Biblio VT
Series & Trilogias Literarias
Em uma sala do Palácio Real da Cidade Esmeralda de Oz fica um Quadro Mágico no qual são mostradas todas as cenas importantes que se desenrolam nos reinos encantados. As cenas mudam constantemente e, quando as observa, Ozma, a Governante, pode descobrir o que está acontecendo em qualquer parte do seu reino.
Um dia, ela viu no Quadro Mágico que uma menininha e um menininho haviam entrado na grande floresta sombria no extremo oeste de Oz e ficado completamente perdidos. Seus amigos os procuravam no lado errado e, a menos que Ozma viesse ao seu resgate, os pequeninos nunca seriam achados antes de morrerem de fome.
Assim, a Princesa mandou uma mensagem para Jack Cabeça de Abóbora e pediu que viesse ao palácio. Esse personagem, um dos habitantes mais esquisitos de toda Oz, era um velho amigo e companheiro de Ozma. Seu corpo era feito de pedaços de pau grosseiros, encaixados uns nos outros e cobertos por roupas comuns. Sua cabeça era uma abóbora com um rosto esculpido, espetada em uma estaca afiada que formava o seu pescoço.
Jack era ativo, de boa índole e querido por todos, mas como sua cabeça de abóbora tendia a estragar com a idade e para garantir um bom suprimento de cabeças, ele cultivava uma grande plantação de abóboras e morava no meio delas, e a sua casa era uma abóbora gigante escavada. Sempre que precisava de uma cabeça nova, Jack colhia uma abóbora, esculpia um rosto e espetava-a na estaca do seu pescoço. A cabeça velha, que não servia para mais nada, era jogada fora.
No dia em que Ozma mandou chamá-lo, Jack estava em perfeitas condições e ficou contente que poderia ajudar a salvar as crianças perdidas. Ozma desenhou um mapa e mostrou a ele exatamente onde ficava a floresta, como chegar lá e quais trilhas deveria tomar para chegar aos pequeninos.
— É melhor você ir com o Cavalete, pois ele é rápido e inteligente e vai ajudá-lo a cumprir a sua missão — ela disse.
— Certo — Jack respondeu, e então se dirigiu aos estábulos reais para informar o Cavalete que deveria se preparar para a viagem.
Esse animal incrível era parecido com Jack Cabeça de Abóbora, apesar de ter um formato muito diferente. Seu corpo era um tronco de árvore, com quatro pedaços de pau servindo de pernas. Seu rabo era um galho da árvore, enquanto um talho na outra ponta formava uma boca. Logo acima dela, dois nozinhos funcionavam como olhos. O Cavalete era o corcel favorito de Ozma e, para impedir que as suas pernas de madeira gastassem, ela mandara ferrá-lo com placas de ouro.
Jack deu “bom dia” ao Cavalete e colocou sobre as costas da criatura uma sela feita de couro roxo e encrustada de joias.
— Aonde vamos desta vez? — o cavalo perguntou, piscando seus nós para Jack.
— Vamos salvar duas criancinhas na floresta — foi a resposta.
Com isso, Jack subiu na sela e o animal de madeira empinou as patas. O Cavalete saiu do estábulo, atravessou as ruas da Cidade Esmeralda e seguiu pela estrada que levava à floresta ocidental onde as crianças haviam se perdido.
Apesar de muito pequeno, o Cavalete era rápido e nunca se cansava. Ao cair da noite, os dois estavam já no extremo oeste, perto da floresta que buscavam. A dupla passou a noite de pé na beira da estrada, em silêncio. Eles não precisavam de comida, pois seus corpos de madeira nunca sentiam fome, e também não dormiam, pois nunca se cansavam. Quando o dia raiou, eles continuaram a jornada e logo chegaram à floresta.
Jack examinou o mapa que Ozma lhe dera e achou a trilha certa, que o Cavalete seguiu obedientemente. Sob as árvores, o mundo estava escuro e silencioso, e Jack passava o tempo assobiando alegremente enquanto o Cavalete seguia com o seu trote.
As trilhas se ramificavam tantas vezes, e de tantos jeitos diferentes, que o Cabeça de Abóbora era sempre forçado a consultar o mapa de Ozma. Por fim, o Cavalete começou a ficar desconfiado.
— Tem certeza que está no caminho certo? — perguntou.
— É claro — Jack respondeu. — Até um Cabeça de Abóbora com cérebro de semente consegue ler um mapa claro como este. Todas as trilhas estão muito bem marcadas, e aqui tem uma cruz onde estão as crianças.
Os dois finalmente chegaram a um ponto, bem no centro da floresta, onde encontraram o menino e a menina que haviam se perdido. Mas as duas crianças estavam sentadas no chão, amarradas ao tronco de uma árvore enorme.
Quando a equipe de resgate chegou, a menininha soluçava copiosamente. O menino tentava reconfortá-la, apesar de provavelmente estar tão assustado quanto ela.
— Alegrem-se, pequeninos — Jack disse, descendo da sela. — Vim levá-los de volta para os seus pais. Mas por que estão amarrados nessa árvore?
— Porque — gritou uma vozinha estridente — são dois ladrões. Esse é o porquê!
— Ah, não! — Jack exclamou, olhando para os lados para tentar descobrir quem havia falado. A voz parecia estar vindo de cima.
Um esquilo-cinzento bem grande estava sentado em um dos galhos mais baixos da árvore. Na cabeça, o esquilo tinha uma coroa de ouro com um diamante no centro. Ele corria de um galho para o outro e tagarelava sem parar.
