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A Guerra sai da Rússia
A Guerra sai da Rússia

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Guerra sai da Rússia

 

                  

 

Abril a Outubro de 1944

 

Tópicos do capítulo:

Apesar da pressão russa, Hitler recusa evacuar Sebastopol

9 de maio: queda de Sebastopol, Crise de efetivos na Wehrmacht

25 de junho: Vitebsk esmagada. Bobruisk condenada

Batalha do Berezina. Minsk cai a 3 de julho

Vitórias soviéticas em todo o front

Os russos avançam na Polônia. Aberta a rota de Varsóvia

1o de agosto: irrompe o levante de Varsóvia

A heróica resistência do Gueto

Stalin abandona o General Bor

Após 64 dias, Varsóvia é esmagada

Reviravolta dos romenos, que declaram guerra a Hitler

No Pacífico: Rabaul neutralizado, Holândia capturada

Vitória nas Marshall. Conquista das Marianas

19 de junho: o Almirante Ozawa perde a Batalha de Saipan

Rompe-se o cinto de segurança do Japão. Suicídio de almirantes

 

A libertação

 

No início da primavera de 1944, a Wehrmacht conservava a Criméia em sua quase totalidade. A leste, os russos haviam atravessado o estreito de Kertch, mas o 5o AK, comandado pelo General Allmendinger, detinha-os no istmo de Parpatch.

 

Ao norte, haviam os soviéticos transposto a vau a laguna conhecida pelo nome de Siwasch, ou Mar Pútrido, mas o 49o Corpo de Montanha, comandado pelo General Konrad, conseguia contê-los no istmo de Perekop. Quando Schoerner inspecionou o 17o Exército, depois de receber o comando do grupo da Ucrânia Meridional, não hesitou em traçar um quadro cheio de otimismo: “Tudo está em ordem. A defesa da Criméia está assegurada...”

 

O telegrama de Schoerner ao OKH data de 7 de abril, às 23h35. Às 9 horas de 8 de abril, o Marechal Tolbukhine atacava o istmo de Perekop, com o 2o Exército soviético da Guarda e o 51o Exército. A 9, o Coronel-General Jaenecke, comandante do 17o Exército alemão, pedia autorização para fechar-se em Sebastopol, a fim de evitar o aniquilamento de todo o exército.

 

No dia seguinte, Jaenecke volta à carga, propondo a evacuação total da Criméia. Perdidas as ilusões, Schoerner associa-se à sua proposta. Hitler recusa ouvir e ordena a organização, em Sebastopol, de uma resistência a qualquer preço. “Nem um palmo de terra deve ser cedido; nenhum homem válido deve ser embarcado...” A 16 de abril, depois de uma retirada precipitada que custou dois terços do material, o 17o Exército abrigou-se em Sebastopol. O 5o Corpo, composto de três divisões alemães e de quatro divisões romenas, defende o setor oriental, de Balaclava até a baía de Svernaja. O 49o Corpo, composto de duas divisões alemães e de três romenas, defende o setor ocidental. O Marechal Tolbukhine lança contra a cidade três exércitos, totalizando 28 divisões. Dois anos após o cerco de Sebastopol pelos alemães, começa o cerco de Sebastopol pelos russos.

 

Será menos encarniçado. As tropas romenas já não querem lutar. As cinco divisões alemães estão reduzidas a um total de 20.000 combatentes. Soldados, oficiais e generais só tem um pensamento: atravessar o mar, escapar à ratoeira. Schoerner voa para Berchtesgaden, renova o pedido de retirada. A esse general de sua predileção, Hitler digna-se a revelar as considerações político-estratégicas que lhe ditam uma linha de conduta incompreendida. Ao abandono de Sebastopol, nesse momento, provocaria a entrada da Turquia na guerra. Em seis ou oito semanas, a situação será transformada. Os ingleses terão desembarcado na França; serão esmagados, a Alemanha voltará todas as suas forças contra a Rússia e a atitude da Turquia ser-lhe-á, então, totalmente indiferente. Que Sebastopol resista seis ou oito semanas, o Fuhrer não pede mais que isto.

 

Mas Hitler desconfia de Jaenecke. Convoca Allmendinger para dizer-lhe que seu superior enfraquece a defesa com seu derrotismo, depois convoca o próprio Jaenecke. Este se obstina, sustenta que se limitou a executar ordens errôneas e, antes de regressar a Sebastopol, ousa endereçar uma carta a Hitler cheia de críticas. É preso, quando passa por Galatz, e expulso do Exército.

 

A 5 de maio, o 2o Exército da Guarda ataca o setor ocidental de Sebastopol. A 7, o 51o Exército e o exército costeiro estendem o ataque até Bataclava, tomam a colina de Sapun, cuja conquista por Manstein havia selado o cerco anterior. Allmendinger, que substituíra Jaenecke, recua sua frente até Inkermann, para reconstituir uma força de contra-ataque e tentar recuperar o cume vital. Hitler censura-o, mas as censuras de Hitler tem agora pouca importância. A situação dos defensores é desesperada. As divisões alemães cedem umas após outras. A 8 de maio, Schoerner assume a responsabilidade de ordenar à Marinha e à Força Aérea o resgate de tudo o que pudesse ser ainda salvo. Hitler resigna-se e ratifica a retirada.

 

A 9 de maio, os russos libertam Sebastopol. Como Popov, em 1942, Allmendinger resiste ainda quatro dias na quase ilha de Querosene, a fim de prolongar o embarque dos sobreviventes. De 235.000 soldados que o 17O Exército contava a 8 de abril, cerca de 150.000 são reconduzidos à Romênia, mas levam apenas suas pistolas. Desapareceu mais um exército alemão. A calma volta à frente oriental. O traçado desta é singular. Ao norte e ao centro, apesar de sérios reveses, os exércitos alemães continuam profundamente entranhados na massa territorial russa. O Grupo Norte, cujo comando é exercido pelo General Lindemann, mantém ainda Narva e a margem ocidental do lago Peipus, cobrindo assim os países bálticos. O Grupo Centro avança ainda mais longe na direção leste. Mantém Vitebsk por uma forte saliência em ambas as margens do Duna; agarra-se a leste do Dniéper, diante de Orcha e Mohilev, indo atravessar o rio mais a montante da confluência do Berezina. Os alemães ainda estão a 100 km de Smolensk, como se não houvessem abandonado a esperança de nova ofensiva em direção a Moscou! Pelo contrário, toda a parte meridional da sua frente ruiu. Os russos libertaram a Ucrânia, penetraram na Polônia, avançando até 50 km de Brest-Litovsk. Atingiram as fraldas dos Cárpatos, ultrapassaram o Dniéster e o Pruth, invadiram não somente a Bucóvina e a Bessarábia, mas também a antiga Romênia. Odessa foi, com Sebastopol, a última cidade do sul da Rússia à qual se agarraram os alemães. Largaram-na a 10 de abril.

 

O ardor da batalha, ao sul, reduziu sem cessar a quantidade e a qualidade das tropas em outros setores. O número de grandes unidades do Grupo Centro foi reduzido para 38, das quais duas divisões recuperadas com os excedentes da Luftwaffe, uma divisão policial mal armada e duas divisões húngaras de moral duvidoso. Um pouco antes do acidente automobilístico que fez com que fosse substituído pelo Marechal Busch, Von Kluge foi viver nas trincheiras, para, fora dos palavreados do Estado-Maior, conhecer diretamente o ar que ali se respirava. “A impressão de vazio - escreve ele numa carta pessoal a Hitler - é simplesmente assustadora. Com divisões desdobradas em setores de 25, 30, 50 km chega-se, nas primeiras linhas, à densidade de um homem a cada 50 ou 80 metros. As reservas são inexistentes e os revezamentos, impossíveis por falta de efetivo. “Só ao Grupo Centro - diz Kluge - faltam 200.000 homens. Nenhum chefe pode assegurar-lhe que evitará uma catástrofe...”

 

Os guerrilheiros complicam terrivelmente a tarefa do grupo de exércitos. Os alemães deparam-se com eles por toda parte, na União Soviética, mas nunca em tão grande número quanto na Rússia Branca. Os grandes maciços florestais, as imensidões pantanosas são refúgios inexpugnáveis de onde partem verdadeiras operações organizadas e coordenadas por um estado-maior especial. Todas as noites, os postos de escuta contam de 100 a 200 aviões que vão reabastecer os 250.000 combatentes sem uniformes que aprofundam a frente alemã até a Polônia. Os exércitos devem abandonar todos os itinerários rodoviários e ferroviários, menos um, sobre o qual concentram sua vigilância, sem conseguir imunizá-lo contra as sabotagens e emboscadas. Guerra impiedosa, que desconhece feridos e prisioneiros, que responde à insegurança pelo terror e não recua nem diante da tortura nem da profanação de cadáveres. Ao mesmo tempo que ferozes adversários, os alemães encontram populações aliadas ferozes. Mas a lealdade de seus voluntários, Hilfewillige ou Hiwis, e de seus contraguerrilheiros, Banderovitchi ou Bendis, tornou-se um tanto duvidosa, depois de seus grandes reveses. Às crises que se tornam mais pesadas, a Alemanha dá réplicas de uma eficácia decrescente. Os recrutas da classe de 1926, ou seja, os soldados de 18 anos, aparecem na Frente Leste a partir da primavera de 1944. Hitler não deixou de sustentar que o soldado alemão, o Landser, é um super-homem, ao qual tudo pode ser pedido. Essa orgulhosa ilusão se dissipa diante da realidade russa. Em cada grupo de três soldados um é ferido recuperado. As raras licenças quebram o moral dos homens, pelo espetáculo da Alemanha reduzida a cinzas. A terra russa, a natureza grandiosa e triste, a miséria das aldeias, a impressão de vazio à frente e de insegurança à retaguarda são outros fatores de um abatimento profundo, em conseqüência do qual a coragem ativa se transforma em resignação, a resignação em fatalismo e o fatalismo em desespero. É um exército desanimado, um exército já irremediavelmente vencido que aguarda um novo golpe.

 

A pobreza aumenta ao mesmo tempo que a neurastenia causada pela falta de novas vitórias. As peças sobressalentes, os equipamentos novos baixam de padrão, em seguida à escassez de materiais estratégicos, manganês, níquel, molibdênio, volfrâmio, etc. A grande crise dos combustíveis começa com a devastação, pela aviação estratégica americana, dos campos petrolíferos romenos. Em maio de 1944, as entregas mensais destes caem de 430.000 para 260.000 toneladas. Nunca a Wehrmacht foi excessivamente rica em gasolina. Torna-se, agora, muito pobre, vive o dia-a-dia, à beira da paralisia. O novo comandante do Grupo Centro é um dos raros grandes chefes que nutrem simpatia pelo nacional-socialismo e crêem no gênio militar de Hitler. Além de Reichenau, foi, em 1938, o único que se recusou assinar o memorando de Beck denunciando a corrida a uma guerra perdida de antemão. Alto, gordo, corpulento, filho de um modesto diretor de orfanato, o vestefaliano Ernst Busch abdicou sistematicamente à tradição prussiana sobre o livre arbítrio e a responsabilidade imprescindível do Estado-Maior Geral: “O dever supremo reside na obediência passiva”. Sua recusa em solidarizar-se com seus pares e uma norma tão agradável aos ouvidos do Fuhrer não favoreceu, entretanto, a carreira de Busch de modo excessivo. Ele era Generaloberst e comandava um exército em 1940; só é nomeado marechal a 1o de abril de 1944, quando recebe o comando de um grupo de exércitos.

 

Busch não demora muito a avaliar o peso desse comando majestoso. Obtém, a 24 de maio, uma audiência com Hitler e julga-se no dever de expor as duas soluções preparadas por seu estado-maior para encurtar a frente, muito extensa, do grupo de exércitos: “pequena solução” consistindo numa retirada atrás do Dniéper; “grande solução” consistindo numa retirada atrás do Berezina. Hitler encara o novo marechal de maneira especial: “Não supunha, Busch, pertencesse você a essa classe de generais que só olham para trás...” A causa está perdida. Busch protesta que executará fielmente todas as ordens e informa a seu estado-maior consternado, a vontade inequívoca do Fuhrer de não ceder um só palmo de terreno.

 

Busch traz, igualmente, uma garantia tranquilizadora: Hitler prometeu-lhe, “um verão tranqüilo”. Como nos anos precedentes, a frente central continuará um palco secundário, animado, quando muito, por ofensivas locais. É ao sul que os russos tentarão explorar seus sucessos do inverno para atingir a foz do Danúbio, conquistar o petróleo romeno, expulsar a Alemanha dos Bálcãs, invadir a Europa Central, marchar sobre Viena. O Fuhrer tomou suas medidas para suportar o choque, reforçando ao máximo os dois grupos de exércitos do Sul. A ofensiva se chocará com o núcleo de aço da Wehrmacht. O enorme Exército Vermelho é uma massa de equilíbrio instável. Um golpe violento pode fazê-lo oscilar - como oscilaram, de uma só vez, o exército do Czar, invadindo a Alemanha em 1914, e o exército de Lenine, invadindo a Polônia em 1920... A contribuição do grupo central à vitória consistirá em resistir com aquilo de que dispõe.

