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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Jogo de Mãos / Nora Roberts
Jogo de Mãos / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Jogo de Mãos

 

A Dama Desaparece. O velho artifício, com uma apresentação moderna, que sempre deixava boquiaberto ao público do Rádio City.

Até no momento de subir ao pedestal de vidro, Roxanne sentiu o suspense e a excitação dos pressente: essa mescla maravilhada de espera e incredulidade que sentiam todos, e que nivelava condições e classes sociais.

A magia os igualava a todos.

Roxanne recordou que Max havia dito isso. Muitas, muitas vezes.

Entre o redemoinho de bruma e os faz de luz, o pedestal começou a ascender com lentidão, descrevendo círculos majestosos ao som da melodia de "Rapsódia em Azul", de Gershwin. O suave giro de trezentos e sessenta graus lhe permitiu ao público ver todos os lados desse pedestal transparente e à esbelta mulher que estava sobre ele... e ao mesmo tempo conseguiu distrai-los do truque que se estava levando a cabo.

Tinham-lhe ensinado que a apresentação de um efeito era o que estabelecia a diferença entre um enganador e um artista.

Fazendo jogo com o tema musical, Roxanne usava um resplandecente traje azul noite que se aderia a sua figura esbelta e espingarda, ao extremo de que ninguém que a observasse pudesse acreditar que levava debaixo dessa seda rutilante nada que não fora sua própria pele. Seu cabelo, uma cascata de fogo que lhe chegava à cintura, cintilava com milhares de diminutas estrelas iridescentes.

Fogo e gelo. mais de um homem se perguntou como era possível que uma mulher fora as duas coisas ao mesmo tempo.

Como adormecida ou em transe, seus olhos estavam fechados  - ou pareciam está-lo -  e seu rosto elegante se levantava para a parte superior do cenário, tachonada de estrelas.

À medida que se elevava, deixou que seus braços se balançassem ao compasso da música, depois os elevou por cima de sua cabeça, tanto para obter um efeito teatral quanto pelas necessidades práticas.

Sabia que era um efeito formoso. A bruma, as luzes, a música, a mulher. Roxanne desfrutava do dramático da situação, e também da ironia que implicava utilizar o ancestral símbolo de uma mulher só e formosa sobre um pedestal, localizada-se por cima das preocupações e as fadigas cotidianas do homem.

Era, do mesmo modo, uma tarefa muito complexa, que requeria uma grande dose de controle físico e de sentido exato do tempo e do momento oportuno. Mas nem sequer os espectadores que tinham a fortuna de ocupar a primeira fila conseguiram detectar essa intensa concentração em seu rosto sereno. Nenhum deles podia saber quantas horas tediosas tinha dedicado para aperfeiçoar cada detalhe desse número, primeiro no papel e depois na prática. Uma prática rigorosa e implacável.

Lentamente, de novo ao ritmo da música de Gershwin, seu corpo começou a girar, a baixar, a balançar-se. Uma dança sem companheiro três metros por cima do cenário; uma dança toda cor e movimento fluido. ouviram-se murmúrios entre o público, e aplausos isolados.

Alcançavam a vê-la; sim, podiam vê-la através dessa bruma azulada e das luzes que giravam sem cessar. O resplendor de seu traje escuro, o cintilar de seu cabelo colorido, o brilho de sua pele de alabastro.

Até que, de repente, não a viram mais. Em menos tempo do que se demora para piscar, tinha desaparecido. E em seu lugar apareceu um esplêndido tigre de Rojão de luzes que se parou sobre suas patas traseiras para arranhar o ar e rugir.

fez-se um silêncio, esse silêncio tão maravilhoso para um animador, no que o público condene um instante a respiração antes do aplauso fechado e monumental, que seguia ressonando quando o pedestal voltou a descender. O enorme felino saltou e avançou majestosamente para a direita do cenário. deteve-se junto a uma caixa de ébano, lançou outro rugido que fez que uma mulher da primeira fila riera nervosamente. E, de repente, os quatro lados da caixa caíram ao uníssono.

E ali estava Roxanne, não já com seu vestido azul noite a não ser com um traje prateado. Saudou o público como o tinham ensinado quase desde seu nascimento: com um floreio.

E enquanto os aplausos estrondosos seguiam ressonando em seus ouvidos, montou ao tigre e levou a besta fora da cena.

 - Bom trabalho, Osear.  - Com um pequeno suspiro, inclinou-se para diante para arranhar ao animal entre as orelhas.

 - Esteve muito bem, Roxy.  - Seu robusto assistente sujeitou uma correia ao colar cintilante do Osear.

 - Obrigado, Mouse.  - Roxanne desmontou e se atirou para trás o cabelo. Entre decorações reinava grande atividade. Várias pessoas se encarregariam de retirar sua equipe e de guardá-lo e colocá-lo a salvo de olhos indiscretos. Como tinha uma conferência prevista de imprensa para o dia seguinte, Roxanne não receberia nesse momento aos jornalistas. Sonhava com uma garrafa de champanha gelado e um banho de imersão bem quente, com hidromasaje.

Só.

Com ar ausente, esfregou-se as mãos; um velho hábito que Mouse poderia lhe haver dito que tinha herdado de seu pai.

Mouse permaneceu onde estava, deixando que Osear se esfregasse contra seus joelhos. Nunca tinha tido facilidade de palavra, nem sequer nas melhores circunstâncias, mas tratou de encontrar a maneira de lhe dar a notícia.

 - Tem visita, Roxy. No camarim.

 - Ah, sim?  - Suas sobrancelhas se aproximaram, e entre elas apareceu uma linha fina de impaciência.  - Quem?

 - Sal a saudar de novo, querida.  - Lily, a assistente de cena do Roxanne e sua mãe substituía, aproximou-se e a tirou do braço.  - Esta noite fez vibrar ao público.  - Lily deu alguns toquecitos com um lenço ao redor das pestanas postiças que usava em cena e fora dela.  - Max se sentiria tão orgulhoso.

Roxanne se esforçou por reprimir as lágrimas. Não lhe notaram. Jamais permitia que lhe brotassem em público. Avançou para o lugar de onde provinham os aplausos.

 - Quem me está esperando?  - perguntou por sobre o ombro, mas já Mouse se levava a felino.

Seu amo lhe tinha ensinado que a discrição era fundamental para a sobrevivência.

Dez minutos depois, com as bochechas arrebatadas pelo êxito, Roxanne abriu a porta de seu camarim. A fragrância foi o primeiro que sentiu: de rosas e de base de maquiagem. Essa mescla de aromas se converteu em algo tão familiar que a aspirava como se fora ire fresco. Mas a ela se incorporava agora outro aroma: o de tabaco forte. Sua mão tremeu sobre o maçaneta enquanto abria a porta de par em par.

Ali estava um homem que ela associaria sempre com esse aroma. Um homem que habitualmente fumava magros charutos franceses.

Roxane não disse nada quando o viu. Não pôde dizer nada quando ele se levantou do assento onde tinha estado desfrutando de seu charuto e do champanha do Roxanne. Deus, era excitante e horrível observar essa boca magnífica nessa careta tão familiar, cruzar o olhar com esses olhos incrivelmente azuis,

Ainda levava o cabelo longo, um arbusto ondeada cor ébano, penteada para trás. Inclusive de menino tinha sido estupendo, um cigano elegante com olhos capazes de congelar ou de queimar. Os anos tinham acrescentado sua atitude e afinado esse rosto atraente, de ossos largos e ocos em sombras, esse queixo quase não partido. além do físico, existia nele um drama que o rodeava como um aura.

Era um homem que fazia que as mulheres se estremecessem e o desejassem.

Como lhe tinha passado a ela. Sim, vá se lhe tinha passado.

Cinco anos tinham transcorrido da última vez que viu esse sorriso, desde que lhe aconteceu a mão pelo cabelo ou sentiu a pressão dessa boca impaciente. Cinco anos de duelo, de pranto e de ódio.

Porque não tinha morrido?, perguntou-se enquanto se obrigava a fechar a porta a suas costas. Porque não tinha tido a decência de morrer?

E, pelo amor de Deus, o que faria ela com esse terrível desejo que sentia com apenas vê-lo de novo?

 - Roxanne.  - O enfrentamento tinha feito que a voz do Luke se mantivera firme ao pronunciar seu nome. Tinha-a observado ao longo dos anos. Essa noite, tinha estudado cada seu movimento desde decorações, nas sombras. Tinha-a julgado e avaliado. E, sobre tudo, tinha-a desejado. Agora, ali, frente a frente, pareceu-lhe quase insuportavelmente formosa.  - Foi um bom espetáculo. O efeito final foi deslumbrante.

 - Obrigado.

Sua mão estava firme quando lhe serve uma taça de champanha, igual às dela ao aceitá-la. depois de todo, os duas eram gente do espetáculo, forjados no mesmo molde. O molde do Max.

 - Lamento o do Max.

 - Sério?

Porque Luke sentia que se merecia algo mais que a agressão do sarcasmo, limitou-se a assentir com a cabeça, e, depois, olhou seu vinho borbulhante e se sumiu em suas lembranças. Voltou a cravar seus olhos no Roxanne.

 - Esse trabalho no Calais, os rubis. Foi você?

 - É obvio.

 - Ah  - voltou a assentir, comprazido. Tinha que estar seguro de que ela não tinha perdido sua habilidade... para a magia e para o roubo.  - Ouvi dizer que uma primeira edição da casa do Usher, do Poe, foi roubada de uma abóbada de segurança de Londres.

 - Sempre teve bom ouvido, Callahan. Ele seguiu sorrindo e se perguntou quando teria aprendido ela a exsudar sexo como fôlego. Recordou à pequena inteligente, a adolescente brincalhona, ao pimpolho irresistível em que se converteu ao fazer-se mulher. Esse pimpolho tinha florescido de maneira sedutora. E Luke sentiu a atração que sempre existiu entre eles. Jogaria mão agora dessa atração, com pesar, mas a usaria para seus próprios fins.

O fim o justifica todo. Outra das máximas do Maximillian Nouvelle.

 - Tenho uma proposição para você, Rox.

 - Seriamente?  - Bebeu um último sorvo antes de se separar sua taça. As borbulhas lhe souberam amargas em sua língua.

 - Negócios  - disse ele com ar jovial e apagou seu charuto. Tomou a mão e aproximou os dedos do Roxanne a sua boca.  - E também algo pessoal. Te senti saudades, Roxanne.  - Foi a afirmação mais veraz que pôde fazer. Um brilho de sinceridade em meio de anos de ardis, jogos e simulação. Sumido em seus próprios sentimentos, não viu o brilho de advertência nos olhos do Roxanne.

 - Sério, Luke? Seriamente sentiu saudades?

 - mais do que posso te dizer.  - Imerso em suas lembranças e suas necessidades, atraiu-a para si e sentiu que seu sangue bombeava com força quando o corpo dela o roçou. em que pese a haver-se fugido com êxito infinidade de vezes, jamais conseguiu liberar do todo da armadilha em que Roxanne Nouvelle o deixava preso.  - Vêem meu hotel  - disse em um suspiro quando ela caiu em seus braços - . Jantaremos. E falaremos.

 - Falaremos?  - Seus braços se ateram sinuosamente ao redor dele. Seus anéis brilharam quando afundou os dedos em seu cabelo. O espelho de maquiagem que estava sobre o penteadeira refletiu a imagem de ambos por triplicado, como mostrando-os em passa- • dou, presente e futuro. Quando ela falou sua voz foi como a bruma em que tinha desaparecido momentos antes: escura, densa e misteriosa.  - Isso é o que quer fazer comigo, Luke?

Ele esqueceu a importância de controlar-se, esqueceu-o todo salvo o fato de que a boca do Roxanne estava a um par de centímetros da sua.

 - Não.

Deixou cair a cabeça para a dela. E de repente o ar explodiu em seus pulmões quando o joelho do Roxanne se incrustou em seu entrepierna. E no momento em que ele se dobrava em dois, lhe pegou um murro no queixo.

Seu grunhido de surpresa e as lascas que saltaram da mesa contra a que atingiu ao cair, proporcionaram ao Roxanne uma satisfação enorme. As rosas saltaram pelo ar, a água caiu por toda parte.

 - Você...  - Com face de fúria, desenredou-se uma rosa do cabelo. Recordou que essa chiquilina sempre agia de maneira oculta.  - É mais rápida do que estava acostumado a ser, Rox.

Os braços em jarra, ela o olhou de acima, uma guerreira esbelta e chapeada que jamais aprendeu a vingar-se com frieza.

 - Sou muitas coisas que não estava acostumado a ser.  - Os nódulos lhe doíam como um fogo, mas aproveitou essa dor para anular uma pena muito mais profunda.  - E agora, vagabundo irlandês mentiroso, mais vale que volte a te colocar na caverna que te fabricou faz cinco anos. Se chegar a te aproximar de novo a mim, juro que te farei desaparecer para sempre.

Encantada com essas palavras finais, girou sobre seus calcanhares e soltou um alarido quando Luke' agarrou-lhe um tornozelo. Caiu com força sobre o traseiro e, antes de que alcançasse a utilizar suas unhas e dentes, ele conseguiu sujeitá-la. Tinha esquecido o rápido e forte que era Luke.

Max haveria dito que tinha cometido um engano de cálculo. E essa classe de enganos eram a base de todos os fracassos.

 - Está bem, Rox, podemos falar aqui.  - Embora quase não podia respirar e tinha muita dor, sorriu.

 - Foi seu escolha.

 - Verei-te no inferno...

 - É muito provável  - disse ele e seu sorriso se desvaneceu - . Maldita seja, Roxy, nunca pude resistir.

 - E quando apertou sua boca contra a dela, foi como se os dois se mergulharam no passado.

 

1973, perto do Portland, Maine

 - Apurem-se, passem. Surpreenda-se, maravilhem-se. Observem como o Grande Nouvelle desafia as leis da natureza. Por só um dólar, vejam-no fazer que as cartas dancem no ar. diante de seus olhos, vejam uma formosa mulher serrada em dois.

Enquanto o pregonero continuava com seus anúncios, Luke Calavam se deslizou entre a multidão do parque de diversões, muito atarefado em roubar carteiras. Contava com mãos rápidas, dedos ágeis e, o que é mais importante para um ladrão bem-sucedido, uma completa falta de consciência moral.

Tinha doze anos.

Fazia quase seis semanas que andava pelos caminhos, depois de ter fugido de sua casa. E planejava rumbar para o sul antes de que o úmido verão de Nova a Inglaterra se convertesse em um cru inverno.

Não chegaria muito longe com o pouco que conseguia roubar, pensou, e extraiu uma carteira do bolso de um macacão. A maioria dos assistentes levavam só alguns bilhetes enrugados.

Mas quando chegasse a Miami, as coisas seriam diferentes. detrás de um dos postos, entre as sombras, desfez-se da carteira imitação couro e contou o que tinha conseguido essa noite.

Vinte e oito dólares.

Mas em Miami, a terra do sol, da diversão e do mar com seus enormes escolhos, iria muito melhor. Quão único tinha que fazer era chegar lá, e até o momento só tinha conseguido reunir duzentos dólares. um pouco mais e poderia pagar a passagem em ônibus, pelo menos uma parte do trajeto.

Um fugitivo não podia mostrar-se exigente com respeito ao meio de transporte. Luke sabia perfeitamente que fazer carona e conseguir que um automóvel particular o levasse podia terminar em um relatório policial ou  - quase tão mau como isso - , em um sermão sobre os perigos a que se expõe um menino ao fugir de sua casa.

depois de separar dois bilhetes de um dólar, Luke guardou o resto de sua bota de cano longo no bolso de suas calças puídas. Precisava comer. O aroma de gordura quente o torturava desde fazia quase uma hora. premiaria-se com um hambúrguer recocida e batatas fritas, e baixaria a comida com alguma refrigerante.

Como à maioria dos meninos de doze anos, ao Luke teria encantado dar uma volta no Látego, mas ocultou esse desejo depois de um olhar de desprezo. Outros meninos de sua idade estariam essa noite bem agasalhados em suas camas, enquanto que ele dormiria sob as estrelas, mas ao despertar teriam que fazer o que seus pais lhes ordenassem. Ele, em troca, era livre e não lhe devia obediência a ninguém.

Sentindo-se superior em todo sentido, colocou os polegares nos bolsos de seu Jean e seguiu percorrendo a feira.

Voltou a passar frente ao quartel que mostrava ao mago em tamanho maior que o natural. O GranNouvelle, com seu arbusto de cabelo negro, seus grandes bigodes, seus hipnóticos olhos escuros.

Esses olhos pareciam olhá-lo até dentro, como se fossem capazes de ver e compreender muito sobre o Luke Calavam.

Quase esperava que essa boca grafite lhe falasse e a mão que sustentava o leque de cartas se adiantasse, agarrasse-o pela garganta e o metesse no pôster. E ficaria prisioneiro ali para sempre, atingindo o outro lado do papelão, como o tinha feito contra tantas portas fechadas com chave durante sua infância.

A sozinha ideia o aterrou, e Luke fez uma careta com os lábios.

 - A magia é pura palavrório  - disse, mas em voz muito baixa. E o coração lhe bateu com força quando desafiou a esse rosto pintado.  - Que graça  - prosseguiu, ganhando confiança - . Tirar coelhos estúpidos de galeras estúpidas e fazer uma série de estúpidos jogos de cartas.

Desejava ver esses estúpidos jogos de cartas muito mais do que desejava dar uma volta no Látego. Mais inclusive que enchê-la boca com batatas fritas cheias de ketchup. Luke vacilou e tocou um dos bilhetes que tinha no bolso.

Decidiu que poder demonstrar-se a si mesmo que o mago não era nada do outro mundo, bem valia um dólar. Valeria um dólar poder sentar-se. Na escuridão, justificou-se enquanto tirava o bilhete enrugado e comprava a entrada, certamente haveria vários bolsos nos que poderia colocar os dedos.

A aba de grosa lona da carpa se fechou atrás dele e bloqueou quase toda a luz e o ar de fora. A gente já se encontrava se localizada nas cadeiras de madeira, falando em voz baixa, movendo-se e abanicándose para aliviar esse mormaço.

Ele permaneceu um momento de pé no fundo, e inspecionou o lugar. Com um instinto que se havia aflatado ao longo das últimas seis semanas, descartou a um grupo de meninos e a várias parceiras por considerá-los muito pobres. Escolheu como alvos a algumas mulheres, pois a maioria dos homens estariam sentados sobre seu dinheiro.

 - Perdão  - disse, cortês como um boy scout, enquanto se localizava detrás de uma mulher com aspecto de avó. Assim que se sentou, o Grande Nouvelle apareceu no cenário.

O smoking negro e a camisa branca engomada pareciam desconjurado no calor cansativo dessa carpa. Seus sapatos brilhavam como um espelho e no dedo mindinho da mão esquerda usava um anel de dourado com uma pedra central negra, que titilava com as luzes da cena.

Seu aspecto majestoso se impôs assim que enfrentou a seu público.

O mago não disse nada, mas a carpa pareceu encher-se com sua presença. Seu porte era" tão dramático como se via no pôster, embora seu cabelo negro mostrasse algumas fios chapeados. O Grande Nouvelle levantou as mãos, mostrou as Palmas ao público. Com um movimento de punho, entre seus dedos vazios e estendidos apareceu uma moeda. Outro movimento e outra moeda, e outra, e outra, até que as amplas "V" de seus dedos se encheram com o brilho dourado.

Isso interessou suficientemente ao Luke para fazê-lo inclinar-se para diante e entrecerrar os olhos. Queria saber como se fazia. Era um truque, certamente. Sabia que o mundo estava cheio de truques. Já tinha deixado de perguntar-se por que, mas não de perguntar-se como.

As moedas se converteram em bolas de cores que foram trocando de tamanho e de tom. multiplicaram-se, subtraíram-se, apareceram e desapareceram enquanto os espectadores aplaudiam.

Custou-lhe se separar o olhar do espetáculo, mas lhe funcionou muito singelo tirar seis dólares da carteira da avó. depois de meter-se no bolso o fruto de seu trabalho, Luke trocou de lugar e se localizou detrás de uma loira cuja carteira de ráfia estava descuidadamente apoiada no chão, junto a ela.

Enquanto os jogos de prestí digitação esquentavam ao público, Luke conseguiu outros quatro dólares. Mas não podia concentrar-se. disse-se então que esperaria um momento antes de dedicar-se à senhora gorda sentada a sua direita, e se dispôs a olhar a função.

Durante os seguintes momentos, Luke foi só uma criatura, os olhos muito abertos pelo sobressalto, enquanto o mago abria em leque um maço de cartas, passava uma mão sobre a parte superior, e a outra por debaixo, de modo que o maço aberto ficava suspenso no ar. E, com um elegante movimento de suas mãos, as cartas se balançavam, caíam, giravam.

 - Você  - ressonou a voz do Nouvelle. Luke ficou paralisado ao sentir que esses olhos escuros o enfocavam.

 - Parece um garotinho acordado. Necessito alguém inteligente...  - Leve pestanejo desses olhos.  - Um menino honesto que me ajude no seguinte jogo. Sobe aqui.

 - Nouvelle recolheu as cartas pendentes e lhe fez um gesto com a mão.

 - Vê, moço. Vê.  - Um cotovelo se incrustou nas costelas do Luke.

Avermelhado da cabeça aos pés, Luke ficou de pé. Sabia que era perigoso atrair a atenção da gente. Mas pensou que se fixariam mais nele se se negava a subir.

 - Escolhe uma carta  - disse-lhe Nouvelle quando Luke subiu ao cenário - . Qualquer carta.

Voltou a abrir o maço em abano frente ao público, para que vissem que era um maço comum. Com rapidez e habilidade, Nouvelle as mesclou e as estendeu sobre a pequena mesa.

 - Qualquer carta  - repetiu e Luke franziu o sobrecenho pela concentração quando tomou uma - . Olhe para nosso amável público  - instruiu-lhe Nouvelle - . E sutiã a carta para que todos possam vê-la. Bem, excelente.

Rendo para si, Nouvelle tomou o resto do maço e voltou a manipulá-lo com seus dedos largos e inteligentes.

 - Agora...  - Os olhos fixos no Luke, estendeu-lhe o maço.  - Coloca seu carta em qualquer parte. Onde te ocorra. Excelente.  - Seus lábios estavam curvados em um sorriso quando lhe ofereceu o maço ao moço.  - Mescla as cartas como quer, por favor.  - O olhar do mago permaneceu fixa no Luke enquanto o menino mesclava as cartas.  - Agora...  - Nouvelle colocou uma mão sobre o ombro do Luke.  - Colocava sobre a mesa, por favor. Você gostaria de cortar, ou quer que o eu faça?

 - Eu o farei.  - Luke tinha as mãos sobre as cartas, para assegurar-se de que não lhe fizessem nenhum truque. Sobre tudo quando estava tão perto do mago.

 - Seu carta é a de acima? Luke a deu volta e sorriu.

 - Não.

Nouvelle pareceu surpreso enquanto o público ria com dissimulação.

 - Seguro? Será, então, a de abaixo? Luke girou o maço e mostrou a carta de abaixo.

 - Não. Parece que lhe falhou o truque, senhor.

 - Que estranho  - murmurou Nouvelle, tocando o bigode - . É um menino mais vivo do que imaginei. Todo parece indicar que ganhou. Mas a carta que escolheu não está nesse maço. Porque está...  - Estalou os dedos, girou o punho e tomou o oito de corações do ar.  - Aqui.

Enquanto Luke o olhava, aturdido, o público prorrompeu em um aplauso fechado. Aproveitando o estrondo, Nouvelle disse ao Luke em voz baixa.

 - Vêem atrás do cenário depois do espetáculo. E isso foi todo. Com um golpecito, o mago enviou ao moço de volta a seu assento.

Durante os seguintes vinte minutos, Luke esqueceu tudo o que não fora magia. Observou a uma pequena ruiva dançar sobre o cenário com malha com lentejoulas. Sorriu quando ela se meteu em uma galera enorme e se transformou em um coelho branco. sentiu-se adulto e divertido quando a menina e o mago iniciaram uma discussão em brincadeira sobre a hora em que ela devia deitar-se. A pequena agitou sua cabeleira anelada e vermelha e deu patadas contra o piso. Com um suspiro, Nouvelle fez girar sobre ela uma capa negra e deu três toquezinhos com sua varinha mágica. A capa caiu ao chão e a menina desapareceu.

Como broche, Nouvelle serrou pela metade a uma loira de generosas curvas com breve malha de bailarina.

Um entusiasta espectador saltou e gritou:

 - Né, Nouvelle, se terminou com a senhora, eu ficarei com as duas metades!

O mago separou à dama dividida em dois. A uma ordem dela, ela moveu os dedos da mão e do pé. Quando as duas partes da caixa voltaram a unir-se, Nouvelle tirou os divisores de aço, moveu a mão e abriu a tampa.

Magicamente recomposta, a dama saltou ao chão em meio de um aplauso estrondoso.

Luke tinha esquecido todo o referente à carteira da mulher gorda, mas decidiu que lhe tinha tirado bom proveito ao preço da entrada.

Enquanto o público saía da carpa para entreter-se em algum dos jogos ou olhar boquiaberto ao Sahib o Encantado de Serpentes, Luke se dirigiu ao cenário. Posto que tinha sido algo assim como um assistente para o truque das cartas, pensou que possivelmente Nouvelle lhe ensinaria como fazê-lo.

 - Moço.

Luke levantou a vista. Desde seu lugar privilegiado, o homem parecia um gigante. Um metro noventa e cinco de estatura e cento e dezoito quilos de puro músculo. A face barbeada era ampla como um prato, os olhos pareciam duas passas de uva. De sua boca pendurava um cigarro sem filtro.

Herbert "Mouse" Patrinski se sentia seguro.

Instintivamente, Luke adotou uma pose altiva: o queixo para diante, os ombros jogados para trás, as pernas abertas e bem afirmadas no piso.

 - Sim?

Por toda resposta, Mouse fez um movimento de cabeça e se afastou. Luke duvidou um instante e logo o seguiu.

Grande parte do encanto gritão da feira se voltou cinza à medida que foram cruzando o pasto amarelado e pisoteado em direção ao amontoamento de caminhões e casas rodantes.

O trailer do Nouvelle parecia um puro sangue em meio de um campo de matungos. Era longo e elegante, e sua pintura negra brilhava à luz da lua. Um pôster prateado proclamava O GRANDE NOUVELLE, PRESTIDIGITADOR EXTRAORDINÁRIO.

Mouse atingiu uma vez à porta antes de abri-la. Quando subiu detrás dele, Luke percebeu uma fragrância que curiosamente lhe fez acordar a uma igreja.

O Grande Nouvelle já se trocou de roupa e estava sentado em um sofá estreito vestido com uma bata negra de seda. Finas espirais de fumaça ascendiam preguiçosamente de meia dúzia de varinhas de incenso. Em segundo plano se ouvia música de cítara enquanto Nouvelle fazia girar cinco centímetros de conhaque em sua taça.

Luke colocou as mãos nos bolsos e observou o que o rodeava. Sabia que acabava de entrar em uma casa lhe rodem, mas flutuava ali a intensa ilusão de um santuário exótico. Isso se devia, sem dúvida, aos coloridos almofadões empilhados aqui e lá, às pequenas esteiras tecidas disseminadas como ao azar sobre o piso, aos cortinados de seda das janelas, ao misterioso oscilar da luz das velas.

E, certamente, ao mesmo Maximillian Nouvelle.

 - Ah.  - Com seu sorriso divertido semioculta por seu bigode, Max brindou pelo moço.  - Me alegro de que pudesse vir.

Para demonstrar que não se sentia impressionado, Luke se encolheu de ombros.

 - Foi um espetáculo bastante bom.

 - Seu elogio me faz me ruborizar  - disse secamente Max e com a mão indicou ao Luke que se sentasse - . Interessa-te a magia, senhor...?

 - Sou Luke Calavam. Pensei que ver alguns truques bem valia um dólar.

 - Um total avultado, concordo contigo.  - Lentamente, os olhos fixos no Luke, Max tomou um sorvo de seu conhaque.  - Mas confio em que terá sido um bom investimento para você.

 - Investimento?  - Intranqüilo, Luke olhou para Mouse, quem bloqueava a porta.

 - Saiu com mais dólares dos que entrou. Em finanças, chamaríamos a isso um investimento rápido e frutífero.

Luke resistiu o desejo de escapar e olhou ao Max aos olhos. Bem feito, pensou Max. Muito bem feito.

 - Não sei de que fala.

 - Sente-se.  - Max só pronunciou essa única palavra e levantou um dedo. Luke se retesou mas obedeceu.  - Verá você, senhor Calavam... ou posso te chamar Luke? Um bom nome. Deriva do Lucius, a palavra latina que significa luz.  - Riu entre dentes e bebeu outro sorvo.

 - Verá Luke, enquanto você me olhava , eu olhava a você. Não estaria bem que te perguntasse quanto obteve, mas calculo que entre oito e dez dólares.

 - Esboçou um sorriso encantador.  - Nada mal, para uma sozinha função.

Luke entrecerrou os olhos e sentiu que pelas costas lhe corria a transpiração.

 - Está-me chamando você ladrão?

 - Não se te ofende. depois de todo, é meu convidado. Posso te oferecer algo de beber?

 - Do que se trata, senhor?

 - Já chegaremos a isso. Mas primeiro, o primeiro, digo sempre. Como eu também fui menino, sei o que é o apetite de um garoto.  - E esse menino era tão fraco que Max quase podia lhe contar as costelas debaixo da suja camiseta.  - Mouse, acredito que a nosso convidado gostaria de comer um ou dois hambúrgueres, bem servidas.

 - Está bem.

Max ficou de pé quando Mouse saiu pela porta.

 - Um refresco?  - ofereceu e abriu a pequena geladeira. Não precisava vê-lo para saber que os olhos do pequeno olhavam para a porta.  - Pode fugir, certamente  - disse com tom casual enquanto tirava uma garrafa - . Mas duvido que o dinheiro que tem oculto em seu sapato direito te leve muito longe. Ou pode descansar e desfrutar de uma comida civilizada e de uma boa conversação.

Luke baralhou a possibilidade de fugir. Seu estômago começou a lhe fazer ruídos. No caso de, aproximou-se um pouco à porta.

 - O que é o que quer?

 - Seu companhia, é obvio  - disse Max enquanto lhe servia um refrigerante com gelo. Suas sobrancelhas se elevaram apenas ao notar um relampejo nos olhos do Luke. De modo que tinha sido assim de mau, pensou enquanto sorria. Procurando lhe fazer sentir ao moço que estaria a salvo dessa classe de riscos, Max chamou o Lily.

Ela atravessou uma cortina de seda cor carmesim. Ao igual a Max, também usava uma bata. Era de cor rosa pálido, festoneada com plumas cor fúcsia, ao igual às chinelas com taco que cobriam seus pés. Ao deslocar-se deixou no ar uma esteira do Chanel.

 - Temos um convidado  - disse com voz aguda.

 - Sim, querida Lily.  - Max tomou a mão, a levou aos lábios e se atrasou nela.  - Apresento ao Luke Calavam. Luke, esta é meu invalorable assistente e adorada companheira, Lily Bate.

Luke sentiu um nó na garganta. Jamais tinha visto uma beleza igual. Era toda curvas e fragrância e seus

Olhos e boca estavam pintados de maneira exótica. Sorriu, movendo umas pestanas incrivelmente largas.

 - Prazer em conhecê-lo  - disse e se aproximou mais ao Max quando lhe aconteceu um braço ao redor da cintura.

 - Eu também, senhora.

 - Luke e eu temos que falar de algumas coisas. Não quero que me espere levantada.

 - Não me importa.

Ele a beijou com suavidade, mas com tal ternura, que Luke sentiu suas bochechas quentes antes de se separar o olhar.

 - Je t'aime, MA belle. Vai-te a dormir  - murmurou ele.

 - Está bem.  - Mas seus olhos lhe disseram, com toda claridade, que o esperaria acordada.  - Um gosto te conhecer, Luke.

 - O mesmo digo, senhora  - alcançou a dizer ele quando ela desapareceu do outro lado da cortina vermelha.

 - Uma mulher maravilhosa  - comentou Max enquanto oferecia ao Luke o copo - . Roxanne e eu estaríamos perdidos sem ela. Não é verdade, MA petite?

 - Papaizinho.  - Roxanne arrastou debaixo da cortina e ficou de pé de um salto.  - Eu estava tão quieta e calladita, que nem sequer Lily me viu.

 - Mas eu te cheirei.  - lhe sorrindo, Max se atingiu o nariz com um dedo.  - Seu xampu. Seu sabão. Os crayones com que esteve desenhando.

Roxanne fez uma careta e se aproximou com seus pés descalços.

 - Sempre sabe.

 - E sempre saberei quando meu pequeñita está perto.  - Elevou-a e a sentou sobre seu quadril.

Luke reconheceu à pequena do ato, embora agora estava vestida para a cama com um longo camisola franzida. Sua cabeleira frisada cor vermelha fogo, chegava-lhe à costas. Enquanto Luke bebia seu refrigerante, ela passou um braço pelo pescoço de seu pai e ficou a estudar ao convidado com seus enormes olhos verde mar.

 - Parece mau  - decidiu Roxanne, e seu pai riu entre dentes e a beijou na têmpora.

 - Estou seguro de que te equivoca. Roxanne refletiu e decidiu contemporizar.

 - Parece que poderia ser mau.

 - Muito mais exato.  - Max a parou no piso e deslizou uma mão por seu cabelo.  - Agora saúda-o com cortesia.

Ela inclinou a cabeça e depois a inclinou como uma pequena rainha que concede uma audiência.

 - Olá.

 - Sim. Olá.  - Que molequa insolente, pensou Luke, e voltou a ficar avermelhado quando seu estômago fez ruído.

      - Suponho que terá que lhe dar de comer  - disse Roxanne, como se Luke fora um cão abandonado ao que se encontrou revolvendo o lixo - . Mas não sei se deveríamos ficar com ele.

Metade exasperado e metade divertido, Max lhe pegou um tapinha no traseiro.

 - Vai-te à cama, mulher anciã.

 - Uma hora mais, por favor, Papai. Ele negou com a cabeça e se inclinou para beijá-la.

 - Bonne nuit, bambine.

As sobrancelhas do Roxanne se juntaram formando uma pequena ruga vertical entre elas.

 - Quando for grande, ficarei acordada toda a noite se tiver vontades.

 - Estou seguro de que sim, e mais de uma vez. Mas até então...  - e seu pai assinalou a cortina.

Roxanne tirou tromba, mas obedeceu. Separou-se a cortina de seda, e olhou por sobre seu ombro.

 - De todos os modos, quero-te.

 - E eu a você.  - Max sentiu que seu coração se enchia de afeto. Sua filha. A única coisa que tinha feito sem truques nem efeitos de magia.  - Está crescendo  - disse Max para si.

 - Merda  - saltou Luke, lhe falando com seu refrigerante - . Não é mais que uma menina.

 - Estou seguro que isso deve lhe parecer com uma pessoa de tantos anos e experiência como você.  - O sarcasmo era tão sutil, que Luke não o percebeu.

 - Os meninos são uma lata. E, além disso, custam dinheiro, não é assim?  - Em suas palavras penetrou um antigo rancor.  - Todo o tempo se entremetem e dão trabalho. A gente os tem sobre tudo porque se esquentam muito para pensar nas conseqüências quando se deitam.

Max se passou um dedo pelo bigode enquanto levantava sua taça de conhaque.

 - Uma filosofia muito interessante. Algum dia temos que analisá-la em profundidade. Mas esta noite... Ah, seu comida.

Confundido, Luke olhou para a porta. Seguia fechada. Não ouviu nada. Só segundos mais tarde pôde perceber umas pegadas e um leve batido na porta. Mouse entrou com uma bolsa de papel marrom, com algumas mancha de gordura. O aroma fez que ao Luke lhe fizesse água a boca.

 - Obrigado, Mouse.  - Pela extremidade do olho, Max viu que Luke se continha para não arrebatar a bolsa.

 - Quer que fique por aqui?  - perguntou Mouse e colocou a comida sobre a pequena mesa redonda que estava frente ao sofá.

 - Não é necessário. Estou seguro de que está cansado.

 - Está bem. boa noite, então.

 - boa noite. Por favor  - prosseguiu Max quando Mouse teve fechado a porta detrás dele - , te sirva.

Luke colocou uma mão na bolsa e tirou um hambúrguer. Em um intento de parecer indiferente, deu a primeira dentada com suavidade. Depois, antes de poder conter-se, devorou o resto. Max se tornou para trás no sofá, fez girar o conhaque em sua taça e entrecerrou os olhos.

O menino comia como um lobo. Max supôs que estava faminto de muitas outras coisas também. Sabia perfeitamente o que era ter fome... de muitas coisas. Porque confiava em seus instintos, e no que acreditou ver atrás do desafio nos olhos do moço, ofereceria-lhe uma oportunidade.

 - Cada tanto faço um ato de mentalismo  - disse Max - . Talvez não saiba.

      Como tinha a boca cheia, Luke só pôde grunhir.

 - Parecia-me que não. Se quiser, farei-te então uma demonstração. Foi de seu casa e faz um tempo que está viajando.

Luke tragou e arrotou.

 - equivoca-se. Meus pais têm uma granja a poucos quilômetros daqui. Só vim a me divertir na feira.

Max abriu os olhos. Neles havia força, poder, e algo que fazia que esse poder fora mais intenso.

 - Não me minta. Faz-o com outros, se não ficar mais remédio, mas não comigo. Fugiu de seu casa.  - moveu-se com tal celeridade, que Luke não pôde esquivar a mão que se fechou como aço sobre seu punho.  - me diga, deixou atrás a uma mãe, um pai, um avô com o coração destroçado?

 - Já lhe disse...  - As mentiras ardilosas, as que tinha aprendido a dizer com tanta facilidade, murcharam-se em sua língua. São esses olhos, pensou em um ataque de pânico. Iguais aos olhos do pôster, que pareciam olhar dentro dele e vê-lo todo.  - Não sei quem é meu pai  - cuspiu essas palavras enquanto todo seu corpo começava a tremer com vergonha e fúria - . E não acredito que tampouco ela saiba. Nem que lhe importe. Talvez lamente que eu me tenha ido porque não tem a ninguém perto para que lhe vá procurar uma garrafa ou lhe roube uma se não ter o dinheiro para comprá-la. E é possível que o filho de puta com o que vive o lamente porque já não tem a quem pegar.  - Em seus olhos lhe queimaram lágrimas que não sabia que tinha.  - Não voltarei. Juro Por Deus que o matarei a você se tenta me obrigar a voltar para isso.

Max soltou a pressão de sua mão sobre o punho do Luke. Sentiu a pena do moço, tão parecida com a que ele tinha sentido a sua idade.

 - Esse homem te atingia.

 - Quando conseguia me agarrar.  - Havia desafio inclusive nisso. As lágrimas brilharam um instante e logo se secaram.  - Vou ao sul. A Miami.

 - Mmmm.  - Max tomou o outro punho do Luke e girou as mãos para cima. Quando sentiu que o moço se retesava, mostrou seu primeiro sinal de impaciência.  - Não me interessam os homens sexualmente  - disse - . E embora assim fora, não me rebaixaria tocando a uma criatura.  - Luke levantou os olhos, e Max viu algo neles, algo que nenhum menino de doze anos deveria ter conhecido.  - Esse homem abusou de você em outros sentidos?

Luke se apressou a negar com a cabeça, muito humilhado para falar.

Mas Max chegou à conclusão de que tinham abusado dele. Ou, ao menos, de que alguém tinha tentado fazê-lo. Isso teria que esperar, até que existisse confiança entre os dois.

 - Tem boas mãos, dedos rápidos e ágeis. Seu sentido do ritmo e da oportunidade é também bastante bom para alguém de tão pouca idade. Eu poderia utilizar essas qualidades, e possivelmente te ajudar às refinar, se aceita trabalhar comigo.

 - Trabalhar? Que classe de trabalho?

 - De todo um pouco. -Max voltou a sentar-se e sorriu.  - Talvez você goste de aprender alguns truques, jovem Luke. Acontece que dentro de poucas semanas enfiamos para o sul. Pode trabalhar para te pagar o quarto e a comida, e ganhar, além disso, um pequeno salário se lhe merecer isso. Certamente, eu teria que te pedir que te abstivera de roubar carteiras por um tempo. Mas duvido que algo que te pedisse arruinasse seu estilo.

Ao Luke doía o peito. Só quando deixou sair o ar se deu conta de que tinha estado contendo a respiração até que os pulmões lhe queimavam.

 - Estaria no espetáculo de magia? Max voltou a sorrir.

 - A resposta é não. Entretanto, ajudaria na preparação do espetáculo e no desarmado. E aprenderia, se é que tem facilidade para essas coisas. Com o tempo, pode aprender muito.

Luke deu voltas ao redor do oferecimento como se rodeasse uma serpente adormecida.

 - Suponho que poderia pensá-lo.

 - Isso sempre é prudente.  - Max ficou de pé e se separou sua taça vazia.  - por que não dorme aqui? Pela manhã decidirá. Conseguirei-te roupa de cama  - disse Max e desapareceu sem esperar resposta.

Luke pensou que podia ser uma armadilha, embora ainda não a descobrisse. E seria tão bom dormir dentro por uma vez, com o estômago cheio. estirou-se, dizendo-se que não era mais que para provar o terreno. Mas lhe fecharam os olhos. A luz das velas tinha um efeito hipnótico sobre ele.

disse-se que, se assim o quisesse, partiria pela manhã. Ninguém podia obrigá-lo a ficar. Já ninguém podia obrigá-lo a fazer nada.

Esse foi seu último pensamento antes de ficar dormido. Não ouviu que Max retornava com um travesseiro e lençóis limpa. Não sentiu o puxão quando lhe tiraram os sapatos. Nem sequer murmurou nem se moveu quando lhe levantaram muito suavemente a cabeça e a depositaram sobre esse travesseiro com capa de linho e um deixo a fragrância de lilás.

 - Sei de onde vem  - murmurou Max - . Pergunto-me aonde irá.

Durante um momento, ficou observando ao moço dormido: notou os fortes ossos da face, a mão que estava fechada em um punho em atitude defensiva, a marcado ascensão e descida desse frágil peito que falava de um esgotamento total.

Deixou ao Luke dormindo e foi deitar se nos braços ternos do Lily.

 

Luke despertou por etapas. Primeiro ouviu o gorjeio dos pássaros no exterior, depois sentiu a carícia cálida do sol sobre sua face. A seguir cheirou o aroma do café e se perguntou onde estava.

Então abriu os olhos, viu a menina e recordou.

Estava parada entre a mesa redonda e o sofá onde ele se encontrava recostado; olhava-o com os lábios apertados e a cabeça inclinada. Seus olhos se viam brilhantes e curiosos, com uma curiosidade não muito cordial.

Luke observou algumas peca na ponte do nariz que não lhe tinha notado quando estava no cenário ou sob a luz das velas.

Tão cauteloso como ela, devolveu-lhe o olhar enquanto lentamente se passava a língua pelos dentes. Sua escova de dentes estava na mochila roubada que tinha escondido entre alguns arbustos próximos. Era muito suscetível com respeito à higiene de seus dentes, um hábito diretamente relacionado com seu medo pânico ao dentista.

Estava desejando beber um pouco desse café quente e estar só.

 - Que demônios olha?

 - A você.  - Em realidade, sua intenção tinha sido observá-lo com atenção, e a decepcionou um pouco descobrir que se despertou antes de que ela tivesse oportunidade de fazê-lo.  - Está fraco. Lily diz que tem uma face linda, mas não me parece isso.

 - E você é fraca e feia. te largue.

 - Eu vivo aqui  - disse ela com ares de grandeza - . E se você eu não gosto, posso fazer que meu papai te jogue.

 - À merda que funcionou má.

 - Essa é uma má palavra -disse Roxanne e colocou face de escandalizada. Ou isso pareceu.  - Eu sim que posso ser educada e cortês. Porque sou a proprietária de casa, trarei-te uma taça de café. Já o preparei.

 - Você?

 - É meu trabalho  - disse e se dirigiu à cozinha - . Porque Papai e Lily dormem até tarde pela manhã, e eu não gosto. Quase nunca preciso dormir. Nem sequer quando era bebê. É algo que tem que ver com o metabolismo  - disse, encantada com essa palavra que seu pai lhe tinha ensinado.

 - Sim. Está bem. -Olhou-a servir o café. Pensou que o mais provável era que tivesse gosto a barro, e esperou o momento adequado para dizer-lhe

 - Creme e açúcar? -perguntou ela como o faria a aeromoça de um avião.

 - Muito das duas coisas. 

     Tomou a palavra e, depois, com a língua entre os dentes, levou-lhe a taça à mesa.

 - Com o café da manhã também pode tomar suco de laranja.  - Embora sem muita simpatia para seu visitante, Roxanne estava encantada com a idéia de poder jogar a amável dona-de-casa, e se imaginou usando uma das largas batas de seda do Lily e seus sapatos de taco alto.  - Agora me prepararei um especial para mim.

 - Fantástico.

 - Luke se preparou para fazer uma careta ao provar o café, mas lhe surpreendeu encontrá-lo saboroso.

 - Está muito bom  - murmurou, e Roxanne lhe dedicou um sorriso extremamente feminino.

 - Tenho uma mão especial para o café. Todo mundo o diz.  - Agora com mais entusiasmo, colocou fatias de pão no torrador e depois abriu a geladeira.  - Como é que não vive com seu mãe e seu pai?

 - Porque não quero.

 - Mas tem que fazê-lo  - assinalou Roxanne - . Embora não queira.

 - Um corno. Além disso, não tenho pai.

 - OH  - disse ela e apertou os lábios. Embora só tinha oito anos, sabia que essas coisas aconteciam. Também ela tinha perdido a sua mãe, embora não a recordava absolutamente. E posto que Lily tinha cheio esse lugar à perfeição, não era uma perda que a tivesse sacudido muito. Mas a idéia de estar sem pai sempre a entristecia e a assustava.  - Adoeceu, ou teve um acidente espantoso?

 - Não sei e não me importa. Deixa de fazer perguntas.

Em qualquer outra circunstância, essa resposta a teria enfurecido. Mas agora, em troca, caiu-lhe bem.

 - Que parte do espetáculo você gostou mais?

 - Não sei. Os jogos de cartas foram excelentes.

 - Eu sei um. lhe posso mostrar isso Com cuidado, verteu suco em copos de cristal.  - Depois do café da manhã o farei.  - E, com a serenidade de uma rainha em seu trono, Roxanne se instalou sobre um almofadão de cetim e ficou a beber o suco.  - por que guardas o dinheiro em um sapato, quando tem bolsos?

 - Porque ali está mais seguro.  - E notou que era certo, que estava todo, até o último dólar. sentou-se em seu lugar e observou seu prato: nele havia uma torrada lubrificada com manteiga e mel, polvilhada com canela e açúcar e atalho em dois prolixos triângulos.

Uma hora mais tarde, quando Max se abriu passo pela cortina, viu-os os dois sentados cotovelo a cotovelo no sofá. Sua filhinha tinha uma pequena pilha de bilhetes frente a ela e com perícia trocava de lugar três cartas sobre a mesa.

 - Muito bem, onde está a rainha?

Luke se soprou o cabelo dos olhos, vacilou um momento, e depois atingiu com o dedo a carta do meio.

Muito comprazida consigo mesma, Roxanne deu volta a carta e riu para si quando ele lançou uma imprecação.

 - Roxy  - disse Max ao aproximar-se deles - . É uma grosseria depenar a um convidado.  - Sorriu e lhe deu um golpecito no queixo.  - Minha pequena estelionatária.  - E, depois: -Como dormiu, Luke?

 - Muito bem.  - Tinha perdido cinco dólares a mãos dessa tramposita. E isso o mortificava.

 - Já vejo que comeste. Se decidiu ficar, colocarei-te em mãos de Mouse. O te atribuirá alguma tarefa.

 - Está bem.  - Mas sabia que era melhor não parecer ansioso. Pelo general, quando um se mostra impaciente, nesse momento lhe serram o piso.  - Bom, ao menos por um par de dias.

 - Esplêndido. antes de começar te darei uma lição grátis.  - Fez uma pausa para servir-se café, cheirá-lo com expressão apreciativa e logo prová-lo.  - Nunca aposte contra a mão da casa, a menos que te convenha perder. Necessitará roupa?

Embora ele não imaginava de que maneira podia convir perder, não comentou nada a respeito. Disse:

 - Tenho algumas coisas.

 - Está bem, então. Pode ir as buscar. E depois começaremos.

Uma das vantagens de ser um menino como Luke era não ter expectativas. Sempre acreditou que era mais comum receber um mau pagamento que uma boa recompensa.

Assim quando o taciturno Mouse o colocou a levantar, arrastar, limpar, pintar e procurar coisas, obedeceu ordens sem queixa nem conversação.

Não tinha nada de excitante esfregar o enorme trailer negro, ou ajudar a Mouse a trocar as velas da pick-up Chevy que o arrastava.

Mouse tinha a cabeça e os ombros colocados debaixo do capô, e escutava o zumbido do motor com os olhos entrecerrados. Cada tanto cantarolava uma melodia, ou grunhia e fazia alguns outros ajustes.

Luke não sabia nada de automóveis, e não imaginava por que deveria sabê-lo quando faltavam muitos anos para que pudesse dirigir um. O cantarolo e os movimentos de Mouse começavam a colocá-lo nervoso.

 - Pois a mim, o motor me soa muito bem. Mouse abriu os olhos. Tinha gordura nas mãos, em sua face de lua cheia e em sua camiseta branca.

 - A mim não  - corrigiu-o e voltou a fechar os olhos. Fez pequenos ajustes, com a suavidade com que um homem apaixonado inicia a uma virgem. O motor lhe ronronou.  - Preciosura  - disse-lhe em voz baixa.

Para Mouse, não havia nada no mundo mais fascinante e sedutor que um motor bem azeitado.

 - Deus, se não ser mais que um estúpido caminhão. Mouse voltou a abrir os olhos e neles apareceu um sorriso. Tinha pouco mais de vinte anos, e por seu tamanho e sua forma de ser, tinha sido considerado um inseto raro por outros meninos no asilo estatal no que cresceu. Não confiava nem lhe tinha simpatia a muitas pessoas, mas já tinha desenvolvido um afeto tolerante pelo Luke.

 - Inteligente.  - E, para demonstrá-lo, Mouse fechou o capô e rodeou a tromba do veículo para tirar as chaves do contato e meter-lhe no bolso. Jamais tinha esquecido o orgulho que sentiu a primeira vez que Max lhe confiou as chaves do automóvel.

      - Andará perfeitamente esta noite quando enfiarmos para o Manchester.

 - Quanto tempo estaremos ali?

 - Três dias.  - Mouse tirou um pacote do Pall Mall de sua manga arregaçada, sacudiu-o e extraiu um cigarro com os dentes antes de oferecer o pacote ao Luke, quem aceitou com o ar mais natural possível.  - Esta noite teremos que trabalhar duro para carregar todo.

Luke deixou que o cigarro lhe pendurasse da canto da boca e esperou a que Mouse acendesse um fósforo.

 - Como é que alguém como o senhor Nouvelle anda em feiras como esta?

O fósforo brilhou quando Mouse o aproximou do extremo de seu cigarro.

 - Tem suas razões  - disse, sustentou o fósforo na ponta do do Luke, e depois se tornou para trás sobre o caminhão e começou a sonhar acordado com esse trajeto prolongado e sereno.

Luke aspirou, abafou-se, começou a tossir e cometeu o engano de inalar a fumaça. Tossiu tanto que os olhos lhe encheram de lágrimas, mas quando Mouse o olhou, lutou por manter sua dignidade.

 - Não é a marca que chão fumar.  - Sua voz era um chiado agudo, mas decidiu aspirar outra baforada. Esta vez, tragou a fumaça. Foi como se os olhos lhe afundassem na cabeça e tratassem de reunir-se com o estômago que sentia na boca.

 - Temos problemas?  - perguntou Max ao aproximar-se. Lily se separou de seu lado para inclinar-se junto ao Luke.

Viu o cigarro aceso que tinha caído das mãos do Luke e disse:

 - Que fazia esta criatura com uma dessas coisas espantosas?

 - É minha culpa  - disse Mouse, olhando fixo seus próprios pés - . Estava distraído quando lhe ofereci um cigarro. É minha culpa.

 - O não tinha obrigação de aceitá-lo.  - Max sacudiu a cabeça enquanto Luke, inclinado, lutava contra as náuseas.  - E agora o está pagando. Ofereço-te outra lição grátis: não aceite o que não é capaz de agüentar.

 - Deixa tranqüilo ao menino  - disse Lily movida por seu instinto maternal e apertou o rosto frio e pegajoso do Luke contra seu peito. Depois, fulminou com o olhar ao Max.  - Só porque você não estiveste doente nem um só dia de seu vida, não é motivo para não te colocar no lugar do outro.

 - Tem razão  - disse Max e reprimiu um sorriso - . Mouse e eu lhe encomendamos isso a seu terno cuidado.

 - Não se preocupe por nada, querido meu. Só precisa te deitar um momento, isso é todo.

 - Sim, senhora.  - Queria deitar-se. Seria mais fácil morrer desse modo.

 - Não tem que me dizer "senhora", coração. me chame Lily como todo mundo.  - Tinha-o apertado debaixo de um braço quando abriu a porta da casa lhe rodem.  - te deite no sofá. Eu irei procurar um pano bem frio.

Com um grunhido, Luke se deixou cair de barriga para baixo.

 - Aqui tem, querido.  - Armada com um pano úmido e uma bacia, no caso de, Lily se ajoelhou junto a ele. depois de lhe tirar o lenço transpirado que lhe rodeava a cabeça, apoiou-lhe o pano frio sobre a frente.  - Logo se sentirá melhor, prometo-lhe isso.

Luke só pôde lhe responder com um gemido. Lily seguiu falando enquanto dava volta o pano e o passava pela face e o pescoço.

 - Descansa. Assim, querido, muito bem. Dorme. Quando despertar sentirá melhor.

Lily se deu o gosto de lhe passar os dedos pelo cabelo. Era grosso e longo e suave como a seda. Pensou que se ela e Max tivessem conseguido ter um filho juntos, poderia ter tido um cabelo assim, Mas embora seu coração era fértil para amar a toda uma ninhada de meninos juntos, seu útero era estéril.

O garotinho tem uma face formosa, pensou Lily. Sua pele estava dourada pelo sol e era rígida como a de uma garota. debaixo dela havia ossos bons e fortes. E essas pestanas. Lily voltou a suspirar. Mas por atrativo que fora o moço, e por muito que o coração do Lily desejasse encher sua vida com meninos, não estava segura de que Max fizesse bem em recebê-lo.

Não era um órfão como Mouse. depois de todo, Luke tinha mãe. E embora a vida do Lily tinha sido difícil, funcionava-lhe impossível acreditar que uma mãe não faria tudo o que estivesse em sua mão para proteger, defender e amar a seu filho.

Com suavidade e ternura, começou a lhe tirar a camisa suada. Seus dedos ficaram paralisados pelo que viu. E enquanto de seus olhos brotavam lágrimas de dor e de raiva, voltou a cobri-lo.

Max permanecia de pé frente ao espelho que tinha instalado sobre o cenário e ensaiava sua rotina de prestidigitação. Observava no espelho o que o público veria à medida que as moedas apareciam e desapareciam entre seus dedos.

Levantou as mãos, atingiu uma contra a outra, e todas as moedas desapareceram, salvo a primeira com que tinha iniciado o jogo.

 - Nada em minhas mangas  - murmurou e se perguntou por que a gente sempre acreditava essas palavras.

 - Max!  - Quase sem fôlego pela carreira, Lily se apressou a chegar ao cenário.

     Para o Max foi  - sempre o era -  um prazer olhá-la.

     Lily com shorts ajustados, com camiseta ajustada, com as unhas dos pés pintadas aparecendo pelas poeirentas sandálias, era um espetáculo que dava gosto contemplar. Mas quando tomou a mão para ajudá-la a subir ao cenário, e viu sua face, seu sorriso se desvaneceu.

 - O que ocorreu? É Roxanne?

 - Não, não.  - Alterada, jogou-lhe os braços ao redor do pescoço e se apertou forte contra ele.  - Roxy está muito bem. Mas esse garotinho... Max, esse pobre garotinho...

Então ele pôs-se a rir e lhe deu um abraço carinhoso.

 - Lily, meu amor, sentirá-se incômodo por um tempo, e muito desventurado pela vergonha durante um período bastante mais largo, mas lhe passará.

 - Não, não é isso.  - Com as lágrimas rodando já por suas bochechas, apertou a face contra o pescoço do Max.

 - Fiz que se deitasse no sofá, e quando ficou dormido quis lhe tirar a camisa. Estava empapada de transpiração, e eu queria que estivesse cômodo.

 - Fez uma pausa e respirou fundo.  - Suas costas, Max, não imagina. Cheia de cicatrizes, algumas antigas e outras feridas muito recentes que ainda não terminaram que cicatrizar. De uma correia, ou um cinturão, ou Deus sabe o que.  - secou-se as lágrimas com a mão.  - Alguém deve ter golpeado espantosamente a esse moço.

 - Seu padrasto  - disse Max com voz apagada - . Não acreditei que fora tão grave. Acredita que terei que levá-lo a um médico?

 - Não.  - Com os lábios bem apertados, ela sacudiu a cabeça.  - Em sua maioria são cicatrizes, cicatrizes horríveis. Não entendo como alguém pôde lhe fazer isso a uma criatura.  - Choramingou e aceitou o lenço que Max lhe oferecia.  - Eu não estava segura de que tivesse feito o correto ao recebê-lo. Pensei que sua mãe estaria se desesperada por ter notícias dele.  - Seus olhos doces se endureceram como o vidro.  - Sua mãe. Eu gostaria de lhe colocar as mãos em cima a essa bruxa. Embora não tenha sido ela a que o açoitou, permitiu que isso o, passasse a seu próprio filho. Pois bem, terei que açoitá-la a ela. Faria-o eu mesma se tivesse a oportunidade.

 - Tão feroz e impetuosa. -Max lhe rodeou a face com as mãos e a beijou. Deus, amo-te, Lily. Por tantas razões. Agora vá arrumar te a face e te prepare uma boa taça de chá para te serenar. Ninguém voltará a machucar ao moço.

 - Não, ninguém o machucará de novo  - disse ela e curvou os dedos ao redor do punho do Max. Seus olhos se viam cheios de paixão, e sua voz estava surpreendentemente calma.  - Agora é nosso.

Ao Luke quase lhe aconteceram as náuseas, mas sua vergonha aumentou ao despertar e encontrar ao Lily sentada junto a ele, bebendo chá. Tratou de balbuciar alguma desculpa, mas ela falou animadamente por sobre o gagueira dele, e lhe preparou um bol de sopa.

Nesse momento entrou Roxanne.

Vinha coberta de terra da cabeça aos pés, e o cabelo que Lily lhe tinha trancado com tanta prolijidad essa manhã estava totalmente despenteado. Em um joelho tinha um raspão recém feito, e um rasgão em seus shorts. O aroma de animal a seguiu ao interior da casa lhe rodem. Roxanne acabava de jogar com o trio de terriers do número com cães.

 - Está meu Roxy debaixo dessa terra?  - perguntou Lily.

Roxanne sorriu e abriu a geladeira em busca de um refresco bem frio.

 - Estive andando no carrossel uma eternidade, e Big Jim me permitiu sustentar o anel todo o tempo que quisesse.  - Olhou ao Luke.  - Seriamente fumou um cigarro e vomitou todo?

Luke lhe mostrou os dentes mas não disse nada.

 - por que fez isso?  - prosseguiu a pequena charlatana - . Supõe-se que os meninos não devem fumar.

 - Roxy  - disse Lily, ficou de pé e começou a empurrar à menina para a cortina - . Tem que te assear.

 - Mas eu só quero saber...

 - te apresse. Logo será a hora da primeira função.

 - Só me perguntava...

 - Pergunta-te muitas coisas. Roxanne desapareceu e Lily voltou junto ao Luke.

 - Muito bem. Suponho que mais vale que coloquemos mãos à obra. por que não vai e pede a um dos moços que te dê alguns volantes para reparti-los quando a gente comece a aparecer?

O se encolheu de ombros a maneira de assentimento, e quando Lily lhe estendeu a mão, tornou-se para trás com brutalidade. Tinha esperado um golpe. Ela se deu conta pela expressão escura e fixa que advertiu em seus olhos. Também percebeu a confusão do moço quando o despenteou carinhosamente.

Ninguém o havia tocado assim jamais. Enquanto olhava ao Lily, sobressaltado, lhe fez um nó na garganta que não lhe permitiu falar.

 - Não tem que ter medo  - disse-lhe ela em voz baixa, como se fora um secreto entre os dois - . Não te machucarei.  - Baixou a mão e lhe rodeou o queixo.  - Nem agora nem nunca. Se chegasse a necessitar algo, vai para mim. Entendeste-me?

O só pôde assentir enquanto ficava de pé. Sentia uma opressão no peito e tinha a garganta seca. Ao compreender que estava perigosamente perto do pranto, correu para fora. Esse dia tinha aprendido três coisas. Supôs que Max as chamaria lições grátis, e jamais as esqueceria. Primeiro, nunca voltaria a fumar um cigarro sem filtro. Segundo, detestava a essa molequa do Roxanne. E, terceiro e o mais importante de todo, acabava de apaixonar-se loucamente do Lily Bate.

 

O verão se fez sentir enquanto viajavam. Primeiro se dirigiram para o sul e depois para o oeste, ao Allentown, onde Roxanne se divertiu como louca jogando com um par de gêmeas chamadas Tessie e Trudie. Quando partiram dali, dois dias mais tarde, entre lágrimas e promessas solenes de amizade eterna, Roxanne sentiu pela primeira vez as desvantagens de uma vida nômade.

Fez bico durante uma semana, enlouquecendo ao Luke com louvores de seus amigas perdidas. Ele  a evitava sempre que lhe era possível, mas não era nada fácil pois virtualmente viviam sob o mesmo teto.

Ela o buscava, mas não porque lhe tivesse simpatia. De fato, sentia um desagrado profundo que nenhum dos dois reconhecia ainda como uma rivalidade natural. Mas, desde sua experiência com o Tessie e Trudie, Roxanne começou a desejar a companhia de pessoas de sua idade.

Embora essa pessoa fora um varão.

E ela fez o que as irmãs pequenas fazem a seus irmãos maiores desde o começo dos tempos: converteu sua vida em um inferno.

Incomodava-o sem piedade, seguia-o a todas partes e o chateava com crueldade. Desde não ter sido pelo Lily, talvez Luke se teria defendido. Mas por razões que ele não alcançava a entender, Lily estava louca pela molequa.

A prova disso se fez evidente durante o ensaio prévio à função que deviam realizar no Winston-Salem.

está-se equivocando nos tempos, pensou Luke com satisfação observando-a enquanto vagabundeava pela carpa.

Esse ensaio insatisfactorio lhe deu esperanças. Ele poderia fazer esse truque muito melhor que ela, se tão somente Max lhe desse a oportunidade.

 - Roxanne  - disse Max com tom paciente, interrompendo os pensamentos do Luke - . Não está emprestando atenção.

 - Estou cansada de ensaiar  - disse Roxanne e levantou sua face ruborizada - . Estou cansada da casa lhe rodem, do espetáculo e de todo. Quero voltar para o Allentown a ver o Tessie e Trudie.

 - Temo-me que isso é impossível  - disse Max - . Se não querer agir, essa será seu escolha. Mas se eu não posso confiar em você, terei que te substituir.

 - Max!  - Consternada, Lily deu um passo adiante, mas se deteve em seco quando Max levantou uma mão.

 - Como minha filha  - prosseguiu ele enquanto pela bochecha do Roxanne se deslizava uma única lágrima - , tem direito a todas as chiliques que queira. Mas como minha empregada, ensaiará quando houver ensaio. Entendeste-me?

Roxanne deixou cair a cabeça.

 - Sim, Papai.

 - Muito bem, então. te seque a face  - disse e lhe colocou uma mão debaixo do queixo - . Quero que você...  - Não seguiu falando e lhe tocou a frente.  - Está ardendo  - disse com voz rara - , Lily. Esta garota está doente.

Lily ficou imediatamente de joelhos e verificou ela mesma se a criatura tinha febre. A frente do Roxanne estava quente e pegajosa ao tato.

 - Querida, dói-te algo?

 - Estou bem. É só que aqui faz muito calor. Quero ensaiar. Não deixe que Papai me substitua.

 - Que tolices diz  - foi a resposta do Lily enquanto seus dedos se atarefavam em busca de gânglios inflamados - . Ninguém poderia te substituir.  - E, olhando ao Max:  - Acredito que deveríamos ir à cidade a procurar um médico.

Sem fala, Luke observou como Max se levava em braços à chorosa Roxanne. Compreendeu que seu desejo se feito realidade. A molequa estava doente. Até podia ser que tivesse a peste. Com o coração lhe batendo depressa, saiu correndo da carpa e observou a nuvem de pó levantada pelo caminhão, que se afastava a toda velocidade.

Talvez morrera antes de que chegassem à cidade. Esse pensamento lhe produziu uma onda de pânico seguida por uma culpa terrível.

 - Aonde foram?  - perguntou Mouse, ofegando por ter deslocado quando ouviu que ficava em marcha seu amado motor.

 - Ao médico.  - Luke se mordeu o lábio.  - Roxanne está doente.

antes de que Mouse pudesse lhe fazer mais pergunta, Luke fugiu precipitadamente. Esperava que se realmente havia um Deus, Ele saberia que sua intenção não tinha sido fazer mal ao Roxanne.

Passaram duas intermináveis horas antes de que o caminhão retornasse. Ao vê-lo aproximar-se, Luke pôs-se a andar para o veículo, mas o coração lhe deteve o ver que Max tomava o corpo inerte do Roxanne dos braços do Lily e tinha elevada à pequena até a casa lhe rodem.

 - Está...?  - Lhe fechou a garganta.

 - Dorme  - respondeu-lhe Lily com um sorriso distraído - . Sinto-o Luke, mas será melhor que desapareça por um momento. Estaremos muito ocupados.

 - Mas... mas...

 - Será bravo durante alguns dias, mas uma vez que a crise tenha passado, estará bem.

 - Eu não quis  - soltou de repente Luke - . Juro que não quis fazer que se adoecesse.

Embora Lily tinha a cabeça em outra parte, freou-se junto à porta.

 - Não o fez, querido. Em realidade, suspeito que Roxy recebeu do Trudie e Tessie muito mais que a promessa de uma amizade eterna.  - Sorriu ao entrar no trailer.  - Parece que tem varicela.

Luke ficou com a boca aberta enquanto Lily lhe fechava a porta na face.

A molequa só tinha varicela, e ele quase se havia morto de medo?

 - Posso fazê-lo.  - Luke estava obstinadamente de pé no centro do cenário, enquanto Max seguia manipulando as cartas.  - Posso fazer algo que ela faça.

Fazia três dias que Roxanne se encontrava confinada em cama, sentindo calor, uma grande coceira e uma grande desdita. E durante esse tempo, em cada oportunidade, Luke entoou sempre a mesma litania.

 - Só tem que me ensinar o que devo fazer.

 - Vêem aqui.  - Luke deu um passo adiante, e de repente viu nos olhos do Max algo que o fez estremecer-se. -  Jura  - disse Max, e sua voz soou profunda e autoritária nessa carpa poeirenta - . Jura por tudo o que é e tudo o que será, que jamais revelará nenhum dos secretos desta arte.

Luke quis sorrir, lhe recordar ao Max que, depois de todo, só se tratava de um truque. Mas não pôde.

Quando conseguiu falar, sua voz foi um sussurro.

 - Juro-o.

Max se tomou outro momento para escrutinar o rosto do Luke, e depois assentiu.

 - Muito bem. Isto é o que quero que faça.

Em realidade, era tão simples. Quando Luke descobriu o notavelmente singelo que era todo, ficou surpreso. Detestava reconhecê-lo para si, e se negava a admiti-lo frente a Max, mas agora que sabia como tinha feito Roxanne para converter-se em coelho, como tinha desaparecido debaixo da capa, lamentava-o um pouco.

Mas Max não lhe deu tempo para lamentar-se pela perda da inocência. Trabalharam e repetiram a seqüência durante mais de uma hora: aperfeiçoando os tempos, cuidando a coreografia de cada movimento, eliminando coisas que ficavam bem ao Roxanne e as substituindo com outras que se adequavam mais ao Luke.

Era uma tarefa cansada e incrivelmente monótona, mas Max só aceitava o próximo à perfeição.

Revoleó a capa e cobriu ao Luke, depois estalou duas vezes os dedos, e riu pelo baixo quando a forma que estava debaixo desse tecido negro permaneceu em seu lugar.

 - A um bom assistente jamais lhe passa por cima o sinal de seu mago, por distraído que esteja.

Ouviu-se um leve desaforo debaixo da capa, e a forma se dissolveu. longe de estar descontente com os adiantamentos do Luke, Max pensou que o moço serviria. Aproveitaria a rabugice de seu caráter, sua fome e sua atitude desafiante. Jogaria mão a tudo o que Luke era, e, a sua vez, brindaria-lhe um lar, e a oportunidade de escolher.

Um convênio bastante justo, pensou Max.

 - De novo  - limitou-se a dizer quando Luke voltou a aparecer no cenário por decorações.

Nesse momento, Lily entrou na carpa.

 - Sei que chego tarde  - disse enquanto se aproximava depressa - . Hoje todo está atrasado.

 - E Roxanne?

 - Afiebrada e irritável, mas melhorando. Detesto ter que deixá-la só. Mas neste momento todo mundo está ocupado, assim que eu... Luke  - disse de repente-, faria-me um favor enorme se fosses sentar te com ela durante ao redor de uma hora.

 - Eu?  - Poderia lhe haver pedido também que se comesse um sapo.

 - Sim. Faz-lhe falta companhia, para que deixe de pensar na coceira.

Max sorriu e com gesto cordial apoiou uma mão sobre o ombro do moço.

 - Apresento-te ao integrante mais recente de nosso grupo  - disse ao Lily - . Luke agirá esta noite.

 - Esta noite?  - de repente alerta, Luke girou para enfrentar ao Max.  - Só esta noite? Não estive praticando como louco para agir uma sozinha noite.

 - Isso está por ver-se. Se esta noite te desempenhar bem, voltará a agir amanhã de noite. É o que eu chamo um período de prova. Seja como for, por agora já ensaiamos o bastante, de modo que baixas livre para entreter ao Roxanne.

 - Não sei que merda se supõe que devo fazer com ela  - murmurou Luke ao saltar do cenário. Lily suspirou ante a linguagem utilizada pelo moço.

 - Joguem a algo  - sugeriu ela - . E, querido, seriamente preferiria que não dissesse más palavras quando está com o Roxy.

Muito bem, pensou enquanto abandonava a carpa em trevas e saía ao exterior banhado pelo sol. Não diria más palavras diante do Roxy. Diria-as para si quando pensasse nela.

Abriu a porta da casa lhe rodem e se dirigiu para a geladeira. O impulso que sentiu de olhar por sobre o ombro ao procurar uma bebida fria seguia sendo intenso. Sempre esperava que alguém aparecesse de repente e o atingisse por apropriar-se de algum comestível.

Mas ninguém o fez.

Moveu-se com sigilo, outro hábito que a necessidade o tinha obrigado a desenvolver. Ao avançar pelo corredor estreito, ouviu cantar ao Roxanne, acompanhando uma melodia que transmitia a rádio.

Divertido, Luke espiou da porta. Roxanne estava deitada de costas, a vista fixa no céu cetim, enquanto escutava a rádio. Em uma pequena mesa redonda junto à cama, havia uma jarra com suco de frutas e um copo, ao lado de uma série de remédios e um maço de cartas.

Roxanne moveu a cabeça e o viu. Esteve a ponto de sorrir, tão desesperada estava por companhia. Luke a observou.

A pele branca da menina se via cheia de feias rodelas vermelhas, que também lhe cobriam a face. perguntou-se como fariam Lily e Max para tolerar olhá-la.

 - Deus, pelo visto tem essa merda em todo o corpo.

 - Lily diz que logo irão e que estarei formosa.

 - É provável que vão  - disse com tal tom de dúvida que Roxanne franziu o sobrecenho - , mas seguirá sendo feia.

Ela esqueceu a horrível coceira que sentia no estômago e conseguiu incorporar-se até ficar sentada.

 - Espero te contagiar a varicela. Espero que tenha rodelas por todo... até no apito.

Luke quase se engasgou com o refrigerante, e depois sorriu.

 - A varicela é para os bebês.

 - Eu não sou um bebê.  - Nada poderia havê-la enfurecido mais. antes de que Luke tivesse tempo de esquivá-la, ela pegou um salto e caiu sobre ele, atingindo-o com os punhos. A garrafa de refrigerante saltou pelo ar, foi dar contra a parede e esparramou seu conteúdo por toda parte. Poderia ter sido divertido, e de fato ele lançou uma gargalhada, mas em seguida lhe impressionou comprovar quão frágil estava a menina. Seus braços era como dois palitos ardentes.

 - Está bem, está bem. Não é uma bebita. Agora volta para a cama.

 - Estou cansada da cama  - deu Roxanne, mas se deixou cair nela, ajudada pelo não muito suave empurrão do Luke.

 - Igual, faz-o. Merda, olhe como ficou todo. Suponho que tenho que limpá-lo.

 - É seu culpa  - disse ela com face de ofendida e ficou a olhar pela janela.

Grunhindo, Luke partiu em busca de um pano de piso.

Quando terminou de secar os restos de refrigerante, ela seguia ignorando-o.

 - Olhe, retratei-me, não?

Ela o observou um instante, mas a expressão de seu rosto seguiu sendo gelada.

 - Arrepende-te de me haver dito que sou feia?

 - Bom, suponho que sim. Silêncio.

 - Muito bem, muito bem. Deus. Lamento haver dito que é feia.

 - Serviria-me um pouco de suco?

 - Suponho que sim.

Serve-lhe um copo e o entregou.

 - Não fala muito  - disse ela ao cabo de um momento.

 - E você fala muito.

 - Se quiser, poderíamos jogar a algo.

 - Sou muito grande para jogos.

 - Não é verdade. Papai diz que ninguém é muito grande para jogar.  - Viu um brilho de interesse no rosto do Luke e seguiu adiante.  - Se jogar comigo, ensinarei-te um truque com cartas.

Luke não tinha conseguido sobreviver até os doze anos sem saber como regatear.

 - Insígnia me primeiro o truque com cartas, e depois jogarei.

 - Nada disso.  - Seu sorriso foi complacente, uma versão apenas mais inocente que a de uma mulher que sabe que prendeu a seu homem.  - Eu te mostrarei o truque, e depois jogaremos. E só depois te ensinarei como fazê-lo.

Tomou o maço da mesa e mesclou as cartas com considerável habilidade. Interessado, Luke se sentou na beira da cama e observou as mãos da menina.

 - Isto se chama Perdida e Encontrada. Escolhe qualquer carta que veja, e diz em voz alta qual é.

 - Que graça. Onde está o truque se eu te disser qual é a carta?  - murmurou Luke. Mas quando ela voltou a passar as cartas, ele escolheu o Rei de Espadas.

 - Não pode ter essa carta  - disse-lhe Roxanne.

 - por que demônios não? Disse-me que escolhesse qualquer das que via.

 - Mas não pôde ver o Rei de Espadas. Não está aqui.  - Sorrindo, voltou a passar as cartas, e Luke ficou boquiaberto. Maldição, tinha visto esse rei. Como tinha feito ela para fazê-lo desaparecer?

 - Juntou-o.

Ela sorriu amplamente.

 - Não tenho nada nas mãos  - disse Roxanne e, depois de apoiar o maço sobre os joelhos, levantou as duas mãos para mostrar que estavam vazias - . Pode escolher outra.

Esta vez, com muita atenção, Luke escolheu o três de trevos.

 - Não faz mais que escolher cartas que faltam  - disse ela sacudindo a cabeça. Ao voltar a passar as cartas, Luke não só viu que faltava o três mas também o rei estava de volta. Com raiva, tentou apoderar do maço, mas ela o levantou por sobre sua cabeça.

 

 - Não acredito que seja um maço comum.

 - Não acreditar é o que faz que a magia seja magia  - disse ela, citando a seu pai com grande seriedade. Mesclou as cartas, abriu-as de face acima sobre os lençóis. Com um movimento da mão assinalou as duas cartas que Luke tinha eleito entre as cinqüenta e dois do maço.

Ele suspirou, vencido.

 - Muito bem, como o faz? Mas ela insistiu em jogar primeiro. depois de duas partidas, ele foi procurar bebidas frias e doces para os dois.

 - Agora te ensinarei o truque  - deu Roxanne - . Mas tem que jurar que jamais revelará o secreto.

 - Já fiz esse juramento. Roxanne entrecerrou os olhos.

 - Quando? Como é isso?

Ele teve vontades de mordê-la língua.

 - No ensaio, faz um momento  - disse a contra gosto - . Farei seu número até que vão as rodelas.

Lentamente, ela levantou as cartas e começou às mesclar. Fazer algo com as mãos sempre a ajudava a pensar.

 - Está ocupando meu lugar.

 - Max disse que sem ou haveria um vão no espetáculo.

 - Eu o encherei  - disse. E com uma diplomacia que não tinha consciência de possuir, adicionou:  - Transitoriamente. Isso foi o que disse Max. Talvez só por esta noite.

depois de outro momento de reflexão, ela assentiu.

 - Se Papai o disse, está bem. Confiou-me que lamentava haver dito que me substituiria. Que ninguém poderia fazê-lo jamais.  - E, continuando:  - Isto é o que tem que fazer...  - e com a paciência de uma mestra de primeiro grau que ensina a um aluno a escrever seu nome, começou a lhe mostrar o truque.

Quando ela sorriu, lhe devolveu o sorriso. Ao menos por um momento, foram somente duas crianças que compartilhavam um segredo valioso.

 

Era uma experiência nova e difícil. Luke estava inteligente e impaciente enquanto esperava entre decorações. Seu smoking de segunda mão, arrumado muito depressa pelos dedos hábeis de Mama Franconi, o fazia sentir uma estrela. Uma e outra vez repassava mentalmente sua parte, seus movimentos, sua letra, enquanto Max esquentava um pouco ao auditório com jogos de prestidigitação.

Pensou que não era nada do outro mundo. Uma habilidade mais que lhe significaria ganhar dez dólares por noite enquanto Roxanne seguisse coberta com essas rodelas. Se o prognóstico do médico era exato, representaria cem dólares mais no "fundo" reservado para a viagem a Miami.

felicitava-se a si mesmo por sua boa sorte e olhava com desdém aos camponeses de olhos saltados da primeira fila, quando Mouse lhe deu uns toquezinhos no ombro.

 - aproxima-se o momento de seu entrada.

 - O que?

 - Seu entrada  - repetiu Mouse e moveu a cabeça para o cenário, onde Lily rebolava com suas meias rutilantes, acentuando o movimento de seus quadris para benefício do setor masculino do público.

          - Minha entrada  - repetiu Luke, enquanto lhe gelavam as vísceras e seu coração se convertia em uma bola ardente em sua garganta. Como Max tinha previsto o ataque de medo do Luke, Mouse lançou um grunhido de assentimento e empurrou ao moço a cena.

         Houve um murmúrio de risadas quando esse menino fraco com o smoking muito grande apareceu cambaleando. Em contraste com as lapelas negras e brilhantes de seu traje, a face do Luke estava alva como o papel. Não ocupou o lugar que devia e se salteou a primeira linha de seu diálogo. Quão único pôde fazer enquanto a transpiração lhe empapava as costas, foi permanecer imóvel enquanto com os olhos percorria os rostos de seu primeiro público.

 - Ah.  - Com a mesma suavidade com que tinha feito aparecer e desaparecer o lenço de seda, Max se aproximou dele.  - Meu jovem amigo parece perdido.  - Para os espectadores, a impressão foi que Max acariciava a cabeça do Luke. Não viram como seus dedos ágeis lhe beliscaram com força a nuca para tirar o dessa sorte de transe em que estava sumido na noite de sua estréia.

Luke deu um coice, piscou e tragou.

 - Eu, este...  - Merda, o que era o que tinha que dizer?  - Perdi minha galera  - concluiu a frase muito apurado, e depois sua face passou do alvo ao vermelho quando as risadas chegaram ao cenário. Ao diabo com eles, disse-se e endireitou os ombros.

Nesse momento, de um menino assustado se transformou em um garoto arrogante.  - Tenho uma encontro com o Lily. Não posso levar a dançar a uma mulher formosa sem minha galera.

 - Diz que tem uma encontro com o Lily?  - Tal como o tinham ensaiado, a expressão do Max foi primeiro de surpresa, logo depois de zango e, por último, oculta.  - Temo-me que deve estar equivocado, garoto. A formosa Lily se comprometeu a passar a velada comigo.

 - Suponho que trocou de idéia  - disse Luke, sorriu e colocou os polegares detrás das lapelas - . Está-me esperando. Iremos A...  - Um pequeno floreio, e em sua lapela negra brotou uma enorme rosa vermelha.  - Sairemos da cidade.

Os aplausos dispersos que saudaram seu primeiro truque público de magia o atraíram como uma mulher sedutora.

Luke Calavam tinha encontrado sua vocação.

 - Estraga  - disse Maxy olhou de esguelha ao público - . Não é um pouco jovem para uma mulher com os encantos do Lily?

Agora Luke já não sentia medo.

 - O que me falta em anos, compenso-o com energia.

   O comentário, dito com tom depreciativo, suscitou fortes gargalhadas entre o público. Esse som despertou algo no mais íntimo do Luke. Começou a sentir-se cada vez mais cômodo, e o desdém se converteu em um sorriso.

 - Mas, como é natural, um cavalheiro não pode escoltar a uma dama fora da cidade sem sua galera.  - Max se esfregou as mãos e olhou para a esquerda do cenário.  - E me temo que essa é a única galera que vi esta noite.  - Dito o qual, um spot iluminou a galera investida.  - E me parece um pouco grande, inclusive para uma pessoa com a cabeça tão inchada como a tua. Balançando-se sobre seus pés, Luke colocou os dedos no cinturão.

 - Conheço seus truques. Todo andará melhor se voltar a deixar minha galera tal como estava.

 - Eu?  - perguntou Max, arqueou as sobrancelhas e ficou uma mão sobre o coração - . Está-me acusando de fazer bruxarias para arruinar seu saída com o Lily?

 - Isso mesmo.  - Não eram exatamente as palavras ensaiadas, mas Luke as disse com fruição enquanto se aproximava da galera e colocava a mão sobre a beira.

     - Vamos, comece de uma vez.

 - Muito bem, então.  - E com um suspiro pelos evidentes maus maneiras do moço, Max fez um gesto.  - Se tiver a bondade de te colocar dentro da galera.  - Sorriu quando Luke o olhou com suspicacia.

 - Bom, mas nada de coisas raras,  - Com agilidade e presteza, Luke pegou um salto e se meteu na galera.   

  - Recorde que eu não me chupo o dedo. Assim que a cabeça do Luke desapareceu debaixo da asa, Max extraiu sua varinha mágica e pronunciou umas palavras. Imediatamente, colocou a mão na galera e extraiu um coelho branco. Enquanto o público expressava sua aprovação com gritos entusiastas, Max inclinou a galera para que pudesse ver que estava completamente vazia.

 - Duvido muito que ao Lily interesse agora sair com ele.

Para ouvir seu "pé", Lily entrou em cena. Um olhar ao coelho que se contorsionaba na mão do Max a fez lançar um alarido.

 - Outra vez!  - E com face indignada, girou para olhar à audiência.  - É o quarto coelho este mês. Advirto-lhes uma coisa, senhoras: não lhes ocorra enredar-se com um mago ciumento.  - E entre as risadas dos pressente, olhou ao Max.  - Transforma-o de novo no que era.

 - Mas, Lily...

 - Faz-o neste instante  - disse ela, fechou os punhos e os apoiou nos quadris - . Do contrário, terminamos.

 - Muito bem.  - Com exagerada relutância, Max voltou a colocar o coelho na galera, suspirou, e atingiu duas vezes a beira com a varinha. E de repente Luke brotou, com a irritação pintada em suas feições.

O público seguia aplaudindo quando Luke saiu do chapéu, os punhos em alto. E se ouviram gargalhadas quando viram o rabo de algodão branco estrategicamente colocado na parte posterior de seu smoking.

 - Um pequeno engano de cálculo  - desculpou-se Max quando o público deixou de rir - . Para te demonstrar que não estou zangado contigo, farei desaparecer esse rabo.

 -  Promete-me isso?  - perguntou Lily com uma careta.

 - Prometo-lhe isso  - jurou Max com uma mão sobre o coração. tirou-se a capa, fez-a girar sobre o Luke e depois passou a mão sobre o tecido de seda. Quando a capa começou a cair ao chão, Max sujeitou um extremo e a levantou, fazendo-a descrever outro giro.

 - Max!  - gritou Lily, horrorizada.

 - Cumpri com minha promessa  - disse ele, e fez uma reverência, primeiro para ela e depois em direção ao público que o aclamava - . O rabo desapareceu. E, com ele, esse moleque presumido.

Enquanto Lily e Max prosseguiam para o final do número, Luke observava desde decorações, transportado de felicidade. A gente aplaudia. Aplaudia-o a ele. Luke ficou olhando ao Max enquanto este se preparava para serrar ao Lily pela metade.

Os olhares de ambos se cruzaram por apenas uma fração de segundo. Mas houve nesse instante tal riqueza de compreensão e de felicidade, que Luke sentiu que lhe queimava a garganta. Pela primeira vez em sua vida começou a amar a outro homem. E nesse amor não havia vergonha.

Luke ficou a caminhar pela feira. A última função tinha terminado fazia momento, mas em sua cabeça seguiam ressonando os aplausos e as risadas, como uma velha canção que repetia uma e outra vez sua melodia.

Ele tinha sido alguém. Por breves momentos, tinha sido alguém importante. Ante o olhar assombrado de muita gente, tinha desaparecido. E eles acreditaram. Esse é o secreto, disse-se Luke enquanto passava junto a artistas cansados que ainda tratavam de atrair ao público, já não tão numeroso. Fazer acreditar às pessoas que uma ilusão é realidade, embora só seja por um instante fugaz. Esse era um poder, um autêntico poder que superava o dos punhos e a fúria. perguntou-se se seria capaz de lhe explicar o que nesse momento passava por sua mente. Pareceu-lhe que sua cabeça, transbordante desse poder, em qualquer momento se partiria, e se derramaria uma luz branca e queimante.

Sabia que Max entenderia essa sensação, mas ainda não estava disposto a compartilhá-la com ninguém. Por essa noite, essa primeira noite, seria só dela.

Os dez dólares que Max lhe tinha dado depois da última função rangeram entre seus dedos quando ele colocou a mão no bolso.

O impulso de gastá-los foi surpreendentemente forte; mais intenso até que a fome que tinha aprendido a passar por cima. ficou olhando as luzes da Roda Mágica e ouvindo o matraqueio do Látego. Essa noite provaria todos os jogos.

A pequena figura de jeans e camisa que cruzou depressa por seu campo visual o fez frear-se, logo franzir o sobrecenho, e depois amaldiçoar.

 - Roxanne! Né, Rox, Rox!  - Correu atrás dela e a agarrou pelo braço. -  Que diabos faz aqui fora? Não pensou que não devia sair?

Vá se tinha pensado. Pensou que estava presa em sua cama, sentindo-se tão mal, enquanto Luke ocupava seu lugar no cenário. Pensou no intermináveis que se tornaram os dias, e na ardência terrível que despertava nas noites. E pensou em que eles já estariam em Nova Orleáns e a temporada do verão teria ficado atrás, antes de que ela se livrasse das rodelas.

 - Vou dar uma volta na Roda Mágica.

 - Está louca, molequa de porcaria?

Mas, sem deixá-lo terminar de falar, lhe pegou uma cotovelada no estômago e pôs-se a correr antes de que ele recuperasse o fôlego.

 - Maldita seja, Roxy.  - Alcançou a sujeitá-la e começou a tironear dela, mas Roxanne lhe lançou umas dentadas.

 - Está louca?

 - vou subir à Roda Mágica  - disse ela e cruzou os braços sobre o peito. As luzes de cores brincaram sobre seu rosto, lhe dando um aspecto festivo a suas rodelas.

Ele poderia haver-se ido. Mas por motivos que não alcançava a imaginar sequer, ficou junto a ela. Até tirou seu dinheiro para pagar a entrada, mas o encarregado, que conhecia bem ao Roxy, fez-lhe gestos de que acontecesse pagar. Como uma princesa que concede uma audiência, Roxanne assentiu em direção ao Luke.

 - Se quiser, pode vir comigo  - disse.

 - Obrigado.  - O se deixou cair a seu lado e esperou o ruído metálico da barra de segurança.

Roxanne não gritou nem ofegou quando a roda iniciou sua ascensão. tornou-se para trás, fechou os olhos e deixou que um pequeno sorriso de satisfação brincasse entre seus lábios. Anos mais tarde, Luke recordaria esse momento e compreenderia que o aspecto do Roxanne era o de uma mulher satisfeita que descansa em uma balança depois de um longo dia.

Ela não falou até que a roda cumpriu uma volta completa. Quando o fez, sua voz soou estranhamente adulta.

 - Estou cansada de ficar dentro. Não posso ver a luz, não posso ver às pessoas.

 - É igual todas as noites.

 - É diferente todas as noites.  - Abriu os olhos, duas esmeraldas nas que brilhavam todas as cores. inclinou-se contra a barra de segurança e o vento lhe jogou o cabelo para trás, contra o céu.  - Vê esse homem fraco lá abaixo, o do chapéu de palha? Jamais o vi antes. E essa garota de shorts que leva o cão de brinquedo? Tampouco a conheço. Assim é diferente.  - E quando a roda voltou a ascender, jogou a cabeça para trás.  - Eu estava acostumado a acreditar que isto subiria até o céu. Que poderia tocá-lo e me levar isso abaixo comigo. Desejei fazê-lo. Embora só fora uma vez  - disse, sorrindo.

 - De muito te serviria lá abaixo  - disse ele, mas também sorriu.

 - Esteve bem esta noite no ato  - disse de repente Roxanne - . Ouvi que Papai o comentava quando falava com o Lily. Acreditaram que eu dormia.

 - Ah, sim?  - foi a resposta dele, tratando de parecer indiferente.

. - Disse que tinha visto algo em você, e que não o decepcionou.  - Roxanne levantou os braços. A carícia da brisa foi uma bênção para sua pele ardente.

 - Suponho que agora formará parte do ato.

A onda de excitação que Luke sentiu não teve nada que ver com o descida súbito da roda.

 - Pelo menos é algo que fazer  - disse e se encolheu de ombros para não demonstrar o que sentia-, Pelo menos enquanto estou aqui.  - Quando olhou de esguelha ao Roxanne, viu que ela o observava.

 - Também disse que fez coisas, que viu coisas que não devia. Que coisas?

Uma mescla de humilhação, fúria e asco estalaram em seu peito. Max sabia. De algum jeito, sabia. Sentiu que a pele lhe queimava, mas sua voz foi fria.

 - Não sei de que falas.

 - Sim que sabe.

 - Se souber, não é teu assunto.

 - É-o se fica conosco. Sei todo o referente a Mouse e ao Lily e ao LeClerc.

 - Quem demônios é LeClerc?

 - Cozinha para nós em Nova Orleáns e ajuda a Papai com a função do cabaré. Estava acostumado a roubar bancos.

 - Sério?

Comprazida de ter despertado seu interesse, Roxanne assentiu.

 - Esteve preso e todo porque o pescaram. Ensinou a Papai a abrir qualquer fechadura. Por isso, eu deveria sabê-lo todo sobre você também.

 - Ainda não disse que ficava. Tenho meus próprios planos.

 - Ficará  - disse Roxanne, metade para si mesmo - . Papai quer que fique. E Lily. Papai te ensinará magia, se te interessa aprender. Igual a me ensina . Só que eu o farei melhor.  - Nem sequer piscou ao pronunciar essa frase cheia de brincadeira.  - Eu serei a melhor,

 - Isso o veremos  - murmurou Luke enquanto subiam para o céu. Girou a face para ficar frente ao vento e quase se convenceu de que o que tinha feito não era nada, nada comparado com o que faria no futuro.

 

A primeira impressão que Luke recebeu de Nova Orleáns foi um torvelinho de ruídos e aromas. Enquanto Max, Lily e Roxanne viajavam no trailer, ele o fez aconchegado na cabine do caminhão, dormindo da momentos, vexado pelo aborrecido e monótono cantarolo sem melodia de Mouse, quem se negava a acender a rádio para não perder o prazer de escutar o zumbido do motor.

Agora, outros sons tinham começado a penetrar no cérebro dormitado do Luke: vozes agudas e risadas chillonas, o barulho de saxos, tambores e trompetistas. Enquanto se ia despertando pouco a pouco, acreditou que estavam de novo no parque de diversões. O ar cheirava a comida, a especiarias, com o fedor subjacente do lixo arremesso a perder pelo calor.

Bocejou, abriu os olhos, piscou e olhou pelo guichê.

As ruas estavam repletas de gente. Viu um malabarista, jogando no ar bolas de uma cor laranja vivo que brilhavam na escuridão. Uma mulher muito gordo com vestido floreado fazia um só de boogie. Cheirou a salsichas quentes.

O circo está na cidade, pensou, enquanto se esforçava por incorporar-se no assento.

E se deu conta de que tinham deixado atrás o circo ambulante para unir-se a outro mais imponente e estável.

 - Onde estamos?

Mouse conduzia o caminhão e a casa lhe rodem por ruas muito estreitas.

 - Em casa  - limitou-se a dizer.

Luke seguia ouvindo a música, mas agora era muito mais frágil; e havia menos pessoas caminhando por essas ruas mais tranqüilas. Com a luz vacilante dos faróis, alcançou a ver velhos edifícios de tijolos, balcões repletos de flores, táxis que avançavam a grande velocidade e figuras aconchegadas para dormir nos portais.

Não entendia como podia dormir ninguém com essa música, esses aromas, esse calor insuportável. Seu próprio cansaço se desvaneceu e foi substituído por uma grande impaciência pela lentidão com que Mouse dirigia o caminhão.

Luke queria chegar de uma vez a desuno. Onde fora.

 - Por Deus, Mouse, se chegasse a conduzir mais devagar estaríamos retrocedendo.

 - Não há apuro  - disse Mouse, e surpreendeu ao Luke ao frear por completo na metade da rua e baixar do veículo.

 - Que demônios faz?  - gritou Luke, apareceu e viu mouse de pé junto a um portão aberto - . Não pode deixar isto em meio da rua. Atrairá à polícia.

 - Estou refrescando minha memória. -Mouse seguia parado, arranhando o queixo.  - Tenho que colocá-lo ali.

 - Colocar o que?  - perguntou Luke com os olhos totalmente abertos. aproximou-se primeiro ao portão e depois devolvida ao veículo. -Retroceder o caminhão e colocá-lo ali?  - Luke olhou a abertura do portão entre os dois muros de tijolo, e depois girou a cabeça para calcular o largo da casa lhe rodem.  - Impossível.

Mouse sorriu. Seus olhos brilharam como os de um pecador que acaba de converter-se à religião.

 - Você fique ali parado, se por acaso te necessito  - disse Mouse e saltou ao caminhão.

 - É impossível  - gritou-lhe Luke. Mas Mouse cantarolava de novo e começou a manobrar o caminhão e a casa lhe rodem por essa rua estreita.

 - vais chocar. Por Deus, Mouse.  - Luke se preparou para ouvir o estrépito do metal. Sua boca se abriu de par em par quando a enorme casa lhe rode se deslizou dentro da abertura com a facilidade de uma mão em uma luva. Enquanto o caminhão fazia outro tanto, Mouse olhou ao Luke e lhe piscou os olhos um olho.               

 - Homem, é um gênio  - gritou Luke enquanto Mouse saltava do caminhão. Mas deu um salto como um boxeador inteligente para o ataque quando uma luz se acendeu na casa, detrás deles.  - Quem é?  - perguntou a Mouse ao divisar uma figura no portal.

 - LeClerc.  - Fazendo soar as chaves no bolso, Mouse avançou para fechar os portões de ferro.

 - De modo que tornaram  - disse LeClerc aproximando-se. Luke viu um homem miúdo com barba e cabelo grisalho. Usava uma camiseta esportiva alva e calças cinzas abolsados  que sustentava com uma parte de soga. Falava com um leve acento, não com a clara dicção do Max, a não ser com uma vocalização que parecia adicionar sílabas às palavras.  - Suponho que têm fome, não?

 - Não paramos a comer  - gritou Mouse.

 - Foi uma sorte que não o fizessem.  - LeClerc se aproximou e Luke viu que era velho, pelo menos dez anos mais que Max. Seu rosto lhe pareceu um baqueteado mapa de pergaminho no que apareciam centenas de rotas muito transitadas.

Por sua parte, LeClerc viu um garotinho magro com uma face formosa em que dominava um par de olhos cautelosos. Um moço que estava inteligente para tornar-se a correr, ou para brigar.

 - E este quem é?

 - Este é Luke  - disse Max ao descer da casa lhe rodem, com o Roxanne dormitando em seus braços - . Vem conosco.

Algo ocorreu entre os dois homens, algo que pareceu mais íntimo por não ter sido expresso.

 - Outro, né?  - disse LeClerc com os lábios curvados ao redor da boquilha da pipa que permanentemente sujeitava entre seus dentes - . Já veremos. E como está meu bebê?

Dormitada, Roxanne estendeu os braços e foi elevada pelo LeClerc. A pequena se aconchegou contra esse conjunto de ossos e tendões como se fora um travesseiro de plumas.

 - Está melhor, oui?

 - A varicela foi eterna. Nunca mais penso voltar a me adoecer.

Ele a apoiou sobre seu quadril no momento em que Lily desembarcava da casa lhe rodem. Levava uma pesado bolsa de maquiagem em um de seus braços que cobriam as mangas etéreas de uma bata.

 - Ah, mademoiselle Lily  - disse LeClerc e conseguiu lhe fazer uma reverência em que pese a ter à pequena instalada sobre seu quadril - . E mais formosa que nunca.

Ela sorriu e lhe estendeu uma mão para que ele a beijasse, coisa que LeClerc fez com aprumo.

 - É bom estar em casa, Jean.

 - Passem, passem. Desfrutem do jantar que lhes preparei. -Dito o qual, abriu a marcha da comitiva pelo jardim, onde floresciam em profusão rosas e lilás e begônias e, depois de ascender alguns degraus, transpôs a porta que dava à cozinha. Ali, uma luz iluminava as superfícies lustrosas de azulejos brancos e madeira escura.

Havia um pequeno fogão de tijolos que a fumaça tinha tingido de um cinza rosado. Sobre ele, uma imagem iluminada da Muito santo Virgem, e o que parecia uma matraca a Índia adornada com contas e plumas.

Embora o ambiente estava milagrosamente afresco para supor que fazia pouco se utilizou esse forno, Luke poderia ter jurado que sentiu o aroma cautivamente do pão recém feito.

Ramos secos de especiarias e ervas penduravam do teto, junto com tiras de cebolas e de alho. De ganchos de ferro se localizados sobre a cozinha pendiam reluzentes caçarolas de cobre. Outra panela, da que brotava fumaça, estava sobre a fornalha posterior. O que se estava cozinhando dentro dela cheirava como um manjar.

Uma larga mesa de madeira estava já preparada com bols e pratos e guardanapos de linho a quadros. Sem baixar ao Roxanne, LeClerc tirou de uma despensa todo o necessário para adicionar outro coberto. Luke observou, fascinado, como a tatuagem que LeClerc tinha do punho até o ombro, movia-se e bailoteaba. Compreendeu que eram serpentes. Um ninho de víboras em azul e vermelho desbotados, cobria essa pele correosa.

Só faltava que lançassem um som sibilante.

      - Você gosta?  - perguntou LeClerc com olhos divertidos, enquanto estudava ao Luke - . As serpentes são velozes e ardilosas. E me dão boa sorte.  - E produziu um som sibilante enquanto lançava o braço para o moço.  - Mas as serpentes não são para você, garoto.  - Riu para si enquanto servia sua sopa espessa e aromática. -  Traz-me um jovem lobo, Max. Ele será o primeiro em morder.

 - Um lobo precisa alimentar-se bem.  - Max tomou um canasto que estava sobre a mesa, desentupiu-o e nele apareceu uma fogaça dourada. Passou- o canasto ao Lily.

 - O que sou eu, LeClerc?  - Já bem acordada, Roxanne comia sua sopa.

 - Você.  - Essa face correosa e enrugada se encheu de doçura quando ele passou a mão sobre o cabelo da menina - . É meu gatita.

 - Só uma gatita?

 - Mas as guaritas são inteligentes e valentes e soube, e algumas se convertem em tigresas.

Isso a conformou. Entrecerrou os olhos e olhou ao Luke.

 - Os tigres se comem aos lobos  - disse.

Quando a lua começou a ficar, e até os ecos da música da rua Bourbon se sossegaram, LeClerc se sentou em um banco de mármore do jardim, rodeado das flores que tanto amava.

Max era o dono da casa, mas Jean foi o que a converteu em um lar. Tinha levado a ela antigas lembranças de uma cabana no pântano, e flores silvestres que sua mãe tinha domesticado.

LeClerc teria sido feliz vivendo no pântano, mas não sem o Max e a família que Max lhe tinha agradável.

Fumou seu cachimbo e escutou os sons da noite. A leve brisa arrancava murmúrios das folhas da magnólia, agitava o calor e prometia chuva. A umidade pendurava do ar como uma bruma.

Não viu que Max se aproximava, nem o ouviu, embora tinha bom ouvido. Mas o intuiu.

 - E bem  - aspirou uma baforada de fumaça de sua pipa e observou as estrelas - . O que fará com o moço?

 - lhe dar uma oportunidade  - disse Max - . Quão mesma você me deu faz anos. Seria capaz de me aconselhar que o jogasse?  - perguntou ao sentar-se junto ao LeClerc no banco.

 - É muito tarde para ser prático, quando entra em esculpir o coração.

 - Lily está muito afeiçoada com ele  - começou a dizer Max, mas foi interrompido pela gargalhada estentórea do LeClerc.

 - Só Lily, mon ami?

Max se tomou um momento para acender um charuto e aspirar a fumaça.

 - Tenho-lhe afeto ao moço.

 - Quê-lo muitíssimo - corrigiu-o LeClerc-. Como poderia ser de outra maneira, quando ao te olhá-lo vê você mesmo? Traz-te lembranças. Era difícil reconhecê-lo. Max sabia que quando se ama, é possível machucar e ser machucado.

 - Faz que eu não esqueça. Quando um esqueça a dor, a solidão, o desespero, também esquece mostrar-se agradecido por não sentir já nenhuma dessas coisas. Isso me ensinou isso você, Jean.

 - E agora, meu aluno é o mestre. Isso me agrada.  - LeClerc girou a cabeça e seus olhos escuros brilharam na escuridão.  - Como se sentirá quando ele te supere?

 - Não sei  - disse Max e se olhou as mãos - . comecei a lhe ensinar magia. Ainda não decidi se lhe ensinarei o resto.

 - Não poderá manter muito tempo o secreto para esse par de olhos. Que fazia ele quando o encontrou?

Max teve que sorrir.

 - Era ladrão de carteira.

 - Ah-  - Também LeClerc sorriu.

     -Então, já é um dos nossos. É tão bom como o foi você?

 - Sim  - reconheceu Max - . Talvez melhor que eu a essa idade. Tem menos medo das represálias, é mais desumano. Mas há uma grande distancia entre roubar carteiras em um parque de diversões e abrir fechaduras de mansões e hotéis de luxo com gazuas.

