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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


JURAS DE VINGANÇA / Jennie Lucas
JURAS DE VINGANÇA / Jennie Lucas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Ao descer de seu Rolls-Royce, Paolo Caretti abotoou o so­bretudo preto, deixando-o bem colado ao corpo, e ficou de pé na calçada. O nascer do sol lançava uma mísera faixa púrpura no céu cinzento de Nova York, e seu motorista segurava um guarda-chuva para protegê-lo da chuva gelada.

— Paolo. Espere.

Por um momento, ele pensou ter imaginado ouvir aque­le som doce. Talvez sua insônia estivesse fazendo com que sonhasse acordado. Mas uma figura pequena saiu de trás da alta escultura de metal que decorava a entrada do edifício de 22 andares onde ficava seu escritório. A chuva encharcara o cabelo daquela mulher, deixando sua roupa colada ao corpo. Seu rosto estava pálido, congelado. Devia estar ali fora há horas, esperando por ele.

— Não fuja de mim — ela disse. — Por favor.

Sua voz era doce, suave, em tom baixo. Exatamente como ele se lembrava. Após tantos anos, não importando quanto dinheiro ganhara ou quantas amantes tivesse buscado para livrar-se de sua imagem.

Ele cravou a mandíbula e disse:

— Você não deveria ter vindo.

— Eu... Eu preciso da sua ajuda — disse a princesa Isabelle de Luceran, respirando fundo, com seus olhos castanho-claros brilhando sob as luzes da rua. — Por favor. Não tenho para onde ir.

 

 

 

 

Os dois se olharam. Por um momento, ele foi levado de volta àqueles dias de primavera nos quais faziam piqueniques no Central Park e às noites de verão fazendo amor no seu apartamento de Little Italy. Naqueles quatro meses, ela deixara sua vida mais doce, seu mundo brilhava com mais intensidade e por isso acabou pedindo-a em casamento...

Mas a encarava, frio.

— Marque uma hora — ele disse, tentando seguir em frente, mas ela bloqueou o caminho.

— Eu tentei. Deixei dez recados com sua secretária. Não recebeu?

Era verdade, Valentina recebera as mensagens, mas ele ignorou todas. Isabelle de Luceran não significava nada em sua vida. Já não a desejava há muito tempo.

Ou pelo menos se convencera disso. Mas sua beleza o impactava como um veneno. Seus olhos expressivos, sua boca carnuda, as curvas escondidas por baixo do casaco luxuoso — ele se lembrava de tudo. Do gosto de sua pele. Dos lábios de Isabelle beijando-lhe o torso. Daquelas mãos suaves entre suas pernas...

— Está sozinha? — Ele perguntou, lutando para manter o controle. — Onde estão os guarda-costas?

— Ficaram no hotel — ela murmurou. — Peço que me ajude. Por favor. Pelo bem do que... Nós fomos um dia...

Para seu horror, viu lágrimas rolando no rosto de Isabel­le. Ela? Chorando? Suas mãos tremiam. Devia estar muito desesperada.

Ótimo. Tê-la de joelhos implorando por um favor seria interessante. Não pagaria tudo o que lhe fizera, mas poderia ser um começo.

Abruptamente, ele se aproximou, traçando um dedo em sua bochecha molhada.

— Quer um favor? — Sua pele estava fria, como se ela realmente fosse à princesa gélida que o mundo imaginava que fosse. — Vou pedir que me pague por isso, você sabe.

— Sei — ela respondeu, em voz baixa, tão baixa que ele mal foi capaz de ouvi-la sob a chuva. — Eu sei.

— Siga-me — ele disse, pegando o guarda-chuva da mão do motorista e subindo as escadas de concreto. Quando en­trou pela porta giratória do edifício, cumprimentou o segu­rança com a cabeça. Ouvia os saltos altos das botas de Isa­belle batendo contra o chão de mármore.

— Bom dia, Salvatore — disse ao primeiro segurança.

— Bom dia — respondeu o homem mais velho, limpando a garganta. — Que frio hoje, Signor Carretti. Fico pensando no meu país, bem mais quente — disse, olhando para Isabel­le. — Ou em San Piedro, talvez.

Até Salvarote a reconhecia. E Paolo ficou imaginando como reagiria sua secretária pessoal. Valentina Novak, mes­mo muito competente, tinha uma fraqueza: revistas de cele­bridades. E Isabelle, princesa de uma pequena ilha, de um reino no meio do Mediterrâneo, era uma das mulheres mais famosas do mundo.

Quando Paolo deixou a área dos seguranças, ouviu Sal­vatore suspirando. Não poderia culpá-lo. Isabelle fora uma menina adorável aos 18 anos; e ficara ainda mais bonita. Até o tempo parecia estar apaixonado por ela.

Tentando evitar tais pensamentos, entrou em seu elevador privado e apertou o botão da cobertura. Logo que as portas se fecharam, olhou para ela.

— Certo. O que está acontecendo?

A voz de Isabelle era baixa, desesperada.

— Alexander foi seqüestrado.

— Seu sobrinho? — Perguntou, olhando-a incrédulo. — Seqüestrado?

— E você é a única pessoa capaz de salvá-lo!

Ele levantou as sobrancelhas, sem acreditar no que ouvia.

— O herdeiro do trono de San Piedro... Precisa da minha ajuda?

— Ele não é mais o herdeiro. É o rei — disse, balançan­do a cabeça e limpando os olhos. — Meu irmão e minha cunhada morreram há duas semanas. Você deve ter lido so­bre isso...

— É verdade. — Ele ouvira a história em detalhes, conta­da por Valentina, dizendo que o casal sofrera um acidente na ilha de Maiorca, deixando o filho de nove anos sozinho. Mas essa não foi à única história contada pela secretária...

Trincando os dentes, tentou se esquecer de tudo aquilo.

— Sinto muito.

— Minha mãe é oficialmente a regente até que ele atinja a maioridade, mas está ficando velha, e eu estou tentando ajudar — disse, respirando fundo. — Eu estava na cúpula econômica em Londres, semana passada, quando recebi uma ligação da babá de Alexander, muito nervosa. Ele tinha su­mido. Depois recebi uma carta pedindo um encontro com o seqüestrador hoje à noite. A sós.

— Não me diga que está pensando em fazer o que ele pediu?

— Se você não me ajudar, não sei o que fazer.

— Seu sobrinho tem a guarda nacional, guarda-costas, polícia. Envolva tudo isso no caso.

Ela fez que não.

— A carta diz que se eu entrar em contato com qualquer força oficial nunca mais voltarei a ver Alexander!

Ele abriu um sorriso forçado.

— Claro que o seqüestrador vai dizer isso. Não seja boba. Você não precisa da minha ajuda. Vá à polícia. Deixe que resolvam o caso. — Nesse momento as portas do elevador se abriram, e ele se afastou. — Vá para casa, Isabelle.

— Espere — disse, colocando a mão na cintura de Paolo. — Tem mais uma coisa. Algo que não lhe contei.

Ele ficou olhando para sua mão. Podia sentir a eletrici­dade através do casaco pesado, seu lindo e caro casaco feito sob medida. Sentiu uma vontade louca de pressioná-la contra a parede do elevador, levantar sua saia e prová-la. Queria tirar seu casaco molhado, suas roupas empapadas e aquecer seu corpo...

O que acontecia com ele? Não sentia nada além de raiva por Isabelle de Luceran — desprezava seu caráter e também o rapaz idiota que fora quando a amara. Como era possível que cinco minutos ao seu lado fizes­sem seu corpo entrar em combustão? Mesmo vestido, podia sentir o calor de seu toque queimando-o.

Afastou o braço.

— Vou dar a você um minuto — ele disse. — Não o des­perdice.

Entrou no seu andar privativo, lotado de empregados que organizavam sua vida. Valentina se levantou atrás da mesa. Como sempre, era a perfeita figura da eficiência: seu terninho vermelho bem cortado acentuava o corpo cheio de cur­vas, e seus cabelos brilhantes estavam presos em um coque. A única jóia que usava era um relógio de ouro Tiffany que Paolo lhe dera de presente no último Natal.

— Bom dia, Sr. Caretti — disse, rapidamente, abrindo um sorriso de dentes brancos. — Aqui estão os números do es­critório de Roma. Palladium está dois por cento acima de Nymex, e já recebi várias ligações esta manhã de repórteres querendo saber sobre o rumor de uma oferta de compra. E também, claro, mais ligações de uma mulher dizendo ser...

Seus olhos se arregalaram. Ficou sem respiração ao olhar para Isabelle.

— Você disse a todos que a Caretti Motos não está à ven­da. Certo?

Aquela mulher de 30 anos o olhava como se estivesse a ponto de desmaiar.

— Sim. Não. Quero dizer...

— Atenda aos meus telefonemas — ele pediu. Agarran­do Isabelle pela cintura, levou-a ao seu escritório e fechou a porta. Atirando seu casaco no sofá de couro preto, acendeu um pequeno abajur para iluminar o espaço escuro e amplo.

— Obrigada — disse Isabelle, em tom suave, acariciando sua cintura. — Eu realmente agradeço que você...

— Diga o que tem a dizer e vá embora — ele interrompeu. Ela franziu os olhos castanhos, respirou fundo e disse:

— Preciso de sua ajuda.

— Disso eu já sei — ele respondeu frio. — Mas você não explicou por que precisa da minha ajuda, e não da ajuda da polícia ou dos guarda-costas que protegem o rei de San Piedro. Quero dizer... O seu noivo.

Ela o encarou, surpresa.

— Você sabe alguma coisa sobre Magnus?

Paolo cruzou os braços, tentando acalmar a tensão que atingia todos os seus músculos.

— Você é famosa, Isabelle. Escuto coisas sobre sua vida, querendo ou não.

Mas era mais que isso.

Isabelle.

E Magnus.

Juntos.

Ele ainda não se acostumara. Desde que Valentina lhe contara a fofoca sobre aquele caso "glamouroso", Paolo estava louco para bater em algo — de preferência no rosto lindo de Magnus.

— Sinto muito — ela disse baixinho. — Não gosto de ver minha vida nos tablóides. Isso me irrita. Assim vendem mais exemplares.

— Deve ser duro — ele respondeu irônico. Não podia acreditar que ela estivesse tentando fingir que não adorava ser famosa. Sempre construiu sua vida baseada na vaidade e no insaciável apetite por bajulação. Ele mesmo fora estúpido o suficiente para...

Tentando evitar tal pensamento, trincou a mandíbula.

— Por que não pede ajuda ao seu noivo?

— Ele não é meu noivo. Ainda não.

— Mas logo será.

Pela primeira vez, ela desviou o olhar.

— Ele me pediu em noivado há alguns dias. Ainda não respondi, mas responderei. Assim que Alexander estiver em segurança anunciaremos nosso compromisso.

Exatamente como Paolo esperava. De forma involuntária, aproximou-se dela. Isabelle... Noiva de Magnus? Só de pen­sar sentiu um calafrio.

— E não peço ajuda a ele... Porque insistiria em chamar a polícia, resolvendo tudo pelos canais convencionais — dis­se, balançando a cabeça, determinada. — Não tenho tanta paciência. Não com Alexander nas mãos de criminosos.

A ironia do que ela dizia ficou presa em sua garganta.

— Então por que me procurou?

— Já li coisas sobre você, também — e seus olhos se encontraram. — É um homem duro. Conhece muita gente. Magnus me contou sobre...

— Sobre o quê? — ele a interrompeu, perguntando em tom seco.

— Sobre a forma como sempre foca apenas em você mes­mo. Ignora a dor dos outros. Passa por cima dos acidentes. So­bre como é quase inumano em sua determinação de ganhar.

Trincou a mandíbula. Claro que Magnus não lhe contara nada sobre seu passado em comum, pois tinha ainda mais vergonha do que Paolo.

— Por isso sempre ganho e Magnus fica em segundo lugar.

— As pessoas comentam que... Você é muito parecido com seu pai — disse Isabelle, em tom baixo.

Ele já ouvira isso muitas vezes.

— Então você está buscando um monstro sem moral para lutar contra outro?

— Estou.

— Certo.

— Os guarda-costas de Alexander podem estar envolvi­dos. Preciso de alguém de fora, e você é a única pessoa dura o bastante para trazê-lo de volta para casa, a salvo. Ninguém deve saber que ele foi seqüestrado, pois meu país pareceria fraco e corrupto... Como se fôssemos incapazes de proteger nosso rei.

— Então pretende manter tudo em segredo, mesmo do seu futuro marido? — Perguntou.

— Pode me insultar o quanto quiser. Mas traga Alexander de volta para casa!

Paolo ficou olhando para ela, e disse:

— Tem certeza que não veio até aqui a pedido de Magnus?

— Claro que não — ela respondeu, levantando o queixo. — Ele ficaria horrorizado se soubesse. Não queria que eu me envolvesse.

— Um perfeito cavalheiro — respondeu irônico.

— Ele é perfeito! É bonito e charmoso. Rico e influente. O décimo homem mais rico do planeta!

— Sempre soube que você se venderia ao mais interes­sante, Isabelle.

— E eu sempre soube que você me trocaria pela mais ba­rata que encontrasse — ela respondeu, imediatamente. — Só fico surpresa que tenha sido tão rápido.

Ele respirou fundo. Na noite em que Isabelle acabou abruptamente com o caso que tinham, ele ficou bêbado e dormiu com a vizinha, uma menina que tentava entrar no mundo da Broadway, cujo nome não conseguia se lembrar. Por um momento, ficou pensando em como Isabelle soube disso. Mas preferiu não se preocupar.

— O que esperava que eu fizesse? — ele respondeu áci­do. — Que passasse minha vida em celibato? De luto pela sua perda?

As bochechas de Isabelle ficaram coradas.

— Não — ela murmurou. — Isso seria patético. — E mordeu o lábio inferior.

Paolo não pôde evitar uma enorme atração pelo que via. Seus lábios pareciam doces, carnudos. Mesmo após tantos anos, ele ainda se lembrava do sabor daqueles lábios, de como beijavam seu corpo...

— Um homem como você não pode ser fiel por mais do que um dia — disse, levantando os ombros e o queixo. — Es­tou feliz por ter encontrado alguém em quem posso confiar.

Obviamente, nunca confiara nele. Paolo estalou os dedos das mãos. Tinha de mudar de assunto antes que perdesse o controle e fizesse algo totalmente sem sentido... Como agar­rar Isabelle pelos ombros e beijá-la até que ela se esquecesse de Magnus e de todos os outros homens com os quais dor­mira nos últimos dez anos. Ou terminaria fazendo amor com ela naquela mesa, punindo-a, dando-lhe prazer, tomando-a eternamente para si.

— Vá pedir ajuda ao seu príncipe, então — ele disse duro.

— Ele não pode me ajudar. Eu já disse. Você é o único que pode — e respirou fundo. — Por favor, Paolo. Sei que feri você...

— Você não me feriu — disse, olhando para fora, através das grandes janelas. Do vigésimo andar, podia ver as nuvens sobre a cidade, cobrindo-a como um manto. — Mas me diga uma coisa... Quem se beneficiaria com o seqüestro do seu sobrinho?

— Politicamente, ninguém. Meu país é pequeno.

— Resgate?

— Seria a única razão. Mas se o seqüestrador pedir mui­to dinheiro será complicado pagar. Não podemos subir os impostos agora que metade das nossas fábricas se mudaram para o exterior. Nossa economia vai mal. Se não fosse pelo turismo...

— Mal? — Ele perguntou, olhando para suas pérolas, para o sobretudo caríssimo, para as botas de salto alto, também caríssimas.

Ela corou.

— Minhas roupas são oferecidas por grandes estilistas. Todo mundo quer publicidade — disse, olhando para a porta.

— Falando nisso... É possível que algum de seus empregados tenha chamado a imprensa para avisar sobre minha visita?

— Eu confio neles.

Na verdade, sabia que Valentia telefonaria a todos os seus amigos logo que recuperasse os sentidos. Normalmente era muito discreta, mas sua paixão por celebridades não a dei­xaria quieta.

— Vamos ser diretos: e Magnus?

— Magnus?

— Teria algum motivo para seqüestrar seu sobrinho? Ela franziu a testa, chocada.

— Não! Por que faria isso?

— Talvez queira que os filhos de vocês dois herdem o trono.

Ela o olhou como se estivesse louco.

— Nossos filhos?

— Seus futuros filhos. Seus olhares se encontraram.

— Ah... — ela murmurou.

Paolo ficou louco ao pensar em Isabelle grávida de outro ho­mem. Anos atrás, mataria qualquer um que tentasse tocá-la... Ela respirou fundo.

— Eu amo San Piedro. Claro que sim. Somos ricos em cultura e tradições. Mas somos muitos pequenos. Magnus tem mais terras na Áustria que toda a nossa extensão. A li­nhagem Von Trondheim é antiqüíssima.

— Está tentando me convencer para que eu me case com ele? Ou está tentando convencer a si mesma? — Perguntou ácido.

— Ele é um bom homem — disse, olhando para Paolo.

— Certo.

Há cinco anos Paolo corria com Magnus no circuito de Motorcycle Grand Prix. E pelo que sabia era realmente um cavalheiro — do tipo que nunca alteraria sua moto, deixando-a fora dos padrões exigidos. Filho de um príncipe austríaco era rico e respeitado, mas também tolo o suficiente para dei­xar que Isabelle o manipulasse.

O marido perfeito pensou. O marido que merecia. Mas ainda assim...

— Então, vai me ajudar? — ela murmurou. Ajudá-la? Ele não queria nem se aproximar. Só de olhar para ela à distância seu corpo tremia por inteiro. Sua pele pa­recia tão... Suave. Seu casaco, apertado na cintura, acentuava o corpo pequeno, mas cheio de curvas. Podia ver a pulsação em seu pescoço, por baixo das pérolas. E ainda usava o mes­mo perfume, o mesmo xampu: sentiu o odor delicado de ro­sas provençais e laranjas mediterrâneas. E aquele cheiro, do qual se lembrava muito bem, fez renascer instantaneamente seu desejo.

Chegou a duas conclusões:

Primeiro: não a esquecera. Nem um segundo. Desejava Isabelle como um homem faminto implora por pão.

Segundo: nunca deixaria que outro homem ficasse com ela.

Queria levá-la para a cama até que seu desejo fosse comple­tamente saciado.

Até que pudesse dispensá-la da mesma forma que ela fi­zera anos atrás.

— Por favor — ela murmurou. Sua pele estava pálida do frio e seu cabelo encharcado pela chuva, mas quando levantou os olhos, eles tinham a cor do paraíso. Colocou sua mão pequenina sobre a de Paolo e pediu:

— Por favor...

Por um momento, Paolo olhou para sua mão. Depois, to­mado por uma onda de desejo, olhou pela janela, em direção ao rio Hudson e a Manhattan. O sol já se levantara. Podia ver os táxis descendo a rua, os pedestres enchendo as calçadas. Molhada e escura, a cidade era uma infinita mancha cinzenta.

Menos ela. Mesmo desesperada, molhada e morta de frio, estava resplandecente. Ainda que estivesse coberta por um casaco pesado, emitia seu calor. Fazia com que ele se sen­tisse aquecido.

Fazia com que ele percebesse que todas as mulheres com as quais estivera nos últimos dez anos não passavam de uma pálida imitação.

Paolo tentou se lembrar da última vez que se sentira da­quela maneira. Mas tudo o que se lembrava era de como fa­ziam amor naquele apartamento pequeno de Little Italy, lon­ge do dormitório do Bamard College. Lembrou-se de como ela se sentia quando a tocava. Do seu gosto. De sua doçura, do suor em sua pele. Daquele colchão no chão. Do lento e silencioso ventilador. E do calor. Sobretudo do calor.

Os olhos de Paolo se estreitaram, repentinamente.

Dez anos era muito tempo. Ainda a desejava.

E a teria.

— Paolo?

— Certo — ele disse, virando-se para ela. — Vou ajudá-la. Vou salvar seu sobrinho. E vou fazer tudo silenciosamen­te. Destruindo qualquer homem que tente me deter.

Os olhos de Isabelle demonstraram alívio.

— Obrigada, Paolo. Eu sabia que você...

— Mas em troca... — disse, encarando-a com seus olhos negros — você será minha amante.

Sua amante?

Isabelle ficou olhando para ele, horrorizada.

— Você não pode estar falando sério. Ele abriu um sorriso, rápido, seco.

— Você tem algo contra ser minha amante? Que estra­nho. Antes não tinha. Na verdade, fazia por prazer, sem pedir nada em troca.

Era muito duro de sua parte lembrá-la de tudo aquilo. Aman­te? A palavra não tinha sentido nos seus lábios sensuais. Paolo Caretti não sabia nada sobre o amor. E Isabelle não poderia confiar, até porque ele já demonstrara isso antes. Então por que se surpreendia ao descobrir que era um homem sem coração?

— Uma coisa não mudou. Você é o mesmo egoísta de sempre.

— Sou ainda mais — ele disse, aproximando-se, com olhos tão escuros quanto o mar noturno. — E você gostaria de estar na minha cama. Isso eu posso garantir.

Ela tremeu quando Paolo tocou um fio de seu cabelo. Talvez não soubesse nada sobre amor, mas prazer era outro assunto. Moreno e lindo mantinha o mesmo físico forte, os mesmos ombros largos que ela conhecera. O mesmo perfil romano e o mesmo queixo quadrado. Os mesmos olhos es­curos e intensos.

Era verdade que usava um terno feito à mão, e não um macacão de mecânico, e seus dedos estavam limpos, não su­jos de graxa, mas ainda assim era mais perigoso que nunca para ela.

Paolo fora seu único amante. E se passasse mais tempo com ele arriscaria muito mais que apenas seu coração...

— Não — ela murmurou. — Não posso. Posso oferecer o que quiser menos isso.

Ele se virou de costas, e disse:

— Então boa sorte na busca do seu sobrinho.

Ela engoliu em seco. Sabia que estava nas mãos dele. E pa­garia qualquer preço para ter Alexander de novo por perto. Para poder abraçá-lo outra vez, para ouvi-lo dizer em sua voz doce e exasperada: "Tia Isabelle, não sou mais um garotinho."

Mas, sendo rei ou não, era um garotinho. Sempre seria para ela — mesmo que tenha crescido muito rapidamente nas duas últimas semanas. Todas as manhãs, ao encontrar Isabelle e sua avó na mesa do café, tinha os olhos vermelhos, mas nunca o vira chorar. Alexander aceitava seus deveres reais com dignidade, demonstrando o tipo de homem que um dia seria. O rei que San Piedro necessitava.

Era inútil pensar que havia algo que não faria para salvá-lo. Venderia seu corpo a Paolo Caretti, o mesmo homem que jurara evitar pelo resto da vida.

Mas... Não poderia se transformar em amante de Paolo. Além de suas razões pessoais para manter-se afastada dele, nada poderia evitar seu casamento com o príncipe Magnus Von Trondheim. Como a indústria têxtil estava saindo do país, San Piedro passava por um momento econômico deli­cado. Precisavam desesperadamente de todos os negócios e do dinheiro que poderia ser oferecido por Magnus. Sem tais ajudas, mais fábricas fechariam. Mais lojas iriam à falência. Mais famílias se desesperariam.

Isabelle esfregou os olhos. Não deixaria que isso aconte­cesse. Tinha de salvar Alexander. Salvar o país. Comparado a isso, seus sentimentos — sua própria vida — não signifi­cavam nada.

— Não posso ser sua amante — disse baixinho. — Estou noiva, vou me casar.

— Não, não está. Ainda não. Ela balançou a cabeça e disse:

— Tecnicamente estou.

— Como preferir — ele respondeu, afastando-se. — Se me dá licença...

— Espere.

Paolo olhou-a, levantando uma das sobrancelhas escuras. Ela engoliu em seco. Estava em suas mãos, e os dois sa­biam disso.

— Uma noite — ela disse, debatendo-se contra as pala­vras. — Eu lhe ofereço uma noite.

— Uma noite? — ele perguntou, levantando o rosto. — E se ofereceria por completo?

— Sim — ela murmurou incapaz de encará-lo.

Esperou sentir náuseas de culpa por entregar-se, enganan­do seu futuro noivo. Mesmo que estivesse sendo chantageada, mesmo que o fizesse para salvar uma criança, não deve­ria sentir-se mal por enganar o homem perfeito com o qual estava a ponto de se casar? Afinal de contas, ela conhecia melhor do que ninguém os danos que podem ser causados pela infidelidade.

Mas seu coração não sentia nada.

Porque não amo Magnus, ela pensou. E sei que ele não me ama. E isso era o único pequeno alívio nisso tudo.

Para salvar Alexander, Isabelle se ofereceria a Paolo por uma noite. Não custaria nada. Depois, para salvar seu país, ofereceria sua vida a Magnus para sempre.

E manteria o segredo por toda a vida...

— Uma noite? — ele murmurou. — Você se valoriza muito.

— Uma criança está em perigo. Se você fosse um cavalhei­ro, nunca me pediria para ser sua amante em troca de ajuda!

— Ele não é meu filho! — disse frio. — É o rei de San Piedro, com centenas de guarda-costas sempre à mão. Me­tade da Europa já poderia estar buscando por ele agora, mas você preferiu me procurar antes — disse, aproximando-se. — Como você mesma já disse, não sou nenhum cavalheiro. E devorou-a com seu olhar. Aproximou-se ainda mais, deixando seus lábios a centímetros dos dela. Isabelle podia sentir os músculos de suas coxas pressionando suas pernas. Seus joelhos tremiam. Ela não dormia nem comia há dois dias. Teve de driblar os paparazzi no caminho para Nova York. E fazer com que seus guarda-costas permanecessem no hotel fora uma luta. Só pensava em Alexander. Onde estaria? Como estaria sendo tratado? Estaria assustado? Sozinho?

Paolo tinha razão. Ela não precisava de um cavalheiro. Não precisava de uma pessoa civilizada e gentil, alguém que soubesse dar um nó perfeito numa gravata.

Precisava de um guerreiro forte e duro. Um homem in­vencível.

Precisava de Paolo.

Mas a que custo? Quanto estaria disposta a arriscar?

— Por que me quer na sua cama? — ela murmurou. — Para alimentar seu ego? Para me punir? Você poderia ter qualquer mulher que quisesse!

— Eu sei — ele disse, passando uma das mãos na nuca de Isabelle, na pele descoberta acima da gola de seu casaco. — E quero você.

Ouvi-lo dizer tais palavras a deixou frágil, e seus dedos lançaram fogo sob a pele de Isabelle. Quantas noites sonha­ra com ele — sonhara com o momento em que a tomaria nos braços? Quantos dias, ouvindo longos discursos que deixa­riam qualquer um louco, não fantasiara pensando nos seus toques?

Desejava-o há dez anos. Mesmo sabendo que nunca mais o teria. Mesmo sabendo que, caso se entregasse mais uma vez, arriscaria muito mais que seu casamento. Muito mais que seu coração.

— Por quê? — Ela conseguiu perguntar. — Por que eu?

Ele deu de ombros e disse:

— Talvez eu queira possuir algo que outros homens so­nham ter.

— Possuir? — Ela perguntou, levantando o rosto. — Mes­mo que me transformasse em sua amante, você nunca me possuiria de verdade, Paolo. Nunca.

Ele a encarou, com seus olhos negros.

— Eis a princesa que um dia conheci. Sabia que não ban­caria o gatinho assustado por muito tempo — disse, belis­cando sua bochecha. — Mas nós dois sabemos que está men­tindo. Que faria tudo por mim. E não apenas pelo bem de seu sobrinho, mas porque quer. Porque não resistiria.

Ela não poderia negar, ainda mais quando um pequeno toque de Paolo fazia seu corpo entrar em combustão, mesmo sob aquelas roupas molhadas.

— Guardaria nosso segredo? — Ela perguntou, em voz baixa. — Seria capaz?

Ele curvou os lábios.

— Você... Está perguntando se eu ligaria para as revistas para contar a boa nova?

— Não é isso... — Ela disse, respirando fundo. — Ninguém pode saber que Alexander foi seqüestrado. E meu casamento...

— Já entendi — disse, estendendo a mão. — Me deixe ver a carta.

Ela tirou o papel do bolso do casaco e ofereceu a Paolo. Já conhecia o texto de cor, aquelas letras de formato estranho pedindo que fosse sozinha aos jardins do palácio de San Piedro, à meia-noite, sem avisar ninguém.

— Como recebeu isso?

— Deixaram na porta da minha suíte no Savoy.

— E você não perdeu tempo — disse, entregando a carta de volta. — Mas o que faria caso eu recusasse?

— Não sei.

— Não tinha outros planos? Ninguém mais a quem pedir ajuda? — ele perguntou, em tom suave. — Talvez eu devesse pedir mais de você. Um mês inteiro. Um ano. Horrorizada, ela o encarava. Ele sorriu e disse:

— Para sua sorte, eu me canso facilmente das mulheres. Uma noite ao seu lado deverá ser mais do que suficiente. — E beliscou sua bochecha, depois o queixo, por fim a nuca. — Então você concorda com os termos?

Ela pressionou as mãos contra o ventre. Queria dizer sim. Mas sendo realmente honesta consigo mesma, não faria ape­nas por Alexander.

No entanto, era muito perigoso. Oferecer-se a Paolo, ainda que só por uma noite, colocava tudo o mais em risco — seu casamento com Magnus, seu coração, e o pior de tudo: seu segredo. Meu Deus, seu segredo...

— Por favor, Paolo — disse, passando a língua em seus lábios secos. — Não há outra forma...

Ele fez com que parasse de falar dando-lhe um beijo, fa­zendo com que sua língua penetrasse a boca de Isabelle, escravizando-a.

— Diga que sim — ele gemeu, beijando-a novamente. — Diga que sim, diga.

— Sim — ela murmurou, caindo em seus braços.

Ele a soltou imediatamente. Ela quase perdeu o equilíbrio quando Paolo pegou o celular e discou um número.

