como o mostravam as medições automáticas. Portanto, outra nave de propulsão linear. Mas quem — além dos terranos e dos druufs — dominava a tração linear? Que piloto estaria naquela nave alongada, a menos de um dia-luz de distância? Como seria ele?

Enxugou o suor do rosto e se recostou no espaldar da poltrona. Não havia tempo para entrar em contato com Rhodan que devia estar em algum lugar entre Azgola e Árcon. Poderia ele, Claudrin, empreender a perseguição do estranho corpo voador e ignorar sua missão específica?

A resposta era o óbvio ululante: não podia. Acontecesse o que fosse, a missão inicial tinha a primazia. Quem quer que fosse o estranho, que por algum acaso cruzara a rota da Ironduke, poderia continuar tranqüilo sua jornada nas vastidões do espaço e talvez desaparecer para sempre.

Os terranos jamais se encontrariam com ele e, no momento, não tinham necessidade disso. Jefe Claudrin não supunha ainda como estava enganado. Não sabia também que não era o primeiro a se deparar com uma espaçonave da raça ainda desconhecida, muito menos podia imaginar que aquele era Rabotax II.

A nave alongada passava agora rápida pela tela da Ironduke, tendo aumentado a velocidade ao notar a nave dos terranos, querendo se pôr a salvo.

Jefe Claudrin suspirou de novo e prosseguiu rumo a um planeta desconhecido, pois a primeira missão é que prevalecia. Se fosse atacado pela estranha nave, podia agir livremente. Mas o desconhecido foi esperto, evitou um encontro. Não houve, portanto, motivo para a perseguição.

O estranho veio da eternidade sem dizer uma palavra e desapareceu do mesmo modo, silencioso. Um meteoro, nada mais...

Afinal, desapareceu. Restou apenas Outside, o sol de um mundo morto.

Mas, na tela menor do lado esquerdo, um pontinho luminoso estava quase desaparecendo. O desconhecido — fosse quem fosse — mergulhara no infinito de onde viera. Não deixou nada para trás, a não ser uma recordação e várias perguntas...

Claudrin continuava impressionado com o acontecimento. Um encontro daquele não ocorreria mais. A chance que teve de cruzar com uma nave estranha só ocorreria na proporção de um para dez bilhões. Passou sem ser aproveitada. Agora era tarde.

Duas horas depois, terminou o período de repouso da Ironduke, que já estava circunvoando, a grande altura, o Sistema Vermelho. O supertransmissor e seu receptor estavam ligados, à espera das ordens de Rhodan.

E a Ironduke continuou esperando.

O comandante não podia saber, mas cismava que os terranos não foram os únicos a descobrirem o mundo robotizado.

Ou seria que a rota da nave alongada acontecera por mero acaso? Era impossível tanto acaso de uma só vez. Resolveu então comunicar mais tarde a Rhodan tudo que vira. Quem sabe ainda conseguiriam acompanhar a rota da estranha nave?

 

— Vocês não vão acreditar — disse Gucky, meio envergonhado — mas estou com fome.

Ras e Tako estavam sentados à frente dele, no rude chão de metal que haviam escolhido como residência. Coisa mais cômoda não havia na “Nave da Colheita”.

O africano sorriu calmo.

— Você vai ficar admirado, mas eu também estou com fome, embora tenha a impressão de que nosso organismo vai

agüentar algumas semanas com a gordura acumulada.

— Pode ser, mas meu estômago, não — protestou Gucky, descontente com a observação. — Aliás, onde está meu estômago?

E com cara triste apalpou o ventre, procurando o estômago que desaparecera sob a volumosa camada de banha.

— Não consigo encontrá-lo. Quem sabe desapareceu?

— Se seu estômago se atrofiou um pouco — interveio Tako — não lhe vai fazer falta alguma, pois você é vegetariano e a dieta lhe faz bem.

— Não temos mais dieta, mas sim um regime de fome. Primeiro somos cevados com a gordura do ar e agora vem o contrário. Quando chegaremos a Árcon?

Dois dias já se haviam passado desde o momento em que a nave robotizada começara a viagem, fazendo suas transições em períodos regulares, mas com grandes pausas de permeio. Somente o contato com Betty podia dizer aos teleportadores o quanto haviam viajado.

O fato é que tudo estava marchando conforme os planos traçados por Rhodan. A terceira transmissão da ordem de partida fora captada e pusera a nave em movimento. A ordem de proceder à colheita em Árcon foi seguida. Neste meio tempo, a gazela, que transportava o transmissor especial necessitando de conserto, chegava à Terra. O Major Claudrin havia recebido instruções de sobrevoar o mundo da mecanização e aguardar novas ordens.

O empreendimento corria a contento.

— Um regime de emagrecimento — prosseguiu Gucky — não consiste apenas em diminuir o alimento benfazejo, mas também em proporcionar movimento a fim de queimar os lipídios. Não estou mais agüentando ficar parado aqui. Vou dar uma olhada nesta gaiola de ferro.

Ras não achou interessante a idéia de Gucky.

— E se o robô não concordar com isto? Não acha melhor consultá-lo a respeito?

— Por meio daquele caixão de imagens? Para quê? — levantou-se. — Ele haverá de se manifestar, se alguma coisa não lhe agradar. Quem sabe encontro alguma coisa para comer?

— Só se for óleo de lubrificação — disse Tako, lacônico.

O rato-castor teleportou-se e desapareceu. Rematerializou-se lá fora no corredor e começou seu giro. As escotilhas estavam de novo abertas, de modo que pôde passear à vontade, indo de um local para outro. A dianteira toda da grande nave não era outra coisa senão um grande robô, cujo sistema nervoso central era Rabotax, que determinava tudo e controlava o que se fazia. No dia anterior, Gucky “conversara” muito tempo com Rabotax por meio do tradutor de imagens e tivera oportunidade de conhecê-lo melhor — se é que isto é possível num robô. Sentia simpatia para com aquele monstro mecânico que podia pensar e agir, e possuía ainda uma invejável memória. Só não tinha a necessária malícia para perceber o engodo de que estava sendo vítima.

Com estes pensamentos, Gucky chegou a uma sala de teto bem baixo. Bem no meio estava uma tampa redonda que despertou a curiosidade do intruso visitante.

A tampa dava a impressão de uma pequena escotilha que fechava a entrada para um recinto mais abaixo. Quem sabe podia abri-la?