 - Uma distância que você salvou com grande estilo. Lamenta-o, mon ami?

 - Para nada - respondeu Max e voltou a rir - . O que tenho eu de mau?

 - Nasceu para roubar  - respondeu LeClerc e se encolheu de ombros - . Tal como nasceu para tirar coelhos de uma galera. E, ao parecer, também para recolher meninos desencaminhados. É bom te ter de volta em casa.

 - É bom estar em casa.

Por um momento permaneceram em silêncio, desfrutando da noite. Depois, LeClerc foi ao grão.

 - Os diamantes que me mandou de Boston eram excepcionais.

 - eu gostei mais das pérolas do Charleston.

 - Ah, sim. Eram elegantes, mas os diamantes tinham como um fogo dentro. Me causar pena ter que trocá-los por dinheiro.

 - Quanto conseguiu?

 - Dez mil, e só cinco mil pelas pérolas, apesar de sua elegância.

 - O prazer das sentir na mão é maior que o ganho que se obtém.  - Recordou, com prazer, como luziram sobre a pele do Lily uma noite gloriosa.  - E o quadro?

 - Vinte e dois mil. O que é para mim, pareceu-me um trabalho incompetente. Esses pintores ingleses não tinham paixão  - adicionou, desprezando a paisagem do Turner com um movimento de ombros - . Fiquei-me por um tempo mais com o vaso chinês. Trouxe a coleção de moedas?

 - Não, não a consegui. Quando Roxanne adoeceu, cancelei esse compromisso.

 - Melhor assim.  - LeClerc assentiu e seguiu apitando sua pipa. -A preocupação por ela te teria distraído.

 - Assim é, não teria trabalhado bem. De modo que, até que coloque o vaso, isso representa... três mil e setecentos dólares.

 - Para fim de ano, terá esbanjado pelo menos quinze mil. Isso, somado a cada ano que extraíste dez por cento para sossegar seu consciência...

 - Uma doação para obras de caridade  - interrompeu-o Max, divertido - . Não o faço para sossegar minha consciência a não ser para apaziguar minha alma. Sou ladrão, Jean, um ladrão excelente a quem não lhe importam nada as pessoas às que rouba, mas sim muito quem não tem nada que valha a pena roubar. Possivelmente não seja capaz de viver segundo as normas morais dos outros, mas devo cumprir as minhas.

Luke teve a sensação de ter encontrado o paraíso. Não podia acreditar em sua boa sorte.

Tinham-lhe dado um quarto para ele só, e tinha passado a maior parte dessa noite de insônia olhando e tocando. A cabeceira, alta e esculpida, tinha-lhe fascinado, quão mesmo o brilho suave do empapelado das paredes e o desenho e os tons apagados do tapete. Havia um móvel enorme que Max chamou guarda-roupa. Luke supôs que nele caberia mais roupa da que uma pessoa podia necessitar ao longo de toda uma vida.

E havia flores. Um vaso azul alto estava cheio delas. Nunca antes tinha tido flores em seu quarto, e embora sabia que deveria as descartar por ser pouco masculinas, sua fragrância lhe proporcionou um prazer profundo e secreto.

Luke perambulou pela casa tão sigilosamente como a fumaça. Ainda não estava seguro de como era LeClerc, e tratou de evitá-lo em suas explorações.

Os móveis refletiam a elegância do Max e lhe permitiam ter uma idéia de como era seu mentor, embora não reconhecesse as antiguidades francesas nem britânicas. Viu mesas distinguidas e lustrosas, sofás curvos, formosos abajures chinesas e paisagens cheias de paz.

Por muito que gostasse da casa, o lugar favorito do Luke era o balcão que se abria para o exterior de seu quarto. De ali podia cheirar a tibieza das flores e da rua. Podia ver gente que tomava fotografias e procurava souvenirs.

Não pôde evitar notar quão descuidadas eram as pessoas com suas carteiras. As mulheres, com suas carteiras pendurando do ombro; os homens, com o dinheiro metido no bolso traseiro da calça. O paraíso de um ladrão de carteira. Se o de Miami não funcionava, Luke decidiu que iria muito bem ali, incrementado seu salário como "aprendiz de feiticeiro".

 - Que miras? -perguntou Roxanne a suas costas, fazendo-o colocar tenso.

Lhe uniu junto ao corrimão do balcão, muito prolixa e atraente com seus shorts amarelos.

 - O que está fazendo?

 - Olhando.

 - Papai diz que podemos tomar o dia livre. Amanhã temos que começar a ensaiar o novo ato para o cabaré do clube.

 - Que clube?

 - A Porta Mágica. Trabalhamos ali. Nesse lugar podemos apresentar truques mais importantes que na feira. Às vezes Papai vai ao clube durante o dia e faz jogos para alguns dos clientes, de perto.

Luke não sabia que lugar ocuparia no ato do cabaré, mas se propunha assegurar-se algum.

 - Quantas funções por noite?

 - Dois. Às oito e às onze. Somos o número mais importante.  - Franziu o nariz.  - Todos os dias, depois do colégio, tenho que dormir a sesta. Como um bebê. Ao Luke não importavam absolutamente os problemas do Roxanne. Talvez teria oportunidade de luzir-se com os truques de cartas que Roxanne lhe tinha ensinado e que vinha praticando diariamente pelo menos uma hora.

 - Papai me deu dinheiro para um gelado  - disse ela - . Quer ir comprar o?

 - Não.  - Luke estava muito ocupado para ser distraído por um gelado e a companhia de uma molequa de oito anos.  - Vai-te de uma vez, por favor. Tenho que pensar.

 - Mais para mim  - retrucou-lhe Roxanne, sem conseguir controlar da toda uma panela.

Assim que esteve só, Luke tirou seu maço de cartas e começou a praticar. Não viu o vaso se localizado ao lado de suas mãos excitadas.

Para o Luke, todo aconteceu em câmara lenta. Viu o cristal facetado vivo com a luz, cheio de rosas vermelhas. Viu horrorizado como sua mão volteava o vaso, e até o observou balançar-se quando ele se cambaleava tratando de recuperar o equilíbrio.

Seus dedos o roçaram. Sentiu o cristal frio sobre sua pele e lançou um gemido de desespero quando lhe escapou. O som do vaso fazendo-se migalhas sobre a madeira do piso foi como uma surriada de disparos. Luke ficou paralisado, as lascas brilhantes a seus pés, e o aroma a rosas no ar.

LeClerc amaldiçoava. Não fazia falta que Luke soubesse francês para saber que suas palavras eram fortes e cheias de fúria. Não se moveu, não se incomodou em sair correndo.

 - Parece um selvagem. E, agora, quebra o Waterford, arruína as rosas e empapa o piso com água. Imbécile!

    Olhe o que lhe tem feito a meus tesouros.

 - Jean.  - A voz do Max foi pouco mais que um sussurro, mas interrompeu o manha de criança do velho.

 - O Waterford, Max  - disse LeClerc e ficou em cuclillas para recuperar suas rosas.

 - Jean  - repetiu Max - . Suficiente. lhe olhe a face. Com as mãos cheias de rosas que jorravam água, LeClerc levantou a vista. O moço estava alvo como o papel, e seus olhos escuros apareciam velados por algo muito profundo para ser chamado medo. Com um suspiro, incorporou-se.

 - Procurarei outro vaso  - disse e se foi.

 - Decepciona-me, Luke  - disse Max em voz baixa. Algo se estremeceu nas vísceras do Luke e apareceu por um instante em seus olhos. Um insulto, um golpe não o teriam roçado, mas essa singela tristeza na voz do Max impregnou fundo em seu coração.

 - Lamento-o.  - As palavras queimaram como ácido em sua garganta.  - Posso pagar pelo vaso. Tenho dinheiro para fazê-lo.

Não me jogue, suplicou seu coração. Deus, por favor, não faça que me jogue.

 - O que é o que lamenta?

 - Ser torpe. Estúpido. Lamento-o  - repetiu, e seu desespero cresceu enquanto esperava o golpe. Ou, pior ainda, que o jogassem pela porta.

Max levantou uma parte do cristal quebrado.

 - O que vê aqui?

 - Está quebrado. Eu o quebrei. Nunca penso em ninguém mais que em mim, Y...

 - te cale. Está quebrado  - disse Max, lutando por acalmar-se - . E é verdade que você o quebrou. Teve intenção de fazê-lo?

 - Não, mas eu...

 - Olhe isto  - disse e lhe mostrou a parte de cristal ao Luke - . É uma coisa. Um objeto. Algo que qualquer pode possuir se tiver o dinheiro suficiente. Acredita acaso que você vale menos para mim que isto?  - Quando o jogou em um lado, Luke não pôde conter mais os tremores.  - Acredita que eu seria capaz de te atingir por ter quebrado um vaso?

 - Eu não...  - Ao Luke custava respirar enquanto a pressão que sentia em seu peito se expandia como um incêndio. Não pôde evitar que em seus olhos brotassem lágrimas.  - Por favor, não me jogue.

 - Minha querida criatura, como pode ter estado comigo todas estas semanas e não saber que sou diferente deles? Machucaram-lhe muito?  - murmurou Max e apertou ao Luke contra seu corpo. O moço ficou tenso ao voltar a sentir esse temor primitivo. Mas o medo se desvaneceu quando Max começou a balançá-lo.  - Ninguém pode te obrigar a voltar. Aqui está a salvo.

Sabia que deveria lhe dar vergonha estar chorando como uma criatura contra a camisa do Max, mas os braços que o rodeavam eram fortes, sólidos, reais,

Que classe de moço é este  - perguntou-se Max - , que está disposto a desfazer-se de um de seus preciosos dólares para pagar pelo que quebrou? E pensou profundamente que o podiam machucar a crueldade e a falta de opções.

 - Pode-me dizer o que lhe fizeram? Luke sentiu uma onda de vergonha e, ao mesmo tempo, a necessidade de que alguém entendesse.

 - Eu não pude fazer nada. Não pude frear as coisas.

 - Já sei.

As velhas raivas se foram acalmando à medida que caíam as lágrimas.

 - Atingiam-me todo o tempo. Se eu fazia algo, se não o fazia. Se estavam bêbados, se estavam sóbrios.

 - Os punhos do Luke se fecharam contra a camisa do Max como pequenas bolas de ferro.  - Às vezes me encerravam com chave, e eu atingia na porta do placard e lhes suplicava que me deixassem sair. Mas não podia. Nunca pude sair.

     Foi espantoso recordá-lo: sentir-se chorar histéricamente no ataúde escuro do placard, sem esperanças, sem ajuda, sem poder escapar.

 - Vinham as assistentes sociais, e se eu não dizia o que ele queria, desforrava-se me açoitando com o cinto. A última vez, a última vez antes de que me fora de casa, acreditei que me mataria. Ele tivesse querido fazê-lo.

Mas havia mais. Luke não estava seguro de atrever-se a dizê-lo. Mas ao ver os olhos serenos e intensos do Max nos seus, foi soltando a fervuras.

 - Ele... uma noite trouxe para um homem a casa. Era tarde e estavam bêbados. Ao saiu e fechou a porta com chave. E o homem.. o homem tratou de...

 - Está bem  - disse Max e tratou de abraçar de novo ao moço, mas o horror fez que Luke se separasse.

 - Colocou-me as mãos em cima, e a boca.  - Luke se limpou agora a seu com o dorso da mão.  - Disse que lhe tinha pago a Ao, e que se supunha que eu devia lhe fazer coisas, e deixar que ele me fizesse isso . E eu fui um estúpido, porque não soube o que queria dizer com isso.

'Agora não houve lágrimas a não ser uma raiva feroz.

 - Não soube até que o tive em cima de mim. Então sim que soube  - disse Luke e começou a entrelaçar as mãos e às soltar, deixando profundos rastros em sua Palmas-. Atingi-o e o atingi, mas ele não se detinha. Assim que me coloquei a mordê-lo e a arranhá-lo. Fiquei com as mãos cheias de seu sangue, e ele, apertando-a face e chiando. Então entrou Em, e me atingiu durante um bom momento, E não recordo... não sei se...  - Isso era o pior: não saber, não ter a certeza. Era uma vergonha que ele não conseguia expressar em voz alta.  - Essa noite quis me matar. E essa noite fui.

Max permaneceu em silêncio um bom momento, tanto que Luke teve medo de ter falado muito, de haver dito muito para ser perdoado.

 - Fez-o todo bem.  - Algo na voz do Max fez que nos olhos do Luke voltassem a aparecer lágrimas. -  E eu te prometo uma coisa: que ninguém voltará a te tocar nessa forma enquanto esteja comigo.

Luke tratou de perguntar, mas as palavras lhe engasgaram até que ele as obrigou a sair. Sua vida dependia da resposta:

 - Então posso ficar aqui?

 - Até que queira ir.

Sua gratidão foi tão enorme, que teve medo de que lhe estalasse o coração. Quão mesmo o amor.

 - Pagarei pelo vaso  - conseguiu dizer - . Prometo-o.

 - Já o tem feito. Agora, corre a te lavar a face. E será melhor que limpemos isto antes de que ao LeClerc dê outro ataque.

Desde seu esconderijo na salita, Roxanne ouviu que seu pai suspirava. E ela pôs-se a chorar.

Capítulo 6

Durante os dias que seguiram, Luke agiu com muita cautela. Não estava seguro do LeClerc, e só sabia que ele estava a cargo da casa. Fez o possível por manter-se fora de seu caminho. E jamais cometeu sequer o deslize de deixar cair miolos ao piso.

Acompanhava ao Lily a fazer compras, e lhe levava caixas e bolsas por essas ruas fumegantes. ficava sentado com a Santa paciência nas boutiques enquanto ela escolhia roupa nova, esperava-a quando se atrasava lançando exclamações frente às cristaleiras.

Seu amor pelo Lily era suficientemente profundo para tolerar que lhe escolhesse a roupa. Tanto que nem sequer fazia uma careta frente às camisetas de cores vivas e desenhos vistosos que lhe comprava. Se ficava tempo livre, percorria o bairro, feliz de poder explorar, de poder ouvir os músicos de rua e observar aos pintores nos arredores do Plaza Jackson.

Mas o melhor para o Luke eram os ensaios.

A Porta Mágica era um clube pequeno e sombrio com aroma de uísque e a fumaça impregnada nas paredes durante décadas. Nessas tardes de calor cansativo, as persianas se baixavam para proteger do sol e dos turistas. O aparelho de ar condicionado de ar lançava chiados metálicos mais impressionantes que o leve sopro de ar morno que produzia. O ventilador de teto conseguia funcionados um pouco mais satisfatórios, mas com as luzes de cena acesas, o clube era um pequeno forno.

As paredes estavam empapeladas em veludo vermelho e dourado, e a parede atrás do mostrador do bar se encontrava coberta de espelhos para dar ilusão de um maior espaço.

Ao Luke fascinava.

Cada tarde, Lester Friedmont, o gerente, sentava-se frente à mesa mais próxima, com uma cerveja e um charuto aceso entre os lábios. Era um homem alto cujos quilos de mais se acumulavam invariavelmente em sua barriga. Usava sem exceção uma camisa branca de mangas curtas, com gravata e atiradores fazendo jogo. Seus sapatos negros sempre exibiam um brilho impecável. Seu cabelo já não tão abundante, penteado para trás com fixador, brilhava sob as luzes. Observava seu mundo através dos cristais sujos de seus grossos óculos negros, calçados na ponta de seu nariz angular.

Um gato volumoso que ele chamava Fifi estava acostumado a esfregar-se ao redor de suas pernas. afastava-se da momentos para mordiscar o conteúdo de um prato colocado debaixo do mostrador do bar e retornava junto a seu amo.

Friedmont tinha um telefone sobre a mesa. Possuía a habilidade de observar o ensaio, expressar seus comem-: arianos, atormentar à pessoa que limpava nesse momento o clube, e falar por telefone, todo em forma simultânea.

Luke demorou vários dias em dar-se conta de que Friedmont era um levantador de apostas.

Não importava com quanta freqüência ensaiavam um número, Lester sempre sacudia a cabeça e gritava:

 - Deus, que bom que esteve isso. Dirá-me como o fez, Max?

 - Sinto muito, Lester. É um segredo profissional.

E Lester voltava para enfrascarse na tarefa de tomar apostas e arranhá-la barriga.

Max planejava começar a função com alguns jogos de prestí digitação e vários truques com lenços de cores, similares aos apresentados no parque de diversões. Depois, queria acrescentar sua própria versão da bola que flutuava no ar, antes de fazer aparecer ao Roxanne para seu novo número chamado Levitação da Moça. Tinha-lhe dado uma volta de porca adicional ao ato da mulher serrada em dois, ao utilizar uma caixa vertical e cortar ao Lily em três partes. O ato de ilusionismo era quase perfeito.

Provava ao Luke em distintos papéis. Não tinha dúvidas sobre a rapidez mental e de mãos do moço. O que provava agora era seu coração.

 - Observa  - disse-lhe - . Aprende.

De pé no centro do cenário, Max extraiu lenços de seda de seu bolso, de uma cor atrás de outro. Os lábios do Luke começaram a crispar-se. Não entendia que o que estava vendo era puro manejo do tempo, pura estratégia.

 - Estende os braços  - ordenou-lhe Max, e foi colocando os lenços, aparentemente ao azar, sobre os braços do Luke - . Isto ficaria muito melhor com música. Lily?

Ela colocou em funcionamento o reprodutor. ouviu-se o Danubio Azul.

 - Esta valsa é lenta, precioso  - disse Max - . Trataremos de que os gestos o reflitam.  - Suas mãos voaram sobre os lenços, elevaram-se, caíram, enquanto caminhava ao redor do Luke.  - E, é obvio, se escolher a uma mulher formosa do público para que ocupe seu lugar, isso realçará o espetáculo e a beleza do efeito. E sua reação induzirá a do resto dos espectadores.  - Com um movimento do punho, Max tomou o extremo de um lenço e, ao atirar dele, os outros seguiram, prolixamente atados entre si, do escarlate ao amarelo, do amarelo à safira, da safira à esmeralda.

Luke abriu os olhos de par em par e depois sorriu.

 - Excelente  - disse Max enquanto, simultaneamente, apertava os lenços até convertê-los em uma bola colorida - . Como vê, inclusive em um truque tão singelo, a presença em cena, a habilidade na apresentação, são tão importantes como a rapidez. Fazer bem um truque nunca é suficiente. Mas se o faz com graça...  - Arrojou a bola ao ar e os lenços, agora soltos, flutuaram para o chão.

Roxanne, que estava perto, riu e aplaudiu.

 - Eu gosto de esse, Papai.

 - Meu melhor público  - disse Max, e se inclinou para recolher os lenços - . Vamos, agora faz-o você. Roxanne se esfregou as mãos e se mordeu o lábio.

 - Ainda não posso fazê-lo com tantos lenços.

 - Então, faz o que possa.

Os nervos e o orgulho se fundiram nela enquanto escolhia seis dos lenços. Olhando ao público imaginário, apertou-os primeiro dentro de sua mão e depois fez ondear cada um e foi colocando nos braços do Luke. Havia algo inegavelmente feminino em seus gestos que fez sorrir ao Max enquanto ela passava as mãos por cima e por debaixo dos lenços de seda. Embora seguiu o compasso da música enquanto executava uma série de piruetas lentas ao redor do Luke, sua concentração era total. No mundo do Roxanne, não existiam os truques fáceis e singelos. Todos eram importantes.

De novo frente a Luke, Roxanne sorriu, passou uma vez mais as mãos sobre os lenços, como poderia fazê-lo uma mulher ao acariciar um gato e depois, agarrando o extremo de um, fez-o ondear por sobre sua cabeça. Riu com ar triunfal quando se rodeou os ombros com os lenços atados.

 - Bem feito  - disse Max e a levantou para lhe estampar um beijo - . Muito bem feito.

 - É fantástica, Max  - gritou Lester - . Deveria deixar que o fizesse frente ao público.

 - Você o que diz, Roxanne?  - perguntou Max e lhe acariciou o cabelo antes de colocá-la de novo no chão - . Está preparada para fazê-lo só?

 - Posso?  - Sentiu que o coração lhe estalava no peito.  - Por favor, Papai, posso?

 - Faremos a prova na primeira função, e depois veremos.

Ela lançou um chiado e correu para o Lily.

 - Posso usar aros? Aros de verdade? Posso? Lily sorriu ao Max por sobre a cabeça da pequena.

 - Pode escolher os que mais você goste.

 - Os que estão no negócio ao final da rua. Os azuis.

 - Tome vinte minutos, Lily  - sugeriu Max - . Uma mulher necessita pelo menos esse tempo para escolher acessórios para seu traje.  - E, além disso, queria estar um momento a sós com o Luke.

 - E bem.  - Enquanto Roxanne arrastava ao Lily para fora, Max tomou um maço de cartas e começou a fazer cortes com uma sozinha mão.  - Suponho que te está perguntando por que uma menina pode fazer algo que você não pode.

Luke ficou avermelhado, mas manteve o queixo em alto.

 - Eu posso aprender algo que ela saiba.

 - É possível.  - Para entreter-se, Max formou um leque com as cartas. Poderia te dizer que é um engano usá-la a ela, ou a qualquer outra pessoa, como medida para você mesmo. Mas não me escutaria.

 - -Você poderia me ensinar.

 - Poderia  - disse Max.

 - Eu já sei alguns truques. estive praticando.

 - Ah, sim?  - Arqueando uma sobrancelha, Max lhe ofereceu as cartas.  - me mostre.

Quando Luke mesclou as cartas, os nervos lhe umedeceram as pontas dos dedos.

 - O efeito não será o mesmo, porque você sabe como se faz.

 - Nisso te equivoca. O melhor público de um mago é outro mago, porque entende o propósito do jogo. Entende-o você?

 - Fazer um truque  - respondeu Luke, tratando de concentrar-se nas cartas.

 - Somente isso? Sente-se  - disse Max. Quando estiveram instalados frente a uma das mesas, escolheu uma das cartas do maço que Luke lhe oferecia.  - Qualquer pode aprender a fazer um truque. Só faz falta entender como funciona, e uma habilidade básica que pode refinar-se com a prática. Mas a magia...  - Olhou a carta e depois a colocou dentro do maço.  - Magia é tomar o que é real e o que não o é, e fundi-los por um momento em uma sozinha coisa. É fazer que o incrédulo pisque com surpresa. É lhe dar às pessoas o que ela quer.

 - O que é o que quer a gente?  - Luke mesclou as cartas, deu um golpecito sobre a de acima, e quando a girou era a carta escolhida pelo Max. Seu coração se encheu de satisfação ao ver o gesto de aprovação do Max.

 - Excelente. me faça outro.  - E se tornou para trás, enquanto Luke realizava com dificuldade um corte com uma sozinha mão.  - O que é o que quer a gente? Ser enganada, enganada, surpreendida. Ver como, diante de seus narizes, ocorre o assombroso.  - Max abriu a mão e mostrou ao Luke uma pelotita vermelha.  - Diante o seus próprios olhos.  - Esmagou a bola contra a mesa, depois, tirou sua outra mão de debaixo da mesa. Nela estava a bola, e a outra mão estava vazia. Luke sorriu e preparou as cartas para outro jogo.

 - Juntou-a  - disse Luke - . Sei que o fez, mas não o vi fazê-lo.

 - Porque eu olhei aos olhos. E então você olhou meus. Sempre olha-os aos olhos. Com expressão inocente ou presumida, como escolhe. Mas olha-os aos olhos. Isso faz que um simples truque seja verdadeira magia.

 - Mas um truque é algo assim como uma armadilha, não?

 - Só se não obter que desfrutem de do engano  - voltou a assentir quando Luke deu volta os quatro agarra da parte superior do maço que acabava de mesclar - . Seu técnica é boa, mas onde está seu estilo? Onde está isto que diz a seu público que não é tão somente um truque bem praticado a não ser magia? Faz-o de novo  - disse e empurrou as cartas para o Luke - . Me assombre.

Max observou a concentração que aparecia nos olhos do moço, ouviu suas duas respirações profundas enquanto se preparava.

 - Quero fazer de novo o primeiro.

 - Está bem. Mas antes quero ouvir seu apresentação. A cor tingiu as bochechas do Luke, mas pigarreou e começou. Fazia várias semanas que o praticava.

 - Eu gostaria de lhes mostrar alguns jogos de cartas.  - E fez uma mescla russa e um corte especial.  - Agora bem, não todos os magos lhes dirão de antemão o que pensam fazer. Mas eu sou só um menino e não sei fazê-lo melhor.  - Formou um leque com o maço e lhes mostrou as cartas a seu público imaginário para que vissem que era um maço comum.  - Pedirei-lhe agora a esse cavalheiro que escolha uma carta, qualquer carta.  - Luke abriu em fita as cartas de barriga para baixo sobre a mesa, e aguardou um instante enquanto Max tomava uma.  - Essa?  - disse e pareceu intranqüilo - . Seguro que escolhe essa?

lhe seguindo o jogo, Max assentiu com a cabeça.

 - É obvio que escolho essa.

 - Seguro que não prefere esta?  - perguntou Luke e mostrou a última carta - . Não?  - E tragou forte quando Max se manteve em seus treze.  - Está bem. Mas recordem que sou só um menino. Por favor, lhe mostre a carta ao público. Mas assegure-se de que eu não a veja

 - adicionou enquanto estirava o pescoço para tratar de ver a carta - . Bem. Suponho que agora pode colocar a carta no maço, em qualquer lugar, onde queira. E depois, pode mesclar o maço... a menos que queira que o eu faça  - disse com voz esperançada enquanto juntava as cartas.

 - Não, acredito que as mesclarei eu.

 - Estupendo  - disse e suspirou - . Quando estiverem mescladas, eu farei um corte e, por arte de magia, aparecerá a que este amável cavalheiro escolheu.  - Colocou a mão no bolso, tirou um lenço invisível e se secou a frente.  - Acredito que assim está bem. Sério, já mesclou o bastante  - disse e tirou o maço ao Max. depois de colocá-lo sobre a mesa moveu as mãos sobre ele e murmurou:  - Já quase a tenho. Aqui está!

 - Fez um corte e levantou uma carta com tom triunfal. Ao ver que Max negava com a cabeça, pareceu muito abatido.  - Não é essa? Estava seguro de que tinha feito todo bem. Aguarde um minuto...  - Voltou a colocar as cartas em seu lugar e uma vez mais escolheu uma equivocada. "A este maço acontece algo. Não acredito que sua carta esteja aqui absolutamente. Acredito que você fez armadilha.”  - ficou de pé, furioso, e começou a falar com o público.  - E você deve ter um ajudante entre o resto dos espectadores. Você  - disse e assinalou ao Lester, quem se encontrava atarefado recebendo apostas.  - Vamos, dê-me isso

 - Que te dê o que, moço?

 - A carta. Sei que a tem.

 - Um momento  - disse Lester, apoiou-se o tubo do telefone no ombro e levantou as duas mãos - . Eu não tenho nenhuma carta, moço.

 - Ah, não?  - Luke colocou a mão debaixo da cintura da calça do Lester e extraiu um nove de diamantes - . Suponho que estava caminho a uma partida de pôquer.

Enquanto Lester se desternillaba de risada, Luke levantou a carta para que o público a visse.

 - Obrigado. Muito obrigado. foi você muito amável em colaborar  - disse ao Lester - . por que não fica de pé e aviso?

 - Seguro, moço, seguro.  - Divertido, Lester ficou de pé.  - Tem um aluno muito prometedor, Max. Vejo-lhe um grande futuro.

O elogio fez que Luke sonriera de orelha a orelha. Mas isso não foi nada comparado com o gosto de ouvir a risada do Max.

 - Bom  - disse Max e já de pé, colocou uma mão no ombro do Luke - , isso sim que é ter habilidade para os efeitos teatrais. Vejamos se podemos incluir esse número na função.

A boca do Luke se abriu de par em par.

 - Sério?

Max despenteou ao moço, e lhe alegrou comprovar que já não reagia negativamente ante esse contato.

 - Sério.

A viagem de Nova Orleáns ao Lafayette não foi muito longo. Com Mouse ao volante do sedan escuro, Max pôde reclinar-se, fechar os olhos e preparar-se. Roubar não era muito diferente de agir frente a um público. Ou, ao menos, não foi nunca para ele. Quando começou, tantos anos antes, fundiu as duas habilidades. Era uma questão de sobrevivência.

Agora, com mais anos e mais amadurecido, separava suas atuações profissionais dos roubos. Isso também era uma questão de sobrevivência. Agora que seu nome era bem conhecido, teria sido temerário lhe roubar a sua audiência.

E Max não era um homem temerário.

Se alguém assinalasse que já não tinha necessidade de roubar para ter o estômago cheio ou um teto sobre sua cabeça, Max se teria mostrado de acordo. Também teria agregado que não só era difícil quebrar um hábito mantido durante tanto tempo, sobre tudo para quem era tão hábil nesse campo, mas também roubar lhe divertia.

Para um menino não querido, maltratado e abandonado, roubar foi uma questão obrigada e um desafio.

Agora, era mas bem uma questão de orgulho.

além de ser um dos melhores em seu gênero, escolhia seus alvos com cuidado, lhe roubando só a quem podia dar o luxo de perder.

Dificilmente trabalhava perto de sua casa. Max o considerava de uma vez arriscado e complicado. Mas, como é sabido, as regras se fazem para as violar.

Com os olhos fechados, conseguia ver o brilho e a beleza do colar de aguamarinas e diamantes. Essa gelada combinação de azul e branco. Pessoalmente, ele preferia as gemas cálidas: rubis, safiras, cores ricas e profundas que encerravam paixão e glória. Mas às vezes era preciso passar por cima o gosto pessoal em bem da praticidade. Se a informação que possuía era correta, essas aguamarinas com talha de esmeralda lhe proporcionariam um bom total quando as tirasse de seu engaste.

LeClerc já tinha um comprador.

Inclusive depois de descontar a décima parte e os castos, Max calculou que ficaria uma boa fatia para o fundo destinado  aos estúdios universitários do Roxanne, e também para o que tinha aberto fazia pouco para o Luke.

Sorriu para si. A ironia sempre o fazia graça. Era um ladrão a quem lhe preocupavam as taxas de juros e os recursos de investimento.

 - Esta é a esquina, Max.

Max abriu os olhos e notou que Mouse tinha detido o veículo junto ao cordão da vereda. Era uma vizinhança tranqüila e arborizada, com elegantes mansões atormenta detrás de folhas e arbustos em flor.

 - Ah, sim. Que horas são?

Mouse consultou seu relógio, e outro tanto fez Max.

 - As duas e dez.

 - Esplêndido.

 - O sistema de alarme é realmente elementar. Quão único tem que fazer é cortar os dois cabos vermelhos. Mas, se não estar seguro, posso ir fazer o por você.

 - Obrigado, Mouse  - disse Max enquanto se calçava um par de magras luvas negras - . Acredito que posso fazê-lo. Se a caixa forte for como disse LeClerc, só necessitarei sete ou oito minutos para abri-la. te encontre aqui comigo às duas e meia em ponto. Se me atrasar mais de cinco minutos, vai-te.  - Para ouvir que Mouse grunhia, Max lhe deu uns toquezinhos no ombro.  - É preciso que eu conte contigo nesse sentido.

 - Estará de volta a tempo  - disse Mouse e se inclinou no assento.

 - E seremos vários milhares de dólares mais ricos  - disse Max, desembarcou do automóvel e se perdeu entre as sombras.

Uma meia quadra mais adiante, saltou por cima de um muro baixo de pedra. Não se viam luzes na casa de tijolos de três plantas, mas igual deu um rodeio para estar seguro antes de procurar a caixa do alarme. Uma vez que houve seccionado os cabos vermelhos, não vacilou nem um instante. Mouse não se equivocava nunca.

Tomou o cortavidrios e a ventosa da bolsa de couro suave que levava na cintura. As nuvens que dançavam por sobre a lua faziam que a luz trocasse todo o tempo, mas ele não precisava ver: embora tivesse estado cego ou com os olhos enfaixados, igual teria encontrado a forma de entrar e de sair por uma porta fechada com chave.

ouviu-se um leve clique ao colocar a mão e soltar o fecho. Depois, silêncio. como sempre, escutou e aguardou um momento antes de entrar.

Jamais poderia haver descrito a ninguém o que sentia cada vez que entrava em uma casa escura e em silêncio, algo que se parecia muito ao poder.

Silencioso como uma sombra, atravessou a cozinha, depois a sala de jantar e ingressou no vestíbulo.

Seu coração começou a bater depressa.

Encontrou a biblioteca exatamente onde LeClerc lhe havia dito; e a caixa forte, oculta detrás de uma porta falsa.

Com uma lanterna lapiseira sustentada com os dentes e um estetoscópio perto da fechadura, Max começou sua tarefa.

Desfrutava dela. Na biblioteca flutuava um leve aroma de rosas já murchas e a tabaco. Uma suave brisa fazia que os ramos de um castanho repicassem contra a janela. Percebeu o estalo da terceira das quatro combinações da fechadura ao cair em seu lugar. Então ouviu os gemidos.

Preparado para sair correndo, girou com lentidão e, com a lanterna, iluminou em direção ao som. Um cachorrito, de não mais de algumas semanas, observava-o. Com outro gemido, sentou-se e molhou o tapete turco.

 - É um pouco tarde para me pedir que te deixe sair  - murmurou Max - . Sinto muito, mas não tenho tempo para limpar o que tem feito.

ficou a trabalhar na quarta combinação enquanto o cachorro se aproximava para olisquearle os sapatos. Com um suspiro de satisfação, Max abriu a caixa forte.

 - Por sorte para mim, não planejei este trabalho para dentro de um ano, quando você já fosse suficientemente grande para me pegar uma dentada. Embora tenha no traseiro a cicatriz que me deixou um caniche não muito maior que você.

Fez a um lado os certificados de ações da Bolsa e abriu uma caixa de veludo. As aguamarinas o saudaram com um brilho. Usando a lanterna e uma lupa de joalheiro, revisou as pedras e suspirou com satisfação.

 - Uma preciosura  - disse, tirou-as da caixa e as colocou na bolsa.

Quando se inclinava para despedir do cachorro com uma carícia, ouviu ruído de passos pela escada.

 - Diabinho?  - era uma voz feminina e aguda, que falava quase em um sussurro - . Diabinho, está lá abaixo?

 - Diabinho?  - repetiu em voz baixa Max e acariciou ao cão - . Alguns de nos vemos obrigados a crescer e a superar nossos nomes.  - Fechou a caixa forte e se escondeu entre as sombras.

Uma mulher de média idade, com uma rede para cabelo no cabelo e a face encremada, entrou em pontas de pé à biblioteca. O cachorro lançou um gemido, atingiu com a cauda sobre o tapete e começou a avançar para onde se encontrava Max.

 - Ali está! Vêem com seu mamita!  - A menos de trinta centímetros do Max, elevou o cão.  - No que andaste? Cão mau.  - Começou a beijar ruidosamente ao cachorro, que tratava de escapar.  - Tem fome. Tem fome, meu amor? Daremo-lhe um lindo bol com leite.

Max fechou os olhos e ficou por completo de parte do pobre cão, que uivava e tratava de liberar-se. Mas a mulher o agarrou com força contra seu peito e se dirigiu à cozinha.

Posto que isso significava que Max não poderia sair pelo caminho utilizado para entrar, levantou a janela. Se a sorte seguia acompanhando-o, a mulher estaria muito ocupada com o cachorro para notar o prolixo buraco na porta de vidro da cozinha.

Em caso contrário, refletiu Max enquanto passava uma perna pela janela, inicialmente igual contaria com certa vantagem.

Fechou a janela a suas costas e procurou não pisar no trabalhador de pedreira de pensamentos.

Luke não podia dormir. A sozinha ideia de agir de noite seguinte o enchia de excitação e de terror. E se fracassava? E se esquecia o truque? O que aconteceria o público pensava que ele não era mais que um menino tolo?

Mas ele sabia que podia ser um bom mago. Sabia que, no fundo, tinha tudo o que fazia falta para sê-lo. Mas muitos anos de ouvir que o consideravam estúpido, inútil, imprestável, tinham deixado seu rastro nele.

Luke tinha uma sozinha maneira de vencer a insônia: comer.

tornou-se algo em cima e começou a baixar sigilosamente pela escada. Por sua mente desfilavam imagens do porco à churrasqueira e o bolo de noz preparados pelo LeClerc, quando a voz de este o fez deter-se e lançar uma imprecação. Estava longe de sentir-se seguro desse velho. Mas quando ouviu também a voz do Max,

 - Seu informação é sempre confiável, Jean. Os planos, a caixa forte, as gemas.  - Max tinha uma taça de conhaque em uma mão e as jóias na outra.  - Não posso protestar muito pela aparição de um cachorrito.

 - A semana passada não tinham nenhum cão. E tampouco faz cinco dias.

 - Pois agora sim o têm.  - Max se pôs-se a rir e bebeu mais conhaque.  - Ao que ainda não lhe ensinaram onde deve fazer suas necessidades.

 - Graças a Deus que não ladrou.  - LeClerc verteu um pouco de uísque em seu café.  - Eu não gosto das surpresas.

 - Até certo ponto, eu gosto de muito.  - E a luz do êxito brilhou nos olhos do Max, como o colar que cintilava com a luz do teto.  - Do contrário, você trabalho se voltaria muito rotineiro. E a rotina é perigosa. Acredita que sentirão saudades isto pela manhã?  - E sustentou em alto o colar, deixando que as gemas se deslizassem por seus dedos.  - E o fato de que este colar fora o pagamento de uma dívida de jogo, evitará que eles denunciem sua perda?

 - Denunciem-na ou não, jamais poderão rastreá-lo até aqui.  - LeClerc começou a levantar sua  taça de café em um brinde, mas se freou em seco. Seus olhos se entrecerraram quando voltou a colocar a taça sobre a mesa.  - Temo-me que esta noite, as paredes têm pelo menos dois ouvidos.

Alertado, Max olhou para cima e depois suspirou.

 - Luke.  - Pronunciou o nome e logo fez um gesto para as sombras.  - Vêem a luz.  - Aguardou e calibrou o rosto do moço enquanto Luke se aproximava da cozinha.  - É tarde para que esteja levantado.

 - Não podia dormir.  - em que pese a seu esforço por não fazê-lo não podia se separar os olhos do colar. Foi uma questão de confiança, de pura confiança, a que lhe permitiu voltar a olhar ao Max e dizer:  - Você o roubou.

 - Sim.

Luke estendeu um dedo e roçou uma das gemas cor celeste.

 - por que?

Max se tornou para trás em seu assento, bebeu um gole de conhaque e refletiu.

 - por que não?

Os lábios do Luke tremeram para ouvir essa resposta. Era uma boa resposta. Funcionou-lhe mais satisfatória que muitas doídas justificações.

 - Então é um ladrão.

 - Entre outras coisas.  - Max se inclinou para frente, mas resistiu o impulso de colocar uma mão sobre a do Luke.  - Decepciono-te?

Os olhos do Luke se encheram de um amor que não tinha palavras para expressar.

 - Não poderia fazê-lo  - disse e sacudiu a cabeça em uma negação frenética - . Jamais.

 - Não esteja tão seguro.  - Max lhe roçou a mão e depois tomou o colar. - O vaso que quebrou aquele dia era um objeto... este também o é. Os objetos valem só tanto ou tão pouco como a gente crie.  - Fechou a mão sobre o colar, atingiu-se os punhos e abriu as duas mãos. Estavam vazias.  - Uma ilusão mais. Minhas razões para me apropriar do que outros valoram são minhas. Talvez algum dia as compartilharei contigo. Até então, peço-te que não fale disso.

            - Não o direi a ninguém.  - Primeiro, preferiria morrer

           -Posso ajudá-lo. Asseguro-lhe que posso fazê-lo  - repetiu, furioso com o sorriso de desprezo do LeClerc - . Posso fazer bom dinheiro como ladrão de carteira.

 - Luke, não existe dinheiro mau. Mas prefiro que não coloque as mãos nos bolsos de outros, a menos que seja como parte de uma atuação.

 - Mas, por que...?

 - Eu lhe direi isso.  - Indicou ao Luke que se sentasse, e o colar voltou a aparecer em sua mão.  - Se tivesse permanecido no parque de diversões, provavelmente lhe teriam aceso. Algo desprolijo e lamentável.

 - Eu sou cuidadoso.

 - É jovem  - corrigiu-o Max - . Por exemplo, duvido que te tenha ocorrido pensar se as pessoas às que lhe roubou podiam dar o luxo de prescindir desse dinheiro.  - Sacudiu a cabeça antes de que Luke pudesse falar.  - E seu necessidade era grande nesse momento. Mas não o é agora.

 - Mas você rouba.

 - Porque escolhi fazê-lo. Porque, Lisa e sinceramente, diverte-me. E por razões muito complexas que você...  - interrompeu-se e riu para si.  - Estava por dizer que não empreenderia. Mas não é assim.  - Seus olhos se escureceram.  - Eu era apenas maior que você quando LeClerc me encontrou. Ganhava moedas e bilhetes com truques o cartas. E roubando carteiras. Também eu tinha escalado da classe de pesadelo que nenhum menino deveria experimentar. A magia me salvou. E também o fato de roubar. Não me desculpo por ser ladrão. Cada vez que roubo, recupero algo do que me roubaram.

    pôs-se a rir e bebeu um sorvo de conhaque.

 - Não quero nem pensar o que um psiquiatra diria disso. Não, não me desculpo, mas tampouco jogarei justiceiro contigo. Eu te ensinarei magia, Luke. E quando for maior, tomará seus próprias decisões. Luke refletiu um momento.

 - Roxanne sabe?

Pela primeira vez, a sombra de uma dúvida apareceu no rosto do Max.

 - Não vejo nenhum motivo para que saiba. Isso fez que as coisas lhe parecessem melhores ainda. O fato de estar a par de algo que Roxanne ignorava, era maravilhoso.

 - Esperarei. Aprenderei.

 - Estou seguro de que sim. E, falando disso, devemos começar a pensar em seu educação. O entusiasmo do Luke sofreu um rude golpe.

 - Educação? Não penso ir ao colégio.

 - Pois sim o fará.  - Com ar casual, Max entregou o colar ao LeClerc.  - Suponho que os trâmites serão bastante singelos.

 - Tomarão uma semana  - disse LeClerc - . Ou possivelmente dois.

 - Excelente. Então estaremos inteligentes para as classes no outono.

 - Não penso ir ao colégio  - repetiu Luke - . Não preciso ir ao colégio. Você não pode me obrigar a ir.

 - Ao contrário  - disse Max com serenidade - . Irá ao colégio, obviamente o necessita, e te asseguro que posso te obrigar a ir.

Luke estava disposto a morrer por ele, haveria-se sentido feliz com a oportunidade de demonstrá-lo. Mas não estava disposto a sofrer horas de aborrecimento durante cinco dias por semana.

 - Não irei.

Max se limitou a sorrir.

 

Luke foi ao colégio. Suas súplicas e regateios e ameaças caíram em ouvidos surdos. Quando descobriu que inclusive a terna Lily estava contra ele, deu-se por vencido.

Ou o simulou.

Podiam obrigá-lo a ir. Ao menos, podiam fazê-lo vestir-se, carregar um montão de livros estúpidos e enfiar para o colégio sob o olhar de águia do LeClerc.

Mas não podiam obrigá-lo a aprender nada.

Mas a vaidade com que Roxanne luzia suas "sobressalentes" e suas bandas de honra começaram a lhe picar o amor próprio. Não podia tolerar o sorriso que lhe dedicava quando Max ou Lily lhe expressavam sua aprovação. E, cada noite, a molequa se sentava entre decorações e se dedicava a fazer suas tarefas entre um ato e outro.

Max tinha ampliado seu número com os lenços de seda.

Luke sabia que se podia tirar um sobressalente. Se o propunha.

Não era nada muito complicado, mas para demonstrar que uma molequa com face de macaco não podia superá-lo, estudou para a prova de geografia.

depois de todo, não foi tão espantoso estudar sobre os diferentes estados e seus capitais. Sobre tudo quando começou a contar quantos desses estados tinha visitado.

Depois, não via a hora de poder luzir-se. Mas se obrigou a manter-se em calma. Se sua prova de geografia com o "10" desenhado com cor vermelha lhe caía por acaso do caderno entre decorações não era culpa dela.

Quase explodiu de impaciência até que Lily a viu e a levantou.

 - O que é isto?  - Viu como os olhos do Lily se abriam de par em par e lhe brilhavam com uma emoção que poucas vezes descobriu neles, e isso o fez avermelhar da cabeça aos pés. Era orgulho.  - Luke! Que maravilha! por que não nos disse nada?

 - Que coisa?  - O sorriso tolo que se propagou por toda sua face lhe arruinou sua atuação de indiferença, mas de todos os modos se encolheu de ombros.  - Ah, isso. Não foi nada.

 - Não foi nada?  - Sorrindo, Lily o apertou contra seu corpo.  - É muitíssimo. Não te equivocou em nenhuma pergunta. Em nenhuma.  - E com um braço ainda ao redor do moço, chamou o Max, que nesse momento discutia com o Lester.  - Max, Max, vêem querido a ver isto.

 - O que é o que tenho que ver?

 - Isto.  - Triunfante, Lily blandió a prova escrita frente a ele.  - Olhe o que fez nosso Luke, e não o contou a ninguém.

 - Com todo gosto olharei, se não mover tanto o papel.  - Suas sobrancelhas se arquearam ao olhar depois ao Luke.  - Bom, bom. depois de todo, colocaste a trabalhar seu cérebro. E com excelentes resultados.

 - Não é nada. É só questão de cor.

 - Meu querido moço.  - Max estendeu um braço e com um dedo deu um golpecito na bochecha do Luke.  - A vida consiste precisamente nisso, em memorizar. Uma vez que se aprende o truque, não há muito mais que se possa fazer. E você o tem feito bem. Muito bem.

Enquanto se preparavam para o seguinte ato permaneceu imóvel, absorvendo todo o prazer. Só se apagou um pouco quando girou e viu o Roxanne observando-o com olhos ardilosos.

 - Que demônios olha?

 - A você  - disse simplesmente ela.

 - Bom, corta-a.

Mas quando ele se afastou, ela o seguiu com o olhar. Quão mesmo faria com algo que a desconcertasse.

O colégio não foi tão mau. Luke descobriu que podia tolerá-lo, e rara vez faltava a classe mais de um ou dois dias por mês. Suas notas eram boas. Talvez não recebia sobressalentes todo o tempo como Roxanne, mas tampouco ia mau.

Mas não foi bem em todos os sentidos. Fizeram falta um olho negro e um lábio partido para que essa revelação se fizesse carne nele.

Enquanto retornava a casa machucado, aborrecido e com três dólares e vinte e sete centavos menos de seu dinheiro no bolso, começou a planejar sua vingança. Sua única esperança era ter tempo de arrumar-se um pouco a face em casa antes de que alguém o visse. perguntou-se se poderia dissimular os hematomas e o olho negro com base de maquiagem.

 - O que fez?

Luke se amaldiçoou por ter caminhado descuidadamente pela vereda em lugar de estar alerta. E agora acabava de tropeçar nada menos que com o Roxanne.

 - Não é teu assunto.

 - estiveste brigando. A Papai não gostará de nada  - disse Roxanne, calçou a mochila em um ombro e colocou os braços em jarras - . E te sangra o lábio.  - Com um suspiro, procurou um lenço de papel no bolso de sua saia azul.  - Aqui tem. Não lhe esfregue isso com a mão, esparramará-te o sangue por todos lados.

 - Com a paciência de uma anciã, ela mesma foi secando o sangue da ferida.  - Será melhor que se sente. É muito alto para mim.

Com um grunhido, Luke se sentou, nos degraus de uma loja. De todas formas necessitava um momento para preparar-se a enfrentar ao Max e ao Lily.

 - Eu o posso fazer só.

Ela não se queixou quando lhe arrancou o lenço. Estava muito interessada em lhe olhar o olho, onde já começava a parecer o hematoma.

 - Fez zangar a alguém?

 - Sim. zangaram-se comigo porque não quis lhes dar meu dinheiro. Agora, te cale.

 - Eles?  - perguntou Roxanne e entrecerrou os olhos - . Eles lhe atingiram e se levaram seu dinheiro? A humilhação lhe doeu mais que o olho.

 - Esse tarado do Alex Custer me pegou um murro. Eu poderia havê-lo vencido, se dois de seus cupinchas não me houvessem sustenido.

 - Falaremos disto mais tarde. Agora temos que voltar para casa. Se não, começarão a preocupar-se.

Mas ao Luke preocupava a reação de outros quando ele aparecesse na porta da cozinha. O mais provável era que lhe gritassem. Ou, pior ainda, imensamente pior, Max o olharia com pena e diria essas palavras espantosas.

Decepciona-me, Luke.

Sim gritaram quando ele seguiu ao Roxanne e transpôs a porta da cozinha. Todos juntos, mas não foi precisamente o que Luke esperava.

 - feliz aniversário!

Deu um salto para trás como se o tivessem golpeado. Todos estavam de pé ao redor da mesa: Max, Lily, Mouse, LeClerc, e nela havia uma enorme torta com velitas acesas. Enquanto olhava a cena, sobressaltado, o sorriso rutilante do Lily se transformou em um "OH" de desgosto.

 - Querido! O que aconteceu?  - Max tomou ao Lily do punho para frear seu impulso para diante. Seus olhos se centraram no Luke, e embora neles havia um brilho de raiva, sua voz foi muito serena.

 - Teve uma briga, não?

Luke só atinou a encolher-se de ombros, mas Roxanne saiu em sua defesa.

 - Foram três, Papai. Isso os converte em covardes, não é verdade?

 - Certamente.  - inclinou-se para diante e tomou com a mão o queixo do Luke.  - A próxima vez, escolhe seus adversários com mais cuidado.

 - te coloque isto  - disse LeClerc, tomou um frasco de uma prateleira e verteu parte de seu conteúdo sobre um pano limpo. Quando o colocou sobre o olho inchado do Luke, grande parte da dor desapareceu.  - Três?  - perguntou e lhe piscou os olhos um olho - . O que tem na camisa é sangue deles, oui?

Era a primeira vez que recebia a aprovação do LeClerc. Luke se arriscou a que lhe voltasse a abrir a ferida no lábio e disse:

 - Maldito se o eram.

 - Bom  - disse Lily - . Deste-nos uma surpresa tão grande como a que nós queríamos te dar. Espero que a nossa você goste mais. feliz aniversário, querido.

 - Mais vale que sopre as velas  - sugeriu Max quando viu que Luke permanecia ali, como paralisado - . antes de que incendiemos a casa.

 - Não esqueça de formular um desejo  - disse Roxanne enquanto se colocava no quadro para sair na fotografia que estava por tomar Mouse.

Luke só tinha um desejo, e esse desejo era estar com eles. Pensou que já se feito realidade.

Assombrada-a excitação de sua primeira torta de aniversário, de abrir presentes comprados expressamente para ele, apagou da mente do Luke todo pensamento sobre o Alex e a vingança que planejava levar a cabo.

Roxanne, em troca, era mais obstinada.

Dois dias depois, Luke se encontrou metido em um plano que lhe deixaria uma enorme satisfação ou a face destroçada.

Mas teve que reconhecer que como plano era ardiloso. Seguindo os conselhos do Roxanne, assegurou-se que Alex e suas duas jovens secuaces o vissem perambular por um supermercado se localizado em uma esquina, a uma quadra do colégio. Pagou pela garrafa de refrigerante, desentupiu-a e tomou um bom gole enquanto saía do negócio.

Depois, simulou ver pela primeira vez ao Alex e parecer assustado. Alex não necessitou muito mais para começar a persegui-lo.

Luke pôs-se a correr por um beco, enquanto desentupia um frasco que continha um dos remédios caseiros do LeClerc.

Com mãos ágeis, verteu o forte laxante na garrafa dê refrigerante. Confiava em que Roxanne saberia o que fazia e que não estava a ponto de matar a ninguém. Embora sua consciência não o teria incomodado muito neste caso.

meteu-se o frasco vazio no bolso, girou em redondo, como morto de pânico. Tinha eleito esse beco sem saída deliberadamente. Talvez o atingiriam de novo, mas ao menos um de seus atacantes o pagaria depois.

 - O que te passa? Está cansado?  - Ao ver sua presa sem saída, Alex sorriu.  - Perdeu-te?

 - Não quero problemas.  - Luke se tragou o orgulho em favor da vingança e fez que sua voz e suas mãos tremessem.  - Não tenho mais dinheiro. Gastei-o nisto.

 - Não tem dinheiro?  - Alex lhe arrancou a garrafa das mãos antes de jogar no Luke contra a parede.  - Note se está mentindo, Jerry.  - Alex bebeu um bom gole do suposto refrigerante e sorriu.

Luke gemeu, permitindo que o outro moço lhe revisasse os bolsos. Queria assegurar-se de que Alex terminasse de beber o conteúdo da garrafa.

 - Não tem nada  - anunciou Jerry - . Me dê um gole, Alex.

 - te consiga um  - disse Alex, levantou a garrafa e terminou de beber seu conteúdo - . E agora, lhe demos seu castigo a esse safado.

Mas esta vez Luke estava inteligente para eles. Quando a gente não podia brigar, corria. Baixou a cabeça e arremeteu contra o estômago do Alex, atingindo assim a um menino contra o outro, até que os três caíram como um castelo de naipes. E pôs-se a correr para a boca do beco. Sabia que era mais veloz que os outros, e poderia ter desaparecido antes de que eles saíssem a persegui-lo. Mas queria que o seguissem. Pensou que um pouco de exercício colocaria as coisas em movimento no corpo do Alex, assim que se fez seguir.

Ao olhar para trás viu que a face do Alex estava alva como o papel e muito transpirada. Luke chegou ao jardim de sua casa e não soube se devia seguir correndo para que a carreira continuasse, quando ouviu que Alex gemia e se apertava a barriga.

 - Epa, o que te passa?  - perguntou-lhe Jerry - . Vamos, homem. Estamo-lo perdendo.

 - Dói-me muito!  - gritou Alex, correu para um arbusto e se inclinou.

 - Por Deus! - gritou Jerry, com repugnância - . Que porcaria!

 - Não posso, não posso  - foi tudo o que Alex conseguiu dizer enquanto o laxante do LeClerc exercia seu efeito desumano.

 - Olhem!  - gritou Roxanne, que apareceu de repente e assinalou - . Há um menino entre os arbustos, e está cagando. Mamãe!  - uivou com voz de bebita - . Mamita, vêem logo.

depois de olhar em todas direções, tanto Jerry como seu companheiro deixaram ali ao Alex e fugiram a toda pressa, enquanto vários adultos começavam a aproximar-se.

Com um sorriso na face, Roxanne entrou no jardim.

 - Isto é melhor que lhe pegar um murro  - disse ao Luke - . Isso o esqueceria, mas te asseguro que jamais esquecerá isto.

O não pôde evitar sorrir.

 - E disse que eu era mau.

Do balcão, Max tinha visto quase toda a cena e ouvido tudo o que fazia falta ouvir. Seus filhos  - pensou com muito orgulho -  estavam crescendo bem. Como se teria alegrado Moira por sua filhinha.

Inclusive depois dos anos transcorridos, funcionava-lhe difícil acreditar que todo isso tivesse desaparecido. Tão rápido. Tão inutilmente.

Um apêndice perfurado. Ela era muito impaciente para queixar-se pela dor, e depois... depois foi muito tarde. Uma carreira frenética ao hospital, e a intervenção cirúrgica de emergência que não conseguiu salvá-la. E assim se foi de sua vida, lhe deixando o tesouro mais prezado que tinham criado juntos.

Sim, estava seguro de que Moira se sentiria orgulhosa de sua filha.

Ao entrar de novo na residência, observou como Lily lhe colocava um par adicional dessas suas meias com um desenho de rombos na bolsa.

Lily. Até seu nome o fazia sorrir. A doce e formosa Lily. Mal podia ele amaldiçoar a Deus, quando lhe tinham sido dadas duas mulheres tão gloriosas em uma sozinha existência.

 - Não tem por que fazer isso para mim.

 - Não me importa  - disse ela. assegurou-se que o estojo com os elementos para barbear-se tivesse folhas novas antes de colocá-lo na bolsa.  - Sentirei saudades.

 - Estarei de volta antes de que te dê conta. Houston está virtualmente aqui ao lado.

 - Já sei.  - Suspirou e se aconchegou contra ele.  - Sentiria-me melhor se fosse contigo.

 - Mouse e LeClerc são suficiente amparo, não te parece?  - Voltou a beijá-la, primeiro em uma têmpora, logo na outra. Seu Lily tinha uma pele tão rígida como as pétalas de uma rosa.

 - Suponho que sim - respondeu ela, inclinou a cabeça e fechou os olhos quando ele começou a lhe beijar o pescoço - . E alguém tem que ficar com os meninos. Seriamente acredita que isto te reportará um quarto de milhão de dólares?

 - Pelo menos. A estes petroleiros gosta de investir a prata que lhes sobra em jóias e obras de arte.

A idéia de semelhante soma de dinheiro a excitou, mas não tanto como o que a língua do Max lhe estava fazendo na orelha.

 - Fechei a porta com chave  - disse ela.

Max riu para si enquanto a jogou sobre a cama.

 - Já sei.

Durante o breve vôo de Nova Orleáns a Houston, com Mouse frente aos controles do   Cessna, Max teve tempo de sobra para repassar os planos uma vez mais. A casa em que dariam o golpe algumas horas mais tarde era enorme: mais de mil e quinhentos metros quadrados.

Esses planos haviam flanco mais de cinco mil dólares em subornos. Era um investimento que Max calculou valia a pena fazer envista das lucros que previa.

O Rancho da R Torcida, tal era o nome que levava, estava repleto de obras de arte dos séculos XIX e XX, todas as quais foram compradas através de agentes. E não por seu valor estético ou sua beleza, a não ser simplesmente como investimento.

E muito boa, por certo. Representaria uma quantidade importante de dinheiro para o Max.

Também havia jóias. A preparada, que Max tinha obtido dos arquivos da casa central de uma companhia de seguros de Atlanta, continha suficientes jóias para sortir uma modesta joalheria.

Posto que suas próximas vítimas o tinham todo assegurado, Max calculou que a perda da companhia de seguros seria seu ganho. depois de todo, os seguros eram algo assim como uma aposta entre assegurador e assegurado. E alguém tinha que perder.

Max levantou a vista e sorriu ao olhar ao LeClerc: tinha os nódulos brancos de tanto que se agarrava aos apoyabrazos. Pendurados do pescoço levava uma cruz de prata, um amuleto de dourado, um talismã de cristal e uma pluma de águia. Sobre os joelhos havia contas de rosário, uma pata negra de coelho e uma bolsa cheia de miçangas de cores.

Cada vez que se via obrigado a voar, LeClerc se assegurava de cobrir todas as possibilidades.

Como LeClerc tinha os olhos fortemente fechados e sua boca se movia em uma prece silenciosa, Max  não disse nada quando ficou de pé para servir um pouco de conhaque para os dois.

LeClerc o bebeu de um gole.

 - Não é natural que um homem esteja no ar. É um desafio aos deuses.

 - Sinto ter que te obrigar a fazer algo que detesta, mas minha ausência de Nova Orleáns não passaria inadvertida se nos tivéssemos tomado o tempo necessário para viajar de automóvel.

 - O que pode a fama...

 - Tem também suas vantagens. A gente me convida para jantar com a esperança de que os entretenha com minha magia. Nossos amigos de Houston ficaram encantados com minha atuação improvisada naquela velada em Washington, o ano passado. Que sorte para nós que tivessem decidido ir visitar sua primo o senador.

 - E mais sorte ainda para nós que neste momento se encontrem na Europa.

 - É verdade. Embora não representa quase nenhum desafio roubar em uma casa desabitada.

Alugaram uma limusine em Hobby, e Mouse ficou sua boina e jaqueta de chofer para a viagem. Nessa vizinhança opulenta, a elegante limusine funcionava menos chamativa que um sedan qualquer.

E, sempre que era possível, Max preferia viajar bem.

No assento traseiro, com o Mozart como música de fundo, verificou suas ferramentas por última vez.

 - Duas horas  - anunciou - . Não mais.

LeClerc já se estava colocando as luvas. Fazia meses que não ouvia soar e cair as combinações, meses desde que teve o prazer de abrir a porta de uma caixa forte e colocar a mão nesse buraco escuro. Durante o longo verão tinha sido celibatário  - ao menos, em um sentido figurado - , e estava impaciente por viver o romance do roubo.

Sem o Max, sabia que esse prazer teria desaparecido de sua vida. Embora jamais falavam disso, os dois sabiam que LeClerc se estava colocando muito lento para esse trabalho. Agora só acompanhava ao Max em trabalhos menos difíceis. Se a casa do petroleiro não tivesse estado vazia, LeClerc sabia que nesse momento estaria em casa esperando, como Lily.

Mas não sentia rancor. Ao contrário, estava agradecido pela oportunidade de sentir de novo a emoção que tanto o apaixonava.

Quando estacionaram frente à casa, os homens se moveram em silêncio. Max e LeClerc se dirigiram ao baú e Mouse foi ocupar do sistema de segurança. Estava muito escuro, sem rastros da lua.

 - É um terreno muito grande  - murmurou, comprazido, LeClerc - . Com muitas árvores añosos. Os vizinhos devem necessitar largavistas para espiar nas janelas dos outros. Surpreende-me que confiem somente em um sistema de alarmes.

Max tirou do baú do automóvel uma caixa grande estofa em veludo, e um cilindro de material de isolamento acústica, como o que se está acostumado a utilizar nos cinemas.

E aguardaram.

Dez minutos depois, Mouse apareceu correndo.

 - Sinto muito. Era um sistema de alarme bastante complexo. Tomou um pouco de tempo desativá-lo.

 - Não tem por que te desculpar  - disse Max e começou a sentir o comichão familiar nas pontas dos dedos ao aproximar-se da porta principal. Tirou seu conjunto de gazuas e começou Á trabalhar.

 - por que perder tempo com isso? Que Mouse a abra de um golpe. O alarme está desativado.

 - Mas não seria um roubo com estilo  - murmurou Max, os olhos entrecerrados, sua mente concentrada nas combinações - . Um momento mais Y...

Instantes depois estavam de pé no imponente foyer de mármore branco e negro e três pisos de alto.

separaram-se: LeClerc subiu pela ampla escalinata curva em direção à caixa forte do dormitório e as jóias da proprietária de casa; Mouse e Max cobriram a planta baixa.

Trabalharam em forma gaita, cortando tecidos do que Max considerava Marcos muito ornamentados, as enrolando e as colocando na caixa de veludo. As esculturas de bronze e mármore e pedra foram envoltas no tecido de isolamento acústica.

 - Um Rodin.  - Max fez uma breve pausa para lhe dar uma classe a Mouse.  - Uma peça realmente notável. Vê o movimento, Mouse? A fluidez, a emoção que sentia o artista por seu modelo.

Max suspirou ao envolver com reverência o Rodin nesse tecido grosa.

 - Não, essa não  - disse quando viu o objeto de bronze que Mouse sustentava.

 - É realmente pesado  - disse-lhe Mouse - . E sólido. Deve valer muito.

 - Sem dúvida, do contrário não estaria nesta coleção. Mas lhe falta estilo, Mouse. E beleza. É muito mais importante roubar coisas belas que coisas valiosas. Se não fora assim, estaríamos roubando bancos, não o acredita?

 - Suponho que sim.  - Foi à outra residência e voltou com uma escultura que representava a um cavaleiro montado sobre um cavalo que corcoveava.  - O que me diz de este, Max?

Max o observou. Era uma boa peça e provavelmente pesasse como um caminhão. Embora não era de seu gosto pessoal, viu que a Mouse gostava.

 - Uma escolha excelente. Melhor lhe leve isso à limusine tal qual está. Aqui já quase terminamos.

 - -E nos foi bem  - disse LeClerc ao descer pela escada e lhe dar toquezinhos a sua bolsa volumosa - . Não sei o que Madame e Monsieur se levaram a Europa, mas deixaram aqui muitos quinquilharias para nós.  - Havia-lhe flanco muito não tomar os bônus negociáveis e o efetivo que encontrou nas caixas fortes gêmeas, mas Max era supersticioso com respeito a roubar dinheiro. E LeClerc respeitava sempre as superstições de outros.  - Olhem isto.

E extraiu da bolsa um desdobramento de diamantes e rubis trabalhados em um colar de três voltas. Max tomou e o levantou para vê-lo a luz.

 - Como pode alguém tomar pedras tão formosas e fabricar com elas algo tão abominável? A senhora deveria nos agradecer por não ter que voltar a usar isto em sua vida.

 - Deve equivaler a cinqüenta mil dólares, pelo menos.

 - Mmmm.  - É possível, pensou Max e desejou ter sua lupa de joalheiro. Escolheria algumas das melhores pedras e mandaria fazer um colar mais adequado para o Lily. Consultou seu relógio e assentiu.  - Acredito que nosso passeio de compras terminou. Parece-lhes bem que carreguemos todo? Acredito que estaremos de volta em casa a tempo.

 

Quando Luke fez dezesseis anos, Mouse lhe ensinou a conduzir um automóvel. Tiveram muitas sacudidas freadas nos caminhos vicinais, e em uma oportunidade, quando Luke tentou trocar de velocidade, girar   o volante e frear, todo ao mesmo tempo, quase acabaram em um pântano. Mas Mouse tinha uma capacidade inesgotável de paciência.

Obter a licença de condutor foi um acontecimento memorável para o Luke, um passo gigantesco para chegar a ser um homem, o que ele começava a ansiar tanto. Mas inclusive isso passou a segundo plano frente a outra ocasião também memorável: seu encontro com o Annabelle Walker, que incluía ir ao cinema a ver esse maravilhoso filme chamada A guerra das galáxias, duas bolsas gigantescas de pochoclo  e uma velada que terminou com sexo no automóvel de segunda mão que tinha comprado com suas economias.

Nem para o Annabelle nem para o Nova foi novidade essa atividade no assento traseiro. Mas para o Luke era a primeira vez, e o caminho escuro, a música, os ofegos e gemidos, a experiência milagrosa de ter os seios do Annabelle nas mãos, foram tão românticos como o Taj Mahal.

Poderia haver-se pensado que Annabelle era uma garota fácil, mas o certo é que só se instalava no assento traseiro do automóvel se o menino era arrumado, se a tratava bem, e se era um bom besador. Luke cumpria todos esses requisitos. Quando o deixou colocar a mão debaixo de sua camiseta para acariciar seus generosos seios brancos, para o Luke foi como tocar o céu. Mas quando lhe baixou o fechamento do Levis e se apoderou dele, compreendeu que as portas do paraíso se abriam de par em par.

Tinha esperado que ela o deixasse tocá-la, mas jamais pensou que uma série de saídas e uma noite vendo como se salvavam alguns mundos a convenceria de deixar que ele fora até o final.

Mas ele não estava disposto a perder uma oportunidade quando lhe apresentava. Isso o tinha ensinado

Max.

 - Deixa que eu...  - disse e, embora não estava muito seguro, colocou a mão dentro de suas calcinhas vermelhas de renda.

Estava molhada, quente e escorregadia. O sangue do Luke se deslocou com selvageria da cabeça a entrepierna, e começou a pulsar ali com uma intensidade que marcou o ritmo de seus dedos curiosos. O prazer do Annabelle começou a expressar-se em um cantarola suave que logo se converteu em gemidos ansiosos, ofegos desesperados e choramingações deliciosas. Seus amplos quadris se arqueavam e caíam, atingindo contra o andrajoso estofo do assento do Nova. Os guichês que Luke tinha subido para protegê-los do frio exterior se empanaram, transformando o automóvel em uma fumegante sauna com aroma de sexo.

Com a face enterrada entre os seios do Annabelle, e uma mão trabalhando sobre seu corpo, liberou-lhe os quadris do Levis. A sensação de estar dentro de uma mulher dessa maneira era quase suficiente para lhe fazer perder todo controle. Entretanto, uma parte dele, um pequeno canto de seu cérebro, permaneceu frio, estranhamente indiferente, até divertido.

Ali estava Luke Calavam, com o traste ao ar em seu Nova '72, com os Bee Gs cantando pela rádio  - Por Deus, tinham que ser os Bee Gs? -  e Annabelle abrindo-se de pernas debaixo dele.

Não foi sua habilidade o que lhe permitiu lhe dar a ela muito mais que os outros meninos com os que tinha saído. Era pura inexperiência mesclada com uma sã curiosidade e um amor pelas coisas belas. Sentir um corpo feminino que tremia e se sacudia debaixo dele foi uma das coisas mais formosas que Luke tinha experiente em sua vida.

 - OH, meu amor.  - Annabelle, uma veterana do sexo; n o assento traseiro, começou a mover-se e a contorsionarse, e por último travou as pernas ao redor dos quadris do Luke.  - Não posso esperar. Juro-te que não posso.

Tampouco podia ele. Um instinto cego o fez peñerarla. Quão último ouviu foi que ela pronunciava seu nome.

Por cortesia do Annabelle, na segunda-feira retornaria ao colégio com uma reputação que faria sentir-se orgulhoso a um menino maior que ele.

Quando voltou, com aroma de sexo e a transpiração e à colônia do Annabelle, a casa estava às escuras, salvo por uma luz acesa na cozinha.

Alegrou-lhe que não houvesse ninguém levantado para recebê-lo. E se alegrou mais ainda de que lhe dessem um fim de semana livre cada quinze dias para que desenvolvesse sua vida social.

Abriu a geladeira e bebeu como meio litro de suco de laranja diretamente da garrafa. Ainda sorria quando girou e descobriu ao Roxanne no vão da porta.

 - Que chanchada  - disse e inclinou a cabeça para a garrafa que ele tinha nas mãos.

Os dois tinham pego um estirão ao longo dos anos. Mas enquanto que Luke ainda não chegava ao metro oitenta e tinha uma estatura normal para sua idade, Roxanne era a mais alta de sua classe; de fato, mais alta que a maioria de seus companheiros varões.

 - Não diga tolices!  - Luke sorriu e apoiou a garrafa na mesada.

 - Ao melhor outra pessoa tinha vontades de beber um pouco de suco.  - Embora não tinha sede, aproximou-se da geladeira e procurou. Enquanto escolhia uma bebida, enrugou o nariz ao olhar ao Luke.  - Empesteia...  - Farejando o ar, pescou, entre outras coisas, um quê da colônia do Annabelle.  - Voltou a sair com ela.

Roxanne detestava ao Annabelle por princípio. E o princípio consistia em que era baixa e loira e bonita, e que Luke passava muito tempo com ela.

 - E a você o que te importa?

 - esclarece-se o cabelo e usa roupa muito ajustada.

 - Usa roupa sexy  - corrigiu-a Luke, sentindo um perito na matéria - . Está ciumenta porque ela tem tetas e você não.

 - Já as terei.  - Aponto de fazer treze anos, ao Roxanne a mortificava o passo de tartaruga de seu desenvolvimento feminino. Quase todas as garotas de sua classe tinham pelo menos projetos de seios de mulher, e ela seguia tão chata como a tabela que LeClerc usava para cortar o pão.  - E quando as tiver, serão melhores que as dela.

 - Está bem.  - A idéia do Roxanne com seios o divertiu. Em um princípio. Quando ficou a pensar nisso, começou a sentir um calor muito incômodo.  - Vai-te daqui.

 - Não penso.

 - Então irei eu.  - Como fazia um tipo para flutuar em uma nuvem de luxúria com uma molequa perto?, perguntou-se enquanto saía da cozinha e subia a escada. Depois, sem perder nem um minuto, tirou-se a roupa e se atirou nu sobre a cama.

acostumou-se ao aroma e a sensação de savanas podas, embora não por isso o dava por sentado.

Nos últimos quatro anos, tinha percorrido a maior parte do leste dos Estados Unidos e agido em campo aberto, em clubes sujos e em cenários encerados. O verão anterior, depois de que Max  - com bastante pesar -  vendesse o circo ambulante, viajaram a Europa onde o mago incrementou sua reputação de mestre.

Sabia matar francês e tinha aprendido a fazer dançar as cartas. A seu leal saber e entender, tinha-o ido. A vida é perfeita, pensou Luke antes de deixar-se vencer pelo sonho.

Assim foi uma desagradável surpresa para ele desertar uma hora depois empapado de um suor frio e  um soluço na garganta.

O sonho o tinha levado de volta a esse matizado apartamento de dois ambientes. O cinto do lhe tinha atravessado a pele como uma navalha, e não havia aonde fugir, aonde esconder-se.

Sentado na cama, Luke aspirou grandes baforadas do pesado ar outonal e aguardou a que os tremores lhe passassem. Fazia meses que não me ocorria, disse-se enquanto apoiava a cabeça sobre os joelhos. Meses e meses sem que seu subconsciente o fizesse voltar para esse lugar. Acreditava haver ganho nessas lembranças. Cada vez que passavam várias semanas sem sofrer um desses pesadelos, estava seguro das haver deixado atrás.

Já não sou um menino, recordou-se Luke e decidiu levantar-se. Não tinha sentido ter pesadelos e despertar tremendo e querer que Lily ou Max estivessem junto a ele para protegê-lo.

Sairia a caminhar. ficou as calças e se disse que iria até o Bourbon e voltaria, para sacudi-los restos do pesadelo.

Quando chegou à planta baixa ouviu um alarido agudo e o murmúrio apagado de vozes. Ao olhar no estúdio, viu o Roxanne sentada cruzada de pernas no piso, com um bol de pochoclo na saia.

 - O que está fazendo?

Ela se sobressaltou, mas não se separou a vista da tela.

 - Estou olhando um filme de terror. O castelo dos mortos viventes. O conde está embalsamando às pessoas. eu adoro.

 - Que espanto.  - Mas ficou preso, pelo menos o suficiente para sentar-se em um extremo do sofá e colocar uma mão no pochoclo do Roxanne. Ainda se sentia um pouco sacudido, mas um momento depois ficou dormido.

Roxanne esperou até estar segura de que dormia e depois, apoiando a bochecha contra o almofadão do sofá, levantou o braço para lhe acariciar o cabelo.

 

- Os meninos estão crescendo, Lily.

 - Já sei, querido.  - Suspirou ao introduzir-se na caixa horizontal grafite de cores vivas. Ensaiavam oí no clube um novo número que Max tinha denominado A Mulher Dividida.

 - Roxy logo entrará na adolescência  - disse Max e calçou as braçadeiras dos ferrolhos e deu uma volta ao redor da caixa para benefício dos espectadores potenciais - . Não falta muito para que os moços comecem a acossá-la.

Lily sorriu e moveu os pés e as mãos que saíam pelos buracos da caixa.

 - É verdade. Mas não se preocupe, Max. Ela é muito preparada para escolher algo que não seja exatamente o que quer.

 - Espero que tenha razão.

 - É filha de seu pai  - disse Lily e deixou ouvir os gemidos e choramingações apropriadas quando Max lhe mostrou  o fio de sua cimitarra enjoyada.

 - Suponho que com isso quer dizer que é teimada, ambiciosa e decidida.

Lily permaneceu em silêncio enquanto Max prosseguia com a rotina de cortar a caixa até separá-la por completo, e depois unir as metades. Logo, pergunto:

 - Não estará triste porque os meninos crescem, verdade, querido?

 - Talvez um pouco. Recorda-me que me estou voltando velho. Imagine: Luke dirigindo um automóvel e perseguindo as garotas.

 - Não tem necessidade das perseguir  - disse Lily e rugó a frente com chateio-. Elas se jogam em seus braços. Seja como for  - disse e suspirou - , são bons meninos, Max. Uma parceira fantástica.

 

Uma metade dessa parceira fantástica estava a duas quadras dali, concentrada em um jogo de cartas. Para o Roxanne era uma tentação a que não podia resistir. Uma multidão de participantes de uma convenção tinha alagado a cidade, e vários estavam dispostos a jogar. Roxanne não o fazia somente por dinheiro, mas sim porque a divertia.

Tomou outros cinqüenta dólares, e pagou vinte para manter boas relações. De uma esquina próxima soou uma trompetista solitária. Roxanne decidiu que tinha chegado o momento de terminar com o jogo e voltar para casa.

 - Isso é todo por hoje. Obrigado, damas e cavalheiros. Espero que desfrutem de sua estadia em Nova Orleáns.  - Começou a recolher as cartas, quando uma mão se fechou sobre seu punho.

 - Uma volta mais. Não cheguei a provar minha sorte. Era um moço de ao redor de dezenove anos. debaixo de sua camiseta e de seus jeans desbotados se adivinhava um corpo forte e magro, puro músculos. Seu cabelo loiro dourado formava uma sorte de halo ao redor de uma face de feições angulosas. Seus olhos, de um marrom intenso e escuro, estavam fixos na garotinha.

Recordou ao Luke, não no físico a não ser em sua selvageria interior e uma certa maldade potencial. Sua voz não soou com o acento de Nova Orleáns.

 - Chega muito tarde  - disse-lhe ela. A mão dele seguiu apertando firmemente seu punho. Quando o moço sorriu, mostrando seus dentes brancos e parecidos, ela ficou nervosa.

 - Somente uma mão  - disse ele - . Estive-te observando.

Roxanne não pôde rechaçar esse desafio direto. Seu instinto lhe aconselhou não aceitá-lo, mas o orgulho ganhou a partida.

 - Tenho tempo para uma. A aposta são cinco dólares.

Com um movimento da cabeça, ele extraiu um bilhete dobrado do bolso traseiro da calça e o uso sobre a mesa.

Roxanne colocou as cartas de barriga para baixo: duas damas vermelhas e uma negra no centro.

 - Não perca de vista a dama negra  - disse ela enquanto trocava de lugar as cartas - . A  último momento decidiu não juntar a carta a não ser fazer  frente ao desafio sem utilizar nenhum truque. Foi trocando as cartas de lugar a um ritmo cada vez mais rápido, e sem lhe tirar os olhos de cima ao moço.

Não era a primeira vez que ele participava desse leigo. Ela o fazia desde fazia muito tempo amo para não ser capaz de reconhecer a um profissional. Roxanne apostou seu ego contra esse bilhete de cinco dólares.

Embora não havia tornado a olhar as cartas desde que iniciou o jogo, sabia exatamente onde estava a dama negra.

 - Onde está?

O não vacilou, e atingiu com o dedo a carta da esquerda. Mas antes de que ela pudesse dá-la volta, voltou a lhe sujeitar o punho.

 - Farei-o eu  - disse e desentupiu a dama de corações.

 - Parece que minhas mãos são mais rápidas que seus olhos.

Sem lhe soltar a mão, ele deu volta as outras duas cartas piscou com surpresa ao comprovar que a dama  negra estava exatamente no mesmo lugar do princípio: no centro.

 - Isso parece  - murmurou. Entrecerrou os olhos enquanto a observava deslizar seu bilhete de cinco dólares e suas cartas em uma bolsa que tinha colocado debaixo da essa.

 - Desejo-te mais sorte a próxima vez  - disse, pregou mesa, a colocou debaixo do braço e pôs-se a andar para

A Porta Mágica.

O não se deu por vencido com tanta facilidade.

 - Ouça, como te chama?  - perguntou. Ela o olhou de esguelha quando ele a alcançou.

 - Roxanne. por que?

 - Para saber. Eu sou Sam. Sam Wyatt. É boa. Muito boa.

 - Já sei.

Ele riu em voz baixa, mas mentalmente baralhava as distintas possibilidades. Se conseguia conduzi-la a um lugar menos concorrido, poderia recuperar seus cinco dólares, e também ficar com o resto do dinheiro que levava.

 - Ganhou bem. Que idade tem? Doze, treze?

 - Não é teu assunto.

 - Quanto faz que te dedica a enganar às pessoas?

 - Eu não sou uma enganadora.  - A sozinha ideia de que acreditassem isso dela a enfureceu.  - Sou maga  - informou-lhe - . Trabalhar com essa gente foi algo assim como um ensaio.

 - Maga.  - Sam notou que nesse lugar transitavam menos pedestres. Não via ninguém que pudesse lhe causar problemas quando lhe arrancasse a bolsa e pusesse-se a correr.  - por que não me mostra um truque?  - Colocou-lhe a mão no braço e se preparou para arrojá-la ao piso.

 - Roxanne.  - Com face de mau humor, Luke apareceu do outro lado da rua.  - Que demônios está fazendo? Teria que estar no ensaio.

 - Já vou  - disse e o fulminou com o olhar. Enfurecia-a que se apresentou justo quando ela estava por provar suas armas em um flerte.  - Você tampouco está lá.

 - Isso não tem nada que ver.  - Viu a mesa e a bolsa, e adivinhou no que tinha andado.  - Quem é este?

 - meu amigo  - decidiu Roxanne de repente.

 - . Sam, este é Luke. Sam lhe dedicou um sorriso cativante.

 - Como está?

 - Bem. Não é de por aqui.

 - Cheguei à cidade faz um par de dias. Estou estragando um pouco, sabe?

Ao Luke, Sam não lhe caiu nada bem. Seu olhar malicioso não harmonizava com esse sorriso franco.

 - Estamos atrasados, Roxy. Vamos.

 - dentro de um minuto.  - Se Luke pensava tratá-la meu uma criatura, lhe ensinaria que era uma mulher independente.  - Não quer nos acompanhar Sam, e ver o ensaio? Estamos aqui perto, em La Porta Mágica.

 - Parece-me fantástico.

Sam Wyatt sabia como mostrar-se encantador. Exibir afabilidade, bons maneiras e bom humor era arte do jogo. Sam se sentou em La Porta Mágica e aplaudiu, expressou uma incredulidade cheia de assombro e riu nos momentos apropriados.

Quando Lily o convidou para jantar, aceitou com tímida gratidão.

LeClerc lhe pareceu velho e tolo; Mouse, lento e estúpido, mas procurou por todos os meios causar uma boa impressão nos dois.

Depois, brilhou por sua ausência durante todo o dia seguinte, para não parecer muito confianzudo. Quando se apresentou em La Porta Mágica para assistir a uma função, assegurou-se que Lily o visse contar cuidadosamente sua mudança menino para poder comprar um refrigerante.

 - Max  - disse ela quando estiveram entre decorações, depois de ter deixado ao Luke em cena para realizar seus cinco minutos de prestidigitação.  - Esse menino está em problemas.

 - Luke?

 - Não, não. Sam.

 - Eu não o chamaria menino, Lily. Já é quase um homem.

 - Não acredito que seja muito maior que Luke  - retrucou-lhe ela. Espiou para o salão e viu o Sam sentado frente ao mostrador do bar e notou que ainda tinha o mesmo copo de Coca.  - Não acredito que tenha dinheiro, nem aonde ir.

 - Não me parece que esteja procurando trabalho.  - Max sabia que se estava mostrando duro, e não tinha idéia de por que sentia tanta reticência em ajudar ao moço.

 - Querido, já sabe quão difícil é conseguir trabalho. Não tem nada para lhe oferecer?

 - Pode ser. me dê um par de dias para pensá-lo. Um par de dias era tudo o que Sam necessitava. Como broche para a imagem que queria dar, certa noite pôs-se a dormir no jardim, assegurando-se de que o descobririam à manhã seguinte.

Totalmente acordado, manteve os olhos fechados, vendo através das pestanas como saía Roxanne pela porta da cozinha. Gemeu, moveu-se e depois piscou quando ela o descobriu e reprimiu um grito de alarme.

 - O que está fazendo?

 - Nada  - respondeu ele, enrolou uma manta puída e ficou de pé

- Não fazia nada.

Ela se aproximou com o sobrecenho franzido.

 - Dormiu aqui?

Sam se umedeceu os lábios.

 - Olhe, não é nada. Por favor não o diga a ninguém.

 - Não tem um quarto?

 - Perdi-o  - disse, e se encolheu de ombros e conseguiu parecer valente e ao mesmo tempo desesperançado - . Já aparecerá algo. Mas não queria estar na rua toda a noite. Supus que aqui não incomodaria a ninguém.

      Roxanne tinha o bom coração de seu pai.

 - Entra  - disse e lhe estendeu a mão - . LeClerc está preparando o café da manhã.

 - Não necessito uma esmola.

Porque ela entendia o orgulho do Sam, enterneceu-se ainda mais.

 - Papai pode te dar trabalho. O pedirei.

 

Max não estava acostumado a negar nada ao Roxanne. Por ela tomou ao Sam Wyatt, apesar da estranha relutância que sentia ira incorporá-lo a sua equipe. Encarregou-lhe a tarefa de transportar as coisas grandes para os espetáculos, uma participação que Sam sabia por debaixo de sua dignidade e habilidade.

Mas também Sam tinha intuição. E essa intuição lhe disse que unir-se aos Nouvelle podia ser a chave que lhe permitiria acessar a coisas muito mais importantes. Era questão de ter paciência.

Passava muitas horas carregando e descarregando equipe, lustrando as caixas e as dobradiças que Max  usava para várias rotinas. Certo dia jurou vingar do velho por lhe haver oferecido um trabalho tão degradante, mas se mostrava incesantemente bondoso e atento com o Roxanne e tímido e lisonjeador com o Lily. Fazia muito  que estava convencido de que, em todo grupo, eram as mulheres as que possuíam o autêntico poder.

Não cometeu o engano de competir com o Luke. Duvidava que fora prudente rivalizar abertamente com a pessoa que Max considerava seu filho. O fato de que esse antagonismo fora mútuo o favorecia. Nenhum dos dois teria podido dizer por que, mas o certo me que se odiaram a primeira vista.

Enquanto isso, Sam se sentia satisfeito com o lugar que se assegurou e com a perspectiva de passar uma semana em Los Anjos.

Max também estava comprazido com essa próxima viagem. Teriam oportunidade de agir no Castelo Mágico e de assistir a um jantar oferecido pelo Brent Taylor, um ator de cinema e mago amateur, e Max  teria o prazer de mostrar a sua família algo do brilho de Hollywood.

Também se propunha levar-se de volta ao este outros brilhos bastante mais caros. Beverly Hills, e suas mansões cheias de tesouros, somariam-se a uma viagem e a um trabalho de por si lucrativo.

Tinha duas casas escolhidas, e decidiria qual das dois seria seu alvo uma vez que chegasse aos Anjos e inspecionasse os lugares com seus próprios olhos.

Tomaram várias residências no Beverly Hills Hotel. Divertiu-lhe ver o Luke, que fascinava aos botões e à empregada com alguns efeitos de prestidigitação. O moço sim que tinha aprendido. E muito bem.

Fez todos os acertos necessários para um almoço preparado no Maxim's, de que fez participar não só a sua família mas também também a todos os integrantes de sua equipe, inclusive os mais humildes. Depois, enviou ao Lily e ao Roxanne de compras.

Na sobremesa, acendeu um charuto e disse:

 - Muito bem. Mouse e eu temos que falar de negócios, mas o resto de vocês têm o dia livre para explorar, percorrer a cidade, o que queiram. Necessitarei-os a todos bem acordados manhã, às nove da manhã.

Quando outros partiram, Luke se sentou em uma cadeira junto ao Max.

 - Tenho que falar com você.

 - É obvio.  - Reconhecendo no moço uma mescla de nervos e de determinação, Max arqueou uma sobrancelha.  - Algum problema?

 - Não acredito que seja um problema.  - Luke respirou fundo e se lançou ao vazio.  - Quero ir com vocês.  - E sacudiu a cabeça antes de que Max pudesse falar. Durante dias tinha estado preparando esse discurso.  - Conheço a rotina, Max. Você e Mouse irão um par de casas. Sem dúvida já têm quase todo o material essencial: uma cópia das inteligentes dos objetos assegurados, planos, um esquema dos sistemas de segurança, uma idéia dos costumes de seus habitantes. Agora irão fazer uma inspeção de primeira mão ara decidir onde dar o golpe.

Max se passou a mão pelo bigode. Não sabia bem se estava vexado ou impressionado.

 - Não perdeste o tempo.

 - tive quatro anos para estudar enquanto esperava que me deixasse participar do trabalho.

Max sacudiu a cinza de seu charuto antes de aspirar uma baforada.

 - Meu querido garotinho...

 - Já não sou um garotinho.  - Os olhos do Luke ralaram ao aproximar-se do Max.  - Ou confia em mim ou não o faz. Tenho que sabê-lo.

Max exalou a fumaça e se manteve em silêncio enquanto o garçom levantava os pratos.

 - Não é questão de confiança, Luke, mas sim de oportunidade.

 - Não me estará dizendo que tenta me salvar da vida de delitos.

 - Por certo que não. Jamais fui hipócrita, e sou tão egocêntrico como qualquer pai que espera que seus filhos sigam seus passos. Mas...

Luke apoiou uma mão no punho do Max.

 - Mas?

 - Ainda é jovem. Não estou seguro de que esteja preparado. Ser um ladrão bem-sucedido requer maturidade, experiência.

 - Requer ter bolas  - disse Luke e Max pôs-se a rir.

 - É claro que sim. Mas, além disso, uma boa dose de habilidade, sutileza, serenidade. Em alguns anos mais talvez esteja amadurecido, mas por agora...

 - Que horas são?

Distraído, Max piscou e depois olhou seu relógio. Ou, mas bem, o lugar onde deveria estar seu relógio.

 - Sempre disse que tinha boas mãos  - murmurou.

 - Não sabe que horas são?  - Luke girou o punho e o sol brilhou no Rólex de dourado do Max.  - São quase as três. Acredito que será melhor que pague a conta e que nos partamos.  - O mesmo Luke chamou o garçom. Com ar ausente, Max colocou a mão no bolso em busca de sua carteira. Não a encontrou.

 - Não tem suficiente dinheiro?  - perguntou Luke com um sorriso e tirou a carteira do Max de seu próprio bolso - . Esta vez pago eu. Dá a casualidade que ultimamente recebi algo de dinheiro.

Dois a zero, pensou Max e sorriu a Mouse.

 - por que não toma você também a tarde livre? Luke pode me levar.

 - Está bem, Max. Vou ao Teatro Chinês a ver os rastros dos artistas.

 - te divirta.  - Com um suspiro, Max estendeu a mão para pedir sua carteira.  - Inteligente?  - perguntou ao Luke.

 - Faz anos que estou preparado.

Ao Luke gostava de Beverly Hills. Não tanto como Nova Orleáns, que com suas ruas desordeiras e seu encanto decadente era o único lugar que considerava seu lar. Mas essas advindas largas e flanqueadas por palmeiras, e o aura de fantasia das mansões encastradas nas colinas em uma brumosa lonjura, eram como um filme. Supôs que essa era a razão pela que tantas estrelas de cinema escolhiam esse setor para viver.

Percorreu a zona seguindo as indicações do Max. Advertiu cada tanto os patrullajes da polícia. Ali, nada de automóveis poeirentos nem com rayaduras para os agentes da ordem: todos brilhavam com o sol da tarde.

A maioria das propriedades estavam ocultas detrás de muros e cercos altos. Em duas oportunidades, enquanto faziam sua percorrida, cruzaram-se com ônibus que levavam aos turistas a ver as casas dos artistas o cinema. Luke se perguntou como às pessoas lhe ocorreria pagar por esse tour, quando o único que podiam ver em realidade era muros de pedra e taças de árvores.

 - -por que  - perguntou Max enquanto abria sua maleta -  quer roubar?

 - Porque é divertido  - respondeu Luke sem sequer pensar - . Sou muito hábil para isso.

 - Mmmm.  - Max conveio interiormente que era melhor passar a vida fazendo algo que a um divertia  para o qual tinha habilidade.  - O botões que subiu nossas valises e ficou tão encantado com seus truques, tinha um relógio e uma carteira. Os roubou?

 - Não.  - Surpreso, Luke girou a cabeça e olhou ao Max.  - por que teria que fazê-lo?

 - Eu perguntaria mas bem por que não fazê-lo.  - Max se afrouxou a gravata e a colocou dentro da maleta.

 - Bom, demônios, não tem graça quando é tão difícil. Além disso, era um pobre tipo que tratava de ganhá-la vida.

 - Poderia alegar-se que um ladrão é também um pobre tipo que trata de ganhá-la vida.

 - Se isso fosse quão único quisesse, poderia roubar em um supermercado.

 - E considera isso fora da questão.

 - É algo ruim, nada elegante.

 - Luke.  - Max suspirou enquanto colocava bem dobrada sua camisa branca engomada na maleta.  - Estou orgulhoso de você.

 - É como a magia  - disse Luke ao cabo de um momento - . A gente quer fazer o melhor do que é capaz. Se se planeja enganar a alguém, terá que fazê-lo com estilo. Correto?

 - Correto.  - Max ficou uma camisa de poliéster de mangas curtas, com um espantoso desenho de quadros verdes e alaranjados.

 - O que faz?

 - Coloco-me o traje adequado  - disse Max e como broche final se calçou um gorro de beisebol e um par de óculos espejados para sol - . Espero parecer um turista.

Luke freou frente a um semáforo em vermelho e se tomou tempo para observá-lo.

 - O que parece é um tarado.

 - Bastante aproximado. Vê o ônibus do tour, lá, a meia quadra? Estaciona detrás dele.

Luke obedeceu.

Max se pendurou do pescoço um par de binoculares e uma câmara fotográfica.

 - Essa é a casa da Elsa Langtree  - disse Max com acento do meio oeste quando desembarcou do carro. Assobiou antes de unir-se aos outros turistas para espiar pela grade de ferro forjado.  - Deus, vá se for uma riqueza!

Luke lhe seguiu o trem e estirou o pescoço.

 - Demônios, Papai, é velha.

 - Pois não me importaria me perder no bosque com ela.

Esse comentário suscitou algumas risadas no resto da multidão, antes de que o guia do tour começasse sua rotina. Dando um passo atrás, Max rodeou o ônibus e subiu ao teto do veículo enquanto o resto da gente escutava ao guia e tomava fotografias. Max utilizou a teleobjetiva da câmara para fazer tira do muro, da casa colonial de três plantas, os edifícios anexos e o sistema exterior de iluminação.

 - Né, amigo  - disse o chofer do ônibus, entrecerrando os olhos debaixo da viseira de sua boina - . Baixe-se dali, quer? Deus, em todos os grupos há algum louco.

 - Só queria ver se podia jogar uma olhada a Elsa.

 - Vamos, Papai. Dá-me vergonha.

 - Está bem, está bem. Um momento! Parece-me seria. Elsa!  - gritou, e aproveitou a confusão do movimento da gente que correu de novo junto à grade para tomar suas últimas fotografias.

Enquanto o condutor lançava imprecações e menazas, Max se desceu do teto e lhe dedicou um sorriso pusilânime e uma desculpa.

 - Faz vinte anos que sou admirador da Elsa. Em sua honra, até lhe coloquei seu nome a meu periquito.

 - Imagino que lhe fascinaria sabê-lo. Com evidente relutância, Max deixou que Luke o arrastasse de volta ao automóvel.

 - Conseguiu o que queria?  - perguntou Luke.

 - Suponho que sim. Jogaremo-lhe uma olhada a uma das casas. A casa do Lawrence Trent não está incluída no  tour, mas é famoso por possuir uma excelente coleção de caixas de rapé do século XIX.

 - E o que tem Elsa?

 - além de seus evidentes encantos femininos? esmeraldas, meu querido moço. À dama adora as esmeraldas. Fazem jogo com seus olhos.

Também ao Max adorava as esmeraldas. Uma vez que LeClerc fez revelar as fotografias, fez-se evidente que a propriedade do Trent seria o alvo mais fácil. Max não necessitou muito mais para decidir. Iria depois das gemas.

Talvez fora por efeito dessas luzes, ou de seus próprios pensamentos, mas por um momento, quando se levantou o pano de fundo, Max viu o Roxanne como uma mulher feita e direita, espingarda e formosa, cheia de aprumo e confiança em si mesmo, os olhos cheios de secretos que só um coração feminino poderia entender.

E de repente voltou a ser sua pequena, com sapatos de taco alto e fascinando ao público com sua habilidade com os lenços de seda, que um momento depois ficaram feitos um montão a seus pés. Então girou para olhar a seu pai, preparada para ser posta em transe, para o novo número de levitação, uma combinação do velho efeito do pau de vassoura com a moça que frota.

Começou a soar a música: Para a Elisa. Lenta e elegantemente, Max passou as mãos frente à face do Roxanne, quem moveu a cabeça e fechou os olhos.

Utilizou escovas de fantasia, pois a beleza lhe importava tanto como o impacto. Colocou-lhe uma entre os omoplatas e depois, dando um passo para a esquerda do cenário, estendeu os braços e os moveu. Como um ser leve, as pernas do Roxanne começaram a levantar-se e a estender-se, até que seu corpo ficou paralelo ao cenário. Empregou a outra escova para passá-la por cima e por debaixo dela. A cabeleira avermelhada do Roxanne pendurava para o piso. Quando lhe tirou seu único ponto de apoio e aconteceu as duas escovas ao Lily, o público aplaudia a trovejar.

Ao compasso da música do Beethoven, Roxanne começou a mover-se. A luz se voltou chapeada enquanto o corpo da moça girava, inclinava-se, ficava vertical a trinta centímetros do cenário. Max a fez baixar suavemente, centímetro a centímetro, até que seus pés tocaram o chão.

E despertou.

Roxanne abriu os olhos enquanto soavam aplausos tronadores. Para ela, esse já era um som celestial.

Sam observava desde decorações e sacudiu a cabeça. É nada mais que um truque, pensou. O que mais troveja  lhe dava era que ninguém queria lhe dizer como se fazia. Outra coisa pela que os Nouvelle teriam que pagar  mas adiante.

Tinha que haver uma maneira de tirar proveito da situação. Acendeu um cigarro e observou a entrada a cena do Luke. O muito imbecil acredita que é alguém importante, ali parado sob os refletores, atraindo o aplauso e a atenção dos pressente, pensou Sam.

Mas já chegaria o dia em que ele incitaria toda a atenção. Porque se o obtinha, obtinha-se o poder. E  isso era o que mais queria Sam.

 - Senhor Nouvelle.  - Assim que terminou a função, Trent Taylor, o máximo galã de moda, com aspecto de ídolo e voz de barítono, procurou o Max em seu camarim. -  Jamais vi algo melhor  - disse Taylor e lhe estreitou com entusiasmo a mão.

 - Adula-me você, senhor Taylor.

 - Brent, por favor.

 - Brent, então, e você me chame Max. Não há luto lugar aqui, mas seria uma honra para mim que me acompanhasse a beber uma taça de conhaque.

 - Com todo gosto. O ato de transformação  - prosseguiu dizendo Taylor enquanto Max servia o cognac - , simplesmente maravilhoso. E a levitação foi espetacular. Estou impaciente porque chegue o dia do jantar que ofereço para que tenhamos mais tempo de falar sobre magia.

 - Sempre eu gosto de falar sobre magia  - disse Max lhe ofereceu uma taça do Napoleón.

 - E talvez poderemos falar também sobre a magia na tela garota. Na televisão  - disse Taylor e Max se limitou a sorrir com cortesia.

 - Sim, temo-me que tive pouca oportunidade de ver televisão. Meus meninos, em troca, são peritos na matéria.

 - E magos excelentes por direito próprio. Suponho que adorariam provar sorte em um especial de televisão.

Max indicou ao Taylor que tomasse assento em um pequeno canapé e ele se sentou frente à mesa de maquiagem.

 - A magia perde seu poder em filme.

 - É possível, certamente. Mas com seu sentido teatral, poderia ser maravilhoso. Serei franco com você, Max. Uma das correntes televisivas me brindou a oportunidade de produzir uma série de especiais com variedades. Eu gostaria muitíssimo produzir um de uma hora chamado Os Assombrosos Nouvelle.

 - Max  - disse Luke e se deteve, com uma mão na porta - . Lamento interrompê-los, mas há um jornalista do Los Anjos Teme.

 - Falarei com ele dentro de um momento. Brent Taylor, Luke Callahan.

 - Um prazer te conhecer  - disse Taylor e ficou de pé para lhe estreitar a mão - . Tem muito talento, o qual não é surpreendente quando tiveste ao melhor por mestre.

 - Obrigado. Eu gosto de seus filmes.  - Luke olhou ao Taylor e depois ao Max.  - Direi-lhe que espere no bar.

 - Parece-me bem.

 - Um moço muito arrumado  - comentou Taylor quando Luke os deixou sós - . Se decidisse não seguir seus passos, amanhã mesmo poderia lhe conseguir seis papéis.

Max sorriu e se olhou as unhas.

 - Temo-me que está muito decidido a me seguir no meu. Agora bem, com respeito a seu oferecimento...

Luke estava tão impaciente que quase não podia esperar. Não teve tempo de falar em privado com o Max  até depois da segunda função. Assim que Max entrou em seu camarim, Luke lhe perguntou:

 - Quando o fazemos?

 - Fazemos?  - Max se sentou frente à mesa de maquiagem e colocou os dedos na creme de limpeza.  - Fazemos o que?

 - o da televisão. O especial que Taylor quer produzir. Faríamo-lo aqui, em Los Anjos?

Com toques lentos, Max se tirou a base de maquiagem.

 - Não.

 - Poderíamos fazê-lo em Nova Orleáns.  - Já imaginava: as luzes, as câmaras, a fama. Max arrojou os lenços de papel.

 - Não o faremos, Luke.

 - O que quer dizer com que não o faremos?

 - Só isso.  - Max se afrouxou a gravata do smoking antes de ficar de pé para trocar-se.  - Rechacei a oferta.

 - Mas, por que? Chegaríamos a milhões de pessoas em uma sozinha noite.

 - A magia perde seu impacto em filme.  - Max pendurou sua jaqueta e começou a desabotoá-los gêmeos de dourado,

 - Não faria falta filmá-lo. Poderíamos fazê-lo em vivo. Muitas vezes há público nos estúdios.

 - De todas formas, nossa agenda de compromissos não o permitiria.  - Max colocou os gêmeos em um pequeno estojo.

 - Isso não é verdade.  - A voz do Luke se aquietou quando em sua mente apareceu algo que dissipou sua confusão.  - É por mim.

Com lentidão, Max fechou o estojo.

 - Que disparate.

 - Não, não o é. Não quer que nos exponhamos dessa maneira, mas por mim. Por isso rechaçou também agir no programa do Carson o ano passado. Você não quer apresentar-se em televisão porque acredita que esse filho de puta pode ver-me, ele ou minha mãe, e causar problemas. Está rechaçando algo que poderia colocá-lo no topo.

Max se tirou a camisa do smoking e ficou parado em camiseta e cueca. Por puro hábito, pendurou a camisa em um cabide acolchoado e alisou as pranchas com os dedos.

 - Eu tomo minhas próprias decisões, Luke, e por meus próprios motivos.

 - É por mim  - murmurou Luke - . Não está bem.

 - Está bem para mim, Luke.  - Max estendeu a mão para lhe tocar o ombro, mas ele pegou um salto para trás. Era a primeira vez em anos que o moço reagia com esse violento movimento defensivo.  - Não faz falta que tome assim.

 - Como se supõe que devo tomá-lo?  - perguntou Luke. Teve vontades de quebrar algo, algo, mas conseguiu apertar os punhos aos flancos do corpo.  - É minha culpa.

 - A culpa não tem nada que ver com isto. As prioridades, sim. Talvez não tenha idade suficiente para compreendê-lo, mas o tempo passa. dentro de dois anos terá dezoito. Se nesse momento eu dito aceitar uma oferta de fazer televisão, farei-o.

 - Não quero que espere. Não por mim.  - Seus olhos se viam brilhantes e cheios de fúria.  - Se se apresentarem problemas, eu os dirigirei. Já não sou um menino. E, por isso sabemos, ela está morta. Espero Por Deus que o esteja.

 - Não diga isso.  - A voz do Max foi afiada como uma espada.  - Seja o que for que fez ou que não fez, segue sendo seu mãe, e te deu a vida. Não lhe deseje a morte, Luke. Já é algo que vem a todos muito logo.

