Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


KISS OF VENOM / Jennifer Estep
KISS OF VENOM / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

A série Elemental Assassin, do New York Times, continua com um novo conto – do ponto de vista do herói! Owen Grayson está compelido e determinado a proteger Gin... Caso seus inimigos não a pegarem primeiro.
Quando você tem uma história de namorar uma assassina, uma noite na cidade pode se tornar mortal – rapidamente. Owen Grayson ainda se sente culpado pelo fim de seu relacionamento com Gin Blanco, e não há gin e tônica suficientes em Ashland para aliviar sua mágoa. Mas quando Gin aparece na mesma boate, ele não é o único com a esperança de tê-la sozinha. Algumas figuras sombrias farão qualquer coisa para derrubar a Aranha, o nome de assassina de Gin, e Owen fará qualquer coisa para protegê-la. Este poderia ser o caminho para reconquistá-la, ou pelo menos dar-lhe uma noite de folga de lutar por sua vida – se Owen puder sobreviver...

 

 


Capítulo 1

 

— Você é um idiota.

Eu olhei para o meu melhor amigo, Phillip Kincaid. — Sério? Eu sou um idiota? Porque eu diria que é preciso ser um para reconhecer outro.

Phillip bufou e tomou outro gole de seu uísque. Ele me estudou sobre a borda do copo, seu olhar azul calmamente olhando para a máscara em branco do meu rosto a fim de ver o homem real espreitando por baixo. Engraçado, quão bem ele ainda podia me ler, embora estivéssemos afastados há anos e só recentemente reconectado. Depois de um momento, ele sorriu e franziu as sobrancelhas para mim.

Eu suspirei, sabendo que ele continuaria sorrindo como um tolo até que eu fizesse a ele a inevitável pergunta. — E porque, exatamente, eu sou um idiota?

— Porque já estamos aqui há uma hora e você não fez sequer um contato visual com uma mulher solteira. — Phillip usou sua bebida para mostrar a cena diante de nós. — E há muitas para escolher, Owen. Loiras, morenas, até algumas ruivas. Humanas, vampiras, gigantes, anãs, elementais. Escolha qual quiser.

Phillip estava certo. Havia muitas mulheres dentro da Northern Aggression, a boate mais extravagante de Ashland. Nós estávamos sentados em uma cabine nos fundos, nos dando uma visão clara do resto do clube. Homens e mulheres de todas as formas, tamanhos e idades agitavam-se felizes em uma batida de rock na pista de dança, enquanto outros se agrupavam em torno do bar de gelo elementar ao longo da parede, bebendo drinques e já ansiosos para a próxima rodada. Fumaça espiralou no ar enquanto as pessoas aspiravam cigarros, charutos e outras coisas que não eram exatamente legais. As espessas nuvens cinzentas se agarravam como uma camada de névoa nas cortinas vermelhas de veludo que cobriam as paredes.

Northern Aggression era o tipo de lugar onde qualquer coisa acontecia, fosse nas salas VIP mais privadas ou aqui fora, à vista de todos. Algumas das pessoas que não estavam dançando, bebendo ou fumando, estavam envolvidas em... atividades mais apaixonadas. Um casal se beijou profundamente em uma mesa à minha direita, seus corpos juntaram-se, suas mãos vagando umas pelas outras como se o resto do mundo não existisse. Enquanto isso, o estande atrás de mim balançava para frente e para trás com as acrobacias atléticas do casal lá dentro, embora a música estridente abafasse seus gritos roucos de prazer.

Um balanço particularmente vigoroso do estande me fez suspirar, inclinar e tomar meu gin-tônica, terminando a bebida. Phillip me arrastou para o clube hoje à noite para celebrar sua recuperação após ser baleado no peito durante um assalto que deu errado no museu de arte Briartop algumas semanas atrás. Ou talvez tenha sido um roubo que deu certo, considerando que Clementine Barker e a maior parte de sua gangue de gigantes acabou morta no final. Mas pensar naquela noite invocava muitas lembranças para mim, especialmente de uma linda mulher em um vestido vermelho-sangue...

— Oi, docinho, — uma voz disse alto o suficiente para ser ouvida sobre a música.

Talvez tenha sido a maneira um pouco zombeteira que ela soltou o docinho, mas o som de sua voz fez minha cabeça se levantar, pensando que ela estava aqui esta noite, esperando que ela estivesse...

Mas não era ela. Em vez disso, uma mulher bonita com pele bronzeada, olhos castanhos e cabelo preto espetado quase como um moicano ficou na frente da nossa cabine. Por um momento, pensei que ela viria conversar com Phillip, desde que ele estava ativamente olhando para as mulheres desde que chegamos, mas depois percebi que ela segurava uma bandeja redonda. O pingente de coração e flecha dourada que brilhava na cavidade da sua garganta a marcava como mais do que apenas uma garçonete. A runa era o símbolo de Roslyn Phillips, a dona da boate de luxo – e de todas as prostitutas que trabalhavam aqui.

Vários homens e mulheres usando o mesmo colar circulavam pela pista de dança e pelas multidões no bar, suas runas douradas piscando como sinais de néon sob as luzes negras do clube, deixando todos saberem que estavam abertos para negócios. Todos eles eram bonitos, jovens e revelavam muita pele, deixando pouco para a imaginação. A maioria deles eram vampiros, e todos eles fariam o que fosse você quisesse – pelo preço certo.

A garçonete inclinou o quadril para um lado, sua minissaia de couro vermelho subindo ainda mais em suas coxas tonificadas. — Olá. Meu nome é Sierra. Posso pegar outra rodada para vocês?

Phillip deu um sorriso lento e doce para ela. — Docinho, você pode pegar praticamente qualquer coisa que você gostar.

Ela riu com isso, tendo provavelmente ouvido a mesma cantada fraca de pelo menos uma dúzia de outros homens esta noite. Ela sorriu para ele, revelando um par de pequenas presas brancas como pérolas. Phillip deu-lhe uma piscadela atrevida, o que a fez rir um pouco mais.

Então, Sierra virou seu sorriso sedutor para mim. — E você bonito? Vê alguma coisa no menu que você goste? Qualquer coisa? — Ela disse qualquer coisa, então lambeu seus lábios carmesins, deixando-me saber que ela também estava no cardápio, como se aquela runa em volta do seu pescoço já não tivesse me mostrado esse fato.

Phillip sorriu e ergueu suas sobrancelhas para mim novamente, mas eu balancei a cabeça.

— Só mais uma bebida para mim, por favor, — eu disse, empurrando meu copo vazio em direção a ela.

Ela fez um pouco de beicinho, mas pegou nossos copos e se afastou. Phillip se inclinou para fora da cabine e a observou ir, admirando a vista.

— Essa foi uma oportunidade desperdiçada, se você me perguntar, — ele disse. — Ela era fofa.

Sierra era fofa, mas não era o meu tipo – porque ela não tinha olhos cinza claros que poderiam ver através de você, ou um sorriso que poderia iluminar um quarto com apenas uma pequena curva de seus lábios. Eu não me incomodei em dizer a Phillip tudo isso, no entanto. Ele acabou de dizer que eu estava sendo melancólico e sentimental, imaginando algo que eu não poderia ter, algo que eu tinha sido estúpido o suficiente para jogar fora, algo que eu realmente não havia apreciado até que se foi.

Phillip tomou minha falta de resposta como um sinal para continuar falando. — Vamos, Owen, — ele murmurou; seu olhar se aproximando de uma ruiva linda, entusiasticamente girando seus quadris – junto com todo o resto – na pista de dança. — Viemos aqui esta noite para nos divertir. Ou você esqueceu?

Com seu rabo de cavalo loiro, olhos azuis escuros, e corpo forte e musculoso, Phillip atraiu mais do que sua parcela de olhares de admiração, especialmente tendo em vista o elegante terno branco da Fiona Fine que ele ostentava hoje à noite. Com meus cabelos negros, olhos violetas e um terno marinho muito mais suave, eu estava com uma aparência escura à sua clara resplandecência. Eu não era tão bonito quanto Phillip, especialmente dado o meu nariz torto e a cicatriz no meu queixo de uma luta antiga, mas também não era invisível. Eu tinha minha parte de olhares interessados. Eu simplesmente não sentia vontade de devolver nenhum deles. Sim, Owen Grayson estava oficialmente no serviço de acompanhante esta noite.

— Oh, não, — respondi em uma voz suave. — Eu não esqueci nada. Mas parece que você sim – tudo sobre Eva.

Phillip parou de cobiçar a ruiva por tempo suficiente para estreitar os olhos para mim. — O que você quer dizer com isso?

— Vamos, Phillip. Eu posso ser um idiota, mas não sou cego, — eu disse, zombando dele com suas próprias palavras. — Eu vejo o jeito que vocês dois se olham.

Ele fez uma careta. — E eu posso ver que você não está muito feliz com isso. Então eu pensei que não traria isso esta noite. Ou em qualquer noite, para esse assunto.

Desta vez eu franzi minhas sobrancelhas para ele. — Minha irmãzinha não está tão secretamente apaixonada por um dos chefões do crime mais implacáveis de Ashland. O que há para não gostar?

A careta de Phillip se aprofundou, porque cada palavra que eu disse era verdade. Eva estava louca por ele, e Phillip se sentia da mesma forma por ela, apesar do fato de que ela ainda estava na faculdade e ele, dono do ilustre cassino flutuante Delta Queen, não era exatamente um dos caras mais legais da cidade. Então, novamente, caras legais só encontram uma coisa em Ashland: morte.

Ainda assim, eu não podia julgar Phillip, pelo menos não por sua profissão, já que eu fiz muitas coisas ruins ao longo dos anos. Sem mencionar o fato de que passei os últimos meses namorando uma assassina.

Soltei um suspiro. — Olha, me desculpe. Eu não quis dizer isso. Não seriamente. Eu quero que Eva seja feliz, e você também. É apenas...

— Você acha que eu sou muito velho para ela, — Phillip terminou. — E o que eu faço e quem eu sou são muito perigosos para ela estar por perto. E você estaria absolutamente correto em todos os aspectos.

Eva recentemente completou 20 anos, enquanto Phillip, um amigo nosso de infância, era cerca de dez anos mais velho. Ele estava certo. Eu não gostava da diferença de idade, mas estava mais preocupado com Eva se tornando um alvo para todos os inimigos de Phillip, os quais poderiam usá-la para machucá-lo.

Contudo, ao invés de concordar com ele, dei de ombros, sem saber o que dizer sem tornar as coisas piores. Algo que estava se tornando cada vez mais um problema ultimamente. Minha boca e as palavras que surgiram continuavam me deixando em apuros com as pessoas com quem eu me importava.

Sierra retornou com nossas bebidas, me impedindo de enterrar-me mais fundo. Phillip tomou o uísque com um gole rápido, colocou o copo vazio na bandeja e disse a ela para lhe trazer outro. Eu empurrei meu gin para um lado da mesa, tendo perdido minha sede.

Nós não falamos, e a música pulsante não fez nada para quebrar o repentino constrangimento entre nós. Foi só depois que Sierra trazer-lhe outra bebida que Phillip finalmente olhou para mim novamente.

— Não se preocupe, — ele disse. — Não colocarei a mão em Eva.

— Eu sei, eu sei que você não faria algo assim.

Eu me arrependi das palavras assim que elas saíram da minha boca. Porque eu julguei mal Phillip no passado. Odiava-o, o insultei, achava que ele era o pior tipo de escória imaginável, e desejei ativamente que ele morresse – por anos. E perdi tanto por causa disso.

Por causa de Salina Dubois e todas as suas mentiras.

Dúvida cintilou nos olhos de Phillip, e eu sabia que ele estava se perguntando se eu realmente falava sério. A suspeita dele era bem merecida, e doía tanto como se um gigante tivesse me dado um soco no estômago. Toda vez que eu pensava que estava finalmente passando pelo que a Salina havia feito para mim e para os meus entes queridos, algo assim surgia – eu dizia ou fazia alguma coisa pequena, estúpida e impensada, trazendo à tona toda a angústia, raiva e acusações do passado. Mas eu não tinha ninguém para culpar além de mim mesmo. Fui eu quem infligiu Salina a todos, simplesmente amando cegamente e confiando nela.

Mas antes que eu novamente pudesse tranquilizar Phillip de que eu sabia que ele nunca machucaria Eva, ele franziu a testa e olhou para frente do clube.

— Bem, bem, bem, — ele disse, soltando um assobio de apreciação. — Olha quem mais saiu para se divertir um pouco esta noite.

Olhei naquela direção e imediatamente congelei.

Ela era alta e magra, com um caminhar que era de alguma forma simples e sedutor ao mesmo tempo. Ao contrário da maioria das outras mulheres que vestiam o mínimo que podiam, ela usava jeans, botas pretas de salto baixo, e uma jaqueta de couro preta sobre uma blusa escarlate, para esconder as facas que carregava. Ela quase sempre usava cores escuras, mas elas se adequavam a ela.

Ela não era a mulher mais bonita do clube, mas havia algo nela que chamava a atenção e fazia você continuar observando-a. Talvez fosse o sorriso pequeno e divertido que sempre parecia tocar seus lábios, os longos e confiantes passos, ou a luz fria e clara que ardia em seus olhos cinzentos.

Sussurros surgiram em seu rastro conforme ela se movia pelo clube, mas ela os ignorou. Ela ficou boa nisso nesses últimos meses. Ela precisou. Ainda assim, alguns dos murmúrios me alcançaram, apesar da música.