As forças físicas do pequeno animal não davam para isto, mas conseguiu com auxílio da telecinese. A pesada tampa escorregou para o lado e estava livre uma passagem arredondada. Do fundo subiu um cheiro agradável, envolvendo Gucky, que olhava curioso para dentro, onde uma massa incolor era revolvida por pás metálicas. Vinha de todos os lados uma luz bem clara que produzia elevada temperatura no silo. O cheiro era tão nutritivo, que Gucky esqueceu toda fome, dedicando-se todo ao que estava vendo. Suspeitava, naturalmente, que era aqui que os fungos do musgo da gordura se transformavam num alimento semilíquido que mais tarde podia ser usado como aerossol, isto é, pulverizado e respirado, como os velhos sáurios o costumavam usar.

O calor que vinha lá de baixo dava a entender que os fungos somente permaneciam vivos quando a temperatura em seu derredor se mantinha num determinado nível. Passou então pela cabeça de Gucky a idéia de quão útil esta nave poderia ser para a Humanidade. Se um só carregamento dava para manter a raça toda dos sáurios durante meses e anos, um barril então seria suficiente para uma tripulação de uma grande espaçonave. Os vôos intergalácticos se tornavam muito difíceis exatamente pelas dificuldades de alimentação. Mas com este novo tipo de nutrição, as coisas mudariam.

Fechou novamente o tampão e continuou sua peregrinação. Seu tamanho ainda era o mesmo, um metro de comprimento. Mas seu peso duplicara. Embora não estivesse como uma bola peluda, aproximava-se muito de um urso pardo, muito bem nutrido, caminhando ereto. Possuía ainda a pomposa cauda de castor, mas não mais o focinho fino de um rato. Seus movimentos eram muito lerdos. Os olhos caninos de expressão de bondade estavam empapuçados, quase recobertos por um rebordo de gordura. O rosto não tinha mais aquela expressão brejeira e viva, pois um rosto muito redondo não pode ser nem brejeiro, nem vivo.

Mas não estava contente. Ao se defrontar com uma parede de aço liso e brilhante, ali parou, deu com sua imagem no espelho da chapa. Havia distorção, mas era suficientemente nítida para lhe causar susto.

— Com os diabos! Assim não posso aparecer em público. Ah!... Se Bell me visse assim! Ou pior ainda, Betty! Que decepção!

Pôs-se de novo a caminho, desta vez mais rápido e com passos enérgicos. O corredor principal tinha quase um quilômetro e não havia separação de portas nem de paredes divisórias. Começava quinhentos metros depois da cauda e terminava lá onde iniciava o reino de Rabotax, isto é, a quinhentos metros antes da proa.

Gucky queria deixar de dormir e continuar passeando. Caminhar seria a única coisa que podia fazer para ficar um pouco mais magro. Depois de cinco minutos, começou a suar.

Inexplicavelmente, começou a fazer calor dentro da nave, apesar de isto ser necessário apenas nos silos de transformação. E mais ainda, havia luz acesa em toda parte, embora Rabotax não precisasse de iluminação. Provavelmente, técnicos dos sáurios costumavam acompanhar as viagens... De outro modo não se podia explicar o fato. Talvez pelo mesmo motivo é que o ar era sempre renovado.

E Gucky continuava suando. Ia até o fim do corredor e depois voltava. Já havia percorrido mais de dois quilômetros. O panorama não deixava de ser tremendamente monótono: à direita e à esquerda, sempre as mesmas paredes nuas de metal. Na frente, uma extremidade do corredor; atrás, o começo...

Era uma coisa boba ficar andando ali e Gucky já teria desistido, se pudesse esquecer a gargalhada estrondosa de Bell, ao contemplar sua figura redonda e com mais de cem quilos. Não, não iria dar este prazer ao gorducho. Por nada neste mundo.

Mesmo que tivesse que ficar dia e noite marchando neste corredor.

Depois de sete quilômetros, a marcha parou de repente. Gucky olhou para frente e quase deu um encontrão no empecilho que lhe estava à frente. Viu logo o que era: o trambolho de traduzir imagens. Começaram então os quadros coloridos em que Rabotax dizia:

— Por que você está fazendo isto?

Gucky não gostou da pergunta que o pegou de surpresa.

— Estou gordo demais e quero emagrecer.

Rabotax compreendeu logo.

— Você ficou muito tempo exposto aos fungos. O processo de emagrecimento não leva muito tempo, mas lhe falta de fato o exercício físico. Quer emagrecer num instante?

— O mais depressa possível — respondeu ele, sem saber de que maneira o robô o ia ajudar. — Quando meus amigos me virem assim, vão caçoar de mim.

O robô não achou graça nenhuma.

— Quer mesmo que o ajude?

— Você pode fazer isto, sem dano para mim?

— Siga o aparelho de traduzir que o vai guiar e não tenha receio nenhum.

Gucky não teve mesmo medo. Se houvesse um método melhor do que correr naquele corredor enfadonho, estaria muito feliz. Nunca gostou muito de caminhar, muito menos numa espaçonave.

Acompanhou o pequeno robô para a parte traseira da nave onde se encontrava um pequeno compartimento que não vira até então, parecendo muito um chuveiro, pelo menos devido às pequenas perfurações no teto. O chão era em forma de uma grade. O que havia embaixo, não podia ver.

Dois segundos depois, estava ele numa corrente de ar de morna para quente.

— Dentro de uma hora — disse Rabotax — recuperará sua forma normal.

 

A “Nave da Colheita” atravessou o posto de vigia da defesa interestelar de Árcon, sem ser molestada. As baterias antiaéreas e seus comandantes se mantiveram tranqüilos, pois o Imperador Atlan tomara todas as providências para que fossem recebidos como amigos.

Rabotax notou logo que estava entrando num sistema habitado, o que de fato não lhe interessava. A Scout, ou nave de reconhecimento, devia saber que o planeta estava pronto para permitir uma boa colheita. Do contrário, a Nave Semeadora não teria feito o plantio e ele, Rabotax, não teria vindo para cá.

A Sírius a seguiu a meia distância. Extasiado, Rhodan acompanhava cada movimento do colosso voador. Betty estava sentada ao lado dele. A testa da mutante mostrava rugas, não propriamente de preocupação, mas de intranqüilidade.

— Gucky está se portando muito estranhamente. Está escondendo seus pensamentos, não sei por quê. Não fez isto antes. É como se nos quisesse esconder alguma coisa.

Rhodan não desviava os olhos da tela do vídeo.

— Que nos haveria ele de esconder, Betty? Certamente é uma reação instintiva, sem outra intenção.

