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SEU REINO POR UM AMOR / Barbara Cartland
SEU REINO POR UM AMOR / Barbara Cartland

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SEU REINO POR UM AMOR

 

Zita percebeu, de repente, que não estava sozinha. Ouviu passos e avistou um vulto no meio das árvores. Ficou aborrecida com aquela intromissão. Será que não tinha sequer o direito de sofrer em paz? Por que um estranho vinha perturbar a beleza daquele lugar que ela só gostaria de compartilhar com uma única pessoa no mundo? Enquanto hesitava entre ir embora ou fingir que não o via, o homem se aproximou. E Zita pensou que estava sonhando. Mas era o rei! Impulsivamente, sem pensar no que fazia, obedeceu ao coração. Correu para ele, esquecida de que Maximiliano só a desejava como amante. Esquecida de que ele era o homem destinado à sua irmã!

 

1865

Sua Majestade, o rei Maximiliano, levantou-se do divã onde estava deitado e largou o copo.

-           Preciso ir embora.

- Mais non, mon brave!

O protesto veio dos lábios vermelhos da mulher que se olhava no espelho.

Ela estava admirando, não seu rosto bonito, e sim, o colar de enor­mes rubis e brilhantes que usava.

- Não pode ir embora tão depressa - insistiu. O sotaque encantador transformava sua voz um tanto vulgar em algo muito atraente.

Achando que seus protestos não eram suficientes, dirigiu-se para o rei, deixando que o néglige de gaze e de rendas se abrisse na frente.

- Acha que seu presente fica bem em mim, mon cher? - pergun­tou,

referindo-se ao colar e postando-se diante de Maximiliano.

Os olhos do rei não pousaram no colar, e sim, no corpo da mulher que tinha empolgado Paris.

"La Belle", pois era este o nome pelo qual era conhecida no teatro, sorriu maliciosamente e, com um leve movimento de ombros, fez com que o néglige caísse a seus pés.

A pele da actriz era muito branca; a cintura, fina. Os seios e os quadris tinham as curvas decretadas pela moda, mas só encontradas, com tal perfeição, em muito poucas mulheres.

Ficou parada, dramaticamente, vendo os olhos do rei percorrerem seu corpo.

Depois, com uma exclamação abafada, aproximou-se, passou os braços em volta do pescoço dele e beijou-o...

 

Bem mais tarde, o rei se aproximou do espelho para atar o nó da gravata.

Agora era La Belle quem estava deitada no sofá, numa atitude de exaustão satisfeita, o colar de rubis ainda brilhando no pescoço.

- Você me atrasou - disse o rei. - Mas o primeiro-ministro certamente vai aceitar minha explicação, isto é, que estive tratando de negócios importantes.

- O que pode ser mais importante do que eu? - perguntou La Belle.

- O primeiro-ministro teria muitas respostas para essa pergunta - disse ele, sorrindo.

Feito o nó da gravata, olhou para seu reflexo no espelho, com ar zombeteiro, quase como se apreciasse as rugas cínicas que lhe mar­cavam o rosto.

Observando-o, La Belle achou que, mesmo que não fosse um rei, era o amante mais ardente e mais satisfatório que jamais tivera. E a actriz era muito experiente nisso!

Seduzida aos doze anos, tinha atingido o estrelato graças à sua su­cessão de amantes, até aparecer no Théâtre Imperial de Châtelet, onde Maximiliano a conhecera.

Seus amantes haviam sido duques, marqueses e até um obscuro príncipe italiano; mas um rei tinha um encanto que ela achava irresis­tível.

O facto de Maximiliano ser muito rico e estar disposto a lhe dar uma vida confortável bastou para convencê-la a deixar Paris e ir para Valdastien, o país onde ele reinava.

 

No palácio havia um teatro particular, onde ela podia dançar para um público distinto, sempre que o desejasse. Mas achava mais excitante dançar só para o rei, na mansão onde ele a instalou e que tinha sido construída um século antes, no jardim do palácio.

Foi o avô do rei quem primeiro instalou ali uma amante, depois que ficou velho demais para viajar para a capital e lá gozar os prazeres que somente uma mulher bonita podia dar.

Para facilitar ainda mais as coisas, a mansão comunicava com o palácio por meio de uma passagem subterrânea. Essa passagem tinha uma porta secreta dando para o escritório do rei e somente ele pos­suía a chave.

- Quando vai voltar? - perguntou La Belle.

Esperou ansiosamente pela resposta, sem ter certeza do que ele diria.

Enquanto esperava, sabia que seria tolice tentar forçar o rei a mar­car uma hora, ou mesmo o dia em que poderia vê-la novamente.

Omnipotente, só fazendo o que bem entendia, Maximiliano prezava sua liberdade acima de tudo. A actriz sabia que, se fosse sensata, nada teria perguntado, apenas esperando até ele se dignar a voltar.

Em todos os casos amorosos anteriores, tinha dominado os ho­mens que a desejavam, deixando-os de joelhos, podendo levá-los ao êxtase ou

desprezá-los a ponto de fazer com que ficassem desesperados.

Mas o rei era diferente.

Embora soubesse que o excitava, sendo muito bem recompensada pelo prazer que lhe dava, a actriz nunca sabia com certeza se no dia seguinte não se veria num trem, viajando de volta para Paris, sem nenhuma explicação da parte do rei por ter sido “despedida”.

Quando Maximiliano se virou, ela se levantou do divã, fechando de novo o néglige. Com a sabedoria de sua profissão, sabia que só as mulheres tolas se viam abandonadas quando um homem se cansava delas.

Ficou observando-o, enquanto ele vestia o paletó justo, que revelava os ombros largos e seu porte atlético.

Disse, suavemente:

- Você é muito bonito. Vou ficar contando as horas, até eu poder lhe dizer novamente como anseio por sua presença.

Falou em tom dramático, mas o rei sorriu com ironia, reconhecendo as frases da peça que ela representava, pouco falando e obtendo su­cesso apenas como dançarina.

Foram justamente suas qualidades de dançarina, assim como seu corpo escultural, que atraíram o rei, em primeiro lugar. Quando ele se achava com La Belle, pensava que, assim como acontecia com a maioria das mulheres, quando menos ela falava, mais interessante parecia.

Olhou-a mais uma vez e dirigiu-se para a porta, dizendo:

- Talvez eu organize um espectáculo no teatro, no próximo sábado. Vou pensar nisto e, se for possível, mandarei avisá-la, para que possa preparar uma dança que eu ainda não conheça.

Antes que ela respondesse, saiu e fechou a porta. Desceu calma­mente a escada, dirigindo-se para a porta da passagem secreta, que ficava na parte traseira do hall.

Quando se viu só, La Belle atirou-se no sofá e ficou tamborilando com os dedos na parte curva da madeira.

Sabia perfeitamente por que motivo o rei sugerira uma nova dança, que ainda não tivesse visto. Era porque ela teria que ensaiar e plane­ar um traje novo, ficando ocupada enquanto Maximiliano não pre­cisasse dela.

Sentia-se furiosa por ver que ele dispunha de seu tempo, ao passo que ela mesma não tinha o poder de prendê-lo.

Sabia, pois não faltou quem lhe dissesse isso, que não era a pri­meira mulher que tentava amarrá-lo e fracassava.

Havia uma longa lista de amantes bonitas que tinham vindo para Valdastien e ido embora, se não em lágrimas, pelo menos humilhadas, percebendo que não eram tão irresistíveis como pensavam.

Antes de La Belle sair de Paris, uma de suas amigas avisou:

- Vai ver que o rei é generoso, gentil e deliciosamente apaixona­do. Mas é também esquivo, indiferente ao sofrimento feminino e, inva­riavelmente, inacessível.

La Belle não acreditou. Tinha certeza de que, mesmo que todas as mulheres do mundo não conseguissem conquistar o coração de Maxi­miliano, ela conseguiria.

Agora sabia que, embora a cumulasse de jóias, embora despertasse o desejo dela, como a actriz despertava o dele, o rei continuava sendo dono absoluto de si mesmo.

Tinha a desagradável sensação de que, se morresse no dia seguinte. o rei mandaria flores para o enterro e não pensaria mais nela.

Foi até à janela, blasfemando baixinho na gíria da sarjeta. Olhou para fora, mas não viu as montanhas altas com os picos co­bertos de pinheiros, nem o vale verde onde um rio prateado serpeava por entre campos floridos.Em vez disso, imaginou os bulevares cheios de gente, os lampiões de gás nos cafés, o público entrando no teatro, pronto para aplaudi-la ruidosamente, quando terminasse sua dança.

"Sou uma tola! Não sei por que não o abandono e volto para lá."

Com receio da resposta, afastou-se da janela com ar petulante e postou-se diante do espelho, para admirar o colar de rubis.

Temia, como tantas outras antes dela, se apaixonar por um homem para o qual só significava um belo corpo e uma dançarina sensacional.

 

O rei andou pela passagem secreta, que tinha um tapete grosso e era decorada com lambris feitos com nogueira das florestas de Valdas­tien. Com uma chave de ouro, abriu a porta que dava para o seu escri­tório.

Ao fechá-la, não pensava na actriz, como La Belle teria gostado, e sim, no primeiro-ministro, que devia estar esperando por ele com im­paciência.

Maximiliano estava mais de uma hora atrasado para a entrevista. Mas não pretendia se desculpar, pela simples razão de acreditar que reinava pela graça de Deus e que, portanto, seus súbditos, inclusive o primeiro-ministro, deviam aceitá-lo como era.

Passou para o enorme hall barroco, um dos mais belos do país e famoso em toda a Europa.

O palácio tinha sido reformado e aumentado no correr dos séculos, pouco restando da construção original, que datava do século XVI.

Cada monarca tinha feito o possível para torná-lo mais impressio­nante. Governantes de Outros países, quando vinham a Valdastien pela primeira vez, ficavam cheios de inveja da beleza do palácio e da riqueza das peças que ali havia.

Maximiliano subiu uma escada magnífica, decorada com ouro e marfim, indo até a antecâmara onde o primeiro-ministro devia estar à sua espera.

Era ali que, por tradição, o rei recebia seus ministros.

Como que para fazer com que compreendessem que eles eram ape­nas uma pequena parte da história, as paredes estavam cobertas por tapeçarias representando as vitórias dos antigos governantes e o teto pintado era obra de um artesão local que se inspirara nos mestres italianos.

Quando o rei entrou na antecâmara, esperando ali encontrar, não apenas o primeiro-ministro, mas pelo menos meia dúzia de membros do gabinete, ficou admirado por ver apenas dois homens, perto da janela. Teve a impressão, embora não pudesse ouvir o que diziam, de que conversavam seriamente e até pareciam um pouco apreensivos.

Estavam tão entretidos, que, por um momento, não perceberam a presença do rei.

Maximiliano tinha uma aguda percepção das pessoas e soube que o pedido urgente do primeiro-ministro para vê-lo não era uma visita de cortesia, e sim, para tratar de algum assunto muito grave.

Dirigiu-se para os dois homens, que imediatamente ficaram atentos.

- Boa tarde - disse ao primeiro-ministro.

- Boa tarde, Majestade. É muita gentileza sua nos receber, a mim e ao chanceler, com tão curto aviso.

O rei inclinou a cabeça para o chanceler, o conde Holé, de quem não gostava muito.

O primeiro-ministro Continuou:

- Temos um assunto a discutir com Vossa Majestade e espera­mos que tenha a bondade de nos ouvir, sem ficar contrariado.

Maximiliano ergueu as sobrancelhas.

- Acho que esta sala é muito grande para uma conversa íntima. Sugiro que passemos para a sala vizinha, onde certamente ficaremos mais bem acomodados.

Muito à vontade, sentou-se numa cadeira de espaldar alto, onde se via o brasão real bordado em seda e ouro. Com um gesto, indicou que os dois homens deviam sentar-se.

Eles escolheram duas cadeiras perto do rei, obviamente para não precisarem falar alto.

Maximiliano olhou de um para o outro.

- Então, senhores? Estou curioso para saber qual o importante problema que me trouxeram e que, por um motivo com o qual ainda não atinei, não exige a presença de todo o gabinete.

O primeiro-ministro respirou fundo.

- O chanceler e eu estamos ansiosos, Majestade, para lhe falar sobre esse problema, antes que seja apresentado ao gabinete e, mais tarde, ao parlamento. - Fez uma pausa, olhou para o chanceler como pedindo confirmação, e continuou: - Devo ser franco, Majes­tade, e dizer imediatamente qual o motivo que nos trouxe aqui?

- Certamente, prefiro que me digam logo qual o motivo. Como bem sabem, não gosto de dissertações longas, que geralmente são desnecessárias.

- MMuito bem, Majestade. A opinião de muitos de meus colegas, partilhada por toda a nação, é que a linha sucessória precisa ser garan­tida. Seria um erro encorajar certas nações vizinhas a pensarem que, caso alguma coisa acontecesse a Vossa Majestade, elas poderiam ter alguma interferência nos negócios de Valdastien.

Quando o ministro começou a falar, o rei se contraiu. Agora, com voz inexpressiva, mas com olhar duro, disse:

- O que está insinuando, primeiro-ministro, é que devo casar.

 Como Vossa Majestade me pediu para ser franco, a resposta é... sim.

- Sou relativamente moço.

- Claro, Majestade. Ao mesmo tempo, não tem irmãos e, se não tiver um filho, a linha sucessória terminará.

O rei ficou em silêncio, sabendo que era verdade. Como se temes­se ter despertado sua cólera, o ministro continuou: e...

- O povo do sul do país ficou muito abalado com a tentativa de morte contra o rei Gustavo, há três semanas. Como Vossa Majestade não ignora, Sua Majestade escapou por um triz. E nada nos diz que não haja outra tentativa de assassinato.

 - O que os senhores estão dizendo é que há anarquistas por toda a parte. Na última vez que estive em Paris, comentava-se que houve um atentado contra a rainha Vitória, na Inglaterra.

- É verdade, Majestade. E, aqui em Valdastien. o povo tem medo, não apenas de que um anarquista o ataque, como também porque sabem que Vossa Majestade está sempre correndo perigo.

O rei percebeu que o primeiro-ministro se referia a seus passatem­pos predilectos. Gostava de alpinismo e orgulhava-se de, aos trinta e cinco anos, poder escalar montanhas com a força e a agilidade de quinze anos antes.

Gostava também de domar cavalos selvagens, dos quais havia mui­tos em Valdastien. Eram capturados em distritos isolados e montanhosos. Quando os melhores eram trazidos para as cocheiras do palá­cio, o rei fazia questão de montar aqueles que seus cavalariços mais temiam.

Essas duas actividades aborreciam o primeiro-ministro.

Mas, com um sorriso sarcástico, Maximiliano pensou que havia outro assunto que o preocupava; não o abordava, embora estivesse presente em seu pensamento.

Em sua última viagem a Paris, o rei foi desafiado para um duelo por um francês encolerizado que jurava que ele lhe havia seduzido a esposa.

 O facto de não ter sido necessário nenhum esforço por parte de Maximiliano e de o caso estar longe de ser sedução, não o impediu de aceitar o desafio.

Embora o aristocrata francês fosse um famoso duelista, que já tinha matado dois adversários, foi ferido por uma bala do rei, mas não antes de acertá-lo de raspão no braço.

Todo o país ficou assombrado com o que aconteceu com seu rei e houve inúmeras especulações a respeito.

Maximiliano sabia que, para o primeiro-ministro e o resto do gabinete, era esse também um motivo urgente para tentar

convencê-lo a ter um herdeiro.

O chanceler disse:

- Creio ser desnecessário explicar a Vossa Majestade o quanto o povo se sente feliz sob seu reinado, esperando que haja muitos anos de alegria e de prosperidade. - Ao mesmo tempo.

Seu olhar encontrou o do rei e ele se calou. Parecia ter medo de dizer mais alguma coisa e de receber uma resposta áspera.

Maximiliano apertou os lábios. Ia dizer ao primeiro-ministro, ao chanceler e a todos que podiam ir para o inferno, antes de vê-lo casado, quando ele se lembrou de que havia uma ameaça muito maior para Valdastien.

No ano anterior, em Paris, o imperador lhe havia dito francamente que temia as ambições da Prússia e que tinha certeza de que Bismarck estava decidido a unir todos os Estados germânicos menores em uma Alemanha imperial que os engoliria a todos. um por um.

Maximiliano, que não tinha em grande conta a inteligência de Napoleão MI, não lhe dera ouvidos.

Agora, os avisos - uns dados por franceses, outros vindos em car­tas de monarcas que reinavam em países pequenos como o dele - pareciam aumentar cada vez mais.

Podia visualizar a Alemanha invadindo o mapa da Europa, engo­lindo um a um os principados até formar uma federação capaz de enfrentar a Inglaterra e a França em pé de igualdade.

Com surpresa, o primeiro-ministro ouviu o rei dizer, em tom muito diferente do esperado:

- Vou levar sua proposta em consideração. Compreendo que o que sugere é sensato. Embora não deseje casar, acho justo o desejo de meu povo de eu lhe dar um herdeiro.

O primeiro-ministro respirou, aliviado.

 - Só posso agradecer a Vossa Majestade por se mostrar tão compreensivo.

- Vou pensar nisso. Acho que o melhor seria eu visitar primeiro os países vizinhos, com os quais pudéssemos fazer uma aliança firme.

O primeiro-ministro, que era um homem astuto, compreendeu exactamente o que o rei queria dizer. Também ele tinha medo da Alema­nha e da ambição de Bismarck, que, como toda a Europa sabia, ma­nipulava o fraco rei Guilherme, que estava mais interessado em sua saúde do que na grandeza da pátria.

O rei levantou-se.

- Obrigado, senhores, por sua visita. Eu lhes participarei meus planos, assim que tiver tempo de fazê-los.

Satisfeitos com o resultado da entrevista, o primeiro-ministro e o chanceler se retiraram.

Depois que ficou sozinho, o rei sentou-se numa poltrona e ficou olhando, sem vê-lo, o belo quadro de Fragonard na parede oposta. Não viu a figura graciosa no jardim romântico, nem os cupidos acima dela, no céu.

Pensou apenas na incrível caceteação de ter que tolerar a compa­nhia de uma rainha cuja única qualidade, no que lhe dizia respeito, seria seu sangue real.

Pensou nas cortes pretensiosas e aborrecidas que tinha visitado em suas viagens pela Europa; nos monarcas que conhecera. Eram todos iguais, muito cônscios de sua importância, tendo pavor de serem de­postos, não falando de outra coisa a não ser de assuntos familiares e de mexericos a respeito de outras cortes.

Lembrou-se da comida sem graça, invariavelmente servida nesses lugares que detestava, das camas pouco confortáveis, das intermináveis cerimónias oficiais e compreendeu que uma rainha traria para o palácio de Valdastien todas essas coisas que o irritavam e que sempre procurava evitar.

Sendo solteiro, tinha conseguido reduzir essas cerimónias ao mínimo, podendo divertir-se livremente, quase como se fosse um cavalheiro inglês, em sua propriedade rural.

Ia caçar quando bem entendia, só recebia as pessoas de quem gostava, deixando todas as cerimónias solenes, a não ser uma ou duas por ano, a cargo do primeiro-ministro e de outros membros do governo.

Pensando bem, achou que o povo de Valdastien via seu monarca menos do que o de qualquer país. Por isso, disse a si mesmo, com ironia, esse povo estava muito mais satisfeito do que qualquer outro.

Uma rainha mudaria tudo! Ia querer comparecer a inúmeras sole­nidades públicas, visitar hospitais, receber buques de flores e, sempre que

possível, andar de carruagem para receber os aplausos da mul­tidão.

Ia também querer interferir na direcção dos serviços domésticos do palácio, que o rei considerava perfeitos, porque tinha o dom da orga­nização.

Em vez de jantar com seus amigos íntimos, ou de gozar uma noite solitária, lendo ou indo visitar La Belle, ou a mulher que estivesse

instalada na mansão na ocasião, teria que ficar conversando com al­guma Frau feiosa e maçante.

As damas de honra seriam, sem dúvida, ainda mais feias e mais aborrecidas do que a rainha.

Que vida terrível!

Mas sabia que não havia alternativa.

O primeiro-ministro não falaria com ele daquele modo, a não ser que tivesse sido pressionado pelos outros membros do governo e tam­bém pelos cidadãos importantes, que queriam evitar a ameaça ger­mânica.

Pior ainda era a perspectiva de terem que encontrar um governante estrangeiro para vir ocupar o lugar do rei, caso ele morresse sem dei­xar um herdeiro.

Maximiliano sabia que os gregos tinham procurado desesperadamente por um monarca, tendo recentemente eleito para o trono o segundo filho do rei da Dinamarca, que se tornou George I.

Mas sabia também que, se alguma coisa lhe acontecesse, Valdas­tien era um país pequeno demais para sobreviver. Um tanto desgos­toso, pensou que era justo que fizesse um sacrifício por seu povo.

Há oito anos que reinava e apreciara cada momento. Tinha sido pouco convencional, mas ninguém se queixou; era também totalmente egoísta, quando se tratava de seus interesses particulares, e o povo o admirava por isso.

Agora, precisava pagar o preço da liberdade que gozava, mas

con­siderava-o muito alto.

- Só Deus sabe onde poderei encontrar uma esposa que eu ache pelo menos suportável! - murmurou.

Como se o diabo zombasse dele, viu passar diante de seus olhos uma procissão de princesas, altas, baixas, gordas, magras, loiras, mo­renas, ruivas. Todas lhe pareciam muito pouco atraentes, e a idéia de tocá-las

fez com que estremecesse.

Mas uma seria a mãe de seus filhos e usaria a coroa de Valdastien.

- Não suportarei isso!

Depois, como se o diabo mudasse o cenário e erguesse o pano para um outro acto, o rei viu as mulheres que tinha escolhido por seus encantos e que o prenderam durante algum tempo.

Todas tinham suas qualidades.

Assim como os quadros que comprara para o palácio, assim como as jóias que dera a tais mulheres, cada uma delas tinha sido perfeita.

Mais do que qualquer outra coisa, ele detestava a feiúra. Sabia que tinha herdado do pai o amor à beleza, como também da mãe, que, com seu sangue húngaro, tinha sido uma das mulheres mais bonitas que jamais conhecera.

Era uma magnífica amazona; tinha morrido muito moça, porque, assim como ele, gostava dos cavalos selvagens, em vez dos que pode­ria montar sem perigo.

Se foi bonita em vida, também continuou sendo bonita depois de morta, O rei sabia que sua beleza o inspirava, e era o que procurava em todas as mulheres, sem jamais a encontrar.

Consternado com o futuro que o esperava, teve a impressão de que, de repente, um abismo se abria à sua frente.

Não estava mais seguro, devia seguir um caminho estranho e trai­çoeiro, com a convicção de que sua paz e sua felicidade seriam des­truídas, para sempre.

Começou a andar de um lado para outro, inquieto.

Como se não pudesse mais suportar os próprios pensamentos, des­ceu a escada e foi para o escritório.

Procurou a chave que tinha guardado no bolso do colete. Sabia, embora isso fosse apenas um paliativo como o vinho, que só La Belle poderia fazer com que se esquecesse de tudo, por um momento.

 

A porta da sala de estudos se abriu, mas a princesa Zita, que lia junto da janela, não virou a cabeça.

Estava, na realidade, no mundo da fantasia, onde ficava, sempre que lia um livro, e onde se refugiava, à noite, ou mesmo durante o dia, quando não se interessava pelo que se passava à sua volta.

Só quando percebeu que havia alguém a seu lado, foi que olhou para a recém- chegada, sua irmã mais velha, Sophie.

- Imagine o que aconteceu! - exclamou Sophie.

A contragosto, porque estava muito mais interessada na leitura, Zita perguntou:

- O que foi?

Não esperava nada de excitante, mas sabia que devia ser alguma coisa inesperada; do contrário, Sophie não teria vindo interrompê-la.

A irmã sentou-se no banco da janela, diante dela.

- Mal posso acreditar, mas mamãe diz que deve ser por isso que ele vem aqui.

- De quem está falando? Quem é que vem aqui?

- O rei Maximiliano de Valdastien avisou o papai que está fa­zendo uma tournée pelos países vizinhos e que deseja passar uns dias aqui.

Sophie falou no tom preciso, inexpressivo que lhe era peculiar, mas seus olhos estavam animados, e encarou a irmã, com apreensão.

Zita ficou sem fala, por um momento.

- O rei Maximiliano? Tem certeza?

- Absoluta. E mamãe acha que ele vem pedir minha mão em casamento.

- Não pode ser verdade! Sempre ouvimos dizer que o rei é um solteirão inveterado, que não pretende casar, embora haja muitas mu­lheres dispostas a partilhar o trono com ele.

Zita parecia estar falando para si mesma. Como a irmã não res­pondesse, continuou:

- Creio que sei por que motivo ele mudou de idéia. Uma noite destas, papai estava falando com o barão Meyer sobre a determinação de Bismarck de expandir as fronteiras da Alemanha. - Fez uma pausa e acrescentou, em tom positivo: - Sim! é por isso que o rei quer não apenas ter certeza de que nosso país será seu aliado contra a Alemanha, como também ter um herdeiro.

Zita não esperava que a irmã respondesse, pois sabia que Sophie não se interessava por política, nunca procurando ouvir a conversa quando o pai recebia algum membro do governo, nem, tampouco, lendo os jornais.

Zita gostava tanto de jornais quanto de livros. Muitas vezes achava que seu cérebro estava dividido em dois compartimentos: um se inte­ressava por política e pelos problemas de todos os países da Europa; o outro estava repleto de fantasias que tornavam o mundo belo como um conto de fadas.

Nesse último, não havia problemas, a não ser os que aconteciam com ninfas e sátiros, com gnomos e duendes, assim como com as sereias que atraíam marinheiros e navios com seu canto, levando-os à destruição.

Era esse o assunto da história que estava lendo. Por um momento, teve dificuldade em abandonar as sereias, com seus cabelos longos flutuando nas ondas, para concentrar-se em Maximiliano e na sua procura de uma esposa.

Então achou que a diferença não era muito grande, afinal de contas.

A mãe de Zita, a grã-duquesa, ficaria horrorizada, se soubesse que a filha tinha conhecimento da reputação do rei, isto é, a de dar sua protecção às mais lindas mulheres do teatro.

O professor de música, que ensinava piano a Zita, tinha sido con­certista, em Paris. Assim sendo, conhecia o mundo do teatro, que fascinava a princesa, já que ela vivia na quietude de Aldross, o país de seu pai.

- Conte-me mais alguma coisa, monsieur, conte tudo! - pedia Zita, quando a lição terminava. E o professor tinha prazer em falar para ouvidos tão atentos.

Contava sobre as grandes personalidades do teatro. Como ia sem­pre a Paris, onde tinha dois filhos casados, Zita sabia quais eram as últimas peças em cartaz.

Ele descrevia as prima- donas que atraíam multidões à ópera, as estrelas dos cafés- concertos, as mulheres que enfeitiçavam os homens, que gastavam fortunas com elas em vestidos, jóias, carruagens, cavalos e tudo o que desejassem.