— É ela?

— Ah, sim, é ela, certamente.

— Melhor ficar longe, cara. Ou ela te cortará em pedacinhos.

É claro que a música terminou bem a tempo de todos no clube ouvirem a última declaração, e a mulher em questão fez uma pausa para olhar ao anão que disse isso. Sua boca se abriu e ele recuou, tentando desaparecer na multidão. Ela o deixou ir. Seus olhos giraram ao redor, indo calmamente de um lado ao outro, mas de repente, todos estavam muito interessados em voltar para a pista de dança ou pegar uma bebida no bar. Após um momento, ela seguiu andando.

Gin Blanco. A assassina Aranha. A mulher que eu amava – aquela que eu traíra.


Capítulo 2

 

Gin caminhou até o bar de gelo elementar. Uma mulher loira caminhou ao lado dela – Bria, sua irmã mais nova – mas eu estava completamente focado em Gin.

Como que por magia, assim que ela se aproximou, dois assentos se abriram na extremidade do bar lotado. Mas não foi por causa de qualquer tipo de poder elementar. Era apenas Gin entrando em uma sala e as pessoas se apressando para fazer o que achavam que iria agradá-la – e impedir que fossem cortadas com uma das suas facas de silverstone.

Uma das poucas vantagens de ter uma reputação foda como a da Aranha. Uma que Gin nunca deu muita importância, e que era uma das muitas coisas que eu amava nela. Com sua magia de Gelo e Pedra, Gin era um dos elementais mais poderosos de Ashland, e poderia facilmente ter agido e tomado o lugar da falecida Mab Monroe como a rainha do submundo. Mas ela não fez isso. Tudo que Gin queria era ficar sozinha para viver uma vida legal e tranquila.

Por um tempo, eu fiz parte dessa vida legal e tranquila. Bem, tão legal e tranquila quanto a vida de Gin já teve, o que não era muito, considerando todos os bandidos que a queriam morta. Mesmo agora, depois de tudo o que aconteceu entre nós, eu ainda queria ser parte dessa vida, da vida dela, embora eu não merecesse mais – ou mais especificamente, ela.

Gin se sentou em um banquinho, e sua irmã se sentou em outro, tão calma e confiante quanto poderia ser . A detetive Bria Coolidge era uma Elemental do Gelo e poderosa por direito próprio.

Gin se inclinou e disse alguma coisa ao barman. Por um momento, a luz azul clara que queimava nos olhos do homem cintilou quando ele perdeu o controle de sua magia de Gelo. Ele estava nervoso, mas não deveria estar. Gin não o mataria, a menos que ele tentasse matá-la primeiro. E se o fizesse, bem, seria a última coisa que ele faria.

Gin, a Aranha, não tinha uma reputação implacável por nada.

Mesmo que tivesse pelo menos duas dúzias de pessoas esperando por suas bebidas, o barman ignorou todos os outros e rapidamente preparou o pedido delas. Ele deslizou um mojito até Bria, depois derramou um líquido claro sobre o gelo, adornou-o com uma fatia de limão, deixou o copo em um guardanapo branco e colocou cuidadosamente na frente de Gin antes de inclinar a cabeça e se afastar.

Gin tomou um gole. Ela deu ao barman um aceno de aprovação. Um sorriso grande e bobo se espalhou pelo rosto dele. Depois de um momento, uma das garçonetes cutucou o barman, quebrando o feitiço de Gin sobre ele, e o cara se apressou em servir o resto dos pedidos. Mas ele continuou sorrindo e olhando disfarçadamente para Gin conforme preparava bebidas para os próximos clientes.

— Por favor, me diga que ela está bebendo algo diferente de gin, — Phillip murmurou.

Eu sorri. — Provavelmente não. Ela gosta da ironia.

Os olhos dele caíram para o copo de gin na mesa, o que eu pedi, a mesma coisa que eu bebi a noite toda. — Aparentemente, alguém também gosta.

Mantive meu rosto em branco, mas afastei o copo.

Mais murmúrios ondulantes atravessaram o clube, e mais uma vez a multidão se separou, desta vez em apreciação da beleza da mulher andando no meio deles. Cabelos negros, feições impecáveis, olhos e pele cor de caramelo. Seu corpo teria feito inveja a qualquer modelo, para não mencionar a maneira graciosa que ela andava. Ela usava um terninho verde escuro, do tipo que você esperaria encontrar em qualquer escritório corporativo, mas o tecido não fazia pouco para disfarçar suas curvas exuberantes. Eu também a conhecia. Roslyn Phillips, a proprietária do clube e uma das amigas de Gin.

Roslyn foi até o bar. Ela, Gin e Bria se abraçaram, depois trocaram alguns elogios rápidos antes que Roslyn se afastasse para a multidão a fim de cumprimentar seus outros fregueses e se certificar de que todos tivessem o que precisavam.

Gin girou em seu banquinho, sua bebida ainda em sua mão. Bria fez o mesmo e ambas olharam para o clube. Olhos cautelosos, rostos uniformes, ombros tensos. À procura de qualquer perigo, encrenca ou problemas que possam estar a caminho. Após alguns minutos, Bria pareceu satisfeita por estar calmo. Ela começou a beber sua bebida e conversar com a irmã, mas Gin continuou olhando e vasculhando o clube, desde o bar de gelo até a pista de dança e as cabines nos fundos. Em alerta, o jeito que ela precisava estar simplesmente para continuar viva ultimamente.

Finalmente, seu olhar encontrou o meu.

Seus olhos se estreitaram um pouquinho, como se estivesse surpresa em me ver aqui, mas manteve o resto de suas feições suaves e vazias. Gin tinha a melhor cara de pôquer que eu já vi. Ela raramente mostrava o que estava sentindo – exceto pela dor terrível que eu causara a ela. Mesmo agora, isso brilhava nos olhos dela, cintilando uma luz forte e acusadora. Ou talvez eu visse apenas minha própria culpa refletida em seu olhar.

Ficamos nos olhando por um bom tempo antes de eu finalmente sorrir, levantar minha mão e acenar para ela, como se fôssemos dois amigos casuais que se viram através de uma sala lotada em vez de... bem, eu não sabia o que éramos agora. Amantes separados parecia tão formal, tão negativo, mas eu supus que era a coisa mais próxima da verdade.

Depois de um momento, Gin sorriu e acenou, combinando meu gesto amigável de fachada com um aceno. Bria virou a cabeça para ver para quem ela acenava, e sua boca enrugou com desagrado. Bria não gostava muito de mim ultimamente, mas eu não podia culpá-la por isso depois do jeito que eu tratei Gin.

Não depois da maneira horrível que eu a machuquei uma e outra vez. — Você deveria ir até lá, — Phillip disse. — Ofereça-se para comprar uma bebida para ela. Outro gin para Gin, por assim dizer. — Ele riu.

— Olhe para você, — brinquei. — Sendo todo inteligente com suas palavras.

— Foi você quem disse que ela gostava da ironia.

Sorri para ele. — Ela também gosta de enfiar facas em pessoas que a incomodam, algo que você parece se destacar.

Phillip estremeceu. — Confie em mim, eu lembro. Pensei que ela ia me abrir naquela noite no meu escritório no Delta Queen.

Isso aconteceu no começo de toda essa história sórdida, quando Salina retornou a Ashland e tentou matar Phillip antes que Gin a parasse. Quando eu ainda pensava erroneamente que Phillip havia tentado estuprar Salina, minha ex-noiva, quando éramos mais jovens. Mas na verdade, tudo o que Phillip fizera foi proteger Eva de ser cruelmente torturada pela magia da água de Salina. flagrei Phillip com Salina e estupidamente acreditei nas alegações dela, e quase o espanquei até a morte como resultado. Mesmo agora, semanas após a morte de Salina, o pensamento de como eu estava errado sobre ela fez minha barriga revirar com culpa e auto aversão.

Eu não sei porque, mas Phillip me perdoou, embora eu não merecesse isso ou a amizade dele. Meu olhar ficou fixo em Gin. Havia muitas coisas que eu não merecia agora.

Gin me saudou com sua bebida novamente, quase como se estivesse se despedindo. Eu fiz o mesmo, e então ela se virou e começou a conversar com Bria, concentrando-se em sua irmã em vez de mim. Mas continuei observando-a. Eu não conseguia tirar meus os olhos dela – e nem os outros homens do clube.

Na meia hora seguinte, alguns caras se aproximaram de Gin, aproximando-se dela com sorrisos bajuladores e se oferecendo para comprar uma bebida para ela. Mas ela ignorou todos eles e continuou tomando seu próprio gin. Os homens rapidamente voltaram sua atenção para Bria, mas ela os dispensou também, já que Bria estava envolvida com Finnegan Lane, irmão adotivo de Gin.

Mas um cara foi mais persistente do que todos os outros. Ele era um gigante, quase dois metros de altura, com um corpo esguio e musculoso. Sua camiseta azul-bebê era tão apertada que parecia que iria rasgar no centro caso ele respirasse fundo demais. Seu cabelo loiro escuro estava arrepiado na testa, e liso no resto da cabeça. Sua pele bronzeada fazia seus olhos claros parecerem muito iluminados, e seus dentes brancos brilhavam na semiescuridão do clube. A maioria das mulheres teria pensado que ele era atraente. Na verdade, eu vi mais de uma dar a ele um olhar avaliador. Eu bufei. Garoto bonito. Provavelmente não poderia aguentar um soco no rosto por medo de arruinar seu sorriso perfeito.

Ele se inclinou e disse algo para Gin. Em vez de espantá-lo, ela sorriu para ele, como se ele a tivesse divertido. Ele gesticulou para a pista de dança. Meu intestino se retorceu e minha mão se achatou contra o tampo da mesa. Depois de um momento, Gin sacudiu a cabeça.

Ele disse outra coisa e gesticulou para a pista de dança novamente, obviamente pensando que poderia convence-la se tentasse com força suficiente. Meus dedos começaram a bater um padrão rápido, mas Gin sacudiu a cabeça novamente.

Ele continuou falando, obviamente não querendo aceitar um não como resposta. Meus dedos pararam, em seguida enrolaram em um punho apertado.

Aparentemente, Gin não o achava mais divertido. Ela deu a ele um olhar frio e plano e começou a dizer algo, mas Bria tirou o distintivo dourado de detetive do cinto e mostrou para o cara. Isso finalmente foi o suficiente para fazê-lo recuar. Ele deu a ambas um olhar azedo antes de voltar para a multidão.

— Alguém deveria dar um soco no rosto daquele idiota por incomodá-la, — murmurei.

Phillip riu. — Sabe o quê? Eu acho que o ciúme combina com você.

Virei meu olhar para ele. — Talvez eu devesse dar um soco na sua cara também.

Ele continuou rindo. Aparentemente, todos os outros homens do clube viram o gigante paquerar Gin e decidiram tentar a sorte, porque era como se as comportas proverbiais se abrissem. Um após o outro, os pavões enfeitados – ênfase nos pavões – separaram do rebanho, aproximaram-se e começaram dar em cima dela. Logo eu nem conseguia ver Gin através do aglomerado de homens.

Ainda assim, continuei lançando olhares naquela direção. Não pude evitar, assim como não consegui parar de olhar para Gin no museu Briartop quando a notei na rotunda. Gin provavelmente pensou que eu fui até ela porque a confundi com outra pessoa, mas eu nunca poderia fazer isso. Eu a reconheceria em qualquer lugar. Ela parecia tão bonita naquela noite, seu vestido vermelho-sangue ondulando ao redor dela, seu cabelo castanho escuro solto e ligeiramente ondulado, a pele de seus braços e ombros parecendo tão suave e impecável como mármore.

Mas Gin nunca parecera tão maravilhosa como no momento em que ela invadiu a área do cofre do museu, e eu percebi que ela ainda estava viva, acabando com a completa agonia de pensar que ela havia sido assassinada por Clementine e seus homens. Gin estava suja, suada e coberta de sangue de gigantes, mas não me importei. Eu a peguei e a beijei, e queria continuar beijando-a para sempre...

A música parou de novo por um momento, e a multidão se acalmou o suficiente para eu ouvir uma risada suave e baixa, a risada de Gin. Algo mais que eu teria reconhecido em qualquer lugar. Ela realmente achava engraçado um dos pavões. Não pude ver quem era, mas ela riu novamente. O que era ele? Um comediante?

A risada dela me alcançou pela terceira vez, e peguei meu copo e tomei o gin. Mas o queimar lento e constante da bebida na boca do meu estômago não conseguia aliviar a dor aguda e dolorosa em meu peito. Porque deveria ter sido eu no bar com ela. Deveria ser eu fazendo-a rir esta noite. Não algum estranho aleatório.

Eu teria sido aquele homem, se não fosse por minha própria estupidez. E isso é o que me machucava e me enfurecia mais do que qualquer outra coisa.

Gin riu novamente, o som atingindo o meu estômago. E eu sabia que precisava sair dali antes de fazer algo extremamente estúpido, como marchar até o bar e dar um soco em cada cara que a cobiçava.

— Preciso de ar, — rosnei.

Phillip lançou um olhar divertido para mim. — Claro que sim.

Fiz uma careta, saí da cabine e fui embora.


Capítulo 3

 

Já passava das dez, e a Northern Aggression estava em alta velocidade. A pista de dança estava tão lotada que eu não conseguia chegar ao outro lado sem usar força bruta. Com o humor que eu estava, não me importaria de empurrar alguns dançarinos para fora do meu caminho. Na verdade, eu não teria me importado de estar no meio de uma boa, antiquada e barulhenta briga de bar, mas não havia razão para atirar minha raiva e frustração nas pessoas que estavam aqui apenas para se divertir. Então, ao invés de sair, acabei indo para o único outro refúgio um tanto quieto no clube: o banheiro masculino.

