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LA MUJER FALSA / Jude Deveraux
LA MUJER FALSA / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Nicole era uma beldade francesa apaixonada, sequestrada por engano e levada por mares turbulentos ... para ser a noiva de um estranho. Na Virgínia do século XVIII, as exuberantes terras abraçavam os rios que delimitavam as grandes plantações. Ali, Clayton esperava sua dama inglesa ... mas quando ele deu um beijo ardente na noiva, a mulher que encontrou em seus braços era Nicole Courtalain!

 

 

Capítulo 1

Em junho de 1794, as roseiras haviam florescido completamente e os prados tinham aquele verde denso que existe apenas na Inglaterra. No condado de Sussex, uma pequena casa de dois andares e pé; uma casa simples cercada por uma cerca de ferro simples. A casa já fazia parte de uma

propriedade maior, o anexo destinado à família de um jardineiro ou guarda florestal, mas o resto da propriedade havia sido subdividido e vendido por muito tempo para pagar as dívidas da família Maleson. Tudo o que restava daquela família, outrora grande, era essa casa pequena e negligenciada, e o povo de Jacob Maleson e sua filha Bianca.

ÐÏà±áes tinham florescido completamente e os prados tinham esse denso verdor que só existe na Inglaterra. No condado do Sussex se levantava uma casita pequena e quadrada, de dois novelo; uma casa singela rodeada por uma simples grade de ferro. A casa tinha sido anteriormente parte de uma propriedade mais extensa, o anexo destinado à família de um jardineiro ou um guarda-florestal, mas o resto da propriedade tinha sido subdividido muito tempo atrás e vendido para pagar as dívidas da família Maleson. Tudo o que subtraía dessa família, antes grande, era esta casa pequena e descuidada, e as pessoas do Jacob Maleson e sua filha Bianca.

Jacob Maleson estava sentado frente ao lar vazio na sala da planta baixa. Era um homem baixo e grosso, com seu colete desabotoado sobre o ventre redondo; a jaqueta tinha sido arrojada descuidadamente a outra cadeira. Tinha as grosas pernas embainhadas em calças de sarja; os pés calçados com sapatos de magro couro. Um setter irlandês, grande e sonolento, apoiava-se em um braço da velha poltrona, e Jacob acariciava distraídamente as orelhas do cão.

Jacob se tinha acostumado a sua singela vida rural. Em realidade, preferia ter uma casa, menos criados, e menor responsabilidade. Recordava a ampla casa de sua infância como um lugar onde se desperdiçava o espaço, um lugar que exigia grande parte do tempo e a energia de seus pais. Agora tinha seus cães, um bom pedaço de carne para o jantar, e ganhos suficientes para manter em ordem seus estábulos; de maneira que estava satisfeito.

A sua filha não acontecia o mesmo.

Bianca estava de pé frente ao alto espelho de seu dormitório da planta alta, e alisava o comprido vestido de musselina sobre o corpo alto e um tanto gordinho. Sempre que se via embelezada com as novas modas francesas, experimentava um sentimento de desgosto. Os camponeses franceses se rebelaram contra os aristocratas, e agora, porque esses brandos franceses não podiam controlar a seus inferiores, todo mundo tinha que pagar as conseqüências. Todos os países tinham o olhar posto na França e se inquietavam ante a possibilidade de que lhes acontecesse o mesmo. Na França, todos desejavam aparentar que pertenciam à classe baixa do povo; por isso mesmo, os cetins e as sedas virtualmente tinham sido desterrados. As novas modas estavam desenhadas em musselinas, zarazas e percais.

Bianca examinou a imagem de seu corpo, refletida no espelho. É obvio, os novos vestidos lhe sentavam perfeitamente. Mas não estava segura de que acontecesse o mesmo com outras mulheres de físico menos apreciado que o seu. O vestido tinha um profundo decote sobre os peitos grandes, de modo que ocultavam muito pouco a forma e a brancura dos mesmos. A gaze celeste estava sujeita com uma cinta de cetim azul exatamente sob o busto, e o vestido caía de ali até o chão. O

baixo estava formado por uma cinta de distinta cor. Os cabelos castanhos da jovem estavam recolhidos e sustentados com uma cinta, e os grossos cachos penduravam sobrem os ombros nus.

Bianca tinha cara redonda; olhos celestes, como o vestido; pestanas e sobrancelhas claras; boca pequena e rosada, todo o qual formava um casulo perfeito. Quando sorria lhe formava uma minúscula covinha na bochecha esquerda.

Bianca se separou do alto espelho e se aproximou da mesa de penteadeira. Esta, como quase todo o resto do que havia na habitação, estava adornada com um tul rosa pálido. A jovem agradavam os tons bolo a agradava tudo o que era tenro, delicado e romântico.

Havia uma caixa grande de bombons no penteadeira, e a capa superior quase tinham desaparecido.

Ao aparecer à caixa, a jovem esboçou um bonito gesto. Essa horrível guerra francesa tinha interrompido a elaboração do melhor chocolate, e agora ela tinha que arrumasse com o inglês, de menor qualidade. Escolheu um, e depois outro. Quando estava saboreando o quarto, e lambendo-os sujos dedos, viu entrar na habitação a Nicole Courtalain.