Sabendo o quanto a moça se interessava, ele lhe trazia jornais fran­ceses, que não apenas descreviam o que acontecia no palco, como os escândalos sobre as pessoas da alta sociedade.

O nome de Maximiliano aparecia frequentemente nesses jornais. Zita se interessava por ele, porque o rei era muito bonito, a julgar pe­los retractos e desenhos, e exactamente o que Zita esperava que um monarca fosse. Com um ar dominador e autoritário, parecia muito diferente dos homens comuns, assim como dos parentes de sangue real da princesa.

Encorajado pelo interesse da aluna e levado por sua própria verbo­sidade, o professor às vezes era indiscreto. A mocinha ficou sabendo dos casos do rei. Assim que La Belle foi instalada em Valdastien, ela teve conhecimento do fato.

- Diga-me como é essa actriz - pediu ao professor.

- Linda, com o corpo de uma deusa! Quando anda pelo palco, usando um traje diáfano que revela a perfeição de suas formas, o público fica em silêncio. Não há maior homenagem para uma actriz do que o silêncio de um público fascinado por sua beleza e pelo papel que interpreta.

Zita também ficava fascinada, mas não podia compreender que uma artista como La Belle pudesse trocar os aplausos mesmo por um rei!

- Será que ela não sente solidão, levando uma vida tão calma naquele país, que ouvi dizer que é parecido com o nosso?

O professor sorriu.

- Ela tem o rei para aplaudi-la.

- Quer dizer que dança para ele?

A pergunta fez com que o professor percebesse que tinha falado demais com uma criatura jovem demais, que não deveria saber que mulheres como La Belle existiam.

- A aula acabou, princesa. Amanhã vamos tratar das composições de Liszt, em vez de perdermos tempo com conversa fiada.

Num tom muito sedutor, Zita disse:

- Mas, professor, deve compreender que, quando conversamos, o senhor abre para mim novos horizontes. E a música, quando vem do coração tanto quanto da mente, não pode ser abafada.

Sabia que esse era o tipo de comentário que ele apreciava e com­preendia.

- Vossa Alteza Real é muito inteligente. Por outro lado, eu não devia falar nessas mulheres.

 - Se essas mulheres dançam tão bem, como o senhor disse, então elas dão beleza ao mundo, e é isso que todos nós buscamos.

 - É verdade, bem verdade. Mas devo falar-lhe, Alteza, de Ra­quel, que foi uma actriz brilhante e uma das maiores prima- donas de óperas, e que ainda não estudamos completamente.

- Sim, é claro. Se o senhor puder arranjar um retracto dela, numa das suas revistas, eu ficaria muito satisfeita.

Sabia perfeitamente que não estava interessada nas qualidades ar­tísticas de La Belle, e sim, em seu relacionamento com o rei Maxi­miliano.

“Por que será que ele a acha tão atraente?”, pensou.

Resolveu continuar insistindo com o professor para que lhe arran­jasse um retracto de La Belle. Queria satisfazer sua curiosidade quan­to aos encantos da actriz que tinham feito com que o rei a tirasse de Paris e a conservasse em Valdastien.

Agora, inesperadamente, ficava sabendo que o rei vinha a Aldross para casar com Sophie.

Ao compreender o significado disso, Zita soltou uma exclamação de alegria.

- Sophie, você é a criatura mais feliz do mundo! Já pensou como é excitante? Papai disse que não há no mundo nenhum monarca que se compare a ele em beleza e em qualidades atléticas. Ele galgou o Matterhorn, em certa ocasião. E você vai ter, em Valdastien, os cavalos mais soberbos e mais fogosos.

Ao dizer isso, lembrou-se de que a irmã não gostava de cavalos que não fossem muito mansos.

Zita é que tinha herdado as qualidades de amazona da avó, que havia sido aclamada por sua habilidade, assim como por sua beleza, em seu país, a Hungria.

- Não me interessam os cavalos, e sim, o povo de Valdastien - respondeu Sophie. - Vou querer que todos me respeitem e me admi­rem. Sei que darei uma boa rainha, Zita.

- Tenho certeza disto, querida. Mas, muito mais importante do que ser rainha, é ser a esposa do rei Maximiliano.

Sophie ficou em silêncio por um momento, antes de dizer:

- Não creio que mamãe aprove realmente o rei, mas é claro que deseja que eu tenha uma posição importante. Não fosse por isso, pen­so que ela estaria considerando meu casamento com o margrave de Baden-Baden.

Zita fez uma careta.

- Oh, não! Ele é tão maçante! Nunca diz uma coisa da qual a gente se lembre depois.

- Acho - O um bom homem.

Zita olhou para a irmã, pensativa.

Pelo que tinha ouvido falar, seria impossível descrever o rei como “um bom homem”.

Não era apenas o professor de música que falava dele, como tam­bém madame Goutier, que vinha ao palácio dar aula de francês para as duas princesas.

Era parisiense, mas casara com um cidadão de Aldross. Depois em viúva, continuou vivendo ali, mas nunca perdeu contato com seu país de origem. Ia regularmente a Paris, onde tinha numerosos parentes que a punham a par das últimas novidades e mexericos.

Sophie achava difícil aprender francês. Por isso, não ficava para conversar, depois da aula, escapando assim que terminava. Zita ficava sozinha com a francesa.

- Conte as últimas novidades de Paris, madame.

Levando uma vida solitária, madame Goutier tinha muito prazer em responder.

Falava sobre o imperador e a imperatriz, sobre os vestidos que Frederick Worth fazia, não apenas para as aristocratas, como para as mulheres do demi-monde, que tinham jóias e trajes mais bonitos do que os das senhoras recebidas no Palácio das Tulherias.

Por intermédio da professora, Zita ficou conhecendo um mundo que, supostamente, ela não devia conhecer e que certamente não era comentado por princesas reais.

Ficou sabendo das loucas extravagâncias de mulheres que atraíam os homens com sua beleza, levando-os a perder fortunas só pelo prazer de estar com elas. A moça era inteligente e não tinha dificuldade em preencher os vazios que a professora deixava em suas narrativas.

Como o imperador não fazia segredos de seus casos amorosos, a filha de madame Goutier escrevia à mãe sobre as aventuras dele. Tam­bém o príncipe Napoleão exibia suas amantes. Zita soube que o barão Haussmann, que havia reconstruído Paris, tinha sido visto passeando, sem a menor cerimónia, com a actriz Francine Cellier.

Soube também que o rei holandês estava apaixonado por madame Mustard, tendo gastado com ela uma quantia astronómica.

Conversando sem pensar, assim como o professor de música, ma­dame Goutier não fazia a mínima idéia de quanto a aluna guardava de cor, sobre tudo que lhe contava.

“Ah, se eu pudesse conhecer Paris!

Zita achava que teria que se contentar em sonhar com isso. Agora, de repente, como um meteoro que caísse do céu, o homem mais bonito, mais audaz e certamente o mais falado em Paris, o rei Maximi­liano, seria hóspede do castelo de Aldross!

- Não posso acreditar que seja verdade! - disse novamente. - Se casar com ele, Sophie, vai ser excitante, não apenas para você, como para mim. Prometa que me convidará para ir passar uns tempos em Valdastien, se não quiser que eu fique desolada.

Zita falou em tom de súplica, tão grande a intensidade de seus sen­timentos. Mas Sophie respondeu devagar, com o tom inexpressivo de sempre:

- Não, Zita! Não vou convidá-la para ficar uns tempos comigo em Valdastien, nem quero que fique muito perto de mim. Você é bo­nita demais!

 

- Como pode ser tão injusta, mamãe? - perguntou Zita, indignada.

A grã-duquesa ficou em silêncio, como que pesando as palavras.

- Esta é a oportunidade de Sophie fazer um bom casamento e não quero que você interfira ou estrague tudo para ela.

- Como eu poderia fazer isso?

A grã-duquesa não respondeu à pergunta. Disse, apenas:

- Não vou discutir o assunto. Você ficará no andar de cima e não tomará parte em nenhum dos festejos preparados para o rei Ma­ximiliano. Se me desobedecer, será mandada para a casa de um de nossos parentes.

Zita ficou quieta. Se achava o palácio um lugar sombrio, isso nada era em comparação com a monotonia e a depressão da casa de tios que viviam em lugares ainda mais isolados do país.

Levantou-se e saiu da sala, fechando a porta com ruído.

A mãe suspirou. Sempre achara Zita difícil, porque se parecia com o pai, ao passo que Sophie era quieta e obediente, exactamente como a grã-duquesa.

Zita caminhou ligeira pelo corredor, indo à procura do pai. lrrom­peu no escritório, encontrando-o sozinho. Aproximou-se e disse, zan­gada:

- Papai, não posso acreditar que seja com seu consentimento que me proibiram de jantar com o rei Maximiliano ou de comparecer ao baile. Para dizer a verdade, parece que nem mesmo lhe serei apre­sentada!

O grão-duque ergueu o olhar do jornal e notou o brilho encoleri­zado dos olhos verdes da filha.

Com voz afectuosa e olhar bondoso, disse:

- Sinto muito, querida. Achei mesmo que você ia ficar aborrecida.

- Então o senhor sabia! - disse Zita, em tom acusador. - Oh, papai, como pôde ser tão cruel?

O grão-duque estendeu a mão. Zita pegou-a e ajoelhou-se ao lado dele, com ar súplice.

- Sabe como a vida aqui tem sido monótona, ultimamente, papai. Seria bom dançar com alguém, principalmente com o rei Maximiliano, que sempre desejei conhecer.

O pai apertou-lhe a mão.

- Infelizmente, querida, creio que a decisão de sua mãe, de não permitir que compareça aos festejos em honra do rei, é por você ser tão bonita!

Zita fitou-o, como se não acreditasse em tais palavras. Depois dis­se, serenamente:

- Oh, sei que Sophie finge que tem ciúme de mim e que mamãe não aprova meu comportamento com o senhor. Mas, francamente, o que elas sentem não deve ser suficientemente sério para eu ficar iso­lada na sala de aula, como se tivesse uma moléstia infecciosa!

O grão-duque sorriu, mas foi em voz triste que respondeu:

- Quando eu soube o que havia sido decidido, compreendi que você ficaria aborrecida. Mas não há nada que eu possa fazer.

- Por que não?

O pai explicou, pacientemente:

- Porque é muito importante, como você deve compreender, que países pequenos como o nosso se unam contra a cobiça da Alemanha. Se o rei Maximiliano casar com Sophie, nossos dois países ficarão muito mais fortes do que são actualmente.

Sabia que Zita compreenderia exactamente o que ele dizia, porque muitas vezes os dois tinham discutido os problemas políticos da Eu­ropa.

- Pensei que a Alemanha estivesse de olho na Áustria - disse ela, dali a um momento.

- Primeiro, a Áustria; depois, a Bavária e talvez nós. Em seguida... por que não?... a França.

Zita respirou fundo.

Sabia que ele não estava falando levianamente. Era o que ela também achava, caso Bismarck transformasse suas palavras em acções.

Encostou a face na mão do pai e disse:

- Mesmo assim, gostaria de ir ao baile oficial. Se me deixar ir, prometo não dançar com o rei.

- Mas ele pode querer dançar com você, meu bem. E é exacta­mente disso que sua mãe e Sophie têm receio.

Zita não se moveu. Ainda com a face encostada na mão do pai, pensou que era a primeira vez que alguém na família dizia que ela era bonita.

Mas seria muito estúpida, se não tivesse percebido que se parecia muito com a famosa avó húngara.

A antiga grã-duquesa fez sucesso em toda a Europa e, pelo que Zita sempre ouviu dizer, poderia ter feito um casamento muito mais brilhante, em vez de aceitar o pedido do grão-duque de Aldross.

- Sua avó se apaixonou assim que viu seu avô, - disse o pai a Zita, quando ela era pequena e admirava o retracto da avó, pendurado - na sala do trono.

- Se vovô era como o senhor, papai, então isso não me surpreen­de. Deve ter sido muito bonito.

- Obrigado, querida - respondeu o grão-duque, na ocasião. - Mas estou satisfeito por poder dizer que, embora me pareça com meu pai, herdei muitas das características de minha linda mãe, principal­mente seu amor por cavalos e sua habilidade em montar os animais mais fogosos. E fui bastante inteligente para criar uma réplica dela em você.

Talvez pelo facto de ter amado e admirado a mãe, o

grão-duque ado­rava Zita. Quando ela nasceu, já tinha um filho, Henrich, e uma filha, Sophie. Embora nada dissesse, esperava que a terceira criança fosse um menino.

Mas, assim que viu Zita, soube, de maneira inexplicável, que ela significava mais para ele do que os outros dois filhos.

à medida que a menina crescia e se tornava cada vez mais bonita, com seus cabelos ruivos e olhos verdes, o pai passava mais tempo na saleta das crianças.

Quando ela estava com oito anos, o pai a levou numa de suas via­gens, apesar dos protestos da grã-duquesa. Ele ia sempre para as mon­tanhas, o que enfurecia a esposa.

- Quero conhecer meu povo. A melhor maneira de fazer isso é viver um pouco no meio dele - disse o grão-duque, com firmeza.

Usando calça curta de couro, jaqueta verde e chapéu tirolês, o que era quase um uniforme entre o povo de Aldross, tanto quanto entre os bávaros, o grão-duque costumava fazer essas viagens sozinho.

Hospedava-se em estalagens pequenas, tomava o vinho da locali­dade, cantava com seus súbditos as canções regionais que, de certo modo, expressavam melhor do que palavras o que sentiam.

O povo de Aldross o adorava, achando que ele compreendia seus problemas.

 

O facto de o grão-duque ter outro motivo para fazer essas excursões ocasionais às montanhas fazia com que seus súbditos lhe sorrissem e dissessem, uns para os outros: “Ele é um homem de verdade”.

Para Zita, viajar sozinha com o pai era a coisa mais excitante do mundo, O grão-duque tomava conta dela, sem repreendê-la, sem lhe dar ordens o tempo todo, como acontecia com as babás, com as go­vernantas e, naturalmente, com sua mãe.

Ela e o pai iam a cavalo até a metade do caminho, na subida para uma montanha. Apeavam e depois seguiam a pé, atravessando os pi­nheirais e indo até os rochedos nus, enquanto as pernas da menina aguentassem.

Embora procurasse não se queixar, às vezes Zita tinha que confes­sar que estava cansada. Aí, então, procuravam um lago. e o grão-Duque sugeria que ela nadasse, até sentir-se revigorada com a água fria.

Depois da primeira viagem com o pai, Zita aprendeu a nadar e acabou sabendo nadar como um peixe.

Mas era uma aptidão que ela jamais mencionava no palácio, pois a mãe não aprovaria que nadasse nua, mesmo não havendo ninguém por perto, a não ser o pai.

Todos os anos, Zita e o grão-duque iam juntos a algum lugar. Nada do que a grã-duquesa pudesse dizer ou fazer os impedia de esca­pulir por uma semana ou dez dias.

Voltavam queimados de sol, cheios de saúde e de bom humor, mas pouco diziam sobre o lugar para onde tinham ido ou sobre o que haviam feito.

Quando Zita estava com quinze anos, a grã-duquesa a proibiu de fazer essas excursões. Por mais que suplicasse ao pai, não conseguiu convencê-lo a levá-la.

Não compreendia o motivo dessa proibição repentina, a respeito de uma coisa que a tornava tão feliz e que também dava prazer ao pai.

Só quando começou a ouvir falar dos homens que gastavam tanto dinheiro, em Paris, com as mulheres bonitas do derni-monde, foi que Zita teve a vaga idéia do que o grão-duque fazia, quando dava essas fugidinhas sozinho.

Então, palavras semi-esquecidas lhe voltavam à memória, palavras que no passado não tinham sentido para ela.

- Não quero saber de ver uma filha minha se associando com essas mulheres! - disse, certa vez, calando-se subitamente, ao perceber que a menina entrava no quarto.

Em outra ocasião, ouviu a grã-duquesa perguntar, furiosa:

- Que espécie de reputação você acha que tem, andando com essas mulheres que encontra em...

Também dessa vez, a frase não foi terminada. Gradualmente, voltaram outras recordações que fizeram com que Zita compreendesse por que motivo agora era deixada em casa.

Certa vez, estava dormindo numa estalagem, num quarto pequeno e de tecto baixo, com uma vista linda das montanhas ao longe. O luar, entrando pela janela, bateu em seu rosto e Zita despertou de um sono profundo.

Ela e o pai tinham caminhado o dia inteiro, nadado num lago frio e depois ido para a estalagem encantadora no alto da montanha. Quando lá chegaram, uma moça loira, de pele rosada e olhos azuis como miosótis, correu para eles, com uma exclamação de alegria.

- Você voltou! - disse, ao grão-duque. - Pensei que nunca mais o veria.

Ele sorriu, passou a mão no rosto da moça e respondeu:

- Sempre cumpro minhas promessas. Névia. Desta vez, trouxe minha filha para conhecer a mulher mais bonita de Aldross!

O jantar foi delicioso, e Zita teve licença de tomar um pouquinho do vinho do distrito.

Depois, não podendo mais ficar em pé, foi para a cama e pegou no sono assim que se deitou.

Ao acordar por causa do luar em seu rosto, achou que era muito feliz. Estava quase adormecendo novamente, quando ouviu uma risa­dinha suave e depois a voz do pai, grave e profunda, como nunca tinha ouvido antes.

Pareceu-lhe estranho, mas Zita estava com muito sono para se preo­cupar com isso e no dia seguinte já se esquecera.

Mais tarde, quando se lembrava deste episódio, achava que com­binava com a cólera que a mãe sentia quando o marido partia numa de suas viagens. Embora Zita não tivesse mais permissão para acom­panhá-lo, ele continuava a fazer essas excursões sozinho, despertando a ira da esposa.

Lentamente, a garota começou a ver os pais sob um novo ângulo. Compreendeu que o casamento deles tinha sido arranjado e que, para Aldross, fora uma vantagem o

grão-duque casar com uma moça da família real britânica, pois o país poderia contar com um certo apoio da Inglaterra, caso isso se tornasse necessário.

A grã-duquesa, de aparência muito inglesa, era severa e tímida. E, à medida que envelhecia, tornava-se mais fria e pouco emotiva, muito diferente do povo alegre e extrovertido de Aldross.

Ali, todos riam, porque eram felizes, e cantavam enquanto traba­lhavam. Ao anoitecer, as vozes dos trabalhadores, voltando para casa, ecoavam pelos campos como sinos, parecendo subir até os morros de cumes brancos de neve, como que levadas por asas.

Só naquele ano, quando tinha quase dezoito anos, Zita percebeu que a mãe amava o grão-duque, não porque era sua esposa, e sim, como mulher.

Levou um choque, ao compreender, quase como se o pai lhe tivesse dito isso, que, embora ele tratasse a mulher com respeito e considera­ção, não estava apaixonado por ela.

“Pobre mamãe!”

Decidiu que, quando chegasse a ocasião, se recusaria a casar com um homem a quem não amasse e que não a amasse, por mais impor­tante que ele fosse.

O grão-duque, tão bonito e tão atraente para as mulheres, devia sentir-se realmente frustrado, O país sobre o qual reinava era pequeno; o casamento o impedia de perambular pelo mundo, como gostaria de fazer.

Muitas vezes tinha falado a Zita de suas viagens quando moço, tendo ido ao Egipto, à Rússia e, embora se mostrasse reservado a esse respeito, a Paris.

Quando Zita o interrogava sobre o que havia feito em Paris, o pai falava de Roma; quando ela, astutamente, tentava fazê-lo falar dos quadros do Palácio das Tulherias, o grão-duque falava dos que tinha visto em Florença e em Madrid.

Pouco a pouco, à medida que o professor de música e madame Goutier faziam com que Paris criasse vida para ela, como uma cidade cheia de encantos e de mulheres bonitas, Zita começou a compreender por que o pai ia para lá, em solteiro.

Depois de casado, a única maneira de escapar e ser livre por alguns dias era ir para as montanhas.

Amava seu país e amava seu povo, mas, quando os olhares das mulheres se iluminavam, ao vê-lo, e elas lhe estendiam os braços, não era homem de lhes dar as costas.

Zita também tinha pena do pai. E de si mesma, porque não lhe per­mitiam mais acompanhá-lo. Agora, era obrigada a ficar no palácio, com a mãe.

Nessas ocasiões, a grã-duquesa se mostrava mais exigente do que de costume e toda a corte parecia envolta numa névoa sombria, até o grão-duque voltar.

Como se seguisse os pensamentos de Zita e soubesse que sua ca­çula estava tão frustrada como ele, o pai disse:

- Escute aqui, meu bem. Vou concordar com sua mãe, que não quer que você apareça nos festejos em honra do rei, mas com uma condição: depois que ele for embora, você e eu faremos uma excursão pelas montanhas.

Zita ergueu para ele os olhos, onde agora havia um brilho de en­tusiasmo.

- É verdade, papai? Seria maravilhoso. Não sabe como senti falta de nossos passeios.

- Também Senti falta, querida. Mas sua mãe diz que você não é mais criança para me acompanhar, e reconheço que tem razão.

- Mas, desta vez, ela vai ter que concordar. Prometa que cum­prirá sua promessa, que não deixará que mamãe o faça mudar de idéia!

- Prometo. Quero escalar a montanha num ponto aonde não vou há, no mínimo, dez anos. Será muito emocionante mostrá-lo a você.

- Vou adorar, papai. E ficaremos bastante tempo, não é? Porque será maravilhoso ter o senhor só para mim.

O grão-duque inclinou-se e beijou-a.

- Eu a amo, Zita, e quero que tenha tudo na vida para ser feliz. Mas nem sempre as coisas são fáceis para mim. Você sabe disso.

- Sim, eu sei, papai. E esperemos que o rei case com Sophie, para que o senhor não se preocupe mais com ela nem tenha receio de que Aldross seja engolido por aquele monstro, Bismarck.

O grão-duque riu.

- Amém! E agora, querida, não faça mais barulho sobre o que acontecer até o rei ir embora. A vida fica muito mais fácil para mim quando sua mãe está de bom humor.

- Vou procurar não aborrecer mamãe. Parece que eu sempre a perturbo, embora não atine com o motivo disso!

O grão-duque poderia ter respondido com uma única palavra: ciúme. Mas sabia que seria deslealdade dizer isso e calou-se.

Depois que Zita o beijou e saiu, ele ficou durante muito tempo pen­sando nela.

Devido à vida calma que levava no palácio, e sendo sempre repreen­dida pela mãe, Zita não tinha idéia do quanto era bonita nem de que os homens iriam achá-la fascinante.

Lembrava-se dos olhares que, quando ele era menino, os homens lançavam à sua mãe; homens de todas as idades, de todas as classes. E, agora, tinha a impressão de ver esse mesmo tipo de olhar nos cor­tesãos, quando Zita aparecia.

Tinha certeza de que, se o rei Maximiliano estava mesmo querendo uma esposa, iria preferir Zita a Sophie.

Mas era mais do que justo que a mais velha casasse antes. Como Sophie estava com vinte anos, já era tempo de arranjar um marido.

O problema era que, com exceção do margrave de BadenBaden, muito poucos rapazes de sangue real vinham a Aldross ou eram con­vidados para visitar seus países.

A grã-duquesa já havia dito, desesperada, que Sophie ia ficar soltei­rona, se ela não tomasse uma providência urgente.

- Que posso eu fazer? - perguntou o grão-duque. - Não pos­so fazer com que reis ou príncipes disponíveis surjam como coelhos tirados da cartola de um mágico. E você sabe tão bem quanto eu que, com excepção de Valdastien, os países vizinhos são governados por monarcas casados, com filhos ainda pequenos.

- Não adianta pensarmos no rei Maximiliano - comentou a duquesa, secamente. - Ele perde seu tempo com o tipo de mulher que você acha atraente e de quem não se fala na sala de visitas de uma dama!

- Ouvi dizer que a mulher que está agora com ele tem um corpo escultural! - observou o grão-duque.

Imediatamente, percebeu que cometera um erro, pois a esposa er­gueu o queixo e saiu da sala, sem nem mais uma palavra.

Isso significava, como ele bem sabia, que ela ia ficar emburrada durante as próximas vinte e quatro horas e que a atmosfera, às refei­ções, se tornaria insuportável.

Pegou o jornal que tinha largado quando Zita entrara e disse a si mesmo:

"Pobre Maximiliano! Depois de casado, vai ver que as mulheres que o divertiram no passado, assim como La Belle, estarão em Paris e ele estará preso em Valdastien, para o bem ou para o mal, até que a morte os separe".

 

Embora Zita procurasse não aborrecer a mãe, como havia prome­tido ao pai, achou intolerável ver a excitação dos preparativos no palá­cio e saber que não tomaria parte dos festejos em homenagem ao rei.

Sophie precisava de vestidos novos, e as costureiras iam e vinham. As capas foram tiradas da mobília do salão de baile, e o chão, ence­rado. As paredes brancas e douradas foram limpas, ficando brilhantes como se tivessem sido pintadas na véspera.

Trouxeram flores das estufas, que foram arranjadas em vasos. Eram em tão grande profusão, que o salão e toda a casa pareceram um jardim.

- Não compreendo, papai, por que nossa casa não pode ficar sempre assim bonita - observou Zita, ao almoço. - seria melhor do que fazer isso apenas para um visitante de passagem, que provavel­mente não vai apreciar essa decoração tanto quanto nós.

- Você não deixa de ter razão, querida.

O grão-duque gostava de discutir com a filha caçula; achava esti­mulante tanto para ele quanto para ela. às vezes, tomavam posições opostas, só por graça, e isso era uma coisa que a grã-duquesa não compreendia.

- Por outro lado, se o incomum se tornasse comum e corriqueiro, você não o apreciaria tanto - continuou o pai.

Os olhos de Zita brilharam. Ia responder, quando a mãe interferiu:

- Basta de suas idéias ridículas, Zita. E procure não aborrecer seu pai com perguntas tolas. Temos muito que fazer, antes que Sua Ma­jestade chegue, amanhã.

- A que horas ele deve chegar, mamãe? - perguntou Sophie. Como a pergunta foi feita pela filha predilecta, a grã-duquesa res­pondeu, de boa vontade:

- Você vai encontrar o programa dos festejos em minha escriva­ninha. O rei já deve ter saído, para a primeira parte da viagem. Pas­sará a noite em casa de um amigo, não muito longe de nossa fron­teira.

- E quando vou vê-lo? - perguntou Sophie, ansiosa.

- Seu pai vai encontrá-lo na estalagem Golden Cross, amanhã, às onze da manhã, e o trará para cá, com uma escolta de cavalaria.

- E onde estaremos nós?

- Estaremos aqui, esperando. Você deve usar aquele bonito ves­tido cor-de-rosa. Tenho certeza de que o rei a achará parecida com uma rosa.

Como Sophie tinha cabelos castanhos opacos e uma expressão em­burrada, era difícil compará-la a uma flor.

