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Series & Trilogias Literarias
Eu fiquei surpreso ao vê-la na sala de reuniões. Não que não fosse um direito dela participar efetivamente das decisões da diretoria, mas Luciana não havia comparecido ao trabalho desde que havia saído da clínica, três meses antes.
Eu sou Miguel. Minha mãe, devota de São Miguel Arcanjo, nem pensou em me dar outro nome assim que nasci. Definitivamente, acho que poucos nomes combinam tanto com alguém.
Cresci na periferia de uma cidade mediana, onde ralei pra caramba para estudar, me formar, e conseguir um bom emprego na área cientifica. Após meu mestrado, foi-me oferecido um cargo para lecionar na Faculdade Nova Geração [1]. Era a chance dos meus sonhos e logo recebi promoções que acabaram por me levar a reitoria.
Muitos diriam que um dos motivos disso foi Luciana, a filha do principal acionista, e administradora do local. Contudo, eu tenho minha consciência tranquila, e acredito que ela também.
Quando nos conhecemos, numa manhã onde alunos organizavam uma recepção aos novatos, eu sequer sabia qual seu cargo na faculdade.
E, francamente, aquilo pouco importava.
Fiquei fascinado. Ela era linda, diferente de tudo que eu já havia visto numa mulher.
Não era na aparência que Luciana se destacava, apesar de ter um corpo esguio, pernas bem torneadas, e um lindo cabelo loiro cortado a nuca.
Era pelo charme crescente, a forma como ela olhava, sem medo, a qualquer um. Era uma mulher que sabia se portar e ser mulher, vestir-se com elegância, caminhar com graça e jovialidade.
— A que devemos esse milagre? — brinquei, tão logo meus olhos centraram-se nela.
Achei que seu bom humor estaria presente e esperei por uma resposta afiada, mas a voz apática devolveu num simples murmurar:
— Estava desconfiada de que não estavam decidindo nada que preste nessas reuniões, então resolvi comparecer.
Eu sorri, tentando lhe transmitir força.
Tão logo nos conhecemos, não a tirei da cabeça. Passei a estar em todos os lugares em que ela estivesse, tentando me mostrar disponível, buscando conversa, querendo que ela me notasse.
Nunca havia feito tal coisa por outra. Mas, havia algo mágico naquela mulher que me enlouqueceu.
Numa festa da reitoria, descobri que trabalharíamos juntos e, de lá, foi um passo para uma relação mais profunda.
O amor surgiu próximo do desejo. Casamos-nos e tivemos um filho em um intervalo aproximado de dois anos.
Era a vida dos sonhos de qualquer homem.
Virou pesadelo.
Eu não a culpo. A rotina estressante a levou a bebericar uma taça de vinho todos os dias, ao chegar em casa.
Tirava os sapatos de salto alto, sentava-se no sofá, e dizia, numa voz melodiosa: “Preciso disso para esquecer um pouco os problemas”.
Os nossos problemas no trabalho não eram tão graves, sempre envolvendo o orçamento que, para o bem ou mal, conseguíamos fechar.
Mas, a taça de vinho tornou-se comum. Logo, não mais bastava. Em pouco tempo a dose aumentou... Duas, três... E então ela passou ao conhaque.
Eu me culpo. Devia ter prestado mais atenção, ter notado que ela só ia ao mercado para comprar álcool, que Antônio, nosso filho, estava cada dia mais triste... Mas, o trabalho, a rotina, fizeram-me cego ao que acometia minha esposa.
Contudo, nem a maior das cegueiras pôde ficar indiferente a cama vazia numa manhã e ao grito agoniado de meu menino de quatro anos.
Ele achou a mãe atirada na cozinha, deitada sobre o próprio vômito, em coma alcoólico.
Ela negava o alcoolismo. Eu a internei contra a vontade, tendo a família dela do meu lado.
Nas primeiras visitas, ela jurava que eu a estava traindo e que a havia trancado lá para poder ter mais liberdade com a amante. Mas, após uns seis meses, a visita de Antônio a acordou para a realidade.
