Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
INTIMAMENTE ESTRANHOS
Thor Thorsen afastou a cadeira com violência e se levantou. Sua estatura impressionante fez com que tudo e todos, ao seu redor, parecessem miniaturas.
Como se não bastasse, o forte murro que deu na mesa fez a sala estremecer.
Repita o que disse! — ordenou a Rainer, seu irmão caçula.
Você ouviu -— respondeu o outro sem se abalar. —Andrea está nos cobrando preços abusivos. Percebeu que está com a faca e o queijo na mão e resolveu tirar partido da situação.
Quero provas. Evidências. Enquanto a acusação não estiver documentada, para mim é falsa. E você, Red, o que acha? — A pergunta foi transferida para o homem de cerca de cinquenta e cinco anos, do outro lado da mesa de reuniões.
Abuso talvez seja um termo um pouco forte para o que ela vem fazendo — opinou Red, nervoso.
Por que não colocam Andrea Constantine em um altar de uma vez? Se ela for inocente, eu sou um mico de circo —Rainer retrucou, enquanto colocava um pé sobre a mesa.
Teria desabado no chão, com cadeira e tudo, caso não tivesse pressentido que Thor iria empurrá-lo.
— Deixe Red acabar de falar!
O outro passou a mão pelos cabelos grisalhos e pigarreou.
A srta. Constantine realmente parece ter mudado seu comportamento conosco. No entanto, um pequeno equívoco não pode ser descartado.
— Rainer afirma que Andrea dobrou os preços com relação à última cotação entregue por seu pai, há seis meses. E agora? Você continua afirmando, que pode ser apenas um pequeno equívoco!
Sim... talvez...
Ora, Red. Não dá para acreditar que se trate de um equívoco. Dê-me provas.
— Eu as tenho. — Rainer mudou completamente de atitude. Sem que ninguém esperasse, atirou uma pasta na frente do irmão. — Estas são as faturas das compras efetuadas há um ano, ou seja, seis meses antes da morte de Nick Constantine.
Thor sentou-se e se pôs a examinar os documentos. Traziam-lhe recordações que preferiria esquecer, mas que não conseguia.
Mal terminou de consultar os dados e Rainer entregou-lhe uma segunda pasta.
— Esta outra data de sete meses atrás, pouco antes da morte de Nick. As flutuações nos preços são mínimas, todas dentro dos parâmetros. Apenas a alface e o pepino estavam em alta, mas a entressafra justificava o acréscimo.
Uma terceira e última pasta surgiu em cena.
— Estas são as faturas do último mês. As provas de minha acusação. — A expressão de Rainer endureceu.
Thor podia adivinhar o que estava escrito, mas não se recusou a examinar as faturas. Suas piores suspeitas foram confirmadas.
Por quê, Andrea? Por que insiste tanto em se vingar de mim?, pensou.
A inflação no período estivera longe dos preços praticados. A razão pelo enorme aumento, portanto, nada tinha a ver com negócios. Uma raiva surda começou a se infiltrar em seu sangue e ele mordeu o lábio até sentir dor. Andrea sempre conseguia tirá-lo do sério, de uma forma ou de outra.
Ainda há mais — Rainer anunciou.
Não duvido. — Thor suspirou, exasperado.
Preparei um gráfico com alguns de nossos produtos básicos, como alface e batata, que os supermercados e a cadeia de restaurantes Milano compram de nós em regime diário. A tabela de comparação inclui os últimos doze meses e o ano anterior completo.
A linha vermelha realmente havia subido vertiginosamente no período reclamado por Rainer.
Os preços começaram a subir no mês subsequente à morte de Nick e agora explodiram. — Rainer largou o gráfico, olhou para o irmão e em seguida para Red. — Não podemos permitir que a exploração continue. Precisamos agir. Alguma sugestão?
Não podemos nos esquecer de que ela é uma mulher— Red declarou para assombro dos irmãos. Embaraçado, tentou se justificar. — Não me parece certo tomarmos medidas que venham a prejudicá-la, antes de termos certeza de que não se trata de um engano.
Thor considerou as possibilidades. Andrea merecia o benefício da dúvida. Porém fatos eram fatos. Que desculpa ela poderia ter? Provavelmente nenhuma, mas...
Red está certo — Rainer concordou, por fim. — Precisamos ter certeza antes de tomarmos uma atitude drástica.
Está resolvido — Thor decidiu. — Pedirei que minha secretária ligue para o principal concorrente da Constantine, a Produce, Inc., sem mencionar o nome Thorsens.
Concordo com a ideia. Se a Produce, Inc. fornecer suas mercadorias a um cliente desconhecido por um preço melhor do que a Constantine ao seu melhor cliente, saberemos, com certeza, que ela está nos explorando.
Red — Thor sugeriu —, poderia passar a ordem para minha secretária?
Sim, senhor. Imediatamente. — O homem se apressou a sair.
Agora me conte o resto; a parte que não quis dizer na frente de Red — Thor convocou o irmão.
Tenho ouvido comentários péssimos de outros varejistas. O problema não é só com relação aos preços, mas também com a qualidade.
Isso explica os inúmeros telefonemas que venho recebendo. Três atacadistas, inclusive a Produce Inc., estão atrás de nossa empresa.
Uma pena que não estejamos em condições de tirar vantagem deles. Estamos completamente amarrados com o contrato de exclusividade. Se passarmos a comprar de outra fonte que não seja a Constantine, perderemos a conta dos restaurantes Milano, para começar. — Rainer balançou a cabeça. — Será que não haveria possibilidade de rompermos com Andrea e negociarmos com a rede de restaurantes, em separado?
Já tentei me livrar do contrato há um ano e novamente após a morte de Nick. César deixou bem claro que seus negócios são com a Constantine e que não está interessado em nenhum outro fornecedor.
Mesmo ciente de que nossos serviços são mais rápidos e eficientes? — Rainer insistiu.
Um caso de amizade entre famílias. — Thor fez uma careta.
O que nos leva à estaca zero. — Rainer cruzou os braços. — Nós só compramos da Constantine e Milano só compra de nós. Pelo menos todos têm lucro.
Não no nosso caso. — Thor apontou o gráfico. — Nos últimos meses o lucro diminuiu demais.
Realmente não podemos continuar pagando uma cotação máxima por produtos de qualidade mínima. — Rainer confirmou.
Uma batida à porta os interrompeu. Era Red.
Talvez abuso seja a palavra certa, afinal. — O homem anunciou e tornou a sair da sala.
Como permitiu que a exploração chegasse a esse nível, Rainer? Por que esperou tanto para me avisar?
Eu precisava de fatos concretos e não suposições. Evidências, para usar o mesmo termo que você.
Ou resolveu se tornar seu protetor? Andrea e sua esposa são grandes amigas, pelo que sei.
Deixe Jordan fora disso! Não está sugerindo que ela rompa a amizade com Andrea, só porque é sua noiva, não?
Ex-noiva — Thor o corrigiu com maus modos. — O que não justifica a razão por você ter esperado tanto para abrir o jogo.
Quis dar uma chance a Andrea. Achei que ela precisava de um tempo para se recuperar da morte do pai e para aprender a dirigir sozinha o negócio.
E o resultado foi que se sentiu à vontade para cravar uma faca em nossas costas.
— O que faremos agora? — Rainer quis saber.
Thor se levantou e caminhou até a janela. Por que hesitava? As alternativas eram apenas duas. Ou rompiam o contrato ou ele teria de discutir o assunto com Andrea.
Era óbvio que o motivo, por Andrea ter se virado contra ele, era puramente pessoal. Algo, porém, lá no fundo de sua mente, ainda queria encontrar desculpas para seu comportamento. Incompetência. Sua ex-noiva podia estar se sentindo completamente perdida à frente dos negócios.
— Marcarei uma reunião com Andrea. — Thor decidiu.
Contas, contas e mais contas. Andrea Constantine estava estudando a pilha de faturas sobre sua mesa, e tentando dominar a sensação de pânico que ameaçava arrebatá-la. O pânico, além de não ajudá-la, ainda complicaria as coisas. Apenas uma grande quantia em dinheiro a ajudaria naquele momento. Quanto mais, melhor.
O telefone tocou e fez a linda imagem de um polpudo cheque sumir no ar.
— Andrea Constantine.
E o meu dinheiro? — cobrou a pessoa do outro lado da linha, sem perder tempo com amenidades.
Estou falando com o sr. Hartsworth, imagino — Andrea prosseguiu.
Sabe que sim. Onde está o pagamento pelo caminhão de milho que lhe entreguei?
Pelo caminhão de milho bichado, o senhor quer dizer. Por que não cobra de seu motorista, que levou dois dias inteiros para chegar aqui, sem que a mercadoria estivesse em câmara fria?
Por que usaria um caminhão frigorífico se minha fazenda fica a apenas duzentos quilómetros de Seattle?
O senhor mesmo é quem deveria responder a essa pergunta. O que sei é, que com o calor que tem feito, me admira que o milho não tenha virado pipoca antes de chegar.
Cuidado com o que está dizendo, garotinha.
Andrea não pôde evitar um sorriso, apesar da gravidade da situação. Se o sr. Hartsworth a conhecesse pessoalmente, teria optado por uma descrição bem diferente. Com um metro e setenta de altura, ela podia ser tudo, menos uma garotinha.
Os fiscais da prefeitura examinaram a mercadoria, meu senhor, e concordaram comigo. O milho está estragado.
Não venha querer me ensinar o meu ofício, senhorita. Forneço milho para a empresa de seu pai, desde antes de você nascer. Deveria era me agradecer por continuar no negócio, agora que ele se foi.
— Gostaria de poder...
O homem a interrompeu.
— Vai se arrepender amargamente, se não pagar o que deve, com ou sem a inspeção. Providenciarei para que o seu nome seja incluído na lista negra entre todos os atacadistas.
Andrea enrijeceu. Sua situação financeira já estava negra o suficiente. Mas não era justo! Ele lhe impingira uma mercadoria sem condições de comercialização! Se seu pai fosse vivo, jamais teria tentado essa proeza.
Seus punhos se fecharam. Era preciso admitir a verdade, por mais que doesse. Se seu pai tivesse lhe ensinado as regras do jogo, agora não estaria naquela situação desesperadora.
De uma única coisa apenas tinha certeza. Caso se calasse à tentativa de um fornecedor de tirar vantagem de sua inexperiência, em breve estaria falida.
Recuso-me a pagar por uma mercadoria estragada! E saiba que também sou capaz de enlamear o seu nome!
Não pague, então, e verá. Assim que a notícia se espalhar de que você não honra seus compromissos, nenhum fazendeiro ou intermediário negociará com a sua empresa.
Não me ameace! Não trabalho bem sob ameaças.
Talvez trabalhe melhor sob uma promessa. Prometo, assim, que, caso não tenha um cheque seu em minhas mãos às cinco horas de hoje, buscarei meus direitos por via legal.
Andrea ainda tentou argumentar, mas a ligação foi interrompida. Ficou olhando fixamente para o telefone por um longo tempo.
Talvez o homem não tivesse tomado aquela atitude, se ela não tivesse perdido a calma. Talvez nada disso tivesse acontecido, inclusive, se não fosse sempre movida pelo orgulho.
Precisava encontrar uma solução com urgência. As coisas estavam indo de mal para pior. Se o sr. Hartsworth cumprisse a ameaça, a falência era certa.
Um desânimo profundo abateu-a. Onde fora parar a mulher ambiciosa e segura de si? .Não podia simplesmente ter desaparecido. Durante toda a sua vida sempre enxergara os fatos com otimismo. Sempre tivera confiança de que entre o bem e o mal, o bem acabava triunfando. Por que a realidade seria outra, agora?
Porque, se a empresa atacadista Con>tantine se tornara um barco furado, não seria ela a conseguir chegar do outro lado da margem, Andrea suspirou. Ou tomava alguma providência rápida, ou acabaria com a empresa que seu pai tanto lutara para ver em funcionamento.
Se ao menos ele não tivesse feito um empréstimo bancário tão grande. Se ao menos ela não fosse uma mulher naquele mundo de homens. Mas, de que adiantavam tais conjeturas?
O importante era manter a empresa viável. Provar a seu pai que venceria no mundo dos negócios, apesar de ser mulher, apesar de ele não mais estar vivo para testemunhar seu sucesso.
Não irei decepcioná-lo, papai. — Ela olhou para a pilha de contas com nova determinação. — Darei um jeito, seja como for.
Andrea? Cara?
Joe! Que prazer em vê-lo! Entre. — Joe Milano, o italiano alto, bonito e moreno. Exatamente quem Andrea precisava ver naquele momento.
Também estou contente em vê-la. Parece-me bem. Muito bem. — Ele entrou na sala e olhou ao redor. — Onde devo me sentar?
Foi um choque para Andrea constatar que as incontáveis pastas, contas e faturas não haviam ocupado lugar apenas em sua vida, mas também em todas as superfícies disponíveis do escritório. Um intenso rubor cobriu suas faces.
Aqui. — Ela se levantou e começou a tirar a papelada de uma das cadeiras.
Deixe que eu faça isso — Joe a empurrou delicadamente. No instante seguinte, porém, tornou a fitá-la com um ponto de interrogação no olhar. — Onde devo colocar?
Que tal naquele canto? — Ela indicou a mais baixa das pilhas.
Joe atravessou a sala, desfez-se da carga e esfregou as mãos para livrá-las do pó.
Quer que eu ajude em mais alguma coisa? É só dizer que seu amigo está pronto.
Você já ajudou bastante, Joe. Obrigada.
O amigo sorriu e abraçou-a. Os beijos que lhe deu, um em cada face, deram-lhe cócegas devido ao bigode.
Senti a sua falta. Também sentiu a minha? — ele indagou.
Claro que senti. Desculpe a confusão. Ainda não consegui aliar completamente o trabalho que meu pai fazia, com o meu próprio.
Os olhos de Andrea se encheram de lágrimas.
Pobre menina. E ainda venho eu lhe trazer mais aborrecimentos. Quer que volte amanhã? — Ele a segurou pelos ombros.
Você é sempre bem-vindo. Sente-se, por favor.
O triste era que Àndrea já sabia a razão da visita: a péssima qualidade dos produtos que a Constantine estava fornecendo. Teria mais aborrecimentos à frente, sem dúvida.
— Como está o César? — ela indagou, na tentativa de adiar o inevitável.
— Papai está bem, graças a Deus. Pergunta sempre por você. Reclama que não tem nos visitado há semanas.
Uma sensação de culpa invadiu-a. A chegada de César Mi-lano nos Estados Unidos coincidira com a morte de sua mãe. Desde aquele dia praticamente passara a fazer parte da família Milano, como filha honorária entre filhos legítimos, todos do sexo masculino.
Joe, o mais velho, chegara da Itália havia poucos meses. Não se mudara na mesma ocasião que os pais e irmãos porque recebera a incumbência de cuidar dos avós. Com o falecimento deles, viera se juntar à família e também adotara Andrea como irmã.
Peça desculpas por mim. Negócios. Sabe como é.
Não está certo, Andrea. Todos nós estamos preocupados com você. Papai tem imaginado que você não apareceu mais por causa do velho contrato.
Não, é claro que não! — Ela mentiu.
É um assunto embaraçoso, concordo. O contrato, afinal, foi feito por nossos pais. Agora que o seu faleceu, o meu não se sente à vontade para discutir negócios com quem ainda considera a sua pequena Andrea. Dá para você entender?
É claro que entendia. Era sempre a mesma história. Os homens não gostavam de fazer negócios com as mulheres. Aquele tipo de conversa não estaria acontecendo caso ela tivesse um irmão ou um marido.
— Eu sinto muito, Joe, que a qualidade dos produtos tenha caído. Thor Thorsen não tem nenhuma culpa. Eu mesma cobrirei seus prejuízos.
Joe se levantou, como se tivesse sido insultado.
Pensa que vim aqui para reclamar e cobrar? Não! Vim para saber se você estava bem e, embora não me agrade, devo dizer que não é o que parece. Tantos problemas acabarão matando-a.
O que sugere que eu faça, Joe? Sou uma mulher.
Eu sei. — Ele sorriu e percorreu todo o seu corpo com os olhos. — Já notei.
Não foi isso que eu quis dizer! Estava reclamando da atitude machista dos homens que se recusam a discutir negócios com uma mulher. É ridículo. Não sou uma criança. Tenho vinte e sete anos e sei perfeitamente o que faço.
Joe a fitou, perplexo.
O que está querendo dizer, então?
Quero discutir nossos problemas, Joe. Precisamos chegar a um acordo com relação ao nosso contrato.
Um longo silêncio pesou sobre eles. Era óbvio que Joe não estava seguro da atitude que deveria tomar. Apesar de ser um homem de trinta anos, portanto da nova geração, e inteligente, não deixava de pertencer ao clã dos Milanos.
Será muito difícil.
Eu entendo. Meu pai também não gostava de tratar de negócios com mulheres. — Sua voz soou repentinamente trémula. — Mas ele se foi. Não há mais ninguém com quem possa falar, Joe, só eu.
Está bem. Vamos conversar. — O humor imediatamente desapareceu de seus olhos e de sua voz. — O contrato que seu pai assinou sempre foi muito conveniente para nós. Podemos pedir as mercadorias a qualquer hora, que Thor nos entrega. Desde que os produtos sejam bons, não nos importa a procedência.
Aí é que está o problema. Eu venho tendo sérias dificuldades com os fornecedores.
Passageiras, espero.
Não sei. — Andrea fez um esforço enorme para engolir o orgulho. -— Estou fazendo o melhor possível e isso não tem bastado.
— Cara , assim não poderá ser. Maus produtos arruinam os restaurantes. E as pessoas esperam ser muito bem servidas em um Milano. Temos recebido reclamações.
— Dê-me um pouco mais de tempo, Joe. Preciso pensar.
Para cada lado que se virava, Andrea deparava com um muro. Fornecedores inescrupulosos, produtos de má qualidade, uma concorrência feroz, preços altos, compradores descontentes e, acima de tudo, o empréstimo a pagar.
Em nome de seu pai, por tudo que sacrificara para fundar a empresa, ela tinha o dever de salvar o negócio. Porém, sem que uma porta se abrisse em algum daqueles muros, continuaria de mãos atadas.
Uma saída lhe veio à mente. Detestou-a, mas não lhe restava muitas opções. Já que não poderia salvar a Constantine, ao menos ajudaria a Milano. Um homem poderia vencer, onde ela fracassara. Um homem com experiência naquele ramo de negócios poderia inverter a situação.
Esse homem chamava-se Jack Maxwell e era um pequeno atacadista especializado em contas de restaurantes. Além disso, estava interessado em expandir seu capital. Submetera-lhe diversas propostas a um preço ridículo, é claro. Mas, não deixava de ser uma solução. Só restava verificar um detalhe.
Nosso contrato não mudou, não é?
Não.
Se, por acaso, a Constantine fosse vendida, a Milano continuaria a comprar do novo proprietário, e não dos Thorsens?
Nós temos um contrato com você. Você tem um contrato com os Thorsens. Nós continuaríamos, portanto, com o novo proprietário. Por que pergunta? — Joe se mostrou curioso.
O detalhe estava resolvido. A exigência de Maxwell, de que a Constantine continuasse a ter os restaurantes Milano em sua conta, poderia ser cumprida.
Depois de pedir perdão a Thor, mentalmente, Andrea respondeu.
— Porque, já que não há outro jeito, eu venderei a Constantine.
Um profundo silêncio se seguiu às palavras.
— Não! — Joe se levantou de um salto. — Trata-se de um negócio de família. Eu não quero isso, nem meu pai. Meus irmãos, talvez, prefiram essa solução, mas eu darei um jeito em suas cabeças estúpidas.
Andrea não pôde conter o riso. Por um minuto Joe a encarou, sem saber se deveria se sentir insultado ou não.
Eu defendo sua honra perante meus irmãos e você ri de mim? — Ele se sentou sobre a mesa, derrubando a maior das pilhas de faturas.
Do jeito que as coisas estão, é rir ou chorar, e eu já esgotei minhas lágrimas. — Andrea segurou-lhe a mão. —Não é só por causa do nosso contrato que estou pensando em vender a empresa. Há uma série de outros fatores.
Não gostaria de discuti-los comigo?
Não, não valeria a pena.
E se eu suborná-la com uma bela lasanha?
Não é justo! Você sabe que eu adoro lasanha.
Lógico que adora, principalmente a que eu faço. Como italiano, sou um grande chefe em massas. Nossa combinação é ótima. Você adora massas, e eu adoro louras.
E morenas e ruivas, também — Andrea completou, acostumada com os galanteios do amigo.
Bem, eu concordo, mas insisto que as louras são as minhas favoritas.
Uma profusão delas.
Case-se comigo, Andrea, e eu não olharei para mais nenhuma mulher. Eu a faria feliz, tenho certeza, e nossos problemas se resolveriam. O que me diz?
Para sua própria perplexidade, Andrea sentiu-se tentada a aceitar. Aquela era a prova máxima de seu desespero. Adorava Joe, mas como um irmão.
— Acho que não daria certo. Eu não gosto de crianças.
Não acredito! — Joe arregalou os olhos. — Não gosta nem de bebés?
Não — ela continuou mentindo, por mais que detestasse essa atitude.
Andrea abraçou-o, emocionada.
Vou ser sincera com você, Joe. Eu gosto de crianças.
Eu percebi. Você mente muito mal.
Por que não me ensina, então, a ser uma boa mentirosa?
Eu lhe ensinaria qualquer coisa que me pedisse. Estava pensando em ensiná-la algo, agora mesmo...
Uma tática antiga, mas que sempre funciona, admito —uma voz profunda e autoritária os interrompeu. — Posso entrar?
Thor! — Andrea quis se livrar imediatamente do abraço de Joe, o que foi inútil.
Olá, Thor Thorsen, como vai? — Joe cumprimentou, o braço ao redor da cintura de Andrea. — Deseja alguma coisa?
Pode apostar que sim!
Em duas passadas Thor já havia atravessado a sala. Em dois segundos separado Andrea de Joe e expulsado o rival.
Ela ficou imóvel, apenas Observando os sentimentos, que julgava mortos, lenta e dolorosamente voltarem à vida. Há um ano não via aquele homem. Trezentos e sessenta e cinco dias, para ser precisa. E ele continuava exatamente igual: o mesmo tempestuoso deus nórdico.
Como pudera esquecer tantos detalhes sobre a sua aparência? A verdade é que não esquecera. Enterrara-os no fundo da mente, para evitar o sofrimento.
Seus cabelos eram de um louro dourado e rebeldes. A altura ultrapassava um metro e oitenta e cinco. O peito e os ombros eram fortes e largos, sobressaindo-se mesmo sob o terno escuro. Com os braços cruzados e as pernas entreabertas, conforme se encontrava naquele momento, era um símbolo de poder e controle. Principalmente controle.
Os olhos azuis iluminavam o rosto anguloso. As sobrancelhas eram espessas e o queixo determinado, sob a boca grande e sensual. A característica mais marcante e também mais incongruente, porém, era o pequeno brinco de ouro que usava na orelha esquerda. A marca de Thor, o deus do trovão.
Era um homem perigoso. A sofisticação nunca conseguira esconder sua selvageria interior.
Quanto mais o observava, mais assustada se sentia. Sem dizer uma única palavra, Thor a colocara na defensiva.
— Um homem desconfiado poderia interpretar mal seu pequeno abraço com Milano. — Ele sorriu, irónico.
Andrea retribuiu o sorriso. Não se deixaria intimidar pelo ex-noivo. Não muito, ao menos.
E você é um homem desconfiado?
Muito.
Pesadas batidas à porta os interromperam. Antes que Andrea tivesse tempo de dar um passo, Thor a abriu, os ombros largos barrando a entrada.
O que foi?
Está tudo bem com você, cara ?
Andrea hesitou durante cinco segundos. Decidiu-se pelo caminho mais seguro: não comprometer o bem-estar de Joe.
Sem problemas, Joe.
Vejo-a mais tarde, então. Precisamos terminar aquele nosso assunto.
Thor fechou a porta, em seguida.
Você tem um modo estranho de tratar seus clientes. Ou a cadeia de restaurantes Milano não é mais sua cliente —Andrea o reprovou.
É, ou era, até hoje.
Não o preocupa a possibilidade de Joe exigir que eu rompa meu contrato com você?
E a ideia não é essa, por acaso?
A confusão a traiu. Thor nunca afirmava uma coisa sem que tivesse uma boa razão para isso. Poderia não tê-lo compreendido na época, mas ele era o indivíduo mais preciso, exato e direto que já conhecera.
— Acha que está prestes a perder a conta da Milano? —Andrea indagou.
— Eu sei que estou, e sei também a quem devo agradecer. Os pensamentos de Andrea ricocheteavam por sua mente, na aflição de analisar as várias possibilidades que poderiam existir por trás da acusação.
Como Thor descobrira tão cedo sobre a provável venda da Constantine? Aquilo não fazia sentido. Só se decidira a explorar a opção há poucos instantes. A não ser que Jack Maxwell tivesse dado com a língua nos dentes.
— Como soube que eu...
Uma segunda batida tornou a interrompê-los.
Insistente o rapaz, não? — Os olhos de Thor adquiriram um brilho perigoso.
É normal se bater em uma porta quando se deseja falar com a pessoa que está do lado de dentro. Por que ele não poderia?
Desculpe... — a mesma voz tornou a soar.
Andrea fez um grande esforço para manter a calma.
Você se esqueceu de combinar a hora.
Amanhã. Aqui. Às nove horas da noite — Andrea o informou.
Se tiver mais trabalho para mim, é só dizer. — Joe espiou sob o braço de Thor. — Sabe que pode contar comigo.
— Não, não tenho. Mas agradeço, mesmo assim. Enquanto Thor caminhava de um lado para o outro da sala, Andrea se pôs a organizar as faturas e notas que se encontravam espalhadas pela escrivaninha.
Se risse, acabaria em uma enrascada. Uma tempestade pairava no ar. O deus do trovão retornara para se vingar!
Você estava comentando sobre...
A conta Milano — ele concluiu a frase.
Tem certeza absoluta de que Joe não deveria participar desta reunião? Uma vez que o tema é sua cadeia de restaurantes... — O bom senso gritava para que se calasse.
Tenho recebido uma série de telefonemas ultimamente— Thor comentou, enquanto via a pilha de contas crescer.
De quem?
De César Milano, em especial.
Andrea deu de ombros. Não via nada de anormal no fato de ele receber telefonemas do pai de Joe. Afinal de contas era o fornecedor dos restaurantes Milano.
— Foi a primeira vez que alguém me acusou de tapeador, eu não gostei da experiência.