Zita conteve o desejo de rir da comparação da mãe, poética e pouco costumeira. Nisso, seu olhar encontrou o do pai.

Achando que ajudaria a irmã, aconselhou:

- Diga à cabeleireira para lhe fazer um penteado mais leve. Se ela fizer uns cachos em volta do rosto, em vez de puxar os cabelos para trás, você vai ficar mais bonita e, como diz mamãe, parecendo uma flor.

- Não estou pedindo sua opinião, Zita - interrompeu a

grã-duquesa, secamente. Levantou-se e estendeu a mão para a filha mais velha. - Venha, Sophie. Temos uma porção de coisas para fazer e não quero que você ouça a opinião de ninguém, a não ser a minha.

As duas saíram. Zita suspirou e olhou para o pai. Nada disseram. Cada qual sabia o que o outro pensava. O

grão-duque colocou a mão sobre a da filha.

- Pense como vamos nos divertir nas montanhas - disse, meigamente.

Em seu quarto, o único lugar onde não sentia irritação com os preparativos, Zita foi para a janela, imaginando se poderia ver o pai, de relance, enquanto ele estivesse no palácio.

Mas a mãe lhe havia dito inúmeras vezes que ela devia ficar no andar de cima, na sala de estudos, que antes tinha sido o quarto das crianças e, mais tarde, a saleta das duas princesas.

O quarto havia sido redecorado, mas, para Zita, parecia que ali ainda estava a casa de boneca que tinha pertencido a ela e a Sophie, assim como o cavalo de balanço de Henrich, a fortaleza de brinquedo dele, na qual as irmãs não tinham licença de tocar, e também as nu­merosas bonecas que o irmão costumava esconder, para aborrecê-las. Quando ele estava de mau humor, podia até quebrar uma delas!

“Creio que, quando sairmos daqui e formos viver em nosso próprio palácio, nós sentiremos adultas”, disse Zita a si mesma.

Ficou imaginando se Sophie seria feliz em Valdastien, com o fan­tasma de La Belle e de tantas outras mulheres. Depois, achou que não era Sophie que ia ver esses fantasmas (porque provavelmente nem saberia de sua existência), e sim, o rei.

Será que ele se sentiria frustrado, como seu pai, e teria que recor­rer ao consolo de galgar suas montanhas e desaparecer em suas flo­restas, em vez de ir divertir-se em Paris, como provavelmente fazia agora? •

Era difícil imaginar seus pensamentos e sentimentos, pois só o co­nhecia pelas histórias contadas pelo professor de música e por ma­dame Goutier, assim como pelos retractos de revistas e de jornais. E estava certa de que esses não lhe faziam justiça.

Foi então que resolveu ver o rei.

“Mesmo que eu tenha que ficar na beira da estrada, quando ele passar, vou vê-lo!”

De repente, lhe ocorreu uma idéia que ela sabia ser uma afronta às convenções, mas que não deixava de ser muito excitante.

 

Ninguém deu muita atenção a Zita, na noite anterior à chegada do rei. Se tivessem dado, veriam que ela estava silenciosa e imersa em pensamentos.

Ao mesmo tempo, havia em seu olhar um brilho que o

grão-duque poderia ter reconhecido como o mesmo que aparecia nos olhos de sua mãe, quando ela planeava alguma travessura.

A princesa Ilena, como era chamada antes do casamento, tinha escandalizado as senhoras idosas da corte do pai, mas o povo a admi­rava por sua coragem tanto quanto por sua beleza.

O que Zita pretendia fazer agora era uma coisa que a avó teria tido coragem de fazer, pois era valente e indomável.

Para grande alívio da grã-duquesa, a moça foi se deitar cedo, di­zendo que estava com uma ligeira dor de cabeça.

Lá em cima, quando ninguém podia vê-la, tirou do armário seu traje de montaria. Arrumou também uma trouxa de roupas que leva­ria do mesmo jeito que fazia quando saía só com o pai, isto é, presa na sela do cavalo.

Excitada demais para dormir, Zita apenas cochilou. Quando acor­dava, olhava para o céu, através da janela aberta.

Assim que as estrelas começaram a se apagar e surgiram os primei­ros sinais da madrugada, ela se levantou e se vestiu apressadamente. Levando a trouxa, desceu por uma escada de serviço, que dava para o caminho das cocheiras.

Andava silenciosamente e não foi vista pelas duas sentinelas sonolentas que guardavam as portas mais importantes da casa. Sabia que, a essa hora da madrugada, não haveria ninguém ali. Foi até o depósito dos arreios e pegou sua sela. Em seguida, dirigiu-se para a baia de seu cavalo favorito.

Assobiou de mansinho. Pegasus se aproximou dela, satisfeito. Zita colocou-lhe o arreio e passou a rédea pelo pescoço do animal.

Se havia uma coisa que aprendera em suas viagens com o pai, era confiar em seu cavalo e ser auto- suficiente.

- Como é que você pode dar conta de seu cavalo, sem um cava­lariço? - Sophie lhe perguntara, um dia, com desprezo.

Mas Zita achava muito mais excitante estar a sós com o pai, nessas viagens, do que serem acompanhados por criados, que, não só atra­palhariam seus momentos de intimidade, como criticariam o descon­forto a que todos se veriam expostos.

Apertou a barrigueira do cavalo, que ficou quieto. Depois, como não havia ninguém para ajudá-la a montar, Zita pareceu voar para a sela.

Seguindo cautelosamente por entre as árvores, até saírem do jardim do palácio, Zita pôs o cavalo a galope no campo, evitando casas e estradas.

Andaram sobre uma grama alta e luxuriante, cheia de flores de vários tons de rosa, lilás e vermelho, que se tornavam mais vivos à medida que o dia clareava e os primeiros raios de sol douravam os picos das montanhas, cobertos de neve.

A estalagem Golden Cross, para onde Zita se dirigia, não ficava lon­ge. Quando a moça chegou, ainda era muito cedo. No pátio havia apenas um cavalariço sonolento. Como a jovem parecia conhecer o caminho, ele não lhe deu atenção. Zita levou Pegasus para uma baia e pegou sua trouxa.

Entrou na estalagem por uma porta lateral, que felizmente estava aberta, e subiu uma escada estreita que levava aos fundos da hospe­daria, onde ficavam os aposentos do proprietário.

Seguiu por um corredor não atapetado. Bateu de leve na última porta e, não ouvindo resposta, virou o trinco.

Viu dentro do quarto uma jovem sentada na cama, de camisola, esfregando os olhos, de sono.

Zita entrou.

- Bom dia, Gretel!

A moça fitou-a, atónita.

- Princesa! O que está fazendo aqui?

Zita fechou a porta e pôs o dedo nos lábios.

- Silêncio! Nesse momento, não sou princesa, e sim, sua amiga da cidade que veio visitá-la.

Gretel era uma moça bonita, gorduchinha, um pouco mais velha do que Zita, com olhos azuis e faces rosadas.

- Pensei que nunca mais a veria! Achei que seu pai viria aqui, mas não esperava vê-la.

- Não me dão mais licença para vir. - Zita sentou-se na beira da cama e continuou: - Escute. Gretel, preciso da sua ajuda.

- Farei o que me pedir. Como cresceu! às vezes a vejo de longe quando passa pelas ruas, mas de perto é ainda mais bonita.

- Obrigada, Gretel. Mas, justamente porque sou bonita, não tenho licença para conhecer o rei, quando ele for ao palácio, hoje.

- Não tem licença? Por quê?

- Meus pais estão com a esperança de que ele case com minha irmã.

Gretel riu.

- Não precisa dizer mais nada. Você é muito mais bonita do que sua irmã, como bem sabe.

Quando Zita saía com o pai, estava subentendido que viajavam “incógnitos”, e todos se dirigiam a eles como se fossem iguais, tratando-os sem cerimónia. às vezes, o

grão-duque até fingia para si mesmo que os súbditos não o reconheciam.

Claro que sabiam quem ele era, porque era bonito, amado e admirado demais para que não o reconhecessem.

Mas, como gostava desse mistério, era apenas mein Herr, e a filha, apenas Zita, uma menina bonita em que os homens davam afectuosos tapinhas na cabeça e para quem faziam brinquedos de madeira enta­lhada.

- O que deseja que eu faça? - perguntou Gretel.

- Li o programa preparado para o rei e sei que ele vem passar uma hora aqui.

- É verdade. Temos um quarto pronto para ele.

- Calculei que deve vir para cá a cavalo, com roupas comuns - continuou Zita. - Mas, como depois vai seguir com papai numa car­ruagem aberta, terá que vestir o uniforme.

- Não estou sabendo dos detalhes. Só nos disseram que preparás­semos o melhor quarto para ele.

- É aquele onde papai sempre fica?

Gretel fez que sim.

- Depois que o rei subir sozinho, quero que você lhe ofereça um café, ou um copo de vinho - disse Zita. - Mas eu é que vou levar a bandeja para ele.

Gretel olhou-a, atónita.

- Por que quer fazer isso?

- Porque é a única oportunidade que terei de vê-lo direito. Oh, Gretel, precisa me ajudar! Desejo tanto vê-lo! Seria muito triste se o rei fosse embora sem que eu visse outra coisa a não ser o alto de sua cabeça, da janela de meu quarto.

- Se ele estiver usando um capacete com plumas, você não vai ver nem mesmo isso - observou a outra, sorrindo.

- Creio que não, mesmo. Entende por que preciso que me ajude? Trouxe comigo um vestido como aquele que eu usava quando ia excursionar com papai. Na realidade, não é o mesmo, porque não entro mais nele, mas consegui convencer uma das criadas a comprar um novo para mim, na cidade, sem que mamãe soubesse. E escute aqui, Gretel, acho que logo viremos visitá-la, porque papai prometeu me levar para as montanhas, assim que o rei partir.

- Que bom! Vocês precisam mesmo vir. Sabem como gostamos, quando aparecem!

- Era tão divertido! Você deve estar lembrada de que eu dançava para seus convidados. Depois, eles não só me aplaudiam, como me atiravam flores!

- Achavam que você era maravilhosa! - disse Gretel. - E eu também.

- Eu devia ter nove anos, naquela época.

A garota riu.

- Lembro-me de que, certa noite, um homem que não sabia quem você era tentou beijá-la, e você despejou cerveja na cabeça dele! Todo o mundo riu e zombou do infeliz, que foi embora feito uma bala!

- Felizmente, papai não estava, no momento, e não viu o que aconteceu. Do contrário, não teria permitido que eu falasse com tanta liberdade com desconhecidos, como eu fazia.

- O mal é que você sempre foi muito bonita.

- Sim, é esse o mal. E o mesmo está acontecendo agora. Nunca o rei, a não ser que você me ajude.

- E se ele souber quem é você?

- Por que haveria de saber? Garanto-lhe que, lá em casa, não vão mencionar que existo, com receio de que ele peça para me conhecer. Sophie quer o rei para ela, e vai tê-lo, mas eu só quero dar uma espiadinha nele, antes que esteja com papai, com todo mundo aplaudindo-o, menos eu. - Zita reflectiu por um minuto. - Não vejo mal nisso. E ninguém, na estalagem, saberá que vim aqui, a não ser você.

- Quem a viu entrar?

- Apenas um cavalariço. Não o conheço nem de vista. E ele não me deu a mínima atenção.

- Deve ser Carl. Levanta-se muito cedo e é um tanto estúpido.

-Se alguém perguntar de quem é o cavalo que está na cocheira, diga que uma sua amiga veio visitá-la, Gretel. Mas não creio que façam perguntas.

- Não, claro que não. Vamos ver seu vestido. E é melhor que eu também me vista, ou vai haver encrenca.

Zita abriu a trouxa, enquanto Gretel se vestia depressa, usando um traje semelhante ao que a princesa tinha trazido. Era o traje nacional de Aldross, quase idêntico aos dos outros países daquela parte da Europa.

Tinha uma saia rodada vermelha, sobre várias saias muito engo­madas, uma blusa branca com bonitos bordados, um corpete de velu­do preto, amarrado na frente, e uma faixa de seda.

Só o que faltava ao traje de Zita era o avental branco que Gretel usava, quando trabalhava.

- Não pude pedir à criada que comprasse um avental. Ela pode­ria estranhar.

- Garanto que sim - respondeu Gretel. - Não iria esperar que uma princesa real andasse de um lado para outro servindo café ou vinho!

Dito isso, foi até uma cómoda e tirou da gaveta um avental igual ao seu, só que com renda na beirada.

- É meu melhor avental. Pretendia usá-lo para servir o rei, mas sua necessidade, Zita, é maior do que a minha.

- Obrigada, Gretel. E qualquer gorjeta que ele me der será sua.

A outra riu.

- Não espero grandes gorjetas. Descobri que os personagens importantes que vêm aqui acham que sua presença já é bastante para aqueles que os servem.

- Pois bem, quando conhecermos o rei, vamos descobrir se ele é generoso, avarento, amável ou seco. Aproximar-se dele como criada é muito diferente do que se eu o encontrasse em igualdade de condições.

- Vai se ver em apuros, se for descoberta - comentou Gretel. - E eu também.

- Você pode pôr toda a culpa em mim. Mas, se formos inteligen­tes, não há razão para que descubram coisa alguma. E eu terei visto Sua Majestade, o rei Maximiliano. o que creio, será muito revelador!

 

Depois de vestida, Gretel desceu e foi buscar para Zita um café e croissants quentes, recém-saídos do forno.

- Está tudo certo, princesa. Ninguém vai aborrecê-la. Estão todos muito excitados com os preparativos para receber o rei.

Levou Zita para um quarto, no outro lado do corredor, de onde ela poderia ver a comitiva real chegar.

A estalagem Golden Cross estava situada, pelo que dizia o prop­rietário, exactamente na fronteira.

- Estou montado em duas nações - ele costumava comentar. Um dos motivos de a estalagem ser procurada por cidadãos tanto e Aldross como de Valdastien era estar situada ao pé de uma das montanhas mais altas e mais conhecidas de Aldross.

Por isso também, o grão-duque parava ali frequentemente, quando ia fazer suas escaladas.

Era um lugar alegre, onde todos pareciam rir e cantar. E a comida, sem dúvida, melhor do que a da maioria das estalagens do mesmo tipo.

Depois de tomar o café, Zita tirou o traje de montaria e vestiu o traje nacional, que lhe ficava muito bem.

Felizmente, a criada do palácio que o comprara tinha trazido exactam­ente o que a moça queria e estava pronta a guardar segredo.

- Quando acabarem as festividades, Maria, vou fazer uma excur­são com papai nas montanhas - explicara então Zita. - Você sabe que ele não gosta de que sejamos reconhecidos, de modo que preciso ir vestida de camponesa.

Maria riu.

- É a última coisa que poderia parecer. Alteza. E todos reconhe­cem o grão-duque, embora finjam que não.

- Sei disso. Mas só o que me interessa, no momento, é ficar com ele, longe daqui, onde sou repreendida sempre que abro a boca.

- É uma pena que Vossa Alteza não tenha licença para ir ao baile. Todos, aqui no palácio, dizem que seria a moça mais linda da festa. é um absurdo ter que perder tudo!

Zita concordou, com um suspiro.

- Pelo menos, se a princesa Sophie casar com o rei, teremos um casamento real, e será muito excitante!

Ao dizer isso, notou a expressão de Maria e pensou que a empre­gada achava pouco provável que tal acontecesse.

Sabendo que não devia discutir as esperanças da irmã com uma criada, Zita mudou logo de assunto.

Agora, já pronta, olhou-se no espelho do quarto de Gretel e pen­teou os cabelos no estilo das camponesas, com fitas caindo-lhe até os ombros.

Tinha tido o cuidado de encomendar fitas verdes, amarelas e azuis, para combinarem com a cor de seus cabelos. Depois que o arranjo ficou pronto, Zita achou que estava muito bonito.

Agora, lá embaixo, havia barulho e movimento, o que indicava que todo mundo cuidava dos últimos preparativos para a recepção ao rei.

Zita tinha lido, no programa que estava na escrivaninha da mãe, que os dois governantes deveriam se encontrar a sós dentro da esta­lagem.

Depois de trocarem os cumprimentos e tomarem um copo de vinho, a comitiva do rei Maximiliano voltaria para casa e os dois governan­tes seguiriam numa carruagem aberta para a capital, por um caminho todo decorado.

O rei seria recebido pelo primeiro-ministro e pelos membros do gabinete, e depois, pelo prefeito e pelos vereadores, iria então para o palácio, onde a grã-duquesa e Sophie estariam à espera.

Reflectindo sobre o protocolo, Zita pensou que o rei, sem dúvida, ia achar tudo muito maçante.

“Garanto que já fez isso milhares de vezes. E, com certeza, prefe­riria estar passeando no Bois de Boulogne, com uma bela mulher a seu lado na carruagem, sabendo que á noite iria encontrá-la em tête-à-­tête. Ou, talvez, a levaria a um dos restaurantes elegantes de Paris, ou a um

café-concerto.”

Eram esses os divertimentos que o professor de música e madame Goutier lhe haviam descrito.

Como estava ficando tarde, Zita saiu do quarto de Gretel e foi para o aposento desocupado, cuja janela dava para o lado de Valdastien.

O país do rei não era muito diferente de Aldross: tinha também montanhas altas, com os picos cobertos de neve, e um vale onde os cavalos podiam galopar livremente na grama verde e florida.

A grande diferença era que Valdastien era cortado por um rio largo, que não apenas tornava a terra fértil, como permitia que por ele navegassem barcaças, levando mercadorias directamente para um porto marítimo.

Isso fazia o país muito mais próspero do que seus vizinhos, o que causava uma certa inveja.

Não havia dúvida de que seria vantajoso, para Aldross. se houvesse uma união entre os dois países. E Zita sabia que, se Sophie casasse com o rei, Aldross ficaria muito mais forte, em relação à Alemanha.

Levou uma cadeira dura para perto da janela, sentou-se e apoiou os cotovelos no peitoril. Ficou olhando para a estrada estreita e poeirenta que descia para o vale, por onde o rei viria.

Considerou que, a essa altura, a criada que a chamava de manhã, no palácio, devia ter dado por sua falta. Talvez tivesse sido mais prudente ter contado a verdade a Maria. Mas, assim que também desse pela falta de seu traje de montaria e de suas botas, certamente deduziria que a patroa tinha saído a cavalo.

A dama de honra das duas irmãs, a baronesa Nekszath, estaria muito ocupada, enfeitando-se para a chegada do rei, e não se preo­cuparia com a ausência de Zita.

“Quando eu voltar para casa, vou dizer apenas que saí para galo­par. Ninguém me pode culpar por fazer uma coisa de que gosto, quan­do me excluíram de todos os festejos.”

Pensou de novo, com certo ressentimento, na maneira como estava sendo tratada. Nesse momento, viu uma nuvem de pó ao longe, e seu coração pulou de alegria e de excitação.

Durante algum tempo, foi difícil ver com clareza.

Depois compreendeu que não havia apenas uma carruagem, mas várias. Quando a comitiva chegou mais perto, Zita viu, como esperava, que o rei cavalgava na frente.

Atrás vinham as carruagens com os dignitários de Valdastien, que se despediriam na fronteira. Mais atrás, a bagagem, os criados e os lacaios de Sua Majestade.

Vendo tantas malas, Zita pensou que era muito mais agradável viajar como o pai e ela iam fazer depois que tudo terminasse. O que os dois levavam cabia em duas trouxas, amarradas em suas selas, além de mais alguns pequenos objectos nos alforjes.

“Estaremos livres! Livres de todo aquele protocolo e de Sim, Majestade e Não, alteza.”

A comitiva estava próxima, e agora Zita via bem o rei.

Era uma figura imponente e dominadora, embora usasse um traje de montaria simples, que não o diferenciava dos companheiros. A moça achou que, mesmo que estivesse no meio de uma multidão, ela saberia que ele era um homem importante.

O cavalo vinha a passo vivo. Só quando avistou a estalagem e o grupo preparado para recebê-lo, foi que o rei se virou para um dos companheiros e diminuiu a marcha.

Zita não podia ver a porta principal da estalagem, pois esta havia sido construída bem na fronteira, de modo que uma parte ficava num e a Outra parte no outro.

Assim, o rei desapareceu de vista. antes que ela pudesse examiná-lo bem. .

Zita ficou observando a nuvem de poeira por um ou dois minutos. Depois, excitada, seguiu as instruções de Gretel e se dirigiu para a frente da casa, ao longo do corredor.

Sabia para que quarto o rei seria levado. Ao lado havia um aposento menor, geralmente ocupado por um criado ou por um viajante que não pudesse gastar muito. Agora, estava vazio.

Zita foi para lá, deixando a porta aberta, para poder ouvir as vozes lá embaixo. à medida que o barulho aumentava, ficou sabendo que o rei estava sendo levado pelo estalajadeiro para dentro da casa.

Devia estar tomando uma bebida com seus acompanhantes, antes que estes o deixassem, porque ouviu o tilintar de copos e o ruído de rolhas que saltavam. Brindes, com certeza, desejando-lhe felicidade na viagem.

Zita já tinha feito uma lista dos outros países aonde ele poderia ir, em busca de esposa, caso Sophie não correspondesse à sua expec­tativa. Não havia dúvida de que seria vantajoso, para Maximiliano, casar com uma moça de um reino vizinho, de modo que poderia visi­tar a Bósnia, a Sérvia, a Bulgária e talvez até a Roménia. embora este país fosse muito mais distante de Valdastien.

A Hungria era outra possibilidade. Zita tinha certeza de que lá ele poderia encontrar uma princesa que, no mínimo, apreciaria os cavalos de Valdastien.

Quando perguntou ao pai se havia moças casadouras nesses países, o grão-duque se mostrou um tanto vago.

- Francamente, não sei, querida. Só sei que há poucos países com rapazes solteiros adequados para você e sua irmã.

- Isso torna ainda mais importante Sophie conquistar o rei - observou Zita. - Pelo menos, é um bom partido e, pelo que ouvi dizer, um homem muito atraente.

O grão-duque ficou em silêncio durante alguns momentos.

- Os homens atraentes nem sempre dão bons maridos.

Zita ia fazer-lhe um elogio, mas depois achou que, se fosse sincera, devia reconhecer que o pai, embora se mostrasse um marido atencioso, tinha fracassado aos olhos da esposa, porque nunca lhe dera seu coração.

“Mas isso é uma coisa que ninguém pode dar, sem amor. E o cora­ção não obedece a ordens de ninguém, nem mesmo quando se trata do coração de um rei ou de uma rainha.”

Zita riu de sua imaginação.

Como se compreendesse que estavam em terreno perigoso, o pai tinha mudado de assunto.

Agora, ali na estalagem, Zita percebeu que alguém subia a escada de madeira sem passadeira. Fechou a porta, deixando apenas uma fresta para poder espiar.

Viu aparecer um criado, seguido por um carregador que trazia uma maleta.

- Vou tirar o uniforme de Sua Majestade da maleta - disse o criado, entrando no quarto reservado para o rei. - Depois que eu tiver guardado as roupas que ele está usando agora, você as pode levar de volta para a carruagem que seguirá Sua Majestade à capital.

Ouviu-se o ruído da mala sendo colocada no chão, e dos trincos que se abriam. Zita ficou imaginando o uniforme do rei sendo tirado da mala e colocado na cama.

O carregador desceu; agora, no quarto, só estava o criado.

Foi então que, pela primeira vez, ocorreu a Zita que não ia ver o rei a sós. Tinha se esquecido de que ele não se vestiria sozinho. Teve receio de que o criado pegasse a bandeja de café, quando ela a trou­xesse, não permitindo que entrasse no quarto.

Estava imaginando o que faria, se tal acontecesse, quando ouviu na escada o som de passos muito mais leves, mas firmes, e teve certeza de que era o rei.

Viu de relance seus ombros largos, ao entrar no quarto. Quando a porta se fechava, Gretel apareceu no alto da escada.

- Majestade!

Maximiliano parou e olhou para ela.

- Quero lhe perguntar uma coisa - disse Grelei, quase sem fô­lego. - Deseja um café, ou um copo de vinho?

- Um café seria bem-vindo.

- Vou buscá-lo imediatamente, Majestade!

Gretel fez uma reverência e desceu a escada correndo. O rei fechou a porta.

Zita teve a impressão de que a amiga levou muito tempo para aparecer com a bandeja, mas na realidade isso aconteceu poucos minu­tos depois.

- Esqueci que o criado estaria com ele - sussurrou.

Gretel levantou os olhos.

- Nunca pensei que quisesse falar com o rei a sós!

- Talvez eu não tenha oportunidade de falar com ele de jeito nenhum, se o criado me tomar a bandeja!

A outra deu um sorrizinho maroto e bateu à porta do quarto do rei.

O criado abriu-a.

- Desculpe-me, mas um cavalheiro, numa das carruagens, deseja falar com você.

- Comigo? - perguntou o homem, atónito.

- Sim. Encontrou uma coisa que talvez tenha sido esquecida e que Sua Majestade pode querer levar.

- Perdoe-me, Majestade, mas preciso descer.

Passou por Gretel, sem nada dizer. A moça piscou para Zita, antes de ir atrás dele.

A princesa respirou fundo. Carregando a bandeja com cuidado, foi até à porta aberta e bateu.

- O café de Vossa Majestade - disse, em tom suave.

- Pode entrar.

Ela obedeceu e viu o rei de pé, diante do espelho da cómoda, esco­vando os cabelos com duas escovas de marfim. Usava uma calça comprida preta, com uma listra vermelha na costura, que fazia parte de seu uniforme, e uma camisa branca de linho.

Zita tinha visto várias vezes o pai escovar os cabelos desse modo, antes de acabar de se vestir, e sempre achara que isso o tornava muito atraente.

Colocou a bandeja numa mesinha redonda, perto da janela.

O rei continuava de costas. Decidida a falar com ele, Zita perguntou:

- Quer que eu sirva o café, Majestade?

Sem pensar, falou na língua dele.

Sempre tivera facilidade para línguas e falava perfeitamente, não apenas inglês, francês, alemão e italiano, como os idiomas dos países vizinhos. O pai lhe ensinara estes últimos, dizendo que faziam parte do sangue deles. Eram todos baseados numa mistura de alemão e de húngaro, mas cada qual tinha uma variação e uma entonação carac­terísticas.

O rei largou as escovas.

- Você é, sem dúvida, um de meus súbditos, não é? - disse, sorrindo.

Virou-se para ela e ficou imóvel.

O sol que entrava pela janela iluminava os cabelos de Zita. dan­do-lhe um brilho chamejante. E a pele da moça era de uma brancura perfeita.

Como estava excitada, seus olhos cintilavam como esmeraldas.

Para Zita, também, o rei foi uma surpresa, muito diferente do que imaginava.

Em primeiro lugar, era mais bonito e muito mais moço do que parecia nos retratos. Mas não foi apenas sua aparência física que a surpreendeu. Muito intuitiva a respeito das pessoas, sentiu que ele era especial, mas não pelo facto de ser rei. Havia nele um estranho magnetismo.