O chocolate de inferior qualidade, o magro tecido do vestido e a presença da Nicole eram todos resultado da Revolução Francesa. Bianca escolheu outro bombom e observou a jovem francesa que se movia discretamente de um extremo a outro da habitação, e recolhia quão vestidos Bianca tinha arrojado ao chão. A presença da Nicole recordou a Bianca quão generosos eram ela e todos os ingleses. Quando os franceses se viram expulsos de seu próprio país, os ingleses os acolheram. É obvio, a maioria dos franceses tinha resolvido seus próprios gastos; mais ainda, tinham introduzido na Inglaterra uma novidade, denominada restaurante. Mas havia pessoas como Nicole: sem dinheiro, sem parentes nem profissão. Nesses casos os ingleses tinham demonstrado sua verdadeira generosidade. Tinham aceito em seus lares a todos estes desamparados.

Bianca se tinha transladado a um porto da costa oriental da Inglaterra, precisamente à chegada de uma nave com refugiados. Esse dia seu humor não era bom. Seu pai acabava de lhe informar que já não poderia pagar a sua donzela pessoal. suscitou-se uma terrível disputa entre ambos (pai e filha), e então Bianca recordou a existência dos emigrados. Em cumprimento de um alto dever moral foi em ajuda dos pobres franceses sem lar e tratou de estender sua beneficência a um deles.

Quando viu a Nicole, compreendeu que tinha achado o que procurava. Tinha o corpo miúdo, os cabelos negros recolhidos sob um chapéu de palha, a cara redonda com enormes olhos castanhos sombreados por pestanas curtas, grosas e escuras. E nesses olhos havia muita tristeza. Parecia que não lhe importasse muito viver ou morrer. Bianca compreendeu que uma mulher que adotava essa expressão se sentiria muito agradecida pela generosidade de sua protetora.

E agora, três meses mais tarde, Bianca quase lamentava tudo o que tinha dado a Nicole. Não era que a jovem fosse incompetente; em realidade, era muito competente. Mas às vezes seus movimentos elegantes e desenvolvidos conseguiam que Bianca se sentisse quase torpe.

Bianca voltou os olhos para o espelho. Que pensamento absurdo. Tinha uma figura majestosa, impressionante...todos o diziam. Dirigiu a Nicole um olhar hostil através do espelho, e se tirou a cinta que lhe sujeitava os cabelos.

—Não me agrada como me penteou esta manhã— disse Bianca, recostando-se sobre o respaldo da cadeira e servindo-se dois bombons mais.

Em silêncio, Nicole se aproximou do penteadeira e tomou um pente para reordenar os cabelos bastante finos da Bianca.

—Você ainda não tem aberto a carta do senhor Armstrong.

Sua voz era tranqüila, sem acento, exceto o fato de que pronunciava cuidadosamente cada palavra.

Bianca esboçou um breve gesto com a mão.

—Sei o que tem que me dizer. Quer saber quando irei a América, e quando me casarei com ele.

Nicole enroscou em seus dedos um dos cachos.

—Acreditei que você desejava fixar uma data. Sei que lhe agradará esse matrimônio. Bianca a olhou através do espelho.

—Que pouco sabe! Mas, é obvio, é impossível que uma francesa compreenda o orgulho e a sensibilidade dos ingleses. Clayton Armstrong é norte-americano. Como é possível que eu, descendente dos pais da Inglaterra, case-me com um norte-americano?

Com movimentos cuidados Nicole atou a cinta ao redor dos cabelos da Bianca.

—Mas não compreendo. Acreditei que se anunciou o compromisso.

Bianca jogou no chão a folha de papel que era a base da primeira capa de bombons, e retirou um grande da segunda capa. O caramelo lhe agradava muito. Com a boca enche, começou a explicar:

—Os homens! Quem pode entendê-los? Preciso me casar para fugir disto.— Com um gesto da mão indicou a reduzida habitação —. Mas o homem com quem me casarei será muito distinto do Clayton. ouvi dizer que alguns americanos se parecem bastante à idéia que temos do que é um cavalheiro; por exemplo, esse senhor Jefferson. Mas Clayton está muito


longe de ser um cavalheiro. Sabe que meia as botas incluso na sala? —Bianca se estremeceu—.

Algodão! É um camponês, um caipira, um vulgar camponês norte-americano!

Nicole alisou o último cacho.

—E entretanto, aceitou sua proposta?

—É obvio! Uma mulher necessita muitas propostas; desse modo é mais interessante. Quando estou em uma festa e vejo um homem que não me agrada, digo-lhe que estou comprometida. Quando vejo um homem que sei que é apropriado para uma mulher de minha classe, informo-lhe que estou contemplando a possibilidade de romper meu compromisso.

Nicole se separou da Bianca e recolheu os envoltórios vazios das guloseimas. Sabia que não devia fazer comentários, mas não pôde conter-se.

—Mas, e o senhor Armstrong? Isso é justo para ele?

Bianca atravessou a habitação até uma cômoda e arrojou três xales ao chão antes de escolher um escocês.

—O que sabe um norte-americano de justiça? São uns ingratos, declararam-se independentes depois de tudo o que temos feito por eles. Além disso, adotou uma atitude insultante comigo quando acreditou que eu podia me casar com um homem como ele. E me pareceu um tanto temível com suas altas botas e sua atitude arrogante. Pareceu-me que estava mais cômodo montando um cavalo que em um salão. Como poderia me casar com um homem assim? E me solicitou dois dias depois de me conhecer! Recebi uma carta com a notícia de que seu irmão e sua cunhada tinham morrido, e de repente pediu minha mão. Que homem mais insensível! Quis que voltasse imediatamente para a América com ele. É obvio, neguei-me.

Sem permitir que Bianca lhe visse a cara, Nicole começou a dobrar os xales desprezados. Sabia o que sentia freqüentemente se refletia em sua cara, e que seus olhos, expressavam seus pensamentos e seus sentimentos. Durante os primeiros tempos de sua permanência no lar dos Maleson, sentia-se muito aturdida para emprestar atenção aos discursos da Bianca a respeito dos franceses ignorantes e débeis, ou dos norte-americanos toscos e ingratos. Nesse momento, seu pensamento estava concentrado no horror sangrento da Revolução, seus pais arrastados fora da casa, o avô... Não!