Uma batida tímida tornou a interrompê-los. Andrea quase gritou de nervosismo. Thor se dirigiu até a porta, mas, em vez de abri-la, apoiou-se contra ela.
Tem certeza de que não o interpretou mal? Não consigo acreditar que César o tenha acusado, conhecendo-o como conhece.
Absoluta. Ele reclamou que meus preços estão exorbitantes e a qualidade péssima. Como a culpa jamais poderia ser de sua preciosa Andrea, só poderia ser minha.
Falarei com ele a respeito.
Também venho recebendo reclamações dos gerentes dos supermercados. Adivinha o por quê? — Ele ignorou a batida aumentar de intensidade.
Não. — Não era preciso adivinhar. Ela sabia.
— Cara ? — Soou uma voz abafada.
Thor aumentou a pressão de seu ombro contra a porta e prosseguiu, sem se abalar.
Os preços subiram e as vendas caíram.
Bem...
Você é a nossa única fornecedora. Já que não podemos comprar de mais ninguém, nossa qualidade é a sua qualidade.
E nossos preços refletem aquilo que nos cobra.
A maçaneta por pouco não foi arrancada. — Andrea, quer abrir a porta, por favor?
— Andrea está ocupada — Thor respondeu em um tom de voz suficiente para atravessar três portas maciças de carvalho. Em seguida retirou um papel do bolso e colocou-o sobre a mesa. A pilha de faturas que ela acabara de arrumar, tornou a se espalhar pelo chão.
— Explique este gráfico, se puder — ele ordenou. Droga! O gráfico refletia os preços de seus produtos no decorrer do ano anterior. E a linha vermelha indicava que os negócios não iam bem. Sentiu um grande alívio, apesar disso. O gráfico não tinha nada a ver com a venda da Constantine. -— Eu não quis acreditar, a princípio. — Thor largou seu posto junto à porta e caminhou para ela com mal reprimida fúria. — Não quis acreditar que você estivesse nos explorando.
Mas eu não estou!
Comparei seus preços com os de um outro atacadista.
A concorrência está cobrando tão menos que você, que sua atitude ficou, além de qualquer compreensão.
Há uma explicação para o que vem acontecendo — ela tentou se justificar.
Claro que há. Eu tive a oportunidade de presenciá-la auando cheguei. Você está de conchavo com os Milanos. Está querendo negociar diretamente com eles, tirando o intermediário da jogada. Acontece que o intermediário sou eu, querida.
E não estou disposto a ser passado para trás.
Andrea engoliu em seco. Deu a volta à mesa e encarou-o com firmeza. Thor precisava ouvi-la.
— Você está enganado. Completamente enganado.
Ele segurou-lhe o queixo, fazendo-a estremecer não tanto pelo inesperado do gesto, quanto pela intimidade. Afastou-se, furiosa consigo mesma, por ainda sentir algo por Thor. E ele deveria ter percebido sua reação, pois seus olhos escureceram e sua boca se aproximou perigosamente. Por uma fração de segundo, pensou que o beijo aconteceria. Porém, ele franziu o cenho e cruzou os braços.
— Prove.
Se ao menos Thor não fosse tão alto, tão charmoso e-tão másculo. Se ao menos ela tivesse sangue frio suficiente para abordar o problema de maneira lógica. Thor a entenderia, sem dúvida, caso ela conseguisse explicar sua situação com clareza.
— Não faz sentido — ela começou. — Os Milanos são muito melhor atendidos por vocês do que por mim. São mais rápidos nas entregas do que eu jamais conseguiria ser. Nuncapensamos em cancelar nosso contrato com vocês.
A não ser que Jack Maxwell se tornasse o novo dono da Constantine, Andrea pensou, com o coração apertado pela culpa. Thor seria muito prejudicado se isso acontecesse. Oh, ela precisava encontrar uma alternativa.
— Mas se vocês não estão tentando romper nosso contrato, que diabos está havendo?
A porta se abriu abruptamente. Joe estava acompanhado por Marco, o chefe de vendas, e por dois outros homens.
— Não acredito no que estou vendo. — Thor balançou a cabeça. — Temos negócios a discutir, Andrea. Agora. Será
que existe algum lugar onde isso possa ser feito, sem interrupções?
— Usaremos o escritório de papai. Dê-me dois minutos para falar com Joe e eu estarei com você em seguida.
Thor saiu da sala sem um olhar para trás ou para os lados.
Desculpe, srta. Constantine. — Marco lançou um olhar significativo para Joe Milano. — Alguém pensou que a senhorita estava precisando de ajuda.
Obrigada, Marco, pode ir. E quanto a você, Joe, não se preocupe. Thor está aqui para discutir negócios. Não está me ameaçando.
Não tentou seduzi-la?
Infelizmente não, pensou, fechando os olhos. Apesar do esforço que fizera por esquecê-lo, as lembranças dos momentos partilhados ainda eram muito fortes. Ainda sentia o calor dos braços de Thor ao redor de seu corpo, a paixão de seus beijos.
Não, Joe. Nosso relacionamento pertence ao passado.
Eu acho que ele ainda está apaixonado por você. Será que também não continua amando-o?
Engano seu.
É o que espero — Joe respondeu, não muito convencido. — Tem certeza de que não precisará de mim?
Tenho.
— Tome cuidado, cara . — Joe segurou-lhe o rosto. — Ele está zangado.
Thor não me faria mal.
Mas já a fez sofrer e muito — Joe murmurou, a voz séria. — Nos vemos amanhã?
Combinado.
Satisfeito, Joe deu um beijo na ponta de seu nariz e se foi. Andrea deitou a cabeça sobre a escrivaninha em busca de força. Não teria se levantado da cama, aquele dia, se soubesse os problemas que teria de enfrentar. O maior deles estava a sua espera na sala que pertencera a seu pai. Era a única que não dava diretamente para o depósito. Considerava-a um domínio particular de seu pai e nem sua morte iria modificar essa disposição.
Thor, ao contrário, parecia à vontade por trás da janela, observando a movimentação dos empregados.
E seu amigo ? Resolveu fazer o grande favor de sumir, finalmente?
Joe é meu amigo há anos. Precisa se referir a ele com ironia?
Ele está apaixonado por você.
Está preocupado comigo, o que é diferente. Eu também gosto muito dele.
Tanto que o tirou de cena assim que percebeu que eu estava disposto a lhe saltar sobre o pescoço.
De que adiantaria negar? Se tivesse pedido socorro a Joe, ele certamente levaria a pior.
Você não tem mais nenhum direito sobre mim, Thor. Esqueceu-se?
Não sei. De repente me invadiu um inexplicável desejo de posse.
Nós não somos mais noivos.
Mas eu ainda te quero.
As palavras de Thor a chocaram, ao mesmo tempo que lhe despertaram uma estranha excitação. Sempre soubera que Thor não era homem de meias palavras. A confissão, portanto, não deveria tê-la surpreendido. Não que isso fosse mudar alguma coisa. Se ele ainda a queria, era apenas pelo desafio que representava.
Temos negócios a discutir — ela declarou a fim de romper o magnetismo que se formara entre eles.
Muito bem. — Todo o brilho de desejo desapareceu dos olhos dele. — Você está nos explorando com seus preços altíssimos, e isso tem de acabar. Qualquer outro atacadista está em condições de fornecer mercadorias muito superiores a preços melhores.
Você perderia a conta Milano se recorresse a outros fornecedores.
Eu sei, mas estamos chegando ao ponto de abrir mão de nossos lucros para satisfazê-los. A diferença entre o que você nos cobra e o que estamos cobrando deles praticamente não existe. — Thor se deteve por um momento. — Por que está agindo assim? Por vingança? Mas, por quê, se foi você quem resolveu se descartar de mim?
Quero que saiba que não estou aumentando os preços propositalmente.
— Tente outra explicação, querida. Essa não convenceu.
O telefone tocou. Era demais para uma só pessoa.
Sr. Thomas? — A voz do outro lado da linha chegou a ferir seu ouvido. — Sim, eu recusei o milho do sr. Hartsworth.
— Silêncio, e, em seguida, um pequeno grito. — Não vou pagar por uma mercadoria estragada! E pare de tentar me chantagear!
Problemas? — Thor indagou assim que ela bateu o telefone.
Odeio aquele advogado.
Algum processo?
Não.
Um sorriso curvou os lábios de Thor. Estavam a apenas dois passos de distância e ele os deu. As mãos pousaram em seus ombros, fortes e maravilhosas.
Mentirosa — ele murmurou.
Não sou! Eu...
Nunca conseguiu olhar dentro dos meus olhos ao falar uma mentira.
Está tudo bem. Perfeito. — Ela ergueu os olhos até a altura do nariz de Thor.
Mais para cima — ele insistiu.
Foi só mirar aqueles olhos azuis e Andrea começou a gaguejar.
Não é a minha intenção explorar ninguém. Sinceramente.
Estou enfrentando alguns problemas com o fornecimento. Depois que meu pai morreu, os fazendeiros e intermediários passaram a me entregar apenas mercadorias de segunda. O maldito!
Hartsworth chegou a tentar me empurrar um lote de milho, bichado.
Você chamou a fiscalização?
Chamei. — Ela admitiu. A vontade que sentia de se aninhar nos braços de Thor estava assustando-a. — Eles ficaram do meu lado, é claro. Mas o problema é que, se eu passar a chamá-los com demasiada frequência, os fornecedores acabarão se recusando a me vender seus produtos.
E quanto aos preços?
O melhor era contar tudo de uma vez, já que começara.
Exorbitantes.
Acho difícil acreditar que seus fornecedores estão tentando tirá-la do negócio, Andrea.
Não são eles. — Andrea sorriu, amarga. — São os concorrentes. Eles são capazes dos truques mais sujos se isso significa aumento nos lucros. Além disso, acharam fácil me expulsar de campo, por eu ser mulher.
Thor se calou, e sua expressão se tornou pensativa.
Quer dizer que os custos estão nas estrelas, a qualidade caiu, e os negócios praticamente acabaram.
Sim.
Andrea o fitou, constrangida. O sangue teimava em subir-lhe ao rosto. Não poderia responder aquela pergunta. Se lhe contasse sobre as reclamações de Joe, Thor ficaria aborrecido, e não com ele, mas com ela. Pior ainda seria mencionar as alternativas que a levaria a solucionar seus problemas. Principalmente a venda da Constantine.
Você está me parecendo muito esquisita para quem não tem nada a esconder.
Ele veio me fazer uma visita. Sou uma velha amiga de sua família, você sabe. — Ela inventou a primeira desculpa que lhe veio à mente.
Não está olhando nos meus olhos, outra vez. Diga-me: a visita não foi pessoal, foi?
Eu...
Comercial. Excelente. A pergunta está respondida. Agora, seja mais específica.
Não foi nada que diga respeito a você.
Como não? Ele é meu cliente e você minha fornecedora. Seus problemas estão afetando meus negócios. Será que realmente o assunto não me diz respeito?
Droga de lógica! Por mais que tentasse escapar, Thor sempre vencia seus argumentos. Mas a respeito do empréstimo que seu pai fizera, e sobre a proposta de Jack Maxwell, ela morreria antes de falar..
Que morresse, então! Não seria capaz de esconder a verdade para sempre.
Você acertou. Joe e eu estávamos falando sobre negócios. Ele veio me pedir uma explicação sobre a baixa qualidade dos produtos. Contei a ele o mesmo que contei a você.
O que ele disse?
Também o mesmo que você.
Sei que falaram sobre outras coisas. Quais?
Como era possível que aquele homem adivinhasse tudo?, pensou, irritada.
Estou considerando seriamente a venda da empresa.
Não posso acreditar. As coisas não podem estar tão ruins.
— Ele apertou os lábios. — Não se trata de uma desculpa, Andrea, para você se ver livre desse tipo de trabalho?
Já que é tão inteligente, tente adivinhar.
É o que pretendo fazer. — Thor ergueu uma sobrancelha.
— Talvez você tenha trabalhado todos esses anos aqui, apenas para satisfazer seu pai. Agora que ele se foi, está livre para vender a companhia e viver de rendas.
Que ironia! De que rendas poderia viver, se o pai a deixara atolada em dívidas?
— Que mal há nisso? Não estaria fazendo nada de ilegal, estaria? O dinheiro, afinal, não foi feito para ser aproveitado?
Thòr balançou a cabeça.
Na opinião de alguns, sim, mas não na sua. Eu a conheço bem demais para engolir essa história. Estou a par, também, dos esforços que fez para manter a empresa em funcionamento, depois que seu pai faleceu. Sinto muito, Andrea, você não combina com a imagem de uma mercenária. Se está decidida a vender, ou é porque a carga está sendo demasiada, ou porque acredita que será melhor para a Constantine.
Só falta você me chamar de santa — Andrea retrucou.
Eu não iria tão longe. Você é orgulhosa e teimosa demais para ser uma santa. Medo de trabalhar, porém, você nunca sentiu.
E verdade.
O que significa que decidiu vender porque acredita ser o. melhor para que a empresa de seu pai continue existindo. .
O que quer que eu diga?
Bingo! Está tudo explicado. Que tal começarmos a pensar em uma outra saída para os seus problemas, que não a venda?
Eu agradeceria.
Só isso?
Perguntaria, também, sobre o tipo de vantagem que você levaria.
Eis a resposta: estaria protegendo minha clientela.
Só isso? — ela zombou.
E conservando a conta Milano.
Mais nada? — ela insistiu, cínica.
Você — ele sussurrou em seu ouvido.
Pode esquecer. — Andrea recuou. — Não faço parte da negociação.
Por que é sempre tão desconfiada?
Você me ensinou a ser assim.
Eu não. Foi seu pai. Foi ele quem sempre colocou os negócios em primeiro lugar, mesmo na frente de sua própria filha.
Andrea apertou os punhos. Desejaria poder negar aquela acusação.
Não se atreva a dizer mais nenhuma palavra contra meu pai! Não fosse ele, você não teria mais a conta Milano em suas mãos. Tornou-se por demais ambicioso!
Explique-se! — ele a desafiou.
Andrea se recusou a deixar-se intimidar pela fúria contida naqueles olhos. Buscou forças no ressentimento e na raiva acumulada durante os últimos doze meses.
Eu descobri tudo sobre a sua tentativa de convencer a Milano a desfazer o contrato com a Constantine e tratar diretamente com você. Como a tática não funcionou, não hesitou em procurar um outro caminho. Eu seria a arma perfeita. Nosso noivado certamente lhe facilitaria as coisas.
Você se esqueceu de um pequeno detalhe. Eu te queria e ainda te quero. Ainda não sei o que será preciso que eu faça para tê-la de volta, mas conseguirei o meu intento.
Nem pense nisso! Já fui usada uma vez e não pretendo repetir a experiência.
Veremos. — Thor se dirigiu à janela e examinou a área da expedição. — Precisamos resolver os seus problemas. Neste instante, os fornecedores da Constantine estão encarando-a como dinheiro fácil. Você tem razão. Eles não a respeitam porque é uma mulher desprotegida. Uma presa fácil.
Eles que pensem o que quiserem — Andrea grunhiu.
Os concorrentes estão ávidos para englobar a sua fatia no mercado. E a minha. Farão qualquer coisa para acabarem conosco.
Do jeito que fala, parece que também andou recebendo propostas.
Também. Mas sou ambicioso, conforme você disse. Não quero vender, mas aumentar meus negócios. E ainda quero você.
Desista.
Por quê? O nome Thorsen é respeitado no mercado. Nem os fazendeiros nem os intermediários ousariam me enviar mercadorias de baixa qualidade, muito menos deterioradas.
E que atitude tomaria, então, para impedir que a situação da Constantine continuasse neste estado lamentável? Telefonaria e diria que se tornassem a mandar milho bichado para Andrea Constantine, não negociaria mais com eles?
Quase isso. Eu diria que não tornassem a tentar trapacear com Andrea Thorsen , se não quisessem sofrer as consequências.
Você ficou maluco!
— Não duvido — Thor riu. — Mas que um casamento resolveria nossos problemas imediatos, você não pode negar.
Que adianta resolver um e criar milhares de outros? —Havia pânico na voz de Andrea. — Está decidido. Eu venderei a Constantine. Por pior que seja esta saída, ainda é mais razoável do que um casamento.
Não, não é. O novo proprietário poderia me excluir da conta Milano.
Não necessariamente — Andrea retrucou. Tinha certeza de que poderia convencer Jack Maxwell a renovar o contrato com os irmãos Thorsen. Bastaria que lhe explicasse as vantagens do acordo. Jack não lhe dificultaria as coisas.
Você não pode dar garantias em nome de outra pessoa. — Thor balançou a cabeça.
Infelizmente não — ela foi obrigada a concordar.
Se o novo proprietário preferir atender os restaurantes Milano em pessoa, não poderei fazer nada para impedi-lo. Vender não é uma boa opção, Andrea.
Andrea estava ciente disso. Se vendesse a empresa, seria reduzida quase à miséria.
Ninguém pagará o que a Constantine realmente vale, mas estou disposta a aceitar menos.
Menos da metade do valor?
O dinheiro era o que menos importava a Andrea mas gostava da empresa e perdê-la seria como perder mais um membro da família.
Você sempre me reprovou por meu excesso de orgulho. Quem sabe a perda da Constantine me sirva de lição salutar?
O problema é que eu não estou disposto a receber esse tipo de lição. Prefiro as outras, mais lucrativas. Torne-se uma Thorsen, Andrea, e reerga a Constantine junto comigo.
Os pensamentos desfilavam, acelerados, em sua mente1. Se aceitasse a proposta de Thor, além de salvar a empresa, teria meios de liquidar o empréstimo bancário. Mas, e se no final das contas, apesar de todo os esforços, ainda não lhe restasse outra alternativa exceto a venda?
Caso acabasse perdendo a empresa, Thor seria o maior prejudicado.
O ideal seria convencê-lo a ajudá-la sem que se casassem. Um homem como Thor Thorsen saberia lidar com os fornecedores. Dessa forma, tanto os Thorsens, os Milanos quanto ela, ficariam contentes. Thor alcançaria seu objetivo e não precisaria se expor a problemas financeiros que não eram dele. Poderia haver uma solução melhor?
Então? Qual é a sua resposta? — ele interrompeu seus devaneios.
Não sei.
A voz de Thor se tornou fria.
— Deixe-me ajudá-la a se decidir. Se preferir vender, em vez de se casar comigo, eu romperei meu contrato com a Constantine. Já calculou o prejuízo que isso acarretaria?
Ela engoliu em seco.
— Com toda a pressão que seus concorrentes vem exercendo, imagine o que aconteceria quando a notícia se espalhasse de que a Thorsen preferiu recorrer a um outro atacadista.
Quantos outros clientes não seguiriam o exemplo? E quanto passaria a valer a Constantine falida?
Os devaneios se tornaram um macabro pesadelo. Jack certamente não continuaria a mostrar interesse na compra da Constantine, se viesse a saber sobre suas dificuldades financeiras. Era só ele aguardar mais um pouco, e a conta Milano viria para suas mãos, sem que precisasse gastar um único centavo.
Você é um monstro!
Você já me disse isso a algum tempo atrás.
Trata-se de uma vingança, não é?
Acha que pode estar se vingando, o homem que enfrenta o fogo para salvar a donzela?
Então, qual é a razão?
Adivinhe e depois me dê uma resposta.
Até quando poderei pensar?
Não tenho muito tempo. Meus negócios vão de mal a pior e eu preciso reverter essa situação o mais breve possível. Se você decidir pela venda, quero ser o primeiro a saber, a fim de iniciar imediatamente o processo de rompimento do nosso contrato.
Você não pensa que isso significaria a perda da última esperança da Constantine?
Eu lhe propus uma alternativa.
Se... se eu concordar com o casamento, terá de ser em base permanente?
Também não sou altruísta a esse extremo — Thor zombou. — Em seis meses, talvez um ano, poderemos nos separar. Seria um divórcio amigável, onde você continuaria a usar meu nome e a gozar de minha proteção. Seus fornecedores e concorrentes não voltariam a tentar prejudicá-la.
Andrea se sentia incapaz de pensar. Ver Thor após uma longa separação, receber sua proposta de casamento, e também de divórcio, em questão de alguns minutos, fora o bastante para colocá-la fora de órbita.
— Preciso de um tempo.
Posso te dar quarenta e oito horas. Esgotado o prazo, entenderei que optou pela venda. Segundo o que rege o nosso contrato, a parte que resolver pelo seu rompimento, deverá informar a outra, por escrito, com uma antecedência de sete dias. A menos que aceite o meu pedido, portanto, o aviso estará em sua mesa nas primeiras horas da próxima quarta-feira.
Por que está fazendo isso comigo, Thor? — Andrea mordeu o lábio.
— Você não acreditaria se eu lhe contasse. Ela riu, embora estivesse triste.
Deve haver algo de diferente no ar, esta tarde. A sua foi a segunda proposta que recebi.
E a melhor. Milano não serve para o casamento. Adora demais as mulheres para se manter fiel a uma só.
— Que ironia do destino, não? Qualquer que seja a proposta que eu resolver aceitar, acabarei divorciada.
Thor não a contradisse.
Era tarde da noite quando Andrea subiu para o pequeno depósito, que ficava logo acima dos escritórios. Fechou a porta e apoiou-se contra ela, vencida pelo cansaço.
Após a morte do pai, colocara sua casa a venda assim como a maioria da mobília. Na semana anterior, conseguira encontrar um interessado e naquele dia recebera o cheque da venda, que usara integralmente na tentativa de diminuir seus débitos junto ao banco.
Tudo o que restara do lar, que dividira com o pai por quase vinte e sete anos, foram alguns objetos de uso pessoal e o aparelho telefónico. Poucas pessoas sabiam sobre a venda, mas a notícia logo seria de conhecimento público, quando tentassem lhe falar em casa, e o telefone não respondesse.
Um sótão não era o que poderia ser chamado de uma casa, mas teria de servir.
Acendeu a luz e foi saudada por uma centena de prismas que pareciam dançar sob o lustre, do qual não tivera coragem de se separar.
Abriu a pequena e única janela e debruçou-se sobre o parapeito. Estava calor demais. Ainda bem que, com o espaço reduzido, apenas um ventilador era suficiente.
Ferveu um pouco de água no fogão de uma boca e preparou uma xícara de café. Tirou dois ovos da geladeira portátil, fritou-os, e comeu-os com uma salada de legumes, que sobrara do dia anterior. Com um mercado de hortifruticultura dois andares abaixo, ao menos não morreria de fome.
O único inconveniente de seu novo alojamento era a necessidade de descer até o andar inferior, todas as vezes que quisesse usar o banheiro ou se abastecer de água. Mas, considerando-se que estava livre de aluguéis ou despesas, não podia reclamar.
Srta. Constantine?
Sim, Willie? — Andrea abriu rapidamente a porta e atendeu o guarda da noite que parecia ansioso ao pé da escada.
Passei para verificar se estava bem. Estarei lá embaixo se precisar de mim.
— Obrigada.
Com exceção do guarda, ninguém sabia a respeito do seu novo endereço. Ou ele dera com a língua nos dentes? Por alguma razão, seus empregados andavam muito protetores ultimamente. Se descobrissem que estava morando no sótão, começariam a se preocupar não apenas com sua segurança, mas com o motivo que a levara a vender a casa. Rumores sobre a posição financeira da Constantine seria muito prejudicial. Ninguém poderia descobrir seu segredo.
Você não anda comentando a meu respeito, não é, Willie?
Não disse nada a ninguém — ele garantiu.
Espero que continue cumprindo sua promessa.
E eu espero não me arrepender pela promessa que fiz. Cuidar de caixas de bananas e maçãs não é uma tarefa difícil. Agora, se alguém resolver invadir este lugar com uma arma...
E eu for atingida durante o seu turno?
Sim. — O homem suspirou. — Eu ficaria em má situação. Poderia até ser preso.
Ficarei aqui por pouco tempo, não se preocupe. Além disso, não pretendo levar um tiro.
Ainda bem. — O guarda se pôs a descer os degraus. — Não se esquecerá de trancar a porta?
Não, Willie.
Me chame se ouvir qualquer coisa de estranho. — Foi a última recomendação antes de ele desaparecer pelo prédio.
Andrea despertou na manhã seguinte com o quarto repleto de arcos-íris. O sol, que se refletia nos vidros dos prédios em frente ao seu quarto, atingia os prismas, dando ao local uma promessa de um amanhã melhor.
Sentou-se e abraçou as pernas, fascinada com o brilho e as cores que os pequenos pingentes exibiam sobre as paredes nuas. Traziam arcos-íris à sua vida sombria e a esperança de um milagre.
Expressavam, também, sua filosofia de vida.
Os arcos-íris tinham o poder de reforçar sua crença de que todos os problemas se resolveriam, por mais impossíveis que lhe parecessem no momento. Talvez levasse muito tempo, mas um dia tudo voltaria a ficar bem. A fé, como o brilho do sol através de um prisma, era o ingrediente mágico.
A realidade, infelizmente, também era um ingrediente. E um quarto repleto de arcos-íris significava que ela dormira demais. Vestiu-se em um segundo e se apressou a descer. Com sorte ninguém a veria até chegar ao escritório.
Ninguém a viu, exceto Marco, dez vendedores e mais ou menos uma dúzia de funcionários da expedição, que estiveram a sua procura por toda a manhã.
Onde estava escondida? — Marco se adiantou. — Seu carro está no estacionamento, e não a encontrávamos em lugar algum!
No sótão — ela respondeu, ciente de que merecia uma reprimenda do homem que a conhecia desde criança. — Por que está tão nervoso? O que aconteceu?
Os fornecedores estão nos boicotando.
Andrea fechou os olhos. Hartsworth e o crápula do seu advogado haviam cumprido o prometido. O que ela não daria ! para poder trancar os dois, por uma semana, dentro de um cubículo e lhes oferecer, como alimento, todo o lote de milho bichado!
— Em que sentido?
Já recebemos três ligações. Acho que todos os fazendeiros ficaram sabendo sobre a história do não-pagamento.
Estão exigindo pagamento mediante o pedido.
Que beleza! Eles recebem e mandam o que tiverem de pior no estoque. Quando a mercadoria chega, não serve nem de alimento aos porcos!
Marco hesitou diante da fúria com que a patroa recebeu a notícia. Sua expressão revelava a tristeza que sentia perante a situação.
Não creio que tenhamos escolha. De minha parte, gostaria de dizer umas boas verdades para aquela gente, só que precisamos de seus produtos. Se as entregas pararem, não teremos o que comercializar.
Podemos comprar de outros fornecedores.