 

Quatro exércitos constituem-no. Fraco e disparatado, mas praticamente sem contato com as forças regulares inimigas, o 2o Exército, do Coronel-General Weiss, do chefe de estado-maior Von Tresckow - até 21 de julho! -, ainda assim mantém 500 km de leste a oeste ao longo dos pântanos do Pripet. O 9o Exército, do general de infantaria Jordan, se alinha em ambas as margens do Berezina. O 4o Exército, segue-se-lhe sob as ordens do General Von Tippelskirsch, substituindo provisoriamente o Coronel-General Heinrici, licenciado por doença. Ele atravessa o Dniéper duas vezes antes de se unir ao 3o Exército Panzer, do Coronel-General Reinhardt, que, não tendo mais nada blindado a não ser o nome, mantém a saliência de Vitebsk. Prudentemente, o grupo de exércitos adotou uma posição de barragem a oeste do Berezina. Mas é preciso ocultar esta iniciativa ao Fuhrer, o qual sustenta que as posições de retaguarda são apenas uma tentação para a fúria de recuo dos generais.

 

Às linhas de defesa sucessivas, Hitler opõe sua teoria das Wellenbrecher, dos quebra-ondas. Quatro são previstos na zona desse grupo de exércitos: Bobruisk, no Berezina; Mohilev e Orcha, no Dniéper; Vitebsk, no Duna. Qualificados de praças fortes, Festungen - como anteriormente Stalingrado - cercados de cinturão fortificado, dotado de governador e de guarnição, eles devem deixar-se cercar, para dissolver a ofensiva inimiga. Bobruisk, Mohilev e Orcha são defendidas, respectivamente, por uma divisão. Vitebsk por três. Todos os generais são hostis a essa concepção de batalha defensiva que leva à destruição certa uma fração importante dos exércitos em luta, mas longe de reduzir-se pelos reveses, a autocracia de Hitler acentua-se cada vez mais. Os generais calam-se e executam - levantando, às vezes, os olhos para o céu.

 

Maio termina. Começa junho. Os acontecimentos que se desenrolam a oeste, a perda de Roma e o desembarque da Normandia só produzem nos exércitos alemães do Leste ecos bastante abafados. A guerra se faz em câmara lenta, mas os serviços secretos começam a colecionar indícios estranhos. Reunidos a 14 de junho em Rastenburgo, os chefes de estado-maior dos exércitos trocam informações. Os do Grupo Norte, os do Grupo da Ucrânia Sul e Norte não constatam nenhum sinal precursor de uma ofensiva iminente. A contrário, os do Grupo Centro assinalam, em face deles, concentrações impressionantes: nove exércitos, dos quais vários de choque, são identificados entre o Pripet e o Duna. Eles se ligam a quatro frentes: 1o, Frente do Báltico, 3o, 2o e 1o da Rússia Branca, reunidos sob o comando do Marechal Vassilevski. Indícios claros e concordes. O grande esforço soviético de verão não se vai desenrolar na zona onde o Comando alemão se preparou para recebê-lo. Não vai visar os objetivos econômicos - petróleo romeno, minerais balcânicos - que mantém Hitler hipnotizado! Ao preço de um prodigioso esforço de organização (do qual, mais uma vez, o detalhe nos é desconhecido), Stalin fez subir seu centro de gravidade 500 km para o norte. Vai assestar um golpe de forte contra fraco, de muito forte contra muito fraco, em pleno centro inimigo.

 

Mas Hitler está cego às evidências que o contradizem. Os movimentos russos no trecho central da frente são, sustenta ele, ostensivos demais para não constituir um simulacro. Podem, quando muito, anunciar uma ofensiva de diversão. Busch não obtém nem mesmo a autorização para reter o 46o Corpo Blindado, que deve ser cedido ao Grupo da Ucrânia Norte. A 20 de junho ainda, por ordem de Hitler, Keitel assina uma circular lembrando que o Schwerpunkt inimigo deve ser aguardado, não diante do Grupo Centro, mas diante dos dois grupos de exércitos Sul. Quando a nota de Keitel chega às mãos de Busch, a ofensiva soviética contra o Grupo Centro já começou por uma ação geral dos guerrilheiros. Eles saem de todas as partes, atacam as estradas, as ferrovias, os depósitos, sustentam 3.500 combates, tem êxito em 10.500 sabotagens. Quarenta e oito horas depois, ao amanhecer de 22 de junho, depois de uma noite sufocante, atravessada por enormes relâmpagos de calor, a infantaria e os carros da 1a Frente do Báltico e da 3a Frente da Rússia Branca se lançam contra o 3o Exército Panzer. A ofensiva se estende, no dia seguinte, ao 4o Exército e, em seguida, ao 9o, abrangendo uma extensão de 500 km, do Duna ao Pripet. Contra as 37 divisões de infantaria e a única divisão blindada do Grupo Centro, os russos lançam 138 divisões de infantaria e 43 brigadas de tanques.

 

Uma inovação cruel assinala essa ofensiva de verão. No Trommelfeuer, nas concentrações de morteiros de Stalin, ao esmagamento das primeiras linhas se alia uma preparação aérea que espanta os alemães por sua intensidade e profundidade. Estes não tem no ar, por assim dizer, mais nada: a 6a Luftflotte, juntamente com o Grupo de Exércitos Centro, possui, a 22 de junho, apenas 40 caças utilizáveis. Prodigiosa reviravolta de situações, igual à que se produz na Normandia. No Leste como no Oeste, é a vez dos soldados alemães combaterem sob a supremacia absoluta das asas inimigas.

 

Perto de Vitebsk, a luta torna-se, logo, trágica. Os russos sitiam a cidade, prendendo na armadilha a totalidade do 53o AK, quatro divisões, perto da metade do 3o Exército. Reinhardt, pelo telefone, suplica a Busch que suplique a Hitler dê autorização de abrir caminho às tropas sitiadas. Hitler recusa, lembrando-lhe que fez de Vitebsk uma cidadela que deverá ser defendida até a morte. A 25, tarde demais, ele acaba por aceitar que três divisões saiam da cidade, mas exige que a 206a, do General Hitter, aí permaneça, para defendê-la até a “suspensão do cerco”. Exige, igualmente, que um oficial do Estado-Maior do 3o Exército Panzer seja lançado de pára-quedas em Vitebsk, para levar a Hitter uma ordem escrita. Reinhardt recusa sacrificar inutilmente um de seus colaboradores. “Herr Felmarschall - diz a Busch - peço-lhe informar ao Fuhrer que, se ele mantiver esta ordem, um só oficial do 3o Exército Panzer saltará sobre Vitebsk: seu comandante-chefe, eu”. Hitler não insiste.

 

Nos dois dias seguintes, os russos golpeiam as forças sitiadas. Um após outro calam-se os rádios de campanha do 53o Corpo. Muito fraca para guarnecer o cinturão fortificado da cidade, a divisão deixada em Vitebsk é submersa logo ao primeiro assalto. As três outras, incapazes de abrir caminho através das massas russas, são totalmente aniquiladas. O resto do 3o Exército Panzer bate desesperadamente em retirada, no meio da floresta sem caminhos e de guerrilheiros sem piedade.

 

Na outra ala, contra o 9o Exército alemão e a suposta praça forte de Bobruisk, Rokossovski empenha 50 divisões de infantaria e 13 grandes unidades mecanizadas. Pretende marchar sobre Minsk e fazer junção com Tchernakovski, que chega a Vitebsk, a fim de capturar todo o centro alemão.

 

O campo de batalha é difícil. Diversos grandes rios, o Olssa, o Ola, o Drut, o Dobissna, o Berezina, convergem para o Dniéper, cursos de águas de planície, lodosos e lentos estendendo-se em vastos pântanos, constituindo um delta que nenhum comando ocidental escolheria como setor ofensivo. Mas as tropas russas foram admiravelmente preparadas para a guerra dos pântanos. Avançam levando uma quantidade fenomenal de toras de madeira, de feixes, de pranchas, destinados a estabelecer pistas para as viaturas e os tanques. Uma coluna de infantaria parece uma floresta em marcha.

 

De três ataques dirigidos contra o 9o Exército, dois são rechaçados. O terceiro, ao sul do Berezina, empurra o 41o AK e ultrapassa Bobruisk a oeste. A 26, um Busch choroso voa até Berchtesgaden, para narrar ao seu Fuhrer o trágico da situação. Depois de Vitebsk, Bobruisk está condenada. As forças soviéticas, por um momento contidas sobre o Drut pelo 35o Corpo, romperam a linha e completam o cerco da cidade pelo norte. O fiel Busch pede uma reorganização das forças. Que o 4o Exército, fracamente atacado no centro, mas ameaçado de cerco pelo desmoronamento dos vizinhos, seja autorizado a atravessar o Dniéper. Que Bobruisk, Mohilev, Orcha, fortalezas no papel, sejam abandonadas antes que tenham a mesma sorte que Vitebsk. Que grandes reforços sejam dirigidos, com toda a urgência, na direção do centro da frente. Hitler rechaça todos esses pedidos, e Busch volta a Minsk, onde se cientifica de que foi substituído por Model.

 

Assim, a obstinação, a cegueira, a capacidade de erro de Hitler não param de avultar na derrota. Ele ostenta simultaneamente que nem o desembarque anglo-americano da Normandia, nem a ofensiva soviética na Rússia Branca são verdadeiros. Mantém o 15o Exército ao norte do Sena, armas descansadas, ao mesmo tempo que paralisa na Ucrânia as melhores tropas da frente oriental. Os generais são necessariamente responsáveis pelos fracassos que ele mesmo ditou. “meu prestígio - afirma ele - é um capital insubstituível, que não deve sofrer desgaste em caso nenhum. Os generais, sim, podem ser trocados”.

 

A 27 de junho, a massa do 9o Exército é cercada em volta de Bobruisk. Como em Vitebsk, Hitler decide que uma divisão defenderá a praça forte e que o grosso do 35o e do 41o corpos romperá o círculo do cerco. O General Von Lützov faz destruir todo o material intransportável e se põe no meio de uma grossa coluna, com a qual procura evadir-se na direção de Minsk. Quinhentos bombardeiros russos martelam a concentração alemã. As unidades blindadas do Grupamento Gorbatov barram-lhe o caminho. Uma multidão de soldados debandados atravessa o Berezina a nado, para se refugiar em Bobruisk, onde os destroços de meia-dúzia de divisões se amontoa numa desordem pavorosa. O General Hamann, comandante da praça, não consegue organizar a defesa. A partir de 29 não resta em Bobruisk um só alemão armado. Do 9o Exército só se encontrarão uns 15.000 homens, sem armamentos.

 

Dessas duas grandes derrotas alemães, Vitebsk e Bobruisk, é impossível fazer um relato realmente circunstanciado. Faltam as fontes, e bem poucos prisioneiros voltaram para contar as experiências por eles vividas. Está claro, entretanto, que a energia da resistência está longe de igualar os precedentes ilustres de Demiansk, de Stalingrado, de Tcherkassy. Os chefes são os primeiros a se inclinar diante do inevitável, como Von Lützov, comandante do 35o CE, que se rende com todo o seu estado-maior.

 

Dos três exércitos alemães atacados, um só, o do centro, o 4o, fica intacto. Seu chefe provisório, Tippelskirch, pede autorização para reatravessar o Dniéper, e, é claro, isto se choca com o  veto de Busch, repetindo Hitler. Ele não obedece, leva suas tropas para a margem direita, mas não ousa levar a insubordinação até abandonar duas das extensas praças fortes de Hitler. Mohilev é evacuada no último momento, mas Orcha, na qual se deixou uma divisão, é tomada de assalto a 27. Era o último ponto por meio do qual o exército alemão chegava ao segundo dos rios russos. Da nascente à foz corre o Dniéper por um território inteiramente libertado.

 

A luta passa para o Berezina. Borissov torna-se seu eixo. Sua perda, em 1812, foi para o Grande Exército um golpe fatal: obrigou Napoleão a ir colocar mais ao norte duas pontes improvisadas, cuja travessia lhe custou o preço de uma grande derrota. Tippelskirch, que tem ainda dois corpos de exército a leste do rio, luta para conservar a cidade contra a 2a e a 3a Frentes da Rússia Branca, cuja pressão vem, de norte e de sul, sobre as duas margens. A 5a Panzer, primeiro reforço blindado chegado ao grupo do centro, quebra as pontas-de-lança russas na auto-estrada de Moscou, mas é chamada para Minsk onde a destruição do 3o Exército Panzer causou uma situação catastrófica. A 30 de junho, Borissov e suas duas pontes são tomadas dos alemães. Milhares de homens ainda se debatem nos pântanos a leste do Berezina.

 

Resta uma passagem, uma ponte de campanha lançada em Berezino. A aviação soviética ataca-a sem descanso, mergulhando entre o fogo antiaéreo, perdendo numerosos aparelhos mas danificando a ponte, que pontoneiros heróicos reparam estoicamente. Entre os ataques, durante os ataques, uma maré de homens e de veículos escorre sobre o Berezina, carregando cadáveres e destroços. As perdas são enormes, três generais são mortos sobre a ponte, mas Tippelskirch continua com Berezino até 3 de julho, conseguindo trazer para o oeste do rio o grosso de seu exército.