Como todo o resto da Northern Aggression, o banheiro masculino era feito em estilo luxuoso. O chão da sala externa era feito do mesmo bambu flexível que o resto do clube, e vários pequenos sofás de veludo vermelho se espalhavam pelo amplo espaço. A runa de coração e flecha de Roslyn estava bordada em fios dourados em cada uma das almofadas apoiadas no grosso estofamento.

Achei que os pequenos sofás era um toque estranho, já que eu nunca vi um homem realmente sentar em qualquer um deles. Mas, aparentemente, eles eram ótimos lugares para dormir de ressaca. Um anão estava roncando no sofá no canto agora. Já que ele media pouco mais que um metro e meio de altura, ele realmente se encaixava no móvel, embora uma de suas pernas estivesse pendurada de lado. Não demoraria muito para que a gravidade o alcançasse e ele escorregasse do veludo liso, acabando de cara no chão e roncando na madeira.

Passei pela porta interna e entrei no banheiro de verdade. Dois vampiros sussurravam um para o outro na frente do dispensador de papel-toalha. Eles pararam e me deram olhares desconfiados quando entrei. Provavelmente interrompi algum tipo de acordo por drogas, sangue, sexo ou todos os três. Como parecia que eles queriam privacidade, passei por eles e entrei na cabine mais distante. Alguns segundos depois, os sussurros recomeçaram, e a porta se abriu e depois se fechou enquanto os vampiros se afastavam. Aparentemente, eles concluíram seus negócios e seguiram em frente. Bom para eles. Alguém aqui deveria se divertir hoje à noite.

Permaneci na cabine e olhei para a porta na minha frente. Talvez fosse a maneira como a luz brilhava no metal, mas de repente, eu estava pensando em outro lugar, outra hora. O gramado de um local elegante e a brilhante camada de gelo elementar que cobria tudo, inclusive as fontes quebradas e congeladas instaladas na grama...

Salina deitada no gelo, estendendo a mão dela, implorando para que eu a ajudasse, para que a salvasse. Um brilho louco nos olhos dela, algo que eu de alguma maneira nunca tinha visto antes. Minha percepção afiada, doentia e horrorizada de que o brilho louco estivera lá o tempo todo, e que todos os outros tinham visto, menos eu.

Gin olhando solenemente para mim, sabendo o que precisava ser feito agora e que eu não podia fazer isso. Phillip e o irmão adotivo de Gin, Finn, apertando as mãos nos meus braços, me segurando enquanto eu fazia um esforço hesitante para me libertar, e todos nós sabendo que, na verdade, eu não queria estar livre.

Gin inclinando-se e cortando a garganta de Salina. E então o doentio alívio de que não precisei matá-la. Mas tudo dentro de mim ainda girando, torcendo e destruindo com o que havia acontecido; tudo que meus amigos, minha família, sofreram por causa de Salina – por causa da minha fé cega nela.

Dando as costas para Gin para que ela não visse meu horror, minha culpa, minha total e absoluta vergonha por tudo que havia acontecido...

Balancei a cabeça, e a porta era simplesmente uma porta, não uma janela estranha para o passado não muito distante. Mas, mais uma vez, a raiva me inundou, assim como aconteceu tantas vezes ao longo das últimas semanas. Por que todas as coisas precisavam me lembrar daquela noite? De como falhei com as pessoas que eu amava? Eva sofreu muito por causa de Salina. O mesmo aconteceu com Phillip, Gin e Cooper Stills, o anão elemental de Ar que foi meu mentor de ferreiro. E no final, quando precisava ser feito, quando realmente importava, eu não consegui matar Salina. Eu a vi deitada no gelo, e pensei na garota que ela fora uma vez, aquela que perdeu o pai tão horrivelmente, aquela que eu tinha amado tanto – que na verdade era um monstro o tempo todo.

Eu sabia tudo o que Salina havia feito – torturou Eva, mentiu sobre Phillip, atacou Cooper, tentou afogar Gin – mas eu ainda não queria ser a causa de sua morte. Eu queria que ela apenas... desaparecesse, como se isso magicamente levasse todo o horror e sofrimento junto com ela.

Mas, em vez disso, eu fiz tudo muito pior por não matar Salina, por não tentar corrigir os erros que eu inconscientemente infligiria a eles.

E mesmo que Salina estivesse morta agora, eu ainda não conseguia escapar do legado do que ela fizera. Cooper olhava para mim com olhos tristes, conscientes e piedosos. Phillip media tudo o que eu dizia, não importando quão inocente ou sem importância, como se não acreditasse em nenhuma das minhas palavras. Eva me encarava com tanta repulsa às vezes que me tirava o fôlego.

E então havia Gin, a quem eu feri da pior maneira. Porque ela salvou todos nós do esquema de vingança de Salina, e eu virei as costas para ela como um idiota. Eu culpei Gin, quando eu deveria me culpar por não protegê-la e aos outros de Salina em primeiro lugar.

Mas a coisa realmente triste, a coisa realmente patética, a coisa verdadeiramente imperdoável, era que eu sabia exatamente que tipo de idiota estúpido eu estava sendo naquela noite na propriedade de Dubois. Eu sabia disso no dia em que fui ver Gin no Pork Pit e disse a ela que eu precisava de um tempo para pensar nas coisas. E mais uma vez, quando conversamos nos jardins iluminados pela lua, do lado de fora do museu Briartop, e ela finalmente me deixou ver o quanto estava cansada, magoada e sofrendo pela forma que eu reagira à morte de Salina. Gin havia arriscado sua vida para resgatar a todos na propriedade de Salina, e depois novamente no Briartop, e tudo o que eu fiz foi feri-la repetidamente.

Gin não gostava que as pessoas soubessem disso, e especialmente não gostava que elas vissem, mas ela faria qualquer coisa pelas pessoas que amava, inclusive pegar o lixo emocional delas. E eu amontoei uma tonelada disso em seus ombros, em vez de me ocupar e lidar sozinho com as coisas – em vez de matar Salina.

Eu amava Gin, mas sabia que ela tinha sérios problemas de confiança depois que o detetive Donovan Caine a rejeitou tão friamente por ser uma assassina. Mas eu a vi, e a quis, então eu a persegui. E quando conheci Gin, conforme me apaixonava por ela, prometi a mim mesmo que nunca a trataria impensadamente como Donovan a tratou. Eu nunca a julgaria ou rejeitaria por fazer o que ela achava certo, por usar suas habilidades como a Aranha para proteger os outros.

Mas eu fiz tudo isso, de qualquer maneira. Eu amava Gin, mas ainda a machuquei, e não sabia se poderia me perdoar por isso.

Talvez Gin tivesse feito a escolha errada em Blue Marsh. Talvez ela deveria ter escolhido Donovan em vez de mim. Talvez ela devesse ir para casa com um dos pavões esta noite e esquecer que eu existo.

Phillip estava certo. Eu era um idiota. Tive o amor de Gin, e fui estúpido o suficiente para jogar fora. Foi tudo culpa minha, e eu não sabia como consertar isso. Não sabia como me consertar, muito menos nós.

Esfreguei minhas mãos no rosto, tentando me livrar da culpa. Mas isso não funcionou, nunca funcionava, então eu rosnei e soquei o metal. Coloquei um pouco de mágica por trás do golpe, deixando uma marca em forma de punho na porta. Eu tinha um talento elementar para o metal, podia dobrá-lo e moldá-lo da maneira que eu quisesse. Agora, eu senti como se pudesse arrancar a porta de suas dobradiças e enviar onda após onda da minha magia para ela, até que o metal estivesse amassado como uma lata de refrigerante esmagada entre meus dedos...

A porta do banheiro se abriu e o som pesado de passos soou.

— Você viu aquela cadela me afastar? — Uma voz baixa rosnou. — Usei todas as minhas melhores cantadas nela, e ela olhou para mim como se eu fosse algum tipo de mosquito que estava incomodando-a.

— Acalme-se, Stuart, — outra voz entrou em sintonia. — Sabíamos que a abordagem direta poderia não funcionar.

— Posso ter qualquer mulher neste clube se eu quiser, e ela me rejeita? Oh, inferno, não, — Stuart resmungou. — Se nós não já tivéssemos sido contratados para matá-la, eu faria sozinho. Ela não se acharia tão grande e poderosa quando minhas mãos estivessem em volta da garganta dela.

Contratados para matá-la? Eu tinha o pressentimento de que sabia exatamente de quem eles estavam falando: Gin.

Agora que todos no submundo sabiam – ou pelo menos suspeitavam – que ela era a assassina Aranha, praticamente todos os chefes de crime da cidade tentaram matar Gin e provar que eles tinham colhões para ser o novo chefe do crime de Ashland. Claro, ninguém havia conseguido ainda, mas isso não os impedia de tentar... e tentar... e tentar...

— Então a Aranha te deu o fora, — o segundo homem disse com uma voz muito mais calma e fria. — Acontece. Ela é uma mulher, como qualquer outra. Quem sabe o que elas estão realmente pensando? A maioria delas nem sabe, e eu, por exemplo, não me importo. Mas como você disse, fomos contratados para matá-la. Nada mais. Então, vamos apenas observar e esperar até vermos uma chance de pegá-la sozinha.

Bem, não se eu pudesse evitar. Eu já machuquei tanto a Gin. Não deixaria esses dois perdedores arruinarem a noite dela. Minha mão se enrolou em um punho novamente, mas desta vez eu não queria bater na porta – eu queria bater neles.

Mas, em vez de ceder à minha raiva, eu espiei através do vão entre a porta da cabine e o batente para dar uma olhada nos possíveis atacantes de Gin. Um era o gigante da camiseta azul que eu havia notado falando com ela anteriormente. Ele tirou um pente do bolso de trás e passou-o pelos cabelos, colocando todo fio loiro no lugar. Então olhou para o espelho e sorriu, inclinando a cabeça para o lado e arqueando uma sobrancelha, depois a outra, de uma maneira sugestiva em seu próprio reflexo, como se estivesse tentando se seduzir. Será que aquele movimento alguma vez funcionou para ele? Menino bonito, arrogante e egoísta. Eu ia gostar de tirar os dentes perfeitos da boca dele.

O outro cara era um anão, mas o peito e os ombros eram ainda mais largos e musculosos do que os do gigante. Ele usava uma camisa preta de botões, calça cáqui marrom escuro e botas pretas. O cabelo preto do anão estava raspado rente a cabeça, mais como restolho do que qualquer outra coisa. Um sorriso se estendeu por sua boca enquanto observava o gigante. Mas havia algo vazio na expressão do anão, e seus lábios estavam firmemente curvados, como se seu sorriso tivesse sido pintado em seu rosto. Seus olhos castanhos claros estavam ainda mais vazios que o sorriso dele. O gigante poderia ser um mal-humorado esquentadinho, mas o anão – o anão era a verdadeira ameaça.

— Tudo bem, Richie, — o gigante Stuart retrucou. Ele terminou de ajeitar o cabelo e enfiou o pente no bolso traseiro. — Vamos esperar até a hora certa para fazer o nosso movimento. Mas essa cadela é minha. Você entendeu?

— Claro, — Richie respondeu. — Sem problemas. Melhor você ter o sangue dela nas suas roupas, de qualquer maneira.

Stuart franziu a testa e olhou para a sua camiseta azul, depois para Richie, como se não soubesse se o anão estava falando sério. — Você acha que eu deveria trocar de roupa? Eu tenho algumas roupas extras no carro. Esta é a minha camiseta da sorte. Ninguém diz não para mim nessa camiseta. Ela realça a cor dos meus olhos. Todas as mulheres me dizem isso.

Stuart se deu outro sorriso sexy no espelho. Richie revirou os olhos. Eu também reviraria se eu estivesse com um idiota arrogante como esse.

— Se você acabou de pensar em como você é atraente, temos trabalho a fazer, — Richie finalmente resmungou. — Assim, vamos continuar com isso.

Stuart abriu a boca, mas ele deu uma olhada nos olhos semicerrados do outro homem e engoliu o que estava prestes a dizer. — Claro, Richie. Sem problemas. Terminei. Depois de você.

O gigante estendeu a mão em um gesto apaziguador. Richie olhou para ele mais um segundo antes de abrir a porta e sair do banheiro. Stuart deu a si mesmo mais um olhar avaliador no espelho antes de seguir atrás do outro homem.

Esperei alguns segundos para me certificar de que não voltariam, depois abri a porta da cabine e segui-os.


Capítulo 4

 

De volta na parte principal do clube, os dois homens se aproximaram de uma das mesas perto da pista de dança e viraram as cadeiras para que pudessem ver Gin, ainda sentada com Bria no bar de gelo.

Mantive um olho neles enquanto corri de volta até Phillip e minha cabine. Enquanto eu estava fora, nossa garçonete retornara e agora estava debruçada sobre os cotovelos apoiados na mesa, dando a Phillip uma visão geral de tudo o que ela tinha a oferecer, incluindo os ativos rechonchudos que estavam praticamente saindo do topo do seu bustiê de couro preto.

Fiquei ao lado de Sierra, mas nenhum deles sequer olhou em minha direção. Então alcancei o bolso de trás com minha mão, peguei minha carteira e coloquei uma nota de cem sobre a mesa.