Não foi o que eu ouvi dos intermediários. Parece que seu amigo Hartsworth nos colocou uma corda ao redor do pescoço.
E puxou-a — Andrea resmungou. — O que faremos, Marco?Você é a chefe.
Falarei com eles pessoalmente. Quem sabe consiga alguma coisa. Nosso estoque ainda dura por quantos dias?
Dois. Oh, Joe Milano também a procurou. Disse que voltaria mais tarde ou então lhe telefonaria.
Andrea não deu importância ao último recado. Não tinha tempo para pensar em Joe. Os negócios estavam em primeiro lugar. Ou melhor, sua sobrevivência nos negócios. Dirigiu-se ao seu escritório e discou um número. Com um pouco de sorte, acabaria resolvendo os problemas.
Seis horas depois, teve a certeza de que não poderia contar com o fator sorte. Naquele espaço de tempo, aliás, aprendera o significado total de palavras como "pânico completo e absoluto".
Em um momento de raiva jogou no chão tudo o que estava sobre sua mesa: papéis, contas, faturas e envelopes.
Se quisesse continuar recebendo mercadorias, ou teria de pagar adiantado, ou então recorrer a Thor Thorsen, com o rabo entre as pernas.
Durante toda a sua vida, vivera com um homem que colocava os negócios em primeiro lugar, como Thor fizera questão de lembrá-la. Não que seu pai tivesse sido relapso. Amara-a a seu modo.
Quando ela descobriu, porém, que nunca conseguiria competir com a Constantine, decidiu trabalhar a seu lado e partilhar de suas emoções a um nível que ele poderia entender. Sua disposição, porém, não adiantou muito, pois Nick nunca viu com bons olhos a participação de mulheres nos negócios. Que essa mulher fosse sua própria e única filha, não vinha ao caso.
A mágoa a fez jurar que jamais se casaria com um homem que pensasse como o pai.
O juramento persistiu até o dia em que conheceu Thor. Apaixonou-se por ele a primeira vista e acreditou que fosse diferente de Nick. Acreditou que Thor a amasse ao menos um pouquinho mais do que a sua empresa. Acreditou que, enfim, seria a primeira em importância na vida de alguém.
A descoberta da verdade foi dolorosa, apesar de prevista. Logo após o noivado, chegou ao conhecimento de Andrea que Thor lhe propusera casamento apenas para conseguir vantagens em sua negociação pela conta Milano. A aliança foi devolvida. Seria por demais irónico se, depois de tudo pelo que passara e prometera, acabasse sendo obrigada a concordar em se casar com um homem que também colocasse os negócios antes do amor. Como Thor deveria estar rindo!
Mas não diziam que quem ri por último ri melhor? Andrea endireitou os ombros. Por que o ditado não iria funcionar com ela, também? Através do casamento, poderia salvar a Cons-tantine e saldar sua dívida com o banco. Sim. Aceitaria a proposta e venceria Thor em seu próprio jogo.'
Às nove horas daquela noite, a escuridão envolvia todo o depósito da Thorsen, que ficava no centro de Seattle. Os dois andares acima do mercado também pareciam desertos. Apenas uma sala estava acesa. O escritório de Thor.
O vigia noturno introduziu Andrea no prédio. Embora ela tivesse subido apenas dois andares, seus pulmões clamavam por ar. Subir dois lances de escada normalmente não a teriam feito sequer respirar mais depressa, quanto mais acelerar seu coração. Passou as mãos pelos cabelos curtos e sentiu-as trémulas.
Estava apavorada. Queria chorar e gritar. Afinal qualquer mulher que estivesse prestes a se atirar aos pés de um homem, implorando por misericórdia, se sentiria da mesma forma. Não era um pecado.
Fez uma pausa e mordeu o lábio. Talvez não tivesse de implorar. Talvez, em vez de se atirar aos seus pés, ele preferisse recebê-la em seus braços. Gentilmente.
Com essa disposição em mente, Andrea se pôs a caminho do escritório. O corredor era longo e a porta estava aberta. Podia vê-lo, do ponto onde se encontrava. Ele estava sentado atrás da escrivaninha, a cabeça curvada sobre alguns papéis. A coragem lhe faltou. Não poderia enfrentar Thor ainda. O melhor seria recuar antes que ele a visse.
Andrea? Tarde demais.
Você está ocupado. Eu voltarei uma outra hora. Thor alcançou-a no momento em que tropeçou ao dar um passo para trás.
Venha comigo, medrosa. Não vai desistir depois de ter percorrido todo o caminho. — Ele lhe estendeu a mão.
O calor que a arrebatou era ao mesmo tempo tão intenso e tão relaxante que sua resistência caiu por terra.
Puxou-a para tão perto de si que bastaria um gesto para que seus corpos se tocassem. Não havia como negar. Ela sentira muita falta dos braços de Thor em torno de sua cintura, da ternura e da força com que a submetia e ao mesmo tempo protegia.
Havia um tom de riso em sua voz quando lhe perguntou:
— Então, a que devo a hora?
Talvez suplicar não fosse tio difícil, Andrea tentou se convencer. Nem se prostrar aos pés dele.
Vim aqui para su... — A palavra morreu em sua garganta.
Su o quê? — ele zombou.
A palavra se recusava a ser pronunciada.
— Não vai me dizer? — Thor insistiu.
Céus, ele conhecia a razão de sua presença. Por que, diabos, não facilitava as coisas?
— Eu vim... eu vim para me certificar de que você realmente tem condições de cumprir o que prometeu. — Andrea ergueu o queixo, desafiadora. Não era da sua natureza implorar, nem se prostrar aos pés de ninguém. — Disse que me ajudaria a resolver meus problemas, caso eu me casasse com você. Quero provas, Thor. Só me casarei com você, se puder me provar que tem condições para fazer o que disse.
O sorriso se tornou sardónico.
— Sim, é claro. Provas.
Andrea foi obrigada a suportar um silêncio carregado de tensão, por dois minutos inteiros. Já estava a beira de explodir de nervosismo, quando Thor voltou a lhe falar.
— Conte-me qual é o seu problema. Eu terei prazer em resolvê-lo.
Um inseto não teria se sentido tão desprezível quanto Andrea naquele momento.
Com um profundo suspiro e um mínimo de palavras, colocou-o a par de cada detalhe de sua situação com o sr. Harts-Worth e seu advogado, e com todos os demais fazendeiros de quem costumava comprar.
— Como vê, haverá muito trabalho pela frente — Andrea
comentou a título de conclusão —, mas nada que possa ser iniciado ainda esta noite.
— Não? — Thor levantou o fone do gancho. — Espere e verá.
O primeiro a ser chamado foi o advogado dele próprio. Após incumbi-lo de uma série de tarefas, discou o número de Thomas, o advogado do fazendeiro. Ela não fazia ideia de como aquele homem, a sua frente, tivera condições de descobrir o número da casa de seu inimigo, mas não lhe passava pela cabeça perguntar. O mais provável era que já estivesse preparado. Considerando-se a posição desesperadora em que ela se encontrava, sua chegada, mesmo àquela hora da noite, não deveria tê-lo surpreendido.
— Fala Thor Thorsen — ele se anunciou. — Exatamente. Da Produtos Thorsen. Soube que está havendo um conflito entre o seu cliente, sr. Hartsworth, e minha noiva, Andrea Constantine. — Fez-se um breve silêncio, — Sua reclamação parece interessante, mas não confere com o relatório fornecido pela fiscalização federal. Por essa razão, estou informando-o de que meu advogado estará abrindo um processo contra o seu cliente, amanhã, às primeiras horas.
Thor afastou o telefone do ouvido e sorriu para Andrea. Depois de cinco minutos, quando a voz se acalmou do outro lado, ele tornou a falar.
— Não, quem deve me ouvir é o senhor. Estou disposto a cancelar a ordem de abertura de processo, caso seu cliente cumpra minha exigência. Quero um outro caminhão carregado de milho, estacionado diante da Constantine, no prazo de vinte e quatro horas. Isso feito, o pagamento será imediatamente realizado através de um cheque visado. Qual é a sua resposta? — Thor piscou para ela. — Foi o que imaginei. Até logo. Foi um prazer negociar com o senhor.
Está tudo resolvido? — Andrea arregalou os olhos. —Thomas concordou com a sua proposta?
Lógico.
Não dava para acreditar. Thor resolvera seu problema com um estalar de dedos. Por que fora tão difícil para ela? A resposta era simples. Não estava preparada para dirigir e administrar um negócio. Todas as suas súplicas e ameaças não surtiram efeito algum diante dos fornecedores. Uma palavra de Thor Thorsen, no entanto, fora o suficiente para dobrá-los.
O abençoado milho estaria novamente presente em seu estoque, como um passe de mágica. Os fazendeiros brigariam entre si para serem os seus principais fornecedores. A qualidade melhoraria indubitavelmente. Por que, então, as perspectivas tão brilhantes lhe deixavam um sabor amargo na boca?
Você não me parece muito satisfeita — Thor observou.
Não estou mesmo — ela admitiu. — Estou grata a você, mas não satisfeita comigo. Eu não deveria necessitar da interferência de um homem para cuidar da empresa que meu pai me deixou.
— Se a realidade a aborrece tanto, por que não desiste do negócio.
- Não posso, lembra-se? Se eu tentar vender a Constantine, você provocará sua falência. Ele deu de ombros.
Do jeito que as coisas estão caminhando, a falência aconteceria a qualquer momento.
Não se você não forçasse a barra!
Encare os fatos. Não poderá vencer sozinha. — A expressão de indiferença desapareceu do rosto de Thor. — Você sempre gostou de trabalhar na empresa. Vai permitir que um bando de idiotas inescrupulosos a expulsem do que é seu? Você precisa de malícia, Andrea. Se usar contra eles as mesmas armas que apontarem para você, sua chance de ganhar aumentará em dobro.
Andrea sabia que estava perdendo terreno. Dissera a Thor que se casaria com ele, caso conseguisse resolver o problema com o sr. Hartsworth. Uma promessa era uma dívida, e ela a honraria. Antes, porém, discutiria os termos de sua rendição.
— Concordo que preciso da sua ajuda.
— Folgo em ouvir — ele respondeu, seco.
— Ainda insiste em nos casarmos? — Sim.
Concorda em fazermos um acordo pré-nupcial sobre a não-fusão de nossas empresas?
Concordo. Também prefiro que seja assim. Está bem. Eu me casarei com você. O brilho que se acendeu nos olhos dele a fez pestanejar.
Era o brilho da vitória. Thor não poderia estar mais satisfeito. Dobrara-lhe a vontade, afinal. Teriam um casamento baseado em interesses comerciais e sexo, sem amor. A perspectiva não poderia lhe parecer mais triste.
— Não era sem tempo — ele murmurou, um tanto rouco.
— Quero estabelecer uma condição, porém. Nos divorciaremos em três meses.
Ele se levantou e se aproximou dela.
— Seis, no mínimo. Antes desse prazo não terei condições de equilibrar o orçamento da Constantine.
— Seis, então. O casamento será realizado em dois meses a partir de hoje.
— Nos casaremos daqui a quatro semanas.
— Não poderei me preparar em tão pouco tempo! — Andrea protestou.
— Eu cuidarei dos preparativos.
— Quero uma cerimónia íntima — Andrea declarou.
E eu uma cerimónia grandiosa e solene, em minha igreja. O objetivo principal será que a notícia se espalhe por todos os canais de comunicação. Você não terá com o que se preocupar. Bastará que apareça no altar, na hora marcada. Mais alguma condição?
Não quero morar na mesma casa que você. Afinal, nosso casamento será de pura conveniência.
Prefiro deixar esta questão em aberto para futuras negociações. Mais alguma coisa?
Eu... Nós... Nós não dormiremos juntos.
Impossível. Quero, inclusive, começar a treinar para isso agora mesmo.
Thor enlaçou-a pela cintura com uma mão, enquanto a outra deslizou por suas costas, até chegar à nuca. Seus dedos penetraram por entre as mechas curtas e onduladas de seus cabelos.
— Esperei muito por isto — ele sussurrou, a boca se fechando sobre os lábios de Andrea.
Uma parte dela enrijeceu na tentativa desesperada de afastá-lo. A outra, mais próxima ao coração, desejou se entregar às sensações que ele despertava.
Era impossível resistir ao impacto dos beijos de Thor.
Mais tarde, naquela mesma noite, Andrea se a refletir sobre as mudanças que haviam ocorrido em sua vida, no espaço de tão poucos dias.
Fora forçada a ceder em uma série de exigências. A primeira, sobre a duração do casamento. A desculpa de Thor foi razoável, mas não implicava que lhe daria poderes para ditar todos os demais procedimentos de sua vida em comum.
Sentia-se estremecer só em pensar no beijos que haviam acabado de trocar. Não podia permitir que Thor a controlasse também ao nível físico. Precisava encontrar um jeito de se proteger daquele homem.
Ele teria de prometer que não a tocaria. E isso incluiria beijos e abraços.
Mais aliviada após chegar a essa decisão, Andrea se deitou. Fechou os olhos e uma dúvida começou a tamborilar em sua mente. Por que Thor não insistira em que morassem juntos? Por que aceitara deixar a discussão a esse respeito, para o futuro? E por que ela estava se sentindo tão insultada com o comportamento dele?
As duas semanas seguintes passaram rápido. O dia do casamento se aproximava, deixando-a com os nervos em frangalhos. Joe Milano não tornou a procurá-la, o que lhe dava um certo alívio. Ou ele não ficara sabendo sobre o seu noivado, o que seria bastante improvável dado o tamanho do anúncio que Thor mandara publicar no jornal, ou ele preferira optar pela discrição.
Uma terceira hipótese talvez fosse a mais correta. César o proibira de procurá-la. Afinal o filho poderia ser julgado mais uma vez culpado pelo rompimento de seu noivado, caso isso acontecesse.
O telefone tocou.
— Andrea? Fala Sônia Thorsen.
— Olá, sra. Thorsen — Andrea respondeu, tensa. Por que razão a mãe de Thor estaria ligando?
— Por favor, me chame de Sônia. Eu gostaria de conversar com você sobre os preparativos para o casamento, se estiver disponível.
Oh, sim, é claro. Havia me esquecido. — Andrea quis se afundar no chão. Que falta de diplomacia a sua, falar daquele jeito com a futura sogra.
Estou surpresa com sua calma diante da grandiosidade que será seu casamento. — Sônia riu. — Queria agradecer pela confiança que depositou em mim. Já tomei quase todas as providências para a cerimónia, mas restam alguns detalhes que eu gostaria de discutir com você. Poderíamos almoçar juntas amanhã?
Andrea precisava consultar sua agenda, mas não conseguia encontrá-la sobre a mesa repleta de papéis. Da última vez que a vira, estava sob o telefone.
Sem saber a que atribuir o silêncio prolongado, Sônia hesitou.
Não estaremos sozinhas. Jordan se ofereceu para nos ajudar.
Será um prazer encontrá-las. O único problema é que ainda não encontrei minha agenda nesta confusão que está minha mesa. Desculpe.
Evidentemente aliviada, Sônia riu.
— Nunca vi uma noiva que não estivesse um pouco perdida nas vésperas do casamento.
Encontrada a agenda, Andrea decidiu que cancelaria qualquer compromisso, caso tivesse algum, para poder almoçar com a futura sogra "temporária".
Amanhã? Está ótimo. A que horas?
Uma hora estaria bem?
Perfeito.
Até amanhã, querida. Estou muito feliz que você e Thor tenham reatado. Nunca vi outro casal mais bonito.
Oh, Deus, o que diria para a mãe inocente em toda aquela história?
Obrigada.
Bem, você deve estar muito ocupada, e eu não quero atrapalhar seu serviço. Amanhã conversaremos, filha.
Filha, que palavra mais agradável de se ouvir, Andrea cogitou, emocionada.
Depois de desligar, ficou um longo tempo olhando para o telefone. O que a mãe de Thor quisera dizer com a "grandiosidade" do casamento? O que Thor andava tramando?
Furiosa, discou para ele, ignorando completamente seu cumprimento gentil.
O que está havendo? — indagou, ríspida.
Dormiu descoberta esta noite, querida? — ele caçoou.
Não me chame de querida. Sua mãe acabou de me ligar. Está agindo como se o nosso casamento fosse de verdade.
Mas ele será.
Você sabe o que eu quis dizer. Ela me convidou para um almoço.
— Não! Como ela se atreveu a propor uma coisa dessas à futura nora?
— Pare de brincar e ouça! Você a previniu sobre o nosso acordo de divórcio?
Achei que não ficaria bem anunciar nosso casamento e nosso divórcio ao mesmo tempo.
Não quero que sua família seja enganada — Andrea esbravejou.
— Ela não está sendo enganada.
Quero que saiba que estamos nos casando por razões comerciais.
Você está, não eu.
A resposta a deixou petrificada.
Como assim? Por que motivo, então, você está se casando comigo?
Ainda não adivinhou?
Aparentemente não. Poderia me esclarecer?
Pedido negado. Quanto à minha família, não lhes direi nada por enquanto. Conte você, se quiser.
— Não se importaria?
— Eu não teria feito a sugestão caso me importasse, não acha? Sinta-se livre para fazer o que sua consciência mandar.
Fez-se uma pequena pausa.
— Você tem mais alguma coisa para me dizer? — Thor indagou, de repente. — Estou com uma série de assuntos para resolver.
— Não, nada. — Andrea desligou, ofendida e zangada consigo mesma. Thor não deveria exercer mais nenhum tipo de influência sobre ela.
Quinze segundos depois, o telefone voltou a tocar.
— Você não se despediu. Eu nunca estarei tão ocupado para você, que não possa lhe mandar um beijo.
Até logo, sr. Thorsen. — Andrea sentiu um sorriso aflorar aos lábios.
Tchau, querida. Gostaria de estar com você, agora, beijando-a.
Antes que Andrea recuperasse o fôlego para responder, Thor havia desligado. Seu rosto devia estar vermelho. Fechou os olhos e suspirou. Não queria se apaixonar outra vez por aquele homem.
No dia seguinte, à uma hora em ponto, Andrea estacionou diante da casa dos Thorsens. Sempre a encantara a imensidão e beleza da propriedade. Construída sobre o topo de uma colina, a casa tinha uma vista magnífica de Puget Sound.
Desceu do carro e aspirou o ar refrescante enquanto admirava a glória das Montanhas Olímpicas. Era uma pena que não houvesse tempo para se demorar na contemplação. Atravessou o pátio com passos rápidos e estava prestes a subir os degraus da varanda, quando notou a presença de Jordan.
— Eu estava ansiosa demais para aguardar lá dentro — admitiu a cunhada de Thor, uma morena baixinha e simpática. — Jamais imaginei que um dia vocês resolvessem voltar.
A sensação de culpa fez Andrea encolher os ombros. Já deveria ter explicado à melhor amiga as verdadeiras razões de seu casamento. Jordan e ela se conheciam desde crianças. Seus pais, inclusive, haviam feito diversos negócios juntos. Fora depois que os Thorsens compraram a pequena empresa do pai de Jordan, e que ela se casara com o irmão de Thor que a amizade esfriara um pouco. Da parte dela, Andrea lembrou, e não da amiga.
Andrea se dispôs a contar tudo. Não esperava, porém, pelo abraço caloroso.
Oh, quase nem consigo chegar perto de você, do tamanho que estou — Jordan exclamou, radiante, em seu adiantado estado de gravidez.
Sobre o casamento...
Teremos muito tempo para conversar depois do almoço. Venha ver os pratos deliciosos que Sônia preparou. Alaric está ansioso por revê-la. Ele sempre gostou muito de você.
Talvez fosse melhor não tocar no assunto sobre o divórcio, afinal. Não queria correr o risco de se precipitar.
O almoço foi mais agradável do que esperara. Havia se esquecido do quanto gostava dos pais de Thor. Tanto Sônia quanto Alaric eram donos de um senso de humor invejável, ambos fazendo-a rir do início ao fim da refeição.
Terminado o almoço, Sônia e Jordan pediram licença para lavarem a louça. Embora Andrea quisesse ajudar, ambas insistiram em que fizesse companhia ao pai de Thor.
Não pensei que meu filho fosse conseguir fisgá-la outra vez.
Não foi muito fácil. — Andrea sorriu, pouco à vontade.
— Melhor. Assim ele aprenderá a dar maior valor a você.
Alaric apertou as mãos sobre as rodas da cadeira que usava.
Se minhas pernas fossem fortes, eu teria dado um pontapé no traseiro dele, quando a deixou escapar.
Acha que teria adiantado?
Não. Thor é o homem mais teimoso que já conheci.
Eu ainda não havia percebido — Andrea murmurou. Um instante depois os dois começaram a rir.
Será bom para Thor ter uma esposa com senso de humor. -— Concordo plenamente — Sônia afirmou, entrando na sala ao lado de Jordan. — Quanto mais cedo eles se casarem, melhor. Venha conosco, Andrea. Quero lhe mostrar algo.
Sônia subiu as escadas e abriu a porta do quarto de hóspedes. Sobre a cama havia um lindo traje norueguês. Sobre a saia verde e o corpete branco, havia um avental de renda vermelha, branca, verde e dourada.
—É lindo! — Andrea exclamou.
—Chama-se bunad. Três gerações de mulheres de minha família casaram-se com esta roupa. Eu ficaria honrada se você também a usasse, Andrea.
— Eu não posso! — respondeu, sem pensar. Em sua opinião seria quase um sacrilégio usar algo tão tradicional. Mas, como explicar isso à mãe de Thor?
— Oh, Andrea, Thor ficaria maravilhado ao vê-la.
— Um casamento em moldes tradicionais requer um vestido também tradicional — Jordan interveio. — Use-o, Andrea. Ficará linda. Eu, que tanto gostaria de ter me casado com ele não pude, devido a minha pouca altura.
Como recusar?
— Adorarei me casar com ele — Andrea respondeu. —Obrigada.
— Agora só falta uma providência para a cerimónia —Jordan piscou. — Você sabe andar a cavalo?
O que isso tem a ver com o casamento? — Andrea estranhou.
Thor não lhe contou? — Sônia quis saber, horrorizada. — Ele quer que o casamento seja ao estilo norueguês, tradicional do campo. A procissão até a igreja será feita a cavalo e a celebração durará três dias.
Andrea sentiu que empalidecia.
Vocês não estão entendendo. — Lágrimas de amargura inundaram seus olhos castanhos. — Não será um casamento de verdade. Trata-se de um acordo comercial. Se Thor decidiu por uma cerimonia grandiosa, foi apenas para impressionar meus concorrentes, isto é, da Constantine. Nós não nos amamos.
Histerismos de noiva! — Sônia e Jordan olharam uma para a outra e riram.
Por mais que Andrea tentasse negar, as duas não queriam ouvir. O mais razoável seria desistir de tentar convencê-las, ao menos por enquanto. Que as ilusões durassem enquanto fosse possível.
— Nós cuidaremos de tudo. Não queremos que se preocupe com nada. — As duas continuavam sorrindo.
Andrea caminhou como um autómato para fora do quarto.
Por que Thor se dera a tanto trabalho e despesa? Nada fazia sentido.
Dois dias antes do casamento, Joe apareceu no escritório de Andrea, zangado como nunca o vira.
Estou devolvendo o que nos enviou. — Ele atirou um envelope em cima de sua mesa.
O que é isso?
Dinheiro — respondeu, ofendido. — Por que tomou essa atitude?
Para reembolsá-lo pelo prejuízo que teve.
Sei que não foi sua intenção insultar-nos, mas foi assim que nos sentimos. Desculpe.
Tudo bem. Eu não teria sossego se tivesse deixado o problema passar, sem fazer alguma coisa. Afinal, vocês puderam aproveitar a mercadoria que lhes vendi através de Thor?
Para dizer a verdade, não.
— Então, por favor, aceite o envelope.
Embora ainda hesitasse, Joe acabou aceitando.
Falta pouco para você se casar com Thor. Por que não preferiu se casar comigo?
Porque estaríamos nos engalfinhando antes que a lua-de-mel terminasse.
Mas enquanto a lua-de-mel durasse, teria sido maravilhoso... — Joe suspirou.
Você tem mais algum assunto a tratar? — Andrea perguntou em tom profissional a fim de interromper aquela linhade conversa.
Gostaria que me perdoasse por ter sido o causador da separação entre você e Thor, da última vez. Se ele souber, poderá querer se vingar de mim.
Meus lábios estão selados.
Acho que ele nem precisa saber que estive aqui hoje. Vocês estão para se casar e uma esposa não deve ter segredos para com o marido. Mas, para minha própria segurança, seria bom que não lhe contasse nunca.
O que é que Andrea não deve me contar? — Thor indagou, da porta.
Joe quase caiu da cadeira.
— Foi um prazer revê-la, cara . Feliz casamento!
Assim que Joe os deixou, Thor fechou a porta com um estrondo.
— Por que eu não deveria saber sobre este encontro? Andrea desejaria contar toda a verdade, mas a promessa que fizera ao amigo a impedia. Poderia inventar qualquer coisa, mas Thor sempre sabia quando ela estava mentindo.
— Não seria por que ele foi o culpado de nossa separação no passado, e por que sabe que eu o mataria, caso tentasse o mesmo outra vez?
Andrea ficou perplexa. Thor sabia. Ele sempre soubera. Azar para Joe, mas sorte para ela.
Quando Joe me contou os detalhes de seu acordo com a Milano, não imaginava que provocaria o rompimento do nosso noivado. Era até a favor do nosso casamento.
Como seu eu pudesse acreditar!
E verdade. Ele achava que nosso casamento seria muito prático. Eu é que não estava interessada em me casar por esse tipo de razão.
Agora está?
— Aceitei sua proposta, não aceitei? — ela o encarou, magoada. — Do jeito que fala, parece que foi você o enganado, não eu. Acreditava que você me amava. Vivia feliz no paraíso dos tolos. E seu único objetivo era agradar meu pai para que ele fosse favorável a você durante as negociações. É capaz de negar?
— Sou. Neguei essa acusação no passado e continuo negando-a hoje. Como é possível que você realmente acredite que eu precisaria de você para conseguir um contrato com Nick e os Milanos? Eu tenho capacidade, Andrea. Não tenho medo do trabalho. Nick precisava mais de mim do que eu dele. Era ele quem teria vantagens em me ter como genro.
Andrea se levantou de um salto.
Mentira! Não jogue a culpa em quem não pode se de fender! Meu pai jamais teria usado sua única filha por causa de negócios!
E por que tem tanta certeza de que eu a usei?
Porque foi você quem tentou convencer a Milano a romper o contrato com a Constantine a fim de negociar diretamente com eles. Como essa manobra não funcionou, recorreu a mim como a segunda melhor opção. Thor ficou tão tenso que suas mandíbulas enrijeceram.
