Estaciono de qualquer jeito em frente ao prédio, e o porteiro já se aproxima para chamar minha atenção, mas para, assustado ao ver como estou. Passo direto, sem nem mesmo cumprimentá-lo, focado em falar com ela, implorar seu perdão e garantir que iremos achar quem sabotou o projeto que batalhamos tanto para construir.
Uso a cópia da chave que ela fez para mim há poucos dias e entro com tudo no apartamento.
— Wilka! — grito seu nome, mas nem mesmo o Kaká me recebe. Sinto o corpo gelar e vou abrindo porta a porta, chamando-a, procurando-a como se pudesse estar brincando de esconder, sem querer acreditar que ela não esteja aqui.
Abro o armário e sinto falta de muita roupa. Quando olho para a área onde estavam minhas coisas, paro de respirar, vendo os cabides de madeira vazios, bem como todas as prateleiras.
Saio do quarto, disposto a bater no apartamento da vizinha, a tal Verinha, e obrigá-la a me dizer onde está minha Pimentinha, minha Cabritinha, minha Wilka Maria!
Os sacos pretos no chão me fazem parar abruptamente. Um arrepio percorre minha espinha de cima a baixo, um tremor estranho e um frio assombroso me fazem tiritar os dentes. Vou até o canto onde eles estão e desamarro o primeiro. Confirmo que são minhas roupas e me agacho no chão, perto delas, tomando consciência do que isso significa.
Ela me tirou de sua vida!
Eu sei que mereço. Não deveria ter agido como agi, não conhecendo-a como a conheço, mas isso não diminui a dor que estou sentindo.
Preciso encontrá-la!
Pego o celular e ligo para o seu número, mas está desligado. Envio várias mensagens, mas nenhuma delas é recebida por ela, e, como não vejo mais sua foto no aplicativo, suponho que tenha me bloqueado. Saio do apartamento e bato na porta da vizinha e, quando ela não atende, faço o mesmo na do bombeiro.
Ninguém em casa!
Amaldiçoo minha sorte, sinto-me perdido, ando de um lado para o outro. Não quero ir embora, não sei se ela voltará ou se foi para algum lugar para ficar, ou se... se ela me abandonou!
— Não seja ridículo, ela nunca desistiria de tentar consertar as coisas, muito menos fugiria deixando todos pensando que foi ela quem traiu a empresa e vazou as informações.
Entro no apartamento, incomodado com meu estado lamentavelmente fedorento e decido tomar um banho enquanto espero que alguém retorne. Tomo a ducha mais rápida da minha vida, coloco a roupa suja em um dos sacos de lixo, para realmente jogar fora, e busco outras peças para vestir.
Um papel velho, com muitas marcas, dobrado pequenininho, chama a minha atenção no chão, entre um saco preto e outro. Pego-o, desdobro devagar o papel amarelado, as dobras sensíveis, podendo se partir a qualquer momento, e, quando o abro por inteiro, arregalo os olhos.
Leio rapidamente as poucas palavras contidas ali, a tinta azul da caneta um tanto desbotada, mas a letra... meu coração parece querer explodir no peito. Sinto-me tonto, a visão turva. Balanço a cabeça e releio a última frase – “seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!” – sem saber o que está acontecendo, que tipo de brincadeira é essa.
Ajoelho-me no chão, o corpo inteiro sendo sacudido por espasmos incontrolados do pranto que vem da minha alma.
Eu reconheço essa letra, reconheço essa frase! Fui eu quem escreveu isso!
Lembro-me como se fosse hoje o que me levou a escrever essa carta, bem como para quem a escrevi. Sinto-me tonto, incrédulo, sem entender nada. As lembranças que sempre reprimi, insistem em voltar, mesmo fora dos pesadelos, e eu apenas fecho os olhos.
— Eu não vou fazer isso! — grito com meu pai mais uma vez.
O soco em meu rosto faz com que sinta o gosto ferruginoso de sangue em minha boca e, mais uma vez, terei de inventar algum acidente de bicicleta para manter as aparências que ele tanto preza.
Amanhã, quando estiver sóbrio e sem o efeito da cocaína, Nikkós vai perguntar o que eu fiz para ter o olho roxo, vai me mandar pôr gelo e passar uma pomada para que a contusão não demore a sarar. Já estou acostumado a isso, vivemos, meus irmãos e eu, com o louco há pouco mais de seis meses, desde quando minha madrasta simplesmente anunciou que estava grávida do meu irmão mais velho e abandonou a todos a fim de ir morar com Theodoros na Grécia.
Meu pai nunca teve o gênio fácil, sempre esteve metido com vícios diversos, desde mulheres até apostas tão desmedidas a ponto de voltar para casa apenas de cueca, e Sabrina ainda ter que pagar o táxi, pois ele também deixara o carro.
O consumo de drogas, se existia naquela época, era controlado, e, durante mais de um ano em que morei com os dois, não vi nenhum indício de que ele usava entorpecentes. Entretanto, o que sabia eu? Um garoto criado por uma governanta idosa e sisuda, depois abandonado em um internato por anos. Eu era o único que não ia para casa nas férias e nos feriados, recebia uma carta do meu avô no Natal e um presente de minha mãe em meu aniversário. Esse era todo o contato que eu tinha com minha família.
O colégio foi meu primeiro inferno. Eu era muito mais alto que os outros garotos, mas isso só começou a me incomodar quando, aos 10 anos, já estava com 1,78m e pesava mais de 100 quilos. Poderia ser intimidante se eu não fosse do jeito que sou, quieto e tímido, um nerd feioso, desengonçado, que só vive para estudar.
A sorte foi que, nessa mesma época, meu avô paterno, que é grego, começou a me receber nas férias escolares. Conheci meu irmão mais velho, alguns primos, fiz amizade com uns, e outros me tratavam friamente, pois eu era, ali, o inglês esquisitão.
Um tempo depois meu avô materno me chamou de volta para casa e avisou que eu iria tomar aulas de português para morar com meu pai – um pai que eu só tinha visto pouquíssimas vezes – no Brasil.
Vim para cá cheio de esperança, feliz por pertencer a uma família, conviver com meus irmãos e disposto a ser o melhor garoto que meu pai poderia desejar. Não foi bem assim. Nikkós realmente não enxergava nada a não ser ele mesmo e, às vezes, sua esposa. Era inegável que ele fazia todas as vontades dela, lambia o chão que ela pisava, mas seu mau caráter era mais forte que a paixão, e ele sempre estava aprontando.
Por mais que eu não vivesse no comercial de margarina que idealizei, estava feliz por ter Alexios e Kyra por perto. Então tudo desmoronou, e Nikkós enlouqueceu de vez.
— Eu não estou pedindo, Konstantinos! — Nikkós volta a gritar. — Faça o que estou mandando!
Sua mão se levanta mais uma vez para me bater. Eu recuo e olho para a mulher amarrada à minha frente. Respiro fundo, pego o chicote de equitação – odeio cavalos, odeio! – e bato firme, porém sem força em sua bunda.
— Bate como um homem, porra! — Tomo um tapa na cabeça e balanço. — Estou criando o quê? A merda de um bichinha?
Nikkós toma o chicote da minha mão e bate tanto na nádega da prostituta que eu a escuto chorar.
— Tente de novo! — Empurra-me o objeto. — Você só vai cavalgar essa potranca se amansá-la, e o único jeito de fazer isso é assim, açoitando! Larga de ser um merda, gordo e frouxo!
A raiva faz meu corpo inteiro tremer. Minhas emoções se descontrolam em uma mistura tão perigosa quanto nitroglicerina, explodindo tudo dentro de mim. Tenho 13 anos, meus hormônios fervilham, meus impulsos são difíceis de ser controlados, e eu acabo fazendo o que ele manda, chorando junto à mulher amarrada de bunda para cima no chão.
O filho da puta goza sozinho ao acompanhar a dor – da mulher que apanha, e a minha, que sou quem bate –, rindo como o louco que se tornou, jogando mais sujeira dentro de mim.
Penso que tudo acabou, saio do quarto no sótão ainda de madrugada e escuto o choro, o pedido desesperado de socorro que ouço todas as noites, os murros fracos na porta de um minúsculo quartinho de despensa.
Meu coração se comprime no peito ao me lembrar da menina de olhos enormes, cabelos compridos e expressão apavorada. Não sei quantos anos tem, mas é tão pequena quanto Kyra, talvez menor do que minha irmã caçula. Já a vi perambulando entre as putas, entre os clientes e até perdida no meio de brigas entre bêbados ou o fogo dos frequentadores.
Na noite passada, a vi chorando encolhida em um canto, tentando avançar para dentro de um quarto que estava com a porta aberta, mas sem conseguir sair do lugar, olhos fechados, lágrimas vazando entre os cílios. Descobri o motivo ao ir até lá, onde um grupo realizava uma orgia sem nenhum pudor, à vista de todos.
Nos pés dos que estavam em pé, vi um urso surrado, feio, sendo chutado, embolado e fazendo alguns tropeçarem e xingarem. Soube na hora o motivo pelo qual a menininha não conseguia sair daquele cantinho, mesmo sem coragem de abrir os olhos diante a cena nojenta que acontecia à sua frente.
Entrei no meio deles, tomei umas cotoveladas, um cara pegou no meu pau – murcho – por cima da calça que eu usava, uma mulher tentou me beijar, mas saí de lá com o maldito urso na mão, arrastei-a para fora daquele antro – definitivamente não era coisa para uma criança ver – e entreguei o brinquedo para ela.
Suspiro ao pensar no soco no estômago que foi o sorriso de felicidade que ela abriu apenas por ter o bichinho de volta. Agradeceu, saiu correndo e desapareceu dentro desta casa, que é uma filial do inferno na Terra.
— Me tira daqui! — ouço-a pedir ajuda novamente, mas nada posso fazer, pois a porta está trancada, e não tenho a chave. — Eu prometo que não vou atrapalhar, serei uma boa menina... — sua voz esmorece. — Eu tenho medo do escuro.
Minha revolta só cresce ao imaginar que existam pessoas, como meu pai e os pais dela, que acham saudável nos ter aqui. Não é só o sexo, é tudo! Drogas, bebidas, todo o tipo de perversão que possa imaginar.
— Ah, sua grande aberração dos infernos, você está aí! — Nikkós me alcança antes que eu consiga fugir de suas garras. — Ainda não terminamos, moleque!
Respiro fundo, porque já conheço bem essa rotina. Agora ele não vai mais me obrigar a fazer suas loucuras, eu serei o torturado, e ele, meu torturador.
Entramos em outro quarto dessa vez. Eu esperava encontrar espelhos, pois ele adora me exibir, com toda minha “banha nojenta”, para os outros clientes, e usa as prostitutas para me beliscar, morder e caçoar de mim. Já não me fere mais, a brincadeira está perdendo a graça, até para ele mesmo, pois algo começou a mudar em meu corpo, e eliminei muitos quilos que tinha acumulado, ainda que continue a crescer.
Nikkós é alto e corpulento e, para meu desespero, tenho me achado cada dia mais parecido com ele. A pele morena mesmo no inverno, os cabelos negros e lisos, os olhos azuis. Ele deve medir 1,90m de altura, e eu estou só dez centímetros mais baixo. Já vi fotos dele quando mais jovem, e nunca foi gordo, era mais o estilo varapau, só ganhou peso com a idade.
Como sempre, ele culpa minha mãe por eu ser essa “aberração”, dizendo que ela se arrependeu de ter engravidado ainda no primeiro mês de gestação e que me amaldiçoou a cada dia dos nove meses em que estive dentro de si.
Sempre soube que ela nunca me quis, isso nunca foi novidade. Todavia, agora, ele está conseguindo me convencer de que ninguém nunca irá me querer. Tenho orelhas grandes, nariz enorme, os dedos das mãos são longos e magrelos em contraposição ao meu corpo, uso aparelho nos dentes, pois é quase inerente ingleses terem dentes tortos. No ano passado meu rosto estourou inteiro com espinhas, dessas que inflamam e ficam avermelhadas.
É, não sou uma beleza por fora, mas, até pouco, sentia-me bonito em minha essência. Era solícito, calmo, estudioso, bom irmão...
Os pensamentos se perdem quando vejo uma garota parada no meio do quarto. Ela é tão miúda que eu poderia muito bem quebrá-la ao meio com minhas mãos, os ossos parecendo pontiagudos de tão magra que está.
— Foi a única que eu consegui! — madame Linete, a dona da casa, desculpa-se com um dos seus melhores clientes.
— Para quem é, serve — Nikkós responde. — Quanto ela cobrou?
A mulher diz o valor, mas eu tenho certeza de que a menina não verá nem metade desse dinheiro. Estranho ela ser uma prostituta tão diferente das outras, que cuidam de seus corpos, usam roupas provocantes e muita maquiagem.
— Ei, garota! — meu pai a chama. — Você quer transar com ele?
Ela arregala os olhos e nega veementemente. Abaixo a cabeça, envergonhado e ao mesmo tempo com raiva da risada alta de Nikkós.
— Eu sei, menina, ninguém quer, mas vou pagar bem, então arreganhe suas pernas e finja gostar. — Ele senta-se em uma cadeira. — Tirem as roupas.
— Ela me disse que era só para acariciar... — a menina tenta falar. — Eu expliquei a ela que ainda sou... — ela me olha sem jeito — virgem.
Encaro Nikkós, assustado com o que está pretendendo fazer. Uma virgem, pelo amor de Deus!
— Foda-se, eu comprei seu cabaço, agora quero-o!
— Não! — nego. — Ela não quer, pai, então não...
— Ela não tem que querer nada! Já paguei, agora abra a boceta e deixe esse mondrongo brincar à vontade!
Ela se encolhe com medo, e eu me aproximo para conversar.
— Quantos anos tem? — pergunto baixinho para que ele não escute.
— 15 anos — a menina responde.
— Por que veio para cá?
Ela soluça.
— Minha mãe precisa de um remédio.
Nego, saio de perto dela e vou até a porta.
— Pode ir embora. — Aponto a saída. — Você irá receber seu pagamento, mas meu pau não reagiu a você, então, não há nada que...
Ela começa a andar, segurando suas roupas, mas é arremessada longe pelo tapa na cara que Nikkós lhe dá. A garota abraça a si mesma, num canto da cama, chorando e com a boca sangrando. Ele se aproxima com toda sua fúria de mim e me segura pelos ombros.
— Você vai fazer o que eu mandei!
Nego, e ele me sacode.
— Quem você pensa que é, seu maldito balofo brocha?! Eu comprei a porra de uma virgem, e você vai entrar rasgando dentro dela...
Olho para a garota, encolhida na cama, seu corpo nu trêmulo de medo, lágrimas grossas escorrendo por seu rosto. Meu estômago revira, engulo em seco várias vezes e mantenho a respiração constante para não vomitar aqui mesmo.
Nikkós continua falando, mas não escuto mais sua voz. Deixo minha mente em branco, não demonstro nenhum sentimento sequer, para não o deixar ainda mais excitado com meu desespero. A verdade é que eu estou angustiado. Não quero fazer isso com ela, não é justo, não quero machucar ninguém!
Não escuto mais a voz dele, embora sua boca se mexa sem parar. Sinto cuspes sendo atirados na minha cara, mas não ouço nada.
Ele me solta e vai até seu paletó, que ele colocou no encosto da cadeira, e pega sua carteira. Fala algo comigo, mas não escuto. Em minha mente toca uma música que aprendi a tocar no violão há pouco e, enquanto ele joga dinheiro para cima, vou cantando-a mentalmente:
“But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here.
I don't belong here.”26
De repente a música dentro de mim cessa, meu corpo esfria como se eu estivesse morrendo ao vê-lo tirar a roupa.
— Pai, não!
Tento impedi-lo, mas me empurra forte, e eu caio para trás. Levanto-me rápido, porém, não o suficiente para impedi-lo de a machucar. O grito que ela dá congela meu coração. Ele tampa a boca dela, impedindo-a de gritar mais por socorro, e eu me sinto um inútil.
Puxo-o de cima dela, preocupado de ele a matar. O desgraçado cai no chão rindo. A garota chora muito, suas coxas banhadas de sangue. Aproximo-me para tirá-la da cama, mas ela se encolhe como um animalzinho ferido. Pego um lençol e a cubro. Ela bate os dentes de tanto que treme, geme alto e se contorce na cama.
— Você a machucou! — grito e olho para Nikkós, deitado no chão do quarto, roncando.
A menina se ergue. Tento ajudá-la, mas ela se afasta de mim como se estivesse com muito medo.
— Não me toque, por favor, não me toque!
Dou vários passos para longe dela, sentindo-me sujo, a alma queimada, chamuscada pelas chamas do inferno que meu próprio pai criou para mim.
Eu sou um monstro!
Minutos depois que ela sai do quarto, faço o mesmo, decidido a ir embora daquele antro de podridão, mas então olho a janela, os raios do sol entrando pelos vitrais coloridos e penso se não é melhor acabar com tudo de vez. Ir embora para sempre!
Eu sou insignificante demais, não faço a mínima falta para ninguém e só estou causando dor.
Termino de costurar o urso e respiro fundo, indo de bicicleta até um orelhão bem distante do colégio. Tremo ao fazer a ligação, mas, assim que faço o que estou há duas semanas planejando fazer, sinto-me melhor, apreensivo, com medo de dar um tiro n’água e piorar ainda mais as coisas.
Eu tentei me matar, mas, quando estava pendurado naquela maldita janela, algo me puxou para trás. Talvez eu mesmo tenha me desequilibrado, mas isso aconteceu despois que me lembrei dela, da menina que toda noite é trancada no quartinho, que chora, implora pela luz, a mesma menina que sorri para mim com sua pureza e inocência contrastando com toda a imundície à nossa volta.
Ela é pequena, não tem ninguém e, provavelmente, será a próxima a estar em um quarto para ser violada brutalmente por um bêbado qualquer. Eu não deixarei isso acontecer. Não pude impedir naquela noite, mas não vou mais ficar parado olhando as atrocidades contra crianças e adolescentes acontecerem naquele lugar.
Denunciei, e fiz isso a vários órgãos diferentes para não correr o risco de madame Linete subornar alguém para que nada aconteça. Nessa noite estarei novamente por lá, com Nikkós, e deixarei o urso que comprei para ela como presente de despedida, na esperança de que consiga sair do inferno.
Um anjo em meio a tantos pecadores e demônios. Ela precisa escapar.
Abro os olhos, a cabeça pesada por tantas lembranças, o coração dolorido por causa da emoção. Pego a carta e a releio com calma, revivendo o momento angustiante em que coloquei o urso em uma caixa e o deixei dentro do armário do sótão, juntamente a uma lanterna.
Tive a ideia de deixar uma carta, mas não queria que ninguém visse, então fiz uma brincadeira com o destino: costurei a carta atrás da roupa do urso – era de marinheiro – e esperava que, quando ela fosse lavá-lo, já fora daqui, pudesse encontrar a missiva.
Como isso veio parar nas mãos de Wilka?
Esforço-me para lembrar com mais detalhes do rosto da menina, mas não consigo. Passaram-se muitos anos, o local era mal iluminado, e eu mais a ouvi chorar e pedir por ajuda do que a vi de verdade.
Não demorou muito a apurarem minhas denúncias. Contudo, como eu temia, deve ter havido muita propina, pois nada aconteceu ao estabelecimento, nem à dona dele. Apenas a menina que vivia naquele sobrado foi retirada de lá e levada para um abrigo e, provavelmente, iria para a adoção.
Leio a carta em voz alta:
Finalmente você me encontrou!
A gente mal se conhece, eu sei. A verdade é que nem sei se você sabe ler, mas, como nunca fui bom em falar, decidi escrever. Eu espero que esteja lendo esta carta dentro de um lar de verdade, cercada de amor, de alegria e segurança. Meu último ato de fé é esperar que você tenha tudo o que deveria ter: uma família.
Provavelmente você deve estar se perguntando quem escreveu isso e por qual motivo escondeu dentro desse bichinho de pelúcia, ou então se lembrou de mim, de quando resgatei aquele velho urso caolho que vivia em seus braços.
Por quase um ano eu ouvi seus pedidos de socorro, trancada naquele quarto escuro, e eles, ao mesmo tempo em que saíam de sua boca, eram os meus também. Eu nada podia fazer para me ajudar, mas espero ter conseguido ajudar você.
“Por quê?”, você deve estar questionando, afinal nunca trocamos uma palavra sequer, você é/era uma menina, e eu, um adolescente esquisito, uma aberração grandalhona. É simples, você me salvou. Salvou o mínimo de esperança dentro de mim, me fez querer continuar lutando, e eu percebi que a forma de manter viva dentro de mim essa humanidade que ele teima em tentar destruir é te dando a chance de ser diferente.
Eu espero que seja feliz, brinque, seja amada, cresça, ame e contagie a todos com o mesmo sentimento que me fez voltar a ter esperança. Porém, se um dia, por algum motivo, voltarem a te trancar em um quarto escuro, basta fazer o que fez no dia em que resgatei aquele velho urso: sorria.
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!
Ponho-me de pé em um salto, tudo ficando claro de repente. O sorriso de Wilka, a forma como entrou na minha vida, no aplicativo e na Karamanlis, o que ela me despertou e o que me faz sentir.
É loucura demais, porém, não consigo ter outro pensamento senão o de que, 23 anos depois, a menina do armário e eu voltamos a nos encontrar.
Eu a salvei naquela época, e ela me salvou agora.
— Onde ela está? — pergunto assim que Vera abre a porta.
Desde ontem estou repetindo essas palavras, querendo saber o paradeiro de Wilka. A partir de quando encontrei a carta no chão da sala junto às minhas roupas em sacos pretos, desesperei-me para saber onde ela estava, querendo ir atrás dela a qualquer custo a fim de lhe dizer que confiava nela e que a amava.
— Kika me pediu para entregar suas coisas e pegar as... — ela não consegue terminar de falar, pois Kaká passa por baixo de suas pernas como um foguete, dando pulos de alegria, fazendo seu característico mijo da felicidade ao me ver.
Abaixo-me, pego-o no colo e, fazendo carinho em sua cabeça, questiono de novo:
— Onde ela está, Verinha?
A mulher respira fundo, estende as mãos para que eu lhe devolva o cachorro e nega.
— Ela precisa de um tempo, está muito magoada, não vai demorar. — Encara-me. — Pegue suas coisas e deixe as chaves com o Joca, por favor.
— Não. Eu não vou. — Ela bufa com minha teimosia. — Eu preciso conversar com ela.
— Para quê? Vai magoá-la ainda mais?
Nego, mas ela não me deixa falar mais nada, batendo a porta na minha cara.
Tomo a decisão de me instalar no apartamento de Wilka até que ela retorne, já que deixou Kaká para trás e isso é indício suficiente de que não vai demorar. Entro no apartamento, sirvo-me de mais uma dose de bourbon e ligo para todo mundo que conheço que pode obter informações sobre a nossa concorrente. Preciso descobrir quem foi que sabotou o projeto e provar a inocência de Wilka.
Ligo para o detetive que coloquei atrás de Theodoros e o encarrego de ir até o Rio de Janeiro e fazer o necessário para conseguir informações dentro do governo. O contato de Millos passou apenas parte de documentos para meu primo, porém, preciso deles em sua íntegra, bem como os detalhes da negociação relâmpago que fizeram às nossas costas.
Quem quer que tenha sido o responsável por isso, terá que enfrentar as consequências de seu ato. Plagiaram um documento sigiloso da Karamanlis e passaram informações privilegiadas à nossa concorrente direta, pondo em risco um negócio de milhões, e isso não ficará impune.
Escuto barulho no corredor do prédio e saio correndo do apartamento, esperando ver Wilka, mas é Verinha com Kaká desesperado para pular no meu colo, e, pela expressão da vizinha, ela só veio atrás de mim por causa do pequeno york.
— Ele chora demais quando ouve sua voz. — Verinha me entrega o bichinho. — Fica na porta, cheirando por baixo dela, sentindo seu cheiro no corredor do prédio. — Ela suspira. — Não posso fazer o bichinho sofrer, é maldade! — Dá de ombros. — Por algum motivo, ele gosta de você.
Faço festa e falo com Kaká, recebendo lambidas alegres no rosto.
— Ele também sente falta dela — apelo. — Me diga onde ela está e acabe com nosso sofrimento.
— Eu prometi...
— Verinha, eu a machuquei, mas quero pedir perdão.
— Eu prometi, e não quebro minhas promessas. — Ela acaricia o Kaká em meu colo. — Ela não deve demorar a voltar, só precisava de um tempo para digerir tudo o que houve.
— Entendo. Kaká pode ficar comigo no apartamento?
— Eu ia levá-lo para passear um pouco.
Respiro fundo.
— Pode deixar, que eu levo.
Verinha concorda e me entrega a guia, uma luva e um saquinho plástico. Nunca passeei com um cachorro antes, não fazia nem ideia de como era ter um bicho de estimação antes de começar a conviver com o Kaká, mas sei o quanto Wilka ama esse cachorro, e estar perto dele, de certa forma, me aproxima dela também.
Caminhamos por um bom tempo, parando quase de poste em poste para ele demarcar seu território. Aprendo o motivo de levar a luva e o saco plástico quando ele deixa um belo cocô na calçada. Mexo com ele sobre sua educação e devo parecer um doido conversando com o cãozinho no meio da rua.
Para falar a verdade, a cena toda deve ser hilária! Um homem do meu tamanho passeando com um york, desabafando com ele como se fosse gente, relembrando momentos juntos – nós três, claro – e o consolando por estar triste e com saudades de Wilka.
— É, Kaká, eu entendo, amigão! — digo pouco antes de entrar no prédio com ele em meu colo. — Nós a amamos muito!
Já faz quase uma semana, e Wilka não voltou ainda. Não saí de perto do prédio nesse tempo, passei a trabalhar no apartamento dela, dando-lhe o tempo que precisava para digerir tudo o que aconteceu e cuidando do Kaká. O problema é que, quanto mais ela demora, mais eu me desespero.
Já pensei em colocar um detetive para descobrir seu paradeiro e ir atrás dela, cheguei a ligar para um, na verdade, mas depois achei melhor dar um tempo. Eu a magoei demais, e, da mesma forma que precisei de um tempo digerindo tudo, ela também precisa.
Todos os dias passeio com o Kaká, rego as plantas do apartamento dela, trabalho e durmo aqui, sentindo-a mais perto de mim. Em um desses dias, encontrei-me com o bombeiro metido a fortão, e sua expressão ao me ver foi de espanto, tamanho meu desalinho.
— Meu, se toca e vai embora, ela não quer mais você! — o desgraçado disse, e eu quase parti para cima dele. Estava precisando descontar um pouco da frustração, e dar umas porradas iria aliviar um pouco a pressão, mas aí notei o menino que estava com ele e desisti daquela loucura toda.
Falei com Alex e Millos, pois queria saber como estavam as coisas dentro da empresa. Meu primo já havia dado início à investigação de espionagem, e Alex tentava apurar, junto à sua equipe, outros possíveis locais para apresentarmos ao cliente e não perder a conta de vez.
— Eu assumi a gerência dos hunters enquanto estamos apurando o vazamento. Os computadores e contas da Kika Reinol foram todos analisados já, e nada foi encontrado — Millos informou durante a ligação.
— Eu sei, não foi ela! — afirmei categoricamente.
— Eu também acredito que não. — Millos respirou fundo. — O Conselho marcou reunião para falar da auditoria sobre Theodoros. Você virá?
— Estarei aí, recebi o e-mail com a convocação.
Ficamos mais um tempo conversando sobre os assuntos da empresa, e, toda vez que ele tentava falar sobre como eu estava, eu desviava a conversa para não desmoronar.
Tento manter a cabeça no lugar para não enlouquecer de vez, desesperado demais sem saber notícias de Wilka. Não consigo sair de seu apartamento, só durmo quando o cansaço me vence, então abraço sua camisola, sentindo ainda seu perfume e apago até a manhã seguinte.
Eu me sinto moído por dentro, sangrando, só de pensar no quanto ela deve estar sofrendo por ter sido acusada de algo que não fez e, acima de tudo, por ter sido tratada daquela forma por mim.
A mulher que eu amo está sofrendo por minha culpa!
— Conseguiu todos os documentos? — minha voz soa impaciente até aos meus próprios ouvidos.
— Consegui. — Ele parece animado do outro lado da linha. — Tive que ir molhando de mão em mão em cada setor dentro do governo, mas consegui cópias dos principais documentos e mais... — O detetive toma ar. — Descobri quanto foi o acerto por fora para passarem a perna em vocês.
— Isso não me interessa por hora, mas muito bem que tenha conseguido. — Sento-me na cadeira de Wilka. — Mande tudo assim que possível.
— Já estou digitalizando e, em breve, estará no seu e-mail.
Desligo o telefone e fecho os olhos, sentindo que agora falta pouco para descobrir o que realmente aconteceu, provar a inocência de Wilka e processar quem quer que esteja por trás disso.
Voltei para a Karamanlis a fim de participar da reunião do Conselho de Administração e votar sobre a situação de Theodoros depois de uma semana longe da empresa. A reunião foi longa, tomou mais tempo do que eu imaginava, porém, fiquei satisfeito com o resultado.
Fui dormir no apartamento da Wilka, passei na Verinha para pegar o Kaká e mandei mais mensagens longas e cheias de saudades para ela, mesmo que seu celular não esteja recebendo nada.
Eu ainda não tinha vindo até a gerência de hunter depois do que aconteceu naquela noite. A última imagem que tenho dela aqui é de seus olhos cheios de lágrimas e minha voz acusadora pedindo explicações que ela se recusava a me dar.
Não preciso de nenhuma mais! Ainda não sei o que significavam aqueles telefonemas, nem mesmo o dinheiro em sua bolsa ou com quem ela se encontrou naquele carro, mas nada disso importa para mim.
Confio nela!
Eu sei que deveria ter tido essa confiança desde o começo. A verdade é que eu tinha, sempre tive confiança nela, só não soube como demonstrar isso.
Inclino-me para frente e deito minha cabeça na mesa dela, encostando a testa na madeira, olhos fechados, coração doendo, arrependido por nunca ter aprendido uma prece sequer na vida que possa fazer agora, uma oração para que um ser supremo me ouça e a traga de volta, pois a saudade está me matando.
— Kostas.
Levanto a cabeça e vejo Theodoros parado na sala.
— Oi — cumprimento-o e seco do rosto as lágrimas que nem sabia que tinha vertido.
— Eu soube que você estava aqui e queria conversar. — Theo franze o cenho. — Está tudo bem?
— Claro que sim. — Ponho-me de pé. — O que você precisa conversar comigo?
Theo fica um tempo me olhando, mudo, como se estivesse me analisando.
— Sobre a reunião. — Arqueio a sobrancelha, tentando não demonstrar nada. — Millos me contou que eles chegaram a um impasse, pois a auditoria não apontou nenhuma irregularidade, mas ainda assim alguns queriam continuar...
— Seria burrice — interrompo-o. — Se a auditoria não apontou nada, não tinha motivo para continuarem investigando, só iria expor a empresa a um escândalo, e nós não precisamos disso nesse momento.
Theodoros assente.
— Eu sei disso, mas me surpreendeu que você tenha falado e votado a meu favor nessa reunião. — Dou de ombros como se fosse bobagem. — Assim como fiquei surpreso quando minha filha me mostrou o urso que um amigo do Millos deu de presente para ela. — Tento fazer minha expressão de tédio, mas não consigo, emocionado ao me lembrar de Tessa. — Achou que eu não me lembraria de seu apelido de infância?
— Isso... — Engasgo, sem conseguir controlar meus sentimentos.
Respiro fundo várias vezes, tentando voltar ao controle de minhas emoções, mas sem sucesso. Eu não tenho mais as máscaras que usava, nem mesmo as paredes defensoras que me afastavam do sofrimento, mas que também me impediam de amar e ser amado.
Theodoros se aproxima de mim e toca meu braço.
— Ela adora aquele urso, e tenho certeza de que irá adorar receber a visita do Tim agora, que já está em casa. — Só consigo balançar a cabeça. A garganta está tão espremida pelo peso de tantos sentimentos que não consigo emitir nenhuma palavra sequer. — Obrigado pelo que fez na reunião e por ter alegrado minha menina em um momento tão difícil de sua vida. — Ele sorri. — Eu gostaria de agradecer a Kika Reinol também, mas acho que vou ter que esperar ela retornar ao trabalho.
— Eu não sei onde ela está... — falo para mim mesmo.
A expressão de surpresa no rosto de Theodoros é flagrante. Seus olhos azuis – o único traço familiar que compartilhamos – estão muito arregalados com a constatação de que há algo entre mim e Wilka além do profissional.
— Ela não está em São Paulo? — ele indaga assim que consegue se recuperar da surpresa, e eu nego. — Você já foi ao apartamento...
Rio, meio desesperado.
— Eu estou morando lá, tomando conta do Kaká, que também anda doido de saudades dela, sem ter ideia de onde ela pode ter se metido.
— Kaká? — Theodoros pergunta, mas depois balança a cabeça. — E Malu Ruschel? Já falou com ela?
Agora quem arregala os olhos a ponto de quase deixá-los cair da cara sou eu. Porra! Por que não pensei na Malu Ruschel?!
— Claro! — Levanto-me em um pulo. — Malu, no Pantanal! Wilka deve estar lá! — Pego o celular. — Preciso arranjar um voo...
— Kostas — Theo me chama. — Acho que não vai ser necessário. — Encaro-o. — Ela foi convocada a prestar esclarecimentos sobre o que aconteceu, estará aqui amanhã.
— Ela confirmou que vem?
— Sim! — Theo bate no meu ombro. — Ela vem, e eles esperam você para uma reunião também, não recebeu o e-mail?
— Não olhei. — Bufo. — Alex e Millos disseram que nada foi apurado!
— Exatamente, por isso a reunião. — Theodoros parece preocupado. — Dois conselheiros vão participar, além dos outros diretores, então a coisa não vai ser fácil.
Merda!
Sinto-me um merda por não ter descoberto nada ainda, mas me consolo dizendo a mim mesmo que estarei aqui amanhã e a defenderei com todas as minhas forças.
A luz do sol atravessa as frestas entre as ripas da janela de veneziana, demarcando seus raios, fazendo brilhar como purpurina dourada tudo em que toca. Fico por um tempo olhando esse espetáculo, tentando deixar a cabeça em branco, evitar remoer lembranças e fazer vãs questionamentos.
Porém, não dá.
Não por muito tempo.
Suspiro, e uma lágrima escorre sorrateira, pinga na fronha do travesseiro e é imediatamente absorvida pela maciez do algodão. Várias outras seguem o mesmo caminho, umedecendo um ponto abaixo de minha bochecha, mas não me movo, continuo a olhar os raios dourados, anestesiada, incapaz de pensar que, mesmo depois de tudo o que passei, possa ainda sentir essa dor ardente.
Cheguei aqui, à Paraíso, há uma semana, buscando o amparo que só poderia achar nos braços daquela a quem considero como uma irmã. Gastei o que não podia para comprar uma passagem para Campo Grande, e, de lá para Aquidauana, foi Malu quem arranjou o fretamento do pequeno avião.
Passei depois mais algum longo tempo sacolejando pelas estradas até chegar aqui, à fazenda, mas valeu cada músculo dolorido quando ela, com seu ventre inchado de nove meses de gestação, abraçou-me e chorou comigo mesmo sem saber da história toda.
— Preparei um quarto para você — ela me disse enquanto caminhávamos para a casa. — Pode ficar o quanto quiser. — Sorriu. — Pode ficar para sempre e trabalhar comigo na pousada.
Balancei a cabeça em agradecimento e negativa.
— Eu só preciso de um tempo para lamber minhas feridas, mas vou voltar. — Malu abriu um sorriso enorme. — Não posso deixar que me atribuam algo que não fiz e encerrar minha carreira dessa forma.
— Isso! — Ela bateu palmas e pulou animada, fazendo seu Xucro, parado na entrada da casa, pigarrear. — Guilherme, Kika e eu precisamos de privacidade para conversar. — Ela alisou o pescoço dele. — Você se importa se eu dormir com ela essa noite?
Pode parecer engraçado, mas vi alívio na expressão do homem e já imaginava o motivo. O apetite sexual de Malu aumentou muito com a gravidez, e, pelo que eu pude perceber, ela estava dando canseira ao seu Xucro.
— Claro, Dondoquinha! — Ele a beijou cheio de carinho, e isso oprimiu meu coração.
Não sou invejosa e, muito menos, sinto isso por Malu e Guilherme, apenas me lembrei da forma com que Kostas também fazia isso, como me abraçava na cama na hora de dormir, beijava minha testa, cheirava meus cabelos e relaxava. Eu me sentia tão protegida, tão querida e, mesmo sem ele nunca ter dito nada, tão amada.
Acho que me enganei sobre as minhas sensações.
O quarto que Malu preparara para mim era ótimo! Ela me ajudou a desfazer a mala, ambas em silêncio, fazendo o que mais gostávamos no mundo: organizar. Depois disso eu fui para o banho, e, quando saí, ela me esperava com uma comida de fogão a lenha que fez meu estômago roncar alto.
— Eu nunca pensei que isso aqui fosse tão bonito! — comentei.
— Você não viu nada! — ela disse animada. — Lembra as fotos que mandei para vocês quando estava procurando a área do resort? — Assenti. — É ainda mais linda nesta época do ano.
Pus a mão em sua barriga.
— E minha afilhada? — Ela riu por eu continuar insistindo que era uma Xucrinha que vinha. — Será que vou conseguir assistir ao seu parto?
Malu fez careta.
— Olha, nem eu queria assistir! — Riu. — Ainda lembro o da minha irmã mais velha e fico em agonia, mas, se você insistir e não se traumatizar depois...
Dei de ombros.
— Pelo visto não vou ter filhos mesmo! — Solucei. — Não nasci para ter uma família.
— Uau! — Malu ficou séria. — A positiva e liberal Wilka Maria dizendo isso? — Levantou a sobrancelha. — Houve mais do que me contou, não foi? — Assenti. — Konstantinos Karamanlis, além de ter te acusado de algo absurdo, ainda quebrou seu coração... Agora como ele fez isso?
Comecei a chorar, lembrando-me de quando eu começara a digitar uma mensagem para ela em desespero para contar sobre Kostas, mas desistira.
— Eu me apaixonei por ele, Malu.
Primeiro, Malu parecia que não tinha ouvido o que falei, mas depois a incredulidade tomou conta do seu semblante seguida de choque e total descrença.
— O que foi que eu perdi? — Deitei-me na cama, e ela se deitou ao meu lado, sua enorme barriga para o teto. — Eu sentia que o seu jeito de falar dele havia mudado, mas achei que era por conta da convivência no trabalho, não por outra coisa.
— Ele é o Portnoy.
Não sei como, mas a mulher conseguiu se virar de lado e me encarar com os olhos abertos como dois pratos de restaurante a quilo.
— O seu caso virtual era o Kostas Karamanlis?! — Malu falou tão alto que achei que todos naquela fazenda passaram a saber da minha história.
— Era, e ele descobriu primeiro que eu era a Caprica. — Ela fez careta para o apelido que eu usava. — Se aproximou de mim, nos envolvemos, e só depois ele me contou sobre o aplicativo.
— Meu Deus!
Ri do assombro dela.
— Ele era... diferente do homem que conheci dentro da Karamanlis.
— Espera, Kika! Primeiro preciso digerir a informação de que vocês tiveram um caso, porque, se me perguntassem sobre um casal que eu achava impossível, diria o nome de vocês sem sombra de dúvidas. Vôti! — Ela se sentou, toda desconjuntada. — Você é essa potência de mulher, livre, segura de si, animada, e ele é... estranho! — Ela fez careta. — O pessoal dizia que ele era tão frio que via sexo como uma relação de negócios, por isso só transava com putas.
Neguei a informação, e ela fez mais uma cara de assombro.
— Kika, eu nunca soube de um envolvimento dele com ninguém, e olha quantos anos trabalhei naquela empresa! Já tinha visto Theo e Alex com algumas mulheres, o doutor Millos é daquele jeito discreto, nunca me encontrei com ele em baladas, mas, nos eventos sociais que íamos, ele estava sempre acompanhado pela Sâmela, uma amiga dele de muitos anos. Mas Kostas? — Ela negou. — Nunca, no máximo com garotas de programa.
— Eu não sei o que nos levou um para o outro, mas aconteceu.
Malu voltou a deitar ao meu lado e fez carinho em meus cabelos.
— Eu sei como é isso, acredite — disse com um sorriso. — Eu juro que não tinha entendido sua reação ao que houve, porque a Kika que eu conheço nunca se afastaria sem antes provar a todos que estão errados. Ele te magoou muito ao não confiar em você, não foi?
— Foi! — Tentei sorrir, mas não deu, solucei. — Eu achei que ele sentia por mim o mesmo que sinto por ele. Em momento algum, mesmo sabendo que, se perdêssemos a conta, ele prejudicaria ainda mais o Theo, eu desconfiei dele.
— Ele tinha mais motivos para querer isso do que você, Kika.
— Eu sei, mas, mesmo assim...
Chorei abraçada a ela durante muito tempo. Malu era a única que conhecia parte da minha história e, por isso mesmo, estava ciente de tudo o que eu tinha feito nos últimos meses para manter o passado em seu lugar.
— Ele desconfiou por causa das ligações e do dinheiro — comentei.
— Puta que pariu! — Secou minhas lágrimas. — Ele entendeu tudo errado! Por que não contou a ele?
Fechei os olhos e me lembrei do último encontro que tive.
— Está tudo certo?
Não me respondeu, apenas terminou de contar as notas.
— Parece que sim! — Sorriu, e senti nojo de sua expressão. — Sabe, acho que pedi pouco.
— Não se atreva! Todo meu futuro está aí em suas mãos. O que economizei, o que ainda nem ganhei e até um bem que não é meu!
Senti o coração apertar ao pensar na Malu e no que fizera por mim. O imóvel em que eu morava ainda estava no nome dela, pois ainda não havia terminado de pagar. Então, para o empréstimo, ela tivera que fazer um documento para que eu desse o bem em garantia.
— Você se acha muito esperta, garota. Acha que não vi um dos donos da empresa onde trabalha sair do seu apartamento todos os dias? — Um arrepio gelou meu corpo ao perceber que tinha sido vigiada. — Eu poderia exigir mais dinheiro e, talvez, o faça, afinal, ele me conhece, e imagina como reagirá ao saber que você...
— Não se atreva!
As risadas encheram o carro, provocadas pela satisfação de saber que conseguira outro ponto fraco para me golpear.
— Porque seria pior — respondi a Malu, deixando de me lembrar daquele dia. — Preciso apenas descobrir quem fez isso. Não importa mais o que eu sinto por ele.
— Tem certeza?
Não!, eu quis gritar, mas engoli o desespero e tentei focar em recuperar meu coração e voltar para São Paulo disposta a provar minha inocência.
Depois desse primeiro dia, mergulhei com Malu na papelada da empresa que ela está montando aqui.
A Pousada Ecológica Paraíso será o grande empreendimento do lugar, além de uma fonte de renda para as pessoas que moram no entorno. Os projetos estão sendo feitos por uma grande empresa de arquitetura de São Paulo e com o acompanhamento de Alex, o que me surpreendeu.
Foi assim que preenchi meus dias, acompanhando o ritmo frenético de trabalho de Malu, participando das rodas em volta da fogueira no final da tarde, tomando tereré, cantando moda de viola com a peonada e aprendendo a andar a cavalo.
À noite chorava, sentia saudades, perguntava-me como ele estava com isso tudo, sentindo desesperança, solidão e medo. Era como se eu voltasse a ser a menininha que trancavam no armário da despensa no escuro, sem ninguém para me defender e nenhum amigo para conversar comigo do outro lado da porta.
Senti-me assim ainda mais depois de perceber que havia perdido a carta que sempre carreguei comigo como um amuleto. Achei-a meses depois de ter encontrado o urso no armário dentro de uma caixa aberta junto a uma lanterna.
Na última noite que passei naquele lugar, tive luz, um bichinho para apertar contra meu corpo e o pensamento de que aquele garoto grandão e assustador era na verdade meu anjo da guarda. Então, quando achei a carta, já morando com meus pais adotivos, tive a certeza disso.
Nunca soube seu nome, mal me lembro dele, mas sua carta mudou minha vida e me fez ser uma pessoa muito melhor. Queria ter a carta comigo, ainda mais agora, que sei que terei que voltar para a empresa para esclarecimentos depois de amanhã. Queria estar com ela no meu bolso, devolvendo minha esperança, fazendo-me crer que uma atitude positiva pode mudar qualquer cenário ruim.
Seu sorriso pode iluminar qualquer escuridão!
Ouço uma batida forte na porta do meu quarto e seco o rosto, deixando esses pensamentos de lado, tentando parecer bem e recuperada.
— Entra!
Dona Sueli, a tia do Guilherme, aparece sorridente.
— A bolsa da Malu estourou — informa, e eu me sento na cama assustada e animada. — Nosso bezerrinho vem aí!
Levanto-me e ponho a primeira roupa que encontro, correndo para o quarto deles. Bato à porta, e o Xucro me atende, um pouco pálido e com a testa suada de nervosismo.
— Como ela está? — pergunto baixinho, mas ela me ouve.
— Como vocês acham que... — ela respira igual a um cachorro, segurando a barriga, e eu arregalo os olhos de medo — eu estou, porra!?
Guilherme ri, mas ela lhe dá um olhar tão mortal que logo fica sério.
— Ei, Malu, fica calma... — tento apaziguá-la, mas logo desisto.
— Eu estou calma! — ela grita. — Vocês que estão me deixando nervo... — Outra contração a faz travar os dentes e emitir sons assustadores.
Aproximo-me de dona Sueli, preocupada, e inquiro baixinho:
— Isso é normal? — A senhora ri e concorda. — Força, Malu, já, já isso acaba e...
— Não — dona Sueli interrompe meu discurso motivacional. — Ainda vai demorar um tempinho, Kika.
E demora.
Puta merda, como demora!
Ela respira cachorrinho, chora, ri, beija o marido, ameaça chamar um dos peões para capá-lo, e é assim, nem sempre nessa ordem, até que vejo Guilherme amparar o bebê nos braços, os olhos azuis cheios de lágrimas, enquanto ouço seu riso.
Dona Sueli recolhe as coisas usadas no parto e as leva para fora.
— É lindo seu menino, minha amiga — parabenizo-a, pegando em sua mão, enquanto o Xucro examina o bebê.
— É nosso menino, Kika! O Xucrinho é seu afilhado. — Beijo sua testa suada, engasgada com as lágrimas de alegria, temerosa pela responsabilidade, mas grata por tê-los em minha vida. — Escolhemos um nome.
— Ah, enfim vão revelar! — mexo com ela, pois, além de não quererem saber o sexo do bebê, também não falaram as opções de nome.
Guilherme aparece com meu afilhado já limpinho, com uma touca na cabeça e luvinhas nas mãozinhas, embrulhadinho como um pacotinho, e o entrega para Malu.
— Gael, esse é o nosso Gael!
Meu coração se inunda de amor por esse ser pequenininho de tal forma que nunca sonhei sentir. Não pensei em ver minha amiga viciada em trabalho se entregar dessa forma a um ser tão pequeno e indefeso.
— Preciso cuidar de você agora, meu amor — Guilherme fala para Malu. — Consegue se levantar para tomar um banho?
Ela concorda e estende o embrulhinho para mim.
— Sério? — pergunto nervosa, sem jeito, pegando o pequeno toda torta. — Ah, meu Deus! E se ele chorar ou quiser mamar...
— Vai querer daqui a pouco — Xucro não ajuda. — Mas já estaremos de volta.
Concordo e embalo o pequeno Gael, meu pequeno afilhado, um pedacinho do amor dos meus amigos cujo cuidado me confiaram e cuja participação em sua vida me deram a honra.
— Eu prometo, Gael, que você vai sentir muito orgulho de sua tia e que nunca vai se sentir desamparado e só. — Cheiro-o, gravando na memória seu perfume natural, lamentando não ter muito mais tempo para ficar com ele. — Eu vou voltar para São Paulo, resolver minha vida lá e, quem sabe, retornar para ajudar a mamãe e o papai a fazerem essa pousada acontecer.
Ando de um lado para o outro dentro da empresa, conferindo as horas a todo momento. Já está próximo do horário agendado no e-mail de convocação para a reunião sobre a Ethernium, e eu já estou na sala de reuniões esperando Wilka chegar.
Conhecendo-a como a conheço, sei que virá com antecedência, irá organizar suas coisas e aguardar o início da reunião já com tudo pronto para se defender seja como for.
A verdade é que eu estou um caos!
Esbravejei com metade da minha equipe, reuni e ameacei os hunters, deixando bem claro que, se descobrirmos que algum deles é um traidor, iremos enterrar a carreira dessa pessoa. Estou uma pilha de nervos desde ontem, quando Theodoros me contou da reunião e da vinda de Wilka.
Eu preciso de respostas, preciso defendê-la, nem que para isso tenha de mover meio mundo a fim de descobrir como foi que toda essa merda aconteceu. Não há o que eu não faça para ter Wilka Maria ao meu lado, o que eu não renuncie por ela. Estou aqui disposto a tudo para ajudá-la a provar sua inocência, para que me perdoe e torne a repetir que me ama, mesmo depois de tudo o que a fiz passar.
Respiro fundo, temeroso da reação de Wilka à minha presença aqui nesta sala, ansioso pelo modo com que irá receber o que eu tenho a lhe dizer sobre nós dois, sobre a forma como nossas vidas foram entrelaçadas desde quando éramos crianças.
Wilka Maria é a tradução de todos os meus sonhos em realidade; não posso perdê-la. Com ela, desde o início, eu me senti completo, relaxado, confiante e feliz. Ela é meu remédio, consegue me curar das dores do passado, é meu anjo, minha salvação. Wilka é meu lar!
Não tenho a ilusão de que será fácil reconquistar sua confiança; machuquei-a demais, em muitos momentos e de várias formas. Mesmo assim, mesmo com tantas situações que passamos juntos, ela abriu seu coração e se entregou a mim da maneira mais pura e sincera que existe.
É a minha vez de mostrar a ela que eu lhe pertenço e que, mesmo sendo o homem fodido que sou, a amo.
Não quero que você seja o homem que eu mereço, quero apenas que seja o homem que eu amo!, as palavras dela renovam a esperança de tudo dar certo, não porque eu sinta que a mereça, mas certamente sou o homem que a ama.
A porta da sala de reuniões é aberta, e ela para ao me ver. Seguro o fôlego, receoso de que dê meia-volta e não me dê a chance de conversarmos antes de todos os partícipes da reunião chegarem.
Reparo na palidez de seu rosto, nas olheiras. Acho que ela perdeu peso, e isso me fere por pensar no quanto sofreu todos esses dias. Sinto falta de seu sorriso, do brilho nos seus olhos e até mesmo da expressão debochada e seu jeito pimenta de ser. É necessário que eu me convença a ficar parado aqui onde estou, pois minha vontade é de ir até ela, abraçá-la com força e garantir que nada, nem ninguém nunca mais a machucará.
Nem mesmo eu!
— Eu estava esperando você — arrisco começar a conversa.
Wilka titubeia, mas logo entra na sala e fecha a porta. Ela me encara, séria. A mágoa é evidente em seus olhos.
— Não imaginei que o encontraria aqui hoje. — Dá de ombros. — O que você quer? Me acusar ainda mais?
Respiro fundo e olho para a porta, prevendo que a qualquer momento teremos companhia. Aproximo-me de onde ela está.
— Não, não estou aqui para isso. — Paro a uma distância segura para não a amedrontar e a fazer fugir de mim. — Estive te procurando esses dias. Precisamos conversar.
Ela nega.
— Não temos mais nada a conversar. Não é um bom momento. Em breve vou passar por uma situação estressante, tendo que responder a perguntas para as quais talvez não tenha resposta e não posso ficar aqui perdendo tempo com você.
— Não faz isso, Wilka. — Aproximo-me mais dela, que se retrai. — Temos muito a conversar. Me dê a chance de...
— Você não me deu nenhuma, Konstantinos — ela me interrompe. — Foi logo tirando suas conclusões, me acusando, me condenando. Por que eu deveria te dar uma chance para...
— Porque eu amo você! Eu amo...
— Isso fez alguma diferença para mim? — Seus olhos brilham de lágrimas, porém, ela se mantém forte. — Fez alguma diferença eu ter dito a você como me sentia? Não, não fez!
— Wilka, eu... — sou interrompido quando a porta se abre. Millos, Theodoros, Alex e os demais diretores entram na sala.
— Bom dia a todos! — Theodoros cumprimenta-nos. — Konstantinos, sua reunião é logo após a da senhorita Reinol, então...
— Eu não vou sair, Theodoros! — declaro.
Millos bufa, olha para Alex e depois vem ao meu apoio.
— Acho que ele deveria ficar, afinal os dois trabalhavam nesse projeto juntos.
— Eu prefiro que ele saia — Wilka me surpreende.
— Não vou sair! — rebato.
— Tudo bem — Theodoros decide. — Mas, se eu sentir que você está atrapalhando ou constrangendo a senhorita Reinol, ponho você para fora na marra.
Sento-me à mesa no exato momento em que os dois conselheiros mais conservadores entram na sala. Noto a tensão de Wilka ao vê-los e tenho vontade de pegar em sua mão e lhe garantir que tudo dará certo.
— Bom, essa reunião com a senhorita Reinol foi um pedido do Conselho para averiguar a suposta participação dela no vazamento de informações confidenciais da Karamanlis — Theodoros começa. — Em seguida iremos ouvir o outro envolvido, o diretor jurídico responsável pela conta, Konstantinos Karamanlis, que se faz presente nessa reunião.
— O que é ótimo, pois podemos promover uma acareação entre eles, caso seja necessário — um dos conselheiros sugere, e eu travo o punho de raiva.
— Boa ideia! — O outro conselheiro aplaude.
— Senhorita Reinol, está conosco há quanto tempo?
Wilka começa sua explanação falando do tempo em que entrou na empresa, atuando como estagiária, depois como assistente de Malu Ruschel e, por fim, de sua promoção a gerente.
Lembro-me da época em que éramos apenas Portnoy e Caprica, e ela me falou de sua paixão por esta empresa, de que a via como uma família e de sua tristeza por ter de deixá-la por outra, mesmo ganhando mais. Wilka demonstra seu amor pelo trabalho, pela Karamanlis em cada explicação que dá, e apenas um idiota – como eu – pode pensar que ela pudesse fazer algo que prejudicasse a empresa.
— Quando a senhorita recebeu o documento do diretor jurídico?
— Uma semana antes de sabermos do vazamento.
O conselheiro olha para umas anotações, provavelmente material da investigação.
— E por que só transmitiu o documento para o funcionário Leonardo Dias depois?
— Ainda estávamos preparando todos os materiais para apresentar ao cliente, e eu sempre deixo os documentos sigilosos por último, exatamente para ter um controle maior sobre eles.
— Isso significa que a senhorita não confia em sua equipe?
Wilka toma fôlego e nega.
— Isso significa que eu zelo pelos documentos que produzimos. Eu confio totalmente na minha equipe, só não via motivos para liberar no sistema um documento que seria o último a ser acostado no briefing.
Concordo plenamente com ela e me culpo por ter interferido no modo como ela trabalha, liberando eu mesmo o documento para o Leo. Não acho preciosismo ela proteger documentos, mesmo porque eles passam por várias mãos, não só da sua equipe, pois vão para o pessoal que trabalha com nosso material gráfico, depois são colocados pelos estagiários nas pastas e encaminhados para os hunters.
— Chegou ao nosso conhecimento que a senhorita recebeu ligações que a deixaram nervosa e que...
— Eu não entendo o motivo pelo qual a vida pessoal dela deva entrar em pauta — interrompo-o.
— Doutor Konstantinos, embora o senhor seja advogado, preciso lembrá-lo que aqui é mero espectador, então deixe que a senhorita Reinol responda ao questionamento.
— As ligações foram de ordem pessoal e realmente não têm nenhuma ligação com a empresa. — Ela retira um papel da pasta que trouxe. — O dinheiro que eu sei que vocês irão questionar daqui a pouco — Wilka me olha de esguelha — veio de um empréstimo que fiz para ajudar uma pessoa.
Ela entrega o documento, e todos o analisam.
— É muito dinheiro! — um dos diretores comenta.
— Sim, mas foi feito por empréstimo, dando um bem como garantia.
— Está no nome de Malu Ruschel também — Theodoros comenta.
— Malu possui parte do apartamento que usei como garantia, por isso ela teve que assinar um documento para autorizar o pedido de empréstimo.
Olho-a surpreso, sem entender o motivo que a levou a hipotecar seu apartamento. Se ela precisava de dinheiro para ajudar alguém, por que não me contou? Certamente eu a ajudaria.
— Sim, está tudo certo aqui. — Theodoros me passa o documento. — Não achamos nada nos computadores dos hunters e nem nas contas associadas aos funcionários do setor. Iremos continuar as averiguações, mas não vejo motivo para manter a senhorita Reinol suspensa de suas atividades. Todos concordam?
A maioria levanta a mão, porém, um dos conselheiros e um dos diretores se mantêm reticentes quanto à volta dela.
— Acho que ela deveria ficar afastada até descobrirmos o que houve!
— E ficarmos sem um gerente para conseguir outra área para a Ethernium? — questiono-lhe. — A senhorita Reinol e eu temos centenas de outros locais para serem analisados, e, se existe alguém em quem confio para achar o local ideal e para que não percamos esse cliente tão importante, é ela!
Wilka me encara, olhos arregalados.
— Acha que ainda podemos reverter esse jogo? — um dos diretores me pergunta.
— Tenho certeza disso! Não vou descansar até descobrir de onde veio o vazamento, mas isso não nos prejudicou com o cliente ainda. Precisamos de uma área, e a senhorita Reinol já provou por A mais B que é eficiente.
— Concordo com Konstantinos. — Millos sorri, assentindo.
— Eu também. — Alex o acompanha.
Olho para Theodoros e noto o seu sorriso.
Após isso, é minha vez de ser questionado, e respondo a tudo calmamente, mas meus olhos não saem de Wilka. Ao fim da reunião, Theo diz:
— Bem-vinda de volta ao trabalho, senhorita Reinol. Lamentamos muito o ocorrido, e espero que entenda que foi necessário.
Wilka se põe de pé, gigante em seu pouco mais de 1,60m de altura.
— Eu vou terminar esse projeto, ajudar a descobrir quem nos sabotou, porém, depois gostaria de pedir o desligamento definitivo da Karamanlis — sou eu quem fica de pé ao ouvir isso. — Meu trabalho requer confiança, não posso exercê-lo se não a tenho.
— Wilka... — chamo-a, mas não me olha.
— Eu gostaria de me retirar agora para poder conversar com minha equipe.
— Claro! — Theodoros autoriza.
Ela me olha rapidamente, vira as costas e sai da sala. Faço o movimento de segui-la, mas Theodoros me segura pelo braço.
— Espere um pouco. — Ele se despede dos conselheiros e diretores e volta a falar comigo apenas quando Alex, Millos e eu ficamos na sala consigo: — Foi levantada a possibilidade de essa sabotagem ter vindo de você. — Eu bufo, pois já havia imaginado isso. — Nós repudiamos a ideia, ainda mais depois que isso respingou em Kika Reinol.
— Não fui eu! — confirmo.
Theodoros balança a cabeça e me solta.
— Ache quem fez isso e a faça ficar.
— Eu vou!
Saio da sala pensando em uma forma de conversar com ela. Talvez aqui na empresa não seja o local ideal, e eu ainda tenho as chaves de seu apartamento.
Vou para a diretoria jurídica, mas, mal entro em minha sala, escuto meu computador notificar a chegada de um e-mail. É do detetive. Abro os anexos, lendo documento por documento até chegar ao meu parecer. Franzo o cenho ao ler o final, algo me incomodando.
Abro o arquivo original e comparo as duas versões. Aparentemente qualquer pessoa pensaria que eles modificaram algumas frases para disfarçar o plágio. No entanto, sei que não foi, porque eu mesmo escrevi aquilo tudo.
Eles copiaram o arquivo não revisado, que somente eu tinha!
Como?!
Levanto-me da cadeira, vou até a garrafa de bourbon, mas desejoso por um café, na verdade. Infelizmente não tenho máquina aqui na minha sala, como Theodoros tem na dele, e não estou disposto a ir até o restaurante para tomar... Paro, a mão estendida na direção da bebida, mas sem pegá-la.
No dia em que revisei esse documento, Wilka não estava comigo, eu estava sozinho até Viviane Lamour chegar ao meu apartamento para levar os extratos da conta de Theodoros no exterior. A lembrança do pedido de café, depois da bebida derramada sobre mim e, em seguida, de minha subida para trocar de roupa me faz xingar bem alto.
Estava tudo em cima da mesa na sala, o documento não revisado, as informações sobre o terreno e até mesmo os contatos no Rio de Janeiro, tudo à disposição dela.
Puta que pariu! Ponho as mãos na cabeça ao constatar que ela percebeu que eu não iria usar os documentos contra Theodoros e encontrou um jeito de nos ferrar.
A culpa é minha!
Pego o telefone e ligo para a desgraçada da Viviane Lamour, mas a cobra peçonhenta não me atende. Não mando mensagem; não quero alarmá-la. Não posso simplesmente acusá-la sem prova alguma, preciso pensar com calma e usar a inteligência.
— Kostas? — Millos aparece.
— Porra, Millos! — chamo-o para entrar na sala. — Eu sei quem vazou os documentos!
Meu primo para, arregala os olhos e coça a barba.
— Como você sabe?
— Os documentos estão diferentes. — Chamo-o e os mostro para ele.
— Eles devem ter modificado para...
— Não! — Rio como um louco. — Eles copiaram na íntegra, cheio de erros! É a minha cópia não revisada.
— E como foi parar nas mãos deles?
Respiro fundo, sabendo que não tem jeito de eu contar sobre o furto dos documentos sem dizer o que eu pretendia contra Theodoros.
— Viviane Lamour.
Eu amo você!
A voz de Kostas ecoa em minha mente enquanto desço para minha sala depois de ter passado por aquela reunião tão tensa. Tremia demais, porém, tentei manter minha postura e responder a cada questionamento da maneira mais sincera possível.
Malu me aconselhou a mostrar os documentos e, se necessário, a falar sobre a chantagem, mas isso mexeria em feridas que eu não estava disposta a abrir, nem mesmo para limpar meu nome na empresa.
Não foi necessário. Senti que os diretores e os conselheiros presentes pretendiam minha cabeça, afinal, alguém tem que levar a culpa, mas os Karamanlis saíram em minha defesa, inclusive Konstantinos.
Eu amo você!
Que fácil seria acreditar nessas palavras, jogar-me em seus braços e reafirmar a ele que eu sinto o mesmo. Contudo, não posso esquecer que essas mesmas palavras não fizeram nenhuma diferença para ele quando eu as disse, não o impediram de me julgar e condenar.
Tomei a decisão certa ao pedir o desligamento da empresa assim que achar outra locação para o cliente. Seria impossível continuar trabalhando na Karamanlis, convivendo com Konstantinos e manter distância dele. Sua falta de confiança me machucou mais do que qualquer outra coisa que já tenha feito, feriu-me demais e quase me fez perder tudo.
— Kika! — Carol me abraça assim que entro na gerência. — Ah, meu Deus, estávamos tão preocupados com você!
— Eu estou bem, obrigada — asseguro. — Você conseguiria reunir todo mundo para uma palavrinha rápida?
Carol respira fundo e concorda.
— Mais cedo o doutor Konstantinos passou por aqui e deixou bem claro que, se o informante for daqui, ele descobrirá e acabará pessoalmente com sua carreira. — Ela faz uma careta. — O pessoal se mijou, mas creio que ninguém daqui fez nada.
— Eu também acredito nisso. Reúna a todos, por favor.
Carol vai em direção à sala onde os hunters ficam, e eu entro na minha, ainda vendo a mesa e as coisas de Kostas, relembrando cada momento, bom e ruim, que passamos juntos neste pequeno espaço.
Sigo até minha mesa, deixo a bolsa, ligo o computador e abro o gerenciador de tarefas que usamos para acompanhar o trabalho da equipe. Sorrio ao ver que, mesmo longe, tudo continuou a ser tocado e que não há nenhuma pendência urgente a ser resolvida a não ser uma nova locação para a Ethernium.
Ligo para Verinha, pois estive no meu apartamento mais cedo quando cheguei, mas não a vi no prédio, e ela também não estava em casa. Estou morrendo de saudades do meu Kaká e, pelo que vi no meu apartamento, aparentemente meu cãozinho andou por lá, pois minha camisola estava embolada na cama e tinha um par de chinelos meu em sua caminha.
— Kika! — ela atende.
— Oi, Verinha, estou de volta. Tudo bem?
— De volta? — Ela estranha. — Estive agorinha no seu apartamento e não te vi.
— Estou na Karamanlis, voltei a trabalhar.
— Ah... então ele conseguiu falar contigo! — Franzo o cenho e estou prestes a negar, quando ela continua: — O homem ficou aqui todos esses dias, entocado no seu apartamento, cuidando do Kaká e esperando sua volta.
— Kostas? — surpreendo-me. — As coisas dele ainda estão nos sacos na sala, pensei que nem tivesse ido até aí!
— Ainda não falou com ele? Ele ficou enfurnado aqui desde o dia em que você viajou! Só saiu para trabalhar essa semana.
Ele ficou todos esses dias me esperando voltar? Lembro-me da minha camisola em cima da cama e imagino que ele tenha dormido junto a ela enquanto estive fora. Desde o dia em que eu viajei!
— Olha, você sabe que eu não gosto de dar pitaco na vida alheia, mesmo na de amigos, mas ele parece gostar mesmo de você!
Fecho os olhos, a declaração dele mais cedo repetindo-se em minha mente, meu coração apertado, dividido entre a vontade de acreditar nesse amor e o medo de ser ferido mais uma vez.
— Kika? — Carol me chama, trazendo-me de volta à realidade. — Estão todos na salinha de reunião.
— Já vou, Carol, obrigada.
Despeço-me de Verinha e sigo para falar com minha equipe, mesmo tendo Konstantinos e seus atos enquanto estive fora na cabeça.
— Deixo essas pranchas aqui? — Alexios me pergunta.
— Pode deixar, preciso analisar as outras documentações sobre esses lugares, mas parecem ser os melhores depois daquela área que nos foi roubada.
Ele assente, e eu abro as pastas dos locais selecionados. O CEO da K-Eng esteve à frente, com o doutor Millos, do meu setor enquanto passávamos por investigação, e graças a eles os outros projetos da gerência não se atrasaram.
— Ainda não acredito que teremos de começar tudo do zero — comento comigo mesma em voz alta.
— Pois é, o que fizeram foi uma puta sacanagem! — ele responde. — Mas nós vamos pegar o filho da puta, pode ter certeza!
— Eu espero que sim!
Alex recolhe seu material e se despede. Aceno para ele e volto a prestar atenção ao computador, mas sinto o coração disparar quando ele cumprimenta Kostas à porta da sala antes de ir embora.
— Já deixei duas pranchas com as outras áreas que havíamos elegido antes. Vamos precisar trabalhar rápido para cumprir o prazo do cliente.
— Eu sei, nós vamos!
Ergo os olhos e retenho o fôlego ao vê-lo, enorme, moreno e lindo, parado no meio da sala, olhando para mim com as mãos nos bolsos da calça do terno.
— Podemos conversar? — ele pergunta.
Olho-o séria, respiro fundo, soltando o ar devagar, e assinto.
— Seja rápido, tenho muito trabalho para colocar em dia.
— Por que você quer sair da Karamanlis?
Dou de ombros, mas ele não parece nada satisfeito com minha indiferença e caminha até minha mesa. Coloco-me de pé para enfrentá-lo, mesmo sendo bem mais baixa que ele.
— Malu vai precisar de ajuda para o novo empreendimento que está...
— Não, Wilka, seu lugar é aqui na Karamanlis, ouviu? — Segura-me pelos braços. — Seu lugar é aqui comigo!
Arregalo os olhos e sinto meu corpo reagir ao toque dele mesmo sem querer, a química entre nós me fazendo ferver de desejo. Tento me concentrar, esquecer que ele é o único homem capaz de me fazer sentir isso tudo, não me lembrar de todo o prazer que já tivemos juntos.
— Tire suas mãos de mim... — sussurro sem convicção, sem olhá-lo nos olhos.
— Preciso que você me perdoe e que acredite em mim!
— Por que eu deveria acreditar nisso agora? Se você me amasse...
Ele me puxa para si e me beija sem nenhuma cerimônia. Tento me afastar, mesmo desejando-o mais do que tudo, mesmo sonhando com esses beijos e seus braços me abraçando todos os dias que fiquei longe.
Kostas continua varrendo minha boca com a sua, molhando meus lábios com os seus devagar. Cerro meus olhos, o sentimento transbordando de mim de forma que não consigo contê-lo. Mesmo não querendo, já estou entregue, sou dele. Konstantinos percebe o exato momento em que relaxo e aprofunda o beijo, tomando posse da minha boca com fome, penetrando minha garganta com sua língua, roçando os dentes em meus lábios, gemendo.
Não sei se sou eu ou se é ele quem emite esses sons, a loucura tomando conta da minha consciência, deixando tudo nublado de desejo e tesão. Agarro sua camisa com força, e ele desliza as mãos pela minha nuca, segurando-me pelos cabelos, firmando minha cabeça de modo que eu não consiga me livrar da tortura de sua boca na minha.
Sinto minha calcinha ficando cada vez mais melada com a excitação deste momento. Estou puta, ainda magoada com ele, mas o desejo mais do que tudo! Puxo sua camisa com mais força; os botões são arremessados para longe, e arranho seu peito com minhas unhas, arrancando mais gemidos desesperados dele.
Kostas desvia o beijo para meu pescoço, lambendo, mordendo, sugando-o, seguindo em direção ao ombro. Enfio minhas mãos por dentro da camisa, passo-as pela sua cintura e cravo as unhas em suas costas musculosas. Ele desce as alças do meu vestido transpassado, estilo quimono e leva junto o sutiã sem alças, expondo meus seios para sua contemplação, então me ergue e me senta sobre o tampo da minha mesa, o mesmo local que há meses foi o palco de uma malfadada primeira vez. Fecho os olhos quando sinto suas mãos em meu corpo, seu polegar e indicador excitando meus mamilos, beliscando-os, massageando-os.
Seguro-o pelos cabelos quando se abaixa e toma meu seio com a boca, sugando-o forte, chicoteando-o com a língua. Gemo enlouquecida, esquecendo-me por completo de onde estou, mesmo sendo tarde, sem saber se ainda há pessoas no setor.
Nada importa, só o que estou sentindo neste momento, a saudade, a vontade, o amor que sinto por ele, mesmo depois de tudo o que aconteceu.
— Sou louco por você, Wilka — ele declara entre gemidos, passando para o outro seio. — Completamente rendido, apaixonado, fodido!
Busco o fecho de sua calça, abro o cinto, o botão e puxo seu pênis para fora sem nenhuma cerimônia, adorando sentir sua espessura, as veias altas, a dureza macia aveludada de sua pele. Masturbo-o com força, e ele geme alto. Sinto a cabeça molhada com sua excitação, e minha boca saliva de vontade de prová-la.
— Não aguento mais, preciso estar dentro de você — sussurra.
— Eu também preciso! — admito.
Ele me ajeita na beirada da mesa, agacha-se o máximo que consegue até ficar na altura ideal e tira minha calcinha.
— Tão molhada, tão perfeita! — Ele me olha, os olhos azuis refletindo tantas coisas. — Perdoe-me por todas as vezes que te feri, por todas as vezes que não confiei em você. — Introduz-se um pouco. Meu corpo todo se arrepia pelo contato íntimo. — Perdoe-me por achar que não podia retribuir seu amor. — Encaixa-se todo dentro de mim, mas não se movimenta. — Perdoe-me por não ser o homem que você merece.
Neste momento eu fecho os olhos. Uma lágrima solitária escorre por meu rosto, mas ele a seca com seus lábios, beijando minha bochecha devagar, cheio de carinho, sorvendo o líquido salgado.
— Eu amo você — declara, trêmulo, o corpo todo tenso. — Eu julguei não ser capaz de amar alguém e nem de ser amado, mas você me mostrou que eu estava errado. Você me amou mesmo sem que eu te merecesse, ensinou-me a ver o mundo e as pessoas de uma forma que nunca consegui ver. Você me transformou em um homem de verdade. — Abro os olhos, impactada por suas palavras, tocada por todo o sentimento que sinto ao ouvir sua declaração. — Sigo não te merecendo, ainda tenho muitos defeitos, porém, prometo que, se você me perdoar e puder continuar me amando, vou dedicar o resto da minha vida buscando ser o homem que você ama, aquele que merece seu amor.
Puxo-o para um beijo, e meu corpo se libera. Kostas começa a se mover dentro de mim, segura-me pelos quadris e soca com força, enquanto nossas bocas se comunicam entre saliva, línguas e dentes.
Sou erguida da mesa; ele me mantém em seu colo. Rebolo gostoso, apreciando a posição. Kostas geme e cai sobre a minha cadeira. Fico por cima, cavalgando-o sem pudor, sentindo seu pau bem no fundo, balançando tudo dentro de mim.
Kostas retira a gravata que eu nem tinha percebido que ainda estava em seu pescoço, pois arrebentei os botões da camisa para ter sua pele na minha. Ele junta meus punhos para trás e os amarra juntos, usando a gravata, prendendo-me, deixando-me totalmente à sua mercê.
Ele me tira de seu colo e me vira de costas. Deito-me parcialmente sobre a mesa e espero a estocada firme me preenchendo novamente, mas ela não vem. Sua boca é que me devora agora.
— Kostas! — gemo alto, sentindo sua língua em meu ânus, logo descendo à procura de minha entrada molhada. Ele me suga com força. Gemo contra a madeira da mesa, os braços presos para trás, as mãos dele segurando minhas pernas bem afastadas uma da outra conforme sua língua me fode, deliciosamente perversa.
Sinto-me explodir em gozo quando ele prende meu clitóris entre seus lábios. Rebolo frenética, tremo inteira, aperto os dentes em meus lábios para não gritar.
— Você é minha! — escuto-o declarar antes de me preencher por completo.
Kostas segura em meus ombros e mete feito um louco, seus sons de prazer enchendo a sala, seu corpo pingando de suor sobre o meu.
Ele se inclina sobre mim. Sinto seus dentes em minha nuca, seu pau enterrado profundamente enquanto ele rebola curto, geme em meus ouvidos, fazendo minha pele arrepiar e meu sexo se encharcar ainda mais.
— Eu sou seu!
Sinto o movimento do seu pau prestes a gozar. Minha vagina está sensível, ainda se recuperando do orgasmo, e, quando ele começa a pulsar, expulsando seu gozo dentro de mim, gozo de novo, enlouquecida.
Estamos exaustos, jogados sobre a cadeira dela, resfolegantes, suados, a sala cheirando a sexo. Minhas mãos acariciam suas costas devagar, esperando termos condições de nos levantar para que possamos ter a conversa que eu queria ter desde o começo.
Não tinha a intenção de fazer sexo com Wilka. Essa ideia nem tinha me passado pela cabeça, mas então eu a toquei, e foi como se todo o desejo represado durante esses dias que ficamos separados explodisse entre nós.
— Nós nem conversamos — ela diz, ainda ofegante.
Eu rio, passo as mãos pelos seus cabelos e concordo.
— Não.
— Por que mudou de ideia sobre mim? — ouço a mágoa em suas palavras.
— Mudei de ideia sobre você horas depois de termos aquela discussão — confesso. — Eu deveria ter confiado em você, Wilka, mas é que estou tão acostumado a não confiar que minha primeira reação foi a desconfiança.
— Você me magoou — sinto um nó na minha garganta ao ouvi-la dizer isso. — Eu nunca pensei que poderia sentir tanta dor como a que senti ao perceber que você me achava capaz de te trair.
— Sei que você nunca me trairia, ou mesmo a Karamanlis. Eu só sou muito fodido para perceber isso sem fazer uma grande cagada.
Ela concorda e se levanta do meu colo.
— Precisamos descobrir quem fez isso!
Meu coração dispara. Ajeito minha roupa e, sem ter coragem de encará-la, confesso:
— Eu sei quem foi. — Wilka arregala os olhos. — Descobri há pouco, quando recebi os documentos usados pela concorrente.
— Quem?
Balanço a cabeça, constrangido e com medo de como ela irá reagir.
— Você não conhece, mas a culpa foi minha. — Levanto-me e pego minha camisa, mesmo sem botões. — Ela roubou tudo no meu apartamento.
Wilka fica pálida.
— Ela?
Respiro fundo.
— Sim, uma amiga de Theodoros. — Sinto vergonha de ter de contar a ela o que eu pretendia. — Ela me vendeu umas informações sobre meu irmão, e, no dia em que foi entregar, eu estava com todos os documentos expostos.
— O que você pretendia fazer? — Wilka tem a voz trêmula ao perguntar.
Encaro-a por um momento. Tenho certeza de que o medo de a perder ao lhe mostrar o grande filho da puta que sou transparece em meus olhos.
— Eu ia denunciar Theodoros e afastá-lo de vez daqui.
Wilka cambaleia, encosta-se à mesa, estupefata demais.
— Por quê?
Não há outro modo de lhe dizer meus motivos, senão contando a ela toda a verdade. Chegou a hora de eu me expor, mostrar a ela o verdadeiro Konstantinos, um homem cheio de demônios do passado, cheio de defeitos, medos e inseguranças e revelar a ligação que nosso destino nos proporcionou.
