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INSTINTO E INCONSCIENTE / Carl Gustav Jung
INSTINTO E INCONSCIENTE / Carl Gustav Jung

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

FONTE: JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB. Petrópolis: Vozes, 1984, capítulo VI, volume VIII/2 das Obras Completas.

 

 

 

 

[263] O fim a que se propõe este simpósio sobre O instinto e o inconsciente diz respeito a uma questão de grande importância tanto para o campo da Biologia como para o da Psicologia e da Filosofia. Mas se pretendemos discutir com êxito as relações entre o instinto e o inconsciente, é necessário que proponhamos uma definição do conceito em questão.

[264] No que se refere à definição de instinto, convém acentuar a importância da all-or-none-reaction formulada por Rivers. Parece-me, inclusive, que a peculiaridade da atividade instintiva é de particular importância para o lado psicológico do problema. Devo, naturalmente, restringir-me ao aspecto psicológico da questão, porque não me sinto competente para tratar o problema do instinto sob o seu aspecto biológico. Devendo dar uma definição psicológica da atividade instintiva, creio que posso me valer antes de tudo do critério da all-or-none-reaction formulado por Rivers, e precisamente pelas seguintes razões: Rivers define esta reação como um processo que apresenta uma gradação de intensidade não correspondente às circunstâncias. É uma reação que, uma vez desencadeada, se processa com sua intensidade específica em qualquer circunstância e sem nenhuma proporção com o estímulo que a provoca. Mas se investigamos os processos psicológicos da consciência, procurando discernir se existe entre eles algum que se distingue pela desproporção de sua intensidade com relação ao estímulo que a desencadeia, podemos encontrar uma grande quantidade deles diariamente em qualquer indivíduo, como, por ex., afetos e impressões desproporcionados, impulsos e intenções exagerados, e muitas outras coisas da mesma natureza. Daí se segue que é de todo impossível classificar estes processos como instintivos, e por isso devemos primeiramente procurar um outro critério.

[265] Como se sabe, a linguagem corrente usa a palavra "instinto" com muita freqüência, falando sempre de ações "instintivas", quando se tem diante de si um comportamento em que nem os motivos nem a finalidade são conscientes e que só foi ocasionado por uma necessidade obscura. Esta peculiaridade já fora acentuada por um escritor inglês mais antigo, Thomas Reid, que diz: "By instinct, I mean a natural blind impulse to certain actions, without having any end in view, without deliberation, and very often without any conception of what we do". ["Por instinto, entendo um impulso natural cego para certas ações, sem ter em vista um determinado fim, sem deliberação, e muito freqüentemente sem percepção do que estamos fazendo"]. Assim, a atividade instintiva é caracterizada por uma certa inconsciência de seus motivos psicológicos, em contraste com os processos conscientes, que se distinguem pela continuidade de suas motivações. A ação instintiva, portanto, aparece mais ou menos como um acontecimento psíquico abrupto, uma espécie de interrupção da continuidade da consciência. Por isso, é sentida como uma "necessidade interior" — que é a definição já dada por Kant para o instinto. Por sua natureza, a ação instintiva deveria ser incluída entre os processos especificamente inconscientes que só são acessíveis a consciência por seus resultados.