 

Falta muito para que se esteja a salvo. A ofensiva russa visa longe e profundo. Por Polotsk, a Primeira Frente do Báltico se dirige para Dunaburgo. Por Lepel, a 3a Frente da Rússia Branca marcha sobre Molodetchno. Por Slutsk, a 1a Frente da Rússia Branca se dirige para Baranovitch, onde, durante 20 anos, os peregrinos de Moscou baldearam do Nord-Express para trens soviéticos. Tendo tomado o comando do vazio de 350 km que se abriu entre Pripet e Niemen, o Marechal Model dispensa as autorizações de Hitler; reconduz precipitadamente à fronteira polonesa o 2o Exército ainda intacto; abandona as praças fortes do Fuhrer; chama por sua própria iniciativa, três divisões blindadas do seu antigo grupo de exércitos - mas essas intervenções vigorosas são tardias demais para arrancar do vencedor o fruto da vitória. A batalha não é mais que uma grande perseguição, os alemães tentando desesperadamente escapar à captura, os russos perdendo o fôlego nas tremendas linhas de comunicação de um país devastado.

 

Depois de atravessar o pântano do Berezina, o 4o Exército alemão penetra numa catedral florestal, tão vasta e densa que os ruídos da guerra ali se abafam. Formados em quadrados móveis, o 12o e o 27o Corpos marcham para oeste sobre largas pistas arenosas, nas quais as carroças desenham sulcos. As dificuldades de terreno, a atividade dos guerrilheiros, o esgotamento das munições, a marcha à frente das duas alas inimigas tornam essa retirada quase sem esperança. A 3 de julho, a tomada de Minsk pela 2a Frente da Rússia Branca completa o cerco do exército alemão. A Luftwaffe tenta organizar um reabastecimento aéreo: a tentativa é abandonada logo no primeiro dia. O General Vincenz Müller resina-se e rende-se, com seu 12o CE. O 27o CE fraciona-se em destacamentos, dos quais alguns conseguem fugir, contornando Minsk. O 4o Exército prolongou sua agonia, mas está ainda mais destruído que seus vizinhos do Norte e do Sul.

 

Na segunda semana de julho a batalha se torna mais lenta a oeste de Minsk. As areias movediças da floresta de Nabilotchi, que causaram tantas dificuldades para os alemães em 1941, dão-lhes algum descanso, impedindo o avanço inimigo. Hitler ordena o estabelecimento de “uma frente inexpugnável”, passando por Baranovitch, pela orla oeste da floresta de Nabilotchi e pelo lago Narotch. A desproporção das forças torna absurda essa providência. Mais grave que Stalingrado, o desastre de junho de 1944, acentua, até o irreversível, a inferioridade sob a qual o exército alemão combate há dois anos.

 

Em quinze dias, 25 divisões foram destruídas, 400.000 combatentes perdidos, 22 generais aprisionados. Resta do Grupo de Exércitos Centro o valor de 8 divisões, com mais 8 divisões sendo transportadas para reforçar aquelas. Diante dessas forças, o estado-maior do Grupo Centro identifica 126 divisões de infantaria, 6 divisões de cavalaria e 62 brigadas de tanques. Os alemães são um contra dez!

 

A 8 de junho, as tropas soviéticas tomam Baranovitch. A 9, tomam Lida. A 11, liquidam os últimos elementos cercados a leste de Minsk. A 13, conquistam Vilna, na qual Hitler sacrifica ainda sete batalhões encarregados de defender a cidade “até o último alento”. Em 20 dias, os russos avançaram 400 km, libertaram a totalidade de seu território. Nem mesmo o alongamento de suas comunicações concede aos alemães a pausa de que precisariam para se reorganizar. Não é mais somente do Duna ao Pripet, é do Báltico ao mar Negro que se desenrola o desastre da Wehrmacht.

 

Cansado de ouvir Lindemann reclamar o recuo do Grupo de Exércitos Norte sobre o Duna, Hitler o substitui, a 3 de julho, pelo General Friessner. Nove dias depois, o novo Oberbefehlshaber dirige ao Fuhrer uma carta pessoal na qual repete as palavras de seu antecessor. Hitler convoca-o, começa por ameaça-lo, depois, mudando de humor, nomeia-o Generaloberst, mas fazendo-o permutar de comando com Schoerner. Assim, Friessner parte para defender a Romênia e o homem que prometeu a Hitler que Sebastopol seria inconquistável fica encarregado de conservar o Báltico até a morte.

 

Os russos já passaram ao ataque. A ação das frentes do Báltico não se reveste do caráter fulminante das ofensivas contra Vitebsk e Minsk, mas a pressão continua, obrigando os dois exércitos alemães a um recuo inexorável. Pleskau, Ostrov, Dunaburgo e Mittau são-lhes sucessivamente arrancadas. A 29 de julho, a 1a Frente do Báltico atinge o golfo de Riga em Tukkum. As comunicações terrestres do Grupo Norte são cortadas. Seus 750.000 homens só podem ser reabastecidos por mar.

 

O próprio território alemão é ameaçado. A 31 de julho, os russos tomam Kovno. No dia seguinte, uma ponta-de-lança de carros de assalto ultrapassa Suwalki e atinge Wilkowiscke a fronteira prussiana. Rastenburgo está apenas a 60 km! Entretanto, Hitler aferra-se à cidade de maneira quase supersticiosa. “Se eu partir - diz ele - a Prússia Oriental está perdida”. A bomba de Stauffenberg transformou-o num farrapo humano. As violentas dores de estômago e de intestino que sofre fazem com que os que o rodeiam suspeitem de envenenamento. O Fuhrer só se levanta para o relatório cotidiano. Cuide bem - diz ele a Keitel - para que esses senhores não me prendam por mais que meia hora. É muito cansativo para minha voz”. Em certos dias, essa voz apagada se reanima em torrentes de eloqüência histérica. A 31 de julho, Hitler fala de um jato das 23h50 até 0h59, comentando de forma extravagante a série de reveses inauditos que acabam de encurtar de 500 km a distância entre os russos e Berlim. “A situação não está tão má... É preciso fazer um balanço dos inconvenientes e das vantagens... Pelo menos, aquelas linhas de comunicações gigantescas não nos incomodam mais...” Adolf Hitler acaba no humor negro sua carreira de magnetizador.

 

Ao sul do Pripet, a ofensiva soviética começou a 13 de julho. Barrando 400 km de planície ondulada, entre o Pripet e o Dniéster, os dois exércitos alemães do grupo da Ucrânia Norte trazem o nome de exército blindado - 4o Exército Panzer, do Coronel-General Breith, e 1o Exército Panzer, do Coronel-General Raus - mas tiveram que ceder a metade de seus tanques para tentar fechar a brecha aberta pelo esmagamento do Grupo Centro na Rússia Branca. O General Harpe, sucessor de Model, reúne sob suas ordens 31 divisões de infantaria e 5 Panzer, totalizando 600 tanques. A 4a e a 1a frentes da Ucrânia, comandadas pelos marechais soviéticos Koniev e Popov, partem para o ataque com 70 divisões de infantaria e 3.000 tanques.

 

A derrocada alemã é extremamente rápida. A linha principal de resistência, dita Prinz Eugen, é rompida em ambos os lados de Brody, e três divisões, 40.000 homens, do 1o Exército Panzer, são cercados em volta da pequena cidade. O 3o Corpo Blindado alemão contra-ataca para libertá-los: uma de suas divisões é destruída pela aviação soviética, e a outra, rechaçada com grandes perdas. Os generais Lange e Lasch se evadem do bolsão com 5.000 homens, mas o General Lindemann (condenado à morte por Hitler) capitula com o resto dos sitiados. Harpe recua atrás do Bug, mas Koniev estende a ofensiva para norte e, os pântanos do Pripet sendo ultrapassados, coordena seu esforço com os de Rokossovski, persegue a ala direita do Grupo Centro. Do Narew aos Cárpatos, sobre toda a largura da Polônia, a maré russa rola, rola... A narrativa desses acontecimentos é tão-somente o desfolhar do calendário.

 

A 22 de julho, o Bug é transposto em Cholm. A 24, Lublin é tomada. Num só dia, a 27, Bialystok cai ao norte, Lemberg e Stanislav ao sul. A 28, outra vez, a queda de mais duas fortalezas, que inscreveram seu nome na história de duas guerras mundiais - Przemysl, que sustentou, em 1915, um longo cerco, e Brest-Litovsk, de onde a Operação Barbarossa foi lançada em 1941. A 30, o Vístula é atingido, perto de sua confluência com o San e atravessado, no dia seguinte, numa larga frente. Há nova travessia do rio, nos dias subseqüentes, diante de Pulavy, e de ambos os lados da Pilica. As forças russas convergem para Varsóvia. A 31 de julho, o 8o Exército da Guarda atinge as orlas da cidade de Otwock, Josezow, Felenica. Chegando do Norte ao seu encontro, o 3o Corpo Blindado soviético toma Rodzymin e Wolomin e aproxima-se dos arredores de Praga.

 

 

Stalin deixa massacrar os insurretos de Varsóvia

 

No dia seguinte, 1 de agosto, às 5 horas da tarde, explode uma insurreição em Varsóvia. Destacamentos que tem de uniforme apenas uma braçadeira vermelha e branca surgem de todas as partes, atacam a estação central, o Correio-Geral, os depósitos da Wehrmacht, as pontes do Vístula. Em alguns segundos, uma cidade de um milhão de habitantes é mergulhada numa batalha furiosa.

 

Primeira capital conquistada por Hitler, Varsóvia conhecia, desde 1939, uma vida a um tempo desanimada e febril, refletindo a dura e complexa provação por que passava a Polônia. A derrota da França e a solidez da aliança Stalin-Hitler tinham, a princípio, relegado a uma perspectiva futura insondável qualquer possibilidade de ressurreição nacional. Do Leste, incorporado à URSS, chegavam apenas rumores confusos sobre o extermínio das classes abastadas e a transplantação de populações. No Oeste, a Alemanha havia retomado e aumentado generosamente suas fronteiras de antes de 1914. Como vestígio do Estado polonês, restava apenas um governo-geral, reunindo as províncias do Centro. Suplantada por Cracóvia, Varsóvia tinha perdido até o título de capital desse retalho.

 

A guerra teuto-russa, começo da ressurreição da esperança, dera novamente a Varsóvia considerável importância militar. Suas duas pontes ferroviárias e três pontes rodoviárias formavam a passagem principal do Vístula e sua posição central a etapa mais importante da retaguarda alemã. Numerosas administrações militares e semimilitares aí se instalaram. Dois jornais alemães eram aí impressos. As destruições causadas pelo cerco de 1939 tinham sido superficiais, e quando os bombardeios anglo-americanos se multiplicaram na Alemanha, a grande metrópole polonesa viu crescer seus prestígio entre a burocracia uniformizada do Terceiro Reich.

 

A grande tragédia judaica desenrolava-se na totalidade de uma Polônia que contava cerca de 5 milhões de judeus em seus 27 milhões de habitantes. Varsóvia foi-lhe o símbolo e o coroamento.

 

O gueto se achava no centro da cidade, imediatamente atrás do bairro governamental. Os alemães obrigaram os judeus a cercá-lo com um muro de quatro metros de altura e 18 km de extensão. O muro desenhava um T de forma irregular, cujo braço lateral se estendia de Stare Miasto, a cidade antiga, ao cemitério israelita, e cujo braço vertical ia da Estação do Norte até a vizinhança da Estação Central. Os trens atravessavam o território assim delimitado sem parar, oferecendo aos passageiros uma vista de cima de ruas cheias de uma multidão miserável. Quase um milhão de pessoas enchia o gueto antes da guerra. De 150.000 a 200.000 expulsos da província de Posen e de Warthegau aí se amontoaram suplementarmente.

 

Postos policiais vigiavam as saídas do gueto. Era proibido sair e entrar sem um passe especial. Introduzir gêneros alimentícios era crime passível de prisão. Ora, ordens sobre racionamento excluíam os judeus de qualquer distribuição de carne, leite ou matérias gordurosas; reduziam-nos a uma ração mensal de 2 kg de pão.

 

Os judeus deveriam sucumbir de inanição até o último. Mas não sucumbiram. O muro não chegou a interceptar completamente a chegada de reabastecimento suplementar, e as necessidades da Wehrmacht prolongaram a existência da comunidade israelita de Varsóvia. Em centenas de fábricas, milhares de judeus e judias costuravam as camisas e túnicas de seus opressores. A ração mensal de pão chegara, então, a 6 kg. A mortalidade subiu de maneira considerável; cadáveres esqueléticos eram recolhidos cotidianamente nas calçadas; o corte total de eletricidade e a supressão de qualquer meio de calefação juntaram-se às torturas da fome, mas o gueto, como tal, não sucumbiu.

 

A primeira atitude dos judeus foi uma resignação conforme a longa paciência secular. “Acreditar-se-ia - disse um sobrevivente - que o flagelo roubaria a vida de 70.000, de 100.000 judeus, e contentar-se-ia. Esse ponto de vista era exposto tanto nas conversas particulares como nas sessões da comunidade judaica encarregada da administração do gueto”.

 

Depois, constatou-se que o gueto se despovoava...