Ainda não estava em condições de recordar essa tormentosa noite. Possivelmente Bianca lhe tinha falado antes de seu prometido, e Nicole não a tinha escutado. Era muito provável. Só nas últimas semanas parecia que começava a despertar desse estado de sonambulismo.

Três semanas antes se encontrou com uma de suas primas em uma loja, enquanto esperava que Bianca se provasse um vestido. A prima da Nicole projetava abrir uma pequena loja dois meses depois, e tinha devotado uma participação a Nicole. Pela primeira vez, Nicole tinha um modo de independizarse, de ser algo mais que um objeto de qualidade.

Ao fugir da França, tinha-o feito com um relicário de ouro e três esmeraldas costuradas à prega de seu vestido. depois de ver sua prima, vendeu as esmeraldas. O preço obtido foi muito baixo, pois o mercado inglês estava alagado de jóias francesas e os famintos refugiados com freqüência estavam tão se desesperados que não podiam regatear. De noite, Nicole permanecia levantada até tarde em seu cuartito do desvão da casa da Bianca, e costurava objetos para sua prima, com o fim de ganhar um pouco de dinheiro. Agora tinha quase o total da soma necessária, oculta cuidadosamente em uma cômoda de sua habitação.

—Não pode te dar pressa? —disse impaciente Bianca—. Sempre está sonhando. Não sente saudades que seu país esteja esmigalhado por tantas disputas internas se o povoarem pessoas tão ociosas como você!

Nicole se ergueu e elevou seu queixo. disse-se que faltavam poucas semanas. Depois, recuperaria sua liberdade.

Inclusive em seu estado de atordoamento, Nicole tinha aprendido algo a respeito da Bianca: o desagrado que experimentava ante a presença física dos homens. Se podia evitá-lo, não


permitia que um homem a tocasse. Dizia que eram seres grosseiros, ruidosos e insensíveis. Só uma vez Nicole a tinha visto sorrir com sincera calidez ante um homem, e nesse caso se tratava de um jovem de corpo delicado e abundante encaixe nas mangas, além de uma enjoyada cajita de rapé na mão. Essa vez Bianca não se mostrou temerosa ante um homem, e inclusive lhe tinha permitido lhe beijar a mão. Nicole estava impressionada pela atitude da Bianca, que se mostrava disposta a dominar sua aversão ao contato com os homens e a casar-se com o fim de melhorar sua condição social. Ou possivelmente se tratava de que Bianca não tinha idéia do que acontecia entre o marido e a mulher.

Ambas as mulheres saíram da casita, depois de baixar a estreita escada central coberta por um velho tapete. detrás da casa havia um pequeno estábulo e um sítio para carruagens, e Jacob Maleson os mantinha em condições muito melhores que a casa. Todos os dias à uma e meia Nicole e Bianca atravessavam o parque em uma elegante carruagem de dois assentos, atirado por um cavalo. O

parque tinha pertencido em outro tempo à família Maleson, mas agora era propriedade de pessoas a quem Bianca considerava arrivistas e plebeus. A jovem nunca tinha perguntado se podia atravessar o parque boscoso, mas ninguém o tinha impedido. A essa hora do dia ela podia imaginar que era a senhora da residência, como antes tinha sido sua avó.

O pai se negou a empregar um chofer, e Bianca não aceitava viajar no mesmo veículo que os fedorentos peões do estábulo. Tampouco queria conduzir sua própria carruagem. O único recurso que lhe subtraía era permitir que o fizesse Nicole. A jovem francesa certamente não temia ao cavalo e além lhe agradava dirigir o pequeno veículo.

Às vezes, pela manhã cedo, depois de costurar umas horas, e antes de que Bianca despertasse, dirigia-se aos estábulos e acariciava ao formoso corcel de cabelo castanho. Na França, antes que a Revolução tivesse destruído seu lar e arrasado o estilo de vida de sua família, ela estava acostumada cavalgar horas inteiras antes do café da manhã. Estas tranqüilas horas iniciais da manhã quase a faziam esquecer a morte e o fogo que presenciou. O parque era especialmente formoso em junho, quando as árvores se inclinavam sobre os atalhos talheres de cascalho e projetavam sua sombra, formando formosos e pequenos retalhos de luz solar sobre os vestidos das mulheres. Bianca sustentava uma sombrinha formando ângulo com sua cabeça, e tratava assim de conservar pálida sua pele. Ao olhar a Nicole, a jovem inglesa emitiu um grunhido. A tola moça tinha deixado o chapéu de palha no assento, entre ambas, e o ar acariciava os reluzentes cabelos negros. A luz do sol arrancava faíscas aos olhos da francesa; os braços que sustentavam as rédeas eram esbeltos, com leves curva em alguns lugares. Bianca desviou o olhar com desgosto. Seus próprios braços eram excepcionalmente brancos e brandamente arredondados, como correspondia a uma mulher.

—Nicole!—exclamou Bianca—. Ao menos uma vez poderia te comportar como uma dama? Ou pelo menos recordar que eu o sou? Já é bastante desagradável que me vejam com uma mulher médio nua, mas além nos leva voando neste carro.

Nicole arrumou o magro xale de algodão sobre os ombros nus, mas não ficou o chapéu. Obediente, falou com cavalo e o obrigou a reduzir a velocidade. Pensou: “um pouco mais, e já não terei que obedecer as ordens da Bianca”.

de repente; a tranqüilidade da tarde se viu quebrada pela presença de quatro homens a cavalo.