Sem querer, ficou encarando-o, e percebeu que a olhava exactamente do mesmo modo.

Maximiliano foi o primeiro a falar:

- Você não respondeu à minha pergunta.

No primeiro momento, Zita não se lembrou do que era.

- Não, não sou de seu país, Majestade, sou de Aldross.

- Mas fala a minha língua.

- Não é muito diferente da nossa.

- Sei que há uma semelhança, mas você a fala como se tivesse vivido em Valdastien a vida inteira. Se bem que não possa ser muito tempo - acrescentou, com um sorriso.

- Nunca visitei seu país, Majestade, mas gostaria de conhecê-lo.

- Quando for lá, espero que não fique decepcionada.

Zita achou que estavam conversando de um modo muito estranho. Era como se as palavras lhes viessem aos lábios, quando os pensa­mentos estavam longe.

Não conseguia parar de olhar para o rosto do rei.

Temendo que ele a despedisse, quando queria continuar, disse, rapidamente:

- Vossa Majestade deve tomar o café enquanto está quente. Espero que goste dos croissants. São deliciosos.

- Garanto que sim. E o gosto por boa comida e boa bebida é uma coisa que nossos dois países têm em comum.

- Então, plagiando o que Vossa Majestade me disse, espero que não fique decepcionado.

Pegou o bule pesado e serviu o café na xícara grande. Percebeu que o rei a observava e ficou um tanto intimidada. Ao mesmo tempo, estava excitada porque conversava com ele. Mesmo que nunca mais o visse, sempre teria essa recordação.

- Como se chama? - perguntou Maximiliano.

Apanhada de surpresa, ela disse a verdade:

- Zita.

Depois, pensou, apavorada, que talvez tivesse sido indiscreta. Lem­brou-se, então, de que oficialmente sempre se referiam a ela como “princesa Tereza”, que era seu primeiro nome. “Zita” era usado apenas em família e pelas pessoas que viviam perto do palácio, sendo um tratamento afectuoso.

- Um nome bonito, para uma criatura bonita - disse o rei.

Ela o olhou surpresa.

Mal podia acreditar que Maximiliano de Valdastien flertasse com a garçonete de uma estalagem.

Mas por que não? Era o tipo de observação que seu pai faria, com seu modo jovial e amistoso, para qualquer mulher bonita que encon­trasse em suas excursões, quando pensava estar viajando incógnito.

O rei aproximou-se da mesa.

- Sempre julguei que cabelos ruivos fossem privilégios das hún­garas.

Zita sorriu.

- Minha avó era húngara, Majestade.

- Isso explica tudo - disse ele, satisfeito por ter acertado. - E suponho que também tinha olhos verdes.

Zita tornou a sorrir, mas não respondeu. Dali a um momento, o rei perguntou:

- Gosta de trabalhar aqui?

- Não estou aqui há muito tempo.

- Pensei que, com sua beleza.

Interrompeu-se, como achando que estava exagerando a intimidade, e pegou a xícara de café. Tomou um gole, sempre olhando para a moça.

Zita ficou à espera, achando que o comportamento correcto seria ela se retirar, mas querendo, desesperadamente, continuar ali.

- Que idade você tem?

- Quase dezoito, Majestade.

- E é a primeira vez que sai de casa para trabalhar? É muita bondade sua demonstrar interesse.

O rei largou a xícara.

- Estou interessado, porque aprecio a beleza e me parece que está desperdiçando a sua num lugar como este, quando poderia...

Interrompeu-se novamente.

- Poderia o quê, Majestade?

- Poderia fazer muitas outras coisas. Mas talvez isso a estragasse, seria uma pena.

- Que outras coisas Vossa Majestade acha que eu poderia fazer?

Zita achou que era uma conversa fascinante para ter com um rei que não fazia a mínima idéia de quem era ela.Era quase como se estivesse conversando com o pai, quando os dois procuravam frases que pudessem confundir o outro, num interes­sante duelo de palavras.

- Você sabe dançar?

- Mas, claro! Sei dançar como uma cigana ou, se Vossa Majestade preferir, executar as danças típicas de Aldross. as quais, creio eu, devem ser muito parecidas com as danças regionais de Valdastien.

Falou em tom brincalhão, quase como falava com o pai.

- Você me deixa perplexo. Parece educada. Tanto sua gramática quanto a construção das frases indicam que tem um domínio de minha língua que eu não esperaria encontrar numa...

Interrompeu-se, procurando a palavra certa, mas Zita terminou a frase por ele:

- ...numa camponesa!

O rei deu uma risada.

- Você não parece uma camponesa. Agora, fale comigo em sua língua.

- O que Vossa Majestade gostaria que eu dissesse? - perguntou Zita, na língua de Aldross.

- Não importa. Vá falando, até eu pensar em alguma coisa.

Zita deu uma risadinha. Depois, achando que ele ficaria ainda mais perplexo, disse, num francês perfeito, com sotaque parisiense:

- Como parece que estamos participando de uma competição de idiomas, eu gostaria de descobrir qual a fluência de Vossa Majestade na língua da capital mais alegre do mundo.

O rei fitou-a com mal disfarçado espanto. Perguntou. asperamente:

- Que brincadeira é essa? Quem é você? Uma actriz? Quem a man­dou falar comigo?

Zita não esperava tal reacção.

- Não é nada disso, Majestade. Acontece que tenho aptidão para línguas e me dei ao trabalho de

aprendê-las.

- É verdade?

- Garanto que... é.

Olhou-o quase com ar súplice, não querendo

aborrecê-lo, não que­rendo estragar os momentos deliciosos que tivera, antes de Maximi­liano desconfiar dela.

De repente, como se lembrando de que o tempo estava passando, o rei disse:

- Quero tornar a vê-la, Zita, e continuar esta conversa. Antes de partir de Aldross, vou lhe mandar um recado, dizendo onde deve ir me encontrar. - Fez uma pausa e acrescentou: - Virei para cá ou providenciarei para que você vá ao meu encontro. Está disposta a fazer isso?

Ela ficou sem saber o que dizer. Depois, hesitando porque não podia raciocinar direito, respondeu:

- Talvez seja... impossível.

- Nada é impossível. Embora tenhamos que ser discretos, estou decidido, firmemente decidido, não apenas a me encontrar com você, como a fazer com que me explique três mistérios.

- Quais são... eles?

- A cor de seus cabelos, a expressão de seus olhos e sua aptidão para línguas.

Havia uma nota zombeteira na voz dele, mas Zita sabia que estava falando sério.

Antes que ela pudesse responder, ouviu-se um ruído de passos no corredor e o criado de quarto do rei entrou apressadamente.

- Não sei quem me mandou aquele recado, Majestade - disse ele. - As carruagens já partiram e, se esqueceram alguma coisa, nada posso fazer.

O rei não respondeu. Tinha pegado sua túnica, e o criado se apres­sou a ajudá-lo a vesti-la.

- Pediram-me que avisasse Vossa Majestade de que a carruagem do grão-duque já está à vista.

- Então, preciso me apressar.

Como se essas palavras despertassem Zita de um sonho, no qual era difícil pensar com clareza ou compreender o que estava aconte­cendo, ela pegou a xícara de café, colocou-a na bandeja e se dirigiu para a porta.

Já ia sair, quando o rei falou, secamente, como quem dá uma ordem:

- Não se esqueça do que lhe disse, Zita.

- Não me esquecerei, Majestade.

Fez uma pequena reverência e saiu do quarto sem olhar para Maxi­miliano, mas sentindo que ele a observava.

Só depois que fechou a porta, percebeu que seu coração batia des­compassado e que estava meio tonta. Embora tivesse sido emocio­nante, excitante e perigoso, sentia-se exausta com a dramaticidade do incidente.

 

Enquanto cavalgava para casa, Zita se lembrou de todos os deta­lhes do encontro, mal podendo acreditar que aquilo não fosse imagi­nação sua.

Tinha visto o rei, falara com ele, e, incrivelmente, ele dissera que queria tornar a vê-la.

Era uma coisa que Zita não esperava, mas agora sabia que preci­sava se esquecer de tudo, nem que fosse por causa de Sophie. Não devia interferir nos sentimentos dele pela irmã nem no namoro dos dois, se é que Maximiliano pretendia cortejar a filha mais velha do grão-duque.

Aos olhos dele, a posição de Zita seria a mesma de La Belle e de outras mulheres do demi-monde com as quais se divertia, em Paris ou na mansão contígua ao palácio de Valdastien.

Sua mãe ficaria horrorizada, se soubesse não apenas do que Zita havia feito, mas da maneira como o rei a olhara e falara com ela.

“Creio que todos os homens são iguais. Basta verem um palminho de rosto bonito, que já começam a falar com intimidade. E é uma coisa que uma princesa não deveria permitir”

Ao mesmo tempo, pensou que era mais fácil conversar com o rei como uma garçonete bonita do que num jantar de cerimónia. Lá haveria cortesãos à esquerda e à direita, e a grã-duquesa observando tudo com olhos de águia.

Depois, achou que seria fácil conversar com o rei, fossem quais fossem as circunstâncias, O importante não era tanto o que diziam, e sim, o que deixavam de dizer, assim como as vibrações que iam de um ao outro.

- Foi o que senti por ele - murmurou, enquanto cavalgava em direcção ao palácio. - Gostaria de saber se sentiu a mesma coisa por mim. Ele é fascinante!

Pegasus levantou as orelhas, ao ouvir a voz dela. Zita se inclinou e deu umas pancadinhas no pescoço do cavalo.

- Sim, ele é magnífico e, ao mesmo tempo, imprevisível. Natural­mente, sente-se atraído por qualquer rostinho bonito.

Lembrou-se de todas as histórias que tinha ouvido a respeito de Maximiliano.

Não era apenas La Belle. Havia as famosas beldades da sociedade parisiense, assim como as mulheres do

demi-monde que lhe tinham sido descritas por madame Goutier. E também as actrizes, das quais o professor de música falava num tom que indicava que não estava velho demais para apreciá-las!

“O rei está pouco ligando para que uma mulher seja uma actriz do Théâtre de Variétés ou uma garçonete da Estalagem Golden Cross.”

Ficou imaginando o que ele pensaria quando, depois de lhe mandar um bilhete, recebesse a resposta de Gretel de que a moça não estava mais lá.

Achou que seria bem- feito, se ele esperasse em vão por ela na esta­lagem, ou fosse qual fosse o lugar que marcasse para o encontro.

Tinha contado a Gretel os detalhes do encontro e pedido que abrisse a qualquer bilhete que fosse entregue para ela.

A amiga ouviu, de olhos arregalados.

- Você conquistou o rei! Mas tenha cuidado, princesa, ou se verá em apuros.

- Disso não há dúvida, se papai ou mamãe descobrirem o que andei fazendo.

- Como poderiam descobrir? O rei tem fama de dom-juan, mas nunca se ouviu dizer que teve um caso com uma garçonete bonita. - Reflectiu sobre isso e continuou: - Você não parece uma garço­nete, e não adianta fingir que é.

- Então, o que pareço ser?

- Uma princesa! - respondeu Gretel, e ambas riram.

Chegando ao palácio, quando subia a escada para a sala de estudo, Zita pensou que, se antes tinha sido frustrante saber que não ia poder ver o rei, agora era mil vezes pior.

Só pensava nele, lá embaixo, sentado à mesa, suportando um almoço longo e maçante, com discursos cujo teor já devia ter ouvido muitas vezes antes. Se ela estivesse presente, poderia ao menos observá-lo. Talvez os olhos deles se encontrassem, e um saberia o que o outro estava pensando.

Zita estremeceu.

“Devo estar louca, imaginando que ele pensaria em mim, ou que, se me conhecesse como realmente sou, me daria alguma atenção. A única coisa que despertou seu interesse por mim foi o facto de eu não parecer empregada de uma estalagem. Ficou perplexo por eu falar três línguas.”

Lembrou-se depois do que o rei dissera a respeito de seus cabelos. Ocorreu-lhe que, se ele visse o retrato de sua avó, na sala do trono, poderia suspeitar.

Mas não havia razão para isso, porque ir à sala do trono não fazia parte do programa dele. E era apenas lá que havia um bom retracto da avó de Zita.

“Isso está parecendo uma história de detective, onde o vilão deixa pistas por toda a parte e, cedo ou tarde, acaba sendo apanhado!”

Estremeceu, ao pensar que sua mãe poderia um dia descobrir o que tinha feito. E estava certa de que o castigo seria de acordo com o crime.

Durante o resto da tarde, ficou deitada na cama, tentando ler um livro. Mas o tempo todo pensava no rei, imaginando se naquela noite, ou talvez no dia seguinte, ele mandaria um bilhete à estalagem, pedin­do que Zita fosse a seu encontro.

Por um momento, brincou com a idéia de atender ao pedido. De­pois, achou que não só seria perigoso e complicado, como agora precisava ser leal à irmã e deixar que Maximiliano concentrasse suas atenções em Sophie.

Depois que os dois ficassem noivos, Zita faria com que ele jurasse jamais contar em que circunstâncias tinham se conhecido.

“Tenho certeza de que ele é bastante desportivo para não me de­nunciar.”

à noite, ia haver um baile no palácio. Era pouco provável que o rei tentasse se encontrar com ela, pois seria obrigado a dançar no salão repleto de flores, onde provavelmente ficaria até à uma da madrugada.

Era a essa hora que a grã-duquesa gostava que suas festas acabas­sem. Depois que tocavam o hino nacional, os convidados não tinham outra coisa a fazer, a não ser ir para casa.

Trouxeram para Zita, no quarto, um jantar pouco apetitoso.

A baronesa Makszath, que fazia tudo o que a grã-duquesa queria, tinha vindo ao quarto de Zita duas vezes, para saber se estava bem.

Depois que a moça garantiu que sim, a baronesa correu para os festejos lá de baixo.

Sua última visita foi pouco antes do jantar. Entrou no quarto de Zita usando o melhor vestido de baile, com uma tiara pequena na cabeça grisalha. Tinha uma expressão excitada, incomum nela.

- Que está acontecendo? - perguntou Zita.

- Oh, é emocionante! Sua Majestade é o homem mais bonito que já vi!

- O que Sophie acha dele?

A baronesa hesitou, antes de responder:

- Tenho a impressão de que está um pouco intimidada. Sentou-se ao lado dele, ao almoço, mas não pareciam ter muito o que conver­sar. E achei o rei um tanto preocupado.

- De que maneira?

A baronesa teve dificuldade em responder!

- Para dizer a verdade, o rei não pareceu estar fazendo muito esforço. Minha mãe sempre dizia que...

A baronesa começou uma das intermináveis histórias de sua moci­dade, mas Zita não a ouviu.

Pensava que, se tivesse comparecido ao almoço, teria muito assunto para conversar com o rei. O mais importante seria a atitude dele em relação à Alemanha. A seguir, falariam sobre cavalos.

Obviamente, a baronesa não queria ficar no andar de cima, quando havia tanta coisa interessante lá embaixo. Logo saiu do quarto, reco­mendando a Zita que dormisse cedo.

- Não tenho muita escolha! - respondeu a moça, secamente. Recusou o último prato que o lacaio trouxe.

O que aconteceria, se descesse e fosse espiar o baile pela janela, do lado de fora?

Sabia que, se fizesse isso e fosse descoberta, sua mãe ficaria furiosa.

Depois, brincou com a idéia de colocar seu melhor vestido de baile, que era verde, da cor de seus olhos, e entrar no salão, dizendo que, afinal de contas, tinha resolvido comparecer à festa.

Podia imaginar a consternação que causaria, assim como a cólera da mãe e o ódio de Sophie.

“Até mesmo papai me olharia com repulsa. E com razão; seria pouco desportivo eu agir assim.”

Caso o rei não pedisse Sophie em casamento, Zita seria considerada culpada e ouviria falar no assunto a vida inteira.

Finalmente, atirou longe o romance, que era muito aborrecido, e apagou as velas.

Teve a impressão de que ouvia o som de música. Não podendo tapar os ouvidos, imaginou que estava dançando com o rei.

Enquanto ele a tinha em seus braços, Zita sentia que uma corrente os unia, de modo que a música parecia vir, não dos violinos, mas do coração dos dois.

 

Depois de algum tempo sem conseguir dormir, Zita levantou-se, foi até à janela e ficou olhando para as estrelas, imaginando o que o fu­turo lhe reservaria.

Sabia que, devido ao seu nascimento e à sua posição, cedo ou tarde teria que aceitar um casamento que fosse vantajoso para seu país, ou de interesse político.

Mesmo que lutasse contra isso, era inevitável. Desde criança, ouvi­ra mil vezes que pertencer a uma família real acarretava grandes res­ponsabilidades.

Sabia agora que o que realmente sua mãe dizia era que, como prin­cesa, o único serviço que poderia prestar a Aldross seria fazer um casa­mento vantajoso.

Assim, quando pensava em amor, Zita se via, não como uma princesa, mas como uma moça comum, como não podia ser de facto.

O homem de seus sonhos não tinha rosto e não era de sangue real.

Zita contava a si mesma histórias em que o homem que amava é húngaro e um magnífico cavaleiro: podia dançar com ele ao som música cigana ou galopar pelas estepes, lado a lado, até o horizonte infinito.

Como alternativa, ela se imaginava ficando apaixonada por um inglês que possuísse cavalos. Os dois veriam os animais ganharem Derby ou a Taça de Ouro. Caminhando ao lado dele, Zita levaria o vencedor pela rédea até a baia.

Tanto seu pai quanto sua mãe lhe contaram o que acontecia nas corridas, na Inglaterra, e que a organização lá era superior à de qual­quer outro hipódromo do mundo.

Também imaginava uma grande mansão, em estilo georgiano, de propriedade do marido, onde viveriam sossegados, treinando seus cavalos e participando muito pouco das actividades do condado.

Era essa a vida que a grã-duquesa levava, como um membro obs­curo da família da rainha Vitória, até ficar decidido que casaria com o grão-duque de Aldross.

- Fale mais de sua infância, mamãe - pedia Zita.

Quando era moça, ela conversava com as filhas com um jeito hu­mano e revelador. Só depois que Zita se tornou tão bonita, foi que a mãe a pôs de lado, guardando suas confidências para a filha mais ve­lha e sua predilecta, Sophie.

Havia uma nacionalidade que nunca entrava nas cogitações de Zita: a francesa.

Embora ficasse fascinada com as descrições da beleza de Paris, de sua alegria e de seu encanto, sabia que na França quase todos os casa­mentos eram arranjados. Levavam em consideração as vantagens so­ciais. E o dote da noiva era de grande importância. Mas quase todos os homens casados tinham amantes, consideradas tão importantes para a felicidade de um homem como sua família.

“Eu detestaria isso!”

Ocorreu-lhe que Sophie acharia humilhante, se chegasse, um dia, a saber que o rei, assim como muitos franceses, tinha uma esposa em público e uma amante em particular.

Talvez Sophie, sendo muito tola, nunca chegasse a saber, pensou Zita, à guisa de consolo.

Achava repulsiva a idéia de o rei, ou outro homem qualquer, levar uma vida dupla. Ao mesmo tempo, sabia que era exactamente isso que seu pai fazia e não podia culpá-lo.

“Mamãe é muito fria... E papai gosta de mulheres quentes, riso­nhas, extrovertidas.”

Tentou imaginar o pai beijando a esposa com paixão e achou im­possível. Para dizer a verdade, não podia imaginar a mãe tendo um sentimento apaixonado, a não ser a cólera.

Mesmo por ser inglesa, a grã-duquesa conseguia se controlar. Quan­do ficava realmente zangada com alguém, ou com uma das filhas, ape­nas se empertigava toda, como se fosse feita de pedra, e a voz parecia de gelo.

Era muito diferente das pessoas de Aldross. Estas gritavam, dis­cutiam e atiravam objectos umas nas outras. Mas, no momento seguinte, já se abraçavam, com lágrimas de arrependimento, beijavam-se e fa­ziam tudo para que reinasse de novo a paz.

- Garanto que a vida seria muito melhor assim - murmurou Zita.

Lembrou-se de que muitas vezes, em criança, tinha sido castigada por perder o controle, ou dizer o que pensava.

- As pessoas de sangue real não demonstram emoção - disse a grã-duquesa, inúmeras vezes. - A realeza não chora em público; es­conde seus sentimentos por detrás de uma máscara.

- Por quê? Por quê? - perguntava Zita, levando uma palmada para não discutir com a mãe ou com as governantas, que faziam as mesmas recomendações.

Certa vez, bateu o pé e gritou:

- Detesto ser uma princesa real! Vou fugir e viver com os ciganos, e vocês nunca mais me verão!

Saiu correndo do quarto e chegou a sair do palácio, com a intenção de nunca mais voltar. Mas tinha sido trazida de volta, levando umas palmadas e sendo obrigada a ficar no quarto, de castigo, o dia inteiro. Seu jantar seria apenas pão e água.

Zita não se arrependeu, mas aprendeu que era mais prudente não expressar seus sentimentos de modo tão claro, devendo guardá-los para si mesma.

Esses pensamentos a levaram de volta ao rei. Embora fosse muito excitante conversar com ele, e mais excitante ainda flertar com ele, tinha pena de Sophie.

“Se ela se apaixonar pelo rei, como mamãe se apaixonou por papai, vai ficar sentada no palácio, com o coração partido, enquanto ele estiver com La Belle, divertindo-se, ou com outra mulher igual a ela. Ou, então, talvez esteja em Paris, tratando de um negócio impor­tante.”

Então, ocorreu-lhe a idéia de que, fosse qual fosse o sofrimento futuro, valia a pena receber as carícias do rei, em vez de suportar as demonstrações amorosas do maçante margrave de Baden-Baden.

Ficou tanto tempo à janela, que viu o brilho das estrelas se apagar no céu. A madrugada chegava cedo, nessa época do ano, e logo o primeiro brilho do alvorecer surgiria atrás das montanhas.

Zita resolveu sair a cavalo, como na véspera. Mas nesse dia não havia pressa, porque todo mundo, no palácio, estaria exausto, após o baile.

Vestiu-se lentamente, escolhendo a saia rodada de um traje de montaria verde, leve e própria para o verão; uma blusa branca de musselina com aplicações de renda e uma jaqueta que combinava com a saia.

O traje fazia com que parecesse muito jovem. Não pretendendo usar chapéu, já que ninguém a veria, escovou bem os cabelos ruivos, até que eles pareceram flutuar à volta do rosto. Prendeu-os depois na nuca, com uma fita verde.

Quando ficou pronta, havia no céu uma claridade que dava um brilho dourado aos picos cobertos de neve.

Zita saiu do palácio pelo mesmo caminho da véspera: a porta la­teral, a mais próxima das cocheiras.

Com a chegada do rei, o número de sentinelas era maior. Depois de selar seu cavalo, compreendeu que seria impossível sair do jardim por um dos portões principais.

Assim sendo, guiou o cavalo por entre as árvores, até chegar ao portão que era usado pelos jardineiros. Ali não havia nenhuma senti­nela. Embora o portão tivesse um cadeado, isso não constituía obstá­culo para Pegasus. Ele pulou o portão com uma folga de uns quinze centímetros.

Logo se viram trotando por lugares desabitados, em direcção aos campos que Zita achava que deviam ser semelhantes às estepes que tanto desejava conhecer.

Quando chegaram ao vale, o nevoeiro que o cobria de manhã co­meçava a se dissipar. Teve a impressão de estar entrando num país encantado, que nada tinha a ver com o palácio e com o mundo que deixara para trás.

Dispondo de bastante tempo, fez o cavalo seguir devagar, até que o nevoeiro se dissolveu e ela distinguiu o brilho das flores.

A princípio, o sol iluminou apenas os picos dos morros, mas depois chegou ao vale, com um brilho dourado.

Era um espectáculo tão bonito que ela desejou poder mostrá-lo ao rei e desafiá-lo a mostrar-lhe algumas coisas igualmente em Valdastien.

Ao pensar nele, o instinto fez com que virasse a cabeça. Viu, ao longe, um cavalheiro que vinha naquela direcção.

Zita parou. Com súbita apreensão, achou que talvez a tivessem vis­to sair da cocheira, mandando alguém para buscá-la.

Quando o cavalheiro se aproximou, teve uma idéia absurda. Mas, quanto mais perto ele chegava, mais Zita se convencia de que era o rei.

Sem saber porquê, ficou à espera, e um brilho malicioso surgiu em seus olhos verdes

Percebeu que o rei a havia reconhecido e que esporeava o cavalo para alcançá-la. Zita esperou mais alguns segundos; então, esporeou Pegasus, fazendo-o galopar. Ele ia tão depressa, que seus cascos mal pareciam tocar o chão.

Sem olhar para trás, tinha certeza de que o rei galopava, tudo fazendo para alcançá-la.

Estava decidida a não permitir que o conseguisse, mas ouvia cada vez mais perto o ruído dos cascos do garanhão negro que ele mon­tava. Finalmente, galopavam lado a lado, a grande velocidade.

Continuaram assim durante algum tempo. Relanceando o olhar para Maximiliano, achou que nenhum homem que conhecia e que montava era excepcional.

Assim continuaram, até ficarem ofegantes.

Como se houvesse entre eles uma comunicação muda, ambos acha­ram que bastava de galope e diminuíram a marcha.

Zita virou-se para o rei, sorrindo.

- Um empate, creio eu, Majestade. Ou, como mulher, devo con­ceder-lhe o gosto da vitória?

- Creio que fomos ambos vencedores. Mas eu gostaria de saber como é possível que uma simples mulher monte tão bem.

Zita riu e o som pareceu cristalino, na quietude da manhã.

O rei fez seu animal parar e disse:

- Seu cavalo é estupendo. A quem pertence?

- É meu. E, como Vossa Majestade bem pode imaginar, eu o amo.

- Como provavelmente ama a pessoa que o deu a você.

A moça notou certa aspereza na voz dele. Fitou-o, como que espe­rando por uma explicação.

- Como o cavalheiro em questão é, obviamente, rico, acho ex­traordinário que permita que você trabalhe numa hospedaria.

Zita sorriu, imaginando o que deveria responder. O rei perguntou, com secura:

- O que esse homem significa para você? Gosta dele como do cavalo que lhe deu?

Ela ficou tão atónita com a pergunta que, por um momento, ape­nas olhou para o rei. Depois, compreendeu o que ele estava insinuan­do: achava que era uma mulher como La Belle e outras de seu tipo.

Zita ergueu o queixo, desafiadora.

- Como considero o que me diz uma ofensa, vou deixá-lo, Ma­jestade.

Ia virar Pegasus, mas, com um movimento rápido, o rei pegou a rédea do animal.

Surpreso, Pegasus empinou, mas Maximiliano não largou a rédea.

- Não pode ir embora. Quero falar com você.

- Não sei se quero falar com Vossa Majestade.

Então, os olhos de ambos se encontraram e Zita compreendeu que não poderia ir embora.