[266] Mas se nos contentássemos com esta concepção do instinto, em breve descobriríamos sua insuficiência. Na verdade, com esta definição apenas diferenciamos o instinto do processo consciente, e o caracterizamos como inconsciente. Se, pelo contrário, abarcamos com um olhar os processos inconscientes em seu conjunto, perceberemos que é absolutamente impossível classificá-los como instintivos, embora na linguagem ordinária não se faça mais nenhuma distinção entre eles. Se alguém topa de repente com uma serpente e é tomado de violento pavor, este impulso pode ser considerado instinto, pois nada o diferencia do medo instintivo que um macaco sente diante de uma cobra. São justamente esta similaridade do fenômeno e a regularidade de sua recorrência que constituem a propriedade mais característica do instinto, por isso, como observa com justiça Lloyd Morgan, seria tão pouco interessante apostar no desencadear-se de uma ação instintiva quanto no despontar do sol na manhã seguinte. Por outro lado, pode também acontecer que alguém sinta tanto medo de uma galinha quanto de uma serpente. Embora o mecanismo do medo diante de uma galinha seja um impulso inconsciente como o instinto, devemos, contudo, distinguir entre os dois processos. No primeiro caso, o do medo de uma cobra, trata-se de um processo teleológico, que ocorre universalmente; no segundo caso, ao invés, habitualmente se tem uma fobia e não um instinto, visto que ela só ocorre isoladamente e não constitui uma característica universal. Mas existem também outras necessidades inconscientes, como, por ex., pensamentos obsessivos, idéias e caprichos subitâneos, afetos impulsivos, depressões, estados de ansiedade, etc. Estes fenômenos, como bem o sabemos, se encontram não somente nos indivíduos anormais, mas também nos normais. Como estes fenômenos ocorrem isoladamente e não se repetem com regularidade, devem ser distinguidos dos processos instintivos, embora seu mecanismo psicológico pareça ligado ao instinto. Eles podem ser até mesmo caracterizados pela all-or-none-reaction, como se pode facilmente observar em especial nos processos patológicos. No campo da psicopatologia encontramos muitos casos como estes, onde a um dado estímulo vemos seguir-se um processo bem definido que não tem proporção com o estímulo e é comparável em tudo a uma reação instintiva.

[267] Todos esses processos devem ser distinguidos daqueles de natureza instintiva. Assim, só se deveria considerar com instintos os processos inconscientes e herdados que se repetem uniformemente e com regularidade por toda parte. Ao mesmo tempo eles devem possuir a marca da necessidade compulsiva, ou seja, um caráter reflexo do tipo descrito por Herbert Spencer. No fundo, tal processo só se distingue de um reflexo meramente sensitivo-motor por sua natureza bastante complicada. Por isso, William James chama ao instinto, e não sem razão, "a mere excito-motor impulse, due to the pre-existence of a certain 'reflex arc’ in the nerve-centres" .  As qualidades que os instintos têm de comum com os simples reflexos são a uniformidade, a regularidade, bem como a inconsciência de suas motivações.

[268] A questão de onde provêm os instintos e como foram adquiridos é extremamente complexa. O fato de eles serem invariavelmente herdados não traz nenhuma contribuição para explicar sua origem. O caráter hereditário dos instintos apenas remete o problema para nossos ancestrais. É por demais conhecida a opinião segundo a qual os instintos se originaram de um determinado ato repetido da vontade, inicialmente individual e posteriormente generalizado. Esta explicação é plausível, visto que podemos observar cada dia como certas atividades aprendidas laboriosamente se tornam gradualmente automáticas pelo exercício constante. Por outro lado, convém sublinhar que o fator aprendizagem falta inteiramente nos instintos mais maravilhosos, observados no mundo animal. Em muitos casos é impossível até mesmo imaginar como tenha podido haver alguma aprendizagem e exercitação. Seja, por ex., o instinto de reprodução extremamente refinado da Pronuba yuccasella, a mariposa da iúca. Cada flor da iúca se abre apenas por uma única noite. A mariposa tira o pólen de uma dessas flores e o transforma em bolinha. A seguir procura uma segunda flor, corta-lhe o ovário e, pela abertura, deposita seus ovos entre os óvulos da planta; vai em seguida ao pistilo e enfia a bolazinha de pólen pelo orifício, em forma de funil, do ovário. A mariposa só executa esta complicada operação uma única vez em sua vida.

[269] É difícil explicar casos como este pela hipótese da aprendizagem e do exercício. Daí é que recentemente se procuraram outros meios de explicação, inspirados na filosofia de Bergson, os quais acentuam o fator intuição. A intuição decorre de um processo inconsciente, dado que o seu resultado é uma idéia súbita, a irrupção de um conteúdo inconsciente na consciência. A intuição é, portanto, um processo de percepção, mas, ao contrário da atividade consciente dos sentidos e da introspecção, é uma percepção inconsciente. Por isso é que, na linguagem comum, nos referimos à intuição como sendo um ato "instintivo" de apreensão, porque a intuição é um processo análogo ao instinto, apenas com a diferença de que, enquanto o instinto é um impulso predeterminado que leva a uma atividade extremamente complicada, a intuição é a apreensão teleológica de uma situação, também extremamente complicada. Em certo sentido, portanto, a intuição é o reverso do instinto, nem mais nem menos maravilhoso do que ele. Mas aqui não devemos esquecer que aquilo que chamamos complicado ou mesmo maravilhoso, não é, de modo algum, maravilhoso para a natureza, mas inteiramente ordinário. Tendemos facilmente a projetar nossa dificuldade de compreensão nas coisas, chamando-as complicadas, quando elas, na realidade, são simples e desconhecem nossos problemas de compreensão.