— Desculpe, mas meu amigo e eu temos que ir. Isso deve cobrir nossas bebidas.

— Ir? — Phillip murmurou, seus olhos ainda fixos no decote de Sierra. — Aonde vamos?

— Você verá. Agora, vamos lá.

Phillip continuou cobiçando a garçonete, então eu me abaixei, peguei a manga da jaqueta dele e o coloquei em pé. Eu não tinha a força natural de Phillip, já que ele provavelmente tinha sangue gigante e anão nas veias, mas eu também não era peso leve. Na verdade, desde que terminei com Gin, passei mais tempo trabalhando na minha forja do que nunca, e fiquei mais forte, fisicamente, pelo menos, enquanto tentava limpar minha mente e descobrir alguma maneira de consertar as coisas entre Gin e eu. Não funcionou, no entanto. Nada havia mudado.

Sierra percebeu que eu falava sério sobre ir embora e levar Phillip comigo. Ela espalmou suavemente a nota, sorriu para mim, e se afastou, já indo para a mesa ao lado para exibir suas mercadorias.

— Hey! — Phillip disse ao se afastar de mim e alisar a jaqueta. — Você poderia ter apenas pedido gentilmente. Não há necessidade de usar a força.

Arqueei uma sobrancelha para ele. — Isso vem de um homem que gosta de jogar pessoalmente as pessoas de seu barco ao invés de deixar seus guardas gigantes fazerem isso por ele?

Phillip sorriu. — Você não sabe o quanto é divertido? Tudo o que você tem a fazer é jogá-los sobre o corrimão, ouvi-los gritar e esperar o respingo. Alguns conseguem cair em pé, mas a maioria deles faz um tipo de flop de barriga desajeitado, o que só o torna muito mais doloroso e o respingo é muito maior. Splat. Você pode ouvir o som todo o caminho até o andar de cima. Eu estou te dizendo, é incrível assistir. Além disso, eu não jogo todo mundo no rio. Isso seria ruim para os negócios. Eu só faço quando as pessoas trapaceiam. Ou bebem demais. Ou brigam com o pessoal. Ou agem como idiotas. Ou me irritam. Ou...

Ele teria continuado a assinalar mais supostas infrações em seus dedos se eu não tivesse balançado a cabeça.

— Siga-me, — eu disse.

Comecei a ir, mas Phillip não se mexeu. Em vez disso, ele me deu um olhar aguçado.

— O que você está esperando? — Rosnei. — Mais alguma coisa?

Ele respondeu cruzando os braços sobre o peito e balançando em seus calcanhares.

Eu suspirei, lembrando exatamente quão teimoso ele poderia ser. — Tudo bem. Por favor. Por favor, siga-me, sua alteza real.

Depois de um momento, Phillip sorriu e descruzou os braços. — Viu? Pedir gentilmente não dói tanto, agora, não é? E eu meio que gosto dessa coisa toda da realeza. Sim, eu definitivamente poderia me acostumar com você me chamando assim.

Eu bufei e saí, mas eu devo ter pedido muito bem, porque Phillip me acompanhava o melhor que podia, dada a multidão.

Escaneei a aglomeração de pessoas, procurando por Roslyn. Eu percebi que como ia ter uma conversa – e provavelmente algo muito mais violento – com dois de seus clientes, eu deveria alertá-la primeiro. Era a coisa educada a se fazer. Além disso, ela também gostaria de saber sobre a ameaça para Gin, já que as duas eram amigas íntimas.

Não vi Roslyn, mas vi alguém que eu conhecia, um gigante musculoso com pele de ébano e cabeça raspada que brilhava sob as luzes que piscavam. Xavier, o chefe de segurança do clube e o companheiro de Roslyn. De repente, tive uma ideia de como cuidar de Stuart e Richie sem ninguém, especialmente Gin, saber.

Virei na direção de Xavier. Demorei alguns minutos para contornar a multidão até onde ele estava parado na entrada da seção VIP, mas consegui, embora Phillip não o fizesse.

Meu amigo ficou felizmente preso na pista de dança e se debatia entusiasticamente, passando de uma mulher para outra no seu caminho. Ele chegaria eventualmente, no entanto. Eu sempre poderia contar com Phillip para estar lá para mim quando eu realmente precisava dele, apesar do quão terrivelmente eu falhei com ele todos aqueles anos atrás, acreditando em Salina ao invés dele. Mas afastei esse pensamento. Agora não era a hora de pensar na bagunça que eu fiz. Agora era a hora de agir e garantir que Gin ficasse a salvo pelo resto da noite.

— Xavier, e aí? — Perguntei.

Ele sorriu e apertamos as mãos. Xavier tinha um aperto firme e forte, mesmo para um gigante.

— Não muito, — ele arrastou, examinando a multidão em busca de sinais de problemas. — Apenas mais uma noite de dança, bebedeira e libertinagem.

Uma vez que ele estava convencido de que ninguém ia criar imediatamente um tumulto, ele olhou para mim. Hesitou, seus olhos escuros encontrando os meus. — Você sabe que Gin está aqui esta noite, certo?

— Sim. Eu a vi.

Ele não disse mais nada, e nem eu. Ao contrário de Phillip, Xavier sabia quando não insistir em algo.

— Existe algo que eu possa fazer por você, Owen? — Xavier perguntou.

Inclinei minha cabeça para as mesas que rodeavam a pista de dança. — Vê aquele gigante e o anão sentados juntos?

Stuart e Richie estavam na mesma mesa de antes, duas cervejas na frente deles agora. Richie tinha os olhos fixos em Gin, observando-a rir e conversar com Bria no bar. De vez em quando, ele tomava um gole de sua cerveja, e então voltava a encarar Gin. Isso deixou Stuart livre para cantar todas as garçonetes que passavam. Ele até deu um par de piscadelas, como se não estivesse planejando estrangular uma mulher até a morte no segundo em que ela deixasse o clube. Um verdadeiro encantado aquele cara.

— O que tem eles? — Xavier perguntou.

— Você os conhece?

Ele deu de ombros. — Nunca vi o anão antes, mas Stuart é um regular. Ele sempre vem e fala docemente com todas as garotas bonitas que ficam a uma pequena distância dele. Ele acha que é mais encantador do que realmente é, e quando o jogo dele não funciona com uma dama, ele leva para o lado pessoal. Ele esteve em sua cota de lutas, com homens e mulheres, e eu o avisei sobre assediar as pessoas.

— Você pode me dar dez minutos, então tirar os dois do clube?

— Claro, — Xavier disse, estalando os dedos. — Eu disse a Stuart para não mostrar a cara dele por pelo menos um mês. Isso foi há três dias. Eu planejava deixá-lo pedir mais algumas cervejas, então Roslyn poderia ganhar um pouco de dinheiro com ele antes que eu lhe mostrasse a porta. Alguma razão em particular para você não ter gostado desses caras?

— Eu os ouvi conversando no banheiro. Eles estão aqui por causa da Gin.

O rosto de Xavier se apertou e ele assentiu. Além de trabalhar como segurança, Xavier era o parceiro de Bria na força policial. Ele sabia tudo sobre os problemas de Gin com os chefes do submundo.

— Considere isso feito, — Xavier rosnou. — Você quer que eu saia e te ajude com eles?

— Não, — eu disse. — É para isso que Phillip está aqui.

Xavier olhou por mim e sorriu. — Você disse a ele?

Eu olhei por cima do meu ombro. Phillip aparentemente desistiu de tentar se livrar da pista de dança. Agora ele estava envolvido em uma dança muito próxima, muito lenta, muito sugestiva, com não uma, mas duas mulheres. Primeiro cambaleou de um lado, depois outro, tentando deslumbrar as duas ao mesmo tempo com seus movimentos suaves e seu sorriso travesso.

— Ele vai travar as costas sacudindo daquele jeito, — murmurei.

Xavier riu. — Oh, não sei. Eu acho que Phillip poderia apostar com Finn quando se trata de entreter as mulheres.

Suspirei e balancei a cabeça. — É melhor fazer isso em quinze minutos.

Xavier riu novamente.

 

* * *

 

Atravessei a multidão, tentando chegar a Phillip, mas continuei sendo impedido enquanto as pessoas giravam bem no meio do meu caminho. Eu estava na pista de dança por dois minutos e não andei mais do que seis metros. E Phillip, é claro, agora estava bem no centro.

Eu apenas dei mais um passo à frente quando uma mão tocou meu ombro e se aproximou mais, acariciando minha bochecha. Antes que eu percebesse, Sierra, nossa garçonete, tinha os braços em volta do meu pescoço e seu corpo colado contra o meu. Coloquei minhas mãos em sua cintura, por instinto, mais do que qualquer outra coisa.

Sierra aceitou isso como um convite para se mexer ainda mais perto de mim. — Já era hora de você vir aqui na pista de dança, bonito.

— Desculpe, — respondi. — Mas não vou ficar. Eu só vim buscar meu amigo ali.

— Agora, por que você iria querer interromper a diversão dele? — Ela sorriu, mostrando-me suas pequenas presas brancas novamente. — Especialmente já que poderíamos ter um tempo ainda melhor sozinhos. Em algum lugar mais... privado.

Tirei minhas mãos da cintura dela e comecei a andar em volta dela, mas ela manteve os braços em volta do meu pescoço e se moveu naquela direção, me bloqueando.

— Tem certeza de que não há mais nada que eu possa conseguir para você esta noite, bonito? — Sua voz era baixa, rouca e cheia de todo tipo de promessas.

— Tenho certeza, — eu disse em tom firme. — Mas obrigado por perguntar.

Ela encolheu os ombros. — Bem, valeu a tentativa.

Ela não pareceu ofendida, mas por algum motivo, eu ainda sentia a necessidade de me explicar. Talvez porque eu tenha errado com todos os outros ultimamente.

— Escute, — eu disse. — Você é linda, sexy e charmosa. Nós dois sabemos disso, e pode escolher qualquer cara neste lugar.

— Apenas não você.

Balancei a cabeça. — Eu já estou comprometido. Veja, há essa mulher que eu a...

Ela balançou a mão, me cortando. — Oh, eu sei, docinho. Você continua olhando para Gin Blanco como se estivesse em uma ilha deserta e ela fosse a última garrafa de água ao redor. Notícia de última hora, amigo. Você não quer mexer com ela. Ela vai cortar seu coração e o apresentará para você antes de morrer.

Bem, esse era um dos rumores mais coloridos que eu ouvi sobre as proezas da Aranha, e não estava longe de ser verdade. Eu a vi matar mais do que a sua cota de vilões – e ela fez o mesmo comigo sem sequer perceber.

— Ela já cortou meu coração, — brinquei. — E eu estava feliz em deixá-la fazer isso.

Sierra franziu a testa, como se pensasse que eu estava apenas bêbado e louco. Talvez eu estivesse pensando em como Gin segurava meu coração na palma da mão dela. De qualquer forma, eu gentilmente desenrolei o outro braço de Sierra do meu pescoço.

— Obrigado pela dança, mas eu realmente preciso ir.

— Se você mudar de ideia... — sua voz sumiu sugestivamente.

— Eu não vou.

Após um momento, ela encolheu os ombros. — Você quem perde, docinho.

Ela pressionou um beijo suave na minha bochecha, seu perfume de baunilha fazendo cócegas no meu nariz. E me deu mais um sorriso malicioso e sedutor antes de avançar para o próximo homem.

Observei-a deslizar por um momento antes de olhar novamente para o bar. Em vez de estarem conversando entre si ou enxotando os pavões, Gin e Bria estavam me observando. Pela forma zangada e franzida da boca de Bria, ela viu a cena toda com Sierra – e Gin também. O rosto dela estava completamente inexpressivo, mas os dedos se enrolaram lentamente em torno da bebida, como se quisesse quebrar o vidro contra algo – meu rosto, provavelmente.

Fiz uma careta. Mais uma vez, eu chateei Gin sem nem tentar, assim como quando levei Jillian Delancey ao museu de arte Briartop algumas semanas atrás. Foi um completo acaso, Jillian estava na cidade e queria ver a exibição das coisas de Mab. Desde que eu tinha um ingresso extra, imaginei que seria bom levá-la junto com Eva e eu.

Apenas não percebi que a noite custaria a vida de Jillian.

Isso não foi minha culpa, mais do que foi culpa de Gin. Não, a culpa pela morte de Jillian estava nos ombros de Clementine Barker, junto com Jonah McAllister, que lamentavelmente ainda estava muito vivo. Mas não pude deixar de me sentir culpado mesmo assim. Não só porque Jillian estava morta, mas porque quando vi Gin na gala, eu esqueci tudo sobre Jillian, embora as duas estivessem usando o mesmo vestido. E então, quando Clementine jogou um corpo no meio do salão, falando sobre como ela e seus homens finalmente mataram a Aranha, eu fiquei tão chocado, tão horrorizado, tão convencido de que era Gin, que sequer percebi que Jillian não estava na rotunda com o resto dos reféns. Mais uma vez, eu falhara com um amigo.

Ah, eu sabia que não poderia ter feito nada para salvar Jillian, que ela foi morta antes que Clementine e seus gigantes tivessem feito todos prisioneiros, mas eu ainda sentia o peso da morte dela – e da Salina também. Elas estavam mortas, e eu não estava, e não sabia como seguir em frente desse fato inescapável e desanimador.

Alguém esbarrou em mim, me tirando dos meus pensamentos. Gin ainda estava me encarando. Eu hesitei, então acenei para ela. Apontei para Phillip e depois para as portas da frente do clube, como se eu estivesse buscando-o e estivéssemos indo para casa.

