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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Entre as Galáxias / Kurt Mahr
Entre as Galáxias / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Entre as Galáxias

 

Primeiro, é a terrível batalha espacial: depois, recebem radiogramas esquisitos; por fim, o caos se abate sobre eles...

Crest, o primeiro amigo arcônida de Rhodan, profetizara que os ousados e eficientes terranos tomariam conta, um dia, do grande mas decadente Império Arcônida. E de seus destroços, reergueriam o Reino Estelar da Humanidade.

Esta construção caminha mais célere que era de se supor. Assim, especialistas e colonizadores terranos atuam fiéis ao lado do imperador de Árcon, apoiando Atlan, aliás, Gonozal VIII, que, após a destruição do regente robotizado, está enfrentando uma série de dificuldades. A eficiência dos terranos faz com que assumam cada vez mais influência, ocupando os cargos mais importantes no império.

Desde os acontecimentos do último volume de Perry Rhodan, passaram-se seis anos, ou seja, depois que as “sombras” atacaram. Neste período muita coisa aconteceu nos confins da Galáxia.

Construíram-se gigantescas estações espaciais, estacionadas fora da nossa Galáxia e, por muito tempo, nossos postos avançados da Via Láctea não tiveram nada de especial para comunicar. Mas, em princípios de maio do ano 2.112, da cronologia terrana, soou o brado de alarma: algo de novo Entre as Galáxias...

 

                                                         

 

Em maio de 2.012, o Instituto de Cosmobiologia da Universidade de Terrânia realizou um simpósio para assuntos de segurança espacial. Uma das reuniões teve como tema o encontro com inteligências extragalácticas. No correr de sua conferência, um cientista expôs o seguinte:

— A Humanidade compreendeu, entrementes, que nem todo tipo de vida, no âmbito de nossa Galáxia, pode ser medido pelos parâmetros da Terra. Hoje, ninguém mais duvida de que um ser inteligente esteja obrigado a andar ereto, usando as duas pernas, a possuir dois braços, dois olhos, um nariz, duas orelhas e uma boca.

“Existem outras formas de vida. Podemos nos deparar hoje com um ser exótico que, se conhecer nosso modo de nos cumprimentarmos, poderá estender um tentáculo ou uma garra, para, com toda naturalidade, exprimir seus sentimentos de amizade.

“Não sabemos ainda o que poderemos encontrar pela imensidão do espaço. Temos já certos indícios de que as espécies da nossa Galáxia, por mais que possam se diversificar de nós, conservam sempre traços comuns. Não encontramos nenhum tipo racional essencialmente diferente de nós.

“Mas o que, porém, poderemos esperar, ao nos depararmos pela primeira vez com uma raça de outra galáxia? Temos que esperar que aí também haja pontos de contato, traços comuns às duas espécies?

“A resposta é não. Na nossa própria Galáxia, encontramos fortes diferenças graduais. Temos, pois, que supor que, em galáxias diferentes as discrepâncias sejam substanciais. Não podemos, por exemplo, esperar que façam um bom conceito da amizade e um mau do ódio. Nem mesmo podemos esperar que tenham a noção do bem e do mal. O que para nós é “belo”, pode ser para eles “verde”. Acho que vocês entendem onde quero chegar. Não podemos esperar sermos compreendidos logo no primeiro encontro com seres de outras galáxias, como estamos acostumados a fazer aqui com povos de nossa Via Láctea. Mal entendidos e divergências de toda espécie podem ter funestas conseqüências.

“Podem me objetar que estou fazendo um bicho de sete cabeças destas raças de outras galáxias. À primeira vista, o tema de minha comunicação parece coisa muito remota e sem atualidade. Se levarmos em conta, porém, que estamos no tempo das velocidades superiores à da luz, um encontro destes pode se dar a qualquer dia ou a qualquer minuto. Principalmente se tivermos que aceitar a existência de uma raça hipotética, numa galáxia desconhecida, raça esta que esteja muito superior ao estado de civilização dos Impérios Solar e Arcônida.

“Para este momento, o momento do primeiro encontro, devemos estar preparados. É muito provável que seja decisivo para preservação de nossa cultura. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos de braços cruzados, esperando. Temos que nos prevenir, a situação o exige.”

Apesar da expectativa em contrário, o orador viu que suas palavras calaram bem fundo no auditório. Começou-se, de fato, a olhar com mais responsabilidade para um possível encontro com uma raça extragalácticas. Preparativos mais eficientes exigiam maior conhecimento daquilo que se temia. E este conhecimento estava ainda na estaca zero. Ninguém tinha a menor idéia do que concretamente seria esta ameaça para a Humanidade.

De qualquer maneira, já havia um esboço de defesa, no calculador de hipóteses, uma enorme instalação positrônica para estudar centenas de milhares de situações possíveis, bem programadas, dando-lhes as respectivas respostas e a maneira de proceder em cada caso, se bem que o quociente de sucesso nesse modo de agir nunca ia além dos trinta e cinco por cento.

O fato é que tudo ainda estava mais ou menos no ar, embora a Humanidade, em oposição a seus hábitos de antes do ano 2.112, já estava se acostumando com a idéia de, em breve, ter um encontro com seres inteligentes extragalácticos.

Foi, porém, um mero capricho do destino, que exatamente cem anos depois deu-se o primeiro encontro, se bem que rigorosamente falando, tudo começou quando Rhodan se deparou com os arcônidas...

 

Esta região do Universo era totalmente vazia e morta.

Os detectores de matéria de uma espaçonave, que parecia parada em relação à distante Via Láctea, não acusavam absolutamente nada. Somente as sondas coletoras de grandes extensões de aparelhos de velocidade relativa muito superior, que uma vez ou outra passavam por estes abismos entre as ilhas de estrelas, poderiam dar algum resultado.

Em cerca de dez metros cúbicos, mal se encontrava um núcleo de hidrogênio. Para se coletar uma única grama de matéria, seria mister varrer um setor do espaço tão grande que nele caberia cinqüenta mil vezes o globo terrestre.

Tão absoluto era o vazio lá fora, o verdadeiro vácuo.

“Puxa vida!”, pensava Eric Furchtbar. “Ainda faltam dois dias para me apanharem...”

Ninguém gostava de permanecer na estação de rastreamento BOB-XXI mais do que três meses. No começo supunham que o pessoal pudesse agüentar por ali meio ano de tempo terrestre, mas depois do terceiro mês, começavam a ver assombrações e ouvir gritos sinistros que vinham do vácuo infinito.

“Não seria tão ruim assim”, meditava Eric Furchtbar. “É apenas uma questão de higiene mental, de formar mentalidade... Basta sentar tranqüilo num canto qualquer e se convencer de que não existem fantasmas e de que o horripilante vácuo lá fora não permite nenhum ruído.”

Mas, quem é que conseguia se convencer? Geralmente, ficavam juntos, conversando. E conversando sobre o quê? Naturalmente, sobre o vácuo. Como era horrível.., uma coisa que era a ausência de qualquer coisa... o vazio.., o nada! Inimaginável! Como seria horrível se a estação espacial BOB-XXI de repente sofresse um rombo...

No entanto não seria em nada pior se isto acontecesse em qualquer lugar nas imediações da Via Láctea.

E aconteceu mesmo, subitamente, quando estavam para ir dormir e alguns, já dormindo, ouviram vozes, viram as tétricas sombras pulando de um canto para o outro. Não tiveram tempo de fazer higiene mental, pois começaram logo a gritar e a tremer de pavor, escondendo-se onde podiam.

Perderam simplesmente o controle dos nervos.

Eric não negava que, às vezes, a missão era perigosíssima. Olhou em volta, O recinto onde estava era quadrado. Havia apenas um pequeno abaulamento na parede longitudinal, aliás recoberta como as outras de todo tipo de instrumentos, escalas de medição e telas luminosas.

Algumas cadeiras espalhadas desordenadamente.

O centro deste amplo local era ocupado por uma grande mesa, quase escondida. Havia sobre ela mapas siderais, tabelas de coordenadas e formulários para programação do computador — tudo na mesma ordem como no primeiro dia de sua chegada. Ninguém usara nada daquilo.

E não havia mesmo por que usá-los, pois não acontecia nada de anormal. A tripulação de vinte e cinco homens passava seu tempo constatando que neste setor do Universo, nada, nada de novo acontecia.

Dias, semanas, meses — era sempre a mesma monotonia. Os ponteiros dos instrumentos não saíam jamais do zero, como se estivessem desligados. De dez em dez minutos, Eric levantava-se, a fim de apertar o botão do aparelho de teste.

Acendia-se então uma lâmpada verde, indicando que todos os instrumentos estavam em ordem e prontos para entrar em ação. É claro que Eric sabia disso. Mas só empurrava o botão para ver acender a luz verde, o que já era um divertimento naquela tremenda monotonia.

Aliás, as telas de observação estavam de fato desligadas, pois os rastreadores de matéria e os sensores de reflexos captariam tudo muito mais depressa do que a óptica convencional. A visão que o vácuo oferecia entre as galáxias traria o pavor. Portanto, as telas deveriam sempre ficar desligadas para que o terror não tomasse conta dos tripulantes.

Além do mais, a BOB-XXI, tomando-se em consideração as dificuldades psicológicas, estava com uma tripulação muito diminuta. Em cada cabina deviam estar morando, apenas, dois homens. Eric, por exemplo, gostaria de ter mais uma pessoa consigo, para poder conversar um pouco. Ficava o tempo todo sozinho numa cabina de quase cinqüenta metros quadrados. Oito outros rapazes estavam também distribuídos em suas cabinas e os restantes dezesseis estavam de vigia.

Eric Furchtbar levantou-se. Com seus quase dois metros de altura, devia ser uma figura imponente, se não fosse tão magro. O uniforme, confeccionado para um homem alto e forte, pendia-lhe em dobras inúteis por todo o corpo, o que, porém, em nada o impedia de movimentar-se. A única coisa que o incomodava e que, pelo brilho, chamava mesmo a atenção, era sua careca. Portava-a com toda dignidade, apesar de seus trinta e um anos.

Caminhava ao longo da parede abaulada e, quase com um sentimento masoquista, tinha prazer em pensar que apenas a meio metro de seu ombro direito, começava a negridão do vácuo que se estendia dali até milhões e milhões de anos-luz, ou melhor, até as proximidades da primeira galáxia. Perguntava a si mesmo o que sentia sabendo que apenas uma chapa de metal plastificado da parede externa da base espacial o separava do infinito... Há, mais ou menos cento e quarenta anos, quando os primeiros terranos se aventuraram ao espaço, as paredes externas das naves eram ordinariamente de aço e, em comparação com a construção de hoje, a carcaça era tão frágil como uma casca de cebola. Naquele tempo, não existiam os envoltórios de proteção como os que garantiam hoje a BOB-XXI.

“Bem”, matutava Eric, “me sentiria também seguro sem o envoltório de proteção. Lá fora não há meteoros... que poderia então acontecer? O diabo que carregue todos os fantasmas... Tomara que aconteça algo!”

Deu as costas para a visão morta do vácuo e voltou para seu lugar, sentando-se na poltrona e olhando enfastiado para os instrumentos de medição.

O ponteiro luminoso azul-claro estava oscilando na última graduação da escala.

 

Eric Furchtbar, em toda sua vida, nunca se levantou tão depressa. Com dois ou três passos mais saltados do que andados, estava diante do painel principal e comprimiu a alavanca de alarma, fazendo com que as sirenas infernizassem aquele ambiente tão silencioso. Todas as luzes sinalizadoras começaram a piscar e todas as telas voltaram a funcionar.

A poderosa estação espacial de observação despertava para a vigilância e Eric Furchtbar voltou ao seu lugar. O instrumento que registrou os altos valores, acusava campos paraenergéticos de uma determinada espécie de hiper-irradiação, cujo conteúdo energético não ultrapassava um certo nível e não possuía nenhuma modulação.

Um tipo assim de irradiação podia ser atribuído a diversas origens. Dentro da Via Láctea, o ponteiro luminoso não pararia nunca de oscilar.

Mas, aqui fora, no vácuo...

Eric examinou as escalas dos outros instrumentos e outros mostradores que também oscilavam, registrando um leve choque de hipergravitação. Captaram-se ao mesmo tempo ondas hiper-ópticas.

“Tudo aqui é hiper”, pensava Eric confuso. “Mas nenhum sinal certo...”

Passou a observar as telas panorâmicas, mostrando o vazio de sempre, não havendo nada para ver, O que quer que tivesse acontecido, devia ter sido muito longe, tão longe que a luz levaria alguns minutos para trazer.

Eric esperou ainda uns momentos, até que chegou o primeiro comunicado do interior da estação.

Era o centro de exploração que se apresentava.

— Examinamos as fitas, senhor — disse um jovem de cabelos vermelhos, cujo rosto sardento tinha uma expressão meio espantada, na tela panorâmica. — Não há dúvida alguma de que lá fora irrompeu de repente um sol.

Eric Furchtbar quase se engasgou.

Um sol?! — gritou. — Fale mais claramente, Kirkpatrick.

Passando a mão na testa, Kirkpatrick explicou:

— Pela observação de todos os dados, senhor, pode-se concluir que lá fora, em qualquer lugar, há um sol. Quanto aos detalhes...

Eric fez um sinal para ele se calar.

— Esqueça os detalhes. Mas como pode um sol surgir assim sem mais nem menos?

Aí também acabava a sabedoria de Kirkpatrick.

— Ah! Isto... isto não sei mesmo.

— Bom, vamos deixar isto pra lá. A que distância está este sol?

— Entre quatrocentos e quinhentos anos-luz, senhor.

Eric contemplava a grande tela. Quatrocentos ou quinhentos anos-luz! Até que pudessem ver alguma coisa, muito tempo teria de passar... Talvez nada mais veriam daquele sol, pois já estariam mortos!

— Está bem — disse resignado. — Continue no seu posto, Kirkpatrick, e, quando terminar a exploração mais detalhada, chame-me de novo.

E Eric Furchtbar se escanchou novamente em sua poltrona. Kirkpatrick era um de seus homens de maior confiança. Se dizia que lá fora havia um sol, é porque havia mesmo.

 

Art Cavanaugh estava sentado na sala dos oficiais quando se deu o alarma.

Encontrava-se exatamente com uma peça de xadrez na mão para fazer um lance que haveria de liquidar seu adversário Ken Lodge. Soou então o alarma e Ken Lodge se levantou e esparramou todo o tabuleiro. Algumas peças caíram no chão.

— Alarma! — gritou Ken.

Art Cavanaugh levantou-se mais lento, com expressão de aborrecido:

— Foi muito interessante para você, não é? Chegou na hora “H”. Mais uma jogada e você estava no papo.

Sem a menor afobação, virou-se e olhou para o quadro luminoso do outro lado, comprimindo bem os olhos.

— Vem do posto central de ligação, o “velho” deve estar agora de serviço. Ele geralmente não...

Parou de fala e, com passos tão rápidos que Ken Lodge não conseguia acompanhar, correu para a escotilha. Do corredor lá fora vinha o barulho surdo de dezenas de passos apressados e gritos histéricos.

Art era um simples sargento, como seu colega Ken Lodge, o gigante que o seguia resmungando e fungando. Porém, Art era também um homem de fantasia ágil e tentava, no momento, descobrir a razão do alarma.

Examinou atento o horroroso vácuo nas diversas telas e chegou à conclusão calma de que lá fora não acontecera nada que merecesse sua atenção.

No entanto, alguma coisa acontecera.

Que seria?

Mais para frente, no corredor, surgiu a luz verde da sala de rádio. Art abriu a pesada porta. O homem sentado no meio dos muitos instrumentos virou-se e sorriu para Art.

— Não perdeu nem um segundo, hein? — disse ele.

Art fez que sim.

— Que aconteceu? Para que este alarma?

— Não tenho idéia — explicou o radiotelegrafista. — Veio do comando central e aqui não reparei nada de anormal.

— Levante-se! — ordenou-lhe Art.

O telegrafista era da mesma patente que ele, mas um pouco mais idoso. Sentou-se no lugar livre e seus dedos deslizaram pelos botões de teste, acendendo as luzes verdes que indicavam estar tudo em ordem.

— Não há mesmo nada? — perguntou de novo Art.

— Nem o menor ruído, Art. Silêncio absoluto.

Ken Lodge, com as mãos nos bolsos, deu uns passos sem direção certa. Warren Lee, o telegrafista, estava esperando atrás de Art, que dera uma volta com a cadeira e examinava todos os quadros, um por um.

Todos ouviram ao mesmo tempo, era o super-receptor com chiados bem estridentes.

Mas nenhum deles podia reagir com tanta presteza e segurança como Art Cavanaugh. Foi incrivelmente ágil e inteligente quando ligou imediatamente o osciloscópio e o regulou, ajustando também as freqüências dos receptores, com tanta técnica e rapidez, que a transmissão chegou clara e nítida.

Nada mais restava a fazer. De respiração presa, observavam as telas verdes do osciloscópio — também chamado de oscilógrafo — e as linhas onduladas que a hiper-irradiação desenhava na chapa fosforescente.

A oscilação principal na chapa era uma simples curva sinusoidal e nada no Universo estava em condições de produzir uma curva tão exata assim, se não fosse criada especificamente para este fim.

Mas o oscilógrafo havia sido criado para isto.

Lá fora, em qualquer ponto, havia um transmissor.

Lá fora, em qualquer ponto, havia seres inteligentes — no meio da noite eterna, entre as galáxias.

 

Eric Furchtbar sabia o que tinha a fazer. Um sol e uma mensagem de rádio que ninguém conseguia decifrar eram um motivo mais do que suficiente para botar a funcionar todo o mecanismo de defesa, do qual a BOB-XXI não passava de uma diminuta parcela.

Fez com que o computador redigisse um relatório codificado, em que os dois acontecimentos foram bem descritos. A positrônica forneceu uma ficha em código que Eric introduziu no aparelho de raio direcional e que, num centésimo de segundo mais tarde, já estava a caminho da Terra. Lá, o aparelho correspondente decifrou a mensagem e a levou diretamente para o oficial responsável.

O oficial responsável era o Coronel Nike Quinto, chefe da Divisão III do Fundo Social Intercósmico de Desenvolvimento.

Se, neste momento, Nike não estivesse sozinho, teria se queixado em voz alta de sua pressão sanguínea, provocada sempre por acontecimentos inesperados.

 

A mensagem de Eric Furchtbar causou grande rebuliço. Era como se a Terra estivesse esperando já há muitas centenas de anos unicamente por este radiograma intergaláctico.

A nave, que Nike Quinto e sua gente necessitava para chegar ao ponto selecionado, já estava preparada, bastando que entrassem e dessem a partida.

De fato, a Terra se mantivera na expectativa, sendo que, através de todos estes anos, as naves estavam de prontidão para levar os membros do Exército de Mutantes ou os elementos da defesa ou da Divisão III para o foco da política galáctica. As espaçonaves foram sendo substituídas, conforme a produção e o avanço tecnológico terrano, pois para missões de tamanha importância só servia material de primeira classe.

Até mesmo os homens especiais de Nike Quinto já estavam de prontidão. O que os esperava no espaço intergaláctico, o que deviam tomar em consideração — como talvez seria a situação, quando, nos confins do infinito, a milhares de anos-luz além da conhecida Via Láctea, se deparassem com inteligências estranhas... — tudo isto lhes estava firmemente impregnado na memória. Longo adestramento hipnótico lhes transmitira todas as informações necessárias e de tal modo que jamais se esqueceriam.

Foi aliás uma equipe superselecionada com que Nike Quinto se pôs a caminho no mesmo dia — dois de maio de 2.112. Eram seus companheiros o Major Ron Landry, Capitão Larry Randall, o sargento Mitchell Hannigan, tratado por Meech e, como auxiliar voluntário, o civil Lofty Patterson.

Cada um deles tinha uma longa folha de serviço em ações anteriores que comprovavam seu valor e experiência.

A cosmonave, em que Nike Quinto deixou a Terra, completava nesse dia exatamente meio ano de existência. Na gíria do pessoal da Divisão III, todos conheciam a Joann como o “cruzador-oficina”. Pertencia à classe dos cruzadores couraçados, com excelente poder de fogo, porém, também, com uma oficina mecânica tão bem montada que facilitava à tripulação técnica a fabricação de uma enorme série de peças e instrumentos, naturalmente não de proporções exageradas. A Joann era quase autônoma de sua base-pátria e não necessitava se dirigir a nenhum posto de manutenção. E isto, numa missão como esta, era imprescindível, pois a cinco mil anos-luz além das galáxias, a tática operacional devia ser bem diferente de outra que fosse realizada no âmbito da Via Láctea, onde se encontrava um mundo habitado a cada “pulinho” de transição.

A Joann atingiu Árcon III, a trinta e três mil anos-luz da Terra, num vôo linear! Depois que a nave aterrissou, Nike Quinto informou a Eric Furchtbar, via raio direcional, que já estava, relativamente, bem perto dele, O chefe da base espacial tinha, por sua vez, algumas novidades.

 

Os receptores registraram uma outra transmissão em freqüência diferente.

A primeira vinha se mantendo há já cinco horas, como era fácil de se constatar na tela do oscilógrafo, pois, a cada quarto de hora se repetia determinado tipo de modulação.

Art Cavanaugh explicara a Eric Furchtbar que uma coisa assim parecia ser um pedido de socorro, irradiado por um transmissor automático, repetindo sempre a mesma mensagem, até que alguém se apresentasse. Eric respondeu que esta hipótese só valeria em se tratando de habitantes da Via Láctea, que se devia ter muita cautela com tudo que viesse de fora, mormente no tocante a deduções aparentemente lógicas.

Art não entendia muito de questões de lógica. Confiava suficientemente no seu capitão, para não insistir demasiado em sua opinião. Mas, na sua cabeça persistia a idéia de que, lá fora, alguém estivesse pedindo socorro. Talvez fosse até o próprio transmissor automático, depois que aqueles, para cuja proteção fora instalado, não existiam mais.

O fato era que o tal sol, de que falara Mike Kirkpatrick, fora já definido como uma explosão nuclear de enorme proporção.