O nosso garoto perguntou se a mãe estava doente. Luciana levou algum tempo para formular uma resposta, mas, por fim, afirmou. O respirar aliviado da criança fê-la chorar pela primeira vez desde que eu a havia conhecido. Antônio agora entendia porque Luciana não mais lhe dava atenção, porque estava sempre sentada com a cara enfezada no sofá, porque não mais o levava para dormir, nem ficava com ele aos finais de semana.
Aquela revelação trouxe a minha esposa uma noção exata do que ela mesma havia transformado sua vida.
Enquanto eu cuidava de Antônio e mantinha a faculdade em pé, ela passou a se tratar com afinco.
Quase um ano e meio após entrar, decidiu que estava pronta para voltar à vida cotidiana, mas não para nossa casa.
Precisava de um tempo.
Eu não entendi aquela colocação, mas a respeitei.
Luciana alugou um pequeno apartamento próximo de nossa casa, onde levava Antônio todos os dias e ficava com ele, dispensando as babás.
Sua volta às reuniões denotava que, ao menos, agora, parecia pronta a voltar a ser também a executiva que sempre fora.
Obviamente, havia a vergonha. Todos ali sabiam por que ela havia se afastado por aquele tempo. Mas, enquanto uma das secretárias mostrava planilhas e novos projetos, olhei de soslaio para Luciana, e ela estava firme, rígida, como se ignorasse os olhares indiscretos em sua direção.
A reunião acabou duas horas depois. As decisões tomadas deixaram todos satisfeitos e esperei que a sala ficasse vazia para me dirigir a ela.
— Estou feliz que tenha vindo.
Seu olhar para mim parecia dizer mais que palavras. Era como se a Luciana por quem me apaixonei estivesse novamente diante de mim.
— De quanto em quanto tempo são essas reuniões?
— Todas as semanas. — Respondi de imediato.
— Me mande a agenda por e-mail — ela murmurou. — Vou voltar a minha sala.
— Sua sala? — a indagação escapou. — Você voltou?
— Um dia precisaria encarar novamente a vida, não é? Não dá para me esconder para sempre.
A maior das questões que me tomava era: E quanto a nós? Quando voltaremos?
Eu sentia falta da minha mulher. Não da bêbada seca e agoniada que normalmente encontrava sentada no sofá a olhar o vazio, mas aquela por quem me apaixonei, com quem me casei, que me fazia queimar de afeição e trazia sentido a minha existência.
— Luciana...
O corpo dela voltou-se para mim.
— Sim?
Meu Deus... Repentinamente, senti meu corpo arder. Quantos meses sem sexo? E agora a mulher da minha vida estava ali, linda, mas não disposta, à minha frente.
— Foi um prazer vê-la aqui hoje — devolvi, incerto.
O sorriso bonito se abriu para mim. Entendi que as coisas podiam voltar ao seu lugar se eu tivesse paciência.
Janeiro era um mês especial para nós. Conhecemo-nos em um janeiro. Casamo-nos em um janeiro. Nosso filho nasceu em um mês de janeiro. E até a viagem mais inesquecível e romântica que havíamos feito havia sido para o Rio de Janeiro.
Até nossa música especial falava que nosso amor permanecia de janeiro a janeiro.
E foi exatamente no primeiro mês do ano que ela apareceu em casa, com um sorriso bonito nos lábios, disposta a ser novamente a mulher com quem me casei.
— Você está pronta? — perguntei.
Eu havia esperado por todo aquele tempo. Poderia esperar mais.
— Eu quero ser sua esposa e a mãe de Antônio, novamente — afirmou, com convicção.
Não fomos direto para a cama. Luciana preparou o jantar, e Antônio chegou da casa dos avós pulando no seu colo.
Comemos na mesa da sala, onde só costumávamos jantar em momentos especiais.
Nosso filho tagarelou a noite toda e aquilo nos fez bem. Quando o colocamos para dormir, ela parecia cansada.