— Bertolli. Chame todos os homens disponíveis. Sim, eu disse todos. Vou pagar dez vezes mais que o normal. Tem que ser implacável. Hoje à noite.

Com os joelhos trêmulos, ela se sentou, sentindo como se tivesse vendido a própria alma. Observava enquanto ele, de forma eficiente, organizava a invasão do seu país. Paolo virou as costas, gritando ordens ao telefone, falava sobre ne­gócios como se tivesse se esquecido de sua presença. Mas ela sabia que não se esquecera. Paolo podia senti-la, da mesma forma com que ela o sentia.

Isabelle tocou os próprios lábios. Passara dez anos ten­tando se esquecer de Paolo Caretti. Abrira mão de tudo que amava para ficar longe de seu mundo. Mas estava sendo ar­rastada de volta. Tudo o que podia fazer era rezar para que não ficasse presa para sempre à sua teia.

Sua amante por uma noite. Era esse o preço. Seria usada para seu prazer. Pior: Paolo faria de tudo para que ela gos­tasse. Só de pensar no que lhe esperava ela segurou firme na cadeira, como se o mundo estivesse rodando à sua volta.

Tudo o que podia fazer era rezar para que Paolo não des­cobrisse seu segredo. O maior segredo da sua vida.

 

Quando Isabelle sentou num banco dentro do labirinto, a lua estava cheia sob os jardins do palácio.

Ela tremeu. Ainda vestia a mesma blusa e saia, cobertas pelo sobretudo que marcava sua cintura, a mesma roupa que vestia desde o momento em que deixara abruptamente Londres por Nova York. Estava exausta, e acima de tudo com medo.

Com medo de que em qualquer momento o seqüestrador de Alexander poderia sair das trevas como uma assombração.

E também com medo de que não aparecesse, pois assim perderia o sobrinho para sempre.

Paolo o encontraria, disse a si mesma, com todas as for­ças. Paolo Caretti era implacável. Se tudo o que diziam era verdade, não tinha nada a ver com o jovem mecânico que certa vez lhe falara com nojo sobre os laços criminosos de seu pai, e que parecia determinado a criar uma vida honesta para si mesmo.

Sua mãe tinha razão. O tempo diria.

Mas Isabelle percebeu que Paolo não era confiável desde o momento em que, poucas horas após ter lhe pedido em noivado, caiu na cama com outra mulher.

Sentiu um movimento ao longe. Levantou-se, e o salto alto de suas botas afundava na grama macia.

Não tenha medo, disse a si mesma, tentando controlar as batidas do seu coração e o tremor de suas mãos. Não tenha medo.

— Quem está aí? — murmurou, tentando dissimular o tre­mor em sua voz.

Ninguém respondeu. Paolo fora à Provence atrás de um rastro, mas vinte de seus homens, junto a dois dos guarda-costas mais confiáveis de Isabelle, estavam escondidos no jardim. Esperavam o seqüestrador como aves de rapina.

Ficou olhando para o local de onde viera o barulho. Era difícil respirar. Tudo o que via era a luz da lua sob as folhas verdes de um arbusto. Sentia o cheiro de eucalipto e pinho, e ouvia o barulho do mar na falésia logo adiante.

Mas logo passou a ouvir vozes no escuro, e passos rápi­dos, alguém corria.

Deve ser Paolo, pensou, com o coração na boca. Vem para me dizer que Alexander está morto.

Fechou os olhos, relembrando como se sentia ao ser abra­çada pelo menino. Relembrando seu rosto doce quando o colocava na cama para dormir como um bebê. O som de seu sorriso quando percorria os corredores de mármore do palais com suas pernas bambas. Se Alexander estava morto, ela não queria viver. Manteve os olhos fechados, e rezava. Por favor, que esteja bem. Por favor, eu faço qualquer coisa. Mas faça com que ele esteja bem.

— Tia Isabelle!

Abriu imediatamente os olhos ao sentir os braços do me­nino sobre ela.

— Alexander — murmurou. Dando um passo atrás, ficou olhando para ele sob a luz da lua, sentiu seus braços finos e frios, viu o grande sorriso naquele rosto normalmente sério e pálido. — Alexander — repetiu, e percebeu que chorava.

— Você está aqui, está salvo.

O menino apontou para Paolo, de pé atrás dele como um anjo da guarda negro.

— Ele me encontrou, estou bem, tia Isabelle! Zut alors — disse, mergulhado em seu abraço. — Você está me aper­tando! Não sou mais um garotinho, já sabe...

— Não é mesmo — ela concordou, sorrindo até suas bo­chechas doerem. Lágrimas corriam em seu rosto.

Atrás de Alexander, Paolo cruzava os braços.

— Achamos Alexander em uma, mas abandonada, há cinqüenta quilômetros daqui. Estava preso a uma cadeira no armazém congelado da fazenda. Mas não chorou... Em nenhum momento. — E olhou para Alexander. — Você foi muito corajoso.

Os dois se olharam. Tinham os olhos e cabelos da mesma cor. O mesmo gesto penetrante. Alexander balançou a cabeça. — Não tinha por que ficar com medo. — E levantou um pouco o tom da voz ao dizer: — Quando somos reis, cumpri­mos nosso dever.

Repetia uma frase que Isabelle ouvira seu irmão dizer vá­rias vezes. Ainda que tivesse sido um marido pouco confiá­vel, fora um pai maravilhoso. Maxim adorava Alexander. Ele e Karín passaram tantos anos tentando ter um filho.

— Obrigado por me salvar, monsieur — disse o menino, parecendo muito mais velho que sua idade real, como se fos­se um rei medieval falando com um de seus cavaleiros.

— Não foi nada — ele respondeu, em tom rude, tirando seu casaco e colocando-o sob os ombros trêmulos do meni­no. — Bertolli, leve o rei de volta ao palácio o mais silenciosamente possível. Entre por uma porta lateral e pergunte por...? — olhou para Isabelle.

— Milly Lavoisier. Sua babá. Alexander levantou o rosto e disse:

— Sim. Milly. Ela deve estar sentindo minha falta. — E sorriu, pela primeira vez parecendo um menino de nove anos de idade. — Vai me dar sorvete por isso, claro que vai.

— Alexander, Milly sabe a verdade — disse Isabelle —, mas você deve manter segredo para todos. As pessoas devem pensar que estava esquiando comigo.

— Tudo bem, tia Isabelle — disse o menino, com digni­dade. — Eu sei manter um segredo.

— Claro que sabe.

Afinal de contas, o menino era um Luceran. Segredos eram a marca dessa família.

Mas ela sentiu um nó na garganta ao beijar a testa de Ale­xander. Abraçou-o bem forte, mas teve de deixá-lo seguir quando ele se demonstrou impaciente. O menino desapare­ceu entre as plantas com Bertolli, pensando nos vários sabo­res de sorvete que tomaria, e se Milly o deixaria tomar dois, ou mesmo três.

— Você tinha razão — disse Paolo quando o menino já estava longe. — Um ex-guarda-costas o traiu.

— Que guarda-costas?

— René Durand.

— Durand — ela murmurou.

Mesmo com seu currículo impecável, Isabelle jamais gos­tou daquele homem. Tentou se convencer de que seus olhos duros e cínicos eram comuns em guarda-costas, e que não havia razão para sentir-se mal. Permitiu que fosse contratado como um dos carabiniers de Alexander. Um erro.

— Eu deveria ter entregado esse homem à polícia — ela disse, em tom rude.

— Ele já tinha feito algo assim antes?

— Dois meses atrás, o peguei roubando um Monet do palácio... Saía pela porta dos fundos como se o quadro fos­se seu. Depois me deu todo tipo de desculpas. E deixei que fosse embora.

— Então já não resta dúvida — disse Paolo. — Eu o en­contrei escrevendo uma carta de resgate. Esse homem tem uma grande dívida e guarda muito rancor contra você. Se quiser meu conselho, Durand deveria ser posto em uma cela solitária. Ou melhor — disse, olhando diretamente em seus olhos: — faça com que desapareça de uma vez.

— O quê? — ela perguntou, engolindo em seco.

— Como dizem: mortos não contam histórias.

— Não!

— Você disse que queria manter segredo...

Um momento antes parecia determinada a matar René Durand com as próprias mãos, mas a idéia de Paolo fazendo-o "desaparecer" a deixou perplexa.

— Não dessa maneira — respondeu, decidida.

Por um momento, ele ficou olhando para Isabelle banhada pela lua. Seu rosto estava escondido por uma sombra quando disse, em tom calmo:

— Você está se arriscando, Isabelle. Ser civilizada pode ser uma fraqueza. Ele odeia você. Se tiver oportunidade, pode tentar machucar você ou o menino.

Ela deu um passo atrás.

— Vamos ficar bem. O entregue ao capitão dos carabiniers. Paolo trincou a mandíbula e disse:

— Você está cometendo um erro.

— Felizmente, a partir de amanhã já não estarei sob sua responsabilidade. Magnus...

— Magnus vai protegê-la? — perguntou, com um sor­riso de escárnio. — Se acha que ele é capaz de proteger alguém do que quer que seja... É porque o amor a está dei­xando cega.

— Eu...

— Ele tem dinheiro para contratar guarda-costas, claro. E, como você mesma falou, é o décimo homem mais rico do mundo — disse Paolo, frio. — Mas claro que o ama. E eu quero ser o primeiro a desejar boa sorte ao casal.

Isabelle abriu a boca para dizer que não amava Magnus. Mas voltou a fechá-la. Admitindo que não o amava seria alvo ainda maior do escárnio de Paolo. E já provara o suficiente.

— Obrigada — disse, com um nó na garganta. — Mal posso esperar para ser mulher dele.

— Tenho certeza de que serão muito felizes juntos, princesa. Sua voz gélida a fez tremer. Teria de passar a noite ao lado daquele homem? Teria de oferecer seu corpo a ele? A um homem tão rude, tão insensível?

O que aconteceu com o rapaz que um dia amou?

Era apenas uma ilusão.

Paolo nunca acreditaria que ela não estava interessada na fortuna de Magnus, dinheiro que poderia ajudar seu país. Mas por que não enxergar a verdade: o príncipe vinha de boa família, era gentil e ela precisava se casar com alguém. Tinha quase 29 anos, e sua mãe e conselheiros muitas vezes a lembravam que seu dever incluía encontrar um marido.

E deveria também ter filhos seus.

O fato de que não amava o príncipe, longe de ser um pro­blema, era uma grande vantagem. Sua única paixão-só deixou um rastro de tristeza. Fora tola ao não seguir o exemplo da mãe. Tola ao seguir seu coração. E quase levou todo o país à desgraça por conta disso.

O melhor era evitar qualquer tipo de sentimento.

Mas não poderia explicar nada disso a Paolo. Seria inútil. Ele parecia determinado em odiá-la. E nunca entenderia. Como poderia entender se nunca amara ninguém?

Gostaria de não ter prometido nada a ele. Gostaria de po­der permanecer no palácio e passar o resto do dia ao lado de Alexander, planejando sua coroação, ajudando-o a treinar seu cão Jacquetta. Assegurando-se que o menino ainda sabia se divertir, que sabia que era amado.

Mas tinha de sair dali e oferecer-se a Paolo Caretti — o único homem que tomara seu corpo, o único que tomara seu coração.

Isabelle tremeu. Seu poder a assustava. O povo de San Pedro ainda dormia, sem saber que um golpe acabara de ser evitado. Qual era o verdadeiro poder daquele milionário e seu exército privado? Paolo não tinha qualquer moral. Por isso não poderia se casar com ele. Não poderia ser pai dos seus filhos...

— Você pode passar o resto da noite no palácio — ele disse, virando as costas, frio. — Amanhã voltaremos para acertar as contas.

— Amanhã? — Seus nervos não poderiam esperar tanto. — Por que não agora?

Cravando a mandíbula, voltou a olhar para ela.

— Seja lá o que dizem, não sou um monstro sem senti­mentos. Vou deixar que passe um tempo com seu sobrinho.

Tudo o que ela queria era estar com Alexander, mas a pro­messa que fizera a Paolo não saía de sua cabeça. Sabendo que tinha de oferecer-se a ele, estava louca de ansiedade. Queria terminar logo com aquilo para que pudesse voltar à sua vida calma, sem paixões. Uma vida que fazia sentido. Uma vida sem sentimento, sem dor. Respirou fundo.

— Eu devo-lhe algo. E quero pagar.

Antes que qualquer pessoa — os paparazzi, sua mãe, Magnus — descobrisse o que fosse, queria ver Paolo Caretti fora de sua vida. Era sua única esperança. Pois ele era mui­to esperto para não perceber algo que está bem debaixo dos seus olhos. Mais cedo ou mais tarde descobriria. Mas ela não poderia permitir. Não naquele momento. Não após todo seu sacrifício.

— Vamos agora — ela disse, imediatamente. — Leve-me para... Para... — Tentou pensar em algum lugar próximo ao palácio, mas não tão próximo. — Para sua Villa.

Ele levantou a sobrancelha.

— Conhece San Cerini?

— Claro que sim.

Desde que ele comprara a propriedade, três anos antes, ela muitas vezes via as luzes do outro lado da baía. Ficava imaginando se ele estaria lá. Se estaria sozinho.

Mesmo sabendo que não estaria, pois a lista de con­quistas de Paolo Caretti — em geral modelos e atrizes, com algumas herdeiras para manter o nível — era lendária em todo o mundo. Sentia uma espécie de dor sempre que pensava nisso. E dizia a si mesma que isso só acontecia porque tinha pena da mulher que ele um dia levaria ao al­tar. Caso essa mulher o amasse, nunca teria um momento de paz.

— Certo — ele disse. — Na minha Villa. Amanhã.

— Não — Isabelle respondeu, levantando o rosto. — Esta noite.

A luz da lua caía sobre o lindo rosto de Paolo, revelando seus traços perfeitos e seu perfil romano.

— Quer mesmo lutar contra mim, Isabelle? Mesmo sabendo que vai perder?

Por que ele ousava ditar ordens, como se ela fosse uma escrava? Sua arrogância a deixava furiosa.

— Não sou um dos seus casos. Tenho responsabilidades. Uma noite, foi o que combinamos. Então vamos resolver logo isso, certo? — E olhou para o relógio. — Tenho pressa, se você não se importa. Preciso voltar ao palácio às seis da manhã. Tenho compromissos...

— Resolver logo isso? — ele repetiu, empurrando-a con­tra uma das plantas do jardim. — Agora? Poderíamos resol­ver tudo aqui mesmo. Seria conveniente para você?

As plantas tinham espinhos que espetavam suas costas. Ela podia sentir a raiva de Paolo ameaçando-a.

Sentira raiva dele, fora machucada, mas naquele momen­to, pela primeira vez, o que sentia era medo. Todos os ru­mores que ouvira rondavam sua cabeça: mesmo com tanta sofisticação e beleza, Paolo Caretti não passava de uma fa­chada. Esmagava as pessoas sem remorso, conseguia tudo o que queria — nos negócios e na cama.

Deixando de lado seu medo, Isabelle levantou a cabeça.

— Solte-me.

Ele agarrou a cintura de Isabelle, pressionando suas per­nas contra as dela.

— Poderia prender suas pernas em volta de mim e possuí-la aqui mesmo. É isso o que você quer Isabelle?

— Você está me machucando.

Abruptamente, Paolo a soltou.

— Não há razão para resolvermos tudo agora — ele disse, com ar de desdenho. — Você será minha quando eu quiser. Foi o que combinamos. Poderei tê-la quando e onde quiser.

— Por... Por uma noite — ela disse, odiando sua fraqueza frente à força de Paolo.

— Certo. Uma noite. — Os olhos de Paolo eram escuros e hipnotizadores. — Não pela metade de uma noite, entre um resgate e um compromisso pela manhã.

— Mas eu...

— Amanhã de manhã você estará esperando por mim na porta dos fundos do palácio. As dez. E não vista um terninho surrado, que já atravessou o Atlântico várias vezes. Use um vestido sexy e deixe os cabelos soltos. Faça o que for possí­vel para me agradar.  

— Você é realmente um completo idiota — ela murmurou louca de vontade de socar aquele rosto lindo e arrogante.

— Sei o que sou. — E acariciou sua bochecha com uma ternura que não casava com a raiva em seus olhos. Depois sorriu um sorriso predador, sensual. — Agora descanse. Você vai precisar.

 

Na manhã seguinte, com dez minutos de atraso, Paolo che­gou e ela finalmente se debruçou em sua Ferrari vermelha.

Furiosa, Isabelle olhou-o pelo vidro aberto do lado do carona.

— É essa a sua idéia de discrição?

Ele deu de ombros. Curvando o corpo, abriu a porta.

— Entre.

Por um segundo, ela hesitou, louca de vontade de fechar a porta do carro na cara dele. Mas não poderia.

Cuidadosa com o vestido, que era bem curto, sentou-se no banco de couro e deixou a bolsa no colo.

— Você está atrasado.

— E você está linda. Estou surpreso.

— O que você quer dizer com isso?

— Vamos dizer apenas que não esperava que seguisse mi­nhas ordens tão à risca.

Ele pedira que o agradasse da melhor forma possível, e obviamente sua primeira reação foi fazer exatamente o con­trário, mas deixou a raiva de lado e fez o melhor que pôde para obedecer. Usava um vestido vermelho, curto e com um generoso decote, e nos pés, sapatos altos que deixavam à mostra suas unhas recém-pintadas. Seus longos cabelos cas­tanhos estavam soltos em cascata sobre seus ombros nus, e o batom e a maquiagem tinham sido aplicados com prima­zia, seguindo à risca as dicas do seu estilista. Normalmente o contratava para ocasiões oficiais, mas não se sentiu culpada em chamá-lo dessa vez.

Sua noite com Paolo era tão importante quanto qualquer outra coisa que já fizera pelo país. Talvez a mais importante.

Paolo, por sua vez, vestia um jeans velho e camiseta bran­ca tão apertada que marcava todos os seus músculos.

— Você também está bem — ela disse irônica.

— Não preciso me vestir para você — ele respondeu, mo­vendo as mãos no volante com tanta confiança ao mesmo tempo em que pressionava o acelerador, e fazendo com que a Ferrari deixasse os jardins do palácio emitindo um som alto. Depois tomou as ruas de paralelepípedos da cidade, atraindo olhares curiosos de turistas que voltavam do mercado de flo­res da praça antiga.

Ela se espremia no assento, tapando o rosto com as mãos.

— Você está fazendo isso para me chatear — disse, entre os dentes.

Ele levantou uma das sobrancelhas.

— Estou fazendo o que você pediu princesa, e deixando San Piedro o mais rápido possível.

— Pare de me chamar de princesa.

— Não é esse seu título?

— Você diz com escárnio. Eu não gosto. Por favor, pare.

— Como quiser sua alteza.

Ela trincou os dentes. Argumentar com Paolo só piorava as coisas. Virou as costas para ele enquanto seguiam pela estrada costeira. Olhando pela janela, sentiu seu coração mais leve, apesar de tudo. Estava cansada das reuniões em Londres, do mau tempo em Nova York. Tudo resolvido.

Alexander estava a salvo, ela estava em casa, e era prima­vera. Pela janela aberta, sentia o frescor do ar. Além dos penhascos, via as ondas azuis do Mediterrâneo brilhando sob a luz suave.

A Villa de Paolo, San Cerini, ficava do lado oposto ao palá­cio, seguindo a baía de San Piedro. Viajando em barco rápido, podiam chegar a poucos minutos, mas fazer o percurso de carro demorava bem mais. Isabelle já fizera o caminho várias vezes. A família de Magnus, como todas as melhores famílias da Europa, tinha uma Villa nesse lado exclusivo da costa.

Os lábios de Paolo se curvaram quando atravessaram o portão Trondheim. Pisou no acelerador e seguiu com a Fer­rari pelas curvas do penhasco.

Isabelle agarrou-se no assento, sentindo que a qualquer momento poderiam deslizar e cair nas águas que batiam con­tra as pedras logo abaixo.

Paolo olhou-a de rabo de olho e perguntou:

— Estou indo rápido demais?

—Não — ela respondeu tensa. Não pediria que diminuís­se a velocidade. Ele a assustara no jardim na noite anterior, mas jurou a si mesma que seria o último susto que passaria ao seu lado. Encostou-se no assento do carro, respirou fundo e sentiu o vento bater nos seus cabelos. — Quanto mais rápi­do estiver na sua cama, melhor.

Ele pisou mais fundo no acelerador.

— Concordo totalmente.

Segundos mais tarde, Paolo passava com a Ferrari pela allée de palmeiras da Villa. Acenando ao guarda, atravessou o portão. Um caminho circular dava a volta no enorme cha­fariz de pedra. Isabelle ficou olhando para a figura.

— Você gosta? — perguntou Paolo. — A estátua é de um antigo conto de fadas russo. A Villa foi construída quase cem anos atrás por um imigrante de São Petersburgo mais rico que a metade do mundo.

A figura era monstruosa. Um pássaro selvagem três ve­zes mais alto que um homem se alçava triunfante acima de um mar de pedras, mordendo um moribundo dragão do mar. O poder do pássaro lembrava o poder do dono do chafariz. Paolo também a esmagaria? Olhou para a estátua e mordeu os lábios.

Depois percebeu que ele a observava. De propósito, en­costou-se no banco do carro, fazendo o melhor possível para demonstrar despreocupação.

— O mascote de sua Villa é um monstro? Parece-me apro­priado.

Abruptamente, ele parou o carro e desceu. E logo apare­ceram empregados, mas para a surpresa de Isabelle ele os afastou.

Abriu a porta com as próprias mãos, dizendo:

— Por aqui, princesa.

Contra tudo o que dissera antes, ela estava com medo. En­trava em sua propriedade, estava sob seu completo controle. Como uma aristocrata francesa a caminho da forca, Isabelle fechou os olhos, sentindo o sol queimando sua pele pela últi­ma vez. Seu impulso era de fugir, sentar-se no banco do mo­torista, ligar a ignição da Ferrari e seguir para longe, muito longe dali, para um lugar onde nunca mais veria Paolo. Um lugar no qual esqueceria sua existência esqueceria os beijos quentes que deixavam seu corpo em brasa.

Mas ela sabia, no fundo de sua alma, que tal lugar não existia.

— Talvez prefira que eu a carregue?

A ameaça de carregá-la nos ombros como um saco de ba­tata foi suficiente para que ela imediatamente lhe oferecesse sua pequena maleta. Ele colocou a maleta no ombro e ficou esperando que Isabelle estendesse a outra mão.

Respirando fundo, ela pousou a mão na dele. E imediata­mente se arrependeu do gesto. Sentiu uma corrente elétrica invadindo seu corpo ao tocá-lo. Os dedos de Paolo enrijeceram, misturando-se aos dela, e seus olhos brilharam, negros, sensuais.

Mas ela percebeu que estariam na cama antes do pôr do sol. Ótimo, disse a si mesma. Seu plano estava funcionando.

Mas tinha o coração na boca. A atração que sentia por ele a assustava. Tinha medo de que fosse muito forte para ela. Seria fácil sucumbir ao seu poder. Quase impossível resistir...

Com empregados seguindo seu caminho, Paolo levou-a a porta da frente. Era estranho para Isabelle estar finalmente den­tro da famosa San Cerini. Construída por um nobre russo no século XIX, mas aumentada por Paolo, que também tratou de protegê-la como uma fortaleza. O luxo daquele local suplanta­va qualquer coisa que Isabelle já vira em sua própria casa.

Passara muitas horas, sozinha em seu quarto, olhando para as luzes de San Cerini do outro lado da baía. Imaginando que atriz ou modelo estaria por lá. Mas naquele instante caberia a ela se deitar na cama de Paolo. Seria a sortuda de sentir seu toque, suas carícias.

Só rezava para que pudesse ao mesmo tempo em que entregava seu corpo, manter seu segredo e coração bem guardados...

Após dar ordens a uma governanta matrona, Paolo virou-se para ela e disse:

— Venha comigo.

Isabelle deixou-se levar pelos aposentos de tetos altos e pelas brilhantes escadarias de mármore. Deixou-se levar? Isso era hilário! Como se tivesse opção! Quem poderia evitar que Paolo Caretti fizesse o que queria?

Especialmente quando o próprio corpo de Isabelle obede­cia a todos os seus comandos...

Ela parou na porta do seu quarto.

Assustada.

Horrorizada.

Meu plano lembrou a si mesma quando seu corpo tre­meu frente ao choque de emoções. Tenho de estar atenta ao meu plano. Teria de convencê-lo para que a seduzisse o mais rápido possível. Manteria seu coração gelado, com uma camada impenetrável. Depois iria embora e se assegu­raria de nunca mais voltar a cruzar seu caminho com o dele. Simples.

— Ou talvez não tão simples. Paolo pegou-a nos braços, como se ela não pesasse nada.

— O que... O que você está fazendo? — ela perguntou, sem fôlego.

Seus olhos negros a encaravam.

— Estou carregando você no colo.

— Mas eu não sou sua noiva!

— Já concordou em casar-se comigo uma vez — disse, em voz suave. — Lembra?

Um tremor percorreu seu corpo. Aquela suíte enorme, com vista para a baía de San Piedro de um lado e para o Me­diterrâneo de outro, era o local perfeito para uma lua de mel. O quarto tinha tetos altos, desenhados, tapetes maravilhosos, móveis estilo Luís XV. Pelas amplas janelas ela podia ver uma varanda de pedra debruçada sobre o mar, e palmeiras agitando-se com a fresca brisa marinha.

Era perfeito, exceto por Paolo Caretti, que não era o ho­mem com o qual supostamente se casaria. Em poucos meses seria noiva do príncipe Magnus, e pelo resto de sua vida po­deria manter facilmente seu coração frio e distante de tudo.

Piscou os olhos com força, tentando evitar lágrimas in­compreensíveis.

Paolo beijou seu ombro, passando os dedos pelo peito. Depois se afastou, olhando diretamente em seus olhos. — Está chorando bella! Isso é realmente tão ruim para você?

— Não — ela murmurou. E esse era exatamente o proble­ma. Ficou sem fôlego ao sentir que Paolo tocava suas costas nuas. — Você poderia ter qualquer mulher que quisesse no mundo. Por que eu? Quem sou eu para você?

Ele pousou as costas de Isabelle na cama e por um instan­te seu olhar deixou de ser tão sarcástico.

— Você é a que fugiu — ele respondeu, suavemente. Ela não pôde esconder o tremor em seu corpo quando Paolo beijou seu pescoço, deslizando as mãos pelo seu cor­po, pelo vestido de seda vermelho. Engoliu em seco quando sentiu seu corpo pressionado entre Paolo e o colchão suave. Acariciando-a por todas as partes, sugando a carne macia de sua orelha, ele abriu as pernas de Isabelle. Apenas as suas roupas os separavam.

Deveria ser duas vezes mais pesado que Isabelle, mas cada grama do seu corpo era prazerosa sobre ela. Seu corpo era tão musculoso, tão definido, tão sexy. Ela queria tirar-lhe a camiseta e acariciar a pele nua. Depois beijá-lo arden­temente.

Mas não se moveu. Não podia. Exceto durante aquele ve­rão quente em Nova York, passara a vida seguindo regras e sendo uma mulher obediente. Mesmo quando queria viver perigosamente...

Ele a beijou. Suas línguas se tocaram enquanto Paolo acariciava o vestido de Isabelle na altura dos seios. Perdida naquele beijo sentiu uma onda de prazer invadir seu corpo. O beijo de Paolo acendeu-a. Ele a fazia sentir coisas que não queria sentir, acelerava seus sentidos. Fazia seu corpo tremer por inteiro.

Era como se ela estivesse dormindo por dez anos e, de repente, acordasse.

De alguma maneira, os braços de Isabelle se aproxima­ram dos dele sem resistência. Ela o aproximou de seu corpo, sentindo o calor de seu peito musculoso sobre a camiseta de algodão. Sentia de tudo, em todos os pontos onde Paolo a tocava. Uma sensação extrema.

As mãos de Paolo atravessaram a seda para tocar seus seios, acariciando os mamilos rígidos com os dedos. To­cando suas costas, movimentou as pernas de Isabelle até encaixar-se nelas. Ela tentou manter-se quieta, mas logo percebeu que se movia sob o corpo de Paolo, desesperada por estar mais perto, desesperada por senti-lo nu dentro de si.

Como se lesse sua mente, Paolo levantou o vestido. Ela sentia a seda percorrendo suas coxas numa velocidade agoni­zantemente lenta. O tecido parecia acariciar seu corpo como se fosse água.

— Bella — ele disse, em voz suave. — Si. Você é linda...

Alcançando o interior de sua calcinha, acariciou-a suave­mente. Ela gemeu, arqueando as costas contra os dedos dele.

Descendo o corpo na cama, pousou a cabeça entre as per­nas de Isabelle. Ela logo percebeu o que Paolo queria fazer. Tentou afastar-se... Não poderia permitir...

Afastando a calcinha, ele a provou. Quando Isabelle ten­tou mover a cintura, Paolo a segurou firme, fazendo com que aceitasse o prazer. Ela deixou a cabeça cair para trás enquan­to ele a acariciava com a língua. Acariciava-a delicadamente, cada vez mais de forma mais profunda, abrindo-a com a aspereza de sua língua, que entrava mais e mais em seu corpo. Com os dedos tocava outros pontos também muito sensíveis. Alternava mão e boca de posição, até introduzir um dedo em seu corpo, sugando-a, deixando-a completamente excitada. Introduziu outro dedo, abrindo-a. Depois um terceiro, e ela gemeu. O prazer era tão grande que Isabelle imaginou estar a ponto de sucumbir.

Deixou escapar um grito baixo, suave, e seu corpo ficou completamente tenso, depois explodiu. Paolo fez uma pausa, mas, antes que ela pudesse entender o que estava acontecen­do, sentiu mais uma vez a tensão do prazer tomando conta de seu corpo, como nuvens pesadas em uma tempestade...

Isabelle choramingou. Não agüentava mais. Não queria seus dedos... Queria...