Depois de tudo isto, veio a segunda transmissão. Quem a transmitia não fazia nenhuma questão de repeti-la com mais freqüência.

Art Cavanaugh regulou a freqüência de recepção, vendo no oscilógrafo tão-somente uma única faixa de ondas em seqüência, depois a tela escureceu. Warren Lee rebobinou de volta a fita gravada, tendo o cuidado de cortar, para guardar, o pequeno trecho da mencionada transmissão.

Ken Lodge tinha a consciência de necessitar fazer, afinal, alguma coisa. Pegou então o carretel da fita, colocou-o numa cartolina vermelho-claro e o mandou através dos tubos pneumáticos, para a exploração mais completa no computador.

Entrementes, Art Cavanaugh comunicara o fato à central de comando. Apesar de estar trabalhando já há mais de doze horas consecutivas, Eric Furchtbar continuava firme no posto.

Solicitou os últimos resultados do rastreamento e, pela excitação em que se encontrava, Art se deu por feliz pelo fato de que o instrumento automático de rastreamento já terminara seu trabalho. O resultado consistia em três coordenadas em ângulo e um raio vetor. Este último dava a distância em que se encontrava o estranho transmissor, em relação à base BOB-XXI. A distância era de 410 anos-luz.

Era a mesma distância do local onde se deu a explosão nuclear...

 

No correr das próximas horas, observaram-se outras explosões. As ciclópicas energias delas desprendidas eram, em parte, de estrutura pentadimensional, e os hipercampos de quinta dimensão eram registrados, praticamente, no mesmo instante pelos instrumentos da BOB-XXI.

Era visível o nervosismo de Eric Furchtbar. A BOB-XXI não passava de uma estação espacial de observação; não era pois nenhuma espaçonave. Fora levada para aquele local por um rebocador espacial, que depois se separou da estação, voltando para seu ponto de origem. Não possuía, pois, tração própria; apenas o diminuto mecanismo destinado a corrigir pequenos desvios de orientação. Estava, portanto, imobilizada. Na hipótese de um ataque, a tripulação dispunha de meios suficientes de defesa, mesmo armas de grandes raios de ação.

Porém, sair dali, em caso de situação desesperadora, era totalmente impossível.

Durante a décima terceira hora de serviço ininterrupto de Eric, registraram-se onze explosões sucessivas e os sinais de rádio, que Art Cavanaugh julgava serem pedidos de socorro, continuavam no mesmo ritmo. Dava a impressão de que lá fora se travava uma tremenda batalha. Os campos magnéticos registrados nos instrumentos permitiam deduzir que cada explosão era uma bomba de mil megatons.

Eric já havia quase se esquecido do segundo e curto radiograma, quando o serviço de exploração anunciou que a computação positrônica conseguira decifrar. O Tenente Hynes, que estava no intercomunicador, explicou a Eric:

— De acordo com tudo que nos foi dito, não podemos confiar plenamente que a decifração reproduza fielmente o conteúdo da mensagem. Mas, de qualquer maneira, uma coisa combina com a outra. Todos os resultados têm o mesmo coeficiente de probabilidade, Isto nos leva a crer que...

Eric o interrompeu com um brusco movimento da mão.

— Sim, já estou compreendendo, mas o que vocês descobriram?

Viu-se na tela panorâmica que o Tenente Hynes apanhou uma folha de papel e hesitante a consultou por uns segundos. Depois leu:

— “Vocês são vivos de verdade?”

 

Coisas incompreensíveis produzem incerteza e a sensação de perigo iminente.

A pergunta “Vocês são vivos de verdade?” era, para Eric Furchtbar e para toda a equipe da BOB-XXI, mais incompreensível ainda do que tudo que ouviram antes. Mesmo assim, ninguém duvidava de que a pergunta tivesse mesmo sido feita. Feita por alguém que, a quatrocentos e dez anos-luz para dentro do espaço vazio, se duelava com outro alguém usando bombas nucleares!

Incerteza e sensação de medo, Eric Furchtbar já experimentara antes, agora estava resvalando para o pânico.

Antes que pudesse lavrar outra sentença, veio uma notícia da Joann de que Nike e seus homens já tinham chegado a Árcon III. A resposta de Eric foi tão imediata que, quase no mesmo instante, Quinto estava a par de tudo. E mal aterrissara, deu ordem para nova decolagem. A Joann tomou a direção para muito além da Galáxia.

A pergunta realmente ficou sem resposta. “Vocês são vivos de verdade?”

 

A escuridão era completa.

A bordo da Joann, Ron Landry observava na grande tela como a figura esférica da estação espacial de observação se aproximava cada vez mais. Fazia poucos segundos que se tornara visível na tela.

Com um leve mal-estar, notava Ron a sensação esquisita provocada pela ausência absoluta de qualquer ruído. Dava mesmo a impressão de que a BOB-XXI não estava mais se aproximando, mas sim que alguém lá dentro, com um gigantesco compressor de ar, estivesse estufando a grande esfera.

Estava sendo estufada, mas não se movia, nem chegava mais perto e o objetivo, cada vez mais volumoso.

A BOB-XXI se ampliou tanto que já não cabia mais na tela panorâmica, até que parou. O Coronel Nike Quinto e seu major embarcaram num deslizador e partiram rumo à estação.

Capitão Furchtbar os estava esperando na escotilha principal. Via-se que se sentia mais aliviado.

Mas seu rosto se anuviou logo em seguida, quando Nike Quinto lhe declarou que a visita seria muito rápida e não tinha a intenção de permanecer com a Joann tão próximo da estação. Não deu maiores detalhes a que distância ficaria com seu super-couraçado. Mas Eric Furchtbar tinha naturalmente a impressão de que deveria ser muito longe e com isso, nos primeiros combates, teria que agüentar sozinho com os poucos homens de que dispunha. Como até agora...

Mas não se queixou a respeito.

Nike Quinto mandou vir todas as gravações feitas desde a explosão da primeira bomba, nos aparelhos automáticos. Estudou-as com cuidado e confabulou com Ron Landry tão em surdina, que ninguém os pôde ouvir. Terminando, pediu autorização para se utilizar dos computadores de bordo.

Durante meia hora Nike Quinto e Ron Landry estiveram ocupados com os aparelhos de computação.

Depois chamaram Eric Furchtbar para uma segunda reunião.

— Está fora de dúvida de que a segunda mensagem radiofônica foi interpretada corretamente — explicou Nike Quinto, com o rosto vermelho. — A pergunta foi realmente: “Vocês são vivos de verdade?”. Existe, portanto, lá fora alguém, que, no seu modo de pensar, diferencia uma vida verdadeira de uma vida falsa, ou talvez mesmo de uma dúzia de tipos diferentes de vida.

Naturalmente, não podemos saber o significado exato do conceito “verdadeira” no conjunto de seus pensamentos. O desconhecido está esperando por uma resposta. É melhor confiarmos mais nos nossos sentimentos. Para mim, capitão, eles são tão reais como o Major Landry aqui, e espero também que eu não lhe pareça menos verdadeiro ou real. Sou de opinião de que devemos responder, mais ou menos assim:

“Sim, somos vivos de verdade”.

Eric Furchtbar estava tão horrorizado e perplexo que se levantou maquinalmente.

— O senhor acha mesmo... — começou nervoso — que devemos ainda responder?

Nike Quinto se admirou da pergunta.

— E por que não?

— Mas assim, estamos fornecendo nosso posicionamento! Lá fora estão estes desconhecidos, com armas terríveis, cuja ação destruidora supera toda imaginação. Se respondermos, vão nos encontrar aqui. O combate se arrastará para cá e ficaremos no meio do barulho, sabe Deus como...

— O senhor está se esquecendo de uma coisa importante, capitão — disse Nike Quinto muito calmo.

— Os estranhos perguntaram apenas se “vocês”, seja quem for, “são vivos de verdade”. O senhor sabe quem são estes “vocês”? A quem os desconhecidos estão se dirigindo?

Eric Furchtbar, ainda muito perturbado, olhou desesperado para ele.

— Como é que posso saber isto?

Nike abanou a cabeça de modo afirmativo, como se não esperasse por outra resposta.

— O senhor examinou os registros de energia do seu hiper-receptor?

— Superficialmente, pois estávamos convencidos de que não havia mais nenhum dado afirmativo.

Nike Quinto fez um gesto vago.

— Foi um erro, capitão, pois, do contrário, teria reparado logo que a potência do transmissor desconhecido não era nada grande. Embora se trate de um hiper-rádio, a cinco mil anos-luz daqui ninguém ouviu a mensagem enviada, penso eu. Vamos examinar isso logo, embora esteja mais ou menos certo do que estou falando. E a sua opinião, qual é?

Eric continuava de cara sombria, pois a situação não lhe agradava. Não gostava de que lhe fizessem perguntas que os próprios interrogadores não sabiam responder.

— Não tenho a mínima idéia, senhor — respondeu Eric, zangado.

— O rádio tinha um destino certo — continuou Nike Quinto, com toda paciência. — Não se joga uma pergunta assim, sem mais nem menos, pelo espaço a fora, sem saber se há realmente alguém que a possa responder. Esta pergunta foi feita de tal maneira que não se podia captá-la mais nas proximidades de nossa Via Láctea. Quem é, pois, o destinatário? Está na cara que só pode ser o senhor com a sua estação de observação. No espaço entre os confins da Galáxia e o transmissor misterioso, não se encontra nada, a não ser a BOB-XXI!

Eric quase perdeu o fôlego.

— Mas... como podemos então saber que... — e começou a gaguejar.

Nike lhe fez um gesto para que se acalmasse.

— É melhor não quebrar a cabeça sobre isto, pois não conhecemos a técnica destes desconhecidos. Talvez possuam aparelhos de rastreamento com os quais podem captar os mais fracos campos de dispersão desta estação a centenas de milhares de anos-luz?! Quem sabe mesmo já estiveram aqui por perto, sem que os senhores o tivessem percebido? Tudo isto são hipóteses, mas todas elas bem possíveis. Mas nada podemos afirmar. A única certeza que temos é que os estranhos conhecem muito bem a posição da BOB-XXI. E é por isto que não pode existir nenhuma dúvida: devemos responder à pergunta deles, para depois sabermos o que esta gente tem a nos dizer. Certo?

Eric Furchtbar se deu por vencido e tomou as providências para que fosse transmitida uma resposta, no mesmo código em que fora feita a pergunta, resposta esta que tinha o seguinte teor:

Sim, somos vivos de verdade.

Nem Eric, nem os homens que formularam e transmitiram a mensagem se sentiam à vontade e seguros. Tinham a impressão de que estavam esticando a mão a um monstro ou se deixando arrastar para ele.

Nike Quinto deu por encerrada sua missão à bordo da BOB-XXI e se despediu, assegurando a Eric Furchtbar que a Joann estaria a postos se a estação necessitasse de qualquer auxílio.

Eric agradeceu, sabendo, porém, que às vezes as coisas acontecem tão depressa que não dá tempo para que uma nave, vagando pelo espaço a fora, possa chegar no momento necessário.

Nike e Ron regressaram para bordo do cruzador-oficina. Poucos minutos após, a Joann se afastou, foi reduzindo de tamanho enquanto acelerava e desapareceu.

A BOB-XXI quedou solitária na escuridão.

 

Foram de intenso nervosismo as próximas horas na plataforma espacial. Seu comandante, Eric Furchtbar, explicara à tripulação o que realmente ocorrera e como estava a situação no momento e o que tinham de esperar para o futuro. Esclareceu, sem rodeios, que só poderia contar com o auxilio da Joann num caso muito especial, Isto é, no caso do ataque do inimigo — e por incrível que fosse, todos estavam convencidos de que o ataque era inevitável — acontecer de maneira bem lenta. Mas já que ninguém podia esperar que um atacante fosse fazer delongas, não restava pois nenhuma esperança de socorro.

Eric deu ordem para que se procedesse a uma rigorosa inspeção em todas as armas, mormente nas grandes bocas-de-fogo. Era necessário ter certeza de que tudo estava pronto para o momento decisivo. Esta ordem de Eric foi, no fundo, supérflua. Caso alguém quisesse saber se os canhões estavam funcionando, bastava apertar alguns botões no quadro geral de controle, para que as luzes verdes o deixassem tranqüilo. Mas a ordem dada haveria pelo menos de ocupar por duas ou três horas dez tripulantes e isto é que interessava a Eric. No fim de tudo, para testar os canhões, tinham que dar um tiro com cada um deles e assim o moral da tripulação aumentaria um pouco.

Outros dez homens estavam de serviço em seus postos e a cabina de rádio estava com dois técnicos. Cinco homens estavam de folga e, pouco depois, um sexto terrano se ajuntaria a eles:

Eric Furchtbar, que já estava vendo chegar o fim de suas forças. Transmitiu o comando ao primeiro-oficial, Tenente Hynes, uma hora após a partida da Joann. Foi direto para sua cabina e deitou para dormir, caindo, segundos depois, em sono profundo.

Tenente Hynes levou a sério sua tarefa.

Com alto senso de responsabilidade, registrou as explosões subseqüentes no espaço longínquo. O primeiro radiograma, que a estação recebera, continuava sendo transmitido sem parar. O setor de interpretação, porém, não tinha ainda a menor idéia de seu significado, sendo certo apenas que esta mensagem não se destinava aos sentidos humanos, como fora a primeira.

Havia sido usada agora uma lógica totalmente diferente da nossa.

Deu-se quase um principio de pânico a bordo, quando, às 15:23 h — tempo da base — se repetiu a pergunta sobre a vida de verdade. Os dois operadores de rádio a receberam nitidamente. Hynes estava convencido de que agia dentro das normas de Furchtbar e principalmente das de Nike Quinto, quando ordenou que fosse irradiada pela segunda vez a resposta já dada por Eric. O fato de a pergunta ter sido repetida, indicava simplesmente que não haviam compreendido a primeira resposta. Podia também indicar que a lógica dos terranos não era a mesma que a dos desconhecidos lá fora.

Podiam ter mesmo o costume de, por exemplo, só reconhecer uma coisa como dita, após ter sido repetida várias vezes.

Às 15:57 h, hora de bordo, registrou-se a sexagésima oitava explosão de bomba, após o que se fez subitamente silêncio. As 6:02 h a primeira mensagem sempre repetida cessou e, três minutos depois, veio novamente a pergunta:

Vocês são vivos de verdade?

Era a terceira vez.

Ed Hynes mandou transmitir a resposta pela terceira vez também e depois disso reinou a calma no imenso vazio intergaláctico. Parecia finda a batalha, destruído o transmissor automático e o misterioso ente da pergunta repetida não dava mais mostra de si.

Até às dezenove horas, o espaço ficou tão tranqüilo como nos dias anteriores. Mas a bordo da BOB-XXI o nervosismo crescia. Até o presente momento, o cenário estava distante, propriamente, quatrocentos e dez anos-luz. A calmaria repentina podia significar muita coisa. Por exemplo: que os estranhos agora se aproximavam da base terrana.

Os homens, em seus postos, estavam rigorosamente de prontidão, quando um fluxo mais elevado do que o de hábito, de irradiação cósmica de uns dez segundos de duração, por um triz que não desencadeia o alarma urgente-urgentíssimo dos últimos anos.

Só quatro horas mais tarde é que os homens começaram a crer que o perigo havia cessado, pois os desconhecidos não deram mais sinais de vida e os instrumentos não registravam nada mais.

Aos poucos a tensão reinante foi se dissipando. Eric Furchtbar, entrementes, já de novo no serviço, retomou seu posto e mandou os homens da sentinela para cama. Uma hora depois da meia-noite, tudo voltou à rotina de sempre.

Isto foi cerca de vinte minutos antes de iniciar a catástrofe.

 

Art Cavanaugh estava de novo só. Ken Lodge e Warren Lee, saudando com um suspiro de alívio o fim do alarma, desapareceram. Ken foi à procura de um parceiro para o xadrez, enquanto Warren, a esta hora, já estaria decerto debaixo das cobertas.

Art esfregou os olhos. Estava de fato cansado, mas por outro lado acreditava que Eric Furchtbar agira apressado, suspendendo depressa o alarma. A principiar pela primeira explosão de bomba lá fora, passara pouco mais do meio-dia.

Art fumava um cigarro, observando sempre os instrumentos. Os receptores estavam mudos, sinal de que também os transmissores do inimigo achavam-se desligados. O nível de irradiação estava no valor constante de dezessete milionésimos de watt por metro quadrado, que representava um diminuto e difuso reflexo eletromagnético da Galáxia-pátria, a mais de cinco mil anos-luz de distância.

Estava tudo calmo, tão calmo que o próprio Art Cavanaugh, aos poucos, esqueceu suas preocupações. Quando consultou o relógio, era uma e dezenove da madrugada. Portanto, fazia apenas vinte minutos que terminara o alarma. Achou que podia ter uma pequena soneca, pois acordaria logo que algum instrumento fizesse o menor ruído.

Cruzou os braços em cima da mesa e apoiou neles a cabeça. Fechando os olhos, deixou que a calma que inundava o ambiente penetrasse também nele.

Foi este o momento!

Os estranhos vieram de supetão e os instrumentos todos chiavam e estalavam.

Os ponteiros luminosos dançavam selvagemente nas escalas escuras, uma prateleira de pequenos transformadores rolou pelo chão sob a violência dos choques energéticos, começou a fumegar, indicando com um longo silvo que já não serviam mais. Numa fração de segundo, o tranqüilo posto de rádio se transformou num ninho de loucura de luzes desgovernadas e de ruídos desencontrados.

Por alguns segundos, Art Cavanaugh quedou parado, como que petrificado de medo. Foi atirado para fora da cadeira e só então despertou e começou a agir. Com as duas mãos girou os botões de regulagem da instalação de rastreamento. A grande tela acendeu, piscou e ficou bem clara. Feixes de ondas hiper-eletromagnéticas dispararam para o espaço, refletiram no objeto estranho e voltaram para a tela, formando a imagem.

Art olhou rápido e apertou o botão do alarma.

O objeto era positivamente uma cosmonave! E o choque energético, que atingira e desregulara todos os instrumentos, surgira quando a nave estranha saltara do hiperespaço e entrara no Universo de Einstein. Movia-se com velocidade reduzida, precisando ainda de, pelo menos, doze horas para atingir a estação e talvez mesmo um pouco mais, devido às manobras de frenagem.

Enquanto as sirenas ululantes enchiam os corredores e os aposentos com seu silvo selvagem,

Art Cavanaugh observou mais alguma coisa: o objeto misterioso não avançava em linha reta, mas ia desviando-se para o lado, voltando depois à rota primitiva. Estava “cambaleante”, parecendo realmente um barco bêbado, podendo-se ver nitidamente seu bambolear. Art concluiu logo o que isto significava.

A tal nave ao longe devia estar muito avariada.

 

Durante toda a reunião, Lofty Patterson não dera uma palavra. Com o rosto sulcado por milhares de pequenas rugas brincalhonas, o cabelo grisalho e a barba em selvagem desalinho, como se há anos não tivessem visto um pente, continuava sentado no seu canto, apenas ouvindo a conversa dos tripulantes.

Somente quando percebeu o rumo que a discussão tomava, deu o primeiro aparte.

— Supõe-se aparentemente já como um dado positivo — começou ele — que o pessoal que atua lá fora seja de fato de origem extragaláctica, não é verdade?

Nike Quinto não gostou, parecia irritado.

— Naturalmente! — gritou a pleno pulmão. — Não interrompa assim, como se estivesse cochilando o tempo todo, Patterson. Minha pressão sangüínea já está alta demais, poupe-me outras excitações.

Lofty Patterson não era homem de se assustar à toa e conhecia bem Nike Quinto, o homem de rosto bochechudo, sempre vermelho, dando a impressão de poder ser atingido a cada momento por uma síncope. Era pequeno e baixo, geralmente suando sem parar. Mesmo assim, entre as pessoas em volta dele, ninguém tinha sua saúde e resistência. Todos sabiam disso, levando sempre como brincadeira quando o coronel se queixava de sua pressão e do iminente ataque cardíaco.

— Mas quem está falando — continuou Lofty, provocando mais a ira de Nike Quinto — que se trata realmente de seres extragalácticos? Pode muito bem ser gente de nossa Galáxia, perdida por aí a fora, não é verdade?

A gargalhada de Nike Quinto continha irritação.

— E você acha que eu não venho já há muito tempo quebrando a cabeça a este respeito?

Lofty olhou para ele com mais consideração.

— Pelo menos até o momento, não falou nada sobre o assunto.

— Não se deve perder tempo com coisas evidentes. Nossas estações BOB estão há mais de um ano nos confins da Galáxia. Já que somos apenas nós e os acônidas que conhecemos o segredo da tração linear, enquanto as demais raças que dominam a Cosmonáutica conhecem somente o vôo por transição, qualquer salto para fora dos limites da Galáxia seria assinalado pelo menos por uma das estações. Mas ninguém até agora abandonou a Galáxia, portanto, ninguém poderá entrar.

Lofty se deu por contente.

— Isto permite ainda duas hipóteses, senhor. Ou os desconhecidos estão lá fora já há mais de um ano, ou se trata realmente de unidades acônidas.

— Não é possível! Por motivos políticos, o sistema de Ácon está tão bem vigiado que nem mesmo um humilde cargueiro pode se infiltrar pelo complicado anel de segurança, muito menos então uma nave gigantesca apta para viagens intergalácticas. O itinerário de cada cosmonave acônida é registrado secretamente e nos últimos anos não se deu nenhuma viagem mais longa, isto é, acima de alguns milhares de anos-luz.

“Os acônidas estão, pois, excluídos. Também não creio que uma nave de outra raça permaneça mais de um ano lá fora e mais do que tudo isto, não consigo imaginar qual raça nos pôde fazer uma pergunta desta: ‘Vocês são vivos de verdade?’

— Sem se tomar em consideração ainda — interveio Meech Hannigan — que nenhuma das raças conhecidas se utiliza de bombas nucleares com a potência estúpida de mil megatons. Armas, portanto, que embora estejam fora de moda, são de um poder destrutivo horrível.