A verdade — Andrea prosseguiu — é que você não estaria se casando comigo, caso eu não tivesse a conta Milano em minhas mãos. Negue isto, também, se for capaz.
Não posso — Thor admitiu —, mas lastimo que seja assim.
Por mais que tentasse se convencer de que nada sentia por Thor, Andrea sentiu os olhos marejados.de lágrimas. Doía ouvir de um homem, que estava prestes a se tornar seu marido, que iria se casar apenas por interesse.
Thor deu a volta à mesa e segurou-lhe o rosto, apesar de sua resistência.
Tanta mágoa. Tanta dor. Seu pai e eu somos os culpados.
Você é o culpado. Só você. — Andrea balançou a cabeça.
De uma certa forma você tem razão. — Thor secou-lhe as lágrimas. — A empresa era o que eu considerava a parte mais importante de minha vida, naquela época.
Nada mudou. Está se casando comigo porque se sente ameaçado pela Milano e faria qualquer coisa para preservá-la.
Um casamento não seria uma solução demasiado drástica?
— Por que seria, se você já optou por ela antes? Thor segurou-a pelos ombros e fechou os olhos.
E quanto a você? — Suas mãos agora apertavam delicadamente sua nuca e subiam por entre seus cabelos.
Eu não tenho escolha. — Andrea prendeu o fôlego. —Se eu não me casar com você, não receberei sua ajuda.
— Seus negócios em primeiro lugar, você quer dizer. — As mãos a soltaram.
Não eram seus negócios, mas de seu pai. Havia uma sutil diferença, embora ela não esperasse que Thor fosse entender.
Se fosse a única a ser afetada por sua má administração, já teria desistido de lutar, e tomado um outro rumo. Porém, o futuro da Constantine, a empresa que seu pai criara do nada e que significara sua vida, dependia de escolhas certas.
Sim. A Constantine vem em primeiro lugar para mim, sim como a Thorsen vem em primeiro lugar para você.
— Seus olhos estão sempre traindo-a — Thor murmurou, — Sei que ainda me quer.
No momento seguinte, ele estava beijando-a, longa e possessivamente.
Deveria empurrá-lo, Andrea cogitou, os braços se erguendo em direção ao pescoço de Thor, como se tivessem vida própria Deveria protestar. Seus dedos tocaram, ávidos, os cabelos doiil rados. Ao menos não deveria estar gostando tanto de tocá-M e de ser tocada.
Foi esse o último pensamento de que teve consciência ann de se perder entre aqueles braços fortes como tentáculos.
— Faz parte de nossa tradição norueguesa, os pais oferecerem um jantar aos noivos e aos familiares mais chegados, como despedida de solteiros. Pediram, dessa forma, que eu a convidasse, em nome deles, para que viesse a nossa casa, amanhã a noite. E, para que não passe sozinha sua última noite de solteira, prepararam um quarto para hospedá-la.
O protesto automático morreu em seus lábios. O convite era amável e ela se sentiu feliz em recebê-lo. A perspectiva de passar em completa solidão sua última noite de solteira não lhe era bem-vinda.
Diga-lhes que irei com muito prazer. Oh, a propósito sua mãe e Jordan me contaram detalhes bastante esclarecedora sobre a cerimónia que planejou. Não imagine como foi difícil arranjar tempo para aulas de equitação.
Eu disse a você que queria impressionar seus fornecedores e concorrentes.
Não era preciso exagerar.
Será uma cerimónia que ninguém conseguirá esquecer.
Você deve ter gasto uma fortuna.
Não se preocupe com isso. Preocupe-se apenas em ficar bem bonita e não se atrasar para a cerimónia. Bem, agora preciso ir. Vejo-a amanhã, no jantar. Até lá, tente se comportar.
Ficando longe de Joe, por exemplo? Thor sorriu e lhe deu mais um beijo.
Andrea Thorsen. Gosto da combinação.
Ao se ver sozinha, Andrea levou a mão aos lábios. Ea assustador. Ela também estava gostando muito da combinação.
Andrea estava de pé, junto à janela do quarto, admirando os primeiros raios da aurora iluminaram o céu de agosto. Reflexos violáceos tingiam as águas calmas de Puget Sound para depois subirem até os altos picos das Montanhas Olímpicas. O dia do seu casamento prometia ser claro e límpido, o que era um alento, considerando-se o tempo quase sempre imprevisível da cidade onde morava. Uma leve batida interrompeu seus pensamentos.
— Percebi que estava acordada e lhe trouxe o café. Não conseguiu dormir? — Jordan entrou com uma bandeja.
Andrea se apressou a depositá-la sobre a penteadeira. Estava morrendo de fome em consequência da falta de apetite durante o jantar da noite anterior. Sua despedida de solteira.
Não dormi um único momento. Não imagina a ideia maravilhosa que teve.
Amigas são para essas coisas. Sinta o aroma desses pãezinhos com geléia. Acabaram de sair do forno. Acho que Sônia também não conseguiu dormir. Ela já estava com os pãezinhos prontos, quando fui à cozinha.
— Por que será que não subiu com você para nos acompanhar no desjejum? — Andrea indagou, preocupada.
— Ela achou que você desejaria um pouco de privacidade, apôs o "cerimonial" de ontem. Sônia é uma pessoa incrível e uma sogra muito diplomática, você logo perceberá.
Concordo. Ela realmente se portou de maneira bastante diplomática durante as discussões.
— Brigas, querida. Verdadeiras batalhas. Não precisa tentar contrar palavras amenas para descrever o ocorrido. Como você, eu estranhei muito esse tipo de comportamento entre irmãos e parentes nos primeiros tempos. Levei mais ou menos seis meses para chegar à conclusão de que confusões, como as de ontem, devem ser normais em famílias grandes. Você teve sorte. Descobriu isso logo no primeiro dia.
A família Thorsen é realmente enorme — Andrea assentiu. — Quantos são?
Oitenta e três, fora mais alguém que está para nascer. —Jordan tocou o ventre.
Andrea largou a xícara e levou ambas as mãos aos olhos.
O que está havendo com você, Andrea? — Jordan perguntou, após estudar a amiga por um momento.
Sinto-me péssima. O que todos irão pensar quando Thor e eu nos divorciarmos? Tanta atenção, tantos votos de felicidade, tantos presentes...
De quem foi a ideia quanto ao tipo de cerimónia? —Jordan não resistiu à curiosidade.
De Thor, é claro.
Por que razão acha que ele optou por um casamento faustoso?
Para que a notícia se espalhasse por entre todos aqueles que tentaram me prejudicar. Thor queria que meus concorrentes e fornecedores começassem a pensar duas vezes, a partir de agora, antes de tentarem trapacear comigo. Com a proteção dos Thorsens, eu...
Caia na real, Andrea — Jordan a interrompeu, de repente.
— Um casamento simples, mas com um anúncio formal e alguns telefonemas, teria funcionado da mesma forma, não acha?
Sim, mas Thor me disse que o impacto não teria sido tão grande.
E você acreditou?
Por que não deveria?
A desculpa me parece esfarrapada.
Andrea franziu o cenho. Ela também tivera as mesmas dúvidas que Jordan. Mas se todo aquele dinheiro, todo aquele trabalho, não tivessem sido empregados para impressionar seus fornecedores, para que outra finalidade teriam sido?
— Mais algumas horas e tudo já terá acabado. Não vale a pena nos preocuparmos mais com este detalhe. — Jordan suspirou. .— Não consigo acreditar nessa história de você e Thor estarem se casando por conveniência. Acho que você é a única que está pensando em seu casamento em termos temporários.
E verdade, Jordan. Não fosse a fase negra que a Constantine vem atravessando, eu não estaria me casando com Thor.
Não o ama?
Não.
E ele também não a ama?
Não.
Sabe o que acabo de pensar? Por que não toma um longo banho de imersão? Está precisando esfriar a cabeça.
Andrea ficou muito séria. De repente começou a rir.
— Você sempre foi terrível. Estou feliz em me tornar sua cunhada.
Emocionada, embora não quisesse demonstrar, Jordan se dirigiu para o banheiro da suíte. Enquanto abria as torneiras para encher a banheira, falou:
Aposto que em dois meses, época em que o meu bebé deverá vir ao mundo, você já terá esquecido esse absurdo de casamento temporário. Se eu ganhar, vou querer uma caixa das maçãs mais lindas e vermelhas que você encontrar.
E se eu ganhar?
Eu lhe arrumarei dois novos clientes.
Andrea não podia deixar uma chance daquelas escapar.
Está apostado.
Já estou até sentindo o perfume das maçãs — Jordan anunciou. — Seu banho está pronto, madame. — E, com uma inesperada e graciosa reverência, a amiga a deixou.
Andrea deslizou para dentro da água morna e cheia de espuma. Segurou uma bolha em sua mão e soprou-a. Seu casamento seria tão irreal quanto a bolha multicolorida flutuando no ar. Thor não a amava. Desejava-a, disso não tinha dúvida, 'ttas o desejo, sem amor, nunca fora base sólida para um casamento.
Tornou a soprar a espuma. Dessa vez as bolhas se dividiram em dezenas de outras, volitando ao seu redor. Independentemente do que Thor afirmara, os negócios eram sua vida, assim como haviam sido para seu pai. Conhecia-o muito bem. Se a conta Milano não estivesse em jogo, ele não lhe teria proposto casamento. Negócios em primeiro lugar, prazej em segundo. Assim era Thor. Um último sopro deixou suas mãos vazias. Tão vazias como seria sua vida daquele dia em diante.
Afundou-se na banheira até o pescoço e fechou os olhos. A imaginação desafiava todas as suas tentativas de manter o autocontrole. As mais diversas cenas desfilavam pela sua mente. Jordan com um bebé nos braços, comendo maçã. Thor olhando-a como Rainer olhava para a esposa, na celebração de seu quinto aniversário de casamento.
Naquele instante, percebeu que as bolhas de sabão começavam a desaparecer, tão fugazes e etéreas como seus devaneios.
Encare os fatos, ordenou-se. Fantasias não a levarão a lugar algum. Toda a determinação, porém, não impediu que duas lágrimas surgissem no canto de seus olhos e deslizassem lentamente por seu rosto, até se misturarem com a água perfumada.
Por volta das dez horas, seu quarto estava apinhado. Não havia uma parenta de Thor que não quisesse dar um palpite quanto ao penteado ou a maquiagem que deveria usar, ou ainda quanto a escolha das jóias. Foi Sônia, quem a salvou, expulsando o mulherio com palavras norueguesas que Andrea não entendeu.
— Não as leve a mal. Adoram Thor e-acreditam que seja dever de todas orientar sua noiva, da melhor maneira que puderem.
Andrea sorriu e se olhou no espelho. Estava tão diferente que quase não acreditava que fosse seu o reflexo.
A coroa matrimonial se destacava entre os cabelos cuidadosamente entrelaçados. O bolero vermelho e o avental rendado pareciam pertencer às princesas dos contos de fada. A excitação e o medo emprestavam um brilho intenso aos olhos castanhos.
Corno estou? — Andrea quis saber, sentindo-se tímida pela primeira vez na vida.
Maravilhosa. Alta e elegante como é, qualquer vestido de noiva teria feito jus a sua beleza, mas Thor se sentirá especialmente deslumbrado em vê-la como está.
Andrea resolveu dar um último toque de batom nos lábios. Queria ficar linda para Thor. Queria ver desejo em seus olhos azuis. Queria ver a paixão incendiar suas veias e colorir seu rosto. Queria ouvir sua voz enrouquecer, como sempre acontecia quando seus corpos se tocavam. Queria significar mais para ele do que qualquer outra mulher poderia.
Suas mãos estavam trémulas quando tornou a guardar o batom dentro da gaveta. Encare a realidade, tornou a se ordenar. Não se deixe iludir por fantasias impossíveis. Viva sua vida sem se importar com os pensamentos e sentimentos de Thor. Sua felicidade não pode depender dele.
— Está na hora — Jordan anunciou. — Rainer acaba de me avisar que todos os convidados estão em seus lugares, no aguardo do início da procissão.
Andrea respirou fundo e fechou os olhos. O momento chegara. Não havia mais como voltar atrás.
Sônia seguiu na frente, orientando-a, até que chegaram diante da porta principal da casa. Do lado de fora, reinavam a alegria, o brilho e as cores. O esplendor do cenário tirou-lhe o fôlego. As crianças e os idosos lhe acenavam das carruagens. Os mais jovens ou seguiriam a cavalo ou a pé. Marco, seu gerente de vendas, acompanhado por mais um grande número de funcionários da Constantine, chamou-a a uma certa distância e lhe fez um gesto, desejando sorte.
Naquele instante viu Thor.
Ele estava ao lado de uma parelha de cavalos brancos, a expressão séria, os olhos claros e transparentes como o céu de Seattle. Examinou-lhe a roupa, impressionando-se com a naturalidade com que ele vestia os calções verde-escuros e o colete vermelho. Suas pernas estavam cobertas por meias brancas grossas e longas, quase idênticas às dela.
A intensidade de seu olhar deveria tê-lo prevenido, pois ele olhou em sua direção, como que hipnotizado. Seus olhos escureceram e ele se aproximou.
— Está linda. Mal posso acreditar que em poucos momentos serei seu marido.
Andrea enrubesceu, incapaz de dizer uma única palavra. Aceitou o braço que ele lhe ofereceu e acompanhou-o. Thor a fitara com toda a paixão e o desejo que esperara. No entanto, não correspondera. O que estava acontecendo com ela, afinal?
Os cavalos são magníficos — comentou, mais para dizer alguma coisa.
São fiordes noruegueses, uma raça rara neste país - Thor explicou.
Deveriam ser extremamente caros, Andrea pensou.
Onde os conseguiu?
De um primo que tem uma fazenda perto de British Columbia.
— Nunca vi uma família tão grande quanto a sua. Thor olhou ao redor e sorriu.
— Acho que estão todos aqui. Erik, que está nas rédeas, é filho desse meu primo que emprestou os cavalos. Ele a conduzirá.
Andrea assentiu, aliviada. Cavalgar, sentada de lado, não era tão fácil quanto parecia. Desde que Sônia e Jordan lhe contaram sobre esse detalhe da cerimónia, não dormira tranquila uma única noite. A imagem sua, caída na calçada e com o vestido levantado, assombrava-a com frequência. Talvez Erik pudesse impedir que isso acontecesse.
Antes que comentasse sobre seu medo com o rapaz, sentiu-se levantar no ar, conforme Thor a carregava pela cintura. Ele esperou até que se acomodasse sobre a sela, para depois ajeitar sua saia e anáguas.
Thor, as pessoas estão olhando — ela sussurrou, envergonhada. — Por favor, afaste-se.
Logo, não haverá ninguém ao nosso redor. O que dirá, então? — ele a fitou com um brilho de antecipação no olhar.
Andrea permaneceu calada.
— No momento certo, nós saberemos — ele mesmo respondeu.
Em seguida, e com certa relutância, Thor se afastou e montou em seu próprio cavalo. O animal balançou a cabeça, fazendo tilintar todos os sininhos de prata que pendiam de seu arreio.
— A procissão se iniciará dentro de alguns minutos -Thor a orientou. — A tradição manda que se siga algumas regras.
Um violinista começou a tocar uma marcha viva e alegre diante da multidão. Uma carruagem, com César Milano e um chicotinho na mão, o seguiu.
Por que César conduzirá a procissão? — Andrea estranhou.
Ele é o Kjokemeister , o mestre de cerimónias. Na Noruega, o mestre é sempre uma figura importante na cidade, ou um rico proprietário de terras, ou ainda um mercador poderoso.
Foi muito diplomático de sua parte, convidá-lo — Andrea observou.
Como o mestre é sempre o encarregado da festa e eu encomendei o serviço de bufe aos restaurantes Milano, a escolha me pareceu lógica. Como é da responsabilidade do mestre, também, a obrigação de manter os convidados sóbrios até o final da cerimónia, e como eu conheço bem minha família, não poderia haver escolha melhor do que o César.
O que há dentro dos barris, então?
Cidra, apenas. Sem fermentação. Todos poderão beber o quanto quiserem, sem correrem o risco de se embebedarem. Ao menos foi o que César garantiu.
Sobre a carruagem seguinte estavam os pais de Thor.
Na cerimónia tradicional, nossos pais seguiriam agora, depois nós, e finalmente nossas mães.
Então, nós seremos os próximos?
Sim. Está nervosa?
Um pouco.
Não precisa ficar. Você está perfeita. Eu queria lhe agradecer.
Agradecer por quê?
Por ter concordado com tudo isto. Não deve estar sendo fácil para você.
Nem para você. Nem fácil, nem barato.
A escolha foi minha.
Andrea tentou indagar sobre a razão de tanta pompa, de tantos gastos desnecessários, mas Thor lhe chamou a atenção.
— E a nossa vez.
Sônia estava voltada para eles, acenando. Andrea começava a acenar em resposta, quando o cavalo se moveu, fazendo-a Perder o equilíbrio. Thor imediatamente a segurou.
Uma multidão acompanhava a procissão, fascinada com o espetáculo. Ciente de estar sendo o centro das atenções, Andrea avançou com os olhos baixos.
— Relaxe — Thor cochichou. — Todos estão felizes por você. Tente aproveitar estes momentos, querida. Uma festa como esta só acontece uma vez na vida.
Andrea olhou para o lado e viu uma menina rindo, embevecida. Thor tinha razão. Ela deveria saborear aqueles momentos. Registrá-los em sua memória. Principalmente porque lembranças era tudo o que lhe restaria no futuro.
Quanto tempo deverá durar a procissão? — ela quis saber.
Cerca de uma hora.
Thor se aproximou ainda mais com seu cavalo e estendeu a mão em direção a sua cabeça. Ajeitou a coroa e lhe fez um carinho no rosto. A multidão reagiu instantaneamente com assobios e aplausos.
De repente, como se surgissem do nada, quatro cavaleiros, dois de cada lado da procissão, galoparam em grande velocidade.
Andrea estremeceu, sentindo-se estranhamente indefesa. Nos negócios, sempre fora firme e controlada. Acostumara-se a tomar decisões, a resolver problemas. Pela primeira vez tomava real consciência de sua vulnerabilidade, do quanto precisava de um homem a seu lado, que a protegesse.
Por que eles fizeram isso?
Não me culpe. Essa foi uma das brilhantes ideias de Rainer.
O que significa?
Os cavaleiros deverão percorrer o trecho entre a procissão e a igreja por três vezes, causando o maior alarido possível.
É bem do feitio de seu irmão. — Andrea sorriu. —Acredito que deva haver um bom motivo para a encenação.
Claro que há. Os cavaleiros representam sua proteção contra as forças do mal.
Forças do mal? — Andrea olhou ao redor, irónica. —Caramba! Não pensei que estivesse correndo perigo em meio a uma procissão.
Thor a encarou, a expressão muito séria.
Nunca permitirei que a magoem.
Por um longo minuto, Andrea não conseguiu afastar seus olhos dos dele, Sabia que ele estava sendo sincero. Sabia, também, que nada nem ninguém poderia magoá-la mais do que o próprio Thor. Como seria possível que a protegesse contra ele mesmo? Somente ela poderia se guardar contra esse risco.
A hora se passou como um passe de mágica. Muitas pessoas se reuniam em frente a igreja, saudando os noivos e os participantes da procissão.
Thor desmontou e se aproximou. Sem dizer uma palavra, segurou-a pela cintura e colocou-a no chão. Andrea apoiou-se em seus ombros, os olhos perdidos nos dele. Relutante em soltá-la, Thor a beijou. A multidão assobiava e falava alto, mas os sons pareciam vir de muito longe.
— Está na hora. — Thor a pegou pela mão e a conduziu pelos degraus da igreja.
Os pais de Thor os precediam, e atrás deles vinham Rainer e Jordan, todos acompanhados pelos acordes do órgão, que tocava "Sonhos de uma Noite de Verão", de Mendelssohn.
Detiveram-se por alguns segundos à entrada e Andrea se sentiu enrijecer. Percebendo sua ansiedade, Thor cochichou em seu ouvido.
— Está tudo bem, querida. Não tenha medo. Olhe a sua volta. As naves estão enfeitadas com murtas, plantas simbólicas da deusa Afrodite, nas cerimónias norueguesas. As velas foram preparadas com essências. Sente o perfume?
Andrea fez um sinal afirmativo com a cabeça.
E rosas brancas! — Andrea exclamou. — Nunca vi tantas em minha vida!
Jordan me disse que rosas brancas são suas flores preferidas.
No fundo de seu coração, Andrea sabia que tudo o que Thor fizera tinha um significado. Naquele momento, porém, não havia tempo para pensar ou fazer perguntas. Do órgão soava a marcha nupcial. Caminharam até o altar, onde se sentaram.
O pastor dissertou sobre as responsabilidades matrimoniais, sobre a fé e o amor. Andrea pensou em seus prismas e na Promessa que lhe faziam de dias melhores. Olhou para Thor, o homem que nunca seria verdadeiramente seu, mas cuja presença a acalmava como uma luz entre as trevas.
O tempo passou. Entre o canto solene aos acordes do órgão, os raios de sol se infiltrando pelos vitrais coloridos, e a atmosfera de paz e alegria, os noivos se sentiam em um mundo à parte, feito especialmente para eles.
Andrea e Thor apertavam-se as mãos diante do pastor que, naquele momento, pediu que se levantassem. Dirigiu-se a Thor, em primeiro lugar. Quando a fórmula sagrada lhe foi repetida, Andrea sentiu o coração disparar.
— Promete amar e respeitar este homem, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
Fazer esse juramento era tudo o que ela queria, Andrea descobriu. Lágrimas de emoção inundaram seus olhos. Não importava mais o futuro. Ao menos teria Thor por alguns meses.
— Sim. — Ela sorriu, feliz e comovida.
Ajoelharam-se para receber as bênçãos. Em alguns minutos
estaria casada com Thor. Ao se levantarem, trocaram as alianças. Eram diferentes de todos os modelos que já vira. Teria Thor mandado confeccionar algo especial para ela?
— Thor e Andrea, eu os declaro marido e mulher. Que Deus os abençoe e proteja!
De mãos dadas, diante de toda a congregação, ao som de uma marcha suave e bela, os noivos trocaram o beijo matrimonial.
— Casados! — Thor murmurou. — Andrea Thorsen, minha esposa, enfim!
A procissão de volta para a residência dos Thorsens pareceu muito mais rápida. Andrea olhava para a multidão, segurava-se, firme, sobre sua montaria, e mesmo assim não conseguia acreditar que estivesse casada. Uma prova, porém, agora brilhava em seu dedo.
Andrea? Você está bem?
Claro que estou. — Ela se forçou um sorriso.
A cerimónia está quase terminada.
Ainda falta a recepção. Será em sua casa?
Sem chance. Para acomodarmos toda essa gente, precisamos alugar um salão.
Sua mãe me disse que os casamentos tradicionais de seu país são comemorados durante três dias.
Não se preocupe. Os noivos sempre saem antes. Você deve estar exausta, não é?
Andrea nem conseguiu prestar atenção na última frase de Thor. Quando deixassem a festa, iriam para onde? Estaria Thor imaginando uma noite de núpcias tradicional para combinar com o estilo tradicional do casamento? Ele que perdesse as esperanças!
Incapaz de resistir, Andrea olhou mais uma vez para a aliança de ouro. Um acordo comercial. Casara-se para salvar a empresa de seu pai. Fora um gesto de nobreza e sacrifício. Por que, então, se autorecriminava a todo instante? O próprio Thor lhe ensinara que os negócios sempre vinham em primeiro lugar. Sempre.
Mais forte que o ensinamento, porém, era o desejo de ser amada.
Chegamos — Thor anunciou, mais uma vez apeando e segurando-a pela cintura, fazendo-a voar como um pássaro de volta ao ninho.
Está ventando — ela comentou, na tentativa de encontrar uma desculpa para o arrepio que sentiu ao toque.
— Não precisa disfarçar que está nervosa — ele murmurou. Era assim tão transparente?, Andrea se perguntou, irritada.
Não estou nervosa — mentiu. E a um olhar divertido, resolveu que talvez fosse hora de começar a tentar ser honesta consigo mesma. — Está bem. Estou nervosa. Isso é um crime?
Não que eu saiba. — O sorriso se ampliou.
Qual será a próxima etapa? — Andrea quis saber.
A sessão de fotografias. Em seguida, poderemos descansar por uma hora. Se estiver com fome, mandarei trazerem alguns sanduíches e a cidra de César.
— Soa muito bem — ela murmurou, com mais naturalidade dessa vez.
A perspectiva de descansar e fazer uma espécie de piquenique deu-lhe forças para suportar a tediosa sessão. Não fosse Thor ordenar que as demais fotos ficassem para a recepção, o martírio teria durado mais do que as duas horas.
Segurando-a pela mão, ele a levou para o interior da casa, preparou uma bandeja de petiscos, e subiu até o quarto que Sônia preparara para Andrea, na noite anterior.
Foi só depois de vê-lo trancar a porta, que Andrea se deu conta de que estava sozinha com Thor, agora seu marido. Afastou-se em direção a janela e tirou cuidadosamente a coroa.
Ele a seguiu, apanhou o enfeite, colocou-o sobre uma cadeira, e apertou-lhe os ombros.
Está tensa. Por quê?
É estranho estarmos aqui juntos, sozinhos.
Com medo de eu tentar me aproveitar de você?
Sim.
Garota esperta!
Andrea se virou abruptamente, pronta para enfrentá-lo. Antes não o tivesse feito. A paixão que leu no rosto afogueado a fez prender o fôlego.
— Não me toque — Andrea o desafiou ao vê-lo erguendo as mãos.
Não consigo resistir — ele respondeu, rouco. Abraçou-a e suas pernas se colaram às dela. Andrea imediatamente começou a tremer. Ergueu as mãos para detê-lo. Em vez disso atraiu-o ainda mais para junto de seu peito.
Quero um beijo, kona mi — murmurou em seu ouvido. — Só um.
Minha esposa. Andrea o fitou, os olhos muito abertos. Era esposa de Thor e não poderia negar-se a um único beijo. Afinal não seria o primeiro.
Ofereceu-lhe os lábios e saboreou o suave contato. O beijo imediatamente se tornou ávido e insistente. Os braços de Thor a submetiam, tornando-a incapaz de qualquer reação. Apesar de terem se beijado muitas vezes durante o namoro, no passado, nunca o sentira tão ardente e possessivo. Sentiu-se frustrada, insatisfeita, ciente do quanto mais teria, caso seu casamento fosse real. Colocou as mãos entre seus cabelos, então, e enrijeceu. Seus dedos tocaram inadvertidamente o brinco em formato de martelo. O símbolo do deus Thor, de força e poder.