Sem fôlego, agarrou a cintura da calça jeans de Paolo. Não podia dizer o que queria... Não podia nem pensar naqui­lo... Mas deixou tudo bem claro.

Ele parou, e ficou olhando para ela com uma expressão estranha.

— Você é minha, Isabelle. Para sempre.

Não importava o quanto ela estava perdida em seu prazer, o risco do que estavam fazendo era muito alto.

— Por uma noite — ela respondeu. — Serei sua amante por uma noite.

— Não — ele disse, em tom suave. — Para sempre. — E soltou seu corpo.

Ainda esparramada nos lençóis de Paolo, Isabelle olhava extasiada enquanto ele levantava da cama, deixando-a ali, vulnerável e nua.

— O que está acontecendo? Por que parou? Olhou para Isabelle e disse:

— Chega. Por enquanto chega.

Ela pensou em pedir que voltasse à cama. Sentou-se, com as bochechas quentes de vergonha. Paolo obviamente estava querendo dizer que prolongaria sua tortura até que ela disses­se o que ele queria ouvir. E isso a assustou muito. Precisava terminar tudo o mais rápido possível — antes que sentisse algo mais. Antes que se intoxicasse em emoções e prazeres proibidos, antes que abrisse mão de tudo o que...

Respirou fundo e entregou-se ao inacreditável plano B.

— Não — ela disse.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Não?

— Não vamos esperar — disse, levantando-se na cama, com as mãos trêmulas. — Você me terá agora, aqui, nesta cama.

Desabotoando o vestido vermelho, deixou-o cair comple­tamente. Vestindo apenas sua roupa íntima transparente, reu­niu toda a coragem antes de encará-lo.

O bilionário arrogante que tinha poder sobre metade do mundo a olhava como se mal pudesse respirar.

Encorajada, ela tirou o vestido completamente, deixan­do-o no chão. O seu sutiã era de seda azul-marinho, bem transparente. A calcinha presa com laços de fita nos dois lados poderia ser retirada com um só movimento. Lentamente, deixou cair às sandálias dos pés, jogando-as no chão como fizera a striper que vira num filme americano.

— Onde aprendeu tudo isso? — ele murmurou. Isabelle olhou para ele, rezando para que não notasse sua falta de experiência. Estivera com tantas mulheres, poderia desdenhar de seus esforços. Ou pior: rir. Engoliu em seco, depois, encarando-o, levantou a cabeça desafiante e disse:

— Ainda é de manhã. Não vou ficar aqui todo o dia, e depois oferecer também à noite. Trato é trato. Pode ficar co­migo durante o dia — disse, apoiando o corpo nas cadeiras, provocante. — À noite, volto para casa.

Até Isabelle estava assustada com seu comportamento. Mas queria tê-lo imediatamente, antes que perdesse a razão por completo. Antes que seu coração começasse a se lembrar da forma desesperada como um dia o amou.

Acima de tudo, antes que ele descobrisse seu segredo: há nove anos, tivera um filho.

Alexander era filho deles.

— Por favor — ela murmurou. — Deixe que eu volte para a casa, para as pessoas que amo.

Ele tirou os olhos dos seios de Isabelle e disse:

— Bela tentativa. Mas você não vai a lugar nenhum.

Deixe que eu volte para a casa, para as pessoas que amo.

Essas palavras atingiram Paolo como um vento forte que espanta o calor do sol na primavera.

Ela queria embarcá-lo em uma paixão curta, curta o sufi­ciente para satisfazê-lo e deixá-lo implorando por mais. Já o deixara uma vez, é verdade, mas naquela época não passava de um garoto. Muita coisa mudara. Ele mudara.

Arrogante, imaginou que Isabelle, como todas as outras mulheres, se desmancharia como manteiga em suas mãos ex­perientes. Mas, em vez disso, ao perceber que as mãos daque­la mulher o agarravam com força na cama, levando-o a uma espiral inédita de prazer em sua vida, fora ele o comandado.

Paolo sentiu um tremor no corpo, um choque de desejo que nunca sentira antes. Um momento entre os braços de Isabelle, sentindo o calor de sua pele, o fez voltar no tempo. Uma carícia quente e se esquecera de todas as outras mulhe­res que passaram por sua vida. Que Deus o perdoasse, mas chegou a pensar em Isabelle como sua esposa.

E ficou aliviado quando ela disse o nome de Magnus.

Paolo trincou os dentes ao olhar para Isabelle, nua, lin­díssima.

E totalmente apaixonada por outro homem. Um príncipe bem nascido, civilizado. Mas por que a surpresa? Não seria a única mulher a escolher Magnus entre os dois...

— Beije-me— ela murmurou, passando os braços sobre ele.

Era tão pequena, tão suave. Sentiu aqueles seios fartos contra seu peito, a cintura contra sua coxa. Seu corpo implo­rava por ela. Dolorosamente. Como se tivesse passado uma década esperando...

Ela se curvou, pressionando o peito de Paolo.

Ele imaginou que poderia controlar seu desejo por Isabelle. Estava acostumado a controlar tudo... Exceto sua habilidade... Droga! Mas olhando para ela, tão poderosa, tão sedutora, ves­tindo pouco mais que finas camadas de seda, desejou-a mais do que nunca.

Enquanto isso ela queria terminar logo com aquilo, pen­sava em casar-se com outro, ter um filho com outro, oferecer ao outro todo o seu futuro.

Não.

Uma noite já não seria suficiente para ele. Não seria para. Isabelle tinha de pertencer a ele, e a nenhum outro homem.

— Paolo?

Ele a encarou, sentindo-a tremer como um pássaro frágil.

— Fizemos um acordo. Uma noite. Não um dia. Não um encontro rápido. Uma noite inteira. Então você vai ter que esperar. Você e seu lindo e precioso noivo.

— Mas você não pode me manter aqui.

— Posso — e pegou o vestido no chão, atirando-o para ela. — Volte a vestir isto. Estamos em plena luz do dia e as janelas estão abertas. Você parece uma puttana.

Notou seu rosto triste ao olhar rapidamente para ela. Mas evitou sentir-se mal. Sabia que ela não merecia tanto insul­to. Sempre adorou seu fogo, sua inocência doce envolta em pecado.

Mas a inocência era uma mentira. Aprendera da maneira mais dura. Dessa forma fazia os homens se apaixonarem por ela, antes de esmagá-los.

Trincando os dentes, virou-se de costas.

— O que está fazendo? — ela perguntou, num murmú­rio, segurando o vestido vermelho nos braços, como se fosse uma mancha escarlate sobre a pele branca.

Sem responder, ele saiu do quarto e seguiu pelo corredor, em direção ao seu escritório. Não gostava daquele quarto. Era uma gaiola, um lugar onde não passara sequer uma noi­te tranqüila de sono desde que chegara a San Cerini. Sua insônia começara ali. Mas não ficara por ali. O acompanhava em todos os lugares: na sua cobertura de Nova York, na propriedade irlandesa. Fazia exercícios até a exaustão.

Lutava boxe até sangrar. Chegou mesmo a fazer amor com mulheres desconhecidas por horas a fio. Nada resolvera o problema.

Então, o que fazer, perguntou a si mesmo, duro. A insônia lhe oferecia mais horas para trabalhar. Nos últimos três anos, sua rede se multiplicara. Seus negócios globais — fábricas de aço e comércio de metais, além da famosa Caretti Motors — fizeram dele um bilionário. Tinha tudo o que qualquer homem poderia desejar.

E três horas de sono diárias o transformaram em um ho­mem rude e abrupto — as pessoas sabiam que não deveriam testá-lo. Seus empregados sabiam como tratá-lo.

Paolo abriu a porta do escritório. Sua biblioteca incluía tudo, desde uma biografia de Glenn Curtiss a livros sobre a história de metais. Sua mesa estava virada para a baía. Quan­do dormia em San Cerini quase sempre ficava por ali, ou em sua garagem de dez carros, mexendo nos motores. Os motores o acalmavam. Os motores pareciam fazer sentido. Se cuidasse deles, eles cuidariam dele.

As pessoas não eram assim.

E pensar que a pedira em casamento.

Pegou uma garrafa de uísque caro. Naquele verão em Nova York, na noite anterior à fuga de Isabelle, olhou para ela, dormindo entre seus braços.

— Case comigo — murmurou, pensando que ela não es­cutaria.

Mas Isabelle abriu seus olhos lindos e, numa voz trêmula, disse:

— Sim.

Ele sentiu uma alegria como nunca sentira na vida. Dor­miam como amantes naquele colchão pousado direto no chão.

No dia seguinte, enquanto ela estava em Barnard, arru­mando as malas, ele vendeu a única coisa de valor que pos­suía: o velho motor que passara um ano consertando. E tro­cou-o por um anel de noivado. Determinado a pedir sua mão como deveria, usou a cozinha da dona do apartamento para preparar um fettuccine com a receita da mãe. Arrumou uma mesinha no centro do pequeno apartamento onde morava, colocou uma toalha de linho emprestada e talheres que não combinavam, e no meio uma vela presa no gargalo de uma antiga garrafa de vinho.

Mas, de alguma maneira, mesmo com todo o cuidado, tudo fora por água abaixo. Isabelle ficara nervosa e parecia distraída durante o jantar, quando mal comeu dois pedaços de pasta. Quando ele finalmente se ajoelhou na sua frente, com o anel na mão e pedindo para ser sua esposa, ela mudou de figura.

Observando o anel que ele mantinha entre os dedos, ela parecia não acreditar.

— Meu marido? Você está louco? — e riu, recusando o anel. — Eu estava brincando com você, Paolo... Divertindo-me um pouco. Imaginei que soubesse. Casamento? Sou a princesa de San Piedro. Você não é ninguém.

Paolo serviu uma dose dupla de uísque a si mesmo, olhan­do através das amplas janelas em direção ao palácio, do outro lado da baía. A mesma vista que contemplara na sua primeira noite naquela Villa, observando as luzes do palais brilhando nas águas escuras.

O amor faz um homem ficar tonto, bobo e cego.

Mas, na verdade, deveria agradecê-la. Vendeu o anel e comprou de volta o motor, futuro protótipo da primeira motocicleta Caretti. E a recusa de Isabelle o fez mais rico e poderoso do que jamais imaginara que poderia ser. Mesmo sendo rude algumas vezes, nunca chegou ao nível do pai. Construiu sua fortuna sem a ajuda dos velhos amigos. A única vez que usou tais conexões foi naquela semana — a pedido de Isabelle — para encontrar sobrinho dela. Mas finalmente enxergava que, não importava o que fi­zesse, ela sempre o veria como um ser menor. Não importava quantos bilhões tivesse em sua conta de banco, sempre seria um zero à esquerda para ela.  

Tomou um bom gole de uísque, esvaziando o copo. Po­deria agüentar. Não ligava para o que as pessoas pensavam — naquele momento. Quando criança não fora tão fácil. Seu pai entrava e saía da prisão... Sua mãe o abandonou aos três meses de idade. Sendo sozinho, era um alvo fácil. Mas quan­do chegou a adolescência percebeu que deveria começar a lutar, a driblar oponentes muito maiores que ele, e fazer com que engolissem suas palavras. Fora uma experiência valiosa. Fez dele um homem mais forte.

Mas não queria que seus filhos passassem pelo mesmo.

Queria oferecer aos filhos uma herança da qual pudessem se orgulhar. Ricos, seriam bem tratados. Queria dar-lhes uma mãe que os amasse a ponto de ficar...

Apertou os olhos. Seria Isabelle boa o suficiente para ser sua amante? Para casar-se com ele?

Sou a princesa de San Piedro. Você não é ninguém.

— Signor Caretti, está tudo bem? — perguntou um em­pregado, parado na porta aberta do seu escritório.

— Si — disse, com um sorriso cruel nos lábios. — Tudo bem.

Ele a mostraria. Acariciaria Isabelle. Faria com que sorris­se. Faria amor com ela. E acima de tudo...

— Sua nova moto chegou signore — disse o jovem. — Está esperando na garagem. O Signor Bertolli já está provando...

— Ótimo — disse Paolo, levantando-se da mesa. Enquan­to descia as escadas para a garagem, já sabia o que fazer.

Se Isabelle não lhe respeitava, ele ganharia seu respeito à força. Teria a princesa mais famosa do mundo para ele, possuiria aquela mulher completamente.

Seduziria Isabelle, que ficaria grávida dele.

Paolo obrigaria a que se casasse com ele.

 

Após Paolo ter saído do quarto, Isabelle se deitou no col­chão macio. Torceu o corpo, apertando o vestido amassado contra o ventre. Uma brisa suave, com o doce característico da primavera e a dureza do sal do mar, balançava as cortinas enquanto ela olhava através das grandes janelas abertas.

A lembrança da maneira como se desnudara na frente dele, ordenando que fizesse amor com ela, não saía de sua cabeça. Ela — princesa de San Piedro, orgulhosa de sua linhagem Luceran — se ofereceu ao homem que despreza e morre de medo. E tudo que recebeu em troca foi rejeição.

O único homem que amara o pai do seu filho acabara de chamá-la de puta.

— Oh — disse, com um nó na garganta, envergonhada, cobrindo o rosto com as mãos. Mas, mesmo com os olhos fe­chados, via a curva de seus lábios, ouvia suas palavras duras. Sentiu vontade de pular da varanda e se deixar ser engolida pelo mar caso fosse uma garantia de que nunca mais voltaria a ver seu rosto.

Mas era a princesa de San Piedro. Seu país precisava dela. Seu filho precisava dela. Com ou sem vergonha, tinha de seguir em frente. Levantar-se. Encarar tudo aquilo.

Respirando fundo, forçou-se a abrir os olhos. Lentamente, esticou as costas, estirou o corpo. E levantou-se da cama, ainda vestindo apenas sua roupa íntima. Depois olhou para o vestido caríssimo que tinha nas mãos. Sentiu raiva.

Caminhou pelo caríssimo tapete em direção à lareira de mármore estilo Luís XV. Atirando o vestido junto às to­ras de madeira, pegou um fósforo que estava ali por perto. Pôs fogo no vestido e ficou observando enquanto ele era corroído.

Estava terminado.

Seria melhor morrer antes de voltar a seduzir Paolo.

Quando não havia nada além de cinzas, voltou a ficar de pé. Hesitou por um instante ao ver um roupão branco dependurado na porta do banheiro, mas pegou-o. Envolvendo seu corpo, tocou a campainha.

Poucos segundos depois apareceu a governanta. Tinha as bochechas rosadas e os cabelos já meio brancos presos num coque.

Observou Isabelle criticamente antes de baixar os olhos.

Não havia dúvida, aquela mulher pensava o mesmo que Paolo: Isabelle não passava de uma prostituta. Suas boche­chas ficaram vermelhas, mas levantou o queixo, olhando di­retamente para a governanta, e disse:

— Ne sono, principessa. Sou a Signora Bertolli.

— Em algum lugar por aí está minha maleta. Por favor, encontre-a para mim.

— Si, immediatamente.

Poucos minutos depois, reapareceu com a maleta.

— Devo desfazer a maleta para a senhora, principessa? — E, sem esperar sua resposta, foi abrindo. — Ah, que rou­pas mais bonitas.

Olhando para ela, Isabelle sentiu um pouco de inveja. A Signora Bertolli tinha uma casa pequena, um marido que a levava ao cinema. Filhos. Jantares em família. Conversas na cozinha. Tudo o que Isabelle sempre sonhou.

Tudo o que imaginou que poderia ter com Paolo.

Naquele verão em Nova York, no dia seguinte à proposta de casamento, ela voltou à residência de estudantes, ainda pensando na sua decisão. Sabia que sua família nunca acei­taria Paolo como seu marido, nem seu povo, mas ela não ligava. Estava pronta a desafiar todo mundo.

Encontrou um guarda-costas da mãe do lado de fora da porta, e a rainha Clotilde sentada na cama ainda por fazer. Rezando para que pudesse convencê-la, Isabelle contou so­bre o noivado.

— Com um pobre mecânico? — perguntou a mãe, hor­rorizada.

— Eu o amo, maman.

Sua mãe fez que não com a cabeça.

— Amor... — disse a rainha, expelindo a palavra com rai­va. — Os homens não são fiéis, ma filie. Caso você se case por amor, terá uma vida de coração partido. Esse homem não tem família, não tem dinheiro. E você acha que esse... Zé ninguém gostaria de casar-se com você? Sacrificando os pró­prios desejos? Vivendo todo o tempo para os demais? Sendo sempre criticado, sem qualquer traço de liberdade pessoal? Ele seria insultado... Isabelle... Olhe para mim quando falo com você... Isabelle!

Ela mergulhou na cama, tonta. Naquele momento, seu co­ração parecia a ponto de partir-se em dois. Forçou-se a ficar quieta enquanto sua mãe provava porque seria melhor para todos, inclusive para Paolo, que ela terminasse tudo aquilo. Ignorando os avisos do seu corpo, finalmente, e com pena, concordou.

Foi ao apartamento de Paolo para jantar e esmagou suas esperanças com as palavras da mãe, de forma cruel, fria.

Sabia que era a coisa certa a ser feita. Ele merecia muito mais do que uma vida ao seu lado. Mas mesmo assim sentia-se a ponto de morrer.

Uma hora mais tarde, enquanto se preparavam para partir para San Piedro, as dores de Isabelle cresciam. O médico da rainha a examinou em seu jato privado. Logo descobriram que, aos 18 anos, deixava Nova York com algo mais que ape­nas um coração despedaçado...

— Vai ficar muito tempo por aqui, principessa!

A pergunta da Signora Bertolli levou Isabelle de volta ao mundo real.

— Não. Pretendo ir embora hoje à noite. Pare de desfazer a maleta, por favor. Deixe-a comigo.

A mulher fez que sim e se preparou para sair do quarto.

— Espere.

Ela parou, olhando para Isabelle.

— Si, principessa.

— Onde eu poderia encontrar o Signor Caretti?

— Imagino que esteja na garagem. Acompanho a senhora até lá?

— Eu mesma encontro — disse, trincando os dentes. Alguns minutos mais tarde, Isabelle vestia roupa íntima branca, um suéter de cashmere rosa - claro, pérolas de sua avó e uma saia na altura do joelho. Sua bolsa de couro batia no quadril enquanto caminhava pela Villa, cruzando o jardim com seus sapatos bege.

Ao ver Paolo, ficou gelada. Seria totalmente educada. O trataria como uma lady. Faria de tudo para que ele percebes­se que não poderia insultá-la e mantê-la sua prisioneira.

Não ficaria ali.

Tinha uma criança para cuidar e um noivo com o qual se casaria... O primeiro por amor, o segundo por obrigação.

Ouviu a voz de Paolo, falando em italiano.

E, sabe do que mais: vá para o inferno. Claro que não diria isso. Repreenderia seus sentimentos em nome da diplo­macia, como aprendera desde a infância. Mas Paolo sabia como deixá-la fora de si, fazendo com que perdesse a cabe­ça. Ela odiava isso. Uma princesa deve estar sempre no con­trole. Certamente nunca gritara com um homem em público, mesmo que ele merecesse muito...

Quando viu Paolo, parou.

Estava na porta aberta da garagem, ajoelhado frente a uma motocicleta antiga, com uma chave de fenda na mão. Ao seu lado, um menino mais ou menos da idade de Alexander.

— Olhe agora — disse Paolo. O menino olhou.

— Muito melhor! Achava que essas coisas velhas já não tinham conserto.

— Não se fizermos a coisa certa — disse Paolo, com voz grave, satisfeita. — Viu como é fácil livrar-se de vinte anos?

— Está atrapalhando o Signor Caretti, Adriano? — disse Bertolli, no fundo da garagem.

— Não, estou ajudando — ele respondeu, virando-se an­siosamente para Paolo. — Estou ajudando, si?

— Você é um ótimo ajudante, Adriano — disse Paolo. — Não poderia ter resolvido nada sem sua ajuda, giovannoto.

Isabelle ficou chocada com aquele tom de voz agradável.

— Então me contrate para sua equipe — pediu o menino. — Juro que não se arrependerá.

— Adriano... — disse o pai do menino.

— Tenho certeza que não me arrependeria — respondeu Paolo, acariciando os cabelos do menino. — Você é habilidoso, promissor.

— Então você concorda...?

— Quando for maior, eu o contratarei sem pensar duas vezes, se ainda quiser. Mas, por enquanto... Escola!

— Ah, escola — ele respondeu.

Observando tudo entre as árvores, Isabelle sentiu as per­nas trêmulas.

Afastara Paolo de seu filho. O homem que se convencera que não poderia ser pai. Vendo-o sorrir para aquele menino, sentiu uma onda de culpa. Culpa que ameaçava destruir sua confiança.

Tentou lutar usando suas antigas justificativas.

Não tivera escolha, disse a si mesma. Casar-se com Paolo teria sido um desastre. Criar um menino sem estar casada se­ria ainda pior. Alexander merecia ser criado por um príncipe, por dois pais apaixonados e casados.

Mas os tais pais estavam mortos, disse uma voz em sua cabeça. E Alexander não merecia saber que ainda tinha um pai e uma mãe na face da terra?

Estava de luto pelos únicos pais que conhecia. Os pais que amava, Isabelle disse a si mesma, decidida. Contar a verdade só o deixaria ainda mais confuso.

Mas...

E também, disse com ainda mais confiança, se Paolo sou­besse da verdade poderia tentar conseguir a custódia. Mesmo parecendo maravilhoso com crianças, ela não poderia arris­car arruinar a vida de Alexander. Arruinar seu reinado. Não poderia confiar cegamente em Paolo, pensar que faria o me­lhor para seu filho, para todos eles...

— Isabelle?

Ela olhou. Paolo estava montado na moto. O aço cromado e negro reluziam sob o sol enquanto ele sorria.

— Fico feliz que esteja aqui.

Olhando para aquele sorriso, era como se ela tivesse via­jado no tempo, até o primeiro encontro dos dois, quando Paolo chegara próximo à sua limusine vestindo um macacão sujo de graxa. Naquele momento, ele a fizera sorrir, flertan­do como se ela fosse uma menina qualquer na saída de um colégio, convidando-a para ir ao cinema. — Isabelle adorou o anonimato daquela experiência, com refrigerante e pipoca. Até o momento em que Paolo passou um dos braços pelos seus ombros.

Depois, subiram cinco andares até seu pequeno aparta­mento. Naquela porta, sob uma luz fraca, trocaram seu pri­meiro beijo. Ele sorriu, e pela primeira vez na vida ela enten­deu o significado das palavras carinho e casa...

O sorriso de Paolo era o mesmo. Exatamente o mesmo.

Enquanto se aproximava de Isabelle, seus olhos estavam pregados nela. Ela se sentia sendo observada. Paolo tomou suas mãos, e seu toque a encheu de um calor mais vivo que o dos raios do sol.

— Sinto muito pelo que disse... Sobre o vestido — pediu desculpas, beijando a palma de sua mão. — Eu não queria...

Franziu a testa. Todos os anos de preparação social de Isa­belle não a indicaram o que fazer em casos como esse. Pelo que sabia Paolo Caretti nunca se desculpava por nada, com ninguém.

— Você me perdoa? — perguntou humilde.

Ela balançou a cabeça, tentando se lembrar do que deveria dizer. Todos os pensamentos racionais tinham evaporado de sua mente.

— Eu vim para lhe dizer...

Ele esperou paciente, mas ela não prosseguiu então Paolo disse:

— Quer me dizer algo?

— Sim. Eu... Eu... — E mordeu os lábios ao olhar para ele.

— Diga bella. — Com os dedos cravados nela, aproxi­mou seu corpo. Olhava diretamente para Isabelle, com seus rostos a centímetros de distância. — Diga o que quiser.

— Eu quero dizer que...

Tentou lembrar-se dos insultos que planejara dizer, mas, olhando diretamente em seu rosto, tudo o que pensava era: Você tem um filho. Nós temos um filho.

Levantou uma sobrancelha.

— O quê?

Ela não poderia arriscar a vida de Alexander para ficar mais à vontade com sua consciência. E se Paolo contasse a todo mundo? E se pedisse a custódia?

Como isso afetaria Alexander? E o país? Como seria se todos soubessem que o rei de San Piedro era, na verdade, o filho ilegítimo de um corrupto bilionário ítalo-americano?

E se, pedindo para estar um tempo com o filho, nunca mais desaparecesse de perto de Isabelle? Forçada a estar sempre próxima de seu terrível charme — seus sorrisos, sua habilidade na cama —, que chance ela teria de sobreviver ilesa? Mesmo se por algum milagre conseguisse forçar a si mesma a casar-se com Magnus, por quanto tempo consegui­ria manter seu coração frio?

— Isabelle?

— Eu o perdôo — disse, sem acreditar nas palavras que saiam de sua boca. Perdoar Paolo? Ela era uma fraude! Per­doá-lo por um insulto verbal quando fora culpada de algo muito pior: afastá-lo do seu filho!

— Obrigado — ele disse, soltando sua mão.

Sentiu uma dor por todo o corpo. Durante toda a vida ten­tou ser silenciosa, agradecida, digna. Sempre atenta às câmeras, aos olhos de todos.

Mas ainda assim às vezes era complicado manter suas emoções sob controle. Sua família estava cheia de segredos. Sua mãe, antes tão romântica, se transformara em uma mu­lher dura ao descobrir os casos do pai, antes de sua morte. O irmão de Isabelle, Maxim, casou-se com uma princesa di­namarquesa por correspondência, um casamento arranjado. Os dois se davam bem, até se apaixonaram. E foram anos de tratamento de fertilização sem resultado. Quando Alexander fez dois anos, Maxim buscou uma pequena casa em Carmes, deixando a princesa Karin tão sozinha e amargurada quanto sua sogra.

Isabelle prometeu a si mesma que nunca ficaria em silên­cio, como fizera sua mãe. Nunca sofreria como Karin.

Certa vez pensou que Paolo era diferente dos outros ho­mens que conhecera. Quando descobriu a gravidez, implo­rou à mãe que reconsiderasse a permissão para o casamen­to. Além do escândalo, seria mãe solteira, e a vida de uma criança estava em jogo. Uma criança precisa dos dois pais, ela argumentou.

Horas após Isabelle forçar-se a devolver o anel a Paolo, sua mãe aceitou um encontro. Isabelle ainda se lembrava de quão feliz estava ao subir aqueles cinco lances de escada. Ti­nha certeza que sua mãe aprovaria o casamento. Impossível não gostar dele. Isabelle se casaria com Paolo, teriam seu filho e os dois seriam muito felizes...

Chegaram.

A loura idiota que viva no apartamento ao lado abriu a porta de Paolo vestia apenas sutiã e short. Na luz do ama­nhecer, o cabelo desarrumado da vizinha e o corpo seminu de Paolo deixaram óbvio que estavam dando um beijo de despedida após uma noite de amor.

A mãe de Isabelle ficou estática ao seu lado. Antes que os amantes olhassem para elas, pegou no braço da filha e gentilmente afastou-a da cena.

— Vamos, ma filie — ela murmurou. — Vamos. Paolo tocou seu queixo, dizendo, em tom suave:

— Errei ao insultá-la, cara mia. Você é muito generosa ao perdoar as palavras que digo sem pensar.

Isabelle ficou sem palavras. Uma vida de segredos a pres­sionava.

— Eu é que devo agradecê-lo — conseguiu dizer, final­mente. — Por salvar Alexander. Nunca me esquecerei. Sem­pre serei grata pelo que fez por ele. Por mim.

A expressão no rosto de Paolo mudou. Afastando uns fios de cabelo de seu rosto, olhou para ela e disse:

— Vou protegê-la sempre, Isabelle. Eu protejo o que é meu.

— E ainda acha que sou sua? — ela murmurou.

Ele abriu um sorriso enigmático, breve, como uma chuva de março. Misterioso. Carismático. Poderoso.

— Sei que é.

De repente, ela pensou que aquilo realmente era verdade. Realmente pertencia a ele — não naquele dia, mas sempre. Poderiam voltar no tempo e serem jovens e ingênuos outra vez. Antes que ela descobrisse que amar Paolo — amar qualquer homem — levaria a uma vida de angústia e corações partidos.

Mas não havia razão para sonhar. Tinham um dia juntos antes que ela voltasse para se casar com outra pessoa. Al­guém seguro. Alguém que nunca romperia seu coração ou a deixaria chorando sozinha à noite.

Virando as costas, ela limpou a garganta e disse:

— Preciso fazer um telefonema.

— Tudo bem — ele disse, sem mover um músculo.

Pegando o celular na bolsa Chanel, discou o número do capitão dos carabiniers do rei. Falou com o homem em tom calmo, depois desligou.

— René Durand está na cadeia — disse a Paolo.

— Eu disse que cuidaria disso.

— Mas eu precisava ter certeza.

— Por quê? — ele perguntou. — Não confia na minha palavra?

Confiar em Paolo? Não. Não com seu filho envolvido, não com seu coração envolvido. Mesmo querendo confiar.

Uma dor de cabeça nascia em sua nuca. Cocou a testa, piscando os olhos com força. Sabia, por experiência própria, que apenas uma coisa poderia fazer com que se sentisse me­lhor. Apenas uma coisa a faria esquecer-se do estresse frente a situações que não era capaz de controlar.

Era um prazer comum — o tipo de coisa que as pessoas costumam fazer todos os dias —, mas para ela era algo raro. Ficava desesperada por esquecer-se do princesa e de Luceran embutidos no seu nome e ser apenas Isabelle.

Repentinamente, esticou a mão e disse:

— Venha comigo. Ele balançou a cabeça.

— Para onde?

Mesmo perguntando, ofereceu sua mão. E sob o sol me­diterrâneo Isabelle sorriu. Um sorriso que surgiu tão lento e seguro quanto à maré.

— Você vai ver.

— Que tal?

Paolo não sabia o que responder. Tinha medo de mover a língua. Medo de provar um sabor que não queria.

— Diga a verdade — ela insistiu.

Ele olhou em volta, em busca de uma saída. O terraço estava quente sob a luz do sol e cercado de flores, além das palmeiras que se agitavam ao vento. Logo abaixo, os penhas­cos da baía de San Piedro.