Lofty se sentia arrasado, pois os argumentos eram convincentes.

— Como podemos então saber — perguntou ele — se compreendemos realmente a mensagem de hiper-rádio? Acho que, caso se trate, de fato, de seres extragalácticos, o seu modo de pensar pode ser tão diferente do nosso, que não nos entenderemos. Pelo menos, não assim sem mais nem menos.

Nike Quinto concordou.

— Sua observação tem fundamento, mas acontece que o código em que se redigiu a mensagem foi confeccionado por um cérebro positrônico. Veja só, os sistemas positrônicos ou eletrônicos são os mesmos em todo o Universo e as coisas que a gente pode fazer com eles são também as mesmas. Quando se confere a uma máquina desse tipo inteligência própria, dando-lhe total autonomia, assim que ela vai expressar uma determinada mensagem, haverá de produzir para cada caso um determinado modelo de código, independente de quem a fabricou.

Lofty compreendeu até mesmo esta complicada explanação e daí em diante acompanhou calado o resto da discussão.

Neste momento, a Joann estava a duzentos anos-luz da BOB-XXI, imóvel no espaço. Todos os receptores de hiperondas estavam sintonizados para a estação de observação. Se a BOB-XXI passasse por um apuro qualquer, a notícia chegaria à Joann numa fração de segundo.

Os aparelhos de rastreamento da Joann não eram suficientes para se acompanhar os acontecimentos lá no espaço vazio. Era uma nave com funções específicas e não simplesmente uma estação espacial de observação.

Nike Quinto providenciara, entrementes, que grupos mais equipados da Frota Espacial Terrana se mantivessem de prontidão nos confins da Galáxia.

Pela uma hora, tempo de bordo, conseguiu chegar a um comum acordo com seus homens sobre o modo de proceder nas próximas dez horas. A proposta de Larry Randall de avançarem até o local da explosão das bombas nucleares e lá estudarem as circunstâncias foi discutida veementemente e depois rejeitada. Nike Quinto conseguiu fazer com que aceitassem seu plano de permanecerem onde estavam e observarem o desenvolvimento das coisas.

Já há algumas horas, viera a mensagem da BOB-XXI: lá fora no espaço estava tudo na maior calma. Cessaram as explosões e silenciara o transmissor automático e também não se repetia mais a pergunta sobre a vida verdadeira.

E claro que, para Nike Quinto, isto não significava que o caso estava liquidado. Iria esperar calmo as dez horas e depois refletir se devia se aproximar ou continuar esperando.

Ficou comprovado que ele tinha razão.

A uma hora e vinte e três minutos, a BOB-XXI comunicou o aparecimento súbito de uma espaçonave, saindo do espaço vazio entre as galáxias.

A Joann transmitiu o alarma aos grupos da Frota Espacial.

 

Eric Furchtbar estava de olhos fixos na nave estranha.

Além dele, encontrava-se também no posto de comando central o Tenente Hynes e o cabo Schulmeister. As radiofotos da cabina de Art Cavanaugh foram transmitidas para a tela panorâmica da central de comando. Assim Eric Furchtbar podia ver como a nave se aproximava, iniciando as manobras de frenagem.

Ligou o hipertransmissor e irradiou alguns sinais modulados que em si não tinham nenhum sentido. Mas o inimigo os captaria e teria que dar alguma resposta, igualmente sem nexo, mostrando apenas que fora correspondido.

Ao menos, era isto que Eric esperava. Positivou-se logo que estava enganado, não veio nenhuma resposta e a nave estranha continuou a manobra de frenagem. Até mesmo um leigo poderia reconhecer que, de segundo a segundo, lhe era mais difícil manter a direção certa. Bamboleava para o lado, recuava, empinava como um corcel fogoso e girava mesmo em torno de seu eixo com variação na velocidade. Estava ainda muito longe para ser captada pelas telas ópticas, mas o hiper-rastreador permitia concluir que se tratava de uma nave esférica.

O rastreador energético constatou que o desconhecido se movia num campo próprio de gravitação artificial que lhe substituía a propulsão. Notavam-se, porém, violentas variações de campo, parecendo que os geradores estavam descontrolados.

Eric Furchtbar continuava esperando por sua resposta, que não vinha. Repetiu os sinais modulados, irradiou outros e formulou finalmente uma pergunta em código positrônico.

Mas a mudez do desconhecido continuava. De duas uma: ou não havia mais ninguém vivo a bordo ou simplesmente seu comandante não queria se manifestar. A primeira alternativa não parecia muito provável, pois se não havia mais ninguém a bordo, então a nave devia agora estar sendo dirigida pelo piloto automático, o que seria inimaginável. Mas, pelos cálculos de Eric, um piloto automático teria de reagir muito mais depressa às oscilações de curso. As correções que o estranho executava eram lentas demais e desajeitadas. Dava até a impressão de que quem estava sentado à direção não tinha a mínima noção de Astronavegação.

Se lá dentro ainda vivesse alguém, por que não dava nenhum sinal? Não era possível crer que todos os transmissores e receptores de bordo da estação espacial estivessem enguiçados. Eram os equipamentos mais importantes de uma espaçonave, e muito mais de uma base espacial. Eric se apoiava na convicção de que os desconhecidos, fossem eles o que fossem, tinham certos aparelhos de comunicação, equipados com tantos transmissores e receptores, que mesmo depois da destruição parcial da nave, sobravam ainda alguns deles.

Através da central de rádio, Eric estava sempre a par do que ocorria, quanto tempo ainda faltava para a parada final da estranha nave.

— Faltam ainda setenta e dois minutos, senhor — disse Lodge com sua voz forte. — Mais um resultado do rastreamento, senhor. Os desconhecidos vão parar a uma distância de quinze mil quilômetros.

Eric concordou com um movimento de cabeça, completamente abstraído. Os instrumentos da nave estranha não davam mais para uma astronavegação normal ou estavam com um louco como piloto?! Quinze  mil quilômetros! Com a escuridão reinante lá fora, não se veria a nave estranha nem na tela panorâmica.

Eric tomou a resolução de disparar um tiro de admoestação assim que o estranho tentasse se aproximar mais um pouco.

Todos podiam notar que a nave estava em situação aflitiva e não era, de maneira alguma, o modo correto de agir da Frota Terrana, receber uma espaçonave avariada com um tiro certeiro. Mas Eric Furchtbar era responsável por várias vidas humanas.

Lá fora, algo desconhecido caminhava contra ele. Eric não sabia qual era o intento dos tripulantes desse algo. Tinha que se precaver.

Deu ordem ao posto de artilharia para que estivessem de prontidão. Em um minuto, tudo estava preparado, sob um clima de tensão e responsabilidade, atrás das grandes bocas de raios energéticos. O computador forneceu os dados exatos do posicionamento da nave estranha ao atingir os quinze mil quilômetros, facilitando assim uma pontaria mais precisa.

Na central de comando, os segundos se arrastavam lentamente, ouvindo-se tão somente a voz profunda de Ken Lodge que a cada minuto se apresentava:

— Ainda cinqüenta e quatro minutos, senhor. A velocidade do estranho aparelho registra agora uma vírgula um dois três vezes dez elevado a sete metros por segundo.

Eric fez a conversão, ao mesmo tempo com o rabo do olho na tela. Isto dava cerca de onze mil quilômetros por segundo. Frearam com apenas 350 G, um valor ridiculamente baixo.

— Se ao menos nos enviassem um ruído qualquer! Estes loucos! Por que não respondem?

— Podemos enviar ao encontro deles uma nave auxiliar, senhor!

Eric levou um susto ao ouvir atrás de si a voz do Tenente Hynes. Virou-se.

— Puxa, me assustou, rapaz. Você não pode entrar com mais firmeza, pisando mais forte?... Um deslizador talvez...? Estão voando ainda com mais de dez mil quilômetros por segundo e as nossas naves auxiliares não têm uma boa direção automática, pelo menos não com referência a esta velocidade. Foram planejadas apenas para vôos mais curtos em torno da estação e para fins de manutenção externa. Se o piloto se descuidar apenas por uma fração de tempo, será arrastado lá fora e estará perdido...

Depois de ouvir tudo com paciência até o fim, Hynes disse:

— Não quero opinar agora, mas mais tarde, quando reduzirem a velocidade a quase zero... É claro que o piloto teria que ser um voluntário.

Alteou o tom da voz e chegou a ficar nervoso quando continuou:

— Não podemos simplesmente ficar sentados aqui, senhor, esperando que algo aconteça.

Os olhos de Eric mediram o tenente com ar de deboche.

— E você gostaria de ser o voluntário, tenente?

Eric sentiu logo que cometera uma imprudência, mas a pergunta já tinha saído. Hynes mordeu os lábios, fez posição de sentido e disse com firmeza:

— Naturalmente, senhor!

Eric fez um gesto de reconsideração, meio aborrecido com a própria pergunta.

— Esqueça isto, tenente! Temos ainda cinqüenta minutos para raciocinarmos melhor, a idéia não é ruim, quem sabe ainda possamos aproveitá-la?

Cabisbaixo, o Tenente Hynes voltou para seu posto e o tempo passava tão insuportavelmente lento que a contagem de um minuto para o outro parecia levar uma eternidade para sair dos lábios de Ken Lodge.

— ...ainda quarenta e três minutos, senhor.

— Tanto assim?

— ...vinte e oito, senhor.

O desconhecido se contorcia e dançava lá na escuridão.

“Se ele agora explodir”, pensava Eric “e seus estilhaços nos voarem diante do olhos, não vou ficar nada admirado.”

Mas a cosmonave estava agüentando.

— Ainda quinze minutos, senhor, a que a velocidade seja igual a zero, ainda está com dois mil setecentos e oitenta quilômetros por segundo e a distância, no momento da medição, era de cento e vinte mil quilômetros.

O pensamento de Eric voou automaticamente para Ken Lodge, imaginando como devia estar ele agora na central de rádio, com o microfone do intercomunicador na mão.

“Só quero ver”, continuava o devaneio de Eric Furchtbar, “se o rapaz é mesmo de nervos de aço.”

Os minutos começaram a passar mais rápidos agora, nos últimos dez minutos Aproximava-se o momento em que o posto de artilharia devia assustar o desconhecido com um disparo bem próximo dele. Isto seria exatamente dali a cento e quarenta segundos.

Três minutos antes, o chefe da artilharia anunciou pela última vez que as armas estavam de prontidão. Eric lhe repetiu a ordem de não fazer fogo diretamente contra a nave.

A tensão chegou então ao clímax.

Eric, agora em permanente ligação com o posto de artilharia, ouviu a voz rouca do sargento:

— Fogo!

O aparelho de rastreamento mostrava como os raios energéticos das armas térmicas vararam a escuridão, próximos à esfera da nave estranha e desapareciam no infinito. A BOB-XXI estremeceu com o possante disparo e, por alguns segundos, um clarão amarelado ofuscou os que estavam diante da tela panorâmica.

Num misto de fascinação e nervosismo, Eric, na sua poltrona, esticou o corpo para frente. Qual seria a reação ao tremendo disparo? O desconhecido tinha que reconhecer que não foi diretamente para ele. O posto de artilharia executara de fato um tiro de mestre, pois a exatidão da pontaria fizera com que o disparo passasse rente ao bojo da nave.

— Isto é para lhes mostrar que estamos a postos — disse Hynes, lá do fundo.

Eric confirmou com a cabeça, mas sua expressão era de apreensão.

Parecia-lhe que a nave estranha, de repente, ficara quieta; não mais “cambaleava”.

Não conseguia, porém, distinguir se ela ainda prosseguia para frente. Estava para chamar a sala de rádio, mas não teve tempo, pois os homens do rastreamento tinham algo importante a dizer:

— Cessou o campo de gravitação da nave estranha, senhor!

A voz estava trêmula e a expressão fisionômica do oficial na tela era de terror. Estranhamente, Eric apenas abanou a cabeça. A tela se apagou de novo e só então Eric se deu conta do que ouvira, O campo era a propulsão da nave, e se este campo de gravitação falhasse, a cosmonave não poderia mais ser manobrada. Conservaria a mesma velocidade que mantinha no último segundo antes da supressão dos geradores, e com isto também a mesma direção.

Eric, com um impulso do corpo, girou a cadeira para trás. Hynes olhou-o perplexo. O comandante ia dizer alguma coisa, mas o sinal verde do intercomunicador o interrompeu e a voz firme de Ken Lodge virou um grito de terror:

— Perigo iminente, senhor! O estranho está sem controle de direção. Aproxima-se de nós em linha reta com uma velocidade de cerca de quinhentos quilômetros por segundo. Choque dentro de cem segundos.

— Não nos iludamos — sussurrou Nike Quinto tão em surdina, que ninguém o pôde ouvir. — A pergunta sobre a vida verdadeira podia ter o sentido de...

Não continuou a frase. Ron Landry olhou para seu superior como se quisesse perguntar alguma coisa.

— ...mais objetivamente: o autor desta pergunta talvez seja um robô — completou Nike Quinto.

Ron ficou mais pensativo ainda. Lofty, Larry e Meech pareciam não entender nada.

Mantiveram-se na expectativa.

“Sim, ele pode ter razão”, pensava Ron. “Um robô, dependendo de sua programação, pode considerar vida verdadeira ou a sua, ou a dos seres orgânicos. Cabia pois, na pergunta, uma ambigüidade de sentido. Ou seja: vocês são robôs como nós. Ou então: vocês são de vida orgânica, e contraste conosco?”

Olhou em devaneio para Meech.

“Isso parece lógico”, concluiu Ron, mas no mesmo instante se lembrou que, antes alguém o prevenira para não pensar muito em lógica, em se tratando de inteligências extragalácticas.

Nike Quinto talvez tinha razão.

Se assim fosse e caso sua primeira hipótese se confirmasse, que as explosões lá fora no espaço vazio provinham de uma batalha então lá estavam lutando robôs com outros seres, provavelmente inteligências orgânicas.

“Isto”, pensava Ron, “não é tão sem nexo assim, pois desde que as civilizações galácticas começaram a fabricar robôs, surgiram também movimentos de insubordinação entre eles. E sempre houve alguém que acreditava poder se aproveitar da existência de robôs para seus proveitos próprios. Alterava, então, a programação de um deles, encarregando-o de influenciar seus colegas, no mesmo sentido. Assim, pessoas que estavam habituadas com o fato de que os robôs fiéis obedeciam ao pé da letra, ficaram inicialmente surpresas, pois não era mais assim. Imaginavam primeiro que se tratava de um defeito técnico e, enquanto procuravam detectá-lo, a rebeldia se propagava. É sabido que as guerras entre robôs foram as mais perigosas e nocivas a que as raças da Galáxia jamais assistiram.”

E lá fora, no abismo entre as vias lácteas, não parecia muito diferente. Ron lamentava as pessoas que participavam da terrível batalha, por outro lado — de maneira quase paradoxal — sentia até um certo alívio, pelo fato destes problemas não serem exclusividade da nossa Galáxia.

Desde que a BOB-XXI anunciara o aparecimento da nave estranha, lá se iam mais de onze horas. Nike Quinto repousara duas ou três horas, como também Lofty Patterson. A Ron e Larry, porém, a aventura ou tragédia iminente não permitiu nenhum repouso. Ficaram sentados na pequena sala de conferência, ao lado da central de comando da Joann, seguindo com atenção as noticias da estação espacial.

Meech Hannigan não sabia o que era cansaço. Somente ficaria doente e com isso sentiria cansaço se um de seus Órgãos internos de metal plastificado deixasse de funcionar. Isto, naturalmente, levando-se em conta sua boa disposição positrônica, só aconteceria daí a cinco mil anos. Até lá, continuaria um robô cem por cento perfeito, como era de desejar. Com exceção de uma pequena dislalia que não lhe permitia pronunciar corretamente seu prenome.

Às dez horas, apareceram de novo Nike Quinto e Lofty Patterson. Nike tentou convencer Larry e Ron de irem dormir um pouco, mas estes lhe explicaram que seria inútil, só iam ter pesadelos. Nike encomendara um desjejum para cinco pessoas e a Meech ia receber sua bandeja normalmente pois o fato de ele ser um robô não devia transpirar para fora do recinto do posto de comando. Só aquele grupinho estava a par da realidade, o resto da Joann não sabia de nada.

Pouco antes da uma hora da tarde (Santo Deus! Que sentido tinha a palavra “tarde” a bordo de uma espaçonave que estava em plena escuridão, a cinco mil anos-luz além da Via Láctea!), foi que Nike Quinto veio com a idéia dos robôs. E à uma e quinze, a BOB-XXI anunciou que, logo após o primeiro disparo de advertência, o sistema de dirigibilidade da nave estranha entrara em colapso e a colisão estava iminente.

Foram necessários cinco segundos, a que Ron Landry chegasse a entender o que se passara. Deu um salto da cadeira. Tinha na cabeça umas três dúzias de idéias e isto ao mesmo tempo. Mas a mais importante era: “Temos que ir imediatamente para lá”.

Esqueceu-se de Nike Quinto e de suas ordens. Mas Nike Quinto se preocupava com ele.

Quando a porta correu para o lado, ouviu sua voz estridulante:

— Para onde vai, major?

Ron virou-se para ele.

— Para a BOB-XXI — disse excitado.

— Não podemos deixá-la sozinha, estão impossibilitados de manobrá-la, temos que ajudá-los.

Nike Quinto fez-lhe um gesto para que parasse.

— O senhor fica aqui, major! — havia energia na sua voz. — É uma ordem.

Neste momento, Ron odiou seu chefe, do fundo do coração. Como podia impedir que fosse em auxílio de vinte e cinco pessoas, que lá fora, a duzentos anos-luz dali, estavam olhando a morte de frente e nada podiam fazer para afastá-la?

Mas obedeceu. Sua formação militar era profunda demais para se insurgir contra uma ordem expressa. Nike Quinto não lhe exigia nada de imoral. Tinha apenas que ficar onde estava.

Olhou para o relógio. Nike Quinto compreendeu seu olhar e apontou para o mostrador.

— Restam ainda nove segundos para a estação, Landry. Como é que você queria chegar lá em nove segundos?

“Nove”, pensou Ron, mordendo os lábios. “Nove, oito, sete...”

 

É verdadeiramente singular, com que presteza e segurança o subconsciente humano, nos momentos de maior perigo, assume o comando da inteligência, que sob o controle consciente, não teria tempo de agir com a rapidez que a situação exige.

Numa fração mínima de tempo, Eric sentiu que não havia mais possibilidade de impedir a fatalidade: devia bombardear a nave estranha.

Mas até os cálculos para um novo disparo, seriam necessários de vinte a trinta segundos. E o máximo que podia conseguir um tiro certeiro seria fazer com que, ao invés de colidir com a nave inteira, a estação fosse se chocar com seus escombros. A uma velocidade de quinhentos quilômetros por segundo, isto não faria grande diferença...

Os dedos de Eric começaram a correr por cima das teclas. Havia ainda uma leve esperança. As engrenagens de correção da BOB-XXI eram pequenas e sem recursos para uma situação como esta Mas eram a única coisa com que se podia mover a estação. Eric não tinha a menor idéia da direção da estranha nave, mas viu-a no centro da tela de rastreamento, vindo da direita. Regulou de tal maneira a potência dos corretores, que acabaram tocando a BOB para a esquerda. Desesperado batia nos botões, apertava alavancas e girava reguladores, sempre olhando para a tela do rastreador.

Mas a mancha luminosa da nave desconhecida continuava no centro da tela.

Não se desviara um milímetro de sua rota.

O suor lhe banhava o rosto. Não podia fazer mais nada, as mãos continuavam grudadas nas teclas e as engrenagens davam o que podiam.

Eric, depois, soltou as mãos dos instrumentos e automaticamente as fechou com tanta força que não notou que as unhas lhe dilaceravam a carne, nem percebeu que o sangue lhe escorria pelo punho.

Cravou os olhos na tela, como se pudesse banir a fatalidade com a força de seus desejos. Se a situação dependesse da intensidade de seus pensamentos, não haveria mais perigo. Eric Furchtbar jamais fizera em toda sua vida uma concentração tão forte de pensamento, como nestes momentos de desespero.

Muito furtivamente, passou-lhe pela cabeça a idéia de salvar sua gente, tirando-os dali pelo transmissor fictício que formava uma espécie de túnel entre a BOB-XXI e a Joann, para um caso de extremo perigo. Mas se desfez da idéia, sem examinar os detalhes. Os transmissores estavam fora de uso e somente a ligação da corrente necessária levaria três vezes mais tempo do que restava ainda para a estação.

Estavam perdidos, se o conjunto de tração não conseguisse arrancar a BOB-XXI da frente da nave sem direção.

Mais dez segundos...!

No posto de comando reboou de repente o grito selvagem de Hynes:

— Olhem as telas!... Ali.., está chegando!

Eric estremeceu, virando a cabeça na mesma hora, olhando para a tela receptora de óptica normal. Do meio da escuridão surgia um ponto de brilho fosco, aumentando e ficando mais nítido.

Era a nave dos estranhos.

“Pela primeira vez, a vemos diretamente diante de nós”, pensava Eric, “e também pela última...”

Como que petrificado, olhava para o ponto, que, em louca velocidade, de um minúsculo círculo se transformava numa grande esfera que não cabia mais na tela.

“Meu Deus, vai nos esmagar!”, foi o último pensamento de Eric.

Deu-se então o choque.

E num baque indescritível, acompanhado de horrível estrondo, o mundo veio abaixo. A última coisa que Eric Furchtbar sentiu foi que não tinha mais debaixo de o assento da poltrona. Depois, alguma coisa o atingiu na cabeça, com a violência de um martelo pneumático, privando-o dos sentidos.

 

Ron Landry tapou o rosto com as mãos, antes que o ponteiro terminasse os dez segundos, tentando não pensar nos homens da BOB-XXI. Mas mesmo assim, viu a figura chata da estação espacial e a esfera oscilante da nave estranha e presenciou o momento em que ambas se engavetaram e se fundiram numa explosão alucinante.

