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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


INESQUECIVEL / Juliana Dantas
INESQUECIVEL / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Notícia tirada do Jornal Boston Globe
Herdeira bilionária desaparecida
Harper King, filha e única herdeira do bilionário banqueiro Grayson King, está desaparecida há exatamente sete dias. Ela foi vista pela última vez na noite de 13 de março, na festa de comemoração de seu aniversário de 21 anos, e a polícia suspeita de sequestro.
Na noite passada, um carro encontrado no Rio Charles foi comprovado como sendo de Harper King. As investigações seguem um ritmo sigiloso, mas sabe-se que a polícia começa a trabalhar também com a hipótese de assassinato.
Segundo uma fonte que não quis ser identificada, a polícia tem fortes suspeitas sobre Ethan Coleman, de 22 anos, um estudante de Medicina em Harvard, natural de Chicago, que mantinha um relacionamento amoroso com a vítima há dois meses. Essa mesma fonte afirma que o relacionamento não era aprovado pela família King: “Grayson acreditava que Ethan estava com Harper por interesse.”.
Procurado por nossa equipe, Ethan não quis gravar entrevista.

 


 


Departamento de Polícia de Boston — 20 de março

O Detetive Tim Crowley, observou o suspeito pela parede de vidro. Ethan Antony Coleman não podia vê-lo enquanto permanecia sentado e impassível na sala de interrogatório.

Ele já havia entrevistado Ethan anteriormente, quando o empresário Grayson King prestou queixa do desaparecimento de sua filha Harper King, há sete dias. Mas naquela época, Crowley não deu muita atenção ao caso. Muitas garotas de 21 anos fugiam de suas casas por um motivo ou outro, desde tédio até consumo de drogas, álcool, ou com algum namorado sedutor.

Então, em qualquer outro caso, teria mandado o irritado pai voltar para casa e esperar a filha rebelde retornar ao lar, mas, em se tratando de Grayson King, o homem mais rico da cidade e um dos mais ricos do estado, ele sabia que não seria possível. Então, deixou suas investigações mais sérias de lado para tentar descobrir o paradeiro da garota King.

Conversou com seus amigos, parentes e até mesmo com Ethan Coleman, que fora apontado por todos como namorado de Harper. Há sete dias Ethan parecia não ter ideia de onde a namorada poderia estar, pelo menos era o que dizia. O detetive não se aprofundou naquela investigação, ele achava mesmo que a herdeira King apareceria mais dia, menos dia.

Porém, na madrugada de ontem, o caso tomou um rumo completamente diferente quando o carro de Harper King foi encontrado no Rio Charles, nos arredores da cidade, mas nem sinal da garota em questão. Todavia, ficou óbvio que a hipótese de fuga talvez não se encaixasse.

E onde estava a filha de Grayson King? Há 15 horas as buscas por um corpo começaram e até agora nada foi encontrado, mas o detetive sabia que precisaria dar outro rumo às investigações. E a primeira providência foi chamar novamente Ethan Coleman, o estudante de Medicina de 22 anos que estava envolvido com a desaparecida há dois meses.

Naquela semana em que investigou os rumos de Harper King, Crowley ouviu muitas versões sobre seu relacionamento com Ethan Coleman.

Relembrando os depoimentos algumas palavras saltavam à vista como: “aproveitador”, “sedutor”, “interesseiro”, e algumas acusações como: “estava com ela por dinheiro”, “Grayson o odiava e era contra o namoro”, chamavam a atenção.

Crowley, um homem negro de meia idade com mais de 20 anos de experiência na polícia, era conhecido por sua calma e paciência em desvendar casos complicados. E sabia que, se quisesse respostas, teria que entrar naquela sala e interrogar Ethan Coleman e, quem sabe, começar a entender o que acontecera com Harper King na noite de 13 de março.


Você lerá a seguir o Depoimento de Ethan Coleman, gravado na noite de 20 de março, com o Detetive Tim Crowley.

A autora avisa que os trechos íntimos e diálogos na íntegra, certamente, não compõem o depoimento em si, porém, são pensamentos de Ethan, para que o leitor entenda a narrativa.

Trechos do diário de Harper também serão apresentados.


1

Indecoroso

Indecoroso: Falta de decência; respeito próprio; dignidade; conveniência.

Ethan Coleman

Eu nunca imaginei, quando concordei com aquela proposta, que estaria numa sala de polícia dois meses depois contando a minha absurda história com Harper King.

O senhor pode achar que eu não queira falar sobre isso, mas não há nada que eu deseje mais do que contar a alguém o que aconteceu nesses dois meses. E o motivo é simples: quero acreditar que Harper King não foi fruto da minha imaginação.

Que ela realmente existiu.

Que nós existimos.

Tudo começou numa manhã há dois meses.

Aquela era a hora do dia em que eu desejava poder estar dormindo.

E desconfiava, pelo pontapé que recebi na canela de Tyler Wilson, que era exatamente o que estava fazendo. Eu me ajeitei na cadeira e relancei um olhar sonolento para Tyler, que levantou a sobrancelha com ironia, enquanto a sala irrompeu em aplausos, o que queria dizer geralmente que a aula acabara.

Todos começaram a levantar e me xinguei mentalmente. Inferno, não podia ficar perdendo aula daquele jeito. Mas ter chegado em casa às cinco da manhã e dormido apenas duas horas, antes de ser acordado pelo punho de Tyler batendo na minha porta, não ajudava muito.

— Acho que o Professor McCallum está puto com você — Tyler murmurou ao passar por mim, saindo da sala, agora quase vazia, e me deixando sozinho para enfrentar John McCallum.

Juntei meus livros e caminhei devagar até a mesa de John.

Como Tyler me alertara, ele estava mesmo irritado comigo. E isso me fez sentir mais irritado comigo mesmo também.

John McCallum era um dos professores mais conceituados da Harvard Medical School, a faculdade de Medicina da Universidade de Harvard. Meu professor há um ano quando consegui entrar no curso de medicina, o que eu considerava quase impossível, dado meu histórico de falta de grana e contatos.

Mas fora John McCallum quem me colocara embaixo de suas asas e fora fator predominante para que eu entrasse em Harvard e agora ele era uma espécie de mentor para mim. Na verdade, às vezes eu o considerava mais que isso. John era quase um pai. E desapontá-lo era a última coisa que eu pretendia.

Porém, por mais que eu tivesse uma bolsa que bancava o curso, ainda precisava pagar todas as minhas contas, como metade do aluguel do apartamento que dividia com Tyler e não estava sendo nada fácil. Então, trabalhava nas horas vagas como garçom em qualquer festa que me pagassem.

E esses trabalhos obviamente me tomavam boa parte das horas que eu deveria estar dormindo e o resultado era que quase sempre estava morto de cansaço nas aulas.

John me encarou enquanto se levantava da mesa com um olhar que mesclava decepção e crítica. Eu me encolhi automaticamente. Odiava decepcionar John mais que qualquer coisa no mundo.

— Ethan, o que está acontecendo com você? Estava dormindo na aula!

— Eu sei, me desculpe, não vai acontecer de novo...

— Se quer ser um bom médico, tem que se dedicar à faculdade.

— Claro, eu sei disso. Estou me dedicando...

— Dormindo? O que andou fazendo ontem? Estava em alguma festa?

— Não é como está pensando... — comecei a explicar, mas a expressão irritada de John se intensificou.

— Eu sei que você é jovem, que deve querer se divertir, mas...

— Estava trabalhando, John.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Trabalhando?

Fiquei vermelho.

— Sim, estou fazendo uns trabalhos de garçom, sabe, pra conseguir uma grana.

— Está precisando de dinheiro? — Seu olhar de desaprovação foi substituído por preocupação. — Por que não me disse, sabe que eu posso te ajudar...

— Não — eu o cortei. — Você já me ajudou o bastante. Não preciso do seu dinheiro. Estou me virando.

— Mas esse trabalho está prejudicando seus estudos...

— Eu vou diminuir. Prometo que o que aconteceu hoje não vai se repetir.

— Certo. Sei que é orgulhoso e não vou conseguir te convencer. Há uma parte de mim que aprova o fato de querer vencer sozinho, mas ficaria imensamente feliz em te ajudar.

— Você conseguiu a minha bolsa e, na verdade, foi por sua causa que consegui passar nos exames e entrar em Harvard, então já me ajudou muito. Agora é comigo.

— Tudo bem. Apenas saiba que se quiser, a oferta que eu e Maddy fizemos ainda está de pé.

— Eu sei e agradeço, mas estou bem com Tyler. — John havia oferecido um quarto na sua casa para eu morar quando me mudei para Boston, mas ele e Madelyn eram recém-casados e de maneira alguma eu queria atrapalhar. Mesmo eles morando numa casa enorme. John era um cara rico, pois além de ser um médico conceituado, também era de uma família abastada. E eu sei que ele ficaria mais do que feliz em me ajudar. Desde que meus pais morreram, quando eu tinha apenas 18 anos, John agiu quase como um pai pra mim, sendo um conselheiro e amigo o tempo inteiro, me guiando.

E eu sempre serei grato por isso. Minha mãe lutou contra um câncer por alguns anos até sucumbir e foi justamente em seus últimos meses que eu conheci John, que na época trabalhava no maior hospital de Chicago. Ele fez de tudo para ajudar minha mãe, mas era tarde para ela. Meu pai ficou extremamente depressivo e morreu quatro meses depois num acidente de carro. E como era de se esperar, eu me encontrei órfão e devastado pela dor. John me levou pra sua casa e me encorajou a continuar com os planos que eu tinha de ir para a Universidade de Boston. Porém, eu estava completamente quebrado financeiramente. Minha família nunca foi rica, mas vivíamos bem com o salário de advogado do meu pai. Só que todo o dinheiro foi consumido pelo tratamento de minha mãe através dos anos. E quando eles morreram, depois de pagar todas as dívidas com a venda da nossa casa, não restou quase nada.

Eu passei minha adolescência toda vendo minha mãe definhar sem saber o que fazer e, desde aquela época, desejava entender aquela doença e poder ajudar outras pessoas para que pudessem não ter o mesmo destino de minha mãe. Mas eu sabia que Medicina era um curso difícil e caro. Mesmo assim, John agiu de novo na minha vida. Com sua influência como professor, conseguiu uma bolsa para meus anos iniciais e depois para Harvard.

A maioria dos alunos do primeiro ano residiam em Vanderbilt Hall, do outro lado da rua do HMS, mas eu preferia dividir um apartamento com Tyler Wilson, meu antigo colega de quarto na faculdade de Boston, que veio do Texas e estava em Harvard comigo também.

Então eu tinha que me virar.

Há alguns meses, conheci Ryan Biers num bar e ele me apresentou a uma agência que contratava caras bem-apessoados para servir em eventos nas festas dos ricos da cidade. E foi assim que eu achei a solução não tão perfeita, mas razoável no momento, para meus problemas financeiros.

Há algumas semanas, tentava diminuir consideravelmente aquelas festas, já que estar sempre cansado atrapalhava os estudos, mas nosso aquecedor quebrou e eu e Tyler teríamos que pagar o conserto, então não tive escolha, a não ser voltar ao trabalho e ficar parecendo um morto vivo, com olheiras escuras embaixo dos olhos, dormindo em aulas importantes e me justificando para meu professor e mentor.

Depois de alguns minutos de sermão, John me dispensou e saí da faculdade com meus pensamentos embaralhados e cansados. Por mais que tenha jurado não fazer mais aquilo, fui direto para meu apartamento e desabei sobre a cama, cabulando todas as aulas daquela tarde.

Acordei quando a luz do crepúsculo pintava a tarde com seus tons de laranja e um vento frio entrava pelas janelas abertas. Por um momento, continuei lá, sem querer me mexer, mas sabendo que tinha que me levantar e me arrumar para a festa daquela noite. Eu não deveria ter me comprometido, mas como estava precisando de grana para pagar o aquecedor e também em poucos dias o aluguel do mês, concordei em ir à festa em Beacon Hill, na casa de algum ricaço que nem me lembrava o nome e nem me interessava. Então, com um suspiro cansado, saí relutantemente da cama e tomei um banho rápido.

Tyler estava com sua namorada, Ellie, assistindo um filme da TV quando passei pela sala. Ou era o que deveriam estar fazendo, pois em vez disso, a pequena Ellie, estava em cima de Tyler, enquanto fazia cócegas em sua barriga e gritava para que ele lhe devolvesse o controle remoto.

— Procurem um quarto — resmunguei abrindo a porta e Tyler me encarou com o rosto todo vermelho de rir e os cabelos loiros que sempre precisavam de um corte cobrindo os olhos castanhos.

— Aonde vai, cara?

— Trabalhar — respondi simplesmente ignorando o olhar de censura de Tyler, antes de Ellie beliscar o peito dele e ele gritar feito uma garota e eu aproveitar para sair porta afora.

A festa começou como todas as outras. Boa bebida, boa comida e muita gente rica por toda parte. Os homens usando relógios que custavam mais do que meu aluguel e as mulheres com tantas joias que poderiam sustentar um pequeno país de terceiro mundo.

Circulei entre eles distribuindo champanhe de ótima qualidade e sorrisos educados que poucos retribuem. Para aquelas pessoas, eu era invisível.

Até aquela noite.

Como qualquer noite de trabalho, caminhei com minha bandeja entre os convidados com suas roupas finas, fazendo meu trabalho, um pouco mais distraído do que o habitual, pois minha mente estava na matéria da prova de anatomia que seria aplicada daqui a dois dias e ainda não tivera tempo de estudar, quando reparei numa mulher sorrindo pra mim do outro lado do salão.

Ela prendeu minha atenção por alguns instantes, afinal, eu era um cara e mesmo sabendo que não deveria ser mais do que educado com essa gente, não podia deixar de reparar numa mulher bonita que me olhava com indisfarçável interesse. Ela usava um longo vestido preto e seus cabelos também eram escuros, assim como seus olhos que me acompanhavam com cobiça, mas desviei os meus, continuando a servir. Mesmo assim, continuei a vê-la em todos os lugares, como se estivesse me seguindo.

Ela era bonita. Em outra circunstância, eu me veria tentado a responder aquele olhar. Fazia quanto tempo que eu não trepava? Mais tempo do que seria saudável, certamente. Mas dava pra ver, mesmo à distância, que aquela mulher era rica e estava fora do meu alcance.

Então apenas disfarcei um sorriso e continuei meu trabalho, até que eu me vi frente a frente com a mulher morena.

De perto ela era ainda mais bonita, embora fosse uns dez anos mais velha do que eu. Não que eu me importasse. Eu já transara com mulheres mais velhas e elas tinham seus encantos. Além de não serem tão grudentas como as garotas mais jovens. Tyler mesmo, antes de Ellie, namorara por um bom par de meses uma trintona.

Ela pegou uma taça de champanhe de minha bandeja.

— Olá, eu sou Carmen.

Eu não falei nada, apenas acenei educadamente e me virei para me afastar, mas a mulher chamada Carmem, segurou meu braço e, antes que eu previsse, ficou na ponta dos pés e sussurrou em meu ouvido.

— Este é o hotel em que te esperarei.

Senti sua boca pintada de vermelho beijando meu rosto, e sua mão escorregando algo rápido dentro do meu bolso antes de se afastar.

Fiquei ali por um instante, aturdido, antes de enfiar a mão no bolso e ver um cartão do Hotel Four Seasons.

Puta que pariu, aquilo realmente tinha acontecido?

Uma mulher lindíssima estava me convidando para encontrá-la num dos hotéis mais caros da cidade?

Meu lado racional me disse para voltar para a cozinha e jogar aquele cartão fora.

Eu queria dizer que este lado racional venceu. Mas até aquele momento, eu era apenas um cara muito cansado de tanto estudar, que estava fazendo um trabalho desagradável para conseguir alguma grana e que não via uma mulher nua há um bom tempo.

Foda-se a racionalidade.

Naquele fim de noite, eu estava numa elegante suíte do Four Seasons fodendo uma linda mulher e me sentindo muito bem por isso.

Quem disse que eu não poderia tirar um pouco de diversão daquele trabalho tedioso e medíocre?

— Uau, você foi demais, querido.

Sorri ainda de olhos fechados, não podendo deixar de reparar em seu sotaque espanhol, que fora bem quente durante o sexo, me lembrei. Eu tinha que concordar com Tyler, transar com mulheres com sotaques era mesmo muito sexy.

Abri os olhos e reparei que ela estava toda vestida, os cabelos arrumados.

— Hum, você acordou... Achei que nem iríamos nos despedir. Preciso ir.

De repente eu não soube o que dizer.

Não que muita coisa fora dita naquela noite. Eu peguei uma carona com um dos garçons até o hotel e subi para o quarto de Carmen, onde trocamos meia dúzia de palavras que nada mais eram do que um prelúdio para o sexo, até que estivéssemos nus e suados sobre a cama.

E depois peguei no sono e acordei com sua voz dizendo que eu fui demais.

Carmen fechou a bolsa e sorriu pra mim, aproximando-se e beijando minha boca rapidamente.

— Você é realmente lindo. — Seus dedos passearam por meus cabelos castanhos. — Este cabelo de pós-foda lhe cai bem. Assim como esses maravilhosos olhos azuis... Uma pena que estou voltando para Madri em poucos dias com meu marido.

Espera. Marido?

Marido?

Abri a boca para expelir algum tipo de comentário, que foi engolido de novo pela boca ávida de Carmen.

A Carmen que tinha um marido. E estava ali trepando comigo.

Ela se afastou por fim e se levantou.

— Vou recomendar muito bem você, querido. E não se preocupe que a suíte já está paga, claro. Buenas noches, guapo! (Boa noite, lindo!)

E assim, ela se virou e saiu do quarto, me deixando sozinho e aturdido.

Joguei as pernas para fora da cama, ainda sentindo a cabeça rodar e tentando entender o que fora aquela noite quando meu olhar se fixou no dinheiro sobre a cabeceira.

Franzi a testa, confuso, e peguei as notas, contando.

Havia ali quinhentos dólares e um bilhete de Carmem preso à nota.

“Meu querido,

A noite foi fantástica. Adorei cada minuto. Espero que o dinheiro seja suficiente por seus préstimos. Pelo menos foi o que minhas amigas na cidade disseram que seria. Embora você valha muito mais. Ficaria imensamente feliz de te encontrar de novo, mas estou voltando para a Espanha em poucos dias.

Beijos,

Carmen”

Que diabos era aquilo? Fiquei olhando para o dinheiro na minha mão, relutante em aceitar o que eu, no fundo, já tinha entendido.

Carmem achou que eu transei com ela por dinheiro.

Eu só não entendia o porquê. Eu fui até o hotel porque a achei interessante e estava precisando de uma transa fácil. Não tinha nada a ver com pagamento.

De repente me senti meio sujo. Deveria deixar o dinheiro ali e esquecer aquela história. Mas, inferno, eram quinhentos dólares. Se contasse o que já tinha juntado, cobriria o aluguel e ainda sobraria.

E não era como se eu estivesse roubando ou algo assim. Carmen me deu aquele dinheiro.

“Ah, claro, serviços prestados”, meu subconsciente sussurrou sarcasticamente, mas quer saber? Eu não ia lhe dar ouvidos.

Não estava cometendo um crime. E aquilo certamente não ia se repetir.

Na manhã seguinte, quando Tyler me cobrou muito timidamente o dinheiro do aluguel enquanto tomávamos café, eu lhe joguei minha parte.

— Não se preocupe, está aqui.

Ele levantou a sobrancelha.

— Tudo aqui? Achei que ia me pedir para pagar sua parte, já que tivemos que pagar o aquecedor.

— Eu trabalhei ontem — desconversei.

— Mas você não ganha essa grana numa noite. — Seu olhar estava desconfiado e dei de ombros.

— Tive um adiantamento. Vou trabalhar em outras festas estes dias. — Não queria trabalhar mais, mas não poderia me enganar. O aluguel seria cobrado no próximo mês e eu também estava precisando comprar uns livros bem caros.

— Certo. Fico aliviado — respondeu, mas vi em seu olhar, que talvez ele não tivesse engolido minha desculpa.

Bocejei ruidosamente e Tyler me lançou um olhar especulativo.

— Chegou mais tarde do que de costume ontem, hein...

— Eu saí com uma mulher.

Este comentário rendeu um sorriso malicioso em Tyler.

— Sério? Eu conheço?

— Não conhece.

— Fazia tempo que você não transava com ninguém, desde Lauren.

Empurrei meu prato de cereal para longe à menção da minha ex-namorada. Fazia seis meses que tínhamos terminado, depois de ficarmos mais de um ano juntos. Ou melhor, ela terminou comigo para ficar com um cara que tinha mais grana.

Na época, fiquei magoado com sua atitude, mas a mágoa rapidamente se transformou em raiva quando a vi com um riquinho chamado Michael Fisher que estudava Direito, tinha o cérebro de uma minhoca, mas dirigia um Porsche.

— Calma, cara, não quis te deixar nervoso — Tyler se desculpou. — Foi apenas um comentário.

— Tudo bem. — Joguei o prato na pia pegando minha mochila. — Vamos logo, não estou a fim de me atrasar.

Voltei a trabalhar numa festa três dias depois. Dessa vez era numa mansão em Back Bay de uma tal família chamada Maxwell.

— Parece que são três irmãs gostosas — Ryan disse, enquanto fumávamos próximos à porta dos fundos, esperando para começarmos a servir. — Dinheiro antigo ou algo assim.

Eu ri e joguei o cigarro fora. Sabia que esse vício não era nada digno de um futuro médico, mas quando se passava horas demais estudando e com poucas horas de sono, as tentações eram bem difíceis de controlar. Embora não me sentisse como um viciado. Eu acabava fumando mais socialmente ou quando precisava ficar acordado.

Trabalhamos naquela festa normalmente, mas o tempo inteiro eu me sentia inquieto. Eu me lembrava de Carmen. Lembrava de sua proposta. De seu dinheiro.

Tão fácil...

Deixava meus olhos vagarem pelas belas mulheres ao meu redor e, pela primeira vez, eu me dei conta que estava enganado até aquele momento. Eu não era invisível. Apenas não percebia que elas me viam.

E elas me seguiam. Seus olhos muito maquiados me seguindo como abelhas em volta do açúcar.

E eu me senti muito bem e muito mal ao mesmo tempo. Porque de repente eu me dei conta que bastaria um sorriso, um encorajamento para que alguma delas se aproximasse com uma proposta.

Era quase indecoroso. Mas era tentador também.

E estava voltando para a cozinha pelo longo corredor que ligava a área principal da casa à área dos empregados quando uma loira me interceptou.

Antes mesmo que ela abrisse sua linda boca, eu já sabia do que se tratava. E comecei a sentir uma luta interna entre o certo e o errado dentro de mim.

— Olá, você é o Ethan, não é?

— Sim, sou eu.

— Eu sou Emily Maxwell.

Ah, aquela era uma das gostosas, como Ryan dissera. Eu não consegui evitar de medi-la.

Sim, gostosa ela era realmente.

— Ouvi falar muito bem de você.

Não respondi nada, esperando.

Perguntando-me qual seria minha resposta.

— Minha amiga Carmen, acho que a conheceu.

— Sim, eu a conheci, senhora.

Ela jogou a cabeça para trás e gargalhou.

— Senhora? Por favor, me chame de Emily. Eu me sinto muito mais velha do que meus trinta anos quando fala assim.

Acabei sorrindo também.

Ela parecia divertida.

Charmosa, divertida e superficial.

E que me daria alguns dólares por uma boa foda.

— Então, Ethan, gostaria que me encontrasse depois da festa. Que tomasse um drinque comigo — disse sugestivamente.

E eu sabia como aquilo acabaria.

Mas contrariando todas as expectativas, eu me vi respondendo um educado: “Me desculpe, mas tenho que acordar cedo amanhã, senhora. Com licença.”.

E entrei na cozinha sem olhar para trás, ignorando o olhar irado de Emily-gostosa-Maxwell.

E ainda estava me perguntando que diabos eu fiz em dispensar uma mulher daquelas, quando Ryan parou ao meu lado enquanto enchíamos nossa bandeja de mais taças.

— Te vi de papo com uma Maxwell, seu filho da puta sortudo!

— Sortudo? Essas grã-finas nos veem como um pedaço de carne.

— E qual o problema? A grana é boa e elas têm um corpo bem tratado na maioria das vezes, embora algumas sejam bem passadas, mas eu penso na grana e mando ver!

Eu o encarei surpreso.

— Está dizendo que sai com essas mulheres pelo dinheiro?

— E vai me dizer que nunca fez isso? Todo mundo faz, Ethan!

Continuei o mirando, confuso.

— Você acha que nos contratam por quê? Olhe pra você. Olhe a sua volta. Elas querem um bom pedaço de carne, meu chapa. E se querem pagar, quem liga?

Ele apanhou sua bandeja e se afastou, me deixando estupefato.

Continuei trabalhando naquela noite, olhando o mundo à minha volta com outros olhos, como se tivessem acabado de me tirar uma venda. E até o fim da festa, eu tinha pelo menos mais uns dois cartões no bolso. E colecionava bem umas três propostas futuras.

— Quer uma carona? — Ryan perguntou, pegando seu capacete, e eu ainda me sentia meio tonto e confuso, mas sacudi a cabeça em negativa.

Todos se foram e restou apenas eu na cozinha vazia.

Ainda me perguntava que diabos estava prestes a fazer enquanto caminhava até o jardim, onde Emily Maxwell e suas irmãs se despediam dos últimos convidados.

Ela se virou e me viu e uma sobrancelha bem delineada se levantou enquanto se aproximava.

— A proposta ainda está de pé, senhora? — Sorri cheio de malícia e ela retribuiu.

— Espere aqui, eu já volto.

Ela entrou na casa com as irmãs e eu fiquei lá, fumando um cigarro, e enquanto minha cabeça esfriava pensava seriamente em sair correndo e dar o fora.

Continuar com minha vida fodida como sempre foi. Difícil e complicada.

Mas e se eu quisesse experimentar o caminho fácil?

Apenas experimentar e ver como era.

Emily Maxwell veio em minha direção e sem dizer nada, eu a puxei para mim, enterrando meus dedos em seus cabelos loiros e a beijando com vontade.

Fácil.

— Fique comigo a noite inteira — ela pediu uma hora mais tarde depois de transarmos.

Estávamos fumando um cigarro ainda na cama e eu olhei a hora.

Tinha aula amanhã.

— Não posso.

— Eu te pago o dobro. — Seu olhar capturou o meu por baixo de longos cílios.

O fácil e o complicado se debateram dentro de mim mais uma vez.

Ficar era fácil.

Emily Maxwell era quente. E ia me pagar em dobro.

Apenas uma noite. Apaguei o cigarro e puxei Emily para cima de mim.

— Você é lindo — Emily suspirou ainda na cama, se espreguiçando.

Eu me sentia sonolento, enquanto me vestia de manhã.

Inferno, naquele momento me sentia enjoado do champanhe que eu e Emily tínhamos bebido durante a noite e muito arrependido de ter ficado. Estaria um lixo na aula.

Ela deitou de lado, me inspecionando.

— Fique comigo.

— Eu tenho que ir — respondi quase secamente. Aquela magia da noite passada tinha se dissipado com a luz do dia. Eu só queria dar o fora dali.

— Hum, um estudante, que graça. — Sorriu.

Em algum momento da noite, tínhamos tido algum tipo de conversa, onde eu contara que estudava Medicina e ela me dissera que não fazia porra nenhuma, já que a família era podre de rica.

— Não deveria trabalhar de garçom, sendo lindo desse jeito. Aposto que ganha muito mais na cama.

Senti meu enjoo aumentando.

— Acho que quero ficar com você só pra mim... O que acha disso?

Eu a encarei, sem entender.

— Exclusividade. Eu te darei o que quiser. Para ser apenas meu. Nem vai precisar mais trabalhar de garçom. — Ela se levantou, toda nua, e passou os dedos no meu peito. — Apenas seja meu e eu cuidarei de você...

Por um momento até cogitei aquela ideia.

Mas, com todos os demônios, já estava começando a me sentir com vontade de vomitar com aquela voz chata da Emily e aquela pequena amostra de possessão em cima de mim.

Aguentar aquilo por mais tempo seria intragável.

Emily era aquele tipo de mulher possessiva e mimada acostumada a ter tudo o que quisesse. E ela queria a mim naquele momento.

O problema era que eu não estava à venda.

“Mas você transou a noite toda com ela por dinheiro.”. O Ethan sarcástico dentro de mim sussurrou e engoli a bile afastando os dedos da Emily do meu peito e dando um passo atrás.

— Desculpe, mas não estou interessado.

Seu sorriso se desfez.

— Não?

— Não, me desculpe. Eu preciso ir.

— Tudo bem. — Ela voltou a sorrir, dando de ombros. Caminhou até a cômoda e pegou uma carteira de couro. — Tenho certeza que vai mudar de ideia, como mudou ontem.

Ela se aproximou de novo e estendeu as notas.

— Mereceu cada centavo.

Por um momento, pensei em não pegar o dinheiro, eu me sentia meio enojado de repente.

Mas temi que, não pegar a grana, desse um ar pessoal à nossa noite. Ou que Emily entendesse assim.

Então, eu o peguei e pus no bolso.

— Obrigado.

Eu me virei e saí do quarto e da casa da Emily Maxwell sem olhar pra trás.

Naquela manhã, eu me senti totalmente ausente da aula, mas nem era de sono. Sentia minha mente infestada de pensamentos conflitantes, arrependimentos e possibilidades.

Eu experimentara aquela vida que Ryan me descrevera. Tinha uma boa grana no meu bolso e uma noite de sexo na lembrança.

Poderia ter mais das duas coisas se aceitasse a proposta de Emily, ou apenas continuar aceitando os encontros propostos pelas outras senhoras ricas e entediadas.

Eu era um prostituto.

Não havia uma palavra bonita para isso.

De repente a verdade era demais para ficar dentro de mim e eu me levantei e corri para o banheiro, vomitando toda a minha vergonha e confusão.

Depois olhei meu reflexo no espelho. Meus cabelos despenteados. As sombras escuras sob meus olhos azuis atormentados.

— Está tudo bem, cara? — Tyler entrou no banheiro atrás de mim e respirei fundo.

— Vou ficar — murmurei —, vou pra casa.

— Está tão mal assim? Quer que eu te acompanhe?

— Não, fique. Preciso apenas dormir...

Voltei pra casa e desabei sobre a cama.

Sabia o que tinha que fazer. Era só parar.

O dinheiro de Emily ainda estava sobre a mesa de cabeceira. Ainda sentia o resto de seu perfume caro em meu corpo.

Em outras circunstâncias eu teria transado com ela de bom grado? Talvez.

Eu a teria dispensado se ela quisesse algo mais? Com certeza.

Sabia que, desde Lauren, eu não tinha interesse em relacionamentos sérios. E não era porque ainda gostava dela. Deveria ter percebido mais cedo que éramos tão diferentes como a água do vinho.

Éramos mesmo?

Lauren me largou por um cara cheio de grana.

Eu transava com mulheres por dinheiro.

Inferno, eu não queria aquela vida. Não queria me sentir sujo daquele jeito.

Sim, ganhar dinheiro fácil era tentador. O sexo era tentador.

Tentador demais para um cara fodido como eu.

Então eu tinha duas escolhas.

Continuar e jogar para longe minhas considerações morais. Significava que eu podia fazer isso por um tempo, juntar uma boa grana e largar aquele trabalho de garçom que me impedia de assistir aula direito.

Ou largar tudo e voltar à minha vida difícil.

E ainda não sabia o que fazer, quando recebi uma ligação de Ryan pedindo que o substituísse numa festa em West End.

— Hoje não Ryan, estou podre.

— Por favor, cara. Peguei uma porra de uma gripe e não posso ir assim...

Suspirei cansadamente.

— Tudo bem. Onde é essa maldita festa?

Ele me passou o endereço.

— É o aniversário de um ricaço. Grayson King.

— Certo, estarei lá.

A cozinha estava uma confusão de gente do buffet quando eu cheguei, no fim da tarde. Havia mais da metade das pessoas que costumava ver. Aquela festa ia ser realmente grande.

Então aproveitei que ainda tinha tempo e caminhei pelo jardim nos fundos da mansão e peguei um cigarro.

— Pode me dar um?

Levantei o olhar e uma garota me encarava.

Longos cabelos castanhos em volta de um rosto pálido.

Olheiras embaixo dos olhos cinzentos. Eu me solidarizei. Ela parecia não dormir, assim como eu.

— Claro — respondi lhe abrindo o maço e ela sorriu de leve, pegando um cigarro e jogando os cabelos de lado para colocar o cigarro na boca enquanto eu me inclinava para acendê-lo.

Ela tragou com um gemido. E franzi a testa, a medindo.

Pés descalços. Longas pernas nuas. Uma camiseta cinza grande demais para seu tamanho que ia até as coxas. E eu me perguntei com uma curiosidade masculina se ela estaria usando apenas isso.

A minha curiosidade masculina foi aumentando conforme ela se remexeu inquieta enquanto fumava, a camiseta dançando em volta de seu corpo, desnudando um ombro muito branco que o sol do crepúsculo deixou-me entrever algumas sardas.

Quis saber que textura tinha.

Quis saber quem era aquela garota.

Ela parecia jovem. Muito jovem. Nem sei se tinha idade para fumar, na verdade.

Eu não sabia nada sobre a família King e nem fazia ideia se ela era realmente da família, já que estava ali confraternizando com um garçom.

De repente senti vontade de começar uma conversa, mas ela não parecia a fim de falar.

Algumas pessoas circulavam ao longe montando uma grande estrutura de decoração no jardim.

— Essa vai ser grande, hein? — Puxei o assunto e ela deu de ombros.

— E não são sempre?

— Eu não sei. Nunca trabalhei aqui.

Ela me olhou, como se fosse a primeira vez que me visse.

Eu aproveitei.

— Sou Ethan Coleman. — Estendi a mão.

Esperei que segurasse minha mão, que dissesse seu nome, mas ela apenas jogou o cigarro no chão.

— Valeu pelo cigarro, Ethan Coleman.

E assim como apareceu, ela desapareceu pelo jardim.

Como uma figura mítica.

Acabei o meu cigarro e voltei ao trabalho. A noite caiu e a casa se encheu do movimento típico daquele tipo de festa enquanto nos preparávamos para começar o nosso trabalho.

A supervisora, Tatiana, nos reuniu como em toda festa e estava nos passando as instruções quando a porta da cozinha se abriu e um homem grande e jovem se colocou no meu campo de visão e parecia que uma mulher estava com ele, pelo barulho inconfundível de saltos no chão, mas eu não conseguia vê-la dali.

A pobre Tatiana quase teve um infarto, de tão vermelha que ficou.

— Eu só vim conferir se está tudo sob controle — o homem disse.

— Claro, estava apenas passando as últimas instruções a minha equipe, senhor...

— Espero que tudo esteja bem mesmo. O Senhor King ficaria muito irritado com qualquer falha.

— Sim, senhor. Como eu prometi, a minha equipe é altamente treinada e impecável.

— Quero que conheça Harper King, a filha do Senhor King, caso tenha algum problema e não me encontre, podem falar com ela.

— Certamente. É um prazer, Senhorita King.

— Harper. — A voz conhecida me fez olhar além, procurando pelo rosto. — Eu prefiro que me chamem de Harper.

Finalmente consegui enxergá-la quando as pessoas se afastaram um pouco. Mas aquela garota ricamente vestida na minha frente não era a mesma da tarde.

Aquela garota exalava riqueza.

Os cabelos castanhos que antes estavam revoltos, encontravam-se domados num coque intricado no topo da cabeça. O rosto pálido de olheiras escuras agora estava impecavelmente maquiado. E no lugar da camiseta larga, ela vestia um lindo vestido de cetim e brocado dourado que grudava em suas curvas perfeitas.

E eu estava boquiaberto quando seu olhar varreu a sala e se prendeu ao meu e fiquei sem fôlego quando um leve sorriso de reconhecimento se esboçou em sua linda boca.

— Vamos, Harper.

O cara com ela segurou seu braço a guiando para fora da cozinha, antes que eu conseguisse me recompor.


Detetive Tim Crowley

O detetive tomou um gole de seu café enquanto observava Ethan Coleman fazer uma pausa em sua história e ficar com um olhar distante.

Ele não podia negar que estava genuinamente surpreso com as confissões do suspeito, de que recebia dinheiro de senhoras ricas por sexo. Não que ele desconhecesse essa prática, mas não conseguia imaginar o rapaz à sua frente exercendo esse tipo de atividade.

A verdade era que existia uma certa dignidade em Ethan Coleman. Mesmo quando Grayson King gritara ali mesmo, naquela delegacia, que Ethan Coleman não passava de um aproveitador e que provavelmente fora ele o culpado de seja lá o que tenha acontecido a sua filha, Crowley ainda acreditava que Ethan não seria capaz de algo sórdido ou até mesmo criminoso.

Mas ele foi sórdido, não? Usar da própria aparência para conseguir uma grana fácil através do sexo, não era a atividade mais digna do mundo. Porém, em algum momento, dois meses antes, ele se envolveu com Harper King.

O detetive ouviu algumas alegações de testemunhas ligadas a Harper de que Ethan estava com a moça interessado em seu dinheiro, mas também todos eram unânimes em denominá-lo namorado da vítima e não um amante qualquer.

Será que Harper King estava pagando para Ethan Coleman?

— Eu sei o que está se perguntando. — Ethan o encarou com seus olhos de garoto bonito, embora estivessem sombreados de cinza, como se não dormisse muito ultimamente. — Você quer saber se Harper me fez uma proposta como a que eu recebi de Emily e Carmen.

— Ela fez?

Ethan descansou o olhar em seu café, que o detetive tinha sido generoso em oferecer, mas que permanecia intocado sobre a mesa. De novo ficou distante, mas voltou a encarar o policial com um sorriso que parecia saudoso e irônico ao mesmo tempo.

— Sim, ela me fez uma proposta, detetive. Mas não foi essa que você está imaginando. E muito menos a que eu estava imaginando no momento...


2

Inevitável

Inevitável — o que não pode ser evitado, aquilo que não se pode impedir.

Eu estava muito intrigado.

Era assim que me sentia naquela noite enquanto executava o meu serviço, transitando por entre as pessoas mais ricas da cidade e procurando, o tempo inteiro, visualizar Harper King por entre eles.

E quando a encontrei de novo, me vi mais do que intrigado.

Eu a achei interessante quando vestia apenas uma camiseta velha e sem um pingo de maquiagem no rosto pálido, mas agora eu a achava deslumbrante.

E a seguia com meus olhos curiosos por toda parte. Era quase como se estivesse numa caça e Harper King fosse minha presa.

O brilho dourado de seu vestido caro se sobressaía dentre os demais me atraindo em sua direção, mas eu nunca chegava perto o bastante, apenas o suficiente para vislumbrar como a maquiagem fazia seus olhos se destacarem no rosto pálido e perfeito. E lamentava que os cabelos castanhos estivessem presos naquele penteado fresco. Queria vê-los soltos, lambendo seu ombro que o vestido deixava à mostra. Aquele vestido que abraçava todas as curvas do seu corpo, que antes apenas podia imaginar sob a camiseta larga e velha.

Harper King era mesmo uma visão, até mesmo para um cara como eu, que não perdia tempo secando mulheres ricas em festas como aquela.

Garotas ricas não estavam ao meu alcance.

As únicas que me queriam eram aquelas que estavam entediadas o bastante a ponto de precisarem pagar por um pouco de sexo que a distraíssem do vazio de suas vidas de luxo.

Mas não garotas como Harper, certamente.

Ricas, jovens e lindas.

E Harper King era uma delas. Era filha do homem mais rico da cidade. Quem não conhecia Grayson King, o banqueiro multimilionário? Eu não era ligado em finanças ou fofocas de gente rica, mas certamente eu já ouvira falar do homem, como qualquer pessoa que morava em Boston.

Ou seja, Harper King estava muito fora do meu alcance e eu não podia deixar de lamentar. Era mesmo uma puta falta de sorte que a primeira garota que me deixava interessado em muito tempo fosse totalmente inalcançável.

Então só me restava continuar circulando, fazendo meu trabalho e a desejando de longe, enchendo minha mente de fantasias tolas e impossíveis.

Nelas, Harper me seguiria com o olhar também, como fizera Carmen uma vez numa festa como aquela e, no fim da noite, ela aproximaria seus lábios do meu ouvido e sussurraria com sua voz grave que queria me encontrar depois da festa. Um lugar onde eu poderia livrá-la daquele vestido brilhante e fodê-la até extinguir todo o tesão que estava me consumindo naquele momento.

E então ela me pagaria quinhentas pratas e iria embora.

De repente minha fantasia não me pareceu tão satisfatória e percebi que, por mais que quisesse ter a oportunidade de transar com Harper King, não gostaria que fosse naqueles termos, onde eu seria o cara a ser pago por um serviço sexual.

Eu ia querer que ela me desejasse de verdade. Tanto quanto eu a estava desejando naquele momento.

E todos pareciam estar tão enfeitiçados quanto eu. A cada roda que parava para encher as taças, o assunto era invariavelmente a filha do dono da festa.

— A sua prima se superou hoje, Giana — uma garota loira dizia a outra que observava Harper com um olhar de franca inveja. — Este vestido é exclusivo, não é?

— Com certeza. — A moça estendeu a taça, mas não tirou os olhos de Harper. — Não que essa vadia mereça tudo isso.

— Nossa, quanto veneno, pequena Giana. — O homem que eu vi com Harper na cozinha se aproximou das duas moças.

— O que está fazendo aqui, Sean? Não deveria estar bajulando a Harper? Acho que está perdendo espaço para o Andy...

— Andy não terá a menor chance. E eu achei que você deveria estar bajulando Andy.

— Ele não se importa comigo quando tem a Harper por perto. — A tal Giana parecia cheia de amargor.

— E você odeia isso.

— Eu a odeio! Eu sou mais bonita, mas ela é mais rica. Então todo mundo fica em cima dela, isso é tão ridículo.

— Ela está linda hoje.

— Hum, com todo o dinheiro empregado naquele visual, qualquer uma ficaria linda.

Os dois se afastaram e eu voltei meus olhos para o objeto do meu interesse que estava sendo cercada por um homem loiro bem vestido, que deveria ser o tal Andy.

Eu me perguntava o que seria aquilo. Alguma disputa, como deu a entender a garota chamada Giana? Que era prima de Harper e estava claro que a odiava e a invejava?

Sean, Andy... Quantos mais estariam na fila pelo interesse de Harper King?

Eu me via muito curioso sobre quem seria realmente aquela garota.

Invejada, admirada, desejada.

Eu era apenas mais um no seu radar.

E achava, naquele momento, que iria embora no fim da noite e nunca mais a veria. Seguiria com a minha vida como sempre tinha sido, me matando de estudar, servindo bebidas em algumas festas e recebendo propostas indecorosas de ricaças entediadas.

E Harper King seria apenas uma lembrança.

Então, eu me dei alguns socos mentais e me obriguei a parar de seguir a filha do dono da festa como um tarado obcecado e voltar ao meu trabalho.

— Coleman, aonde vai? — Tatiana me chamou quando me viu largar a bandeja e abrir a porta que dava para os fundos da casa.

— Vou fumar um cigarro, já volto.

Continuei em frente ignorando sua reclamação e peguei um cigarro no bolso, o acendendo. Dali dava para ouvir o barulho da festa e ver as silhuetas contra a grande parede de vidro do salão principal, mas eu me obriguei a olhar a noite escura e não ficar tentando enxergar Harper King entre eles.

Foi então que vi um facho de cabelos dourados deslizando entre os arbustos e um palavrão sendo sussurrado baixo.

Apaguei o cigarro e caminhei naquela direção para ver uma moça loira, muito irritada, estatelada no chão.

— Precisa de ajuda?

Ela me lançou um olhar irritado, jogando os longos cabelos para trás.

— Podia começar me ajudando a levantar! — resmungou e eu comecei a rir, sem conseguir me conter, mas estendi a mão e a puxei para cima. — Malditos saltos.

Olhei para além dela e só vi um muro coberto de hera. Medi a garota na minha frente e ela estava bem vestida, com um vestido branco de seda, que tentava tirar as folhas secas.

Franzi a testa, intrigado.

— Você pulou o muro?

Ela ficou vermelha, embora continuasse com um olhar altivo.

— Claro que não.

— Eu acho que sim... Espera, está tentando entrar na festa de penetra?

Ela levantou o queixo.

— Vai me dedurar, garçom?

Sorri, dando de ombros.

— Não ganharia nada com isso...

— É bom mesmo! — Ela me deu as costas e saiu batendo os saltos em direção à festa.

Eu não sabia, naquela hora, que acobertar a linda loira penetra seria de grande ajuda num futuro próximo.

Apenas voltei à cozinha, peguei minha bandeja e continuei a servir sem fazer ideia, enquanto me obrigava a não procurar Harper King com o olhar, que ela estava me observando também. Me caçando.

E fazendo planos.

Eu só descobriria muito mais tarde, quando a festa se esvaziou e nós, os criados, estávamos na cozinha acabando de receber nossos magros cheques e Tatiana me encarou, irritada.

— Pediram que você fosse até o escritório.

— O quê? — Estava cansado e só queria ir pra casa, poder dormir um pouco antes de ir para a aula.

— Espero que não tenha aprontado nada, hein!

Ainda fiquei ali, meio sem entender, até que Tatiana fez um gesto exasperado com a mão.

— Anda logo!

Saí ainda confuso e andei pelos corredores tomados agora apenas pela equipe de limpeza, me perguntando onde diabos seria o tal escritório.

Felizmente, não foi difícil de achar. Depois de abrir algumas portas, adentrei num escritório iluminado e elegante, com uma bonita vista para os jardins.

E fiquei lá me perguntando o que é que queriam falar comigo. Será que descobriram a garota penetra e ela me colocou em confusão?

Mas quando a porta dupla se abriu, meu queixo quase caiu quando eu me vi frente a frente com Harper King.

Nos primeiros segundos, enquanto ela fechava a porta atrás de si e encostava nela, eu me perguntei se estava em algum sonho maluco, ou alucinação talvez, causado pelo meu excesso de obsessão pela garota, mas seu perfume chegou até mim.

Era deliciosamente intoxicante. Dava vontade de me aproximar e cheirá-lo em seu pescoço branco.

Por um momento, nem um de nós falou nada, o silêncio perpetuando por segundos intermináveis, que aumentavam meu atordoamento e curiosidade.

— Deve estar se perguntando por que te chamei aqui — disse por fim, ainda encostada na porta.

Sorri e cocei o cabelo.

— Não acho que seja pra pedir mais um cigarro.

Ela sorriu também.

Linda demais.

Enquanto ela estava na festa eu nunca me aproximava demais, mas agora, estava a menos de dois metros de distância e, perto assim, sua beleza era impressionante pra mim.

— Não é, certamente — respondeu, desencostando da porta e dando um passo à frente.

Eu me senti nervoso. Mil coisas passando pela minha cabeça naquele momento de suspense.

O que Harper King queria comigo?

Minha mente só tinha uma resposta, se tomar como exemplo minhas experiências anteriores, mas ainda não conseguia acreditar. Não fazia o menor sentido...

— Eu tenho uma proposta a lhe fazer, Ethan Coleman.

Duas coisas me surpreenderam.

Ela lembrou meu nome.

Ela ia mesmo me fazer uma proposta.

Puta Merda.

Harper King, a garota linda e inalcançável por quem eu irremediavelmente estava atraído, estava na minha frente querendo me fazer uma proposta indecorosa. Daquelas que envolvem sexo e dinheiro.

Ok, pensar em nós dois fazendo sexo elevou o fluxo de sangue correndo por minhas veias por um momento. E este fluxo foi para um lugar muito bem definido abaixo da minha cintura, fazendo meu cérebro ter apenas um pensamento fixo, que envolvia imagens de Harper King nua e gemendo embaixo de mim.

Mas essa imagem foi substituída por outra não tão agradável, de Harper jogando o dinheiro em cima de mim e indo embora.

E, naquele momento, eu me dei conta de que eu queria sim aquela garota, mas não a queria sob aqueles termos.

Decidi que não valeria a pena. Não daquele jeito.

Na verdade, eu me sentia até meio decepcionado por ela, no fim, ser igual às outras.

Ela me via apenas como um cara que seria útil só para fodê-la por algumas horas e depois ser descartado com um punhado de dólares e um adeus, para que voltasse para caras engomadinhos como o tal Andy ou Sean.

De repente, queria ir embora e esquecer que Harper King existia.

— Não estou disponível para nenhum tipo de proposta, Senhorita King — respondi friamente.

Ela franziu o olhar, parecendo confusa e levemente irritada.

— Você acha que eu quero fazer sexo com você?

Levantei a sobrancelha com ironia.

— Ouvi dizer que você faz muito isso por dinheiro — ela continuou.

Senti vontade de vomitar.

— Isso também me dá o direito de dizer não.

— Nem sabe o que eu vou lhe propor...

— Acho que está óbvio.

— Não quero fazer sexo com você.

Não?

Eu me senti aturdido.

— Então por que estou aqui?

— Porque eu quero te contratar para fazer um serviço pra mim.

— Que tipo de serviço? — Eu me sentia cada vez mais confuso.

Ela mordeu os lábios, parecendo meio hesitante, mas prosseguiu.

— Preciso que finja ser meu namorado.

O quê? Do que diabos aquela garota estava falando?

— Acho que não entendi...

— Eu quero te contratar por tempo indefinido, para fingir ser meu namorado.

Ok, eu realmente não estava louco. Harper King talvez estivesse, por me propor aquela farsa bizarra.

— Deixa ver se entendi. Quer que eu finja ser seu namorado?

— Sim, isso mesmo.

— E como seria isso? — Decidi dar corda para ver até onde ela iria com aquela loucura.

— Você teria que frequentar a minha casa, ir comigo a eventos sociais, essas coisas. — Ela deu de ombros. — Não seria difícil. E eu te pagaria muito bem, não se preocupe.

— Por quê?

— Isso é problema meu. Apenas tem que concordar com meus termos e será pago.

— Tem noção que é absurdo, não é? Por que uma garota como você, precisa contratar um namorado? Hoje mesmo, na festa, eu vi pelo menos dois caras se digladiando por você.

— Como eu disse, não é da sua conta. Apenas quero te contratar para um serviço. Não deveria ser difícil para alguém como você, que ganha para fazer sexo com mulheres!

Eu me senti irritado com o seu desdém.

— Isso é problema meu — eu parafraseei sua resposta.

— Ótimo! Você tem os seus motivos e eu tenho os meus. Apenas me diz quanto quer. Deve ter um preço.

Naquele momento, cheguei bem perto de odiar Harper King e sua arrogância, que achava que com dinheiro poderia comprar tudo.

— Não.

— O quê? — Ela pareceu surpresa com minha negativa.

— Eu estou dizendo não à sua proposta absurda.

— Por que está dizendo não? Se eu entrasse aqui e lhe propusesse que fizéssemos sexo seria mais fácil? É esse o problema?

Por um instante louco eu quis dizer que sim, era este o problema. Que eu queria sim transar com ela. De todas as formas e muitas vezes e não ficar ao seu lado em tediosos eventos sociais, apenas fingindo, sem poder pôr minhas mãos nela como eu desejava.

E me perguntei o que ela diria se eu dissesse que não estava disponível apenas para fingir.

Eu nunca saberia a resposta, porque apenas lhe lancei um olhar de indiferença ao dar fim àquela bizarra conversa.

— Como eu disse quando entrei aqui, não estou disponível, senhorita. Para nenhuma de suas propostas, com licença.

Eu devo dizer que realmente saí da mansão King achando que nunca mais a veria.

Então por que voltei?

Eu fiz essa pergunta muitas vezes no período que durou nosso estranho relacionamento.

O que me lembro, é que naqueles dias que sucederam meu encontro com Harper King, eu me sentia numa espécie de estado obsessivo.

O tempo inteiro eu me pegava pensando naquela garota. Por que alguém como ela, rica, jovem e bonita me faria uma proposta como aquela?

E por que a cada hora que passava, eu começava a me arrepender de ter dito não?

Por que eu me ofendi com sua proposta sendo que há alguns dias estava transando com Emily e Carmen por dinheiro?