Montavam animais grandes, de patas grosas, mais apropriados para atirar de um carro que para ser montados. Era anormal que houvesse forasteiros no atalho, e sobre tudo homens que sem dúvida não eram cavalheiros. Tinham as roupas puídas, e manchados suas calças de veludo cotelê. Um dos homens vestia uma camisa de algodão de mangas largas, com grandes raia vermelhas e brancas.

Durante um ano inteiro Nicole tinha vivido na França dominada pelo terror. Desde que a turfa enfurecida assaltou o castelo de seus pais, ela e o avô se esconderam depois de uma cômoda, e depois fugiram protegidos pela fumaça negra que brotava da casa em chamas. Agora reagiu com presteza. Advertiu a ameaça representada pelos homens, e usou o comprido látego para açular a garupa do cavalo e obrigá-lo a trotar.


Bianca caiu pesadamente sobre a almofada de cabelo de cavalo da carruagem, e emitiu uma breve exclamação antes de gritar a Nicole:

—O que está fazendo? Não me tratará assim!

Nicole não lhe fez caso e olhou por cima do ombro aos quatro homens que tinham chegado ao atalho onde a carruagem estava um momento antes. Sabia que estava muito longe das casas, no centro mesmo do parque, e duvidava que alguém lhes ouvisse se gritavam.

Bianca, que aferrava com força a manga de sua sombrinha, conseguiu voltar-se para averiguar qual era o objeto de atenção da Nicole; mas os quatro homens não a atemorizaram. Seu primeiro pensamento foi perguntar-se como era possível que essa chusma entrasse no parque de um cavalheiro. Um dos homens agitou o braço, para indicar a seus companheiros que o seguissem, e se lançou depois da carruagem que fugia. Os homens montavam a cavalo torpemente, e se aferravam às cadeiras tanto como às rédeas; o movimento do corpo não acompanhava harmonicamente ao das cavalgaduras, e em troca golpeavam uma e outra vez a cadeira com movimentos duros e pesados.

Bianca voltou os olhos para a Nicole, e também ela se atemorizou, pois ao fim compreendeu que os homens as perseguiam.

—Não pode conseguir que esse pangaré vá mais depressa? —gritou, aferrando-se aos flancos da carruagem—. Mas este não tinha sido construído para avançar a grande velocidade.

Os homens, que exigiam a maior velocidade possível a seus cavalos lentos e maciços, compreenderam que as mulheres lhes escapavam. O homem da camisa raiada tirou uma arma de seu largo cinto e disparou um tiro que passou sobre a carruagem e atravessou a orelha esquerda do cavalo.

O animal começou a deter-se e a carruagem caiu sobre as patas do animal quando este se deteve bruscamente, de uma vez que Nicole atirava com força das rédeas. Bianca gritou outra vez e se acurrucó em um rincão da carruagem, com o braço lhe cobrindo a cara, enquanto Nicole permanecia de pé, com as pernas muito abertas para afirmar-se e uma mão em cada rédea.

—Quieto, moço! —ordenou, e o cavalo foi tranqüilizando-se gradualmente; mas tinha uma expressão selvagem nos olhos. Nicole atou as rédeas frente da carruagem, apeou-se e se aproximou do animal; acariciou-lhe o cangote com as mãos, lhe falando meigamente em francês enquanto apoiava a bochecha contra o focinho.

—Olhe isso, companheiro. Não sente o mais mínimo medo do animal que sangra. Nicole olhou aos quatro homens que rodeavam a carruagem.

—Jovencita, você sabe dirigir um cavalo —disse um dos homens—. Nunca vi nada semelhante.

—E olhe que pequena é. Será um verdadeiro prazer levá-la conosco.

—Um momento —ordenou o homem da camisa de raias, que sem dúvida era o chefe—.

Como sabemos que é ela? E esta?

—Assinalou a Bianca, que continuava acurrucada em um rincão da carruagem, tratando sem êxito de desaparecer em seu interior. A jovem tinha a cara branca de terror.

Nicole permaneceu em silêncio, sustentando com as mãos a cabeça do cavalo. A seus olhos, isto era a repetição do horror que tinha vivido na França, de modo que tinha bastante experiência para guardar silêncio enquanto procurava o modo de fugir.

—É ela —disse um dos homens, assinalando a Nicole—. Sei distinguir a uma dama.

—Quem é Bianca Maleson? —perguntou o homem da camisa a raias. Tinha o largo queixo coberto pela barba de vários dias.

Nicole pensou que se tratava de um seqüestro. Quão único tinham que fazer as mulheres era demonstrar que o pai da Bianca não possuía dinheiro suficiente para pagar um resgate.

—É ela —disse Bianca e se ergueu no assento. Com seu braço gordinho assinalou a Nicole—. Ela é a condenada dama. Eu trabalho a seu serviço.


—O que lhes havia dito? —observou um dos homens—. Esta não fala como uma dama.

Já vos pinjente que é a outra.

Nicole permaneceu imóvel, com as costas reta, o queixo alto, observando a Bianca, cujo olhar refletia o sentimento de triunfo. Sabia que nada podia fazer nem dizer; de todos os modos, os homens a levariam consigo. É obvio, quando soubessem que era uma refugiada francesa que não tinha um xelim, liberariam-na, pois perderiam as esperanças de obter resgate.

—De modo que é assim, jovem —disse um dos homens—. Virá conosco. E oxalá se mostre sensata e não nos conduza dificuldades.

Nicole só pôde menear a cabeça, sem dizer uma palavra.