— Eu fui criado pelos meus avós em Londres, pelo menos até chegar à idade de ser mandado para um internato. — Wilka senta-se na beirada da mesa para me ouvir explicar. — Nunca tive convívio com minha mãe, que me deixou para ir estudar na América e nunca mais retornou à casa. Meu pai, bem, eu preferia não ter tido convívio com ele também, mas, aos 12 anos, fui mandado para cá para viver com ele.
— Kostas, você tem certeza de que...
— Tenho, Wilka. Tenho que te mostrar quem é o homem por quem você se apaixonou e saber se você pode amá-lo, porque ele ainda é parte de mim. — Ela concorda, e eu continuo: — Meu sonho sempre foi ter um lar, e aqui tive a impressão de que iria realizá-lo. Tinha meus irmãos, meu pai e uma madrasta muito legal, mas parece que eu não merecia isso, e tudo se desfez um ano depois. Theo se apaixonou pela esposa do meu pai e a levou com ele para a Grécia. — Wilka arregala os olhos. — Nikkós nunca foi muito estável, sempre teve problemas com vícios em geral, bebida, drogas, mulheres e jogos. Depois do que houve, humilhado – pois todos souberam que sua esposa troféu o tinha largado para viver com um garoto de 18 anos, seu próprio filho –, ele surtou de vez. Passou a consumir ainda mais bebidas e entorpecentes e se tornou um sádico com seus filhos – Alexios, Kyra e eu.
— Oh, meu Deus! — Ela toca meu rosto, e eu fecho os olhos, chorando pela primeira vez a dor do menino que ficou nas mãos de um louco, recebendo consolo do toque da mulher que amo.
— O meu pecado foi ser quem eu era, um garoto introspectivo, grande, gordo, feio... — Wilka parece surpresa, e eu sorrio, triste. — É, eu tinha 13 anos e já era quase desse tamanho, todo desconjuntado, tímido ao extremo, e ele decidiu que iria me tornar um homem de verdade. — Tateio o bolso da minha calça e tiro de lá a carta que ela carregou durante todos esses anos. — Ele me levou a bordéis, dizendo que eu nunca iria conseguir uma mulher por mérito meu, somente pagando. — Wilka fica tensa, arregala os olhos, e suas mãos começam a tremer. — Por anos, até você chegar, acreditei nisso. Só me relacionei com profissionais e apenas para matar a necessidade, nunca tive prazer realmente com o sexo, apenas com você.
— Você... frequentou... — Ela treme muito. Tenho vontade de abraçá-la. — Sabe o nome... do...
— A casa da Madame Linete — revelo, e ela fecha os olhos. — Havia um sótão... — Wilka soluça, lágrimas grossas escorrendo pelo seu rosto. — Lá aconteciam leilões de virgens, e era conhecido como a área de educação do bordel, pois a maioria delas eram crianças ou adolescentes. — Seguro seu queixo. Ela me olha, e eu lhe estendo a carta. — Achei isso no chão do seu apartamento.
Wilka mal consegue segurar a carta, trêmula demais. Fico preocupado com o jeito como ela se encontra. Acaricio seu rosto e, quando ela volta a erguer o olhar em minha direção, vejo o reconhecimento.
— Era você! — Eu assinto, chorando com ela. — Era você quem ficava do outro lado da porta e quem deixou aquela caixa com o bichinho de pelúcia e a lanterna.
— Sou eu.
Abraço-a forte, seu corpo sendo sacudido pelas lágrimas.
— Como isso... — ela me aperta — como isso aconteceu?
— Você me salvou — digo baixinho. — Eu estava prestes a saltar pelo vitral do sótão quando sua imagem veio à minha cabeça. — Ela se afasta do abraço e me encara assustada. — Eu não aguentava mais, e, naquela noite, Nikkós estuprou uma virgem, uma menina, na minha frente para me ensinar. Eu quis morrer, quis acabar com tudo, mas então você veio à minha mente, e eu entendi que corria perigo.
— Foi por isso que reagiu daquele jeito quando descobriu que eu era virgem?
— Sim, me perdoa por isso! — Soluço. — Mas, quando percebi que tinha te deflorado, imagens daquela noite vieram à minha memória, os pesadelos que tive e...
— Você me salvou! — ela constata de repente. — A denúncia sobre mim, foi você! Por isso a carta escondida no urso dizendo que eu teria uma vida melhor. — Assumo balançando a cabeça. — Eu fui adotada pouco tempo depois de ter achado seus presentes e, já com meus pais adotivos, encontrei sua carta no urso, desde então a mantenho comigo como um amuleto da sorte.
Sorrio ao ouvir isso.
— Era só a carta de um garoto desesperado.
Ela nega.
— É a carta do garoto que mudou a minha vida, me fez ser quem eu sou. Se eu posso amá-lo hoje, é porque houve aquele garoto que pensou em mim mesmo sem me conhecer.
Ela se aproxima com um sorriso, e eu sinto o escritório todo ser iluminado como se fosse dia claro.
— Eu nunca me apaixonei por ninguém até você, Konstantinos. Eu tinha pesadelos com sexo por causa das coisas que vi acontecer naquele lugar, mas, com você, desde Portnoy, eles se foram. — Ela seca meu rosto com seus dedos. — Eu estive esperando por você esses anos todos sem saber.
Porra!
Desmorono como um bebê, soluçando no abraço dela, ao ouvir isso. Eu também estive esperando por ela, morto todos esses anos, até que ela voltasse a aparecer na minha vida.
— Eu amo você — digo entre soluços. — Você me salvou de todas as maneiras possíveis.
— E você a mim! — Ela ri, mesmo soluçando. — Eu sou sua, sempre fui, e meu coração já sabia disso mesmo sem termos noção de que estávamos ligados dessa forma. — Wilka me encara. — Amo você, sempre você!
Ouço o barulho da água do chuveiro e olho para a porta do banheiro entreaberta. Eu ainda estou estupefata com a nossa ligação, com como nosso passado se conectou nos piores momentos de nossas vidas e como voltamos a nos encontrar agora para estar juntos.
Agora consigo entender toda a mágoa que ele sente pelo Theodoros. Ele se sente abandonado por Theo, deixado na mão do louco que a sua atitude ao se envolver com a madrasta despertou.
Eu nunca poderia imaginar algo assim, e ouvir toda a história há pouco me deixou ainda mais assustada e com o coração pequeno ao imaginar tudo o que ele passou nas mãos do pai.
Nikkós era louco! Como pôde ter coragem de tratar os filhos daquele jeito?
Viemos direto da Karamanlis para meu apartamento. Kostas olhou para suas coisas, ainda nos sacos pretos, e sorriu sem graça, pedindo-me perdão novamente por não ter confiado em mim.
Eu entendi sua reação ao que houve. Claro que isso não diminui o que eu senti, mas agora o surto da nossa primeira vez, os pesadelos, o jeito de ser dele, tudo faz sentido. Kostas é um homem machucado que aprendeu que somente se afastando das pessoas podia estar protegido.
É inconcebível o que nós dois passamos na infância, o que ele passou nas mãos do próprio pai. É senso comum que os pais têm a responsabilidade de cuidar de seus filhos, então, quando eles ou um deles é agressor, aquele que expõe a criança ao risco, vende, humilha, agride ou mata, a sensação de monstruosidade é muito maior.
Suspiro, consciente de que eu ainda preciso lhe contar meus segredos. Não será fácil, são coisas que sempre guardei comigo, temerosa de sua repercussão na minha vida e na minha carreira.
— Tudo bem? — Ele sai do banheiro, a toalha enrolada em sua cintura, o cheiro de sabonete no ar.
— Eu estava aqui pensando em tudo o que nos aconteceu — Kostas se senta ao meu lado na cama —, ainda sem entender por que as coisas aconteceram dessa forma. É uma coincidência incrível termos tornado a nos encontrar e...
— Nos envolvido e apaixonado um pelo outro — Kostas completa, e eu concordo.
— Descobrir que você era o Portnoy já foi um choque. — Comento baixinho: — Ela é minha mãe.
Não consigo levantar o rosto para encará-lo. Fito minhas mãos, sentindo o coração palpitar, os olhos se inundarem de lágrimas por assumir isso em voz alta.
— Quem é sua mãe? — ele pergunta e ergue meu rosto.
— Madame Linete.
A expressão de assombro que eu tanto temi ver em seu rosto é evidente. Imagino o que esse nome deve significar para ele, as lembranças que ele evoca. Não sei se ele conseguirá superar isso, estar comigo sabendo quem eu sou, mas eu não poderia esconder esse fato dele.
— Nasci naquele lugar, não era levada para lá como as outras crianças. — Sinto uma lágrima escorrer. — Não era filha de uma prostituta qualquer, mas sim da cafetina, da mulher que obrigava meninas e meninos de rua a se prostituírem em troca de abrigo e comida.
Kostas está paralisado, seu olhar perdido. Eu soluço, sem saber o que esperar dele.
— Eu dormia na mesma cama onde orgias eram feitas, brincava de casinha no salão onde eram servidas bebidas e drogas, tomava banho no mesmo banheiro onde as garotas recebiam clientes para um boquete rápido. — Fecho os olhos. — Você ia lá; eu vivia lá.
— Eu comprei aquele sobrado. — Arregalo os olhos com a confissão. — Quando ela foi presa e a casa desapropriada por causa da plantação de maconha e das outras drogas armazenas nela, eu a comprei no leilão.
— Por quê? — inquiro em um fio de voz, sem entender o motivo que o levou a fazer isso. — Era o local onde você passou por todos os seus traumas. Não faz sentido.
Ele se levanta, anda de um lado para o outro. Se tivesse acesso a algum cigarro, tenho certeza de que o estaria fumando neste momento. A tensão em seu corpo é visível, o nervosismo, perceptível em cada músculo que treme sob sua pele.
— Eu queria vê-lo acabando lentamente — sua voz soa fria e cheia de ressentimento. — Não queria que ali fosse construída qualquer outra coisa ou mesmo que utilizassem aquele maldito imóvel.
Choro ao notar quão profundas são as marcas deixadas nele.
— Eu teria tentado transformar toda aquela feiura em algo bonito e positivo...
— Eu não sou você! — ele me corta, mas então bufa e respira fundo para se acalmar. — Perdoe-me, é que tudo isso mexe comigo de um jeito...
— Eu entendo.
Ele nega.
— Não, ainda bem que você saiu de lá antes que qualquer coisa mais grave lhe acontecesse. — Ele me olha cheio de dor. — Eu não suportaria saber que você passou pelo mesmo que aquelas outras garotas.
— Graças a você! — Vou até ele e o abraço, mesmo o sentindo tenso. — Você me livrou dela! — Soluço, pensando no erro que cometi mais tarde. — Por sua causa tive pais incríveis, uma família amorosa, uma infância feliz!
Kostas deposita um beijo no alto da minha cabeça.
— Ela não era uma boa pessoa, Wilka. Fazer o que fazia contigo todas as noites, torturando você naquele armário... Ainda bem que se afastou dela.
Afasto-me dele, sentindo-me ingrata por ter feito o que fiz.
— Eu a procurei depois que meus pais adotivos faleceram. Não deveria, eu sei, ela sempre me disse que meu nascimento foi sua maldição, por isso nunca foi uma data feliz para mim. — Kostas parece não acreditar no que acabei de dizer, que mesmo depois disso tudo eu tenha ido atrás dela. Então, tento me justificar: — Eu me sentia sozinha, perdida, achei que os anos pudessem tê-la modificado e...
— Pau que nasce torto, Wilka Maria. — Ele ri, debochado, frio. — Você foi ingênua ao acreditar que ela pudesse ter mudado.
— Eu fui — admito. — Ela me enganou no começo, mas, assim que soube que eu havia entrado na Karamanlis, começou a se mostrar.
Ele paralisa, caminha até onde estou e me segura pelos ombros.
— Era ela, não era? Nas ligações, o dinheiro que você pegou emprestado no banco? — Assinto e choro. — Por quê?
— Porque ela está foragida. Eu não sabia. Achei que tivesse cumprido sua pena e saído, mas não, está há anos fugida da justiça e me ameaçou com isso, disse que, se fosse pega, me colocaria como cúmplice, afinal não temos mais nenhuma ligação que comprove nosso parentesco. — Soluço, sentindo-me idiota, crédula, enganada. — Ela ameaçou o mínimo de estabilidade que eu tinha conquistado, minha carreira, e depois, quando me viu contigo, ainda me torturou dizendo que iria lhe contar quem eu era e de onde vim.
Kostas me puxa para seus braços, apertando-me como se pudesse me proteger de toda a dor com seu próprio corpo. Eu sei que fui ingênua, que nunca deveria ter procurado por ela, me deixado acreditar em suas mentiras, não depois de tudo o que me fez quando eu era uma menina indefesa.
Os “pedidos de ajuda” continham uma ameaça velada, mas a coisa ficou feia mesmo quando assumi a gerência e, de alguma forma, ela soube disso. Então tudo ficou às claras: ou eu entregava dinheiro a ela, ou ela armaria um escândalo na Karamanlis, chamando a atenção da polícia para minha existência, colocando-me como cúmplice de seus golpes e trapaças.
Eu tive medo, não confiei em ninguém, apenas quando precisei da Malu para conseguir o empréstimo é que contei a ela parte do que havia acontecido. Sinto-me culpada, suja e com medo.
— Eu vou achá-la e fazer com que volte para o lugar de onde nunca deveria ter saído, Wilka. — Ele me encara. Vejo a obstinação e a sede de justiça brilharem em seus olhos. — Ela nunca mais irá se aproximar de você, nunca mais irá feri-la ou ameaçá-la novamente.
— Eu deveria ter confiado em você, mas... eu tinha medo e vergonha.
— Eu sei, conheço esses sentimentos, sei o que é se sentir culpado mesmo sendo vítima. Isso não vai mais acontecer, eu prometo!
— Eu amo você, Konstantinos.
— E eu a você, Wilka Maria, minha Caprica, minha pimentinha. — Beija minha testa e seca meu rosto. — De agora em diante, vamos tentar ser felizes. Encontramos um ao outro; nada mais irá nos separar.
Abraço-o forte, e ele me pega no colo, levando-me para a cama cheio de carinho e cuidados.
Abro os olhos e logo estendo o braço para o outro lado da cama, conferindo se tudo o que aconteceu na noite passada foi real. Toco um corpo quente, sólido e grande e me viro já com um sorriso nos lábios, feliz por tê-lo aqui comigo.
Kostas já está acordado, seus olhos azuis iluminados pelos raios do sol que entram por minha janela. Ele sorri, seus dentes aparecendo, as pequenas rugas em volta de seus olhos, os cabelos escuros bagunçados.
Lindo!
— Sinto-me privilegiada por acordar com essa vista todos os dias!
Ele sorri ainda mais e me beija.
— Todos os dias! — Cheira meus cabelos. — Mas o privilegiado sou eu.
Rolo para cima dele, notando-o já excitado, adorando a sensação de voltar ao sexo matinal, algo que eu descobri que adoro.
— A vista daqui é ainda melhor! — provoco-o, rebolando sobre seu membro duro. — Quero comer você!
Ele ri e então levanta o braço que estava na beirada da cama.
— Eu também! — Ri, safado.
Arregalo os olhos ao ver um dos meus vibradores em sua mão.
— Estava mexendo nas minhas coisas?
Ele dá de ombros.
— Fiquei aqui com muito tempo livre, então explorei um pouco. — Ele puxa a gaveta do meu criado-mudo, e vejo todos os meus brinquedos espalhados dentro dela, bem como seus ovos masturbadores. — Quero ver como você usa isso.
— Tem que ligar na tomada! — Ele aciona o botão, e percebo que já estava plugado na energia. — Acordou antes e já se preparou para isso? Que safado!
Kostas ri e esfrega o vibrador nos meus seios, fazendo-me gemer alto e minha intimidade molhar seu pau.
— Quero foder sua bunda e te ver gozar com ele em seu clitóris — sua voz é rouca, sexy e perigosa. Rio nervosa, mas assinto. — Mas antes...
Ele se ajeita, segura-me pelos quadris e entra torturantemente devagar em minha boceta molhada. Minha pele inteira se arrepia com o contato em minha vagina sensível pelo uso constante que estamos fazendo dela desde a noite de ontem.
Kostas se senta, arrasta-se para a beirada da cama de modo a ficar com os pés no chão e me impele a rebolar em seu colo, segurando minha cintura com força enquanto morde, arranha e lambe meu pescoço.
— É foda como você me faz delirar de prazer... — comenta ofegante — como nosso encaixe é perfeito mesmo você sendo miúda e eu todo grande.
Jogo meu corpo para trás, apoio as mãos em seus joelhos e acelero os movimentos. Ele também se agita, vindo de encontro ao meu corpo, fazendo cada estocada ser mais potente que a outra.
— Isso, Pimentinha, rebola gostoso! — geme desesperado, mordiscando meus mamilos, puxando meus cabelos para trás. — Me come todo, goza em mim, marca-me como seu! Eu sou seu!
O jeito que ele diz isso me excita de tal forma que meu corpo reage instantaneamente às palavras, e o orgasmo vem em ondas fortes e incontroláveis de prazer, sacudindo meu corpo a ponto de eu ter que me agarrar a Kostas para não cair.
Konstantinos se levanta. Eu ainda tremo em seu colo quando me deita de costas na cama, segura minhas pernas para o alto, bem abertas, mete um pouco mais e sai.
Acompanho-o pegar lubrificante na gaveta e besuntar seu pau com ele. Busco o vibrador na cama, onde ele o deixou ainda ligado, e o seguro junto ao meu corpo.
Kostas se abaixa, cheira meu ventre lentamente, seguindo em direção ao clitóris duro e sensível. Lambe-o devagar, concentrado, tomando tempo na área, levando-me à loucura antes de brincar com meus lábios íntimos e minha boceta e, por fim, penetrar meu ânus com sua língua comprida e tensa.
Contorço-me na cama, agarro os lençóis ainda bagunçados, o vibrador entre meus seios e a língua dele dentro de mim.
— Kostas, por favor, vem! — imploro, meu corpo agitado, a vontade louca de tê-lo todo dentro de mim e poder gozar com seus movimentos na minha bunda. — Vem agora!
Ele não me espera suplicar mais uma vez, posiciona-se, brinca com a cabeça de seu pau nas minhas pregas e então força a entrada devagar, gemendo, fazendo-me sentir centímetro por centímetro de seu pênis alargando-me, excitando-me, dolorosamente delicioso.
Pego o vibrador e o encosto no meu clitóris. Chego a levantar da cama com as sensações juntas. As estimulações que recebo me enlouquecem. Fecho os olhos e me deixo ser levada.
— Você... é... — ele se movimenta forte dentro de mim — muito gostosa!
Sou sacudida por suas estocadas firmes. Seus quadris se movimentam para frente e para trás enquanto suas mãos mantêm minhas pernas suspensas. Kostas lambe e chupa o dedão do meu pé esquerdo, gemendo, mordendo, desesperado de tesão.
Meu coração dispara, meus músculos se contraem, a respiração fica forte, o orgasmo está perto demais.
— Eu vou... — não tenho tempo de avisar, e gozo em gritos desesperados, ouvindo-o urrar como um animal no cio ao mesmo tempo. Solto o vibrador, trêmula, buscando ar com desespero, meu corpo mole, a cabeça dando voltas como se eu tivesse subido até a estratosfera e caído de volta na Terra.
— O que foi isso? — faço a pergunta retórica e escuto suas risadas.
Não o vejo, ele parece ter desmoronado no chão do quarto. Não consigo me mover também, abandonada, braços e pernas abertos no colchão da cama.
— Se continuarmos assim, morro antes de completar 40 anos! — ele declara, ofegante, mas cheio de satisfação. — Pelo menos morro feliz!
— Cala a boca! — Rio. — Ninguém vai morrer, ainda vamos estar velhinhos e fazendo estripulias iguais aos vovôs e vovós lá da casa de repouso.
— Ah, sim, vovós mão de alicate! — Ele aparece sobre mim, suado, mas com um enorme sorriso e olhos brilhantes. — Você tem que defender minha honra, senão nunca mais volto lá com você.
Gargalho.
— Deixe as vovozinhas serem feliz, você é grande, dá para todas.
Ele me abraça na cama, beijando meus ombros.
— Vou tomar um banho, tenho um compromisso daqui a pouco. — Levanta-se. — Vai para a Karamanlis hoje?
Ergo-me levemente do colchão para ver sua bunda gostosa e sarada.
— Vou depois do almoço, preciso ajeitar minhas coisas, pois ontem fui direto para lá, além disso, quero pegar o Kaká na Verinha.
Ele me pega em flagrante admirando seu traseiro e pisca para mim, bem safado.
— Vou cozinhar para você à noite — declara, e eu abro um sorriso satisfeito e cheio de fome. Adoro quando ele cozinha!
— Algum motivo especial? — provoco-o.
— Uma surpresa — Kostas fala sério, e eu me sento na cama.
— Que tipo de surpresa? Ah, não faz isso comigo, não vou nem conseguir trabalhar hoje!
O filho da mãe ri, pega sua toalha e entra no banheiro.
— Kostas!
Paro o carro na frente do endereço que pesquisei há pouco na internet. Nunca tive nenhuma curiosidade sobre a vida pessoal do meu irmão além do que pudesse ser usado contra ele, porém, lembro-me bem de quando negociou esse escritório, com uma área impressionante, que hoje é uma galeria de arte.
A galeria de arte de Viviane Lamour.
Ontem, depois que descobri que havia grande chance de ter sido ela a causadora de toda a sabotagem ao nosso projeto na Karamanlis, conversei com Millos sobre o que era melhor fazer. Meu primo, sempre sensato, claro, aconselhou-me a ir com cuidado, pois eu não tenho nada mais do que suposições contra ela.
O que ele não sabe, no entanto, é que eu estudei muito bem essa cobra sorrateira para saber que, se a pressionar, revelará tudo, principalmente os nomes dos envolvidos nesse golpe baixo. Se a concorrência está achando que irá sair com a reputação ilesa depois do que fez, está redondamente enganada.
Desligo o motor do carro e fico um tempo observando o local. A galeria com o escritório dela fica em uma rua chique e elitista da cidade, num bairro nobre e famoso pelas galerias. Sua galeria não é dessas que ficam abertas com obras expostas à venda, funciona como um local para eventos e mostras dos artistas que ela descobre.
Aparentemente, não há nenhuma atividade no momento.
Ajeito-me no banco do motorista, e o perfume do sabonete de Wilka exala de meu corpo. Sorrio, lembrando a manhã magnífica que tivemos juntos depois de uma noite de segredos revelados e muita foda.
Preciso confessar que me sinto mais leve depois de ter dividido com ela todas as minhas angústias e de entender os motivos dela para ter chegado a mim ainda virgem, além das ligações e do dinheiro suspeito.
Cerro o punho com força ao pensar em madame Linete. Wilka não merecia ser filha daquela mulher, tão louca quanto Nikkós. Senti alívio ao pensar que fiz bem a denunciando, mesmo sem saber que era sua filha que vivia no prostíbulo, porque ela não tinha escrúpulo nenhum e certamente leiloaria a virgindade da própria filha como fizera com a das outras meninas.
Nunca deixei que aquela mulher asquerosa encostasse um dedo sequer em mim. Mesmo no meu primeiro dia lá, quando Nikkós pagou pela minha iniciação, rejeitei o toque dela categoricamente, o que fez com que me odiasse ainda mais.
Sim, aquela mulher contribuiu e incentivou Nikkós em todas as suas loucuras, participou ativamente de todas as humilhações que sofri, e até a ideia do defloramento da garota que precisava de ajuda foi dela.
Eu a odeio tanto quanto ao meu pai, porém, pensava que estava esquecida, trancafiada em uma cela.
Mas em breve ela estará!, penso, lembrando-me da conversa que tive com o detetive assim que saí do apartamento de Wilka. Quero localizá-la e fazê-la pagar por tudo o que já fez, inclusive pela chantagem com a própria filha.
Filha! Até parece que um ser como aquele entende o conceito de família e proteção.
A família de Wilka, de hoje em diante, serei eu, por isso mesmo encomendei um belo anel que será entregue na Karamanlis ainda essa tarde para que eu possa pedi-la para ser minha no jantar dessa noite.
Sorrio novamente, o coração leve ao pensar na minha Pimentinha. Nunca pensei que me sentiria assim por alguém e me sinto bem por essa pessoa ser Wilka. Sinto que tenho muito a aprender com ela, mesmo que continue sendo o homem introspectivo, grosso e impaciente que sou. A escuridão que carrego dentro de mim se atenua ao seu lado.
Uma mulher alta, magra e bem-vestida chama minha atenção, vindo andando na calçada na direção do carro. Ela para em frente à galeria e mexe em sua bolsa sem deixar cair o café que segura.
Viviane abre a porta no exato momento em que eu salto do carro e vou rapidamente até ela, e, antes que consiga fechar o local, ponho meu pé no batente para impedi-la.
— Bom dia! — Sorrio frio.
— Kostas! — Ela grita e põe a mão no coração. — Uau, que susto! O que você faz aqui a essa hora da manhã?
— Precisava conversar contigo. Posso entrar?
Tento manter a calma, o tom neutro para não a assustar. No meu bolso, meu telefone grava toda nossa conversa. Mesmo eu sabendo que isso não tem valor como prova, poderei levar até a Karamanlis e pensar em uma retaliação contra a concorrente.
Eu só preciso dos nomes!
— Eu acabei de chegar e estou cheia de...
Não a deixo terminar, impondo minha presença, usando a força para entrar no salão vazio e fechar a porta.
— Eu não vou demorar. — Cruzo os braços sobre o peito, e ela suspira.
— Está certo. Vamos para o meu escritório. — Aponta para uma área mais alta, ao fundo do salão, com uma mesa e alguns quadros e objetos. — Daqui a pouco vou receber uns investidores, então o que quer que tenha para me dizer não pode demorar.
— Não vai.
Ela coloca o café em cima da mesa e acende as luzes.
— Fiquei sabendo que Theodoros voltou para a presidência da Karamanlis. Então você não conseguiu provar nada contra ele. — Ela me encara, seus olhos brilhando de raiva.
— Os documentos que você me entregou não foram suficientes — minto. — Mas ele ainda está correndo risco de sair da presidência.
Ela se senta e aponta para uma cadeira para que eu faça o mesmo, mas nego.
— O que poderia ser mais grave do que aquele dinheiro todo sem explicação no exterior?
— Perdemos uma área importante para a concorrência — introduzo o assunto, e ela se ajeita na cadeira. — Esse era o grande projeto da gestão dele, e nosso cliente está ameaçando nos deixar, o que vai abalar a confiança dos conselheiros em Theodoros.
Viviane sorri.
— É mesmo? Uau, que boa notícia! — Bebe um gole de seu café. — Bom, mas o que você quer de mim para ter vindo tão cedo me ver?
— Te parabenizar! — Ela ergue a sobrancelha. — Eu não poderia ter pensado em uma ideia tão boa quanto a que você teve.
Viviane fica pálida, mas logo refaz o sorriso frio.
— Eu não sei a que você se refere.
Rio, minha expressão entediada, a sobrancelha erguida.
— Quando fui trocar a camisa depois do banho de café que você me deu, lembra? — Ela abandona o copo descartável que estava levando aos lábios. — Se você tivesse compartilhado a ideia comigo, eu poderia entregar muito mais coisas!
Ela ri, cínica.
— O que você está querendo, afinal, Konstantinos? — Ergue-se. — Eu sei que você não usou os extratos, pelo contrário, falou a favor de Theodoros na reunião que decidiu seu futuro!
Ela tem um informante dentro da Karamanlis! Filha da puta!
— Não tive outra escolha, não sabia o que você pretendia, então tive que fazer papel de bom moço.
— Eu sabia que você ia se acovardar, por isso, quando vi a documentação sobre sua mesa, achei que pudesse ser útil em algum momento!
— E foram! — Rio. — Aposto que, além de tudo, conseguiu injetar uma boa grana aqui. — Olho em volta. — Aparentemente, não há novos artistas expondo, e, sem obras, sem comissão. Está com problemas de dinheiro, Viviane? Foi por isso que aceitou quando lhe ofereci, não foi?
— Sai daqui, Konstantinos! — sua voz sai trêmula.
Ela sobe para um mezanino, uma área parecendo uma sala de reuniões onde tem alguns móveis, acima de onde fica seu escritório. Sigo-a, disposto a fazer qualquer coisa para lhe arrancar uma confissão e o nome de quem comprou os documentos de que ela se apropriou.
— Quero o nome da pessoa que negociou contigo. — Ela ri, de costas para mim, e nega. — Faça seu preço, quero o nome...
— Augusto Angelini — a voz de Theodoros ecoa no salão vazio, e eu me viro para vê-lo. — Esse é o nome de um dos diretores da Dedalus que negociou com ela.
Viviane parece estar em choque ao ver Theodoros.
— Como você soube? — pergunto estupefato.
Theo sobe ao mezanino e a encara furioso.
— Eu consegui a informação, não me pergunte como. — Ele se aproxima de mim. — Entramos com uma representação contra ele. Procurei por você na empresa; como não achei, Murilo assumiu a questão. — Ele olha para Viviane Lamour. — Eu a avisei para que não se metesse mais comigo.
Ela parece acuada, intercala olhares entre mim e Theodoros a todo instante.
— Mandei emitir uma notificação para que você deixe o imóvel no prazo de 30 dias. — Theodoros controla sua raiva, noto por seus punhos travados e a postura tensa. — Além disso, já informei a todos os outros investidores que eu estou fora, então é certo que eles retirarão todos os seus investimentos também.
— Você não pode fazer isso comigo! — Viviane se desespera.
— Eu não sei qual era o seu propósito, nem como teve acesso a todo material que vendeu, mas vou descobrir e...
Ela começa a rir, interrompendo-o.
— Você ainda não sabe? — Aponta para mim. — Seu querido irmão aqui me perseguiu para que eu me unisse a ele contra você. — Theodoros me olha muito sério, e eu encaro seu olhar, reconhecendo minha culpa. — Como você acha que eu fiquei sabendo de Duda Hill e da menina doente?
Abaixo a cabeça ao ver a perplexidade nos olhos de Theodoros. Não posso negar o que fiz, mesmo que me arrependa muito de tudo isso.
— Você entregou para ela...
— Não! — sou rápido ao negar, olhando em seus olhos. — Viviane teve acesso a tudo isso quando foi ao meu apartamento me entregar extratos de uma conta sua não declarada no exterior.
— Que conta?! — Theo encara Viviane como se não a reconhecesse. — Eu não tenho conta alguma não declarada fora do país! — Ele xinga. — Você abusou da minha confiança e criou uma?!
Fecho os olhos e percebo o engodo que ela formou. Óbvio! Theodoros confiava cegamente em Viviane, deve ter deixado documentos e assinaturas digitais com ela, ou então ela somente inventou aquela história toda!
— Eu destruí todos os extratos — aviso-lhe. — Se é que eles eram reais!
Theodoros põe a mão na cabeça, vira de costas e desce os degraus, indo para longe de nós dois.
— Eu só te amava muito, e você sempre me menosprezou! — a voz chorosa dela faz com que eu me vire para olhá-la no exato instante em que levanta uma pistola na direção de meu irmão. — Você não pode ser feliz sem mim, Theo! — ela grita, e ele para, balançando a cabeça. — Se vai me destruir, vou destruir você também!
— Viviane, você está...
Theo começa a se virar para encará-la, e vejo o dedo dela se mover no gatilho.
Não penso duas vezes, apenas ajo, pulando à sua frente, interceptando, com meu próprio peito, o tiro que iria acertar meu irmão pelas costas. Sinto a dor aguda, uma mistura de soco com fogo que me faz cambalear para trás e me sinto despencar no ar.
Por um instante fico desnorteado, nauseado. Ouço o estrondo de vidro se quebrando e sinto minhas costas sendo retalhadas antes de chocar a cabeça contra algo.
Muita dor.
A imagem de Wilka dormindo, iluminada pelo sol, é a última coisa que vejo.
Escuridão.
Uma batida à porta tira minha atenção dos arquivos que estou lendo. Olho para o canto da tela do meu computador e me surpreendo com a hora, pois estou há quase três horas lendo sem parar.
Olho para a mesa de Kostas e estranho que ele ainda não tenha chegado, afinal, disse-me que ia resolver algo pela manhã, mas que depois estaria na empresa.
Sorrio ao pensar no jantar que ele vai fazer para mim e na surpresa que está preparando. Estou tentando não criar muitas expectativas, mas nada me tira da cabeça que ele tenciona fazer algum tipo de proposta mais permanente. Não sei se casamento combina muito com o jeito dele, mas não me importo com formalidade. É como diz o ditado: junto na fé, casado é!
Logo depois que ele saiu do meu apartamento, fui atrás do meu Kaká com a Verinha. Estava louca de saudades do meu bichinho, e ele de mim. O cãozinho pulou tanto, fez tanto xixi que tive que acalmá-lo pegando-o no colo.
— Ele ficou louco por causa do Kostas — Verinha me confidenciou. — O homem montou acampamento aí no seu apartamento, esperando por você, e cuidou do Kaká. — Ela sorriu. — Pela sua expressão de felicidade, acho que tudo acabou bem, enfim.
Abracei-a forte, agradecendo a amiga maravilhosa que ela era.
— Sim, resolvemos nossas questões e estamos felizes. — Beijei a cabeça do Kaká. — Creio que agora seremos uma família, nada mais irá nos afastar.
— Kika, que massa ouvir isso! — Verinha ficou verdadeiramente emocionada. — Vocês merecem ser felizes. Eu confesso que tinha muito abuso dele, mas depois de ver o quanto o bichinho sofreu esperando por você, passei a acreditar que ele te ama de verdade.
— Ele ama! — fiz questão de confirmar. — E eu a ele!
Fiquei o resto da manhã em casa com o Kaká, desfazendo minhas malas e recolocando as roupas de Kostas no meu armário. Falei do Pantanal para meu cãozinho, contei do lindo do Gael, meu afilhado, e de como eu estava feliz.
Cheguei à empresa radiante, sorriso aberto, cumprimentando e brincando com todos, louca para encontrar Konstantinos na nossa sala e provocá-lo um pouco antes da nossa noite.
Algo deve tê-lo atrasado em seu compromisso, ou ele está no jurídico resolvendo algum processo. Dou de ombros e volto a prestar atenção ao documento, mas novamente sou interrompida por outra batida na porta, mas sem a entrada da pessoa.
— Entra, por favor!
— Desculpa, Kika, mas é que tem um senhor procurando o doutor Konstantinos. — Carol aponta para o homem. — Eu bati aqui, mas lembrei que não o vi chegar, então fui até a diretoria jurídica, mas ele também não está. Ele precisa deixar uma encomenda, mas precisa que alguém assine o recibo.
Levanto-me e vou até eles.
— Pode deixar, que eu recebo e deixo aqui na mesa dele. — Sorrio para o homem engravatado que me estende uma prancheta cheia de folhas. — Pronto!
Ele confere minha assinatura, pede o número de um documento e o meu telefone, então me entrega a sacola de uma joalheria chique da cidade. Meu coração dispara, minhas mãos tremem ao pegar a encomenda. Vejo o entregador sair, mas não consigo me mover.
Sinto a fita de cetim que faz as alças da bolsa, olho o acabamento com papel acetinado preto e letras prata, ainda pasma com o que estou segurando. Tento não fantasiar um anel ou mesmo um par de alianças, mas não consigo. Se for qualquer outra joia, eu sei que ficarei um pouco decepcionada, mesmo adorando o presente.
— Uau! — Carol volta para perto de mim e comenta, lendo o nome da loja. — O que será que ele comprou? — Os olhos dela brilham. — E para quem será que é?
Balanço a cabeça, incapaz de falar qualquer coisa sem me denunciar, sem começar a rir como uma doida e a fazer alguma dancinha ridícula que não terei como explicar.
— Está bem, chefe, vou voltar ao trabalho. Desculpe a indiscrição, não precisa fazer essa cara para mim! — Carol sai apressada.
Começo a rir sozinha dentro da sala, imaginando que tipo de cara eu fiz para ela. Na verdade, eu estava apenas tentando não expressar toda minha alegria e empolgação.
Ponho a sacola em cima da mesa dele, mas não consigo deixar de olhar para ela e me questionar onde é que ele está, que não se encontrava aqui para receber a encomenda. Aposto que a intenção nunca foi que eu a recebesse.
Ouço um barulho, e logo a porta da sala se fecha. Olho na direção da entrada, mas, ao invés de Konstantinos, vejo Millos.
— Oi, doutor, boa tarde — cumprimento-o ainda tentando deixar de sorrir. — Posso ajudá-lo com algo?
— O Kostas... — ele começa a falar, mas então olha para o presente em cima da mesa.
Dou risadas, pois Millos sabe do nosso envolvimento.
— Ele ainda não voltou, e acabaram de entregar isso aqui. — Aponto. — É estranha a demora dele, pois disse que estaria de volta à empresa depois do almoço. — Pego o celular. — É urgente o que precisa tratar com ele ou dá para...
Paro de falar quando nos encaramos e eu percebo tristeza em seus olhos. Novamente Millos olha para o presente e parece ficar ainda mais desolado.
Um frio arrepia minha pele. Estremeço, o coração ficando apertado e disparado.
— O que houve? — pergunto baixinho.
Millos respira fundo.
— Eu preciso que você venha comigo. — Ele me estende a mão.
— Por quê? — Imediatamente penso na sabotagem à empresa e se, por algum motivo, eles decidiram me mandar embora. — O que aconteceu, Millos?
Ele não me olha, sua cabeça está baixa, mas sua mão continua estendida em minha direção.
— Houve um incidente, e Theo me ligou há pouco... — Faço careta, sem entender. — Nós descobrimos quem vendeu os documentos para a concorrência.
Arregalo os olhos, lembrando que Kostas havia me dito que a culpa foi dele.
— Theo e Kostas brigaram ou...
Millos nega.
— Kostas salvou a vida do Theo. — Congelo, e Millos finalmente me olha. — Eu te conto tudo no caminho, mas agora preciso que você venha.
Apoio-me na mesa, minhas pernas não conseguem mais me sustentar, e Millos corre em meu socorro. Como isso pode estar acontecendo? Há poucas horas, eu acordava com a visão dele deitado na cama ao meu lado, seus olhos azuis brilhantes de felicidade. Lembro-me das risadas, provocações e do sexo delicioso que fizemos.
Um tremor sacode meu corpo apenas com a perspectiva de que algo grave possa ter acontecido com ele e que isso possa significar que... Não, não quero pensar nisso! Lágrimas ardem nos meus olhos. Tenho medo de perguntar qualquer coisa que me fira, mas preciso entender o que está acontecendo.
— Como ele... — Soluço. — Como Kostas está?
— Em cirurgia — fecho os olhos assim que escuto isso. — Não tenho mais informações, precisamos ir.
A notícia me abala, o medo toma conta de mim, fazendo-me esmorecer a ponto de desmoronar. Não, não posso! Ele precisa de mim! Engulo as lágrimas, reunindo forças para ir com Millos. Pego minha bolsa, seco meu rosto e começo a andar atrás dele. Paro, olho para a sacola em cima da mesa, não me importando mais que não seja um anel ou uma aliança, apenas desejando que o homem que comprou o que está ali dentro volte para mim.
O percurso até o hospital pareceu durar uma eternidade. Millos me contou que a pessoa responsável por vazar os documentos da empresa foi Viviane Lamour, uma mulher que teve algum tipo de relação com Theodoros e que teve alguma ligação com Kostas.
Ele foi atrás dela em seu local de trabalho para pressioná-la, mas, de alguma forma, Theodoros conseguiu descobrir a pessoa da concorrência que comprou os documentos e assim também chegou ao nome de Viviane.
A mulher deve ter ficado acuada e tentou matar Theodoros, mas Konstantinos impediu que ela conseguisse balear seu irmão, porém, foi atingido.
— O tiro foi no peito — Millos informou. — Ele foi socorrido e chegou com vida ao hospital.
Senti meu coração apertar, imaginando a dor, o risco que ele correu pelo irmão. Isso me surpreende também, não esperava essa reação e, mesmo em meio ao medo de perdê-lo, sinto orgulho pelo que fez. Kostas nunca odiou Theodoros, era apenas um homem ferido, um menino que se sentiu abandonado, mas sua história, tudo o que passou para tentar proteger seus irmãos mais novos só comprova o quanto ele os amava.
— Ele não vai desistir tão fácil de viver! — falei comigo mesma. — Não agora, não depois de tudo o que passou! — Olhei para Millos, que dirigia. — Não é justo!
— Não é!
A primeira pessoa que encontramos no hospital foi Theodoros, com a roupa suja de sangue, mas aparentemente bem. Os dois homens se olharam, mas não falaram nada, nem se tocaram. Millos interceptou um enfermeiro e pediu informações sobre o primo, e Theo se aproximou de mim.
— Ele vai sair dessa, tenha certeza! — consolou-me.
Funguei, tentando conter o pranto e o medo, e balancei a cabeça positivamente.
— A cirurgia está acabando! — Millos voltou com a notícia.
— Ele está há mais de quatro horas lá dentro.
Fechei os olhos e chorei, recebendo o abraço de Theodoros.
— Diz para mim que ele vai ficar bem, por favor! — implorei em seus braços. — Eu não posso perdê-lo!
— Ele vai ficar bem, Kika! — a voz de Theo tremeu. — Kostas é um filho da mãe, só está nos pregando um susto, mas logo estará conosco com aquela cara debochada de sempre.
Depois disso, só tenho flashes de memória.
Kyra e Alexios chegaram correndo, agitaram o hospital, pois Kostas tinha acabado de sair do centro cirúrgico e ido para a UTI. Eu o vi rapidamente, de longe, todo entubado, a cabeça raspada no lado direito, muitos curativos pelo corpo. Conversei com o doutor, e ele me informou que conseguiram extrair o projétil, que por sorte não atingira nenhum órgão vital, passando a centímetros do coração.
O problema todo foi o tombo. O tiro o jogou para trás, e ele caiu de uma altura considerável em cima da mesa de vidro do escritório de Viviane, por isso também as escoriações pelo corpo. Estava com um edema no cérebro, e os médicos decidiram mantê-lo em coma induzido até que o inchaço diminuísse.
— Kika. — Olho para o lado, deixando os pensamentos daquele dia tão triste para trás e vejo Alexios. — Vá para casa descansar um pouco, você está há dias aqui no hospital.
Nego.
— Quero estar aqui quando ele acordar.
Ele suspira e se senta ao meu lado, sem insistir na ideia de eu ficar longe. Não vou sair daqui enquanto não tiver boas notícias, enquanto ele não se recuperar.
Alexios pega minha mão e a aperta, consolando-me. Não está sendo fácil, o edema cresceu, os médicos temem que ele fique com algum tipo de sequela ou que simplesmente não acorde mais. Eu não acredito nisso, tenho convicção de que Konstantinos vai se recuperar e voltar para mim do mesmo jeito que era.
Um barulho na entrada da sala que ocupamos chama nossa atenção, e a mão de Alex aperta a minha um pouco mais forte do que estava fazendo antes.
Um homem alto, moreno, um pouco fora do peso e com os cabelos grisalhos nos olha, principalmente a mim. Atrás dele um outro aparece, bem mais velho, usando uma bengala e óculos escuros.
— Quem são? — sussurro a pergunta para Alex, mesmo já desconfiando pela semelhança física.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — sua voz é carregada de desprezo, e eu sinto o corpo gelar por causa da presença deles aqui.
Cochilo, a cabeça dá um tranco quando escapa da mão, e pulo na poltrona, olhando para todos os lados, nervosa por ter saído do ar por alguns instantes. Não tem ninguém na sala e estranho isso, pois há semanas este lugar vive cheio de gente entrando e saindo, querendo saber como Kostas está.
Suspiro. Já tem mais de um mês que ele está internado. Olho para a cama à minha frente, para o homem que tanto amo deitado imóvel sobre ela, e sinto meu coração se apertar de dor.
Ele não está mais entubado, consegue respirar sozinho, as escoriações que sofreu já estão todas cicatrizadas, bem como o local do tiro, já sem pontos, seco e se curando. Tudo está indo perfeitamente bem, só que ele ainda não acordou.
Não perco a esperança de jeito algum de ver novamente seus lindos olhos azuis, ser tocada por ele, ouvir sua voz. Eu não vou perdê-lo, vou esperá-lo nem que para isso fique o tempo que for preciso sentada aqui nesta poltrona, entre cochilos e lágrimas silenciosas.
Aproximo-me da cama – faço isso de tempos em tempos – e toco seu rosto.
— Oi! Estava ali sentada. Não tem ninguém mais aqui no quarto, e resolvi aproveitar esse raro momento a sós para te dizer que sinto falta do seu corpo junto ao meu, de acordar de manhã com a visão do seu sorriso, subir em você e gozarmos juntos antes de um dia de trabalho. — Beijo a ponta do seu nariz. — Sei que você precisa desse tempo para se restabelecer, mas eu sinto saudades, então, se puder acelerar o processo aí, agradeço. — Abaixo-me e falo em seu ouvido: — Sigo te esperando aqui, cheia de tesão.
Ouço um pigarrear e olho para trás, para a mulher alta, loira e com enormes olhos castanhos. Suspiro resignada com a presença dela aqui conosco, contrariada, é verdade, mas sem poder fazer nada para impedi-la de estar perto dele.
Eu queria! Queria muito livrá-lo da presença tóxica dessa mulher, mas infelizmente oficialmente não sou ninguém em sua vida, e ela é sua mãe.
Volto a me sentar na poltrona, tomando conta de cada movimento de Elizabeth Abbot. Sinto um ranço tão grande dela que chego a crispar as mãos toda vez que se aproxima e toca em Konstantinos.
Ela chegou ao hospital há uma semana, vindo direto dos Estados Unidos, mais precisamente de Bethesda, onde mora e trabalha na área de pesquisa para um enorme laboratório farmacêutico de propriedade da família do seu atual marido.
Chegou de surpresa, e, confesso a vocês, fiquei aliviada, pois sua presença significou o afastamento do insuportável, odioso, nojento Nikólaos. Eu simplesmente não consigo olhar para aquele homem e não me indignar com tudo o que ele fez Konstantinos passar na adolescência. Não dá!
Quando ele chegou, eu nada pude fazer ou falar, pois veio acompanhado pelo pai, o grego Geórgios Karamanlis, o homem que fundou a empresa em que eu tanto me orgulho de trabalhar. O velho não é fácil, percebi logo que o vi, chegou dando ordens, exigiu conversar com a junta médica que acompanha o quadro de Kostas e quis saber o que tinha acontecido à mulher que o alvejara.
Theodoros, por sorte, conseguiu acalmá-lo um pouco, pois eu fui deixada sozinha com ele, uma vez que Alexios simplesmente abandonou o hospital sem ao menos cumprimentar seus dois parentes que haviam chegado da Grécia.
Nikkós se manteve sempre distante dos filhos, só o vi se aproximar de Kyra, mas a mulher lhe deu uma olhada tão feia e tão cheia de avisos que ele logo recuou e a deixou em paz também. Geórgios, por sua vez, babava na neta caçula, reclamava que ela não lhe dava atenção e era visível que a adorava.
Millos apareceu também todos os dias para ter notícia do primo e, em uma dessas visitas, veio acompanhado de Duda Hill, o que me surpreendeu.
— Oi! — ela me cumprimentou. — Você é a Kika, não é? A que deu a máscara de beijinhos para minha filha.
— Sou eu! — cumprimentei-a, e ela se sentou ao meu lado na sala de espera, pois Kostas ainda estava na UTI. — Eu sinto muito tudo isso que aconteceu. — Ela pegou minha mão. — Ele vai sair dessa, pode ter certeza!
— Obrigada! — agradeci sem jeito, pois sabia que ela e Kostas não tinham se conhecido da melhor maneira e nem no melhor momento.
— Tessa queria vir, mas ainda não pode estar exposta em um hospital como esse. — Concordei com ela. — Mas ela ora todas as noites pelo Tim. — Duda riu. — Foi assim que ele se apresentou para ela, e eu só soube que o tão falado Tim era na verdade Konstantinos Karamanlis quando Theodoros me contou que esse era o apelido de infância de Kostas.
— Eu soube que ele foi vê-la. — Sorri.
— Foi e lhe deu um bichinho de pelúcia que Tessa não solta por nada. — Duda abaixou a cabeça, e percebi que estava emocionada. — Eu não gostava dele, sabe? Por tudo o que ele fez para o Theo, por não ter se importado com o que nós passamos com Tessa, mas então percebi que o julguei muito depressa. — Secou o rosto com as mãos. — Eu quero ter a oportunidade de agradecê-lo por salvar Theodoros daquela louca.
— Você vai! — disse com convicção. — E Tessa poderá rever seu amigo Tim, eu tenho certeza.
— Sim! — Duda apertou minha mão. — Eu também!
Ficamos juntas por alguns momentos mais enquanto Theo e o avô visitavam Kostas. Eles me apresentaram ao patriarca da família como sendo namorada de Konstantinos. Fiquei sem jeito, porque nunca expusemos isso aos familiares dele ou mesmo no ambiente de trabalho. A única vez que Kostas usou essa expressão foi quando se apresentou ao Vinícius, mas nunca realmente falamos sobre isso.
O grego idoso foi educado comigo, mas superficial, não me deu muita conversa, mesmo porque falava pouco o português. Já Nikkós teve a cara de pau de se sentar ao meu lado e puxar assunto sobre nossa vida juntos – minha e de seu filho –, levantando questões sobre se estávamos morando juntos ou se era somente um envolvimento passageiro.
Todavia, nada poderia ter me irritado mais do que o dia em que o médico anunciou que tentariam tirá-lo do respirador para ver se Kostas já podia manter a respiração sozinho.
— Caso não consiga, significa que o dano foi muito sério e que não se recuperará? — Nikkós perguntou.
Eu o encarei, furiosa por conta da pergunta ridícula e fora de hora que estava fazendo. Precisávamos torcer para que ele conseguisse, seria um progresso, mas o homem parecia querer que o filho morresse de vez.
Descobri o motivo de sua ansiedade para vê-lo piorar quando Elizabeth Abbot chegou ao hospital. Konstantinos já estava no quarto, sem os aparelhos, apenas com as sondas, ainda em coma. Era bem cedo, o senhor Karamanlis estava aqui visitando o neto, e Nikkós o acompanhava, quando ela entrou e o deixou branco como cera.
Fiquei impressionada com sua beleza e elegância, uma mulher de 55 anos que parecia não ter mais que 35, bem-cuidada, pele perfeita, corpo escultural e incrivelmente bem-vestida. Ela cumprimentou a todos em inglês, inclusive beijou a mão do velho senhor Karamanlis antes de se aproximar do ex-marido.
A conversa entre eles foi sussurrada e tensa, toda em inglês. A mulher, que não via o filho havia mais de 20 anos, só jogou um olhar de esguelha para a cama e saiu com Nikkós do quarto.
— É hora de os abutres confabularem — o avô de Kostas comentou com seu forte sotaque. Franzi a testa, sem entender, e ele me explicou: — Gordon Abbot deixou a maioria de seus bens para ele. — Apontou para o neto. — O velho inglês nunca esteve satisfeito por ter que criar um neto de uma relação relâmpago da filha, mas preferiu deixar seus bens para um herdeiro homem.
Arregalei os olhos.
— Eles estão discutindo por causa da herança dele? — indaguei indignada.
Geórgios Karamanlis deu de ombros.
— Entre outras coisas. Mas não se preocupe, meu neto não é bobo, deve ter feito um testamento muito bem amarrado para que nenhum dos dois veja um só tostão desse dinheiro.
Eu não ligava a mínima para o dinheiro ou o testamento, só me incomodava ao extremo que eles estivessem pensando na morte do próprio filho! Era cruel demais, Konstantinos não merecia isso!
— Ei! — Elizabeth Abbot me chama, seu sotaque horrível despertando-me das lembranças dessas últimas semanas. — Eu preciso de água.
Ela faz um gesto com a mão indicando que está com sede. Rolo os olhos e vou até o frigobar para pegar água para a lady e, no caminho, vejo Theodoros entrar como uma bala no quarto.
— Você está querendo levá-lo para os Estados Unidos?! Está louca? — ele grita em inglês, e, em seguida, Alexios, Millos e Kyra entram no quarto. Fico paralisada, as mãos tremendo. Começo a suar frio e olho para a mulher que age como se nada estivesse acontecendo aqui, a expressão fria como uma geleira da Antártica.
— Como assim levá-lo para... — não termino de perguntar, pois Alexios e Kyra correm em minha direção e ele me segura antes que eu caia no chão. Tento recuperar meus sentidos e questionar o que está acontecendo, mas me sinto fraca, tonta e muito enjoada.
Estou há mais de um mês neste hospital, sem sair desde o dia em que cheguei aqui apavorada com a notícia de que Kostas estava em cirurgia. Verinha me traz roupas e notícias do Kaká, e eu como aqui quando tenho fome, e espero que ele acorde.
— Kika, você me escuta? — Alexios me chama, mas não consigo responder, ainda com os sentidos inebriados. — O médico já está vindo! Ela deve estar exausta, Kyra!
— Nós deveríamos tê-la convencido a ir para casa descansar, a obrigado se necessário!
— Eu estou bem! — sussurro e tento me levantar. — Só um pouco tonta.
— Fique deitada aqui, Kika, o médico já está chegando.
Penso no que acabei de ouvir sobre a mãe de Kostas querer levá-lo para os Estados Unidos e choro ainda de olhos fechados.
— Ela pode levá-lo?
Tenho tanto medo disso que soluço apenas com a possibilidade de ele ser levado para longe de mim, ainda mais por essa mulher que nunca o quis, nunca o amou.
— Nós não vamos deixar — Millos garante. — Ah, o médico.
O doutor fala comigo, mas respondo tudo automaticamente, sem prestar atenção a nada, a cabeça preocupada demais pela possibilidade de Elizabeth Abbot conseguir levar Konstantinos com ela, afinal, é a mãe dele.
— Você precisa comer e se hidratar direito. — O médico me aconselha. — Vou pedir que venham colher seu sangue para exames. Você tem dormido?
— Sim...
— Não, ela não saiu daqui desde que meu irmão deu entrada. — Olho para Kyra e balanço a cabeça, mas ela me ignora. — Não faz as refeições corretamente, não dorme direito, é claro que está estafada.
— Eu estou bem! — Tento me levantar, mas eles me impedem. — Ela vai levá-lo para...
— Kika, ela nem está aqui mais!
— E não vai levá-lo a lugar algum, eu te garanto! — Theodoros fala. — Mas você precisa ficar bem para quando ele acordar, tem que se cuidar.
— Quando foi sua última menstruação? — o médico questiona.
Olho-o tentando lembrar, mas não consigo. Eu estava tomando injeção, mas aí viajei para o Pantanal e não tomei mais, menstruei lá. Isso, foi lá a última vez!
— Há cerca de um mês e meio — respondo.
O médico anota a informação.
— Pode ser só um atraso por conta do estresse, isso é bem comum, mas, de qualquer forma, vou incluir um beta HCG.
Arregalo os olhos, percebendo o que ele está pensando, e todas as vezes que Konstantinos e eu fizemos sexo quando reatamos vêm à minha memória. Nós não usamos proteção nenhuma das vezes!
— Eu posso estar... — olho para os três homens Karamanlis atrás do médico e diminuo o tom da voz — grávida?
O médico sorri.
— Há possibilidade de que isso tenha acontecido? — Assinto. — Então, sim, vamos fazer o exame.
Ele se levanta, vejo um sorriso aparecendo em seu rosto, mas tenta ocultar. Diz aos Karamanlis que estou bem e sai do quarto, deixando-me com a cabeça cheia de dúvidas e uma enorme esperança de que isso tenha acontecido. Involuntariamente ponho a mão sobre a barriga e olho para o lado, para a cama onde Konstantinos está.
Um filho!
— Kika, você está bem? — Alexios ajuda-me a sentar no sofá. — Não quer que eu a leve para casa?
Nego e vejo um enfermeiro entrar para colher meu sangue.
— Em quanto tempo sai o resultado do exame de gravidez? — pergunto baixinho, mas Alex escuta e me olha surpreso.
— Daqui a meia hora te trago o resultado. — Ele recolhe tudo e sai.
Kyra, Millos e Theodoros estão em um canto do quarto conversando, provavelmente sobre a ideia maluca de Elizabeth Abbot querer levar Kostas para os Estados Unidos, mas Alex continua sentado ao meu lado, perplexo.
— Isso é possível? — ele indaga sem me olhar.
— Sim — respondo sem jeito e novamente ponho a mão sobre meu ventre. — Eu sinto que aconteceu, sabe?
Ele sorri e pega minha outra mão.
— Vou esperar o resultado com você, posso?
Fito-o, os olhos cheios de lágrimas, e concordo. Minha vontade é de ir até aquela cama e contar ao Kostas que ele será pai, que ele precisa acordar e me ajudar nessa empreitada, porque certamente será o maior e mais difícil projeto que já tive: criar um filho.
Penso em Gael, meu afilhado que acabou de nascer, e na emoção que foi tê-lo em meus braços. Toda a dúvida que tinha se dissipa. Eu sinto que tem uma vida crescendo dentro de mim, tenho certeza disso.
Sorrio.
Theodoros, Millos e Kyra se despedem, mas Alex informa que ficará comigo por mais um tempo e os acompanha para fora do quarto, provavelmente para lhes contar sobre a possibilidade de eu estar grávida.
Levanto-me, vou até Konstantinos, sento-me na beirada da cama, pego sua mão e a coloco sobre minha barriga.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Sorrio, lágrimas rolando pelo rosto. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Seguro o soluço e fecho os olhos. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Aperto sua mão mais forte. — Volte para mim, por favor.
Sinto meu ventre se agitar, mas penso que é por conta da emoção desse momento, desse meu desabafo desesperado, porém, novamente algo se move em minha barriga, e eu abro os olhos.
Meu sorriso é instantâneo quando encaro os olhos azuis mais lindos deste mundo me fitando, piscando, tentando focar, incomodados pela luz. Começo a rir, mesmo chorando, e o som da minha risada ecoa pelo quarto, fazendo os Karamanlis entrarem correndo para saber o que está acontecendo.
— Kika, está... — Theodoros não termina a pergunta, paralisado, olhando para o irmão acordado. Ele desaba, aproxima-se de mim chorando e sorrindo ao mesmo tempo, segura meu ombro e toca o braço de Kostas.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Há uma fumaça densa que me impede de ver qualquer coisa, mas me faz sentir frio. Sinto-me nu, mesmo estando vestido, perdido sem saber onde estou, sem encontrar o caminho para sair daqui e voltar para casa.
Wilka, ela é minha casa, preciso voltar para ela!
Olho para todos os lados, a escuridão e a fumaça não me deixam enxergar nada, e isso me mantém parado no mesmo lugar. Tento falar, mas da minha garganta não sai nada.
— Eu estou aqui... — a voz dela ecoa, mas não sei exatamente de onde o som vem.
— Eu preciso ter a chance de te pedir perdão... — agora escuto Theodoros, mas ainda não vejo nada.
O silêncio volta. Sinto-me cansado, deito-me no chão e durmo.
— Você sempre foi forte, vai sair dessa!
— Ela não sai daqui, é de dar pena vê-la dormindo sentada nesse sofá.
Os sons voltam a me acordar novamente. Tenho a esperança de conseguir me mover hoje, enxergar algo ou mesmo descobrir de onde vêm essas vozes, mas novamente só há escuridão e fumaça.
Wilka odeia o escuro; ainda bem que não está aqui!
— Mas ele não deixou nenhuma manifestação de vontade caso isso lhe acontecesse? Eu duvido que, orgulhoso como era, ele iria querer ficar sendo cuidado, usando fraldas, deitado para sempre em uma cama! — a voz de Nikkós me faz estremecer, aumenta o frio, e eu me encolho, abraçando meu próprio corpo, sentindo medo. Não quero que ele se aproxime, não quero ficar aqui sozinho com ele!
— Eu te amo, ouviu? Nem tente me deixar, porque eu vou atrás de você aonde for!
Paro de tremer, levanto-me e começo a procurar. Sorrio por conseguir andar de um lado para o outro, mesmo que ainda não veja nenhuma saída. Eu sinto o amor dela, ele me aquece, dissipa a neblina e clareia mais o ambiente.
Dormi de novo! Por quanto tempo? Escuto uma voz ao longe, mas dessa vez consigo saber de onde vem! Caminho em sua direção, e ela vai ficando cada vez mais nítida.
Paro, sinto algo perto de mim, um calor em minha orelha que me deixa arrepiado de prazer.
— Sigo te esperando cheia de tesão!
Sorrio e começo a correr na direção da voz. O caminho fica cada vez mais nítido, mais quente, mais claro. Vou conseguir sair daqui, vou conseguir alcançá-la, vê-la novamente e...
Dou de cara com uma porta. Procuro a maçaneta; não acho. Bato, tento gritar; não consigo. Então bato e bato e bato desesperadamente.
— Nós não vamos deixar você levá-lo para longe!
Longe? Não, estou me aproximando agora, não quero ir para longe. Não posso, ela me espera, sempre me esperou, preciso voltar, preciso achá-la!
— Kika, você está bem?
Paraliso, sinto meu corpo tremer com a pergunta. Não sei o que houve, mas sinto angústia e medo. Começo a chutar a porta.
— Devíamos tê-la convencido a descansar!
Chuto e soco ao mesmo tempo, o coração disparado, a vontade de alcançá-la. Choro, quero implorar para que abram, para que me deixem sair, mas não consigo, apenas sigo atacando a porta no firme propósito de derrubá-la.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Paro de socar a porta, sentindo uma emoção diferente tomar conta de mim. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Fecho os olhos, e uma calma enorme me envolve. Sinto como se eu estivesse recebendo raios de sol. Levanto meu rosto, aquecendo-me devagar. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Sorrio, meu corpo ficando leve, como se estivesse flutuando. — Volte para mim, por favor.
Abro os olhos, mas volto a fechá-los com força, pois a claridade faz com que eu sinta ardência. Minha mão está sendo mantida apertada. Movo-a um pouco, incomodado, tentando desfazer a pressão.
Volto a abrir os olhos, pisco, porém, consigo mantê-los abertos. Não consigo enxergar direito, minhas pupilas ainda estão se adaptando ao ambiente. Ouço bipes constantes, sinto algo enterrado em minha pele. Movo-me novamente, e um clarão chama minha atenção.
Olho para frente, tento focar na luz, tentar descobrir o que é que brilha tanto desse jeito, então a vejo. Seu sorriso está enorme, o som de sua risada me aquece. Parece que estou sonhando. Quero sorrir também, tocá-la, abraçá-la e dizer que voltei.
Por ela!
Olho para minha mão junto à dela em sua barriga.
Nós vamos ser uma família!
Alguém toca no meu braço. Olho para o lado. Theodoros.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Lembro-me, então, da discussão com Viviane, da arma apontada para Theodoros, minha intenção de impedir, a dor, a sensação de estar caindo, Wilka dormindo iluminada pelo sol, e a escuridão.
— Kostas? — ouço-a me chamar. — Você consegue...
— Eu vou ser pai? — dou-me conta de que sou eu quem perguntou isso. Minha voz está diferente, mais rouca, mas fui quem perguntou.
Eu vou ser pai!
Olho de novo para minha mão em sua barriga e a acaricio.
— Vai! — Wilka confirma, chorando. — Você é meu anjo, meu amor! Ainda bem que voltou para nós!
— Você me trouxe de volta.
Ela se inclina sobre mim e me beija. Abraço-a como posso, mesmo sentindo incômodo em meu braço, emocionado por tocá-la novamente, por ter a chance de estar com ela em meus braços de novo.
— Kika... — Alexios fala rindo. — Os médicos estão querendo examiná-lo.
Wilka tenta se levantar, mas não deixo. Não sei quanto tempo estive desacordado, mas a sensação que tenho é de que passei toda uma vida longe dela. Não quero que se afaste de mim, não quero perdê-la nunca mais.
— Ei, seu fazedor de merda, bem-vindo de volta! — Millos toca meu outro ombro.
Abro os olhos e ao lado dele vejo Kyra sorrindo, e atrás dela, Alexios tenta disfarçar as lágrimas. Estão todos aqui, juntos, por mim?
Wilka se levanta, mas não sai de perto, nossas mãos unidas.
— Como você se sente? — um médico me pergunta. — Consegue falar?
Respiro fundo e me concentro para conseguir me expressar, mesmo com a garganta dolorida.
— Sim, estou apenas com uma puta dor de cabeça.
Wilka gargalha, e todos a seguem.
— Preciso que vocês saiam um instante para que nós passamos avaliar as condições dele — o médico pede, e eu agarro a mão de Wilka com mais força, não querendo que ela vá. — Não se preocupe, é rápido, e essa moça não saiu do seu lado um minuto sequer. Ela não irá para longe agora.
Solto a mão dela, que se aproxima e me beija de novo antes de sair da sala seguida por meus irmãos e meu primo.
Todos aqui!, penso surpreso e sorrio.
— Está sentindo dor? — Wilka inquire.
Dou mais dois passos e nego, satisfeito por poder ficar de pé e caminhar depois de dois dias deitado ou sentado na cama.
— É quase um milagre que não tenha ficado com nenhuma sequela.
Olho para a mulher que me gerou, sem entender o que ainda faz aqui, afinal, não morri, estou bem e pretendo continuar seguindo assim, então não sou interessante para ela.
Soube que Nikkós também esteve vindo ao hospital enquanto eu estava em coma, mas ele parece ter mais senso de ridículo e não voltou a aparecer desde que acordei, o que não é o caso de Lizzie Abbot.
O velho Geórgios Karamanlis veio me ver algumas vezes, sempre com seu jeito severo, meio bruto, mas verdadeiramente preocupado com meu estado de saúde, atitude bem diferente da minha mãe.
Bufo, impaciente, e olho para Wilka.
Estou de pé hoje, treinando lentamente meus passos, porque decidi que não vou mais perder nenhum momento importante da minha vida, e hoje, daqui a pouco, será o primeiro de grande importância que terei: a primeira ultrassonografia do nosso filho.
Pois é, parece que algum ser superior decidiu que era hora de parar de foder minha vida e, além de trazer Wilka para mim, ainda não me deixou morrer ou ficar com sequelas e me presenteou com a paternidade, com uma família.
Família!
Ontem acordei com a presença de Theodoros, Duda e a pequena Tessa, usando uma máscara e segurando o ursinho que levei para ela no hospital onde esteve internada. Senti o coração disparar ao vê-los, sentei-me na cama com dificuldade, porque ainda me sinto cansado e tonto na maioria do tempo, e sorri para a garotinha.
— Olá! — cumprimentei-a.
— Oi, Tim! — Ela me estendeu o urso. — Eu queria vir te ver, mas sempre você estava dormindo! — Tessa riu, eu soube disso por conta do som de sua risada e de seus olhos se repuxando nos cantos. — Você dorme muito!
Theo e Duda riram da constatação da menina, e eu dei de ombros.
— Vou tentar dormir menos de agora em diante. Fico feliz que tenha vindo me ver.
— Nós queríamos muito vir — foi Duda quem respondeu. — Eu queria agradecer...
— Não, não precisa, fiz o que achei certo e o faria novamente. — Olhei de soslaio para Theodoros. — Eu preciso pedir perdão a você pelo modo como...
— Já esqueci isso, Tim — ela me chamou pelo apelido e pegou minha mão. — Somos uma família, é normal fazer umas merdas de vez em quando, mas temos que superar e aprender com elas.
Senti um bolo em minha garganta, emocionado pelas palavras e por ela me considerar de sua família.
Mais tarde, enquanto ela voltava para casa com minha sobrinha, Theodoros fez algo que nunca imaginei que fosse fazer. Ele me abraçou.
— Eu pensei que íamos perder você por um momento — disse ainda me apertando contra si. — E me dei conta de que nunca disse o quanto eu sentia por ter deixado você e nossos irmãos sozinhos com Nikkós. — Fiquei petrificado. — Eu não fazia ideia, Kostas, de que ele se tornaria o louco que se tornou, mas eu deveria saber ou ter descoberto.
— Do que você está...
Ele se afastou e me encarou.
— Kyra me contou o que vocês passaram. — Fiquei lívido. — Disse-me aos prantos que Alexios e você suportaram toda a loucura dele a fim de protegê-la. Eu não faço ideia do que ele fez, mas sei que causou danos sérios e que ajudou a aprofundar essa lacuna entre nós.
— Eu não queria que ela se sentisse culpada pelo que houve — confessei, pensando pela primeira vez em como minha irmã lidava com nosso passado, entendendo que, talvez, ela sentisse uma culpa que não lhe cabia sentir. — Ele é o culpado, Theo, não ela e nem você.
— Eu sei, mas eu desencadeei tudo. — Assenti, pois era a verdade. — Deveria ter voltado a fazer contato com vocês. Sei que não justifica, mas estava fodido também, machucado, então entrei de cabeça nos estudos.
Entendi, naquele momento, que todos nós fomos vítimas. Éramos jovens demais, imaturos, e ficamos sob a responsabilidade de dois adultos descontrolados e egoístas. Theodoros foi tão vítima de Sabrina quanto meus irmãos e eu do nosso pai.
— Obrigado por ter salvado minha vida! — Theo agradeceu. — Obrigado por ter acordado e me dado a chance de dizer o quanto você é importante para mim!
Não resisti mais e o puxei para mais um abraço, surpreendendo-o, fazendo-o rir de nós dois, marmanjos barbados, ali, abraçados feito crianças. Eu não poderia mesmo ter morrido, precisava ter aquele momento com meu irmão, o homem que por anos odiei e culpei por tudo de ruim que passei.
— Não sei se é conveniente que ele já saia da cama — Elizabeth Abbot segue falando em inglês e me faz parar para olhá-la de frente. — Acho que ele deveria passar por uma avaliação fora do país, pode ter alguma sequela que os médicos daqui...
— Vai embora! — minha voz sai como um rosnado, e ela se assusta. — A única coisa aqui que não é conveniente é sua presença. A única sequela que tenho é de, infelizmente, ter saído de um ser tão egoísta e mesquinho como você.
— Tim!
Ouvir meu apelido de infância sair de seus lábios me dá ainda mais raiva.
— Segue sua vida, Lizzie. Nunca houve espaço para mim nela, e, como você pode notar, não há espaço na minha para você também. — Aponto para a porta. — Go away!
Ela pega sua bolsa, funga indignada e desaparece da minha vida mais uma vez. Wilka está parada, encarando-me com uma expressão que não consigo definir.
— Acha que exagerei? — pergunto a ela.
A Cabritinha ri e nega.
— Eu tive vontade de tirá-la daqui pelos cabelos desde quando chegou, mas sou educada demais e aprendi a respeitar os mais velhos, mas que vontade danada! — Ela se aproxima, fica nas pontas dos pés. Eu me abaixo e a deixo me beijar. — Ela te gerou, mas nunca foi sua mãe. Eu te entendo.
— Você é meu mundo! — declaro. — Prometo que vou me esforçar para ser o melhor pai que nosso bebê poderia ter.
Ela ri novamente.
— Ai de você se não for! — ameaça-me.
Puxo-a para mim, fazendo-a gargalhar de nervoso quando a ergo no colo, preocupada por eu não a aguentar e nós dois cairmos. Isso nunca irá acontecer!
— Amo você, Pimentinha, mesmo sendo brava desse jeito!
Termino de escrever o e-mail e fico esperando o arquivo que anexei ser carregado. Olho na direção da sacada. O sol já alto no céu anuncia uma manhã de outono quente, então sorrio para a mulher que está dormindo calmamente na cama que acabei de deixar.
Vou para a sala e sou seguido pelo Kaká. Suas unhas fazem barulho no assoalho de madeira, e o pego no colo antes de me sentar com ele no sofá.
— Vai acordá-la, seu grude, e ela precisa descansar! Tem um bebê crescendo dentro dela, e sua missão será de tomar conta dele, então comece desde já!
Kaká balança o rabo e tenta lamber meu nariz, mas desvio o rosto a tempo, rindo e acariciando suas orelhas. Fecho os olhos antes de conferir o carregamento do arquivo no celular, e ele se deita preguiçoso, seguro e feliz como eu mesmo me sinto.
Saí do hospital há duas semanas e segui para o apartamento de Wilka, pois, como já havia deixado bem claro, não iria mais perdê-la de vista. Eu não imaginava que fosse possível me apaixonar ainda mais por ela, porém estava enganado e comprovei isso dentro da sala onde uma médica fez ultrassonografia nela.
É verdade que não consegui ver nada, mas a doutora garantiu que havia um bebê ali dentro e que, aparentemente, estava tudo em ordem com a gestação. O aparentemente não me convenceu nenhum pouco! É por isso que, enquanto não fôssemos a algum outro que me garantisse completamente que estava tudo bem, eu não iria sair de perto dela.
Insisti para que fosse dormir em casa, pois não havia o mínimo conforto no sofá do hospital onde ela passava as noites desde que eu fora transferido para o quarto, mas, cabeça-dura como sempre, ela se recusou a ir.
— Eu vou sair daqui no dia em que você sair também! — disse categórica.
O que acabou acontecendo é que começamos a burlar as regras do hospital, pois eu a chamava para se deitar no leito comigo todas as noites, ficava abraçado a ela, acariciando sua barriga, que ainda não trazia nenhum indício de que meu filho estava lá dentro, e ela dormia perto de mim.
Era uma delícia e um tormento, pois, mesmo diante da insistência dos médicos de que eu deveria ficar em observação, senti-a bem e estava cheio de tesão por ela, louco para provar seu corpo novamente.
Rio ao me lembrar do dia da alta. Eu entrei no banheiro para tomar banho e, como sempre, ela me pediu para deixar a porta do banheiro destrancada, caso acontecesse de eu sentir algo e ter de ser socorrido. Achava um exagero, mas, como a tranquilizava, acatava o seu pedido. Naquele dia, talvez por saber que em breve iria para casa, eu estava particularmente excitado.
Ensaboei meu corpo, vendo meu pau endurecer a cada passada da esponja em minha pele. Demorei mais tempo lavando-o do que o necessário e, quando dei por mim, estava tocando uma punheta como havia tempo não o fazia. Vocês sabem, eu adoro tocar uma, mas, desde que Wilka entrou na minha vida, prefiro que ela faça isso para mim.
— Wilka! — chamei-a. — Preciso que me ajude em algo aqui no banho!
Senti um pouco de remorso quando ela invadiu o banheiro toda preocupada, abrindo o boxe como se fosse salvar minha vida.
— O que... — Ela parou quando viu como eu estava e o que estava fazendo. — Safado!
Comecei a rir e a puxei para dentro do chuveiro comigo, de roupa e tudo, beijando-a cheio de tesão, sentindo meu corpo reagir à proximidade do seu como se fosse a nossa primeira vez juntos. Foi surreal, transcendeu qualquer outra sensação que eu já tinha sentido na vida.
Ela se ajoelhou no chão molhado do boxe, sua blusa encharcada e agarrada aos seus peitos deliciosos, a calça larga, de tecido fino, marcando suas coxas e bunda, e começou a me chupar furiosamente. Senti, através de sua boca no meu pau, o quanto ela sentira a minha falta, como estava com saudades do nosso contato e todo seu amor.
Foi isso! Trepamos amorosamente, traduzindo em movimentos, gemidos e orgasmos todas as palavras de amor que trazíamos dentro de nós. Não foi uma transa melosa ou mesmo cuidadosa, apesar do meu estado de convalescença e da gravidez dela, porque nosso amor não é assim.
O que sinto por ela não é terno, meigo e delicado. É chama pura, intenso, desmedido e bruto. E ela gosta e retribui. Claro que temos nossos momentos de carinhos, mas ali, debaixo daquele chuveiro, queríamos o incêndio, a tempestade e uma total rendição.
Foi foda!
Mais tarde naquele dia, entrei no apartamento dela já esperando encontrar o mijão do Kaká, porém, o bicho estava com a Verinha, que cuidou dele e das plantas de Wilka desde o dia em que fui internado no hospital. Eu me apeguei ao bichinho, mesmo o achando grudento demais. Gostava de ter sua companhia enquanto assistia ao futebol ou mesmo trabalhava em alguma coisa.
— Ela virá daqui a pouco, foi passear com eles — Wilka esclareceu quando percebeu que eu senti falta do cachorro, um sorriso matreiro em seus lábios.
— Você acha que ele se adaptará bem depois que o bebê nascer? Não quero meu filho sendo coberto de mijo e...
Ela começou a gargalhar e me abraçou.
— Kaká vai ser um ótimo companheiro para o nosso bebê, tenho certeza!
Eu ainda não tinha certeza sobre isso, precisava pesquisar sobre os perigos de se ter um cachorro perto de um recém-nascido, mas não comentei mais nada sobre esse assunto, já focado em outro.
— Você não acha que deveríamos procurar um apartamento maior? — Ela me encarou, olhos arregalados. — Este aqui é maior que o meu, mas ainda assim é muito pequeno para uma família. Onde vamos pôr o bebê? Junto aos seus livros?
Ela riu e balançou a cabeça.
— Você está pirando com essa história de ser pai, vai mais devagar! Temos tempo de...
— Não! — interrompi-a. — A última vez em que estive aqui com você, pensava exatamente assim, que tinha todo tempo do mundo, mas percebi que em poucos segundos tudo pode mudar. — Ela concordou. — Naquele dia eu ia te fazer uma proposta...
Wilka sorriu e assentiu.