Mas mulheres como elas queriam apenas uma noite. Algumas horas de sexo fácil e nada mais. Quer dizer, Emily pediu mais e eu me recusei. E agora estava cogitando a proposta de Harper.

Era um estranho impulso, um que eu não entendia claramente.

Harper King era um enigma.

Eu estava deslumbrado. E intrigado.

Exatos três dias foi o que durou meu dilema. Três dias para eu sucumbir à minha obsessão e parar a moto que peguei emprestada de Tyler em frente aos grandes portões da Mansão King.

O segurança na porta me olhou de cima a baixo e eu me perguntei se eu deveria indagar onde era a entrada de empregados.

— Em que posso ajudar?

— Meu nome é Ethan Coleman. Eu vim ver Harper King.

Ele me lançou um olhar desconfiado de novo, mas começou a falar baixo no rádio preso à lapela. E depois de alguns minutos, o portão se abriu.

Caminhei pela alameda dos jardins bem cuidados, me lembrando momentaneamente da garota loira que caíra pulando o muro. Outro enigma, mas nem de longe tão sedutor quanto à garota que eu estava indo encontrar.

Uma empregada muito séria me recebeu à porta.

— A Senhorita King está na piscina interna e pede que a encontre lá.

— Piscina?

— É, descendo as escadas, a terceira porta no corredor à direita.

— Obrigado.

Segui pelo tal corredor prestando atenção às obras de artes na parede. A casa mais parecia um museu, pensei reconhecendo alguns artistas.

Desci pelas escadas e adentrei num insólito espaço à meia-luz, com uma grande piscina no centro.

E das águas azuis emergiu Harper King.

Ela nadou em minha direção, com os olhos presos em mim e eu me perguntei se, como as sereias, ela tinha me lançado algum encanto.

— Você voltou. — Parou numa parte mais rasa, onde eu pude ver que ela usava uma camiseta preta de alguma banda de rock.

Aquela era a garota descalça que me pediu cigarro e não a garota rica vestida de ouro.

Quem era a verdadeira Harper King?

— Por que eu? — não resisti em indagar.

Ela deu de ombros.

— Os caras só estão interessados no meu dinheiro.

Levantei a sobrancelha com ironia. Não foi isso que ela me ofereceu?

— Pelo menos você não mente. — Ela entendeu o meu olhar. — Nós sabemos o que estamos fazendo aqui.

— E o que estamos fazendo aqui?

— Você voltou para dizer sim?

Voltei?

— Sim.

— Então temos um acordo, Ethan Coleman?

— Apenas esperando suas ordens, Senhorita King.

Ela sorriu.

Linda.

Deu um passo atrás, mergulhando de novo em águas profundas.

— Entra aqui...

Eu estava fodido.


Detetive Tim Crowley

O Detetive Crowley parou o fluxo de palavras do interrogado com as mãos.

— Está me dizendo então que a proposta da Senhorita King foi diferente das outras, que envolviam sexo?

— Sim. — Foi sua resposta lacônica.

O Detetive ponderou. Harper King era mais cheia de mistérios do que estava imaginando.

E o caso estava se tornando mais indecifrável a cada palavra que Ethan Coleman acrescentava àquela história.

— Então não fez sexo com a Harper King?

Um sorriso de lado se delineou nos lábios de Ethan Coleman.

— Eu não disse isso...


3

Indecifrável

Indecifrável — Que não se consegue decifrar. Que se opõe à razão.

Eu a observei mergulhar de novo, hesitando em entender suas palavras como um convite para me juntar a ela. Eu poderia passar simplesmente o dia inteiro lá, assistindo seus movimentos sob as águas, mas sua cabeça emergiu enquanto nadava em minha direção, os olhos cinzentos presos em mim, hipnóticos.

— Acho melhor eu ir embora — murmurei incerto.

Era estranho perceber que Harper King me deixava assim, vacilante.

Nunca fui inseguro com mulheres, pelo contrário. Muito cedo eu entendi que elas gostavam de mim e era muito fácil convencê-las a me darem atenção quando me interessavam.

Mas lá estava eu, muito interessado naquela garota na piscina, mas totalmente incerto sobre como agir.

Harper King tirava meu chão e me deixava sem saber o que aconteceria a seguir.

Era extremamente irritante. E estimulante.

Quase viciante.

— Está com medo?

Ela percebeu?

De repente não queria que ela achasse que eu era um idiota que corria do desafio de uma garota.

Então, sem medir muito as consequências, algo que se tornaria muito habitual no tempo passado ao lado dela, tirei minha carteira e celular do bolso, assim como meu tênis e mergulhei.

Emergi para vê-la mordendo os lábios com um olhar que não consegui decifrar. Parecia surpresa que eu tivesse entrado ou até mesmo um pouco divertida.

Mas também parecia meio... feroz.

Como se tivesse ganhado um ponto num jogo que se delineava apenas para ela em sua mente.

Porque eu sabia, mesmo naquela época, que existia um jogo. Um objetivo por trás de sua rebeldia blasé.

Algo que eu ainda não conseguia decifrar, mas que não conseguia me afastar.

Por um momento, nem um de nós disse uma palavra sequer, apenas flutuamos em volta um do outro, como dois oponentes numa luta decisiva.

Ou como o leão em volta da presa, antevendo uma suculenta refeição.

Eu só não sabia dizer quem era o leão e quem era a presa naquela história.

— Você entrou — disse por fim, me fazendo sorrir.

— Achei que essa fosse a ordem, madame.

— Madame? É assim que chama suas... como posso dizer, clientes?

Falar de minhas “clientes” me deixou meio contrariado, mas disfarcei. O que podia dizer? Não estava em condições de bancar o desonrado.

Eu tinha feito minha fama.

E não foi essa fama que me levou até ali?

— Como soube de mim? — perguntei curioso.

— Carmen e Emily são nomes que te dizem algo?

Por que diabos eu tinha perguntado?

— Você era o tópico de uma interessante conversa num chá da tarde.

— Estou tentando imaginá-la num chá da tarde.

— Quantas mais?

— Quantas mais o quê?

— Quantas mulheres... usufruíram dos seus serviços?

— Não estou contando. — Eu me dei ao luxo de ser um pouco descuidado e misterioso também.

Harper não precisava saber que eu era um michê no começo de carreira, por assim dizer.

— Por que faz isso?

— Nem todos têm uma vida privilegiada.

— Privilegiada? Acha mesmo? — Havia certa ironia em suas palavras.

— Não se acha privilegiada? Olhe à sua volta. Pode comprar tudo. Até um namorado de mentira.

— Se eu não fosse rica, não precisaria de um namorado de mentira. — E lá estava. Um indício. Uma pequena pista do quebra-cabeça que era Harper King.

Mas ela me cortou com outra pergunta antes que eu pudesse ir mais fundo em seu mistério.

— Como isso funciona? Você serve mesas para conhecer suas clientes?

— Você parece bem curiosa.

— Acho que é natural eu querer saber sobre sua profissão.

— Não é minha profissão.

— Não? Além de garçom e garoto de programa, ainda tem mais habilidades que desconheço?

— Você tem um jeito muito doce de colocar as coisas. — Sorri irônico.

— Então, o que você faz?

— Eu estudo Medicina em Harvard.

— Sério? — Ela parecia realmente surpresa e eu me senti um tanto satisfeito de surpreendê-la. Não sabia o que ela esperava, mas certamente não era aquilo. — Como um estudante de Harvard se tornou um garçom que faz programas?

— Como eu disse, nem todos nascem privilegiados. Às vezes precisamos seguir por caminhos tortuosos para chegar a algum lugar.

— Acho que entendo este conceito.

Sua voz saiu para dentro, quase como um murmúrio para si mesma.

Me instigou.

Me fez querer diminuir a distância entre nós.

Em todos os sentidos.

A começar com aquela simples distância física na piscina.

— Eu queria entender você.

Ela deslizou para trás.

— Não acho que precise me entender.

Fui em frente.

Dane-se a cautela. Harper King era um enigma ambulante e eu estava ficando obcecado em desvendar.

Eu precisava desvendar.

— Harper, não sabia que tinha companhia.

A voz masculina me fez recuar e me virar automaticamente.

Grayson King estava parado na beira da piscina e, ao lado, segurando firmemente seu braço e vestindo um sorriso satisfeito, estava a loira que pulou o muro na festa.

— Também não podia imaginar que você tinha companhia — Harper respondeu com uma voz cheia de ironia.

Confesso que, naquele momento, senti um certo medo. Eu era apenas um pobre estudante que há poucos dias estava naquela casa como garçom e agora nadava na piscina com a filha daquele homem, que era simplesmente um dos mais poderosos do país.

Mas Grayson King não estava olhando pra mim. Ele tinha os olhos presos em sua filha. E, por um momento, era como se nem eu, nem a moça loira, que eu ainda não entendia como tinha ido de penetra à companhia do dono da casa, estivesse presente.

Os dois combatiam em alguma espécie de batalha silenciosa que eu intuía ser habitual.

— Não vai nos apresentar, Grayson? — A loira cravou suas unhas vermelhas no paletó caro do magnata, chamando sua atenção.

— Sim, querida. Harper, eu quero que conheça Dana Martin. Ela estava curiosa para conhecê-la.

— Não posso dizer o mesmo. — Foi a resposta sem humor da garota e Grayson rosnou em contrariedade.

— Harper, não aceito que fale assim com uma convidada.

Ela deu de ombros.

— Ela não ficará muito tempo por perto para se afetar demais por isso.

— Ficarei feliz em lhe provar o contrário. — A loira não pareceu afetada pelo sarcasmo da filha de Grayson. — Sua filha é uma graça, Grayson. Tenho certeza de que seremos amigas. — E então ela olhou pra mim. Não sei se me reconheceu, mas se a resposta era positiva, ela disfarçava muito bem. — E este rapaz, quem é?

— Sim, Harper, acho que não conheço seu... amigo. — Aí sim a atenção do homem estava em mim e eu estava cogitando que horas o brutamonte da portaria seria chamado para me pôr pra fora, quando a voz de Harper interrompeu meu fluxo de pensamentos de fuga.

— Namorado. E o nome dele é Ethan Coleman.

— Namorado? — Grayson estava visivelmente furioso.

— Sim, namorado — Harper pronunciou de novo nosso falso status com a boca cheia de satisfação.

E, por um momento, eu achei que Grayson King fosse explodir.

Tentei fazer minha parte no que me cabia.

Aquele era o show de Harper King e eu estava sendo pago para representar um papel.

— Muito prazer, senhor. — Nadei até a borda e estendi a mão. — Estava ansioso para conhecer o pai da Harper.

Eu teria rido da cara de Grayson King se me fosse permitido.

Mas ele com certeza não acharia nada divertido. Na verdade, estava começando a achar que a hipótese do segurança me pondo pra fora era bem plausível ainda.

— Querido, temos um compromisso — Dana sussurrou ao seu lado. — Acho que podemos deixar as apresentações formais para outra hora. Talvez um jantar? Eu adoraria jantar aqui e conhecer melhor sua filha e o senhor... Coleman. — Não passou despercebido a mim seu sarcasmo. Sim, ela se lembrava de mim.

Mas não ia falar nada, porque eu também me lembrava dela.

Eu não precisava ser mágico para adivinhar que Grayson King não fazia ideia de como ela chegara à sua festa.

— Sim, claro. — Grayson lançou um olhar além de mim. — Nós conversaremos depois, Harper.

E os dois se afastaram com o barulho dos saltos da moça loira ressoando no ladrilho de mármore.

Eu ouvi o riso atrás de mim e me virei, curioso.

— A cara do meu pai foi impagável. — Ela nadou até a escada e saiu da piscina me deixando com a visão de sua grande camiseta molhada grudada em suas curvas.

Seu riso era sexy.

Sua camiseta úmida delineando seu corpo era sexy.

— Não imaginei que ia começar a desempenhar meu papel tão cedo, madame. — Eu também saí da piscina começando a lamentar ter entrado na água de roupa, como diabos eu iria embora assim?

Ela rolou os olhos.

— Para de me chamar de madame.

— Harper.

— Mas você foi ótimo. Isso vai ser mais divertido do que eu pensava. — Ela passou os dedos nos cabelos úmidos. Parecia mesmo deliciosa toda molhada. — Vem, vamos secar essas suas roupas. — E sem esperar por uma resposta, seguiu em frente, não me deixando alternativa, a não ser segui-la.

Caminhamos pela casa deixando nossa marca de água pelo chão elegante, mas Harper não parecia se importar nem um pouco e eu me indagava onde estávamos indo.

Subimos um lance de escadas, mais quadros fantásticos no corredor branco e ela entrou por uma porta de carvalho.

Um espaçoso quarto feminino se revelou para meus olhos curiosos.

Papel de parede floral. Grandes janelas, com uma vista para o jardim. Cortinas creme. Tapete branco, móveis claros e elegantes num estilo clássico.

Aquele, sem dúvida, era o quarto de uma rica herdeira. Era o quarto de Harper King.

Eu me virei e a vi trancando a porta.

Ainda toda molhada, ela me encarou com seus grandes olhos cinzentos.

— Tira a roupa.

Aquele foi o primeiro de muitos momentos que aquela garota me deixaria sem fôlego com suas frases inesperadas.

Obviamente, durou apenas alguns segundos minha pequena fantasia de que ela estava pedindo para eu tirar a roupa com o intuito de nos envolver em alguma atividade pervertida depois. Mas foi o suficiente para me deixar muito ciente de que eu estava trancado num quarto com uma garota incrível e molhada.

Uma garota que eu desejava. E apesar de estar ali, na minha frente, pedindo para eu tirar a roupa, não estava ao meu alcance.

E ela tinha acabado de me apresentar ao seu pai como namorado.

Quão fodido isso tudo parecia?

— Eu vou buscar uma toalha. — Ela desapareceu por uma porta à direita e voltou segundos depois me estendendo uma toalha branca que eu peguei de suas mãos.

E então ela sumiu de novo fechando a porta do banheiro atrás de si.

E a mim só restou tirar a roupa molhada tentando conter minha imaginação sacana que teimava em se insinuar por entre as paredes para dar uma espiada em Harper King se despindo também.

Não havia nada mais naquele momento na minha mente a não ser a vontade que eu tinha de vê-la nua.

Obsessão. Era uma droga.

Eu não lembro quanto tempo ela passou no banheiro, apenas me enxuguei rapidamente e enrolei a toalha na minha cintura e comecei a espiar pelo quarto, tentando entender um pouco mais da minha namorada de mentira.

O quarto era mesmo lindo e feminino. Elegantemente decorado. Um quarto de menina rica.

Mas olhando mais atentamente, havia um exemplar antigo de um livro de Henry James na mesa de cabeceira, ao lado de um iPod. Peguei o livro, todo desgastado, como se ela o lesse muito e junto dele estava um livro marrom sem nenhum título, que eu abri curioso para ver do que se tratava, mas me surpreendi ao ver que era um caderno com linhas todas escritas.

10 de janeiro

Meu antigo diário sumiu. Eu não quero imaginar o que aconteceu, se vou achá-lo em algum canto perdido, mas no fundo eu sei que alguém o levou. E eu posso bem imaginar quem...

Sei que não deveria estar lendo, mas foi tão automático que só me toquei o que estava fazendo quando ouvi o trinco da porta se mexer e larguei o caderno e o livro no lugar me sentindo culpado por estar lendo o diário de Harper.

Ela me mediu enquanto secava os longos cabelos com uma toalha. E eu me vi ficando ridiculamente vermelho por estar usando aquela toalha, quase pelado.

E ela usava apenas uma camiseta larga azul-clara e velha, que mal chegava às suas coxas, e eu não podia deixar de imaginar que ela também deveria não estar usando nada por baixo daquela camiseta.

— Estou vendo que já está à vontade — ela disse com aquele seu tom de voz quase sem entonação, que eu não conseguia decifrar o que se passava por sua cabeça.

Ler mentes seria uma habilidade que eu desejaria muito ter naquele momento, enquanto ela largava sua toalha em um sofá e pegava minhas roupas molhadas do chão.

— Vou pôr na secadora.

Ela se afastou, mas quando chegou à porta se virou.

— Abra a gaveta da mesa de cabeceira e pegue o que quiser.

Ainda fiquei lá por um momento, observando a porta que ela deixou fechada depois de sua saída, antes de ir até a mesa de cabeceira e abrir a gaveta como ela instruiu, sem fazer a menor ideia do que seria mais aquele enigma.

Minha boca se abriu em espanto ao ver várias notas de dólares espalhadas aleatoriamente, numa bagunça monetária improvável e descuidada que só podia vir da filha de um bilionário.

Harper King guardava seus milhares de dólares em sua bonita mesa de cabeceira.

E ela havia dito para eu “pegar o que quiser”.

A situação naquele momento era tão surreal, que me sentei sobre a cama por um momento, apenas contemplando aquele dinheiro que parecia sorrir, zombando de mim com sussurros de “seu prostitutozinho barato”.

Mas eu não era um prostituto e, verdade seja dita, eu estaria muito mais feliz naquele momento se realmente o fosse.

Talvez assim, estaria naquela cama entre as lindas coxas brancas de Harper King.

Ah, a vida estava sendo irônica comigo. Muito.

Fechei a gaveta no mesmo instante em que Harper voltou para o quarto. Ainda usando aquela camiseta sexy. Ainda deixando minha imaginação sacana em alerta máximo.

Ela levantou uma sobrancelha enquanto caminhava pelo quarto para pegar um elástico em sua penteadeira e prender os cabelos no alto da cabeça.

— Suas roupas irão secar logo, aí poderá ir embora.

Ela se sentou no sofá há alguns metros de mim. E da cama.

Eu lamentei.

Mas exultei quando ela puxou as pernas para cima do sofá.

A camiseta pervertida subiu um pouco mais. Consegui desviar o olhar depois de alguns segundos com algum esforço.

Mas só foi possível porque eu também me sentia atraído por seus olhos incríveis.

— Você pegou o dinheiro? — perguntou sem preâmbulos.

— Não.

— Por que não?

Apontei para mim mesmo.

— Acha que talvez eu devesse enfiar o dinheiro na toalha como um Gogo boy?

Ela riu.

Eu já falei que ela tinha um riso lindo? Era quase infantil. Harper sempre parecia surpresa de estar rindo, de estar realmente se divertindo com algo, como se aquele simples ato não lhe fosse comum.

Eu ri também. Porque era isso que eu sempre tinha vontade de fazer quando ela sorria. Seu riso me deixava feliz.

Me fazia sentir que eu a fazia feliz, nem que fosse por alguns ínfimos segundos.

— Seu pai não gostou muito de me ver aqui, ou foi impressão minha? — comecei tateando a sala escura que era Harper King, esperando achar o interruptor que ligaria a luz e mostraria o que havia dentro dela.

— Ele odeia saber que eu posso ter contato com pessoas que ele não designou pra mim.

— Ele te controla. — Não era uma pergunta.

— Grayson King controla tudo à sua volta. — Ela não disfarçou o amargor.

— É por isso que estou aqui? Quer desafiá-lo?

Ela deu de ombros.

Por que não respondia?

Recuei.

— Não parece ter ficado feliz também em conhecer sua nova amiga.

Ela fez um gesto de descaso.

— Não estou nem aí. Ela é só mais uma de uma longa lista que teve muitas antes e terá muitas depois.

— E sua mãe?

Uma sombra passou por seus olhos.

— Ela morreu quando eu era muito pequena. Eu nem me lembro dela.

— Sinto muito.

Ela deu de ombros de novo.

— Não importa.

Queria dizer que parecia importar sim.

Eu também não tinha mãe. Sabia o que isso significava na minha vida. O que significaria para sempre.

Mas pelo menos Harper King tinha seu pai.

Um pai rico e controlador, que lhe dava tudo o que o dinheiro podia comprar, mas que a instigava a contratar um namorado de mentira para irritá-lo.

Será que era só isso mesmo? Ou eu estava perdendo algo ali? Não saberia dizer.

Naquele momento, apenas olhava por uma fresta de Harper King. Estava esperando ser convidado a entrar. E ficar.

Sim, estava muito ferrado.

Eu via os sinais. Mas não conseguia recuar.

— Escuta, se vamos fazer isso, preciso saber mais sobre você.

Eu estava tentando.

Mas devia saber que não seria tão fácil assim com aquela garota.

— Eu também precisarei saber sobre você, não é?

— Então o que vamos fazer sobre isso?

Ela desviou o olhar para baixo, como se pensasse sobre aquilo.

Eu podia convidá-la a se juntar a mim na cama. Poderíamos acender um cigarro e nos deitar sobre a cabeceira e falarmos sobre nossas fodidas vidas.

Mas claro que eu sabia que não poderia simplesmente estar numa cama com Harper, ambos seminus e deixar as coisas apenas no nível das palavras.

Eu ia querer levar as coisas a um nível físico.

Já podia sentir meu corpo se agitando apenas por cogitar...

Mas tinha medo de pôr tudo a perder. Ela havia dito que não estava interessada em sexo comigo.

Eu era apenas o cara que ela estava pagando para fazer um teatrinho para seu pai.

Eu era mesmo um idiota.

E as coisas estavam apenas começando.

Uma batida na porta interrompeu o fluxo errante de meus pensamentos e uma empregada entrou carregando minhas roupas.

— A equipe da revista já chegou, senhorita. — A mulher colocou a roupa sobre a cama.

— Porra. — Harper se levantou, parecendo irritada. — Eu tinha me esquecido dessa merda toda!

A empregada saiu de fininho ignorando as palavras de baixo calão de Harper, fechando a porta atrás de si.

Eu lhe lancei um olhar especulativo, também me levantando.

— Revista?

— Uma sessão de fotos ridícula que eu serei obrigada a fazer.

— Ah, o ônus do dinheiro e da fama — comentei com sarcasmo, mas ela não viu muita graça.

— Tenho que ir. Ponha suas roupas. Estarei em algum lugar sendo transformada na filhinha de Grayson King.

E de novo, ela saiu do quarto batendo a porta e me deixando lá, sem entender nada.

Eu me vesti e saí do quarto, torcendo para não me perder nos corredores.

Felizmente consegui achar o caminho para o hall de entrada que, naquele momento, encontrava-se movimentado, com pessoas entrando e saindo muito ocupadas.

Devia ser a equipe da tal revista.

Passei despercebido por todos até onde a movimentação parecia estar mais acentuada, num canto do jardim com mesas espalhadas.

— Aqui vai ser a sessão? — A mesma garota que eu vira na festa destilando veneno contra Harper junto ao tal Sean, circulava por ali segurando um pequeno cão branco.

— Sim. — Um rapaz com roupas extravagantes arrumava o ambiente e dava ordens. — E eu pedi que ninguém ficasse por aqui para atrapalhar, queridinha...

A moça bufou indignada.

— Você sabe com quem está falando?

O rapaz apenas rolou os olhos.

— Eu sou prima da Harper! Meu tio é o Grayson King, então é bom não me destratar porque posso acabar com esta sessão em dois segundos!

— Duvido, meu amor! — O rapaz não pareceu se importar com as ameaças. — Eu sei muito bem que andou rondando por aqui para saber se também poderia aparecer nas fotos, mas meus leitores não estão interessados em parentes sem um tostão.

— Ah! — Ela perdeu o ar.

— Mas esse cachorrinho é bem bonitinho...

— A Harper ganhou ele quando voltou, mas nunca se importou com o coitadinho, então eu tomo conta dele. Sou ótima com animais.

— Não me interessa, mas podemos usar ele nas fotos, vai ficar perfeito...

— Não acredito que quer o meu cachorro nas fotos e eu não!

— O cachorro não é da sua prima?

— É, mas...

— Então vamos colocá-lo nas fotos. O público vai amar uma princesa rica com um lindo animalzinho... Charllene, pega o cachorro! — ele gritou.

Giana passou o cachorro depois de algumas reclamações para a moça da produção e se afastou, resmungando.

Então Harper apareceu.

E agora era outra pessoa. Era a filha do bilionário.

Era a herdeira King. Com um penteado impecável, maquiagem perfeita e uma roupa de grife que gritava exclusividade.

Seu olhar sem expressão percorreu o lugar enquanto o produtor lhe instruía sobre o que queria das fotos.

O cachorro foi colocado na sua frente.

Um rolar de olhos foi tudo o que consegui de sua expressão.

As fotos começaram e felizmente ninguém parecia me notar, observando tudo de uma certa distância segura. Até que alguém se postou ao meu lado.

— Ela é até bonita assim toda arrumada, não é?

Eu me virei e vi a loira que caiu do muro.

A nova amiga íntima de Grayson King.

— Ela é linda de qualquer jeito — eu me vi defendendo Harper de seu veneno.

— Hum... Defendendo a namoradinha! Que lindo!

Não me passou despercebido seu deboche.

— Queria saber como um garçom começa a namorar a filha de um bilionário.

— Eu também queria saber como uma penetra que pula o muro namora um bilionário.

Ela ficou séria.

— Não repita isso para ninguém e eu não conto a ninguém que é um garçonzinho.

— Está tentando fazer um acordo comigo? — indaguei divertido.

— Tem tanto a perder quanto eu.

— Está enganada. Harper sabe quem eu sou.

— Mas Grayson não.

— Tenho certeza que ele vai acabar sabendo quem eu sou também. — Harper se encarregaria disso em breve, eu tinha certeza.

— Acha mesmo que ele vai deixar a filha ser fodida por um garçom? Ele acabaria com você e comeria seu pênis com caviar!

— Modo interessante de colocar as coisas. — Meu tom era divertido, mas no fundo eu realmente começava a temer as consequências de estar me envolvendo, mesmo que sendo de mentira, com a filha de um homem poderoso como Grayson King. — Não se preocupe, seu segredo está seguro comigo, garota do muro.

Ela ficou me olhando por alguns instantes, como se avaliando se podia mesmo confiar em mim.

— É bom mesmo. Eu lhe darei uma pequena dica sobre mim. É melhor me ter como amiga e aliada do que como inimiga. Namorar Grayson King é a chance da minha vida e se estragar isso não vai querer saber o que eu sou capaz, garçonzinho.

Ela se afastou, os cabelos loiros dançando em volta dos seus ombros muito orgulhosos.

Voltei minha atenção para Harper e eles pareciam estar numa espécie de intervalo quando me aproximei mais.

Ela me viu e se levantou vindo na minha direção.

— Mataria por um cigarro.

Sorri e peguei meu maço lhe passando um.

Como na tarde em que nos conhecemos, acendi seu cigarro, chafurdando em sua proximidade.

A movimentação continuava ao nosso redor enquanto fumávamos em silêncio.

— Ei Harper, uma foto de bastidores para a revista. — A tal Charllene surgiu com um celular.

Harper rolou os olhos e, sem pensar duas vezes, eu a puxei para perto, passando meu braço livre por sua cintura.

Podia perceber sua surpresa, pela tensão em seu corpo, o olhar indignado e até mesmo amedrontado, quando ela levantou a cabeça para me fitar.

— Hora do show, Harper — sussurrei. Adorando senti-la tão perto. Devorando com o olhar seus lábios entreabertos pintados de rosa tão próximos dos meus. Quase sentia seu hálito em minha língua. Eu poderia fazer um espetáculo completo me inclinando e a beijando.

Mas ela piscou, como se compreendendo e vi sua máscara de neutralidade ser posta no lugar de novo, antes dela virar.

— Claro que sim.

Charllene tirou a foto, alheia à tensão e sorriu.

Harper se afastou. Cedo demais.

— E quem é esse garoto bonito? — Charllene perguntou digitando rapidamente.

— Meu namorado.

Era incrível como eu estava começando a gostar mais do que seria saudável dessa expressão vindo dela.

Charllene olhou pra mim de novo, agora cheia de curiosidade.

— Hum... E qual seu nome?

— Não precisa pôr meu nome. Aposto que ninguém quer saber — respondi.

Ela parecia que ia insistir, mas se afastou.

— Harper, vamos recomeçar? — o produtor a chamou e ela apagou o cigarro.

— Acho que devemos sair.

Lá vinha ela com seus enigmas.

— Sair? Tipo um encontro?

— Não é o que os namorados fazem?

— Mesmo os de mentira?

— Principalmente os de mentira.

Fiquei com vontade de novo de perguntar por que de verdade ela fazia aquilo.

Por que ela precisava de mim?

Era um inferno não saber. E mesmo assim, eu me vi concordando com tudo o que ela pedia.

De novo.

Naquela noite, eu iria jantar com Harper King.

Um encontro.

Nosso primeiro encontro de mentira.


Detetive Tim Crowley

O Detetive Crowley remexeu em seus papéis sobre a mesa, procurando alguma alusão ao diário de Harper King, mas sem encontrar nada.

— Está me dizendo que Harper tinha um diário em seu quarto?

— Sim. — Ethan Coleman confirmou com a cabeça.

— Fizemos uma busca completa em seu quarto e não foi encontrado nenhum diário.

O rapaz deu de ombros.

— Você viu esse diário novamente depois daquele dia?

— Não.

— Harper comentou com você sobre o diário alguma vez ou sobre o roubo do primeiro diário, fez alguma suposição, acusou alguém?

— Não.

— O que acha que aconteceu com o segundo diário? Acha que pode ter sido roubado como o primeiro?

— O senhor é o detetive aqui.

Crowley disfarçou um suspiro impaciente. Sim, ele era o detetive, mas aquele caso estava cada vez mais intrigante.

Ele mirou novamente o suspeito. Ainda podia continuar chamando-o assim?

Não sabia dizer, talvez ainda fosse cedo para fazer suposições.

Ele precisava ouvir mais daquela história...


4

Intrigante

Intrigante — Que incita curiosidade; que consegue surpreender.

Algumas vezes na vida você se vê numa situação totalmente estranha e se perguntando como foi que chegou até ali. Era assim que eu me sentia, sentado num dos melhores restaurantes da cidade, esperando Harper King.

Olhava em volta, enquanto os garçons, meus companheiros de infortúnio, transitavam entre as mesas repletas de pessoas ricas e bem vestidas.

Será que eles sabiam que eu era um deles? Que, naquela noite, vestindo um terno emprestado do meu amigo Tyler, presente de sua fashionista namorada maluca, eu nada mais era do que uma farsa?

Eu ainda me perguntava que diabos estava fazendo ali quando ouvi o som inconfundível de saltos altos se aproximando e levantei o olhar para ver Harper King materializada em frente à mesa, ao lado do maître que parecia estar recepcionando a própria rainha da Inglaterra, enquanto afastava a cadeira para ela sentar.

Aproveitei aqueles segundos para medi-la, apreciando o vestido preto de veludo que abraçava seu corpo. Mangas compridas e decote canoa que deixava a clavícula à mostra. Quem diria que clavículas poderiam ser sexys.

Eu queria beijá-las.

— Espero que tudo esteja ao seu contento, Senhorita King. — O homem praticamente fazia reverências. Harper parecia não se importar.

Distante como a realeza, certamente.

Linda como uma rainha de verdade.

Seus cabelos estavam presos num coque frouxo, o que era quase lamentável. Os olhos muito bem maquiados se prenderam em mim com um brilho de divertimento, enquanto o pobre homem continuava a listar todas as maravilhas do lugar.

— Acho que a Senhorita King já entendeu — eu o cortei, só então ele pareceu me notar. E limpando a garganta com um pigarro, sorriu solícito.

— Querem ver a carta de vinho, senhor...?

Olhei para Harper levantando a sobrancelha interrogativamente.

— Vinho seria bom. — Sua resposta pareceu satisfazer o maître, que se afastou com meneios exagerados.

— É sempre assim?

— Se quer saber se eles sempre começam a agir como fantoches de uma comédia de erros quando o nome King é citado, a resposta é sim.

— Isso parece te incomodar e te divertir ao mesmo tempo.

— Hoje estou de bom humor.

Eu não sei por que aquilo me animou. Ela queria dizer que eu a deixava de bom humor? Queria acreditar que sim.

O sommelier se aproximou com o vinho, quase tão ridículo em sua ânsia de agradar Harper quanto o maître, o que só fez com que ela continuasse a esboçar um ar blasé e desinteressado.

— É realmente muito desconcertante — comentei divertido quando o homem se afastou.

Harper revirou os olhos por cima de sua taça de vinho tinto.

— É ridículo.

— Se odeia tanto esse tratamento de realeza, por que quis vir aqui?

— É uma boa pergunta.

O garçom se aproximou e fizemos nossos pedidos. Pelo menos o rapaz não parecia muito impressionado por estar servindo Harper King.

Ela havia escolhido o lugar para nos encontrarmos, obviamente. E eu não fiz objeção. Embora devesse supor que era um local exclusivo e caro, eu só me dei conta do quanto, quando comentava com Ellie que tinha um encontro e disse o local e ela soltou um grito de admiração.

— Meu Deus, com quem você vai sair? Achei que estivesse sem grana, como vai levar uma garota num lugar desses?

Desconversei, dizendo que a garota em questão tinha me convidado.

— Está saindo com uma garota rica? — Os olhos de Ellie brilharam de curiosidade, mas continuei desconversando, o que não era fácil em se tratando de Ellie.

Tyler se limitou a me lançar olhares especulativos, mas nada perguntou enquanto Ellie me vestia como um boneco Ken e até insistiu em pentear meu cabelo.

Voltei ao presente ao encarar Harper.

— Eu poderia ter sugerido outro lugar.

— Por que não sugeriu? — Sua voz era quase desafiante.

— Achei que você estivesse ditando as regras.

— Fico curiosa para saber onde me levaria então.

Sorri de lado, com um monte de imagem interessante em minha mente. Ah sim, havia muitos lugares que eu gostaria de levá-la. Mas nem um que seria aprovado, dado nosso status de namoro de mentira.

O que era definitivamente uma pena.

Muita pena.

Nosso pedido chegou e eu me distraí observando os movimentos que ela fazia para levar a comida à boca. Harper tinha uma boca muito sexy.

De repente ela levantou a cabeça franzindo o olhar.

— Por que está me encarando?

— Levando-se em conta que estamos aqui para verificar as regras de nosso acordo, posso perguntar se é permitido dizer que você está linda essa noite?

Ela sorriu daquele jeito que parecia não acreditar de verdade no que eu falava. Como se estivéssemos, ambos lá, representando um papel. O que não deixava de ser verdade em absoluto.

— Você também fica bem em um terno.

— É do meu colega de apartamento.

— Você tem um colega elegante.

— A namorada dele é uma fashionista que faz estágio com uma personal stylist.

— Fale-me sobre ela.

— Sério? Quer me ouvir falar sobre a maluca da Ellie?

— Gosto de ouvir sobre gente comum.

— Gente comum? Certo. Ellie é adorável.

— Achei que fosse maluca.

— Maluca de um jeito adorável. Ela e Tyler namoram há quase um ano. Acho que são almas gêmeas.

— Acredita em alma gêmea?

— Você acredita?

— Nem um pouco.

— E seus pais?

— Minha mãe preferiu morrer a ficar com meu pai. Acho que entendo isso.

— Você odeia seu pai.

— Se importa se não falarmos do meu pai? Não quero vomitar sobre seu lindo terno.

— Tudo bem. Você quem manda. Então onde estávamos?

— Almas gêmeas.

— Ah sim, eu acredito que meus pais eram almas gêmeas.

— Onde eles estão hoje?

— Mortos.

— Trágico.

— Realmente. — Não consegui esconder a melancolia que me abatia sempre que me lembrava dos meus pais.

— Eu o deixei triste.

— É sempre triste.

— O que aconteceu?

— Minha mãe teve câncer e meu pai simplesmente não conseguiu viver sem ela.

— Acha que isso é amar? A simples ausência de alguém ser insuportável?

— Acho que alguns amores são inesquecíveis.

— Você já teve um amor assim, inesquecível?

Imagens de Lauren atravessaram minha mente. Ela foi meu relacionamento mais longo. O mais íntimo. O que achei que ia durar um pouco mais. Mas agora não conseguia me lembrar se desejei ser pra sempre.

Ela foi inesquecível?

Eu me lembraria de Lauren e do que vivemos pra sempre, mas já não me lembrava do amor. Nem saberia dizer se foi realmente amor, daquele tipo, inesquecível.

— Você está lembrando.

Voltei à realidade com seu olhar perscrutador.

Não havia mais aquele humor blasé em sua atitude. Ela parecia... curiosa.

Sorri, sacudindo a cabeça.

— Não acho que ela era minha alma gêmea. Se é essa a pergunta.

— Então existiu um “ela”.

— Essa é a pauta de nossa conversa agora? Minhas ex? Talvez eu exija saber sobre seu histórico também. Há um “ele”? Há em algum lugar um amor inesquecível?

— Todos os homens só desejaram uma coisa de mim. E isso nem era meu de verdade. Dinheiro.

— Não acho que seja verdade.

— Não me conhece.

Queria dizer que era impossível não a olhar e não a querer. Eu me lembrei de Sean e Andy. Giana havia dito que os dois pareciam competir entre si por Harper.

— Sean e Andy parecem gostar de você.

— Como sabe sobre eles?

— Garçons não são surdos.

— O que ouviu? — Ela não parecia muito satisfeita e eu quase me arrependia de ter colocado o assunto na roda.

— Não muito. Mas eu também vejo. E os dois pareciam correr atrás de você naquela festa.

— Também não quero falar dos dois fantoches preferidos do meu pai, se não se importa.

— Por isso me contratou? Para espantar os “fantoches” do seu pai? Um simples: “não estou interessada”, não seria suficiente?

Ela não respondeu.

Em vez disso, pediu a conta e entendi que a nossa noite tinha terminado. Harper não parecia mais estar em seu bom humor declarado do começo da noite e isso me deixava intrigado, para dizer o mínimo.

Estava também decepcionado. Quanto mais tempo passava com ela, mais eu queria.

Não falamos nada enquanto colocava seu cartão de crédito na mesa.

Seguimos para fora do restaurante e vi um reluzente BMW vermelho sendo trazido pelo manobrista.

— Este é seu carro?

— Um dos...

— Claro.

Logo atrás notei outro carro preto parado e o mesmo segurança que eu já tinha visto antes, parado em frente com cara de poucos amigos.

Harper acompanhou meu olhar e fez uma careta.

— Meu pai insiste para que Joe vá a todos lugares comigo.

— Joe é seu guarda-costas então?

— É mais como um capanga do meu pai. Mas não ligue pra ele, até que é um cara legal quando não está seguindo as ordens do meu pai.

— Seu pai sabe que você está comigo hoje?

— Certamente ele saberá.

— Então acho que é uma boa noite. Seu guarda-costas parece impaciente para te levar embora de volta ao castelo e eu tenho que pegar o metrô.

— Você anda de metrô?

— Nem todos têm uma BMW ou duas na garagem.

— Quer uma carona?

Eu deveria ter dito não. Mas certamente já ficou óbvio que dizer não a Harper King era algo muito difícil pra mim.

Assim, entrei no carro com a garota mais incrível do mundo e observei, fascinado, ela tirar os sapatos e dar partida.

Ela ligou o som e Nina Simone encheu o carro.

Quem diria que Harper King apreciava Jazz?

— Parece surpreso?

— A música.

— Ah, Nina Simone me acalma. Minha mãe costumava colocar para eu ouvir. Não que eu lembre, eu era apenas um bebê, mas uma vez meu pai me disse... — ela parou de repente. — Ele disse que odiava a música, porque minha mãe tocava direto quando eu nasci, porque eu era um bebê difícil de dormir e só Nina Simone me acalmava.

— Por que ele odiava a música então?

— Meu pai costuma odiar o que me faz feliz.

E com essas palavras, ela mexeu quase com fúria no som e mudou a música. Um rock pesado encheu o ambiente.

Eu queria perguntar mais. Queria saber mais. Mas me calei.

— Me diz onde mora. — Ela mudou de assunto.

Não demorou para ela parar em frente ao meu prédio. Cedo demais.

— Muito obrigada pela carona. Seu carro é realmente espetacularmente rápido.

— Parece impressionado. O que tem os garotos com os carros?

Eu ri.

— O que posso dizer. Sou um garoto.

— Se tivesse um carro, qual gostaria?

— Acho que eu teria um carro antigo, como um Cadillac Eldorado.

— Posso imaginá-lo num Cadillac Prata. Apostando corrida como um herói rebelde atormentado na década de 50.

— Da onde tirou isso?

Ela riu.

— Não sei.

— E qual seu carro preferido? — Eu podia apostar que ela teria muitos em sua garagem.

— Eu não ligo pra isso. Os carros chamam muita atenção. Acho que, se eu pudesse, ia andar em uma caminhonete velha caindo aos pedaços.

— Você é estranha, Harper King — comentei suavemente.

Harper tinha tudo. Mas parecia não querer ter nada.

Ela virou a cabeça para me encarar e sondei seus olhos acinzentados na semiescuridão do carro.

A atmosfera estava carregada de expectativa. Será que ela sentia?

Será que sabia que bastaria um sinal seu, por menor que fosse, para eu romper a distância entre meus lábios e os seus?

— O que vem a seguir? — perguntei querendo prolongar mais nosso estranho encontro. — Acha que esse jantar será suficiente para fazer todos acreditarem que somos namorados?

— Você não quer mais fazer isso? — Sua voz saiu tensa.

— Você quer?

— Eu preciso.

— Eu disse que ia fazer o que você quisesse.

— Por quê?

Senti vontade de dizer que queria fazer aquilo de verdade, mas tinha certeza que não era o que ela queria ouvir, então fui para a resposta mais fácil.

— Você está me pagando.

— Claro.

Abriu o porta-luvas e tirou um envelope, me entregando.

— Falando nisso, aí está o seu pagamento.

Segurei o envelope, quando na verdade tinha vontade de devolvê-lo. Contudo eu sabia que, pra ficar com Harper, tinha que seguir suas regras absurdas.

— Boa noite, Ethan. — Ela virou o rosto e ligou o carro.

Estava claramente me dispensando.

Saí do carro e fiquei parado na calçada vendo a BMW se afastar com o carro do segurança logo atrás.

— Uau!

Dei um pulo de susto ao ver Ellie se materializar ao meu lado.

— Ellie, de onde você saiu?

— Estava esperando você voltar. Estava curiosa. Mas eu nem consegui vê-la! Deve ser cheia da grana para ter até um segurança a seguindo, Ethan!

— Você é muito intrometida. — Entrei no prédio com ela em meu encalço.

— E você está cheio de segredos. Vamos, me conte, onde a conheceu?

— Numa festa. — Fui evasivo de propósito, abrindo a porta do apartamento.

— Sei... E quando vai nos apresentar para que possamos ser amigas?

— Ellie, foi só um encontro.

Ela rolou os olhos.

— Duvido muito. Eu te conheço. Essa garota é diferente.

Ah sim, Ellie não fazia ideia do quanto Harper King era diferente.

Do quanto nosso relacionamento era diferente.

Na manhã seguinte, assisti às aulas com meu pensamento longe. Tyler havia me feito algumas perguntas no caminho, não tão indiscretas e insistentes como as de sua namorada, mas ainda assim curiosas.

— Ellie disse que essa garota com quem você saiu é muito rica, onde a conheceu?

— Numa festa.

— Sei... E é sério?

— Quem sabe?

— Quando vão se ver de novo?

Eu me fiz a mesma pergunta quando saí da aula naquele começo de tarde e vi o chamativo BMW vermelho parado no meio-fio.

E Harper King emergindo de dentro dele.

Quando acordei naquela manhã, depois de passar boa parte da noite fantasiando com ela, disse a mim mesmo que estava exagerando em sua perfeição.

Mas naquele momento, vendo-a na minha frente, toda vestida de preto, com os cabelos longos e maravilhosamente escuros dançando com o vento de outono contra o rosto branco e lindo, eu a achava ainda mais incrível.

E eu não conseguia parar um sorriso.

Eu estava ferrado.

— A que devo a honra, Senhorita King?

Ela jogou as chaves pra mim.

— Você dirige.

Olhei em volta enquanto ela sentava no banco de passageiro sem esperar resposta. Como eu previra, Joe estava logo atrás.

Entrei no carro e dei partida. Desta vez um rock alto já estava tocando no rádio.

— Para onde, madame?

— Apenas dirige.

Levantei a sobrancelha, curioso, mas fiz o que ela pediu. O carro era uma delícia. Macio e rápido.

Olhei pelo espelho retrovisor e o carro preto nos seguia logo atrás.

— Esse cara não cansa de te seguir a todos os lugares?

— Ele faz o que meu pai manda.

— Seu pai deve temer por sua segurança.

Como sempre, quando o nome do seu pai era mencionado, ela pareceu irritada, para dizer o mínimo.

— Ele só gosta de manter o controle sobre mim.

— Então vamos dar um pouco de emoção ao pobre Joe.

E, sem aviso, virei rápido para a estrada e aumentei a velocidade.

Oras, eu era mesmo um garoto e podia aproveitar para me divertir com uma máquina possante daquelas.

E passamos a hora seguinte dirigindo em alta velocidade pelas estradas da cidade e eu me perguntava que horas Joe iria desistir, mas ele não o fez. Certamente, Grayson King não gostaria que ele perdesse sua preciosa filha de vista.

— Acho que já enchemos o dia de Joe de emoção por um mês inteiro — Harper disse divertida ao meu lado. — Pare na próxima rua.

Estávamos em uma área comercial exclusiva quando eu parei o carro e saltamos. Levantei a sobrancelha, curioso, quando ela seguiu em frente, não me restando alternativa a não ser segui-la para dentro de uma loja de grife.

Uma vendedora muito solícita se aproximou de nós.

— Olá, em que posso ajudá-los?

— Você pode ajudar meu namorado — Harper respondeu e eu não estava preparado para a onda de prazer que percorreu minha espinha ao ouvi-la me chamando assim.

Era realmente estimulante.

— O que vão precisar? — A garota virou a sua atenção para mim e eu olhei para Harper de volta com a sobrancelha levantada.

— Vamos a um jantar na casa da família King, o que acha que ele deve vestir?

A boca da moça se abriu em assombro, mas ela logo tratou de se recompor e limpar a garganta, adquirindo de novo um tom profissional.

— Entendi. Vocês podem me acompanhar.

— Quer dizer que vamos num jantar na casa da família King? — questionei enquanto seguíamos a vendedora, que mostrava as roupas masculinas.

— Meu pai está dando um jantar para a nova namorada.

— E você vai levar o seu novo namorado?

Ela sorriu, sentando-se numa poltrona, enquanto a vendedora pediu que eu fosse experimentar as roupas que separou.

— Não é para isso que estamos aqui?

Eu queria dizer que estava ali por outro motivo, mas em vez disso entrei no maldito provador e deixei que a vendedora, muito feliz por Harper ter dito que podia escolher o que quiser sem se preocupar com o valor, insistir que eu vestisse uma roupa atrás da outra.

Ellie estaria no paraíso numa hora dessas.

Quando finalmente saí do provador, não vi Harper em lugar algum e meu celular estava tocando. A vendedora, muito contente, disse que ia fechar a conta enquanto eu atendia John.

— Oi, John.

— Ethan, Maddy me perguntou se está tudo certo para o almoço de domingo.

Passei os dedos pelos cabelos sem saber o que responder. Será que Harper ia querer a minha companhia no domingo para mais um de seus teatrinhos? Eu deveria impor algum limite, não? Será que até os namorados contratados não teriam o domingo de folga?

— Acho que sim. — Queria não ter soado hesitante.

— Eu e Maddy encontramos Ellie e Tyler ontem à noite e ela os convidou também.

Já sabia onde ele queria chegar e não tinha certeza se queria entrar no assunto.

— Ellie me disse que está saindo com uma garota.

— Ellie é uma linguaruda.

John riu.

— Pode trazê-la também, se quiser.

— Eu duvido que isso aconteça.

— Por quê?

— Eu não sei o que Ellie deu a entender, mas não é nada demais.

— Ellie deu a entender muitas coisas e Maddy ficou muito feliz, devo dizer. Desde Lauren você não namora ninguém.

Por que as pessoas à minha volta insistiam em citar Lauren?

Levantei o olhar e vi Harper me encarando com um olhar especulativo.

— John, eu preciso desligar.

— Tudo bem. Apenas me avise se mudar de planos.

— Eu não vou deixar de ir ao almoço de aniversário da Maddy, John — respondi enfaticamente antes de desligar.

Harper ainda me encarava.

— Quem são John e Maddy?

Ela era bem curiosa para uma namorada de mentira, eu queria dizer, mas me limitei a responder colocando o celular no bolso.

— John é meu professor e Maddy é sua esposa. Na verdade, ele é mais do que isso. Eu o conheço desde Chicago, ele é uma espécie de mentor para mim.

— Ele sabe dos seus... serviços?

Eu me senti irritado com o rumo da conversa e me levantei.

— Não. Já podemos ir, ou você ainda tem mais alguma ordem pra mim, madame? — Estava sendo propositalmente desagradável, mas ela não pareceu se importar, apenas seguimos em frente pela loja.

— Você está todo emburradinho por eu te ter transformado numa espécie de Julia Roberts em “Uma Linda Mulher”? — Ela parou em frente a uma prateleira cheia de óculos escuros e pegou um.

Eu não consegui deixar de rir.

— Julia Roberts adorou sua tarde de compras com o cartão de crédito do Richard Gere — continuou colocando os óculos em mim.

Aspirei seu perfume. Único, porém impossível definir sua essência. Assim como ela.

— Você não está gostando? — Ela tirou os óculos e colocou outro.

Nunca ousei me afastar. Estava tão perto, que podia ver as pequenas e quase imperceptíveis sardas em seu rosto pálido.

Tão malditamente bonita que me deixava sem fôlego.

— Eu deveria gostar?

Ela sorriu pegando os óculos que tirou do meu rosto colocando nela mesma e se avaliando no espelho.

— Não sei o que está na moda no mundo dos garotos de programa que estudam Medicina e aceitam ser namorados de mentira nesta temporada.

Eu ri ainda mais e como ela tinha feito comigo tirei seus óculos. Mas não coloquei outro. Apenas admirei seus olhos misteriosos.

— Não era nesse filme que tinha uma regra de não beijar na boca?

Ela ficou vermelha.

Deliciosamente vermelha.

Quem diria que Harper King poderia ruborizar. Naquele momento eu decidi que amava seu rubor.

Durou apenas um momento antes dela rir.

— Acho que sim. — Colocou a cabeça de lado e me lançou um olhar divertido. — Não me diga que você é como Julia Roberts e não beija suas... clientes.

— Por que está preocupada? Beijos fazem parte do nosso acordo?

Ela mordeu os lábios.

Eu quis empurrá-la contra a prateleira de óculos e beijá-la até que nenhum de nós tivesse fôlego.

— Me diz, Harper. — Eu me aproximei quase que por instinto. — O que nossa pequena farsa exige? — Meus dedos tocaram seus lábios, obrigando-a a soltá-los dos dentes e entreabri-los.

Eu os acariciei, hipnotizado. Malditamente excitado.

Muito, muito, ferrado.

— Eu terei que te beijar aqui? — Eu me aproximei mais, testando minha sorte e a dela.

Ela não se afastou. Os olhos arregalados e a respiração presa na garganta.

Algo dentro de mim gritava em êxtase que não seria possível que ela não sentisse aquilo. Que não sentia aquela conexão, aquela atração quase irresistível que surgiu desde que ela fumou o meu cigarro naquela tarde.

Algo estava acontecendo. O universo estava se alinhando de forma diferente desde que nossos caminhos se cruzaram.

— Ei, Ethan!

Eu me virei quase imediatamente ao ouvir a estridente voz de Ellie quebrando aquele momento.

E a gnomo maldita estava sorrindo de mim pra Harper, muito satisfeita. Eu queria esmagar meus dedos em volta daquele pescoço intrometido.

— Olha que coincidência te encontrar!

— O que está fazendo aqui, Ellie?

— Estou trabalhando, oras! Meu chefe pediu para eu vir buscar algumas camisas. — Seu olhar curioso correu para Harper. — Não vai nos apresentar, Ethan?

Suspirei irritado.

— Harper, esta é Ellie.

— Ah, eu queria tanto te conhecer! — Ellie se aproximou sem a menor cerimônia e abraçou Harper, que parecia petrificada. — Estou adorando ver o Ethan de namorada nova!

Harper sorriu forçadamente.

— Não perguntarei o que aconteceu com a velha.

— Ah, nem queira saber mesmo...

— Ellie, chega! — Eu a calei com um olhar ameaçador. — Harper, podemos ir.