Nós íamos para casa – eventualmente. Eu só tinha um probleminha para resolver primeiro. Dois, na verdade.

Depois de um momento, Gin devolveu meu aceno, antes de girar em seu banco e ficar de frente para o bar de gelo. Bria olhou para mim mais alguns segundos antes de fazer o mesmo.

Suspirei, sabendo que eu tinha estragado tudo novamente sem nem mesmo querer. Mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então eu fui até onde Phillip ainda estava dançando. Agora, suas duas parceiras de dança estavam praticamente caídas sobre ele, uma em cada braço, e o sorriso em seu rosto me dizia exatamente o quanto ele estava gostando da atenção delas.

Acenei minha mão, chamando sua atenção e empurrei meu polegar em direção às portas. Phillip começou a protestar, mas ele deve ter visto a tensão no meu rosto, porque beijou suavemente a mão de uma mulher, depois da outra, antes de murmurar algumas desculpas e, lamentavelmente, deixá-las.

Ele me seguiu até a beira da pista de dança. Arrisquei um olhar por cima do meu ombro. Gin ainda estava sentada no bar, de costas para mim, e conversando com Bria novamente.

— Sabe, você sempre pode ir lá e comprar uma bebida para ela, — Phillip murmurou. — Pensei que as coisas tinham ficado um pouco melhores entre vocês após o assalto no Briartop.

— Elas estão melhores, — eu disse. — Só não sei como levá-las de volta para onde estavam, para onde estavam antes...

— Antes de Salina.

Dei de ombros. Phillip conhecia o resto da história toda triste e distorcida, assim como eu.

— Você deveria fazer um grande gesto romântico, — ele disse em um tom confiante e conhecedor. — Mulheres adoram isso. Flores, doces, joias.

Eu não disse a ele que já havia feito isso – meio que dando a Gin os colares de runas que pertenciam à mãe dela e à sua irmã mais velha. Os pingentes de floco de neve e de videira estavam entre as coisas de Mab no museu Briartop. Mab havia assassinado a família de Gin quando Gin tinha treze anos e manteve os colares como uma espécie de troféu doentio.

Percebi Gin olhando para os colares e percebi o que eles eram antes de Clementine e seus homens terem feito todo mundo refém. Depois que a crise acabou eu encontrei os pingentes de runas enfiados no saco de lixo com algumas das outras joias que os gigantes tiraram dos convidados. Levou-me alguns dias e muito trabalho para limpar as runas e fazer o silverstone brilhar novamente, mas valeu a pena ver o olhar de espanto e admiração no rosto de Gin quando devolvi os colares para ela no Pit Pork...

— Flores, doces, joias, — Phillip repetiu em uma voz firme. — Essas três coisas me tiraram de situações mais complicadas do que qualquer arma alguma vez tenha tirado.

Balancei a cabeça. — Isso é porque você é tão encantador que convence todas as mulheres que aparecem no seu caminho de que ela será a Sra. Phillip Kincaid. Naturalmente, elas ficam chateadas quando isso não acontece.

Por um momento, o rosto dele ficou sombrio. — Há apenas uma mulher que será a Sra. Phillip Kincaid.

Eu sabia que ele falava sobre Eva. Eu podia ver isso em seus olhos, mas eu me obriguei bufar, como se não me importasse de um jeito ou de outro sobre a florescente relação entre os dois. — Se ela quiser você.

— Oh, ela vai querer, — Phillip disse com um sorriso confiante. —Todo mundo quer.

— Agora você soa como Stuart.

— Quem é Stuart? — Ele perguntou com um olhar perplexo no rosto.

— Eu vou contar tudo sobre ele e seu amigo Richie... Lá fora, — eu disse. — Agora, vamos lá. Temos que lidar com alguns pavões.


Capítulo 5


Phillip e eu deixamos a pista de dança e saímos. Respirei, apreciando a frescura do ar da noite de verão depois de toda a fumaça e suor dentro do clube.

O interior do Northern Aggression poderia ser uma elegância exuberante, mas o exterior era surpreendentemente sem estilo, como um prédio de escritórios corporativos. A única coisa que destacava o edifício era o letreiro de neon sobre a entrada, que tinha a forma da runa de Roslyn. O coração perfurado por uma flecha cintilava um vermelho-sangue, seguido por um amarelo ensolarado, e um laranja queimado, lançando sua brilhante luz sobre as pessoas que esperavam para passar pela corda de veludo vermelho na entrada do clube.

Poucas pessoas afastaram a vista de seus telefones, ou deixaram seus cigarros e conversas enquanto passávamos, mas rapidamente perderam o interesse e voltaram a sua atenção esperançosa para o segurança gigante que cuidava da corda de veludo. Eu contei a Phillip sobre Stuart, o gigante, e Richie, o anão, e os planos deles para Gin enquanto seguíamos para o estacionamento.

Quando terminei, Phillip soltou um assobio baixo. — Então, agora eles estão seguindo-a por toda Ashland, apenas esperando ela abaixar a guarda o tempo suficiente para tentar matá-la? Parece que algumas pessoas estão ficando um pouco desesperadas para se livrar da Aranha.

— Não sei a razão. Não é como se Gin estivesse tentando tomar o lugar de Mab ou algo assim. Tudo o que ela quer é ficar sozinha.

Phillip sacudiu a cabeça. — Isso não vai acontecer, e nós dois sabemos disso. Não até que alguém tome providências e assuma o controle do submundo. Agora, todo mundo está apenas tentando manter o que eles têm e se posicionar da melhor maneira possível. Por mais que eu odeie dizer isso, pelo menos com Mab por perto havia alguma aparência de ordem. Você não quer saber quantos homens eu perdi nos últimos meses para os tolos invadindo o barco, pensando que poderiam me roubar e intimidar meus clientes. Sem mencionar o que aconteceu com Antonio.

Uma sombra passou pelo rosto dele, fazendo com que a culpa cortasse meu estômago como uma das facas de Gin. Antonio Mendez era o braço direito de Phillip no Delta Queen, mas mais importante, o gigante era amigo de Phillip. Salina usou sua magia de água para sugar todo o líquido, toda a vida de Antonio, e ele morreu no convés principal do barco. Salina pode ter sido a pessoa que realmente matou o gigante, mas eu ainda me sentia responsável pela morte dele – da mesma forma que eu me sentia responsável por todas as mágoas que Eva, Phillip, Cooper e Gin experimentaram por causa de Salina.

Por causa da minha confiança e fé tola nela.

Não havia nada que eu pudesse fazer por Antonio. Agora não. Mas o mesmo não era verdade para Gin, então tirei as chaves do meu bolso e abri o porta-malas do meu Mercedes-Benz. O porta-malas estava cheio de ferramentas e pedacinhos de metal que eu havia pego aqui e ali, mas eu sabia exatamente o que estava procurando e exatamente onde estava. Como Gin e suas facas, eu nunca ia a lugar nenhum sem a minha arma nesses dias. Abaixei-me e minhas mãos se fecharam em torno de um punho suave, firme e familiar. Um momento depois, puxei o martelo de ferreiro do porta-malas e para o brilho do neon lançado pelo letreiro de coração e flecha.

O martelo não era uma arma tradicional, mas era a minha. Depois de passar tantas horas, tantos anos na minha forja, me sentia muito mais confortável com ele na mão do que com uma arma ou uma faca jamais faria. Além disso, com tantos gigantes e anões em Ashland, era bom ter algo que realmente equivalesse a um soco e nivelasse o campo de jogo. Acerte o martelo nos joelhos de alguém e ele cairá gritando, não importa quão alto ou forte ele seja. Bata na cabeça de alguém e rachará o crânio como uma casca de ovo, por mais grossos e fortes que sejam seus ossos.

Eu girei o martelo, movendo-o de um lado ao outro e levando a altura dos ombros. Após ficar debruçado na cabine, era bom me mexer, esticar – e fazer alguma coisa para ajudar Gin, em vez de machucá-la novamente.

O martelo era feito de silverstone sólido, embora você não pudesse dizer, dado a quantidade de fuligem e cinzas o escureceram ao longo dos anos. E havia outra coisa que tornava o martelo especial: minha magia.

Ao longo dos anos, eu imbuíra o martelo com meu próprio talento elementar para o metal, de modo que sempre que eu trabalhava na forja, o martelo era uma extensão do meu braço, minha magia, minha vontade. Tudo isso fluía de mim, através do martelo e em qualquer pedaço de metal com o qual eu estivesse trabalhando, até que as folhas de ferro, cobre e silverstone assumissem a forma exata que eu queria que elas tivessem.

Phillip olhou o martelo. — Pensei que você quisesse apenas falar com esses caras, dizer para eles recuarem.

— Podemos tentar isso, — eu disse. — Mas duvido que funcione. Eles vão querer muito dinheiro para ir embora sem matar Gin. Isso incomoda você?

Ele sorriu. — De modo nenhum. Na verdade, esse é exatamente o tipo de festa que eu gosto. Embora eu odeie ir de mãos vazias. Que outras armas você tem em seu porta-malas? — Phillip riu, depois se inclinou e mexeu na bagunça. — Ei, o que tem aqui?

— Nada...

Antes que eu pudesse detê-lo, ele se abaixou e abriu a tampa de uma caixa de prata que estava no lado direito do porta-malas. Cinco facas estavam aninhadas em espuma preta dentro do estojo. Elas brilharam no neon intermitente que ainda brilhava da placa do clube.

— Facas? — Os olhos de Phillip se estreitaram. — Eu ainda tenho que adivinhar para quem elas são?

Ele arrancou uma das facas da espuma e a ergueu para a luz. Ele virou e viu o símbolo estampado no punho. Um pequeno círculo rodeado por oito raios finos. Uma runa de aranha – a runa de Gin – o símbolo da paciência.

Você fez mais algumas facas para ela? — Phillip zombou. — Sério? As cinco que você fez no Natal não foram suficientes?

— Você conheceu Gin?

Ele deu de ombros, reconhecendo o meu ponto. — Ainda assim, Owen, facas? Novamente? Realmente? Você não estava ouvindo antes, quando mencionei flores, doces e joias?

— Gin não é exatamente uma mulher que gosta de flores e doces, — eu disse. — E não fiz as facas para ela.

Phillip bufou. — Certo. Porque outra pessoa quer um conjunto de facas com a runa dela estampada nos cabos. Se essas facas fizerem parte de um plano incompetente que você tem para voltar às boas graças de Gin, então tenho que dizer que é um pouco fraco.

Cerrei meus dentes. Era exatamente isso que eu estava pensando em fazer com as facas, dá-las para Gin como uma desculpa por tudo que eu fiz. Eu sabia que isso não compensaria tudo – não de verdade – mas era tudo em que eu conseguia pensar.

Na verdade, toda vez que eu estava na minha forja esses dias, tudo que pensava era o que eu poderia fazer para Gin. Que armas ela poderia precisar. Que tipo de escultura ela poderia gostar. A única coisa que eu poderia fazer para ela me perdoar.

Até agora, eu fiz cinco conjuntos de facas, três esculturas em forma de vários buquês de flores, e um conjunto completo de talheres para o Pork Pit. Nada disso era bom o suficiente para ela, não chegava nem perto. Mesmo assim, continuei forjando coisas, na esperança de que algum tipo de inspiração ocorresse e eu finalmente saberia o que fazer, o que fazer para escapar dos meus erros do passado e seguir em frente.

Phillip começou a cortar a faca no ar, como se estivesse pensando em ficar com ela.

— Dê-me isso, — rosnei.

Peguei a faca, coloquei de volta na caixa, e fechei a tampa.

— Eu já disse que você não é divertido? — Phillip fez beicinho.

— Frequentemente. — Revirei o porta-malas até alcançar outro martelo ligeiramente menor. — Use isto. Se você ainda se lembrar como.

Ele girou o martelo nas mãos, com o mesmo tipo de facilidade familiar que eu. — Oh, eu lembro. Eu nunca poderia esquecer todas as bolhas, queimaduras e dores musculares que recebi da forja de Cooper.

Quando éramos mais jovens e vivíamos nas ruas, Cooper nos acolhera junto com Eva. Phillip, assim como eu, passara muitas horas trabalhando na forja de Cooper, embora ele fosse um garoto magricela naquela época. Mas agora ele era ainda mais forte do que eu. Ele não teria problemas em usar o martelo para abrir caminho entre quem quer que estivesse na frente dele.

— Agora, o quê? — Ele perguntou.

— Agora encontramos o carro de Gin. Se eles a localizaram aqui, então provavelmente sabem como é o carro dela e onde ela estacionou. Desde que Stuart se deu mal no clube, eles provavelmente vão tentar pegá-la no estacionamento.

— Então é por isso que você pediu Xavier para expulsá-los do clube, — Phillip murmurou. — E eu que pensei que você era apenas mais uma cara feia.

— Vamos, — eu disse, fechando o porta-malas do carro. — Antes que eu mostre quão feio eu posso ser.


* * *


Nós andamos pelas fileiras de carros, procurando pelo veículo de Gin, mas eu não vi. Então, novamente, havia tantos carros dentro do estacionamento que eu poderia ter procurado por uma hora e não ter encontrado.

— Talvez elas tenham vindo no carro de Bria, — Phillip disse quando chegamos ao fim de outra fileira. — Ou um de Finnegan Lane. Ouvi dizer que ele tem uma boa coleção de veículos.

— Ele tem, — respondi com voz ausente, cada vez mais frustrado.