— Recebi o pacote da joalheria.
— Chegou a abrir?
Pensei no anel que havia comprado para firmar um compromisso com ela.
— Não, ficou lá, na sua mesa, porque eu logo soube do que tinha acontecido com você e... — Deu de ombros. — A única coisa que me importava era te ter de volta.
Acariciei seu rosto, admirando-a, amando-a como nunca tinha amado ninguém, e pensei que firmar um compromisso com ela não seria suficiente para mim. Eu precisava que ela fosse minha para sempre e que todos soubessem que eu também era dela.
— Era um anel. — Ela sorriu. — Um anel simples, um compromisso para selar uma relação permanente contigo, mas eu já não quero isso.
Wilka abriu muito os olhos. Sua expressão dizia que estava confusa, que não entendera o que eu quisera dizer. Sorri antes de fazer algo que eu sempre achei desnecessário e cafona, e ela suspirou alto quando finquei um dos joelhos no chão da sala e segurei suas mãos.
(Vou aqui abrir parênteses para pedir a vocês que não riam muito e nem debochem por eu ter começado essa história todo malvado e a estar terminando assim, de forma tão clichê! Eu continuo o mesmo, ainda sou debochado, irritado, arrogante e difícil de conviver, mas, perto de Wilka, só consigo ser um irritante homem feliz e realizado.)
— Eu não tenho um anel aqui comigo, nem alianças – o que acho que seria mais certo –, mas tenho todo o amor que nunca imaginei sentir por alguém, admiração pela mulher incrível que você é e um tesão sem tamanho que me faz ter vontade de foder com você todas as horas disponíveis do dia. — Ela riu, mesmo com os olhos pingando de lágrimas. — Eu te proponho ser minha companheira, minha melhor amiga, minha amante. Eu te proponho brigar comigo por pequenas coisas e rir delas depois junto a mim. Te proponho criarmos nosso bebê juntos, amá-lo, educá-lo e protegê-lo como nunca fomos nessa vida. — Ela soluçou, e eu também. — Eu não prometo que será fácil, ou só termos alegrias. Você sabe o quanto eu tenho de escuridão ainda dentro de mim, feridas que, mesmo curadas, ainda assim deixaram marcas, mas eu te garanto que você é toda a luz que eu preciso para ser feliz, o meu sonho e minha realidade, a mulher que eu amo.
— Se você não fizer a pergunta logo, não sei se terei condições de responder! — ela gracejou, mesmo soluçando emocionada.
— Wilka Maria, Kika, Caprica, Cabritinha, Pimentinha, minha pintora de rodapé — ela gargalhou —, você aceita ser minha para sempre?
— Já sou; quero algo novo!
Gargalhei.
— Abusada! — Respirei fundo. — Você aceita se casar comigo?
— Acho que posso lhe conceder essa graça — disse rindo, mas gargalhou quando me levantei e a ergui em meus braços. — Sim, eu aceito, Konstantinos Abbot Karamanlis, Kostas, Portnoy, Tim... — sussurrou — Bostas.
— Bostas? — questionei, e ela fez uma cara engraçada.
— Pula essa parte e me beija!
Acaricio o Kaká, que agora ronca como um porco, deitado no meu colo, rio das lembranças e envio o e-mail, cujo arquivo finalmente carregou, para um certo escritório nos Estados Unidos, ansioso para saber o que eles acharão do que eu acabei de lhes mandar.
Suspiro ao pensar que amanhã volto a trabalhar na Karamanlis, mas antes tenho uma despedida a fazer, algo que não posso mais esperar, e uma novidade a contar para minha noiva.
Chegamos em frente ao local que por anos mantive de pé em segredo, apodrecendo lentamente, como uma lembrança viva dos anos de inferno que passei dentro dele.
Contei a Wilka mais cedo que Alexios conseguiu autorização para a demolição do prédio e que, daqui uns dias, isso irá acontecer. Eu não tinha intenção de trazê-la até aqui comigo, mas ela insistiu muito, principalmente depois que lhe contei a novidade.
— Eu não me lembrava muito bem daqui, mas reconheço o vitral — Wilka fala sentada ao meu lado no banco do carona.
— Você tem certeza de que quer entrar aí? — pergunto-lhe, ajeitando meus óculos escuros sobre os olhos, sentindo-me incomodado por lhe causar a mesma dor que senti quando voltei aqui na primeira vez. — Daqui a pouco estará tudo no chão, e uma nova história será erguida nesse lugar.
Ela sorri e concorda.
— Obrigada por ter aceitado minha ideia de transformar esse lugar que causou tanta dor em um local de esperança.
Respiro fundo, tentando não dizer a ela que preferia que nada mais fosse feito aqui, esquecer esse endereço para sempre e seguir como se nunca tivesse existido, mas entendo que faz parte dela transformar tristeza em alegria, amargura em regozijo.
Essa era minha surpresa para ela, contar que Alexios estava à sua disposição para conceber uma nova construção para esse local, um espaço que ela possa destinar para uma das ONGs que conhece a fim de desenvolver ali os projetos sociais que ela tanto ama.
Ela ficou enlouquecida, não sabia se ria ou já começava a se planejar, se me beijava ou ligava para alguns de seus amigos para contar a novidade. Não falou em outra coisa enquanto tomávamos café e nos arrumávamos para vir até aqui, sonhando com um projeto que ajudasse crianças e adolescentes em risco.
Fiquei feliz apenas por vê-la feliz, mas temeroso com sua reação quando visse a casa onde passou os primeiros anos de sua vida e presenciou tanta coisa absurda para uma criança e teve o trauma de ser trancada no armário todas as noites.
— Eu quero entrar, sim. Preciso enfrentar meus medos e pôr fim a tudo isso que me machucou por anos — ela ressalta, ciente de minha relutância. — Vamos fazer isso juntos!
Pega minha mão, e eu concordo, desligo o veículo e saio, indo encontrar-me com ela na calçada. Wilka não para de olhar para o alto, para o sótão onde passou os momentos mais assombrosos de sua infância, e eu abro o portão do tapume que rodeia a propriedade antes de abrir a porta principal.
— Está pronta? — Estendo minha mão para ela.
Entramos no salão principal. Não olho nada em volta, pois já sei bem como tudo está. Minha atenção está toda nela e em sua expressão de dor e medo. Aperto sua mão para lembrá-la de que não está sozinha, e continuamos a entrar no sobrado.
— Não quero ver o segundo piso, quero ir direto lá para cima — revela-me assim que terminamos de subir o primeiro lance de escadas. — Eu quero ver o armário.
— Tem certeza?
Ela sorri e assente.
Seguro o fôlego ao chegar ao sótão, também cheio das minhas próprias lembranças e com os demônios do passado a me atormentarem. Wilka larga minha mão, vai até o local de sua tortura, de seu medo, e abre a porta velha e cheia de cupim.
— Eu tinha a lembrança de um lugar enorme e assustador — ela fala, olhando o minúsculo armário. — Senti-me tão pequena e perdida aí dentro...
Seguro em seus ombros e beijo o topo de sua cabeça, confortando-a.
— Acabou, você cresceu, o lugar que te amedrontava deixou de existir.
— Sim. — Ela ri. — Já não sinto medo algum!
Abraço-a apertado pelas costas.
— É hora de deixar tudo isso para trás. — Ponho a mão sobre sua barriga. — É tempo de criarmos um futuro feliz.
Wilka fecha a porta e me olha sorrindo. Mais uma vez sinto tudo ser iluminado, afastando também as sombras do meu passado, aquecendo minha alma.
— Vamos embora!
Descemos sem o peso que sentíamos quando entramos, sem sentir absolutamente mais nada por este lugar decadente. Entramos no salão principal e paramos ao ver Alexios agachado, remexendo em umas coisas no chão.
— Alex? — Wilka o chama.
— Oi! — Ele sorri sem jeito. — Vim até aqui, vi o carro e entrei. Tudo bem com vocês?
Ela assente, mas percebo que se questiona o que meu irmão faz aqui.
— Achou algo que possa ajudá-lo? — questiono-lhe.
— Não. — Dá de ombros. — É como caçar uma agulha no palheiro. Não sei nada dela.
— De quem? — Wilka inquire.
Alexios suspira e a encara.
— Minha mãe biológica. Ela era uma das prostitutas deste lugar, mas isso é só o que sei.
— Daqui? — Wilka me olha. — Você tem certeza?
— Sim, encontrei uma das mulheres que trabalhou aqui, e ela me confirmou isso.
A expressão no rosto de Wilka me deixa tenso.
— Se ela trabalhou aqui e te teve enquanto morava neste lugar, eu sei de alguém que pode te fornecer todas as informações sobre ela.
Arregalo os olhos e nego.
— Wilka, não! Não quero que você tenha contato com ela, já a estão procurando para colocá-la de volta no lugar de onde nunca deveria ter saído!
Alexios se aproxima de minha noiva.
— De quem você está falando? Madame Linete? — Ela concorda. — Você sabe se ela ainda está viva? Como a conhece?
Wilka sorri para mim, e eu entendo que ela vai contar para ele e ajudá-lo nessa loucura que ele insiste em fazer.
— Ela é minha mãe. — Alexios fica surpreso, olha para mim e depois para ela, claramente confuso. — Vou ajudar você em sua busca, Alex. Eu sei onde encontrar madame Linete.
Meu irmão fica um instante congelado no lugar, então, sem nenhum aviso, puxa minha noiva para seus braços e chora feito uma criança.
— Que surpresa maravilhosa! — digo ao pegar o pequeno Gael, de três meses de vida, no colo. — Por que vocês não me avisaram que estavam vindo?
Desconfio da visita, afinal, estivemos juntas no mês passado lá na Paraíso, e ela não mencionou nada que viriam até São Paulo.
— Foi algo impulsivo, por isso...
— Impulsivo? — Rio dela. — Você fazendo algo sem planejar? Impossível!
— Ela mudou, Kika, minha Dondoquinha está mais solta! — Guilherme pisca para mim, mas logo vai para a sacada, falando ao telefone com algum amigo daqui da cidade.
Continuo suspeitando dessa impulsividade, mas, como estou feliz com a presença deles e do Gael, não insisto em saber o real motivo da vinda.
— Já melhoraram os enjoos?
— Ainda não, mas estou fazendo o que o médico recomendou, comendo coisas mais leves e evitando o que me faz mal, como leite, por exemplo.
Malu gargalha.
— Nada de frappuccinos do Starbucks mais?
Faço cara triste.
— Não!
— Sacrifícios da maternidade, minha amiga, mas vale a pena! — Malu beija a cabeça careca de Gael. — Cadê o Bostas, meu cunhado?
Dou risada por ela ainda o chamar desse apelido, mesmo depois de já ter feito as pazes com ele. Malu ficou uma fera comigo quando soube que eu escondi o que aconteceu com Kostas, mas eu não queria preocupá-la, pois tinha acabado de dar à luz, então ela só soube de tudo o que aconteceu quando ele finalmente teve alta do hospital.
Suspiro ao pensar nesses dois meses deliciosos em que estamos vivendo juntos aqui no apartamento, a surpresa que tive quando as estantes que ele mandou fazer para meu quarto de leitura chegaram, a mesa e a poltrona, onde passo alguns momentos do meu dia lendo.
— Eu deveria bater em você por isso, mas como? — disse enquanto colocava os livros nas prateleiras. — Foi um presente muito fofo!
Ele riu e deu de ombros, limpando os exemplares que tenho da trilogia de T. F. Gray.
— Você deveria ter os livros dele com dedicatória, já que é tão fã! — Kostas comentou.
— O homem não aparece em lugar algum, é um verdadeiro ermitão, nunca fui aos lançamentos de seus livros, ainda mais aqui no Brasil — lamentei. — Fiquei surpresa por você ter dedicatória nos seus.
— Terminou de ler?
Assenti.
— Sempre fico surpresa com as reviravoltas que ele escreve nos finais. — Suspirei. — Eu li em algum lugar que ele terminou de escrever um livro novo, mas a editora não confirma se é algo da trilogia ou se é o início de outra.
Konstantinos não comentou mais nada, colocou os exemplares no lugar de destaque que atribuí a eles e olhou tudo em volta.
— Quando mandei fazer o projeto e os móveis, não pensei que você iria aproveitá-los tão pouco. Tomara que o próximo morador daqui goste de ter uma biblioteca.
Concordei, pois já estávamos à procura de outro imóvel para morar. Insisti para ficarmos aqui por mais tempo, afinal, eu não tinha condição alguma de ajudá-lo com a aquisição de um imóvel novo por conta das dívidas que fiz, e eu não queria me aproveitar de seu dinheiro, mesmo tendo descoberto – depois da visita de Elizabeth e de Nikkós no hospital – que, além de herdeiro da Karamanlis, Kostas herdou uma pequena fortuna e muitos imóveis de seu falecido avô inglês.
Acontece que, duas semanas atrás, eu recebi um comunicado do banco sobre a quitação da dívida e tomei um susto. Ele havia pagado tudo o que eu devia. Discutimos por causa disso, mas depois entendi o que ele quis fazer e lhe agradeci.
— Você ainda está pagando este apartamento para sua amiga, Malu, e com a dívida que havia assumido por conta da chantagem escrota de madame Linete, se lamentava por não conseguir contribuir com nossa casa nova e nem com as coisas do bebê, então, eliminei a dívida. — Ele me beijou. — Eu sei que você gosta de ser independente e admiro muito isso, mas não está mais sozinha, Kika. Não quero que dependa de mim, nem mesmo quero que você pense que eu ache que meu dinheiro influencia nossa relação, porque sei que isso nunca aconteceu. Você vai continuar pagando sua dívida com Malu, ter este apartamento em seu nome, só seu, alugá-lo, deixá-lo vazio ou o que você achar melhor e continuará tendo sua liberdade, seu dinheiro.
— Obrigada! — baixei a crista e lhe agradeci, vendo lógica em seu argumento.
O que nós não esperávamos era que, na semana seguinte, depois de termos apresentado uma nova área para a Ethernium, no Paraná, e fechado negócio com eles, eu soubesse da demissão do diretor que comprou a promissória do antigo bar de Duda Hill por causa de umas irregularidades e eu fosse promovida.
— Quero deixar bem claro que a promoção de Wilka Reinol nada tem a ver com o fato de ela estar entrando na família — Theo discursou no dia em que tomei posse. — Mesmo depois de todos os problemas que a empresa passou nos últimos meses, a então gerente de hunter conseguiu fechar o maior negócio dessa década da Karamanlis, e sua elevação ao nível de diretora se justifica pelo seu profissionalismo e eficiência.
Chorei – digo sempre que foi por conta dos hormônios da gravidez – e acabei depois inaugurando minha nova sala, agora já não no mesmo andar do jurídico, gozando enlouquecida com a boca de Kostas a me comer inteira em cima da minha mesa nova – ponho a culpa na gravidez também!
Uma nova história se abriu para mim, em um ano, desde que assumi a gerência no lugar de Malu provisoriamente, discuti com um diretor jurídico muito abusado e jurei detestá-lo pelo resto dos meus dias.
Quebrei essa promessa, claro!
— Está conversando com o juiz que pegou o processo de Viviane Lamour — respondo à pergunta de Malu sobre Kostas. — Pelo menos foi isso que ele me disse que ia fazer, mas achei estranho, porque teve uma reunião com ele na semana passada.
— Ele já a pronunciou? — Malu questiona.
— Já, ela vai enfrentar um júri por tentativa de homicídio. — Chego a estremecer só em pensar que Kostas poderia ter morrido por causa daquela louca.
— E a questão do furto de informações da empresa?
— O doutor Murilo já havia começado a montar o processo contra a Dedalus, a concorrente, e agora Kostas está acompanhando de perto. Ontem saiu nos jornais daqui, um verdadeiro escândalo que, com certeza, irá afetar a imagem deles.
Sinto um cheirinho azedo e faço careta para Malu, percebendo que meu afilhado acabou de sujar as fraldas.
— Nem me olhe com essa cara! — Ela ri. — Pode começar a treinar!
Gargalho, nervosa, quando ela me estende a bolsa dele, com trocador, fraldas, lenços e pomada contra assaduras. Nunca troquei um bebê na vida, nem no mês passado, quando estive um final de semana com eles na fazenda, pois fiquei com medo e deixei dona Sueli se encarregar da tarefa.
Brinco com meu afilhado, admirando seus lindos olhos claros como os do pai e faço cócegas em sua barriguinha estufada, mas, quando abro a fralda suja, preciso tampar o nariz.
Malu ri e me auxilia a trocá-lo, e eu acho isso tão engraçado, pois nunca imaginei uma cena como essa entre nós duas.
Surpresas da vida!
— Malu, eu já estou começando a ficar assustada com isso tudo! — comento ao sair do carro ainda vendada.
— Relaxa, está tudo sob controle! — sua voz é animada. — Nós vamos só trocar sua roupa, e logo você saberá do que se trata.
— Por que eu vou ter que...
Ela me segura pelos ombros.
— Você confia em mim ou não?
— Muito! — respondo de pronto. — Mas ainda espero o dia em que você irá se vingar pelo que fiz te mandando daquele jeito para o Pantanal!
Ela gargalha.
— É bom esperar mesmo! — Beija minha bochecha, e eu sorrio. — Sua sorte é que sua atitude fez de mim a mulher mais feliz e realizada desse mundo.
Meus amigos estão em São Paulo desde ontem, quando chegaram de surpresa lá em casa. À noite, Kostas cozinhou para eles, e eu pude, enfim, respirar aliviada por ver uma amizade se formando entre o Xucro e meu noivo. Sei que eles se deram essa oportunidade, desde o mês passado, quando se encontraram pela primeira vez, por causa de mim e da Malu, mesmo assim fiquei muito feliz.
Mal o dia amanheceu, e Konstantinos sumiu de novo. Eu nem tinha tomado meu café da manhã ainda quando Malu apareceu inventando uma desculpa absurda sobre precisar de mim para comprar algo para o Gael e me enfiou no carro dela. Paramos em uma padaria para que eu pudesse engolir – literalmente foi isso – algo que me sustentasse, e, quando retomamos a viagem, fui obrigada a me vendar.
Sei que saímos da capital, pois demorou pouco mais de uma hora para chegarmos aqui, e o clima – estremeço – está bem mais frio do que em São Paulo.
Sou levada para dentro de uma construção, ouço portas serem fechadas, ela me desvenda, e eu reconheço que estou dentro de um banheiro em uma espécie de chalé.
— Tome um banho, que já volto para te ajudar.
— Malu. — Detenho-a de repente. — O que é isso tudo?
— Confia em mim! — Aponta para a banheira. — Tome um banho, relaxe. Vou vir com seu almoço.
Ela sai do banheiro, e, confiando nela, tiro a roupa e entro na banheira, suspirando com a água quente a envolver meu corpo. Ponho a mão sobre minha barriga, levemente arredondada, e começo a conversar com meu filho. Faço muito isso desde quando li que é ótimo para criar um vínculo entre os pais e os filhos. Kostas às vezes passa horas alisando-me, conversando ou cantando enquanto toca violão para minha barriga. É uma delícia compartilhar esses momentos com ele e saber que são só meus, pois ele continua o mesmo insuportável de sempre na empresa.
A vida tem se mostrado maravilhosa de uma forma que nunca sonhei, comento isso sempre com Jane quando nos encontramos em nossas conversas semanais. Sinto que muito do que eu temia deixou de existir ao me apaixonar por Kostas e, principalmente, depois que soube que o fruto desse amor estava dentro de mim.
Ainda percebo que necessito ter essas conversas com ela e, sinceramente, gostaria que Kostas buscasse ajuda também. Estamos bem, felizes, mas isso não apaga nosso passado, apenas faz com que deixe de ter a importância que tinha e que nos impedia de olhar para o futuro com esperança. Ele ainda não aceitou conversar com um profissional sobre tudo o que vivemos. Cada um tem seu tempo, não adianta eu insistir.
— Ei, hora de sair, dorminhoca! — Abro os olhos, percebendo que cochilei. — Venha almoçar, temos um dia cheio.
Rio dela.
— Cheio de quê? O que você está aprontando comigo?
Malu me estende um roupão bem fofo. Enrolo-me nele e, quando saio do banheiro, emito um grito de surpresa ao dar de cara com Verinha em um enorme quarto com lareira acesa, uma cama enorme toda decorada, muitas flores, uma mesa arrumada para o almoço e Gael dormindo no carrinho.
— Verinha! — Abraço minha amiga e vizinha. — O que vocês estão aprontando?
Olho para um canto do quarto, onde montaram uma estrutura igual a de um salão de beleza, com espelhos e muitos produtos.
— Esse chalé é do Kostas — Malu confessa.
— Onde ele está? — questiono sentindo o coração disparado, já imaginando o que está acontecendo.
— Terminando de ajustar as coisas com o cerimonial. — Encaro-a com os olhos arregalados, e Verinha dá risadas. — A surpresa é que hoje é o dia do seu casamento, e nós, claro, somos suas madrinhas.
Ela ergue um cabide com um vestido protegido por uma capa.
— Eu amo vocês! — declaro, emocionada, abraçando-as.
— Eu também te amo! — Malu e Verinha dizem emocionadas.
A sala escura, as portas fechadas. Malu e Verinha estão na minha frente, vestidas cada uma com um vestido florido e com um pequeno buquê nas mãos, e eu, nervosa, de braços dados com Theodoros Karamanlis.
Ainda nem acredito em tudo isso!
Depois do almoço emocionante com minhas amigas, um verdadeiro batalhão de pessoas invadiu a suíte, então começou minha transformação em noiva. Malu me conhece bem, acertou em cheio no modelo do vestido e me ajudou a decidir como usaria os cabelos e que maquiagem faria.
Fiz as unhas, recebi massagem e só não tomei champanhe porque há uma vida preciosa dentro de mim, então me contentei com um suco natural. Verinha ficou com Gael, que participou de tudo, assim como fez no casamento de sua mãe no mês passado.
Rio ao me lembrar de Konstantinos na fazenda Paraíso. Surpreendi-me por ele parecer tão natural no meio daquele lugar tão rústico, mas depois ele me contou que, quando criança, apesar de morar em Londres, sempre ia para a propriedade do avô no interior e que seu internato também era em uma área rural, por isso não estranhava, embora o Pantanal fosse diferente de tudo o que ele já vira.
Guilherme e ele tiveram uma conversa para acertar os pontos, e Malu e eu ficamos felizes quando os dois tomaram um porre juntos na noite antes do casamento.
Nós nos integramos à vida um do outro de uma forma tão gostosa que, mesmo tendo-se passado poucos meses, tenho a sensação de que estamos juntos a vida toda, ele conhecendo meus amigos e convivendo com eles, e eu sendo inserida em sua família no mesmo momento em que ele retorna a ter essa proximidade.
— Tudo certo por aqui? — Kyra aparece, também em seu vestido florido de madrinha e me entrega o lindíssimo arranjo que vou carregar. Surpreendo-me por sentir, por trás de toda a decoração dele, um vasinho. — Kostas disse que você preferia seu buquê plantado, de modo a não ver as flores morrerem.
Olho a delicadeza das minirrosas e acho o gesto dos dois lindíssimo! Respiro fundo, tentando evitar chorar antes de ir ao encontro dele, mesmo que tenha certeza de que, assim que caminhar em sua direção, irei me derreter de emoção.
— Está pronta para ser a senhora Konstantinos Karamanlis?
— Estou! — Suspiro e abro um sorriso. — Esperei por isso a vida toda!
Seis meses depois.
Estou sentado à minha escrivaninha terminando de revisar mais uma peça feita por um dos advogados que trabalha comigo quando sinto algo estranho me incomodar, mas ignoro.
Volto a me concentrar no trabalho, porém, 15 minutos depois, sinto novamente a pontada na minha barriga. Contorço-me um pouco, rememorando o que poderia ter comido que está me causando cólicas intestinais, e meu corpo inteiro se arrepia.
Apesar da dor, não sinto vontade alguma de ir ao banheiro, mas pode ser que isso, em algum momento...
— Doutor! — Eleonora invade minha sala, assustando-me. — A bolsa da Kika rompeu!
Esqueço na hora a estranha cólica que estava sentindo e saio correndo da sala, recebendo olhares felizes e alguns parabéns ao longo do caminho. No corredor me encontro com os hunters segurando balões e fazendo uma farra digna de uma festa de final de ano.
— Parabéns, doutor! — Lene grita enquanto passo correndo.
— Que venha com saúde! — Rosi deseja ao me encontrar na porta do elevador.
Apenas balanço a cabeça, nervoso demais, com medo de que não dê tempo de chegarmos ao hospital e aquela maluca tenha nosso bebê dentro de sua sala. Cabritinha teimosa!
Desde que ela entrou no nono mês, peço a ela para que fique em casa, mas a mulher não consegue sossegar! Trabalhou incessantemente todos os meses da gravidez, e eu tentei, muito mesmo, fazê-la diminuir o ritmo, mas foi em vão.
Lembro-me de uma reunião bem difícil que tivemos, demorada demais, que terminou bem na hora do almoço. Chamei-a para comermos juntos, e ela me respondeu que ia engolir uma salada em sua sala, pois tinha muita coisa para entregar naquele dia e não podia atrasar seu cronograma.
Surtei com ela, argumentei que ela tinha que pensar na criança que estava gerando e mandei entregarem na sala dela uma refeição completa com arroz, verduras e legumes, carnes variadas e frutas.
À noite, em casa, ela estava com um humor do cão. Tentei conversar com ela, mas me ignorou até respirar fundo e pedir para que eu me sentasse, pois queria falar olhando nos meus olhos.
— Eu estou bem! — frisou. — Gravidez não é doença, e eu amo trabalhar!
— Eu sei, mas...
— Não tem mais! — brigou. — Você e seu irmão parecem dois doidos! Duda diz que Theo a está enlouquecendo também, que mal está conseguindo dar conta das coisas no bistrô, e ela pretende inaugurá-lo assim que o bebê deles nascer.
— Vocês duas são muito teimosas! Nós só queremos protegê-las!
Ela finalmente sorriu para mim, respirou fundo e me fez um carinho no rosto.
— Eu sei disso, mas está me sufocando um pouco! Fiquei com minha sala cheia de comida e enjoada o dia todo por causa do cheiro dela, que impregnou o ambiente, o que atrapalhou meu trabalho e me fez ficar mais horas do que tinha previsto na empresa.
— Desculpe-me, eu só queria garantir que...
— Eu ia me alimentar, mas com uma refeição leve. Eu estou me cuidando, confia em mim!
— Eu amo muito vocês! — Pus a mão em sua barriga pontudinha. — Vocês são minha vida!
— Eu sei, eu também te amo muito e, por isso mesmo, estou te garantindo que estamos bem.
Depois desse dia tentei parar de surtar com ela, mesmo ainda protegendo-a e me preocupando.
Devia tê-la deixado presa comigo dentro de casa, isso sim!
Chego a sua sala e a encontro junto a Carol, que foi promovida a sua assistente, contando o tempo entre as contrações. Noto o chão molhado, desespero-me, principalmente por vê-las ali, calmas como se nada estivesse acontecendo.
— Vamos para o hospital! — Corro até Wilka e me abaixo para olhar seu rosto. — Vou ligar para casa, pedir para mandarem as malas e...
— Fique calmo, ainda teremos bastante tempo, as contrações ainda estão bem espaçadas.
Arregalo os olhos com a paciência dela e começo a andar de um lado para o outro, ligando para o médico, para a senhora que contratamos para trabalhar em nossa casa, para o hospital no qual ela fará o parto.
— Vou chamar um helicóptero, não vou correr o risco de ficarmos presos no trânsito e minha filha nascer dentro do táxi!
Kika rola os olhos, e Carol dá risadinhas.
Ando por sua sala, ainda toda decorada com os balões e as flores que ganhou ontem, quando finalmente resolveu revelar o sexo do nosso bebê. Os funcionários da Karamanlis fizeram uma verdadeira festa para ela no refeitório da empresa, com direito a brincadeiras, presentes e muita trolagem até decidirem contar para nós dois o que era nosso bebê.
Uma menina!
Sinto meu coração derreter só em pensar em outra Pimentinha em minha vida. Olívia nem veio ao mundo ainda, mas já sou completamente apaixonado por ela.
Demoramos a escolher esse nome, mas, quando chegamos a ele – seguindo um livro com várias opções em ordem alfabética –, não tivemos dúvida; nossa pequena princesa seria Olívia!
Confirmo o pedido do helicóptero por mensagem. O piloto da aeronave do hospital logo manda aviso de que já levantou voo, e eu vou até minha esposa para ajudá-la a se levantar e levá-la até o heliponto no telhado do prédio.
— Fique calmo! — ela me pede, e eu concordo, mesmo me sentindo uma pilha de nervos. — Você precisa estar bem para conhecer sua filha.
Abro um sorriso, paro, abraço-a e a beijo.
— Vou conhecê-la hoje! — Toco sua barriga. — Como é possível eu te amar ainda mais por isso?
Ela sorri para mim, mas logo faz uma careta de dor.
— Acho que Olívia ficou ansiosa por conhecer vocês também — Carol comenta. — O tempo diminuiu, Kika.
— Vamos!
Dois momentos especiais nunca mais serão apagados da minha memória.
Primeiro, quando as portas da sala do meu chalé na serra se abriram, e eu vi a mulher que amo de braços dados com meu irmão mais velho, vestida de branco e caminhando na minha direção para ser minha, iluminada pelas tochas, lanternas e as velas que Kyra distribuíra no meu gramado.
Wilka atravessou a piscina para chegar até onde eu estava, sobre uma lindíssima estrutura de vidro que minha irmã montara, iluminada por luzes coloridas. Ela chorou durante sua entrada, riu quando Millos estendeu o braço para ela no meio do caminho para o altar, substituindo Theodoros, e eu me segurava, recebendo tapinhas de Alexios, um dos padrinhos, em meus ombros.
Minha irmã e eu fizemos tudo em segredo. Wilka não desconfiou, em nenhum momento, que nós já iríamos nos casar. Contei com a ajuda da Malu e da Verinha para levá-la até o chalé e tornar o dia dela mais feliz com tudo o que uma mulher sonha para seu dia de noiva.
Foi lindo, emocionante, íntimo, apenas com nossos amigos mais próximos e minha família, perfeito!
Agora, com minha filha recém-nascida no colo, lembro-me do nervosismo do parto, de ter sentido as dores junto à minha esposa, algo surpreendente, e de quando, depois de quase cinco horas de espera, amparei minha pequena Pimentinha em meus braços.
Eu pensei que tinha sentido o peito explodir de amor quando me declarei para Wilka ou mesmo quando nos casamos, mas nada se comparava ao que senti por ela quando peguei nossa filha no colo.
Choramos juntos, nós dois, emocionados pela oportunidade de criar uma criança e a ver crescer longe de tudo o que nós dois passamos. Isso é muito importante para minha esposa e um dos motivos pelo qual ela se empenha tanto em ajudar a ONG que se instalou no prédio que construímos no lugar do sobrado.
Assisti à primeira mamada de Olívia embevecido, rendido, completamente entregue às duas mulheres da minha vida. E relutei muito quando fui arrastado para comemorar o nascimento dela e a deixei com as mulheres babando nossa preciosidade.
— A família está crescendo, Olívia — sussurro para ela, caminhando em direção ao homem que está ansioso por conhecê-la. — Já temos Petros, agora chegou você, e eu sei que daqui a pouco teremos mais dessa geração de Karamanlis, que terá uma história bem diferente da que foi a nossa. — Beijo sua cabecinha e a entrego aos braços trêmulos, mas firmes, de meu avô.
— Mais uma Karamanlis mulher! — O velho Geórgios ri, seguido por Theodoros e Millos. — Já posso imaginá-la junto a Tessa na empresa, revolucionando tudo!
— Pappoús! — Theodoros o repreende, e eu rio deles.
Ele estende minha filha para os braços de seu padrinho, Millos, e me dá um tapa nas costas.
— Muito bem, Konstantinos, prepare-se para o mais importante trabalho da sua vida!
— Será um prazer!
— Wilka, consegue me ouvir? — testo a babá eletrônica de Olívia e saio do quarto dela, ao lado do nosso, ouvindo as risadas da babá atrás de mim. — E aí, funciona mesmo?
— Claro que sim, nós já testamos mais de 10 vezes todos os dias, Kostas, sossegue!
Paro, sem ligar para o sermão que acabo de ouvir, e fico admirando minha esposa alimentar minha filha. Eu ainda não acredito no filho da puta de sorte que sou por ter tido a chance de ser amado por Wilka e ainda ser agraciado com o nascimento de Olívia.
Wilka põe minha pequena para arrotar e se levanta da cadeira de balanço instalada no nosso quarto. Também há uma no quarto de nossa filha.
— Tem certeza de que ela está satisf... — O arroto alto me faz gargalhar, cheio de orgulho de minha pimentinha gulosa. — Ela está!
Wilka rola os olhos, indo deixar nossa menina em seu próprio quarto, seguida de perto pelo Kaká.
— Ei, malandro, volta aqui! — chamo-o, mas ele me ignora. — Pois é, você costumava ser meu fã, agora também já se apaixonou pela Pimentinha, né? Te entendo!
Wilka aparece no quarto, rindo de mim, e eu fico duro ao vê-la fechar a camisola e esconder o peito deliciosamente cheio. Gemo, fazendo mentalmente as contas dos dias de resguardo.
— Faltam 12 dias — ela já responde, sabendo o motivo do meu gemido, que mais pareceu um ganido de um cachorro abandonado. — Mas podemos...
— Não, se tem que respeitar, vamos respeitar! — digo categórico. — Não quero causar nenhum problema a você. Ainda quero, pelo menos, mais três menininhas pela casa.
Ela arregala os olhos, e eu rio, adorando provocá-la com isso, embora seja verdade que eu quero ter muitos filhos.
— Tenho um presente para você! — anuncio e pego o embrulho que deixei na minha parte do closet. — Espero que goste!
Ela sorri cheia de desconfiança e fica muda quando lê a capa do livro em sua mão.
— Mas como você conseguiu isso? — Ela folheia a primeira cópia da primeira edição, ainda não lançada nos Estados Unidos, do livro inédito do seu autor favorito.
Vejo em seu rosto todas as expressões que imaginei que ela faria quando lesse a dedicatória. Primeiro, excitação por ter conseguido fazer o misterioso autor dedicar uma obra a ela, depois de total incredulidade pelas palavras dele e, por fim, surpresa por entender o significado das iniciais e do sobrenome dele.
— É você! — exclama estupefata. — Tim Frankenstein Gray!
— Meu apelido na época em que comecei a escrever meus primeiros livros, e os dois personagens com quem eu mais me identificava — explico, assumindo pela primeira vez a alguém sem ser meu agente e meu editor, que sou o autor dos romances de suspense. — T. F. Gray nasceu quando fui estudar nos Estados Unidos e era a única coisa que ainda me ligava ao garoto que eu era antes de tudo acontecer. — Aproximo-me dela. — Estava esperando que eles publicassem a primeira tiragem para que pudesse te contar.
Ela ainda parece não acreditar, olhando para o exemplar em sua mão e para meu rosto.
— Você é meu autor favorito e ficava falando mal de si mesmo para mim? — questiona-me, e eu rio. — Eu deveria aumentar meu tempo de resguardo depois dessa revelação! — ameaça-me, como eu já esperava.
— Abra no final, como eu sei que você gosta de fazer sempre, e pegue seu tão amado spoiler, por favor.
Wilka franze a testa e faz o que eu peço. Demora alguns minutos lendo, mas vejo seus olhos se encherem de lágrimas e seu enorme sorriso iluminado aparecer.
— Seu primeiro final feliz!
Abraço-a.
— A partir de você, nunca mais poderei escrever finais trágicos e tristes. — Beijo-a com carinho. — Você é a inspiração para todos os meus finais felizes.
FIM?
(Avance para a próxima página)
Termino a transmissão de vídeo com meu editor e meu agente nos Estados Unidos e respiro fundo, cansado, depois de ser colocado a par de todos os esquemas de marketing do livro. Discutimos novamente sobre eu permanecer incógnito. Ele insiste para que eu me revele em algum momento, principalmente agora, com a possibilidade da trilogia de suspense que escrevi estar cotada para virar série.
Ainda me lembro da reação de Wilka quando contei a ela que era T.F. Gray, sua euforia, indignação por eu ter escondido dela por tanto tempo, descrença e, de novo, euforia. Ri muito, apanhei também – com o próprio livro, quase um sacrilégio –, ganhei beijos – românticos e safados –, recebi tapas e, por fim, um boquete fenomenal.
Suspiro, excitado só com a lembrança e levemente frustrado por ainda não poder estar dentro dela como eu gosto. Não entendam mal, não estamos em jejum total, temos feito algumas brincadeiras, ela tem me chupado como uma louca, mas não é a mesma coisa! Eu preciso estar dentro dela, sentir-me unido, uma só carne, essa coisa quase bíblica, sabem?
Estalo meu pescoço e volto a mexer em um documento da Karamanlis, pois vou, temporariamente, assumir a diretoria executiva a partir da semana que vem.
Não, não me julguem antes de saber o motivo! Eu não dei rasteira no Theo de novo, estou apenas ajudando-o, pois irá se casar no próximo final de semana e, mesmo sem poder viajar para uma lua de mel, ele quer ficar um tempo em casa com a esposa e os filhos.
Xingo baixo quando o telefone vibra, mas não o pego, irritado com quem quer que seja que irá interromper minha concentração, atrapalhar meu trabalho e, com isso, fazer com que eu me deite ao lado da minha Cabritinha mais tarde.
O aparelho volta a fazer o insuportável som de vibração, e eu o pego para desligá-lo, porém, arregalo os olhos com a notificação da mensagem.
Fantasy?! Sinto o corpo gelar, imaginando quando eu reinstalei esse aplicativo no meu telefone. Se a Wilka vir isso, estou morto!
Desbloqueio o aparelho, abro a notificação, pronto para apagar a conta – que eu não faço ideia de como foi reativada – e desinstalar o app, quando, mais uma vez, sou pego de surpresa: Caprica me convidou para um chat privado!
Desconfiado, com o coração na mão por medo de que isso seja algum tipo de sacanagem de algum hacker, aceito o chat e quase caio para trás ao ver a foto das lindas pernas bronzeadas da minha esposa, porém, agora com uma mão aparecendo e nossa aliança brilhando.
“Oi, Punheteiro, está sumido. Quer TC?”
“Hum, está me ignorando? Juro que dessa vez não vou enrolar você por muito tempo mais não, talvez só por uns seis meses.”
Rio, sem saber o que achar dessa loucura. Entro no perfil dela e confirmo que está inativo para ser encontrado por outros usuários, apenas eu posso vê-lo. Balanço a cabeça, sem entender o que ela pretende, mas adorando a brincadeira.
“Oi, Cabritinha, tudo bem? Sabe o que é, eu me casei, e minha mulher é meio louca, brava como um pitbull – embora seja do tamanho de um chihuahua – e ardida como uma pimenta, então, pela sua integridade física, acho melhor eu continuar sumido.”
Espero a reação dela, meu pau já se contorcendo na calça.
“Olha, bom saber que você sabe o perigo que corre, porém, ela e eu fizemos um trato, e hoje você pode ser o safado de sempre comigo.”
Abro o fecho da calça antes de responder:
“Diga-me o que você quer.”
“Você!”
Aliso meu pau por cima da cueca e o sinto sendo enchido pelo sangue, ficando cada vez mais duro.
“Como?”
Caprica digita por um bom tempo, e eu imagino que esteja criando um cenário bem safado para nós dois.
“Imagine que você está cheio de trabalho, virando as noites no escritório de sua casa nova (você comprou uma casa nova quando se casou, não?) e que esteja precisando relaxar. Que tal uma garrafa de bourbon? Ah, mas você não quer beber nesses dias. E umas tragadas em um cigarro? Não, você deixou de fumar desde quando sua esposa engravidou (ela me contou, parabéns!).”
Levanto-me da cadeira, esperando que ela mande a próxima mensagem, mas já com o firme propósito de ir até nosso quarto e perguntar se vamos ignorar esse último dia do resguardo.
“Então você precisa de mim! Acabei de sair do banho, passei hidratante em todo o meu corpo, escolhi uma lingerie sexy, mas calcei saltos, como você gosta.”
Bufo como um touro, enlouquecido de tesão apenas por imaginá-la assim lá em cima, no nosso quarto.
“Estou subindo!”
Anuncio e saio do escritório correndo, subindo as escadas para o segundo piso de dois em dois degraus, porém, quando abro a porta, não a encontro, nem mesmo a babá eletrônica do quarto da nossa filha.
Ajeito-me e entro no quarto de Olívia. Vejo a babá dormindo na cama auxiliar e vou até o berço, onde minha pequena dorme. Confiro sua respiração – sempre faço isso –, sorrio e saio.
Pego o telefone e envio uma mensagem para ela.
“Onde você se escondeu, Cabritinha?”
Ela não demora a responder:
“Aposto que você é um bom caçador, mas vou te dar uma dica: ainda não usamos essa área da casa.”
Sorrio cheio de malícia, descendo as escadas com pressa, saindo da casa e indo em direção à piscina coberta que ficou pronta pouco antes do parto dela e que, por isso, não utilizamos ainda.
O lugar está escuro, apenas iluminado pelas velas que Wilka acendeu em uma das bordas da piscina. Vejo-a, então, perto de uma espreguiçadeira, vestindo um espartilho preto com meias daquelas que parecem uma rede e saltos enormes e extremamente sexies.
— Por que reativamos o aplicativo? — pergunto assim que entro, já me livrando das roupas e do celular.
— Senti saudades do meu Punheteiro — sua voz soa sensual, quase ronronante. — Ficou com ciúmes?
Nego, mostrando a ela exatamente como fiquei. Nu, seguro meu pau bem firme, mas não faço o que ela tanto ama assistir. Wilka geme ao me olhar, não se aproxima e me come com os olhos.
— Quer finalmente um encontro com Portnoy? — questiono-lhe.
— Quero!
Olho em volta, procurando por algo para fazer o que imagino. Nossos roupões estão dobrados em um canto, em cima de uma cadeira. Pego um deles e tiro o cinto largo e atoalhado. Perfeito!
— Vire-se — ordeno, e ela ri nervosa, mas faz o que pedi.
Passo o cinto sobre seus olhos, vendando-a, apertando bem e arrematando com um nó.
— Você não vai me ver, apenas sentir — sussurro em seus ouvidos. — De agora em diante sou Portnoy, e você, a minha Caprica fujona.
KIKA
Minha pele toda se arrepia quando o sinto passar as pontas dos dedos sobre ela. Os movimentos são leves, lentos, do ombro ao punho, depois fazendo o caminho de volta, passando pelo meu ombro, detendo-se um pouco em minha nuca e descendo pelo outro braço.
Sinto sua respiração quente e pesada no meu pescoço e meu ouvido. O calor que emana dele é tão forte que, mesmo sem estarmos encostados um no outro, consigo senti-lo. Estou excitada demais, embevecida, totalmente embriagada de desejo por ele.
Resfolego com o toque de seus lábios na curva onde meu pescoço encontra o ombro. Sua língua quente e molhada ativa ainda mais a umidade no meu sexo, fazendo meus lábios íntimos ficarem viscosos e meus mamilos doerem contra o bojo do espartilho.
Kostas me segura firme pela cintura, seus dedos cravados em minha carne com força, e se espreme contra minha bunda, causando-me gemidos altos apenas com o toque de seu pau quente. Sinto-me vibrar inteira, levo minha mão para trás e o agarro pela nádega, forçando-o ainda mais contra mim.
— Gosta disso, Cabritinha? — Nossos corpos ondulam. — Gosta de me sentir duro contra você?
— Adoro! — respondo com um gemido.
— Eu sei! Meu pau fica assim somente para você, meu tesão é seu, meu orgasmo é seu, minha porra é toda sua!
Ele procura a abertura da lingerie, achando o zíper frontal da peça, descendo-o todo. Deixa o espartilho aberto, e seus dedos se esfregam em volta dos meus seios.
— Eu posso ver nós dois refletidos no vidro, iluminados pelas velas que você acendeu. — Kostas morde meu ombro e belisca meu mamilo esquerdo. — Seus peitos estão deliciosos, fartos, maduros... É sexy e ao mesmo tempo parece tão errado eu querer mamar neles também.
Seguro o fôlego apenas ao imaginar a cena. Ele tem razão, é excitante, meus seios estão sensíveis por conta da amamentação, cheios e pesados de leite, e o imaginar fazendo algo tão perverso é deliciosamente erótico.
— São seus!
Mal respondo, e ele me vira. Suas mãos se apossam dos dois, apertando-os devagar, puxando os bicos e massageando em volta. Sinto dor e ao mesmo tempo muito tesão, mas nada comparável ao que acontece quando ele abocanha um deles, esfomeado, suga com força, depois brinca com a língua.
Enfio minha mão dentro da calcinha, querendo muito me tocar, e ouço sua risada abafada. Toco meu clitóris e sigo para a entrada completamente molhada, lubrificando meus dedos para deixá-los deslizando na hora de me masturbar.
Não demoro muito a começar a sentir o orgasmo, porém, tenho a mão afastada antes de gozar.
— Não! — ele fala em meu ouvido. — Seu gozo é meu, e sou eu quem vai dá-lo a você.
Sou deitada na espreguiçadeira, a maciez do estofado contra minhas costas. Kostas abre minhas pernas o máximo que elas permitem, e logo em seguida sinto sua boca na minha calcinha. Ele chupa a peça de seda, extraindo toda a lubrificação que minha boceta molhada deixou nela.
É deliciosa a sensação de tê-lo tão perto de onde eu quero senti-lo, mas sem que me toque. Sinto a calcinha ser retirada, deslizando por minhas coxas, passando pelos joelhos e saindo pelos meus pés. Estar vendada parece ativar ainda mais minhas percepções, e isso estimula ainda mais o tesão.
— Eu sempre tenho saudade do seu cheiro. — Kostas esfrega o nariz contra meus lábios. — Sempre estou esfomeado pelo seu sabor.
Sou tomada de assalto, sua boca consumindo-me como se eu fosse uma iguaria, nervosa, buscando a suculência do meu desejo de forma dura, bruta, desmedida, usando dentes, língua e chupando com força.
Konstantinos me degusta, essa é a verdade, e a sensação que tenho é de estar incendiando internamente e de que, daqui a pouco, vou explodir como um vulcão em erupção. Minha cabeça parece girar, meus membros ficam leves. Seguro meus seios enquanto ele me mastiga com vontade, brincando com cada parte de minha boceta a ponto de me fazer gritar.
Dedos a invadem devagar enquanto a ponta da língua dele varre meu clitóris, jogando-o de um lado para o outro, para cima e para baixo. É uma tortura deliciosa. Os músculos das minhas pernas se contraem, seguro a respiração e sou tomada por um prazer indescritível que me faz agarrar seus cabelos e puxá-los com força.
— Deliciosa! — geme ainda bebendo meu gozo. — Porra, gostosa demais! Preciso me molhar com isso, preciso nadar na sua excitação...
Os dedos são substituídos pelo pênis, mas Kostas não me penetra. Rebola gostoso na minha entrada, passa a cabeça no meu clitóris sensível pelo gozo e, só então, preenche-me inteira, até o fundo.
Abraço-o com as pernas e acompanho seus movimentos frenéticos dentro de mim, entrando e saindo, rebolando no fundo, enterrado dentro de mim. Kostas adora intercalar estocadas curtas com profundas, e isso também me enlouquece. Não espero a mais forte, e, quando ela acontece, meu corpo todo se contrai, recebendo sua grossura e tamanho até o limite.
Beijamo-nos como loucos, sua boca com gosto do meu gozo, sua língua safada imitando os mesmos movimentos que seu pênis faz dentro de mim. Mordo e prendo entre os dentes seu lábio inferior, e ele soca com mais força em meu interior, gemendo alto, gostando da sensação de dor e prazer misturadas.
Arranho suas costas, finco as unhas em sua bunda, acompanhando seu rebolado dentro de mim.
Ele urra. Sei que está enlouquecido com vontade de gozar, e isso me enche de poder, saber que eu o deixo dessa forma, que faço com que ele perca toda sanidade e controle dentro de mim.
De repente ele puxa o cinto que me vendava, e eu o olho nos olhos. Sua expressão de prazer é todo o estímulo que eu precisava para gozar, apertando-o dentro de mim, grudando-me a ele como se pudéssemos nos fundir um no outro para sempre.
Eu ainda estou trêmula pelo gozo, sem ar, sem conseguir focar a visão em nada, perdida em espasmos de prazer delirantes, mas, ainda assim, lembro-me de que, por conta do período do resguardo, ainda não comecei a tomar contraceptivos.
— Estamos desprotegidos — aviso-lhe assim que o noto sendo tomado pelo orgasmo.
— Porra! — Kostas se retira e fica de pé. — Fica de joelhos! — ele manda, mas eu demoro a entender. — Cabritinha, de joelhos agora!
Sorrio e deslizo pela espreguiçadeira, descendo para o chão e me ajoelhando como ele pediu. Kostas me segura pelos cabelos, firme, mantendo-me presa, sem poder me mover.
Ele começa a se masturbar, e eu estico a língua para tocar a cabeça inchada e vermelha de seu pau. Ele geme e me aproxima mais para que o receba na boca, chupe-o como ele e eu adoramos e mame seu pau como fez com meus peitos há pouco.
Seus movimentos em minha boca são fortes, irritam um pouco minha garganta, o que me faz salivar e deixar ainda mais gostoso para ele. Seus gemidos vão aumentando de intensidade, cada vez mais curtos e altos, até que sinto o primeiro pulsar de seu pau, e, então, seu esperma grosso e quente esguicha com pressão, e eu vou engolindo devagar enquanto ele delira.
KOSTAS
A água da piscina está deliciosa para essa noite quente de verão. Nado até Wilka, que está apoiada na borda, olhos fechados, balançando as pernas calmamente, e a abraço por trás.
— Adorei a brincadeira! — Beijo sua nuca. — Você está bem?
Ela sorri, vira a cabeça para me beijar e assente.
— Está fazendo um ano que ficamos juntos pela primeira vez.
— Eu sei. — Aperto-a. — Ainda não me perdoo por aquela primeira vez tão traumatizante para você.
Wilka ri.
— Foi, sim, mas você se redimiu depois. — Ela olha para seu relógio. — Preciso subir, daqui a pouco Olívia acorda para mamar.
Seguro seus peitos cheios de leite.
— É errado eu ficar excitado com eles? — questiona-me. — Eu acho lindo ver você amamentando nossa Pimentinha, mas é só colocá-la no berço ou no carrinho que meu olhar para eles muda.
Wilka ri.
— Ainda bem! Eu gosto que você tenha tesão por mim mesmo quando estou em atividades maternas.
— Eu tenho tesão por você de qualquer jeito. — Rio e a solto para que ela saia da água. — Adorei rever a Caprica hoje. Obrigado pela surpresa.
— Não se acostume! — Pisca. — Ah, eu reativei sua conta e instalei o aplicativo no seu celular e no meu. Desculpa ter invadido sua privacidade.
— Eu tomei um susto e fiquei apavorado. — Rio, também saio da piscina e me seco. — Podemos falar pelo aplicativo de mensagens, não precisamos ficar no Fantasy.
— Sim, mas eu queria te assustar. — Ela ri, safada que só. — Mesmo sem o aplicativo de sexo, eu serei sempre sua Cabritinha, e você, meu Punheteiro.
Eu a beijo e a ajudo a vestir o roupão.
— Eu serei sempre seu, real ou virtualmente falando.
Wilka ri e dá um tapa na minha bunda.
— Gosto assim! — Pisca. — Eu te amo!
— Eu te amo demais!
Agora sim!
Estaciono de qualquer jeito em frente ao prédio, e o porteiro já se aproxima para chamar minha atenção, mas para, assustado ao ver como estou. Passo direto, sem nem mesmo cumprimentá-lo, focado em falar com ela, implorar seu perdão e garantir que iremos achar quem sabotou o projeto que batalhamos tanto para construir.
Uso a cópia da chave que ela fez para mim há poucos dias e entro com tudo no apartamento.
— Wilka! — grito seu nome, mas nem mesmo o Kaká me recebe. Sinto o corpo gelar e vou abrindo porta a porta, chamando-a, procurando-a como se pudesse estar brincando de esconder, sem querer acreditar que ela não esteja aqui.
Abro o armário e sinto falta de muita roupa. Quando olho para a área onde estavam minhas coisas, paro de respirar, vendo os cabides de madeira vazios, bem como todas as prateleiras.
Saio do quarto, disposto a bater no apartamento da vizinha, a tal Verinha, e obrigá-la a me dizer onde está minha Pimentinha, minha Cabritinha, minha Wilka Maria!
Os sacos pretos no chão me fazem parar abruptamente. Um arrepio percorre minha espinha de cima a baixo, um tremor estranho e um frio assombroso me fazem tiritar os dentes. Vou até o canto onde eles estão e desamarro o primeiro. Confirmo que são minhas roupas e me agacho no chão, perto delas, tomando consciência do que isso significa.
Ela me tirou de sua vida!
Eu sei que mereço. Não deveria ter agido como agi, não conhecendo-a como a conheço, mas isso não diminui a dor que estou sentindo.
Preciso encontrá-la!
Pego o celular e ligo para o seu número, mas está desligado. Envio várias mensagens, mas nenhuma delas é recebida por ela, e, como não vejo mais sua foto no aplicativo, suponho que tenha me bloqueado. Saio do apartamento e bato na porta da vizinha e, quando ela não atende, faço o mesmo na do bombeiro.
Ninguém em casa!
Amaldiçoo minha sorte, sinto-me perdido, ando de um lado para o outro. Não quero ir embora, não sei se ela voltará ou se foi para algum lugar para ficar, ou se... se ela me abandonou!
— Não seja ridículo, ela nunca desistiria de tentar consertar as coisas, muito menos fugiria deixando todos pensando que foi ela quem traiu a empresa e vazou as informações.
Entro no apartamento, incomodado com meu estado lamentavelmente fedorento e decido tomar um banho enquanto espero que alguém retorne. Tomo a ducha mais rápida da minha vida, coloco a roupa suja em um dos sacos de lixo, para realmente jogar fora, e busco outras peças para vestir.
Um papel velho, com muitas marcas, dobrado pequenininho, chama a minha atenção no chão, entre um saco preto e outro. Pego-o, desdobro devagar o papel amarelado, as dobras sensíveis, podendo se partir a qualquer momento, e, quando o abro por inteiro, arregalo os olhos.
Leio rapidamente as poucas palavras contidas ali, a tinta azul da caneta um tanto desbotada, mas a letra... meu coração parece querer explodir no peito. Sinto-me tonto, a visão turva. Balanço a cabeça e releio a última frase – “seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!” – sem saber o que está acontecendo, que tipo de brincadeira é essa.
Ajoelho-me no chão, o corpo inteiro sendo sacudido por espasmos incontrolados do pranto que vem da minha alma.
Eu reconheço essa letra, reconheço essa frase! Fui eu quem escreveu isso!
Lembro-me como se fosse hoje o que me levou a escrever essa carta, bem como para quem a escrevi. Sinto-me tonto, incrédulo, sem entender nada. As lembranças que sempre reprimi, insistem em voltar, mesmo fora dos pesadelos, e eu apenas fecho os olhos.
— Eu não vou fazer isso! — grito com meu pai mais uma vez.
O soco em meu rosto faz com que sinta o gosto ferruginoso de sangue em minha boca e, mais uma vez, terei de inventar algum acidente de bicicleta para manter as aparências que ele tanto preza.
Amanhã, quando estiver sóbrio e sem o efeito da cocaína, Nikkós vai perguntar o que eu fiz para ter o olho roxo, vai me mandar pôr gelo e passar uma pomada para que a contusão não demore a sarar. Já estou acostumado a isso, vivemos, meus irmãos e eu, com o louco há pouco mais de seis meses, desde quando minha madrasta simplesmente anunciou que estava grávida do meu irmão mais velho e abandonou a todos a fim de ir morar com Theodoros na Grécia.
Meu pai nunca teve o gênio fácil, sempre esteve metido com vícios diversos, desde mulheres até apostas tão desmedidas a ponto de voltar para casa apenas de cueca, e Sabrina ainda ter que pagar o táxi, pois ele também deixara o carro.
O consumo de drogas, se existia naquela época, era controlado, e, durante mais de um ano em que morei com os dois, não vi nenhum indício de que ele usava entorpecentes. Entretanto, o que sabia eu? Um garoto criado por uma governanta idosa e sisuda, depois abandonado em um internato por anos. Eu era o único que não ia para casa nas férias e nos feriados, recebia uma carta do meu avô no Natal e um presente de minha mãe em meu aniversário. Esse era todo o contato que eu tinha com minha família.
O colégio foi meu primeiro inferno. Eu era muito mais alto que os outros garotos, mas isso só começou a me incomodar quando, aos 10 anos, já estava com 1,78m e pesava mais de 100 quilos. Poderia ser intimidante se eu não fosse do jeito que sou, quieto e tímido, um nerd feioso, desengonçado, que só vive para estudar.
A sorte foi que, nessa mesma época, meu avô paterno, que é grego, começou a me receber nas férias escolares. Conheci meu irmão mais velho, alguns primos, fiz amizade com uns, e outros me tratavam friamente, pois eu era, ali, o inglês esquisitão.
Um tempo depois meu avô materno me chamou de volta para casa e avisou que eu iria tomar aulas de português para morar com meu pai – um pai que eu só tinha visto pouquíssimas vezes – no Brasil.
Vim para cá cheio de esperança, feliz por pertencer a uma família, conviver com meus irmãos e disposto a ser o melhor garoto que meu pai poderia desejar. Não foi bem assim. Nikkós realmente não enxergava nada a não ser ele mesmo e, às vezes, sua esposa. Era inegável que ele fazia todas as vontades dela, lambia o chão que ela pisava, mas seu mau caráter era mais forte que a paixão, e ele sempre estava aprontando.
Por mais que eu não vivesse no comercial de margarina que idealizei, estava feliz por ter Alexios e Kyra por perto. Então tudo desmoronou, e Nikkós enlouqueceu de vez.
— Eu não estou pedindo, Konstantinos! — Nikkós volta a gritar. — Faça o que estou mandando!
Sua mão se levanta mais uma vez para me bater. Eu recuo e olho para a mulher amarrada à minha frente. Respiro fundo, pego o chicote de equitação – odeio cavalos, odeio! – e bato firme, porém sem força em sua bunda.
— Bate como um homem, porra! — Tomo um tapa na cabeça e balanço. — Estou criando o quê? A merda de um bichinha?
Nikkós toma o chicote da minha mão e bate tanto na nádega da prostituta que eu a escuto chorar.
— Tente de novo! — Empurra-me o objeto. — Você só vai cavalgar essa potranca se amansá-la, e o único jeito de fazer isso é assim, açoitando! Larga de ser um merda, gordo e frouxo!
A raiva faz meu corpo inteiro tremer. Minhas emoções se descontrolam em uma mistura tão perigosa quanto nitroglicerina, explodindo tudo dentro de mim. Tenho 13 anos, meus hormônios fervilham, meus impulsos são difíceis de ser controlados, e eu acabo fazendo o que ele manda, chorando junto à mulher amarrada de bunda para cima no chão.
O filho da puta goza sozinho ao acompanhar a dor – da mulher que apanha, e a minha, que sou quem bate –, rindo como o louco que se tornou, jogando mais sujeira dentro de mim.
Penso que tudo acabou, saio do quarto no sótão ainda de madrugada e escuto o choro, o pedido desesperado de socorro que ouço todas as noites, os murros fracos na porta de um minúsculo quartinho de despensa.
Meu coração se comprime no peito ao me lembrar da menina de olhos enormes, cabelos compridos e expressão apavorada. Não sei quantos anos tem, mas é tão pequena quanto Kyra, talvez menor do que minha irmã caçula. Já a vi perambulando entre as putas, entre os clientes e até perdida no meio de brigas entre bêbados ou o fogo dos frequentadores.
Na noite passada, a vi chorando encolhida em um canto, tentando avançar para dentro de um quarto que estava com a porta aberta, mas sem conseguir sair do lugar, olhos fechados, lágrimas vazando entre os cílios. Descobri o motivo ao ir até lá, onde um grupo realizava uma orgia sem nenhum pudor, à vista de todos.
Nos pés dos que estavam em pé, vi um urso surrado, feio, sendo chutado, embolado e fazendo alguns tropeçarem e xingarem. Soube na hora o motivo pelo qual a menininha não conseguia sair daquele cantinho, mesmo sem coragem de abrir os olhos diante a cena nojenta que acontecia à sua frente.
Entrei no meio deles, tomei umas cotoveladas, um cara pegou no meu pau – murcho – por cima da calça que eu usava, uma mulher tentou me beijar, mas saí de lá com o maldito urso na mão, arrastei-a para fora daquele antro – definitivamente não era coisa para uma criança ver – e entreguei o brinquedo para ela.
Suspiro ao pensar no soco no estômago que foi o sorriso de felicidade que ela abriu apenas por ter o bichinho de volta. Agradeceu, saiu correndo e desapareceu dentro desta casa, que é uma filial do inferno na Terra.
— Me tira daqui! — ouço-a pedir ajuda novamente, mas nada posso fazer, pois a porta está trancada, e não tenho a chave. — Eu prometo que não vou atrapalhar, serei uma boa menina... — sua voz esmorece. — Eu tenho medo do escuro.
Minha revolta só cresce ao imaginar que existam pessoas, como meu pai e os pais dela, que acham saudável nos ter aqui. Não é só o sexo, é tudo! Drogas, bebidas, todo o tipo de perversão que possa imaginar.
— Ah, sua grande aberração dos infernos, você está aí! — Nikkós me alcança antes que eu consiga fugir de suas garras. — Ainda não terminamos, moleque!
Respiro fundo, porque já conheço bem essa rotina. Agora ele não vai mais me obrigar a fazer suas loucuras, eu serei o torturado, e ele, meu torturador.
Entramos em outro quarto dessa vez. Eu esperava encontrar espelhos, pois ele adora me exibir, com toda minha “banha nojenta”, para os outros clientes, e usa as prostitutas para me beliscar, morder e caçoar de mim. Já não me fere mais, a brincadeira está perdendo a graça, até para ele mesmo, pois algo começou a mudar em meu corpo, e eliminei muitos quilos que tinha acumulado, ainda que continue a crescer.
Nikkós é alto e corpulento e, para meu desespero, tenho me achado cada dia mais parecido com ele. A pele morena mesmo no inverno, os cabelos negros e lisos, os olhos azuis. Ele deve medir 1,90m de altura, e eu estou só dez centímetros mais baixo. Já vi fotos dele quando mais jovem, e nunca foi gordo, era mais o estilo varapau, só ganhou peso com a idade.
Como sempre, ele culpa minha mãe por eu ser essa “aberração”, dizendo que ela se arrependeu de ter engravidado ainda no primeiro mês de gestação e que me amaldiçoou a cada dia dos nove meses em que estive dentro de si.
Sempre soube que ela nunca me quis, isso nunca foi novidade. Todavia, agora, ele está conseguindo me convencer de que ninguém nunca irá me querer. Tenho orelhas grandes, nariz enorme, os dedos das mãos são longos e magrelos em contraposição ao meu corpo, uso aparelho nos dentes, pois é quase inerente ingleses terem dentes tortos. No ano passado meu rosto estourou inteiro com espinhas, dessas que inflamam e ficam avermelhadas.
É, não sou uma beleza por fora, mas, até pouco, sentia-me bonito em minha essência. Era solícito, calmo, estudioso, bom irmão...
Os pensamentos se perdem quando vejo uma garota parada no meio do quarto. Ela é tão miúda que eu poderia muito bem quebrá-la ao meio com minhas mãos, os ossos parecendo pontiagudos de tão magra que está.
— Foi a única que eu consegui! — madame Linete, a dona da casa, desculpa-se com um dos seus melhores clientes.
— Para quem é, serve — Nikkós responde. — Quanto ela cobrou?
A mulher diz o valor, mas eu tenho certeza de que a menina não verá nem metade desse dinheiro. Estranho ela ser uma prostituta tão diferente das outras, que cuidam de seus corpos, usam roupas provocantes e muita maquiagem.
— Ei, garota! — meu pai a chama. — Você quer transar com ele?
Ela arregala os olhos e nega veementemente. Abaixo a cabeça, envergonhado e ao mesmo tempo com raiva da risada alta de Nikkós.
— Eu sei, menina, ninguém quer, mas vou pagar bem, então arreganhe suas pernas e finja gostar. — Ele senta-se em uma cadeira. — Tirem as roupas.
— Ela me disse que era só para acariciar... — a menina tenta falar. — Eu expliquei a ela que ainda sou... — ela me olha sem jeito — virgem.
Encaro Nikkós, assustado com o que está pretendendo fazer. Uma virgem, pelo amor de Deus!
— Foda-se, eu comprei seu cabaço, agora quero-o!
— Não! — nego. — Ela não quer, pai, então não...
— Ela não tem que querer nada! Já paguei, agora abra a boceta e deixe esse mondrongo brincar à vontade!
Ela se encolhe com medo, e eu me aproximo para conversar.
— Quantos anos tem? — pergunto baixinho para que ele não escute.
— 15 anos — a menina responde.
— Por que veio para cá?
Ela soluça.
— Minha mãe precisa de um remédio.
Nego, saio de perto dela e vou até a porta.
— Pode ir embora. — Aponto a saída. — Você irá receber seu pagamento, mas meu pau não reagiu a você, então, não há nada que...
Ela começa a andar, segurando suas roupas, mas é arremessada longe pelo tapa na cara que Nikkós lhe dá. A garota abraça a si mesma, num canto da cama, chorando e com a boca sangrando. Ele se aproxima com toda sua fúria de mim e me segura pelos ombros.
— Você vai fazer o que eu mandei!
Nego, e ele me sacode.
— Quem você pensa que é, seu maldito balofo brocha?! Eu comprei a porra de uma virgem, e você vai entrar rasgando dentro dela...
Olho para a garota, encolhida na cama, seu corpo nu trêmulo de medo, lágrimas grossas escorrendo por seu rosto. Meu estômago revira, engulo em seco várias vezes e mantenho a respiração constante para não vomitar aqui mesmo.
Nikkós continua falando, mas não escuto mais sua voz. Deixo minha mente em branco, não demonstro nenhum sentimento sequer, para não o deixar ainda mais excitado com meu desespero. A verdade é que eu estou angustiado. Não quero fazer isso com ela, não é justo, não quero machucar ninguém!
Não escuto mais a voz dele, embora sua boca se mexa sem parar. Sinto cuspes sendo atirados na minha cara, mas não ouço nada.
Ele me solta e vai até seu paletó, que ele colocou no encosto da cadeira, e pega sua carteira. Fala algo comigo, mas não escuto. Em minha mente toca uma música que aprendi a tocar no violão há pouco e, enquanto ele joga dinheiro para cima, vou cantando-a mentalmente:
“But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here.
I don't belong here.”26
De repente a música dentro de mim cessa, meu corpo esfria como se eu estivesse morrendo ao vê-lo tirar a roupa.
— Pai, não!
Tento impedi-lo, mas me empurra forte, e eu caio para trás. Levanto-me rápido, porém, não o suficiente para impedi-lo de a machucar. O grito que ela dá congela meu coração. Ele tampa a boca dela, impedindo-a de gritar mais por socorro, e eu me sinto um inútil.
Puxo-o de cima dela, preocupado de ele a matar. O desgraçado cai no chão rindo. A garota chora muito, suas coxas banhadas de sangue. Aproximo-me para tirá-la da cama, mas ela se encolhe como um animalzinho ferido. Pego um lençol e a cubro. Ela bate os dentes de tanto que treme, geme alto e se contorce na cama.
— Você a machucou! — grito e olho para Nikkós, deitado no chão do quarto, roncando.
A menina se ergue. Tento ajudá-la, mas ela se afasta de mim como se estivesse com muito medo.
— Não me toque, por favor, não me toque!
Dou vários passos para longe dela, sentindo-me sujo, a alma queimada, chamuscada pelas chamas do inferno que meu próprio pai criou para mim.
Eu sou um monstro!
Minutos depois que ela sai do quarto, faço o mesmo, decidido a ir embora daquele antro de podridão, mas então olho a janela, os raios do sol entrando pelos vitrais coloridos e penso se não é melhor acabar com tudo de vez. Ir embora para sempre!
Eu sou insignificante demais, não faço a mínima falta para ninguém e só estou causando dor.
Termino de costurar o urso e respiro fundo, indo de bicicleta até um orelhão bem distante do colégio. Tremo ao fazer a ligação, mas, assim que faço o que estou há duas semanas planejando fazer, sinto-me melhor, apreensivo, com medo de dar um tiro n’água e piorar ainda mais as coisas.
Eu tentei me matar, mas, quando estava pendurado naquela maldita janela, algo me puxou para trás. Talvez eu mesmo tenha me desequilibrado, mas isso aconteceu despois que me lembrei dela, da menina que toda noite é trancada no quartinho, que chora, implora pela luz, a mesma menina que sorri para mim com sua pureza e inocência contrastando com toda a imundície à nossa volta.
Ela é pequena, não tem ninguém e, provavelmente, será a próxima a estar em um quarto para ser violada brutalmente por um bêbado qualquer. Eu não deixarei isso acontecer. Não pude impedir naquela noite, mas não vou mais ficar parado olhando as atrocidades contra crianças e adolescentes acontecerem naquele lugar.
Denunciei, e fiz isso a vários órgãos diferentes para não correr o risco de madame Linete subornar alguém para que nada aconteça. Nessa noite estarei novamente por lá, com Nikkós, e deixarei o urso que comprei para ela como presente de despedida, na esperança de que consiga sair do inferno.
Um anjo em meio a tantos pecadores e demônios. Ela precisa escapar.
Abro os olhos, a cabeça pesada por tantas lembranças, o coração dolorido por causa da emoção. Pego a carta e a releio com calma, revivendo o momento angustiante em que coloquei o urso em uma caixa e o deixei dentro do armário do sótão, juntamente a uma lanterna.
Tive a ideia de deixar uma carta, mas não queria que ninguém visse, então fiz uma brincadeira com o destino: costurei a carta atrás da roupa do urso – era de marinheiro – e esperava que, quando ela fosse lavá-lo, já fora daqui, pudesse encontrar a missiva.
Como isso veio parar nas mãos de Wilka?
Esforço-me para lembrar com mais detalhes do rosto da menina, mas não consigo. Passaram-se muitos anos, o local era mal iluminado, e eu mais a ouvi chorar e pedir por ajuda do que a vi de verdade.
Não demorou muito a apurarem minhas denúncias. Contudo, como eu temia, deve ter havido muita propina, pois nada aconteceu ao estabelecimento, nem à dona dele. Apenas a menina que vivia naquele sobrado foi retirada de lá e levada para um abrigo e, provavelmente, iria para a adoção.
Leio a carta em voz alta:
Finalmente você me encontrou!
A gente mal se conhece, eu sei. A verdade é que nem sei se você sabe ler, mas, como nunca fui bom em falar, decidi escrever. Eu espero que esteja lendo esta carta dentro de um lar de verdade, cercada de amor, de alegria e segurança. Meu último ato de fé é esperar que você tenha tudo o que deveria ter: uma família.
Provavelmente você deve estar se perguntando quem escreveu isso e por qual motivo escondeu dentro desse bichinho de pelúcia, ou então se lembrou de mim, de quando resgatei aquele velho urso caolho que vivia em seus braços.
Por quase um ano eu ouvi seus pedidos de socorro, trancada naquele quarto escuro, e eles, ao mesmo tempo em que saíam de sua boca, eram os meus também. Eu nada podia fazer para me ajudar, mas espero ter conseguido ajudar você.
“Por quê?”, você deve estar questionando, afinal nunca trocamos uma palavra sequer, você é/era uma menina, e eu, um adolescente esquisito, uma aberração grandalhona. É simples, você me salvou. Salvou o mínimo de esperança dentro de mim, me fez querer continuar lutando, e eu percebi que a forma de manter viva dentro de mim essa humanidade que ele teima em tentar destruir é te dando a chance de ser diferente.
Eu espero que seja feliz, brinque, seja amada, cresça, ame e contagie a todos com o mesmo sentimento que me fez voltar a ter esperança. Porém, se um dia, por algum motivo, voltarem a te trancar em um quarto escuro, basta fazer o que fez no dia em que resgatei aquele velho urso: sorria.
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!
Ponho-me de pé em um salto, tudo ficando claro de repente. O sorriso de Wilka, a forma como entrou na minha vida, no aplicativo e na Karamanlis, o que ela me despertou e o que me faz sentir.
É loucura demais, porém, não consigo ter outro pensamento senão o de que, 23 anos depois, a menina do armário e eu voltamos a nos encontrar.
Eu a salvei naquela época, e ela me salvou agora.
— Onde ela está? — pergunto assim que Vera abre a porta.
Desde ontem estou repetindo essas palavras, querendo saber o paradeiro de Wilka. A partir de quando encontrei a carta no chão da sala junto às minhas roupas em sacos pretos, desesperei-me para saber onde ela estava, querendo ir atrás dela a qualquer custo a fim de lhe dizer que confiava nela e que a amava.
— Kika me pediu para entregar suas coisas e pegar as... — ela não consegue terminar de falar, pois Kaká passa por baixo de suas pernas como um foguete, dando pulos de alegria, fazendo seu característico mijo da felicidade ao me ver.
Abaixo-me, pego-o no colo e, fazendo carinho em sua cabeça, questiono de novo:
— Onde ela está, Verinha?
A mulher respira fundo, estende as mãos para que eu lhe devolva o cachorro e nega.
— Ela precisa de um tempo, está muito magoada, não vai demorar. — Encara-me. — Pegue suas coisas e deixe as chaves com o Joca, por favor.
— Não. Eu não vou. — Ela bufa com minha teimosia. — Eu preciso conversar com ela.
— Para quê? Vai magoá-la ainda mais?
Nego, mas ela não me deixa falar mais nada, batendo a porta na minha cara.
Tomo a decisão de me instalar no apartamento de Wilka até que ela retorne, já que deixou Kaká para trás e isso é indício suficiente de que não vai demorar. Entro no apartamento, sirvo-me de mais uma dose de bourbon e ligo para todo mundo que conheço que pode obter informações sobre a nossa concorrente. Preciso descobrir quem foi que sabotou o projeto e provar a inocência de Wilka.
Ligo para o detetive que coloquei atrás de Theodoros e o encarrego de ir até o Rio de Janeiro e fazer o necessário para conseguir informações dentro do governo. O contato de Millos passou apenas parte de documentos para meu primo, porém, preciso deles em sua íntegra, bem como os detalhes da negociação relâmpago que fizeram às nossas costas.
Quem quer que tenha sido o responsável por isso, terá que enfrentar as consequências de seu ato. Plagiaram um documento sigiloso da Karamanlis e passaram informações privilegiadas à nossa concorrente direta, pondo em risco um negócio de milhões, e isso não ficará impune.
Escuto barulho no corredor do prédio e saio correndo do apartamento, esperando ver Wilka, mas é Verinha com Kaká desesperado para pular no meu colo, e, pela expressão da vizinha, ela só veio atrás de mim por causa do pequeno york.
— Ele chora demais quando ouve sua voz. — Verinha me entrega o bichinho. — Fica na porta, cheirando por baixo dela, sentindo seu cheiro no corredor do prédio. — Ela suspira. — Não posso fazer o bichinho sofrer, é maldade! — Dá de ombros. — Por algum motivo, ele gosta de você.
Faço festa e falo com Kaká, recebendo lambidas alegres no rosto.
— Ele também sente falta dela — apelo. — Me diga onde ela está e acabe com nosso sofrimento.
— Eu prometi...
— Verinha, eu a machuquei, mas quero pedir perdão.
— Eu prometi, e não quebro minhas promessas. — Ela acaricia o Kaká em meu colo. — Ela não deve demorar a voltar, só precisava de um tempo para digerir tudo o que houve.
— Entendo. Kaká pode ficar comigo no apartamento?
— Eu ia levá-lo para passear um pouco.
Respiro fundo.
— Pode deixar, que eu levo.
Verinha concorda e me entrega a guia, uma luva e um saquinho plástico. Nunca passeei com um cachorro antes, não fazia nem ideia de como era ter um bicho de estimação antes de começar a conviver com o Kaká, mas sei o quanto Wilka ama esse cachorro, e estar perto dele, de certa forma, me aproxima dela também.
Caminhamos por um bom tempo, parando quase de poste em poste para ele demarcar seu território. Aprendo o motivo de levar a luva e o saco plástico quando ele deixa um belo cocô na calçada. Mexo com ele sobre sua educação e devo parecer um doido conversando com o cãozinho no meio da rua.
Para falar a verdade, a cena toda deve ser hilária! Um homem do meu tamanho passeando com um york, desabafando com ele como se fosse gente, relembrando momentos juntos – nós três, claro – e o consolando por estar triste e com saudades de Wilka.
— É, Kaká, eu entendo, amigão! — digo pouco antes de entrar no prédio com ele em meu colo. — Nós a amamos muito!
Já faz quase uma semana, e Wilka não voltou ainda. Não saí de perto do prédio nesse tempo, passei a trabalhar no apartamento dela, dando-lhe o tempo que precisava para digerir tudo o que aconteceu e cuidando do Kaká. O problema é que, quanto mais ela demora, mais eu me desespero.
Já pensei em colocar um detetive para descobrir seu paradeiro e ir atrás dela, cheguei a ligar para um, na verdade, mas depois achei melhor dar um tempo. Eu a magoei demais, e, da mesma forma que precisei de um tempo digerindo tudo, ela também precisa.