 - Acaso espera que não a odeie?

Sentindo-se de repente muito cansado, Max se passou as mãos pela face. Sabia que chegaria o momento de falar disso. Sempre chegava o momento do que um mais temia.

 - Não está morta.

 - Como sabe?  - saltou Luke.

 - Acredita que correria riscos contigo?  - Furioso por ter que dar explicações, Max arrancou uma camisa poda de um cabide. -  Segui-lhe a pista e sei onde está, como vai, o que faz. Ao primeiro movimento que fizesse para você, eu te teria levado a algum lugar onde ela não pudesse te encontrar.

Toda a fúria do Luke se desvaneceu, deixando-o vazio e desventurado.

 - Não sei o que se supõe que devo lhe dizer.

 - Não tem que dizer nada. Fiz o que fiz, e seguirei fazendo-o, porque te quero. Se tivesse que te pedir algo em troca, pediria-te que tivesse paciência durante dois curtos anos.

Os ombros encurvados, Luke ficou a toquetear os potes de creme que estavam no penteadeira do Max.

 - Jamais poderei lhe pagar o que faz por mim.

 - Não me insulte ao tentá-lo...

 - Você e Lily...  - Tomou um pote, voltou-o a deixar. Alguns sentimentos eram muito grandes para expressá-los com palavras.  - Eu faria algo por vocês.

 - Então te tire isso da cabeça no momento. vá trocar te. Ainda tenho trabalho que fazer esta noite.

Luke voltou a levantar a vista. Max se perguntou como era possível que esse moço se converteu em um homem no breve momento que estiveram falando nesse quarto matizado. Mas era um homem o que agora o olhou, seus ombros largos e erguidos, seus olhos já não brilhantes a não ser escuros e diretos.

 - Esta noite você pensa fazer o trabalho na mansão Langtree. Quero ir com você.

Max suspirou e se sentou para tirá-los sapatos de cena.

 - Está-me fazendo muito difíceis as coisas esta noite, Luke. Comprouve-te antes, mas há um grande trecho entre obter informação para fazer um trabalho e executá-lo.

 - Irei com você, Max.  - Luke deu um passo adiante de modo que Max se viu obrigado a jogar a cabeça para trás para olhar ao Luke aos olhos.  - Sempre fala de fazer escolhas. Não é hora de que me deixe começar a fazer as minhas?

Houve um longo silencio antes de que Max voltasse a falar.

 - Saímos dentro de uma hora. Necessitará roupa escura.

Max se alegrou muitíssimo de que Elsa Langtree não colecionasse os pequenos cães mulherengos a que eram tão afetas a maioria das atrizes. As excentricidades da Elsa se dirigiam mas bem a colecionar homens... cada vez mais jovens e musculosos à medida que passavam os anos. Na atualidade atravessava o período entre seu marido número sete e número oito. Recentemente se tinha divorciado de um jogador de futebol profissional e estava em plenos preparativos de casamento com seu atual amor: um levantador de pesos de vinte e oito anos.

Elsa tinha, segundo sua própria confissão, quarenta e nove.

Embora seu gosto era bastante mau no relativo aos homens, não o era em outros sentidos. Um fato que Max assinalou ao Luke enquanto subiam o muro de dois metros e meio de altura que rodeava sua propriedade.

 - Os ricos com freqüência perdem toda perspectiva  - disse Max em voz baixa enquanto corriam pelo bem cuidado parque - . Mas, como verá, a casa que Elsa mandou construir faz dez anos é preciosa. Contratou a decoradores, é obvio. Mas ela inspecionou e aprovou cada tecido, cada peça, cada detalhe pessoalmente.

 - Como sabe todo isso?

 - Quando um se prepara para entrar em uma casa, é imperativo sabê-lo todo sobre seus habitantes, tanto como conhecer o plano estrutural do edifício.  - Fez uma pausa ao abrigo de umas árvores.  - A casa, como pode ver, é um excelente exemplo de arquitetura colonial. Linhas muito tradicionais, levemente fluídas e femininas e perfeitamente adequadas para uma pessoa como Elsa.

 - É muito grande  - comentou Luke.

 - Naturalmente, mas não ostentosa. Uma vez que estejamos dentro, falará só quando for absolutamente necessário. Fica todo o tempo a meu lado e segue minhas instruções ao pé da letra e sem vacilar.

Luke assentiu. Em seu sangue bulia a espera.

 - Estou preparado.

Max encontrou o sistema de alarme camuflado entre os trabalhadores de pedreira dos ventanales junto ao pátio posterior. Seguindo as instruções de Mouse, desatornilló a placa de amparo e cortou os cabos apropriados. Lutando contra a impaciência, Luke aguardou a que Max voltasse a colocar os parafusos e se dirigisse à porta da terraço.

 - Cristal esculpido, talhado e desenhado por um artista de Nova Hampshire  - murmurou Max - . Seria um crime machucá-lo.  - Em lugar de usar seu cortavidrios, tirou as gazuas e ficou a trabalhar nas duas fechaduras.

Tomou tempo. Enquanto os minutos passavam, Luke ouvia todos os sons que flutuavam no ar. O frágil zumbido do filtro da pileta de natação, o murmúrio dos pássaros nas árvores, o leve clique de metal sobre metal enquanto Max tentava abrir as fechaduras. Depois, o suspiro de triunfo quando Max abriu a porta.

Agora, pela primeira vez, Luke sentiu o que Max sempre tinha experiente. Essa vibrante excitação de caminhar pelo interior de uma casa fechada com chave, o prazer fantástica de saber que nela havia gente dormindo, o pungente poder de deslocar-se pela escuridão para cobrar o prêmio.

Caminharam em silêncio, em fila a Índia, pela sala espaçosa, um leve aroma a crisântemos, um sussurro de perfume feminino. Com os planos gravados na mente, Max enfiou para a cozinha e a porta que conduzia ao porão.

 - por que...?

Max sacudiu a cabeça para impor silêncio e desceu pela escada. As paredes estavam revestidas com pinheiro escuro. No centro da residência principal se via uma mesa de pool, rodeada por pesados móveis. Um bar de carvalho dominava uma das paredes.

 - Um quarto de jogos  - disse Max em voz baixa - . Para manter contentes a seus homens.

 - Guarda suas jóias?

 - Não. - Max riu entre dentes ante a mera idéia.

 - Mas aqui está a caixa principal de fusíveis. A caixa tem um mecanismo de tempo. Muito sofisticado e difícil de eliminar. Mas se se desconecta a corrente...

 - A caixa forte se abrirá.

 - Exatamente.  - Max entreabriu a porta que dava a outro pequeno quarto.  - Não te parece perfeito?

 - disse ao Luke - . Todo prolixamente rotulado. Biblioteca  - disse e tirou o fusível - . Com isso deve bastar.  - Olhou ao Luke com um sorriso.  - É tão freqüente que a gente esconda a caixa de segurança entre os livros. Interessante, não te parece?

 - Sim.  - dentro das luvas, transpiravam-lhe as mãos.

 - Como se sente?

 - Como a primeira vez que me instalei com o Annabelle no assento traseiro do automóvel  - ouviu-se dizer Luke e ficou avermelhado. Max se levou uma mão ao coração mas não pôde reprimir a risada.

 - Sim, claro - conseguiu dizer um momento depois - . Uma analogia muito apropriada.  - E se deu meia volta e começou a subir pela escada.

Na biblioteca encontraram a caixa forte, detrás de um quadro magnífico. Com o mecanismo de tempo anulado, foi tão singelo como abrir o porquinho de um criança. Max deu um passo atrás e fez gestos ao Luke.

De pai a filho, pensou com orgulho enquanto Luke extraía o alhajero. Iluminou com sua lanterna lapiseira quando Luke o abriu.

As gemas eram uma preciosura. Isso foi tudo o que Luke pôde pensar enquanto contemplava o resplendor das pedras, magnificamente engastadas em dourada e platina. O fato de que nesse primeiro instante não tivesse pensado absolutamente em seu valor monetário lhe teria comprazido muitíssimo ao Max.

 - Ainda não  - disse Max com a boca muito perto da orelha do Luke-. O que resplandece com freqüência é só uma imitação.  - Extraiu sua lupa da bolsa e, depois de entregar a lanterna ao Luke para que iluminasse as gemas, examinou-as.  - Maravilhosas

 - murmurou com um suspiro - . Simplesmente maravilhosas. Como te disse, Elsa tem um gosto delicioso.

 - Fechou a caixa forte e voltou a ocultá-la com o quadro.

Luke ficou um momento com milhares de dólares em esmeraldas nas mãos. E sorriu.

 

Para o Sam, o truque para poder enganar bem às pessoas, consistia em explodir o elo mais fraco da corrente. No curto tempo em que estava com a troupe dos Nouvelle, ofereceu-se a realizar qualquer trabalho, sempre com um sorriso nos lábios e com um cumprimento na ponta da língua. Tinha escutado com ar pormenorizado o relato que lhe fez Lily do passado do Luke, e conseguiu ganhar seu afeto inventando a história de uma mãe morta e um pai brutal, história que teria surpreso a seus pais, que viviam em uma casa modesta no Bloomfield, Nova Pulôver, e que nos dezesseis anos em que ele viveu sob seu teto, nem sequer lhe tinham levantado a mão.

Mas ele sempre detestou os subúrbios e, por razões que tinham desconcertado a seus pais tranqüilos e trabalhadores, desprezou-os, não só a eles mas também a seu estilo de vida e suas ambições modestas.

Durante sua adolescência, tinha-lhes destroçado o coração com seu desafio e rebelião. Roubou pela primeira vez o automóvel da família aos quatorze anos e se dirigiu a Manhattan. Poderia havê-lo obtido se se tivesse incomodado em pagar o pedágio. A polícia o levou de volta ao Bloomfield, arrogante e impenitente.

Começou a roubar nas lojas: relógios, jóias de fantasia, maquiagens. Depois, embalava a mercadoria roubada em algum estojo de couro também roubado e a vendia com desconto a suas companheiras de estúdios.

Em duas oportunidades entrou pela força ao colégio e realizou ali atos de vandalismo, destroçando por puro prazer os vidros das janelas e os canos de água. Teve a inteligência de não alardear de suas atividades, e se mostrou tão sedutor com seus mestres que jamais suspeitaram dele.

Em sua casa era um verdadeiro demônio que permanentemente fazia chorar a sua mãe. Seus pais sabiam p ele lhes roubava: hoje, um bilhete de vinte dólares da carteira; amanhã, alguns objetos de adorno; outro dia, uma jóia. Não podiam entender por que tomava essas coisas quando eles lhe davam tudo o que queria. Não entendiam que, em realidade, o que mais gostava não era roubar a não ser machucar às pessoas.

Recusou assistir a reuniões com conselheiros, ou se conseguiam arrastá-lo ante um terapeuta, não abria a boca.. Aos dezesseis, em uma oportunidade em que sua mãe não quis lhe emprestar o automóvel, ele respondeu atingindo-a, lhe partindo o lábio e lhe colocando um olho em compota. Depois, muito alegre, tomou as chaves, saiu pela porta e se levou o automóvel.

Deixou abandonando o carro perto da fronteira com a Pensilvania e jamais retornou.

Nunca pensava em seus pais. Por sua mente não desfilavam lembranças de Natais, nem de aniversário, nem de viagens à costa. Para o Sam, eles virtualmente não significavam nada, e, por conseguinte, não existiam.

Le-proporcionavam-os-nouvelle dinheiro de bolso, uma fachada excelente, e tempo para planejar seu futuro. Porque lhe era possível usá-los, desprezava-os tanto como à parceira que lhe desse a vida.

Por razões que ele mesmo não compreendia nem tentava entender, ao que mais odiava era ao Luke. E como intuía que Roxanne tinha um amor quase infantil para o Luke, Sam se preparou para se separar a dele.

Além disso, considerava-a o elo mais frágil.

Brindou-lhe tempo e atenção, escutou-a expressar suas idéias, felicitou-a por suas habilidades na magia. Por meio de adulações, convenceu-a de que lhe ensinasse alguns truques e pouco a pouco conseguiu que confiasse nele e lhe tivesse afeto.

Estava seguro da lealdade do Roxanne, e por volta de fins de seu segundo mês em Nova Orleáns, decidiu colocá-la a prova.

Com freqüência ia caminhar e a encontrar-se com o Roxanne quando ela saía do colégio, um hábito que o fez congraçar-se com o Max e com o Lily. Era um inverno muito frio e úmido, e a gente caminhava depressa pelas ruas, apurada por encontrar refúgio em sua casa. Funcionava fácil descobrir ao Roxanne, que caminhava com lentidão pelas veredas, e se protegia da garoa ao avançar debaixo dos balcões enquanto olhava as cristaleiras das lojas.

Estava ainda a duas quadras de distância quando ele a viu: seu chamativo cabelo e sua jaqueta azul profundo se destacavam nessa paisagem sombria.

 - Né, Roxy, como andou o colégio?

 - Muito bem  - respondeu ela e lhe sorriu, com idade suficiente e por certo o bastante feminina para sentir-se adulada pelas cuidados de um moço de dezenove anos.

Uma das lojas da rua Royal estava repleta de mais quinquilharias que de tesouros. Mas se podiam encontrar algumas peças interessantes, a maioria de pouco valor. A mulher que atendia a loja tomava mercadoria em consignação, e completava seus ganhos atirando o Tarot e lendo as mãos. Sam tinha eleito essa loja porque pelo general a proprietária trabalhava só e porque com freqüência Roxanne entrava ali para bisbilhotar sobre seu futuro.

 - Quer te fazer atirar as cartas  - perguntou ele com um sorriso? - . Poderia lhe perguntar se conseguirá namorado.  - Lançou-lhe um olhar que a comoveu e abriu a porta antes de que ela tivesse tempo de seguir de comprimento.  - Possivelmente te diga quando te casará.

Madame D'Amour se encontrava sentada atrás do mostrador. Tinha um rosto angular muito maquiado e dominado por escuros olhos marrons. Esse dia usava um  de seus muitos turbantes, uma de cor púrpura, e aros importantes imitação diamante que quase chegavam aos ombros de sua larga túnica também púrpura. Ao redor do pescoço levava várias correntes de prata e, em ambos os punhos, uma série de braceletes.

Teria algo mais de sessenta anos e alegava descender de ciganos. Talvez fora certo, mas à margem de sua herança, Roxanne sentia fascinação por ela.

Quando soaram as campainhas da porta, levantou a vista e sorriu. Frente a ela, sobre o mostrador, havia cartas do Tarot dispostas formando uma cruz celta.

 - Pensei que minha pequena amiga me visitaria hoje. Roxanne se aproximou para poder estudar as cartas.

 - Deveste comprou  - perguntou-lhe Madame  - , ou a olhar?

 - Tem tempo para me atirar as cartas?

 - Para o Ü, querida, sempre tenho tempo.  - Olhou ao Sam, e seu sorriso se desvaneceu um pouco. Havia algo no moço que não gostava de nada, apesar de seu sorriso aberto e cordial e seus lindos olhos.  - E você? Tem alguma pergunta para as cartas?

 - Em realidade, não  - disse e sorriu com acanhamento - . Mas você, Roxy, tome seu tempo. Eu tenho que ir procurar algumas coisas à farmácia. Verei-te em casa.

 - Está bem.  - Enquanto Madame tomava as cartas e ficava de pé, Roxanne se aproximou da cortina que separava a trastienda.  - lhe diga a Papai que já vou.

Ele abriu com lentidão a porta de rua para que soassem as campainhas. E depois voltou a fechá-la. Movendo-se com rapidez, enfiou para o mostrador, debaixo do qual havia uma caixa de charutos grafite onde Madame guardava o dinheiro e os recibos. Sam tirou todo o efetivo, até o último centavo. Depois, sustentando as campainhas para que não soassem, deslizou-se fora e fechou a porta muito devagar.

Durante a seguinte semana, Sam roubou em outras quatro lojas da zona. Quando lhe convinha, usufruía da colaboração do Roxanne: percorria as lojas com ela, e aguardava até que ela, uma face familiar no bairro, chamava a atenção do empregado.

Ao Sam não importava o valor do bota de cano longo. O que mais desfrutava era que a confiada e ingênua Roxanne fora seu cúmplice sem sabê-lo. A ninguém lhe ocorreria acusar à adorada filha do Maximillian Nouvelle de elevar-se algumas bagatelas. Enquanto estivesse com ela, poderia enchê-los bolsos.

Mas o melhor desse verão em Nova Orleáns foi seduzir ao Annabelle e se separá-la assim do enamoradísimo Luke.

Funcionou-lhe fácil, tão fácil como seus rateios compulsivos nas lojas. Quão único tinha que fazer era observar, escutar e tirar vantagem das oportunidades que lhe ofereciam.

Ao igual à maioria dos jovens apaixonados, Luke e Annabelle tinham sua boa dose de disputas, a maioria das quais giravam ao redor do pouco tempo que Luke lhe dedicava e das crescentes exigências dela de que passassem mais tempo juntos. Tratava de convencer o de que faltasse aos ensaios, de que se retirasse das funções para poder levá-la a uma festa, a um baile, a um passeio.

 - Olhe, não posso  - disse Luke com impaciência e se passou o tubo do telefone à outra orelha - . Annabelle, já lhe expliquei isso mil vezes.

 - O que teimado que é.  - Através do tubo se notou o pranto em sua voz.  - Sabe perfeitamente bem que o senhor Nouvelle o entenderia.

 - Não, não sei  - respondeu Luke... porque não lhe tinha pedido ao Max que entendesse e não pensava fazê-lo - . Não tenho o fim de semana livre, Annabelle. Estou comprometido com a função.

 - Suponho que isso te importa mais que eu. Era certo, mas Luke duvidava muito que fora prudente reconhecê-lo.

 - É nada mais que algo que tenho que fazer.

 - A festa do Lucy será a maior do ano. Todo mundo estará ali. Seu pai contratou a uma banda em vivo. Morrerei se me perco isso.

 - Então vê  - disse Luke a contra gosto - . Disse-te que eu não tinha inconveniente. Não te obrigo a ficar sentada e só em seu casa.

 - Não pode fazer um esforço?

 - Não posso, Annabelle.

 - Não quer  - disse ela com tom gelado.

 - Escuta  - disse ele, mas fez uma careta quando ouviu que ela cortava a comunicação com fúria - . Meu deus  - murmurou e deixou cair o tubo.

 - Problema com as mulheres?  - Parecia que Sam passava por ali em forma casual ao sair da cozinha, com uma maçã na mão. Em realidade, tinha escutado toda a conversação, e já lhe estava dando forma a seus planos.

Enquanto Luke se preparava para sua atuação em La Porta Mágica, Sam batia na porta da casa do Annabelle. Ela mesma foi abrir, com os olhos inchados pelo pranto, e de muito mau humor.

 - Olá, Sam  - disse e se alisou o cabelo - . O que faz por aqui?

 - Luke me mandou.  - E com um sorriso de desculpa, tirou o braço que tinha detrás das costas e lhe ofereceu um ramo de pensamentos.

 - OH  - disse ela, e tomou as flores. Estava adulada. Com uma noite aborrecida e larga por diante, pareceu-lhe tolo lhe fechar a porta a este moço atraente.

      - Quer entrar em tomar uma Coca ou algo? A menos que tenha outros planos.

 - eu adoraria, se a seus pais não parece mau.

 - saíram, e não voltarão até dentro de várias horas.  - Piscou.  - Eu gostaria de estar acompanhada.

 - A mim também  - disse Sam e fechou a porta a suas costas.

Primeiro se fez um pouco o tímido e manteve bastante distancia enquanto tomavam Coca e ouviam música. Pouco a pouco, foi transformando em um pormenorizado confidente. Procurou não criticar ao Luke por temor a que ela levasse a mal e o defendesse. Com a desculpa de compensá-la por ter perdido a festa, convidou-a a dançar, embora com certo acanhamento.

Essa diminuída admiração pareceu muito doce ao Annabelle, e a fez apoiar a cabeça sobre seu ombro enquanto se balançavam sobre o tapete. Quando a mão dele começou a ascender e descender ritmicamente por sua coluna vertebral, Annabelle se limitou a suspirar.

 - Me alegro tanto de que viesse  - murmurou - . Sinto-me muitíssimo melhor.

 - Colocava-me mal pensar que estava só e zangada. Luke tem sorte de ter uma garota como você  - disse e tragou forte, assegurando-se de que ela o ouvisse. Quando voltou a falar, sua voz era vacilante.  - Eu, bom, penso em você todo o tempo, Annabelle. Sei que não deveria, mas não posso evitá-lo.

 - Sério?  - Seus olhos brilhavam quando jogou a cabeça para trás para olhá-lo à face.  - O que é o que pensa de mim?

 - No formosa que é.  - Aproximou sua boca a dela e a sentiu estremecer-se.  - Quando vem a casa ou ao clube, não posso te tirar os olhos de cima.  - Roçou-lhe os lábios com os seus, apenas, e depois, como recuperando-a sensatez, deu uma sacudida para trás.

 - Lamento-o  - disse e se passou uma mão tremente pelo cabelo - . Deveria ir.

Mas não se moveu mas sim ficou ali de pé, olhando-a. Um momento depois foi ela, tal como ele tinha suposto, como o tinha planejado, a que lhe aproximou e jogou os braços ao pescoço.

 - Não vá, Sam.

Era atraente, era agradável com ela e sabia beijar. Os requerimentos do Annabelle acabavam de ver-se satisfeitos.

Quando ele a recostou no divã e a possuiu, seu corpo se estremeceu no momento do clímax. Mas se estremeceu mais ainda pelo prazer de saber que acabava de tomar algo que tinha sido do Luke.

Enquanto Sam fazia gemer ao Annabelle sobre as imprecisas flores do estofo do divã de sua mãe, Madame se aproximava por detrás do cenário de La Porta Mágica. Incomodava-lhe ser portadora de más notícias. Mas era algo que devia fazer, nem tanto por outros comerciantes do bairro, nem sequer por ela mesma, mas sim pelo Roxanne.

 - Monsieur Nouvelle.

 - Max levantou a vista dos bosquejos que estava fazendo e viu o Madame na porta de seu camarim. Seus olhos se iluminaram com autêntico prazer, ficou de pé e tomou a mão para beijar-lhe

 - Ah, Madame, bonsoir, bienvenue. É um verdadeiro prazer voltar a vê-la.

 - Oxalá pudesse dizer que vim a ver a função, mon ami, mas não é assim.  - Viu que o sorriso dos olhos do Max se permutava em preocupação.

 - Ocorre algo.

 - Oui, algo que infelizmente tenho que lhe dizer. Podemos falar?.

 -Certamente, colina a porta e a conduziu a uma cadeira.

 - Ao princípio desta semana, minha loja foi roubada.

 - O que se levaram?

 - ao redor de cem dólares, e várias bagatelas. Não será uma tragédia, mas é bastante desagradável. Fiz a denúncia, é obvio, e, como é natural, não se pôde fazer muito. Quando a gente está no comércio, aceita as perdas. Não teria tornado a pensar no assunto se um ou dois dias depois não me tivesse informado de que outros dois negócios  - a boutique Nova Orleáns, da rua Bourbon, e Rendezvous, na rua Conti - , também tinham sido roubados, sempre por totais não muito grandes. Um dia depois, ocorreu-lhe o mesmo à loja contigüa à minha, embora nesse caso as perdas não foram tão pequenas: levaram-se várias peças valiosas de porcelana e também várias centenas de dólares em efetivo.

Max se passou um dedo pelo bigode.

 - Alguém alcançou a ver o ladrão?

 - Talvez sim  - disse Madame e ficou a jogar com o amuleto que descansava sobre a seda vermelha de sua túnica - . Talvez não. Enquanto os comerciantes trocavam idéias sobre o ocorrido, descobrimos que alguém conhecido tinha estado na loja em cada oportunidade em que se produziu o roubo. É possível que tenha sido uma coincidência.

 - Uma coincidência?  - Max arqueou uma sobrancelha.  - Parece-me muito pouco provável. por que deveu ver-me por este tema, Madame?

 - Porque a pessoa que esteve em todas as lojas foi Roxanne.

Madame apertou os lábios bem forte quando viu a mudança na expressão do rosto do Max. Nada ficava nele da preocupação, o interesse, o evidente desejo de ajudar. Em seu lugar aparecia uma fúria perigosa.

 - Madame  - disse em um murmúrio - . Atreve-se você...?

 - Atrevo-me, Monsieur, porque quero muito à pequena.

 - E, entretanto, acusa-a.

 - Não. Não a acuso a ela. Roxanne não estava só recuando visitou esses lugares.

 - Quem a acompanhava?

 - Samuel Wyatt.

Max teria querido dizer que a notícia o surpreendia.

 - Aguarda-me você um momento?  - disse, aproximou-se da porta e chamou o Roxanne. Quando ela entrou em camarim, em seu rosto apareceu um enorme sorriso ao ver o Madame.

 - Veio!  - exclamou e correu a beijar à mulher - . Não sabe quanto me alegro. Poderá ver o novo número. Luke e eu o fizemos pela primeira vez frente ao público; n a função anterior. E o fizemos bem, verdade, Papai?

 - Sim.  - Fechou a porta e depois se inclinou e lhe colocou as mãos nos ombros.  - Tenho que te perguntar algo, Roxanne. Algo importante. E deve me dizer a verdade, não importa o que seja.

O sorriso desapareceu dos olhos do Roxanne, e neles apareceu uma expressão solene e um pouco assustada.

 - Eu não te mentiria, Papai. Nunca.

 - Esteve na loja do Madame a princípios desta semana?

 - na segunda-feira, depois do colégio. Madame me atirou as cartas.

 - Esteve só?

 - Sim... quero dizer, quando me atirou as cartas. Sam foi comigo, mas partiu.

 - Levou-te algo da loja do Madame?

 - Não. Tivesse-me gostado de comprar o pequeno arranho azul, para o aniversário do Lily, mas não levava dinheiro em cima.

 - Não falo de comprar, Roxanne, mas sim de te levar, de tomar.

 - Eu...  - Sua boca tremeu ao entender.  - Jamais roubaria nada ao Madame, Papai. Como poderia fazê-lo? É meu amiga.

 - Viu se Sam se levava algo, do do Madame ou de qualquer das outras lojas que visitou contigo esta semana?

 - OH, Papai, não.  - A sozinha ideia fez que em seus olhos aparecessem lágrimas.  - O não poderia havê-lo feito.

 - Já o veremos  - disse Max e a beijou na bochecha - . Sinto muito, Roxanne. Peço-te que não pense mais nisto até depois da função, e que esteja preparada para aceitar a verdade, qualquer que seja.

 - É meu amigo.

 - Isso espero.

Já tinha passado a uma da madrugada quando Max abriu a porta do dormitório do Sam. Viu a figura debaixo do cobertor e avançou sigilosamente para um flanco da cama. Totalmente acordado, Sam se moveu, piscou e abriu os olhos como se acabasse de despertar. A luz da lua iluminou sua face.

 - Sente-se melhor?  - perguntou Max.

 - Isso acredito  - disse Sam e esboçou um frágil sorriso - . Lamento havê-los decepcionado esta noite.

 - Não tem importância  - disse Max e acendeu a luz, sem emprestar atenção ao grunhido de surpresa do Sam - . Desde já te peço desculpas por esta intromissão. Mas é necessária.  - Disse e se aproximou do placard.

 - O que ocorre?

 - Há duas maneiras de olhá-lo  - disse Max e se separou a roupa pendurada - . Ou estou defendendo meu lar, ou do contrário te estou causando um grave mal. Sinceramente, espero que seja o segundo.

 - Você não tem direito de revisar meus pertences.  - Sam saltou da cama em roupa interior e tiro do braço do Max.

 - Ao fazê-lo, é possível que esteja salvando seu reputação.

 - Vamos, Sam.  - Muito incômodo a julgar pelo rubor de suas bochechas, Mouse entrou na residência ia separar ao Sam.

 - Pedaço de imbecil, me tire as mãos de cima.

   -Sam saltou e tocou, mas Mouse o sustentou com firmeza. A fúria que sempre bulia debaixo da superfície estalou no Sam quando viu que Max tirava uma caixa de uma prateleira.  - Maldito filho de puta, matarei-te por isso.

Com grande calma, Max lhe tirou a tampa à caixa e observou o que continha. O dinheiro em efetivo estava prolixamente disposto em um maço sujeito com uma banda elástica. Algumas das bagatelas da preparada proporcionada pelo Madame se encontravam também ali.

 - Aceitei-te em meu lar  - disse Max com lentidão olhando ao Sam - . Não espero gratidão por isso, posto que trabalhou para pagar seu alojamento e comida, mas confiei a minha filha e ela te acreditou seu amigo. Usou-a, e de tal maneira que, junto com todo isto, roubou-lhe parte de sua infância. Se eu fosse Um homem violento, mataria-te somente por isso.

 - Ela sabia o que eu estava fazendo  - disse Sam - . Foi parte do plano. Ela...

Calou quando Max lhe pegou uma bofetada com o dorso o a mão.

 - Possivelmente, depois de todo, seja um homem violento.  - Deu um passo adiante para que seus olhos estivessem perto dos do Sam.  - Tomará seu roupa r irá esta mesma noite. Pagarei-te o que te deva,   irá, não só desta casa, mas também também deste bairro. me acredite, conheço cada centímetro desta vizinhança. Se ao amanhecer segue nele, eu saberei. E te encontrarei.

deu-se meia volta e, levando-a caixa, encaminhou-se à porta.

 - Deixa-o ir, Mouse. Mas vigia que empacotamento suas coisas e somente suas coisas.

 - Pagará-me isso, filho de puta  - disse Sam enquanto se limpava o sangue do lábio - . Juro Por Deus que me pagará isso.

Sam tomou um par de jeans do respaldo de uma cadeira e se mofou de Mouse enquanto os colocava.

 - Esquenta-te ver como me visto, maricas de porcaria?

Mouse se ruborizou um pouco, mas não disse nada.

 - De todos os modos, eu adorarei picar-me as daqui.  - ficou uma camisa.  - Os últimos meses me aborreci como louco.

 - Então te largue de uma vez.  - Luke estava de pé no vão da porta. Seus olhos refulgiam.  - Isso nos dará tempo para fumigar este quarto usado pela animália que usa a uma criatura para salvar seu traseiro.

 - Não acredita que lhe gosta de ser usada?  - Sorrindo pelo desafio, Sam colocou o resto de sua roupa em uma bolsa de lona.  - Isso é o que mais gosta às mulheres, tarado. Pregúntaselo ao Annabelle.

 - Que merda quer dizer isso?

 - Bom, bom.  - Sam se encolheu de ombros.  - Posto que o pergunta, tal vê te interesse saber que enquanto esta noite jogava bom moço com o resto da troupe, eu estava muito ocupado me agarrando a seu garota.  - Viu a fúria na face do Luke e também sua incredulidade.  - Justo nesse horrível divã floreado do living.  - O sorriso do Sam foi gelada.  - Em cinco minutos a tive para fora dessa preciosa bombachita vermelha de renda. lhe gosta mais estar acima, não? Para poder dar-lhe bem a fundo. E esse lunar que tem debaixo da teta esquerda que é sexy, verdade?

preparou-se, desejando a briga enquanto Luke saltava para ele. Mas Mouse foi mais veloz: agarrou ao Luke e arrastou para a porta.

 - Não vale a pena  - dizia sem cessar Mouse - . Vamos Luke, solta-o. Não vale a pena. Sal e te tranqüilize.

Fantástico, pensou Luke. Sairia e esperaria ao Sam. Baixou correndo os degraus e saiu ao jardim. O sangue bulia nas veias. Já tinha os punhos apertados e inteligentes. Planejava esperar ao Sam na rua, segui-lo  durante uma ou duas quadras, e depois lhe dar uma surra inesquecível.

Então ouviu chorar ao Roxanne. O já estava virtualmente na rua, inteligente para lutar, sua mente cheia de violência. Mas ela chorava como se tivesse o coração destroçado, aconchegada sobre um banco de pedra junto as azaleas.

Talvez se Roxanne tivesse tido o hábito de chorar, Luke poderia não lhe haver emprestado atenção e  seguir com o seu. Mas em todos os anos passados junto os Nouvelle, jamais a tinha ouvido chorar desde que tutor doente com varicela. E esse som lhe chegou fundo, tocou-lhe o coração.

 - Vamos, Roxy.  - Com estupidez, Luke se aproximou do banco e a aplaudiu na cabeça.  - Não chore. Ela seguiu com a face apertada contra os joelhos e soluçou.

 - meu deus.  - E, de repente, Luke se encontrou sentado junto a ela, abraçando-a.  - Vamos pequena, não deixe que ele te faça chorar desta maneira. É um filho o puta, um desgraçado.  - Suspirou e se balançou e descobriu que pouco a pouco se ia acalmando.  - O não o vale  - disse, metade para si, e nesse momento compreendeu a verdade nas palavras de Mouse.

 - Usou-me  - murmurou Roxanne contra o peito do Luke. Agora já tinha controle sobre os soluços, e quase

sentiu-se suficientemente forte para deixar de chorar.  - Fingiu ser meu amigo, mas jamais foi. Usou-me para lhe roubar coisas às pessoas que me importava. Ouvi o que disse a Papai. Foi como se nos odiasse, como se nos tivesse odiado sempre.

 - Talvez fora assim. O que nos importa?

 - Eu o traga para casa.  - Não estava segura de poder perdoar-lhe Ele... realmente fez isso com o Annabelle?

Luke soltou o ar de seus pulmões e apoiou a bochecha contra o cabelo do Roxanne.

 - Suponho que sim.

 - Sinto muito.

 - Se ela o permitiu, de qualquer jeito, não acredito que tenha sido realmente minha.

 - Ele queria te machucar  - disse Roxanne - . Acredito que queria ferir todo mundo. Por isso roubou essas coisas. Não é como o que faz Papai.

 - Mmmm  - disse Luke com ar ausente - . O que?

 - Já sabe, isso de roubar. Papai não roubaria a um amigo, nem a uma pessoa que se prejudicasse por esse roubo.  - Roxanne bocejou.  - Sempre se leva jóias e coisas que estão asseguradas.

 - Deus santo.  - Empurrou-a de seus joelhos e a pobre Roxanne caiu de traste sobre o banco.  - Quanto faz que sabe? Quanto faz que sabe o que fazemos?

Ela sorriu com ar condescendente, e seus olhos inchados refletiram o claro de lua.

 - sempre  - disse, simplesmente - . Sempre soube.

Sam partiu da casa, mas não do bairro. Porque ainda tinha que ajustar contas com alguém. A mexeriqueira tinha que ter sido Roxanne.

Esperou-a. Sabia o caminho que tomava para ir ao colégio. Algumas vezes inclusive a tinha acompanhado, tratando de mostrar-se atento com ela. E lhe tinha pago dessa maneira.

Passou várias horas aconchegado em um beco, tratando de proteger-se de uma garoa gelada. Detestava  ter frio.

Era outra coisa pela que a faria pagar.

Viu-a e se ocultou mais. Mas comprovou que não fazia falta tomar precauções. Ela caminhava com despreocupação, levando a mochila nas costas, os olhos alhos. Ele esperou e, quando Roxanne esteve suficientemente perto, saltou sobre ela.

A menina não teve sequer tempo de gritar quando foi tomada desde atrás e jogada no beco. Levantou os punhos, mas os baixou ao ver que se tratava do Sam.

Ainda tinha os olhos inchados. Isso lhe deu raiva. Deu-lhe raiva que ele a tivesse feito chorar. Com o  queixo bem alta, e seus olhos perfeitamente secos, olho-o.

 - O que quer?

 - Conversar um momento. Só você e eu. Algo na face do Sam a fez ter vontades de fugir, Viu algo que jamais lhe tinha visto antes. Ódio.

 - Papai te disse que te partisse daqui.

 - Acredita que esse velho me assusta?  - disse e a atirou contra a parede - . Faço o que quero, e o que quero  neste momento é ajustar contas contigo. Deve-me isso, Rox.

 - Eu te devo?  - Esquecendo a surpresa, esquecendo a dor do ombro onde tinha golpeado contra a pedra, separou-se da parede.  - Eu te levei a casa. Pedi a Papai que te desse trabalho. Ajudei-te, e depois roubou a meus amigos. Eu não te devo nada.

 - Aonde vai?  - Voltou-a a atirar contra a parede atando ela tratou de escapar.  - Ao colégio? Não acredito. Acredito que deveria acontecer um bom momento comigo  - disse lhe rodeou a garganta com a mão. Roxanne teria querido gritar nesse momento, muito forte e por muito tempo, mas não tinha suficiente ar.

O medo a fez levantar os braços e, sem pensá-lo sequer, e sem prévio aviso, lhe cravar as unhas na face. Ele chiou e afrouxou as mãos. Roxanne quase tinha conseguido chegar à boca do beco quando ele a capturou.

 - Putita de porcaria.  - Respirava forte quando a estendeu no chão. Sentia raiva e dor, mas também excitação. Faria o que lhe desejasse muito com ela: algo, todo, e ninguém poderia impedir-lhe

Ela o viu aproximar-se e se incorporou apoiando-se nas mãos e os joelhos. Sabia que ele a machucaria, e que as coisas ficariam realmente feias. Aponta baixo, disse-se e atinge forte.

Não fez falta. Quando ela se preparava para o ataque, Luke apareceu correndo pelo beco. Ao saltar sobre o Sam um rugido brotou de sua garganta. Um rugido que Roxanne só poderia descrever como o de um lobo.

E, depois, ouviram-se golpes surdos de punhos contra o corpo. Roxanne conseguiu ficar de pé, embora lhe tremiam as pernas. O primeiro que fez foi procurar uma arma: uma prancha de madeira, uma pedra, uma parte de metal, o que fora. Ao final se resignou a utilizar a tampa de um tacho de lixo e se aproximou do lugar da briga.

Só demorou um momento em comprovar que Luke não necessitava sua ajuda. Agora estava montado escarranchado sobre o Sam e lançava murros, metódica e implacavelmente, sobre sua face.

 - Já basta  - disse ela, e arrojou a tampa para poder frear ao Luke com as duas mãos - . Tem que parar. Meteremo-nos em uma confusão se o matas.  - Teve que inclinar-se para que os olhos cheios de fúria do Luke se encontrassem com os seus.  - Luke, Papai não quereria que te machucasse as mãos.

Algo no tom frio e lógico dessas palavras o fez olhar-lhe Seus nódulos estavam machucados, em carne viva e ensangüentados. pôs-se a rir.

 - De acordo.  - Mas tocou com uma dessas mãos sangrentas a face do Roxanne. Tinha estado furioso pelo do Annabelle, mas isso não era nada, nada absolutamente, comparado com o que sentiu quando viu o Roxanne no chão e Sam erguido sobre ela.  - Está bem?

 - Sim. Estava por atingi-lo nas bolas, mas te agradeço que o tenha surrado por mim.

Luke moveu a cabeça em direção à boca do beco.

 - Vai-te, Rox. me espere.

depois de olhar por última vez ao Sam, ela se deu meia volta e se afastou.

 - Poderia te matar por havê-la tocado  - disse Luke e e inclinou para o Sam - . Se chegar a te aproximar de novo a ela ou a qualquer de minha família, juro que te matarei.

Sam conseguiu apoiar-se nos cotovelos quando Luke ficou de pé. Tinha um fogo na face e sentia o corpo como se o tivesse atropelado um caminhão, Ninguém o lábia machucado assim antes.

 - Pagará-me isso  - disse, com um grasnido. O prometeu quando se esforçava por ficar de pé. Algum dia. Algum dia me pagarão isso.

 

Paris, 1982

-Já não sou uma criatura  - disse Roxanne com raiva.

-Tenho plena consciência disso  - disse Max. Em franco contraste, seu tom era calmo. A fúria de sua filha parecia não afetá-lo absolutamente quando lhe adicionou um pouco de creme a seu café francês bem carregado. Os anos haviam acinzentado sua cabeleira.

 

 - Tenho direito de ir contigo, tenho direito de participar disso.

Max enmantecó generosamente seu croissant, provou uma parte e se secou os lábios com um guardanapo de linho.

 - Não - disse, sorriu com doçura e seguiu comendo.

 - Papai...  - Roxanne terminou de beber seu café e conseguiu lhe sorrir.  - Dou-me conta de que só quer me proteger.

 - A tarefa mais importante de um pai.

 - E te quero muitíssimo por isso. Mas tem que me deixar crescer.

Ele a olhou. Embora em seus lábios permanecia o sorriso, em seus olhos havia uma tristeza inenarrável.

 - Nem sequer toda a magia de que disponho poderia ter impedido isso.

 - Estou preparada.  - Tirou vantagem do longo suspiro do Max, tomou as mãos e se inclinou para diante. Seu olhar era de novo terna; seu sorriso, persuasiva.  - Faz tempo que estou preparada. E sou tão boa como Luke...

 - Não tem idéia de quão bom é Luke  - disse Max e lhe acariciou a cabeça.

O olhar do Roxanne se endureceu.

 - Por bom que seja  - disse - , eu posso ser melhor.

 - Não se trata de um concurso, meu amor. Nisto se equivoca, pensou Roxanne ficando de pé e começando a passear-se pela residência. Era uma competência entre ambos, e muito feroz, desde fazia anos.

 - É porque eu não sou varão  - disse, e houve amargura em cada sílaba.

 - Isso não tem nada que ver  - disse Max - . É muito jovem, Roxy. Max acabava de empregar o pior argumento. Indignada, ela se deu meia volta.

 - Já quase tenho dezoito anos. Que idade tinha Luke a primeira vez que o levou contigo?

 - Vários anos mais  - murmurou Max - . Além disso, Roxanne, quero que tenha estúdios universitários, que aprenda coisas que eu não posso te ensinar. Que te descubra.

 - Sei perfeitamente quem sou  - saltou ela, levantou cabeça e endireitou os ombros. E Max vislumbrou em que classe de mulher se converteria. E se sentiu tão orgulhoso que quase lhe encheram os olhos de lágrimas.  - Ensinou-me tudo o que necessito saber.

 - Já te chegará o dia, se for isso o que o destino te tem preparado. Mas não agora  - disse Max.

 - Maldição. Eu quero...

 - Seus desejos terão que esperar.  - Seu tom foi categórico e cortante. E só ele soube o alívio que sentiu ao ser interrompidos por um golpe na porta. Fez- gestos ao Roxanne de que abrisse.

Ela conseguiu dissimular sua fúria e abrir a porta com um sorriso agradável no rosto, que se apagou ao ver o Luke, a quem fulminou com o olhar.

 - Max  - disse Luke - . Pensei que quereria saber que finalmente chegou o resto da equipe.

 - Por fim - disse Max e indicou ao Luke que se sentasse - . Toma uma taça de café. Eu mesmo irei verificar todo. Você poderia ficar com o Roxanne.

 - Irei com você  - disse, e já se estava colocando de pé quando Max o obrigou a sentar-se de novo.

 - Não é necessário. Mouse e eu podemos ver se toda está em ordem. Calculo que poderemos ensaiar esta mesma tarde.

Nenhum dos dois se dá conta das faíscas que produzem no outro?, perguntou-se Max. Qualquer que estivesse perto se incendiaria. Ah, a juventude, pensou com  um suspiro e um sorriso. Viu-os refletidos no espelho: estavam tão tenso como gatos de rede de esgoto, embora se encontrassem cada um em um extremo da residência.

Assim que a porta se fechou detrás de seu pai, Roxanne disse ao Luke:

 - Esta vez não penso permitir que me deixem fora.

 - Não depende de mim.

aproximou-se da mesa frente à que ele se encontrava sentado, e atingiu com as Palmas das mãos a toalha de linho com tal força, que o serviço de porcelana se sacudiu estrepitosamente.

 - E se dependesse de você?

Ele a olhou aos olhos. Teve vontades de estrangulá-la por haver-se convertido em uma moça tão formosa. E o tinha feito lenta e insidiosamente ao longo dos últimos anos.

 - Faria exatamente o que faz Max.

Isso doeu ao Roxanne. Pareceu-lhe uma traição.

 - por que?

 - Porque ainda não está preparada.

 - Como sabe?  - perguntou e jogou a cabeça para detrás. A luz que penetrava pela janela iluminou seu cabelo e pareceu acender fogo nele. Luke teve medo de que tivesse notado a paixão que palpitava em seus próprios olhos.  - Como sabe para que estou preparada?

Era um desafio direto. Muito direto. Lhe umedeceram as mãos. Faria-a zangar. Era o melhor. Enquanto estivesse furiosa esperava poder manter suas mãos longe dela.

 - Sou tão boa como você, Calavam. Nem sequer sabia mesclar um maço de cartas até que eu te ensinei como fazê-lo.

 - Deve ser duro saber-se superada.

Ela ficou branca e depois avermelhou com violência. endireitou-se e, para desdita do Luke, ele pôde notar cada uma das curvas de seu corpo debaixo da bata que levava posta.

 - Filho de puta. Não poderia me superar embora estivesse parado sobre pernas de pau. O se limitou a sorrir.

 - A. quem lhe dedicaram mais espaço nos meios de  imprensa na última excursão em Nova Iorque?

 - Um idiota que se faz encadear a um baú e jogar no East River forzosamente consegue mais; de uma metragem na imprensa.

 - Se falaram de mim foi porque consegui me liberar -recordou-lhe - . Por ser o melhor. Deveria te contentar  com seus bonitos truques de magia, Rox, e com seus arrumados festejantes...  - A todos os quais teria querido assassinar.  - Deixa os trabalhos perigosos aos que podemos dirigi-los.

Ela era rápida. Luke sempre a admirou por isso. Quase não teve tempo de levantar uma mão e lhe aterrar punho antes de que lhe estrelasse um murro em nariz. Sem lhe soltar a mão, ele ficou de pé. Agora estavam cara a cara, e os corpos de ambos quase se içavam.

Roxanne sentiu um calafrio que lhe percorreu a coluna. E em seu interior floresceu um desejo, como uma  chama que jamais pôde apagar. Teve vontades de odiá-lo por isso.

 - Muito cuidado com o que faz  - disse ele. A advertência foi serena, mas lhe fez sentir que não tinha conseguido avivar o fogo de sua irritação, a não ser outra coisa.

 - Se acredita que tenho medo de que me pegue... Sorpresivamente, tomou o queixo com seus vades tensos e manteve sua face bem perto. Os lábios; ela se entreabriram, tanto pela surpresa quanto pela ansiedade. Por sorte, tinha a mente em branco.

 - Poderia fazer algo pior  - disse ele com lentidão - . E os dois pagaríamos as conseqüências.

Separou-a antes de ver-se arrastado a algo que não se perdoaria jamais. E, enquanto se encaminhava à porta  disse:

 - Às duas da tarde no Palace.  - E se foi dando uma portada.

Quando ela se deu conta de que lhe tremiam os joelhos, sentou-se. Por um instante, um instante fugaz, ele a tinha cuidadoso como se compreendesse que era uma mulher. Uma mulher que ele podia desejar. Uma mulher a que desejava.

Que ridículo. De todas formas, não lhe interessavam os homens. Tinha planos mais importantes.

Sorrindo, cruzou as pernas, tornou-se para trás na cadeira e começou a traçá-los.

Luke estava agradecido por ter tantas coisas no que ocupar-se. Entre preparar a função no Palace e o trabalho no Chaumet, não ficava tempo para pensar no Roxanne.

pôs-se a dormir um momento essa tarde. Ao pouco tempo despertou empapado de suor frio, depois de sonhar com ela. Um sonho incrivelmente real, no que esse corpo branco estava fundido com o seu; sua gloriosa cabeleira vermelha esparramada sobre uma parte de grama verde coberta de orvalho no claro de um bosque; seus olhos feiticeiros, nublados pela paixão.

Se existia um inferno, Luke sem dúvida arderia nele nada mais que por esses sonhos. Pelo amor de Deus, tinha crescido junto a ela, e era o mais parecido a uma irmã. O único que impedia ao Luke concretizar o que desejava era a idéia de que cometeria algo assim como um incesto espiritual.

E a certeza de que, se chegava a lhe demonstrar seus sentimentos, ela riria dele, e essa risada gelada lhe penetraria até os ossos.

depois de passear um bom momento pela residência, compreendeu que tinha que sair. Uma boa caminhada antes do jantar, um passeio pelo entardecer parisino.

Tomou sua jaqueta de couro e se deteve um instante ante o espelho, só o tempo suficiente para passá-la mão pelo cabelo.

Não tinha notado as mudanças em si mesmo ao longo o os anos. Tantas coisas permaneciam igual. Seu cabelo seguia sendo escuro e grosso, e o levava o bastante largo como para que lhe curvasse sobre o pescoço ou pudesse pentear-lhe com um acréscimo. Seus olhos seguiam sendo azuis, e o longo de suas pestanas renegridas já não o incomodava. Tinha aprendido que sua atitude podia fascinar às mulheres às que o que mais lhes importava era a beleza física. Sua pele seguia sendo suave, e tensa sobre seus ossos largos. Durante sua adolescência se deixou crescer o bigode, mas descobriu que não ficava bem e o barbeou.

Em um de seus escapamentos se quebrado o nariz, mas lhe tinha cicatrizado bem, o qual lhe produziu uma leve decepção.

Aos vinte e um tinha alcançado sua estatura definitiva: quase dois metros, e seu corpo era magro. A expressão perturbada de seus olhos que aparecia com tanta freqüência durante sua infância, agora só lhe via muito rara vez. Os anos transcorridos junto ao Max lhe tinham ensinado a controlar-se, tanto física, como mental e emocionalmente. E sempre lhe estaria agradecido por isso.

Luke se separou do espelho, saiu e pôs-se a andar pelo longo corredor atapetado para os elevadores. Olhou de esguelha à bonita garçonete loira que empurrava seu carrinho.

Tinha chegado a hora de trocar as toalhas e a roupa de cama. O menino que alguma vez dormisse em sarjetas, acostumou-se tanto a esses luxos que quase não os notava.

 - Bon soir  - murmurou ele com um sorriso casual quando passou junto a ela.

 - Bon soir, monsieur.  - Seu sorriso foi tímida e breve antes de chamar uma porta do outro lado do corredor.

Luke já estava quase junto aos elevadores quando se freou em seco. Essa fragrância. O perfume do Roxanne. Maldita seja, estaria ele tão assanhado que lhe parecia cheirar seu perfume em todas partes? Deu outro passo e voltou a deter-se. Entrecerrou os olhos enquanto girava e observava bem à empregada que nesse momento introduzia sua chave mestra na fechadura.

Essas pernas. Apertou os dentes enquanto estudava essas pernas largas e esbeltas debaixo da saia negra e discreta do uniforme.

As pernas do Roxanne.

Ela já fechava a porta detrás de si quando ele atingiu.

 - Que demônios acredita que está fazendo? Ela piscou.

 - Pardon?

 - Basta de tolices, Roxanne. O que te propõe?

 - te cale  - disse, tirou-o do braço e o arrastou para dentro. Estava furiosa, mas isso podia esperar. Primeiro queria algumas respostas.  - Como soube que era eu?

O não podia lhe dizer que a tinha reconhecido pelas pernas, assim mentiu.

 - Por favor. A quem quer enganar com esse disfarce?

Em realidade era perfeito. Essa peruca loira e curta trocava muitíssimo seu aspecto. Até a cor de seus olhos era diferente. Lentes de contato coloridos, supôs, que convertiam o tom esmeralda em um marrom defumado. Tinha suficiente habilidade com a maquiagem para modificar sutilmente o tom de sua cútis e a forma de seu rosto. Tinha almofadado um pouco seus quadris e  - disso Luke estava seguro - , usava um corpete com cheio que deveria ser declarado ilegal pelo efeito que produzia nos homens.

 - Isso não é certo  - disse ela, zangada, mas em voz muito baixa - . Estive dez minutos na residência do Lily e ela não me reconheceu.

 - Pois eu sim  - disse ele - . E agora me diga que demônios faz aqui.

 - Devi roubar as jóias da senhora Melville.

 - Um corno se o fará.

Os olhos dela despediram chamas. Talvez fossem ladrões, mas eram os do Roxanne.

 - me deixe em paz. Entrei aqui e não penso ir com as mãos vazias. Planejei-o até em seus menores detalhes, e não penso deixar que o arruíne.

 - E o que fará quando a senhora Melville chame gritos à polícia?

 - Parecer surpreendida, consternada e furiosa, é obvio. Como todos outros hóspedes do hotel. -deu-se meia volta e se dirigiu diretamente ao penteadeira. Tirou um lenço do bolso e o utilizou ao abrir as gavetas para não deixar impressões digitais.

 - Acredita que encontrará suas jóias dispersadas n uma gaveta? O Ritz tem na planta baixa uma caixa de segurança para seus clientes.

Roxanne lhe dedicou um olhar lânguido.

 - Ela não as guarda abaixo. A outra noite a ouvi discutir por isso com seu marido. Gosta das ter perto  para poder escolher todas as noites ao vestir-se.

Bem, muito bem, pensou Luke. Tratou de encontrar outro enguiço no plano.

 - O que fará se alguém chega a entrar no quarto enquanto está revisando todo?

 - Não estarei revisando todo  - disse ela, e com rapidez e habilidade fechou uma gaveta - . Estou aqui para abrir as camas. Que desculpa tem você?

 - Está bem, Rox, é suficiente  - disse ele e tomou li braço - . Faz meses que planejamos o do Chaumet. E  não penso permitir que algo de pouca subida arruíne o trabalho.

 - Uma coisa não tem nada que ver com a outra  - disse ela e se separou dele - . E não é de pouca subida. Viu o tamanho das pedras que usa?

 - Poderiam ser falsas.

 - Isso me toca averiguá-lo Á mim.  - E arqueando uma sobrancelha, tirou do bolso uma lupa de joalheiro.  - Faz quase dezoito anos que estou ao lado do Max - disse enquanto voltava a guardá-la - . E sei o que faço.

 - O que fará será sair em seguida daqui...  - Mas calou quando ouviu o ruído de uma chave na fechadura.  - Merda.

 - Poderia gritar  - disse ela - . Dizer que entrou aqui pela força e me atacou.

Não havia tempo para contradizê-la. Lançou-lhe um olhar fulminante e tomou a única opção que lhe apresentava. mergulhou-se debaixo da cama.

Tentada de risada, Roxanne começou abrir a cama. endireitou-se quando a porta se abriu e seu rosto se encheu de rubor.

 - OH, Monsieur Melville  - falou em inglês, com forte acento francês - . Se quiser, volto em outro momento.

 - Não faz falta, preciosa.  - Era um texano cinqüentão robusto e musculoso, e a maldita comida francesa lhe provocava indigestão.  - Continue com o que estava fazendo.

 - Merci.  - Roxanne alisou o cobertor e esponjou os travesseiros, com plena consciência de que os olhos do Melville estavam fixos em seu traseiro.

 - Não recordo havê-la visto antes por aqui.

 - Em realidade  - disse e se inclinou um pouco mais sobre a cama - , este não é meu piso.  - Desfrutando de seu papel, deu-se meia volta e lhe dedicou um olhar provocador por debaixo de suas pestanas. Quer que lhe traga mais toalhas, monsieur? Deseja alguma outra coisa?

 - Bom, bom  - disse ele e se inclinou para lhe fazer cócegas no queixo. Em seu fôlego havia rastros de uísque.  - O que pode me oferecer?

Ela lançou uma série de risitas tolas e voltou a colocar em movimento suas pestanas.

 - OH, monsieur. Você se aproveita de mim, oui? É claro que sim que eu gostaria de fazê-lo, pensou ele. Desembrulhar um pacote tão tentador como esse seria muito mais divertido que assistir ao concerto ao que sua mulher pensava arrastá-lo. Mas também tomaria tempo. Esquecida sua indigestão, decidiu que poderia franelear  um pouco.

 - Sempre sentei debilidade pelos doces franceses  - disse Melville e lhe aplaudiu o traste, e quando ela riu com dissimulação, beliscou-lhe um peito. Desde debaixo da cama, Luke teve a certeza de que lhe estavam crescendo as presas.

Ruborizada e sem fôlego, Roxanne olhou ao Melville com seus enormes olhos marrons.

 - OH, monsieur. Vocês, os norte-americanos...

 - Eu não sou só norte-americano, preciosa. Sou texano.

 - Ah.  - Roxanne deixou que lhe beijasse o pescoço enquanto Luke observava a cena, impotente, os punhos apertados.  - É verdade o que dizem dos nos cubra, monsieur? O que todo é... maior?

Melville pegou um grito e a beijou forte na boca.

 - É totalmente certo, preciosa. Não quer averiguá-lo você mesma?  - E esqueceu por completo a sua esposa e seu estômago e começou a empurrá-la para a cama. Luke se preparou, inteligente para saltar sobre ele.

 - Mas, monsieur, estou de serviço  - disse Roxanne enquanto lutava por liberar-se sem deixar de rir - . Despedirão-me.

 - O que te parece então quando não estiver de serviço?

Jogando a fundo o papel da buscona francesa, voltou a ruborizar-se e se mordeu o lábio inferior.

 - Talvez poderíamos nos encontrar a meia-noite - disse e lhe fez uma caída de olhos - . Há um lindo café aqui perto. chama-se Robert'S.

 - Bom, acredito que poderia arrumá-lo.  - Voltou a tomá-la em seus braços e lhe apertou os quadris almofadados.  - Não me perca de vista. Como te chama, preciosa?

 - Monique  - respondeu ela e deslizou os dedos sobre a bochecha do Melville - . Aguardarei com impaciência que chegue a meia-noite.

Lhe deu outro beliscão e lhe piscou os olhos um olho antes de partir, sonhando deitando-se com essa francesa garota.

Roxanne se desabou na cama e começou a rir a gargalhadas.

 - Sim, claro, muito divertido  - murmurou Luke enquanto saía de debaixo da cama - . Deixou que esse descarado lhe toqueteara e virtualmente se montasse em cima de você e agora ri. Deveria te dar uma boa surra.

 - Vamos, Luke, cresce de uma vez.

 - Você parece ter crescido pelos dois. É uma perita nesse campo. me diga, Rox, a quantos dos companheiros de estúdio com os que sai lhes permitiu que lhe toquetearan assim?

Esta vez, o rubor do Roxanne foi autêntico.

 - Isso não é teu assunto.

 - É claro que sim que o é. Eu...  - Estou louco por você. As palavras estiveram a ponto de brotar de seus lábios antes de que ele as tragasse.  - Alguém tem que cuidar de você.

 - Eu me posso cuidar muito bem só  - disse ela e se abriu passo com o cotovelo, horrorizada pelo comichão que sentia no espinho dorsal - . E para seu informação, cérebro de mosquito, ele não me colocou as mãos em cima . Onde ele tocava, eu tinha suficiente cheio para fabricar um colchão.

 - Isso não tem nada que ver  - disse ele e a tirou da mão, mas ela o separou - . Roxanne, vamos daqui. Agora mesmo.

 - seu vai-te. Eu obterei o que devi buscar.  - Preparada para não ceder, jogou a cabeça para trás.  - Quero-o mais que nunca. Esse degenerado comprará a sua esposa um novo canasto cheio de jóias. O tem merecido... ir encontrar se com uma putita francesa em um café barato.

em que pese a si mesmo, Luke se pôs-se a rir e se passou a mão pelo cabelo.

 - Você é a putita francesa, Rox.

 - E eu sou a que o farei pagar por seu adultério  - disse, com um olhar tão decidido, que Luke não pôde menos que admirá-la - . E o que dirá ele sobre mim? Dirá que encontrou aqui a uma empregada, e me descobrirá, mas não com muito detalhe porque se sentirá culpado e assustado. É melhor que se não me tivesse visto absolutamente.  - dirigiu-se ao placard e, enquanto revisava a prateleira superiora, sorriu.  - Et, voila.

Teve que estirar-se para alcançar o joalheiro de três pisos.

 - Deus, Luke, isto deve pesar como dez quilos!

 - antes de que ele pudesse ajudá-la, ela colocou o alhajero no chão e ficou em cuclillas. - É meu

 - disse e lhe pegou uma palmada na mão. Tomou uma série de gazuas que levava no bolso, escolheu uma e ficou a trabalhar na fechadura.

Demorou quarenta e três segundos; Luke tomou o tempo. E teve que reconhecer que era muito mais hábil do que ele tinha imaginado.

 - Deus santo.  - O coração do Roxanne lhe deu um salto quando abriu a tampa. Brilhos, brilhos, resplendores. sentiu-se Alí Baba explorando a caverna. Não, não, pensou: mas bem como um dos quarenta ladrões.  - Não são maravilhosas?  - perguntou e colocou a mão no joalheiro - . São fabulosas!

 -  - Se...  - começou a dizer Luke mas a voz lhe falhou. Teve que pigarrear.  - Se forem autênticas.

Roxanne suspirou e tirou a lupa. depois de examinar uma corrente de safiras e diamantes, sentou-se sobre os calcanhares.

 - São autênticas, Callahan.  - E agindo agora com rapidez, examinou uma peça atrás de outra antes das envolver em toalhas.

Ele a ajudou a ficar de pé. Depois, limpou o alhajero e, usando para isso uma toalha, voltou a colocá-lo em seu lugar.

 - Agora, nos larguemos daqui.

 - Vamos, Luke  - disse ela, bloqueou a porta e sorriu com os olhos - . Pelo menos poderia dizer que o fiz bem.

 - Sorte de principiante  - disse ele, mas lhe devolveu o sorriso.

 - A sorte não teve nada que ver  - disse Roxanne e lhe cravou um dedo no peito - . Você goste ou não, Callahan, tem uma nova sócia.

 

 - Não é justo.

Roxanne estava no camarim de seu pai, totalmente vestida para a função. As lentejoulas e o canutillo de seu vestido sem breteles cor esmeralda refulgiam com as luzes e com sua indignação.

 - demonstrei que sou capaz  - insistiu ela.

 - O que demonstrou é que é impulsiva, imprudente e teimada.  - depois de colocá-los gêmeos na camisa de seu smoking, Max olhou no espelho a face furiosa de sua filha.  - E não participará, repito, não participará do trabalho do Chaumet. Agora, faltam só dez minutos para que chamem cena, garota. Alguma outra coisa?

Nesse momento, Roxanne se sentiu imersa de novo em sua infância. Seu lábio inferior tremeu quando se desabou em uma cadeira.

 - Papai, por que não confia em mim?

 - Pelo contrário, eu confio em você. Mas você deve confiar em mim quando te digo que não está preparada.

 - Mas as jóias dos Melville...

 - Foram um risco que jamais deveria ter deslocado.  - Sacudiu a cabeça enquanto se aproximou para tomar o queixo. Como podia esperar que uma filha de seu sangue não lhe parecesse? No fundo, estava orgulhoso dela.

O público do Palace estava constituído por estrelas de cinema, modelos parisinas e gente rica e cheia de glamour. Max tinha criado um espetáculo sofisticado e suficientemente-complexo para entreter a pessoas desse nível. Ao Roxanne era impossível agir com o pensamento em outra coisa.

Tal como tinha sido treinada, separou-se de sua mente tudo o que não fora magia. Agora era ela a que realizava o efeito das Bolas Flutuantes, ela, uma mulher esbelta com um rutilante vestido cor esmeralda. Ao observá-la, Luke compreendeu que parecia uma rosa de caule longo: esse verde sinuoso, seu cabelo cor fogo. O público ficou tão cativado com sua beleza como com as bolas chapeadas que se balançavam e dançavam alguns centímetros por cima de suas grácis mãos.

Ao Luke gostava de chateá-la e lhe dizer que seus jogos de magia eram puro brilho, mas o certo era que tinha uma habilidade extraordinária.

Max sorriu quando o pano de fundo se levantou e mostrou o tanque de vidro cheio de água para o número final que protagonizaria Luke: sua própria versão do Escapamento da Água do Houdini. Luke mesmo tinha desenhado esse receptáculo: as dimensões, a grossura do vidro, inclusive as dobradiças. Luke sabia exatamente quanta água continha para permitir o deslocamento de seu corpo quando fora submerso, encadeado, nesse tanque.

Sabia ao segundo quanto tempo necessitava para liberar-se das correntes, das esposas, dos grilhões que o asseguravam aos ferrolhos da câmara.

E sabia que período de graça lhe permitiriam seus pulmões se algo chegava a sair mau.

Agora com seu traje branco, Roxanne estava de pé junto à tanque. Pese ao medo que sentia em seu coração, seu rosto se via sereno. Foi ela a que lhe tirou a camisa de mangas largas ao Luke para que ficasse nu até a cintura.

Não olhou as cicatrizes que lhe cruzavam as costas. Em todos os anos que tinham estado o um junto ao outro, jamais as tinha mencionado. Embora ela fora capaz de abrir fechaduras, não pensava tocar essa que se fechava sobre o orgulho do Luke.

Foi ela a que permaneceu serenamente de pé enquanto dois voluntários do público fechavam as pesadas correntes ao redor do Luke. Quando os braços dele estiveram cruzados sobre seu peito e sujeitos ali, as esposas de aço sujeitas ao redor de seus punhos, seus pés descalços algemados a um tablón de madeira.

Os cellos tocavam uma melodia lenta e carregada de suspense enquanto a plataforma sobre a que Luke estava parado era elevada pelo ar.

 - diz-se  - começou a dizer ele com uma voz que flutuou por cima das cabeças dos espectadores, que o Grande Houdini perdeu a vida devido às lesões que sofreu durante seu escapamento. Desde sua morte, duplicar esse escapamento e triunfar nele foi um desafio para cada mago, cada escapista.

Olhou para baixo e ali estavam Mouse, incômodo e lenho de vergonha com seu traje de príncipe árabe, empunhando um enorme maço.

 - Com sorte, não haverá necessidade de que meu amigo quebre o vidro com seus braços musculosos  - disse e piscou os olhos um olho ao Roxanne - . Mas talvez sim terei necessidade de que a formosa Roxanne me faça respiração boca a boca.

Ao Roxanne não gostou de muito esse agregado ao libreto, mas o público riu e aplaudiu.

 - Uma vez que me baixem e me metam no tanque, ou selarão hermeticamente.  - O público deixou escapar uma exclamação quando a plataforma girou e Luke voltou a enfrentá-lo, mas esta vez de barriga para baixo. Começou a realizar inspirações profundas e a enchê-los pulmões de ar. Agora Roxanne se fez cargo do resto do ato.

 - Pedimo-lhes um completo silêncio durante o escapamento, e que centrem sua atenção no relógio.  - Ao  dizê-lo, um refletor iluminou a esfera de um grande relógio na parte posterior do cenário.  - Começará a funcionar no momento em que Calavam seja submerso no tanque. Damas e cavalheiros...  - Luke foi baixado centímetro a centímetro para a superfície da água. Roxanne manteve os olhos e a mente fixos no público.  - Calavam terá exatamente quatro minutos, e só quatro minutos para escapar, do contrário nos veremos obrigados a quebrar o vidro. Temos um médico aqui se por acaso se produzira um acidente.

Agora ela devia girar e estender os braços enquanto a cabeça do Luke fendia a água. Viu-o descender até que todo seu corpo ficou submerso, ouviu o golpe seco ao calçar ajustadamente a plataforma na parte superior do tanque. Seu cabelo descreveu um redemoinho e flutuou, enquanto os olhos do Luke, de um azul brilhante, olhavam os do Roxanne.

Então descendeu a cortina branca que cobriu os quatro custados do tanque.

O relógio começou a funcionar.

 - Um minuto  - anunciou Roxanne com uma voz que não revelava seu desgosto interior. Imaginou ao Luke livre das esposas. Desejou que assim fora. Sem dúvida trabalhava já nas correntes.

Houve murmúrios no público quando o relógio marcou os dois minutos. Roxanne sentiu que um suor frio lhe cobria as Palmas das mãos, a nuca, as costas. Luke sempre emergia aos três minutos, quando muito aos três minutos e vinte segundos. Através do tecido branco lhe pareceu ver a sombra de um movimento.

Não tem como pedir ajuda, pensou com desespero quando ao relógio lhe faltava pouco para marcar os três minutos. Não havia maneira de fazer um sinal se lhe falhavam os pulmões e lhe faltava ar. Podia morrer antes de que se separassem as cortinas, antes de que Mouse tivesse tempo de quebrar o vidro. Podia morrer só e em silêncio, encadeado a sua própria ambição.

 - Três minutos  - disse, e agora em suas palavras se filtrou o medo e fez que os espectadores se inclinassem para diante.

 - Três minutos, vinte segundos  - disse e olhou a Mouse com olhos aterrados     - Três minutos, vinte e cinco segundos. Por favor, damas e cavalheiros, mantenham a calma e permaneçam em seus assentos.  - Tragou uma baforada de ar e pensou com espanto nos pulmões do Luke.  - Três minutos, quarenta segundos.

Uma mulher, localizada-se no fundo da sala, teve um ataque de histeria e ficou a gritar coisas em francês. Isso iniciou uma reação de alarme em corrente que se deslocou pelas distintas filas até que todo o público ficou eletrizado. Muitos se tinham colocado de pé de um salto ao ver que faltava pouco para que o relógio marcasse-lhes quatro minutos.

 - Por Deus, Mouse.  - Quando só faltavam oito segundos, Roxanne perdeu a compostura e atirou da cortina, que caiu justo no momento em que Luke me separava a plataforma que tampava o tanque. Tirou a cabeça e aspirou fundo. Em seus olhos brilhava o triunfo ruando o público reagiu com gritos e aplausos.

Permaneceu um momento ali de pé, com uma mão; n alto. agarrou-se da plataforma, saltou do tanque de água e baixou ao cenário. Ali ficou parado, jorrando água, saudando o público com reverências.

Movido por um súbito impulso, tomou uma mão do Roxanne, e inclinandoa beijou, para alegria de todos esses franceses românticos.

 - Treme  - comentou, sem que sua voz se ouvisse pelos aplausos - . Não me diga que pensou que não o obteria.

Em lugar de retirar a mão de um puxão, como teria desejado, Roxanne lhe sorriu.

 - Tinha medo de que Mouse tivesse que quebrar o vidro. Sabe quanto custaria substitui-lo?

 - Essa é meu Roxanne  - disse e voltou a lhe beijar a mão - . Adoro seu mente mesquinha.

Esta vez ela sim se separou a mão. Os lábios dele se demoraram muito.

 - Está-me salpicando, Callahan  - disse e deu um passo atrás para que só ele ficasse iluminado pelo refletor.

Ao Roxanne indignava ter que ficar sentada  a esperar. É degradante, pensou enquanto se passeava com impaciência pela sala enquanto Lily, comodamente recostada no sofá, olhava por televisão um velha filme em branco e negro.

 - Alguma vez teve vontades de ir com eles? Jamais quis integrar a equipe?  - perguntou-lhe Roxanne.

 - Sou parte da equipe  - respondeu-lhe Lily com um sorriso - . Sei que Max entrará por essa porta e terá esse olhar especial nos olhos. Esse olhar que diz que tem feito o que queria fazer. E me precisará contar isso compará-lo comigo. Necessitará que eu lhe diga o inteligente e hábil que é.

 - E isso te basta?  - prosseguiu Roxanne - . Ser uma caixa de ressonância para o ego do Max?

O sorriso do Lily se desvaneceu, e o brilho de seus olhos celestes se voltou frio como o mármore.

 - Em todos os anos que faz que estou com o Max, ele não me usou jamais, nem feriu meus sentimentos em forma deliberada. Talvez isso não signifique muito para você, mas para mim é mais que suficiente. É um homem gentil e terno e me dá tudo o que posso desejar.

 - Sinto muito  - disse Roxanne, e seriamente o sentia quando tomou a mão. Lamentava ter ferido os sentimentos do Lily. Lamentava, também, que seu espírito independente não pudesse entender.  - O que passa é que me enfurece que me tenham deixado atrás, e então me desforro contigo.

 - Querida, não todos podemos pensar igual, ou sentir o mesmo, ou ser idênticos. Você...  - Lily se tornou para diante para tomar a face do Roxanne entre suas mãos.  - Você é filha de seu pai.

 - Possivelmente ele teria preferido ter um filho varão.

 - Nem te ocorra pensá-lo.

 - Luke foi com ele  - disse, sem poder dissimular seu ressentimento - . Eu estou aqui sentada, papando moscas.

 - Roxy, só tem dezessete anos.

 - Então detesto ter dezessete anos.  - levantou-se de um salto, foi para a janela e a abriu.  - Detesto ter que esperar para todo, e que me digam que tenho muito tempo por diante.

 - É obvio que sim.  - Havia um sorriso nos lábios do Lily e lágrimas em seus olhos quando observou ao Roxanne. É tão formosa, pensou. Tão cheia de ansiedades. Que desesperador é ter dezessete anos. Que maravilhoso e horrível ficar presa na beira mesmo da feminilidade.  - Posso te dar alguns conselhos, mas talvez não sejam os que quer ouvir.

Roxanne levantou a face para essa agradável noite primaveril e fechou os olhos. Como lhe explicar ao Lily essas ânsias ardentes e imperiosas que sentia, quando nem ela mesma as entendia?

 - Os conselhos nunca fazem mau, mas segui-los não sempre é bom.

Lily se pôs-se a rir porque esse era um dos ditos o Max.

 - Terá que chegar a uma fórmula de transação. -Roxanne protestou para ouvir essas palavras, mas Lily seguiu adiante.  - Não é muito penoso quando é um o que fixa os termos dessas concessões.  - ficou de pé, e lhe alegrou ver que Roxanne girava a cabeça para olhá-la.  - É mulher, você gostaria de trocá-lo?

Roxanne sorriu ao recordar o alívio e o orgulho que sentiu quando seu seios finalmente começaram a tomar forma.

 - Não. É obvio que não.

 - Então tira partido disso, querida.  - Lily apoiou uma mão sobre o ombro do Roxanne.  - Tirar partido não significa...

 - Explodi-lo?  - sugeriu Roxanne e Lily sorriu.

 - Isso. Um saca partido do que tem. Faz-o trabalhar em favor de um. Refiro-me ao cérebro, o aspecto físico, a feminilidade. Querida, as mulheres que o têm feito estiveram liberadas há séculos. O que passa é que os homens não sempre souberam.

 - Pensarei-o  - disse e beijou ao Lily na bochecha - . Obrigado.

ficou tensa quando ouviu que a chave girava na fechadura da porta, e se obrigou a distender-se. junto a ela, Lily já vibrava de excitação. Isso adorou ao Roxanne, e ao mesmo tempo a desconcertou. depois de todos os anos que estavam juntos, Max podia fazer que seguisse sentindo isso.

perguntou-se, fugazmente, se alguma vez apareceria alguém que pudesse lhe fazer esse dou de presente a ela.

Max abriu a porta. Luke entrou detrás dele, sorriu e arrojou uma pequena bolsa ao Roxanne.

 - Ainda acordadas?  - Embriagado ainda pela vitória, Max beijou ao Lily.  - Que mais pode querer um homem, Luke, que voltar para sua casa depois de uma aventura bem-sucedida e encontrar a duas mulheres formosas esperando-o?

 - Uma cerveja gelada  - respondeu Luke e enfiou para o minibar - . Acredito que nessa abóbada havia uma temperatura de perto de cinqüenta graus quando desconectamos a corrente.  - Luke abriu uma lata de cerveja e se bebeu a metade.

Parece um bárbaro, pensou Roxanne. Moreno, suado, e decididamente masculino. Como lhe olhá-lo tinha secado a garganta, olhou a seu pai. Esse sim que é um homem, pensou comprazida, um homem com classe. Um aristocrata pirata, com seu bigode brilhante, suas calças negras prolixamenta engomadas, o suéter escuro de cachemira com um leve deixo de sua colônia.

Havia ladrões, decidiu enquanto se sentava no braço do divã, e ladrões.

 - E Mouse e LeClerc?  - perguntou Lily.

 - foram-se à cama. Convidei ao Luke a beber uma taça. Meu querido moço, o que te parece se abrir uma garrafa desse Chardonnay que temos bem gelado?

 - É obvio.  - Enquanto desarrolhava a garrafa, olhou ao Roxanne. -  Não quer ver o que há nessa bolsa, Rox?

 - Suponho que sim - disse ela, não querendo parecer ansiosa. Não desejava lhes dar muita importância. Mas quando verteu o conteúdo da bolsa em sua mão, ou houve força de vontade que lhe impedisse de ofegar  e  ficar sem fôlego.

 - OH!  - exclamou quando os diamantes crepitaram contra sua pele.

 - São espetaculares, não o acredita?  - Max tomou a bolsa  e esvaziou o resto das pedras nas mãos do Lily.

-Absolutamente perfeitos. Quanto acredita que podem valer, Luke? Um milhão quinhentos mil?

 - Eu diria que mas bem dois milhões.  - Ofereceu-lhe Roxanne uma taça de vinho e colocou a do Lily sobre a mesa.

 - Possivelmente tenha razão.  - Max murmurou uma palavra de agradecimento quando Luke lhe entregou uma taça.  - Devo reconhecer que estive tentado de me mostrar muito ambicioso. As coisas que havia na abóbada!

Luke recordava uma peça em particular, uma sinfonia espetacular de esmeraldas, diamantes, topázios e ametistas engastadas em um colar de dourada vitamina de estilo bizantino. imaginou-se colocando-o ao redor do pescoço do Roxanne, lhe levantando sua povoada cabeleira, lhe ajustando o fechamento. Ela pareceria uma rainha.

Teria tentado lhe dizer que precisava vê-la com esse colar colocado, que precisava lhe dar de presente algo que nenhuma outra pessoa podia lhe dar.

Luke sacudiu a cabeça quando a voz do Max  quebrou sua fantasia.

 - O que acontece? se preocupa algo?

 - Não. Estou cansado, isso é todo. foi um dia muito longo. boa noite, Lily, Max.

 - Um trabalho excelente, Luke  - disse Max - . Que durma bem. Abriu a porta e olhou por sobre o ombro. Os três estavam muito juntos. Max no centro, com o Lily aconchegada debaixo de seu braço. Roxanne no braço do divã, sua cabeça recostada contra o flanco de seu pai, sua mão cheia dessas pedras brancas que pareciam de gelo.

Um retrato de família, pensou. Sua família. Olhou ao Roxanne.

 - Até manhã, Rox.

Fechou a porta e se encaminhou a sua própria residência, onde sabia que passaria o resto da noite sonhando com um prêmio muito mais inalcançável que os diamantes.

Ao dia seguinte, assim que terminou o ensaio, Roxanne montou no assento posterior de uma motocicleta detrás de um Adonis loiro. Saudou com a mão, rodeou com os braços a cintura desse patife francês e os dois se perderam no tráfico parisino.

 - Quem demônios era esse?  - perguntou Luke. Max se deteve junto a um vendedor de rua de flores e comprou um cravo para ficar na casa.

 - A quem te refere?

 - A esse tarado com o que acaba de fugir-se Roxanne.

 - OH, esse moço.  - Max aspirou a fragrância de sua flor vermelha antes de passar o caule pela casa de sua jaqueta. -  Antoine, Alastair, ou algo parecido. Um aluno da Sorbona. E acredito que também pintor.

 - Deixa-a ir-se com um tipo que você nem sequer conhece?

 - Roxanne o conhece  - assinalou Max. Encantado com a vida em geral, aspirou uma baforada de ar.  - Quando Lily termine de trocar-se, acredito que todos iremos almoçar em algum café ao ar livre.

 - Como pode pensar em comer?  - Luke girou sobre seus calcanhares e lutou contra o desejo de enforcar a

Max.  - Sua filha acaba de partir com um perfeito desconhecido. Por isso você sabe, poderia ser um maníaco sexual.

Max riu pelo baixo e decidiu comprar ao Lily uma dúzia de rosas.

 - Roxanne é muito capaz de arrumar-lhe sozinha.

 - Lhe estava olhando as pernas  - disse com fúria Luke.

 - Sim, bom. Não podemos culpá-lo por isso. Ah, aqui está Lily.  - E lhe entregou as rosas com uma reverência que a fez tentar de risada.

Roxanne o passou estupendamente bem. Um picnic n os subúrbios, o aroma das flores silvestres, um pintor francês que lhe lia poemas sob a sombra de uma nogueira.

Desfrutou desse interlúdio, dos beijos suaves, das palavras de amor sussurradas no idioma mais romântico do mundo. Voltou para seu quarto como se andasse nas nuvens, com um sorriso secreta nos lábios e estrelas nos olhos.

 - Que chifres esteve fazendo?

Ela reprimiu um grito, cambaleou-se e olhou fixo ao Luke. Ele estava sentado em uma poltrona junto à janela, com uma garrafa de cerveja na mão e um olhar assassino nos olhos.

 - Maldito seja, Calavam, deu-me um susto terrível. O que faz em meu quarto?

 - Esperando que decidisse voltar.

Quando seu coração voltou a bater com normalidade. Roxanne se jogou o cabelo para trás. Estava despenteada pelo passeio de moto e, ao notá-lo, Luke pensou que parecia uma mulher que acabava de levantar-se da cama depois de uma relação sexual turbulenta e apaixonada. Uma razão mais para querer assassiná-la.

 - Não sei de que falas. Fica só uma hora por diante antes de que tenhamos que sair para o teatro.

Ela tinha deixado que esse filho de puta a beijasse. OH, sim, sabia. Roxanne tinha esse aspecto, esses lábios inchados, esses olhos entrecerrados. Sua blusa estava enrugada. Ela permitiu que ele a deitasse sobre o pasto Y...

Não podia nem pensá-lo.

 - Eu gostaria de saber onde tem a cabeça. E como foi que te ocorreu ir com um vagabundo francês chamado Alistair.

 - Fomos de picnic  - retrucou-lhe ela - . E não é um vagabundo. É um homem doce e sensível. Um pintor.  - Arrojou-lhe isso como uma luva.  - E, para seu informação, chama-se Alain.

 - Importa-me um caralho como se chama.  - Luke ficou de pé lentamente. Ainda supunha que podia controlar-se.  - Não voltará a sair com ele.

Por um instante, Roxanne ficou muito atordoada para falar. Mas só por um instante.

 - Quem demônios acredita que é?  - aproximou-se do Luke e lhe atingiu o peito com a mão.  - Eu posso sair com quem me deseje muito.

Luke lhe agarrou o punho e a atirou para ele.

 - Um corno.

 - Quem me impedirá isso? Você? Não é quem para opinar sobre o que eu faço, Calavam. Não o é agora nem o será nunca.

 - Equivoca-te  - disse ele entre dentes. Tinha fundo sua mão no cabelo do Roxanne. Não podia parar. Cheirou sua fragrância, e o deixo persistente do pasto, do sol. Das flores silvestres. Provocava-lhe uma raiva assassina pensar que alguém tinha estado tão perto dela. O suficientemente perto para tocá-la. Para lhe sentir o gosto.  - Deixou que te colocasse as mãos em cima. Se voltar a fazê-lo, matarei-o.

Roxanne poderia haver-se posto-se a rir pela ameaça, ou gritado. Mas viu a verdade nua em seus olhos. E única forma de combater o medo que lhe fechou a garganta era com fúria.

 - Está louco. Se ele me tocou-me porque eu quis que fizesse.  - Sabia que era justo o que não tinha que dizer, mas não pôde evitá-lo.  - E agora quero que me tire as mãos de cima. Já mesmo.

 - Seriamente?  - Sua voz era suave, suave como a dá. Isso a assustou ainda mais, muito mais que as ameaças iradas.  - por que não chamamos a isto uma lição grátis?  - Luke se amaldiçoou a si mesmo inclusive no momento em que lhe cobria a boca com a sua.

Ela não lutou, não protestou. Nem sequer soube se seguia ou não respirando. Isso não se parecia nada aos ternos e suaves do pintor. Nada como os braços torpes e arrogantes dos moços com os lhe tinha saído. Isso era algo glorioso, primitivo e aterrador. Roxanne se perguntou se alguma mulher desejava ser beijada de outra maneira.

A boca do Luke se adaptava perfeitamente a já. A parte de pele que ele não se barbeou contribuía a que ela soubesse que, por fim, estava sendo razada por um verdadeiro homem, que destilava agressão, paixão, fúria. Esse momento único e selvagem foi dou o que ela tinha desejado sempre.

Com sua mão ainda no cabelo do Roxanne, jogou-lhe a cabeça para trás. Desejava, com desespero, arrojá-la sobre a cama, lhe rasgar a roupa e possui-la. Sentir como seu corpo se arqueava e se fechava ao redor dele. Era tal seu desejo que quase não podia respirar.

Era como estar encerrado em uma caixa. Preso quase sem ar. Sentiu a força de seu coração e de seus limões. Não tinha controle sobre eles. Não tinha controle sobre nada.

Se agora ela chegava a tocá-lo, só tocá-lo, tomaria como um animal. Para proteger a disso, controlou-se detrás de toda a fúria que sentia pelo que tinha estado a ponto de fazer, e enfocou essa fúria nela.

 - Uma lição grátis  - repetiu e simulou não ver como os lábios dela se abriam pelo choque, e seus olhos brilhavam com dor - . Isto é o que receberá se sair com homens que não conhece.

Ela tinha orgulho e também massa de atriz.

 - Que curioso, não? Você é o único que me tratou assim. E te conheço. Ou acreditei te conhecer.  - Deu-lhe as costas e ficou a olhar pela janela.  - Sal de meu quarto, Callahan. Se voltar a me tocar dessa maneira, pagará-me isso.

Já o estou pagando, pensou Luke. Fechou a mão em um punho antes de ceder ao impulso de lhe acariciar o cabelo. De lhe suplicar. Em troca, encaminhou-se à porta.

 - Falei a sério, Roxanne.

Ela o olhou por cima do ombro.

 - Eu também.

 

Roxanne fez caso ao Lily e chegou a uma fórmula de transação com o Max... embora preferia denominá-lo um trato. Ela se inscreveria na Universidade do Tulane e lhe emprestaria muita atenção a sua educação universitária. Se ao cabo de um ano seguia decidida a unir-se ao trabalho não tão público de seu pai, ele tomaria como aprendiz.

Isso vinha muito bem ao Roxanne. Em primeiro lugar, porque desfrutava de da aprendizagem. Em segundo lugar, porque não tinha intenções de trocar de idéia.

As exigências de sua carreira em cena e de seus estúdios tinham o benefício adicional de lhe deixar pouco tempo livre. E isso significava passar o menor tempo possível junto ao Luke.

Poderia ter esquecido seus gritos, inclusive suas ordens. E, sem dúvida, poderia lhe haver perdoado o beijo. Ou jamais o perdoaria por converter um dos momentos mais gloriosos de sua vida apenas em só uma lição oferecida por um mestre a uma aluna. Era muito profissional para permitir que isso interferisse em seu trabalho ou no do Luke. Quando havia tutor, ensaiava com ele. Agiam juntos uma noite pois de outra sem que os sentimentos profundos de ambos aflorassem.

Se a troupe saía de viagem, viajavam juntos sem nenhum incidente, como o fariam dois desconhecidos corteses; compartilham um avião, um trem ou um automóvel. Só em uma oportunidade, quando Lily expressou sua preocupação ante os escapamentos do Luke que se estavam vendo cada vez mais complexos e perigosos, saiu à superfície algo do torvelinho que Roxanne sentia em seu interior.

 - Deixa-o  - disse - . Os homens como ele sempre têm que demonstrar algo. Sua pequena vingança consistiu em sair com uma série de homens atraentes. Com freqüência os levava ou casa para jantar, a festas, a grupos de estúdio. Dava-lhe muito prazer saber que sua "simpatia" do momento como Lily estava acostumado a chamá-los -  estava entre o público durante as funções. E lhe dava ainda mais prazer saber que Luke sabia.

Preferia os moços letrados, porque lhe atraíam as mentes inquietas. E estava acostumado a mencionar, como ao passar, e Matthew estudava Direito, ou que Phillip preparava sua licenciatura em Economia.

Quanto a seus próprios estúdios, Roxanne tinha eleito História da Arte e Gemología. Seu propósito, para deleite do Max, era acrescentar seus conhecimentos o que agora denominava seu "hobby". Informou a seu pai que, se um se propunha roubar obras de arte e gemas muito finas, deveria ter uma formação sólida com respeito aos antecedentes e valor do bota de cano longo.

Max se sentia orgulhoso de ter uma filha com tanta visão das coisas.

Também lhe alegrava que sua própria reputação como ilusionista e o respeito por seu grupo se incrementaram. Entesourava o prêmio de "Mago do ano" que lhe outorgasse a Academia de Artes Mágicas. Já não lhe parecia necessário evitar sua apresentação pública a nível nacional. Os Nouvelle tinham em seu haver dois bem-sucedidos especiais de televisão e Max acabava de assinar contrato para escrever um livro sobre magia.

Com tudo isso nas mãos agora, Max tinha um propósito que o apaixonava: encontrar a pedra filosofal.

Para alguns, era uma lenda. Para o Max, era uma meta. Queria ter em suas mãos essa pedra que era o sonho de todo mago. Não tão somente para converter o metal em dourado, mas sim como testamento de tudo o que tinha aprendido, obtido, recebido e dado ao longo de sua vida. Já tinha reunido livros, mapas e quantidades enormes de cartas e diários que se referiam ao tema.

Achar a pedra filosofal seria a máxima façanha do Maximillian Nouvelle. Quando a tivesse, poderia retirar-se. E ele e Lily percorreriam o mundo como um par de vagabundos, enquanto seus filhos continuavam com a tradição Nouvelle.

Ao Roxanne gostava da chuva. Produzia-lhe certa ensoñación senti-la ricochetear contra a vereda, sulcar o vidro da janela. Permaneceu de pé no balcão coberto do apartamento do Gerald e observou como essa fina cortina fria de água afastava aos pedestres. Se respirava fundo alcançava a cheirar o aroma do café com leite que Gerald preparava em sua cozinha diminuta.

Era agradável estar ali - pensou - , tomando-se livre a noite chuvosa. Desfrutava da companhia do Gerald, encontrava-o inteligente e doce. Era um homem ao gostava de escutar a Gershwin e ver filmes estrangeiros. Seu pequeno apartamento, localizado-se sobre a loja de souvenirs, estava lotado de livros e videocassetes. Gerald estudava cinema e já tinha conseguido colecionar mais filmes das que Roxanne  supôs,  teria tempo de ver em toda uma vida.

Essa noite pensavam ver Quando foge o dia, do Igmar Bergman, e Tontura, do Hitchcock.

 - Não tem frio?  - perguntou Gerald do outro ido da janela, e lhe entregou um suéter. Talvez fora nos quinze centímetros mais baixo que ela, mas seus ombros largos davam a sensação de que sua estatura  era maior. Seu cabelo loiro e escorrido lhe caía sobre a frente. Suas feições angulosas o assemelhavam vagamente ao Harrison Ford. Seus olhos marrons pareciam mais distinguidos através dos óculos com armação de tartaruga marinha.

 - Em realidade, não.  - Mas entrou.  - Esta noite não parece haver nem uma alma na cidade. Todos devem estar metidos em suas casas.

Ele separou o suéter.

 - Me alegro de que esteja aqui.

 - Também eu  - disse Roxanne e lhe deu um beijo muito suave - . Eu gosto deste lugar.  - Fazia um mês que se viam cada tanto, mas era a primeira vez que ela ia a sua casa.

Era o típico apartamento de um estudante. As paredes estavam cobertas de posters de filmes, sobre o divã algo fundo havia uma manta desbotada, o escritório bastante maltratado estava coberto de livros. Entretanto, sua equipe eletrônica era de última geração.

 - Suponho que esta forma de ver cinema em casa é a  que mais se adotará no futuro.

 - Para fins desta década, as videocaseteras serão algo tão comum como os televisores no lar dos norte-americanos. Todo mundo terá videocámaras  - assegurou Gerald - . Talvez algum dia me deixará que te filme.

 - A mim?  - A sozinha ideia lhe deu risada.  - Não posso imaginá-lo sequer.

Mas ele, sim. Tirou-a da mão e a conduziu ao divã.

 - primeiro Bergman, de acordo?

 - De acordo.  - Roxanne tomou sua taça de café e se instalou contra o braço do Gerald, quem se dedicou a oprimir algumas teclas de seu controle remoto. Um para colocar em funcionamento a videocasetera, a outra, para fazer outro tanto com a câmara que tinha colocado estrategicamente entre várias pilhas de livros.

Roxanne supôs que era uma ignorante, mas o certo foi que Bergman não lhe interessou. Lutou por concentrar-se nas lentas imagens em branco e negro que titilavam sobre a tela.

Não lhe importou que Gerald a rodeasse com o braço. Cheirava a enxágüe bocal mentolado e a uma colônia suave e troca. Tampouco lhe importou que lhe deslizasse os dedos pelo braço. Quando quis beijá-la, não teve inconveniente em girar a cabeça e aceitar esse beijo.

Mas quando ela tratou de se separar-se, ele a apertou com mais força.

 - Gerald  - disse ela ao girar a cabeça em outra direção - . Te vais perder o filme.

 - Já a vi antes.  - Sua voz era rouca e ofegante e começou a lhe beijar o pescoço.

 - Pois eu não.  - Roxanne não estava muito preocupada. Talvez um pouco chateada de que o intento fora tão óbvio e apaixonado, mas não preocupada.

 - Não a encontra erótica? As imagens, as sutilezas.

 - Não. - Em realidade, parecia-lhe tediosa, e tampouco gostava que ele a estivesse empurrando contra os almofadões do divã.  - Mas possivelmente é porque não tenho imaginação.  - Lhe bloqueou a boca, mas não foi suficientemente rápida para lhe frear os dedos que já começavam a lhe desabotoar os botões da blusa.  - Basta, Gerald.  - Não queria machucá-lo em seu orgulho.  - Eu não vim aqui para isto, e não é o que quero.

 - Desejo-te desde a primeira vez que te vi.  - Conseguiu lhe separar as pernas e começou a esfregar seu pênis ereto contra ela. Roxanne sentiu que o pânico começava a superar seu enfado.  - Filmarei-te nua, coração, e te converterei em uma estrela.

 - Não fará nada semelhante.  - Lutou a sério quando uma mão do Gerald se fechou sobre seu peito e o apertou. O medo fez que lhe tremesse a voz. Foi um engano vir aqui, pensou em seguida para ouvi-lo ofegar, cheio o excitação.  - Maldito seja, te separe de mim.  - debatia-se com todas suas forças, mas ouviu que lhe  rasgava a blusa.

 - Você gosta do jogo forte, coração? Está bem.

-E agarrou o fechamento automático dos jeans do Roxanne com mãos impaciente e suarentas.

-Assim está melhor. O campo visual é melhor. Mais arde a olharemos.

 - Filho de puta.  - Ela nunca soube em que momento o terror a tinha feito balançar o braço e atirar o cotovelo contra a têmpora do Gerald para fazê-lo retroceder. Não vacilou, mas sim fechou a mão em um punho e o estrelou no nariz.

O sangue brotou como de uma fonte, lhe manchando a blusa e fazendo-o uivar como um cachorrito chutado. Aproximou suas mãos à face dele e lhe arrancou os óculos. Depois, ficou de pé, agarrou sua bolsa de lona tomando impulso com as duas mãos, o atingiu contra a face.

 - Quebrou-me o nariz  - balbuciou ele enquanto a media com seus dedos ensangüentados.

Tratou de incorporar-se, mas se deixou cair de novo quando ela o ameaçou com os dois punhos, parada em posição de boxeador.

 - Vamos  - desafiou-o ela. Agora havia lágrimas em seus olhos, mas não eram de medo mas sim de fúria.  - Quer tomar, filho de puta?

Ele sacudiu a cabeça e agarrou um extremo da manta para parar o sangue que lhe saía do nariz.

 - Vai-te daqui. Por Deus, está louca.

 - Sim  - disse ela e sentiu que sua fúria crescia. Queria voltar a atingi-lo. Queria lhe dar murros e machucá-lo até que ele sentisse o mesmo medo e a mesma impotência que ela tinha experiente momentos antes.

 - Não o esqueça, tarado, e mantente afastado de mim.

 - Saiu dando uma portada, e o deixou murmurando sobre hospitais e ações legais.

Roxanne estava a uma quadra do apartamento quando de repente o compreendeu. me converter em uma estrela de cinema? Veremo-la depois? Um alarido brotou de sua garganta ao entender o significado dessas palavras.

O muito filho de puta deveu ter estado filmando toda a cena.

Era como afundar-se em um pesadelo. Embora a chuva se transformou em uma garoa, era uma noite fria e espantosa. E se adequava à perfeição ao estado de ânimo do Luke.

Em suas mãos tinha uma carta, uma carta que o tinha feito voltar para passado. Do Cobb. O filho de puta o tinha encontrado.

Por ardiloso que ele tivesse sido, por bem-sucedido e forte, algumas palavras em um papel tinham conseguido transformá-lo em um garotinho assustado.

Callahan, quanto faz que não nos vemos. Tenho muitas vontades de que falemos dos velhos tempos. Se não querer perder seu elevada posição, te encontre comigo esta noite às dez no Bodine 's, da rua Bourbon. Não tentem nenhum ato de escapismo, pois do contrário me verei obrigado a ter um largo bate-papo com os Nouvelle. Ao Cobb.

Teria querido não lhe emprestar atenção. Teria querido tornar-se a rir e quebrar esse papel em pedacinhos, só para demonstrá-lo pouco que isso lhe importava ao homem em que se converteu. Mas lhe tremiam ás mãos e tinha um nó no estômago. E soube, sempre soube, que não podia escapar do lugar de onde procedia. Nem do que lhe tinha passado.

Mas, de todos os modos, não era um menino para lhe ter medo a um fantasma. Fez um pão-doce com o  papel, o meteu no bolso e saiu para a rua. Enfrentaria essa noite ao Cobb, e as engenharia para encontrar a maneira de fazê-lo desaparecer, a ele e a tudo o que ele representava.

A chuva lhe umedecia a jaqueta, os sapatos e o aspecto. Inclinou os ombros, lançou uma imprecação e pôs-se a andar para a esquina. Quando um táxi se aproximou do cordão da vereda, vacilou, e pensou se não seria melhor chegar em automóvel e seco, que caminhando e molhado.

Esqueceu ambas as possibilidades quando viu descer dele ao Roxanne. Era um alvo perfeito para descarregar sua frustração.

 - De volta tão logo?  - gritou-lhe - . Seu amigo não conseguiu te entreter?

 - Vai-te à merda, Callahan.  - E Roxanne manteve a cabeça baixa tratando de passar junto a ele sem ser vista. Mas Luke tinha tanta raiva que não o permitiu.

 - Né  - disse, tirou-a do braço e a fez girar. Mas se freou em seco quando viu o estado em que tinha a roupa. debaixo da colorida jaqueta, a blusa de algodão estava rota e salpicada de sangue. Luke sentiu uma onda de pânico enquanto a sujeitava pelos ombros e lhe cravava os dedos.  - O que te passou?

 - Nada. me deixe em paz. Sacudiu-a com força.

 - O que aconteceu?  - perguntou, e as palavras pareceram não querer sair de sua garganta - . Pequena, o que aconteceu?

 - Nada  - repetiu ela. por que de repente começo a tremer?, perguntou-se. Já todo tinha terminado. Definitivamente.  - Gerald tinha uma idéia distinta da minha sobre minha presença em seu apartamento.  - Levantou o queixo, preparada para escutar um sermão.  - Tive que convencê-lo do contrário.

Ouviu que Luke aspirava ar, embora em realidade foi mas bem o grunhido de um animal. Quando levantou a vista, seu pulso, já instável, enlouqueceu. Os olhos do Luke pareciam de vidro, como os de uma fera cegada.

 - Matarei-o.  - Seus dedos se afundaram tanto nos ombros do Roxanne que a fizeram gritar. E Luke a soltou tão depressa que a moça se cambaleou para trás. Quando finalmente recuperou o equilíbrio teve que correr para alcançá-lo.

 - Luke. Basta.  - Agarrou-o da manga.  - Não passou nada. Nada. Estou bem.

 - Está cheia de sangue.

 - Não é minha.  - Ensaiou um sorriso e se separou o cabelo molhado da face.  - Vamos, aprecio seu gesto de cavalheiro andante, mas eu já me ocupei dele. Nem sequer sabe onde vive.

Encontraria-o. De algum jeito, Luke soube que conseguiria rastrear a esse filho de puta do mesmo modo em que um lobo lhe segue a pista a um coelho. Mas a mão do Roxanne tremia sobre seu braço.

 - Machucou-te?  - Custava-lhe muitíssimo manter a voz calma e uniforme, mas o fez pelo bem dela.  - me diga a verdade, Rox. Violou-te?

 - Não.  - Roxanne não resistiu quando Luke a rodeou com seus braços. Compreendeu que não era o medo a não ser o sentir-se traída o que a fazia tremer. Conheceu o Gerald, funcionou-lhe atraente, e ele tinha querido forçá-la a ter relações sexuais.- - Não, não e violou. Juro-lhe isso.

 - Rasgou-te a blusa.

Esta vez, o sorriso do Roxanne foi mais autêntica.

 - Disse que eu lhe tinha quebrado o nariz, mas acredito que eu a fiz sangrar.  - pôs-se a rir e apoiou a cabeça no ombro do Luke. sentia-se tão bem, parada ali na chuva com ele, sentindo os batimentos de seu coração. Cada vez que as coisas ficam feias, pensou, sempre está Luke a meu lado. Isso a consolou.  - Teria que havê-lo ouvido gritar. Luke, não quero que Max e  Lily saibam. Por favor.

 - Max tem direito de...

 - Já sei.  - Voltou a levantar a cabeça. A chuva  deslizava como lágrimas por sua face.  - Não tem nada que ver com os direitos. Machucaria-o e o assustaria. E já passou, de modo que o que poderia fazer ele?

 - Está bem. Não lhe direi nada. Se...

 - Sabia que haveria uma condição.

 - Se  - repetiu Luke e lhe colocou um dedo debaixo do queixo - . Se promete deixar que eu fale com esse bruto para me assegurar que não voltará a aproximar-se de você.

 - me acredite, não tenho por que me preocupar. É provável que esteja tratando de conseguir uma ordem judicial que me prohíba me aproximar isso a menos de cento e cinqüenta metros.

 - Falo com ele ou falo com o Max. Escolhe.

 - Maldição.  - Roxanne suspirou, refletiu e se encolheu de ombros.  - Está bem, direi-te onde encontrá-lo, se...

 - Bom, de acordo, qual é seu condição?

 - Se me jurar que só falará com ele. Não quero nem necessito que volte a atingir a ninguém por mim.  - Ela sorriu uma vez mais, e soube que os dois pensavam no Sam Wyatt. -  Esta vez eu me ocupei disso.

 - Só falarei  - disse Luke. Amenos que decidisse que fazia falta algo mais.

 - De fato, poderia me fazer um favor.  - separou-se do Luke porque o que tinha que dizer lhe funcionava difícil.  - Não estou do todo segura, mas acredito... Por algo que ele disse quando tratou de...

 - O que?

 - Acredito que tinha uma câmara escondida em alguma parte. E que estava filmando o que acontecia.

Luke abriu a boca. Voltou a fechá-la. Talvez melhor tivesse sido que ficasse sem fala.

 - Como diz?

 - É aficionado ao cinema  - seguiu dizendo ela depressa - . Tem loucura pelos filmes e os vídeos. Por isso fui a seu apartamento. Para ver um par de filmes clássicos. E ele...  - Suspirou.  - Estou bastante segura de que tinha uma câmara em funcionamento, para poder nos ver depois.

 - Maldito degenerado de porcaria.

 - Sim, bom, mas me perguntava, se insistir em falar com ele, se não poderia fazer que ele te desse o filme ou o tampe ou o que fora.

 - Conseguirei-a. Se alguma vez voltar a fazer uma coisa assim...

 - Eu?  - atingiu-se as mãos contra os quadris.

 - Escuta, afemine, estive a ponto de ser violada. Isso me converte em vítima, entendeste? Eu não fiz nada que merecesse esse tratamento.

 - Não quis dizer...