Betty tinha outra opinião, mas preferiu ficar calada. Num determinado ponto, a Sírius parou.

A situação em Árcon, como Rhodan ouvira de Atlan, não era grave, mas altamente desagradável. Os funcionários da administração arcônida, já por si degenerados e flegmáticos, tornaram-se ainda mais preguiçosos física e mentalmente com o “engordamento”. A ausência de quaisquer providências ou determinações de Árcon I ou III fez com que todos os arcônidas estacionados em Árcon II entrassem numa espécie de férias coletivas e levassem a vida que pediram a Deus. Não se preocupavam com o perigo que lhes advinha da propagação do musgo da gordura e dos fungos que respiravam. Notaram apenas que a boa fada lhes poupara até o trabalho de se alimentar.

Aliás, estava interrompida toda ligação com os demais planetas do império e todo o comércio estagnara-se. A questão era que esta estagnação não prejudicava somente a Árcon II, mas a todo o imenso império. Se a mão firme do governo central falhasse, o poderoso Reino das Estrelas estaria à beira do abismo.

A “Nave da Colheita” e seu comandante vinham, pois, neste momento como salvação, mas instintivamente foram considerados por quase todos como responsáveis pela situação. A entrada do robô e de sua gigantesca nave foi, pois, observada e controlada. Não se deu o alarma para o estado de prontidão porque a arma mais perigosa da grande nave — os raios narcóticos — estava desativada.

A atmosfera de Árcon, impregnada dos fungos do musgo da gordura, dividiu-se com um chiado diferente, quando a “Nave da Colheita” a atravessou sem reduzir muito a velocidade. Somente depois de dar três voltas em torno do planeta, foi que freou. No mesmo instante começaram a cintilar os campos de sucção e os fungos começaram a ser colhidos.

Rhodan parecia mais aliviado.

— Acho que conseguimos o que nos era necessário.

Bell assentiu com um movimento de cabeça, continuando com o olhar fixo na tela.

— Também acho. Para a colheita total de Árcon será necessária uma semana inteira. Até lá estaremos livres de novas surpresas.

— Acha que devo chamar de volta Gucky e os outros teleportadores? — perguntou Betty.

— Não — disse Rhodan, abanando a cabeça. — Seria muito arriscado. O robô já se acostumou com a presença deles, que representa ao mesmo tempo uma garantia. Não sabemos como se portará quando se sentir livre. Não é um robô no nosso sentido. Estou convencido de que o modo completamente estranho de pensar dos sáurios foi transmitido às suas construções e a maior delas foram seus maravilhosos robôs. Além disso, nada mais pode prejudicar nossos homens. Podem ficar na espaçonave e lá iniciar, talvez, seu tratamento de emagrecimento. Não estão mais respirando os fungos e também não comem nada. Se tiverem fome, vão se comunicar conosco.

— É pena — observou Bell, decepcionado.

— Pena, por quê? — perguntou Rhodan, estranhando a expressão de Bell.

Bell se abriu num largo sorriso.

— Daria tudo para ver o rato-castor neste estado. Deve parecer um balão.

— Ah! É isto? — continuou Rhodan. — Gucky se sacrifica por nós e você quer fazer caçoada de sua gordura? Isto não é nada gentil, meu amigo.

— Quem é que está falando em caçoar? Queria apenas vê-lo.

— Você vai vê-lo ainda bem gordo. Em seis dias não vai emagrecer muito. Perderá mesmo o peso, quando for tratado por Manoli.

Bell disfarçou sua decepção e continuou observando a “Nave da Colheita”. Já há algum tempo que descrevia seus círculos sobre a superfície de Árcon II, enquanto os funis cintilantes sugavam o ar para dentro dos silos.

Rhodan virou-se para Betty.

— Como é que vai Gucky e seus colegas?

O contato se restabeleceu imediatamente.

“— Excelente” — falou Gucky, via Betty. “— Sentimo-nos muito bem e estamos agüentando. Rabotax é um sujeito formidável.”

— Quem?

“— Ah! É verdade, ele se chama Rabotax, o comandante da 'Nave da Colheita'.”

— É um sujeito formidável?

“— Falando figuradamente, é claro. Nós nos entendemos cem por cento. Ele prometeu fazer alguma coisa por mim junto de seus senhores.”

— Não estou compreendendo mais nada — disse Rhodan-Betty.

Gucky explicou tudo e acrescentou:

“— Certamente vai acabar tudo bem se lhe dissermos a verdade. Chego mesmo a crer que ele vai obedecer muito mais a mim do que ao seu transmissor especial.”

— Mas não vai ser necessário isto, pois dentro de três dias estará aqui o transmissor, aí então veremos o resto. Fora disso, não se esqueça de que também em dois outros planetas cresce o musgo da gordura, onde teremos também que fazer a colheita. “— E que vamos fazer com todo este fungo alimentício? Você deve saber que os silos já estão quase cheios e têm que receber ainda a colheita de Árcon II e dos outros dois planetas. Em algum lugar temos que deixar este negócio.”

— Está tudo arranjado, Gucky. Atlan já se comprometeu de cuidar deste assunto. A massa nutritiva ficará em Árcon III ou em qualquer planeta colonial. Acho que vamos aproveitar isto mais tarde.

Não fazendo Gucky nenhum comentário a respeito, Rhodan-Betty disse:

— Se lhe agradar, pode dar um pulo rápido até aqui. Afinal de contas, não estamos tão longe assim e você estará em condições de poder sempre pular de volta.

“— Não” — respondeu até depressa demais. “— É melhor não perder Rabotax de vista.”

— Está bem — Rhodan-Betty escondeu sua admiração. — Ainda agora pouco você dizia poder confiar nele.

Novamente não houve resposta de Gucky. Rhodan estava mesmo surpreso, mas não quis insistir. De qualquer maneira, a súbita mudança de atitude do rato-castor era misteriosa. Por que razão não queria fazer o pequeno salto de teleportação? Rhodan pensava que a mudança de ambiente lhe fizesse bem.

— Está bem, Gucky, como quiser. Você sente alguma dor, fome ou qualquer outra coisa?

“— Tudo cem por cento, chefe! Não sentimos nada.”

Rhodan não entendia, mas respeitava a opinião de seu amigo, sabendo que ele devia ter seus motivos para assim pensar e agir. Não teria sentido fazer mais perguntas.

— Bem, manifeste-se se quiser alguma coisa.

A conversa telepática terminou um tanto de repente e Rhodan estava certo de que o rato-castor não se achava aborrecido. Pelo contrário, tudo indicava que as coisas corriam bem para ele, devendo estar muito contente.