— Essas crianças roubaram o nosso depósito — o esquilo continuou, furioso. — Levaram todas as nozes que guardamos para o inverno. Assim, sendo eu o Rei de todos os Esquilos desta floresta, ordenei que fossem presos e mandados para a prisão, que é onde estão agora. Eles não tinham o direito de roubar as nossas provisões e vamos puni-los por isso.
— Estávamos famintos — o menino suplicou. — Encontramos uma árvore oca cheia de nozes e comemos elas para sobreviver. Não queríamos morrer de fome e a comida estava bem na nossa frente.
— Correto — Jack observou, inclinando sua cabeça de abóbora. — Não os culpo nem um pouco, dadas as circunstâncias. Nem um pouquinho.
A seguir, Jack começou a desamarrar as cordas que prendiam as crianças à árvore.
— Pare com isso! — gritou o Rei dos Esquilos, correndo e matraqueando sem parar. — Você não pode soltar nossos prisioneiros. Não é seu direito.
Mas Jack não deu atenção ao protesto. Seus dedos de madeira eram desajeitados e ele demorou algum tempo para desatar as cordas. Quando finalmente terminou, a árvore estava cheia de esquilos, reunidos pelo seu Rei, furiosos por terem perdido seus prisioneiros. Da árvore, começaram a atirar nozes no Cabeça de Abóbora, que riu deles enquanto ajudava as crianças a ficarem de pé.
No alto dessa árvore havia um galho seco muito comprido, e tantos esquilos se reuniram nele que o galho quebrou de repente e caiu do alto. Jack, coitado, estava diretamente abaixo do galho, que acertou sua cabeça de abóbora e a transformou em polpa no chão. O corpo de madeira de Jack saiu rolando e só parou quando bateu contra uma árvore, a quatro metros de distância.
Jack sentou-se em seguida, mas quando tentou tatear sua cabeça, ela não estava mais lá. Ele não enxergava nada e não conseguia falar. Era talvez o mair azar que poderia acometer Jack Cabeça de Abóbora. Os esquilos festejaram. Eles começaram a dançar na árvore, eufóricos com a triste situação de Jack.
O menino e a menina estavam livres, mas seu protetor estava arruinado. O Cavalete estava presente, no entanto, e era sábio ao seu próprio modo. Ele vira o acidente e sabia que a abóbora esmagada nunca mais serviria de cabeça para Jack.
— Peguem o corpo do Cabeça de Abóbora e coloquem na minha sela — o Cavalete disse para as crianças, que estava assustadas com o acidente sofrido pelo novo amigo. — Depois montem atrás dele e se segurem. Precisamos sair dessa floresta o mais rápido possível, ou então os esquilos vão capturá-los de novo. Vou precisar adivinhar o caminho certo. Agora que o galho destruiu a sua cabeça, o mapa do Jack não serve mais para nada.
As duas crianças ergueram o corpo de Jack, que era bem leve, e o colocaram na sela. Depois, elas montaram atrás dele e o Cavalete imediatamente deu meia-volta e trotou de volta pelo caminho que viera, levando os três sem dificuldade. Quando a trilha começou a se bifurcar, no entanto, com cada novo caminho seguindo em uma direção diferente, o animal de madeira ficou confuso e logo estava vagando a esmo, sem nenhuma esperança de encontrar a estrada certa. No fim da tarde, o grupo chegou a uma pequena árvore frutífera, que deu às crianças uma janta; à noite, os pequeninos descansaram sobre uma pilha de folhas enquanto o Cavalete montava guarda, com a forma flácida e descabeçada do pobre Jack atirada sobre a sela.
Mas Ozma usara o Quadro Mágico e vira tudo que acontecera na floresta, então ela mandou o pequeno Mágico, montado no Leão Covarde, para salvar os azarados. O Leão conhecia bem a floresta e atravessou o emaranhado de trilhas aos pulos até chegar ao lugar por onde o Cavalete vagava com Jack e as duas crianças no lombo.
O Mágico ficou triste quando viu Jack sem cabeça, mas achou que poderia salvá-lo. Primeiro, guiou o Cavalete para fora da floresta e devolveu o menino e a menina aos braços dos amigos, que estavam ansiosos, então mandou o Leão correr até Ozma para contar tudo o que acontecera.
Em seguida, o Mágico subiu no Cavalete e segurou o corpo de Jack durante a longa cavalgada até a plantação de abóboras. Quando chegaram à casa, o Mágico selecionou uma bela abóbora, não muito madura, e nela esculpiu um rosto caprichado.
— E então, velho amigo, como está se sentindo? — perguntou, espetando a abóbora no pescoço de Jack.
— Muito bem! — Jack respondeu, e apertou a mão do pequeno Mágico, agradecido. — Você salvou a minha vida. Sem a sua ajuda, nunca teria achado o caminho de volta e arranjado uma cabeça nova. Mas estou bem agora e vou cuidar bem para não esmagar essa cabeça tão bonita.
— O cérebro da nova cabeça é melhor que o da antiga? — perguntou o Cavalete, que assistiria a recuperação de Jack.
— Ora, essas sementes são bem tenras — o Mágico respondeu —, então vai fazer nosso amigo ter pensamentos tenros também. Mas, para falar a verdade, meu caro Cavalete, apesar de todas as suas boas qualidades, Jack Cabeça de Abóbora nunca vai ser famoso pela sua sabedoria.
Lyman Frank Baum
O melhor da literatura para todos os gostos e idades