Andrea lutou para recuperar o controle. Não haviam se casado por amor. Não havia lugar para a volúpia naquele relacionamento.
— Não podemos. Pare, por favor.
Um gemido abafado escapou da garganta de Thor. Ele beijou-lhe a garganta e em seguida o ombro.
— Tem razão. Esta não é a hora, nem este o lugar. Nem outras horas, nem outros lugares o seriam, Andrea cogitou. Não permitiria mais que ele se aproximasse. Um simples beijo e ela não conseguia raciocinar. E o que aconteceria depois? Uma vez que a Constantine estivesse com sua economia sanada, Thor desapareceria de sua vida. E o que lhe restaria? A solidão e a angústia, como da outra vez.
Afastou-se um passo, e outro, e mais outro. Thor não tentou detê-la.
Com fome?
Morrendo — admitiu. — O que trouxe?
— Torradas com patê de salmão, sanduíches de galinha e champanhe. Bem melhor do que cidra, não acha? — Com gestos rápidos, ele serviu duas taças. — A você, minha esposa. Que o seu casamento seja tudo o que sempre desejou!
Andrea o fitou, incerta. Sempre desejara um casamento de verdade, um marido de verdade, mas esse tipo de desejo lhe era proibido agora.
— Ao piquenique — ele brincou. Abriu uma gaveta, tirou uma toalha de banho e estendeu-a sobre o carpete. — Tire os sapatos e descanse. Daqui a uma hora terá início a recepção.
A hora passou com surpreendente facilidade.
Thor a tratou com extrema delicadeza, servindo-a e fitando-a com tanta ternura, que ela quase se esqueceu de sua determinação. Em um certo momento, ele se inclinou e colocou uma torrada em sua boca. Estavam tão próximos que o hálito morno roçou em seu rosto. O coração de Andrea disparou. Estavam quase se beijando outra vez, quando a maçaneta da porta rangeu.
— Vocês estão aí? — soou a voz de Rainer.
Andrea se levantou de um salto e Thor praguejou baixinho.
O que foi? — Thor abriu a porta com raiva e impaciência, provocando um risinho malicioso no irmão.
Ora, ora. Infelizmente terão de sair do esconderijo. A festa não pode começar sem a presença dos noivos.
Obrigado por vir nos avisar — Thor resmungou, sarcástico.
De nada. Podem ir, que eu limpo o quarto — Rainer devolveu a provocação.
O andar de baixo parecia deserto quando Thor e Andrea desceram as escadas. Sônia, porém, os esperava, vigilante e sorridente.
— A limousine está a espera para levá-los ao hotel. Eu seguirei em alguns minutos.
A recepção foi farta e alegre. Rainer se incumbiu dos clientes importantes, cuidando para que fossem sempre muito bem servidos. Não passou despercebida a Andrea, a atenção especial que ele dedicou a um senhor de cabelos grisalhos e expressão fechada.
Quem é aquele? — indagou a Thor, sem entender o motivo de Rainer perder seu tempo com um indivíduo de aparência tão desagradável.
Capitão Alexander, um homem muito poderoso que pode nos trazer muitas contas, com apenas um estalar de dedos.
Negócios, é claro. Deveria ter adivinhado.
Ele não me parece muito inclinado a favorecê-los com seu prestígio.
O problema é de Rainer. Esta é a festa do meu casamento.
Venha. Vamos nos divertir.
Percorreram o salão e saudaram amigos e parentes. Salgadinhos, cerveja, champanhe e ponche de frutas eram servidos à vontade. Seguiram-se o jantar e os discursos. Alguns cómicos, outros românticos e nostálgicos. Parecia que todos tinham algo a dizer.
Chegou a hora de cortar o bolo. Era enorme e todo branco. Botões de rosa enfeitavam o alto e as laterais, caindo em cascata, até formar uma guirlanda na base.
Emocionada, Andrea abraçou César, o responsável pela criação daquela obra de arte.
Thor colocou sua mão direita em cima da dela.
A orquestra começou a tocar a valsa. Thor a levou ao centro da pista e tomou-a nos braços, como ela fosse seu tesouro mais valioso.
Nunca se esqueceria daquele momento. Os olhos de Thor estavam sérios, escuros, seus passos se alternavam harmoniosamente com os dela, seus lábios sorriam. Ao final da dança, ele lhe deu um beijo doce, gentil, e tão necessário para ela quanto o ar que respirava.
Tudo ficou repentinamente claro em sua mente. No instante em que se viu perdida em um sonho impossível, Andrea admitiu para si mesma que ainda o amava. Talvez até tivesse confessado a Thor seus sentimentos, não fosse a súbita interrupção de Rainer.
Houve um problema na Constantine. Uma invasão.
Oh, não! — Andrea estremeceu. — Alguém se feriu?
Acredito que não. Marco foi para lá com a polícia. Talvez fosse melhor se um de vocês pudesse ir, também.
Irei imediatamente — Thor se prontificou. — Fique na festa com meus pais, querida. Estarei de volta antes que os convidados dêem por minha falta.
De maneira alguma! Irei com você.
Thor não se deu ao trabalho de argumentar.
Rainer, peça desculpas por nós.
— Tudo bem, mas não se esqueçam de me telefonar dando notícias. A qualquer hora. Como sabem, a festa prosseguirá até amanhã de manhã no hotel, para depois ser transferida para a nossa casa.
Thor e Andrea correram para o carro que Rainer colocara à disposição. Foram em primeiro lugar à casa dos Thorsens, trocaram de roupa e em seguida percorreram as ruas desertas e escuras rumo a empresa.
Que ironia do destino! Serem interrompidos no dia de seu casamento por motivos de negócios!
Andrea olhou de relance para Thor e sentiu-se desapontada. Ele estava frio e distante. Não era mais o homem com quem dançara havia poucos instantes, e que lhe pedira para fazer de conta, ao menos durante a duração de uma valsa, que o casamento fosse real.
Chegaram em dez minutos. Os carros da polícia ainda se encontravam estacionados diante da área de expedição. Andrea saltou sem esperar por Thor. Estava quase chegando à plataforma quando ele a segurou pelo braço.
Ou fica comigo ou espera no carro. Escolha.
A empresa é minha. A responsabilidade é minha —Andrea protestou.
Não dou a mínima para suas responsabilidades. Agora que estamos casados, sua segurança é minha maior preocupação. Não vou permitir que se exponha a riscos desnecessários. E então, querida esposa? Eu ou o carro?
Ficarei com você. — De nada adiantaria insistir. Ele tinha razão.
Marco foi o primeiro a perceber-lhes a presença.
Nada de grave, felizmente. — O alívio estava estampado em seu rosto. — Um ato de vandalismo apenas. Deve ter sido arte de garotos.
Como pode ter certeza? — Os olhos de Thor se estreitaram.
Algumas caixas foram quebradas e os conteúdos espalhados. Não houve roubo, apenas desordem. Willie ouviu ruídos estranhos e nos chamou. Uma pena que não tivesse conseguido ver os invasores.
Ele está bem? — Andrea perguntou, ansiosa.
Marco encarou-a pela primeira vez.
Está, srta..Constantine, quero dizer, sra. Thorsen. Sinto muito por tê-los perturbado na noite do seu casamento.
Fez bem em nos chamar — Thor declarou. — Eu gostaria de verificar o estrago. Vem comigo ou prefere esperar aqui?
Andrea não disse uma palavra. Preferiu deixar que seus olhos falassem por ela.
Os dois seguiram para o depósito.
A polícia estava tomando o depoimento de Willie. Em seguida pediram que ela também prestasse alguns esclarecimentos.
Assim que se foram, Marco pareceu estranhamente constrangido. Percebendo seu estado, Thor indagou sobre a existência de algum outro detalhe a ser esclarecido.
Marco endereçou um olhar rápido e significativo para Andrea.
— Talvez fosse melhor se ela ficasse com Willie, enquanto verificamos as demais dependências.
Andrea pressentiu que Marco deveria ter um excelente motivo para poupá-la do restante da inspeção. Assim mesmo preferiu não acatar a sugestão. Como dona da Constantine não podia se omitir a enfrentar um problema, principalmente porque o advento de Thor em sua vida era apenas temporário.
— Reconheço sua preocupação e agradeço, Marco, mas prefiro ir com vocês. Não pretendo desmaiar por causa de alguns estragos. Prometo.
Marco os levou ao andar superior. Antes que abrisse a porta do escritório de Andrea, ela já sabia o que iria encontrar. Nada, porém, a preparara para o que viu. A raiva ameaçou explodir à vista do milho esparramado por todas as partes da sala, e do gelo que já estava se derretendo sobre os móveis, papéis e piso.
À raiva seguiu-se o desânimo. Uma súbita fraqueza se apoderou de suas pernas. Virou-se a fim de sair do recinto, e acabou diretamente nos braços de Thor.
Aquilo não era obra de um grupo de garotos. Fora proposital e dirigido a ela.
— Vamos sair daqui. — Thor abraçou-a. — Você acha que consegue colocar uma ordem nesta confusão até segunda-feira, Marco?
— Pode deixar comigo, sr. Thorsen.
Thor a levou até a área de expedição e a fez se sentar por alguns instantes. Andrea respirava fundo na tentativa de se recompor, mas as lágrimas a sufocavam. Sem dizer uma palavra, Thor a ergueu nos braços e a carregou até o carro.
Não fique assim, querida. Eles não merecem.
Como puderam? E por quê? — Ela soluçou. — Por vingança?
Não sei. Mas juro que vou descobrir. — Thor deu a partida no carro.
Andrea olhava para as ruas desertas, mas só enxergava a sujeira e a desordem em que ficara seu escritório. Thor cuidaria de tudo. Fora o que ele prometera e a razão por ela ter concordado com o casamento. Havia dívidas a serem liquidadas e a necessidade de manter a Milano satisfeita.
Surgira o primeiro obstáculo em seu caminho. A função de Thor seria retirá-lo. Ela não deveria confundir as coisas. A preocupação que ele demonstrara baseava-se apenas no fato de seu trabalho estar sendo ainda mais dificultado.
Talvez tivesse sido precipitada em aceitar sua proposta. Jack Maxwell, afinal, estava disposto a comprar a Gonstantine. Por um preço irrisório, sem dúvida, mas um pouco sempre era melhor do que nada.
O carro parou e Thor tirou a chave do contato. Andrea franziu o cenho. Onde estavam? Aquela não era a casa dos pais dele, nem um hotel.
— Que lugar é este? — perguntou, desconfiada.
Ele saiu do carro, deu a volta e abriu a porta para ela.
— Bem-vinda ao lar.
Recusando-se a descer, Andrea cruzou os braços e virou a cabeça em direção contrária à casa. Não pisaria ali. A tentação era forte demais e sua resistência quase nula.
Esqueça.
Você não poderá passar a noite inteira no carro.
Claro que poderei.
Está começando a chover.
Eu gosto de chuva.
Eu também, mas de admirá-la através da janela.
Há várias janelas neste carro. — O sorriso que ela esboçou talvez tivesse precipitado o que se passou a seguir.
Thor se curvou e desafivelou o cinto de segurança. Com um movimento inesperado a carregou novamente nos braços.
Não posso ficar em sua casa. Fizemos um acordo, lembra-se?
Você vivenciou muitas emoções em um único dia e está exausta. Se sentirá melhor assim que descansar um pouco. —Ele a colocou no chão e lhe deu a mão. — Venha.
Não. Prefiro ir para um hotel.
É muito tarde e estamos sem bagagem. Além disso, estamos ficando molhados.
Qualquer hotel está preparado para receber clientes tardios e sem bagagem — ela retrucou.
Uma veia começou a latejar na têmpora de Thor. Talvez ela tivesse exagerado em sua obstinação. Os olhos dele não refletiam mais a paciência, com que normalmente a tratava.
— De vez em quando a necessidade fala mais alto do que a razão.
Ele dobrou o corpo, encostou o ombro contra seu quadril e a carregou como se fosse um saco de batatas. Andreea esbravejou e esperneou durante todo o caminho, mas acabou aterrissando na sala do bangalô.
Agora estamos salvos da chuva e de vizinhos barulhentos, além de abrigados em um local aconchegante. Se quiser gritar e discutir, estou à disposição. Mas antes vou tomar um banho, preparar um drinque, fazer algumas ligações e dormir. — Ele lhe deu as costas e desapareceu em direção ao hall.
Que bela maneira de tratar sua esposa na noite de núpcias! — Andrea gritou sem pensar.
Thor reapareceu imediatamente. Estava sem camisa.
— Terei um imenso prazer em tratá-la como minha esposa, em nossa noite de núpcias. Aquele é o meu quarto — Ele apontou para uma porta. — Espere-me lá que não vou demorar.
Andrea baixou os olhos e moveu a cabeça de um lado para o outro.
— Nós temos um acordo.
Ele estava andando em sua direção, mas ela não teve coragem para erguer os olhos. Oh, céus, não deveria tê-lo desafiado.
Ele segurou-lhe o queixo e a fez encará-lo. Não parecia zangado, nem aborrecido. Chegava até a demonstrar simpatia por sua confusão.
— Não há nada a temer. Eu não me esqueci do nosso acordo. Trazê-la para o meu rancho foi a melhor opção. Não seria apropriado morarmos na casa de meus pais. Eles certamente estranhariam nosso comportamento. Mas, se preferir, poderemos nos instalar na sua.
Andrea arregalou os olhos. No sótão? Não queria nem que Thor ficasse sabendo que vivera lá por algum tempo.
Não, não. Acho que não é uma boa ideia.
Então eu acertei em trazê-la. Você poderá dormir no quarto de hóspedes. Quanto às minhas intenções, vou repeti-las.
Estou louco por um banho e por um drinque, de preferência forte. Em seguida telefonarei para Rainer para resolver alguns problemas. Depois, irei para a cama dormir. — Ele tocou-lhe levemente o rosto. — Por que não faz o mesmo?
Tem razão. Desculpe a cena.
Foi um dia longo e difícil. Não terminou exatamente da maneira que eu esperava, mas... — Thor suspirou e fitou-a demoradamente. — Por que não toma banho, primeiro? Enquanto isso eu telefonarei para meu irmão.
Andrea assentiu, furiosa consigo mesma por estar virtualmente admirando o comportamento de Thor, e mais ainda por não conseguir tirar os olhos de seu peito desnudo, coberto de pêlos. Deveria ser o cansaço. Já ouvira as mais diversas histórias sobre pessoas que passaram longos períodos sem dormir. Uma noite e um dià seria tempo suficiente para ela se encaixar nessa categoria? Provavelmente não.
Andrea? — Ele a despertou para a realidade.
Estou indo para o chuveiro. Ainda não fui atingida pela falta de sono.
Se ele não entendeu a resposta, não deu demonstração.
O quarto era agradável, embora compacto. Perfeito para uma noite de núpcias, sozinha. Sufocando as lágrimas, decidiu-se a um banho imediato.
A água quente fez maravilhas, lavando o cansaço e a tensão das últimas horas. Uma pena que não tivesse o poder de eliminar também as dores do coração.
Enxugou-se com uma toalha grande e fofa, enquanto olhava a pilha formada pelo jeans e pela blusa de malha. Seria bom se pudesse vestir um pijama ou uma camisa de Thor, mas não se sentia com coragem para lhe pedir mais esse favor. Enrolou-se na toalha, apanhou a roupa do chão, e voltou para o quarto. Uma camisa branca estava estendida sobre a cama. Thor a colocara ali, enquanto tomava banho. Era grande demais mas o que isso importava? O importante é que Thor se preocupara com seu bem-estar.
Deitou-se e puxou o lençol até o pescoço. O dia do seu casamento chegara oficialmente ao término com a comprovação de que os negócios estavam em primeiro lugar. Fechou os olhos. De repente, sentou-se. Se havia alguém que estava colocando os negócios em primeiro lugar, esse alguém era ela. Thor fizera de tudo para lhe dar apoio e conforto.
Andrea virou de um lado para o outro na cama. O quarto estava completamente escuro. Não sabia identificar o som que a acordara, mas tinha certeza de que ouvira alguma coisa. Levantou-se e abriu a porta. Havia uma luz acesa na sala.
Thor?
Também não conseguiu dormir? — A voz cansada se elevou das profundezas do sofá. — Por que não se junta a mim?
Andrea sentou-se ao lado dele, após uma certa hesitação.
O que está bebendo?
Suco de laranja. Quer um pouco?
Obrigada. — Ela tomou um grande gole. — Por que não conseguiu dormir? Por causa do problema na Constantine ou por causa do nosso casamento?
Em resposta, Thor tirou o copo de sua mão e colocou-o sobre a mesa. Em seguida desligou o abajur.
— Eu poderia matar o tal Hartsworth por querer prejudicá-la. Andrea começou a se sentir desconfortável naquele ambiente escuro, propício ao romance.
Tem certeza de que é ele quem está por trás do ocorrido?
Por quê, você não tem?
Tenho — ela admitiu.
Eu também. Mas foi a última vez. Já tomei providências para que .isso nunca mais se repita.
Que providências? — Andrea engoliu em seco.
Prefiro que você não saiba. Basta dizer que enviei uma mensagem bem clara a quem pudesse interessar, para que não tornassem a tentar pôr as mãos em você.
Na Constantine, você quis dizer.
Dá no mesmo. — Ele ergueu os ombros.
Não, não dá. Constantine é uma empresa. Eu sou...
Minha esposa — Thor a interrompeu. — Prometi, hoje, diante do pastor, que a protegeria por toda a minha vida, e é o que pretendo fazer. Para ter essa condição, no entanto, precisaria tê-la sempre a meu lado. Quero que se mude para cá.
Eu também fiz uma promessa — Andrea se apressou a dizer. — Prometi a minha tia Matilda, que já faleceu, que nunca viveria com um homem em caráter temporário. E o nosso casamento só durará seis meses. Sinto muito, mas promessa é promessa.
Você inventou essa desculpa. — Thor se virou e obrigou-a a recuar, até que caísse sobre as almofadas. — Está muito escuro e não dá para ver seus olhos, mas aposto que está mentindo.
Andrea não respondeu. Todos os seus sentidos estavam em alerta vermelho.
Está bem, desisto. — Ele suspirou. — Você pode voltar para sua casa. Mas corra o mais rápido que puder, pois assim que eu conseguir alcançá-la, a trarei de volta. — A ameaça feita, Thor abraçou-a e trocou de posição com ela.
O que está fazendo? — Andrea indagou, alarmada.
Se esta é a única noite em que a terei comigo, preciso aproveitá-la. Tente relaxar, querida, pois ficará presa aqui até o amanhecer.
Um sorriso secreto se anunciou nos lábios de Andrea. Se não havia como fugir aquela noite, por que lutar?
Andrea acordou ao ritmo da chuva batendo in-.cessantemente no telhado e nas janelas. Os olhos sonolentos relutavam em se abrir para a manhã cinzenta. Quando venceram o torpor, se fixaram em grande barco viking protegido por um estojo de vidro, do outro lado da sala. Era feito em madeira e tão perfeito, que a impres-sionou. Merecia uma apreciação mais atenta e minuciosa. Que ficaria para mais tarde.
Aquecida e confortável, Andrea não queria se mover. Só uma necessidade muito forte, talvez uma ameaça de bomba, a faria mudar de posição.
O corpo forte e másculo sobre o qual se apoiara deveria tê-la incomodado, acostumada que estava a ter sua cama só para si. Mas não foi o que aconteceu. O peito musculoso que lhe servira de travesseiro deveria ter-lhe dado torcicolo. Em vez disso, embalara seu sono com o pulsar do coração. Os pêlos ásperos sob seu rosto e palma da mão deveriam ter provocado coceiras. Em vez disso, lhe despertaram uma vontade intensa de acariciar o peito que cobriam.
Você fica bonita com a minha camisa — Thor sussurrou.— Eu a escolhi deliberadamente.
Obrigada. — Andrea se espreguiçou como se tivesse acabado de acordar. — Terá a minha gratidão eterna.
Não vai me perguntar por que eu a escolhi entre todas as outras?
Não.
Andrea se aconchegou mais a Thor, na esperança de que ele voltasse a dormir, para poder continuar com suas explorações sub-reptícias.
Mas eu lhe direi assim mesmo. Porque é transparente. — Thor percorreu toda a extensão da coluna de Andrea, com as pontas dos dedos.
Pare! Eu tenho cócegas.
Tudo bem. Sinta-se a vontade para pular a qualquer hora que desejar.
A brincadeira acabou trazendo-a para a realidade.
Vou me levantar agora — murmurou, rígida.
Você sabia que possui uma pequena cicatriz em formato de estrela bem na curva...
Corada de vergonha, Andrea se levantou e correu para o, quarto. Ergueu a barra da camisa, espiou por sobre o ombro e constatou a existência da mancha. O descarado!
O restante do domingo não poderia ter transcorrido de forma mais rápida e agradável. Como se tivessem feito um acordo, nenhum dos dois tocou em assuntos de negócios ou de inti-midades. Ciente de que o amava e de que o tempo que passariam juntos era muito curto, cada momento se tornou precioso. Passou-lhe pela mente sugerir a Thor um prolongamento do prazo, mas algo a deteve. Medo. Uma necessidade interna de autoproteção.
Naquele mesmo dia, perguntou-lhe a respeito do barco viking , que tanto a fascinara. Maior ainda foi a sua admiração ao ser informada de que ele próprio o confeccionara. Dedicação e capricho, paciência e determinação. Um trabalho que refletia o homem que era Thor.
Ao cair da noite, ele sugeriu que Andrea passasse mais uma noite no bangalô. Ela não discutiu a ideia. Ainda não encontrara forças para retornar à empresa.
Durante a noite, deitada em sua cama, Andrea relembrou os eventos dos últimos três dias. Nunca imaginara que seu casamento pudesse dar certo, mas que tinha tudo para dar, não podia ser negado.
A cerimónia fora um encanto. A família de Thor era maravilhosa. A primeira crise nos negócios fora superada. Sim, estava tudo correndo muito bem.
As duas semanas seguintes também passaram com uma rapidez espantosa. Conforme a promessa que fizera a si mesma, Andrea não aceitou morar sob o mesmo teto que Thor. Decidiu-se por se instalar em um pequeno hotel até arranjar um lugar melhor. Entretanto, com a falta de dinheiro e a necessidade de economizar, não lhe sobrou outra alternativa a não ser voltar para o sótão.
Estava checando um carregamento de pêras quando dois braços se fecharam ao seu redor. Apesar de Thor ter tomado todas as providências para que ninguém mais ousasse invadir a Constantine, Andrea gritou de pânico.
Não tenha medo, cara . Sou eu. — Joe lhe deu um beijo estalado. — Como vai? Está com uma aparência ótima. Gostei muito do seu casamento. Havia mulheres lindas e cheguei a conhecer uma porção delas. — Joe cofiou o bigode e ergueu as sobrancelhas de maneira peculiar.
Eu não duvido — Andrea piscou.
Não duvida de quê? — uma voz grave os interrompeu. Com um estremecimento, Andrea se virou para o marido.
Isto já está se tornando um hábito.
— Um hábito péssimo, concordo. Se não recebesse Milano para conversas íntimas, talvez isso não acontecesse com tanta frequência.
Joe pigarreou.
Eu estava comentando sobre o casamento de vocês.
Afinal, você está aqui a negócios ou o quê?
A negócios, é claro. Acha que sou um idiota para dizer o contrário?
Sobre o que, exatamente, veio conversar?
Joe deu as costas a Thor e segurou ambas as mãos de Andrea, recusando-se a soltá-las, apesar das insistentes tentativas da amiga.
Cara , os produtos, esta semana, estão magníficos. Vim lhe dizer o quanto apreciei as... laranjas.
Seu...! — Thor tentou agarrá-lo. Joe, porém, com a agilidade conquistada através de longa experiência, saltou de lado e escapou do golpe do marido furioso.
Seus pêssegos estão lindos e doces. As maçãs grandes, Perfumadas e suculentas. Um tanto ácidas, é verdade, mas eu também as aprecio assim.
Fora! — Thor esbravejou. — Fora, antes que eu faça um suco dessa sua cara!
— E seus legumes e verduras, então. Tenros e macios. Quer que eu mencione...
Thor agarrou Andrea pela cintura.
— Se você disser mais uma palavra, vou transformar seu nariz em extrato de tomate.
Joe beijou as pontas dos dedos de Andrea.
Como eu dizia, quando fui interrompido, adoro todos os seus legumes e verduras. — Ele passou a língua pelos lábios.
Vamos sair daqui, Andrea. — Thor a livrou das mãos do italiano.
Mas eu ainda não falei sobre os pepinos — Joe anunciou.
Mantenha seus pepinos longe da minha esposa — Thor vociferou.
Não está com ciúmes da esposa, está, Thor? — A risada de Joe os seguiu.
Andrea prendeu o fôlego à sugestão. Ciúmes? Seria possível? Sorrindo interiormente como uma tola, acompanhou o marido rumo a sua sala.
Thor a fez entrar e bateu a porta. Ato seguinte, tomou-a nos braços.
— Mudei de ideia a respeito de alguns pontos, a começar por este.
Ele prendeu-lhe o rosto com as duas mãos e a beijou, quase com raiva. Andrea tentou se desvencilhar de início, mas acabou cedendo à força da atração. O beijo se prolongou. Thor esmagava-lhe os lábios como se tivesse sentido tanto a falta de deles, que agora não conseguia se saciar.
A próxima vez que Milano tocar em um fio de cabelo seu, eu quebrarei a cara dele — Thor sussurrou, enquanto mordiscava sensualmente o lóbulo de sua orelha.
Joe não quis brigar com ninguém. Ele é assim mesmo com todos.
Não comigo. Nem com minha esposa.
Esposa temporária — Andrea completou.
Thor afastou-a e seus olhos faiscaram, assustando-a.
— Contou a ele que nosso casamento é temporário?.
— Não.
Ele nunca deverá saber. Nunca — Thor insistiu.
Eventualmente acabará descobrindo.
Como?
Quando nos divorciarmos.
Um sorriso misterioso curvou os lábios de Thor. Beijou-a mais uma vez com gentileza, carinho e uma paixão tão doce, que Andrea precisou agarrar-se às suas costas para não vacilar.
Desde que não seja antes do prazo estipulado, dou-me por satisfeito. Andrea, Andrea. Minha casa está muito vazia sem você. Quando voltará para lá?
Do que você está falando? — indagou, surpresa.