Todos os dias passeio com o Kaká, rego as plantas do apartamento dela, trabalho e durmo aqui, sentindo-a mais perto de mim. Em um desses dias, encontrei-me com o bombeiro metido a fortão, e sua expressão ao me ver foi de espanto, tamanho meu desalinho.
— Meu, se toca e vai embora, ela não quer mais você! — o desgraçado disse, e eu quase parti para cima dele. Estava precisando descontar um pouco da frustração, e dar umas porradas iria aliviar um pouco a pressão, mas aí notei o menino que estava com ele e desisti daquela loucura toda.
Falei com Alex e Millos, pois queria saber como estavam as coisas dentro da empresa. Meu primo já havia dado início à investigação de espionagem, e Alex tentava apurar, junto à sua equipe, outros possíveis locais para apresentarmos ao cliente e não perder a conta de vez.
— Eu assumi a gerência dos hunters enquanto estamos apurando o vazamento. Os computadores e contas da Kika Reinol foram todos analisados já, e nada foi encontrado — Millos informou durante a ligação.
— Eu sei, não foi ela! — afirmei categoricamente.
— Eu também acredito que não. — Millos respirou fundo. — O Conselho marcou reunião para falar da auditoria sobre Theodoros. Você virá?
— Estarei aí, recebi o e-mail com a convocação.
Ficamos mais um tempo conversando sobre os assuntos da empresa, e, toda vez que ele tentava falar sobre como eu estava, eu desviava a conversa para não desmoronar.
Tento manter a cabeça no lugar para não enlouquecer de vez, desesperado demais sem saber notícias de Wilka. Não consigo sair de seu apartamento, só durmo quando o cansaço me vence, então abraço sua camisola, sentindo ainda seu perfume e apago até a manhã seguinte.
Eu me sinto moído por dentro, sangrando, só de pensar no quanto ela deve estar sofrendo por ter sido acusada de algo que não fez e, acima de tudo, por ter sido tratada daquela forma por mim.
A mulher que eu amo está sofrendo por minha culpa!
— Conseguiu todos os documentos? — minha voz soa impaciente até aos meus próprios ouvidos.
— Consegui. — Ele parece animado do outro lado da linha. — Tive que ir molhando de mão em mão em cada setor dentro do governo, mas consegui cópias dos principais documentos e mais... — O detetive toma ar. — Descobri quanto foi o acerto por fora para passarem a perna em vocês.
— Isso não me interessa por hora, mas muito bem que tenha conseguido. — Sento-me na cadeira de Wilka. — Mande tudo assim que possível.
— Já estou digitalizando e, em breve, estará no seu e-mail.
Desligo o telefone e fecho os olhos, sentindo que agora falta pouco para descobrir o que realmente aconteceu, provar a inocência de Wilka e processar quem quer que esteja por trás disso.
Voltei para a Karamanlis a fim de participar da reunião do Conselho de Administração e votar sobre a situação de Theodoros depois de uma semana longe da empresa. A reunião foi longa, tomou mais tempo do que eu imaginava, porém, fiquei satisfeito com o resultado.
Fui dormir no apartamento da Wilka, passei na Verinha para pegar o Kaká e mandei mais mensagens longas e cheias de saudades para ela, mesmo que seu celular não esteja recebendo nada.
Eu ainda não tinha vindo até a gerência de hunter depois do que aconteceu naquela noite. A última imagem que tenho dela aqui é de seus olhos cheios de lágrimas e minha voz acusadora pedindo explicações que ela se recusava a me dar.
Não preciso de nenhuma mais! Ainda não sei o que significavam aqueles telefonemas, nem mesmo o dinheiro em sua bolsa ou com quem ela se encontrou naquele carro, mas nada disso importa para mim.
Confio nela!
Eu sei que deveria ter tido essa confiança desde o começo. A verdade é que eu tinha, sempre tive confiança nela, só não soube como demonstrar isso.
Inclino-me para frente e deito minha cabeça na mesa dela, encostando a testa na madeira, olhos fechados, coração doendo, arrependido por nunca ter aprendido uma prece sequer na vida que possa fazer agora, uma oração para que um ser supremo me ouça e a traga de volta, pois a saudade está me matando.
— Kostas.
Levanto a cabeça e vejo Theodoros parado na sala.
— Oi — cumprimento-o e seco do rosto as lágrimas que nem sabia que tinha vertido.
— Eu soube que você estava aqui e queria conversar. — Theo franze o cenho. — Está tudo bem?
— Claro que sim. — Ponho-me de pé. — O que você precisa conversar comigo?
Theo fica um tempo me olhando, mudo, como se estivesse me analisando.
— Sobre a reunião. — Arqueio a sobrancelha, tentando não demonstrar nada. — Millos me contou que eles chegaram a um impasse, pois a auditoria não apontou nenhuma irregularidade, mas ainda assim alguns queriam continuar...
— Seria burrice — interrompo-o. — Se a auditoria não apontou nada, não tinha motivo para continuarem investigando, só iria expor a empresa a um escândalo, e nós não precisamos disso nesse momento.
Theodoros assente.
— Eu sei disso, mas me surpreendeu que você tenha falado e votado a meu favor nessa reunião. — Dou de ombros como se fosse bobagem. — Assim como fiquei surpreso quando minha filha me mostrou o urso que um amigo do Millos deu de presente para ela. — Tento fazer minha expressão de tédio, mas não consigo, emocionado ao me lembrar de Tessa. — Achou que eu não me lembraria de seu apelido de infância?
— Isso... — Engasgo, sem conseguir controlar meus sentimentos.
Respiro fundo várias vezes, tentando voltar ao controle de minhas emoções, mas sem sucesso. Eu não tenho mais as máscaras que usava, nem mesmo as paredes defensoras que me afastavam do sofrimento, mas que também me impediam de amar e ser amado.
Theodoros se aproxima de mim e toca meu braço.
— Ela adora aquele urso, e tenho certeza de que irá adorar receber a visita do Tim agora, que já está em casa. — Só consigo balançar a cabeça. A garganta está tão espremida pelo peso de tantos sentimentos que não consigo emitir nenhuma palavra sequer. — Obrigado pelo que fez na reunião e por ter alegrado minha menina em um momento tão difícil de sua vida. — Ele sorri. — Eu gostaria de agradecer a Kika Reinol também, mas acho que vou ter que esperar ela retornar ao trabalho.
— Eu não sei onde ela está... — falo para mim mesmo.
A expressão de surpresa no rosto de Theodoros é flagrante. Seus olhos azuis – o único traço familiar que compartilhamos – estão muito arregalados com a constatação de que há algo entre mim e Wilka além do profissional.
— Ela não está em São Paulo? — ele indaga assim que consegue se recuperar da surpresa, e eu nego. — Você já foi ao apartamento...
Rio, meio desesperado.
— Eu estou morando lá, tomando conta do Kaká, que também anda doido de saudades dela, sem ter ideia de onde ela pode ter se metido.
— Kaká? — Theodoros pergunta, mas depois balança a cabeça. — E Malu Ruschel? Já falou com ela?
Agora quem arregala os olhos a ponto de quase deixá-los cair da cara sou eu. Porra! Por que não pensei na Malu Ruschel?!
— Claro! — Levanto-me em um pulo. — Malu, no Pantanal! Wilka deve estar lá! — Pego o celular. — Preciso arranjar um voo...
— Kostas — Theo me chama. — Acho que não vai ser necessário. — Encaro-o. — Ela foi convocada a prestar esclarecimentos sobre o que aconteceu, estará aqui amanhã.
— Ela confirmou que vem?
— Sim! — Theo bate no meu ombro. — Ela vem, e eles esperam você para uma reunião também, não recebeu o e-mail?
— Não olhei. — Bufo. — Alex e Millos disseram que nada foi apurado!
— Exatamente, por isso a reunião. — Theodoros parece preocupado. — Dois conselheiros vão participar, além dos outros diretores, então a coisa não vai ser fácil.
Merda!
Sinto-me um merda por não ter descoberto nada ainda, mas me consolo dizendo a mim mesmo que estarei aqui amanhã e a defenderei com todas as minhas forças.
A luz do sol atravessa as frestas entre as ripas da janela de veneziana, demarcando seus raios, fazendo brilhar como purpurina dourada tudo em que toca. Fico por um tempo olhando esse espetáculo, tentando deixar a cabeça em branco, evitar remoer lembranças e fazer vãs questionamentos.
Porém, não dá.
Não por muito tempo.
Suspiro, e uma lágrima escorre sorrateira, pinga na fronha do travesseiro e é imediatamente absorvida pela maciez do algodão. Várias outras seguem o mesmo caminho, umedecendo um ponto abaixo de minha bochecha, mas não me movo, continuo a olhar os raios dourados, anestesiada, incapaz de pensar que, mesmo depois de tudo o que passei, possa ainda sentir essa dor ardente.
Cheguei aqui, à Paraíso, há uma semana, buscando o amparo que só poderia achar nos braços daquela a quem considero como uma irmã. Gastei o que não podia para comprar uma passagem para Campo Grande, e, de lá para Aquidauana, foi Malu quem arranjou o fretamento do pequeno avião.
Passei depois mais algum longo tempo sacolejando pelas estradas até chegar aqui, à fazenda, mas valeu cada músculo dolorido quando ela, com seu ventre inchado de nove meses de gestação, abraçou-me e chorou comigo mesmo sem saber da história toda.
— Preparei um quarto para você — ela me disse enquanto caminhávamos para a casa. — Pode ficar o quanto quiser. — Sorriu. — Pode ficar para sempre e trabalhar comigo na pousada.
Balancei a cabeça em agradecimento e negativa.
— Eu só preciso de um tempo para lamber minhas feridas, mas vou voltar. — Malu abriu um sorriso enorme. — Não posso deixar que me atribuam algo que não fiz e encerrar minha carreira dessa forma.
— Isso! — Ela bateu palmas e pulou animada, fazendo seu Xucro, parado na entrada da casa, pigarrear. — Guilherme, Kika e eu precisamos de privacidade para conversar. — Ela alisou o pescoço dele. — Você se importa se eu dormir com ela essa noite?
Pode parecer engraçado, mas vi alívio na expressão do homem e já imaginava o motivo. O apetite sexual de Malu aumentou muito com a gravidez, e, pelo que eu pude perceber, ela estava dando canseira ao seu Xucro.
— Claro, Dondoquinha! — Ele a beijou cheio de carinho, e isso oprimiu meu coração.
Não sou invejosa e, muito menos, sinto isso por Malu e Guilherme, apenas me lembrei da forma com que Kostas também fazia isso, como me abraçava na cama na hora de dormir, beijava minha testa, cheirava meus cabelos e relaxava. Eu me sentia tão protegida, tão querida e, mesmo sem ele nunca ter dito nada, tão amada.
Acho que me enganei sobre as minhas sensações.
O quarto que Malu preparara para mim era ótimo! Ela me ajudou a desfazer a mala, ambas em silêncio, fazendo o que mais gostávamos no mundo: organizar. Depois disso eu fui para o banho, e, quando saí, ela me esperava com uma comida de fogão a lenha que fez meu estômago roncar alto.
— Eu nunca pensei que isso aqui fosse tão bonito! — comentei.
— Você não viu nada! — ela disse animada. — Lembra as fotos que mandei para vocês quando estava procurando a área do resort? — Assenti. — É ainda mais linda nesta época do ano.
Pus a mão em sua barriga.
— E minha afilhada? — Ela riu por eu continuar insistindo que era uma Xucrinha que vinha. — Será que vou conseguir assistir ao seu parto?
Malu fez careta.
— Olha, nem eu queria assistir! — Riu. — Ainda lembro o da minha irmã mais velha e fico em agonia, mas, se você insistir e não se traumatizar depois...
Dei de ombros.
— Pelo visto não vou ter filhos mesmo! — Solucei. — Não nasci para ter uma família.
— Uau! — Malu ficou séria. — A positiva e liberal Wilka Maria dizendo isso? — Levantou a sobrancelha. — Houve mais do que me contou, não foi? — Assenti. — Konstantinos Karamanlis, além de ter te acusado de algo absurdo, ainda quebrou seu coração... Agora como ele fez isso?
Comecei a chorar, lembrando-me de quando eu começara a digitar uma mensagem para ela em desespero para contar sobre Kostas, mas desistira.
— Eu me apaixonei por ele, Malu.
Primeiro, Malu parecia que não tinha ouvido o que falei, mas depois a incredulidade tomou conta do seu semblante seguida de choque e total descrença.
— O que foi que eu perdi? — Deitei-me na cama, e ela se deitou ao meu lado, sua enorme barriga para o teto. — Eu sentia que o seu jeito de falar dele havia mudado, mas achei que era por conta da convivência no trabalho, não por outra coisa.
— Ele é o Portnoy.
Não sei como, mas a mulher conseguiu se virar de lado e me encarar com os olhos abertos como dois pratos de restaurante a quilo.
— O seu caso virtual era o Kostas Karamanlis?! — Malu falou tão alto que achei que todos naquela fazenda passaram a saber da minha história.
— Era, e ele descobriu primeiro que eu era a Caprica. — Ela fez careta para o apelido que eu usava. — Se aproximou de mim, nos envolvemos, e só depois ele me contou sobre o aplicativo.
— Meu Deus!
Ri do assombro dela.
— Ele era... diferente do homem que conheci dentro da Karamanlis.
— Espera, Kika! Primeiro preciso digerir a informação de que vocês tiveram um caso, porque, se me perguntassem sobre um casal que eu achava impossível, diria o nome de vocês sem sombra de dúvidas. Vôti! — Ela se sentou, toda desconjuntada. — Você é essa potência de mulher, livre, segura de si, animada, e ele é... estranho! — Ela fez careta. — O pessoal dizia que ele era tão frio que via sexo como uma relação de negócios, por isso só transava com putas.
Neguei a informação, e ela fez mais uma cara de assombro.
— Kika, eu nunca soube de um envolvimento dele com ninguém, e olha quantos anos trabalhei naquela empresa! Já tinha visto Theo e Alex com algumas mulheres, o doutor Millos é daquele jeito discreto, nunca me encontrei com ele em baladas, mas, nos eventos sociais que íamos, ele estava sempre acompanhado pela Sâmela, uma amiga dele de muitos anos. Mas Kostas? — Ela negou. — Nunca, no máximo com garotas de programa.
— Eu não sei o que nos levou um para o outro, mas aconteceu.
Malu voltou a deitar ao meu lado e fez carinho em meus cabelos.
— Eu sei como é isso, acredite — disse com um sorriso. — Eu juro que não tinha entendido sua reação ao que houve, porque a Kika que eu conheço nunca se afastaria sem antes provar a todos que estão errados. Ele te magoou muito ao não confiar em você, não foi?
— Foi! — Tentei sorrir, mas não deu, solucei. — Eu achei que ele sentia por mim o mesmo que sinto por ele. Em momento algum, mesmo sabendo que, se perdêssemos a conta, ele prejudicaria ainda mais o Theo, eu desconfiei dele.
— Ele tinha mais motivos para querer isso do que você, Kika.
— Eu sei, mas, mesmo assim...
Chorei abraçada a ela durante muito tempo. Malu era a única que conhecia parte da minha história e, por isso mesmo, estava ciente de tudo o que eu tinha feito nos últimos meses para manter o passado em seu lugar.
— Ele desconfiou por causa das ligações e do dinheiro — comentei.
— Puta que pariu! — Secou minhas lágrimas. — Ele entendeu tudo errado! Por que não contou a ele?
Fechei os olhos e me lembrei do último encontro que tive.
— Está tudo certo?
Não me respondeu, apenas terminou de contar as notas.
— Parece que sim! — Sorriu, e senti nojo de sua expressão. — Sabe, acho que pedi pouco.
— Não se atreva! Todo meu futuro está aí em suas mãos. O que economizei, o que ainda nem ganhei e até um bem que não é meu!
Senti o coração apertar ao pensar na Malu e no que fizera por mim. O imóvel em que eu morava ainda estava no nome dela, pois ainda não havia terminado de pagar. Então, para o empréstimo, ela tivera que fazer um documento para que eu desse o bem em garantia.
— Você se acha muito esperta, garota. Acha que não vi um dos donos da empresa onde trabalha sair do seu apartamento todos os dias? — Um arrepio gelou meu corpo ao perceber que tinha sido vigiada. — Eu poderia exigir mais dinheiro e, talvez, o faça, afinal, ele me conhece, e imagina como reagirá ao saber que você...
— Não se atreva!
As risadas encheram o carro, provocadas pela satisfação de saber que conseguira outro ponto fraco para me golpear.
— Porque seria pior — respondi a Malu, deixando de me lembrar daquele dia. — Preciso apenas descobrir quem fez isso. Não importa mais o que eu sinto por ele.
— Tem certeza?
Não!, eu quis gritar, mas engoli o desespero e tentei focar em recuperar meu coração e voltar para São Paulo disposta a provar minha inocência.
Depois desse primeiro dia, mergulhei com Malu na papelada da empresa que ela está montando aqui.
A Pousada Ecológica Paraíso será o grande empreendimento do lugar, além de uma fonte de renda para as pessoas que moram no entorno. Os projetos estão sendo feitos por uma grande empresa de arquitetura de São Paulo e com o acompanhamento de Alex, o que me surpreendeu.
Foi assim que preenchi meus dias, acompanhando o ritmo frenético de trabalho de Malu, participando das rodas em volta da fogueira no final da tarde, tomando tereré, cantando moda de viola com a peonada e aprendendo a andar a cavalo.
À noite chorava, sentia saudades, perguntava-me como ele estava com isso tudo, sentindo desesperança, solidão e medo. Era como se eu voltasse a ser a menininha que trancavam no armário da despensa no escuro, sem ninguém para me defender e nenhum amigo para conversar comigo do outro lado da porta.
Senti-me assim ainda mais depois de perceber que havia perdido a carta que sempre carreguei comigo como um amuleto. Achei-a meses depois de ter encontrado o urso no armário dentro de uma caixa aberta junto a uma lanterna.
Na última noite que passei naquele lugar, tive luz, um bichinho para apertar contra meu corpo e o pensamento de que aquele garoto grandão e assustador era na verdade meu anjo da guarda. Então, quando achei a carta, já morando com meus pais adotivos, tive a certeza disso.
Nunca soube seu nome, mal me lembro dele, mas sua carta mudou minha vida e me fez ser uma pessoa muito melhor. Queria ter a carta comigo, ainda mais agora, que sei que terei que voltar para a empresa para esclarecimentos depois de amanhã. Queria estar com ela no meu bolso, devolvendo minha esperança, fazendo-me crer que uma atitude positiva pode mudar qualquer cenário ruim.
Seu sorriso pode iluminar qualquer escuridão!
Ouço uma batida forte na porta do meu quarto e seco o rosto, deixando esses pensamentos de lado, tentando parecer bem e recuperada.
— Entra!
Dona Sueli, a tia do Guilherme, aparece sorridente.
— A bolsa da Malu estourou — informa, e eu me sento na cama assustada e animada. — Nosso bezerrinho vem aí!
Levanto-me e ponho a primeira roupa que encontro, correndo para o quarto deles. Bato à porta, e o Xucro me atende, um pouco pálido e com a testa suada de nervosismo.
— Como ela está? — pergunto baixinho, mas ela me ouve.
— Como vocês acham que... — ela respira igual a um cachorro, segurando a barriga, e eu arregalo os olhos de medo — eu estou, porra!?
Guilherme ri, mas ela lhe dá um olhar tão mortal que logo fica sério.
— Ei, Malu, fica calma... — tento apaziguá-la, mas logo desisto.
— Eu estou calma! — ela grita. — Vocês que estão me deixando nervo... — Outra contração a faz travar os dentes e emitir sons assustadores.
Aproximo-me de dona Sueli, preocupada, e inquiro baixinho:
— Isso é normal? — A senhora ri e concorda. — Força, Malu, já, já isso acaba e...
— Não — dona Sueli interrompe meu discurso motivacional. — Ainda vai demorar um tempinho, Kika.
E demora.
Puta merda, como demora!
Ela respira cachorrinho, chora, ri, beija o marido, ameaça chamar um dos peões para capá-lo, e é assim, nem sempre nessa ordem, até que vejo Guilherme amparar o bebê nos braços, os olhos azuis cheios de lágrimas, enquanto ouço seu riso.
Dona Sueli recolhe as coisas usadas no parto e as leva para fora.
— É lindo seu menino, minha amiga — parabenizo-a, pegando em sua mão, enquanto o Xucro examina o bebê.
— É nosso menino, Kika! O Xucrinho é seu afilhado. — Beijo sua testa suada, engasgada com as lágrimas de alegria, temerosa pela responsabilidade, mas grata por tê-los em minha vida. — Escolhemos um nome.
— Ah, enfim vão revelar! — mexo com ela, pois, além de não quererem saber o sexo do bebê, também não falaram as opções de nome.
Guilherme aparece com meu afilhado já limpinho, com uma touca na cabeça e luvinhas nas mãozinhas, embrulhadinho como um pacotinho, e o entrega para Malu.
— Gael, esse é o nosso Gael!
Meu coração se inunda de amor por esse ser pequenininho de tal forma que nunca sonhei sentir. Não pensei em ver minha amiga viciada em trabalho se entregar dessa forma a um ser tão pequeno e indefeso.
— Preciso cuidar de você agora, meu amor — Guilherme fala para Malu. — Consegue se levantar para tomar um banho?
Ela concorda e estende o embrulhinho para mim.
— Sério? — pergunto nervosa, sem jeito, pegando o pequeno toda torta. — Ah, meu Deus! E se ele chorar ou quiser mamar...
— Vai querer daqui a pouco — Xucro não ajuda. — Mas já estaremos de volta.
Concordo e embalo o pequeno Gael, meu pequeno afilhado, um pedacinho do amor dos meus amigos cujo cuidado me confiaram e cuja participação em sua vida me deram a honra.
— Eu prometo, Gael, que você vai sentir muito orgulho de sua tia e que nunca vai se sentir desamparado e só. — Cheiro-o, gravando na memória seu perfume natural, lamentando não ter muito mais tempo para ficar com ele. — Eu vou voltar para São Paulo, resolver minha vida lá e, quem sabe, retornar para ajudar a mamãe e o papai a fazerem essa pousada acontecer.
Ando de um lado para o outro dentro da empresa, conferindo as horas a todo momento. Já está próximo do horário agendado no e-mail de convocação para a reunião sobre a Ethernium, e eu já estou na sala de reuniões esperando Wilka chegar.
Conhecendo-a como a conheço, sei que virá com antecedência, irá organizar suas coisas e aguardar o início da reunião já com tudo pronto para se defender seja como for.
A verdade é que eu estou um caos!
Esbravejei com metade da minha equipe, reuni e ameacei os hunters, deixando bem claro que, se descobrirmos que algum deles é um traidor, iremos enterrar a carreira dessa pessoa. Estou uma pilha de nervos desde ontem, quando Theodoros me contou da reunião e da vinda de Wilka.
Eu preciso de respostas, preciso defendê-la, nem que para isso tenha de mover meio mundo a fim de descobrir como foi que toda essa merda aconteceu. Não há o que eu não faça para ter Wilka Maria ao meu lado, o que eu não renuncie por ela. Estou aqui disposto a tudo para ajudá-la a provar sua inocência, para que me perdoe e torne a repetir que me ama, mesmo depois de tudo o que a fiz passar.
Respiro fundo, temeroso da reação de Wilka à minha presença aqui nesta sala, ansioso pelo modo com que irá receber o que eu tenho a lhe dizer sobre nós dois, sobre a forma como nossas vidas foram entrelaçadas desde quando éramos crianças.
Wilka Maria é a tradução de todos os meus sonhos em realidade; não posso perdê-la. Com ela, desde o início, eu me senti completo, relaxado, confiante e feliz. Ela é meu remédio, consegue me curar das dores do passado, é meu anjo, minha salvação. Wilka é meu lar!
Não tenho a ilusão de que será fácil reconquistar sua confiança; machuquei-a demais, em muitos momentos e de várias formas. Mesmo assim, mesmo com tantas situações que passamos juntos, ela abriu seu coração e se entregou a mim da maneira mais pura e sincera que existe.
É a minha vez de mostrar a ela que eu lhe pertenço e que, mesmo sendo o homem fodido que sou, a amo.
Não quero que você seja o homem que eu mereço, quero apenas que seja o homem que eu amo!, as palavras dela renovam a esperança de tudo dar certo, não porque eu sinta que a mereça, mas certamente sou o homem que a ama.
A porta da sala de reuniões é aberta, e ela para ao me ver. Seguro o fôlego, receoso de que dê meia-volta e não me dê a chance de conversarmos antes de todos os partícipes da reunião chegarem.
Reparo na palidez de seu rosto, nas olheiras. Acho que ela perdeu peso, e isso me fere por pensar no quanto sofreu todos esses dias. Sinto falta de seu sorriso, do brilho nos seus olhos e até mesmo da expressão debochada e seu jeito pimenta de ser. É necessário que eu me convença a ficar parado aqui onde estou, pois minha vontade é de ir até ela, abraçá-la com força e garantir que nada, nem ninguém nunca mais a machucará.
Nem mesmo eu!
— Eu estava esperando você — arrisco começar a conversa.
Wilka titubeia, mas logo entra na sala e fecha a porta. Ela me encara, séria. A mágoa é evidente em seus olhos.
— Não imaginei que o encontraria aqui hoje. — Dá de ombros. — O que você quer? Me acusar ainda mais?
Respiro fundo e olho para a porta, prevendo que a qualquer momento teremos companhia. Aproximo-me de onde ela está.
— Não, não estou aqui para isso. — Paro a uma distância segura para não a amedrontar e a fazer fugir de mim. — Estive te procurando esses dias. Precisamos conversar.
Ela nega.
— Não temos mais nada a conversar. Não é um bom momento. Em breve vou passar por uma situação estressante, tendo que responder a perguntas para as quais talvez não tenha resposta e não posso ficar aqui perdendo tempo com você.
— Não faz isso, Wilka. — Aproximo-me mais dela, que se retrai. — Temos muito a conversar. Me dê a chance de...
— Você não me deu nenhuma, Konstantinos — ela me interrompe. — Foi logo tirando suas conclusões, me acusando, me condenando. Por que eu deveria te dar uma chance para...
— Porque eu amo você! Eu amo...
— Isso fez alguma diferença para mim? — Seus olhos brilham de lágrimas, porém, ela se mantém forte. — Fez alguma diferença eu ter dito a você como me sentia? Não, não fez!
— Wilka, eu... — sou interrompido quando a porta se abre. Millos, Theodoros, Alex e os demais diretores entram na sala.
— Bom dia a todos! — Theodoros cumprimenta-nos. — Konstantinos, sua reunião é logo após a da senhorita Reinol, então...
— Eu não vou sair, Theodoros! — declaro.
Millos bufa, olha para Alex e depois vem ao meu apoio.
— Acho que ele deveria ficar, afinal os dois trabalhavam nesse projeto juntos.
— Eu prefiro que ele saia — Wilka me surpreende.
— Não vou sair! — rebato.
— Tudo bem — Theodoros decide. — Mas, se eu sentir que você está atrapalhando ou constrangendo a senhorita Reinol, ponho você para fora na marra.
Sento-me à mesa no exato momento em que os dois conselheiros mais conservadores entram na sala. Noto a tensão de Wilka ao vê-los e tenho vontade de pegar em sua mão e lhe garantir que tudo dará certo.
— Bom, essa reunião com a senhorita Reinol foi um pedido do Conselho para averiguar a suposta participação dela no vazamento de informações confidenciais da Karamanlis — Theodoros começa. — Em seguida iremos ouvir o outro envolvido, o diretor jurídico responsável pela conta, Konstantinos Karamanlis, que se faz presente nessa reunião.
— O que é ótimo, pois podemos promover uma acareação entre eles, caso seja necessário — um dos conselheiros sugere, e eu travo o punho de raiva.
— Boa ideia! — O outro conselheiro aplaude.
— Senhorita Reinol, está conosco há quanto tempo?
Wilka começa sua explanação falando do tempo em que entrou na empresa, atuando como estagiária, depois como assistente de Malu Ruschel e, por fim, de sua promoção a gerente.
Lembro-me da época em que éramos apenas Portnoy e Caprica, e ela me falou de sua paixão por esta empresa, de que a via como uma família e de sua tristeza por ter de deixá-la por outra, mesmo ganhando mais. Wilka demonstra seu amor pelo trabalho, pela Karamanlis em cada explicação que dá, e apenas um idiota – como eu – pode pensar que ela pudesse fazer algo que prejudicasse a empresa.
— Quando a senhorita recebeu o documento do diretor jurídico?
— Uma semana antes de sabermos do vazamento.
O conselheiro olha para umas anotações, provavelmente material da investigação.
— E por que só transmitiu o documento para o funcionário Leonardo Dias depois?
— Ainda estávamos preparando todos os materiais para apresentar ao cliente, e eu sempre deixo os documentos sigilosos por último, exatamente para ter um controle maior sobre eles.
— Isso significa que a senhorita não confia em sua equipe?
Wilka toma fôlego e nega.
— Isso significa que eu zelo pelos documentos que produzimos. Eu confio totalmente na minha equipe, só não via motivos para liberar no sistema um documento que seria o último a ser acostado no briefing.
Concordo plenamente com ela e me culpo por ter interferido no modo como ela trabalha, liberando eu mesmo o documento para o Leo. Não acho preciosismo ela proteger documentos, mesmo porque eles passam por várias mãos, não só da sua equipe, pois vão para o pessoal que trabalha com nosso material gráfico, depois são colocados pelos estagiários nas pastas e encaminhados para os hunters.
— Chegou ao nosso conhecimento que a senhorita recebeu ligações que a deixaram nervosa e que...
— Eu não entendo o motivo pelo qual a vida pessoal dela deva entrar em pauta — interrompo-o.
— Doutor Konstantinos, embora o senhor seja advogado, preciso lembrá-lo que aqui é mero espectador, então deixe que a senhorita Reinol responda ao questionamento.
— As ligações foram de ordem pessoal e realmente não têm nenhuma ligação com a empresa. — Ela retira um papel da pasta que trouxe. — O dinheiro que eu sei que vocês irão questionar daqui a pouco — Wilka me olha de esguelha — veio de um empréstimo que fiz para ajudar uma pessoa.
Ela entrega o documento, e todos o analisam.
— É muito dinheiro! — um dos diretores comenta.
— Sim, mas foi feito por empréstimo, dando um bem como garantia.
— Está no nome de Malu Ruschel também — Theodoros comenta.
— Malu possui parte do apartamento que usei como garantia, por isso ela teve que assinar um documento para autorizar o pedido de empréstimo.
Olho-a surpreso, sem entender o motivo que a levou a hipotecar seu apartamento. Se ela precisava de dinheiro para ajudar alguém, por que não me contou? Certamente eu a ajudaria.
— Sim, está tudo certo aqui. — Theodoros me passa o documento. — Não achamos nada nos computadores dos hunters e nem nas contas associadas aos funcionários do setor. Iremos continuar as averiguações, mas não vejo motivo para manter a senhorita Reinol suspensa de suas atividades. Todos concordam?
A maioria levanta a mão, porém, um dos conselheiros e um dos diretores se mantêm reticentes quanto à volta dela.
— Acho que ela deveria ficar afastada até descobrirmos o que houve!
— E ficarmos sem um gerente para conseguir outra área para a Ethernium? — questiono-lhe. — A senhorita Reinol e eu temos centenas de outros locais para serem analisados, e, se existe alguém em quem confio para achar o local ideal e para que não percamos esse cliente tão importante, é ela!
Wilka me encara, olhos arregalados.
— Acha que ainda podemos reverter esse jogo? — um dos diretores me pergunta.
— Tenho certeza disso! Não vou descansar até descobrir de onde veio o vazamento, mas isso não nos prejudicou com o cliente ainda. Precisamos de uma área, e a senhorita Reinol já provou por A mais B que é eficiente.
— Concordo com Konstantinos. — Millos sorri, assentindo.
— Eu também. — Alex o acompanha.
Olho para Theodoros e noto o seu sorriso.
Após isso, é minha vez de ser questionado, e respondo a tudo calmamente, mas meus olhos não saem de Wilka. Ao fim da reunião, Theo diz:
— Bem-vinda de volta ao trabalho, senhorita Reinol. Lamentamos muito o ocorrido, e espero que entenda que foi necessário.
Wilka se põe de pé, gigante em seu pouco mais de 1,60m de altura.
— Eu vou terminar esse projeto, ajudar a descobrir quem nos sabotou, porém, depois gostaria de pedir o desligamento definitivo da Karamanlis — sou eu quem fica de pé ao ouvir isso. — Meu trabalho requer confiança, não posso exercê-lo se não a tenho.
— Wilka... — chamo-a, mas não me olha.
— Eu gostaria de me retirar agora para poder conversar com minha equipe.
— Claro! — Theodoros autoriza.
Ela me olha rapidamente, vira as costas e sai da sala. Faço o movimento de segui-la, mas Theodoros me segura pelo braço.
— Espere um pouco. — Ele se despede dos conselheiros e diretores e volta a falar comigo apenas quando Alex, Millos e eu ficamos na sala consigo: — Foi levantada a possibilidade de essa sabotagem ter vindo de você. — Eu bufo, pois já havia imaginado isso. — Nós repudiamos a ideia, ainda mais depois que isso respingou em Kika Reinol.
— Não fui eu! — confirmo.
Theodoros balança a cabeça e me solta.
— Ache quem fez isso e a faça ficar.
— Eu vou!
Saio da sala pensando em uma forma de conversar com ela. Talvez aqui na empresa não seja o local ideal, e eu ainda tenho as chaves de seu apartamento.
Vou para a diretoria jurídica, mas, mal entro em minha sala, escuto meu computador notificar a chegada de um e-mail. É do detetive. Abro os anexos, lendo documento por documento até chegar ao meu parecer. Franzo o cenho ao ler o final, algo me incomodando.
Abro o arquivo original e comparo as duas versões. Aparentemente qualquer pessoa pensaria que eles modificaram algumas frases para disfarçar o plágio. No entanto, sei que não foi, porque eu mesmo escrevi aquilo tudo.
Eles copiaram o arquivo não revisado, que somente eu tinha!
Como?!
Levanto-me da cadeira, vou até a garrafa de bourbon, mas desejoso por um café, na verdade. Infelizmente não tenho máquina aqui na minha sala, como Theodoros tem na dele, e não estou disposto a ir até o restaurante para tomar... Paro, a mão estendida na direção da bebida, mas sem pegá-la.
No dia em que revisei esse documento, Wilka não estava comigo, eu estava sozinho até Viviane Lamour chegar ao meu apartamento para levar os extratos da conta de Theodoros no exterior. A lembrança do pedido de café, depois da bebida derramada sobre mim e, em seguida, de minha subida para trocar de roupa me faz xingar bem alto.
Estava tudo em cima da mesa na sala, o documento não revisado, as informações sobre o terreno e até mesmo os contatos no Rio de Janeiro, tudo à disposição dela.
Puta que pariu! Ponho as mãos na cabeça ao constatar que ela percebeu que eu não iria usar os documentos contra Theodoros e encontrou um jeito de nos ferrar.
A culpa é minha!
Pego o telefone e ligo para a desgraçada da Viviane Lamour, mas a cobra peçonhenta não me atende. Não mando mensagem; não quero alarmá-la. Não posso simplesmente acusá-la sem prova alguma, preciso pensar com calma e usar a inteligência.
— Kostas? — Millos aparece.
— Porra, Millos! — chamo-o para entrar na sala. — Eu sei quem vazou os documentos!
Meu primo para, arregala os olhos e coça a barba.
— Como você sabe?
— Os documentos estão diferentes. — Chamo-o e os mostro para ele.
— Eles devem ter modificado para...
— Não! — Rio como um louco. — Eles copiaram na íntegra, cheio de erros! É a minha cópia não revisada.
— E como foi parar nas mãos deles?
Respiro fundo, sabendo que não tem jeito de eu contar sobre o furto dos documentos sem dizer o que eu pretendia contra Theodoros.
— Viviane Lamour.
Eu amo você!
A voz de Kostas ecoa em minha mente enquanto desço para minha sala depois de ter passado por aquela reunião tão tensa. Tremia demais, porém, tentei manter minha postura e responder a cada questionamento da maneira mais sincera possível.
Malu me aconselhou a mostrar os documentos e, se necessário, a falar sobre a chantagem, mas isso mexeria em feridas que eu não estava disposta a abrir, nem mesmo para limpar meu nome na empresa.
Não foi necessário. Senti que os diretores e os conselheiros presentes pretendiam minha cabeça, afinal, alguém tem que levar a culpa, mas os Karamanlis saíram em minha defesa, inclusive Konstantinos.
Eu amo você!
Que fácil seria acreditar nessas palavras, jogar-me em seus braços e reafirmar a ele que eu sinto o mesmo. Contudo, não posso esquecer que essas mesmas palavras não fizeram nenhuma diferença para ele quando eu as disse, não o impediram de me julgar e condenar.
Tomei a decisão certa ao pedir o desligamento da empresa assim que achar outra locação para o cliente. Seria impossível continuar trabalhando na Karamanlis, convivendo com Konstantinos e manter distância dele. Sua falta de confiança me machucou mais do que qualquer outra coisa que já tenha feito, feriu-me demais e quase me fez perder tudo.
— Kika! — Carol me abraça assim que entro na gerência. — Ah, meu Deus, estávamos tão preocupados com você!
— Eu estou bem, obrigada — asseguro. — Você conseguiria reunir todo mundo para uma palavrinha rápida?
Carol respira fundo e concorda.
— Mais cedo o doutor Konstantinos passou por aqui e deixou bem claro que, se o informante for daqui, ele descobrirá e acabará pessoalmente com sua carreira. — Ela faz uma careta. — O pessoal se mijou, mas creio que ninguém daqui fez nada.
— Eu também acredito nisso. Reúna a todos, por favor.
Carol vai em direção à sala onde os hunters ficam, e eu entro na minha, ainda vendo a mesa e as coisas de Kostas, relembrando cada momento, bom e ruim, que passamos juntos neste pequeno espaço.
Sigo até minha mesa, deixo a bolsa, ligo o computador e abro o gerenciador de tarefas que usamos para acompanhar o trabalho da equipe. Sorrio ao ver que, mesmo longe, tudo continuou a ser tocado e que não há nenhuma pendência urgente a ser resolvida a não ser uma nova locação para a Ethernium.
Ligo para Verinha, pois estive no meu apartamento mais cedo quando cheguei, mas não a vi no prédio, e ela também não estava em casa. Estou morrendo de saudades do meu Kaká e, pelo que vi no meu apartamento, aparentemente meu cãozinho andou por lá, pois minha camisola estava embolada na cama e tinha um par de chinelos meu em sua caminha.
— Kika! — ela atende.
— Oi, Verinha, estou de volta. Tudo bem?
— De volta? — Ela estranha. — Estive agorinha no seu apartamento e não te vi.
— Estou na Karamanlis, voltei a trabalhar.
— Ah... então ele conseguiu falar contigo! — Franzo o cenho e estou prestes a negar, quando ela continua: — O homem ficou aqui todos esses dias, entocado no seu apartamento, cuidando do Kaká e esperando sua volta.
— Kostas? — surpreendo-me. — As coisas dele ainda estão nos sacos na sala, pensei que nem tivesse ido até aí!
— Ainda não falou com ele? Ele ficou enfurnado aqui desde o dia em que você viajou! Só saiu para trabalhar essa semana.
Ele ficou todos esses dias me esperando voltar? Lembro-me da minha camisola em cima da cama e imagino que ele tenha dormido junto a ela enquanto estive fora. Desde o dia em que eu viajei!
— Olha, você sabe que eu não gosto de dar pitaco na vida alheia, mesmo na de amigos, mas ele parece gostar mesmo de você!
Fecho os olhos, a declaração dele mais cedo repetindo-se em minha mente, meu coração apertado, dividido entre a vontade de acreditar nesse amor e o medo de ser ferido mais uma vez.
— Kika? — Carol me chama, trazendo-me de volta à realidade. — Estão todos na salinha de reunião.
— Já vou, Carol, obrigada.
Despeço-me de Verinha e sigo para falar com minha equipe, mesmo tendo Konstantinos e seus atos enquanto estive fora na cabeça.
— Deixo essas pranchas aqui? — Alexios me pergunta.
— Pode deixar, preciso analisar as outras documentações sobre esses lugares, mas parecem ser os melhores depois daquela área que nos foi roubada.
Ele assente, e eu abro as pastas dos locais selecionados. O CEO da K-Eng esteve à frente, com o doutor Millos, do meu setor enquanto passávamos por investigação, e graças a eles os outros projetos da gerência não se atrasaram.
— Ainda não acredito que teremos de começar tudo do zero — comento comigo mesma em voz alta.
— Pois é, o que fizeram foi uma puta sacanagem! — ele responde. — Mas nós vamos pegar o filho da puta, pode ter certeza!
— Eu espero que sim!
Alex recolhe seu material e se despede. Aceno para ele e volto a prestar atenção ao computador, mas sinto o coração disparar quando ele cumprimenta Kostas à porta da sala antes de ir embora.
— Já deixei duas pranchas com as outras áreas que havíamos elegido antes. Vamos precisar trabalhar rápido para cumprir o prazo do cliente.
— Eu sei, nós vamos!
Ergo os olhos e retenho o fôlego ao vê-lo, enorme, moreno e lindo, parado no meio da sala, olhando para mim com as mãos nos bolsos da calça do terno.
— Podemos conversar? — ele pergunta.
Olho-o séria, respiro fundo, soltando o ar devagar, e assinto.
— Seja rápido, tenho muito trabalho para colocar em dia.
— Por que você quer sair da Karamanlis?
Dou de ombros, mas ele não parece nada satisfeito com minha indiferença e caminha até minha mesa. Coloco-me de pé para enfrentá-lo, mesmo sendo bem mais baixa que ele.
— Malu vai precisar de ajuda para o novo empreendimento que está...
— Não, Wilka, seu lugar é aqui na Karamanlis, ouviu? — Segura-me pelos braços. — Seu lugar é aqui comigo!
Arregalo os olhos e sinto meu corpo reagir ao toque dele mesmo sem querer, a química entre nós me fazendo ferver de desejo. Tento me concentrar, esquecer que ele é o único homem capaz de me fazer sentir isso tudo, não me lembrar de todo o prazer que já tivemos juntos.
— Tire suas mãos de mim... — sussurro sem convicção, sem olhá-lo nos olhos.
— Preciso que você me perdoe e que acredite em mim!
— Por que eu deveria acreditar nisso agora? Se você me amasse...
Ele me puxa para si e me beija sem nenhuma cerimônia. Tento me afastar, mesmo desejando-o mais do que tudo, mesmo sonhando com esses beijos e seus braços me abraçando todos os dias que fiquei longe.
Kostas continua varrendo minha boca com a sua, molhando meus lábios com os seus devagar. Cerro meus olhos, o sentimento transbordando de mim de forma que não consigo contê-lo. Mesmo não querendo, já estou entregue, sou dele. Konstantinos percebe o exato momento em que relaxo e aprofunda o beijo, tomando posse da minha boca com fome, penetrando minha garganta com sua língua, roçando os dentes em meus lábios, gemendo.
Não sei se sou eu ou se é ele quem emite esses sons, a loucura tomando conta da minha consciência, deixando tudo nublado de desejo e tesão. Agarro sua camisa com força, e ele desliza as mãos pela minha nuca, segurando-me pelos cabelos, firmando minha cabeça de modo que eu não consiga me livrar da tortura de sua boca na minha.
Sinto minha calcinha ficando cada vez mais melada com a excitação deste momento. Estou puta, ainda magoada com ele, mas o desejo mais do que tudo! Puxo sua camisa com mais força; os botões são arremessados para longe, e arranho seu peito com minhas unhas, arrancando mais gemidos desesperados dele.
Kostas desvia o beijo para meu pescoço, lambendo, mordendo, sugando-o, seguindo em direção ao ombro. Enfio minhas mãos por dentro da camisa, passo-as pela sua cintura e cravo as unhas em suas costas musculosas. Ele desce as alças do meu vestido transpassado, estilo quimono e leva junto o sutiã sem alças, expondo meus seios para sua contemplação, então me ergue e me senta sobre o tampo da minha mesa, o mesmo local que há meses foi o palco de uma malfadada primeira vez. Fecho os olhos quando sinto suas mãos em meu corpo, seu polegar e indicador excitando meus mamilos, beliscando-os, massageando-os.
Seguro-o pelos cabelos quando se abaixa e toma meu seio com a boca, sugando-o forte, chicoteando-o com a língua. Gemo enlouquecida, esquecendo-me por completo de onde estou, mesmo sendo tarde, sem saber se ainda há pessoas no setor.
Nada importa, só o que estou sentindo neste momento, a saudade, a vontade, o amor que sinto por ele, mesmo depois de tudo o que aconteceu.
— Sou louco por você, Wilka — ele declara entre gemidos, passando para o outro seio. — Completamente rendido, apaixonado, fodido!
Busco o fecho de sua calça, abro o cinto, o botão e puxo seu pênis para fora sem nenhuma cerimônia, adorando sentir sua espessura, as veias altas, a dureza macia aveludada de sua pele. Masturbo-o com força, e ele geme alto. Sinto a cabeça molhada com sua excitação, e minha boca saliva de vontade de prová-la.
— Não aguento mais, preciso estar dentro de você — sussurra.
— Eu também preciso! — admito.
Ele me ajeita na beirada da mesa, agacha-se o máximo que consegue até ficar na altura ideal e tira minha calcinha.
— Tão molhada, tão perfeita! — Ele me olha, os olhos azuis refletindo tantas coisas. — Perdoe-me por todas as vezes que te feri, por todas as vezes que não confiei em você. — Introduz-se um pouco. Meu corpo todo se arrepia pelo contato íntimo. — Perdoe-me por achar que não podia retribuir seu amor. — Encaixa-se todo dentro de mim, mas não se movimenta. — Perdoe-me por não ser o homem que você merece.
Neste momento eu fecho os olhos. Uma lágrima solitária escorre por meu rosto, mas ele a seca com seus lábios, beijando minha bochecha devagar, cheio de carinho, sorvendo o líquido salgado.
— Eu amo você — declara, trêmulo, o corpo todo tenso. — Eu julguei não ser capaz de amar alguém e nem de ser amado, mas você me mostrou que eu estava errado. Você me amou mesmo sem que eu te merecesse, ensinou-me a ver o mundo e as pessoas de uma forma que nunca consegui ver. Você me transformou em um homem de verdade. — Abro os olhos, impactada por suas palavras, tocada por todo o sentimento que sinto ao ouvir sua declaração. — Sigo não te merecendo, ainda tenho muitos defeitos, porém, prometo que, se você me perdoar e puder continuar me amando, vou dedicar o resto da minha vida buscando ser o homem que você ama, aquele que merece seu amor.
Puxo-o para um beijo, e meu corpo se libera. Kostas começa a se mover dentro de mim, segura-me pelos quadris e soca com força, enquanto nossas bocas se comunicam entre saliva, línguas e dentes.
Sou erguida da mesa; ele me mantém em seu colo. Rebolo gostoso, apreciando a posição. Kostas geme e cai sobre a minha cadeira. Fico por cima, cavalgando-o sem pudor, sentindo seu pau bem no fundo, balançando tudo dentro de mim.
Kostas retira a gravata que eu nem tinha percebido que ainda estava em seu pescoço, pois arrebentei os botões da camisa para ter sua pele na minha. Ele junta meus punhos para trás e os amarra juntos, usando a gravata, prendendo-me, deixando-me totalmente à sua mercê.
Ele me tira de seu colo e me vira de costas. Deito-me parcialmente sobre a mesa e espero a estocada firme me preenchendo novamente, mas ela não vem. Sua boca é que me devora agora.
— Kostas! — gemo alto, sentindo sua língua em meu ânus, logo descendo à procura de minha entrada molhada. Ele me suga com força. Gemo contra a madeira da mesa, os braços presos para trás, as mãos dele segurando minhas pernas bem afastadas uma da outra conforme sua língua me fode, deliciosamente perversa.
Sinto-me explodir em gozo quando ele prende meu clitóris entre seus lábios. Rebolo frenética, tremo inteira, aperto os dentes em meus lábios para não gritar.
— Você é minha! — escuto-o declarar antes de me preencher por completo.
Kostas segura em meus ombros e mete feito um louco, seus sons de prazer enchendo a sala, seu corpo pingando de suor sobre o meu.
Ele se inclina sobre mim. Sinto seus dentes em minha nuca, seu pau enterrado profundamente enquanto ele rebola curto, geme em meus ouvidos, fazendo minha pele arrepiar e meu sexo se encharcar ainda mais.
— Eu sou seu!
Sinto o movimento do seu pau prestes a gozar. Minha vagina está sensível, ainda se recuperando do orgasmo, e, quando ele começa a pulsar, expulsando seu gozo dentro de mim, gozo de novo, enlouquecida.
Estamos exaustos, jogados sobre a cadeira dela, resfolegantes, suados, a sala cheirando a sexo. Minhas mãos acariciam suas costas devagar, esperando termos condições de nos levantar para que possamos ter a conversa que eu queria ter desde o começo.
Não tinha a intenção de fazer sexo com Wilka. Essa ideia nem tinha me passado pela cabeça, mas então eu a toquei, e foi como se todo o desejo represado durante esses dias que ficamos separados explodisse entre nós.
— Nós nem conversamos — ela diz, ainda ofegante.
Eu rio, passo as mãos pelos seus cabelos e concordo.
— Não.
— Por que mudou de ideia sobre mim? — ouço a mágoa em suas palavras.
— Mudei de ideia sobre você horas depois de termos aquela discussão — confesso. — Eu deveria ter confiado em você, Wilka, mas é que estou tão acostumado a não confiar que minha primeira reação foi a desconfiança.
— Você me magoou — sinto um nó na minha garganta ao ouvi-la dizer isso. — Eu nunca pensei que poderia sentir tanta dor como a que senti ao perceber que você me achava capaz de te trair.
— Sei que você nunca me trairia, ou mesmo a Karamanlis. Eu só sou muito fodido para perceber isso sem fazer uma grande cagada.
Ela concorda e se levanta do meu colo.
— Precisamos descobrir quem fez isso!
Meu coração dispara. Ajeito minha roupa e, sem ter coragem de encará-la, confesso:
— Eu sei quem foi. — Wilka arregala os olhos. — Descobri há pouco, quando recebi os documentos usados pela concorrente.
— Quem?
Balanço a cabeça, constrangido e com medo de como ela irá reagir.
— Você não conhece, mas a culpa foi minha. — Levanto-me e pego minha camisa, mesmo sem botões. — Ela roubou tudo no meu apartamento.
Wilka fica pálida.
— Ela?
Respiro fundo.
— Sim, uma amiga de Theodoros. — Sinto vergonha de ter de contar a ela o que eu pretendia. — Ela me vendeu umas informações sobre meu irmão, e, no dia em que foi entregar, eu estava com todos os documentos expostos.
— O que você pretendia fazer? — Wilka tem a voz trêmula ao perguntar.
Encaro-a por um momento. Tenho certeza de que o medo de a perder ao lhe mostrar o grande filho da puta que sou transparece em meus olhos.
— Eu ia denunciar Theodoros e afastá-lo de vez daqui.
Wilka cambaleia, encosta-se à mesa, estupefata demais.
— Por quê?
Não há outro modo de lhe dizer meus motivos, senão contando a ela toda a verdade. Chegou a hora de eu me expor, mostrar a ela o verdadeiro Konstantinos, um homem cheio de demônios do passado, cheio de defeitos, medos e inseguranças e revelar a ligação que nosso destino nos proporcionou.
— Eu fui criado pelos meus avós em Londres, pelo menos até chegar à idade de ser mandado para um internato. — Wilka senta-se na beirada da mesa para me ouvir explicar. — Nunca tive convívio com minha mãe, que me deixou para ir estudar na América e nunca mais retornou à casa. Meu pai, bem, eu preferia não ter tido convívio com ele também, mas, aos 12 anos, fui mandado para cá para viver com ele.
— Kostas, você tem certeza de que...
— Tenho, Wilka. Tenho que te mostrar quem é o homem por quem você se apaixonou e saber se você pode amá-lo, porque ele ainda é parte de mim. — Ela concorda, e eu continuo: — Meu sonho sempre foi ter um lar, e aqui tive a impressão de que iria realizá-lo. Tinha meus irmãos, meu pai e uma madrasta muito legal, mas parece que eu não merecia isso, e tudo se desfez um ano depois. Theo se apaixonou pela esposa do meu pai e a levou com ele para a Grécia. — Wilka arregala os olhos. — Nikkós nunca foi muito estável, sempre teve problemas com vícios em geral, bebida, drogas, mulheres e jogos. Depois do que houve, humilhado – pois todos souberam que sua esposa troféu o tinha largado para viver com um garoto de 18 anos, seu próprio filho –, ele surtou de vez. Passou a consumir ainda mais bebidas e entorpecentes e se tornou um sádico com seus filhos – Alexios, Kyra e eu.
— Oh, meu Deus! — Ela toca meu rosto, e eu fecho os olhos, chorando pela primeira vez a dor do menino que ficou nas mãos de um louco, recebendo consolo do toque da mulher que amo.
— O meu pecado foi ser quem eu era, um garoto introspectivo, grande, gordo, feio... — Wilka parece surpresa, e eu sorrio, triste. — É, eu tinha 13 anos e já era quase desse tamanho, todo desconjuntado, tímido ao extremo, e ele decidiu que iria me tornar um homem de verdade. — Tateio o bolso da minha calça e tiro de lá a carta que ela carregou durante todos esses anos. — Ele me levou a bordéis, dizendo que eu nunca iria conseguir uma mulher por mérito meu, somente pagando. — Wilka fica tensa, arregala os olhos, e suas mãos começam a tremer. — Por anos, até você chegar, acreditei nisso. Só me relacionei com profissionais e apenas para matar a necessidade, nunca tive prazer realmente com o sexo, apenas com você.
— Você... frequentou... — Ela treme muito. Tenho vontade de abraçá-la. — Sabe o nome... do...
— A casa da Madame Linete — revelo, e ela fecha os olhos. — Havia um sótão... — Wilka soluça, lágrimas grossas escorrendo pelo seu rosto. — Lá aconteciam leilões de virgens, e era conhecido como a área de educação do bordel, pois a maioria delas eram crianças ou adolescentes. — Seguro seu queixo. Ela me olha, e eu lhe estendo a carta. — Achei isso no chão do seu apartamento.
Wilka mal consegue segurar a carta, trêmula demais. Fico preocupado com o jeito como ela se encontra. Acaricio seu rosto e, quando ela volta a erguer o olhar em minha direção, vejo o reconhecimento.
— Era você! — Eu assinto, chorando com ela. — Era você quem ficava do outro lado da porta e quem deixou aquela caixa com o bichinho de pelúcia e a lanterna.
— Sou eu.
Abraço-a forte, seu corpo sendo sacudido pelas lágrimas.
— Como isso... — ela me aperta — como isso aconteceu?
— Você me salvou — digo baixinho. — Eu estava prestes a saltar pelo vitral do sótão quando sua imagem veio à minha cabeça. — Ela se afasta do abraço e me encara assustada. — Eu não aguentava mais, e, naquela noite, Nikkós estuprou uma virgem, uma menina, na minha frente para me ensinar. Eu quis morrer, quis acabar com tudo, mas então você veio à minha mente, e eu entendi que corria perigo.
— Foi por isso que reagiu daquele jeito quando descobriu que eu era virgem?
— Sim, me perdoa por isso! — Soluço. — Mas, quando percebi que tinha te deflorado, imagens daquela noite vieram à minha memória, os pesadelos que tive e...
— Você me salvou! — ela constata de repente. — A denúncia sobre mim, foi você! Por isso a carta escondida no urso dizendo que eu teria uma vida melhor. — Assumo balançando a cabeça. — Eu fui adotada pouco tempo depois de ter achado seus presentes e, já com meus pais adotivos, encontrei sua carta no urso, desde então a mantenho comigo como um amuleto da sorte.
Sorrio ao ouvir isso.
— Era só a carta de um garoto desesperado.
Ela nega.
— É a carta do garoto que mudou a minha vida, me fez ser quem eu sou. Se eu posso amá-lo hoje, é porque houve aquele garoto que pensou em mim mesmo sem me conhecer.
Ela se aproxima com um sorriso, e eu sinto o escritório todo ser iluminado como se fosse dia claro.
— Eu nunca me apaixonei por ninguém até você, Konstantinos. Eu tinha pesadelos com sexo por causa das coisas que vi acontecer naquele lugar, mas, com você, desde Portnoy, eles se foram. — Ela seca meu rosto com seus dedos. — Eu estive esperando por você esses anos todos sem saber.
Porra!
Desmorono como um bebê, soluçando no abraço dela, ao ouvir isso. Eu também estive esperando por ela, morto todos esses anos, até que ela voltasse a aparecer na minha vida.
— Eu amo você — digo entre soluços. — Você me salvou de todas as maneiras possíveis.
— E você a mim! — Ela ri, mesmo soluçando. — Eu sou sua, sempre fui, e meu coração já sabia disso mesmo sem termos noção de que estávamos ligados dessa forma. — Wilka me encara. — Amo você, sempre você!
Ouço o barulho da água do chuveiro e olho para a porta do banheiro entreaberta. Eu ainda estou estupefata com a nossa ligação, com como nosso passado se conectou nos piores momentos de nossas vidas e como voltamos a nos encontrar agora para estar juntos.
Agora consigo entender toda a mágoa que ele sente pelo Theodoros. Ele se sente abandonado por Theo, deixado na mão do louco que a sua atitude ao se envolver com a madrasta despertou.
Eu nunca poderia imaginar algo assim, e ouvir toda a história há pouco me deixou ainda mais assustada e com o coração pequeno ao imaginar tudo o que ele passou nas mãos do pai.
Nikkós era louco! Como pôde ter coragem de tratar os filhos daquele jeito?
Viemos direto da Karamanlis para meu apartamento. Kostas olhou para suas coisas, ainda nos sacos pretos, e sorriu sem graça, pedindo-me perdão novamente por não ter confiado em mim.
Eu entendi sua reação ao que houve. Claro que isso não diminui o que eu senti, mas agora o surto da nossa primeira vez, os pesadelos, o jeito de ser dele, tudo faz sentido. Kostas é um homem machucado que aprendeu que somente se afastando das pessoas podia estar protegido.
É inconcebível o que nós dois passamos na infância, o que ele passou nas mãos do próprio pai. É senso comum que os pais têm a responsabilidade de cuidar de seus filhos, então, quando eles ou um deles é agressor, aquele que expõe a criança ao risco, vende, humilha, agride ou mata, a sensação de monstruosidade é muito maior.
Suspiro, consciente de que eu ainda preciso lhe contar meus segredos. Não será fácil, são coisas que sempre guardei comigo, temerosa de sua repercussão na minha vida e na minha carreira.
— Tudo bem? — Ele sai do banheiro, a toalha enrolada em sua cintura, o cheiro de sabonete no ar.
— Eu estava aqui pensando em tudo o que nos aconteceu — Kostas se senta ao meu lado na cama —, ainda sem entender por que as coisas aconteceram dessa forma. É uma coincidência incrível termos tornado a nos encontrar e...
— Nos envolvido e apaixonado um pelo outro — Kostas completa, e eu concordo.
— Descobrir que você era o Portnoy já foi um choque. — Comento baixinho: — Ela é minha mãe.
Não consigo levantar o rosto para encará-lo. Fito minhas mãos, sentindo o coração palpitar, os olhos se inundarem de lágrimas por assumir isso em voz alta.
— Quem é sua mãe? — ele pergunta e ergue meu rosto.
— Madame Linete.
A expressão de assombro que eu tanto temi ver em seu rosto é evidente. Imagino o que esse nome deve significar para ele, as lembranças que ele evoca. Não sei se ele conseguirá superar isso, estar comigo sabendo quem eu sou, mas eu não poderia esconder esse fato dele.
— Nasci naquele lugar, não era levada para lá como as outras crianças. — Sinto uma lágrima escorrer. — Não era filha de uma prostituta qualquer, mas sim da cafetina, da mulher que obrigava meninas e meninos de rua a se prostituírem em troca de abrigo e comida.
Kostas está paralisado, seu olhar perdido. Eu soluço, sem saber o que esperar dele.
— Eu dormia na mesma cama onde orgias eram feitas, brincava de casinha no salão onde eram servidas bebidas e drogas, tomava banho no mesmo banheiro onde as garotas recebiam clientes para um boquete rápido. — Fecho os olhos. — Você ia lá; eu vivia lá.
— Eu comprei aquele sobrado. — Arregalo os olhos com a confissão. — Quando ela foi presa e a casa desapropriada por causa da plantação de maconha e das outras drogas armazenas nela, eu a comprei no leilão.
— Por quê? — inquiro em um fio de voz, sem entender o motivo que o levou a fazer isso. — Era o local onde você passou por todos os seus traumas. Não faz sentido.
Ele se levanta, anda de um lado para o outro. Se tivesse acesso a algum cigarro, tenho certeza de que o estaria fumando neste momento. A tensão em seu corpo é visível, o nervosismo, perceptível em cada músculo que treme sob sua pele.
— Eu queria vê-lo acabando lentamente — sua voz soa fria e cheia de ressentimento. — Não queria que ali fosse construída qualquer outra coisa ou mesmo que utilizassem aquele maldito imóvel.
Choro ao notar quão profundas são as marcas deixadas nele.
— Eu teria tentado transformar toda aquela feiura em algo bonito e positivo...
— Eu não sou você! — ele me corta, mas então bufa e respira fundo para se acalmar. — Perdoe-me, é que tudo isso mexe comigo de um jeito...
— Eu entendo.
Ele nega.
— Não, ainda bem que você saiu de lá antes que qualquer coisa mais grave lhe acontecesse. — Ele me olha cheio de dor. — Eu não suportaria saber que você passou pelo mesmo que aquelas outras garotas.
— Graças a você! — Vou até ele e o abraço, mesmo o sentindo tenso. — Você me livrou dela! — Soluço, pensando no erro que cometi mais tarde. — Por sua causa tive pais incríveis, uma família amorosa, uma infância feliz!
Kostas deposita um beijo no alto da minha cabeça.
— Ela não era uma boa pessoa, Wilka. Fazer o que fazia contigo todas as noites, torturando você naquele armário... Ainda bem que se afastou dela.
Afasto-me dele, sentindo-me ingrata por ter feito o que fiz.
— Eu a procurei depois que meus pais adotivos faleceram. Não deveria, eu sei, ela sempre me disse que meu nascimento foi sua maldição, por isso nunca foi uma data feliz para mim. — Kostas parece não acreditar no que acabei de dizer, que mesmo depois disso tudo eu tenha ido atrás dela. Então, tento me justificar: — Eu me sentia sozinha, perdida, achei que os anos pudessem tê-la modificado e...
— Pau que nasce torto, Wilka Maria. — Ele ri, debochado, frio. — Você foi ingênua ao acreditar que ela pudesse ter mudado.
— Eu fui — admito. — Ela me enganou no começo, mas, assim que soube que eu havia entrado na Karamanlis, começou a se mostrar.
Ele paralisa, caminha até onde estou e me segura pelos ombros.
— Era ela, não era? Nas ligações, o dinheiro que você pegou emprestado no banco? — Assinto e choro. — Por quê?
— Porque ela está foragida. Eu não sabia. Achei que tivesse cumprido sua pena e saído, mas não, está há anos fugida da justiça e me ameaçou com isso, disse que, se fosse pega, me colocaria como cúmplice, afinal não temos mais nenhuma ligação que comprove nosso parentesco. — Soluço, sentindo-me idiota, crédula, enganada. — Ela ameaçou o mínimo de estabilidade que eu tinha conquistado, minha carreira, e depois, quando me viu contigo, ainda me torturou dizendo que iria lhe contar quem eu era e de onde vim.
Kostas me puxa para seus braços, apertando-me como se pudesse me proteger de toda a dor com seu próprio corpo. Eu sei que fui ingênua, que nunca deveria ter procurado por ela, me deixado acreditar em suas mentiras, não depois de tudo o que me fez quando eu era uma menina indefesa.
Os “pedidos de ajuda” continham uma ameaça velada, mas a coisa ficou feia mesmo quando assumi a gerência e, de alguma forma, ela soube disso. Então tudo ficou às claras: ou eu entregava dinheiro a ela, ou ela armaria um escândalo na Karamanlis, chamando a atenção da polícia para minha existência, colocando-me como cúmplice de seus golpes e trapaças.
Eu tive medo, não confiei em ninguém, apenas quando precisei da Malu para conseguir o empréstimo é que contei a ela parte do que havia acontecido. Sinto-me culpada, suja e com medo.
— Eu vou achá-la e fazer com que volte para o lugar de onde nunca deveria ter saído, Wilka. — Ele me encara. Vejo a obstinação e a sede de justiça brilharem em seus olhos. — Ela nunca mais irá se aproximar de você, nunca mais irá feri-la ou ameaçá-la novamente.
— Eu deveria ter confiado em você, mas... eu tinha medo e vergonha.
— Eu sei, conheço esses sentimentos, sei o que é se sentir culpado mesmo sendo vítima. Isso não vai mais acontecer, eu prometo!
— Eu amo você, Konstantinos.
— E eu a você, Wilka Maria, minha Caprica, minha pimentinha. — Beija minha testa e seca meu rosto. — De agora em diante, vamos tentar ser felizes. Encontramos um ao outro; nada mais irá nos separar.
Abraço-o forte, e ele me pega no colo, levando-me para a cama cheio de carinho e cuidados.
Abro os olhos e logo estendo o braço para o outro lado da cama, conferindo se tudo o que aconteceu na noite passada foi real. Toco um corpo quente, sólido e grande e me viro já com um sorriso nos lábios, feliz por tê-lo aqui comigo.
Kostas já está acordado, seus olhos azuis iluminados pelos raios do sol que entram por minha janela. Ele sorri, seus dentes aparecendo, as pequenas rugas em volta de seus olhos, os cabelos escuros bagunçados.
Lindo!
— Sinto-me privilegiada por acordar com essa vista todos os dias!
Ele sorri ainda mais e me beija.
— Todos os dias! — Cheira meus cabelos. — Mas o privilegiado sou eu.
Rolo para cima dele, notando-o já excitado, adorando a sensação de voltar ao sexo matinal, algo que eu descobri que adoro.
— A vista daqui é ainda melhor! — provoco-o, rebolando sobre seu membro duro. — Quero comer você!
Ele ri e então levanta o braço que estava na beirada da cama.
— Eu também! — Ri, safado.
Arregalo os olhos ao ver um dos meus vibradores em sua mão.
— Estava mexendo nas minhas coisas?
Ele dá de ombros.
— Fiquei aqui com muito tempo livre, então explorei um pouco. — Ele puxa a gaveta do meu criado-mudo, e vejo todos os meus brinquedos espalhados dentro dela, bem como seus ovos masturbadores. — Quero ver como você usa isso.
— Tem que ligar na tomada! — Ele aciona o botão, e percebo que já estava plugado na energia. — Acordou antes e já se preparou para isso? Que safado!
Kostas ri e esfrega o vibrador nos meus seios, fazendo-me gemer alto e minha intimidade molhar seu pau.
— Quero foder sua bunda e te ver gozar com ele em seu clitóris — sua voz é rouca, sexy e perigosa. Rio nervosa, mas assinto. — Mas antes...
Ele se ajeita, segura-me pelos quadris e entra torturantemente devagar em minha boceta molhada. Minha pele inteira se arrepia com o contato em minha vagina sensível pelo uso constante que estamos fazendo dela desde a noite de ontem.
Kostas se senta, arrasta-se para a beirada da cama de modo a ficar com os pés no chão e me impele a rebolar em seu colo, segurando minha cintura com força enquanto morde, arranha e lambe meu pescoço.
— É foda como você me faz delirar de prazer... — comenta ofegante — como nosso encaixe é perfeito mesmo você sendo miúda e eu todo grande.
Jogo meu corpo para trás, apoio as mãos em seus joelhos e acelero os movimentos. Ele também se agita, vindo de encontro ao meu corpo, fazendo cada estocada ser mais potente que a outra.
— Isso, Pimentinha, rebola gostoso! — geme desesperado, mordiscando meus mamilos, puxando meus cabelos para trás. — Me come todo, goza em mim, marca-me como seu! Eu sou seu!
O jeito que ele diz isso me excita de tal forma que meu corpo reage instantaneamente às palavras, e o orgasmo vem em ondas fortes e incontroláveis de prazer, sacudindo meu corpo a ponto de eu ter que me agarrar a Kostas para não cair.
Konstantinos se levanta. Eu ainda tremo em seu colo quando me deita de costas na cama, segura minhas pernas para o alto, bem abertas, mete um pouco mais e sai.
Acompanho-o pegar lubrificante na gaveta e besuntar seu pau com ele. Busco o vibrador na cama, onde ele o deixou ainda ligado, e o seguro junto ao meu corpo.
Kostas se abaixa, cheira meu ventre lentamente, seguindo em direção ao clitóris duro e sensível. Lambe-o devagar, concentrado, tomando tempo na área, levando-me à loucura antes de brincar com meus lábios íntimos e minha boceta e, por fim, penetrar meu ânus com sua língua comprida e tensa.
Contorço-me na cama, agarro os lençóis ainda bagunçados, o vibrador entre meus seios e a língua dele dentro de mim.
— Kostas, por favor, vem! — imploro, meu corpo agitado, a vontade louca de tê-lo todo dentro de mim e poder gozar com seus movimentos na minha bunda. — Vem agora!
Ele não me espera suplicar mais uma vez, posiciona-se, brinca com a cabeça de seu pau nas minhas pregas e então força a entrada devagar, gemendo, fazendo-me sentir centímetro por centímetro de seu pênis alargando-me, excitando-me, dolorosamente delicioso.
Pego o vibrador e o encosto no meu clitóris. Chego a levantar da cama com as sensações juntas. As estimulações que recebo me enlouquecem. Fecho os olhos e me deixo ser levada.
— Você... é... — ele se movimenta forte dentro de mim — muito gostosa!
Sou sacudida por suas estocadas firmes. Seus quadris se movimentam para frente e para trás enquanto suas mãos mantêm minhas pernas suspensas. Kostas lambe e chupa o dedão do meu pé esquerdo, gemendo, mordendo, desesperado de tesão.
Meu coração dispara, meus músculos se contraem, a respiração fica forte, o orgasmo está perto demais.
— Eu vou... — não tenho tempo de avisar, e gozo em gritos desesperados, ouvindo-o urrar como um animal no cio ao mesmo tempo. Solto o vibrador, trêmula, buscando ar com desespero, meu corpo mole, a cabeça dando voltas como se eu tivesse subido até a estratosfera e caído de volta na Terra.
— O que foi isso? — faço a pergunta retórica e escuto suas risadas.
Não o vejo, ele parece ter desmoronado no chão do quarto. Não consigo me mover também, abandonada, braços e pernas abertos no colchão da cama.
— Se continuarmos assim, morro antes de completar 40 anos! — ele declara, ofegante, mas cheio de satisfação. — Pelo menos morro feliz!
— Cala a boca! — Rio. — Ninguém vai morrer, ainda vamos estar velhinhos e fazendo estripulias iguais aos vovôs e vovós lá da casa de repouso.
— Ah, sim, vovós mão de alicate! — Ele aparece sobre mim, suado, mas com um enorme sorriso e olhos brilhantes. — Você tem que defender minha honra, senão nunca mais volto lá com você.
Gargalho.
— Deixe as vovozinhas serem feliz, você é grande, dá para todas.
Ele me abraça na cama, beijando meus ombros.
— Vou tomar um banho, tenho um compromisso daqui a pouco. — Levanta-se. — Vai para a Karamanlis hoje?
Ergo-me levemente do colchão para ver sua bunda gostosa e sarada.
— Vou depois do almoço, preciso ajeitar minhas coisas, pois ontem fui direto para lá, além disso, quero pegar o Kaká na Verinha.
Ele me pega em flagrante admirando seu traseiro e pisca para mim, bem safado.
— Vou cozinhar para você à noite — declara, e eu abro um sorriso satisfeito e cheio de fome. Adoro quando ele cozinha!
— Algum motivo especial? — provoco-o.
— Uma surpresa — Kostas fala sério, e eu me sento na cama.
— Que tipo de surpresa? Ah, não faz isso comigo, não vou nem conseguir trabalhar hoje!
O filho da mãe ri, pega sua toalha e entra no banheiro.
— Kostas!
Paro o carro na frente do endereço que pesquisei há pouco na internet. Nunca tive nenhuma curiosidade sobre a vida pessoal do meu irmão além do que pudesse ser usado contra ele, porém, lembro-me bem de quando negociou esse escritório, com uma área impressionante, que hoje é uma galeria de arte.
A galeria de arte de Viviane Lamour.
Ontem, depois que descobri que havia grande chance de ter sido ela a causadora de toda a sabotagem ao nosso projeto na Karamanlis, conversei com Millos sobre o que era melhor fazer. Meu primo, sempre sensato, claro, aconselhou-me a ir com cuidado, pois eu não tenho nada mais do que suposições contra ela.
O que ele não sabe, no entanto, é que eu estudei muito bem essa cobra sorrateira para saber que, se a pressionar, revelará tudo, principalmente os nomes dos envolvidos nesse golpe baixo. Se a concorrência está achando que irá sair com a reputação ilesa depois do que fez, está redondamente enganada.
Desligo o motor do carro e fico um tempo observando o local. A galeria com o escritório dela fica em uma rua chique e elitista da cidade, num bairro nobre e famoso pelas galerias. Sua galeria não é dessas que ficam abertas com obras expostas à venda, funciona como um local para eventos e mostras dos artistas que ela descobre.
Aparentemente, não há nenhuma atividade no momento.
Ajeito-me no banco do motorista, e o perfume do sabonete de Wilka exala de meu corpo. Sorrio, lembrando a manhã magnífica que tivemos juntos depois de uma noite de segredos revelados e muita foda.
Preciso confessar que me sinto mais leve depois de ter dividido com ela todas as minhas angústias e de entender os motivos dela para ter chegado a mim ainda virgem, além das ligações e do dinheiro suspeito.
Cerro o punho com força ao pensar em madame Linete. Wilka não merecia ser filha daquela mulher, tão louca quanto Nikkós. Senti alívio ao pensar que fiz bem a denunciando, mesmo sem saber que era sua filha que vivia no prostíbulo, porque ela não tinha escrúpulo nenhum e certamente leiloaria a virgindade da própria filha como fizera com a das outras meninas.
Nunca deixei que aquela mulher asquerosa encostasse um dedo sequer em mim. Mesmo no meu primeiro dia lá, quando Nikkós pagou pela minha iniciação, rejeitei o toque dela categoricamente, o que fez com que me odiasse ainda mais.
Sim, aquela mulher contribuiu e incentivou Nikkós em todas as suas loucuras, participou ativamente de todas as humilhações que sofri, e até a ideia do defloramento da garota que precisava de ajuda foi dela.
Eu a odeio tanto quanto ao meu pai, porém, pensava que estava esquecida, trancafiada em uma cela.
Mas em breve ela estará!, penso, lembrando-me da conversa que tive com o detetive assim que saí do apartamento de Wilka. Quero localizá-la e fazê-la pagar por tudo o que já fez, inclusive pela chantagem com a própria filha.
Filha! Até parece que um ser como aquele entende o conceito de família e proteção.
A família de Wilka, de hoje em diante, serei eu, por isso mesmo encomendei um belo anel que será entregue na Karamanlis ainda essa tarde para que eu possa pedi-la para ser minha no jantar dessa noite.
Sorrio novamente, o coração leve ao pensar na minha Pimentinha. Nunca pensei que me sentiria assim por alguém e me sinto bem por essa pessoa ser Wilka. Sinto que tenho muito a aprender com ela, mesmo que continue sendo o homem introspectivo, grosso e impaciente que sou. A escuridão que carrego dentro de mim se atenua ao seu lado.
Uma mulher alta, magra e bem-vestida chama minha atenção, vindo andando na calçada na direção do carro. Ela para em frente à galeria e mexe em sua bolsa sem deixar cair o café que segura.
Viviane abre a porta no exato momento em que eu salto do carro e vou rapidamente até ela, e, antes que consiga fechar o local, ponho meu pé no batente para impedi-la.
— Bom dia! — Sorrio frio.
— Kostas! — Ela grita e põe a mão no coração. — Uau, que susto! O que você faz aqui a essa hora da manhã?
— Precisava conversar contigo. Posso entrar?
Tento manter a calma, o tom neutro para não a assustar. No meu bolso, meu telefone grava toda nossa conversa. Mesmo eu sabendo que isso não tem valor como prova, poderei levar até a Karamanlis e pensar em uma retaliação contra a concorrente.
Eu só preciso dos nomes!
— Eu acabei de chegar e estou cheia de...
Não a deixo terminar, impondo minha presença, usando a força para entrar no salão vazio e fechar a porta.
— Eu não vou demorar. — Cruzo os braços sobre o peito, e ela suspira.
— Está certo. Vamos para o meu escritório. — Aponta para uma área mais alta, ao fundo do salão, com uma mesa e alguns quadros e objetos. — Daqui a pouco vou receber uns investidores, então o que quer que tenha para me dizer não pode demorar.
— Não vai.
Ela coloca o café em cima da mesa e acende as luzes.
— Fiquei sabendo que Theodoros voltou para a presidência da Karamanlis. Então você não conseguiu provar nada contra ele. — Ela me encara, seus olhos brilhando de raiva.