— Mas já? A gente podia... — Ellie pareceu aflita.

— Não está trabalhando? Eu e Harper temos que ir agora.

— Tudo bem então. Tchau, Harper! Espero nos vermos mais vezes!

Segurei o braço de Harper e a guiei para fora da área que Ellie estava.

A vendedora sorridente nos entregou várias sacolas no caixa, enquanto Harper lhe dava o cartão de crédito.

— Não sabia que falava de mim para seus amigos — ela comentou quando saímos da loja e entramos no seu carro. — Disse a eles que eu era sua namorada de mentira?

— Claro que não.

— Disse o que então?

— Eu apenas disse que tinha um encontro ontem. Eles que tiraram conclusão precipitada.

Ela não comentou mais nada enquanto o carro percorria as ruas da cidade e meus pensamentos se voltaram de novo para aquele momento na loja, quando estive tão perto de beijá-la.

Eu realmente estive? Ou estava fantasiando?

Harper me intrigava tanto que eu nem sabia mais o que era farsa ou realidade.

Ela parou o carro em frente ao meu prédio.

— Nos vemos hoje à noite? — perguntei, em vista de seu silêncio. Parecia muito distraída agora.

Ela respirou fundo e vestiu aquele sorriso blasé de moça rica.

— Claro que sim. Pela primeira vez estou ansiosa por uma festa na minha casa. Vai ser muito... Interessante.

— Aposto que sim. — Abri a porta do carro sorrindo também.

Porque o meu interessante certamente era diferente do interessante dela.

E eu mal podia esperar.


Trecho do Diário de Harper King

(sem data definida)

Eu o odeio. Odeio com todas as minhas forças. E aposto que minha mãe o odiava também. Por isso preferiu morrer. Talvez eu também prefira morrer a ficar aqui. Simplesmente sei que esta pessoa não sou eu.

Harper King.

Filha do homem mais rico da cidade. Invejada por todos. Tenho vontade de rir quando as pessoas me dizem como sou privilegiada. Como gostariam de estar no meu lugar. Ótimo, eu trocaria de lugar com qualquer um se me fosse permitido.

Acho que Giana amaria ser eu. Ela sem dúvida daria pulinhos de felicidade em seus saltos Manolo Blahnik, comprados com meu cartão de crédito, quando eu ainda acreditava que queria ser minha amiga e lhe cobria de presentes caros, porque ela ficava toda feliz com isso. Mas Giana era como todos os outros. Apenas queria aquilo que o dinheiro do meu pai podia lhe proporcionar. E se para isso tinha que fingir que gostava de mim, então ela o fazia.

Não me lembro bem quando me dei conta que ela era apenas uma vaca invejosa. Acho que foi quando comecei a perceber que toda a felicidade pela qual me faziam acreditar que eu devia ser grata, simplesmente não existia.

Eu era uma farsa.

Toda minha infância rodeada de babás austeras e brinquedos fabulosos, me sentindo mal por deixar meu pai bravo quando eu me esgueirava até seu escritório para implorar que lesse uma história para mim, apenas para ser enxotada de lá, porque ele tinha coisas mais importantes pra fazer. Quando entrei na adolescência percebi que coisas mais importantes nem sempre tinham a ver com negócio, e sim com alguma mulher jovem e bonita que pulava quando ele dizia pule e que sairia rapidamente da sua vida quando ele se cansasse, mas muito feliz por estar coberta de joias.

Eu me perguntava se minha mãe se parecia com alguma delas. Meu pai nunca falava dela. E na minha curiosidade infantil eu cobria todo mundo de perguntas, mas ninguém parecia disposto a quebrar o silêncio, que só mais tarde entenderia ser imposto por meu pai.

E foi quando comecei a me tornar mais questionadora que meu pai também se tornou mais presente na minha vida. Não como eu sonhava antes, mas sim para, segundo as próprias palavras que ele fizera questão que eu nunca esquecesse, “fazer com que eu me tornasse uma verdadeira King, dando valor ao que ele me proporcionava e sendo grata, não fazendo perguntas idiotas ou agindo feito uma criança rebelde. Afinal, eu era uma rica herdeira e tinha que me comportar como tal.”. E rapidamente eu me certifiquei de que isso significava me vestir como uma princesa e me comportar como uma. Colégios caros, aulas inúteis, como ballet, equitação e piano, que por mais que tentassem, não conseguiam fazer com que eu aprendesse a fazer um passo de dança decente, tocasse qualquer sonata que fosse direito ou me mantivesse sobre o cavalo sem cair de cara no chão. E isso só deixava meu pai mais furioso.

Por que eu não podia ser como as outras garotas? Por que tinha que preferir ler livros antigos e ouvir música sozinha? Por que eu detestava ser o centro das atenções, me vestir bem e falar sobre as últimas fofocas com as outras garotas ricas?

Foi então que surgiu Giana. Tínhamos a mesma idade e sua mãe, Chelsea, a irmã mais velha do meu pai, acabara de se divorciar do terceiro marido, um italiano que a deixara sem um tostão. O que fez com que ela se mudasse com a filha para a mansão King. Meu pai achou que Giana seria uma boa influência para mim. E para uma garota de 16 anos, deslocada e tímida que nunca teve uma amiga de verdade, eu também me iludi achando que seria assim.

No fundo, eu ainda era uma menina carente que queria desesperadamente deixar meu pai orgulhoso para que, quem sabe assim, ele gostasse mais de mim. Então eu deixara Giana me moldar em alguém parecido com ela. Ela era bonita, descolada e elegante. Começou a estudar no mesmo colégio exclusivo de garotas que eu e rapidamente me levou para as melhores rodas. Antes eu hesitava em participar de qualquer grupo, por me sentir muito diferente das outras meninas, mas agora elas pareciam me aceitar muito bem. E por algum tempo, eu me enganei que era feliz assim, sendo uma delas. Gastando dinheiro com roupas, joias e sapatos. Passando horas em salões de beleza para participar de festas e reuniões da mais alta roda.

E meu pai ficou nas nuvens. Finalmente eu me transformei na herdeira King.

Mas se eu achava que ele viraria um pai amoroso e presente, que me colocaria em seu colo e me contaria como foi sua história com minha mãe, eu estava muito enganada. Não demorou para eu descobrir que ele queria apenas me exibir como um de seus carros caros. Ou como seu negócio mais bem feito.

Eu era Harper King, um objeto para ser exibido e invejado. Mais um nas aquisições de Grayson King.

Comecei a me cansar de tudo aquilo. E a perceber que toda a felicidade à minha volta era apenas uma ilusão.

Odiava aquelas roupas. Não via nenhuma graça naquelas festas. As garotas que se diziam minhas amigas queriam apenas ser “a amiga da herdeira King”. Giana percebeu meu crescente descontentamento, mas continuou a me encorajar a ser a mesma. “Você tem que ser grata por essa vida que tem! Sabe quantas pessoas gostariam de ser você? Olha a sua volta, tem tudo e nem dá valor!”. Giana vivia cada vez mais irritada com minha falta de interesse pelas coisas que ela dava tanto valor. E havia uma parte de mim que achava que ela tinha razão. Que eu devia mesmo ser feliz com o que tinha.

Por que eu não podia ser feliz? Por que não era feliz? Por que não me dava bem com meu pai? Quantas adolescentes podiam falar o mesmo? Talvez eu fosse só mais um clichê.

Então eu me deixava levar. Eu me tornei craque em fingir. Continuei sendo a herdeira King que todos admiravam e invejavam. Olhando para tudo à minha volta com um sorriso blasé entediado, que todos achavam ser normal numa garota como eu. Mal sabiam eles que às vezes, por dentro, eu estava gritando.

Voltei a fugir para a solidão de meus livros sempre que possível, escrevendo em meu diário todas as minhas inseguranças e medos. No fundo, acho que já sabia que não havia nada de verdade na minha vida. Nenhuma amizade que fosse íntima e desinteressada o bastante para que eu confessasse o que sentia.

Ainda me sentia extremamente solitária, mesmo com todas aquelas pessoas me bajulando. E claro que também tinha os garotos. Na maioria das vezes eles eram hesitantes. Eu era como uma princesa que deveria viver na torre de um castelo e eles sabiam que nem todos seriam aceitos na corte do Rei Grayson King para ter o prazer de cortejar sua herdeira. Era ridículo, mas quase assim.

No começo, não me importava muito. Eu era tímida e lia romances históricos demais. Achava isso quase romântico. Como se uma hora fosse aparecer um príncipe em seu cavalo branco e se apaixonar por mim perdidamente. Mas quando comecei a minha intensa vida social com Giana, percebi como os garotos a rodeavam e não hesitavam em flertar descaradamente. Não era nada extraordinário, já que Giana era linda. E ela não tinha um pai rico e temido.

Giana era comum e podia ter quem ela quisesse.

E percebi um dia que eu namoraria aquele que conquistasse meu pai primeiro. Essa era a mais constrangedora verdade.

E de nada adiantou ter minha fase de rebeldia quanto a isso, quando conheci um garoto que me interessou numa festa e tomei coragem de ir até ele e flertei descaradamente como vira Giana fazendo tantas vezes, apenas para ele me dar o fora depois de dois encontros porque meu pai não tinha gostado dele e não o achou a altura de sua filha. Depois de eu dizer o quanto aquilo era absurdo, afinal eu tinha 17 anos e não era mais criança e podia namorar quem quisesse, Randall, este era o nome dele, disse que meu pai ameaçou arruinar o pai dele, um novo rico na área de construção. Novo rico, mas não rico o suficiente.

Foi naquela noite que tive a primeira discussão feia com meu pai.

E foi também a primeira vez que percebi o quão duro ele podia ser quando contrariado. Ele me deixou trancada no quarto por dois dias, depois de me arrastar para lá e gritar em alto e bom som que eu só sairia depois que pedisse desculpas.

Chorei dois dias seguidos dizendo que nunca pediria desculpas. Mas eu também sabia que de nada ia adiantar bancar a adolescente rebelde. No fundo, ainda me sentia meio culpada. E no final de dois dias eu pedi desculpas. Acho que tinha alguma esperança que ele sorriria e abriria seus braços para que eu me aconchegasse no meio deles. Isso nunca aconteceu.

Naquele dia não percebi que era uma questão de manter o poder.

A mim, restava apenas ser a herdeira King, esperando que meu controlador pai arranjasse um pretendente à sua altura.

Ele só não contava que eu poderia não estar nem um pouco interessada em ser apenas um fantoche naquela peça.

Porque eles não tardaram a aparecer. Alguns eram fabulosamente ricos. Outros apenas eram ótimas conexões para os negócios. Todos tinham duas coisas em comum: uma vontade vergonhosa de agradar meu pai e nenhum interesse verdadeiro em mim.

Eu rejeitei todos eles.

E isso só deixava meu pai mais irritado.

Eu ficava muito furiosa também. Mais brigas. Mais castigos. E acho que com o tempo comecei a apreciar. Quando ele ficava bravo comigo, eu tinha sua atenção. Era quase masoquista.

Mas também era quase divertido pra mim. Era como eu o punia. Era como eu me conectava com ele.

Quando fiz 18 anos, ganhei uma viagem para a Europa. Com Giana, claro. Um segurança estava com a gente o tempo todo, enquanto nos hospedamos nos melhores e mais caros hotéis.

Era tudo muito tedioso e previsível. Até que conheci Peter na Riviera Francesa. Ele era bonito, charmoso e estava com seu iate ancorado na costa. E não se acovardou diante do meu nome. Tratando-me como uma garota atraente e interessante e por alguns dias fez companhia a mim e Giana, tornando nossa viagem menos tediosa e mais animada.

Ele me beijou em frente ao mar numa noite.

E eu achava mesmo que ele estava interessado em mim. Até chegar no seu barco na tarde seguinte e pegá-lo na cama com Giana.

Foi quando percebi que Giana era uma vaca invejosa e que não se importava em me magoar contanto que pudesse ter aquilo que ela achava que era meu.

Então, num átimo de rebeldia, fugi.

Foi o mais perto que conheci da felicidade, por um tempo. Uma semana de total liberdade, apenas uma mochila nas costas, andando de trem e de ônibus, me hospedando em hostels baratos, usando jeans e camiseta. Fazendo amizade com estranhos que não tinham ideia de quem eu era de verdade. Aprendi a fumar. Fiquei bêbada. Beijei garotos desconhecidos. Pela primeira vez eu me senti real.

Claro, minha fuga não durou muito. Meu segurança me encontrou e eu e Giana fomos levadas de volta a Boston.

Eu me recusei a ir pra faculdade que meu pai escolheu. Achava que ele ia me obrigar a ir, mas isso não aconteceu.

Acreditei que tinha vencido uma batalha. Mas devia saber que Grayson King não dava nada de graça. Eu tive certeza quando Andy Wallace e Sean Stewart começaram a se aproximar de mim.

Eles não passavam de dois fantoches do meu pai. Eram seus executivos queridinhos. Os dois disputavam descaradamente sua atenção. E percebi a jogada. Meu pai sabia que eu não ia nunca continuar seu legado. Não havia um príncipe herdeiro no reino.

Fui criada para ser a princesa. Para ser a esposa de alguém que continuaria seu legado nos negócios. E muito provavelmente o bastão seria passado a Andy ou Sean.

Eles só precisavam vencer a gincana “Quem vai conquistar Harper”.

Mas mal sabiam eles que essa era uma batalha que eu decidi vencer.

Já escolhi minha melhor arma e seu nome era Ethan Coleman.


Detetive Tim Crowley

Crowley fez uma careta ao sentir o gosto de café velho em sua boca.

Decidiu dar um tempo no interrogatório para espairecer tomando um café e refletir sobre o depoimento de Ethan Coleman. Mas o café estava uma droga e por mais que tentasse chegar a alguma conclusão sobre aquele caso, sua cabeça estava apenas mais confusa.

Irritado, jogou o copo no lixo e caminhou até a sala de interrogatório novamente, parando apenas para dar uma missão ao tenente de plantão.

— Quero que reúna uma equipe e volte à mansão King. Façam uma busca completa no quarto de Harper King.

O homem franziu a testa, confuso.

— Mas nós já fizemos isso.

— Sim, mas agora estamos procurando algo muito específico. Revire tudo e encontre o diário de Harper King.


5

Inesperado

Inesperado: Aquilo que ocorre ou surge de forma imprevista.

Achei estranho entrar pela porta da frente e não pela porta dos fundos na Mansão King naquela noite. Ainda não sabia o que esperar, quando o segurança me deixou passar pelos enormes portões com a moto de Tyler.

Mas eu sabia que havia apenas um pensamento fixo em minha mente. Eu queria beijar Harper King.

Desde nossa proximidade naquela tarde na loja, não pensava em outra coisa. Em toda aquela situação estranha de nosso relacionamento de mentira, não tinha certeza de nada. Harper era um poço de contradições e mistérios que me intrigava e me atraía.

E devia querer distância. Devia entrar naquela casa e dizer que eu estava fora. Mas não tinha mais forças para ficar longe.

Era insano, mas também era simplesmente irresistível. Harper King estava se tornando irresistível pra mim. E naquele momento, eu não queria resistir. Então, simplesmente parei e acendi um cigarro no jardim antes de entrar.

— Olha quem está aqui...

Eu me virei e a mais nova namorada de Grayson King estava na minha frente. Ela parecia ainda mais bonita, num vestido preto drapeado que fazia um contraste sedutor com seu cabelo loiro.

— Dana — eu a cumprimentei com um aceno de cabeça. — Está muito bonita.

Ela levantou os braços e rodopiou, muito satisfeita.

— Eu sei.

Eu ri. Certamente ela não era modesta.

— E você também não está nada mal. Aposto que foi sua namoradinha que lhe comprou esse terno bonito.

— E eu aposto que foi seu namoradinho que lhe comprou esse vestido caro.

— Touché! — Ela pegou o cigarro da minha mão e tragou. — Foi bom eu te encontrar aqui. Quero lhe pedir um pequeno favor.

Eu levantei a sobrancelha.

— Não me olhe com essa cara. Estamos no mesmo barco, não estamos?

— Estamos?

— Preciso que faça com que a filha do Grayson pare de pegar no meu pé. Ela me odeia e já está se tornando cansativo.

— Ela diz que você é apenas uma numa longa lista e que Grayson irá te chutar muito em breve.

— Isso não vai acontecer! E certamente não será uma garota mimada que vai me derrubar. Então, quero que me ajude.

— Por que eu te ajudaria?

— Porque somos iguais.

— Não somos iguais.

— Não? — Ela me mediu. — Eu te conheci vestido de garçom. E olha você agora... Aposto que deve ter muitas qualidades para fazer uma garota daquelas, que pode ter quem quiser, escolher você, um garçonzinho! Então use este rostinho bonito e faça com que ela saia do meu pé.

— Não acho que eu possa influenciá-la. — E eu estava falando sério.

— Entenda uma coisa, garçom. Grayson King é um prêmio que eu não vou perder. Agora que eu o tenho na minha mão, não vou deixar nada ficar no meu caminho! E a filhinha chata e mimada dele está no meu caminho. Você não me conhece e nem sabe do que sou capaz.

— Está me ameaçando? — Não podia acreditar naquela mulher. Ela estava mesmo falando sério?

— Só acho que ia preferir ser meu amigo e não meu inimigo. Podemos nos ajudar mutuamente. Grayson não está nada feliz com seu namoro com a filha dele. E olha que ele ainda nem sabe que você trabalha de garçom!

— Não tenho medo do seu namorado.

— Pois deveria ter. Então, pense nisso. Simplesmente não estou a fim de sujar minhas mãos com sua garotinha rica. Mas não hesitaria nem por um segundo... — E se afastou me deixando pensando que diabos tinha sido aquela conversa.

E o pior de tudo era que a noite estava apenas começando...

Entrei na casa e havia mais gente do que eu imaginava. Garçons percorriam o ambiente elegante e eu me perguntei se eu conhecia algum deles. Pelo pouco que observei, não era a minha turma que estava ali naquela noite. Acho que era até bom.

Atravessei o salão a procurando e a encontrei cercada por Andy e Sean. Por um momento, não consegui entender aquele sentimento de ira que me tomou. Era óbvio que os dois estavam disputando para ver quem ganharia seu interesse. Mas eles não faziam ideia que Harper não seria de nenhum deles.

Aquela era minha garota.

Não importava que ela era minha porque estava me pagando para ser. Naquele momento, eu apenas obedecia um instinto primitivo que me dizia que eu precisava que aqueles predadores soubessem que aquela presa já tinha dono.

Então eu me aproximei ignorando os olhares curiosos à minha volta até estar perto o bastante para Harper levantar a cabeça e me ver. Eu não olhei para nada além dela, não me prendendo tempo suficiente em seu olhar para entender o que via na sua expressão. Simplesmente cheguei perto o bastante para que meus dedos segurassem seu rosto e meus lábios grudassem nos dela.

E assim, de improviso, estava beijando Harper King.

E por alguns segundos delirantes, deixei todo o resto de lado e apenas saboreei sua boca. Uma, duas, três vezes. Aspirando e experimentando. Era como um pedaço de paraíso. Distante e intocado. Almejado e desejado. Impossível.

E eu só queria ir em frente e provar o que tinha dentro.

Mas, de repente escutei um pigarro desagradável de algum lugar perto e todo o barulho que eu tinha bloqueado voltou me trazendo de novo para a realidade. Risadas, vozes, música e taças tilintando.

A festa de Grayson King.

Eu me xinguei mentalmente e ao mesmo tempo me dei conta que, em meu delírio, não percebi algo crucial e me afastei para ver Harper com o rosto vermelho e os lábios que eu beijei comprimidos rigidamente. Ela estava toda tensa e seus olhos confusos e estupefatos.

Eu me perguntei se ela estava muito irritada por eu ter improvisado em nossa pequena farsa ou apenas surpresa.

Então, sorri e me coloquei ao seu lado, cingindo meu braço por sua cintura e passando meus olhos sobre os dois homens que nos fitavam entre assombrados e furiosos.

— Não vai me apresentar seus amigos, Harper? — Eu me perguntei se devia chamá-la de querida ou algum apelido carinhoso. Mas depois da recepção fria ao meu beijo achei melhor deixar os improvisos de lado.

— Sim, Harper, quem é o seu amigo? — O que se chamava Sean me mediu como se eu fosse um inseto à sua frente.

— Não sou amigo da Harper, sou o namorado — informei a apertando mais e deslizei meus lábios por seu rosto, indo parar em seu ouvido — Harper, relaxa, porra. Estou apenas fazendo o que combinamos, não era isso que queria? — sussurrei em seu ouvido, porque ela ainda continuava tensa. E se continuasse assim, ia ser difícil de alguém acreditar que eu era seu namorado.

Andy soltou uma risada debochada.

— Isso é sério, Harper?

Eu a senti respirar fundo e levar a taça que tinha na mão aos lábios.

— Sim, Andy. Este é meu namorado, Ethan Coleman.

Os dois homens pararam de rir e trocaram olhares preocupados. Claro, agora eles estavam do mesmo lado. O lado perdedor. Os que foram passados para trás na disputa por Harper King.

— Bom, rapazes, foi ótimo conhecer vocês, agora se me permitem, vou roubar minha garota por um tempo.

Segurei a mão de Harper e a guiei por entre os convidados que nos lançavam olhares espantados e cochichavam entre si enquanto atravessávamos o salão. Eu parei quando chegamos a uma grande porta de vidro que dava para uma sacada iluminada, onde não havia ninguém por perto.

Harper soltou minha mão e cruzou os braços em frente ao peito. Ela usava um vestido de brocado preto curto e lindo, que contrastava com sua pele branca. Por um momento apenas me permiti admirá-la. Tão linda, mesmo com um olhar cheio de acusações que me lançou.

— Está brava comigo.

— Me assustou, apenas isso. Não gosto que invadam meu espaço, sem convites.

— Me desculpe. — Realmente sentia muito. Não queria deixá-la assustada. — Só estava cumprindo meu papel. Achei que era o que queria, que acreditassem que somos íntimos.

Ela desviou o olhar e mordeu os lábios.

— Certo, acho que pelo menos atingimos o objetivo.

— Sean e Andy parecem putos por terem perdido você.

— Não podem perder o que nunca tiveram.

Levantei a sobrancelha. Era claro que eu queria saber se algum daqueles almofadinhas teve a oportunidade de pôr as mãos em Harper.

— Não, nunca tiveram. E nunca vão ter — ela respondeu minha pergunta muda, passando a mão pelos cabelos. — Tem um cigarro?

Sorri e peguei um cigarro lhe passando e acendendo.

Fumamos por um momento em silêncio.

Eu gostava de ficar assim com ela, apenas estando perto, podendo sentir seu cheiro único.

— Harper, aí está você! — A prima chata chamada Giana apareceu, usando um vestido rosa chamativo. — Seu pai está te procurando. — Ela me lançou um olhar de cima a baixo. — Ah, e eu achando que era apenas alguma brincadeira sua, mas pelo visto o tal namorado existe mesmo! — Ela se aproximou estendendo a mão. — Oi, sou Giana, a prima da Harper.

— Vai bajular meu pai e me deixa em paz, Giana! — Harper dardejou irritada.

— Mas ele quer falar com você agora! E sabe como seu pai fica quando não é obedecido!

— Claro, sei sim. — Harper rolou os olhos, mas apagou o cigarro. — Eu vou fazer as vontades do poderoso King então! — Ela me lançou um sorriso irônico. — Divirta-se, Ethan! As festas da família King são famosas por serem fantásticas. Pelo menos para quem está de fora.

E com essas palavras ela se afastou.

Achei que a prima chata ia junto, mas em vez disso ela se aprumou e sentou no muro ao meu lado.

— Onde conheceu a Harper?

— Numa festa — respondi evasivo.

— Sei... Ela nunca me falou de você.

— Nem ela me falou de você.

— Ouvi dizer que meu tio está furioso com esse namoro de vocês. Aposto que não é rico e nem um dos garotos de ouro dele...

— Deduziu certo.

Ela inclinou a cabeça para o lado, como se me avaliando.

— Quem é você? Estou tão curiosa! — Soltou uma risadinha. — Isso não é usual por aqui... Não que a Harper não viva em pé de guerra com o tio Grayson de uns tempos pra cá, mas ela nunca namorou ninguém assim... Eu achava que era apenas uma rebeldia passageira. Claro que uma hora ela ia cair na real e escolher Sean ou Andy ou até mesmo algum ricaço que o tio Grayson escolhesse pra ela. Mas ela me vem com você... É sério que é estudante de Medicina e que não tem um centavo?

— Parece que está bem informada.

Ela riu.

— Ah, isso vai ser muito divertido! Aposto que a Harper está usando você pra irritar o titio! E acho que está conseguindo.

Algo naquela afirmação me irritou. Talvez porque eu soubesse que era a mais pura verdade.

— Sabe que não vai durar, não é?

— Por que não duraria?

— Não ouviu nada do que eu disse? A Harper está usando você! É tão óbvio. Acho que não é tão burro que não perceba! Ela vai irritar bastante meu tio e depois você será jogado fora! Isso se meu tio não acabar com você antes. Não tem medo?

— Acha que devo ter medo do seu tio?

— Eu teria se fosse você. Um conselho de amiga. — Piscou.

— Então agora é minha amiga?

Ela se inclinou para perto e tocou meu peito.

— Posso ser mais, se quiser...

— Ethan? — Afastei as mãos de Giana ao ouvir a voz de Harper atrás de mim e me virei para ver seus olhos frios indo de mim para Giana.

— Oi prima! Estava entretendo seu namorado. Ele é mesmo uma graça. Nos demos muito bem! — Ela pulou do muro se afastando. — Nos vemos por aí, Ethan.

Encarei Harper, me sentindo tão culpado como se tivesse sido pego flertando com a prima da minha namorada de verdade.

Pelo menos era assim que eu me sentia porque Harper me fitava com um olhar frio como o gelo.

— Estava oferecendo seus serviços a minha prima?

— O quê? Não! — Inferno, estava mesmo ferrado se Harper pensava isso de mim.

— Ah não? Vocês me pareceram bastante íntimos quando cheguei aqui.

— Não estava acontecendo nada...

— Como posso saber? Não é o que você faz? Seduz?

— Parece que eu só não seduzo você, não é? — Não pude evitar a amargura na minha voz.

Harper deu um passo atrás, irritada.

— Do que está falando? Nós temos um acordo! E quero que se lembre disso quando for continuar dando em cima de todas as mulheres que vê pela frente!

— Não dei em cima da sua prima! Ela estava dando em cima de mim, se não percebeu!

— Ah claro. Giana faz isso mesmo. Ela adora pegar aquilo que é meu.

— Então eu sou seu?

— Você é meu enquanto eu te pagar! — Senti suas palavras como um soco no estômago. — Então eu te proíbo de aceitar qualquer proposta da minha prima, entendeu?

— Você parece bem filha de Grayson King neste momento, Harper — rebati com sarcasmo, irritado por estar magoado com sua demonstração fria de poder sobre mim.

Eu me afastei, mas isso não pareceu aborrecê-la a ponto de fazê-la ir atrás de mim.

Apenas me misturei com os convidados, pegando uma taça de bebida e tentando não me sentir um idiota por estar ali, sendo usando por aquela garota rica e incompreensível.

Não sei quanto tempo se passou. Eu via Grayson King desfilando com Dana como um troféu dourado pela festa. Era um rei em seu domínio.

E via Harper King, minha namorada de mentira, ser cercada novamente por seus admiradores, que recebiam apenas olhares de desinteresse, enquanto ela parecia mais entediada do que o normal.

Mas agora eu conseguia ver um pouco além da superfície linda e blasé que a revestia. Percebia seu olhar raivoso que acompanhava Dana e Grayson quando eles estavam sob seu foco. Via a tensão em seu pequeno corpo, suas mãos que corriam pelos cabelos castanhos com fúria e os dentes que se prendiam aos lábios que eu beijei tão brevemente e que eu gostaria de beijar de novo.

Harper King era uma tempestade prestes a desabar.

E de alguma maneira eu queria impedir isso, ou ao menos estar lá quando ela desabasse com toda sua força e fúria.

Mas não consegui chegar a tempo, quando sem que eu soubesse como, ela estava frente a frente com Grayson e sua nova namorada. Algumas palavras foram trocadas e um silêncio tenebroso se fechou na sala quando todo o conteúdo da taça de Harper foi parar no rosto de Dana.

Tive vontade de rir da cara de horror de Dana que respirava com dificuldade, enquanto olhava estupefata para seu vestido arruinado, a champanhe cara pingando de seu rosto perfeito.

Mas não tive tempo de soltar a gargalhada que aquela cena pedia, pois no minuto seguinte, Grayson King segurou o braço de Harper com força e a levou da sala.

Eu fui atrás. Certamente não sabia onde estava me metendo, mas obedeci a um instinto que dizia que eu precisava protegê-la.

Porém, alguém segurou meu braço.

Dana me encarava com os olhos dardejantes.

— Não se meta nisso, garçom.

Soltei meu braço, mas parei meu caminho.

O que diabos estava fazendo?

— Sua namoradinha está tendo o que merece. Isso é entre pai e filha. Não se intrometa e só tem a ganhar. Aliás, se eu fosse você ia embora agora. Grayson está tão irritado que acho que não hesita em mirar sua ira em você quando acabar com a Harper.

Saí da sala, ignorando os olhares curiosos e os cochichos. Respirei fundo quando cheguei ao jardim. E agora?

— Posso te ajudar em alguma coisa? — Eu me virei quando ouvi uma voz forte e o segurança de Harper estava me encarando com cara de poucos amigos.

— É Joe, não é? — indaguei.

— Sim, e você é Ethan Coleman, namorado da Harper. Por enquanto. — Sua voz estava cheia de ironia.

Eu sabia que ele tinha razão.

— Você viu o que aconteceu na festa?

— Já fui informado. — Notei o fone preso ao seu ouvido.

— Devo ficar preocupado com ela?

Por um momento eu vi seu rosto suavizar.

— Essas brigas não são novidade. Se ficar mais algum tempo por aqui, vai se acostumar.

— Como alguém se acostuma com isso?

— É meu trabalho.

— Ei, ainda está aqui?

Nós nos viramos ao ouvir a voz de Dana.

— Rapaz, acompanhe o Senhor Coleman até a saída.

— Eu tenho nome, e não é “rapaz” — Joe falou entredentes. — E eu só recebo ordens dos King.

— Pois fique sabendo que quando eu for uma King, o que acontecerá em breve, a primeira coisa que vou fazer é demitir você! Grayson vai saber que está de conluio com esse aí e não vai gostar nada!

Ela se afastou pisando duro e Joe soltou um palavrão.

— Mulherzinha chata. Espero que dure menos que as outras.

Eu ri.

— Ela é irritante, mas acho que tem razão e eu devo ir embora. Só quero saber se a Harper ficará bem.

Joe me olhou de forma diferente.

— Você parece ser um cara legal. Aquela garota precisa de alguém que se preocupe de verdade com ela e não com seu dinheiro.

Eu me senti culpado. Joe não fazia ideia do quanto eu era de verdade.

Mas de uma coisa ele tinha razão. Eu me preocupava de verdade com Harper.

— Vou verificar o que anda acontecendo lá dentro.

Ele se afastou e desci pelo jardim, até chegar onde deixei a moto. Encostei-me e esperei. Algum tempo depois ouvi passos hesitantes e ao me virar, Harper estava a poucos passos de distância.

Ela mordia os lábios nervosamente. Estava descalça. Sua maquiagem manchada e os olhos vermelhos. Meu coração apertou.

Tinha vontade de entrar naquela casa e socar o cara que fez aquilo com ela. Seu próprio pai.

— Você está bem? — Eu queria me aproximar e tocar seu rosto, mas ela já tinha deixado bem claro que eu não podia me aproximar sem sua permissão.

E quem ditava as regras ali era Harper King.

— Eu só queria sumir. — Sua voz vacilou.

Estendi a mão.

— Então vem comigo.

Ela hesitou por um momento, mas segurou minha mão e eu a apertei forte, antes de subir na moto e a convidar a fazer o mesmo. Ela subiu sem hesitação desta vez e dei partida.

Senti seus braços me enlaçando enquanto a mansão King e tudo de ruim que representava ficando para trás.


Detetive Tim Crowley

— Então está dizendo que a namorada de King ameaçou Harper naquela festa? — Crowley pergunta para Ethan.

— Não diria que foi uma ameaça — Ethan respondeu simplesmente.

— Mas você disse que ela deixou claro que Harper era contra seu envolvimento com o pai e que se ela continuasse no seu caminho iria se arrepender. E logo depois Harper jogou bebida na cara dela. Acho que Dana poderia ter ficado furiosa o suficiente para fazer algo para tirar a filha de Grayson do jogo e assim continuar seus planos de conquista.

— Você que está dizendo. — A resposta de Ethan, sem entonação nenhuma, irritou o detetive.

— Harper te disse por que jogou bebida na cara da namorada do pai?

— Não.

— Não perguntou isso a ela depois que saíram da festa?

— Não.

Crowley disfarçou a irritação.

— Acha que devemos considerar a namorada de Grayson King como suspeita?

— Isso é o seu serviço, Senhor Crowley. — Desta vez, os cantos da boca do rapaz se levantaram ligeiramente num divertimento irônico, que passou despercebido ao detetive, que examinava suas anotações em busca da próxima pergunta a fazer ao interrogado.

— Certo. Pedi uma busca no quarto de Harper. Se o diário existe. Ele será encontrado. E talvez lá estejam as respostas que estão faltando. Agora continue. O que aconteceu naquela noite depois que tirou Harper da festa?


6

Intocável

Intocável — em quem não se pode tocar, intangível.

Eu parei a moto em frente ao Rio Charles.

Estava escuro e totalmente deserto àquela hora. Era um lugar que eu gostava de ir quando queria ficar sozinho. E eu queria ficar sozinho com Harper.

Saltei e a ajudei a fazer o mesmo. Ela olhou em volta e pousou os olhos em mim.

Nunca pensei que uma pessoa pudesse parecer furiosa e desamparada ao mesmo tempo. Mas era assim que ela me parecia naquele momento.

— Onde estamos?

— Está com medo?

Ela mordeu os lábios franzindo os olhos como se ponderasse.

— Devo ter medo de você?

Eu me afastei e tirei o paletó e coloquei no chão, me sentando sobre ele.

— Depende do que a faz ter medo.

Ela não respondeu. Apenas se aproximou e sentou ao meu lado.

Ficamos em silêncio por um tempo. Eu queria saber o que havia acontecido entre ela e seu pai naquela noite, mas não seria inteligente perguntar.

Algo que eu começava a aprender sobre Harper King era que ela era mais esquiva que um gato.

— Acha que pareço com meu pai? — indagou baixinho depois de um tempo.

— O quê?

— Você disse quando discutimos por causa de Giana que eu era bem filha do meu pai.

— Eu não conheço seu pai.

— Não quero ser como ele. — Sua voz vacilou.

— Então não seja.

— Acha que posso escolher? — Ela me fitou com os olhos atormentados.

— Sempre temos escolha.

— Ele não me deixa ter escolha. — Sua voz não passava de um sussurro.

— Mas você me escolheu — argumentei e sorri, tentando animá-la.

— Ele exigiu que eu me separasse de você.

— Era isso que ele estava fazendo quando a levou da festa?

— Dentre outras coisas... — Ela deu de ombros.

— Você vai fazer o que ele mandou?

Esperei quase sem respirar. Surpreendia-me em como pensar em Harper simplesmente desistindo de nosso jogo me deixava aflito.

— Eu disse que me separaria de você se ele largasse a vaca loira — respondeu com um pequeno sorriso perverso.

— Por que isso é importante para você? Tem ciúme de Dana com seu pai?

— Claro que não! Ele nem gosta dela! Ele não gosta de ninguém a não ser do dinheiro!

— Ele deve gostar de você, é a filha dele.

— Não. Ele me mantém como um dos seus tesouros. Apenas mais uma de suas propriedades. Isso não é amor. — Ela desviou o olhar, mas eu vi a dor.

E de repente eu entendi.

Harper King queria apenas ser amada.

Tudo o que ela fazia era para chamar a atenção do pai, que pelo o que eu entendia não amava ou pelo menos não demonstrava nenhum amor por ela.

Será que algum dia alguém a amara?

Eu a observei por um instante e ela pareceu tão desprotegida e sozinha. Me fez imaginar como seria sua vida realmente dentro dos muros da mansão King.

Eu achava que ela era apenas uma garota mimada que estava demonstrando um pouco de rebeldia, talvez levada pelo tédio. Mas agora eu percebi que havia muito mais por trás daquelas suas estranhas atitudes.

E eu queria descobrir cada nuance de Harper King.

Queria desnudá-la até chegar em sua alma.

De repente, queria muito afastar aquela dor que via em seu olhar e toquei seu rosto, mas ela se afastou.

Tentei não me sentir irritado, ou magoado. Ela havia se afastado de mim na festa quando eu a beijei também.

Será que ela não percebia que tudo o que eu queria era que ela me deixasse tocá-la?

Com minhas mãos. Com meus lábios. Com meu corpo.

Queria trazê-la para perto de mim, enfiar minhas mãos em seus cabelos e beijar sua boca até apagar qualquer angústia em seus olhos.

Queria sussurrar em seu ouvido que ela não estava sozinha.

— Harper, olhe para mim — pedi num murmúrio e ela me encarou.

Havia um desafio em seus olhos. Havia um resquício de dor que eu percebia que ela estava tentando apagar.

E havia medo.

Medo do quê? De mim?

— Eu estou com você. Vou te ajudar seja lá qual o motivo que a faça me querer por perto. Se quer irritar seu pai, chamar sua atenção ou simplesmente fazer com que ele acredite que você pode ter suas próprias escolhas. Mas eu preciso que confie em mim. Que me deixe fazer o que é preciso para isso dar certo.

— O que quer dizer?

— Que se encolher ou me afastar cada vez que eu tentar tocá-la não vai fazer ninguém acreditar que estamos juntos.

Ela desviou o olhar para o chão.

— Eu te disse. As pessoas não costumam me tocar. Elas me tocam quando querem algo de mim. Sempre tem algum interesse por trás.

Bem, eu tinha mesmo um interesse.

De repente algo me ocorreu e eu me levantei e comecei a tirar a roupa.

— Que diabos está fazendo? — ela indagou confusa.

Fiquei apenas de cueca boxer e sorri para ela por sobre o ombro antes de entrar na água.

— Está maluco?

Mergulhei e emergi para encontrá-la ainda me fitando como se eu fosse louco.

— Entra aqui — repeti as suas palavras. As mesmas que ela tinha dito na piscina de sua casa quando eu aceitara sua proposta.

Ela entendeu.

— Está de brincadeira! — resmungou em meio a um riso irônico.

— Está com medo? — De novo o mesmo desafio.

— Está me desafiando? — Sua voz era incrédula, mas ela sorria.

Eu soube naquele momento que tinha vencido. Ela ia entrar. Era só uma questão de tempo.

Meu corpo esquentou, mesmo com a temperatura fria da água.

— Parece que temos nossos melhores momentos dentro da água.

— Certo. Isso é um ponto — respondeu e sem aviso retirou o vestido de brocado por cima da cabeça.

Engoli em seco, ao vê-la caminhar para dentro da água usando apenas uma calcinha preta e um sutiã sem alça combinando.

Ela era perfeitamente desejável.

E eu era só um cara que sentia um tesão louco por aquela garota intocável.

Mas ela mergulhou e veio para mim.

Eu quase podia soltar um rugido de satisfação, como o leão esperando sua presa vir até ele por livre e espontânea vontade.

Eu a devorei com o olhar, quando ela emergiu, molhada e linda na minha frente.

Nós apenas nos olhamos por um momento infinito.

Eu tinha certeza que ela podia decifrar o meu olhar porque suas palavras seguintes foram um eco do meu desejo mais profundo.

— Quero que me toque, Ethan. — Deslizou para mim até que nossos corpos molhados roçassem sob a água. — Por favor...

Com um gemido, eu tomei sua boca. Mergulhei meus braços a sua volta, trazendo-a inteira para mim, até que não houvesse nenhum espaço. Eu me afoguei nela.


Trechos do diário de Harper King

19 de janeiro

Hoje meu pai me irritou mais do que nunca. Acho que fui ingênua ao achar que fingindo ser quem ele queria que eu fosse as coisas iriam melhorar. Que ele iria me achar mais madura e me deixaria tomar minhas próprias decisões.

Eu achava que estava tudo malditamente bem. Comprava todas as roupas que ele queria que eu usasse. Ia a todas as festas e reuniões sociais que ele achava que eu devia ir.

Mas não era suficiente, claro.

Ele queria que eu namorasse um de seus cachorrinhos. Mas isso já era demais pra mim. Era mais do que eu poderia suportar. Eu até cheguei a achar Andy um cara interessante, não nego. Ele parecia inteligente e engraçado. Não me pressionou logo que nos conhecemos me convidando para um encontro como Sean fez. Mas claro que sendo homem de confiança de meu pai, ele não poderia ser mais sem confiança.

Bastou uma piscada de olhos bem maquiados de minha querida prima para ele achar que poderia cair na cama dela em um dia e me dar flores no outro.

Obviamente, ele achava que eu não ia descobrir. Mal sabia ele que Giana fez questão de me contar até os detalhes sórdidos. Era isso que a divertia. A possibilidade de me passar a perna. De conseguir algo primeiro que eu. Ela não perdeu tempo em me abordar na beira da piscina para contar suas novidades, muito satisfeita consigo mesma. Eu apenas me limitei a lhe lançar um olhar de nojo e perguntar se ela não cansava de ser tão vadia. O que ela riu e disse que eu a estava insultando porque tinha ciúme, afinal “Eu era a rica, mas ela era a mais bonita. Os homens sempre iriam preferir ela.”. Ok, isso me irritou, mesmo sabendo que ela era uma vaca invejosa, ela ainda conseguia me tirar do sério às vezes com suas verdades. Claro que eu sabia que ela era linda. Eu não era cega. E o fato dela ser vadia e seduzir todos os homens que demonstravam algum interesse em mim, me provando quase cientificamente que eles só estavam mesmo interessados no meu dinheiro, não diminuía a minha raiva com aquela situação.

Então Andy continuou me cercando, mas agora eu já não tinha nenhuma ilusão. Ele e Sean queriam apenas serem os donos da fortuna King.

Claro que meu pai percebeu que nem um dos dois estava indo a lugar algum e começou a me pressionar. E hoje acho que ele chegou ao seu limite ao me encontrar lendo em meu quarto quando eu deveria estar em uma chata partida de tênis com seus bichinhos amestrados.

Ainda sinto vontade de chorar quando lembro de como ele arrancou o livro da minha mão e o rasgou, espalhando os destroços pelo chão. E de todo o seu sermão por eu não ser uma King que se preze, que culminou com um “Você não entende que estou escolhendo o melhor futuro para você e nossas empresas! Andy e Sean são ótimos e promissores rapazes. Você pode escolher qualquer um dos dois. Eu ainda te dou essa chance. Se não escolher, eu escolherei por você.”.

E assim, ele saiu batendo a porta.

E eu fiquei aqui chorando enquanto catava as folhas do livro rasgado do chão.

20 de janeiro

Eu me sinto animada.

É estranho como em um momento estamos nos achando tão sem saída e no outro algo extraordinário acontece e pronto: é como uma luz no fim do túnel. Um fio de esperança.

Quase me sinto elétrica enquanto deixo a maquiadora fazer sua arte em meu rosto e a cabeleireira puxar meu cabelo. Algo que é sempre tão chato e irritante.

Mas hoje estou ansiosa para aquela festa. Pela primeira vez.

E isso porque eu encontrarei Ethan Coleman.

A primeira vez que eu ouvi falar dele foi num enfadonho chá da tarde organizado por uma das senhoras mais chatas e ricas da cidade. Mais um que meu pai me obrigou a ir. Era sempre a mesma coisa, sorrir e fingir interesse para os assuntos nada interessantes das senhoras da sociedade.

Mas em uma das mesas, uma moça espanhola começou a falar de sua mais nova aventura na cidade. Algo a ver com um garçom chamado Ethan Coleman que dormia com mulheres ricas em troca de dinheiro.

Naquele momento, mesmo a moça estando praticamente em êxtase ao contar muito empolgada sua aventura enquanto uma loira, que acho que se chamava Emily, perguntava se ela tinha o contato do tal garoto de programa, eu apenas revirei os olhos e sorri sarcasticamente para aquele bando de mulher solitária e falsa que, apesar de a maioria ser casada, ainda preenchia suas vidas vazias e fúteis com sexo pago. Era deprimente.

E eu tive medo de um dia ficar assim. Certamente, se eu seguisse os passos que meu pai queria pra mim, daqui a alguns anos eu bem que poderia ser uma daquelas mulheres, ricas e entediadas em busca de alguma aventura em troca de um punhado de dólares para algum rapaz jovem e bonito.

Mas nessa tarde, eu o conheci.

Eu queria apenas continuar sozinha, lendo e ouvindo música, então, fugi do batalhão de beleza que veio me arrumar para o jardim e vi um garçom fumando. Eu me aproximei só para pedir um cigarro. Fazia tempo que eu não fumava, desde a minha fuga na Europa. Não prestei muita atenção nele, mas em certo momento percebi que ele estava prestando atenção em mim. Talvez estivesse apenas curioso enquanto começava a puxar conversa. Será que sabia quem eu era? Não parecia. Isso me agradou. As pessoas sempre mudam quando descobrem quem eu sou. Eu odeio.

Mas aí ele estendeu a mão e se apresentou.

Ah, então era este o tal garoto de programa que enlouquecia as senhoras da sociedade? Senti certo nojo, confesso. Certamente, ele era mesmo tão bonito como a moça espanhola descreveu. Porém, deveria ter um caráter muito baixo para se prestar a este tipo de serviço. Rapidamente me afastei, agradecendo pelo cigarro.

Mas enquanto subia para o quarto, parei ao ouvir as vozes de Sean e Andy vindas do escritório do meu pai. Eles estavam falando sobre mim. Algo que me deixou com mais nojo do que o trabalho nada ortodoxo de Ethan Coleman. “Você já conseguiu levá-la pra cama?”, Sean perguntava e Andy riu. “Levei a prima gostosa dela e acho que me ferrei.”, Sean riu alto. “Claro, a linda Giana ofereceu seus dotes a mim também, mas não sou tão idiota como você. Não vou comer um aperitivo, por mais gostoso que pareça, e ficar sem o prato principal.”. Andy soltou um palavrão. “Não pense que já ganhou. Eu ainda estou no páreo. É apenas uma questão de tempo.”.

Subi correndo para meu quarto, sem poder ouvir mais.

Queria dizer a eles exatamente o que eu pensava de seus joguinhos de conquista. E poderia mesmo fazer isso. Mas sabia que de nada ia adiantar.

Meu pai ia se certificar disso.

Eu não tinha como fugir.

Se ao menos pudesse ter uma alternativa. Algo para meu pai ver que eu não ia deixar que ele escolhesse um namorado pra mim...

Mas o que eu podia fazer? Todo homem que se aproximava de mim, era por dinheiro. Seria igual Sean e Andy.

Eu não queria ser uma peça naquele jogo.

Queria jogar contra todos eles.

Parei em frente à janela e o vi de novo. Ethan Coleman caminhava de volta para a cozinha. O sol da tarde batia em seus cabelos os deixando quase dourados. Ele era tão bonito como uma estátua de David. Era mesmo uma pena que fosse o tipo de homem que fazia qualquer coisa por dinheiro.

Então uma ideia me ocorreu. E rapidamente ganhou vida.

Ethan Coleman ia ser meu namorado.

Ia ser minha arma.

Era apenas uma questão de lhe oferecer o dinheiro. Mas desta vez, seria eu a ditar as regras.

Eu o usaria o quanto fosse necessário.

E esperava que fosse o bastante.

21 de janeiro

Ele disse não para mim. Eu o odeio. Odeio Ethan Coleman e sua beleza surreal e seu caráter duvidoso. Qual era o problema dele? Achava que iria salivar pela oportunidade de ganhar dinheiro fácil, mas ele parecia quase ofendido quando eu lhe fiz a proposta.

Agora eu não tenho nada.

Era deprimente pensar que nem meu dinheiro Ethan Coleman queria.

Ele não queria nada de mim.

23 de Janeiro

Ele voltou. Eu me sinto idiota por pensar em quanto estou feliz por isso.

Finalmente vou poder esfregar algo na cara de Grayson King.

Eu me sinto quase feroz ao imaginar o que vai acontecer a partir de agora. Estou começando uma guerra.

Ethan foi embora enquanto eu estava na ridícula sessão de fotos. Mas vamos nos encontrar hoje à noite. Sinto-me ansiosa por nosso encontro. Sei que não é um encontro normal e tal, mas existe algo em Ethan que me deixa inquieta. Meio curiosa, meio ansiosa.

Meio medrosa.

Sim, há algo nele que me deixa com medo. Me deixa vulnerável.

É um sentimento ridículo, já que eu sou dona de todas as regras.

Talvez tenha algo a ver com o fato de eu definitivamente achá-lo bonito. Não posso mentir pra mim mesma. Ele é deslumbrante. Quando sorri faz minha pulsação acelerar e meu estômago revirar de um jeito bom. Consigo entender agora o motivo dele ser o que é. Ele é malditamente sexy.

Mas não posso pensar nele desse jeito. Ele não é meu garoto de programa. Ele é apenas uma peça no meu tabuleiro. Minha arma naquele jogo.

E eu tenho que manter isso em mente.


7

Inacabado

Inacabado: algo que ainda não foi concluído.

Harper tinha gosto de proibido e de perfeição.

E eu apenas deixei todo meu desejo acumulado, desde que ela apareceu na minha frente pedindo um cigarro, emergir e dominar minhas ações. Dominar minha língua que mergulhava em uma expedição em busca da dela, macia, quente e atrevida, que envolvia a minha como velhas conhecidas, dando boas-vindas.

Dominar minhas mãos que deslizavam por suas costas úmidas até se perder em seus cabelos, extasiadas por finalmente poderem estar emaranhadas naquela maciez.

Parecia que fazia anos e não dias que eu queria ter ela assim, enroscada em mim, com seus pequenos dedos presos em meus cabelos e me beijando como se tivesse o mesmo desejo que eu.

Porra, soltei um gemido exultante contra seus lábios ao me dar conta que era mesmo verdade. Harper King me queria do mesmo jeito que eu a queria desde que nos conhecemos.

Eu a tinha em minhas mãos agora.

Poderia fazer o que quisesse agora.

Essa informação pulou em meu cérebro e correu para contar a novidade ao resto do meu corpo que se aqueceu e ganhou vida, especialmente aquela parte que sonhava estar dentro dela.

Eu precisava estar dentro dela.

Outro gemido escapou dos meus lábios, enquanto minhas mãos desceram de novo por sua pele molhada, apertando-a mais, marcando território numa mensagem clara.

Ela estava onde eu queria e não a deixaria se afastar.

Mas ela separou os lábios dos meus, respirando depressa e encostando a testa na minha. Minha boca gemeu em protesto. Minhas mãos subitamente possessivas se negavam a soltá-la.

— Você pediu que eu a tocasse. — Era quase um protesto. Uma necessidade de confirmação de seu pedido anterior.

Ela não poderia retirar isso agora. Não poderia desapontar minhas pobres e afoitas mãos.

— Eu sei. — Sua voz não passava de um sussurro. — Mas eu tenho medo.

— Por quê? — Senti meu coração se apertar com sua incerteza.

Inferno, por que eu tinha que ser um cara legal?

Eu poderia beijá-la de novo e fazer seus protestos morrerem em gemidos quando minhas mãos tomassem conta do que já considerava direito delas.

E poderia fazer outra parte da minha anatomia feliz, quando estivesse dentro dela.

Era quase como sonhar como o paraíso.

— Me desculpe — ela pediu e entendi de vez que não ia mais rolar.

Minhas mãos caíram na água, cheias de decepção.

Obriguei o resto do meu corpo, que estava gritando palavrões revoltados, a se afastar.

Harper levantou a cabeça e me fitou. Seus olhos eram dois buracos negros de medo e dor.

Eu queria estar bravo com ela. Queria sair daquela água e deixá-la lá, sozinha com suas confusões.

Mas sentia apenas vontade de protegê-la.