Phillip cutucou o meu ombro. — Ei, aquele é o seu cara?

Com certeza, Stuart saiu do clube. Ou melhor, ele foi posto para fora por Xavier, que tinha um dos braços de Stuart preso nas costas.

— Vamos, cara, — Stuart choramingou. — Eu estava apenas me divertindo um pouco.

— Bem, vá se divertir em outro lugar. Lembre-se do que eu te disse, Stuart, — Xavier rosnou, sua voz chegando até nós. — Você está banido do clube por um mês. E um mês significa um mês inteiro, não um par de dias. Agora, suma daqui antes que eu lhe dê a surra que você tão ricamente merece.

Xavier deu-lhe um forte empurrão, e Stuart cambaleou para frente um metro e meio antes de recuperar o equilíbrio. Fechou as mãos em punhos e virou, como se estivesse pensando em atacar Xavier. Mas Xavier cruzou os braços sobre o peito largo e encarou o outro gigante, desafiando Stuart atacar. Stuart deve ter pensado melhor nas coisas, porque tirou um pouco da sujeira imaginária de uma das mangas de sua camiseta azul.

— Tanto faz. Eu não preciso desse clube estúpido, de qualquer maneira, — Stuart disse. — Garotas me amam. Me amam, eu te digo!

Algumas risadas soaram das pessoas na fila. Stuart voltou seu olhar zangado para elas, e de repente todos ficaram muito interessados em seus telefones, cigarros e conversas mais uma vez.

Stuart começou a resmungar, mas se dirigiu para o estacionamento, movendo-se paralelamente ao lugar onde Phillip e eu estávamos.

Phillip se moveu para segui-lo, mas eu agarrei o braço dele.

— Espere, — eu disse. — Há outro cara com ele.

Com certeza, um minuto depois, Richie saiu do clube, as mãos grudadas nos bolsos da frente de sua calça cáqui, como se estivesse prestes a dar um passeio inocente. De alguma forma, o anão passou por Xavier, ou talvez ele tenha percebido que Stuart estava prestes a ser expulso. De qualquer forma, isso não importava, porque ele estava fora agora, onde eu poderia lidar com ele.

Richie olhou para a esquerda e para a direita. Ele viu Stuart marchando pelo estacionamento e se dirigiu nessa direção, ainda mantendo seu ritmo lento e constante, como se não estivesse a caminho de matar uma mulher.

Phillip soltou um assobio baixo. — É esse quem está atrás de Gin? Não admira que você estivesse preocupado.

— Por quê? Você o conhece?

Ele assentiu. — Oh sim. Esse é Richie Richardson. Ele é um pouco desagradável de trabalhar. Basicamente, um par de punhos para contratar. Forte, mesmo para um anão, e ele não se importa em sujar as mãos. Ele gosta bastante disso, na verdade.

Eu pensei em como os olhos de Richie estavam friamente vazios quando falava sobre matar Gin. — Sim, eu posso ver isso. Ele tem alguma magia elementar?

Phillip sacudiu a cabeça. — Não que eu saiba, mas isso não significa muito.

Não, isso não significa. Alguns elementais quase que constantemente emitiam ondas de poder que outros elementares ao seu redor podiam sentir – rajadas de ar, faíscas quentes e invisíveis de fogo e assim por diante. Mas havia outros, como Gin, cujo poder era completamente autocontido, e você não percebia que eles tinham magia de Gelo ou de Pedra até que eles congelassem ou enterrassem você com ela.

Aumentei meu aperto no meu martelo. — Vamos, — eu disse. — Vamos ver para onde eles estão indo.


* * *


Richie seguiu Stuart, e Phillip e eu seguimos os dois. Stuart caminhou até o final do estacionamento e seguiu em frente, descendo uma das ruas que passavam pela boate. Finalmente, ele parou na frente de um Aston Martin com a placa de licença FINNSTOY. Então Gin e Bria estavam em um dos veículos de Finn, afinal de contas.

Eu deveria saber que Gin iria estacionar aqui em vez de em um estacionamento mais próximo. Dessa forma, se alguém pulasse nela, haveria menos chance de que alguém os ouvisse gritar quando ela os matasse com suas facas, ou que algum espectador inocente se tornasse um dano colateral no calor da luta. Sem mencionar as árvores ao longo da rua, as quais projetavam sombras escuras, e havia algumas lixeiras num beco próximo, que seria o lugar perfeito para esconder um corpo ou dois.

Gin poderia ser uma assassina, mas ela tinha seu próprio conjunto de regras, o que eu admirava. Ela era a pessoa mais perigosa que eu já conheci, mas também era uma das mais honestas, decentes e justas. Ela não se esforçava para machucar as pessoas – a menos que elas a machucassem primeiro.

Stuart finalmente parou na frente do carro de Finn e começou a andar de um lado para o outro. Richie se aproximou dele. Phillip e eu nos agachamos atrás de outro carro, um pouco mais acima na rua, para que eles não nos vissem.

Stuart percebeu que Richie finalmente o alcançara. Ele se virou para encarar o anão e jogou as mãos para o alto. — Que raio foi aquilo? Por que você não me ajudou com aquele segurança imbecil? Poderíamos ter acabado com ele juntos.

Richie recostou-se no capô do carro de Finn. — E atrair ainda mais atenção para nós? Acho que não, seu idiota. Não posso acreditar que você não tenha me dito que sequer deveria estar no clube para começar. Você quase estragou tudo. Você tem sorte de Blanco ser tão perigosa, ou eu te mataria onde você está por arriscar meu pagamento assim.

A voz do anão estava calma, mas Stuart ouviu a promessa de violência nas palavras de Richie, assim como eu.

O gigante levantou as mãos em um gesto apaziguador. — Ei, ei, ei. Não vamos enlouquecer agora. Você precisa de mim, lembra? É por isso que você ligou e me pediu para voltar da Cypress Mountain para esse trabalho.

Richie deu a ele um olhar fixo. — Eu duvido seriamente disso, mas desde que você está aqui, eu poderia muito bem te usar.

Stuart tentou sorrir para o outro homem, mas não conseguiu. — Sim. Porque é por isso que eu quero ajudar você a matar a Aranha, para que possamos ser pagos. Agora, como você quer fazer isso?

— Nós nos ateremos ao plano, — Richie disse. — Você a confronta e chama sua atenção. Então eu me aproximarei pelo lado cego dela e terminarei com ela.

Stuart assentiu e começou a balançar os braços em preparação, seus movimentos tão exagerados que parecia que ele estava fazendo testes para algum vídeo de treino brega. Tudo o que ele precisava era uma bandana na cabeça para combinar com a sua camiseta.

Richie balançou a cabeça, afastou-se do carro e desapareceu atrás de uma das lixeiras no beco.

— Aquele idiota, — Phillip murmurou, encarando o gigante. — Gin terá sua faca presa no intestino dele antes que ele perceba o que está acontecendo.

— Sim, o que deixará Richie livre para atacá-la enquanto ela está distraída. Ele também pode ter sucesso também. Se Gin mata Stuart, e Richie mata Gin, bem, então ele não tem que dividir o pagamento, não é?

Phillip sorriu. — Você tem que admitir que não é um plano ruim.

— Não, mas vamos impedir assim mesmo.

 Seu sorriso se alargou. — O que você tem em mente?

— Eu digo que usemos o próprio plano deles contra eles. Você vai falar com Stuart. Quando Richie sair para te mandar embora, nós vamos acabar com os dois. Será como quando éramos crianças, enfrentando alguém maior e mais forte que nós.

Ele suspirou. — Mas por que eu tenho que ser a isca? Eu sempre fui a isca.

— Porque você é muito bom nisso, — falei, sorrindo.

Phillip resmungou um pouco, mas se levantou. Ele segurou o martelo para baixo e atrás da perna direita, quase fora de vista, e caminhou em direção a Stuart.

O gigante olhava para seu reflexo no retrovisor do carro, em vez de ficar de olho em Gin. Aparentemente, Xavier havia bagunçado o cabelo dele quando o expulsou do clube, porque Stuart estava cuidadosamente recolocando as mechas no lugar. Mas ele afastou o pente e se ergueu totalmente com a visão de Phillip vindo em sua direção.

Stuart olhou para Phillip com desconfiança – e inveja. Phillip era outro menino bonito, apenas com o talento para apoiar sua arrogância. Phillip parou na frente do gigante, ainda segurando o martelo ao lado do corpo. Stuart estava muito ocupado olhando para o perfeito rabo de cavalo de Phillip para notar a arma.

— Você quer alguma coisa? — O gigante finalmente falou.

— Você precisa fazer uma caminhada, — Phillip disse. — Eu sei por que você está aqui, e estou dizendo para você esquecer. Sou eu quem matará Gin Blanco hoje à noite.

Stuart piscou. Seus olhos azuis foram para onde Richie ainda estava se escondendo atrás do contêiner de lixo. Ele esperou por um momento, mas o anão não apareceu, então Stuart soltou uma risada fraca e abriu a boca.

— Não se incomode em negar isso. — Phillip cortou, e empurrou o polegar por cima do ombro. — Dê o fora, amigo. Antes que eu te machuque muito mais do que aquele segurança.

Raiva brilhou no olhar de Stuart e ele olhou para Phillip, examinando seu peito musculoso e corpo sólido. Depois de um momento, ele bufou. — Você? Me machucar? Acho que não, amigo. Eu sou um gigante, caso você não tenha percebido. E você não é.

Phillip sorriu. — Na verdade, eu não sei o que eu sou. Gigante, anão, humano, talvez uma mistura de todos os três. Mas isso não me impedirá de chutar sua bunda. Esta é sua última chance de ir embora. Eu sugiro que você a pegue.

— Esqueça isso. — Stuart enfiou o dedo no peito de Phillip. — Sugiro que você se afaste antes que eu dê um chute no seu traseiro.

Phillip empurrou Stuart, fazendo o gigante dar um passo para trás. Enquanto isso, Richie saiu das sombras e começou a se esgueirar pelo lado cego de Phillip. O anão se movia mais rápido do que eu pensei, e percebi que eu não alcançaria o meu amigo a tempo de impedi-lo de ser atingido.

— Phillip! — Eu gritei, e comecei a correr em direção a ele. — Atrás de você!

Phillip se curvou assim que Stuart deu um soco nele. Conseguiu evitar facilmente o golpe do gigante, mas Richie o alcançou por trás e plantou o punho nos rins de Phillip. Phillip grunhiu e balançou para trás com o martelo que ainda segurava, fazendo com que o anão saltasse para longe dele. Assim que Phillip levantou o martelo para outro golpe, Richie se lançou para frente novamente, empurrando os punhos no lado de Phillip e fazendo-o tropeçar em direção a Stuart. Os dois homens caíram no chão ao lado do carro.

Richie começou a levar o pé para dar um chute violento contra Phillip, mas a cabeça do anão se voltou para o som dos meus passos contra a calçada. Ele virou quando eu investi contra ele.

— Ninguém fica no caminho de um dos meus trabalhos, — Richie rosnou.

— Vamos ver sobre isso, — assobiei para ele.

Levantei meu martelo e o abaixei o mais forte que pude, tentando cravar em seu crânio com um golpe brutal. Mas Richie levantou o braço e pegou a arma em sua mão corpulenta.

Ele sorriu para mim. — Agora, o que você fará, cara durão?

Bati meu punho em seu rosto. Eu não era tão forte quanto o anão, mas poderia dar um soco decente. O golpe fez Richie cambalear para trás, embora tenha conseguido tirar meu martelo da minha mão e levar com ele. A arma escorregou de seus dedos e caiu no chão, deslizando até parar ao lado do carro.

 Enquanto isso, Phillip lutava com Stuart, os dois homens trocando socos violentos e rolando por todo o óleo, terra e lama acumulados na calçada.

— Não a minha camisa! — Stuart lamentou. — Esta é a minha camiseta da sorte!

— Cale a boca, — Phillip murmurou, e socou-o na cara novamente.

Na minha frente, Richie recuperou o equilíbrio e levou a mão até o lábio, que estava sangrando. Ele cuspiu um bocado de sangue e ergueu seu olhar assassino para mim mais uma vez. — Você me fez sangrar. Você pagará por isso.

Flexionei meus dedos. — Vamos ver.

Richie investiu contra mim, e eu me aproximei para encontrá-lo.

Smack!

Smack! Smack!

Smack!

Nós trocamos soco após soco. Richie resvalou com um golpe no meu queixo. Eu consegui uma sólida combinação de um para dois em seu peito. Ele retaliou, dirigindo o punho no meu estômago.

Foi o último golpe que me fez dobrar e ofegar por ar. Fui socado por um anão antes, mas Phillip tinha razão quando disse que Richie era mais forte do que a maioria de sua espécie. Era como se alguém tivesse acertado uma bigorna de chumbo no meu estômago.

Mas Richie não terminou comigo. O anão avançou, enfiou os dedos no meu cabelo, puxou minha cabeça para trás e me deu um soco no rosto. Ele me bateu de novo e de novo, até que o mundo girou e estrelas brancas explodiam mais e mais no meu campo de visão.

Eu estava ciente das minhas pernas deslizando e minha bunda batendo na calçada.

— Owen!

Pensei ter ouvido Phillip gritar meu nome, mas não tinha certeza, dada a maneira como meus ouvidos zumbiam agora. Uma coisa que eu sabia era que precisava encontrar uma maneira de afastar Richie, ou o anão iria bater em mim até a morte.