Na diminuta sala de conferência houve silêncio total e ninguém parecia respirar.

Apático, aparentemente, Ron contava os segundos após a catástrofe.

— Um... dois... três... quatro...

Alguém arrastou violentamente a poltrona, devia ser Nike Quinto, à esquerda de Ron. Ouvia-se com nitidez sua respiração ofegante e de repente veio seu grito:

— Escaparam!... Os instrumentos são a prova...

O berro arrancou Ron de sua apatia. De olhos arregalados, contemplava a tela da instalação do telecomunicador que unia permanentemente a Joann com a BOB XXI. Não havia mais nenhuma imagem, mas através da chapa fosca corria uma linha em ziguezague dos sinais de pausa, o que indicava que, no momento, não se fazia nenhuma transmissão entre as duas estações.

Se o transmissor no outro lado da linha estivesse destruído, não se poderia ver nenhum sinal. Portanto, pelo menos o transmissor do telecomunicador estava funcionando e como se tratava de um instrumento complicado e sensível, restava a esperança de que outras coisas mais tivessem escapado incólumes da colisão com a nave estranha.

Nike Quinto pegou o microfone e falou:

— BOB-XXI, apresente-se. BOB-XXI, por favor, comunique-se! Aqui fala a Joann.

Não tirava os olhos da tela, onde permanecia a linha em ziguezague. Na outra extremidade, não havia ninguém que pudesse responder ao chamado. O receptor a bordo da BOB-XXI continuava desligado.

— Provavelmente, a confusão a bordo agora deve ser total — explicou Nike Quinto — e a estação não está ocupada.

Ron tinha suas dúvidas, sabendo que o próprio Nike não acreditava no que estava dizendo.

Ambos conheciam Eric Furchtbar. A bordo de uma nave comandada por Eric, por maior que fosse a confusão, ninguém estaria fora de seu posto.

Nike Quinto continuou a chamar. Quando depois de uns quinze minutos infrutíferos, não recebeu nenhuma resposta, sabia que tinha que arranjar outra explicação.

O telecomunicador a bordo da BOB XXI ainda funcionava, mas parece que ninguém da tripulação estava em condições de reagir!...

 

Devia ser pela forte noção de responsabilidade arraigada no próprio sangue, que Eric Furchtbar foi o primeiro a ficar de pé. Primeiro não sabia onde estava. Diante de seus olhos, surgia confusa a imagem de um local que lhe parecia extremamente estranho. Estava meio tonto. Moveu-se com muito cuidado, forçando o quadro na sua frente a ficar mais calmo e parado. Reconheceu surpreso o posto de comando da BOB XXI, e começou então a se lembrar do que ocorrera.

“A nave, a nave estranha! Vi quando ela se atirou contra a estação. Onde estará ela agora?”, pensou.

Juntou todas as suas forças e se levantou. Por sorte estava defronte a um quadro de comando, pois precisava se apoiar; suas pernas achavam-se trôpegas. Nunca se sentira tão mal em sua vida.

“Sofri uma comoção cerebral”, pensava ele, abatido. “Mas isto não tem importância. Uns dias de repouso, e ficarei bom. Tenho agora que ver como andam as coisas na estação.”

Olhou em volta e viu, na outra extremidade do aposento, dois vultos escuros estirados no chão.

Tenente Hynes e o cabo de serviço. Arrastou-se até lá, não podendo fazer outra coisa senão constatar que ainda respiravam. E isto era o mais importante. Mais calmo um pouco, voltou para seu lugar.

O aparelho de hiper-rastreamento ainda estava funcionando. Com pouca possibilidade de ter um bom resultado, começou a girar, quase às cegas, alguns de seus botões e... a sorte o ajudou muito. Em menos de um minuto, conseguiu trazer de novo para a tela a nave estranha.

Afastava-se da BOB-XXI e a situação de Eric era tão miserável que não conseguiu se alegrar com isso. Mas, pelos movimentos da imagem na tela, começou a calcular a direção que estava tomando. O resultado obtido depois de cinco minutos não podia ser exato, mas evidenciava claramente que a trajetória da espaçonave desconhecida, no local onde estava parada a estação, apresentava um leve desvio.

Dores e pensamentos se revezavam numa dança descompassada na cabeça de Eric, mas aos poucos começou a discernir as coisas. As engrenagens de correção não chegaram a desviar completamente a BOB-XXI da direção da nave desconhecida, porém, de qualquer maneira impediram que a colisão fosse um choque de frente. A nave estranha resvalara no envoltório de proteção da estação e ambas foram atiradas para o lado. Este envoltório ou campo magnético de proteção absorvera a maior parte da energia recebida, embora o abalo mecânico do choque deixasse grandes vestígios no interior da estação. Eric estava mais conformado, as coisas poderiam ter sido piores.

Olhou então para o relógio. Eram quatorze horas e trinta e cinco minutos, hora de bordo. Lembrou-se, então, da Joann.

Quinto devia estar quebrando a cabeça sobre o que acontecera com a estação. Eric tentou ouvir algum ruído de dentro da estação, mas o silêncio era total. Para confirmar sua impressão, chamou os postos de serviço, um por um, ninguém se apresentou.

Em compensação, os instrumentos todos estavam funcionando.

Uma nova preocupação o acometeu. A colisão foi suficientemente forte para matar alguém que estivesse num ângulo desfavorável ou não encontrasse apoio. Tinha de averiguar isto. Tinha, antes de mais nada, de procurar o Dr. Johansson e tentar botá-lo de pé, a fim de tratar dos feridos.

Passando rente à parede, chegou à escotilha.

Devia achar, pelo menos, o médico e conseguir que começasse a trabalhar, O que acontecesse depois, não era de maior importância. Deixou até de lado a obrigação de entrar em contato com a Joann.

O perigo passara, tinha certeza disso, sabendo também que fora ele quem impedira uma catástrofe total.

“Nike Quinto tem que levar em consideração tudo isto”, pensava ele. A porta se abriu à sua frente, entrando assim no corredor. O silêncio no interior da estação era sepulcral.

Mesmo assim, Eric tinha o pressentimento de que, em algum lugar, alguma coisa se mexia.

 

No posto de rádio, Art Cavanaugh estava tentando abrir os olhos, quando Eric deu com ele.

Ali, foram maiores os efeitos do choque, pelo menos em comparação com o posto de comando.

Pedaços de plástico por toda parte, algumas enegrecidas escalas de instrumentos e os sinais luminosos apagados. Mas a maioria dos aparelhos estava em bom estado, como Eric logo notou.

Ken Lodge e Warren Lee jaziam deitados inconscientes diante da aparelhagem do telecomunicador. A testa de Ken estava inchada e havia sangrado muito. Em Warren, parecia não haver nenhum ferimento.

Estava respirando normalmente e isto era o principal.

Art Cavanaugh estava no centro do aposento e Eric se perguntava como chegara até ali, pois ele também estava inconsciente e só poderia ter perdido os sentidos, batendo fortemente contra alguma coisa.

Art se lembrou logo onde estava. Reconheceu Eric e deu um pulo para se levantar, mas parece que o movimento brusco não lhe fez bem. Ceifou os olhos e seus traços fisionômicos se contraíram. A cabeça doía violentamente.

— Devagar, rapaz — disse-lhe Eric. — Não tenha pressa, que a situação está tranqüila.

Art se ajoelhou.

— Obrigado, senhor. Mas... não é nada de grave.

Levantou-se, ainda cambaleando um pouco, mas conseguindo manter-se de pé, sem auxilio de ninguém.

— Como se sente agora?

Art esboçou um leve sorriso.

— Obrigado, senhor, mas se posso ser sincero, sinto-me pessimamente. Que foi que aconteceu?

Explicou-lhe em poucas palavras e terminando disse:

— Os motores de propulsão ainda estão funcionando.

Não lhe mencionou, porém, quem foi  que conseguiu fazer com que os dispositivos de correção, em menos de dois minutos, chegassem à potência máxima e evitasse a colisão frontal.

— Temos que fazer duas coisas ainda — disse Eric. — Primeiro, temos que achar o médico, para que cuide dos homens; depois temos que nos comunicar com a Joann. Fico com a primeira e você com a segunda.

— Perfeitamente, senhor — respondeu Art, caminhando para ligar o telecomunicador, enquanto Eric ia na direção da escotilha.

Mas antes de chegar ao ponto em que ela abria por si, perguntou a Art:

— Que foi que disse, senhor?

Eric estava admirado.

— Disse que tínhamos duas coisas para fazer: primeiro procurar Johannesson e depois a Joann...

— Desculpe, senhor — interrompeu-o Art, contra todas as prescrições. — Não é a isso que me refiro.

O senhor não falou mais alguma coisa depois?

Eric abanou a cabeça perplexo.

— Não, não disse mais uma palavra.

Art olhava para ele sem jeito.

— Nenhuma palavra?... Sinto muito, senhor. — E batendo com a mão na testa e com um sorriso desajeitado, continuou: — Acho que não estou muito bem da cabeça.

Eric correspondeu ao sorriso:

— Está certo, sargento. Nós todos estamos um pouco malucos.

Continuou caminhando e passou pela escotilha aberta. Ao entrar no corredor, teve nitidamente a sensação de que Art lhe tocara nos ombros. Parou e olhou em volta. Não havia ninguém, o corredor estava vazio. Sacudindo a cabeça, continuou seus passos, lembrando-se do que Art Cavanaugh dissera.

“Acho que eu também não estou bom da cachola”, pensou ele.

Desgraçadamente, o abalroamento atingiu muito o doutor. Quando Eric o encontrou num posto de artilharia, onde auxiliava no desintegrador, seu rosto estava tão desfigurado pelos arranhões e pelo sangue, que só o reconheceu pelas insígnias do cargo.

Tentou trazê-lo ao estado de consciência, mas antes de conseguir isto, quase toda a tripulação já tinha voltado a si. Johannesson levou bastante tempo até compreender o que ocorrera, mas tão logo ficou a par dos fatos, pegou sério no trabalho, embora suas dores fossem, em geral, mais violentas que as dos outros. O choque o projetara de encontro ao tampão de segurança dos raios do desintegrador e os instrumentos de medição afixados no tampão lhe deixaram marcas no rosto. Ao se defrontar com um espelho, disse com todo sangue-frio:

— Tenho que ser operado mais tarde, senão vou ficar com belas cicatrizes.

Pediu que lhe trouxessem os instrumentos e começou o trabalho. Mais tarde pôde comunicar que a bordo da BOB-XXI não ocorrera nenhum caso de maiores conseqüências. O caso mais sério fora uma fratura dupla da perna.

A tripulação se deu por muito feliz por contar com um comandante que, no momento de maior perigo, soube reagir com rapidez e muita conseqüência.

A Joann fora, entrementes, cientificada de tudo. Art Cavanaugh anunciara que ouvira Nike Quinto suspirar aliviado. Eric estava querendo acreditar nele, mas tanto Ken Lodge como Warren Lee confirmaram a afirmação de Art.

— Isto pode significar duas coisas — disse Eric, com toda naturalidade. — nós o julgamos erradamente o tempo todo ou ele perdeu o juízo de tanto nervosismo.

O comandante da base já não se sente tão fraco como nos primeiros minutos. Voltando para o posto de comando, encontrou-se com o Dr. Johannesson que estava engessando o braço do Tenente Hynes. Sorriu amigavelmente ao ver Eric.

— Acho que naquele momento os nervos me falharam, senhor! Peço que me desculpe.

— Isso já está esquecido há muito tempo, tenente. Ninguém de nós estava bom da cabeça. Sente dores?

— Felizmente, não. Obrigado, O Dr. me aplicou uma meia dúzia de injeções e numa delas devia haver uma forte dose de álcool, pois estou me sentindo como depois à do quinto copo — disse Hynes, sorrindo.

Eric sorriu também e seguiu para seu lugar. O tenente ficou pensando que o velho comandante Furchtbar de “terrível” não tinha nada.

Eric regulou novamente o aparelho de rastreamento. No momento só podia contar propriamente consigo mesmo, pois a maioria da tripulação, por ordem médica, tinha que ficar de repouso para cuidar de seus ferimentos.

Nos postos de observação, havia apenas um serviço de emergência. Eric, a princípio, estava hesitante em consentir no pedido do médico, mas já que no momento não havia perigo maior, acabou aceitando o parecer do Dr. Johannesson. O comandante mexeu tanto nos botões de regulagem do aparelho que acabou botando dentro da tela a imagem da nave estranha.

A primeira sensação foi de pavor, mas compreendeu depois que aquele ponto luminoso de um esverdeado fraco que se mexia de um lado para o outro não representava mais nenhum perigo. Não tinha mais nenhum controle sobre si mesmo, os geradores antigravitacionais o arrastavam descontroladamente para todos os lados. Apenas a velocidade final, aquela que tinha na hora de receber o disparo de advertência é que deu uma certa direção preferencial à nave desgovernada, Isto é, um rumo que a afastava da BOB-XXI. Na quase-colisão, parece que perdera muito da velocidade, pois, do contrário, já deveria estar muito longe.

Por alguns instantes, Eric teve um sentimento de culpa. Lembrou-se de que, no momento em que dera o tiro de advertência cessara a dirigibilidade da nave estranha Os possantes canhões térmicos produzira campos de dispersão que, provavelmente acabaram destruindo o já fraco sistema de navegabilidade dos estranhos. Não puderam mais frear e, se antes do choque houvesse algum ser vivo lá dentro, agora não existiria mais.

Nem mesmo um ser de muita resistência poderia suportar as tremendas pressões originadas com o bambolear da nave, depois que desmoronou seu sistema antigravitacional. Mas este pensamento acabou fugindo da mente de Eric. Se a situação se repetisse haveria de reagir da mesma maneira.

Alguém que se aproxima de uma base estranha sem responder às interpelações, merece até mais do que um tiro de advertência.

Seu procedimento seria, sim, irresponsável se não tivesse dado o disparo de advertência. O desconhecido devia saber que a estação estava preparada para se defender. Eric olhava para a cintilação esverdeada, lembrando-se então de que, por um instante, vira a nave estranha pouco antes da quase-colisão. Era esférica, como a maior parte das espaçonaves para vôos interestelares dentro da Via Láctea, mas por certos detalhes tinha a impressão de que não pertencia a nenhum dos tipos conhecidos. E esta opinião de Eric Furchtbar tinha muito peso, sendo ele um grande técnico em tipos de naves extraterrenas. Se não conhecia determinado tipo, era porque, de fato, este não existia.

Fora, portanto, um estranho que viera de uma parte desconhecida da Galáxia ou de outra via láctea.

“Como serão estes seres que vivem, ou viviam, a bordo da tal nave esférica? De onde procediam? Por que vieram para cá?”

Ali estava Eric, perdido nestes pensamentos. Não via propriamente os botões e alavancas no quadro de comando. Mas estremeceu quando se conscientizou de que alguma coisa ali se mexera. Estava assustado e começou a examinar os botões, um após o outro, constatando finalmente que todos estavam em ordem. Acalmou-se com o pensamento de que não podia se esquecer de que sofrera, pouco antes, uma comoção cerebral. Só Deus podia saber quanta fantasia boba podia inventar um cérebro doente.

Queria se recostar um pouco e saborear o primeiro cigarro após o acidente, quando notou outra vez o mesmo movimento. Desta vez, casualmente, estava olhando para o lugar certo. O grande pino de regulagem da energia para o telecomunicador.

Eric levantou-se num pulo. Num galeio brusco, levou a mão para frente e tocou o botão para desligá-lo. Mas encontrou resistência. Furioso, usou das duas mãos. Os ossos saltavam brancos para fora da pele, quando os dedos se empenharam com toda força para girar o botão, que simplesmente não cedia.

Virou-se mais para perto do quadro de comando, a fim de ficar numa posição melhor.

Começou sua terceira tentativa e conseguiu torcer o botão para a esquerda, até quase desligá-lo. Mas antes de chegar ao desligamento total, teve outra surpresa.

Nas costas das mãos abriu-se de repente um filete de sangue, como se alguém o cortasse com lâmina afiada. Tudo isto aconteceu tão rápido que Eric nem notou se o corte havia sido da direita para a esquerda ou o contrário.

Mas sentiu a ardência do corte e, num grito de indignação, retirou as mãos.

 

Eric Furchtbar era um homem ponderado e alheio a toda superstição ou crendice.

Lembrou-se, porém, de repente, de que há uma hora atrás, deixava a sala de rádio quando sentiu que alguém lhe tocava no ombro, e também, do fato de que Art Cavanaugh acreditou ter ele dito alguma coisa.

Havia algo de estranho em tudo isto.

Algo que obrigava outras pessoas a crerem ter ouvido palavras não pronunciadas, algo que tocava os ombros de outrem, e cortava as costas das mãos, fazendo-as sangrar. E que também girava o botão de regulagem do telecomunicador.

Eric olhou para trás. Doutor Johannesson continuava cuidando do Tenente Ed Hynes, sentado num sofá macio, abatido e de rosto pálido. Não se podia esperar socorro de ninguém. Mas...

Um pensamento louco passou pela cabeça de Eric. Se alguém estava ligando o botão do telecomunicador, fornecendo energia, isto só poderia significar que pretendia se utilizar do transmissor.

A maior parte do sistema de ligação se encontrava lá embaixo na sala de rádio. Com dois ou três apertos de teclas, fez uma ligação do intercomunicador. Não tinha muita esperança de que alguém o ouvisse, pois as instalações dos receptores estavam ligadas diretamente com o posto de comando e os três radiotelegrafistas estavam cuidando de seus ferimentos.

Apesar disso, acendeu a pequena tela e surgiu o rosto cheio de rugas de Art Cavanaugh. Eric respirou profundamente.

— Examine o telecomunicador, sargento, imediatamente, sim?

Art se levantou de um pulo e desapareceu por um minuto. Eric ficou vendo na tela apenas o espaldar da poltrona onde o sargento estivera sentado.

— Tudo em ordem, senhor — disse sério o radiotelegrafista momentos depois. — Condução de energia está a zero, os instrumentos estão intactos.

— Condução de energia está a zero?

Sem acreditar no que ouvia, Eric olhava perplexo para o botão de regulagem em seu quadro de ligações. Vira como a força fora ligada, como a quisera desligar e recebera então dois cortes nas costas das mãos, que ainda lhe doíam. E agora, afirmava Cavanaugh que...

Viu então que o botão estava no zero de desligado. Respirou profundo algumas vezes, para oxigenar o cérebro. Quem sabe estava mesmo mentalmente perturbado? Olhou para as costas das mãos. Não! As duas cicatrizes estavam muito vivas e ainda úmidas de sangue, sem contar com a dor que sentia.

Não estava louco, não. Alguém lhe dera um corte nas mãos, e este alguém foi quem primeiro ligou o botão no máximo e depois, enquanto conversava com Cavanaugh, reduziu a zero.

— Examine toda a atividade do transmissor nos últimos dez minutos, sargento — foi a última ordem de Eric.

Art Cavanaugh era um homem que jamais fazia objeção a ordens de seus superiores. Servia já há muitos anos na Frota Espacial.

Confirmou a ordem recebida e sumiu. Seu comandante sabia que levaria no mínimo dez minutos para estudar as gravações automáticas do transmissor e descobrir o que acontecera. Neste ínterim, Eric teve outra idéia. Gravou a ligação com Art Cavanaugh e chamou o posto de comando. Na sua afobação, não pensou, nos primeiros instantes, que lá não havia tripulação.

Desassossegado, já pensava em desligar, quando, no último instante, a tela se iluminou e um rosto abatido pela dor olhava para ele. Era um dos guardas de vigilância.

Eric voltou a ser o homem de antes. Diante do perigo que ainda corria na estação, não podia tomar em consideração as dores do pobre homem lá embaixo.

— Examine o consumo de oxigênio a bordo, nas últimas duas horas — ordenou Eric, e sua voz soou tão dura e impiedosa, como costumava ser antes do acidente.

— Perfeitamente, senhor! — disse o homem, virando a cabeça para o lado. — No momento, a composição da atmosfera a bordo...

Parou no meio da frase

— Ora! Que aconteceu? — perguntou Eric nervoso. — Você quer dizer normal, não é verdade?

O homem olhava para Eric com cara de desesperado.

— Queria dizer, sim.

— Mas...?

— Perdemos o oxigênio, senhor. Talvez um rombo...!

— Não tire conclusões apressadas — interrompeu-o Eric. — Examine o teor do oxigênio no ar.

— Normal, senhor! — respondeu o técnico sem titubear.

— Mas que tipo de rombo é este que só deixa sair oxigênio, mas detém o azoto?

O homem não sabia o que dizer. Eric compreendeu e lhe deu outra incumbência.

— Faça uma análise do dióxido de carbono, rápido.

A tela luminosa ficou sem imagem e a análise ficou pronta em pouco tempo. Isto bastou para que o técnico comprimisse um botão e lesse o resultado no instrumento. O teor de dióxido de carbono não era registrado permanentemente pelos instrumentos, pois, em comparação com o teor de azoto e de oxigênio, era muito reduzido e de bem pouca importância.

Voltou o técnico e seu rosto estava vermelho de excitação, suando por todos os poros.

— Muito acima do normal, senhor!

Não houve surpresa por parte de Eric, sua expressão estava calma. Sua suposição se positivara e sentia um certo orgulho disso. Mas seu bom senso lhe disse que seria muito mais razoável se precaver com o novo perigo do que se alegrar com a confirmação de uma teoria.

— Já lhe disse uma vez que não se deve tirar conclusões apressadamente — disse calmo para o técnico. — Será que o aumento do teor de CO2 é devido à perda de O2?

O técnico precisou de alguns segundos para responder:

— Perfeitamente, senhor! Com quase um décimo por cento de exatidão.

— Obrigado! Por enquanto não necessito de outras informações.

Desligou. Mas logo depois se lembrou de que lhe seria talvez necessária uma determinada informação: Quanto oxigênio se perdera? Calculando-se o tempo em cerca de duas horas e a quota normal de respiração de um adulto, poderia então calcular quantos...

Recusou a nefanda idéia. Não se podia medir a quota de oxigênio respirada por um homem, pois era outra coisa arbitrária. Jamais teria dados para isto.