Mas com o quê? Era isto que Rhodan não sabia, nem mesmo Bell.

 

Durou seis dias a colheita em Árcon II, ficando o planeta mais importante do império livre dos fungos, começando então o lento emagrecimento dos arcônidas. Duas ou três semanas e tudo voltaria ao normal.

Chegara entrementes o transmissor de impulsos. O conserto não foi difícil e os técnicos garantiram-lhe o futuro funcionamento.

Rhodan continuou esperando.

Finalmente, no sétimo dia, tudo terminou. Os campos cintilantes de sucção se apagaram. Os círculos se transformaram numa linha reta, enquanto a “Nave da Colheita” subia lentamente, quase até onde terminava a atmosfera. Ali ficou esperando pela nova missão.

Rhodan não teve pressa. Sabia que o transmissor funcionaria e resolveu afastar a única fonte de perigo que o podia ameaçar. Atlan lhe comunicara que os funcionários preguiçosos estavam voltando ao trabalho e o comércio de Árcon retornava ao normal.

A grande central de rádio no mundo robotizado, isto é, no planeta da total mecanização, tinha que ser destruída. E o Major Jefe Claudrin recebeu ordem para isto.

 

Neste momento, a Ironduke circunvoava o sistema do sol vermelho Outside.

No centro da tela de ampliação, estava o segundo planeta, que Claudrin continuava observando com atenção, como já vinha fazendo quase sem cessar nos últimos seis dias. Somente o pequeno período de sono o impedia de estar ali diante da tela.

O planeta da mecanização era do tamanho de Marte e em grande parte coberto por desertos, que antes foram regiões férteis. No meio de tais desertos se encontravam freqüentemente cidades abandonadas ou grandes instalações automatizadas. Não demonstravam sinais de destruição, a não ser as de muitos séculos atrás.

Claudrin sabia que os terranos, em sua primeira visita ao planeta, destruíram a maior parte dos projéteis de raios narcóticos; não ignorava, porém, que devia haver ainda muitos deles espalhados por ali. Para uma boa aterrissagem, tinha-se que ser bem rápido, pois a experiência comprovava que as instalações robotizadas eram perfeitas, mas de reação lenta.

O posicionamento da central de ligação do planeta já lhe era conhecido.

Levou um susto ao ver acender a luz vermelha ao lado dos controles. A central de rádio da Ironduke estava chamando. Apertou um botão e a ligação estava pronta.

— Aqui fala o comandante. O que há?

A voz de Claudrin estava de acordo com seu corpanzil: era muito grossa e sonora. Mesmo que tentasse falar baixo, era sempre a mesma coisa.

— Ligação de hiper-rádio com a Sírius, senhor.

— Rhodan?

— Perfeitamente, senhor. Devo transferir a ligação para a central?

— Naturalmente, depressa, por favor.

Claudrin estava tranqüilo em sua poltrona, esperando que o radiotelegrafista de serviço fizesse as ligações necessárias. De repente o semblante de Rhodan apareceu no vídeo. Tinha-se a impressão de que o administrador estava ali mesmo com ele, embora estivesse a mais de cinqüenta mil anos-luz da Ironduke.

— Alguma novidade, major?

— Tudo em ordem, senhor — reboou o vozeirão de Claudrin. — Estamos aguardando.

— A espera está acabando — disse Rhodan, e na sua voz havia algo que parecia querer prevenir Claudrin. — Coloque a central de comando fora de uso, como foi combinado.

— Posso usar de violência, em caso de necessidade, senhor?

— Até deve, major. Não precisamos mais desta central e você não irá matar ninguém. No planeta da robotização não há ser vivo. Temos a “Nave da Colheita” sob controle, mas ela tem que ser impedida de receber ordens aí deste planeta. A central de comando, que não é outra coisa senão uma gigantesca estação de rádio, deve ser posta fora de combate. Só então teremos a garantia de que a nave que colhe os fungos servirá exclusivamente aos nossos interesses. Conhecemos já o segredo dos impulsos que nos são necessários. Portanto, não precisamos mais do planeta da mecanização. Está claro?

— Completamente, senhor. Quando devo começar o ataque?

— Imediatamente. Aguardo a notícia da execução dentro de cinco horas.

— Cinco horas? — fitou Rhodan e logo depois seu lábio inferior se contraiu um pouco e dava sinal de dúvida. — Pode ser pouco, conforme as circunstâncias.

— É claro, depende das circunstâncias. Faça tudo para que elas lhe sejam favoráveis.

— Pode ficar tranqüilo, senhor.

— Sei disso — confirmou Rhodan, desligando.

Durante uns dez segundos, Claudrin fitou a tela vazia. Depois fez uma ligação, usando o intercomunicador. Sua voz foi ouvida por todas as cabinas do couraçado. Em curtas palavras, explicou a situação e desligou.

A tensão reinante até então, apesar de velada, desapareceu por completo. Cada um sabia sua missão e o seu lugar na complicada maquinaria da grande nave.

Esperou até que os oficiais estivessem reunidos na central de comando, com exceção daqueles retidos em pontos estratégicos. Só então é que deu o sinal de partida para o primeiro-piloto.

O mundo da mecanização voava de encontro à Ironduke que, por sua vez, se assemelhava com uma ave de rapina se abatendo contra sua vítima. A velocidade — Claudrin sabia disso pela própria experiência — era neste caso o único meio de escapar dos dispositivos automáticos de defesa. Quando a central de comando estivesse destruída, o planeta passaria a ser verdadeiramente morto.

Não existia envoltório de proteção no mundo da robotização. A Ironduke penetrou nas primeiras camadas da atmosfera e só brecou quando desertos e cidades desfilavam sob a nave, como num rápido desenho animado.

— Artilharia da proa, pronta? — perguntou o comandante no intercomunicador.

— Pronta — veio a confirmação.

A voz do oficial responsável traduzia calma e naturalidade. Estavam acostumados a lidar com outros adversários mais temíveis que os robôs.

Claudrin não se arredava da tela do vídeo. Não lhe era difícil reconhecer a topografia do planeta, aliás bem gravada em sua memória. Na primeira vez que aqui esteve, achou o planeta horrível, pois tanto ele como Rhodan ignoravam o que se escondia em sua superfície. A situação hoje era diferente. O planeta era um mundo abandonado e praticamente extinto. Os robôs agiam de acordo com normas já superadas, normas estas cujos autores há muito não existiam.