 - Ao demônio com isso. Típico dos homens.  - deu-se meia volta, deu dois passos e voltou a girar.  - Suponho que pensa que me merecia isso, verdade? Que seduzi a esse pobre homem indefeso, fiz-o cair em minha teia, e depois troquei de idéia quando as coisas ficaram pesadas.

 - te cale. - Atraiu-a para si e a apertou forte.

 - Sinto muito. Não quis dizer nada pelo estilo. Por Deus, Roxanne, não entende que me assustou? Não sei o teria feito se ele...  - apertou sua boca contra o cabelo Roxanne.  - Não sei o que teria feito.

 - Está bem.  - Outro tremor a estremeceu e lhe correu as costas.  - Todo está bem.

 - De acordo  - murmurou ele enquanto a acariciava, tratava de consolá-la, inclusive quando sua boca procurava dela - . Ninguém vai machucar te nunca mais.  - Havia chuva nos lábios do Roxanne, e ele a tirou, terna docemente, e depois voltou a procurar mais. Os laços dela subiram e lhe rodearam o pescoço e seu corpo começou a derreter-se como cera contra o dele. Luke se permitiu um momento, um momento glorioso, no que a abraçou e simulou que isso podia ser real.

 - Sente-se melhor?  - perguntou com sorriso tenso enquanto a separava.

Quando Roxanne lhe colocou a mão na bochecha, ele se agarrou e lhe beijou o centro da palma.

 - Rox... seria melhor que...  - interrompeu-se quando advertiu que um homem se aproximava entre a cortina e chuva. Luke começou a empurrar ao Roxanne para dentro, e então viu a face do Cobb, os olhos do Cobb, e sentiu que sua vida dava um salto mortal.

Que tolo tinha sido em esquecer por um momento que essa noite deveria enfrentar a seus próprios demônios.

Mas embora não pudesse fazer outra coisa, sim podia impedir que semelhante fealdade roçasse ao Roxanne.

 - Vai-te dentro  - ordenou-lhe.

 - Mas, Luke...

 - Entra. Já.  - Empurrou-a para o portão do jardim. -  Há algo que tenho que fazer.

 - Esperarei.

 - Não, não o faça.  - E Roxanne alcançou a lhe ver os olhos, e a angústia que havia neles.

Luke caminhou por entre a chuva para enfrentar um velha pesadelo.

 - Quanto tempo faz que não te vejo, moço.

 - Ao Cobb estava sentado no sujo boteco da rua Bourbon, fumando um Camel.

Luke tinha um braço apoiado no respaldo de sua cadeira. esforçava-se por manter-se sereno, e centrava toda sua força de vontade em impedir que essas desagradáveis lembranças penetrassem em sua mente.

 - O que quer?

 - Uma taça, um pouco de conversação.  - Cobb deixou que seus olhos percorressem os seios da garçonete e baixassem até seu entrepierna.  - Um uísque, duplo.

 - BlackJack  - ordenou Luke, sabendo que a cerveja que estava acostumado a beber não teria o fogo necessário.

 - A bebida de um homem  - disse Cobb, sorriu, e mostrou seus dentes manchados de tabaco. Tantos anos de levantar o cotovelo não tinham sido bondosos com ele. Inclusive nessa suave penumbra, Luke alcançou a ver o labirinto de capilares quebrados que se desenhava em sua face, esses intrincados estandartes que luzem os bêbados. Tinha engordado muito e a camisa lhe abria na cintura.

 - Perguntei-te o que queria.

Cobb não disse nada enquanto lhes serviam as bebidas. Levantou seu copo, bebeu um bom gole e ficou a contemplar o cenário. Uma ruiva tinta começava a tirar o uniforme de empregada. Agora só a cobria um taparrabo mínimo e um par de plumas.

 - Por Deus, olhe as tetas dessa puta.  - Cobb bebeu seu uísque e fez gestos de que lhe trouxessem outro. Olhou ao Luke e sorriu.  - O que te passa, moço? Você não gosta de olhar tetas?

 - O que faz em Nova Orleáns?

 - Estou-me tomando umas pequenas férias.

 - Cobb se passou a língua pelos lábios enquanto a bailarina saltava e se apertava seu seios abundantes.

 - Pensei que, já que andava por aqui, trataria de verte. Não vais perguntar me por seu mãe?

Luke bebeu um sorvo de uísque e esperou a que esse calor chegasse às vísceras e enfraquecesse seus músculos congelados.

 - Não.

 - Isso não é natural  - -disse Cobb e estalou a língua - . Agora vive no Portland. Cada tanto passamos um tempo juntos. Sabia que começou a me cobrar?

 - Olhou ao Luke com expressão lasciva e se alegrou ao ver que apertava os queixos.  - Mas a velha e querida Maggie é o suficientemente sentimental para me dar uma sessão grátis, quando atinjo a sua porta. Quer que lhe dê tuas saudações?

 - Não quero que lhe dê nada de minha parte.

 - Seu atitude é uma merda.  - Cobb bebeu mais uísque enquanto a música se voltava mais intensa e mais áspera. Um homem tentou subir ao cenário e foi arrojado dele.  - Sempre foi assim. Se te tivesse ficado em casa um tempo mais, eu te teria surrado até te infundir um pouco de respeito.

Luke se inclinou para diante, e seus olhos lançavam negou.

 - Ou me teria convertido em um puto.

 - Tinha um teto sobre seu cabeça, comida na ventre.  - Cobb se encolheu de ombros e seguiu bebendo.  - Algo tinha que pagar por isso.  - Ao Cobb não lhe ocorria ter medo do Luke. Sua memória era suficientemente boa para recordar o fácil que lhe funcionava acovardar a esse menino com alguns açoites propinados com seu cinto.  - Mas isso já é história antiga, não te parece? Agora é um personagem importante. Quase me caio de traseiro quando te vi por televisão. E fazendo truques de magia, pelo amor de Deus. Parece que aprendeu a usar seu varinha mágica, verdade, Luke?

 - Lançou uma gargalhada festejando sua própria piada até que os olhos lhe encheram de lágrimas.  - Você  e esse velho sim que o terão acontecido bárbaro.

A risada se converteu em sufoco quando Luke o agarrou pelo pescoço. Agora as faces de ambos estavam perto, o suficientemente perto como para que Luke cheirasse o uísque no fôlego do Cobb por cima do fedor e a fumaça do local.

  - O que quer?  - repetiu, separando as duas palavras.

 - Quer brigar, moço?  - Sempre inteligente para armar briga, rodeou os punhos do Luke com seus dedos carnudos. Surpreendeu-lhe a força que encontrou nelas, mas em nenhum momento duvidou de sua própria superioridade.  - Quer brigar comigo?

É obvio que queria fazê-lo, com uma necessidade quase tão profunda como o sexo. Mas um parte dele, sepultada no mais profundo de seu ser, seguia sendo esse menino apavorado que recordava o ruído do cinto de couro e seu açoite sobre a carne viva.

 - Não quero viver no mesmo estado que você.

 - É um país livre.  - Como era suficientemente vivo como para saber que com uma briga não obteria o que tinha ido procurar, Cobb se separou com uma sacudida e ordenou outro uísque.  - O problema é que terá que pagar por tudo isso. Está ganhando bom dinheiro com seus truques de magia.

 - Isso é o que quer?  - Luke poderia haver-se posto-se a rir se o asco não lhe tivesse fechado a garganta.  - Quer que te dê dinheiro?

 - Eu ajudei a te criar, não? E sou o mais parecido a um pai que teve.

Agora sim riu. E nesse som houve tanta fúria que a gente que estava perto os olhou com precaução.

 - te largue.  - Mas antes de que pudesse levantar-se, Cobb se prendeu de sua manga.

 - Eu poderia te causar problemas, a você e a esse velho com o que está enredado. Quão único tenho que fazer é um par de chamadas a alguns jornalistas. O que acredita que pensariam os produtores de televisão quando lessem a respeito de você? Callahan... assim é como te faz chamar, não? Somente Callahan. Escapista e táxi-boy.

 - Mentira.  - Mas tinha empalidecido, e Cobb o noto. Todas essas lembranças lhe alagaram a cabeça: essas mãos gordas que o tocavam, que o apalpavam, o suor e os ofegos.  - Não permiti que me tocasse.

 - Não tem idéia do que aconteceu que eu te chutei e te deixei inconsciente.  - Cobb estava contente de que essa mentira fizesse efeito no moço.  - De todos os modos, a gente duvidaria, não te parece? Pessoas como a garota que estava abraçando faz um momento não quereriam ter nada que ver contigo se soubessem o que fazia com os maricas quando tinha doze.  - Sorriu, e havia odeio em seus olhos.  - Não importa se for mentira ou verdade, moço, uma vez que apareça impresso.

 - Matarei-te.  - A náusea debilitou a voz do Luke e lhe perolou a frente.

 - Funcionará-te mais fácil me pagar. Não necessito muito. Só um par de milhares para começar  - disse - . Para começar amanhã mesmo. Depois te escreverei cada tanto, te dizendo quanto quero e onde tem que mandá-lo. Do contrário... dirigirei aos meios de imprensa. E direi como vendeu a uma série de degenerados, como abandonou a seu pobre e enfermo mãe, como te enredou com esse tal Nouvelle. Parece-me que, ao tomar sob sua asa a um menino que fugiu que seu lar, ele violou um par de leis. Por outro lado, pode dar a impressão de que tem outros usos para você. Já sabe o que quero dizer.  - E voltou a sorrir, satisfeito ao observar a repugnância no rosto do Luke.  - Eu poderia fazer que a gente se perguntasse se ele não recebeu grátis o que a outros fez pagar.

 - Mantenha ao Max fora disto.

 - Com todo gosto  - disse Cobb e abriu as mãos - . Você me traga dois mil dólares aqui, amanhã de noite. Será um assunto de boa fé. Depois irei. Se não te apresentar, chamarei por telefone ao National Enquirer. E opino que a todos esses meninos e garotas, e a seus mamitas e papaizinhos, não lhes faria nenhuma graça ver um mago que tem debilidade pela carne jovem. Não imagino que possa dar outra função ante a Rainha da Inglaterra se te acusa de sodomia. É assim como o chama a polícia. Sodomia.  - Cobb riu de novo ao ficar de pé.  -  Amanhã de noite. Estarei-te esperando.

Luke permaneceu imóvel em seu assento, lutando para poder respirar. Mentiras, asquerosas mentiras. E ele podia demonstrá-lo, verdade? A mão lhe tremeu quando tomou o copo. Ninguém acreditaria, ninguém, de maneira nenhuma, poderia acreditar que Max...

Enojado, apertou-se as mãos contra os olhos.

Cobb tinha razão. Quando isso aparecesse em letras de molde, quando a gente começasse a duvidar e a murmurar, já não importaria. A mancha estaria ali, junto com a vergonha e o horror.

E embora ele era capaz de suportá-lo, não podia tolerar que nada disso roçasse sequer ao Max ou ao Lily. Ou ao Roxanne. A doce Roxanne. Fechou os olhos com força enquanto terminava de beber o que ficava de uísque. Ordenou outro e decidiu embebedar-se.

Ela o esperava. Roxanne tinha entrado e conseguido deslizar-se em sua residência sem que ninguém o notasse. Um banho de imersão bem quente e prolongado tinha aliviado grande parte de suas dores e parte de suas frustrações. Depois se instalou no balcão a esperar.

Viu-o aproximar-se cambaleando entre a garoa e a névoa. Viu-o balançar-se e deter-se e arrancar de novo, com a forma típica de caminhar dos bêbados. Sua preocupação e confusão se permutaram em fúria assassina.

Ele a tinha deixado em meio da chuva, com todos os sentidos aguçados, e partiu para reunir-se com uma garrafa. Ou com várias garrafas, a julgar por seu aspecto. Roxanne ficou de pé, ajustou-se o cinturão de sua bata  - como um soldado que se prepara para a batalha -  e correu para baixo para interceptar ao Luke no jardim. ,  - Pedaço de imbecil.

O se cambaleou para trás, tratou de manter o equilíbrio e sorriu com expressão tola.

 - Querida, o que faz aqui na chuva? Resfriará-te  - disse e deu um passo vacilante - . Deus, que linda está, Roxy. Volta-me louco.

 - Isso é evidente.  - Não foi precisamente um cumprimento lhe ouvir balbuciar essas palavras em forma quase incompreensível. Estendeu um braço para sustentá-lo quando ele se balançou.  - Espero que pagará por isso pela manhã.

 - De noite  - murmurou enquanto a cabeça lhe dava voltas e mais voltas sobre os ombros - . Tenho que pagar amanhã de noite.

 - Espero que viva até esse momento  - disse Roxanne e suspirou, mas igual o sustentou e passou um dos braços do Luke sobre seus ombros - . Vamos, Calavam, vejamos se podemos colocar a um bêbado na cama sem despertar ao resto da casa.

 - Não estou bêbado.

Ela grunhiu um pouco pelo esforço de arrastá-lo para uma porta lateral.

 - Claro que não. Por seu fôlego, calculo que só tem dentro como quatro litros de uísque.

Ele sorriu e atingiu pesadamente contra a porta antes de que ela tivesse tempo de abri-la.

 - Sinto muito. Cheira bem, Rox. Como a chuva sobre as flores silvestres.

 - Ah, o poeta irlandês.  - E as cores subiram a seu rosto ao sustentar ao Luke com uma mão e abrir a porta com a outra.

 - Me alegro de que não tenha tetas como essa tipa de esta noite. Acredito que não me teria gostado.

 - Que tipa?  - perguntou Roxanne em um sussurro, antes de adicionar, quase sem fôlego:  - Não importa.

 - Não me entusiasma muito ver despir-se a uma mulher quando no quarto há muitos homens. Uma e a gente é mais meu estilo, sabe?

 - Fascinante.  - Roxanne não sentiu o menor remorso quando o jogou contra a mesada da cozinha.  - Deixa-me em meio da chuva e corre a um local onde se faz strip tease. Filho de puta.

 - Sou um filho de puta  - disse com voz de bêbado - . Nasci sendo-o e morrerei da mesma maneira.  - cambaleou-se quando ela tratou de dirigi-lo para a escada de atrás.  - Acredito que o melhor seria matá-lo. Seria mais limpo.

 - Não, você prometeu que só falaria com ele. Luke se passou uma mão pela face para assegurar-se de que seguia tendo-a ali.

 - Falar com quem?

 - Com o Gerald.

 - Sim, claro.  - Tropeçou com o primeiro degrau, e embora caiu e se atingiu com força, não pareceu dar-se conta. Para desconcerto do Roxanne, estendeu-se sobre a escada e se dispôs a dormir.  - É terrível que se aproxime de você dessa maneira. E que não saiba se puder ou não detê-lo. E que ele te agarre e lhe toquetee. Deus santo... Não quero nem pensá-lo.

 - Então não o faça. Pensa em chegar ao piso de acima.

 - Tenho que me deitar  - murmurou, irritado, quando ela tratou de levantá-lo - . Me deixe em paz.

 - Não penso permitir que durma aqui, como o imbecil bêbado que é. Lily se preocupará muitíssimo se te encontrar neste lugar.

 - Lily  - disse ele e suspirou. Começou a subir os degraus, instigado pelo Roxanne.  - É a primeira mulher que quis. É a melhor. Ninguém machucará jamais ao Lily.

 - É obvio que não. Vamos, um esfuercito mais.

 - Tanto tironeo lhe tinha aberto a bata. De onde se encontrava, Luke teve uma visão perturbadora de uma coxa branca e suave.  - Irei ao inferno  - disse e riu quando Roxanne o fez calar - . Direito ao inferno. Deus, oxalá usasse algo debaixo da bata, pelo menos alguma vez. me deixe que...  - Mas quando ele estirou a mão para tocar, nada mais que para tocar essa pele rígida e branca, terminou feito uma pelanca no descanso superior da escada.

 - De pé, Callahan - disse-lhe ao ouvido Roxanne - . Não quero que desperte ao Max e ao Lily.

 - Está bem, está bem.  - Tratou de tragar, mas sua saliva tinha gosto a veneno.  - vou vomitar?  - perguntou, quando a náusea se escondeu em seu estômago.

 - Isso espero  - disse ela entre dentes enquanto o arrastava a seu dormitório - . Sinceramente o espero.

 - Detesto isso. Faz-me sentir como aquela vez que Mouse me deu meu primeiro cigarro. Não voltarei a me embebedar, Rox.

 - De acordo. Aqui estamos... merda. O se derrubou na cama. E, embora era rápida, não se moveu com a suficiente rapidez para evitar cair com ele. Luke aterrissou sobre ela e lhe tirou o fôlego.

 - Sal de em cima de mim, Callahan.

Ele respondeu com um murmúrio incompreensível. Seus lábios lhe roçaram a garganta.

 - Basta. OH... maldição.  - A maldição terminou em um gemido afogado. O prazer, pesado e escuro, invadiu-a quando ele rodeou com a mão um de seu seios. O não mediu, nem apertou, simplesmente possuiu.

 - Suave - murmurou - . Suave e doce Roxanne.

 - Seus dedos acariciaram a fina seda, ausente e preguiçosamente, enquanto seus lábios beijavam a pele.

 - Luke. me beije.  - O corpo do Roxanne já flutuava quando tentou aproximar sua boca a do Luke.  - me beije como o fez aquela vez.

 - Mmmm.  - O suspiro do Luke foi prolongado, depois do qual perdeu o conhecimento.

 - Luke  - disse ela e o sacudiu pelos ombros. Não pode ser, disse-se. Não duas vezes a mesma noite. Mas quando tomou uma mecha do cabelo do Luke para lhe jogar a cabeça para trás, viu que estava inconsciente. Apertando os dentes e amaldiçoando em voz baixa, separou-se esse corpo inerte que tinha em cima.

Deixou-o estendido transversalmente na cama, totalmente vestido, e foi dar uma ducha gelada.

 

Esteve a ponto de matar-se. Entre a ressaca de sua bebedeira e seu precário estado emocional, Luke perdeu os sentidos do tempo e do equilíbrio. Na arte das fugas, como as que ele fazia, existem regras, regras rígidas e exigentes que limitam a fronteira entre a vida e a morte.

Mas a escolha de agir seguindo essas regras e deixar de lado o orgulho, deixava pouco lugar para manobrar. Luke seguiu adiante com o ato de escapamento da primeira função, e permitiu que lhe colocassem uma camisa de força, algemassem-no e lhe algemassem as pernas antes de encerrar-se em um borda de ferro se localizado no centro do cenário.

Dentro todo era negrume, mormaço e falta de ar. Como uma tumba, como uma abóbada. Como um placard. Tal como lhe ocorria sempre, sentiu essa onda inicial de pânico, a sensação de estar preso.

Não tem saída, moço, ressonou a voz do Cobb em cabeça do Luke. Não tem saída até que eu te deixe ir. Não o esqueça.

Esse medo antigo e inerme se meteu dentro dele. Começou a inalar com lentidão e em forma superficial ira ganhar nos nervos, enquanto começava a trabalhar para liberá-las mãos.

Podia sair. Tinha demonstrado uma e outra vez que ninguém poderia voltar a mantê-lo encerrado nunca as. Lutou e lutou, mas a imagem do Cobb voltava:

Eu tenho a chave, pequeno vagabundo, e ficará onde te coloquei. E é hora de que recorde quem manda aqui.

sentiu-se uma vez mais dentro do placard: o menino que soluçava e pegava golpes contra a porta com as mãos machucadas. Quase deixou de respirar quando seu coração lhe atingiu contra as costelas e ressonou em sua cabeça. As náuseas lhe queimavam o estômago. Voltou sentir medo, um medo que lhe deslizava por todo o corpo como diminutos insetos por sua pele suarenta.

Lançou uma exclamação de dor quando os ferros lhe incrustaram nos punhos. Por um momento, lutou contra eles como o faria um homem se desespera-o para livrar-se de seus grilhões caminho do cadafalso. E cheirou o aroma a cobre de seu próprio sangue.

"Estou respirando muito rápido", disse-se, acovardado pelo som de seus pulmões que lutavam por mais oxigênio. "te acalme, te acalme, maldito seja".

Dobrou seu corpo, e sentiu o familiar e esperada ponto de dor ao mover suas articulações. Colocou seu ombro em uma posição impossível, que lhe permitia manobrar e mover-se dentro do colete de força.

Teve que deter-se de novo, e reunir suficiente coragem para fazer caso omisso da dor.

Estava enjoado, uma sensação que lhe recordou seu vividamente estado da noite anterior... e também

Ao Roxanne. Imagine começaram a desfilar por sua mente, embora ele lutasse pelas reprimir e concentrar-se na tarefa de liberar seus braços. A pele suave e alva do Roxanne, e as mãos dele movendo-se sobre ela. O corpo do Roxanne, cheio de curvas, que cedia debaixo do dele.

O suor lhe cobria o corpo. Tinha perdido noção do tempo, um grave engano. Se ficasse fôlego, teria se amaldiçoado. Quando conseguiu liberar do colete de força, tinha os músculos e articulações em um grito de dor. Só tinha que atingir a parede do arca... como antes o tinha feito com a porta do placard.

Eles a abririam, deixariam-no sair, deixariam que aspirasse uma enorme baforada de ar. Sua cabeça caiu para trás, ricocheteando contra o flanco do arca. Uma dor ardente e luminosa lhe incrustou na cabeça, e as imagens dançaram detrás de seus olhos fechados.

Cobb o olhava de esguelha, dele brotavam olhadas com desdém e ironia.

Ocuparei-me do Cobb, prometeu-se Luke. Só fazia falta dinheiro.

Roxanne. Essas imagens do Roxanne no filme que tinha conseguido lhe tirar um Gerald aterrorizado. Pareceu-lhe ouvir o som de sua blusa ao rasgar-se, suas súplicas abafadas de que a soltasse. Pareceu-lhe ver o jorro de sangue, quase cheirá-lo, quando ela lutou para liberar-se.

E que aspecto tinha, Deus santo, ali parada, os punhos preparados, o corpo em posição de luta, como uma Amazona, protegida por sua coragem como por uma armadura; o medo e a raiva brilhando em seus olhos.

Teria querido abraçá-la então, lhe apagar os tremores com carícias. Tal como teria querido surrar ao já golpeado Gerald até fazê-lo mingau.

Mas, por muito furioso que tivesse estado, sentiu-se igualmente envergonhado. Havia-lhe ele, cego pelo álcool e a luxúria, feito ao Roxanne o que Gerald só tinha tentado?

Desejo e chantagem. Pois bem, nenhuma das coisas mereciam morrer por elas. Levantou uma mão vacilante se esbofeteou forte, uma, duas vezes, para que a dor esclarecesse brumas de seu cérebro.

ficou a trabalhar com os grilhões das pernas, enquanto inalava com cautela o pouco ar que ficava .

 

Demora muito. Roxanne ouviu o pânico em sua própria voz quando agarrou a manga de seu pai.  - Papai, já se passou dois minutos.

 - Já sei  - Max fechou uma mão que tinha a temperatura do gelo sobre a de sua filha.  - Ainda tem tempo.  - Não cabia lhe contar que ao ver o Luke tão pálido e com os olhos afundados no camarim, tinha-lhe exigido que cancelasse sua parte na função dessa noite.

Tampouco tinha sentido lhe dizer que Luke se negou a obedecê-lo. O moço era agora um homem, e as renda do poder estavam trocando de mão.

 - Algo anda mau.  - Imaginava inconsciente, asfixiado e indefeso.  - Maldito seja.  - Roxanne pegou meia volta, com a intenção de ir a decorações para lhe tirar as chaves do arca a Mouse. Antes que alcançasse a dar um passo, a tampa da caixa se abriu com um golpe.

Impressionado, o público aplaudiu. Empapado de suor, Luke saudou e encheu, por fim, seus pulmões famintos. Quando Max viu que se cambaleava e tratava de sustentar-se, fez- um gesto ao Roxanne e em seguida deu um passo adiante para distrair aos pressente com jogos de prestidigitação.

 - Idiota. Tarado. Cérebro de mosquito.  - Roxanne lhe lançou uma surriada de insultos entre os dentes fechados de um sorriso largo, enquanto o tirava do braço e o tirava do cenário.  - Que demônios tratava de demonstrar?

Lily estava ali com um grande copo de água e uma toalha. Luke se bebeu até a última gota.

 - Vão-se  - disse, enquanto se secava o suor da face. Quando se cambaleou, Roxanne o rodeou com os braços. O coração dela ressonava como trovão em seus ouvidos enquanto continuava arreganhando-o.

 - Não tinha sentido que te metesse nessa caixa esta noite, depois de te passar a noite chupando.

 - Meu trabalho é me colocar ali  - recordou-lhe ele. sentia-se tão bem, tão mas tão bem, com ela sustentando-o. soltou-se e se encaminhou ao camarim. Como um terrier raivoso, Roxanne o seguiu.

 - Pertencer ao mundo do espetáculo não significa que tenha que te matar. E se você...  - Roxanne se deteve junto à porta do camarim do Luke.  - OH, Luke, está sangrando.

Ele baixou a vista e viu que lhe saía sangue dos punhos e dos tornozelos.

 - Os grilhões das pernas me deram um pouco de trabalho  - disse e levantou uma mão para impedir que ela entrasse - . Quero me trocar.

 - Necessita que alguém te limpe isso. Deixa que eu...

 - Disse que queria me trocar. - Agora foi o olhar gelada de seus olhos o que a freou.  - Posso me ocupar eu disso.

Ela apertou os lábios para impedir que lhe tremessem. Não sabia ele, acaso, que essa frieza lhe doía mil vezes mais que uma palavra irada? Levantou o queixo. É obvio que sabia.

 - por que me trata assim, Luke? depois do de ontem à noite...

 - Estava bêbado  - disse com tom cortante, mas ela sacudiu a cabeça.

 - Antes, antes não estava bêbado. Quando me beijou. Pequenas línguas de fogo brotaram em suas vísceras. Um homem teria que ser cego para não ver o que ela estava oferecendo com os olhos. sentiu-se doente e cansado até os ossos.

 - Estava transtornada  - conseguiu dizer com surpreendente calma - . E eu também. Tratava de fazer que se sentisse melhor, isso foi todo.

 - É um mentiroso  - saltou ela com o orgulho ferido - . Desejava-me.

O sorriso dele estava calculada para ser um insulto. Pelo menos, controle para isso ficava.

 - Querida, se algo aprendi nos últimos dez anos é a tomar o que desejo.  - Suas mãos se fecharam em um punho aos flancos do corpo, mas a expressão o seus olhos seguiu sendo divertida.

Fechou-lhe a porta na face e depois se recostou pesadamente contra ela.

Esteve perto, Calavam, pensou fechando os olhos. Em mais de um sentido. Como os dores que sofria exigiam atenção, ficou a procurar uma aspirina. Tinha que ir ver o Cobb, e o faria armado com dois mil dólares e uma cabeça limpa.

Ninguém sabia melhor que Maximillian Nouvelle o valor que tinha o momento apropriado. Aguardou pacientemente ao longo da segunda função, sem fazer nenhum comentário nem expressar nenhuma crítica. Fez caso omisso das objeções do Lily e do Roxanne quando Luke se introduziu na caixa de ferro para o público de última hora. Max sabia bem que se um homem não se enfrentar a seus demônios pessoais, acaba devorado completamente por eles.

Uma vez em casa, convidou cortesmente ao Luke à sala para um gole e se apressou cortesmente  a  servir duas taças de conhaque antes de que ele tivesse tempo de aceitar ou rechaçar o convite.

 - Não estou de ânimo para um gole  - disse Luke. A sozinha ideia de beber álcool o decompunha.

Max se instalou em sua poltrona favorita e rodeou a taça com as mãos para enfraquecê-la.

 - Não? Bom, então pode me acompanhar um momento enquanto eu bebo.

 - foi uma noite larga  - disse Luke.

 - É claro que sim que sim.  - Max levantou uma mão e lhe indicou uma cadeira.  - Sente-se.

O poder seguia sendo dele, com a mesma força que alguma vez tinha obrigado a um menino de doze anos a esperar junto a um cenário em trevas. Luke se sentou, tomou um charuto. Jogou com ele enquanto aguardava que Max falasse.

 - Existem muitos métodos para suicidarse.  - A voz do Max foi suave, como a de um homem que começa a relatar uma história.  - Mas tenho que reconhecer a todos eles uma forma de covardia. Entretanto, uma escolha dessa natureza é uma questão extremamente pessoal. Está de acordo?

Luke estava perdido. Como fazia muito que aprendeu a mostrar-se cauteloso com as palavras quando Max lhe estendia uma armadilha, limitou-se a encolher-se de ombros.

 - Muito eloqüente  - disse Max com um quê de sarcasmo que fez que Luke entrecerrasse os olhos.

Se chegar a considerar de novo essa escolha  - prosseguiu Max depois de beber um sorvo de conhaque - , sugiro-te um método mais limpo e mais rápido, como por exemplo o uso da pistola que guardo na prateleira superiora do placard de meu dormitório.  - antes de que Luke pudesse fazer outra coisa que piscar pela surpresa, Max se tinha jogado para diante, com uma mão delicadamente ao redor de sua taça, enquanto com a outra atirava com força do pescoço da camisa do Luke. Quando os rostos de ambos estiveram perto,

Max falou com uma fúria intensa e serena que se refletiu no olhar de seus olhos.  - Não volte a usar meu cenário, nem a ilusão da magia para algo tão covarde como colocar fim a seu vida.

 - Max, pelo amor de Deus.  - Luke sentiu que esses ledos fortes se fechavam ao redor de sua garganta e depois afrouxavam a tensão.

 - Jamais te levantei sequer a mão.  - Agora, o controle que Max tinha mantido durante a segunda função e depois, começou a rachar-se, assim teve que levantar-se e olhar em outra direção ao falar.

 - Já aconteceram dez anos, e respeitei a promessa p te fiz. Mas devo te acautelar que a quebrarei. Se voltar a fazer uma coisa como a de esta noite, moerei a golpes.  - E girou medindo ao Luke com olhos que jogavam faíscas.

A raiva e a indignação foram o primeiro. Luke se parou de um salto, com a garganta cheia de desafios e de negações. Foi nesse momento quando, à luz do abajur, advertiu que os olhos do Max não brilhavam de Fúria mas sim pelas lágrimas. Isso o humilhou mais que mil sovas.

 - Não teria que ter feito essa prova esta noite  - disse em voz baixa - . Tinha perdido o sentido do tempo. Tinha problemas que não pude me tirar da cabeça. Sabia, mas não pude... Juro que não tentava me machucar, Max. Foram a estupidez e o orgulho.

 - Deve ser a mesma coisa, não te parece?  - Max voltou a beber um sorvo para esclarecê-la garganta.

 - Fez chorar ao Lily. E isso é algo que me custa perdoar.

Pela primeira vez em anos, Luke sentiu um medo terrível, medo do rechaço.

 - É por uma mulher? Se for assim, poderia te dizer que nenhuma mulher vale seu vida nem seu paz espiritual, Mas, é obvio, isso seria uma mentira. Há algumas, e para um homem é de uma vez uma bênção e uma maldição as encontrar. Quer que falemos sobre o assunto?

 - -Não  - conseguiu dizer Luke, em que pese a ter a garganta obstruída. A sozinha ideia de falar de seu desejo escuro e imperioso com respeito ao Roxanne com seu pai lhe pareceu absurdo.  - Tenho-o todo sob controle.

 - Muito bem. Então possivelmente queira saber sobre o novo trabalho.

 - Sim. É obvio.

Satisfeito de ter esclarecido coisas, Max voltou a sentar-se.

 - LeClerc conhece uma informação muito interessante. Certo político de alto nível tem uma amante nos subúrbios opulentos de Maryland, perto da capital deste país. Parece que nosso servidor público não desdenha os subornos; em minha opinião, uma maneira muito suja de ganhá-la vida, mas assim é. De todos os modos, é o suficientemente ardiloso como para não trocar de estilo de vida para evitar toda classe de suspeitas. Em troca, investe em jóias e obras de arte, e guarda seus investimentos em casa de seu amante.

"Agora bem, com respeito a nossa viagem a Washington..."

Planejar a operação tomou seis meses. Era preciso perfilar e polir os detalhes com tanto cuidado como a função que os Nouvelle ofereceriam no Kennedy Center.

Em abril, na época em que florescem as cerejeiras, Luke viajou ao Potomac, Maryland. Disfarçado com um traje de raias finas, uma peruca loira e uma barba recortada, ficou a percorrer propriedades com um agente de bens raízes. Com um forte acento bostoniano, assumiu a identidade do Charles B. Holderman, o representante de um endinheirado industrial de Nova a Inglaterra, a quem lhe interessava comprar uma casa nos subúrbios elegantes do Distrito Federal.

alegrou-se de viajar, não só pela oportunidade de conhecer lugares novos, mas também pelo benefício adicional de  estar longe do Roxanne. Ela se tinha vingado da maneira mais arteira e eficaz: agindo como se nada tivesse passado.

Luke percorreu a série de casas que lhe oferecia o promotor imobiliário. As perguntas que formulava como representante de um possível comprador eram quão mesmas ele necessitava saber como ladrão potencial: quem vivia na vizinhança e a que se dedicavam. Se havia cães e patrulhas policiais, A que companhia

recomendaria para instalar sistemas de segurança, etc.

Mais tarde, esse mesmo dia, Luke decidiu ir ao grão e fazer uma visita ao Miranda Leesburg. Avançou por seu atalho de lajes bordeado de flores e chamou a sua porta de carvalho com vitrais.

Já sabia o que esperar: tinha estudado as fotografias dessa loira de trinta e tantos anos, com um corpo Fenomenal e olhos azuis e gelados. Ouviu com resignação o latido agudo de um par de cães. Sabia que tinha dois pomeranias, mas era uma pena que ladrassem tanto.

Quando ela abriu a porta, Luke se surpreendeu ao ver um cabelo escorrido penteado para trás e sujeito em uma rabo-de-cavalo, e a face de feições angulosas perolada de transpiração. Miranda levava uma toalha ao redor do pescoço. O resto desse corpo cheio de curvas estava coberto por um traje de ginástica de duas peças, de intensa cor púrpura.

Ela elevou aos dois cães. Ao olhá-la, Luke começou a entender por que o bom senador guardava escondido esse pequeno tesouro.

Nas fotografias, era bonita mas de uma maneira fria e distante. Pessoalmente, sua atração sexual era incrível.

 - Perdão  - disse ele com acento ianque - . Lamento incomodá-la.  - Os cães seguiam ladrando e teve que levantar a voz para ser ouvido em meio de tanto barulho.

 - Sou Holderman, Charles Holderman.

 - Sim?  - Ela o olhou de cima abaixo, como o faria se ele fosse uma estátua que contemplava em um museu.

 - Vi-o pela vizinhança.

 - Meu chefe está interessado em comprar uma propriedade nesta zona  - disse Luke e voltou a rir.

 - Sinto muito, minha casa não está em venda.

 - Não, já me dou conta. Pode me brindar um momento de seu tempo? Se quer podemos falar aqui fora.

 - por que acredita que me sentiria mais cômoda aqui fora?  - Baixou os cães e lhes deu um tapinha para que se afastassem. Com seu amante fora da cidade durante quase duas semanas em uma excursão para arrecadar recursos, sentia-se aborrecida. Charles B. Holderman lhe pareceu uma diversão interessante.  - Do que queria me falar?

 - Ah, seu parque. Meu empregador é muito exigente com respeito aos parques e jardins. E o seu se aproxima bastante a satisfazer seus requisitos. Perguntava-me se você mesma construiu o jardim com rochas do parque.

Ela se pôs-se a rir.

 - Querido, não sei distinguir um pensamento de uma petunia. Emprego a um especialista na matéria.

 - Ah, então possivelmente terá você a bondade de me dar seu nome, seu número de telefone.

 - Sim, suponho que poderia ajudá-lo. Entre, procurarei o cartão.

 - Muito amável de sua parte.  - Luke começou a gravar-se mentalmente os detalhes do vestíbulo, das escadas do frente, do tamanho e número das residências que davam ao corredor.  - Sua casa é preciosa.

Era todo bolo e estampados florais. Muito feminina.

Luke se deteve admirar um quadro.

 - Delicioso  - disse quando Miranda olhou por sobre ombro.

 - Gosta dos quadros?

 - Sim, sou um admirador das obras de arte. E o estilo de este é impecável. Não lhe importava nada o estilo, mas sim conhecia muito bem o valor desse tecido.

 - Jamais pude entender por que às pessoas lhe ocorre pintar árvores e arbustos.

Luke sorriu.

 - Talvez para que algumas pessoas se perguntem dêem ou o que está detrás dessas árvores e arbustos.

Ela se pôs-se a rir.

 - Isso está muito bem, Charles, muito bem. Tenho um fichário de cartões na cozinha. por que não toma algo afresco comigo enquanto encontro o nome e a direção desse especialista em parques?

 - Seria um prazer.

A cozinha possuía o mesmo encanto suave e feminino do resto da casa. Nas mesadas azulejadas em tons malva e marfim havia vasos de barro com violetas africanas. Os aparelhos elétricos eram modernos e não desafinavam. Uma mesa redonda de cristal com quatro cadeiras colchadas cor creme ocupavam o centro do amiente, sobre um tapete cor rosa pálido. Como nota dissonante, pelos falantes da cozinha se ouviam os lembre estridentes de um violão.

 - Estava fazendo ginástica quando bateu na porta  - disse Miranda e se aproximou da geladeira para tirar uma jarra com limonada - . Eu gosto de estar em forma, sabe? esse tipo de música me faz transpirar.

 - Estou seguro de que funciona estimulante.

 - É claro que sim  - disse ela, tirou dois copos e serve neles a limonada.  - Sinta-se, Charles. Procurarei essa

cartão. Colocou os copos sobre a mesa e o roçou ao passar junto a ele e aproximar-se de uma gaveta.

Tranqüilo, moço, pensou Luke e se endireitou o nó da gravata antes de tomar seu copo.

 - Um dia precioso  - disse, enquanto ela revolvia o conteúdo da gaveta - . Que afortunada que é ao poder desfrutá-lo em sua casa.

 - OH, bom, meu tempo é meu. Tenho uma pequena boutique no Georgetown. Terá que vigiar os negócios, mas tenho um gerente que se ocupa dos problemas de todos os dias.  - Tirou um cartão comercial da gaveta e ficou a brincar com ela.  - É você casado, Charles?

 - Não. Divorciado.

 - Eu também - disse ela e sorriu, comprazida - . Descobri que eu adoro ter minha casa e minha vida para mim. Quanto tempo pensa ficar nesta zona?

 - Só um ou dois dias mais, temo-me. Compre ou não meu empregador uma propriedade aqui, minha tarefa ficará terminada.

 - E então se irá de volta A...

 - A Boston.

 - Mmmm.  - Isso era bom. De fato, era perfeito. Se ele se ficou mais tempo, ela o teria despedido com a bebida e o cartão do parquista. Mas, tal como estavam as coisas, era a resposta ideal a duas semanas larguísimas e frustrantes. Cada tanto  - muito cada tanto - , ao Miranda gostava de trocar de companheiro e dançar um pouco.

Ela não o conhecia, e tampouco o senador. Uma deitada rápida e anônima a ajudaria muito.

 - Bom...  - disse ela e deslizou a mão para baixo e se esfregou apenas a entrepierna - . Poderia dizer-se então que você... entrará e sairá daqui.

Luke apoiou o copo na mesa antes de que lhe caísse dos dedos.

 - Sim. Em certa forma, sim.

 - Posto que está aqui agora...  - Ela o olhou e ficou o cartão no triângulo de seu biquíni.  - por que não toma o que necessita?

Luke duvidou uma fração de segundo. As coisas não foram saindo exatamente como havia imagina-pero, como estava acostumado a dizer Max, uma onça de espontaneidade valia uma libra de planejamento.

 - por que não?  - ficou de pé e, movendo-se com muito maior rapidez do que ela supôs, colocou um dedo debaixo da linha enviesada do biquíni. Enquanto ela se arqueava para trás e o primeiro tom de luxúria brotava de seus lábios, já lhe tinha baixado o biquíni. Em dois movimentos rápidos, também abriu a braguilha e a penetrou com violência.

 - Deus!  - gritou ela e seus olhos se abriram de par em pelo prazer. Depois, as mãos dele agarraram quadris e a elevou com força para que as pernas se agarrassem ao redor de sua cintura. Ela ofegou e se entrego por completo.

Ele a observou. Seu sangue bombeava como um fogo. Ouvia que os cães tinham entrado na cozinha, nervosos e curiosos pelos estranhos sons que fazia proprietária. Estavam aconchegados debaixo da mesa de cristal, e ladravam.  Vão Puxem dava alaridos pelos falantes. Luke igualou seu ritmo ao deles. Alcançou a contar os orgasmos dela, e viu que o terceiro a deixou atordoada e frouxa, e foi um prazer para ele lhe proporcionar outro antes de sucumbir com o próprio.

 - meu deus  - exclamou Miranda e se teria derrubado ao piso se ele não a houvesse sustenido.  - Quem te ensinou todo isso debaixo desse traje tão elegante?

 - Só minha alfaiate.

 - Quando disse que tinha que ir ?

 - Em realidade, amanhã de noite. Mas hoje tenho bastante tempo livre.  - E, já que estava, mais lhe dava utilizá-lo para lhe jogar uma boa olhada à casa. Tem uma cama? Miranda lhe jogou os braços ao redor do pescoço.

-Tenho quatro. Em qual quer começar?

 - Parece muito contente contigo mesmo  - comentou LeClerc quando Luke deixou cair as valises no vestíbulo da casa de Nova Orleáns.

 - Consegui completar o trabalho. por que não teria que estar satisfeito?  - Luke abriu a maleta e tirou um caderno cheio de notas e desenhos.  - O plano da casa. Duas caixas fortes: uma no dormitório principal, a outra no living. Tem um Corot no hall de abaixo, e um Monet sobre a cama.

LeClerc grunhiu ao folhear as notas.

 - E como fez para descobrir a pintura e a caixa forte de seu dormitório, mon ami?

 - Agarrando-a como louco.  - Com um sorriso, Luke se tirou a jaqueta de couro.  - Sinto-me tão vulgar.

 - Casse pasmón coeur  - murmurou LeClerc, divertido - . A próxima vez farei que Max me envie .

 - Bonne chance, velho. Não tem idéia de algumas de suas posições...  - interrompeu-se quando ouviu um ruído proveniente da parte superior da escada. Roxanne estava ali, obstinada ao corrimão com uma mão. Tinha a face branca como o papel, salvo por dois emplastros de cor que poderiam dever-se à vergonha ou à fúria. Sem uma palavra, deu-se meia volta e desapareceu. E em seguida se ouviu o eco de uma portada.

Agora sim que Luke se sentia vulgar e sujo.

 - por que chifres não me avisou que ela estava aqui?

 - Não me perguntou isso  - foi a resposta do LeClerc - . Allons. Max está no quarto de trabalho. Quererá ouvir o que tem descoberto.

No piso superior, Roxanne estava estendida de barriga para baixo sobre a cama, lutava contra a imperiosa necessidade de começar a quebrar coisas. Mas não lhe daria esse gosto. Ela não o necessitava, não o queria. Não lhe importava. Se ele queria passá-la vida deitando-se com putitas  superdotadas, era assunto dele.

Mas desejou que se fora ao diabo por desfrutá-lo. Havia como uma dúzia... bom, pelo menos meia dúzia de homens que estariam mais que contentes por liberar a da carga da virgindade. Talvez tinha chegado o momento de escolher a um deles.

Ela também podia alardear, caramba. E, depois, fazer ornamento de suas proezas sexuais sob os narizes do Luke até que ele se engasgasse.

Não, maldito se tomaria uma decisão assim nada mais que por despeito.

sentou-se e decidiu que não voltaria a esperar entre decorações enquanto os homens desfrutavam de toda diversão. Quando se dirigissem à casa do Potomac, estaria-a junto a eles.

Chovesse ou trovejasse.

 - Estou totalmente preparada, papai.  - Roxanne transladou uma blusa prolixamente dobrada, de sua valise a uma gaveta em seu quarto do Washington Ritz.  - E cumpri com minha parte do trato.  - Arrumou sua roupa interior na gaveta de acima.  - Completei meu primeiro ano no Tulane, com excelentes qualificações. E me proponho fazer outro tanto em outono, quando começarem as classes.

 - isso apreço, Roxanne.  - Max estava de pé junto à janela. Depois dela, o verão de Washington assava o pavimento e se elevava em ondas oleosas.  - Mas estivemos meses planejando este trabalho. É mais prudente que faça seu estréia, por assim dizê-lo, com algo mais singelo.

 - Prefiro começar com algo importante  - disse ela  e começou a pendurar vestidos no placard - . Não sou novata e você sabe. fui parte desta faceta de seu vida  - infelizmente, desde detrás da cena -  desde que era garota. Posso abrir uma fechadura tão bem como LeClerc, e mais velozmente que ele. Sei muito sobre motores e mecânica graças a Mouse.  - depois de fechar o placard, olhou a seu pai.  - E sei mais sobre computadores que qualquer de vocês. E não ignora que essa classe de habilidade é invalorable.

 - E apreciei muito seu ajuda nas primeiras etapas deste trabalho. Entretanto...

 - Não há, entretanto, papai. É hora.

 - Há aspectos físicos além de mentais  - começou a dizer ele.

 - Acredita acaso que, durante o último ano, estive fazendo ginástica durante cinco horas semanais por minha saúde?  - retrucou-lhe ela. Tinham chegado a uma encruzilhada. Roxanne escolheu seu caminho e apoiou os punhos fechados sobre seus quadris.  - Faz-o porque como pai tem escrúpulos de estar me guiando por um caminho desonesto?

 - Por certo que não. Dá a casualidade de que considero que o que faço é uma arte antiga e valiosa. O roubo é uma profissão honrosa, querida minha. Que não se deve confundir com esses valentões que assaltam a gente pela rua, ou com os malfeitores que roubam bancos a ponta de pistola. Nós selecionamos nossos brancos. Somos românticos. Somos artistas.

 - Muito bem, então  - disse ela e se aproximou para beijá-lo em uma bochecha - . Quando começamos...?

O ficou olhando a face sorridente de sua filha e pôs-se a rir.

 - É um orgulho para mim, Roxanne.

 - Já sei, Max.  - E voltou a beijá-lo.  - Já sei.

 

O Kennedy Center se emprestava para espetáculos e ilusionismo do mais alto nível, assim como também as amasse de televisão que gravavam o evento para um programa especial a ser difundido em outono. Max tinha apresentado o espetáculo de cento e dois minutos como uma obra em três atos, com orquestra completa, iluminação estudada e vestuário importante.

O espetáculo começava com o Max a sós em um cenário às escuras, iluminado pelo feixe de um único spot. Estava envolto em uma capa de veludo cor azul noite, adornada com fios de prata. Em uma mão sustentava uma varinha mágica, também de prata, que resplandecia com a luz. Na outra, uma bola de cristal. Merlín teria tido esse aspecto quando preparava o nascimento de um rei.

O tema era a bruxaria, e Max interpretava ao místico nigromante com dignidade e dramatismo. Levou a bola à ponta dos dedos. Titilava com distintas luzes quando lhe falou com público de feitiços e de dragões, de alquimia e de bruxaria. Enquanto os espectadores o olhavam, cativados, a bola começou a flutuar: percorreu os pregas da capa de veludo, subiu até a ponta da varinha mágica e começou a girar por cima da cabeça do Max. O público deixou escapar uma exclamação de surpresa quando a bola iniciou uma caída vertical para o piso do cenário, e aplaudiu quando se deteve, instantes antes de sua destruição, e começou a rodar em uma espiral cada vez mais ampla e a subir até as mãos estendidas do Max, para ficar finalmente apoiada sobre as pontas de seus dedos. Uma vez mais ele tomou, deu-lhe um golpecito com a varinha mágica e a jogou para cima. A bola se transformou em uma chuva de prata que caiu sobre o cenário antes de que ficasse totalmente às escuras.

Quando as luzes reacenderam se, segundos depois, era Roxanne a que ocupava o centro do cenário, com um traje coberto de lentejoulas chapeadas. Em seu cabelo brilhavam estrelas. Estava parada, erguida como uma espada, os braços cruzados sobre o peito, os olhos fechados. Quando a orquestra começou a interpretar um movimento da Sexta Sinfonia do Beethoven, começou a balançar-se e abriu os olhos.

Falou de conjuros e do amor perdido, de feitiçaria. Ao descruzar os braços e levantá-los bem alto, das pontas de seus dedos brotaram faíscas. Seu cabelo, uma labareda de cachos que quase chegava aos ombros, começou a ondear em virtude de um vento inexistente. O feixe do refletor se alargou para mostrar uma pequena mesa junto a ela, e sobre a mesma, uma campainha, um livro e uma vela apagada. Roxanne se esfregou as Palmas e produziu fogo, uma série de chamas que ascendiam e baixavam como ao ritmo de uma respiração. Quando passou as mãos sobre a vela, as chamas se consumiram sobre a palma de suas mãos e brotaram do pavio da vela em uma catarata dourada.

Com um movimento do punho, fez que as páginas do livro começassem a girar, primeiro devagar e depois cada vez com maior rapidez, até parecer um torvelinho. A campainha se elevou da mesa entre sua Palmas estendidas, e soou quando ela moveu as mãos. de repente, debaixo da mesa, onde antes só havia um espaço vazio, apareceram três velas acesas. Suas chamas se foram fazendo cada vez mais altas até que toda a mesa estava em chamas, iluminando a face do Roxanne que seguia de pé um pouco mais atrás. Estendeu os braços para diante, e não ficou nada mais que fumaça. Nesse mesmo instante, acendeu-se outro spot. E ali estava Luke, à esquerda do cenário.

Usava um traje negro trabalhado com ouro reluzente. A maquiagem aplicada pelo Lily lhe tinha acentuado os maçãs do rosto e arqueado as sobrancelhas. Seu cabelo, quase tão largo como o do Roxanne, flutuava em liberdade. Olhou-a como o faria uma mescla de sátiro e pirata.

Ela o olhou do outro extremo do cenário, por sobre a fumaça que se elevava entre os dois. Sua  atitude era de desafio: a cabeça arremesso para trás, um braço levantado, o outro, estendido para diante. Um feixe de luz brotou de seus dedos para o Luke. Ele levantou uma mão e pareceu prendê-lo. O público prorrompeu n aplausos enquanto o duelo prosseguia. Os combatentes se aproximaram, entre a fumaça e as chamas, e as luzes de cena foram cor rosa e dourado, simulando um amanhecer. Roxanne se cobriu os olhos com um braço, para proteger-se. Depois, seus dois braços caíram, inertes, ao flanco do corpo, e sua cabeça caiu para diante. Seu traje prateado começou a jogar faíscas e a lançar luz enquanto ela se balançava, como se seu corpo estivesse sujeito por cordas às mãos do Luke. Ele a rodeou e passou suas mãos sobre ela, muito perto mas sem roçá-la. Depois lhe aconteceu uma mão estendida frente aos olhos, indicando que estava em transe. Logo, lentamente, fez-lhe gestos para que retrocedesse, cada vez mais. Os pés do Roxanne se elevaram do cenário. Mas suas costas permaneceu reta como uma espada quando ele a fez elevar-se para cima, até que ficou deitada sobre farrapos de fumaça azul.

Luke se deu meia volta, e quando voltou a enfrentar ao público sustentava um aro de metal. Com a graça de um bailarino, moveu-se ao redor do Roxanne e fez deslizar o aro por seu corpo. Depois  - e isso não formava parte do ato - , inclinou-se para ela como beijá-la. Sentiu que o corpo dela se retesava quando lhe aproximou os lábios.

 - Não o arruíne todo, Rox  - sussurrou. Depois, tirou-se a capa e a jogou sobre ela. manteve-se uns momentos no ar, antes de que a forma que estava debaixo parecesse começar a derreter-se. Quando a capa caiu ao chão, Luke tinha entre seus braços um cisne branco.

ouviu-se um alvoroço entre decorações. Luke se inclinou em busca de sua capa, rogando ao céu que o maldito cisne não o bicasse esta vez. escondeu-se, fez girar a capa sobre sua cabeça, e desapareceu.

 - Eu não gostei desse agregado  - disse Roxanne ao Luke assim que o viu.

 - Não?  - Entregou o cisne a Mouse e sorriu a ela. -  Pareceu-me que era um lindo toque.

 - Se voltar a tentá-lo, eu também farei algo fora de programa  - disse Roxanne e lhe cravou um dedo na camisa - . E juro que terminará com um lábio ensangüentado.

Luke a agarrou do punho antes de que ela pudesse afastar-se. Pelo som dos aplausos, soube que Max e Lily mantinham encantado ao público.

 - Olhe, Rox, o que fazemos no cenário é uma representação. Um trabalho. Como o que faremos amanhã de noite no Potomac. Nada pessoal.

Ela sentiu que o sangue batia em suas têmporas, mas conseguiu esboçar um sorriso cordial.

 - Talvez tenha razão.

Luke alcançou a cheirar seu perfume, sua maquiagem, o leve deixo de almíscar pela transpiração de cena.

 - É obvio que tenho razão. É só uma questão de...  - Mas não pôde seguir falando porque lhe cravou um cotovelo no estômago, afastou-se e sorriu, agora com muito mais sinceridade.

 - Nada pessoal  - disse com doçura, entrou em seu camarim, e fechou a porta com chave. Tinha chegado o momento de trocar-se para outro ato.

A seguinte vez que teve que enfrentar ao Luke, estavam os dois quase nariz a nariz, separados só pela lâmina fina de madeira atravessada. Estavam encerrados em uma caixa trucada e só tinham segundos para transmutar-se.

 - Se voltar a fazer isso  - disse Luke enquanto trocavam de lugar - , juro que te devolverei o golpe.

 - Olhe como tremo  - disse Roxanne e emergiu de caixa em lugar do Luke para receber um aplauso monumental.

Os dois saudaram graciosamente depois do final. Luke a beliscou forte, para lhe deixar um hematoma, ela o pisou.

O se inclinou com uma reverência, materializou rosas de um nada e as ofereceu ao Roxanne. Ela as aceitou, não antes de que tivesse tempo de fazer outra reverência, ele se deslocou. Não permitiria que esse golpe ficasse impune. Arqueou-lhe as costas com exagero e a beijou.

Ou isso acreditou o público, encantado. Mas em realidade mordeu.

 - Filho de puta  - disse ela enquanto se esforçava por sorrir. Os dois deram um passo atrás quando Max fez sua entrada final em cena. Luke tomou a mão do Roxanne. Mas seus olhos se abriram de par em par  quando lhe apertou um dedo e o dobrou.

 - Por Deus, Rox, as mãos não. Não posso trabalhar sem minhas mãos.

 - Então mantenlas longe de mim, companheiro. -Soltou-o, satisfeita com a idéia de que lhe doeria 1 polegar tanto como o lábio inferior. Os dois se uniram ao Max e ao Lily no centro do cenário para  uma saudação final.

 - eu adoro o mundo do espetáculo  - disse Roxanne, rendo.

O bom humor em sua voz fez que Luke desistisse de seu plano de lhe chutar o traseiro. Voltou a tomar a da mão, só que com mais cautela.

-A mim também.

A elegante recepção oferecida na Casa Branca foi o broche perfeito da velada.

 - Parece que a magia fez prodígios em você. Roxanne girou para ver seu interlocutor, e seu agradável sorriso se desvaneceu.

 - Sam. O que faz aqui?

 - Desfruto da reunião. Quase tanto como desfrutei de seu atuação.  - Tomou a mão e se levou aos lábios os dedos rígidos do Roxanne.

Tinha trocado muitíssimo. O adolescente fraco e mau vestido se converteu em um homem elegante e impecável. Seu cabelo cor areia luzia um corte conservador, igual ao smoking que usava. Em uma mão levava um discreto anel com um diamante.

O via bem barbeado e lustroso, como as fulgurantes antiguidades que enchiam a Casa Branca. dele emanava uma sólida aura de riqueza e êxito. E ela pensou em seguida que, como no caso dos políticos, debaixo desse aura resplandecente se adivinhava o leve fedor da corrupção.

 - cresceste, Roxanne. E está preciosa. Ela liberou sua mão.

 - Eu poderia dizer o mesmo de você.

 - por que não o faz, então, enquanto dançamos?

Poderia haver-se negado, rotundamente e com cortesia. Tinha habilidade suficiente para isso. Mas sentia curiosidade. Sem dizer uma palavra foi com ele à pista e os dois se uniram à multidão que dançava.

 - Asseguro-te  - disse ela, bastante surpreendida pela atitude dele - , que a Casa Branca é o último lugar onde esperava voltar a verte. Mas, bom  - adicionou, olhando-o aos olhos - , a maioria dos gatos caem bem parados.

 - Eu, em troca, sempre planejei verte, vê-los todos, de novo. Que estranho que o destino tenha querido que isso ocorresse aqui, em um entorno tão cheio e poder.  - Apertou-a contra seu corpo, face ao dura que ficava ela, sem deixar por isso de segui-lo no baile.  - A função de esta noite foi um grande progresso com respeito ao que faziam nesse clube sinistro. Melhor inclusive que o espetáculo que Max  ideou para o Castelo Mágico.

 - Ele é o melhor.

 - Tem um talento fenomenal  - conveio Sam e juntou sua face com a do Roxanne - . Mas tenho que reconhecer que os que me tiraram o fôlego foi você Luke. Um número muito sexy, por certo.

 - Nada mais que uma ilusão  - disse ela com frieza - . O sexo não teve nada que ver.

 - Se existiu algum homem no mundo capaz de não sentir nada ao verte levitar debaixo de suas mãos, esse indivíduo deve estar morto e enterrado. - E que interessante seria, pensou, possui-la. Sentir que ela se estremecia, voluntariamente ou não, sob suas mãos. Essa sim que seria uma revanche formosa, com o benefício adicional do sexo.  - Mas te asseguro que eu estou bem vivo.

 - Se acredita que me adula o vulto de seus calças, Sam, equivoca-te.  - Teve a satisfação de ver como ele apertava os lábios com troveja antes de que ela continuasse. Sim, seus olhos seguiam igual a sempre: matreiros, sagazes, e potencialmente malvados.  - Aonde foi quando te partiu de Nova Orleáns?

Agora, ele não só desejava possui-la mas também também machucá-la primeiro.

 - Aqui e lá.

 - E aqui e lá lhe conduziram... aqui?

 - Em uma rota circular. Neste momento sou a mão direita do "Cavalheiro do Tennessee".

 - Brinca.

 - Absolutamente. Sou o principal assistente do senador. E me proponho ser muito mais.

Ela demorou só um instante em recuperar-se da surpresa.

 - Bom, suponho que é coerente, posto que a política é a máxima extorque. Seu passado não interferirá em seus ambições?

 - Pelo contrário. Minha infância difícil me proporciona uma perspectiva fresca e pormenorizada dos problemas de nossas crianças... nossa fonte natural mais valiosa. Eu sou algo assim como um exemplo, alguém que lhes demonstra no que podem converter-se.

 - Não acredito que em seu curriculum haja posto que usou a uma criatura ignorante para poder lhe roubar a seus amigos.

 - Que dueto que formávamos  - disse ele e riu pelo baixo, como se sua traição só tivesse sido uma brincadeira - . E que melhor dueto seríamos agora.

 - Sinto te informar que a sozinha ideia me repugna.  - Sorriu e piscou. Mas quando Roxanne começou a afastar-se, lhe apertou a mão com tal força que ela fez uma careta de dor.

 - Acredito que ficam algumas coisas detrás da bruma da memória, não te parece, Roxanne? depois de todo, se de repente sentiu a necessidade de chusmear sobre uma velha relação, talvez eu queira fazer outro tanto. E, a menos que me equivoque muito, sei que preferiria que essas coisas permanecessem ocultas.

Ela sentiu que a cor desaparecia de suas bochechas.

 - Não sei do que está falando. Machuca-me, Sam.

 - Preferiria evitar isso  - disse e afrouxou a tensão da mão - .Amenos que se tratasse de uma circunstância mais íntima. Talvez um jantar a meia-noite, onde poderíamos renovar uma velha amizade.

 - Não. Compreendo que deve ser um golpe para seu ego, Sam, mas realmente não tenho nenhum interesse em seu passado, seu presente nem seu futuro.

 - Então não falaremos de negócios.  - Apertou ou boca contra a orelha do Roxanne e lhe murmurou ao  ouvido uma proposição tão ofensiva, que ela não soube se espantar-se ou rir em voz alta. Não teve oportunidade de fazer nenhuma das duas coisas, porque uma mão lhe agarrou o braço e a atirou para trás.

 - lhe tire as mãos de cima  - disse Luke com Fúria na face ao interpor-se entre o Roxanne e Sam. De novo tinha dezenove anos, e estava preparado para todo.  - Não a toques sequer.

 - Bom, parece que pisei em alguns calos.  - Em marcada oposição ao murmúrio do Luke, Sam falou forte e com jovialidade. De fato, estava no certo. Não todas as faíscas que tinha visto voar pelo cenário foram o resultado de efeitos especiais e magia.

 - Luke.  - Com plena consciência de que uma série de cabeças giravam para eles, Roxanne lhe aconteceu a mão pelo braço. Isso lhe deu oportunidade de lhe cravar as unhas na pele.  - Uma recepção na Casa Branca não é lugar para fazer uma cena.  - Disse-o com um grande sorriso.

 - Sensata e formosa  - disse Sam e assentiu, mas seus olhos estavam cravados no Luke. Esses sentimentos seguiam ali: o ciúmes e o ódio, e Sam se alegrou disso.

 - Sabe quantos ossos tem na mão?  - perguntou Luke com tom agradável enquanto seus olhos seguiam prometendo assassinato - . Se voltar a tocá-la, descobrirá-o. Porque lhe quebrarei isso todos.

 - Basta. Eu não sou nenhum osso para que vocês dois briguem.  - Com alívio, viu que seu pai e Lily se abriam caminho para eles por entre a multidão.  - Terminemos com isto, sim? Papai! Não poderá acreditar quem está aqui. Sam Wyatt. depois de tanto tempo.

 - Max.  - Sam lhe estendeu a mão, e depois tomou com a outra os dedos do Lily e os beijou.  - E Lily. Mais formosa que nunca.

 - Jamais adivinhará no que anda agora Sam  - prosseguiu Roxanne como se acabassem de reunir-se com um amigo velho e querido.

Max não era homem de guardar rancor, nem tampouco de baixar o guarda.

 - De modo que te decidiu pela política.

 - Sim, senhor. Poderia dizer que graças a você.

 - Como é isso?

 - Você me ensinou como fazer para que outros apreciassem minhas habilidades, a lhe dar um efeito teatral a meus atos.  - Sorriu, e parecia um póster que exaltava o êxito e a energia juvenil.  - Senador Bushfield  - disse-lhe Sam a um homem arrumado e calvo, com olhos marrons cansados e um sorriso torcido - . Suponho que conhece os Nouvelle.

 - Sim, sim. Um espetáculo delicioso, como já lhe disse, Nouvelle.

 - Não quis mencioná-lo antes, senador, porque queria surpreender a meus velhos amigos.  - Olhando com expressão divertida ao Luke, Sam apoiou uma mão no ombro do Max.  - Em uma oportunidade estive vários meses como aprendiz deste grande mago.

 - Incrível!  - Os olhos do Bushfield se acenderam com interesse.

 - É assim  - disse Sam com um sorriso - . Infelizmente, descobri que não tinha aptidões para isso. Mas quando me parti do lado dos Nouvelle, foi com um novo propósito, e lhe asseguro que não estaria onde me encontro hoje, se não fora por eles.

 - Direi-lhes uma coisa.  - Bushfield aplaudiu paternalmente ao Sam nas costas.  - Este moço chegará longe. É ardiloso, sabe o que quer e tem carisma.  - Piscou os olhos um olho ao Max.  - Talvez não fora bom para a magia, mas lhe asseguro que sabe fascinar aos votantes.

 - Ao Sam jamais faltou encanto  - disse Max - . Só talvez para que usá-lo.

 - Agora já sei  - disse Sam olhando ao Luke como fazer o que faz falta fazer.

 - Esse sujo filho de puta te colocou as mãos em cima. Roxanne se limitou a suspirar. Não terminava de entender ao Luke. Talvez se devia a que as tinha engenhado para evitá-lo durante a maior parte das últimas vinte e quatro horas.

 - Estávamos dançando, imbecil.

 - Estava-te dando besitos no pescoço.

 - Pelo menos não me mordeu  - disse ela, sorriu-lhe com ar de superioridade e se tornou para trás. Mouse conduzia o automóvel em silencio pelos subúrbios, fazendo passadas lentas ao redor da casa do Miranda.

 - te avive um pouco e te concentre no trabalho que temos por diante, Calavam.

 - Eu gostaria de saber o que esse tipo tem na cabeça  - murmurou Luke - . É um sinal de má sorte ter tropeçado assim com ele.

 - A sorte é a sorte, moço  - comentou Max do assento dianteiro - . O que fazemos com ela determina que seja boa ou má.  - Satisfeito com a atmosfera reinante, Max se tirou a jaqueta e o falso peitilho de camisa que ocultava um magro suéter negro.

No assento traseiro, Luke e Roxanne realizaram transformações similares.

 - Mantente afastada dele  - disse Luke ao Roxanne. Era uma noite silenciosa e úmida. A frágil luz desse arco magro da lua estava quase obscurecida pela bruma, e o calor flutuava no ar como um capuz. Roxanne alcançava a perceber o aroma a rosas, a jasmins e a pasto recém talhado, e o úmido aroma de esterco e abono acabados de regar.

moveram-se como sombras pelo parque. Outra sombra passou velozmente junto a eles, fazendo que Roxanne se atingisse pesadamente contra Luke. O coração lhe palpitou contra as costelas.

Mas era só um gato, que corria em busca de um camundongo ou de um companheiro.

 - Nervosa, Rox?  - Os dentes do Luke brilharam na escuridão.

 - Não.  - Chateada, apressou-se a avançar, e o tamborilar da bolsa de couro contra a coxa lhe transmitiu segurança.

Tal como o tinham planejado, separaram-se na esquina leste da casa. Luke cortou os cabos telefônicos e Max se dirigiu a desconectar o sistema de alarme.

 - Terá que fazê-lo com muita suavidade  - disse Max com paciência a sua filha - . Não terá que apurar-se nem confiar-se muito. Faz falta prática  - disse, como tinha repetido inumeráveis vezes durante os ensaios - . Um artista jamais pode treinar de mais. Até a bailarina mais famosa segue tomando classes durante toda sua vida profissional.

Ela o observou separar e cortar cabos. Era um trabalho tedioso que tinha cãibras as mãos. Roxanne lhe sustentava a luz e observava cada movimento que fazia.

 - Há uma unidade no interior da casa que opera segundo um código. Com muito cuidado, é possível anulá-la daqui fora.

 - Como sabe quando o conseguiste? Lhe sorriu e lhe aplaudiu a mão, sem emprestar atenção ao muito que doíam os dedos.

 - A fé, junto com intuição e experiência. Y... essa pequena luz dali acima se apagará. Et voila  - -murmurou quando o ponto vermelho desapareceu.

 - Já aconteceram seis minutos  - disse Luke, inclinado detrás deles.

 - Não cortaremos o vidro  - disse Max enquanto se deslocavam para a porta da terraço de atrás - . Como vêem, é vidro armado. Inclusive com o alarme desconectado, é perigoso... e tomaria muito mais tempo que se abrirmos a fechadura.

Tirou seu jogo de gazuas, um presente que lhe fizesse LeClerc trinta anos antes. Com alguma cerimônia, as entregou ao Roxanne.

 - Prova seu sorte, meu amor.

 - Por Deus, Max. Demorará uma eternidade.

Roxanne se tomou um momento para olhar com severidade ao Luke antes de concentrar-se em sua tarefa. Nem sequer ele podia lhe arruinar esse momento. Trabalhou como seu pai lhe tinha indicado. Com paciência. Com mãos tão delicadas como as de um cirurgião, operou sobre a fechadura com os olhos fechados.

imaginava no interior da fechadura, deslocando as combinações com mãos muito suaves. Movendo, persuadindo, manobrando.

Um sorriso lhe iluminou a face quando ouviu o clique.

 - É como uma música  - murmurou, e fez que nos olhos do Max aparecessem lágrimas.

 - Dois minutos, trinta e oito segundos  - deu Max olhando ao Luke enquanto oprimia o botão do cronômetro - . Acredito que é o melhor tempo que tem feito.

Sorte de principiante, pensou Luke, mas teve a sensatez de não expressar em voz alta sua opinião. Entraram em fila a Índia pela porta e voltaram a separar-se.

A descrição que Luke fazia da casa era tão completa que não precisaram subornar a ninguém para conseguir os planos. A tarefa do Roxanne era a de apoderar-se dos quadros. Cortou cuidadosamente os tecidos para tirar as dos Marcos, enrolou vários Manet e uma excelente cena da rua do Pisarro, e as meteu na mochila antes de reunir-se com seu pai no living.

Não o distraiu de sua tarefa. Os dedos do Max faziam girar o dial da caixa forte. Roxanne pensou que parecia Merlín, preparando seus conjuros. O coração lhe encheu de afeto.

Intercambiaram sorrisos quando a porta da caixa finalmente se abriu.

 - Rápido agora, querida.  - Abriu estojos de veludo e outros chatos e longos, e derrubou o conteúdo na bolsa do Roxanne. Para demonstrar que tinha aprendido bem, ela extraiu uma lupa e, sob o feixe de luz de sua lanterna, examinou as pedras de um broche de safiras.

 - Excelentes  - murmurou - , com um...

Nesse momento ouviram o latido de um cão.

 - Merda.

 - Tranqüila.  - Max lhe colocou uma mão no braço para acalmá-la. À primeiro sinal de perigo, sai por essa porta e volta aonde está Mouse.

 - Não te deixarei.

 - Sim o fará.  - Movendo-se com rapidez, Max esvaziou a caixa forte.

No piso superior, Luke olhou ceñudamente aos pomeranias que grunhiam. Não os tinha esquecido. Sabia, pela tarde que tinha passado ali, que tinham o hábito de dormir na cama de sua proprietária.

Por isso tinha dois ossos com carne em sua bolsa.

Tirou-os e ficou paralisado quando Miranda lhes grunhiu entre sonhos aos cães e se deu volta na cama. Depois, ele ficou em cuclillas, uma sombra entre as sombras, e lhes ofereceu os ossos aos cães.

Não falou, não quis correr esse risco nem sequer quando Miranda começou a roncar. Mas os cães não necessitaram um convite verbal. Ao cheirar a comida, saltaram da cama e a procuraram.

Satisfeito, Luke atirou para fora o fronte falso da prateleira da biblioteca e começou a trabalhar na caixa forte.

Perturbava-o um pouco que a mulher estivesse dormindo nesse quarto. Não era que nunca antes tivesse roubado em uma casa em que uma dama roncava muito perto. Mas jamais o tinha feito com uma mulher com a que tivesse compartilhado o leito.

A excitação, sempre vagamente sexual, que sentia cada vez que tentava abrir uma caixa forte, viu-se extremamente incrementada. Quando por fim conseguiu abri-la, descobriu que tinha uma forte ereção, e o absurdo da situação o fez sorrir.

Mas, como diria Max, havia prioridades e prioridades. Uma verdadeira pena.

 - Demorou dois minutos mais do previsto  - disse-lhe Roxanne, com chateio, ao pé da escada - . Estava a ponto de subir. Ocorreu-te algo?

O se limitou a sorrir e seguiu baixando a escada. Quando ela se deu conta do problema do Luke saltou:

 - Deus, é um degenerado!

 - Só um moço norte-americano, e muito são, Roxy.

 - Dá-me asco.

 - Meninos, meninos  - disse-lhes Max como um mestre de escola paciente - . Não seria melhor seguir discutindo isso no automóvel? Roxanne seguiu resmungando insultos enquanto corriam pelo parque. Quando chegaram ao automóvel, apoderou-se dela a alegria pela emoção da tarefa cumprida. deixou-se cair no assento posterior, mas se inclinou para beijar a Mouse, morta de risada. Estampou- outro beijoca ao Max  e, como se sentia generosa  - e talvez também um pouco vingativa - -, girou a cabeça e oprimiu fortemente seus lábios sobre os do Luke.

 - meu deus.

 - Espero que sofra.  - E, tornando-se para trás, apertou a bolsa com as gemas contra seu peito. - Muito bem, papai, quando será o seguinte trabalho?

 

Roxanne se passeava com impaciência pela loja do Madame, quem depois de trinta anos de atividade comercial, seguia desdenhando os adiantamentos modernos, como por exemplo uma caixa registradora: sua velha caixa de charutos grafite à mão, debaixo do mostrador, servia-lhe à perfeição.

 - Roxanne querida, te haver recebido sendo quinta de seu promoção, não é pouca coisa. Roxanne se encolheu de ombros.

 - Só foi uma questão de aplicação. Tenho boa memória para os detalhes.

 - E isso se preocupa?

 - Não. Preocupa-me meu pai.  - Foi um alívio poder dizê-lo em voz alta.  - Suas mãos já não são o que eram.

Era algo sobre o que não podia falar com ninguém, nem sequer com o Lily. Todos sabiam que a artrite estava fazendo estragos no Max, lhe inchando os nódulos e endurecendo esses dedos ágeis. Houve muitos médicos, remédios, massagens. Roxanne sabia que a dor não era nada comparado com o medo de perder o que mais amava: sua magia.

 - Nem sequer Max pode fazer desaparecer o tempo, petíte.

 - Sei. Entendo-o. Mas não posso aceitá-lo. A afeta emocionalmente. Não posso chegar a ele como antes, sobre tudo desde que está tão obcecado com essa maldita pedra.

 - Pedra? que pedra?

 - A pedra filosofal. É um mito, Madame, uma ilusão. A lenda diz que essa pedra pode permutar em aro tudo o que touca. E devolver a juventude aos anciões e saúde aos doentes.

 - E você não acredita nessas coisas? Você, que viveste toda seu existência em meio da magia?

 - Eu sei como se realiza a magia. Com transpiração e prática, com um sentido preciso do tempo e dirigir a atenção do espectador aonde a gente quer. Emoção e dramatismo. Acredito na arte da magia, Madame, não em pedras mágicas. Não no sobrenatural.

 - Entendo  - disse Madame e começou a dar volta cartas do Tarot - . Mas igual procura as respostas aqui?

Roxanne franziu o sobrecenho e se ruborizou.

 - Só para passar o tempo.

 - É uma pena desperdiçar esta oportunidade  - disse Madame e se inclinou sobre as cartas - . Vejo aqui que a moça está preparada para converter-se em mulher. E vejo também uma viagem, logo.

Roxanne sorriu.

 - Faremos um cruzeiro. Ao norte, pela rota do St. Lawrence. Agiremos a bordo, é obvio. Max o considera umas férias de trabalho.

 - te prepare para muitas mudanças - disse Madame - . Vejo aqui a realização de um sonho... se for sensata. E, depois, a perda desse sonho. E alguém do passado. E dor. Mas também tempo para que cicatrize. Faz seu viagem e aprende, Roxanne.

Luke estava mais que disposto a ir. Não havia nada que desejasse mais que ir-se da cidade. Sobre a mesa de café estava o último pagamento ao Cobb, ensobrado e carimbada.

Ao longo dos anos, os pedidos tinham sido tão regulares e permanentes como o pagamento de uma hipoteca. Dois mil aqui, quatro mil por lá, até alcançar um médio de cinqüenta mil dólares por ano.

Ao Luke não importava o dinheiro. Tinha mais que suficiente. Mas ainda não tinha conseguido controlar as náuseas e repugnância que sentia cada vez que encontrava um cartão em sua casinha postal.

Por isso Luke estava ansiando partir no cruzeiro: para afastar-se dos cartões postais, dessa sensação de insatisfação que sentia na nuca, do muito que o alarmava a obsessão crescente do Max com respeito a uma pedra mágica que não existia.

No barco, com suas atuações, as visitas a porto e o planejamento do trabalho que pensavam realizar em Manhattan, estariam muito ocupados para preocupar-se dessas coisas.

Uns golpes na porta o obrigaram a abandonar suas reflexões.

 - Lily  - disse Luke e se inclinou para beijá-la e tirar de suas mãos as caixas e bolsas que levava.

 - Estava às compras. Bom, suponho que é evidente. E tive vontades de passar a verte. Espero que isso não te incomode.

 - Ao contrário, eu adoro  - disse ele e colocou as compras em uma cadeira  - . Decidiu por fim deixar ao Max e te vir a viver comigo?

Ela se pôs-se a rir pela brincadeira.

 - Se o fizesse, seria para darum castigo a todas essas mulheres que entram e saem daqui.

 - Eu renunciaria a todas elas pela pessoa adequada. Esta vez Lily não riu.

 - Estou seguro de que sim, querido. Mas não vim a falar de seu vida amorosa, por fascinante que seja.

Ele sorriu.  - Me vais fazer colocar avermelhado.

 - Não acredito. Em realidade, vim para ver se necessitava ajuda com as valises, ou se queria que te comprasse algo: meias, roupa interior, o que seja.

O lhe rodeou a face com as mãos e a beijou.

 - Amo-te, Lily.

 - Eu também amo a você. E sei como detestam os homens fazer valises e comprar essas coisas.

 - Eu já tenho todo inteligente, juro-o. Quer um café?

 - Preferiria algo afresco, se tiver.

 - Limonada?  - perguntou, enfiando para a cozinha - . Devo ter tido uma premonição de que cairia por aqui quando esta manhã espremi os limões.

Escolheu um copo cor verde clara e lhe serve a bebida e uns cubitos de gelo.

Ela tomou o copo que lhe oferecia e voltou para living, depois de ter observado bem a prolijidad da cozinha.

 - Tem muito bom gosto. O riu e lhe perguntou:

 - O que ocorre, Lily?

 - Nada. Já te disse que passava por aqui.

 - Tem preocupação nos olhos.

 - Que mulher não a tem?

 - me deixe te ajudar.

As lágrimas nublaram a visão do Lily quando ele tomou seu copo, separou-o e tomou em seus braços.

 - Sei que me estou levando como uma tola, mas não posso evitá-lo.

 - Está bem  - disse ele, beijou-lhe o cabelo, a têmpora, e aguardou.

 - Acredito que Max já não me ama.

 - O que?  - A intenção dele tinha sido mostrar-se pormenorizado, consolá-la, apoiá-la. Em troca, pôs-se a rir, enquanto ela soluçava.  - Não. Vamos, Lily, não chore. Sinto me haver rido. O que te faz pensar semelhante disparate?

 - Ele... ele...  - foi tudo o que pôde dizer enquanto soluçava contra o ombro do Luke.

Tenho que trocar de tática, pensou Luke, e lhe acariciou as costas.

 - Está bem, querida, não se preocupe. Em seguida vou para lá e o propino uma boa surra. Isso a fez rir.

 - O que passa é que o amo tanto. Max é o melhor que me passou na vida.

 - Conhecer o Max e à pequena teve muito de magia. Em seguida os amei com todo meu coração. Ele tinha perdido a sua esposa, e talvez também uma parte de si mesmo. E eu desejava o ter, assim fiz o que toda mulher inteligente teria feito, e o seduzi.

Luke a apertou mais forte.

 - Arrumado a que ele opôs uma terrível resistência, verdade?

Isso a fez rir e suspirar.

 - Poderia ter recebido o que eu lhe dava e deixá-lo assim. Mas não o fez. Aceitou a seu lado. Tratou-me como a uma senhora. Ensinou-me como devia ser todo entre um homem e uma mulher. Fez-me formar parte de sua família. Mas, por sobre tudo, amou-me... só pelo que sou, se entender o que quero dizer.

 - Sim, entendo-o. Mas não acredito que tenha sido algo unilateral, Lily. Acredito que recebeu tanto como deu.

 - Sempre o tentei, Luke. Já faz quase vinte anos que o amo. E acredito que não poderia tolerar perdê-lo.

 - O que te faz pensar nessa possibilidade? Está louco por você. Essa é uma das coisas que melhor me tem feito sentir, a maneira em que vocês dois são o um para o outro.

 - está-se afastando. Sim, segue sendo doce comigo, quando recorda que estou perto. Max jamais poderia me machucar, nem a mim nem a ninguém, a propósito. Mas se passa horas só, repassando livros, notas e revistas. Essa maldita pedra.  - Tirou um lenço do bolso e sei soou o nariz.  - Está tão obcecado com ela que quase não pensa em nada mais. E começou a esquecer coisas. Coisas pequenas. Como compromissos e refeições. A semana passada quase chegamos tarde a uma representação porque ele o tinha esquecido. Sei que lhe preocupa não poder fazer já alguns dos jogos de prestidigitação, e que isso o está afetando...  - interrompeu-se, perguntando-se como poderia expressar o de maneira delicada.  - O que quero dizer é que Max sempre foi tão, bom, intenso sexualmente. Mas ultimamente quase nunca... já sabe.

 - Bom, eu...

 - Não se trata só de seu desempenho concreto, por assim dizê-lo, mas sim da parte romântica. Já não gira para me olhar pelas noites, nem me tira da mão, nem me olhe dessa maneira tão especial.

 - Está distraído, Lily. Isso é todo. A enorme pressão que implica fazer um programa especial mais, escrever outro livro, retornar e fazer uma excursão pela Europa. E, depois, os outros trabalhos. Max sempre tomou sobre seus ombros a preparação e a execução desses trabalhos. E, em minha opinião, você está tão esgotada como Max por tantas emoções: a graduação do Rox, preparar-se para esta viagem.

 - Pode ser.

 - me acredite quando te digo que todo se solucionará. Iremos por um tempo, descansaremos e beberemos champanha na coberta de popa.

Ela se secou as lágrimas e se incorporou no assento.

 - Juro-te que não era minha intenção te carregar com meus problemas. Seguro que não quer que te faça as valises?

 - Já parecem. Estou tão impaciente como você por partir pela manhã.

 - É certo que estou ansiosa. Mas ainda não tenho nada inteligente.

 - Que compras esteve fazendo? Coisas sexy?

 - Sim, algumas.

Sabendo o muito que gostava ao Lily mostrar suas aquisições, Luke lhe seguiu o jogo.

 - Não me mostrará isso?

 - Talvez.  - Piscou e deixou seu copo sobre a mesa. Nesse momento viu a carta que ele tinha deixado ali e ficou petrificada.  - Cobb. por que lhe escreve?

 - Não lhe escrevo  - disse Luke, amaldiçoou-se interiormente, tomou a carta e a meteu no bolso - . Não é nada.

 - Não me minta. Não me minta nunca.

 - Não te menti. Disse que não lhe escrevia.

 - O que há então nesse sobre? Luke ficou pálido.

 - Não tem nada que ver contigo.

Ela não disse nada ao princípio, mas em seu rosto sulcado pelas lágrimas apareceram várias emoções em forma simultânea.

 - Todo o teu tem que ver comigo  - disse e ficou de pé - . Ou isso acreditava eu. Será melhor que vá.

 - Não. Maldito seja, Lily, não me olhe assim. Estou dirigindo isto da única forma que conheço. deixe-me isso .

 - É obvio.  - Lily tinha a maneira de mostrar-se perfeitamente agradável e simultaneamente colocar a um homem de joelhos.  - Estará em casa às oito, verdade? Não queremos perder o vôo.

 - Ao caralho contudo. Estou-lhe pagando a esse tipo. Cada tanto lhe mando dinheiro e ele me deixa tranqüilo. Deixa a todos tranqüilos.

Lily assentiu com a cabeça e voltou a sentar-se.

 - Está-te chantageando!

 - Esse é um termo cortês.  - Furioso consigo mesmo, Luke se aproximou da janela.  - Posso me dar o luxo de ser cortês.

 - por que?

O se limitou a sacudir a cabeça. Não o diria a ela nem a ninguém. Nem o que tinha sido, nem dos pesadelos que o acossavam durante dias quando encontrava essa postal em sua casinha de correios.

 - Enquanto siga lhe pagando, jamais te deixará em paz.

 - Talvez não. Mas ele sabe algo que me envergonha e pelo que estou disposto a lhe pagar para que não o diga a ninguém. me vale a pena.

 - Não sabe que ele já não pode te machucar?

 - Não. Não sei. E, o que é pior, não sei se não poderia machucar a alguma outra pessoa. Não correrei esse risco, Lily. Nem sequer por você.

 - Eu não lhe pediria isso. Mas sim te rogo que confie o suficiente em mim para me dizer isso sempre que te passe algo. Sei que sou um pouco tola Y...

 - Cala.

Mas ela pôs-se a rir.

 - Querido, sei o que sou. E não o lamento. Sou uma mulher de média idade que usa muito maquiagem e que morrerá sem deixar que em seu cabelo apareça a primeira cã. Mas apoio aos que amo. Faz muito que te quero, Luke. Envia esse cheque se sentir necessidade de fazê-lo. E se ele te pede mais do que tem, vêem mim. Eu tenho minhas próprias economias.

 - Obrigado  - disse ele e pigarreou - . Mas não me dói muito.

 - Quero que recorde sempre que eu não me envergonharia de nada do que tem feito ou poderia fazer.  - voltou-se para começar a recolher todas suas bolsas. - Será melhor que volte para casa. Tomará a metade da noite pensar o que colocar nas valises. Deus  - disse e se tocou as bochechas. Primeiro tenho que me arrumar a face. Não posso sair à rua com o delineador todo deslocado. -  Foi para o banho com sua carteira.  - Ah, Luke, poderia vir a casa comigo e passar a noite em seu antigo quarto. Assim seria mais singelo juntar todo pela manhã.

Poderia ser, pensou Luke e se meteu as mãos nos bolsos. Talvez seria melhor voltar para casa, embora só fora por uma noite.

 - Espera um momento que procure minhas valises  - gritou ao Lily - . E depois, levarei-te a seu casa no automóvel.

 

As comodidades atribuídas a quem protagonizava os espetáculos no Yankee Princess não eram tão luxuosas como Roxanne teria desejado. Mas, graças a sua qualidade de estrelas convidadas, deram-lhes cabines exteriores... apenas por cima do nível da água.

O camarote de dois beliches era tão pequeno que ao menos ela se sentiu agradecida de não ter que compartilhá-lo com ninguém durante as vindouras seis semanas. Seu espírito prático a afastou do olho de boi e a fez tirar o conteúdo de suas duas valises. Como era habitual, todos os objetos ficaram prolixamente pregadas ou penduradas na cômoda e no placard tamanho gnomo. Seu romantismo a fez apurar-se para estar na coberta quando soasse a sereia no momento da partida.

Mas primeiro se olhou no espelho e se retocou a maquiagem. disse-se que não era só por vaidade, pois parte da missão que a troupe dos Nouvelle tinha tomado sobre seus ombros era mesclar-se com os passageiros e mostrar-se cordiais e agradáveis com eles.

Não era um preço muito alto para um cruzeiro de seis semanas em um elegante hotel flutuante.

Tomou sua bolsa de lona, saiu do camarote e enfiou para coberta. Quão passageiros acabavam de embarcar já perambulavam pelos estreitos corredores, em busca de sua cabine ou simplesmente explorando o barco.

Quando chegou à parte superior da escada, abriu-se caminho pelo salão Lido para coberta, no setor de popa, onde alguns viajantes bebiam um coquetel de boas vindas, tomavam vídeos ou simplesmente estavam inclinados sobre o corrimão, esperando para despedir do perfil de edificação de Manhattan.

Tomou um copo alto da bandeja que levava um garçom, e enquanto bebia ficou a observar a seus companheiros de viagem.

Em linhas gerais, Roxanne calculou que a idade médio dos passageiros era de sessenta e cinco anos. Havia algumas famílias com meninos, alguma que outra parceira em lua de mel, mas em seu maior parte eram matrimônios maiores, gente solteira de bastante idade e um punhado de mulheres não tão jovens à caça de marido.

 - Poderíamos chamá-lo o Barco Geriátrico  - disse Luke ao ouvido e quase obteve que ela derramasse o líquido do copo.

 - me parece muito terno.

 - Não disse que não o fora.  - Luke decidiu que, já que foram passar as seguintes semanas bastante juntos, deveriam tratar de ter uma atitude civilizada, e lhe aconteceu um braço pelos ombros.

 - Olhe, lá está Mouse  - disse Roxanne e agitou a mão para que se aproximasse - . E? O que te parece todo isto.

 - Fantástico. - Sua face grande e pálida estava vermelha de prazer. Lhe notavam os músculos debaixo das mangas curtas da camisa floreada que Lily lhe tinha comprado.  - Deixaram-me baixar à sala de máquinas. Tenho que revisar a equipe para o espetáculo e todo o resto, mas mais tarde me disseram que posso subir à ponte e todo.

 - Têm mulheres lá abaixo?  - perguntou Luke.

 - Na sala de máquinas? Não  - disse Mouse com um sorriso - . Mas têm fotos de mulheres em todas as paredes.

 - Não te afaste de mim, companheiro. E eu te encontrarei algumas bem reais.

 - Deixa-o em paz, homem lascivo.  - E, em defesa de Mouse, Roxanne lhe aconteceu a mão pelo braço. ouviram-se duas largas sereias.  - Estamos zarpando.

 - Olhe para a coberta de acima  - murmurou Luke quando a viu procurando a alguém com a vista.

Ela o fez e os viu. Lily, com um solero azul; Max, com jaqueta branca e calças azul marinho, e LeClerc, revoando como uma sombra detrás deles.

 - Estará bem.  - Luke tomou a mão e entrelaçou seus dedos com os dela.

 - É obvio que sim. Subamos. Quero tomar algumas fotografa.

Não seria exatamente pão comido. A primeira reunião com o pessoal da bordo apagou de suas mentes a ilusão de que as seguintes seis semanas seriam uma viagem grátis de prazer. Os Nouvelle deviam dar essa noite uma mini função de boas vindas para os passageiros, junto com atuações curtas de outros artistas: uma cantor francesa, um comediante que salpicava seus monólogos com malabarismo, e o grupo Moonglades, formado por seis integrantes.

além de sua função, lhes pediu que assistissem às atividades diárias, do bingo até as excursões em terra firme. Quando descobriram que Roxanne falava francês com fluidez, imediatamente lhe solicitaram que ajudasse aos dois intérpretes do barco.

Também lhes ditaram algumas normatiza: ser corteses e cordiais com os passageiros era obrigatório; intimar muito com eles, não o era absolutamente. Estava proibido aceitar gorjetas, e não estava bem vista a embriaguez. As refeições se tomavam só uma vez que os passageiros terminassem de fazê-lo. E, no caso de algum sinistro em alta mar, os membros da tripulação e do pessoal poderiam subir aos botes isso salva-vidas depois de que todos os passageiros se encontrassem salvo.

O diretor do cruzeiro, Jack, um homem com dez anos de experiência nessas lides, adicionou:

 - Se chegarem a necessitar algo, digam-me isso Às três e meia haverá um ensaio geral no salão auditório, que fica na coberta de Passeio, para popa. E a primeira função será às oito. Tomem-se seu tempo ara familiarizar-se com a distribuição do barco.

Roxanne percorreu o barco, ensaiou, depois voltou a percorrer o barco, enquanto respondia perguntas, sorria e lhes desejava boa viagem aos passageiros.

Por volta do final da tarde, conseguiu apoderar-se de uma maçã e de algumas partes de queijo do bufet de passageiros e escondê-los no quarto de depósito no que ela e Lily se trocariam para a primeira função.

 - São tantos  - comentou Roxanne enquanto comia uma parte de queijo - . E querem sabê-lo todo.

 - Mas são agradável e cordiais  - disse Lily enquanto se trocava - . Encontrei-me com gente de todo o país. É quase como andar de novo pelos caminhos.

 - Ao Max gosta, verdade?

 - adora. Já está fascinado.

Isso foi suficiente para o Roxanne, embora tivesse que apertar o estômago com a mão ao primeiro som o barco.

 - Acredita que isto seguirá?

 - A que te refere, querida?

 - Ao movimento.

 - Do barco? É parecido a estar em um berço, não o acredita? Muito agradável e sedativo.

 - Sim. Tem razão - disse Roxanne e tragou com força.

Conseguiu sair adiante na primeira função antes de que o berço sedativo em que estava a fizesse correr até seu camarote. Justo acabava de vomitar quando Luke abriu a porta.

 - Fechei-a com chave  - disse ela, com toda a dignidade que pôde reunir enquanto estava sentada no chão.

 - Já sei. Demorei quase trinta segundos em abri-la.

 - O que quis dizer é que, posto que a fechei com chave, isso provavelmente significa que quero estar só.

 - Mmmm.  - Luke estava muito atarefado molhando um pano com água fria. Ajudou-a a levantar-se e a levou até o beliche.  - Sente-se. te coloque isto na nuca.

Mas o fez ele mesmo, e conseguiu um suspiro longo e agradecido por parte do Roxanne.

 - Como soube que estava enjoada? Passou a mão sobre as lentejoulas verdes do vestido dela.

 - Seu face tinha a mesma cor de seu roupa.

 - Já estou bem.  - Pelo menos, isso era o que esperava.  - Acostumarei-me.  - Seus olhos tinham uma expressão se desesperada quando levantou a vista para olhá-lo e perguntou:  - Não o acredita?

 - É obvio que sim.  - Era estranho ver o Roxanne Nouvelle vulnerável. Algo tão fora de quão comum Luke teve que resistir o impulso de abraçá-la e curá-la com seus beijos.  - Tome um par destas.  - E lhe entregou duas pílulas brancas.

 - Quero acreditar que não são de morfina.

 - Lamento-o. É só Dramamine. as trague com uns sorvos de ginger ale.  - E, como uma enfermeira competente, deu volta o pano e colocou sobre a nuca o lado mais frio.  - E se não melhorar, o médico do barco dará a solução. Ao ver que a cor de seu rosto começava a normalizar-se, julgou que já estava melhorando.

 - Se não se sentir bem, podemos cobrir seu parte em segunda função.

 - Não.  - ficou de pé, e obrigou a suas pernas e a seu corpo a permanecer em equilíbrio.

 - Uma Nouvelle jamais deserta do espetáculo. me dê só um minuto. Foi ao banho a enxaguá-la boca e a verificar sua maquiagem.  - Suponho que te devo uma  - disse ao sair.

 - Querida, deve-me muito mais que uma. Preparada?

 - Seguro, estou preparada.  - Abriu a porta e saiu.

 - Luke, não há por que mencionar isto, não é certo? Ele levantou as sobrancelhas.

 - Mencionar o que?

 - Está bem  - disse ela e lhe sorriu - . Devo-te dois.

Como nos dias que seguiram não voltou a sentir-se enjoada, Roxanne não teve mais remedeio que reconhecer que o movimento do barco só tinha sido o detonante de um total desafortunado de fatores: a tensão, a taça que tinha bebido ao embarcar em que pese a ter o estômago vazio, e os nervos. Não lhe funcionou fácil reconhecê-lo a uma mulher que sempre se vangloriou lhe fazer frente a todas as circunstâncias. Entretanto, seus dias estavam muito ocupados para preocupar-se com isso.

A tensão que, sem sabê-lo, tinha levado a bordo, começou a dissipar-se com cada hora que passava. Talvez teria desaparecido por completo se, ao dirigir-se à escada que conduzia à coberta Lacuna não tivesse encontrado ao Max ali parado e, ao parecer, completamente desorientado.

 - Papai?  - O não respondeu, assim Roxanne lhe aproximou e o tirou do braço.  - Papai?

O se sobressaltou, e ela viu pânico em seus olhos. Nesse instante, lhe gelou o sangue. Nos olhos de seu pai viu mais que temor: viu uma confusão total. O não a reconhecia. Olhava-a e não a reconhecia.

 - Papai  - voltou a dizer, e não pôde evitar que lhe tremesse a voz - . Está bem?

Max piscou, e um músculo começou a mover-se em seu queixo. Como uma nuvem que lentamente se levanta, a confusão se desvaneceu de seus olhos e me substituída por chateio.

 - É obvio que estou bem. por que não teria que está-lo?

 - Bom, pensei que você...  - disse ela e se obrigou a sorrir - . Que tinha perdido o caminho. me passa todo o tempo.

 - Sei exatamente aonde me dirijo.  - Max sentiu que o sangue lhe batia na base do pescoço. Quase podia ouvi-la. Por um momento, não tinha podido recordar onde se encontrava nem o que estava fazendo. E o medo fez que se irritasse com sua filha.  - Não necessito que ninguém me cuide. E tampouco eu gosto que me exortem por cada movimento que faço.

 - Sinto muito  - disse Roxanne e empalideceu - . Dá a casualidade de que ia a seu camarote. Mas não foi minha intenção te incomodar.

 - Perdão  - disse ele, sentindo de repente muita vergonha por sua atitude - . Desculpo-me. Tinha a mente em outra parte.

Ela só se encolheu de ombros, um gesto tipicamente feminino capaz de humilhar a qualquer homem.

Max tirou a chave para abrir a porta de seu camarote. Mouse, LeClerc e Luke já o estavam esperando.

 - Muito bem, queridos meus  - disse Max, tirou a única cadeira que estava junto ao escritório, e se sentou - . É hora de que coloquemos mãos à obra.

 - Lily ainda não está aqui  - assinalou Luke, e lhe preocupou ver que Max passeava a vista pela residência.

 - Ah, bom.

Roxanne se sumiu em um silêncio incômodo. rodava-se nervosamente as mãos quando Lily entrou muito acalorada.

 - Sinto chegar tarde, mas junto à piscina estavam fazendo uma demonstração de esculpido em gelo, e me Fascinou. Um homem esculpiu um pavão incrível.  - Sorriu ao Max, quem se limitou a inclinar a cabeça com ar ausente.

 - Muito bem, então. O que é o que temos? LeClerc entrelaçou as mãos detrás das costas.

 - DiMato no camarote 767. Aros de diamantes, provavelmente de dois quilates, um relógio Rolex e um pendente de safiras de entre cinco e seis quilates.

 - Os DiMato são os que estão celebrando seus casamentos de dourado  - demarcou Roxanne - . O pendente é o presente que lhe fez para esse aniversário. E os dois são muito doces e ternos.

Max sorriu com expressão pormenorizada.

 - Alguma outra coisa interessante?

 - Bom, a senhora Gullager, do camarote 620

 - disse Roxanne - . Um conjunto de rubis: bracelete, colar, aros. Parecem jóias herdadas.

 - Essa mulher é um encanto  - disse Lily e em seus olhos houve uma súplica ao olhar ao Roxanne - . O outro dia tomei o chá com ela. Vive na Virginia com seus dois gatos.

 - Outro candidato?  - perguntou Max a todos os pressente.

 - Está Harvey Wallace no 436  - disse Luke e se encolheu de ombros - . Gêmeos e alfinete de gravata de diamantes, e um Rolex. Mas.. merda, é um velho tão divertido.

 - Sim, é muito agradável  - interveio Mouse - . Contou-me todo o referente ao DeSoto que reconstruiu em 1962.

 - Os Jamison  - disse LeClerc entre dentes - . Camarote 710. Um anel de diamantes, de aproximadamente cinco quilates. Um anel de rubis, acredito que do mesmo peso. Um broche antigo de esmeraldas...

 - Nancy e John Jamison?  - interrompeu-o Max - . Passei-o muito bem jogando ontem ao bridge com eles. Ele trabalha em uma empresa de mantimentos processados e ela tem uma livraria.

 - Bon Dieu  - balbuciou LeClerc.

 - Somos lastimosamente sentimentais, não é assim?  - disse Roxanne e aplaudiu a mão do LeClerc - , algo bastante incômodo para você, estou segura. Mas o certo é que não vejo como podemos lhe roubar a pessoas com as que virtualmente convivemos todos os dias. Sobre tudo se nos caem tão bem.

Max juntou as mãos e se tomou o queixo.

 - Tem muita razão, Roxanne. Quando se estabeleceram laços emocionais, já deixa de ser divertido. - Foi olhando-os um por um.  - Estamos de acordo, então? Nenhum candidato esta semana?

Todos assentiram menos LeClerc, que grunhiu entre dentes.

 - Não te desanime  - disse Luke - . Ainda fica muito tempo por diante. É seguro que embarcará alguém que nós não gostemos.

 - Então, dou por terminada esta reunião.

 - Tem um minuto para mim?  - perguntou- Luke ao Max quando o grupo começou a dispersar-se.

 - Certamente que sim.

Luke esperou a que os dois ficassem sós, mas igual tomou a precaução de falar em voz baixa.

 - por que demônios lhe está fazendo isto ao Lily?

 - Como diz?  - perguntou Max, boquiaberto.

 - Maldito seja, Max, está-lhe destroçando o coração.

 - Isso é absurdo.  - Sentindo-se insultado, Max ficou de pé.  - De onde tirou essa ideia ridícula?

 - Do Lily. Deveu ver-me no dia anterior a nossa partida de Nova Iorque. Maldito seja, você a fez chorar.

 - Eu? Eu?  - Sacudido pela mera idéia de havê-lo feito, Max voltou a sentar-se.  - De que maneira?

 - Por negligência. Desinteresse. Está tão obcecado com essa maldita pedra mágica, que não é capaz de ver o que ocorre diante de seus olhos. Ela acredita que você não a ama mais. E depois de ter visto neste ultimo par de dias como se comporta com ela, entendo como ocorreu ao Lily pensá-lo.

Muito pálido, muito imóvel, Max ficou olhando ao Luke.

 - Não tem nenhum motivo para duvidar de meus sentimentos.

 - Ah, não?  - Luke se sentou na beira do beliche e se inclinou para diante.  - Quando foi a última vez que se tomou o trabalho de lhe dizer o que sente por ela? sentou-se com ela à luz da lua para escutar o som do mar? Sabe perfeitamente o muito que importam ao Lily os detalhes, as coisas pequenas. incomodou-se em lhe dar de presente algo sem importância? usou esta cama para alguma outra coisa que não seja dormir?

 - Está indo muito longe  - disse Max, muito tenso - . Muito longe.

 - Absolutamente. Não tolerarei seguir vendo nos olhos do Lily esse olhar tão triste. Ela seria capaz de arrastar-se sobre vidros quebrados por você, mas você não pode sequer lhe dar dez minutos de seu valioso tempo.

 - Equivoca-te  - disse Max e baixou a vista para seus punhos fechados - . E se Lily sentir o que você diz, está muito equivocada. A amo. Sempre a amei.

 - Pois não o parece. Nem sequer a olhou quando ela entrou.

 - Nesse momento falávamos de negócios  - começou a dizer, mas se freou. Sempre se tinha gabado de ser honesto, a sua maneira.  - Talvez nos últimos tempos estive algo distraído, mas jamais seria capaz de machucá-la. Preferiria me arrancar o coração antes que feri-la.

 - Diga-lhe a ela  - disse Luke dirigindo-se à porta - . Não a mim.

 - Aguarda.  - Max se apertou os dedos contra os olhos. Se tinha cometido um equívoco, faria tudo o que fora necessário para repará-la.  - Necessito que me faça um favor.

O fato de que Luke vacilasse foi para o Max uma prova de quão vexado estava e da gravidade de seus próprios pecados.

 - Qual?

 - Em primeiro lugar, queria que esta conversação ficasse entre nós dois. E, em segundo lugar, depois da função de esta noite, agradeceria-te que entretivera ao Lily, ou a mantivera longe da cabine durante ao redor de trinta minutos. Depois, quero que te assegure que virá diretamente para aqui.

 - Está bem.

 - Luke?

Tinha a mão sobre o trinco, mas se deteve e olhou para trás.

 - Sim?

 - Obrigado. Cada tanto, um homem necessita que alguém o em frente com seus defeitos e suas virtudes. Você tem feito as duas coisas.

 - Compense-a a ela.

 - Sim, farei-o.  - Max exibiu um sorriso largo.  - Isso, ao menos posso te prometer.

 - Estivemos bem  - disse Roxanne e se deixou cair pesadamente em uma poltrona, em um canto da discoteca. A segunda função da noite tinha tido tanto êxito como a primeira.