Começou a refletir sobre o caso. Talvez a instalação de tratamento do ar de respiração estivesse defeituosa. Conhecia em linhas gerais o seu mecanismo. O oxigênio era consumido pelos pulmões que devolviam então dióxido de carbono. Com o tempo, naturalmente, o oxigênio desapareceria numa atmosfera não regenerada, sendo totalmente substituído pelo dióxido de carbono. A instalação de tratamento a bordo da BOB-XXI separava — naturalmente em várias fases — o dióxido de carbono em oxigênio puro e em grafite. O oxigênio puro era reconduzido à atmosfera de bordo, enquanto o grafite era armazenado e trimestralmente embarcado nas naves de manutenção das estações espaciais, pois na Terra havia grande demanda de grafite puro e numa espaçonave representava apenas carga inútil.

Fosse como fosse, a instalação de tratamento do ar era o mecanismo menos sensível que existia a bordo. Se os sensíveis relés do intercomunicador resistiram ao choque, então muito melhor resistiria a instalação do ar. Não havia, pois, razão por que procurar defeitos na mesma.

Haveria então uma única explicação para o comportamento esquisito da atmosfera de bordo..,

O posto de rádio, onde se examinavam as transmissões feitas, se manifestou de novo: era Art Cavanaugh que queria falar com Eric. Art era um homem ponderado, de muito autodomínio. Mas agora, via-se em seu rosto que algo muito singular havia acontecido.

— Senhor, há aqui uma transmissão que alguém irradiou — disse muito excitado.

Pareceu-lhe estranhamente surpreendente Eric ouvir a comunicação com a maior indiferença.

— Qual o código? — perguntou frio o comandante.

— Não dá para se reconhecer, senhor.

Abriu a boca, como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas calou. Eric percebeu isto.

— Fale francamente — pediu o comandante.

— É apenas uma suposição e teria que ser examinada no laboratório. Mas a modulação parece mais ou menos com a da transmissão ininteligível que recebemos há umas horas atrás.

Eric fez apenas um movimento de cabeça.

— Qual é a duração de toda a mensagem?

— De doze a treze segundos, senhor.

— Conseguiu constatar alguma repetição?

— Não, senhor.

— Durante este tempo, você estava no posto de rádio?

— Perfeitamente, senhor.

— Notou alguma coisa fora do comum?

Art ficou pensando um pouco.

— Não, senhor — respondeu um tanto hesitante. — Eu... eu tive, nos últimos momentos, a impressão de ter alguém ao meu lado. Olhava sempre em volta, mas tudo estava normal. Não há ninguém aqui no posto, além de mim — deu um leve sorriso. — O senhor se lembra, acho que já há mais de uma hora, parece que estava falando comigo. Parece uma espécie de alucinação permanente.

— Não tenha medo, Art, não é nada de alucinação.

E, dizendo isto, desligou o microfone.

Sentiu então uma enorme vontade de girar sua cadeira e de percorrer com o olhar atento todos os recantos do posto de comando. E, instigado pela curiosidade, começou a executar seu intento. Olhou ao longo das paredes, observou o Dr. Johannesson, que colocava os últimos enfaixamentos nas fraturas de Hynes. Ficou esperando que lhe tirassem da mão um dos instrumentos cirúrgicos. Mas nada aconteceu.

E mesmo assim, Eric sabia que eles estavam ali.

Girou de novo a poltrona para frente e mandou que a positrônica enviasse um radiograma urgente à Joann, em código. Eram apenas algumas palavras. O computador gastou uma fração de segundo para codificá-las. Eric Furchtbar teve que esperar apenas três segundos para receber as fichas perfuradas. Levou-as para o transmissor.

E logo depois, saiu das antenas ultra possantes da estação de observação uma mensagem mais do que singular. Era com prazer que Eric imaginava a fisionomia de Nike Quinto ao ler o radiograma:

Estranhos invisíveis a bordo da BOB-XXI.

 

Constatou-se que Nike Quinto já estava certo de que haveria surpresas. Ficou completamente indiferente depois de receber o curto radiograma de Eric Furchtbar.

Ron Landry, ao lado dele, olhava curioso por cima dos ombros, para ver a mensagem. Nike, com a maior calma, virou-se, entregou-lhe a folha plástica, dizendo numa censura direta:

— Não precisa xeretar assim, major. Leia diretamente.

Ron pegou a folha e leu o que nela estava. Pigarreou indeciso e leu mais uma vez, expondo logo o que pensava:

— Parece que estão todos loucos ou no mínimo são vítimas de alucinação.

Nike Quinto olhou para ele com cara de poucos amigos:

— Com estas observações de um diletante, você quer elevar minha pressão a mil.

Sua voz, porém, não tinha a entonação de sempre. Ron reconheceu admirado que Nike estava verdadeiramente preocupado.

— Você nunca viu um invisível? — Disse aborrecido, corrigindo-se logo depois: — Isto é: uma pessoa que se torna invisível. Para isso basta tão-somente um uniforme de transporte arcônida.

— Não estou falando disso, senhor — objetou Ron. — O fato de que os tais intrusos são invisíveis não me preocupa em nada. Mas, de que maneira entraram na BOB-XXI... sendo que ela está protegida por forte cúpula de proteção?

Nike negou o argumento com um simples gesto.

— No momento em que os dois aparelhos se chocaram, por alguns segundos o envoltório de proteção da BOB-XXI deixou de ter a força defensiva de sempre. Estaria todo concentrado em aparar o impacto. Temos apenas que botar na cabeça que os estranhos haviam previsto isto. Estavam preparados para entrar na estação e saltaram quando chegou a hora certa.

Ron tinha a impressão de que Nike Quinto exagerava a inteligência dos desconhecidos. Mas guardou seus pensamentos para si.

Calado como os demais, ficou aguardando por novas notícias da BOB-XXI.

Passou-se uma hora sem que nada de novo acontecesse. Eric Furchtbar contou em pequenos intervalos dos esforços que fazia para entrar em contato com os invisíveis, o que não conseguiu.

Ou os estranhos não estavam em condições de compreender seus esforços de aproximação ou simplesmente não queriam nenhum contato.

Aos poucos, Eric foi desanimando, chegando mesmo às raias do desespero. Os invisíveis, no entanto continuavam tranqüilos. Mas a carga nervosa a bordo da BOB-XXI foi ficando intolerável. Nike Quinto sentiu-se de repente na posição de um homem que se vê obrigado a fazer o papel de acalmar e consolar outra pessoa. E se deu bem neste desempenho.

Aliás, não lhe custou tanto assim.

Entre dezessete e dezoito horas, tempo de bordo, os estranhos começaram a dar sinais de sua presença, acontecendo então tanta coisa quase ao mesmo tempo, que os homens da Joann tinham que fazer muito esforço para compreenderem os fatos que se atropelavam.

 

Art Cavanaugh era um homem de muita fantasia, e sem nenhum preconceito. Estava vivendo a nova situação a bordo da BOB-XXI com o maior interesse, mas sem o menor sentimento de pânico, em oposição à maior parte da tripulação no correr das últimas horas.

Antes de ser promovido a sargento, Art participou de vários cursos e seminários, como se exigia de um sargento da Frota Espacial Terrana. Ninguém podia ser promovido sem uma formação suficiente nos diversos ramos das ciências naturais e da técnica. Art Cavanaugh não caiu, pois, no perigo de bobas fantasias, ao refletir sobre os misteriosos seres invisíveis. Sabia discernir o possível do fantástico. Nunca acreditou que os fantasmas, que enchem as lendas e tradições da Terra, tinham saído dali. Mas tal crença ainda existia na cabeça de muitos membros da tripulação.

Para Art Cavanaugh, o negócio era diferente, havia realmente duas hipóteses. Ou os estranhos conheciam um método de adaptar o índex de refração de sua substância corpórea ao da atmosfera ambiente da estação — como era o método clássico — ou então, produziam em torno de si um daqueles campos artificiais? Elevado a menos nove, que os envolviam com as ondas luminosas?

Elevado a menos nove caracterizava a distância da pele — se é que eles tinham pele — na qual o campo ainda atuava. Circundava o objeto que devia ficar invisível com uma camada de alguns milésimos de centímetro de espessura. Isto era necessário, pois os raios luminosos que giravam em torno de um empecilho percorriam um caminho mais longo do que os que seguiam uma linha reta. Se o campo artificial atuasse numa maior distância do corpo invisível, então até mesmo um observador desprevenido haveria de notar distorção nos objetos que se encontrassem atrás do invisível.

Naturalmente os campos E elevados a menos nove produziam também distorções. Porém, Art estava olhando com muita atenção, e não percebia nada de anormal.

“Pode também ser”, pensava ele, “que os estranhos possuam um aparelho que nos é novidade.”

Sentou-se ali e ficou quebrando a cabeça. Quem sabe seria melhor procurar um meio de entrar em contato com os desconhecidos? O que aconteceria, por exemplo, se desenhasse num papel as linhas do osciloscópio de uma de suas irradiações, com as modulações típicas, que para os terranos eram incompreensíveis? Para eles, o quadro seria bem familiar e perceberiam que alguém queria alguma coisa com eles.

Este pensamento empolgou Art.

Começou a mexer nos aparelhos de gravação automática e desenrolou uma das fitas já gravadas, até ao ponto em que esta começava a reproduzir os acontecimentos ocorridos há mais de uma hora. Acoplou o aparelho de reprodução da gravação com o oscilógrafo, pegando uma folha de papel e uma esferográfica. Quando surgiu a imagem na tela esverdeada do oscilógrafo, ficou primeiro observando uns minutos. Só depois de ter memorizado o modelo da modulação, foi que começou a desenhar. Com traço lento e caprichado, fez a curva sinusoidal das vibrações básicas, adicionando os entalhes e abaulamentos que eram a essência da mensagem. Vieram-lhe, então, bons pensamentos à cabeça. Tentou se colocar na posição dos estranhos. Caso alguém pusesse na frente dele a reprodução de um quadro do oscilógrafo de uma transmissão de hiper-rádio terrano, possivelmente até de uma mensagem codificada, saberia então o que significava tudo aquilo?

“Não necessariamente”, respondeu a si mesmo.

Parou de desenhar e ficou refletindo. Na sala de rádio, o silêncio era total, pelo menos assim sentia Art, pois o leve zumbido dos aparelhos não lhe chegava ao consciente. Perdido em seus pensamentos, deixou seus olhos pousar longamente na fila dos quadros de comando, nos instrumentos de medição e nas máquinas de decodificação à sua direita.

Viu então como uma das grandes rodas de controle estava girando sozinha.

Sentiu um forte estremeção, mas olhou de novo, desta vez plenamente consciente e seguro de si. A roda continuava girando, lenta, mas firmemente. Era a grande roda de regulagem para fornecimento de força para o transmissor principal e alguém a girava para aumentar a potência.

Art se levantou de um pulo. Assim como o aparelho estava ligado naquele momento, não suportaria o elevado aumento da carga. O transmissor principal estava imprestável. A estação estivera em ligação com a Joann através de uma outra instalação auxiliar. Se o louco invisível precisava mesmo de mais força para transmitir sua mensagem, por que não ligou antes o transmissor principal?

Com dois passos rápidos e bem zangado, Art chegou até à roda de regulagem para impedir que girasse para a direita. Se um dos estranhos estava na frente, devia ter se afastado logo, pois Art não esbarrou em nada. Agarrou a roda com as duas mãos e procurou rodá-la em sentido contrário, mas estando já preparado para largá-la assim que sentisse a menor dor, pois já conhecia o que acontecera com Eric Furchtbar.

Não houve a esperada resistência, girou a roda para trás, até o ponto em que estava antes, onde não havia nenhum perigo para a resistência do aparelho. Largou a roda respirando aliviado e ficou de novo na espreita.

Parecia que os invisíveis desistiram, a roda ficou no lugar em que a deixou, ninguém tentou de novo aumentar a potência. Art se perguntava o que pretendiam os invisíveis e o que fizera com que mudassem de opinião. Virou-se finalmente para trás, a fim de voltar ao seu lugar.

E foi nesse momento que compreendeu que os invisíveis não pensavam em alterar seus planos devido a uma pequena resistência. Antes de terminar a segunda passada em direção ao seu lugar, alguma coisa o atingiu na cabeça.

Art caiu de bruços. Com uma força de vontade que ninguém supunha existir nele, lutou contra o estado de inconsciência que o queria envolver. Uma nuvem se formava diante de seus olhos, quando ouviu o zumbido dos instrumentos, que parecia chegar aos seus ouvidos através de um longo corredor. Mas seus braços pareciam feitos de barro mole, não os conseguia mover. Finalmente ficou estirado no chão, parecendo que não se levantaria mais.

Conseguiu frear sua ira e sua impaciência. Respirava profundamente e relaxou os músculos. Não sabia bem o que lhe acontecera, mas uma parcela de seus centros nervosos jazia desligada. E enquanto não estivesse funcionando, não podia fazer nada. Necessitava de alguns momentos de descanso.

Procurou ver alguma coisa, mas de sua perspectiva só podia abranger um trecho do soalho. Nenhum sinal dos invisíveis.

O tempo passava. Art fez uma tentativa de se apoiar nos braços, imaginando que os invisíveis o estariam observando, caso estivessem no posto de rádio. Mas isto não importava mais, tinha que se levantar. Estavam tentando destruir os aparelhos de transmissão. Tinha que avisar Eric Furchtbar, depois podiam fazer com ele o que quisessem.

O esforço deu resultado. Deixou o peso do corpo apoiado, por uns momentos, nos braços e se certificou de que os músculos estavam funcionando. Deu um galeio e se levantou. Teve uma sensação de triunfo quando se sentiu firme nos pés. A pancada não fora tão violenta assim.

Sentia ainda dores e um leve cansaço, mas isto desapareceria com o tempo.

O zumbido dos instrumentos não diminuía, continuando com as mesmas características de antes, parecendo um som que vinha de longe, esquisito mesmo, como Art nunca ouvira antes.

Olhou cauteloso em volta e percebeu do que se tratava. Não era o ruído habitual do mecanismo, com o qual já estava acostumado desde muitos anos, tanto assim que geralmente nem notava. Era um ranger de instrumentos que estavam sendo forçados muito além de sua resistência. Na tela do oscilógrafo dançavam figuras exóticas de linhas exageradamente nítidas. Os mostradores luminosos estavam todos com os ponteiros batendo no pino do valor máximo e o quadro de ligações, diante do qual estava Art, irradiava calor fora do normal.

Bastou-lhe virar-se um pouco para o lado para ver a roda de regulagem. Enquanto estivera caído no chão, alguém a girara até o ponto máximo. Toda a corrente produzida pelos geradores estava agora concentrada nos aparelhos de radiotransmissão e esta força dava para abastecer os vinte e cinco aparelhos de transmissão e recepção que estavam em funcionamento na BOB-XXI. No momento, porém, só três deles estavam ligados. Art ficou imaginando como as tampas começariam a empenar e a derreter aos poucos, como os instrumentos de medição explodiriam e os quadros de comando se queimariam todos.

Compreendeu que, em poucos segundos, a estação ficaria totalmente sem comunicação com o mundo exterior, se não agisse logo.

Arriscou-se de novo a chegar até seu lugar. Bastava apenas ligar o intercomunicador e relatar tudo a Eric Furchtbar. O comandante haveria de cuidar para que os invisíveis fossem detidos. Deu dois passos e desta vez ninguém o impediu com uma pancada na cabeça. Mas ele mesmo parou. O microfone do intercomunicador estava sobre a mesa, diante de sua poltrona. Uma fumaça azulada saía da tela metálica, a corrente demasiada queimara o aparelho!

Havia somente um outro meio de comunicação: pela porta a fora...

Deu um salto até a escotilha. Queria chegar ao corredor para dizer ao primeiro que encontrasse o que estava acontecendo. Quem o ouvisse devia correr para o posto de comando e avisar Eric. Ele mesmo devia ficar aí para controlar os invisíveis.

Não chegou nem até a escotilha. Dois metros antes, teve a impressão de que alguém se aproximava dele e se desviou para o lado. E o soco, desta vez com mais violência certamente, passou raspando em seu ombro. Cambaleou apenas, não chegou a ir ao chão. Mas sabia que daí em diante tinha de usar de todos os meios. Não o deixavam sair e o intercomunicador estava destruído. Nas suas mãos estava a sorte da estação.

“Por que agem assim? Por que imprimem tanta carga elétrica nos aparelhos, mais do que podem agüentar? Pretendem simplesmente destruí-los? Podem tentar de maneira mais fácil, basta quebrarem o quadro de comando. Sem ligação com a Via Láctea, nós levaríamos, pelo menos, meio ano para consertá-lo... Não é este seu objetivo?! Qual será então?”, refletiu.

Não conseguiu descobrir, sabia apenas que pretendiam destruir seus instrumentos.

Aqueles instrumentos a quem, durante tantos meses, dedicara mais atenção do que a si mesmo.

Chegaram simplesmente a bordo, sem pedir licença, sem dizer quem eram, agindo como se a estação lhes pertencesse. E agora, começavam a destruir as coisas mais preciosas para Art

Cavanaugh: os aparelhos de radiocomunicação.

A indignação e a cólera foram se acumulando dentro dele. De repente, deu um salto para frente, na direção da roda de regulagem. Sabia que este gesto lhe ia custar caro, mas pegou a chave reguladora e a virou para zero. O zumbido característico cessou instantaneamente e os ponteiros dos mostradores baixaram ao ponto mínimo.

Olhou em volta triunfante.

— Então, onde estão vocês? — gritou.

Alguma coisa vinha ao encontro dele. Não podia ver, mas sentiu a sensação de perigo iminente, cada vez mais forte.

Desviou-se instintivamente. Algo invisível bateu com toda força na tampa do distribuidor, onde estivera há pouco. Art deu uma risada de escárnio. A reação deles não era assim tão rápida. Deu um passo atrás e teve de novo a sensação de que um tapa violento passara raspando nele.

Talvez só tivessem como armas faca e punhos. Se assim fosse, sua situação não estaria tão preta como imaginara. Afinal, contava com seu instinto que cada vez mais se despertava para avisá-lo dos ataques. Quantos havia na cabina de rádio? Sabia que próximo à escotilha estava um para impedi-lo de sair. Outro devia estar ocupado em controlar o regulador de potência.

Será que eram só dois?

Aproximou-se pela terceira vez da escotilha, bem lentamente para que seu instinto tivesse tempo de preveni-lo. Chegou até dois metros, tendo então a impressão de que alguém estava na frente dele, ameaçando-o seriamente. Gingou o corpo para a direita e, no mesmo instante, ouviu o sibilo claro de um movimento rápido.

Era tudo que queria saber. Um deles estava na escotilha e o outro manipulava os instrumentos, quando se sentia desimpedido.

Art recuou. Acreditou sentir que o da escotilha não o seguiu. Estava mais seguro de si e, para não despertar suspeita, aproximou-se bem lento de um pequeno armário metálico, próximo da estante. Ninguém o impediu de abrir a porta do armário. Num movimento rápido, meteu a mão lá dentro e seus dedos encontraram resistência e agarraram uma peça de metal plastificado.

Apanhou a pesada pistola de raios térmicos e se virou, já com a arma engatilhada.

O peso da arma na mão e o frio do metal lhe deram uma sensação de superioridade. Não sabia se os invisíveis estavam protegidos contra o impacto de um disparo térmico. O campo magnético que os envolvia poderia resguardá-los de qualquer tipo de raio. Mas os raios desta arma tinham também uma certa carga mecânica. Eram como um raio na tempestade. Se não conseguissem incendiar o objeto atingido, faziam pelo menos um rombo nele.

Haveriam de ficar de olhos nele, disso sabia Art. Podiam vê-lo sem serem vistos. Talvez, porém, não soubessem o que tinha na mão.

Encaminhou-se também pela terceira vez para o disco de regulagem, cuidadoso, pé ante pé. Tinha que aproveitar o momento exato, prestando muita atenção...

“Onde estaria o invisível?”, indagava-se mentalmente.

O dedo continuava no gatilho, mas ele procurava ouvir a si mesmo para não perder o menor sinal de seu instinto. Aproximava-se do distribuidor, como um gato manhoso que não quer assustar o passarinho na relva. Parecia mesmo que desta vez o iam deixar se mover mais à vontade. Apertou mais a arma na mão e esticou a esquerda na direção da roda graduada.

Aí foi que notou...

O estranho veio pelo seu lado esquerdo, em linha oblíqua. Art virou-se rápido com a pesada arma na mão e o dedo apertou o gatilho.

Um feixe de raios brilhantes e de energia concentrada irrompeu da arma. Art viu como o fluxo energético, assim que saiu do cano da arma, se dividiu em duas faixas sinuosas, à direita e à esquerda. Não se enganara: o disparo se bipartiu. Havia, portanto, um obstáculo.

O campo magnético não apenas os tornava invisíveis, mas também os deixava invulneráveis aos raios térmicos. Mas o efeito mecânico não pôde ser aparado pelo campo magnético que os envolvia. Art observou com um prazer diabólico que o ponto da disjunção do feixe de raios ia cada vez mais para longe. Não precisava dar mais ouvidos ao seu instinto. O invisível, pela pressão fantástica dos raios, era compelido cada vez mais para longe.

Quando o invisível estava a mais de cinco metros dele, tirou o dedo do gatilho, virou-se rápido e girou o disco de regulagem para zero. Fê-lo com a mão esquerda, mantendo a arma pronta na direita.

O caminho estava agora livre. Sabia o que podia fazer com a arma. Não perdeu mais tempo em ouvir os palpites de seu instinto. Sabia mais ou menos onde estava o segundo adversário. Comprimiu o gatilho e deixou o feixe de raios ofuscantes, que se abriam em leque, varrer a proximidade da escotilha.

No meio do fluxo ofuscante, abriu-se uma fenda, o raio se dividiu dando a volta em torno do obstáculo que lhe oferecia o campo magnético de proteção do invisível.