A velocidade foi diminuindo aos poucos e as cidades se tornaram mais visíveis.

Surgiu pequena cadeia de montanhas, desaparecendo logo.

Deserto.

Uma cidade.

Viu, então, a gigantesca central de comando com suas cúpulas e com suas instalações meio escondidas na areia, com a fila de baterias antiaéreas e um bom número de pequenas espaçonaves circulando ainda sobre o deserto, numa procura infrutífera de fungos nutritivos.

A Ironduke ainda estava com muita velocidade para obter um ataque perfeito. Embora Claudrin tivesse contado com isto, a central de defesa do planeta surgiu mais cedo do que supunha.

— Continue — gritou ao seu piloto. — Não pare agora. Vire para o lado da montanha e abaixe mais.

Depois pegou o microfone do intercomunicador:

— Artilharia da proa! Preparados para atirar.

O couraçado disparava sobre o triste deserto, enquanto a central de defesa ficava para trás e já se encolhia no horizonte. Vinte segundos depois, estavam sobre a montanha. O couraçado descreveu uma longa curva e diminuiu bem a velocidade. Esta curva fez com que aquele ponto determinado aos pés da montanha fosse sobrevoado duas vezes, o que quase causou um grande aborrecimento a Claudrin e a todos os oficiais.

Durante séculos ou milênios — talvez até mais — os sensíveis órgãos de medição do robô de rastreamento não recebiam impulsos de vibração de material estranho. Eram sempre as mesmas ondas das velhas naves de colheita que o robô tinha de ouvir.

Por trás do robô de rastreamento, repousava no fundo de um vale a poderosa maquinaria de um posto de artilharia dos raios narcóticos. Seu funcionamento era independente da central de defesa, e não recebia ordens dela, apenas se abastecia de sua energia, sem o que não passaria de um montão de metal inútil.

O robô de rastreamento pareceu acordar de um longo sono, ao surgir no horizonte a estranha nave, tomando a direção das montanhas. Relês começaram a vibrar e os contatos se fecharam para a circulação da corrente. A massa gigantesca das peças de artilharia ainda repousava nas bem protegidas profundezas da montanha. Os bancos de dados e toda a positrônica também estavam no interior da montanha.

Mas de repente pularam os impulsos nos contatos de alarma. Toda a imensa maquinaria despertou instantaneamente. Fecharam-se os circuitos e a corrente aguardava nervosa. As inesgotáveis reservas da longínqua central de comando eram absorvidas sem utilização de cabos condutores. E as cúpulas dos canhões emergiram.

A Ironduke já desaparecera por entre os cumes da montanha, fazendo sua curva, quando os canhões se ergueram ameaçadores. Instrumentos de rastreamento funcionavam por toda parte, procurando o adversário.

E o encontraram...

A Ironduke terminara a curva e tomava a direção da central de defesa, no momento escondida além do horizonte. O Major Claudrin dava ordens curtas.

— Mais rápido!

E a Ironduke acelerava.

— Mais baixo!

Desceram mais duzentos metros.

A montanha ficou para trás, diminuiu de tamanho, até desaparecer por completo.

A tela da frente mostrava todos os detalhes bem ampliados. Claudrin viu as últimas ondulações da montanha e percebeu também o reflexo metálico aos raios do sol solitário. Descobrira os canhões, cujos tubos ameaçadores tomavam posição de disparo. Ninguém sabia exatamente o alcance da terrível arma, embora existissem suposições a respeito. Claudrin sabia, porém, que a Ironduke estava dentro deste raio de fogo. Reagiu com rapidez incrível.

— Rumo da central de comando... passar para a automática! — gritou para o assustado piloto, que executou logo a ordem.

A massa escura da positrônica do planeta, que surgia no horizonte, chegou mais para a direita e estava agora exatamente no meio da tela de pontaria. A automática estava funcionando.

— Abrir fogo! — foi a segunda ordem de Claudrin, endereçada ao oficial da artilharia da proa. — Fogo contínuo!

O feixe de raios atingiu o deserto, abrindo um sulco calcinante pela areia. Claudrin estava vendo tudo e sabia como o acaso devia ser muito generoso, se nada de mal acontecesse.

O sulco de fogo da areia derretida ficou para trás — uma linha reta de destruição total, que tudo esturricava. Em poucos segundos atingiu o comprimento suficiente para deixar perceber sua direção. Prolongando-se esta linha, chegava-se exatamente ao complexo escuro da central de comando, já visivelmente próxima.

Claudrin sentiu o repentino cansaço de seus ombros e se espantou, embora já esperasse por isso. Sabia que neste momento toda a tripulação estaria sofrendo a mesma coisa e com mais intensidade do que ele, pois o epsalense era muito resistente e ambientava-se com facilidade às mais diversas circunstâncias. Mas não quisera confiar em sua força, por isto tomara as últimas providências.

Agora se via como foram benéficas. O piloto desmaiou ao ser atingido pelas ondas paralisantes dos raios narcóticos. Sua cabeça bateu com força na quina estofada da mesa de controles. Suas mãos caíram para frente, como se procurassem por alguma coisa. Depois perderam a mobilidade e balançavam frouxas de um lado para o outro.

Mas a Ironduke mantinha sua rota, pois a automática substituía o trabalho do piloto. Continuava firme em sua rota, rumo à central de comando. E com a mesma firmeza, o feixe de raios continuava sulcando a superfície do planeta e traçando a linha da morte que coincidia com a trajetória da nave. Seu ponto de chegada, ou melhor, seu objetivo, era a central de comando.

Por todos os cantos da Ironduke havia homens caídos no chão, sem perderem, porém, os sentidos. Ou os disparos feitos do posto escondido na montanha tinham um raio de ação menor, ou trabalhavam com menos energia. É verdade que o sistema nervoso estava paralisado, mas certas partes do cérebro continuavam com atividade parcial.

E a cada segundo, diminuía o perigo.

“Apesar de tudo”, pensava Claudrin, “com a maior concentração e fazendo uso de todas as nossas forças, ainda não conseguimos o objetivo principal. Mais um disparo dos raios paralisantes e estamos perdidos!”

No momento, a Ironduke não estava sendo controlada por seres humanos. Contudo achava-se agora na reta final para destruir a obra-prima de uma raça extinta. Uma ironia do destino quis que a ciclópica instalação robotizada fosse desfeita também por robôs. Não era, pois, o homem que punha um ponto final no ciclo do passado e do presente, mas sua mais genial criação — o robô.