O homem lhe ofereceu a mão e ela a aceitou; deslizou um pé no estribo, junto ao do cavaleiro. Um instante depois estava sobre a cadeira, frente a ele, e seus dois pés pendiam a ambos os lados do cavalo.

—É uma beleza, verdade? —perguntou o homem—. Não sente saudades que ele queira que a levemos. Note, soube que era uma dama assim que a vi. Sempre as conhece pelo modo de comportar-se.

Sorriu satisfeito ante sua própria sabedoria. Rodeou a cintura da Nicole com um braço peludo, e com movimentos torpes apartou o cavalo da carruagem imóvel.

Bianca permaneceu imóvel vários minutos, contemplando ao grupo. É obvio, alegrava-a que seu rápido engenho lhe tivesse permitido escapar dos homens, mas estava zangada porque esses estúpidos não tinham visto nela à dama. Quando o silêncio voltou a reinar no parque, começou a olhar de novo a seu redor. Estava sozinha. Não sábia conduzir a carruagem, de modo que não via como poderia retornar a sua casa. A única forma era caminhando. Quando seu talão toco o cascalho e as pedras pressionaram sua pele através da magra lâmina de couro, amaldiçoou a Nicole porque lhe provocava tais sofrimentos. E quando ao fim chegou, estava tão zangada que tinha esquecido por completo o seqüestro. Só depois, quando ela e seu pai concluíram um jantar de sete pratos, mencionou-lhe o assunto. Jacob Maleson estava quase dormido, e disse que esses homens sem dúvida liberariam à moça de todos os modos, pela manhã falaria com as autoridades.

Bianca se dirigiu a seu dormitório, e pensou no modo de encontrar outra donzela. meu deus, todas eram tão ingratas!

A planta baixa da estalagem era uma habitação larga com paredes de pedra que convertiam o lugar em um ambiente frio e escuro. Na habitação havia várias mesas largas de cavalete. Os quatro seqüestradores estavam sentados nos bancos frente a uma das mesas. Ante eles havia terrinas de louça grosa, cheios com um tosco guisado de carne, e cada um tinha uma alta jarra de cerveja. Os homens se sentavam apenas sobre os duros bancos. Um dia a cavalo era uma experiência nova para eles, e o estavam pagando, porque sentiam dolorido todo o corpo.

—Não confio nela, e isso é tudo —. Disse um dos homens—. A vejo muito silenciosa. Parece muito inocente com esses olhos grandes, mas digo que está planejando algo. E é algo que nos trará dificuldades.

Os três homens restantes o escutaram, e em seus rostos se desenhou a preocupação. O primeiro homem continuou:

—Já sabem como é ele. Não quero correr o risco de perdê-la. Quão único desejo é levá-la a América, entregar-lhe como nos ordenou e que não haja inconvenientes.

O homem da camisa a raias bebeu um comprido sorvo de cerveja.

—Joe tem razão. Uma dama que pode dirigir um cavalo como o fez ela não temerá fugir. Alguém se oferece para vigiá-la toda a noite?

Os homens gemeram ao sentir a dor de seus músculos. Tinham contemplado a possibilidade de maniatar à prisioneira, mas nesse sentido as ordens eram muito rigorosas. Não deviam lhe fazer o mais mínimo dano.

—Joe, recorda quando aquele médico te deu uns pontos no peito?


Joe assentiu desconcertado.

—Recorda esse pó branco que te deu e que te provocou o sonho? Parece-te que poderia conseguir um pouco?

Joe passeou o olhar pelos restantes clientes da estalagem. Formavam uma variada coleção, de um casal de ratos de boca-de-lobo a um elegante cavalheiro que estava sozinho em um rincão. Joe sabia que com um grupo assim poderia comprar o que lhe desejasse muito.

—Acredito que posso consegui-lo —disse.

Sentada no bordo da cama, no sujo cuartito da planta alta, Nicole olhou a seu redor. Já se tinha aproximado da janela e descoberto que havia um cano de deságüe que corria o comprido da parede, e o teto de um depósito imediatamente debaixo da janela. Depois, quando estivesse mais escuro e o pátio se esvaziasse, possivelmente arriscaria a fuga. Por seu posto, podia dizer sua verdadeira identidade aos homens, mas ainda era um pouco cedo, porque ainda estavam a poucas horas de distância do lar da Bianca. perguntou-se como teria retornado Bianca à casa e quantas horas lhe teria levado percorrer o trajeto se tinha tido que caminhar. Depois, o senhor Maleson necessitaria um tempo para encontrar à autoridade do condado, difundir o alarme e organizar a busca. Não, ainda era muito cedo para revelar sua identidade aos homens. Essa noite tentaria fugir-se e se fracassava, pela manhã os tiraria de seu engano. Então, deixariam-na em liberdade. Rogava a Deus que esses indivíduos não se encolerizassem.

Quando se abriu a porta voltou os olhos por volta dos quatro homens que entraram em cuartito.

—Trouxemo-lhe algo de beber. Chocolate autêntico da América do Sul. Veja, um de nós viajou e trouxe isto.

De modo que eram marinhos! Foi o que pensou Nicole enquanto aceitava o jarro. Como não o tinha advertido antes? Por isso se mostravam tão torpes a cavalo, e as roupas que vestiam cheiravam de um modo tão estranho.

Enquanto bebia o delicioso chocolate, começou a relaxar-se, e a calidez e a doçura da bebida se difundiram por todo seu corpo; permitiram-lhe compreender que cansada estava. Tratou de concentrar sua atenção no plano de fuga, mas seus pensamentos passaram de um tema a outro, e começaram a perder claridade. Elevou os olhos para os homens inclinados sobre ela, observando-a ansiosamente como babás gigantescas e barbudas, e sem saber muito bem porquê, sentiu o desejo de tranqüilizá-los. Sonriendo, fechou os olhos e se adormeceu.