 - Metemo-nos isso no bolso.  - Luke se sentou e estendeu as pernas.  - Mas, claro, isso não é muito difícil com um público desta idade.

 - Não seja malvado  - saltou Roxanne - . Vamos, serve para algo e traz bebidas ao Lily e a mim,

 - Eu acredito que irei ao camarote  - disse Lily e examinou visualmente o salão em busca do Max - . Vocês, os jovens, deveriam divertir-se.

 - De maneira nenhuma  - disse Luke e a tirou da mão - .Não pense que irá dançar comigo.  - E a levou, rendo, à pista.

Dori, uma moça loira e alta, membro do pessoal da bordo, instalou-se na cadeira que Luke tinha deixado vazia.

 - Quer beber algo?  - perguntou ao Roxanne.

 - Uma taça de vinho branco. Um PinkLady para o Lily e uma Becks para o Luke.

 - Que sejam dois Becks  - disse Dori ao garçom.

Quando lhes serviram as bebidas, disse:

 - A primeira volta a pago eu. Na verdade eu gosto de trabalhar nos barcos que fazem cruzeiros. Quase todos os passageiros estão decididos a divertir-se e a passá-lo bem. Isso facilita muito as coisas. E a gente conhece gente tão diferente. E já que estamos nisso, que problema tem ele?

Roxanne olhou para onde Luke fazia girar ao Lily.

 - Problema?

 - Quero dizer, é estupendo, dinâmico, solteiro. Não será gay, não?

Roxanne se tentou de risada.

 - É decididamente heterossexual.

 - Como é então que não te lançaste a conquistá-lo?

Roxanne esteve a ponto de engasgar-se com o vinho.

Eu, conquistá-lo?

 - Roxanne, é um tipo incrivelmente arrumado. Faria-o eu, se não fora que eu não gosto de nadar no lago de outra pessoa.

depois de respirar fundo, Roxanne sacudiu a cabeça.

 - Não te sigo, Dori.

 - Vocês dois. É tão óbvio.

 - O que é o óbvio?

 - Entre vocês há suficiente fricção sexual para incendiar o barco.

 - Equivoca-te.

 - Ah, sim?  - Dori olhou Luke, bebeu um sorvo de cerveja e logo dirigiu seus olhos ao Roxanne.  - Está-me dizendo que não o deseja?

 - Não. Quero dizer, sim. Quero dizer...  - Não estava acostumada a turvar-se dessa maneira. -  O que quero dizer é que as coisas não são assim entre nós.

 - Porque você não quer que sejam?

 - Porque... porque não o são.

 - Estraga. Bom, eu não gosto de me colocar nos assuntos de outros.

Roxanne não pôde menos que soltar a gargalhada.

 - Isso é evidente.

 - Seja como for  - disse Dori com um sorriso - , se decidisse me colocar, daria-te um conselho muito singelo. Intriga-o, confunde-o, seduz-o. E se isso não tem efeito, te equilibre sobre ele. Tem que funcionar.

 - Sim, claro  - disse Roxanne com a vista fixa no vinho.

 - Até mais tarde  - disse Dori e se afastou. Roxanne estava tão sumida em seus pensamentos que se sobressaltou quando Luke e Lily voltaram e se sentaram.

 - Esteve muito divertido.  - Quase sem fôlego, Lily tomou sua taça.

 - te beba isso e sairemos a dançar de novo.

 - Está louco. Faz-o com o Roxy.

Roxanne voltou a engasgar-se e ficou tinta.

 - Tranqüila  - disse Luke e lhe deu golpes nas costas - . Quer dançar, Rox?

 - Não. Talvez mais tarde  - Sentia um comichão em todo o corpo e o coração lhe atingia no peito ao ritmo do contrabaixo, Fricção sexual? Era isso? Nesse caso, era letal. Bebeu outro gole, mas com mais precaução. Intriga. Muito bem, faria a prova.

 - Eu gostei de olhá-los dançar a vocês dois.  - Roçou com a mão as costas do Luke.  - Move-te muito bem, Callahan.

O ficou olhando-a. O que era esse brilho novo em seus olhos? Em outra mulher, o teria tomado como um convite. No Roxanne, perguntou-se onde o morderia ou o arranharia primeiro.

 - Obrigado.  - Levantou sua cerveja e disimuladamente consultou seu relógio.

 - Tem uma encontro?

 - O que? Não.

Que interessante, pensou Lily. Um jogo do gato e o camundongo, com o Roxanne no papel do gato.

 - Vocês dois deveriam sair a caminhar um momento por coberta. É uma noite maravilhosa.

 - Boa idéia. por que não o fazemos os três? Luke tomou ao Lily da mão e observou ao Roxanne com cautela. Devia entreter ao Lily durante outros dez minutos, e depois talvez fora prudente sair fugindo,

 - Não, não, estou um pouco cansada  - disse Lily e simulou um bocejo - . Acredito que irei deitar me.

 - Não terminaste seu gole  - disse Luke e voltou a sentar-se sem soltar ao Lily - . estive pensando em te perguntar...  - O que? Que demônios podia lhe perguntar?  - Se acredita que manhã choverá no Sidney.

 - Na Austrália?  - perguntou Lily, com os olhos totalmente abertos pela surpresa.

 - Não, em Nova Escócia. Amanhã tocamos esse porto. E teremos um par de horas livres, assim pensei que poderíamos ir à cidade e percorrê-la um pouco.

Está nervoso, pensou Roxanne, e isso lhe funcionou muito terno.

 - Eu também  - murmurou ela - . Necessita companhia?

 - Bom...

 - Seriamente estou cansada  - disse Lily, voltou a bocejar e conseguiu liberar sua mão da do Luke - . Divirtam-se.

Merda, pensou Luke. Quão único podia fazer era confiar em que o tempo transcorrido fora suficiente.

 - Eu também estou um pouco cansado.  - Luke se levantou o afastar-se Lily. E se surpreendeu quando Roxanne fez outro tanto e apertou seu corpo contra o seu.

 - Uma caminhada por coberta te ajudará a dormir melhor  - disse ela e jogou a cabeça para trás, de modo que ficaram com os olhos e a boca quase ao mesmo nível.

 - Não.  - Luke pensou em todas as coisas que gostaria de fazer com ela, lhe fazer a ela, à luz da lua. -  Posso te garantir que não. E acredito que também você deveria ir descansar.

 - Não acredito.  - Deslizou um dedo por seu braço.  - Suponho que já encontrarei a alguém que tenha vontades de dançar ou de caminhar comigo  - disse e lhe roçou a boca com os lábios - . boa noite, Callahan.

 - Sim.  - Olhou-a afastar-se e logo inclinar-se sobre a mesa onde vários animadores bebiam uma taça. Duvidava muito em poder fechar os olhos essa noite.

Lily abriu com sua chave a porta do camarote. Sorria ao pensar no Roxanne e Luke caminhando da mão à luz da lua. Fazia muito que esperava que esses dois "filhos" seus se encontrassem. Talvez esta noite, pensou, e ao abrir a porta se topou com música, rosas e luz de velas.

 - OH.  - ficou ali parada, sua silhueta recortada pela luz do corredor. Max se afastou da mesa em que aguardava uma garrafa de champanha recém aberta. Lhe aproximou e lhe ofereceu uma rosa rosada.

Não disse nada, só tomou a mão e a levou aos lábios, enquanto fechava a porta a suas costas. Logo e jogou chave.

 - OH, Max.

 - Espero que não seja muito tarde para uma pequena celebração, bon voyage.

 - Não  - respondeu ela e apertou os lábios para reprimir o pranto - . Não é muito tarde. Nunca é muito tarde.

Lhe rodeou a face com as mãos e lhe jogou a cabeça para trás.

 - meu coração  - murmurou. Seus lábios foram suaves e fortes sobre os do Lily. Depois, o beijo se aprofundou e se prolongou. Quando finalmente ele se separou, em seus olhos estava o velho brilho que ela adorava.  - Posso te pedir um pequeno favor?

 - Sabe que sim.

 - Essa negligée cor escarlate que empacotou na valise. lhe quer colocar isso enquanto eu sirvo o champanha?

 

Finalmente o entendeu. Luke passou um par de dias e um número igual de noites em vela, mas finalmente o entendeu.

Ela se propunha voltá-lo louco.

Era a única explicação razoável para a conduta do Roxanne. Não era que o sonriera tão seguido, a não ser a forma em que lhe sorria. Com essa luz estranhamente feminina em seus olhos, mescla de convite, desafio e diversão.

Em justiça, não podia culpá-la pelo fato de que não passava um dia sem que lhe desse um desses beijos etéreos que o enlouqueciam tanto.

Ainda estavam amarrados na cidade do Quebec. Do corrimão do alto podia ver formosas colinas, cale levantadas, a elegância do Chotean Fontenac. Tinha sido divertido percorrer com ela a cidade velha, ouvi-la rir, ver como seus olhos se acendiam.

Não sabia como faria para manter essa atitude fraternal durante as seguintes cinco semanas.

Girou. A maioria das reposeras de coberta estavam vazias. Como não zarpariam até as sete da tarde, muitos dos passageiros ficariam em terra até último momento. Os que preferiam descansar a bordo se encontravam duas cobertas mais abaixo, desfrutando das deliciosas massas que se serviam com o chá.

Mas Roxanne estava ali, estendida em uma reposera, os olhos ocultos depois de um par de óculos espejados, um livro nas mãos, e uma biquíni insuportavelmente direta que lhe cobria só o indispensável para não transgredir a lei.

Luke amaldiçoou entre dentes antes de aproximar-se dela.

Roxanne sabia que ele estava ali, soube do momento em que ele apareceu pela escada e se dirigiu ao corrimão. Fazia cinco minutos que estava na mesma página da novela.

Deu volta a página e estendeu o braço para tomar o refrigerante morno que estava na mesa, a seu lado.

 - Você gosta de viver perigosamente. Ela levantou a vista, arqueou uma sobrancelha e se baixou apenas os óculos para olhar por sobre o armação.

 - Parece-te?

 - Uma ruiva sentada ao sol é um convite a uma queimadura feroz.

 - Não ficarei muito tempo  - disse ela com um sorriso e voltou a calçá-los óculos - . Além disso, acabo de me passar uma loção pelo corpo  - disse, e com lentidão se passou um dedo pela coxa brilhante - . Deu ao Lily o leque de renda que lhe comprou?

 - Sim.  - Para assegurar-se de que suas mãos não faziam nenhuma loucura, as meteu nos bolsos.  - Tinha razão. adorou.

 - Viu? Tem que confiar em mim. Ela se moveu, apenas, mas Luke teve consciência de cada músculo dele, de cada detalhe de seu corpo. merecia-se que a assassinassem.

 - Jack queria saber se podia receber esta noite aos novos passageiros. Uma das garotas está em cama com um vírus.

 - Acredito que poderei fazê-lo  - respondeu ela - . Quer provar?  - e lhe ofereceu a Coca fria - . Parece quente.

 - Estou muito bem. -  Ou o estaria se conseguisse mover seu pé, que parecia parecido sobre coberta junto à cadeira do Roxanne.  - Não teria que entrar e te preparar?

 - Tenho tempo de sobra. Posso te pedir um favor?  - Tomou o frasco de loção e o arrojou.  - Me pode passar isso pelas costas?

 - Pelas costas?

 - Estraga.  - Baixou o respaldo da reposera e ficou de barriga para baixo.  - Eu não chego.

 - Seus costas está muita bem.

 - Sei bom.  - E depois de apoiar a cabeça sobre as duas mãos, suspirou como uma mulher distendida. Mas detrás de seus óculos espejados, tinha os olhos bem abertos e alertas.  - Acredito que não estaria bem visto que o pedisse a um dos marinheiros.

Essas palavras foram decisivas. Luke apertou os dentes, inclinou-se e lhe verteu a loção sobre os omoplatas. Ela voltou a suspirar e curvou os lábios.

 - Que agradável sensação  - murmurou - . Está morna.

 - Isso se explica por ter deixado o frasco ao sol.  - E começou a esparramar a loção com as pontas dos dedos, com a sensação de que o fazia objetivamente. depois de todo, não era mais que umas costas. Pele e ossos. Pele rígida e acetinada. Ossos largos e delicados. Ela se moveu sinuosamente debaixo de suas mãos, e ele se mordeu um gemido.

As mãos do Luke eram mágicas sobre a pele escorregadia do Roxanne, conjuravam imagens, acendiam rogos, nublavam o cérebro. Mas Luke não era o único que sabia de imagens e de como as controlar.

 - Agora tem que me desprender o corpete. As mãos que traçavam círculos em suas costas se detiveram.

 - Como?

 - O corpete  - repetiu ela - . Solta-me isso ou ficará a marca.

 - Está bem.  - Luke se disse que não era nada do outro mundo, mas teve que tentá-lo duas vezes antes de obter seu encargo.

Agora Roxanne fechou os olhos para desfrutar de cada uma das sensações.

 - Mmmm. Poderia conseguir trabalho com a Inga.

 - Inga?

 - A massagista da bordo. Ontem à noite tive uma sessão de trinta minutos com ela, mas é um poroto ao teu lado, Calavam. Papai sempre admirou seus mãos, sabia?

Deus santo, os ossos do Roxanne se estavam derretendo debaixo de suas mãos. A sensação erótica que Luke experimentou era intolerável. Uma série de imagens desfilaram por sua cabeça com intensidade.

O que o fez voltar para a realidade foi sua própria respiração desacompasada. Descobriu que tinha as mãos aos flancos dos seios do Roxanne, e que seus dedos estavam a ponto de reclamar esse tesouro.

Ela tremia, e era óbvio que sua excitação era idêntica a do Luke.

E estamos em coberta, ao ar livre, pensou ele com desgosto. A pleno sol. E, o que era muito pior, a relação de ambos os era tão estreita como podia sê-lo sem compartilhar um parentesco de sangue.

Ele separou as mãos.

 - Já é suficiente.

Roxanne levantou a cabeça, e com uma mão sustentou o corpete em seu lugar, enquanto com a outra voltava a baixá-los óculos.

 - É-o?

Furioso pela facilidade com que ela vencia sua força de vontade, cravou-lhe os dedos no queixo.

 - Já tenho feito o necessário para que não te queime, Rox. nos faça um favor aos dois, e mantente longe do calor.

Ela se obrigou a sorrir.

 - A qual de nós dois lhe tem medo, Calavam? Como não sabia a resposta, tornou-se para trás e ficou de pé.

 - Não force seu boa sorte, Roxy.

Mas ela, enquanto caminhava por coberta e descendia pela escalerilla, decidiu que isso era exatamente o que se propunha fazer.

 - Quem te colocou tão furioso, Loup?

 - Ninguém.  - Luke estava de pé junto ao LeClerc à entrada do cassino, e olhava aos que dançavam no Salão Montecarlo. O quarteto de músicos poloneses interpretava nesse momento "Noite e dia".

 - Então por que tem essa face? Juro-te que essa forma de olhar afugenta aos homens e estremece e faz suspirar às mulheres.

em que pese a seu mau humor, Luke sorriu.

 - Talvez isso é o que eu gosto. Onde está essa francesa platinada com a que te vi freqüentemente?

 - Enjoe-Claire. Virá em qualquer momento. É uma mulher atraente. Tem carne sobre os ossos e fogo nas vísceras. Uma viúva rica é um presente de Deus para um homem. Tem jóias. Ah - disse LeClerc, beijou-se a ponta dos dedos e suspirou - . Ontem à noite, tive seu pendente de opala na mão. Dez quilates, mon ami, talvez doze, rodeado de uma dúzia de diamantes. Mas você e o resto me fazem sentir culpado por pensar sequer em roubar-lhe Assim amanhã lhe direi adieu, e ela voltará para seu lar em Montreal com sua opala e seus diamantes, com seu anel de rubi de deliciosas proporções, e uma série de outros tesouros que me espremem o coração. E eu lhe terei roubado só sua virtude.

Divertido, Luke apoiou uma mão sobre o ombro do LeClerc.

 - Às vezes, mon ami, isso é suficiente  - disse e olhou para a entrada do salão.

Roxanne estava ali e nesse momento o primeiro oficial do barco lhe beijava a mão. O fato de que esse indivíduo fora um homem alto e bronzeado e, além disso, grego, já era bastante mau. Mas pior ainda foi o som da risada do Roxanne.

Seu vestido era uma espécie de túnica ajustada, curta e de deslumbrante cor aguamarina. Não usava breteles, e deixava ao nu os braços e os ombros do Roxanne. Virtualmente não tinha costas.

A pele que ela tinha exposto ao sol essa mesma tarde, brilhava com um tom dourado contra esse azul de sonho. Levava o cabelo recolhido com uma fivela enjoyada.

 - Não se sairá com a sua.

 - O que?

 - Já sei o que é o que se propõe  - disse Luke em voz baixa - . E não o obterá.  - Luke se dirigiu ao bar para beber um uísque. LeClerc permaneceu onde estava e riu pelo baixo.

 - Já o obteve, mon cher loup. O lobo foi preso pela puta.

Duas horas depois, Roxanne estava de pé entre as sombras, atrás do cenário, esperando o momento em que lhe tocaria agir. O espetáculo preparado para a última noite do cruzeiro compreendia a todo o elenco. E os Nouvelle se propunham deixá-los a todos com a boca aberta.

Max e Lily começaram com uma das variações de La Mulher Dividida. Assim que Lily foi recomposta para que saudassem, Luke saiu a entreter ao público com seu bate-papo e seus malabarismos de bolso.

Enquanto explicava o escapamento que planejava fazer com esposas e dentro de um baú fechado com chave, solicitou dois voluntários do público e procedeu a lhes roubar tudo o que tinham, para deleite dos pressente.

Com apenas um apertão de mãos, pendurou-se detrás da cabeça o relógio do primeiro, enquanto seguia distraindo a seus dois voluntários a quem tinha dado as esposas para que as examinassem. Ante seus mesmos narizes, roubou-lhes canivete, carteiras e moedas.

 - É realmente bom, não?  - disse Dori espiando por sobre o ombro do Roxanne.

Luke terminou seu número e a orquestra atacou com uma animada melodia.

Nesse momento entrou em cena Roxanne; Luke e ela protagonizaram uma espécie de duelo de jogos de prestidigitação dos dois extremos do cenário. O traje dele, um smoking negro com lapelas brilhantes, harmonizava com o vestido dela. A precisão nos tempos era tão essencial como a velocidade. Os objetos apareciam e desapareciam de suas mãos, multiplicavam-se e trocavam de cor e de tamanho.

Como broche final do ato, Luke cumpriu com sua promessa do escapamento do baú, para o qual teve que tratar de conseguir a colaboração do Roxanne, quem não parecia muito predisposta.

 - Vamos, Roxy, não me obrigue a fazer um papelão diante destas pessoas tão agradáveis.

 - Faz-o você só, Callahan. Sei o que ocorreu a última vez.

Luke olhou à audiência e estendeu as mãos.

 - E, bom, ela desapareceu durante um par de horas. Mas depois a fiz retornar.

 - Não.

 - Não seja má.  - Ela voltou a sacudir a cabeça, e ele suspirou.  - Está bem, então só te peço que sustente a cortina.

Ela o observou com desconfiança.

 - Quer só que sustente a cortina.

 - Sim.

 - Não há nenhuma armadilha?

 - Decididamente não.  - Girou para um flanco e lhes piscou os olhos um olho aos espectadores.

 - Está bem. Farei-o, mas só porque o público é tão maravilhoso. Até te colocarei as esposas.

E as sacudiu, fazendo que os pressente se matassem de risada ao ver que Luke abria os olhos de par em par e se apalpava os bolsos.

 - Muito ardilosa, Roxanne.

 - E tenho muitos truques mais. te coloque em posição, Callahan.

A música voltou a soar quando lhe ofereceu os punhos. Com movimentos muito exagerados, Roxanne lhe colocou as esposas, as fechou com chave e, no caso de, atou-lhe as mãos com uma corrente.

Depois rodeou o baú e abriu a tampa, para que todos vissem que tinha quatro lados e um fundo. Luke se meteu nele e, aproveitando que tinha as mãos sujeitas, Roxanne se inclinou para lhe dar um beijo forte.

 - Para que tenha sorte  - disse, empurrou-lhe a cabeça para baixo e fechou a tampa. Depois jogou os ferrolhos e os travou com chaves que tirou de seu bolso. Logo, utilizando uma cortina branca de quatro lados, parou-se sobre a tampa do baú e deixou que o tecido o cobrisse todo desde seu queixo até abaixo.

 - À conta de três  - disse em voz alta-. Um. Dois. Sua cabeça desapareceu e apareceu a do Luke.

 - Três.

O público estalou em aplausos e prosseguiu quando Luke teve deixado que a cortina caísse ao chão. Agora usava um smoking branco com lentejoulas chapeadas. Saudou com uma reverência e de repente olhou como ao descuido por sobre seu ombro. Do interior do baú brotavam golpes fortes.

 - Caramba, parece-me que esqueci algo.  - Estalou os dedos e neles apareceu uma chave. depois de abrir com ela as fechaduras do baú, levantou a tampa.

 - Muito gracioso, Calavam. Realmente gracioso. Ele sorriu e levantou em braços ao Roxanne para tirá-la do baú. Também ela usava um smoking branco, e agora suas mãos estavam algemadas e atadas com uma corrente. Ele saudou uma vez mais com o Roxanne em braços, e depois a levou até detrás da cena.

 - Preparada?  - perguntou-lhe em voz baixa.

 - Quase. Agora.

O voltou para cenário, com ela em seus braços, só que agora as mãos do Roxanne estavam livres e as dele, algemadas.

 - Poderia havê-lo feito em dois minutos menos  - queixou-se ele quando a baixou ao piso frente ao camarim.

Pela quinta vez, Roxanne se olhou ao espelho. Acabava de pentear-se e sua face tinha apenas um toque de maquiagem. A bata larga de seda cor marfim lhe delineava cada curva. ficou perfume no cabelo e depois pôs-se a andar entre uma nuvem de fragrância. Decidida, saiu da cabine e pelo corredor se dirigiu a do Luke.

O se tinha tirado quase toda a roupa salvo um par de calças cinzas de ginástica, e tratava de preparar-se para dormir pensando em outros métodos de escapamento.

Grunhiu para ouvir que chamavam. Seu olhar distraído, para ouvir que a porta se abria, converteu-se em uma surpresa total ao ver o Roxanne.

 - O que? O que acontece? Algum problema?

 - Não acredito  - respondeu ela e se recostou contra a porta. Fez girar a chave e atravessou o quarto. O se parou e se dispôs a se separá-la. Mas Roxanne só teve que apoiar a palma da mão sobre seu peito nu para quebrar suas defesas e estremecê-lo.

 - Tinha razão  - disse Roxanne e colocou os dedos estendidos sobre o coração do Luke -  a respeito de meu sentido do tempo. Isto é algo que deveria ter feito faz muito tempo.

 - Estou ocupado, Roxanne, e é muito tarde para adivinhações.

 - Já tem a resposta a este  - disse ela e, rendo, acariciou-o e subiu as mãos até seus ombros.

 - O que ocorre quando um homem e uma mulher estão juntos, sós, de noite, em um quarto pequeno?

 - Disse-te que...  - Mas ela se moveu com rapidez e lhe cobriu a boca com a sua. Pouco podia fazer com respeito à resposta de seu próprio corpo. Mas podia impedir que fora mais longe. Rogou a Deus ser capaz de obtê-lo.

 - Já está  - disse Roxanne e voltou a beijá-lo uma, duas vezes antes de se separar-se apenas o suficiente para lhe sorrir aos olhos - . Sabia que tinha a resposta.

Custou-lhe muitíssimo, mas Luke deixou cair suas mãos e deu um passo ao flanco.

 - Terminou o jogo. Agora vai-te. Tenho trabalho. Roxanne sentiu que lhe cravavam uma adaga no peito. Muito bem, pensou, talvez sangre, mas não penso me dar por vencida sem lutar. Estava em plena etapa de sedução, seguindo os conselhos do Dori. Maldito se deixaria que ele se desse conta do aterrorizada que se sentia.

 - Essa técnica não funcionou bem nem sequer quando eu tinha doze anos.  - Lhe aproximou, fora da luz, nas sombras, e conseguiu abandoná-lo.  - Tampouco funciona agora. me olhe.  - Lhe aproximou ainda mais, tanto que Luke estendeu as mãos para tomar a dos braços e impedir que seu corpo roçasse perigosamente o seu.  - Sinto como me olha quando estou no mesmo quarto. Quase posso ouvir o que pensa nesse momento.  - Os olhos do Roxanne eram como um oceano escuro e profundo, e Luke já se estava abafando nele.  - Pergunta-te como seria entre nós dois.  - Tomou o queixo e deslizou seus dedos por seu queixo.  - Também eu. Pergunta-te o que sentiria ao me possuir e fazer todas essas coisas secreta que faz tempo quer me fazer. E eu também me pergunto isso.

Ele teve que fazer um esforço supremo de vontade até para respirar. Se isso era sedução, jamais a tinha experiente antes, nunca imaginou que ela pudesse fazê-lo com tanta habilidade. Preso, só atinou a pensar. Estava prisioneiro em uma jaula de necessidades inenarráveis e a única porta de saída era sua vontade, que já fraquejava.

 - Não tem idéia do que eu quereria te fazer. Se soubesse, fugiria em seguida daqui.

O corpo do Roxanne lhe aproximou mais, com um desejo muito mais forte que o temor.

 - Mas não fujo. Não tenho medo.

 - Não tem a sensatez de ter medo. - Mas ele sim a tinha. Separou-a com brutalidade.  - Eu não sou um desses confiáveis teus amigos da universidade, Rox. Eu não seria cortês nem te faria promessas nem te diria o que acredita que quer ouvir. Assim sei uma boa garota e vai-te daqui.

Ela sentiu o comichão de lágrimas na garganta, mas permaneceu forte e com os olhos secos.

 - Nunca fui uma boa garota. E não penso ir a nenhuma parte. Ele suspirou.

 - Roxy, está-me obrigando a que fira seus sentimentos.  - Lhe aproximou e lhe aplaudiu a cabeça, sabendo que uma bofetada teria funcionado menos insultante.  - Sei que te esforçaste por levar adiante esta cena de sedução. E me adula, sério, que tenha esse entusiasmo por mim.

 - Entusiasmo?  - conseguiu dizer Roxanne quando sua voz lhe respondeu. Ao advertir como o fulminava com o olhar, Luke soube que tinha dado na tecla.

 - É um sentimento muito doce, e o aprecio, mas não me interessa. Não é meu tipo, pequena. É linda, e não posso negar que tive algumas fantasias muito apasionantes contigo ao longo destes anos, mas enfrentemos a realidade.

 - Você...  - A punhalada do rechaço quase a fez cair de joelhos.  - Está-me dizendo que não me quer.

 - Parece-me que está bem claro  - disse ele e tomou um charuto da cômoda - . Não te quero, Roxanne.

Ela poderia lhe haver acreditado. Tinha pronunciado essas palavras com tanta calma, compreensão e tom de desculpa que era um verdadeiro insulto. Havia um brilho divertido em seu olhar que cortava como uma navalha e um esboço de sorriso em seus lábios. Poderia lhe haver acreditado. Mas viu que tinha os punhos apertados com tal força que seus nódulos estavam brancos. E já tinha destroçado o charuto.

Roxanne manteve os olhos baixos um momento, sabendo que necessitava uma pausa para eliminar deles a expressão de triunfo.

 - Está bem, Luke. Só te peço uma coisa. O respirou fundo e pareceu aliviado.

 - Não se preocupe, Rox, não lhe mencionarei isto a ninguém.

 - Não é isso.  - Levantou a cabeça e a beleza deslumbrante de seu rosto apagou o fácil sorriso do rosto do Luke.  - O que quero te pedir é... que me demonstre isso.

Dito o qual, soltou o cinturão da bata.

 - Basta.  - Deixou cair o charuto esmiuçado e retrocedeu.  - Por Deus, Roxanne, o que está fazendo?

 - te mostrar o que assegura não desejar.  - Sem deixar de olhá-lo, jogou a bata para trás e a deixou cair ao chão. Debaixo tinha mais seda, uma camisa da mesma seda cor marfim, com renda. Enquanto ele tratava de recuperar o fôlego, um dos breteles deslizou a ela do ombro.  - Se disser a verdade, isto não deveria te causar problemas, verdade?

 - Vístete. Sal daqui. Não tem nenhuma pingo de orgulho?

 - Tenho mais que suficiente.  - E sentiu ainda mais orgulho quando viu o desejo indefeso nos olhos do Luke.  - O que parece me faltar neste momento é vergonha. Neste momento  - murmurou, lhe aproximou e lhe jogou os braços ao redor do pescoço - , não tenho nem um milímetro de vergonha.  - Inclinou a cabeça e lhe mordeu o lábio inferior. O grunhido que lançou Luke fez que ela soltasse a gargalhada.  - me diga de novo que não te interesso. diga-me isso de novo.

 - Maldita seja, Rox.  - Tinha de novo as mãos em seu cabelo, fechadas em um punho.  - É isso o que quer?  - Fez-a girar com tal força que foi dar contra a cômoda enquanto a boca dele se estrelava na sua.  - Quer ver o que posso te fazer, o que posso te obrigar a fazer? Quer que te use para depois te fazer a um lado?

Roxanne jogou a cabeça para trás.

 - Tenta-o.

Ele a amaldiçoou, atraiu-a para si, jogou-a na cama e se atirou sobre ela. Sem cuidado, sem compaixão, cobriu-a com suas mãos, rasgou a seda, machucou-a e se odiou pela onda de excitação que sentiu cada vez que ela gemia ou ofegava.

Pensou que os dois se iriam ao inferno, mas que antes passariam pelo paraíso.

Por entre um labirinto de necessidades e medos, Roxanne reconheceu a fúria do Luke. E sua avidez. Soube que ele tinha mentido, e como, enquanto gritava quando sentiu sua boca fechar-se com fome sobre seu peito.

Afundou os dedos no cabelo do Luke e se estremeceu. Essa era a verdade, essa sensação se desesperada para caos era a verdade. O resto era uma ilusão, uma simulação, um engano.

Ele ficou sem fôlego quando levantou a cabeça para olhar ao Roxanne. Também sem fôlego e machucada. Mas, de algum jeito, a raiva tinha desaparecido.

Debaixo do dele, o corpo do Roxanne vibrava.

Sabendo-se perdido, baixou a frente para ela.

 - OH, Rox  - murmurou e lhe acariciou os ombros. Sem vacilar, ela o rodeou com seus braços.

 - me escute, Calavam. Se agora te detiver, terei que te matar.

A risada foi um alívio.

 - Roxy, a única forma em que poderia me deter agora seria se já estivesse morto.  - Levantou a cabeça. Ela viu a concentração em sua face, a mesma que lhe tinha visto tantas vezes quando ele preparava um truque complicado ou um escapamento perigoso.  - Já cruzamos a linha, Roxanne. Esta noite não posso deixar ir.

 - Graças a Deus  - disse ela com um enorme sorriso de felicidade.

Ele sacudiu a cabeça.

 - Faria melhor em rezar  - advertiu-lhe ele e uniu sua boca com a sua.

 

Por fim. Foi o último pensamento coerente que aconteceu a mente do Roxanne quando a boca do Luke se fixou sobre a sua. Por fim.

Outra mulher talvez teria desejado escutar palavras ternas, mãos lentas, uma suave persuasão. Mas ela não necessitava isso nesse momento. Cada desejo que havia sentido, cada fantasia que tinha tecido em segredo foi concedido com as exigências selvagens e decididas das mãos e os lábios do Luke.

Deu-lhe o presente mais prezado que uma mulher lhe pode outorgar a um homem: sua entrega total.

Esse era seu poder e seu triunfo.

As necessidades que tinham germinado timidamente em seu interior floresceram do todo. Os temores misturados com elas a fizeram estremecer-se. Jamais imaginou, nem em suas fantasias mais secreta, que era possível sentir-se assim.

Indefesa e forte. Enjoada e sensata.

Voltou a rir, pelo mero prazer de fazê-lo.

Cada suspiro, cada ofego intensificava a avidez do Luke. Era Roxanne a que estava debaixo dele, e seu corpo esbelto e ágil tremia com cada toque, sua boca ofegante se fundia com a sua, sua fragrância o fazia enlouquecer.

A luz seguia brilhando com intensidade, não com a semipenumbra com que se está acostumado a fazer o amor. O cobertor que não tinham afastado era áspero contra a pele de ambos. O beliche estreito se balançava com os movimentos do barco. Mas Roxanne se arqueava contra ele e para o Luke não havia nada mais que ela e o que ela tão temerariamente lhe oferecia.

Ele desejava mais, necessitava mais, e rasgou o que ficava da camisola do Roxanne para senti-la toda.

Impaciente, urgente, a mão do Luke baixou e descobriu que ela já estava quente, molhada e espectador. Com um movimento violento a levou a um primeiro clímax monumental.

Ela sentiu como se a tivessem esmigalhado em duas com a mesma facilidade com que se partiu a seda cor marfim. Seu corpo se estremeceu, convulsionou-se, explodiu antes de que sua mente conseguisse compreendê-lo. Inclusive quando se tornou para diante, maravilhada e aturdida, ele já voltava a acariciá-la com força.

Roxanne teria querido lhe dizer que esperasse, que lhe desse um momento para recuperar o fôlego e a razão. Mas Luke voltou a levá-la a outro orgasmo até que seu fôlego era um soluço nos pulmões e toda razão era impossível.

Com voracidade, ele se apoderou de seu seios, um depois do outro, com os dentes, a língua e os lábios, de modo que a resposta dela propagou a todo o corpo e inclusive aos ossos.

O sangue atingia na cabeça do Luke e pulsava sem piedade em seus genitais. Tremia como um padrillo quando finalmente a montou e lhe levantou os quadris e a penetrou bem fundo.

Ela lançou um grito, e se arqueou quando a dor a "transpassou como um relâmpago branco e gelado em meio de tanto calor. Seus quadris se sacudiram como tratando de fugir e ele gemeu.

 - Por Deus, Roxanne.  - O suor lhe perolava a frente quando lutou contra todo seu instinto para permanecer imóvel e não machucá-la mais.  - Deus santo.

Uma virgem. Sacudiu a cabeça em um intento desesperado de limpá-la, enquanto seu corpo vibrava no fio da navalha, entre a frustração e o desejo de terminar. Roxanne era virgem e ele tinha arremetido contra ela como uma aplanadora.

 - Sinto muito, querida. Sinto muito.  - Palavras sem sentido, pensou Luke ao ver as primeiras lágrimas rodar pelas bochechas do Roxanne. apoiou-se nos braços e se preparou para sair dela com a maior suavidade possível.  - Não te machucarei.

O fôlego do Roxanne tremeu por entre seus lábios. Ainda sentia dor, uma dor irradiada e outro, mais profundo e mais suave. E, misturado com os dois, uma sensação de glória ainda não alcançada. Instintivamente arqueou os quadris ao sentir que ele se retirava.

 - Não te mova. - O estômago do Luke se converteu em uma superfície nodosa quando ela voltou a apertar-se contra ele.  - Pelo amor de Deus não o faça...  -  O prazer estava a ponto de voltá-lo louco.  - -Deterei-me.

Ela abriu os olhos e o olhou fixo.

 - Nem te ocorra.  - Preparada para a seguinte surriada de dor, agarrou os quadris do Luke, ouviu-o amaldiçoar. Mas não podia estar segura. Pois não sentia nenhuma dor, só um prazer profundo e glorioso.

O não pôde resisti-lo. Seu corpo o traiu, e agradeceu a Deus por isso. Enterrou a face no cabelo de

Roxanne e deixou que ela tomasse.

Roxanne teve a sensação de que seu corpo era um cristal delicado. Tinha medo de mover-se por temor a estalar em mil pedaços. De modo que isso é o que faz chorar aos poetas, pensou.

Suspirou e se arriscou a mover a mão para acariciar as costas do Luke. Era maravilhoso estar ali deitada, sentindo os batimentos do coração de seu amado contra o seu. Poderia haver ficado assim durante dias.

Mas ele se moveu. Roxanne fez uma careta. sentia-se um pouco dolorida. Mas como não queria perder essa sensação de proximidade e de calidez, aconchegou-se contra Luke quando ele girou e se deitou de costas.

Enquanto olhava o teto, Luke pensava que não havia insultos suficientemente fortes para o que ele tinha feito. Havia-a possuído como um animal, sem cuidado, sem ternura. Fechou os olhos. Se a culpa não o matava, Max o faria.

Até então, tinha que fazer algo para reparar o que com tanta brutalidade tinha destruído.

-Rox.

 - Mmmm.

 - Sou responsável.

Meio adormecida, ela apoiou a cabeça sobre seu ombro.

 - Está bem.

 - Não quero que se preocupe nem que se sinta culpado.

 - Do que?

 - Deste engano  - respondeu ele com impaciência. Roxanne abriu os olhos. O sorriso que tinha nos lábios se converteu em um cenho franzido.

 - Um engano? Está-me dizendo que o que acaba de acontecer foi um engano?

 - É obvio que foi. -  Rodou, levantou-se da cama e procurou sua roupa antes de que seu corpo o convencesse de repetir a experiência.  - Em muitos sentidos.  - Olhou-a e mordeu forte. Agora Roxanne estava sentada, o cabelo lhe caía sobre os ombros e se curvava seductoramente sobre seu seios. O fato de ver a mancha de sangue sobre o cobertor conseguiu anular seus desejos crescentes.

 - Sério?  - A sensação estupenda de sonho tinha desaparecido. Se Luke não tivesse estado tão ocupado em amaldiçoar-se, teria reconhecido o brilho de batalha em seus olhos.  - por que não me diz algumas dessas razões?

 - Pelo amor de Deus, Roxanne, quase é minha irmã.

 - Ah.  - cruzou-se de braços e endireitou os ombros. Teria sido um gesto muito forte se não tivesse estado completamente nua.

 - Acredito que nessa frase, a palavra que importa é quase. Não há nenhum parentesco de sangue entre nós, Calavam.

 - Max me recebeu em sua casa.  - Para poder manter a sensatez, Luke abriu uma gaveta e tirou uma camiseta de manga curta. A jogou no Roxanne.  - Brindou-me um lar, uma vida. E eu traí todo isso.

 - Que disparate  - disse ela e lhe arrojou a camiseta de volta.  - Sim, recebeu-te e te deu um lar. Mas o que aconteceu aqui foi algo entre os dois, só entre nós dois. Não tem nada que ver com o Max nem com uma traição.

 - Ele confiava em mim.  - Com severidade, Luke tomou a camiseta e a jogou para a cabeça do Roxanne, quem ficou de pé de um salto.

 - Acredita que Max estaria escandalizado e furioso porque nos queremos? Não é meu irmão, maldito seja, e se pensa seguir ali parado e me dizer que faz alguns minutos pensava em mim como uma irmã, é um mentiroso de primeira.

 - Não, não pensei em você como uma irmã.  - Agarrou-a dos ombros e a sacudiu.  - Não pensei nisso absolutamente, esse é o problema. Desejava-te. Faz anos que te desejo. É algo que me esteve carcomendo por dentro.

Ela jogou a cabeça para trás. O gesto era todo um desafio, mas uma suave calidez ardia em seu interior. Durante anos. Fazia anos que ele a desejava.

 - De modo que estiveste jogando comigo desde que eu tinha dezesseis anos. E todo porque me queria e seu cérebro diminuto e tortuoso acreditava que isso era algo assim como... um incesto emocional.

Ele abriu a boca e a fechou. por que de repente isso soava tão ridículo?

 - Sim, mais ou menos.

Não sabia que resposta esperava dela, mas por certo não era a risada. Roxanne se pôs-se a rir a gargalhadas até que lhe encheram os olhos de lágrimas. sentou-se na beira da cama.

 - Por Deus, que pedaço de tarado.

O orgulho do Luke estava em jogo. Maldito se ia reconhecer que uma mulher nua, e morta de risada a gastos dele, podia excitá-lo até o extremo de estar a ponto de choramingar e suplicar.

 - Não vejo o que tem de gracioso.

 - Brinca? É divertidísimo.  - Roxanne se separou o cabelo da face e o olhou.  - E também extremamente doce. Estava protegendo minha honra, Luke?

 - te cale.

Ela riu entre dentes e se secou as lágrimas das bochechas.

 - Pensa-o, Calavam. Realmente, pensa-o um momento. Você está ali parado, morto de culpa por ter feito o amor com uma mulher que usou todos os métodos imagináveis para te seduzir. Uma mulher a que conhece desde quase toda a vida, e que não tem, repito-te, não tem nenhum parentesco contigo. Uma mulher solteira, com idade suficiente para saber o que faz. Não te parece gracioso?

O se meteu as mãos nos bolsos e franziu o sobrecenho.

 - Não muito.

 - Está perdendo seu senso de humor.  - ficou de pé e o abraçou. Seu seios nus lhe roçaram o torso e Roxanne teve a satisfação de sentir como se estremeciam os músculos do Luke. Mas não lhe devolveu ao abraço.  - Se isso for o que sente, suponho que terei que te seduzir todas as vezes. Acredito que estou em condições de fazê-lo.  - Mordiscou-lhe os lábios e sorriu ao olhar para baixo.  - E parece que você também.

 - Termina-a. Também há outras coisas.

 - Está bem  - disse ela, deslizou os dedos pelas costas do Luke e lhe beijou o pescoço - . As ouçamos.

 - Maldição, foi virgem.  - Agarrou-lhe os braços e a separou para poder escapar.

 - E isso te incomoda? Sempre acreditei que isso adulava aos homens.

 - O que?

 - Bom, poder entrar onde nenhum homem esteve antes.

Ele reprimiu a risada.

 - Deus.  - Desejou ter uma cerveja, ou melhor, um papelão de seis latas, mas se conformou com uma garrafa morna de água mineral.  - Olhe, Roxanne, a questão é que não o fiz bem.

 - Ah, não?  - Inclinou a cabeça com ar de curiosidade.  - Não posso imaginar que haja tantas maneiras de fazê-lo.

O se engasgou e colocou a garrafa sobre a mesa. Deus santo, não só virgem mas também eróticamente inocente.

 - O que aconteceu com todos esses companheiros de faculdade? Não souberam o que fazer contigo?

 - Bom, suponho que sim... se eu o tivesse querido.  - Voltou a sorrir, segura de seu poder. Quando voltou a falar, fez-o com voz doce.  - Eu queria que você fosse o primeiro.  - Viu a emoção nos olhos do Luke e lhe aproximou.  - Só desejava a você.

Ninguém nem nada o tinham comovido tanto em sua vida. Com suavidade, acariciou-lhe o cabelo.

 - Machuquei-te. Se ficar a meu lado, o mais provável é que volte a fazê-lo. O que disse antes sobre o que há em meu interior é certo. Há coisas que ignora. Se as soubesse...

 - Sei-as.  - Deslizou-lhe uma mão pelas costas, sobre as cicatrizes.  - Faz anos que sei, desde dia em que o contou ao Max. Ouvi-te. Chorei por você. Não te afaste  - disse e o encerrou entre seus braços com força para que ele não pudesse ir-se - . A sério acredita que eu pensaria distinto de você pelo que lhe fizeram quando foi menino?

 - Eu não gosto da piedade  - disse ele, muito tenso.

 - Eu não lhe estou dando isso.  - Os olhos do Roxanne estavam escuros e ardentes quando jogou a cabeça para trás.  - Mas sim compreensão, a compreensão que tem que aceitar, a que só te pode dar alguém que te conheceu e amou durante toda a vida.

Esgotado, Luke apoiou a frente sobre a dela.

 - Não sei o que te dizer.

 - Então não me diga nada. Só fica junto a mim.

Não houve muito tempo para desfrutar da sensação de despertar em braços do Luke, e nenhum absolutamente para vadiar pela manhã. Roxanne se tomou apenas um minuto para aconchegar-se mais perto do Luke enquanto pelo alto-falante ouvia o anúncio dos preparativos para o desembarque. Um beijo longo e dormitado, alguns grunhidos de frustração e por fim se levantou, ficou as calças de ginástica do Luke e a camiseta que tinha rechaçado a noite anterior. Enquanto se sujeitava as calças na cintura com uma mão, entreabriu a porta e passeou a vista pelo corredor. Para ouvir que Luke ria a suas costas, olhou por cima do ombro.

Roxanne tinha o cabelo despenteado, a face arrebatada, os olhos pesados e sonhadores. Parecia, pensou Luke contendo o fôlego, exatamente o que era. Uma mulher que acabava de passar a noite com seu amante.

E ele era seu amante. O primeiro. O único.

 - Espero-te em coberta dentro de quinze minutos, Calavam, disse com voz rouca.

 - De acordo.

Sustentando-os calças, Roxanne correu a sua própria cabine e, um quarto de hora depois, apresentou-se na Coberta Lido. Os passageiros estavam reunidos nos salões, com bolsas de compras, enquanto bocejavam, conversavam e aguardavam seu turno para baixar a terra. Roxanne o passou estreitando mãos, beijando bochechas e intercambiando abraços, enquanto o alvoroço ia acalmando-se cada vez mais.

Às dez da manhã, só ficavam a bordo a tripulação e uma pequena percentagem dos passageiros, que se dirigiam de volta a Nova Iorque. Os novos não subiriam ao barco até a uma da tarde. Max aproveitou o intervalo de tranqüilidade para chamar um ensaio.

Roxanne se alegrou de ver seu pai em atividade, talvez com algo mais de lentidão mas sem as vacilações que tanto a tinham preocupado.

Ela o fez todo bem, dos truques com cartas até outros com sogas e efeitos mais importantes, sem trair o que estava em sua mente e seu coração. Manteve baixo estrito controle as imagens do Luke tombando-a na cama e as lembranças que lhe proporcionavam excitação e prazer. Alegrava-lhe que ninguém, salvo ela mesma e seu homem, estivesse informado do salto espetacular que tinha tomado sua vida.

 

Mas, certamente, o amor é cego.

Lily suspirava cada vez que os olhava. Seu coração romântico a levava a chorar de alegria. LeClerc se mordia os lábios. Até Mouse, que tinha passado a maior parte de sua vida sem emprestar atenção às mudanças sutis entre os homens e as mulheres, sorria e se ruborizava.

Só Max não parecia notar o que ocorria.

 - Não é maravilhoso?  - disse Lily e voltou a suspirar quando ela e Max se tomaram a hora livre na coberta Lido, agora quase deserta, frente a taças de consomé e de chá de ervas.

 - É-o, por certo.  - E lhe aplaudiu a mão, pensando que se referia a esse momento de tranqüilidade, à brisa fresca e a visão de Montreal que se apreciava desde bombordo.

 - É como ver que um sonho muito ansiado se faz realidade. Confesso-te que começava a pensar que isso nunca ocorreria entre os dois.

Max piscou e franziu o sobrecenho.

 - De quem está falando?

 - Do Roxy e Luke, tolo.  - Apoiou os cotovelos na mesa e suspirou com ar sonhador.  - Arrumado a que neste momento estão caminhando por Montreal tirados da mão.

 - Roxanne e Luke?  - foi tudo o que pôde dizer Max - . Roxanne e Luke?

 - É obvio, querido. A quem acredita que me referia?  - e se pôs-se a rir, desfrutando da superioridade que sentem as mulheres sobre os homens em assuntos do coração - . Não viu como se olhavam esta manhã? É um milagre que o salão não se gostou muito fogo com todas essas faíscas que voavam.

 - Sempre se lançaram faíscas. E não faziam mais que discutir.

 - Querido, isso foi algo assim como um ritual de acasalamento.

Max esteve a ponto de obstruir-se com o chá.

 - Acasalamento?  - disse com um fio de voz - . Meu deus.

 - Max, meu coração.  - Surpreendida e preocupada, Lily tomou as mãos e comprovou que tremiam.

 - Não estará aborrecido, verdade que não, querido? São tão perfeitos o um para o outro, e estão tão apaixonados.

 - O que me está dizendo é que ele... que eles...

 - Não pôde seguir falando.

 - Bom, eu não sou uma mosca nem estive no camarote, mas a julgar pelo que vi esta manhã, diria que ontem à noite se deitaram juntos.  - Disse-o em um tom jovial, mas ao comprovar que Max seguia olhando-a fixo, impactado, seu tom trocou.  - Max, está zangado?

 - Não. Não.  - Sacudiu a cabeça mas teve que ficar de pé. dirigiu-se ao corrimão como um homem em transe. Meu bebê, pensou e sentiu que acabavam de lhe arrancar um pedaço do coração. Sua pequena. E o moço que desde fazia tanto tempo queria como até filho. Tinham crescido. Os olhos lhe encheram de lágrimas.  - Teria que me haver dado conta, suponho  - murmurou quando Lily o tirou do braço.

Max voltou a sacudir a cabeça.

 - Acredita que terão o que temos nós? Ela recostou a cabeça sobre o ombro do Max e sorriu.

 - Ninguém poderia, Max.

Essa noite, Luke era a  ela. Roxanne o esperava. Não importa quantas vezes se disse que era uma tolice, estava mais nervosa agora que antes. Supôs que era algo relacionado com o controle. A noite anterior, essa primeira noite, ela tinha esboçado o percurso e se sentou segura do curso a seguir.

Essa noite, sem dúvida, ele a levaria mais longe.

alegrou-se de que ele não tivesse ido diretamente a sua cabine depois da última função, mas sim lhe tinha dado tempo para que se tirasse a maquiagem de cena, tirasse-se o vestido com lentejoulas e ficasse uma singela bata cor azul. Mas esse momento só também havia agido em seu contrário, lhe dando a seu coração a oportunidade de bater com muita força e rapidez.

Tinha sido uma tarde preciosa. Fizeram precisamente o que Lily imaginou que fariam. Caminhar pelas veredas levantadas de Montreal, escutar música norte-americana, aconchegar-se juntos frente à pequena mesa de um café sobre a rua.

Agora estavam de novo sós. O buquê de flores que lhe comprou em um colocado de rua luzia fragrante sobre seu penteadeira. A cama estava prolixamente aberta. O barco se balançava debaixo de seus pés enquanto avançava para o sul.

 - Esta noite tivemos um bom público.  - Um comentário bastante estúpido, arreganhou-se Roxanne.

 - Entusiasta  - disse Luke, sacudiu o punho e em sua mão apareceu um pimpolho branco de rosa. Ao Roxanne lhe derreteu o coração.

 - Obrigado.  - Todo sairá bem, disse-se ao tomar a flor. Agora sabia o que esperar, e podia antecipar o toque das mãos do Luke sobre sua pele e essa viagem intensa para o esqueço. depois de todo, a dor tinha sido fugaz. Sem dúvida alguns momentos de mal-estar eram um preço bem baixo para o maravilhoso prazer de jazer aconchegada em seus braços.

Em seus olhos ele via os nervos com a mesma claridade com que via sua cor. Não tinha sentido seguir amaldiçoando-se por sua negligente iniciação da noite anterior. Pelo menos tinha tido o bom tino de passar o resto da noite tendo-a em seus braços.

Roçou-lhe a bochecha com a mão e viu como seus olhos subiam lentamente da rosa a sua face. Agradeceu a Deus que houvesse neles muito mais que medo. Podia obter que esse medo desaparecesse. Passou uma mão diante de seu rosto e a fez rir quando ela viu a vela que apareceu entre seus dedos.

 - Muito inteligente.

 - Ainda não viu nada.  - aproximou-se do penteadeira e lhe colocou em cima um castiçal de cristal que tinha juntado na sala de jantar. Colocou a vela e estalou os dedos. O pavio se acendeu e a chama brilhou com intensidade.

um pouco mais relaxada, Roxanne sorriu.

 - Tenho que aplaudir?

 - Ainda não.  - Sem deixar de olhá-la, apagou as luzes e se tirou a jaqueta.  - Pode esperar até que  o espetáculo tenha terminado.

Inconscientemente, ela se levou a mão à garganta.

 - Há mais?

 - Muito mais.  - Lhe aproximou. Não era muito justo que fora recompensado em lugar de açoitá-lo por seu comportamento da noite anterior. Mas a compensaria por isso. Compensaria-os aos dois. Tomou a mão que Roxanne ainda tinha na garganta, a girou, apertou seus dedos contra a palma e os deslizou ao punho frágil onde o pulso batia com a força de um trovão.  - Disse-te que havia mais de uma maneira, Roxanne.  - Com a mão dela ainda sujeita pela sua, foi lhe dando beijos no queixo.  - Mas, igual a acontece com a magia, mostrar é melhor que dizer. E prometo que não voltarei a te machucar.

Para ouvir isso, ela abriu os olhos. Esses olhos nos que se livrava uma luta entre as dúvidas e os desejos.

 - Está bem  - murmurou ela e levantou a boca em resposta a seu convite.

 - Confia em mim.

 - Isso faço.

 - Não, ainda não confia.  - Cobriu sua boca espectador e a beijou até que ela vibrou.  - Mas o fará  - disse e tomou em seus braços.

Roxanne se preparou para a luta. Uma parte de seu ser ardia em desejos de sentir essas mãos fortes e essa boca urgente. Mas essa noite seus lábios eram suaves, sedutores, até sedativos quando murmuraram sobre os seus.

 - Tenho lugares aonde te levar. Lugares mágicos.

Ela não teve outra opção que segui-lo. Seu corpo já flutuava antes de que terminasse seu primeiro beijo e maravilhoso. Luke deixou os lábios do Roxanne tremendo e desejando mais e se embarcou em sua própria travessia lânguida, enquanto lhe beijava a pele, atrasava-se em sua garganta.

Os braços que se levantaram para envolvê-lo ficaram de repente lassos, e Luke soube que lhe pertencia.

 - Quero te olhar  - sussurrou e, suavemente, separou-lhe a bata.  - Deixa que te olhe.

A beleza do Roxanne lhe abrasou o coração e lhe derreteu o sangue. Mas nessa tênue luz, foi tocando a pele com as pontas dos dedos: deslizou-os por suas curvas e terrenos baixos e lhe maravilhou o contraste de sua própria pele contra a dela, cativado pelos tremores que cada carícia suscitava no Roxanne.

 - Antes estivemos apurados  - disse e, baixando a cabeça, com muita suavidade lhe acariciou os mamilos com a língua - . E possivelmente estaremos apurados mais tarde.  - Quando se endireitou para olhá-la, fez girar o mamilo umedecido entre seu polegar e seu índice, beliscando e tironeando com suavidade, para levá-la a esse ponto incrível em que a dor e o prazer se unem.  - Mas agora tomaremos todo o tempo que seja necessário, Roxanne.  - E deslizou um dedo para baixo pelo centro de seu corpo, desfrutando de cada estremecimento do Roxanne enquanto ele seguia descendendo por seu suave triângulo de pêlo para acariciar é ponto tão secreto e sensível.

 - Quero te fazer coisas. Quero que me permita isso.

Ela o via à luz da vela. Seu peito agora estava nu, embora Roxanne não recordava que ele se tivesse tomado tempo para tirá-la camisa. Sentiu sua ereção contra a perna, e então compreendeu que estava tão nu como ela.

Vá se lhe fez coisas, tal como o tinha prometido. Coisas deliciosas, impossíveis, deliciosas.

Mostrou-lhe o que era sentir-se desejada, ser entesourada e, por fim, o que era ser possuída lentamente, como um veleiro que navega em um rio sereno e se perde na bruma.

Penetrou-a sem dor e sem problemas, e ela estava quente e úmida e mais que preparada. Seu corpo se elevou para recebê-lo. Luke jamais imaginou que seria tão fácil, que poderia sentir uma dor tão doce quando ela se fechou ao redor dele. O ritmo foi crescendo, igual às necessidades de ambos.

 - Roxanne  - disse ele com voz rouca e agarrou as renda do controle como um homem que luta contra uma besta selvagem - . Me olhe. Necessito que me olhe.

Sua voz pareceu brotar de um extremo do túnel longo e escuro no que o corpo do Roxanne voava. Levantou as pálpebras e o viu. Os olhos do Luke eram de um azul violento, como o calor no centro da chama.

 - Agora me pertence  - disse ele e apertou sua boca, contra a do Roxanne no momento em que o clímax explodia dentro dela. Só a mim, pensou e deixou que seu corpo a acompanhasse.

Roxanne não estava segura de poder voltar a mover-se, mas quando o fez foi girar a cabeça e procurar a boca do Luke. Ele respondeu com um murmúrio ininteligível e rodou para trocar as posições de ambos.

 - Assim está melhor  - disse ela com um suspiro, agora que podia voltar aspirar. Esfregou sua bochecha uma vez mais contra o peito do Luke.  - Não sabia que podia ser assim.

Tampouco ele. Mas ao Luke pareceu que ficaria como um tolo se o dizia e, em troca, acariciou-lhe o cabelo.

 - Não te machuquei?

 - Para nada. Tive a sensação de ter levitado até a lua.

 - Acariciou-lhe o peito. Quando deslizou seus dedos sobre o ventre do Luke, sentiu que seus músculos se estremeciam. Bom, bom, pensou, sorrindo para si. De modo que ele não era o único que tinha poder em suas mãos. Muito em breve colocaria em prática o que acabava de descobrir.

 - Então...  - disse ela, levantou a cabeça e olhou para baixo em direção ao Luke - . Quantas maneiras tem que fazê-lo?

Ele arqueou uma sobrancelha.

 - me dê alguns minutos e lhe mostrarei isso. Embriagada com seu próprio prazer, Roxanne trocou de posição e subiu em cima dele.

 - por que não me mostra isso agora mesmo?  - sugeriu ela e fechou sua boca sobre a do Luke.

 

Luke e Roxanne teriam negado com veemência qualquer insinuação de que ambos tivessem caído no clichê denominado "romance em um barco". Talvez a brisa marinha, as espetaculares postas de sol e as cobertas banhadas pelo claro de lua poderiam influir sobre outras parceiras, mas não sobre eles.

Os dois fizeram descobrimentos. Para alívio do Luke, ele conheceu que não era um tolo ciumento. Inclusive desfrutava da forma em que os homens giravam a cabeça quando Roxanne entrava em um salão. Podia sorrir quando a via flertar ou alguém tomava uma atitude sedutora com ela. As duas coisas eram uma questão de orgulho e confiança, mescladas com um toque de arrogância. Ela era formosa e lhe pertencia.

Roxanne descobriu que detrás da fachada do garotinho duro e aflito que tinha conhecido a maior parte de sua vida, escondia-se um homem bondoso e terno do que ela se apaixonou. O verniz de sofisticação e encanto era uma capa muito fina sobre um leito ardente de paixões. Mas, junto com isso, existia uma forte sensação de lealdade e um desejo de amor que não era menor que o seu.

Os dois podiam comunicar-se mutuamente, inclusive em um salão repleto de gente. Não precisavam tocar-se nem pensar, um olhar era mais que suficiente.

além dessa fantasia apaixonada que lhes ocupava os dias e as noites, os dois estiveram de acordo em que só lhes faltava uma coisa: ainda tinham que escolher um alvo. Seu sangue de ladrão se impacientava. É certo que tinham aliviado transitoriamente essa impaciência despojando à senhora Cassell de jóias antigas com marcasita e rubis. Como a velha protestona tinha passado sete dias a bordo do Yankee Princess queixando, exigindo coisas e fazendo a vida impossível ao Jack, o diretor do cruzeiro, os Nouvelle pensaram que era uma questão de honra lhe dar um autêntico motivo de queixa.

Mas o trabalho tinha sido muito singelo. Roxanne só teve que deslizar-se no camarote da senhora Cassell entre uma aparição em cena e outra, e tirar de entre a pilha de valises a meio desempacotar o alhajero fechado com chave. Ao observar o mecanismo teve que alterar seu plano original. Em lugar de sair e passar o joalheiro ao Luke, usou uma das forquilhas da senhora para abrir a fechadura. Quando as jóias estiveram no bolso de seu smoking de atuação, voltou a fechar o alhajero e saiu da cabine.

Tal como estava planejado, Luke apareceu nesse momento pela galeria de popa.

 - Algum problema? Ela sorriu.

 - Nenhum absolutamente.  - E arqueando uma sobrancelha; aplaudiu-se os bolsos.  - Só preciso procurar algo em meu camarote  - disse enquanto sorria - . Não chegarei tarde a minha entrada em cena.

Luke a rodeou com os braços e a beijou. E seus dedos ágeis lhe revisaram o bolso para fazer um inventário da colheita obtida.

 - Tem três minutos, Rox.

Demorou menos da metade desse lapso para guardar as jóias no falso fundo de seu estojo de maquiagem. Teve tempo também para retocá-la pintura dos lábios que Luke lhe tinha tirado e chegar a cena.

Todos estiveram de acordo em que os engaste eram elegantes e as pedras, excelentes. Mas tinha sido muito singelo, e sentiram saudades a excitação que implica um desafio.

Os Nouvelle, um e todos, desejavam um trabalho a sério.

 - Possivelmente deveríamos tentar algo em algum dos portos  - disse Roxanne com ar ausente. Ela e Lily se encontravam de pé em coberta. Os novos passageiros embarcados em Montreal saíam ali, com seu coquetel na mão e as câmaras preparadas.

 - Suponho que poderíamos fazê-lo.  - Lily seguia preocupada com o Max. despertou-se antes do amanhecer e o viu sentado no estreito sofá debaixo do olho de boi, com seus livros de investigação esparramados ao redor dele. Estava manipulando uma moeda entre os dedos. A segunda vez que lhe caiu, ela viu a expressão de dor em sua face. Uma dor que ela soube que nunca o abandonaria.

 - Concretamente, pensava no Newport  - prosseguiu Roxanne.

Esse lugar está repleto de mansões. A próxima vez que passemos por ali poderíamos ao menos investigar um pouco.

 - Parece-te tanto ao Max  - disse Lily com um suspiro - . Se não estar empenhada em um projeto, dedica-te a planejar outro. É a única forma em que se sente feliz.

 - A vida é muito curta para não desfrutar de do trabalho que alguém faz. E Deus sabe bem que desfruto de do meu.  - Em seu sorriso houve um quê de malícia.

 - O que faria se todo terminasse? Se não pudesse seguir fazendo-o. Refiro-me à magia e ao outro.

 - Se despertasse uma manhã e essa possibilidade tivesse desaparecido? E o que ficasse por fazer fora uma vida comum?  - Roxanne refletiu um momento e depois pôs-se a rir. Aos vinte e um anos, era impossível acreditar que algum dia chegaria a velhice.  - Suponho que colocar a cabeça no primeiro homo que encontrasse.

 - Não diga isso.  - Lily lhe agarrou uma mão e a oprimiu até fazê-la doer.  - Nunca volte a dizer isso.

 - Querida, só foi uma brincadeira  - disse Roxanne, surpreendida - . Conhece-me e sabe que é assim.

Roxanne olhou bem ao Lily e notou em seu rosto olheiras ocultas sob uma hábil maquiagem. A surpresa se permutou em preocupação.

 - Está bem? Não se sente bem?

 - Estou muito bem.  - Sua experiência na cena lhe permitia mostrar só o que estava disposta a mostrar.  - Talvez só um pouco cansada Y... bom, sei que é tolo, mas também sinto um pouco a nostalgia de casa.

 - Entendo o que quer dizer. Toda comida deliciosa, mas ao cabo de duas semanas, a gente estaria disposto a pagar cem dólares por um hambúrguer com batatas fritas... e dez essa vezes soma por um dia inteiro sem ter que falar com ninguém.

Essas palavras fizeram que Lily compreendesse que precisava estar só um momento, e disse ao Roxanne que iria a seu camarote por uma hora.

Ao ficar só, Roxanne passeou a vista por coberta. Novas faces, pensou, novas histórias. Gostava da variedade, sempre lhe tinha gostado, mas sentia saudades ao Luke.

Girou a cabeça quando ouviu que alguém a chamava. Por um instante seu sorriso vacilou, mas logo se manteve firmemente em seu lugar. depois de todo, era uma profissional.

 - Sam. Que mundo tão, tão menino.

 - Sim, verdade?  - Poderia ter saído de uma revista de modas. Suas calças cor ante estavam impecavelmente engomados. Sua camisa, em troca, era de algodão enrugado... das que custam uma fortuna para parecer informais. Seu braço rodeava a uma loira esbelta, que usava calças de seda azuis para fazer jogo com a cor de seus olhos, e uma blusa drapeada do mesmo tom. Mas o que mais impressionou ao Roxanne foi o singelo colar de pérolas cor creme com uma safira do tamanho do polegar de Mouse.

 - Justine, querida, quero te apresentar a uma velha amiga. Roxanne Nouvelle. Roxanne, esta é minha esposa, Justine Spring Wyatt.

 - Muito prazer  - disse Justine com um sorriso. A esposa ideal para um político, decidiu Roxanne.

 - O prazer é meu.

Roxanne também emprestou atenção a seus aros: duas pedras cor índiga e em forma de lágrima, que pendiam de um par de pérolas magníficas.

 - Surpreendeu-me verte em coberta  - disse Sam - . E estou duplamente surpreso ao ver que pertence ao pessoal do cruzeiro.  - Seu olhar baixou até o alfinete com seu nome que Roxanne levava no peito, atrasou-se ali e voltou a subir.  - abandonaste a magia?

 - Absolutamente. Durante as próximas duas semanas agiremos a bordo.

 - Fabuloso.  - Certamente que ele sabia, preocupou-se por averiguá-lo. Não pôde resistir a tentação de passar uma semana com os Nouvelle.  - Justine, Roxanne é uma maga consumada.

 - Algo muito insólito, por certo. Trabalha em festas infantis?

 - Ainda não  - disse Roxanne e tomou um coquetel da bandeja de um garçom que passava - . Esta é sua primeira viagem no Yankee Princess?

 - Bom, neste barco em particular, sim. Embora haja realizado muitos cruzeiros... o Caribe, o Mediterrâneo, essa classe de viagens.  - Levantou uma mão branca e fina para jogar com a safira rodeada de diamantes.

 - Que agradável  - disse Roxanne - . Espero que desfrute igualmente deste cruzeiro.

 - Estou segura que assim será. eu adorei que Sam me sugerisse isso como parte de nossa lua de mel.

 - OH, são recém casados.  - Sabendo que era um gesto feminino inofensivo, Roxanne ficou a estudar os anéis do Justine. Sim, uma esmeralda de dez quilates para o de compromisso, e uma aliança de platina com diamantes para o de casamentos. Desejou poder examiná-los com sua lupa.  - Que beleza. Felicitações, Sam.

 - Obrigado. eu adorarei voltar a ver seu família... e ao Luke, é obvio.

 - Não faltará a ocasião. Um prazer conhecê-la, Justine. Desfrutem da excursão.

Sorria quando se afastaram. Por fim, tinham encontrado um alvo que valia a pena.

Luke decidiu aproveitar um tempo livre na sauna com que contava o barco. Isso lhe daria a oportunidade de limpá-la cabeça e pensar no que Roxanne lhe tinha comunicado essa tarde, quando conseguiu dar com ele.

O senhor Samuel Wyatt e senhora.

Com todos os barcos que fazem cruzeiros e que tocam todos os portos do mundo, pensou e fez uma careta. Bom, teriam que agüentá-los durante a seguinte semana. Mas não estava seguro de compartilhar o entusiasmo do Roxanne ante a idéia de converter a essa parceira de recém casados em alvo de seus roubos.

Não, Luke queria meditar cuidadosamente os perigos envoltos nesse plano.

Quando a porta de madeira da sauna se entreabriu, Luke abriu um olho. Voltou a fechá-lo e permaneceu recostado contra a parede negra, com a toalha branca sujeita a sua cintura.

 - Inteirei-me que subiu a bordo, Wyatt.

 - E você, segue tirando coelhos do traseiro para ganhar a vida.  - Sam se instalou em um banco, debaixo do Luke. Só fizeram falta algumas discretas averiguações para descobrir onde passava Luke sua hora livre.  - E dançando ao compasso do velho.

 - Alguma vez aprendeu a cortar um maço com uma sozinha mão?

 - Faz tempo que abandonei os jogos. Luke só sorriu.

 - Não me parece. Sempre foi torpe com as mãos... salvo para empurrar às pequenas.

 - Ainda me guarda rancor  - disse Sam e estendeu os braços sobre o banco. Os anos tinham sido benévolos com ele. Seu corpo refletia o fruto de sua ginástica diária com um professor particular. E jogava mão de sua posição, e agora do dinheiro de sua esposa, para utilizar os serviços de estilistas do penteado, manicuras e institutos para o cuidado da pele. - Que estranho  - prosseguiu - . Roxanne não me pareceu ressentida. mostrou-se muito cordial comigo hoje.

O que essas palavras provocaram no Luke não foi raiva, como poderia ter acontecido em outra época, a não ser pura diversão.

 - Companheiro, ela quereria te mastigar e te cuspir depois.

 - Seriamente?  - Os braços do Sam se retesaram contra a madeira hirviente. Havia uma coisa que sua posição e seu dinheiro não lhe tinham podido dar: senso de humor com respeito a si mesmo.  - Acredito possível que ela me encontre mais de seu tipo do que você pensa. Uma mulher como Roxanne apreciaria mais a um homem de posição elevada que a um que nunca conseguiu superar-se. Segue sendo um perdedor, Calavam.

 - Sigo sendo muitas coisas.  - Luke abriu os olhos e ficou a estudar a face do Sam.  - Fizeram-lhe um bom trabalho no nariz. Ninguém diria que a teve rota. Salvo eu, é obvio. Adeus.

Sam apertou e soltou os punhos quando a porta se fechou detrás do Luke. Ao parecer, seu velho amigo necessitava uma lição mais contundente. Um telegrama ao Cobb, talvez, pensou Sam e tratou de relaxar seus músculos tensos. Tinha chegado o momento de espremê-lo com mais intensidade.

 - Digo-lhes que é perfeito  - disse Roxanne e olhou um rosto atrás de outro. A reunião levada a cabo entre uma função e outra no camarote de seu pai não estava saindo de acordo com seus planos.  - Qualquer mulher que usa pedras como essas pela tarde, tem que estar carregada de jóias. E, além disso, qualquer mulher capaz de casar-se com um lixo como Sam merece as perder.

 - Seja como for  - disse Max e uniu as pontas dos dedos enquanto lutava por concentrar-se - . É arriscado lhe roubar a uma pessoa que alguém conhece e que o conhece um, sobre tudo em uma situação tão limitada como esta.

 - Poderíamos fazê-lo  - insistiu ela - . LeClerc, se eu te conseguisse fotografias e descrições detalhadas de algumas das peças mais importantes, quanto tempo tomaria a seu contato fazer réplicas em massa?

 - Uma semana, talvez dois.

 - E se o apurasse? LeClerc pensou um momento.

 - Se lhe lubrificássemos mais a mão, quatro ou cinco dias. Mas, certamente, isso não inclui o tempo de entrega.

 - Isso pode arrumar-se com facilidade  - disse Roxanne e olhou a seu pai - . A última noite do cruzeiro. Quando Justine chegue de volta a sua casa e advirta a diferença, já estaremos muito longe.  - Aguardou com impaciência uma resposta.  - Papai?

 - O que?  - respondeu ele com um sobressalto e por um momento sentiu pânico enquanto tentava encontrar o fio da conversação - . Não há suficiente tempo para planejar as coisas como é devido.

Como podia ele traçar planos se quase lhe funcionava impossível pensar? Sentiu que um suor frio lhe descia pelas costas. Todos o olhavam, todos tinham os olhos fixos nele.

 - A resposta é não  - disse em tom categórico e ficou de pé. Queria que se fossem, que se fossem todos. Não suportava ver em seus rostos a pena e a curiosidade.

 - Mas...

 - Não há mais que falar.  - Disse-o a gritos, fazendo que Roxanne piscasse e que Lily se mordesse o lábio inferior.  - Ainda sou eu o que leva a batuta, senhorita. Quando necessitar seus sugestões e seus conselhos, pedirei-lhe isso. Até esse momento, faz o que te diz. Está claro?

 - Muito claro.  - O orgulho fez que mantivera a cabeça erguida, mas o choque e a pena lhe notavam nos olhos. O não lhe tinha gritado nunca antes. Jamais. Tinham discutido, sim, mas sempre com amor e respeito. E agora, quão único via na face de seu pai era fúria.  - Se me desculparem, irei caminhar um momento antes da função.

Luke ficou de pé com lentidão quando Roxanne partiu dando uma portada.

 - Estou de acordo com as razões que você deu para rechaçar o trabalho, mas não acredita que tratou ao Roxanne com muita dureza?

Max o enfrentou.

 - Não acredito necessitar seu opinião sobre como tratar a minha própria filha. Talvez você te deite com ela, mas eu sou seu pai. E minha generosidade por volta de você ao longo dos anos não te dá direito a interferir nos assuntos de minha família.

 - Max.  - Lily se aproximou para tomar o braço, mas já Luke sacudia a cabeça.

 - Está bem, Lily. Acredito que eu também irei caminhar um momento.

O mar estava salpicado pela luz das estrelas. Com as mãos fortemente apertadas contra o corrimão, Roxanne o contemplava. Uma forte dor de cabeça espreitava detrás de seus olhos, funcionado direto de rechaçar as lágrimas que os queimavam. Não choraria como uma criatura porque seu pai a tinha desafiado.

Ouviu passos a suas costas e girou com veemência. Mas não era Luke, como ela esperava, a não ser Sam.

 - Que cena tão encantadora  - disse e tomou as pontas do cabelo - . Uma mulher formosa à luz das estrelas, emoldurada pelo oceano.

 - Perdeu a seu esposa?  - E deliberadamente olhou para trás dele antes de levantar uma sobrancelha.  - Não a vejo por nenhuma parte.

 - Justine não é a classe de mulher que precisa estar pega a seu marido.  - Trocou de posição e capturou ao Roxanne ao colocar as duas mãos sobre o corrimão. Um relâmpago de desejo o percorreu. Era formosa, e pertencia a outra pessoa.

 - Deve havê-la seduzido com gestos românticos como esse.

 - Algumas mulheres preferem um discurso mais direto.  - inclinou-se para ela, e só se deteve quando Roxanne o propinó um murro no peito.

 - Não sou seu esposa, Sam, pedio também prefiro as coisas claras. Como te comporta assim? Encontro-te repugnante, patético e óbvio.  - Dou disse com um tom muito agradável e a mais encantem a dos sorrisos.  - Agora, por que não vai antes de que tenha que te dizer algo realmente insultante?

 - Lamentará essas palavras.  - Sua voz também foi suave, para benefício das poucas pessoas que caminhavam por coberta. Mas a expressão de seus olhos era gelada.  - Juro que o lamentará muitíssimo.

 - Não vejo como, quando desfrutei tanto ao as pronunciar. Agora, por favor, sal de minha vista.

 - Não terminei contigo  - disse Sam antes de afastar-se.

Esse estreito corredor atapetado que ia de seu camarote ao do Luke, era um dos atalhos mais difíceis que Max tinha devido percorrer em toda sua vida. Sabia que sua filha estava ali, junto com o homem que ele tinha considerado seu filho. Levantou a mão para bater na porta, mas voltou a baixá-la. Essa noite havia dor nos dedos de suas mãos, uma profunda dor óssea. Atingiu com força a porta da cabine, para castigar-se.

Luke abriu a porta.

 - Max? Necessita algo?

 - Queria entrar um momento, se não ter inconveniente.

Luke vacilou. Pelo menos agradecia a Deus que tanto ele como Roxanne estivessem totalmente vestidos.

 - É obvio. Quer beber algo?

 - Não, nada. Obrigado.  - E ficou parado no interior do camarote, junto à porta, olhando a sua filha.

 - Roxanne.

 - Papai.     

Os três permaneceram imóveis um momento mais, como um triângulo congelado. Três pessoas que tinham compartilhado-tantas intimidades. Max descobriu que todos os discursos que tinha preparado se desvaneceram como a fumaça.

 - Sinto muito, Roxy  - foi o único que pôde dizer - . Não tenho perdão.

 - Está bem.  - Por ele, Roxanne estava disposta a deixar de lado seu orgulho. Fez-o, estendeu suas mãos e se aproximou dele.  - Suponho que estive muito insistente e pesada.

 - Não.  - Abatido pela facilidade com que ela o perdoava, levou-se aos lábios as mãos do Roxanne - . Estava expondo seu caso, como sempre esperei que fizesse. O meu não foi justo nem bondoso. Se te servir de consolo, é a primeira vez em quase vinte anos que Lily me grita e me lança insultos.

 - Ah, sim? Quais empregou?

 - Acredito que tarado foi um deles. Roxanne sacudiu a cabeça.

 - Terei que lhe ensinar alguns melhores.  - Beijou a seu pai e voltou a sorrir.  - Fará as pazes com ela?

 - Será-me mais fácil se primeiro o fizer contigo.

 - Pois bem, já o tem feito.

 - Com os dois  - murmurou Max e olhou ao Luke.

 - Entendo  - disse Roxanne - . Parece-me que conviria que eu fora a falar com o Lily para te limpar o caminho.  - Roçou o braço do Luke ao passar e os deixou sós.

 - Há coisas que preciso dizer  - disse Max e levantou as mãos, com um estranho gesto de desvalimiento - . Acredito que, depois de todo, aceitarei esse gole.

 - É obvio.  - Luke abriu a gaveta inferior da cômoda e tirou uma pequena garrafa de conhaque. Depois, serve três dedos dessa bebida nos copos para água.

 - Você Gene algumas coisas que dizer sobre o Roxanne e eu  - começou a dizer Luke - . Perguntei-me por que não o fez antes.

 - Custa-me reconhecê-lo, mas não sabia como. O que disse esta tarde...

 - Estava zangado com o Rox  - interrompeu-o Luke - , não comigo.

 - Luke.  - Max lhe apoiou uma mão no braço. Seus olhos estavam cheios de pesar.  - Não me feche a porta. Eu estava furioso, mas a fúria, ao contrário do que afirma a crença popular, não sempre se apóia na verdade. Quis machucar, porque eu me sentia ferido. E isso me envergonha.

 - Esqueça-o. - Incômodo, Luke separou o conhaque e ficou de pé.  - Foi um momento de mau gênio, isso é todo.

 - Dá-lhe mais importância ao que disse em um momento de irritação que ao que te hei dito e mostrado durante todos estes anos?

 - Você me deu tudo o que tenho e tive. Você não me deve nada.

 - É uma pena que a gente não se dê conta do poder que têm as palavras. Se soubessem, usariam-nas com mais cuidado. Ao Roxanne funciona mais fácil perdoar porque jamais duvidou de meu amor. Confesso-te que esperava que você tampouco tivesse motivos para duvidá-lo.  - Max colocou seu conhaque, que não havia tocado, ao lado do do Luke.  - É o filho que Lily e eu nunca pudemos ter juntos. Pode entender que houve períodos em que esqueci que não é filho de minhas vísceras? E que se o pensei, não tinha importância.

Por um momento Luke não disse nada, não pôde dizer nada. Depois, sentou-se na beira da cama.

 - Sim. Porque houve momentos em que também eu quase o esqueci.

 - E possivelmente, porque essas linhas divisórias estavam apagadas em meu coração, funcionou-me difícil, muito difícil, aceitar o que há entre você e minha filha.

Luke se pôs-se a rir.

 - Também me fez acontecer muito maus momentos, a tal ponto que quase joguei ao Roxanne de meu lado. Mas não pude fazê-lo, Max, nem sequer por você.

 - Ela não se teria ido.  - Entendia a seus dois filhos. Colocou uma mão sobre o ombro do Luke e oprimiu os dedos, face ao muito que lhe doíam.  - Uma lição grátis  - murmurou e viu que Luke sorria - . O amor e a magia têm muito em comum. Enriquecem a alma, deleitam o coração. E os dois exigem uma prática constante e inexorável.

 - Recordarei-o.

 - Procura fazê-lo.  - Max se encaminhou à porta, mas se deteve quando um pensamento apareceu em sua mente.  - Queria ter netos  - disse e Luke ficou com a boca aberta - . Eu gostaria de muito ter netos.

 

Sam se sentia bastante satisfeito com o progresso de seus planos. Era um membro respeitado da comunidade, uma personalidade reconhecível em Washington. Como mão direita do senador, tinha seu próprio escritório, um bastión de masculinidade modestamente decorado com poltronas de couro e cores neutras. Tinha seu próprio secretário, um político veterano muito inteligente, que sabia exatamente a que número chamar para conseguir informação.

Embora teria preferido um automóvel estrangeiro, Sam tinha critério amplo e dirigia um Chrysler. Cada vez era maior a importância que lhe dava ao feito de comprar produtos norte-americanos. E ele tinha planos de converter-se em um filho favorito dos Estados Unidos.

De acordo com seu cronograma, seis anos depois ocuparia o lugar do senador. Os alicerces estavam jogados; anos de dedicação ao serviço público, os contatos em Washington, no mundo das grandes corporações e na rua.

Tinha estado a ponto de apresentar-se nas últimas escolhas. Mas decidiu que seria melhor ter paciência. Sabia que sua juventude lhe jogaria em contra e que algumas pessoas poderiam interpretá-lo como uma deslealdade para com o Bushfield.

De modo que se tomou seu tempo e deu os passos seguintes com serenidade e com a olhe posta na década do '90. Cortejou ao Justine Spring, a rica herdeira de uma grande loja, com linhagem impecável e aspecto refinado, e se casou com ela. Justine favorecia às instituições de caridade apropriadas, podia organizar um jantar para cinqüenta pessoas sem problemas e tinha a vantagem adicional de ser extremamente fotogênica.

Quando Sam lhe deslizou a aliança no dedo, soube que tinha dado outro passo importante. O povoado norte-americano preferia que seus dirigentes estivessem casados. No momento adequado, iniciaria sua campanha para ocupar os bancos no Senado como pai devoto de um filho, e Justine estaria grávida do segundo e último.

imaginou um novo Kennedy, não quanto à política, naturalmente. Era a época do Reagan. Mas sim a juventude, a atitude, a mulher formosa e uma família encantadora.

Funcionaria porque sabia que cartas empregar nesse jogo. Subia pela escalinata com passos lentos e calculados, e já tinha subido a metade.

Só uma coisa lhe tinha deixado ao Sam o sabor amargo do fracasso: os Nouvelle. Eram cabos soltos e embrulhados, pergunta sem resposta. Queria vingar-se deles por motivos pessoais, mas o necessitava também por imperiosos motivos profissionais: era imprescindível debilitá-los, esmagá-los, para que as coisas negativas que pudessem dizer dele não fossem tomadas em conta.

Teve tempo mais que suficiente para observar os de perto durante sua lua de mel no cruzeiro. Agora, comodamente instalado no Palácio Hemsley de Nova Iorque, esperando as festas e celebrações pelo centenário da Estátua da Liberdade, tinha tempo para efetuar um balanço de suas apreciações.

O velho parecia cansado. Sam recordava a velocidade de movimento dessas mãos uma década antes e chegou à conclusão de que Max iniciava seu decaden-recua. Funcionava também interessante que o ancião mago passasse tanto tempo procurando uma rocha mística.

Estava Lily, tão esplêndida como sempre... e também tão ingênua. Certo dia que Sam decidiu procurá-la em coberta e os dois caminharam um momento, ela não fez mais que lhe aplaudir a mão e lhe dizer quanto se alegrava de que lhe tivesse ido bem na vida.

E Roxanne. Ah, Roxanne. Se a magia existia absolutamente, existia nela. Que conjuro tinha convertido à menina flacucha e díscola em uma mulher tão incrivelmente atraente? Uma pena que não tivesse tido oportunidade de fazer algumas jogadas em direção a ela diante do Justine. Teria desfrutado em seduzi-la e em usá-la em uma forma que teria escandalizado e repugnado a sua esposa bonita e morna.

E isso o levou ao Luke. Sempre ao Luke. Nele estava a chave que conduzia aos Nouvelle. Mouse e LeClerc não eram nada, mas Luke era a peça chave. Destrui-lo racharia de tal modo a fortaleza dos Nouvelle, que certamente não seria possível repará-la. E, além disso, representaria um triunfo muito doce e pessoal.

o do Cobb não progredia na forma que esperava. Depois de partir de Nova Orleáns, tinha demorado anos em alcançar uma posição que lhe permitisse contratar detetives para investigar o passado do Luke.

O custo tinha sido alto, mas Sam o considerava um investimento a futuro e um pagamento pelo passado. Localizar à mãe do Luke foi um golpe de boa sorte. Mas Cobb, Cobb foi o prêmio maior. Rememorou aquele primeiro encontro.

Tinha saído da elegante suíte no Hemsley para encaminhar-se a um úmido bar se localizado no mole.

O ar fedia a pescado e urina, e a uísque e tabaco baratos consumidos pelos paroquianos.

Escolheu as sombras. Um chapéu com a asa bem baixa e um sobretudo amplo ocultavam sua pessoa.

Viu entrar no Cobb. Viu-o observar todos os cantos do salão. Quando o localizou, assentiu e se dirigiu ao bar. Depois, aproximou-se da mesa com um copo de uísque.

 - Tem algum assunto que tratar comigo?

 -  - Tenho um oferecimento de negócios. Cobb se encolheu de ombros e tratou de parecer aborrecido.

 - Ah, sim?

 - Acredito que conhece um conhecido meu  - disse Sam e deixou sua bebida sem tocar sobre a mesa. Tinha notado, com bastante asco, que a taça estava suja.  - Luke Calavam.

Nos olhos do Cobb apareceu uma expressão de surpresa antes de que os entrecerrasse.

 - Não o conheço.

 - Não compliquemos um assunto singelo. Você se deita cada tanto com a mãe de Calavam. Viveu com eles quando Luke era menino... me algo assim como seu padrasto não oficial. Por aquela época, você se dedicava ao proxenetismo e também à pornografia... sobre tudo com meninos e adolescentes.

A cor subiu ao rosto do Cobb, ao ponto que a rede de capilares que o cobria se acendeu como tocha.

 - Não sei o que lhe terá contado esse vagabundo ingrato, mas o tratei bem. Sempre teve comida no bucho.

 - Você deixou sua marca nele, Cobb. Eu mesmo a vi.

 - O moço necessitava disciplina.  - O uísque começava a colocar nervoso ao Cobb. Voltou a tomar um bom gole.  - Vi-o por televisão. Agora é todo um personagem. E não lhe ocorre nos pagar a sua velha e a mim por todos os anos que lhe dedicamos.

Isso era exatamente o que Sam desejava ouvir: ressentimento, amargura e inveja.

 - Você acredita que ele os débito algo?

 - É claro que sim que nos deve muito.  - Cobb se inclinou para diante.  - Se o mandou a você aqui para...

 - Ninguém me mandou. Calavam também tem uma dívida comigo. E você pode me ser útil.  - Sam colocou a mão no bolso e tirou um sobre. depois de passear a vista pelo salão, Cobb tomou. Com seu grosso polegar contou quinhentos dólares em bilhetes de vinte.

 - O que quer em troca disto?

 - Satisfação. Isto é o que quero que faça.

E assim foi como Sam mandou seu sabujo a Nova Orleáns.

Mas a chantagem não foi tão eficaz como Sam esperava. Luke pagou religiosamente os trinta ou quarenta mil dólares por ano que lhe exigiam. Haveria outro cartão postal esperando ao Luke quando retornasse a Nova Orleáns. Só que esta vez a cifra seria de dez mil dólares.

Sam calculou que vários meses seguidos de cartões com esse total conseguiriam liquidar as finanças do Luke.

Luke estava furioso. Espremeu o quadrado de cartolina branca no punho e o jogou no outro extremo da residência. Isso o aterrorizava.

Dez mil dólares. Não era o dinheiro em si mesmo; ele tinha mais que suficiente e podia conseguir mais. Era o fato de compreender que Cobb não só não desapareceria jamais, mas também se voltava cada vez mais ambicioso.

A seguinte vez poderiam ser vinte ou trinta mil.

Que o filho de puta se dirija nomás à imprensa, pensou. Os jornais se fariam uma festa esse dia.

A INFÂNCIA SECRETA DE UM MAGO IMPORTANTE

E o que?

A VIDA DE PROSTITUIÇÃO DE UM ESCAPISTA

A quem lhe importava isso caralho?

UM TRIANGULO REPULSIVO ENTRE OS NOUVELLE

As relações de um mago com seu mentor e com a filha de este.

Deus santo. Luke se esfregou a face com as mãos e tratou de pensar. Tinha direito a sua própria vida. A que se foi Armando, passo a passo, desde que fugiu desse apartamento que empesteava a gim, com a espantosa dor dos açoites nas costas e a angústia de não saber o que lhe teriam feito quando perdeu o sentido.

Não toleraria que o sujassem nem que fizessem outro tanto com as únicas pessoas que amava. E, entretanto... entretanto, perdia algo de si mesmo cada vez que respondia uma dessas postais.

Existia uma alternativa que ainda não tinha tomado em conta. Luke tomou uma taça de chá e ficou a observar seu delicado desenho de violetas contra a porcelana cor creme. Uma alternativa com a que tinha sonhado mas que jamais se atreveu a considerar.

Podia voar a Maine e tirar o Cobb de sua toca. E, então, fazer o que tanto tinha desejado cada vez que seu cinto lhe fendia a pele. Podia matá-lo.

A taça se fez pedacinhos em sua mão, mas Luke nem se alterou. Seguiu olhando para baixo enquanto a imagem se formava com mais nitidez em sua mente, e o sangue lhe corria pela palma da mão.

Podia matar.

Os golpes na porta o fizeram voltar para a realidade.

 - Olá!  - disse Roxanne com o cabelo empapado. A camiseta molhada se aderia a seu torso. Quando ofereceu os lábios ao Luke, ele aspirou a fragrância da chuva e das pradarias no verão.  - Pensei que você gostaria de um picnic.

 - Um picnic?  - Lutou por se separar de sua mente a violência e lhe sorrir ao Roxanne. Enquanto fechava a porta, observou a chuva que caía a correntes do outro lado da janela.  - Suponho que este clima pelo menos afugentará às formigas.

 - Trago asas de frango à churrasqueira  - disse ela e mostrou uma caixa de papelão.

 - Sério?

 - Sim, e um grande bol da salada de batatas do LeClerc que roubei da geladeira, junto com um burdeos branco.

 - Parece que pensaste em todo. Salvo na sobremesa.

 - Também pensei nisso. por que não procura um par de taças...? O que é isto?  - perguntou e levantou uma parte de porcelana.

 - Eu... quebrei uma taça.

Quando se inclinou a recolher os pedaços, viu o sangue em sua mão.

 - O que tem feito?  - Tomou a mão e foi estancando o sangue com a prega de sua camiseta.

 - Não é mais que um arranhão, doutora.

 - Não brinque.  - Mas viu, com alívio, que era uma ferida muito superficial.  - Seus mãos valem muito, não sei se sabe. Profissionalmente, refiro-me.

Lhe introduziu um dedo no decote.

 - Profissionalmente?

 - Sim. Bom, também tenho um interesse pessoal nelas.  - depois de lhe mordiscar os lábios, Roxanne se sentou em cuclillas.  - O que tem que essas taças, e de um saca-rolha?

O ficou de pé e se encaminhou à cozinha.

 - por que não te busca uma camisa seca? Com essa camiseta, orvalhará a salada de batatas.

 - Não penso  - disse ela, e a camiseta empapada aterrissou um passo detrás do Luke e salpicou o piso de linóleo. Luke olhou o objeto e depois olhou ao Roxanne. Será um picnic muito interessante, pensou. Frango, salada de batatas e uma mulher molhada e semidesnuda. A tensão se dissolveu em um sorriso.

 - eu adoro as mulheres com praticamente.

Depois, muito depois, lhe disse:

 - te mude a casa, vêem viver comigo, Roxanne.

 - Já tenho as valises feitas, Luke.

 

Foi algo tão fácil como tirar um coelho de uma galera. depois de todo, tinham vivido muito perto um do outro durante anos. Conheciam os hábitos, os defeitos e as excentricidades do outro.

Ela se levantava o amanhecer; ele colocava a cabeça debaixo das telhas. O se dava duchas intermináveis que esgotavam a existência de água quente; ela levava novelas à banheira e ficava inundada entre a trama e as borbulhas até que a água se esfriava.

Ele fazia ginástica com pesos no piso do living; ela preferia assistir a uma classe de ginástica três vezes por semana.

O estéreo troava com rock quando Luke tinha os controles da equipe de áudio, e adoecia com blues quando Roxanne se saía com a sua.

Mas tinham muitas coisas em comum. A nenhum sei lhe ocorreria queixar-se pela necessidade de praticar uma única rotina uma vez atrás de outra.

Aos dois adoravam caminhar pela cidade e os dois gritavam quando discutiam.

Ao longo das semanas seguintes gritaram muito. A fricção formava parte de sua relação tanto como respirar, e ambos lamentariam perdê-la.

Para o aniversário do Roxanne, Luke deu de presente uma varinha mágica de cristal, uma varinha larga e fina envolta em fios magros de prata com incrustações de rubis, ametistas e topázios de uma cor intensa. Ela a colocou sobre uma mesa junto à janela para que o sol lhe desse todos os dias e fizesse pulsar sua magia e a propagasse pelo ar.

Estavam loucamente apaixonados e o compartilhavam todo. Todo, salvo o secreto que fazia que Luke pagasse todos os meses com um cheque ao portador por valor de dez mil dólares.

Max os tinha convocado a uma reunião, mas não parecia ter apuro em começá-la. Bebeu o café quente preparado pelo LeClerc e se tomou seu tempo. O fazia sentir bem o fato de ter de novo sua família reunida. Jamais imaginou a sacudida que significou que Roxanne e Luke não vivessem mais sob seu teto. Embora estavam muito perto de sua casa, sentiu uma profunda sensação de perda.

Pensou que estava perdendo muitas coisas em um lapso muito curto. Seus filhos, que já não eram criaturas; suas mãos, que com tanta freqüência pareciam pertencer a um estranho, com seus dedos rígidos.

Inclusive seus pensamentos, e isso era o que mais o assustava. Tão seguido pareciam afastar-se flutuando dele e ficar fora de seu alcance, que se concentrava e tentava com desespero voltar a capturá-los.

disse-se que era porque tinha tantas coisas na cabeça, tantas coisas que o preocupavam.

Mas esse dia, os ter a todos ali o fazia sentir-se mais forte, mais seguro. Sua voz não refletiu nenhuma de suas dúvidas quando lhes pediu silêncio e deu começo à reunião.

 - Acredito que tenho algo interessante  - disse quando os murmúrios se aquietaram - . Uma coleção particular de jóias... O que mais me interessa dessa coleção são as safiras. A senhora em questão parece ter debilidade por essas pedras, e sua grande variedade de jóias reflete essa predileção. Há também uma gargantilha de pérolas e diamantes muito elegante que não devemos desprezar. Naturalmente, é só parte da coleção, mas acredito que satisfaz nossas necessidades.

 - Quantas peças?  - Roxanne tirou um anotador da carteira e se preparou para rabiscar informação em seu código próprio e complexo. Max voltou a sentir-se orgulhoso pela precisão e o praticamente de sua filha.

 - De safiras, nove. Dois colares, três pares de aros, um bracelete, dois anéis e um alfinete. Assegurados por meio milhão de dólares. A gargantilha está avaliada em noventa mil, mas me parece um total um pouco excessiva. Acredito mais razoável oitenta mil.

 - Temos fotografias?  - perguntou Luke.

 - Naturalmente. Jean?

LeClerc tomou o controle remoto e o dirigiu para o televisor. O aparelho se acendeu e, depois, a videocasetera começou a funcionar.

 - passei as fotografias a vídeo.  - Quando a primeira apareceu, acendeu um fósforo e, sustentando-o sobre a cazoleta da pipa, começou a aspirar.  - Estes novos brinquedos me divertem. Este colar  - prosseguiu -  tem um desenho algo conservador, não muito imaginativo. Mas as pedras são boas. São dez safiras cor azul clara. Peso total: vinte e cinco quilates. Os diamantes são baguettes de muito boa qualidade e de um peso total de aproximadamente 8.2 quilates.

Mas foi a seguinte diapositiva a que prendeu a atenção do Roxanne. Com uma leve exclamação de surpresa ficou olhando a tela e depois se dirigiu a seu pai.

 - Justine Wyatt. Que me mora se não ser a mesma jóia que a vi usar no barco o verão passado.

 - Não morra, por favor  - disse Max - . É precisamente a mesma peça.

iniciou-se como um leve sorriso que foi abrangendo toda a face e terminou em uma gargalhada.

 - De modo que finalmente o faremos... por que não me disse isso?

 - Queria que fora uma surpresa  - respondeu Max, encantado com a reação de sua filha - . Considera-o um presente de Natal adiantado, embora de fato o levaremos a cabo mais perto de Páscoa. Sigamos, quer Jean? Depois podemos voltar para esta peça. As fotografias são uma cópia das que existem no arquivo da companhia asseguradora. Nossa própria contribuição acredito que será mais entretida.

As imagens ziguezaguearam na tela quando as diapositivas se passaram a grande velocidade, e a seguir apareceram vídeos com autêntico movimento, tomados a bordo do Yankee Princess.

 - Estes filmes são "caseiros". As filmei eu  - disse Mouse.

 - Um futuro Spielberg entre nós  - felicitou-o Max.

Mas as imagens eram perfeitas, igual ao som e a montagem: as panorâmicas lentas, os deslocamentos ópticos com zoom e os planos gerais se aconteciam com fluidez sem os saltos e desprolijidades próprios de um amateur.

 - Olhem. Ali está a agradável senhora Woolburger. Recorda-a, Max? Em todos os espetáculos se instalava em primeira fila.

 - E ali está Dori.  - Roxanne se inclinou para diante e apoiou os cotovelos sobre suas coxas.  - Y... Deus.  - ruborizou-se quando o zoom de Mouse se enfocou sobre ela e Luke trancados em um beijo prolongado.

 - Esta é a parte romântica  - disse Mouse com um sorriso de orelha a orelha - . Em todos os filmes sempre há uma.

 - A trama se faz mais complexa  - murmurou Roxanne ao ver o Sam e Justine, caminhando por coberta. concentrou-se ainda mais quando a imagem mostrou um primeiro plano do bracelete que acabavam de observar na tomada fixa. A câmara os seguiu em sua caminhada até que cada um escolheu uma reposera de coberta.

Não havia nada dos sorrisos secreta e as carícias furtivas dos recém casados. Sem intercambiar nenhuma sozinha palavra, instalaram-se, ela com uma revista e ele com um tecno-thriller do Tom Clancy.

 - Dois autênticos tórtolos, verdade?  - comentou Roxanne ao observar ao Sam - . A câmara é muito generosa com ele. Suponho que esse é um lucro político.

Quando as imagens da tela se obscureceram e adquiriram um tom cinzento, e logo voltaram para a vida com uma explosão cromática, Roxanne assobiou.

 - De modo que essa é a gargantilha.

 - É soberba, verdade? Congela a imagem ali, querida.  - E quando Roxanne o fez, Max começou sua classe como o faria um professor experiente.

 - A gargantilha foi um presente que lhe fizeram seus pais quando ela fez vinte e um anos; em abril fará quatro anos. Foi comprada no Cartier de Nova Iorque, pelo total de noventa e dois mil quinhentos e noventa e nove dólares a que terá que lhe somar os impostos.

 - Custa-me acreditar que eu não lhe tenha visto uma peça assim  - comentou Roxanne.

 - Usou-a na festa de despedida da última noite

 - recordou Lily com precisão - . Acredito que você e Luke estiveram muito... ocupados... até a hora do espetáculo.

 - OH.  - Também Roxanne o recordava, e olhou ao Luke por sobre o ombro. -  Sim, suponho que sim. É uma peça única, não?

 - Assim é  - respondeu Max, feliz de ter ensinado tão bem a seus filhos - . E isso fará que seja mais difícil, embora não impossível, dispor dela. Bom, acredito que já vimos o bastante, Roxanne.  - Quando sua filha apagou o projetor, Max se tornou para trás em seu assento. Pensava com tal claridade que se perguntou se não se teria imaginado essa névoa que com tanta freqüência o obnubilaba a mente.  - Estamos esperando receber planos da casa do Tennessee, assim como do pied-a-terre de Nova Iorque. Levará-nos bastante tempo estudar os sistemas de segurança das duas residências.

 - Isso nos permitirá desfrutar de primeiro de Natal  - disse Lily.

O Natal e o Ano Novo passaram com rapidez, e um inverno longo e chuvoso se hospedou com empecinamiento até março.

Na casa do Chartres, LeClerc mantinha a cozinha bem esquentada. Embora era uma afronta a seu amor próprio, permanecia no interior do edifício e rara vez saía, nem sequer para ir ao mercado. O frio o impregnava até os ossos.

A velhice, pensava quando se permitia considerar o tema, é uma filha de puta.

A porta se abriu e na casa entrou uma rajada de vento gelado e de chuva. Ele saltou:

 - Fecha essa maldita porta. Isto não é uma caverna.

 - Sinto muito  - disse Luke, que não usava chapéu nem luvas, só uma jaqueta de denim para proteger do frio. LeClerc sentiu uma inveja feroz.

 - Onde está Roxanne?

 - Em sua classe de ginástica. Disse que era provável que depois almoçasse com uma par de companheiras.

 - Assim anda meio perdido, oui?

 - Estava estudando bem os movimentos de meu próximo escapamento, e precisava descansar um momento.  - Não queria reconhecer que o apartamento parecia vazio sem o Roxanne.  - Terei-o inteligente para o Mardi gras.

 - Ficam só duas semanas.

 - É suficiente. Queria conversar com o Max sobre um par de detalhes. Está na casa?

 - Está dormindo.

 - Agora?  - Luke arqueou uma sobrancelha.  - São as onze.

 - Ontem à noite não dormiu bem. Um homem tem direito de dormir cada tanto até tarde em sua própria casa  - disse LeClerc com face preocupada, mas dando as costas ao Luke.

 - Não quis... não estava acostumado a fazê-lo antes  - disse Luke e olhou para o vestíbulo e pela primeira vez notou o silêncio que reinava no lugar - . Está bem?

Luke olhou as costas rígida do LeClerc. Mentalmente lhe pareceu ver o Max trabalhando suas mãos e seus dedos, flexionando-os, abrindo-os e manipulando-os uma e outra vez como um pianista antes de um concerto.

 - Como tem as mãos?  - perguntou e, ao ver uma leve tensão nos ombros do LeClerc, soube que tinha dado no prego.

 - Não sei o que quer dizer  - foi a resposta do LeClerc, quem seguiu lhe dando as costas enquanto fechava a torneira da pileta e procurava um pano de prato.

 - Jean. Não me engane. E me deixe que me preocupe tanto como você.

 - Maldição  - disse ele, e essa foi suficiente resposta para o Luke.

 - Não viu a um médico?

 - Lily o obrigou a consultar a um  - disse LeClerc.

Girou, e seus olhos pequenos e escuros refletiram a preocupação e a emoção que tanto tinha procurado dissimular.  - Deram-lhe pílulas para aliviar a dor. A dor de seus dedos, não a dor daqui  - disse e se atingiu o peito com o punho - . Mas isso não lhe devolve a magia. Nada conseguirá fazê-lo.

 - Tem que haver algo...

 - Riem  - interrompeu-o LeClerc - . Nada. dentro de cada homem há algo assim como um calendário que fixa quando lhe nublará a vista, ou lhe fecharão os ouvidos. Em que dia se levantará da cama com os ossos duros e as articulações doloridas. E quando lhe falhará a bexiga ou lhe debilitarão os pulmões ou lhe estalará o coração. Os médicos dizem faça isto, tome aquilo, mas o bon Dieu estabeleceu o dia e a hora, e quando Ele diz c'est assez, ninguém pode fazer nada a respeito.

 - Não acredito.  - Luke não queria acreditá-lo. ficou de pé.  - O que afirma é que um não pode fazer nada, que não tem nenhum controle.

 - Acredita que sim?  - perguntou LeClerc e riu - . Essa é a arrogância dos jovens. Acredita acaso que foi por acaso que aquela noite foi à feira de atrações, encontrou ao Max e ele encontrou a você?