[270] Uma discussão do problema do instinto sem levar em conta o conceito do inconsciente seria incompleta, porque são precisamente os processos instintivos que pressupõem o conceito complementar de inconsciente. Eu defino o inconsciente como a totalidade de todos os fenômenos psíquicos era que falta a qualidade da consciência. Podemos classificar adequadamente os conteúdos psíquicos como subliminares, na suposição de que todo conteúdo psíquico deve possuir um certo valor energético que o capacita a se tornar consciente. Quanto mais baixo é o valor de um conteúdo consciente, tanto mais facilmente ele desaparece sob o limiar. Daqui se segue que o inconsciente é o receptáculo de todas as lembranças perdidas e de todos aqueles conteúdos que ainda são muito débeis para se tornarem conscientes. Estes conteúdos são produzidos pela atividade associativa inconsciente que dá origem também aos sonhos. Além destes conteúdos, devemos considerar também todas aquelas repressões mais ou menos intencionais de pensamentos e impressões incômodas. Â soma de todos estes conteúdos dou o nome de inconsciente pessoal. Mas afora esses, no inconsciente encontramos também as qualidades que não foram adquiridas individualmente mas são herdadas, ou seja, os instintos enquanto impulsos destinados a produzir ações que resultam de uma necessidade interior, sem uma motivação consciente. Devemos incluir também as formas a priori, inatas, de intuição, quais sejam os arquétipos da percepção e da apreensão que são determinantes necessárias e a priori de todos os processos psíquicos. Da mesma maneira como os instintos impelem o homem a adotar uma forma de existência especificamente humana, assim também os arquétipos forçam a percepção e a intuição a assumirem determinados padrões especificamente humanos. Os instintos e os arquétipos formam conjuntamente o inconsciente coletivo. Chamo-o "coletivo", porque, ao contrário do inconsciente acima definido, não é constituído de conteúdos individuais, isto é, mais ou menos únicos, mas de conteúdos universais e uniformes onde quer que ocorram. O instinto é essencialmente um fenômeno de natureza coletiva, isto é, universal e uniforme, que nada tem a ver com a individualidade do ser humano. Os arquétipos têm esta mesma qualidade em comum com os instintos, isto é, são também fenômenos coletivos.

[271] No meu ponto de vista, a questão do instinto não pode ser tratada psicologicamente sem levar em conta a dos arquétipos, pois uma coisa condiciona a outra. Mas é extremamente difícil discutir este problema, porque as opiniões sobre o que se deve considerar ainda como instinto no plano humano se acham extraordinariamente divididas. Assim, William James é de opinião que o homem é um enxame de instintos, ao passo que outros restringem os instintos a uns poucos processos que dificilmente se distinguem dos reflexos, ou seja, a certos movimentos executados pela criança de peito, a certas reações específicas dos braços e das pernas, bem como da laringe, ao uso da mão direita e à formação dos sons silabados. No meu modo de ver estas restrições vão longe demais, embora sejam bem características da psicologia humana em geral. Antes de mais nada devemos sempre ter presente que, ao falarmos de instintos humanos, é de nós mesmos que estamos falando e, por isso, simplesmente adotamos uma atitude preconcebida.