 

Esvaziava-se pela Rua Stawki. Esta conduz às vias férreas da Estação do Norte. Cada manhã, desde janeiro de 1942, 7.000 pessoas eram reunidas para partir com destino ignorado. Muitos eram voluntários, convencidos que se dirigiam a campos de trabalho, que escapavam a uma superpopulação abafante, à lenta asfixia do gueto.

 

Um dia, a Resistência polonesa informou a Londres que os judeus de Varsóvia eram transportados aos campos de Majdanek e de Treblinka, onde eram metodicamente exterminados. Espantou-se ao verificar que a BBC não lhe fazia eco. Os ingleses recusavam-se a crer, temerosos de dar ouvidos a um desses rumores fantásticos que circulam nos países mergulhados na opressão e no ódio.

 

No fim de 1942, o despovoamento do gueto permitiu reduzí-lo a dois terços. Um enclave de forma triangular, dito o “pequeno gueto”, substituiu no ângulo das ruas Twarda e Prostra, no centro da cidade. O “grande gueto” foi confinado numa dúzia de ruas vizinhas da Estação do Norte, nos arredores da Rua Mila. Por essa época, deviam restar em Varsóvia não muito mais de 80.000 judeus. Nenhum deles poderia ter ilusões a respeito do destino que lhes estava reservado.

 

Uma primeira resistência armada produziu-se em janeiro de 1943. Elementos da SS em ação foram mortos. Para espanto geral, a reação se fez esperar. Os alemães desapareceram. Os transportes cessaram. O resto do gueto se organizou para morrer combatendo. Um comitê de resistência, funcionou abertamente no n° 34 da Rua Mila. Fabricaram-se granadas e coquetéis Molotov, com explosivos e gasolina encontrados Deus sabe onde. Constituiu-se um estoque de ácidos para desfigurar os carrascos.

 

O dia 19 de abril, segunda-feira de Páscoa, foi escolhido pelos nazistas para dar cabo do problema. Quatro viaturas armadas de metralhadoras, dois batalhões da Waffen SS, formações da polícia alemã e polonesa invadiram o gueto pelas ruas Stawki e Nelewski. A operação foi organizada pelo Brigadefuhrer Stroop, comandante da polícia do distrito de Varsóvia. Consistia em promover a evacuação de todas as casas e encerrar toda a população no cemitério israelita, enquanto esperava sua transferência para os campos.

 

O imprevisto, a violência da reação sufocou os agressores. E eles fugiram, transpuseram de novo o muro, sob a chuva de tiros que caía das águas-furtadas e dos telhados. O coronel SS Von Sammern correu ao PC de Stroop para pedir-lhe que chamasse os Stukas. Algumas horas depois, o trovejar dos canhões fazia vibrar as vidraças de Varsóvia e nuvens de fumaça elevavam-se acima do muro. Os alemães bombardeavam o gueto. Os judeus queimavam os estabelecimentos que trabalhavam para a Wehrmacht. Sobre um alto edifício da Praça Muranowski, uma bandeira polonesa branca e vermelha, e uma bandeira israelita, branca e azul, eram içadas, uma ao lado da outra. O gueto moribundo lançava seu desafio. Os alemães voltaram ao ataque no dia seguinte, munidos de lança-chamas. Os incendiários avançavam passo a passo, ateando fogo, cuidadosamente, a cada casa. Salvava-se quem pudesse ou quisesse. Muitos de suicidaram, atirando-se pelas janelas. Foi grande o número de pessoas queimadas vivas. Os que se resignavam eram levados em longas colunas, os braços levantados, até o cemitério israelita. Grupos de 25 a 30 combatentes, entre os quais muitas mulheres, mais corajosas e encarniçadas que os homens, lutaram até a morte. Os alemães só consideraram abafada a revolta a 23 de maio, às 20h15, quando fizeram explodir a grande sinagoga e reduto do último grupo de defensores, perto da Praça Muranowski. A caça aos elementos isolados, nos porões e esgotos, e a destruição metódica do gueto continuou até o começo de junho. O muro não abrangia mais que um deserto de cinzas, no meio das quais se erguia a Prisão Pawiak, único edifício poupado.

 

O número de vítimas judaicas permanece desconhecido, e pouco importa, já que os sobreviventes tiveram por destino morte ainda mais horrível. As baixas alemães foram leves: 15 mortos e uma centena de feridos. Mas o estertor de desespero de uma raça tachada de covardia congênita causou tal surpresa, que os documentos alemães atribuem a dureza da resistência aos guerrilheiros, aos “bandidos” poloneses, vindos em socorro dos insurretos. Os judeus o negam. A Resistência ariana salvou alguns combatentes, mas, por outro lado, o Brigaderfuhrer Stroop elogia em seu relatório a polícia polonesa, “que auxiliou com energia extraordinária a reprimir a revolta do gueto”. Outra tragédia, uma revelação horrível, ia abalar a Polônia. Soube-se, por fim, o destino dos 10.000 oficiais poloneses capturados pelos russos em 1939. Eles dormiam sob as bétulas da floresta de Katyn.

 

O governo polonês e a Cruz Vermelha Internacional procuravam esses desaparecidos havia três anos. O General Sikorski havia solicitado esclarecimentos a Stalin, por ocasião de uma visita a Moscou. “Imagino - respondeu o tirano, gracejando - que seus poloneses devem ter escapado pela Manchúria...” Quando os alemães descobriram oito covas rasas coletivas, perto de Smolensk, em fevereiro de 1943, o povo polonês não duvidou por um segundo da identidade dos responsáveis por aquele assassinato em massa. Stalin havia apenas exercido a rigorosa lógica do comunismo, decapitando a classe inimiga, segundo o princípio que aplicava à Alemanha, por ocasião do alegre jantar de Teerã, diante de Churchill indignado. Os dois regimes de sangue rivalizavam em matéria de horror.

 

Para os patriotas poloneses, as vitórias russas criavam uma situação terrível. O libertador, que avançava a grandes passadas, era um inimigo histórico, tão constante, tão opressivo quanto o alemão. O amigo era o inglês longínquo e sem poder intervir. Tendo Sikorski morrido num acidente de avião, a débil voz de seu sucessor, Mikolajczyk, chocava-se frontalmente até com as conveniências inglesas e americanas com respeito ao aliado soviético, valendo-lhe respostas brutais de Roosevelt e mesmo de Churchill. Reclamava a fronteira oriental da Polônia, tal qual se apresentava em 1920, enquanto os americanos e os ingleses já haviam dado a Stalin ato de validade do tratado de partilha que ele assinara com Hitler. A restauração das liberdades democráticas não eram menos problemática que o restabelecimento dos limites territoriais. Moscou já havia instalado, em Lublin, o governo vassalo que destinava à Polônia. Como na França, a resistência encobria uma guerra civil, mas, ao contrário da França, o Exército Vermelho chegava como poder temporal do comunismo e trazia nos tanques, a subversão social e a ditadura do proletariado.

 

A única e débil possibilidade de uma Polônia livre seria a sua ressurreição espontânea no momento da libertação, ou depois, com o auxílio dos aliados ocidentais, o arranjo, com a União Soviética, de um acordo aceitável. Os chefes do Exército Secreto empenharam-se na realização desse milagre. Militares profissionais, eles se esforçavam por submeter suas tropas clandestinas a uma disciplina rigorosa e a princípios de ação diferentes do terrorismo. O que queriam era uma insurreição organizada, tomando forma militar, preparando a rápida instauração de uma ordem legal.

 

O plano geral chama-se Burza, Tempestade. O comandante-chefe é, sob o nome de General Bor, aquele coronel Koromovski, que, prestes a fugir para a Hungria, ouviu a voz interior que o retinha ao solo pátrio. O governo polonês de Londres deixa-o juiz no momento de entrar em ação. Nenhuma garantia foi obtida do Kremlin, mas o Exército Vermelho chega às portas da capital, depois de ter conquistado a metade da Polônia de 1938. Insurreição, agora ou nunca mais. Os alemães já estão de partida. Seus jornais não são mais publicados. Suas sedes são fechadas. Os súditos alemães tomam de assalto os últimos trens. Seus soldados atravessam em debandada as pontes do Vístula, alguns levando à frente uma vaca, último ersatz de uma cozinha ambulante. Diante desse espetáculo de derrota, uma alegria contagiante toma conta da população de Varsóvia. Se Bor não der ordem de insurreição, ela explodirá por si. Aliás, a rádio soviética não cessa de convocar os poloneses às armas, ordena-lhes que ataquem, em toda parte e por todos os meios, o inimigo execrado.

 

As forças alemães de Varsóvia consistiam unicamente em tropas e em formações de polícia ou de estado-maior. No entanto, os primeiros saldos do levante são apenas parcialmente satisfatórios. Os imóveis ocupados pelos serviços alemães são cercados, mas nenhum é tomado. Os dois aeroportos são atacados em vão. A estação central, conquistada por um momento, é de novo perdida. O batalhão que devia tomar o subúrbio de Zaliborz fracassa na primeira tentativa e deve voltar a reorganizar-se na floresta suburbana de Kampinos. O insucesso mais grave consiste na incapacidade em tomar as pontes do Vístula. O subúrbio de Praga, a leste do rio, a 10 km das vanguardas soviéticas está, pois, separado do foco central da insurreição. Os tanques alemães esmagam o levante, ali, em poucas horas.

 

Em contrapartida, o General Bor domina Stare Miasto, a maior parte do Centro e do grande bairro operário de Wola. Embora as pontes continuem inconquistáveis, o tráfego sobre o Vístula, que na véspera alcançava 200 trens, paralisa-se por completo. Os patriotas apoderam-se de grandes estoques de víveres, o que resolve momentaneamente o problema de abastecimento, bem como uma porção de armas, e até dois tanques Tigre, que, consertados sob a metralha, constituem o primeiro elemento blindado do Exército polonês, em vias de ressurreição. Bor informa a Londres que poderá resistir até a entrada do Exército soviético em Varsóvia.

 

Entrementes, um contratempo já ocorreu. O Marechal Model reuniu pessoalmente uma força de ataque, compreendendo a 4a e a 19a Panzer, a divisão de pára-quedistas Hermann Goering e a Divisão de Waffen SS Wiking. O 3o Corpo Blindado soviético, disposto em flecha, em Wolomin, é aniquilado de 31 de julho a 3 de agosto. O golpe foi bem vibrado, mas Model não possui nem infantaria para explorá-lo, nem combustível para renová-lo. A 5 de agosto, a crise é conjurada. As forças de choque alemães são chamadas para o Norte, onde a ameaça contra a Prússia Oriental se agrava. Restam diante da cabeça-de-ponte de Praga apenas uma divisão de infantaria muito debilitada e alguns elementos da 19a Panzer.

 

Mas a decisão de Stalin já foi tomada. A 3 de agosto, ele recebeu Mikolajczyk, chegado a Moscou para tentar um último entendimento. Quando o Presidente polonês lhe pede reforços para o Exército Secreto, o ditador espanta-se com espalhafato: “A que exército se refere? Que é um exército que não possui nem artilharia, nem tanques, nem aviação?”. O fingido decretou, em 1941, a guerrilha “a pé e a cavalo”, continua lançando a todas as populações européias, e aos poloneses em particular, a ordem de rebelião desarmada, mas recusa-se a reconhecer os homens que tomaram Varsóvia, sob pretexto de que não possuem a gama completa de equipamento característica de um exército! A lógica de Katyn continua a ditar sua conduta: os insurretos do Exército Secreto são inimigos da classe; devem ser exterminados, e tanto melhor se, desta feita, os alemães se desincumbirem da tarefa!

 

Em Varsóvia a população notou, na sintonia da batalha, uma mudança de tonalidade: o canhoneio russo, que trovejava na margem direita do Vístula, calou-se. Os aviões russos, senhores do céu antes da insurreição, desapareceram. Pequenas formações de Stukas ateiam fogo, impunemente, à cidade. A 4 de agosto, pela primeira vez e provavelmente por iniciativa de tripulações polonesas, dois aviões britânicos lançam, de pára-quedas, alguns containers de armas e de munições. Outros aparelhos voltam nas noites seguintes, trazendo o mínimo indispensável para prolongar a resistência. Cobrem 1.800 km para ir e 1.800 km para regressar. As bases aéreas russas situam-se a poucos minutos de vôo, mas nem um só cartucho soviético é lançado aos combatentes de Varsóvia.

 

Churchill indigna-se. Insiste junto a Stalin, fazendo-lhe ver a indignação, a onda anti-soviética que o abandono dos insurretos suscita na Inglaterra. Stalin responde que seu governo prefere ignorar “os aventureiros, a quadrilha criminosa” de Varsóvia. Churchill pede, então, permissão para que os aviões da RAF que abastecem Varsóvia pousem em Poltava, como os aparelhos do Shutle Bombing, que martelam a Alemanha tanto na ida como na volta. Nova recusa. Roosevelt, que apoiara o Primeiro-Ministro com relutância, desiste logo: “Não vejo o que mais poderíamos fazer... “. De acordo com a história oficial a US Army Air Force, os mais altos escalões da aviação americana vão mais longe, exigindo a cessação das missões de abastecimento que arriscavam  comprometer as boas relações dos Estados Unidos com os Sovietes...