— Os documentos que você me entregou não foram suficientes — minto. — Mas ele ainda está correndo risco de sair da presidência.
Ela se senta e aponta para uma cadeira para que eu faça o mesmo, mas nego.
— O que poderia ser mais grave do que aquele dinheiro todo sem explicação no exterior?
— Perdemos uma área importante para a concorrência — introduzo o assunto, e ela se ajeita na cadeira. — Esse era o grande projeto da gestão dele, e nosso cliente está ameaçando nos deixar, o que vai abalar a confiança dos conselheiros em Theodoros.
Viviane sorri.
— É mesmo? Uau, que boa notícia! — Bebe um gole de seu café. — Bom, mas o que você quer de mim para ter vindo tão cedo me ver?
— Te parabenizar! — Ela ergue a sobrancelha. — Eu não poderia ter pensado em uma ideia tão boa quanto a que você teve.
Viviane fica pálida, mas logo refaz o sorriso frio.
— Eu não sei a que você se refere.
Rio, minha expressão entediada, a sobrancelha erguida.
— Quando fui trocar a camisa depois do banho de café que você me deu, lembra? — Ela abandona o copo descartável que estava levando aos lábios. — Se você tivesse compartilhado a ideia comigo, eu poderia entregar muito mais coisas!
Ela ri, cínica.
— O que você está querendo, afinal, Konstantinos? — Ergue-se. — Eu sei que você não usou os extratos, pelo contrário, falou a favor de Theodoros na reunião que decidiu seu futuro!
Ela tem um informante dentro da Karamanlis! Filha da puta!
— Não tive outra escolha, não sabia o que você pretendia, então tive que fazer papel de bom moço.
— Eu sabia que você ia se acovardar, por isso, quando vi a documentação sobre sua mesa, achei que pudesse ser útil em algum momento!
— E foram! — Rio. — Aposto que, além de tudo, conseguiu injetar uma boa grana aqui. — Olho em volta. — Aparentemente, não há novos artistas expondo, e, sem obras, sem comissão. Está com problemas de dinheiro, Viviane? Foi por isso que aceitou quando lhe ofereci, não foi?
— Sai daqui, Konstantinos! — sua voz sai trêmula.
Ela sobe para um mezanino, uma área parecendo uma sala de reuniões onde tem alguns móveis, acima de onde fica seu escritório. Sigo-a, disposto a fazer qualquer coisa para lhe arrancar uma confissão e o nome de quem comprou os documentos de que ela se apropriou.
— Quero o nome da pessoa que negociou contigo. — Ela ri, de costas para mim, e nega. — Faça seu preço, quero o nome...
— Augusto Angelini — a voz de Theodoros ecoa no salão vazio, e eu me viro para vê-lo. — Esse é o nome de um dos diretores da Dedalus que negociou com ela.
Viviane parece estar em choque ao ver Theodoros.
— Como você soube? — pergunto estupefato.
Theo sobe ao mezanino e a encara furioso.
— Eu consegui a informação, não me pergunte como. — Ele se aproxima de mim. — Entramos com uma representação contra ele. Procurei por você na empresa; como não achei, Murilo assumiu a questão. — Ele olha para Viviane Lamour. — Eu a avisei para que não se metesse mais comigo.
Ela parece acuada, intercala olhares entre mim e Theodoros a todo instante.
— Mandei emitir uma notificação para que você deixe o imóvel no prazo de 30 dias. — Theodoros controla sua raiva, noto por seus punhos travados e a postura tensa. — Além disso, já informei a todos os outros investidores que eu estou fora, então é certo que eles retirarão todos os seus investimentos também.
— Você não pode fazer isso comigo! — Viviane se desespera.
— Eu não sei qual era o seu propósito, nem como teve acesso a todo material que vendeu, mas vou descobrir e...
Ela começa a rir, interrompendo-o.
— Você ainda não sabe? — Aponta para mim. — Seu querido irmão aqui me perseguiu para que eu me unisse a ele contra você. — Theodoros me olha muito sério, e eu encaro seu olhar, reconhecendo minha culpa. — Como você acha que eu fiquei sabendo de Duda Hill e da menina doente?
Abaixo a cabeça ao ver a perplexidade nos olhos de Theodoros. Não posso negar o que fiz, mesmo que me arrependa muito de tudo isso.
— Você entregou para ela...
— Não! — sou rápido ao negar, olhando em seus olhos. — Viviane teve acesso a tudo isso quando foi ao meu apartamento me entregar extratos de uma conta sua não declarada no exterior.
— Que conta?! — Theo encara Viviane como se não a reconhecesse. — Eu não tenho conta alguma não declarada fora do país! — Ele xinga. — Você abusou da minha confiança e criou uma?!
Fecho os olhos e percebo o engodo que ela formou. Óbvio! Theodoros confiava cegamente em Viviane, deve ter deixado documentos e assinaturas digitais com ela, ou então ela somente inventou aquela história toda!
— Eu destruí todos os extratos — aviso-lhe. — Se é que eles eram reais!
Theodoros põe a mão na cabeça, vira de costas e desce os degraus, indo para longe de nós dois.
— Eu só te amava muito, e você sempre me menosprezou! — a voz chorosa dela faz com que eu me vire para olhá-la no exato instante em que levanta uma pistola na direção de meu irmão. — Você não pode ser feliz sem mim, Theo! — ela grita, e ele para, balançando a cabeça. — Se vai me destruir, vou destruir você também!
— Viviane, você está...
Theo começa a se virar para encará-la, e vejo o dedo dela se mover no gatilho.
Não penso duas vezes, apenas ajo, pulando à sua frente, interceptando, com meu próprio peito, o tiro que iria acertar meu irmão pelas costas. Sinto a dor aguda, uma mistura de soco com fogo que me faz cambalear para trás e me sinto despencar no ar.
Por um instante fico desnorteado, nauseado. Ouço o estrondo de vidro se quebrando e sinto minhas costas sendo retalhadas antes de chocar a cabeça contra algo.
Muita dor.
A imagem de Wilka dormindo, iluminada pelo sol, é a última coisa que vejo.
Escuridão.
Uma batida à porta tira minha atenção dos arquivos que estou lendo. Olho para o canto da tela do meu computador e me surpreendo com a hora, pois estou há quase três horas lendo sem parar.
Olho para a mesa de Kostas e estranho que ele ainda não tenha chegado, afinal, disse-me que ia resolver algo pela manhã, mas que depois estaria na empresa.
Sorrio ao pensar no jantar que ele vai fazer para mim e na surpresa que está preparando. Estou tentando não criar muitas expectativas, mas nada me tira da cabeça que ele tenciona fazer algum tipo de proposta mais permanente. Não sei se casamento combina muito com o jeito dele, mas não me importo com formalidade. É como diz o ditado: junto na fé, casado é!
Logo depois que ele saiu do meu apartamento, fui atrás do meu Kaká com a Verinha. Estava louca de saudades do meu bichinho, e ele de mim. O cãozinho pulou tanto, fez tanto xixi que tive que acalmá-lo pegando-o no colo.
— Ele ficou louco por causa do Kostas — Verinha me confidenciou. — O homem montou acampamento aí no seu apartamento, esperando por você, e cuidou do Kaká. — Ela sorriu. — Pela sua expressão de felicidade, acho que tudo acabou bem, enfim.
Abracei-a forte, agradecendo a amiga maravilhosa que ela era.
— Sim, resolvemos nossas questões e estamos felizes. — Beijei a cabeça do Kaká. — Creio que agora seremos uma família, nada mais irá nos afastar.
— Kika, que massa ouvir isso! — Verinha ficou verdadeiramente emocionada. — Vocês merecem ser felizes. Eu confesso que tinha muito abuso dele, mas depois de ver o quanto o bichinho sofreu esperando por você, passei a acreditar que ele te ama de verdade.
— Ele ama! — fiz questão de confirmar. — E eu a ele!
Fiquei o resto da manhã em casa com o Kaká, desfazendo minhas malas e recolocando as roupas de Kostas no meu armário. Falei do Pantanal para meu cãozinho, contei do lindo do Gael, meu afilhado, e de como eu estava feliz.
Cheguei à empresa radiante, sorriso aberto, cumprimentando e brincando com todos, louca para encontrar Konstantinos na nossa sala e provocá-lo um pouco antes da nossa noite.
Algo deve tê-lo atrasado em seu compromisso, ou ele está no jurídico resolvendo algum processo. Dou de ombros e volto a prestar atenção ao documento, mas novamente sou interrompida por outra batida na porta, mas sem a entrada da pessoa.
— Entra, por favor!
— Desculpa, Kika, mas é que tem um senhor procurando o doutor Konstantinos. — Carol aponta para o homem. — Eu bati aqui, mas lembrei que não o vi chegar, então fui até a diretoria jurídica, mas ele também não está. Ele precisa deixar uma encomenda, mas precisa que alguém assine o recibo.
Levanto-me e vou até eles.
— Pode deixar, que eu recebo e deixo aqui na mesa dele. — Sorrio para o homem engravatado que me estende uma prancheta cheia de folhas. — Pronto!
Ele confere minha assinatura, pede o número de um documento e o meu telefone, então me entrega a sacola de uma joalheria chique da cidade. Meu coração dispara, minhas mãos tremem ao pegar a encomenda. Vejo o entregador sair, mas não consigo me mover.
Sinto a fita de cetim que faz as alças da bolsa, olho o acabamento com papel acetinado preto e letras prata, ainda pasma com o que estou segurando. Tento não fantasiar um anel ou mesmo um par de alianças, mas não consigo. Se for qualquer outra joia, eu sei que ficarei um pouco decepcionada, mesmo adorando o presente.
— Uau! — Carol volta para perto de mim e comenta, lendo o nome da loja. — O que será que ele comprou? — Os olhos dela brilham. — E para quem será que é?
Balanço a cabeça, incapaz de falar qualquer coisa sem me denunciar, sem começar a rir como uma doida e a fazer alguma dancinha ridícula que não terei como explicar.
— Está bem, chefe, vou voltar ao trabalho. Desculpe a indiscrição, não precisa fazer essa cara para mim! — Carol sai apressada.
Começo a rir sozinha dentro da sala, imaginando que tipo de cara eu fiz para ela. Na verdade, eu estava apenas tentando não expressar toda minha alegria e empolgação.
Ponho a sacola em cima da mesa dele, mas não consigo deixar de olhar para ela e me questionar onde é que ele está, que não se encontrava aqui para receber a encomenda. Aposto que a intenção nunca foi que eu a recebesse.
Ouço um barulho, e logo a porta da sala se fecha. Olho na direção da entrada, mas, ao invés de Konstantinos, vejo Millos.
— Oi, doutor, boa tarde — cumprimento-o ainda tentando deixar de sorrir. — Posso ajudá-lo com algo?
— O Kostas... — ele começa a falar, mas então olha para o presente em cima da mesa.
Dou risadas, pois Millos sabe do nosso envolvimento.
— Ele ainda não voltou, e acabaram de entregar isso aqui. — Aponto. — É estranha a demora dele, pois disse que estaria de volta à empresa depois do almoço. — Pego o celular. — É urgente o que precisa tratar com ele ou dá para...
Paro de falar quando nos encaramos e eu percebo tristeza em seus olhos. Novamente Millos olha para o presente e parece ficar ainda mais desolado.
Um frio arrepia minha pele. Estremeço, o coração ficando apertado e disparado.
— O que houve? — pergunto baixinho.
Millos respira fundo.
— Eu preciso que você venha comigo. — Ele me estende a mão.
— Por quê? — Imediatamente penso na sabotagem à empresa e se, por algum motivo, eles decidiram me mandar embora. — O que aconteceu, Millos?
Ele não me olha, sua cabeça está baixa, mas sua mão continua estendida em minha direção.
— Houve um incidente, e Theo me ligou há pouco... — Faço careta, sem entender. — Nós descobrimos quem vendeu os documentos para a concorrência.
Arregalo os olhos, lembrando que Kostas havia me dito que a culpa foi dele.
— Theo e Kostas brigaram ou...
Millos nega.
— Kostas salvou a vida do Theo. — Congelo, e Millos finalmente me olha. — Eu te conto tudo no caminho, mas agora preciso que você venha.
Apoio-me na mesa, minhas pernas não conseguem mais me sustentar, e Millos corre em meu socorro. Como isso pode estar acontecendo? Há poucas horas, eu acordava com a visão dele deitado na cama ao meu lado, seus olhos azuis brilhantes de felicidade. Lembro-me das risadas, provocações e do sexo delicioso que fizemos.
Um tremor sacode meu corpo apenas com a perspectiva de que algo grave possa ter acontecido com ele e que isso possa significar que... Não, não quero pensar nisso! Lágrimas ardem nos meus olhos. Tenho medo de perguntar qualquer coisa que me fira, mas preciso entender o que está acontecendo.
— Como ele... — Soluço. — Como Kostas está?
— Em cirurgia — fecho os olhos assim que escuto isso. — Não tenho mais informações, precisamos ir.
A notícia me abala, o medo toma conta de mim, fazendo-me esmorecer a ponto de desmoronar. Não, não posso! Ele precisa de mim! Engulo as lágrimas, reunindo forças para ir com Millos. Pego minha bolsa, seco meu rosto e começo a andar atrás dele. Paro, olho para a sacola em cima da mesa, não me importando mais que não seja um anel ou uma aliança, apenas desejando que o homem que comprou o que está ali dentro volte para mim.
O percurso até o hospital pareceu durar uma eternidade. Millos me contou que a pessoa responsável por vazar os documentos da empresa foi Viviane Lamour, uma mulher que teve algum tipo de relação com Theodoros e que teve alguma ligação com Kostas.
Ele foi atrás dela em seu local de trabalho para pressioná-la, mas, de alguma forma, Theodoros conseguiu descobrir a pessoa da concorrência que comprou os documentos e assim também chegou ao nome de Viviane.
A mulher deve ter ficado acuada e tentou matar Theodoros, mas Konstantinos impediu que ela conseguisse balear seu irmão, porém, foi atingido.
— O tiro foi no peito — Millos informou. — Ele foi socorrido e chegou com vida ao hospital.
Senti meu coração apertar, imaginando a dor, o risco que ele correu pelo irmão. Isso me surpreende também, não esperava essa reação e, mesmo em meio ao medo de perdê-lo, sinto orgulho pelo que fez. Kostas nunca odiou Theodoros, era apenas um homem ferido, um menino que se sentiu abandonado, mas sua história, tudo o que passou para tentar proteger seus irmãos mais novos só comprova o quanto ele os amava.
— Ele não vai desistir tão fácil de viver! — falei comigo mesma. — Não agora, não depois de tudo o que passou! — Olhei para Millos, que dirigia. — Não é justo!
— Não é!
A primeira pessoa que encontramos no hospital foi Theodoros, com a roupa suja de sangue, mas aparentemente bem. Os dois homens se olharam, mas não falaram nada, nem se tocaram. Millos interceptou um enfermeiro e pediu informações sobre o primo, e Theo se aproximou de mim.
— Ele vai sair dessa, tenha certeza! — consolou-me.
Funguei, tentando conter o pranto e o medo, e balancei a cabeça positivamente.
— A cirurgia está acabando! — Millos voltou com a notícia.
— Ele está há mais de quatro horas lá dentro.
Fechei os olhos e chorei, recebendo o abraço de Theodoros.
— Diz para mim que ele vai ficar bem, por favor! — implorei em seus braços. — Eu não posso perdê-lo!
— Ele vai ficar bem, Kika! — a voz de Theo tremeu. — Kostas é um filho da mãe, só está nos pregando um susto, mas logo estará conosco com aquela cara debochada de sempre.
Depois disso, só tenho flashes de memória.
Kyra e Alexios chegaram correndo, agitaram o hospital, pois Kostas tinha acabado de sair do centro cirúrgico e ido para a UTI. Eu o vi rapidamente, de longe, todo entubado, a cabeça raspada no lado direito, muitos curativos pelo corpo. Conversei com o doutor, e ele me informou que conseguiram extrair o projétil, que por sorte não atingira nenhum órgão vital, passando a centímetros do coração.
O problema todo foi o tombo. O tiro o jogou para trás, e ele caiu de uma altura considerável em cima da mesa de vidro do escritório de Viviane, por isso também as escoriações pelo corpo. Estava com um edema no cérebro, e os médicos decidiram mantê-lo em coma induzido até que o inchaço diminuísse.
— Kika. — Olho para o lado, deixando os pensamentos daquele dia tão triste para trás e vejo Alexios. — Vá para casa descansar um pouco, você está há dias aqui no hospital.
Nego.
— Quero estar aqui quando ele acordar.
Ele suspira e se senta ao meu lado, sem insistir na ideia de eu ficar longe. Não vou sair daqui enquanto não tiver boas notícias, enquanto ele não se recuperar.
Alexios pega minha mão e a aperta, consolando-me. Não está sendo fácil, o edema cresceu, os médicos temem que ele fique com algum tipo de sequela ou que simplesmente não acorde mais. Eu não acredito nisso, tenho convicção de que Konstantinos vai se recuperar e voltar para mim do mesmo jeito que era.
Um barulho na entrada da sala que ocupamos chama nossa atenção, e a mão de Alex aperta a minha um pouco mais forte do que estava fazendo antes.
Um homem alto, moreno, um pouco fora do peso e com os cabelos grisalhos nos olha, principalmente a mim. Atrás dele um outro aparece, bem mais velho, usando uma bengala e óculos escuros.
— Quem são? — sussurro a pergunta para Alex, mesmo já desconfiando pela semelhança física.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — sua voz é carregada de desprezo, e eu sinto o corpo gelar por causa da presença deles aqui.
Cochilo, a cabeça dá um tranco quando escapa da mão, e pulo na poltrona, olhando para todos os lados, nervosa por ter saído do ar por alguns instantes. Não tem ninguém na sala e estranho isso, pois há semanas este lugar vive cheio de gente entrando e saindo, querendo saber como Kostas está.
Suspiro. Já tem mais de um mês que ele está internado. Olho para a cama à minha frente, para o homem que tanto amo deitado imóvel sobre ela, e sinto meu coração se apertar de dor.
Ele não está mais entubado, consegue respirar sozinho, as escoriações que sofreu já estão todas cicatrizadas, bem como o local do tiro, já sem pontos, seco e se curando. Tudo está indo perfeitamente bem, só que ele ainda não acordou.
Não perco a esperança de jeito algum de ver novamente seus lindos olhos azuis, ser tocada por ele, ouvir sua voz. Eu não vou perdê-lo, vou esperá-lo nem que para isso fique o tempo que for preciso sentada aqui nesta poltrona, entre cochilos e lágrimas silenciosas.
Aproximo-me da cama – faço isso de tempos em tempos – e toco seu rosto.
— Oi! Estava ali sentada. Não tem ninguém mais aqui no quarto, e resolvi aproveitar esse raro momento a sós para te dizer que sinto falta do seu corpo junto ao meu, de acordar de manhã com a visão do seu sorriso, subir em você e gozarmos juntos antes de um dia de trabalho. — Beijo a ponta do seu nariz. — Sei que você precisa desse tempo para se restabelecer, mas eu sinto saudades, então, se puder acelerar o processo aí, agradeço. — Abaixo-me e falo em seu ouvido: — Sigo te esperando aqui, cheia de tesão.
Ouço um pigarrear e olho para trás, para a mulher alta, loira e com enormes olhos castanhos. Suspiro resignada com a presença dela aqui conosco, contrariada, é verdade, mas sem poder fazer nada para impedi-la de estar perto dele.
Eu queria! Queria muito livrá-lo da presença tóxica dessa mulher, mas infelizmente oficialmente não sou ninguém em sua vida, e ela é sua mãe.
Volto a me sentar na poltrona, tomando conta de cada movimento de Elizabeth Abbot. Sinto um ranço tão grande dela que chego a crispar as mãos toda vez que se aproxima e toca em Konstantinos.
Ela chegou ao hospital há uma semana, vindo direto dos Estados Unidos, mais precisamente de Bethesda, onde mora e trabalha na área de pesquisa para um enorme laboratório farmacêutico de propriedade da família do seu atual marido.
Chegou de surpresa, e, confesso a vocês, fiquei aliviada, pois sua presença significou o afastamento do insuportável, odioso, nojento Nikólaos. Eu simplesmente não consigo olhar para aquele homem e não me indignar com tudo o que ele fez Konstantinos passar na adolescência. Não dá!
Quando ele chegou, eu nada pude fazer ou falar, pois veio acompanhado pelo pai, o grego Geórgios Karamanlis, o homem que fundou a empresa em que eu tanto me orgulho de trabalhar. O velho não é fácil, percebi logo que o vi, chegou dando ordens, exigiu conversar com a junta médica que acompanha o quadro de Kostas e quis saber o que tinha acontecido à mulher que o alvejara.
Theodoros, por sorte, conseguiu acalmá-lo um pouco, pois eu fui deixada sozinha com ele, uma vez que Alexios simplesmente abandonou o hospital sem ao menos cumprimentar seus dois parentes que haviam chegado da Grécia.
Nikkós se manteve sempre distante dos filhos, só o vi se aproximar de Kyra, mas a mulher lhe deu uma olhada tão feia e tão cheia de avisos que ele logo recuou e a deixou em paz também. Geórgios, por sua vez, babava na neta caçula, reclamava que ela não lhe dava atenção e era visível que a adorava.
Millos apareceu também todos os dias para ter notícia do primo e, em uma dessas visitas, veio acompanhado de Duda Hill, o que me surpreendeu.
— Oi! — ela me cumprimentou. — Você é a Kika, não é? A que deu a máscara de beijinhos para minha filha.
— Sou eu! — cumprimentei-a, e ela se sentou ao meu lado na sala de espera, pois Kostas ainda estava na UTI. — Eu sinto muito tudo isso que aconteceu. — Ela pegou minha mão. — Ele vai sair dessa, pode ter certeza!
— Obrigada! — agradeci sem jeito, pois sabia que ela e Kostas não tinham se conhecido da melhor maneira e nem no melhor momento.
— Tessa queria vir, mas ainda não pode estar exposta em um hospital como esse. — Concordei com ela. — Mas ela ora todas as noites pelo Tim. — Duda riu. — Foi assim que ele se apresentou para ela, e eu só soube que o tão falado Tim era na verdade Konstantinos Karamanlis quando Theodoros me contou que esse era o apelido de infância de Kostas.
— Eu soube que ele foi vê-la. — Sorri.
— Foi e lhe deu um bichinho de pelúcia que Tessa não solta por nada. — Duda abaixou a cabeça, e percebi que estava emocionada. — Eu não gostava dele, sabe? Por tudo o que ele fez para o Theo, por não ter se importado com o que nós passamos com Tessa, mas então percebi que o julguei muito depressa. — Secou o rosto com as mãos. — Eu quero ter a oportunidade de agradecê-lo por salvar Theodoros daquela louca.
— Você vai! — disse com convicção. — E Tessa poderá rever seu amigo Tim, eu tenho certeza.
— Sim! — Duda apertou minha mão. — Eu também!
Ficamos juntas por alguns momentos mais enquanto Theo e o avô visitavam Kostas. Eles me apresentaram ao patriarca da família como sendo namorada de Konstantinos. Fiquei sem jeito, porque nunca expusemos isso aos familiares dele ou mesmo no ambiente de trabalho. A única vez que Kostas usou essa expressão foi quando se apresentou ao Vinícius, mas nunca realmente falamos sobre isso.
O grego idoso foi educado comigo, mas superficial, não me deu muita conversa, mesmo porque falava pouco o português. Já Nikkós teve a cara de pau de se sentar ao meu lado e puxar assunto sobre nossa vida juntos – minha e de seu filho –, levantando questões sobre se estávamos morando juntos ou se era somente um envolvimento passageiro.
Todavia, nada poderia ter me irritado mais do que o dia em que o médico anunciou que tentariam tirá-lo do respirador para ver se Kostas já podia manter a respiração sozinho.
— Caso não consiga, significa que o dano foi muito sério e que não se recuperará? — Nikkós perguntou.
Eu o encarei, furiosa por conta da pergunta ridícula e fora de hora que estava fazendo. Precisávamos torcer para que ele conseguisse, seria um progresso, mas o homem parecia querer que o filho morresse de vez.
Descobri o motivo de sua ansiedade para vê-lo piorar quando Elizabeth Abbot chegou ao hospital. Konstantinos já estava no quarto, sem os aparelhos, apenas com as sondas, ainda em coma. Era bem cedo, o senhor Karamanlis estava aqui visitando o neto, e Nikkós o acompanhava, quando ela entrou e o deixou branco como cera.
Fiquei impressionada com sua beleza e elegância, uma mulher de 55 anos que parecia não ter mais que 35, bem-cuidada, pele perfeita, corpo escultural e incrivelmente bem-vestida. Ela cumprimentou a todos em inglês, inclusive beijou a mão do velho senhor Karamanlis antes de se aproximar do ex-marido.
A conversa entre eles foi sussurrada e tensa, toda em inglês. A mulher, que não via o filho havia mais de 20 anos, só jogou um olhar de esguelha para a cama e saiu com Nikkós do quarto.
— É hora de os abutres confabularem — o avô de Kostas comentou com seu forte sotaque. Franzi a testa, sem entender, e ele me explicou: — Gordon Abbot deixou a maioria de seus bens para ele. — Apontou para o neto. — O velho inglês nunca esteve satisfeito por ter que criar um neto de uma relação relâmpago da filha, mas preferiu deixar seus bens para um herdeiro homem.
Arregalei os olhos.
— Eles estão discutindo por causa da herança dele? — indaguei indignada.
Geórgios Karamanlis deu de ombros.
— Entre outras coisas. Mas não se preocupe, meu neto não é bobo, deve ter feito um testamento muito bem amarrado para que nenhum dos dois veja um só tostão desse dinheiro.
Eu não ligava a mínima para o dinheiro ou o testamento, só me incomodava ao extremo que eles estivessem pensando na morte do próprio filho! Era cruel demais, Konstantinos não merecia isso!
— Ei! — Elizabeth Abbot me chama, seu sotaque horrível despertando-me das lembranças dessas últimas semanas. — Eu preciso de água.
Ela faz um gesto com a mão indicando que está com sede. Rolo os olhos e vou até o frigobar para pegar água para a lady e, no caminho, vejo Theodoros entrar como uma bala no quarto.
— Você está querendo levá-lo para os Estados Unidos?! Está louca? — ele grita em inglês, e, em seguida, Alexios, Millos e Kyra entram no quarto. Fico paralisada, as mãos tremendo. Começo a suar frio e olho para a mulher que age como se nada estivesse acontecendo aqui, a expressão fria como uma geleira da Antártica.
— Como assim levá-lo para... — não termino de perguntar, pois Alexios e Kyra correm em minha direção e ele me segura antes que eu caia no chão. Tento recuperar meus sentidos e questionar o que está acontecendo, mas me sinto fraca, tonta e muito enjoada.
Estou há mais de um mês neste hospital, sem sair desde o dia em que cheguei aqui apavorada com a notícia de que Kostas estava em cirurgia. Verinha me traz roupas e notícias do Kaká, e eu como aqui quando tenho fome, e espero que ele acorde.
— Kika, você me escuta? — Alexios me chama, mas não consigo responder, ainda com os sentidos inebriados. — O médico já está vindo! Ela deve estar exausta, Kyra!
— Nós deveríamos tê-la convencido a ir para casa descansar, a obrigado se necessário!
— Eu estou bem! — sussurro e tento me levantar. — Só um pouco tonta.
— Fique deitada aqui, Kika, o médico já está chegando.
Penso no que acabei de ouvir sobre a mãe de Kostas querer levá-lo para os Estados Unidos e choro ainda de olhos fechados.
— Ela pode levá-lo?
Tenho tanto medo disso que soluço apenas com a possibilidade de ele ser levado para longe de mim, ainda mais por essa mulher que nunca o quis, nunca o amou.
— Nós não vamos deixar — Millos garante. — Ah, o médico.
O doutor fala comigo, mas respondo tudo automaticamente, sem prestar atenção a nada, a cabeça preocupada demais pela possibilidade de Elizabeth Abbot conseguir levar Konstantinos com ela, afinal, é a mãe dele.
— Você precisa comer e se hidratar direito. — O médico me aconselha. — Vou pedir que venham colher seu sangue para exames. Você tem dormido?
— Sim...
— Não, ela não saiu daqui desde que meu irmão deu entrada. — Olho para Kyra e balanço a cabeça, mas ela me ignora. — Não faz as refeições corretamente, não dorme direito, é claro que está estafada.
— Eu estou bem! — Tento me levantar, mas eles me impedem. — Ela vai levá-lo para...
— Kika, ela nem está aqui mais!
— E não vai levá-lo a lugar algum, eu te garanto! — Theodoros fala. — Mas você precisa ficar bem para quando ele acordar, tem que se cuidar.
— Quando foi sua última menstruação? — o médico questiona.
Olho-o tentando lembrar, mas não consigo. Eu estava tomando injeção, mas aí viajei para o Pantanal e não tomei mais, menstruei lá. Isso, foi lá a última vez!
— Há cerca de um mês e meio — respondo.
O médico anota a informação.
— Pode ser só um atraso por conta do estresse, isso é bem comum, mas, de qualquer forma, vou incluir um beta HCG.
Arregalo os olhos, percebendo o que ele está pensando, e todas as vezes que Konstantinos e eu fizemos sexo quando reatamos vêm à minha memória. Nós não usamos proteção nenhuma das vezes!
— Eu posso estar... — olho para os três homens Karamanlis atrás do médico e diminuo o tom da voz — grávida?
O médico sorri.
— Há possibilidade de que isso tenha acontecido? — Assinto. — Então, sim, vamos fazer o exame.
Ele se levanta, vejo um sorriso aparecendo em seu rosto, mas tenta ocultar. Diz aos Karamanlis que estou bem e sai do quarto, deixando-me com a cabeça cheia de dúvidas e uma enorme esperança de que isso tenha acontecido. Involuntariamente ponho a mão sobre a barriga e olho para o lado, para a cama onde Konstantinos está.
Um filho!
— Kika, você está bem? — Alexios ajuda-me a sentar no sofá. — Não quer que eu a leve para casa?
Nego e vejo um enfermeiro entrar para colher meu sangue.
— Em quanto tempo sai o resultado do exame de gravidez? — pergunto baixinho, mas Alex escuta e me olha surpreso.
— Daqui a meia hora te trago o resultado. — Ele recolhe tudo e sai.
Kyra, Millos e Theodoros estão em um canto do quarto conversando, provavelmente sobre a ideia maluca de Elizabeth Abbot querer levar Kostas para os Estados Unidos, mas Alex continua sentado ao meu lado, perplexo.
— Isso é possível? — ele indaga sem me olhar.
— Sim — respondo sem jeito e novamente ponho a mão sobre meu ventre. — Eu sinto que aconteceu, sabe?
Ele sorri e pega minha outra mão.
— Vou esperar o resultado com você, posso?
Fito-o, os olhos cheios de lágrimas, e concordo. Minha vontade é de ir até aquela cama e contar ao Kostas que ele será pai, que ele precisa acordar e me ajudar nessa empreitada, porque certamente será o maior e mais difícil projeto que já tive: criar um filho.
Penso em Gael, meu afilhado que acabou de nascer, e na emoção que foi tê-lo em meus braços. Toda a dúvida que tinha se dissipa. Eu sinto que tem uma vida crescendo dentro de mim, tenho certeza disso.
Sorrio.
Theodoros, Millos e Kyra se despedem, mas Alex informa que ficará comigo por mais um tempo e os acompanha para fora do quarto, provavelmente para lhes contar sobre a possibilidade de eu estar grávida.
Levanto-me, vou até Konstantinos, sento-me na beirada da cama, pego sua mão e a coloco sobre minha barriga.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Sorrio, lágrimas rolando pelo rosto. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Seguro o soluço e fecho os olhos. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Aperto sua mão mais forte. — Volte para mim, por favor.
Sinto meu ventre se agitar, mas penso que é por conta da emoção desse momento, desse meu desabafo desesperado, porém, novamente algo se move em minha barriga, e eu abro os olhos.
Meu sorriso é instantâneo quando encaro os olhos azuis mais lindos deste mundo me fitando, piscando, tentando focar, incomodados pela luz. Começo a rir, mesmo chorando, e o som da minha risada ecoa pelo quarto, fazendo os Karamanlis entrarem correndo para saber o que está acontecendo.
— Kika, está... — Theodoros não termina a pergunta, paralisado, olhando para o irmão acordado. Ele desaba, aproxima-se de mim chorando e sorrindo ao mesmo tempo, segura meu ombro e toca o braço de Kostas.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Há uma fumaça densa que me impede de ver qualquer coisa, mas me faz sentir frio. Sinto-me nu, mesmo estando vestido, perdido sem saber onde estou, sem encontrar o caminho para sair daqui e voltar para casa.
Wilka, ela é minha casa, preciso voltar para ela!
Olho para todos os lados, a escuridão e a fumaça não me deixam enxergar nada, e isso me mantém parado no mesmo lugar. Tento falar, mas da minha garganta não sai nada.
— Eu estou aqui... — a voz dela ecoa, mas não sei exatamente de onde o som vem.
— Eu preciso ter a chance de te pedir perdão... — agora escuto Theodoros, mas ainda não vejo nada.
O silêncio volta. Sinto-me cansado, deito-me no chão e durmo.
— Você sempre foi forte, vai sair dessa!
— Ela não sai daqui, é de dar pena vê-la dormindo sentada nesse sofá.
Os sons voltam a me acordar novamente. Tenho a esperança de conseguir me mover hoje, enxergar algo ou mesmo descobrir de onde vêm essas vozes, mas novamente só há escuridão e fumaça.
Wilka odeia o escuro; ainda bem que não está aqui!
— Mas ele não deixou nenhuma manifestação de vontade caso isso lhe acontecesse? Eu duvido que, orgulhoso como era, ele iria querer ficar sendo cuidado, usando fraldas, deitado para sempre em uma cama! — a voz de Nikkós me faz estremecer, aumenta o frio, e eu me encolho, abraçando meu próprio corpo, sentindo medo. Não quero que ele se aproxime, não quero ficar aqui sozinho com ele!
— Eu te amo, ouviu? Nem tente me deixar, porque eu vou atrás de você aonde for!
Paro de tremer, levanto-me e começo a procurar. Sorrio por conseguir andar de um lado para o outro, mesmo que ainda não veja nenhuma saída. Eu sinto o amor dela, ele me aquece, dissipa a neblina e clareia mais o ambiente.
Dormi de novo! Por quanto tempo? Escuto uma voz ao longe, mas dessa vez consigo saber de onde vem! Caminho em sua direção, e ela vai ficando cada vez mais nítida.
Paro, sinto algo perto de mim, um calor em minha orelha que me deixa arrepiado de prazer.
— Sigo te esperando cheia de tesão!
Sorrio e começo a correr na direção da voz. O caminho fica cada vez mais nítido, mais quente, mais claro. Vou conseguir sair daqui, vou conseguir alcançá-la, vê-la novamente e...
Dou de cara com uma porta. Procuro a maçaneta; não acho. Bato, tento gritar; não consigo. Então bato e bato e bato desesperadamente.
— Nós não vamos deixar você levá-lo para longe!
Longe? Não, estou me aproximando agora, não quero ir para longe. Não posso, ela me espera, sempre me esperou, preciso voltar, preciso achá-la!
— Kika, você está bem?
Paraliso, sinto meu corpo tremer com a pergunta. Não sei o que houve, mas sinto angústia e medo. Começo a chutar a porta.
— Devíamos tê-la convencido a descansar!
Chuto e soco ao mesmo tempo, o coração disparado, a vontade de alcançá-la. Choro, quero implorar para que abram, para que me deixem sair, mas não consigo, apenas sigo atacando a porta no firme propósito de derrubá-la.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Paro de socar a porta, sentindo uma emoção diferente tomar conta de mim. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Fecho os olhos, e uma calma enorme me envolve. Sinto como se eu estivesse recebendo raios de sol. Levanto meu rosto, aquecendo-me devagar. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Sorrio, meu corpo ficando leve, como se estivesse flutuando. — Volte para mim, por favor.
Abro os olhos, mas volto a fechá-los com força, pois a claridade faz com que eu sinta ardência. Minha mão está sendo mantida apertada. Movo-a um pouco, incomodado, tentando desfazer a pressão.
Volto a abrir os olhos, pisco, porém, consigo mantê-los abertos. Não consigo enxergar direito, minhas pupilas ainda estão se adaptando ao ambiente. Ouço bipes constantes, sinto algo enterrado em minha pele. Movo-me novamente, e um clarão chama minha atenção.
Olho para frente, tento focar na luz, tentar descobrir o que é que brilha tanto desse jeito, então a vejo. Seu sorriso está enorme, o som de sua risada me aquece. Parece que estou sonhando. Quero sorrir também, tocá-la, abraçá-la e dizer que voltei.
Por ela!
Olho para minha mão junto à dela em sua barriga.
Nós vamos ser uma família!
Alguém toca no meu braço. Olho para o lado. Theodoros.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Lembro-me, então, da discussão com Viviane, da arma apontada para Theodoros, minha intenção de impedir, a dor, a sensação de estar caindo, Wilka dormindo iluminada pelo sol, e a escuridão.
— Kostas? — ouço-a me chamar. — Você consegue...
— Eu vou ser pai? — dou-me conta de que sou eu quem perguntou isso. Minha voz está diferente, mais rouca, mas fui quem perguntou.
Eu vou ser pai!
Olho de novo para minha mão em sua barriga e a acaricio.
— Vai! — Wilka confirma, chorando. — Você é meu anjo, meu amor! Ainda bem que voltou para nós!
— Você me trouxe de volta.
Ela se inclina sobre mim e me beija. Abraço-a como posso, mesmo sentindo incômodo em meu braço, emocionado por tocá-la novamente, por ter a chance de estar com ela em meus braços de novo.
— Kika... — Alexios fala rindo. — Os médicos estão querendo examiná-lo.
Wilka tenta se levantar, mas não deixo. Não sei quanto tempo estive desacordado, mas a sensação que tenho é de que passei toda uma vida longe dela. Não quero que se afaste de mim, não quero perdê-la nunca mais.
— Ei, seu fazedor de merda, bem-vindo de volta! — Millos toca meu outro ombro.
Abro os olhos e ao lado dele vejo Kyra sorrindo, e atrás dela, Alexios tenta disfarçar as lágrimas. Estão todos aqui, juntos, por mim?
Wilka se levanta, mas não sai de perto, nossas mãos unidas.
— Como você se sente? — um médico me pergunta. — Consegue falar?
Respiro fundo e me concentro para conseguir me expressar, mesmo com a garganta dolorida.
— Sim, estou apenas com uma puta dor de cabeça.
Wilka gargalha, e todos a seguem.
— Preciso que vocês saiam um instante para que nós passamos avaliar as condições dele — o médico pede, e eu agarro a mão de Wilka com mais força, não querendo que ela vá. — Não se preocupe, é rápido, e essa moça não saiu do seu lado um minuto sequer. Ela não irá para longe agora.
Solto a mão dela, que se aproxima e me beija de novo antes de sair da sala seguida por meus irmãos e meu primo.
Todos aqui!, penso surpreso e sorrio.
— Está sentindo dor? — Wilka inquire.
Dou mais dois passos e nego, satisfeito por poder ficar de pé e caminhar depois de dois dias deitado ou sentado na cama.
— É quase um milagre que não tenha ficado com nenhuma sequela.
Olho para a mulher que me gerou, sem entender o que ainda faz aqui, afinal, não morri, estou bem e pretendo continuar seguindo assim, então não sou interessante para ela.
Soube que Nikkós também esteve vindo ao hospital enquanto eu estava em coma, mas ele parece ter mais senso de ridículo e não voltou a aparecer desde que acordei, o que não é o caso de Lizzie Abbot.
O velho Geórgios Karamanlis veio me ver algumas vezes, sempre com seu jeito severo, meio bruto, mas verdadeiramente preocupado com meu estado de saúde, atitude bem diferente da minha mãe.
Bufo, impaciente, e olho para Wilka.
Estou de pé hoje, treinando lentamente meus passos, porque decidi que não vou mais perder nenhum momento importante da minha vida, e hoje, daqui a pouco, será o primeiro de grande importância que terei: a primeira ultrassonografia do nosso filho.
Pois é, parece que algum ser superior decidiu que era hora de parar de foder minha vida e, além de trazer Wilka para mim, ainda não me deixou morrer ou ficar com sequelas e me presenteou com a paternidade, com uma família.
Família!
Ontem acordei com a presença de Theodoros, Duda e a pequena Tessa, usando uma máscara e segurando o ursinho que levei para ela no hospital onde esteve internada. Senti o coração disparar ao vê-los, sentei-me na cama com dificuldade, porque ainda me sinto cansado e tonto na maioria do tempo, e sorri para a garotinha.
— Olá! — cumprimentei-a.
— Oi, Tim! — Ela me estendeu o urso. — Eu queria vir te ver, mas sempre você estava dormindo! — Tessa riu, eu soube disso por conta do som de sua risada e de seus olhos se repuxando nos cantos. — Você dorme muito!
Theo e Duda riram da constatação da menina, e eu dei de ombros.
— Vou tentar dormir menos de agora em diante. Fico feliz que tenha vindo me ver.
— Nós queríamos muito vir — foi Duda quem respondeu. — Eu queria agradecer...
— Não, não precisa, fiz o que achei certo e o faria novamente. — Olhei de soslaio para Theodoros. — Eu preciso pedir perdão a você pelo modo como...
— Já esqueci isso, Tim — ela me chamou pelo apelido e pegou minha mão. — Somos uma família, é normal fazer umas merdas de vez em quando, mas temos que superar e aprender com elas.
Senti um bolo em minha garganta, emocionado pelas palavras e por ela me considerar de sua família.
Mais tarde, enquanto ela voltava para casa com minha sobrinha, Theodoros fez algo que nunca imaginei que fosse fazer. Ele me abraçou.
— Eu pensei que íamos perder você por um momento — disse ainda me apertando contra si. — E me dei conta de que nunca disse o quanto eu sentia por ter deixado você e nossos irmãos sozinhos com Nikkós. — Fiquei petrificado. — Eu não fazia ideia, Kostas, de que ele se tornaria o louco que se tornou, mas eu deveria saber ou ter descoberto.
— Do que você está...
Ele se afastou e me encarou.
— Kyra me contou o que vocês passaram. — Fiquei lívido. — Disse-me aos prantos que Alexios e você suportaram toda a loucura dele a fim de protegê-la. Eu não faço ideia do que ele fez, mas sei que causou danos sérios e que ajudou a aprofundar essa lacuna entre nós.
— Eu não queria que ela se sentisse culpada pelo que houve — confessei, pensando pela primeira vez em como minha irmã lidava com nosso passado, entendendo que, talvez, ela sentisse uma culpa que não lhe cabia sentir. — Ele é o culpado, Theo, não ela e nem você.
— Eu sei, mas eu desencadeei tudo. — Assenti, pois era a verdade. — Deveria ter voltado a fazer contato com vocês. Sei que não justifica, mas estava fodido também, machucado, então entrei de cabeça nos estudos.
Entendi, naquele momento, que todos nós fomos vítimas. Éramos jovens demais, imaturos, e ficamos sob a responsabilidade de dois adultos descontrolados e egoístas. Theodoros foi tão vítima de Sabrina quanto meus irmãos e eu do nosso pai.
— Obrigado por ter salvado minha vida! — Theo agradeceu. — Obrigado por ter acordado e me dado a chance de dizer o quanto você é importante para mim!
Não resisti mais e o puxei para mais um abraço, surpreendendo-o, fazendo-o rir de nós dois, marmanjos barbados, ali, abraçados feito crianças. Eu não poderia mesmo ter morrido, precisava ter aquele momento com meu irmão, o homem que por anos odiei e culpei por tudo de ruim que passei.
— Não sei se é conveniente que ele já saia da cama — Elizabeth Abbot segue falando em inglês e me faz parar para olhá-la de frente. — Acho que ele deveria passar por uma avaliação fora do país, pode ter alguma sequela que os médicos daqui...
— Vai embora! — minha voz sai como um rosnado, e ela se assusta. — A única coisa aqui que não é conveniente é sua presença. A única sequela que tenho é de, infelizmente, ter saído de um ser tão egoísta e mesquinho como você.
— Tim!
Ouvir meu apelido de infância sair de seus lábios me dá ainda mais raiva.
— Segue sua vida, Lizzie. Nunca houve espaço para mim nela, e, como você pode notar, não há espaço na minha para você também. — Aponto para a porta. — Go away!
Ela pega sua bolsa, funga indignada e desaparece da minha vida mais uma vez. Wilka está parada, encarando-me com uma expressão que não consigo definir.
— Acha que exagerei? — pergunto a ela.
A Cabritinha ri e nega.
— Eu tive vontade de tirá-la daqui pelos cabelos desde quando chegou, mas sou educada demais e aprendi a respeitar os mais velhos, mas que vontade danada! — Ela se aproxima, fica nas pontas dos pés. Eu me abaixo e a deixo me beijar. — Ela te gerou, mas nunca foi sua mãe. Eu te entendo.
— Você é meu mundo! — declaro. — Prometo que vou me esforçar para ser o melhor pai que nosso bebê poderia ter.
Ela ri novamente.
— Ai de você se não for! — ameaça-me.
Puxo-a para mim, fazendo-a gargalhar de nervoso quando a ergo no colo, preocupada por eu não a aguentar e nós dois cairmos. Isso nunca irá acontecer!
— Amo você, Pimentinha, mesmo sendo brava desse jeito!
Termino de escrever o e-mail e fico esperando o arquivo que anexei ser carregado. Olho na direção da sacada. O sol já alto no céu anuncia uma manhã de outono quente, então sorrio para a mulher que está dormindo calmamente na cama que acabei de deixar.
Vou para a sala e sou seguido pelo Kaká. Suas unhas fazem barulho no assoalho de madeira, e o pego no colo antes de me sentar com ele no sofá.
— Vai acordá-la, seu grude, e ela precisa descansar! Tem um bebê crescendo dentro dela, e sua missão será de tomar conta dele, então comece desde já!
Kaká balança o rabo e tenta lamber meu nariz, mas desvio o rosto a tempo, rindo e acariciando suas orelhas. Fecho os olhos antes de conferir o carregamento do arquivo no celular, e ele se deita preguiçoso, seguro e feliz como eu mesmo me sinto.
Saí do hospital há duas semanas e segui para o apartamento de Wilka, pois, como já havia deixado bem claro, não iria mais perdê-la de vista. Eu não imaginava que fosse possível me apaixonar ainda mais por ela, porém estava enganado e comprovei isso dentro da sala onde uma médica fez ultrassonografia nela.
É verdade que não consegui ver nada, mas a doutora garantiu que havia um bebê ali dentro e que, aparentemente, estava tudo em ordem com a gestação. O aparentemente não me convenceu nenhum pouco! É por isso que, enquanto não fôssemos a algum outro que me garantisse completamente que estava tudo bem, eu não iria sair de perto dela.
Insisti para que fosse dormir em casa, pois não havia o mínimo conforto no sofá do hospital onde ela passava as noites desde que eu fora transferido para o quarto, mas, cabeça-dura como sempre, ela se recusou a ir.
— Eu vou sair daqui no dia em que você sair também! — disse categórica.
O que acabou acontecendo é que começamos a burlar as regras do hospital, pois eu a chamava para se deitar no leito comigo todas as noites, ficava abraçado a ela, acariciando sua barriga, que ainda não trazia nenhum indício de que meu filho estava lá dentro, e ela dormia perto de mim.
Era uma delícia e um tormento, pois, mesmo diante da insistência dos médicos de que eu deveria ficar em observação, senti-a bem e estava cheio de tesão por ela, louco para provar seu corpo novamente.
Rio ao me lembrar do dia da alta. Eu entrei no banheiro para tomar banho e, como sempre, ela me pediu para deixar a porta do banheiro destrancada, caso acontecesse de eu sentir algo e ter de ser socorrido. Achava um exagero, mas, como a tranquilizava, acatava o seu pedido. Naquele dia, talvez por saber que em breve iria para casa, eu estava particularmente excitado.
Ensaboei meu corpo, vendo meu pau endurecer a cada passada da esponja em minha pele. Demorei mais tempo lavando-o do que o necessário e, quando dei por mim, estava tocando uma punheta como havia tempo não o fazia. Vocês sabem, eu adoro tocar uma, mas, desde que Wilka entrou na minha vida, prefiro que ela faça isso para mim.
— Wilka! — chamei-a. — Preciso que me ajude em algo aqui no banho!
Senti um pouco de remorso quando ela invadiu o banheiro toda preocupada, abrindo o boxe como se fosse salvar minha vida.
— O que... — Ela parou quando viu como eu estava e o que estava fazendo. — Safado!
Comecei a rir e a puxei para dentro do chuveiro comigo, de roupa e tudo, beijando-a cheio de tesão, sentindo meu corpo reagir à proximidade do seu como se fosse a nossa primeira vez juntos. Foi surreal, transcendeu qualquer outra sensação que eu já tinha sentido na vida.
Ela se ajoelhou no chão molhado do boxe, sua blusa encharcada e agarrada aos seus peitos deliciosos, a calça larga, de tecido fino, marcando suas coxas e bunda, e começou a me chupar furiosamente. Senti, através de sua boca no meu pau, o quanto ela sentira a minha falta, como estava com saudades do nosso contato e todo seu amor.
Foi isso! Trepamos amorosamente, traduzindo em movimentos, gemidos e orgasmos todas as palavras de amor que trazíamos dentro de nós. Não foi uma transa melosa ou mesmo cuidadosa, apesar do meu estado de convalescença e da gravidez dela, porque nosso amor não é assim.
O que sinto por ela não é terno, meigo e delicado. É chama pura, intenso, desmedido e bruto. E ela gosta e retribui. Claro que temos nossos momentos de carinhos, mas ali, debaixo daquele chuveiro, queríamos o incêndio, a tempestade e uma total rendição.
Foi foda!
Mais tarde naquele dia, entrei no apartamento dela já esperando encontrar o mijão do Kaká, porém, o bicho estava com a Verinha, que cuidou dele e das plantas de Wilka desde o dia em que fui internado no hospital. Eu me apeguei ao bichinho, mesmo o achando grudento demais. Gostava de ter sua companhia enquanto assistia ao futebol ou mesmo trabalhava em alguma coisa.
— Ela virá daqui a pouco, foi passear com eles — Wilka esclareceu quando percebeu que eu senti falta do cachorro, um sorriso matreiro em seus lábios.
— Você acha que ele se adaptará bem depois que o bebê nascer? Não quero meu filho sendo coberto de mijo e...
Ela começou a gargalhar e me abraçou.
— Kaká vai ser um ótimo companheiro para o nosso bebê, tenho certeza!
Eu ainda não tinha certeza sobre isso, precisava pesquisar sobre os perigos de se ter um cachorro perto de um recém-nascido, mas não comentei mais nada sobre esse assunto, já focado em outro.
— Você não acha que deveríamos procurar um apartamento maior? — Ela me encarou, olhos arregalados. — Este aqui é maior que o meu, mas ainda assim é muito pequeno para uma família. Onde vamos pôr o bebê? Junto aos seus livros?
Ela riu e balançou a cabeça.
— Você está pirando com essa história de ser pai, vai mais devagar! Temos tempo de...
— Não! — interrompi-a. — A última vez em que estive aqui com você, pensava exatamente assim, que tinha todo tempo do mundo, mas percebi que em poucos segundos tudo pode mudar. — Ela concordou. — Naquele dia eu ia te fazer uma proposta...
Wilka sorriu e assentiu.
— Recebi o pacote da joalheria.
— Chegou a abrir?
Pensei no anel que havia comprado para firmar um compromisso com ela.
— Não, ficou lá, na sua mesa, porque eu logo soube do que tinha acontecido com você e... — Deu de ombros. — A única coisa que me importava era te ter de volta.
Acariciei seu rosto, admirando-a, amando-a como nunca tinha amado ninguém, e pensei que firmar um compromisso com ela não seria suficiente para mim. Eu precisava que ela fosse minha para sempre e que todos soubessem que eu também era dela.
— Era um anel. — Ela sorriu. — Um anel simples, um compromisso para selar uma relação permanente contigo, mas eu já não quero isso.
Wilka abriu muito os olhos. Sua expressão dizia que estava confusa, que não entendera o que eu quisera dizer. Sorri antes de fazer algo que eu sempre achei desnecessário e cafona, e ela suspirou alto quando finquei um dos joelhos no chão da sala e segurei suas mãos.
(Vou aqui abrir parênteses para pedir a vocês que não riam muito e nem debochem por eu ter começado essa história todo malvado e a estar terminando assim, de forma tão clichê! Eu continuo o mesmo, ainda sou debochado, irritado, arrogante e difícil de conviver, mas, perto de Wilka, só consigo ser um irritante homem feliz e realizado.)
— Eu não tenho um anel aqui comigo, nem alianças – o que acho que seria mais certo –, mas tenho todo o amor que nunca imaginei sentir por alguém, admiração pela mulher incrível que você é e um tesão sem tamanho que me faz ter vontade de foder com você todas as horas disponíveis do dia. — Ela riu, mesmo com os olhos pingando de lágrimas. — Eu te proponho ser minha companheira, minha melhor amiga, minha amante. Eu te proponho brigar comigo por pequenas coisas e rir delas depois junto a mim. Te proponho criarmos nosso bebê juntos, amá-lo, educá-lo e protegê-lo como nunca fomos nessa vida. — Ela soluçou, e eu também. — Eu não prometo que será fácil, ou só termos alegrias. Você sabe o quanto eu tenho de escuridão ainda dentro de mim, feridas que, mesmo curadas, ainda assim deixaram marcas, mas eu te garanto que você é toda a luz que eu preciso para ser feliz, o meu sonho e minha realidade, a mulher que eu amo.
— Se você não fizer a pergunta logo, não sei se terei condições de responder! — ela gracejou, mesmo soluçando emocionada.
— Wilka Maria, Kika, Caprica, Cabritinha, Pimentinha, minha pintora de rodapé — ela gargalhou —, você aceita ser minha para sempre?
— Já sou; quero algo novo!
Gargalhei.
— Abusada! — Respirei fundo. — Você aceita se casar comigo?
— Acho que posso lhe conceder essa graça — disse rindo, mas gargalhou quando me levantei e a ergui em meus braços. — Sim, eu aceito, Konstantinos Abbot Karamanlis, Kostas, Portnoy, Tim... — sussurrou — Bostas.
— Bostas? — questionei, e ela fez uma cara engraçada.
— Pula essa parte e me beija!
Acaricio o Kaká, que agora ronca como um porco, deitado no meu colo, rio das lembranças e envio o e-mail, cujo arquivo finalmente carregou, para um certo escritório nos Estados Unidos, ansioso para saber o que eles acharão do que eu acabei de lhes mandar.
Suspiro ao pensar que amanhã volto a trabalhar na Karamanlis, mas antes tenho uma despedida a fazer, algo que não posso mais esperar, e uma novidade a contar para minha noiva.
Chegamos em frente ao local que por anos mantive de pé em segredo, apodrecendo lentamente, como uma lembrança viva dos anos de inferno que passei dentro dele.
Contei a Wilka mais cedo que Alexios conseguiu autorização para a demolição do prédio e que, daqui uns dias, isso irá acontecer. Eu não tinha intenção de trazê-la até aqui comigo, mas ela insistiu muito, principalmente depois que lhe contei a novidade.
— Eu não me lembrava muito bem daqui, mas reconheço o vitral — Wilka fala sentada ao meu lado no banco do carona.
— Você tem certeza de que quer entrar aí? — pergunto-lhe, ajeitando meus óculos escuros sobre os olhos, sentindo-me incomodado por lhe causar a mesma dor que senti quando voltei aqui na primeira vez. — Daqui a pouco estará tudo no chão, e uma nova história será erguida nesse lugar.
Ela sorri e concorda.
— Obrigada por ter aceitado minha ideia de transformar esse lugar que causou tanta dor em um local de esperança.
Respiro fundo, tentando não dizer a ela que preferia que nada mais fosse feito aqui, esquecer esse endereço para sempre e seguir como se nunca tivesse existido, mas entendo que faz parte dela transformar tristeza em alegria, amargura em regozijo.
Essa era minha surpresa para ela, contar que Alexios estava à sua disposição para conceber uma nova construção para esse local, um espaço que ela possa destinar para uma das ONGs que conhece a fim de desenvolver ali os projetos sociais que ela tanto ama.
Ela ficou enlouquecida, não sabia se ria ou já começava a se planejar, se me beijava ou ligava para alguns de seus amigos para contar a novidade. Não falou em outra coisa enquanto tomávamos café e nos arrumávamos para vir até aqui, sonhando com um projeto que ajudasse crianças e adolescentes em risco.
Fiquei feliz apenas por vê-la feliz, mas temeroso com sua reação quando visse a casa onde passou os primeiros anos de sua vida e presenciou tanta coisa absurda para uma criança e teve o trauma de ser trancada no armário todas as noites.
— Eu quero entrar, sim. Preciso enfrentar meus medos e pôr fim a tudo isso que me machucou por anos — ela ressalta, ciente de minha relutância. — Vamos fazer isso juntos!
Pega minha mão, e eu concordo, desligo o veículo e saio, indo encontrar-me com ela na calçada. Wilka não para de olhar para o alto, para o sótão onde passou os momentos mais assombrosos de sua infância, e eu abro o portão do tapume que rodeia a propriedade antes de abrir a porta principal.
— Está pronta? — Estendo minha mão para ela.
Entramos no salão principal. Não olho nada em volta, pois já sei bem como tudo está. Minha atenção está toda nela e em sua expressão de dor e medo. Aperto sua mão para lembrá-la de que não está sozinha, e continuamos a entrar no sobrado.
— Não quero ver o segundo piso, quero ir direto lá para cima — revela-me assim que terminamos de subir o primeiro lance de escadas. — Eu quero ver o armário.
— Tem certeza?
Ela sorri e assente.
Seguro o fôlego ao chegar ao sótão, também cheio das minhas próprias lembranças e com os demônios do passado a me atormentarem. Wilka larga minha mão, vai até o local de sua tortura, de seu medo, e abre a porta velha e cheia de cupim.
— Eu tinha a lembrança de um lugar enorme e assustador — ela fala, olhando o minúsculo armário. — Senti-me tão pequena e perdida aí dentro...
Seguro em seus ombros e beijo o topo de sua cabeça, confortando-a.
— Acabou, você cresceu, o lugar que te amedrontava deixou de existir.
— Sim. — Ela ri. — Já não sinto medo algum!
Abraço-a apertado pelas costas.
— É hora de deixar tudo isso para trás. — Ponho a mão sobre sua barriga. — É tempo de criarmos um futuro feliz.
Wilka fecha a porta e me olha sorrindo. Mais uma vez sinto tudo ser iluminado, afastando também as sombras do meu passado, aquecendo minha alma.
— Vamos embora!
Descemos sem o peso que sentíamos quando entramos, sem sentir absolutamente mais nada por este lugar decadente. Entramos no salão principal e paramos ao ver Alexios agachado, remexendo em umas coisas no chão.
— Alex? — Wilka o chama.
— Oi! — Ele sorri sem jeito. — Vim até aqui, vi o carro e entrei. Tudo bem com vocês?
Ela assente, mas percebo que se questiona o que meu irmão faz aqui.
— Achou algo que possa ajudá-lo? — questiono-lhe.
— Não. — Dá de ombros. — É como caçar uma agulha no palheiro. Não sei nada dela.
— De quem? — Wilka inquire.
Alexios suspira e a encara.
— Minha mãe biológica. Ela era uma das prostitutas deste lugar, mas isso é só o que sei.
— Daqui? — Wilka me olha. — Você tem certeza?
— Sim, encontrei uma das mulheres que trabalhou aqui, e ela me confirmou isso.
A expressão no rosto de Wilka me deixa tenso.
— Se ela trabalhou aqui e te teve enquanto morava neste lugar, eu sei de alguém que pode te fornecer todas as informações sobre ela.
Arregalo os olhos e nego.
— Wilka, não! Não quero que você tenha contato com ela, já a estão procurando para colocá-la de volta no lugar de onde nunca deveria ter saído!
Alexios se aproxima de minha noiva.
— De quem você está falando? Madame Linete? — Ela concorda. — Você sabe se ela ainda está viva? Como a conhece?
Wilka sorri para mim, e eu entendo que ela vai contar para ele e ajudá-lo nessa loucura que ele insiste em fazer.
— Ela é minha mãe. — Alexios fica surpreso, olha para mim e depois para ela, claramente confuso. — Vou ajudar você em sua busca, Alex. Eu sei onde encontrar madame Linete.
Meu irmão fica um instante congelado no lugar, então, sem nenhum aviso, puxa minha noiva para seus braços e chora feito uma criança.
— Que surpresa maravilhosa! — digo ao pegar o pequeno Gael, de três meses de vida, no colo. — Por que vocês não me avisaram que estavam vindo?
Desconfio da visita, afinal, estivemos juntas no mês passado lá na Paraíso, e ela não mencionou nada que viriam até São Paulo.
— Foi algo impulsivo, por isso...
— Impulsivo? — Rio dela. — Você fazendo algo sem planejar? Impossível!
— Ela mudou, Kika, minha Dondoquinha está mais solta! — Guilherme pisca para mim, mas logo vai para a sacada, falando ao telefone com algum amigo daqui da cidade.
Continuo suspeitando dessa impulsividade, mas, como estou feliz com a presença deles e do Gael, não insisto em saber o real motivo da vinda.
— Já melhoraram os enjoos?
— Ainda não, mas estou fazendo o que o médico recomendou, comendo coisas mais leves e evitando o que me faz mal, como leite, por exemplo.
Malu gargalha.
— Nada de frappuccinos do Starbucks mais?
Faço cara triste.
— Não!
— Sacrifícios da maternidade, minha amiga, mas vale a pena! — Malu beija a cabeça careca de Gael. — Cadê o Bostas, meu cunhado?
Dou risada por ela ainda o chamar desse apelido, mesmo depois de já ter feito as pazes com ele. Malu ficou uma fera comigo quando soube que eu escondi o que aconteceu com Kostas, mas eu não queria preocupá-la, pois tinha acabado de dar à luz, então ela só soube de tudo o que aconteceu quando ele finalmente teve alta do hospital.
Suspiro ao pensar nesses dois meses deliciosos em que estamos vivendo juntos aqui no apartamento, a surpresa que tive quando as estantes que ele mandou fazer para meu quarto de leitura chegaram, a mesa e a poltrona, onde passo alguns momentos do meu dia lendo.
— Eu deveria bater em você por isso, mas como? — disse enquanto colocava os livros nas prateleiras. — Foi um presente muito fofo!
Ele riu e deu de ombros, limpando os exemplares que tenho da trilogia de T. F. Gray.
— Você deveria ter os livros dele com dedicatória, já que é tão fã! — Kostas comentou.
— O homem não aparece em lugar algum, é um verdadeiro ermitão, nunca fui aos lançamentos de seus livros, ainda mais aqui no Brasil — lamentei. — Fiquei surpresa por você ter dedicatória nos seus.
— Terminou de ler?
Assenti.
— Sempre fico surpresa com as reviravoltas que ele escreve nos finais. — Suspirei. — Eu li em algum lugar que ele terminou de escrever um livro novo, mas a editora não confirma se é algo da trilogia ou se é o início de outra.
Konstantinos não comentou mais nada, colocou os exemplares no lugar de destaque que atribuí a eles e olhou tudo em volta.
— Quando mandei fazer o projeto e os móveis, não pensei que você iria aproveitá-los tão pouco. Tomara que o próximo morador daqui goste de ter uma biblioteca.
Concordei, pois já estávamos à procura de outro imóvel para morar. Insisti para ficarmos aqui por mais tempo, afinal, eu não tinha condição alguma de ajudá-lo com a aquisição de um imóvel novo por conta das dívidas que fiz, e eu não queria me aproveitar de seu dinheiro, mesmo tendo descoberto – depois da visita de Elizabeth e de Nikkós no hospital – que, além de herdeiro da Karamanlis, Kostas herdou uma pequena fortuna e muitos imóveis de seu falecido avô inglês.
Acontece que, duas semanas atrás, eu recebi um comunicado do banco sobre a quitação da dívida e tomei um susto. Ele havia pagado tudo o que eu devia. Discutimos por causa disso, mas depois entendi o que ele quis fazer e lhe agradeci.
— Você ainda está pagando este apartamento para sua amiga, Malu, e com a dívida que havia assumido por conta da chantagem escrota de madame Linete, se lamentava por não conseguir contribuir com nossa casa nova e nem com as coisas do bebê, então, eliminei a dívida. — Ele me beijou. — Eu sei que você gosta de ser independente e admiro muito isso, mas não está mais sozinha, Kika. Não quero que dependa de mim, nem mesmo quero que você pense que eu ache que meu dinheiro influencia nossa relação, porque sei que isso nunca aconteceu. Você vai continuar pagando sua dívida com Malu, ter este apartamento em seu nome, só seu, alugá-lo, deixá-lo vazio ou o que você achar melhor e continuará tendo sua liberdade, seu dinheiro.
— Obrigada! — baixei a crista e lhe agradeci, vendo lógica em seu argumento.
O que nós não esperávamos era que, na semana seguinte, depois de termos apresentado uma nova área para a Ethernium, no Paraná, e fechado negócio com eles, eu soubesse da demissão do diretor que comprou a promissória do antigo bar de Duda Hill por causa de umas irregularidades e eu fosse promovida.
— Quero deixar bem claro que a promoção de Wilka Reinol nada tem a ver com o fato de ela estar entrando na família — Theo discursou no dia em que tomei posse. — Mesmo depois de todos os problemas que a empresa passou nos últimos meses, a então gerente de hunter conseguiu fechar o maior negócio dessa década da Karamanlis, e sua elevação ao nível de diretora se justifica pelo seu profissionalismo e eficiência.
Chorei – digo sempre que foi por conta dos hormônios da gravidez – e acabei depois inaugurando minha nova sala, agora já não no mesmo andar do jurídico, gozando enlouquecida com a boca de Kostas a me comer inteira em cima da minha mesa nova – ponho a culpa na gravidez também!
Uma nova história se abriu para mim, em um ano, desde que assumi a gerência no lugar de Malu provisoriamente, discuti com um diretor jurídico muito abusado e jurei detestá-lo pelo resto dos meus dias.
Quebrei essa promessa, claro!
— Está conversando com o juiz que pegou o processo de Viviane Lamour — respondo à pergunta de Malu sobre Kostas. — Pelo menos foi isso que ele me disse que ia fazer, mas achei estranho, porque teve uma reunião com ele na semana passada.
— Ele já a pronunciou? — Malu questiona.
— Já, ela vai enfrentar um júri por tentativa de homicídio. — Chego a estremecer só em pensar que Kostas poderia ter morrido por causa daquela louca.
— E a questão do furto de informações da empresa?
— O doutor Murilo já havia começado a montar o processo contra a Dedalus, a concorrente, e agora Kostas está acompanhando de perto. Ontem saiu nos jornais daqui, um verdadeiro escândalo que, com certeza, irá afetar a imagem deles.
Sinto um cheirinho azedo e faço careta para Malu, percebendo que meu afilhado acabou de sujar as fraldas.
— Nem me olhe com essa cara! — Ela ri. — Pode começar a treinar!
Gargalho, nervosa, quando ela me estende a bolsa dele, com trocador, fraldas, lenços e pomada contra assaduras. Nunca troquei um bebê na vida, nem no mês passado, quando estive um final de semana com eles na fazenda, pois fiquei com medo e deixei dona Sueli se encarregar da tarefa.
Brinco com meu afilhado, admirando seus lindos olhos claros como os do pai e faço cócegas em sua barriguinha estufada, mas, quando abro a fralda suja, preciso tampar o nariz.
Malu ri e me auxilia a trocá-lo, e eu acho isso tão engraçado, pois nunca imaginei uma cena como essa entre nós duas.
Surpresas da vida!
— Malu, eu já estou começando a ficar assustada com isso tudo! — comento ao sair do carro ainda vendada.
— Relaxa, está tudo sob controle! — sua voz é animada. — Nós vamos só trocar sua roupa, e logo você saberá do que se trata.
— Por que eu vou ter que...
Ela me segura pelos ombros.
— Você confia em mim ou não?
— Muito! — respondo de pronto. — Mas ainda espero o dia em que você irá se vingar pelo que fiz te mandando daquele jeito para o Pantanal!
Ela gargalha.
— É bom esperar mesmo! — Beija minha bochecha, e eu sorrio. — Sua sorte é que sua atitude fez de mim a mulher mais feliz e realizada desse mundo.
Meus amigos estão em São Paulo desde ontem, quando chegaram de surpresa lá em casa. À noite, Kostas cozinhou para eles, e eu pude, enfim, respirar aliviada por ver uma amizade se formando entre o Xucro e meu noivo. Sei que eles se deram essa oportunidade, desde o mês passado, quando se encontraram pela primeira vez, por causa de mim e da Malu, mesmo assim fiquei muito feliz.
Mal o dia amanheceu, e Konstantinos sumiu de novo. Eu nem tinha tomado meu café da manhã ainda quando Malu apareceu inventando uma desculpa absurda sobre precisar de mim para comprar algo para o Gael e me enfiou no carro dela. Paramos em uma padaria para que eu pudesse engolir – literalmente foi isso – algo que me sustentasse, e, quando retomamos a viagem, fui obrigada a me vendar.
Sei que saímos da capital, pois demorou pouco mais de uma hora para chegarmos aqui, e o clima – estremeço – está bem mais frio do que em São Paulo.
Sou levada para dentro de uma construção, ouço portas serem fechadas, ela me desvenda, e eu reconheço que estou dentro de um banheiro em uma espécie de chalé.
— Tome um banho, que já volto para te ajudar.
— Malu. — Detenho-a de repente. — O que é isso tudo?
— Confia em mim! — Aponta para a banheira. — Tome um banho, relaxe. Vou vir com seu almoço.
Ela sai do banheiro, e, confiando nela, tiro a roupa e entro na banheira, suspirando com a água quente a envolver meu corpo. Ponho a mão sobre minha barriga, levemente arredondada, e começo a conversar com meu filho. Faço muito isso desde quando li que é ótimo para criar um vínculo entre os pais e os filhos. Kostas às vezes passa horas alisando-me, conversando ou cantando enquanto toca violão para minha barriga. É uma delícia compartilhar esses momentos com ele e saber que são só meus, pois ele continua o mesmo insuportável de sempre na empresa.
A vida tem se mostrado maravilhosa de uma forma que nunca sonhei, comento isso sempre com Jane quando nos encontramos em nossas conversas semanais. Sinto que muito do que eu temia deixou de existir ao me apaixonar por Kostas e, principalmente, depois que soube que o fruto desse amor estava dentro de mim.
Ainda percebo que necessito ter essas conversas com ela e, sinceramente, gostaria que Kostas buscasse ajuda também. Estamos bem, felizes, mas isso não apaga nosso passado, apenas faz com que deixe de ter a importância que tinha e que nos impedia de olhar para o futuro com esperança. Ele ainda não aceitou conversar com um profissional sobre tudo o que vivemos. Cada um tem seu tempo, não adianta eu insistir.
— Ei, hora de sair, dorminhoca! — Abro os olhos, percebendo que cochilei. — Venha almoçar, temos um dia cheio.
Rio dela.
— Cheio de quê? O que você está aprontando comigo?
Malu me estende um roupão bem fofo. Enrolo-me nele e, quando saio do banheiro, emito um grito de surpresa ao dar de cara com Verinha em um enorme quarto com lareira acesa, uma cama enorme toda decorada, muitas flores, uma mesa arrumada para o almoço e Gael dormindo no carrinho.
— Verinha! — Abraço minha amiga e vizinha. — O que vocês estão aprontando?
Olho para um canto do quarto, onde montaram uma estrutura igual a de um salão de beleza, com espelhos e muitos produtos.
— Esse chalé é do Kostas — Malu confessa.
— Onde ele está? — questiono sentindo o coração disparado, já imaginando o que está acontecendo.
— Terminando de ajustar as coisas com o cerimonial. — Encaro-a com os olhos arregalados, e Verinha dá risadas. — A surpresa é que hoje é o dia do seu casamento, e nós, claro, somos suas madrinhas.
Ela ergue um cabide com um vestido protegido por uma capa.
— Eu amo vocês! — declaro, emocionada, abraçando-as.
— Eu também te amo! — Malu e Verinha dizem emocionadas.
A sala escura, as portas fechadas. Malu e Verinha estão na minha frente, vestidas cada uma com um vestido florido e com um pequeno buquê nas mãos, e eu, nervosa, de braços dados com Theodoros Karamanlis.
Ainda nem acredito em tudo isso!
Depois do almoço emocionante com minhas amigas, um verdadeiro batalhão de pessoas invadiu a suíte, então começou minha transformação em noiva. Malu me conhece bem, acertou em cheio no modelo do vestido e me ajudou a decidir como usaria os cabelos e que maquiagem faria.
Fiz as unhas, recebi massagem e só não tomei champanhe porque há uma vida preciosa dentro de mim, então me contentei com um suco natural. Verinha ficou com Gael, que participou de tudo, assim como fez no casamento de sua mãe no mês passado.
Rio ao me lembrar de Konstantinos na fazenda Paraíso. Surpreendi-me por ele parecer tão natural no meio daquele lugar tão rústico, mas depois ele me contou que, quando criança, apesar de morar em Londres, sempre ia para a propriedade do avô no interior e que seu internato também era em uma área rural, por isso não estranhava, embora o Pantanal fosse diferente de tudo o que ele já vira.
Guilherme e ele tiveram uma conversa para acertar os pontos, e Malu e eu ficamos felizes quando os dois tomaram um porre juntos na noite antes do casamento.
Nós nos integramos à vida um do outro de uma forma tão gostosa que, mesmo tendo-se passado poucos meses, tenho a sensação de que estamos juntos a vida toda, ele conhecendo meus amigos e convivendo com eles, e eu sendo inserida em sua família no mesmo momento em que ele retorna a ter essa proximidade.
— Tudo certo por aqui? — Kyra aparece, também em seu vestido florido de madrinha e me entrega o lindíssimo arranjo que vou carregar. Surpreendo-me por sentir, por trás de toda a decoração dele, um vasinho. — Kostas disse que você preferia seu buquê plantado, de modo a não ver as flores morrerem.
Olho a delicadeza das minirrosas e acho o gesto dos dois lindíssimo! Respiro fundo, tentando evitar chorar antes de ir ao encontro dele, mesmo que tenha certeza de que, assim que caminhar em sua direção, irei me derreter de emoção.
— Está pronta para ser a senhora Konstantinos Karamanlis?
— Estou! — Suspiro e abro um sorriso. — Esperei por isso a vida toda!
Seis meses depois.
Estou sentado à minha escrivaninha terminando de revisar mais uma peça feita por um dos advogados que trabalha comigo quando sinto algo estranho me incomodar, mas ignoro.
Volto a me concentrar no trabalho, porém, 15 minutos depois, sinto novamente a pontada na minha barriga. Contorço-me um pouco, rememorando o que poderia ter comido que está me causando cólicas intestinais, e meu corpo inteiro se arrepia.
Apesar da dor, não sinto vontade alguma de ir ao banheiro, mas pode ser que isso, em algum momento...
— Doutor! — Eleonora invade minha sala, assustando-me. — A bolsa da Kika rompeu!
Esqueço na hora a estranha cólica que estava sentindo e saio correndo da sala, recebendo olhares felizes e alguns parabéns ao longo do caminho. No corredor me encontro com os hunters segurando balões e fazendo uma farra digna de uma festa de final de ano.
— Parabéns, doutor! — Lene grita enquanto passo correndo.
— Que venha com saúde! — Rosi deseja ao me encontrar na porta do elevador.
Apenas balanço a cabeça, nervoso demais, com medo de que não dê tempo de chegarmos ao hospital e aquela maluca tenha nosso bebê dentro de sua sala. Cabritinha teimosa!
Desde que ela entrou no nono mês, peço a ela para que fique em casa, mas a mulher não consegue sossegar! Trabalhou incessantemente todos os meses da gravidez, e eu tentei, muito mesmo, fazê-la diminuir o ritmo, mas foi em vão.
Lembro-me de uma reunião bem difícil que tivemos, demorada demais, que terminou bem na hora do almoço. Chamei-a para comermos juntos, e ela me respondeu que ia engolir uma salada em sua sala, pois tinha muita coisa para entregar naquele dia e não podia atrasar seu cronograma.
Surtei com ela, argumentei que ela tinha que pensar na criança que estava gerando e mandei entregarem na sala dela uma refeição completa com arroz, verduras e legumes, carnes variadas e frutas.
À noite, em casa, ela estava com um humor do cão. Tentei conversar com ela, mas me ignorou até respirar fundo e pedir para que eu me sentasse, pois queria falar olhando nos meus olhos.
— Eu estou bem! — frisou. — Gravidez não é doença, e eu amo trabalhar!
— Eu sei, mas...
— Não tem mais! — brigou. — Você e seu irmão parecem dois doidos! Duda diz que Theo a está enlouquecendo também, que mal está conseguindo dar conta das coisas no bistrô, e ela pretende inaugurá-lo assim que o bebê deles nascer.
— Vocês duas são muito teimosas! Nós só queremos protegê-las!
Ela finalmente sorriu para mim, respirou fundo e me fez um carinho no rosto.