Art continuou atirando na mesma direção, sendo que a enorme força do feixe de raios atingia o invisível tocando-o para a parede do outro lado da escotilha e de lá para a direita, para o interior da cabina de rádio.

Art teve que se virar para manter o adversário sob o fogo. Andando de costas, dirigiu-se até a escotilha, enquanto a força dos raios levava o invisível sempre para mais longe. Assim, não podiam mais impedi-lo de sair pelo corredor a fora, a fim de pedir socorro.

Art ouviu como atrás dele a placa da parede começou a abrir, enquanto o fluxo incandescente, regulado para curta distância, continuava mantendo os invisíveis afastados.

O ar começou a ficar quente e o próprio Art sentia o efeito do calor sufocante. Estava na hora de sair dali.

Tirou o dedo do gatilho e deu meia volta. Tinha que correr para o posto de comando e avisar Eric Furchtbar de tudo que se passava.

Mas de repente, estavam todos em volta dele. Não dois, como supunha até então, mas pelo menos uma dúzia. Avançaram todos contra ele. Tentou levantar o cano da arma, mas o metal recebia fortes pancadas de todos os lados. As mãos de Art perderam a força. Deixou cair a pistola.

Já que não podia usar a arma, precisava no mínimo de seus punhos para se defender. E começou a lutar. Não lhe foi difícil saber onde estavam os inimigos, estavam por toda parte em volta dele. Só o diabo podia saber como chegaram tão depressa e de onde vieram tantos assim para dentro da BOB-XXI.

O fato é que estavam ali. E o pior: Art percebeu que suas forças estavam acabando e o ataque dos invisíveis não diminuía. Começou a gritar tudo que sabia, repetindo bem alto a mensagem que tencionava transmitir a Eric. Devia haver alguém da tripulação ali por perto e este deveria ouvi-lo.

Continuou o tempo todo distribuindo tapas e pontapés por todos os lados, mas sua força já não era a mesma. Depois de uns instantes que lhe pareceram horas, não podia mais fechar as mãos em punho. Continuou batendo mesmo com as mãos espalmadas, até que chegou a hora em que não teve força para movê-las.

Quedou ali inerte. Os estranhos viram chegada sua hora. Um soco forte o atingiu no queixo e no pescoço ao mesmo tempo, nada mais restando de sua astúcia e de sua ira.

 

Eric Furchtbar só soube o que acontecia, quando alguém lhe veio falar de um grande berreiro ouvido no corredor principal do convés M. Eric mandou logo um ordenança para o mencionado corredor e ficou sabendo, alguns minutos depois, que Art Cavanaugh fora encontrado inconsciente, com o rosto inchado e sangrando muito em todo o corpo.

Eric sabia que Art estava de serviço sozinho na cabina de rádio. Ken Lodge e Warren Lee, ele os colocara em outro lugar. Enquanto a cabina de rádio estava ocupada, o radiotelegrafista era o único que controlava todos os instrumentos. O comandante não tinha a menor idéia do que se passara durante o tempo que lá estivera Art Cavanaugh. Ligou a chave que possibilitava a seus instrumentos de medição no quadro principal de controle o exame da situação dos aparelhos na cabina de rádio. Era sempre um gesto de rotina. Eric não procurava com isto obter Informações sobre o acontecido com Art.

Mas viu logo o que havia ocorrido...

De todos os aparelhos na cabina funcionava apenas um. Era o distribuidor de energia. Mas não distribuía mais nada. Um enorme fluxo de energia escapava por ele e era utilizado em outro ponto fora do alcance de medição dos instrumentos de Eric.

Enviou então uma comissão de quatro homens lá para a cabina de rádio e incumbiu o Dr. Johannesson de cuidar de Art. Os quatro logo anunciaram que todos os instrumentos na cabina de rádio estavam avariados e que alguém girara o disco de graduação de energia até o ponto máximo. Eric ordenou que fechassem o registro de saída da energia. A ordem foi cumprida na hora.

Eric ficou observando seus instrumentos de medição, esperando que os ponteiros luminosos se desprendessem do ponto mais elevado da escala e voltassem para os valores originais.

Mas isto não aconteceu. Mantiveram-se no ponto máximo onde estavam, tremendo levemente sob a elevada carga que suportavam.

Por uns instantes, Eric Furchtbar ficou indeciso. Conhecia sua estação bem demais, para saber como se podia escangalhar um instrumento ou seus cabos condutores.

Soltaram todo o fluxo de energia, girando ao máximo o disco de regulagem no posto de rádio. E depois de totalmente aberto, assim o mantiveram enquanto faziam com que todos os aparelhos funcionassem ao mesmo tempo. O interruptor que ligava o disco de regulagem já não estava funcionando há mais tempo. Se o girassem para a esquerda ou para a direita, era a mesma coisa... Os invisíveis deviam estar desviando a energia em qualquer lugar, na quantidade de que necessitavam.

Necessitavam? Para quê?

Eric fez a si a mesma pergunta sobre a qual Art Cavanaugh estava quebrando a cabeça alguns instantes antes. Mas não perdeu tempo com a especulação.

Ordenou aos quatro homens, que enviara para o posto de rádio, que lá permanecessem.

Mandou também dez outros para os geradores, dando-lhes instruções para que se armassem e atirassem em tudo que se movesse lá embaixo. O local dos geradores não estava ocupado.

Eric não estava expondo ninguém a um risco concreto com esta nova ordem. Se houvesse alguém lá embaixo, seria então um desconhecido.

E Eric Furchtbar não tinha mais intenção de ser complacente, como já o fora, com os invisíveis.

Do mesmo modo que os quatro homens enviados para a cabina de rádio, o novo grupo dos dez também estava equipado com telecomunicadores portáteis, isto é, de pulso. Ficavam, portanto, em contato direto com o comando central. Apesar de estar com o braço engessado, o Tenente Hynes não quis deixar de assumir a direção do grupo. E Eric se viu obrigado a consentir que ele fosse, porque de fato não sabia onde arranjar pessoal para isto.

O caminho até os geradores foi pacífico. Se os invisíveis se achavam nos corredores da estação, deveriam ter se comportado então muito bem, pois nada fizeram para importunar o grupo do tenente. Chegaram, pois, tranqüilos, os onze homens à galeria no convés mais baixo da estação, onde estavam instalados os potentes geradores que forneciam toda a energia para a BOB-XXI.

O aparelho de pulso de Ed Hynes transmitiu uma imagem nítida da galeria. Eric o observava lá do posto de comando pela pequena tela luminosa. As lâmpadas de controle nos quadros continuavam com seu verde tranqüilo. Hynes fez sua mini-cãmera circular em volta de toda a galeria e o quadro geral era de calma e ordem por toda parte.

— Está em ordem, tenente! — disse a voz calma de Eric. — Desligue o gerador que abastece a cabina de rádio.

Ed Hynes confirmou a ordem. Eric viu como ele, acompanhado de um homem do grupo, saiu caminhando por entre os grandes conjuntos e parou diante de um deles. Olhou em volta e o homem ao seu lado estava de arma engatilhada. Hynes ergueu o braço e o esticou na direção da chave de ligação.

Neste momento começou tudo de novo.

Eric não conseguiu ver bem o que se passava. Observou apenas que, de repente, Hynes deu um pulo para o lado e o homem, que o acompanhava, recuou. Como se não acreditasse no que via, Eric olhava perplexo como o feixe de raios incandescentes se bifurcou, formando um rombo arredondado. Parecia que o fluxo da energia eletromagnética estava fazendo uma curva diante de um obstáculo. Eric reparou como esta bifurcação se afastava lenta, mas depois, cada vez mais rápida, da boca da arma. E compreendeu a razão de tudo, tão rapidamente como Art Cavanaugh compreendera há meia hora atrás.

Os invisíveis estavam ali. O feixe de raios energéticos não podia vulnerá-los, pelo menos não em sua eficácia normal. Acontece, porém, que com o jato de raios estava inerente uma força mecânica.

Hynes, que chegara a cair, já estava de pé. Puxou seu acompanhante para o lado e pegou de novo na chave, mas não chegou a arrancá-la do encaixe, a fim de desligar o gerador.

Aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo. Hynes foi atirado para o lado. O homem junto dele, que continuava atirando, estremeceu e caiu de joelhos no chão, num grande grito de dor.

Os aparelhos de telecomunicação dos homens que estavam atrás recebiam as imagens lá da frente. Eric viu como eles se precipitaram para socorrer os dois colegas. Viu-lhes os semblantes incendiados de ira. Estavam já de armas engatilhadas, prestes para fazer fogo.

Alguns mais da frente dispararam as armas e o ambiente era um caudal chamejante. Dava a impressão de que em poucos segundos haveriam de dominar o inimigo.

Mas, depois de dois passos, foram projetados contra a parede. Ao menos, parecia haver ali uma parede. Os raios energéticos, que até então seguiam seu caminho reto, foram de repente desviados para cima e para baixo e uma boa parte do terrível calor foi de encontro aos atacantes. Os homens reconheceram, aliás um pouco tarde, que havia um grande obstáculo na frente deles. Antes de poderem parar, foram atirados contra a parede. Os da frente caíram no chão, os de trás recuaram.

Eric sabia que seus homens precisavam dele agora lá embaixo. No posto de comando já não havia ninguém. Todos estavam lá nos geradores.

O cabo que o Dr. Johannesson tratara já estava de pé. Sem dizer uma palavra assumiu seu posto diante da poltrona de comando. Eric Furchtbar abriu uma pequena gaveta e dela tirou um pequeno desintegrador.

Correu ao longo do corredor do convés médio e deu um salto para dentro do elevador antigravitacional, pulando depois de boa altura para o último convés.

Do corredor já podia ouvir o fragor da luta. O local dos geradores era à direita.

Eric engatilhou a arma e correu para a escotilha aberta. Uma onda de intenso calor o atingiu em cheio, perdendo quase a respiração, coisa com que não contava. Foi então que viu seus homens caídos no chão. Um assomo de ira o fez caminhar mais depressa e os homens, que foram compelidos contra as paredes da galeria dos geradores, viram seu comandante chegar correndo.

Eric atirava, sem ver o alvo, sem estar mesmo consciente do que fazia. Era a reação instintiva de um homem que entrava de corpo e alma na luta. Sem o menor ruído, irrompia do cano da pesada arma. O feixe de raios verde-claro. Eric agitava o desintegrador em todas as direções, às vezes bem rente dos corpos inertes no chão. Não sabia se ia conseguir alguma coisa, tentava simplesmente.

De repente, gritos estridentes, simultâneos, encheram a galeria. Era um som diferente, penetrante, de dar calafrio nos homens. Somente por um instante foi que Eric ficou perplexo, mantendo a arma dirigida para um ponto fixo. Mas depois, virou a mão e fez com que os raios esparramados do desintegrador varressem tudo ao redor dele.

Estava ciente de sua grande desvantagem perante os adversários que podiam vê-lo, sem serem vistos.

Haveriam de tentar impedi-lo de atirar, pois o desintegrador lhes causava mais dano do que os raios térmicos. Eric queria virar para trás, a fim de dizer aos seus que se munissem com o desintegrador, mas neste momento foi atingido pelo primeiro soco. Um dos invisíveis se aproximara dele por trás e Eric recebeu uma pancada na cabeça, cambaleou para o lado, mas logo se recuperou. Virou-se rápido e apontou a arma na direção de onde viera a agressão.

Um grito horrível lhe fez doer os ouvidos. Algo disforme, incompreensível, reluziu bem na frente dele e uma nova onda de tremendo calor o atingiu. Uma sensação de triunfo selvagem percorreu todo o corpo alto e magro do comandante. Pusera fora de combate um deles. Os raios do desintegrador romperam seu campo magnético de proteção.

A segunda pancada dos invisíveis restituiu a clareza de espírito a Eric. Também desta vez virou-se para trás e apontou a arma para a direção de onde viera a agressão. Mas o primeiro insucesso parece que alertou o adversário. Desta vez não houve o grito lancinante, não houve o brilho claro. O invisível tivera tempo de escapulir. Eric começou a sentir a dor e um outro golpe o atingiu, vindo de uma direção bem diferente. Acertaram-lhe o joelho.

Compreendeu que não lhes restava nenhuma possibilidade de vitória.

Retirou-se lentamente, espalhando os raios do desintegrador por quase todo o recinto. A potência da arma estava regulada no ponto mais fraco; apesar disso, o revestimento de proteção dos geradores começou a se dissolver e em pouco tempo estaria inutilizado.

“Não tem mais sentido continuar a luta”, concluiu Eric. Ele e seus homens não possuíam recursos suficientes, ninguém os preparara para esta luta desigual com estranhos invisíveis de outras galáxias. Deviam ficar aqui fora de vigia e comunicar à Terra qualquer ocorrência extraordinária. Não foram selecionados especificamente para o primeiro encontro com os invisíveis.

Havia homens especialmente treinados para isto, os da Divisão III, Nike Quinto e sua gente.

Eric virou-se para os seus:

— Transmissor preparado! — gritou para o mais próximo.

O homem tremeu, deu meia-volta e saiu correndo pela porta a fora.

Eric procurou apenas manter a posição. Estava certo de que o homem compreendera sua ordem e haveria de deixar o transmissor pronto para funcionar. Em todos os pontos da estação haveria de acender a luz azul, avisando que o transmissor estava ligado. E todos saberiam o que se passava. Ele próprio iria para o transmissor. Era, porém necessário manter a posição ali por algum tempo, para que os invisíveis não notassem a fuga da tripulação.

O braço direito de Eric não agüentava mais. Pegou o desintegrador na mão esquerda, apertou o gatilho e continuou atirando. Quase que automaticamente, a mão esquerda girava no ar de um lado para o outro, para que os raios cobrissem o espaço todo.

Atrás dele, os homens começaram a se retirar. Protegidos pelo fogo de Eric, ergueram os que estavam inconscientes no chão e os levaram.

Eric estava banhado de suor e o calor na galeria era insuportável, o ar parecia queimar. O corredor atrás dele estava vazio e não teria sentido continuar a luta.

Procurou saber se os invisíveis o seguiam lá fora. Quando se encontrava ainda na escotilha, teve de se defender de uma série de pancadas, porém assim que atingiu o corredor, deixaram-no em paz. Mas ainda assim, deu mais uma boa rajada através da escotilha.

Depois, correu o mais depressa que suas pernas agüentavam.

No posto do transmissor fictício, a operação estava em pleno andamento. Havia dois aparelhos — as “gaiolas” — de transporte individual.

Os que estavam com ferimentos mais graves tinham naturalmente prioridade. Art Cavanaugh, que entrementes voltara a si, incansável como sempre estava diante das duas cabinas tomando nota por escrito dos que já haviam feito o salto no espaço.

Fez continência quando percebeu Eric chegar.

— Ainda estes dois aqui, senhor — disse em posição de sentido — depois o senhor e eu, que somos os últimos.

Quase simultaneamente, as duas cabinas do transmissor fictício emitiram um zumbido claro e lâmpadas verdes se acenderam, sinal de que estavam prontas para o próximo transporte. Os dois homens de que Art falara há pouco, abriram a porta e sentaram no pequeno e incômodo banco de espera. Art fechou a grade pelo lado de fora com movimentos seguros e rápidos, depois ligou a chave geral que fornecia energia para as duas “gaiolas” e apertou o botão de contato. O zumbido cessou, surgindo, porém, outro barulho que se assemelhava muito ao estrondoso arranque dos antigos caminhões. Com o pensamento distante, Eric olhou para aquela espécie de neblina que enchia a cabina. Assim que a neblina se desfez, os dois homens não estavam mais ali.

Art Cavanaugh abriu cortesmente as duas cabinas, assim que acenderam as luzes verdes de novo.

— Por favor, senhor!

Eric recusou.

— Você primeiro, sargento — disse alquebrado e desenhando ainda um sorriso nos lábios. — O capitão é o último a deixar o navio.

Art obedeceu calado, entrou numa das cabinas, fechou a grade atrás de si. Eric fez as ligações e segundos depois desaparecera o penúltimo tripulante da BOB-XXI.

Não foi sem segunda intenção que Eric mandou Art ir primeiro.

Nos últimos instantes tivera um pensamento que julgava importante. Não tinha intenção de abandonar a BOB-XXI para sempre, a retirada era coisa provisória. Os transmissores ou transportadores fictícios teriam, pois, que ser usados ainda. Como seria possível isto, se, entrementes, os invisíveis já haviam penetrado neste local e observado tudo, como funcionavam os aparelhos de transporte? Será que não iriam utilizá-los para fins que certamente prejudicariam os justos interesses dos terranos, ou mesmo destruí-los, caso não soubessem lidar com eles?

Eric queria pisar em chão firme, queria ter certeza. Encostou-se na cabina, onde Art Cavanaugh acabara de desaparecer. Pela última vez engatilhou a arma, regulou o feixe de raios para ângulo maior e começou a disparar.

O feixe verde-claro da destruição dardejava do cano da arma. Eric fez um meio giro com a mão e... acertou.

Um clarão amarelo chamejou nas proximidades da escotilha fechada e um grito estranho e alucinante fez tremer o ar.

Eric prosseguiu atirando, embora lhe parecesse impossível que mais de um deles tivesse achado o caminho para o transmissor fictício, pois a escotilha não fora aberta.

Eric o atacou sem técnica especial e o invisível foi lançado para frente, no mesmo lugar onde chamejara o clarão amarelo. O grito cessara. Eric foi de encontro a algo inconsistente, cediço.

Não podia ver nada, mas havia aí alguma coisa, um empecilho, entre ele e a parede ao lado da escotilha. Tentou agarrá-lo. A mão deu com o “invisível”, chegou a apalpá-lo, mas escorregou-lhe entre os dedos. Eric percebeu movimento maior, o inimigo tentava fugir. O capitão encolheu o braço, fechou a mão em punho e a arremessou com violência para frente. na altura do local onde um homem de estatura média teria o estômago. Não se ouviu o menor ruído nem houve qualquer outra reação do inimigo. Simplesmente escapuliu das mãos de Eric que teve de fazer uso de novo da arma.

Desta vez, sabia com exatidão onde devia atirar. Com leve pressão do dedo anular modificou a focalização dos raios e começou a atirar. A energia desintegrante agora saía da arma como uma linha fina de agulhas. Eric contava que o efeito seria maior do que nos disparos anteriores. Mas não contava com o que então se passou.

Com um estampido de trovão, explodiu algo em sua frente. O ímpeto da tremenda compressão do ar atirou Eric para o lado e um forte clarão o ofuscou, clarão este acompanhado de um grito.

Foi atirado contra a parede do outro lado. O choque lhe tirou o ar dos pulmões e por alguns instantes sua vista se turvou, vendo apenas círculos coloridos diante de si.

Foi neste momento que viu o estranho. Os raios destruidores acabaram rompendo ou pelo menos enfraquecendo seu envoltório de proteção. O quadro visto por Eric não foi nítido, talvez até pelo fato de o envoltório magnético não estar totalmente destruído e ainda poder protegê-lo ou então o próprio Eric não estava mais em condições de vê-lo melhor.

Era pouco mais de que uma sombra movendo-se rápida pelo recinto e não dando para Eric distinguir uma forma precisa. Era mais uma coisa que fluía ou flutuava constantemente. Num piscar de olho atingiu a parede ao lado da escotilha, onde Eric o apertara há pouco. Por um segundo, viu o deslizar da sombra em meio a uma cintilação azul-clara.

Depois desapareceu.

Não restava a menor dúvida de que  esta sombra saíra da estação pelo caminho que devia ser o mais natural para o seu tipo de existência: através da sólida carcaça metálica.

De respiração ofegante, não tinha mais dúvida de que fracassara no seu intento. O desconhecido fugira. E, se estivesse em condições de entender a técnica terrana, já devia estar sabendo para que serviam as duas cabinas com portas de grade, sendo mais do que evidente de que avisaria sua gente da importante descoberta. Haveriam de se utilizar do transporte para seus próprios fins.

“Não posso consentir uma coisa desta”, pensava Eric. “Vamos ainda precisar deste aparelho.”

Resolveu permanecer a bordo da BOB-XXI.

 

Dois a dois, a tripulação da BOB-XXI chegou ao cruzador-oficina que os estava esperando.

Vinte e quatro homens “surgiram” a bordo da Joann, não havendo, porém, o menor vestígio do vigésimo quinto.

Isto obrigou Nike Quinto a pôr em prática seus planos, o mais rápido possível.

A idéia básica era a seguinte: Se a pergunta pela vida verdadeira fora feita por robôs, então havia um só caminho para um contato positivo com seres deste tipo. E tal caminho seria mandar-lhes ao encontro somente robôs. Nike Quinto era de opinião de que os estranhos, com sua pergunta, queriam saber se aqueles a quem a pergunta fora feita eram robôs ou seres de vida orgânica.

Nike Quinto mesmo era o primeiro a confessar que existiam ainda umas boas dúzias de outras explicações, tão plausíveis como esta. Apenas não tivera tempo de estudá-las todas e prepará-las, como fizera com esta última. Pegara, portanto, uma das várias hipóteses, e agiu sobre ela.

A bordo da Joann havia somente um robô preparado para isto, Meech Hannigan. A ironia do destino, porém, quis que sua pele feita de tecido vivo e alimentada artificialmente, cobrindo todo seu corpo de metal plastificado, o tornasse inapto para tal missão. Ninguém, nem mesmo um robô, acreditaria ser Meech Hannigan um robô. Era de fato muito semelhante a um homem.

Mas isto não era problema para Nike Quinto resolver, ali naquele cruzador— oficina. Também não tencionava mandar Meech sozinho para esta viagem. Seu companheiro seria um ser orgânico, disfarçado, naturalmente, para esta missão.

Nike mandou, pois, confeccionar um revestimento metálico para Meech: uma armadura de aço apropriado, não muito diferente das antigas armaduras dos cavaleiros da Idade Média da Terra.

As diversas peças do arcabouço foram moldadas de tal maneira que seu portador dava a impressão de um legítimo robô.

O companheiro de Meech foi Ron Landry. Recebeu o mesmo tipo de disfarce. Depois de metido naquela estrutura metálica, somente se diferenciava do robô Meech pelo número nas costas e na chapa frontal do capacete.