Richie recuou a perna. Eu rolei para um lado, e seu pé acertou a porta do motorista do carro de Finn, deixando uma marca. O anão amaldiçoou e pulou ao redor, uivando de dor. Levantei-me de joelhos e comecei a me arrastar para longe dele...

Meus dedos escovaram algo duro e frio caído no chão, e senti uma onda de magia fluindo para dentro de mim. Concentrei-me na sensação fria, dura e inflexível do meu próprio poder e nos sussurros suaves e calmantes do silverstone. Após um momento, minha visão estava totalmente clara e me senti mais forte do que antes...

Uma mão cravou no meu ombro e me jogou contra a lateral do carro. Caí novamente, embora desta vez eu tenha conseguido segurar o meu martelo. Minha mão se fechou ao redor do cabo, e meus dedos deslizaram para o sulco familiar, liso e gasto.

— Hora de morrer, — Richie assobiou, com sua boca se curvando em um sorriso ensanguentado.

Eu esperei até ele se inclinar para me socar, então levantei o martelo e acertei a cabeça dele com tanta força quanto possível.

Crack

Todo o movimento no corpo de Richie simplesmente parou, como um brinquedo que teve sua bateria arrancada.

Puxei o martelo do corte que havia feito no crânio dele, e o anão caiu para frente sem outro som, seu sangue respingando em cima de mim e seu corpo estendido ao lado do meu. Eu o afastei e fiquei de pé lentamente. A poucos metros de distância, Phillip levantava seu próprio martelo e abaixava na garganta de Stuart. Ele não precisava da minha ajuda. Ele raramente precisava, mesmo quando éramos crianças.

Eu olhei para a ponta ensanguentada da arma na minha mão. Talvez eu devesse fazer um martelo para Gin em vez de outro conjunto de facas...

Clack-clack-clack-clack.

Levei um momento para perceber que alguém corria na minha direção, no que parecia ser um par de saltos altos. Eu virei, e então desejei não ter virado, pois o movimento fez meu crânio começar a latejar ainda mais do que antes.

— Gin? — Murmurei, imaginando se ela teria visto a luta e viera ajudar.

Mas não era Gin que estava correndo em minha direção. Era Sierra, a garçonete.

Ela parou bem na minha frente. Desde a última vez que a vi na pista de dança, ela colocou uma jaqueta de couro vermelha sobre o bustiê preto e uma bolsa vermelha combinando estava pendurada no seu ombro direito.

Fiz uma careta, imaginando se talvez minha visão não estivesse tão clara como eu pensava que estava. — Sierra? O que você está fazendo aqui...

— Oi, docinho, — ela falou lentamente.

Sierra sorriu, tirou uma arma de choque de dentro de sua bolsa, enfiou-a no meu peito e me acertou.


Capítulo 6

 

Os volts de eletricidade bombeando em meu peito faziam cada terminação nervosa no meu corpo queimar e explodir com dor. Abri minha boca para gritar, mas nenhum som saiu. Em vez disso, minha perna deslizou novamente, e caí no chão, meus músculos tremendo e se contorcendo com espasmos. Tudo que eu podia fazer era segurar meu martelo, pois sabia que se o soltasse eu estaria morto.

Sierra sorriu, inclinou-se e me acertou com a arma de choque de novo. Minha cabeça arqueou para trás, e eu podia sentir cada tendão no meu pescoço, ombros e peito lutando contra a eletricidade passando pelo meu corpo. Mais uma vez, abri a boca para gritar, mas não consegui falar nada. Cada onda de eletricidade parecia cordas de fogo se enrolando mais e mais ao redor do meu corpo.

Sierra finalmente afastou a arma de choque do meu peito, e caí contra a lateral do carro, toda a força tirada de mim. Suor escorria pelo meu rosto, o sal ardendo em meus olhos, e lutei para afastar a umidade e empurrar a dor pulsando pelo meu corpo.

Eu estava vagamente ciente de que Phillip ainda lutava com Stuart à minha esquerda. Parecia que o gigante tinha um pouco mais de vida nele do que eu pensava.

— Nossa, — Sierra murmurou, olhando para Richie, que ainda estava deitado na calçada onde ele havia caído. — Você realmente fez um estrago nele, não é?

Ela cavou a ponta afiada do estilete vermelho na lateral do anão, mas é claro que Richie não se mexeu. Ele estava muito morto para isso.

— Quem... É... Você...? — Eu finalmente consegui falar.

Ela se abaixou para poder olhar nos meus olhos. — Eu sou a mulher que vai matar a grande e poderosa Aranha, não você e seu amigo lá. Eu sabia que você tramava algo. Você estava mostrando muito interesse nela dentro do clube. Diga, eles te contrataram para matar Blanco também? Como uma equipe de backup no caso de eu falhar?

Eles? Quem eram eles? Quem contratou Sierra para matar Gin?

— Não sei... Do que você está... Falando, — eu disse; minha voz ainda baixa, tensa e rouca.

Sierra estreitou seus olhos cor de avelã, como se não acreditasse em mim. Ela começou a me acertar com a arma de choque pela terceira vez, mas seu olhar frio alcançou Phillip. Ele deveria estar perto de acabar com Stuart, porque Sierra se endireitou.

— Ah, bem. Você quer algo bem feito... — sua voz sumiu, e deu outro sorriso predatório para mim. — Agora, pelo menos eu não preciso dividir o dinheiro com esses dois idiotas. Não que eu tenha planejado fazer isso, de qualquer maneira. Enquanto Blanco estivesse os matando, eu ia matá-la.

Então, Sierra planejara que os dois homens fossem uma distração enquanto se esgueirava atrás de Gin, como Richie ia fazer com Stuart.

— Claro. Teremos que adicionar você e seu amigo à contagem de corpos. — Sierra encolheu os ombros. — Mas isso é algo com o qual eu não tenho nenhum problema.

Ela colocou a mão na bolsa, puxou um revólver e apontou na direção de Phillip.

Embora meus dedos ainda estivessem se contraindo, eu consegui apertá-los ao redor do cabo de meu martelo. Mais uma vez, senti uma onda do meu próprio poder fluindo do metal para o meu corpo, aliviando algumas das minhas dores e sofrimentos. Agarrei a sensação fria, dura e inflexível e deixei fluir dentro de mim. Então levantei o martelo e esmaguei-o no joelho direito de Sierra, o mais forte que pude.

Não foi o golpe mais forte que eu já consegui dar, mas certamente foi eficaz, e senti seus ossos triturarem debaixo da cabeça do martelo. Ela gritou de dor, mas não caiu, então levantei o martelo novamente e bati em cima do seu pé. Ela gritou de novo, mais alto e mais forte desta vez, e cambaleou para trás.

Um de seus saltos prendeu em um buraco na calçada e quebrou, fazendo Sierra cair.

Crack.

A cabeça dela bateu no chão em um ângulo estranho, e assim como com Richie, todo o movimento em seu corpo simplesmente parou. Sua boca se abriu, mas nada saiu, a não ser um pouco de sangue, mais escuro do que o batom carmesim que ela usava. Começou a se acumular cada vez mais no chão sob sua cabeça, e eu sabia que ela estava morta.

Deixei escapar um suspiro e finalmente soltei meu martelo. A arma caiu no chão, mas eu podia ouvi o metal murmurar, desta vez com orgulho. Isso sempre gosta de bater nas coisas, não importa o que elas fossem.

— Owen!

Pisquei, e de repente, Phillip estava agachado na minha frente.

— Você está bem? — Ele perguntou; seus olhos azuis cheios de preocupação.

Fiz uma careta. — Vou viver. Eu acho.

Phillip me ajudou a levantar. Meus músculos ainda tremiam e queimavam com eletricidade, mas consegui ficar em pé.

Ele olhou para Sierra. — Ela realmente não queria aceitar um não como resposta, não é?

— Só você poderia fazer uma piada sem graça em um momento como este.

Phillip sorriu por um momento, mas então seu rosto ficou sério. — Quem você acha que ela era?

Dei de ombros, e imediatamente desejei não ter feito isso, desde que o pequeno movimento enviou mais ondas de fogo pelo meu corpo. — Não sei. Ela disse que estava aqui para matar Gin. Ela achava que quem a contratara nos contratou também, para o caso dela e seus homens não conseguirem fazer o trabalho.

Phillip se abaixou e vasculhou a bolsa dela. — Nenhuma identificação, mas muitas armas. Há uma faca aqui, junto com um fio de garrote.

Ele soltou um assobio baixo e estendeu um pedaço de papel para que eu pudesse ver. As palavras, Um milhão, estavam escritas nele, provavelmente a quantia que Sierra deveria receber, juntamente com três iniciais: M. M. M.

— Você acha que é quem a contratou? — Phillip perguntou. — Porque ambos conhecemos alguém com as mesmas três iniciais.

Junto com tudo o mais que havia acontecido no museu Briartop, Gin também descobriu que Mab havia deixado sua herança para algum parente há muito perdido, M. M. Monroe. Até agora, Gin não havia conseguido descobrir nada sobre esse misterioso Monroe, nem mesmo seu nome completo. Mas parecia que essa pessoa sabia tudo sobre Gin – e isso me preocupou.

Peguei a nota dele e coloquei no bolso da minha calça. Eu pensaria nisso mais tarde. Agora, nós tínhamos preocupações mais prementes.

— Agora o quê? — Phillip perguntou.

— O que você acha? Agora nos livramos dos corpos.

Ele suspirou e balançou a cabeça. — Eu acho que você tem passado muito tempo com Gin. Nós saímos para uma noite simples de caras na cidade e você acaba derrubando três corpos no estacionamento da boate. Você está pegando os maus hábitos dela.

Um sorriso irônico surgiu em meus lábios. — Mas foi divertido, certo? Assim como nos velhos tempos, quando brigávamos com membros de gangues que achavam que eram mais fortes e espertos do que nós.

Phillip bufou. — Sim, só que desta vez você foi eletrocutado, e eu tenho algumas costelas machucadas.

— Bem, eu diria que é uma grande melhoria, já que costumávamos apanhar mais, — eu disse. — Não progredimos grandiosamente?

Phillip bufou novamente, mas o sorriso em seu rosto combinou com o do meu.

 

* * *

 

Nós começamos com Stuart, já que ele era o maior. Philip segurou seus ombros enquanto eu agarrava seus tornozelos. Juntos, nós tiramos o gigante da rua e carregamos através da calçada até as sombras que saíam do beco, onde as lixeiras estavam. Então nos apressamos a fazer a mesma coisa com Richie e Sierra.

Nós acabamos de colocar Sierra no chão ao lado do gigante e do anão, quando os passos soaram. Phillip e eu olhamos um para o outro, então nos agachamos atrás da lixeira mais próxima – algo que era estranhamente familiar do nosso tempo nas ruas.

Os passos ficaram mais altos, e um momento depois Gin ficou a vista, com Bria andando ao lado dela. Bria conversava sobre algo, gesticulando com as mãos enquanto andava e falava, mas Gin era muito mais cautelosa. Seus olhos nunca pararam de se mover de sombra em sombra, e eu poderia dizer que ela ouvia Bria apenas pela metade. Gin sabia que esse seria um ótimo lugar para alguém tentar emboscar a Aranha, e ela estava pronta para qualquer perigo que estivesse à espreita nas sombras. Mas eu já tinha feito o trabalho sujo para ela esta noite.

Gin e Bria pararam a uma distância segura do carro de Finn. Gin destrancou remotamente as portas e ligou o motor. Então as irmãs esperaram, no caso de alguém ter colocado uma bomba no carro enquanto estavam dentro do clube. Quebrava meu coração que Gin precisasse tomar tais precauções elaboradas, que ela tivesse que ser tão vigilante o tempo todo, mesmo quando estava apenas tentando beber alguma coisa com sua irmã. Mas era parte dela ser a Aranha agora, e provavelmente sempre seria.

Um minuto se passou e o motor roncou suavemente. Bria foi até o lado do passageiro para entrar enquanto Gin foi até a porta do motorista. Ela pegou a maçaneta, mas depois parou. Gin franziu o cenho, abaixou-se e tocou parte da calçada ao lado do carro. Então levou seus dedos à luz.

Eu podia ver o sangue brilhando neles daqui.

Mordi uma maldição. Nós movemos os corpos para fora da vista, mas não pensei em limpar todo o sangue na calçada. Talvez eu não tenha passado tempo suficiente com Gin depois de tudo. Ou com Sophia Deveraux, a anã que se livrava de alguns dos corpos que Gin deixava para trás.

Gin franziu a testa enquanto estudava o sangue em seus dedos, e então seu olhar foi para a porta – e o amassado nela, o qual Richie colocou lá com o pé. Sua carranca se aprofundou, e ela lentamente virou a cabeça para a esquerda e para a direita, olhando para todas as sombras da rua, incluindo a que Phillip e eu estávamos agachados.

Pensei em me levantar, falar com ela e explicar o que havia acontecido, mas no final, fiquei onde estava, escondido nas sombras.

Gin olhou para além de nós uma vez, mas seu olhar voltou para nossa localização, e seus olhos se estreitaram enquanto tentava ver na escuridão. Phillip começou a se mostrar para ela, mas coloquei minha mão no ombro dele, silenciosamente dizendo para ele ficar onde estava.

— Algo errado? — A voz de Bria passou por mim.

Depois de um momento, Gin levantou e sacudiu a cabeça. Ela tirou um lenço do bolso do casaco e usou-o para limpar o sangue dos dedos. — Não. Nada importante. Parece que alguém amassou o carro do Finn. Provavelmente alguma luta deu errado.