Luke recordava com muita claridade a forte atração que despertou o pôster, a maneira em que esses olhos pintados o seduziram e o moveram a entrar na carpa.

 - Foi um golpe de boa sorte.

 - Sorte, oui. Um nome mais para o destino. Mas Luke já tinha ouvido bastante da filosofia fatalista do LeClerc. infiltrava-se perigosamente perto de suas próprias crenças sepultadas.

 - Nada disto tem que ver com o Max. Deveríamos levá-lo a um especialista.

 - Pourquoi? Para que lhe façam estúdios que lhe destroçarão o coração? Tem artrite. É algo que se pode aliviar, mas não tem cura. Agora você é suas mãos, você e Roxanne o são. Luke voltou a sentar-se.

 - Sabe ela?

 - Talvez não intelectualmente, mas sim em seu coração. Igual a você.  - LeClerc vacilou um instante. Tomou assento frente a Luke.  - Há mais  - disse.

Luke o olhou e a expressão que viu no LeClerc lhe produziu calafrios.

 - Passa horas com seus livros, com seus mapas.

 - A pedra filosofal?

 - Oui, a pedra. Fala-lhe com os cientistas, aos professores, até aos médiums.

 - apropriou-se de sua imaginação  - disse Luke - . O que tem de mau?

 - Talvez, nada em si mesmo. Mas é seu Santo Grial. Acredito que, se o encontrar, terá paz. Mas neste momento... vi-o olhar fixamente uma página de um livro e, uma hora depois, seguir com a vista fixa na mesma página. À hora do café da manhã pede a Mouse que leve o sofá junto à janela, e durante o almoço pergunta por que trocaram que lugar os móveis. Diz ao Lily que devemos ensaiar um novo truque, e quando ela o espera um bom momento e vai buscá-lo, encontra-o enfrascado na biblioteca com seus livros, e ele não recorda nada de um ensaio.

 - O que passa é que tem muitas coisas na cabeça.

 - É precisamente sua cabeça, sua mente, o que me preocupa  - disse LeClerc. Suspirou e os olhos lhe encheram de lágrimas. -  Ontem o encontrei parado no jardim, sem nenhum abrigo pese ao frio que fazia. "Jean, onde está o trailer?", perguntou-me.

 - O trailer? Mas...

 - Sim, já sei. Faz quase dez anos que não o temos, mas ele me perguntou se Mouse o tinha levado para lavá-lo antes da função.

 - Por Deus  - disse Luke.

 - Quando o corpo de um homem o trai, seus movimentos se fazem mais lentos. Mas, o que faz quando sua mente fraqueja?

 - Tem que ver um médico.

 - Ah, oui, e isso se fará porque Lily insistirá. Mas há algo que você deve fazer.

 - O que posso fazer eu?

 - te assegurar que não os acompanhe quando forem ao Tennessee.  - antes de que Luke pudesse falar, LeClerc prosseguiu.  - Deve intervir na preparação da operação, mas não em sua execução. O que aconteceria esqueça onde se encontra ou o que está fazendo? Podem arriscar-se a isso? Permitiria você que ele corresse esse perigo?

 - Não  - respondeu Luke depois de uma pausa prolongada - . Não o arriscarei a isso. Mas tampouco quero feri-lo. Acredito que deveríamos...

 - Jean, o que é esse aroma tão maravilhoso?  - perguntou Max ao entrar na cozinha, com um aspecto tão atento e acordado que Luke esteve a ponto de desprezar o relatado pelo LeClerc - . Ah, Luke, vejo que você também lhe fez caso a seu olfato. Onde está Roxanne?

 - Saiu com algumas amigas. Quer um pouco de café?  - perguntou Luke e em seguida se levantou e se aproximou da cozinha. Max se sentou e estendeu as pernas com um suspiro. Movia os dedos sem cessar, como um homem que touca as teclas de um piano invisível.

 

 - Espero que não se atrase. Sei que Lily queria levá-la a comprar sapatos novos. A essa criatura não dura nada o calçado.

Ao Luke tremeu a mão e derrubou um pouco de café. Max falava do Roxanne como se ela tivesse doze anos.

 - Já voltará.

 - Esteve trabalhando no escapamento do tanque de água?

-Bom, neste momento estou trabalhando no escapamento da Soga em Chamas. Não recorda? A data fixada é na terça-feira da semana próxima.

 - A Soga em Chamas?  - A mão do Max se deteve e a taça de café que ficou a metade de caminho para seus lábios oscilou. Funcionava penoso observar como lutava por retornar à presente. Abriu a boca e seus olhos se moveram com rapidez. E logo voltaram a enfocar-se. O movimento de sua mão prosseguiu levando a taça a sua boca.  - Terá um público numeroso

 - disse - . Os comentários da imprensa são excelentes.

 - Já sei. E não se poderia pedir uma tela melhor para o trabalho no do Wyatt. Quero realizá-lo essa mesma noite.

Max franziu o sobrecenho.

 - Ainda ficam por resolver alguns detalhes.

 - Há tempo.  - Odiando-se por isso, Luke se tornou para trás em seu assento e disse:  - Quero lhe pedir um favor muito grande, Max.

 - Está bem.

 - Quero fazer o trabalho eu só.  - Viu o impacto de suas palavras na face do Max, sua decepção.  - É muito importante para mim  - prosseguiu - . Conheço as regras pelas que nenhum trabalho deve converter-se em algo pessoal, mas este é uma exceção. Tenho muitas contas que saldar com o Sam.

 - Razão de mais para não te deixar dominar por seus sentimentos.

 - trata-se, precisamente, de meus sentimentos.

 - Isso, pelo menos, era certo. E então jogou sua carta de triunfo.  - Se não ter confiança em mim, se acreditar que não sou capaz de fazê-lo só, diga-me isso

 - É obvio que confio em você. A questão é...

 - Não tinha idéia de qual era a questão, salvo que seu filho se estava afastando um passo mais dele.  - Tem razão. Já é tempo de que tente algo por seu conta. E é muito capaz de fazê-lo.

 - Obrigado.  - Teria desejado tomar essas mãos inquietas nas suas, mas se limitou a levantar sua taça de café a modo de brinde.  - Tive o melhor professor do mundo.

 - O que quer dizer com isso de que o fará você só?  - perguntou Roxanne. Com sua bolsa de ginástica pendurado do ombro, tinha seguido ao Luke do living, onde ele deixasse cair sua bomba de tempo, ao dormitório.

 - O que disse. Que é meu espetáculo.

 - Um corno. Todos trabalhamos em equipe. Papai não o permitirá.

 - Pois me deu sua aprovação. Não é nada do outro mundo.

 - É-o. Se todos participamos desde o começo em cada uma das etapas de planejamento, o que te faz pensar que será o único em te divertir?

 - Porque  - disse Luke e se tombou na cama e entrelaçou as mãos detrás da cabeça - , eu quero que seja assim.

 - Olhe, Calavam...

 - me escute você, Nouvelle.  - Que ele a chamasse pelo sobrenome sempre a fazia tentar-se de risada. Mas igual, manteve uma expressão de desafio.  - Max e eu o falamos e ele está de acordo. Isso é definitivo.

 - Talvez ele esteja de acordo, mas eu não  - disse ela e colocou os braços em jarras - . Eu vou, companheiro. E ponto.

Os olhos do Luke refulgiram.

 - Quero fazê-lo eu só.

 - Fantástico. E eu quero ter cabelo loiro e escorrido, mas não me vê choramingar por isso, não?

 - Eu gosto de seu cabelo  - disse ele, com a esperança de distrai-la - . Parece um molho de saca-rolha em chamas.

 - Que poético.

 - Eu gosto sobre tudo quando está nua. Não quer te despir, Rox?

 - Controla um pouco seus hormônios, Calavam. Não troque de tema. Eu irei.

 - Como quer.  - Em realidade não lhe importava se ia ou não. Mas o fato de discutir o fez deixar de pensar no Max.  - Mas eu dirijo o espetáculo.

 - Nem em sonhos. Seremos sócios com idêntica responsabilidade.

 - Eu tenho mais experiência.

 - Isso disse com respeito ao sexo, mas eu aprendi logo, não é verdade?

 - Agora que o menciona...  - Insinuou tomá-la, mas ela conseguiu escapar.

 - Vêem aqui  - disse ele.

Ela inclinou a cabeça e lhe dedicou um sorriso sedutor por cima do ombro.

 - Parece suficientemente forte para te levantar e caminhar, Calavam. por que não vem a me buscar?

Ele sabia como agir nesse jogo. depois de um movimento negligente dos ombros, ficou a olhar o forro do teto.  - Não, obrigado. Não estou tão interessado como para isso.

 - Está bem. Quer comer cedo, para evitar o amontoamento do Mardi gras?

 - É obvio.  - Sem mover um milímetro, baixou o olhar e a viu tirá-la camiseta, debaixo da qual usava um corpete magro de algodão para ginástica.

 - Tenho vontades de algo bem quente  - disse ela, dobrou com cuidado a camiseta e a colocou sobre a cômoda. Com movimentos lentos se desabotoou o Jean. Luke ouviu o suave toque do fechamento ao abrir-se e se concentrou em tratar de não tragar-se sua própria língua.  - E bem picante.

baixou-se o Jean e deixou ao descoberto um slip tão alvo como o corpete. Sua pele tinha a palidez do inverno e se via perfeita. Pregou o Jean com o mesmo cuidado meticuloso da camiseta.

Tomou a escova e o atingiu contra a palma da mão.

 - E você, Calavam, do que tem vontades?  - aproximou-se o suficiente à cama como para que, quando ele estendesse a mão, pudesse tomar o braço. Ria a gargalhadas quando caiu sobre o colchão.

 - Eu ganhei  - disse ele e se encarapitou sobre ela.

 - Nada disso. Foi um empate  - disse Roxanne e levantou a cabeça para que seus lábios recebessem os do Luke - . Somos sócios. Não o esqueça.

 

na terça-feira se iniciou com panqueques. em que pese a todos seus discursos sobre a sorte e o destino, LeClerc acreditava que podia proteger seus projetos. Desde que Roxanne recordava, ele sempre preparava panqueques o último dia antes do começo da Quaresma, e ela era o suficientemente prática como para não zombar-se das superstições. Sua única modificação foi comprar uma mescla preparada, em lugar de seguir a complicada receita do LeClerc.

Talvez seus panqueques fossem delgaditos e franzidos nos borde, mas satisfaziam os requisitos básicos. Roxanne conseguiu mastigar com esforço um desses discos gomosos, mas ao ver que Luke comia meia dúzia muito contente, deu por sentado que a boa sorte de ambos para esse ano ficava selada.

E talvez fora assim.

As ruas e veredas do bairro estavam repletas de gente que celebrava esse último dia do Mardi gras. O som de música e risadas subia até seu balcão, tal como o tinham feito durante toda essa semana de festejos constantes. Sabia que essa noite o volume e o bulício aumentariam. Desfile, disfarces, dance... essa última algazarra antes dos quarenta dias de austeridade da Quaresma. Mas também haveria bêbados, assaltantes, brigas e alguns assassinatos. detrás de sua máscara formosa e sedutora, Mardi gras podia ter um rosto áspero.

Se tivessem tido a noite livre, ela e Luke poderiam ter ido à casa do Chartres e observar os festejos do balcão. Mas o certo era que passariam a maior parte da noite no Tennessee, despojando ao senhor Sam Wyatt e senhora de aproximadamente meio milhão de dólares em jóias.

Um negócio justo, pensou Roxanne com um sorriso. Os Wyatt cobrariam as obscenas primas dos seguros, e com isso equilibrariam a moléstia de que lhes roubassem diante de seus narizes. portanto, os Nouvelle não seriam os únicos em tirar proveito.

Roxanne se apertou o estômago com a mão. Esses panqueques não me caíram nada bem, pensou. Esperava que o estômago de aço do Luke os suportasse melhor. Quão único faltava era que ele tivesse náuseas enquanto pendurava de barriga para baixo sobre o Lago Ponchatrain.

Tinha que dirigir-se lá em seguida. O número estava previsto para uma hora mais tarde, e Luke quereria que ela estivesse perto. A Soga em Chamas era um escapamento que a intranqüilizava, mas já se acostumou a sentir-se nervosa e tensa antes de cada um dos números do Luke. Tomou sua carteira e a voltou a deixar com um gemido.

Malditos panqueques!, pensou e correu ao banho.

-Ela já deveria estar aqui.  - Com uma mescla de preocupação e de enfado, Luke tratou de preparar-se mentalmente para a tarefa que tinha por diante. Seu corpo estava preparado.  - por que não veio comigo?

 - Porque estaria totalmente preocupada enquanto se preparava todo  - disse Lily, sem tirar os olhos de cima ao Max, que nesse momento lhe concedia uma entrevista a um dos jornalistas de televisão. Ela também tinha outras preocupações.  - te concentre no teu  - ordenou ao Luke - . Roxanne chegará em seguida.

 - Só Deus sabe como fará para passar  - disse Luke enquanto olhava a ponte. As autoridades locais o tinham fechado ao trânsito vehicular durante a hora que duraria o espetáculo do Luke, mas, apesar das barreiras, a multidão tinha invadido a ponte desde seus dois extremos.

Pensou que Lily tinha razão: devia concentrar-se em sua tarefa. Roxanne chegaria ao seu devido tempo.

A essa altura, por cima da água, o vento soprava com força. em que pese a ter tomado esse fator em conta, sabia que com freqüência os elementos da natureza podiam jogar uma má passada.

 - Comecemos.

Luke se colocou em posição. Em seguida a gente começou a aplaudir e a lançar gritos de fôlego. As câmaras o enfocaram. decidiu-se que Lily relataria o escapamento em lugar do Max. Ela tomou o microfone e levantou uma mão para pedir silêncio.

 - Boa tarde, damas e cavalheiros. Hoje têm vocês o privilégio de presenciar um dos escapamentos mais perigosos que se tentou jamais. A Soga em Chamas.

Logo explicou com exatidão o que ocorreria e apresentou aos dois oficiais de polícia, um de Nova Orleáns e outro do Lafayette, quem examinou os grilhões e a camisa de força que Luke se colocaria.

Uma vez que os braços do Luke estiveram em posição, o oficial do Lafayete lhe colocou um grilhão em um punho, rodeou-o com a corrente e lhe colocou o outro no outro braço. Entregaram a chave ao Miss Luisiana, quem se tinha apresentado para a ocasião com traje de noite e tiara. O homem de Nova Orleáns se ocupou de lhe colocar ao Luke o colete de força.

Depois, ataram-lhe as pernas com a soga e começaram a baixá-lo, cabeça abaixo, para as águas do Lago Ponchatrain. Uma pessoa da multidão lançou um grito. Luke a benzeu interiormente por sua oportunidade. Nada melhor que um toque de histeria e um par de desmaios para aumentar o dramatismo da situação.

Uma rajada de vento lhe esbofeteou a face com força e fez que lhe chorassem os olhos. Já estava trabalhando para livrar-se dos grilhões dos punhos.

Sentiu o puxão na corda quando o descida tocou a seu fim. Ficavam cinco segundos antes de que um voluntário aproximasse uma tocha ao outro extremo da soga e o fogo descesse em sua busca. Teve que lutar contra a tontura quando o vento o fez girar sobre si mesmo.

Maldita física, pensou. Um corpo em movimento segue em movimento, e se encontrava preso em um balanço pendular que deleitava e arrepiava ao público, mas dificultava muito sua tarefa.

A satisfação que sentiu ao liberar suas mãos durou pouco. Alcançava a cheirar a fumaça. Com a mobilidade de uma serpente, começou a retorcer seu corpo no interior da camisa de força, e sentiu uma pontada de dor em suas articulações tão maltratadas. Seus dedos começaram a trabalhar velozmente.

Não permaneceria preso.

Ouviu o rugido da multidão quando a camisa de força caiu à água, vazia. A lancha de resgate, que flutuava sobre o lago, fez soar sua buzina para felicitá-lo. Embora apreciava esse gesto, Luke tinha plena consciência de que ainda era muito logo para celebrar.

Com um grunhido pelo esforço, dobrou a cintura e retesou seus músculos abdominais ao levantar-se para tratar de soltar os nós de suas pernas. Não olhou o fogo, mas o cheirou. Estava a centímetros de distância e se aproximava depressa.

Seu relógio mental lhe advertiu que só faltavam poucos minutos para que o fogo devorasse a soga e ele caísse de cabeça para o lago em um mergulho vertical.

O nó que lhe atava os pés era mais complicado do que pensava. Desejou ter seguido o conselho do LeClerc de colocar uma faca em uma de suas botas. Mas era muito tarde para lamentar-se.

Sentiu que a soga cedia. Esse lance final exigia uma precisão muito complicada. Se se soltava muito rápido, mergulharia-se de cabeça no lago. Se esperava de mais, terminaria com os pés queimados. Nenhuma das opções lhe funcionava tentadora.

Travou sua mão ao redor da segunda corda. O fato de que a atenção estivesse centrada em seus movimentos e na soga em chamas, e que a outra era muito finita, impedia que o público a visse. Luke sentiu que o calor do fogo lhe queimava os nódulos e se agarrou com firmeza à segunda soga.

Liberou os pés com uma patada e começou a subir pela outra soga. Da ponte, dava a sensação de estar subindo por uma fina coluna de fogo. Mas igual necessitaria uma dose abundante da poção de salvia preparada pelo LeClerc para as queimaduras.

Os espectadores continham o fôlego e deixavam escapar uma exclamação abafada cada vez que o vento o sacudia. Quando Luke chegou acima, sentiu os braços sólidos de Mouse que o sustentavam com força. LeClerc se inclinou.

 - Tem-no?  - perguntou-lhe em voz baixa a Mouse.

 - Sim.

 - Bem.  - LeClerc extraiu uma navalha da manga e cortou as duas cordas.

Houve gritos e estremecimentos quando a soga em chamas caiu ao lago.

 - Pode-me subir o trecho que falta?  - disse Luke. Sabia que assim que diminuíra o fluxo de adrenalina em seu corpo, começariam os dores. Com a ajuda de Mouse ficou de pé. As câmaras já se aproximavam, mas Luke esquadrinhava a multidão.

 - E Roxanne?

Talvez fora uma estupidez e uma atitude abertamente egoísta. Possivelmente era muitas outras coisas nada agradáveis, mas Luke só sabia uma coisa quando entrou no dormitório, com aroma de fumaça e a-triunfo, e encontrou ao Roxanne estendida na cama. Estava furioso.

 - Vá, vá, que bem.  - Arrojou as chaves sobre a cômoda com um estrondo que fez que Roxanne gemesse e abrisse os olhos.  - Supus que tinha tido um acidente muito grave ou algo parecido, e te encontro aqui, dormindo uma sesta.

Ela decidiu arriscar-se a abrir a boca e disse:

 - Luke...

 - Imagino que era importante para você que eu estivesse trabalhando neste número há meses, que provavelmente seja o mais importante que tenho feito em minha vida e que prometeu estar ali quando eu conseguisse subir por essa corda.  - aproximou-se dos pés da cama, permaneceu um momento ali e logo se afastou.  - Só porque precisava me concentrar, esperava certo apoio de parte de minha mulher... Sério, Rox, sabia o importante que era para mim.

 - Ia, mas...  - Não pôde seguir falando pela arcada que teve.  - Merda...  - incorporou-se e saiu correndo ao banho.

Ele a seguiu com atitude arrependida e lhe colocou um pano úmido e fresco na frente.

 - Vamos, pequena, de volta à cama. Sinto-o Rox. Estava tão zangado que nem sequer te olhei bem.

 - Pensei que eram os panqueques  - disse ela. Manteve os olhos fechados, a cabeça muito quieta, e só abriu a boca para dizer:  - Esperava verte voltar de cor verde, para que me confirmasse que foi uma intoxicação pela comida.

 - Sinto te haver decepcionado  - disse ele e lhe beijou a frente. Tinha-a úmida e fria, mas não lhe pareceu que tivesse febre.

 - Só preciso descansar um pouco mais e estarei bem.

 - Roxanne.  - Luke separou o pano frio e tomou a face entre as mãos.  - Não irá.

Ela abriu os olhos de par em par. Tratou de sentar-se, mas ele o impediu.

 - É obvio que vou. Esta operação foi minha, em primeiro lugar. Não penso me perder a festa porque comi um panqueque em mal estado.

 - Não foram os panqueques  - corrigiu-a ele - . Mas não importa qual foi a causa, está muito chateada.

 - Não o estou. Só um pouco frouxa.

 - Não está em condições de intervir no trabalho.

 - Estou em perfeitas condições.

 - De acordo, então façamos um trato. Se agora te levantar, vai caminhando ao living e volta sem cair de face, seguimos de acordo com o planejado. Se fracassas no intento, vou só.

Como era um desafio, funcionou-lhe irresistível.

 - Está bem. te corra.

Quando ele se levantou, ela apertou os dentes e baixou as pernas da cama. A cabeça lhe deu voltas e sentiu que a nuca lhe empapava de transpiração, mas ficou de pé.

 - Nada de te apoiar em nenhuma parte  - adicionou Luke ao ver que estirava um braço para a parede.

ergueu-se, e caminhou depressa para o living. Uma vez ali se desabou em uma poltrona.

 - Só preciso descansar um minuto.

 - Não foi esse o trato  - disse Luke e ficou em cuclillas frente ela - . Rox, sabe que não pode fazê-lo.

 - Poderíamos adiá-lo...  - Roxanne se interrompeu e sacudiu a cabeça. -  Não, isso seria uma estupidez.  - Sentindo-se frágil e frustrada, jogou a cabeça para trás.  - Detesto me perder isto, Callahan.

 - Já sei.  - Elevou-a e a levou a cama.  - Suponho que às vezes as coisas não saem exatamente como a gente quer.  - Pensou que não era apropriado mencionar que também seus planos se viam frustrados. Sua intenção de converter o entusiasmo de um triunfo compartilhado em uma noite de romance ao lhe pedir que se casasse com lhe tinha parecido inspirada. Mas agora teria que esperar.

 - Você não conhece tão bem como eu o sistema de segurança.

 - Repassamo-lo uma dúzia de vezes  - recordou-lhe Luke, indignado - . Não será minha primeira noite nessa classe de trabalhos.

 - Tomará mais tempo.

 - Sam e Justine estão em Washington. Terei tempo de sobra.

 - te leve a Mouse.  - Um medo repentino a fez tomar a mão.  - Não vá só.

 - Rox, te tranqüilize. Poderia fazê-lo com os olhos fechados, você sabe.

 - Sinto-me intranqüila.

 - Sente-se mau  - corrigiu-a ele - . Quero que descanse. Posso chamar o Lily para que venha a te atender  - disse e a beijou - . Estarei de volta antes do amanhecer.

 - Callahan  - disse e lhe apertou a mão. Pensou que era absurda a resistência que sentia a deixá-lo ir.  - Amo-te.

Ele sorriu e se inclinou para beijá-la de novo, e foi o beijo leve e cordial de um homem que sabe que muito em breve terá tempo de beijá-la como é devido.

 - Eu também te amo.

Roxanne suspirou e o deixou ir.

Ao Luke adorava voar. Desde a primeira vez que se meteu na carlinga para que Mouse o iniciasse na arte da pilotagem, ficou preso. E não se tratou de aprender algo que poderia funcionar conveniente para suas duas carreiras: desde esse primeiro instante foi pura fascinação.

O avião que piloteaba se encontrava registrado em nome do John Carroll Brakeman, o executivo inexistente de uma companhia de seguros. Para completar o aliás, Luke se tinha colocado uma barba curta e um traje de três peças a raias finas... com vários centímetros de cheio debaixo. Seu cabelo negro exibia fios chapeados nas têmporas.

Quando aterrissou no Tennessee registrou seu plano de vôo de volta e levou sua maleta com monograma à a Mercedes 450 que tinha alugado. Conduziu-o ao Hilton, pediu a suíte que tinha reservado e ordenou que não o incomodassem.

Quinze minutos depois, sem a barba, o cheio e as cãs, baixou depressa pela escada e se dirigiu à praia de estacionamento, onde o esperava o sedan escuro que alugasse sob outro aliás. Como era menos perigoso que recolher as chaves no mostrador da zeladoria, fez saltar a fechadura, colocou em marcha o motor fazendo uma ponte com os cabos e partiu.

Quando o trabalho ficasse completado, levaria o sedan de volta à praia de estacionamento e subiria disimuladamente à suíte. Voltaria a ficar o disfarce e abandonaria o hotel. Mais rico em aproximadamente meio milhão de dólares, voaria a Nova Orleáns. Nada nem ninguém poderia relacioná-lo nem com seu aliás nem com o roubo.'           

Estacionou o automóvel em uma rua mastreada, a duas quadras da casa do Sam. Nesse paraíso suburbano, a grama dos parques se encontrava prolixamente talhado, os cães se comportavam bem e as casas estavam às escuras à uma da madrugada.

Evitou com cuidado os faz de luz dos faróis da rua. Vestido totalmente de negro, avançou entre as sombras. Havia um pouco de névoa que podia lhe causar problemas no aeroporto, mas nesse momento lhe vinha de cavanhaques. A lua luzia a metade de sua face, mas sua luz se ocultava detrás das nuvens e no ar flutuava um adiantamento da primavera.

Rodeou a propriedade dos Wyatt, uma enorme mansão de duas plantas com colunas brancas. No atalho não se via nenhum automóvel. As luzes de segurança brilhavam como espadas sobre o parque e iluminavam maciços de narcisistas dourados e as folhas incipientes de algumas árvores. Quase lamentou que Sam estivesse em Washington. O triunfo seria maior se entrasse na casa e roubasse o que queria, enquanto seu inimigo roncava.

Um muro alto rodeava a propriedade em seus três lados, e no fronte havia árvores añosos; Luke aproveitou essas duas coisas para ocultar-se enquanto se aproximava.

Teve saudades muitíssimo ao Roxanne quando começou a trabalhar no sistema de segurança. Os novos sistemas computadorizados o chateavam e desafiavam sua criatividade. Supôs que os números e as seqüências complexas funcionavam atraentes para a mente lógica do Roxanne, mas para ele convertiam a arte de roubar em uma contabilidade tediosa.

Apesar de ter as instruções gravadas do Roxanne na mente, demorou o dobro de tempo do que teria empregado ela em acessar ao código. Mas, bom, Roxanne não tinha por que inteirar-se.

Satisfeito, escolheu a entrada posterior da casa e abriu a fechadura. Preferia esse método a forçar a porta com uma alavanca ou barreta, algo que qualquer ladrão de segunda categoria faria, e por certo a quebrar um painel de vidro, tarefa que não exigia nenhuma habilidade.

Luke entrou em uma salita que cheirava a azeite de limão e glicina. Sentiu a velha excitação na coluna. Havia algo indescriptiblemente estimulante em permanecer de pé, às escuras, em uma casa vazia, rodeado pelas formas e sombras das posses de outra pessoa. Era como inteirar-se de seus secretos.

Luke avançou por um corredor e dobrou à esquerda para o escritório do Sam. Seus dedos já lhe faziam cócegas dentro das magras luvas cirúrgicas, impaciente por girar o dial da caixa forte.

Não necessitava nenhuma luz. Seus olhos tiveram tempo de adaptar-se à escuridão, e conhecia melhor que seus donos as dimensões exatas desse edifício.

Em uma casa vazia, o silêncio possuía uma qualidade muito especial: algo assim como um sussurro, um zumbido, uma música agradável que produzia o ar quando não havia ninguém que o respirasse.

Luke tinha entrado no escritório do Sam antes de dar-se conta da ausência dessa música. Então se acendeu a luz, e o cegou.

 - Bom, Luke, adiante.  - Sam se tornou atrás em sua poltrona frente ao escritório.  - Esperava-te. Por favor  - e a luz brilhou na pistola cromada .32 que empunhava  - , me acompanhe com um gole.

Luke observou o sorriso do Sam e percorreu com a vista a superfície do escritório onde viu duas taças de conhaque.

-Quanto faz que sabe?

 - Vários meses.  - Apontando ao peito do Luke com a pistola, tornou-se para frente para tomar sua taça.  - Envergonha-me confessar que não o suspeitei antes. Mas há um tempo tenho feito investigar o extravagante estilo de vida dos Nouvelle. Sente-se. Não sabe quanto sinto que tenha vindo só.

 - Eu trabalho só  - disse Luke, com a esperança de salvar assim a outros.

 - Sempre foi patéticamente galante. Sente-se

 - repetiu, e sua voz soou tão fria como o cromado de sua pistola. Luke calculou que o melhor nesse momento era obedecê-lo, e se sentou.  - O conhaque é excelente  - disse Sam e colocou sua taça perto do telefone - . Não tema

 - disse ao notar um brilho nos olhos entrecerrados do Luke - . Não chamarei à polícia.

 - Poderia me acusar de ter entrado ilegalmente a seu casa  - disse Luke, muito sereno - . Inclusive de intento de roubo. Todo o qual eu poderia bem converter em uma brincadeira. Em tratar de lhe dar um susto a um rival da infância.

Sam permaneceu em silêncio um momento.

 - Duvido que isso te saísse bem, sobre tudo quando eu revelasse tudo o que averigüei ultimamente. Maldito filho de puta  - disse sem que lhe apagasse o sorriso da face - . Moralistas de porcaria, todos vocês. Mostrar-se escandalizados porque eu roubei em um par de lojas, quando vocês eram, justamente, enganadores e trombadinhas.

 - Não trombadinhas  - corrigiu-o Luke e decidiu provar o conhaque - . E jamais enganadores. O que te propõe?

 - O que sempre quis. te fazer pagar. Odiei-te desde o começo. Mantenha as mãos onde eu possa as ver  - advertiu-lhe. Luke se encolheu de ombros e bebeu um sorvo de conhaque.  - Jamais soube por que, mas te detestei sempre. Acredito que foi porque fomos tão parecidos.

Agora foi Luke o que sorriu.

 - Está-me apontando com uma arma, Wyatt. Pode me matar ou me mandar ao cárcere. Mas não me insulte.

 - Sempre insolente e temerário. É uma combinação que eu poderia ter admirado se não te tivesse mostrado tão asquerosamente superior. Tinha aos Nouvelle na palma da mão. Eu intuí então as possibilidades que existiam, mas você te cruzou em meu caminho.

 - Reconhece-o, companheiro.  - Talvez poderia enfurecê-lo-o suficiente para lhe fazer cometer um engano.  - Ferrou-te.

Os olhos do Sam brilharam, mas a pistola não se moveu.

 - O que fiz foi me agarrar a seu garota. E seduzir ao Roxanne para afastar a de você. me acredite, se tivesse adivinhado em que mulher atraente se converteria, me teria deitado com ela em lugar de com... como se chamava? Ah, sim, Annabelle.

A fúria que sentiu Luke foi tão intensa que teve que apertar a mão ao redor do apoyabrazos da poltrona para permanecer sentado.

 - Teria que te haver quebrado algo mais que o nariz.

 - Nisso, e pela primeira vez, tem razão. Deveria me haver destruído, Calavam, porque agora eu destruirei a você. Passe, senhor Cobb  - disse Sam, levantando a voz.

Luke ficou de pé de um salto e derrubou conhaque sobre sua mão enluvada. Ali, no vão da porta, estava seu pesadelo mais antigo.

 - Acredito que se conhecem  - prosseguiu Sam. Magnífico. Fantástico, pensou. Que mais podia pedir que ver o Luke alvo como o papel? Decidiu que muito mais, e riu para si.  - Talvez não saiba que faz tempo que o senhor Cobb trabalha para mim. Sirva uma taça no bar enquanto eu lhe explico algumas coisas importantes a nosso comum amigo.

 - Farei-o com gosto  - disse Cobb, aproximou-se do garrafão com uísque e se serve uma medida dupla. Gostava da idéia de compartilhar um gole com um homem da importância do Wyatt, que o convidasse  - depois de tanto tempo -  a sua casa.  - Parece que te tem agarrado das bolas, Luke.

 - É assim exatamente. Agora que estamos juntos os três, esboçarei o trato.  - Era algo tão perfeito, que ao Sam custava impedir que a voz lhe tremesse pela excitação.  - Foi minha idéia fazer que o senhor Cobb ficasse em contato contigo e te tirasse alguns milhares de dólares por mês. Imagine minha surpresa quando soube que lhe pagava sem protestar, inclusive quando lhe dava permissão para incrementar os totais. Então me perguntei: Embora ganhe bem, como faz esse tipo para pagar chantagens que superam os cem mil dólares por ano, sem alterar absolutamente seu estilo de vida? Não pode, é obvio, a menos que tenha outra fonte de ganhos. Assim comecei a te investigar e a te seguir a pista. Ainda possuo contatos, não sei se sabe. Depois, coloquei a isca de peixe e observei as dentadas que lhe dava. Minha companhia de seguros, meu sistema de segurança, meu organograma. Não foi difícil te fazer acreditar que esta semana eu estaria em Washington. Luke sentiu um suor frio na nuca.

 - Abriu a porta da jaula  - conseguiu dizer - , mas isso não quer dizer que permitirei que a feche detrás de mim.

 - Sei. Com um advogado ardiloso poderia evitar os cargos. E, posto que veio só, funcionaria difícil, embora não impossível, culpar também aos Nouvelle. Poderia te matar  - disse Sam, levantou a pistola e apontou para a frente do Luke - . Mas nesse caso, estaria somente morto.

 - Não mate à galinha dos ovos de dourado  - disse Cobb e riu de seu próprio engenho.

 - Certamente que não, sobre tudo se posso assá-la com lentidão.

 - Além disso, seguirá pagando  - disse Cobb e se serve mais uísque.

 - Sim, embora não no sentido que você crie.  - Sam sorriu ao Cobb, apontou-lhe com a arma e oprimiu o gatilho.

O som do disparo ricocheteou com intensidade na pequena residência. Sobressaltado, Luke viu como Cobb se cambaleava, uma expressão de surpresa em seu rosto, e o sangue que começava a brotar pelo orifício negro que de repente tinha aparecido em sua frente.

 

O copo de uísque foi o primeiro em cair e rodar sobre o tapete turco. Depois, Cobb se deslomó como uma árvore destruída.

 - Isso foi mais singelo do que pensei. Muito mais singelo.

 - meu deus  - exclamou Luke e tratou de parar-se, mas sentiu as pernas muito pesadas. foi incorporando com lentidão, como um homem que luta por subir do fundo do mar. O quarto começou a girar como um carrossel e o tapete colorido e sangrento voou a reunir-se com ele.

Quando despertou, tinha a mente embotada.

 - Pelo visto, tem muita energia.  - A voz do Sam pareceu flutuar entre a bruma.  - Pensei que estaria inconsciente mais tempo.

 - O que?  - Com estupidez, Luke conseguiu ficar em quatro patas. Teve que lutar contra uma intensa onda de náuseas antes de animar-se a levantar a cabeça. Quando o fez, viu o rosto branco do Cobb morto.  - Deus.  - Levantou uma mão e se secou a transpiração da face. sentia-se enjoado e decomposto, mas o suficientemente acordado para dar-se conta de que já não tinha as luvas postas.

 - Não me agradece isso?  - perguntou Sam. Estava de novo sentado detrás de seu escritório, mas quando Luke conseguiu colocá-lo em foco, notou que empunhava uma pistola diferente.  - depois de todo, o tipo te fez a vida impossível, não? Agora está morto.

 - Nem sequer piscou.  - Sam, a arma, o quarto se bambolearam quando Luke tratou de limpar sua mente.  - Disparou-lhe a sangue frio e nem sequer piscou.

 - Obrigado. Recorda, posso repeti-lo contigo... ou com o Max ou Lily. Ou com o Roxanne.

Não ia suplicar, pelo menos não apoiado no chão sobre os joelhos e as mãos. Trabalhosamente, Luke ficou de pé. Tremiam-lhe as pernas, o qual acrescentou humilhação ao terror que sentia.

 - O que é o que quer?

 - Exatamente o que conseguirei. Posso chamar à polícia agora mesmo e lhes dizer que você e Cobb entraram pela força em minha casa quando eu ainda estava levantado apesar da hora, trabalhando em meu escritório. Surpreendi-os e você tirou uma pistola. Depois, vocês dois discutiram e você lhe disparou. Em meio da discussão, eu consegui procurar minha pistola. De passagem, você conto que esta é minha pistola. A outra não está registrada e é impossível rastrear sua procedência... exceto que tem seus impressões digitais. Acusarão-lhe de homicídio e, dada seu vinculação com o Cobb, duvido que possa te salvar.

Sorriu, e seu sorriso foi ampla. a de um homem maravilhado por seu próprio talento.

 - Esse é o primeiro libreto que tenho preparado para você  - prosseguiu - . E tenho a sensação de que teria êxito. Mas eu não gosto tanto como o segundo, sobre tudo porque me envolve . No segundo, leva-te o corpo do Cobb e te desfaz dele. E, depois, vai.

 

 - Vou?  - Esforçando-se por estar lúcido, Luke se passou uma mão pelo cabelo.  - De qualquer jeito?

 - Exatamente. Só que não volta para Nova Orleáns. E não te coloca em contato com os Nouvelle. Literalmente, desaparece.  - O sorriso do Sam se alargou e culminou com uma gargalhada.  - Abracadabra.

 - Está louco.

 - Você gostaria que fora assim, verdade? Você gostaria porque, finalmente, derrotei-te.

 - Todo isto?  - A voz do Luke seguia exibindo rastros da droga. Falou com cautela e lentidão, para estar seguro de que ele mesmo compreendia as palavras que pronunciava.  - Planejou todo isto, assassinou ao Cobb, nada mais que para te vingar de mim?

 - Parece-te desatinado?  - Sam se tornou para trás na poltrona e o fez girar de um lado a outro.  - Possivelmente eu também o pensaria se estivesse em seu lugar.  - de repente se tornou para frente, e teve o prazer de ver que Luke se sobressaltava.  - Mas, como vê, não o estou. Eu controlo a situação. E você fará exatamente o que digo. Do contrário, farei-te prender por homicídio, e me assegurarei que Maximillian Nouvelle seja investigado por roubos de maior quantia e de que sua família fique arruinada. Desfrutarei-o mais que se o matasse.

 - Recolheu-te da rua.

 - E devolveu a ela com uma patada. Não espere lealdade de minha parte, Calavam.

 - por que não me matas?

 - Prefiro a idéia de que tenha que ganhar a vida em algum povoado esquecido, que te desespere pensando no Roxanne e nos homens com que ela encherá sua vida, que se apague a estrela que manteve em alto com tanta intensidade durante os últimos anos. A ver se escapar disto, Calavam. Ou vai, ou os Nouvelle pagam durante o resto de sua vida. E não pense que pode ir agora e reaparecer dentro de várias semanas. Nesse caso, talvez consiga te tirar o nó corrediço do pescoço, mas te prometo que o apertarei no pescoço do Max. Na caixa forte que não teve ocasião de abrir, tenho todas as provas necessárias para fazê-lo pendurar.

 - Ninguém te acreditaria.

 - Não? A mim, um honesto funcionário público com um dossiê impecável? Um homem que pôde subir em que pese a sua infância degradante? Que, em que pese a sentir certa lealdade para o velho, não foi possível seguir ocultando os fatos? E quem, ao descobrir sintomas de senilidade, solicitaria que fora confinado em uma instituição para doentes mentais antes que em um cárcere.

 - Ninguém fará isso ao Max.

 - Depende de você, Calavam.

 - Está bem, Wyatt. Desaparecerei. Mas jamais poderá estar seguro de quando voltarei. Uma noite me encontrará neste lugar.

 - te leve a seu velho amigo, Calavam  - disse Sam e assinalou ao Cobb - . E pensa em mim, todos os dias, enquanto esteja no inferno.

 

Luke sabia que era muito perigoso, mas os riscos já não pareciam lhe importar. Deixou o segundo automóvel alugado na praia de estacionamento do hotel e, depois de tomar um dos elevadores principais no lobhy, subiu a sua residência. Uma vez dentro, tirou a garrafa da bolsa de papel, colocou-a sobre a cômoda e a olhou fixo.

Seguiu fazendo-o durante um bom momento antes de abri-la. Depois, levantou-a e bebeu três grandes sorvos para deixar que seu fogo lhe queimasse a desdita que sentia.

Não funcionou. Pelos exemplos observados em sua juventude, sabia que o álcool não fazia desaparecer a infelicidade e a aflição, mas sim a incrementava. Mas valia a pena tentá-lo.

Ainda lhe parecia cheirar ao Cobb. Tinha pego à pele o fedor a transpiração, sangue e morte. Carregar com o corpo e jogá-lo no rio foi uma tarefa repugnante.

Tinha desejado sua morte. Deus sabia com quanta intensidade desejou que morrera. Mas não sabia então qual seria o efeito sobre ele de um desaparecimento repentino, violenta e cruel.

Não podia esquecer a maneira em que Sam tinha disparado a arma: com tanta indiferença, como se segar uma vida fora um fato tão simples como uma velada jogando às cartas. Não o tinha feito por ódio, nem por dinheiro, nem cegado por uma paixão. Fez-o com frieza, quão mesmo uma criatura podia voltear um edifício construído com blocos de madeira. Todo porque Cobb lhe servia mais morto que vivo.

Controle, disse-se Luke enquanto se deixava cair na cama como um velho. Pensar que durante todos estes anos acreditou ter o controle da situação. Mas foi mentira. Sempre houve alguém entre decorações, atirando dos fios e zombando do êxito que acreditou alcançar em sua vida.

Qualquer que tivesse presenciado o ocorrido essa noite saberia que Sam não era só ambicioso, insensível e desalmado. Estava louco. Mas unicamente ficava uma pessoa viva para testemunhá-lo.

O que podia fazer ele? Luke se esfregou os olhos com as Palmas das mãos, para fazer desaparecer deles as imagens que os povoavam e poder assim ver com claridade.

Tinha entrado pela força em uma casa particular. Se a polícia sabia onde procurar encontraria o rastro, e esse rastro conduziria diretamente aos Nouvelle. Se Luke se apresentava ante as autoridades com uma complicada história de chantagem e homicídio, a quem lhe acreditariam? Ao ladrão ou ao cidadão irrepreensível...?

Podia correr esse risco. Embora não estava seguro de ser capaz de enfrentar o cárcere sem enlouquecer, podia correr esse risco. Mas existia a possibilidade de que Sam cumprisse as outras ameaças. Max em uma instituição para doentes mentais, Lily desolada, Roxanne arruinada. Ou possivelmente ao Sam gostasse mais matá-los... matá-los com a pistola que tinha as impressões digitais do Luke.

Essa só ideia o sumiu no pânico e o fez tomar o telefone e discar um número. Seus dedos agarraram com força o tubo. Ela respondeu na primeira chamada, como se o tivesse estado esperando.

 - Olá, olá... Quem fala?

Ao Luke pareceu vê-la com toda claridade, como se estivesse ali mesmo, nessa residência: sentada na cama, com o tubo do telefone na orelha e um livro aberto sobre as saias, e um velha filme em branco e negro piscando sobre a tela do televisor.

Mas em seguida a imagem se desvaneceu, fez-se fumaça, como se ele soubesse que nunca mais voltaria a vê-la assim.

 - Olá. Luke, é você? ocorreu...? Mas ele cortou a comunicação. Fazia sua escolha. lhe responder, contar-lhe todo, equivaleria a mantê-la a seu lado e vê-la sofrer. Abandoná-la, sem uma palavra, sem um sinal, significaria que ela estaria a salvo mas o odiaria cada vez mais.

Como um homem já bêbado, levantou-se e se levou a garrafa à cama. Possivelmente não aliviaria sua desdita, mas poderia ajudá-lo a dormir.

Pela manhã, depois de tomar banho e de voltar a ficar o disfarce, partiu do hotel e se dirigiu ao aeroporto. Queria viver. Possivelmente para assegurar-se, de longe, de que Sam não incomodasse aos Nouvelle. Possivelmente, também, para esperar sua oportunidade, vigiar e planejar uma vingança adequada.

Ainda não tinha um plano de vôo, um destino. Embora lhe fascinava voar, sua vida estava agora tão vazia como a garrafa que tinha deixado no hotel.

 - Faz horas que deveria ter tornado.  - Esfregando-as mãos, Roxanne caminhava sem cessar pelo estúdio de seu pai.  - Algo saiu mau. Jamais deveu ir só.

 - Não é seu primeiro trabalho, querida.

 - Papai. Luke está em problemas. Sei.

 - Como sabe?

 - Porque ninguém teve notícias delas desde que se foi daqui ontem à noite. Porque devia estar de volta às seis da manhã e já quase é meio-dia. Porque quando chamei o aeroporto para perguntar pelo John Carroll Brakeman, disseram-me que tinha registrado seu plano de vôo mas depois não se apresentou.

 - Luke é um moço inteligente e cheio de recursos, Roxy. Soube a primeira vez que o vi. Voltará logo.

 - Como sabe você?  - retrucou-lhe ela utilizando suas mesmas palavras.

 - Dizem-no as cartas.  - Para distrai-la e diverti-la, Max tirou um maço do bolso e tratou de abri-lo em leque, mas a rigidez de seus dedos o impediu e as cartas voaram pelo ar.

Ao Roxanne lhe partiu o coração ao ver o sofrimento de seu pai. inclinou-se para recolher as cartas e se apressou a encher esse silêncio tão penoso.

 - Sei que às vezes Luke altera a rotina, mas jamais faz uma coisa como esta.  - Amaldiçoou interiormente as cartas, a velhice e sua própria incapacidade de encontrar as palavras adequadas.  - Parece-te que eu deveria ir buscá-lo?

Ele seguiu com a vista fixa no piso, embora agora as cartas as tivesse sua filha. Quando voltou a olhar ao Roxanne, fez-o com um sorriso.

 - Se olharmos com suficiente intensidade e durante suficiente tempo, sempre encontramos o que necessitamos. Sabe que muita gente acredita que existe mais de uma pedra filosofal?

 - Papai  - disse Roxanne e estendeu a mão para tocá-lo, mas ele sacudiu a cabeça: estava a quilômetros de distância dessa filha que o olhava com lágrimas nos olhos - . Vêem acima comigo, papai.

 - Não, não. Vê você. Eu tenho muito que fazer  - disse e se enfrascó na leitura de livros muito antigos com velhos secretos - . Lhe diga ao Luke que chame por telefone ao Lester. Quero me assegurar que a nova equipe de iluminação se encontre já instalado.

Ela abriu a boca para lhe recordar ao Max que o velho gerente da Porta Mágica se transladou a Las Vegas três anos antes, mas em troca apertou os lábios e assentiu com a cabeça.  - Está bem, papai.

Subiu pela escada em busca do Lily.

 - Lily, o que acontece com papai?

 - por que o pergunta? machucou-se?  - deu-se meia volta e teria saído correndo se Roxanne não o tivesse impedido.

 - Não, não se machucou. Está no estúdio lendo seus livros.

 - Deus.  - O alívio que sentiu Lily foi tão grande que se levou a mão ao coração.  - Assustou-me.

 - Eu estou assustada  - disse Roxanne - . Está doente, verdade?

Por um momento, Lily não disse nada.

 - Acredito que deveríamos falar. Vêem, nos sentemos. Lily passou um braço ao redor da cintura do Roxanne.

 - Obriguei-o a ir ao médico. Fizeram-lhe estúdios. Depois tive que fazê-lo voltar para que lhe fizessem mais estúdios. Não quis internar-se no hospital para que os fizessem todos juntos. E eu... bom, não quis atormentá-lo.

Roxanne experimentou uma sensação pungente detrás dos olhos. Sua voz soou longínqua e muito distinta da seu habitual.

 - Que classe de estúdios?

 - De todo tipo. Tantos que perdi a conta. Conectaram-no a uma série de máquinas e aparelhos e ficaram a estudar distintos gráficos. Extraíram-lhe sangue e o fizeram urinar em um recipiente. Tomaram radiografias.  - Lily levantou os ombros e os deixou cair.  - Talvez fiz mau, Roxy, mas lhes pedi que me dissessem o que descobrissem. Não queria que o dissessem ao Max se era algo mau. Sei que você é sua filha, seu próprio sangue, mas eu...

 - Não esteve mau  - disse Roxanne e apoiou a cabeça no ombro do Lily - . Fez o correto.  - Demorou um minuto em reunir a coragem suficiente para perguntar:  - Então é algo mau, verdade? Tem que me dizer isso Lily.

 - Seguirá esquecendo-se de coisas. Alguns dias estará normal, e outros não poderá manter sua mente em foco, nem sequer com a medicação  - disse Lily e por sua bochecha rodaram algumas lágrimas - . É provável que em algum momento fique furioso e nos acuse de tratar de machucá-lo, ou que faça o que lhe dizemos sem colocar nenhuma objeção. Também é possível que vá até a esquina a comprar algo e depois esqueça como voltar para casa. Até pode esquecer quem é e, se eles não conseguem impedi-lo, algum dia sua mente fique fora por completo de nosso alcance.

Isso é pior, pensou Roxanne, muito pior que a morte.

 - Procuraremos... encontraremos um especialista.

 - O médico nos recomendou um. Chamei-o por telefone. O mês que vem podemos levar ao Max a Atlanta para que o veja. Enquanto isso, estudará toda as análise e estúdios do Max. Chamam-no a enfermidade do Alzheimer, Roxy, e dizem que não tem cura.

 - Então nós encontraremos uma. Não permitiremos que ao Max aconteça isto.  - levantou-se de um salto e esteve a ponto de cair se Lily não a houvesse sustenido.

 - Querida, querida, o que te ocorre? Não deveria te haver dito nada.

 - Não, é só que me parei muito depressa.

 - Mas seguia enjoada e com muitas náuseas.

 - Está tão pálida. Prepararei-te um chá ou algo.

 - Estou bem  - insistiu ela - . É só um vírus estúpido.  - Mas assim que chegaram à porta da cozinha, o aroma da substanciosa sopa que LeClerc preparava lhe colocou a pele de cor verde.  - Maldição

 - disse por entre os dentes apertados.

Correu ao banho e Lily trotou atrás dela.

Quando terminou de vomitar se sentia tão fraco que não protestou quando Lily a levou a sua cama e lhe insistiu para que se deitasse.

 - É a preocupação  - diagnosticou Lily.

 - É um vírus - disse Roxanne, fechou os olhos e rogou ao céu que em seu estômago não houvesse nada mais - . Acreditei que me tinha passado. Ontem pela tarde me ocorreu o mesmo mas de noite já estava bem. Também esta manhã.

 - Bom, bom  - disse Lily e lhe aplaudiu uma mão - . Se me tivesse contado que esteve chateada duas manhãs seguidas, perguntaria-me se não estará grávida.

 - Grávida!  - Roxanne abriu os olhos de par em par.  - Um não se decompõe pela tarde quando está grávida.

 -  - Suponho que não. Seguro que não te salteou um período?

 - Não exatamente.  - Roxanne sentiu pânico e algo mais: algo que não era temor de nenhum tipo a não ser um prazer sutil.  - Me atrasou um pouco, isso é todo.

 - De quanto é o atraso?

 - Bom, de um par de semanas. Possivelmente três.

 - Querida minha!  - exclamou Lily com deleite.

 - Não te apresse a tirar conclusões.  - Com cautela, Roxanne se oprimiu o ventre com uma mão. Se havia ali um bebê, não era precisamente tranqüilo. Por outra parte, não podia esperar-se que um filho do Luke fora doce e amável, não?

 - Agora existem métodos para averiguar na própria casa se existir ou não uma gravidez. Luke saltará de contente.

 - Jamais falamos sobre essa possibilidade  - disse Roxanne e voltou a sentir medo - . Lily, nem sequer tocamos o tema filhos. Talvez ele não queira...

 - Não seja tola, é obvio que quer. Ama-te. Fique aqui. Trarei-te um pouco de leite.

 - Chá  - corrigiu-a Roxanne - . Posso tomar chá... e um par de biscoitinhos de água.

Um filho, pensou Roxanne. por que não tinha tomado em conta a possibilidade de estar grávida? Ou possivelmente sim o tinha pensado? Em realidade, não se sentia muito surpreendida. Embora tinha tomado pontualmente a pílula, tampouco o lamentava.

Um filho do Luke e dele. O que diria ele? O que sentiria?

A única maneira de averiguá-lo era buscá-lo. Tomou o telefone e disco um número. Quando Lily voltou um momento depois com chá e torradas, Roxanne estava deitada de costas, com a vista fixa no céu cetim.

 - foi-se, Lily.

 - Ah, sim? Quem?

 - Luke. Chamei o aeroporto. Pardo do Tennessee esta manhã às nove e meia.

 - Às nove e meia?  - disse Lily e apoiou a bandeja sobre a cômoda - . São mais das doze, e o vôo a Nova Orleáns só toma ao redor de uma hora.

 - Não se dirigia a Nova Orleáns. Custou-me muito averiguar qual era seu plano de vôo, mas o obtive.

 - O que quer dizer com isso de que não se dirigia a Nova Orleáns? É obvio que vem para aqui.

 - Não, ao México  - sussurrou Roxanne - . Foi ao México.

À manhã seguinte, Roxanne soube com certeza duas coisas: que estava grávida, e que era possível que um homem desaparecesse da face da terra. Mas o que desaparecia podia fazer-se aparecer de novo. Não por nada ela era maga de segunda geração.

No momento de fechar sua bolsa de viagem, ouviu que alguém batia na porta. O primeiro que pensou foi que era Luke. Correu como uma exalação a abrir.

 - Onde há...? OH, é você, Mouse.

 - Sinto muito, Roxy.

 - Está bem. Olhe, estou a ponto de sair.

 - Já sei. Lily me disse que vai ao México a tratar de encontrar ao Luke. Eu vou contigo.

 - Muito amável de seu parte, Mouse, mas já tracei meus planos.

 - Vou contigo. Não irá até lá só, em seu... em seu estado  - disse e avermelhou.

 - Lily já começou a tecer escarpines?  - comentou ela. Mas depois, suavizou esse sarcasmo lhe aplaudindo um braço.  - Mouse, não há nada do que preocupar-se. Sei o que faço, e não acredito que o fato de levar em minhas vísceras algo do tamanho de uma cabeça de alfinete me faça avançar mais devagar.

 - Penso te cuidar. Isso é o que Luke quereria que fizesse.

 - Se ao Luke importasse tanto, não estaria no México  - saltou ela, e em seguida se arrependeu ao ver a face de angústia de Mouse - . Sinto muito. Suponho que a gravidez revolve a um os hormônios e a volta um pouco louca. Já reservei passagem em um vôo, Mouse.

 - Pode cancelá-lo. Eu te levarei. Ela começou protestar, mas logo se encolheu de ombros. Talvez a companhia de Mouse lhe faria bem.

Uma vez no aeroporto do Cancún, estiveram ao redor de uma hora tratando de conseguir informação sobre o avião do Luke na torre de controle. Sim, estava previsto que aterrissasse nesse aeroporto. Não, jamais tinha chegado. Nem sequer tinha estabelecido contato radial nem pedida permissão para trocar de rota. Simplesmente virou e se dirigiu a algum outro lugar por cima do Golfo.

Ou, como o despachante de vôo sugeriu em são de brincadeira, para o Golfo mesmo.

 - Não caiu, maldito seja  - disse Roxanne enquanto voltava furiosa ao avião - . É impossível que se estrelou.

 - É um bom piloto  - disse Mouse a suas costas, e lhe acariciou o ombro e a cabeça - . E eu mesmo revisei todo o aparelho antes de que partisse.

 - Não se estrelou  - voltou a dizer ela. E, depois de desdobrar um dos mapas de Mouse, começou a estudar a configuração do terreno do lado mexicano do Golfo.  - Aonde podia dirigir-se, Mouse? Se decidisse evitar Cancún.

 - Minha hipótese seria melhor se soubesse o porquê.

 - Não sabemos o motivo  - disse ela - . Só podemos especular... possivelmente queria cobrir seu rastro. Não podemos chamar o Sam e lhe perguntar se as safiras de sua esposa desapareceram. Não saiu nos diários nenhuma notícia de um roubo, mas pelo general evitam publicar essas coisas por um tempo. E se teve algum problema no Tennessee, talvez tenha decidido, por algum motivo idiota, dirigir-se para o oeste e deixar que John Carrol Brakeman desapareça.

 - Mas por que não deu sinais de vida?

 - Não sei. Olhe essas ilhas. Algumas têm que ter pistas de aterrissagem. Oficiais e não tão oficiais. Para o contrabando.

Estiveram três dias procurando na Península do Yucatán. Difundiram a descrição do Luke por toda a costa, lubrificaram as mãos de alguns e seguiram muitas pistas falsas.

Os ataques de náuseas do Roxanne faziam que Mouse se sentisse impotente e desejasse que Lily estivesse ali. Sabia perfeitamente que, se se desse a oportunidade, Roxanne era muito capaz de internar-se só na selva, armada somente com um cantil de água e sua imperiosa necessidade de encontrar ao Luke. Até que conseguissem localizá-lo, Mouse considerava que Roxanne era responsabilidade dela. Quando a via muito pálida ou muito acalorada, obrigava-a a deter-se e descansar.

Essa rotina se foi encarnando de tal maneira neles, que os dois começaram a supor que continuaria durante o resto de sua vida.

Então, encontraram o avião.

Roxanne teve que pagar mil dólares norte-americanos para manter uma conversação de dez minutos com um mexicano torto que dirigia seu negócio de uma choça de tijolo cru, na selva maia perto da Mérida. O homem se recortava as unhas com um canivete enquanto uma mulher de olhar cauteloso fritava omeletes.

 - Ele disse que queria vender, se eu queria comprar.  - Juárez serve tequila em um copo de lata e ofereceu ao Roxanne a garrafa.

 - Não, obrigado. Quando comprou você o avião?

 - Faz dois dias. Paguei-lhe um bom preço.  - Virtualmente o tinha roubado, e a satisfação que isso lhe proporcionava fez que Juárez se mostrasse expansivo com a bonita senhorita.  - O necessita dinheiro, eu lhe dou dinheiro.

 - Aonde foi?

 - Eu não faço perguntas.

Roxanne teria querido amaldiçoar, mas ao notar a atitude desconfiada da mulher que estava junto ao fogão, decidiu agir com mais tato.

 - Mas se ainda estivesse nesta zona, você saberia  - disse com tom de admiração - . Um homem como você, com os contatos que tem, saberia.

 - Sim. foi-se. Acampou uma noite na selva, e depois... puf! - disse Juárez, e estalou os dedos - . Foi. move-se rápido e em silêncio. Mas se soubesse que uma mulher tão formosa como você o busca, seguro que avançaria mais devagar.

 - Importaria-lhe que eu jogasse uma olhada ao avião?

 - Faça-o. Mas não o encontrará.

Não encontrou nada pertencente ao Luke, nem sequer a cinza de algum de seus charutos. Não havia sinais de que Luke se sentou alguma vez nessa cabine ou sustenido o leme de mando ou observado as estrelas pelo vidro.

 - Podemos tentar para o norte  - assinalou Mouse quando Roxanne se sentou no assento do piloto e deixou vagar seu olhar para um nada - . Ou para o interior do país.  - Eram só tanteos, porque a Mouse o perturbava a expressão vaga e sobressaltada na face do Roxanne.

 - Não  - disse ela e sacudiu a cabeça - . Luke nos deixou sua mensagem neste preciso lugar.

Confundido, Mouse passeou a vista pela cabine.

 - Mas, Roxy, aqui não há nada.

 - Já sei. Já sei que não há nada aqui, Mouse. Luke não quer que o encontremos. Voltemos para casa.

 

Agora estava de volta. Seu ato de desaparecimento que durou cinco ânus, tinha terminado. E como veterano que era na arte das aparições, Luke conferiu a sua volta um toque de dramatismo e desenvoltura. A única pessoa que era seu público parecia cativada.

Por um momento.

Luke se apertou contra ela e se concentrou em sua boca. Todo funcionava tão dolorosamente familiar: o peso de seu corpo, o sabor de sua pele, o martelo de seus próprios batimentos quando esses dedos fortes subiam para fechar-se sobre suas bochechas.

Ele era real.

Estava de volta em casa.

As mãos do Roxanne agarraram o cabelo do Luke, e depois atiraram dele com força suficiente para fazê-lo uivar.

 - Por Deus, Roxanne...

Mas essa era toda a distração que o fazia falta. Girou sobre si mesmo, cravou-lhe um cotovelo nas costelas e calçou o joelho entre suas pernas. O conseguiu bloquear esse joelho ameaçador, mas ela utilizou esse mesmo cotovelo para lhe lançar um forte golpe no queixo.

Luke viu as estrelas. Quase sem dar-se conta, encontrou-se atirado de costas, com o Roxanne montada escarranchado, e lançando as unhas em direção a seu rosto.

O conseguiu lhe aterrar os punhos antes de que esses dedos lhe sulcassem a pele. Permaneceram nessa posição, uma posição que lhes trazia para ambas as lembranças sensuais bastante incômodas, respiraram fundo e se olharam com ódio mútuo.

 - me solte, Calavam.

 - Quero conservar a face no mesmo estado em que a tinha quando entrei aqui.

Roxanne tratou de liberar-se, mas não pôde. Luke seguia sendo forte como um touro. lhe mordê-lo teria funcionado satisfatório, mas ao mesmo tempo, pouco digno. Escolheu, em troca, o desdém.

 - Pode te guardar seu face. Não me interessa. Embora Luke a soltou, permaneceu em guarda até que ela ficou de pé, com a graça e arrogância de uma deusa que emerge de um lago.

Então se levantou depressa, com essa rapidez e economia de movimentos que ela recordava muito bem. Sem dizer uma palavra, Roxanne lhe deu as costas e encheu uma taça com champanha. Essa bebida borbulhante lhe pareceu insípida, mas lhe deu um momento, um momento que ela necessitava, para lhe jogar o último ferrolho a seu coração.

 - Ainda está aqui?  - perguntou ela ao girar.

 - Temos muito que falar.

 - Ah, sim?  - disse ela e bebeu outro sorvo - . Que estranho, a mim não me ocorre nada.

 - Então falarei eu.  - Luke tomou sua taça.  - Pode provar algo novo, Roxanne, como por exemplo, escutar.  - Atirou a mão rápido para frente para lhe aterrar o punho antes de que ela tivesse tempo de lhe arrojar o champanha à face.  - Quer brigar um pouco mais, Rox? Advirto-te que perderá.

Talvez fora assim, mas ela tinha outras armas. E as usaria para lhe fazer pagar todos os anos que a tinha deixado só.

 - Não penso desperdiçar um bom vinho em você.  - Quando lhe soltou a mão, ela se levou a taça aos lábios.  - E meu tempo é ainda mais valioso. Tenho um compromisso, Luke. Terá que me desculpar.

 - Não tem nada em seu agenda até a conferência de imprensa de amanhã  - disse ele e levantou sua taça em um brinde - . Já o verifiquei com Mouse. por que não compartilhamos um jantar tardio? Assim esclarecemos coisas.

A fúria quase a fez explodir. Roxanne se aproximou para o penteadeira e se sentou.

 - Não, obrigado igual.  - Separou-se a taça e começou a tirar a maquiagem com creme.  - Preferiria jantar com um morcego.

 - Então falaremos aqui.

 - Luke, o tempo passa  - disse ela enquanto atirava as partes de papel tisú. Luke observou que, debaixo da maquiagem que se colocou para o cenário, era ainda mais formosa. Nenhuma das fotografias que pôde conseguir e acumular ao longo desses anos se aproximava de quão bela Roxanne era pessoalmente. Nenhum desejo experiente durante esse tempo igualava ao que sentia nesse momento.

 - Quando o tempo passa  - prosseguiu Roxanne - , os fatos aumentam de tamanho ou diminuem. poderia-se dizer que o que tivemos antes se tornou tão diminuto que é quase invisível. Assim, por favor, não sigamos falando.

 - Sei que te machuquei.  - O resto que pensava lhe dizer ficou engasgado quando viu a expressão do Roxanne.

 - Não tem idéia do que me fez.  - Disse-o em um murmúrio quase inaudível que o destroçou. -  Não tem idéia  - repetiu - . Amei-te com todo meu coração, com tudo o que eu era ou podia ser, e você fez migalhas esse amor. Fez-me migalhas . Não, não me toque  - disse e se retesou quando Luke estendeu a mão para lhe acariciar o cabelo - . Não volte a me tocar nunca.

 - Tem todo o direito do mundo a me odiar. Só te peço que me lhe deixe explicar isso todo.

 - Então pede muito. Realmente acredita que o que pode me dizer compensaria seu conduta?

 - Girou em seu assento e ficou de pé. Luke recordou que ela sempre tinha sido forte, e agora o era mais ainda, e se encontrava a uma distância sideral dele.

 - Que qualquer explicação que me desse solucionaria as coisas para que eu te recebesse com os braços abertos?

Roxanne calou ao dar-se conta de que lhe faltava muito pouco para gritar e perder o controle de sua dignidade.

 - Tenho direito a te odiar  - disse, já mais calma - . Poderia te dizer que me destroçou o coração e que com grande esforço eu consegui unir todas as peças. E seria verdade. Também posso te oferecer uma verdade mais apropriada. Que meu coração é alheio a tudo o que tenha relação contigo. Não é mais que fumaça e espelhos, Luke, e quem pode saber melhor que eu como são de enganosas essas coisas?

Ele esperou a estar seguro de que sua voz soaria tão serena como a do Roxanne. - Quer que cria que não sente nada por mim?

 - O único que me importa é o que eu acredito. O se afastou, surpreso ao comprovar que durante tanto tempo tinha ansiado estar perto dela e agora necessitava com desespero colocar distância. Roxanne tinha razão. O tempo passa. Por muita magia que tivesse, ele não podia fazer desaparecer esse passado do tempo.

 - Se o que disser a respeito de seus sentimentos é verdade, então não acredito que tenha inconveniente em fazer negócios comigo.

 - Eu me ocupo de meus próprios negócios.

 - E muito bem, por certo.  - Decidiu trocar de tática, tirou um charuto e se sentou.-  - Como te disse antes, tenho algo que te propor. Um oferecimento de negócios que acredito te interessará muito.

Ela se encolheu de ombros e se tirou os aros.

 - Duvido-o.

 - A pedra filosofal  - foi tudo o que Luke disse. Os aros caíram sobre o penteadeira.

 - Não oprima o botão equivocado, Calavam.

 - Sei quem a tem. Sei onde está» e tenho algumas ideia sobre como consegui-la.  - Sorriu.  - Interessa-te?

Ela tomou a escova e começou a passar-lhe lentamente pelo cabelo.

 - Poderia ser. Onde acredita que está? O não pôde lhe responder. Não quando todos os desejos e as lembranças pareciam alagá-lo: Roxanne escovando o cabelo, sorrindo por cima do ombro. Tão esbelta, tão formosa.

Os olhos de ambos se encontraram no espelho. A mão do Roxanne tremeu ao se separar a escova.

 - Perguntei-te onde acreditava que estava.

 - Disse-te que sei. Está na caixa forte da biblioteca de uma casa em Maryland. Uma casa que pertence a um velho nosso amigo.  - Luke aspirou uma baforada de fumaça e o soltou formando uma fina nuvem azul.  - Sam Wyatt.

Roxanne entrecerrou os olhos. Luke conhecia essa expressão, e soube que a tinha presa.

 - Está-me dizendo que Sam tem a pedra filosofal. A pedra que Max procura há anos.

 - Assim é. Parece genuína. Sam, por certo está convencido de que o é.

 - Para que a quereria ele?

 - Porque Max a necessita  - disse simplesmente Luke - . E porque tem a certeza de que representa poder. Duvido que veja algo místico nela.  - encolheu-se de ombros e cruzou as pernas.  - É mais um símbolo de conquista. Max a queria, Sam a tem. Faz seis meses que a tem.

Ao Roxanne pareceu sensato voltar a tomar assento e refletir. Em realidade, jamais acreditou do todo nessa pedra. Houve momentos em que detestou inclusive sua lenda, por separar cada vez mais a seu pai da realidade. Entretanto, se seriamente existia...

 - Como se inteirou do da pedra, e de que Sam a tinha?

Poderia haver-lhe dito. Havia tantas coisas que poderia lhe haver dito para fechar essa brecha de cinco anos. Mas dizer uma parte equivaleria a dizê-lo todo. E também ele tinha seu orgulho.

 - Como soube é meu assunto. O que quero saber é se te interessa conseguir essa pedra.

 - Se me interessasse, nada me impediria de consegui-la por minha conta.

 - Eu lhe impediria isso.  - Luke não se moveu, mas ela intuiu o desafio, e a barreira existente entre ambos.

 - dediquei muito tempo e esforço em rastrear essa pedra, Roxanne. Não deixarei que me surrupie isso. Mas...

 - Fez girar o charuto e ficou a estudar o extremo aceso.  - Ofereço-te uma sorte de sociedade.

 - por que? por que me oferece isso, e por que deveria eu aceitar?

 - Pelo Max  - disse ele e a olhou - . À margem do que haja ou não entre nós, eu também o quero muito.

Isso lhe doeu. Enquanto metabolizaba a dor, apertou-se as mãos sobre a saia.

 - Pois não me parece que lhe tenha demonstrado seu devoção durante os últimos cinco anos, não acredita?

 - Quis te dar uma explicação  - disse ele - . Agora terá que esperar. Pode trabalhar comigo e ter a pedra, ou eu a conseguirei só.

Ela vacilou. Mentalmente já baralhava todas as possibilidades. Não seria difícil localizar a casa do Sam em

Maryland, posto que era o candidato mais popular das próximas escolhas para senador. O tema segurança seria algo mais difícil precisamente pela mesma razão, mas não impossível.

 - Tenho que pensá-lo.

Mas ele a conhecia muito bem.

 - Sim ou não, Rox. Agora. Demoraria meses em obter a informação que eu possuo. E para esse então, eu teria a pedra.

 - Então para que me necessita?

 - Já chegaremos a isso. Sim ou não.

Ela o olhou fixo, olhou esse rosto que tinha conhecido tão bem. Houve uma época em que sabia o que ele pensava, e é obvio o que sentia. Mas os anos o tinham convertido em um estranho.

Decidiu que essa era uma vantagem. Se seguia sendo um estranho, ela poderia controlar seus sentimentos.

 - Sim.

O alívio que experimentou Luke foi como uma onda de ar fresco. Pôde respirar de novo. Mas sua única reação exterior foi um leve sorriso e assentir com a cabeça.

 - Esplêndido. Há certas condições.

 - Me imaginava.

 - Acredito que não serão muito onerosas para você. Este outono, levará-se a cabo um arremate importante em Washington.

 - A Coleção Clideburg, já sei.

 - Também deve saber que somente as jóias estão avaliadas em mais de seis milhões de dólares.

 - Seis milhões oitocentos mil, com uma avaliação algo conservadora.

 - Assim é. Quero as roubar.

Por um momento, ela ficou sem fala.

 - Está louco.  - Mas a excitação que apareceu em seus olhos a traiu.  - Para isso, entra no Smithsonian e tráfico de dar procuração do diamante Hope.

 - Má sorte, então.  - Mas sabia que a tinha em seu poder.  - Já tenho feito grande parte da investigação inicial. Embora ainda ficam alguns detalhes que solucionar.

 - Imagino que de tamanho atômico.

 - Um trabalho é um trabalho  - disse, citando ao Max - . Quanto maiores som as complicações, maior é também a ilusão.

 - O arremate é em outubro. Isso não nos deixa muito tempo.

 - É suficiente. Sobre tudo se anunciar em seu conferência de imprensa de amanhã que você e Calavam voltarão a trabalhar juntos.

 - E por que demônios teria que fazer isso?

 - Porque o faremos, Roxy, no cenário e fora dele.  - Tirou-a da mão e, sem emprestar atenção a sua resistência, fez-a ficar de pé. - Estritamente em trem de negócios, querida. A minha é uma volta cheia de mistério. A isso, total o ato que criaremos juntos, e faremos sensação. Temos uma tela perfeita em outubro: nossa atuação na função de ornamento antes do arremate.

 - Já assinou o contrato?

Ao Luke não importou o sarcasmo, sobre tudo quando jogava para ganhar.

 - Isso me deixe isso . Todo vai junto, Rox: a atuação, o arremate, a pedra. E quando tiver terminado os dois teremos o que queríamos.

 - Sei o que eu quero. Não estou tão segura com respeito ao que quer você.

 - Pois deveria sabê-lo - disse e a olhou aos olhos - . Soubeste-o sempre. Quero-te de volta a meu lado, Roxanne  - disse e levou a mão dela a seus lábios.  - E tive tempo mais que suficiente para pensar como conseguir as coisas que quero. Se isso te atemorizar, te abra agora.

 - Nada me atemoriza  - disse ela, liberou sua mão e levantou o queixo - . Conta comigo, Calavam. E quando o trabalho tenha concluído, farei estalar os dedos e você desaparecerá de minha vida. Isso é o que eu quero.

Ele riu e, tomando a dos ombros, atraiu-a para si com uma sacudida e lhe estampou um beijo.

 - Deus, que bom é estar de volta. Deslumbra-os na conferência de imprensa, Roxy, e lhes anuncie que voltaremos a trabalhar juntos. Depois, irei a seu suíte e começaremos a trabalhar nos detalhes da operação.

 - Não.  - Ela apoiou as duas mãos sobre o peito do Luke e o separou.  - Eu me ocuparei dos meios de imprensa e depois irei verte. te assegure de ter suficiente material para que eu siga interessada.

 - Isso lhe posso prometer isso Estou no mesmo hotel que você, só que um piso mais abaixo. Roxanne empalideceu.

 - Quanto faz que está ali?

 - Registrei-me apenas uma hora antes de seu espetáculo.  - Curioso ao ver a reação dela, perguntou:

 - por que te incomoda isso?

 - Significa que terei que revisar com mais cuidado as fechaduras de meu quarto.

 - Nenhuma fechadura poderia me deter se decidisse entrar, Rox.

 - Luke, já viu o Lily?  - Quando viu que ele negava com a cabeça, disse-lhe:  - Se quiser, trarei-lhe isso.

 - Não, hoje não.  - Em toda sua vida tinha amado só a duas mulheres. Ver as duas a mesma noite era mais do que se sentia em condições de suportar.  - Falarei com ela manhã.

E partiu, depressa e sem dizer nada mais. Roxanne não soube quanto tempo permaneceu de pé, olhando a porta que se fechou detrás dele. Não estava segura do que sentia. Sua vida se havia trastrocado por completo quando ele a deixou. Mas não acreditava que se endireitou com sua volta.

Estava cansada. Morta de cansaço. O fato mesmo de trocar-se e de ficar roupa de rua lhe pareceu um esforço sobre-humano. Seus dedos se paralisaram no fechamento dos jeans para ouvir um golpe na porta.

Se ele havia tornado, ela... Mas não. Luke não se incomodaria em chamar.

 - Sim. Quem é?

 - Sou eu, querida.  - Com os olhos brilhantes, Lily apareceu a cabeça pela porta entreaberta. Sua alegria se desvaneceu um pouco ao ver que no quarto só estava Roxanne.  - Mouse me disse... esperei tudo o que pude.

 - Entrou, e viu o caos de água e flores no piso.

 - Então é certo que está aqui! Quase não pude acreditá-lo. Onde se tinha metido? Encontrou-o bem? Onde está agora?

 - Não sei onde esteve.  - Roxanne tomou a carteira e ficou a revisar seu conteúdo para ter algo que fazer com as mãos.  - Parece estar muito bem e não tenho a menor ideia de onde está neste momento.

 - Mas... bom, quero acreditar que não se partiu de novo, não?

 - Não da forma em que pensa. aloja-se na cidade, em nosso hotel. É possível que tenhamos que falar de um negócio.

 - Negócio?  - Lily se pôs-se a rir e abraçou ao Roxanne.

 - Acredito que é de quão último vocês dois falariam. Estou impaciente por vê-lo. É um milagre.

 - Eu diria que se parece mais às sete pragas do Egito  - murmurou Roxanne.

 - Estou segura de que te deve ter explicado todo.

 - Eu não quis escutar nenhuma explicação - disse Roxanne, separou-se e tratou de não chatear-se pela fácil aceitação do Lily - . Não me importa por que se foi nem onde esteve. Esse capítulo de minha vida está definitivamente fechado.

 - Roxy...

 - Digo-o a sério, Lily.  - inclinou-se para recolher as rosas e as jogar no cesto.  - Parece que voltaremos a trabalhar juntos por um tempo. Mas isso é todo, Já não há nada pessoal entre nós. É assim como quero que sejam as coisas.

 - Talvez seja o que diz que quer. Inclusive é possível que neste momento sinta isso. Mas as coisas não são nem podem ser assim.  - Lily se ajoelhou e apoiou uma mão no ombro do Roxanne.  - Não lhe disse o do Nathaniel.

 - Não. Quando me disse que parava no hotel, ao princípio tive medo de que já soubesse. Mas não sabe.

 - Querida, tem que dizer-lhe

 - por que?

 - Luke tem direito...

 - Seus direitos terminaram faz cinco anos. Agora todos os direitos são meus. Nathaniel é meu. Maldição, Lily, não me olhe assim.  - ficou de pé de um salto para escapar a esse olhar.  - O que lhe deveria haver dito? Ah, de passagem, Calavam, alguns meses depois de seu partida, dava a luz a seu filho. parece-se com você. É um grande menino. Em algum momento lhe apresentarei isso.  - levou-se a mão à boca para reprimir um soluço.

 - Não, Roxy.

 - Não chorarei  - disse e sacudiu a cabeça quando Lily a rodeou com os braços - . Jamais chorei por ele. Nenhuma sozinha vez. E não começarei a fazê-lo agora.  - Mas deixou que Lily a consolasse. -  O que poderia lhe dizer ao Nate, Lily? Se dito lhe falar com o Luke sobre o Nathaniel, será no momento e lugar que eu escolha.  - Agarrou ao Lily pelos ombros.  - Quero que me prometa que não lhe dirá nada.

 - Não o direi, se você me promete fazer o adequado.

 - Isso intento. Que tal se vamos daqui? foi um dia muito longo.

Horas mais tarde, Roxanne estava de pé junto à porta do quarto onde dormia seu filho. As sombras começavam a desvanecer-se, a empalidecer e a converter-se em um cinza perolado para o amanhecer. Escutou a respiração do Nathaniel. Seu filho, seu milagre, sua magia mais potente. Pensou no homem que dormia em uma residência, um piso mais abaixo, o homem que tinha contribuído a criar essa vida.

Recordou o assustada que estava quando se sentou frente a seu pai e ao Lily e lhes anunciou que estava grávida. A força com que Max a tinha abraçado. o muito que todos a apoiaram, incluindo mouse e LeClerc. Os escarpines que Lily lhe teceu e a surpresa que Mouse lhe deu ao empapelar o quarto para o pequeno, e o leite que LeClerc a tinha obrigado a tomar.

O dia em que pela primeira vez sentiu ao bebê mover-se dentro dela. Esteve a ponto de chorar, mas conseguiu deter as lágrimas. Roupa de maternidade, tornozelos inchados. Essa primeira patada de seu filho que despertou de um sonho profundo. E sempre essa diminuta semente de esperança plantada no mais fundo de seu ser, de que Luke retornaria antes do nascimento de seu filho.

Mas não voltou. Ela teve dezoito horas suarentas de trabalho de parto, por momentos aterrada e por momentos maravilhada. Tinha visto seu filho lutar por abandonar sua matriz, tinha-lhe escutado seu primeiro pranto indignado.

Cada dia e todos os dias ela o tinha cuidadoso e amado descobrir em seu rosto a imagem do Luke.

Tinha observado como crescia seu filho, e como seu próprio pai era devorado por uma enfermidade contra a que ninguém podia lutar. Sentiu a solidão. Não importa quanto carinho recebia de sua família, ninguém a esperava quando voltava para sua casa. Não encontrava braços nos quais refugiar-se quando chorava porque seu pai não a reconhecia mais.

Já não havia ninguém para protegê-la e velar a seu filho quando amanhecia.

 

Lily se esponjou o cabelo, verificou a estado de sua maquiagem no espelho da caixa de pó e ensaiou um sorriso luminoso e cordial. Jogou para trás os ombros e entrou todo o possível a barriga que, embora detestava reconhecê-lo, começava a converter-se em um pequeno problema. Só então ficou suficientemente satisfeita com seu aspecto para bater na porta da suíte do Luke.

disse-se que não era uma deslealdade para com o Roxanne:

o que faria seria só saudá-lo e, já que estava, talvez lhe diria o que pensava de sua conduta. Mas de maneira nenhuma o sua era uma deslealdade, embora seu coração quase estalava de alegria por ver de novo a seu moço.

Além disso, tinha esperado a que Roxanne baixasse para sua conferência de imprensa.

Quando ouviu que abriam a porta, já se tinha comido a maior parte do lápis de lábios. Conteve o fôlego, alargou seu sorriso e ficou olhando com surpresa a esse homem petiso e de cabelo escuro que apareceu do outro lado. O também a olhou, mas através de uns óculos com armação prateado e cristais de vários centímetros de espessura. Lily pensou que, por trocado que estivesse Luke, não era possível que sua estatura tivesse diminuído quinze centímetros.

 - Sinto muito. Devo me haver equivocado de quarto.

 - Lily Bate!  - de repente Lily descobriu que essa pessoa lhe espremia a mão com entusiasmo.  - Reconheceria-a em qualquer parte. É você muito mais bonita que sobre o cenário.

 - Obrigado  - disse ela - , mas me temo que confundi o número de residência.

Mas não lhe soltou a mão e empregou a outra para subi-los óculos que começavam a deslizar-se por seu proeminente nariz aquilino.

 - Sou Jake. Jake Finestein.

 - Um gosto conhecê-lo  - disse ela, tratou de liberar sua mão e olhou por sobre o ombro com a esperança de que alguém fosse em sua ajuda se ficava a gritar.

 - Lamento havê-lo incomodado, senhor Finestein.

 - Por favor, me chame Jake. O espetáculo de ontem à noite foi maravilhoso  - disse ele com um enorme sorriso.

 - Muitíssimas obrigado. me perdoe, mas estou algo apurada.

 - Mas seguro que tem tempo para uma taça de café  - disse ele.

 - Seriamente, não posso...

 - Jake, deixa de falar só. Tira-me das casinhas.

 - Com o cabelo jorrando água da ducha, Luke saiu do dormitório abotoando-a camisa. freou-se em seco, e a expressão de irritação de sua face se permutou em surpresa.

 - Para que falar só quando se tem a uma mulher formosa diante? Dizia ao Lily que passasse e tomasse um café conosco.

 - Eu... acredito que um café me viria bem  - conseguiu dizer Lily.

 - Esplêndido. Servirei-lhe uma taça. Creme? Açúcar?

 - Sim, obrigado.  - Dava-lhe quão mesmo Jack lhe servisse azeite para motores; só tinha olhos para o Luke.

 - Está estupendo.  - Teve que pigarrear para dissimular o pranto que lhe fechava a garganta.  - Sinto interromper seu café da manhã.

 - Não é problema. Que bom verte.  - Foi uma resposta tão odiosamente cortês. Quão único Luke queria era ficar ali de pé e olhá-la e comer-lhe com os olhos: essa face bonita e ridiculamente juvenil, esses aros absurdos que penduravam de suas orelhas, o perfume do Chanel que já alagava a residência.

 - Sinta-se, sinta-se  - disse Jake enquanto fazia gestos empolados em direção à mesa. Luke o olhou.

 - Desaparece, Jake.

 - Já vou, já vou. Procurarei minha câmara e sairei a tomar fotografias como se fora um turista qualquer. Senhora Lily...  - Voltou a tomar a mão e a oprimir-lhe

 - Um prazer, um verdadeiro prazer.

 - Obrigado.

Jake lançou ao Luke um último olhar intencionado, dirigiu-se ao segundo dormitório e fechou a porta detrás dele.

 - É um homem muito agradável.

 - É uma lata, mas acostumei a ele.  - Nervoso como um menino em seu primeira encontro, meteu-se a mão nos bolsos.  - Sente-se.

 - Não quero te roubar muito tempo.

 - Lily, por favor.

 - Talvez só um pouco de café.  - obrigou-se a sentar-se e a manter o sorriso. Mas a taça se sacudiu no pires quando ela a levantou.  - Não sei o que te dizer. Suponho que queria saber se estava bem.

 - Estou bem.  - O também se sentou, mas comprovou que tinha perdido o apetite. limitou-se a uma taça de café negro.  - E você? Roxanne... bom, não estava ontem à noite de humor para me falar de ninguém.

 - Estou mais velha  - disse Lily, em um frágil intento de manter a conversação em um tom alegre.

 - Não o parece  - disse ele e a olhou, enquanto tentava lutar contra as emoções que ameaçavam alagando  - . Não o parece absolutamente.

 - Sempre soube o que lhe dizer a uma mulher. Deve ser o sangue irlandesa que tem.  - Respirou fundo e prosseguiu.  - LeClerc está bem, embora um pouco mais louco que de hábito. Mouse se casou. Sabia?

 - Mouse? Casado?  - exclamou Luke e soltou uma gargalhada - . Como foi isso?

 - Alice veio A... a trabalhar conosco  - disse Lily com cautela. Não podia dizer que Roxanne a tinha contratado para que cuidasse do Nathaniel.  - É uma moça inteligente e doce, e ficou deslumbrada com Mouse. Demorou dois anos em conquistá-lo. Não sei quantas horas se passou ajudando-o a reparar motores.

 - Tenho que conhecê-la.  - fez-se um silêncio incômodo.  - O que pode me dizer do Max?

 - Que não melhorará  - respondeu ela e voltou a levantar sua taça de café - . Sua mente se foi a um lugar onde nenhum de nós pode chegar. Não quisemos... não pudemos interná-lo em uma instituição para doentes mentais, assim que o estamos cuidando em casa. Não pode fazer nada por si mesmo. Isso é o pior, vê-lo tão impotente. É muito duro para o Roxanne.

 - E o que me diz de você?

Lily apertou os lábios. Quando falou, sua voz soou firme e parceira.

 - Max se foi. Quando o olho aos olhos, não o encontro. OH, sim, sigo me sentando junto a seu corpo, alimento-o e o limpo, mas tudo o que ele foi já morreu. E seu corpo aguarda o momento de reunir-se com seu espírito. De modo que para mim é um pouco menos duro. Eu já tenho feito meu duelo.

 - Tenho que vê-lo, Lily  - disse ele e sentiu a imperiosa necessidade de tocá-la, mas não o fez - . Sei que é provável que Roxanne se oponha, mas preciso vê-lo.

 - Perguntou muitíssimas vezes por você.  - Não pôde evitar que em suas palavras houvesse uma mescla de recriminação e de pena.  - Max esquecia que não estava aqui, e perguntava por você.

 - Sinto muito  - disse ele e lhe pareceu uma resposta lamentável.

 - Como pôde fazê-lo, Luke? Como pôde ir sem dizer uma sozinha palavra e destroçar tantos corações?  - Ao ver que ele se limitava a sacudir a cabeça, separou-se a vista.  - Agora a que o lamento sou eu  - disse, muito dura - . Não tenho direito a te interrogar. Sempre teve liberdade de ir e vir a seu desejo.

 - Um golpe direto ao coração - murmurou ele - . Muito mais preciso que tudo o que Rox me disse ontem à noite.

 - Ela te amou sempre, desde que era pequena. Confiou em você, igual a todos nós. Pensamos que te tinha ocorrido algo espantoso. Estávamos seguros de que era assim até que Roxanne voltou do México.

 - Um momento  - disse ele, tomou a mão e a apertou fortemente - . Ela foi ao México?

 - Rastreou-te até lá. Mouse a acompanhou. Não tem idéia do estado em que se encontrava.  - Lily conseguiu liberar sua mão e ficou de pé. -  Foi te buscar, temerosa de que estivesse morto ou doente ou só Deus sabe o que. Até que encontrou seu avião e o homem ao que o vendeu. Então soube que não queria que ela te encontrasse. Maldito seja, Luke, acreditei que Roxanne não conseguiria sobrepor-se nunca. me diga que teve amnésia. me diga que recebeu um golpe na cabeça e que se esqueceu de nós e de todo. Pode me dizer isso?

 - Não.

Lily chorava agora, e enormes lágrimas silenciosas lhe rodavam pelas bochechas.

 - Não posso te dizer isso, e não posso te pedir que me perdoe. Quão único sim posso te dizer é que fiz o que era melhor para todos. Não tive outra opção.

 - Não teve outra opção? Não pôde nos avisar que estava vivo?

 - Não.  - Tomou um guardanapo e ficou de pé para lhe secar as lágrimas.  - Pensei em vocês todos os dias. Durante o primeiro ano, despertava de noite pensando que estava em casa, e então a realidade me atingia. E procurava uma garrafa para substituir ao Roxanne. Desejava estar morto. Oxalá tivesse podido deixar de necessitar a minha família. Tive que esperar doze anos para encontrar a minha mãe, e não quero passar o resto de minha vida sem ela. me diga o que tenho que fazer para te convencer de que me dê outra oportunidade.

Lily fez quão único podia fazer: abriu os braços e o envolveu, e o balançou e o acariciou quando ele enterrou

a face em seu cabelo.

 - Agora já está de volta em casa  - murmurou - . Isso é quão único importa.

 - Senti saudades. Deus santo, como senti saudades.

 - Já sei.  - Lily se sentou e deixou que ele apoiasse a cabeça sobre sua saia.  - Não quis te gritar, querido.

 - Pensei que não quereria ver-me. Não te mereço.

 - Não diga tolices  - disse ela e o abraçou forte - . Contará-me isso em algum momento, verdade que sim?

 - Quando quiser.

 - Mais adiante. Agora quero te olhar bem.  - Separou-o um pouco e o observou.  - Encontro-te bem.  - Passou-lhe os dedos pela face.  - Talvez um pouco mais fraco, um pouco mais robusto.  - Com um suspiro, beijou-o na bochecha e depois tratou de lhe tirar a marca do lápis de lábios com o polegar.  - De menino foi precioso, o menino mais lindo do mundo.  - Ao vê-lo fazer uma careta, ela se pôs-se a rir.  - Ainda faz magia?

 - Isso me manteve vivo.  - Tomou ambas as mãos e as levou aos lábios. Alagou-o uma mescla de vergonha e gratidão. Tinha tentado preparar-se para sua irritação, para o frio de seu ressentimento, inclusive para seu desinteresse. Mas não tinha defesas para a perseverança de seu afeto.  - Via-te formosa ontem à noite. Verte a você e ao Roxanne sobre o cenário me deu a sensação de que todos estes anos não tivessem existido.

 - Mas existiram.

 - Assim é.  - Luke ficou de pé, mas sem lhe soltar a mão.  - E não tenho um sortilégio para fazê-los desaparecer. Mas há coisas que posso fazer para tratar de reparar o ocorrido.

 - Ainda a amas.

Quando ele se encolheu de ombros, ela sorriu, ficou de pé e lhe rodeou a face com as mãos.

 - Ainda a amas  - repetiu - . Mas terá que ter algo mais que uma série de truques para voltar a ganhar seu coração. Não é uma flojona como eu.

 - No parque havia um cão grande. Dourado. Que fez pis em todas as árvores.

Roxanne abraçou a seu filho sobre sua saia, e riu enquanto lhe contava suas aventuras da manhã.

 - Posso ter um cão? Eu lhe ensinarei a se sentar e a dar a pata e a fazer o morto.

 - E a fazer pis nas árvores?

 - Sim  - respondeu ele com um grande sorriso, girou e a abraçou.

Vá se souber como seduzir, pensou Roxanne. de repente ela o apertou contra seu corpo e teve que fechar forte os olhos para frear as lágrimas. Não sabia bem por que tinha vontades de chorar, e tampouco queria averiguar o motivo. O único importante era que tinha a seu filho entre seus braços.

 - Será melhor que vás lavar te as mãos. Eu tenho que sair.

 - Disse que iríamos ao zoológico.

 - E o faremos.  - Beijou-o, e o parou no piso.  - Estarei de volta dentro de uma hora, e depois iremos ver quantos macacos se parecem com você.

O se afastou correndo. Roxanne se inclinou para recolher os automóveis em miniatura, os hombrecitos de plástico e os livros de desenho que estavam disseminados pelo tapete.

 - Alice? Eu vou. Voltarei dentro de uma hora.

 - Tome seu tempo  - cantarolou Alice, fazendo rir ao Roxanne.

A doce, confiável e inconmovible Alice, pensou. Deus sabia que jamais poderia ter seguido trabalhando sem a ajuda permanente da Alice.

E pensar que tinha estado a ponto de descartá-la por seu aspecto frágil e seu vocecita. Mas depois de entrevistar a uma legião de possíveis babás, foi a mesma Alice a que convenceu ao Roxanne de que Nathaniel estaria a salvo e feliz a seu cuidado.

Tinha algo nos olhos, pensou agora Roxanne enquanto se dirigia ao vestíbulo. Esse cinza pálido e quase translúcido, e essa silenciosa bondade. O praticamente do Roxanne quase a tinha feito inclinar-se por postulantes mais experimentadas, mas Nate sorriu a Alice desde seu berço, e isso foi definitorio.

Assim Alice formou parte da família. Esse sorriso único de um bebê de seis meses tinha agregado um elo mais à corrente dos Nouvelle.

Roxanne optou pela escada e baixou um lance para enfrentar-se a outro elo. O elo perdido, pensou com maldade ao atingir a porta da suíte do Luke.

 - Pontual como sempre  - comentou Luke ao abrir a porta.

 - Só tenho uma hora, assim não percamos tempo.

 - Uma encontro de amor?

Ela pensou em seu filho e sorriu.

 - Sim, e não quero fazê-lo esperar.  - Escolheu uma cadeira, sentou-se e cruzou as pernas.  - Ouçamos seus planos, Calavam.

 - Como você diga, Nouvelle.  - Viu uma careta nos lábios do Roxanne, que em seguida ela transformou em sorriso.  - Quer um pouco de vinho antes do almoço?

 - Nada de vinho e nada de almoço  - disse ela - . Escuto-te.

 - Primeiro me diga como encarou a conferência de imprensa.

 - No que a você concerne?  - Roxanne arqueou uma sobrancelha e se tornou para trás.  - Disse-lhes que faríamos uma apresentação juntos e que esteve viajando pelo mundo para aprender os secretos dos maias, os mistérios dos astecas e a magia dos druidas.  - Sorriu.  - Espero que esteja à altura de minhas palavras.

 - É obvio.  - Tomou um par de esposas de aço da mesinha de café e ficou a brincar com elas.  - Não exagerou. Aprendi uma série de coisas.

 - Como por exemplo?  - perguntou ela quando lhe aconteceu as esposas para que as revisasse.

 - Como atravessar paredes, fazer desaparecer a um elefante, subir por uma coluna de fumaça. Em Bangkok escapei de um baú tachonado com pregos. E me levei um rubi grande como seu polegar. No Cairo foi uma caixa de vidro inundada no Nilo... e esmeraldas quase tão verdes como seus olhos.

 - Fascinante  - disse ela e bocejou enquanto lhe devolvia as esposas. Não tinha encontrado nelas nenhum truque.

 - Passei quase um ano na Irlanda, em castelos enfeitiçados e botequins cheias de fumaça. Ali encontrei algo que jamais achei em nenhuma outra parte.

 - O que?

 - Poderia dizer que minha alma.  - Olhou-a enquanto fechava as esposas em seus próprios punhos.  - Impressionou-me profundamente a Irlanda, as colinas, as cidades, até o ar. O único outro lugar que me fez um efeito parecido foi Nova Orleáns.  - Atirou de seus dois punhos até que as esposas se fecharam com um ruído metálico. - Mas isso pode ter sido porque você estava ali. Imaginei lá na Irlanda, tabulé que lhe fazia o amor em um desses campos verdes.

Ela não podia se separar seus olhos dos seus, nem da imagem que com tanta habilidade tinha conjurado. Sua magia era tal que ela quase os via os dois tombados sobre o pasto, rodeados pela névoa. Virtualmente podia sentir suas mãos que lhe esquentavam a pele e a acendiam toda.

cravou-se as unhas nas Palmas das mãos e se separou a vista.

 - Um truque muito hábil, Calavam. Prova-o com alguém que não te conheça tanto como eu.

 - É uma mulher dura, Roxy.  - Levantou as esposas de um extremo e as deixou cair sobre a saia do Roxanne. Sentiu certa satisfação quando a viu sorrir.

 - Já vejo que nisso tampouco perdeste seu toque. Mas há algo que não entendo. Se tiver estado exercendo seu profissão com tanto êxito durante estes anos, por que não ouvi nada de você?

 - Bom, acredito que sim.  - ficou de pé para responder ao batido na porta e lhe disse com ar casual:

 - Suponho que ouviu falar do Fantasma...

 - Ele...  - Roxanne se mordeu a língua quando o garçom de serviço entrou empurrando um carrinho. Esperou a que colocasse todo o necessário para o almoço na mesa e Luke assinasse a adição. É obvio que tinha ouvido falar do Fantasma, esse mago estranho e inimigo da publicidade que aparecia em todos os cantos do mundo e desaparecia com a mesma facilidade.

 - Ordenei a comida para você  - disse Luke enquanto se sentava frente à mesa - . Acredito recordar seus gostos.

 - Já te disse que não tenho tempo para almoçar.

 - Mas a curiosidade a fez aproximar-se. Asas de frango à churrasqueira. O coração lhe bateu rápido. perguntou-se como o teria obtido pois não figurava no menu do hotel.

 - Já não eu gosto  - disse ela e se teria dado meia volta, mas lhe agarrou uma mão.

 - Sejamos civilizados, Rox.  - Fez aparecer uma rosa no ar e a ofereceu.

Ela tomou, mas não quis deixar-se seduzir.

 - Até aqui chegamos.

 - Se não querer comer comigo, considerarei que é porque o menu te recorda nossa parceira. Pensarei também que segue apaixonada por mim.

Roxanne se separou e arrojou a rosa sobre a mesa. Sem incomodar-se em sentar-se, tomou uma presa de frango e lhe pegou uma dentada.

 - Satisfeito?

 - Isso não foi nunca um problema para nós.  - Sorrindo, entregou-lhe um guardanapo.  - Se se sinta te sujará menos.  - Levantou as duas mãos.  -  te tranqüilize. Não tenho nada na manga.

 - Assim foi o Fantasma. Confesso que não estava segura de que realmente existisse.

 - Isso foi o melhor. Usava uma máscara. Mas suponho que não te interessa que conte por onde andei nem o que fiz.

 - Voltemos então para presente. Quais são os planos?

 - Faremos as três coisas em uma noite: a atuação, o arremate e o golpe. Ela levantou as sobrancelhas.

 - Algo ambicioso, não?

 - A atuação é a tela para o arremate  - disse ele, mostrou-lhe a palma da mão vazia, girou a mão e fez dançar um rublo por seus dedos - . E o arremate é a cortina de fumaça para o trabalho no do Wyatt.  - O rublo desapareceu. depois de estalar os dedos, deixou cair três moedas na taça do Roxanne.

 - Um velho truque, Calavam.  - Disposta a entrar no jogo, ficou as moedas em uma mão.  - Tão pouco original como seus palavras.  - Com um floreio, girou a palma e mostrou que as moedas se converteram em pequenas bolas de prata.  - Isso não me impressiona.

 - O que te parece isto? depois de nossa atuação, une às luminárias para o arremate. É uma convidada importante, e está impaciente por fazer ofertas por alguns lotes.

 - E você onde está enquanto isso?

 - me ocupando de alguns detalhes no teatro, mas depois me reunirei contigo. Você faz ofertas contra certo cavalheiro por um anel <o esmeraldas, mas ele consegue te superar.

 - E o que passará se outros assistentes têm interesse também nesse anel?

 - Qualquer seja a oferta, ele a superará. É francês, rico e romântico, e quer esse anel para sua noiva. Mais alors, quando examina o anel, como o faria qualquer francês com praticamente, descobre que é uma imitação.

 - O anel é falso?

 - O anel e várias das outras jóias.  - Entrelaçou as mãos e apoiou o queixo sobre elas. Em seus olhos apareceu esse velho brilho de picardia que quase fez sorrir ao Roxanne.  - Porque, querida minha, nós teremos feito a mudança antes do amanhecer. E enquanto Washington e seu eficiente força policial se concentram nesse audaz roubo de vários milhões de dólares em jóias, nós iremos a Maryland e o sustraeremos ao aspirante a senador a pedra filosofal.

Havia algo mais, algo muito importante por certo, mas ele iria dizendo com o mesmo cuidado com que tinha preparado a cena que se estava desenvolvendo essa noite ali.

 - -Interessante  - disse ela entre bocejos, embora realmente se sentisse fascinada - . Há só um pequeno detalhe que não alcanço a entender.

 - Qual?

 - Como demônios faremos para nos colocar em uma galeria de arte bem vigiada?

 - Da mesma maneira que conseguimos nos introduzir em uma casa dos subúrbios, -Roxy. Com habilidade e perícia. Acredito que também nos ajudará o fato de que eu tenho o que poderíamos chamar uma arma secreta.

 - Uma arma secreta?

 - Ultrasecreta.  - Tomou uma mão antes de que ela pudesse impedir-lhe e a levou aos lábios.

 - Recorda o dia que fizemos um picnic? Que nos recostamos sobre o tapete e nos colocamos a escutar o ruído da chuva? Acredito que comecei a te mordiscar os dedos dos pés e segui avançando para cima.

 - Não, não o recordo  - disse ela, com o pulso aceleradísimo - . estive em tantos picnics.

 - Então te refrescarei a memória. Compartilhamos esta mesma comida.  - ficou de pé e a levantou com suavidade.  - Pelas janelas corria a chuva, havia pouca luz. Quando te toquei tremeu, igual a treme neste momento.

 - Não é verdade.  - Mas o era.

 - E te beijei. Aqui.  - Roçou-lhe a têmpora com os lábios.

 - E aqui.  - No queixo.  - E depois...  - interrompeu-se e lançou uma imprecação quando ouviu que uma chave girava na fechadura,

 - Que cidade!  - disse Jake ao entrar, carregado com uma série de bolsas de compras - . Poderia me passar aqui uma semana.

 - Tenta-o em outro momento  - murmurou Luke.

 - Caramba, parece que interrompo.  - Com um sorriso, apoiou as bolsas no chão e cruzou a residência para tomar a mão do Roxanne. -  Tinha muitíssimas vontades de conhecê-la. Ontem à noite tivesse ido saudar a ao camarim, mas acredito que isso me haveria flanco a vida. Sou Jake Finestein, o sócio do Luke.

 - Sócio?

 - Roxanne, ele é nossa arma secreta.  - Vexado, Luke se sentou e se serve mais vinho.

 - Estraga  - disse ela, mas sem ter idéia do que acontecia.  - E qual é exatamente seu secreto, senhor Finestein?

 - Jake.  - Deu um rodeio e se serve uma das asas de frango.  - Luke ainda não o contou? Poderia dizer-se que sou algo assim como um underkind.

 - Um idiotsavant  - corrigiu-o Luke e fez que Jake se riera com vontades.

 - Está zangado, isso é todo. Acreditou que você cairia em seus braços. O tipo é bastante bom ladrão, mas não sabe nada de mulheres.

 - Acredito que seu amigo me cai simpático, Calavam  - disse Roxanne com um autêntico sorriso nos lábios.

 - Eu não diria que é meu amigo, mas sim mas bem um espinho em meu flanco, piedritas em um sapato.

 - Uma mosca em sua sopa  - disse Jake, piscou os olhos um olho e se calçou melhor os óculos - . , Suponho que não lhe mencionou como lhe salvei a vida na Niza.

 - Não, não o fez.

 - Quase me matou  - assinalou Luke.