— Eu sei disso, mas está me sufocando um pouco! Fiquei com minha sala cheia de comida e enjoada o dia todo por causa do cheiro dela, que impregnou o ambiente, o que atrapalhou meu trabalho e me fez ficar mais horas do que tinha previsto na empresa.
— Desculpe-me, eu só queria garantir que...
— Eu ia me alimentar, mas com uma refeição leve. Eu estou me cuidando, confia em mim!
— Eu amo muito vocês! — Pus a mão em sua barriga pontudinha. — Vocês são minha vida!
— Eu sei, eu também te amo muito e, por isso mesmo, estou te garantindo que estamos bem.
Depois desse dia tentei parar de surtar com ela, mesmo ainda protegendo-a e me preocupando.
Devia tê-la deixado presa comigo dentro de casa, isso sim!
Chego a sua sala e a encontro junto a Carol, que foi promovida a sua assistente, contando o tempo entre as contrações. Noto o chão molhado, desespero-me, principalmente por vê-las ali, calmas como se nada estivesse acontecendo.
— Vamos para o hospital! — Corro até Wilka e me abaixo para olhar seu rosto. — Vou ligar para casa, pedir para mandarem as malas e...
— Fique calmo, ainda teremos bastante tempo, as contrações ainda estão bem espaçadas.
Arregalo os olhos com a paciência dela e começo a andar de um lado para o outro, ligando para o médico, para a senhora que contratamos para trabalhar em nossa casa, para o hospital no qual ela fará o parto.
— Vou chamar um helicóptero, não vou correr o risco de ficarmos presos no trânsito e minha filha nascer dentro do táxi!
Kika rola os olhos, e Carol dá risadinhas.
Ando por sua sala, ainda toda decorada com os balões e as flores que ganhou ontem, quando finalmente resolveu revelar o sexo do nosso bebê. Os funcionários da Karamanlis fizeram uma verdadeira festa para ela no refeitório da empresa, com direito a brincadeiras, presentes e muita trolagem até decidirem contar para nós dois o que era nosso bebê.
Uma menina!
Sinto meu coração derreter só em pensar em outra Pimentinha em minha vida. Olívia nem veio ao mundo ainda, mas já sou completamente apaixonado por ela.
Demoramos a escolher esse nome, mas, quando chegamos a ele – seguindo um livro com várias opções em ordem alfabética –, não tivemos dúvida; nossa pequena princesa seria Olívia!
Confirmo o pedido do helicóptero por mensagem. O piloto da aeronave do hospital logo manda aviso de que já levantou voo, e eu vou até minha esposa para ajudá-la a se levantar e levá-la até o heliponto no telhado do prédio.
— Fique calmo! — ela me pede, e eu concordo, mesmo me sentindo uma pilha de nervos. — Você precisa estar bem para conhecer sua filha.
Abro um sorriso, paro, abraço-a e a beijo.
— Vou conhecê-la hoje! — Toco sua barriga. — Como é possível eu te amar ainda mais por isso?
Ela sorri para mim, mas logo faz uma careta de dor.
— Acho que Olívia ficou ansiosa por conhecer vocês também — Carol comenta. — O tempo diminuiu, Kika.
— Vamos!
Dois momentos especiais nunca mais serão apagados da minha memória.
Primeiro, quando as portas da sala do meu chalé na serra se abriram, e eu vi a mulher que amo de braços dados com meu irmão mais velho, vestida de branco e caminhando na minha direção para ser minha, iluminada pelas tochas, lanternas e as velas que Kyra distribuíra no meu gramado.
Wilka atravessou a piscina para chegar até onde eu estava, sobre uma lindíssima estrutura de vidro que minha irmã montara, iluminada por luzes coloridas. Ela chorou durante sua entrada, riu quando Millos estendeu o braço para ela no meio do caminho para o altar, substituindo Theodoros, e eu me segurava, recebendo tapinhas de Alexios, um dos padrinhos, em meus ombros.
Minha irmã e eu fizemos tudo em segredo. Wilka não desconfiou, em nenhum momento, que nós já iríamos nos casar. Contei com a ajuda da Malu e da Verinha para levá-la até o chalé e tornar o dia dela mais feliz com tudo o que uma mulher sonha para seu dia de noiva.
Foi lindo, emocionante, íntimo, apenas com nossos amigos mais próximos e minha família, perfeito!
Agora, com minha filha recém-nascida no colo, lembro-me do nervosismo do parto, de ter sentido as dores junto à minha esposa, algo surpreendente, e de quando, depois de quase cinco horas de espera, amparei minha pequena Pimentinha em meus braços.
Eu pensei que tinha sentido o peito explodir de amor quando me declarei para Wilka ou mesmo quando nos casamos, mas nada se comparava ao que senti por ela quando peguei nossa filha no colo.
Choramos juntos, nós dois, emocionados pela oportunidade de criar uma criança e a ver crescer longe de tudo o que nós dois passamos. Isso é muito importante para minha esposa e um dos motivos pelo qual ela se empenha tanto em ajudar a ONG que se instalou no prédio que construímos no lugar do sobrado.
Assisti à primeira mamada de Olívia embevecido, rendido, completamente entregue às duas mulheres da minha vida. E relutei muito quando fui arrastado para comemorar o nascimento dela e a deixei com as mulheres babando nossa preciosidade.
— A família está crescendo, Olívia — sussurro para ela, caminhando em direção ao homem que está ansioso por conhecê-la. — Já temos Petros, agora chegou você, e eu sei que daqui a pouco teremos mais dessa geração de Karamanlis, que terá uma história bem diferente da que foi a nossa. — Beijo sua cabecinha e a entrego aos braços trêmulos, mas firmes, de meu avô.
— Mais uma Karamanlis mulher! — O velho Geórgios ri, seguido por Theodoros e Millos. — Já posso imaginá-la junto a Tessa na empresa, revolucionando tudo!
— Pappoús! — Theodoros o repreende, e eu rio deles.
Ele estende minha filha para os braços de seu padrinho, Millos, e me dá um tapa nas costas.
— Muito bem, Konstantinos, prepare-se para o mais importante trabalho da sua vida!
— Será um prazer!
— Wilka, consegue me ouvir? — testo a babá eletrônica de Olívia e saio do quarto dela, ao lado do nosso, ouvindo as risadas da babá atrás de mim. — E aí, funciona mesmo?
— Claro que sim, nós já testamos mais de 10 vezes todos os dias, Kostas, sossegue!
Paro, sem ligar para o sermão que acabo de ouvir, e fico admirando minha esposa alimentar minha filha. Eu ainda não acredito no filho da puta de sorte que sou por ter tido a chance de ser amado por Wilka e ainda ser agraciado com o nascimento de Olívia.
Wilka põe minha pequena para arrotar e se levanta da cadeira de balanço instalada no nosso quarto. Também há uma no quarto de nossa filha.
— Tem certeza de que ela está satisf... — O arroto alto me faz gargalhar, cheio de orgulho de minha pimentinha gulosa. — Ela está!
Wilka rola os olhos, indo deixar nossa menina em seu próprio quarto, seguida de perto pelo Kaká.
— Ei, malandro, volta aqui! — chamo-o, mas ele me ignora. — Pois é, você costumava ser meu fã, agora também já se apaixonou pela Pimentinha, né? Te entendo!
Wilka aparece no quarto, rindo de mim, e eu fico duro ao vê-la fechar a camisola e esconder o peito deliciosamente cheio. Gemo, fazendo mentalmente as contas dos dias de resguardo.
— Faltam 12 dias — ela já responde, sabendo o motivo do meu gemido, que mais pareceu um ganido de um cachorro abandonado. — Mas podemos...
— Não, se tem que respeitar, vamos respeitar! — digo categórico. — Não quero causar nenhum problema a você. Ainda quero, pelo menos, mais três menininhas pela casa.
Ela arregala os olhos, e eu rio, adorando provocá-la com isso, embora seja verdade que eu quero ter muitos filhos.
— Tenho um presente para você! — anuncio e pego o embrulho que deixei na minha parte do closet. — Espero que goste!
Ela sorri cheia de desconfiança e fica muda quando lê a capa do livro em sua mão.
— Mas como você conseguiu isso? — Ela folheia a primeira cópia da primeira edição, ainda não lançada nos Estados Unidos, do livro inédito do seu autor favorito.
Vejo em seu rosto todas as expressões que imaginei que ela faria quando lesse a dedicatória. Primeiro, excitação por ter conseguido fazer o misterioso autor dedicar uma obra a ela, depois de total incredulidade pelas palavras dele e, por fim, surpresa por entender o significado das iniciais e do sobrenome dele.
— É você! — exclama estupefata. — Tim Frankenstein Gray!
— Meu apelido na época em que comecei a escrever meus primeiros livros, e os dois personagens com quem eu mais me identificava — explico, assumindo pela primeira vez a alguém sem ser meu agente e meu editor, que sou o autor dos romances de suspense. — T. F. Gray nasceu quando fui estudar nos Estados Unidos e era a única coisa que ainda me ligava ao garoto que eu era antes de tudo acontecer. — Aproximo-me dela. — Estava esperando que eles publicassem a primeira tiragem para que pudesse te contar.
Ela ainda parece não acreditar, olhando para o exemplar em sua mão e para meu rosto.
— Você é meu autor favorito e ficava falando mal de si mesmo para mim? — questiona-me, e eu rio. — Eu deveria aumentar meu tempo de resguardo depois dessa revelação! — ameaça-me, como eu já esperava.
— Abra no final, como eu sei que você gosta de fazer sempre, e pegue seu tão amado spoiler, por favor.
Wilka franze a testa e faz o que eu peço. Demora alguns minutos lendo, mas vejo seus olhos se encherem de lágrimas e seu enorme sorriso iluminado aparecer.
— Seu primeiro final feliz!
Abraço-a.
— A partir de você, nunca mais poderei escrever finais trágicos e tristes. — Beijo-a com carinho. — Você é a inspiração para todos os meus finais felizes.
FIM?
(Avance para a próxima página)
Termino a transmissão de vídeo com meu editor e meu agente nos Estados Unidos e respiro fundo, cansado, depois de ser colocado a par de todos os esquemas de marketing do livro. Discutimos novamente sobre eu permanecer incógnito. Ele insiste para que eu me revele em algum momento, principalmente agora, com a possibilidade da trilogia de suspense que escrevi estar cotada para virar série.
Ainda me lembro da reação de Wilka quando contei a ela que era T.F. Gray, sua euforia, indignação por eu ter escondido dela por tanto tempo, descrença e, de novo, euforia. Ri muito, apanhei também – com o próprio livro, quase um sacrilégio –, ganhei beijos – românticos e safados –, recebi tapas e, por fim, um boquete fenomenal.
Suspiro, excitado só com a lembrança e levemente frustrado por ainda não poder estar dentro dela como eu gosto. Não entendam mal, não estamos em jejum total, temos feito algumas brincadeiras, ela tem me chupado como uma louca, mas não é a mesma coisa! Eu preciso estar dentro dela, sentir-me unido, uma só carne, essa coisa quase bíblica, sabem?
Estalo meu pescoço e volto a mexer em um documento da Karamanlis, pois vou, temporariamente, assumir a diretoria executiva a partir da semana que vem.
Não, não me julguem antes de saber o motivo! Eu não dei rasteira no Theo de novo, estou apenas ajudando-o, pois irá se casar no próximo final de semana e, mesmo sem poder viajar para uma lua de mel, ele quer ficar um tempo em casa com a esposa e os filhos.
Xingo baixo quando o telefone vibra, mas não o pego, irritado com quem quer que seja que irá interromper minha concentração, atrapalhar meu trabalho e, com isso, fazer com que eu me deite ao lado da minha Cabritinha mais tarde.
O aparelho volta a fazer o insuportável som de vibração, e eu o pego para desligá-lo, porém, arregalo os olhos com a notificação da mensagem.
Fantasy?! Sinto o corpo gelar, imaginando quando eu reinstalei esse aplicativo no meu telefone. Se a Wilka vir isso, estou morto!
Desbloqueio o aparelho, abro a notificação, pronto para apagar a conta – que eu não faço ideia de como foi reativada – e desinstalar o app, quando, mais uma vez, sou pego de surpresa: Caprica me convidou para um chat privado!
Desconfiado, com o coração na mão por medo de que isso seja algum tipo de sacanagem de algum hacker, aceito o chat e quase caio para trás ao ver a foto das lindas pernas bronzeadas da minha esposa, porém, agora com uma mão aparecendo e nossa aliança brilhando.
“Oi, Punheteiro, está sumido. Quer TC?”
“Hum, está me ignorando? Juro que dessa vez não vou enrolar você por muito tempo mais não, talvez só por uns seis meses.”
Rio, sem saber o que achar dessa loucura. Entro no perfil dela e confirmo que está inativo para ser encontrado por outros usuários, apenas eu posso vê-lo. Balanço a cabeça, sem entender o que ela pretende, mas adorando a brincadeira.
“Oi, Cabritinha, tudo bem? Sabe o que é, eu me casei, e minha mulher é meio louca, brava como um pitbull – embora seja do tamanho de um chihuahua – e ardida como uma pimenta, então, pela sua integridade física, acho melhor eu continuar sumido.”
Espero a reação dela, meu pau já se contorcendo na calça.
“Olha, bom saber que você sabe o perigo que corre, porém, ela e eu fizemos um trato, e hoje você pode ser o safado de sempre comigo.”
Abro o fecho da calça antes de responder:
“Diga-me o que você quer.”
“Você!”
Aliso meu pau por cima da cueca e o sinto sendo enchido pelo sangue, ficando cada vez mais duro.
“Como?”
Caprica digita por um bom tempo, e eu imagino que esteja criando um cenário bem safado para nós dois.
“Imagine que você está cheio de trabalho, virando as noites no escritório de sua casa nova (você comprou uma casa nova quando se casou, não?) e que esteja precisando relaxar. Que tal uma garrafa de bourbon? Ah, mas você não quer beber nesses dias. E umas tragadas em um cigarro? Não, você deixou de fumar desde quando sua esposa engravidou (ela me contou, parabéns!).”
Levanto-me da cadeira, esperando que ela mande a próxima mensagem, mas já com o firme propósito de ir até nosso quarto e perguntar se vamos ignorar esse último dia do resguardo.
“Então você precisa de mim! Acabei de sair do banho, passei hidratante em todo o meu corpo, escolhi uma lingerie sexy, mas calcei saltos, como você gosta.”
Bufo como um touro, enlouquecido de tesão apenas por imaginá-la assim lá em cima, no nosso quarto.
“Estou subindo!”
Anuncio e saio do escritório correndo, subindo as escadas para o segundo piso de dois em dois degraus, porém, quando abro a porta, não a encontro, nem mesmo a babá eletrônica do quarto da nossa filha.
Ajeito-me e entro no quarto de Olívia. Vejo a babá dormindo na cama auxiliar e vou até o berço, onde minha pequena dorme. Confiro sua respiração – sempre faço isso –, sorrio e saio.
Pego o telefone e envio uma mensagem para ela.
“Onde você se escondeu, Cabritinha?”
Ela não demora a responder:
“Aposto que você é um bom caçador, mas vou te dar uma dica: ainda não usamos essa área da casa.”
Sorrio cheio de malícia, descendo as escadas com pressa, saindo da casa e indo em direção à piscina coberta que ficou pronta pouco antes do parto dela e que, por isso, não utilizamos ainda.
O lugar está escuro, apenas iluminado pelas velas que Wilka acendeu em uma das bordas da piscina. Vejo-a, então, perto de uma espreguiçadeira, vestindo um espartilho preto com meias daquelas que parecem uma rede e saltos enormes e extremamente sexies.
— Por que reativamos o aplicativo? — pergunto assim que entro, já me livrando das roupas e do celular.
— Senti saudades do meu Punheteiro — sua voz soa sensual, quase ronronante. — Ficou com ciúmes?
Nego, mostrando a ela exatamente como fiquei. Nu, seguro meu pau bem firme, mas não faço o que ela tanto ama assistir. Wilka geme ao me olhar, não se aproxima e me come com os olhos.
— Quer finalmente um encontro com Portnoy? — questiono-lhe.
— Quero!
Olho em volta, procurando por algo para fazer o que imagino. Nossos roupões estão dobrados em um canto, em cima de uma cadeira. Pego um deles e tiro o cinto largo e atoalhado. Perfeito!
— Vire-se — ordeno, e ela ri nervosa, mas faz o que pedi.
Passo o cinto sobre seus olhos, vendando-a, apertando bem e arrematando com um nó.
— Você não vai me ver, apenas sentir — sussurro em seus ouvidos. — De agora em diante sou Portnoy, e você, a minha Caprica fujona.
KIKA
Minha pele toda se arrepia quando o sinto passar as pontas dos dedos sobre ela. Os movimentos são leves, lentos, do ombro ao punho, depois fazendo o caminho de volta, passando pelo meu ombro, detendo-se um pouco em minha nuca e descendo pelo outro braço.
Sinto sua respiração quente e pesada no meu pescoço e meu ouvido. O calor que emana dele é tão forte que, mesmo sem estarmos encostados um no outro, consigo senti-lo. Estou excitada demais, embevecida, totalmente embriagada de desejo por ele.
Resfolego com o toque de seus lábios na curva onde meu pescoço encontra o ombro. Sua língua quente e molhada ativa ainda mais a umidade no meu sexo, fazendo meus lábios íntimos ficarem viscosos e meus mamilos doerem contra o bojo do espartilho.
Kostas me segura firme pela cintura, seus dedos cravados em minha carne com força, e se espreme contra minha bunda, causando-me gemidos altos apenas com o toque de seu pau quente. Sinto-me vibrar inteira, levo minha mão para trás e o agarro pela nádega, forçando-o ainda mais contra mim.
— Gosta disso, Cabritinha? — Nossos corpos ondulam. — Gosta de me sentir duro contra você?
— Adoro! — respondo com um gemido.
— Eu sei! Meu pau fica assim somente para você, meu tesão é seu, meu orgasmo é seu, minha porra é toda sua!
Ele procura a abertura da lingerie, achando o zíper frontal da peça, descendo-o todo. Deixa o espartilho aberto, e seus dedos se esfregam em volta dos meus seios.
— Eu posso ver nós dois refletidos no vidro, iluminados pelas velas que você acendeu. — Kostas morde meu ombro e belisca meu mamilo esquerdo. — Seus peitos estão deliciosos, fartos, maduros... É sexy e ao mesmo tempo parece tão errado eu querer mamar neles também.
Seguro o fôlego apenas ao imaginar a cena. Ele tem razão, é excitante, meus seios estão sensíveis por conta da amamentação, cheios e pesados de leite, e o imaginar fazendo algo tão perverso é deliciosamente erótico.
— São seus!
Mal respondo, e ele me vira. Suas mãos se apossam dos dois, apertando-os devagar, puxando os bicos e massageando em volta. Sinto dor e ao mesmo tempo muito tesão, mas nada comparável ao que acontece quando ele abocanha um deles, esfomeado, suga com força, depois brinca com a língua.
Enfio minha mão dentro da calcinha, querendo muito me tocar, e ouço sua risada abafada. Toco meu clitóris e sigo para a entrada completamente molhada, lubrificando meus dedos para deixá-los deslizando na hora de me masturbar.
Não demoro muito a começar a sentir o orgasmo, porém, tenho a mão afastada antes de gozar.
— Não! — ele fala em meu ouvido. — Seu gozo é meu, e sou eu quem vai dá-lo a você.
Sou deitada na espreguiçadeira, a maciez do estofado contra minhas costas. Kostas abre minhas pernas o máximo que elas permitem, e logo em seguida sinto sua boca na minha calcinha. Ele chupa a peça de seda, extraindo toda a lubrificação que minha boceta molhada deixou nela.
É deliciosa a sensação de tê-lo tão perto de onde eu quero senti-lo, mas sem que me toque. Sinto a calcinha ser retirada, deslizando por minhas coxas, passando pelos joelhos e saindo pelos meus pés. Estar vendada parece ativar ainda mais minhas percepções, e isso estimula ainda mais o tesão.
— Eu sempre tenho saudade do seu cheiro. — Kostas esfrega o nariz contra meus lábios. — Sempre estou esfomeado pelo seu sabor.
Sou tomada de assalto, sua boca consumindo-me como se eu fosse uma iguaria, nervosa, buscando a suculência do meu desejo de forma dura, bruta, desmedida, usando dentes, língua e chupando com força.
Konstantinos me degusta, essa é a verdade, e a sensação que tenho é de estar incendiando internamente e de que, daqui a pouco, vou explodir como um vulcão em erupção. Minha cabeça parece girar, meus membros ficam leves. Seguro meus seios enquanto ele me mastiga com vontade, brincando com cada parte de minha boceta a ponto de me fazer gritar.
Dedos a invadem devagar enquanto a ponta da língua dele varre meu clitóris, jogando-o de um lado para o outro, para cima e para baixo. É uma tortura deliciosa. Os músculos das minhas pernas se contraem, seguro a respiração e sou tomada por um prazer indescritível que me faz agarrar seus cabelos e puxá-los com força.
— Deliciosa! — geme ainda bebendo meu gozo. — Porra, gostosa demais! Preciso me molhar com isso, preciso nadar na sua excitação...
Os dedos são substituídos pelo pênis, mas Kostas não me penetra. Rebola gostoso na minha entrada, passa a cabeça no meu clitóris sensível pelo gozo e, só então, preenche-me inteira, até o fundo.
Abraço-o com as pernas e acompanho seus movimentos frenéticos dentro de mim, entrando e saindo, rebolando no fundo, enterrado dentro de mim. Kostas adora intercalar estocadas curtas com profundas, e isso também me enlouquece. Não espero a mais forte, e, quando ela acontece, meu corpo todo se contrai, recebendo sua grossura e tamanho até o limite.
Beijamo-nos como loucos, sua boca com gosto do meu gozo, sua língua safada imitando os mesmos movimentos que seu pênis faz dentro de mim. Mordo e prendo entre os dentes seu lábio inferior, e ele soca com mais força em meu interior, gemendo alto, gostando da sensação de dor e prazer misturadas.
Arranho suas costas, finco as unhas em sua bunda, acompanhando seu rebolado dentro de mim.
Ele urra. Sei que está enlouquecido com vontade de gozar, e isso me enche de poder, saber que eu o deixo dessa forma, que faço com que ele perca toda sanidade e controle dentro de mim.
De repente ele puxa o cinto que me vendava, e eu o olho nos olhos. Sua expressão de prazer é todo o estímulo que eu precisava para gozar, apertando-o dentro de mim, grudando-me a ele como se pudéssemos nos fundir um no outro para sempre.
Eu ainda estou trêmula pelo gozo, sem ar, sem conseguir focar a visão em nada, perdida em espasmos de prazer delirantes, mas, ainda assim, lembro-me de que, por conta do período do resguardo, ainda não comecei a tomar contraceptivos.
— Estamos desprotegidos — aviso-lhe assim que o noto sendo tomado pelo orgasmo.
— Porra! — Kostas se retira e fica de pé. — Fica de joelhos! — ele manda, mas eu demoro a entender. — Cabritinha, de joelhos agora!
Sorrio e deslizo pela espreguiçadeira, descendo para o chão e me ajoelhando como ele pediu. Kostas me segura pelos cabelos, firme, mantendo-me presa, sem poder me mover.
Ele começa a se masturbar, e eu estico a língua para tocar a cabeça inchada e vermelha de seu pau. Ele geme e me aproxima mais para que o receba na boca, chupe-o como ele e eu adoramos e mame seu pau como fez com meus peitos há pouco.
Seus movimentos em minha boca são fortes, irritam um pouco minha garganta, o que me faz salivar e deixar ainda mais gostoso para ele. Seus gemidos vão aumentando de intensidade, cada vez mais curtos e altos, até que sinto o primeiro pulsar de seu pau, e, então, seu esperma grosso e quente esguicha com pressão, e eu vou engolindo devagar enquanto ele delira.
KOSTAS
A água da piscina está deliciosa para essa noite quente de verão. Nado até Wilka, que está apoiada na borda, olhos fechados, balançando as pernas calmamente, e a abraço por trás.
— Adorei a brincadeira! — Beijo sua nuca. — Você está bem?
Ela sorri, vira a cabeça para me beijar e assente.
— Está fazendo um ano que ficamos juntos pela primeira vez.
— Eu sei. — Aperto-a. — Ainda não me perdoo por aquela primeira vez tão traumatizante para você.
Wilka ri.
— Foi, sim, mas você se redimiu depois. — Ela olha para seu relógio. — Preciso subir, daqui a pouco Olívia acorda para mamar.
Seguro seus peitos cheios de leite.
— É errado eu ficar excitado com eles? — questiona-me. — Eu acho lindo ver você amamentando nossa Pimentinha, mas é só colocá-la no berço ou no carrinho que meu olhar para eles muda.
Wilka ri.
— Ainda bem! Eu gosto que você tenha tesão por mim mesmo quando estou em atividades maternas.
— Eu tenho tesão por você de qualquer jeito. — Rio e a solto para que ela saia da água. — Adorei rever a Caprica hoje. Obrigado pela surpresa.
— Não se acostume! — Pisca. — Ah, eu reativei sua conta e instalei o aplicativo no seu celular e no meu. Desculpa ter invadido sua privacidade.
— Eu tomei um susto e fiquei apavorado. — Rio, também saio da piscina e me seco. — Podemos falar pelo aplicativo de mensagens, não precisamos ficar no Fantasy.
— Sim, mas eu queria te assustar. — Ela ri, safada que só. — Mesmo sem o aplicativo de sexo, eu serei sempre sua Cabritinha, e você, meu Punheteiro.
Eu a beijo e a ajudo a vestir o roupão.
— Eu serei sempre seu, real ou virtualmente falando.
Wilka ri e dá um tapa na minha bunda.
— Gosto assim! — Pisca. — Eu te amo!
— Eu te amo demais!
Agora sim!
Estaciono de qualquer jeito em frente ao prédio, e o porteiro já se aproxima para chamar minha atenção, mas para, assustado ao ver como estou. Passo direto, sem nem mesmo cumprimentá-lo, focado em falar com ela, implorar seu perdão e garantir que iremos achar quem sabotou o projeto que batalhamos tanto para construir.
Uso a cópia da chave que ela fez para mim há poucos dias e entro com tudo no apartamento.
— Wilka! — grito seu nome, mas nem mesmo o Kaká me recebe. Sinto o corpo gelar e vou abrindo porta a porta, chamando-a, procurando-a como se pudesse estar brincando de esconder, sem querer acreditar que ela não esteja aqui.
Abro o armário e sinto falta de muita roupa. Quando olho para a área onde estavam minhas coisas, paro de respirar, vendo os cabides de madeira vazios, bem como todas as prateleiras.
Saio do quarto, disposto a bater no apartamento da vizinha, a tal Verinha, e obrigá-la a me dizer onde está minha Pimentinha, minha Cabritinha, minha Wilka Maria!
Os sacos pretos no chão me fazem parar abruptamente. Um arrepio percorre minha espinha de cima a baixo, um tremor estranho e um frio assombroso me fazem tiritar os dentes. Vou até o canto onde eles estão e desamarro o primeiro. Confirmo que são minhas roupas e me agacho no chão, perto delas, tomando consciência do que isso significa.
Ela me tirou de sua vida!
Eu sei que mereço. Não deveria ter agido como agi, não conhecendo-a como a conheço, mas isso não diminui a dor que estou sentindo.
Preciso encontrá-la!
Pego o celular e ligo para o seu número, mas está desligado. Envio várias mensagens, mas nenhuma delas é recebida por ela, e, como não vejo mais sua foto no aplicativo, suponho que tenha me bloqueado. Saio do apartamento e bato na porta da vizinha e, quando ela não atende, faço o mesmo na do bombeiro.
Ninguém em casa!
Amaldiçoo minha sorte, sinto-me perdido, ando de um lado para o outro. Não quero ir embora, não sei se ela voltará ou se foi para algum lugar para ficar, ou se... se ela me abandonou!
— Não seja ridículo, ela nunca desistiria de tentar consertar as coisas, muito menos fugiria deixando todos pensando que foi ela quem traiu a empresa e vazou as informações.
Entro no apartamento, incomodado com meu estado lamentavelmente fedorento e decido tomar um banho enquanto espero que alguém retorne. Tomo a ducha mais rápida da minha vida, coloco a roupa suja em um dos sacos de lixo, para realmente jogar fora, e busco outras peças para vestir.
Um papel velho, com muitas marcas, dobrado pequenininho, chama a minha atenção no chão, entre um saco preto e outro. Pego-o, desdobro devagar o papel amarelado, as dobras sensíveis, podendo se partir a qualquer momento, e, quando o abro por inteiro, arregalo os olhos.
Leio rapidamente as poucas palavras contidas ali, a tinta azul da caneta um tanto desbotada, mas a letra... meu coração parece querer explodir no peito. Sinto-me tonto, a visão turva. Balanço a cabeça e releio a última frase – “seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!” – sem saber o que está acontecendo, que tipo de brincadeira é essa.
Ajoelho-me no chão, o corpo inteiro sendo sacudido por espasmos incontrolados do pranto que vem da minha alma.
Eu reconheço essa letra, reconheço essa frase! Fui eu quem escreveu isso!
Lembro-me como se fosse hoje o que me levou a escrever essa carta, bem como para quem a escrevi. Sinto-me tonto, incrédulo, sem entender nada. As lembranças que sempre reprimi, insistem em voltar, mesmo fora dos pesadelos, e eu apenas fecho os olhos.
— Eu não vou fazer isso! — grito com meu pai mais uma vez.
O soco em meu rosto faz com que sinta o gosto ferruginoso de sangue em minha boca e, mais uma vez, terei de inventar algum acidente de bicicleta para manter as aparências que ele tanto preza.
Amanhã, quando estiver sóbrio e sem o efeito da cocaína, Nikkós vai perguntar o que eu fiz para ter o olho roxo, vai me mandar pôr gelo e passar uma pomada para que a contusão não demore a sarar. Já estou acostumado a isso, vivemos, meus irmãos e eu, com o louco há pouco mais de seis meses, desde quando minha madrasta simplesmente anunciou que estava grávida do meu irmão mais velho e abandonou a todos a fim de ir morar com Theodoros na Grécia.
Meu pai nunca teve o gênio fácil, sempre esteve metido com vícios diversos, desde mulheres até apostas tão desmedidas a ponto de voltar para casa apenas de cueca, e Sabrina ainda ter que pagar o táxi, pois ele também deixara o carro.
O consumo de drogas, se existia naquela época, era controlado, e, durante mais de um ano em que morei com os dois, não vi nenhum indício de que ele usava entorpecentes. Entretanto, o que sabia eu? Um garoto criado por uma governanta idosa e sisuda, depois abandonado em um internato por anos. Eu era o único que não ia para casa nas férias e nos feriados, recebia uma carta do meu avô no Natal e um presente de minha mãe em meu aniversário. Esse era todo o contato que eu tinha com minha família.
O colégio foi meu primeiro inferno. Eu era muito mais alto que os outros garotos, mas isso só começou a me incomodar quando, aos 10 anos, já estava com 1,78m e pesava mais de 100 quilos. Poderia ser intimidante se eu não fosse do jeito que sou, quieto e tímido, um nerd feioso, desengonçado, que só vive para estudar.
A sorte foi que, nessa mesma época, meu avô paterno, que é grego, começou a me receber nas férias escolares. Conheci meu irmão mais velho, alguns primos, fiz amizade com uns, e outros me tratavam friamente, pois eu era, ali, o inglês esquisitão.
Um tempo depois meu avô materno me chamou de volta para casa e avisou que eu iria tomar aulas de português para morar com meu pai – um pai que eu só tinha visto pouquíssimas vezes – no Brasil.
Vim para cá cheio de esperança, feliz por pertencer a uma família, conviver com meus irmãos e disposto a ser o melhor garoto que meu pai poderia desejar. Não foi bem assim. Nikkós realmente não enxergava nada a não ser ele mesmo e, às vezes, sua esposa. Era inegável que ele fazia todas as vontades dela, lambia o chão que ela pisava, mas seu mau caráter era mais forte que a paixão, e ele sempre estava aprontando.
Por mais que eu não vivesse no comercial de margarina que idealizei, estava feliz por ter Alexios e Kyra por perto. Então tudo desmoronou, e Nikkós enlouqueceu de vez.
— Eu não estou pedindo, Konstantinos! — Nikkós volta a gritar. — Faça o que estou mandando!
Sua mão se levanta mais uma vez para me bater. Eu recuo e olho para a mulher amarrada à minha frente. Respiro fundo, pego o chicote de equitação – odeio cavalos, odeio! – e bato firme, porém sem força em sua bunda.
— Bate como um homem, porra! — Tomo um tapa na cabeça e balanço. — Estou criando o quê? A merda de um bichinha?
Nikkós toma o chicote da minha mão e bate tanto na nádega da prostituta que eu a escuto chorar.
— Tente de novo! — Empurra-me o objeto. — Você só vai cavalgar essa potranca se amansá-la, e o único jeito de fazer isso é assim, açoitando! Larga de ser um merda, gordo e frouxo!
A raiva faz meu corpo inteiro tremer. Minhas emoções se descontrolam em uma mistura tão perigosa quanto nitroglicerina, explodindo tudo dentro de mim. Tenho 13 anos, meus hormônios fervilham, meus impulsos são difíceis de ser controlados, e eu acabo fazendo o que ele manda, chorando junto à mulher amarrada de bunda para cima no chão.
O filho da puta goza sozinho ao acompanhar a dor – da mulher que apanha, e a minha, que sou quem bate –, rindo como o louco que se tornou, jogando mais sujeira dentro de mim.
Penso que tudo acabou, saio do quarto no sótão ainda de madrugada e escuto o choro, o pedido desesperado de socorro que ouço todas as noites, os murros fracos na porta de um minúsculo quartinho de despensa.
Meu coração se comprime no peito ao me lembrar da menina de olhos enormes, cabelos compridos e expressão apavorada. Não sei quantos anos tem, mas é tão pequena quanto Kyra, talvez menor do que minha irmã caçula. Já a vi perambulando entre as putas, entre os clientes e até perdida no meio de brigas entre bêbados ou o fogo dos frequentadores.
Na noite passada, a vi chorando encolhida em um canto, tentando avançar para dentro de um quarto que estava com a porta aberta, mas sem conseguir sair do lugar, olhos fechados, lágrimas vazando entre os cílios. Descobri o motivo ao ir até lá, onde um grupo realizava uma orgia sem nenhum pudor, à vista de todos.
Nos pés dos que estavam em pé, vi um urso surrado, feio, sendo chutado, embolado e fazendo alguns tropeçarem e xingarem. Soube na hora o motivo pelo qual a menininha não conseguia sair daquele cantinho, mesmo sem coragem de abrir os olhos diante a cena nojenta que acontecia à sua frente.
Entrei no meio deles, tomei umas cotoveladas, um cara pegou no meu pau – murcho – por cima da calça que eu usava, uma mulher tentou me beijar, mas saí de lá com o maldito urso na mão, arrastei-a para fora daquele antro – definitivamente não era coisa para uma criança ver – e entreguei o brinquedo para ela.
Suspiro ao pensar no soco no estômago que foi o sorriso de felicidade que ela abriu apenas por ter o bichinho de volta. Agradeceu, saiu correndo e desapareceu dentro desta casa, que é uma filial do inferno na Terra.
— Me tira daqui! — ouço-a pedir ajuda novamente, mas nada posso fazer, pois a porta está trancada, e não tenho a chave. — Eu prometo que não vou atrapalhar, serei uma boa menina... — sua voz esmorece. — Eu tenho medo do escuro.
Minha revolta só cresce ao imaginar que existam pessoas, como meu pai e os pais dela, que acham saudável nos ter aqui. Não é só o sexo, é tudo! Drogas, bebidas, todo o tipo de perversão que possa imaginar.
— Ah, sua grande aberração dos infernos, você está aí! — Nikkós me alcança antes que eu consiga fugir de suas garras. — Ainda não terminamos, moleque!
Respiro fundo, porque já conheço bem essa rotina. Agora ele não vai mais me obrigar a fazer suas loucuras, eu serei o torturado, e ele, meu torturador.
Entramos em outro quarto dessa vez. Eu esperava encontrar espelhos, pois ele adora me exibir, com toda minha “banha nojenta”, para os outros clientes, e usa as prostitutas para me beliscar, morder e caçoar de mim. Já não me fere mais, a brincadeira está perdendo a graça, até para ele mesmo, pois algo começou a mudar em meu corpo, e eliminei muitos quilos que tinha acumulado, ainda que continue a crescer.
Nikkós é alto e corpulento e, para meu desespero, tenho me achado cada dia mais parecido com ele. A pele morena mesmo no inverno, os cabelos negros e lisos, os olhos azuis. Ele deve medir 1,90m de altura, e eu estou só dez centímetros mais baixo. Já vi fotos dele quando mais jovem, e nunca foi gordo, era mais o estilo varapau, só ganhou peso com a idade.
Como sempre, ele culpa minha mãe por eu ser essa “aberração”, dizendo que ela se arrependeu de ter engravidado ainda no primeiro mês de gestação e que me amaldiçoou a cada dia dos nove meses em que estive dentro de si.
Sempre soube que ela nunca me quis, isso nunca foi novidade. Todavia, agora, ele está conseguindo me convencer de que ninguém nunca irá me querer. Tenho orelhas grandes, nariz enorme, os dedos das mãos são longos e magrelos em contraposição ao meu corpo, uso aparelho nos dentes, pois é quase inerente ingleses terem dentes tortos. No ano passado meu rosto estourou inteiro com espinhas, dessas que inflamam e ficam avermelhadas.
É, não sou uma beleza por fora, mas, até pouco, sentia-me bonito em minha essência. Era solícito, calmo, estudioso, bom irmão...
Os pensamentos se perdem quando vejo uma garota parada no meio do quarto. Ela é tão miúda que eu poderia muito bem quebrá-la ao meio com minhas mãos, os ossos parecendo pontiagudos de tão magra que está.
— Foi a única que eu consegui! — madame Linete, a dona da casa, desculpa-se com um dos seus melhores clientes.
— Para quem é, serve — Nikkós responde. — Quanto ela cobrou?
A mulher diz o valor, mas eu tenho certeza de que a menina não verá nem metade desse dinheiro. Estranho ela ser uma prostituta tão diferente das outras, que cuidam de seus corpos, usam roupas provocantes e muita maquiagem.
— Ei, garota! — meu pai a chama. — Você quer transar com ele?
Ela arregala os olhos e nega veementemente. Abaixo a cabeça, envergonhado e ao mesmo tempo com raiva da risada alta de Nikkós.
— Eu sei, menina, ninguém quer, mas vou pagar bem, então arreganhe suas pernas e finja gostar. — Ele senta-se em uma cadeira. — Tirem as roupas.
— Ela me disse que era só para acariciar... — a menina tenta falar. — Eu expliquei a ela que ainda sou... — ela me olha sem jeito — virgem.
Encaro Nikkós, assustado com o que está pretendendo fazer. Uma virgem, pelo amor de Deus!
— Foda-se, eu comprei seu cabaço, agora quero-o!
— Não! — nego. — Ela não quer, pai, então não...
— Ela não tem que querer nada! Já paguei, agora abra a boceta e deixe esse mondrongo brincar à vontade!
Ela se encolhe com medo, e eu me aproximo para conversar.
— Quantos anos tem? — pergunto baixinho para que ele não escute.
— 15 anos — a menina responde.
— Por que veio para cá?
Ela soluça.
— Minha mãe precisa de um remédio.
Nego, saio de perto dela e vou até a porta.
— Pode ir embora. — Aponto a saída. — Você irá receber seu pagamento, mas meu pau não reagiu a você, então, não há nada que...
Ela começa a andar, segurando suas roupas, mas é arremessada longe pelo tapa na cara que Nikkós lhe dá. A garota abraça a si mesma, num canto da cama, chorando e com a boca sangrando. Ele se aproxima com toda sua fúria de mim e me segura pelos ombros.
— Você vai fazer o que eu mandei!
Nego, e ele me sacode.
— Quem você pensa que é, seu maldito balofo brocha?! Eu comprei a porra de uma virgem, e você vai entrar rasgando dentro dela...
Olho para a garota, encolhida na cama, seu corpo nu trêmulo de medo, lágrimas grossas escorrendo por seu rosto. Meu estômago revira, engulo em seco várias vezes e mantenho a respiração constante para não vomitar aqui mesmo.
Nikkós continua falando, mas não escuto mais sua voz. Deixo minha mente em branco, não demonstro nenhum sentimento sequer, para não o deixar ainda mais excitado com meu desespero. A verdade é que eu estou angustiado. Não quero fazer isso com ela, não é justo, não quero machucar ninguém!
Não escuto mais a voz dele, embora sua boca se mexa sem parar. Sinto cuspes sendo atirados na minha cara, mas não ouço nada.
Ele me solta e vai até seu paletó, que ele colocou no encosto da cadeira, e pega sua carteira. Fala algo comigo, mas não escuto. Em minha mente toca uma música que aprendi a tocar no violão há pouco e, enquanto ele joga dinheiro para cima, vou cantando-a mentalmente:
“But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here.
I don't belong here.”26
De repente a música dentro de mim cessa, meu corpo esfria como se eu estivesse morrendo ao vê-lo tirar a roupa.
— Pai, não!
Tento impedi-lo, mas me empurra forte, e eu caio para trás. Levanto-me rápido, porém, não o suficiente para impedi-lo de a machucar. O grito que ela dá congela meu coração. Ele tampa a boca dela, impedindo-a de gritar mais por socorro, e eu me sinto um inútil.
Puxo-o de cima dela, preocupado de ele a matar. O desgraçado cai no chão rindo. A garota chora muito, suas coxas banhadas de sangue. Aproximo-me para tirá-la da cama, mas ela se encolhe como um animalzinho ferido. Pego um lençol e a cubro. Ela bate os dentes de tanto que treme, geme alto e se contorce na cama.
— Você a machucou! — grito e olho para Nikkós, deitado no chão do quarto, roncando.
A menina se ergue. Tento ajudá-la, mas ela se afasta de mim como se estivesse com muito medo.
— Não me toque, por favor, não me toque!
Dou vários passos para longe dela, sentindo-me sujo, a alma queimada, chamuscada pelas chamas do inferno que meu próprio pai criou para mim.
Eu sou um monstro!
Minutos depois que ela sai do quarto, faço o mesmo, decidido a ir embora daquele antro de podridão, mas então olho a janela, os raios do sol entrando pelos vitrais coloridos e penso se não é melhor acabar com tudo de vez. Ir embora para sempre!
Eu sou insignificante demais, não faço a mínima falta para ninguém e só estou causando dor.
Termino de costurar o urso e respiro fundo, indo de bicicleta até um orelhão bem distante do colégio. Tremo ao fazer a ligação, mas, assim que faço o que estou há duas semanas planejando fazer, sinto-me melhor, apreensivo, com medo de dar um tiro n’água e piorar ainda mais as coisas.
Eu tentei me matar, mas, quando estava pendurado naquela maldita janela, algo me puxou para trás. Talvez eu mesmo tenha me desequilibrado, mas isso aconteceu despois que me lembrei dela, da menina que toda noite é trancada no quartinho, que chora, implora pela luz, a mesma menina que sorri para mim com sua pureza e inocência contrastando com toda a imundície à nossa volta.
Ela é pequena, não tem ninguém e, provavelmente, será a próxima a estar em um quarto para ser violada brutalmente por um bêbado qualquer. Eu não deixarei isso acontecer. Não pude impedir naquela noite, mas não vou mais ficar parado olhando as atrocidades contra crianças e adolescentes acontecerem naquele lugar.
Denunciei, e fiz isso a vários órgãos diferentes para não correr o risco de madame Linete subornar alguém para que nada aconteça. Nessa noite estarei novamente por lá, com Nikkós, e deixarei o urso que comprei para ela como presente de despedida, na esperança de que consiga sair do inferno.
Um anjo em meio a tantos pecadores e demônios. Ela precisa escapar.
Abro os olhos, a cabeça pesada por tantas lembranças, o coração dolorido por causa da emoção. Pego a carta e a releio com calma, revivendo o momento angustiante em que coloquei o urso em uma caixa e o deixei dentro do armário do sótão, juntamente a uma lanterna.
Tive a ideia de deixar uma carta, mas não queria que ninguém visse, então fiz uma brincadeira com o destino: costurei a carta atrás da roupa do urso – era de marinheiro – e esperava que, quando ela fosse lavá-lo, já fora daqui, pudesse encontrar a missiva.
Como isso veio parar nas mãos de Wilka?
Esforço-me para lembrar com mais detalhes do rosto da menina, mas não consigo. Passaram-se muitos anos, o local era mal iluminado, e eu mais a ouvi chorar e pedir por ajuda do que a vi de verdade.
Não demorou muito a apurarem minhas denúncias. Contudo, como eu temia, deve ter havido muita propina, pois nada aconteceu ao estabelecimento, nem à dona dele. Apenas a menina que vivia naquele sobrado foi retirada de lá e levada para um abrigo e, provavelmente, iria para a adoção.
Leio a carta em voz alta:
Finalmente você me encontrou!
A gente mal se conhece, eu sei. A verdade é que nem sei se você sabe ler, mas, como nunca fui bom em falar, decidi escrever. Eu espero que esteja lendo esta carta dentro de um lar de verdade, cercada de amor, de alegria e segurança. Meu último ato de fé é esperar que você tenha tudo o que deveria ter: uma família.
Provavelmente você deve estar se perguntando quem escreveu isso e por qual motivo escondeu dentro desse bichinho de pelúcia, ou então se lembrou de mim, de quando resgatei aquele velho urso caolho que vivia em seus braços.
Por quase um ano eu ouvi seus pedidos de socorro, trancada naquele quarto escuro, e eles, ao mesmo tempo em que saíam de sua boca, eram os meus também. Eu nada podia fazer para me ajudar, mas espero ter conseguido ajudar você.
“Por quê?”, você deve estar questionando, afinal nunca trocamos uma palavra sequer, você é/era uma menina, e eu, um adolescente esquisito, uma aberração grandalhona. É simples, você me salvou. Salvou o mínimo de esperança dentro de mim, me fez querer continuar lutando, e eu percebi que a forma de manter viva dentro de mim essa humanidade que ele teima em tentar destruir é te dando a chance de ser diferente.
Eu espero que seja feliz, brinque, seja amada, cresça, ame e contagie a todos com o mesmo sentimento que me fez voltar a ter esperança. Porém, se um dia, por algum motivo, voltarem a te trancar em um quarto escuro, basta fazer o que fez no dia em que resgatei aquele velho urso: sorria.
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!
Ponho-me de pé em um salto, tudo ficando claro de repente. O sorriso de Wilka, a forma como entrou na minha vida, no aplicativo e na Karamanlis, o que ela me despertou e o que me faz sentir.
É loucura demais, porém, não consigo ter outro pensamento senão o de que, 23 anos depois, a menina do armário e eu voltamos a nos encontrar.
Eu a salvei naquela época, e ela me salvou agora.
— Onde ela está? — pergunto assim que Vera abre a porta.
Desde ontem estou repetindo essas palavras, querendo saber o paradeiro de Wilka. A partir de quando encontrei a carta no chão da sala junto às minhas roupas em sacos pretos, desesperei-me para saber onde ela estava, querendo ir atrás dela a qualquer custo a fim de lhe dizer que confiava nela e que a amava.
— Kika me pediu para entregar suas coisas e pegar as... — ela não consegue terminar de falar, pois Kaká passa por baixo de suas pernas como um foguete, dando pulos de alegria, fazendo seu característico mijo da felicidade ao me ver.
Abaixo-me, pego-o no colo e, fazendo carinho em sua cabeça, questiono de novo:
— Onde ela está, Verinha?
A mulher respira fundo, estende as mãos para que eu lhe devolva o cachorro e nega.
— Ela precisa de um tempo, está muito magoada, não vai demorar. — Encara-me. — Pegue suas coisas e deixe as chaves com o Joca, por favor.
— Não. Eu não vou. — Ela bufa com minha teimosia. — Eu preciso conversar com ela.
— Para quê? Vai magoá-la ainda mais?
Nego, mas ela não me deixa falar mais nada, batendo a porta na minha cara.
Tomo a decisão de me instalar no apartamento de Wilka até que ela retorne, já que deixou Kaká para trás e isso é indício suficiente de que não vai demorar. Entro no apartamento, sirvo-me de mais uma dose de bourbon e ligo para todo mundo que conheço que pode obter informações sobre a nossa concorrente. Preciso descobrir quem foi que sabotou o projeto e provar a inocência de Wilka.
Ligo para o detetive que coloquei atrás de Theodoros e o encarrego de ir até o Rio de Janeiro e fazer o necessário para conseguir informações dentro do governo. O contato de Millos passou apenas parte de documentos para meu primo, porém, preciso deles em sua íntegra, bem como os detalhes da negociação relâmpago que fizeram às nossas costas.
Quem quer que tenha sido o responsável por isso, terá que enfrentar as consequências de seu ato. Plagiaram um documento sigiloso da Karamanlis e passaram informações privilegiadas à nossa concorrente direta, pondo em risco um negócio de milhões, e isso não ficará impune.
Escuto barulho no corredor do prédio e saio correndo do apartamento, esperando ver Wilka, mas é Verinha com Kaká desesperado para pular no meu colo, e, pela expressão da vizinha, ela só veio atrás de mim por causa do pequeno york.
— Ele chora demais quando ouve sua voz. — Verinha me entrega o bichinho. — Fica na porta, cheirando por baixo dela, sentindo seu cheiro no corredor do prédio. — Ela suspira. — Não posso fazer o bichinho sofrer, é maldade! — Dá de ombros. — Por algum motivo, ele gosta de você.
Faço festa e falo com Kaká, recebendo lambidas alegres no rosto.
— Ele também sente falta dela — apelo. — Me diga onde ela está e acabe com nosso sofrimento.
— Eu prometi...
— Verinha, eu a machuquei, mas quero pedir perdão.
— Eu prometi, e não quebro minhas promessas. — Ela acaricia o Kaká em meu colo. — Ela não deve demorar a voltar, só precisava de um tempo para digerir tudo o que houve.
— Entendo. Kaká pode ficar comigo no apartamento?
— Eu ia levá-lo para passear um pouco.
Respiro fundo.
— Pode deixar, que eu levo.
Verinha concorda e me entrega a guia, uma luva e um saquinho plástico. Nunca passeei com um cachorro antes, não fazia nem ideia de como era ter um bicho de estimação antes de começar a conviver com o Kaká, mas sei o quanto Wilka ama esse cachorro, e estar perto dele, de certa forma, me aproxima dela também.
Caminhamos por um bom tempo, parando quase de poste em poste para ele demarcar seu território. Aprendo o motivo de levar a luva e o saco plástico quando ele deixa um belo cocô na calçada. Mexo com ele sobre sua educação e devo parecer um doido conversando com o cãozinho no meio da rua.
Para falar a verdade, a cena toda deve ser hilária! Um homem do meu tamanho passeando com um york, desabafando com ele como se fosse gente, relembrando momentos juntos – nós três, claro – e o consolando por estar triste e com saudades de Wilka.
— É, Kaká, eu entendo, amigão! — digo pouco antes de entrar no prédio com ele em meu colo. — Nós a amamos muito!
Já faz quase uma semana, e Wilka não voltou ainda. Não saí de perto do prédio nesse tempo, passei a trabalhar no apartamento dela, dando-lhe o tempo que precisava para digerir tudo o que aconteceu e cuidando do Kaká. O problema é que, quanto mais ela demora, mais eu me desespero.
Já pensei em colocar um detetive para descobrir seu paradeiro e ir atrás dela, cheguei a ligar para um, na verdade, mas depois achei melhor dar um tempo. Eu a magoei demais, e, da mesma forma que precisei de um tempo digerindo tudo, ela também precisa.
Todos os dias passeio com o Kaká, rego as plantas do apartamento dela, trabalho e durmo aqui, sentindo-a mais perto de mim. Em um desses dias, encontrei-me com o bombeiro metido a fortão, e sua expressão ao me ver foi de espanto, tamanho meu desalinho.
— Meu, se toca e vai embora, ela não quer mais você! — o desgraçado disse, e eu quase parti para cima dele. Estava precisando descontar um pouco da frustração, e dar umas porradas iria aliviar um pouco a pressão, mas aí notei o menino que estava com ele e desisti daquela loucura toda.
Falei com Alex e Millos, pois queria saber como estavam as coisas dentro da empresa. Meu primo já havia dado início à investigação de espionagem, e Alex tentava apurar, junto à sua equipe, outros possíveis locais para apresentarmos ao cliente e não perder a conta de vez.
— Eu assumi a gerência dos hunters enquanto estamos apurando o vazamento. Os computadores e contas da Kika Reinol foram todos analisados já, e nada foi encontrado — Millos informou durante a ligação.
— Eu sei, não foi ela! — afirmei categoricamente.
— Eu também acredito que não. — Millos respirou fundo. — O Conselho marcou reunião para falar da auditoria sobre Theodoros. Você virá?
— Estarei aí, recebi o e-mail com a convocação.
Ficamos mais um tempo conversando sobre os assuntos da empresa, e, toda vez que ele tentava falar sobre como eu estava, eu desviava a conversa para não desmoronar.
Tento manter a cabeça no lugar para não enlouquecer de vez, desesperado demais sem saber notícias de Wilka. Não consigo sair de seu apartamento, só durmo quando o cansaço me vence, então abraço sua camisola, sentindo ainda seu perfume e apago até a manhã seguinte.
Eu me sinto moído por dentro, sangrando, só de pensar no quanto ela deve estar sofrendo por ter sido acusada de algo que não fez e, acima de tudo, por ter sido tratada daquela forma por mim.
A mulher que eu amo está sofrendo por minha culpa!
— Conseguiu todos os documentos? — minha voz soa impaciente até aos meus próprios ouvidos.
— Consegui. — Ele parece animado do outro lado da linha. — Tive que ir molhando de mão em mão em cada setor dentro do governo, mas consegui cópias dos principais documentos e mais... — O detetive toma ar. — Descobri quanto foi o acerto por fora para passarem a perna em vocês.
— Isso não me interessa por hora, mas muito bem que tenha conseguido. — Sento-me na cadeira de Wilka. — Mande tudo assim que possível.
— Já estou digitalizando e, em breve, estará no seu e-mail.
Desligo o telefone e fecho os olhos, sentindo que agora falta pouco para descobrir o que realmente aconteceu, provar a inocência de Wilka e processar quem quer que esteja por trás disso.
Voltei para a Karamanlis a fim de participar da reunião do Conselho de Administração e votar sobre a situação de Theodoros depois de uma semana longe da empresa. A reunião foi longa, tomou mais tempo do que eu imaginava, porém, fiquei satisfeito com o resultado.
Fui dormir no apartamento da Wilka, passei na Verinha para pegar o Kaká e mandei mais mensagens longas e cheias de saudades para ela, mesmo que seu celular não esteja recebendo nada.
Eu ainda não tinha vindo até a gerência de hunter depois do que aconteceu naquela noite. A última imagem que tenho dela aqui é de seus olhos cheios de lágrimas e minha voz acusadora pedindo explicações que ela se recusava a me dar.
Não preciso de nenhuma mais! Ainda não sei o que significavam aqueles telefonemas, nem mesmo o dinheiro em sua bolsa ou com quem ela se encontrou naquele carro, mas nada disso importa para mim.
Confio nela!
Eu sei que deveria ter tido essa confiança desde o começo. A verdade é que eu tinha, sempre tive confiança nela, só não soube como demonstrar isso.
Inclino-me para frente e deito minha cabeça na mesa dela, encostando a testa na madeira, olhos fechados, coração doendo, arrependido por nunca ter aprendido uma prece sequer na vida que possa fazer agora, uma oração para que um ser supremo me ouça e a traga de volta, pois a saudade está me matando.
— Kostas.
Levanto a cabeça e vejo Theodoros parado na sala.
— Oi — cumprimento-o e seco do rosto as lágrimas que nem sabia que tinha vertido.
— Eu soube que você estava aqui e queria conversar. — Theo franze o cenho. — Está tudo bem?
— Claro que sim. — Ponho-me de pé. — O que você precisa conversar comigo?
Theo fica um tempo me olhando, mudo, como se estivesse me analisando.
— Sobre a reunião. — Arqueio a sobrancelha, tentando não demonstrar nada. — Millos me contou que eles chegaram a um impasse, pois a auditoria não apontou nenhuma irregularidade, mas ainda assim alguns queriam continuar...
— Seria burrice — interrompo-o. — Se a auditoria não apontou nada, não tinha motivo para continuarem investigando, só iria expor a empresa a um escândalo, e nós não precisamos disso nesse momento.
Theodoros assente.
— Eu sei disso, mas me surpreendeu que você tenha falado e votado a meu favor nessa reunião. — Dou de ombros como se fosse bobagem. — Assim como fiquei surpreso quando minha filha me mostrou o urso que um amigo do Millos deu de presente para ela. — Tento fazer minha expressão de tédio, mas não consigo, emocionado ao me lembrar de Tessa. — Achou que eu não me lembraria de seu apelido de infância?
— Isso... — Engasgo, sem conseguir controlar meus sentimentos.
Respiro fundo várias vezes, tentando voltar ao controle de minhas emoções, mas sem sucesso. Eu não tenho mais as máscaras que usava, nem mesmo as paredes defensoras que me afastavam do sofrimento, mas que também me impediam de amar e ser amado.
Theodoros se aproxima de mim e toca meu braço.
— Ela adora aquele urso, e tenho certeza de que irá adorar receber a visita do Tim agora, que já está em casa. — Só consigo balançar a cabeça. A garganta está tão espremida pelo peso de tantos sentimentos que não consigo emitir nenhuma palavra sequer. — Obrigado pelo que fez na reunião e por ter alegrado minha menina em um momento tão difícil de sua vida. — Ele sorri. — Eu gostaria de agradecer a Kika Reinol também, mas acho que vou ter que esperar ela retornar ao trabalho.
— Eu não sei onde ela está... — falo para mim mesmo.
A expressão de surpresa no rosto de Theodoros é flagrante. Seus olhos azuis – o único traço familiar que compartilhamos – estão muito arregalados com a constatação de que há algo entre mim e Wilka além do profissional.
— Ela não está em São Paulo? — ele indaga assim que consegue se recuperar da surpresa, e eu nego. — Você já foi ao apartamento...
Rio, meio desesperado.
— Eu estou morando lá, tomando conta do Kaká, que também anda doido de saudades dela, sem ter ideia de onde ela pode ter se metido.
— Kaká? — Theodoros pergunta, mas depois balança a cabeça. — E Malu Ruschel? Já falou com ela?
Agora quem arregala os olhos a ponto de quase deixá-los cair da cara sou eu. Porra! Por que não pensei na Malu Ruschel?!
— Claro! — Levanto-me em um pulo. — Malu, no Pantanal! Wilka deve estar lá! — Pego o celular. — Preciso arranjar um voo...
— Kostas — Theo me chama. — Acho que não vai ser necessário. — Encaro-o. — Ela foi convocada a prestar esclarecimentos sobre o que aconteceu, estará aqui amanhã.
— Ela confirmou que vem?
— Sim! — Theo bate no meu ombro. — Ela vem, e eles esperam você para uma reunião também, não recebeu o e-mail?
— Não olhei. — Bufo. — Alex e Millos disseram que nada foi apurado!
— Exatamente, por isso a reunião. — Theodoros parece preocupado. — Dois conselheiros vão participar, além dos outros diretores, então a coisa não vai ser fácil.
Merda!
Sinto-me um merda por não ter descoberto nada ainda, mas me consolo dizendo a mim mesmo que estarei aqui amanhã e a defenderei com todas as minhas forças.
A luz do sol atravessa as frestas entre as ripas da janela de veneziana, demarcando seus raios, fazendo brilhar como purpurina dourada tudo em que toca. Fico por um tempo olhando esse espetáculo, tentando deixar a cabeça em branco, evitar remoer lembranças e fazer vãs questionamentos.
Porém, não dá.
Não por muito tempo.
Suspiro, e uma lágrima escorre sorrateira, pinga na fronha do travesseiro e é imediatamente absorvida pela maciez do algodão. Várias outras seguem o mesmo caminho, umedecendo um ponto abaixo de minha bochecha, mas não me movo, continuo a olhar os raios dourados, anestesiada, incapaz de pensar que, mesmo depois de tudo o que passei, possa ainda sentir essa dor ardente.
Cheguei aqui, à Paraíso, há uma semana, buscando o amparo que só poderia achar nos braços daquela a quem considero como uma irmã. Gastei o que não podia para comprar uma passagem para Campo Grande, e, de lá para Aquidauana, foi Malu quem arranjou o fretamento do pequeno avião.
Passei depois mais algum longo tempo sacolejando pelas estradas até chegar aqui, à fazenda, mas valeu cada músculo dolorido quando ela, com seu ventre inchado de nove meses de gestação, abraçou-me e chorou comigo mesmo sem saber da história toda.
— Preparei um quarto para você — ela me disse enquanto caminhávamos para a casa. — Pode ficar o quanto quiser. — Sorriu. — Pode ficar para sempre e trabalhar comigo na pousada.
Balancei a cabeça em agradecimento e negativa.
— Eu só preciso de um tempo para lamber minhas feridas, mas vou voltar. — Malu abriu um sorriso enorme. — Não posso deixar que me atribuam algo que não fiz e encerrar minha carreira dessa forma.
— Isso! — Ela bateu palmas e pulou animada, fazendo seu Xucro, parado na entrada da casa, pigarrear. — Guilherme, Kika e eu precisamos de privacidade para conversar. — Ela alisou o pescoço dele. — Você se importa se eu dormir com ela essa noite?
Pode parecer engraçado, mas vi alívio na expressão do homem e já imaginava o motivo. O apetite sexual de Malu aumentou muito com a gravidez, e, pelo que eu pude perceber, ela estava dando canseira ao seu Xucro.
— Claro, Dondoquinha! — Ele a beijou cheio de carinho, e isso oprimiu meu coração.
Não sou invejosa e, muito menos, sinto isso por Malu e Guilherme, apenas me lembrei da forma com que Kostas também fazia isso, como me abraçava na cama na hora de dormir, beijava minha testa, cheirava meus cabelos e relaxava. Eu me sentia tão protegida, tão querida e, mesmo sem ele nunca ter dito nada, tão amada.
Acho que me enganei sobre as minhas sensações.
O quarto que Malu preparara para mim era ótimo! Ela me ajudou a desfazer a mala, ambas em silêncio, fazendo o que mais gostávamos no mundo: organizar. Depois disso eu fui para o banho, e, quando saí, ela me esperava com uma comida de fogão a lenha que fez meu estômago roncar alto.
— Eu nunca pensei que isso aqui fosse tão bonito! — comentei.
— Você não viu nada! — ela disse animada. — Lembra as fotos que mandei para vocês quando estava procurando a área do resort? — Assenti. — É ainda mais linda nesta época do ano.
Pus a mão em sua barriga.
— E minha afilhada? — Ela riu por eu continuar insistindo que era uma Xucrinha que vinha. — Será que vou conseguir assistir ao seu parto?
Malu fez careta.
— Olha, nem eu queria assistir! — Riu. — Ainda lembro o da minha irmã mais velha e fico em agonia, mas, se você insistir e não se traumatizar depois...
Dei de ombros.
— Pelo visto não vou ter filhos mesmo! — Solucei. — Não nasci para ter uma família.
— Uau! — Malu ficou séria. — A positiva e liberal Wilka Maria dizendo isso? — Levantou a sobrancelha. — Houve mais do que me contou, não foi? — Assenti. — Konstantinos Karamanlis, além de ter te acusado de algo absurdo, ainda quebrou seu coração... Agora como ele fez isso?
Comecei a chorar, lembrando-me de quando eu começara a digitar uma mensagem para ela em desespero para contar sobre Kostas, mas desistira.
— Eu me apaixonei por ele, Malu.
Primeiro, Malu parecia que não tinha ouvido o que falei, mas depois a incredulidade tomou conta do seu semblante seguida de choque e total descrença.
— O que foi que eu perdi? — Deitei-me na cama, e ela se deitou ao meu lado, sua enorme barriga para o teto. — Eu sentia que o seu jeito de falar dele havia mudado, mas achei que era por conta da convivência no trabalho, não por outra coisa.
— Ele é o Portnoy.
Não sei como, mas a mulher conseguiu se virar de lado e me encarar com os olhos abertos como dois pratos de restaurante a quilo.
— O seu caso virtual era o Kostas Karamanlis?! — Malu falou tão alto que achei que todos naquela fazenda passaram a saber da minha história.
— Era, e ele descobriu primeiro que eu era a Caprica. — Ela fez careta para o apelido que eu usava. — Se aproximou de mim, nos envolvemos, e só depois ele me contou sobre o aplicativo.
— Meu Deus!
Ri do assombro dela.
— Ele era... diferente do homem que conheci dentro da Karamanlis.
— Espera, Kika! Primeiro preciso digerir a informação de que vocês tiveram um caso, porque, se me perguntassem sobre um casal que eu achava impossível, diria o nome de vocês sem sombra de dúvidas. Vôti! — Ela se sentou, toda desconjuntada. — Você é essa potência de mulher, livre, segura de si, animada, e ele é... estranho! — Ela fez careta. — O pessoal dizia que ele era tão frio que via sexo como uma relação de negócios, por isso só transava com putas.
Neguei a informação, e ela fez mais uma cara de assombro.
— Kika, eu nunca soube de um envolvimento dele com ninguém, e olha quantos anos trabalhei naquela empresa! Já tinha visto Theo e Alex com algumas mulheres, o doutor Millos é daquele jeito discreto, nunca me encontrei com ele em baladas, mas, nos eventos sociais que íamos, ele estava sempre acompanhado pela Sâmela, uma amiga dele de muitos anos. Mas Kostas? — Ela negou. — Nunca, no máximo com garotas de programa.
— Eu não sei o que nos levou um para o outro, mas aconteceu.
Malu voltou a deitar ao meu lado e fez carinho em meus cabelos.
— Eu sei como é isso, acredite — disse com um sorriso. — Eu juro que não tinha entendido sua reação ao que houve, porque a Kika que eu conheço nunca se afastaria sem antes provar a todos que estão errados. Ele te magoou muito ao não confiar em você, não foi?
— Foi! — Tentei sorrir, mas não deu, solucei. — Eu achei que ele sentia por mim o mesmo que sinto por ele. Em momento algum, mesmo sabendo que, se perdêssemos a conta, ele prejudicaria ainda mais o Theo, eu desconfiei dele.
— Ele tinha mais motivos para querer isso do que você, Kika.
— Eu sei, mas, mesmo assim...
Chorei abraçada a ela durante muito tempo. Malu era a única que conhecia parte da minha história e, por isso mesmo, estava ciente de tudo o que eu tinha feito nos últimos meses para manter o passado em seu lugar.
— Ele desconfiou por causa das ligações e do dinheiro — comentei.
— Puta que pariu! — Secou minhas lágrimas. — Ele entendeu tudo errado! Por que não contou a ele?
Fechei os olhos e me lembrei do último encontro que tive.
— Está tudo certo?
Não me respondeu, apenas terminou de contar as notas.
— Parece que sim! — Sorriu, e senti nojo de sua expressão. — Sabe, acho que pedi pouco.
— Não se atreva! Todo meu futuro está aí em suas mãos. O que economizei, o que ainda nem ganhei e até um bem que não é meu!
Senti o coração apertar ao pensar na Malu e no que fizera por mim. O imóvel em que eu morava ainda estava no nome dela, pois ainda não havia terminado de pagar. Então, para o empréstimo, ela tivera que fazer um documento para que eu desse o bem em garantia.
— Você se acha muito esperta, garota. Acha que não vi um dos donos da empresa onde trabalha sair do seu apartamento todos os dias? — Um arrepio gelou meu corpo ao perceber que tinha sido vigiada. — Eu poderia exigir mais dinheiro e, talvez, o faça, afinal, ele me conhece, e imagina como reagirá ao saber que você...
— Não se atreva!
As risadas encheram o carro, provocadas pela satisfação de saber que conseguira outro ponto fraco para me golpear.
— Porque seria pior — respondi a Malu, deixando de me lembrar daquele dia. — Preciso apenas descobrir quem fez isso. Não importa mais o que eu sinto por ele.
— Tem certeza?
Não!, eu quis gritar, mas engoli o desespero e tentei focar em recuperar meu coração e voltar para São Paulo disposta a provar minha inocência.
Depois desse primeiro dia, mergulhei com Malu na papelada da empresa que ela está montando aqui.
A Pousada Ecológica Paraíso será o grande empreendimento do lugar, além de uma fonte de renda para as pessoas que moram no entorno. Os projetos estão sendo feitos por uma grande empresa de arquitetura de São Paulo e com o acompanhamento de Alex, o que me surpreendeu.
Foi assim que preenchi meus dias, acompanhando o ritmo frenético de trabalho de Malu, participando das rodas em volta da fogueira no final da tarde, tomando tereré, cantando moda de viola com a peonada e aprendendo a andar a cavalo.
À noite chorava, sentia saudades, perguntava-me como ele estava com isso tudo, sentindo desesperança, solidão e medo. Era como se eu voltasse a ser a menininha que trancavam no armário da despensa no escuro, sem ninguém para me defender e nenhum amigo para conversar comigo do outro lado da porta.
Senti-me assim ainda mais depois de perceber que havia perdido a carta que sempre carreguei comigo como um amuleto. Achei-a meses depois de ter encontrado o urso no armário dentro de uma caixa aberta junto a uma lanterna.
Na última noite que passei naquele lugar, tive luz, um bichinho para apertar contra meu corpo e o pensamento de que aquele garoto grandão e assustador era na verdade meu anjo da guarda. Então, quando achei a carta, já morando com meus pais adotivos, tive a certeza disso.
Nunca soube seu nome, mal me lembro dele, mas sua carta mudou minha vida e me fez ser uma pessoa muito melhor. Queria ter a carta comigo, ainda mais agora, que sei que terei que voltar para a empresa para esclarecimentos depois de amanhã. Queria estar com ela no meu bolso, devolvendo minha esperança, fazendo-me crer que uma atitude positiva pode mudar qualquer cenário ruim.
Seu sorriso pode iluminar qualquer escuridão!
Ouço uma batida forte na porta do meu quarto e seco o rosto, deixando esses pensamentos de lado, tentando parecer bem e recuperada.
— Entra!
Dona Sueli, a tia do Guilherme, aparece sorridente.
— A bolsa da Malu estourou — informa, e eu me sento na cama assustada e animada. — Nosso bezerrinho vem aí!
Levanto-me e ponho a primeira roupa que encontro, correndo para o quarto deles. Bato à porta, e o Xucro me atende, um pouco pálido e com a testa suada de nervosismo.
— Como ela está? — pergunto baixinho, mas ela me ouve.
— Como vocês acham que... — ela respira igual a um cachorro, segurando a barriga, e eu arregalo os olhos de medo — eu estou, porra!?
Guilherme ri, mas ela lhe dá um olhar tão mortal que logo fica sério.
— Ei, Malu, fica calma... — tento apaziguá-la, mas logo desisto.
— Eu estou calma! — ela grita. — Vocês que estão me deixando nervo... — Outra contração a faz travar os dentes e emitir sons assustadores.
Aproximo-me de dona Sueli, preocupada, e inquiro baixinho:
— Isso é normal? — A senhora ri e concorda. — Força, Malu, já, já isso acaba e...
— Não — dona Sueli interrompe meu discurso motivacional. — Ainda vai demorar um tempinho, Kika.
E demora.
Puta merda, como demora!
Ela respira cachorrinho, chora, ri, beija o marido, ameaça chamar um dos peões para capá-lo, e é assim, nem sempre nessa ordem, até que vejo Guilherme amparar o bebê nos braços, os olhos azuis cheios de lágrimas, enquanto ouço seu riso.
Dona Sueli recolhe as coisas usadas no parto e as leva para fora.
— É lindo seu menino, minha amiga — parabenizo-a, pegando em sua mão, enquanto o Xucro examina o bebê.
— É nosso menino, Kika! O Xucrinho é seu afilhado. — Beijo sua testa suada, engasgada com as lágrimas de alegria, temerosa pela responsabilidade, mas grata por tê-los em minha vida. — Escolhemos um nome.
— Ah, enfim vão revelar! — mexo com ela, pois, além de não quererem saber o sexo do bebê, também não falaram as opções de nome.
Guilherme aparece com meu afilhado já limpinho, com uma touca na cabeça e luvinhas nas mãozinhas, embrulhadinho como um pacotinho, e o entrega para Malu.
— Gael, esse é o nosso Gael!
Meu coração se inunda de amor por esse ser pequenininho de tal forma que nunca sonhei sentir. Não pensei em ver minha amiga viciada em trabalho se entregar dessa forma a um ser tão pequeno e indefeso.
— Preciso cuidar de você agora, meu amor — Guilherme fala para Malu. — Consegue se levantar para tomar um banho?
Ela concorda e estende o embrulhinho para mim.
— Sério? — pergunto nervosa, sem jeito, pegando o pequeno toda torta. — Ah, meu Deus! E se ele chorar ou quiser mamar...
— Vai querer daqui a pouco — Xucro não ajuda. — Mas já estaremos de volta.
Concordo e embalo o pequeno Gael, meu pequeno afilhado, um pedacinho do amor dos meus amigos cujo cuidado me confiaram e cuja participação em sua vida me deram a honra.
— Eu prometo, Gael, que você vai sentir muito orgulho de sua tia e que nunca vai se sentir desamparado e só. — Cheiro-o, gravando na memória seu perfume natural, lamentando não ter muito mais tempo para ficar com ele. — Eu vou voltar para São Paulo, resolver minha vida lá e, quem sabe, retornar para ajudar a mamãe e o papai a fazerem essa pousada acontecer.
Ando de um lado para o outro dentro da empresa, conferindo as horas a todo momento. Já está próximo do horário agendado no e-mail de convocação para a reunião sobre a Ethernium, e eu já estou na sala de reuniões esperando Wilka chegar.
Conhecendo-a como a conheço, sei que virá com antecedência, irá organizar suas coisas e aguardar o início da reunião já com tudo pronto para se defender seja como for.
A verdade é que eu estou um caos!
Esbravejei com metade da minha equipe, reuni e ameacei os hunters, deixando bem claro que, se descobrirmos que algum deles é um traidor, iremos enterrar a carreira dessa pessoa. Estou uma pilha de nervos desde ontem, quando Theodoros me contou da reunião e da vinda de Wilka.
Eu preciso de respostas, preciso defendê-la, nem que para isso tenha de mover meio mundo a fim de descobrir como foi que toda essa merda aconteceu. Não há o que eu não faça para ter Wilka Maria ao meu lado, o que eu não renuncie por ela. Estou aqui disposto a tudo para ajudá-la a provar sua inocência, para que me perdoe e torne a repetir que me ama, mesmo depois de tudo o que a fiz passar.
Respiro fundo, temeroso da reação de Wilka à minha presença aqui nesta sala, ansioso pelo modo com que irá receber o que eu tenho a lhe dizer sobre nós dois, sobre a forma como nossas vidas foram entrelaçadas desde quando éramos crianças.
Wilka Maria é a tradução de todos os meus sonhos em realidade; não posso perdê-la. Com ela, desde o início, eu me senti completo, relaxado, confiante e feliz. Ela é meu remédio, consegue me curar das dores do passado, é meu anjo, minha salvação. Wilka é meu lar!
Não tenho a ilusão de que será fácil reconquistar sua confiança; machuquei-a demais, em muitos momentos e de várias formas. Mesmo assim, mesmo com tantas situações que passamos juntos, ela abriu seu coração e se entregou a mim da maneira mais pura e sincera que existe.
É a minha vez de mostrar a ela que eu lhe pertenço e que, mesmo sendo o homem fodido que sou, a amo.
Não quero que você seja o homem que eu mereço, quero apenas que seja o homem que eu amo!, as palavras dela renovam a esperança de tudo dar certo, não porque eu sinta que a mereça, mas certamente sou o homem que a ama.
A porta da sala de reuniões é aberta, e ela para ao me ver. Seguro o fôlego, receoso de que dê meia-volta e não me dê a chance de conversarmos antes de todos os partícipes da reunião chegarem.
Reparo na palidez de seu rosto, nas olheiras. Acho que ela perdeu peso, e isso me fere por pensar no quanto sofreu todos esses dias. Sinto falta de seu sorriso, do brilho nos seus olhos e até mesmo da expressão debochada e seu jeito pimenta de ser. É necessário que eu me convença a ficar parado aqui onde estou, pois minha vontade é de ir até ela, abraçá-la com força e garantir que nada, nem ninguém nunca mais a machucará.
Nem mesmo eu!
— Eu estava esperando você — arrisco começar a conversa.
Wilka titubeia, mas logo entra na sala e fecha a porta. Ela me encara, séria. A mágoa é evidente em seus olhos.
— Não imaginei que o encontraria aqui hoje. — Dá de ombros. — O que você quer? Me acusar ainda mais?
Respiro fundo e olho para a porta, prevendo que a qualquer momento teremos companhia. Aproximo-me de onde ela está.
— Não, não estou aqui para isso. — Paro a uma distância segura para não a amedrontar e a fazer fugir de mim. — Estive te procurando esses dias. Precisamos conversar.
Ela nega.
— Não temos mais nada a conversar. Não é um bom momento. Em breve vou passar por uma situação estressante, tendo que responder a perguntas para as quais talvez não tenha resposta e não posso ficar aqui perdendo tempo com você.
— Não faz isso, Wilka. — Aproximo-me mais dela, que se retrai. — Temos muito a conversar. Me dê a chance de...