 

Em Varsóvia, a luta assume aspecto selvagem. “Aqueles que provocaram a insurreição, pela sua corrupção e brutalidade, que se encarreguem de reprimi-la”. - declarou o Marechal Model. - “A tarefa não cabe a nós, soldados”. Apesar dessa declaração, a Wehrmacht foi forçada a intervir, a fim de fornecer os armamentos ultrapoderosos para dominar a cidade: os tanques Tigre, engenhos teleguiados Golias, peças de 380 mm e até o monstruoso morteiro Karl de 600 mm, cujo obus de duas toneladas é capaz de destruir todo um quarteirão. Mas as operações são dirigidas por Himmler, e a infantaria de repressão compõe-se de bandidos abomináveis: o Regimento SS Dirlewänger, cujos membros eram todos criminosos comuns, a brigada russa Kaminski, especializada no extermínio de guerrilheiros, etc. Crueldades indizíveis são cometidas no bairro de Wola, onde todos os doentes do hospital, todos os cancerosos do Instituto Curie são barbaramente massacrados. Bor recusa-se a ceder à tentação de exercer represálias contra os prisioneiros, que recebem tratamento conforme as leis da guerra - com poucas exceções.

 

Durante todo o mês de agosto a luta prossegue. Os alemães e os russos por diversas vezes anunciaram como encerrada a aventura de Varsóvia, e, de cada vez, a estação de rádio Blyskawika lança um desmentido vibrante. Wola e o antigo gueto voltam a ser ocupados pelos alemães, mas Bor só evacua Stare Miasto a 29 de agosto, através dos esgotos, deixando atrás de si toda a história da Polônia, transformada em um montão de ruínas. Os rebeldes dominam ainda o centro da cidade, dos jardins de Saxe ao Parque Lazienki, assim como três áreas encravadas no restante: ao norte, Zoliborz, que conquistaram; ao sul, Mokotov e Czerniakov.

 

Mas a situação se agrava a cada dia. De 20 a 30 incêndios ardem permanentemente. A água torna-se extremamente rara. O tempo, muito quente. O mau-cheiro dos cadáveres insepultos, ou mal enterrados, envenena o céu de fumaça sob o qual a cidade vive seus dias e suas noites. A disenteria esgota fisicamente. A impressão de abandono, os ultrajes da rádio soviética deprimem moralmente. Entretanto, Bor não responde às intimações do Obergruppenfuhrer Von dem Bach-Zalewski, garantindo aos rebeldes as leis de Haia, caso capitulem, e o extermínio total, caso preservarem numa luta sem esperança.

 

A 4 de setembro, a usina elétrica, que funcionava sob a metralha desde o início da insurreição, é inteiramente destruída. A 5, Powisla, o bairro ribeirinho do Vístula, é perdido pelos insurretos num momento de pânico. Bor obtém uma trégua de algumas horas para permitir que os civis deixem a capital: apenas alguns milhares se aproveitam da autorização.

 

A 10, repentinamente, os canhões russos voltam a troar.

 

A 13, multidões intrépidas sobem nos grandes edifícios que ficaram de pé, para assistir à luta entre alemães e russos, nas ruas de Praga. No mesmo dia, os últimos tanques da 19a Panzer tornam a atravessar para a margem esquerda, e todas as pontes explodem. Um batalhão da divisão polonesa Berling, servindo ao Exército russo, transpõe o Vístula, cujas águas estão muito baixas, mas, em lugar de entrar em contato com os rebeldes, retira-se precipitadamente. Resta apenas uma linha telefônica intacta em Praga: Bor tenta utilizá-la para entrar em comunicação com Rokossovski; não recebe resposta, e a linha é posta fora de serviço. O canhão russo silencia. Todo o movimento cessa na margem direita. Os aviões russos voltam a desaparecer. O sítio de Varsóvia prossegue.

 

A 16 de setembro, sucumbe a área encravada de Czerniakov. Os alemães ocupam Jerozolimskaia Allee, seccionando o setor central. A última ração foi distribuída aos soldados, e os civis começam a  morrer de sede.

 

Houve ainda outro grande momento. A 19 de setembro, às 11 horas da manhã, toda a população abandona os abrigos, indiferente aos tiros da DCA, que chovem como granizo. A manhã está esplêndida. O espetáculo é prodigioso: 110 B-17, máquinas gigantescas, lançam pára-quedas sobre Varsóvia. Largam 1.800 containers. “De cada dez - diz Bor - nove vão cair em bairros que ocupávamos poucos dias antes...”

 

Resistirá ele até 2 de outubro, 64o dia de cerco. Nessa ocasião, renovando os alemães a oferta de uma capitulação honrosa, resigna-se a aceitar.

 

Nesse início de outubro de 1944, a Finlândia acaba de assinar com a URSS um armistício que assegura a sua sobrevivência. Nos países bálticos, os alemães conseguem levantar o cerco de seu Grupo de Exércitos Norte, mas Hitler recusa-se a deslocar, para a Alemanha ameaçada, as tropas de Schoerner. Na Polônia, a frente estabilizou-se no Narew, no Vístula e no Vislaia. Novamente, Hitler declara: “O pior já passou...” Diz também: “Eu tinha razão. É no Sul que se decide a sorte da guerra”.

 

Para defender a Romênia, Hans Friessner dispunha de dois grupamentos: o da Moldávia, sob as ordens do Coronel-General Wöhler, e o da Bessarábia, confiado ao romeno Dimitriescu. Compunha-se, cada um, de um exército alemão, o 8o para o Grupamento Wöhler, o 6o para o Grupamento Dimitriescu, e de um exército romeno, o 3o e o 4o respectivamente. O total representava uma força respeitável, 23 divisões romenas, 21 alemães, entre as quais se encontravam a 13a e a 20a Panzer.

 

Desde os dias longínquos das batalhas sobre o Don, as tropas romenas haviam fraquejado por várias vezes. A frente interna, contudo, permanecera sólida. Malgrado suas grande mágoas, malgrado o desmembramento de seu país nas mãos de Ribbentrop, o ditador Antonescu permanecera fiel à aliança alemã. Perfeitamente insignificante, o jovem rei não se intrometia em nada. De regresso à Romênia após a abdicação de seu marido e a partida da funesta favorita Magda Lupescu, a rainha-mãe era antialemã com prudência. O ex-chefe do partido camponês, Jules Maniu, parecia aspirar apenas ao esquecimento. O embaixador alemão em Bucareste, Von Killinger, ex-comandante de U-Boot, responsabilizava-se pela Romênia. “O Marechal Antonescu tem o apoio do rei e do povo. Não há qualquer crise governamental em vista...” Hitler demonstrava igual confiança: “Enquanto Antonescu estiver lá, nada tenho a recear”. O próprio Antonescu... Comentando o atentado de 20 de julho, ele dizia a Guderian: “Tal deslealdade é inconcebível em nossa terra. Posso dormir tranqüilo, com a cabeça apoiada no regaço dos meus generais...”

 

Os russos atacam a 20 de agosto; a 2a Frente da Ucrânia, de Malinovski, contra Wöhler; a 3a Frente da Ucrânia, de Tolbukhine, contra Dimitriescu. Um golpeia entre o Pruth e o Sereth, voltado para o sul; o outro golpeia partindo de uma cabeça-de-ponte junto ao Dniéster, voltado para oeste. Os dois esforços convergem para Galatz, procurando envolver a saliência de Kichinev. Antonescu em pessoa pedira a sua evacuação, sacrificando um trecho de terra romena para encurtar as linhas e desembaraçar as reservas. Hitler disse não.

 

Jamais uma ofensiva soviética conheceu sucesso tão fácil. Já a 23, Malinovski e Tolbukhine estabeleceram junção junto ao Pruth, entre Leova e Cahul. Os romenos não resistem em nenhum lugar. Em alguns pontos, voltam suas armas contra seus aliados. Dezesseis divisões alemães, com a retirada cortada, estão inteiramente perdidas.

 

Esse dia desastroso ainda não terminou, quando retumba outra trovoada no QG de Friessner, em Slania, e logo a seguir no QG de Hitler, em Rastenburgo: convocado pelo Rei Miguel, o Marechal Antonescu foi preso no interior do palácio real. Nas causas como na forma, a cilada é cópia daquela que pegou Mussolini: as monarquias aceitaram a ditadura enquanto esta lhes trouxe poder e lucro; reencontraram, porém, com a má sorte, o horror ao poder pessoal e, num esforço desesperado para prolongar a sobrevivência que elas representam, derrubam os homens com os quais se haviam deixado identificar.

 

A diferença entre esse e o verão precedente é que as coisas vão mais depressa. Chegam os russos. Não estão mais em moda as bagatelas em torno da rendição que marcaram o início de Badoglio. Já às 20 horas, o novo governo romeno pede armistício. O adido aeronáutico alemão, General Gerstenberg, envia um cabograma dizendo que o golpe de Estado foi obra “de uma quadrilha insignificante que treme de medo”. Hitler resolve dominá-la, manda bombardear o palácio real, causando viva emoção mas poucos danos. A resposta é a declaração de guerra da Romênia, com a ordem, às tropas romenas, de atacar os alemães. Resulta disso um verdadeiro caos, no meio do qual as tropas soviéticas avançam sem encontrar resistência. Tudo se desmorona na desordem geral.

 

Ploesti e os campos de petróleo são capturados a 29 de agosto. Constanza é tomada a 30, e Bucareste a 31. A 5 de setembro, os russos fazem junção, em Turni-Severin, com os bandos de Tito. Os búlgaros imitam a Romênia, virando a casaca, e declarando guerra à Alemanha, mas recebem uma declaração de guerra soviética e não evitam a ocupação integral de seu país. No início de agosto, Hitler voltara a reiterar ao Marechal Von Weichs, comandante do Sudoeste, seu propósito de defender a totalidade dos Bálcãs. Vê-se, agora, obrigado a dar ordens para a evacuação precipitada de Creta, da Grécia e da Iugoslávia. Os Cárpatos são transpostos sem luta, a Hungria é invadida, a guerra alcança a Alemanha, pelo Sul como pelo Leste.

 

Dupla marcha sobre Tóquio

 

É preciso voltar um momento para o Pacífico, reencontrar uma guerra que se desenrola numa escala geográfica muito mais vasta e num ritmo muito mais lento.

 

A 12 de março de 1944 os chefes do Estado-Maior decidiram a estratégia americana no Pacífico. Encerra-se uma operação: a sujeição de Rabaul. Duas outras tem início: as marchas paralelas, em direção à Tóquio, do General MacArthur e do Almirante Nimitz, um pelo Pacífico ocidental, o outro, pelo Pacífico central. Conscientes do imenso poderio de que dispõem, os estrategistas americanos optaram definitivamente pela simultaneidade dos dois caminhos. Para MacArthur, o caminho da selva: a Nova Guiné, as Molucas, as Filipinas. Para Nimitz, o caminho dos atóis: as Marshall, as Marianas, as Carolinas, as Bonin.

 

O terceiro parceiro é o General Stilwell, Vinegar Joe, que continua a debater-se em Chunquim, entre as intrigas chinesas e as ideologias de Washington. Retardadas pela oposição de Churchill, as operações começaram na Birmânia, com o fito de libertar Chiang Kai-chek, de transferir as hostilidades para a China e de preparar a invasão do Japão.

 

A neutralização de Rabaul é conseguida. Nuvens de bombardeiros levantavam vôo regularmente para esmagar o obscuro e pequeno porto colonial, transformado por um momento em eixo da guerra do Pacífico. Vez por outra, os couraçados americanos vem fazer exercícios bélicos contra Rabaul. E simples vedette lança-torpedos dão-se ao luxo de atacar navios que freqüentam Blanche Bay. Sob golpes tão repetidos, a base aeronaval torna-se totalmente imprestável, e, aliás, ela só tinha mesmo sentido como posição ofensiva contra a Nova Zelândia e a Austrália. Há muito tempo, os japoneses deixaram de pensar em novas conquistas, mas unicamente em defender um perímetro vital.

 

Contudo, não se retiram de Rabaul. Escavaram, sob as montanhas, 500 km de galerias, e se, por um lado, os bombardeiros neutralizam a base, por outro, causam apenas leves perdas à guarnição. Economizando sangue, o Comando americano renuncia a uma conquista que seria tão-somente uma afirmação de prestígio. Bloqueados e famintos, os cem mil japoneses da Nova Bretanha e da Nova Irlanda vão esperar pelo fim da guerra e por uma ordem do imperador para capitular.

 

Tranqüilo, ao lado de Rabaul, MacArthur pode empreender sua marcha para oeste. Enquanto faz reboarem em Washington suas queixas constantes, enquanto dá cobertura à corrente de opinião que se queixa e se indigna de ser o Pacífico sacrificado, com relação à Europa, ele consegue reunir forças imponentes em sua Southwest Pacific Area. Os efetivos sob suas ordens elevam-se a 750.000 aviadores, marinheiros e soldados. Os primeiros constituem a 5th Air Force, comandada pelo General George Kenney. Os segundos compõem a 7a Esquadra, comandada pelo Almirante Thomas Kinkaid. Os últimos foram oito divisões americanas e 7 divisões australianas, tendo por chefe nominal o general australiano Sir Thomas Blamey. Mas é a personalidade dominadora de MacArthur que centraliza, coordena e anima tudo.