Ficou com vontade de pular da balaustrada, arriscando a vida nas pedras.

— Paolo?

Ele engoliu a comida: carne assada, ovos, aspargos. Sen­tiu um ardor no estômago. Pegou sua xícara de café italiano forte, desejando que queimasse tudo por dentro.

— Peguei a receita de um livro — ela disse orgulhosa.

— Um livro de receitas?

— Bem, precisei fazer umas adaptações. Tirei o molho ho­landês e o queijo, e troquei por presunto e aspargos. Que tal?

Ele a olhou, e disse:

— Isabelle, não posso mentir para você...

Mas seu rosto parecia louco por aprovação. Ele parou.

As emoções de Paolo foram muitas vezes alteradas nas últimas horas. Estivera louco de raiva com ela —: até que o surpreendeu agradecendo por ter salvado a vida do sobrinho. Depois Isabelle deu mais um giro e o insultou ao telefonar para o capitão a fim de ter certeza de que Durand estava pre­so. Dio santo, o que ela pensava? Que Paolo deixaria o seqüestrador solto para que pudesse ir a Monte Cario e tentar a sorte na roleta?

Depois, vendo-a seguir em direção à grande cozinha — sua futura noiva, mãe de seus filhos, tão sexy —, ficou excitadíssimo, louco ao vê-la cozinhar.

Ele cozinhava desde muito jovem — com uma mãe au­sente e um pai freqüentemente preso, fora obrigado a isso ou passaria fome. Ela sempre tivera a estrutura de um pa­lácio por trás, nunca aprendera a cozinhar ou limpar nada. Ele sabia disso, e entendia. Mas nunca imaginou as coisas horríveis que poderia inventar.

— É saudável, certo? — ela perguntou contente. — Leve, mas inventivo? Soube que incluir os aspargos daria um sabor maravilhoso, e melhor paladar.

Mordendo os lábios, ele disse:

— Nunca provei nada assim.

O rosto de Isabelle se iluminou.

— Fico muito feliz. Não passa de um hobby. Eu relaxo cozinhando. Cozinhei muitas vezes para os empregados do palácio, mas nunca soube se gostavam ou comiam apenas para me agradar. Você é a pessoa mais rude que conheço, sabia que me contaria a verdade.

Paolo sentiu pena dos empregados. Comer aquele tipo de coisa várias vezes parecia uma crueldade. Mas claro que também seria cruel com Isabelle, pois ela certamente não tinha idéia do que realmente significa cozinhar. O que os empregados comentavam entre eles poderia matá-la, caso alguma vez escutasse algo.

— Não vai terminar o café da manhã?

Ele olhou para o prato ainda cheio.

— Sirvo um pouco mais? — perguntou Isabelle. Ele sentiu um tremor por todo o corpo e respondeu:

— Não.

— Não custa nada, sério. Ainda tem muito. Certo, já fizera o suficiente. Poderia bajulá-la de outras maneiras mais apetitosas. Seria bem melhor engravidá-la. Não pensava em casar-se com ela por seus dotes culinários. Agarrando sua cintura, fez com que Isabelle se sentasse na cadeira ao seu lado.

— Vou servir um pouco para você. Ela balançou a cabeça, envergonhada.

— Cozinho para os outros. Esse é o objetivo. Isso me faz relaxar.

Cruel ou não, chegara o momento de saber a verdade. Ser­viu várias colheradas da mistura com ovos num prato vazio. Ofereceu-a, junto com um garfo.

— Prove.

— Sério, eu não...

— Coma — ele ordenou.

— Certo — ela disse, suspirando. Engolindo com dificul­dade, ficou olhando para a comida. Depois olhou para Paolo, acusando-o: — E horrível!

— É.

— Por que ninguém me falou nada?

— Talvez tenham medo de sua reação violenta. Atirou o garfo com força na mesa.

— Ah — murmurou, curvando-se e cobrindo o rosto com as mãos. — Todo esse tempo os empregados comendo minha comida e... Jogando no lixo quando eu não via? Rindo de mim pelas costas?

— As duas coisas, provavelmente.

Ela balançou a cabeça, mas Paolo viu lágrimas em seus olhos.

— Por que não me disseram a verdade? Dessa forma me faziam de boba...

— Eu vou dizer sempre a verdade. Mesmo que doa. Ela reprimiu um sorriso.

— Vou dizer a verdade — repetiu.

— Até Magnus mentiu. Eu fiz o café da manhã para ele duas vezes. Disse que estava delicioso. Pediu mais.

Se fez café para Magnus, deve ter sido após uma longa noi­te de amor. Pensar nisso fez Paolo querer socar alguma coisa — de preferência o rosto bonito do príncipe. Mas não poderia culpá-lo por mentir. Paolo também diria que sua comida era maravilhosa após passar uma noite fazendo amor com ela.

Dez anos antes, não tinha dinheiro para levá-la a restau­rantes, e ela temia que alguém descobrisse seu caso. Rara­mente saiam do apartamento. Ele colocava travesseiros nos cantos para se sentarem e aquecia comidas compradas pron­tas. Comiam com talheres de plástico em pratos de papelão. Nada muito gourmet. Nada muito romântico.

Mas, de alguma forma, sua companhia fazia mesmo aque­las comidas baratas ficarem deliciosas. Isabelle tinha o dom de fazer com que qualquer coisa se parecesse com uma ótima sobremesa...

Olhou para o prato e pensou: quase tudo.

— Paolo? — ela perguntou, em tom suave. — Você real­mente está sendo sincero? Nunca mentiria para mim?

Balançou a cabeça, olhando para ela.

— Tenho um plano: seduzir você, engravidá-la e torná-la minha noiva.

Ela piscou os olhos várias vezes, depois sorriu:

— Muito engraçado.

— Sim. E não é justo? Levantando-se da mesa, ele esticou o braço.

— Já é meio-dia. Que tal nos esquecermos do café da ma­nhã e passarmos diretamente ao almoço?

— Você vai cozinhar para mim? — ela perguntou olhando-o, surpresa. — Como nos velhos tempos?

Ele não a culpava por estar chocada. Com tantos empre­gados, com todo o seu glamour, por que Isabelle esperaria um almoço barato e simples outra vez? Só de pensar nisso trincou os dentes. Os velhos e maus tempos. Quando ele era jovem, duro e perdido de amor. Quando faziam amor por horas, depois passavam as noites nos braços um do outro. Noites que não apreciara em sua totalidade.

Afastou tal pensamento. Naquele momento tinha outras vantagens. E forçando Isabelle a casar-se com ele poderia aproveitar todas elas.

— Não, não vou cozinhar. Não estou com ânimo para abrir uma lata, e mesmo que estivesse tenho gente aqui que poderia fazer isso por mim.

— Então, o que está planejando? Ele abriu um sorriso, e disse:

— Estou pensando em um italiano...

 

Após seu jato privado aterrissar no aeroporto de Ciampino, em Roma, Paolo ajudou-a a descer as escadas. Isabelle parou ao ver uma motocicleta esperando por eles.

— O que é isso?

— Nosso passeio.

Estaria tentando se vingar da forma como o tratara aquela manhã? Ela apontou para os cabelos soltos, para a saia longa que usava e disse:

— Não sei se posso...

— Claro que pode — ele disse firme. Pegando as chaves das mãos do empregado que estava de pé ao lado daquela máquina poderosa, fez sinal para que desaparecesse de cena. Sentou-se e disse a Isabelle, estendendo uma das mãos:

— Venha, sente atrás de mim.

Ela parecia não saber o que fazer, mordia os lábios como uma menina em idade escolar, nervosa.

— Tem certeza que não está nervosa, princesa? — ele brincou.

— Claro que não. — Na verdade, estava horrorizada. — É só que... Você sabe como é o trânsito de Roma? — E sorriu nervosa. — Não precisaria ser um Rolls-royce, mas gostaria de ter um pouco de carroceria à minha volta. Você não pode telefonar pedindo um carro? Ou melhor: um tanque?

— Está questionando minha habilidade ao volante?

— Não, eu só...

— Então venha — ele disse, ainda segurando sua mão. E dessa vez sua voz soou mais decidida.

Isabelle percebeu ter duas opções. Poderia admitir estar muito assustada para montar naquela moto e recusar o pas­seio, ou aceitar seu convite, fechar os olhos e segurar firme.

Fez sua escolha seguindo o que ditava seu orgulho. Cru­zou a bolsa Chanel sobre o peito e levantou escandalosamen­te a saia. Curvando-se sobre ele, sentou-se.

Paolo lhe deu um capacete.

— Coloque isso.

Não precisou pedir duas vezes. A idéia de não ter nada en­tre ela e a estrada era terrível o bastante para fazer seu corpo tremer. Ele ligou a moto e os dois saíram fazendo um barulho altíssimo, como se fosse um avião.

Ela o agarrou firme, pressionando seu corpo contra o dele enquanto seguiam em direção à cidade. Seus corpos se apro­ximavam ainda mais nas curvas, nas áreas de trânsito pesado, e o motor vibrava entre as pernas de Isabelle. Desceram à lo­tada Via dei Fori Imperiali, passaram pelo Coliseu e a bunda musculosa de Paolo se esfregava contra a pele nua das coxas de Isabelle. Ela pressionou os seios contra suas costas e agar­rou-o ainda mais firme. Sob a camiseta de malha de Paolo, podia sentir seu peito amplo e musculoso. O vento batia nos cabelos negros e curtos dele, fazendo com que Isabelle sentis­se o cheiro do seu xampu e perfume masculino, exótico.

Ele não usava capacete. Claro que não. Nada poderia machucá-lo. Mesmo um acidente o deixaria intacto. Um ho­mem como Paolo era capaz de andar sobre chamas sem se queimar.

Ele não conhecia o medo. Apertou ainda mais as mãos de Isabelle em volta do seu corpo quando passaram pela Piazza Venezia, e ela balançou a cabeça, com raiva. O que estava acontecendo? Primeiro sentiu inveja da governanta, e naquele momento sentia o mesmo de Paolo. Tinha muito que agrade­cer a ele. Alexander estava a salvo. Isso não era suficiente?

Mas anos de solidão tinham um preço. Desde que deixara a faculdade, tinha medo de aproximar-se exageradamente de ami­gos. Confidentes a traíam em revistas de fofoca. Seus únicos amigos de verdade eram Karin e Maxim, mas os dois estavam mortos. Morreram em uma viagem a Maiorca, onde foram pas­sar uma segunda lua de mel, tentando reavivar o casamento...

Isabelle deixou cair algumas lágrimas, sentia falta deles.

Mesmo quando estavam vivos, os dias de Isabelle se resu­miam a obrigações reais e funções sociais. Raramente deixa­va o palácio para divertir-se, sempre dormia sozinha. Fora os beijos constrangidos de Magnus há uma semana, nunca per­mitira que qualquer outro homem a tocasse. Sempre a postos em público, era conhecida como a "princesa de gelo" pelos paparazzi, exatamente como queria. Por dez anos, foi mais fria que a Antártida.

Mas por baixo da dureza do capacete de Paolo, com o asfalto a poucos centímetros de seus pés, ela voltou a sentir o mundo. Voltou a ser forte. Livre. Não se importava com as conseqüências...

Paolo desviou a moto abruptamente e parou numa trattoria próxima a Piazza Navona. Estacionando a moto de milhares de euros em um pequeno espaço entre um Fiat e um velho BMW, ajudou-a a descer, agarrando-a pela cintura. Suas mãos eram tão grandes que seus dedos quase podiam dar a volta em sua cintura.

— O que estamos fazendo aqui? — ela perguntou confusa. Ele olhou para a trattoria, com os olhos negros brilhantes.

— Posso estar equivocado, mas normalmente as pessoas vão a restaurantes para comer. Almoçar, nesse caso.

Ele não parecia notar os olhares das pessoas na calçada. Não parecia ver como os olhos delas se arregalavam ao re­conhecê-los.

— Não podemos comer aqui — ela disse calma, sorrindo para as pessoas. — Os paparazzi vão aparecer a qualquer momento... Se é que já não chegaram.

Ele parou, ficou olhando para ela, e finalmente disse:

— Essa trattoria faz o melhor fettuccine alia Romana do mundo. Quero que prove.

Ela mordeu os lábios repentinamente secos:

— Mas todos vão saber...

— Saber o quê? Que você comeu pasta? Ou que almoçou com um homem como eu?

— Eu... Eu... — ela mordeu mais uma vez os lábios. Era uma bobagem, mas só de pensar em tomar o braço de Paolo e entrar na trattoria''para comer, como qualquer pessoa normal, a deixava tonta, como se estivesse à beira de um precipício.

Ele estendeu a mão.

— É apenas fettuccine, Isabelle.

Os olhos de Paolo a convenciam tentavam fazer com que se comportasse de forma diferente, após dez anos. Sensuali­dade, liberdade, risco.

Seu celular começou a tocar. Buscando na bolsa, tirou o telefone e viu que era o número privado da mãe.

Ao pensar no que diria quando soubesse algo sobre Paolo, perdeu a cabeça. Voltou a colocar o telefone na bolsa. Desa­fiante, aceitou sua mão.

Um sorriso apareceu no rosto de Paolo.

— Grazie, cara mia — ele disse, com voz suave, demons­trando aprovação.

Não é difícil ser decidida, ela pensou surpresa, enquan­to entravam no restaurante. — Principalmente com ele me guiando.

O interior da trattoria era pequeno e aconchegante, apa­rentemente imutável desde os anos 1950. Um garçom apro­ximou-se da mesa e Paolo nem abriu o cardápio. — Vamos comer fettuccine alia Romana.

— Não! — protestou Isabelle, buscando algo mais sau­dável no menu, desesperada. Permitir ser levada ao sexo era uma coisa, mas comer coisas gordurosas era outra. Ela tinha de manter-se magra, era seu dever, e caso sua mãe não a lem­brasse disso, seria lembrada pelos estilistas que a enviavam roupas.

— Talvez peixe cozido? — ele sugeriu. — Alface com suco de limão?

O garçom olhou-a com um franco horror italiano. A expressão de Paolo não enganava.

— Fettuccine. Para nós dois — disse firme.

Pegou o cardápio de sua mão. Quando os dedos dos dois se roçaram, ela desistiu. Já estava no restaurante. As fotos rodariam o mundo no dia seguinte, fotos dela almoçando em Roma com um bilionário rude, o corredor de moto Paolo Caretti. Comparado a isso, comer um prato de massa não era nada. Por que não aproveitar?

— Você está muito magra — ele disse, com um sorriso maroto. — Pretendo engordá-la um pouco, bella.

— Certo — disse, olhando-o com o coração aos pulos, os lábios entreabertos. — Fettuccine.

— E uma garrafa de vinho — ele pediu, mencionando um vintage específico, caro e raríssimo. Com um aceno de apro­vação, o garçom desapareceu, deixando-os sozinhos.

Isabelle deu uma olhada na pequena trattoria. Todas as mesas estavam ocupadas, mas ninguém parecia interessado em tirar fotos ou pedir autógrafos.

Olhou para Paolo, surpresa.

— Acho que podemos almoçar aqui.

— Eu realmente preciso explicar mais uma vez o que é um restaurante?

Ela fingiu um sorriso, e disse:

— Não. Já entendi.

— Que bom — disse, abrindo um sorriso sensual. — Pois quero satisfazer todos os seus apetites.

As bochechas de Isabelle ficaram vermelhas. Desde que deixaram San Cerini estava sendo assim: conversas banais sobre o tempo, sobre o festival de cinema de Carmes, que estava por começar, sobre a economia de San Piedro. Mas com seus olhos ele arrancava a roupa de Isabelle. Com sua expressão, deixava claro que a imaginava na cama.

Ela também podia imaginar tal cena. Mas, se era o caso, por que ele recusara sua oferta de algumas horas atrás, quan­do Isabelle estava seminua em seu quarto?

O garçom apareceu e tirou a rolha do vinho. Serviu uma taça. Paolo experimentou, e aprovou. O garçom serviu vinho até a metade das taças dos dois, depois deixou a garrafa no centro da mesa.

Isabelle pegou imediatamente sua taça, esperando que aquele líquido vermelho-escuro a acalmasse. Mas, em vez de reorganizar seus sentidos, como esperava, o álcool se espalhou por todo seu corpo, da cabeça aos dedos dos pés.

Lambeu os lábios, depois olhou para cima e viu que Paolo a observava.

Ele estava brincando, ela pensou. Como um predador ron­dando a presa. E seus nervos estavam tão à flor da pele que Isabelle não sabia se poderia agüentar todo aquele charme.

Deixou a taça na mesa, fazendo ruído.

— Por que está agindo assim?

— Assim como?

— Tão amigável. Flertando tanto. Não entendo. Você sabe que quero acabar logo com isso. Poderá me ter em sua cama quando quiser. Por que está agindo como se isso fosse um encontro? Você não precisa me seduzir.

Os olhos de Paolo encontraram os seus.

— Talvez eu queira.

— Por quê?

— Não deveria? — perguntou, levantando o rosto e observando-a, franzindo a testa. — Imaginei que seu amante agisse diferente.

— Meu amante? — ela perguntou, também franzindo a testa.

— O príncipe Magnus.

Ela o encarou desafiante. Ele dissera o nome de Magnus com uma casualidade deliberada.

— Magnus não é meu amante. Paolo não mudou a expressão.

— Quem está mentindo então?

— Acredite ou não, nunca estivemos juntos na cama. Mal nos beijamos.

Os olhos de Paolo se escureceram, mas de forma quase imperceptível.

— Beijaram?

— Você deve estar brincando. Como pode me criticar por beijar o homem com o qual vou me casar? Logo você, que levou metade das atrizes e modelos da Europa para a cama.

Ajeitando-se na sua cadeira, ele passou os braços por trás da cabeça, parecendo muito mais relaxado.

— Não dormi muito. Nós homens precisamos nos manter ocupados, seja como for.

— Pelo que li você tem estado muito ocupado — ela dis­se, irritada.

Ele deu de ombros.

— Trabalho e prazer. O que mais existe na vida?

— Antes parecia acreditar em outras coisas — ela disse, engolindo em seco. — No amor, por exemplo.

Ele a olhou por um tempo, depois disse:

— Isso foi há muito tempo.

— E agora?

— Acredito no trabalho duro. Acredito na honestidade — disse, observando seu corpo. — Acredito em proteger o que é meu.

Sentiu o olhar quente de Paolo sobre sua pele, seus ca­belos, seios, acariciando suas coxas nuas. Respirou fundo, lutando contra a iminente combustão de seu corpo.

— Mas não acredita em manter o que é seu, certo?

— O que você quer dizer.

Ela sabia que deveria manter a boca fechada, mas não po­deria, não após uma década de raiva. Levantou a cabeça.

— Você me deseja porque sabe que não poderá me ter. Ele levantou as sobrancelhas escuras e disse:

— Já concordamos que você é minha.

— Por hoje. E os minutos estão passando. Em poucas ho­ras vou embora. E você gosta assim, certo? Gosta de manter tudo no seu devido lugar.

— O que está falando?

O coração de Isabelle estava na boca.

— Você diz proteger o que é seu, mas não protege. Gosta de conquistar, mas quando ganha, tudo perde seu valor. Na última vez que comemos fettuccine...

— Não quero falar sobre isso...

— Você me pediu em casamento — disse, sentindo lágri­mas brotando no fundo dos olhos, mas piscando com força para espantá-las. Ela preferia morrer a chorar mais uma vez diante de Paolo Caretti. — Você jurou que me amava. Implo­rou para que eu fugisse com você.

— E, pelo que me lembro — ele disse ácido —, você jogou o anel de volta na minha cara. Não vamos falar sobre o passado. É muito chato.

— Você disse que queria ficar comigo para sempre, mas em poucas horas já estava nos braços da vizinha!

— Como sabe disso?

— Eu vi! — ela gritou. — Na manhã seguinte... Vocês se beijavam!

— Você voltou ao apartamento? Por quê? Queria me arra­sar um pouco mais?

Isabelle respirou fundo, lembrando-se de tudo que sua mãe lhe dissera, das palavras que deveria usar para que Pao­lo a deixasse livre.

— Droga — ela murmurou — Eu o amava. Mas você não foi capaz de ser fiel nem por uma noite.

Ele tomou um gole de vinho, depois deixou a taça na mesa.

— Você não me deu qualquer razão para ser.

Ela mordeu os lábios, reprimindo palavras raivosas quan­do o garçom apareceu na mesa. Colocou os pratos na frente dos dois, oferecendo pimenta e queijo parmesão recém-cortado. E voltou a servir vinho em suas taças.

Quando foi embora, Paolo experimentou um pouco de fetíuccine, parecendo pouco afetado pela conversa.

Isabelle não podia chorar.

Por que voltara a tocar no passado? Estúpida. Estúpida. Ajeitando-se bem em sua cadeira, reuniu uma boa quantida­de de massa e enfiou na boca.

Queria imitar a reação calma de Paolo, mas a manteiga, o queijo e a pasta recém-cozida bateram em seu palato como uma explosão de alegria. Mesmo arrasada, podia sentir pra­zer. E ficou surpresa. Mas por quê? Desprezava Paolo, e ti­nha medo da dor que ele poderia causar em sua vida, mas isso não a faria deixar de desejá-lo desesperadamente.

— Que tal? — ele perguntou, minutos mais tarde.

— Delicioso — ela murmurou. Comeu mais um pouco, até terminar tudo. Era a melhor comida que provara em mui­to tempo. Se não fosse um restaurante público, teria comido o resto de molho do prato. — Eu queria poder cozinhar assim — disse.

— Isso tem solução.

— O que você quer dizer?

— Armando poderia ensiná-la. Ele é meu amigo.

— Mas eu sou péssima. Gostaria que eu tentasse mais uma vez?

— Você gosta de cozinhar. Disse que é um dos grandes prazeres da sua vida.

Ela balançou a cabeça, piscando os olhos, confusa.

— Você passaria uma hora comigo, na cozinha de uma tratíoria, enquanto aprendo a preparar fettuccine. Por quê? O que ganharia com isso?

— Eu já disse. Quero saciar todos os seus desejos — e parou de falar, estendendo uma das mãos: — Venha. Chegou a hora da lição.

Paolo olhou através da pequena janela, observava o sol se pôr enquanto seu avião particular sobrevoava a costa italia­na, sobre o mar azul, brilhante.

Droga, eu o amava. Mas você não foi capaz de ser fiel nem por uma noite.

A cara de choro de Isabelle ao dizer tais palavras ainda o perseguia. Ficou imaginando se seria verdade — se ela um dia o amou de verdade. Ele realmente poderia ter significado mais do que um dos ataques de vaidade de Isabelle?

Não, disse a si mesmo, decidido. Ela estava blefando. Se realmente o amasse, não teria devolvido o anel tão decidida.

Mas ainda assim...

Olhou para a poltrona de couro branco ao seu lado. Exaus­ta após um dia longo e agitado, Isabelle dormia em seu om­bro no vôo que saíra de Roma.

Ele passou o braço em volta dela. Fez com que repousasse contra seu peito, e ela passou um dos braços em volta dele, com um sorriso nos lábios. Como faz uma criança com um brinquedo de que gosta muito.

Por que voltara ao seu apartamento naquele dia?

Observou o peito de Isabelle subir e baixar com a res­piração. Ela parecia em paz. Tão bonita. Quase tão bonita quanto na cozinha de Armando, quando seus olhos brilha­vam ao escutar as explicações do chef sobre como preparar uma boa pasta e passar a manteiga corretamente na massa. De tempos em tempos, olhava para Paolo, como se esperasse uma recriminação sua. Mas ele gostava do que via. A alegria estampada em seu rosto enquanto trabalhava pacientemente em sua nova habilidade o deixava sem fôlego.

Em todos aqueles anos, sempre soube exatamente quem era a princesa Isabelle de Luceran. Mas naquele momento já não sabia exatamente o que pensar sobre ela.

Enquanto preparava a massa, ficou com uma grande man­cha de farinha na bochecha. Ele avisou, esperando que cor­resse para o espelho mais próximo, louca. Mas ela apenas sorriu. Na verdade, abriu um grande sorriso. E tentou limpar-se com a palma da mão, piorando a situação.

Finalmente, Paolo, de forma gentil, limpou seu rosto com a mão. Isabelle ficou olhando para ele, e seu sorriso desapareceu.

Segurando-a bem perto do corpo, vendo-a tão sexy, Paolo quase se esqueceu de que estavam naquela cozinha lotada da trattoria. De que quase baixou a cabeça para beijá-la. De que queria passar as pernas em volta de sua cintura, deitá-la naquela mesa...

Mal pôde se agüentar. Mas naquele momento a observava dormindo entre seus braços.

Se o que dissera fosse verdade...

Se realmente o amava, e voltou ao apartamento para dar-lhe uma resposta diferente à sua proposta...

É estranho pensar em como tudo poderia ter sido diferente caso ele não tivesse ido ao apartamento da vizinha pedir um pouco de uísque. Naquele momento, teve de escolher entre uma dose de uísque ou atirar-se no rio Hudson.

Sua vizinha loira atendera à porta vestindo apenas sutiã e short.

— Claro — respondeu, com um sorriso. — Tenho muito uísque. Tome.

Ele voltara ao apartamento sozinho, mas após algumas doses bateu novamente na porta da vizinha.

— Posso pedir sua cama emprestada? A minha quebrou.

Ele não a desejava. Não mesmo. Mas não resistiu. E não ligava. Que diferença faria? Dormir com... Qual era mesmo o nome?... Terry?... Tara?... Era o mesmo que tomar uísque barato. O mesmo efeito, o mesmo esquecimento, a mesma ressaca no dia seguinte.

Mas só de pensar que, se não tivesse tocado nela, seu so­nho com Isabelle poderia ter se transformado em realidade...

Melhor assim, disse a si mesmo, decidido. Muitas mulheres tentaram agarrá-lo ao longo dos anos, mas ele sempre resistiu. Não tinha intenção de amar ninguém. O amor deixa os homens vulneráveis. A única mulher que amara o abandonou. Mesmo sua própria mãe o abandonara quando ainda era um bebê. Seria estúpido deixar-se levar pela mesma história mais uma vez.

Além do mais, não precisava de amor. Tinha a satisfação de sua conta bancária. O poder de outras pessoas o servindo. O triunfo de ser o corredor de moto mais rápido da face da terra.

Só faltava uma coisa. E com Isabelle tudo ficaria completo.

Teria uma casa.

Ela ofereceria respeitabilidade à sua família aos olhos do mundo. Ainda que à noite, na sua cama, não fosse nada res­peitável...

Gentilmente, acariciou sua bochecha. Vira a dor em seus olhos por tê-la substituído tão rápido.

A verdade é que Isabelle não era substituível. Muito pelo contrário. Era diferente de todas as outras mulheres que co­nhecera. Tinha orgulho — de sua família, de si mesma. Ti­nha dignidade e autocontrole. O que fazia dela uma mulher especial, valiosa.

E, ainda que ela não acreditasse, ele a valorizava.

Seria uma esposa perfeita. Uma mãe perfeita para seus filhos. Supriria suas necessidades e organizaria suas casas. A devoção que demonstrava frente ao sobrinho provava que nascera para ser mãe. E suas habilidades na cozinha melho­ravam rapidamente...

Ele sorriu, mas logo o sorriso desapareceu.

Uma coisa não mudara: ele nunca a amaria.

Isabelle murmurou enquanto dormia, virando-se em sua direção com uma expressão satisfeita, doce. Abraçou-o com mais força, pressionando os seios contra seu peito.

Ele a possuiria, de corpo e alma.

Olhou mais uma vez para seus lábios rosados, carnudos.

Começaria com o seu corpo.

Por que ele fizera isso?

Sentada no banco de trás da limusine, viajando pela es­trada costeira desde o aeroporto de San Piedro, com o braço de Paolo ainda ao redor do seu corpo, era tudo o que ela não poderia perguntar.

Por que Paolo permitira aquela aula de culinária? Ele a obrigara a ser sua amante por uma noite, depois abrira mão de horas preciosas para que ela saciasse um desejo? Ele or­ganizara a aula. Encorajou-a todo o tempo.

O que poderia ganhar com isso? Isabelle não viveria com ele, não cozinharia para ele.

Olhou para Paolo.

Sentira-se muito próxima a ele na trattoria de Roma. Sor­rindo ao seu lado, tocando-o. Misturando os ingredientes da massa, pondo manteiga e queijo sob o olhar caloroso de Paolo, que aprovava tudo aquilo. Fora uma alegria. Deve ser assim, ela pensou. Ser normal, ser amada, cozinhar para a família em uma pequena cozinha.

Imaginou que Paolo fosse cruel, frio, um idiota. Por que estava sendo tão gentil?

— Estamos quase chegando em casa, bella — ele murmu­rou, beijando sua testa.

É um truque, ela pensou. Ele deve querer alguma coisa.

Mas ainda não sabia o quê.

Durante toda à tarde, se comportara como um príncipe de conto de fadas. Alto, bonito, educado. E ela se sentia como a bruxa má que roubara seu filho. Se aquilo era real­mente um conto de fadas, algum monstro apareceria para destruí-la.

Se confiasse o suficiente nele para contar a verdade sobre o filho...

— Alexander... — ela murmurou, imaginando o rosto do menino. Depois parou, com o coração disparado de medo. Se contasse a verdade estaria ferindo a criança que protegeu por tanto tempo?

Alexander, em vez de se transformar em rei de San Piedro, seria apenas mais um filho ilegítimo de pais mentirosos?

— Alexander? — ele perguntou, olhando-a, sem entender nada. — Está preocupada com seu sobrinho? Estamos aqui há apenas um dia, e Durand está seguro atrás das grades. Mas se quiser voltar ao palácio para uma visita rápida...

— Não — ela respondeu, rangendo os dentes. Era a últi­ma coisa que queria fazer. Precisava seguir com a noite ao lado de Paolo.