 - Já sabe como se distorcem as coisas com o passo dos anos  - disse Jake e se serve vinho - . Bom, o certo é que, depois de conhecê-lo, inteiro-me de que Luke é um mago, e ele de que eu sou aos computadores o que Joe dava Maggio é ao beisebol. Não há sistema que resista. É um dom. Só Deus sabe de onde me veio. Meu pai tinha uma padaria kosher no Bronx e teve problemas com uma registradora. A mim, me dêem um teclado e estou no sétimo céu. De modo que uma coisa levou a outra, e nos associamos.

 - Jake estava na Europa, fugindo de um pequeno problema de falsificação.

 - Um leve engano de cálculo  - disse Jake, mas as bochechas lhe acenderam - . Os computadores são minha paixão, senhorita Roxanne, mas a falsificação é minha arte. Por desgraça, apurei-me muito e tive que fugir.

 - Passa nas melhores famílias  - assegurou-lhe Roxanne e se assegurou sua gratidão eterna.

 - Uma mulher pormenorizada é um bem mais precioso que os rubis.

 - Pois comigo não o foi tanto.

 - Mas o que acontece, Callahan, é que Jake me cai bem. Dou por sentado que sua habilidade com os computadores nos permitirá entrar apesar dos sistemas de segurança.

 - Ainda não se inventou um sistema de segurança que possa me deter. Farei-os entrar, senhorita Roxanne, e depois sair. Quanto ao resto...

 - Demos um passo por vez  - interrompeu-o Luke - . Temos muito trabalho por diante, Rox. Sente-se capaz de fazê-lo?

 - É obvio que sim, Calavam.  - Olhou ao Jake com um sorriso.  - esteve alguma vez em Nova Orleáns?

 - É um desejo que estou impaciente por concretizar.

 - Nós voamos por volta de lá amanhã. Eu gostaria que fora para jantar a casa quando o considerar conveniente.  - Olhou por um instante ao Luke.  - Suponho que pode trazer para seu sócio.

 - Prometo mantê-lo sob controle.

 - Estou segura.  - Tomou a taça do Luke e a chocou contra a do Jake.  - Acredito que isto é o começo de uma relação formosa.  - Bebeu um sorvo antes de se separar a taça.  - Terão que me desculpar. Tenho um compromisso. Esperarei a ter notícias de vocês.

 

Jake se levou uma mão ao coração quando Roxanne fechou a porta depois de partir.

 - Que mulher!

 - aproxima-lhe isso um milímetro e no futuro te alimentará por uma pajita.

 - Acredito que eu gostou.

 - Controla seus glândulas, Finestein e vá procurar seus ferramentas. Vejamos como pode te aproximar da assinatura do Wyatt.

 - Nem seu banqueiro poderá notar a diferença, Luke. Confia em mim.

 

Era, possivelmente, o papel mais difícil que teve que representar em sua vida. Por certo, o mais importante. Dando um rodeio no trajeto entre Washington D.C. e Nova Orleáns, Luke chegou à propriedade do Wyatt no Tennessee com um chapéu na mão e vingança no coração.

Sabia que devia humilhar-se, suplicar, mostrar-se atemorizado. Talvez fora uma afronta a seu amor próprio, mas a segurança dos Nouvelle era mais importante que seu orgulho. De modo que usaria uma máscara; não no sentido literal como a que levasse durante os últimos cinco anos, a não ser uma que conseguisse persuadir ao Sam Wyatt de aceitar a volta do Luke. Pelo menos em forma transitiva.

Só necessitava alguns meses, depois teria tudo o que desejava. Ou não teria nada.

Bateu na porta e esperou. Quando a empregada de uniforme abriu, Luke baixou a cabeça e tragou forte.

 - Eu, bom, o senhor Wyatt me espera. Sou Callahan. Luke Callahan.

Ela assentiu e o conduziu pelo vestíbulo que ele recordava, ao escritório em que ele tinha presenciado um assassinato e padecido, de algum jeito, também sua própria morte.

Como cinco anos antes, Sam se encontrava sentado detrás de seu escritório. Esta vez, além dos móveis elegantes, havia um enorme póster dê a campanha política apoiado sobre um estante. Em grandes letras com beira vermelha e azul, dizia:

SAM WYATT PARA o Tennessee SAM WYATT PARA OS Estados Unidos Sam não tinha trocado muito. Só algumas fios cinzas nas têmporas e leves enruga junto aos olhos quando sorria. E Sam o fazia e muito. Como uma aranha, pensou Luke, ao observar que uma mosca lutava com desespero por escapar de seu tecido.

 - Vá, vá, a volta do filho pródigo. Pode retirar-se  - disse-lhe à empregada. Depois se tornou para trás, sem deixar de sorrir, quando a porta se fechou.

 - Calavam... te vê muito bem.

 - E você parece ter alcançado o êxito.

 - Assim é. Devo confessar que seu chamado de ontem me surpreendeu muitíssimo. Não acreditei que te animasse a fazê-lo.

Luke endireitou os ombros no que sabia daria a impressão de um intento lastimoso de jactância.

 - Tenho uma proposição para você.

 - Sou todo ouvidos.  - Rendo, Sam ficou de pé.

 - Suponho que deveria te oferecer uma taça.  - Foi para onde estava o garrafão com conhaque.  - Pelos velhos tempos.

Luke olhou a taça que lhe ofereciam.

 - Realmente não acredito que...

 - O que te passa, Calavam? Já não você gosta do conhaque? Não se preocupe.  - Sam fez um brinde e depois bebeu um bom gole.  - Esta vez não faz falta que lhe coloque algo a seu bebida para te obrigar a fazer o que eu quero. Sente-se.  - Era uma ordem, como a que o amo reparte a seu cão. Enquanto o sangue lhe ardia nas veias, Luke obedeceu.  - Agora bem... O que te fez pensar que eu te permitiria voltar?

 - Pensei...  - Luke bebeu um gole para reunir coragem.  - Esperava que tivesse passado suficiente tempo.

 - Nada disso. Entre você e eu nunca pode haver suficiente tempo. Possivelmente não me expressei com claridade... quando foi? Faz cinco anos. Aqui mesmo, neste quarto, recorda? Não é interessante?

dirigiu-se ao ponto exato em que Cobb tinha caído e se sangrou. O tapete era novo. Uma antigüidade italiana comprada com dinheiro de sua esposa.

 - Suponho que não terá esquecido o que ocorreu aqui.

 - Não.  - Luke apertou os lábios e desviou o olhar.

 - Não, não o esqueci.

 - Acredito te haver dito exatamente o que pensava fazer se retornava. O que passaria a você e o que passaria aos Nouvelle. Também é possível que, depois de uma separação tão prolongada, os Nouvelle já não lhe fascinem. Que não te importe se eu envio ao cárcere ao velho ou, melhor, a toda a família. Incluindo a mulher que alguma vez amou.

 - Não quero que os passe nada. Não é necessário que te vingue neles.  - Para serenar sua voz tremente, Luke bebeu outro gole. Um conhaque excelente, pensou. Uma pena que não pudesse dar o luxo de desfrutá-lo.  - Só quero que me dê a oportunidade devolver a casa... só por um tempo.  - E adicionou:

 - Sam, Max está muito doente. É possível que não dure muito. Só te peço que me deixe acontecer perto de um mês com ele.

 - Que comovedor - disse Samy voltou a instalar-se detrás de seu escritório. Abriu uma gaveta e tirou um cigarro. No clima político desse momento, fumar era um ponto em contra, por isso só se permitia cinco por dia, e sempre em privado. Talvez estivesse ganhando nos sondagens de opinião, mas não queria arriscar sua imagem.  - De modo que quer estar um tempo junto ao velho, enquanto ele morre.  - Acendeu o cigarro e aspirou uma baforada de fumaça.  - por que teria que me importar isso ?

 - Já sei... não esperava que te importasse. Mas como seria por um lapso tão curto. Um par de meses.

 - Luke levantou a vista, e sua expressão foi de súplica.

 - Não vejo por que isso poderia ser importante para você.

 - Equivoca-te. Tudo o que se refere a você e aos Nouvelle é importante para mim. Sabe porquê?

 - perguntou com um grande sorriso - . Porque nem você nem nenhum de vocês souberam reconhecer o que eu era, minhas possibilidades. Tomaram por lástima e me jogaram na rua com asco. Estavam convencidos de ser melhores que eu. Eram ladrões comuns, mas se consideraram superiores a mim.

O velho rancor se avivou e quase o abafou. Foi o ódio o que lhe permitiu seguir falando.

 - Mas não o eram  - prosseguiu - . Você ficou sem lar e inclusive sem pátria, e os Nouvelle têm que carregar com um velho que nem sequer recorda como se chama. Mas eu estou aqui, Callahan. Sou rico e admirado, triunfei e estou caminho ao topo.

Luke teve que recordar o plano que estava seguindo, os resultados a longo prazo, a satisfação de dar um golpe inteligente. Do contrário se teria levantado de um salto e apertado as mãos ao redor do pescoço do Sam. Porque parte do que Sam acaba de dizer era certo: ele já não tinha lar, e Max tinha perdido sua identidade.

 - Você tem tudo o que quer  - disse Luke e manteve os ombros caídos - . Eu só te peço algumas semanas.

 - Acredita que ao velho só lhe falta tão pouco?  - Sam suspirou e bebeu o que ficava em sua taça.  - Uma pena. Em realidade espero que ainda viva um tempo, a maior quantidade de tempo possível, em estado vegetativo, lhe destroçando o coração a sua família.              

de repente sorriu, o sorriso estudado de um político capaz de seduzir aos votantes.

 - Sei todo com respeito à enfermidade do Alzheimer. mais do que imagina. Inspirado pelo mal que aflige ao Max, parte de minha campanha política se centrou em escutar às famílias que têm que cuidar e alimentar a seres amados cuja mente é como um nabo. Ah!  - pôs-se a rir ao ver o brilho que apareceu nos olhos do Luke - . Vejo que isso te ofende. É um insulto a seu sensibilidade. Bom, me permita que te diga uma coisa, Calavam. Maximillian Nouvelle e os que estão como ele me importam um corno. Os nabos não votam. Mas não se preocupe, quando me escolherem senador seguiremos com a... ilusão  - disse, desfrutando da ironia de suas palavras - . Seguiremos fazendo promessas... inclusive é possível que cumpramos algumas delas... a respeito das investigações relativas a essa enfermidade e aos recursos para as subsidiar, porque sei como fazer projetos a longo prazo.

Sua voz se feito mais potente, como a de um evangelista empenhado em salvar almas. Luke o observou em silêncio.

 - Mas suponho que não lhe interessam a política nem o destino de uma nação. Seus interesses são mais pessoais.

 - ganhei algo de dinheiro nos últimos anos. Pagarei-te, darei-te o que queira por algumas semanas com o Max e os Nouvelle.

 - Dinheiro?  - Divertido, Sam jogou a cabeça para trás e lançou uma gargalhada.  - Tenho o aspecto de necessitar dinheiro? Tem idéia dos recursos que cobrança todos os meses em contribuições para minha campanha? além do que tenho graças a minha preciosa esposa.

 - Mas se tivesse mais poderia incrementar seu campanha televisiva ou o que te pareça, para te assegurar o êxito na escolha.

 - Triunfarei  - saltou Sam - . Quer ver as cifras? O povoado deste estado me quer. Querem ao Sam Wyatt. Estou ganhando  - disse e atingiu as mãos sobre o escritório.

 - um milhão de dólares  - disse Luke - . Sem dúvida te viria bem um milhão de dólares para te assegurar a escolha. Em troca, eu só quero um pouco de tempo. Depois voltarei a desaparecer. Embora queria ficar, Roxanne não me permitiria isso.  - Inclinou a cabeça, com o gesto de um homem derrotado.  - ocupou-se de deixá-lo bem em claro.

 - Ah, sim?  - Sam tamborilou os dedos sobre o escritório. serenou-se. Sabia o importante que era conservar a calma. Tão importante como tirar partido das vantagens que se apresentavam.  - De modo que a viu.

 - Em Washington D.C. fui ver seu espetáculo. Só por um momento. Não o pude evitar.

 - Assim que seu apaixonado amor sofreu outro reverso?

 - Nada poderia havê-lo comprazido mais. Mas não estava seguro, porque conhecia bastante ao Roxanne e sabia da existência de um pequeno chamado Nathaniel.

 - E ela te colocou a par dos fatos salientes de sua vida durante seu ausência?

 - Quase não quis me dirigir a palavra  - murmurou Luke - . Fiz-a sofrer muito, e como não pude explicar os motivos de minha ausência, não está disposta a me perdoar.

Melhor ainda, pensou Sam. Não sabia o de seu filho. Quanto sofreria Roxanne antes de dizer-lhe se é que o dizia. Se o fazia, quanto sofreria Luke por ter que partir de novo.

Voltou a refletir sobre as novidades. Pensou que a volta do Luke lhe funcionava mais satisfatório que sua ausência definitiva. depois de todo, desfrutava-se mais ao ver sofrer às pessoas que se se imaginava esse sofrimento. Além disso, estava por lhe pagar por divertir-se dessa maneira.

 - um milhão de dólares? Como fez para acumular semelhante quantidade?

 - Eu...  - Com mão tremente, separou-se a taça de conhaque.  - Bom, agi.

 - Não perdeste seu toque mágico? Suponho que também seguiu roubando.  - Comprazido com a expressão culpado do Luke, assentiu.  - Sim, me imaginava. um milhão de dólares  - repetiu - . Terei que pensá-lo. Os recursos para a campanha se submetem na atualidade a um controle muito cuidadoso. Não quisesse que nenhum indício de corrupção machucasse minha imagem, sobre tudo quando meu rival faz ornamento de tanto esmero. Eu gostaria...

interrompeu-se ao ocorrer-se o uma nova idéia. Compreendeu que era tão perfeita, como se o destino lhe tivesse agradável uma arma mais.

 - Acredito que poderemos fazer trato. Luke se tornou para frente com expressão veemente.

 - Terei o dinheiro dentro de uma semana. lhe posso trazer isso quando disser.

 - O dinheiro terá que esperar até depois da escolha. Primeiro quero que meu contador encontre um caminho seguro para incorporá-lo. Enquanto isso, tenho um trabalho para você. Com isso poderá pagar o tempo que tanto necessita.

Era um giro que Luke não esperava. Tinha contado só com a cobiça do Sam.

 - O que queira.

 - Suponho que recorda um pequeno incidente chamado Watergate. Nesse caso os ladrões se mostraram muito torpes. Você teria que ser muito prolixo e muito ardiloso.

Luke assentiu.

 - Quer que roube alguns documentos?

 - Não tenho como saber se existirem documentos que valha a pena roubar. Mas um homem com seus vinculações sem dúvida é capaz de fabricar papéis, fotografias, e todo isso. E se for possível roubar, tirar coisas, também é possível as colocar onde a gente quer.

Sam entrelaçou as mãos e se tornou para frente. Era perfeito. Com essa nova arma não só ganharia a escolha mas também destruiria a seu rival, política, pessoal e socialmente.

 - Curtem Gunner é um homem com um matrimônio feliz e dois filhos. Seus antecedentes são cristalinos. Quero trocar todo isso.

 - Trocá-lo? Como?

 - Por meio da magia  - disse, e sorriu - . Esse é seu ponto forte, não? Quero fotografias do Gunner com outras mulheres... com prostitutas. E também com outros homens, sim, com homens. Isso funcionará ainda mais interessante. Quero cartas, papéis que documentem sua participação em negócios ilegais, e outros que demonstrem que extraiu para seu uso pessoal dinheiro destinado às caixas de aposentadoria. Quero que essas provas sejam perfeitas, irrecusáveis.

 - Não sei como...

 - Então terá que encontrar a maneira  - disse Sam - . Se quer tomar um tempo para realizar seu viagem sentimental, tem que pagá-lo. Você te ocupe de reunir as fotos, os papéis, os recibos, a correspondência, todo o forjado, e eu te darei a partir de agora, digamos que até dez dias antes da escolha. Sim, dez dias  - murmurou para si - . Logo que essa informação se filtre aos meios de comunicação, quero que esteja fresca na mente da gente quando emitir seu voto.

 - Farei o que possa.

 - Fará exatamente o que digo. Do contrário, uma vez vencido o prazo, pagará-o. Pagarão-o todos.

 - Não sei do que está falando.

Com um novo sorriso nos lábios, Sam tomou seu corta-papel com manga de marfim e provou o fio de sua ponta com o polegar.

 - Ou me satisfaz com o trabalho que te estou encomendando, satisfaz-me por completo, ou as coisas com que te ameacei faz cinco anos se farão realidade.

 - Disse-me que se ia daqui, não lhes faria nada.

Com um golpe, Sam cravou a ponta do corta-papel na esquina acolchoada do secante.

 - Mas retornou. E, ao fazê-lo, tornaste a arrojar os jogo de dados, Calavam. O que ocorra aos Nouvelle dependerá de quão bem jogue. Entendido?

 - Sim, sim. Entendo-o.

Jogaria, pensou Luke. Só que esta vez ganharia.

E?  - Com impaciência, Jake seguiu ao Luke à a Cessna.

 - Minhas coisas estão a bordo?

 - Sim. O que aconteceu Wyatt? Sei que só sou um peão neste jogo. Nada mais que um soldado cetim detrás das linhas de vanguarda, só...

 - Um tarado  - completou Luke a frase. Subiu à carlinga e ficou a verificar os indicadores.  - Foi bem  - disse quando Jake se sumiu em um ofendido silêncio - . Sobre tudo considerando que tive que me rebaixar a interpretar o papel de mendigo suplicante quando o que teria querido fazer era lhe arrancar o coração com uma navalha.

 - Por isso sei, esse tipo não parece ter coração.  - Jake ajustou o cinto de segurança e se levantou os óculos. Era óbvio que Luke estava de um humor perigoso, o qual significava que esse curto vôo a Nova Orleáns seria memorável.  - De todas formas, conseguiu o tempo que queria, não?

 - Sim, consegui-o.  - Luke ficou à fala com a torre de controle para obter permissão para decolar. Quando começou a carretear, olhou ao Jake, que já estava pálido, com os olhos frágeis e os nódulos brancos.  - Também consegui outro trabalho para você.

 - Que bom. Parece-me muito bem.  - Como autodefesa, Jake fechou os olhos quando o nariz do avião se elevou. Como lhe havia dito uma e outra vez ao Luke, detestava voar. Jamais gostou nem gostaria.

 - O trato com o Wyatt inclui acender o ventilador e arrojar merda de maneira criativa sobre uma pessoa.  - Quando a máquina continuou sua ascensão, Luke sentiu que quase toda sua tensão desaparecia. adorava voar. Sempre gostou e sempre gostaria.

 - É algo que encaixa perfeitamente com seu especialidade.

 - Atirar merda.  - Com cautela, Jake abriu um olho.

 - O que posso saber eu sobre atirar merda?

 - Ele quer que falsifiquemos fotografias, documentos, correspondência comercial, etc., que façam ficar mal a Curtem Gunner, seu rival na escolha. Documentos ilegais, nada éticos e imorais... do tipo dos que fazem perder escolhas, naufragar famílias e destruir vistas.

 - Caramba, Luke, nós não temos nada contra esse tal Gunner. Sei que deveu te rebaixar muito para conseguir o tempo que necessita para arrebentar ao Wyatt. Mas, demônios, isto não me parece bem.

depois de nivelar a máquina, Luke tirou um charuto.

 - A vida é uma merda, Finestein, não sei se o notaste. Fará o trabalho, e o fará bem... com uma pequena modificação.

Jake suspirou.

 - Disse que trabalharia contigo e o farei. Receberá o material... e te juro que será lapidário.

 - Conta com isso.

 - E? Qual é a modificação?

Luke apertou o charuto com os dentes e sorriu.

 - O trabalho não será sobre o Gunner a não ser sobre o Wyatt.

 - Sobre o Wyatt? Mas disse...  - No rosto pálido do Jake se desenhou um sorriso picasse.  - Agora entendo. Já sei. Uma traição.

 - Vá se for inteligente, Finestein.

 

O dormitório que Lily e Max tinham compartilhado estava agora equipado para atender a um paciente com sério menoscabo de sua capacidade cognitiva. Roxanne tinha trabalhado com pessoal do hospital e um decorador de interiores para assegurar-se que o ambiente que rodeava a seu pai fora seguro e prático, sem ter a atmosfera de um quarto de sanatório.

Os monitores e os remédios eram necessários, mas também o eram, em sua opinião, as cores vivas e os materiais suaves que Max sempre tinha amado. Tinha uma equipe de três enfermeiras em turnos de oito horas cada uma, um fisioterapeuta e um psicólogo acudiam com freqüência a vê-lo. Mas também havia flores frescas, almofadões vistosos e uma ampla seleção da música clássica favorita do Max.

Nas portas que davam a terraço instalaram fechaduras especiais para lhe impedir de sair só. Roxanne tinha descartado sem duvidar o conselho de um médico para colocar grades nas janelas, e pendurou em troca cortinas novas de renda.

Talvez seu pai estivesse cativo de sua enfermidade, mas ela não o converteria em prisioneiro em seu próprio lar.

Alegrou-lhe ver como os raios do sol penetravam pelas cortinas e escutar os lembre suaves de música do Chopin ao entrar na residência de seu pai. Já não a destroçava tanto que ele às vezes não a reconhecesse. Tinha chegado a aceitar que haveria dias bons e dias maus. Agora, ao vê-lo sentado frente a seu escritório, deslizando bolas de espuma de borracha entre seus dedos, sentiu um pingo de alívio.

Esse dia, o via tranqüilo.

 - bom dia, senhorita Nouvelle.  - A enfermeira do primeiro turno se encontrava sentada junto à janela, lendo. Separou-se o livro e sorriu ao Roxanne.  - O senhor Nouvelle está praticando um momento antes de sua fisioterapia.

 - Obrigado, senhora Fleck. Se deseja tomar um descanso de dez ou quinze minutos, LeClerc preparou café.

 - Acredito que um café me viria bem.  - A senhora Fleck tinha vinte anos de enfermeira e olhos bondosos. Foram esses olhos, mais ainda que sua experiência, os que convenceram ao Roxanne de que devia contratá-la. Levantou seu físico corpulento da cadeira e roçou o braço do Roxanne ao sair da residência.

 - Olá, papai.  - Roxanne se aproximou do escritório e se inclinou para beijar a seu pai na bochecha. O via muito magro, tão fraco que com freqüência ela se perguntava como era possível que essa pele frágil suportasse a pressão dos ossos.  - É um dia precioso. olhaste para fora? Todas as plantas do LeClerc estão em flor, e Mouse reparou a fonte do jardim. Não quer te sentar ali mais tarde e escutar o som da água?

 - Tenho que praticar.

 - Já sei.  - Permaneceu de pé com uma mão apoiada no ombro de seu pai, observando como seus dedos retorcidos tentavam com esforço as manipular pelotitas.  - A função saiu bem. E no final não houve tropeços. Osear se comporta muito bem, te dizendo que já Lily não se sente nervosa de estar perto.

Seguiu falando, sem esperar uma resposta. Era bastante pouco comum que Max interrompesse o que estava fazendo para olhá-la, e muito mais raro ainda que se embarcasse em uma conversação com ela.

 - Levamos ao Nate ao zoológico. adorou. Acreditei que nunca poderia afastá-lo do serpentario. Não sabe quão grande está, papai. Às vezes o olho e quase não posso acreditar que é meu. Alguma vez sentiu isso quando eu era garota?

Uma das bolas caiu ao chão. Roxanne se inclinou para recolhê-la, e depois ficou em cuclillas para que seus olhos estivessem ao nível dos do Max quando a devolveu.

Ele separou a vista, mas ela era paciente e esperou a que voltasse a olhá-la.

O sorriso do Max foi florescendo lentamente, e para o Roxanne foi como ver a saída do sol no deserto.

 - É muito linda  - disse ele e lhe acariciou o cabelo - . Agora tenho que praticar. Você gostaria de vir à função e ver-me cortar a uma mulher em dois?

 - Sim. Eu gostaria de muito.  - Aguardou um momento.  - Luke tornou, papai.

O seguiu trabalhando com as bolas, e seu sorriso se permutou em um gesto de concentração.

 - Luke  - disse, depois de uma larga pausa. E de novo:  - Luke.

 - Sim. Quer verte. Tem inconveniente em que venha a te visitar?

 - Pôde sair dessa caixa?  - Seus músculos faciais começaram a crispar-se. As bolas lhe caíram dêem mão e ricochetearam no piso. Sua voz subiu de tom, e voltou a perguntar com ansiedade:  - Pôde sair?

 - Sim  - respondeu Roxanne e tomou as mãos - . Está perfeitamente bem. Verei-o dentro de um momento. Quer que o traga para verte?

 - Não quando estou praticando. Preciso praticar. Como quer que isto me saia bem se não praticar?

 - Está bem, papai.

 - Quero vê-lo  - balbuciou Max - . Quero vê-lo quando tiver escapado da caixa.

 - Trarei-lhe isso  - disse ela e voltou a beijá-lo na bochecha, mas ele já estava enfrascado na tarefa de juntar as pelotitas.

Quando Roxanne desceu pela escada, tinha sua estratégia decidida. Luke estava devolvida; ela não podia não tomá-lo em conta. Tampouco o vínculo que o unia ao Max. Mas isso não significava que ela não o vigiaria como um falcão quando lhe permitisse visitá-lo.

Trabalharia com ele porque lhe convinha, porque sua proposição a intrigava, e porque, a menos que tivesse trocado muito nos últimos cinco anos, era o melhor: sobre o cenário e abrindo a caixa forte mais segura.

De modo que o usaria para seus próprios fins, tomaria sua parte das lucros e partiria.

Mas estava Nathaniel.

Recolheu um autito de brinquedo de seu filho que estava no chão e se dirigiu à cozinha. disse-se que necessitava mais tempo.

Não foi uma surpresa agradável encontrar ao Luke ali, sentado frente à mesa da cozinha, com aspecto de sentir-se muito cômodo com uma taça de café em uma mão e um resto de polvorón na outra.

LeClerc ria, claramente encantado de ter em casa ao filho pródigo, tão obviamente disposto a perdoar e a esquecer que fez que Roxanne decidisse não fazer nenhuma das duas coisas.

 - Vá truque, Callahan, como atravessa as paredes.

Ele confirmou o recebimento de sua presença e de sua estocada com um sorriso.

 - Uma das cinco coisas que mais senti saudades durante minha ausência foram as aperitivos que prepara LeClerc.

 - Este menino sempre teve um apetite de lobo. Sente-se, minha moça. Prepararei-te café.

 - Não, obrigado.  - -Sabia que sua voz era gelada, e sentiu uma pontada de culpa ao ver que LeClerc me separava o olhar.  - Se já terminou seu petite de jeuner, podemos começar a trabalhar.

 - Estou preparado.  - ficou de pé e tomou outro polvorón da cesta que havia sobre a mesa.  - Levo-me outro para o caminho  - disse e piscou os olhos um olho ao LeClerc antes de passar pela porta que Roxanne sustentava aberta.  - Ainda se ocupa de cuidar o jardim?  - perguntou quando cruzaram um maciço de flores.

 - Sim. Cada tanto deixa...  - Nathaniel.  - ...deixa que um de nós o ajude  - disse Roxanne - . Mas segue sendo um tirano com suas rosas.

 - Não o encontrei mais velho. Eu tinha medo...  - interrompeu-se e cobriu a mão do Roxanne quando ela a apoiou sobre o maçaneta da porta do quarto de trabalho.  - Não sei se poderá entendê-lo, mas tinha medo que tivessem trocado. Mas ao me sentar na cozinha faz um momento, todo me pareceu igual: os aromas, os sons, o clima.

 - Isso te facilita as coisas, claro. Luke desejou poder culpá-la por revolver a adaga na ferida com tanta precisão.

 - Não do todo. Você sim trocaste, Rox.

 - Ah, sim?  - disse ela com um sorriso glacial.

 - Houve uma época em que eu podia ler em seu rosto o que pensava e o que sentia  - murmurou - . Mas agora é como se tivesse acionado um interruptor. Parece igual, cheira igual, sonhas igual. Suponho que se pudesse te levar a cama, sentiria o mesmo, mas acionaste esse pequeno interruptor. Agora há outra mulher superpuesta a que lembrança. Qual delas é, Roxy?

 - Sou exatamente a que quero ser  - disse ela, girou o maçaneta e abriu a porta - . Sou a que me construí.  - Acendeu as luzes, que alagaram o quarto de trabalho enorme, com seus baús de cores, suas mesas largas e suas magias.  - Já viu o espetáculo. Teria que ter uma idéia bastante aproximada de como trabalho agora. O estilo básico é a elegância, com toques modernos, mas sempre com graça e fluidez.

 - Sim, muito deslumbrante. Embora talvez com o acento muito colocado no aspecto feminino.

 - Sério?  - Arqueou uma sobrancelha.  - Suponho que preferiria cruzar o cenário te atingindo o peito e flexionando os músculos.

 - Acredito que poderemos chegar a um feliz termo meio.

Roxanne se apoiou contra uma mesa e disse:

 - Acredito que há um pequeno mal-entendido, Calavam. É meu espetáculo. Estou disposta a permitir que reapareça em público como parte da diversão, mas sou eu a que dirige isto.

 - Tem razão em uma coisa, tesouro. Existe um mal-entendido.

 - Faremos uma única função noturna. A publicidade prévia obterá que tenhamos um cheio total. Uma noite de magia com o Roxanne Nouvelle. Com a apresentação especial de Calavam.

 - Pelo visto seu ego não trocou nada. Seremos sócios, Roxanne  - disse e lhe aproximou - . Você quer encabeçar o elenco e eu me levarei como um cavalheiro nesse sentido. Mas o pôster rezará Nouvelle e Calavam.

 - Teremos que negociar.

 - Olhe, não penso perder tempo nesta pavada. Que tal se falarmos a sério?

 - Está bem, falemos a sério.  - Pegou um salto e se sentou sobre a mesa.  - É meu espetáculo, e dura uma hora e quarenta e cinco minutos. Estou disposta a te ceder quinze minutos.

 - Tomarei cinqüenta... incluindo dez minutos para o grande final que faremos juntos.

 - Tomará o lugar do Osear?  - Quando ele a olhou sem entender, ela sorriu.  - O tigre, Callahan. Meu final é com um tigre.

 - Passaremos isso ao último ato antes do intervalo.

 - Quem demônios te deu as renda do espetáculo?

O não lhe respondeu e se aproximou de um dos baús pintados de cores vivas. Era tão alto como ele e estava dividido em três partes iguais.

 - Quero trabalhar em um escapamento, um efeito de multiplicação no que estive pensando muito. Ilusionismo e transportação do mais alto nível.

Para ter no que ocupar suas mãos, tomou três bolas para fazer malabarismo.

 - Nada mais?

 - Não, o final é algo diferente.  - Girou e tomou outra bola. Calculando o ritmo do Roxanne, a jogou entre as três com que ela jogava. Ela tomou sem piscar sequer.  - Quero fazer uma variação do efeito da vassoura voadora que fizemos no cruzeiro. Tenho-o quase todo solucionado e eu gostaria de ensaiar o antes possível.

 - São muitas as coisas que você gostaria.

 - Sim.  - Deu um passo adiante e, com a velocidade do raio, deslizou suas mãos debaixo das dela para tomar as bolas.  - O truque se apóia em saber quando mover-se e quando esperar.  - Sorriu ao Roxanne por entre as bolas em movimento.  - Podemos ensaiar aqui, ou usar a casa que acabo de comprar.

 - Ah, sim?  - Detestou reconhecer ante si mesmo que isso lhe interessava.  - Pensei que te alojaria em um hotel.

 - Eu gosto de ter meu próprio espaço. É uma casa de bom tamanho no Distrito Jardim. Como ainda não me incomodei em comprar móveis, teríamos suficiente espaço.

 - Ainda?

 - tornei, Rox. Mais vale que te acostume à idéia.

 - Não me interessa absolutamente onde vive. Isto é estritamente um negócio. Nem te ocorra pensar que voltará a integrar a equipe.

 - Já estou dentro  - disse ele - . Isso é o que mais te enfurece.  - Levantou uma mão em são de paz.  - por que não pensamos melhor em como organizar isto? Mouse e Jake já estão trabalhando juntos no aspecto segurança, Y...

 - Um momento. - Indignada, desceu-se da mesa.  - O que é isso de que estão trabalhando juntos?

 - Bom, que Jake veio comigo. E que ele e Mouse trocam idéias sobre a parte eletrônica.

 - Não estou disposta a aceitá-lo  - disse e o empurrou para ter lugar para caminhar pela residência - . Não o permitirei. Não permitirei que volte como Pedro por seu casa e tome a batuta. Faz mais de três anos que eu dirijo todo aqui. Desde que Max... desde que ele não pôde seguir fazendo-o. Mouse é meu.

 - Não me dava conta de que se converteu em uma propriedade depois de minha partida.

 - Sabe muito bem o que quero dizer. É minha família. Pertence a minha equipe. Você renunciou a isso. Luke assentiu.

 - Renunciei a muitas coisas. Você quer convertê-lo em algo pessoal. Muito bem. Passei cinco anos me privando de tudo o que me importava. Porque era importante para mim. Agora decidi voltar ao ter, Roxy. Todo.  - Ao diabo com a cautela, com a cortesia, com o controle, pensou ao agarrá-la pelos ombros.  - Absolutamente todo. E ninguém me impedirá isso.

Ela poderia haver-se afastado. Poderia havê-lo arranhado e lutar por conseguir sua liberdade. Mas não o fez. Algo nos olhos do Luke, algo selvagem e desventurado a manteve cravada no lugar, embora ele esmagasse sua boca sobre a dela.

Saboreou sua fúria, sua frustração e algo mais, um desejo muito profundo para ser expresso em palavras, muito intenso para as lágrimas. Essas necessidades sepultadas no mais profundo de seu ser afloravam agora, e ela respondeu com avidez a sua voracidade.

 

Como o desejava ainda. Como desejava apagar de um colchão o tempo e o espaço e ser de novo. Todo se parecia tanto a antes: o sabor do Luke, a forma em que sua boca se fundia com a sua, essa excitação intensa e pulsante que fazia que seu corpo necessitasse imperiosamente unir-se com o dele.

Mas não era igual. Ao fechar seus braços ao redor do Luke, notou-o muito mais magro. Era como se ele tivesse dirigido uma tocha e se houvesse seccionado sem piedade até ficar convertido em músculos e ossos. Por debaixo do físico, intuiu outras mudanças. Esse Luke não poria-se a rir com tanta rapidez, não descansaria com a mesma facilidade, nem amaria com a mesma ternura.

Mas, Por Deus, como o desejava.

Ele poderia havê-la tomado ali, sobre essa mesa em que se conjurou magia ao longo de uma geração. Ou sobre o piso. Ou em qualquer parte. Ali e agora. Se o fazia, se recuperava o que o tinham obrigado a perder, poderia encontrar sua salvação. Poderia encontrar sua paz. Mas se isso equivalia ao caos e um inferno, mostraria-se agradecido a Deus. Deixou que sua mente se sumisse nesses pensamentos enquanto suas mãos modelaban esse corpo que se fundia com tanta perfeição contra o seu.

Ela era a única. a de sempre. Nada nem ninguém lhe impediriam de reclamá-la de novo.

Salvo ele mesmo.

 - É igual. Todo segue igual entre nós, Roxanne. E você sabe.

 - Não, não é igual  - disse ela, mas seguiu obstinada a ele e seguiu desejando-o.

 - me jure que não sente nada.  - Com fúria, ele a separou para olhá-la à face. E nela viu tudo o que necessitava saber.  - Vamos, diga-me isso

 - O que eu sinta ou não sinta não tem importância

 - disse ela e levantou a voz, como se o fato de gritar conseguisse convencê-la - . Confiarei em você sobre o cenário. Inclusive confiarei em você durante o trabalho. Mas em nenhuma outra parte, Luke.

 - Então prescindirei da confiança  - disse ele, afundou seus dedos no cabelo do Roxanne e os deslizou por sua cabeça - . Tomarei o que fica.

 - Está esperando que te diga que te desejo.  - separou-se e se deu tempo para respirar fundo.  - Está bem, desejo-te, e possivelmente dita satisfazer esse desejo. Nada de ataduras, nem de promessas, nem de outras coisas.

 - Decide agora.

Ela teve vontades de tornar-se a rir. Nessa ordem havia muito do velho Luke.

 - O sexo é algo com o qual sempre tenho cautela  - disse e o olhou aos olhos    - E isso é tudo o que seria: puro sexo.

 - Mostra-te cautelosa  - murmurou ele e lhe aproximou -  porque tem medo de que seja muito mais que isso.  - Inclinou a cabeça para voltar a beijá-la, mas esta vez lhe deu uma palmada no peito.

 - Isto te serve como resposta para todo? Como, soubesse ou não Roxanne, as coisas tinham progredido um pouco, ele sorriu.

 - Depende da pergunta.

 - Pergunta-a é se poderemos realizar uma série de trabalhos complicados com o estado atual de nossos hormônios.  - Lhe devolveu o sorriso e o desafiou.

 - Eu posso, se você puder.

 - Trato feito  - disse Luke e tomou a mão - . Mas em algum momento te levarei a cama, assim, por que não vem a minha casa? Ali poderemos... ensaiar.

 - Eu tomo muito a sério os ensaios, Callahan.

 - Também eu.

Roxanne riu e se meteu as mãos nos bolsos. Seus dedos roçaram o autito de brinquedo, e recordou. O sorriso se apagou de seus olhos.

 - Faremo-lo amanhã.

 - O que te passa?  - Frustrado por sentir que uma barreira se havia interposto de novo entre os dois, tomou o queixo com a mão.  - Aonde foi?

 - É só que hoje não tenho tempo para trabalhar.

 - Sabe que não referia a isso.

 - Tenho direito a minha privacidade, Luke. me dê a direção, e estarei ali pela manhã. Para ensaiar.

 - De acordo.  - Baixou a mão.  - Faremo-lo a seu modo. por agora. Uma coisa mais antes de ir.

 - Qual?

 - me deixe ver o Max.  - Quando a viu vacilar ficou furioso.  - Por Deus, me ataque tudo o que queira, mas não me castigue assim.

 - O que pouco me conhece, Luke  - disse ela. deu-se meia volta e se encaminhou à porta.  - Levarei-te a vê-lo.

Sabia que seria doloroso. Tinha juntado os recortes de imprensa que se referiam ao estado do Max, e lido tudo o que pôde encontrar sobre a enfermidade do Alzheimer. Acreditou estar preparado tanto para as mudanças físicas, como para os emocionais.

Mas não imaginou jamais que sofreria tanto ao ver esse homem que sempre lhe tinha funcionado imponente, convertido em um velho encolhido e totalmente confundido.

ficou com ele uma hora, nessa residência cheia de sol e de música do Mozart. Falou sem cessar, inclusive quando não houve resposta a suas palavras; e escrutinou a face do Max em busca de algum indício de que o reconhecia.

partiu só quando Lily entrou e com muita ternura lhe disse que era hora de que Max fizesse seus exercícios.

 - Voltarei  - disse Luke, colocou sua mão sobre a do Max - . Tenho um par de coisas novas que eu gostaria de lhe mostrar.

 - Tenho que praticar  - disse Max e ficou olhando a mão forte e fina do Luke - . Boas mãos. Tenho que praticar  - disse e sorriu de repente - . Tem condições.

 - Voltarei  - repetiu Luke e se dirigiu à porta. Encontrou ao Roxanne na sala do frente, olhando para a rua pela janela.

 - Sinto muito, Roxy.  - Quando ficou detrás dela e rodeou sua cintura com os braços, ela não só não protestou mas também por um momento se recostou contra ele.

 - Não há ninguém a quem culpar. Eu o tentei ao princípio. Os médicos, o destino, Deus. Até você, só porque não estava aqui.  - Quando lhe beijou o cabelo, ela fechou forte os olhos. Mas quando os abriu, estavam secos.  - Papai se foi a algum lugar no que era preciso que estivesse. É assim como eu dirijo todo isto. Não tem dores, embora às vezes me dá medo que padeça um sofrimento mais profundo que eu não alcanço a ver. Mas fomos afortunados em poder o ter aqui em casa, e perto de nós, até que esteja inteligente parar ir-se por completo.

 - Eu não quero perdê-lo.

 - Já sei.  - Sua compreensão era muito profunda como para não machucá-lo. Levantou uma mão até a que Luke tinha apoiada em seu ombro e entrelaçou os dedos com os dele. No que tinha que ver com o Max, podia dar sem limitações.  - Luke, preciso estabelecer as regras, e não é para te castigar. Eu gostaria que visse o Max tanto como seja possível. Sei que é difícil, que é penoso, mas tenho que acreditar que é bom para ele. Você foi... é... uma parte importante de sua vida.

 - Não preciso te dizer o que sinto por ele, o que faria por ele se pudesse.

 - Não, já sei. Necessito que me avise quando quiser vê-lo. Cair sem anunciar seu visita transtorna sua rotina.

 - Pelo amor de Deus, Roxanne...

 - Existem razões.  - Girou e o olhou.  - Não lhe penso explicar isso e sim estabelecer os limites. É bem-vindo a esta casa. Max quereria que fora assim. Mas em meus termos.

 - De modo que tenho que pedir encontro?

 - Assim é. Pelo general, as manhãs revistam ser o melhor momento, como hoje. Digamos que entre as nove e as onze.  - Quando Nathaniel estivesse a salvo no pré-escolar.  - Assim poderemos ensaiar pela tarde.

 - Muito bem  - disse ele e jogou andar para a porta - . Me prepare um gráfico com os horários.

Roxanne ouviu que a porta de rua se fechava com uma portada. Esse eco familiar quase a fez sorrir.

 

Pela primeira vez em sua vida, Roxanne sentiu a desaprovação de sua família. Não lhe disseram que estava equivocada. Não houve sermões nem conselhos não pedidos, nem silêncios nem ausência de sorrisos.

Talvez teria preferido isso aos murmúrios que ouvia antes de entrar em uma residência, aos olhares prolongados e cheias de tristeza que notava a suas costas.

Eles não entendiam. Podia dizer-se isso e perdoá-los, ou quase perdoá-los. Nenhuma dessas pessoas se encontrou nunca grávida, abandonada e só. Bom, talvez não do todo só, corrigiu-se enquanto apoiava o queixo sobre as mãos e observava ao Nathaniel jogar com seus autitos no jardim. Ela teve uma família, um lar, e um apoio incondicional.

Mas nenhuma dessas coisas conseguiu ressarci-la pelo que Luke lhe tinha feito. Maldito se o recompensaria compartilhando com ele seu maravilhoso filho e colocando assim em perigo a felicidade do Nate.

Como era possível que não o entendessem?

Levantou a vista quando se abriu a porta da cozinha e sorriu a Alice ao vê-la atravessar o jardim. Uma aliada, pensou Roxanne, comprazida. Alice não conhecia o Luke, não tinha seu afeto colocado nele. Ela sim que entenderia que uma mãe tinha direito a proteger a seu filho. E a ela mesma.

 - Que bem se está aqui  - disse Alice e respirou fundo para aspirar a fragrância das rosas, as arvejillas e o abono recém regado. O jardim era seu lugar preferido, um canto umbroso que no verão parecia feito a medida para sentar-se e meditar.  - Pensei levar ao Nate ao Jackson Square depois do pré-escolar. E deixar que corra um momento.

 - Oxalá pudesse ir com vocês. Sempre tenho a sensação de que não passo suficiente tempo com ele.

Alice tinha aceito com filosofia todas as facetas das profissões dos Nouvelle. Em sua opinião, o que faziam não era roubar a não ser repartir as lucros excessivas.

 - É uma mãe maravilhosa, Roxanne. Jamais vi que permitisse que seu trabalho interferisse nas necessidades do Nate.

 - Isso espero. Seus requerimentos são o mais importante para mim. Não permitirei que lhe desorganizem a vida. Nem a minha. Sei o que é o mais conveniente para ele. Maldição, queria saber o que é o melhor para ele. Por certo, sei o que é melhor para mim.

Alice permaneceu um momento em silêncio. Não era mulher de falar sem pensar. Ia reunindo seus pensamentos com o mesmo cuidado e o mesmo sentido seletivo com que recolhia flores silvestres.

 - Quer que te diga que manter ao Nate em segredo para seu pai é o correto.

 - É-o  - disse Roxanne, olhou para onde estava Nate e baixou a voz - . Ao menos até que sinta que é tempo de dizer-lhe O não tem nenhum direito sobre o Nate, Alice. Renunciou a esses direitos ao nos deixar.

 - Não sabia que esperava um filho dele.

 - Essa é a questão.

 - Talvez não o seja, ou talvez sim. Não tenho como sabê-lo.

 - De modo que  - disse Roxanne e apertou os lábios frente a essa nova traição - , alinha-te com o resto da família.

 - Não se trata de escolher bandos, Roxanne.  - Como a amizade era o primeiro para a Alice, fechou sua mão sobre os dedos rígidos do Roxanne.  - Seja o que for que faça ou não faça, todos lhe apoiaremos. Estejamos ou não de acordo.

 - Você não o está.

Alice suspirou e sacudiu a cabeça.

 - Não sei o que faria se estivesse em seu lugar. Só você pode saber o que sente em seu coração. Quão único eu posso te dizer é que nesta semana que passou desde que conheci o Luke, caiu-me muito bem. Eu gosto de sua personalidade, sua temeridade, o empecinamiento com que se centra em uma meta. Essas são também algumas das razões pelas que você eu gosto.

 - Assim que me está dizendo que eu deveria aceitar o de volta a meu lado, lhe confiar ao Nate.

Que difícil que é dar conselhos, pensou Alice.

 - O que te digo é que deve fazer o que sente que está bem. O que faça não modificará um fato muito simples: que Luke é o pai do Nathaniel.

Luke, Luke, Luke. Roxanne o observou com fúria enquanto ele realizava com o Lily a rotina da mulher encerrada em uma caixa de vidro. Mouse e Jake olhavam a cena de um flanco.

Como era possível que Luke voltasse e imediatamente se convertesse em um sol, ao redor do qual todos giravam como planetas? Isso a zangava muitíssimo.

Todo estava mau. Ensaiavam ali, em seu imenso living. de repente, estavam em seu terreno, e ele era o que dava as ordens.

No estéreo soava música rock. Antes sempre trabalhavam com música clássica, pensou Roxanne e se meteu as mãos nos bolsos de suas calças de ginástica. Sempre. Rarefazia-a que isso se adequasse a ele e ao número que estavam ensaiando.

Era dinâmico, excitante, sexy. Tudo o que ele fazia se enquadrava nessas três palavras. Sabia perfeitamente que ao público adoraria. Isso a rarefez ainda mais.

 - Esplêndido.  - Luke olhou ao Lily e a beijou na bochecha.  - Quanto tempo foi, Jake?

 - Três minutos, quarenta segundos  - disse depois de consultar o cronômetro.

 - Acredito que poderíamos fazê-lo em dez segundos menos.  - Pese ao ar condicionado, Luke transpirava.  - Anima-te a repeti-lo, Lily?

 - É obvio.

Claro, pensou Roxanne com desprezo. O que queira, Luke. E quando te desejar muito. Chateada, deu-se meia volta para instalar-se no canto mais afastado do quarto.

Luke captou seu olhar de desdém e sorriu.

 - Mouse, que tal se nos preparamos para a levitação? Acredito que para isso já o tenho todo resolvido.

 - Em seguida  - disse Mouse e se afastou para obedecê-lo.

 - Manipulando a todo mundo não?  - disse Roxanne quando ele lhe aproximou.

 - chama-se trabalho em equipe.

 - Eu o chamo de outra maneira. Chamo-o trabalho oculto e rasteiro.

 - Pensa o deste modo, Rox. Quando tivermos terminado, nunca terá que estar perto de mim. A menos que o deseje.

 - Estou-o pensando.  - Isso era melhor que pensar como o toque de suas mãos o fazia ferver o sangue.  - Necessito saber mais sobre o trabalho no do Wyatt. Está-me ocultando informação, e eu não gosto.

 - Você também  - disse ele - . E tampouco eu gosto.

 - Não sei de que falas.

 - Sim que sabe  - mas ela tinha quebrado o contato visual com ele - . Há algo que não me está dizendo. Algo que faz que todo mundo contenha o fôlego. Quando me confessar isso, veremos como dirigir a situação.

 - Confessar?  - Voltou a olhá-lo, mas esta vez seu olhar era letal.  - Algo que não te estou dizendo? O que poderia ser? Vejamos um pouco... poderia ser que te detesto?

 - Não. Durante mais de uma semana te ocupaste que eu me inteire disso. Só me detesta quando te obriga a pensá-lo.

 - Mas se for algo que me vem com tanta naturalidade  - disse ela e esboçou um sorriso.

 - Só porque ainda está louca por mim  - disse ele e lhe beijou a ponta do nariz - . Isto é um negócio, verdade?

 - Sim.

 - Então coloquemos mãos à obra.  - Seu sorriso foi lenta e perigosa.  - E vejamos o que é o que vem naturalmente.

 - Quero mais informação.

 - Terá-a. Do mesmo modo em que terá a pedra quando tivermos terminado.

 - Um momento  - disse ela e o tirou do braço quando ele começava a girar - . O que foi o que disse?

 - Que a pedra será tua quando terminarmos com isto. Cem por cem tua.

Lhe estudou a face em busca da verdade e desejando ver com claridade o que ele pensava, como estava acostumado a fazê-lo antes.

 - por que?

 - Porque eu também quero muitíssimo ao Max. Não havia nada que ela pudesse dizer, porque essa era a verdade e ela sabia. Lhe apertou o coração, e lhe impediu por um momento respirar e falar.

 - Queria te odiar, Calavam  - conseguiu dizer - . Sério, queria te odiar.

 - Mas te funciona difícil, não é verdade?  - disse ele e lhe roçou a bochecha com um dedo - . Sei porque eu queria te esquecer. Seriamente queria te esquecer.

Ela o olhou aos olhos, e pela primeira vez desde sua volta, Luke advertiu uma abertura nela. aberto-se caminho para ela solapadamente, pensou com certa repugnância. Através de seu amor pelo Max. Não era a rota que ele teria preferido.

 - por que?  - Em realidade, ela teria querido não perguntar, tinha medo da resposta.

 - Porque o fato de te recordar, de recordar meu amor por você, estava-me destroçando.

Isso fez que ao Roxanne tremessem os joelhos e lhe afrouxasse o coração.

 - Não me conseguirá, Calavam.

 - Sim que o farei.  - Tomou a mão e a conduziu ao centro da residência.  - Conseguirei-te.

 - Todo inteligente  - disse Mouse e assobiou. Que estupendo os ter aos dois juntos de novo, pensou. Embora não sonrieran. Colocavam-no nervoso as faíscas que saltavam dos dois. Segundo Mouse, isso era algo que deveria ocorrer na escuridão, quando duas pessoas estavam sozinhas. Essa classe de intimidade funcionava embaraçosa para os pressente.

Roxanne levantou os braços para que Mouse pudesse conectar seus cabos. Mas em nenhum momento se separou a vista do Luke. Detestava reconhecer que gostava do truque que estavam por ensaiar. Chiava e fluía, tinha drama e também poesia.

Além disso, seria divertido brigar com o Luke por cada detalhe.

 - Usaremos música?  - perguntou.

 - Sim. A que eu escolha.

 - por que...?

 -  - Porque você escolheu a iluminação.

Ela franziu o sobrecenho, e decidiu não discutir.

 - O que é?

 - Há fumaça em seus olhos.  - Sorriu quando ela revirou os olhos.  - Os Ourives, Rox. Não é música clássica, mas é um clássico. Comecemos.

Roxanne levantou as mãos, balançou-se. Ele estendeu as suas e curvou os dedos para convidá-la a aproximar-se. Ou para ordenar-lhe Ela resistiu, recusou, levantou um braço sobre a face, com a palma para ele, e ficou de flanco. Não foi um se separar-se a não ser uma forma de sedução. Concentrado nela e somente nela, ele imitou seus movimentos em espelho, passo a passo, como se estivessem unidos por fios invisíveis. Seus dedos se roçaram, atrasaram-se, afastaram-se.

Roxanne não precisava recordar o guia para manter seus olhos fixos nos do Luke. Não poderia havê-lo feito melhor. A concentração na face dele a transpassou, e não lhe custou nada deixar cair a cabeça como em uma ensoñación.

Possivelmente poderia ter vencido nesse duelo. Ou talvez, com sua entrega, já o tinha feito.

Luke levantou as mãos em uma exigência dramática que Roxanne resistiu afastando-se suavemente. Mas se deteve quando ele baixou os braços e os estendeu para ela. Lentamente, como em transe, ela girou para ele.

Não se moveu quando Luke se aproximou. Sua mão passou frente à face do Roxanne, que fechou os olhos. Quase roçando-a, Luke a rodeou. Seus gestos foram prolongados, lentos e exagerados à medida que os pés dela se elevavam do piso, seu cabelo caía para trás, seu corpo ascendia.

Quando a música iniciou um crescendo, as mãos dele desenharam o contorno do Roxanne, a milímetros de um contato real. O corpo dela se estremeceu, fora de controle de sua concentração. Olhou-o por entre suas pestanas, sem poder evitá-lo seguro de que gritaria pela frustração se essas mãos seguiam movendo-se sobre ela sem tocá-la.

Ao Luke pareceu ouvir os batimentos do coração do Roxanne. Com muita dificuldade resistiu a forte tentação de apertar as mãos sobre seu peito para perceber nelas esse palpitar de vida. Tinha a boca seca e sabia que respirava muito rápido. Mas agora estava mais à frente do efeito de magia que estava realizando.

Tinha tido a intenção de que fora romântico, erótico, e sabia que isso implicaria meter-se em problemas. Mas jamais imaginou com quanta rapidez se afundaria.

Inclinou a cabeça para ela, os lábios muito perto dos seus. O leve som que fez Roxanne enquanto lutava para não gemer foi um estrondo na cabeça do Luke.

Tomou a mão, deslizou os dedos sobre sua palma, pelo dorso. Quando os dedos de ambos ficaram unidos, também ele começou a levitar. Os olhos dele só enfocaram o rosto do Roxanne ao jazer os dois juntos, suspensos no ar. Quando a música se foi desvanecendo, ele girou seu corpo, colocou uma mão debaixo da cabeça dela e a beijou.

Unidos, os dois foram adotando lentamente a vertical, enquanto seus corpos giravam. Quando seus pés tocaram o chão, ele seguia aprisionando-a em seus braços e os lábios de ambos seguiam fundidos.

Jake deteve o cronômetro e pigarreou.

 - Não acredito que a ninguém interesse quanto durou - murmurou e se meteu o relógio no bolso - . Vamos, Mouse. Temos que ir às compras.

 - Né?

 - De compras, homem. Necessitamos essas peças. Mouse piscou, confundido.

 - Que peças?

 - Essas peças.  - Jake revirou os olhos e sacudiu a cabeça em direção ao Roxanne e Luke. Agora estavam separados, mas só o suficiente para olhar-se.

Eu também necessito algumas coisas.  - Lily, com os olhos cheios de lágrimas, agarrou a Mouse e o tocou.

 - Necessito muitas coisas. Vamos de uma boa vez.

 - Mas o ensaio...

 - Não acredito que tenham problemas  - disse Jake e sorria quando conseguiram tirar mouse a empurrões da casa.

O silêncio ressonou com força na cabeça já enjoada do Roxanne.

 - Saiu... saiu bem.

 - E que o diga.  - Tinha estado a ponto de explodir. Agora, deslizou as mãos com suavidade pelas costas do Roxanne antes de liberá-la do arnês de levitação.  - Mas será um final espetacular.

 - Terá que trabalhá-lo mais.

 - Não refiro a esse final  - disse e se liberou também ele - . Falo de você e eu.  - Sem deixar de olhá-la, colocou as mãos debaixo da camiseta dela e as deixou atrasar-se sobre a pele morna e suave de suas costas.

 - E disto.  - Voltou a beijá-la com ternura infinita.

Não ficou mais remedeio que agarrar-se a seus ombros para não perder o equilíbrio.

 - Não conseguirá me seduzir.

Lhe aconteceu os lábios pelo queixo.

 - Quer apostar algo?

 - Posso me afastar de você em qualquer momento.

 - Mas seu corpo estava apertado contra o do Luke, e sua boca lhe percorria a face.  - Não te necessito.

 - Eu tampouco  - disse ele, levantou-a em seus braços e começou a subir pela escada.

Ela estava segura de que, se seu corpo deixasse de estremecer-se, poderia recuperar a prudência. Mas, no momento, o melhor era prender-se forte a ele.

Sabia o que estava fazendo. Deus, esperava sabê-lo. Esse desejo muito intenso fazia que todo o resto parecesse insignificante. Com um gemido, apertou a face contra o pescoço do Luke.

 - te apresse  - foi tudo o que disse.

Ele teria pirado ao piso superior se tivesse podido. Mas teve a sensação de que os músculos não lhe respondiam muito e de que lhe custava respirar. Quando fechou detrás deles a porta do dormitório com uma patada, procurou de novo os lábios do Roxanne. E agradeceu ao céu que tivesse tido a previsão de comprar ao menos uma cama.

E que cama. Era uma imensa cama com dossel que se afundou como uma nuvem quando ambos caíram sobre ela. Luke aguardou um momento, só um momento, para olhar ao Roxanne e recordar... para obrigá-la a recordar tudo o que tinham sido o um para o outro, além dessa brecha enorme de cinco anos.

Tinha sonhado com esse momento infinidade de vezes, em infinidade de lugares e infinidade de quartos. Só que agora a realidade era muito mais intensa que a fantasia.

Roxanne não lutou contra essa inundação de sensações. O lhe estava devolvendo tudo o que lhe tinha tirado, e ainda mais. Ela já quase tinha esquecido o que era desejar com semelhante intensidade, e nunca tinha compreendido do tudo o que significava abandonar-se por completo. depois de uma abstinência tão prolongada, funcionava tão singelo, tão lógico, sentir somente.

O sangue do Luke se acendeu para ouvir que ela balbuciava seu nome. Cada suspiro, cada gemido do Roxanne era como uma martelada em suas vísceras. Soltou-lhe as mãos e começou a tironearle da roupa. Foi um prazer imenso descobrir que, debaixo, estava completamente nua.

 - te apresse  - voltou a dizer ela e começou a lhe arrancar a camisa para estar pele contra pele. O forno que ardia em seu interior estava a ponto de explodir, e queria que quando isso acontecesse ele estivesse dentro dela.

Ele queria saboreá-la e precisava devorá-la. Lutou por baixar o fechamento dos jeans enquanto as mãos dela o torturavam e sua boca lhe queimava os ombros e o peito.

mergulhou-se dentro dela e Roxanne estalou em um firmamento de deleites inexprimíveis. Depois, fechou-se ao redor do Luke, enquanto ele a penetrava uma e outra vez, até encontrar sua própria liberação e, talvez, também sua salvação.

O ficou onde estava, convexo sobre ela, intimamente unido a ela. Sabia que Roxanne tinha permanecido em silencio durante muito tempo. Se as coisas fossem como antes, ela teria levantado uma mão para lhe acariciar as costas; teria suspirado e sussurrado algo para fazê-lo rir.

Mas só havia um longo silencio vazio. Isso o assustava.

 - Não lamente que isto tenha ocorrido - disse e curvou uma mão sobre seu cabelo para mantê-la quieta enquanto ele se tornava para trás para olhá-la - . Possivelmente consiga te convencer disso, mas não me convencerá .

 - Não disse que o lamentasse.  - Que difícil funcionava manter-se serena depois dessa sacudida tremenda nos alicerces de sua vida.  - Sabia que aconteceria. Quando entrei em meu camarim e te vi ali, soube. Com freqüência me equivoco, sem que por isso me arrependa de meus enganos.

Os olhos do Luke brilharam antes de que girasse e se separasse dela.

 - Você sim que sabe atingir onde mais dói. Sempre miste assim.

 - Não é uma questão de vingança. Desfrutei fazendo de novo o amor contigo. Sempre andamos muito bem na cama.

 - Sempre andamos bem em todo.

 - Andamos  - disse ela - . Serei sincera contigo, Calavam. Não tive muito tempo para esta classe de coisas desde que lhe miste.

 - Não me diga  - disse ele e sentiu uma profunda adulação em sua vaidade.

 - Não te vanglorie tanto. Foi minha escolha. Estive muito ocupada.

 - Reconhece-o  - disse ele - . Eu te arruinei para qualquer outro homem.

 - Dá a casualidade de que me pescou em um momento...  - Vulnerável não era a palavra que ela queria empregar.  - Em um momento incendiário. Suponho que qualquer que tivesse aproximado um fósforo me teria feito estalar.

O sempre tinha sido muito rápido. A ela não deveria lhe haver surpreso encontrar-se de novo de costas, enquanto as mãos do Luke lhe demonstravam que podia acender chamas das brasas.

 - Não é mais que sexo  - conseguiu balbuciar ela.

 - É obvio. Uma sequoia não é mais que uma árvore  - disse enquanto com os dentes brincava com seus mamilos, até que lhe cravou as unhas nas costas - . E um diamante não é mais que uma parte de pedra.

Ela teria querido rir. Mas precisava gritar.

 - te cale, Callahan.

 - Com todo gosto.  - Levantou-lhe os quadris e voltou a afundar-se dentro dela.

Quando Roxanne abriu os olhos, a luz se tornou rosada com o pôr-do-sol. Para ter tempo de voltar para a realidade, pela primeira vez tomou nota da residência.

Só havia nela a cama onde estavam deitados e uma enorme cômoda de cerejeira. A menos que se tomasse em conta a roupa que estava esparramada pelo piso, pendurada do maçaneta da porta ou empilhada nos cantos.

Que típico dele, pensou. Como também o era haver-se deslocado na cama para que ela pudesse aconchegar-se contra seu corpo.

Houve uma época em que se teria ficado diretamente adormecida, sentindo-se a salvo, segura e satisfeita.

Mas agora eram pessoas muito distintas.

Roxanne tratou de incorporar-se, mas o braço do Luke se apertou ao redor dela.

 - Luke, isto não troca nada.

 - Querida, se quiser que lhe demonstre isso uma vez mais, será um prazer para mim. Só tem que me dar um par de minutos.

 - Quão único comprovamos é que seguimos sabendo como satisfazer a necessidade do outro.

 - Quase toda sua fúria se desvaneceu, e agora só era substituída por um pesar profundo. Observou-o com atenção e disse:  - Sabe? Estou tentada de acreditar na teoria de amnésia do Lily.

 - me avise quando quiser ouvir a verdade. Direi-lhe completa isso.

Ela separou a vista.

 - Não haveria nenhuma diferença. Nada que possa dizer pode apagar estes cinco anos.

 - A menos que deixe que eu o faça.  - Tomou a face com as mãos e foi jogando para trás o cabelo, de modo que só seus dedos a emolduravam. Possuíam de novo a suavidade e a ternura que acreditava esquecidas. Isso era mais difícil de resistir que a paixão.  - Tenho que falar contigo, Rox. Há tantas coisas que preciso te dizer.

 -  - As coisas não são como antes, Luke. trocaram muitíssimo. Não podemos voltar atrás, e preciso refletir. faz-se tarde. Tenho que voltar para casa.

 - Fique.

 - Não posso.

 - Não quer.

 - Não quero, então.  - ficou de pé, alisou-se a camisa. Funcionava-lhe mais fácil ser forte quando estava de novo parada sobre seus pés.  - Agora, eu dirijo minha vida. Pode ficar ou pode ir, e eu enfrentarei as conseqüências de qualquer das duas coisas. Se te dever algo, é gratidão por me haver endurecido o suficiente para enfrentá-lo todo.  - Inclinou a cabeça e desejou ter em seu coração a mesma coragem de suas palavras.  - Assim, obrigado, Calavam.

 - De nada.

 - Verei-te amanhã  - disse e partiu da residência, mas já corria quando chegou ao descanso da escada.

 

A casa era um caos quando Roxanne voltou. Enquanto todos falavam com mesmo tempo, ela elevou ao Nathaniel e o beijou, em parte para saudá-lo e em parte como desculpa por não ter estado ali para banhá-lo.

 - Calem-se, todos!  - gritou e se fez um silêncio absoluto. antes de que ninguém tivesse tempo de começar de novo, Roxanne assinalou a Alice. Sabia que, se não podia contar com a Alice para uma explicação serena e razoável, todo estava perdido.

 - Começou em realidade com São Francisco  - começou a dizer Alice - . O filme... já sabe, Clark Gable, Spencer Tracy. Sabe também que à enfermeira da tarde lhe fascina ver por televisão filmes velhas no quarto de seu pai.

 - Sim, sim.

 - Bom, estava-a vendo enquanto Lily ajudava a seu pai a tomar seu jantar...

Lily interrompeu o relato cobrindo-a face com as mãos e soluçando. Roxanne sentiu pânico.

 - Papai?  - Sem soltar ao Nate, girou sobre seus calcanhares e teria subido correndo as escadas se Alice não o tivesse impedido.

 - Não, Roxanne, seu pai está bem. Muito bem.  - Por ser uma mulher pequena e de aspecto frágil, tinha muita força nas mãos. Apertava seus dedos sobre o braço do Roxanne e não o soltou.  - me deixe que te conte o resto antes de que subidas.

 - Começou a falar  - disse Lily desde detrás de suas mãos - . Sobre... sobre São Francisco. Roxy, querida, recordou-me . Recordou-o todo. Beijou-me a mão... igual a estava acostumado a fazê-lo antes. Falou sobre uma semana que passamos em São Francisco e que comemos caviar com champanha na terraço de nossa residência do hotel e observamos a bruma na baía. E como tratou de me ensinar alguns truques de cartas.

 - Deus  - disse Roxanne e se levou uma mão aos lábios. Sabia que seu pai podia ter momentos de lucidez, mas já não pôde apagar essa llamita de esperança de que, esta vez, duraria.  - Deveria ter estado aqui.

 - Não podia sabê-lo  - disse LeClerc e tomou a mão - . Alice justo chamava por telefone ao do Luke quando entrou em casa.

 - Subirei.  - Disse ao Nate, ao passar-lhe ao Lily:  - Irei te dar um beijo de boa noite.

 - E me contará um conto?

 - Sim.

 - Um conto muito longo, com muitos monstros?

 - Sim, de guerra e com monstros horríveis.  - Beijou-o e o viu sorrir. E foi ver seu pai.

Max usava uma bata de seda cor púrpura. Seu cabelo, cor cinza resistente, estava prolixamente penteado. encontrava-se sentado frente a seu escritório, tal como ela estava acostumada encontrá-lo cada vez que o visitava. Mas esta vez estava escrevendo, com os traços amplos e floridos que ela recordava.

Roxanne olhou à enfermeira que estava parada junto ao pé da cama, registrando as novidades na história clínica. Intercambiaram um movimento afirmativo de cabeça antes de que a enfermeira partisse da residência e os deixasse sós.

Tantos eram os pensamentos que cruzavam pela mente do Max, que ele devia apressar-se a colocá-los sobre o papel antes de que se desvanecessem e se perdessem por completo.

Essa certa possibilidade era seu inferno. O esforço que lhe demandava lutar contra a bruma, sustentar a pluma com dedos que tinham cãibras com o movimento, teria esgotado a um homem mais jovem. Mas Max sentia um fogo em seu interior que superava suas dificuldades físicas. Sua mente era de novo dela. Assim durasse isso uma hora ou um dia, não estava disposto a perder nem um momento.

Roxanne lhe aproximou. Tinha medo de falar. Medo de que ele levantasse a vista e que seus olhos a olhassem como se fora uma estranha. Ou, pior ainda, como se fora apenas uma sombra que não significava para ele mais que uma ilusão óptica.

Quando seu pai levantou a vista, ela primeiro se alarmou ao vê-lo tão cansado, pálido e magro. Seus olhos estavam brilhantes, e Roxanne viu reconhecimento neles.

 - Papai.  - aproximou-se mais e caiu de joelhos junto a ele, a cabeça apertada contra seu peito. Até esse momento não se permitiu inteirar-se de quanto precisava sentir novamente os braços de seu pai ao redor dela, quanto sentia saudades o toque de suas mãos em seu cabelo.

esforçou-se por não chorar.

 - me fale, por favor. me fale. me diga como se sente.

 - Sinto muito.  - Inclinou sua cabeça para roçar seu cabelo com a bochecha. Sua pequena. Custava-lhe muito tratar de recordar os anos que tinham passado entre a menina que era e a mulher em que se converteu. Só existia em sua mente uma bruma, um labirinto, de modo que se resignou a aceitar simplesmente que essa era sua pequena.

 - Sinto-o tanto, Roxanne.

 - Não, não. Não quero que se sinta triste.

 - Também estou cheio de gratidão. Para você. Para todos.  - Beijou-lhe as mãos, suspirou. Não podia falar. Realmente eram tão poucas as coisas das que podia falar. Mas sim escutar.  - me conte que nova magia está preparando. Ela se aconchegou a seus pés, sem lhe soltar a mão.

 - Estou fazendo uma variação do truque da Soga a Índia. Algo muito especial e dramático. Gravamo-lo em vídeo para que eu pudesse estudar meus defeitos. Confesso-te que me surpreendi mesma.

 - Eu gostaria de vê-lo. Lily me diz que está trabalhando no efeito do Pau de Vassoura.

 - Então sabe que ele está de volta.

 - Sonhei que ele estava...  - o sonho e a realidade se mesclaram de tal modo que Max não podia estar seguro.

 - Aqui mesmo, sentado junto a mim.

 - Vem a verte quase todos os dias.  - Roxanne teria querido parar-se e caminhar pela residência, mas não suportava a idéia de soltar a mão de seu pai.

 - Estamos trabalhando juntos, temporáriamente. É um trabalho muito atrativo para passá-lo por alto. Em Washington D.C. se levará a cabo um arremate...

 - Roxanne  - interrompeu-lhe seu pai - . O que significa para você... a volta do Luke?

 - Não sei. Desejaria que não significasse nada.

 - Nada é um desejo muito triste  - murmurou e sorriu - . Disse-te por que se foi?

 - Não, eu não o permiti.  - Intranqüila, ficou de pé, mas não se afastou.  - Que diferença pode fazer? Abandonou-me. Abandonou a todos. Quando tivermos terminado este trabalho, voltará a ir-se. Só que esta vez não me importará, porque não deixarei que me importe.

 - Não existe nos livros nenhum truque de magia que proteja o coração, Roxy. Esta vez há uma criatura entre os dois. Meu neto.

 - Não o hei dito.  - Frente ao silêncio de seu pai, deu-se meia volta, surpreendida do preparada que se sentia para apresentar batalha.  - Desaprova-o?

O se limitou a suspirar.

 - Sempre tomaste seus próprias decisões. Equivocada ou não, é seu escolha. Mas nada do que faça pode alterar o fato de que Luke é o pai do Nathaniel. Não há nada que possa fazer, por muito que o deseje, para trocar isso.

Roxanne voltou a ajoelhar-se junto a ele.

 - Possivelmente tenha razão, mas confesso que cada tanto eu gostaria que me dissessem o que tenho que fazer.

 - Igual faria o que quisesse.

 - Sim, claro. Mas o desfrutaria mais se primeiro alguém me dissesse o que devo fazer.

 - Então eu te direi isto. O ressentimento é uma ponte com lances defeituosos. Cair de um é mil vezes melhor que não tratar de cruzá-lo.

 - Uma lição grátis?  - murmurou ela e, com um suspiro, apertou a bochecha contra a sua.

Roxanne se sentia um pouco estremecida quando deixou a seu pai dormindo e descendeu pela escada. O se tinha fatigado muito, e ela notou que sua mente voltava a nublar-se. Quando o agasalhou na cama, chamou-a Lily.

Tinha que aceitar que era provável que seu pai não recordasse nada quando despertasse pela manhã. A hora que tinha passado com ele devia lhe bastar.

dirigiu-se à cozinha, um sorriso forçado nos lábios.

 - Venho cheirando um maravilhoso aroma a café...  - interrompeu-se ao ver que ali, com sua família, estava Luke, recostado contra a mesada da cozinha, as mãos nos bolsos.

Uma vez mais, todos falaram com mesmo tempo. Roxanne sacudiu a cabeça e se aproximou da cozinha para servir-se café.

 - Deixei-o dormido. Falar durante um bom momento o cansou muito.

 - Possivelmente agora esteja bem  - disse Lily - . Talvez todo se solucionará.  - A expressão que viu nos olhos do Roxanne a fez se separar o olhar. Era muito duro sepultar a esperança, voltar a desenterrá-la, para logo sufocá-la de novo.  - Foi maravilhoso falar de novo com ele.

 - Já sei  - disse Roxanne - . Poderíamos pedir que lhe fizessem mais estúdios.

Lily deixou escapar um gemido e em seguida ficou a brincar com a cremera que estava sobre a mesa da cozinha. Todos sabiam quão penosos eram para o Max esses estúdios e como o desorientavam. E o doloroso que funcionavam para seus seres queridos.

 - Podemos esperar que a nova medicação dê funcionado  - prosseguiu Roxanne - . Ou podemos deixar as coisas como estão.

 - O que quer fazer você, chere?  - perguntou LeClerc lhe colocando uma mão no ombro.

 - Nada  - disse ela com um suspiro - . Não quero que façamos nada. Mas acredito que devemos colocamos de acordo com respeito aos estúdios que recomendem os médicos.  - Respirou fundo e escrutinou as faces dos pressente.  - Qualquer seja o resultado, tivemos o presente desta tarde. Devemos mostramos agradecidos por isso.

 - Posso ir sentar me com ele?  - perguntou Mouse - . Não despertarei.

 - É obvio que pode.  - Roxanne aguardou a que Mouse e AIice se partiram para dirigir-se ao Luke.  - por que está aqui?

 - por que acredita?

 - Convimos em que não faria visitas inoportunas porque sim  - disse ela, mas a fúria nos olhos do Luke a fez deter-se.

 - Não é uma visita porque sim. Se quiser que explique por que, aqui e agora, farei-o com todo gosto.  - Notou que Roxanne ainda podia ruborizar-se.  - além disso  - continuou - , quando Lily chamou por telefone com as novidades sobre o Max não me ia ficar em casa papando moscas.

 - Querida  - disse Lily - . Acredito que Max teria querido que Luke estivesse aqui.

 - Max está dormido  - saltou ela - . Não é necessário que fique aqui. Se pela manhã se sente bem, pode passar todo o tempo que queira com ele.

 - Muito generoso de seu parte, Roxanne.

 - Primeiro tenho que pensar no Max. Não importa o que haja entre nós, tem que acreditar que eu jamais te separaria dele.

 - O que é exatamente o que há entre nós?

 - Não penso falar disso agora.

LeClerc começou a assobiar entre dentes e a limpar a cozinha. Sabia que deveria partir, lhes dar privacidade. Mas a situação era muito interessante. Lily não se incomodou em dissimular. Entrelaçou as mãos e observou com avidez.

 - Desceu-te da cama e te mandou a mudar - disse ele - . Eu não penso deixar isto sem resolver.

 - Sem resolver? Você tem a insolência de me falar comigo de deixar algo sem resolver? Foi de casa uma noite para fazer um trabalho e jamais voltou. Uma variação muito ardilosa do velho truque de sair a comprar cigarros, Calavam. Mas maldito se me impressionar.

 - Tive meus motivos.

 - Seus motivos me importam um corno.

 - Claro, o único que se preocupa é fazer que me arraste pelo chão  - disse ele e lhe aproximou, embora o que desejava era estrangulá-la - . Pois bem, não o farei.

 - Não me interessa que te arraste pelo chão. A menos que seja nu, e sobre partes de vidro. Deitei-me contigo, não? Foi um equívoco, uma estupidez abjeta, um momento de absurda luxúria.

Ele a tirou da camiseta.

 - Talvez tenha sido uma estupidez ou possivelmente foi por luxúria, por parte dos dois, querida. Mas não foi um equívoco. E vamos arrumar isto, de uma vez e para sempre, embora tenha que te amordaçar e te algemar para que me escute.

 - Tenta-o, Calavam, e em vez de mãos terá dois cotos sanguinolentos...

Mas ele já não a escutava. Roxanne viu como a cor desaparecia da face do Luke até deixá-la alva como o papel. Os olhos que olhavam por cima de seu ombro se obscureceram em um azul cobalto.

 - Deus...  - foi tudo o que ele disse, e a mão com a que agarrava a camiseta do Roxanne se afrouxou.

 - Mamãe.

O coração do Roxanne se deteve o ouvir a voz de seu filho. Girou a cabeça. Nate estava de pé junto à porta da cozinha, esfregando-os olhos cheios de sonho com uma mão e, com a outra, arrastando seu cão de pano.

 - Não veio a me dar o beijo de boa noite.

 - OH, Nate.  - de repente sentiu frio, muito frio, inclusive quando se inclinou para elevar a seu pequeno.  - Sinto muito. Teria subido dentro de um momento.

 - Tampouco ouvi o final do conto que me leu Alice  - queixou-se, bocejou e aconchegou a cabeça no ombro de sua mãe.

Luke não podia tirar os olhos de cima a esse menino que tinha sua face, sua mesma face. Era como olhar por uma lente olho de pescado e ver-se ao longe. No passado. Nesse passado que nunca lhe tinham dado.

É meu filho, foi tudo o que pôde pensar. Deus santo. É meu filho.

depois de outro grande bocejo, Nate o olhou.

 - Quem é esse?  - quis saber.

Em todos os libretos imaginados pelo Roxanne ao longo desses anos, a apresentação de seu filho a seu pai jamais se pareceu nada ao que estava ocorrendo.

 - Ah... bom, é...  - Um amigo?, perguntou-se.

 - Este é Luke  - disse Lily - . Foi algo assim como um filho para mim quando era menino.

 - Olá  - disse Nate e sorriu. Quão único viu-me a um homem alto, de cabelo negro estirado para trás com uma rabo-de-cavalo, e uma face parecida com as dos príncipes de seus livros de contos.

 - Olá.  - Luke mesmo se surpreendeu por quão tranqüila soou sua voz quando o tumulto em seu interior era monumental.  - Você gosta dos cães?  - perguntou e se sentiu terrivelmente tolo.

 - Este é Waldo  - disse Nate e entregou o cão de pano para que Luke o inspecionasse - . Quando tiver um cão de verdade o chamarei Mike.

 - É um nome muito lindo  - disse Luke e roçou a bochecha do Nate com a ponta dos dedos.

Com mais astúcia que acanhamento, Nate apertou a cabeça contra o ombro de sua mãe e sorriu ao Luke.

 - Você não gostaria de um gelado?  - disse. Roxanne não pôde suportar mais: nem a pena, nem a expressão maravilhada nos olhos do Luke, nem sua própria culpa.

 - A cozinha está fechada, garoto  - disse, e a envergonhou o impulso covarde que sentiu de sair correndo com seu filho - . É hora de que vá à cama, Nate, antes que te converta em um sapo.

 - Eu o levarei a seu quarto  - disse Lily e estendeu os braços para o Nate antes de que Roxanne tivesse tempo de protestar.

Nate jogou mão de todo seu encanto ao lhe dizer:

 - Lerá-me um conto? Eu gosto mais quando me o os você.

 - É obvio.  - Lily franziu o sobrecenho ao advertir, divertida, que LeClerc seguia limpando a superfície resplandecente da cozinha.  - Não vem conosco?

 - Assim que termine de colocar toda em ordem.  - Suspirou quando Lily o olhou com reprovação. Não sempre

era agradável ser discreto.  - Sim, irei com vocês.

Quando eles desapareceram da cozinha, Roxanne permaneceu de pé frente a Luke, prisioneira do silêncio.

 - Acredito...  - Pigarreou para eliminar o tremor de sua voz e fez um novo intento.  - Acredito que quero algo mais forte que café.  - Começou a girar, mas Luke a agarrou pelo braço.

 - É meu. Por Deus, Roxanne, esse menino é meu filho. Meu. Temos um filho e você me ocultou isso. Maldita seja, como pôde não me dizer que tinha um filho?

 - Não estava aqui!  - gritou ela e lhe pegou uma bofetada que assombrou a ambos. Impressionada, levou-se a mão aos lábios, e depois deixou cair o braço.  - Não estava aqui  - repetiu.

 - Agora estou aqui. Faz duas semanas que estou aqui. "Não caia a casa sem avisar, Calavam"  - disse, e agora em seus olhos havia mais que fúria; havia um furacão.  - Não o fazia pelo Max. Fixava as regras para que eu não visse nosso filho. Não me foste dizer isso.

 - Sim lhe ia dizer isso.  - Não conseguia recuperar o fôlego. Jamais em sua vida tinha tido medo do Luke em um sentido físico. Até esse momento. Parecia capaz de algo. De todo.  - Necessitava tempo.

 - Tempo  - disse ele e a levantou em velo com essa força surpreendente que assustava aos dois - . Eu perdi cinco malditos anos e você necessitava tempo?

 - Perdeu? Você os perdeu? O que esperava que fizesse eu, Luke, quando retornou a minha vida? Olá, tudo bem, um gosto te voltar para ver. Ah, esquecia-o, é papai. te fume um bom charuto.

O ficou olhando-a durante um momento que pareceu interminável. Embargou-o a violência, uma necessidade profunda e sombria de destruir, de infligir dor, de gritar clamando vingança. Voltou a apoiar ao Roxanne no chão. deu-se meia volta e abriu a porta de par em par.

Uma vez fora, respirou fundo. Sentiu uma dor intensa e profunda.

Seu filho. Seu filho o tinha cuidadoso, tinha-lhe sorrido, e acreditou um estranho.

Roxanne o seguiu para fora. Curiosamente, agora estava tranqüila. Não a surpreenderia que ele a atingisse; em seus olhos estava esse perigo. defenderia-se se chegava a ser necessário, mas o tempo do medo tinha passado.

 - Não me desculparei por não lhe dizer isso Luke. Fiz o que acreditei melhor. Equivocada ou no certo, voltaria a fazê-lo.

O não a olhou, mas sim seguiu fazendo-o em direção à fonte.

Faziam esse milagre juntos, pensou. Concebido esse filho com amor, risadas e luxúria. Seria por isso que era tão formoso, tão perfeito, tão incrivelmente maravilhoso?

 - Sabia que estava grávida quando fui?

 - Não. Soube quase imediatamente depois. Estive chateada essa tarde, recorda? Funcionou que sofria as típicas descomposturas matinais, só que pela tarde.

 - Alguma vez foi precisamente convencional  - disse ele e se meteu as mãos nos bolsos, lutando por manter-se calmo, por ser razoável - . Foi difícil?

 - O que?

 - A gravidez  - disse por entre seus dentes apertados. Mas ainda não pôde olhá-la.  - Foi difícil? Sentiu-se muito mal?

Isso era quão último ela esperava que lhe perguntasse.

 - Não. Tive náuseas os dois primeiros meses, mas depois todo foi singelo. Acredito que nunca na vida me hei sentido melhor.

 - E durante o parto?

 - -Não foi uma pavada, mas tampouco tão terrível. Dezoito horas de trabalho de parto, e Nathaniel fez sua aparição neste mundo.

 - Nathaniel  - Luke repetiu o nome em um sussurro.

 - Não queria lhe colocar o nome de ninguém conhecido. Queria que tivesse um que pertencesse só a ele.

 - É um menino são.  - Luke seguia olhando a fonte. Quase conseguia ver cada uma das gotas que se elevavam, caíam e voltavam a subir.  - Parece... são.

 - Está esplêndido. Jamais se doente.

 - Como sua mãe.  - Mas tem minha face, pensou Luke. Tem minha face.  - E gosta dos cães.

 - Ao Nate gosta virtualmente todo.  - Luke  - murmurou, decidiu arriscar-se e lhe roçou o ombro com uma* mão. Ele girou com tal rapidez que Roxanne retrocedeu. Mas quando a sujeitou, não foi castigá-la.

Rodeou-a com os braços e a apertou contra seu corpo. Lhe acariciou o cabelo e lhe devolveu ao abraço.

 - Temos um filho  - sussurrou ele.

 - Sim. Temos um filho maravilhoso.

 - Não posso deixar que me o retacees, Roxanne. Não importa o que pense de mim ou o que sinta por mim, não posso deixar que me mantenha longe dele.

 - Já sei. Mas não permitirei que o machuque  - disse ela e se separou - . Não permitirei que te converta em algo tão importante para ele, e que quando for cause dor.

 - Quero a meu filho. Quero a você. Quero ter minha vida de volta. Por Deus, Roxanne, necessito que me escute.

 - Não esta noite.  - Mas ele já a tinha tirado da mão e a arrastava pelo jardim para o quarto de trabalho.  - Esta noite não penso sofrer outra tortura emocional. me solte.

 - Eu vivi cinco anos em meio de um tortura emocional. Assim não terá mais remedeio que te agüentar outra hora.  - Abriu a porta e arrastou ao Roxanne dentro.

 - Como pode me fazer isto?. Como pode te levar assim? Acaba de inteirar-se de que tem um filho, e em lugar de te sentar e que tenhamos uma conversação tranqüila e adulta, arrasta-me de um lado ao outro.

 - Não teremos uma conversação tranqüila, adulta, nem nada que lhe pareça.  - Tomou um par de esposas e fechou um ao redor do punho do Roxanne.  - Uma conversação significa duas ou mais pessoas que falam. O que fará você será me escutar  - disse, colocou-lhe a segunda esposa e sujeitou ambas em uma morsa.

 - Não trocaste nada. Segue sendo um filho de puta e um valentão.

 - E você segue sendo uma sabichão teimosa. Agora te cale.

Ele queria falar, que falasse, pensou Roxanne. Isso não significava que ela tivesse que escutar. Toda sua atenção se concentrou em liberar seus punhos das esposas.

 - Abandonei-te  - começou a dizer ele - , isso não posso negá-lo. Deixei-os a você, ao Max, ao Lily e tudo o que me importava na vida e voei ao México com cinqüenta e dois dólares na carteira e as gazuas que Max me deu de presente quando fiz vinte e um anos.

 - Esqueças várias centenas de milhares em jóias.

 - Não tinha nenhuma jóia. Jamais cheguei à caixa forte. Foi uma emboscada. Está-me escutando? Foi uma emboscada do começo. Só Deus sabe o que teria ocorrido se tivesse estado lá comigo. Apesar do mal que saíram as coisas, sempre agradeci que se sentisse doente esse dia e te tivesse ficado em cama.

 - Emboscada, um corno  - saltou ela e amaldiçoou não ter a habilidade do Luke para os escapamentos.

 - Ele sabia. Sabia o do trabalho. Sabia a respeito de nós  - disse e olhou ao Roxanne - . Sabia todo com respeito a nós.

 - O que está dizendo? Trata de me fazer acreditar que Sam sabia que planejávamos lhe roubar?

 - Sabia... queria que fôssemos roubar lhe.

 - Acredita-me tola, Callahan? Ele insinuou que sabia algo sobre nós faz anos, a vez que o encontramos em Washington D.C. Mas, de ser certo, teria usado essa informação. É absurdo pensar que queria que entrássemos em sua casa e lhe roubássemos as jóias de sua esposa.

 - O nunca teve a intenção de que nos levássemos as jóias. Vá se usou a informação. Usou-a para me fazer pagar por me colocar em seu caminho faz tantos anos. Por lhe quebrar o nariz. Por humilhá-lo. Usou-a para machucá-los a vocês por ter tido a ousadia de recebê-lo, tratar de ajudá-lo e, depois, rechaçá-lo.

Uma nova sensação começava a minar o desdém do Roxanne.

 - Se tinha a certeza de que fomos ladrões, por que não nos assinalou com seu dedo acusador? E, em primeiro lugar, como o suspeitou? Como soube?

 - Por mim. Fez que Cobb me chantageasse.

 - Quem?

 - Cobb. O tipo que vivia com minha mãe quando eu me mandei a mudar. O tipo que me espancou até que perdi o conhecimento. que me encerrava no placard, ou encadeava aos canos do banho. que por vinte dólares vendeu a um degenerado bêbado.

Roxanne empalideceu. O que Luke dizia já era bastante espantoso, mas ter que ouvi-lo recitado com essa voz monótona e sem sentimento lhe gelou o sangue

 - Luke. Luke, me tire estas esposas.

 - Não até que o tenha ouvido todo. Essa noite... recorda aquela noite, em meio da chuva, Rox? A noite que me contou que esse filho de puta tinha tratado de te forçar. E eu me voltei louco porque sabia o que era isso. Não podia suportar a idéia de que ninguém te machucasse dessa maneira. E te abracei. E te beijei. Tratei de não fazê-lo mas o desejava tanto. Desejava tanto tudo o que tivesse que ver contigo. Por um minuto, um só minuto, acreditei que todo sairia bem.

 - Saiu bem  - murmurou ela - . Foi maravilhoso.

 - Então o vi. Passou junto a nós e olhou. Soube que nada sairia bem, afastei-te e fui atrás dele.

 - O que...?  - Roxanne se mordeu o lábio, ao recordar quão bêbado estava Luke aquela noite ao voltar para sua casa.  - Não o haverá...

 - Matado?  - O sorriso do Luke a assustou.  - Teria sido mais simples fazê-lo. Que idade tinha eu? Vinte e dois, vinte e três anos? Deus, poderia ter tido doze pelo muito que me assustava. Queria dinheiro... assim que lhe dava dinheiro.

 - Pagou-lhe?  - perguntou ela com certo alívio - . por que?

 - Para que não dissesse a ninguém o que sabia. Para que não fosse aos meios de imprensa a lhes informar que eu me tinha vendido.

 - Mas você não...

 - Que diferença faz qual era a verdade? Tinham-me vendido. Tinham-me usado. Isso me dava vergonha. Vergonha que sigo sentindo ainda hoje.

 - Mas se não fez nada.

 - Fui uma vítima. Às vezes isso é suficiente  - disse e se encolheu de ombros - . De modo que lhe paguei. Cada vez que me enviava uma postal, eu lhe mandava de volta a quantidade que figurava nela. Quando deveste viveu comigo, assegurei-me sempre de ser eu o que recebia a correspondência. No caso de.

 - Um minuto. Espera um minuto. O que diz é que por essa época te seguia chantageando? Passou durante tanto tempo e jamais me disse isso? Não confiava o suficiente em mim para compartilhar o que te passava?

 - Sentia vergonha. Vergonha pelo que me tinha passado, vergonha de não ter suficientes coragem para mandá-lo a passeio. Aterrava-me a idéia de que se pudesse cansar e então fazer realidade sua ameaça de lhe dizer à imprensa que Max havia...  - interrompeu-se, amaldiçoando-se a si mesmo. Não tinha tido intenção de chegar tão longe.

Tanto a vergonha como a fúria lhe fizeram um nó no estômago enquanto aguardava.

 

Roxanne respirou fundo. Tinha medo de saber o que viria a seguir. Mas devia estar segura.

 - Que Max fazia o que, Luke? Está bem, pensou ele, o direi todo. Já não poderá dizer que não confio nela.

 - Que Max tinha abusado sexualmente de mim. A fúria foi apagando a cor da face até deixar-lhe completamente branca. Mas seus olhos brilhavam com intensidade.

 - Teria sido capaz de dizer isso? Teria mentido dessa maneira sobre você e papai?

 - Não sei. Mas não podia me arriscar a que o fizesse, assim que lhe paguei. E, ao lhe pagar, piorei muito as coisas.

Ela fechou os olhos.

 - O que podia ser pior que isso?

 - Já te disse que Wyatt jogou em cima ao Cobb, mas era ele quem dirigia a situação. Eu não sabia, embora deveria ter suposto que Cobb não tinha a inteligência suficiente para ter pensado nessa chantagem. Cada vez que lhes ocorria, eu pagava. Sem fazer perguntas. Isso não fez feliz ao Wyatt. E decidiu realizar investigações para averiguar como fazia eu para pagar mais de cem mil dólares por ano sem protestar.

 - Cem mil...  - A sozinha ideia a espantava.

 - Teria pago o dobro com tal de não te perder. E para que não visse que eu tinha sido um covarde. Que alguém tinha forjado uma corrente da que eu não podia escapar. Tinham-me usado.

 - Sabia. Disse-te que soube sempre.

 - Mas não sabia o que isso me fez . Dentro. As cicatrizes que tenho nas costas são só um aviso do lugar de onde procedia. Mas não queria que visse além delas. Queria ser invencível para você... para mim. Foi orgulho, e Deus sabe quanto paguei por isso.

 - Seriamente acredita que isso teria trocado o que sinto por você?

 - Trocou o que eu sentia para mim. Wyatt o entendeu. E o usou. Como estudava cada movimento que eu fazia, viu o intuito oculto detrás de minha conduta. Teve meses para preparar a emboscada. Suponho que por isso lhe saiu tão bem.

Ela já não lutava, já não se sentia furiosa. Estava atônita.

 - Sabia que te apresentaria essa noite.

 - Sabia. Estava-me esperando em seu escritório. Tinha uma pistola. Supus que me mataria e assim terminaria todo. Mas seus planos eram diferentes. Ofereceu-me um conhaque. O muito filho de puta me ofereceu uma taça e me disse tudo o que sabia. Pintou-me um quadro do que eu sentiria se você e Max eram enviados ao cárcere. Eu começava a me sentir mau. Acredito que pensei que era devido a situação, mas era pelo conhaque.

 - Tinha-te drogado? Deus santo.

 - Enquanto eu seguia sentado ali, tratando de calcular minhas possibilidades, entrou Cobb. Nesse momento soube da associação de ambos. Rox, Sam disse ao Cobb que servisse uma taça. E depois... depois o matou. Apontou-lhe com a arma, apertou o gatilho e o matou.

 - Ele...  - Roxanne fechou os olhos. Ao abri-los, começou a ver bem.  - O te ia carregar com esse homicídio.

 - Era perfeito. Eu perdi o conhecimento, e quando voltei em mim, vi-o empunhar uma pistola diferente.

Mais sereno do que esperava, Luke se sentou em um banco e acendeu um charuto enquanto contava o resto ao Roxanne.

 - Assim que fui. Desapareci. Passei cinco anos tratando de te esquecer e sem consegui-lo. Percorri o mundo, Rox. Ásia, América do Sul, Irlanda. Tratei de me embotar com o álcool, mas nunca eu gostei das conseqüências da bebedeira. Tentei fazê-lo com o trabalho.

Faz ao redor de seis meses, ocorreram algumas coisas. Inteirei-me da situação em que se encontrava Max. Ocupou-te de mantê-lo bem oculto.

 - Minha vida pessoal é minha. Não a compartilho com a imprensa.

 - Suponho que por isso jamais soube do Nate.

 - Tampouco compartilho a meu filho com o público.

 - Nosso filho  - corrigiu-a ele e a olhou - . A outra coisa que descobri foi que Wyatt se postularia para senador na seguinte escolha. Talvez foi porque estava cansado depois desses cinco anos, ou porque me voltei ardiloso, o certo é que me coloquei a pensar e a traçar planos. Conhecer o Jake me veio bem. Até esse momento vivia com o que ganhava como o Fantasma. Não podia tocar o dinheiro que tinha depositado em uma conta a Suíça porque não tinha os números, e não havia forma de consegui-los.  - Sorriu.  - Mas Jake ficou a trabalhar nisso e a vida se fez mais fácil. O dinheiro facilita as coisas, Rox. E me conseguirá o que quero.

 - O que?

 - além de você, digamos que justiça. Nosso velho amigo pagará sua dívida.

 - Não se trata, então, somente da pedra, verdade?

 - Não. Quero-a para o Max, mas não é só isso. Tenho uma forma de chegar a ele. Tomou-me muito tempo planejá-lo, e necessito a você para que funcione. Segue comigo?

 - O me roubou cinco anos. Separou-me do pai de meu filho. Faz falta que me pergunte isso?

Ele sorriu, inclinou-se para frente para beijá-la, mas ela se separou a cabeça.

 - Tenho que te perguntar algo, Calavam, assim te afaste e me escute.

O se separou alguns centímetros.

 - Está aqui porque eu sou uma parte necessária do plano?

 - O que você é, Roxanne, é imprescindível.  - deslizou-se da mesa e girou para lhe acariciar a parte exterior das coxas.  - Vital.  - Como ela ainda tinha a cabeça girada, ele se contentou lhe mordiscando o lóbulo da orelha.  - Houve outras mulheres.

 - Me imagino  - disse ela com secura.

 - Mas só foram pobres e pálidas ilusões. Fumaça e espelhos, Rox. Não houve um só dia em que não te desejasse.  - Deslizou as mãos a sua cintura, e a obrigou a girar a cabeça ao lhe estampar beijos no queixo.  - Amei-te sempre, desde que te conheci.

Sentiu que ela se abrandava quando lhe deslizou as mãos debaixo da camiseta para lhe acariciar as costelas.

 - Quando fui, foi pelo O. Voltei por você. Não há nada que possa dizer ou fazer para me obrigar a te deixar de novo.

Com os polegares, roçou-lhe apenas a parte inferior dos seios.

 - Esta vez, matarei-te se o tenta, Calavam.  - Desesperada-se, apoiou sua boca na dele.  - Juro-o. Não

deixar que me faça o amor de novo a menos que esteja segura de que ficará.

 - Nunca deixou de me amar.  - A excitação crescia, era quase intolerável. Tomo os seios e empregou os polegares para brincar com seus mamilos.  - Diga-o.

 - Eu queria deixar de te amar.  - Jogou a cabeça para trás com um gemido quando ele começou a lhe beijar o pescoço.  - Isso queria.

 - Dava as palavras mágicas  - voltou a lhe pedir ele.

 - Amo-te. Sempre te amei. Jamais deixei de fazê-lo. Agora, me tire estas malditas esposas.

 - Talvez.  - O tocou do cabelo até que ela abriu os olhos e centrou seu olhar nos seus.  - Talvez mais tarde.

E a beijou apaixonadamente. " A primeira vez todo tinha acontecido muito rápido, puros estalos, fogo e necessidade. Agora queria saboreá-lo. Queria enlouquecê-la passo a passo, centímetro a centímetro.

Brincou em seu pescoço com a língua, enquanto suas mãos a percorriam com atitude possessiva.

 - Se você não gostar, pararei  - -murmurou - . Quer que me detenha?

 - Não sei.  - Como podia esperar Luke que ela sequer pensasse em semelhante estado?  - Quanto tempo me dá para que o dita?

 - Darei-te tempo mais que suficiente.

O certo era que ela não tinha pensamentos, nem vontade, nem razão. Saber que seu corpo era do Luke acendeu milhares de pequenas fogueiras em seu sangue, que queimavam como uma droga. Queria ser tomada, explodida para prazer de ambos, e conquistada.

Um gemido brotou de sua garganta quando lhe rasgou a camiseta. Tratou de defender-se, mas as mãos e a boca do Luke foram deliciosamente suaves.

As sensações se converteram em emoções violentas que se intensificavam perigosamente. Cada vez, cada vez que estava a ponto de chegar a esse maravilhoso pico final, ele se separava e a deixava ofegando e enlouquecida.

Era maravilhoso vê-la, apreciar tudo o que se refletia em seu rosto, sentir cada emoção que lhe estremecia o corpo, ouvi-la murmurar seu nome uma e outra vez.

O poder do Roxanne era mais te raspar precisamente porque ela não sabia que o possuía. Sua entrega fazia que ele se convertesse, ao mesmo tempo, em seu prisioneiro.

Lentamente, Luke foi baixando as calças pelos quadris, enquanto explorava cada novo centímetro de pele que ficava exposto, e a acariciava com os dentes e a língua e as pontas dos dedos, até que Roxanne se estremeceu com violência em seu primeiro orgasmo.

 - Amo-te, Roxanne  - disse - . Sempre você  - murmurou, e as mãos que tinha liberado se fecharam ao redor dele - . Só você.

Entrega-a de ambos foi total.

Incomodava-o que não lhe permitisse passar as noites com ela, e tampouco queria passar as seu com ele. Luke necessitava muito mais que a intimidade do sexo. Precisava recorrer a ela de noite, vê-la despertar pela manhã.

Mas Roxanne se manteve firme, e não lhe deu seus motivos.

Já não colocava restrições a suas visitas à casa do Chartres. Havia motivos para isso. Todos estavam muito tristes pelo agravamento do Max, e os dias em que ele se internava para que lhe realizassem estúdios funcionavam insuportavelmente largos. Roxanne sabia que o fato de ter ao Luke perto levantava o ânimo a todos, incluindo-a a ela, é obvio. Queria lhe dar ao Nate a oportunidade de conhecê-lo como homem, antes de que tivesse que aceitá-lo como pai.

Trabalhavam juntos. Quando passou uma semana, e depois dois, o espetáculo que tinham criado começou a aflatarse. Prepararam com a mesma meticulosidade o que fariam no arremate. Roxanne teve que reconhecer que Luke tinha planejado todos os detalhes com total precisão e habilidade. Ficou também gratamente impressionada com a primeira das peças falsificadas que chegou de Remará.

 - Bom trabalho  - disse-lhe, mostrando-se deliberadamente pouco entusiasta com a perfeição da tiara de diamantes e o colar de rubis. ficou as jóias, de pé frente ao espelho do dormitório do Luke, e comentou:

 - Um estilo muito pesado para meu gosto, é obvio, mas estão bastante bem. Quanto nos custou?

 - Cinco mil.

 - Cinco mil.  - Levantou as sobrancelhas.  - É muito dinheiro.

 - O tipo é um artista  - disse ele com um sorriso ao vê-la franzir o sobrecenho e brincar com as pedras falsas - . As autênticas custam mais de cento e cinqüenta mil, Roxy. Cobriremos de sobra os gastos.

 - Isso espero.  - Teve que reconhecer, pelo menos para si, que sem a equipe necessária para verificar sua autenticidade, essas imitações a teriam enganado. Não só pareciam autênticas mas também o engaste parecia seriamente antigo.  - Quando podemos esperar o resto?

 - Chegarão a tempo.

 - Roxanne, penso ver o Nate todo o possível. Serei uma parte de sua vida. Tenho que fazê-lo  - insistiu

Luke - . Mas não te culpo muito por querer me castigar.

 - Não quero te castigar. Bom, talvez sim, não estou segura, e isso é o pior de todo. Tratar de saber o que fazer, o que é o melhor, e depois verte com ele e recordar todo o tempo perdido. Confesso que me dói verte com ele, mas não da maneira que você acredita. Dói-me como dói contemplar um amanhecer, ou escutar música. Nate move a cabeça igual a você. Sempre foi assim, e isso me destroçou o coração. Tem seu sorriso, seus olhos, seus mãos. Eu estava acostumado a olhar-lhe quando estava dormido, lhe contar os dedos e lhe olhar as mãos. E sentir saudades muitíssimo.

 - Rox.  - Pensava, confiava em que tinham acontecido o pior a noite em que lhe tinha contado todo a ela.  - Sinto muito.

 - Jamais chorei por você. Meu uma sozinha vez nestes cinco anos me permiti derramar uma lágrima por você. Foi por orgulho. Ajudou-me a passar a pior parte. Tampouco chorei quando voltou. Quando me contou o que tinha passado, senti muita pena e tratei de entender o que deveu sentir você. Mas, maldito seja, Luke, fez mau. Deveria ter voltado para casa. Deveria ter retornado e haver me contado isso todo. Eu me teria ido contigo. Me teria ido a qualquer parte contigo.

 - Já sei.  - O não podia tocá-la agora, por muito que o necessitasse. Pareceu-lhe tão frágil que teve medo de quebrá-la.  - Soube então, e estive a ponto de voltar. Poderia te haver levado longe, longe de seu família, longe de seu pai. Para isso, não devia me importar o fato de que estivesse doente, de que devia a ele e a todos vocês o que eu tinha de bom. Poderia me haver arriscado a que Wyatt me fizesse procurar pela polícia em qualquer momento, acusado de homicídio. Mas não o fiz. Não pude.

 - Eu te necessitava.  - Sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas, e se cobriu a face com as mãos para deixar que brotassem livremente.  - Necessitei-te tanto.

Então sim, ele a abraçou.

Pouco a pouco, os soluços foram convertendo-se em pranto, e as violentas sacudidas, em estremecimentos.