Este fato com Meech Hannigan passaria para a história da Frota Terrana como a “história do robô disfarçado em robô” — embora, no momento, ninguém tivesse disposição para achar graça, devido à seriedade da missão incerta.

Sem perder tempo, prepararam Ron e Meech, armados até os dentes. Ativaram-se os transmissores fictícios a bordo da BOB-XXI por controle remoto. Os instrumentos de medição a bordo da Joann indicavam que tudo estava em ordem na estação.

Ron e Meech achavam-se prontos para a viagem.

De Eric Furchtbar não havia o menor indício.

Sem a menor dificuldade, os dois alcançaram o posto do transmissor na BOB-XXI. O recinto estava vazio, pairando apenas no ar um cheiro esquisito de curto-circuito e de material isolante queimado.

Antes de partirem da Joann, Ron recebera, em poucas palavras, uma descrição dos últimos acontecimentos na galeria dos geradores. Sabia, por exemplo, do grande sucesso que Eric obtivera com seu desintegrador manual, depois que os muitos e pesados jatos de raios térmicos ficaram sem efeito. Iria, pois, seguir o mesmo esquema do intrépido comandante da estação. Colocou-se com as costas apoiadas na parede de uma das cabinas, de modo a não danificá-la com o fogo do desintegrador. Regulou o jato para um ângulo bem amplo, porém de baixa potência, abrindo fogo em seguida.

O efeito foi nulo. Conforme o que sabia até então, isto significava que não havia ninguém no recinto.

Foi a primeira decepção de Ron, que esperava encontrar aí Eric Furchtbar ou um dos desconhecidos. Quando soube que Eric não chegara a bordo da Joann, tinha quase certeza de que ele ficara para proteger os transmissores. Parecia, ao menos, uma dedução lógica. E, caso os inimigos tivessem pressentido a presença de Eric na estação dos transmissores fictícios e o tivessem deixado fora de combate, um deles, pelo menos, devia estar por ali.

Ron notou que seu raciocínio estava errado. Mandou que Meech abrisse a escotilha. Meech obedeceu e deu um passo para fora do corredor. Nada aconteceu. O robô olhou para a esquerda e para a direita, além disso usou de todos os seus dons super-humanos de investigação e como resultado comunicou a Ron que o ar era respirável, isto é, bom.

Depois de encontrar vazio o posto dos transmissores, o local que mereceu mais a atenção de Ron foi a sala de comando. Ron e Meech tinham sido bem informados sobre as instalações da estação, portanto não lhes custou nada achar o caminho. A pergunta que os preocupava era se os inimigos os deixariam caminhar assim à vontade.

Andando pelo corredor a fora, chegaram ao poço antigravitacional, com Meech sempre na frente. A velha norma básica da Frota Espacial ainda estava em vigor: sempre que os robôs estivessem num comando, formavam a vanguarda e lutavam nos postos de maior perigo.

Meech não era exceção, e em sua programação positrônica, isso já estava previsto.

Pelo poço antigravitacional, flutuaram cuidadosos na direção do convés médio. Por toda parte da estação, o vazio era o mesmo. O mesmo silêncio desagradável.

“Parece um cemitério”, pensava Ron, “um cemitério a cinco mil anos-luz além dos confins da Via Láctea.”

Mas os invisíveis deviam estar em algum lugar.

“Quem sabe lá embaixo na galeria dos geradores?”, foi o que passou pela cabeça de Ron. “Pode ser que pretendam alguma coisa lá com os geradores.”

Procurou se lembrar do curto relatório de Art Cavanaugh. Ligaram para a cabina de rádio muito mais voltagem do que ela podia suportar. Quem sabe mesmo, os estranhos pretendiam obter uma potência maior de irradiação, sem saber direito como funcionavam os instrumentos? Talvez, se o primeiro incidente na cabina de rádio fora bem interpretado, já haviam transmitido uma curta mensagem. Quem sabe um pedido de socorro? Podia ser que tentaram repetir a transmissão, mas que, desta vez, faziam questão de maior energia.

Mas podia muito bem ser que tudo isto estivesse bem longe da realidade. Podiam precisar dessa voltagem toda para outro fim totalmente diverso, pois Art Cavanaugh relatara que a maior parte dos instrumentos estava intacta, quando ele deixou a sala de rádio. Com esta imensa sobrecarga, já deviam estar todos queimados há muito tempo. Tudo isto indicava que esta corrente elevada fora desviada para outro fim.

Para onde e para qual finalidade?

Meech chegou à saída para o convés do meio e, muito cauteloso, flutuou para fora. Aguardou alguns segundos, espreitando, escondido. Só depois é que se lançou pelo corredor a fora e Ron atrás dele.

Novamente uma idéia luminosa na cabeça de Ron.

“A energia utilizada pelo hipertransmissor era da mesma estrutura que a...”

O pensamento acabou aí. Meech veio voando contra ele, como que cuspido por um canhão.

Num grande estrondo, chocaram-se as duas armaduras metálicas, sendo que Ron caíra por terra, machucando o queixo com a charneira do capacete.

Meech estava em cima dele e um segundo mais tarde parecia que exatamente isto lhe salvara a vida.

Ele, Ron, não estaria jamais em condições de reagir tão rapidamente como Meech. Do fim do corredor, vinha uma onda pesada de luz vermelha. Ron a viu por sobre a armadura de Meech. Petrificado de horror, viu a enorme luminosidade que, lenta como uma camada de Óleo, vinha flutuando na direção onde se encontravam os dois terranos, ainda caídos no chão.

A intensa luminosidade era acompanhada de uma horrível vaga de calor. Ron a sentiu penetrar metal a dentro e notou como o revestimento da parede formava bolhas.

Meech começou o contra-ataque na mesma hora. Com movimentos que em nada eram prejudicados pela pesada armadura, sacou o desintegrador. Não era mais aquela arma de mão, como Eric usara, mas sim uma automática pesada, quase que um canhão. Zunindo e trepidando no ar, disparou o feixe de raios verdes contra o fogo vermelho.

No ponto em que se encontraram, deu-se uma explosão ensurdecedora. Ron sentiu que o enorme peso de Meech saiu de cima dele e foi atirado para longe, na direção do poço antigravitacional. Ao passo que ele, agora aliviado do peso do robô, foi também atingido pela forte compressão do ar e carregado pelo corredor.

Diante deles, se levantou um berreiro desenfreado. Não se podia ver quem estava gritando, mas Ron ouvira também dizer que disparos de desintegrador provocavam tal gritaria nos invisíveis. Compreendeu então a vantagem da reação instantânea de Meech.

— Continue, Meech — gritou ele.

O pesado robô agiu com uma elegância inimitável dentro do poço, mas desta vez Ron não pensava mais em se abrigar atrás dele. Foram caminhando um ao lado do outro e depois de alguns segundos estavam no trecho mais largo do corredor, onde havia a entrada para o posto de comando.

Ninguém mais se lhes meteu no caminho e o fogo vermelho desapareceu. Apenas as paredes estavam cada vez mais salpicadas de bolhas e o ar ainda continha muito calor. Meech olhava para todos os lados, enquanto Ron empurrava a escotilha, aparentemente emperrada pelo efeito do calor, até que de repente ela correu para o lado.

Ron estava de arma engatilhada, mas travou-a de novo para regular o feixe de raios para maior distância. Estava nesta operação, quando viu o brilho de uma arma surgindo atrás da escotilha, cujo cano lhe apontava diretamente para a barriga. Com um grito de alarma, jogou-se para o lado. Meech virou-se imediatamente, com a arma levantada para fazer fogo.

Não fosse o extraordinário dom da reação fulminante de Meech, teria havido naquele instante uma horrível tragédia. Meech se atirou para frente e o peso de sua automática não o impediu de esticar sua mão de ferro. Ron ouviu uma forte batida acompanhada de um grito de dor, não conseguindo ver o que se passava atrás da parte da escotilha que ainda estava meio fechada.

Um objeto metálico caiu no chão e o silêncio depois foi total, até que a voz metálica de Meech falou pausada:

— Desculpe. Mas o senhor teria certamente atirado, antes de lhe podermos explicar a situação.

Ron ouviu que alguém gemia. E logo depois, veio a resposta clara de Eric Furchtbar:

— Provavelmente você tem razão, sargento. Tenho que lhe agradecer.

Ron se levantou aliviado. Eric atravessou a porta e reconheceu pelo número de serviço no capacete quem ele era. Tentou, com dificuldade, cumprimentá-lo.

— Graças a Deus — disse esboçando um sorriso. — Julgava que tinha de dar conta de tudo sozinho.

Penetraram juntos no grande recinto e a porta se fechou atrás deles. Eric apanhou o desintegrador que Meech lhe arrancara da mão, esticou o braço direito com expressão de dor e massageou um pouco o pulso.

— Que está se passando aqui? — perguntou Ron.

Eric contraiu o rosto numa expressão de dor.

— Eu mesmo gostaria de saber, major. A estação está repleta de invisíveis, é uma das poucas coisas que sei com certeza. Estão fazendo alguma coisa com os geradores, isto também é mais ou menos certo. Agora, não sei o que pretendem com eles. Creio, porém, que sei o motivo por que estão aqui a bordo.

Ron olhou surpreso.

— Por quê?

— A nave deles explodiu lá fora há uns três minutos. Deve ter acontecido um incêndio atômico ou coisa semelhante a bordo. Se isto foi conseqüência da colisão com nossa estação espacial ou se deve ser atribuído ao combate que enfrentaram lá fora não sei onde, também não sei. De qualquer maneira, acho que não tinham mais possibilidade de se salvarem lá dentro da própria nave. Por isso, vieram para cá. E agora estão preparando alguma coisa de que não tenho a menor idéia.

Esta última frase deixou Ron preocupado.

— Estão preparando alguma coisa, disse o senhor?

— Perfeitamente — confirmou Eric. — Observe um pouco os instrumentos, por favor. Os geradores se portam como loucos e não fariam isto por si mesmo. Portanto alguém está mexendo neles e aliás com muita fúria. Se isto não significa que alguma novidade está por estourar por aí e que os desconhecidos se preparam para...

Deixou a frase interminada.

Ron se lembrou de que, antes de deixar o poço antigravitacional e antes que os inimigos lançassem o fogo vermelho contra eles, ocorrera-lhe uma idéia. Mas não conseguiu se lembrar de que se tratava.

— Nunca fizeram fogo contra o senhor, não é? — perguntou a Eric.

— Não. Achei isto também muito singular, como se não possuíssem armas e usassem somente os punhos. Uma única vez senti um negócio que me deu impressão de faca afiada. Vocês podem ver aqui.

Esticou as mãos de tal forma que Ron pudesse ver a delgada cicatriz do corte. Quase se sentiu ofendido, pois Ron não mostrou interesse em ver as costas das mãos.

Virou-se subitamente para o robô:

— Por que será que atiraram contra nós?

A pergunta veio como um disparo de arma.

— Porque nos julgam robôs — foi a pronta resposta de Meech.

Eric Furchtbar ficou de olhos arregalados.

— Aí está a explicação! — exclamou ele surpreso. — Eu me pergunto sempre que tipo esquisito de armadura vocês inventaram.

Ninguém lhe deu atenção. Eric queria perguntar ainda o que os chefes da Joann acreditavam obter “robotizando” os dois homens e mandando-os para a estação. Não sabia que Meech era na realidade um robô. Mas quando viu que Ron estava ocupado com seus pensamentos, silenciou.

E Ron de fato estava refletindo sobre a resposta de Meech Hannigan. Depois, meneou a cabeça.

— Tem lógica — disse ele. — Os invisíveis não têm intenção de matar ou destruir vidas orgânicas, pelo menos enquanto puderem evitar. Agora, não podem ter esta consideração para com os robôs. Atiram contra eles, assim que os vêem.

Meech confirmou a conclusão de Ron e ainda acrescentou:

— Esta hipótese é válida se aceitarmos que os estranhos tenham um modo de pensar igual ao nosso.

Ron anotou esta observação interessante. Realmente, se esquecera disso. Isto é, que os estranhos não podiam ser julgados pelos parâmetros normais da Galáxia conhecida.

— Atiraram em vocês? — perguntou Eric, admirado.

— Sim, com uma arma que produz uma espécie de fogo grego. Vem rolando lentamente pelo corredor e é tremendamente quente, tem uma coloração avermelhada e se Meech não fosse tão ágil e rápido na reação, nós dois não teríamos sobrevivido.

— É uma coisa esquisita — disse Eric.

— Para nós eles foram até agora...

— Quer dizer então que, lá fora — interrompeu-o Ron — eles lutaram com robôs, não é verdade?

— É uma das cem possibilidades. Não se esqueça, porém, senhor, de que realmente não temos pontos de apoio para tais deduções.

— É verdade — confirmou Ron. — Nem sabemos ainda se estes estranhos pensam do mesmo modo que nós.

Ron estava agitado. De qualquer ponto que se partisse, seguindo um determinado pensamento, depois de poucos segundos chegava-se à conclusão de que ninguém tinha razão, ou seja, o mistério persistia.

Ron virou-se para o lado e ficou observando os instrumentos de medição de que falara Eric. Os ponteiros oscilavam exageradamente e a maioria deles estava tremulando no ponto máximo da escala. Os estranhos estavam de fato sobrecarregando os geradores.

— Por este motivo foi que vim cá para cima — disse Eric. — No posto dos transmissores fictícios, só podia controlar os próprios transmissores; daqui, observo tudo.

— O senhor já esteve nos transmissores? — indagou Ron.

— Não — disse Eric, balançando a cabeça. — Lá nas cabinas do transportador está tudo em ordem.

— O senhor foi atacado quando subiu da estação dos transmissores para cá?

— De maneira alguma. A BOB-XXI está vazia, com exceção do posto de rádio e da galeria dos geradores.

Isto trouxe à cabeça de Ron o pensamento que lhe havia fugido na hora. Aceleraram todos os geradores e ligaram toda a corrente para a estação de rádio. Para quê? Que pretendiam eles?

Ron se lembrou que, na sua idéia anterior, ocorreu-lhe a suposição de existirem formas semelhantes de energia.

O campo alternado da hiperirradiação era tão análogo ao campo continuo de um envoltório de proteção como um campo eletromagnético alternado o é com referência ao de origem eletrostática e ao magnético que com ele se cruzam. Podia-se, pois, retificar tão bem as hiperondas como as eletromagnéticas.

Seria isto? Os Invisíveis não pretendiam outra coisa senão reforçar os campos magnéticos? Por alguns segundos, Ron parecia ver tão claramente toda a trama, como nunca antes.

Neste instante Eric Furchtbar gritou:

— Está saindo uma outra mensagem!

Ron despertou de seus pensamentos. O pequeno osciloscópio da cabina de rádio estava acoplado com a central de comando, desde o tempo em que a BOB-XXI começou a receber as primeiras hiperirradiações dos estranhos. Até há pouco, sua tela pequena e redonda não mostrava outra coisa senão a confusa estática provocada pela atividade mais do que exagerada dos geradores. Agora, não. Podia-se ver com nitidez um determinado tipo de ondas e um grande número de sinais angulosos de modulação.

— É de novo o radiograma sobre a vida verdadeira — anunciou Eric, excitado. — O modelo é inconfundível.

A figura ficou na tela por alguns segundos depois apagou. Ron gostaria de ir imediatamente para a cabina de rádio para tirar do aparelho receptor a fita de gravação e mandar examiná-la na positrônica. Mas, lá embaixo no posto de rádio, estavam os invisíveis e na positrônica não havia ninguém de serviço.

Se Ron apanhasse a fita, ele mesmo teria que manipular os aparelhos de interpretação e para isso não tinha tempo no momento.

Confiou, pois, na afirmação de Eric de que era de fato a mesma mensagem.

Por que repetiam a pergunta? Já haviam recebido a resposta umas tantas vezes: “Sim, somos vivos de verdade!”

Continuava Ron a especular.

— O senhor pode, por acaso, precisar se o modelo de ondas desta vez foi mais nítido do que na recepção anterior?

Eric respondeu sem titubear, mostrando assim que estava bem seguro do que dizia.

— Esta agora estava muito mais nítida do que a última vez.

A curiosidade de Ron aumentava. A hiperirradiação era uma das maravilhas modernas da tecnologia. Mas por mais maravilhosa que fosse, tinha que obedecer às leis básicas da natureza.

Uma fonte de irradiação que estivesse a pequena distância devia ser captada com maior nitidez do que se estivesse mais longe.

A primeira irradiação que a BOB-XXI recebera foi de uma distância de cerca de quatrocentos anos-luz. Esta última fora muito mais nítida, a distância se reduzira, portanto.

Ainda havia alguém à procura da BOB-XXI.

Ron instruiu a Eric Furchtbar para que respondesse a pergunta nos mesmos moldes como se fizera até então. Eric controlava o pequeno quadro de comando de onde se podia operar os aparelhos de transmissão. Apertou alguns deles, depois disse sorrindo:

— Acho que ainda funciona. Quem sabe o que os nossos amigos invisíveis lá embaixo andaram fazendo?!

Segundos depois, o osciloscópio registrava o tipo de ondas da mensagem que estava sendo transmitida. Achava-se codificada na mesma forma da pergunta dos estranhos. Apenas pelas figuras do oscilógrafo, era impossível se ler o conteúdo da mensagem.

Ron Landry fez tudo para controlar sua curiosidade, pois precisava de calma para poder pensar.

Estava indeciso se devia ou não tentar mais uma vez entrar em contato com os invisíveis.

Acabou rejeitando a idéia, sem mais delongas. Eric e seus homens perderam muitas horas com isto, sem o menor sucesso.

Ron estava plenamente convencido de que a segunda nave estranha, cuja mensagem a estação acabara de responder, haveria de aparecer dentro de poucos minutos. Além disso, estava também convencido de que esta segunda espaçonave pertencia infalivelmente aos inimigos dos invisíveis que haviam penetrado na BOB-XXI. Isto porque o tipo de modulação da mensagem recém-recebida era fundamentalmente diferente da mensagem que há duas horas atrás os invisíveis irradiaram de bordo da BOB XXI. Havia, portanto, somente duas espécies de estranhos lá fora, no espaço intergaláctico: os invisíveis e seus adversários.

Ron estudava e ponderava cada vez mais a situação. Esforçou-se muito para ver se encontrava qualquer falha no seu raciocínio. Mas, pelo menos ele nada encontrava. Todas as peças do mosaico lógico se enquadravam perfeitamente. Devia ser assim como ele supunha — ou então, alguma coisa não fora tomada em consideração.

Assim parecia também mais compreensível porque os invisíveis faziam questão de aumentar a potência de transmissão e de recepção. Desejavam saber, de algum modo, algo a respeito da chegada iminente de seus inimigos. Aumentaram também a potência dos campos magnéticos de proteção, pois certamente duvidavam de sua eficácia num caso de ataque mais forte.

Talvez, por este mesmo motivo, não responderam às tentativas de aproximação feitas por Eric. Não tinham tempo para isto, deviam aproveitar todo segundo para se prepararem para o ataque.

Ron virou-se para trás e olhou para Meech, como a querer perguntar alguma coisa. Meech compreendeu-lhe o pensamento.

— Minha conclusão é, senhor... — começou o robô e contou, então, com exatidão todos os seus argumentos e conclusões, os quais vieram reforçar a suposição de Ron.

Eric Furchtbar ouvia de olhos arregalados. Para ele, as últimas horas foram excitantes demais, e já não tinha a mente tranqüila para pensar corretamente. O terror que vivera com o aparecimento da primeira nave estranha ainda pesava demais em todos os seus sentidos.

— O senhor acredita, de fato — perguntou irrequieto — que uma outra nave vem de encontro à estação?

Ron fez que sim com a cabeça. Queria responder alguma coisa, mas, numa visível falta de disciplina, Meech Hannigan atalhou sua conversa:

— Não há muita coisa mais para se acreditar ou não. Eles já estão aí.

A nave estranha saltou, literalmente, para dentro da tela.

Há meio segundo atrás, nada havia na tela; agora três quartos dela eram tomados pela estranha espaçonave que chegara sem o menor abalo estrutural.

A cabeça de Ron registrou esta nova espécie de transição. Devia agora estar se admirando sobre o magnífico tipo de propulsão da estranha nave, mas o horror sobre a forma externa dissipou a admiração.

 

Sem se conscientizar plenamente, Ron ouviu o longo suspiro de Eric a seu lado. Talvez até ele mesmo estivesse suspirando. Uma espaçonave assim não poderia existir. Seria impossível que alguém fosse tão louco para construir uma coisa dessa.

Dava a impressão de ter sido, um dia, de forma cúbica, sendo que depois a estrutura cedeu um pouco. O que ali se via era uma figura geométrica totalmente irregular, baseada numa conformação inicialmente octogonal.

A nave era estranha em todas as suas linhas. As laterais e as superfícies de cima eram tudo menos planas. Havia sacadas e pequenas torres, cúpulas e saliências, nichos e rebaixos em grande número. Das cúpulas sobressaíam varas compridas providas de abanadores fixos. Nos nichos e rebaixos brilhavam luzes multicores e das sacadas emergiam garfos pesadões de três ou quatro dentes e nas saliências abauladas reinava intensa movimentação. No entanto, nem mesmo Meech pôde esclarecer o que significava todo aquele movimento.

Em vista de tudo isto, Ron chegou a uma idéia que Meech jamais teria, por se tratar de um pensamento ilógico.

Ron pensava que objetos que se moviam na carcaça externa de uma espaçonave intergaláctica deviam ter um tamanho mínimo. E aquilo lá em cima não eram nem besouros nem homens.

Deviam ser objetos do tamanho de um jato de reconhecimento ou de um girino terrano. Ron acreditava que assim fosse, embora não tivesse nenhum ponto de apoio para tal suposição.

Mas, se tivesse razão, a nave estranha devia ter proporções gigantescas. Julgara, até então, que o colosso recém-surgido do nada estivesse apenas a dois ou três quilômetros da estação.