Continuaram de olhos presos. Como se ela o obrigasse a isso, o rei disse, em voz baixa:

- Perdoe-me, mas você deve ter percebido que tudo o que diz ou faz me deixa perplexo. Para dizer a verdade, a não ser que me dê uma explicação e responda às minhas perguntas, creio que vou ficar louco!

Percebendo que ele falava a sério, Zita ficou encabulada e desviou o olhar.

- Não posso imaginar por que Vossa Majestade se... preocupa comigo.

O rei largou a rédea de Pegasus.

- Essa foi a única observação tola que ouvi de você, desde que nos conhecemos. Vamos continuar.

Zita virou seu cavalo e cavalgou ao lado do rei, na manhã enso­larada.

A névoa tinha desaparecido totalmente, na parte baixa do vale, mas ainda pairava sobre as árvores que o sol não havia alcançado, encobrindo o palácio distante, de modo que parecia que eles estavam sós, num mundo encantado.

Continuaram a cavalgar. O único ruído que se ouvia era o dos cascos dos cavalos e o tilintar dos arreios. Percebendo que o rei olha­va para ela de um modo penetrante, Zita ficou satisfeita por saber que estava perplexo e que as coisas não eram tão simples como sempre deviam ter sido para ele. Finalmente, Maximiliano disse:

- Estou esperando.

- Esperando o quê?

- Quero saber o que você tem a contar.

- Por que hei-de lhe contar alguma coisa? Não é muito mais di­vertido saber que nos encontramos, talvez por determinação do desti­no? Assim como um sonho, não há necessidade de explicação, nem de um motivo para tudo.

Zita falou como se estivesse conversando com o pai. Como o rei nada dissesse, ela continuou:

- Os sonhos são lindos apenas quando, ao acordar, não tentamos fazer com que se tornem realidade.

- Está mesmo sugerindo que, quando nos despedirmos, hoje, eu não saiba mais nada a seu respeito do que sei agora?

- Por que não? Não tinha intenção de encontrá-lo aqui.

- O destino nos reuniu novamente. Isso e o facto de eu não ter podido dormir, pensando em você.

Zita olhou para ele, espantada. Parecia estranho que Maximiliano dissesse isso, pois ela também não tinha podido dormir, por causa dele.

- Agora Vossa Majestade está exagerando. Se não dormiu, deve ser por causa do que comeu, à ceia, ou porque bebeu champanhe de­mais.

- É plausível, mas você sabe tão bem como eu que não é ver­dade. E não falo por falar. Desde que a conheci, ontem, na estalagem, eu a quero, Zita.

- Que estranho! - murmurou a moça, quase acrescentando que também ela o queria.

O rei ia dizer qualquer coisa, mas uma borboleta roçou o focinho de seu cavalo, que se espantou.

Maximiliano controlou-o imediatamente e depois disse:

- Preciso conversar com você! Temos que encontrar um lugar onde possamos conversar sentados, e não a cavalo!

- A mais ou menos um quilómetro e meio daqui, há uma estala­gem pequena, usada por aqueles que pretendem escalar a montanha acima dela - disse Zita. - Tenho certeza de que nos servirão café, caso Vossa Majestade ainda não tenha tomado o desjejum.

O rei sorriu.

- Para dizer a verdade, escapuli, sem que me vissem. Achei que ia escandalizar todo mundo, se pedisse meu cavalo tão cedo. E, cer­tamente, achariam estranho eu querer sair sozinho.

Zita riu. Sabendo que ele tinha razão e que os criados do palácio teriam ficado perturbados, assim como os cavalariços.

Mas sabia também que não devia deixar que o rei percebesse que ela estava a par dessas coisas. Fez com que Pegasus avivasse o passo. Ela e seu companheiro trotaram em silêncio.

Zita tinha estado naquela estalagem, numa de suas excursões com o pai, quando ele fora escalar a montanha.

Achou pouco provável que as mesmas pessoas estivessem cuidando da hospedaria, mas, mesmo que agora os donos fossem desconhecidos, talvez soubessem quem ela era, já que em Aldross todo mundo conhe­cia a família de seu governante.

A estalagem era um chalé pequeno, no meio de árvores, construído na encosta, mas não num ponto alto demais que dificultasse a subida dos cavalos.

Como Zita esperava, havia mesas e cadeiras do lado de fora, assim como alguns caramanchões para quem quisesse conversar com mais intimidade, isolado dos outros hóspedes.

Era tão cedo que ainda não havia ninguém tomando o vinho leve da região, ou a cerveja que vinha da capital e que, portanto, era mais cara.

- Quer que leve os cavalos para a cocheira? - perguntou o rei, depois que apearam.

- Não precisa levar Pegasus. Não irá longe e virá quando eu o chamar.

- Então, o nome dele é Pegasus. Não me admiraria se criasse asas e saísse voando, carregando você.

- Prometo não fazer isso, até tomar meu café.

Zita deu um nó na rédea, no pescoço do animal, e

deixou-o livre. Após um momento de hesitação, como não quisesse admitir que a moça podia controlar melhor Pegasus do que ele o seu garanhão, Ma­ximiliano fez a mesma coisa.

- Creio que, como é muito cedo, Vossa Majestade terá que entrar, para encomendar o café. Provavelmente não esperam ninguém, até o Sol estar alto.

Ao dizer isso, imaginou que, já que o rei achava que era uma gar­çonete, cumpria a ela essa tarefa. Mas, no momento, estava em igual­dade de condições.

Sem esperar pela resposta, Zita dirigiu-se para o caramanchãozinho mais próximo. coberto por parreiras, onde os cachos de uva já começavam a amadurecer. Sentou-se, esperando que a pessoa que trou­xesse o café não olhasse muito para ela.

O rei demorou um pouco, o que a surpreendeu. Quando apareceu, veio em companhia de uma mulher idosa, grande e gorda, que trazia uma bandeja e uma toalha. Ela colocou tudo na mesa, dizendo:

- Vocês mesmos têm que arrumar a mesa, do contrá­rio meus croisants vão se queimar. Não posso deixá-los no forno por mais tempo.

- Nós nos arranjaremos - respondeu o rei.

A mulher afastou-se apressadamente, sem nem mesmo olhar para Zita.

O rei segurou a bandeja. enquanto a moça estendia a toalha axa­drezada na mesa de ferro. Colocou-a depois diante de Zita.

Havia ali um bule grande de café, duas xícaras, um pote de creme grosso e uma cesta de frutas de vários tipos.

- Levou muito tempo para voltar - comentou Zita. - Eu esta­va imaginando o que teria acontecido.

- Os croissants eram mais importantes do que eu.

Ela deu uma risada.

- Sei por que está rindo - disse Maximiliano.

- Mas, claro! Estava pensando que deve ser humilhante, para Sua Majestade, o rei Maximiliano de Valdastien, ver que está em segundo lugar, em relação a um croissant!

- Confesso que isso jamais aconteceu.

Zita entregou-lhe a xícara de café. Ele acrescentou:

- E é também a primeira vez que me vejo na companhia de uma criatura tão bela!

- Diz isso com muita facilidade. Percebo que tem muita prática, Majestade. O director de uma peça de teatro faria com que repetisse isso inúmeras vezes, até parecer sincero.

- E você é uma actriz! Eu disse a mim mesmo, ontem, que sua representação era boa demais para ser verdadeira.

Zita riu.

- Se é nisso que deseja acreditar, acredite!

- Quero que me diga a verdade.

- Seria muito decepcionante se, depois de tudo o que Vossa Ma­jestade imaginou, descobrisse que sou filha de um sapateiro!

- Duvido que a filha de um sapateiro tivesse sua aparência, Zita, e montasse um cavalo chamado Pegasus, como se viesse do Olimpo.

- Isso é muito poético - brincou a moça.

- Você está começando a me aborrecer. Vamos deixar de fingir e falar a sério.

- Sinto decepcioná-lo, mas é assim que falo, sempre que tenho oportunidade.

- Você não me decepciona. Fala de um modo condizente com sua aparência, como se saísse de um sonho. Estou morrendo de medo de acordar.

- É uma coisa que não deve fazer. Portanto, pare de ficar ima­ginando coisas e de se beliscar para ver se está dormindo! Se estiver de repente abrirá os olhos e verá que está em sua cama... sozinho!

Zita disse as últimas palavras sem pensar. Só quando viu a expres­são do rei, compreendeu que ele as havia interpretado de um modo muito diferente.

- Que quer dizer com isso? O que sabe a meu respeito, além de eu ser um rei que veio visitar a capital de seu país?

Estava zangado, e Zita não pôde deixar de rir.

- Pensa que é só isso que sabem a respeito de Vossa Majestade? Como é nosso vizinho, ouço falar dos casos amorosos do rei Maxi­miliano desde que me entendo por gente!

- E o que foi que ouviu?

Zita ficou pensando se devia dizer a verdade.

Podia ouvir de novo madame Goutier lendo as cartas da filha sobre as aventuras de Maximiliano, em Paris; ou o professor de piano des­crevendo os encantos das actrizes do Théâtre de Variétés e das canto­ras que tinham conquistado a cidade, cantando em cafés-concertos.

Seus pensamentos a levaram até La Belle, que era hóspede do rei, na mansão pegada ao palácio de Valdastien.

Enquanto reflectia sobre o que responder, o rei a observava. De re­pente. ele disse:

- Quem lhe contou tais coisas e por que motivo você acreditou nelas com tanta facilidade?

Zita virou o rosto para outro lado.

- Vossa Majestade não deve... ler meus pensamentos.

- Por que não? E saiba que o facto de poder lê-los é a coisa mais estranha que jamais me aconteceu.

Zita não pôde deixar de fitá-lo. Quando os olhares de ambos se en­contraram, ela soube que o que ele dizia era verdade. De um modo estranho, incompreensível, o rei podia saber o que ela estava pen­sando, como também ela sabia o que ele pensava. Compreendeu que, não apenas estava interessado por ela, como intrigado e quase fasci­nado.

Maximiliano tinha de facto ficado acordado, pensando na moça. Achou, depois, que a única maneira de escapar de pensamentos tão estranhos, tão insistentes, era sair a cavalo.

Entreolharam-se durante muito tempo, e o rei disse:

- Por que isso nos aconteceu, Zita?

Um tanto amedrontada, ela respondeu:

- Não acho que tenha acontecido.

- Não com palavras. Mas, assim como sei o que está pensando, sinto que você recebe as minhas vibrações. E também recebo as suas.

Zita prendeu a respiração.

- Não deve dizer... isso! Não é... verdade!

O rei sorriu.

- Por que mentir a respeito de uma coisa tão agradável? Ontem à noite, tive medo de nunca mais tornar a vê-la. Agora sei que não precisava ter medo. Somos atraídos um para o outro, assim como a Lua atrai as marés.

Ela respirou fundo.

- É uma boa comparação. A Lua está longe, no céu, e, embora possa afectar o mar, não há hipótese de ambos se aproximarem. O mesmo acontece connosco.

O rei deu um soco na mesa, que fez com que Zita pulasse, e as xícaras e os pires estremeceram.

- Tolice! Temos que nos ver de novo!

- É... impossível.

- Por quê?

- Porque, como eu já disse, Vossa Majestade está tão longe como o homem da Lua, que não desce para se misturar com os comuns mortais, como eu.

- Você é um ser humano. E, se fosse necessário, tenho certeza de que Pegasus poderia levá-la à Lua.

Zita riu, porque não esperava por tal resposta.

- Gostaria que Pegasus pudesse saber como Vossa Majestade está sendo lisonjeiro com ele.

- Voltamos a Pegasus! E ainda estou esperando que me diga quem o deu a você.

Zita não respondeu. Maximiliano insistiu:

- Ficou zangada, quando eu fiz a sugestão óbvia, mas não pode ser tão cruel a ponto de deixar que eu fique torturado por uma emo­ção que nunca senti. - Zita olhou para ele, espantada. - Pois bem, estou com ciúme, como nunca estive, no passado. Quem é ele?

- Não creio que Vossa Majestade tenha o direito de me fazer esse tipo de pergunta.

- Então, me dê esse direito.

- Não sei o que quer dizer com isso.

- Creio que sabe. Mas tenho medo de dizer o que é.

Zita compreendeu então que ele lhe oferecia o lugar ocupado por La Belle.

Embora achasse que devia ficar escandalizada e zangada com a sugestão, imaginou, desesperadamente, o que poderia responder, sem tornar impossível a conversa entre eles.

Conversar com o rei era o que mais desejava, a coisa mais exci­tante e mais extraordinária que tinha acontecido em sua vida. Por isso, não podia terminar tudo, como se fizesse descer o pano no tea­tro, no final da peça.

Maximiliano a observava, e Zita sabia que procurava ler seus pen­samentos.

Inesperadamente, ele disse:

- Não posso acreditar que você não seja pura. Algum homem já a possuiu?

Por um momento, a moça o encarou, incrédula, porque nunca ima­ginara que um homem lhe fizesse tal pergunta tão íntima e tão imper­tinente.

Corou violentamente e respondeu, sem pensar:

- Claro que não! Como pode perguntar uma coisa dessas?

O rei soltou uma exclamação de triunfo. Colocando a mão sobre a dela, disse:

- Eu sabia! Perdoe-me, mas, depois que você me disse que Pe­gasus lhe foi dado de presente tive a impressão de que todos os de­mónios zombavam de mim.

- Não quero falar sobre mim... nem Vossa Majestade deve falar comigo desse modo.

Estava ofegante. O contacto da mão dele provocava uma intensa vibração que lhe causava um intenso prazer.

- Você é tão linda! Tão absurda, tão ridiculamente linda! Eu sempre soube que devia haver no mundo alguém como minha mãe, mas esperava que, se tal criatura existisse, eu a encontraria na Hun­gria.

- Então, por que não a foi procurar lá?

O rei suspirou.

- Por várias razões. Antes de tudo, porque não quero casar; e também porque nunca achei que o temperamento húngaro, impetuoso, impulsivo, emotivo, fosse desejável para a esposa do rei de Valdastien.

Zita compreendia bem o que ele queria dizer.

Embora sua avó e seu avô tivessem sido muito felizes como marido e mulher, Zita sabia que, como grã-duquesa de Aldross, sua avó muitas vezes escandalizara os cidadãos mais conservadores de sua nova pátria.

Quando ela e o marido brigavam, todo o palácio vibrava com a violência das discussões. Depois que faziam as pazes, tudo parecia “ensolarado”, como dizia um velho cortesão.

- Há no meu país um provérbio que diz: "É melhor viver do que existir". E um outro: "É preferível sentir calor demais perto do fogo do que ficar gelado na neve."

O rei inclinou a cabeça para trás e riu.

- Como é possível que você seja, não apenas bonita, mas também inteligente e espirituosa? A cada momento que passo a seu lado, Zita, fico mais convencido de que estou de facto sonhando.

- Então, não tente acordar.

Tentou libertar a mão, mas Maximiliano a prendeu.

- Não vou perdê-la, Zita, até me prometer que poderemos con­tinuar sonhando, no futuro. - Observou o rosto da moça e conti­nuou: - Nós dois sabemos que o que nos aconteceu, desde que nos conhecemos, não é apenas uma coisa excepcional, como também úni­ca. Nós nos encontramos no tempo e no espaço. Se nos perdermos de novo, será um crime do qual nunca nos perdoaremos.

- É o que temos de fazer. Vossa Majestade tem sua vida, e eu, a minha.

- Qual é sua vida? É o que estou tentando convencê-la a me dizer.

Zita não respondeu, e ele continuou:

- Seja o que for que você estiver fazendo agora, por que seu fu­turo não pode ser a meu lado? Zita, eu a quero como mulher, mas desejo também que me ajude, que me inspire a fazer coisas em que jamais pensei, até agora. - Desviou o olhar e acrescentou: - sei, intuitivamente, que essas coisas são como portas que se abrem para novos projectos e novos interesses que irão ajudar, não apenas a mim, mas ao meu povo. - De repente, soltou a mão dela e colocou-a na testa. - Não sei por que lhe digo isso, mas parece que as palavras me vêm aos lábios sem que minha mente e minha vontade as con­trolem. Mas, inexplicavelmente, sei que a verdade é essa.

- Está me assustando. Como é que pode dizer essas coisas, quan­do mal nos conhecemos?

- Agora você está saindo de nosso sonho. Encontramo-nos duas vezes, mas estive procurando por você, tentando encontrá-la nova­mente, através de centenas de vidas diferentes.

- Acredita realmente nisso? - Zita pôs os cotovelos na mesa e apoiou o rosto nas mãos. - Já tentei solucionar o problema da reencarnação, mas nunca encontrei alguém com quem pudesse falar sobre o assunto.

O rei sorriu.

- É um assunto muito vasto. Apesar disso, para quem já esteve no Oriente, parece muito compreensível e totalmente lógico. - Fez uma pausa e continuou: - Mas, no momento, não estou interessado na reencarnação, como crença ou como argumento. Estou interessado em você, Zita, e é esse o problema que temos que resolver.., e logo.

- Como podemos resolver qualquer coisa com essa pressa?

- Devo partir de Aldross amanhã. E o grão-duque marcou uma reunião para hoje à noite, com o primeiro-ministro e os membros do gabinete, para discutirmos nossa posição em relação à Alemanha.

Zita compreendeu que, se o pai tinha feito isso, era com a esperan­ça de poder anunciar que o casamento do rei com Sophie iria unir os dois países e, assim, aumentar sua resistência a uma federação alemã. Como se as palavras lhe viessem aos lábios sem querer, perguntou:

- Pretende casar com... a princesa Sophie?

 

ouve um momento de silêncio. O rei perguntou. então:

- É isso que o povo de Aldross espera?

- Claro que é.

- Porquê?

- Vossa Majestade conhece a resposta. Não posso acreditar que não saiba, mais do que qualquer outra pessoa, das ambições de Bis­marck e da ganância da Prússia.

Maximiliano ergueu as sobrancelhas.

Zita percebeu que estava profundamente admirado por ela conhe­cer o aspecto da visita dele.

O rei hesitou, como se preferisse dar uma resposta evasiva.

- Na realidade, resolvi que, hoje à noite, quando me encontrar com o gabinete reunido, vou fazer uma proposta para uma aliança comercial mais forte entre nossos dois países, o que envolveria tam­bém o problema da defesa.

Zita soltou uma exclamação de alegria, O rei continuou:

- Não vejo motivo para que essa aliança não se estenda aos outros principados e às outras monarquias desta parte da Europa.

A moça mostrou-se ainda mais alegre.

- Quer dizer que também nós teríamos uma federação? Como Vossa Majestade é inteligente! Como é que ninguém se lembrou disso?Ao dizer tais palavras, achou que o pai e o

primeiro-ministro tinham sido muito obtusos por não pensarem antes numa federação.

- Parece razoável, já que temos tanta coisa em comum - res­pondeu o rei, serenamente.

Os olhos de Zita brilhavam.

- É muito inteligente de sua parte! Tenho certeza de que as pes­soas que estavam preocupadas com a desmedida ambição da Prússia vão ficar muito satisfeitas.

O rei reclinou-se na cadeira, como se quisesse observá-la melhor sob outro aspecto.

- Como é que sabe tanto e se interessa por tais coisas?

Zita riu.

- Agora, está sendo indelicado! O que está realmente querendo dizer é que a mulher deve cuidar apenas de seu lar, de seu marido e de seus filhos.

- Como você não tem essas duas últimas coisas, creio que deveria estar ocupada com a dança e, naturalmente, com sua beleza.

- Ainda tenho miolo na cabeça!

- Sei disso, e fico satisfeito por você aprovar meu plano.

- Não apenas o aprovo, como sei que o grão-duque e seus minis­tros vão ficar encantados.

Ao dizer isso, pensou que, se era essa a maneira de o rei evitar seu casamento com Sophie, sua mãe ficaria muito decepcionada.

Tais pensamentos deviam ter transparecido em seu rosto, porque Maximiliano perguntou:

- Creio que você encontrou um probleminha. Qual é? Estou pensando que, em nossa federação... e Vossa Majestade visa encontrar outro nome, porque não suporto a idéia de copiar prussianos... não deve incluir a Bulgária, nem se aproximar muito dela.

O rei encarou-a como se achasse incrível tal observação.

- Como sabe disso?

Zita poderia ter respondido que um de seus parentes lhe havia dito que uma organização subterrânea da Roménia estava em contato com os revolucionários búlgaros. Mas, como tal fato não era do conheci­mento público, respondeu, em tom despreocupado:- Ouvi comentar, em algum lugar.

O rei inclinou-se para a frente, com os cotovelos na mesa.

- Está tornando as coisas ainda mais difíceis para mim, Zita.

- De que modo?

- Precisa me contar como sabe coisas que nenhuma moça do povo poderia saber. E também como consegue sentar-se aqui, conversando comigo em pé de igualdade.

Zita deu uma risadinha.

- Se isso for verdade, Majestade, sinto-me... lisonjeada.

- Agora, não está sendo natural, e sim representando - disse o rei, asperamente. - E estou decidido a saber a verdade.

- Já lhe pedi que deixe as coisas como estão. isto é um sonho e estamos sonhando juntos. Se sair deste sonho, vai ficar decepcionado ou desiludido, e seria um erro.

- Você me surpreende, como me surpreendeu desde que a vi pela primeira vez, com o sol brilhando em seus cabelos. Meu instinto me diz que nunca ficarei decepcionado.

- Vossa Majestade vai partir amanhã, e isso não lhe dá muito tempo para perder as ilusões.

O rei olhou para outro lado e Zita percebeu que estava reflectindo sobre o que dizer.

Achando que seria um erro apressá-lo, ela tirou um pêssego da cesta de frutas e comeu-o, pensando que já estava na hora de volta­rem para o palácio.

Seria um erro, se viessem a descobrir que ela e o rei tinham sumido ao mesmo tempo.

Era pouco provável que alguém, sabendo que ambos tinham saído a cavalo, pensasse que estavam juntos, mas sabia que no palácio ha­viam olhos e ouvidos onde menos se esperava.

e haviam bocas também, prontas a contar à grã-duquesa qualquer coisa fora do comum.

O rei pareceu tomar de repente uma decisão

- Como lhe disse, Zita, vou partir amanhã. Pretendia ir, em se­guida, visitar a Bósnia, mas mudei de idéia.

- Seria, naturalmente, o próximo país, em seu plano de defesa contra a Prússia.

- Sei disso, mas a Bósnia vai ter que esperar. Pretendo primeiro ir para um castelo que possuo nas montanhas, a mais ou menos trinta quilómetros daqui.

- Sei a que se refere! Ao castelo de Kovac!

- Já ouviu falar nele?

- Ouvi dizer que é muito imponente e que foi usado pelos reis de Valdastien como um forte inexpugnável de defesa contra os agressi­vos guerreiros de Aldross.

O rei deu uma risada.

- Tinha me esquecido disso. Hoje não há mais guerreiros lá, mas a vista é maravilhosa e quero que você a aprecie.

Fitou-a bem nos olhos. Quando compreendeu o que ele sugeria, Zita teve a impressão de que seu coração parava de bater. Encarou-o, mal acreditando que o rei a convidava para ir para lá em sua companhia.

Maximiliano colocou a mão sobre a dela.

- Poderíamos ser muito felizes lá, no meu castelo no meio das nuvens, Zita. Acabo de perceber que, sempre que fui para lá, fui sozi­nho. E isso aconteceu porque era você que estava faltando.

Zita sentiu as vibrações do rei e achou que talvez ele sentisse as dela.

Em voz baixa e trémula, respondeu:

- Será que Vossa Majestade está sugerindo uma coisa que sei que não é apenas errada, como muito... insultuosa?

A mão do rei apertou a dela.

- Sabe que não é isso que pretendo que seja. Mas quero-a a meu lado, quero conversar com você, ouvi-la falar e, acima de tudo, quero fazer amor com você, Zita.

A moça enrijeceu. Quis retirar a mão, mas o rei a prendeu mais ainda.

Dali a um momento, disse:

- Creio que compreende que fez uma sugestão com a qual não posso concordar e que também é muito errada, do ponto de vista de Vossa Majestade, no momento actual.

O rei pareceu surpreso, e Zita continuou:

- Veio aqui numa missão de boa vontade, que interessa tanto a Valdastien como a Aldross. O mínimo que pode fazer, se achar que sua missão está terminada, é informar seus ministros sobre o que ficou resolvido. - Fez uma pausa e continuou, em tom firme: - Deve também falar-lhes de sua nova idéia de estender a unificação dos paí­ses desta área até a Bósnia e a Sérvia, assim como a certos principados pequenos que, como sabe, estão tão envolvidos como nós.

Ao terminar, Zita percebeu que o rei a fitava como se mal pudesse acreditar no que ouvia. Antes que ela dissesse as últimas palavras, ele observou, secamente:

- Devo acreditar que você me acusa de negligência?

- Não. De indiferença - respondeu Zita, irreflectidamente. - Se quiser ser franco, deve reconhecer que está pondo seus interesses par­ticulares na frente dos de seu país e do meu.

Notou a expressão atónita de Maximiliano. Depois, como se nada mais houvesse para dizer, Zita levantou-se.

Se Vossa Majestade pagar o café, vou buscar os cavalos.

Não esperou pela resposta. Saiu do caramanchão e foi para diante da estalagem, onde os animais pastavam tranquilamente sob as árvores.

Zita assobiou. Pegasus ergueu a cabeça e veio para perto dela. Após uma pequena hesitação, o garanhão de Maximiliano o seguiu.

Antes que o rei saísse do chalé, depois de ter pago a conta, Zita já estava montada, segurando a rédea.

Tinha montado sozinha de propósito. porque não queria que o rei a tocasse. Sabia que ele estava perplexo com seu jeito de falar e que também devia estar zangado.

Tinha a desagradável sensação de que, se Maximiliano a tocasse, acharia difícil não lhe pedir desculpas pelo que tinha dito. E, caso desculpasse, talvez isso o encorajasse a falar de novo na ida dos dois ao castelo das montanhas.

“Como ele ousou propor tal coisa?”

Mas sua indignação não era sincera.

Sabia que era a única culpada por Maximiliano tratá-la da mesma forma que tratara dezenas de outras mulheres, criaturas que ele cor­tejava em Paris ou trazia para Valdastien, como tinha trazido La Belle.

Compreendeu, desesperada, que o rei estragara a aventura mais excitante que ela jamais tinha imaginado que pudesse lhe acontecer.

Mas era bastante honesta para compreender que havia provocado o incidente desagradável; primeiro, fingindo ser garçonete na estala­gem Golden Gross e, depois, comportando-se de um modo íntimo e provocante.

Sua mãe a censuraria, mesmo que os dois estivessem conversando numa das salas do palácio.

“Ele supôs que eu estivesse sob a protecção do homem que me deu Pegasus. Embora eu tenha negado isso, creio que tal idéia ainda o preocupa, no íntimo. E acha difícil compreender que eu não esteja disposta a aceitar o que me oferece.”

A porta da estalagem se abriu e Maximiliano apareceu. Quando desceu os degraus da frente, Zita achou que não poderia haver um homem de aparência mais majestosa.