— E você ainda queria mais um — brincou.
— Uma menina — afirmei. — Que homem não sonha em correr atrás de namoradinhos adolescentes segurando uma bazuca?
O riso dela me atiçou. Segurei seus dedos e a guiei até nosso quarto.
Foi em janeiro que aconteceram as maiores mudanças de nossas vidas.
Naquele final de janeiro, enquanto tirava o vestido de minha esposa, vislumbrei que a cada recomeço de ano, recomeçava pontos em nossa vida.
Mesmo os difíceis, nós venceríamos, porque estávamos juntos.
— Eu já fui mais bonita — o murmuro dela pareceu triste.
— Você é linda — afirmei, sem medo. — Mas, em relação a mim, nunca foi sua beleza física que me atraiu.
Suspirei, apaixonado.
— O que admiro de verdade em ti é sua honestidade, seu senso de justiça. Você é nobre, é forte. Única... Única... — murmurei, tomando sua boca. — Não apenas por ser a mãe do meu filho, mas por ser uma parte da minha própria alma.
Nossos corpos colaram, ansiados pela ausência que havia nos tomado durante aqueles meses.
A saudade era um estímulo potente, e a que eu sentia por ela fez-me ser mais enérgico do que normalmente era.
Deitei-a na cama, deslizando as mãos pelas curvas que sempre me perdiam.
Sua pele arrepiada, seu gosto delicioso, tudo naquela mulher despertava algo primitivo em mim.
— Eu amo você — ela gemeu. Uma confissão que me despertou para algo acima do sexo.
— Então nunca mais me deixe...
Nossos corpos giraram na cama. Agora, era Luciana quem mandava naquele momento.
Os lábios doces e úmidos deslizaram pelo meu peito, cravando os dentes nos meus mamilos. Gemi, sentindo sua volúpia, sabendo que ela me preparava para algo que ia além do contato físico.
— Fazia tanto tempo...
— Precisamos atualizar isso — ela riu.
Sua pélvis deslizava contra minha parte entumecida da cueca. Estava ficando louco com aquela dança sobre o tecido. Queria aquela mulher, e tinha que ser logo.
Voltei a girá-la na cama, tirando minha roupa íntima, enquanto a boca deslizava por seu corpo.
Observei-a enquanto minha boca cravava na sua umidade. A cabeça para trás, os gemidos baixos que ela tentava evitar mordendo os lábios, as palavras desencontradas que me faziam rir.
Ali estava Luciana. Linda... Perfeita. Minha.
Agora, ambos nus, entregamos nossas almas.
Levantei sua coxa, levando o salgado de sua intimidade até sua boca. Meu pau duro logo adentrou no corpo frágil e ela não resistiu ao grito mudo, sentindo a pele contra a pele.
Havia tanto prazer ali. Mas, havia também tanto sentimentos.
— Eu quero você... Para sempre — murmurei contra ela.
Havia dezenas de palavras sujas para dizer naquele momento, para atiçar ainda mais o sexo, mas, agora, naquele recomeço, naquele janeiro, era um momento diferente.
Era um momento especial.
— Assim... assim... — ela gemeu, os calcanhares nas minhas ancas. — Assim, mais forte — implorou.
Os movimentos se descontrolavam. O calor comum daquele mês nos fez suar ainda mais.
Meu pênis duro saia e entrava nela com uma velocidade enlouquecedora. Nós fervíamos. Um fogo que parecia nunca abrandar.
— Eu vou... — avisei.
Gozei dentro. Sem camisinha. E era proposital. Quem sabe ali não estaria nossa filha sendo gerada. Não era o momento certo? Num janeiro?
Beijei sua testa suada. Senti seus últimos impulsos e logo resvalei contra o corpo gentil da minha mulher.
Dormimos tão próximos como nunca.
Nove meses depois, nascia Cinthia. Setembro também passou a ser um mês especial.
Josiane Biancon da Veiga
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