Até mesmo de mim.

— Tudo bem. Vamos sair daqui — disse por fim e segurei sua mão a guiando para fora da água.

Não nos olhamos enquanto colocávamos nossas roupas de volta.

— Vem, vou te levar pra casa. — Subi na moto.

— Não quero ir pra minha casa. — Seu olhar era tão desamparado que me deixou desarmado e eu me vi dizendo que ela não precisava ir para sua casa.

— E para onde eu vou? — Harper parecia uma criança perdida parada ali, com restos de maquiagem no rosto úmido.

Sorri e a puxei para subir na moto.

— Apenas venha comigo.

— Onde estamos? — ela perguntou quando saltamos.

— No meu prédio — expliquei abrindo a porta e ela me seguiu pelos corredores gastos até a porta velha do meu apartamento. — Bem-vinda à vida real. — Fiz sinal para entrar na minha frente e acendi a luz.

Deveria estar louco de trazer Harper King para meu apartamento zoado, mas o que eu poderia fazer?

Ela disse que não queria ir para casa.

E para dizer a verdade eu ainda não me sentia preparado para tirá-la da minha vista.

Harper olhou em volta, curiosa. Talvez pedisse para ser levada para casa, afinal. Mas me encarou divertida, com aquele sorriso irônico que lhe era peculiar.

— É bem diferente dos hotéis cinco estrelas que estou acostumada, certamente.

— Muito diferente do que está acostumada, mas prometo que não temos baratas. Ou pelo menos acho que matamos todas.

— Eu acho que nunca vi uma barata.

Foi minha vez de rir.

— Devia ter deixado alguma viva para te mostrar então. — Coloquei a chave no aparador e fiz sinal para ela me seguir. — Vem, precisa se aquecer. Pode tomar um banho se quiser.

— Eu não tenho o que vestir.

Respirei fundo, tentando conter as imagens indecentes dela andando pelada pelo meu apartamento.

— Eu te empresto uma roupa minha — respondi abrindo a porta do banheiro.

Pelo menos depois que Ellie começou a dormir ali com Tyler havia coisas como shampoos femininos e alguma ordem.

— Tem toalha na gaveta da pia. E a Ellie deve ter deixado seus shampoos por aí.

— Ela não vai se importar? — Harper indagou insegura.

— Claro que não.

— Eles estão em casa?

— Não. Hoje é dia do Tyler dormir na casa dela.

— Ah, tá...

— Hum, certo, fica à vontade. — Comecei a fechar a porta, mas ela me chamou.

— Ethan?

— Sim?

— Obrigada por fazer isso.

— Sempre à disposição, madame. — Fechei a porta atrás de mim.

Fui para o quarto e tirei minhas próprias roupas úmidas. Vesti uma calça de moletom e uma camiseta e peguei uma para Harper. Ficaria grande nela, mas devia servir.

Escutava o barulho do chuveiro e de novo me obrigava a não deixar minha imaginação ganhar asas.

Ela estava no meu chuveiro. Nua.

E eu era tão babaca que nem ia tentar nada.

Porque eu me lembrava do seu olhar amedrontado na água quando as coisas começaram a sair do controle. Ela não queria isso de mim, pensei, com certo amargor.

Havia me contratado para fingir e não para pôr minhas mãos nela, como um tarado qualquer.

Mas ela havia pedido, minha mente gritou.

Então por que recuou?

Quando eu pensava que estava começando a entendê-la, voltava à estaca zero.

Harper King era um poço de contradição.

— Oi.

Caí dos meus pensamentos ao ouvir sua voz e prendi a respiração ao vê-la na porta do quarto, vestindo apenas uma toalha em volta do corpo.

Meu pau quase adquiriu vontade própria e saiu das minhas calças para me estapear por querer ser um cara legal.

Ele não estava nada feliz comigo naquele momento.

— É, eu separei uma roupa para você. — Peguei a camiseta e lhe entreguei. — Fique à vontade.

Saí do quarto quase correndo, como se tivesse deixado o demônio para trás.

Tranquei-me no banheiro para tentar achar algum domínio sobre minha mente e então vi o vestido no chão. E sua calcinha.

Entrei no chuveiro e mudei a temperatura da água para o gelado.

“Harper King e eu temos apenas um acordo. Ela deseja apenas que eu cuide dela hoje a mantendo longe seja lá do que ela precisa em sua casa. E só.”

Repeti esse mantra até estar tão frio como um vampiro ao sair do chuveiro e colocar minhas roupas de volta.

Mas se eu pensava que o universo estaria sendo legal comigo, estava enganado, pois agora Harper estava parada no corredor vestindo minha camiseta.

Por que Deus estava me punindo?

— Deve estar cansada. — Tentei não olhar pra ela enquanto abria a porta do quarto de Tyler. — Pode dormir no quarto de Tyler, como eu disse, ele não vai voltar para casa hoje.

— Tem certeza que não será um problema?

— Claro que não. Boa noite.

Voltei para o meu próprio quarto. Gelado como um morto e deitei na minha cama vazia.

Imaginando Harper sozinha na cama de Tyler.

“Você é um idiota.” meu pau resmungou.

Parece que nem a água gelada arrefeceu seu mau humor.

Acordei de repente de um sono sem sonhos.

O quarto estava na penumbra, mas sentia algo diferente no ar ao abrir os olhos, confuso, e então percebi com assombro que não estava sozinho, havia alguém comigo na cama.

Acendi o abajur para ver Harper dormindo calmamente ao meu lado.


8

Intenso

Intenso — muita tensão, veemente, forte.

Por um momento, imaginei estar sonhando. Certamente seria normal começar a ter delírios com a garota que estava me deixando louco.

Mas eu não estava sonhando. E nem delirando. De alguma maneira Harper tinha vindo parar na minha cama.

Meu pau deu um salto mortal dentro da minha calça numa demonstração clara de euforia. Todavia, obriguei minha mente a tomar as rédeas da situação. Aquela ainda era Harper King, a garota que eu não tinha o direito de tocar, apesar de se denominar minha namorada para o resto do mundo. Mas ela pediu para você tocá-la naquele rio, uma voz desafiadora sussurrou dentro de mim. Só que ela também tinha me afastado, com os olhos cheios de receio, ponderei, tentando acalmar todas as partes do meu corpo que queriam se rebelar e simplesmente se enroscar nela e deixar acontecer todas as coisas que deveriam ter acontecido naquele rio.

Por alguns momentos, deixei meus olhos ansiosos percorrerem suas formas cobertas apenas pela minha camiseta, enquanto minha mente e meu corpo travavam uma batalha sangrenta na minha cabeça. Razão versus emoção.

Mas a razão venceu quando parei em seu rosto adormecido. Ela dormia com o rosto sobre as mãos unidas, os lábios entreabertos como uma criança indefesa.

Claro que ela não era mais uma criança, mas eu tinha muitas razões para acreditar que era indefesa. Ainda não sabia que inferno acontecia na casa dela de verdade, mas algo a assustava e a fazia fugir. Algo a fazia estar ali comigo, um cara que ela pagava para fingir que era seu namorado. E que secretamente desejava ser mais que isso.

Eu não podia fugir mais da verdade. Estava muito a fim de Harper King.

Mas sabia que ela estava anos-luz do alcance das minhas mãos, apesar de estar tão perto agora que bastaria estender os braços e a puxar para mim.

Ela podia estar aqui agora, mas nunca poderia me pertencer. Eu era apenas o cara sem grana que dormia com mulheres em troca de dinheiro. Que estava com ela em troca de dinheiro.

Melhor seria manter aquilo entre nós como deveria ser. Um acordo.

Eu protegeria Harper King hoje e ficaria ao seu lado até o dia que ela desejasse. Até ela não precisar mais de mim.

Suspirei pesadamente e puxei a coberta sobre seu corpo, e fechei os olhos para dormir.

— Ethan...

Abri os olhos ao ouvir sua voz. Mas ela não estava acordada. Estava murmurando em seu sonho.

Murmurando meu nome.

E desta vez foi meu coração que deu um pulo em meu peito, em euforia.

Aquela foi a primeira noite que eu passei um bom par de horas acordado, apenas observando Harper dormir.

Mas em algum momento eu devo ter dormido porque acordei com meu rosto enfiado numa profusão de fios castanhos e meu corpo firmemente envolto em formas macias.

Fiquei tenso, minha mente culpada se perguntando que diabos meu corpo traidor estava pensando em se enroscar em Harper daquele jeito, aproveitando-me de seu estado adormecido.

Mas o quarto agora claro com a luz do dia estava ainda em silêncio. Harper dormia, sem perceber o que acontecia. Então, eu me permiti relaxar por um momento e simplesmente aspirei. Ela cheirava tão bem, que me deixava com água na boca. Minhas mãos também resolveram se aproveitar daquele momento roubado e acariciaram sua barriga por cima do tecido da camiseta, meus braços a trazendo para mais perto de outras partes do meu corpo que também estavam ansiosas para participar da festa proibida.

— Você está me cheirando? — A voz sonolenta me assustou e eu parei até de respirar, que dirá meus pequenos movimentos sacanas.

Inferno! E agora?

— Hum, eu...

Antes que eu pensasse no que fazer, totalmente sem ação por ser pego em flagrante, Harper se mexeu na cama, ficando de frente pra mim.

Malditamente ainda grudada em mim.

E não tinha como ela não estar percebendo minha, digamos, empolgação com sua proximidade.

Eu tinha certeza que estava corando como um garoto tentando explicar à primeira namorada uma ereção inconveniente.

— Me desculpe — murmurei.

Imaginei que ela poderia me dar um esporro e talvez completar com um murro, antes de fugir correndo me chamando de tarado aproveitador, mas em vez disso, mordeu os lábios me lançando um olhar entre embaraçado e divertido.

— Deveria te pedir desculpas por invadir sua cama. Eu não deveria estar aqui.

— Então por que está?

— Seu amigo voltou.

— Tyler a expulsou do quarto? — Eu ia socar Tyler onde mais doía, pensei, irritado, se tivesse sido cretino com Harper. Embora eu não imaginasse Tyler fazendo isso.

— Não, ele nem me viu. — Fiquei confuso e ela deu de ombros. — Eu não estava conseguindo dormir, de qualquer forma. Então ouvi a voz dele e da namorada na sala. Sabia que eles iam me pegar lá e achei que não seria legal isso acontecer, afinal estava invadindo o espaço. Então corri para cá. Acho que devia ter te acordado, mas não achei necessário...

— Podia ter me acordado. Eu não me importaria.

— Você parecia estar dormindo tão bem, não quis acordá-lo.

— Você pareceu dormir muito bem também — lembrei.

— Sim, eu dormi. — Ela sorriu.

Tão linda. Tão irresistivelmente desejável. Fazendo-me lembrar que ainda estávamos muito perto. E eu estava muito excitado.

Soltei um gemido involuntário em meio a um movimento para me afastar.

Mas ela veio junto.

Mais perto.

Meu gemido agora foi de protesto. De júbilo. E de surpresa.

Ela mordeu seus lábios. Nossos olhos se encontraram. Eu me prendi em sua intensidade. O ar se encheu de eletricidade.

Eu queria tanto enfiar meus dedos em seus cabelos e puxá-la pra mim, que até doía.

— Harper, precisa se afastar agora — pedi, mas meus olhos imploravam para ela continuar.

Por favor, me deixe continuar.

— Você já dormiu com muitas mulheres? — Sua voz não passava de um sussurro.

Malditamente sexy.

— Dormir? — Eu não entendia se ela queria saber se eu tinha dormido com muitas mulheres ou se tinha transado com muitas.

— No sentido literal ou figurado?

— Como fez comigo nessa noite — esclareceu.

— Com algumas — respondi evasivo.

— Com alguma de suas clientes?

Eu ia responder que não, mas me lembrei de Emily Maxell. Apesar de que naquela noite, nós não tínhamos propriamente dormido muito.

— Com algumas. — Fui evasivo de novo.

Eu não entendia o que se passava na sua mente.

— Você já transou com muitas mulheres?

Bom, Jesus, o que Harper estava pretendendo com aquela conversa?

— Com algumas. — Decidi continuar no mesmo jogo.

— Você queria transar comigo, ontem lá no rio?

Eu me surpreendi com sua pergunta. Será que ela não sabia que eu a queria demais?

Que eu queria agora? Não estava mais do que óbvio?

— Eu quero transar com você agora — respondi roucamente.

Ela ofegou. Eu a apertei um pouco mais, quase rudemente.

— A pergunta é, Harper King, você quer isso?

— Eu nunca fiz isso antes — eu me surpreendi com sua voz vacilante. — Eu nunca dormi com ninguém, nunca...

— Você nunca transou com ninguém? — Pensei ter entendido errado, porque simplesmente não era possível.

Ela corou. Mas havia um certo desafio em seus olhos.

— Nunca.

— Como isso é possível? — Eu não queria parecer um babaca, mas sabia que estava sendo um, quando sua expressão se encheu de ironia.

— É perfeitamente possível. Os homens só se interessam pelo meu dinheiro. Não é por isso que você está aqui comigo?

— Harper, eu... — Comecei a refutar o que ela dizia, mas uma batida na porta me parou.

— Ethan, está acordado? — Ellie me chamou.

Soltei um palavrão.

— Porra, Ellie, o que foi?

— Não me xinga! A Harper está aí com você?

— Vai cuidar da sua vida!

— Ethan — agora era a voz de Tyler —, tem um homem aqui que diz que veio buscar a Harper. E se ela não estiver aí com você, é melhor sair e explicar, porque ele mais parece um lutador de MMA, está assustando a Ellie...

— Droga! — Harper pulou da cama. — Deve ser Joe! Ele o mandou atrás de mim!

— Harper, espera... — Eu não sabia o que fazer.

Mas ela já abria a porta e saía pelo corredor, ignorando Tyler e Ellie que me encaravam.

— Já estão dormindo juntos, que fofo! — Ellie sorriu, mas eu passei por eles e fui atrás de Harper.

— Você não devia ter vindo atrás de mim! Eu não sou a porra de uma prisioneira! — ela dizia para Joe.

— Harper, você precisa vir comigo agora.

— Eu não vou!

— Sabe que estará me botando em problemas se não vier. E também sabe que seu pai não hesitará em vir te pegar pessoalmente se achar necessário. Apenas... Volte pra casa comigo. Será bem melhor se vier comigo agora e evitar... Confrontos desnecessários. Tenho certeza que quer manter Ethan fora de problemas, não é?

Observei os ombros de Harper caírem.

— Ok, eu vou colocar minha roupa.

Ela se afastou e eu encarei Joe. Deveria enchê-lo de soco e dizer que não ia levar minha garota embora. Mas quem eu queria enganar?

Nem Harper era minha garota e nem eu ia conseguir vencer Joe numa luta.

— Me desculpe por isso. Mas... Eu tenho ordens, cara.

— Ela estava em segurança aqui — respondi seriamente e Joe sacudiu a cabeça.

— Eu sei. Mas o pai dela pensa diferente.

— Ei, você é amigo da namorada do Ethan? — Ellie voltou pra sala e encarava Joe com curiosidade.

— Sou o guarda-costas dela.

Ellie arregalou os olhos, mas antes que pudesse falar alguma coisa, Harper voltou à sala usando seu vestido preto da noite anterior.

Eu a encarei. Queria dizer tantas coisas, queria...

Queria que ela não fosse embora.

Tinha a impressão que tínhamos começado algo. Algo bem maior do que eu poderia imaginar. Mas estava ansioso para ter mais.

— Eu preciso ir — anunciou. Parecia distante.

Parecia a Harper King rica e inalcançável.

E não a garota que dormira comigo.

— Tudo bem. Está tudo bem — tentei dizer com meu olhar que tudo poderia mesmo ficar bem, só não sabia como. Havia gente demais naquela sala para dizer o que eu realmente queria.

— Harper, você vai amanhã no aniversário da Maddy? — Ellie perguntou e diante do olhar confuso de Harper, ela me encarou. — Ethan, tem que convidá-la! Maddy adoraria conhecer sua namorada!

— Tenho certeza que a Harper tem coisas melhores para fazer, Ellie, não seja chata.

Ellie revirou os olhos e pegou um bloco de anotação rabiscando rápido e entregando o papel a Harper.

— Não ligue para o Ethan! John é quase um pai para Ethan e tenho certeza que ele adoraria te conhecer, então estamos te esperando amanhã no almoço de aniversário da esposa dele.

Harper pegou o papel e não falou nada.

— Harper, vamos — Joe a chamou, impaciente.

Abri a porta e Joe passou primeiro. Harper parou na minha frente.

— Obrigada por ter me deixado ficar.

— Espero que não esteja com problemas na sua casa — falei verdadeiramente preocupado.

— Os problemas já estavam lá antes de você. Tchau, Ethan. — Acenou e se afastou com Joe antes que eu pudesse responder.

Quando fechei a porta e encarei meus amigos, Ellie estava mexendo as mãos quase histericamente.

— Sua namorada é Harper King! Meu Deus! Como eu não a tinha reconhecido! Uau! Você está namorando a filha de Grayson King!

— Quem diabos é Grayson King? — Tyler perguntou.

— Ai, amor, você é tão desligado! Grayson é simplesmente o homem mais rico desta cidade! E um dos mais ricos do país, acho que até do mundo!

Tyler me encarou, levantando a sobrancelha.

— Isso é sério?

— Sim, é. — Eu me servi de café, que certamente Ellie fizera, tentando não dar continuidade àquele papo.

— E como diabos isso aconteceu? Um dia você está sem grana pra pagar o aluguel e no dia seguinte está namorando a herdeira mais rica do estado?

— O que isso tem a ver? — Desviei o olhar, não querendo parecer culpado.

— Onde se conheceram mesmo? — Tyler continuou.

— Numa festa, já falei.

— Festa? Só sei as festas que você frequenta para trabalhar.

Eu não respondi, apenas dei de ombros, pegando o controle remoto e ligando a TV, querendo que Tyler e Ellie deixassem aquele assunto de lado.

— Quer dizer que simplesmente estava numa dessas festas de garçom e uma rica herdeira quis ficar com você?

— Não seja esnobe, Ty! Olhe para o Ethan! Ele é lindo de morrer! Claro que qualquer mulher, rica ou pobre, ia querer ficar com ele! Aw, isso é tão lindo e romântico! — Ela sentou ao meu lado e me abraçou pelo pescoço. — Acha que a Harper me convidaria para ir à casa dela e ver seu closet? Será que ela se importaria de me deixar experimentar algumas de suas roupas incríveis?

Tirei seus braços de volta de mim e me levantei.

— Ellie, não viaja!

— Não seja chato! Eu quero ser amiga da Harper.

Eu me virei começando a ficar irritado.

— A Harper não é alguém que mereça ter uma amiga porque é rica!

— Ei, nossa, calma! Eu não quis...

— Amor, deixe o Ethan em paz — Tyler interviu. — Acho que ele não está a fim de falar do seu relacionamento com a Harper com a gente agora. Vem, vamos sair e tomar café fora.

Ele saiu puxando a namorada, mas eu sabia pelo olhar que me lançou que o assunto não estava encerrado.

Passei o dia fazendo pesquisas da faculdade e pensando em Harper, quando deveria estar concentrado nos estudos, mas ela tinha virado minha pequena obsessão.

Eu voltava o tempo inteiro no nosso diálogo na minha cama, quando ela disse que nunca tinha dormido com ninguém. Ainda me parecia incrível e impossível. Ela era bonita e sexy demais.

Mas aquela altura eu já deveria saber que ela era um poço de mistério. Por mais que eu tentasse, nunca conseguia desvendá-la.

Não vi Ellie e Tyler pelo resto do dia, mas na manhã seguinte, Ellie me acordou para lembrar que deveria me arrumar para ir à casa de John.

— A Harper vai? — perguntou curiosa enquanto nos esprememos no seu carro.

— Não — respondi, porque era óbvio que ela não iria. Harper não era minha namorada de verdade para comparecer comigo à casa do meu professor.

Maddy abriu a porta para nós, muito animada.

— Que bom que vieram! Entrem, entrem!

Ela me abraçou forte.

— Estou feliz de revê-lo, querido. Faz tempo que não aparece aqui!

— Estou ocupado estudando.

— E de namorada nova! — Ellie completou.

John entrou na sala e ouviu a exclamação de Ellie.

— Está namorando, Ethan?

— Sim, o nome dela é Harper K... — Ellie começou, mas Tyler tapou sua boca sem a menor cerimônia.

— Amor, o Ethan pode responder por si só!

Maddy sorriu.

— Ah, querido, fico feliz que está namorando. Por que não a trouxe com você?

Neste momento a campainha tocou e John se apressou em atender e meu queixo caiu ao ver Harper parada à porta com Joe atrás.


Trecho do diário de Harper King

24 de janeiro

É normal sentir-se tão bem e tão mal ao mesmo tempo?

Por um lado, minha vida continua a mesma merda de sempre, tirando alguns itens adicionais, como a puta que meu pai está comendo. Dana seria patética e eu estaria rindo da cara dela neste exato momento, mas parece que essa garota é mais esperta do que as outras vadias do meu pai. Ela acha que vai conseguir um anel no dedo, isso ficou claro hoje de manhã, quando eu acordei e a encontrei na mesa do café da manhã simplesmente dando ordens aos empregados. E ela ainda teve a ousadia de sorrir pra mim e dizer que queria ser minha amiga, afinal “em breve serei sua mãe”. Bom, eu podia tê-la tratado como as outras e ignorado sua presença, mas quando ela disse essa idiotice eu não resisti e falei exatamente o que pensava dela. Ela ficou muito puta, mas não estou nem aí. Antes que eu pudesse sair da mesa, meu pai apareceu e disse que hoje teria uma festa em casa para sua nova namorada. Ok, a tal da Dana é realmente muito esperta para conseguir algo assim tão rápido. Mas o que ela não sabe é que Grayson King é mais esperto que uma cobra cascavel e assim que ele se cansar de sabe lá o que ela deve fazer muito bem para mantê-lo interessado, ele a colocará para fora da sua vida sem nenhum arrependimento. Grayson é assim. Ele só se importa com seu dinheiro. E infelizmente, comigo. Eu não estava nem um pouco a fim de participar daquela festa, mas sabia que não iria adiantar nada me rebelar e não ir. Grayson me colocaria num vestido de grife e me arrastaria escada abaixo ele mesmo se fosse preciso.

Mas agora eu tinha um trunfo. Um motivo para irritar meu pai e fazê-lo ver que eu não era sua marionete sem vontade. Eu tinha um namorado chamado Ethan Coleman. Sinto vontade de sorrir ao me lembrar do nosso jantar de ontem. Ele era mesmo um cara legal. Muito legal. Mais legal do que seria necessário na verdade. Inferno, eu não queria ter nenhum tipo de simpatia por aquele cara. Ele era apenas o garçom bonito que eu pagava para fingir ser meu namorado. Mas ontem à noite eu me vi conversando com ele como se estivéssemos mesmo em um encontro. E hoje foi a mesma coisa. Realmente me diverti pela primeira vez na vida em uma loja. E acho que isso talvez tenha um pouco a ver com o fato dele ficar muito gato em um smoking. Muito gato mesmo. E depois teve aquele momento estranho quando ele perguntou se ia ter que me beijar. De verdade, não esperava ficar excitada apenas com a simples sugestão de um beijo. Não mesmo. Mas naquele momento eu quis que ele me beijasse. E isso me assustou pra caramba. Eu não deveria querer essas coisas com aquele cara. Por mais legal e lindo que ele fosse.

Mas daqui algumas horas ele estará aqui para o maldito jantar para a vadia do Grayson. E só de pensar nele do meu lado, todo lindo num smoking e fingindo ser meu namorado, sinto meu coração disparar de ansiedade.

E medo.

Um medo tão grande que eu nunca senti na vida.

26 de janeiro

Esta foi a primeira noite que eu sonhei com Ethan Coleman.

Nós andávamos por uma floresta escura. Eu o seguia sentindo muito medo de me perder, mas eu me esforçava para não o perder de vista até que chegamos ao Rio Charles. Ele me despia e me levava para dentro do rio. Eu queria desesperadamente que ele me tocasse, como tinha feito de verdade naquela noite. Como eu havia implorado que ele fizesse. Mas ele apenas ficou me olhando sem nada dizer. Por que não me tocava? Então achei que talvez tivesse esperando meu consentimento. Mas quando abri a boca para falar, ele mergulhou nas águas escuras e desapareceu. Eu o chamei muitas vezes, olhei para todos os lados. Mas Ethan tinha desaparecido. Eu estava sozinha naquele rio.

Acordei assustada e com um vazio horrível no peito. Por um momento imaginei nunca mais ver Ethan. Afinal, era isso que meu pai queria. Era o que ele tinha gritado para mim, tanto naquela noite da festa quando me arrastou para fora e vomitou todas as suas ordens ridículas em cima de mim, quanto na manhã de ontem quando voltei da casa de Ethan.

Eu sabia que meu pai ficaria furioso com meu “namoro”. Não foi por isso que eu inventei aquela farsa? Mas não imaginei que o poder que Grayson julgava ter sobre mim fosse tanto. Talvez eu tenha sido inocente em achar que ele apenas veria que eu não ia namorar Andy e Sean porque ele assim ordenou e me deixasse em paz, pelo menos neste quesito. Mas estava enganada.

Como também acho que estava enganada em relação a Dana. Não sei que tipo de jogo ela estava fazendo, mas tinha mais poder sobre Grayson do que as outras. Talvez ela conseguisse um anel no dedo afinal. Se levar em conta o tanto que meu pai ficou bravo naquela festa depois que eu a insultei. Ele pediu que eu voltasse pra festa e pedisse desculpas. Eu me recusei e o chamei de idiota por não perceber que Dana queria apenas seu dinheiro e ele aproveitou pra jogar na minha cara que Ethan também só queria isso de mim. E quem podia dizer que não era verdade? E como uma idiota, senti meus olhos se enchendo de lágrimas e não fui capaz de revidar mais.

Por que eu ainda ficava brava porque todos querem apenas meu dinheiro? Deveria estar acostumada.

Mas Ethan me levou com ele naquela noite. E decidi fingir que o que tínhamos era mais do que um negócio. Eu queria acreditar, pelo menos por uma noite, que eu era só uma garota comum, entrando num rio com um garoto que a desejava de verdade.

Talvez Ethan fosse bom demais no que ele fazia, porque eu realmente acreditei nisso. De verdade. Por todo momento em que suas mãos estiveram em mim, que sua boca me beijou. Mas meu cérebro traiçoeiro tomou as rédeas quando meu corpo ameaçou sucumbir. “Isso não é real, menina tola.”.

E eu me afastei.

Mesmo depois, ele ainda quis ficar comigo, me levou pra casa dele e foi de novo um cara muito legal em me deixar dormir lá, sem tentar mais nada. O que eu quase lamentei quando deitei no quarto de seu amigo sozinha.

Eu era mesmo uma idiota. Se queria ficar com Ethan, por que não deixei ele fazer o que quisesse naquele rio?

Ok, ele era um garoto de programa, mas e daí? Não era como se nossa relação fosse um conto de fadas. Tínhamos um trato. Eu daria dinheiro e ele fingiria. Fazer com que nosso acordo envolvesse sexo não seria um pecado mortal, seria? Ele fazia isso o tempo todo.

Mas no fundo eu sabia por que não ia adiante. Porque eu tinha medo daquele frio na barriga que sentia cada vez que Ethan prendia seus olhos em mim. Porque sentia de alguma maneira que ele me queria de verdade. O que devia ser alguma fantasia idiota da minha cabeça.

Mas contrariando todo meu pensamento racional, fui parar na cama dele naquela mesma noite. Fiquei envergonhada quando ouvi as vozes do amigo e da namorada e não queria ser pega ali, então corri para o quarto de Ethan. Devia tê-lo acordado, mas o que aconteceria se eu fizesse isso? O que eu já começava a fantasiar que acontecesse? Sabia que a cada hora que passava junto a Ethan, mais me deixava levar por aquela fantasia boba.

Então, apenas dormi para acordar com ele grudado em mim. Excitado por mim.

Devia ter ficado brava, ou com medo. Mas apenas senti como se fosse... Natural.

Me fez desejar acordar sempre assim, grudada nele. Excitada com ele.

Naquele momento eu quis muito perder minha virgindade com aquele cara que conhecia há apenas alguns dias e que transava com qualquer mulher por dinheiro. Mas não me importava, porque ele disse que queria transar comigo também.

E eu confessara que nunca tinha feito sexo antes. O que era algo vergonhoso talvez para uma garota de vinte anos. Mas eu não tive muita oportunidade neste sentido na minha vida superprotegida. A não ser naqueles dias em que fugi na Europa, e mesmo assim, todos os meus envolvimentos foram breves e fugazes, em nenhum momento eu me senti segura o suficiente para dar aquele passo com caras que mal conhecia.

Então eu estava de volta à vida em que todos só queriam o dinheiro do meu pai. E não era isso que Ethan queria de mim? Dinheiro? Era óbvio que ele estava excitado comigo, mas devia ficar excitado com todas as mulheres que pagavam pra ele antes. Para os homens era natural, acho. Não tinha que envolver sentimento.

Então o que havia de diferente em Ethan Coleman que me fazia não querer recuar?

Talvez o fato de o desejar tanto, que não importava os motivos dele.

Talvez eu quisesse ser apenas uma garota de vinte anos com a cabeça virada por uma paixão. Daquelas que nos fazem esquecer tudo o mais.

Mas vou ter coragem de ir em frente e contrariar as ordens do meu pai? Ele estava furioso quando cheguei com Joe ontem. E me proibiu com todas as letras de voltar a ver Ethan. Acho que gritei algo do tipo “Você não pode fazer isso! Eu sou adulta! Apenas cansei! Não pode controlar tudo!”. Subi para o meu quarto e fiquei trancada lá pelo resto do dia. Dormindo e sonhando com Ethan Coleman.

Eu não queria seguir as ordens do meu pai.

Queria continuar com meu namoro de mentira com Ethan.

Foda-se o resto.

Hoje eu vou à tal festa de aniversário em que ele estará e ninguém vai me impedir.


9

Irresistível

Irresistível: a que não se consegue resistir por ser excessivamente sedutor ou encantador.

— Harper? — Eu não queria ter parecido tão surpreso, mas percebi que deveria ter guardado minha incredulidade para mim mesmo quando a vi enrubescer incerta. Felizmente Maddy tomou as rédeas da situação.

— Olá, você deve ser Harper, a namorada do Ethan?

Harper deu de ombros, com um sorriso entre nervoso e irônico.

— Parece que sim...

— Entre logo, que educação a minha. — Maddy fez sinal para ela entrar e Harper olhou para Joe, provavelmente para dispensá-lo, embora o guarda-costas não parecesse muito certo de deixá-la entrar. Ele olhava através dela, provavelmente tentando ver se a casa era segura para a herdeira King ou algo assim.

— E você é quem? — Maddy continuou olhando curiosa para Joe.

— Joe, senhora — ele respondeu, mas obviamente Maddy continuou confusa.

— Ele é o guarda-costas da Harper — Ellie praticamente gritou de onde estava com a voz cheia de animação.

Maddy arregalou os olhos, assim como John que olhava de Harper para mim com franca curiosidade e espanto.

— Sim, ele é o guarda-costas da Harper. — Eu me aproximei. — Agora que as apresentações foram feitas acho que podemos entrar, não é?

— Hum, claro... — Maddy sorriu tentando voltar à normalidade. — Você vai almoçar conosco, Joe?

— É, eu... — Joe gaguejou olhando para Harper em busca de alguma resposta e quase ri.

A casa estava cheirando maravilhosamente bem e não precisava ser nenhum guru para adivinhar que o segurança de Harper estava bem interessado na comida que ia rolar, mas ele ainda estava ali a trabalho.

— Claro que você pode ficar. — Maddy acabou com a dúvida antes de Harper poder responder. — Fizemos bastante comida e temos lugar para mais um! Venham, vamos para a sala de jantar que o almoço já será servido!

— Você trouxe um presente para a Maddy? — Ellie falou curiosa e só então notei que Harper carregava um pacote embrulhado em suas mãos.

— Ah, sim. Vocês comentaram que era um aniversário...

— Ah, querida, não precisava se incomodar. — Maddy pegou o pacote.

— Não seja boba, abre logo! — Ellie alisou as mãos uma na outra em empolgação.

Maddy abriu o presente e dentro do pacote havia uma caixa com o logo muito grande da Tiffany.

— Ai meu Deus! — Ellie já estava se aproximando com os olhos quase pulando das órbitas quando Maddy abriu a caixa revelando um lindo colar combinando com brincos de ouro branco.

— Uau! — Maddy colocou a mão no coração, até Tyler assoviou. — Nossa, isso é...

— Maravilhoso. — Ellie estava quase babando.

— Eu não sabia se ia gostar, tive que comprar algo de última hora. — Harper deu de ombros.

Claro que para a filha de um milionário aquilo não era nada.

— Nós não íamos comer? — interrompi o ataque catatônico de Maddy e Ellie.

— Claro, vamos pra sala de jantar — John pediu.

Segurei a mão de Harper e ela finalmente olhou pra mim. Havia incerteza em seu olhar enquanto caminhávamos atrás de todo mundo para a sala de jantar.

Joe havia esquecido temporariamente sua função de guarda-costas e tinha praticamente corrido na frente.

— Espero que não tenha feito mal em vir.

Eu sorri.

— Não, não fez.

— Então tudo bem eu estar aqui? Não quero que fique constrangido com seus amigos, afinal, nem somos... — ela abaixou a voz — de verdade.

Afastei uma cadeira para que ela se sentasse e aproveitei para abaixar e sussurrar em seu ouvido.

— Eu amei que está aqui.

— Harper, você come carne? — Maddy perguntou enquanto os pratos eram passados de mão em mão.

— Ah sim, eu como, não se preocupe.

— Isso está muito bom — Joe falou de boca cheia.

— Eu amei o colar. E os brincos — Ellie suspirou. Parecia meio apaixonada por Harper. — E essas suas roupas... Essa blusa é Chanel, não é?

— Acho que sim — Harper respondeu distraída.

— É linda... Tão linda...

— Amor, menos. — Tyler apertou a mão de Ellie, lhe lançando um olhar de advertência.

— Onde conheceu o Ethan, Harper? — John perguntou e eu me mexi incomodado.

Eu sabia que ele estava farejando alguma coisa estranha.

— Numa festa — Harper respondeu.

— E como foi? — Ellie aproveitou para pedir detalhes.

— Eu pedi um cigarro para ele.

— Ethan, você continua fumando? — John rangeu em advertência e eu fiquei vermelho.

— Somente às vezes.

— É ridículo que eu tenha que falar sobre os males do fumo para um futuro médico!

— Deixa o garoto, John. — Maddy sorriu. — Jovens estão liberados para fazerem algumas loucuras. E você Harper, faz faculdade?

— Não, não faço nada ainda...

— Ela pode ficar sem se decidir até quando bem entender, com todo dinheiro King por trás... — Ellie tagarelou e Harper se encolheu com uma careta.

Segurei sua mão por baixo da mesa e a apertei forçando a olhar pra mim enquanto Tyler enfiava uma batata na boca de Ellie e sussurrava alguma bronca em seu ouvido que eu esperava que fizesse efeito.

— Não ligue pra Ellie, ela é louca — eu disse.

— Sim, isso não foi educado, Ellie — John ralhou e Ellie pelo menos teve a decência de ficar vermelha e murmurar desculpa de boca cheia.

— Posso ter um pouco dessas batatas também? — Joe pediu e Maddy passou a travessa com um sorriso satisfeito.

— Maddy, como está o seu novo jardim? — Tyler mudou deliberadamente de assunto e agradeci mentalmente.

Daí pra frente a conversa girou em torno de Maddy e John, deixando Harper em paz, o que eu tinha certeza ser proposital.

O almoço terminou e Maddy nos levou para a sala, onde abriu todos os presentes que havíamos levado e certamente nada era tão dramático como as joias de Harper.

— Acho que exagerei, não é? — Harper indagou baixinho ao meu lado e eu ri.

— Com certeza. Mas acho que Maddy não se importa. Embora deva dizer que Ellie está quase apaixonada por você. Ela tem essa coisa com suas roupas finas ou algo assim.

— Claro — Harper riu, mas eu percebi que não havia humor ali.

Então eu me toquei. Harper achava que as pessoas só gostavam dela pelo o que ela tinha. Como as roupas de grife e os presentes caros.

Era triste que ela se sentisse daquele jeito. Eu queria mostrar a ela que nem todos eram assim.

Que eu não era assim.

Mas como ela poderia acreditar, sendo que eu estava ao seu lado porque ela me pagava para fingir ser seu namorado?

— Hora do bolo! — John surgiu segurando um lindo bolo branco e todos nós cantamos parabéns para Maddy que se apressou em servir os pedaços enquanto Tyler abria um champanhe para comemorar.

— Posso pegar mais um? — Joe estendeu o prato já vazio quando Maddy nem havia servido a todos nós ainda. O gesto fez com que esbarrasse em Tyler que servia a taça de Harper, virando o conteúdo da garrafa diretamente em sua blusa.

— Oh Não! A blusa Chanel não! — Ellie gritou horrorizada.

— Oh, me desculpa, Harper — Tyler e Joe falaram ao mesmo tempo.

— Não tem problema — Harper murmurou e eu me apressei a passar-lhe alguns guardanapos, mas isso não estava ajudando.

— Que pena, sujou muito? — Maddy perguntou preocupada.

— Acho que preciso ir ao banheiro tentar secar isso...

— Claro, é a terceira porta à direita — John explicou e Harper se afastou pelo corredor.

— Coitadinha, acho que estragou a blusa. — Maddy parecia mortificada.

— Não qualquer blusa, uma Chanel! — Ellie falou com preocupação.

— Não se preocupem com isso. Ela tem muitas outras da onde saiu essa — Joe comentou pegando outro pedaço de bolo.

— Acho que aquilo não vai secar ou pode ficar manchado. Ethan, venha comigo. Eu acho que posso emprestar alguma blusa minha para Harper.

Maddy me fez segui-la até seu quarto e pegou uma camisa, pedindo que eu levasse a Harper.

Segui pelo corredor e bati na porta abrindo em seguida. E encontrei Harper apenas de sutiã no banheiro.

Nossos olhares se encontraram pelo espelho enquanto eu descia o olhar, apreciando seus seios, dentro do sutiã meia taça preto que fazia um contraste fascinante com sua pele convidativamente branca.

Não houve necessidade de palavras quando fechei a porta atrás de mim e me aproximei com minhas mãos quase formigando de ansiedade de tocá-la. E foi o que eu fiz. Parando atrás dela, coloquei meus dedos em seus ombros macios, olhando sua reação pelo espelho.

— Sua pele é tão macia — murmurei deslizando o toque por seu braço e abaixando minha cabeça para roçar o nariz em seu pescoço e aspirar — hum...

— O quê? — Ela fechou os olhos quando toquei com os lábios a pele atrás de sua orelha.

— Você tem um cheiro incrível. — Meus dedos migraram para a barriga subindo até que eu tocasse as taças cheias de renda.

Ela abriu os olhos. Havia fogo e expectativa.

Medo e ansiedade.

Era um espelho dos meus.

Queria ir além. Eu precisava disso. E sei que ela também. E por alguns instantes ficamos assim, parados no tempo, nossos corações batendo no mesmo ritmo. Esperando algo extraordinário que deveria acontecer.

Mas ela não disse nada. Eu não disse nada.

Talvez nada pudesse ser dito naquele momento.

Com muito custo, eu me afastei e apontei para a blusa de Maddy que eu havia colocado em cima da pia.

— Maddy pediu que vestisse isso. Eu vou esperá-la na sala.

Saí do banheiro e encostei-me à parede, fechando os olhos e me xingando mentalmente.

Voltei para a sala para ver que Joe tinha acabado com o bolo e John me chamou de canto.

— Sua namorada é muito bonita.

— Sim, ela é. — Eu me perguntava do que John estava desconfiado. Não tinha como ele saber do nosso acordo, tinha?

— Ela é filha de Grayson King ou entendi errado?

— Não, não entendeu errado.

Ele passou a mão pelos cabelos com um olhar preocupado.

— Ethan, tome cuidado...

— Não se preocupe, ok? — Eu queria acabar com aquela conversa.

— Grayson King é muito rico e eu tenho escutado muitas histórias. Não quero que se envolva em problemas.

Antes que eu pudesse responder, Harper voltou pra sala, vestindo a camisa de Maddy.

— Ah, serviu bem em você. Não é de grife, mas...

— Eu não me importo — Harper respondeu rápido e olhou para Joe. — Precisamos ir.

— Mas já? — Ellie fez uma cara emburrada. — Achei que podíamos conversar mais...

— Sim, é melhor mesmo irmos andando — Joe falou assumindo a postura de guarda-costas.

Maddy abraçou Harper, assim como Ellie, o que eu tenho certeza que deixou Harper surpresa, mas ela não falou nada.

Eu a acompanhei para fora.

Joe se afastou e entrou no carro.

— Joe está me esperando — ela disse simplesmente.

Não queria que ela fosse assim. Queria falar sobre o que aconteceu no banheiro.

— Harper... — Estendi minha mão, mas ela deu um passo atrás.

A impressão que eu tinha era que esta era a história da minha vida com Harper.

Eu a querendo, e ela fugindo.

— Preciso mesmo ir.

Engoli a frustração.

— E a madame vai dizer quando precisará dos meus serviços de novo? — falei com ironia.

Ela sorriu sem humor.

— Você saberá.

E assim, eu a vi se afastar e entrar no carro.

Indo embora. De novo.

Esperei que ela ligasse por duas semanas inteiras.

Afastei as perguntas irritantes de Ellie que insistia em marcar um encontro duplo, ou seus pedidos absurdos que eu a levasse à casa de Harper.

Esgueirei-me das indagações curiosas de Tyler e das conversas preocupadas de John.

Joguei-me nos estudos, tentando não imaginar que nosso acordo tinha terminado. Talvez Harper tivesse desistido de provar um ponto ao seu pai.

Talvez ele a tivesse convencido a namorar um daqueles cretinos engravatados, Sean e Andy. Quase estava esperando ver a foto dela em alguma coluna social com seu novo namorado.

Eu queria morrer ao pensar em um daqueles idiotas a tocando. Deveria ter transado com ela quando tive a oportunidade e acabado com aquela obsessão.

Agora eu tinha que lidar com a realidade de que talvez eu nunca mais a visse.

E estava mesmo começando a me convencer que ela havia desaparecido como se nunca tivesse existido quando saí na faculdade numa tarde e encontrei um chamativo BMW vermelho com Harper King ao volante.

Deveria tê-la ignorado. Ou a mandado para o inferno. Mas apenas me aproximei com um sorriso idiota. Ela tinha voltado.

— Eu estava me perguntando se ainda tinha uma namorada.

Ela colocou os óculos escuros e sorriu.

— Entra aqui.

Claro que eu entrei.

Estava tocando uma música antiga de Fleetwood Mac, enquanto ela dirigia.

Era uma das músicas preferidas da minha mãe.

— Não sabia que gostava de música dos anos 70...

— The Chain? Conhece? Eu encontrei um vinil dessa banda em meio a coisas antigas da minha mãe esses dias... — ela disse — Eu nem sabia que existiam. Algumas roupas, quadros que ela pintava. Nem fazia ideia que mamãe pintava... e que gostava dessa música.

— Minha mãe era fã dessa banda — falei com certo assombro por aquela coincidência e sorri com certa tristeza por me lembrar da minha mãe e suas roupas hippies que faziam meu pai rir cheio de indulgência. “The Chain” era uma de suas músicas preferidas e era esquisito ver Harper a ouvindo. — Eu costumava escutar do meu quarto ela com a música alta enquanto fazia o jantar.

— Queria ter visto minha mãe assim também.

— Harper... — eu não sabia o que dizer em vista a sua voz desamparada.

— Esquece. Não quero falar de coisas tristes.

E ela sorriu daquele jeito blasé e de repente reparei que ela estava um pouco inquieta, quase ansiosa quando parou o carro em frente a um prédio desconhecido.

— Que lugar é este?

— Vai saber. — Tirou os óculos escuros e saiu do carro.

Eu a segui pelo saguão iluminado e no elevador elegante até que estivéssemos em frente a uma porta e Harper me estendeu um cartão.

Levantei a sobrancelha.

— É para abrir! — Ela revirou os olhos e eu abri a porta.

Estávamos num apartamento iluminado e decorado em tons branco e cinza muito descolado, com uma linda vista da cidade.

— Posso saber que lugar é este? — perguntei enquanto Harper passava por mim.

Ela se virou e sorriu daquele jeito menina rica que eu conhecia bem. Ela era bem uma King naquele momento.

— É seu. Gostou?

Eu engasguei.

— Como é?

— Acho que meu namorado precisava ter um lugar legal para morar.

— Harper, é... absurdo.

Ela não podia estar falando sério.

— Por quê? Não temos um acordo? Isso apenas faz parte dele.

Passei a mão pelos cabelos tentando não surtar.

Harper King estava me deixando maluco!

— Não entendo você. Desapareceu por duas semanas, nem uma notícia, nada! Cheguei a achar que este acordo tinha acabado, afinal.

— Era o que queria? Que tivesse acabado?

— Não, eu não queria que acabasse. Eu não quero.

— Então apenas aceite isso como parte do que temos — ela disse se aproximando. — Como parte do que eu quero de você.

— E o que você quer?

Ela mordeu os lábios ao parar na minha frente.

— Eu quero que você faça sexo comigo.


10

Inesquecível

Inesquecível: que não se consegue esquecer; que fica na lembrança; memorável; marcante.

Havia muitas coisas que eu poderia ter dito naquele momento. E a primeira e mais sensata seria um sonoro não.

Não. Eu não estava à venda a preço de um apartamento e alguns dólares. Mesmo ela tendo me conhecido como um maldito garoto de programa.

Mas aquela era a garota que eu desejava quase às raias da obsessão desde que pusera meus olhos nela pela primeira vez.

E enquanto ela estava ali parada na minha frente, com os olhos me sondando à espera de uma resposta, eu só conseguia pensar que aquelas eram as palavras que eu mais queria ouvir nas últimas semanas.

Minha mente e meu corpo estavam à espera dela.

Meu coração estava à espera dela.

Então, enquanto minhas mãos subiam para tocar seu rosto, eu só pensava que nada que viesse do que podíamos fazer juntos seria errado.

Não importavam as circunstâncias. Eu ia fazer ser perfeito.

— Isso é um sim? — Sua voz não era mais do que um sussurro.

Eu a escutei como carícia em meu íntimo.

— Alguma vez eu te disse não? — Meus dedos traçaram seu rosto e retiraram seu casaco por seus braços.

— Você me disse não quando te propus da primeira vez.

Segurei a barra de sua blusa e ela ergueu os braços obedientemente para eu tirá-la.

— Você não pediu pra eu fazer sexo com você daquela vez.

Seu rosto surgiu meio surpreso e vermelho depois que a blusa desapareceu.

— Teria respondido sim?

Eu me abaixei e segurei seus pés para retirar a bota que deveria ser mais cara do que todas as minhas roupas e sorri de lado ao responder.

— Com certeza. — Meus dedos desabotoaram seu jeans e puxaram para baixo, o retirando dela sem dificuldade.

Eu a olhei de cima a baixo. Ela mordeu os lábios e me olhou em expectativa.

E naquele momento eu nos vi como realmente éramos. Eu estava abaixo dela, aos seus pés, como um serviçal, um escravo. E mesmo assim a adorando e pedindo permissão para tocá-la.

— Me leva para a cama, Ethan — pediu baixinho, como se soubesse que eu estava esperando uma deixa. Uma ordem.

Eu me levantei. Em todos os sentidos.

— Então me mostre onde é o quarto — respondi e ela riu. Linda.

Segurando minha mão, ela me guiou pelo corredor até um quarto que também tinha uma linda vista da cidade. Ao longe, eu vi a ponte e o Rio Charles.

Mas meus olhos registravam tudo ao nosso redor apenas remotamente. Minha atenção estava toda em Harper King, magistral em seu conjunto de lingerie de renda com os olhos presos em mim quando se deitava sobre a cama.

Comecei a tirar minhas roupas rapidamente. Respirei aliviado ao pegar a camisinha que levava na carteira e jogar sobre a cama.

Seus olhos pareciam entre divertidos e curiosos enquanto me espiava.

— Você é tão bonito.

Eu parei, nu em frente à cama e me ajoelhei no colchão segurando suas pernas e beijando seu tornozelo.

Ela fechou os olhos e mordeu os lábios segurando um gemido.

Eu me deitei ao seu lado e tirei alguns fios de cabelo do seu rosto.

— Abra os olhos.

Ela me encarou e desgrudei seus dentes dos lábios.

— Não se segure. Quero ouvir todos os seus gemidos. — Meus dedos passearam por seus lábios e ela segurou minha mão e beijou meus dedos com os olhos fantásticos fixos em mim.

Eu rezava para ter resistência e não acabar com tudo antes de começar.

Havia esperado demais por aquele momento para deixar tudo terminar rápido.

Beijei seu rosto corado e deslizei meus lábios até sua orelha.

— Sabe quantas vezes eu gozei sozinho pensando em você, imaginando você assim, gemendo pra mim?

— Então temos algo em comum — ela murmurou puxando meus cabelos até que sua boca cobrisse a minha com fúria.

Foi a minha vez de gemer e escorregar minha mão até suas costas e puxá-la. Nossas peles quentes e ansiosas se encontraram e os gemidos foram de todos os lados agora. Eu podia jurar que havia faíscas sendo geradas de nosso contato.

Nossas línguas se entrelaçaram, nossos quadris se buscaram e se roçaram, e senti o puxão forte da minha ereção querendo penetrá-la e acabar logo com aquilo. Mas eu não podia. Não ainda. Tinha que me lembrar que Harper nunca tinha feito aquilo antes.

Com um gemido de frustração, peguei suas mãos, que estavam por toda parte de meu corpo agora e descendo cada vez mais, e a segurei acima da cabeça, apartando nosso beijo.

Ela ofegou. Eu ofeguei.

Seus quadris continuaram a subir em direção ao meu.

Eu a segurei.

— Vamos devagar, Harper.

— Não me sinto com vontade de ir devagar.

— Eu só quero que seja legal pra você também.

— Acha ruim eu ser virgem?

— Não quero te machucar. Nunca transei com ninguém assim antes.

— Como foi sua primeira vez? — Sua pergunta surgiu do nada, fazendo com que eu franzisse minha testa, tentando lembrar de como foi minha primeira vez.

— Eu era muito novo. Acho que uns 14 anos ou algo assim. Estávamos numa daquelas brincadeiras de verdade ou consequência acho. Não me lembro bem como foi. Nem me lembro o rosto dela...

Voltei ao presente com Harper ainda olhando ansiosa pra mim.

Perguntei-me se ela iria esquecer do meu rosto também quando passasse os anos.

E não gostei daquela opção.

Eu me ajoelhei de novo sobre ela.

— Olhe pra mim — pedi começando a tirar seu sutiã e depois sua calcinha fez o mesmo caminho.

Ela ia lembrar de mim. Não ia esquecer. Eu me certificaria disso.

Eu a toquei com o cuidado de uma criança com um presente há muito esperado querendo desembrulhar rápido, mas com medo do momento passar logo.

E ela gemia, arqueava. O tempo inteiro eu pedia que ela não fechasse os olhos, que olhasse pra mim.

Só para mim.

Eu a adorei com meus lábios e minhas mãos.

Não havia seios mais lindos que os de Harper. Tinham o tamanho ideal para minhas mãos. Eles se eriçaram sob meus dedos e com o calor da minha respiração.

Sua pele era tão macia que eu nunca me cansaria de tocar e beijar.

Seu sexo era quente, úmido e pulsava sob minha língua.

E seus gemidos. Ah, seus gemidos.

Eu podia ouvi-los eternamente.

Eu sabia que nunca mais esqueceria daquele som. O som perfeito que escapava de seus lábios enquanto ela gozava em minha boca.

E quando eu me posicionei entre suas pernas, enfim, ela me fitou sem eu pedir.

— Por favor... — Seus braços e pernas me aconchegaram, me prenderam.

Eu não queria sair nunca mais dali.

Então eu estava entrando nela. Houve apenas um instante de hesitação quando senti a barreira já esperada, mas Harper apenas forçou seus quadris para cima, me obrigando a ir em frente. E enfim, estava feito.

Eu estava dentro de Harper King.

Por um momento, apenas fiquei ali. Ouvindo nossos próprios corações batendo descompassados no mesmo ritmo. Seu corpo se esticando dolorosamente para se adequar ao meu.

— Tudo bem?

Ela sacudiu a cabeça positivamente.

— Dói?

— Nada que eu não possa aguentar.

— Não quero mais machucar você. — Eu a queria desesperadamente, mas iria parar se ela pedisse.

— Eu aprendi muito cedo que as melhores coisas da vida não acontecem sem um pouco de dor envolvida — ela disse com um sorriso de Harper King.

Seus dedos se infiltraram em meus cabelos. Seus quadris se moveram sob os meus. Eu gemi, perdido, começando a estocar dentro dela.

— Porra, Harper!

Ela beijou meus ombros, meu rosto, mordeu minha orelha.

— Era assim que imaginou estar dentro de mim?

Aumentei o ritmo, batendo com força, perdendo o controle.

— Não, é ainda melhor. — Enfiei meu rosto em seu cabelo e gozei forte dentro dela.

Sentia seus dedos acariciando meus cabelos, enquanto nossa respiração voltava ao normal. Levantei a cabeça e a fitei. Ela sorria. Seu rosto vermelho e suado nunca me pareceu tão lindo.

— Então é assim. — Foram suas palavras simples, fechando os olhos.

Eu deixei. Beijei suas pálpebras cerradas, a ponta de seu nariz perfeito e seus lábios, e ouvi seu ressonar tranquilo.

E, enquanto saía de dentro dela, eu me dei conta de que ela estava dentro de mim agora.

Eu tinha me apaixonado irreversivelmente por Harper King.


Detetive Tim Crowley

— Então foi assim que você passou de namorado de mentira a namorado de verdade de Harper King? — Crowley interrompeu Ethan Coleman.

O rapaz riu. Um riso sem humor. Seus longos dedos desenhavam arabescos imaginários na mesa, como se seu pensamento estivesse em algo desagradável.

— Não foi bem assim...


11

Indiferente

Indiferente: não se deixa influenciar pelos sentimentos ou responde aos mesmos.

Eu me sentia meio atordoado, sentado ali em frente à cama, apenas observando seu ressoar profundo, como fiz na noite que ela passou no meu quarto.

Ainda era inacreditável tudo o que tinha acontecido naquela tarde. Seu aparecimento repentino depois de duas semanas, aquele apartamento que ela dizia ser pra mim e depois o mais inacreditável de tudo.

Eu tinha feito amor com Harper King.

E foi incrível.

Sorri como um cara sorri cheio de arrogância se sentindo muito foda por ter levado a garota que queria pra cama. E eu estava apaixonado por ela.

De repente o som de um celular tocando me tirou do devaneio pós-foda e corri para atender fora do quarto e não acordar Harper.

— Ei, onde você está? — A voz de Tyler parecia irritada e eu soltei um palavrão.

Tinha esquecido que marquei com Tyler para estudar.

— Desculpa, estou com a Harper.

— Eu achei que tinham terminado, ela sumiu e você estava com cara de merda o tempo inteiro.

— Não, não terminamos — respondi sem dar detalhes. — Olha, desculpa mesmo. Ela apareceu e...

— Tá, já entendi. A gente se fala depois. — Ele desligou e olhei em volta.

Era mesmo um apartamento bonito.

Que diabos Harper estava pensando? Ela achava mesmo que eu precisava de um lugar como aquele apenas para ter um incentivo pra transar com ela?

“O que você queria que ela pensasse? Harper acha que todo mundo quer algo dela. Você mesmo está aqui por causa de um acordo.”. Minha consciência sussurrou.

Passei a mão pelos cabelos olhando a cidade abaixo de mim, na enorme varanda que circundava a sala.

Harper precisava saber que eu não me importava com nada daquilo. Eu não dava a mínima se ela era rica ou não.

— Ei.

Eu me virei ao ouvir sua voz.

Ela estava toda vestida, parada no meio da sala.

Eu me aproximei, começando a sorrir. Querendo tocá-la de novo. Talvez tirar suas roupas de novo.

Mas não houve retribuição de meu sorriso. E a primeira coisa que reparei quando cheguei mais perto, era que ela estava muito Harper King.

Linda e distante.

O único resquício de nosso encontro era um pouco de maquiagem borrada em seus olhos e os cabelos levemente despenteados.

Senti um frio na espinha.

Mas fui em frente e toquei seu rosto me abaixando para depositar um beijo no canto de sua boca e passando um braço por sua cintura para trazê-la para perto.

— Por que está vestida? — Eu mesmo vestia apenas minha calça jeans.

— Tenho que ir. — Ela me empurrou, saindo do círculo dos meus braços.

Senti o frio se intensificar, mas continuei lutando.

— Você podia ficar. — Eu me aproximei de novo, abaixando a cabeça e beijando seu pescoço. — Acho que precisamos conversar depois de tudo...

Ela colocou suas mãos em meu peito me afastando de novo.

— Conversar?

Eu encarei sua sobrancelha levantada.

— Sim, primeiro que este apartamento... É um absurdo, Harper.

— Por quê? Achei que iria gostar de ter um lugar assim... Não ter que dividir com ninguém...

— Não me importo de morar com meu melhor amigo. Eu até gosto bastante.

— Eu não me sinto à vontade indo na sua casa com seu amigo lá.

— Você já esteve lá. Até já dormiu lá. Qual o problema? Por que estamos transando agora? Tyler e Ellie também transam lá. — Eu ri.

— Você também leva suas clientes para lá?

— Clientes? Você não é minha cliente. — Do que diabos ela estava falando?

— Mas nós ainda temos um acordo.

— Acordo?

— Claro. Isso ainda é um acordo, Ethan. — Ela deu um passo atrás pegando sua bolsa sobre o sofá. — E eu tenho mesmo que ir agora. — Sorriu com indiferença. — Aproveite sua nova casa.

Fiquei tão atordoado, que não me mexi. Deixando-a sair pela porta.

Acordo? Ela achava que depois de transarmos ainda tínhamos um acordo?

Será que Harper não percebia que eu estava apaixonado por ela? Eu não queria um acordo idiota. Não queria ser seu segredinho sujo e caro esperando no seu apartamento de luxo.

A vontade que eu tinha era de ir atrás dela e sacudi-la até que entrasse algum juízo na sua cabeça oca de menina rica!

Furioso, voltei para o quarto e me vesti rapidamente e saí da merda do apartamento. Obviamente não havia sinal de Harper King em nenhum lugar.

Ela havia partido sem deixar rastros.

Voltei para casa naquele começo de noite me sentindo um idiota.

— E aí, cadê a namorada? — Ellie perguntou quando entrei.

Tyler estava cozinhando enquanto ela pintava as unhas na sala.

— Cuida da sua vida — resmunguei e fui pro meu quarto batendo a porta.

Tyler apareceu minutos depois enquanto eu tirava a roupa.

— Só porque brigou com sua namorada não precisa descontar na minha.

— Harper King não é minha namorada.

Tyler levantou a sobrancelha.

— Não? Terminaram de verdade agora é?

— Não enche, Tyler!

— Ei, calma aí.

Eu respirei fundo.

— Olha, eu só não quero falar sobre isso, ok? Agradeceria se não falasse mais de Harper.

— Ok, tudo bem. — Ele saiu do quarto.

Tomei um banho para tirar o cheiro de Harper de mim.

Eu deveria saber que não ia sair ileso daquela história. Só não imaginava que doeria tanto.

Mas acabou. Fim.

Eu ia esquecer Harper King.

Eu não conseguia esquecer.

Sonhava com ela. Sentia meu coração disparar quando via uma BMW. Eu me pegava olhando para o cartão que abria a porta do maldito apartamento e pensando em voltar lá apenas para encontrá-la. E fodê-la de novo. Muitas vezes.

Mas isso não ia acontecer.

Por que ela era daquele jeito? Por que era tão difícil acreditar que alguém podia querer ela de verdade? Deveria ir atrás dela e dizer exatamente o que sentia.

Que eu estava louco por ela e nada mais importava.

— Já chega! — Ellie entrou pela porta, no final do terceiro dia, em que eu ficava trancado no meu quarto fingindo estudar quando na verdade estava remoendo minha história com Harper King, e sentou na minha frente com um semblante determinado, uma garrafa e dois copos na mão.

— Que inferno pensa que está fazendo?

Ela abriu a garrafa e eu senti um cheiro de uísque.

— Vou embebedar você e irá me contar toda a verdade.

— Verdade?

Ela riu, me passando um copo, enquanto segurava a minha mão e me obrigava a brindar com ela.

— Meu querido, eu sei que tem alguma coisa bem sórdida acontecendo aqui e eu vou descobrir!

Eu ri e virei o copo. O líquido desceu ardendo pela minha garganta, mas me fez bem.

Talvez fosse disso que eu estivesse precisando. Beber e esquecer.

Acordei com dor de cabeça e Ellie acariciando meus cabelos.

Eu me sentei rápido, assustado.

— O que está fazendo aqui?

Ela jogou a cabeça para trás e riu me passando uma xícara de algo que parecia café, pelo cheiro forte.

— Fique calmo, nós não transamos loucamente na noite passada! Mas muitas coisas interessantes aconteceram. — Ela piscou.

Bebi um gole do café amargo fazendo uma careta e passando a mão pelos cabelos.

A noite passada começou a se delinear na minha mente. Eu rindo com Ellie que me contava histórias engraçadas. Em algum momento eu comecei a falar de Harper.

E isso me deprimiu pra caralho. Acho que a última coisa que eu me lembro era de estar vomitando com a cabeça enfiada no vaso, Tyler xingando na porta do banheiro e Ellie dizendo que ia ficar tudo bem, ela ia dar um jeito da Harper voltar pra mim.

Porra, que diabos eu tinha feito?

Eu a encarei desconfiado.

— Tyler sabe?

— Claro que sim. Você mesmo contou quando ele entrou aqui pra me ajudar a levá-lo pro banheiro. Devo dizer que ele está puto e não concorda com o que vamos fazer, mas não ligue pra ele.

— Vamos fazer?

— Sim, não lembra? — Ela se levantou e tirou a caneca da minha mão. — Vá tomar um banho, eu faço suas malas.

— Malas?

— Claro. Eu vou levar você para seu novo e lindo apartamento. — Ela saiu do quarto me deixando ali confuso pra cacete.

Eu me levantei atordoado e entrei no chuveiro, e então a última peça se encaixou, enquanto a voz de Ellie voltava a minha mente.

“Harper tem medo de se apaixonar por você! Por isso que ela faz essas coisas, para se manter no controle. Ela acha que mantendo tudo como um acordo, pode sair ilesa. Porque não acha que alguém vai se apaixonar por ela de verdade! Ela não vai aceitar que você a ama assim do nada, sendo que tudo começou justamente pelo que ela sempre odiou: o dinheiro. Se disser que a ama agora, ela vai fugir! Então se você quer ter uma chance de conquistá-la, faça o que ela quer por ora. Se mude para aquele apartamento. Fique com ela. E eu tenho certeza que mais dia, menos dia, a Harper vai perceber que nada importa a não ser o que sentem de verdade um pelo outro. E aí, meu caro, ela não terá como fugir!”

Eu soltei um som frustrado sob a água ao me lembrar que no meu estado alcoolizado e confuso tinha concordado com Ellie.

Eu não precisava ir em frente com aquilo. Podia deixar as coisas como estavam e esquecer que Harper King existia.

Mas, inferno, eu não queria esquecer! Eu a queria de volta.

Queria continuar de onde tínhamos parado. Queria tomar posse de cada centímetro de sua pele branca, ser dono de todos os seus gemidos, de todos os seus suspiros, até que ela não pensasse em mais nada.

Queria que Harper se apaixonasse por mim, assim como eu me apaixonei por ela.

Então, o que eu tinha a perder?

Sabia que numa coisa Ellie tinha razão. Harper não ia acreditar que eu estava apaixonado por ela. Eu teria que convencê-la.

Nem que para isso tivesse que fazer o que ela queria agora e me mudar para aquele apartamento.

Eu a teria de volta.

Como Ellie dissera, Tyler estava puto e armou uma discussão quando saí do quarto.

— Como você pode se prestar a isso, Ethan? Ficar se vendendo para essas vagabundas ricas por dinheiro? Puta merda...

— Eu fiz o que tinha que ser feito, não seja puritano...

— Já pensou o que o John vai dizer quando descobrir?

— Não vai contar a ele. — Eu me preocupei.

— Não, não vou contar. Isso é problema seu!

— Ty, eu sei que parece horrível, sei que não foi uma coisa legal de se fazer, mas acabou agora. Foi apenas dois encontros na verdade...

— E Harper?

— Harper é outra história...

— Por que se apaixonou por ela? Ela está te pagando também!

— Ty, deixa o Ethan em paz! — Ellie se intrometeu. — É a vida dele e ele faz o que quiser!

— Sim, estou sabendo. Só esperava que como amigo, ele tivesse me contado... — disse magoado e eu me senti culpado.

— Me desculpe, eu sabia que não ia entender...

— Eu não entendo mesmo.

— Bom, se já acabaram a briguinha de garotas, nós temos que ir, Ethan! — Ellie colocou os óculos escuros indo para a porta.

— Tem certeza de que está fazendo a coisa certa? — Tyler perguntou sombriamente.

— Ela vale a pena, Ty. É a única coisa que sei.

— Então boa sorte. Aqui as portas sempre estarão abertas pra você, sabe disso.

Eu o abracei. Ia sentir falta de Tyler.

Ellie ficou maravilhada com o apartamento, correndo de lá pra cá como uma criança.

— Olha essas cortinas? E essa cozinha? É fantástica! Ethan, olha a geladeira está cheia!

Eu olhei para dentro da geladeira e estava realmente lotada. Como aquilo tinha acontecido? Será que Harper pagava alguma empregada ou algo assim?

Passei a mão pelos cabelos de repente me sentindo incomodado com aquela situação.

— Ei, pare com isso. — Ellie segurou meu rosto. — Sei o que está fazendo e apenas pare!

— Eu não sei se essa é a melhor decisão...

— Não quer conquistar a Harper? Então vai ter que ser assim! Ela é uma garota rica e desconfiada. Não sabe viver como nós, pessoas normais, que nos apaixonamos e nos declaramos simplesmente. Ela acha que é assim que as coisas são. Que tudo envolve dinheiro, é a vida que ela conhece. Alguém tem que mostrar pra ela que nem tudo precisa ser assim.

— E se eu estiver piorando tudo?

— Eu tenho um bom pressentimento sobre isso. Acho que ainda vou ajeitar o casamento de vocês, escreve o que estou dizendo! — Ela piscou e me soltou dando tapinhas no meu rosto. — E também acho que eu e a Harper vamos ser melhores amigas, não vai ser legal? Então para de ser pessimista e mostre o amor que essa garota nunca viu. E tudo vai dar certo.

Eu tentei ficar seguro com suas certezas, mas ainda estava incerto sobre tudo aquilo enquanto a seguia para a sala.

Então de repente a porta se abriu e Harper apareceu na nossa frente.

Ela olhou de mim para Ellie, surpresa.

Por um momento, ninguém falou nada até que Ellie quebrou o silêncio.

— Oi Harper, tudo bem? Eu já estou de saída! — Ela pegou a bolsa e ao passar por Harper, a mediu da cabeça aos pés. — Amei esta blusa Prada! — E ao abrir a porta, sorriu pra mim atrás de Harper e fez um movimento com a boca “mostre o amor” antes de fechar a porta atrás de si.

De repente, eu e Harper estávamos sozinhos na sala e ela mordia os lábios parecendo incerta, mas ao mesmo tempo seus braços cruzados em frente ao peito demonstravam um certo retraimento.

— Você está aqui.

— Não era isso que queria?

— Eu vim todos os dias e você não estava aqui. Eu achei que... — Sua voz sumiu e ela desviou o olhar.

Ela estava magoada?

Ou era apenas frustração de uma menina rica que não conseguia o que queria e quando queria?

Eu devia me importar?

Ela estava ali. Na minha frente. Tinha me esperado todos os dias.

E eu estava aqui agora.

E senti uma falta terrível dela.

Fechei o espaço entre nós e a trouxe pra mim, com minhas mãos ansiosas a puxando pela blusa até que não restasse espaço ou dúvida. Infiltrei meus dedos em seu cabelo e a língua em sua boca. Suspiramos juntos.

Precisava tocá-la. Senti-la. Não percebi que disse essas palavras em voz alta até que ela sacudiu a cabeça sussurrando algo que soou a mim como um “eu também”. Tirei suas roupas caras com pressa e urgência. Minhas roupas também desapareceram no mesmo ritmo, nossas peles nuas se roçaram e se procuraram.

Gemendo juntos.

— Por que mesmo achando que eu não ia estar aqui, continuou voltando? — sussurrei as palavras em seu ouvido, ela estremeceu.

— Porque tínhamos um acordo.

Sua resposta não foi o que eu gostaria de ouvir.

Uma parte de mim queria largá-la e ir embora.

Outra parte queria dizer que eu não estava ali pelo acordo e sim porque estava apaixonado por ela.

O que Harper faria?

As palavras coçaram em minha língua por um momento.

Você é a dona do meu coração. Do meu pensamento. Do meu corpo.

Eu entendia agora o que Ellie queria dizer.

Harper fugiria.

Mas eu podia mostrar.

Encostei a boca em seu ouvido e deslizei minha mão por seu ventre, embrenhando-me no meio de suas pernas.

— Eu vou foder você agora, Harper.

Seu gemido soou como música para meus ouvidos.

Se sexo era o que ela queria por ora, era isso que ela iria ter.

E muito.


Trechos do diário de Harper King

02 de fevereiro

Faz uma semana que não vejo Ethan e cada dia que passa acho que não o verei nunca mais. E eu queria que essa perspectiva não me deixasse tão triste.

Mas a verdade é que sentia falta dele, o que era ridículo, porque nosso relacionamento não passava de uma mentira. Ethan só estava comigo porque eu lhe pagava. Só que eu teimava em lembrar que ele me beijou naquele rio, que deu a entender quando acordei em sua cama que se sentia atraído por mim, e ainda teve aquela cena no banheiro. Ethan devia ser bom no que ele fazia, mas conseguiria fingir tão bem aquele interesse? Eu era tão inexperiente que não saberia dizer. Mas comecei a almejar que fosse verdade, que contrariando todas as possibilidades, eu e Ethan estávamos atraídos de verdade. Que algo de verdade poderia surgir.

E no dia seguinte em que estive na casa de seus amigos, decidi que ia encontrar Ethan e não sabia bem ainda o que ia fazer ou dizer, mas precisava comprovar se estava delirando ou se estava mesmo rolando alguma coisa entre nós.

Mas eu deveria saber que meu pai não iria deixar minha rebeldia da festa passar impune. Eu tinha me iludido achando que a bronca que me deu depois que voltei da casa de Ethan seria o suficiente, mas estava enganada.

Quando tentei sair na segunda-feira à tarde, descobri que meu pai tinha confiscado meu carro. Eu tinha revirado os olhos e pedido a Joe para me levar então, mas meu guarda-costas me comunicou que eram ordens do meu pai que não me deixasse sair. Claro que não adiantou eu gritar que era ridículo, que eu poderia pedir um táxi ou Uber, mas descobri nos próximos minutos que todos os meus cartões de crédito foram bloqueados, assim como minha conta no banco.

Subi até meu quarto e abri a gaveta da minha mesinha de cabeceira, onde sempre tinha dinheiro e estava vazia.

Eu sabia que Giana tinha conhecimento de onde eu guardava o dinheiro e que ela sempre o pegava sem pedir permissão. Eu não me importava. De onde saía aquele tinha muito mais. Mas agora eu estava furiosa porque meu pai me cortou tudo.

E quando entrei no seu escritório naquela tarde exigindo que devolvesse meu dinheiro, ele riu e disse que o dinheiro era dele e que eu poderia usufruir se seguisse as ordens dele. Eu gritei que não podia fazer isso, e ele rebateu que eu deveria ser uma menina mais obediente, que estava fazendo isso para meu bem, pois acreditava que Ethan estava comigo por dinheiro. “Sim, aquele seu gigolô não passa de um interesseiro da pior espécie e não vou deixar que continue com isso! Vamos ver se sem dinheiro ele ainda vai te querer!”.

Aquilo doeu. Óbvio que Ethan não ia me querer se eu não tivesse dinheiro. Então eu fiz o que achei que nunca ia fazer. Pedi desculpas ao meu pai. Concordei que ele tinha razão e que Ethan foi um erro.

Não sei se acreditou, mas naquela semana eu passei fazendo tudo o que ele mandava. Joguei tênis com seus dois queridinhos sanguessugas. Não xinguei nem uma vez a sua puta da vez, que para meu assombro, ainda estava por ali, e cada vez mais presente e até não briguei com Giana e sua mãe, minha tia Chelsea, que voltou de uma temporada em um SPA.

Tudo isso ansiando que meu pai devolvesse meu dinheiro, cartões de crédito e meu carro.

E para meu alívio, de alguma coisa valeu a semana trancada em casa fingindo que era uma filha obediente, pois ele devolveu o acesso ao dinheiro e cartões e as chave do carro, mas deixando claro que não hesitaria em me tirar tudo se eu voltasse a ver Ethan.

Por um momento, cogitei seguir aquela ordem. Estava mais envolvida com Ethan do que seria saudável dada às circunstâncias, mas papai voltou a insistir que eu devia ser mais “boazinha” com seus cachorrinhos amestrados, deixando claro que não abandonaria a ideia de me casar com um deles.

E então eu entendi. Não havia escapatória pra mim. Eu era uma prisioneira em uma gaiola de diamante. Poderia ter tudo o que o dinheiro podia comprar, contanto que pudesse dançar conforme a dança imposta por Grayson King.

Mais dia, menos dia, eu me veria obrigada a aceitar o futuro que ele escolheu pra mim.

Acho que nunca me senti tão desolada na minha vida, tão sem saída.

5 de fevereiro

Hoje aconteceu algo extraordinário. Eu descobri que meu pai ainda guarda as coisas da minha mãe no sótão. Meu pai quase nunca falava da minha mãe, e eu nem fazia ideia de que ainda havia algo que lhe pertencesse em nossa casa. Então, qual não foi minha surpresa quando Dana me abordou nesta tarde e disse que queria conversar sério comigo. Eu não tinha a menor vontade de falar com ela, mas Dana não aceitou minhas recusas e me disse que não era minha inimiga e que eu precisava aceitá-la na vida do meu pai porque ela não ia a lugar nenhum. Claro que eu ri e disse que ela seria enxotada como todas em algum momento, mas Dana parecia muito convicta de que isso não ia acontecer e disse que queria provar que queria ser minha aliada e me levou até o sótão. Eu fiquei abismada quando ela contou que meu pai escondia ali tudo o que minha mãe deixou para trás. Eu percorri o cômodo, cheio de caixas com roupas, discos, objetos pessoais e para minha surpresa, havia cavaletes e mais cavaletes com várias pinturas abstratas. Dana me contou que minha mãe pintava e eu indaguei como ela sabia disso. Ela riu e deu de ombros, dizendo que sabia de muitas coisas, me deixando sozinha. Fiquei horas lá, descobrindo um pouco sobre a mulher que eu nunca conheci. Ouvi suas músicas, vesti suas roupas e tentei imaginar como era sua risada, sua voz.

Ela tinha sido infeliz, eu sabia. Assim, como eu era infeliz.

Ela foi a prisioneira do meu pai antes de mim e por isso preferiu morrer.

Será que era este meu destino? Engolir todo o ouro que me era forçado goela abaixo, até explodir e tudo o que restasse da minha existência fossem cinzas e meus objetos deixados para trás?

Talvez a morte fosse doce em se comparando àquela vida.

Será que minha mãe foi feliz em algum momento de sua vida, antes do meu pai talvez? Será que me seria permitido ter um gosto de liberdade por menor que fosse para experimentar algum momento que eu pudesse lembrar?

Algo inesquecível antes que tudo virasse cinzas?

6 de fevereiro

Eu tenho passado horas no sótão com as coisas da minha mãe, havia tintas ainda no meio de suas coisas e ousei pegar alguns pincéis e pintar as telas vazias. Lembrei que eu gostava das aulas de arte na escola e até cheguei a pensar em estudar algo nesse sentido, mas meu pai foi enfático em dizer que não ia deixar. Claro que não tinha o menor talento, mas era relaxante deixar as cores tomarem o lugar do vazio na tela.

E assim eu deixava meus pensamentos vagarem e me perguntava o que eu faria.

Se veria Ethan de novo ou se obedeceria meu pai.

E era engraçado, hoje à noite foi minha tia que me deu uma ideia do que eu poderia fazer. Eu estava sentada na varanda fumando escondida quando ela apareceu e pediu um trago. Eu e tia Chelsea não tínhamos nada em comum e ela sempre estava do lado do meu pai, afinal, não queria perder a gorda mesada que ele lhe proporciona, então eu nem sabia que ela fumava. E lhe disse isso. Ela riu e respondeu que não fumava mais, mas que fumar lhe lembrava de um namorado que teve na adolescência, e que assim, como meu caso com Ethan, era proibido por sua família. E ela contou que se encontrava com este namorado em um apartamento que ela alugou, enquanto a família achava que ela estava fazendo aulas de tênis ou qualquer coisa que inventasse.

11 de Fevereiro

Eu consegui. Passei pelas portas da minha casa, ignorando Giana que perguntou onde eu estava, que meu pai exigia que eu jantasse com eles hoje à noite e fiz exatamente o que Grayson King pediu. Sentei-me obediente na suntuosa mesa de jantar e comi sua comida, respondi suas perguntas, e menti placidamente sobre minha tarde de compras, que com certeza ele iria confirmar com Joe depois. Mas Joe estava do meu lado.

Eu lhe perguntei quanto queria para mentir por mim, para não contar ao meu pai que eu estava vendo Ethan de novo.

E não só vendo. Eu estava fodendo com Ethan.

Ainda parece incrível escrever isso. Eu não sou mais virgem. Hoje à tarde tomei as rédeas da minha vida de merda, mesmo que por algumas horas roubadas, horas que eu sabia que um dia me seriam cobradas com juros depois, mas não me importava.

Agora eu sabia como era se deixar levar por uma paixão.

E queria mais.

Joe não pediu dinheiro e disse que gostava de mim e que não ia contar ao meu pai, contanto que Ethan não fizesse nada para me machucar.

Eu podia ter sido bem ingênua quando disse que Ethan nunca ia me machucar, mas também não me importava se eu me iludia.

Não havia futuro para mim e Ethan, então não me interessava se ele estava comigo apenas porque eu lhe dei um bonito apartamento e algumas horas de sexo.

Ainda me lembrava do frio na barriga que sentia em todo o percurso até o apartamento que aluguei para ele. Para nós.

Perguntava-me se não estava dando um passo no escuro, confiando em um cara que fazia isso por dinheiro com qualquer mulher que lhe pagasse. Sentia um aperto no estômago quando pensava que Ethan não era diferente dos outros caras, como Andy e Sean, apenas interessados no meu dinheiro. Porém, me sentia segura quando pensava que com Ethan, eu estava no controle. Não havia falsas promessas ou fingimento. Tínhamos um acordo no qual as regras eram ditadas por mim.

E não podia negar que isso me dava uma sensação de poder. Pela primeira vez na minha vida eu me sentia no controle. Eu não estava me deixando seduzir por algum cretino que achava que eu era uma herdeira idiota e influenciável. Não estava prestes a transar com um cara que meu pai tinha escolhido.

Eu escolhi Ethan. Eu estava no comando.

Porém, quando finalmente eu disse as palavras “quero que faça sexo comigo”, confesso que mesmo parecendo segura e controlada por fora, por dentro eu estava trêmula de medo. E de expectativa. Primeiro para saber se eu estava certa em achar que Ethan estava atraído por mim a ponto de aceitar aquela nova face do nosso acordo, e depois pela expectativa de fazer sexo em si. E eu nem ousaria nomear de algo mais romântico, como fazer amor ou qualquer baboseira assim, porque, por mais que só de estar perto de Ethan eu já sentisse um comichão entre minhas pernas, eu sabia que entre nós o lance seria apenas físico.

Eu estava muito atraída por Ethan, como nunca estive por outro cara antes e se ele estava atraído por mim também, por que não nos deixarmos levar? Eu queria saber como era, como seria estar com um homem, fazer sexo com ele. Então, ele tirou minhas roupas e pela primeira vez eu me vi nua em frente a um cara e pela primeira vez eu vi um homem nu de perto e Ethan era perfeito.

Eu tentei respirar normalmente e passar uma imagem de que não estava nervosa ou com medo, porque mesmo quando Ethan se juntou a mim, e eu senti nossas peles quentes se tocando e tudo o que ele fez comigo a seguir — coisas que eu me sinto vermelha agora só de lembrar e que eu nunca poderia nem descrever — ainda havia uma parte de mim que se mantinha alerta e distante, assombrada por todos os anos em que passei desejando ser acolhida, ser aceita, ser amada, e recebi apenas frieza.

Dar-me conta que havia um lado meu que queria mais do que apenas sexo de Ethan, mesmo quando eu afirmava a mim mesma que tudo não passava de um acordo, me fez ter vontade de empurrá-lo e fugir correndo. Porém, meu corpo tinha outras ideias e deixou que Ethan lhe mostrasse como era quando duas pessoas se desejavam. Como era se unir a alguém da forma mais íntima que dois seres humanos podiam se unir e o prazer mais perfeito que poderia existir desta união.

Ok, enquanto escrevo isso me sinto uma idiota romântica, quando deveria estar apenas aliviada por não carregar mais uma virgindade inconveniente e por minha primeira experiência sexual ter sido com um cara que eu desejava de verdade. Que tinha me feito acreditar que me queria de verdade também. E eu me pergunto se estou sendo boba. Se o fato de ter transado com Ethan bagunçou meu raciocínio e agora estou ansiando por coisas que não deveria ansiar.

E quando tudo terminou, quando ele se afastou e minha mente passou a dominar meu corpo de novo, o medo me assolou com força.

Eu tinha dado meu corpo a Ethan, mas meu coração não podia entrar naquela equação.

E foi com este pensamento que eu me despedi dele hoje à tarde e voltei pra casa, depois de passar em algumas lojas e gastar o dinheiro do meu pai em roupas que nem precisava, apenas para poder sustentar minha mentira.

Confesso que não estava preparada para a mágoa que eu achei ter visto no rosto de Ethan, quando fui fria com ele depois. Mas era assim que deveria ser. Eu gostava de Ethan, gostava do jeito que ele me fazia sentir, mas não queria que fosse além disso. Ele tinha que saber que nada mudou, tínhamos um diferente tipo de acordo agora, mas ainda assim um acordo.

Eu precisava estar preparada para o fim.

13 de fevereiro

Voltei ao apartamento três dias seguidos e Ethan não apareceu. Não respondeu às mensagens que lhe mandei e não me deu nenhuma satisfação.

Estava claro que ele não se mudou para o apartamento como eu esperava e toda vez que chegava lá e via o lugar vazio, mais me desesperava.

Ethan tinha sumido.

Tinha rejeitado o que eu achava que estava mais do que acordado entre nós.

Por quê?

Pensei em ir até o apartamento que dividia com o amigo, mas não fiz isso. Achei que tinha alguma explicação, que Ethan poderia estar resolvendo algum assunto antes de se mudar.

Mas já faz três dias de silêncio e ausência.

Talvez eu deva entender que acabou.

Não queria sentir essa falta de ar agora por algo que eu sabia que não podia durar.

Não queria sentir meu coração reclamando de que, por mais que eu negasse, ele já estava envolvido naquele acordo mais do que deveria.


12

Irritante

Irritante – que leva a um estado de irritação, por vezes próximo ao da cólera; enervante, irritativo.

Quando abri os olhos, Harper estava se vestindo.

A noite tinha caído e o quarto estava envolto em sombras, porém meus olhos sonolentos conseguiam focalizar a figura da garota se vestindo apressada ao lado da cama. Por alguns momentos, ela não percebeu que eu estava acordado e continuou com a missão de se vestir com suas roupas caras. Deixando de ser assim apenas a garota bonita que fodi nas últimas horas para se tornar Harper King.

Inatingível.

— Você tem mesmo que ir agora? — Ousei denunciar minha presença e ela se virou, sacudindo os cabelos para fora da camisa, enquanto ajeitava a gola.

— Sim, eu tenho.

— Tem, ou quer ir? — Minha voz saiu arrastada e cheia de insinuações.

Percebi que mordia os lábios desviando o olhar e ela sabia que eu queria que ficasse. O que iria acontecer – de novo – se ficasse.

Por um momento, imaginei que ela iria sorrir e dizer que sim, iria ficar. Mas claro que Harper King não iria fazer algo que eu queria. Mesmo que fosse o que ela quisesse também.

Ela precisava estar no controle e por um momento isso me irritou pra cacete. Iria me deixar ali, naquele apartamento ridículo, e para que toda aquela opulência servia se Harper não estava ali comigo?

Harper era o único motivo de toda aquela merda valer a pena. Ela era o que mais de valor poderia ter.

— Eu tenho sim — afirmou por fim se sentando na cama ao meu lado para calçar os sapatos.

Eu aproveitei e abracei sua cintura. Enterrei o rosto em seu pescoço. Ela ainda estava quente. Ainda cheirava a mim.

— Ethan, sério, não posso mesmo ficar. — Pelo menos a sua voz agora estava mais fraca, sem todo aquele tom de controle.

— Não conseguirei mesmo te convencer?

Ela sorriu finalmente, e se voltou, tocando meu cabelo. E senti um certo pesar em seu olhar, em suas mãos.

Despedida.

— Eu queria ser convencida, se isso te faz sentir melhor.

— Então eu sou bom?

Ela riu, rolando os olhos, e se inclinou para beijar minha boca, afastando-se rápido demais antes de se levantar.

— Você é demais, sabe disso.

E enfiou a mão na bolsa e tirou um envelope colocando sobre a mesa de cabeceira e dando meia-volta, saiu do quarto, entrando no banheiro.

Eu não me movi, meus olhos fixos no envelope, como se dentro dele estivessem todos os males do mundo.

Pelo menos do meu mundo.

O jeito que Harper me elogiou lembrou demais os elogios de Carmen, antes de me deixar com quinhentos dólares e ir encontrar seu marido.

Harper não tinha um marido. Mas tinha um pai controlador.

Toda uma vida que não me incluía.

E todo o dinheiro do mundo. Dinheiro que ela deixara uma parte ali naquele envelope.

Com Carmen eu me senti sujo.

Com Harper eu me senti triste.

Peguei o envelope e o joguei de volta dentro de sua bolsa.

Ela voltou para o quarto e a pegou, se despedindo com um aceno blasé.

***

— E aí? — Tyler indagou enquanto dissecávamos um corpo na sala fria.

Eu podia sentir seus olhos envoltos nos óculos de proteção fixos em mim, cheios de curiosidade.

— E aí o quê? — Tyler era meu melhor amigo, mas eu não estava à vontade para dividir nada sobre Harper.

Tyler era legal, mas um cara muito prático e correto.

Certeza que ele não concordava que eu morasse às custas de Harper. E muito menos que recebesse dinheiro dela.

— Harper. A Ellie disse que ela apareceu lá ontem quando chegaram.

— Sim, apareceu.

— Só isso?

— O que quer saber, Tyler? Quantas vezes fodemos? — rebati impaciente e ele riu.

— Calma, cara. Achei que agora que voltaram estaria mais bem-humorado, mas pelo jeito... não está tudo bem?

— Por que não estaria?

— Por que ainda parece que tem um toco enfiado na bunda? Não está parecendo um cara em lua de mel.

— Não estou em lua de mel.

— Entendeu o que eu quis dizer.

— Olha Ty, não me leve a mal, mas toda essa história com Harper é fodida pra caramba e sei que se preocupa e até quer ajudar, mas não estou com vontade de dividir no momento, tudo bem?

— Certo, não vou insistir. Tem direito de guardar suas merdas pra você.

Eu tive que rir.

Merda era uma boa palavra.

Quando eu estava saindo do campus, recebi uma ligação de Ryan.

— E aí, cara, está a fim de um trabalho?

Cocei o cabelo, me perguntando se ainda tinha saco para servir mesas em festa grã-fina. Mas se eu não queria gastar o dinheiro de Harper, talvez o melhor fosse continuar com minha rotina fodida de garçom.

— A fim não é bem a palavra, afinal servir gente metida não é o meu trabalho preferido.

Ryan riu.

— Cara, nem estou falando de servir mesa. Estou saindo com uma executiva de uma revista de moda e...

— O que eu tenho a ver com isso?

— Eu quero dizer que ela me chamou para uma sessão de fotos amanhã cedo.

— Sessão de fotos?

— Sim, e perguntou se eu tinha alguém para indicar.

— Não sou modelo. E tenho aula amanhã.

— Também não é garçom e daí? É um bico, cara, e a grana é boa pra caramba, umas dez vezes mais do que ganhamos numa noite servindo champanhe para aqueles putos. E não ganhamos isso nem fodendo as bocetas ricas...

— Certo, entendi — eu o cortei.

— Enfim, eles querem um trabalho com rostos desconhecidos ou sei lá, está dentro?

— Não sei...

Eu nunca tinha feito aquele tipo de trabalho, embora posar para umas fotos não poderia ser mais entediante do que passear com uma bandeja.

Ou foder bocetas grã-finas.

“Mas não é isso que está fazendo?”. Uma voz insidiosa sussurrou dentro de mim.

— Certo, preciso desligar, me avisa ainda hoje, que eu te ponho pra dentro, ok?

— OK.

Ainda estava me perguntando se devia ou não aceitar aquele trabalho quando cheguei no apartamento e encontrei Harper sentada no sofá.

Por um momento, não consegui conter o sorriso que se ergueu em meus lábios, ao vê-la.

Mas ela estava séria quando olhou pra mim.

— Tudo bem? — indaguei receoso colocando meus livros sobre o aparador.

Ela se levantou e mostrou o que tinha na mão.

Era o envelope.

Meu humor caiu no mesmo instante.

— Por que colocou isso na minha bolsa?

Lá vamos nós.

Fui para a cozinha e abri a geladeira.

Harper foi atrás.

— Não é seu?

Peguei uma garrafa de água e um copo.

— Eu te dei, então não é mais meu.

— Eu não te pedi nada. — Tomei um longo gole tentando não ficar bravo.

Não queria brigar com Harper, mas é o que ia acontecer se ela insistisse.

— Achei que..

— Foda-se o que você achou!

Joguei o copo na pia e me virei, furioso. E Harper se encolheu.

Por um momento, eu vi tanto terror em seus olhos que me deixou desnorteado.

— Você está bravo.

— Inferno, Harper, você torna tudo... uma transação comercial.

— Eu... É isso que nós somos.

— Sério mesmo? É isso que pensa quando estou te fodendo?

— Eu não achei que ficaria bravo porque eu te dei dinheiro. Foi isso o que combinamos e...

— Não combinamos que me daria dinheiro para trepar com você.

— Por que está aqui?

Por que estou apaixonado por você?

As palavras flutuaram em minha mente por um momento. Loucas para voarem até Harper como tiros de canhão que estilhaçaria tudo ao nosso redor.

Inclusive Harper.

E por não ter certeza de que Harper sobreviveria a isso, eu recuei.

Guardei as armas e avancei até ela em poucos passos, segurei seu rosto e colidi nossas bocas com fúria, transmitindo naquele beijo toda a minha frustração, toda a minha raiva.

Todo o amor que ela não queria, mas que eu sentia de qualquer jeito.

Senti suas mãos puxando meu cabelo e seu corpo maleável agora, se moldando ao meu, numa docilidade que só acontecia quando estávamos assim, perdidos um no outro.

E enquanto a despia com movimentos frenéticos, embriagado com seus gemidos e a colocava sobre o balcão e a penetrava rápido e com força, querendo exorcizar meus próprios demônios dentro dela, eu quis ter o poder de exorcizar os demônios de Harper também.

Aqueles que habitavam sua mente e não deixavam que ela fosse feliz.

Queria ser eu a pessoa que a fazia feliz.

Só que eu não sabia naquela época, ou talvez até desconfiasse, mas não tinha uma noção ampliada da situação, que o demônio não estava dentro da sua cabeça.

Estava dentro de sua casa. E a chamava de filha.

Na manhã seguinte, fui até a maldita sessão de fotos com Ryan, que parecia muito satisfeito, sendo o bichinho amestrado de uma mulher que devia ter bem uns trinta anos a mais que ele, mas que provavelmente lhe dava alguns dólares em troca.

E quem era eu para sentir nojo?

O sujo falando do mal lavado.

Mas aguentei firmemente aquela sessão idiota, ignorando como Donna, a namorada, ou sei lá como chamava, de Ryan, disse que eu levava jeito. E tive a impressão de que ela não quis dizer que eu levava jeito apenas para foto.

Sorri e argumentei que não tinha tempo de bancar o modelo porque estudava Medicina. Ela pareceu impressionada. Mais do que eu gostaria.

Mas no fim do dia, eu estava alguns dólares mais rico, ou assim me sentia. Quando voltei pra casa, tomei um banho, e me sentei na poltrona em volta da cama, fumando um cigarro.

Eu sabia que Harper ia chegar a qualquer momento.

Ontem, depois da briga, ficamos bem.

Aceitei que ficaríamos bem se eu fizesse as vontades de Harper e aceitasse seu dinheiro sem reclamar.

E como já estava se tornando uma constante, assim que transamos, ela se vestiu e disse que tinha que ir, não sem antes voltar ao assunto do dinheiro, que eu preferia esquecer na verdade.

— Este negócio do dinheiro não é nada. É dinheiro King e nós temos muito, não faz diferença alguma.

Eu não respondi, mas acho que ela também não esperava qualquer resposta. Era quase uma ordem.

Daquela vez, nem perguntei se podia ficar.

Eu já sabia a resposta.

Escutei agora a porta batendo e depois os passos de Harper pelo apartamento.

— Ethan?

Não respondi, a fumaça saindo da minha boca e fazendo um mosaico enquanto eu podia ouvi-la me chamando de novo, seus saltos ecoando pelo chão de madeira, cada vez mais próximos até que ela entrou no quarto.

Seu rosto antes tenso suavizou ao notar minha presença, e senti uma certa satisfação vingativa.

Eu não era um cara vingativo, mas às vezes me perguntava se Harper sentia a metade do martírio que eu sentia naquele estranho relacionamento.

— Você está aqui.

— Onde mais estaria?

Ela parecia difusa através da cortina de fumaça que foi se dissipando. Hoje, vestia uma calça de couro preta e uma camisa muito elegante branca e sapatos que deviam sustentar uma grande família por um mês inteiro.

Perfeita.

— Está tudo bem? — Franziu o olhar, confusa com meu silêncio.

Então sua atenção pousou sobre a cama e ela arregalou os olhos, fixando em mim de novo.

Sorri.

— Que diabo é isso?

A cama estava coberta de notas de dólares.

Todo o dinheiro que eu tinha ganho na estúpida sessão de fotos.

— Dinheiro.

— Estou vendo que é dinheiro, mas porque está espalhado sobre a cama?

— Não é o seu dinheiro, vamos deixar claro. O seu ainda está dentro do envelope no mesmo lugar que deixou ontem.

Ela bufou, começando a se irritar.

— Ethan, se vamos discutir de novo por causa...

— Não vamos discutir.

— Então o que significa isso? Aliás, se não é o meu dinheiro...

— Eu fiz uma sessão de fotos hoje de manhã.

— Foto?

— Sim. Idiota, eu sei. Mas meu amigo Ryan me arranjou este bico e a grana era boa como você pode ver, embora acredito que isso não deve ser nada pra você.

— Não entendo onde quer chegar.

— Que eu quero que tire a roupa. Hoje sou eu quem pago para te foder.


13

Imoral

Imoral – contrário ao pudor, à decência; libertino, indecente.

— Está de brincadeira?

— Estou rindo?

Ela hesitou, confusa com a situação inusitada e minha ordem inesperada.

Seu olhar foi para a cama e depois para mim. Talvez esperando que eu fosse rir e dizer que estava brincando.

Ok.

Eu realmente estava brincando. Só queria que Harper sentisse um ínfimo do que eu sentia quando ela rebaixava tudo a uma questão de pagar e receber.

Sim, talvez eu pretendesse mesmo rir e quem sabe esperava que ela dissesse algo como “agora eu entendi”. Talvez um “me desculpe, Ethan”.

Mas Harper sustentou melhor e levou a mão à blusa. E a minha risada morreu antes mesmo de nascer, enquanto observava o sutiã de Harper surgindo.

Não conseguia desviar o olhar enquanto ela se despia peça por peça até erguer-se nua na minha frente.

Então, pareceu meio insegura.

— E agora?

— Você... — Minha voz saiu rouca e eu limpei a garganta. Merda. Eu ia mesmo transar com Harper sobre notas de dinheiro? — Você é linda. — Foi tudo o que consegui dizer.

— Sou? Me acha bonita ? De verdade, ou está dizendo isso porque ...

— Está me pagando? Mas hoje sou eu quem está pagando. — Levantei a sobrancelha de forma vilanesca, quase cômica.

— É? — Havia agora diversão em sua voz e eu amei isso.

Ok. Ainda podíamos nos divertir.

— Dê uma volta — ordenei.

Ela fez uma expressão impaciente e contrariada, mas obedeceu.

Era engraçado ver Harper cumprindo ordens pra variar.

— Aprovada?

— Ainda não tenho certeza antes de terminar a transação.

— Você não vai pedir nada bizarro, não é?

Dessa vez eu ri.

— Por quê? Ia se opor?

— Na verdade eu ia ficar com medo de não saber fazer, você sabe. Sou nova nisso.

— Eu duvido que se saia mal em alguma coisa.

— Eu nunca me saí bem em nada.

De repente ela parecia insegura de novo e eu quis tirar aquela desolação de sua voz.

Mas agora não era o momento, porque eu estava com um puta tesão e só queria gozar dentro dela. Por enquanto era só o que eu poderia querer, mas sabia que a cada hora que passava ao lado de Harper mais eu queria dela.

Seu corpo.

Seu coração.

Sua alma.

— Deite-se.

Ela se aconchegou na cama. À espera.

Eu me levantei e comecei a tirar a minha roupa.

— Toque-se.

Seus olhos arregalaram.

— O quê? Não!

— Quem manda aqui sou eu hoje, Harper. Vai dizer que nunca fez isso?

— Não na sua frente ou na frente de ninguém!

— Tudo tem sua primeira vez.

Ela mordeu os lábios muito ruborizada, mas fez o que eu pedi levando os dedos para o meio de suas coxas e se acariciando com os olhos presos nos meus.

Caramba. Acho que nunca vi algo tão sexy em toda minha vida. Harper King em uma cama cheia de dinheiro, nua, se tocando e esperando por mim.

Eu estava tão excitado que tive medo de explodir antes mesmo de começar, quando ajoelhei na cama e coloquei o preservativo.

Harper estava vermelha e ofegante, o peito subindo e descendo a cada respiração, quando me aproximei e segurei seu pulso a obrigando a parar.

— Já chega. — Então levei seus dedos aos meus lábios e os chupei.

Ela cravou os olhos em mim, surpresa e excitada.

— Vai transar comigo agora?

— Pode apostar. Vire-se.

Ela se virou de bruços e puxei seus quadris para cima e a penetrei assim. Harper soltou um grito de susto e prazer e arremeti várias vezes, nossos corpos se chocando e se completando enquanto tudo o que sentíamos era prazer.

Com uma mão agarrei seus cabelos e beijei sua coluna e ela se virou para olhar pra mim, os olhos selvagens, os lábios entreabertos que deixavam escapar gemidos entrecortados, e sorri feliz pra cacete de estar ali, fodendo aquela garota incrível. Até que meu próprio prazer dominasse meus sentidos e meti com mais força e mais rápido, o orgasmo se aproximando e me deixando fraco e forte ao mesmo tempo.

Harper ficou tensa embaixo de mim e percebi que estava gozando com seu corpo se contraindo a minha volta e, sem resistir mais, eu me movi uma última vez, gozando forte também.

Caímos sobre a cama, exaustos e ofegantes.

Depois de alguns minutos abri os olhos e Harper estava com os olhos fechados ainda de bruços.

Retirei alguns fios de cabelo suados do seu rosto.

— Tudo bem?

Ela apenas ronronou em resposta.

A noite tinha caído e eu me senti ansioso por pensar que a qualquer momento Harper se afastaria e iria embora.

Sem pensar, eu me levantei e fui para o banheiro. Livrei-me do preservativo e liguei a água da banheira. Voltei para o quarto e peguei Harper no colo.

Ela abriu os olhos, confusa.

— O que está fazendo?

Eu a coloquei na banheira e me sentei na sua frente.

— Apenas um banho.

— Eu preciso ir...

— Não agora. Relaxa, Harper.

Ela hesitou mas senti seu corpo relaxando enquanto ela abraçava os próprios joelhos, os olhos descansando nos meus.

Será que ela se sentia em paz ali, comigo? Como eu me sentia com ela?

— Você é linda — murmurei.

— Já disse isso — refutou.

— É só o que me deixa ver.

— O que quer dizer?

— Que não me deixa ver quem é você. Quem é você, Harper?

Ela desviou o olhar.

Senti que estava tensa de novo.

— Precisa mesmo saber? Isso aqui não é suficiente?

Não respondi, porque não queria mentir e Harper não estava pronta para ouvir a verdade.

— Será suficiente até quando você quiser — afirmei por fim com um arremedo de sorriso.

— Agora preciso mesmo ir. — Ela se mexeu, o clima de relaxamento perdido.

— Tudo bem.

Saímos da banheira e peguei uma toalha a enxugando.

— O que está fazendo? — Ela reagiu confusa, mas continuei.

— Cuidando de você.

— Isso é esquisito.

Abri um sorriso divertido me abaixando para enxugar seus pés.

— Por quê?

— Ninguém nunca cuidou de mim.

— Nem sua mãe? — Eu me levantei levando a toalha ao seu cabelo, que estava levemente úmido.

— Não conheci minha mãe.

— Sinto muito.

— Mas acho que não é bem verdade, que ninguém nunca cuidou de mim, eu tive muitas babás. Mas quis dizer que nunca depois de adulta, entende? Não é meio bizarro?

— Não, é permitido, entre os casais, sabe?

— Nós somos um casal?

Ops! Caminho errado.

— Não somos? Achei que eu fosse seu namorado de mentira — consertei.

— É, de mentira — ela repetiu com aquele seu sorriso blasé usual.

Nós fomos para o quarto e eu também a ajudei a se vestir.

— Você fazia isso, com ela?

— Ela quem?

— Sua ex-namorada.

— Claro que sim. Eu disse que não é nada demais, Harper. — Tentei não me incomodar com sua pergunta sobre Lauren.

— Qual o nome dela?

— Lauren.

— Por que terminaram?

— Porque ela arranjou um namorado rico. — Engraçado que falar disso ainda me irritava de alguma maneira.

— Você gostava dela?

— Sim... — respondi vago querendo terminar aquele assunto. — Pronto, está pronta para voltar à mansão King. — Eu a contemplei toda vestida.

— Obrigada.

Eu a levei até a porta do elevador.

— Você volta amanhã? — Tentei não soar carente ou cobrando algo.

Não sei se tive sucesso.

Acho que nem me importei.

Ela não respondeu, sorriu e entrou no elevador. As portas se fechando enquanto eu ficava ali, querendo que já fosse amanhã.

E tentei apagar aquela impressão estranha de que ela não ia voltar.

Eu não estava preparado para a possibilidade de não mais ver Harper.

Mas ela voltou.

Quando eu chegava da faculdade, no fim da tarde, ela estava lá, esperando por mim.

Fumava meus cigarros, folheava meus livros de Medicina com cara de tédio até que eu abrisse a porta.

Então não havia muito a ser feito a não ser nos atracarmos como duas pessoas sedentas no deserto.

E havia sempre um desespero em nossos gestos. Em nossos beijos. Em nossas mãos. Era extraordinário e nunca parecia ser o bastante.

Não falamos mais de dinheiro, mas ela continuamente os deixava pelo apartamento, como se fossem pistas numa gincana perversa na qual o prêmio não seria nada agradável no final.

E a cada dia em que se arrumava e ia embora, eu sentia que ela levava mais uma parte vital de mim junto.

E para onde ela ia?

Eu queria que me contasse o que acontecia na sua vida, quando não estava ali comigo. Nunca mais tinha pedido para que eu fingisse ser o namorado na frente do seu pai ou dos seus pretendentes, que também não tinha certeza se tinham desistido.

Eu tinha visto como Grayson King arrastou Harper para fora da festa. E o jeito que ela ficou depois, naquela noite em que eu a levei ao Rio Charles e beijei pela primeira vez.

Desejava perguntar a Harper o que se passava em sua casa, porque seu relacionamento com o pai era tão difícil a ponto dela inventar um namorado para afrontá-lo.

Se era por isso que ela parecia tão fechada para o mundo. Tão fechada para mim. Mas não ousava romper a barreira que Harper havia construído a sua volta, além daquela física que quebrávamos a cada encontro.

Eu conhecia cada parte do seu corpo, cada gemido que saía de sua garganta, mas não fazia ideia do que se passava em sua mente.

Quem era Harper King de verdade.

E pouco mais de uma semana do episódio do dinheiro sobre a cama, eu saí da aula e me surpreendi ao ver Harper me esperando em frente a um carro.

— Estou surpreso, Senhorita King, a que devo sua visita? — indaguei me aproximando.

Ela tirou os óculos escuros e se afastou apontando para o carro.

— O que acha?

Eu assoviei.

Era um carro diferente do que ela costumava dirigir.

Este era um modelo antigo, conversível. Mais precisamente um Cadillac Eldorado prata.

— É incrível.

Ela jogou a chave pra mim.

— Você dirige.

Sentei no banco do motorista e Harper sentou ao meu lado.

Pelo espelho retrovisor, eu vi Joe em seu carro preto nos seguindo de perto.

Eu me perguntei se Joe ficava com o carro estacionado em frente ao prédio enquanto eu fodia Harper todas as tardes. Provavelmente.

— Nunca imaginei você com um carro desses — comentei.

— Porque não é meu. É seu.

Desviei o olhar da estrada por um instante para fitá-la, confuso.

— O quê?

— Comprei pra você. E olhe pra frente!

Voltei a atenção para a estrada, agora muito irritado.

— Você me comprou um carro?!

— Sim, por que o espanto?

— Harper, puta que pariu, isso é ridículo!

— Não é ridículo. Você disse que gostaria de ter um Cadillac Eldorado, lembra?

Porra, ela tinha lembrado disso?

Eu lhe disse quando saímos a primeira vez, que apreciava este modelo de carro.

Mas não para que Harper pudesse me comprar um!

Inferno, ela não tinha limite?

— Isso é totalmente fora da...

— Não entendo por que está bravo... Entra aqui. — Apontou para a próxima à direita.

— Não é nosso caminho.

— Vamos dar uma volta. Que tal o Rio Charles?

Ela sorriu pra mim de forma sugestiva e, porra, eu estava perdido.

Notei que Joe não tinha nos seguido quando estacionei o carro em frente ao rio.

O sol estava se pondo e o céu pintado em milhares de tons laranja.

— Cadê o Joe?

— Pedi para não nos seguir, mas ele sabe onde estou, claro, então se pensa em me matar e jogar meu corpo no rio, não vai sair impune. Tem um cigarro?

Eu lhe passei um e acendi.

Fumamos em silêncio.

— Isso não é um bom hábito — critiquei.

— Eu sei. Mas não me importo.

— Não gosta de seguir regras?

— Eu sigo todas as regras — ela resmungou, o pensamento longe.

— Está tudo bem... na sua casa? — Ousei arriscar.

Ela apagou o cigarro e sem aviso veio para cima de mim, empoleirou-se no meu colo e me beijou.

Ri contra seus lábios, com um pouco de raiva por ela ter fugido da minha pergunta, mas a beijei de volta. O que mais eu podia fazer?

Quando paramos para respirar, estávamos ambos ofegantes e excitados.

— O que acha de transar num carro? — indaguei segurando seus quadris contra minha ereção.

Ela pareceu chocada e animada.

— Para tudo tem uma primeira vez.

Eu ri fazendo um caminho de beijos por sua garganta, minhas mãos se embrenhando numa missão de reconhecimento para dentro de sua blusa.

— Você vai aceitar se eu te disser que não quero este carro?

Ela parou minhas mãos me encarando impaciente.

— Vai mesmo criar caso por causa de um carro bobo?

— Um carro muito caro.

— Um carro bobo — insistiu.

Somente Harper para chamar um carro daqueles de carro bobo.

— Você não precisa ficar me dando coisas, Harper.

— Mas eu quero dar.

Eu quis dizer que tudo o que eu queria estava ali, entre meus braços, mas o medo de assustá-la foi maior e como bom covarde que eu era, apenas cedi e a beijei de novo.

Esquecendo por ora quão diferentes éramos, o quão distante aquela garota estava da minha realidade e que mesmo assim, às vezes, parecia ter sido feita pra mim.


14

Inusitado

Inusitado - que causa surpresa, estranhamento; que é diferente do que se espera ou se imagina. Improviso.

— E aí, o que digo a Ellie? — Tyler questionou quando saímos da aula naquele fim de tarde.

— Sobre o quê? — indaguei distraído olhando a hora. Hoje tive aula até mais tarde e provavelmente Harper já estaria me esperando.

— Não escutou o que estou te dizendo? Ellie convidou você e a Harper para beberem com a gente hoje.

Levantei a sobrancelha, intrigado com aquele convite.

Não que eu devesse ficar surpreso com o fato de Ellie querer incluir Harper na “turma”.

Mas não era como se Harper fosse minha namorada ou que ela estivesse disposta a aceitar confraternizar com meus amigos. E pra falar a verdade, nem sabia se eu queria dividir Harper com eles.

— Eu não sei... — respondi devagar, sem saber o que dizer. Tyler parecia mais acostumado com aquele meu estranho relacionamento, mas a verdade é que ele não nutria os melhores sentimentos por Harper.

— Ellie está insistindo — Tyler disse e eu ri.

Claro que isso tinha que ser coisa de Ellie.

— E o que você acha disso? — provoquei.

— Você sabe o que penso disso, seu relacionamento com essa garota é bizarro. Mas também sei que gosta dela. Então, acho que eu, como bom amigo, tenho que fazer um esforço para gostar também. Não foi o que fiz com Lauren?

Sim, Tyler também não ia com a cara de Lauren quando começamos a sair e veja só, ele tinha razão no seu ranço pela minha ex que me largou por um cara com mais grana.

— Eu não sei se Harper vai querer ir — optei pela verdade.

— Ela controla seus horários e com quem anda? — Tyler alfinetou e eu ignorei.

— Eu vou ver com ela, ok?

— Certo.

Quando cheguei ao apartamento, como previ, Harper estava lá. Ela havia tirado os sapatos e estava empoleirada em cima de uma cadeira, abraçando os joelhos e observando a paisagem de fim de tarde pela janela enquanto fumava. Parecia uma pintura de tão linda e me fez perder o fôlego por um instante.

Se eu pedisse para ser minha para sempre, ela seria?

— Oi — chamei sua atenção e ela se virou e sorriu.

— Oi... O que foi? — indagou curiosa e percebi que eu estava ainda parado em frente à porta a encarando meio embasbacado como um idiota.

Eu podia perguntar agora.

Podia falar que ela me tirava o fôlego que eu estava ridiculamente apaixonado por ela e que não queria que fosse embora nunca mais.

Mas apenas perguntei se queria ir à casa de Tyler hoje à noite.

— Na casa do seu amigo?

— Sim, ele e Ellie estão nos convidando. Só eles estarão lá, apenas uma noite, para beber e rir e aguentar Ellie cantando muito mal em seu karaokê.

— Você... quer mesmo que eu vá? — indagou insegura como se fosse um absurdo.

E percebi que eu queria sim dividi-la com meus amigos.

Queria que ela gostasse deles. Que eles gostassem dela como eu gostava.

— Quero sim, mas só se você quiser.

Ela hesitou por alguns instantes e eu quis saber o que se passava em sua cabeça.

— Certo, acho que podemos ir.

Quando descemos, de mãos dadas, perguntei se estava com o carro dela e ela respondeu que veio no carro com Joe, que, como desconfiei, estava encostado em frente a seu carro preto quando chegamos à calçada.

— Já? Hoje foi rápido — ele resmungou e então se deu conta do que tinha dito e corou.

Ver um cara daquele tamanho corar foi realmente engraçado.

— Nós vamos até a casa do amigo de Ethan — Harper explicou. — Vamos no carro de Ethan.

— Tem certeza disso? — Joe não pareceu muito contente.

— Sim, eu tenho Joe. — Harper me puxou em direção ao meu carro estacionado mais à frente, mas ainda pude notar o olhar de censura do segurança.

— Por que Joe não parece contente? — expressei minha curiosidade enquanto dirigia até a casa de Tyler.

— Não ligo para o que Joe pensa.

— Ele parece ser um cara legal.

— Ele é muito legal — Harper confirmou. — Só não quer ter problemas.

— Que tipo de problemas?

— Esquece... — desconversou.

Quando chegamos ao meu antigo apartamento, Ellie abriu a porta com um grito de felicidade antes de abraçar Harper como se fossem velhas amigas.

— Não acredito que você veio!

Harper sorriu sem graça com todo o jeito efusivo de Ellie.

— Oi, Ellie.

— Sério, estou tão feliz! Já faz dias que estou pedindo para o Tyler convencer o Ethan a te trazer aqui, para gente se conhecer melhor e...

— Ellie, corta essa! — eu a interrompi, puxando Harper para dentro e fiquei surpreso ao ver que tinha pelo menos umas dez pessoas lá dentro. Eu conhecia todos os rostos, eram amigos de Ellie, que ela às vezes convidava para suas festinhas, mas hoje eu realmente achei que só estaríamos nós.

Harper parecia tensa ao meu lado e eu lhe lancei um olhar de desculpa.

Pelo menos as pessoas estavam entretidas bebendo, fumando e conversando e não pareciam afetadas pela nossa presença.

— Ellie, achei que fosse só nós quatro? — reclamei.

— Convidei uns amigos, qual o problema? Você conhece todo mundo.

— Mas a Harper não conhece.

— Isso a gente pode resolver... Ei pessoal! — Ela bateu palmas chamando atenção. — Lembram do Ethan, né? E essa é a namorada dele, a Harper.

As pessoas acenaram, amistosas, e Harper acenou de volta, ainda timidamente.

Eu ia matar a Ellie.

— Querem beber o quê? — Ellie indagou. — Ty está na cozinha fazendo Margaritas! — Ela riu e se afastou quando uma moça loira que eu acho que chamava Grace a chamou para lhe mostrar algo.

— Ei, não tive nada a ver com isso! — Tyler se justificou quando nos aproximamos.

— Ellie é muito sem noção. — Eu olhei para Harper. — Se não quiser ficar, podemos ir.

— Por que não ia querer ficar?

— Não pareceu muito à vontade. — Eu a estudei.

— Fiquei surpresa de ver toda essa gente, mas tudo bem.

— Tudo bem mesmo?

— Sim, apenas me arranja alguma coisa para beber.

— Isso eu posso conseguir. — Tyler lhe passou um copo com Margarita e Harper sorriu.

— Obrigada.

— Vai beber também?

— Estou dirigindo. — Eu passei por ele e peguei uma Coca na geladeira.

Ficamos bebendo em um silêncio meio constrangedor.

— E aí, Harper, como está a vida? — Tyler quebrou o silêncio tentando começar uma conversa.

Harper deu de ombros.

— Uma merda?

Tyler riu.

Acho que ele já estava meio alcoolizado.

— Não achei que herdeiras ricas tivessem problemas.

Eu ia interromper, meio irritado, mas Harper riu.

— A gente apenas esconde as merdas embaixo de tapetes persas. Mas ainda são merdas.

— Então brindemos a isso. — Ele bateu seu copo no dela e os dois viraram de uma vez.

— Tem mais? — Harper sacudiu o copo e ele riu e o encheu.

— Tem um cigarro, Ethan? — ela pediu e lhe passei um.

Ela tragou, parecendo relaxada, e eu a observava surpreso.

Ela estava melhor do que eu poderia imaginar e acho que isso tinha a ver com o fato de que ninguém ali parecia ter ideia de quem ela era.

De repente ouvimos a voz desafinada de Ellie cantando Lady Gaga, o que queria dizer que ela tinha ligado seu maldito karaokê.

— Pelo amor de Deus — reclamei. — Ainda não quebrou isso?

— Ellie me mataria. — Tyler riu.

— Harper, vem cantar comigo! — Ellie gritou e Harper sacudiu a cabeça.

— Nem pensar!

— Vem sim! — Ellie se aproximou e a puxou sem a menor cerimônia para a sala e lhe deu um microfone e Harper riu, sem saber o que fazer.

— Eu não sei fazer isso!

— E daí? — Ellie segurou sua cabeça e lhe deu um selinho. — Vamos ficar bêbadas e nos divertir!

Harper ainda parecia confusa quando me encarou e eu dei de ombros, sorrindo e a incentivando a continuar enquanto lhe jogava uma cerveja.

Eu queria que ela ficasse bêbada e se divertisse, como Ellie tinha sugerido. Queria que ela esquecesse quem ela era. E fosse apenas mais uma garota comum entre amigos.

— Eu já estou ficando bêbada. — Ela riu meio preocupada.

— Pode ficar, eu cuido de você. — Sorri.

Ellie gritava totalmente desafinada e incentivava Harper a fazer o mesmo, ela gaguejou nas primeiras estrofes tentando acompanhar e rindo quando errava, o que fazia as pessoas em volta rirem junto, assobiarem ou aplaudirem.

E horas depois, eu observei, fascinado, Harper rindo e dançando com Ellie, totalmente embriagada e cantando sobre quebrar correntes, a mesma música que ela tinha colocado para tocar no carro e que nossas mães gostavam.

— Sua namorada é incrível. — Alguém me cutucou e eu sorri soltando a fumaça do meu cigarro e desejando que fosse verdade.

Que aquela garota incrível fosse realmente minha.

Então, ela se virou e sorriu pra mim através de todas as pessoas e veio em minha direção se jogando em cima de mim, me beijando e engolindo a fumaça da minha boca com a sua.

— Acho que estou muito bêbada. — Riu.

— Sim, você está, e acho que podemos ir embora.

— Por quê? Estou me divertindo.

— Eu sei, mas eu quero te levar pra casa e me divertir com você.

— Eu acho uma boa ideia — ela sorriu —, mas eu tenho que ir pra minha casa.

— Não hoje — neguei quase feroz.

Harper não ia a lugar nenhum hoje.

Saímos do apartamento de Tyler e quando chegamos à rua, Joe saiu do seu carro, vindo até nós, preocupado ao notar que Harper mal conseguia se aguentar em pé.

— Ela está bêbada?

— Sim, estou! — Harper riu.

— Caramba, Harper! Seu pai vai te matar se souber e depois vai me matar por deixar...

— Relaxa, Joe — Harper sacudiu a mão no ar. — Ele não vai saber, porque eu vou ficar com Ethan hoje.

Foi o que me autorizou a levar Harper até meu carro.

Foda-se.

— Ei, Harper, sabe que não pode ficar aqui.

— Eu vou cuidar dela, ok? — garanti, muito sério.

— Você bebeu?

— Estou sóbrio, não se preocupe.

— Cara, Harper tem que voltar para casa.

— Eu não vou! — ela gritou de dentro do carro.

— Você a ouviu, ela é adulta e pode fazer o que quiser.

— O pai dela...

— Mande o pai dela se foder!

Entrei no carro e dei partida.

Vi que Joe nos seguiu, mas não me importei.

Quando cheguei, Harper estava sonolenta e entrei na garagem do prédio, ignorando Joe, que eu sabia que ia ficar a noite inteira ali, aguardando Harper.

Eu a tirei do carro e quando a coloquei na cama tirei seus sapatos e roupa e ela bocejou e dormiu em seguida.

Tirei minhas próprias roupas e subi na cama ao seu lado a abraçando.

Quando acordei no dia seguinte, Harper ainda continuava apagada.

Saí da cama, tomei um banho e fiz café.

Harper ainda demorou algumas horas para acordar e aparecer na cozinha com cara de quem tinha sido atropelada.

— Acho que vou morrer. — Ela se arrastou até uma cadeira e eu ri lhe passando um copo de água e analgésico.

— Beba isso, vai se sentir melhor.

— Então isso é ressaca?

— Nunca bebeu assim?

— Não... Meu pai nunca permitiria que eu saísse da linha assim.

— Mas nunca frequentou festas com amigos, apenas pela bagunça?

— Não tenho amigos, não como você tem Ellie e Tyler. Os amigos são do meu pai...

Ela tomou o comprimido e parecia nostálgica de repente.

— Quando eu me formei no colégio, meu pai me deu uma viagem para a Europa, com Giana. Foi um tédio total, mas eu fugi um dia.

Levantei a sobrancelha surpreso.

— Como assim fugiu?

— Fugi. Você deve imaginar que essa viagem era toda programada e vigiada. Melhores hotéis com carro fechado e segurança. Um dia eu...

Ela hesitou.

— A verdade é que eu conheci um cara.

Senti ciúme imediatamente.

— Ele parecia legal e gostar de mim, acho que gostei dele também. Nós nos beijamos e foi... romântico e eu fui boba em pensar que ele era diferente. Mas eu o peguei na cama com a minha prima.

— Que filho da puta.

— Giana tem sua parcela de culpa. Ela tem essa mania de querer o que é meu.

De repente a ira de Harper ao me encontrar conversando com Giana naquela festa fez mais sentido.

— Então eu fugi. Fiquei uma semana apenas com uma mochila e vivendo como uma reles mortal. Foi a semana mais feliz da minha vida até então... — Ela sorriu nostálgica. — E eu aprendi a fumar, conheci pessoas em hostels que não faziam ideia de quem eu era, beijei garotos e bebi. Mas ficar bêbada era demais pra mim, eu tinha medo de perder o controle, sabe?

— Acho que agiu certo, não seria seguro mesmo.

— Eu lamentei quando nosso segurança me achou e me trouxe de volta. Achei que nunca mais ia me sentir livre daquele jeito de novo.

— Você parecia livre ontem.

— Eu me senti livre ontem — confirmou, ainda meio surpresa.

— Então a ressaca valeu a pena. — Sorri.

E ela sorriu de volta.

De repente seu celular vibrou no balcão. Eu vi o nome de Joe brilhar antes dela atender.

— Oi Joe... Estou bem... Eu sei que preciso ir — ela me encarou e vi pesar e desculpas em seu olhar. Pela primeira vez.

— Não vai — pedi rápido.

Ela hesitou.

— Passe o dia aqui. É sábado. Livre, lembra? — Sorri a encorajando.

Ela mordeu os lábios, incerta, mas eu vi o brilho em seu olhar.

— Joe, eu não vou embora agora.

Eu sorri.

— Eu não sei... Olha, não estou em perigo, ok? Faça o que quiser com seu dia, eu te aviso quando for embora.

Ela desligou e me encarou.

Parecia incerta agora.

— Você é adulta, Harper, pode fazer o que quiser.

— Não é bem assim pra mim...

— Por que não? Sei que seu pai parece meio tirano, mas tem vinte anos, ele não pode te obrigar a nada.

Ela abaixou o olhar, como se estivesse pensando no que responder.

— Podemos não falar do meu pai hoje? Por favor? Eu só quero... Mais um pouquinho dessa liberdade.

— Certo. Então que tal tomar um banho e vamos fazer o almoço?

— Nós?

— Não temos empregados aqui, vai ter que cozinhar se quiser comer.

— Eu nunca cozinhei na minha vida.

— Para tudo tem uma primeira vez.

Harper voltou pra cozinha algum tempo depois, vestindo uma camiseta e uma cueca boxer minha e com os cabelos molhados.

— Eu falei sério, não faço ideia de como se cozinha qualquer coisa — insistiu quando eu pedi que ficasse ao meu lado.

— Vamos começar com algo simples como macarrão, ok? Liga o fogo.

Ela se atrapalhou e eu ri.

— Agora pega essa panela e enche de água — instruí.

Ela fez o que eu mandei.

— Coloque no fogo e espere ferver e acrescente a massa. — Eu lhe mostrei a massa de espaguete.

— Só isso?

— Claro que não. Vamos fazer carbonara.

— Eu gosto de carbonara.

— Ótimo, vai aprender a fazer. Pegue na geladeira ovos e bacon.

Harper abriu a geladeira e de novo pareceu demorar para achar o que eu tinha pedido.

Eu fui lhe explicando os passos do molho e ela escutava como boa aluna.

— Isso parece estar ficando gostoso. — Ela riu enquanto eu a ensinava mexer. — Sempre cozinhou?

— Minha mãe fez questão que eu aprendesse, ela disse que eu tinha que saber me virar.

— Sua mãe parecia ser legal.

— Sim, ela era.

— Queria ter conhecido a minha — ela disse quase para si mesma e não gostei da tristeza se insinuando em seu olhar.

— Está se sentindo bem pra tomar vinho? — Peguei um vinho branco e duas taças.

— Quer me embebedar de novo?

— Pra quê? Não é como se eu pudesse me aproveitar de você, já que desmaiou ontem.

— Eu prometo não desmaiar hoje. — Sorriu com malícia mandando mensagens sacanas para algum lugar dentro da minha calça de pijama.

— Vou me lembrar disso. — Passei por ela apertando sua bunda.

Ela riu.

Sentamo-nos para comer e ela pediu que eu lhe falasse sobre a faculdade.

— Deve ser difícil estudar Medicina.

— É difícil, sim.

— Como funciona?

— Tem que fazer as matérias pre-med na graduação de quatro anos e depois é outro processo para a escola de medicina.

— Harvard parece algo grande.

— Não é fácil mesmo, mas John, você o conheceu, ajudou muito em sua indicação para que eu conseguisse a bolsa, para os três anos de estudo que tem pela frente. E depois ainda tenho a residência.

— E será um médico. Por que escolheu estudar Medicina?

— Eu vi minha mãe padecer por anos, e quero ajudar as pessoas.

— Então é esse o propósito da sua vida?

— Acho que sim, nunca pensei nesses termos, mas se somos o que fazemos... Talvez seja certo dizer que é meu propósito. E o seu?

Ela desviou o olhar.

— Não sei.

— Não pensou em fazer alguma faculdade?

— Eu não fazia ideia do que fazer e não é como se eu fosse exercer alguma profissão.

— Por que não?

— Meu pai já tem meu destino traçado, acho que eu já te disse. Me casar com um dos seus bichinhos e ser a esposa perfeita.

— Mas não é o que você quer.

Queria dizer que eu não ia permitir.

Mas quem era eu?

Eu estava na vida de Harper porque ela permitia e sabe Deus até quando.

Ela empurrou o prato antes de responder.

— Não quero falar sobre isso.

— Então, quer lavar a louça?

— Não.

Eu ri.

— Ok, eu vou deixar se safar hoje.

Ela pegou o celular lendo alguma mensagem lá que não a deixou feliz.

— Eu acho que deveria ir embora.

— Não vai ainda.

— Ethan...

— Vamos fazer assim, eu vou lavar a louça e quando terminar vou te levar pra cama e fazer tudo o que devia ter feito ontem se não tivesse desmaiado. E então, te deixo ir embora.

Ela cruzou os braços, com aquele sorriso petulante.

— Não é você quem diz quando eu devo ou não ir embora.

— Ok, então pode ir se quiser.

Eu me virei para a pia, um pouco irritado com sua resposta de menina mimada.

Mas no fundo, eu sabia que ela não iria embora.

Ou estava me iludindo.

Porém, quando terminei, fui para o quarto e ela ainda estava ali.

— Sabia que não ia embora... — Eu me deitei ao seu lado, mas ela se encolheu, gemendo como se estivesse com dor.

— O que foi? — Eu a fiz me encarar, preocupado.

— Alerta vermelho... — sussurrou desgostosa e eu ri entendendo.

— Eu não ligo.

— Eu ligo!

— Por quê?

— Porque é nojento!

— Eu vou ser médico, não tenho problema em lidar com um pouco de sangue, Harper.

Ela riu, mas me empurrou.

— Não, eu estou com cólica. Devia ir embora.

— Não, fique. — Eu a abracei de conchinha.

— Por que eu vou ficar se não vamos transar?

— Não tem problema. Eu gosto de te abraçar. Gosto que fique aqui, perto de mim, de dormir com você, mesmo roncando.

— Eu não ronco!

— Ronca sim, embriagada pelo menos.

— Me desculpe.

— Não peça desculpas, são coisas que fazem parte de você.

E eu amo todas elas, queria dizer, mas em vez disso apenas fiquei ali, mantendo-a perto e desejando que fosse sempre assim.

Como algo que começou tão errado podia parecer tão certo?

Eu nunca pensei em para sempre.

Nem com Lauren e nem com nenhuma garota antes dela.

Quando pensava em propósito e futuro, pensava na Medicina. Em ser um médico como sonhei, ajudar as pessoas, e não ter problemas com grana, pra variar.

Talvez eu imaginasse muito de longe que estaria com alguém em algum momento, mas isso nunca foi algo concreto. Nunca houve um desejo real de ficar com alguém pra sempre.

Até agora.

E era uma merda que fosse justamente com essa garota complicada e impossível.

Mesmo assim, eu podia desejar e pelo menos lutar, nem que não fosse para sempre, eu queria manter Harper por perto o máximo que eu conseguisse.

E quando ela se fosse, eu queria ao menos saber que ela conseguiria algum tipo de felicidade.

— Harper?

— Hum?

— Não vai deixar seu pai te casar com um daqueles babacas, não é?

— Não sei se tenho saída.

— Então o que é isso aqui? — Eu apertei mais, para ela entender que estava falando de nós. — Nós dois? Uma fuga, como foi na Europa, até ser levada de volta?

Ela não respondeu e eu soube que era isso.

Eu era a fuga. Sua última fuga, talvez.

E eu não entendia.

Harper tinha quase 21 anos, e por mais que vivesse em todo aquele luxo patrocinado pelo pai, ela não era obrigada a ficar ao lado dele seguindo suas ordens para sempre.

Ela era dona de sua vida.

Não era?

— Fique aqui.

— O quê?

— Fique aqui comigo, não volte para a casa do seu pai. Vem morar comigo.


Trecho do diário de Harper King

02 de março

Eu odeio ele.

Odeio todos eles, na verdade.

Ainda sinto meu rosto doendo onde ele me bateu enquanto escrevo isso. Pelo menos consegui parar de chorar. Parei de me sentir culpada. Desta vez a culpa durou menos do que das outras vezes que ele perdeu o controle me fazendo acreditar que eu sou uma péssima filha, que ele me agride, seja com tapas como hoje, ou com palavras cruéis que doem mais do que quando usa o peso de sua mão, porque eu mereço.

Pela primeira vez, eu me questionei se eu realmente merecia isso.

Tudo o que eu sempre quis foi que ele me amasse. Que me deixasse ser eu mesma e que gostasse de mim assim. E toda vez que ouso fazer algo simplesmente porque eu quero, ele faz questão de me punir e deixar claro que não tenho esse direito. “Você é uma King”, ele gosta de gritar me fazendo sentir horrível por desejar ser tudo menos isso. Tudo menos carregar este sobrenome. Houve uma época em que eu queria me encaixar nele e em tudo o que meu pai queria que eu fosse, porque desejava sua aprovação e quem sabe assim, ele me amasse pelo menos um pouco.

Mas isso nunca aconteceu. E agora, sinto que nunca vai acontecer.

O homem que gritou comigo quando entrei em casa e me agrediu, apenas porque descobriu que estou transando com um cara que ele não aprova, não pode ser meu pai.

Sim, ele descobriu sobre Ethan. E quem contou foi a vaca da Giana. Eu deveria saber que ela ia aprontar das suas depois que veio me pedir dinheiro, ameaçando contar ao meu pai sobre meus encontros com Ethan, caso eu não fizesse suas vontades. Ela descobriu escutando uma conversa minha com Joe. Eu ri e disse que ela podia pegar quanto dinheiro quisesse, não me importava. Ela já pegava tudo o que era meu mesmo, dinheiro, roupas, joias. E até mesmo os caras por quem eu me interessei. Mas desta vez, ela não ia chegar nem perto de Ethan.

Eu achei que ia ficar quieta, mas claro que depois que não voltei pra casa ontem, fato que meu pai só descobriu hoje à noite depois de chegar de uma viagem a Aspen com Dana, ela decidiu que podia cair nas boas graças do meu pai contando o que eu andava escondendo.

Eu havia acordado confusa, com alguém batendo na porta do apartamento de Ethan, que ainda dormia pesado, quando me levantei da cama e Joe disse que eu tinha que voltar pra casa, pois meu pai viria pessoalmente me buscar se ele não me levasse de volta.

Senti toda minha alegria das últimas horas ser arrancada de dentro de mim com socos e pontapés.

Eu não tinha direito de ser livre. De me sentir feliz.

As últimas semanas com Ethan foram só uma ilusão, uma fuga da minha realidade, que agora vinha bater à minha porta.

Voltei ao quarto e me vesti enquanto Ethan ainda dormia. Tentei não me lembrar dele me chamando para ficar com ele ali. De como me senti tentada a dizer sim, a romper com tudo e segui-lo seja aonde for.

Mas eu não era livre pra isso e não queria trazer Ethan para dentro dos meus problemas. Não queria que ele se encrencasse por minha causa, porque meu pai seria capaz de tudo se eu me rebelasse.

Eu me despedi com um olhar, com vontade de chorar, como se já soubesse que talvez fosse a última vez que nos víamos, porque agora que meu pai sabia, ele moveria o inferno para nos afastar.

Eu deveria estar preparada para isso. Mas não estava.

Assim como não estava preparada para a guerra que se seguiu quando cheguei.

Eu confirmei ao meu pai que estava sim vendo Ethan escondido.

Ele me bateu e disse que me proibia de ver Ethan de novo, eu gritei que não podia me impedir. Mas ele riu e disse que destruiria Ethan se eu insistisse. Foi o que me fez recuar. Foi o que me fez desabar quando estava sozinha, depois de passar por Giana no corredor, que ria de mim.

Agora, eu não sei o que fazer.

Só sei que estou cansada.

Cansada de ficar aqui nessa casa a qual sinto que não pertenço, com gente que não se importa de verdade comigo.

Presa a um homem que deveria me amar, mas me tem apenas como uma de suas propriedades.

Penso na minha mãe, penso se ela se sentiu assim.

Antes de acabar com tudo.


Detetive Tim Crowley

O Detetive Crowley parou o fluxo de palavras do interrogado enquanto remexia em alguns papéis em sua mesa.

— Aqui não diz nada sobre Harper King ter se mudado da casa do pai. — Ele volta a encarar Ethan.

O rapaz estava sério e até mesmo indiferente, mas um observador mais atento seria capaz de notar que havia uma fagulha de raiva em seu olhar.

— Não, ela nem sequer respondeu.

— O que aconteceu a seguir? — De novo o policial verificou suas anotações. — Isso foi dia 2 de março, 11 dias antes de ela ser vista pela última vez.

— Quando acordei, ela tinha ido embora.

— E como se sentiu? — Crowley não podia negar que estava surpreso com o relato do namorado de Harper. Nada naquela história parecia usual.

O que ele sabia até agora é que Harper King havia contratado Ethan Coleman para ser seu namorado de mentira, com o intuito de desafiar os planos do pai, que desejava que ela escolhesse um de seus empregados, Sean Stewart ou Andy Wallace. Provavelmente o objetivo de Grayson King era que a filha se casasse com quem ele escolheu.

O detetive não estava surpreso com o fato do bilionário ser controlador com o destino da filha. Ele sabia que as regras quando dinheiro estava envolvido no esquema eram diferentes. Mas a que ponto isso tinha afetado Harper King e o relacionamento com o pai? Pelo relato de Ethan, Harper parecia estar extremamente infeliz com o jeito que o pai a tratava.

— Eu fiquei magoado. — Ethan não escondeu seus sentimentos.

— Sim, estava apaixonado por ela.

Ethan não respondeu, porque o detetive já tinha escutado sobre como os sentimentos do estudante tinham evoluído de uma simples atração para uma paixão avassaladora.

— E acreditava que ela tinha os mesmos sentimentos por você?

O rapaz permaneceu em silêncio, o olhar fixo em algum ponto na parede, como se seus pensamentos estivessem bem longe dali.

— Eu acreditei que sim, por um tempo, talvez... Com Harper, eu nunca tinha certeza de nada.

— Sabia que ela se encontrava escondida com você naquele apartamento?

— Naquele momento, não.

O detetive tinha obtido essa informação do próprio Grayson King.

— O pai dela insiste que você era um aproveitador, apenas interessado no que o dinheiro de Harper podia lhe proporcionar.

— O Sr. King não tem ideia que existem coisas mais importantes do que dinheiro. Talvez se tivesse se atentado a isso, a filha ainda estivesse aqui.

Agora havia irritação na voz de Ethan e Crowley queria saber até onde ia sua raiva em relação ao pai de Harper.

— Você disse a Harper que ela poderia desafiar o pai e ficar com você.

— Harper era adulta, podia fazer o que bem entendesse, eu não entendia porque ela se sujeitava a toda essa pressão.

— Dinheiro?

— Sim, era a única maneira que sabia viver, mas ela estava infeliz e a cada hora que passávamos juntos, eu percebia isso. Qualquer um perceberia se passasse um tempo com ela.

— Mas Harper não fez isso. Ela voltou para a casa do pai.

— Sim, ela voltou.

— Por que acha que mesmo infeliz, Harper continuou seguindo as regras do pai?

— Era o que eu queria descobrir.

— Por isso invadiu a casa dela, dias depois?

— Eu não invadi a casa dela...

— Se não invadiu, por que Grayson King chamou a polícia?

— Pergunte a Grayson King.

— Estou perguntando a você. O que aconteceu naquela casa que culminou na sua prisão, Senhor Coleman?


15

Invasivo

Invasivo: Que tende a infringir, desobedecer, ofender ou transgredir.

Fazia quase uma semana que Harper saiu sorrateiramente da minha cama enquanto eu dormia e nunca mais voltou.

Isso depois de passarmos um dia incrível juntos. Não fodendo ou fazendo seus joguinhos de poder e dinheiro, mas sim apenas sendo nós mesmos. Ou pelo menos eu acreditava que era isso que estava acontecendo.

Mas depois de uma semana sem dar as caras, comecei a me perguntar se fui trouxa em acreditar que Harper podia sentir por mim o mesmo que eu sentia por ela.

A verdade é que eu não conhecia Harper de verdade. Às vezes, ela deixava que eu vislumbrasse partes dela, mas não sabia dizer qual a porcentagem da verdadeira Harper ela me permitia ver.

Talvez eu estivesse me iludindo e fosse apenas um cara que estava pagando para fazer sexo com ela, para que conseguisse fugir por algumas horas de sua vida entediante de menina rica e mimada, que tinha tudo, mas não tinha nada de verdade.

Enquanto os dias passavam, eu voltava todas as tardes para o apartamento que Harper pagava com dinheiro King, esperando que ela aparecesse, ansiando que quando abrisse a porta eu visse de novo a Harper que ela me revelou naquele nosso último momento juntos. A Harper que sabia rir, que cantava mal no karaokê, que deixava eu lhe ensinar a cozinhar, que perdia o controle e se deixava levar. A Harper feliz.

Feliz comigo.

Mas ela foi embora, mesmo depois de eu pedir que ficasse ali comigo. Óbvio que fui inocente demais achando que seria fácil.

Harper não era fácil.

Ainda assim, quando acordei e me senti triste por ela ter ido embora mais uma vez, acreditei que estaria de volta na tarde seguinte. Mesmo que fosse apenas por aqueles momentos roubados. Fiz planos mirabolantes de lhe mostrar que era possível. Que existia uma vida mais interessante fora do portão da casa do seu pai.

Porém, ela sumiu e a cada dia que passava de sua ausência, mais raiva eu sentia.

Raiva de Harper, que me tratava como se eu fosse um lixo descartável, mais um item de luxo que ela comprou e enjoou.

Raiva de mim mesmo por ter sido idiota de me apaixonar por ela e, mesmo com toda aquela desconsideração, ainda acreditar que havia algum motivo que eu desconhecia para sua ausência. Que eu não estava errado em achar que havia mais entre nós, mas que algo a mantinha afastada.

Seu pai?

Mesmo Harper sendo econômica em falar do pai, era claro que Grayson King exercia mais controle sobre ela do que seria aceitável como pai, afinal, Harper era adulta. Podia tomar suas próprias decisões.

Mas o que de verdade acontecia por trás dos portões da mansão King?

Que tipo de poder Grayson King tinha sobre Harper? Era difícil pra mim, entender. Fui criado em um lar com pais amorosos. Pessoas normais. O tipo de tratamento que Harper recebia na casa dela era algo bizarro para minha compreensão.

Tyler percebeu meu mau humor e especulou o que estava rolando, mas eu não queria conversar com Tyler e ouvir um “sabia que isso não ia dar certo”. John também percebeu e perguntou se estava tudo bem, o que eu desconversei. Ele costumava respeitar quando eu não queria conversar, mas senti que ficou preocupado, por isso aceitei seu convite para almoçar com ele e Maddy. Eu precisava espairecer e esquecer por um tempo a raiva que estava sentindo de Harper.

Esquecer por um tempo a falta que eu sentia de Harper.

Porém, quando abri a porta com a chave que John me dera tempos atrás, insistindo que aquela casa poderia ser minha também, caso assim eu escolhesse, estranhei por ouvir uma voz que não escutava há alguns meses. Por um momento achei estar confundindo, mas quando cheguei à cozinha, percebi que não estava ouvindo errado.

Eu conhecia a garota de cabelos loiros que ria ao lado de Maddy enquanto a ajudava em algum preparo na cozinha que recendia a ervas.

Que porra minha ex-namorada estava fazendo ali?

Maddy se virou e me viu.

— Ei, querido, chegou cedo!

Lauren se virou e seu sorriso não se desfez mesmo quando percebeu minha expressão de surpresa. E de desagrado.

Fazia meses que eu não falava com Lauren. Nos conhecemos no último ano na Universidade de Boston, quando começamos a namorar. Porém, depois que entramos em Harvard, eu em Medicina e ela em Direito, as coisas começaram a ficar estranhas. Achei que era porque agora tínhamos mais responsabilidades com os estudos, não estranhei nosso afastamento, até que ela me disse que ia me deixar, porque estava saindo com outro cara. E depois descobri que este cara era muito rico. Lauren estudava através de uma bolsa também, sua família não era rica e, assim como eu, batalhava para se manter na faculdade. Acho que até foi isso que nos uniu de certa forma, tínhamos a origem humilde em comum e ambos sonhávamos que um dia chegaríamos a algum lugar.

Nunca pensei muito no nosso futuro quando namorávamos, eu era focado demais em estudar e sobreviver. Mas acho que em algum lugar da minha cabeça, tinha estabelecido que ela estaria ao meu lado por um bom tempo. Lauren era bonita, divertida e estudiosa. Sabia o que queria, e não era nem um pouco complicada.

Mas havia me trocado por um cara com grana. Um cara que a levou para morar com ele em um rico apartamento. Um cara que pagava suas contas agora.

Ainda me lembro de como fiquei puto, de como a desprezei por isso. A raiva deixou mais fácil o objetivo de esquecer o que eu sentia por ela. Fez-me prometer a mim mesmo que não ia me envolver com uma garota a sério tão cedo. Aí apareceu Harper.

Lauren tinha me feito de idiota.

E Harper estava fazendo o mesmo.

— Oi Ethan. — Ela limpou as mãos em um pano de prato vindo em minha direção.

Por um momento, eu me lembrei porque me apaixonei por ela. De como era bonita, quando se aproximou e me abraçou.

O fato de não ter mexido comigo talvez a tenha alertado de que ainda havia ressentimento da minha parte. E de repente me senti ridículo.

Quem era eu para criticar Lauren?

Também não estava saindo com uma garota que bancava minhas contas?

— Não parece feliz em me ver — comentou com um ar divertido.

— Querido, a Lauren apareceu de surpresa aqui hoje, e eu a convidei para almoçar com a gente — Maddy explicou.

Ela parecia um tanto apreensiva agora, por causa da minha reação, certamente.

Mas Maddy era a pessoa mais doce do mundo. E lembrei que tanto ela como John adoravam Lauren.

— Sim, estava aqui perto e só passei para dar um oi — Lauren continuou. — Maddy me chamou para almoçar e nem sabia que ia aparecer.

— John me chamou hoje de manhã, e como não tinha aula à tarde...

— Sim, John chegou há alguns minutos, está no escritório. Ele me falou que se juntaria a nós. Achei que não teria problema se Lauren ficasse, não é?

Eu quis dizer que tinha problema sim, mas me calei.

— Não, claro que não... — Dei de ombros. — Eu vou falar com John.

Eu me virei para me afastar, mas Lauren segurou meu braço.

— Se for um problema para você, eu vou embora.

— Não, você não é um problema pra mim, Lauren.

Eu me afastei e encontrei John no escritório.

— Oi, entra. — Ele estudou minha expressão. — Já viu a Lauren, acredito.

— Sim.

— Espero que não tenha ficado bravo com Maddy, sabe como ela é.

— Não estou bravo, só... Não esperava vê-la aqui.

— Não achei que ainda tinha ressentimento com Lauren, ainda mais agora que está com outra pessoa.

Sabia que ele estava sondando para saber a quantas ia meu relacionamento com Harper.

Uma parte de mim queria contar a ele, mas sabia que John iria se preocupar e resolvi deixar como estava. Porque na verdade nem sabia se eu ainda tinha um relacionamento com Harper.

— Eu não deveria ter, mas do jeito que as coisas terminaram...

— Sim, eu sei. Mas Ethan, Lauren é uma boa pessoa. Ela teve seus motivos, não deve ter raiva dela por ter terminado com você.

— Mesmo pra ficar com um cara rico?

— Isso é seu orgulho ferido. Eu entendo, mas se Lauren gostasse de você de verdade, não tinha te deixado. Se ela foi embora, não era pra ser. Nem todos os amores são para sempre. Às vezes, eles duram o quanto tem que durar e fim. A vida continua e outros amores surgem. E vocês são jovens, ainda terão muitos relacionamentos pela frente.

As palavras de John ficaram rodando minha cabeça enquanto almoçávamos e tentei participar da conversa animada que Lauren estabeleceu com John e Maddy, me lembrando do porquê deles gostarem dela. Lauren era assim, cativante quando queria e simples de se gostar.

Tão diferente de Harper com seu sorriso frio e pensamentos escondidos. Mas talvez não fosse justo comparar Lauren e Harper. As duas tiveram criações e vidas diferentes. Harper vivia numa redoma. Sempre teve tudo que o dinheiro podia comprar e um pai que vigiava todos os seus passos e controlava seu futuro.

Como seria Harper sem a mão de ferro de Grayson King sobre sua cabeça? Que tipo de garota ela seria se tivesse sido criada como Lauren e eu? Eu queria desesperadamente saber se havia beleza dentro dela, como havia fora. Se ela permitisse. Se libertasse.

E de repente eu me dei conta de que queria libertá-la. Queria que ela me permitisse libertá-la. Como uma porra de um príncipe de contos de fadas chegando com meu cavalo e a tirando da torre mais alta, onde era controlada por um monstro.

Sabia que eram fantasias tolas.

Talvez John tivesse razão e minha paixão por Harper fosse mais uma entre tantas que eu ainda iria sentir.

Mas como deixar Harper para trás, presa na torre?

— Está quieto.

Voltei à realidade quando Lauren sentou ao meu lado. Eu estava na varanda, onde tinha me refugiado depois do almoço quando John disse que cuidaria da louça e Lauren pediu que Maddy lhe mostrasse as novas flores que cultivava em seu jardim.

— Apenas pensando...

— Maddy me disse que está namorando.

— Não sei se posso chamar assim.

— E como chama? Não está morando com ela?

Franzi o olhar.

— Do que você sabe?

— Bem, talvez eu tenha trombado com Tyler um dia desses e ele disse que você tinha se mudado para a casa de sua nova namorada, ou algo assim.

— Não é bem assim.

— E como é?

— O que isso te interessa, Lauren?

— Eu e Michael terminamos.

Wow! Isso foi surpreendente. Eu a encarei.

— Sério?

— Sim, é sério. Terminamos de verdade. Acho que fui uma idiota.

— Por quê?

— Por ter acreditado que ia ser feliz com ele.

— Às vezes o dinheiro não traz mesmo felicidade.

— Não era só o dinheiro, Ethan. Sei que pensou que era, mas...

— Vai dizer que se apaixonou por ele?

— Eu achei que sim. Ele era envolvente e...

— Rico.

— Sim, rico, é isso que quer ouvir? Eu vi minha mãe trabalhando em dois empregos para me sustentar. Sempre foi difícil pra mim me manter na universidade e sonhar que um dia o futuro ia ser mais fácil. Sim, acho que eu me deixei levar pelas possibilidades que Michael me trazia. E me enganei dizendo que o amava o suficiente pra isso. Mas não foi bem assim.

— Por que está me contando isso?

— Queria te pedir desculpas.

— Acha que resolve alguma coisa?

— Você tem raiva de mim ainda.

— Eu tenho raiva por ter sido idiota.

— Se eu pudesse voltar no tempo...

— Mas não pode! O tempo não volta, Lauren. As merdas que a gente faz, não tem como desfazer. A gente só vive o agora e tenta não cometer os mesmos erros.

— Acha que eu fui um erro?

Ela parecia magoada e isso me deixou chateado.

Percebi que não queria magoar Lauren. Ou melhor, achava que queria, alimentei a raiva pelo o que ela tinha feito comigo e no fim, provavelmente era mesmo fruto do orgulho.

E para que servia tudo isso?

Estava de saco cheio.

De tudo.

De ainda me ressentir pelas merdas de Lauren, por me sentir impotente ante as merdas que Harper fazia.

— Não, não foi — respondi por fim. — Fiquei puto quando me trocou. E isso foi difícil de superar. Mas não tem mais importância.

— Não queria que me odiasse.

— Eu não te odeio, Lauren.

— Mas não me ama mais.

Eu a encarei e vi em seus olhos o que ela queria saber.

Ela queria saber se ainda tínhamos uma chance.

— Queria que eu ainda te amasse? — Minhas palavras saíram tão cheias de ironia que eu não consegui conter.

Ela sorriu com pesar.

— Queria, mesmo não merecendo depois do que eu fiz.

— É por isso que veio aqui hoje?

— Eu só estava sentindo falta de tudo o que tínhamos, sabe? Será que podemos... ter uma chance?

— Sabe de uma coisa? Estou de saco cheio de sempre esperar que tomem as decisões por mim. Você não me quis e chutou e.. — Harper estava fazendo o mesmo, queria dizer mas Lauren não tinha nada a ver com aquela história. — E agora decidiu que podemos ter uma chance e que eu vou aceitar.

— Ethan... — Ela tocou minha mão, mas eu me levantei.

— Desculpa, Lauren. Não tem mais a menor chance de ficarmos juntos de novo.

— Você a ama? Essa garota que está com você agora?

Eu parei, me voltando.

— Mais do que deveria — confessei. — Porque vai acabar mal.

Deixei a casa de Maddy sem me despedir. Estava irritado.

Frustrado.

E cansado de ser sempre o cara que tentava compreender tudo.

Entrei no carro e quando me dei conta estava estacionando em frente à mansão King.

Buzinei em frente aos portões e quando vi Joe aparecendo, saí do carro e sem ao menos pensar no que estava fazendo virei um soco em seu rosto.

Pego de surpresa, Joe cambaleou.

— Que porra é essa, cara?

— Onde ela está?

— Ethan, se acalma. — Joe se aprumou e ergueu as mãos em minha direção.

— Eu preciso ver a Harper. Ela está aí, não está?

— Não pode entrar aqui...

— Eu posso te socar de novo até que passe por cima de você.

Joe riu.

— Irmão, se me bater de novo eu vou esquecer que é um cara legal e que está puto com essas merdas King e vou quebrar suas costelas e te mandar pra um hospital.

Respirei fundo, furioso, me movendo como um tigre enjaulado, enquanto meu olhar se perdia na enorme casa atrás dos portões.

— Precisa sair daqui — Joe insistiu.

— Não vou sair daqui até falar com a Harper, não me interessa se vai quebrar todas as minhas costelas enquanto eu tento — rosnei —, estou falando sério.

Joe hesitou.

— Está fazendo uma grande merda se envolvendo com a Harper, sabe disso, não é?

— Eu já estou envolvido e preciso ver ela agora. Se Harper quiser me colocar pra fora depois vai ter que fazer isso pessoalmente. E se for realmente isso que ela quer, nunca mais vai me ver.

Joe respirou fundo.

— Certo. O pai dela não está. Harper está na piscina interna. Pode entrar e falar com ela, mas não abuse. Estarei de olho e você não pode demorar. Hoje à noite vai ter uma dessas festas grã-finas aqui e é melhor não começar uma confusão.

Sacudi a cabeça em concordância, não precisando de mais nada para avançar pelos portões quase correndo.

Passei pelos empregados com rostos curiosos e surpresos enquanto fazia o mesmo caminho que fiz um dia, prestes a aceitar a proposta de Harper sem saber onde estava me metendo.

Desci as escadas e cheguei à área da enorme piscina e lá estava ela emergindo das águas como daquela vez, também usando uma camiseta preta de alguma banda quando nossos olhos se encontraram.

Os meus cheios de fúria, os dela, surpresos.

— Ethan?

— Esse ainda é meu nome, que merda pensa que está fazendo?

Ela mordeu os lábios, a água chegando até sua cintura na parte mais rasa da piscina, enquanto abraçava o próprio corpo.

— Como entrou aqui? — Agora sua voz tinha um tom de superioridade.

— O quê? Estou invadindo os domínios King? Fique olhando! — Sem pensar nas consequências, comecei a tirar meus tênis e minha camisa.

— Não pode entrar aqui... Você precisa ir embora...

— Uma porra que preciso! — Avancei, cheio de raiva, e pulei na piscina. — Estou de saco cheio de ouvir suas ordens, de ficar disponível quando quer, de aguentar que pode sumir quando quer...

Harper mergulhou para trás, fugindo de mim.

— Você está gritando e sendo ridículo! Não sei como conseguiu entrar mas tem que ir...

— Eu não vou a lugar nenhum.

— Ethan, por favor... Não complique as coisas.

— Complicar? Quem é complicado aqui? — Eu finalmente a alcancei, antes que ela conseguisse sair e a puxei pela camisa molhada, colidindo meus lábios com os seus.

Porra.

Eu senti falta dela.

Senti falta disso.

Meus pensamentos coerentes explodiram no momento em que eu me perdi em seu gosto, nas formas de seu corpo contra o meu.

Minhas mãos tomando posse de sua pele molhada sob as águas e gememos juntos num misto de fúria e desejo.

Senti suas mãos puxando meus cabelos, enquanto as minhas desciam para seus quadris e a apertavam contra mim, para que ela sentisse que eu estava excitado pra cacete.

— Que porra, Harper. — Mordi seus lábios com raiva. — Por que faz essas merdas comigo? — Eu a empurrei para a borda da piscina, enquanto mergulhava de novo a língua em sua boca e meus dedos desciam para se infiltrar dentro de sua calcinha.

Eu a queria mais que tudo neste momento, não interessava se ela era uma menina mimada e complicada e que eu estava de saco cheio disso.

Ainda queria enfiar meu pau bem fundo dentro dela. Queria ouvir seus gemidos quando eu a fodesse com força, queria que tudo o mais deixasse de existir e só restassem nós na face da Terra.

Encostei minha testa na dela, respirando pesado, enquanto arrastava meus dedos em seu clitóris, meus olhos bem abertos para ver sua expressão nublar de prazer e dor quando eu a belisquei.

— Eu vou foder você, Harper King, entendeu?

Ela apenas gemeu em resposta, os lábios entreabertos.

— Abre os olhos, porra! — ordenei.

Ela me encarou.

— Quer que eu vá embora? — Deslizei um dedo dentro dela, bem fundo.

Ela perdeu o fôlego.

— Responde! — Enfiei outro dedo.

Inferno, ela era linda assim, perdida de prazer.

— Você deveria — gemeu.

— Me diz o que você quer... Me diz que não sou só eu que sinto essa vontade de te foder até perdermos as forças?

— Não, não é só você... — sussurrou por fim. — E senti sua falta todos esses dias, desejei ter você dentro de mim todos esses dias...

Com um grunhido, eu a virei, a soltando apenas para abrir minha calça e libertar meu pau e então arrastar sua calcinha para o lado e afundar dentro dela, com um gemido sufocado. Eu a prensei contra a parede da piscina e repeti o movimento, enfiando o rosto em seu pescoço molhado e mordendo sua pele sensível, adorando ouvir seus gemidos, enquanto eu a fodia com força por trás.

— Isso... — murmurou com voz trêmula, uma mão subindo para segurar meus cabelos, os quadris batendo contra os meus, enquanto desci os dedos novamente para seu clitóris, o acariciando no mesmo ritmo de minhas investidas.

— Era isso que queria? — sussurrei asperamente em seu ouvido, usando a outra mão para apertar seu seio sobre a camiseta.

— Sim... Oh Deus — ela soluçou e eu sabia que estava perto.

Eu mesmo sentia a mente rodando, o sangue correndo mais rápido nas minhas veias e o prazer crescendo forte e rápido.

Aumentei o ritmo quase brutalmente, a ouvindo gemer cada vez mais alto, enquanto empurrava meu pau dentro dela sem parar. Com um grito, Harper gozou a minha volta, o corpo estremecendo contra o meu e me deixei levar, o clímax explodindo numa onda de pura eletricidade, enquanto eu me segurava a ela, numa última estocada, soprando gemidos em sua orelha, até que tudo terminou e ficamos ali, ofegantes e zonzos, flutuando na piscina.

Eu não a soltei. Não podia.

Eu a virei e a abracei, a mantendo perto, enquanto ela ainda respirava pesado.

— O que vamos fazer? — sussurrou contra meu pescoço e eu sabia que não queria dizer o que íamos fazer agora, mas com toda a confusão que tínhamos criado.

— Não quero largar você agora — respondi do mesmo jeito e acho que ela sabia o que eu queria dizer.

Finalmente ela se afastou me encarando.

— Ainda está com raiva de mim?

— Sim.

— Quer ir embora?

— Só se Joe me arrastar daqui.

Ela sorriu, um pequeno sorriso que me doeu o peito.

— Joe te deixou entrar, então acho que não vai te obrigar a sair.

— Eu disse que você que teria que me pôr pra fora.

— Não quero te por pra fora. Ainda.

— Então foda-se. Me leve para seu quarto e eu vou te foder de novo na sua cama de menina rica.

Ela sorriu e me puxou pela mão.


16

Indesejável

Indesejável - Indivíduo cuja presença não é desejável por mostrar-se pernicioso aos interesses de um grupo, por sua incorreção, inconveniência ou por transgredir as normas de ordem geral.

Ainda parecia surreal que eu estava ali com Harper no quarto dela de novo. Lembro das pequenas fantasias que tive em estar com ela exatamente assim quando estive ali pela primeira vez. Harper encostada na bonita cabeceira da cama, os cabelos bagunçados, enquanto dividíamos um cigarro pós-sexo.

Eu já não me lembrava porque estava com raiva depois de transar com ela pela segunda vez.

— Por que sumiu essa semana? — indaguei, mesmo querendo manter aquela pequena paz que estávamos sentindo.

Ela virou o rosto em minha direção.

— As coisas ficaram complicadas aqui.

— Como assim?

— Meu pai.

Senti um mal-estar.

Claro que devia ter o dedo do cretino do pai dela nisso.

Era um certo alívio, confesso, que Harper não tinha ido me ver porque estava cansada de mim.

Mas agora que ela estava aqui, ainda com o corpo suado ao lado do meu, eu não queria falar do seu pai.

Pelo menos por enquanto queria manter aquela sensação de paz que tínhamos construído dentro de nossa bolha, mesmo estando dentro dos domínios King.

— Senti sua falta — confessei me inclinando para beijar seu ombro.

— Não achei que sentiria.

— Por que não?

— Porque isso é normal pra você. Dormir com mulheres que te dão dinheiro.

— Acha que eu continuei fazendo isso depois de você?

— Eu não sei.

— Harper, eu fiz dois programas em toda minha vida, se quer saber. Um foi com a tal de Carmen, que deve conhecer e eu fui pego de surpresa. Transei com ela achando que fosse só uma mulher interessante e fiquei chocado quando ela me pagou no fim.

— Sério isso? — Ela me fitou incrédula e quase divertida.

— É verdade. Mas não sou um pobre menino inocente também. Eu fiquei com a grana. Eu me senti sujo depois, mas aquela grana ajudou pra cacete e descobri que era algo que acontecia muito. Mulheres ricas e entediadas trepando com garçons bonitos. E quando Emily Maxell me pediu para ficar com ela, eu tentei dizer não, mas no fim acabei entrando no jogo.

— Então é esse o seu histórico?

— Sim, decepcionada?

— Surpresa, acho.

— Aí surgiu a proposta de uma garota arisca e metida pra caramba. — Toquei seu rosto e ela se inclinou sobre a palma da minha mão.

— É isso que eu sou pra você?

— O que eu sou pra você?

— Perguntei primeiro.

— Eu fiquei puto quando me chamou naquela sala e percebi que não era pra transar comigo.

— Sério?

— Sim, eu te quis desde a hora que pediu um cigarro pra mim. E nem sabia quem você era.

— Eu sabia quem você era, quer dizer, quando te pedi um cigarro não. Mas quando disse seu nome.

— E aí decidiu transformar minha vida num inferno?

— Eu faço isso?

— Sempre.

— Então por que está aqui?

— Porque não consigo evitar. Você me irrita pra caramba e mesmo assim, eu me sinto feliz com isso, consegue entender?

— Talvez. Quando está perto de mim, eu não sou triste.

— Você é triste quando não estamos juntos?

Ela desviou o olhar.

Harper disse que não ficava triste comigo, mas parecia triste agora.

E eu quis mais do que nunca fazê-la sorrir.

— Vamos fazer algo divertido.

— Como o quê?

— O que gostaria de fazer?

— Algo que me divirta? Talvez cortar os cabelos da minha prima até que ela ficasse tão feia como minhas bonecas que, quando eu era pequena, fazia isso com elas.

Eu ri.

— Acho uma boa ideia.

— Mas ela não está em casa, acho.

— Então o que mais?

— Posso te mostrar as coisas da minha mãe?

— Vamos lá.

Vesti minha calça apenas e Harper, ainda só de camiseta, me guiou pelo corredor elegante, até o quarto onde estavam as coisas de sua mãe.

Havia caixas empilhadas, cavaletes com pinturas pela metade, tintas espalhadas e até uma vitrola.

Harper se aproximou de uma delas e colocou The Chain para tocar.

Sorri, lembrando da minha própria mãe.

Eu me abaixei e peguei um porta-retratos antigo numa caixa. Uma moça muito parecida com Harper sorria na foto, usando um vestido florido.

— Sua mãe?

— Sim. Não há fotos dela pela casa, então eu amei descobrir que ainda há essa aqui.

— Qual era o nome dela?

— Adele.

— O que descobriu sobre ela?

— Não muito... Além do seu ótimo gosto musical. — Ela sorriu. — E que ela pintava.

Deixei meu olhar vagar pelos quadros abstratos.

— Amo as cores.

— Eu tentei pintar também, não que tenha algum talento.

— Você que fez esse?

Ela corou, sacudindo a cabeça.

— Eu achei incrível.

— Está me elogiando porque quer transar comigo.

— Não preciso te elogiar pra transar com você.

— Ah, está me chamando de fácil?

— Posso te provar agora.

Ela se afastou rindo e enfiou a mão numa tinta e passou no meu rosto quando tentei tocá-la.

— Porra, Harper, vai pagar por isso. — Peguei uma tinta e ela riu correndo, mas eu a alcancei a segurando pela cintura, enquanto ela esperneava e ria, manchei seu rosto.

Ela ergueu a mão suja e passou em meu peito.

E começamos uma guerra de tinta, rindo e correndo, ao som de Fleetwood Mac.

Até que a derrubei no chão.

— Se rende? — ameacei, com mais tinta.

— Chega, eu me rendo!

— Mas para eu te libertar terá que fazer algo pra mim.

— Não vou te fazer um boquete.

Eu ri.

— Faria sim, mas não é isso. Pinte algo pra mim.

— Não! Eu nem sei o que estou fazendo!

— E daí? Apenas siga seus instintos.

Ela suspirou quando eu a soltei e foi até uma tela, começando a pintar.

Sentei e a observei, compenetrada. Ela dizia que não sabia o que estava fazendo, porém os movimentos das pinceladas, apesar de instintivos, também eram precisos. Uma explosão de roxo e azul.

Então ela se afastou.

— Só isso que consigo.

— Se é só isso que consegue sob pressão, imagina quando se sentir criativa.

— Não sou criativa.

— Claro que é. E precisa aprender a receber elogio sem ser um pé no saco.

— As pessoas sempre fazem elogios vazios pra mim.

— Nem todos são vazios. Estou sendo sincero.

— Gostou mesmo?

— Sim, agora tem que assinar.

Ela sorriu e fez um pequeno Harper no canto da tela.

— Pronto, um primeiro Harper King legítimo. — Fez um floreio.

Eu me aproximei e beijei seu pescoço.

— Não, apenas um legítimo Harper.

Ela se virou e me beijou.

— Acho que preciso tirar essa tinta de mim e ir embora — afirmei com má vontade em deixá-la.

— Fique.

— Joe disse algo sobre uma festa que ia rolar aqui.

— Sim, mais uma festa chata e acho que preciso do meu namorado de mentira comigo.

— Isso não te trará problemas?

— Não importa. — Ela parecia desafiadora agora e cheia de energia.

Reconheci um pouco da velha herdeira Harper King em seu olhar, mas também havia algo mais.

Eu sabia que tinha que dizer não, mas não consegui.

Ela sorriu quando concordei e me puxou para fora do quarto, quando estávamos no corredor Giana apareceu nos encarando chocada.

— Minha nossa, o que aconteceu com vocês? E Harper, como teve coragem de trazer seu namoradinho pobre para cá? Seu pai vai...

Eu e Harper nos entreolhamos e como se tivéssemos combinamos avançamos para cima de Giana, espalhando tinta que ainda estava em nossas mãos em seu rosto e cabelo.

Giana gritou se encolhendo e nos afastamos rindo para o quarto de Harper e a deixando para trás.

Foi difícil tirar a tinta, mas depois de um banho e muito esfregar, eu e Harper estávamos limpos. A noite caía quando voltamos para o quarto e eu me surpreendi ao ver três pessoas esperando por Harper.

Dois homens e uma mulher de cabelos rosa.

— Hum, tem companhia hoje? — Um deles me mediu.

Eu me senti meio ridículo usando um roupão de Harper.

— Sim, Maurice. Este é meu namorado e preciso que arranje algo para ele vestir também.

Eu reparei que havia uma infinidade de vestidos pendurados em uma arara.

— Agora? — O homem subiu a sobrancelha.

— Se vira, sei que consegue.

— Ethan, estes são Monique, minha maquiadora, e este é Hector, meu cabeleireiro.

— Precisa de tudo isso para uma simples festa?

— Uma festa King nunca é uma simples festa. — O tal de Hector se aproximou de Harper com um secador quando ela se sentou.

Rolei os olhos e me sentei em sua cama observando toda aquela preparação enquanto Harper apenas ouvia as sugestões de traje do tal Maurice, com cara de tédio.

Algum tempo depois, um homem entrou no quarto carregando um terno e me entregou.

— Espero que sirva.

Fiz cara de falso nojo e Harper riu.

— Aposto que vai.

Fui para o banheiro me trocar e ainda ouvi o tal Maurice perguntando a Harper se ela já queria escolher o vestido para a sua festa de 21 anos.

— Quando é seu aniversário? — indaguei quando voltei ao quarto e toda a equipe já tinha desaparecido. Harper agora estava deslumbrante em um vestido azul de cetim e cabelos presos num penteado elaborado.

— Daqui a cinco dias.

— E como vai comemorar? Vinte e um, hein? É uma grande data.

— Como sempre, com uma festa digna de uma King.

— Não parece feliz com isso.

— Estou de saco cheio. — Sua voz estava cheia de frustração e seu olhar tão nublado de dor que me preocupou.

Era como se por dentro Harper estivesse gritando socorro.

— Ele vai ficar bravo quando te ver comigo.

Ela pareceu cair em si de repente e ficou apreensiva. E não precisava dizer de quem tinha medo.

— Vai valer a pena por estar com você. E se ele me pôr pra fora, eu te levo junto.

— Não é tão fácil assim.

— Mande seu pai se foder!

Ela riu, mas não foi um riso feliz.

Depois se inclinou para me beijar.

— Ainda dá tempo de ir embora. Eu não fui sensata em pedir pra você ficar.

— Eu disse, não me importo.

Eu a puxei para fora ignorando sua apreensão.

— Você tem coragem hein, garçom. — Dana apareceu na nossa frente, trajando um vestido dourado.

— Posso dizer o mesmo de você, afinal, entrou aqui pulando o muro — rebati e seu sorriso morreu no rosto bonito.

— Como assim? — Harper indagou.

— Dana entrou aqui como penetra naquela festa em que conheceu seu pai.

Harper riu.

— Meu pai sabe disso?

— Não sabe e você não vai contar nada — Dana falou entredentes. — Vocês têm mais coisas para se preocuparem do que como conheci meu futuro marido.

— Futuro marido? Está louca se acha que meu pai vai casar com uma puta como você! — Harper dardejou.

— Devia ser mais simpática comigo, Harper. Eu sou muito melhor como amiga do que como inimiga.

— Não me importo com você — Harper rebateu com desprezo na voz, mas dava para perceber que a presença de Dana a incomodava muito. — Meu pai nunca fica com uma mulher mais do que alguns encontros e depois a chuta para fora da vida dele.

— E você gosta disso, não é? De ser a única garotinha do papai? Pobre menina carente! — Dana disse com indulgência. — E ele nem assim te trata com o carinho que queria...

— Cala a boca, sua...

Eu segurei Harper.

— Harper, pare.

De repente nós três paramos a discussão quando o próprio Grayson King se aproximou.

Harper ficou tensa ao meu lado e apertei sua mão.

Talvez agora fosse o momento em que Grayson chamasse Joe para me pôr pra fora a pontapés, ou ele mesmo faria isso.

— Então, você voltou. — O homem me encarou como se encara um inseto.

— Boa noite, Senhor King. — Mantive minha postura relaxada.

O olhar do homem foi de mim para Harper.

— Espero não ter motivos para continuar mentindo para mim, Harper. Traga seu namoradinho para nossa casa enquanto isso durar. Eu vou permitir esse namoro, mas não abuse da minha paciência.

E ele passou por nós, sem olhar para trás.

Eu e Harper nos encaramos estupefatos.

— Que diabos foi isso? — murmurei.

Dana riu.

— Agradeçam a mim, eu convenci seu pai a aceitar Ethan.

— Como conseguiu isso? — Harper indagou desconfiada.

— Eu disse que era fogo de palha, que estava com esse rapaz apenas para contrariar e chamar a atenção. E que você se cansaria quando não fosse mais proibido e largaria o pé-rapado para, enfim, escolher alguém do agrado do seu pai.

— Meu pai não ia ouvir uma rameira como você.

— Deveria ser mais agradecida com quem te ajuda. Ethan poderia estar agora sendo jogado na lama lá fora, de onde ele saiu. Mas por minha causa, ele ainda está aqui. E saiba que seu pai me escuta sim, mais do que imagina. — Ela deu um passo em direção a Harper. — Se acostume com minha presença aqui, porque ficarei ainda por muito tempo, as coisas mudaram, Harper.

— Eu duvido.

— E nem ouse ficar contra mim. Esse relacionamento doentio que tem com seu pai, está com os dias contados. De uma forma ou de outra.

— O que quer dizer?

— Seu pai é possessivo com você e você é com ele. Grayson a tem como uma de suas propriedades e ele não gosta de abrir mão do controle que tem sobre o que lhe pertence. E você se submete a isso, porque quer que ele te ame.

— Você não sabe de nada! — Harper ironizou.

— Sei mais do que pensa, criança. Aceite. Eu estou aqui para ficar.

— Está perdendo seu tempo. Acha que ele te ama?

Dana sorriu com maldade.

— Diferentemente de você, não estou interessada no amor do seu pai. Não me subestime, querida. Eu não estou aqui à toa. Sei o que estou fazendo e ninguém vai me atrapalhar. E esses seus joguinhos tóxicos com Grayson me atrapalham.

— Então acha que tem tanto poder sobre meu pai que ele faz o que você quer?

— Eu apenas sei puxar as cordas no momento certo. E se está admirada que seu pai deixou esse seu garçonzinho ficar por aqui, saiba que eu lhe disse que provavelmente, se continuasse batendo de frente com você, vai acontecer a mesma coisa que aconteceu com sua mãe.

— Pare... — Harper ofegou, abalada.

— Estou errada? E parece que seu pai não quer perder outro tesouro.

Dana piscou e se afastou.

Harper estava trêmula ao meu lado.

— O que aconteceu com sua mãe?

Ela me encarou com os olhos sombrios.

— Ela se matou.


17

Insuportável

Insuportável - que não é possível ou é muito difícil suportar.

— Harper, venha até aqui! — Grayson King se aproximou e puxou Harper pelo braço, sem a menor cerimônia, afastando-a de mim.

Ela me lançou um olhar de desculpas, mas seguiu o pai.

A casa já estava cheia enquanto me misturava e de longe eu vi alguns garçons com quem já trabalhei e eles arregalaram os olhos, perplexos quando me reconheceram. Mas não eram meus antigos colegas que me incomodavam. Todos os convidados da festa me seguiam com olhares e cochichos. Provavelmente já sabiam que eu estava envolvido com a herdeira King.

Observei Harper de longe enquanto o pai a obrigava a ficar do lado dele, conversando com alguns velhotes ricos. Harper ainda parecia tensa depois do confronto com o pai e com Dana e até agora eu estava com mal-estar por ter ouvido que a mãe dela havia cometido suicídio. Queria perguntar mais, porém, Harper não parecia disposta a falar e talvez ela nem soubesse muito.

Agora era mais compreensível porque Grayson King tratava tudo relacionado à mãe de Harper como tabu naquela casa.

Mas o que realmente havia acontecido com Adele King?

— Você e Harper vão me pagar por terem me sujado! — Giana se aproximou com cara de poucos amigos.

— Eu achei divertido. — Peguei uma taça de champanhe do garçom que passou por nós e ofereci a Giana. — Tome, aceite como pedido de desculpas?

— Acha que isso é um pedido de desculpa que valha? E não quero beber, estou enjoada desde cedo!

Ela tocou a testa fechando os olhos.

— E minha cabeça dói. Há dias, estou de saco cheio.

— Precisa ver um médico. — Eu a estudei mais atentamente.

— Cuide da sua vida! — resmungou se afastando.

Voltei a observar Harper e agora Dana se aproximava e abraçava Grayson, que a abraçou de volta, beijando-a.

Harper virou o rosto com expressão de nojo e veio em minha direção.

— Estou tão cansada disso — sussurrou quando chegou ao meu lado e mesmo por baixo da maquiagem pesada, ela parecia abatida.

Acariciei suas costas.

— Quer ir embora daqui?

— Não acho que vai adiantar alguma coisa.

— Ainda estou meio chocado que seu pai permitiu que eu ficasse.

— Eu ainda não acredito que foi a Dana que o convenceu... Não suporto essa mulher.

Segui o olhar de Harper e Grayson estava conversando com alguns convidados, Dana enganchada em seu braço, enquanto o bilionário usava a mão livre para apertar sua bunda.

Era claro que Dana tinha envolvido Grayson em sua rede de sedução.

Harper parecia extremamente incomodada com isso.

Eu a estudei me lembrando das palavras de Dana.

— Você tem ciúme dela, porque tem a atenção do seu pai.

— Não tenho ciúme daquela cretina! Mas me irrita que esteja rastejando por aqui com ares de dona...

Harper negava, mas era óbvio que Dana tinha razão.

O pai de Harper mantinha um controle férreo sobre ela e queria inclusive escolher com quem ela ia se envolver. Mas era incapaz de perceber que tudo o que a filha queria era ser amada por ele.

E talvez por isso Harper não conseguia se desvincular deste domínio. Era doentio e perigoso.

Será que foi assim que Adele King morreu? Senti um arrepio de medo na minha espinha e uma vontade premente de tirar Harper daquele relacionamento tóxico, mesmo sendo com seu próprio pai.

— Lá vem aqueles dois idiotas — Harper resmungou e segui seu olhar vendo Andy e Sean entrando.

Os dois babacas se aproximaram de Grayson King e sua namorada.

Mas minha preocupação deixou de ser os pretendentes de Harper quando Emily Maxell se materializou na nossa frente.

— Olha só quem eu encontrei!

— Olá, Emily.

— Meu Deus, então é mesmo verdade. — Ela olhou de mim para Harper. — Está namorado Harper King?

— Sim, ele é meu namorado — Harper respondeu.

Emily riu.

— Uau, sabe dos negócios nada ortodoxos do seu namorado? Ah, acho que me lembro, você estava naquele chá, onde a moça espanhola falou de Ethan! Foi realmente uma ótima indicação. Ethan valeu cada centavo, mas já deve saber! — Ela se virou pra mim. — Então é por isso que não quis ficar como meu exclusivo? Estava de olho em Harper King? Ela paga mais que eu?

— Emily, para com isso — pedi, mas ela não estava disposta a parar.

— Ouvi dizer que Grayson King está odiando! Mas quem é ele pra falar, não é? De onde será que ele tirou aquela putinha ao lado dele, que ninguém nunca ouviu falar?

— E por que você ainda está aqui cacarejando? — Harper a interrompeu. — Ethan deve ter te dado o fora porque sua voz é insuportável!

E ela se desvencilhou e se afastou pisando duro.

Eu encarei Emily, irritado.

— Isso foi inconveniente.

— Eu sou inconveniente? Ela namora um michê e quer o quê?

— Vai se foder, Emily! — Eu a deixei falando sozinha, furioso não só com Emily mas comigo mesmo.

A culpa era minha se agora tivesse que ouvir aquele tipo merda de mulheres como Emily, afinal, eu trepei com elas por dinheiro.

Encontrei Harper em uma varanda alguns minutos depois.

— Desculpa. Emily foi muito sem noção.

— Ela queria ficar com você?

— Sim, ela pediu, mas não estava interessado.

— Foi o que eu fiz, não é?

— O que aconteceu com nós dois, não tem nada a ver com o que aconteceu com Emily...

Queria lhe explicar que ela tinha se tornado uma pequena obsessão desde que botei os olhos nela pela primeira vez, que, mesmo sendo a garota mais complicada com quem eu me envolvi, ela também era a mais incrível. Mas antes de conseguir dizer qualquer coisa, fomos interrompidos.

— Que falta de educação se esconderem aqui! — Giana se aproximou e para meu desgosto atrás dela estavam Andy e Sean, os fantoches de Grayson King.

Ambos pareciam prontos para me socar quando viram minha mão ir instantaneamente para os ombros de Harper.

Sim, eu estava marcando território e não estava nem aí.

— Então é este o namoradinho pé-rapado? — Andy não fez questão de ser educado.

— Não fale assim, Andy! — Giana sorriu. — Parece que minha prima está sustentando ele, então, nem é mais tão pé-rapado assim!

— Nossa, Harper, é verdade? — Sean se pronunciou no mesmo tom jocoso. — Não quis ficar comigo e prefere um cara desses, que você tem que sustentar? Merece coisa melhor.

— Escuta aqui, por que não dão o fora? Acho que é melhor continuarem lambendo o saco de Grayson King, porque a Harper está fora do alcance de vocês.

— Ei, não seja grosso! — Giana rebateu. — Não sei como meu tio permitiu que ficasse aqui!

— Por que não cuida da sua vida? — Harper se pronunciou. — Aliás, todos vocês, me deixem em paz!

— Está cometendo um erro muito grave, Harper e... — Giana começou, mas de repente parou e deu um passo atrás, com um olhar perdido. — Ah Deus, não estou bem... — E sem aviso ela se virou e vomitou em cima de Sean.

— Ei, ficou louca! — Ele pulou para trás, mas era tarde.

Giana parecia a ponto de desmaiar ou vomitar de novo.

Eu me aproximei e a segurei, levando-a até um banco no canto enquanto Andy ria e Sean xingava saindo da varanda.

— Giana, olhe pra mim, vai vomitar de novo? — Eu segurei seu rosto.

— Não, só estou tonta.

— O que há de errado com ela? — Harper indagou.

— Bebeu demais, querida Giana? — Andy continuou rindo, eu lhe lancei um olhar de censura.

— Cala a boca, Andy — Giana resmungou e tirou minhas mãos dela com um safanão. — E você não toque em mim, garçom.

— O Ethan estuda Medicina, Giana, pare de ser cretina! Ele só está te ajudando! — Harper interveio.

— Há quanto tempo está se sentindo mal assim? — indaguei.

A garota deu de ombros.

— Há alguns dias, eu acordo enjoada e fico com dor de cabeça.

— Tem tonturas?

— Sim...

— Sua menstruação está atrasada?

Ela fez cara de ultraje.

— Não vou responder isso.

— Está? — insisti.

Ela enrubesceu.

— Sim, está, mas o que tem a ver?

No mesmo momento eu soube que Giana já desconfiava de qual era o seu problema, mas não queria encarar.

— Você pode estar grávida.

— Não!

— Teria que fazer um exame para ter certeza, mas tem todos os sintomas.

— Giana, você está grávida? — Harper indagou perplexa e seu olhar foi para Andy. — Você engravidou minha prima?

— Claro que não! — Andy se defendeu ultrajado, mas era óbvio que estava preocupado e querendo se safar se fosse realmente verdade. — Fale pra ela, Giana!

— Falar o que, Andy? Que a gente anda fodendo há semanas? Acho que a Harper já sabe e se eu estiver grávida, o filho é seu!

— Cala a boca, sua piranha, filha da puta...

Eu me levantei.

— Ei, cara, não fale assim com ela.

— Eu falo como quiser! Não vou deixar essa vadia estragar meus planos! — Ele foi para cima de Giana. — Fez de propósito, não é? Queria me ferrar!

— Ei, não põe a mão nela. — Eu o empurrei.

— Tira a mão de mim! — Andy me empurrou de volta.

Harper gritou. Ou foi Giana. Ou talvez as duas, quando Sean tentou me acertar um soco, mas desviei e o soquei na barriga.

Ele cambaleou para trás e o empurrei até que encostasse num vaso no muro que caiu e se espatifou.

— O que é isso aqui? — Uma senhora bem vestida se aproximou gritando.

— Parem! — Harper gritou agora quando eu e Sean nos engalfinhamos, entre socos e pontapés.

— Chame a segurança, mamãe! — Giana gritava.

— Eu vou chamar a polícia, isso sim!

Consegui me desvencilhar de Sean com um murro em seu olho e ele caiu no chão. Enfurecido, ajoelhei e soquei de novo e de novo, deixando toda minha raiva vir à tona.

De repente eu estava sendo tirado de cima de Andy, que agora era um borrão de sangue no chão.

— Ei, já chega! — O homem me arrastou pela escada da varanda. Estava vestido de segurança, mas não era Joe.

— Solta ele! — Harper foi atrás, eu me virei, ofegante, querendo tranquilizá-la, mas vi Grayson e Dana se aproximando, e atrás deles a senhora que Giana chamou de mãe.

— Que diabos aconteceu aqui?

— Este homem agrediu Andy! Eu vi! — a mãe de Giana gritava. — O pobre está estirado no chão, mas eu já chamei a polícia!

— Chamou a polícia, está maluca? — Foi Dana quem se pronunciou.

Grayson prendeu o olhar frio em mim.

— Então é assim que vai agir na minha casa? Agredindo meus empregados até quase matá-los?

— Pai, não foi assim, Ethan estava defendendo a Giana! — Harper rebateu, mas Grayson não estava disposto a ouvi-la.

E eu soube ali que tinha posto tudo a perder.

— Eu sinto muito, Harper — murmurei.

Ouvimos sirene se aproximando.

— Grayson, não vai deixar a polícia levá-lo! Vai ser um escândalo! — Dana tocou seu braço.

— Pois que leve! E não ouse botar mais os pés na minha casa! Eu tentei escutar Dana e te dar uma chance, mas vejo que estava certo em não querê-lo perto da minha filha. Acabamos por aqui!

— Pai, por favor — Harper implorou.

Mas Grayson segurou seu braço e praticamente a arrastou para longe.

Longe de mim.

Passei aquela noite na cadeia. E pela manhã, John pagou minha fiança e fui liberto.

O advogado que John contratou disse que eu não teria maiores problemas se Andy não prestasse queixa de agressão.

Encontrei John na saída da delegacia e ele me abraçou. Entramos no seu carro e lhe dei meu novo endereço, e por todo o caminho, finalmente contei a verdade. De como tinha me envolvido com Carmen e Emily por dinheiro. Da proposta de Harper e como me apaixonei por ela, e tudo mudou. Que nosso relacionamento de mentira evoluiu para algo que até agora eu não sabia definir, mas que virou meu mundo de ponta-cabeça.

— Ethan, por que não me contou nada antes? — John indagou perplexo, estacionando o carro em frente ao prédio.

— Sinto muito.

— Se tinha problemas de dinheiro, podia pedir ajuda. Sabe que pra mim, você é como um filho.

— Não podia te pedir mais nada, já tinha me ajudado muito.

— Mas olha no que se envolveu! Fazer sexo por dinheiro...

— Eu sei que é degradante, mas acho que apenas me deixei levar e provavelmente não teria ido muito longe, mas então surgiu a Harper.

— Eu sabia que esse envolvimento poderia acabar mal. E acabou.

— Não é culpa dela.

— Mas ela é filha de um homem poderoso!

— Eu sei. Ele quer que Harper fique com um dos homens que ele escolheu e um deles foi quem eu soquei ontem, porque engravidou a prima dela e a tratou como lixo.

— Isso é horrível.

— Eu me preocupo com Harper. Sei que nosso relacionamento não tem futuro, que é impossível. Somos de mundos totalmente diferentes, mas não consigo me afastar. Ela é infeliz e o pai dela a controla de um jeito doentio.

— Mas é o pai dela.

— Você não sabe como é, John.

— E você sabe?

— Não, apenas vislumbrei a ponta do iceberg. Sei que no fundo não tem nada que eu possa fazer, mas eu só queria... que fosse possível.

— Olha, você errou muito, mas sinto que gosta dessa garota de verdade. Sinto muito.

— Não sei o que vai acontecer agora.

— Ela que paga esse apartamento?

— Sim — confessei meio envergonhado.

— Se aceita dinheiro dessa menina, deveria ser mais fácil aceitar o meu.

— Não é assim...

— Ethan, eu não sou tão rico como Grayson King, não chego nem perto, mas sabe que minha família me deixou uma boa herança. Eu tenho meu trabalho como médico e na universidade, e quase nem preciso mexer nesse dinheiro. Eu ficaria imensamente feliz se pudesse te ajudar.

— John...

— Ethan, eu queria adotar você.

— O quê?

— Sei que é adulto, mas poderia... ir morar comigo e Maddy, caso quisesse, ou te ajudaria a ter o seu próprio lugar. Eu não estaria dando a você, seria seu por direito, como meu filho.

Senti um aperto no peito com o olhar esperançoso de John. Eu sempre soube que gostava de mim, mas não tanto assim.

— Eu não posso ter filhos. Não do meu sangue. Maddy não se preocupa com isso, ela também já passou da idade de querer engravidar mas eu teria orgulho de dar meu sobrenome a você.

— Isso é... Não sei o que dizer, John.

Eu tinha imensa consideração, respeito e uma dívida eterna com John. Ele tinha substituído meus pais no meu coração e me acolhido por todos aqueles anos sozinho.

Mas aceitar o que ele estava oferecendo parecia um pouco demais.

— E quem sabe assim, Harper não seja tão impossível?

Então entendi o que ele queria dizer.

Como filho de John, eu não seria mais um pobre estudante. Um pé-rapado, como diziam todos ao redor de Harper.

Mas sinceramente, não sei se isso serviria para alguma coisa para Grayson King.

— Apenas pense nisso. — John destravou a porta.

— Obrigado, John.

— Se cuida, filho.

Saí do carro e quando passei pela portaria, o porteiro me chamou.

— Senhor, senhor, por favor, não pode entrar.

— Não entendi.

— Um homem esteve aqui hoje cedo, tirou todas as suas coisas e comunicou que estava proibido de entrar no prédio.

O quê?

— Ele veio em nome da Senhorita King, o apartamento está no nome dela... — O homem ficou constrangido.

Claro.

Grayson estava se certificando de me jogar para fora da vida de Harper.

— Como era o homem que veio aqui? — Tentei manter a calma.

— Um jovem alto e com cara de guarda-costas. Ele sempre está acompanhando a Senhorita King.

— Joe...

— Sim, acho que é este o nome. Ele deixou as chaves do seu carro. — O homem me estendeu o molho de chaves. — Ele estacionou o carro na rua. E pediu para lhe passar o número do telefone dele.

O homem me passou um papel com um número anotado.

Saí do prédio e achei o carro, entrando e pegando o celular, disquei para Joe.

— Joe, que merda está acontecendo?

— Calma, cara. Acho que já sabia que isso iria acontecer, depois de ontem.

— Sim, acho que já devia saber mesmo.

— Foram ordens expressas do Senhor King. Levei suas coisas para seu antigo apartamento.

— Obrigado por avisar — disse com ironia.

— Sinto muito.

— Joe, como Harper está? Está tudo bem?

— Não, Ethan. Eu pedi que me ligasse para te avisar, embora talvez eu seja demitido por te avisar disso.

— O que aconteceu?

— Harper está hospitalizada. Ela... tomou alguns comprimidos...

— O quê? — Meu estômago se apertou.

— Ainda não sabemos direito, mas... Eu ouvi Chelsea dizendo que achava que ela tentou se matar.


Trecho do diário de Harper King

9 de março

Tudo está desmoronando.

A minha volta e dentro de mim.

São três horas da manhã e não consigo dormir.

Ainda revivo a briga horrível de Ethan e Andy. A polícia levando Ethan sem que eu pudesse fazer nada. Meu pai me arrastou para meu quarto e deixou claro que eu nunca mais iria ver Ethan. Gritei que não podia me impedir, que eu ia embora e ele nunca mais iria me ver. Aí ele riu. Riu! E disse que, de novo, estava tirando todos os meus cartões e bloqueando minhas contas e que eu estava proibida de sair de casa, até que concordasse em nunca mais ver Ethan. Ele disse tudo isso com uma frieza horrível, os olhos duros e os dedos apertando meu braço até que pedi que me soltasse, pois estava me machucando. Mas a dor física não era pior que a dor no meu peito, por perceber que eu tinha me iludido achando que um dia iria gostar de mim. Passei anos tentando me encaixar no que ele queria, tentando inutilmente ser uma boa filha e quando nada disso adiantou, eu me rebelei para chamar sua atenção. Para que olhasse pra mim. E para quê? Apenas para ter sua raiva e fúria.

Meu pai me deixou sozinha chorando depois de pegar meu celular e jogar contra a parede, espatifando-o, gritando que eu não deveria nem tentar falar com Ethan. E suas últimas palavras ainda ressoam em meu ouvido “Você é igual a sua mãe, sempre correndo atrás de perdedores! Mas não vou permitir isso.”.

O que ele quis dizer?

Dana havia entrado no quarto um tempo depois e disse que Ethan estragou tudo e que agora papai estava irredutível e que ela não poderia mais me ajudar, já que não colocaria seu relacionamento com meu pai a perder.

Eu gritei e mandei ela sumir da minha frente. Ela apenas afirmou que assim que eu estivesse mais calma, tinha algumas coisas para conversar comigo. E quando rebati que não tinha nada pra falar com ela, insistiu que “queria me ajudar”.

Me ajudar como?

Ninguém podia me ajudar.

Ethan estava preso por minha causa. Provavelmente agora ele nunca mais iria querer me ver. E acho que era melhor assim. Melhor pra ele.

Meu pai nunca iria deixar que eu quebrasse as correntes que me ligavam ao legado King. Ele não iria me deixar livre.

Eu só estaria livre quando morresse.


18

Impossível

Impossível - que ou o que não pode ser, existir ou acontecer.

Um medo terrível golpeou meus sentidos e eu só ouvia um zunido.

Harper estava em um hospital.

Tinha tomado comprimidos... para morrer? Como a mãe dela?

Não fazia sentido, mas ao mesmo tempo sentia que era possível sim. Os sinais estavam ali o tempo todo, como um alerta macabro piscando sob os olhos cinzentos de Harper.

Lutei para respirar e não enlouquecer.

— Onde ela está? — indaguei o Joe.

— Cara, nem pense em vir aqui...

— O caralho que não vou! Onde. Ela. Está? — repeti entredentes batendo com o punho fechado no volante e me sentindo impotente.

— Ethan, eu já coloquei meu emprego em risco por você e a Harper, e acho que já passei dos limites. Ela está bem agora, está fora de perigo, apenas fique longe. É para o bem de vocês.

— Se não me disser em qual hospital ela está eu vou revirar todos desta cidade até encontrá-la.

De repente ouvi uma voz feminina de fundo.

— O que foi? Quem é?

— Sabe quem é! Eu disse a ele que não era para vir, mas não está adiantando — Joe respondeu para a pessoa que o estava interrogando.

— Me dê essa merda... — a pessoa pediu e então a voz mudou. — Ethan, é a Dana.

— Onde Harper está? — insisti.

— Você é o cara mais idiota que já conheci! Não cansa de estragar tudo?

— Escuta aqui, não quero saber o que você pensa.

— Se vier aqui agora, vai ser preso de novo, ou coisa pior! Grayson está aqui!

— Agora ele está preocupado com a filha? Quando ela tenta se matar para se livrar dele?

— Harper está viva e é outra idiota! Provavelmente queria só chamar a atenção! E conseguiu. Mas duvido que isso vá fazer alguma diferença para Grayson. Ele continua odiando você e inclusive te culpa pelo que aconteceu a Harper. Então fique longe para seu próprio bem!

— Dana, eu só preciso ver a Harper... por favor — implorei.

Ouvi Dana respirando fundo do outro lado, hesitando.

— Certo. Não quero que se ferre mais. Então escute bem. Como uma boa noiva e futura madrasta, eu vou me oferecer para passar a noite com Harper aqui, pois ela só será liberada amanhã. Então assim que todos estiverem longe, eu te mando um aviso, e você poderá vir vê-la. Mas não abuse da minha boa vontade.

Respirei quase aliviado.

— Tudo bem. Eu vou aguardar.

Era mais de meia-noite quando Dana me mandou uma mensagem informando o hospital que Harper estava e que eu podia ir até lá.

Eu havia passado o dia como um tigre enjaulado, depois de voltar ao apartamento para lhe explicar tudo.

Tyler estava aflito também e achava que o melhor que eu tinha a fazer era esquecer a existência de Harper.

Mas naquela altura era impossível. Ainda mais agora.

Então, assim que recebi o recado de Dana, dirigi até o hospital. Àquela hora, o lugar estava quase deserto e quando entrei no saguão, Joe me recepcionou. Seu rosto ainda estava inchado onde eu o soquei.

— Ei, espero que não faça nenhuma burrada.

— Eu só quero ver a Harper.

— Certo, vou te levar até ela.

Subimos pelo elevador e quando chegamos em frente a outra sala de espera. Dana estava lá.

— Então o príncipe encantado apareceu. — Sorriu com seu habitual sarcasmo.

— Onde ela está?

Ela apontou para a porta.

— Está no quarto. Não quer falar com ninguém, embora toda sua família tenha ficado ao redor o dia inteiro. Até Grayson, embora ele apenas estivesse furioso com ela. Giana e Chelsea, até choraram, podiam ganhar o Oscar com tanta falsidade! Sabe que foi no quarto de Chelsea que Harper conseguiu os malditos tranquilizantes? Ela estava vagando pelo corredor como um zumbi, segundo Chelsea, e Harper disse que não conseguia dormir e a idiota lhe deu um frasco!

— Acha que Harper fez de propósito?

— Como saber? Não fala com ninguém. Talvez fale com você. — Ela se virou para Joe. — Vem, Joe, vamos descer e tomar um café.

Eu ainda observei os dois se afastando e franzi o olhar, intrigado quando o segurança pousou a mão nos ombros da namorada de Grayson.

Que diabos era aquilo?

Bem, eu não me importava.

Apressei-me em entrar no quarto de Harper e meu coração se apertou ao vê-la pálida contra os lençóis. Os olhos fechados, com olheiras sombreando.

Eu me aproximei e toquei sua mão, onde uma agulha estava conectada ao soro, e ela abriu os olhos.

— Ethan?...

— Que merda você fez? — grunhi com raiva. Com vontade de chorar. Com vontade de sacudi-la até que tudo o que escondia dentro dela se libertasse. — Por que fez isso? Queria mesmo... — Nem consegui pronunciar a palavra.

Ela piscou e uma lágrima caiu do seu olho.

— Eu não sei... Só estava tão cansada, queria apagar e não voltar. Tia Chelsea me ofereceu seus tranquilizantes e disse que um bastava, mas eu... Não me lembro o que estava pensando, ou o que eu fiz... Só queria que a dor passasse... — Mais lágrimas desabaram. — E quando acordei, meu pai estava aqui, gritando... Ele me odeia, Ethan, eu não aguento mais...

Porra, a raiva de Grayson King me devorou por dentro.

Como um pai podia ser assim?

— Eu devia mesmo ter morrido.

— Não fala isso. Não pode ir embora...

— De que adianta viver assim? Eu nunca nem conheci minha mãe, minha família é uma farsa, meu pai não me ama e mesmo assim quer me controlar... Eu não tenho nada, nem a mim mesma.

— Você tem a mim, entendeu?

Ela piscou, os olhos descansando nos meus, tristes e desolados.

— Eu não tenho nada para te dar. Meu pai tirou tudo de mim.

— Não ligo para a merda do dinheiro do seu pai. A única coisa que quero tirar dele é você.

— Então me tira daqui?

— Foda-se! — Sem pensar nas consequências, arranquei a agulha em seu braço e a tomei em meus braços.

Ela abraçou meu pescoço e deitou a cabeça em meu ombro.

Saí do quarto, sem nem olhar para trás.

O hospital estava às moscas e se alguém estranhou o cara saindo com uma moça no colo, não falou nada.

Joe e Dana não estavam no caminho e eu podia suspeitar que estivessem trepando em algum lugar.

Bem feito para Grayson King.

Eu não me importava com nada mais. A não ser com a garota que estava em meus braços.

Eu a coloquei no banco de passageiro e dei a volta me sentando ao volante e a encarei, apreensivo, dando partida.

— Tem certeza?

Ela sorriu.

Um sorriso que nunca tinha visto antes.

Não era o sorriso superior de Harper King.

Era um sorriso triste, mas que continha confiança.

Em mim.

E naquele momento, eu soube que a levaria para o fim do mundo se pedisse.

Mas eu não a levei para o fim do mundo, e sim para a casa de John, que naquela hora da noite estava silenciosa. John havia me contado que Maddy estava viajando, visitando a irmã que morava em Mystic, e hoje ele estava de plantão no hospital em que trabalhava.

— Onde estamos? — Harper indagou quando abri a porta e a puxei com cuidado para fora.

— Na casa de John, lembra? Já esteve aqui. Pode andar?

— Sim...

Eu peguei a chave e abri a porta.

— Meu pai falou que te colocou para fora do apartamento, sinto muito — sussurrou enquanto entramos na casa.

— Não importa. — Segurei sua mão e a puxei escada acima até o quarto que costumava usar quando estava ali.

Não acendi a luz quando entramos, apenas a guiei até a cama e tirando o tênis, me deitei ao seu lado.

Ficamos nos olhando na semiescuridão, com a luz da rua incidindo sobre nós.

— Você queria mesmo morrer? — eu tive que perguntar.

— Agora, aqui com você, eu não consigo lembrar os motivos.

Eu sorri e toquei seu rosto, colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.

— Você está mesmo bem agora?

— Fisicamente sim. Me fizeram pôr pra fora tudo que tomei.

— Você me deu um susto do cacete. — Eu a trouxe para perto, encostando minha testa na sua, respirando sua respiração. Como é que Harper tinha se tornado tão essencial? Parecia que eu a conhecia a vida inteira e não há apenas dois meses.

— Me desculpe... Eu fiquei arrasada com o que aconteceu, com aquela briga e a polícia. Meu pai disse que nunca mais eu ia te ver... E eu fiquei com tanto medo do que ele podia fazer...

— Ele não pode me atingir, Harper.

— Pode sim! Você não sabe do que ele é capaz! Não quero que se prejudique ainda mais por mim. Eu fiz uma bagunça envolvendo você na minha vida. Fui egoísta. Sinto muito.

— Não sinta. Eu não sinto.

— Eu estava brava por causa de Andy e Sean, porque ele insistia que eu tinha que escolher um deles. Talvez eu devesse ter escolhido e quem sabe assim ele ficaria feliz comigo.

— Sabe que não é verdade. Seu pai não é um cara capaz de amar, Harper. Você aceitaria um daqueles babacas, se casaria e ainda assim, ele continuaria te controlando. E abusando do fato de que você faz as vontades dele para que a ame.

— Ele é meu pai. — Desolação rastejou por sua voz. — Ele deveria me amar. — Seu choro cortou meu coração.

— Eu sinto muito. — Beijei suas lágrimas. — Sinto muito...

Com quase desespero, seus lábios encontraram os meus e suspiramos juntos.

— Harper, não... — Eu a afastei ofegante.

— Estou bem, preciso ficar bem, então, por favor, apenas fique comigo, porque as únicas horas que eu sou feliz é quando estamos juntos...

Com um gemido rouco, eu me rendi a beijando de volta.

Tirei suas roupas de hospital, tirei minhas próprias roupas e deixei minhas mãos e lábios fazerem um caminho de reconhecimento por seu corpo, que agora eu conhecia tão intimamente como o meu, deixei o desejo que ela sempre despertava em mim tomar conta dos seus sentidos e fingi não me importar com o fato de que cada beijo, cada carícia, cada suspiro, parecia ser uma despedida.

Eu não queria que fosse uma despedida. Queria que fosse um recomeço.

Só não sabia ainda como ia fazer isso ser possível.

Em certo momento, eu parei, pairando em cima dela, nossas respirações se misturando, nossos quadris se buscando, ansiando.

— Eu te amo, Harper — sussurrei. — Não esqueça isso. — Eu a penetrei devagar, me perdendo em seu olhar incrível. — Nunca esqueça isso...

Ela apenas sacudiu a cabeça, ofegante e gemendo, movendo-se comigo e fechei os olhos, encostando a testa na sua, sem saber que era a última vez que eu estaria dentro dela.

Adormecemos juntos, nossos corpos ainda intimamente entrelaçados, e quando acordei, a cama estava vazia.

Eu me levantei, assustado, e corri pela casa a chamando.

Encontrei John na cozinha.

— Ela foi embora — ele falou com pesar.

Passei a mão pelos cabelos, frustrado, preocupado e furioso.

— Quando cheguei ela estava entrando no carro com Joe, o segurança dela. Perguntei se ela estava bem, estranhei que ela vestia um casaco por cima da roupa de hospital. Ela disse que estava bem, antes de entrar no carro e partir.

Eu lhe expliquei em poucas palavras o que tinha acontecido.

— Ethan, tem que parar de fazer essas loucuras! Teve sorte do pai dela não ter mandado a polícia atrás de você!

— Eu não consigo mais ficar longe, John.

Meu celular apitou e eu o peguei, reconhecendo o número de Dana.

— Dana, Harper está bem?

— Sim, ela está em segurança. E você mais uma vez foi um idiota a levando do hospital! Para sua sorte, Grayson não ficou sabendo. Eu e Joe conseguimos esconder isso. Ele a procurou na casa do seu amigo e como não o achou lá, seu amigo disse que poderia estar aí na casa do seu professor. E ainda fui boazinha e pedi que Joe esperasse amanhecer para acordar Harper e levá-la de volta.

— Não devia ter a levado!

— E deixar que Grayson mandasse prender você e jogar a chave fora por sequestrar a filha dele?

— Eu não a sequestrei!

— Será a sua palavra contra a de Grayson King.

— Dana, você parece querer ajudar, então, por favor, Harper não está bem, o pai dela é um filho da puta que não percebe que está a matando quando a controla desse jeito...

— Sim, eu sei de tudo isso. Mas sinto muito. Não posso fazer nada. E nem você. São pai e filha e provavelmente vão se entender.

— Não é tão fácil assim!

— Isso não é problema seu, Ethan. Sei que está apaixonado, mas vai ter que esquecer a Harper. Para o bem dela.

— Eu não sei se posso.

— Faça um esforço! Nem tente aparecer aqui porque o Joe não vai te deixar entrar. E se Grayson te vir de novo, não vai ter a mesma paciência que teve até agora. Adeus.

Ela desligou e fiquei olhando para o aparelho, sem saber o que fazer.

— Era Dana, a namorada de Grayson King, ela... me ajudou a ver a Harper, mas agora diz que devo me manter longe.

— Ela tem razão.

John tocou meu ombro.

— Se acalme. Tome um banho, tem aula hoje. Siga sua vida, Ethan.

— É difícil, sem saber como Harper está.

— Ela está com a família dela. Foi escolha dela ir embora. Conforme-se.

Por três dias eu tentei seguir o conselho de John.

Voltei para a casa de Tyler e ele me disse as mesmas coisas que John, que o melhor a fazer era esquecer Harper.

No fundo eu sabia que era mesmo o melhor, mas eu estava apaixonado por ela.

— Eu sinto muito, querido — Ellie havia tocado minha mão, com cara de pena. — Eu vi em um site de fofoca hoje que daqui a três dias vai ter uma festa na casa dos King, para comemorar o aniversário da Harper. Provavelmente ela está bem agora. Acho que ela gostava mesmo de você, mas com esse pai que te odeia... Acho que ela simplesmente escolheu seguir sem você.

Doía pensar que Harper tinha me deixado sem nem ao menos se despedir. Que ela nem tinha levado em consideração que eu disse que a amava.

Eu sabia que pertencíamos a galáxias diferentes, que ela sempre esteve fora do meu alcance, mas eu conseguiria me afastar se soubesse que ela estava bem.

Mas como acreditar que estava bem naquela casa?

Então na noite de seu aniversário, eu recebi uma ligação de Harper.


Trecho do diário de Harper King

10 de março

Tudo parece mais escuro a cada hora que passa. Desde que Joe me convenceu a deixar Ethan e voltar para casa, eu só tento me manter sã e não enlouquecer.

Ainda não me recordo com precisão o que aconteceu antes de apagar na madrugada em que tomei os remédios da tia Chelsea. Eu só me sentia perdida e cansada. Queria dormir e esquecer a droga que era minha vida. Se eu queria morrer? Eu pensava nisso cada vez mais, mas não me lembro se era essa minha intenção.

E quando acordei no hospital, meu pai estava furioso. Acusou-me de querer chamar a atenção, de querer forçá-lo a aceitar Ethan na minha vida. Mas reiterou que isso não iria acontecer.

Eu não consegui falar nada, não ia adiantar mesmo.

Talvez devesse ter morrido, afinal.

Então, Ethan estava lá, e eu não sabia o quanto tinha me tornado dependente dele até aquele momento. E quando ele me levou embora, eu só desejei que não estivesse sonhando. Eu me permiti à pequena fantasia de que nós dois juntos era possível.

Porém, a realidade bateu à porta e Joe disse que era melhor para mim voltar para casa. Meu pai nunca iria permitir que ficássemos juntos. E foi quando eu tive medo, não mais por mim, e sim por Ethan.

Eu sabia que meu pai era cruel. E poderoso.

O que ele faria com Ethan para afastá-lo de mim?

Não podia permitir.

Eu já estava fadada àquela vida, desde que nasci uma King.

Ethan não precisava se envolver naquele lixo também.

Então, eu o beijei uma última vez e voltei pra casa.

Para minha prisão.

11 de março

Meu pai acabou de sair daqui do meu quarto.

Ele parecia assustadoramente calmo quando disse que a festa dos meus 21 anos iria acontecer de qualquer jeito.

Eu assenti, como uma boa menina.

Ele indagou se eu tinha entendido que nunca mais iria ver Ethan. Eu assenti de novo e até falei em voz alta que tínhamos terminado e que nunca mais iria vê-lo. Ele pareceu satisfeito e orientou meus próximos passos. Andy estava fora da jogada depois que engravidou Giana. Mas eu teria que concordar em namorar Sean, e desfilaríamos juntos na festa, como um casal, para que os rumores sobre Ethan fossem esquecidos.

Eu concordei. Não me importava agora.

Ele sorriu daquele jeito perverso que agora me dava embrulho no estômago e antes de sair do quarto se virou e disse algo que me arrepiou até a alma. “Você me pertence, Harper. Eu perdi sua mãe, mas não vou perder você.”.

12 de março

Não sei quanto tempo mais eu vou aguentar...

Inferno, tem alguém batendo na porta.

Não quero falar com ninguém, mas escuto a voz de Dana.

Ela tem tentado falar comigo o dia inteiro.

Lembro que foi ela quem facilitou a entrada de Ethan no hospital, e que não contou ao meu pai que eu fugi com ele.

Não sei qual o jogo dela e, sinceramente, já não me importo.

Talvez eu deva deixar ela entrar...

13 de março

Estou sentada em minha escrivaninha enquanto escrevo.

Estudo meus olhos maquiados, o vestido dourado, meus cabelos perfeitos.

Perfeita.

Uma perfeita herdeira King.

Em alguns instantes, estarei circulando entre os convidados do meu pai, pessoas que só conseguem enxergar o exterior impecável e ter inveja do que acreditam ser uma vida perfeita.

Nunca sabem a versão verdadeira do outro, apenas vislumbram a aparência de uma vida sem defeitos e acreditam numa ilusão.

Não sabem que por dentro, estou aos prantos.

Vazia.

Penso em Ethan, em como me sentia perfeita com ele. Fomos tão errados e tão certos juntos.

Talvez em uma outra vida agora...

Pego o telefone e ligo para ele.

Quero ouvir sua voz antes de me despedir.

Então eu descerei as escadas e contemplarei o mundo como a herdeira King pela última vez.

Já chega.

Chegou a hora de acabar com tudo.


19

Incompreensível

Incompreensível - impossível ou extremamente difícil de se compreender, explicar, perceber, alcançar ou admitir.

— Harper?

— Oi Ethan...

Sua voz parecia serena e triste ao mesmo tempo.

Senti falta de ar.

— Harper, o que está acontecendo? Por que foi embora, por quê?...

— Eu tive que ir. Eu não podia ficar... Não posso ficar...

— Que merda está falando? Eu vou te tirar daí, eu sei que seu pai é um filho da puta, mas vamos dar um jeito.

— Ethan, por favor, entenda. Acabou.

— Só isso? Acabou? Agora vai dizer que eu tenho que esquecer tudo o que aconteceu?

— Não... Eu liguei pra te pedir que não me esqueça.

— Harper... — Eu queria gritar e esmurrar alguma coisa.

— Eu te amo, Ethan.

Fechei os olhos com força, ouvindo o que sempre quis ouvir dela. Mas senti que era tarde demais.

— Nunca esqueça. Nunca se esqueça disso — ela repetiu as minhas palavras. — Não me esqueça...

E a ligação foi interrompida.

Ainda permaneci ali, estático, sentado no meu pequeno quarto no apartamento de Tyler, contemplando a parede vazia.

O vazio.

Na manhã seguinte, acordei com a notícia que Harper havia desaparecido.

Não me lembro muito bem das horas que se seguiram. Ellie me acordando e passando o celular para mim com um olhar sombrio. A notícia no jornal.

Harper sumiu.

— O que será que aconteceu? — Ellie indagou apreensiva.

— Você sabe alguma coisa sobre isso? — Tyler insistiu.

— Não, eu não sei...

Ainda parecia insólito.

Devia haver alguma explicação. Harper deveria ter fugido da casa do pai, finalmente. Acho que cheguei a sentir um certo alívio, por ela não estar mais sob as garras de Grayson King.

Mas se ela fugiu, por que não veio até mim?

Ela não sabia que eu iria até o fim do mundo por ela?

Naquele mesmo dia, a polícia bateu à minha porta.

Não fazia nem 24 horas que Harper sumiu, mas certamente que Grayson não iria esperar os trâmites normais.

Queriam saber se eu tinha escondido Harper, reviraram minha casa, e eu apenas confirmei que não sabia de nada.

Os dias passaram.

Acho que esperei uma ligação de Harper.

Mas isso nunca aconteceu.

Então, comecei a sentir um pressentimento ruim.

O que Harper seria capaz de fazer quando se sentiu acuada? E aquela última ligação, como uma despedida?

Eu não queria acreditar que ela tivesse dado um fim ao seu sofrimento, mas não sabia mais o que pensar.

Tyler ficou ao meu lado enquanto eu tentava manter a sanidade, mas a cada hora que passava sem notícias, eu temia pelo pior.

Então, encontraram seu carro no Rio Charlie.

O lugar onde nos beijamos pela primeira vez.

— Acha que ela está morta? — Ellie havia sussurrado enquanto nós três permanecíamos quietos assistindo o noticiário de TV.

Tyler tocou meu ombro.

Ele não precisava responder para eu saber o que ele pensava.

Porque era o mesmo que eu começava a temer.

— Sinto muito, cara.

Naquela noite, dirigi o carro que Harper havia me dado até o rio.

Contemplei as águas serenas.

Lembrei de sua voz. Do seu sorriso.

Lembrei dela.

Me desesperei.

Gritei seu nome.

Chorei.

E rezei.

Eu não lembrava a última vez que tinha rezado, mas implorei ao universo que cuidasse dela.

Cuidasse de Harper, onde quer que ela estivesse.

Ela estava livre, afinal.


Detetive Tim Crowley

O detetive contemplou o rapaz a sua frente, depois de seu relato.

Estava conversando com Ethan há pouco mais de duas horas.

Era um relato poderoso, embora ele não tivesse pedido detalhes, sabia que enquanto contava os passos de seu relacionamento com Harper King, Ethan havia deixado muitas coisas nas entrelinhas, coisas que provavelmente estavam em sua cabeça, em suas lembranças.

— Então, nunca mais viu Harper?

— Não, senhor.

— Teve contato com alguém na casa dos Kings? O segurança, que parecia nutrir simpatia por você ou a namorada do Senhor King? — O detetive remexeu em seus papéis. — Dana Martin?

— Não.

— O que você acha que aconteceu?

— Eu não sei. Eu esperei a semana inteira para que ela aparecesse na minha porta. O que sei é que ela estava sendo forçada a uma vida que não queria viver. Que eu tentei tirá-la desta vida. Mas não consegui.

— Se arrepende de ter se envolvido com ela?

— Desde o momento em que botei meus olhos em Harper King, eu soube que nada mais seria igual. Sua proposta inusitada, sua beleza surreal. Sua personalidade misteriosa e complexa. A herdeira bilionária que todos invejavam e cobiçavam. Porém, a verdade era que sua vida de herdeira perfeita era apenas uma cortina de fumaça para a menina carente de amor e perdida em si mesma. Uma menina que eu amei e perdi.

— Acha que Harper King está morta?

— Ela estava infeliz o suficiente para querer se livrar da vida que estavam lhe impondo. Mas acho que quem tem que descobrir o que aconteceu é o senhor.

O detetive concordou com a cabeça, cansado depois de horas de depoimento.

— Certo. Vamos analisar o que disse, tem algumas informações importantes aqui que podem nos dar uma direção e estamos procurando o diário de Harper.

O detetive acompanhou o estudante até a porta e lhe deu um aperto de mão.

Não sabia por que, mas gostava de Ethan Coleman e tinha ficado sensibilizado com o relato de sua malsucedida história de amor com Harper King. E ele havia dado uma visão da herdeira que até agora ninguém tinha dado.

— Ele ajudou em alguma coisa? — um colega perguntou ao detetive. — Lhe deu alguma pista?

— Ele não sabe de nada sobre o paradeiro da garota.

— E o que você acha que aconteceu?

— Provavelmente a garota cometeu suicídio, como a mãe.

— A mãe dela morreu assim?

— Sim, eu tive que olhar os registros e Adele King desapareceu há quase 21 anos.

— Desapareceu?

— Adele e Grayson King estavam no Iate da família, de férias. Ela pulou do barco, desaparecendo nas águas, em pleno oceano.

— Pulou? Ou caiu? Ou... Foi jogada?

— Um bilhete de suicídio foi encontrado.

— Acha que a filha fez o mesmo que a mãe?

— Se fez, talvez encontremos um bilhete.

— Espero que desvendemos isso.

— Sim. Por favor, chame Dana Martin para depor.

— A namorada de Grayson King?

— Sim.

— Posso saber o que estou fazendo aqui? — Dana Martin não parecia feliz em ser chamada novamente.

Crowley não achava que a jovem namorada de Grayson podia saber algo sobre o desaparecimento de Harper, mas depois do depoimento de Ethan, talvez tivesse subestimado a bonita mulher a sua frente.

— Eu conversei com Ethan Coleman e ele me contou algumas coisas interessantes.

A mulher sorriu.

— Como o quê?

— Ele disse que você entrou na casa dos King pulando o muro.

— Isso é algum crime?

— Podemos acusá-la de invasão de propriedade, mas não é este o caso. Por que pulou o muro?

— Não é óbvio? Eu não tinha um convite e queria participar da festa.

— Seu namorado sabe?

— Vai contar a ele? Duvido que faça alguma diferença agora. Eu e Grayson estamos muito envolvidos. Nada vai nos separar.

— Ele disse que fez algumas ameaças... Sobre querer tirar Harper do seu caminho.

— Ele disse isso? Mas o que eu poderia fazer a Harper? Certamente ela não gostava de mim, mas ela não gostava de ninguém. Era uma menina infeliz. E eu inclusive tentei ajudar. Ethan contou isso? Contou que eu facilitei para que ele encontrasse Harper no hospital e nem contei ao Grayson que ele a levou de lá?

— Sim, ele contou.

— Eu não tenho nada a ver com o desaparecimento da filha de Grayson. Estou tão chocada quanto todos os outros.

— Você tem alguma teoria sobre o que pode ter acontecido?

— Harper estava muito infeliz. Ela disse que não lembra se tinha intenção de se matar ou não quando tomou aqueles comprimidos da cabeça oca da Chelsea. Mas eu acredito que ela queria morrer sim. E eu acho que depois que Grayson deixou claro que ela teria que ficar com Sean Stewart e deixar Ethan de vez, ela não aguentou a pressão.

— Acha que ela entrou com o próprio carro no rio?

— Eu tenho certeza.

O detetive estudou a moça loira a sua frente. Ela não parecia estar mentindo. Era uma mulher ambiciosa e obstinada, sem dúvida. E era óbvio que queria fisgar um bilionário. Talvez houvesse motivo para dar fim à filha do homem, mas não havia nenhum indício.

— Já acabamos? — indagou impaciente.

E o detetive detectou um sotaque diferente em sua voz.

— Não é americana, não é, senhorita? Canadense?

— Sim, eu fui criada em uma pequena cidade no Canadá.

— Certo. Pode ir, eu a chamarei de novo, caso seja necessário.

O Detetive Crowley examinou o material à sua frente, pensativo.

Fotos do quarto de Harper. Fotos do local onde estavam guardadas as coisas de sua mãe. Fotos de quadros inacabados.

Um deles lhe chamou a atenção, porque estava assinado como Harper.

Lembrou de Ethan contando que havia pedido que ela pintasse. O detetive não entendia nada de arte, ainda mais essas modernas, mas sua filha, Lyn, de 17 anos, adorava.

Havia também fotos da câmera de segurança. Harper entrando sozinha em seu carro, ainda trajando um vestido dourado, e partindo pela última vez da Mansão King.

O que se passava pela sua cabeça naquele momento?

Será que dirigiu mesmo até o rio e entrou nas águas profundas para nunca mais voltar?

Seu telefone tocou o interrompendo e ele atendeu, era sua esposa Sheila.

— Fale querida?

— Vai chegar cedo hoje?

Ela parecia nervosa e ele olhou o relógio, já havia passado da hora de ir pra casa.

— Estou terminando aqui. Tudo bem em casa?

— Lyn está me tirando do sério! Ela quer sair com aquele tal de Rick, e eu já falei que não pode e...

— Deixe.

— O quê?

— Deixe ela sair com este rapaz. — Suspirou.

Ele e sua esposa tentavam ser rígidos com Lyn, o que eles acreditavam ser para sua própria segurança, mas o que aconteceu com Harper King havia lhe feito repensar.

— Mas nós combinamos e...

— Querida, conversamos quando chegar, ok? Vai ficar tudo bem. Temos que confiar nas escolhas de nossa filha.

Ele se despediu da esposa e juntou todo o material, colocando-o no arquivo Harper King e saiu da delegacia.

Foi um longo dia.

Na manhã seguinte, encontraram o vestido de Harper no rio.

Mas nenhum sinal de Harper, ou de seu corpo.

O diário que Ethan Coleman citou não foi encontrado.


Seis meses depois


O Detetive Crowley suspirou impaciente, enquanto sua filha Lyn estacionou totalmente errado na vaga.

— O que foi? — A menina piscou com falta de inocência, os cabelos crespos balançando em sua cabeça.

— Precisa aprender a fazer isso direito. Pelo amor de Deus, no próximo ano estará na universidade!

Saíram do carro e a menina olhou em volta, insegura.

— Acha que consigo mesmo? Harvard?

Lyn tinha o sonho de ser médica e Harvard era mesmo um grande passo, mas ele acreditava que conseguiria. Hoje eles tinham tirado o dia para conhecer o campus.

Ele segurou a mão da filha a guiando pelo gramado.

— Claro que vai conseguir.

Caminharam lado a lado na tarde quente por entre os estudantes.

Entraram em um café e Lyn foi se sentar enquanto o pai se dirigiu ao balcão para fazer o pedido.

De repente, o detetive se deteve ao reconhecer o jovem à sua frente.

Era Ethan Coleman.

O rapaz se virou e franziu o olhar também o reconhecendo.

— Detetive?

— Sim, como vai Ethan?

Eles se cumprimentaram com um aperto de mão.

— Estou bem. — Ele sorriu.

Crowley se perguntou se Ethan sabia que o caso de Harper tinha sido encerrado. Concluíram que foi suicídio, embora o corpo nunca tenha sido encontrado.

— Eu vim trazer minha filha para conhecer o Campus. Ela quer estudar Medicina também. Está no segundo ano, não?

— Sim, estou. Boa sorte para ela.

— Você... está a par da conclusão do caso do desaparecimento da Harper?

— Sim, estou — ele respondeu com um olhar sombrio.

— Eu sinto muito.

— Não mais do que eu.

— Ethan, você não vem?

Uma garota loira o chamou de uma mesa e Ethan acenou para ela.

— Eu preciso ir.

— Namorada? — O detetive não conteve a curiosidade.

Ethan parecia muito apaixonado por Harper, mas ainda era jovem e merecia seguir em frente.

— Na verdade, ex-namorada, mas... quem sabe do futuro?

— Sim, espero que siga em frente.

Ethan se afastou e sentou à mesa com a moça loira.

Crowley pegou o seu café e relembrou que ao visitar a Mansão King, para comunicar sobre a conclusão do caso de Harper, surpreendeu-se ao ser recebido não pelo bilionário e sim por Dana Martin, ou melhor, agora Dana King, grávida de cinco meses.

— Grayson não está disponível para recebê-lo, sabe que ele é muito ocupado.

E o policial não podia negar que se surpreendeu com Grayson King que, na primeira semana após o sumiço da filha, parecia transtornado e cuspindo ameaças contra a polícia e exigindo respostas, tivesse depois de um tempo se aquietado.

Talvez tenha a ver com a gravidez da nova esposa. Provavelmente o homem se conformou que sua filha mais velha tenha partido de forma trágica e agora estava seguindo em frente com uma nova criança a caminho.

Pelo menos foi isso que Dana King deu a entender.

— Nós sentimos muito que o corpo da pobre Harper nunca foi encontrado. Todos ficamos devastados. Porém, fomos agraciados com minha gravidez. — Ela tocou a barriga. — Estou dando uma outra filha a Grayson e só nisso que estamos nos concentrando agora. Em um novo começo. Meu marido está radiante e obcecado com a ideia de ser pai novamente. Estamos seguindo em frente.


Sete anos depois


Notícia retirada do Jornal Boston Globe.

Bilionário Grayson King é encontrado morto

Grayson King, o bilionário banqueiro e um dos homens mais ricos do país, faleceu na noite de ontem.

Ainda não temos uma conclusão oficial sobre a causa da morte, mas segundo o que conseguimos apurar, Grayson, de 53 anos, sofreu um queda em sua mansão em West End. A polícia foi chamada por sua esposa, Dana King, que o encontrou.

Grayson era casado com Dana King há sete anos e os dois tiveram uma filha, Isabelle.

Há sete anos, os King foram notícia quando Harper King, filha do primeiro casamento de Grayson, desapareceu na noite de seu aniversário de 21 anos. O carro da garota e seu vestido foram encontrados no Rio Charles e a polícia concluiu o caso como suicídio, embora o corpo nunca tenha sido encontrado.

Dana King e sua filha Isabelle, as únicas herdeiras do império King, foram vistas saindo da mansão juntamente com o segurança particular, Joe Hudson, e Dana não quis dar entrevistas.


Detetive Tim Crowley

O Detetive Crowley encarou a mulher à sua frente, ainda sem entender.

Chelsea Castelanno havia pedido para vê-lo e ele não saberia dizer o que a irmã mais velha de Grayson King poderia querer com ele.

O detetive havia conversado com a mulher há sete anos, quando Harper desapareceu, assim como com sua filha, Giana.

Depois não ouviu mais falar dela.

Fazia alguns dias que Grayson King havia falecido. A autópsia concluiu que Grayson, que foi encontrado à beira da piscina, escorregou e caiu, sofrendo traumatismo craniano.

— Em que posso ajudá-la?

— Eu preciso lhe entregar isso. — Ela lhe estendeu um caderno de capa marrom.

O detetive o pegou e abriu.

Diário de Harper King

— É o diário de sua sobrinha? — Ele ainda não podia acreditar.

Chegou a pensar que aquele diário nem existia.

— Sim. Eu estive na casa do meu irmão, porque em seu testamento ele me deixou alguns objetos, coisas de nossa infância. Embora toda a fortuna tenha ficado para aquela puta com quem ele se casou! Sabe que assim que ela tomou posse de tudo, fez Grayson me pôr pra fora? Assim como minha filha Giana. Não adiantou Giana ter abortado o filho daquele safado! Grayson não a perdoou. E tivemos que viver todo este tempo em um apartamentinho horrível de cinco quartos no Centro e uma mesadinha! Muita humilhação. Mas aquela bruxa que Grayson arranjou engravidou e o cegou! Pelo menos minha filha conheceu seu noivo, um produtor de Hollywood e se mudou. Assim que for possível eu vou morar com ela na Califórnia.

— Onde achou este diário? — Crowley interrompeu sua falação.

— No cofre de Grayson — A mulher esclareceu. — Dana não estava na casa quando fui buscar o que Grayson me deixou em testamento. Ele manifestou a vontade de que eu ficasse com algumas coisas, como eu disse. Então decidi olhar em seu quarto. — A mulher enrubesceu. — Eu sabia que tinha um cofre no quarto, escondido em seu closet. Acredito que nem Dana sabia deste cofre. Ele me chamou uma vez, há muito tempo, quando ainda confiava em mim. Me disse a combinação, para caso precisasse em alguma emergência. Talvez houvesse alguma joia no cofre, dinheiro, ou algo assim. Mas encontrei este diário e vi o nome da pobre Harper.

— E por que decidiu trazê-lo à polícia?

— Achei o certo a fazer. Grayson escondeu este diário? Com qual intuito?

— A senhora leu?

— Não. Trouxe direto para cá.

— Contou a Dana King que o encontrou?

— A bruxa está viajando. — Chelsea sorriu com ironia. — Com a filha e o segurança bonitão. Será que mais ninguém acha isso estranho? Acho que aquela menina nem filha do Grayson era! Enfim, cumpri minha obrigação. — Ela se levantou dando a visita por encerrada. — Talvez tenha algo aí que possa ajudar a esclarecer o que realmente aconteceu com minha sobrinha.

Depois que a mulher saiu, Crowley leu o diário, ainda achando muito inesperado que estivesse com ele em mãos depois de tanto tempo.

E tudo o que Ethan havia dito sobre a infelicidade de Harper estava ali. E era mais perturbador ainda saber por suas próprias palavras desesperadas.

Para sua surpresa, o último relato era de 13 de março e ela se referia a seu pai e o que iria fazer em seguida.

13 de março

Estou indo embora deste mundo.

Um mundo que agora sei que nunca pertenci.

Pai, se um dia ler isso, quero que saiba que tudo o que eu sempre desejei foi ser amada por você, mas agora sei que era impossível.

Nunca me tratou como filha de verdade, apenas como uma propriedade. Me controlando do jeito que lhe convinha.

E do que adiantou?

Mamãe não suportou e quebrou as correntes que a ligava a você. E eu estou fazendo o mesmo.

Estou em paz neste momento, finalmente, por me livrar da pessoa horrível que você é.

Espero que conviver com a minha ausência o faça refletir sobre a maneira que me tratou e porque tomei essa decisão. Você fez da minha vida um inferno e eu prefiro morrer a ficar mais um minuto sobre seu domínio.

Adeus.

Crowley fechou o diário depois de ler as últimas palavras de Harper.

Grayson havia escondido o diário que confirmava a teoria de suicídio da filha. Por quê?

Para que não viesse à tona os motivos que levou Harper a preferir morrer? Provavelmente. Agora entendia porque o bilionário havia concordado com o fechamento do caso. Ele já sabia o que havia acontecido com a filha.

Mas agora Grayson estava morto também e a verdade morreu com ele.

Crowley se perguntou o que faria com o diário. Hesitou em acrescentá-lo aos arquivos de Harper King.

Lembrou-se de Ethan Coleman e de sua paixão trágica por Harper.

Talvez ele mais do que ninguém merecesse ler aquele diário.

Mas onde estaria Ethan, hoje?

Alguns dias depois Crowley estava estacionando o carro alugado em frente a uma casa simples na pequena cidade de Perty, no Canadá. Ele havia pesquisado sobre Ethan Coleman e ficara surpreso ao descobrir que após se formar em Harvard, o rapaz havia se mudado para o Canadá. Mais precisamente para Perty, a uma hora de Toronto, onde fez residência e ainda trabalhava em um hospital local.

Não sabia bem o que o encorajara a aproveitar uma folga e dirigir até a residência de Ethan para lhe entregar o diário. Não sabia bem se estava agindo certo, em reabrir certas feridas, mas tinha simpatizado com o rapaz e talvez ele ficasse em paz tendo algo de Harper.

O detetive saiu do carro e bateu a porta.

Ouviu risadas infantis antes dela se abrir e se deparou com duas crianças, um menino e uma menina, que deviam ter uns cinco anos.

— Olá, Ethan Coleman está?

— O papai está trabalhando — o menino disse.

Papai? Crowley franziu a testa. Então Ethan tinha filhos?

— Quem é você? — a menina perguntou curiosa.

— Meu nome é Tim Crowley. Sou detetive da polícia.

— Da polícia de verdade? Uau! — O menino pulou entusiasmado.

— Eu posso falar com a sua mãe? Tem alguém na casa?

— Estamos com a Leah, nossa babá. Mas nossos avós estão dormindo! — a menina respondeu.

Ela tinha bonitos olhos cinzentos e cabelos castanhos, assim como o menino.

— Vovó fica brava quando acordamos ela — o menino reiterou.

— E sua mãe?

— Ela não está, senhor polícia.

— Será que eu posso esperar seu pai?

— Não podemos deixar estranhos entrar, senhor polícia. — A menina demonstrou apreensão.

— Mas ele é a polícia, Lily! — O menino o puxou para dentro. — Você tem uma arma?

O policial sorriu.

— Não agora.

— Poxa, eu queria saber atirar como nos filmes!

— Não seja bobo, Thommy! — A menina brigou. — Mamãe vai ficar brava com você!

— Não vai não.

De repente uma menina de uns 15 anos entrou na sala e ficou surpresa ao ver o estranho.

— Olá, quem é você?

— Desculpe, meu nome é Tim Crowley, eu sou detetive de polícia em Boston. — O policial mostrou o distintivo para tranquilizá-la.

— Crianças, não deviam ter atendido a porta — a menina ralhou. — Eles são impossíveis! Eu sou Leah, moro na casa vizinha e às vezes eu cuido deles. A mãe deles precisou sair, mas já, já, está de volta. Em que posso ajudar?

— Eu estou aguardando Ethan Coleman.

A menina parecia incerta sobre a presença do policial.

— Certo... Talvez eu deva acordar os avós das crianças... — Ela se afastou subindo as escadas.

O detetive deixou os olhos correrem pela sala, curiosos.

Era um lugar aconchegante, com alguns quadros na parede. Ele sorriu, lembrando da casa da filha, que também era assim.

Então parou ao reconhecer um dos quadros.

Era o quadro de Harper? Era muito parecido, embora só tivesse examinado a foto.

Chegou mais perto e leu o nome.

— Harper... — sussurrou.

— Minha mãe pintou! — a menina exclamou — Não é bonito? Ela pinta um monte de quadro bonito! Tem vários na sala do meu papai lá no hospital que ele trabalha...

Ele se virou para as crianças, atordoado.

— Sua mãe? — Não podia ser. Podia? — Qual o nome da sua mãe?

— Harper...

O homem cambaleou.

Deixou os olhos tontos vagarem.

Havia fotos no aparador.

Foto de um casal mais velho, cada um segurando um bebê.

Foto de Ethan... com Harper King.

Os dois sorriam, Harper vestida de noiva.

E havia uma foto de Harper abraçada ao casal mais velho.

Ele examinou mais de perto.

A mulher não era estranha... na verdade ela se parecia muito com Harper.

— Quem são esses? — indagou às crianças.

— Vovô Elias e vovó Adele.

Adele?...

Adele King?

Sentindo falta de ar, Crowley saiu da casa, ignorando o chamado das crianças.

Respirou fundo, dando alguns passos e parando.

Harper King estava viva?

De repente um carro se aproximou e uma mulher emergiu dele.

Harper King estava na sua frente.


20

Infinito

Infinito - Que não tem limite ou fim.

Detetive Crowley

O detetive encarou a mulher à sua frente, a mesma de quem até aquele momento apenas ouvira falar.

Com certeza, ele podia entender por que Ethan Coleman se apaixonou. Ela era deslumbrante, mais do que nas fotos que estudou quando investigava seu desaparecimento.

Um desaparecimento que teve como conclusão a morte da mesma.

Mas Harper King estava andando em sua direção, usando calça jeans e um suéter simples, os cabelos presos num rabo de cavalo despojado, o rosto sem maquiagem.

— Harper King — pronunciou seu nome, como que para ter certeza de que não estava vendo um fantasma.

Ela parou, os olhos assustados.

— Não sou uma King há muito tempo — a moça murmurou. — Quem é você?

Claro. Harper não o conhecia.

— Meu nome é Tim Crowley. Detetive Tim Crowley.

Ela mordeu os lábios desviando o olhar para a casa de onde o policial acabou de sair.

O homem seguiu seu olhar para ver o casal mais velho na janela segurando as crianças no colo. Eles também pareciam apreensivos.

— Como... O que está fazendo aqui? Veio atrás de mim?

— Não. Eu achava que estava morta até poucos minutos. — Estendendo o diário. — Sua tia Chelsea me entregou isso há alguns dias. Eu li, e... Achei que deveria ser entregue a Ethan. Que talvez fosse justo que o lesse também, e ficasse com algo seu. — O detetive sorriu com ironia. — Acho que não precisa, não é?

Harper segurou o diário.

— Como... Onde estava o diário?

— Nos pertences de Grayson King. Não sei se foi informada que... Seu pai morreu.

— Ele não é meu pai.

— Bem, isso é uma novidade. E talvez queira me contar sua versão dos fatos?

Harper King, ou melhor, Harper Coleman, guiou o policial até um banco embaixo de uma macieira. Um rio tranquilo corria à frente.

E então começou a contar sua história.


Harper

Quando Dana entrou no meu quarto naquela noite, eu não fazia ideia de que ela iria mudar minha vida pra sempre.

Eu detestava Dana, assim como detestava todas as mulheres na vida do meu pai, porque eu tinha ciúme e inveja do tempo que ele dedicava a elas. E naquele momento, acho que não sentia mais raiva, porque não sentia mais nada. Eu simplesmente deixei de me importar, finalmente eu tinha me dado conta de que Grayson King nunca iria me amar.

— O que você quer? — indaguei com a voz cansada observando Dana sentar na cama à minha frente.

— Quero que preste atenção no que eu vou te dizer e não me interrompa.

Apenas dei de ombros, sem me importar. Não achava que Dana tivesse qualquer coisa relevante para me falar.

— Eu conheço sua mãe.

Franzi o olhar, confusa.

— Minha mãe? Conheceu minha mãe? — De repente Dana tinha minha atenção.

— Sim, em uma pequena cidade chamada Perty, no Canadá.

— Canadá? Quando foi isso? Você parece muito jovem para ter conhecido minha mãe.

— Foi há três anos.

— Não, isso não faz sentido.

— O que você sabe sobre a morte de Adele, Harper?

— Não muita coisa. Apenas que ela pulou do barco em que estava com meu pai. E deixou um bilhete se despedindo. Foi a tia Chelsea quem me contou uma vez. Uma única vez porque meu pai proibia que falássemos da minha mãe. Eu insisti muito, e ela me contou, que mamãe morria de medo de água, nem sabia nadar... Mas pulou na água para tirar a própria vida e meu pai encontrou um bilhete, onde ela dizia que preferia morrer a ficar com ele. — Ainda era duro falar sobre as circunstâncias da morte da minha mãe. Depois que a tia Chelsea me contou quando eu tinha 13 anos, eu mesma nunca mais toquei no assunto. Era doloroso demais.

— Sim, sua mãe pulou daquele barco e você deve saber os motivos.

— Eu acredito que meu pai era tão cruel com ela como é comigo.

— Sim, ele era.

— Como sabe disso?

— Adele me contou.

— Ainda não entendo...

— Harper, sua mãe pulou daquele barco, mas não para morrer e sim para fugir.

— O quê?

— Todos sabiam que ela tinha medo de água. Só que mais medo ela tinha do seu pai e da maneira como ele a mantinha presa. Então ela aprendeu a nadar, sem que ninguém soubesse. Acordava de madrugada e ia para a piscina. Pediu que uma empregada a ajudasse. Ela apenas esperou o momento certo. E quando o momento surgiu. Ela pulou.

— Não... Não pode ser verdade! Tia Chelsea disse que estavam no meio do oceano! Como ela iria sobreviver?

— Ela não sabia se iria sobreviver. Apenas arriscou. E nadou durante horas até que um barco a encontrou. Ela deu um nome falso. Era um barco de pessoas simples, pescadores. Eles a levaram para a costa. Lá, ela ligou para o seu pai.

— Meu pai? Não, como assim? Ele achou que ela tinha morrido, como?...

— Não Grayson King. Seu verdadeiro pai. Elias Geller.

Minha cabeça começou a rodar.

— O quê?...

— Harper, quando sua mãe conheceu Grayson, ele se apaixonou perdidamente por ela. Sua mãe nunca o amou de verdade, porém se deixou levar porque os pais dela, seus avós que já morreram, quando você ainda era criança, adoraram a ideia de que a filha ia casar com um homem rico. Ele era jovem, mas tinha herdado o dinheiro do pai dele. Ela se deixou levar para este casamento, porém eles estavam em lua de mel, em New Orleans quando sua mãe conheceu seu pai, Elias. Eles se apaixonaram. Adele tentou ficar longe, mas não conseguiu. E depois de voltar para Boston, ela manteve contato e um dia fugiu, para ficar com Elias. E eles ficaram escondidos do Grayson por meses. Ela engravidou e aí seu pai a encontrou. Você era só um bebezinho. Os seguranças do seu pai deram uma surra em Elias e Grayson ameaçou até matá-lo caso sua mãe não voltasse. Grayson a aceitou como filha, e a registrou assim.

— Mas nunca me amou... Como isso é possível? — Eu não conseguia acreditar no relato de Dana, era surreal demais. E ao mesmo tempo fazia todo sentido do mundo.

— Então ele começou a maltratar sua mãe. Ela não estava aguentando. Chegou mesmo a pensar em morrer, mas então ela pensou que sua única chance era forjar a própria morte e fugir. E conseguiu.

— Minha mãe está viva, então? — Eu comecei a chorar.

— Sim, ela mora em uma pequena cidade no Canadá com seu pai.

— Mas... Ela me abandonou! — De repente me dei conta das implicações do que Dana me contava.

Minha mãe fugiu e me deixou para trás.

Com um monstro que eu chamava de pai.

— Ela não se perdoou, Harper. Mas era o único jeito. Como ela iria te levar junto? Você nem estava naquele barco. Ela achou que talvez depois conseguiria te pegar de volta, mas como? Grayson descobriria tudo. E ela contou que quando era bebê, Grayson a tratava bem, como filha.

— Ele nunca me tratou bem! Agora eu entendo tanta coisa...

— Eu conheci sua mãe quando estava fugindo.

— Fugindo?

— Sim, eu tinha um namorado, ele era... Um traficante. Eu cresci muito pobre e como era bonita, logo percebi que podia usar minha beleza para alguma coisa. Eu me mudei para Nova York e infelizmente não fiz as melhores amizades, me envolvi com muita gente do lado de lá da lei, por assim dizer, aprendi muita coisa errada e quando a cabeça do meu namorado entrou a prêmio, eu dei um jeito de dar o fora antes que sobrasse pra mim. Voltei para minha cidade, Perty, e conheci sua mãe. Ela era enfermeira e me ajudou. Eu fiquei um tempo morando na casa dela.

— Minha mãe é enfermeira?

— Ela conseguiu uma identidade falsa. Se casou com seu pai. Nós nos tornamos amigas e um dia eu a vi acompanhando um programa de TV, desses de fofoca, e você estava lá. De braços dados com Grayson, era uma festa beneficente ou algo assim. Ela chorou, eu achei tão estranho e a pressionei. Ela acabou me contando toda a história. Ela sempre acompanhava as fofocas sobre você e seu pai. Eu disse que você tinha 18 anos, que poderia encontrá-la, que talvez fosse a hora de dar um jeito de entrar em contato. Mas ela tinha medo demais. Então, um plano começou a se formar na minha cabeça.

— Você... Você está aqui por mim?

— Sim, mas não só por isso. Você não faz ideia de quem eu sou, Harper. E do que eu sou capaz. Sempre desejei ter dinheiro. Ter poder. E de repente seu pai se tornou meu objetivo. Por todos esses anos, eu o estudei. Ouvi tudo o que Adele tinha a dizer e vim pra cá, para conquistá-lo. E na hora certa, quando eu tivesse tudo o que eu queria, lhe contaria a verdade sobre sua mãe e a ajudaria a encontrá-la.

— Minha mãe sabe que está aqui?

— Não. Ela teria muito medo. Eu achei que primeiro estaria casada com Grayson, antes de te revelar tudo, mas acho que chegou a hora.

— O que... O que quer dizer?

— Você vai morrer hoje, Harper.

E foi assim que Dana me convenceu que eu faria algo parecido com o que minha fez. Eu tive medo, disse que nunca iria dar certo, que se meu pai descobrisse, eu estaria morta de qualquer jeito, o que ela riu e rebateu “ele não é seu pai”.

— Acha que posso... fingir minha morte?

— Sim, você vai participar desta sua maldita festa. Vai fazer o que seu pai mandou e ser uma boa menina. E depois vai entrar no carro, dirigir até o rio e se afogar.

— Meu Deus...

— Claro, não vai se afogar de verdade! Vai esperar eu e Joe, quando for seguro, nós a encontraremos.

— Joe?

— Sim, Joe está do meu lado. — Ela sorriu com malícia. — Eu conheci Joe há meses, antes mesmo de entrar aqui pela primeira vez. No começo ele não sabia de nada, mas depois eu lhe contei. Demorou um pouco para ele concordar em me ajudar, mas ainda era muito receoso e não gostava da ideia de eu me envolver com seu pai. Foi ele quem roubou o seu diário. Eu precisava saber mais sobre você. Infelizmente quando eu comuniquei a Joe que tinha chegado a hora de dar o próximo passo, ele surtou e disse que não ia mais me ajudar. Então eu tive que entrar aqui de qualquer jeito. Mas depois, ele acabou voltando para o meu lado.

— Isso é tão surreal...

— Mas vamos voltar ao que deve fazer. Está entendo? Vai esperar eu e Joe no rio.

— E depois?

— Depois, você vai embora para sempre.

De repente, senti muito medo. Mas também um fio de esperança.

Podia dar certo. Eu podia ser livre.

Podia encontrar minha mãe e um pai que eu nem sabia que tinha.

Um pai de verdade.

Mas e...

— Ethan? Eu precisaria avisar o Ethan.

— Não! Tem que esquecer o Ethan.

— Eu não posso! Não posso deixar que ele ache que eu morri!

— Vai ser preciso. Não podemos ter tudo na vida, Harper! Às vezes, precisamos abrir mão de certas coisas para conseguir outras. Você vai conseguir sua liberdade. Sua mãe. Seu pai verdadeiro. Outra vida.

Eu hesitei, imaginando uma vida nova.

Sem Ethan. Meu coração apertou até quase saltar do peito.

— Ou prefere ficar aqui e se casar com aquele merdinha que seu pai escolheu? De qualquer maneira você já perdeu o Ethan. E se o envolver corre o risco de pôr tudo a perder. Ethan tem uma vida. Você não.

Fechei os olhos e lutei para respirar.

As coisas estavam rápidas demais, como uma montanha-russa desgovernada.

Mas Dana tinha razão. O que eu vivia não era sequer uma vida. E se eu ficasse, a tendência era ficar ainda pior.

Até quando eu aguentaria sem morrer de verdade?

Minha mãe teve coragem. Abriu mão até de mim por sua liberdade. Eu queria odiá-la, mas não conseguia.

Abri os olhos.

— Ok, Harper King vai desaparecer essa noite.

Tudo aconteceu como num sonho depois. A festa.

Todas aquelas pessoas à minha volta me invejando e desejando sem saberem que em pouco tempo eu seria apenas uma lenda.

Deixei meu olhar vagar até meu pai.

Ou melhor, Grayson King. O homem que amei e que me destruiu quando tudo o que eu queria era que ele me tratasse como filha. Agora eu entendia a raiva que o movia.

Ele tinha ódio da filha de outro homem. Talvez tenha me mantido ali, em cárcere, apenas para se vingar. Era como funcionava sua mente doentia.

Depois eu apenas andei até meu carro e dirigi até o rio.

Pensei em Ethan, nós dois ali, nos beijando na água. A primeira vez que eu senti um desejo verdadeiro.

Ele iria achar que eu morri. E de certa forma, eu iria morrer mesmo.

Chorei em silêncio.

Me despedi.

Pedi perdão.

Então, Joe e Dana chegaram. Eles me ajudaram a empurrar o carro para a água.

Enquanto via o carro afundando, comecei a sentir uma estranha calma.

Um poder que talvez viesse da liberdade dominou minha mente.

Eu não queria fazer só o que Dana mandava.

Eu queria ser realmente livre para fazer minhas escolhas.

Dana me fez tirar a roupa e Joe a jogou no rio.

Então me passou as chaves de um carro.

— É um carro alugado em nome do primo de Joe — explicou. — Você vai dirigir até Toronto e o devolver lá. Vai usar isso.

Ela me passou uma peruca loira e roupas diferentes.

— Tente passar despercebida. Não fale com ninguém. Provavelmente só darão conta que sumiu amanhã e já estará bem longe. De Toronto, pegue um ônibus para Perty. Aqui está o endereço da sua mãe e algum dinheiro. — Ela me deu um envelope. — Perty é uma cidade pequena, duvido que alguém possa te reconhecer, mas fique escondida o máximo que puder, até a poeira abaixar. E escute bem. Nunca mais, nunca mesmo, volte. E não entre em contato com qualquer pessoa que conheceu Harper King. Entendeu?

— Obrigada.

— Apenas dê um alô para sua mãe.

— Como... Como vai aguentar meu pai?

Ela riu.

— Ele que terá que me aguentar, meu anjo. Boa sorte com sua nova vida.

Ela se afastou e Joe me levou até o carro.

Eu o abracei.

— Se cuida, garota.

— Obrigada, Joe.

— Joe, preciso te pedir uma coisa — falei baixinho.

Ele assentiu e eu falei.

Dirigi a noite inteira até Toronto. Ainda parecia incrível que eu estava mesmo fugindo, que todos iam deduzir que morri.

Queria sentir algum pesar, mas não sentia.

Eu não queria o que a vida como Harper King tinha a me oferecer.

Deixei o carro como Dana instruiu e peguei um ônibus. Meu coração batia forte ao descer em Perty.

Dana até mesmo tinha feito um minimapa me instruindo como chegar a casa.

Quando cheguei em frente a casa simples, pintada de azul e um jardim na frente, eu parei, sentindo minhas pernas trêmulas.

De repente a porta se abriu e uma mulher apareceu.

A tensão me devorava por dentro quando eu a reconheci.

Era ela, minha mãe. Bem mais velha agora, mas ainda assim, era ela.

Uma versão mais velha de mim mesma.

Seus olhos se arregalaram e ela levou a mão à boca.

— Mãe?...

Com passos incertos, ela desceu os pequenos degraus da varanda, os olhos fixos em mim, ainda incrédulos.

— Harper?

— Sim, sou eu... Não acredito que está aqui, que está viva...

Sem me conter, eu a abracei.

Deixei as lágrimas de alívio inundarem meu rosto, sem acreditar ainda que estava vivendo aquele momento.

Depois, ela me afastou, segurou meu rosto, perplexidade estampada em seu olhar.

— Como?... Como chegou aqui? Como descobriu?

Eu respirei fundo e lhe contei tudo.

Sobre Dana e seu plano.

Choramos mais. Nos abraçamos mais.

Ela me levou para dentro, me fez sentar na cozinha ensolarada aquela hora da manhã.

— Fiquei com raiva quando descobri que me deixou para trás...

— Filha, eu pensei em você todos os dias. Se tivesse havido um jeito... mas Grayson não permitiria. E eu achei mesmo que ele a trataria como filha.

— Sim, ele tratou, mas nunca me amou. Eu era praticamente uma prisioneira de luxo.

— Eu sinto muito, tem razão de não me perdoar...

Eu segurei sua mão.

— Mas eu a perdoo. Eu entendo que teve que fazer isso por sua liberdade. Está feito, o passado não pode ser mudado, mas temos o futuro.

— Sim, tem razão. Temos uma segunda chance. Vem, quero que conheça Elias.

Eu sorri, ansiosa e apreensiva enquanto ela me guiava a um cômodo no fundo da casa, onde um homem parecia trabalhar em uma espécie de oficina com madeira.

Ele levantou o olhar.

Elias era um homem com o cabelo quase todo grisalho e a pela bronzeada curtida pelo sol. Os olhos que pousaram em mim, perplexos, eram cinzentos como os meus, enquanto os da minha mãe eram verdes.

— Elias, ela está aqui, nossa Harper — mamãe disse.

Ele se levantou e veio em minha direção.

— Não pode ser!

Eu sorri e o abracei, assim, como fiz com mamãe, sem nem pedir.

E ele me recebeu em seus braços.

E eu soube que as lembranças da minha nova vida começariam ali.

Assim, eu comecei minha nova vida.

Como Dana me instruiu, fiquei o máximo que pude na casa, sem chamar a atenção. Acompanhava as notícias pela internet. Meu carro foi encontrado, achavam que eu tinha me suicidado.

Grayson se recusava a dar entrevistas e Dana tomou a frente, muito preocupada e altiva.

Alguns meses depois eu a vi grávida, para minha surpresa. E então, ela era a nova Senhora King, como previu.

Acreditei que essa nova gravidez talvez servisse para Grayson desapegar de vez de mim. Será que Dana fez isso com esse intuito? Eu não saberia dizer, como ela pediu, eu nunca mais entrei em contato com ninguém da minha outra vida.

No envelope que Dana me deu havia o e-mail de um contato para que eu conseguisse uma nova identidade. Pensei em trocar meu nome também, além do sobrenome, mas mamãe disse que ela tinha escolhido, então deixei Harper. Agora eu era Harper Geller. Filha de Adele e Elias Geller.

Meu pai trabalhava com marcenaria, minha mãe era enfermeira e ainda trabalhava algumas vezes por semana na clínica local.

Os dias passaram. Semanas. Meses.

No começo era estranho e ao mesmo tempo maravilhoso. Conhecer meus pais, sentir o amor deles por mim, era como se sempre estivéssemos vivido juntos. O vínculo veio fácil e finalmente eu estava sentindo que podia ser eu mesma.

Não havia mais luxo ou glamour.

Mas havia um infinito de possibilidades à minha frente.

Porém, toda noite, quando me deitava sozinha, eu lembrava de Ethan. E me perguntava se ele ainda se lembrava de mim.

Ou se tinha me esquecido.

E seis meses depois, eu estava sozinha em casa, quando ouvi um carro se aproximando.

Não o reconheci e fiquei com medo. Ainda me sentia receosa de ser descoberta, mesmo sabendo que o caso sobre meu desaparecimento tinha sido encerrado. E até comecei a andar pela cidade e minha mãe me apresentava às pessoas, como a filha que morava com parentes e que agora viera morar com os pais. Ninguém ali parecia desconfiar de nada.

Então abri apenas uma fresta da porta e espiei e meu coração foi ao chão quando avistei Ethan.

Abri a porta e saí na varanda. O olhar dele se prendeu em mim, aturdido e aliviado, enquanto eu avançava até que finalmente estivesse me jogando em seus braços.

— Você está aqui... — ele sussurrou contra meus cabelos enquanto me apertava forte. — Está viva...

— Sim... Sim... — Eu o apertei de volta.

Sentindo como se a última peça do quebra-cabeça fosse posta no lugar.

Ethan me encarou, segurando meu rosto.

— Nunca mais faça isso comigo! Eu morri um pouco quando achei que estava morta.

— Não podia ser de outro jeito...

— Porra, Harper, a raiva que eu sinto de você agora... — rosnou furioso antes de colidir a boca com a minha e eu ri contra seus lábios, sentindo lágrimas salgadas, as minhas e as dele, em nosso beijo.

Depois de um tempo que pareceu infinito, em que Ethan, me xingou e me beijou até que se acalmasse, eu o levei para meu quarto.

Tínhamos muito que conversar, mas primeiro eu precisava senti-lo perto.

Queria ser amada como a nova Harper, livre de qualquer passado.

Depois nos deitamos lado a lado e eu lhe contei tudo.

— Dana achava que eu precisava te esquecer, mas eu não queria. Mesmo sabendo que você podia me esquecer.

— Eu nunca iria te esquecer. Eu até tentei, Harper. Me enterrei nos estudos e...

Ele hesitou.

— Você ficou com alguém? — indaguei baixinho.

— Eu saí com Lauren, minha ex-namorada. Mas nada rolou. Eu senti que não seria justo com ela.

Eu respirei aliviada.

— Me perdoa por ter te deixado e feito você sofrer, mas eu precisava deixar tudo para trás.

— Eu entendo agora. Mesmo que nunca mais visse você, ficaria feliz que estava bem.

— Eu nunca pretendi deixar você sem saber. Só pedi a Joe que deixasse a poeira abaixar e quando ele sentisse que fosse a hora certa, para te dar o quadro e te contar.

Naquela noite em que me despedi de Joe, pedi que ele pegasse o quadro que pintei e guardasse. E que quando fosse a hora certa, desse a Ethan e lhe contasse sobre mim.

— Quando Joe me deu o quadro... Na hora eu senti. Ele nem precisou falar nada. Eu senti que estava viva. Acho que no fundo, nunca acreditei de verdade que estivesse morta.

— Eu pedi que apenas dissesse que eu estava viva e bem. Sinceramente, não achei que viesse atrás de mim. Achei que... ia seguir em frente. Que ia me esquecer.

— Você é inesquecível, Harper.

Ele tocou meu rosto e eu segurei sua mão, beijando a palma.

— E o que faremos agora? — indaguei baixinho.

— Eu não sei, mas vamos dar um jeito. Não quero estragar as coisas para você, mas não vai se livrar de mim, Harper King.

— Não sou mais Harper King. — Sorri o trazendo para perto e me aninhando em seus braços.

— Espero que em breve seja Harper Coleman.

Arregalei os olhos.

— Sério?

— Arriscaria se casar comigo?

Eu sorri, mais feliz do que nunca na vida, beijando-o.

— Sim, Sim!

— Eu te amo, Harper.

— Eu te amo mais, Ethan.

Combinamos de levar tudo muito devagar, pelo menos até que Ethan se formasse.

Grayson estava entretido com sua nova família e não se importava mais com Ethan, mas não queríamos arriscar e eu pedi que ele não contasse a ninguém de mim por enquanto.

Combinamos que ele viria me ver algumas vezes e depois ele faria residência em Toronto. Porém, seis meses depois do nosso reencontro, descobri que estava grávida. Fiquei com medo, mas quando Ethan chegou e eu lhe contei, ele disse que tínhamos que nos casar imediatamente. Queria sair da faculdade, mas eu o convenci a terminar, afinal, era só um ano.

Foi então que Ethan contou a Tyler e Ellie e John e Maddy. Ele garantiu que os amigos jamais contariam nosso segredo.

Nos casamos dois meses depois e mais alguns meses nasceram nossos filhos gêmeos, Thomas e Lily.

Naquele dia, olhando para seus rostinhos, eu prometi amá-los mais que tudo e nunca os abandonar, e acima de tudo amá-los como eles mereciam.

Ethan se mudou para nossa casa assim que se formou e começou a residência em Toronto, onde ele ainda trabalha até hoje.

Eu passo meus dias cuidando dos meus filhos e pintando quadros, e até já fiz uma exposição em Toronto.

E eu nunca pensei que poderia ser mais feliz.

E mais livre.


Detetive Crowley

O detetive escutou o relato de Harper e, ao fim, sentiu certo alívio por aquela história de amor que julgava trágica ter tido um final inesperadamente feliz.

— Agora o senhor sabe. Vai nos entregar?

— Não, não vou, fique tranquila.

Ele se levantou.

— Agora eu preciso ir.

— Não quer esperar o Ethan?

— Eu acho que já sei o que deveria saber.

— Obrigada, por guardar meu segredo.

— Às vezes, temos que tomar caminhos tortuosos para se fazer justiça e nem sempre a justiça está do lado da lei. Acho que tudo acabou como deveria ser.

Harper acompanhou o policial até o carro.

— Fiquei feliz em te conhecer, Harper.

Ela sorriu e ele se despediu entrando no carro. Porém, enquanto se afastava, outro carro passou por ele e estacionou em frente a casa e o detetive se deteve ao avistar Ethan Coleman.

O rapaz saltou e foi ao encontro de Harper, à beira do rio. Tocou seus ombros e beijou seus cabelos.

O detetive sorriu e deixou o casal para trás se sentindo aliviado por aquele caso ter sido encerrado daquela maneira.

E não viu quando Harper King jogou o diário nas águas.

Ela não precisava de nada que a lembrasse da outra vida.

A única coisa que tinha trazido daquela existência era o homem que a abraçava enquanto ela contava da visita inusitada do detetive.

Ethan ouviu tudo com assombro, mas alívio.

Agora eles eram livres para olhar apenas para o futuro que estavam construindo lado a lado com seus filhos.

Com um sorriso, ele segurou a mão de Harper e a levou para casa.

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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