“É um rei, até a raiz dos cabelos!”

Mas era triste saber de uma coisa: que ela não parecia uma prin­cesa e que ele nem mesmo a julgava uma aristocrata.

“Não há razão para ele pensar que eu o seja.”

Ao mesmo tempo, achou lamentável que uma pessoa precisasse ter um rótulo para que se soubesse quem era. E o rei devia ter sabido, instintivamente, que Zita não somente era pura, como também res­peitável demais para aceitar sua proposta.

Maximiliano aproximou-se, pegou a rédea de seu cavalo e montou.

Sem esperar por ele, Zita foi na frente, pelo caminho tortuoso que levava ao vale.

O rei seguiu-a, mas foi impossível conversar até chegarem ao campo.

Quando seu cavalo emparelhou com o dela, Zita deu uma chicotada em Pegasus, que se pôs a galopar, satisfeito com o exercício e também por saber que se dirigiam para casa.

Maximiliano nada podia fazer, a não ser galopar também. Zita só puxou a rédea quando achou que Pegasus devia estar cansado. Além do mais, as torres da capital já podiam ser vistas, ao longe, assim como o palácio, fora da cidade.

Era imponente e bonito, ao sol.

Mas, para Zita, era como uma prisão à sua espera. E, depois que voltasse à sua cela, nunca mais poderia escapar.

Pegasus parou. Zita disse então:

- É melhor nos separarmos aqui, Majestade. Não devemos ser vistos juntos.

- Está pensando em sua reputação ou na minha? - perguntou ele, em tom zombeteiro.

- Em ambas!

- Reconheço que isso é sensato, mas, ao mesmo tempo, não te­nho intenção de permitir que me deixe sem antes me dizer onde pode­remos nos encontrar novamente.

- Não adianta fazermos isso.

- É o que você pensa. - como Zita não respondesse, ele per­guntou: - Ficou escandalizada com o que sugeri?

- Sabe muito bem que sim!

- Perdoe-me. Desejo desesperadamente estar com você, conver­sar com você. Mesmo que não permita que lhe dê demonstrações de amor, quero estar em sua companhia.

- É uma coisa que não pode acontecer. Depois de nos despedir­mos, nunca mais nos veremos.

- Por que você me afasta sem uma explicação, sem me dizer por que motivo não posso encontrá-la, Zita, apenas como cidadã deste país encantador?

- É uma pergunta à qual não posso responder. E não adianta in­sistir. - Fez uma pausa e acrescentou: - Foi muito excitante, muito interessante, conhecê-lo. Mas não há futuro nos sonhos, e por isso não nos encontraremos mais, depois que Vossa Majestade partir, amanhã.

Ao dizer isso, Zita teve certeza de que o rei não pretendia casar com Sophie. Tinha planejado uma aliança entre Valdastien e outros países, como um meio de evitar seu casamento com uma princesa de Aldross.

Maximiliano olhou para ela e, dali a um momento, disse, com uma nota de desespero que a surpreendeu:

- O que posso dizer? Como fazer com que compreenda o quanto desejo vê-la? Agora que nos encontramos, não posso perdê-la.

- É uma coisa inevitável.

- Mas por quê? Por quê?

A moça olhou para o Sol, acima dos picos gelados, e disse:

- Creio que poderíamos ficar aqui, discutindo, o dia inteiro. De certo modo, seria excitante. Mas há pessoas à sua espera e outras à minha espera, de modo que seria um grande erro despertarmos a curiosidade delas sobre onde estivemos.

- Está certo. Vou deixá-la. Mas com a condição de prometer que se encontrará aqui, amanhã, à mesma hora. Não devo partir antes, de modo que estarei aqui às cinco.

- Se eu vier, sobre o que vamos falar?

O rei deu uma risada.

- O que está tentando dizer, indirectamente, é que vou tentar con­vencê-la a ir comigo, depois que me despedir do grão-duque, na Estalagem ­Golden Cross. Se eu prometer falar de tudo, menos disso, virá ao meu encontro?

Zita reflectiu que seria muito difícil evitar aquele assunto especial, estaria no pensamento de ambos, dissessem eles o que dissessem. ­Achando difícil afastá-lo definitivamente, respondeu:

- Prometo que virei, se for possível. Não sei... Hoje de manhã, consegui escapulir enquanto todos dormiam.

- Assim como eu - observou o rei, sorrindo. - Dê-me sua mão.

Zita estendeu-lhe a mão. Os cavalos estavam muito juntos, parados devido ao cansaço. Maximiliano tirou a luva de Zita e beijou-lhe a mão.

Ela sentiu a pressão dos lábios do rei e, instintivamente, apertou a mão dele.

- Não existem palavras, nem seriam necessárias, para expressar o quanto desejo vê-la novamente, Zita. Digo mais: se você não vier, entrarei em contato com você, seja como for, e nos encontraremos, por maiores que sejam as dificuldades.

Qualquer coisa no tom dele fez com que Zita tivesse medo.

- Sei que posso entrar em contato com você, por intermédio de alguém da Estalagem Golden Cross - continuou o rei. - Mas pre­firo que me diga onde poderemos nos encontrar, ou para onde pode­rei escrever, sem despertar suspeitas.

- Não há outro jeito, a não ser através da Estalagem Golden Cross.

- Isso não é verdade, mas creio que sou obrigado a me contentar em saber que, pelo menos, a encontrarei lá.

Zita não respondeu. O rei ainda segurava sua mão e beijou-a de novo.

- Sabe tão bem como eu, Zita, embora tenha me lembrado de meus deveres de rei, que sou também um homem, e sujeito às mes­mas emoções de um homem qualquer.

Beijou de novo a mão de Zita, virando-a depois e beijando a palma.

A moça teve uma sensação que nunca tinha experimentado antes. Foi como se um choque subisse por seu braço, passando pelos seios e indo até o coração.

Era emocionante, mas tinha também algo de espiritual, que não sabia explicar.

Encabulada e ao mesmo tempo alarmada, Zita retirou a mão. Nis­so, Pegasus se moveu, de modo que o rei não pôde prender a moça.

Os olhos dela pareciam muito verdes e brilhantes.

- Adeus - disse, suavemente.

- Au revoir, Zita.

“Ele diz até à vista porque não vai desistir”, pensou. Entreolharam-se por um momento e com isto disseram muito mais do que poderiam com palavras.

Percebendo que o tempo passava, ela fez o cavalo andar. Sabia que poderia aproximar-se do palácio de vários modos e que não havia perigo de tornar a encontrar o rei, que entraria pelo portão da frente.

Fez o cavalo andar depressa, decidida a levá-lo para a cocheira antes que Maximiliano chegasse á porta da frente, onde os lacaios estariam à sua espera.

Só quando já estava no quarto, viu que não eram oito horas e que, portanto, a criada ainda não tinha vindo chamá-la.

Tanta coisa acontecera, desde seu primeiro encontro com o rei, que poderia acreditar que tinham se passado dias, anos, um século.

Tirou o traje de montaria e deitou-se, pensando em Maximiliano e em sua sugestão de levá-la para o castelo no morro.

“Se eu não fosse quem sou, seria muito emocionante.” Mas não devia nem pensar em tal coisa. Se o acompanhasse, seria igual a La Belle e às outras mulheres de quem madame Goutier lhe falara e que tinham conseguido os favores do rei por algum tempo, sendo depois descartadas e substituídas.

Ficou imaginando se elas se sentiriam humilhadas e infelizes.

Depois, teve certeza de que qualquer mulher que tivesse tido intimi­dade com o rei ficaria desolada, se o perdesse, como se a luz desapa­recesse de sua vida, deixando-a mergulhada em sombras.

"É horrível eu pensar assim!"

Mas a verdade era que, por mais que tentasse ficar zangada com ele, sabia que quem brinca com fogo pode se queimar.

“Nunca mais vou encontrar um homem tão atraente, tão fasci­nante. .

Só o facto de estar com ele tornava sua mente mais viva. E seu corpo conhecia uma excitação estranha, misteriosa.

Imaginou se seria assim que as outras mulheres do rei se sentiam, sabendo que seu tempo ao lado dele era curto e que só conseguiriam prendê-lo enquanto as achasse bonitas e desejáveis.

Sabia que ele fazia amor com elas, embora não soubesse bem o que isso significava. O que teria sentido, se o rei lhe beijasse os lábios, em vez da mão?

Aquele beijo havia despertado nela uma sensação nova e violenta, meio prazer, meio dor. Talvez fosse a isso que as pessoas se referiam, quando falavam do êxtase do amor.

De repente, ficou imóvel.

A palavra “amor” pareceu impressa em sua mente com letras de fogo.

O que sentia podia ser amor? E, neste caso, que tipo de amor seria?

Embora o rei tivesse dito que queria que fosse com ele ao castelo e que desejava dar-lhe demonstrações de amor, não havia dito que a amava.

Nem ela pensara, naquele momento, que era a isso que ele se re­feria.

Amor!

A palavra estava sempre em seus sonhos. Mas, quando se viu na companhia do rei, Zita não pensou nela.

Queria vê-lo, olhar para ele. E conversar com ele era estimulante. Mas, como se tratava de um rei, não pensou nele como homem, um homem que poderia amar e que, por sua vez, poderia amá-la.

Durante todo o tempo em que estiveram juntos, Zita gostou do subterfúgio de fazer com que ele acreditasse que era um garçonete da Estalagem Golden Cross. Tinha atiçado a curiosidade de Maximilia­no e evitado suas perguntas com a perícia de um duelista que encon­trou um adversário à altura.

Agora, aquilo que havia sido uma fantasia, um jogo, de repente se tornava sério.

O rei a convidara para ir para seu país, para o castelo do qual Zita ouvira falar muito, porque tinha um papel na história tanto de Aldross quanto de Valdastien.

Achava que seu pai nunca o visitara. Um castelo no meio das nuvens!”

Devia ser muito excitante conhecê-lo em companhia do rei, fican­do a sós com ele, como tinham ficado no caramanchão, conversando como nunca poderiam ter conversado no palácio.

“Mas está tudo acabado, e seria um erro nos encontrarmos de novo, amanhã”

Lembrou-se então de que prometera ir e sentiu novamente o beijo do rei na palma da mão.

Olhou para a mão, como se esperasse ver ali a impressão dos lábios dele.

“Estou apaixonada? Isso é amor? O que é o amor?”

As perguntas se sucediam. Não conseguindo ficar deitada, tal sua inquietação, levantou-se e foi para a janela, onde ficou olhando as montanhas, ao longe.

Imaginou o que seria ver-se sozinha com o rei, no castelo, com os morros de picos gelados acima deles e a vista maravilhosa de Valdas­tien, lá embaixo.

Pôde ouvir de novo a voz de Maximiliano:

"Quero fazer amor com você!"

 

O dia pareceu lento, quase interminável, desde o momento em que a criada veio chamar Zita até a hora em que ela sabia que o rei iria encontrar o primeiro-ministro e os outros membros do gabinete, para discutirem negócios de Estado.

A essa altura, Zita tinha certeza de que seus pais sabiam que Ma­ximiliano não pretendia pedir a mão de Sophie. E a própria Sophie devia saber também.

Como se esse pensamento tivesse atraído a irmã, Zita viu Sophie entrar no quarto.

Usava um dos vestidos novos feitos para a visita do rei. Seus cabe­los estavam penteados conforme a sugestão de Zita, que foi criticada pela mãe, quando deu tal conselho.

Mas a expressão da moça não condizia nem com o vestido nem com o penteado; parecia emburrada, decepcionada e mal-humorada.

- O que aconteceu? - perguntou Zita quando a irmã atravessou o quarto e sentou-se diante dela.

- Papai vai acompanhar o rei a um jantar e mamãe e eu ficaremos em casa.

- Não parece muito interessante. Você não gosta de política, Sophie, e é sobre isso que eles vão falar.

Percebeu que a irmã não a ouvia. Dali a um momento, Sophie disse, apressadamente:

- O rei não falou em casamento com papai nem comigo!

- Sinto muito. Está decepcionada?

- Não muito. Mamãe está bastante zangada. Diz que o rei não tinha o direito de vir aqui, dando-nos esperança, mas eu o achei inti­midador e muito maçante. Quando falava comigo, parecia estar pen­sando em outra coisa. - Olhou para Zita e continuou: - Vou pedir a mamãe que convide o margrave de Baden-Baden para vir se hospe­dar aqui. Tenho certeza de que ele me fará a corte, que é realmente o que desejo.

- Então, espero que vocês casem e sejam muito, muito felizes,

- Não creio que uma mulher possa ser feliz com o rei. Mamãe diz que ele não apenas é egoísta, como tem má reputação. E eu não gostaria de casar com esse tipo de homem.

- Também creio que ele faria uma mulher infeliz - disse Zita, em voz baixa.

- Vou jantar com mamãe - . avisou Sophie, levantando-se. - Você deve ficar aqui. Caso o rei apareça inesperadamente, não pode vê-la.

- É pouco provável que apareça, mas estou satisfeita aqui, com meu livro.

Zita falou em tom despreocupado, achando que Sophie ia sorrir dessa idéia, mas a irmã saiu do quarto sem nada dizer, fechando a porta.

- Então, o rei escapou - murmurou Zita.

Pela primeira vez, ocorreu-lhe a idéia de que, já que não ia casar com Sophie, talvez quisesse casar com ela, Zita. Depois, lembrou-se do que havia dito sobre uma esposa húngara. Achou que, embora quises­se levá-la para o castelo da montanha, estava convencido de que o temperamento húngaro, “impetuoso, impulsivo e emotivo”, não era adequado a uma rainha.

- Creio que sou tudo isso - murmurou, com tristeza.

Sempre achara difícil ser calma, prosaica e controlada, como a mãe.

"A verdade é que não tenho ambição de ser rainha. Se o homem que eu amasse fosse rei, eu participaria de sua vida como se fôssemos gente comum, e não como governantes de um país, sempre à disposi­ção dos súbditos."

Lembrou-se de como o pai gostava de viajar sozinho, sem todos os encargos de um monarca.

Era isso que Maximiliano fazia, de um modo um pouco diferente, quando ia para Paris.

Depois que Sophie casasse com o margrave, talvez ela, Zita, encon­trasse um grão-duque sem importância ou um príncipe que também não gostasse de pompa.

Teve a desagradável sensação de que nenhum homem por quem se interessasse, ou que se interessasse por ela, poderia atraí-la tanto quanto o rei.

Era magnífico, montava muito bem, e havia aquelas vibrações entre eles e a magia de lerem os pensamentos um do outro.

“Não estou apaixonada! Não estou!”, queria gritar.

Mas tinha a impressão de que isso era bravata e de que, ao se des­pedir do rei, naquela manhã, deixara com ele seu coração.

Zita jantou sozinha. sendo servida por um lacaio que mal continha bocejos, devido à hora tardia em que o baile terminara, na véspera. Quando colocou diante dela a bandeja de prata com o café, o homem ­disse:

- Há um bilhete de Sua Alteza, que esqueci de trazer antes.

Zita ficou surpresa, mas reconheceu a letra do pai. Abriu o bilhete e leu:

 

"Desejei ir vê-la, meu bem, antes de sairmos para o jantar, mas não foi possível, porque me atrasei.

“Resolvi que você e eu vamos iniciar nossa excursão amanhã cedo, assim que o rei partir.

“Se nos atrasarmos, é bem possível que haja um impe­dimento para nossa partida, no último momento, o que seria decepcionante.

“Sugiro, portanto, que você me encontre na Estalagem Golden Cross, para onde deve ir acompanhada por um cavalariço, é claro.

“O rei vai seguir directamente para Valdastien. Depois que eu tiver trocado de roupa, iniciaremos nossa aventura.

“Vou deixar um bilhete para sua mãe e sugiro que você faça o mesmo.

“Deus a abençoe, querida filha.

Seu afectuoso

Pai."

 

Zita ficou olhando para o papel e leu muita coisa nas entrelinhas.

Evidentemente, a grã-duquesa ficaria furiosa, se

 percebesse que o marido ia levá-la numa de suas excursões. Mas nada poderia fazer, se só tomasse conhecimento disso depois que eles tivessem partido.

Achou que tal estratégia era muito inteligente por parte do seu pai e que ela teria planejado as coisas da mesma forma.

O grão-duque acompanharia o rei até a Estalagem Golden Cross. Lá, seu criado de quarto já teria à sua espera o traje nacional que ele costumava usar nas excursões. Logo que trocasse de roupa, par­tiria com Zita, sem que ninguém soubesse para onde iam.

“Papai é tão bom conspirador quanto eu.

Gostaria de poder contar-lhe como tinha enganado o rei, primeiro aparecendo como garçonete e, depois, surgindo sozinha, montando Pegasus. E contar que ele, sem ter a menor idéia de que estava fa­lando com uma princesa, a convidara para lhe fazer companhia no castelo das montanhas, no meio das nuvens!

Era uma história fascinante, mas sabia que o pai ia ficar zangado com o que certamente consideraria uma impertinência por parte de Maximiliano.

Provavelmente, se sentiria insultado por sua filha ter sido confun­dida com o tipo de mulher que aceitava semelhante convite.

“Infelizmente, não posso contar a papai. Mas sei que ele gostaria de saber como fui inteligente.”

Agora, tinha muito que fazer, antes de ir para a cama. Saiu da sala de estudo para ir preparar tudo para a excursão.

Ao voltar para o palácio, na véspera, guardara seu vestido de cam­ponesa numa gaveta fechada à chave, em seu quarto. Tirou-o da ga­veta e percebeu que, na pressa de trocar de roupa na estalagem, tinha trazido na trouxa o avental de Gretel.

Precisava devolvê-lo. Seria fácil, pois iria à estalagem ao encontro do pai, tendo que deixar ali seu traje de montaria, para quando vol­tasse da excursão.

Quando estava na montanha com o pai, Zita sempre usava o traje de camponesa, mesmo quando andava a cavalo.

Era muito mais prático do que estar constantemente trocando de roupa. Assim sendo, tudo o que precisava levar podia ser guardado dentro do alforje. Além de uma camisola, costumava levar mais duas blusas, roupa de baixo, escovas e pentes.

Agora, ao fazer sua trouxa, não se esqueceu das fitas para os ca­belos, além de vários pares de meias brancas. As meias iam até os joelhos. Eram mais confortáveis, assim como os sapatos de salto baixo e fivela prateada, do que as botas que usava com a montaria.

Sentindo-se livre em seus trajes de camponesa, achava que simbo­lizavam a liberdade que tinha nas excursões com o pai.

Imaginando que viajavam “incógnitos”, saíam ao encontro de pes­soas muito mais divertidas e certamente mais felizes do que as que encontravam no palácio.

Zita reflectiu que não havia hipótese de poder sair a cavalo de madrugada, para ir ao encontro do rei.

Pegasus ia ter um longo dia, indo até à estalagem e depois andando muitas horas mais.

Seria, na realidade, uma viagem muito mais longa, pois seu pai pretendia ir até à montanha mais distante.

Talvez tivessem que dormir no caminho.

Achou que o grão-duque escolhera aquela montanha porque nunca tinha estado lá, e não haveria ninguém que ele conhecesse ou que o conhecesse.

Compreendia que seria embaraçoso para ele encontrar seus “amigos especiais”, quando acompanhado pela filha.

Depois, reflectiu que, se o pai tinha segredos, também ela os tinha. Precisava ser cautelosa.

Caso ele quisesse namorar alguma bonita estalajadeira, como acon­tecia no passado, procuraria ser discreta e desaparecer, para não in­terferir.

“É o único divertimento que o pobre papai tem...

Embora achando censurável, por ele ser um homem casado, com­preendia sua necessidade de fugir, de vez em quando, da monotonia do palácio e de uma esposa que sempre o criticava.

Pensou que gostaria de poder casar com um plebeu, um homem que passasse a vida rindo e cantando.

Compreendeu depois que era inteligente demais para se contentar com um homem comum e que, quando tinha oportunidade de ouvir o primeiro-ministro e outros membros do gabinete, achava a conversa muito interessante e esclarecedora.

Enquanto preparava a roupa que ia usar no dia seguinte, pensou que achava qualquer conversa com o rei Maximiliano uma experiên­cia emocionante, de certo modo ligada à excitação que sentira quando ele lhe beijara a mão.

O contacto dos lábios dele a fizera vibrar. Estar na companhia do rei era muito diferente do que estar junto de qualquer outro homem.

Talvez fosse uma coisa que nunca mais encontraria. Seria amor? Não podia responder, mas não havia dúvida de que a pergunta se impunha.

Sentindo medo, teve vontade de fugir e nunca mais pensar nisso.

 

Cavalgando pelo sopé da montanha, ao lado do pai, Zita devia estar mais feliz do que nunca, mas qualquer coisa impedia que essa aven­tura fosse tão maravilhosa como esperava.

Todas as manhãs, ao acordar, tinha a impressão de que havia uma pedra no lugar do coração.

Embora os dois rissem e pilheriassem, embora galgar uma nova montanha fosse emocionante, faltava algo.

à noite, sozinha no quartinho da hospedaria, seus pensamentos se voltavam para o rei.

Imaginava se teria sido desnecessariamente cruel, não indo ao encon­tro dele, como havia prometido.

Teria esperado muito, na esperança de que ela aparecesse?

Depois, um tanto céptica, dizia a si mesma que, naturalmente, ele não a havia esperado muito, nem se importado por ela não aparecer.

Por que se importaria com uma mulher, quando tinha dúzias de todos os tipos, ansiosas por caírem em seus braços?

Achou que o rei se interessara por ela apenas por achá-la impre­visível. E o facto de não encontrar uma explicação para a aparência ou a inteligência de Zita certamente o irritara.

Julgando-se muito intuitivo e perspicaz, Maximiliano esperava po­der avaliar imediatamente qualquer mulher, assim que a conhecia. E, provavelmente, raras vezes se enganava.

“Talvez tenha ficado decepcionado comigo, e isso lhe fará bem.” Ao mesmo tempo, sabia que, nessa competição desigual, ela é que saíra ferida. Mas dizia a si mesma que isso acontecia por falta de experiência. Como conhecia poucos homens atraentes, com certeza o rei lhe parecia mais fascinante do que realmente era.

“Se eu já tivesse estado em Paris, ou mesmo na Inglaterra, prova­velmente teria conhecido pelo menos uma dúzia de homens tão atraen­tes como ele. Pelo menos, não o acharia tão especial, a ponto de não conseguir esquecê-lo.”

Embora durante o dia se esforçasse para dar atenção ao pai. sabia que em tudo o que dizia ou fazia estava a lembrança do rei.

Ao mesmo tempo, era uma delícia cavalgar livremente, sabendo que, à noite, não teria que ver a mãe, que sempre tinha alguma censura a lhe fazer.

As coisas não tinham corrido totalmente de acordo com o plane­ado. Para começar, Maximiliano se atrasara ao sair do palácio. En­quanto esperava que as carruagens chegassem à Estalagem Golden Cross, Zita não pôde deixar de pensar se estariam atrasados por causa da demora do rei, que talvez tivesse ficado esperando por ela.

Reflectiu, em seguida, que estava querendo ser mais importante do que realmente era.

Mas... certamente ele devia ter ficado irritado por ela não obede­cer às suas ordens. E mais aborrecido ainda por perceber que jamais descobriria o segredo da imprevisível garçonete.

Como havia a chance de o rei lhe escrever, ou perguntar sobre ela na estalagem, foi forçada a confiar em Gretel.

- Você tornou a ver o rei? - perguntou a moça. - Que emocionante! O que ele disse?

- Foi por acaso que nos encontramos. Tínhamos ambos saído a cavalo.

- Ele pediu a princesa Sophie em casamento?

Zita fez que não.

- Garanto que a culpada foi você! - exclamou Gretel.

Zita riu.

- Creio que a verdade é que o rei não quer casar com ninguém. Afinal, já é um solteirão.

- É verdade. E os viajantes que se hospedam aqui falam muita coisa sobre as actrizes e mulheres desse tipo que ele recebe no palácio. Mas eu não devia dizer isso a você.

- Por que não? Também ouvi falar dessas coisas.

Gretel pareceu surpresa.

- Para nós, foi emocionante ver o rei, pessoalmente. Mas, se não vai casar com a princesa Sophie, creio que nunca mais virá a Aldross.

- Por que diz isso? - perguntou Zita, admirada.

- Porque ele fica muito ocupado em outro lugar, quando sai de Valdastien.

- Em Paris!

- E quem pode censurá-lo? - perguntou Gretel. - Na França, compreendem o que um homem quer, em matéria de divertimento. Que temos nós a lhe oferecer, a não ser umas danças típicas e mon­tanhas cobertas de neve?

Zita riu, mas achou que era verdade, os países pequenos como Valdastien e Aldross deviam ser muito monótonos para um homem que gostava de aventuras.

Dali a uma hora, o rei chegou com o grão-duque. Trocou de car­ruagem e partiu para seu país, sem entrar na estalagem.

Observando-o de uma janela do andar de cima, Zita pensou que ele não tivera nem mesmo a curiosidade de perguntar se ela ainda estava ali. A amizade dos dois, se é que se podia chamar assim, terminara.

O grão-duque entrou apressadamente no quarto que antes havia sido ocupado por Maximiliano.

- Desculpe o atraso, querida. O rei se atrasou, ao café da manhã, e o primeiro-ministro também insistiu em falar com ele mais uma vez. - Atirou na cama o chapéu e continuou: - Só Deus sabe por que os estadistas sempre têm mais uma palavrinha para dizer, assim como, antes, pessoas, que invariavelmente acrescentam um pós-escrito às cartas.

Zita riu.

- A questão, papai, é que não são tão inteligentes como nós. Assim sendo, as coisas importantes que deviam ter dito em primeiro lugar só lhes ocorrem quando estão na cama, ou no banho.

O pai deu uma gargalhada.

Depois, enquanto ele trocava de roupa, a moça foi procurar Gretel, no quarto pegado.

O grão-duque e a filha deixaram suas roupas na estalagem, toma­ram um copo de vinho oferecido pelo proprietário e partiram, exci­tados com a perspectiva do que os esperava.

- Não vamos chegar a tempo ao lugar onde eu pretendia ficar hoje à noite - disse o pai. - Mas podemos parar no meio do cami­nho para olhar o lago onde você aprendeu a nadar.

- Seria óptimo! A estalagem de lá é muito agradável.

Na verdade, era mais confortável do que Zita se lembrava e servia uma comida deliciosa. Ficaram lá três noites.

Subiam a montanha e depois Zita tomava banho no lago, que continuava o mesmo, não tendo sido estragado pela presença de turistas.

às vezes, no inverno, as torrentes modificavam o cenário nas encos­tas dos morros, mas o lago continuava parecendo um espelho azul reflectindo o céu. Os rochedos cobertos de pinheiros desciam até à água.

Era tudo tão belo, que ela achou que parecia um conto de fadas. Enquanto nadava, pensava o que sentiria, se o homem amado estivesse a seu lado. Depois do banho, ficariam ao sol, à beira do lago, falando de seus sonhos e, naturalmente, de seu amor.