Bria suspirou. — Ótimo. Ele nunca nos deixará ouvir o final disso.

— Eu sei, — Gin respondeu, guardando o lenço no bolso. — E é por isso que não vamos falar com ele sobre isso até pelo menos amanhã de manhã. Agora, vamos sair daqui.

Ambas entraram no carro e Gin foi embora. Esperei até que as lanternas traseiras do carro tivessem desaparecido na noite, então me levantei e voltei para a rua.

— O que foi aquilo? — Phillip perguntou. — Por que você não foi até lá e contou a ela o que aconteceu? Eu me senti como um adolescente novamente, me escondendo nos arbustos do lado de fora da casa da minha namorada, esperando que o pai dela não aparecesse e me derrubasse.

— Eu não queria estragar a noite dela, — eu disse em uma voz suave.

— Como isso arruinaria a noite dela? Você matou os bandidos por ela. Ela não precisou nem sujar as facas com sangue. Nós fizemos todo o trabalho.

Balancei a cabeça. Phillip não entendia quão cansada Gin estava de ser o alvo de todos, mas eu sim. Ela merecia pelo menos uma noite onde não precisasse se preocupar com sangue, vilões e corpos, e eu estava determinado a dar isso a ela.

— Além do mais, — Phillip prosseguiu, — No que diz respeito a grandes gestos românticos, não consigo pensar em um melhor para uma assassina do que em alguns cadáveres.

— O que aconteceu com toda a sua conversa sobre flores, doces e joias?

Ele encolheu os ombros. — Como você apontou, Gin não é exatamente esse tipo de mulher.

Olhei para a rua, na esquina onde o carro de Finn havia desaparecido. — Não, ela não é. Agora vem cá. Ajude-me a terminar de sumir com os corpos.

 

* * *

 

Quando Phillip e eu colocamos os corpos dentro das lixeiras, limpamos um pouco do sangue e da sujeira da luta e voltamos para dentro do clube para dizer a Xavier que Sierra não era bem o que ela parecia, já passava da meia-noite. Xavier nos levou ao escritório de Roslyn, onde ela procurou alguns registros. Descobriu-se que Sierra só trabalhava no clube há alguns dias, provavelmente apenas como um trabalho de cobertura. Roslyn e Xavier prometeram descobrir o que podiam sobre Sierra, mas eu duvidava que eles descobrissem muito. Northern Aggression não era exatamente o tipo de lugar que conduzia à verdade, seja pelos clientes ou pelos funcionários.

Phillip e eu saímos do clube, entramos no carro e fomos até o Delta Queen, que ficava atracado no centro no rio Aneirin. O cassino estava fechado durante a noite, e as fileiras de luzes que desciam de um convés para outro estavam todas escuras, embora a madeira caiada e o bronze ainda brilhassem ao luar.

Phillip saiu do carro e deu a volta para o meu lado. Eu abaixei a janela do motorista e ele apoiou os antebraços na janela.

— Bem, — ele arrastou, olhando para os respingos de sangue nas mangas do casaco. — Suponho que esta roupa esteja oficialmente arruinada.

A lama, o sangue e a sujeira cobriam quase todos os centímetros de seu terno branco. Fios de cabelo loiro escaparam de seu rabo de cavalo, sujeira manchava seu queixo, e o lado esquerdo de seu rosto já começara a escurecer e inchar de onde o gigante o atingira. Phillip parecia terrível, e foi minha culpa novamente. Ele foi surrado por causa do meu desejo de proteger Gin, e nós dois éramos extremamente sortudos que as coisas não tivessem sido muito piores.

Culpa me inundou, mas deixei a minha voz suave. — Bem, sinta-se à vontade para me enviar a conta de limpeza a seco, — eu disse, tentando fazer uma piada.

— Oh, pretendo fazer isso. — Seu rosto estava sério.

Eu estremeci. — Sinto muito. Eu não deveria ter te arrastado para o meio da minha luta assim. Da próxima vez, talvez tenhamos uma noite melhor de caras. Ou, pelo menos, uma menos violenta.

— Oh, eu não sei, — ele falou. — Você. Eu. Na rua. Enfrentando alguns punks e levando a melhor. Você estava certo. Foi como nos velhos tempos... Bons momentos.

Seu rosto se enrugou em um sorriso largo, seus olhos azuis brilhando com a vitória. Por um momento, foi como se os anos tivessem desaparecido, e vi o garoto esquelético que ele fora uma vez, sorrindo como um idiota por conseguir roubar um par de maçãs para ele, Eva e eu comermos.

Meu peito apertou, a sensação ainda mais dolorosa do que quando Sierra usou sua arma de choque em mim. Fazia tanto tempo desde que eu o vi sorrir assim. Fazia tanto tempo desde que ele olhara para mim sem um traço de raiva, mágoa ou amargura estragar suas feições.

Phillip tinha sido o meu melhor amigo, a pessoa da qual eu dependia mais do que qualquer outra pessoa, mas joguei aquilo tudo fora quando acreditei em Salina e suas mentiras sobre ele.

Mais uma vez, amaldiçoei minha própria tolice, e não pude me livrar da dor oca em meu peito. Conforme as semanas passavam e eu tinha mais perspectiva sobre Salina e todos os horrores que ela fez, eu percebi outra coisa. Salina não custou apenas minha amizade com Phillip – ela também roubou meu tempo com ele.

Phillip e eu ficamos afastados por anos por causa dela, e Cooper e eu não nos saímos muito melhor, pelo menos não depois da primeira vez que Salina deixou Ashland. Eu perdi tanto deles. Phillip crescendo e fazendo um nome para si mesmo como o proprietário do Delta Queen. Cooper e todos os seus projetos de ferreiro. Sem mencionar Eva e toda a inocência doce e feliz da infância que Salina tinha tirado dela.

Isso me deixava doente, pensar em todos aqueles anos perdidos, todo aquele tempo precioso que eu poderia ter passado com pessoas que realmente se importavam comigo. Mas, em vez disso, eu esbanjei imaginando onde Salina tinha ido e por quê.

E agora a mesma coisa estava acontecendo com Gin.

Os dias se transformavam em semanas, e eu ainda não estava mais perto de descobrir como consertar as coisas entre nós dois, do que eu estava na noite em que Salina morreu...

— O que você está pensando? — Phillip perguntou, interrompendo meus pensamentos. — Você ficou tão sério de repente.

Eu olhei para ele, e mais uma vez pensei em todos os momentos de silêncio como este que eu perdi por causa de Salina e suas mentiras.

E nesse segundo eu prometi que não aconteceria novamente. Não com Phillip, Cooper ou Eva – e nem com Gin. Salina já havia tirado muito de mim. Ela não tiraria mais nada. Nem mais um maldito segundo do meu tempo.

— Owen?

Eu me obriguei a sorrir para ele, como se não tivesse nada importante em minha mente. — Estava imaginando como você me fará pagar por isso mais tarde.

— Vamos começar com um terno novo. — Phillip sorriu novamente. — Embora eu tenha certeza de que posso pensar em alguns outros atos de arrependimento que você pode completar para reparar seus pecados. Façamos assim. Venha almoçar amanhã, e lhe direi o que você pode fazer para completar sua penitência.

Se ao menos ele soubesse que era exatamente o que eu planejava fazer. Fazendo isso para ele. Fazendo coisas para todos. Cooper, Eva, Gin. Eu não conseguiria desfazer o que Salina havia feito. Mas eu podia, com toda a certeza, me esforçar ao máximo para mostrar para eles o quanto eu estava arrependido por tudo que havia acontecido – e o quanto os amava.

Especialmente Gin.

— Owen? — Phillip perguntou. — Lá vai você, ficando sério de novo.

Dei a ele a mesma piscadinha que ele estivera usando em todas as mulheres no clube hoje à noite. — É um encontro. Vejo você então.

Ele balançou a cabeça. — É tão triste você não saber jogar. Essa é outra coisa que teremos que conversar amanhã. Até mais.

Ele deu uma piscadela muito mais ousada para mim, depois se endireitou e acenou antes de subir no barco e desaparecer de vista.

Liguei o carro e saí, pensando em tudo o que tinha acontecido naquela noite. Conversando com Phillip, rindo com ele, lutando lado a lado com ele. Pela primeira vez desde que nos reconectamos, parecia quase... natural. Como se finalmente estivéssemos voltando para lá, onde já fomos amigos. Meus lábios puxaram para outro sorriso.

Bons tempos, de fato. E eu esperava que houvesse muitos mais por vir.

 

* * *

 

Eu dirigi para casa. Eva passaria a noite com Violet Fox, sua melhor amiga, então a mansão estava escura e silenciosa quando entrei. Tomei um longo banho quente para lavar o sangue de Richie e Sierra de mim, depois vesti uma camiseta e jeans, junto com um par de botas e um grosso macacão azul. Também retirei os martelos do porta-malas e limpei o sangue deles.

Embora passasse das duas da manhã agora, eu me sentia energizado – galvanizado, mesmo – então peguei meu martelo e fui para a minha forja.

Duas paredes de pedra sustentavam o telhado de ardósia, mas os outros dois lados estavam abertos para que o ar pudesse entrar e alimentar o fogo. Não era tão grande quanto a forja de Cooper – nem mesmo perto – mas era meu, meu próprio espaço para eu fazer meu próprio trabalho.

Acendi as luzes e comecei. Não demorou muito para acender o fogo, arrumar minhas ferramentas e selecionar um pedaço de ferro para trabalhar. Na verdade, encontrei consolo nas rotinas familiares, assim como Gin fazia com a comida dela.

Uma vez que o ferro estava devidamente aquecido, peguei meu martelo e minha magia, sentindo o gélido, forte poder subindo da boca do meu estômago, fluindo pelos meus ombros, pelos meus braços, pelas minhas mãos e até as pontas dos meus dedos. O ferro quente começou a sussurrar em antecipação de como eu poderia moldá-lo, conforme os outros pedaços de metal na forja entravam em cena, imaginando o que eu faria em seguida. Eu respirei fundo, realmente me concentrando na minha magia e recolhendo mais e mais dela. Os sussurros do metal se intensificaram; sabia o que viria a seguir. Quando consegui firmar minha magia, lentamente a canalizei para dentro do meu martelo, até que o silverstone estava zumbindo com o poder bruto – assim como eu.

Então eu abaixei o martelo.

Acertei o ferro uma e outra vez, fazendo faíscas explodirem e zumbirem pelo ar, como gordas abelhas vermelhas, antes da umidade pegajosa da noite as extinguir. Ignorei as faíscas e concentrei-me no metal, até sentir cada um dos pedaços de ferro, até a mais ínfima aresta. Então comecei a sussurrar de volta para o metal, não com palavras, mas sim com a minha magia, persuadindo-o, moldando-o, esculpindo-o na forma exata que eu queria.

Algumas horas depois, quando terminei, olhei para a peça que eu tinha criado, examinando-a de todos os ângulos. Estava boa, certamente melhor do que minhas outras tentativas de fazer essa forma particular, mas eu poderia melhorar. Eu faria melhor – por Gin.

Porque ela merecia absolutamente o melhor de todas as coisas, mas especialmente de mim.

Eu sabia o que queria fazer com a forma agora, que forma eu queria que ela tomasse. Phillip me dera a ideia, com toda a conversa sobre flores, doces e joias hoje à noite. Eu só esperava que a peça final fosse tão significativa para Gin quanto era para mim. De qualquer forma, eu passaria as próximas semanas, talvez os próximos meses, trabalhando nisso. Desenhando e redesenhando. Moldando e remodelando. Forjando e reforjando, até que a peça fosse a melhor possível.

Para ela, para Gin.

A mulher que eu amava, a que eu estava determinado a reconquistar.

Oh, eu sabia que não merecia uma segunda chance com ela. Não realmente, não depois de tudo que eu havia feito, não depois de todas as maneiras que eu a machuquei. Mas maldito seja se eu não queria uma de qualquer maneira. Talvez fosse egoísmo da minha parte. Talvez Gin me rejeitasse de imediato. Talvez ela dissesse que muita coisa havia acontecido e que nunca conseguiríamos recuperar o que perdemos.

Se assim fosse, eu não gostaria, mas viveria com isso. Assim como viveria com as memórias do que Salina fizera e como não consegui impedi-la. A morte de Jillian. E todas as outras coisas que me assombravam atualmente. Mas a penitência era sobre reparar os seus pecados e tentar consertar as coisas. Era tudo o que eu podia fazer.

Eu só esperava que isso fosse o suficiente para todos – Phillip, Cooper, Eva e especialmente Gin.

Levantei a mão e peguei a ferradura que eu havia pendurado na entrada para ter sorte quando construí a forja anos atrás. Eu substituí a ferradura com a peça que eu fizera hoje à noite, recuei e a admirei. Um pequeno círculo rodeado por oito raios finos. Uma forma tão simples, mas tão poderosa ao mesmo tempo. Parecia bem pendurada ali, assim como eu sabia que ficaria.

Satisfeito, pelo menos por essa noite, eu me certifiquei de que o fogo estivesse frio, apaguei as luzes e saí da forja. Cheguei à porta dos fundos da casa e olhei por cima do meu ombro. À distância, a luz do luar banhava a forja em uma luz suave e prateada, fazendo a runa de aranha de Gin piscar em seu novo poleiro. Sorri, pisquei, depois fui para a cama.

Minha penitência havia começado.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

                          Voltar a serie

 

 

 

 

      

 

 

O melhor da literatura para todos os gostos e idades