Sobre a possibilidade de uma alteração nas regras. Sinto a sua falta e você também sente a minha. Os beijos que trocamos me dão essa certeza. Não há razão que nos impeça de desfrutarmos do nosso casamento, dure o tempo que durar.
Furiosa com a proposta, furiosa consigo mesma, Andrea se desvencilhou do abraço com um movimento abrupto. Por um minuto, chegara a acreditar que seus sonhos pudessem se tornar realidade.
— Se esse era o único propósito de sua visita, pode voltar pelo mesmo caminho que veio. Estou ocupada. Trabalho é o que não falta por aqui.
Thor hesitou. Era óbvio que estava disposto a discutir o assunto. Por alguma razão, porém, acabou optando por relevar a dispensa.
Era o propósito mais importante, mas não o único. Se você preferir, poderemos discutir nosso outro problema.
Outro problema? — Andrea franziu o cenho.
Sem elucidá-la de imediato, Thor retirou um papel de dentro do bolso.
Está me parecendo uma fatura — Andrea comentou.
Sim, a sua fatura. — As feições de Thor se contraíram. — Por que seus preços continuam tão altos? Chegam a ser absurdos!
Absurdos? Entrego-lhe uma mercadoria acima de qualquer padrão de qualidade e você reclama?
Thor inspecionou lentamente cada canto, cada móvel do escritório.
— Acho que estou começando a entender. — Ele apontou para as pilhas de papéis. — Olhe para este lugar. Está um caos. Como é possível alguém dirigir um negócio quando oão tem capacidade para se organizar?
Pela primeira vez, Andrea tentou analisar sua sala sob o ponto de vista de Thor. De certa forma, ele estava certo. Um cliente ou um fornecedor poderia se impressionar de maneira negativa, caso a visitasse naquele local.
Eu sei onde encontrar cada coisa, embora pareça o contrário. Diga-me o que quer e eu lhe darei a informação em seguida.
Couve-flor. Quero ver a nota de compra das caixas de couve-flor.
Em três segundos exatos, Thor a tinha em suas mãos.
— Admito que sua margem de lucro entre a compra e a venda está dentro dos padrões. O problema, então, não se encontra nesse ponto. Como você costuma encomendar os produtos?
-— Geralmente compro dos mesmos fornecedores e intermediários. Quando o estoque de certo item está baixo, faço uma encomenda. De vez em quando, são eles que ligam para oferecer mercadorias a preços promocionais.
Você costuma pechinchar?
Pechinchar?
Barganhar, negociar, pedir descontos. Todo o mundo faz isso. E assim que funciona a engrenagem. — Ele a olhou com desconfiança. — Pensei que tivesse sido criada neste meio.
Eu fui.
Andrea corou ao sentir que sua maior fraqueza estava prestes a ser descoberta. Sim, fora criada entre as paredes da Constantine, mas não para dirigi-la, principalmente porque seu pai nunca tivera a boa vontade de ensiná-la sobre os macetes dos negócios. Não antecipara a necessidade. Não admitira passar as rédeas para uma mulher, em tempo algum. Controlara sempre sozinho toda a parte relacionada às compras e estocagem dos inventários. O que sobrara para a filha fazer, exceto cuidar da contabilidade?
Nos últimos sete meses, ela se dedicara à empresa de corpo e alma. Desde a morte do pai, passara cada minuto tentando descobrir e compor o jogo. Não era sua culpa que, a cada vez que pensava estar próxima à vitória, viesse alguém lhe dizer que as regras haviam mudado.
Sei o que significa pechinchar. Só não sei empregar o termo.
Muito bem. Traga champanhe. Vamos comemorar. Ora, Andrea, você anda voando às cegas e é orgulhosa demais para admitir.
Não é verdade. Eu...
Enganei-me a seu respeito. Sempre pensei que você estivesse, ao menos, familiarizada com os negócios.
Mas eu estou.
Também acreditei que seu maior problema fosse com relação aos concorrentes e fornecedores, que acharam por bem aproveitarem-se pelo fato de você ser uma mulher.
Sim, mas...
Jamais havia me ocorrido que você não está em condições de administrar a empresa.
Eu estou! — Andrea se defendeu. Era difícil dizer a verdade, mas ela não via outra escapatória. — Sou inexperiente, mas não incapacitada para este tipo de trabalho.
Você, inexperiente?
Nick sempre fez questão de assumir sozinho toda a administração. Eu não participava com ele dos negócios propriamente ditos.
E quanto às compras?
Marco é o encarregado da supervisão dos estoques. Como Nick sempre cuidou sozinho das compras, eu assumi essa parte.
O que mais?
O que está querendo dizer? —- Ela se moveu na cadeira, inquieta e nervosa.
O que mais se omitiu a declarar? Sobre quais outros problemas eu deveria saber?
O empréstimo. Sobre esse problema, ela guardaria silêncio. Tinha certeza de que conseguiria saldar a dívida, agora que podia contar com a ajuda dos Thorsens. Talvez, se lhe desse apenas uma ligeira pista quanto ao aspecto financeiro da Cons-tantine, Thor a deixasse em paz.
— Há algumas contas a serem pagas. É por essa razão que a empresa não vem alcançando o mesmo índice de lucros do passado. Mas agora que estamos unidos, e com um pouco de economia, tenho certeza de que a Constantine voltará a ser o que era.
—- Que contas são essas?
O telefone tocou naquele momento.
— É Rainer. — Andrea atendeu.
Não perdeu um único movimento do marido, enquanto ele falava. Passou a mão pelos cabelos, como sempre fazia quando estava impaciente, e respondeu as perguntas do irmão com rapidez e eficiência. Era um homem inteligente e fascinante.
Sempre gostara de observá-lo. Sempre se sentira atraída por ele. Desde o primeiro instante em que o viu, de pé, na área de expedição da Constantine. E ele também se sentira atraído por ela. Mesmo depois de romperem o noivado, continuaram se querendo. Só que Thor nunca permitira que a paixão falasse mais alto do que o bom senso.
Até agora. No momento em que surgia qualquer problema que pudesse ameaçar seus negócios, ele o resolvia, custasse o que custasse. Não estaria com uma aliança no dedo, caso tivesse encontrado algum outro caminho mais fácil.
Andrea apertou as mãos e guardou-as dentro dos bolsos de sua calça jeans. O que não podia ser mudado, podia ser ignorado. E se não pudesse ser ignorado, ao menos mantido a uma distância segura.
Ele desligou e encarou-a.
— Onde estávamos?
Discutindo sobre suas contas. Mas não seria ela quem iria lembrá-lo. Mudara de ideia quanto a se expor totalmente a Thor. Ele não era o único ali a ser capaz de colocar os negócios em primeiro lugar.
Você estava analisando minhas falhas profissionais e havia decidido que a culpa era minha, e não dos homens inescrupulosos, pela má situação em que se encontra a Constantine.
Você ficou aborrecida, não é?
Sim. Agora estou esperando pelas soluções, se as tiver. Estou aberta a críticas, mas que ao menos sejam construtivas.
Está se referindo aos nossos problemas comerciais ou pessoais?
Comerciais. — Andrea cerrou os dentes. — De minha parte é só isso que existe entre nós. Não há nada pessoal.
Deve estar sofrendo de um lapso de memória, querida. Mas não se preocupe. Sei como curá-la.
Não!
Tenho pensado — Thor se levantou e começou a caminhar lentamente na direção de Andrea —, que você já teve um prazo suficiente para se acostumar ao seu novo estado civil. Está na hora de colocarmos algumas regras novas em prática.
Não, obrigada. — Eía recuou. — Estou satisfeita com as regras, assim como estão.
Você vai morar comigo.
De jeito nenhum.
Maridos e esposas devem viver juntos.
Eu fiz um juramento, lembra-se? Para minha tia Martha.
O nome era Matilda.
Seja quem for.
Não diremos a ela. — Thor deu de ombros. — Eu cozinharei e você cuidará da casa.
Detesto cuidar de casa.
Então inverteremos as funções.
Não sei cozinhar.
Contrataremos uma empregada.
Thor quase tropeçou em uma cadeira, mas conseguiu agarrar Andrea, antes que ela lhe escapasse. Ele se sentou e colocou-a no colo.
Estávamos falando sobre negócios. — Andrea virava o rosto de um lado para o outro, para que Thor não conseguisse beijá-la.
Certo. Eu virei trabalhar com você até que as coisas melhorem. A sala de Nick não está sendo usada. Se não tiver objeções, eu me instalarei por lá.
De que adianta eu objetar, se você sempre acaba fazendo tudo o que quer?
Thor prosseguiu como se Andrea não o tivesse interrompido.
Trarei minha secretária, também. Em poucos dias, ela colocará a papelada em ordem.
Não poderei pagá-la.
— A secretária é minha e sou eu quem cuida de seu salário. Não se preocupe. Você não precisará gastar um tostão.
Ela realmente estava precisando de ajuda. Se trabalhar diariamente com Thor era o preço que teria de pagar para salvar a Constantine, ela o pagaria.
Mas, afinal, a quem estava tentando enganar? Ver Thor diariamente seria o máximo!
Aceito. Porém, não me mudarei para sua casa.
Então eu me mudarei para a sua.
Não!
Os acordos não funcionam de um lado apenas. — Thor balançou a cabeça. — As partes devem chegar a um entendimento mútuo. Cada uma cede em alguma coisa. Eu cedi quanto ao local de trabalho. Agora é sua vez de ceder.
Ela queria ceder. Deus, como queria. Mas em menos de seis meses teria de viver baseada na decisão daquele dia. Para poder sobreviver depois da separação, precisaria se manter firme.
— Pode parar de acariciar meu braço. Não vai funcionar. Eu cedi na administração dos meus negócios. Você terá de ceder quanto ao nosso acordo de não morarmos juntos.
A mão de Thor subiu até a nuca de Andrea.
Tem certeza? — ele ainda tentou convencê-la.
Absoluta. E então? Estará no escritório do meu pai amanhã cedo?
Pode contar com isso. — Ele se levantou. O amante apaixonado havia desaparecido, dando lugar ao dinâmico homem de negócios. — Pode contar com mais uma coisa. Você viverá comigo como minha esposa. Talvez não esta noite. Nem a próxima. Mas em breve. Muito breve.
Andrea não havia percebido que ficara com a respiração suspensa até Thor sair. Sua situação estava ficando cada vez mais perigosa. Por quanto tempo ainda conseguiria mantê-lo sob controle? Por quanto tempo ainda desejaria mantê-lo?
O telefone tornou a tocar.
Srta. Constantine? Fala Jack Maxwell.
Meu nome agora é sra. Thorsen — ela o corrigiu. — Casei-me com Thor Thorsen há pouco mais de duas semanas.
Thor Thorsen? Da Produtos Thorsen?
Ele mesmo.
Quer dizer que não está mais interessada em vender sua empresa?
Infelizmente não.
Sinto ouvir isso. Sabe, eu conheço o seu marido. Ele é um bom negociante. Tenho certeza de que conseguirá pôr ordem na Constantine.
Obrigada por sua preocupação. — A voz de Andrea gelou.
Desculpe, se eu me expressei mal, mas em nossa profissão é difícil para uma mulher tocar o barco sozinha. Fico contente em saber que poderá contar com alguém do ramo para ajudá-la.
Mesmo que isso o tenha feito perder a oportunidade de comprar a Constantine.
Mesmo assim. Não vou mentir para você. Teria sido ótimo comprar sua empresa por um.preço baixo. Mas mesmo que a Constantine seja colocada a venda por um preço justo, eu gostaria de ser o primeiro a saber.
O homem era honesto, direto e educado. Se algum dia mudasse de ideia, Andrea se lembraria dele.
Será o primeiro a saber, prometo, mas se eu fosse o senhor não contaria muito com essa possibilidade.
A esperança é sempre a última que morre — Jack Max well respondeu e desligou.
Andrea ficou olhando para o telefone por algum tempo. Um sorriso pairava em seus lábios. No final, tudo sempre dava certo. Há poucas semanas, seus problemas quase a sufocaram, e Thor surgira para salvá-la. Não fosse ele, teria sido Jack Maxwell.
Andrea trabalhava até tarde todas as noites. Seu orçamento para o mês estava quase esgotado e ela não podia se dar ao luxo de dormir mais uma vez em um hotel. Subiria até o sótão e descansaria um pouco. Não havia mais o que temer. Harts-worth não se atreveria a levantar um dedo contra ela, depois de seu casamento com Thor.
Apagou a luz do escritório, trancou a porta e se dirigiu às escadas.
— Srta. Constantine? Quero dizer, sra. Thorsen?
Willie, você me assustou!
Desculpe. O que a senhora está fazendo aqui a esta hora? Esqueceu alguma coisa? O sr. Thorsen está com a senhora?
Não. — Ela deveria ter previsto essa situação. — Precisei trabalhar até tarde e terei de começar bem cedo, amanhã. Achei melhor dormir aqui do que voltar para casa.
Não acho que seja uma boa ideia, considerando-se a invasão de poucos dias atrás. O seu marido está sabendo? —Willie se mostrou desconfiado.
Acha que eu estaria aqui, se ele não soubesse? —- Acho que não.
Estou muito camada, Willie. Boa-noite.
A senhora ainda tem a barra de ferro que lhe dei?
— Claro. — Andrea começou a subir os degraus. Sentia-se culpada por mentir ao homem tão bem-intencionado, mas não tinha outra escolha. Abriu a porta do sótão e estremeceu. Agora que estava casada, o lugar lhe parecia ainda mais patético, mais solitário.
Disposta a não se deixar dominar pela autopiedade, Andrea resolveu preparar uma xícara de chá. A garrafa térmica, porém, estava vazia. Sem coragem para descer e buscar água, despiu-se, vestiu a velha camisola vermelha de listras brancas e deitou-se.
Dois segundos depois, jogou a coberta de lado e saiu em busca da barra de feno. Encontrando-a, voltou para a cama. A barra de ferro ficaria sob o travesseiro. Assim, se alguém resolvesse bancar o engraçadinho, ela estaria preparada para se defender.
Por cerca de uma hora, à espera do pior, Andrea estremeceu a cada estalido, a cada mínimo som da noite. Estava quase dormindo, enfim, quando ouviu ruídos vindos do andar de baixo. Imediatamente sentou-se e se armou com o ferro. Seu coração parecia querer saltar do peito.
Era Willie, tentou se acalmar. Com a preocupação de verificar se estava tudo bem, acabara deixando cair alguma caixa. Não havia o que temer.
Passos pesados subiam as escadas. Faltavam seis degraus para chegarem à sua porta. Andrea tentou engolir, mas sua garganta ficara repentinamente seca. Se era Willie, por que não a chamara como costumava fazer?
Cinco degraus. Ela arregalou os olhos. Talvez não fosse Willie.
Quatro degraus. A porta estava trancada? Não se lembrava.
Três degraus. Correu para verificar.
Dois degraus. A maçaneta girou com facilidade.
Um degrau. Ela tentou desesperadamente girar a chave.
A porta se abriu, empurrando-a para trás. Uma figura alta e escura se recortou contra o batente. Andrea se pôs a gritar e a agitar a barra de ferro.
Que diabos está fazendo? — Uma mão enorme desarmou-a.
Thor!
Naquele instante, o quarto se tornou ainda mais escuro, se isso fosse possível.
Quando Andrea voltou a si, encontrou os rostos 'de Willie e Thor curvados sobre o seu. O primeiro demonstrava preocupação. O último, raiva.
Você está bem? — perguntou Thor.
Acho que sim. Quase me matou de susto.
Considere-se feliz por eu não ter feito nada pior. Que diabos está fazendo aqui a uma hora dessas, afinal? Pensei que fosse um ladrão.
Tentando dormir, — Andrea exibiu a camisola.
Ela disse que seria só por essa noite — Willie procurou se justificar.
Thor imediatamente se dirigiu ao guarda-noturno.
— Poderia nos dar licença, por favor? Minha esposa e eu precisamos ter uma conversa em particular.
Assim que o homem se foi, Thor a fitou como se fosse uma criança mimada e travessa, merecedora de um bom puxão de orelha.
Quem falará primeiro?
Eu não — Andrea respondeu.
Então, eu começo. — Ele cruzou os braços.
Olhe, não é tão sério quanto parece — Andrea tentou se justificar. — Eu me cansei do hotel, por isso voltei para cá. Não será para sempre. Apenas por seis meses. Depois desse período, procurarei um outro lugar. Você não tem com o que se preocupar. Willie sempre cuidou bem de mim.
Naquele momento o rosto de Thor enrubesceu, para em seguida empalidecer.
— Há quanto tempo você mora aqui?
Não muito.
Eu lhe fiz uma pergunta clara!
Não contando a noite em que dormi na casa de seus pais, e o sábado e o domingo na sua, mais as duas semanas no hotel, moro aqui há trinta e dois dias.
Por quê, Andrea?
Porque tive de vender a casa em que vivi com Nick. —Ela se abraçou ao travesseiro em busca de proteção contra o olhar contundente de Thor. — Eu precisava de dinheiro para pagar uma dívida.
Quero que me conte tudo, Andrea. Desde o princípio.
Não há mais nada a contar.
Não estou com disposição para brincadeiras, querida. Estou avisando. Nick deixou-a em má situação, não é? Sem dinheiro para pagar as dívidas que ele deixou, você teve de vender a casa. Sem um teto para se abrigar, mudou-se para este sótão.
Se já está ciente de toda a história, o que ainda quer que eu conte?
Thor se levantou e se afastou em direção a porta.
Qual o montante total da dívida?
Ainda falta muito para eu me ver livre dela, mas acabarei conseguindo.
Acabará conseguindo saldar a dívida, mas não pode pagar por um teto. É isso?
Sim — ela admitiu, ressentida.
Eu te avisei que a levaria de volta para a minha casa, caso você não corresse o bastante para se proteger na sua.
Vista-se. Você vai comigo.
Agora?
Imediatamente.
Sem saída, Andrea fez o que ele mandava.
Traga uma muda de roupa.
Não será preciso. Eu poderei me trocar aqui.
Foi só nesse momento que Andrea percebeu o quanto Thor estava furioso. Ele se levantou, os braços caídos ao longo do corpo, os punhos cerrados. Ela não ousou se mexer.
— Daqui a uma hora, este lugar estará completamente vazio. Jamais tornará a pôr os pés aqui.
Você não pode me dar ordens!
Sou seu marido.
Não tem o direito de me obrigar a morar onde não quero. Não é realmente meu marido. — A mágoa venceu a discrição.
— Você só se casou para salvar sua preciosa conta Milano. Não sente nada por mim!
Não sinto? — Ele segurou-lhe os braços com tanta força, que Andrea pensou que fosse sacudi-la. Em vez disso, abraçou-a. — Será que você não entende? Já pensou no que os homens de Hartsworth poderiam ter feito, caso a encontrassem aqui, sozinha?
Você me disse que eles nunca mais voltariam.
Não voltarão, mas mesmo que voltassem, não a encontrariam porque a partir desta noite você morará comigo. Não adianta querer discutir.
As esperanças de Andrea se renovaram. Thor parecia realmente disposto a protegê-la. Não estava pensando apenas nos negócios. Tentando não demonstrar a felicidade que estava sentindo, retrucou:
Está bem, mas quero ter meu próprio quarto.
O quarto pode ser todo seu. A cama, porém...
Espere um pouco!
Foi você quem reclamou. — Thor se fez de desentendido.
— Parece haver dúvidas em sua mente quanto a veracidade do nosso casamento. Pensei em acabar com essas dúvidas de uma vez por todas.
— Não tenho mais dúvidas. — Ela arregalou os olhos.
Creia-me. Será um grande prazer lhe provar que sou seu marido.
Vá para o inferno!
— Não, querida. Irei para o paraíso e a levarei comigo. Ignorando os protestos de Andrea, Thor a retirou do sótão
e a levou para o carro, sem lhe soltar a mão. Nenhum dos dois falou durante o trajeto. Vinte minutos depois estavam diante do bangalô. Seria maravilhoso morar naquela casa com Thor. Não fosse por seus princípios, ela teria ficado ali desde a primeira noite.
Ele abriu a porta e fez com que entrasse.
Sabe onde pode guardar suas coisas. É tarde e precisamos acordar cedo amanhã.
Andrea permaneceu junto a entrada, completamente imóvel. Poderia enfrentá-lo no mesmo local de trabalho e até na mesma casa, mas dormirem na mesma cama...
— Aconteceu alguma coisa? — Ele a fitou, inquisitivo.
— Eu... eu não vou dormir com você. Thor se aproximou e a fez encará-lo.
— Vai, sim. Não esta noite, nem amanhã. Duvido que isso aconteça também depois de amanhã. Mas um dia destes você será minha esposa de fato, e não apenas no nome. Agora, descanse. Parece necessitada.
E foi o que ela fez.
As quatro semanas seguintes foram as mais difíceis da vida de Andrea. Não imaginara que seria tão duro passar o controle de sua empresa para as mãos de outra pessoa. Já bastara viver sob o domínio do pai, para agora substitui-lo por um marido. Não que Thor tentasse neutralizá-la. Eles se dedicava mais às análises e decisões. Porém, caso as decisões dele fossem contrárias às dela, as dela eram imediatamente descartadas.
Mas, com os lucros aumentando, como discutir?
Não era justo. Todos os seus empregados o adoravam. Ela aprendera mais naquelas quatro semanas do que nos últimos quatro anos. A qualidade de seus produtos continuava excelente. Os custos, no entanto, haviam caído notavelmente. Tudo caminhava de forma tão perfeita, que, às vezes, ela sentia vontade de gritar.
Mas essa não era a parte do acordo que mais a perturbava. Pior que isso era que Thor não cumprira a promessa de tornar seu casamento uma realidade.
Irritada, Andrea chutou uma inocente caixa de pimentões.
— Vejam só! Parece que nem tudo são flores no paraíso! — Rainer comentou às suas costas.
Andrea se virou naquela direção e sorriu ao ver quem o estava acompanhando.
Jordan! Mal posso acreditar que esteja aqui!
Rainer precisava tratar de negócios com Thor e eu aproveitei a carona.
Não a deixe caminhar por aí — Rainer avisou. — Ela
só pode ir até o seu escritório, sentar-se, e depois voltar para o carro.
Não se preocupe — Andrea concordou. — Se algo acontecesse com a minha amiga, eu nunca me perdoaria.
Vou acabar mimada com o excesso de cuidados. —Jordan fez uma careta. — Rainer não me deixa em paz um só instante.
Não quando se trata da segurança de minha esposa e de minha criança.
Percebeu que ele não disse "meu filho"? Está com medo que eu o presenteie com gémeas.
Rainer envolveu a ampla cintura da esposa com o braço e ajudou-a a subir as escadas.
— Eu adoraria uma menina. Ou duas. Duas, quem sabe, até seria mais interessante. Você ficaria tão ocupada que não teria mais tempo de se meter em confusões.
Andrea os observava com uma pontinha de inveja. Seguiu-os até o escritório de Thor e depois levou Jordan para sua própria sala.
Nossa! Que aconteceu? Você foi roubada? A sala está tão vazia.
Aposto que você nunca tinha visto o tapete. — Andrea piscou.
Nem a mesa, nem as cadeiras. O que aconteceu com a papelada?
Thor. O que mais? Ele decidiu que a Constantine precisava ser organizada. Incumbiu-me de uma tarefa externa, e quando eu voltei, encontrei minha sala neste estado.
Então Rainer estava certo. Nem tudo são flores no paraíso.
Digamos que não será fácil você ganhar aquela caixa de maçãs. Thor só sabe pensar nos negócios. Agradeço a ele por ter salvo a minha empresa. Só que, às vezes, sinto-me deprimida. Gostaria de conseguir mais da vida.
Eu a compreendo inteiramente.
Andrea pestanejou. Nunca havia imaginado que Jordan também tivesse problemas de relacionamento com o marido.
— Por que será que os negócios sempre vêm em primeiro lugar para os Thorsens? — Andrea suspirou.
No caso de Thor, a responsabilidade é de Alaric.
O que o pai dele tem a ver cóm seu modo de encarar a vida?
E bem próprio de Thor se calar sobre seus problemas. Eu mesma levei um século para tirar a informação de Rainer.
De que se trata? — Andrea mal podia conter a curiosidade.
Thor se sente culpado pelo fato do pai estar em uma cadeira de rodas.
Por quê? O que aconteceu?
Um acidente. Há dezesseis anos.
Thor tinha apenas vinte anos na época, Andrea calculou.
A culpa foi realmente dele?
Não, na minha opinião — Jordan afirmou. — Thor estava de férias da faculdade e viera passar o verão com os pais. Alaric pediu que o ajudasse" a descarregar um caminhão. Por ter um compromisso, Thor pediu que o pai esperasse até o dia seguinte, mas ele não quis esperar. Toda a carga desabou sobre ele.
Andrea cerrou os olhos, horrorizada.
Thor quase enlouqueceu. Desistiu dos estudos e assumiu os negócios do pai. Aprendeu tudo sozinho. Rainer me contou que eles passaram por uma fase muito difícil. O pai ficou hospitalizado por seis meses.
Ele nunca voltou a estudar?
Não. Desde aquela época, os negócios passaram a vir em primeiro lugar em sua vida. Rainer diz que ele tem medo. Diz que Thor se recrimina por não ter colocado os negócios em primeiro lugar, quando o pai lhe pediu ajuda.
Era difícil de acreditar. A situação de Thor fora quase idêntica à sua. Seu pai morrera e lhe deixara a empresa, sem que ela soubesse como dirigi-la. O pai de Thor sofrera um acidente e o filho tivera de assumi-la sem ter experiência. E ambos lutaram com todas as suas forças para vencer. Por que ele não lhe contara?
Não que isso explicasse a razão por tê-la evitado durante as últimas quatro semanas. Ele prometera que... Droga! Ela não queria que o casamento realmente se consumasse, queria?
Sim, queria. Amava Thor. Desejava partilhar toda a sua vida com ele, e não apenas seus negócios.
Não sei o que fazer — desabafou. — Não sei como chegar até ele.
Ame-o apenas — Jordan sugeriu. — Thor já deve este cansado de cuidar da família, dos negócios, dos problemas dos outros. Ele precisa de uma companheira, não de mais um dependente.
Era precisamente isso que ela era. Mais uma dependente. O pior é que teria de continuar a ser, ao menos até que aprendesse a cuidar sozinha de sua empresa.
— Obrigada, Jordan. Você é uma boa amiga. Que acha de irmos ao encontro dos nossos maridos?
Os dois irmãos estavam cabisbaixos e com idênticas expressões de frustração.
O que aconteceu? — Jordan tentou ler o papel que Rainer estava segurando. — Capitão Alexandre, outra vez. Por que querem tanto negociar com ele?