Então, procurava se convencer de que tinha tudo o que queria, estando na companhia do pai.

Além do mais, era pouco provável que encontrasse um homem de sua classe social que não ficasse horrorizado com a idéia de sua mulher nadar num lugar público, embora ninguém a visse, a não ser ele.

“Tenho muita sorte de papai não ser convencional. Como posso ser ingrata a ponto de querer a companhia de outra pessoa, além da dele?”

Mostrou-se muito afectuosa com o pai, sabendo que o fazia feliz e que ele se divertia na excursão.

- São as primeiras férias que tenho, há muito tempo - disse o grão-duque.

- Sim, parece mesmo que estamos em férias. Mas sei que, no ano passado, o senhor desapareceu durante quase uma semana e mamãe se mostrou tão desagradável que todos os criados do palácio falaram em ir embora!

- Agora me lembro. Mesmo assim, parece que faz muito tempo que não me sinto tão livre.

- Vamos aproveitar ao máximo!

No dia seguinte, saíram de manhã bem cedo e almoçaram num chalé onde os alpinistas costumavam dormir, quando escalavam a montanha. A comida era muito simples, mas suportável.

Havia lá dois homens que iam tentar chegar ao pico. O

grão-duque conversou com eles, que aceitaram respeitosamente seus conselhos sobre a melhor maneira de tentar a escalada, embora Zita tivesse quase certeza de que não haviam reconhecido o soberano.

Quando o sol esquentou, pai e filha se puseram de novo a caminho. O grão-duque indicou uma montanha que parecia mais alta do que as outras, onde as neves de inverno não apenas cobriam os picos, como podiam ser vistas nas rochas mais abaixo.

- Parece alta demais, papai!

- E é. Maximiliano me disse que é mais alta do que qualquer montanha de Valdastien.

- O rei já a escalou?

- Talvez, já que me disse que a estalagem onde vamos ficar é bastante confortável.

Imediatamente, Zita ficou imaginando se o rei teria ido lá incógnito; talvez, em companhia de alguma mulher bonita.

Como tinha uma quedinha por actrizes, era pouco provável que estas apreciassem o desconforto da vida no campo e de suas estalagens.

Imaginou-as perfumadas e cheias de jóias, apreciando o luxo de tapetes grossos, de quartos luxuosos, e gostando de ser servidas por vários criados.

Se, antes de ficarem famosas, tinham tido uma vida sem conforto, certamente não iam querer que isso agora se repetisse.

Com Zita, acontecia o contrário. Gostava do soalho de madeira nu, a não ser talvez por um ou outro tapete de pele de urso ou de carneiro; gostava das camas com grades, as preferidas dos campo­neses, porque eles podiam puxar para bem perto o cortinado, nas noites de inverno; gostava dos colchões de penas de ganso. E lavar-se com água fria certamente não era sacrifício, no verão.

- Por que está tão séria, querida? - perguntou o grão-duque.

- Sinto falta de suas risadas.

- Para dizer a verdade, estava pensando como tenho sorte de estar aqui com o senhor e de gozar uma vida simples, nós mesmos nos servindo, sem ter ninguém para nos amolar ou nos recriminar por nossa aparência.

O grão-duque deu uma risada.

- Garanto que sua mãe acharia muito censurável eu preferir um lenço de seda ao pescoço, em vez de uma gravata, e andar a cavalo em mangas de camisa, quando faz calor.

- Neste momento, não estou preocupada com minha aparência, e sim com meu estômago. Estou com fome. Só espero que nos sirvam um jantar substancial, quando chegarmos à hospedaria.

O almoço dos dois constara quase que só de leite de cabra!

- A julgar pelo que disse Maximiliano, a comida é excelente, de que espero não me decepcionar.

De novo o nome do rei causou uma estranha sensação em Zita. sempre tinha sentido isso, desde o momento em que o conhecera na Estalagem Golden Cross.

Sentiu, agora, que um capítulo de sua vida tinha sido encerrado e não haveria menção do rei nos capítulos seguintes.

Dali a uma hora, o Sol desceu no horizonte e o calor diminuiu. Deixaram o vale e começaram a subir a encosta da montanha.

Havia um caminho sinuoso no meio dos pinheiros. Continuaram até Zita achar que tinham perdido o caminho.

iam devagar. Finalmente, avistaram mais acima um chalé atraente, com janelas de rótula, que parecia saído de um livro de gravuras.

- Encontramos, papai! E é lindo!

Havia mesas e cadeiras do lado de fora da hospedaria, e viajantes estavam sentados, tomando vinho.

Isso era muito comum nas estalagens das montanhas, nessa altura do ano. Mas, como aquela era muito isolada, Zita viu que ela e o pai seriam os únicos hóspedes.

Levaram os cavalos para os fundos; as cocheiras eram primitivas, mas adequadas.

Como não havia nenhum cavalariço, Zita levou Pegasus para uma baia onde havia bastante água, o que indicava que as cocheiras estavam em uso.

Tirou-lhe o arreio e a rédea, afagou-lhe o pescoço e fechou a porta, vendo em seguida que o pai já tinha cuidado de seu cavalo.

Dirigiram-se para o chalé, que ficava a pequena distância. Em vez de ir para a porta da frente, o grão-duque entrou pela cozinha.

Bateu num tabique de madeira, dizendo, em voz alta:

- Há alguém para dar as boas- vindas a um viajante cansado?

Ouviu-se uma voz feminina, chamando alguém. Depois uma mulher apareceu no corredor que dava para a frente da casa.

No momento em que ela surgiu, Zita achou que já a conhecia de algum lugar. A mulher sorria e, ao ver o

grão-duque, soltou uma exclamação:

- Não! Não pode ser verdade!

- Névia! - disse ele, estendendo-lhe as mãos.

Zita se lembrou, então, de que Névia era a mulher bonita que tinha ficado tão contente por ver o grão-duque, anos antes, quando ele e a filha viajavam por outra parte do país.

Lembrava-se também de que o pai havia dito:

- Sempre cumpro minhas promessas, Névia, e desta vez trouxe minha filha para conhecer a mulher mais bonita de Aldross!

Névia os havia instalado confortavelmente, naquela ocasião. embora mais velha, continuava muito bonita. Seus olhos brilharam, quando os ergueu para o grão-duque.

- Mal posso acreditar! Pensei em você, muitas vezes, mas tinha certeza de que nunca viria aqui!

- Voltei uma vez ao lugar onde você morava, mas não estava mais lá.

- Foi por causa de Rudolph - contou Névia, em voz baixa. - Ficou tão enciumado que fez questão de mudarmos para um lugar onde achou que você jamais me encontraria.

- Bem que tentei - disse o grão-duque, com simplicidade. Acres­centou, em tom diferente: - Talvez seja embaraçoso para você, se minha filha e eu nos hospedarmos aqui.

- Rudolph morreu num acidente, há um ano, ao escalar uma montanha. Agora, sou a dona de tudo. Dirijo isto aqui com a ajuda de várias moças boazinhas e de um sobrinho, que aprendeu o ofício.

- Deu um largo sorriso. - Graças a Deus, não temos nenhum hós­pede, no momento, de modo que meus melhores quartos estão vagos. Assim, posso cuidar bem de você e da Fraulein.

Como se, de repente, se lembrasse da presença de Zita, virou-se para ela e disse:

- Como cresceu! Não é mais a garotinha que conheci.

- Todos nós envelhecemos - observou o grão-duque. - Infelizmente, é uma coisa que não podemos evitar.

Falou em tom de brincadeira, mas Zita notou em sua voz uma nota de excitação.

Ao olhar para o pai, achou que não só estava bonito como sempre, mas parecia mais moço.

O grão-duque foi instalado num quarto grande e confortável, que dava para a frente do chalé. Zita foi levada para um outro, que Névia não parecia considerar bastante bom para a moça, mas que tinha uma bela vista para o vale.

- Espero que fique bem acomodada, aqui. E, por favor, peça o que quiser. Não sei dizer como me sinto feliz por vê-la e a seu digno pai.

Zita tinha certeza de que a mulher conhecia a identidade do grão­-duque, mas que fingia desconhecer sua posição, só para que ele ficasse satisfeito.

Depois de se lavar, a moça colocou fitas nos cabelos, pois não as usava quando andava a cavalo. Desceu e viu que tinham arrumado uma mesa de jantar para ela e o pai, no jardim. Ficava parcialmente oculta por arbustos e fez com que Zita se lembrasse do caramanchão onde se sentara com o rei, surpreendendo-se e confundindo-o com as coisas que dissera.

Ocorreu-lhe que tinha sido muito tola, não indo encontrá-lo mais uma vez.

Mas teria sido quase impossível, para ela, pegar outro cavalo na cocheira, em vez de Pegasus, pois talvez tivesse dificuldade em arreá-lo.

Pensou no rei, que agora devia estar viajando para a Bósnia.

Talvez encontrasse lá a noiva que procurava. Então, só o que Zita viria a saber dele seriam os mexericos.

Se não encontrasse uma noiva na Bósnia, ele iria para a Sérvia. Conforme Zita lhe disse, ainda faltavam vários principados para serem visitados.

Em todos esses lugares, certamente haveria mulheres atraentes, dispostas a casar com ele ou a permitir que lhes desse demonstrações amorosas.

“Para quem me estou reservando?”

Percebeu que o pai observava Névia, que trazia a comida, com uma expressão bastante reveladora.

“Ela o atrai, assim como meu pai a atrai. E não há nada mais natural do que eles procurarem ser felizes juntos. Por que haveria de ser errado?”

A comida estava deliciosa e o vinho da região também era exce­lente. Zita notou que o pai falava com um tom de voz mais profundo e diferente do que jamais ouvira nele. Percebeu também que ficava animado, sempre que Névia aparecia. A mulher sentou-se ao lado do grão-duque e disse:

- Conte, agora, tudo o que fez depois que nos vimos pela última vez. Senti muito sua falta. Não sei dizer o quanto senti sua falta!

- Você está ainda mais bonita.

Zita tomou seu café em silêncio. Depois, sem uma palavra. saiu, para que os dois pudessem conversar mais à vontade.

Sabia que seria falta de tacto ficar. Queria que o pai se divertisse. Disse a si mesma que, naquela noite, se acordasse, não devia estranhar os risos abafados que, em outras ocasiões, ouvia, vindos do quarto do pai.

Afastou-se do chalé, seguindo um dos caminhozinhos por entre os pinheiros, que durante anos eram usados pelas pessoas que subiam e desciam a montanha.

O Sol, no ocaso, tinha um maravilhoso brilho rubro, e o ar cheirava a pinheiros. Sentiu que ela fazia parte da mata, da natureza, e que a vida que nela pulsava era da natureza também, pois tudo vinha da mesma fonte.

Continuou a caminhar pelo atalho tortuoso atrás do chalé, chegan­do a um ponto onde a rocha estava nua, sem nenhuma vegetação.

A queda de algumas rochas tinha, arrastado as árvores, de modo que dali se via perfeitamente o vale. Uma névoa vinha subindo, come­çando a envolver tudo e fazendo com que a paisagem parecesse parte de um sonho.

Achou que tão grande beleza jamais poderia ser reproduzida numa tela, nem mesmo pelos maiores artistas.

Era tudo tão perfeito, que Zita desejou poder fazer parte daquilo. Apenas uma pessoa no mundo poderia sentir o que sentia, mas não soube explicar a si mesma por que tal pensamento lhe ocorreu.

“Nós dois não tivemos tempo de discutir a beleza.”

Tinha sido estúpida, ao provocar Maximiliano, em vez de procurar partilhar com ele os sentimentos que, tinha certeza, ambos possuíam.

Achando aquela beleza intolerável, resolveu voltar para o chalé.

Então, percebeu que alguém se aproximava.

Ouviu passos e depois notou que um homem vinha naquela direcção, caminhando no meio das árvores.

Ficou aborrecida com aquela intrusão.

Seria muito maçante ter que parar e falar com o desconhecido, como era hábito na região.

Tinha consciência apenas da beleza do vale e da dor em seu cora­ção por não poder partilhar tudo aquilo com o rei.

Enquanto hesitava, sem saber se, caso virasse as costas, o desco­nhecido continuaria seu caminho sem lhe dirigir a palavra, ele apare­ceu por entre as árvores.

Zita achou que só podia estar imaginando coisas.

Mas, quando o homem chegou mais perto, ela viu que, por incrível que parecesse, era de fato o rei que ali estava!

Por um momento, ficou paralisada. Depois, ele sorriu, e Zita se esqueceu de tudo, a não ser de que tinha encontrado o homem que amava!

Nunca soube se Maximiliano disse alguma coisa ou se apenas lhe estendeu os braços.

Soube apenas que, impulsivamente, ansiosa e sem reflectir, reagiu aos sentimentos que a dominavam e fez o que o coração mandava.

O rei abraçou-a com força e depois a beijou.

Zita sentiu uma grande felicidade, quase um êxtase.

Os beijos dele se tornaram mais possessivos, mais apaixonados. Zita sentiu que Maximiliano se apossava não apenas de seu coração como também de sua alma.

Só quando achou que seria impossível continuar tendo tal e não morrer, foi que o rei finalmente ergueu a cabeça.

- Minha querida! - disse com voz trémula, diferente. - Pensei que nunca mais fosse ver você!

Antes que ela pudesse responder, voltou a beijá-la, de um exigente, possessivo, como se temesse perdêr-la novamente.

Para Zita, o tempo pareceu parar. Finalmente, com uma exclamação de felicidade, escondeu o rosto no ombro dele.

Seu coração batia acelerado, todos os seus nervos vibravam. Jamais tinha acreditado que um dia chegasse a sentir tamanha felicidade...

- Minha adorada! Como pôde fugir daquele jeito? Fiquei desesperado, pensando que nunca mais a encontraria.

- Não pude fazer.. outra coisa - Zita conseguiu murmurar.

- Quando fiquei sabendo, na Estalagem Golden Cross, que ninguém sabia para onde você tinha ido, pensei que ficaria louco.

- Procurou por... mim?

- Mandei alguém fazer isso. Assim como também mandei vários empregados de minha confiança indagarem na cidade sobre seu para­deiro, querida, e onde poderia encontrá-la.

Zita se contraiu. Ele continuou:

- Está tudo certo, meu amor. Eles foram muito discretos. Mas como poderia eu imaginar que você estava aqui?

- Então.. como é que você... veio?

- Estava à sua procura.

Ao ver a expressão de surpresa dela, continuou:

- Explico tudo daqui a pouco, mas agora só o que quero é bei­já-la, meu amor.

Não esperou pela resposta, recomeçando a beijá-la, até Zita se sen­tir inflamada, com uma sensação de êxtase. Era incapaz de pensar, podendo apenas sentir!

Então, ouviram uma voz atrás deles.

- Zita! Que diabo pensa que está fazendo? - perguntou o grão-duque.

Era difícil voltar à realidade, compreender que ainda estava nos braços do rei e que seu pai a fitava, atónito, mal podendo acreditar no que via.

Enquanto a moça procurava se dominar, o rei se virou. O grão-duque soltou uma exclamação:

- Majestade! - Como se ainda não acreditasse nos próprios olhos, disse: - Não sabia que Vossa Majestade conhecia Zita!

O rei se contraiu. Virou-se completamente para o

recém-chegado, agora apenas com um dos braços em volta de Zita.

Por um momento, os dois homens se entreolharam. Depois, o rei perguntou, asperamente:

- Zita é sua, senhor? É uma coisa que nunca me passou pela cabeça.

- Minha? Claro que é minha! Mas nunca imaginei que Vossa Ma­jestade a conhecesse. Acho isso espantoso!

Aproximou-se dos dois. Olhando para Maximiliano, Zita compreen­deu o que ele estava pensando.

Por um momento, não achou possível.

Temendo que ele dissesse alguma coisa que revelasse ao grão-duque a estranha história do encontro dos dois e a ignorância de Maxi­miliano sobre a identidade dela, apressou-se a falar:

- Perdoe-me, papai, por não lhe ter contado, mas conheci Sua Majestade quando estávamos ambos andando a cavalo.

O rei soltou-a. Agora olhava, não para o grão-duque, e sim para ela. A surpresa de seu rosto teria parecido ridícula, se Zita não esti­vesse nervosa, com medo do que ele pudesse revelar.

- Devo compreender, senhor, que Zita e... sua filha?

- Claro que é minha filha! - respondeu o grão-duque, como se o rei o estivesse desafiando.

- Não a vi, quando me hospedei no palácio.

O grão-duque pareceu um tanto constrangido.

- Minha mulher achou que era preferível que Vossa Majestade só fosse apresentado a Sophie, de modo que Zita não apareceu. - De­pois, considerando que não havia motivo para ficar na defensiva e que esse papel devia ser do rei, continuou: - Mas eu gostaria, Majes­tade, que me desse uma explicação. Como é que, após um conhecimento tão casual com minha filha, pois não pode ter sido mais do que isso, Vossa Majestade se julga com o direito de se comportar dessa forma?

- Ficarei muito grato, senhor, se der seu consentimento para Zita e eu casarmos o mais depressa possível.

Sua voz estava firme, não havendo nela a desconfiança de antes.

Agora, foi o grão-duque que ficou surpreso. Olhou para Maximiliano, mal podendo acreditar.

- Certamente, é uma coisa que eu não esperava, Majestade, e que devemos discutir isso tomando um copo de vinho.

Foi só então que Zita voltou à realidade.

Pareceu acordar de um sonho no qual tinha vivido desde que o rei começara a beijá-la, causando-lhe um êxtase indescritível. Percebeu que os dois homens estavam decidindo seu futuro.

Era como se tivesse sido posta de lado, vendo os anos se estende­rem à sua frente, sem que pudesse dar opinião sobre seu próprio des­tino.

Embora seu corpo vibrasse por causa das emoções despertadas pelo rei, sua mente lhe dizia que eles não tinham o direito de tomar decisões sem consultá-la.

O rei e o grão-duque sorriam um para o outro, com uma compreen­são que não parecia necessitar de palavras.

Mas Zita de repente sentiu frio, como se o gélido vento da monta­nha a tocasse, apagando o fogo do amor que a consumia.

Olhou para o pai e percebeu como estava satisfeito com o pedido do rei.

Depois, olhou para Maximiliano. Embora seu corpo desejasse che­gar mais perto dele, sua mente gritou: “Não!”

Viu, quase como se estivessem presentes, as mulheres que o rei ha­via amado, que fizeram parte de sua vida; as mulheres de que ouvira falar e as que apenas imaginara.

Mulheres que, como La Belle, provavelmente o esperavam naquele momento.

Viu-as entrando na vida do rei, saindo, sendo substituídas por outras e mais outras, e soube que jamais poderia suportar tal coisa.

Tudo isso passou por sua mente num segundo. O pai ia para o chalé, quando a ouviu dizer, em voz calma, clara:

- Antes de continuarmos o assunto, tenho alguma coisa a dizer. naturalmente, sinto-me bastante honrada com o pedido de casamento de Sua Majestade, mas minha resposta é não! Jamais serei sua esposa!

Não esperou para ver a expressão atónita dos dois homens e seguiu. Passou por eles, enveredando pelo caminho no meio das árvores, cada vez mais depressa, até chegar á estalagem.

Subiu a escada, foi para seu quarto, atirou-se na cama e escondeu a cabeça no travesseiro.

Sabia que estava fechando as portas do Paraíso.

Ao mesmo tempo, o instinto de auto-preservação, mais forte do que o êxtase do amor, lhe disse que era a única maneira de sobre­viver.

 

Muito tempo depois, Zita ouviu o pai subir e entrar no quarto.

Não veio dizer boa-noite, e ela achou que devia estar zangado com seu comportamento e envergonhado porque a filha tinha insultado o rei.

Recusar-se a casar com um homem não devia ser considerado um insulto, pensou. Mas tinha certeza de que Maximiliano não apenas se consideraria insultado, como humilhado, por ser rejeitado na primeira vez que pedia a uma mulher para ser sua esposa.

Depois, achou que ela é que devia se considerar insultada. Afinal, o rei lhe havia oferecido uma posição muito diferente, antes. Se tinha sido tão pouco perspicaz, a ponto de julgar que Zita aceitaria seme­lhante proposta, então era culpado de ela agora não querer casar.

Mas os pensamentos, por mais lógicos que fossem, não impediam que ficasse consternada nem que tivesse a desagradável convicção de que o pai ia pressioná-la para que mudasse de idéia.

“O comportamento do rei vai estragar nossas férias”, pensou, com ressentimento.

Mas já estavam estragadas. porque nunca mais se sentiria feliz ou livre.

Maximiliano a beijara e a sensação de êxtase ainda permanecia den­tro dela. Só de pensar nele, ficava emocionada, com a impressão de sentir novamente a pressão de seus lábios dominadores.

- Eu o amo... Eu o amo...

Mas sabia que, no que dizia respeito ao rei, esse amor não era su­ficiente.

Talvez fossem felizes juntos durante algum tempo, até Maximiliano se cansar dela, como se cansara de tantas outras.

Então iria para Paris, ou, como acontecia com o grão-duque, pro­curaria consolo em seu próprio pa'ís, para aliviar a monotonia de um casamento que sempre seria igual, dia após dia.

"Como é que eu poderia suportar isso?"

Sabia que, quando acontecesse, por mais que quisesse controlar seu temperamento e suas emoções, teria vontade de matar a mulher que lhe roubasse o amor do marido. E seria até capaz de matar, mesmo!

Imaginou-se sozinha no palácio, ou em seu quarto majestoso, enquanto o rei saísse pela passagem secreta para visitar a amante. Depois que os membros da corte se retirassem, ele iria gozar o prazer da companhia de uma outra mulher, que tinha uma atracção que a es­posa não lhe oferecia mais.

“Então, eu morreria. Ou cometeria um crime terrível, do qual ja­mais me perdoariam.

Apesar de tudo, os beijos de Maximiliano haviam despertado nela sensações que Zita não sabia que existiam. E, se o perdesse agora, jamais encontraria a mesma felicidade nos braços de outro homem.

Ouviu passos leves no corredor, uma porta se abrindo e se fechan­do, e soube quem tinha ido para o quarto do

grão-duque.

Compreendeu que não era apenas o comportamento do rei que a impedia de casar com ele, mas também a infidelidade de seu pai.

“Todos os homens são iguais!”

Zita aceitava isso. Mas não aceitaria a agonia, a humilhação, a frus­tração de ser a esposa indesejada de um marido que ela adorasse. mas que não a quisesse mais.

“Sou diferente de mamãe, porque eu não poderia perdoar nem es­quecer. E não ficaria sentada, calmamente, à espera de meu marido.”

Nesse caso, talvez fosse levada a causar um escândalo e arranjar um amante, só para desafiar o rei.

Mas tinha a estranha sensação de que, se amasse Maximiliano como amava agora, jamais permitiria que outro a tocasse ou dela se apro­ximasse.

A agonia do que sofreria mais tarde era tão vívida em sua mente, que soube que qualquer sofrimento presente seria insignificante, com­parado com a dor do futuro.

“Não vou casar com ele! Não vou!”

Apesar disso, seu corpo ansiava por aquele homem. Teve a desa­gradável sensação de que, se o rei aparecesse agora, ela se atiraria em seus braços, como quando o vira aparecer, sob as árvores.

“Eu o amo! Eu o amo!”

Mas não havia solução nem final feliz. Só o que podia fazer era tentar que o pai compreendesse que estava resolvida e que nada a faria mudar de idéia.

Pela janela, podia ver as estrelas. Achando que isso a fazia sofrer mais ainda, levantou-se e foi fechar as cortinas.

Só com a luz das velas no quarto, seria mais fácil reflectir com calma.

Sua cama não tinha grade, como as outras das estalagens onde dormira nas noites anteriores. Tinha uma cabeceira de madeira enta­lhada, com desenhos de flores e de frutas. Na base viam-se vários pássaros. Os entalhes tinham sido pintados, de acordo com o estilo local, e o colchão era de penas de ganso, muito macio e confortável. Mas Zita

sentia-se como se estivesse deitada sobre pedras, que a espetavam e martirizavam.

- E é o que sou: mártir do amor - murmurou, amargurada.

Ajeitou-se o melhor possível na cama, mas não apagou as velas.

Sabia que, se ficasse no escuro, ansiaria pela companhia do rei, sonhando com ele acordada.

Mas, mesmo com a luz acesa, não podia deixar de pensar no bem-amado e imaginar aonde teria ido.

Não estava hospedado no chalé, porque Névia dissera que não via outros hóspedes.

“Por que hei-de me preocupar? Quanto mais cedo ele aceitar a decisão, melhor.”

Tinha certeza de que La Belle, ou outra igual a ela, estaria a consolá-lo. Pensar na bela dançarina à espera do rei foi como uma punhalada no coração...

Zita estava decidida a não fraquejar.

“Não casarei com ele.., nem que me peça de joelhos!”, disse, or­gulhosa.

Nesse momento, a porta se abriu.

Zita deixou escapar uma exclamação de espanto.

Era o rei!

 

Maximiliano entrou, fechou a porta e dirigiu-se lentamente para a cama.

Vestia um roupão escuro, longo, e tinha um lenço de seda no pes­coço.

Parecia estranho; o roupão fazia com que desse a impressão de ser mais alto.

Zita fitou-o de olhos arregalados.

- O que está fazendo... aqui? Não tem o direito de... entrar em meu quarto.

- Preciso falar com você. E, como poderia fugir, como já fugiu antes, não há outro meio de obrigá-la a me ouvir.

- Não quero ouvi-lo. Nada temos a dizer um ao outro.

- Pelo contrário, tenho muito a dizer. E você não terá alternativa, a não ser me ouvir.

- Não adianta. Já tomei minha decisão e... nada me fará mudar de idéia.

Ao dizer isso, percebeu que o rei, de pé ao lado da cama, olhava para ela. Com a surpresa que tivera ao vê-lo entrar, ela havia se sen­tado na cama, recostando-se nos travesseiros.

à luz das velas, a camisola transparente, enfeitada de rendas, era muito reveladora.

Num gesto de defesa, .Zita puxou o lençol para cima. Teve a im­pressão de que os lábios do rei se torceram num sorriso, antes que ele se sentasse de frente para ela.

Só o facto de senti-lo tão próximo fez com que seu coração acele­rasse. Sentia as vibrações dele de um modo tão intenso, que não podia pensar em mais nada. Mas disse, agressiva:

- Não tem o direito de vir aqui. Sabe que isso é muito pouco convencional. Papai ficaria furioso, se soubesse.

Mas seu pai não poderia censurar o rei, já que também ele agia de maneira extremamente censurável.

Muito agitada, não conseguiu olhar para Maximiliano. Ficou espe­rando sua resposta, achando que, dissesse ela o que dissesse, não o impressionaria.

Dali a um momento, o rei falou:

- Desde que nos conhecemos, Zita, você se mostrou pouco con­vencional. Agora, chegou minha vez.

- Foi... diferente.

- De que maneira?