Claudrin reparou que a semiparalisia estava desaparecendo e já podia se mover à vontade. O clímax da arma insidiosa devia ter passado. Não conseguiu, porém, se levantar. Por muita sorte, podia observar a tela frontal e a outra da parte traseira da nave, sem precisar mover a cabeça.

O sulco calcinante cortava o deserto, terminando quase rente à montanha. Na outra direção, faltavam só poucos quilômetros até a central de defesa. Em cinco segundos a Ironduke a atingiria.

Um, dois... cinco segundos.

O raio energético varou a barreira metálica da primeira cúpula e penetrou no centro das importantíssimas ligações, destruindo bancos de dados e geradores no seu caminho de fogo para completar sua obra de devastação.

Quem sabe uma parte das instalações teria ficado intacta, podendo voltar a funcionar, se não ocorresse a explosão? Mas um banco de dados de alta sensibilidade caiu na fossa de um grande gerador, já em fase de fusão, e detonou. A violência desta explosão acabou de arrancar o que sobrara da central.

A Ironduke foi atingida pela compressão da explosão, quando Claudrin desligou a automática com um vigoroso soco e diminuiu a velocidade. O piloto continuava recostado em sua poltrona, sem se mexer. Olhou com muita admiração para os controles diante dele.

A esta altura, Claudrin já sabia que a sorte os protegera e as conseqüências dos raios narcóticos não foram tão sensíveis. Posse de outra forma, a Ironduke continuaria por muitas horas sem direção, dando voltas no planeta e deixando atrás de si uma trilha de fogo que os futuros visitantes jamais conseguiriam explicar.

Um novo esforço... e conseguiu fechar a descarga energética dos canhões da proa. O raio da morte apagou tão depressa, como começara há trinta segundos.

Deixou que sua nave desse mais uma volta em torno do planeta, até que ele, Claudrin, se sentisse mais forte. O piloto também despertara de sua inconsciência. Num exame geral da situação constatou que somente um único tripulante caíra de tal maneira que se machucara um pouco. Um preço muito pequeno para o funil de um vermelho-forte que mostrava o local onde, ainda há poucos minutos, se erguia a genial criação da raça dos sáurios.

Na segunda volta da Ironduke, as baterias dos raios narcóticos não se moveram mais e com elas todo o sistema de defesa do planeta.

— Mudança de órbita — disse Claudrin, com algum esforço, para seu piloto.

Ao mesmo tempo pediu a ligação para a central de rádio, ordenando entrar em contato com a Sírius através do hiper-rádio.

Ao olhar para o relógio, sorriu feliz. Desde o início do ataque ao mundo da mecanização decorreram exatamente três horas e quinze minutos.

 

— ...existe apenas uma única explicação para o funcionamento apenas parcial dos raios narcóticos, senhor. Nós os sobrevoamos ao atingir a montanha e provocamos o alarma automático. Depois sobrevoamos os canhões já saindo da cúpula uma segunda vez, logo após a curva. Como já estavam para fora, a reação foi mais rápida e conseguiram abrir fogo contra nós, embora novamente com uns segundos de atraso. A Ironduke devia estar neste momento quase no fim de seu raio de ação, recebendo só uma descarga mais fraca.

— Pode ter sido assim — concordou Rhodan, olhando para Claudrin, que aparecia na tela com um sorriso feliz. — Qual é sua posição agora?

— Estamos ainda em Outside, senhor, aguardando novas ordens.

— Tome a direção de Árcon, major. O senhor vai me encontrar aí. Provavelmente, voltaremos juntos para a Terra, assim que a situação aqui estiver mais tranqüila. Mais alguma coisa?

O major hesitou um pouco, mas depois falou daquela estranha espaçonave que tinha o formato de um fuso, que encontrara nos confins da Via Láctea e concluiu:

— Registrei a rota no banco de dados da Ironduke. Se não tiver alterado seu curso, poderemos investigar sua origem e seu destino.

Rhodan ouvira com atenção e sua fronte exibia uma ruga. Os cabelos vermelhos de Bell ficaram mais hirsutos ainda, sinal infalível de que estava nervoso.

— Formato de fuso? — repetiu Rhodan, pensativo. — Nenhuma raça que eu conheça constrói naves desta forma, com exceção do povo de Fantan, que aliás não tem mais cosmonáutica. Esquisito, muito esquisito mesmo. Quase que se podia supor... — parou no meio da frase.

Bell tomou o fio da conversa:

— Podia-se supor, Major Claudrin, que o senhor se encontrou com um mensageiro de uma nova civilização, já que os sáurios não existem mais.

— Incrível — disse Rhodan, meneando a cabeça. — E se for isso, não temos nada a temer deles. Eram uma raça tão pacífica, que só tinham como arma os raios narcóticos. Mas tenho meus receios, Bell. Os sáurios construíam cilindros...

Fez uma pausa e desconversou:

— Com outras palavras: sua primeira suposição estava certa. Claudrin viu uma nave de uma raça que não conhecemos.

— Então, nós haveremos de...

— Haveremos de esperar — atalhou Rhodan, tirando-lhe a palavra, e fazendo um sinal para Claudrin. — Tome a direção de Árcon, major. Então verei os cálculos de rota do computador de bordo da Ironduke.

Voltou depois para a central de comando da Sírius. Bell o acompanhou.

— É melhor a gente esquecer esta história da nave desconhecida, meu amigo. Nossa missão aqui ainda não está totalmente cumprida — sentenciou Rhodan.

— Árcon II está fora de perigo e a “Nave da Colheita” não pode mais receber outras ordens, a não ser as nossas.

— Isto é o que teremos de ver ainda. Vamos embora.

Cinco minutos depois, estavam penetrando no local onde os técnicos tinham montado o transmissor especial de impulsos. Uma grande tela, que estava em ligação com a sala de comando, mostrava um mapa do espaço. O planeta Árcon II ocupava quase todo o quadro. Na frente dele, flutuava a “Nave da Colheita”, ainda sobrevoando o planeta já sem nada mais para colher.

Rhodan fez um sinal aos técnicos. Os dados já preparados foram introduzidos no transmissor robotizado. Continham, entre outras coisas, as coordenadas dos dois mundos habitados, onde também crescia o musgo da gordura. Eram ao todo três ordens que deviam ser transmitidas a Rabotax. Primeiro, deviam ser feitas as colheitas nestes dois planetas; depois, a nave devia ir para um determinado ponto quase fora da Galáxia; terceiro, lá ficar aguardando novas ordens.

— Quando é que voltam os teleportadores?

Rhodan olhou para Bell e começou a sorrir.