 

A guerra continua apenas a tocar de leve o mundo compacto e bravio que é a Nova Guiné. Somente a costa norte constitui o teatro das operações. Ao longo das rasas baías, nas raras ilhas, nas raras planícies costeiras, os japoneses semearam pequenas bases aéreas e navais. A idéia da manobra de MacArthur consiste em ultrapassar determinadas bases dentre elas e em conquistar as outras, para progredir de ponto de apoio em ponto de apoio, como um alpinista sobe agarrando-se a pontos sucessivos ao longo de uma escarpa. Quando ele atingir Vogelkop, a península em forma de cabeça de pássaro, na extremidade oeste da Nova Guiné, Mindanau, a menos distante das Filipinas, estará apenas a 500 milhas marítimas. O arquipélago indonésio das Molucas espalha-se por esta faixa de mar como as pedras de um vau.

 

A 20 de abril de 1944, poderosa força anfíbia zarpa de Finschhafen. Cedidos por Nimitz, os porta-aviões da 5a esquadra deixaram o Pacífico central para comboiá-la e protegê-la. Foram usados todos os ardis clássicos para encobrir seu destino. Os japoneses, aliás, prevêem o assalto apenas para as três bases que lhes restam, na parte oriental da Nova Guiné: Madang, Hansa Bay e Wewak. Comandado pelo General Hatzo Adachi, seu minúsculo 18o Exército monta uma guarda vigilante, esperando reforços para preencher as brechas abertas em suas fileiras pelas derrotas da Papuásia. A ousadia de MacArthur consiste em saltar por sobre essa massa inimiga, para surgir, a oeste, em zonas menos fortemente defendidas.

 

Seiscentas milhas a oeste de Hansa Bay, Holândia nada apercebe. Situada na baía de Humboldt, a melhor do litoral, essa modesta localidade já foi mercado de aves-do-paraíso, mas ficou quase inteiramente abandonada após o declínio desse comércio poético. Os japoneses lá encontram apenas missionários, dos quais vários alemães, que, por se terem declarado contra a aliança, são tratados ainda com mais selvageria que os holandeses e os ingleses. Três campos de aviação estão em construção no interior, entre a baía de Humboldt e a baía de Tanamerah, atrás do relevo forte e coberto de matas de cadeia litorânea dos Ciclopes, em frente do lençol lamacento e tortuoso do lago Santari. As obras, conduzidas por muito tempo com lerdeza, foram tornadas urgentes após os sucessos americanos. Um almirante, Yoshikaku Endo, chegou, alguns dias antes, para estimular os trabalhadores.

 

A surpresa é total. Em Holândia, os americanos encontram ainda quente o arroz do desjejum dos japoneses. O Almirante Endo, a princípio, ficou aturdido com a humilhação, mas, depois, pôs o uniforme de gala e caminhou em direção aos montes Ciclopes, onde seu rastro desapareceria para sempre. Na baía de Humboldt, onde desembarca a 41a Divisão, a oposição é nula. Na baía de Tanamerah, onde desembarca a 24a Divisão, a única resistência é a da natureza. Os americanos acreditavam poder usar duas praias distantes de 3 km. Uma, a praia n° 1, é orlada por um pântano insuspeitado. Os homens que ali penetram afundam como pedras num tapete verde que parece ter a solidez de um prado. Ainda assim, uma companhia do 21o RI arrisca-se para achar um caminho até a praia n° 2: leva 24 horas para cobrir os 3 km. Resolve reembarcar nos LST, para novo desembarque em outro porto.

 

No dia seguinte, dá-se um golpe de sorte inacreditável, a favor dos japoneses. O único bombardeiro que sobrevoa Holândia atinge um depósito de munições, ateia um incêndio formidável, arranca aos americanos os estoques que eles julgavam ter conquistado e destrói grande parte daqueles que haviam acabado de trazer. Apesar do prejuízo, a expedição é um sucesso total. A 24a e a 40a Divisões fazem junção nos campos de pouso. Suas perdas se limitam a 24 mortos, enquanto mais de 3.000 japoneses, acuados na selva, são massacrados. Os trabalhos, imediatamente empreendidos, fazem de Holândia uma das grandes bases do Pacífico Sul.

 

A leste de Holândia, a 41a Divisão desembarcou igualmente no pequeno centro missioneiro de Aitape. A finalidade dessa manobra é ocupar uma posição de flanco contra o 18o Exército japonês, do qual se deve esperar um regresso ofensivo. Um corpo de exército completo, comandado pelo General Charles Hall, junta-se progressivamente ao 163o RI, ao longo de um volumoso rio, o Driniumor, que corre por uma selva sufocante. MacArthur cobre, assim, suas retaguardas, ao passo que continua avançando para oeste.

 

Está firmado o método. As aplicações se sucedem. A 18 de maio os americanos se apossam da ilha costeira de Wakde. Voltam, em seguida, ao litoral para conquistar o pequeno centro administrativo de Sarni, após travar dura batalha no desfiladeiro de Lone Tree Hill. Um esforço seguinte leva-os, a 27 de maio, à ilha de Biak, situada no centro da profunda baía que separa da península Vogelkop o corpo principal da Nova Guiné. De Biak, as Filipinas estão ao alcance dos bombardeiros.

 

Mas os dias de guerra não são parecidos. Biak é uma ilha de relevo difícil, coberta por mata excepcionalmente malsã, perfurada por cavernas gigantescas. As forças de ataque, dois regimentos da 41a Divisão, são insuficientes. As forças de defesa, sob as ordens de um chefe enérgico, o Coronel Kuzume, compreendem o 222o RI, um dos melhores regimentos do Exército Imperial. O desembarque, estorvado pelos corais e pelas correntes, faz-se em desordem. Os objetivos são três aeródromos, Mokmer, Borokoe, Sorido, construídos lado a lado numa pequena planície. O desfiladeiro que os precede refreia o ataque, obriga a organizar outra manobra pelo terreno alto, ou seja, trazer novas tropas e até um novo general, Eichelberger, que se distinguiu em Buna e em Holândia. O aeródromo de Mokmer só foi tomado a 8 de junho. Dominado pelas posições japonesas, não pode ser utilizado.

 

Os japoneses não reagiram aos ataques contra Holândia e Wakde. A valorosa resistência do Destacamento Kuzume incita o Estado-Maior Geral Imperial a fazer de Biak um ponto de fixação. Forças aeronavais de certo vulto são encaminhadas à Nova Guiné ocidental. A 4a Brigada Anfíbia é embarcada, nas Filipinas, em navios de guerra. Mas a condução da operação traduz o declínio da audácia japonesa. Uma primeira expedição, alinhando um couraçado, 4 cruzadores e 6 destróieres, faz meia-volta a 32 de junho, devido ao relatório inexato de um patrulheiro, que julga haver avistado porta-aviões. Recomeça-se, a 8 de junho, apenas com os destróieres rebocando barcaças carregadas de soldados. Uma formação de B-25 afunda o Harusame e, logo depois, o Almirante Sakonju foge, abandonando suas barcaças diante de uma esquadra comandada pelo almirante inglês Crutchley. Correndo a 35 nós, o comodoro Jarell o persegue, encabeçando 8 destróieres americanos. Atinge o Shiratsuyu, mas a noite e uma ordem de regresso lançada por Crutchley salvam a divisão inimiga.

 

Biak é apenas uma breve e fraca réplica de Guadalcanal. Furadores de bloqueio conseguem introduzir ali cerca de 1.200 homens, contingente fraco demais para influir no desfecho da batalha. Os dois últimos aeródromos são conquistados a 18 e 24 de junho. Uma guerrazinha de trogloditas prolonga-se até 20 de agosto. Dos 10.000 japoneses, os americanos fazem 220 prisioneiros. Os restantes tombam sob o fogo, suicidam-se, ou morrem de fome.

 

A leste de Holândia, uma última partida se decide. Adachi recebeu ordem de levar o seu 18o Exército na direção de Vogelkop, pelas trilhas da selva, ordem manifestamente inexeqüível. Ele prefere atacar as linhas americanas junto ao Driniumor. A 11 de junho, consegue transpor o rio, mas suas três divisões contam apenas 20.000 combatentes e o contra-ataque americano dizima-o tremendamente. A parte que sobra volta a Wewak, assolada pela febre. Restarão dessa força, no momento da capitulação do Japão, algumas centenas de esqueletos, que, duvidando da autenticidade da ordem imperial, levarão ainda um mês para decidir-se à rendição. Após Biak, os americanos tomam a ilha de Noemfoor. Em Vogelkop, deixam de lado a base principal, Sorong, contentando-se com as pistas de vôo de Mar e de Sansapor. As operações ofensivas na Nova Guiné estão encerradas. Por outro lado, a 15 de setembro, troam os obuses e as bombas contra a ilha de Morotai, na direção da qual as LCT, LCVP, LCI e LST deixam esteiras, doravante tão familiares, nas águas do Pacífico.

 

Morotai, ainda não se trata das Filipinas. Mas já se trata das Molucas. MacArthur está de volta.

 

Nimitz em Kwajalein e Saipan

 

Na rota dos atóis, a marcha em direção a Tóquio começou, em novembro de 1943, pela conquista das ilhas Gilbert. A etapa seguinte é o arquipélago Marshall, cujos 23 grupos de ilhotas e os 867 recifes se espalham numa extensão correspondente ao dobro da França, que se dilata entre o 5o e o 12o grau de latitude Norte.

 

Entra-se numa zona que o Japão já considerava, antes da guerra, como de sua propriedade, pois a Sociedade das Nações lhe confiara um mandato sobre as Marshall, as Carolinas e as Marianas (excetuando Guam). Os japoneses ignoraram as cláusulas do mandato que proibiam a utilização das ilhas para fins militares e, retirando-se das SDN, conservaram calmamente o penhor que ela lhe havia confiado. Dos três arquipélagos, as Marianas são as mais próximas do Japão. As Carolinas, estendidas de oeste a leste, tem por centro a base naval de Truk, onde foi lançada a flecha japonesa na direção da Austrália. A 1.000 milhas a leste, na direção do Pacífico central, as Marshall se encontram a meio caminho entre as Filipinas e o Havaí.

 

Contra o parecer de seus principais assessores, o Almirante Nimitz decide atacar o próprio coração do arquipélago, Kwajalein, o maior atol de coral do mundo, 100 ilhotas emergindo de uma barreira de recifes de mais de 300 km de perímetro. Só dois pontos tem importância militar, Kwajalein propriamente dita, uma nesga de terra em forma de bumerangue, ao sul da laguna, e Roi e Namur, duas ilhotas reunidas por uma nega sólida, a noroeste.

 

As lições recebidas nas Gilbert são plenamente utilizadas. O volume de fogo que envolve cada um dos três objetivos é o triplo do que se forneceu em Tarawa. As vagas de assalto da 4a Divisão de Marines, em Roi e Namur, e da 7a Divisão de Infantaria, em Kwajalein, utilizaram várias centenas de amptracks, LTV, LTVA, tratores e carros anfíbios que surgem diante dos defensores abobalhados pelo bombardeio. O assalto é lançado, a 31 de janeiro, às 9 horas. Os japoneses morrem depressa. Em 72 horas, os 8.675 defensores sucumbem, à exceção de 265 prisioneiros, dos quais dois terços de trabalhadores coreanos, os únicos que consentem em sobreviver à derrota. Dos 41.446 soldados e Marines em ação, os americanos contam 272 mortos e desaparecidos.

 

Para os japoneses, essa vitória americana, tão completa, tão rápida, é terrificante. Sua inércia foi total. Suas forças navais e aéreas das Carolinas ficaram imóveis. Nas próprias ilhas Marshall, seis de suas oito bases, Eniwetok, Wotje, Maloelap, Mili, Jaluit e Kusaie, não foram atacadas, mas sua neutralização foi tão intensa que não puderam intervir. Os americanos, posteriormente, se contentarão em tomar Eniwetok, desprezando as demais, onde, segundo a regra, as guarnições japonesas agonizarão lentamente.

 

A vitórias das Marshall, prova aos americanos que a estratégia dos atóis está certa. Exige esforços violentos, mas espaçados e curtos. Permite a plena utilização do domínio marítimo e do domínio aéreo. Torna mais próximo o Japão, por meio de grandes saltos, e permite que se usem contra ele os superbombardeiros B-29 que, superando a sua fase de infância, entram em serviço. Mas é própria dos grandes homens uma cegueira ingênua a tudo que possa contradizer o sentido de sua importância exclusiva. No momento em que Nimitz tomava as ilhas Marshall, MacArthur não se havia ainda abalado em direção à Holândia. Não obstante, ele sustenta que o movimento é um fraco empurrão, pede mais uma vez que todas as forças do Pacífico lhe sejam confiadas, sustenta que não há outra rota estratégica para o Japão a não ser a sua, a das Filipinas, exige enfim o abandono das operações previstas na continuação da conquista das ilhas Gilbert e Marshall. Fevereiro assiste a discussões apaixonadas, à missão tempestuosa, em Washington, do chefe do Estado-Maior de MacArthur, Richard Sutherland. A convicção e a energia do Almirante King salva a estratégia do Pacífico central.