Ele é dono de uma frota de rebocadores. Sua conta significaria o dobro da Milano — Thor explicou.
Andrea se lembrou subitamente das feições daquele homer desagradável. Conhecera-o na recepção de seu casamento. Lembrava-se, também, de tê-lo visto se servindo repetidas vezes das sobremesas italianas preparadas por Joe.
Ele não quis fazer negócios com vocês? — Andrea indagou, interessada.
Não. Já tentamos de tudo. Resta-nos apenas desistir Rainer murmurou.
— Querido, acho que está na hora da aula de preparação para o parto — Jordan comentou. — Hoje treinaremos a respiração.
Andrea ficou olhando o casal se afastar. Pareciam se adorar. Thor, no entanto, continuava analisando os papéis espalhados sobre a mesa. Será que, um dia, ela também o teria dedicado e apaixonado como um marido de verdade?
Passaram-se mais dez dias, sem que Andrea conseguisse penetrar através do muro de proteção que Thor construíra ao seu redor. Ele trabalhava até altas noites, diariamente. Tinha pressa de colocar a Constantine em ordem para poder voltar a sua própria empresa. E logo ela também estaria apta a administrar as compras, as vendas e as finanças. Lenta, mas inexoravelmente, Thor estava se distanciando dela. As lágrimas marejaram seus olhos.
Sra. Thorsen? — Marco espreitou pela porta. — Chegou o carregamento de alface. Poderia vir dar uma olhada? As alfaces estão cobertas de lama.
Irei em seguida. — Andrea se virou e enxugou discretamente o rosto.
Coloco.u-se junto ao operador da empilhadeira e ficou esperando que ele retirasse a primeira caixa. Fora ela quem fizera a encomenda e não admitiria que tentassem novamente passá-la para trás. Com um pouco de sorte, não seria lama mas alguns vestígios de terra, resultantes das chuvas recentes. Estava tentando espiar dentro da caixa, que acabara de ser retirada, quando ouviu um grito.
— Andrea! Cuidado!
Ela se afastou rapidamente, mas Thor se moveu com maior rapidez ainda. Saltou sobre ela e a derrubou para o lado, no exato momento em que uma pilha de caixas desabou e se espatifou no chão.
— Thor! Você está bem? — Ela quis saber, aflita. Uma mancha de sangue estava se espalhando na manga de sua camisa.
Oh, Deus, não permita que eu me sinta mal, Andrea rezou. Não aqui, diante de todos os meus empregados, e principalmente quando Thor necessita de mim.
— Você se machucou? — Thor indagou, sem se importar com o seu próprio ferimento.
Ela negou com um movimento de cabeça.
Todos os funcionários assistiam, mudos, a cena. O responsável pela empilhadeira não sabia o que fazer. Thor os acalmou, pedindo que cada um voltasse para seu trabalho. Ele e a esposa, porém, não continuariam na empresa aquele dia.
Foi só durante o trajeto para casa que Andrea começou a sentir os músculos doloridos.
Nenhum dos dois parecia ter forças para sair do carro.
— Será que conseguiremos chegar até o banheiro? — Andrea abriu a porta e desceu com a agilidade de uma senhora de noventa anos. — Aposto que um banho quente faria maravilhas.
Chegando no quarto, Andrea tirou cuidadosamente a roupa. O ombro e o quadril apresentavam hematomas enormes.
Deve estar doendo muito — Thor murmurou, da porta, com um tubo de pomada na mão.
Teria sido pior, se a caixa tivesse caído em cima de mim — respondeu, tentando disfarçar o embaraço por estar apenas de calcinha.
Não tenho tanta certeza.
E o seu ombro?
Foi só um arranhão.
A pomada é para mim?
Oh, sim, desculpe. Deixe-me ajudá-la. — Thor aplicou o bálsamo refrescante com as pontas dos dedos, enquanto a beijava delicadamente ao redor das contusões. Ao terminar, a dor havia sido esquecida, dando lugar a um intenso desejo.
Querida, não me faça esperar mais — ele sussurrou.
Quando penso no que poderia ter acontecido hoje...
Os olhos de Andrea escureceram.
Você também poderia ter morrido.
Seja minha esposa.
Só havia uma resposta a esse pedido. Ela o amava. Queri dar uma chance ao seu casamento. Queria se entregar ao marid de todas as maneiras. O passado não tinha mais qualquer sig nificado. Só o futuro contava.
— Sim, eu serei.
A respiração subitamente acelerada, Thor ergueu-a nos bra ços e a carregou até a cama. Tratou-a com carinho e paciência. Tocava-a como se ela fosse uma jóia preciosa, que poderia se quebrar. Andrea sentia o amor inundar todo o seu corpo. Queria seu marido mais do que tudo no mundo. A explosão de desejo, há tanto tempo contido, levou-os a um êxtase indescritível.
Quanto tempo perdido! — Andrea se aconchegou ao marido como uma gatinha.
Você não queria.
É que eu não imaginava o que estava perdendo. Por que não me explicou? — Ela o provocou.
- Nenhuma explicação teria feito jus à pratica.
Talvez se você tivesse insistido...
—: Posso tentar mais uma vez, se você acha que valerá a pena.
Oh, sim, tenho certeza.
Nick sempre quis ter um filho, e não uma filha. Talvez tivesse me ensinado tudo sobre os negócios, caso eu tivesse nascido homem.
Não foi o que aconteceu comigo. — Thor rolou sobre a cama e se apoiou sobre um cotovelo. — Embora fosse homem, nada sabia a respeito da empresa. Com o acidente, nós quase perdemos tudo.
Deveria ter me contado.
O que havia para ser contado? Era uma questão de dever. Responsabilidades não são para serem discutidas, mas assumidas.
E é isso que eu sou? Uma responsabilidade?
A melhor das responsabilidades. Você é uiha esposa.
Não quero ser mais um fardo sobre suas costas. Quero muito mais do nosso casamento.
Às vezes, é preciso aceitar aquilo que estiver ao nosso alcance. Por que não aproveitamos este momento a sós, por exemplo? — Ele propôs.
Levei quatrocentas horas para construi-lo — Thor comentou.
Foi você mesmo quem providenciou o material e os cálculos?
Fui. Tenho um amigo que é engenheiro naval. Ele se ofereceu para me ajudar.
Andrea tentou imaginar a quantidade de tempo e esforço que Thor despendera em sua criação.
Por que resolveu fazê-lo?
Acho que a razão se prende à minha herança norueguesa. Os vikings eram pessoas incríveis, e eu descendo deles.
Você também é um homem incrível, sr. Thorsen. Estou feliz por ter me casado com você.
E eu com você.
Bem, eu já lhe falei sobre meus barcos. Agora conte-me sobre seus prismas.
Eles trazem os arcos-íris para dentro de nossas casas Andrea brincou. — Ao vê-los sinto esperança pelo amanhã. Eles me ajudam a superar os problemas imediatos, com olhos em direção a um futuro melhor.
Fé?
Fé e confiança. Acima de tudo, a esperança.
E bonito.
Andrea tocou o brinco de ouro em forma de martelo.
Força e poder? — tentou adivinhar.
Determinação — Thor confessou.
Como alguém que bate na mesma tecla, até conseguir vencer?
— Até conseguir ter sucesso. Há uma diferença entre ambos os fatos.
Qual? — Andrea o fitou, intrigada.
Quando alguém ganha, o outro fatalmente perde. Quando se tem sucesso, os obstáculos foram superados e o objetivo foi alcançado. A diferença é sutil, reconheço, mas muito importante.
Esperança e determinação — Andrea murmurou.
Juntas são invencíveis, você não acha? — Thor a atraiu de encontro ao peito.
Uma combinação perfeita.
Você nunca me contou o que Joe Milano lhe disse para que mudasse de ideia a respeito do nosso casamento.
Andrea suspirou.
Ele me disse que você se aproximou de César com o intuito de sugerir que a Milano rompesse seu contrato com a Constantine. Dessa forma você poderia negociar diretamente com eles e assim aumentar seus lucros. Como sua tentativa não foi bem-sucedida, nosso noivado lhe pareceu a solução perfeita. Uma jogada de mestre.
Milano teve o desplante de inventar uma mentira dessas?
— Thor explodiu.
— Bem, ele não usou exatamente as mesmas palavras. Disse que a proposta fazia sentido. Que era prática e interessante.
— Andrea fez uma pausa. — Eu não poderia aceitar esse tipo de jogo. Queria me casar por amor, não por conveniência.
Thor abraçou-a com mais força ainda.
— Eu havia prometido a mim mesmo que jamais lhe contaria a verdade, mas creio que a importância da revelação é tão grande, que supera a quebra de minha palavra.
Você está me assustando!
Nick ofereceu você como uma espécie de suborno a fim de garantir a negociação com a Milano, tanto era seu interesse na conta. Afirmou que poderia responder por sua cooperação. Não conheço a razão por ele ter feito a oferta, mas desconfio que havia percebido o quanto eu me sentia atraído por você. — Thor olhou no fundo de seus olhos. — Milano não estava se referindo à minha jogada de mestre, mas de seu pai.
Pela primeira vez Andrea acreditou na explicação de Thor. Era próprio de seu pai lutar pelos interesses da Constantine acima de qualquer coisa. Usar a filha, como uma espécie de barganha, deveria ter sido o ato mais normal do mundo para ele. Andrea baixou os olhos e tentou entender a razão por que o pai nunca gostara dela. Provavelmente nunca saberia. Olhou rapidamente para Thor. A dor que sentia deveria estar espelhada em seus olhos.
Que resposta você deu a ele?
Nenhuma. Mantive a boca fechada, rezando apenas para que tudo desse certo, no final. Talvez eu tenha errado. Talvez devesse ter me afastado e desistido de fazer negócio com a Constantine. Não sei.
Se não era por interesse, então, por que você me pediu em casamento?
Porque eu queria me casar com você.
Thor estava prestes a beijá-la, talvez a lhe declarar seu amor, quando foram interrompidos pelo toque do telefone.
Alô? Sim. Eu estarei aí em seguida. — Thor desligou e se levantou de um salto. — Houve um problema no depósito. Preciso verificar.
Você vai sair? Agora? — Andrea protestou, incrédula.
Trata-se de uma emergência. Estão precisando de mim— Thor se justificou.
Mas eu também preciso de você. Nós ainda nem terminamos nossa conversa. — Aliás, mal a começamos, Andrea pensou consigo mesma.
Eu sei, querida. Voltaremos a ela mais tarde. — Thor vestiu a camisa e o jeans com movimentos rápidos. Sentou-se na beira da cama e depositou um beijo leve, mas caloroso, nos lábios de Andrea. — Temos muito tempo pela frente. Antes tenho de resolver esse problema.
Andrea não conseguia acreditar em seus ouvidos.
— Antes do nosso? Será que os negócios sempre virão em primeiro lugar?
Não. Em primeiro lugar, as prioridades, e neste momento está acontecendo um problema que apenas eu posso resolver. Preciso ir, Andrea. Não vou demorar.
Espere um minuto. — Ela tentou detê-lo. — Você não pode me deixar assim!
Uma expressão irritada surgiu no rosto de Thor.
— Você não estaria discutindo caso fosse Marco quem tivesse chamado.
Quer dizer que a emergência é na Constantine?
Não. Mas não é esse o ponto aonde quero chegar. Quando nos casamos, você sabia que surgiriam situações como esta. Nenhuma empresa se dirige por si mesma. E agora, temos duas com que nos preocupar.
Andrea sentiu-se enrijecer.
Quantas vezes ouvira seu pai usar aquelas mesmas palavras? "Nenhuma empresa se dirige por si mesma". Ele sempre as escolhera como desculpa para faltar nos momentos mais importantes de sua vida: nas festas da escola, de seus aniversários, no dia de sua formatura. Fossem os eventos importantes ou triviais, para ele significavam o mesmo, ou seja, nada.
As lágrimas começaram a deslizar por seu rosto. Aquela fora sua tardia noite de núpcias. O evento mais importante de seu casamento. Como Thor podia simplesmente se levantar e sair, deixando-a só e abandonada? Sua garganta estava seca. Tentou engolir. Tentou lhe falar uma última vez.
— Thor, por favor...
Ele pareceu hesitar, mas acabou balançando energicamente a cabeça.
— Preciso ir, querida. Você sabe que eu não a deixaria, caso não fosse absolutamente necessário.
Sim, ela sabia. O acidente de seu pai. Thor não poderia suportar se algo similar tornasse a acontecer. Compreendia-o, embora isso não mudasse seus sentimentos.
Está bem — forçou-se a dizer.
Obrigado. Tentarei não demorar.
Andrea não o acompanhou até a porta. Largou-se sobre os travesseiros e deixou que os pensamentos desfilassem por sua mente.
Fizera exatamente aquilo que jurara nunca fazer. Apaixonara-se e, o que era pior, casara-se, com um homem como seu pai. Um homem para quem os negócios eram mais importantes do que ela.
Culpava-o. Entretanto, não era melhor do que ele. Fora só Thor mencionar o nome Constantine para que todos os seus sentidos se colocassem em alerta. Virou-se de bruços e cobriu a cabeça com o travesseiro. Por que se queixava, afinal? Não se casara por conveniência? Não usara Thor, também, como seu pai sempre fizera com as pessoas?
Thor não voltou para casa aquela noite.
Pela manhã, Andrea se levantou e se vestiu para o trabalho. Uma rápida consulta ao espelho e desejou não tê-lo feito. O cansaço e a forte queda sobre o piso de concreto haviam deixado suas marcas.
Embora se sentisse tentada a rastejar de volta para a cama e dormir por uma semana, obrigou-se a caminhar até o carro. Abriu a porta e deteve-se. Deixara seu carro estacionado no pátio da Constantine, no dia anterior.
Gritar e esbravejar de nada adiantaria, falou consigo mesma. Marchou, então, em direção ao telefone e começou a discar.
— Chamarei um taxi, e nunca, nunca mais voltarei para casa sem meu carro. Quero dizer, nunca mais ficarei sem meu carro.
Alô, senhora, responda! É um taxi que está querendo? — dizia uma voz insistente. Talvez a pessoa já tivesse atendido há algum tempo e ela não percebera.
Estou ligando para o ponto de taxis, não estou? O que mais eu poderia querer? — Andrea respondeu com maus modos. A linha ficou muda. — Alô? Alô?
Alô, Andrea — Thor a chamou da porta, que deixara escancarada. — Aconteceu alguma coisa?
Andrea bateu o telefone com tanta força, que quase o quebrou.
Sabe que horas são?
Seis e meia.
Não foi o que quis dizer. Perguntei se não acha que é tarde.
Sempre achei que seis e meia fosse cedo.
Não, não é! É tarde. Onde você estava? Por que demorou tanto?
Estava trabalhando.
— É só isso que sabe dizer? É só essa a resposta que mereço? Fazemos amor pela primeira vez em nossas vidas e você me deixa, para voltar no dia seguinte com essa desculpa miserável?
Dormiu descoberta outra vez?
E daí, se eu tivesse dormido? — Andrea cerrou os dentes.
Talvez fosse conveniente fazer uma anotação e colocá-la do lado da cama, no caso de uma próxima vez.
Só faltava isso: uma briga. Fora muita bondade da parte de Thor fornecer-lhe o ensejo.
Vou lhe dizer o que farei no caso de uma próxima vez...
Ótimo — ele a interrompeu, com um bocejo de sono.
Não precisa de dar ao trabalho de me perguntar o que foi que aconteceu na empresa. Está tudo bem. Vou dormir. —Ele tirou uma chave do bolso e colocou-a na mão de Andrea.
Fique com o meu carro. Eu chamarei um taxi quando acordar. Boa-noite.
Andrea olhou, perplexa, para a chave em sua mão, e para o marido que tropeçava em direção ao quarto. Ele não se deitou; deixou-se cair, de bruços, p rosto afundado no colchão. E imediatamente adormeceu. Por alguns minutos, ela pensou em ir embora, sem um olhar para trás. Não conseguiu. Ao menos tiraria os sapatos dele.
Em poucos instantes Thor estava acomodado no meio da cama, a cabeça apoiada sobre um travesseiro, e um lençol sobre o corpo. Seu rosto parecia o de um menino.
Saiu do quarto, como se mil demónios a perseguissem, furiosa consigo mesma por se deixar impressionar por aquela expressão angelical. O amor a transformara em uma completa idiota.
Chegou no trabalho e foi diretamente à sala de Marco a fim de verificar o movimento do dia. As orientações de Thor haviam operado um milagre. Certo. Ele colocava os negócios acima de tudo, e ela preferiria que a situação fosse outra. Mas Thor tinha razão. Muita gente dependia dele. Ela se sentou e agitou os prismas que pendurara no abajur de sua sala. Eles jamais poderiam solucionar seus problemas, mas lhe davam esperança.
O otimismo caiu por terra no instante em que Andrea notou o envelope em cima de sua mesa. Não era possível. O banco lhe concedia um prazo de dez dias para liquidar o empréstimo. Deveria haver algum engano.
Telefonou para o banco e procurou a pessoa que assinava a comunicação. Seus dedos tamborilavam sobre a superfície lustrosa e vazia, em uma demonstração de pânico e nervosismo.
Fala Andrea Constantine, isto é, Thorsen. Acabo de receber uma cobrança. Creio que deva haver um engano.
Um minuto, por favor.
A espera quase a enlouqueceu. Seria possível que a gerente não soubesse do que se tratava, se fora ela quem assinara o aviso?
Srta. Constantine?
Thorsen. Sra. Thorsen.
Infelizmente não há nenhum engano.
Mas eu tenho pago os juros mensalmente.
Claro que tem. — A mulher deu uma risadinha. — De outro modo nós já teríamos tomado outras providências. O que a senhora não está entendendo é que seu empréstimo não existe. O que a senhora tem é uma linha de crédito. Há uma diferença, como deve saber.
Não, eu não sei. — Andrea mordeu o lábio.
Um empréstimo é uma quantia em dinheiro que nós lhe concedemos mediante juros estipulados e por um determinado prazo.
Não sou uma imbecil, Andrea quase gritou.
Foi isso o que meu pai fez?
Não. Ele abriu uma linha de crédito, o que significa um valor disponível para ele usar no momento que quiser, até um certo limite. Como um cheque especial. Se usá-lo, terá de cobrir seu valor, mais os juros correspondentes. Uma vez por ano, esse limite é revisto e o banco decide se estende ou não o crédito por outro período. — Fez-se uma longa pausa. — Como a senhora já teve oportunidade de verificar, o banco decidiu não prorrogar o prazo.
Andrea sentiu-se tentada a bater o telefone.
Por que não?
Seus relatórios trimestrais, as declarações de ganhos e perdas e os balancetes, todos os documentos indicam que a empresa sofreu muito com a perda de seu pai. Francamente, sra. Thorsen, nosso banco não pode assumir esse risco.
A Constantine não era mais um risco. Ela superara o problema, desde que Thor... É claro! Thor Thorsen, o homem com o nome mágico!
Talvez a senhora não tenha levado em consideração um detalhe.
Não estou entendendo.
Meu casamento. Eu me casei com Thor Thorsen, da Produtos Thorsen. O nome lhe diz alguma coisa?
A mudança no tratamento foi instantânea.
Sra. Thorsen. Eu deveria ter imaginado. Há quanto tempo se casou.
Há pouco.
Nesse caso, será um prazer para nós revermos sua linha de crédito. Peça para seu marido vir até o banco.
Quando deveremos procurá-la.
A sua presença não será necessária. Estou certa de que seu marido e eu poderemos chegar a um acordo, especialmente se ele decidir transferir sua conta para o nosso banco. Posso marcar a data de segunda-feira, às nove horas?
Andrea hesitou. A salvação da Constantine dependia de uma só palavra sua. Bastaria que dissesse...
Não.
Como? — a mulher pediu confirmação.
Obrigada por sua atenção, mas eu antes preciso falar com meu marido. Ligarei depois para marcar a entrevista.
Andrea se levantou e foi até a janela que dava para a área de expedição. Caixas de maçãs estavam sendo empilhadas, para depois seguirem para a câmara fria. Seus pensamentos, porém, estavam distantes daquele local. Por que não dissera "sim" quando tivera a chance? Não fazia sentido. Se fosse esperta, telefonaria imediatamente para a gerente do banco e confirmaria o encontro. O que a impedia?
A imagem de Thor se levantando da cama para atender a uma emergência. Também as imagens de seu pai colocando o trabalho na frente de tudo em sua vida, e a imagem dela implorando e competindo pela atenção de ambos.
Perturbada com sua própria indecisão, Andrea saiu da sala e desceu até o andar inferior. Havia chegado um novo carregamento de tomates. Estavam frescos, verme lhos, sem uma única mancha. Sentia água na boca só em olhar para eles.
Estão uma beleza, não? — Marco se aproximou. — Seu marido os comprou por um preço incrível.
Foi Thor quem fez o pedido? — Ela franziu o cenho.
Algum problema, sra. Thorsen? — Marco indagou, constrangido.
Não, não. Eu só não havia percebido o quanto dependemos de sua ajuda. Pensei que você e Terry já tivessem assumido as compras. Meu marido não os treinou para isso?
Sim, mas é ele quem sempre consegue as melhores ofertas.
Andrea se afastou, as mandíbulas cerradas. Entendia, agora, a razão de ter ficado tão zangada com a conversa ao telefone. As palavras de Jordan voltaram à sua mente.
"Thor já deve estar cansado de cuidar da família, dos negócios, dos problemas dos outros. Ele precisa de uma companheira, não de mais uma dependente".
Se Thor usasse o nome de seu estabelecimento como garantia para que o banco renovasse a linha de crédito da Constantine, ele ficaria amarrado a ela por anos. Isso deveria fazê-la feliz, mas não seria justo. Thor se sentiria na obrigação de permanecer casado com ela pelo tempo necessário para satisfazer as exigências do banco. Ela realmente queria salvar a empresa que seu pai lhe deixara, mas não a tal preço. Não seria uma atitude ética, nem razoável e certamente não seria por esse meio que tentaria conservar Thor a seu lado.
Orgulho ferido? Seria seu demónio pessoal quem a estava impedindo de pedir a ajuda que tanto necessitava?
Refletiu longa e exaustivamente. Por fim, balançou a cabeça. Jamais tentara mentir para si mesma a respeito de seus erros. E errara muito. Mas não dessa vez.
Não permitiria que os Thorsens se responsabilizassem pelas dívidas enormes que seu pai lhe deixara. Não queria Thor a seu lado por causa de dinheiro. Não competiria com seu trabalho, em busca de atenção, como fizera com Nick. E não permitiria que seu futuro se baseasse no sucesso da Constantine.
Fizera o máximo. Sacrificara-se muito. E continuaria se sacrificando, .se fosse necessário. Mas não levaria Thor para o fundo do abismo, junto com ela. Ele já fizera o bastante.
Em primeiro lugar, resolvera seus problemas de abastecimento. Depois, treinara-a na administração dos negócios. Agora, queriam que enfrentasse uma crise financeira, com a qual ele nada tinha a ver. Que mais o esperava? Que outro problema surgiria para ocupar seus pensamentos? Ela não podia, ela não queria mais correr para Thor, para que ele resolvesse seus problemas. Ela não mais seria sua dependente.
E onde essa resolução a levaria?
Andrea retornou a sua sala com passos firmes e determinados. Sua resolução a levaria a um único caminho. Largar os negócios e vender a Constantine. Bastaria erguer o telefone, discar o número de Jack Maxwell, e verificar se ele ainda estava interessado em comprar sua empresa. E que Deus a ajudasse, quando Thor ficasse sabendo!
As negociações foram feitas em três dias. Graças a Thor, o homem lhe submeteu uma oferta muito melhor do que teria feito anteriormente. De uma condição, porém, ele não abrira mão. O contrato com a Thorsen não seria mantido.
Eu gostaria que o senhor reconsiderasse sua decisão —Andrea suplicou. — Afirmo que terá mais lucros negociando através da Thorsen do que diretamente com a Milano.
Sinto muito, Andrea — Jack Maxwell respondeu, a voz fria e reservada. — A conta da Milano é valiosa demais. Eu a quero com exclusividade.
Andrea fechou os olhos e suspirou. Sua decisão significaria o fim de seu casamento.
A conta Milano é sua, Jack. Porém, não posso garantir o contrato por mais de um ano. Esta cláusula está entendida?
Um ano é o suficiente. Depois de negociarem comigo, não pensarão em mudar para outros fornecedores.
Bem, nesse caso, estou pronta para assinar o contrato.
Meu advogado o levará ao seu escritório, amanhã pela manhã. Pena que já seja tão tarde, ou eu acertaria tudo hoje mesmo. Desculpe a pergunta, Andrea, mas estou curioso. O que a fez mudar de ideia?
Negócios e casamento não combinam.
— Sábia decisão. Se lhe serve de consolo, dou-lhe os parabéns. Admiro as pessoas que conseguem lidar com as prioridades. Thor é um homem de sorte.
Obrigada. Talvez ele não pense o mesmo. Não lhe contei sobre o nosso acordo. Por esse motivo, peço-lhe vinte e quatro horas antes de divulgar o acontecimento.
Combinado. Boa sorte.
Obrigada. Eu precisarei. Até amanhã.
Apagou a luz e afundou a cabeça entre as mãos. As lágrimas deslizavam copiosamente.
Chorava a perda da Constantine, a perda do pai que não a amara, o fracasso de seu casamento e o remorso por ter obrigado Thor a trabalhar tanto, para agora lhe tirar a conta mais importante de sua empresa.
Mas, talvez, essa perda se revelasse um bem para ele. Sem a Milano, Thor não precisaria mais levar em frente aquela história de casamento.
No fundo de seu coração, Andrea acreditava ter agido certo. Não seria mais uma dependente de Thor. Não o obrigaria a gastar tanto dinheiro por sua causa. E não permitiria que a Constantine viesse em primeiro lugar em sua vida conjugal. Se é que eles ainda a teriam.
Errara ao aceitar a proposta de casamento de Thor, como solução. Jamais deveria ter concordado em desposá-lo por outro motivo, que não fosse o amor.
Enxugou os olhos. Errara e agora precisava pagar o preço. Havia uma outra tarefa a ser feita, antes de contar a Thor sobre a venda. Não poderia lhe dar a conta Milano, mas poderia tentar substitui-la por outra de igual valor. Poderia providenciar para que ele não saísse perdendo.
Uma hora depois, levantou-se da mesa. Não havia mais nada a ser feito, aquela noite. Em trinta dias, a Constantine não seria mais sua. Thor precisava saber disso. Logo.