 - Preciso estar só  - sussurrou Roxanne através de sua garganta seca.

 - Não. Já não. Nunca mais, Roxanne.

Ela se sentia muito fraco para discutir. depois de suspirar, apoiou a cabeça contra o ombro do Luke.

 - Detesto isto.

 - Já sei  - disse ele e a beijou na têmpora - . Recorda a vez que descobriu que Sam te tinha usado? Chorou então, e não sabia como dirigi-lo.

 - Você me protegeu. E lhe quebrou o nariz.

 - Sim. Farei muito mais esta vez. É uma promessa. Mas agora ela não estava em condições de pensar nisso. sentia-se vazia e estranhamente livre.

 - Funcionou-me mais fácil te dar meu corpo que te dizer todo isto.  - Fechou seus olhos inchados, e as carícias da mão do Luke sobre seu peito a tranqüilizaram.  - Poderia me dizer que foi só luxúria, e que se ainda havia amor intercalado com ela, eu podia estar controlando a situação. Mas me dava medo permitir que fosse meu amigo de novo. Deixa que me vá lavar a face. me deixe só um momento.

 - Rox...

 - Não, por favor. Há algo que preciso fazer. me dê meia hora.

Beijou-o com muita ternura, antes de que Luke pudesse esgrimir um argumento para ficar junto a ela.

 - Voltarei.

Esta vez, Roxanne sorriu.

 - Conto com isso.

Luke lhe trouxe flores. Talvez fora um pouco tarde para as flores e o cortejo de um apaixonado, pois eram amantes, sócios e compartilhavam um filho, mas, como Max poderia haver dito, melhor tarde que muito logo.

Até entrou pela porta do frente em lugar de fazê-lo pela cozinha. Como um pretendente que ia de visita formal, passou-se a mão pelo cabelo e tocou o timbre.

 - Calavam.  - Roxanne abriu a porta e se largou a rir.  - O que faz aqui?

 - Devo convidar a uma mulher formosa para jantar comigo.  - Deu-lhe as rosas e, com uma grande reverencia, em suas mãos apareceu um buquê de flores de papel.

 - OH.  - Isso a conquistou: o sorriso encantador, a saudação formal, o enorme ramo de fragrantes pimpolhos de rosa e o truque tolo. Essa mudança de rotina em seguida a fez desconfiar.  - O que te traz entre mãos?

 - Já lhe disse isso. Vim a te convidar a sair.

 - Você...  - Outra gargalhada.  - Muito bem. Em vinte anos, jamais me convidou a sair. O que é o que quer?

Não era fácil cortejar a uma mulher que ria a gargalhadas.

 - te levar a jantar. E, possivelmente, dar um passeio depois com o automóvel... a algum lugar onde possamos estacionar ao flanco do caminho.

 - Não posso aceitar seu convite. Tenho outros planos.  - Baixou a cabeça para aspirar a fragrância das rosas. antes de ter tempo de desfrutar desse perfume, voltou a levantar a cabeça.  - Não haverá me trazido floresça só porque chorei, verdade?

 - Qualquer diria que nunca te traga flores.

 - Não o fez. Mas vamos, entra. Jantaremos aqui.

 - Rox, quero estar a sós contigo, não em uma casa cheia de gente.

 - Toda essa gente saiu e, Deus te ajude, Calavam, eu cozinho esta noite.

 - Fantástico  - disse ele com um sorriso.

 - Entremos. Tenho algo para você.

 - Se não querer te colocar a cozinhar, querida, poderíamos comer fora.  - Seguiu-a à sala e viu o menino sentado na beira do divã.  - Olá.

 - Olá.  - Nate ficou observando-o um bom momento com total intensidade.  -  Como é que não vive aqui se for meu papaizinho?

 - Eu...  - Emocionado até a alma, Luke só pôde olhá-lo fixo.

 - Mamãe me disse que teve que ir por muito tempo porque um tipo mau te perseguia. Matou-o de um tiro?

 - Não.  - Tinha que tragar, mas não pôde. Tanto seu filho como a mulher que amava o esperaram pacientemente.  - Em vez de fazer isso, pareceu-me melhor lhe fazer uma sacanagem. Eu não gosto de lhe disparar às pessoas.  - sentiu-se incômodo e olhou ao Roxanne.  - Rox.  - Com seus olhos lhe suplicou ajuda, mas ela sacudiu a cabeça.

 - Às vezes a única forma é enfrentar ao touro  - murmurou ela - . Nada de ensaios, Calavam. Nem de libreto nem de truques.

 - Está bem.  - Com pernas cambaleantes se aproximou do divã e ficou em cuclillas frente a seu filho. Sentiu que o suor lhe corria pelas costas.  - Lamento não ter estado aqui contigo e com seu mãe, Nate.

Nate sentiu uma coisa rara no estômago desde que sua mãe o tinha sentado e lhe havia dito que tinha um papai.

 - Ao melhor não pôde evitá-lo  - murmurou Nate enquanto tironeaba os fios do buraco que tinha no joelho dos jeans.

 - Igual, entretanto, lamento-o. Não porque vocês me necessitassem. Você já está bastante crecidito. Bom, mas nos levaremos bem, sim?

 - Sim... suponho  - respondeu Nate.

 - Poderíamos ser amigos se te parecer bem. Não faz falta que me trate como a um pai.

Quando Nate o olhou, tinha os olhos cheios de lágrimas.

 - Não quer que te trate como a um papai?

 - Sim.  - Doía-lhe a garganta. Sentiu um bálsamo em seu coração.  - Sim, vá se o quero. Quero-o muitíssimo  - disse e tomou a face de seu filho em suas mãos.

O menino gritou de prazer quando Luke o agarrou pelas mãos e o balançou bem alto. Depois, aproximou-se do Luke e lhe murmurou ao ouvido:

 - Não poderia lhe dizer a mamãe que tenho que ter um cão? Um cão bem grande?

 - Tentarei-o. Agora, que tal se me dá um bom abraço?

 - Está bem.

Nate apertou forte os braços ao redor do pescoço do Luke. Ainda sentia algo raro na barriga, e essa sensação lhe tinha deslocado ao peito. Mas pensou que não era uma sensação feia. Suspirou e aconchegou a cabeça no ombro de seu pai.

 

 - Estou tratando de me concentrar  - disse Roxanne e moveu a mão por sobre o ombro para se separar ao Luke, que respirava sobre sua nuca.

 - E eu, de te convidar a sair.

 - Parece que ultimamente está muito salidor.  - tornou-se para frente e moveu o abajur que estava sobre o escritório de seu pai. Desdobrados diante dela se encontravam os planos da galeria de arte. Ainda deviam decidir por onde entrar.

 - Desde acima para baixo, Calavam. Tem suas razões. Mostra-a será no segundo piso, assim por que entrar pela planta baixa e subir?

 - Porque desse modo podemos subir pelas escadas em lugar de pendurar de uma soga a cinco metros do chão.

Ela o olhou por cima do ombro.

 - Está-te colocando velho.

 - Nada disso. Acontece que agora sou pai, e tenho que tomar certas precauções.

 - Entraremos pelo teto, papaizinho. Ele sabia que era o lugar mais indicado, mas desfrutava da discussão.

 - Teríamos que subir ali ao Jake. E as alturas não gosta de anda.

 - Então terá que lhe enfaixar os olhos.  - Atingiu o lápis contra o plano.  - Aqui, a janela do este, segundo piso. Já estou dentro, fazendo tempo no depósito até o momento adequado. Entro na sala de vigilância justamente às 11:17, o qual me dá exatamente um minuto e trinta segundos para manipular a câmara seis antes de que soe o alarme.

 - Eu não gosto da idéia de que tenha que te ocupar disso.

 - Não seja tão machista, Luke. Sabe de sobra que sou melhor que você em tudo o que tenha que ver com a eletrônica. Depois, mudança os tampe de vigilância  - disse e sorriu - . Oxalá pudesse observar a face do guarda quando vir o vídeo preparado por Mouse.

 - Isso é de aficionados, querida.

 - te cale, Calavam. Depois, sempre e quando Jake e Mouse tenham feito o seu, ocupo-me de abrir a janela de dentro. Então entra você, meu herói  - disse e lhe fez uma caída de olhos.

 - E temos seis minutos e meio para abrir a vitrine, tirar o bota de cano longo e substitui-lo com nossas imitações.

 - Depois, desapareceremos sem deixar rastros. Você e eu voltamos para nossa residência do hotel e agarramos como loucos.

 - Deus, como eu gosto quando fala com essa crueldade. Ainda temos que afinar um pouco os tempos.

 - Ficam várias semanas.  - Roxanne estendeu os braços, levantou-os e os entrelaçou detrás da nuca do Luke.  - Pensa nessas jóias maravilhosas. Todas nossas, Calavam.

Ele fez uma careta, suspirou e se endireitou.

 - Há algo que quero te dizer a muito tempo, Rox.  - Não podia saber qual seria a reação dela, assim tinha adotado a atitude mais cômoda e covarde: adiar as coisas.  - Quer um conhaque?  - Sim, claro.  - Voltou a espreguiçar-se. Era quase a uma da manhã. A casa estava em silêncio, e o hall totalmente às escuras. Por um momento pensou em seduzir ao Luke ali mesmo, no divã, e sorriu quando entregou a taça com conhaque.

 - Seguro que quer falar? Ele conhecia esse olhar, esse tom, e quase caiu na armadilha para evitar o tema.

 - Não, mas acredito que temos que fazê-lo. É sobre o lote que roubaremos da galeria de arte.

 - Mmmm.

 - Não ficaremos com ele. Ela se engasgou com o conhaque. Luke lhe atingiu as costas e cruzou os dedos.

 - Deus, não faça piadas más enquanto bebo.

 - Não é uma piada, Rox. Não ficaremos com essas jóias.

Também ela conhecia esse olhar, esse tom. Significava que Luke tinha tomado uma decisão sobre algo e estava disposto a defendê-la.

 - De que demônios falas? Que sentido tem as roubar se não nos guardaremos isso?

 - Já te expliquei que esse roubo era só uma tática de distração para o trabalho no do Wyatt.

 - É obvio, e por certo muito frutífero.

 - Sim, mas em um sentido monetário. Não para nós.

Ela bebeu mais conhaque, mas com isso não conseguiu aliviar o repentino calafrio que sentiu.

 - Pode-me explicar o que faremos com mais de dois milhões de dólares em jóias, Calavam, jóias que nos custará aproximadamente oitenta mil dólares roubar?

 - Plantar-lhe São elementos muito importantes para o golpe com que sonho há quase um ano.

 - Um golpe.  - Roxanne ficou de pé para poder caminhar, serenar-se e pensar.  - Sam. As plantará ao Sam. Essa é seu justiça, não? É o que planejou todo o tempo.

 - trabalhei durante meses em todos os detalhes. Cada peça depende das demais.

 - Esteve trabalhando nisso, diz?  - Roxanne se sentiu traída, lutou contra esse sentimento com todas suas forças, porque não estava segura de poder sobreviver uma vez mais a essa classe de perda.  - Então voltou por isso. Para te vingar do Sam.

 - Você é a razão pela que voltei.  - Não gostou do frio que percebeu na voz do Roxanne, nem a vulnerabilidade que intuiu detrás dessa voz. Detestava ter que voltar a dar explicações.  - Já te disse por que fui, Rox, e por desgraça não posso recuperar os anos perdidos. Mas não estou disposto a te perder de novo, e não penso arriscar a minha família.  - Vacilou. O mais provável era que ela o cortasse em pedacinhos, mas tema que dizer-lhe todo.  - Por isso fui ver o Wyatt antes de vir a Nova Orleáns.

 - Viu-o?  - Desconcertada, passou-se uma mão pelo cabelo.  - foste ver o e não considera que isso é te arriscar?

 - Fiz um trato com ele. Tinha pensado suborná-lo com dinheiro. um milhão de dólares por um prazo de graça de um mês.

 - Um milhão...

 - Mas não o aceitou  - interrompeu-a Luke - . Ou, melhor dizendo, não aceitou isso só. Assim fizemos um trato. Consentiu em me dar tempo, até justo antes da escolha, se eu lhe proporcionava fotografias comprometedoras de Curtem Gunner. Terei que as forjar, certamente, pois Gunner é um tipo muito direito. Wyatt também quer documentos que incriminem ao Gunner em negócios ilícitos e em relações proibidas. O que eu tenho que fazer é fabricá-los e colocá-los justo antes que a gente deposite seu voto.

Roxanne suspirou e se sentou no braço do sofá. Agora necessitava o conhaque, e bebeu um bom gole.

 - Esse foi o preço que teve que pagar por voltar?

 - Se eu não aceitava, não podia estar seguro do que ele poderia lhes fazer a você, ao Max, ao Lily, a todos os que amo.  - Luke a olhou aos olhos.  - Além disso está Nathaniel. Não há nada que eu não faria para mantê-lo a salvo. Nada.

Roxanne sentiu medo.

 - O não machucaria ao Nate. Ele... É obvio que o faria. Bom, sei que devemos fazer o que fizer falta, mas nunca antes prejudicamos a pessoas inocentes. Não me resigno a fazê-lo agora. Já encontraremos outra maneira.

Luke estava seguro de que nunca a tinha amado mais que nesse momento. Era uma mulher que sempre protegeria o que era dele, sempre, e jamais transgrediria seu próprio código de ética.

 - Jake já está falsificando os documentos que eu colocarei, junto com as jóias, na caixa forte do Wyatt. Mas não serão exatamente o que ele espera  - adicionou antes de que ela tivesse tempo de protestar - . As fotografias iniciais do Jake são bastante boas, e só precisa as aperfeiçoar um pouco. Mas, em geral, Wyatt saiu muito bem. Há uma em particular, dele com taparrabo de couro negro e botas, que eu adoro.

 - Sam? Está colocando ao Sam nas fotos?  - Em seus lábios começou a desenhar um sorriso.  - Pensa trai-lo e utilizar seu plano para arruiná-lo politicamente.

 - Bom, não tenho nada contra Gunner, e muito contra Wyatt. Pareceu-me um bom ato de justiça. além das fotos e os documentos  - alguns dos quais incriminarão ao Wyatt em uma série de roubos com os que está muito familiarizada - , estive depositando dinheiro em duas contas de Bancos da Suíça. Em contas que estão a seu nome.

 - Muito ardiloso  - murmurou ela - . Pensou em todo. Mas não te incomodou em me informar a mim.

 - Não, não o fiz. Queria me assegurar que me seguiria, Rox. Supus que o plano inicial te intrigaria, seria um desafio para você. Esperava que, quando lhe contasse isso todo, confiaria em mim. Tem vontades de te zangar porque te ocultei informação, e tem todo o direito do mundo. Sempre e quando estiver disposta a participar disto comigo.

Ela o pensou e se deu conta de que sua irritação tinha diminuído. A beleza do golpe a fascinou. Ela não poderia havê-lo planejado melhor.

 - A partir de esta noite, Calavam, estamos nisto cinqüenta-e cinqüenta, ou não há trato.

 - De acordo.

Ela levantou sua taça para fazer um brinde.

 - Pelo Nouvelle e Calavam.

Ele chocou sua taça e os dois se olharam aos olhos enquanto bebiam.

 - Não estava a ponto de me seduzir antes de que eu te interrompesse?

 - Agora que o menciona.. separou-se sua taça - . Estava-o. disse Roxanne

Luke permanecia de pé junto à cadeira do Max, e olhava pelas portas-ventanas; perguntava-se o que veria ele através do vidro: os edifícios desse setor da cidade, o balcão cheio de flores que estava do outro lado da rua, essas partes de céu cinza que prometiam chuva? Ou era algo mais, alguma lembrança longínqua no tempo?

Desde sua recaída, a mente do Max se afundou cada vez mais em seu mundo interior. Rara vez falava, embora em oportunidades chorava em silêncio. Seu corpo também se deteriorava e emagrecia cada vez mais.

Sabia que Roxanne se despediu de seu pai e estava agora abaixo com o Nate, controlando a bagagem para a semana que passariam em Washington D.C. Agora que estava um momento a sós com o Max, Luke não sabia o que dizer.

 - Oxalá pudesse vir conosco  - disse Luke, olhando sempre pela janela. Funcionava-lhe muito penoso olhar ao Max, a seu rosto inexpressivo, esses dedos em forma de garras que se moviam sem cessar como se estivessem manipulando moedas.  - Sentiria-me muito mais tranqüilo se tivesse podido repassar o plano com você. Acredito que gostaria: tem drama, emoção, brilho. estudei com muito cuidado cada detalhe.  - Ao escutar mentalmente a voz de seu mentor, Luke sorriu.  - Já sei, já sei. Terá que calcular os riscos e preparar-se para as surpresas. Farei-lhe pagar a esse filho de puta pelos cinco anos que me arrebatou, Max. Que tirou a todos. E lhe conseguirei a pedra e a colocarei nas mãos. Se houver nela magia, você a encontrará.

Luke não esperava uma resposta, mas se obrigou a ficar em cuclillas e olhar esses olhos que uma vez lhe ordenaram entrar em uma carpa, que provasse, que se arriscasse. Estavam tão escuros como sempre, mas o poder tinha desaparecido deles.

 - Quero que saiba que cuidarei do Roxanne e do Nate. E do Lily e Mouse e LeClerc. Ao Rox não gostaria de me ouvir dizer isto; ela tem feito um bom trabalho ao ocupar-se de todo. Mas já não terá que seguir fazendo-o só. Nate me chama papai. Não sabia que isso podia significar tanto.  - Com suavidade e ternura, cobriu essas nodosas mãos com as suas.  - Papai. Nunca o chamei assim. Mas você é meu pai.  - Luke se tornou para frente e beijou essa bochecha apergaminada.  - Quero-te, papai.

Não houve resposta. Luke ficou de pé e partiu em busca de seu próprio filho.

Max seguiu olhando através do vidro, inclusive quando uma lágrima brotou de seus olhos e sulcou a bochecha que Luke tinha beijado.

Jake ingressou outra seqüência em seu computador portátil e soltou um grito de felicidade.

 - O que te disse? O que te disse, Mouse? Sempre há' uma porta traseira.

 - Entrou? Realmente conseguiu entrar?  - Cheio de admiração, Mouse espiou por sobre o ombro inclinado do Jake.  - A grande sete.

 - O Banco da Inglaterra. Você arrumado a que Charles e Lady Dava têm uma conta. Deus, todas essas maravilhosas libras esterlinas.

Mouse era um assíduo leitor das revistas nas que se mencionava às celebridades, e era fanático da Princesa do Gales.

 - Não pode ver quanto têm, Jake? Deveria transferir algo da conta dele a dela. Em minha opinião, ele não é suficientemente bom com a princesa.

 - É obvio. por que não?  - Jake colocou as mãos sobre o teclado, mas se deteve quando Alice pigarreou.

 - Parece-me que prometeu ao Luke não usar o computador para te colocar nos assuntos de outros.  - Não levantou a vista, mas sim continuou tecendo muito tranqüila no sofá, no outro extremo da suíte.

 - Está bem. Só estou praticando  - disse Jake e revirou os olhos em direção a Mouse - . Mostrava a Mouse algum dos truques que esta preciosura pode fazer desde que lhe fizemos alguns ajustes.

 - Parece-me bem. Mouse, não acredito que a Diana gostaria que invadisse desse modo sua vida privada.

 - Não?  - Olhou a sua esposa, que se limitou a levantar a cabeça e sorrir.  - Não, suponho que não.  - Derrotado, suspirou.  - supõe-se que verificaremos a conta a Suíça  - recordou ao Jake.

 - Está bem, está bem. O quer que transfira dez mil dólares de sua conta a desse vagabundo. Isso me coloca mau. Disse-lhe que podia tirar o dinheiro da conta de algum diretor geral de uma empresa, mas não quis. Luke quer pagar pela operação. Esse homem é uma muía.

 - É uma questão de orgulho  - murmurou Alice.

 - É uma questão de dez mil dólares  - disse Jake e a olhou - . O mau é que com isto não ganharemos nem um centavo. Não te parece que deveríamos tirar um ganho razoável?

 - Obteremos uma satisfação  - disse Mouse e fez que sua esposa se enchesse de orgulho - . Isso é melhor que o dinheiro.

 - A satisfação não te permitirá comprar sapatos italianos  - grunhiu Jake, mas teve que aceitar que os outros o superavam em número. Além disso, sempre ficava a possibilidade de entrar mais tarde a outra conta bancária.

Alice recolheu sua malha e ficou de pé. Eram apenas as dez, mas se sentia terrivelmente cansada.

 - Acredito que os deixar jogar tranqüilos e irei à cama.

Mouse se inclinou para beijá-la e lhe acariciar o cabelo. Seguia surpreendendo-o que uma pessoa tão diminuta, tão bonita, pudesse lhe pertencer.

 - Quer que ordene chá ou algo?

 - Não. - Que homem tão doce, pensou. E que tolo. Tinha estado tecendo em seus próprios narizes. Decidiu que o tentaria uma vez mais e tirou o escarpín terminado que tinha no cesto.  - Acredito que tratarei de terminar o outro esta noite. É uma linda cor, não te parece? Verde claro.

 - Sim, é muito lindo.  - Mouse sorriu e baixou a cabeça para beijá-la de novo.  - Ao Nate adora os fantoches de mão.

 - Não é um fantoche  - saltou ela, indignada - . É um escarpín, maldito seja.  - Com essas palavras partiu ao dormitório contigüo e fechou a porta.

 - Alice nunca amaldiçoa  - disse, quase para si - . Jamais. Talvez eu deveria ir...  - A revelação o atingiu como um murro no queixo.  - Um escarpín...

 - Um escarpín?  - disse Jake e sorriu - . Felicitações, velho.  - ficou de pé de um salto para aplaudir a seu amigo nas costas.

Mouse empalideceu.

 - Meu Deus  - foi o único que pôde dizer antes de correr ao dormitório.

Alice estava de pé de costas a ele, sujeitando-a bata.

 - Parece que se fez a luz  - murmurou, aproximou-se do penteadeira e começou a escovar o cabelo.

 - Alice.  - Mouse tragou forte.  - Está... estamos...?

Ela o amava muito para seguir zangada. Olhou-o pelo espelho e sorriu.

 - Sim.

 - Seguro?

 - Absolutamente seguro. Dois test de gravidez em casa e um obstetra não mintam. Esperamos um filho, Mouse. Parece-te bem?

O não pôde responder. A emoção lhe amontoava na garganta. Em troca, aproximou-se dela em três pernadas. Com muita suavidade e muita ternura, abraçou-a e colocou seu manaza sobre o ventre ainda chato de sua esposa.

Isso foi melhor que as palavras.

Nos subúrbios opulentos de Maryland, Sam Wyatt se encontrava sentado frente a seu antigo escritório de palisandro, com uma taça de conhaque Napoleón. Sua esposa estava acima, na enorme cama Chippendale de ambos, com uma de suas terríveis enxaquecas.

Enquanto fazia girar a bebida ambarina em sua taça e provava alguns sorvos, Sam pensou que Justíne não necessitava a desculpa de uma enxaqueca. Fazia tempo que ele tinha perdido interesse em fazer o amor a uma pessoa insípida e gelada que se disfarçava de mulher com roupas faces.

Havia outras maneiras de encontrar alívio sexual, se se era cauteloso e se pagava o suficiente. Não tinha amante. As amantes tinham a cacoete de voltar-se ambiciosas e provocar decepções. Sam não tinha intenção de viver com a ameaça de que alguém publicasse um livro relatando-o todo quando ele estivesse na Casa Branca.

E viveria na Casa Branca, pensou. A princípios do século XXI, sentaria-se no despacho oval e dormiria na cama do Lincoln. Seria inevitável.

Sua campanha para os bancos no senado partia esplendidamente bem. Cada novo sondagem de opinião o colocava um degrau mais acima. Seu rival necessitaria um milagre para fechar a brecha que existia entre ambos, e Sam não acreditava em milagres.

De todas formas, tinha um ás na manga chamado Luke Calavam. Quando decidisse jogar esse ás, uma semana antes da escolha, esmagaria do todo ao Gunner.

Só ficavam algumas semanas até o momento da verdade.

Tinha tudo o que desejava... até que lhe ocorresse algo.

Pensou na pedra que tinha em sua caixa forte. Se acreditasse na magia, poderia ter pensado em quantas coisas tinham saído bem depois de havê-la comprado. Mas, para o Sam, foi só uma vitória mais sobre um velho inimigo.

Tinha aprendido muito ao lado do Bushfield, esse senador tão popular pelo Tennessee. Adquiriu os conhecimentos com avidez, enquanto permanecia à sombra dessa personalidade, até que lhe apresentou a oportunidade de converter-se ele mesmo em uma figura importante.

Ninguém sabia que Sam tinha visto morrer ao Bushfield. Chorou-o publicamente, e pronunciou um discurso comovedor em suas exéquias; consolou a sua viúva como o faria um filho, e se fez cargo de todos os assuntos pendentes que ficaram na tarefa do Senador, como seu mais devoto herdeiro.

Em realidade, tinha estado de pé observando ao Senador quando ofegava, abafava-se, sua face tomava uma cor púrpura e caiu ao piso de seu escritório privado. Sam tinha sustentado na mão o pequeno pastillero esmaltado que continha os tabletes de nitroglicerina, sem dizer nada enquanto seu mentor estendia o braço para tomá-lo, seus olhos vidrados pelo ataque.

Só quando Sam esteve seguro de que era muito tarde, ajoelhou-se e colocou um dos tabletes debaixo da língua do morto. Depois, fez um frenético chamado aos 911, e quando os paramédicos chegaram, ficaram impressionados pela forma em que Sam lhe realizava à vítima respiração boca a boca para tratar de ressuscitá-lo.

De tal modo que tinha matado ao Bushfield e colhido vários partidários confie entre a comunidade médica.

Não foi tão emocionante como lhe colocar uma bala no coração ao Cobb, pensou agora Sam. Mas inclusive esse ato passivo de homicídio lhe tinha produzido certa. excitação.

tornou-se para trás e começou a planejar o seguinte round, como o faria uma aranha que tece seu tecido e aguarda a que uma mosca fique presa nela.

O atrevimento da volta de Calavam a troupe dos Nouvelle seguia intrigando-o. Realmente o tolo pensava que cinco anos eram suficientes? Ou que mais dinheiro pagaria a desobediência de voltar para cena sem permissão? Sam esperava que sim. Que agisse em seu espetáculo. Que tratasse de seduzir ao Roxanne de novo. Que tratasse de ser pai de seu filho. Sam desfrutava com a idéia de que esse homem voltasse a formar parte de sua família, reiniciasse sua carreira e sua vida. Isso faria que fora mais doce voltar a arrebatar-lhe

Faria-o, pensou Sam. Faria-o.

Tinha seguido de perto aos Nouvelle. Não pôde deixar de sentir certa admiração pelo estilo do Roxanne. Em sua caixa forte tinha relatos bem documentados de todas suas atividades. Havia-lhe flanco muito, mas a herança de sua esposa lhe permitia dar-se esses luxos.

aproximava-se o momento em que poderia utilizar esses dados. O preço que pagaria Luke por colocar-se sem permissão debaixo dos refletores seria muito alto. E todos os Nouvelle o pagariam. Se, como Sam imaginava, eles acreditavam que podiam levar a cabo outro roubo como lembrança dos velhos tempos, cairiam Indefectivelmente em suas redes.

Porque ele esperaria, vigiaria, e podia dispor que as autoridades capturassem a todos os Nouvelle depois de seu seguinte trabalho.

Essa era uma possibilidade extremamente prazenteira.

perguntou-se se fariam algo no arremate. Pensou que um roubo dessa magnitude lhes funcionaria muito atraente. Até era possível que lhes permitisse sair-se com a sua. Por um tempo breve, muito breve. Então fecharia a armadilha sobre eles e os observaria sangrar-se.

 

Sam comprou entradas para o espetáculo dos Nouvelle no Centro Kennedy. Primeira fila ao centro. Justine estava sentada junto a ele, envolta em seda e safiras e sorrisos... a esposa, a companheira devota.

Ninguém adivinharia que tinham chegado a odiar-se.

À medida que o espetáculo se ia desenvolvendo, Sam aplaudia com entusiasmo. Jogou atrás a cabeça e riu, inclinou-se para frente com os olhos totalmente abertos e sacudiu a cabeça com incredulidade. Suas reações, captadas com freqüência pelas câmaras de televisão, tinham sido tão cuidadosamente estudadas como o que acontecia sobre o cenário.

Mas debaixo, o velho ciúmes o carcomiam. Luke era uma vez mais o centro de atenção, a estrela deslumbrante, o possuidor do poder.

Sam o odiava por isso, tão cega e irracionalmente como o tinha feito a primeira vez.

Mas foi o primeiro em ficar de pé quando estalaram os aplausos sobre o grande final. uniu-se ao clamor e sorriu.

Roxanne o olhou ao saudar. Olhou-o e sentiu uma fúria selvagem, que conseguiu controlar só quando Luke tomou a mão e a oprimiu com força.

 - Sorri, querida  - disse ele a coberto pelos aplausos e lhe apertou os dedos - . Só segue sorrindo.

Ela o fez, até que por fim saíram juntos do cenário.

 - Nunca pensei que seria tão difícil.  - Seu corpo tremia pelo esforço que lhe demandou reprimir o desejo de atacar ao Sam.  - Vê-lo ali sentado, com seu aspecto tão pomposo e próspero. Teria querido saltar à platéia e lhe cravar as unhas.

 - Esteve muito bem  - disse ele e a levou para o camarim - . Fase um, Roxy. Agora passaremos a seguinte.

Ela assentiu, depois se deteve com a mão no maçaneta da porta.

 - Nós roubamos, Luke. Compreendo que muitas pessoas o encontrariam inaceitável. Mas, igual, o que roubamos são coisas fáceis de repor. Ele nos roubou tempo. E amor, e confiança. Nenhuma dessas coisas se podem devolver nem substituir. Que o pague, esse filho de puta.

Ele sorriu e lhe aplaudiu o traseiro.

 - te troque. Temos trabalho por diante.

Assistiram à recepção posterior ao espetáculo, e entrechocaron suas taças com os dignatarios de Washington. Em determinado momento, Luke se afastou do Roxanne. Essa era uma parte que devia jogar só. Como o supôs, ao Sam não tomou muito tempo encontrá-lo.

 - Uma função impressionante.

Luke tomou uma taça de champanha de uma bandeja que passava um garçom, e seus dedos quase não tremeram.

 - Me alegro de que te tenha gostado.

 - É claro que sim. Admiro seu descaramento; agir sem me pedir primeira permissão.

 - Não pensei que... passaram cinco anos.  - Luke passeou a vista pela concorrência com expressão nervosa e baixou a voz. Em atitude de súplica, fechou uma mão sobre o punho do Sam.  - Pelo amor de Deus, que mal houve nisso?

Encantado de ter a sua presa contra as cordas, Sam refletiu um momento enquanto bebia champanha.

 - Isso ainda terá que avaliá-lo. me diga, Callahan, o que opina do jovem Nathaniel?

Esta vez, Luke não teve que fingir o tremor de sua mão. Foi de autêntica fúria.

 - Está informado da existência do Nate?

 - Eu sei todo sobre os Nouvelle. Acreditei haver lhe esclarecido isso. me diga, terminaste com o trabalho que te atribuí?

 - Salvo por alguns toques finais  - respondeu Luke - . Já te expliquei que, em um trabalho desta natureza, assegurar-se de que todo resista a uma investigação toma tempo.

 - Parece-me que fui generoso com o tempo  - recordou-lhe Sam - . Justamente o tempo é o que se está acabando.

 - Deu-me um prazo. Cumprirei-o. Sei quanto depende disso.

 - Espero que assim seja.  - Levantou uma mão, para sossegá-la resposta do Luke.  - Dois dias, Calavam. me traga todo em dois dias e talvez esqueça seu rabugice de esta noite. Desfruta da velada  - adicionou ao afastar-se - , posto que é uma das poucas que ficam junto a seu família.

 - Tinha razão, companheiro.  - Jake, muito elegante com sua uniforme de garçom, moveu sua bandeja.  - É uma porcaria.

 - Não falta  - disse Luke em voz muito baixa. E, veloz como um raio, deixou cair um gêmeo de dourado com monograma do Sam no bolso do Jake forrado de material plástico.

 - Confia em mim.  - Deixa de sorrir, pelo amor de Deus. É um criado.

 - Bom, então sou um criado feliz.  - Mas fez o possível por adotar um aspecto solene ao afastar-se dali.

Uma hora mais tarde, Jake entregou ao Luke uma bolsa de plástico que continha o gêmeo e um único cabelo loiro.

 - Cuidado como os usa, companheiro. Não quero que pareça muito óbvio.

 - Diabos, sejamos óbvios.  - Luke levantou a bolsa plástica para estudar o gêmeo. Era discreto, com forma de botão, com as iniciais GW elegantemente gravadas no ouro. Se todo saía bem, essa pequena jóia enviaria ao Sam Wyatt ao inferno.

 - Verificou a equipe?  - perguntou ao Jake.

 - Verifiquei-o e o voltei a verificar. Estamos em linha. Observa isto  - disse e levantou um aparelho não maior que a palma de sua mão - . Mouse  - sussurrou - . Escuta-me?

Houve um momento de silêncio, e depois a voz de Mouse ressonou pelo transmissor.

 - Aqui estou, Jake. Ouço-te com toda claridade. Com um sorriso, Jake ofereceu o dispositivo ao Luke.

 - Melhor que o de Viaje às estrelas, não?

 - Deploro ter que reconhecê-lo, Finestein, mas é muito bom no teu. Temos quinze minutos, assim te apresse.

Ele sorriu.

 - Isto será fabuloso, Luke. Fa-bu-lo-sou.

 - Não cante vitória ainda  - murmurou Luke e consultou seu relógio - . Roxanne está esperando. Saiamos.

A Galeria Hamstead era um edifício neogótico de três plantas, construído detrás de uma série de elegantes carvalhos. Nessa noite fresca de outono tão próxima ao Halloween, as folhas douradas se moviam ao compasso da brisa que anunciava o inverno, e farrapos de névoa bailoteaban sobre o concreto e o asfalto. Vamos, a lua estava atalho prolixamente pela metade, e sua beira era tão perfeita que dava a impressão de que algum deus tivesse tomado uma tocha para parti-la. Sem nuvens para obstaculizar sua luz, o claro de lua chapeava as árvores. Mas as folhas seguiam obstinadas aos ramos e brindavam o amparo de sua sombra.

Todo era questão de tempo.

O fronte da galeria dava à Avenida Wisconsin. Washington era uma cidade em que não havia muita vida noturna. O que sobressaía ali era a política, e os políticos preferiam uma pátina de discrição, sobre tudo em um ano de escolhas. À uma da madrugada, o trânsito era escasso e esporádico. A maior parte dos bares estavam fechados.

Em particular nesse pequeno canto da cidade, todo estava muito tranqüilo.

Luke se encontrava de pé atrás do edifício, ao abrigo das sombras, debaixo das gárgulas e das pilastras.

 - Mais vale que isto funcione, Mouse. O transmissor que levava sujeito ao pescoço recolheu cada suspiro dele.

 - Funcionará.  - A voz de Mouse se ouviu serena e clara pelo falante diminuto.  - Tem um alcance de trinta metros.

 - Mais vale que funcione  - voltou a dizer Luke. Nas mãos tinha algo que parecia uma arco.

Tinha-o sido... antes de que Mouse a modificasse. Agora, levava um gancho sujeito a uma corda, para poder escalar o muro do edifício. Luke apoiou o dedo no gatilho e pensou no Roxanne, aconchegada já no depósito do segundo piso. Oprimiu-o e observou " com o prazer de um menino como o gancho de ferro de cinco pontas saía disparado para cima, levando detrás de si a corda.

Ouviu um som metálico quando o gancho de ferro atingiu contra o teto, e atirou lentamente da soga, que ficou tensa quando as pontas se afundaram nos tijolos da saliente.

Luke atirou forte para prová-la e depois se agarrou a ela bem alto para levantar as pernas do piso.

 - Sustentará-nos. Bom trabalho, Mouse.

 - Obrigado.

 - Muito bem, Finestein, você sobe primeiro.

 - Eu?  - disse Jake e sua voz soou como um chiado - . por que eu?

 - Por que se não estar detrás de você, te aguilhoando o traseiro, não chegaremos acima.

 - Cairei-me  - protestou Jake.

 - Bom, mas nesse caso por favor tráfico de não gritar. Alertará aos guardas.

 - Todo coração. Sempre disse que foi todo coração.

 - Vamos.  - Luke sustentou a soga com uma mão e indicou com o polegar da outra para cima.

Embora ainda tinha os pés apoiados no chão, Jake se agarrou da soga como um homem que se abafa. Fechou os olhos e ficou em pontas de pé.

 - Vomitarei.

 - Então terei que te matar.

 - Detesto esta parte. - depois de tragar por última vez, Jake começou a ascender.  - Como detesto esta parte.

 - Segue subindo. quanto mais rápido o faça, antes chegará acima.

 - Detesto-o  - seguiu murmurando Jake enquanto subia com os olhos fechados.

Luke esperou a que Jake tivesse chegado ao primeiro piso para iniciar sua própria ascensão. de repente Jake ficou paralisado e disse:

 - A soga  - sussurrou - . Luke, a soga se move.

 - É obvio que se move, pedaço de estúpido. Não é uma escada. Segue subindo. te enchumace da saliente e te ice.

 - Não posso. Não me animo a soltar a soga.

 - Apóia o pé em meu ombro. Assim. Vamos. Jake deslocou tanto peso sobre seu ombro que Luke fez uma careta de dor.

 - Bem. te coloque em equilíbrio. Mantenha o peso centrado em mim e te enchumace a saliente. Se não o fizer, começarei a balançar a soga. Sabe o que se sente ao estar pendurado a vários pisos de altura, de uma soga que se balança e faz que te raspe a face contra os tijolos?

 - Estou-o fazendo. Estou-o fazendo.  - Sem abrir os olhos, Jake soltou os dedos da soga. Raspou os tijolos duas vezes antes de poder agarrar-se por eles. Finalmente, saltou e aterrissou com um golpe seco.

 - Com a graça de um gato  - disse Luke e passou sobre a saliente sem um só ruído.  - Estamos acima, Mouse.  - Consultou seu relógio e comprovou que ao Roxanne faltavam outros noventa segundos para abandonar seu esconderijo.

Dentro do quarto de depósito, Roxanne observou a esfera luminosa de seu relógio. ficou de pé, tratou de distender os músculos que tinha tidos cãibras depois de duas horas de estar sentada, e começou a contar os segundos.

Conteve a respiração ao abrir a porta e sair ao corredor. Ali, a escuridão não era tão densa como no depósito: no extremo do corredor havia uma luz que emitia um resplendor amarelado para que os guardas pudessem fazer suas rondas.

Caminhou para ali, sempre contando.

Cinco, quatro, três, dois, um... Sim. Suspirou com satisfação ao ver que a luz titilava e, depois, apagava-se.

Mouse tinha feito o seu. Roxanne pôs-se a correr na escuridão, e passou frente às câmaras de segurança  - agora cegas -  em direção à sala de vigilância.

 - Maldição!  - O guarda que tinha estado ganhando em seu companheiro em uma partida de rummy, lançou uma imprecação na escuridão e tomou a lanterna que levava sujeita ao cinturão.  - O maldito gerador deveria...  - Suspirou com alivio para ouvir um zumbido e ver que as luzes se acendiam e os monitores voltavam para a vida, quão mesmo os computadores.  - Será melhor que verifiquemos  - disse, mas já seu companheiro discava um número de telefone.

Lily respondeu à segunda chamada.

 - Companhia de Eletricidade de Washington, boa noite.

 - Somos da Galeria Hampstead. Tivemos um corte de luz.

 - Sinto muito, senhor. Recebemos informem da caída de um cabo. Já despachamos uma equipe.

O guarda cortou a comunicação e se encolheu de ombros.

 - O mais provável é que os muito tarados não terminem de arrumá-lo até a manhã. Maldita companhia de eletricidade, não serve para nada.

 - O gerador está funcionando bem.  - Os dois giraram para observar os monitores.  - Suponho que é melhor que faça agora minha percorrida.

 - De acordo  - disse o outro e se instalou diante dos monitores para servir-se café do recipiente térmico - . Tome cuidado se encontrar ladrões.

 - Você, mantenha os olhos bem abertos, McNulty.

Nos monitores seguiram aparecendo as diferentes seqüencia, trocando de um display ao outro, de um corredor em sombras ao outro, cada vários segundos. Viu seu companheiro fazendo seu percurso no segundo piso.

Começou a cantarolar e pensou que não estaria mal mesclar o maço de cartas para o ter inteligente para a seguinte partida de rummy. Algo no monitor lhe chamou a atenção. Piscou, bufou e pensou que era produto de sua imaginação. Depois um gemido brotou de sua garganta.

Era uma mulher. Mas, ao mesmo tempo, não o era. Uma mulher pálida e formosa com cabelo longo, prateado e um vestido branco e solto. Sua imagem aparecia na tela e em seguida desaparecia. E - Deus santo - . podia ver os quadros através dela. A mulher lhe sorriu e estendeu uma mão para ele.

 - Carson  - disse McNulty em seu walkie talkie, mas o único que obteve como resposta foi um zumbido mecânico - . Carson, filho de puta, me fale.

Ela seguia ali, flutuando a vários centímetros do piso. Também viu seu companheiro, que iniciava sua ronda pelo primeiro piso.

 - Carson, me responda!

Furioso, calçou o walkie talkie no estojo que levava no cinturão. Tinha a boca seca e o coração lhe martelava no peito, mas sabia que o jogariam se não investigava.

Roxanne apagou o projetor e o holograma da Alice se desvaneceu. Com sua equipe já guardada na bolsa, correu para a sala de vigilância. Os minutos transcorriam depressa.

Tinha mãos firmes e sangue-frio quando começou sua tarefa. Tirou o tampe da câmara quatro e o substituiu com um dele. Seguindo as instruções do Jake, voltou a programar o computador. A câmara era agora inoperable, mas o monitor seguiria mostrando a seqüência requerida. A única diferença era que os guardas veriam um tampe manipulado. Demorou preciosos momentos em arrumar a câmara seis e apagar o holograma. Inclusive com o assessoramento do Jake, não tinham encontrado a maneira de solucionar o passado do tempo. Esses malditos trinta segundos em que a imagem da Alice tinha aparecido podiam trocar-se em certa forma voltando a programar as câmaras. Mas quando tirasse o chapéu o roubo e se examinassem com atenção os tampe, esse lapso apareceria.

Embora, a essa altura, e se as coisas saíam bem, já não seria problema deles.

 - Ela já deveria ter terminado  - disse Luke, esperou um segundo mais e fez um sinal ao Jake - . Adiante.

 - Com gosto.  - Aliviado de ter agora algo sólido sob os pés, Jake tirou algo que parecia ser um controle remoto complexo, parecido aos que se usam nos lares para operar os televisores, os videograbadores e as equipes estéreo.

Visto mais de perto, o poderia ter confundido com uma calculadora de bolso. Os dedos do Jake se deslocaram por esse teclado diminuto. ao longe, um cão começou a uivar.

 - Alta freqüência  - explicou Jake - . Isto fará que enlouqueçam todos os cães que se encontram em um rádio de oitocentos metros. Durante quinze minutos, isto anulará os sistemas de vigilância. Isso é tudo o que durará este brinquedo.

 - É suficiente. Fique aqui.

 - É claro que sim.

Com um sorriso, Luke se tirou da soga e se deslizou por um flanco do edifício. Assim que seus pés tocaram a saliente, a janela se abriu.

 - Deus, o que pode haver mais romântico que um homem que se balança em uma soga e salta por uma janela?  - Roxanne retrocedeu para lhe dar ao Luke lugar para aterrissar.

 - Demonstrarei-lhe isso quando voltarmos ao hotel  - disse ele e a beijou - . Algum problema?

 - Nenhum.

 - Adiante, então.

 - Digo-te que vi alguém  - insistiu McNulty.

 - Sim, claro - disse Carson e assinalou os monitores - . Uma mulher que flutuava pelo ar... uma mulher transparente que flutuava pelo ar. Suponho que por isso não fez soar nenhum alarme. Onde está ela agora, McNulty?

 - Juro-te que estava ali.

 - te saudando. De acordo, vejamos um pouco. Possivelmente atravessou alguma das paredes. Por isso não a vi quando fiz minha percorrida. E talvez por isso você tampouco a viu quando deixou seu colocado para ir em busca de um fantasma, companheiro.

 - Retrocederei o tampe  - disse de repente McNulty -  e te prepare para te comer seus palavras.

McNulty o rebobinou e passou o tampe duas vezes. preparava-se a fazê-lo pela terceira vez quando seu companheiro o impediu.

 - Precisa tomar umas férias. por que não vai ao St. Elizabeth? Dizem que é um lugar muito tranqüilo.

 - Mas é que eu vi...

 - Direi-te o que eu vejo. Vejo um tarado. E se o tarado quer informar sobre uma mulher que flutuava pelo ar, é assunto dele.  - Dito o qual, Carson se sentou e começou a jogar um solitário.

Com ar decidido, McNulty se instalou frente aos monitores. Um tic nervoso apareceu debaixo de seu olho esquerdo enquanto aguardava que a imagem fantástica reaparecesse.

Luke tirou seu jogo de gazuas do bolso. Anulado o resto dos sistemas de segurança, a fechadura dessa vitrine de exposição era quase uma piada.

Escolheu uma gazua. Sentia a excitação em seus dedos quando se inclinou para a fechadura. de repente se endireitou, olhou ao Roxanne e lhe ofereceu a ferramenta.

 - Toma. Faz-o você. As primeiro damas. Ela estava por tomar a gazua mas se separou a mão.

 - Não, não. Segue você. É seu trabalho.

 - Está segura?

 - Muito seguro.

Roxanne permaneceu de pé detrás do Luke, com uma mão apoiada sobre seu ombro, enquanto ele trabalhava. Mas não observava a maneira delicada em que ele realizava sua tarefa. Seus olhos enfocavam as jóias que estavam atrás do vidro e que refulgiam contra o veludo azul do fundo.

A fechadura cedeu. Com muito cuidado e sigilo, Luke abriu as portas de vidro.

 - meu deus  - disse Roxanne e respirou fundo - . São incríveis. Luke, não podemos ficar com...?

 - Não.

 - Só uma, Luke. Só esse colar de rubis, por exemplo. Poderíamos tirar as pedras. Eu as guardaria em uma bolsa e as olharia cada tanto.

 - Não  - repetiu ele - . Vamos, estamos perdendo tempo.

 - Valeu a pena o intento.

Encheram a bolsa do Roxanne, peça por peça. Ela era uma profissional, mas também uma mulher e uma perita em gemas, assim que seus dedos se atrasaram sobre uma esmeralda aqui, uma safira lá.

 - Tempo?  - perguntou ela.

 - Sete minutos.

 - Bem.  - Tirou a fotografia polaroid que tinha tomado essa noite com a disposição das jóias, graças a qual foram colocando as imitações exatamente no lugar preciso.

 - Parecem autênticas  - disse Luke - . São perfeitas.

 - É o menos que podem parecer, com o que nos custaram.

 - Agora, a parte que mais eu gosto  - afirmou Luke, tirou de seu bolso uma bolsa de plástico e um par de pinzas de depilar e tomou o cabelo que tinha recolhido do ombro do smoking do Sam. depois de colocá-lo na parte posterior de uma das prateleiras de vidro, derrubou em sua  mão o gêmeo.

 - um pouco muito elegante para alguém que realiza um roubo  - comentou Roxanne.

 - O que ele se ocupe de explicá-lo  - disse Luke e o colocou em um canto da prateleira inferior, onde apenas se via - . Sim, que ele se ocupe de explicá-lo  - repetiu - . Vamos.

Tirados da mão, correram para a janela. Roxanne subiu a ela, tirou as pernas e o olhou por cima do ombro.

 - Um prazer voltar a trabalhar contigo, Callahan.

Roxanne sujeitou uma forquilha solta de seu penteado. O chignon harmonizava à perfeição com o elegante traje cinza e a blusa de seda crua. O traje se completava com discretos gêmeos de diamantes, um alfinete em forma de estrela de cinco pontas na lapela e sapatos negros italianos. Considerava-o perfeito para o arremate da tarde.

A seu lado, Lily bulia de excitação em sua ajustado vestido cor rosa e seu bolero púrpura.

 - Isto me fascina. Todas essas pessoas altivas, com seus pequenos cartões numerados... Oxalá realmente nos propor comprar algo.

 - Também rematarão quadros.  - Roxanne tirou sua caixa de pó, ao parecer para retocá-la nariz. Moveu o espelho para tratar de localizar ao Luke no fundo do salão.  - Pode fazer ofertas pelo que te agrade.

 - Mas é que tenho tão mal gosto.

 - Não, tem seu próprio gosto. É perfeito.  - Roxanne tentou não preocupar-se com não ter podido encontrar ao Luke e fechou a caixa de pó.  - Não há nenhum motivo pelo que não possamos nos divertir enquanto estamos aqui. Sempre e quando fizermos nosso trabalho.

No salão reinava um murmúrio enquanto a gente seguia entrando e ocupando as cadeiras. À frente desse âmbito de alto céu cetim estavam o soalho do arremessador, uma mesa larga e coberta com um tecido para exibir os lotes, e dois guardas uniformizados. Guardas armados. A um flanco havia um escritório Luis XV com um telefone, um computador e pilhas de pastas e anotadores, pois também se podiam fazer ofertas por telefone.

Roxanne folheou o grosso catálogo impresso em papel ilustração e, como quase todo mundo, fez notas e marcou lotes.

 - Olhe por favor este abajur!  - O entusiasmo do Lily era tão genuíno como as pedras dos aros do Roxanne, e conseguiu fazer mais acreditável a atuação de ambas. Várias cabeças giraram para olhá-la para ouvir essa exclamação.  - Não ficaria perfeita na sala de casa?

Roxanne observou essa monstruosidade de art nouveau e sorriu. Só ao Lily podia lhe gostar de.

 - Sim. Absolutamente perfeita  - disse.

O arremessador, um homem baixo e gordo com traje de flanela cinza a raias finitas, ocupou seu lugar.

Os primeiros lotes eram quadros e antiguidades. As ofertas foram rápidas, e cada tanto alguém tinha o atrevimento de expressar a oferta em voz alta em lugar de levantar seu cartão numerado.

Roxanne começou a desfrutar de do espetáculo.

 - Olhe!  - Lily lançou um gritito de deleite ao ver que dois homens corpulentos transportavam uma cômoda esculpida, circo, 1815.  - Não é uma preciosura? Ficaria perfeita na nursery de Mouse e Alice.

Roxanne ainda tratava de acostumar-se à idéia de que Mouse teria um filho. Essa cômoda pertencia a um castelo... ou a um bordel. Mas ao Lily brilhavam os olhos.

 - adorarão  - disse categoricamente Roxanne, com a esperança de ser perdoada.

Lily levantou seu cartão antes de que o arremessador tivesse concluído a descrição da cômoda, o qual fez que na sala se ouvissem várias risadas abafadas.

Com indulgência, o arremessador inclinou a cabeça para o Lily.

 - A senhora abre as ofertas com mil dólares. Alguém oferece mil e duzentos?

Lily sublinhava cada sua oferta com um ofego ou uma risada, e blandía seu cartão como uma baioneta. Agarrou o braço do homem sentado ao lado dela, retorceu-se, e em duas oportunidades superou suas próprias ofertas. O certo foi que atraiu a atenção de todos os assistentes.

 - Vendida, ao número oito, por três mil e cem dólares.

Para mostrar seu interesse, e porque a peça gostou, Roxanne fez uma oferta por uma escultura Digo. E se sentiu muito orgulhosa quando conseguiu adquiri-la por um preço moderado.

 - É a febre dos arremates  - murmurou ao Lily, um pouco envergonhada - . É contagiosa.

 - Temos que fazer isto mais seguido. À medida que transcorria a tarde, interessado-los somente nos lotes já vendidos se foram. E outros ingressaram no-salão. exibiu-se então um colar de safiras, ametistas e esmeraldas. O coração do Roxanne acelerou seus batimentos.

 - Não é elegante?  - comentou Lily - . me parece um sonho.

 - Mmmm. Essas safiras são cor índiga  - disse Roxanne e se encolheu de ombros - . Muito escuros para meu gosto.  - Ela sabia que eram só vidro, com o aditamento de um pouco de óxido de cobalto.

Viu desfilar os distintos lotes: braceletes de diamantes que não eram outra coisa que resplandecentes circones; rubis que eram em realidade vidro com sai de dourado rundidas com strass; ágatas que se faziam passar por lapislázuli.

Detestava ter que reconhecê-lo, e jamais o diria ao Luke, mas o dinheiro tinha sido bem gasto. Cada  nova peça suscitava um murmúrio de admiração nos assistentes, e as ofertas eram cada vez mais altas.

Ela também ofertou em distintos lotes, sempre cuidando calibrar o entusiasmo de seus competidores. Lily se causar pena cada vez que alguém ganhava,

Por último, o anel. Roxanne fechou o catálogo, no que tinha esboçado um círculo ao redor da fotografia desse lote. Soltou uma exclamação quando o arremessador começou a descrevê-lo e murmurou ao Lily:

 - De Remará  - disse, com voz excitada - . Verde grama, uma esmeralda absolutamente perfeita em cor e em transparência. Doze quilates e meio, montada a jour.

 - Faz jogo com seus olhos, querida.

Roxanne se pôs-se a rir e se inclinou para frente em seu assento, como um corredor em sua marca, justo antes do início da carreira.

Quando as ofertas chegaram a setenta mil dólares, viu o Luke. Não estava sentado onde lhe havia dito que estaria, o qual certamente era deliberado, para mantê-la alerta. Tinha um aspecto de artista e distinto, e não se parecia em nada ao Luke. Seu cabelo longo e marrom estava sujeito atrás em uma rabo-de-cavalo, e um bigode da mesma cor adornava seu lábio superior. Usava óculos redondos com armação de dourado e um traje feito a medida de cor azul, com uma camisa fúcsia.

Ofertava em forma permanente, levantando um dedo e movendo-o como um metrônomo. Roxanne seguiu puxando, talvez além do prudente, superando as ofertas do Luke até que só ficaram os dois. Deixando-se levar pelo jogo, levantou seu cartão e o preço alcançou os cento e vinte mil dólares.

O silêncio absoluto que reinou na sala depois de sua oferta a fez voltar para a realidade. Isso e a pressão dos dedos do Lily sobre os seus.

 - meu deus.  - Roxane se levou a mão à boca. -  perdi a cabeça.

 - Cento e vinte e cinco mil  - disse Luke com tom sereno e acento francês. Quando o arremessador baixou o martelo, ele girou para o Roxanne e lhe fez uma reverência.

 - Peço-lhe perdão, mademoiselle, por decepcionar a uma mulher tão formosa.  - aproximou-se do escritório Luis XIV, tirou-se os óculos e começou a limpá-los com um lenço branco de linho.  - Quero inspecionar o anel.

 - Monsieur Fordener, o arremate ainda não terminou.

 - Oui, mas eu sempre inspeciono o que compro. O anel, por favor.

Enquanto Luke permanecia de pé atrás do escritório, com o anel em alto para a luz, o arremessador pigarreou e começou a descrição do lote seguinte.

 - Um momento!  - A voz do Luke ressonou como uma chicotada.  - Esta é uma imitação. É um insulto!

 - Monsieur  - disse o arremessador e tocou do nó de sua gravata, enquanto a gente se movia em seus assentos e murmurava - . A coleção Clideburg é uma das mais importantes do mundo. Estou seguro de que você...

 - Certamente.  - Luke fez um gesto de assentimento. Na mão tinha uma lupa de joalheiro.  - Isto...

 - levantou o anel e fez uma pausa para acentuar o efeito dramático.  - Isto é vidro. Voila. Subiu ao soalho e colocou o anel debaixo do nariz do arremessador.

 - Olhe, olhe. você veja-o mesmo  - disse e lhe estendeu a lupa - . Borbulhas, raias, bandas.

 - Mas... mas...

 - E isto.  - Com um floreio, Luke tirou um lápis de alumínio. Pressente-os que sabiam de pedras preciosas o reconheceram como um método para distinguir pedras autênticas de imitações. Luke deslocou a ponta do lápis sobre a gema e depois a sustentou em alto para que todos vissem a linha brilhante e chapeada.

 - Farei-o prender. Farei-o meter no cárcere antes de que termine esse dia. Acreditava você que podia extorquir ao Fordener?

 - Não. Não, monsieur. Não o entendo.

 - Fordener sim entende.  - Levantou a cabeça e enfrentou ao auditório.  - Estão-nos tratando de enganar!

No caos resultante, Roxanne se arriscou a olhar ao Luke. Aviso, pensou. O pano de fundo estava a ponto de levantar-se para o último ato.

 

- Os jornais não falam de outra coisa.  - Roxanne mordiscou um croissant enquanto lia os titulares.  - É o mais importante que passou em Washington D.C. desde o Oliver North.

 - É muito mais importante  - disse Luke e se serve mais café - . A gente está acostumada a subterfúgios e mentiras no governo. Mas agora se trata de um roubo de jóias. Um roubo magnífico, se me permite dizer, que soa a novela, a magia. E a cobiça.

 - As autoridades estão desorientadas  - leu Roxanne e sorriu ao Luke - . Estão verificando cada pedra e convocaram aos peritos em mineralogia mais destacados. Certamente, quando a galeria comprou a coleção, fizeram-se todas as provas de prática: polariscopios, microscópios, o banho de benzina e de ponho iodo de metileno, raios X.

 - Como você gosta de te luzir.

 - Bom, passei quatro anos estudando isso.  - Roxanne separou o jornal e se espreguiçou.

Ainda levava posta uma bata, e debaixo dela estava nua. Era maravilhoso sentir preguiça, ter esse parêntese de calma antes da seguinte etapa de excitação.

Sobre a beira de sua taça, Luke viu como a bata se abria e revelava a pele cor marfim do Roxanne.

 - por que não terminamos o café da manhã na cama? Com os braços ainda estendidos, Roxanne sorriu.

 - Isso sonha...

 - Mamãe!  - Nate apareceu correndo do quarto vizinho.  - Fiz-o. Atei-me os cordões da sapatilha.  - Apoiou uma mão sobre a mesa e plantou o pé nas saias do Roxanne.  - Eu sólito.

 - Incrível. Este garotinho é um prodígio  - reconheceu e observou o coque que já começava a soltar-se.  - Hoje é um dia memorável.

 - A ver. Vêem, mostre-me isso Luke tomou ao Nate pela cintura e o sentou sobre seu joelho.  - Vamos, me diga a verdade. Quem te ajudou?

 - Ninguém.  - Os olhos totalmente abertos, Nate olhava a seu pai. Aproveitando que seu filho não olhava, Luke apertou o laço do sapato para que não se afrouxasse.  - Juro-o Por Deus.

 - Então é evidente que já é um menino grande. Quer um pouco de café?

 - Não  - disse o menino e fez uma careta - . Tem um gosto feio.

 - Vejamos, então o que outra coisa poderia ser?  - ficou a pensar e balançou ao garotinho sobre seu joelho.  - Sabe, Rox? Parece-me que um menino que é capaz de atá-los cordões das sapatilhas, também é capaz de cuidar de um cão.

 - Callahan  - murmurou Roxanne por debaixo da gritaria do Nate.

 - Daria-lhe de comer, não é certo?

 - É obvio.  - Com olhar solene, cheia de sinceridade e boas intenções, Nate assentiu.  - Todos os dias. E também lhe ensinaria a sentar-se e a dar a pata. Y... e a procurar seus chinelas, Mamãe.

 - Sem dúvida, depois das haver destroçado.  - Só uma mulher mais dura poderia resistir o sorriso desses dois pares de peraltas olhos azuis.  - Mas não penso compartilhar minha casa com nenhum cão de raça presumido.

 - O que nós queremos é um cão vagabundo, bem grande, não é verdade, Nate?

 - Sim. Um cão vagabundo, bem grande.  - Jogou os braços ao redor do pescoço do Luke e olhou a sua mãe com expressão suplicante.  - Papai diz que no refúgio de animais há muitos cachorritos sem lar. É como estar no cárcere.

 - Que golpe baixo, Callahan  - disse em voz baixa - . Suponho que pensa que deveríamos fazemos cargo de um.

 - É uma atitude humanitária, Rox. Não te parece, Nate?

 - Sim.

 - Bom, acredito que poderíamos procurar um  - começou a dizer, mas já Nate tinha saltado dos joelhos do Luke e a abraçava.  - Vocês dois se aliaram para me estender uma armadilha  - disse e sorriu ao Luke por sobre a cabeça de seu filho - . Suponho que terei que me acostumar.

 - vou contar se o a Alice!  - gritou o menino e pôs-se a correr. Mas se freou e disse:  - Obrigado, papai.

Luke não pôde fazer muito para dissimular o sorriso de orelha a orelha que se desenhou em seu rosto, mas lhe pareceu diplomático fingir um súbito interesse em seu café da manhã.

 - O vais malcriar muitíssimo. O se encolheu de ombros.

 - E com isso? Só se têm quatro anos uma vez na vida. Além disso, eu adoro malcriá-lo.

Ela ficou de pé e se sentou sobre seus joelhos.

 - Sim, é maravilhoso malcriá-lo.  - Com um murmúrio de prazer se aconchegou contra Luke.  - Suponho que temos que começar a nos vestir. Ainda fica trabalho por fazer.

 - Oxalá pudéssemos passar o dia com o Nate. Os três sós.

 - Já haverá outros dias. Muitos dias quando todo isto tenha terminado.  - Roxanne sorriu e, com os braços ao redor do pescoço do Luke, tornou-se para trás.  - eu adoraria ver como lhe está indo neste momento ao Tennenbaum.

 - É um veterano  - disse Luke e lhe beijou a ponta do nariz - . dentro da próxima hora deveríamos receber um chamado telefônico dele.

 - Detesto me perder sua atuação. Deve ser única.

 

Harvey Tennenbaum era sem dúvida um veterano. Durante mais de dois terços de seus sessenta e oito anos, tinha sido um reducidor bem-sucedido que só tratava com a "creme da creme". Para o Harvey, Maximillian Nouvelle foi a creme da creme.

A proposição do Roxanne no sentido que saísse de seu redro de quatro anos e desempenhasse um papel pequeno mas essencial em uma meticulosa fraude, ao princípio o tinha desconcertado. Depois, intrigou-o.

Por último, Harvey aceitou participar. E, para demonstrar quais eram seus sentimentos para o Max e os Nouvelle, decidiu fazê-lo grátis.

Até se mostrou impaciente por participar.

Era, por certo, um novo torcido na atividade do Harvey. A primeira vez em sua larga vida que, voluntariamente, ingressava em uma seccional policial. E, sem dúvida, a primeira vez que confessava  - sem obrigações -  uma transgressão às autoridades.

Como era a primeira, e certamente a última, a atuação do Harvey foi espetacular.

_Vengo aqui como cidadão muito consciente e preocupado  - insistiu enquanto olhava seriamente aos dois policiais de civil a quem o tinha derivado um sargento muito atarefado. Tinha os olhos afundados e avermelhados, graças a passar a noite vendo filmes pela televisão de cabo. Com seu traje abolsado e sua gravata larga a raias, parecia um homem desesperado que tinha passado toda a noite vestido e sem poder dormir.

Quão único não era certo era o desespero.

 - Parece esgotado, Harvey.  - Sapperstein, o detetive sénior, tomou uma atitude compassiva.  - por que não nos deixa que lhe levemos a seu casa no automóvel?

 - Estão-me escutando?  - Harvey deixou que sua indignação se notasse.  - Venho aqui... e não é algo que eu goste... dou-lhes um dado que é uma bomba, e o único que lhes ocorre quer dizer me que vá a minha casa. Como se fora um velho senil e algo pelo estilo. Ontem à noite não pude pegar os olhos pelo muito que me preocupava não saber se teria a coragem suficiente para fazer isto, e vocês nem sequer me emprestam atenção.

Impaciente por natureza, irritável pelas circunstâncias, o segundo detetive, um italiano chamado Lorenzo, tamborilou os dedos sobre seu escritório abarrotado de coisas.

 - Já sei.  - Suspirou ao recordar as velhas épocas.  - Nós sim que sabíamos nos divertir com nosso trabalho. Hoje em dia, em troca, para esses garotos se trata só de negócios. Não há criatividade, nem magia.

 - Assim é.  - Sapperstein sorriu.  - Você foi o melhor, Harvey.

 - Bom, mas vocês nunca puderam me pescar. Embora com isso não quero reconhecer nada.

 - nós adoraríamos ficar aqui sentados recordando com você as boas épocas  - disse o segundo detetive - , mas temos muito trabalho.

 - Eu vim aqui a ajudá-los.  - Harvey cruzou os braços e não se levantou da cadeira.  - Estou cumprindo com meu dever de cidadão. antes de fazê-lo, quero que me prometam imunidade.

 - Deus santo  - murmurou Lorenzo - . Chama o fiscal de distrito. Harvey quer imunidade. Coloquemos em marcha as engrenagens burocráticas.

 - Não faz falta que se mostre sarcástico  - murmurou Harvey - . Eu não deveria estar tratando com ajudantes. Deveria me dirigir diretamente ao Comissionado.

 - Sim, faça-o  - disse Lorenzo.

 - Se tiver algo que dizer, Harvey, desembucha de uma boa vez  - disse Sapperstein - . Você parece cansado, nós estamos cansados e sem muito tempo.

 - Então talvez estão excessivamente atarefados para ouvir o que eu sei sobre o roubo da galeria de arte  - disse Harvey e começou a ficar de pé - . Acredito que irei. Não quero lhes fazer perder tempo.

Os dois detetives pararam a orelha. Sapperstein manteve um sorriso persuasivo no rosto. Sabia que era provável que Harvey só estivesse fanfarroneando. depois de todo, dizia-se que fazia um par de anos que já não estava no negócio, e talvez sentisse nostalgia. Mas, por outra parte...

 - Espera.  - Sapperstein aplaudiu o ombro do Harvey para fazer que voltasse a sentar-se.  - Assim sabe algo disso?

 - Sei quem o fez.  - Fez uma pausa.  - Sam Wyatt. Lorenzo amaldiçoou e quebrou seu lápis em dois.

 - por que sempre me tocam os loucos? por que sempre a mim?

 - Assobiados? Chiquilín presumido. Eu reduzia jóias debaixo dos narizes da polícia quando você ainda molhava os fraldas. Se não poder me tratar com mais respeito, irei.

 - Tranqüilo, Harvey. Assim viu o candidato a senador Sam Wyatt roubar a coleção Clideburg?  - Sapperstein lhe formulou a pergunta com estudada paciência.

 - Que disparate! Como poderia eu ter visto quando as roubava?  - Harvey levantou as mãos.  - Acaso acreditam que eu estou parado nas esquinas tratando de localizar ladrões? Nem lhes ocorra me acusar de cumplicidade. Eu dormia em casa como um bebê quando se produziu o roubo. E, como não estava só, tenho um álibi.

 - Então por que assegura que o senhor Wyatt roubou a coleção Clideburg?

 - Porque me disse isso.  - Uma fingida agitação fez que a voz do Harvey ressonasse por toda a seccional.  - Pelo amor de Deus, somem dois mais dois, querem? Talvez alguém... suponhamos hipoteticamente que esse alguém era eu... estava acostumado a lhe reduzir algumas gema cada tanto.

 - Trata de nos dizer que você trabalhou para o Sam Wyatt?  - mofou-se Lorenzo.

 - Eu não hei dito tal coisa. Falava hipoteticamente. Se vocês acreditarem que me obrigarão a me incriminar nisto, estão muito equivocados. Vim aqui por minha própria vontade, e irei da mesma maneira. Não permitirei que me prendam.

 - te acalme. Quer um pouco de água? Lorenzo, nos traga um copo de água.

 - Sim, claro. por que não?  - respondeu Lorenzo e se me.

 - Bom, Harvey  - disse Sapperstein - , estamos aqui para escutar. Isto é um fato. Mas se te propõe inventar histórias como essas sobre um membro respeitado do governo, meterá-te em problemas. Talvez ele você não gosta como politice, e tem direito.

 - Político, as bolas. A política me importa um caralho. Mas lhe conto, hipoteticamente, entende-se...

 - Sim, entendo.

 - Hipoteticamente, conheço o Sam a muito tempo. Desde que era adolescente. Jamais lhe tive muita simpatia, mas os negócios são os negócios. Seja como for, utilizou-me em forma bastante regular. antes de meter-se em política foram em sua maioria coisas garotas, mas, depois, seus alvos se fizeram mais importantes.

 - Assim conhece o Sam Wyatt desde que ele era menino?  - Ao Sapperstein também lhe podia acabar a paciência. Tomou o copo que Lorenzo trouxe e o entregou ao Harvey.  - Olhe, assim não lhe faz bem a ninguém...

 - Eu não gosto que me pressionem  - interrompeu-o Harvey - . Isso é justamente o que o filho de puta tenta fazer. Olhem, eu já estou retirado dos negócios... hipoteticamente. E se quero rechaçar um trabalho, faço-o.

 - Muito bem, não aceitou o que te propunha  - disse Sapperstein e revirou os olhos - . Não está envolto. O que é o que sabe?

 - Sei muitas coisas. Recibo um chamado telefônico. Ele me diz que está por dar um golpe na galeria, e eu lhe desejo boa sorte, a mim o que me importa? Mas ele quer que eu comece a tratar de lhe reduzir as jóias. Digo-lhe que não e ele fica violento. Diz que me dificultará as coisas. Vocês sabem que tive um filho do Florence, minha segunda esposa. É dentista e trabalha no Long Island. Bom, Wyatt está informado de sua existência e diz que lhe criará problemas. Enquanto me ameaça, adula-me. Diz-me que sou o melhor e que não pode confiar em um reducidor de segunda categoria com essa classe de mercadoria. Recorda-me como trabalhamos juntos antes, e que este golpe nos vai deixar bem parados para sempre.

Harvey bebeu o resto da água e suspirou.

 - Tenho que confessar que isto me fez perder o sonho. Wyatt me preocupou muito, e também me interessou. Um trabalho assim não se apresenta todos os dias. A comissão me solucionaria os problemas de por vida. estive pensando em ir viver a Jamaica. Ali o clima é temperado todo o tempo. E há mulheres semidesnudas por onde a gente olhe.

 - Não vá pelos ramos, Harvey  - aconselhou-lhe Sapperstein - . O que fez com respeito ao trabalho?

 - Segui-lhe o jogo. Primeiro pensei que talvez o poderia fazer e, depois, que era muito perigoso. Já não sou tão jovem. Então me ocorreu que por uma vez faria o correto: entregá-lo. Sem dúvida há uma recompensa. E, assim, ao fazer uma boa obra também embolsava alguns dólares.

 - De modo que lhe aconteceu a mercadoria  - disse Lorenzo - . A ver, mostre.

 - Não me apure. Encontrei-me com ele ontem, no zoológico, junto à jaula dos macacos.

 - Muito bem - respirou Sapperstein, tratando de sossegar a seu companheiro - . Segue.

 - Disse-me que o trabalho saiu bem. ficou a fanfarronear. Contou-me como o tinha feito e como tinha substituído as jóias com imitações, para ganhar tempo. E me assinalou que queria as reduzir imediatamente depois da escolha.

 - Parece-me um pouco difícil, Harvey.

 - Possivelmente o pense, mas posso te dizer algo mais. O tipo não está bem daqui  - disse Harvey e se atingiu a cabeça.

Com um suspiro, Sapperstein tomou um anotador.

 - Que companhia de táxis utilizou para ir ao zoológico?  - Foi anotando a informação à medida que Harvey a dava.  - A que hora tomou? por que meio voltou para seu casa?  - Todo isso se podia verificar com facilidade.  - Só por curiosidade, como te disse ele que o fez?

Ao Harvey lhe alargou o coração, como lhe aconteceria se tivesse um peixe gordo na linha, ou uma gema reluzente na mão. Em frases concisas, descreveu o roubo em forma tão parecida com a operação autêntica que todo coincidiria à perfeição durante a investigação.

 - Muito ardiloso e com tecnologia de ponta. Hologramas, dispositivos eletrônicos.  - Poderia ter funcionado, pensou Sapperstein enquanto seu sangue de polícia começava a bulir.

 - Aprendeu algo de magia desses artistas de Nova Orleáns. Disse-me que viveu um tempo em casa deles. Acredito que agora são muito famosos. Seja como for, embora algumas destas coisas funcionem certas, não é suficiente para que nós interroguemos ao Sam Wyatt.

 - Já sei. Tenho mais.  - Com um gesto, colocou a mão no bolso da camisa e extraiu um papel dobrado. Por hábito, Sapperstein tomou pelos borde.

Nele havia descrições da coleção Clideburg.

 - Ele me deu isso para que me ajudasse a planejar minha tarefa. Mas cometeu um grave engano. Eu não gosto das ameaças, e estou retirado.  - Moveu as sobrancelhas.  - Hipoteticamente.

 - Não se faça o galo de briga.  - Lorenzo olhou o papel que Sapperstein introduzia nesse momento em uma bolsa de provas.  - Suponho que quer que mande isso ao laboratório.

 - Consegue todas as peças, Lorenzo, e começa a tratar das colocar em seu lugar. Faz que revisem isto para ver se tiver impressões digitais. Averigua se tivermos as do Wyatt. E, já que está, trata de conseguir uma amostra de sua escritura.

 - Acabo de ouvir que obtiveram uma peça de evidência na vitrine da galeria. Um gêmeo de dourado. Com as iniciais SW gravadas  - disse Lorenzo.

 - Muito bem, Harvey  - disse Sapperstein - , por que não vem a te sentar aqui?  - e o conduziu a um banco perto da porta da seccional - . Nós seguiremos a partir de agora.

 - Prometeu-me imunidade  - disse Harvey e agarrou a manga da jaqueta do Sapperstein - . Não penso permitir que me coloquem dentro por isso.

 - Não acredito que tenha que preocupar-se.  - E, com uma última palmada no ombro, o detetive partiu. Seu sorriso se desvaneceu ao chegar junto a seu companheiro.  - Penso conseguir todo o possível do gêmeo. lhes diga aos do laboratório que se apurem com esse papel. Lorenzo, é factível que esse velho crápula lhe tenha dado um bom empurrão a nossa carreira.

O velho crápula permanecia sentado, pacientemente aguardando seu momento de glória. Saboreava já a vingança pensando em seu velho amigo Max.

 - Então este é o último ato  - disse Roxanne e observou pela janela como o vento formava redemoinhos as folhas caídas nas veredas - . Oxalá papai pudesse estar aqui para vê-lo.  - obrigou-se a sorrir.  - Espero que isto não demore mais de um dia nossa volta a Nova Orleáns. Detestaria me perder a festa do Halloween em casa.

 - Chegaremos a tempo.  - Luke tomou a mão e a beijou.  - Prometo-lhe isso.

Sam tinha as valises preparadas para sua viagem ao Tennessee. Esperavam-no dez dias de campanha, todos os quais os passaria com sua equipe e sua esposa. Justine já lhe tinha ocasionado problemas com a quantidade de valises que alegava necessitar. Estava no piso superior, contrariada, pela forma cruel em que ele tinha reduzido a duas as quatro valises que queria levar.

Já lhe passará, pensou Sam. Quando pudesse ter os cartões de Natal impressos, nas que figurasse senador Samuel Wyatt e Senhora, lhe aconteceriam muitas coisas.

Lamentava que o matizado de sua agenda não lhe permitisse ocupar-se em seguida do castigo ao Luke. Desejava aplicar-lhe logo, e que fora definitivo.

Lhe teria gostado de assistir ao arremate da coleção Clideburg. Não tinha nenhuma dúvida de quem tinha planejado e realizado o roubo. Seria um peso mais na balança quando decidisse lhe entregar à polícia a documentação que possuía.

Mas isso teria que esperar.

Usaria os dez dias que faltavam para a escolha e assegurar um lugar na história.

Não emprestou atenção ao timbre da porta de rua, e deixou isso à servidão. Seu assistente se ocupou de preparar as valises, mas Sam sempre levava pessoalmente sua maleta: seus papéis, seus discursos, quão preservativos usava religiosamente em todas suas aventuras extramatrimoniales, sua agenda, lapiseiras, anotadores, um pesado livro sobre economia. Fechava-o com chave no preciso instante em que uma empregada se aproximava da porta do estúdio.

 - Senhor Wyatt, a polícia está aqui. Dizem que querem falar com você.

 - A polícia?  - Notou o olhar de interesse nos olhos da empregada e decidiu jogá-la na primeira oportunidade que tivesse.  - Faça-os passar.

 - Senhores  - Sam rodeou o escritório para estreitar as mãos do Sapperstein e Lorenzo. Seu apertão de mãos foi o de um político: firme, seco e crédulo.  - Sempre é um prazer receber aos moços da força policial. O que posso lhes oferecer? Café?

 - Não, obrigado  - respondeu Sapperstein pelos dois - . Não queremos lhe roubar muito tempo, senhor Wyatt.

 - Eu gostaria de lhes dizer que ficassem todo o tempo que desejem, mas devo tomar um avião em um par de horas. Estou em plena campanha eleitoral  - disse e piscou os olhos um olho - . Algum de vocês tem amigos ou parentes no Tennessee?

 - Não, senhor.

 - Bom, tinha que fazer o intento.  - Indicou uma cadeira.  - Tome assento, oficial...

 - Detetive Sapperstein, e Detetive Lorenzo.

 - Detetives.  - Por razões que o surpreenderam, Sam começou a transpirar o pescoço de sua camisa com monograma.  - por que não me dizem do que se trata?

 - Senhor Wyatt, temos uma ordem de aplainamento do tribunal.  - Sapperstein a tirou e esperou a que Wyatt ficasse seus óculos de ler.  - Estamos autorizados a revisar a casa. O detetive Lorenzo e eu encabeçaremos a equipe que aguarda fora.

 - Uma ordem de aplainamento?  - Todo o encanto do Sam desapareceu.  - De que demônios fala?

 - Da coleção Clideburg, que foi roubada da Galeria Hampstead em 23 de outubro. Temos provas de que você está envolto nesse roubo e, por ordem do juiz HaroId J. Lorring, estamos autorizados a levar a cabo uma investigação.

 - Estão completamente loucos.  - Com as mãos de repente molhadas, Sam arrancou o papel ao Sapperstein.  - Isto é uma fraude. Não sei qual é o jogo, mas...  - interrompeu-se e fez uma careta.  - Calavam os mandou. Pensou que podia montar todo este assunto para me pegar. Bom, equivoca-se. Podem retornar e lhe dizer a esse filho de puta que está equivocado e que o liquidarei por isso.

 - Senhor Wyatt  - continuou Sapperstein - . Estamos autorizados a realizar esta busca, e o faremos com ou sem sua cooperação. Pedimo-lhe desculpas por qualquer inconveniente que isso poderia lhe causar.

 - Mentira. Acreditam acaso que não cheiro um engano? Vocês não são policiais.  - Triunfante, sacudiu um dedo para eles.  - Nenhum dos dois. Saiam de minha casa ou eu mesmo chamarei à polícia.

 - Tem liberdade para fazê-lo, senhor Wyatt  - disse Sapperstein e tirou de volta o documento - . Nós esperaremos.

Não caiu nessa armadilha. É uma manobra lamentável, pensou enquanto chamava o despacho do Juiz Harold J. Lorring. Quando lhe disseram que a ordem de aplainamento tinha sido assinada menos de trinta minutos antes, tocou do nó de sua gravata. Marcou o número de seu advogado.

 - Winfield, fala Sam Wyatt. Tenho em meu escritório a um par de tipos que dizem que são policiais e trazem uma ordem de aplainamento que seguro é forjada.  - arrancou-se a gravata e a jogou no chão.  - Sim, isso foi o que disse. Agora venha-se em seguida para aqui e ocupe-se disto.  - Sam pendurou com um golpe.  - Vocês, não toquem nada, absolutamente nada, até que chegue aqui meu advogado.

Sapperstein assentiu.

 - Temos tempo  - disse. Olhou seu relógio e sorriu.  - Mas acredito que você perderá esse avião.

antes de que Sam tivesse tempo de ladrar uma resposta, Justine entrou correndo.

 - Sam, o que ocorre? Frente à casa estacionou dois automóveis da polícia.

 - te cale a boca!  - Saltou para ela como um tigre e a empurrou para a porta.  - te cale e sal daqui.

 - Senhor Wyatt  - disse a empregada - . Tem visitas no foyer.

 - lhes diga que se vão  - disse entre dentes - . Não vê que estou ocupado?  - Foi ao bar e se serve dois dedos de uísque. Por um momento tinha perdido a cabeça, mas isso não importava. Qualquer reagiria assim em circunstâncias parecidas. Bebeu o uísque e esperou a que lhe fizesse efeito.

 - Senhores.  - Com seu sorriso de affiche de novo no rosto, voltou-se.  - Desculpo-me por me haver levado assim. Foi uma sacudida terrível. Jamais me acusaram que roubo.

 - Roubo com aplainamento  - corrigiu-o Lorenzo.

 - Sim, é obvio.  - Anotaria o número da insígnia desse homem... se não era falsa.  - Prefiro esperar a chegada de meu advogado, só para verificar o procedimento. Asseguro-lhes que têm liberdade de dar volta a casa. Não tenho nada que esconder.

As vozes no corredor fizeram que todos girassem a cabeça. Quando Luke passou junto à empregada e entrou no quarto, seguido de perto pelo Roxanne, a compostura recém recuperada do Sam se cambaleou.

 - O que faz em minha casa?

 - Chamou-me, exigiu-me que viesse  - disse Luke e rodeou ao Roxanne com o braço em atitude de amparo - . Não sei o que quer, Wyatt, mas eu não gostei do tom de seu convite. Eu...  - sua voz se perdeu, como se pela primeira vez advertisse a presença dos detetives.

 - O que é todo isto?  - perguntou Roxanne, levantando a cabeça: uma mulher formosa e valente, que claramente se encontrava muito nervosa.

 - Sinto muito, mas devo lhes pedir aos dois que se vão. Isto é oficial.

 - Quero saber do que se tatu. tornaste a fazer algo horrível, verdade, Sam?  - disse ela e saltou para ele - . Não voltará a machucar ao Luke.  - agarrou-se de suas lapelas e o sacudiu.  - Usou-me uma vez, mas não o fará nunca, nunca mais.

 - Querida, por favor - disse Luke e lhe aproximou - . Não te coloque assim. O não o vale. Nunca valeu nada.

 - Eu te levei a minha casa  - disse Roxanne e sacudiu de novo ao Sam. Só a presença dessas testemunhas impediu a ele atingi-la.  - Eu confiava em você e também minha família confiava em você. Não é suficiente que nos tenha traído faz tantos anos? É necessário que ainda abrigue esse ódio virulento para nós?

 - me tire as mãos de cima.  - Tomou pelos punhos e as torceu. O grito de dor do Roxanne fez que os dois detetives interviessem.

 - Tranqüilo, Wyatt.

 - Meu amor.

Esse era o "pé" do Roxanne. Em um acesso de pranto que a cegou, cambaleou-se, caiu para o Luke e atirou a maleta do escritório. As fechaduras se abriram e da maleta se derramou o cintilação gelado dos diamantes, seguido pelo fogo dos rubis.

 - OH.  - Roxanne se levou as mãos à boca.  - meu deus, é o colar da Rainha da coleção Clideburg. Você.

 - Levantou um braço e assinalou ao Sam com dedo acusador.

 - Você as roubou. Igual a roubou ao Madame faz tantos anos.

 - Está louca. Ele colocou essas jóias em minha maleta  - quase gritou Sam e olhou a todos lados com desespero, incapaz de acreditar que seu mundo tão cuidadosamente estruturado se estivesse desintegrando com semelhante rapidez.  - O muito filho de puta os colocou ali.  - Sam pegou um salto e Luke se preparou a defender-se. Quando Lorenzo avançou para interceptá-los, Roxanne deslocou o corpo. E seu pé se travou debaixo da perna do Sam, quem caiu de bruços sobre a maleta aberta.

 - Não deixarei que faça este truque de magia, Calavam

 - rugiu Sam, e se sentou, ofegando - . Ainda te tenho. Na caixa forte. Ali tenho provas contra este homem. É um ladrão e um assassino. E esta mulher também é uma benjamima. Todos o são. Posso prová-lo. Posso prová-lo.  - Ao renguear para a caixa forte, seguia balbuciando em voz baixa.

 - Senhor Wyatt.  - Sapperstein lhe colocou uma mão no ombro.  - Aconselho-lhe que espere a seu advogado.

 - Já esperei o suficiente. esperei anos. Vocês queriam revisar a casa, não? Bom, procurem aqui dentro.  - Fez girar o dial da caixa forte em um sentido e em outro, até marcar o último número da combinação. Abriu-a e colocou a mão. Depois ficou olhando, atônito, quando a pequena pasta caiu para fora e dela se esparramaram algumas fotografa em cores.

 - Umas instantâneas muito interessantes, senhor Wyatt  - disse Lorenzo ao levantar algumas e as folhear.  - É você realmente fotogênico... e ágil.  - Sorriu e lhe aconteceu as fotografias a seu companheiro.

 - Esse não sou eu.  - Sem deixar de olhar, Sam se passou o dorso da mão pela boca.  - É Gunner. supõe-se que é Gunner. Estão trucadas. Qualquer pode dar-se conta. Jamais estive com nenhuma dessas pessoas. Nunca as vi antes.

 - Pois nenhuma parece considerá-lo um desconhecido  - murmurou Sapperstein. Tinha trabalhado um tempo na Divisão Moralidade, mas nunca tinha visto algo tão... criativo.

Lorenzo atingiu um dedo sobre uma tomada que mostrava posição particularmente lasciva e pouco comum.

 - Como acredita que obteve esta posição? A minha mulher adoraria.

 - Basta  - disse Sapperstein e pigarreou. Recordou que havia uma dama presente.  - Senhor Wyatt, por favor sinta-se aqui até que nós...

 - Estão trucadas!  - gritou Sam - . Ele o fez. O mentiu e fez armadilha  - e assinalou ao Luke - . Mas me pagará isso. Todos me pagarão isso. Tenho provas.  - Ria entre dentes quando voltou a colocar a mão na caixa forte. E se derrubou por completo quando o que tirou foi uma tiara de diamantes.

 - É um truque  - disse - . Um truque.  - Retrocedeu, a vista fixa na tiara que tinha nas mãos, enquanto seu sorriso era uma careta espantosa.  - Desaparecerá.

Sapperstein fez um gesto ao Lorenzo, quem lhe tirou a tiara.

 - Assiste-lhe o direito de permanecer calado  -  disse, enquanto lhe colocava as esposas e Sapperstein esvaziava a caixa te raspar de jóias.

 - Serei presidente  - disse Sam - . Oito anos mais, só necessito oito anos mais.

 - Acredito que lhe darão mais que isso  - murmurou Luke. Estalou os dedos e ofereceu ao Roxanne a rosa que apareceu entre eles.

 

Em Nova Orleáns, o outono era cálido, brilhante e maravilhosamente seco. Os dias se fizeram mais curtos, mas noite detrás noite as postas de sol eram uma espetacular sinfonia de cores e tons que apertava a garganta e o coração.

Max faleceu durante um desses incríveis espetáculos de luzes, em sua própria cama, com um sol vermelho rubi como pano de fundo definitivo. Sua família estava com ele. Como dissesse LeClerc ao beber uma das inumeráveis taças de café consumidas durante essa noite, foi a melhor maneira de dormir.

Roxanne teve que contentar-se com isso, e com o fato de que Luke pôde colocar-a pedra filosofal na frágil mão de seu pai, de modo que se deslizou de um mundo ao outro, sustentando-a.

Não era uma gema brilhante nenhuma jóia resplandecente, só uma pedra cinza, polida pelo tempo e pelos inumeráveis dedos que trataram de extrair dela a verdade. Em tamanho, cabia-lhe perfeitamente na palma da mão, tal como tinha descansado em outras Palmas ao longo de outros séculos.

Se tinha poder, ela não o havia sentido. Esperava que Max sim o tivesse percebido.

Foi enterrada com o Max em uma luminosa manhã de novembro, com um céu muito azul e uma leve brisa que balançava o pasto que crescia entre as tumbas da cidade que ele tanto amava. Havia perfume no ar, com melodias do Chopin executadas por uma dúzia de violinos.

Max teria detestado braçadeiras de luto negros e música de órgão.

Centenas de pessoas se congregaram no cemitério: pessoas com as que tinha tido algum contato ao longo de sua vida, jovens magos ansiosos de obter êxito, velhos magos cujas mãos e olhos começavam a lhes falhar. Alguém soltou uma dúzia de pombas brancas que deram a ilusão de ser anjos que tinham vindo a levar a alma do Max.

Ao Roxanne pareceu um gesto de incrível beleza.

Durante os dias que seguiram, Roxanne não conseguia liberar do peso de sua angústia. Seu pai tinha sido a influência mais importante de sua vida. Durante sua enfermidade, não ficou mais remedeio que fazer-se carrego da família. Mas enquanto ele permaneceu ali com corpo e alma, ela teve a ilusão do ter.

Desejou ter podido compartilhar com ele seu último grande triunfo. Os titulares dos jornais seguiam ocupando do escândalo do Samuel Wyatt, ex-candidato a senador, agora processado por roubo de maior quantia, entre uma série de cargos menores.

Em sua casa de Maryland tinham encontrado provas adicionais. Um pequeno dispositivo parecido a um controle remoto ou uma calculadora de bolso, um jogo de gazuas de aço inoxidável, um cortavidrios, uma arco a motor que lançava um gancho de ferro com corda, um único gêmeo de dourado com as iniciais SW gravadas e, o mais comprometedor, um diário no que se detalhavam minuciosamente roubos cometidos em um período de quinze anos.

Ao Jake tomou um mês completá-lo, para o qual teve que falsificar a escritura do Sam. Mas foi um trabalho muito bem feito

tiraram o chapéu deste modo conta em bancos da Suíça, nos que se encontravam depositados mais de um quarto de milhão de dólares. Luke o considerava um investimento que já lhe tinha brindado dividendos.

Roxanne estava predisposta para compadecer-se do Justine. Mas lhe funcionou divertido ler a notícia de que a devota esposa do Sam, livre de toda implicação, já tinha iniciado julgamento de divórcio e vivia em um chalé nos Alpes suíços.

 - está-se colocando afresco aqui fora. Em meio das sombras do entardecer, Lily cruzou o jardim para onde Roxanne se encontrava sentada no banco de ferro, observando a fonte.  - Deveria abrigar-se.

 - Estou muito bem assim.  - Para lhe demonstrar ao Lily que sua presença era bem recebida, passou-lhe um braço pelos ombros quando se sentou junto a ela.  - eu adoro este canto. Sempre me hei sentido melhor depois de estar sentada aqui um momento.

Permaneceram em silêncio alguns minutos, escutando o som da água da fonte. As sombras se alargaram e se fez de noite.

 - Não sinta saudades muito, querida.  - Lily sabia que não o tinha expresso bem, e desejou ter a facilidade de palavra do Max.  - O não quereria que o chorasse muito tempo.

 - Já sei. Ao princípio tinha medo de que se não seguia sofrendo, isso significaria que tinha deixado de amá-lo. Mas sei que não é assim. Faz um momento recordava o dia que todos partimos para Washington D.C.  - Roxanne inclinou a cabeça e a apoiou sobre o ombro do Lily.  - Ele estava sentado em sua poltrona, olhando para fora pelas portas janela de seu quarto. Queria ir conosco, Lily. Dava-me conta. Senti-o. Precisava ir.

Roxanne se pôs-se a rir, um som que Lily não tinha ouvido em muitos dias.

 - Mas era teimado  - prosseguiu Roxanne - . Queria morrer no Halloween. Como Houdini. Juraria que deveu havê-lo planejado. E agora penso que, se existir um céu para os magos, ele seguro que está lá, fazendo truques com o Robert Houdini, os Herrmann e Harry Keller. Isso lhe fascinaria, não é certo, Lily?

 - Sim.  - Com lágrimas nos olhos, mas sorrindo, Lily a abraçou. -  E lutando com unhas e dentes para figurar em primeiro termo.

 - Esta noite, e por toda a eternidade, Maximillian Nouvelle, Conjurer Extraordinaire.  - pôs-se a rir de novo e beijou as bochechas do Lily.  - Já não sofro. Sempre sentirei saudades, mas não me dói mais.

 - Então te direi outra coisa.  - Tomou a face do Roxanne entre suas mãos.  - Vive seu vida. Sempre foste forte, inteligente e ousada. Não afrouxe agora.

 - Não sei o que quer dizer com isso. Lily ouviu que uma porta se abria, olhou por sobre o ombro e viu o Luke junto à porta da cozinha.

 - Vive seu vida  - repetiu e ficou de pé - . Vou dentro para ajudar a Alice a escolher o papel para o quarto de seu bebê. Entra se tiver frio.

 - Farei-o.

Lily se cruzou no jardim com o Luke.

 - Se você não pode mantê-la abrigada  - disse ela em voz baixa - , retirarei-te a saudação.

Luke se sentou no banco, atraiu ao Roxanne para si e a beijou.

Com a cabeça arremesso para trás e apoiado no braço do Luke, ela abriu os olhos.

 - Isso por que foi?

 - Estava obedecendo ordens. Mas agora vai por mim.  - E a voltou a beijar. Depois, suspirou, tornou-se para trás, estirou as pernas e as cruzou pelos tornozelos.  - Linda noite, não?

 - Sim. Está saindo a lua. Quantas vezes te obrigou Nate a lhe ler Ovos verdes com presunto?

 -  - As suficientes para que me saiba de cor. De todas formas, quem quer comer ovos verdes? É repugnante.

 - Passares por cima essa metáfora não tão sutil, Calavam. trata-se de não julgar as coisas por sua aparência, e provar novos terrenos.

 - Sério? Que curioso. Eu estive pensando em provar novos terrenos.  - Mas primeiro queria estar seguro de que era o momento adequado.  - Como está, Rox?

 - Estou bem. Estou bem, Luke  - repetiu e lhe sorriu - , Sei que não podia retê-lo para sempre a meu lado, não importa a quanta magia recorresse. Mas ajuda saber que alguém o quis muito. Talvez, de uma maneira estranha, os cinco anos que esteve longe me deram tempo de me concentrar muito nele, quando mais me necessitava. Agüentou até que estivesse de volta, e eu pudesse seguir vivendo sem ele.

 - O desuno?

 - A vida me parece uma palavra mais apropriada. As coisas estão trocando agora. aconchegou-se contra ele, não porque tivesse frio mas sim porque assim se sentia melhor.  - Mouse e Alice se mudarão daqui logo. Não é fantástico que, justo agora que querem começar por sua conta, você tenha uma casa em venda que é ideal para eles?

 - Com um lindo apartamento no segundo piso, perfeito para um solteiro. Assim Jake os pode voltar loucos.

 - Sabe bem que o quer muito.

 - Querer é uma palavra muito grande, Rox  - disse Luke, mas sorriu - . O que eu sinto pelo Jake é mais uma leve tolerância, grisada com períodos de extremo enfado.

 - Seguro que Lily ficará em campanha para lhe conseguir algema.

 - Ela oculta tão bem essa faceta sádica que tem. Ao menos Jake é útil entre decorações.  - Luke tomou a mão e ficou a brincar com seus dedos.  - Sabe, Rox? estive pensando no ato.

Ela suspirou.

 - Acredita que está inteligente para apresentá-lo?

 - Sim, está preparado. Mas pensava também em outra coisa.

 - No que?

 - Nesse edifício que está em venda no extremo sul deste bairro. Tem bom tamanho. Necessita muitos acertos, mas tem possibilidades.

 - Possibilidades? De que tipo?

 - De tipo mágico. O Centro Nouvelle de Magia, Nova Orleáns. Um teatro para apresentar atos novos e surpreender às pessoas. Talvez com um negócio de magia no que poderíamos vender truques. Uma operação de primeira classe.

 - Um negócio.  - Intrigada, mas com cautela, Roxanne se separou para poder lhe ver a face. Nela, viu um entusiasmo quase não dissimulado.  - Quer abrir um negócio?

 - Não é só um negócio. É uma possibilidade. Você e eu, sócios. Agiríamos ali, convocaríamos aos grandes nomes da magia e daríamos uma oportunidade aos novos. Uma sorte de feira de atrações, Rox, só que esta permaneceria sempre no mesmo lugar.

 - Vejo que estiveste pensando muito nisso. Desde quando? - Desde o Nate. Quero poder lhe dar o que Max me deu . Uma base.  - Para dar tempo ao Roxanne para digerir a idéia, tomou sua mão, levou seus dedos aos lábios e os beijou um por um.  - Igual nós sairíamos a fazer funções em outros lados. É nosso trabalho. Mas não estaríamos viajando nove meses de cada doze. Logo Nate terá que começar a ir ao colégio.

 - Já sei. Estive-o pensando. Planejava trabalhar menos quando chegasse esse momento.

 - Se fizéssemos o que te proponho, não teria que trabalhar menos. Só há um inconveniente.

 - Sempre o há. Qual é?

 - Tem que te casar comigo. Roxanne não podia dizer que se sentia surpreendida. Foi mas bem como um poderoso choque elétrico.

 - Como diz?

 - Que te casasse comigo. Isso.

 - É isso?  - teria posto-se a rir, mas não acreditava ter forças suficientes para fazê-lo. Mas conseguiu ficar de pé.  - Diz-me que tenho que me casar contigo. Refere a todo isso de "quero" e "até que a morte nos separe"?

 - Pediria-lhe isso, mas suponho que perderia tempo sopesando os pró e os contra. Assim que lhe digo isso. Roxanne levantou o queixo.

 - E eu te digo...

 - Espera.  - Levantou uma mão e ficou de pé para poder estar cara a cara com ela.  - Lhe ia pedir isso a noite que pensava voltar do do Sam com os bolsos cheios de safiras. O que teria feito se eu te tivesse pedido então que te casasse comigo?

 - Não sei.  - E essa era a pura verdade.  - Nunca falamos sobre isso. Suponho que as coisas seguiriam tal como estavam.

 - Mas não foi assim.

 - É verdade. O teria pensado, o teria pensado muito.

 - Se lhe pedisse isso agora faria o mesmo. Assim que me salteio esse passo. Casaremo-nos ou o resto do trato se anula.

 - Não pode me obrigar a que me case contigo.

 - Se isto não funcionasse, seduzirei-te  - disse Luke e lhe aconteceu as mãos pelos braços, um velho hábito que seguia fascinando-a - . Começarei te dizendo que te amo. Que é a única mulher que amei em minha vida. E que amarei. - Atraiu-a para si e começou a brincar com os lábios sobre os seus. - Quero te fazer promessas e que você me faça isso . Quero ter mais filhos contigo. Quero estar aqui quando crescerem dentro do Ü.

 - OH, Luke.  - Até lhe pareceu perceber uma fragrância a flores-de-laranja. Matrimônio, pensou. Era algo tão trilhado, um lugar comum. E tão excitante.  - Está bem.  - levou-se uma mão à boca, como assustada de que essas palavras tivessem saído dela. Então se pôs-se a rir e as voltou a pronunciar.  - Está bem. Aceito.

 - Agora não pode te jogar atrás  - acautelou-lhe ele, levantou-a em seus braços e a fez girar em um círculo.

 - Jamais deixo de cumprir uma promessa.

 - Então, a próxima vez que subamos a cena, será para apresentar a Calavam e sua bela esposa, Roxanne Nouvelle.

 - Nem em sonhos  - saltou ela e lhe atingiu o ombro quando a deixou tocar o chão.

 - Está bem. Só Callahan e Nouvelle  - disse e arqueou uma sobrancelha - . Está em ordem alfabética, Rox.

 - Nouvelle e Callahan. Eu sou a que te ensinei o primeiro truque com cartas, recorda?

 - Nunca me deixou esquecê-lo. Trato feito  - disse Luke e lhe estreitou formalmente a mão - . Nate terá pais legalmente casados e um cão. Que mais pode desejar um menino?

 - Todo é tão convencional que me dá medo.  - passou-se uma mão pelo cabelo.  - Quanto a esse cão...

 - Jake o tirou passear. Não se preocupe. Na última hora, Mike não se tragou nada que valha a pena. Não te faça a severo comigo, Roxy. Esta manhã te vi lhe dar biscoitinhos de chocolate.

 - Era parte de um plano. Calculei que se o engordava o bastante, não poderia subir a escada e urinar sobre o tapete do dormitório.

 - Arranhou-lhe as orelhas, fez-lhe ruidozinhos e deixou que te lambesse a face.

 - Foi um momento de loucura. Mas agora já me sinto muito melhor.

 - Me alegro, porque tenho que te dizer outra coisa.

 - Só uma, por favor.

 - Sim. Que deixaremos de roubar.

 - Que nós...  - Teve que sentar-se.  - Deixaremos de roubar?

 - Exatamente  - disse Luke e se sentou junto a ela - . Pensei-o muito. Agora somos pais, e eu gostaria de ter outro filho o antes possível. Não acredito que te convenha fazer trabalhos em um primeiro piso com um bebê a bordo.

 - Mas... se isso for o que fazemos.

 - É o que fazíamos  - corrigiu-a ele - . E mímicos os melhores. Abandonemos essa carreira em pleno êxito. Com o Max, foi o fim de uma era. Agora, nós temos que começar a nossa. Por Deus, o que faríamos se Nate termina sendo polícia?  - De novo lhe beijava os dedos e ria.  - Poderia nos prender. Parece-te que é justo carregar de culpa a uma criatura por mandar ao cárcere a seus próprios pais?

 - Que tolices diz. Os meninos passam por distintas etapas de crescimento.

 - O que queria ser você quando tinha quatro anos?

 - Maga  - disse ela com um suspiro - . Mas, renunciar a isso, Calavam... Não poderíamos simplesmente trabalhar menos?

 - É mais limpo nesta forma, Rox. Sabe que o é.

 - Só roubaríamos aos homens terrivelmente ricos e ruivos.

 - Aceita-o, querida. Roxanne se tornou para trás.

 - Casada, com um negócio e honrada, todo ao mesmo tempo. Não sei, Calavam. Acredito que poderia explodir.

 - Iremos fazendo pouco a pouco.

Roxanne soube que ele tinha ganho a partida. A imagem do Nate com uma insígnia policial e, entre lágrimas, encerrando-a detrás das grades, era muito para ela.

 - Não sentiria saudades que me dissesse agora que deveríamos começar a fazer festas de aniversário para nosso filho.  - Quando não lhe respondeu, Roxanne se sentou bem erguida.  - OH, Deus, Luke.

 - Não é tão terrível. É só que... bom, o outro dia quando levei ao Nate ao jardim de infantes, estive conversando com sua mestra. E, bom, prometi-lhe que faríamos um pequeno ato na festa de Natal.

Durante um longo minuto reinou o silêncio. Depois Roxanne pôs-se a rir. Compreendeu que Luke era perfeito, absolutamente perfeito, e absolutamente dele.

 - Amo-te  - disse e o surpreendeu lhe jogando os braços ao redor do pescoço e beijando-o apaixonadamente - . Amo à pessoa que funcionou ser.

 - O mesmo digo. Quer que fiquemos aqui nos mimando à luz da lua?

 - É claro que sim que sim.  - Colocou-lhe um dedo nos lábios antes de uni-los aos seus.  - Acautelo-te uma coisa, Calavam. Se chegar a comprar uma rural, converterei-te em um sapo.

Lhe beijou o dedo, logo a boca, e decidiu que esperaria um momento mais oportuno para mencionar o adiantamento que tinha feito essa mesma manhã por um veículo exatamente assim.

Como Max haveria dito, o mais importante era encontrar o momento apropriado.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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