 

Ao mesmo tempo que é executada a operação Overlord, começa outra gigantesca operação anfíbia, quase nas regiões opostas à Normandia. A 6 de junho, enquanto os soldados de Eisenhower chegam às praias do Calvados e Cotentin, a Task Force (Força-tarefa) 58, do Almirante Mark Mitscher, zarpa da base provisória de Majuro, no arquipélago Marshall. Conta 87 navios de combate, dos quais 13 porta-aviões e 7 couraçados rápidos; constitui uma das mais majestosas esquadras que jamais singraram os mares. Sua missão consiste em assegurar a segurança geral das forças de invasão que navegam na direção da ilha de Saipan, selecionada para o primeiro desembarque. De Kwajalein e das ilhas do Almirantado, os bombardeiros terrestres da 5a e 11a Frotas Aéreas cooperam com ela para esmagar as bases japonesas situadas dentro do seu raio de ação, Peleliu, Yap, Pulawat e sobretudo Truk. Trata-se de missões altamente perigosas, com longos vôos de retorno sobre extensões marinhas solitárias, em aparelhos não raro danificados pela DCA. Elas prosseguem durante meses com uma precisão de relógio.

 

Dentro do poderoso estojo representado pela TF 58 e pelos bombardeiros terrestres, dois gigantescos comboios avançam na direção das Marianas. Um deles, a TF 51, traz do Havaí a 2a e 4a Divisões de Marines e a 7a Divisão do Exército. O outro, a TF 52, traz de Guadalcanal a 3a Divisão de Marines. Carregados de tropas e de material, 77 transportes, 34 cargueiros, 44 LST, etc., tem por escolta imediata, e terão por suporte de artilharia e de aviação, outra frota imensa: 14 porta-aviões de escolta, 7 velhos couraçados, 12 cruzadores leves e pesados, 122 destróieres, etc. O número total de navios, 664, inclusive a TF 58, e o número de soldados, 127.541, não estão na escala normanda, mas as travessias são 20 ou 30 vezes mais longas: 5.600 km do Havaí, 3.840 de Guadalcanal. O esforço global é comparável e, ao contrário do que ocorre no desembarque na Normandia, é inteiramente americano. Demonstração de poderio quase intraduzível, se se tem em mente que inexistia quatro anos antes e que nasceu sem afetar praticamente a vida cotidiana do povo que a produz.

 

As Marianas já não são atóis. São cumes de uma longa cadeia de vulcões, com os sopés mergulhados nos abismos do Pacífico. Forma, de norte a sul, um arco de fraca curvatura, estendendo-se por 800 km, de Farallon de Pajaros até Guam. Seus flancos verdejantes se elevam a várias centenas de metros. Seu clima é ainda tropical, mas saiu-se do abafamento, dos miasmas, da selva das ilhas Salomão e da Nova Guiné. Sua história é curiosa. Magalhães deu-lhes o nome de  “islas de Los Ladrones”, homenageando as mãos ligeiras dos índios Chamorros que visitavam os navios. Foram rebatizadas, mais honestamente como Marianas, homenageando Maria Ana da Áustria, mulher de Filipe II. Os espanhóis as desprezaram, os alemães as compraram, os japoneses as obtiveram, à exceção de Guam, com que os EUA, buscando apenas um depósito de carvão entre as Filipinas e o Havaí, se contentaram depois da vitória de 1899 sobre a Espanha. Os japoneses tomaram-na alguns dias após Pearl Harbor.

 

Como Guam, e vizinhas dela, as Marianas maiores são Rota, Tinian e Saipan. Esta última, capital militar do arquipélago, é a sede do 31o Exército japonês, do General Hideyoshi Obate, e da 43a Divisão reforçada, do General Yoshitsugu Saito. O efetivo da guarnição, inclusive as formações navais, monta a 31.649 homens. As outras ilhas são menos fortemente ocupadas: 18.500 homens em Guam, 8.000 em Tinian, algumas centenas em Rota. O conjunto se acha teoricamente sob a autoridade de um nome ilustre, o do vencedor de Pearl Harbor, Chuichui Nagumo, precipitado, pelo desastre de Midway, do papel mais glorioso da frota ao mais obscuro comando local. Ele se encontra pessoalmente em Saipan, mas ali só representa um papel fictício.

 

A organização japonesa é sólida, mas o plano que consiste em reforçá-la com tropas trazidas da Manchúria foi prejudicado pelos submarinos americanos. A maioria dos comboios perde navios. A proporção de homens salvos é relativamente importante, mas a quase totalidade do material vai para o fundo do mar. Exemplo: o Saito Maru, torpedeado a 29 de fevereiro; de 3.080 soldados do 18o RI, conseguem-se salvar 1.688, mas estes chegam a Guam com 7 fuzis, um lança-granadas e 150 baionetas. Disso resulta que várias unidades estão sem armas e todas com falta de munição.

 

A conquista das Marianas começa exatamente em 15 de junho, data fixada com muitos meses de antecedência. As tropas estão sob o comando do General Holland Smith, do Marine Corps. A partida das formações de assalto constitui espetáculo inesquecível. A manhã é clara, o mar calmo, o ar fresco. A zona de desembarque estende-se de um lado a outro do cabo Aftena, a 2a Divisão à esquerda, nas praias Red e Green, a 4a Divisão à direita, nas praias de Blue e Yellow. O pano de fundo é formado por uma cadeia de montanhas cujo pico culminante, o Tapotchau, alcança 474 metros. Em primeiro plano, o mar verde quebra sobre recifes de coral, acalma-se numa laguna de algumas centenas de metros e vem morrer ao longo de uma praia estreita, fumegante sob o bombardeio. Ao sul do cabo, no setor da 4a Divisão de Marines, as casas japonesas da pequena cidade de Charan Kanoa, de madeira e papel, foram consumidas, mas a chaminé de uma usina de açúcar se levanta, completamente negra. Às 8h50, 34 LST avançam até 800 metros do recife, abaixam suas porteiras, descarregam 719 LVT e LVTA, tratores e carros anfíbios, que se organizam em vagas de assalto. A intenção dos assaltantes é não parar na costa, mas levar o desembarque blindado, de um arremesso, até a linha dos cumes. Vales cobertos de bosques descem, em seguida, até Magicienne Bay, meia cratera de vulcão submerso. Espera-se atingi-la e seccionar a ilha em dois dias.

 

Mas a majestosa ordem de partida se rompe. Sobre os recifes, uma ressaca de 3.7 a 4.6 metros prejudica os amptracks e dissocia-lhes as colunas. Sob o fogo violento, partindo do cabo Aftena, a 2a Divisão deriva para norte e seus batalhões se misturam nas praias verde e vermelha. A 4a Divisão atravessa rapidamente Charan Kanoa, mas encontra dificuldades aos estender-se em direção ao norte e ao sul. Aos LTV falta o poderio para escapar dos obstáculo antitanques e, como o fogo se concentra sobre eles, os marines os abandonam para avançar a pé ou de rastros. O Comando americano teve fé em demasia na motorização integral do desembarque. Ao cair da noite, somente metade da área D-1 foi conquistada. O General Yoshitsugo Saito, que substituiu Obate, bloqueado em Guam, envia a Tóquio um comunicado triunfante: “Esta noite, o 31o Exército contra-atacará com todas as suas forças e aniquilará o inimigo...”

 

Às duas da madrugada, efetivamente, um ataque no velho estilo desencadeia-se ao som do clarim. Sob uma abóbada de obuses luminosos, os marines da 2a Divisão vêem uma multidão de silhuetas medievais brandindo sabres e agitando bandeiras. Um fogo terrível os massacra, cobre as encostas do Tapotchau de 800 cadáveres. A alvorada encontra os americanos em suas trincheiras individuais da véspera, enquanto os aviões e navios recomeçam a martelar os japoneses e os reforços desembarcam em grandes vagas. Como na Normandia, os defensores não souberam utilizar o momento de fraqueza dos assaltantes. Firmou-se a cabeça-de-ponte.

 

O Japão encontra um segundo Midway

 

Mas um novo acontecimento eletriza os marinheiros. Na véspera, às 18h35, o submarino Flying Fish avistou uma esquadra inimiga, compreendendo vários porta-aviões, desembocar do estreito de São Bernardino, entre as ilhas Luzon e Samar, em direção a leste. Meia hora depois, um outro submarino, o Seahorse, assinalou uma formação de couraçados ao largo de Mindanau, em direção N-NE. As duas direções convergem para as Marianas. A grande frota japonesa avança para tomar ao americano o poderio do Pacífico. Não é mais sobre as encostas de Tapotchau que a sorte de Saipan e a segurança de Tóquio se decidem; é num campo de batalha líquido, cobrindo 15o de latitude e de longitude, entre as Filipinas e as Marianas, entre a Nova Guiné e o Japão.

 

Em seu retraimento momentâneo, a Marinha Imperial não cessou de aguardar este reencontro decisivo, esta desforra de Midway. Morto Yamamoto, seu sucessor, Mineichi Koga, construiu sua estratégia sobre essa espera, evitando ações de detalhes, reservando-se para o único dia que apagará todos fracassos. A 31 de março de 1944, um hidroavião desapareceu entre Palau e Davao: a frota de alto-mar perdia seu segundo chefe, mas a doutrina continuou a mesma, sob o Almirante Soemu Toyoda. Primeiro, reconstituir a esquadra; em seguida, fazer surgir uma situação estratégica favorável e esmagar o inimigo.

 

O Japão é pobre. A capacidade de seus estaleiros e de suas fábricas aeronáuticas é fraca. Suas fabulosas conquistas de 1942 são falsas. Elas fornecem algumas matérias-primas, estanho, borracha, petróleo, mas não as estruturas industriais necessárias para aproveitá-las. É assim que a esquadra deve usar o petróleo bruto, relativamente, puro, de Bornéu, apesar de múltiplos inconvenientes e perigos. Em esforço febril, grandes improvisações fazem surgir novos porta-aviões, criam novas flotilhas aéreas, mas lacunas perigosas subsistem sob essa carapaça reconstituída. O radar não está aperfeiçoado. Os meios de defesa contra os submarinos são primitivos. Os aviões não tem blindagem nem reservatórios com obturação automática. Os pilotos da aviação embarcada, especialidade difícil, tem apenas instrução superficial e treinamento irrisório. “Os da 1a Esquadra - diz um relatório - tem seis meses de treinamento; os da 3a Esquadra, três meses; os da 2a Esquadra, apenas dois meses. Nenhum possui experiência de vôo de 100 milhas náuticas...”. As esplêndidas tripulações que atacaram Pearl Harbor tinham-se preparado, técnica e moralmente, durante anos; mas desapareceram.

 

A oportunidade estratégica favorável, o Estado-Maior a tinha esperado e preparado no Sudoeste do Pacífico. O sonho nipônico era ver a grande esquadra americana avançar no triângulo Yap-Mindanau-Nova Guiné - na proximidade das Filipinas, a fim de simplificar o problema de abastecimento - entre as bases terrestres que poderiam compensar a inferioridade da aviação embarcada. A expedição de MacArthur contra Biak deixa crer que esse sonho se concretizará. Um poderoso destacamento, compreendendo os couraçados gigantes Yamato e Musashi, já foram mandados, na vanguarda, a Batjan, nas Molucas. O grosso da frota e notadamente as três divisões de porta-aviões acham-se entre as Filipinas e Bornéu, à espreita... Mas, em vez de penetrar no laço do Sudoeste do Pacífico, os Estados Unidos golpeiam em cheio, no oceano, as Marianas, ao alcance de bombardeiro de Tóquio!

 

Assim, o cinturão de segurança nacional é atingido. A mãe-pátria, a cabeça do imperador estão ameaçados. A Marinha Imperial não pode abandonar as Marianas como deixou as Marshall, sem intervir. Por dois caminhos, a oeste e a leste de Mindanau, a frota móvel sob o comando do Almirante Jizaburo Ozawa, sobe em direção ao mar das Filipinas, para onde a iniciativa adversa transfere o golpe decisivo. Essa última armada do Sol Nascente é respeitável: 5 porta-aviões de linha, 4 porta-aviões ligeiros, 5 couraçados, 11 cruzadores pesados, 2 leves, 28 destróieres. Entre os porta-aviões, dois veteranos, cobertos de glória e de feridas, Zuikaku e Shokaku, e o Taiho, acabado de pouco, o maior em serviço do mundo. O número de aviões embarcados chega a 429, ou seja, o dobro das flotilhas de Pearl Harbor. Entretanto, a marcha sobre o inimigo não mais parece a travessia encantada de dezembro de 1941. Acidentes, colisões, que causam a perda de um destróier, enlutam-na. A ofensiva lançada pelos submarinos como um anexo à operação (chamada A-60) fracassa lamentavelmente. Os 25 submarinos encarregados de varrer o mar das Filipinas não afundam um só navio, e são destruídos 17, dos quais seis pelo destróier England.

 

Diante de Saipan, o comandante-chefe da 5a Esquadra. Almirante Raymond Spruance, tomou contato imediato com o Vice-Almirante Turner, comandante das forças navais de apoio direto. Estas se dividem. Os velhos couraçados e uma parte dos cruzadores prosseguem na missão, continuam a consolidar com o fogo de seus canhões a cabeça-de-ponte do cabo Aftena. O resto se une à TF 58, para correr contra o inimigo flutuante. Para enfrentar a armada japonesa avançam 7 grandes porta-aviões e 8 porta-aviões leves, levando 956 aparelhos de todas as categorias, servidos e protegidos por 7 couraçados rápidos, 21 cruzadores e 69 destróieres. No mar e no ar, a superioridade americana é de dois contra um.