— Você não me deu nenhuma, Konstantinos — ela me interrompe. — Foi logo tirando suas conclusões, me acusando, me condenando. Por que eu deveria te dar uma chance para...
— Porque eu amo você! Eu amo...
— Isso fez alguma diferença para mim? — Seus olhos brilham de lágrimas, porém, ela se mantém forte. — Fez alguma diferença eu ter dito a você como me sentia? Não, não fez!
— Wilka, eu... — sou interrompido quando a porta se abre. Millos, Theodoros, Alex e os demais diretores entram na sala.
— Bom dia a todos! — Theodoros cumprimenta-nos. — Konstantinos, sua reunião é logo após a da senhorita Reinol, então...
— Eu não vou sair, Theodoros! — declaro.
Millos bufa, olha para Alex e depois vem ao meu apoio.
— Acho que ele deveria ficar, afinal os dois trabalhavam nesse projeto juntos.
— Eu prefiro que ele saia — Wilka me surpreende.
— Não vou sair! — rebato.
— Tudo bem — Theodoros decide. — Mas, se eu sentir que você está atrapalhando ou constrangendo a senhorita Reinol, ponho você para fora na marra.
Sento-me à mesa no exato momento em que os dois conselheiros mais conservadores entram na sala. Noto a tensão de Wilka ao vê-los e tenho vontade de pegar em sua mão e lhe garantir que tudo dará certo.
— Bom, essa reunião com a senhorita Reinol foi um pedido do Conselho para averiguar a suposta participação dela no vazamento de informações confidenciais da Karamanlis — Theodoros começa. — Em seguida iremos ouvir o outro envolvido, o diretor jurídico responsável pela conta, Konstantinos Karamanlis, que se faz presente nessa reunião.
— O que é ótimo, pois podemos promover uma acareação entre eles, caso seja necessário — um dos conselheiros sugere, e eu travo o punho de raiva.
— Boa ideia! — O outro conselheiro aplaude.
— Senhorita Reinol, está conosco há quanto tempo?
Wilka começa sua explanação falando do tempo em que entrou na empresa, atuando como estagiária, depois como assistente de Malu Ruschel e, por fim, de sua promoção a gerente.
Lembro-me da época em que éramos apenas Portnoy e Caprica, e ela me falou de sua paixão por esta empresa, de que a via como uma família e de sua tristeza por ter de deixá-la por outra, mesmo ganhando mais. Wilka demonstra seu amor pelo trabalho, pela Karamanlis em cada explicação que dá, e apenas um idiota – como eu – pode pensar que ela pudesse fazer algo que prejudicasse a empresa.
— Quando a senhorita recebeu o documento do diretor jurídico?
— Uma semana antes de sabermos do vazamento.
O conselheiro olha para umas anotações, provavelmente material da investigação.
— E por que só transmitiu o documento para o funcionário Leonardo Dias depois?
— Ainda estávamos preparando todos os materiais para apresentar ao cliente, e eu sempre deixo os documentos sigilosos por último, exatamente para ter um controle maior sobre eles.
— Isso significa que a senhorita não confia em sua equipe?
Wilka toma fôlego e nega.
— Isso significa que eu zelo pelos documentos que produzimos. Eu confio totalmente na minha equipe, só não via motivos para liberar no sistema um documento que seria o último a ser acostado no briefing.
Concordo plenamente com ela e me culpo por ter interferido no modo como ela trabalha, liberando eu mesmo o documento para o Leo. Não acho preciosismo ela proteger documentos, mesmo porque eles passam por várias mãos, não só da sua equipe, pois vão para o pessoal que trabalha com nosso material gráfico, depois são colocados pelos estagiários nas pastas e encaminhados para os hunters.
— Chegou ao nosso conhecimento que a senhorita recebeu ligações que a deixaram nervosa e que...
— Eu não entendo o motivo pelo qual a vida pessoal dela deva entrar em pauta — interrompo-o.
— Doutor Konstantinos, embora o senhor seja advogado, preciso lembrá-lo que aqui é mero espectador, então deixe que a senhorita Reinol responda ao questionamento.
— As ligações foram de ordem pessoal e realmente não têm nenhuma ligação com a empresa. — Ela retira um papel da pasta que trouxe. — O dinheiro que eu sei que vocês irão questionar daqui a pouco — Wilka me olha de esguelha — veio de um empréstimo que fiz para ajudar uma pessoa.
Ela entrega o documento, e todos o analisam.
— É muito dinheiro! — um dos diretores comenta.
— Sim, mas foi feito por empréstimo, dando um bem como garantia.
— Está no nome de Malu Ruschel também — Theodoros comenta.
— Malu possui parte do apartamento que usei como garantia, por isso ela teve que assinar um documento para autorizar o pedido de empréstimo.
Olho-a surpreso, sem entender o motivo que a levou a hipotecar seu apartamento. Se ela precisava de dinheiro para ajudar alguém, por que não me contou? Certamente eu a ajudaria.
— Sim, está tudo certo aqui. — Theodoros me passa o documento. — Não achamos nada nos computadores dos hunters e nem nas contas associadas aos funcionários do setor. Iremos continuar as averiguações, mas não vejo motivo para manter a senhorita Reinol suspensa de suas atividades. Todos concordam?
A maioria levanta a mão, porém, um dos conselheiros e um dos diretores se mantêm reticentes quanto à volta dela.
— Acho que ela deveria ficar afastada até descobrirmos o que houve!
— E ficarmos sem um gerente para conseguir outra área para a Ethernium? — questiono-lhe. — A senhorita Reinol e eu temos centenas de outros locais para serem analisados, e, se existe alguém em quem confio para achar o local ideal e para que não percamos esse cliente tão importante, é ela!
Wilka me encara, olhos arregalados.
— Acha que ainda podemos reverter esse jogo? — um dos diretores me pergunta.
— Tenho certeza disso! Não vou descansar até descobrir de onde veio o vazamento, mas isso não nos prejudicou com o cliente ainda. Precisamos de uma área, e a senhorita Reinol já provou por A mais B que é eficiente.
— Concordo com Konstantinos. — Millos sorri, assentindo.
— Eu também. — Alex o acompanha.
Olho para Theodoros e noto o seu sorriso.
Após isso, é minha vez de ser questionado, e respondo a tudo calmamente, mas meus olhos não saem de Wilka. Ao fim da reunião, Theo diz:
— Bem-vinda de volta ao trabalho, senhorita Reinol. Lamentamos muito o ocorrido, e espero que entenda que foi necessário.
Wilka se põe de pé, gigante em seu pouco mais de 1,60m de altura.
— Eu vou terminar esse projeto, ajudar a descobrir quem nos sabotou, porém, depois gostaria de pedir o desligamento definitivo da Karamanlis — sou eu quem fica de pé ao ouvir isso. — Meu trabalho requer confiança, não posso exercê-lo se não a tenho.
— Wilka... — chamo-a, mas não me olha.
— Eu gostaria de me retirar agora para poder conversar com minha equipe.
— Claro! — Theodoros autoriza.
Ela me olha rapidamente, vira as costas e sai da sala. Faço o movimento de segui-la, mas Theodoros me segura pelo braço.
— Espere um pouco. — Ele se despede dos conselheiros e diretores e volta a falar comigo apenas quando Alex, Millos e eu ficamos na sala consigo: — Foi levantada a possibilidade de essa sabotagem ter vindo de você. — Eu bufo, pois já havia imaginado isso. — Nós repudiamos a ideia, ainda mais depois que isso respingou em Kika Reinol.
— Não fui eu! — confirmo.
Theodoros balança a cabeça e me solta.
— Ache quem fez isso e a faça ficar.
— Eu vou!
Saio da sala pensando em uma forma de conversar com ela. Talvez aqui na empresa não seja o local ideal, e eu ainda tenho as chaves de seu apartamento.
Vou para a diretoria jurídica, mas, mal entro em minha sala, escuto meu computador notificar a chegada de um e-mail. É do detetive. Abro os anexos, lendo documento por documento até chegar ao meu parecer. Franzo o cenho ao ler o final, algo me incomodando.
Abro o arquivo original e comparo as duas versões. Aparentemente qualquer pessoa pensaria que eles modificaram algumas frases para disfarçar o plágio. No entanto, sei que não foi, porque eu mesmo escrevi aquilo tudo.
Eles copiaram o arquivo não revisado, que somente eu tinha!
Como?!
Levanto-me da cadeira, vou até a garrafa de bourbon, mas desejoso por um café, na verdade. Infelizmente não tenho máquina aqui na minha sala, como Theodoros tem na dele, e não estou disposto a ir até o restaurante para tomar... Paro, a mão estendida na direção da bebida, mas sem pegá-la.
No dia em que revisei esse documento, Wilka não estava comigo, eu estava sozinho até Viviane Lamour chegar ao meu apartamento para levar os extratos da conta de Theodoros no exterior. A lembrança do pedido de café, depois da bebida derramada sobre mim e, em seguida, de minha subida para trocar de roupa me faz xingar bem alto.
Estava tudo em cima da mesa na sala, o documento não revisado, as informações sobre o terreno e até mesmo os contatos no Rio de Janeiro, tudo à disposição dela.
Puta que pariu! Ponho as mãos na cabeça ao constatar que ela percebeu que eu não iria usar os documentos contra Theodoros e encontrou um jeito de nos ferrar.
A culpa é minha!
Pego o telefone e ligo para a desgraçada da Viviane Lamour, mas a cobra peçonhenta não me atende. Não mando mensagem; não quero alarmá-la. Não posso simplesmente acusá-la sem prova alguma, preciso pensar com calma e usar a inteligência.
— Kostas? — Millos aparece.
— Porra, Millos! — chamo-o para entrar na sala. — Eu sei quem vazou os documentos!
Meu primo para, arregala os olhos e coça a barba.
— Como você sabe?
— Os documentos estão diferentes. — Chamo-o e os mostro para ele.
— Eles devem ter modificado para...
— Não! — Rio como um louco. — Eles copiaram na íntegra, cheio de erros! É a minha cópia não revisada.
— E como foi parar nas mãos deles?
Respiro fundo, sabendo que não tem jeito de eu contar sobre o furto dos documentos sem dizer o que eu pretendia contra Theodoros.
— Viviane Lamour.
Eu amo você!
A voz de Kostas ecoa em minha mente enquanto desço para minha sala depois de ter passado por aquela reunião tão tensa. Tremia demais, porém, tentei manter minha postura e responder a cada questionamento da maneira mais sincera possível.
Malu me aconselhou a mostrar os documentos e, se necessário, a falar sobre a chantagem, mas isso mexeria em feridas que eu não estava disposta a abrir, nem mesmo para limpar meu nome na empresa.
Não foi necessário. Senti que os diretores e os conselheiros presentes pretendiam minha cabeça, afinal, alguém tem que levar a culpa, mas os Karamanlis saíram em minha defesa, inclusive Konstantinos.
Eu amo você!
Que fácil seria acreditar nessas palavras, jogar-me em seus braços e reafirmar a ele que eu sinto o mesmo. Contudo, não posso esquecer que essas mesmas palavras não fizeram nenhuma diferença para ele quando eu as disse, não o impediram de me julgar e condenar.
Tomei a decisão certa ao pedir o desligamento da empresa assim que achar outra locação para o cliente. Seria impossível continuar trabalhando na Karamanlis, convivendo com Konstantinos e manter distância dele. Sua falta de confiança me machucou mais do que qualquer outra coisa que já tenha feito, feriu-me demais e quase me fez perder tudo.
— Kika! — Carol me abraça assim que entro na gerência. — Ah, meu Deus, estávamos tão preocupados com você!
— Eu estou bem, obrigada — asseguro. — Você conseguiria reunir todo mundo para uma palavrinha rápida?
Carol respira fundo e concorda.
— Mais cedo o doutor Konstantinos passou por aqui e deixou bem claro que, se o informante for daqui, ele descobrirá e acabará pessoalmente com sua carreira. — Ela faz uma careta. — O pessoal se mijou, mas creio que ninguém daqui fez nada.
— Eu também acredito nisso. Reúna a todos, por favor.
Carol vai em direção à sala onde os hunters ficam, e eu entro na minha, ainda vendo a mesa e as coisas de Kostas, relembrando cada momento, bom e ruim, que passamos juntos neste pequeno espaço.
Sigo até minha mesa, deixo a bolsa, ligo o computador e abro o gerenciador de tarefas que usamos para acompanhar o trabalho da equipe. Sorrio ao ver que, mesmo longe, tudo continuou a ser tocado e que não há nenhuma pendência urgente a ser resolvida a não ser uma nova locação para a Ethernium.
Ligo para Verinha, pois estive no meu apartamento mais cedo quando cheguei, mas não a vi no prédio, e ela também não estava em casa. Estou morrendo de saudades do meu Kaká e, pelo que vi no meu apartamento, aparentemente meu cãozinho andou por lá, pois minha camisola estava embolada na cama e tinha um par de chinelos meu em sua caminha.
— Kika! — ela atende.
— Oi, Verinha, estou de volta. Tudo bem?
— De volta? — Ela estranha. — Estive agorinha no seu apartamento e não te vi.
— Estou na Karamanlis, voltei a trabalhar.
— Ah... então ele conseguiu falar contigo! — Franzo o cenho e estou prestes a negar, quando ela continua: — O homem ficou aqui todos esses dias, entocado no seu apartamento, cuidando do Kaká e esperando sua volta.
— Kostas? — surpreendo-me. — As coisas dele ainda estão nos sacos na sala, pensei que nem tivesse ido até aí!
— Ainda não falou com ele? Ele ficou enfurnado aqui desde o dia em que você viajou! Só saiu para trabalhar essa semana.
Ele ficou todos esses dias me esperando voltar? Lembro-me da minha camisola em cima da cama e imagino que ele tenha dormido junto a ela enquanto estive fora. Desde o dia em que eu viajei!
— Olha, você sabe que eu não gosto de dar pitaco na vida alheia, mesmo na de amigos, mas ele parece gostar mesmo de você!
Fecho os olhos, a declaração dele mais cedo repetindo-se em minha mente, meu coração apertado, dividido entre a vontade de acreditar nesse amor e o medo de ser ferido mais uma vez.
— Kika? — Carol me chama, trazendo-me de volta à realidade. — Estão todos na salinha de reunião.
— Já vou, Carol, obrigada.
Despeço-me de Verinha e sigo para falar com minha equipe, mesmo tendo Konstantinos e seus atos enquanto estive fora na cabeça.
— Deixo essas pranchas aqui? — Alexios me pergunta.
— Pode deixar, preciso analisar as outras documentações sobre esses lugares, mas parecem ser os melhores depois daquela área que nos foi roubada.
Ele assente, e eu abro as pastas dos locais selecionados. O CEO da K-Eng esteve à frente, com o doutor Millos, do meu setor enquanto passávamos por investigação, e graças a eles os outros projetos da gerência não se atrasaram.
— Ainda não acredito que teremos de começar tudo do zero — comento comigo mesma em voz alta.
— Pois é, o que fizeram foi uma puta sacanagem! — ele responde. — Mas nós vamos pegar o filho da puta, pode ter certeza!
— Eu espero que sim!
Alex recolhe seu material e se despede. Aceno para ele e volto a prestar atenção ao computador, mas sinto o coração disparar quando ele cumprimenta Kostas à porta da sala antes de ir embora.
— Já deixei duas pranchas com as outras áreas que havíamos elegido antes. Vamos precisar trabalhar rápido para cumprir o prazo do cliente.
— Eu sei, nós vamos!
Ergo os olhos e retenho o fôlego ao vê-lo, enorme, moreno e lindo, parado no meio da sala, olhando para mim com as mãos nos bolsos da calça do terno.
— Podemos conversar? — ele pergunta.
Olho-o séria, respiro fundo, soltando o ar devagar, e assinto.
— Seja rápido, tenho muito trabalho para colocar em dia.
— Por que você quer sair da Karamanlis?
Dou de ombros, mas ele não parece nada satisfeito com minha indiferença e caminha até minha mesa. Coloco-me de pé para enfrentá-lo, mesmo sendo bem mais baixa que ele.
— Malu vai precisar de ajuda para o novo empreendimento que está...
— Não, Wilka, seu lugar é aqui na Karamanlis, ouviu? — Segura-me pelos braços. — Seu lugar é aqui comigo!
Arregalo os olhos e sinto meu corpo reagir ao toque dele mesmo sem querer, a química entre nós me fazendo ferver de desejo. Tento me concentrar, esquecer que ele é o único homem capaz de me fazer sentir isso tudo, não me lembrar de todo o prazer que já tivemos juntos.
— Tire suas mãos de mim... — sussurro sem convicção, sem olhá-lo nos olhos.
— Preciso que você me perdoe e que acredite em mim!
— Por que eu deveria acreditar nisso agora? Se você me amasse...
Ele me puxa para si e me beija sem nenhuma cerimônia. Tento me afastar, mesmo desejando-o mais do que tudo, mesmo sonhando com esses beijos e seus braços me abraçando todos os dias que fiquei longe.
Kostas continua varrendo minha boca com a sua, molhando meus lábios com os seus devagar. Cerro meus olhos, o sentimento transbordando de mim de forma que não consigo contê-lo. Mesmo não querendo, já estou entregue, sou dele. Konstantinos percebe o exato momento em que relaxo e aprofunda o beijo, tomando posse da minha boca com fome, penetrando minha garganta com sua língua, roçando os dentes em meus lábios, gemendo.
Não sei se sou eu ou se é ele quem emite esses sons, a loucura tomando conta da minha consciência, deixando tudo nublado de desejo e tesão. Agarro sua camisa com força, e ele desliza as mãos pela minha nuca, segurando-me pelos cabelos, firmando minha cabeça de modo que eu não consiga me livrar da tortura de sua boca na minha.
Sinto minha calcinha ficando cada vez mais melada com a excitação deste momento. Estou puta, ainda magoada com ele, mas o desejo mais do que tudo! Puxo sua camisa com mais força; os botões são arremessados para longe, e arranho seu peito com minhas unhas, arrancando mais gemidos desesperados dele.
Kostas desvia o beijo para meu pescoço, lambendo, mordendo, sugando-o, seguindo em direção ao ombro. Enfio minhas mãos por dentro da camisa, passo-as pela sua cintura e cravo as unhas em suas costas musculosas. Ele desce as alças do meu vestido transpassado, estilo quimono e leva junto o sutiã sem alças, expondo meus seios para sua contemplação, então me ergue e me senta sobre o tampo da minha mesa, o mesmo local que há meses foi o palco de uma malfadada primeira vez. Fecho os olhos quando sinto suas mãos em meu corpo, seu polegar e indicador excitando meus mamilos, beliscando-os, massageando-os.
Seguro-o pelos cabelos quando se abaixa e toma meu seio com a boca, sugando-o forte, chicoteando-o com a língua. Gemo enlouquecida, esquecendo-me por completo de onde estou, mesmo sendo tarde, sem saber se ainda há pessoas no setor.
Nada importa, só o que estou sentindo neste momento, a saudade, a vontade, o amor que sinto por ele, mesmo depois de tudo o que aconteceu.
— Sou louco por você, Wilka — ele declara entre gemidos, passando para o outro seio. — Completamente rendido, apaixonado, fodido!
Busco o fecho de sua calça, abro o cinto, o botão e puxo seu pênis para fora sem nenhuma cerimônia, adorando sentir sua espessura, as veias altas, a dureza macia aveludada de sua pele. Masturbo-o com força, e ele geme alto. Sinto a cabeça molhada com sua excitação, e minha boca saliva de vontade de prová-la.
— Não aguento mais, preciso estar dentro de você — sussurra.
— Eu também preciso! — admito.
Ele me ajeita na beirada da mesa, agacha-se o máximo que consegue até ficar na altura ideal e tira minha calcinha.
— Tão molhada, tão perfeita! — Ele me olha, os olhos azuis refletindo tantas coisas. — Perdoe-me por todas as vezes que te feri, por todas as vezes que não confiei em você. — Introduz-se um pouco. Meu corpo todo se arrepia pelo contato íntimo. — Perdoe-me por achar que não podia retribuir seu amor. — Encaixa-se todo dentro de mim, mas não se movimenta. — Perdoe-me por não ser o homem que você merece.
Neste momento eu fecho os olhos. Uma lágrima solitária escorre por meu rosto, mas ele a seca com seus lábios, beijando minha bochecha devagar, cheio de carinho, sorvendo o líquido salgado.
— Eu amo você — declara, trêmulo, o corpo todo tenso. — Eu julguei não ser capaz de amar alguém e nem de ser amado, mas você me mostrou que eu estava errado. Você me amou mesmo sem que eu te merecesse, ensinou-me a ver o mundo e as pessoas de uma forma que nunca consegui ver. Você me transformou em um homem de verdade. — Abro os olhos, impactada por suas palavras, tocada por todo o sentimento que sinto ao ouvir sua declaração. — Sigo não te merecendo, ainda tenho muitos defeitos, porém, prometo que, se você me perdoar e puder continuar me amando, vou dedicar o resto da minha vida buscando ser o homem que você ama, aquele que merece seu amor.
Puxo-o para um beijo, e meu corpo se libera. Kostas começa a se mover dentro de mim, segura-me pelos quadris e soca com força, enquanto nossas bocas se comunicam entre saliva, línguas e dentes.
Sou erguida da mesa; ele me mantém em seu colo. Rebolo gostoso, apreciando a posição. Kostas geme e cai sobre a minha cadeira. Fico por cima, cavalgando-o sem pudor, sentindo seu pau bem no fundo, balançando tudo dentro de mim.
Kostas retira a gravata que eu nem tinha percebido que ainda estava em seu pescoço, pois arrebentei os botões da camisa para ter sua pele na minha. Ele junta meus punhos para trás e os amarra juntos, usando a gravata, prendendo-me, deixando-me totalmente à sua mercê.
Ele me tira de seu colo e me vira de costas. Deito-me parcialmente sobre a mesa e espero a estocada firme me preenchendo novamente, mas ela não vem. Sua boca é que me devora agora.
— Kostas! — gemo alto, sentindo sua língua em meu ânus, logo descendo à procura de minha entrada molhada. Ele me suga com força. Gemo contra a madeira da mesa, os braços presos para trás, as mãos dele segurando minhas pernas bem afastadas uma da outra conforme sua língua me fode, deliciosamente perversa.
Sinto-me explodir em gozo quando ele prende meu clitóris entre seus lábios. Rebolo frenética, tremo inteira, aperto os dentes em meus lábios para não gritar.
— Você é minha! — escuto-o declarar antes de me preencher por completo.
Kostas segura em meus ombros e mete feito um louco, seus sons de prazer enchendo a sala, seu corpo pingando de suor sobre o meu.
Ele se inclina sobre mim. Sinto seus dentes em minha nuca, seu pau enterrado profundamente enquanto ele rebola curto, geme em meus ouvidos, fazendo minha pele arrepiar e meu sexo se encharcar ainda mais.
— Eu sou seu!
Sinto o movimento do seu pau prestes a gozar. Minha vagina está sensível, ainda se recuperando do orgasmo, e, quando ele começa a pulsar, expulsando seu gozo dentro de mim, gozo de novo, enlouquecida.
Estamos exaustos, jogados sobre a cadeira dela, resfolegantes, suados, a sala cheirando a sexo. Minhas mãos acariciam suas costas devagar, esperando termos condições de nos levantar para que possamos ter a conversa que eu queria ter desde o começo.
Não tinha a intenção de fazer sexo com Wilka. Essa ideia nem tinha me passado pela cabeça, mas então eu a toquei, e foi como se todo o desejo represado durante esses dias que ficamos separados explodisse entre nós.
— Nós nem conversamos — ela diz, ainda ofegante.
Eu rio, passo as mãos pelos seus cabelos e concordo.
— Não.
— Por que mudou de ideia sobre mim? — ouço a mágoa em suas palavras.
— Mudei de ideia sobre você horas depois de termos aquela discussão — confesso. — Eu deveria ter confiado em você, Wilka, mas é que estou tão acostumado a não confiar que minha primeira reação foi a desconfiança.
— Você me magoou — sinto um nó na minha garganta ao ouvi-la dizer isso. — Eu nunca pensei que poderia sentir tanta dor como a que senti ao perceber que você me achava capaz de te trair.
— Sei que você nunca me trairia, ou mesmo a Karamanlis. Eu só sou muito fodido para perceber isso sem fazer uma grande cagada.
Ela concorda e se levanta do meu colo.
— Precisamos descobrir quem fez isso!
Meu coração dispara. Ajeito minha roupa e, sem ter coragem de encará-la, confesso:
— Eu sei quem foi. — Wilka arregala os olhos. — Descobri há pouco, quando recebi os documentos usados pela concorrente.
— Quem?
Balanço a cabeça, constrangido e com medo de como ela irá reagir.
— Você não conhece, mas a culpa foi minha. — Levanto-me e pego minha camisa, mesmo sem botões. — Ela roubou tudo no meu apartamento.
Wilka fica pálida.
— Ela?
Respiro fundo.
— Sim, uma amiga de Theodoros. — Sinto vergonha de ter de contar a ela o que eu pretendia. — Ela me vendeu umas informações sobre meu irmão, e, no dia em que foi entregar, eu estava com todos os documentos expostos.
— O que você pretendia fazer? — Wilka tem a voz trêmula ao perguntar.
Encaro-a por um momento. Tenho certeza de que o medo de a perder ao lhe mostrar o grande filho da puta que sou transparece em meus olhos.
— Eu ia denunciar Theodoros e afastá-lo de vez daqui.
Wilka cambaleia, encosta-se à mesa, estupefata demais.
— Por quê?
Não há outro modo de lhe dizer meus motivos, senão contando a ela toda a verdade. Chegou a hora de eu me expor, mostrar a ela o verdadeiro Konstantinos, um homem cheio de demônios do passado, cheio de defeitos, medos e inseguranças e revelar a ligação que nosso destino nos proporcionou.
— Eu fui criado pelos meus avós em Londres, pelo menos até chegar à idade de ser mandado para um internato. — Wilka senta-se na beirada da mesa para me ouvir explicar. — Nunca tive convívio com minha mãe, que me deixou para ir estudar na América e nunca mais retornou à casa. Meu pai, bem, eu preferia não ter tido convívio com ele também, mas, aos 12 anos, fui mandado para cá para viver com ele.
— Kostas, você tem certeza de que...
— Tenho, Wilka. Tenho que te mostrar quem é o homem por quem você se apaixonou e saber se você pode amá-lo, porque ele ainda é parte de mim. — Ela concorda, e eu continuo: — Meu sonho sempre foi ter um lar, e aqui tive a impressão de que iria realizá-lo. Tinha meus irmãos, meu pai e uma madrasta muito legal, mas parece que eu não merecia isso, e tudo se desfez um ano depois. Theo se apaixonou pela esposa do meu pai e a levou com ele para a Grécia. — Wilka arregala os olhos. — Nikkós nunca foi muito estável, sempre teve problemas com vícios em geral, bebida, drogas, mulheres e jogos. Depois do que houve, humilhado – pois todos souberam que sua esposa troféu o tinha largado para viver com um garoto de 18 anos, seu próprio filho –, ele surtou de vez. Passou a consumir ainda mais bebidas e entorpecentes e se tornou um sádico com seus filhos – Alexios, Kyra e eu.
— Oh, meu Deus! — Ela toca meu rosto, e eu fecho os olhos, chorando pela primeira vez a dor do menino que ficou nas mãos de um louco, recebendo consolo do toque da mulher que amo.
— O meu pecado foi ser quem eu era, um garoto introspectivo, grande, gordo, feio... — Wilka parece surpresa, e eu sorrio, triste. — É, eu tinha 13 anos e já era quase desse tamanho, todo desconjuntado, tímido ao extremo, e ele decidiu que iria me tornar um homem de verdade. — Tateio o bolso da minha calça e tiro de lá a carta que ela carregou durante todos esses anos. — Ele me levou a bordéis, dizendo que eu nunca iria conseguir uma mulher por mérito meu, somente pagando. — Wilka fica tensa, arregala os olhos, e suas mãos começam a tremer. — Por anos, até você chegar, acreditei nisso. Só me relacionei com profissionais e apenas para matar a necessidade, nunca tive prazer realmente com o sexo, apenas com você.
— Você... frequentou... — Ela treme muito. Tenho vontade de abraçá-la. — Sabe o nome... do...
— A casa da Madame Linete — revelo, e ela fecha os olhos. — Havia um sótão... — Wilka soluça, lágrimas grossas escorrendo pelo seu rosto. — Lá aconteciam leilões de virgens, e era conhecido como a área de educação do bordel, pois a maioria delas eram crianças ou adolescentes. — Seguro seu queixo. Ela me olha, e eu lhe estendo a carta. — Achei isso no chão do seu apartamento.
Wilka mal consegue segurar a carta, trêmula demais. Fico preocupado com o jeito como ela se encontra. Acaricio seu rosto e, quando ela volta a erguer o olhar em minha direção, vejo o reconhecimento.
— Era você! — Eu assinto, chorando com ela. — Era você quem ficava do outro lado da porta e quem deixou aquela caixa com o bichinho de pelúcia e a lanterna.
— Sou eu.
Abraço-a forte, seu corpo sendo sacudido pelas lágrimas.
— Como isso... — ela me aperta — como isso aconteceu?
— Você me salvou — digo baixinho. — Eu estava prestes a saltar pelo vitral do sótão quando sua imagem veio à minha cabeça. — Ela se afasta do abraço e me encara assustada. — Eu não aguentava mais, e, naquela noite, Nikkós estuprou uma virgem, uma menina, na minha frente para me ensinar. Eu quis morrer, quis acabar com tudo, mas então você veio à minha mente, e eu entendi que corria perigo.
— Foi por isso que reagiu daquele jeito quando descobriu que eu era virgem?
— Sim, me perdoa por isso! — Soluço. — Mas, quando percebi que tinha te deflorado, imagens daquela noite vieram à minha memória, os pesadelos que tive e...
— Você me salvou! — ela constata de repente. — A denúncia sobre mim, foi você! Por isso a carta escondida no urso dizendo que eu teria uma vida melhor. — Assumo balançando a cabeça. — Eu fui adotada pouco tempo depois de ter achado seus presentes e, já com meus pais adotivos, encontrei sua carta no urso, desde então a mantenho comigo como um amuleto da sorte.
Sorrio ao ouvir isso.
— Era só a carta de um garoto desesperado.
Ela nega.
— É a carta do garoto que mudou a minha vida, me fez ser quem eu sou. Se eu posso amá-lo hoje, é porque houve aquele garoto que pensou em mim mesmo sem me conhecer.
Ela se aproxima com um sorriso, e eu sinto o escritório todo ser iluminado como se fosse dia claro.
— Eu nunca me apaixonei por ninguém até você, Konstantinos. Eu tinha pesadelos com sexo por causa das coisas que vi acontecer naquele lugar, mas, com você, desde Portnoy, eles se foram. — Ela seca meu rosto com seus dedos. — Eu estive esperando por você esses anos todos sem saber.
Porra!
Desmorono como um bebê, soluçando no abraço dela, ao ouvir isso. Eu também estive esperando por ela, morto todos esses anos, até que ela voltasse a aparecer na minha vida.
— Eu amo você — digo entre soluços. — Você me salvou de todas as maneiras possíveis.
— E você a mim! — Ela ri, mesmo soluçando. — Eu sou sua, sempre fui, e meu coração já sabia disso mesmo sem termos noção de que estávamos ligados dessa forma. — Wilka me encara. — Amo você, sempre você!
Ouço o barulho da água do chuveiro e olho para a porta do banheiro entreaberta. Eu ainda estou estupefata com a nossa ligação, com como nosso passado se conectou nos piores momentos de nossas vidas e como voltamos a nos encontrar agora para estar juntos.
Agora consigo entender toda a mágoa que ele sente pelo Theodoros. Ele se sente abandonado por Theo, deixado na mão do louco que a sua atitude ao se envolver com a madrasta despertou.
Eu nunca poderia imaginar algo assim, e ouvir toda a história há pouco me deixou ainda mais assustada e com o coração pequeno ao imaginar tudo o que ele passou nas mãos do pai.
Nikkós era louco! Como pôde ter coragem de tratar os filhos daquele jeito?
Viemos direto da Karamanlis para meu apartamento. Kostas olhou para suas coisas, ainda nos sacos pretos, e sorriu sem graça, pedindo-me perdão novamente por não ter confiado em mim.
Eu entendi sua reação ao que houve. Claro que isso não diminui o que eu senti, mas agora o surto da nossa primeira vez, os pesadelos, o jeito de ser dele, tudo faz sentido. Kostas é um homem machucado que aprendeu que somente se afastando das pessoas podia estar protegido.
É inconcebível o que nós dois passamos na infância, o que ele passou nas mãos do próprio pai. É senso comum que os pais têm a responsabilidade de cuidar de seus filhos, então, quando eles ou um deles é agressor, aquele que expõe a criança ao risco, vende, humilha, agride ou mata, a sensação de monstruosidade é muito maior.
Suspiro, consciente de que eu ainda preciso lhe contar meus segredos. Não será fácil, são coisas que sempre guardei comigo, temerosa de sua repercussão na minha vida e na minha carreira.
— Tudo bem? — Ele sai do banheiro, a toalha enrolada em sua cintura, o cheiro de sabonete no ar.
— Eu estava aqui pensando em tudo o que nos aconteceu — Kostas se senta ao meu lado na cama —, ainda sem entender por que as coisas aconteceram dessa forma. É uma coincidência incrível termos tornado a nos encontrar e...
— Nos envolvido e apaixonado um pelo outro — Kostas completa, e eu concordo.
— Descobrir que você era o Portnoy já foi um choque. — Comento baixinho: — Ela é minha mãe.
Não consigo levantar o rosto para encará-lo. Fito minhas mãos, sentindo o coração palpitar, os olhos se inundarem de lágrimas por assumir isso em voz alta.
— Quem é sua mãe? — ele pergunta e ergue meu rosto.
— Madame Linete.
A expressão de assombro que eu tanto temi ver em seu rosto é evidente. Imagino o que esse nome deve significar para ele, as lembranças que ele evoca. Não sei se ele conseguirá superar isso, estar comigo sabendo quem eu sou, mas eu não poderia esconder esse fato dele.
— Nasci naquele lugar, não era levada para lá como as outras crianças. — Sinto uma lágrima escorrer. — Não era filha de uma prostituta qualquer, mas sim da cafetina, da mulher que obrigava meninas e meninos de rua a se prostituírem em troca de abrigo e comida.
Kostas está paralisado, seu olhar perdido. Eu soluço, sem saber o que esperar dele.
— Eu dormia na mesma cama onde orgias eram feitas, brincava de casinha no salão onde eram servidas bebidas e drogas, tomava banho no mesmo banheiro onde as garotas recebiam clientes para um boquete rápido. — Fecho os olhos. — Você ia lá; eu vivia lá.
— Eu comprei aquele sobrado. — Arregalo os olhos com a confissão. — Quando ela foi presa e a casa desapropriada por causa da plantação de maconha e das outras drogas armazenas nela, eu a comprei no leilão.
— Por quê? — inquiro em um fio de voz, sem entender o motivo que o levou a fazer isso. — Era o local onde você passou por todos os seus traumas. Não faz sentido.
Ele se levanta, anda de um lado para o outro. Se tivesse acesso a algum cigarro, tenho certeza de que o estaria fumando neste momento. A tensão em seu corpo é visível, o nervosismo, perceptível em cada músculo que treme sob sua pele.
— Eu queria vê-lo acabando lentamente — sua voz soa fria e cheia de ressentimento. — Não queria que ali fosse construída qualquer outra coisa ou mesmo que utilizassem aquele maldito imóvel.
Choro ao notar quão profundas são as marcas deixadas nele.
— Eu teria tentado transformar toda aquela feiura em algo bonito e positivo...
— Eu não sou você! — ele me corta, mas então bufa e respira fundo para se acalmar. — Perdoe-me, é que tudo isso mexe comigo de um jeito...
— Eu entendo.
Ele nega.
— Não, ainda bem que você saiu de lá antes que qualquer coisa mais grave lhe acontecesse. — Ele me olha cheio de dor. — Eu não suportaria saber que você passou pelo mesmo que aquelas outras garotas.
— Graças a você! — Vou até ele e o abraço, mesmo o sentindo tenso. — Você me livrou dela! — Soluço, pensando no erro que cometi mais tarde. — Por sua causa tive pais incríveis, uma família amorosa, uma infância feliz!
Kostas deposita um beijo no alto da minha cabeça.
— Ela não era uma boa pessoa, Wilka. Fazer o que fazia contigo todas as noites, torturando você naquele armário... Ainda bem que se afastou dela.
Afasto-me dele, sentindo-me ingrata por ter feito o que fiz.
— Eu a procurei depois que meus pais adotivos faleceram. Não deveria, eu sei, ela sempre me disse que meu nascimento foi sua maldição, por isso nunca foi uma data feliz para mim. — Kostas parece não acreditar no que acabei de dizer, que mesmo depois disso tudo eu tenha ido atrás dela. Então, tento me justificar: — Eu me sentia sozinha, perdida, achei que os anos pudessem tê-la modificado e...
— Pau que nasce torto, Wilka Maria. — Ele ri, debochado, frio. — Você foi ingênua ao acreditar que ela pudesse ter mudado.
— Eu fui — admito. — Ela me enganou no começo, mas, assim que soube que eu havia entrado na Karamanlis, começou a se mostrar.
Ele paralisa, caminha até onde estou e me segura pelos ombros.
— Era ela, não era? Nas ligações, o dinheiro que você pegou emprestado no banco? — Assinto e choro. — Por quê?
— Porque ela está foragida. Eu não sabia. Achei que tivesse cumprido sua pena e saído, mas não, está há anos fugida da justiça e me ameaçou com isso, disse que, se fosse pega, me colocaria como cúmplice, afinal não temos mais nenhuma ligação que comprove nosso parentesco. — Soluço, sentindo-me idiota, crédula, enganada. — Ela ameaçou o mínimo de estabilidade que eu tinha conquistado, minha carreira, e depois, quando me viu contigo, ainda me torturou dizendo que iria lhe contar quem eu era e de onde vim.
Kostas me puxa para seus braços, apertando-me como se pudesse me proteger de toda a dor com seu próprio corpo. Eu sei que fui ingênua, que nunca deveria ter procurado por ela, me deixado acreditar em suas mentiras, não depois de tudo o que me fez quando eu era uma menina indefesa.
Os “pedidos de ajuda” continham uma ameaça velada, mas a coisa ficou feia mesmo quando assumi a gerência e, de alguma forma, ela soube disso. Então tudo ficou às claras: ou eu entregava dinheiro a ela, ou ela armaria um escândalo na Karamanlis, chamando a atenção da polícia para minha existência, colocando-me como cúmplice de seus golpes e trapaças.
Eu tive medo, não confiei em ninguém, apenas quando precisei da Malu para conseguir o empréstimo é que contei a ela parte do que havia acontecido. Sinto-me culpada, suja e com medo.
— Eu vou achá-la e fazer com que volte para o lugar de onde nunca deveria ter saído, Wilka. — Ele me encara. Vejo a obstinação e a sede de justiça brilharem em seus olhos. — Ela nunca mais irá se aproximar de você, nunca mais irá feri-la ou ameaçá-la novamente.
— Eu deveria ter confiado em você, mas... eu tinha medo e vergonha.
— Eu sei, conheço esses sentimentos, sei o que é se sentir culpado mesmo sendo vítima. Isso não vai mais acontecer, eu prometo!
— Eu amo você, Konstantinos.
— E eu a você, Wilka Maria, minha Caprica, minha pimentinha. — Beija minha testa e seca meu rosto. — De agora em diante, vamos tentar ser felizes. Encontramos um ao outro; nada mais irá nos separar.
Abraço-o forte, e ele me pega no colo, levando-me para a cama cheio de carinho e cuidados.
Abro os olhos e logo estendo o braço para o outro lado da cama, conferindo se tudo o que aconteceu na noite passada foi real. Toco um corpo quente, sólido e grande e me viro já com um sorriso nos lábios, feliz por tê-lo aqui comigo.
Kostas já está acordado, seus olhos azuis iluminados pelos raios do sol que entram por minha janela. Ele sorri, seus dentes aparecendo, as pequenas rugas em volta de seus olhos, os cabelos escuros bagunçados.
Lindo!
— Sinto-me privilegiada por acordar com essa vista todos os dias!
Ele sorri ainda mais e me beija.
— Todos os dias! — Cheira meus cabelos. — Mas o privilegiado sou eu.
Rolo para cima dele, notando-o já excitado, adorando a sensação de voltar ao sexo matinal, algo que eu descobri que adoro.
— A vista daqui é ainda melhor! — provoco-o, rebolando sobre seu membro duro. — Quero comer você!
Ele ri e então levanta o braço que estava na beirada da cama.
— Eu também! — Ri, safado.
Arregalo os olhos ao ver um dos meus vibradores em sua mão.
— Estava mexendo nas minhas coisas?
Ele dá de ombros.
— Fiquei aqui com muito tempo livre, então explorei um pouco. — Ele puxa a gaveta do meu criado-mudo, e vejo todos os meus brinquedos espalhados dentro dela, bem como seus ovos masturbadores. — Quero ver como você usa isso.
— Tem que ligar na tomada! — Ele aciona o botão, e percebo que já estava plugado na energia. — Acordou antes e já se preparou para isso? Que safado!
Kostas ri e esfrega o vibrador nos meus seios, fazendo-me gemer alto e minha intimidade molhar seu pau.
— Quero foder sua bunda e te ver gozar com ele em seu clitóris — sua voz é rouca, sexy e perigosa. Rio nervosa, mas assinto. — Mas antes...
Ele se ajeita, segura-me pelos quadris e entra torturantemente devagar em minha boceta molhada. Minha pele inteira se arrepia com o contato em minha vagina sensível pelo uso constante que estamos fazendo dela desde a noite de ontem.
Kostas se senta, arrasta-se para a beirada da cama de modo a ficar com os pés no chão e me impele a rebolar em seu colo, segurando minha cintura com força enquanto morde, arranha e lambe meu pescoço.
— É foda como você me faz delirar de prazer... — comenta ofegante — como nosso encaixe é perfeito mesmo você sendo miúda e eu todo grande.
Jogo meu corpo para trás, apoio as mãos em seus joelhos e acelero os movimentos. Ele também se agita, vindo de encontro ao meu corpo, fazendo cada estocada ser mais potente que a outra.
— Isso, Pimentinha, rebola gostoso! — geme desesperado, mordiscando meus mamilos, puxando meus cabelos para trás. — Me come todo, goza em mim, marca-me como seu! Eu sou seu!
O jeito que ele diz isso me excita de tal forma que meu corpo reage instantaneamente às palavras, e o orgasmo vem em ondas fortes e incontroláveis de prazer, sacudindo meu corpo a ponto de eu ter que me agarrar a Kostas para não cair.
Konstantinos se levanta. Eu ainda tremo em seu colo quando me deita de costas na cama, segura minhas pernas para o alto, bem abertas, mete um pouco mais e sai.
Acompanho-o pegar lubrificante na gaveta e besuntar seu pau com ele. Busco o vibrador na cama, onde ele o deixou ainda ligado, e o seguro junto ao meu corpo.
Kostas se abaixa, cheira meu ventre lentamente, seguindo em direção ao clitóris duro e sensível. Lambe-o devagar, concentrado, tomando tempo na área, levando-me à loucura antes de brincar com meus lábios íntimos e minha boceta e, por fim, penetrar meu ânus com sua língua comprida e tensa.
Contorço-me na cama, agarro os lençóis ainda bagunçados, o vibrador entre meus seios e a língua dele dentro de mim.
— Kostas, por favor, vem! — imploro, meu corpo agitado, a vontade louca de tê-lo todo dentro de mim e poder gozar com seus movimentos na minha bunda. — Vem agora!
Ele não me espera suplicar mais uma vez, posiciona-se, brinca com a cabeça de seu pau nas minhas pregas e então força a entrada devagar, gemendo, fazendo-me sentir centímetro por centímetro de seu pênis alargando-me, excitando-me, dolorosamente delicioso.
Pego o vibrador e o encosto no meu clitóris. Chego a levantar da cama com as sensações juntas. As estimulações que recebo me enlouquecem. Fecho os olhos e me deixo ser levada.
— Você... é... — ele se movimenta forte dentro de mim — muito gostosa!
Sou sacudida por suas estocadas firmes. Seus quadris se movimentam para frente e para trás enquanto suas mãos mantêm minhas pernas suspensas. Kostas lambe e chupa o dedão do meu pé esquerdo, gemendo, mordendo, desesperado de tesão.
Meu coração dispara, meus músculos se contraem, a respiração fica forte, o orgasmo está perto demais.
— Eu vou... — não tenho tempo de avisar, e gozo em gritos desesperados, ouvindo-o urrar como um animal no cio ao mesmo tempo. Solto o vibrador, trêmula, buscando ar com desespero, meu corpo mole, a cabeça dando voltas como se eu tivesse subido até a estratosfera e caído de volta na Terra.
— O que foi isso? — faço a pergunta retórica e escuto suas risadas.
Não o vejo, ele parece ter desmoronado no chão do quarto. Não consigo me mover também, abandonada, braços e pernas abertos no colchão da cama.
— Se continuarmos assim, morro antes de completar 40 anos! — ele declara, ofegante, mas cheio de satisfação. — Pelo menos morro feliz!
— Cala a boca! — Rio. — Ninguém vai morrer, ainda vamos estar velhinhos e fazendo estripulias iguais aos vovôs e vovós lá da casa de repouso.
— Ah, sim, vovós mão de alicate! — Ele aparece sobre mim, suado, mas com um enorme sorriso e olhos brilhantes. — Você tem que defender minha honra, senão nunca mais volto lá com você.
Gargalho.
— Deixe as vovozinhas serem feliz, você é grande, dá para todas.
Ele me abraça na cama, beijando meus ombros.
— Vou tomar um banho, tenho um compromisso daqui a pouco. — Levanta-se. — Vai para a Karamanlis hoje?
Ergo-me levemente do colchão para ver sua bunda gostosa e sarada.
— Vou depois do almoço, preciso ajeitar minhas coisas, pois ontem fui direto para lá, além disso, quero pegar o Kaká na Verinha.
Ele me pega em flagrante admirando seu traseiro e pisca para mim, bem safado.
— Vou cozinhar para você à noite — declara, e eu abro um sorriso satisfeito e cheio de fome. Adoro quando ele cozinha!
— Algum motivo especial? — provoco-o.
— Uma surpresa — Kostas fala sério, e eu me sento na cama.
— Que tipo de surpresa? Ah, não faz isso comigo, não vou nem conseguir trabalhar hoje!
O filho da mãe ri, pega sua toalha e entra no banheiro.
— Kostas!
Paro o carro na frente do endereço que pesquisei há pouco na internet. Nunca tive nenhuma curiosidade sobre a vida pessoal do meu irmão além do que pudesse ser usado contra ele, porém, lembro-me bem de quando negociou esse escritório, com uma área impressionante, que hoje é uma galeria de arte.
A galeria de arte de Viviane Lamour.
Ontem, depois que descobri que havia grande chance de ter sido ela a causadora de toda a sabotagem ao nosso projeto na Karamanlis, conversei com Millos sobre o que era melhor fazer. Meu primo, sempre sensato, claro, aconselhou-me a ir com cuidado, pois eu não tenho nada mais do que suposições contra ela.
O que ele não sabe, no entanto, é que eu estudei muito bem essa cobra sorrateira para saber que, se a pressionar, revelará tudo, principalmente os nomes dos envolvidos nesse golpe baixo. Se a concorrência está achando que irá sair com a reputação ilesa depois do que fez, está redondamente enganada.
Desligo o motor do carro e fico um tempo observando o local. A galeria com o escritório dela fica em uma rua chique e elitista da cidade, num bairro nobre e famoso pelas galerias. Sua galeria não é dessas que ficam abertas com obras expostas à venda, funciona como um local para eventos e mostras dos artistas que ela descobre.
Aparentemente, não há nenhuma atividade no momento.
Ajeito-me no banco do motorista, e o perfume do sabonete de Wilka exala de meu corpo. Sorrio, lembrando a manhã magnífica que tivemos juntos depois de uma noite de segredos revelados e muita foda.
Preciso confessar que me sinto mais leve depois de ter dividido com ela todas as minhas angústias e de entender os motivos dela para ter chegado a mim ainda virgem, além das ligações e do dinheiro suspeito.
Cerro o punho com força ao pensar em madame Linete. Wilka não merecia ser filha daquela mulher, tão louca quanto Nikkós. Senti alívio ao pensar que fiz bem a denunciando, mesmo sem saber que era sua filha que vivia no prostíbulo, porque ela não tinha escrúpulo nenhum e certamente leiloaria a virgindade da própria filha como fizera com a das outras meninas.
Nunca deixei que aquela mulher asquerosa encostasse um dedo sequer em mim. Mesmo no meu primeiro dia lá, quando Nikkós pagou pela minha iniciação, rejeitei o toque dela categoricamente, o que fez com que me odiasse ainda mais.
Sim, aquela mulher contribuiu e incentivou Nikkós em todas as suas loucuras, participou ativamente de todas as humilhações que sofri, e até a ideia do defloramento da garota que precisava de ajuda foi dela.
Eu a odeio tanto quanto ao meu pai, porém, pensava que estava esquecida, trancafiada em uma cela.
Mas em breve ela estará!, penso, lembrando-me da conversa que tive com o detetive assim que saí do apartamento de Wilka. Quero localizá-la e fazê-la pagar por tudo o que já fez, inclusive pela chantagem com a própria filha.
Filha! Até parece que um ser como aquele entende o conceito de família e proteção.
A família de Wilka, de hoje em diante, serei eu, por isso mesmo encomendei um belo anel que será entregue na Karamanlis ainda essa tarde para que eu possa pedi-la para ser minha no jantar dessa noite.
Sorrio novamente, o coração leve ao pensar na minha Pimentinha. Nunca pensei que me sentiria assim por alguém e me sinto bem por essa pessoa ser Wilka. Sinto que tenho muito a aprender com ela, mesmo que continue sendo o homem introspectivo, grosso e impaciente que sou. A escuridão que carrego dentro de mim se atenua ao seu lado.
Uma mulher alta, magra e bem-vestida chama minha atenção, vindo andando na calçada na direção do carro. Ela para em frente à galeria e mexe em sua bolsa sem deixar cair o café que segura.
Viviane abre a porta no exato momento em que eu salto do carro e vou rapidamente até ela, e, antes que consiga fechar o local, ponho meu pé no batente para impedi-la.
— Bom dia! — Sorrio frio.
— Kostas! — Ela grita e põe a mão no coração. — Uau, que susto! O que você faz aqui a essa hora da manhã?
— Precisava conversar contigo. Posso entrar?
Tento manter a calma, o tom neutro para não a assustar. No meu bolso, meu telefone grava toda nossa conversa. Mesmo eu sabendo que isso não tem valor como prova, poderei levar até a Karamanlis e pensar em uma retaliação contra a concorrente.
Eu só preciso dos nomes!
— Eu acabei de chegar e estou cheia de...
Não a deixo terminar, impondo minha presença, usando a força para entrar no salão vazio e fechar a porta.
— Eu não vou demorar. — Cruzo os braços sobre o peito, e ela suspira.
— Está certo. Vamos para o meu escritório. — Aponta para uma área mais alta, ao fundo do salão, com uma mesa e alguns quadros e objetos. — Daqui a pouco vou receber uns investidores, então o que quer que tenha para me dizer não pode demorar.
— Não vai.
Ela coloca o café em cima da mesa e acende as luzes.
— Fiquei sabendo que Theodoros voltou para a presidência da Karamanlis. Então você não conseguiu provar nada contra ele. — Ela me encara, seus olhos brilhando de raiva.
— Os documentos que você me entregou não foram suficientes — minto. — Mas ele ainda está correndo risco de sair da presidência.
Ela se senta e aponta para uma cadeira para que eu faça o mesmo, mas nego.
— O que poderia ser mais grave do que aquele dinheiro todo sem explicação no exterior?
— Perdemos uma área importante para a concorrência — introduzo o assunto, e ela se ajeita na cadeira. — Esse era o grande projeto da gestão dele, e nosso cliente está ameaçando nos deixar, o que vai abalar a confiança dos conselheiros em Theodoros.
Viviane sorri.
— É mesmo? Uau, que boa notícia! — Bebe um gole de seu café. — Bom, mas o que você quer de mim para ter vindo tão cedo me ver?
— Te parabenizar! — Ela ergue a sobrancelha. — Eu não poderia ter pensado em uma ideia tão boa quanto a que você teve.
Viviane fica pálida, mas logo refaz o sorriso frio.
— Eu não sei a que você se refere.
Rio, minha expressão entediada, a sobrancelha erguida.
— Quando fui trocar a camisa depois do banho de café que você me deu, lembra? — Ela abandona o copo descartável que estava levando aos lábios. — Se você tivesse compartilhado a ideia comigo, eu poderia entregar muito mais coisas!
Ela ri, cínica.
— O que você está querendo, afinal, Konstantinos? — Ergue-se. — Eu sei que você não usou os extratos, pelo contrário, falou a favor de Theodoros na reunião que decidiu seu futuro!
Ela tem um informante dentro da Karamanlis! Filha da puta!
— Não tive outra escolha, não sabia o que você pretendia, então tive que fazer papel de bom moço.
— Eu sabia que você ia se acovardar, por isso, quando vi a documentação sobre sua mesa, achei que pudesse ser útil em algum momento!
— E foram! — Rio. — Aposto que, além de tudo, conseguiu injetar uma boa grana aqui. — Olho em volta. — Aparentemente, não há novos artistas expondo, e, sem obras, sem comissão. Está com problemas de dinheiro, Viviane? Foi por isso que aceitou quando lhe ofereci, não foi?
— Sai daqui, Konstantinos! — sua voz sai trêmula.
Ela sobe para um mezanino, uma área parecendo uma sala de reuniões onde tem alguns móveis, acima de onde fica seu escritório. Sigo-a, disposto a fazer qualquer coisa para lhe arrancar uma confissão e o nome de quem comprou os documentos de que ela se apropriou.
— Quero o nome da pessoa que negociou contigo. — Ela ri, de costas para mim, e nega. — Faça seu preço, quero o nome...
— Augusto Angelini — a voz de Theodoros ecoa no salão vazio, e eu me viro para vê-lo. — Esse é o nome de um dos diretores da Dedalus que negociou com ela.
Viviane parece estar em choque ao ver Theodoros.
— Como você soube? — pergunto estupefato.
Theo sobe ao mezanino e a encara furioso.
— Eu consegui a informação, não me pergunte como. — Ele se aproxima de mim. — Entramos com uma representação contra ele. Procurei por você na empresa; como não achei, Murilo assumiu a questão. — Ele olha para Viviane Lamour. — Eu a avisei para que não se metesse mais comigo.
Ela parece acuada, intercala olhares entre mim e Theodoros a todo instante.
— Mandei emitir uma notificação para que você deixe o imóvel no prazo de 30 dias. — Theodoros controla sua raiva, noto por seus punhos travados e a postura tensa. — Além disso, já informei a todos os outros investidores que eu estou fora, então é certo que eles retirarão todos os seus investimentos também.
— Você não pode fazer isso comigo! — Viviane se desespera.
— Eu não sei qual era o seu propósito, nem como teve acesso a todo material que vendeu, mas vou descobrir e...
Ela começa a rir, interrompendo-o.
— Você ainda não sabe? — Aponta para mim. — Seu querido irmão aqui me perseguiu para que eu me unisse a ele contra você. — Theodoros me olha muito sério, e eu encaro seu olhar, reconhecendo minha culpa. — Como você acha que eu fiquei sabendo de Duda Hill e da menina doente?
Abaixo a cabeça ao ver a perplexidade nos olhos de Theodoros. Não posso negar o que fiz, mesmo que me arrependa muito de tudo isso.
— Você entregou para ela...
— Não! — sou rápido ao negar, olhando em seus olhos. — Viviane teve acesso a tudo isso quando foi ao meu apartamento me entregar extratos de uma conta sua não declarada no exterior.
— Que conta?! — Theo encara Viviane como se não a reconhecesse. — Eu não tenho conta alguma não declarada fora do país! — Ele xinga. — Você abusou da minha confiança e criou uma?!
Fecho os olhos e percebo o engodo que ela formou. Óbvio! Theodoros confiava cegamente em Viviane, deve ter deixado documentos e assinaturas digitais com ela, ou então ela somente inventou aquela história toda!
— Eu destruí todos os extratos — aviso-lhe. — Se é que eles eram reais!
Theodoros põe a mão na cabeça, vira de costas e desce os degraus, indo para longe de nós dois.
— Eu só te amava muito, e você sempre me menosprezou! — a voz chorosa dela faz com que eu me vire para olhá-la no exato instante em que levanta uma pistola na direção de meu irmão. — Você não pode ser feliz sem mim, Theo! — ela grita, e ele para, balançando a cabeça. — Se vai me destruir, vou destruir você também!
— Viviane, você está...
Theo começa a se virar para encará-la, e vejo o dedo dela se mover no gatilho.
Não penso duas vezes, apenas ajo, pulando à sua frente, interceptando, com meu próprio peito, o tiro que iria acertar meu irmão pelas costas. Sinto a dor aguda, uma mistura de soco com fogo que me faz cambalear para trás e me sinto despencar no ar.
Por um instante fico desnorteado, nauseado. Ouço o estrondo de vidro se quebrando e sinto minhas costas sendo retalhadas antes de chocar a cabeça contra algo.
Muita dor.
A imagem de Wilka dormindo, iluminada pelo sol, é a última coisa que vejo.
Escuridão.
Uma batida à porta tira minha atenção dos arquivos que estou lendo. Olho para o canto da tela do meu computador e me surpreendo com a hora, pois estou há quase três horas lendo sem parar.
Olho para a mesa de Kostas e estranho que ele ainda não tenha chegado, afinal, disse-me que ia resolver algo pela manhã, mas que depois estaria na empresa.
Sorrio ao pensar no jantar que ele vai fazer para mim e na surpresa que está preparando. Estou tentando não criar muitas expectativas, mas nada me tira da cabeça que ele tenciona fazer algum tipo de proposta mais permanente. Não sei se casamento combina muito com o jeito dele, mas não me importo com formalidade. É como diz o ditado: junto na fé, casado é!
Logo depois que ele saiu do meu apartamento, fui atrás do meu Kaká com a Verinha. Estava louca de saudades do meu bichinho, e ele de mim. O cãozinho pulou tanto, fez tanto xixi que tive que acalmá-lo pegando-o no colo.
— Ele ficou louco por causa do Kostas — Verinha me confidenciou. — O homem montou acampamento aí no seu apartamento, esperando por você, e cuidou do Kaká. — Ela sorriu. — Pela sua expressão de felicidade, acho que tudo acabou bem, enfim.
Abracei-a forte, agradecendo a amiga maravilhosa que ela era.
— Sim, resolvemos nossas questões e estamos felizes. — Beijei a cabeça do Kaká. — Creio que agora seremos uma família, nada mais irá nos afastar.
— Kika, que massa ouvir isso! — Verinha ficou verdadeiramente emocionada. — Vocês merecem ser felizes. Eu confesso que tinha muito abuso dele, mas depois de ver o quanto o bichinho sofreu esperando por você, passei a acreditar que ele te ama de verdade.
— Ele ama! — fiz questão de confirmar. — E eu a ele!
Fiquei o resto da manhã em casa com o Kaká, desfazendo minhas malas e recolocando as roupas de Kostas no meu armário. Falei do Pantanal para meu cãozinho, contei do lindo do Gael, meu afilhado, e de como eu estava feliz.
Cheguei à empresa radiante, sorriso aberto, cumprimentando e brincando com todos, louca para encontrar Konstantinos na nossa sala e provocá-lo um pouco antes da nossa noite.
Algo deve tê-lo atrasado em seu compromisso, ou ele está no jurídico resolvendo algum processo. Dou de ombros e volto a prestar atenção ao documento, mas novamente sou interrompida por outra batida na porta, mas sem a entrada da pessoa.
— Entra, por favor!
— Desculpa, Kika, mas é que tem um senhor procurando o doutor Konstantinos. — Carol aponta para o homem. — Eu bati aqui, mas lembrei que não o vi chegar, então fui até a diretoria jurídica, mas ele também não está. Ele precisa deixar uma encomenda, mas precisa que alguém assine o recibo.
Levanto-me e vou até eles.
— Pode deixar, que eu recebo e deixo aqui na mesa dele. — Sorrio para o homem engravatado que me estende uma prancheta cheia de folhas. — Pronto!
Ele confere minha assinatura, pede o número de um documento e o meu telefone, então me entrega a sacola de uma joalheria chique da cidade. Meu coração dispara, minhas mãos tremem ao pegar a encomenda. Vejo o entregador sair, mas não consigo me mover.
Sinto a fita de cetim que faz as alças da bolsa, olho o acabamento com papel acetinado preto e letras prata, ainda pasma com o que estou segurando. Tento não fantasiar um anel ou mesmo um par de alianças, mas não consigo. Se for qualquer outra joia, eu sei que ficarei um pouco decepcionada, mesmo adorando o presente.
— Uau! — Carol volta para perto de mim e comenta, lendo o nome da loja. — O que será que ele comprou? — Os olhos dela brilham. — E para quem será que é?
Balanço a cabeça, incapaz de falar qualquer coisa sem me denunciar, sem começar a rir como uma doida e a fazer alguma dancinha ridícula que não terei como explicar.
— Está bem, chefe, vou voltar ao trabalho. Desculpe a indiscrição, não precisa fazer essa cara para mim! — Carol sai apressada.
Começo a rir sozinha dentro da sala, imaginando que tipo de cara eu fiz para ela. Na verdade, eu estava apenas tentando não expressar toda minha alegria e empolgação.
Ponho a sacola em cima da mesa dele, mas não consigo deixar de olhar para ela e me questionar onde é que ele está, que não se encontrava aqui para receber a encomenda. Aposto que a intenção nunca foi que eu a recebesse.
Ouço um barulho, e logo a porta da sala se fecha. Olho na direção da entrada, mas, ao invés de Konstantinos, vejo Millos.
— Oi, doutor, boa tarde — cumprimento-o ainda tentando deixar de sorrir. — Posso ajudá-lo com algo?
— O Kostas... — ele começa a falar, mas então olha para o presente em cima da mesa.
Dou risadas, pois Millos sabe do nosso envolvimento.
— Ele ainda não voltou, e acabaram de entregar isso aqui. — Aponto. — É estranha a demora dele, pois disse que estaria de volta à empresa depois do almoço. — Pego o celular. — É urgente o que precisa tratar com ele ou dá para...
Paro de falar quando nos encaramos e eu percebo tristeza em seus olhos. Novamente Millos olha para o presente e parece ficar ainda mais desolado.
Um frio arrepia minha pele. Estremeço, o coração ficando apertado e disparado.
— O que houve? — pergunto baixinho.
Millos respira fundo.
— Eu preciso que você venha comigo. — Ele me estende a mão.
— Por quê? — Imediatamente penso na sabotagem à empresa e se, por algum motivo, eles decidiram me mandar embora. — O que aconteceu, Millos?
Ele não me olha, sua cabeça está baixa, mas sua mão continua estendida em minha direção.
— Houve um incidente, e Theo me ligou há pouco... — Faço careta, sem entender. — Nós descobrimos quem vendeu os documentos para a concorrência.
Arregalo os olhos, lembrando que Kostas havia me dito que a culpa foi dele.
— Theo e Kostas brigaram ou...
Millos nega.
— Kostas salvou a vida do Theo. — Congelo, e Millos finalmente me olha. — Eu te conto tudo no caminho, mas agora preciso que você venha.
Apoio-me na mesa, minhas pernas não conseguem mais me sustentar, e Millos corre em meu socorro. Como isso pode estar acontecendo? Há poucas horas, eu acordava com a visão dele deitado na cama ao meu lado, seus olhos azuis brilhantes de felicidade. Lembro-me das risadas, provocações e do sexo delicioso que fizemos.
Um tremor sacode meu corpo apenas com a perspectiva de que algo grave possa ter acontecido com ele e que isso possa significar que... Não, não quero pensar nisso! Lágrimas ardem nos meus olhos. Tenho medo de perguntar qualquer coisa que me fira, mas preciso entender o que está acontecendo.
— Como ele... — Soluço. — Como Kostas está?
— Em cirurgia — fecho os olhos assim que escuto isso. — Não tenho mais informações, precisamos ir.
A notícia me abala, o medo toma conta de mim, fazendo-me esmorecer a ponto de desmoronar. Não, não posso! Ele precisa de mim! Engulo as lágrimas, reunindo forças para ir com Millos. Pego minha bolsa, seco meu rosto e começo a andar atrás dele. Paro, olho para a sacola em cima da mesa, não me importando mais que não seja um anel ou uma aliança, apenas desejando que o homem que comprou o que está ali dentro volte para mim.
O percurso até o hospital pareceu durar uma eternidade. Millos me contou que a pessoa responsável por vazar os documentos da empresa foi Viviane Lamour, uma mulher que teve algum tipo de relação com Theodoros e que teve alguma ligação com Kostas.
Ele foi atrás dela em seu local de trabalho para pressioná-la, mas, de alguma forma, Theodoros conseguiu descobrir a pessoa da concorrência que comprou os documentos e assim também chegou ao nome de Viviane.
A mulher deve ter ficado acuada e tentou matar Theodoros, mas Konstantinos impediu que ela conseguisse balear seu irmão, porém, foi atingido.
— O tiro foi no peito — Millos informou. — Ele foi socorrido e chegou com vida ao hospital.
Senti meu coração apertar, imaginando a dor, o risco que ele correu pelo irmão. Isso me surpreende também, não esperava essa reação e, mesmo em meio ao medo de perdê-lo, sinto orgulho pelo que fez. Kostas nunca odiou Theodoros, era apenas um homem ferido, um menino que se sentiu abandonado, mas sua história, tudo o que passou para tentar proteger seus irmãos mais novos só comprova o quanto ele os amava.
— Ele não vai desistir tão fácil de viver! — falei comigo mesma. — Não agora, não depois de tudo o que passou! — Olhei para Millos, que dirigia. — Não é justo!
— Não é!
A primeira pessoa que encontramos no hospital foi Theodoros, com a roupa suja de sangue, mas aparentemente bem. Os dois homens se olharam, mas não falaram nada, nem se tocaram. Millos interceptou um enfermeiro e pediu informações sobre o primo, e Theo se aproximou de mim.
— Ele vai sair dessa, tenha certeza! — consolou-me.
Funguei, tentando conter o pranto e o medo, e balancei a cabeça positivamente.
— A cirurgia está acabando! — Millos voltou com a notícia.
— Ele está há mais de quatro horas lá dentro.
Fechei os olhos e chorei, recebendo o abraço de Theodoros.
— Diz para mim que ele vai ficar bem, por favor! — implorei em seus braços. — Eu não posso perdê-lo!
— Ele vai ficar bem, Kika! — a voz de Theo tremeu. — Kostas é um filho da mãe, só está nos pregando um susto, mas logo estará conosco com aquela cara debochada de sempre.
Depois disso, só tenho flashes de memória.
Kyra e Alexios chegaram correndo, agitaram o hospital, pois Kostas tinha acabado de sair do centro cirúrgico e ido para a UTI. Eu o vi rapidamente, de longe, todo entubado, a cabeça raspada no lado direito, muitos curativos pelo corpo. Conversei com o doutor, e ele me informou que conseguiram extrair o projétil, que por sorte não atingira nenhum órgão vital, passando a centímetros do coração.
O problema todo foi o tombo. O tiro o jogou para trás, e ele caiu de uma altura considerável em cima da mesa de vidro do escritório de Viviane, por isso também as escoriações pelo corpo. Estava com um edema no cérebro, e os médicos decidiram mantê-lo em coma induzido até que o inchaço diminuísse.
— Kika. — Olho para o lado, deixando os pensamentos daquele dia tão triste para trás e vejo Alexios. — Vá para casa descansar um pouco, você está há dias aqui no hospital.
Nego.
— Quero estar aqui quando ele acordar.
Ele suspira e se senta ao meu lado, sem insistir na ideia de eu ficar longe. Não vou sair daqui enquanto não tiver boas notícias, enquanto ele não se recuperar.
Alexios pega minha mão e a aperta, consolando-me. Não está sendo fácil, o edema cresceu, os médicos temem que ele fique com algum tipo de sequela ou que simplesmente não acorde mais. Eu não acredito nisso, tenho convicção de que Konstantinos vai se recuperar e voltar para mim do mesmo jeito que era.
Um barulho na entrada da sala que ocupamos chama nossa atenção, e a mão de Alex aperta a minha um pouco mais forte do que estava fazendo antes.
Um homem alto, moreno, um pouco fora do peso e com os cabelos grisalhos nos olha, principalmente a mim. Atrás dele um outro aparece, bem mais velho, usando uma bengala e óculos escuros.
— Quem são? — sussurro a pergunta para Alex, mesmo já desconfiando pela semelhança física.
— Nikkós e Geórgios Karamanlis — sua voz é carregada de desprezo, e eu sinto o corpo gelar por causa da presença deles aqui.
Cochilo, a cabeça dá um tranco quando escapa da mão, e pulo na poltrona, olhando para todos os lados, nervosa por ter saído do ar por alguns instantes. Não tem ninguém na sala e estranho isso, pois há semanas este lugar vive cheio de gente entrando e saindo, querendo saber como Kostas está.
Suspiro. Já tem mais de um mês que ele está internado. Olho para a cama à minha frente, para o homem que tanto amo deitado imóvel sobre ela, e sinto meu coração se apertar de dor.
Ele não está mais entubado, consegue respirar sozinho, as escoriações que sofreu já estão todas cicatrizadas, bem como o local do tiro, já sem pontos, seco e se curando. Tudo está indo perfeitamente bem, só que ele ainda não acordou.
Não perco a esperança de jeito algum de ver novamente seus lindos olhos azuis, ser tocada por ele, ouvir sua voz. Eu não vou perdê-lo, vou esperá-lo nem que para isso fique o tempo que for preciso sentada aqui nesta poltrona, entre cochilos e lágrimas silenciosas.
Aproximo-me da cama – faço isso de tempos em tempos – e toco seu rosto.
— Oi! Estava ali sentada. Não tem ninguém mais aqui no quarto, e resolvi aproveitar esse raro momento a sós para te dizer que sinto falta do seu corpo junto ao meu, de acordar de manhã com a visão do seu sorriso, subir em você e gozarmos juntos antes de um dia de trabalho. — Beijo a ponta do seu nariz. — Sei que você precisa desse tempo para se restabelecer, mas eu sinto saudades, então, se puder acelerar o processo aí, agradeço. — Abaixo-me e falo em seu ouvido: — Sigo te esperando aqui, cheia de tesão.
Ouço um pigarrear e olho para trás, para a mulher alta, loira e com enormes olhos castanhos. Suspiro resignada com a presença dela aqui conosco, contrariada, é verdade, mas sem poder fazer nada para impedi-la de estar perto dele.
Eu queria! Queria muito livrá-lo da presença tóxica dessa mulher, mas infelizmente oficialmente não sou ninguém em sua vida, e ela é sua mãe.
Volto a me sentar na poltrona, tomando conta de cada movimento de Elizabeth Abbot. Sinto um ranço tão grande dela que chego a crispar as mãos toda vez que se aproxima e toca em Konstantinos.
Ela chegou ao hospital há uma semana, vindo direto dos Estados Unidos, mais precisamente de Bethesda, onde mora e trabalha na área de pesquisa para um enorme laboratório farmacêutico de propriedade da família do seu atual marido.
Chegou de surpresa, e, confesso a vocês, fiquei aliviada, pois sua presença significou o afastamento do insuportável, odioso, nojento Nikólaos. Eu simplesmente não consigo olhar para aquele homem e não me indignar com tudo o que ele fez Konstantinos passar na adolescência. Não dá!
Quando ele chegou, eu nada pude fazer ou falar, pois veio acompanhado pelo pai, o grego Geórgios Karamanlis, o homem que fundou a empresa em que eu tanto me orgulho de trabalhar. O velho não é fácil, percebi logo que o vi, chegou dando ordens, exigiu conversar com a junta médica que acompanha o quadro de Kostas e quis saber o que tinha acontecido à mulher que o alvejara.
Theodoros, por sorte, conseguiu acalmá-lo um pouco, pois eu fui deixada sozinha com ele, uma vez que Alexios simplesmente abandonou o hospital sem ao menos cumprimentar seus dois parentes que haviam chegado da Grécia.
Nikkós se manteve sempre distante dos filhos, só o vi se aproximar de Kyra, mas a mulher lhe deu uma olhada tão feia e tão cheia de avisos que ele logo recuou e a deixou em paz também. Geórgios, por sua vez, babava na neta caçula, reclamava que ela não lhe dava atenção e era visível que a adorava.
Millos apareceu também todos os dias para ter notícia do primo e, em uma dessas visitas, veio acompanhado de Duda Hill, o que me surpreendeu.
— Oi! — ela me cumprimentou. — Você é a Kika, não é? A que deu a máscara de beijinhos para minha filha.
— Sou eu! — cumprimentei-a, e ela se sentou ao meu lado na sala de espera, pois Kostas ainda estava na UTI. — Eu sinto muito tudo isso que aconteceu. — Ela pegou minha mão. — Ele vai sair dessa, pode ter certeza!
— Obrigada! — agradeci sem jeito, pois sabia que ela e Kostas não tinham se conhecido da melhor maneira e nem no melhor momento.
— Tessa queria vir, mas ainda não pode estar exposta em um hospital como esse. — Concordei com ela. — Mas ela ora todas as noites pelo Tim. — Duda riu. — Foi assim que ele se apresentou para ela, e eu só soube que o tão falado Tim era na verdade Konstantinos Karamanlis quando Theodoros me contou que esse era o apelido de infância de Kostas.
— Eu soube que ele foi vê-la. — Sorri.
— Foi e lhe deu um bichinho de pelúcia que Tessa não solta por nada. — Duda abaixou a cabeça, e percebi que estava emocionada. — Eu não gostava dele, sabe? Por tudo o que ele fez para o Theo, por não ter se importado com o que nós passamos com Tessa, mas então percebi que o julguei muito depressa. — Secou o rosto com as mãos. — Eu quero ter a oportunidade de agradecê-lo por salvar Theodoros daquela louca.
— Você vai! — disse com convicção. — E Tessa poderá rever seu amigo Tim, eu tenho certeza.
— Sim! — Duda apertou minha mão. — Eu também!
Ficamos juntas por alguns momentos mais enquanto Theo e o avô visitavam Kostas. Eles me apresentaram ao patriarca da família como sendo namorada de Konstantinos. Fiquei sem jeito, porque nunca expusemos isso aos familiares dele ou mesmo no ambiente de trabalho. A única vez que Kostas usou essa expressão foi quando se apresentou ao Vinícius, mas nunca realmente falamos sobre isso.
O grego idoso foi educado comigo, mas superficial, não me deu muita conversa, mesmo porque falava pouco o português. Já Nikkós teve a cara de pau de se sentar ao meu lado e puxar assunto sobre nossa vida juntos – minha e de seu filho –, levantando questões sobre se estávamos morando juntos ou se era somente um envolvimento passageiro.
Todavia, nada poderia ter me irritado mais do que o dia em que o médico anunciou que tentariam tirá-lo do respirador para ver se Kostas já podia manter a respiração sozinho.
— Caso não consiga, significa que o dano foi muito sério e que não se recuperará? — Nikkós perguntou.
Eu o encarei, furiosa por conta da pergunta ridícula e fora de hora que estava fazendo. Precisávamos torcer para que ele conseguisse, seria um progresso, mas o homem parecia querer que o filho morresse de vez.
Descobri o motivo de sua ansiedade para vê-lo piorar quando Elizabeth Abbot chegou ao hospital. Konstantinos já estava no quarto, sem os aparelhos, apenas com as sondas, ainda em coma. Era bem cedo, o senhor Karamanlis estava aqui visitando o neto, e Nikkós o acompanhava, quando ela entrou e o deixou branco como cera.
Fiquei impressionada com sua beleza e elegância, uma mulher de 55 anos que parecia não ter mais que 35, bem-cuidada, pele perfeita, corpo escultural e incrivelmente bem-vestida. Ela cumprimentou a todos em inglês, inclusive beijou a mão do velho senhor Karamanlis antes de se aproximar do ex-marido.
A conversa entre eles foi sussurrada e tensa, toda em inglês. A mulher, que não via o filho havia mais de 20 anos, só jogou um olhar de esguelha para a cama e saiu com Nikkós do quarto.
— É hora de os abutres confabularem — o avô de Kostas comentou com seu forte sotaque. Franzi a testa, sem entender, e ele me explicou: — Gordon Abbot deixou a maioria de seus bens para ele. — Apontou para o neto. — O velho inglês nunca esteve satisfeito por ter que criar um neto de uma relação relâmpago da filha, mas preferiu deixar seus bens para um herdeiro homem.
Arregalei os olhos.
— Eles estão discutindo por causa da herança dele? — indaguei indignada.
Geórgios Karamanlis deu de ombros.
— Entre outras coisas. Mas não se preocupe, meu neto não é bobo, deve ter feito um testamento muito bem amarrado para que nenhum dos dois veja um só tostão desse dinheiro.
Eu não ligava a mínima para o dinheiro ou o testamento, só me incomodava ao extremo que eles estivessem pensando na morte do próprio filho! Era cruel demais, Konstantinos não merecia isso!
— Ei! — Elizabeth Abbot me chama, seu sotaque horrível despertando-me das lembranças dessas últimas semanas. — Eu preciso de água.