Entretanto não podia ser assim, pois afinal de contas, o gigante viera do hiperespaço e nenhum comandante, nem mesmo um extragaláctico, se atreveria a terminar uma transição a apenas alguns quilômetros de seu objetivo.

O monstro devia, pois, estar mais afastado. E, pensando assim, Ron calculava que a nave era gigantesca...

As faces do cubo deviam ter, pelo menos, dois quilômetros de comprimento — isto de acordo com um cálculo sumário. Mas Ron se assustou assim mesmo, o monstro estranho era maior que o mais possante supercouraçado do Império Solar.

O fato é que Ron não se sentia mais à vontade ali na estação. E passou segundos de terror, esperando que se abrissem os tampões dos canhões e feixes possantes de energia arrasadora cobrissem a estação.

Mas os segundos se passaram e o colosso grotesco continuou imóvel no espaço.

Ron começou a se perguntar o que os estranhos esperavam lá em cima.

E pareceu mesmo que eles estavam esperando por esta pergunta, pois no próximo instante, o osciloscópio que estava acoplado ao receptor na cabina de rádio, começou a emitir sinais.

Ron olhou de relance para a pequena tela verde e perguntou a Eric:

— Ainda é a mesma mensagem que antes?

Eric estava com os olhos arregalados fixos na tela.

— Sim, é a mesma pergunta de antes.

A voz de Ron soou até um pouco brusca, quando ordenou:

— Então, repita-lhes a mesma resposta.

Desta vez, Eric Furchtbar levou mais tempo. Estava visivelmente confuso e suas mãos nervosas dançavam indecisas sobre as filas de botões do quadro de comando. Apertou alguns deles, depois desfez a ligação, comprimindo a tecla de correção. Por fim, achou o que queria.

Surgiu, então, no osciloscópio o conjunto de vibrações da resposta.

Com os nervos à flor da pele, Ron não tirava os olhos do monstro pendente no espaço.

Deviam estar recebendo a resposta neste instante e já que fora emitida em seu próprio código, não levariam muito tempo para decifrá-la.

Que fariam agora?

Anos depois, Ron ainda se lembrava de como ficara perplexo e horrorizado ao constatar que a primeira reação veio da direção totalmente inesperada.

Enquanto estava de olhos presos na tela, abriu-se a escotilha atrás dele. Meech foi o único que notou, dando no mesmo instante um grito de alarma. Ron virou-se rápido, vendo pelo rabo do olho que Eric Furchtbar se lançara instintivamente para o lado.

Duvidava, aliás, de que isto o fosse ajudar. Pela escotilha escancarada, irrompeu uma avalancha de um vermelho afogueado, de intensa luminosidade, enchendo o grande recinto subitamente com um calor sufocante.

Era de pasmar como tudo isto se fazia no maior silêncio. A primeira coisa que Ron conseguiu ouvir foi o trincar e quebrar de algo. Os pedaços do vidro artificial caíram no chão com o ruído típico. Também as chapas das escalas dos instrumentos não resistiram ao tremendo calor.

Meech já estava com seu desintegrador engatilhado, e quase no mesmo instante irrompeu destruidor o feixe de raios azuis, num ímpeto violento contra o fogo vermelho. O efeito se fez ver logo. A avalancha vermelha recuou, formando uma concavidade no local atingido pelos raios de Meech. A direita e à esquerda, o rolo de fogo se levantou por uns instantes, mas logo depois desapareceu.

Entrementes, Ron também começara a atirar, O feixe de raios, substancialmente menor, de sua pequena pistola se dirigiu para o lado esquerdo do rolo de fogo. Nos primeiros instantes parecia não ter resultado nenhum, mas aos poucos notou que o ataque estava sendo rechaçado.

Eric também entrou na luta com seu desintegrador, atirando no lado oposto. Por pequena que fosse sua arma, foi o fiel da balança. O fogo vermelho teve que desaparecer, rolando de volta para os fundos do recinto, saindo pela escotilha a fora, que não podia mais fechar, pois não existia mais. Dissolvera-se com o fogo.

Ron estava de pé. Somente agora percebera o imenso calor em que estivera por tantos segundos. Sua pele estava ardendo e se movia com dificuldade, pois, onde o aço de sua armadura lhe tocou a roupa, queimou-se um trecho, formando logo uma bolha. Eric não sentia nada disto, pois não usava armadura. Levantou-se e correu para o quadro de ligações, sem que nada lhe doesse.

Agora, quem se sentia bem mesmo era Meech, a quem o calor não representava nada, se não fosse além dos mil graus Celsius.

Seu primeiro olhar foi para a tela luminosa. Sabendo que Ron não poderia se mover tão depressa, lhe disse em voz alta:

— A estranha nave ainda não se movimentou, senhor.

Depois que a armadura metálica perdeu um pouco do calor acumulado, Ron deu meia-volta e ficou olhando para a tela de óptica normal. Era talvez o último aparelho que ainda funcionava na central de comando. Sua chapa de material plastificado era especial, muito grossa e, além disso, estava um pouco distante da avalancha de fogo.

Meech Hannigan tinha razão. A estranha nave não saíra ainda do lugar. Foi então que Ron compreendeu que não haviam sido os estranhos lá da nave que os atacaram, mas sim os invisíveis a bordo da estação. O fogo vermelho era prova evidente disso.

A explicação era fácil. Os invisíveis haviam ocupado o posto de rádio, e notaram que a estação irradiara duas mensagens com o mesmo texto, quase uma após a outra. Talvez conhecessem o código de seus inimigos, o que era bem provável. Sabiam naturalmente que seus inimigos se consideravam como vivos de verdade e só poderiam ser amigos de quem tivesse vida verdadeira. Logo...

A situação não deixava de ter algo de cômico. Por isso foi que Ron Insistiu em responder duas vezes a pergunta, mas enquanto procurava se reconciliar com um lado dos estranhos, inimizava-se com o outro. Era mais do que evidente que os invisíveis odiavam tudo que tinha vida de verdade, como seus inimigos com quem travaram luta encarniçada no vazio do espaço, entre as ilhas de estrelas.

Os invisíveis viram tão bem o monstro espacial, como os três terranos lá na cabina de rádio.

Quando a pergunta foi repetida e novamente respondida afirmativamente, aí então fizeram o grande ataque da avalancha de fogo. Podiam se dar ao luxo de ter uma enorme espaçonave inimiga diante dos olhos e, ao mesmo tempo, três Inimigos na própria estação.

Que iriam agora fazer? O ataque aos três terranos fora rechaçado, parecendo que não conheciam nenhum tipo de arma, para fazer frente a um desintegrador terrano. Será que iriam fazer mais alguma tentativa? Quem sabe esperavam o momento em que os três terranos estivessem com a atenção voltada para outra coisa?

Ron colocou-se ainda mais atento.

Antes de mais nada, havia lá fora a nave-monstro, como ameaça principal, parecendo muito mais perigosa do que o fogo vermelho dos invisíveis.

Ron primeiro se certificou se sua armadura já tinha voltado à temperatura normal. Agora podia mexer-se à vontade. Mandou Meech para fora da escotilha, a fim de ficar de vigia no corredor.

Não podia haver outra surpresa desagradável.

Meech prontamente obedeceu, e Eric e Ron concentraram a atenção na tela luminosa. Depois de alguns minutos, aquele pesadelo de espaçonave começou a se mover. Era uma coisa de deixar o espectador de respiração presa, vendo como aquelas faces gigantescas, algumas enviesadas, com seus cantos e ângulos extrapolavam os limites da tela luminosa, até que toda a tela ficou ocupada por um único lado, onde havia centenas de rebaixos, nichos, cantos e pequenas torres.

— Estão vindo para cá — disse Eric.

Ron não se sentia bem com o que via, mas respondeu com voz firme:

— É isto que estamos esperando!

E era verdade, esperavam propriamente só por isto. Do contrário, toda a missão perderia o sentido.

Mas, mal acabara de falar, Ron reconheceu que havia uma possibilidade de que se esqueceram totalmente, isto é, a possibilidade de os invisíveis terem aprendido a manejar os poderosos canhões da BOB-XXI !...

E não restava a menor dúvida de que haviam aprendido.

Um feixe de raios azul-claro cintilou de repente pela tela luminosa. A grande extensão da aresta oblíqua do monstro intergaláctico foi atingida por uma forte onda de luz cintilante.

“São os campos de proteção magnética”, pensava Ron. “É claro que devem ter forte envoltório magnético.”

Fascinado e inconsciente de sua própria situação, Ron acompanhava a batalha. Os feixes de raios que se entrecortavam vinham pelo menos de duas torres de artilharia diferentes. Os invisíveis manobravam com perícia as bocas-de-fogo. Com a maior facilidade conseguiram projetar para o mesmo ponto na face lateral da nave cinco canhões, provocando um tremendo fogo esverdeado. O campo magnético de proteção da imensa nave ficou todo incandescente, emitindo ondas de um vermelho esmaecido. Deu a impressão de que o envoltório não estava preparado para uma carga tão concentrada.

Ron viu igualmente que os poderosos raios dos canhões térmicos não iam conseguir muita coisa contra a carcaça protegida da estranha nave, O campo magnético apenas cintilava um pouco ao ser atingido pelos raios térmicos.

A atenção de Ron estava tão presa no fascinante espetáculo que, somente quando a nave exótica começou a se defender, se apercebeu da difícil situação em que os três estavam. Não foi possível perceber exatamente o que se passou. Alguma coisa se intercalara entre a tela luminosa e a face oblíqua da nave estranha. Parecia algo semelhante a uma cortina rala de ar quente oscilando e cintilando.

Mas, de repente, um tremendo choque abalou toda a estação e Ron e Eric foram atirados ao mesmo tempo no chão, que estava agora inclinado a tal ponto que os dois rolaram para a escotilha aberta.

Isto foi, talvez, a sorte deles.

Ron compreendeu então que a situação lhes era muito perigosa. Os campos magnéticos da estação não eram tão fortes assim. Mesmo que os invisíveis os tivessem reforçado com a carga extra durante os minutos anteriores, quem poderia dizer quais as reservas de energia de que dispunha a nave recém-chegada?

O ímpeto do choque já havia passado. Ron se levantou e viu Meech na saída do corredor. O olhar do sargento parecia paralisado.

— Para as cabinas do transmissor fictício — gritou-lhe Ron. — Dar cobertura à nossa passagem.

Meech compreendeu logo. Ron ajudou Eric a se levantar e ao chegarem ao corredor, não se via mais nada de Meech.

— Venha — disse Ron a Eric. — Temos que sair daqui. Estes loucos lá embaixo nos canhões térmicos... não vão conseguir outra coisa a não ser obrigar a nave a destruir a estação.

Saíram cambaleando pelo corredor, exatamente quando um segundo disparo bateu no envoltório de proteção e estremeceu o chão. O arcabouço todo gingou no espaço. Os tiros da nave gigante eram muito potentes. E o campo magnético da estação não conseguiria absorver o impacto.

Estavam se aproximando do poço escuro do elevador antigravitacional. Ron simplesmente empurrou Eric para dentro e, antes de acompanhá-lo, olhou com cautela em volta. Ninguém por ali. E nada de fogo grego. Os invisíveis estavam todos ocupados em salvar sua existência.

Desceram suavemente pelo campo de gravitação. Num dado momento, Ron viu a cabeça de Meech olhando para dentro do poço. Devia ter visto os dois terranos, pois, ao chegarem ao convés da estação do transmissor fictício, o robô já havia desaparecido, para lhes dar cobertura de qualquer canto.

Chegaram à estação sem nenhum incidente. As cabinas do transmissor estavam iluminadas pela luz verde e, até então, tudo se achava em ordem.

Neste momento a estação espacial terrana recebeu o terceiro disparo, que desta vez não foi assim sem maiores conseqüências. Ron teve a impressão de que o recinto onde estavam girou em torno de seu eixo. Bateu de encontro às paredes com o capacete, com os ombros, braços e pernas, sendo depois jogado para trás, parando meio zonzo. Ao seu lado, alguém gemia. Era Eric que estava deitado junto à parede lateral, de olhos fechados.

Perdera os sentidos.

Ron o pegou debaixo dos braços, arrastando-o para a cabina mais próxima, tentando abrir a grade apenas com uma das mãos. Apertou a trava para baixo e puxou.

Mas a porta não cedia.

Meio atrapalhado, Ron olhou para o lado da grade e viu que as luzes verdes estavam apagadas. Não havia corrente nos cabos, portanto, o transmissor fictício não funcionava mais.

Por um momento, Ron sentiu que o pânico iria tomar conta dele. Foi então que notou que a segunda cabina estava aparentemente intacta, nela ainda estava acesa a luz verde. Com  grande esforço, puxou Eric para lá.

Desta vez a grade obedeceu e Ron arrastou para dentro o corpo comprido e pesado de Eric, ajeitando-o de tal maneira que pudesse fechar a grade.

Correu para o quadro de comando e comprimiu a alavanca para baixo e apertou o botão de partida. Uma névoa suave encheu a cabina. Eric Furchtbar desaparecera.

Ron ficou parado junto do quadro de ligações.

— Meech... — gritou ele. — Venha para cá!

Ouviram-se lá fora no corredor os passos pesados e antes que Meech aparecesse, veio sua resposta.

— Use logo o transmissor, senhor! O próximo tiro poderá nos...

E veio o próximo tiro!

Os estranhos da nave recém-chegada pareciam haver aperfeiçoado a maneira de prejudicar cada vez mais a estação. Em volta de Ron, se formou um verdadeiro inferno de raios ofuscantes, de um odor insuportável, de um sibilar furioso e de estampidos ensurdecedores. Foi atirado de um lado para o outro, sem ter onde se apoiar. Sentia que estava ficando cansado e sem forças, ao querer resistir aos solavancos e movimentos oscilatórios do local onde estava. Notou que os músculos não lhe obedeciam mais.

Depois que tudo parou, ainda permaneceu deitado, sem se mover. Nem reparou que foi erguido, ouvindo apenas ruídos secos de metal e a batida de uma porta que parecia ser de grossa tela de arame. Não atinava com o significado de tudo isto.

Ficou ali parado e imóvel, alguns segundos. Depois estremeceu de intensa dor. Então, se levantou e viu que uma grade se abria à sua frente e atrás estava a estação do transmissor fictício a bordo do couraçado Joann.

Meech! Onde ficara Meech?

 

Meech achava que suas possibilidades não eram assim tão pequenas que não dariam para ele ficar mais uns minutos a bordo da estação para ver o que ia acontecer. Por natureza, não sabia o que era medo. Quando, numa missão especial, era programado para sentir medo e demonstrá-lo externamente, também isto não lhe causava nenhum transtorno. Na realidade, porém, não sabia que sentimento era este que tinha de refletir em seus gestos e em seu rosto.

Deixou a estação do transportador fictício, cuidando apenas para que a porta não se fechasse.

Não podia perder de vista a única cabina intacta. Tinha que ir um pouco até o corredor, porque, ali na estação, os geradores do transporte produziam forte campo de dispersão que o incomodava. Queria também acompanhar os disparos dos postos de artilharia e fazer mais umas coisinhas, se fosse possível. Não acreditava que os invisíveis, sendo atacados, fossem permanecer parados, pois tinham à sua disposição uma estação radiotransmissora de alta potência em condições de funcionar, pelo menos até o momento.

Meech constatou que os postos de artilharia estavam em frenética atividade. Os campos de dispersão que emanavam dos diversos canhões chegavam até ele com tanta violência que lhe causavam quase dor de cabeça.

A estação recebeu o quarto e o quinto tiro certeiro. Meech se agarrou na ferragem da escotilha e somente graças à sua força não perdeu a posição em que se abrigara, pois a estação recebeu dois choques tremendos.

Preocupado, olhou para o último transmissor que ainda funcionava. As lâmpadas verdes estavam acesas, mas oscilando muito.

“Está na hora”, pensava ele. “Se não recomeçarem dentro em pouco...”

E recomeçaram mesmo.

Meech o percebeu com muita nitidez.

Não obstante o zunido esfuziante dos canhões energéticos, captou a irradiação silenciosa das ondas cheias de altos e baixos do telecomunicador. Com toda calma, foi recebendo e estudando o modelo de onda, a vibração básica e a modulação, até estar certo de que tudo que ouvia era simples repetição do que já fora irradiado. Armazenou tudo em sua memória.

Deixou depois seu posto de escuta e com um gesto firme abriu a porta do último transmissor fictício, jogou-se em cima do banquinho incômodo, que protestou gemendo contra o peso excessivo, e puxou a grade sobre si mesmo.

Neste momento, apagaram-se as luzes verdes sobre ele.

Levantou-se de novo com toda calma. Tinha apenas alguns segundos para agir e se, neste tempo, não conseguisse pôr em funcionamento o transportador, estaria tão perdido como os invisíveis.

Dentro de cada cabina de transporte, havia um quadro de ligações de emergência, de forma que o funcionamento não dependia exclusivamente do telecomando. Meech arrebentou a chapa que cobria o quadro. Um homem teria certamente quebrado ou a mão ou o braço. Para Meech foi coisa banal.

Com três ou quatro movimentos rápidos, descartou-se de sua armadura metálica e com dedos fortes rasgou a camada de ferro que servia de apoio para a armadura, abrindo mesmo sua própria pele. Apareceu então o brilho cintilante do metal plastificado. Pouco abaixo do local onde rasgou a pele, havia uma abertura onde podia meter a mão. Depois de procurar um pouco, encontrou dois cabos bem isolados e os ligou com dois pólos do quadro de fusíveis.

Imóvel, estava olhando para cima. Passaram-se dois segundos, três, quatro... até que uma das lâmpadas verdes acendeu, embora não muito forte e com brilho oscilante. De qualquer maneira, porém, estava acesa. Meech interrompeu o contato, não se preocupando depois em esconder as extremidades dos cabos no seu próprio corpo.

Comprimiu dois botões do quadro de ligações.., e constatou no mesmo instante que, por último, alguma coisa deu errado!

Este salto pelo transmissor fictício não o levaria jamais, em toda a eternidade, de volta para a Joann.

Percebeu isto automaticamente, enquanto as penumbras do semi-espaço o envolviam.

Será que pelo menos conseguiria escapar da destruição da BOB-XXI?

 

O incidente lá fora, além dos confins da Via Láctea, fez quase desaparecer as questões da política terrana, superando-as em muito, tanto na importância como no significado. Devido ao pesado bombardeio da nave singular, a estação espacial, a BOB-XXI, acabara explodindo, poucos minutos após Ron Landry ter chegado a bordo da Joann. O supercouraçado se pusera logo a caminho e chegara ao ponto onde se dera a catástrofe, não encontrando, porém, nenhum vestígio da estranha nave atacante. E como seu conjunto de propulsão era capaz de realizar grandes saltos de transição sem o menor ruído, não havia nenhum indício para onde teria ido.

Nike Quinto estava de mãos vazias, desesperado e furioso. Além do mais, perdera um elemento precioso do seu comando de ação juntamente com a estação espacial BOB-XXI.

Meech Hannigan não voltara de sua última missão. Nike Quinto enviou um relato sucinto à Terra e minutos mais tarde recebeu ordem de voltar para Terrânia o mais rápido possível, para prestar esclarecimentos diretamente ao administrador.

Da Terra chegaram entrementes instruções às demais estações intergalácticas de observação. O setor da Frota Terrana que Nike Quinto comandava nos confins da Via Láctea, a cinco mil anos-luz da BOB-XXI, recebeu grandes reforços e ficou de prontidão.

Perry Rhodan, o administrador, recebeu na mesma hora Nike Quinto e sua gente. A reunião durou quase seis horas e logo que terminou, Rhodan solicitou da administração geral da televisão terrana meia hora — das vinte até vinte e trinta — de cadeia com todas as televisões da Terra.

A exposição que Rhodan fez durante esta meia hora foi mais sensibilizante e mais concreta do que o discurso publicado há cem anos atrás por aquele especialista em Cosmobiologia. O administrador estabeleceu as diretrizes que norteariam a política externa do Império Solar para com os estranhos do espaço intergaláctico. Concluiu com estas palavras:

— Já contávamos com o fato de que a nossa Via Láctea não era a única a apresentar vida inteligente. Qualquer um que pensasse um pouco chegaria à conclusão de que, um dia mais ou um dia menos, teríamos um encontro com seres extragalácticos.

“Tivemos, neste momento, o primeiro encontro. Foi tão assustador e nos patenteou o modo de pensar tão esquisito destes seres inteligentes, que nos causou medo.

“Este medo inicial, porém, não nos impedirá de agir. Pudemos constatar que os estranhos têm uma mentalidade guerreira, se não quisermos dizer que todo seu caráter gira em torno de guerra e de conquista. Temos, pois, que nos armar. Pois, não obstante toda alegria que experimentamos em encontrar raças diferentes, queremos preservar a posição que conquistamos dentro de nossa Galáxia.

“Os próximos meses e anos nos exigirão sacrifícios, estejam certos disso. Haveremos de suportá-los, até mesmo o sacrifício de uma guerra. Somos terranos e, independente da posição que ocupamos, temos também um nome a preservar. Terranos, toda a Via Láctea nos contempla.”

 

No exame rotineiro dos aparelhos de bordo do supercouraçado Joann, constatou-se, dias depois, que um dos transmissores fictícios fora supersolicitado, sem contudo ter a energia suficiente para realizar o hipertransporte. Na hora desta tentativa de utilização do transporte por desintegração, não chegara nada, nem ninguém a bordo da Joann.

Nike Quinto ordenou imediatamente que se procedesse ao exame da estação do transmissor fictício. Os técnicos descobriram, relativamente rápido, quando se deu este incidente. O resultado foi sensacional: entre o momento em que Ron Landry regressou da BOB-XXI e o em que foi observada, de bordo da Joann, a terrível explosão da base espacial BOB-XXI.

O que isto queria dizer, todos sabiam. Meech Hannigan fizera a última tentativa para escapar da estação. A tentativa fracassou, naturalmente.

Isto encheu a todos de inquietação, pois ninguém podia saber onde se encontrava Meech, após o fracassado esforço na cabina do transmissor fictício.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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