 

No dia 19 de junho o céu apresenta teto e visibilidade ilimitados, sobre um mar banhado de luz e crivado de multidões de peixes-voadores. O bom trabalho dos batedores assegura ao Almirante Toyoda uma grande vantagem: ele sabe onde o inimigo está. Possui ainda outra vantagem, resgate parcial de uma inferioridade: não blindados, mais ligeiros, seus aviões tem um raio de ação superior ao dos aviões americanos: 640 km contra 500 km. O adversário está ao seu alcance, enquanto ele está fora de alcance: momento ideal para atacar.

 

Os bombardeiros levantam vôo. A vanguarda, onde se acham o Shitose, o Zuiho, e o Chiyoda, lança 64 aviões às 8h30. Às 8h56, a própria divisão de Ozawa, o Shokaku, o Taiho e o Zuikaku, lança 128 aparelhos - entre os quais o do oficial Sahio Komatsu, que, no momento em que ganha altitude, percebe o rastro de um torpedo dirigindo-se para o Taiho: mergulhando sobre ele, suicidando-se para salvar o grande navio. A 2a Divisão, composta de porta-aviões ligeiros, Junyo, Hiyo e Ryoho, lança ao ar 47 aparelhos às 10 horas, e, depois, às 11 horas, é dada a ordem, as divisões 1 e 3, de um novo lançamento, de 114 aparelhos. Ozawa joga sobre o inimigo quatro quintos de suas forças, guardando para proteger seus navios apenas um punhado de caças.

 

Os americanos não localizaram o inimigo. O radar os salva, enchendo-se de repente, revelando o inimigo a 165 milhas. Os caças levantam vôo com extraordinária rapidez. Renhidos combates se travam, a princípio a oeste dos navios, contra os dois primeiros grupos japoneses, depois ao norte, depois ao sul, contra os dois grupos seguintes. Os atacantes sofrem perdas terríveis. Precipitam-se do céu, em flocos de fumaça e chamas, ou, destroçados, vão abater-se sobre a ilha de Guam. Dos 375 aparelhos lançados por Ozawa, apenas uns 40 conseguem aproximar-se dos navios. Um só acerta o golpe sobre o South Dakota, matando 27 marinheiros, mas sem causar avaria séria ao couraçado. Escapando por pouco, alguns outros navios sofrem ligeiros danos. O preço é exorbitante. O dia 19 de junho custa aos japoneses 315 aparelhos; aos americanos, 29.

 

Perto dos porta-aviões, o torpedo que o oficial Komatsu deteve pagando com a vida tinha sido lançado pelo submarino Albacore, do comandante J.W. Blanchard. Fazia parte de um lote de seis, destinados ao Taiho, navio-capitânia de Ozawa. Um só o atinge, a bombordo, ao nível do elevador dianteiro. Choque ligeiro, danos menores, nenhuma explosão. O comandante declara ao almirante que seu navio permanece plenamente operacional.

 

Duas horas mais tarde, outro torpedo atinge o Shokaku. Foi lançado pelo submarino Cavalla, do comandante H.J. Kossler. O golpe parece mais sério. O navio reduz a velocidade, sai de formação, luta contra as chamas que se propagam em seu interior. A gasolina de avião que escapa de reservatórios mal isolados e mal situados alimenta terrivelmente o incêndio. Pouco depois das 15 horas, o fogo atinge um depósito de munições. Uma série de explosões despedaça o Shokaku. O Zuikaku é o único que resta dos seis porta-aviões que atacaram Pearl Harbor.

 

No Taiho, o otimismo do primeiro momento não durou. Uma situação terrível se apresenta. O choque do torpedo rompeu os encanamentos e deslocou os reservatórios. O grande navio se enche de uma mistura de vapores de gasolina e ar, que se tenta em vão isolar. O inevitável se produz. Às 15h32, violenta explosão levanta a ponte e devasta o interior. O destróier Wakatsuhi vem buscar o retrato do Imperador e Ozawa transfere a bandeira para o cruzador Haguno. O ícone e o almirante mal estão em segurança quando o Taiho é invadido pelas chamas. Afunda às 17h06, incendiando o mar à sua volta. Os destróieres dificilmente chegam para salvar 500 de seus 2.150 oficiais e marinheiros.

 

Dia tão desastroso quanto o de Midway! Ozawa perdeu dois de seus navios essenciais. Resta-lhe, apenas, uma centena de aviões e, diante dele, a frota americana está intacta. Entretanto, seu ânimo ou sua capacidade de iludir-se é tão grande, que ele não considera perdida a batalha. Esforça-se por acreditar na palavra de seus pilotos, de que o inimigo também sofreu graves perdas. Os bombardeiros do Zuikaku informam que atingiram em cheio um grande porta-aviões e um grande cruzador. Os da 1a Divisão asseguram que deixaram atrás deles quatro porta-aviões em chamas. “No total - diz o relatório do fim do dia - está fora de dúvida que 4 ou 5 porta-aviões inimigos, bem como um couraçado e um grande cruzador, foram afundados ou postos fora de combate. Isso não exclui a possibilidade de que outros mais tenham também explodido ou afundado...” Ozawa, assim, espera retomar a batalha dois dias depois, a 21, depois de ter-se reabastecido durante o dia 20.

 

Sem dúvida vencedores, os chefes americanos mostram menos agressividade. “Espero atacar amanhã - assinala o Almirante Spruance - se conhecer a posição do inimigo com exatidão satisfatória”. Mas nada é feito para recolher dado tão importante. “Nem um só avião de reconhecimento - diz Eliot Morison - foi enviado, na noite crucial de 19 para 20 de junho...” Uma das razões é o humanitarismo de Mitscher. Miniatura de almirante, 1.64 m, 67 kg, adorando seus pilotos e por eles adorado, “ele detestava a idéia de um batedor solitário, obrigado a pousar na imensidão do oceano, sem a mínima esperança de salvação...” Contraste edificante com o descaso pela vida humana professado pelos japoneses, os russos e os alemães.

 

A manhã de 20 de junho - tão bela quanto a precedente - levanta-se sobre uma frota americana fazendo rota paralela ao inimigo, sem sabê-lo. As patrulhas da madrugada partem, segundo a rotina, e nada acham. As patrulhas da tarde decolam por sua vez, e a grande maioria dos aparelhos já estão de volta quando, às 15h15, uma mensagem decifrada com dificuldade assinala o inimigo. Um momento mais tarde, o 2o Tenente Nelson confirma que viu com seus próprio olhos os navios de Ozawa, e corrige a estimativa errada que dera de sua posição. A frota inimiga acha-se a 250 milhas, quase no limite de alcance, e restam apenas quatro horas de dia. Lança-se um ataque? Espera-se o dia seguinte? Os almirantes arriscam seus lugares na História com sins e nãos instantâneos.

 

Mitscher decide-se: ataca-se. Em dez minutos, tempo-recorde, 216 bombardeiros, torpedeiros e caças estão no ar. No último momento, Mitscher retém uma segunda vaga igual: seria preciso recolher, de noite, aparelhos demais...

 

Começando às 18h20, a ação se desenrola diante de um enorme sol vermelho afundando lentamente no mar. Cerca de 30 caças japoneses aceitam bravamente um combate desigual, reduzem a força de ataque sem conseguir dominá-lo. Torpedeado, o porta-aviões Hiyo afunda. O Zuikaku e o Chiyoda são danificados, bem como o couraçado Haruna. Dois abastecedores, navios preciosos, afundam. Certamente  não é a vitória destruidora que uma audácia maior teria proporcionado a Spruance e Mitscher... Contudo, é um sucesso de significação profunda. Dos 430 aviões japoneses da manhã de 19 de junho, restam apenas 35 na noite do dia 20. “O resultado mais importante - diz a história oficial - reside na destruição quase total da aviação embarcada japonesa. Ela deixou de ser uma força substancial até o fim das hostilidades”.

 

Às 19h19, no momento em que o sol desaparece, o último avião americano deixa o campo de batalha. Por valentia ou desespero, Ozawa ordena um ataque noturno pela frota de superfície, coloca o Almirante Kurita à frente da vanguarda, em direção ao inimigo. Mas seus navios já não tem bastante óleo para tal ação. Kurita é chamado de volta e, aceitando a derrota, a frota móvel toma o caminho do Japão.

 

Em noite retinta, voltam os aviões americanos. A gasolina acaba. Aparelhos caem. Todos assinalam que estão queimando as últimas gotas. Mitscher, devorado pela angústia, calcula o tempo necessário para um pouso na escuridão, para o qual a maioria dos pilotos não tem qualquer experiência. Toma uma decisão intrépida, faz iluminar os navios, lança morteiros, arriscando-se a atrair os submarinos. De 216 aviões, apenas 20 foram abatidos no combate, mas 80 vão cair no mar ou se arrebentam nas pistas dos porta-aviões. Vários pilotos são recolhidos das águas, reduzindo-se para 38 o número de vidas humanas perdidas. Preço baixo das batalhas navais - para os que ganham - em confronto com as hecatombes terrestres.

 

Rompe-se o cinturão de segurança do Japão

 

A derrota naval sela o destino de Saipan. Mas rendição não é palavra do vocabulário japonês. A luta continua encarniçada.

 

A 17 de junho, os americanos conseguiram tomar o aeroporto principal, Aslito. A 18, atingem Magicienne Bay, e começam a limpar o sul da ilha. Holland Smith intercala a 27a Divisão do Exército americano entre as duas divisões de Marines e faz girar seu ataque para conquistar o centro e o norte. A 27a Divisão é comandada por outro Smith, Ralph, que seu homônimo e superior responsabiliza pela pobre atuação de seus homens no sulco da selva que chamam de Death Valley, aos pés do monte Tapotchau. Depois da aprovação de Spruance e de Turner, ele o tira do comando, substituindo-o por um marine, o General Jarman. Uma disputa furiosa vai nascer desse fato de energia, passar para o plano político, inflamar os jornais de Hearst, alimentar as campanhas dos partidários de MacArthur, exigindo para este o comando exclusivo do Pacífico. Objetivamente, torna-se claro que é difícil empregar, lado a lado, o Marine Corps e as unidades da guarda nacional ativa, como a 27a DI, os padrões militares são por demais desiguais.

 

Os japoneses ficam reduzidos a uma terrível condição. Não possuem mais um só canhão. Seus regimentos contam de 200 a 300 homens. Falta água. Os americanos avançam protegidos por extraordinário volume de fogo, limpam com lança-chamas todos os redutos, esmagam a mínima resistência sob os tapetes de bombas e concentrações de artilharia naval. Tomam o monte Tapotchau, entram, de ruína em ruína, na pequena capital da ilha, Garapan, confinam metodicamente o inimigo na extremidade norte. Saito desculpa-se humildemente, perante o Imperador, por não ter podido defender Saipan com a suficiente energia, e, depois, tendo ordenado um ataque banzai para as noites de 7 a 8 de julho, toma suas últimas providências. Corta a artéria do pulso com o sabre, em seguida faz com que seu oficial de ordenança o mate com um tiro de pistola. Numa gruta vizinha, o herói de Pearl Harbor, Almirante Nagumo, suicida-se da mesma maneira.

 

O ataque banzai reúne todos os japoneses que ainda respiram. Muitos não tem armas a não ser baionetas ou facas presas a bambus. Sua arremetida dentro da noite é fantástica. Tomam duas baterias de artilharia. Põem em fuga diversos batalhões. Presa de pânico, grupos americanos jogam-se ao mar, atravessam a laguna e vão-se refugiar no recife de Tanapag. A artilharia e os tanques acabam por exterminar a horda, até o último homem: cobre o terreno de ataque com mais de 4.000 cadáveres. Mas 406 americanos morreram. Ao todo, Saipan custa 3.674 mortos, feridos e desaparecidos ao Exército dos Estados Unidos, e 10.437 ao Marine Corps.

 

O ataque a Guam começa, a  21, por duplo desembarque da 3a Divisão de Marines e da 1a Brigada Provisória. O ataque a Tinian começa, quatro dias depois, por um desembarque da 4a Divisão de Marines. Plana, propícia aos tanques e à aviação, essa última ilha é conquistada numa semana, depois do extermínio completo de seus 8.000 defensores. Guam, muito mais vasta e escarpada, exige combates demorados. A resistência organizada é quebrada, a 10 de agosto, pela tomada do monte Santa Rosa. O comandante do 31o Exército japonês, Obate, que não pôde participar da batalha de Saipan, é morto a 11 de agosto. Grupos de soldados japoneses escapam à vergonha de render-se ou à obrigação de suicidar-se, embrenhando-se na selva de Guam.

 

O conjunto das Marianas é pago com 23.795 mortos, feridos e desaparecidos, número elevado para um corpo expedicionário de 150.000 homens. Mas o cinturão de segurança do Japão rompeu-se e Tóquio está sob as asas dos B-29.

                                                                                      

 

                      

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