— Andrea?
Você ainda vai acabar me matando! — ela se queixou, quase sem voz.
E você sempre parece estar fazendo o que não deve. Como agora, por exemplo.
- Por que diz isso? — Ela sentiu o sangue congelar nas veias.
— Porque acabei de ler seus lindos olhos castanhos, querida. -— Thor sorriu. — Eles me disseram que você aprontou mais uma das suas. O que foi?
Agora não. Por favor, agora não. Ela precisava de um pouco mais de tempo.
O pessoal já foi?
Já. Só ficamos nós dois. Por quê? Você tem alguma coisa em mente? — ele a fitou de modo sugestivo.
A tática da distração. Ela a usaria.
Preciso verificar o estoque de bananas.
Está bem. Irei com você, se não tiver nada em contrário.
As bananas se encontravam na estufa de amadurecimento. Um calor tropical e um leve odor de gás etileno enchiam o ambiente. Andrea retirou algumas frutas da caixa e se deu por satisfeita.
— Podemos ir para casa, agora? — Thor lhe endereçou um olhar intrigado.
Ela precisava de mais alguns minutos.
— Ainda não. Preciso dar uma olhada na encomenda da sua cunhada, que será entregue amanhã. — Andrea examinou o depósito pequeno, onde as caixas já estavam prontas para serem embarcadas. — Está perfeita. Jordan ficará satisfeita.
Thor abraçou-a pela cintura.
— Que tal me deixar satisfeito, também? Senti muito a sua falta nestes últimos dias. Se não há uma emergência na Constantine, alguém me chama na Thorsen.
Era a chance para ela abordar o assunto.
Fica difícil cuidarmos de duas empresas. Seria bem mais simples se tivéssemos uma só.
Mas não tão interessante, nem lucrativo. — Thor a fez girar até abraçá-la por inteiro. — Você está exausta. Anda trabalhando demais.
Andrea apoiou o rosto no peito de Thor e fechou os olhos. Queria chorar. Em vez disso, riu.
— Eu, trabalhando demais? O que dizer de você, então?
Sem responder, Thor deixou que seus lábios deslizassem pelo pescoço da esposa.
Vamos para casa — sussurrou.
Antes, preciso lhe contar uma coisa.
O quê? — Ele sorriu, indulgente.
A coragem a abandonou. Não conseguiria dizer as palavras que transformaria o calor e a doçura daquele abraço em um olhar de raiva.
Eu queria lhe agradecer por tudo o que fez.
Foi um prazer. E agora? Podemos ir?
Uma noite, ela pensou, desesperada. Queria passar uma úl-. tima noite com ele, antes de lhe contar o que fizera.
Vinte minutos depois, chegaram em casa. Na casa de Thor, ela se corrigiu. Aquela casa não mais a abrigaria. E agora que vendera a Constantine, não teria sequer o sótão.
— O que é que você tem? — Thor segurou-lhe o queixo. — Está tão estranha. Sente-se bem?
Em resposta, Andrea enlaçou-o pelo pescoço e beijou-o no rosto, no pescoço e nos cantos da boca. Podia sentir a tensão invadindo ambos os corpos. De repente, com um gemido, ele a ergueu nos braços e a carregou para o quarto.
Eu cheguei a uma conclusão — ele sussurrou em seu ouvido.
Qual?
Thor começou a despi-la e ela se perdeu no poder de seu toque, no perfume másculo que emanava de sua pele.
— Gosto de estar casado. Gosto muito.
As unhas de Andrea se cravaram contra as palmas de suas mãos.
Eu também — respondeu, rouca. Suas unhas se cravaram contra as palmas de suas mãos. Moveu-se sob o peso de Thor, com medo de que ele dissesse alguma coisa que viesse a destruir os últimos momentos que teriam juntos. Palavras significavam perigo.
Talvez...
Ela cobriu os lábios de Thor com os seus.
Não fale agora. Apenas me ame.
Como você nunca foi amada antes.
A escuridão os envolveu, protetora. Andrea saboreou os momentos de prazer, procurando gravar cada sensação em sua mente, para que pudesse viver das recordações, quando Thor se fosse de sua vida.
Ele lhe dera muito nos últimos meses. Agora seria a sua vez. Ela lhe daria tudo o que lhe restara. Ela lhe daria seu coração.
Ao amanhecer, Andrea se levantou e se vestiu, em silêncio. Não conseguia parar de olhar para Thor. Seu marido. O homem que amava mais do que a própria vida. O homem que estava prestes a perder.
Seu rosto conservava a força e o poder, mesmo durante o sono. Os cabelos louros estavam desgrenhados, não só pelo abandono na cama, como em consequência dos carinhos que ela lhe fizera. O queixo estava sombreado pela barba, já crescida.
Não seria fácil prosseguir com sua tarefa.
Dirigiu-se para a cozinha e preparou um bule de café. Seus lábios tremiam. O tempo estava se esgotando como a areia daqueles relógios antigos.
Ouviu Thor se movendo pelo quarto e lhe serviu uma xícara. Em seguida se afastou para o fundo da cozinha.
Bom-dia — ele a saudou com um sorriso terno e íntimo, alcançando-a para um abraço. — Você está bem? — perguntou, ao senti-la estremecer.
Estou. Tome o seu café.
Thor se sentou, esticou as longas pernas e encarou-a.
Precisamos ter uma conversa — ela começou.
Sou todo ouvidos. — Ele tomou um grande gole.
Vendi a Constantine.
A xícara caiu sobre a mesa, o líquido se derramando sobre o pires e sobre a mão de Thor. Ele não disse uma palavra. Sequer pediu que ela repetisse a frase. Não esbravejou nem se lastimou. Também não se utilizou da palavra clássica: "por quê".
Em vez disso, deixou que seus olhos falassem por ele. E a boca. O sorriso frio refletia o gelo de seu olhar. .
Uma jogada brilhante. Uma jogada inesperada. Fui um tolo em não tê-la antecipado.
Você fala como se eu tivesse planejado a venda desde o início. Não, Thor, não foi assim. Está enganado. Um problema inesperado me forçou a tomar essa decisão.
O orgulho, o maldito orgulho a impedia de explicar a respeito do empréstimo bancário, ou melhor, da linha de crédito. O orgulho e o fato de ele não se importar com ela o suficiente para querer saber qual seria esse problema.
Quem foi o comprador?
Jack Maxwell.
Sei quem é. — Thor sorriu, cínico. — Preciso me dar ao trabalho de perguntar o que acontecerá com a conta Milano?
Irá com a Constantine.
Andrea não queria lhe dar apenas más notícias. Esforçara-se por conseguir uma conta nova e valiosa para a Thorsen, em substituição a antiga, mas não fora possível. Como poderia lhe dar o que não tinha?
Sem tornar a fitá-la, Thor se levantou.
— Preciso trabalhar.
Não se atreva a chorar!, ela se ordenou.
— Espere. Ainda precisamos discutir alguns pontos. Nosso casamento, principalmente.
O olhar que ele lhe dirigiu a fez se encolher. Em seguida, a risada. Era tão desagradável que ela quase levou as mãos aos ouvidos.
Casamento? Que casamento? Por acaso você me consultou antes de se decidir a vender? Se é capaz de decidir tudo sozinha, pode também decidir sobre esse detalhe insignificante.
Nós nos casamos por interesse...
E nos divorciaremos pelo mesmo motivo.
Era o fim de seu casamento. Sem discussões nem explicações. Sem brigas. Andrea tirou a aliança do dedo e ficou olhando-a por um longo tempo através da nuvem de lágrimas. Com extremo cuidado, colocou-a sobre a mesa.
— Acho que não há mais nada a ser dito — ela sussurrou.
Nem uma palavra — ele concordou.
Não levarei mais que alguns.minutos para arrumar minhascoisas.
Estava sendo difícil. Pior do que antecipara. Tentava engolir e não conseguia. A garganta estava tão apertada que o ar chegava a lhe faltar. Era uma traidora, uma hipócrita. E covarde demais para olhar para Thor e enfrentar a decepção e a condenação dos seus olhos. Seus pés pareciam estar imantados ao chão, tal o esforço que precisou fazer para levá-los até o quarto.
Thor permaneceu na cozinha enquanto ela arrumava as malas. Não se despediria. Seria cruel demais e de nada adiantaria. Diante da porta, porém, a hesitação a deteve.
Explique os motivos! Conte a ele por que precisou tomar essa decisão. Ele entenderá. Confesse seu amor. Talvez isso faça diferença.
A porta foi aberta. Thor não queria o seu amor. Só os negócios lhe importavam. E isso era a única coisa que ela não poderia lhe oferecer.
Thor esperou até ouvir a porta da frente fechar. Com todas as forças que lhe restavam, ergueu a xícara e atirou-a contra a parede, partindo-a em mil fragmentos.
Um músculo latejava em seu rosto. Apoiou-se sobre a mesa e fechou os olhos. Em seguida, apanhou a aliança e deixou que seus dedos se fechassem ao redor.
Seria possível que Andrea realmente tivesse lhe devolvido a aliança? Não estaria vivendo um pesadelo? Abriu lentamente os dedos e comprovou a presença da delicada jóia. Andrea nunca deveria ter entendido o simbolismo de sua inscrição. For st kjaerlighet ...
Ele tirou sua própria aliança e leu o restante da frase. ... siden arbeid .
Errara em escolher essas palavras. Errara muito. Sem ter para onde ir, Andrea voltou para a Constan-tine. Ciente de que o sótão fora trancado, ordenou que Marco arrombasse a porta.
Em poucos segundos, o cadeado foi aberto e ela pôde entrar. O local estava completamente vazio. Não sobrara uma única peça, nem sequer um prisma. Eles se foram assim como suas esperanças para o futuro.
Devido a arrogância e ao orgulho, jogara fora a melhor coisa que lhe acontecera na vida. Por melhores que fossem suas intenções, elas não lhe serviriam de consolo na cama vazia. Jogara e perdera, essa era a realidade. Perdera a empresa de seu pai, seu marido e seu futuro.
Sempre acreditara no amanhã e nas promessas de novas oportunidades. Sempre tentara enxergar o lado bom das coisas. Por que mudara tanto? Porque Thor não fazia mais parte de sua vida, é claro. E sem ele, sua vida se tomara escura e sombria.
— O que mais posso fazer para ajudá-la, sra. Thorsen?
O ar lhe faltou. Sra. Thorsen, ele dissera. Não Andrea, nem srta. Constantine, mas sra. Thorsen.
Seus lábios tremeram. Estava precisando daquele lembrete. Não fora seu objetivo tornar-se independente de Thor? Não fora sua intenção elevar o relacionamento entre eles a um nível pessoal, e não mais profissional? Não fora sua pretensão trabalhar ao lado dele como uma igual, e não mais como um peso?
Conseguira a tão almejada independência, afinal. E a custa de muito sofrimento. O que faria com ela, agora? Lutaria por seus sonhos ou desistiria de tudo?
Andrea? — Marco tornou a chamá-la.
Há algo que você pode fazer. Eu gostaria que investigasse uma certa pessoa que esteve em meu casamento...
Como pôde fazer isso com ele? Como pôde deixá-lo sem dizer nada? Perdeu o juízo?
Será que você poderia parar de falar um minuto sobre o meu casamento, Joe? Estou cansada desse assunto.
Pois eu não estou — Joe retrucou com arrogância.
Ainda não respondeu minha pergunta — ela insistiu, determinada a recuperar o controle sobre a conversa. — Tem condições de me fornecer aqueles seus doces de malha folhada com creme em base regular?
— Sem problemas. Preparo cannolis de olhos fechados. Andrea sorriu, surpresa por seus lábios ainda não terem se esquecido desse movimento.
Eu preferiria que os fizesse com os olhos abertos.
Eles estão, neste momento. — Joe fixou-os na mão esquerda de Andrea. — O que fez com a aliança? Não a usa há uma semana.
Eu a perdi. — Andrea escondeu rapidamente a mão. —Quanto aos doces, de quanto tempo precisa para prepará-los?
Umas duas horas. Mas para quem seriam? Para seu marido? Você ainda não me disse.
Não, não é para ele. É para um cavalheiro que esteve na recepção de meu casamento. Talvez você se lembre.
Como? Havia tanta gente!
Era um homem alto, que não parava de comer.
— Quem come demais, não aprecia a boa cozinha.
Droga, Joe. Eu preciso da sua ajuda.
Não vou ajudá-la a conquistar outro homem, quando já tem um ótimo marido.
Não o quero para mim, mas para Thor. Ele seria um grande cliente.
Agora comecei a entender.
Se não fizer isso por mim, Joe, Thor não será meu marido por muito tempo. — Andrea baixou a cabeça.
Eu gosto dele. Acho que vou ajudá-la. Quero ver a aliança de volta em seu dedo.
Andrea sorriu. Havia lágrimas em seus olhos.
— Você vai me contar o que Thor disse a meu respeito, ou vai continuar me recriminando? — Andrea desafiou Jordan.
Thor não disse uma palavra. Rainer, no entanto, não para de falar há dez dias, que poderia matá-la.
Não me admiro. — Andrea suspirou.
Francamente, eu não esperava uma atitude dessa de sua parte — Jordan comentou. — Como teve coragem de vender a Constantine sem ao menos prevenir seu marido? Pensei que o amava.
Eu o amo.
Se ao menos tivesse se livrado da Constantine, sem prejudicar a Thorsen...
Eu tentei. — Ela desejaria poder explicar a Jordan. Gostaria que ao menos uma pessoa entendesse a razão por ela ter feito o que fizera. — Estava devendo uma fortuna ao banco.
Eles me deram um prazo. Eu não queria vender, mas não tive outra saída. A Constantine era a minha única fonte de renda.
— Meu Deus! Thor está sabendo?
Andrea negou com um movimento de cabeça.
Ele não se interessou em saber.
E você se calou. Oh, Andrea, os Thorsens teriam lhe ajudado.
Eu sei.
Sempre o mesmo orgulho. — Jordan suspirou. — Eu tinha certeza de que, um dia, ele lhe traria problemas. Teria sido tão difícil assim aceitar a ajuda de seu marido?
Sim, teria. Será que você não entende? Essa foi a única base de nosso casamento. Negócios. Uma crise atrás da outra.
E Thor sempre me socorrendo.
O que há de errado nisso?
Eu não queria que ele ficasse comigo por causa dos negócios. — As mãos de Andrea se fecharam, uma contra a outra. — Eu queria que ele ficasse comigo por amor.
Você acredita que ele tenha se casado com você por causa da Constantine, não é?
Eu tenho certeza.
Nunca acreditei nisso. Acho que Thor a ama. A Constantine só lhe forneceu a desculpa.
Andrea desejaria muito acreditar que o motivo fosse esse. Infelizmente, a realidade lhe mostrava um outro caminho.
Eu sei que ele se casou comigo para conservar a conta Milano. Não gostei de ser usada, e também de usá-lo, para ser sincera, mas aceitei o fato, na época.
E agora?
A voz de Andrea soou embargada de emoção.
Agora que descobri que o amo, não posso aceitar um casamento sem amor. Se eu tivesse pedido a ajuda financeira de Thor, ele se sentiria preso a mim, e eu não o quero nesses termos.
Orgulho. — Jordan ergueu os braços em um gesto de desalento.
Chame como quiser. Se Thor deseja me ter como esposa, terá de ser por amor. Não tenho mais nada para lhe dar. Não usarei a Constantine para segurar meu marido. Nem permitirei que negócios definam o meu casamento.
Um sorriso misterioso surgiu nos lábios de Jordan.
Já disse isso a Thor? Poderia se surpreender com sua resposta.
Sim, já discutimos a esse respeito uma vez. Ele afirmou que não teria se casado comigo se não fosse pela Constantine.
Foi bastante franco, eu diria.
Jordan pareceu espantada. Em seguida, assustada.
Onde está sua aliança?
Eu a devolvi a Thor.
Pegue-a de volta. Há um detalhe que você desconhece.
— Jordan estava prestes a falar, quando uma forte contração a impediu.
Andrea correu e se ajoelhou ao lado dela.
Jordan? É o bebé?
Eu não havia te contado que estou em trabalho de parto?
— ela esboçou um fraco sorriso.
Não. Há quanto tempo?
Algumas horas. Pensei que ainda fosse demorar. Rainer precisava resolver uns problemas na firma. — Outra dor a interrompeu.
E você não quis incomodá-lo. Negócios. Os negócios sempre em primeiro lugar para os Thorsens. — Andrea ba lançou a cabeça. — Para que hospital você quer ir?
Northwest. Conhece o caminho?
Felizmente conheço.
Avise Rainer. Peça para se encontrar conosco lá — Jordan tornou a gemer. — A aliança. Recupere-a.
Andrea ajudou a amiga a se levantar e a se sentar no carro.'
— Por que todo o mundo está tão preocupado com a minha aliança? Esqueça-a, Jordan. Vamos cuidar de você, primeiro, e do bebé.
Jordan parou de andar.
— Ou você promete que irá buscá-la ou eu não irei com você para o hospital.
Sempre ouvira falar que as mulheres grávidas eram dadas a manias estranhas. Acabara de ter a comprovação.
— Prometo.
Está bem. Mas terá de ir depressa, ou eu não ganharei minha caixa de maçãs.
Sinto muito, mas Rainer Thorsen não se encontra no escritório, no momento. Gostaria de falar com o irmão dele, ou prefere deixar recado?
Ligue-me com Thor.
A quem devo anunciar?
Diga-lhe que se trata de uma emergência de família. Agora! — Um clique e a voz de Thor soou em seu ouvido.
— É Andrea quem está falando. Estou no hospital.
— Você não está bem? Em que hospital? Estarei aí em dois minutos.
Ele não estava fingindo. Havia angústia em sua voz. Um raio de esperança voltou a brilhar diante dos olhos de Andrea.
É Jordan. O bebe vai nascer. Sabe onde encontrar Rainer?
Sim. Estaremos aí em seguida. — Thor não desligou.
— Você ficará até chegarmos?
— Claro. Acha que eu deixaria Jordan sozinha? — Uma onda de alegria invadiu-lhe o peito. Ao menos haviam trocado algumas palavras.
Thor nem acabara de colocar o telefone no gancho e ele tomou a tocar.
Espere só até ouvir as últimas notícias.
Agora não, Rainer. Andrea avisou que está no hospital com Jordan. Sua esposa entrou em trabalho de parto.
Estou a caminho.
Thor desligou com um sorriso e se recostou na cadeira. Em seu bolso carregava a aliança de Andrea.
Breve, muito em breve, faria aquela linda dama descer de seu pedestal.
Onde estavam todos?, Andrea se perguntou pela centésima vez.
Thor o encontrará. Ele disse que o localizaria.
Eu acredito em você — Jordan murmurou. — A qualquer momento Rainer aparecerá na porta.
Jordan! — Rainer chegou com um imenso buque de flores, que depositou aos pés da esposa, para poder abraçá-la.
Andrea se preparou para sair do quarto a fim de deixar o casal a sós, naquele momento especial de suas vidas. Rainer, porém, percebendo sua intenção, deteve-a junto a porta.
Estas são para você. — Ele lhe entregou um buque de rosas brancas e piscou. — Obrigado pelos cannolis .
Então deu certo? Thor também está sabendo?
— Ainda não. Pensei que você mesma quisesse lhe contar. Andrea pestanejou a fim de evitar as lágrimas.
Não esqueça da minha caixa de maçãs — Jordan lhe acenou da cama.
Eu... eu não posso prometer nada. Mas farei o melhor possível. Boa sorte.
Dirigiu-se à sala de espera, sentou-se, e esperou. E esperou. Já estava perdendo a esperança, quando Thor apareceu.
— Como você demorou!
Não, não fora ela quem falara! Como encontrara coragem para cobrar Thor de alguma coisa?
Como você demorou, isso sim! — ele retrucou. —Agora, pode começar a falar.
Muito bem. Em primeiro lugar, quero minha aliança de volta.
Thor a retirou do bolso, jogou-a para o ar e tornou a guardá-la.
—- Por favor, Thor — Andrea tentou uma outra tática —, pode me devolver minha aliança.
Ainda não.
Quer que eu suplique?
— Seria uma atitude inédita de sua parte, que eu gostaria de ver, mas não. Não é isso que eu quero.
— Quer que eu peça desculpa?
O sorriso desapareceu de seus lábios. Os olhos se tornaram exigentes e zangados.
Uma explicação. E só isso que eu quero. Uma explicação a respeito do que fez com a Constantine e por que quer o anel de volta.
Levarei algum tempo.
Tenho todo o dia e toda a noite.
Por que todo esse interesse, agora? — ela o atacou. — Deixou-me sair de sua casa sem fazer um único movimento para me deter.
O que queria que eu dissesse, depois de tirar a aliança do dedo? Por acaso uma palavra minha teria feito diferença?
Teria feito toda a diferença do mundo.
Naquele instante a porta se abriu. Rainer estava radiante. Jordan e o bebe estavam bem. Era uma garotinha de cabelos ruivos. E se chamaria Valerie.
Os irmãos trocaram um forte abraço. Andrea o beijou.
Thor, em seguida, segurou-a pela mão e intimou-a a acompanhá-lo.
— Você irá comigo para casa. Temos muito o que conversar. Foi só descerem do carro e as palavras jorraram.
Por quê, afinal, você vendeu a Constantine? — Thor insistiu. ,
Porque eu não queria que os negócios ditassem o nosso casamento. Se era para ficarmos juntos, teria de ser por motivos pessoais, não por interesses comerciais. Eu estava devendo uma fortuna ao banco e não tinha como pagar. Eles me pressionaram. Deram-me um prazo de apenas dez dias. Ou eu vendia a firma, ou pedia ajuda aos Thorsens.
O que não quis fazer.
O que não achei justo fazer. — Andrea se defendeu. —Eram mais de duzentos mil dólares.
Nunca imaginei! — Thor confessou, assombrado. —Nick não era tão esperto como parecia, hem?
Não — Andrea admitiu. — Ele arriscou muito e não progrediu com o tempo. Seus métodos se tornaram ultrapassados.
Thor passou as mãos pelos cabelos.
— Isso explica seu desespero em conseguir a conta Thorsens. Nunca havia entendido, até agora, a razão de ter oferecido sua própria filha em troca de um contrato.
Andrea refletiu a respeito. A vida realmente deveria ter sido muito dura para seu pai, para que ele a usasse de uma forma tão abjeta.
Ela atravessou a sala e tocou o braço de Thor.
— Você não entende? Eu não podia lhe pedir para que pagasse a dívida por mim. Jordan me acusou de orgulhosa.
Eu me considero prática. A empresa não merecia esse sacrifício. Nem a conta Milano, em minha opinião.
Thor apertou a mão de Andrea sobre seu braço. Em seguida tocou em seus cabelos.
Mas você tomou a decisão sem me consultar. Por quê?
Porque eu achei que você não concordaria. Porque eu achei que estava na hora de resolver meus próprios problemas, em vez de descarregá-los sobre você. Porque eu estava cansada de ser relegada a segundo plano. Fui egoísta, eu sei, mas queria vir em primeiro lugar em sua vida.
Você é o que eu tenho de mais importante. Nunca se deu conta da pressa que eu tinha em levá-la para o altar? Não notou o número de pessoas que eu convidei? Queria o máximo de testemunhas dentro daquela igreja. Queria prendê-la a mim de tal forma, que nunca pudesse se libertar.
Mas, e quanto a Constantine? Você me disse que se não fosse pelos negócios, nunca teria se casado comigo.
Doeu ouvir isso, não?
Sim, muito — Andrea respondeu, baixinho.
Foi assim que me senti quando a pedi em casamento, há um ano, e você recusou. Eu temia que, se não fosse pela dificuldade financeira da Constantine, você continuaria me recusando. Usei de chantagem. Usaria de qualquer desculpa para tê-la, tanto a queria. Mas, você ainda não me respondeu por que deseja a aliança de,volta.
Porque eu te amo.
Thor vasculhou no bolso e devolveu-lhe o anel. Andrea o segurou sobre a palma da mão e tentou entender a razão da insistência de Jordan para que o recuperasse. Imediatamente notou a inscrição.
— Eu não havia percebido. Forst kjaerlighet. O que isso significa?
— Em primeiro lugar, o amor. — Foi a vez de Thor tirar a própria aliança e ler a mensagem inscrita na sua. — Depois, os negócios.
Andrea fechou os olhos e começou a chorar. Thor abraçou-a e a fez encostar a cabeça contra seu peito.
— Eu te amo, minha doce e orgulhosa esposa. Sempre te amei e sempre te amarei. — Ele colocou um braço ao redor de sua cintura e a carregou em direção ao quarto.
- Seja bem-vinda ao lar — sussurrou junto a seu ouvido.
Esperança. Você me contou sobre a importância de se ter esperança, na noite em que fizemos amor. Foi só a esperança que me permitiu sobreviver aos últimos dias. A esperança e a fé de que você me amava tanto quanto eu, e que voltaria para mim. E a determinação. Eu queria que tudo desse certo entre nós, meu amor. — Ele a colocou de pé.
Andrea abriu os olhos e olhou ao redor. Havia prismas por toda a parte. Sobre a cama, sob o lustre, nas janelas. O quarto todo estava brilhando com as sete cores do arco-ífis. E, preso a cada prisma havia um pequeno martelo dourado.
Oh, Thor! Esperança e determinação. — Uma combinação perfeita, ele dissera, na primeira noite que passaram juntos.
Eu te amo. Não por causa da Constantine, nem por causa da conta Milano. Mas por você.
Thor a abraçou e beijou com a alegria do reencontro e a agonia da longa espera.
Andrea se lembrou de que ainda não lhe contara sobre a conta do capitão Alexandre. Mas haveria tempo para isso. Muito tempo. No momento, os negócios estavam em segundo plano. Estavam cuidando de assuntos muito mais importantes.
Foram as maçãs mais deliciosas que já provei — Jordan exclamou. - Foi um prazer servi-la, acredite — Andrea sorriu, enquanto embalava Valerie.
Alguém aceita um cannolP. — Thor ofereceu. — Joe passou por aqui e deixou uma caixa de presente para a jovem mamãe. Disse que está muito satisfeito em ter os Thorsens novamente como seus fornecedores.
E eu que me preocupei tanto em arrumar uma outra grande conta para vocês! Como poderia imaginar que Jack Maxwell não iria alterar o contrato?
O homem é esperto — Thor declarou. — Astuto. Agora aumentou seu poder de barganha. Mas o importante nessa história é que eu consegui ter minha esposa de volta.
Andrea entregou a pequena Valerie para a mãe e abraçou o marido.
— O importante é que agora somos um casal de verdade.
Day Leclaire
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