Nicole não despertou nas vinte e quatro horas seguintes. Teve a imprecisa idéia de que a elevavam, de que a manipulavam como se fora uma menina. Intuiu que às vezes alguém manifestava preocupação por ela, e tratou de sorrir e afirmar que estava bem, mas não atinava a pronunciar as palavras. Sonhou constantemente, e recordou o castelo de seus pais, e o balanço sob o salgueiro no jardim; sorriu ao recordar os momentos felizes passados na casa do moleiro, com o avô. Ela estava acostumada balançar-se em uma rede, movendo-se brandamente quando o tempo era muito quente.

Quando abriu lentamente os olhos, o balanço do sonho não cessou. Mas em lugar de árvores viu sobre ela uma fileira de pranchas. Que estranho, pensou, certamente alguém tinha armado uma plataforma sobre a rede, e se perguntou tranqüilamente para que servia isso.

—De modo que se despertou! Disse a esses marinheiros que lhe deram muito ópio. E é realmente estranho que tenha conseguido despertar. Os homens sempre fazem mal as coisas. Venha, preparei-lhe um pouco de café. É bom, e está muito quente.

Ao voltar-se, Nicole elevou o olhar enquanto uma mulher deslizava uma mão grande sob as costas da jovem francesa, e virtualmente a levantava da cama. Certamente, não estava em um jardim a não ser em um pequeno quarto nu. Possivelmente a droga tinha determinado que sentisse esse balanço.

Não sentia saudades que tivesse sonhado com uma rede.

—Onde estamos? Quem é você? —conseguiu perguntar enquanto bebia o café forte e quente.


—Ainda está enjoada verdade? Sou Janie, e o senhor Armstrong me contratou para cuidá-la.

Nicole a olhou aos olhos. O nome do Armstrong lhe disse algo, mas não podia recordar o que.

Quando o café negro começou a lhe esclarecer a consciência, olhou ao Janie. Era uma mulher alta e

ossuda, de rosto largo, com bochechas que pareciam sempre rosadas, e recordou a Nicole a uma babá que ela tinha tido muitos anos antes. Janie exsudava um ar de confiança e sentido comum, um sentimento de segurança e serenidade.

—Quem é o senhor Armstrong?

Janie tomou a taça vazia e voltou a enchê-la.

—Em efeito, deram-lhe muito dessa droga. O senhor Armstrong .Clayton Armstrong. Agora o recorda? O homem com quem você deve casar-se.

Nicole piscou depressa, bebeu mais café da cafeteira que se encontrava sobre um pequeno braseiro de carvão, e começou a recordá-lo tudo.

—Temo-me que houve um engano. Não sou Bianca Maleson, e não estou comprometida com o senhor Armstrong.

—De modo que... —começou a dizer Janie, e se sentou no camastro inferior—. Querida, acredito que será melhor que me narre a história completa.

Quando Nicole concluiu, pôs-se a rir.

—Como vê, estou segura de que os homens me deixarão livre logo que conheçam a verdade.

—Janie guardou silêncio.

—Não o farão?

—Acredito que o assunto é mais complicado do que você crie —opinou Janie—. Em primeiro lugar, faz doze horas que navegamos caminho a América.


Capítulo 2

Atônita, Nicole contemplou a habitação. Um navio! O recinto em que se encontrava era um lugar nu, com as paredes, o chão e o teto de carvalho; e contra uma parede dois camastros. Havia muito pouco espaço do camastro até a outra nua parede, salvo um olho de boi redondo. Viu uma porta ao fundo da habitação, e sobre o outro extremo caixas e baús formando uma pilha, tudo bem sujeito com cordas sujeitas ao muro. Haviam um armário desço em um rincão, e sobre ele um braseiro. de repente, Nicole compreendeu que o balancero era o movimento de um navio sobre o mar em calma.

—Não compreendo —disse—. por que alguém quer me seqüestrar... ou seqüestrar a Bianca... e levá-la a América?

Janie se aproximou de um dos baús e levantou a tampa. Retirou uma pequena pasta de couro assegurado com uma cinta.

—Acredito que será melhor que isto leoa.

Desconcertada, Nicole abriu o pacote. Dentro havia duas folhas de papel, cobertas com uma escritura ampla e enérgica. Começou a ler.

Minha querida Bianca:

Confio em que ao ler isto Janie lhe terá explicado isso tudo. Também abrigo a esperança de que não te zangará muito em vista de meus métodos pouco ortodoxos para me reunir contigo. Sei que é uma filha bondosa e obediente, e também que te preocupaste muito pela saúde de seu pai. Eu estava disposto a te esperar enquanto ele se encontrava muito doente; mas agora não posso esperar mais.

Escolhi um casco de navio correio para te trazer para a América porque são mais velozes que outros. Janie e Amos receberam instruções de comprar todos os mantimentos que necessite para a viagem, e de confeccionar um novo guarda-roupa, pois com a pressa de seu embarque não terá seus próprios vestidos. Ela é uma excelente costureira.

Embora já está viajando para te reunir comigo, não confio em que tudo saia bem. Por conseguinte, ordenei ao capitão que nos case por poderes. Depois, embora seu pai te encontrasse antes de que chegasse aqui, já seria minha. Sei que em tudo isto demonstro certa arbitrariedade, mas deve me perdoar e recordar que o faço porque te amo e me sinto muito solo sem ti.

A próxima vez que nos vejamos já será minha esposa. Conto as horas até que chegue esse momento.