[272] Nós estamos numa posição muito mais privilegiada para observar os instintos nos animais ou nos primitivos do que em nós próprios. Isto se deve ao fato de que nos acostumamos a justificar nossas ações, procurando uma explicação para elas. Mas de maneira nenhuma está provado — antes, é muito improvável — que nossas explicações sejam consistentes. Não é preciso ser um super-homem para enxergar o vazio de muitas de nossas racionalizações e identificar o motivo real, o instinto motor que se acha por trás disto. Como resultado de nossas racionalizações artificiais pode-nos parecer que fomos levados não por algum instinto, mas por motivos conscientes. Naturalmente não pretendo afirmar que o homem não tenha conseguido transformar parcialmente os instintos em atos da vontade, mediante cuidadoso treinamento. Com isto o instinto foi domesticado, mas o motivo básico continua sendo o instinto. Assim não há dúvida de que conseguimos envolver um grande número de instintos em explicações e motivos racionais, a tal ponto que já não podemos reconhecer os motivos originais por trás de muitos véus. Deste modo parece-nos que já não temos quase mais nenhum instinto. Mas se aplicarmos o critério das reações desproporcionadas, as all-or-none-reaction, proposto por Rivers, ao comportamento humano, encontraremos numerosos casos onde ocorrem reações exageradas. O exagero é, de fato, uma peculiaridade humana universal. Embora cada um procure explicar cuidadosamente suas reações em termos de motivos racionais,  para  o  que  ele  nunca  deixará de encontrar bons argumentos, o fato do exagero permanece de pé. E por que é que uma pessoa não faz, não dá ou não diz, justo o necessário, racional, correto ou justificável numa determinada situação, mas muito mais ou muito menos do que isto? É justamente porque se desencadeou nela um processo inconsciente que se desenrola sem o concurso da razão e por isso não alcança nem ultrapassa o grau da motivação racional. Este fenômeno é tão uniforme e tão regular, que não podemos chamá-lo senão instintivo, embora ninguém em semelhante caso goste de admitir a natureza instintiva de seu comportamento. Por isto eu acredito que o comportamento é influenciado pelos instintos em grau muitíssimo mais elevado que em geral se admite, e que sob este aspecto estamos sujeitos a muitos erros de julgamento, de novo como resultado do exagero instintivo do ponto de vista racionalista.

[273] Os instintos são formas típicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reação que se repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto,  quer esteja associado a um motivo consciente ou não.

[274] Da mesma forma como se pode perguntar se o homem possui muitos instintos ou apenas alguns, assim também uma questão até aqui quase não ventilada é a de saber se ele possui ou não muitas formas primordiais ou arquétipos de reação psíquica. Nesta questão nos deparamos com as mesmas dificuldades que mencionei acima. Nós estamos de tal maneira acostumados a operar com conceitos tradicionais e axiomáticos, que não percebemos mais até que ponto estes conceitos se baseiam nos arquétipos de nossa percepção. Mesmo as imagens primordiais se acham fortemente obscurecidas pela extraordinária diferenciação de nosso pensamento. Da mesma forma como a Biologia comumente só atribui apenas uns poucos instintos ao homem, assim também a teoria do conhecimento reduz os arquétipos a um número relativamente pequeno de categorias, logicamente limitadas, do entendimento.

[275] Platão confere um valor extraordinariamente elevado aos arquétipos como idéias metafísicas, como paradeigmata, em relação aos quais as coisas reais se comportam meramente como mimseiz como imitações, cópias. Como bem se sabe, a filosofia medieval desde Agostinho — do qual tomei emprestado a idéia de arquétipo — até Malebranche e Bacon ainda se encontra em terreno platônico, sob este aspecto, embora na Escolástica já desponte a noção de que os arquétipos são imagens naturais gravadas no espírito humano, e com base nas quais este forma os .seus juízos. Assim nos diz Herbert of Cherbury: "Inatinctus naturales sunt actus facultatum illarum a quibus communes illae notitiae circa analogiam rerum internam, eiusmodi sunt, quae circa causam, médium et finem rerum bonarum, malum, pulchrum, gratum etc. per se etiam sine discursu conformantur".

[276] A partir de Descartes e Malebranche, porém, o valor metafísico da idéia, do arquétipo, declina sensivelmente. Torna-se um "pensamento", uma condição interna do conhecimento, como o diz claramente Spinoza: "Per ideam intelligo mentis conceptum quem mens format". Finalmente Kant reduz os arquétipos a um reduzido número de categorias da razão. Schopenhauer vai mais longe ainda no processo de simplificação, embora ao mesmo tempo volte a conferir um valor quase platônico aos arquétipos.