Esticar seu tempo juntos seria perigoso. Ele a tentava para que traísse as promessas que fizera a si mesma. Tentava levá-la à autodestruição.

Seria fácil voltar a amá-lo...

Mas o sol se punha. Tudo o que ela precisava fazer era agüen­tar algumas horas mais. Apenas uma noite. Depois voltaria para Magnus e, caso ele ainda a quisesse, anunciaria o noivado.

Só de pensar nisso sentiu um nó no estômago. Não amava Magnus. Nunca amou. E, passando aqueles momentos com Paolo...

As grandes mãos de Paolo protegiam a pele nua de seus braços. Olhou-o. Seus ombros largos e seu peito esculpido eram visíveis através da camiseta branca, e seus poucos pe­los negros podiam ser entrevistos pela gola. Era tão bonito que a deixava tonta.

As coxas de Paolo, grossas e musculosas atrás da calça jeans, acariciavam seu corpo enquanto o Rolls-Royce se­guia seu caminho pelas curvas da estrada costeira. Fechou os olhos, saboreou seu calor e a força do seu corpo. Mal se tocavam, mas ela o sentia dos pés à cabeça.

O carro parou.

— Chegamos — ele disse.

Isabelle abriu os olhos. A Villa estava atrás de sombras contra o anoitecer vivido, em tons de laranja e vermelho, do Mediterrâneo.

Paolo desceu e estendeu o braço. Os joelhos de Isabelle tremeram quando ofereceu sua mão a ele, deixando que a ajudasse a sair do carro. Mas em vez de levá-la para dentro de casa, fez com que seguissem para os jardins luxuriantes e escuros logo acima dos penhascos.

— Onde está me levando? — ela perguntou.

— E isso importa? — ele disse, encarando-a.

Não. Com Paolo olhando diretamente para seu rosto, ela ficou sem ação. Parecia não saber mais pensar, parecia não ter desejo próprio.

Ele a fez atravessar uma pesada porta de madeira que se abria no alto muro que guardava o jardim secreto. Contor­naram lagos de desenhos intrincados, canteiros de flores e palmeiras, seguindo em direção ao gazebo do século XIX, de onde se podia entrever o penhasco.

O sol se punha, parecia uma bola de fogo no oceano. Ela olhou para a boca de Paolo. Aquela boca cruel que lhe dera tanto prazer. A mesma boca que um dia disse: sempre amarei você, bella, você, só você.

Quando percebeu que Paolo a observava, ela ficou sem graça. Quase se curvou para beijá-lo, outra coisa que jurara nunca fazer.

Que tipo de feitiço teria jogado sobre ela?

Ela precisava voltar a si.

— Não se preocupe — disse Isabelle, estirando os om­bros, comum sorriso desafiador. — Não vou ser estúpida o suficiente para tentar seduzi-lo mais uma vez...

Ele a puxou para a área coberta de buganvílias, afastando os fios de cabelo de sua bochecha com as mãos.

— Nem precisa Isabelle — disse, em voz baixa. — Você sempre me seduz. Tudo o que diz tudo o que faz tudo me seduz.

As mãos de Paolo tomaram seu queixo, e a brisa suave, junto ao cheiro de rosas e sal de mar, balançavam seus cabe­los, deixando-a tonta.

— Jamais amei qualquer outra mulher como eu amo você — ele disse, beijando-a profundamente.

Ela fechou os olhos, transportada pelo sabor de seus lá­bios. A inesperada carícia de Paolo a deixou sem fôlego, morta de desejo...

— Agora, pelo menos agora — ele murmurou num tom de voz profundo, contra sua bochecha —, você é minha.

 

Nunca fora beijada daquela maneira. Nunca. Daquela ma­neira, nunca.

Todo seu corpo se fundiu com Paolo nas sombras do jar­dim. Seu coração estava a mil por hora. Ele não a beijou com a raiva e a paixão de antes, nem mesmo com a inocência dos anos de sua juventude, mas com algo entre essas duas coisas. Aquele beijo aliou o carinho do menino com o poder do homem.

E aquele beijo tinha um propósito. Suas mãos deslizavam por baixo do leve casaquinho rosa de Isabelle, seus dedos contra sua pele. Beijou-a, tomando posse de sua boca ao mes­mo tempo em que abria seu sutiã. Sentiu as mãos de Paolo to­mando seus seios e todo o seu corpo ficou tenso. Seus dedos roçavam por seus mamilos, fazendo com que gemesse.

De repente, percebeu que Paolo pretendia fazer amor ali mesmo, nos jardins. Ali, onde mesmo com os altos muros poderiam ser vistos por qualquer pessoa. Empregados. Fotó­grafos com lentes de longo alcance.

— Não — ela murmurou, lutando para resistir. — Aqui não.

— Aqui — ele disse, agarrando sua cintura. — Agora. Louca de desejo, ela observava as feições duras e lindas de Paolo. Era como um deus pensou. O governante selvagem de um reino primitivo. Mas, por baixo daquela beleza, estavam escondidas armadilhas — flores venenosas e ani­mais com presas afiadas. Qualquer mulher civilizada poderia ser envolvida por esse reino e desaparecer. Poderia ser engo­lida, consumida, até que só restassem flores atadas sobre os ossos.

Mas mesmo assim sentia desejo...

— Não podemos... — murmurou, tentando afastá-lo. — Não devemos...

Ele pressionou o joelho entre suas pernas.

— Você não pode me negar.

— Quero ir embora — ela murmurou.

Com os dedos, tomou seus seios, fazendo com que os ma-milos roçassem contra o tecido do casaco.

— À noite — ele disse, em tom sombrio —, no meu jar­dim, você não é nenhuma princesa. É uma mulher. A minha mulher.

Lentamente, baixou a cabeça, beijando seu pescoço, en­viando espasmos de prazer por todo o corpo de Isabelle. De­pois se afastou e ficou olhando para ela.

— Quer mesmo voltar para a Villa? Para as janelas e por­tas fechadas? Para sufocar seus gritos de prazer?

Ela não pensou duas vezes, e respondeu:

— Sim.

— Que vida triste você leva, princesa. Uma vida triste e solitária.

— O que você quer de mim? — ela gritou, lutando para livrar sua cintura das garras de Paolo. — Devo admitir que senti sua falta? Que passei dez anos sozinha, noite após noi­te? Que você foi o único homem que conheci?

Ele agarrou os ombros de Isabelle, buscando seus olhos.

— Isso é verdade? Sou o único homem que conheceu?

— Vá para o inferno!

— É verdade? — ele perguntou, com voz de trovão.

— Sim! — ela gritou.

A raiva deu-lhe forças para se afastar. Virando-se de cos­tas, ela correu pelo jardim, afastando-se da Villa, descendo os penhascos em direção à costa. Estava desesperada para sumir da frente daqueles olhos. Paolo sentia pena de Isabelle. Passara uma década fazendo amor com várias mulheres, en­quanto ela admitia ter sido uma pessoa amarga, solitária, que sonhava com o único homem que nunca poderia ter...

No final da descida ela encontrou uma praia, um recanto de areia branca cercado de pedras por três lados e pelo mar de outro. Virou o rosto em direção à luz da lua. O som do mar, o movimento das ondas. Tudo ecoava em seu coração.

— Isabelle!

Ela tirou os sapatos, carregando-os nas mãos, na tentativa de correr mais rápido pela areia. Ele a alcançou.

— Não tenha medo, Isabelle. — disse, em voz baixa. — Nunca tenha medo. Nunca deixaria que fizessem mal a você. Se qualquer homem tentasse, eu o agarraria pela garganta e o atiraria ao mar.

Mas quem a protegeria de Paolo?

Tomou-a nos braços. Ela queria senti-lo por completo. Mesmo que isso custasse seu casamento com Magnus. Mes­mo perdendo tudo. Já não poderia lutar. Não poderia lutar contra os dois. Perdera a vontade de resistir...

Mas, ainda assim, quando Paolo agarrou sua cintura, ela tremeu.

— Tenho medo — murmurou.

— Você está comigo — ele disse.

É justamente isso o que me dá medo, ela quis dizer. Tenho medo de oferecer tudo a você...

— Esta praia Anatole... — disse Paolo, tirando os sapatos das mãos de Isabelle e deixando que caíssem na areia. — Já ouviu falar dela?

— Já — ela respondeu, ouvindo os barulhos das ondas, o mar batendo contra os penhascos, como se alguém chorasse. — O nobre russo perdeu sua esposa...

— Ela se afogou em plena lua de mel. No dia seguinte ele se atirou daquele penhasco.

— Não podia viver sem ela — murmurou Isabelle. Paolo desabotoou seu casaquinho, atirando-o na areia.

— O amor é destrutivo, Isabelle. Você perguntou por que eu desisti. Foi por isso.

Não vou amar você, jurou para si mesma. Não vou.

Paolo tirou o casaco pela cabeça de Isabelle. Ajoelhando-se aos seus pés, gentilmente puxou sua saia para baixo, esfregando o tecido contra suas coxas, joelhos, até chegar aos seus pés.

Depois a olhou.

Vestindo apenas sutiã branco de seda e calcinha, envolvi­da pelo vento naquela praia banhada pela lua, ela não sentia frio. Não com Paolo ao seu lado. Mesmo envolta por fan­tasmas do passado, sentindo os gritos que ecoavam, estava aquecida e luminosa, como se tudo aquilo fosse uma tarde de verão, pelo menos enquanto estivesse ao seu lado...

Ele se levantou.

— Amei outra pessoa — disse Paolo, em tom suave. — Só uma vez.

O coração de Isabelle parecia a ponto de pular do peito.

Lentamente, ele baixou sua boca em direção à dela. Seus lábios eram gentis. Beijou-a com tanto gosto que os joelhos de Isabelle tremiam, a ponto de ela não poder parar de retri­buir o beijo, mesmo que a praia estivesse lotada de fotógra­fos tirando milhões de fotos.

Finalmente a soltou, e ela abriu os olhos, respirando fun­do. Paolo tirou a camiseta, revelando seus ombros e peito musculosos. Seu peito com pelos negros. Depois tirou a cal­ça jeans preta e ficou vestindo apenas uma apertada cueca boxer, que revelava o grau do seu desejo.

Isabelle o encarava com os olhos brilhantes.

Ele sorriu.

— Vamos ver se você me segue...

Sem avisar, ele correu em direção ao mar.

Ela obedeceu sem pensar, seguindo-o pela areia, correndo descalça para o mar. A água fria foi um choque, mas um cho­que revigorante. Ela sorriu de prazer com a liberdade de estar correndo entre as ondas. Batendo as mãos na água, molhava Paolo. A água escorria por seu corpo musculoso.

Com um grunhido, ele se aproximou, tomando-a nos braços.

O sorriso desapareceu de seus rostos quando se encara­ram, os dois respirando profundamente.

— Isabelle... — ele disse.

De alguma maneira, embora ela não se lembre como, vol­taram à praia. Ele a deitou na areia e imediatamente a beijou.

Tocou todos os cantos do seu corpo, acariciando-a sob a luz da lua, deixando-a louca de desejo, querendo mais. A areia ameaçava engoli-la sob o peso de Paolo. Seus lábios estavam molhados, seu corpo arfava. Isabelle se movia sobre ele e ficou louca ao perceber que estava entre suas pernas.

Paolo se afastou um pouco para baixar a cueca. Tirou tam­bém a calcinha branca de Isabelle, com um só movimento de sua mão poderosa, e se posicionou entre as pernas. Por um momento, ele hesitou. Isabelle arqueou o corpo contra o dele. Se não a tomasse naquele momento...

Ele tremeu quando Isabelle murmurou seu nome. Afas­tou-se um pouco e penetrou-a.

Isabelle gemeu. Ele a tomou completamente, levando-a ao limite, depois o ultrapassando. Penetrou-a profundamente. Ela mordeu os lábios, gritando de prazer, enquanto Paolo a tomava rápida e urgentemente. A maré subia, aproximando-se dos dois corpos, ao mesmo tempo em que ele tomou um de seus mamilos na mão, acariciando-o e beijando-o sobre a areia molhada.

Segurando seus ombros com uma das mãos e seu seio com a outra, penetrou-a ainda mais profundamente, mais rá­pido. A tensão tomava conta de seu ventre, ameaçando con­sumi-la. Era muita coisa, muito rápido. Ela tentou afastar-se, diminuir o ritmo.

Ele não permitiria. Agarrando seus pulsos, enterrou-os na areia enquanto a penetrava mais e mais forte, deixando-se levar pelo prazer total e querendo que ela fizesse o mesmo. Não dei­xaria que escapasse de tudo o que queria lhe proporcionar...

Ela começou a tremer, balançando a cabeça, enquanto on­das de felicidade a levavam a um prazer tão intenso que era quase dor. Sentiu a água batendo em seus pés, pois a maré não parava de subir. Seu corpo detonou como uma explosão, e as ondas de prazer fizeram com que enterrasse os dedões do pé na areia.

Isabelle gritou, sem se importar com quem poderia ouvir. Com um gemido simultâneo, Paolo a tomou com uma última penetração, espalhando sua semente no corpo de Isabelle.  

Ele agarrou seu corpo e permaneceu assim por vários minutos.

Um pouco tonta, Isabelle molhou os lábios, provando o sal do mar. Podia sentir as batidas do coração de Paolo contra a pele, e também a brisa marinha e o cheio de especiarias de ilhas distantes. Sentiu as ondas do mar, que resfriavam seus corpos molhados e nus. O mar os acariciava, cortejava seus corpos.

Mas, cada vez que retrocedia, a água levava um pouco mais da areia que antes estava sob seu corpo.

Paolo acordou em sua cama, assustado.

Algo não estava bem.

Sentando-se, balançou a cabeça, desorientado. Uma brisa suave entrava pela janela aberta, balançando as longas cor­tinas. Pássaros cantavam nas árvores próximas. Um sol bri­lhante banhava de dourado o enorme quarto.

— Paolo? — disse Isabelle, deitada ao seu lado, ainda meio sonolenta. — Qual o problema?

Repentinamente, ele se lembrou de tudo. Tinham feito amor na praia. Voltaram à Villa, tomaram banho juntos e fi­zeram amor mais uma vez. Depois caíram na cama, nus, um nos braços do outro. Mas tudo isso acontecera há várias ho­ras. O que só poderia significar que...

— Eu dormi — ele disse assustado.

Ela esticou os braços sob a cabeça, piscando os olhos, sol­tando um gemido de gatinho.

— Preciso explicar o conceito de dormir? — brincou.

— Eu nunca durmo — ele balbuciou, suando, mesmo com a brisa fresca da manhã.

Como se ainda estivesse dormindo, Isabelle esticou os braços e murmurou:

— Ainda é muito cedo, venha dormir.

Ele virou o rosto para olhar o relógio de ouro que estava sobre a lareira de mármore.

— Quase oito da manhã — disse.

— Muito cedo — ela respondeu, fechando os olhos e aninhando-se no travesseiro.

Ela não entendia. Mas como entenderia se nunca sofrerá de insônia. Não conhecia a raiva que o consumia todas as noites. Paolo sempre foi capaz de vencer todas as lutas que travava — assim ficou rico, assim ficou poderoso. Mas des­de a noite em que comprou a Villa, não era capaz de fazer o que todos os seus empregados, de Valentina Novak ao mais simplório jardineiro, faziam sem nenhum esforço.

Todas as noites ficava olhando para o teto, esperando o cantar dos pássaros, esperando pelo momento de finalmente ver o horizonte, mais exausto que na noite anterior.

Mas, de alguma forma, Isabelle mudou tudo isso.

Ele respirou fundo. Só poderia ser coincidência. Tinha de ser. Fazer amor tão vigorosamente na noite anterior o deixara nesse estado. Não poderia haver outra explicação.

Nenhuma outra mulher que você trouxe para a cama o fez dormir, escutou uma voz dizer.

Espantou tal voz. Não poderia — não deveria — aceitar que Isabelle de Luceran tivesse tal poder sobre ele.

— Paolo — ela disse meio sonolenta. — Volte para a cama.                                                                          

— Si — ele respondeu, automaticamente, virando-se e tocando seus braços. Ela fechou os olhos, sorrindo de satis­fação. Ele beijou sua testa, depois a olhou.

Sua pele estava dourada, brilhante, e suas bochechas rosa­das; seus cabelos soltos se espalhavam por todo o travesseiro em uma cascata de ondas. A felicidade emanava de seu corpo. Estava nua. Não usava qualquer jóia, nada de maquiagem.

Era a mulher mais bonita que ele já vira. E ele sabia que queria mais. Dormir mais. Fazer mais amor. Queria aquela mulher.

E a teria. Não porque precisava dela, disse a si mesmo, mas porque gostava dela. Gostava de fazer amor com ela, vê-la sorrir, dormir ao seu lado. Gostava de possuí-la de todas as maneiras.

E talvez já estivesse carregando seu filho.

Ouviu um salto na respiração de Isabelle. Ela abriu os olhos, assustada. E agarrou seu ombro.

— Paolo!

— Sim, cara mia? — ele perguntou, acariciando seu seio nu.

— Nós... Nós não... — ela parou, engoliu em seco, depois disse: — Não usamos preservativo!

— Ah, é isso?

— Como assim? — ela gritou. — Você não sabe o que pode acontecer?

— Fique calma — ele disse, suavizando o tom da voz com um sorriso. — Não precisa se preocupar.

Isabelle ficou olhando para ele, como se quisesse acredi­tar em suas palavras, mas mal podia respirar.

— Não?

— Não — ele respondeu, decidido. — Você não vai terminar grávida, tendo de criar um filho sozinha. Isso é impossível.

— Ah — ela disse. Depois, mais calma, voltou a dizer: — Ah — e olhou para ele, com os olhos arregalados. Seus olhos eram piscinas de luz, ameaçando-o com confiança e bondade.

— Você quer dizer que...?

— Venha aqui — ele disse, puxando o corpo nu de Isabelle em direção ao seu.

Tomou-a nos braços e fizeram amor novamente, dessa vez de forma mais pausada. Acariciou sua pele de cetim, abriu suas pernas, preencheu-a. Lentamente. Passo a passo. Até que ela estivesse pedindo por mais. E se afastou, fazendo com que Isabelle gemesse antes de levá-la ao êxtase — duas vezes.

Então fechou os olhos, penetrando-a mais profundamen­te. Mas não aproveitou tudo o que queria. Pensava levá-la ao clímax uma terceira vez, mas Isabelle agarrou sua cin­tura, ritmando seu corpo. Dio santo, Paolo não passava de um homem.

Depois, ele se levantou da cama. Estava feliz por ter de­cidido fazer dela sua noiva. Uma vida inteira de noites como essa não seriam suficientes para saciá-lo.

Sorrindo para si mesmo, pediu o café da manhã pelo interfone. Enquanto esperavam, ele se vestiu, colocando uma camisa preta de mangas compridas e calças italianas de óti­mo corte. Ele notava que Isabelle o observava da cama, onde descansava, como se aquela fosse uma preguiçosa manhã de domingo.

Casar-se com ela seria uma eterna lua de mel.

Ficou feliz por ter feito essa escolha. Senhora Caretti. Soa­va bem. Sua esposa. Na sua cama. Sob seu comando.

O mordomo inglês trouxe o carrinho com o café da manhã e deixou tudo na mesa redonda próxima à lareira. Colocou os pratos e serviu a comida antes de sair, sem dar qualquer indício de reconhecimento da princesa Isabelle de Luceran na cama do seu patrão.

Mas, ao se virar, tossiu e disse:

— Sir?

Franzindo a testa, Paolo aproximou-se:

— Sim, Riggins?

— Você pediu os jornais, sir, como sempre. Mas... Imagi­nei que deveria entregar em particular. Para o bem da lady.

Quando ele partiu, fechando a porta, Paolo olhou os jor­nais abertos na sua mão.

E fechou-os imediatamente. Trincou os dentes. Droga de paparazzi. Amaldiçoou os fotógrafos e suas lentes de longo alcance, e especialmente a falta de privacidade que tinham mesmo em sua praia particular.

— Não olhe! — ela gritou.   .

— O quê?

Sem pensar, ele olhou. Isabelle levantou-se da cama, nua, e correu pelo quarto. Estava na ponta dos pés, esticando o corpo para pegar um roupão dependurado na porta do ba­nheiro. Por um momento, Paolo cravou os olhos nela, e não queria fazer nada além de saborear as linhas de seu lindo corpo. Sua mente só voltou a funcionar bem quando Isabelle já tinha o roupão posto e atado à cintura.

Ela se sentou, olhando-o com as bochechas coradas.

— Você não viu nada, certo?

Ele jogou os jornais para trás e disse:

— Nada que não quisesse ver. Ela ficou ainda mais corada.

— Você é triste, Paolo. Triste.

— Si, eu sei — e sorriu, como um bruxo. — Mas ontem à noite você não parecia se importar.

Ela sorriu, e disse:

— Não, não me importei.

Mas seu rosto ficou mais sério.

— Nossa noite acabou — disse Isabelle, em tom suave.

— Nosso tempo chegou ao fim. Não.

Foi uma resposta vigorosa vinda de sua alma, com força, possessiva. Ele pousou as mãos sobre as dela.

— Não quero que nosso caso termine Isabelle — disse, em voz baixa. — Somos livres. Fique comigo.

Ela olhou para seu prato, triste, um prato cheio âejamón espanhol, ovos fritos e duas fatias de tarte auxfraises.

— Você é livre, Paolo. Eu não.

Ele levantou as sobrancelhas e perguntou:

— O quê?

— Eu já lhe disse, dois dias atrás.

— Mas você ainda pretende se casar com ele?

— Magnus pode oferecer uma fortuna ao meu país.

— Você o ama, então? Você é mesmo tão boba?

— Sou a princesa de San Piedro. Meu destino é servir ao meu povo — disse, olhando para Paolo, com olhos puros, límpidos. — Não tenho escolha além de aceitar isso.

— Estaria se sacrificando por uma causa que não é nobre — disse Paolo, furioso, atirando os jornais na mesa. — Se ele é tão perfeito, acha que ainda vai querê-la depois de ler isso?

Ela ficou pálida ao ler as manchetes. Pegando o primeiro tablóide, abriu as páginas e viu fotos dos dois fazendo amor na praia, fotos borradas, mas ainda assim nítidas o bastan­te para que pudessem distinguir seus rostos. Pegou outro jornal com uma foto similar no canto direito da primeira página.

— Você disse que estávamos a salvo! — ela gritou.

— Imaginava que sim — ele respondeu triste. — Foi erro meu.

Jogando os jornais na mesa, ela tapou a cabeça com as mãos, arranhando a testa com as unhas.

— Eu arruinei tudo. Nunca poderia... Meu Deus. Parece um insulto premeditado!

— Sinto muito — ele disse, trincando os dentes. Ela mordeu os lábios.

— Tudo bem — disse, em tom baixo. — Não foi culpa sua.

Mas ele sentia que sim, fora culpa sua. Seduzira Isabelle naquela praia, prometendo protegê-la. E, por não ter manti­do a promessa, sentia como se tivesse uma faca cravada nas costas.

— Vou encontrar esse fotógrafo e destruir sua câmera — disse, e não estava brincando.

Ela sorriu, entre lágrimas.

— Sim, por favor. Seria adorável da sua parte. — Depois balançou a cabeça, angustiada. — Magnus já deve ter visto essas fotos. E minha mãe também!

Controlando as emoções, Paolo serviu-se uma xícara de café.

— Vou falar com eles. Dizer que foi culpa minha. Acal­má-los. — Vou dizer a eles que você é minha, concluiu, si­lenciosamente.

Isabelle ficou olhando para ele, depois disse:

— Você perdeu a cabeça? Não pode fazer isso.

— Por que não?

— Bem, você não é exatamente a pessoa mais querida pela minha mãe, para começo de conversa. E duvido que Magnus queira se encontrar com você.

— Ele vai querer — disse Paolo, decidido. Ela agitou a cabeça, descrente.

— Por que você sempre ganhou dele nas corridas de moto? Só porque são rivais não significa...

— Não. Não é por isso — disse, tomando um gole do café, quase sem sentir o calor em sua língua. — Magnus não é apenas meu rival, Isabelle. Ele é também meu irmão.

— Seu irmão! — ela perguntou, tropeçando nas palavras.

Mas de repente tudo fez sentido. Pela primeira vez Isabel­le enxergou semelhanças entre os dois. A mesma mandíbula forte, o mesmo buraco no queixo. Magnus era mais elegante. Paolo mais duro, mais forte. Mas talvez por isso certo dia achou Magnus bonito — sua cor, a beleza de seus olhos es­curos, tudo a fazia lembrar-se de Paolo.

— Irmãos — ela disse, recuperando o fôlego. E balançou a cabeça. — Como isso é possível?

— Temos a mesma mãe.

— A mãe de Magnus... A princesa Von Trondheim? Mas ela vem de uma antiga família de Nova York!

— Sim, eu sei — ele disse, terminando de tomar o café.

— Aos 16 anos, ela teve um caso com meu pai. Quando nas­ci, percebeu que cometera um grande erro. Meu pai era duro e perigoso, o que no início parecia romântico. Até o dia em que foi viver com ele — disse Paolo, com um sorriso ama­relo. — Ela queria ir embora, mas ele não deixava. Então, logo após meu nascimento, fizeram um trato. Ele assinou o divórcio. Ela... Deixou-me em suas mãos.

— Ah, Paolo — murmurou Isabelle, com o coração partido.

Ele deu de ombros.

— Aparentemente, não foi difícil para ela sair de casa. Sua família a enviou para a Europa até que o escândalo arre­fecesse, e ela encontrou um príncipe em Viena. Em poucas semanas estavam casados. Um ano mais tarde, nasceu seu segundo filho — disse Paolo, fazendo uma pausa. — Desde o dia em que nasceu meu irmão teve tudo o que sempre quis na mão, dado de bandeja.

Com os dentes trincados, Paolo virou-se de costas.

— Paolo... — ela murmurou.

— Tenho um trabalho para terminar — disse, sem olhar para ela. — Termine seu café da manhã, depois conversare­mos. — Parou, e ficou olhando para Isabelle: — Você vai ficar aqui. Nós dois sabemos disso. Não perca seu tempo lutando contra mim. — E saiu, batendo a porta.

Ela ficou observando a cena. Fora abandonado pela mãe. Ainda bebê. Quem poderia superar algo assim?

Isabelle começou a sentir uma forte dor de cabeça. Seus pais não tinham montado uma casa que poderia ser chama­da de aconchegante. Entre as infinitas obrigações do pai e a falta de carinho da mãe, os raros jantares em família eram coroados por longos silêncios. Mas pelo menos tinha a com­panhia do irmão, e mais tarde Karin. E Isabelle sabia que seus pais a tiveram porque queriam.

Ainda se lembrava do quanto fora horrível voltar a San Piedro, dez anos atrás, grávida e aparentemente esquecida por seu antigo amor. Sua mãe passara todo o vôo entre mo­mentos de apoio e idéias sobre como livrar-se daquele bebê. Isabelle alternava entre choro e desespero. Até Karin apare­cer com uma proposta.

— Ninguém estranho à família saberá de nada, nunca — disse sua cunhada, com lágrimas nos olhos. — Seu irmão precisa de um herdeiro, e caso eu tenha outra gravidez inter­rompida, vou entrar em depressão. Ajude-nos. Vamos amar seu filho como se fosse nosso.

Ela quase morreu ao abrir mão de Alexander, mas aceitou. Para o bem de sua família. Do seu país. Especialmente para o bem de Alexander.

Mesmo que nunca a tivesse chamado de mamãe, Isabelle passara todos os dias de sua vida ao lado do menino. Vivenciara sua infância, planejara suas festas de aniversário, rira de suas piadas infantis e secara suas lágrimas quando ele machucava os joelhos em brincadeiras. Fora a confidente do menino, sua amiga.

Paolo nem sabia que tinha um filho.

Isabelle nunca lhe dera a chance de ser pai.

Ele obviamente não queria um filho seu, disse a si mes­ma, decidida. No dia anterior lhe dissera que nunca ficaria grávida e sozinha. Mas Isabelle precisou de alguns minutos para entender o que aquilo significava. Claro. Um homem como Paolo — que trabalha 16 horas por dia, passa suas horas livres em corridas de motos e troca de amores como quem troca de roupa — nunca aceitaria as responsabilidades de uma família.

Teria feito vasectomia.

Mas não querer filhos é uma coisa, aceitá-los caso surjam é outra.

Quando Paolo falou sobre sua mãe, Isabelle sentiu uma vulnerabilidade em seus olhos, algo que nunca vira. Sua mandíbula estava tensa, nervosa, seus ombros rígidos, o cor­po preparado para lutar. Mas ainda assim pôde enxergar a verdade: ele nunca esqueceria que fora abandonado ainda recém-nascido. Ainda sofria por isso. Muito.

E foi forçada a encarar outra verdade.

Estava se apaixonando por Paolo outra vez.

Desesperadamente, estava ficando louca por um homem com o qual nunca se casaria. Louca por um homem que a machucaria da forma mais cruel possível.

— Ai, meu Deus — murmurou com seus lábios pálidos. Como ele se sentiria caso soubesse que o obrigara a abando­nar seu filho? Da mesma forma como se sentia por ter sido abandonado pela mãe?

Não podia amar Paolo. Não podia. O segredo que car­regava não poderia ser descoberto. Caso ele descobrisse, a odiaria para sempre.

Mas ainda assim... Ele merecia saber a verdade. Mes­mo que passasse a odiá-la, ele deveria saber que tinha um filho.

Caso lhe contasse, poderia confiar que Paolo manteria o segredo? Poderia confiar que ele protegeria Alexander?

Ela mal podia respirar. Levantou-se. Firmou os ombros, prendeu o roupão de Paolo com mais força em sua cintura. Tentando não pensar no que deveria fazer, cruzou o corredor em direção às escadas.

Na primeira porta à direita, viu várias estantes com livros: era a biblioteca. Um homem levantou-se de uma cadeira pró­xima à janela.