Ela faz um gesto com a mão indicando que está com sede. Rolo os olhos e vou até o frigobar para pegar água para a lady e, no caminho, vejo Theodoros entrar como uma bala no quarto.
— Você está querendo levá-lo para os Estados Unidos?! Está louca? — ele grita em inglês, e, em seguida, Alexios, Millos e Kyra entram no quarto. Fico paralisada, as mãos tremendo. Começo a suar frio e olho para a mulher que age como se nada estivesse acontecendo aqui, a expressão fria como uma geleira da Antártica.
— Como assim levá-lo para... — não termino de perguntar, pois Alexios e Kyra correm em minha direção e ele me segura antes que eu caia no chão. Tento recuperar meus sentidos e questionar o que está acontecendo, mas me sinto fraca, tonta e muito enjoada.
Estou há mais de um mês neste hospital, sem sair desde o dia em que cheguei aqui apavorada com a notícia de que Kostas estava em cirurgia. Verinha me traz roupas e notícias do Kaká, e eu como aqui quando tenho fome, e espero que ele acorde.
— Kika, você me escuta? — Alexios me chama, mas não consigo responder, ainda com os sentidos inebriados. — O médico já está vindo! Ela deve estar exausta, Kyra!
— Nós deveríamos tê-la convencido a ir para casa descansar, a obrigado se necessário!
— Eu estou bem! — sussurro e tento me levantar. — Só um pouco tonta.
— Fique deitada aqui, Kika, o médico já está chegando.
Penso no que acabei de ouvir sobre a mãe de Kostas querer levá-lo para os Estados Unidos e choro ainda de olhos fechados.
— Ela pode levá-lo?
Tenho tanto medo disso que soluço apenas com a possibilidade de ele ser levado para longe de mim, ainda mais por essa mulher que nunca o quis, nunca o amou.
— Nós não vamos deixar — Millos garante. — Ah, o médico.
O doutor fala comigo, mas respondo tudo automaticamente, sem prestar atenção a nada, a cabeça preocupada demais pela possibilidade de Elizabeth Abbot conseguir levar Konstantinos com ela, afinal, é a mãe dele.
— Você precisa comer e se hidratar direito. — O médico me aconselha. — Vou pedir que venham colher seu sangue para exames. Você tem dormido?
— Sim...
— Não, ela não saiu daqui desde que meu irmão deu entrada. — Olho para Kyra e balanço a cabeça, mas ela me ignora. — Não faz as refeições corretamente, não dorme direito, é claro que está estafada.
— Eu estou bem! — Tento me levantar, mas eles me impedem. — Ela vai levá-lo para...
— Kika, ela nem está aqui mais!
— E não vai levá-lo a lugar algum, eu te garanto! — Theodoros fala. — Mas você precisa ficar bem para quando ele acordar, tem que se cuidar.
— Quando foi sua última menstruação? — o médico questiona.
Olho-o tentando lembrar, mas não consigo. Eu estava tomando injeção, mas aí viajei para o Pantanal e não tomei mais, menstruei lá. Isso, foi lá a última vez!
— Há cerca de um mês e meio — respondo.
O médico anota a informação.
— Pode ser só um atraso por conta do estresse, isso é bem comum, mas, de qualquer forma, vou incluir um beta HCG.
Arregalo os olhos, percebendo o que ele está pensando, e todas as vezes que Konstantinos e eu fizemos sexo quando reatamos vêm à minha memória. Nós não usamos proteção nenhuma das vezes!
— Eu posso estar... — olho para os três homens Karamanlis atrás do médico e diminuo o tom da voz — grávida?
O médico sorri.
— Há possibilidade de que isso tenha acontecido? — Assinto. — Então, sim, vamos fazer o exame.
Ele se levanta, vejo um sorriso aparecendo em seu rosto, mas tenta ocultar. Diz aos Karamanlis que estou bem e sai do quarto, deixando-me com a cabeça cheia de dúvidas e uma enorme esperança de que isso tenha acontecido. Involuntariamente ponho a mão sobre a barriga e olho para o lado, para a cama onde Konstantinos está.
Um filho!
— Kika, você está bem? — Alexios ajuda-me a sentar no sofá. — Não quer que eu a leve para casa?
Nego e vejo um enfermeiro entrar para colher meu sangue.
— Em quanto tempo sai o resultado do exame de gravidez? — pergunto baixinho, mas Alex escuta e me olha surpreso.
— Daqui a meia hora te trago o resultado. — Ele recolhe tudo e sai.
Kyra, Millos e Theodoros estão em um canto do quarto conversando, provavelmente sobre a ideia maluca de Elizabeth Abbot querer levar Kostas para os Estados Unidos, mas Alex continua sentado ao meu lado, perplexo.
— Isso é possível? — ele indaga sem me olhar.
— Sim — respondo sem jeito e novamente ponho a mão sobre meu ventre. — Eu sinto que aconteceu, sabe?
Ele sorri e pega minha outra mão.
— Vou esperar o resultado com você, posso?
Fito-o, os olhos cheios de lágrimas, e concordo. Minha vontade é de ir até aquela cama e contar ao Kostas que ele será pai, que ele precisa acordar e me ajudar nessa empreitada, porque certamente será o maior e mais difícil projeto que já tive: criar um filho.
Penso em Gael, meu afilhado que acabou de nascer, e na emoção que foi tê-lo em meus braços. Toda a dúvida que tinha se dissipa. Eu sinto que tem uma vida crescendo dentro de mim, tenho certeza disso.
Sorrio.
Theodoros, Millos e Kyra se despedem, mas Alex informa que ficará comigo por mais um tempo e os acompanha para fora do quarto, provavelmente para lhes contar sobre a possibilidade de eu estar grávida.
Levanto-me, vou até Konstantinos, sento-me na beirada da cama, pego sua mão e a coloco sobre minha barriga.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Sorrio, lágrimas rolando pelo rosto. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Seguro o soluço e fecho os olhos. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Aperto sua mão mais forte. — Volte para mim, por favor.
Sinto meu ventre se agitar, mas penso que é por conta da emoção desse momento, desse meu desabafo desesperado, porém, novamente algo se move em minha barriga, e eu abro os olhos.
Meu sorriso é instantâneo quando encaro os olhos azuis mais lindos deste mundo me fitando, piscando, tentando focar, incomodados pela luz. Começo a rir, mesmo chorando, e o som da minha risada ecoa pelo quarto, fazendo os Karamanlis entrarem correndo para saber o que está acontecendo.
— Kika, está... — Theodoros não termina a pergunta, paralisado, olhando para o irmão acordado. Ele desaba, aproxima-se de mim chorando e sorrindo ao mesmo tempo, segura meu ombro e toca o braço de Kostas.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Há uma fumaça densa que me impede de ver qualquer coisa, mas me faz sentir frio. Sinto-me nu, mesmo estando vestido, perdido sem saber onde estou, sem encontrar o caminho para sair daqui e voltar para casa.
Wilka, ela é minha casa, preciso voltar para ela!
Olho para todos os lados, a escuridão e a fumaça não me deixam enxergar nada, e isso me mantém parado no mesmo lugar. Tento falar, mas da minha garganta não sai nada.
— Eu estou aqui... — a voz dela ecoa, mas não sei exatamente de onde o som vem.
— Eu preciso ter a chance de te pedir perdão... — agora escuto Theodoros, mas ainda não vejo nada.
O silêncio volta. Sinto-me cansado, deito-me no chão e durmo.
— Você sempre foi forte, vai sair dessa!
— Ela não sai daqui, é de dar pena vê-la dormindo sentada nesse sofá.
Os sons voltam a me acordar novamente. Tenho a esperança de conseguir me mover hoje, enxergar algo ou mesmo descobrir de onde vêm essas vozes, mas novamente só há escuridão e fumaça.
Wilka odeia o escuro; ainda bem que não está aqui!
— Mas ele não deixou nenhuma manifestação de vontade caso isso lhe acontecesse? Eu duvido que, orgulhoso como era, ele iria querer ficar sendo cuidado, usando fraldas, deitado para sempre em uma cama! — a voz de Nikkós me faz estremecer, aumenta o frio, e eu me encolho, abraçando meu próprio corpo, sentindo medo. Não quero que ele se aproxime, não quero ficar aqui sozinho com ele!
— Eu te amo, ouviu? Nem tente me deixar, porque eu vou atrás de você aonde for!
Paro de tremer, levanto-me e começo a procurar. Sorrio por conseguir andar de um lado para o outro, mesmo que ainda não veja nenhuma saída. Eu sinto o amor dela, ele me aquece, dissipa a neblina e clareia mais o ambiente.
Dormi de novo! Por quanto tempo? Escuto uma voz ao longe, mas dessa vez consigo saber de onde vem! Caminho em sua direção, e ela vai ficando cada vez mais nítida.
Paro, sinto algo perto de mim, um calor em minha orelha que me deixa arrepiado de prazer.
— Sigo te esperando cheia de tesão!
Sorrio e começo a correr na direção da voz. O caminho fica cada vez mais nítido, mais quente, mais claro. Vou conseguir sair daqui, vou conseguir alcançá-la, vê-la novamente e...
Dou de cara com uma porta. Procuro a maçaneta; não acho. Bato, tento gritar; não consigo. Então bato e bato e bato desesperadamente.
— Nós não vamos deixar você levá-lo para longe!
Longe? Não, estou me aproximando agora, não quero ir para longe. Não posso, ela me espera, sempre me esperou, preciso voltar, preciso achá-la!
— Kika, você está bem?
Paraliso, sinto meu corpo tremer com a pergunta. Não sei o que houve, mas sinto angústia e medo. Começo a chutar a porta.
— Devíamos tê-la convencido a descansar!
Chuto e soco ao mesmo tempo, o coração disparado, a vontade de alcançá-la. Choro, quero implorar para que abram, para que me deixem sair, mas não consigo, apenas sigo atacando a porta no firme propósito de derrubá-la.
— Eu estou esperando o resultado oficial ainda, mas no meu coração já tenho certeza. — Paro de socar a porta, sentindo uma emoção diferente tomar conta de mim. — Eu estou grávida, nós fizemos um bebê juntos, seremos uma família. — Fecho os olhos, e uma calma enorme me envolve. Sinto como se eu estivesse recebendo raios de sol. Levanto meu rosto, aquecendo-me devagar. — Mas eu não vou conseguir sem você, não seremos completos sem você conosco, preciso de você aqui comigo. — Sorrio, meu corpo ficando leve, como se estivesse flutuando. — Volte para mim, por favor.
Abro os olhos, mas volto a fechá-los com força, pois a claridade faz com que eu sinta ardência. Minha mão está sendo mantida apertada. Movo-a um pouco, incomodado, tentando desfazer a pressão.
Volto a abrir os olhos, pisco, porém, consigo mantê-los abertos. Não consigo enxergar direito, minhas pupilas ainda estão se adaptando ao ambiente. Ouço bipes constantes, sinto algo enterrado em minha pele. Movo-me novamente, e um clarão chama minha atenção.
Olho para frente, tento focar na luz, tentar descobrir o que é que brilha tanto desse jeito, então a vejo. Seu sorriso está enorme, o som de sua risada me aquece. Parece que estou sonhando. Quero sorrir também, tocá-la, abraçá-la e dizer que voltei.
Por ela!
Olho para minha mão junto à dela em sua barriga.
Nós vamos ser uma família!
Alguém toca no meu braço. Olho para o lado. Theodoros.
— Bem-vindo de volta, meu irmão!
Lembro-me, então, da discussão com Viviane, da arma apontada para Theodoros, minha intenção de impedir, a dor, a sensação de estar caindo, Wilka dormindo iluminada pelo sol, e a escuridão.
— Kostas? — ouço-a me chamar. — Você consegue...
— Eu vou ser pai? — dou-me conta de que sou eu quem perguntou isso. Minha voz está diferente, mais rouca, mas fui quem perguntou.
Eu vou ser pai!
Olho de novo para minha mão em sua barriga e a acaricio.
— Vai! — Wilka confirma, chorando. — Você é meu anjo, meu amor! Ainda bem que voltou para nós!
— Você me trouxe de volta.
Ela se inclina sobre mim e me beija. Abraço-a como posso, mesmo sentindo incômodo em meu braço, emocionado por tocá-la novamente, por ter a chance de estar com ela em meus braços de novo.
— Kika... — Alexios fala rindo. — Os médicos estão querendo examiná-lo.
Wilka tenta se levantar, mas não deixo. Não sei quanto tempo estive desacordado, mas a sensação que tenho é de que passei toda uma vida longe dela. Não quero que se afaste de mim, não quero perdê-la nunca mais.
— Ei, seu fazedor de merda, bem-vindo de volta! — Millos toca meu outro ombro.
Abro os olhos e ao lado dele vejo Kyra sorrindo, e atrás dela, Alexios tenta disfarçar as lágrimas. Estão todos aqui, juntos, por mim?
Wilka se levanta, mas não sai de perto, nossas mãos unidas.
— Como você se sente? — um médico me pergunta. — Consegue falar?
Respiro fundo e me concentro para conseguir me expressar, mesmo com a garganta dolorida.
— Sim, estou apenas com uma puta dor de cabeça.
Wilka gargalha, e todos a seguem.
— Preciso que vocês saiam um instante para que nós passamos avaliar as condições dele — o médico pede, e eu agarro a mão de Wilka com mais força, não querendo que ela vá. — Não se preocupe, é rápido, e essa moça não saiu do seu lado um minuto sequer. Ela não irá para longe agora.
Solto a mão dela, que se aproxima e me beija de novo antes de sair da sala seguida por meus irmãos e meu primo.
Todos aqui!, penso surpreso e sorrio.
— Está sentindo dor? — Wilka inquire.
Dou mais dois passos e nego, satisfeito por poder ficar de pé e caminhar depois de dois dias deitado ou sentado na cama.
— É quase um milagre que não tenha ficado com nenhuma sequela.
Olho para a mulher que me gerou, sem entender o que ainda faz aqui, afinal, não morri, estou bem e pretendo continuar seguindo assim, então não sou interessante para ela.
Soube que Nikkós também esteve vindo ao hospital enquanto eu estava em coma, mas ele parece ter mais senso de ridículo e não voltou a aparecer desde que acordei, o que não é o caso de Lizzie Abbot.
O velho Geórgios Karamanlis veio me ver algumas vezes, sempre com seu jeito severo, meio bruto, mas verdadeiramente preocupado com meu estado de saúde, atitude bem diferente da minha mãe.
Bufo, impaciente, e olho para Wilka.
Estou de pé hoje, treinando lentamente meus passos, porque decidi que não vou mais perder nenhum momento importante da minha vida, e hoje, daqui a pouco, será o primeiro de grande importância que terei: a primeira ultrassonografia do nosso filho.
Pois é, parece que algum ser superior decidiu que era hora de parar de foder minha vida e, além de trazer Wilka para mim, ainda não me deixou morrer ou ficar com sequelas e me presenteou com a paternidade, com uma família.
Família!
Ontem acordei com a presença de Theodoros, Duda e a pequena Tessa, usando uma máscara e segurando o ursinho que levei para ela no hospital onde esteve internada. Senti o coração disparar ao vê-los, sentei-me na cama com dificuldade, porque ainda me sinto cansado e tonto na maioria do tempo, e sorri para a garotinha.
— Olá! — cumprimentei-a.
— Oi, Tim! — Ela me estendeu o urso. — Eu queria vir te ver, mas sempre você estava dormindo! — Tessa riu, eu soube disso por conta do som de sua risada e de seus olhos se repuxando nos cantos. — Você dorme muito!
Theo e Duda riram da constatação da menina, e eu dei de ombros.
— Vou tentar dormir menos de agora em diante. Fico feliz que tenha vindo me ver.
— Nós queríamos muito vir — foi Duda quem respondeu. — Eu queria agradecer...
— Não, não precisa, fiz o que achei certo e o faria novamente. — Olhei de soslaio para Theodoros. — Eu preciso pedir perdão a você pelo modo como...
— Já esqueci isso, Tim — ela me chamou pelo apelido e pegou minha mão. — Somos uma família, é normal fazer umas merdas de vez em quando, mas temos que superar e aprender com elas.
Senti um bolo em minha garganta, emocionado pelas palavras e por ela me considerar de sua família.
Mais tarde, enquanto ela voltava para casa com minha sobrinha, Theodoros fez algo que nunca imaginei que fosse fazer. Ele me abraçou.
— Eu pensei que íamos perder você por um momento — disse ainda me apertando contra si. — E me dei conta de que nunca disse o quanto eu sentia por ter deixado você e nossos irmãos sozinhos com Nikkós. — Fiquei petrificado. — Eu não fazia ideia, Kostas, de que ele se tornaria o louco que se tornou, mas eu deveria saber ou ter descoberto.
— Do que você está...
Ele se afastou e me encarou.
— Kyra me contou o que vocês passaram. — Fiquei lívido. — Disse-me aos prantos que Alexios e você suportaram toda a loucura dele a fim de protegê-la. Eu não faço ideia do que ele fez, mas sei que causou danos sérios e que ajudou a aprofundar essa lacuna entre nós.
— Eu não queria que ela se sentisse culpada pelo que houve — confessei, pensando pela primeira vez em como minha irmã lidava com nosso passado, entendendo que, talvez, ela sentisse uma culpa que não lhe cabia sentir. — Ele é o culpado, Theo, não ela e nem você.
— Eu sei, mas eu desencadeei tudo. — Assenti, pois era a verdade. — Deveria ter voltado a fazer contato com vocês. Sei que não justifica, mas estava fodido também, machucado, então entrei de cabeça nos estudos.
Entendi, naquele momento, que todos nós fomos vítimas. Éramos jovens demais, imaturos, e ficamos sob a responsabilidade de dois adultos descontrolados e egoístas. Theodoros foi tão vítima de Sabrina quanto meus irmãos e eu do nosso pai.
— Obrigado por ter salvado minha vida! — Theo agradeceu. — Obrigado por ter acordado e me dado a chance de dizer o quanto você é importante para mim!
Não resisti mais e o puxei para mais um abraço, surpreendendo-o, fazendo-o rir de nós dois, marmanjos barbados, ali, abraçados feito crianças. Eu não poderia mesmo ter morrido, precisava ter aquele momento com meu irmão, o homem que por anos odiei e culpei por tudo de ruim que passei.
— Não sei se é conveniente que ele já saia da cama — Elizabeth Abbot segue falando em inglês e me faz parar para olhá-la de frente. — Acho que ele deveria passar por uma avaliação fora do país, pode ter alguma sequela que os médicos daqui...
— Vai embora! — minha voz sai como um rosnado, e ela se assusta. — A única coisa aqui que não é conveniente é sua presença. A única sequela que tenho é de, infelizmente, ter saído de um ser tão egoísta e mesquinho como você.
— Tim!
Ouvir meu apelido de infância sair de seus lábios me dá ainda mais raiva.
— Segue sua vida, Lizzie. Nunca houve espaço para mim nela, e, como você pode notar, não há espaço na minha para você também. — Aponto para a porta. — Go away!
Ela pega sua bolsa, funga indignada e desaparece da minha vida mais uma vez. Wilka está parada, encarando-me com uma expressão que não consigo definir.
— Acha que exagerei? — pergunto a ela.
A Cabritinha ri e nega.
— Eu tive vontade de tirá-la daqui pelos cabelos desde quando chegou, mas sou educada demais e aprendi a respeitar os mais velhos, mas que vontade danada! — Ela se aproxima, fica nas pontas dos pés. Eu me abaixo e a deixo me beijar. — Ela te gerou, mas nunca foi sua mãe. Eu te entendo.
— Você é meu mundo! — declaro. — Prometo que vou me esforçar para ser o melhor pai que nosso bebê poderia ter.
Ela ri novamente.
— Ai de você se não for! — ameaça-me.
Puxo-a para mim, fazendo-a gargalhar de nervoso quando a ergo no colo, preocupada por eu não a aguentar e nós dois cairmos. Isso nunca irá acontecer!
— Amo você, Pimentinha, mesmo sendo brava desse jeito!
Termino de escrever o e-mail e fico esperando o arquivo que anexei ser carregado. Olho na direção da sacada. O sol já alto no céu anuncia uma manhã de outono quente, então sorrio para a mulher que está dormindo calmamente na cama que acabei de deixar.
Vou para a sala e sou seguido pelo Kaká. Suas unhas fazem barulho no assoalho de madeira, e o pego no colo antes de me sentar com ele no sofá.
— Vai acordá-la, seu grude, e ela precisa descansar! Tem um bebê crescendo dentro dela, e sua missão será de tomar conta dele, então comece desde já!
Kaká balança o rabo e tenta lamber meu nariz, mas desvio o rosto a tempo, rindo e acariciando suas orelhas. Fecho os olhos antes de conferir o carregamento do arquivo no celular, e ele se deita preguiçoso, seguro e feliz como eu mesmo me sinto.
Saí do hospital há duas semanas e segui para o apartamento de Wilka, pois, como já havia deixado bem claro, não iria mais perdê-la de vista. Eu não imaginava que fosse possível me apaixonar ainda mais por ela, porém estava enganado e comprovei isso dentro da sala onde uma médica fez ultrassonografia nela.
É verdade que não consegui ver nada, mas a doutora garantiu que havia um bebê ali dentro e que, aparentemente, estava tudo em ordem com a gestação. O aparentemente não me convenceu nenhum pouco! É por isso que, enquanto não fôssemos a algum outro que me garantisse completamente que estava tudo bem, eu não iria sair de perto dela.
Insisti para que fosse dormir em casa, pois não havia o mínimo conforto no sofá do hospital onde ela passava as noites desde que eu fora transferido para o quarto, mas, cabeça-dura como sempre, ela se recusou a ir.
— Eu vou sair daqui no dia em que você sair também! — disse categórica.
O que acabou acontecendo é que começamos a burlar as regras do hospital, pois eu a chamava para se deitar no leito comigo todas as noites, ficava abraçado a ela, acariciando sua barriga, que ainda não trazia nenhum indício de que meu filho estava lá dentro, e ela dormia perto de mim.
Era uma delícia e um tormento, pois, mesmo diante da insistência dos médicos de que eu deveria ficar em observação, senti-a bem e estava cheio de tesão por ela, louco para provar seu corpo novamente.
Rio ao me lembrar do dia da alta. Eu entrei no banheiro para tomar banho e, como sempre, ela me pediu para deixar a porta do banheiro destrancada, caso acontecesse de eu sentir algo e ter de ser socorrido. Achava um exagero, mas, como a tranquilizava, acatava o seu pedido. Naquele dia, talvez por saber que em breve iria para casa, eu estava particularmente excitado.
Ensaboei meu corpo, vendo meu pau endurecer a cada passada da esponja em minha pele. Demorei mais tempo lavando-o do que o necessário e, quando dei por mim, estava tocando uma punheta como havia tempo não o fazia. Vocês sabem, eu adoro tocar uma, mas, desde que Wilka entrou na minha vida, prefiro que ela faça isso para mim.
— Wilka! — chamei-a. — Preciso que me ajude em algo aqui no banho!
Senti um pouco de remorso quando ela invadiu o banheiro toda preocupada, abrindo o boxe como se fosse salvar minha vida.
— O que... — Ela parou quando viu como eu estava e o que estava fazendo. — Safado!
Comecei a rir e a puxei para dentro do chuveiro comigo, de roupa e tudo, beijando-a cheio de tesão, sentindo meu corpo reagir à proximidade do seu como se fosse a nossa primeira vez juntos. Foi surreal, transcendeu qualquer outra sensação que eu já tinha sentido na vida.
Ela se ajoelhou no chão molhado do boxe, sua blusa encharcada e agarrada aos seus peitos deliciosos, a calça larga, de tecido fino, marcando suas coxas e bunda, e começou a me chupar furiosamente. Senti, através de sua boca no meu pau, o quanto ela sentira a minha falta, como estava com saudades do nosso contato e todo seu amor.
Foi isso! Trepamos amorosamente, traduzindo em movimentos, gemidos e orgasmos todas as palavras de amor que trazíamos dentro de nós. Não foi uma transa melosa ou mesmo cuidadosa, apesar do meu estado de convalescença e da gravidez dela, porque nosso amor não é assim.
O que sinto por ela não é terno, meigo e delicado. É chama pura, intenso, desmedido e bruto. E ela gosta e retribui. Claro que temos nossos momentos de carinhos, mas ali, debaixo daquele chuveiro, queríamos o incêndio, a tempestade e uma total rendição.
Foi foda!
Mais tarde naquele dia, entrei no apartamento dela já esperando encontrar o mijão do Kaká, porém, o bicho estava com a Verinha, que cuidou dele e das plantas de Wilka desde o dia em que fui internado no hospital. Eu me apeguei ao bichinho, mesmo o achando grudento demais. Gostava de ter sua companhia enquanto assistia ao futebol ou mesmo trabalhava em alguma coisa.
— Ela virá daqui a pouco, foi passear com eles — Wilka esclareceu quando percebeu que eu senti falta do cachorro, um sorriso matreiro em seus lábios.
— Você acha que ele se adaptará bem depois que o bebê nascer? Não quero meu filho sendo coberto de mijo e...
Ela começou a gargalhar e me abraçou.
— Kaká vai ser um ótimo companheiro para o nosso bebê, tenho certeza!
Eu ainda não tinha certeza sobre isso, precisava pesquisar sobre os perigos de se ter um cachorro perto de um recém-nascido, mas não comentei mais nada sobre esse assunto, já focado em outro.
— Você não acha que deveríamos procurar um apartamento maior? — Ela me encarou, olhos arregalados. — Este aqui é maior que o meu, mas ainda assim é muito pequeno para uma família. Onde vamos pôr o bebê? Junto aos seus livros?
Ela riu e balançou a cabeça.
— Você está pirando com essa história de ser pai, vai mais devagar! Temos tempo de...
— Não! — interrompi-a. — A última vez em que estive aqui com você, pensava exatamente assim, que tinha todo tempo do mundo, mas percebi que em poucos segundos tudo pode mudar. — Ela concordou. — Naquele dia eu ia te fazer uma proposta...
Wilka sorriu e assentiu.
— Recebi o pacote da joalheria.
— Chegou a abrir?
Pensei no anel que havia comprado para firmar um compromisso com ela.
— Não, ficou lá, na sua mesa, porque eu logo soube do que tinha acontecido com você e... — Deu de ombros. — A única coisa que me importava era te ter de volta.
Acariciei seu rosto, admirando-a, amando-a como nunca tinha amado ninguém, e pensei que firmar um compromisso com ela não seria suficiente para mim. Eu precisava que ela fosse minha para sempre e que todos soubessem que eu também era dela.
— Era um anel. — Ela sorriu. — Um anel simples, um compromisso para selar uma relação permanente contigo, mas eu já não quero isso.
Wilka abriu muito os olhos. Sua expressão dizia que estava confusa, que não entendera o que eu quisera dizer. Sorri antes de fazer algo que eu sempre achei desnecessário e cafona, e ela suspirou alto quando finquei um dos joelhos no chão da sala e segurei suas mãos.
(Vou aqui abrir parênteses para pedir a vocês que não riam muito e nem debochem por eu ter começado essa história todo malvado e a estar terminando assim, de forma tão clichê! Eu continuo o mesmo, ainda sou debochado, irritado, arrogante e difícil de conviver, mas, perto de Wilka, só consigo ser um irritante homem feliz e realizado.)
— Eu não tenho um anel aqui comigo, nem alianças – o que acho que seria mais certo –, mas tenho todo o amor que nunca imaginei sentir por alguém, admiração pela mulher incrível que você é e um tesão sem tamanho que me faz ter vontade de foder com você todas as horas disponíveis do dia. — Ela riu, mesmo com os olhos pingando de lágrimas. — Eu te proponho ser minha companheira, minha melhor amiga, minha amante. Eu te proponho brigar comigo por pequenas coisas e rir delas depois junto a mim. Te proponho criarmos nosso bebê juntos, amá-lo, educá-lo e protegê-lo como nunca fomos nessa vida. — Ela soluçou, e eu também. — Eu não prometo que será fácil, ou só termos alegrias. Você sabe o quanto eu tenho de escuridão ainda dentro de mim, feridas que, mesmo curadas, ainda assim deixaram marcas, mas eu te garanto que você é toda a luz que eu preciso para ser feliz, o meu sonho e minha realidade, a mulher que eu amo.
— Se você não fizer a pergunta logo, não sei se terei condições de responder! — ela gracejou, mesmo soluçando emocionada.
— Wilka Maria, Kika, Caprica, Cabritinha, Pimentinha, minha pintora de rodapé — ela gargalhou —, você aceita ser minha para sempre?
— Já sou; quero algo novo!
Gargalhei.
— Abusada! — Respirei fundo. — Você aceita se casar comigo?
— Acho que posso lhe conceder essa graça — disse rindo, mas gargalhou quando me levantei e a ergui em meus braços. — Sim, eu aceito, Konstantinos Abbot Karamanlis, Kostas, Portnoy, Tim... — sussurrou — Bostas.
— Bostas? — questionei, e ela fez uma cara engraçada.
— Pula essa parte e me beija!
Acaricio o Kaká, que agora ronca como um porco, deitado no meu colo, rio das lembranças e envio o e-mail, cujo arquivo finalmente carregou, para um certo escritório nos Estados Unidos, ansioso para saber o que eles acharão do que eu acabei de lhes mandar.
Suspiro ao pensar que amanhã volto a trabalhar na Karamanlis, mas antes tenho uma despedida a fazer, algo que não posso mais esperar, e uma novidade a contar para minha noiva.
Chegamos em frente ao local que por anos mantive de pé em segredo, apodrecendo lentamente, como uma lembrança viva dos anos de inferno que passei dentro dele.
Contei a Wilka mais cedo que Alexios conseguiu autorização para a demolição do prédio e que, daqui uns dias, isso irá acontecer. Eu não tinha intenção de trazê-la até aqui comigo, mas ela insistiu muito, principalmente depois que lhe contei a novidade.
— Eu não me lembrava muito bem daqui, mas reconheço o vitral — Wilka fala sentada ao meu lado no banco do carona.
— Você tem certeza de que quer entrar aí? — pergunto-lhe, ajeitando meus óculos escuros sobre os olhos, sentindo-me incomodado por lhe causar a mesma dor que senti quando voltei aqui na primeira vez. — Daqui a pouco estará tudo no chão, e uma nova história será erguida nesse lugar.
Ela sorri e concorda.
— Obrigada por ter aceitado minha ideia de transformar esse lugar que causou tanta dor em um local de esperança.
Respiro fundo, tentando não dizer a ela que preferia que nada mais fosse feito aqui, esquecer esse endereço para sempre e seguir como se nunca tivesse existido, mas entendo que faz parte dela transformar tristeza em alegria, amargura em regozijo.
Essa era minha surpresa para ela, contar que Alexios estava à sua disposição para conceber uma nova construção para esse local, um espaço que ela possa destinar para uma das ONGs que conhece a fim de desenvolver ali os projetos sociais que ela tanto ama.
Ela ficou enlouquecida, não sabia se ria ou já começava a se planejar, se me beijava ou ligava para alguns de seus amigos para contar a novidade. Não falou em outra coisa enquanto tomávamos café e nos arrumávamos para vir até aqui, sonhando com um projeto que ajudasse crianças e adolescentes em risco.
Fiquei feliz apenas por vê-la feliz, mas temeroso com sua reação quando visse a casa onde passou os primeiros anos de sua vida e presenciou tanta coisa absurda para uma criança e teve o trauma de ser trancada no armário todas as noites.
— Eu quero entrar, sim. Preciso enfrentar meus medos e pôr fim a tudo isso que me machucou por anos — ela ressalta, ciente de minha relutância. — Vamos fazer isso juntos!
Pega minha mão, e eu concordo, desligo o veículo e saio, indo encontrar-me com ela na calçada. Wilka não para de olhar para o alto, para o sótão onde passou os momentos mais assombrosos de sua infância, e eu abro o portão do tapume que rodeia a propriedade antes de abrir a porta principal.
— Está pronta? — Estendo minha mão para ela.
Entramos no salão principal. Não olho nada em volta, pois já sei bem como tudo está. Minha atenção está toda nela e em sua expressão de dor e medo. Aperto sua mão para lembrá-la de que não está sozinha, e continuamos a entrar no sobrado.
— Não quero ver o segundo piso, quero ir direto lá para cima — revela-me assim que terminamos de subir o primeiro lance de escadas. — Eu quero ver o armário.
— Tem certeza?
Ela sorri e assente.
Seguro o fôlego ao chegar ao sótão, também cheio das minhas próprias lembranças e com os demônios do passado a me atormentarem. Wilka larga minha mão, vai até o local de sua tortura, de seu medo, e abre a porta velha e cheia de cupim.
— Eu tinha a lembrança de um lugar enorme e assustador — ela fala, olhando o minúsculo armário. — Senti-me tão pequena e perdida aí dentro...
Seguro em seus ombros e beijo o topo de sua cabeça, confortando-a.
— Acabou, você cresceu, o lugar que te amedrontava deixou de existir.
— Sim. — Ela ri. — Já não sinto medo algum!
Abraço-a apertado pelas costas.
— É hora de deixar tudo isso para trás. — Ponho a mão sobre sua barriga. — É tempo de criarmos um futuro feliz.
Wilka fecha a porta e me olha sorrindo. Mais uma vez sinto tudo ser iluminado, afastando também as sombras do meu passado, aquecendo minha alma.
— Vamos embora!
Descemos sem o peso que sentíamos quando entramos, sem sentir absolutamente mais nada por este lugar decadente. Entramos no salão principal e paramos ao ver Alexios agachado, remexendo em umas coisas no chão.
— Alex? — Wilka o chama.
— Oi! — Ele sorri sem jeito. — Vim até aqui, vi o carro e entrei. Tudo bem com vocês?
Ela assente, mas percebo que se questiona o que meu irmão faz aqui.
— Achou algo que possa ajudá-lo? — questiono-lhe.
— Não. — Dá de ombros. — É como caçar uma agulha no palheiro. Não sei nada dela.
— De quem? — Wilka inquire.
Alexios suspira e a encara.
— Minha mãe biológica. Ela era uma das prostitutas deste lugar, mas isso é só o que sei.
— Daqui? — Wilka me olha. — Você tem certeza?
— Sim, encontrei uma das mulheres que trabalhou aqui, e ela me confirmou isso.
A expressão no rosto de Wilka me deixa tenso.
— Se ela trabalhou aqui e te teve enquanto morava neste lugar, eu sei de alguém que pode te fornecer todas as informações sobre ela.
Arregalo os olhos e nego.
— Wilka, não! Não quero que você tenha contato com ela, já a estão procurando para colocá-la de volta no lugar de onde nunca deveria ter saído!
Alexios se aproxima de minha noiva.
— De quem você está falando? Madame Linete? — Ela concorda. — Você sabe se ela ainda está viva? Como a conhece?
Wilka sorri para mim, e eu entendo que ela vai contar para ele e ajudá-lo nessa loucura que ele insiste em fazer.
— Ela é minha mãe. — Alexios fica surpreso, olha para mim e depois para ela, claramente confuso. — Vou ajudar você em sua busca, Alex. Eu sei onde encontrar madame Linete.
Meu irmão fica um instante congelado no lugar, então, sem nenhum aviso, puxa minha noiva para seus braços e chora feito uma criança.
— Que surpresa maravilhosa! — digo ao pegar o pequeno Gael, de três meses de vida, no colo. — Por que vocês não me avisaram que estavam vindo?
Desconfio da visita, afinal, estivemos juntas no mês passado lá na Paraíso, e ela não mencionou nada que viriam até São Paulo.
— Foi algo impulsivo, por isso...
— Impulsivo? — Rio dela. — Você fazendo algo sem planejar? Impossível!
— Ela mudou, Kika, minha Dondoquinha está mais solta! — Guilherme pisca para mim, mas logo vai para a sacada, falando ao telefone com algum amigo daqui da cidade.
Continuo suspeitando dessa impulsividade, mas, como estou feliz com a presença deles e do Gael, não insisto em saber o real motivo da vinda.
— Já melhoraram os enjoos?
— Ainda não, mas estou fazendo o que o médico recomendou, comendo coisas mais leves e evitando o que me faz mal, como leite, por exemplo.
Malu gargalha.
— Nada de frappuccinos do Starbucks mais?
Faço cara triste.
— Não!
— Sacrifícios da maternidade, minha amiga, mas vale a pena! — Malu beija a cabeça careca de Gael. — Cadê o Bostas, meu cunhado?
Dou risada por ela ainda o chamar desse apelido, mesmo depois de já ter feito as pazes com ele. Malu ficou uma fera comigo quando soube que eu escondi o que aconteceu com Kostas, mas eu não queria preocupá-la, pois tinha acabado de dar à luz, então ela só soube de tudo o que aconteceu quando ele finalmente teve alta do hospital.
Suspiro ao pensar nesses dois meses deliciosos em que estamos vivendo juntos aqui no apartamento, a surpresa que tive quando as estantes que ele mandou fazer para meu quarto de leitura chegaram, a mesa e a poltrona, onde passo alguns momentos do meu dia lendo.
— Eu deveria bater em você por isso, mas como? — disse enquanto colocava os livros nas prateleiras. — Foi um presente muito fofo!
Ele riu e deu de ombros, limpando os exemplares que tenho da trilogia de T. F. Gray.
— Você deveria ter os livros dele com dedicatória, já que é tão fã! — Kostas comentou.
— O homem não aparece em lugar algum, é um verdadeiro ermitão, nunca fui aos lançamentos de seus livros, ainda mais aqui no Brasil — lamentei. — Fiquei surpresa por você ter dedicatória nos seus.
— Terminou de ler?
Assenti.
— Sempre fico surpresa com as reviravoltas que ele escreve nos finais. — Suspirei. — Eu li em algum lugar que ele terminou de escrever um livro novo, mas a editora não confirma se é algo da trilogia ou se é o início de outra.
Konstantinos não comentou mais nada, colocou os exemplares no lugar de destaque que atribuí a eles e olhou tudo em volta.
— Quando mandei fazer o projeto e os móveis, não pensei que você iria aproveitá-los tão pouco. Tomara que o próximo morador daqui goste de ter uma biblioteca.
Concordei, pois já estávamos à procura de outro imóvel para morar. Insisti para ficarmos aqui por mais tempo, afinal, eu não tinha condição alguma de ajudá-lo com a aquisição de um imóvel novo por conta das dívidas que fiz, e eu não queria me aproveitar de seu dinheiro, mesmo tendo descoberto – depois da visita de Elizabeth e de Nikkós no hospital – que, além de herdeiro da Karamanlis, Kostas herdou uma pequena fortuna e muitos imóveis de seu falecido avô inglês.
Acontece que, duas semanas atrás, eu recebi um comunicado do banco sobre a quitação da dívida e tomei um susto. Ele havia pagado tudo o que eu devia. Discutimos por causa disso, mas depois entendi o que ele quis fazer e lhe agradeci.
— Você ainda está pagando este apartamento para sua amiga, Malu, e com a dívida que havia assumido por conta da chantagem escrota de madame Linete, se lamentava por não conseguir contribuir com nossa casa nova e nem com as coisas do bebê, então, eliminei a dívida. — Ele me beijou. — Eu sei que você gosta de ser independente e admiro muito isso, mas não está mais sozinha, Kika. Não quero que dependa de mim, nem mesmo quero que você pense que eu ache que meu dinheiro influencia nossa relação, porque sei que isso nunca aconteceu. Você vai continuar pagando sua dívida com Malu, ter este apartamento em seu nome, só seu, alugá-lo, deixá-lo vazio ou o que você achar melhor e continuará tendo sua liberdade, seu dinheiro.
— Obrigada! — baixei a crista e lhe agradeci, vendo lógica em seu argumento.
O que nós não esperávamos era que, na semana seguinte, depois de termos apresentado uma nova área para a Ethernium, no Paraná, e fechado negócio com eles, eu soubesse da demissão do diretor que comprou a promissória do antigo bar de Duda Hill por causa de umas irregularidades e eu fosse promovida.
— Quero deixar bem claro que a promoção de Wilka Reinol nada tem a ver com o fato de ela estar entrando na família — Theo discursou no dia em que tomei posse. — Mesmo depois de todos os problemas que a empresa passou nos últimos meses, a então gerente de hunter conseguiu fechar o maior negócio dessa década da Karamanlis, e sua elevação ao nível de diretora se justifica pelo seu profissionalismo e eficiência.
Chorei – digo sempre que foi por conta dos hormônios da gravidez – e acabei depois inaugurando minha nova sala, agora já não no mesmo andar do jurídico, gozando enlouquecida com a boca de Kostas a me comer inteira em cima da minha mesa nova – ponho a culpa na gravidez também!
Uma nova história se abriu para mim, em um ano, desde que assumi a gerência no lugar de Malu provisoriamente, discuti com um diretor jurídico muito abusado e jurei detestá-lo pelo resto dos meus dias.
Quebrei essa promessa, claro!
— Está conversando com o juiz que pegou o processo de Viviane Lamour — respondo à pergunta de Malu sobre Kostas. — Pelo menos foi isso que ele me disse que ia fazer, mas achei estranho, porque teve uma reunião com ele na semana passada.
— Ele já a pronunciou? — Malu questiona.
— Já, ela vai enfrentar um júri por tentativa de homicídio. — Chego a estremecer só em pensar que Kostas poderia ter morrido por causa daquela louca.
— E a questão do furto de informações da empresa?
— O doutor Murilo já havia começado a montar o processo contra a Dedalus, a concorrente, e agora Kostas está acompanhando de perto. Ontem saiu nos jornais daqui, um verdadeiro escândalo que, com certeza, irá afetar a imagem deles.
Sinto um cheirinho azedo e faço careta para Malu, percebendo que meu afilhado acabou de sujar as fraldas.
— Nem me olhe com essa cara! — Ela ri. — Pode começar a treinar!
Gargalho, nervosa, quando ela me estende a bolsa dele, com trocador, fraldas, lenços e pomada contra assaduras. Nunca troquei um bebê na vida, nem no mês passado, quando estive um final de semana com eles na fazenda, pois fiquei com medo e deixei dona Sueli se encarregar da tarefa.
Brinco com meu afilhado, admirando seus lindos olhos claros como os do pai e faço cócegas em sua barriguinha estufada, mas, quando abro a fralda suja, preciso tampar o nariz.
Malu ri e me auxilia a trocá-lo, e eu acho isso tão engraçado, pois nunca imaginei uma cena como essa entre nós duas.
Surpresas da vida!
— Malu, eu já estou começando a ficar assustada com isso tudo! — comento ao sair do carro ainda vendada.
— Relaxa, está tudo sob controle! — sua voz é animada. — Nós vamos só trocar sua roupa, e logo você saberá do que se trata.
— Por que eu vou ter que...
Ela me segura pelos ombros.
— Você confia em mim ou não?
— Muito! — respondo de pronto. — Mas ainda espero o dia em que você irá se vingar pelo que fiz te mandando daquele jeito para o Pantanal!
Ela gargalha.
— É bom esperar mesmo! — Beija minha bochecha, e eu sorrio. — Sua sorte é que sua atitude fez de mim a mulher mais feliz e realizada desse mundo.
Meus amigos estão em São Paulo desde ontem, quando chegaram de surpresa lá em casa. À noite, Kostas cozinhou para eles, e eu pude, enfim, respirar aliviada por ver uma amizade se formando entre o Xucro e meu noivo. Sei que eles se deram essa oportunidade, desde o mês passado, quando se encontraram pela primeira vez, por causa de mim e da Malu, mesmo assim fiquei muito feliz.
Mal o dia amanheceu, e Konstantinos sumiu de novo. Eu nem tinha tomado meu café da manhã ainda quando Malu apareceu inventando uma desculpa absurda sobre precisar de mim para comprar algo para o Gael e me enfiou no carro dela. Paramos em uma padaria para que eu pudesse engolir – literalmente foi isso – algo que me sustentasse, e, quando retomamos a viagem, fui obrigada a me vendar.
Sei que saímos da capital, pois demorou pouco mais de uma hora para chegarmos aqui, e o clima – estremeço – está bem mais frio do que em São Paulo.
Sou levada para dentro de uma construção, ouço portas serem fechadas, ela me desvenda, e eu reconheço que estou dentro de um banheiro em uma espécie de chalé.
— Tome um banho, que já volto para te ajudar.
— Malu. — Detenho-a de repente. — O que é isso tudo?
— Confia em mim! — Aponta para a banheira. — Tome um banho, relaxe. Vou vir com seu almoço.
Ela sai do banheiro, e, confiando nela, tiro a roupa e entro na banheira, suspirando com a água quente a envolver meu corpo. Ponho a mão sobre minha barriga, levemente arredondada, e começo a conversar com meu filho. Faço muito isso desde quando li que é ótimo para criar um vínculo entre os pais e os filhos. Kostas às vezes passa horas alisando-me, conversando ou cantando enquanto toca violão para minha barriga. É uma delícia compartilhar esses momentos com ele e saber que são só meus, pois ele continua o mesmo insuportável de sempre na empresa.
A vida tem se mostrado maravilhosa de uma forma que nunca sonhei, comento isso sempre com Jane quando nos encontramos em nossas conversas semanais. Sinto que muito do que eu temia deixou de existir ao me apaixonar por Kostas e, principalmente, depois que soube que o fruto desse amor estava dentro de mim.
Ainda percebo que necessito ter essas conversas com ela e, sinceramente, gostaria que Kostas buscasse ajuda também. Estamos bem, felizes, mas isso não apaga nosso passado, apenas faz com que deixe de ter a importância que tinha e que nos impedia de olhar para o futuro com esperança. Ele ainda não aceitou conversar com um profissional sobre tudo o que vivemos. Cada um tem seu tempo, não adianta eu insistir.
— Ei, hora de sair, dorminhoca! — Abro os olhos, percebendo que cochilei. — Venha almoçar, temos um dia cheio.
Rio dela.
— Cheio de quê? O que você está aprontando comigo?
Malu me estende um roupão bem fofo. Enrolo-me nele e, quando saio do banheiro, emito um grito de surpresa ao dar de cara com Verinha em um enorme quarto com lareira acesa, uma cama enorme toda decorada, muitas flores, uma mesa arrumada para o almoço e Gael dormindo no carrinho.
— Verinha! — Abraço minha amiga e vizinha. — O que vocês estão aprontando?
Olho para um canto do quarto, onde montaram uma estrutura igual a de um salão de beleza, com espelhos e muitos produtos.
— Esse chalé é do Kostas — Malu confessa.
— Onde ele está? — questiono sentindo o coração disparado, já imaginando o que está acontecendo.
— Terminando de ajustar as coisas com o cerimonial. — Encaro-a com os olhos arregalados, e Verinha dá risadas. — A surpresa é que hoje é o dia do seu casamento, e nós, claro, somos suas madrinhas.
Ela ergue um cabide com um vestido protegido por uma capa.
— Eu amo vocês! — declaro, emocionada, abraçando-as.
— Eu também te amo! — Malu e Verinha dizem emocionadas.
A sala escura, as portas fechadas. Malu e Verinha estão na minha frente, vestidas cada uma com um vestido florido e com um pequeno buquê nas mãos, e eu, nervosa, de braços dados com Theodoros Karamanlis.
Ainda nem acredito em tudo isso!
Depois do almoço emocionante com minhas amigas, um verdadeiro batalhão de pessoas invadiu a suíte, então começou minha transformação em noiva. Malu me conhece bem, acertou em cheio no modelo do vestido e me ajudou a decidir como usaria os cabelos e que maquiagem faria.
Fiz as unhas, recebi massagem e só não tomei champanhe porque há uma vida preciosa dentro de mim, então me contentei com um suco natural. Verinha ficou com Gael, que participou de tudo, assim como fez no casamento de sua mãe no mês passado.
Rio ao me lembrar de Konstantinos na fazenda Paraíso. Surpreendi-me por ele parecer tão natural no meio daquele lugar tão rústico, mas depois ele me contou que, quando criança, apesar de morar em Londres, sempre ia para a propriedade do avô no interior e que seu internato também era em uma área rural, por isso não estranhava, embora o Pantanal fosse diferente de tudo o que ele já vira.
Guilherme e ele tiveram uma conversa para acertar os pontos, e Malu e eu ficamos felizes quando os dois tomaram um porre juntos na noite antes do casamento.
Nós nos integramos à vida um do outro de uma forma tão gostosa que, mesmo tendo-se passado poucos meses, tenho a sensação de que estamos juntos a vida toda, ele conhecendo meus amigos e convivendo com eles, e eu sendo inserida em sua família no mesmo momento em que ele retorna a ter essa proximidade.
— Tudo certo por aqui? — Kyra aparece, também em seu vestido florido de madrinha e me entrega o lindíssimo arranjo que vou carregar. Surpreendo-me por sentir, por trás de toda a decoração dele, um vasinho. — Kostas disse que você preferia seu buquê plantado, de modo a não ver as flores morrerem.
Olho a delicadeza das minirrosas e acho o gesto dos dois lindíssimo! Respiro fundo, tentando evitar chorar antes de ir ao encontro dele, mesmo que tenha certeza de que, assim que caminhar em sua direção, irei me derreter de emoção.
— Está pronta para ser a senhora Konstantinos Karamanlis?
— Estou! — Suspiro e abro um sorriso. — Esperei por isso a vida toda!
Seis meses depois.
Estou sentado à minha escrivaninha terminando de revisar mais uma peça feita por um dos advogados que trabalha comigo quando sinto algo estranho me incomodar, mas ignoro.
Volto a me concentrar no trabalho, porém, 15 minutos depois, sinto novamente a pontada na minha barriga. Contorço-me um pouco, rememorando o que poderia ter comido que está me causando cólicas intestinais, e meu corpo inteiro se arrepia.
Apesar da dor, não sinto vontade alguma de ir ao banheiro, mas pode ser que isso, em algum momento...
— Doutor! — Eleonora invade minha sala, assustando-me. — A bolsa da Kika rompeu!
Esqueço na hora a estranha cólica que estava sentindo e saio correndo da sala, recebendo olhares felizes e alguns parabéns ao longo do caminho. No corredor me encontro com os hunters segurando balões e fazendo uma farra digna de uma festa de final de ano.
— Parabéns, doutor! — Lene grita enquanto passo correndo.
— Que venha com saúde! — Rosi deseja ao me encontrar na porta do elevador.
Apenas balanço a cabeça, nervoso demais, com medo de que não dê tempo de chegarmos ao hospital e aquela maluca tenha nosso bebê dentro de sua sala. Cabritinha teimosa!
Desde que ela entrou no nono mês, peço a ela para que fique em casa, mas a mulher não consegue sossegar! Trabalhou incessantemente todos os meses da gravidez, e eu tentei, muito mesmo, fazê-la diminuir o ritmo, mas foi em vão.
Lembro-me de uma reunião bem difícil que tivemos, demorada demais, que terminou bem na hora do almoço. Chamei-a para comermos juntos, e ela me respondeu que ia engolir uma salada em sua sala, pois tinha muita coisa para entregar naquele dia e não podia atrasar seu cronograma.
Surtei com ela, argumentei que ela tinha que pensar na criança que estava gerando e mandei entregarem na sala dela uma refeição completa com arroz, verduras e legumes, carnes variadas e frutas.
À noite, em casa, ela estava com um humor do cão. Tentei conversar com ela, mas me ignorou até respirar fundo e pedir para que eu me sentasse, pois queria falar olhando nos meus olhos.
— Eu estou bem! — frisou. — Gravidez não é doença, e eu amo trabalhar!
— Eu sei, mas...
— Não tem mais! — brigou. — Você e seu irmão parecem dois doidos! Duda diz que Theo a está enlouquecendo também, que mal está conseguindo dar conta das coisas no bistrô, e ela pretende inaugurá-lo assim que o bebê deles nascer.
— Vocês duas são muito teimosas! Nós só queremos protegê-las!
Ela finalmente sorriu para mim, respirou fundo e me fez um carinho no rosto.
— Eu sei disso, mas está me sufocando um pouco! Fiquei com minha sala cheia de comida e enjoada o dia todo por causa do cheiro dela, que impregnou o ambiente, o que atrapalhou meu trabalho e me fez ficar mais horas do que tinha previsto na empresa.
— Desculpe-me, eu só queria garantir que...
— Eu ia me alimentar, mas com uma refeição leve. Eu estou me cuidando, confia em mim!
— Eu amo muito vocês! — Pus a mão em sua barriga pontudinha. — Vocês são minha vida!
— Eu sei, eu também te amo muito e, por isso mesmo, estou te garantindo que estamos bem.
Depois desse dia tentei parar de surtar com ela, mesmo ainda protegendo-a e me preocupando.
Devia tê-la deixado presa comigo dentro de casa, isso sim!
Chego a sua sala e a encontro junto a Carol, que foi promovida a sua assistente, contando o tempo entre as contrações. Noto o chão molhado, desespero-me, principalmente por vê-las ali, calmas como se nada estivesse acontecendo.
— Vamos para o hospital! — Corro até Wilka e me abaixo para olhar seu rosto. — Vou ligar para casa, pedir para mandarem as malas e...
— Fique calmo, ainda teremos bastante tempo, as contrações ainda estão bem espaçadas.
Arregalo os olhos com a paciência dela e começo a andar de um lado para o outro, ligando para o médico, para a senhora que contratamos para trabalhar em nossa casa, para o hospital no qual ela fará o parto.
— Vou chamar um helicóptero, não vou correr o risco de ficarmos presos no trânsito e minha filha nascer dentro do táxi!
Kika rola os olhos, e Carol dá risadinhas.
Ando por sua sala, ainda toda decorada com os balões e as flores que ganhou ontem, quando finalmente resolveu revelar o sexo do nosso bebê. Os funcionários da Karamanlis fizeram uma verdadeira festa para ela no refeitório da empresa, com direito a brincadeiras, presentes e muita trolagem até decidirem contar para nós dois o que era nosso bebê.
Uma menina!
Sinto meu coração derreter só em pensar em outra Pimentinha em minha vida. Olívia nem veio ao mundo ainda, mas já sou completamente apaixonado por ela.
Demoramos a escolher esse nome, mas, quando chegamos a ele – seguindo um livro com várias opções em ordem alfabética –, não tivemos dúvida; nossa pequena princesa seria Olívia!
Confirmo o pedido do helicóptero por mensagem. O piloto da aeronave do hospital logo manda aviso de que já levantou voo, e eu vou até minha esposa para ajudá-la a se levantar e levá-la até o heliponto no telhado do prédio.
— Fique calmo! — ela me pede, e eu concordo, mesmo me sentindo uma pilha de nervos. — Você precisa estar bem para conhecer sua filha.
Abro um sorriso, paro, abraço-a e a beijo.
— Vou conhecê-la hoje! — Toco sua barriga. — Como é possível eu te amar ainda mais por isso?
Ela sorri para mim, mas logo faz uma careta de dor.
— Acho que Olívia ficou ansiosa por conhecer vocês também — Carol comenta. — O tempo diminuiu, Kika.
— Vamos!
Dois momentos especiais nunca mais serão apagados da minha memória.
Primeiro, quando as portas da sala do meu chalé na serra se abriram, e eu vi a mulher que amo de braços dados com meu irmão mais velho, vestida de branco e caminhando na minha direção para ser minha, iluminada pelas tochas, lanternas e as velas que Kyra distribuíra no meu gramado.
Wilka atravessou a piscina para chegar até onde eu estava, sobre uma lindíssima estrutura de vidro que minha irmã montara, iluminada por luzes coloridas. Ela chorou durante sua entrada, riu quando Millos estendeu o braço para ela no meio do caminho para o altar, substituindo Theodoros, e eu me segurava, recebendo tapinhas de Alexios, um dos padrinhos, em meus ombros.
Minha irmã e eu fizemos tudo em segredo. Wilka não desconfiou, em nenhum momento, que nós já iríamos nos casar. Contei com a ajuda da Malu e da Verinha para levá-la até o chalé e tornar o dia dela mais feliz com tudo o que uma mulher sonha para seu dia de noiva.
Foi lindo, emocionante, íntimo, apenas com nossos amigos mais próximos e minha família, perfeito!
Agora, com minha filha recém-nascida no colo, lembro-me do nervosismo do parto, de ter sentido as dores junto à minha esposa, algo surpreendente, e de quando, depois de quase cinco horas de espera, amparei minha pequena Pimentinha em meus braços.
Eu pensei que tinha sentido o peito explodir de amor quando me declarei para Wilka ou mesmo quando nos casamos, mas nada se comparava ao que senti por ela quando peguei nossa filha no colo.
Choramos juntos, nós dois, emocionados pela oportunidade de criar uma criança e a ver crescer longe de tudo o que nós dois passamos. Isso é muito importante para minha esposa e um dos motivos pelo qual ela se empenha tanto em ajudar a ONG que se instalou no prédio que construímos no lugar do sobrado.
Assisti à primeira mamada de Olívia embevecido, rendido, completamente entregue às duas mulheres da minha vida. E relutei muito quando fui arrastado para comemorar o nascimento dela e a deixei com as mulheres babando nossa preciosidade.
— A família está crescendo, Olívia — sussurro para ela, caminhando em direção ao homem que está ansioso por conhecê-la. — Já temos Petros, agora chegou você, e eu sei que daqui a pouco teremos mais dessa geração de Karamanlis, que terá uma história bem diferente da que foi a nossa. — Beijo sua cabecinha e a entrego aos braços trêmulos, mas firmes, de meu avô.
— Mais uma Karamanlis mulher! — O velho Geórgios ri, seguido por Theodoros e Millos. — Já posso imaginá-la junto a Tessa na empresa, revolucionando tudo!
— Pappoús! — Theodoros o repreende, e eu rio deles.
Ele estende minha filha para os braços de seu padrinho, Millos, e me dá um tapa nas costas.
— Muito bem, Konstantinos, prepare-se para o mais importante trabalho da sua vida!
— Será um prazer!
— Wilka, consegue me ouvir? — testo a babá eletrônica de Olívia e saio do quarto dela, ao lado do nosso, ouvindo as risadas da babá atrás de mim. — E aí, funciona mesmo?
— Claro que sim, nós já testamos mais de 10 vezes todos os dias, Kostas, sossegue!
Paro, sem ligar para o sermão que acabo de ouvir, e fico admirando minha esposa alimentar minha filha. Eu ainda não acredito no filho da puta de sorte que sou por ter tido a chance de ser amado por Wilka e ainda ser agraciado com o nascimento de Olívia.
Wilka põe minha pequena para arrotar e se levanta da cadeira de balanço instalada no nosso quarto. Também há uma no quarto de nossa filha.
— Tem certeza de que ela está satisf... — O arroto alto me faz gargalhar, cheio de orgulho de minha pimentinha gulosa. — Ela está!
Wilka rola os olhos, indo deixar nossa menina em seu próprio quarto, seguida de perto pelo Kaká.
— Ei, malandro, volta aqui! — chamo-o, mas ele me ignora. — Pois é, você costumava ser meu fã, agora também já se apaixonou pela Pimentinha, né? Te entendo!
Wilka aparece no quarto, rindo de mim, e eu fico duro ao vê-la fechar a camisola e esconder o peito deliciosamente cheio. Gemo, fazendo mentalmente as contas dos dias de resguardo.
— Faltam 12 dias — ela já responde, sabendo o motivo do meu gemido, que mais pareceu um ganido de um cachorro abandonado. — Mas podemos...
— Não, se tem que respeitar, vamos respeitar! — digo categórico. — Não quero causar nenhum problema a você. Ainda quero, pelo menos, mais três menininhas pela casa.
Ela arregala os olhos, e eu rio, adorando provocá-la com isso, embora seja verdade que eu quero ter muitos filhos.
— Tenho um presente para você! — anuncio e pego o embrulho que deixei na minha parte do closet. — Espero que goste!
Ela sorri cheia de desconfiança e fica muda quando lê a capa do livro em sua mão.
— Mas como você conseguiu isso? — Ela folheia a primeira cópia da primeira edição, ainda não lançada nos Estados Unidos, do livro inédito do seu autor favorito.
Vejo em seu rosto todas as expressões que imaginei que ela faria quando lesse a dedicatória. Primeiro, excitação por ter conseguido fazer o misterioso autor dedicar uma obra a ela, depois de total incredulidade pelas palavras dele e, por fim, surpresa por entender o significado das iniciais e do sobrenome dele.
— É você! — exclama estupefata. — Tim Frankenstein Gray!
— Meu apelido na época em que comecei a escrever meus primeiros livros, e os dois personagens com quem eu mais me identificava — explico, assumindo pela primeira vez a alguém sem ser meu agente e meu editor, que sou o autor dos romances de suspense. — T. F. Gray nasceu quando fui estudar nos Estados Unidos e era a única coisa que ainda me ligava ao garoto que eu era antes de tudo acontecer. — Aproximo-me dela. — Estava esperando que eles publicassem a primeira tiragem para que pudesse te contar.
Ela ainda parece não acreditar, olhando para o exemplar em sua mão e para meu rosto.
— Você é meu autor favorito e ficava falando mal de si mesmo para mim? — questiona-me, e eu rio. — Eu deveria aumentar meu tempo de resguardo depois dessa revelação! — ameaça-me, como eu já esperava.
— Abra no final, como eu sei que você gosta de fazer sempre, e pegue seu tão amado spoiler, por favor.
Wilka franze a testa e faz o que eu peço. Demora alguns minutos lendo, mas vejo seus olhos se encherem de lágrimas e seu enorme sorriso iluminado aparecer.
— Seu primeiro final feliz!
Abraço-a.
— A partir de você, nunca mais poderei escrever finais trágicos e tristes. — Beijo-a com carinho. — Você é a inspiração para todos os meus finais felizes.
FIM?
(Avance para a próxima página)
Termino a transmissão de vídeo com meu editor e meu agente nos Estados Unidos e respiro fundo, cansado, depois de ser colocado a par de todos os esquemas de marketing do livro. Discutimos novamente sobre eu permanecer incógnito. Ele insiste para que eu me revele em algum momento, principalmente agora, com a possibilidade da trilogia de suspense que escrevi estar cotada para virar série.
Ainda me lembro da reação de Wilka quando contei a ela que era T.F. Gray, sua euforia, indignação por eu ter escondido dela por tanto tempo, descrença e, de novo, euforia. Ri muito, apanhei também – com o próprio livro, quase um sacrilégio –, ganhei beijos – românticos e safados –, recebi tapas e, por fim, um boquete fenomenal.
Suspiro, excitado só com a lembrança e levemente frustrado por ainda não poder estar dentro dela como eu gosto. Não entendam mal, não estamos em jejum total, temos feito algumas brincadeiras, ela tem me chupado como uma louca, mas não é a mesma coisa! Eu preciso estar dentro dela, sentir-me unido, uma só carne, essa coisa quase bíblica, sabem?
Estalo meu pescoço e volto a mexer em um documento da Karamanlis, pois vou, temporariamente, assumir a diretoria executiva a partir da semana que vem.
Não, não me julguem antes de saber o motivo! Eu não dei rasteira no Theo de novo, estou apenas ajudando-o, pois irá se casar no próximo final de semana e, mesmo sem poder viajar para uma lua de mel, ele quer ficar um tempo em casa com a esposa e os filhos.
Xingo baixo quando o telefone vibra, mas não o pego, irritado com quem quer que seja que irá interromper minha concentração, atrapalhar meu trabalho e, com isso, fazer com que eu me deite ao lado da minha Cabritinha mais tarde.
O aparelho volta a fazer o insuportável som de vibração, e eu o pego para desligá-lo, porém, arregalo os olhos com a notificação da mensagem.
Fantasy?! Sinto o corpo gelar, imaginando quando eu reinstalei esse aplicativo no meu telefone. Se a Wilka vir isso, estou morto!
Desbloqueio o aparelho, abro a notificação, pronto para apagar a conta – que eu não faço ideia de como foi reativada – e desinstalar o app, quando, mais uma vez, sou pego de surpresa: Caprica me convidou para um chat privado!
Desconfiado, com o coração na mão por medo de que isso seja algum tipo de sacanagem de algum hacker, aceito o chat e quase caio para trás ao ver a foto das lindas pernas bronzeadas da minha esposa, porém, agora com uma mão aparecendo e nossa aliança brilhando.
“Oi, Punheteiro, está sumido. Quer TC?”
“Hum, está me ignorando? Juro que dessa vez não vou enrolar você por muito tempo mais não, talvez só por uns seis meses.”
Rio, sem saber o que achar dessa loucura. Entro no perfil dela e confirmo que está inativo para ser encontrado por outros usuários, apenas eu posso vê-lo. Balanço a cabeça, sem entender o que ela pretende, mas adorando a brincadeira.
“Oi, Cabritinha, tudo bem? Sabe o que é, eu me casei, e minha mulher é meio louca, brava como um pitbull – embora seja do tamanho de um chihuahua – e ardida como uma pimenta, então, pela sua integridade física, acho melhor eu continuar sumido.”
Espero a reação dela, meu pau já se contorcendo na calça.
“Olha, bom saber que você sabe o perigo que corre, porém, ela e eu fizemos um trato, e hoje você pode ser o safado de sempre comigo.”
Abro o fecho da calça antes de responder:
“Diga-me o que você quer.”
“Você!”
Aliso meu pau por cima da cueca e o sinto sendo enchido pelo sangue, ficando cada vez mais duro.
“Como?”
Caprica digita por um bom tempo, e eu imagino que esteja criando um cenário bem safado para nós dois.
“Imagine que você está cheio de trabalho, virando as noites no escritório de sua casa nova (você comprou uma casa nova quando se casou, não?) e que esteja precisando relaxar. Que tal uma garrafa de bourbon? Ah, mas você não quer beber nesses dias. E umas tragadas em um cigarro? Não, você deixou de fumar desde quando sua esposa engravidou (ela me contou, parabéns!).”
Levanto-me da cadeira, esperando que ela mande a próxima mensagem, mas já com o firme propósito de ir até nosso quarto e perguntar se vamos ignorar esse último dia do resguardo.
“Então você precisa de mim! Acabei de sair do banho, passei hidratante em todo o meu corpo, escolhi uma lingerie sexy, mas calcei saltos, como você gosta.”
Bufo como um touro, enlouquecido de tesão apenas por imaginá-la assim lá em cima, no nosso quarto.
“Estou subindo!”
Anuncio e saio do escritório correndo, subindo as escadas para o segundo piso de dois em dois degraus, porém, quando abro a porta, não a encontro, nem mesmo a babá eletrônica do quarto da nossa filha.
Ajeito-me e entro no quarto de Olívia. Vejo a babá dormindo na cama auxiliar e vou até o berço, onde minha pequena dorme. Confiro sua respiração – sempre faço isso –, sorrio e saio.
Pego o telefone e envio uma mensagem para ela.
“Onde você se escondeu, Cabritinha?”
Ela não demora a responder:
“Aposto que você é um bom caçador, mas vou te dar uma dica: ainda não usamos essa área da casa.”
Sorrio cheio de malícia, descendo as escadas com pressa, saindo da casa e indo em direção à piscina coberta que ficou pronta pouco antes do parto dela e que, por isso, não utilizamos ainda.
O lugar está escuro, apenas iluminado pelas velas que Wilka acendeu em uma das bordas da piscina. Vejo-a, então, perto de uma espreguiçadeira, vestindo um espartilho preto com meias daquelas que parecem uma rede e saltos enormes e extremamente sexies.
— Por que reativamos o aplicativo? — pergunto assim que entro, já me livrando das roupas e do celular.
— Senti saudades do meu Punheteiro — sua voz soa sensual, quase ronronante. — Ficou com ciúmes?
Nego, mostrando a ela exatamente como fiquei. Nu, seguro meu pau bem firme, mas não faço o que ela tanto ama assistir. Wilka geme ao me olhar, não se aproxima e me come com os olhos.
— Quer finalmente um encontro com Portnoy? — questiono-lhe.
— Quero!
Olho em volta, procurando por algo para fazer o que imagino. Nossos roupões estão dobrados em um canto, em cima de uma cadeira. Pego um deles e tiro o cinto largo e atoalhado. Perfeito!
— Vire-se — ordeno, e ela ri nervosa, mas faz o que pedi.
Passo o cinto sobre seus olhos, vendando-a, apertando bem e arrematando com um nó.
— Você não vai me ver, apenas sentir — sussurro em seus ouvidos. — De agora em diante sou Portnoy, e você, a minha Caprica fujona.
KIKA
Minha pele toda se arrepia quando o sinto passar as pontas dos dedos sobre ela. Os movimentos são leves, lentos, do ombro ao punho, depois fazendo o caminho de volta, passando pelo meu ombro, detendo-se um pouco em minha nuca e descendo pelo outro braço.
Sinto sua respiração quente e pesada no meu pescoço e meu ouvido. O calor que emana dele é tão forte que, mesmo sem estarmos encostados um no outro, consigo senti-lo. Estou excitada demais, embevecida, totalmente embriagada de desejo por ele.
Resfolego com o toque de seus lábios na curva onde meu pescoço encontra o ombro. Sua língua quente e molhada ativa ainda mais a umidade no meu sexo, fazendo meus lábios íntimos ficarem viscosos e meus mamilos doerem contra o bojo do espartilho.
Kostas me segura firme pela cintura, seus dedos cravados em minha carne com força, e se espreme contra minha bunda, causando-me gemidos altos apenas com o toque de seu pau quente. Sinto-me vibrar inteira, levo minha mão para trás e o agarro pela nádega, forçando-o ainda mais contra mim.
— Gosta disso, Cabritinha? — Nossos corpos ondulam. — Gosta de me sentir duro contra você?
— Adoro! — respondo com um gemido.
— Eu sei! Meu pau fica assim somente para você, meu tesão é seu, meu orgasmo é seu, minha porra é toda sua!
Ele procura a abertura da lingerie, achando o zíper frontal da peça, descendo-o todo. Deixa o espartilho aberto, e seus dedos se esfregam em volta dos meus seios.
— Eu posso ver nós dois refletidos no vidro, iluminados pelas velas que você acendeu. — Kostas morde meu ombro e belisca meu mamilo esquerdo. — Seus peitos estão deliciosos, fartos, maduros... É sexy e ao mesmo tempo parece tão errado eu querer mamar neles também.
Seguro o fôlego apenas ao imaginar a cena. Ele tem razão, é excitante, meus seios estão sensíveis por conta da amamentação, cheios e pesados de leite, e o imaginar fazendo algo tão perverso é deliciosamente erótico.
— São seus!
Mal respondo, e ele me vira. Suas mãos se apossam dos dois, apertando-os devagar, puxando os bicos e massageando em volta. Sinto dor e ao mesmo tempo muito tesão, mas nada comparável ao que acontece quando ele abocanha um deles, esfomeado, suga com força, depois brinca com a língua.
Enfio minha mão dentro da calcinha, querendo muito me tocar, e ouço sua risada abafada. Toco meu clitóris e sigo para a entrada completamente molhada, lubrificando meus dedos para deixá-los deslizando na hora de me masturbar.
Não demoro muito a começar a sentir o orgasmo, porém, tenho a mão afastada antes de gozar.
— Não! — ele fala em meu ouvido. — Seu gozo é meu, e sou eu quem vai dá-lo a você.
Sou deitada na espreguiçadeira, a maciez do estofado contra minhas costas. Kostas abre minhas pernas o máximo que elas permitem, e logo em seguida sinto sua boca na minha calcinha. Ele chupa a peça de seda, extraindo toda a lubrificação que minha boceta molhada deixou nela.
É deliciosa a sensação de tê-lo tão perto de onde eu quero senti-lo, mas sem que me toque. Sinto a calcinha ser retirada, deslizando por minhas coxas, passando pelos joelhos e saindo pelos meus pés. Estar vendada parece ativar ainda mais minhas percepções, e isso estimula ainda mais o tesão.
— Eu sempre tenho saudade do seu cheiro. — Kostas esfrega o nariz contra meus lábios. — Sempre estou esfomeado pelo seu sabor.
Sou tomada de assalto, sua boca consumindo-me como se eu fosse uma iguaria, nervosa, buscando a suculência do meu desejo de forma dura, bruta, desmedida, usando dentes, língua e chupando com força.
Konstantinos me degusta, essa é a verdade, e a sensação que tenho é de estar incendiando internamente e de que, daqui a pouco, vou explodir como um vulcão em erupção. Minha cabeça parece girar, meus membros ficam leves. Seguro meus seios enquanto ele me mastiga com vontade, brincando com cada parte de minha boceta a ponto de me fazer gritar.
Dedos a invadem devagar enquanto a ponta da língua dele varre meu clitóris, jogando-o de um lado para o outro, para cima e para baixo. É uma tortura deliciosa. Os músculos das minhas pernas se contraem, seguro a respiração e sou tomada por um prazer indescritível que me faz agarrar seus cabelos e puxá-los com força.
— Deliciosa! — geme ainda bebendo meu gozo. — Porra, gostosa demais! Preciso me molhar com isso, preciso nadar na sua excitação...
Os dedos são substituídos pelo pênis, mas Kostas não me penetra. Rebola gostoso na minha entrada, passa a cabeça no meu clitóris sensível pelo gozo e, só então, preenche-me inteira, até o fundo.
Abraço-o com as pernas e acompanho seus movimentos frenéticos dentro de mim, entrando e saindo, rebolando no fundo, enterrado dentro de mim. Kostas adora intercalar estocadas curtas com profundas, e isso também me enlouquece. Não espero a mais forte, e, quando ela acontece, meu corpo todo se contrai, recebendo sua grossura e tamanho até o limite.
Beijamo-nos como loucos, sua boca com gosto do meu gozo, sua língua safada imitando os mesmos movimentos que seu pênis faz dentro de mim. Mordo e prendo entre os dentes seu lábio inferior, e ele soca com mais força em meu interior, gemendo alto, gostando da sensação de dor e prazer misturadas.
Arranho suas costas, finco as unhas em sua bunda, acompanhando seu rebolado dentro de mim.
Ele urra. Sei que está enlouquecido com vontade de gozar, e isso me enche de poder, saber que eu o deixo dessa forma, que faço com que ele perca toda sanidade e controle dentro de mim.
De repente ele puxa o cinto que me vendava, e eu o olho nos olhos. Sua expressão de prazer é todo o estímulo que eu precisava para gozar, apertando-o dentro de mim, grudando-me a ele como se pudéssemos nos fundir um no outro para sempre.
Eu ainda estou trêmula pelo gozo, sem ar, sem conseguir focar a visão em nada, perdida em espasmos de prazer delirantes, mas, ainda assim, lembro-me de que, por conta do período do resguardo, ainda não comecei a tomar contraceptivos.
— Estamos desprotegidos — aviso-lhe assim que o noto sendo tomado pelo orgasmo.
— Porra! — Kostas se retira e fica de pé. — Fica de joelhos! — ele manda, mas eu demoro a entender. — Cabritinha, de joelhos agora!
Sorrio e deslizo pela espreguiçadeira, descendo para o chão e me ajoelhando como ele pediu. Kostas me segura pelos cabelos, firme, mantendo-me presa, sem poder me mover.
Ele começa a se masturbar, e eu estico a língua para tocar a cabeça inchada e vermelha de seu pau. Ele geme e me aproxima mais para que o receba na boca, chupe-o como ele e eu adoramos e mame seu pau como fez com meus peitos há pouco.
Seus movimentos em minha boca são fortes, irritam um pouco minha garganta, o que me faz salivar e deixar ainda mais gostoso para ele. Seus gemidos vão aumentando de intensidade, cada vez mais curtos e altos, até que sinto o primeiro pulsar de seu pau, e, então, seu esperma grosso e quente esguicha com pressão, e eu vou engolindo devagar enquanto ele delira.
KOSTAS
A água da piscina está deliciosa para essa noite quente de verão. Nado até Wilka, que está apoiada na borda, olhos fechados, balançando as pernas calmamente, e a abraço por trás.
— Adorei a brincadeira! — Beijo sua nuca. — Você está bem?
Ela sorri, vira a cabeça para me beijar e assente.
— Está fazendo um ano que ficamos juntos pela primeira vez.
— Eu sei. — Aperto-a. — Ainda não me perdoo por aquela primeira vez tão traumatizante para você.
Wilka ri.
— Foi, sim, mas você se redimiu depois. — Ela olha para seu relógio. — Preciso subir, daqui a pouco Olívia acorda para mamar.
Seguro seus peitos cheios de leite.
— É errado eu ficar excitado com eles? — questiona-me. — Eu acho lindo ver você amamentando nossa Pimentinha, mas é só colocá-la no berço ou no carrinho que meu olhar para eles muda.
Wilka ri.
— Ainda bem! Eu gosto que você tenha tesão por mim mesmo quando estou em atividades maternas.
— Eu tenho tesão por você de qualquer jeito. — Rio e a solto para que ela saia da água. — Adorei rever a Caprica hoje. Obrigado pela surpresa.
— Não se acostume! — Pisca. — Ah, eu reativei sua conta e instalei o aplicativo no seu celular e no meu. Desculpa ter invadido sua privacidade.
— Eu tomei um susto e fiquei apavorado. — Rio, também saio da piscina e me seco. — Podemos falar pelo aplicativo de mensagens, não precisamos ficar no Fantasy.
— Sim, mas eu queria te assustar. — Ela ri, safada que só. — Mesmo sem o aplicativo de sexo, eu serei sempre sua Cabritinha, e você, meu Punheteiro.
Eu a beijo e a ajudo a vestir o roupão.
— Eu serei sempre seu, real ou virtualmente falando.
Wilka ri e dá um tapa na minha bunda.
— Gosto assim! — Pisca. — Eu te amo!
— Eu te amo demais!
Agora sim!
J. Marquesi
O melhor da literatura para todos os gostos e idades