[277] Neste esboço, infelizmente por demais sumário, podemos ver, mais uma vez em andamento aquele processo psicológico que dissimula os instintos sob a capa de motivações racionais e transforma os arquétipos em conceitos racionais. É quase impossível reconhecer o arquétipo sob este invólucro. Mesmo assim, a maneira como o homem retrata interiormente o mundo é, apesar de todas as diferenças de detalhes, tão uniforme e regular como seu comportamento instintivo. Da mesma forma como somos obrigados a formular o conceito de um instinto que regula ou determina o nosso comportamento consciente, assim também, para explicar a uniformidade e a regularidade de nossas percepções, precisamos de um conceito correlato de um fator que determina o modo de apreensão. É precisamente a este fator que eu chamo de arquétipo ou imagem primordial. A imagem primordial poderia muito bem ser descrita como a percepção do instinto de si mesmo ou como o auto-retrato do instinto, à semelhança da consciência que nada mais é, também, do que uma percepção interior do processo vital objetivo. Do mesmo modo como a apreensão consciente imprime forma e finalidade ao nosso comportamento, assim também a apreensão inconsciente determina a forma e a destinação do instinto, graças ao arquétipo. Assim como dizemos que o instinto é "refinado", assim também a intuição, que põe em ação o instinto, isto é, a apreensão mediante o arquétipo, é de incrível precisão. For isso, a mariposa da iúca, acima mencionada, deve trazer dentro de si, por assim dizer, uma imagem daquela situação que provocou o seu instinto. Esta imagem dá-lhe a capacidade de "reconhecer" as flores da iúca e a sua estrutura.

[278] Como o critério da all-or-none-reaction proposto por Rivers nos ajudou a descobrir a operação do instinto em todas as manifestações da psicologia humana, assim também o conceito da imagem primordial talvez nos possa prestar o mesmo serviço no que respeita aos atos da apreensão intuitiva. Esta tarefa é facílima junto aos primitivos. Aqui encontramos constantemente certas imagens e motivos típicos que são os fundamentos de suas mitologias. Estas imagens são autóctones e de uma regularidade relativamente grande. Assim, por ex., a idéia de uma força e substância mágicas, de espíritos e seu comportamento, de heróis e deuses e de suas lendas. Nas grandes religiões do mundo observamos o aperfeiçoamento dessas imagens e seu progressivo envolvimento em formas racionais. Elas emergem até mesmo nas Ciências exatas como as raízes de certos conceitos auxiliares, tais como o de energia, de éter e de átomo. Na Filosofia, Bergson nos proporcionou um exemplo de ressurgimento de uma imagem primordial, com o seu conceito de durée créatrice que já se encontra em Proclo e, sob sua forma original, em Heráclito.

[279] A psicologia analítica deve se ocupar diariamente, junto a pessoas sadias e enfermas, com perturbações das imagens primordiais no processo de apreensão consciente. As ações exageradas devidas à interferência do instinto são provocadas pelas formas intuitivas de apreensão postas em ação pelos arquétipos, formas estas que nos levam a impressões superintensas e muitas vezes verdadeiramente distorcidas.

[280] Os arquétipos são formas de apreensão, e todas as vezes que nos deparamos com formas de apreensão que se repetem de maneira uniforme e regular, temos diante de nós um arquétipo,  quer reconheçamos  ou não o seu caráter mitológico.

[281] O inconsciente coletivo é constituído pela soma dos instintos e dos seus correlatos, os arquétipos. Assim como cada indivíduo possui instintos, possui também um conjunto de imagens primordiais. A prova convincente disto encontramo-la antes de tudo na psicopatologia das perturbações mentais em que há irrupção do consciente coletivo. É o que acontece na esquizofrenia. Aqui podemos observar a emergência de impulsos arcaicos, associados a imagens inequivocamente mitológicas.

[282] Na minha opinião é impossível dizer o que vem em primeiro lugar: se a apreensão ou o impulso a agir. Parece-me que os dois constituem uma só e mesma coisa, uma só e mesma atividade vital que temos de conceber como dois processos distintos, a fim de termos uma compreensão melhor.

 

 

                                                                  C.G.Jung

 

 

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