— Você está morrendo de saudade de seu amigo Gucky, hein?

Bell também sorriu com naturalidade.

— Você acertou, Perry. Há muitos dias que procuro imaginar como ele está, mas não consigo. Só desejo que ele não leve a mal se eu não ficar sério na frente dele.

— Gucky sabe compreender uma brincadeira, mas, naturalmente, vai se vingar — preveniu Rhodan bem-humorado. — Seja, pois, moderado com suas piadas e observações, do contrário vai começar com você de novo aquela brincadeira de deixá-lo preso no teto. Não abuse, pense no seu dom de telecinese. Já estou vendo você fugir por todos os corredores da Sírius.

Quando se aproximou dos técnicos, Rhodan ficou um pouco mais sério.

— Está tudo pronto?

Os técnicos confirmaram e Betty Toufry, que entrementes chegara em companhia de Marshall, olhou para o administrador, que então logo perguntou:

— Como é, Betty, entrou em contato com eles?

— Exato, chefe. Gucky, Ras e Tako estão prontos para pular para cá. Assim que a nave reagir positivamente aos sinais de convocação para outra missão, voltarão para bordo da Sírius.

— Ótimo.

A Sírius seguia a “Nave da Colheita”, a pequena distância. Qualquer mudança na rota seria imediatamente registrada. Estavam também ligados os rastreadores estruturais. Rabotax podia fazer uma transição, mas não conseguiria fugir. Além disso, o primeiro planeta, para onde devia ir, não estava a mais do que cem anos-luz de Árcon II, de forma que um único salto bastaria.

— Pronto!

Na testa do técnico responsável, havia gotículas de suor. Sabia quanta coisa era necessária para o perfeito funcionamento do transmissor que acabara de consertar. Não houvera oportunidade para um teste sequer.

— Pronto, senhor!

Rhodan olhou de novo para a tela do vídeo.

— Pode transmitir!

O técnico apertou um botão. A automática começou a trabalhar e os impulsos simbólicos partiram do transmissor para a “Nave da Colheita”, onde seriam captados pela central de rádio e retransmitidos para o robô-comandante.

Dois longos minutos se passaram depois que a mensagem foi três vezes repetida.

Veio então a resposta.

Rabotax confirmou o recebimento das três ordens e também da última, de ficar estacionado à margem de determinadas estrelas nos confins da Via Láctea. Comunicou ainda que o vôo duraria exatamente duas unidades de tempo até ter início a partida.

Rhodan sorriu aliviado, enquanto o técnico enxugou o suor do rosto. Os números eram conhecidas figuras da Matemática, mas quanto durava uma unidade de tempo, ninguém sabia.

— Betty, acho que os três teleportadores podem voltar, pois acho que está tudo claro.

A jovem telepata se pôs em contato com Gucky e lhe transmitiu o desejo de Rhodan. Ficou uns instantes na escuta, depois disse:

— Vão saltar na central, porque conhecem melhor o local.

Esperou mais uns segundos, fazendo um sinal de cabeça.

— Já estão aqui, senhor. Na “Nave da Colheita” só existem robôs.

Bell disfarçou a decepção de ter que esperar mais tempo para ver Gucky bem redondo. Certamente não poderia rir sobre um Ras ou um Tako bem gordo. Mas com Gucky a coisa era outra. Haveria de rebentar de tanto rir.

Demorou ainda bons três minutos até que a nave começasse a aceleração. De repente, Rhodan mostrou inquietação. Que seria caso tivesse se enganado? Se a nave desaparecesse sem deixar vestígios no espaço infinito? Se não fosse mais encontrada? Apesar dos rastreadores estruturais, tudo era possível. Mas, aos poucos acabou vencendo seu pessimismo. Gucky falara tanto deste Rabotax... Haveria de executar a ordem recebida. Seria até estupidez pensar o contrário.

A Sírius não seguiu Rabotax. Podia-se ver na tela do videofone que a “Nave da Colheita” tomava a direção do ponto indicado para a transição e lá, poucos minutos depois, dava seu salto espacial. A confirmação dos aparelhos estacionados no planeta para onde devia ir a nave era esperada em vinte minutos, no máximo meia hora.

Rhodan se dirigiu então aos técnicos:

— Muito obrigado, meus amigos. Podem desligar e me levem este aparelho com cuidado para a Terra. Certamente, vai nos ser muito útil ainda.

Fez-lhes um sinal de despedida e bateu no ombro de Bell:

— Pronto, estão nos esperando na sala de comando. Marshall, mande preparar a enfermaria, pois deve começar ainda hoje o processo de emagrecimento dos nossos três mutantes.

Bell empurrou Rhodan de lado e saiu correndo pelo corredor. Ninguém o conseguiu alcançar, tanta era sua pressa. Betty começou a rir sozinha; não disse, porém, nada. Era como se soubesse algo bem interessante, mas não quisesse dizer a ninguém. Bell chegou com uma vantagem de vinte metros, quando abriu a porta da antecâmara da sala de comando. Assim que a segunda porta se fechou atrás dele, escondeu-se atrás de uma poltrona, respirou profundamente, botou as mãos na cintura, aliás bem estufada de gordura. Mas então, ficou parado, sem saber o que dizer.

— Alô, gorducho? Como vai? — disse Gucky.

Bell não notara que também Rhodan e Betty entraram na sala de comando. Com os olhos arregalados fitava ora Gucky, ora Ras e Tako. Parecia não acreditar no que via.

— Que está acontecendo, gorducho? — perguntou o esperto rato-castor, todo feliz, desfilando orgulhoso diante das telas apagadas. — Como é, você perdeu a língua?

Parou e começou a contemplar seu amigo.

— Se não me engano, você engordou alguns quilos, desde que nos vimos a última vez. É, está bem gordo mesmo.

Bell achava-se numa situação desesperadora.

— Ah! Vá para o inferno!

Nesse momento estronda a gargalhada de Rhodan. Alguns oficiais se aproximaram, sem compreender o que se passava. Betty também não parava de rir. Enquanto estavam subindo para a sala de comando, ela contara a Rhodan o que se passara com Gucky, que nos últimos momentos não escondeu mais seus pensamentos. Mas Betty não era nenhuma desmancha-prazeres e não disse nada a ninguém.

Ras veio de encontro a Rhodan e de passagem tocou no ombro de Bell, dizendo:

— Não leve a mal, meu jovem. Na próxima vez nós o levaremos para a “Nave da Colheita”.