— Ah — ela disse surpresa. — Sinto muito, eu...

Ela começou a girar o corpo, depois ficou paralisada. Em câmera lenta, voltou a olhar para ele.

O príncipe Magnus Von Trondheim estava ali, de pé, dian­te das janelas, vestindo um terno cinza elegante e uma gra­vata lilás de seda.

— Olá, Isabelle — cumprimentou-a, em tom baixo.

Sua expressão era calma, quase doce, mas as bochechas de Isabelle ficaram em chamas. Ela vestia o roupão de Paolo. Seus cabelos estavam revoltos após fazer amor com ele. E, como estava ali, Magnus provavelmente já vira as fotos dela fazendo amor com seu irmão na praia.

— Magnus — ela murmurou quase incapaz de emitir qualquer som. — Sinto muito. Nunca pretendi machucá-lo...

— Tudo bem. Ele é o culpado, não você — disse, estenden­do uma das mãos. — Vim lhe dizer que está cometendo um erro. E só aviso uma coisa: fuja antes que seja tarde demais.

 

Paolo ficou olhando para a tela em branco de seu laptop.

Suspirando, olhou pela janela aberta atrás de sua mesa. Era uma bonita manhã de primavera. O sol brilhava na água cor de safira e a brisa perfumada fazia os barcos e iates atra­cados no porto dançarem.

Acabara de fazer amor com a mulher dos seus sonhos três vezes seguidas. Não tinha dúvida que seus planos dariam cer­to. Não sabia se ela já percebera, mas logo seria sua noiva.

Mas por que não estava feliz?

Fechando o laptop, levantou-se e caminhou toda a exten­são de sua mesa. Seguiu para o balcão aberto, olhou as águas azuis e os barcos que se entrechocavam, docemente. Passou uma das mãos pelos cabelos.

Não deveria ter falado nada sobre sua mãe. Alguns segre­dos devem permanecer ocultos. Que diferença fazia que ela tenha ido embora? Que diferença fazia se amava seu irmão perfeito, e não ele? Não ligava. Ser abandonado o fez mais forte. Aprendera a lutar, a vencer.

— Senhor?

Virando-se, viu Riggins com o rosto corado. O normal­mente centrado mordomo respirava com dificuldade, como se tivesse corrido por toda a Villa.

— Si?

— Estávamos buscando o senhor — disse Riggins, que parou para respirar. — O príncipe Magnus Von Trondheim... Está aqui. Ele... Está esperando... Na biblioteca.

— Magnus na minha biblioteca? E você deixou que en­trasse?

Riggins parecia chocado.

— Signor Caretti, o senhor disse que caso o príncipe algu­ma vez viesse visitá-lo, gostaria de vê-lo...

— Isso foi antes — disse Paolo, cortando-o. E saiu do escritório sem olhar para trás, bufando.

No meio do corredor, ouviu uma voz de homem. Ficou gelado na base da escadaria. Agarrou o corrimão, sentindo cada nervo de seu corpo mais e mais tenso ao ouvir a voz do irmão, que vinha da biblioteca.

— Ele nunca se casará com você, Isabelle. Nunca será fiel a você. Ele é perigoso... Rude. Não faz parte do nosso mun­do. Não partilha o nosso código de honra. A forma como ga­nhou b campeonato de moto do ano passado... Foi suspeita. Eu não ficaria surpreso se durante todo o tempo que a seduz continua dormindo com a secretária do...

Paolo bateu na porta com grande estrondo. E viu a cena: Magnus, suave e elegante, com a mão no ombro de Isabelle; ela, ainda vestindo seu roupão enorme, agarrava as pontas do cinto e parecia estática. Pequenina. Frágil.

Paolo seguiu em direção ao irmão.

— Você tinha algo a me dizer? — perguntou.

— A verdade — respondeu Magnus. — Se você realmen­te se preocupa com Isabelle, deixe que vá embora, não cause mais danos à sua reputação.

Paolo curvou os lábios.

— Não vou desistir dela. Frente a você ou a qualquer outro.

— Cabe a ela decidir isso, certo?

Os dois olharam para Isabelle, que primeiro encarou Paolo por um bom tempo, depois virou os olhos para Magnus.

— Tudo bem — ela disse, sem fôlego. — Você pode ir embora, Magnus. Juro. Vou ficar bem.

Ele pressionou suas mãos contra as dela.

— Quando mudar de idéia, me procure — disse Magnus, seco. — Ainda quero me casar com você, Isabelle. Nossa união pode ser perfeita. Quando finalmente perceber o tipo de homem que ele é, venha para mim...

— Hora de ir embora — disse Paolo.

Sendo ou não seu irmão, não ficaria parado vendo aque­le homem tentar convencê-la a partir. Agarrou o ombro de Magnus e começou a caminhar, dirigindo-o ao hall.

— Mas...

— Obrigado pela visita — disse Paolo, levando-o para a porta de entrada, de forma nada gentil, depois a fechando e virando-se para Isabelle, que estava de pé atrás dele.

— O que ele disse é verdade? — ela murmurou. — So­bre... As suas...?

Ele cerrou os punhos. Deveria ter dado um soco na cara do irmão só por ter feito tal acusação. E que se dane se era da sua família.

— Como não pode me vencer me acusa. Ele é um men­tiroso... Um perdedor. Eu trabalho. Eu treino. Nunca paro. Por isso ganho.

Ela respirou fundo. Acima deles, um enorme lustre de cris­tal deixava as cores mais intensas no lindo rosto de Isabelle.

— Não estou falando sobre isso. Mas sim sobre o que ele disse da sua secretária. Eu a conheci em Nova York lembra? Ela é... Bonita.

— Sim, é bonita — ele respondeu. — Mas isso não signi­fica que eu durma com ela.

— Eu não o culparia caso dormisse. Não somos casados — disse Isabelle, engolindo em seco, com os olhos perdidos. — E você não me ama.

Paolo buscou os olhos de Isabelle, honestamente.

— Não, eu não amo você, Isabelle. Nunca amarei.

Tais palavras deveriam ter sido um alívio para ela. A última coisa que queria era ser amada por Paolo. Era ruim o sufi­ciente saber que ela estava se apaixonando por ele.

Caso ele retribuísse tal amor, Isabelle nunca teria forças para livrar-se de tudo aquilo. Mesmo sabendo que, ao seu lado, seria destruída.

— Certo — disse Isabelle, meio perdida. — Fico feliz ao ouvir isso. Mas, se me desculpa, eu... Eu preciso tomar um pouco de ar...

Com os pés descalços, ela correu para a varanda. Sozinha, ficou olhando para o mar. Agarrou o roupão com força, prendendo-o contra o corpo, tremendo na brisa fresca da manhã. Podia ouvir o vento roçando nas folhas das palmeiras, sob o céu azul brilhante.

Quase cometera o maior erro de sua vida. Caso tivesse dito a Paolo que Alexander era seu filho, suas vidas teriam sido conectadas para sempre.

Paolo a pediria em casamento? Exigiria que se casasse com ele? Usaria sua força e seu corpo para que ela o amasse para sempre, mesmo contra sua vontade?

Caso fizesse isso, quanto tempo tardaria até que a traís­se? Seria imediato? Anunciaria ao mundo que Alexander era seu filho? Ou esperaria dez anos até envolver-se com uma amante, no exato momento em que a beleza de Isabelle já não fosse tão perfeita?

Magnus tinha razão — Paolo seria capaz de qualquer coi­sa. Não fazia parte do seu mundo. Não tinham o mesmo có­digo de honra.

Ela seria louca caso aceitasse tal risco.

Tinha de casar-se com Magnus o mais rápido possível. Mas ainda assim sua mente não parava de pensar, desesperadamente, em desculpas para ficar por ali...

Ouviu Paolo se aproximando.

— Sinto muito se não eram as palavras que você gostaria de ouvir — ele disse, em tom baixo. — Eu disse que nunca mentiria.

— Você está enganado — ela respondeu, encarando-o. — Fico feliz que não me ame. Isso só complicaria as coisas.

— Amar é uma perda de tempo — ele concordou.

— Certo — ela disse, com um nó na garganta. — E, de qualquer maneira, vou embora hoje.

— Não, não vai — ele respondeu, aproximando-se. Ela levantou o rosto, e disse:

— Você não poderá me deter, Paolo.

Acariciou o rosto de Isabelle. E lentamente baixou sua boca. Beijaram-se apaixonadamente. Os lábios de Paolo eram doces, suaves. Sua língua invadiu a boca de Isabelle, deixando-a sem ar.

— Você é minha, Isabelle — ele murmurou. — Magnus não a merece. Você é uma chama viva. Ele não é homem suficiente para você.

— E você, é homem suficiente para mim?

— Sou — ele respondeu, em voz baixa. — Você ficará ao meu lado para sempre.

Ela afastou a cabeça para que Paolo não pudesse ver a confusão que tomara conta de sua mente.

— Eu preciso me casar com ele. Quero uma família, Pao­lo, alguém do meu mundo. Você não entende isso?

— Por isso vai se casar comigo — disse Paolo, encarando-a.

— O quê? — ela perguntou, sem fôlego.

Os olhos de Paolo estavam negros, hipnotizantes.

— Sou dono de fábricas. Tenho influência. Juntos, sere­mos uma força incontornável. Você se casará comigo.

Ela ficou sem ar. Por um momento pensou em aceitar. Nenhum homem a afetava tanto quanto Paolo. Ele poderia oferecê-la uma vida de alegrias, de motocicletas a alta velo­cidade à beira mar, de noites inteiras de amor. Cada manhã seria melhor que a anterior. Todos os dias seriam radiantes com o homem que amava ao seu lado.

Até o momento em que ele a traísse, pensou. Mas, e daí? Ele já fizera isso uma vez, e provavelmente voltaria a fazer. Sua mãe lidara com isso. Por que ela não poderia lidar? Uma vida como esposa de Paolo não valeria à pena? Não con­seguiria fechar os olhos às suas infidelidades? Não poderia agüentar uma humilhação privada, desde que ninguém sou­besse de nada?

Respirou fundo.

Não.

Acompanhara a angústia da mãe de perto. O ciúme pode destruir uma mulher. Amar Paolo e saber que ele se envolvia com outras a mataria.

A infidelidade era inevitável. Ela não cometeria o erro de casar-se com o homem que amava. Era melhor casar-se com alguém que a deixasse indiferente. Seguir a opção segura. A única opção...

— Nosso casamento será melhor caso não envolva amor — ele disse, em tom suave, acariciando sua bochecha.

Só se for para você, ela pensou. Pois assim Paolo poderia dormir com sua linda secretária e com quem mais lhe desse na telha, sempre com a consciência limpa.

Com o coração na mão, Isabelle olhou para o outro lado e disse:

— Eu não posso.

— Não pode? Ou não quer?

— Dá no mesmo — ela respondeu, cerrando os punhos, tentando manter-se firme. — Quando me casar devo esco­lher alguém que possa governar San Piedro.

— Alguém com sangue real. Não uma pessoa como eu. De repente, ela sentiu vontade de chorar.

— Você não percebe o que significaria casar-se comigo?

— Si — ele disse. — Mas ainda assim eu quero.

— Seria ura péssimo príncipe! — ela gritou. — Não agüentaria as críticas do povo. Seria implacável com a perda de sua privacidade. E quanto à diplomacia... — ela tentou sorrir. — Perderia a cabeça e mandaria alguns chefes de Es­tado ao inferno.

— Você ainda não confia em mim. Jamais confiou.

Como ele escondia a verdade sobre seu amor por ela, Isa­belle não teve alternativa além de responder no mesmo tom.

— Não, não confio — ela disse, suavemente. — Não pos­so. Sinto muito.

Murmurando algo baixinho, Paolo virou de costas. Ven­do-o se afastar, sentiu uma angústia.

Mas sua vontade era de gritar. Seu corpo inteiro implora­va por ele. E seu coração...

Paolo, eu amo você.

Com as mãos, agarrou a cintura do amado.

— Espere.

— O quê? — ele perguntou baixinho, sem olhar para ela. — Você já deu seu veredicto sobre mim.

— Por favor — ela pediu, sem fôlego. — Espere, por favor.

Sentia-se à beira de um precipício. Ouvia a voz de Magnus, de sua mãe, de seu irmão, de Karin, dos ministros de San Piedro, todos dizendo que voltasse ao palácio de uma vez. Que fosse digna. Boa. Sensata.

Que seguisse as regras.

Mas estamos no século XXI, respondeu a todas essas vo­zes. Dignidade e sacrifício já não significam o mesmo. A princesa de uma ilha vizinha vive com um plebeu, e foi mãe solteira antes de casar-se com ele. Outro príncipe casou-se com uma mulher de família tão escandalosa que seus pais não foram convidados ao casamento.

Não posso desistir dele, pensou, imediatamente. Não vou desistir. Não por enquanto!

Precisava de um momento de alegria, um minuto de feli­cidade. Era tudo o que queria. Estava louca por isso — como peixe fora d'água. Poucas semanas de paixão e risos com o homem que amava deixaria sua alma repleta de alegria, depois poderia agüentar uma vida de deveres.

Umas férias. Era o que precisava. Férias do cargo de prin­cesa. Férias de si mesma.

Depois voltarei, prometeu a si mesma, desesperada. Eu me casarei com Magnus. Seguirei as regras pelo resto da minha vida.

Talvez ajudasse. Após algumas semanas com Paolo, veria seus defeitos e a paixão terminaria. Ou ele poderia se cansar e traí-la. De qualquer maneira, ela se casaria com Magnus pelo bem do país, sabendo não ter deixado nada especial para trás... Exceto, talvez, o próprio coração.

E o coração, ela pensou, era algo que poderia perder, pois sempre vivera sem ele...

Respirando fundo, chegou a uma decisão.

— Não posso ser sua esposa, mas...

— Mas?

— Vou ser sua amante — murmurou.

— Minha amante? — perguntou Paolo, e com seus olhos escuros observou-a por completo. — Viveria comigo, aber­tamente? Desafiaria todo o mundo?

— Sim — ela respondeu. E olhando para aquele rosto lin­do, que tanto desejava, disse às palavras que sempre quis di­zer: — Paolo quero que me ensine a viver perigosamente.

Isabelle não foi à única que logo se viu vivendo perigosa­mente.

Nas semanas seguintes, mesmo com os instintos de Paolo avisando-o todo o tempo, ele viu a si mesmo começando a fazer coisas que jurara nunca se permitir outra vez.

Percebeu que começava a gostar dela.

Começava a respeitá-la.

E mais...

Que se divertia ensinando-a a andar de moto. Ela seguira suas instruções, e ficou muito feliz ao poder fazer seu primeiro passeio sozinha. Com os paparazzi acompanhando de perto, e eles tinham de andar rápido.

Levou-a a Paris para jantar — mas com guarda-costas e flashes por todos os lados. Tiveram de ver o pôr do sol sen­tados no topo da Torre Eiffel.

Finalmente, no dia do aniversário de Isabelle, ele ficou tão cansado com o assédio da imprensa que a levou para o mar aberto. Jantaram a luz de velas no deque do barco, e deu-lhe de presente safiras da Bulgari e esmeraldas da Van Cleef & Arpeis. Com fogos de artifício explodindo sob o iate, fize­ram amor até o amanhecer. Fora perfeito.

Nos jornais de fofoca de Londres chegaram a ser publi­cadas fotos tiradas de um helicóptero. Nem em mar aberto tinham privacidade!

Como um homem poderia seduzir uma mulher, fazer com que aceitasse sua proposta, se nunca estavam realmente so­zinhos?

Ela Logo aceitaria, disse a si mesmo. Em seus braços du­rante o dia, na sua cama à noite, logo notaria que não pode­ria desafiar a vontade de Paolo. Não tinha escolha: seria sua noiva.

Na hora certa, pois não havia razão para fugir de seu plano de engravidá-la.

Passaram um bom tempo na cama. O que foi ótimo, pois não podiam sair da Villa sem um séquito atrás. Paolo sentia-se uma espécie de prisioneiro na própria casa.

Mas ainda assim, valia à pena.

Isabelle, por outro lado, tomou os paparazzi com natura­lidade. Ele a admirava por isso. Nunca reclamava. Mesmo com toda a inconveniência, ela acenava para o povo com um sorriso sempre a postos.                                                    

Paolo não lidava tão bem. Ela tinha razão sobre uma coi­sa: a constante falta de privacidade o deixava louco. Mas Paolo queria estar ao lado da princesa mais famosa do mun­do, certo? Então aquilo era parte do pacote.

Ainda assim, gostaria de atirar aquele fotógrafo ao mar quando pudesse, pensou, com um grunhido. No mínimo, se­ria um fotógrafo a menos.

Paolo imaginava que o interesse frenético talvez não du­rasse tanto. Sua relação era nova e escandalosa. Um rico ítalo-americano rouba uma princesa virginal de outro homem às vésperas de um anúncio de noivado, isso vende. Mas logo perderiam o interesse, disse a si mesmo.

Porém, o furor da mídia só se intensificava. Duas semanas antes, um tablóide alemão descobriu que o príncipe Magnus Von Trondheim era seu meio-irmão, e tal notícia caiu como uma bomba no resto do mundo. Desde então, os repórteres acampavam na entrada da Villa, loucos por fotos, disparan­do perguntas nas janelas fechadas da limusine quando eles saíam pelos portões:

— Princesa Isabelle, por que escolheu um irmão em vez do outro?

— Um deles é melhor que o outro na cama?

— Foi amor à primeira vista?

— Você pretende se casar? Essa última pergunta Paolo gostaria de responder — de preferência ao mesmo tempo em que estrangulava a repórter que a pronunciara. Sim, quis gritar a todos. Vamos nos casar. Agora a deixe em paz.

Mas Isabelle mantinha a calma e a graça. Num dia quen­te, pediu que distribuíssem limonada e bolo aos repórteres acampados nos portões da Villa.

— Por quê? — perguntou Paolo, sem acreditar no que ouvia. — Eles têm que ir embora. Ou que morram de sede — murmurou.

Ela abriu um sorriso e disse:

— Você realmente prefere que escrevam coisas sobre nós de mau humor? Não podemos controlar o que escrevem. Mas podemos influenciar sua opinião.

Ela estava certa, no dia seguinte todos falavam sobre Isa­belle, a gentil, a bondosa, a princesa que se lembrava dos pobres repórteres, mesmo vivendo em pecado com um bilionário ítalo-americano.

— Viu? — ela disse, abrindo um sorriso.

Ele entendeu. Lidar com os repórteres e com a mídia significava negociar, da mesma forma como ao moldar um acordo de negócios. Mas, em vez de comprar uma empresa, o objetivo era ganhar pontos na aprovação pública.

Precisava trabalhar nisso antes do casamento, pois Isabel­le já estava treinada desde o nascimento. Daquele momento em diante, ele pensou, seguiria os ensinamentos de Isabelle nesse assunto.

Ela driblava muito bem os repórteres, e Paolo mal podia esperar para ver como educaria seus filhos...

Todos os dias a observava. Imaginando seja estaria grávi­da. Por semanas, fizeram amor de forma selvagem, furiosa. Sempre esperava que Isabelle pedisse que usasse preservati­vo, que perguntasse por que ele não se preocupava com uma gravidez. Já tinha deixado clara sua intenção. E repetiria.

Mas ela não perguntava nada.

Aquilo só poderia significar uma coisa. Em parte, ela gosta­ria de casar-se com Paolo, mesmo com todas as suas objeções.

E, claro. O casamento aconteceria. Era questão de semanas.

Ele se envolvia cada vez mais, fazendo amor, dormindo nos seus braços todas as noites, respeitando-a um pouco mais a cada dia. Percebia que não queria Isabelle apenas para supervisionar sua casa e filhos.

Queria que ela fosse o coração do seu lar.

Lar... Repetiu, saboreando esse pensamento. Quando criança, adoraria ter tido um verdadeiro lar, do tipo em que as pessoas cuidam umas das outras e passam os feriados juntos. Jantares em família. Brincadeiras com as crianças. Mas para ter um lar era necessário antes encontrar a mulher certa.

E ele a encontrara.

Isabelle talvez não o amasse, mas o amor transparecia em tudo o que ela fazia. Era puro coração — e ele percebeu que, mesmo não sendo nada comum em sua vida, precisava desse toque.

Isabelle seria o coração de sua família.

Ele seria o portão, mantendo-os em segurança, afastando todos os perigos.

Isabelle era sua. Não importava o que ela pensasse, mas Paolo não deixaria que se casasse com outro homem. Per­tencia a ele, e nenhuma outra mulher poderia substituí-la. Nenhuma outra tinha sua graça, seu fogo. Sua força.

Em Isabelle, finalmente encontrou uma parceira à sua al­tura. Uma mulher que o desafiava na cama e fora dela. Uma mulher que podia respeitar.

Finalmente, encontrou uma mulher na qual podia confiar.

 

— Onde você esteve?

Ao encontrar com Isabelle no hall da Villa, a voz de Paolo era suave, quase doce. Passou os braços em volta de sua cin­tura. Ela usava um vestido branco de verão.

— Está desaparecida há horas.

Isabelle aceitou seu abraço, mas escondeu a bolsa de pa­pel marrom nas costas.

— Estava ocupada no palácio — ela respondeu incapaz de encará-lo. — Tomei café com Alexander, depois me en­contrei com o embaixador francês.

Dando um passo atrás, Paolo franziu a testa.

— Eu liguei para o palácio. Disseram que você já tinha saído há uma hora.

— Ah, claro — disse, abrindo um sorriso amarelo. — Eu me esqueci. Quando terminei a conversa com o monsieur Fournier, saí com Milly.

A babá de Alexander, poucos anos mais velha que Isa­belle, fora à farmácia comprar o teste. Era a única em quem podia confiar.

As chiques e levíssimas sandálias de Isabelle batiam con­tra o chão de mosaico.

— Um dia duro no palácio? — ele perguntou, com voz agradável, ao mesmo tempo em que acariciava seus ombros com mãos fortes. — Sua mãe a deixa ocupada.

— Evitá-la me deixa ocupada — disse, sorrindo. — Você também esteve ocupado, treinando para a corrida e planejan­do a expansão da Caretti Motors.

— Valentina vai me trazer dicas de construção. Ela deve chegar dentro de uma hora.

— Ah. Valentina. Que bom. — Era exatamente o que ela precisava estar frente a frente com a linda e ruiva secretária de Paolo, justo quando tudo o que queria era enfiar a cara no vaso do banheiro. — Valentina é charmosa. Tão estilosa... Inteligente.

Ela não gostou de ver sua voz tremendo. Paolo teria no­tado? Pediria para ver o que ela escondia nas costas? A evi­dência estava em suas mãos, coberta apenas por um papel marrom.

— Então você não se importa se eu trabalhar até a hora da corrida?

Ela sorriu, e disse:

— Vou ter que passar o dia inteiro no palácio. Hoje é ani­versário da minha mãe. Ela é capaz de me deserdar caso eu não faça uma visita.

— Acho que é hora de afiar as garras — ele disse, dando uma risada. — Ela deve estar querendo conversar algo em particular com você...

Engolindo em seco, Isabelle olhou para o chão.

— Talvez — respondeu.

Tentava não pensar na conversa que a esperava — mas, naquele momento, tudo parecia menor frente ao seu mais novo medo...

— Vou sentir falta de você — disse Paolo, com um sor­riso predatório ao olhar para Isabelle. Ele estava lindo em sua camiseta negra e jeans escuros, bronzeado e musculoso após horas passadas sob o sol em seu iate e dirigindo pela costa. — Vou precisar de uma hora para despedir-me de você.

Ela engoliu em seco. Normalmente, passar uma hora na cama com Paolo era um grande prazer, o maior de sua vida, mas não poderia. Não naquele momento. Não quando seu futuro estava dependurado sobre uma linha delicada.

Não posso, disse a si mesma pela centésima vez. Não pos­so. Quando fizer o teste verei o quanto foi ridículo simples­mente preocupar-me com isso.

Não podia estar grávida.

Era a princesa de San Piedro, segunda na linha do tro­no. Não poderia permitir-se mais uma gravidez. Do mesmo homem.

Sem amor.

Sem casamento.

Já não tinha 18 anos. Era constantemente vigiada pela mí­dia. Se estivesse grávida, não poderia esconder. Seria fofoca em todo o mundo. Só de aceitar Paolo como seu amante já causara um choque, fragilizando sua imagem, a imagem do seu país. E, ela temia a imagem de Alexander.

Alexander — suas bochechas ficaram vermelhas ao pensar em como seria afetado caso estivesse grávida de seu amante ítalo-americano. E como afetaria seu bebê inocente?

Mas não existe nenhum bebê, disse a si mesma. Paolo tinha feito vasectomia! Ainda assim suas mãos tremiam, amassando o embrulho enquanto se afastava de Paolo.

— Eu... Não estou com cabeça — ela disse, e não era mentira. — Melhor eu ir embora. Eu o verei no Gran Prix.

Nunca antes rejeitara fazer amor com Paolo. Nenhuma vez. E notou a surpresa nos olhos do amante.

— Como quiser — ele disse, após um momento de silên­cio. — Preciso testar os motores, de qualquer maneira. Eu a levo ao palácio.

— Não precisa — ela respondeu ainda sem coragem de olhá-lo nós olhos. — Eu o vejo na corrida.

Agarrou seu pulso quando Isabelle tentou ir embora.

— O que está acontecendo, Isabelle?

— Nada — Você tem um filho que não conhece e logo terá outro...

— Jura? — ele perguntou, e o tom frio de sua voz a dei­xou nervosa.

Ela precisava sair dali. Depois que fizesse o teste, lhe con­taria seus medos, e os dois poderiam cair na gargalhada jun­tos. Quando soubesse que não estava grávida, tudo voltaria ao normal, e poderiam comemorar juntos sua vitória na corrida.

Prometera a si mesma que terminaria tudo após o Gran Prix, mas sabia que não seria capaz. Queria adiar. Só por mais alguns dias. Umas poucas semanas.

Mais nove meses?

Seu coração queria saltar do peito.

Se estivesse grávida, isso significaria que Paolo arriscara, sem importar-se em como ela poderia ser afetada. Ou talvez tivesse agido deliberadamente, para lhe causar prejuízo.

Mas ele não faria isso, disse a si mesma, nervosa. Não arruinaria a minha vida e a vida de uma criança inocente. Já pensei o pior sobre ele. Não vou fazer isso outra vez.

Eu o amo...

— Bella?

Ela conseguiu soltar o braço da mão de Paolo. Não pode­ria fazer o teste ali. Não poderia nem olhar para o rosto de Paolo até que soubesse a verdade.

— Preciso ir.

— Certo. Vou dizer a Yves e Serge que você quer sair. Isabelle sentia Paolo irradiar raiva e dor. Mas não queria esperar seus guarda-costas. Precisava ficar sozinha. Queria ir até a garagem, entrar em seu mini Cooper rosa conversível es­tilizado, colocar os óculos escuros e amarrar os cabelos num lenço.

Quando passou pelos paparazzi acampados na saída da Villa, ficou feliz por ter o rosto escondido atrás dos enormes óculos.

Não queria que mais ninguém enxergasse o medo em seus olhos.

Não estou grávida, repetiu para si mesma. Não posso estar.

Mas estava atrasada.

Dirigiu rapidamente ao longo da costa, tentando evitar um fotógrafo persistente que a seguia numa Vespa. Por um momento, dirigindo, esqueceu-se de seus medos e focou nas habilidades que Paolo lhe ensinara.

Acelere, freie, gire.

Acelere, freie, gire.

E logo chegou aos portões do palais, já em segurança, passando com seu carro pelos estábulos reais. Ao pegar sua bolsa, olhou mais uma vez para o embrulho marrom com muito medo. Bateu a porta do carro e seguiu em direção ao seu apartamento privativo.

Seu caminho foi bloqueado por Florent, conselheiro da mãe.

— Obrigado por vir, sua alteza — disse, polidamente, em francês, no mesmo tom que usava para aterrorizá-la na sua infância. — A rainha regente está ansiosa para discutir deta­lhes sobre o casamento da senhorita.

Ela cocou a testa, e disse:

— Sim, eu sei... Vou até lá em um momento.

— Hoje é o aniversário de sua majestade. Talvez a senhorita tenha se esquecido?

— Não, eu não me esqueci. Mas preciso ir ao meu apar­tamento antes...

— Eu lhe acompanho mademoiselle — disse, com voz de desaprovação. — E esperarei até que possa escoltá-la até a presença da rainha regente.

Fazer o teste de gravidez com Florent esperando do lado de fora do banheiro? Deu-se por vencida.

— Tudo bem — concordou, com a bolsa bem presa de­baixo do braço. Tirou o lenço da cabeça e disse, soltando um suspiro de resignação: — Vou vê-la agora mesmo.

A dura conversa com a rainha Clotilde no seu salon de réception fez Isabelle sentir vontade de voltar à companhia comparativamente agradável de Florent.

— Não posso acreditar que uma filha minha seja tão tola — disse a mulher de cabelos grisalhos, caminhando pela sala. — Ele já lhe traiu uma vez. Quase a destruiu. Não foi suficiente?

— Ele não vai me machucar, maman.

Mas, enquanto defendia Paolo, não sabia se podia acre­ditar nas próprias palavras. Estaria grávida? Após tanto papo sobre honestidade, será que ele teria mentido sobre a vasectomia?

— É incrível que tenha pensando em trazer esse homem de volta às nossas vidas...

— Ele salvou Alexander. Isso não significa nada para você?

A rainha parou um instante, depois disse:

— Claro que significa. Não tenho palavras para agradecer que tenha salvado a vida do meu neto. Mas seria mais apro­priado recompensá-lo com um cartão e um presente... Não com a sua honra! — A rainha trincou os dentes, depois se­guiu: — Enquanto você desfruta o seu caso, o país sofre. Pre­cisamos que se case com um homem que faça a diferença.

— Eu amo Paolo, maman — disse, em tom baixo.

Sua mãe respirou fundo, ruidosamente, depois se sentou no trono.