- Quando fingi ser uma garçonete, na Estalagem Golden Cross, queria apenas... olhar para você, porque mamãe disse que eu não devia aparecer enquanto você estivesse no palácio.

- Seu comportamento na estalagem não foi o que se esperaria da filha do grão-duque.

- Só o que eu queria era vê-lo de perto e verificar se o que diziam a seu respeito era... verdade.

- Então, sentia curiosidade a meu respeito?

- Assim como todo mundo, em Aldross.

- Só espero que eu não a tenha decepcionado - comentou, com ironia. - Mas, quando a vi, Zita, uma coisa me aconteceu que nunca tinha acontecido antes.

Não podendo conter-se, ela olhou de relance para Maximiliano e censurou-se por achar que ele estava ainda mais bonito.

Havia também no olhar do rei uma expressão que fez com que Zita se lembrasse do modo como a beijara, levando-a ao êxtase.

Foi mais maravilhoso do que qualquer outra coisa que ela tinha imaginado ou com a qual jamais havia sonhado.

Sabendo que o rei esperava, conseguiu perguntar, baixinho:

- E que foi que.., aconteceu?

- Eu me apaixonei!

- Não é verdade!

- É verdade. E agora, vou contar uma história. Creio que, como temos muita afinidade e podemos ler os pensamentos um do outro, você vai compreender.

Zita disse a si mesma que não ouviria, que ordenaria que ele saísse do quarto. Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, o rei tornou a falar:

- Minha mãe era húngara!

Fosse o que fosse que Zita esperava ouvir, não era isso. Arregalou os olhos e perguntou:

- Húngara? Eu não tinha a mínima idéia!

- Muito poucas pessoas sabem, simplesmente porque o nome de minha mãe raramente é mencionado, até mesmo em Valdastien. A ra­zão é que o casamento dela com meu pai foi morganático.

Zita ficou tão surpresa, que largou o lençol que tinha puxado sobre os seios. Fitou o rei, atónita.

- Morganático?

- Meu pai se apaixonou por minha mãe. Embora ela fosse de ori­gem nobre, não tinha sangue real. Então, casaram secretamente, na Hungria. Quando voltaram para Valdastien, meu avô nada pôde fazer, a não ser reconhecer que o casamento era válido.

- Deve ter sido muito... romântico.

- E de facto foi. Mas minha mãe não era apenas bonita; era muito húngara! - Sorriu e acrescentou: - Impetuosa, impulsiva e emotiva! Todas as coisas que meu pai achou irresistíveis e que também eu acho irresistíveis em você.

- Mas você disse. .

- Sei o que disse e é uma coisa que também quero explicar - declarou o rei, interrompendo-a.

Olhou para outro lado, como se mergulhasse no passado.

- Quando minha mãe morreu, eu tinha apenas seis anos. Meu pai ficou tão desesperado, que não se importou com um futuro sem a mulher amada. Deixou que o forçassem a um novo casamento que, politicamente, seria vantajoso para Valdastien. - Olhou de novo para Zita e acrescentou: - Creio que você, mais do que qualquer outra pessoa, calcula o que um casamento arranjado significa para um ho­mem que sabe o que é o amor e que compreende que, sem amor, seu casamento é vazio e sem sentido.

Zita sabia que o rei se referia ao grão-duque, mas nada disse. Ele continuou:

- Assim que veio para o palácio, minha madrasta resolveu apagar a lembrança de minha mãe da memória de todos, como se ela nunca tivesse existido. Foi ajudada nisso pelos estadistas que se envergonha­vam, de certo modo, por minha mãe não ser rainha, sendo-lhe permi­tido apenas o título de Sua Alteza Sereníssima. Todos os retratos dela foram destruídos, ou guardados onde ninguém os pudesse ver. Seu nome jamais era mencionado e eu não tinha o direito de falar nela.

Zita soltou uma exclamação de horror. Maximiliano continuou:

- Eu adorava minha mãe. Era a criatura mais bela, mais afectuosa, mais humana de minha vida de criança. Assim como meu pai, achei que o mundo veio abaixo, com sua morte. Sentia-me solitário a um ponto que não posso descrever.

Zita teve a visão de um garotinho num palácio imenso, com as pes­soas à sua volta mostrando-se, de repente, hostis a tudo o que para ele tinha significado na vida.

Fez um gesto impulsivo de tocar a mão do rei, mas

conteve-se, achando que, se o tocasse, não poderia mais sustentar sua decisão de não casar.

- Não somente me proibiram de falar em minha mãe, como man­daram embora as governantas que ela havia escolhido para mim. Todo mundo procurava me convencer de que eu devia suprimir tudo o que houvesse de húngaro em mim e no meu caráter.

Zita imaginou o quanto ele devia ter sofrido, como aquilo devia ter sido terrível.

- Se eu dizia uma palavra em húngaro, era castigado - continuou Maximiliano. - Se chorava, era castigado por ser descontrolado e dramático. Meus preceptores receberam ordem da rainha para me ensinar que a coisa mais importante na vida era o autodomínio. Com isso, ela queria dizer que nunca deveria demonstrar minhas emoções.

- Como alguém pode ser tão cruel com uma criança?

- A resposta é muito simples, Zita: a rainha estava com ciúme. Depois de casada, apaixonou-se por meu pai, mas sabia que ele ja­mais a amaria e que sempre se lembraria da primeira mulher.

- Creio que isso era... duro, para ela - murmurou Zita, pensando em sua mãe.

- Muito duro, mas é o que muitas vezes acontece com casamentos arranjados. Foi por isso que resolvi nunca me ver em tal situação.

- Apesar disso, pensei que você tivesse vindo para Aldross com a intenção de casar com Sophie.

- Meu primeiro-ministro me disse que eu precisava casar, para garantir a sucessão ao trono. Se eu morresse sem um herdeiro, era muito provável que a Alemanha, tendo estabelecido sua federação, se intrometesse nos negócios de Valdastien.

- Era disso que tínhamos medo também. Papai pensou, então, que talvez você pedisse a mão de Sophie, porque seria vantajoso para os dois países.

- Talvez isso acontecesse. Mas, certamente, eu iria visitar outros países, antes de me decidir. Então, conheci você, Zita.

- Está dizendo que isso fez com que... mudasse de idéia?

- Quando me virei para você, naquele quarto da estalagem, o sol iluminava seus cabelos, e, por um momento, pensei que minha mãe tivesse ressuscitado!

- Sou parecida com ela?

- Está aí outra coisa sobre a qual lhe quero falar. Muitas vezes ouvi dizer que sua avó era muito bonita e que tinha um temperamento muito húngaro. - Os olhos dele tiveram um brilho malicioso. - Então, antes de vir para Aldross, examinei a árvore genealógica de sua avó e descobri um ramo obscuro da família Esterhazy onde havia um casamento com alguém da família Frazcozski, à qual minha mãe pertencia. - Fez uma pausa e acrescentou, com um sorriso que fez o coração de Zita bater mais depressa: - Então, minha querida, pode ver que somos parentes!

- Mas você disse que não queria casar com... uma húngara!

- Tinham incutido tanto em mim a idéia de que tudo o que era húngaro era errado, do ponto de vista de um monarca, que cheguei quase a acreditar. Então, naquele momento, eu estava lutando contra meu amor por você.

Zita pareceu surpresa, mas nada disse.

- Fiquei na defensiva, achando que, embora a desejasse, o único lugar que podia lhe dar em minha vida era um lugar passageiro, por­que o fogo que me consumia acabaria por se apagar, como sempre aconteceu no passado.

- Foi o que ouvi dizer. E é por isso que... não quero casar com você.

- Desconfiei de que o motivo era esse.

De novo, Zita pareceu admirada. Ele continuou:

- Esqueceu-se de que posso ler seus pensamentos, como você pode ler os meus? Hoje, querida, quando fugiu, dizendo que não casa­ria comigo, compreendi que tinha medo do futuro e de vir a sofrer.

- Como soube disso?

- Como posso explicar o que sinto por você? Posso apenas dizer que a amo como jamais amei outra mulher na vida!

-E como é que pode ter... certeza?

- Tenho certeza, porque você é tudo o que sempre desejei, sem jamais acreditar que a encontraria. - Ele continuou, como que desa­fiando-a: - Claro que houve mulheres em minha vida. Depois que me libertei do jugo de minha madrasta, aproveitei a liberdade como a maioria dos homens faria.

- Foi para Paris.

- Sim, Paris. E lá encontrei muitas das alegrias de que tinha sido privado no palácio sombrio, deprimente, de Valdastien.

- Posso imaginar... quais foram.

- Claro que pode. Havia em Paris mulheres que me diziam que eu era atraente, mulheres que me faziam rir, com quem eu podia dan­çar. E que estavam prontas a fazer o que eu queria, contanto que lhes desse jóias, vestidos e festas mais extravagantes do que qualquer outra dada até então!

- Deve ter sido divertido.

-Não há dúvida quanto a isso. Mas, depois de algum tempo, percebi que estava ficando saciado, como quem come pâté de foje gras em excesso. - Sorriu e continuou: - Quando meu pai morreu e herdei a coroa, fiquei satisfeito por voltar para Valdastien, para meus cavalos, minhas escaladas nas montanhas, assim como para outros desportos que sempre apreciava quando minha madrasta não me impe­dia de tomar parte neles.

- . Que aconteceu com ela?

- Era alemã, e mandei-a de volta à sua terra.

- Alemã?

- Era do ducado de Mildensburg. O povo de lá é em parte prus­siano. Como você pode compreender, isso explica o que sofri quando estava sob a influência dela.

- E sua madrasta concordou... em ir embora?

- Não tinha escolha!

Zita compreendeu que ele havia obrigado a rainha a partir. Sus­pirou e ouviu-o continuar:

- Agora eu era dono de mim mesmo e podia fazer o que queria.

- E isso significava levar... mulheres para a mansão pegada ao palácio.

- Como sabe disso?

- Creio que, em Aldross, todo mundo sabe.

O rei fitou-a por um longo momento. Depois, disse:

- Então, essa é uma das razões de não querer casar comigo!

Zita corou e não conseguiu encará-lo.

- Quero dizer-lhe, Zita, que a casa está vazia, agora, e que assim vai continuar - afirmou ele em voz baixa.

- Até... precisar de novo?

- Se eu precisar de novo da casa, será porque você morreu ou deixou de me amar, Zita.

- Como pode ter certeza?

- Por instinto. Creio que ambos sabemos que nosso instinto é uma qualidade muito húngara. Não poderia ser explicado a outras pessoas, mas faz parte de nós, a ponto de não devermos desprezá-lo.

- Creio que seria um erro eu casar com você. Compreendo o que quer dizer, claro que compreendo, mas não desejo ser rainha.

Hesitou, procurando as palavras certas. O rei disse:

- Você está procurando criar um caso, e não pretendo ouvi-la. Vou casar com você, com ou sem o seu consentimento. E não tenho intenção de permitir que diga não!

Como ele disse isso em voz baixa e calma, Zita demorou um tanto para se compenetrar de que falava a sério.

Percebeu que Maximiliano tinha uma vontade de ferro e que estava disposto a lutar para vencê-la. Tinha também a sensação de que seria o vencedor.

Mas ainda estava incerta, ainda temia seu amor por ele, um amor tão intenso que mais causava dor do que prazer, e que a amedrontava.

- Se você sair, não apenas deste quarto, mas de minha vida, nos esqueceremos um do outro. Achará uma rainha que não se importará, se você tiver... outros interesses. E, se for sensato, verá que, como ambos somos húngaros, nosso casamento seria tempestuoso e acaba­ríamos nos destruindo.

Ao dizer isso, pensou em como teria ciúme dele, caso chegasse a ser sua esposa.

Ocorreu-lhe depois que, se o rei se comportasse como temia, ela não apenas teria vontade de matar a mulher, como de matar o pró­prio marido!

Maximiliano olhou-a fixamente e, de repente, deu uma risada.

- Oh, minha querida! Acha realmente que não sei o que está pen­sando? Como julguei, por um momento, que o grão-duque fosse seu amante, e não seu pai, também senti a mesma coisa. Ciúme! Tive von­tade de matá-lo, só para tirar você dele, Zita. É minha, e matarei qual­quer um que tocar em você.

Falou com tanta violência que Zita se assustou.

- Talvez briguemos, mas, por mais que gritemos um com o outro, será uma tempestade passageira - prosseguiu o rei. - Depois que fizermos as pazes, haverá sol, e o amor nos levará de novo ao auge da felicidade.

Havia em sua voz uma nota apaixonada, que fez Zita vibrar.

A felicidade a que ele se referia pareceu tomar conta dela, como quando tinha sido beijada, lá fora, ao pôr-do-sol.

- Eu a amo, Zita. E, como não quero que coisa alguma no mundo nos separe e me faça sofrer como sofri nos últimos dias, vou lhe pro­por para decidir entre duas alternativas. E tem que ser agora!

- Quais são?

- A primeira é que me dê sua palavra de honra de que casará comigo. Como é importante que eu consiga estabelecer uma federação com os outros países que pretendo visitar, vou levá-la comigo e casa­remos exactamente dentro de duas semanas.

- Isso é impossível!

Ele continuou, sem dar atenção ao protesto:

- A alternativa é eu ficar aqui hoje à noite e possuí-la. Assim, você me pertencerá e, de manhã, quando eu contar a seu pai o que aconteceu, ele concordará em que a única solução é o casamento.

- Está fazendo chantagem comigo! Como se atreve?

- Faço isso porque sei que posso torná-la muito feliz. E sei que me fará feliz também. Nós dois temos muitas coisas para fazer no mundo, coisas de inestimável valor para outras pessoas, a começar pelo meu país e pelo seu.

- Isso é muito bonito, mas sabe muito bem que não me dá chance de recusar.

- Claro que não lhe dou chance. E isso, querida, porque não é necessário dizer que me ama. Fiquei sabendo que me amava no mo­mento em que você vibrou, quando beijei a palma de sua mão. E tive muita, muita certeza, quando a beijei hoje à tarde e ambos pensamos que tínhamos chegado ao Paraíso.

Zita não soube o que responder, mas achou que não devia capi­tular assim tão facilmente.

- Você só me pediu em casamento depois que soube quem eu era: a filha do grão-duque!

O rei sorriu.

- Estive imaginando quando você iria me acusar dizendo isso. Tenho uma pergunta para lhe fazer. Por que pensa que levei duas horas descendo o morro de meu castelo, para vir até esta hospedaria, sabendo que ia encontrar seu pai aqui?

- Não tenho a mínima idéia.

- Nos últimos três dias, depois que você não compareceu ao nos­so encontro, meus homens de confiança varejaram a capital à sua procura, mas sempre voltaram dizendo que tinham fracassado.

- Porque estavam procurando no lugar errado.

-Seus amigos da Estalagem Golden Cross guardaram bem o se­gredo. Portanto, só havia uma coisa para eu fazer.

- O quê?

- Pedir a ajuda do grão-duque.

- Por que acha que ele o ajudaria?

- Porque, sabendo que você me pertencia, eu estava resolvido a casar. E, como é súbdita de Aldross, a única pessoa que poderia tornar nosso casamento aceitável em Valdastien seria o governante de seu país.

- Você pretendia casar comigo? Um casamento morganático?

- Era a única maneira de eu ser feliz para o resto da vida - res­pondeu o rei, com simplicidade.

- Mal posso acreditar!

- Farei com que acredite. Não nego que as coisas ficaram muito mais fáceis, querida, pelo facto de você poder reinar, como minha rai­nha. Certamente, não haverá oposição por parte do primeiro-ministro. E meus súditos vão adorá-la.

- Não estava pensando neles, quando disse que não casaria com você.

O rei leu os pensamentos de Zita e soube que pensava em La Belle e nas outras mulheres que poderiam interferir na vida deles.

- Sei exactamente a quem se refere, mas precisa esquecer as outras mulheres, querida. Foram apenas flores à beira de meu caminho, que feneceram rapidamente e não tiveram importância, porque, o tempo todo, no fundo do coração, eu sabia o que estava procurando: sonhava com você, ansiava por você. - Suspirou. - Como fui tão estúpido, a ponto de não perceber que meu sangue húngaro só poderia ficar satisfeito com uma húngara? Agora que a encontrei, serei uma pessoa completa, e você também, minha querida.

Inclinou-se e colocou os braços em volta de Zita.

Ela achou que devia resistir, mas não conseguiu.

Os lábios do rei prenderam os dela, e Zita sentiu que todo o seu ser se entregava ao homem amado. Sua cabeça caiu sobre o traves­seiro, e Maximiliano beijou-a com mais ardor ainda.

Uma corrente de vibrações os uniu, e Zita achou que tinha perdido a identidade e agora fazia parte dele.

O rei beijou-a inúmeras vezes, até Zita perceber que seu corpo se inflamava e que também ele parecia prisioneiro de um amor intenso.

Finalmente, os dois se separaram. A moça murmurou, incoerente, numa voz que parecia de outra pessoa:

- Eu amo... você! Amo você!

- Diga isso novamente! Diga, até fazer com que eu acredite!

- Eu amo você!

- Quando é que vai casar comigo?

Zita deixou escapar um som que mais parecia um soluço e res­pondeu:

- Amanhã... Hoje à noite... Mesmo que você me ame apenas por algum tempo... valerá a pena.

- Hei-de amá-la para sempre! Sabe, minha querida, não existem palavras para expressar a grandeza, a profundidade e a maravilha de nosso amor.

Sabendo que era verdade, Zita passou os braços em volta dos om­bros de Maximiliano.

- Também eu o amo loucamente. Mas tenho receio de aborrecê-lo e de você me deixar. Se fizer isso... creio que prefiro morrer!

- Jamais a deixarei, minha adorada, e você jamais me deixará. Sei que vamos precisar de pelo menos mil anos para nos convencer­mos de nosso amor, um amor que conhecemos em outras vidas. Tive­mos muita, muita sorte, em nos encontrarmos novamente nesta.

Zita chegou mais perto dele.

- Se for verdade, então, nunca perderemos um ao outro. E você tem razão: ficaremos juntos por toda a eternidade, porque não somos duas pessoas, e sim, uma só.

O rei nada disse. Continuou beijando a mulher amada, até que as estrelas pareceram cair do céu e envolvê-los numa chuva de luz.

 

Os gritos da multidão se tornaram ensurdecedores, quando a car­ruagem real, levando os noivos, saiu do palácio e entrou na rua prin­cipal.

Havia uma profusão de flores; bandeiras tremulavam nas janelas de todas as casas, enquanto o povo agitava chapéus e lenços.

Segurando o braço do rei, Zita acenava. Pétalas de flores caíam na carruagem aberta, que seguia lentamente atrás do regimento de cava­laria que os escoltava até a fronteira.

Só quando saíram da cidade e se viram em campo aberto, onde havia menos gente, foi que o rei perguntou:

- Está cansada, meu amor?

- Como poderia estar cansada, quando só penso na felicidade de tê-lo encontrado, meu querido? Sabendo que não vou precisar casar com um sujeito maçante como aquele margrave de Baden-Baden?

O rei deu uma risada.

- Acho que ele combina muito bem com sua irmã.

- é o que ela também pensa.

- E eu combino muito bem com você. Mas creio que sua mãe não me aprova.

- Na realidade, mamãe acha que combinamos, porque ela também nunca me aprovou!

Ambos riram.

Uma chuva de pétalas de rosas os impediu de falar, ao passarem por um grupo de crianças de escola.

O rei disse então:

- Você ficou muito bonita, de vestido de noiva. E está muito bonita agora, com esse chapéu de plumas verdes.

- Mamãe diz que o verde não dá sorte, mas dá sorte para mim! Assim como as esmeraldas que você me deu.

Ao dizer isso, olhou para a enorme esmeralda que trazia no dedo, ao lado da aliança.

- É a cor de seus olhos. Como seus olhos brilham, quando a ex­cito, minha querida, é esse brilho que vou ver hoje à noite.

Zita corou.

- Não me contou aonde vamos passar a lua-de-mel. Mas acho que posso adivinhar.

- Então, leu meus pensamentos. Para onde poderíamos ir, a não ser para meu castelo no meio das nuvens?

- é para lá que eu tinha certeza de que você me levaria. Mas pen­sei que ficasse... envergonhado de fazer isso.

- Não estou nada envergonhado. Quero levá-la para lá, Zita, por­que... e é a pura verdade... jamais levei uma mulher ao castelo. Era o preferido de minha mãe e ela o decorou em estilo tipicamente húngaro.

- Então, vou gostar dele tanto quanto você gosta.

O rei pegou-lhe a mão e levou-a aos lábios. Isso despertou aplausos mais ruidosos na multidão, que o considerou um gesto muito como­vente, do qual todos se lembrariam.

Na Estalagem Golden Cross, eles deviam trocar de carruagem, dei­xando a que pertencia ao grão-duque e tomando a do rei.

Zita ficou surpresa, quando, em vez de uma vitória aberta, viu que o veículo que os esperava era um faetonte muito elegante, puxado por quatro cavalos. Era bem leve e com rodas muito grandes, o que fazia com que fosse bastante veloz.

Não teve tempo de manifestar sua surpresa, a não ser depois que se despediram dos cortesãos que os tinham acompanhado desde o pa­lácio.

Antes de partir, Zita tinha uma palavrinha para dizer a Gretel.

- É graças a você, Gretel, que me sinto tão feliz. Trouxe-lhe um presente. Espero que o use e sempre se lembre de nós.

- Nunca a esquecerei, Majestade.

Quando se afastava, Zita teve certeza de que Gretel ficaria muito contente com o broche que lhe dera. A jóia tinha as iniciais de Zita e do rei, em brilhante sobre esmalte.

Agora, o próprio rei guiava o faetonte, escoltado por quatro cava­leiros que se mantinham a uma distância discreta.

- Como você pôde pensar numa coisa tão excitante? - pergun­tou Zita, referindo-se ao faetonte.

- Estou com pressa. A carruagem oficial e o regimento de cavalaria fariam com que levássemos o dobro do tempo, na viagem até o castelo.

- Nunca vi um faetonte deste tipo.

- Veio de Paris - respondeu ele, com um brilho malicioso no olhar.

- Contanto que seja a única coisa que você importe de Paris, não me queixarei!

- Garanto que você quer ir até lá para comprar uns vestidos no­vos. Mas não há pressa. Por enquanto, acho-a muito bonita, Zita, e muito desejável, com os vestidos feitos em seu país.

- Acho que está fazendo pouco das lojas de Aldross!

Garanto-lhe que todos os vestidos de meu enxoval, e não houve tempo para muitos, têm etiqueta francesa. - Deu uma risadinha e acrescentou: - Para dizer a verdade, como mamãe desaprovou quase todos eles, são muito chiques!

- Darei minha opinião mais tarde. Mas aposto que nada será mais tentador do que a camisola que você usava, quando a pedi em casa­mento no quarto do chalé!

- Pediu em casamento! - exclamou Zita, indignada. - Apenas me informou de que eu tinha que casar com você! Para ser franca, sou apenas uma prisioneira, acorrentada ao carro do vencedor!

- Creio que, se devemos dizer a verdade, o prisioneiro sou eu. Perdi a liberdade, que me era muito preciosa, no momento em que a conheci.

- Já está arrependido?

- Vou responder a essa pergunta um pouco mais tarde - decla­rou o rei, chicoteando os cavalos, para que andassem mais depressa.

O castelo era mais bonito e mais impressionante do que Zita havia imaginado.

Construído no alto de uma montanha de pico coberto de neve, era um palácio de sonhos. Quando Maximiliano pegou Zita nos braços e transpôs a soleira da porta carregando-a, ela soube que ele era também o rei de seus sonhos.

No salão, uma orquestra cigana tocava. Havia vinho para os músi­cos e também para os empregados principais, para que bebessem à saúde dos noivos.

Depois, os dois subiram a escada, de mãos dadas.

Primeiro, o rei mostrou o salão oficial, que tinha a vista mais bela que Zita jamais contemplara.

Levou-a depois pelo largo corredor, decorado com quadros e com mobília de grande valor, indo até a suíte real.

Quando entraram no primeiro aposento, o quarto da rainha, Zita achou que era o mais bonito do mundo.

Pensou que só uma húngara poderia ter criado coisa tão bela.

Ficou emocionada, de uma maneira difícil de explicar, e percebeu que também o marido estava comovido.

- É o quarto de minha mãe - disse ele, suavemente.

- Sinto que ela sabe que estamos aqui, juntos. E está muito con­tente por ver que você é... feliz.

Para sua surpresa, Maximiliano não a beijou, como esperava, indo fechar a porta à chave.

Voltou para perto de Zita, desmanchou o laço das fitas do chapéu e atirou-o no sofá.

- Todos os criados, aqui, são de origem húngara. Dei ordem para que não nos perturbem, a não ser que toquemos a campainha.

A maneira de Maximiliano falar fez com que ela o encarasse com ar indagador. O rei desabotoou o casaco leve que Zita usava e atirou-o também no sofá.

Abraçou-a, dizendo:

- Há três horas que somos marido e mulher e ainda não tive oca­sião de beijá-la, querida.

Zita ergueu os lábios, mas, antes de beijá-la, ele comentou:

- Acho que, depois da cerimónia, do desjejum e de uma longa viagem, você deve estar cansada.

Zita corou, fazendo com que o marido risse.

- é uma frase convencional, mas que significa uma coisa muito diferente.

Devagar, como se deliberadamente não quisesse demonstrar pressa, Maximiliano passou o dedo na face de Zita, até o queixo.

Ela sentiu uma estranha emoção, como se todo seu corpo se infla­masse.

- Você é linda! Mal posso acreditar que é finalmente minha, que não vai desaparecer e que não vou acordar pensando que tudo foi um sonho.

- Estamos num mundo de sonhos, meu marido querido. E nunca vamos sair dele.

- Creio que isso seria impossível. Para termos certeza de que con­tinuaremos sonhando, quero lhe dizer o quanto a amo e o quanto você significa para mim.

Seus lábios buscaram os dela, mas foi um beijo terno e rápido.

Depois, delicadamente, desabotoou-lhe o vestido, que escorregou dos ombros e caiu no chão.

Dali a um momento, ele a pegou no colo, colocando-a na cama. Zita sentiu a maciez do colchão, viu o sol da tarde que envolvia o vale, notou o céu límpido acima dos picos gelados e sentiu uma in­tensa felicidade.

Maximiliano estava ali com ela, e só isso importava. Ele a puxou para mais perto, cada vez mais, beijou seus cabelos, os olhos e, final­mente, a boca.

- Eu o amo. Oh, meu querido, meu maravilhoso Maximiliano! Amo você!

Não soube se pronunciou tais palavras ou se elas cantavam em seu coração.

E, então, o fogo que tinha sido reprimido durante o dia inteiro os levou para o êxtase, para o auge da felicidade.

Zita sentiu que o rei não tinha tomado apenas seu coração e sua alma, mas também seu corpo.

Eram uma pessoa só, não apenas nessa vida, mas em outras que viriam...

 

                                                                                            Barbara Cartland  

 

                      

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