Com todo meu amor, Clay

Nicole sustentou a carta na mão durante vários instantes, e teve a sensação de que estava bisbilhotando um documento muito pessoal e íntimo, que não tinha sido destinado a ela. Sorriu apenas. Sempre tinha ouvido dizer que os norte-americanos eram muito pouco românticos, mas este homem tinha concebido um complicado plano de seqüestro para reunir-se com a mulher a quem amava.

Olhou ao Janie.

—Parece um homem muito simpático, e evidentemente está muito apaixonado. Invejo a Bianca.

Quem é Amos?

—Clayton o enviou comigo para protegê-la, mas durante a viagem para a Inglaterra houve uma enfermidade a bordo. —Desviou os olhos; pois não lhe agradava recordar o episódio no que cinco pessoas tinham morrido —. Amos não sobreviveu.


—Sinto-o —disse Nicole e ficou de pé—. Devo falar com o capitão e esclarecer isto.

—Ao ver sua própria imagem refletida no espelho que se encontrava sobre o armário, fez uma pausa. Tinha os cabelos em desordem, e lhe caíam sobre a cara em cachos curtos e grossos—.

Sabe onde posso encontrar um pente?

—Sinta-se, eu lhe pentearei. Nicole obedeceu de boa vontade.

—Sempre é tão... tão impetuoso?

—Quem? Ah, refere-se ao Clay.— Janie sorriu com simpatia—. Não sei se for impetuoso ou arrogante. Está acostumado a conseguir o que deseja. Quando ideou este plano lhe disse que sairia mal mas riu de mim. Agora estamos juntas no meio do oceano. E me tocará o turno de rir quando ele a veja.

Voltou a cabeça da Nicole e inclinou a cara de modo que lhe desse a luz.

—Embora pensando-o bem, não acredito que um homem ria de você —disse, ao jogar pela primeira vez uma boa olhada a Nicole... Os olhos grandes eram surpreendentes, mas Janie pensou que o que interessaria mais a um homem era a boca. Não era muito grande, mas tinha os lábios carnudos e de uma cor intensa. E parecia insólito que o lábio superior fosse maior que o inferior. Era uma combinação extraordinária, e Janie supôs que fascinaria aos homens.

Com um leve rubor Nicole apartou a cara.

—É obvio, não conhecerei senhor Armstrong. Preciso retornar a Inglaterra. Uma prima me convidou a participar com ela em uma loja. economizei quase todo o dinheiro que necessito.

—Oxalá possa retornar. Mas esses homens da coberta não me agradam. —Janie indicou o teto do camarote com um gesto da cabeça—. Disse ao Clay que não me agradavam, mas não quis me escutar. É o homem mais obstinado que pisa na Terra.

Nicole voltou os olhos para a carta depositada sobre a cama.

—Certamente a um homem apaixonado podem perdoar-se o certas coisas.

—Hum! —Resmungou Janie—. Você pode falar assim, mas o certo é que nunca teve que tratar com ele.

Ao abandonar o camarote e subir a estreita escada que levava a coberta principal, Nicole sentiu a suave brisa marinha que lhe acariciava os cabelos, e esboçou um sorriso. Ao deter-se, advertiu que vários homens a olhavam. Os marinheiros a observavam avidamente, e ela se ajustou melhor o xale.

Sabia que o magro vestido de linho certamente lhe aderia ao corpo, e de repente teve a sensação de que estava de pé, nua ante os homens.

—Que deseja jovencita? —perguntou um deles, cujos olhos percorreram o corpo da Nicole.

Esforçando-se por não dar um passo atrás, ela respondeu:

—Desejo ver o capitão.

—E estou seguro de que também lhe agradará vê-la.

Nicole não fez caso das risadas dos homens que estavam a seu redor enquanto seguia ao marinheiro até uma porta que estava na parte dianteira do navio; ali, o marinheiro chamou brevemente. Quando o capitão rugiu que entrassem, o marinheiro abriu a porta e médio empurrou a Nicole para o interior. Depois, fechou novamente.

Uma vez que seus olhos dispuseram de um momento para adaptar-se ao ambiente, a jovem advertiu que o camarote tinha dobro tamanho que o que ela e Janie compartilhavam. Havia uma grande janela a um lado, mas o cristal estava tão sujo que entrava pouca luz. Sob a janela havia uma cama suja e desordenada, e em meio da habitação uma mesa grande e pesada, atarraxada ao chão e coberta de cartas e mapas enrolados e abertos.

Quando um rato cruzou correndo o chão, a jovem conteve uma exclamação. Uma risada sonora como um trovão a induziu a olhar para um rincão escuro, e ao homem que estava sentado ali. Aparecia com o rosto escurecido por causa da barba, as roupas em desordem, e em uma mão sustentava uma garrafa de rum.

—Hão-me dito que você é uma maldita dama. Será melhor que se acostume aos ratos deste navio, tanto às de dois como às de quatro patas.

—Você é o capitão? —perguntou ela, e avançou um passo.

—Sou-o. Se você pode afirmar que um casco de navio correio é uma nave, eu sou o capitão.

—Posso me sentar? Desejaria conversar com você. Com a garrafa de rum assinalou uma cadeira.

Nicole relatou sua história com palavras breves e claras. Quando concluiu, o capitão continuou guardando silêncio.

—Quando acredita que poderemos retornar a Inglaterra?

—Não retorno a Inglaterra.

—Mas, quando poderei voltar? Você não entende. Isto é uma terrível confusão. O senhor Armstrong...

Ele a interrompeu.

—Moça, tudo o que sei é que Clayton Armstrong me contratou para seqüestrar a uma dama e levar-lhe a América. — Olhou-a com os olhos entrecerrados—. Agora que a vejo, não se parece muito à descrição.