— Ele é um playboy sem coração, ma filie. Vai envol­vê-la e...

— Ele me pediu em casamento — disse Isabelle. Clotilde olhou para a filha, assustada.

— E o que você respondeu?

— Que não — ela murmurou.

— Graças a Deus — disse a mãe. — Você não pode se casar com Paolo Caretti. Já percebeu isso anos atrás. Por isso abriu mão do seu filho. Pensa voltar atrás agora, aliando-se à família dele? Ele não tem modos. Nem moral. Não é nin­guém. Um corredor de motos, um novo rico, mal serviria como chofer. Filho de um ladrão...

— Mas Paolo não é como o pai! — ela gritou. — Ele é diferente. É confiável. Eu acho. Espero...

— É isso? — perguntou a rainha. — Você confia nele o suficiente para contar sobre Alexander?

Isabelle engoliu em seco e ficou em silêncio. Sua mãe fez que não com uma das mãos, e disse:

— Você envelheceu antes do tempo. Entendo que deva aproveitar a vida antes de assentar-se. Por isso lhe perdôo. Seu paramour corre o Gran Prix esta tarde, certo? E sua par­ticipação dirige as miradas a San Piedro. Então espere até o- final da corrida. Mas amanhã — disse dura — você termina tudo. Depois vá até o príncipe Magnus e peça que lhe aceite de volta.

— Mas eu não amo Magnus!

— Considere isso como o melhor presente de casamen­to que poderá receber — disse sua mãe, fria. Florent entrou na sala e a rainha fez um sinal para que Isabelle se retirasse. —Vá. Não quero vê-la chorando em cima do meu bolo de ani­versário o dia todo. Vá e aproveite uma última noite de amor com seu mecânico. Mas, amanhã, espero que faça o que deve fazer.

Isabelle saiu do salon de réception sentindo-se desapon­tada, gelada. Ouvira exatamente o que imaginara. E não po­deria argumentar.

Queria confiar em Paolo. Já lhe dera seu coração. Após semanas passando dias e noites com ele, não encontrara ne­nhum ponto negativo.

Exceto o fato de que nunca a amaria...

— Tia Isabelle!

Ela parou ao ouvir o murmúrio infantil. Virando o corpo, viu Alexander. Abriu os braços e o menino veio correndo. Ela o agarrou firme por alguns instantes, feliz por sentir seu abraço, o cheiro de seu xampu. Após encarar sua mãe, Isa­belle gostaria de ficar nos braços do filho para sempre. Mas, quando ele se afastou, ela relutantemente permitiu que des­fizesse o abraço.

Engolindo as lágrimas, olhou para ele, pensativa.

— Como é possível! Eu poderia jurar que você cresceu desde o café da manhã?

— Eu sei — ele disse, esticando o corpo. — Um centí­metro no último mês. Milly tem deixado que eu coma todo o sorvete que quero. Assim fortaleço meus ossos, segundo ela.

— Que bom — ela respondeu, abrindo um sorriso. Não podia parar de olhar para ele. Seu filho. Seu bebê. Com nove anos, ainda uma criança, mas logo se transformaria em um homem. E a cada dia se parecia mais com o pai.

Alexander franziu a testa.

— Agrandmère está chateada com você?

— Sim.

— Por quê?

— Ela quer que eu me case com uma pessoa. Mas eu... Descobri que quero me casar com outra.

— Com Paolo Caretti?

Ela deu um passo atrás, chocada.

— Como você sabe?

— Claro que sei. Não sou um bebê, tia lsabelle. Ele salvou minha vida daquele homem malvado. Eu gosto do Signor Caretti. Ele é legal. E no jardim você também parecia gostar dele — disse, balançando a cabeça. — Por que a grandmère não gosta?

Isabelle limpou a garganta.

— É uma longa história. Alexander deu de ombros.

— Bem, se você prefere o Signor Caretti, eu dou minha permissão. Como seu rei — disse, em tom grandiloqüente. — Não apenas minha permissão, mas minha benção.

Por um momento, lsabelle ficou olhando para ele. Seu fi­lho estava dando permissão para que se casasse.

Imagens das últimas semanas passaram como um raio pela sua cabeça. Poderia se casar com Paolo? Poderia viver com ele... A vida inteira?

Seu mundo parecia ruir. Talvez ele não a amasse, mas seu amor por ele poderia ser suficiente para os dois. Ele cuida­va dela. Não seria suficiente? Enquanto pudesse confiar que não a faria sofrer... Enquanto pudesse confiar que protegeria Alexander...

Mon dieu, pensou. O teste de gravidez provaria que ele não mentira. Daria negativo e ela teria uma prova de que poderia confiar em Paolo.

Apressada, beijou a testa do menino.

— Obrigada — murmurou.

Mas, quando chegou ao elegante banheiro de mármore do seu quarto, todos os pensamentos de confiar em Paolo fugiram de sua cabeça. Fez o teste e percebeu que seu futuro não estava dependurado em apenas uma linha, mas sim em duas.

Estava grávida.

Grávida.

Murmurou a palavra, sem emitir qualquer som. Tinha as mãos trêmulas ao dirigir seu mini Cooper, afastando-se dos portões do palácio. Queria confiar em Paolo. Quase se con­venceu de que poderia.

Mas ele mentira.

Será? Ela pensou. Paolo nunca mencionou vasectomia. Apenas disse que não a deixaria grávida e sozinha.

E isso, de repente, ganhou uma nova dimensão.

Tenho um plano: seduzir você, engravidá-la e torná-la minha noiva.

Ele não mentira. Contara a verdade desde o começo.

Os dedos de Isabelle estavam colados ao volante enquan­to ela seguia pela rua de paralelepípedos. A luz do sol estava em todas as partes, ô calor da Riviera atingia o sul do porto mediterrâneo, mas ela se sentia gelada.

Viu uma Vespa aparecer numa esquina, seguindo-a. Os paparazzi estavam por lá, como sempre.

Respirou fundo.

O que os jornais diriam quando descobrissem que estava grávida?

O que sua mãe diria?

E Alexander... Escutaria os insultos que seriam ditos? Se­ria forçado a defender as virtudes da tia?

Estava louca por sentir os braços de Paolo acariciando-a. Dirigiu mais rapidamente ao longo da costa, tentando evitar a Vespa. Paolo teria feito melhor. Ele resolveria tudo. De al­guma forma, a convenceria para que lhe perdoasse.

No final das contas, não mentira para ela. Dissera a verda­de. Mas Isabelle não acreditara.

Nada mudara. Ela ainda poderia casar-se com ele. E por que não? Amava Paolo. Estava grávida de um filho seu.

Talvez pudesse aceitar um casamento com amor apenas do seu lado — isso se pudesse confiar que Paolo não a trai­ria. Enquanto tivesse fé, imaginou que poderia reunir amor suficiente para os dois...

Paolo não é um mentiroso, murmurou a si mesma, com os dentes cravados ao chegar a San Cerini. Posso confiar nele.

Estacionou próximo ao grande chafariz. Seus olhos foram atraídos pela grande estátua de fênix levantando das águas, agarrando um dragão do mar com seus dentes afiados. Os olhos de pedra do pássaro pareciam fixos nela enquanto caminhava em direção às escadarias. Como se quisesse contar-lhe algo.

Posso ser essa fênix. Posso passar por cima do meu medo, disse a si mesma. Posso esquecer o passado. Eu amo Paolo.

Posso contar tudo a ele. Posso até mesmo contar a verdade sobre Alexander. Ele me perdoará. Eu posso confiar nele...

Ao passar da luz do sol à frieza do hall de entrada da Villa, Isabelle sentiu uma torrente de força e esperança. Es­tava grávida, mas aquilo não era nenhum desastre — era sua chance de fazer tudo corretamente. Todos os outros homens que conhecera tinham se mostrado inapropriados, mas não havia razão para temer. Paolo era diferente. Era honrado, sincero e...

Onde ele estaria?

Parou na porta de seu escritório vazio. Disse que estaria ali com Valentina, trabalhando. Estivera tão ocupado com Isabelle que o trabalho se atrasara. Provavelmente tentaria resolver o máximo de coisas antes de concentrar-se na corri­da que aconteceria mais tarde. Depois estaria livre por várias horas, para fazer amor e divertir-se ao lado de Isabelle...

— Paolo? — ela chamou.

— Acho que está no andar de cima, signorina — disse, timidamente, uma empregada que passava pelo corredor.

— Grazie — ela respondeu, e subiu as escadas correndo, em direção ao seu quarto.

Talvez estivesse tirando um cochilo; ela certamente fizera o melhor para distrair seu sono na noite anterior. Se estivesse dormindo, tiraria suas roupas, deitaria sob as cobertas e o despertaria. Ficou feliz com a idéia. Depois contaria a novi­dade, da mesma forma como sonhou fazer dez anos atrás...

— Não se preocupe — ouviu Paolo dizer. — Ela só volta amanhã.

Isabelle parou abruptamente na porta do quarto.

— Tem certeza? — disse Valentina, com seu duro sotaque checo.

— Claro que tenho certeza — ele disse impaciente. — Isabelle nunca saberá de nada. E, se souber, não vai ligar. Ela gosta de emprestar. Então, venha aqui. Sim, aqui. É isso o que você queria. Estou cansado de ouvir suas súplicas. Quer que eu espere lá fora enquanto você tira sua roupa?

— Não. Eu confio em você...

Isabelle sentiu seu corpo ficando gelado. Mal podia sentir os dedos enquanto abria a porta do quarto, lentamente.

A secretária ruiva estava de pé; próximo ao closet. Sua blusa estava no chão. Vestia apenas saia, saltos altos e um sutiã sexy que fazia seus fartos seios chegarem quase à altura ao pescoço.

Paolo estava sentado próximo à janela, com o laptop no colo. Sem dúvida esperava Valentina aproximar-se para entretê-lo com um sexy strip-tease enquanto relatava os últi­mos resultados da empresa.

O corpo de Isabelle era puro gelo. Especialmente seu coração.

Lentamente, virou-se e olhou para Paolo.

— Isabelle — ele disse, levantando-se e limpando a gar­ganta. — Você chegou cedo. Espero que não se importe, mas eu disse a Valentina que...

— Ah, eu não me importo — ela respondeu, com as per­nas trêmulas. O sangue corria velozmente por todo seu cor­po. Olhou para o pai de seu filho e para a secretária seminua. — Como você pôde? — murmurou. — Como pôde fazer isso comigo?

A expressão no rosto de Paolo se transformou.

— Não — ele disse, imediatamente. — Não. Espere. Mas ela não podia esperar. Virou-se de costas e correu para as escadas, saindo pela porta da frente da Villa.

Quando ligou o carro, a estátua do chafariz sorriu para ela. Só nesse momento entendeu seu recado.

Ela não era a fênix.

Era o dragão.

— Isabelle! — ouviu Paolo gritar. Pelo retrovisor, viu que ele descia correndo as escadarias. Mas ela não esperaria. Acelerou em direção aos portões. E não freou até chegar à Villa Trondheim, um quilômetro adiante.

Faria o que tinha de fazer. Casaria com Magnus.

E nunca, nunca mais voltaria a ver Paolo...

Parou o carro, ficou olhando para o brasão da família Von Trondheim nos portões de ferro.

Não tinha forças para entrar.

Não importava como Paolo a tivesse tratado. Ela o amava. Não poderia se casar com outro. Não poderia trair Paolo da forma como ele a traíra.

Apoiou a cabeça no volante, frustrada. Depois suspirou e desatou a chorar.

 

— Onde está à princesa, signore?

Paolo desviou os olhos do motor da motocicleta, ainda com uma chave de fenda na mão. Sua moto de corrida já fora levada a San Piedro pela equipe. Na última hora, estivera consertando a moto Triumph Bonneville 1962, que comprara há um ano. Tinha as mãos sujas de óleo.

— Não sei onde ela está — murmurou, voltando a meter o corpo por baixo do motor. — E não quero saber.

Imaginou que fazia um favor a Valentina deixando que experimentasse o vestido de Isabelle. Sua secretária estava pedindo há uma hora, e ele estava cansado de ouvir seu papo sobre as fotos da princesa em Cannes. Era apenas um vestido, no final das contas. Isabelle não se importa­ria caso ela o provasse. Na verdade, raramente repetia um vestido. As roupas são como uniformes para ela — como seus antigos macacões de mecânico e seus ternos cortados em Savile Row.

Mas claro que Isabelle vira aquela cena no seu quarto e pensara o pior. Paolo olhava pela janela, analisando os nú­meros que apareciam na tela do computador; em nenhum momento pensou em virar-se e olhar para Valentina Novak, que era uma boa secretária, mas não fazia seu tipo — e mes­mo que fizesse não trairia Isabelle daquela maneira. Nunca.

Mas quando Isabelle confiou nele? Nunca. E sempre fora honesto com ela, mesmo que se recusasse a acreditar.

Tudo bem. Se ela queria pôr um ponto final, tudo bem. Ele não explicaria nada.

Bertolli fez um som de preocupação com a língua, e disse:

— Só pergunto pela principessa porque escutei que René Durand escapou da polícia de San Piedro.

Paolo saiu de baixo da moto.

— O quê?

— A polícia o queria interrogar sobre novos casos de rou­bos, e ele escapou durante o traslado. Provavelmente não acontecerá nada — disse Bertolli. — Deve estar a caminho de Malta neste momento, em algum barco de pesca. Não se preocupe signore. Temos que ir para a corrida, já é hora...

A respiração de Paolo ficou mais pesada.

— O palácio sabe sobre Durand?

— Foram eles que me avisaram.

— Todos estão bem?

— Sim — disse Bertolli. — Mas o conversível da princi­pessa não está lá. Yves e Serge estão buscando por ela. Você sabe que Durand tem uma dívida...

— Maledizione — murmurou Paolo. Atirando a chave de fenda no chão com um grande estrondo, depois se levantou e seguiu em direção à sua moto mais veloz. — Ofereça nossa ajuda à polícia para a captura de Durand. Se eles não aceita­rem, envie alguns homens de qualquer maneira. Quero saber onde ele está. Quero encontrá-lo.

— Si, signore.

Ao passar voando com sua moto pelos portões, Paolo trin­cou os dentes. Droga! Por que Isabelle era tão cabeça-dura? Por que não confiava nele?

Mas, além da raiva; seu coração batia com outra pergunta, totalmente diferente.

Por que não fora atrás dela?

Isabelle. Só de pensar que poderia estar nas mãos de Durand, ficou doente de raiva.

Acelerou ao passar pelos paparazzi, que abriram caminho como folhas secas ao vento. Quando chegou à estrada, pisou ainda mais fundo.

No sentido contrário, passou um mini rosa conversível. Muito rapidamente, viu Isabelle: com óculos de sol, seus lá­bios vermelhos, seus cabelos castanhos ao vento.

Mas ela logo desapareceu.  

Ele girou a moto de forma tão brusca que deixou uma marca no asfalto. Chegaram juntos a San Cerini.

Não se preocupou em seguir o caminho normal, tomou um atalho que o levou diretamente à garagem, onde ela es­tacionava o carro. Bertolli e os mecânicos já tinham saído, a garagem estava estranhamente vazia.

Isabelle estava pálida ao descer do carro. Suas mãos pa­reciam tremer contra a pintura rosa do conversível. Olhando para ele, tirou lentamente os óculos.

Ele queria gritar. Exigir que nunca fosse a qualquer lugar sem avisar. Queria fazer com que entendesse.

Mas, em vez disso, olhou para seu rosto triste e sentiu um tremor no corpo. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, tomou-a nos braços.

Por um instante, Isabelle tentou se afastar. Depois se aninhou contra seu peito.

— Não dormi com Valentina — jurou, acariciando seus cabelos. — Nunca toquei nela.

— Quero acreditar em você — ela murmurou. — Quero.

— Então acredite em mim — ele disse, olhando-a. — Você é a única mulher que desejo, Isabelle.

Afastando-se, ela sorriu, depois cocou o nariz, tinha os olhos vermelhos.

— Estou bem, juro.

— Por que está chorando?

— É alergia.

— Não invente — ele disse, pois a conhecia, conhecia a forma como ela tremia como gritava de prazer ao ser pene­trada. E sabia que estava escondendo alguma coisa. — Diga qual o problema?

Ela se afastou de forma tão violenta que cambaleou, e quase caiu no chão de concreto.

Ele a agarrou. Isabelle não pesava quase nada. Precisava convencê-la para que comesse mais, pensou. Ela não tinha apetite nos últimos dias, mal tocava a comida. Paolo ima­ginava que não era sua responsabilidade fazer com que co­messe. Mas logo percebeu que sim. Tudo o que envolvesse a felicidade e saúde de Isabelle tinha a ver com ele.

— O que é? — ele perguntou, em tom baixo. — Diga. Cobrindo, o rosto com as mãos, ela caiu mais uma vez sobre ele, com um suspiro. Chocado, Paolo a segurou, apertando-a contra o peito, como se fosse uma criança. O sol en­trava pela única janela da garagem, fazendo brilhar os grãos de poeira que voavam pelo ar. Naquele momento, o tempo parecia suspenso.

E Paolo percebeu o quanto se preocupava com ela.

O suficiente para querer protegê-la de qualquer pessoa, qualquer coisa.

Mesmo que Isabelle não confiasse nele, ele confiava nela. Era a única pessoa que nunca mentira para ele.

A única mulher que se permitiu... Amar?

— Alguém a machucou? — perguntou em voz baixa.

— Foi Durand?

Caso Durand a machucasse, Paolo o partiria em dois com as próprias mãos.

Ela se afastou, franzindo a testa, confusa.

— Durand? Não. Por quê?

— Nada — ele respondeu, rapidamente. Teria muito tempo para contar sobre a fuga quando ela já não estivesse chorando. Vendo-a chorar, ele ficou louco, mal podia pensar. Queria reconfortá-la. Fazer com que suas lágrimas secassem.

— Aonde você foi?

— Fui ver Magnus — disse, molhando os lábios secos.

— Magnus? — ele perguntou, com o coração pulando no peito. — Por quê?

— Para aceitar sua proposta de casamento — ela disse baixinho.

Paolo a ficou olhando por vários segundos. Sua mente não entendia aquelas palavras. Ele as reordenava, mas não faziam sentido.

Olhou para as ferramentas espalhadas pela garagem, para as máquinas, os pneus. Para a velha Triumph Bonneville estacionada entre a Ferrari vermelha e seu novíssimo Lam­borghini branco. Nada mudara desde aquela manhã. Tudo estava exatamente igual.

Como era possível que, no mesmo espaço de tempo, o resto do mundo tivesse mudado tanto de figura, sem avisar?

Queria agarrar Isabelle bem firme, não deixar que saísse nunca dali, queria exigir sua permanência.

Mas sabia que não adiantaria nada.

Ela já estava decidida: não poderia confiar nele. E não havia nada que pudesse fazer para mudar sua opinião.

Abruptamente, deixou que ela escapasse.

— Tudo bem. Vá. Não vou detê-la.

Virando-se de costas, começou a andar para fora da ga­ragem.

Com um grito, ela correu, bloqueando a porta, atirando-se nos seus braços.

— Eu não fui capaz! Não pude sequer atravessar os por­tões. Não amo Magnus. Nunca amei. Eu quero você, Paolo. Você!

O coração de Paolo, antes congelado, voltou a bater. Ele pôde mais uma vez sentir suas pernas, o sangue percorrendo suas veias.

Isabelle não queria ir embora.

Confiava o suficiente nele para ficar.

Paolo respirou fundo e olhou para ela, depois perguntou:

— Então você acredita em mim? Acredita no que disse sobre Valentina?

Mordendo os lábios, ela olhou ao longe. Endireitou os om­bros enquanto parecia chegar a uma conclusão, e encarou-o.

Por fim diria que confiava nele, que era o homem da sua vida, que não tinha nada a ver com o pai.

Que confiava nele da mesma forma que ele confiava nela.

O futuro era um livro aberto entre eles. Não era tarde de­mais. Talvez nunca mais voltassem a ser os mesmos inocen­tes que foram naquele verão em Nova York, mas tudo bem. Pois os dois sabiam que aquilo era raro, que tinham um pre­sente em suas mãos, que era difícil encontrar alguém que nos fizesse querer arriscar tudo...

— Você merece saber — ela disse, fechando os olhos e respirando fundo. Quando olhou para Paolo, seus olhos castanhos estavam repletos de emoção. — Aconteça o que aconte­cer, você merece saber — repetiu para si mesma, suavemente.

— Você merece saber.

— O quê?

— Não posso manter esse segredo por mais tempo. Não tenho o direito. Não importa o tipo de marido que você ve­nha a ser, ainda assim tem o direito de saber.

— O quê? — ele perguntou, exigindo uma resposta, alar­mado com a expressão de Isabelle, com sua palidez, seus olhos arregalados. Parecia a ponto de desmaiar. Instintiva­mente, ele a segurou,

— Alexander não é meu sobrinho. Ele é meu filho — ela disse, e pegou as mãos de Paolo, que pousou em seu peito, olhando-o firme, antes de terminar: — Paolo... Alexander é seu filho.

— Filho?

Notou Paolo cada vez mais pálido.

— Sim — murmurou. — É verdade. Paolo, nós temos um filho...

Ele soltou as mãos. Depois se afastou, como se chão de concreto estivesse se abrindo sob os pés.

Isabelle se aproximou, tentando segurar suas mãos. Mas ele se afastou ainda mais, não deixando que o tocasse, fazen­do com que as mãos de Isabelle ficassem soltas no ar.

— Ele não pode ser meu filho. Tem nove anos. Você não teria... Mentido todo esse tempo.

— Por favor, Paolo. Você precisa me escutar! Quando olhou para ela, seus olhos a queimavam.

— Seu irmão precisava de um herdeiro para o trono, por isso lhe ofereceu nosso filho?

— Não foi bem assim!

— Você deu o meu filho para outras pessoas! — gritou, como se não tivesse escutado Isabelle. — Tirou-o de mim. Você me afastou do meu filho como se isso não significasse nada para você. Que mãe mais sem coração!

— E você acha que gostei de fazer isso? — ela gritou. — Quase morri ao dar meu filho! Vendo que me chamava de tia em vez de maman...

Ela franziu a testa. Lembrou-se que ao menos vira o me­nino crescer... Ele não.

Respirou fundo, reunindo suas forças. Tinha de manter a razão. Era a única forma de fazer com que entendesse.

— Não sabia que estava grávida quando terminamos nos­so caso. Éramos jovens, tudo estava contra nós. Eu tinha medo de me casar com você. As diferenças de classe social. Seríamos alvo de escárnio. Você não sabe o que é fazer parte da realeza. Precisamos abrir mão de toda a nossa liberdade pessoal...

— E por isso abriu mão de nosso filho?

— Quando soube que estava grávida... — sua voz tremeu

— Tentei voltar para você. Convenci minha mãe a dar uma chance. Fui correndo até seu apartamento... Mas eu vi... Você beijando aquela mulher.

— E essa é sua desculpa por ter mentido durante dez anos? — ele perguntou incrédulo. — Por que eu busquei o conforto nos braços de outra mulher por uma noite?

— Pensei que não poderia confiar em você! — ela gritou.

— Certo. Sou perigoso. Filho de um criminoso. Imaginou que teria de proteger nosso filho... De mim — disse, cru­zando os braços e encarando-a. — Todo esse tempo ao meu lado, como minha amante, e nunca mudou de opinião.

— Eu tinha medo! Imaginei que contando a verdade arris­caria o reinado de Alexander, sua custódia, sua vida! Como não pensaria nisso?

— Você roubou meu filho!

— Sinto muito! — desculpou-se, com lágrimas nos olhos. — Tentei contar. Mas quanto mais tempo passava ao seu lado, fiquei com mais medo de que me odiasse caso soubes­se a verdade.

— Você tinha razão ao ter medo — disse, com a respira­ção entrecortada. — Pois nunca perdoarei o que fez Isabelle. Nunca. Você abandonou nosso filho. E, como não me con­tou, me obrigou a abandoná-lo também. Mentiu para mim por quase dez anos. E passou todos os dias do último mês nos meus braços. Mesmo assim manteve o silêncio. Todas as noites, dormindo ao meu lado, mentindo. Cada sorriso, cada beijo, era mentira.

— Eu cometi um erro — ela murmurou. Quando Paolo já não lhe olhava, Isabelle caiu de joelhos na sua frente. O chão de concreto estava frio contra sua pele. Mas nem de perto tão frio quanto o medo que corria em suas veias. Seus dentes tiritavam e ela mal controlava a respiração quando, mesmo sendo a princesa de San Piedro, fazia o inimaginável.

Estava ajoelhada diante dele.

Pegando as mãos de Paolo nas suas, pressionou-as contra suas bochechas molhadas de lágrimas.

— Por favor, peço que me perdoe Paolo. Por favor — murmurou. — Você precisa me perdoar.

Por um momento, ele manteve silêncio. Isabelle podia sentir seu olhar. Com uma das mãos, Paolo fez sinal de que tocaria seus cabelos, como se a quisesse reconfortar. Mesmo então, após tudo o que ela fizera, seu primeiro instinto era o de confortá-la quando chorava.

Isabelle conteve a respiração, rezando, louca para sentir seu toque...

Mas, um segundo antes de tocá-la, ele parou.

— Você ainda não acredita no que disse sobre Valentina, certo? Ainda pensa que dormi com ela.

Ela levantou os olhos e encontrou o olhar de Paolo.

— Só quero que me diga a verdade. Acho que poderia des­culpá-lo caso me respeite o suficiente e me conte a verdade.

— A verdade? — ele perguntou, olhando-a com desdém. — Por que deveria me preocupar? Você já tomou sua decisão.

— O que esperava que eu pensasse? Eu vi vocês dois no quarto...

— Esperava que confiasse em mim. Acreditasse em mim. Era isso o que eu esperava. Mas vejo que esperava o impos­sível — disse, agarrando seus pulsos e fazendo com que se levantasse. Depois a soltou, como se tocá-la o pudesse con­taminar. — Meu Deus — ele murmurou, passando as mãos pelos cabelos escuros. — Eu tenho um filho. Um filho que pensa que eu o abandonei.

— Paolo...

— Ele sabe?

— Não. E não quero que saiba. Ele adora os pais. Ainda está de luto por eles.

Os olhos escuros de Paolo a observavam, incrédulos.

— E você não acha que ele deveria saber que ainda tem pais vivos? Dio santo prefere que ele passe toda a vida pen­sando que é órfão?

— Outra opção seria contar que eu o entreguei a outra pessoa logo que nasceu, e que os pais que amou por toda sua vida não eram seus pais de verdade. Você acha que isso seria melhor?

Trincando a mandíbula, Paolo olhou para frente, como se não a pudesse encarar.

— A verdade é sempre melhor.

— Você nunca mentiu para mim? — ela perguntou, em tom baixo. — Nunca?

Ele trincou os dentes, depois respondeu:

— Não, Isabelle. Nunca.

— Não fez vasectomia, certo? Ficou olhando para ela.

— Que tipo de pergunta é essa?

— Não usou preservativo — disse amarga. — E eu nunca pedi que usasse. Imaginei que estivesse brincando quando disse que sua intenção era me engravidar.

— Não — ele disparou. — Eu contei a verdade desde o início. Queria tê-la como minha esposa. Queria que ficasse grávida — disse, abrindo um sorriso duro. — Mas que bom que falhei certo? Ou você entregaria o nosso filho ao primei­ro que passasse pela sua frente.

Ouvir isso foi um tapa na cara de Isabelle.

— Que horror!

— Você merece escutar isso — disse Paolo, com os olhos negros de raiva ao encará-la. — Ter um filho com você é mais do que eu posso agüentar. Graças a Deus, não temos outros.

Ela mal podia respirar morta de dor, machucada. Como diria que estava grávida?

— Você é tão bonita, Isabelle. Mas isso também é uma mentira. Você não é bonita. Você é feia, por dentro e por fora.

— Paolo, por favor... — e sua voz falhou, dando lugar a um soluço. — Eu jamais quis...

— Basta — ele disse, virando as costas. — Tenho que ir. A corrida de motos vai começar.

— Não! — ela pediu, entre lágrimas. — Esqueça a corri­da, Paolo. Fique aqui e converse comigo.

Ele pegou seu macacão de corrida, feito de couro, e disse:

— Não vou desistir. Nem por você nem por ninguém — e abriu um sorriso duro. — Correr é minha especialidade. Sou piloto. E não tenho uma esposa para me controlar no acele­rador, por isso sou o mais rápido do mundo. Sou um homem sozinho. Por isso ganho.

— Por favor — ela pediu, agarrando a manga da sua rou­pa, seguindo-o para fora da garagem. — Você não pode me deixar aqui assim.

— Ah, não? Por quê?

— Por que eu o amo — ela murmurou.

Por um segundo, Paolo franziu os olhos. Depois endure­ceu a expressão, com os olhos ainda mais escuros, repletos de nuvens de raiva.

— Nesse caso, você pode fazer uma coisa por mim.

— Faria qualquer coisa — ela disse, com o coração na boca.

— Pegue todas as suas coisas e desapareça da minha casa — disse, subindo na moto e colocando a chave na ignição. — Espere uma ligação do meu advogado sobre a custódia de Alexander.

Acelerando, deixou Isabelle ali, sozinha, entre lágrimas e poeira.

 

Ela abrira o jogo... E perdera.

Não. Isabelle pousou as mãos sobre a barriga ainda pla­na, escondida pelo leve vestido de verão, Não abrira o jogo completamente. Não falara nada sobre a gravidez. Pois ele não deixou.

Ter um filho com você é mais do que eu posso agüentar. Você é feia, por dentro e por fora.

Isabelle cobriu o rosto com as mãos quando um soluço chegou aos seus lábios. Paolo não queria ter outro filho com ela. Certo. Nunca saberia que aquela criança era sua. Ela de­sapareceria, fugiria, e ele nunca saberia de nada...

Mas não podia fazer isso. Alexander. Ah, meu Deus. Para machucá-la, Paolo tentaria ganhar sua custódia. Destruiria a vida do seu filho...