Tako sorria calmo e amigável, sem fazer nenhum comentário. Estava tão esbelto como no começo da aventura. O processo de emagrecimento na nave robotizada fizera realmente um milagre.

Bell continuava fitando Gucky.

— Puxa! É você mesmo! Não é possível.

O rato-castor veio de manso e apalpou a cintura de Bell.

— Nenhuma mulher vai mais olhar para você, gorducho, se você continuar engordando assim — disse com voz muito séria. — Devemos fazer alguma coisa por você e não deixá-lo comer muito. Olhe para mim e aprenda alguma coisa. Mas não fique triste, meu amigo, mesmo que você ficasse bem magro, ninguém olharia mais para você.

— Mas certamente olharia muito para você — disse Bell, olhando suplicante para Rhodan.

— É isto mesmo, vão olhar para mim — disse estufando o peito e exibindo sua forma física. — E agora, me dão licença, tenho fome e vou comer alguma coisa.

Saiu sob os aplausos da pequena platéia.

Entrou diretamente na cozinha da Sírius, por teleportação, e atacou logo o estoque de cenouras.

Bell se dirigiu a Ras.

— Como é que vocês conseguiram isso? Como é que era esse negócio de musgo da gordura?

— Na “Nave da Colheita” há um aparelho que retira toda a gordura em questão de meia hora, sem causar nenhum dano. Não conseguimos saber para que servia antigamente, mas o fato é que foi uma coisa excelente. Voltamos ao estado normal em pouco tempo.

Bell ouvia desanimado, não sabendo se devia acreditar no africano ou se estava sendo vítima de uma conspiração.

— Era uma verdadeira ducha de ar morno. Ficava-se nu sob ela e a gordura desaparecia — afirmou Tako.

— Em tão pouco tempo assim? — perguntou Bell.

Quando Ras confirmou com um simples aceno de cabeça, Bell, sem dizer uma palavra, saiu da central de comando e sumiu no corredor. Ouviram-no resmungar sozinho por muito tempo.

— É isso — disse Rhodan, tentando ficar sério de novo. — Bom, já acabou a brincadeira com Bell. Foi de fato muito cômico. Ras e Tako, assim que vocês voltarem do exame médico, quero ouvir suas impressões. Aguardo-os no meu gabinete. E a você, Betty, tenho que agradecer muito pelo inestimável serviço durante toda a missão. Acho que podemos dá-la por encerrada, pelo menos dentro de dez minutos.

Levantou-se e com largas passadas se dirigiu para a porta da central de rádio. Um oficial quase se chocou com ele.

— Algum hiper-rádio?

— Perfeitamente, senhor, da Ohio. Apenas uma pequena informação.

— E o que ela diz?

O oficial leu da tira de papel:

— Ohio, em posição XB 23 Z13, anuncia: “Nave da Colheita” chegou conforme previsto e já iniciou trabalho.

Rhodan bateu amigavelmente no ombro do oficial, dizendo:

— Obrigado, Warner. Você nos deu uma boa notícia. Confirme a recepção.

Dizendo isto, foi até a central.

— Rumo de Árcon II — disse ao primeiro-piloto.

Ao prestarem seus depoimentos — Gucky, Ras e Tako — no gabinete de Rhodan, Bell estava também presente. Parece que havia controlado sua decepção, pelo menos não deixava transparecer nada. Aliás, achava-se até muito absorto. Seu pensamento parecia estar longe dali e quase não prestava atenção no que se falava. Somente quando voltou à baila o assunto da eliminação da gordura, foi que mostrou maior interesse. Ouvia então com grande atenção.

Pouco antes da aterrissagem da Sírius, pareceu ter chegado a alguma resolução.

— Ah!... O que vai acontecer com a “Nave da Colheita”, quando terminar sua missão de retirar os fungos dos planetas?

Rhodan fitou seu amigo.

— Tem ordem de se dirigir para os confins da Galáxia. Lá ficará esperando, até que precisemos de novo de seus serviços. Você sabe que os musgos da gordura podem germinar quase por toda parte...

— Para os confins da Galáxia? Puxa!...

— Por quê?

— Posso saber exatamente a posição?

— Mais uma vez, Bell... por quê?

O gorducho perdeu o jeito. Olhou para Rhodan suplicante e apontou para Gucky, que com todo conforto repousava refestelado na poltrona, saboreando uma cenoura.

— Ah! Não é por nada, não — balbuciou ele, esquecendo-se, porém, de que Gucky ali estava e lia todos os seus pensamentos.

— Gorducho, meu amigo! — chilreou ele, soltando depois uma longa risada. Deixou cair o pedaço de cenoura e bateu palmas entusiasmado: — Bell pretende visitar Rabotax e lhe pedir para lhe amputar a barriga. A tal ducha! Oba, como está encantado pela ducha do robô.

— Gucky!

A voz de Bell tinha entonação de indignado, mas também de suplicante.

Gucky parou de rir. Escorregou da poltrona, veio até Bell e pegou sua mão, meneando lentamente a cabeça:

— Sinto muito, meu amigo, mas esta ducha só tem efeito para o “engordamento” pelos fungos. Portanto, Rabotax não lhe vai servir de nada. Há, porém, um outro meio para você.

— É verdade?

Toda a esperança de Bell estava agora nesta palavra que Gucky ia dizer. Inclinou-se bastante para o lado de Gucky, que aconselhou com toda seriedade:

— Sim, há um meio. Passar fome e fazer mais movimento.

O pobre gorducho fez uma cara como se alguém lhe tivesse despejado um balde de água gelada no rosto. Mas Gucky tinha um coração tão grande que não quis se vingar da planejada caçoada que Bell tencionava fazer com ele. Provou que estava pronto para lhe perdoar.

— Afinal de contas, Bell, por que motivo você quer emagrecer? Alguém, por acaso, afirmou que você estava gordo? Eu? Ah!... Isto foi só de brincadeira. Você propriamente não tem barriga. E estou convencido de que todas as mulheres de Terrânia vão adorá-lo, caso você lhes mostre apenas um rosto sorridente. Esteja certo disso.

Bell conseguiu rir de novo.

— Você está dizendo isto com sinceridade, rapaz?

Gucky abanou a cabeça com seriedade. Voltou à sua poltrona e piscou o olho para Rhodan, antes de pular para seu lugar predileto.

— É claro que estou falando sério, gorducho.

Bell pensou uns três segundos, depois aderiu à alegria geral e se deixou contaminar pelo sorriso feliz de todos, que já não era mais às suas custas.

 

                                                                                            Clark Darlton

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades