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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


INGLESES NA COSTA / França Júnior
INGLESES NA COSTA / França Júnior

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

França Júnior

 

 

 

 

COMÉDIA EM UM ATO
PERSONAGENS: LUÍS DE CASTRO (tio de Félix) FÉLIX (estudante do 5o ano pela Faculdade de Direito de São Paulo) SILVEIRA (estudante do 2o ano) FELICIANO (estudante) LULU RITINHA TEIXEIRA
A cena passa-se em São Paulo. Época: Atualidade.
ATO ÚNICO O teatro representa um quarto com uma porta ao fundo e portas laterais. À direita e à esquerda camas; no fundo uma estante com livros em desordem, um cabide com roupa; sapatos velhos espalhados, duas canastras ao lado do cabide, uma mesa com papéis e livros, etc.

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CENA I Félix e Silveira.
 
(Ao subir do pano Silveira e Félix dormem nas camas embrulhados em cobertores encarnados. Batem três vezes na porta do fundo)
 
FÉLIX (acordando sobressaltado)  Hem?
 
SILVEIRA (pondo a cabeça fora do cobertor)  Bata com a cabeça.
 
FÉLIX  Insensato, o que fazes? É um credor!
 
SILVEIRA  Um credor! Pois já amanheceu?! (Batem outra vez. Baixo) Bate, grandíssimo patife.
 
FÉLIX  Ora isto é incrível! Vir um cadáver assombrar um homem ao romper da aurora!
 
 
CENA II Os mesmos e Feliciano.
 
FELICIANO (de dentro)  Abram a porta.
 
SILVEIRA (escondendo-se no cobertor)  Salve-se quem puder! (Feliciano empurra a porta e entra; Félix, levantando-se, esconde-se atrás da cama)
 
FELICIANO  Pois ainda dormem! (Puxando o cobertor de Silveira) Que escândalo! (Olhando para a direita vê a cabeça de Félix fora da cama) Com os diabos o que fazes debaixo da cama?
 
FÉLIX  Há certas graças que não têm graça.
 
FELICIANO  Pelo quê? (Rindo-se) Ah! Já sei: tomaram-me sem dúvida por algum credor, por um inglês?
 
SILVEIRA  Por um inglês?
 
FELICIANO  Já vejo que ainda não leram Balzac. Pois saibam que o espirituoso autor da Comédia humana apelida de ingleses a essa raça desapiedada que nos persegue por toda a parte. Depois da questão anglobrasileira, creio que não pode haver um epíteto mais apropriado para designar um credor. Os ingleses são inimigos terríveis e um credor, a meu ver, é o mais furibundo dos nossos inimigos. (Rindose) Tomaram-me por um inglês!
 
SILVEIRA  Quando se tem o espírito sobressaltado... 
 
FELICIANO  Sei o que é isso. Eu também venho tocado de casa. Acredita-me, Silveira: eu sou um homem infeliz. Às vezes tenho ímpetos de perguntar ao cano de uma pistola os segredos da eternidade. Esses ingleses hão de ser a causa da minha morte!
 
SILVEIRA  E da morte do Brasil inteiro! As coisas não vão bem.
 
FELICIANO  Mas tu não te levantas? São onze horas e um quarto.
 
FÉLIX  Onze e um quarto? Ainda é muito cedo. (Volta-se para o outro lado)
 
FELICIANO  Decididamente não pretendem sair hoje de casa?
 
SILVEIRA  Não sabes, insensato, que hoje é o dia 15 do mês? O dia 1o e o dia 15 de cada mês são dias fatais para um pobre estudante! As ruas estão calçadas de credores!
 
FÉLIX  Chi!... Andam por aí assanhados!
 
FELICIANO  A quem o dizes. Na rua de São Gonçalo fui abordado por quatro. Um deles era coxo; mas a fatalidade, que protege os verdugos, deparou-me um maçante no momento em que eu dobrava um beco para esconder-me no corredor de uma casa. Imaginem vocês a minha situação: entre um maçante e um inglês. A vitória do segundo foi inevitável! O homem mediu-me de alto a baixo com a gravidade de um súdito da Rainha Vitória e entregou-me a conta. Creio que tive uma vertigem. Quando tornei a mim, já não tinha uns inocentes dez mil réis, que me restavam da mesada.
 
SILVEIRA  E julgas-te infeliz por teres encontrado um credor coxo? Pois olha, caro Feliciano, eu tenho tido credores com todos os defeitos: coxos, corcundas, surdos, mudos, anões... nunca viste o recrutamento na aldeia? E para coroar a obra, tenho ultimamente um caolho cujo nome há de ser gravado em letras de ouro nos anais da história. E um diabo em figura de homem com o dom da ubiquidade: encontro-o em todos os lugares. Se nos bailes, de braço com alguma encantadora menina, eu me transporto ao céu numa nuvem de poesia, a figura sinistra de um sujeito que discute com outro sobre a carestia dos gêneros alimentícios embarga-me a voz na garganta e eu fujo aterrado da sala; é o Teixeira. (Chama-se Teixeira) Nos teatros, quando toda a plateia manifesta a sua expansão por uma chuva de palmas e bravos, eu, semelhante a um herói de melodrama, procuro com a velocidade de um raio a porta da rua, é ainda o Teixeira. Nos cafés, nos botequins, nas igrejas... Enfim, por toda a parte o Teixeira, sempre o Teixeira!... Se algum dia tiveres um credor caolho (ouve este conselho que é de uma pessoa experimentada) quando o avistares tomalhe sempre o lado do olho arruinado; nunca lhe tomes a frente, porque o credor que só tem um olho, vê mais com ele do que veria com os dois.
 
FÉLIX (sonhando)  Sim, meu anjo... Hei de adorar-te... 
 
SILVEIRA  E pode sonhar este desalmado na manhã do dia 15! (Puxando o cobertor e gritando-lhe no ouvido) Acorda, bruto!
 
FÉLIX (sobressaltado)  Hem?! Quem me chamou? Bárbaros! Acordarem-me no meio de um sonho vaporoso. (Canta) Sonhei que leda vieste Junto a meu leito cantar, Um canto que me dizia: Bardo, não sabes amar.
 
Julguei-me por momentos um outro D. Juan ao lado da divina Haideia sob a safira do belo céu da Grécia. Seus olhos negros e úmidos procuravam as regiões sublimes donde tinham desertado; seus cabelos brincavam em ondas sobre o colo cetinoso... Oh! Mas agora me lembro: o que sonhei antes foi horrível! Sonhei que meu tio, o desalmado Luís de Castro, tivera a infeliz ideia de vir visitarme a São Paulo, e que praguejava a meu lado como um possesso: Isto é comportamento?! O senhor é um dissipador! É um caloteiro! É um ladrão! (Creio que ouvi a palavra "ladrão") Os meus pressentimentos nunca falham, Silveira.
 
SILVEIRA  Tudo isso é muito bonito, meu caro; mas até o presente não há ainda dinheiro para o almoço.
 
FÉLIX  Dinheiro, metal vil! O que é o dinheiro?
 
SILVEIRA  É aquilo com que se compra o almoço.
 
FÉLIX  E onde está a sublime instituição do crédito? Não crês no crédito? Não crês na Providência? (Canta)
 
Credo in Dio Signor dell'Universo ... Não conheces este pedaço? É dos Mártires.
 
FELICIANO  Pelo que vejo não temos almoço?
 
SILVEIRA  Desconfio que sim. Vou deitar-me; dizem que o sono sustenta.
 
FELICIANO  Não haverá ao menos cobres em casa?
 
FÉLIX  Há a sublime instituição do crédito.
 
SILVEIRA  Desgraçado, tu ainda ousas falar em crédito, quando estamos desmoralizados e ninguém já nos fia um vintém!
 
FÉLIX  Não desesperem, colegas: o acaso é nosso Deus. Vou proceder a uma busca. (Vai ao cabide e tira um colete)
 
FELICIANO (apalpando as algibeiras)  Nem um cigarro!
 
FÉLIX (tirando do bolso do colete um papel)  Um papel!
 
FELICIANO  E uma nota de dez tostões.
 
FÉLIX (lendo)  Lágrimas de Sangue — Poesias inéditas por uma vítima oferecida em holocausto à experiência.
 
SILVEIRA  Ainda poesias.
 
FÉLIX  Enganam-se: é uma conta de alfaiate! (Vendo a outra algibeira) Agora não me engano: creio que é uma nota de dois mil réis. (Os dois aproximam-se) E uma carta de namoro! (Lendo) — Meu querido... 
 
SILVEIRA  Dispensamos a leitura.
 
FÉLIX (batendo na testa)  Ah! Eureka, Eureka! (Corre ao fundo e encontra-se com Teixeira que entra)
 
 
CENA III Os mesmos e Teixeira.
 
TEIXEIRA  O senhor Doutor Silveira.
 
SILVEIRA (baixo a Feliciano)  Estou perdido! O Teixeira caolho, e estou do lado esquerdo! Que fatalidade!
 
FELICIANO (baixo a Silveira)  Passa para o lado direito.
 
SILVEIRA (indo para a direita encontra-se de frente com Teixeira que avança para a cena)  Oh! senhor Teixeira, como tem passado? Tenha a bondade de sentar-se... sem cerimônia. Félix? traz esta canastra para o senhor Teixeira. (Félix arrasta a canastra: Teixeira fica em pé) Esteja a gosto. (Teixeira senta-se)
 
TEIXEIRA (com ar severo)  A minha demora é pequena.
 
SILVEIRA  Líamos, quando o senhor entrou, um dos mais belos pedaços de poesia clássica. Gosta de versos alexandrinos, senhor Teixeira?
 
TEIXEIRA (à parte)  Parece que estão caço ando comigo.
 
FELICIANO  O senhor pode ter a bondade de me dar um charuto?
 
TEIXEIRA  Não fumo, senhor.
 
SILVEIRA  Os clássicos falam mais à cabeça do que ao coração.
 
TEIXEIRA  Eu não quero saber de corações, senhor doutor, eu vim aqui tratar dos meus interesses.
 
FELICIANO  O senhor Teixeira é acardíaco?
 
TEIXEIRA  Tudo, menos insultos: podemos brincar sem nos sujarmos. Vamos ao que me interessa. (Tirando um papel do bolso) Aqui tem a sua... 
 
FÉLIX  Creio que o senhor Teixeira é mais apaixonado de música. Prefere a música italiana à música alemã? Ouve talvez uma melodia de Bellini, ou do inspirado Donizetti de preferência a uma fuga de Bach, a uma sinfonia de Beethoven, ou a um oratório de Haydn. A música italiana é a voz do coração; a música alemã, vaporosa como as Walkírias do norte, eleva-se em harmonias até o céu. É a metafísica da música, a música transcendental, como se exprime Blase de Bury: é essa música que tornava o divino Mozart inacessível na vasta esfera em que ele girava. Conheceu Mozart, senhor Teixeira?
 
TEIXEIRA  Eu já disse que não gosto de gracejos.
 
SILVEIRA  O senhor Teixeira prefere a música italiana.
 
FÉLIX  Então ouça este pedaço. (Canta) Parigi o ó cara lascieremo La vita uniti percorreremo...  É a mais sublime situação da ópera de Verdi!
 
SILVEIRA  Oh! a situação é admirável! Violeta está crivada de dívidas; Alfredo, para salvá-la das garras dos credores, suplica-lhe que abandone Paris. O credor, senhor Teixeira, é o diabo. O senhor não pode fazer uma ideia do que é o credor.
 
TEIXEIRA  Basta, senhor: não admito mais gaiatadas. Ou o senhor paga o que deve, ou então vou à polícia.
 
SILVEIRA  Mais devagar, meu caro: não se esquente.
 
TEIXEIRA  Eu vejo no seu procedimento para comigo uma verdadeira velhacaria.
 
SILVEIRA  O senhor não pode ver nada direito, porque tem só um olho.
 
TEIXEIRA  Não! Isto já não é gaiatada! Isto é desaforo! Vou processá-lo por crime de injúria.
 
FELICIANO  Faz mal, senhor Teixeira: deve processá-lo por calúnia.
 
TEIXEIRA  Hei de arrastá-lo perante os tribunais. Antes ter um só olho do que, do que... Já me sobe a espuma à boca. Hei de lhe mostrar para quanto serve o Teixeira caolho. 
 
(Riem-se todos)
 
SILVEIRA  Venha cá, senhor Teixeira. 
 
(Teixeira sai)
 
 
CENA IV Feliciano, Silveira, Félix e depois Teixeira.
 
SILVEIRA  Eis como deviam terminar as minhas relações com o senhor Teixeira caolho: por um processo de injúria verbal.
 
FÉLIX (cantando)  Ah! dell'indegno rendere... 
 
SILVEIRA  E tu cantas.
 
FÉLIX  Queres que chore?
 
FELICIANO  Afianço-lhes que o homem saiu como uma bomba!
 
TEIXEIRA (aparecendo no fundo)  Então paga ou não paga?
 
SILVEIRA  Ora ponha um olho de vidro, sô caolho.
 
TEIXEIRA  Antes ser caolho do que... do que... Vou estourar na polícia.
 
 
CENA V Os mesmos menos Teixeira.
 
FELICIANO (batendo no ombro de Silveira)  Meu caro, não é processo de injúria que me aterra: o que me aterra é a fome. (Vendo as horas) Quase meio-dia, e não há esperança de almoço!
 
SILVEIRA  Na nossa vida há momentos terríveis, colega. Mas a generosidade e a franqueza, esses dois sentimentos que são quase sempre a partilha dos vinte e dois anos, pulsam nesses trances em nossos corações. No grande mundo há homens que calçam luvas de pelica para ocultar as mãos manchadas no sangue do seu semelhante, há mulheres que nos embebem o punhal no peito com o sorriso nos lábios; há amigos que nos abandonam na hora do perigo; mas aqui, na vida do coração e das ilusões, sob o teto enegrecido de uma mansarda, é que se encontram os grandes sentimentos. Toma um cigarro. (Tira um cigarro e uma caixa de fósforos debaixo do travesseiro e dá-o a Feliciano)
 
FELICIANO  Obrigado, colega.
 
FÉLIX  Isto tudo quer dizer que não há almoço.
 
SILVEIRA  Mas tu gritaste — Eureka — quando entrou o Teixeira.
 
FÉLIX  Gritei; mas não tive a felicidade do filósofo de Siracusa. Fui a um colete velho... 
 
FELICIANO  E o que achaste?
 
FÉLIX  Um bilhete de gôndola.
 
SILVEIRA  Com os diabos! Isso não corre em São Paulo.
 
FÉLIX  O que querem? Devemos dizer como o cantor da Boêmia — "frágeis caniços, a fatalidade dá-nos as honras de uma tempestade." — (Batendo na testa) Oh! que ideia! (Dança e cantarola)
 
FELICIANO e SILVEIRA  O quê?
 
FÉLIX  Está salva a pátria! Hoje não é o dia 15? Fui convidado para um grande almoço em casa do Barão de Inhangabaú.
 
SILVEIRA  E nós?
 
FÉLIX  Ah! l'amor, l'amor ond'ardo, Le favelli in mio favor.
 
FELICIANO  Esta tua alegria é um insulto.
 
SILVEIRA  Esse almoço repugna com os teus princípios políticos. O Barão é vermelho, e tu és amarelo. Não deves ir comer um pão molhado nas lágrimas do povo. Não deves ir.
 
FÉLIX  Silveira, quando fala a barriga, cessam os princípios. E demais, quantos não entram amarelos num jantar, e saem vermelhos? Vou quanto antes: não me esquecerei de vocês: a casa do Barão é perto e em menos de meia hora eu estarei aqui com o que puder trazer.
 
SILVEIRA  E com que roupa pretendes lá te apresentar? Queres fazer uma figura ridícula?
 
FELICIANO  Queres salpicar de lama a ilustre corporação a que pertences?
 
FÉLIX  E por causa de roupa hei de deixar de ir a um almoço esplêndido? Não: o homem não deve acobardar-se em face desses petits riens da vida. (Para Silveira) Hás de me emprestar a tua casaca preta. Quanto ao mais que me falta, vou proceder a uma busca. Esta camisa está muito indecente... com um colarinho postiço, e a casaca abotoada... 
 
SILVEIRA  Colarinho é o menos. E os sapatos?
 
FELICIANO (apanhando um sapato)  Aqui está um sapato.
 
FÉLIX  Cá está outro. (Senta-se na cama e calça um) Vai as mil maravilhas! (Calçando outro) — Ananke! — São ambos do mesmo pé! Mas não se conhece.
 
FELICIANO (procurando)  Uma luva preta.
 
SILVEIRA  Olha: cá está outra.
 
FÉLIX  Dá-ma. (Reparando) É branca.
 
SILVEIRA  Isso é o menos, pinta-se.
 
FÉLIX  Não tenho tempo a perder: já tenho o essencial: dispenso os objetos de luxo. Vou-me vestir. (Vai saindo pela direita) 
 
FELICIANO  Uma gravata a solferino.
 
FÉLIX (voltando)  Dá-ma. (Sai)
 
 
CENA VI Feliciano e Silveira.
 
FELICIANO  Pela primeira vez em minha vida sinto a inveja. 
 
SILVEIRA (bocejando)  Ai, ai, vou dormir.
 
FELICIANO  Ser convidado para um almoço esplêndido, enquanto que nós... 
 
SILVEIRA  Enquanto que nós... 
 
FELICIANO  Silveira: esta vida é cheia de espinhos. No lar doméstico aquecido ao seio da família eu nunca sentia fome.
 
SILVEIRA  Caímos no sentimentalismo.
 
 
CENA VII Feliciano, Silveira e depois Félix.
 
FÉLIX (de dentro cantando) Ah! che la morte ognora E tarda n'el venir... 
 
SILVEIRA  Canta, patife!
 
FELICIANO  Ao menos resta-nos um consolo: não morreremos de indigestão.
 
FÉLIX (entrando)  Pronto. A casaca vai-me bem?
 
FELICIANO  Como uma luva!
 
SILVEIRA  Mas este colete está indecente: parece um fogo chinês! Isto faz mal até à vista. Não deves ir ao almoço. Tu podes indispor o Barão de Inhangabaú com este colete.
 
FÉLIX  Abotoo a casaca. Até logo, rapaziada. (Sai cantando) Madre infelice  Corro a salvar-te.
 
CENA VIII Feliciano e Silveira.
 
FELICIANO  Já tenho suores frios, e a cabeça anda-me à roda. 
 
SILVEIRA  Feliciano, creio que vou ter uma vertigem. (Ouvem-se fora gargalhadas de mulheres) Hein?!
 
FELICIANO  O quê?
 
 
CENA IX Os mesmos, Lulu e Ritinha.
 
LULU  Vivam os doutores.
 
SILVEIRA  Lulu!
 
FELICIANO  Adeus, adorada Ritinha. Sempre bela e arrebatadora, como as criações antigas de Fídias e de Praxíteles.
 
LULU  Saibam que viemos jantar com vocês.
 
SILVEIRA  O quê?
 
RITINHA  Olha, Lulu! Fingem-se de surdos. Viemos jantar com vocês. Queremos sobretudo Champagne.
 
LULU  Apoiado. Não dispensamos Champagne.
 
SILVEIRA  Não preferem clicau?
 
FELICIANO  Está dito: manda-se vir Champagne, Chambertin, Sothern... Quem paga?
 
RITINHA  Olha, Lulu. Estão caçoando!
 
SILVEIRA  Nós caçoamos; mas vocês fazem mais: vocês insultam-nos. Sim, porque é um insulto entrar ao meio-dia em casa de dois desgraçados que ainda não almoçaram e vir pedir jantar.
 
RITINHA e LULU  Ainda não almoçaram?!
 
LULU  Tanto melhor; almoçaremos juntos.
 
FELICIANO  Viva a Lulu! (Abraça-a)
 
LULU  Mas eu não os compreendo. Há pouco eu insultava-os e agora abraçam-me!
 
FELICIANO  Pois não pagas o almoço?
 
RITINHA  E que tal!
 
SILVEIRA  Não há em casa nem um real!
 
LULU (depois de alguma pausa)  Está dito: eu pago o almoço.
 
FELICIANO e SILVEIRA  Viva a Lulu!
 
SILVEIRA  Eu vou já ao hotel defronte. (Vai saindo e volta) Não, vai tu, Feliciano. A felicidade desvairou-me. Louco, ia eu mesmo procurar a boca do lobo!
 
FELICIANO  Por que não vais?
 
SILVEIRA  Tenho lá um credor.
 
LULU (rindo-se)  Cobarde!
 
FELICIANO  Vou já num pulo. (Vai saindo, volta: para Lulu) É verdade e o... (Faz o acionado de quem pede dinheiro)
 
LULU  Mande assentar na minha conta; e sobretudo que venha Champagne do melhor. 
 
(Feliciano sai)
 
CENA X Os mesmos menos Feliciano.
 
LULU  Senhor Silveira: o seu procedimento para comigo ultimamente tem sido inqualificável! Há duas semanas que não tenho a honra de o ver.
 
SILVEIRA  Menina, os credores... 
 
RITINHA  Quanto a mim, tenho do senhor Silveira uma ofensa que jamais esquecerei. Lembra-se daquela célebre viagem a Santo Amaro, em que o senhor, entrando numa venda para comprar cigarros sem ter dinheiro, deixou-me na porta, e disse-me: — Ritinha, meu coração, espera-me dez minutos que eu já volto, e trocando algumas palavras em voz baixa com o caixeiro, desapareceu sem mais voltar? Deixarme empenhada numa venda por meia pataca de cigarros! Desta nunca me hei de esquecer!
 
SILVEIRA (rindo-se)  Águas passadas não moem moinhos, menina. Agora que a felicidade começa a sorrir-nos, falemos de coisas alegres. O que teremos para almoço?
 
 
CENA XI Lulu, Ritinha, Silveira e Feliciano.
 
FELICIANO (com uma caixa de charutos)  Um magnífico roastbeef, ovos, Bordeaux, Champagne, Porto, doces finos... Trouxe esta caixa de charutos por conta. São trabucos.
 
SILVEIRA  Viva a Lulu.
 
FELICIANO  Vivam. (Cantam)
 
SILVEIRA  Viva a bela Providência  Que o céu nos deparou,  Viva o anjo tutelar  Que o almoço nos pagou.
 
LULU  Nada têm que agradecer-me  Eu olho para o porvir,  Da vossa algibeira um dia o almoço há de sair.
 
CORO  Viva a bela Providência etc., etc.
 
(Entra um criado com uma bandeja)
 
SILVEIRA  Arreia, arreia: não há tempo a perder. 
 
(Feliciano e Lulu arrastam a mesa até o meio da cena: Silveira põe a bandeja em cima da mesa)
 
RITINHA (destapando os pratos)  Não é um almoço: é um lauto jantar!
 
SILVEIRA (sentando-se na canastra e comendo)  Já não posso mais; sentem-se e façam o mesmo, nada de cerimônias.
 
FELICIANO  Ritinha, queres um bocado de roastbeef?
 
RITINHA  Aceito, meu anjo.
 
LULU  Eu começo pelo Champagne: é a bebida dos amores. Não há sacarolha?
 
FELICIANO  Veio um. Aqui está. Champagne à saca-rolha!
 
LULU (abrindo a garrafa)  Viva o néctar dos deuses! (Bebe) Agora serve-me de qualquer coisa.
 
FELICIANO  Queres ervilhas?
 
LULU  Qualquer coisa.
 
RITINHA  O colega da frente perdeu a fala!
 
FELICIANO (suspirando)  Ai, ai, meninas; não há gozo perfeito nesta vida. Diante deste roastbeef eu vejo dissiparem-se todos os meus sonhos de felicidade. E sabes por quê? Porque à ideia de roastbeef associa-se uma outra: a de inglês!
 
RITINHA  E o que tem o senhor com os ingleses?
 
FELICIANO  Cala-te: não quero inocular o mal da experiência em teu coração de vinte e dois anos. Só o que te digo é que eles hão de ser a causa da minha desgraça. Num belo dia vocês hão de encontrar o meu corpo pendurado a um pé... 
 
LULU  De malvas.
 
SILVEIRA (para Feliciano)  Por falar em malvas, passa-me o prato das ervas. (Feliciano passa o prato)
 
LULU (levantando-se)  Meus senhores: à saúde daqueles e daquelas a quem consagramos nossas horas de ventura há de ser com – Ups.
 
TODOS (menos Silveira)  Ups, ups, urrah, etc., etc.
 
FELICIANO  Eu proponho outro brinde. À saúde da nossa Providência do dia 15. À tua saúde, Lulu.
 
SILVEIRA  À razão da mesma. Tonos (Menos Silveira) — Ups, ups, etc., etc.
 
RITINHA  Não tem medo de uma apoplexia fulminante, senhor Silveira?
 
FELICIANO  Silveira? És homem: para!
 
SILVEIRA  Vejo tudo azul! Creio que desta não escapo. Amanhã os jornais publicarão "Fato Extraordinário"! Morreu um estudante de indigestão. Eu serei depois de morto o alvo das atenções públicas. Mas, antes que me entoem o — Requiescat in pace, eu quero fazer um brinde. Encham os cálices de Champagne. À morte de todos os credores.
 
FELICIANO  Bravo! Se é exato o princípio dos Romanos — Mors omnia solvit — eu seria capaz de beber... eu nem sei o que beberia para solenizar este brinde. (Ouve-se dentro bater palmas)
 
SILVEIRA  Hein?!
 
FELICIANO  Ingleses na Costa!
 
SILVEIRA  Salve-se quem puder. (Correm todos e escondem-se na porta do lado direito)
 
 
CENA XII Os mesmos e Luís de Castro.
 
LUÍS DE CASTRO (entra com botas de montar; traz um grande chapéu de palha e uma mala de viagem na mão)  Dão licença Ninguém?! Olá de dentro!
 
FELICIANO  Um credor de botas!
 
SILVEIRA  É um cometa!
 
FELICIANO  Tu tens dívidas no Rio de Janeiro?
 
SILVEIRA  Não sei; parece-me que tenho verdugos até na China!
 
LUÍS DE CASTRO (sentando-se aos poucos na canastra)  Ui, ui, ui. Irra! Doze léguas! Parece-me um sonho estar aqui! Que viagem, que precipícios e que burro! Corcoveou um quarto de hora comigo na serra; afinal não pude: deixei-me escorregar pelo rabicho, e caí com a parte onde a espinha dorsal muda de nome mesmo na ponta de uma pedra! Vi estrelas! Ui, ui, ui. E tudo para quê? Para vir ver o patife de um sobrinho que me anda esbanjando a fortuna! Ah! São Paulo, São Paulo, tu és um foco de imoralidades! Mas onde estará esse bigorrilhas? Disseram-me que ele morava aqui. (Põe a mala no chão e tira as esporas)
 
SILVEIRA  Um sobrinho?! Quem será?
 
LUÍS DE CASTRO  Hei de lhe mostrar para quanto sirvo, senhor Félix de Castro. Há de me pagar. (Ferindo-se com as esporas) Ui, ainda mais esta. Ora esta! Bebi um pouco de aguardente na viagem. Estou assim meio aéreo!
 
FELICIANO  É o tio do Félix: é o desalmado Luís de Castro. Ritinha e Lulu, vão batizar aquele mouro.
 
LULU  Fiquem vocês aqui: quando o homem estiver convertido, eu os chamarei. (Ritinha e Lulu entram em cena)
 
LUÍS DE CASTRO  Minhas senhoras... Perdão: creio que estou enganado. (À parte) É uma casa de família. (Alto) Como cheguei agora mesmo, julguei que fosse esta a casa de meu sobrinho Félix de Castro.
 
LULU  Esteja a gosto, pode ficar, o senhor está em sua casa.
 
LUÍS DE CASTRO  Bondade de vossa excelência, minha senhora.
 
RITINHA (tirando um charuto da caixa e fumando)  Não quer um charuto?
 
LUÍS DE CASTRO  Obrigado, minha senhora. (À parte) E esta!
 
LULU  Prefere cigarros campineiros? Não quer um cálice de Champagne?
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  Com que gente estou metido! Estou na Torre de Nesly. (Alto) Eu estou enganado, minhas senhoras; vou procurar o meu sobrinho. (Vai a sair)
 
LULU  Ora, não vá já, não seja mau. (Tomam-lhe ambas a frente)
 
LUÍS DE CASTRO  Deixem-me, senhoras. Eu sou um pai de família. Não me envolvo em intrigas amorosas.
 
RITINHA  Pois tem ânimo de nos deixar tão cedo?!
 
LULU  Ora, fique.
 
LUÍS DE CASTRO  Eu porventura as conheço? Tenho negócios com as senhoras? (À parte) Decididamente vou-me embora: dizem que o fogo perto da pólvora... (Alto) Minhas senhoras. (Vai sair)
 
LULU (baixo)  Não vá: se for há de se arrepender.
 
LUÍS DE CASTRO  O quê?
 
RITINHA (baixo)  Ingrato.
 
LUÍS DE CASTRO  Como? (À parte) Mau, que já vai me virando a bola!
 
LULU  Pois o senhor ousa abordar a ilha de Calipso e quer retirar-se impune?!
 
RITINHA (oferecendo-lhe um cálice de Champagne)  Não seja egoísta: beba ao menos à saúde daquela que tanto lhe adora: à minha saúde.
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  É um fazendão! (Alto) Este vinho irrita-me os nervos, minha senhora.
 
LULU  O senhor padece dos nervos?
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  A provocação já é muito direta: vou-me embora. (Alto) Minhas senhoras. (Vai sair, Ritinha toma-lhe a frente com o cálice)
 
RITINHA  Então não quer satisfazer o meu pedido?
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  Vai tudo com os diabos. (Alto) Bebo.
 
LULU (enchendo outro cálice)  Mais este.
 
LUÍS DE CASTRO  Venha. (À parte) Não me apanham no laço.
 
LULU (baixo a Ritinha)  Está filado.
 
LUÍS DE CASTRO  Às suas ordens.
 
LULU (dando-lhe um charuto)  Fume sempre um charutinho.
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  Esta é melhor fazenda. (Alto) Não fumo: eu só tomo rapé. (Tirando uma boceta) Não gostam?
 
LULU (pondo-lhe a mão no ombro)  E se eu lhe pedir muito?
 
LUÍS DE CASTRO  Desencoste-se, senhora. (À parte) Não há dúvida: estou na torre de Nesly. Vivam. (Vai sair, Lulu e Ritinha ajoelham-se)
 
LULU  Não vá, meu coração.
 
RITINHA  Ora, fique... 
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  E preciso muita coragem. (Alto) Fico.
 
LULU (oferecendo-lhe outro cálice)  Então à saúde dos nossos amores.
 
LUÍS DE CASTRO  Vá lá: à saúde dos nossos amores. (Bebe até o meio)
 
LULU  Esta é de virar.
 
LUÍS DE CASTRO  Viro.
 
SILVEIRA (para Feliciano)  Isto promete um desfecho majestoso.
 
LUÍS DE CASTRO (risonho)  Mas as senhoras moram mesmo aqui... sozinhas?
 
RITINHA  Sozinhas.
 
LUÍS DE CASTRO (à parte)  É célebre! Estou tão leve! (Alto) Então com que... (Rindo-se) Eu voume embora: eu bem disse que aquele vinho fazia-me mal aos nervos.
 
LULU  É porque não está ainda acostumado. Beba outro cálice que há de sentir-se melhor. (Dá-lhe outro cálice) Tem ânimo de rejeitar?
 
LUÍS DE CASTRO  Quem pode resistir ao fogo desses olhos? (Bebe)
 
RITINHA  Mais outro.
 
LUÍS DE CASTRO  Tudo o que quiseres, meu coraçãozinho. (Beija a mão de Ritinha. Lulu lança-lhe um olhar lânguido) Machuca-me todo, (ajoelhando-se) matame; mas não me lances este olhar! (Lulu dá sinal a Feliciano e a Silveira que entrem para a cena)
 
SILVEIRA (a Luís de Castro que quer levantar-se)  Esteja a gosto. (Tirando um charuto da caixa) Não quer um charuto?
 
LUÍS DE CASTRO  Eu bem disse que estava enganado. Eu vou-me embora. (Levanta-se cambaleando) Mas aquele patife há de me pagar. (Vai saindo)
 
RITINHA  Não vá.
 
LULU  Ora, fique.
 
SILVEIRA  Fique.
 
FELICIANO  Ora, fique.
 
LUÍS DE CASTRO (consigo)  Que papel representam estes dois sujeitos aqui? Estou abismado! Era preciso que eu viesse a São Paulo para presenciar estas cenas!
 
SILVEIRA  Senhor Luís de Castro.
 
LUÍS DE CASTRO  O senhor sabe o meu nome?! Donde me conhece o senhor?
 
SILVEIRA (para Feliciano)  Uma ideia! (Para Luís de Castro; baixo) Maganão feliz! Então com que pensa que não o conheço. Não se lembra talvez daquele célebre pagode no Rio de Janeiro.
 
LUÍS DE CASTRO  Eu nunca estive em pagodes, senhor.
 
SILVEIRA (continuando)  Em que havia uma célebre menina de olhos negros, cor de jambo, cabelos encrespados... Maganão! Não tem mau gosto.
 
LUÍS DE CASTRO  Fale mais baixo, senhor, não me comprometa.
 
SILVEIRA (à parte) 
 
Creio que pegam as bichas. (Alto) E no entretanto quer fingir-se santarrão... Diz que o Champagne faz-lhe mal aos nervos...
 
FELICIANO (para Lulu e Ritinha)  O que quererá o Silveira com aquele D. Juan em segunda mão?
 
SILVEIRA  Basta de hipocrisia. Se continuar com esse ar estudado de moralista, irei denunciá-lo ao seu sobrinho e então... 
 
LUÍS DE CASTRO  Basta, senhor: o que quer que eu faça?
 
SILVEIRA  Quero que se apresente tal qual é: deixe-se de hipocrisias. (Para Lulu e Ritinha) Meninas, o senhor Luís de Castro é dos nossos: é velho no corpo, mas criança na alma. senhor Luís de Castro: viva a pândega!
 
LUÍS DE CASTRO (gritando)  Viva a pândega! (À parte) Estou desmoralizado!
 
SILVEIRA (baixo a Feliciano)  Está preparada a situação. (Baixo a Lulu) Enche um cálice de vinho do Porto. (Lulu enche o cálice) senhor Luís de Castro (Dando o cálice) à saúde dos velhos moços.
 
LUÍS DE CASTRO  Vivam! (Bebe até o meio)
 
SILVEIRA  Não senhor; esta é de virar.
 
RITINHA (baixo)  Olhe que o homem já bebeu muito Champagne.
 
SILVEIRA  Vá outra: à saúde dos seus verdadeiros amigos.
 
LUÍS DE CASTRO  Vá.
 
TODOS  Up, up, urrah, etc., etc.
 
 
CENA XIII Os mesmos e Félix.
 
FÉLIX (cantando dentro)  La donna é mobile  Qual pouima alvento... 
 
LUÍS DE CASTRO  Esta voz... 
 
SILVEIRA (para Feliciano)  Vejamos o desfecho.
 
FÉLIX (entrando) Um cometa! (Luís de Castro volta-se) Meu tio! Estou perdido! Ah! meus pressentimentos! (Para Luís de Castro) Abença.
 
LUÍS DE CASTRO  Sô bigorrilhas!
 
FÉLIX (à parte)  Ai! Que cheiro de vinho!
 
LUÍS DE CASTRO (cambaleando)  O seu comportamento é inqualificável! O seu ofício em São Paulo tem sido pregar calotes. (Esbarra na canastra)
 
FÉLIX  Meu tio, olhe a canastra.
 
LUÍS DE CASTRO  E tem o arrojo de não corar em minha presença! Quem julga o senhor que eu sou?
 
FÉLIX  A princípio supus que fosse um cadáver.
 
LUÍS DE CASTRO  Cadáver, grandíssimo patife! Estou vivo e bem vivo para te meter o chicote. (Félix senta-se) Levante-se.
 
FÉLIX (sentado)  Admira-me bastante que o senhor meu tio venha moralizar num lugar destes entre garrafas de Champagne, e exalando vapores de vinho. (Baixo) Quando chegar ao Rio de Janeiro, minha tia há de ser informada de tudo isso.
 
LUÍS DE CASTRO (brando)  Sim... mas tu não tens te comportado bem: Constantemente estou a receber contas tuas. Tu não sabes que eu não tenho grande fortuna?
 
FÉLIX  Meu tio: à primeira vista parece que eu devo muito: mas está ali o Silveira que deve mais do que eu.
 
LUÍS DE CASTRO  Eu não digo que deixe de se divertir... mas... (Cambaleando)
 
FÉLIX  Meu tio, não caia.
 
 
CENA XIV Os mesmos e Teixeira.
 
SILVEIRA  Ainda o Teixeira caolho.
 
TEIXEIRA  Venho aqui... 
 
SILVEIRA (baixo)  Já sei, espere. (Baixo a Félix) Diz a teu tio que o Teixeira é teu credor. O homem hoje está disposto a tudo!
 
LUÍS DE CASTRO (voltando-se)  Quem é este senhor?
 
FÉLIX  Este senhor... 
 
LUÍS DE CASTRO  Diga logo: é um credor.
 
SILVEIRA  E uma pequena dívida de 100$000, senhor Luís de Castro.
 
LUÍS DE CASTRO  Tome. Trouxe o recibo? (Recebe) Suma-se. (À parte) Com os diabos, anda-me tudo à roda!
 
 
CENA XV Os mesmos, menos Teixeira.
 
SILVEIRA (suspirando)  Estou livre do Teixeira caolho!
 
LULU, RITINHA e FELICIANO  Viva o senhor Luís de Castro.
 
LUÍS DE CASTRO  Hoje mesmo pagarei todas as tuas dívidas; mas hás de me prestar dois juramentos: 1º — de não as contrair mais; 2 — (baixo) de nada revelares a tua tia do que se passou aqui.
 
FÉLIX  Juro.
 
SILVEIRA  Eu também quero impor uma condição. O senhor há de ficar aqui pelo menos dois meses.
 
LUÍS DE CASTRO  Fico.
 
SILVEIRA (para Feliciano)  Já não morreremos mais de fome. 
 
LUÍS DE CASTRO  Estou desmoralizado, perdido, esbandalhado, e tudo por quê? Por causa de um sobrinho extravagante.
 
FELICIANO  Engana-se, senhor Luís de Castro: tudo isto é devido a — Ingleses na Costa.
 
LUÍS DE CASTRO  Que ingleses?
 
FÉLIX (segurando em Luís de Castro)  Venha para o quarto, meu tio. É uma história muito complicada; logo lha contarei.
 
SILVEIRA  Esperem. Eu tenho que falar com estes senhores por parte do autor. Se algum inglês se ofendeu, Com o autor não encavaque
 
O autor só se refere — aos Ingleses de Balzac.

 

 

                                                                  França Júnior

 

 

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