— Princesa?

Ouviu a voz de uma mulher, profunda e sem fôlego, vinda do lado de fora. Sem preocupar-se em arrumar os cabelos re­voltos ou secar as lágrimas do rosto, Isabelle virou o corpo.

Valentina Novak estava à sua frente, balançando o corpo, nervosa.

— O que você quer? — perguntou Isabelle, nervosa.

— Eu... Queria pedir desculpas. Só queria provar seu ves­tido. Foi uma bobagem. Eu nunca deveria... — e abriu um sorriso nervoso, ao mesmo tempo em que suas bochechas ficaram completamente vermelhas. — Mas não cheguei a provar. Claro, você tem essa vida perfeita. Imaginei que se provasse eu me sentiria...

— Vida perfeita? — perguntou Isabelle, dando uma risada dura. — Que parte da minha vida você inveja? Os paparazzi que me seguem até no banheiro? Ou o palácio, que é frio até no inverno, com todas aquelas antigüidades que não posso tocar?

— Quero dizer Paolo — respondeu Valentina, em tom baixo. — Eu faria qualquer coisa para estar ao lado de um homem que me amasse como ele a ama.

Isabelle ficou sem fôlego.

— Paolo não me ama.

— Qualquer pessoa que tenha olhos pode ver que sim, ele a ama.

— Não me ama, e nunca amará. Ele mesmo já disse isso, e na minha cara.

— Talvez tenha dito usando palavras — disse Valentina, balançando a cabeça e piscando para Isabelle. — Mas o que disse com os gestos?

Uma torrente de imagens tomou a mente de Isabelle. O sorriso de Paolo, a forma como a abraçava durante a noite. A vontade que demonstrava de suprir todos os seus dese­jos, seja preparando fettuccine ou dirigindo motos. A forma como a protegia. Acreditava nela. Respeitava.

Eu sempre vou protegê-la, Isabelle. Eu protejo o que é meu.

Sempre lhe contarei a verdade. Mesmo que doa...

Seus joelhos ficaram trêmulos, de um momento para o outro. Ela quase caiu no chão.

Todo aquele tempo Isabelle sentiu tanto medo que a traís­se. Mas não era ele o criminoso da história.

Era ela.

Ele a amava. Ela o traíra. Não apenas uma vez, mas várias.

Sempre que manteve silêncio sobre Alexander.

Sempre que pensava o pior dele.

Sempre que fugia dele, em vez de ficar ao seu lado e lutar pela verdade...

Ele a amava.

Lentamente, levantou a cabeça. O sangue guerreiro das antigas rainhas de sua linhagem tomou conta de suas veias. Poder e força invadiram seu corpo.

Fora uma covarde. Mas não voltaria a ser.

Dessa vez lutaria. Tentaria provar que era boa para ele.

— Deus a abençoe, Valentina — disse, apertando breve­mente sua mão. — Obrigada.

E voltou correndo para a garagem. Subindo em seu con­versível cor-de-rosa, ligou para Magnus. Como ele não aten­deu deixou uma mensagem.

— Sinto muito, Magnus, mas devo recusar sua oferta. Percebi que estou completamente apaixonada pelo seu ir­mão. Hoje vou estar lá, torcendo por ele.

Ligou para Paolo, que também não respondeu. Claro que não. Estaria ocupado com a corrida ou simplesmente a ig­norava. Mas tudo bem. Ligou a ignição. Iria para a corrida. Contaria a verdade sobre a gravidez de uma vez por todas. Não haveria mais segredos entre eles, nunca.

Faria com que Paolo a perdoasse. Caso não conseguis­se naquele dia, continuaria tentando. Para sempre, até que aceitasse.

Provaria merecer sua confiança.

E ele a perdoaria. Tinha de perdoá-la. Paolo era seu amor. Sua família. O pai dos seus filhos.

Era sua casa.

Virou a chave mais uma vez, mas o carro se recusava a funcionar. Tentou outra vez, depois bateu no volante, frus­trada. Voltara da casa de Magnus praticamente sem gasolina, mas estava tão fora de si que nem percebera. Com a corrida a ponto de começar, as estradas pelos penhascos estariam congestionadas, várias ruas fechadas...

Olhou para o Lamborguini e para a Ferrari, depois para a moto cromada da marca Caretti que Paolo deixara estaciona­da na porta da garagem, com a chave ainda na ignição.

— Ah, não — disse Valentina, seguindo seu olhar. — Você não está pensando em...

— É a única forma de chegar a tempo — disse Isabelle, levantando a saia do seu vestido e passando uma perna sobre a moto. — Ele me ensinou a dirigir motos. Sei o que fazer.

— Foram poucas aulas. E você terá que dirigir na beira desses penhascos. Não tem medo?

Isabelle piscou os olhos, depois fez que não com a cabeça.

— Só tenho medo de perder Paolo — pensou em voz alta.

Enquanto seguia para fora dos portões, ficou surpresa de ver que os paparazzi já não estavam por ali. Sem dúvida es­tariam acampados na linha final da corrida, esperando uma foto da princesa e do campeão juntos.

Agradecendo seu pouco comum anonimato, ela desceu a estrada entre os penhascos o mais rápido que pôde, driblando o trânsito cada vez mais intenso.

Tomou um atalho secreto ao palácio que só os membros da família real e seus guarda-costas conheciam. Sorriu para si mesma, sabendo que chegaria a tempo. Talvez pudesse dar um beijo de boa sorte em Paolo antes do início da corrida...

Mas ao passar por uma série de árvores, o pneu dianteiro foi furado por um espinho longo e pontiagudo e estourou, fazendo com que a moto derrapasse para a esquerda. Ela pro­tegeu o rosto com as mãos ao ser levada em direção a um pinheiro. Conheceu a experiência de voar, cair. Sentia dores na cabeça e nos braços. Quando acordou, um minuto mais tarde, estava deitada na grama, e piscou os olhos, confusa, observando o céu.

De repente surgiu um homem, olhando para ela, bloqueando o sol. Estava sujo, como se tivesse passado vários dias escondi­do nos bosques, e seu rosto um tanto escurecido pelas sombras. Mas Isabelle o reconheceu imediatamente. Era o homem que invadira seus sonhos desde o seqüestro de Alexander.

— Olá, sua alteza — disse René Durand, abrindo um sor­riso malévolo. — Estava esperando por você.

— Espero que esteja feliz.

Paolo organizava as coisas na sua tenda, estranhamente desordenada. Acabara de sair do último teste de motores. Sua moto já estava pronta para a largada. Mas algo não parecia bem. Tirava o capacete quando olhou para cima e viu Magnus de pé na entrada.

— Estou muito feliz — disse Paolo. — Mais um motivo para que eu chegue à sua frente.

Seu meio-irmão cruzou os braços.

— Estou falando de Isabelle.

Paolo ainda ruminava as notícias sobre Alexander ser seu filho. Tinha um filho, um menino de nove anos de idade que ele abandonou graças a Isabelle.

— Não quero falar sobre ela — disse Paolo, que mal podia acreditar ter ouvido que era amado. Trincando a mandíbula, mudou de assunto: — Ah, escute, se alguma vez me acusar de trapaça, eu esmago sua cara.

Magnus ficou olhando para ele, assustado, depois suspirou.

— Você pode ser muito rude. No mundo dos negócios. No circuito de corridas. E tem muito mais êxitos que qualquer outro. Mas não pode me culpar se eu acho que...

— Eu ganho honestamente — respondeu Paolo.

Magnus apoiou as mãos na cintura. Seu macacão de cor­rida era angelical, branco e azul... Um enorme contraste com o de Paolo: de couro preto e vermelho.

— Estou começando a acreditar que sim.

— Ótimo — disse Paolo — Mas você se importa de sair, para que eu possa terminar de me arrumar para a corrida?

— Onde está Isabelle? — perguntou Magnus, olhando para todos os lados, pensando que Paolo a poderia ter escondido em algum lugar. — Quero dizer a ela que não estou magoado.

— Está arrumando suas coisas para partir, espero — disse.

O closet de Paolo estava lotado de roupas de Isabelle. Ves­tidos bonitos, blusas caras, lingerie sedutora. Naquela noite, quando voltasse para casa, tudo aquilo deveria ter desapare­cido. Voltaria ao seu armário vazio, à sua casa vazia.

Ótimo, disse a si mesmo, nervoso. Ela o amava? Mas se nem o respeitava... Provara muitas vezes que ele não signifi­ca nada em sua vida.

Mas Magnus balançava a cabeça.

— Não, caro amigo. Ela está aqui. E me deixou uma men­sagem dizendo que estaria torcendo por você — disse, suspi­rando mais uma vez. — Como se precisasse de torcida...

O desconforto de Paolo voltou com toda a carga.

— Quando ela enviou essa mensagem?

— Uma hora atrás.

Mesmo com o trânsito, deveria ter chegado. Com folga. Paolo tirou a cabeça para fora da tenda.

— Bertolli?

Ele veio imediatamente.

— Si, signore?

— Você viu a princesa Isabelle? Bertolli fez que não com a cabeça.

— Não, mas Signor Caretti, a corrida está a ponto de co­meçar. Precisa tomar sua posição.

— Certo — disse Magnus, cumprimentando Paolo de for­ma elegante. — Boa sorte. Eu o verei no final.

— Espere — disse Paolo, imediatamente. E virou-se para Bertolli: — A polícia encontrou Durand?

— Estão buscando, mas ele não apareceu em nenhuma lista de passageiros de aviões, barcos ou trens. Desapareceu. Devo mandar mais de nossos homens para ajudar?

Paolo sentiu um nó no estômago.

Durand.

E Isabelle.

Os dois desaparecidos...

— Você precisa tomar sua posição, signore — disse Bertolli. — Ou vai ser desqualificado...

— Que seja! — gritou Paolo. — Não passa de uma corrida!

Balançando a cabeça e murmurando coisas em italiano, Bertolli desapareceu.

Mas Magnus não se moveu. Ficou observando Paolo, com as sobrancelhas levantadas.

— Apenas uma corrida?

Jogando os cabelos para trás, Paolo respirou fundo. Se algo acontecesse a Isabelle, ele nunca se perdoaria. Prome­tera cuidar dela. Jurara. E falhara. Não a protegera do fotó­grafo de Anatole Beach. Não se assegurara de que seus guar­da-costas estivessem por perto quando saísse da Villa. Não a avisara que Durand estava solto.

Só tentou que ficasse grávida sem o seu consentimento.

Talvez ela tivesse razão em não confiar nele. Isabelle o traíra não contando nada sobre o filho que tiveram isso é certo. Mas ele também cometera certos erros...

Lembrou-se de uma coisa. De seus olhos acusadores, sua voz triste: Você não fez vasectomia, certo?

Ele não prestara atenção no momento, mas finalmente entendeu o porquê da pergunta. Não falhara. Ela estava grá­vida. Isabelle, seu filho, outro filho... E tudo perdido porque ele fora estupidamente orgulhoso para aceitar a verdade.

— Você a ama — disse Magnus. — Imaginei que estives­se apenas brincando, mas você a ama de verdade. O suficien­te para abrir mão do que mais gosta.

— Sim. — disse Paolo, parecendo cansado. E exatamente por isso não queria amá-la. Amar significa perder outras coi­sas. Estava determinado a permanecer sozinho para sempre. Era o piloto mais rápido do mundo, ninguém poderia alcan­çá-lo. Mas não fora rápido o suficiente. Mesmo esforçando-se ao máximo, apaixonou-se por ela.

Nunca se sentira assim.

Voltando à tenda, pegou o celular que estava numa mesa.

— Acho que René Durand já deve estar com ela.

— Durand? O marginal?

— Ele é mais que um marginal...

Mas antes que Paolo discasse para a polícia, seu telefone tocou. Olhou para o visor. Número não identificado.

— Alô.

— Tenho algo que você gosta muito. Paolo reconheceu aquela voz.

— Se fizer qualquer coisa com ela, eu mato você. Nem os urubus vão encontrar seus ossos.

— Anote um número. Está preparado?

Com o telefone agarrado entre o ombro e a orelha, pegou uma caneta na mesa e ficou procurando um pedaço de papel. Olhou duro para Magnus, que se aproximou com expressão assustada.

— Si — disse Paolo, nervoso. — Vá em frente. Durand lhe passou um número longo, que Paolo escreveu na manga branca do macacão do irmão.

— Logo que o dinheiro estiver na minha conta — disse o ex-guarda-costas —, digo onde poderá encontrá-la — e desligou.

— O que aconteceu? — perguntou Magnus. Paolo desligou o telefone com raiva.

— Ela foi seqüestrada.

— Seqüestrada?

— Ligue para a polícia — disse, passando-lhe o telefone. — Veja se podem encontrar algo.

— Mas... Aonde você vai?

Paolo ficou pensando nos sons que ouviu por trás da voz de Durand, aquele estranho eco.

— Tenho uma idéia de onde podem estar.

— Vou com você.

— Não, pode dar tudo errado. Meu irmão preciso que me ajude. Avise à polícia, aos guarda-costas do palácio... Avise a todos que encontrar — e saiu da tenda. — Bertolli! Reúna os nossos homens. Siga as ordens do príncipe Magnus até que eu volte. Mas, antes de qualquer coisa... Transfira esse dinheiro para essa conta.

Magnus estava pegando o telefone e Paolo apontou o núme­ro anotado na manga da sua roupa. O queixo de Bertolli caiu.

— Si, signore — disse, sem fôlego.

Pegando sua moto já preparada para a largada, Paolo ace­lerou frente à multidão.

— A polícia chegará em poucos minutos — disse Mag­nus. — Você poderia esperar.

— Não posso — disse Paolo, acelerando a moto.

— Já estão a caminho.

Esqueça a corrida, Paolo, ela pedira. Fique aqui e con­verse comigo. Mas ele lhe deu as costas. Ameaçou. Abando­nou Isabelle.

Seria tarde demais para salvar a mulher que amava? Tarde demais para salvar seu filho ainda não nascido?

Eu amo você, Isabelle, pensou. Agüente firme. Estou a caminho.

— O que pretende fazer sozinho? — perguntou Magnus.

— Espero chegar lá mais rápido — respondeu, acelerando a moto, fazendo um grande barulho ao passar por entre a multidão que esperava para ver a corrida para a qual Paolo se preparara toda sua vida.

— Boas notícias — disse Durand a Isabelle, de pé no pe­nhasco logo abaixo dela. — Seu amante resolveu pagar. Ele deve gostar muito de você. Se alguém pedisse um milhão de euros pela minha amante, eu diria que a levasse e fizesse o que quisesse com ela.

Isabelle tentou levantar o rosto e dizer que fosse ao inferno, mas não tinha forças. Durand usara um carro roubado para levá-la àquela praia. Amarrou seu corpo a uma pedra, próximo do local onde ela e Paolo tinham feito amor. Pura ironia.

— Então vai me deixar ir embora? — ela perguntou, entre os dentes. Tinha de soltá-la. Ela precisava sobreviver, para o bem do seu filho...

— Talvez. Se o dinheiro chegar à minha conta suíça an­tes de a maré subir — ele disse, dando de ombros. — Mas provavelmente não. Será mais fácil deixá-la onde está. Não haveria testemunhas.

Queria implorar pela criança não nascida, mas sabia que isso não o deixaria mais bondoso.

Se tivesse sido mais forte, mais capaz de lutar contra ele. Se tivesse seguido a ordem de Paolo, de que sempre deveria andar com guarda-costas...

Olhou para além de Durand, para as rochas acima da praia.

— Paolo vai matá-lo por fazer isso. Ele vai...

Mas suas palavras foram engolidas por uma onda que atingiu a pedra onde estava amarrada.

— Não se preocupe, não quero separar vocês dois — dis­se ao mesmo tempo em que discava números em seu celular. — Assim que meu dinheiro estiver disponível, ligo para ele.

Isabelle lutou contra as cordas que amarravam seus pulsos e sua cintura, mas passara a última hora sendo assombrada por Durand e pelas ondas do mar. A água já batia nos seus ombros, e chegava cada vez mais alto.

Tentou ficar calma e pensar. Precisava salvar Paolo e a vida que carregava em seu corpo. Tinha de pensar em algo. Algo. Qualquer coisa.

Ele continuava olhando para o celular, e finalmente deu um grito de triunfo.

— Aqui está. O dinheiro chegou. Ele pagou! — E des­ligou o telefone, com uma risada, depois olhou para ela.

— Acho que isso significa que você já não serve para nada, ma cherie. Imagino que agora deixaria que eu levasse o Monet, certo?

Outra onda forte a alcançou, fazendo com que uma boa quantidade de água entrasse por seus ouvidos, boca e nariz. Ela não podia ver nem ouvir nada. Ficou tossindo, tentando recuperar o ar.

Mas ao abrir os olhos viu um milagre, em tons borrados, como se fosse uma pintura impressionista.

Paolo vinha por trás de Durand, escondido nas árvores. Com um golpe de fúria, deu-lhe um soco. O celular voou longe, caindo no mar, sem fazer qualquer som.

O ex-guarda-costas meteu a mão no bolso, pegando uma pistola que brilhou sob o sol.

— Chegou tarde demais, italiano. O dinheiro é meu... Com um chute, Paolo conseguiu tirar a pistola da sua mão.

Os dois lutaram, rolando na beira do penhasco, logo acima de Isabelle. René Durand, com sua força e seus ombros largos, era um ótimo lutador, e não tinha medo de golpes baixos. Mas Paolo não parecia sentir seus golpes e patadas. Estava determinado.

— Você deveria ter seqüestrado a mim — disse Paolo, atirando-o no chão, batendo sua cabeça contra as pedras. Socou Durand com tanta força que Isabelle pode sentir o impacto.

— Seu idiota... Por que não veio me pegar?

— Paolo! — gritou Isabelle, e outra onda a atingiu, uma onda ainda maior. Ela não conseguia escapar das cordas. — Estou aqui embaixo. Rápido! —A água já tocava seu queixo. — Salve o nosso bebê — disse, em voz baixa.

Isabelle respirou fundo, duas vezes, mas outra onda...

— Isabelle — gritou Paolo. E deixando Durand de lado, desceu o penhasco correndo, louco por alcançá-la.

Seus olhos se encontraram, mas Isabelle sabia que não haveria tempo.

Estava a ponto de morrer. Ela e seu filho não nascido.

— Eu amo você — ela murmurou, sabendo que Paolo não escutaria, com o barulho das ondas e de seus pés, que cor­riam.

A onda a atingiu, e a água tomou conta de seu rosto, co­brindo sua testa. Ela segurou a respiração o máximo que pôde, mas não agüentou muito. Sentiu Paolo por perto, tentando desesperadamente liberá-la das cordas que a pren­diam. Sentia sua frustração, seu horror. Queria dizer o quan­to o amava. Que estava arrependida por escolher o dever, não o amor. Arrependida por duvidar de sua coragem e hon­ra. Queria dizer que sentia muito por nunca ter lhe dado a chance de criar seu filho.

Mas era tarde demais. Tarde para qualquer coisa. Seu cor­po se deixava levar. Ela abriu a boca e engoliu muita água.

A água tomou conta de seus pulmões, afogando-a.

Seu corpo colapsou e tudo ficou escuro à sua volta.

Enquanto a libertava das cordas, Paolo a sentia morrendo em seus braços.

Carregando-a pela água, usou toda sua força para chegar à praia. Mas ao colocá-la no chão, sob a magra faixa de areia branca acima da maré alta, era tarde demais. Ele a perdera.

— Non…

Ajoelhou-se. Virou-a de lado, depois pousou a cabeça de Isabelle contra a areia. Fez respiração boca a boca, pressão em seu peito. Mais respiração. Mais pressão.

Ela não respondia.

— Não! — ele gritou.

Agarrou suas costas, inclinando-se sobre o seu corpo, gri­tando. Finalmente agarrou-a contra o peito e deixou escapar um soluço da garganta, incontrolável.

— Não — murmurou. — Não me deixe...

Olhou para sua pele pálida, para seu rosto lindo, sem vida.

De repente, ela respirou. Tossiu, depois caiu na areia, dei­xando sair água do mar de sua boca.

Olhou para ele, perdida, pálida como um fantasma.

— Paolo...

Lágrimas escorreram pelo rosto de Paolo enquanto a en­carava, viva, milagrosamente respirando.

— Isabelle. Você voltou.

— Estou grávida. Você merecia saber. E não importa quanto tempo demore em me perdoar...

— Eu a perdôo — disse, silenciando-a com um beijo doce. — Eu amo você, Isabelle. Fui um idiota. Agora espero que me perdoe por falhar ao protegê-la...

— Você não falhou! — ela respondeu, indignada. — Es­tou viva! — Muito fraca, tossiu mais água do mar na areia, depois balançou a cabeça, agarrando-se ao peito molhado de Paolo. — Pelo menos acho que estou. Devo estar. Meu corpo dói.

Paolo ficou olhando para o rosto lindo dela, radiante de vida, e aquele instante foi como a recuperação de várias ma­nhãs de Natal reunidas em um único momento de alegria.

— Vou chamar o médico para nos certificarmos.

Ela abriu um sorriso, depois se agarrou à camiseta dele.

— Sinto muito, Paolo. Sinto que tenha duvidado de você. Nunca voltarei a duvidar. Eu o amo...

— Que emocionante.

Ao ouvir a voz de Durand, os dois olharam para cima. O seqüestrador tinha uma pistola apontada para eles.

— Já que a ama tanto, Caretti, vou deixar que escolha. Em quem devo atirar primeiro: em você ou na princesa?

Paolo sentiu um acesso de fúria.

— Deixe-a viver, Durand — disse, levantando-se, postando-se à frente de Isabelle, que ainda estava muito fraca para levantar-se. — Você tem o nosso dinheiro. Deixe-a em paz.

— Para que os carabiniers possam me assombrar como um criminoso, pelo resto da minha vida? Acho que não... — disse, levantando a pistola. — Quem primeiro? Você tem trinta segundos para decidir.

Paolo respirou fundo, rangendo os dentes. Sabia que po­deria escalar o penhasco e lutar com Durand, mas deixaria Isabelle e seu filho vulneráveis, desprotegidos.

Só tinha uma opção.

Disse em voz baixa, para que só Isabelle escutasse.

— Quando ele atirar em mim tente fugir para a água. Nade até um ponto que ele não possa alcançá-la.

— Não — ela sussurrou. — Não...

— Salve nosso filho — ele disse, olhando-a e sorrindo. — Conte histórias minhas para ele.

— O tempo acabou! — disse Durand.

— Atire em mim — respondeu Paolo.

— Não! — gritou Isabelle.

Quando Durand levantou a pistola, Paolo notou certa movimentação nas costas do seqüestrador. Duas sombras se aproximavam, e Durand gritou.

— Para o lado — ordenou a voz fria de uma mulher.

As pedras resvalaram por baixo dos pés de Durand, que caiu pelo penhasco, tentando agarrar qualquer coisa com as mãos, desesperado. A pistola disparou no ar, ecoando junto ao grito do criminoso que caía.

O corpo do guarda-costas chocou contra as pedras. Uma, duas vezes. Seu grito cessou quando finalmente foi tragado pelo mar impiedoso.

Paolo reconheceu os dois guarda-costas de Isabelle. Uma mulher elegantemente vestida, em um terno cinza estava atrás deles, olhando para o mar, com a testa franzida, demonstran­do toda a força da fúria de uma mãe vingativa.

— Ninguém machucará minha filha — ela disse. Olhou para Paolo e, lentamente, abriu um sorriso. — Ninguém.

Dois meses mais tarde, Isabelle caminhava para frente e para trás no quarto de Alexander, no palácio.

— Pare, por favor — disse seu marido, encarando-a por cima da sua edição do Wall Street Journal. — Você está dei­xando marcas no mármore.

— Não posso — ela respondeu, sentando-se numa cadei­ra. Estava se acostumando a usar roupas confortáveis, largas, e o vestido de veludo que usara para a coroação de Alexander não era uma exceção. — Somos recém-casados. Estou grávi­da. Acho que você poderia ser mais compreensivo.

— Todos nós temos de lidar com o estresse de alguma maneira — disse Paolo, em voz baixa, virando a página do jornal. — Agora mesmo, estou fazendo isso lendo a página de economia.

Isabelle não acreditava nele — especialmente ao ver a maneira como batia com os pés no chão. Estava tão nervoso quanto ela.

Quando Alexander finalmente entrou no quarto, os dois ficaram de pé, como alunos frente ao professor. Seu filho já não usava a antiga coroa de pedras preciosas que recen­temente fora posta em sua cabeça pelo arcebispo — ela já estava no cofre que guardava todo o tesouro da coroa de Luceran. Mas, vendo tanta pompa aquela manhã, quando foi coroado na catedral, numa recepção assistida por chefes de Estado de todo o mundo, Isabelle pensou que, mesmo sem a coroa, Alexander parecia mais alto. Mais velho. De alguma forma, ganhara estatura, força e anos em apenas uma hora.

— Sinto muito se fiz vocês esperarem — disse, com um aceno formal. — Por favor, sentem-se.

— Tudo bem — disse Isabelle, desajeitada.

— Nós sabemos que está ocupado — disse Paolo, batendo com o calcanhar.

Quando os dois já estavam sentados, Alexander sentou-se numa cadeira e cruzou as pernas no assento.

— Estou exausto. Acho que vou pedir um pouco de sorve­te, se vocês não se importarem.

— Claro que não nos importamos — disse Paolo. De repente, Isabelle não pôde agüentar mais.

— Alexander, precisamos contar-lhe uma coisa — disse, mordendo os lábios e olhando para Paolo.

Ele limpou a garganta e confirmou:

— É verdade.

E voltou a olhar para Isabelle.

— O quê? — perguntou Alexander. — Algum problema na fábrica?

— Não, a fábrica vai bem — disse Paolo. — Contratamos a metade da ilha, e o negócio cresce a cada dia.

— Então deixe eu adivinhar — disse Alexander, olhando para Isabelle. — Grandmère a convenceu para que se ca­sasse de novo, numa cerimônia de Estado? Eu admito tia Isabelle, que fiquei surpreso quando você insistiu numa ce­rimônia tão pequena. Imaginei que quisesse o maior bolo já visto na face da terra.

Paolo estava sem ar, certamente lembrando-se dos quatro pedaços de bolo que ela comera na noite anterior, em seu primeiro desejo real de grávida. Mas foi por culpa dele que comeu tanto, ela pensou. Paolo e sua mãe a tentavam, sem­pre trazendo coisas gostosas para que comesse mais, para o bem do bebê. Era inacreditável que Isabelle ainda pudesse vestir o que quer que fosse.

Balançando a cabeça, e após um suspiro, Isabelle disse:

— Alexander, pensamos muito em se deveríamos ou não contar-lhe, mas… — e olhou para o marido, antes de pros­seguir: — ... Decidimos que contar a verdade é sempre me­lhor. E por isso lhe dizemos... Quero dizer, você deve saber que...

E olhou para Paolo, desesperada.

Ele se aproximou e segurou sua mão. Imediatamente, Isabelle relaxou. Desde aquele dia na praia, quando Paolo salvara sua vida, não havia segredo entre eles dois. Era seu protetor, seu amante, seu marido. O pai dos seus filhos. Ele a reconfortava todos os dias.

Exceto claro, quando a deixava louca. Como fizera na noite anterior, na cama. Três vezes. Isabelle não sabia se eram os hormônios da gravidez ou se ele sabia exatamente como tocá-la, mas ela não agüentava.

E, para a sua felicidade, Paolo adorava levá-la ao máximo grau de prazer, uma e outra vez...

Sentiu suas bochechas coradas. E Paolo a olhou, queren­do dizer que naquela noite teria muito mais prazer, além da sobremesa.

Ele se virou para Alexander.

— A verdade, Alexander, é que você é nosso filho — dis­se, em tom suave.

O menino ficou olhando para os dois, com os olhos arre­galados.

— Sei que é um choque para você — disse Paolo, cocan­do sua nuca. — Se eu soubesse disse alguns meses atrás...

Isabelle se ajoelhou na frente do filho, tocando seu braço.

— Sei que temos muito que explicar, mas, por favor, tenha certeza que Maxim e Karim o amavam. Assim como nós o amamos.

— Eu sei — ele disse, olhando para os dois, surpreso, pis­cando os olhos. — Mas imaginei que não deveríamos falar sobre isso.

Isabelle ficou sem reação.

— Você sabe? O que está querendo dizer?

— Mamãe e papai me contaram a verdade meses antes de morrerem. Disseram que eu era grande o suficiente para saber que vocês eram meus pais verdadeiros. Mas disseram também que nunca deveria tocar nesse assunto, pois, mes­mo me amando muito, eles sabiam que vocês tinham sofrido muito ao abrir mão de mim — disse, olhando para Paolo. — Desde o momento em que você me salvou naquela fazen­da provençal, fiquei imaginando que seria meu pai. Somos muito parecidos. Eu queria perguntar, mas jurei aos meus pais. Mas agora... — disse, com um sorriso aberto —, fo­ram vocês que falaram, e posso perguntar o que quiser. Mas primeiro: sorvete. Essa história de governar um país é muito cansativa.

Isabelle ficou olhando para o filho enquanto ele tocava o sino. Quando uma servente chegou, ele pediu:

— Sorvete para três. Não — disse, olhando para a barriga de Isabelle. — Quatro.

Isabelle sentou-se no colo do marido, olhando seu filho, maravilhada. Alexander já sabia. Sempre soube.

Nesse momento, ela percebeu que tudo terminaria bem. Muito bem.

Paolo a abraçou beijou seu rosto.

— Somos uma família — ele murmurou. — Para sempre.

— Para sempre — ela concordou, suspirando.

E, recostada no marido que adorava, não podia imaginar nada melhor que viver num palácio, ao lado do homem mais sexy do mundo, seu filho amado e um bebê a caminho... Tudo regado a bolo e sorvete.

 

 

                                                                  Jennie Lucas

 

 

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