—Claro, porque não sou sua prometida.

O capitão fez um gesto de desprezo e bebeu um grande sorvo de rum.

—O que me importa quem é você? Ele disse que você poria alguns obstáculos ao matrimônio, mas que eu devia proceder de todos os modos.

Nicole ficou de pé.

—Matrimônio! Não pensará que... —começou a dizer, mas se serenou—. O senhor Armstrong está apaixonado pela Bianca Maleson, e deseja casar-se com ela. Eu sou Nicole Courtalain. Jamais vi ao senhor Armstrong.

—Isso é o que você diz. por que não disse imediatamente a meus homens quem era?

por que esperou tanto tempo?

—Pensei que eles me liberariam tão logo soubessem quem era, mas desejava estar bastante longe da Bianca, para ter a certeza de que ela se encontrava a salvo.

—Esta Bianca é a mulher gorda que disse aos homens quem era você?

—Em efeito, Bianca disse isso. Mas sabia que eu estaria a salvo.

—Ao demônio se sabia! Pretende que cria que você guardou silêncio para proteger a uma cadela que de boa vontade a entregou aos seqüestradores? Não posso acreditar isso. Você deve pensar que sou estúpido.

Não havia nada que Nicole pudesse dizer.

—Adiante. Saia daqui enquanto penso no assunto. E ao sair, diga ao homem com quem veio que desejo vê-lo.

Quando Nicole partiu e o capitão e o primeiro oficial estiveram sozinhos, o capitão disse:

—Acredito que já está informado, porque passa a maior parte do tempo escutando junto às portas.

Sonriendo, o primeiro oficial se sentou. O e o capitão tinham navegado juntos muito tempo, e o primeiro oficial sabia que era útil conhecer os planos do mais velho.

—Bem, o que se propõe fazer? Armstrong disse que se ocuparia de que nos detiveram por causa dessa carga de tabaco que desapareceu o ano passado... se não lhe levávamos a sua esposa.

O capitão bebeu um sorvo de rum.

—Sua esposa... é o que esse homem deseja, e é o que receberá.


O primeiro oficial refletiu um momento.

—E se ela está dizendo a verdade e não é a pessoa com quem ele deseja casar-se?

—Imagino que há dois modos de considerar o problema. Se ela não for a mulher Maleson, a não ser a outra, Esta Armstrong pretendendo casar-se com uma cadela que é uma mentirosa e que parece disposta a trair a seu melhor amiga. Por outra parte, essa bonita dama de cabelos negros possivelmente seja Bianca e está mentindo para evitar o casamento com o Armstrong. Em qualquer caso acredito que pela manhã deveríamos celebrar umas bodas.

—E o que me diz do Armstrong? —perguntou o primeiro oficial—. Se descobrir que está casado com a mulher equivocada, não me agradaria me achar perto.

—Também eu o pensei. Proponho-me cobrar meu dinheiro antes de que ele a veja, e depois partir imediatamente da Virginia. Não acredito que ele se detenha para comprovar se ela for ou não é a que quer.

—Acredito que coincido com você. Agora bem como convencemos a damita? Não parece lhe interessar muito a idéia do matrimônio!

O capitão alcançou ao primeiro oficial a garrafa de rum.

—Posso idear vários modos de convencer a essa muñequita.

—Entendo que não pôde induzir ao capitão a devolvê-la a Inglaterra —disse Janie quando Nicole retornou ao reduzido camarote.

—Não —disse Nicole, sentada sobre a cama—. É mais, pareceu que não me acreditava quando lhe disse quem era. Não sei porquê, mas me pareceu que acreditava que eu estava mentindo.

Janie emitiu um grunhido.

—Um homem como esse provavelmente jamais havia dito a verdade em sua vida, e por isso não acredita que ninguém a diga. Bem, pelo menos podemos gozar juntas da viagem. Confio em que você não se sentirá muito nervosa.

Nicole tratou de ocultar seus sentimentos, e sorriu à corpulenta mulher. Sim, sentia-se muito decepcionada. depois de viajar a América e uma vez que retornasse, sua prima teria encontrado outra sócia. E além disso, pensava no dinheiro economizado, que estava oculto em um desvão da casa da Bianca. Ao esfregá-las gemas dos dedos e sentir os muitos pontos dolorosos, ali onde a agulha tinha perfurado a pele, (porque Nicole estava acostumada trabalhar à luz de uma vela muito pequena e muito troca) pensou quanto lhe havia flanco ganhar esse dinheiro.

Mas não demonstraria sua decepção ao Janie.

—Sempre quis conhecer a América —disse—. Possivelmente possa permanecer uns dias antes de retornar a Inglaterra. OH, Meu deus!

—O que acontece?

—Como nota promissória minha passagem de volta? —perguntou, os olhos muito grandes ao pensar no novo problema.

—Pagar! —estalou Janie—. Lhe asseguro que Clayton Armstrong pagará sua volta. Repeti-lhe muitas vezes que não fizesse isto, mas foi como lhe falar com uma parede de tijolos. E

possivelmente; depois de ver a América não quererá retornar a Inglaterra. Como sabe, ali, há muitíssimas lojas.

Nicole lhe falou do dinheiro que tinha economizado e escondido.

Durante uns minutos Janie não disse uma palavra. De acordo com a versão do seqüestro oferecida pela Nicole, Bianca era inocente, e tinha feito o necessário; mas Janie tinha escutado algo mais que as palavras, e se perguntava se o dinheiro da Nicole estaria ali quando retornasse.

—Tem apetite? —perguntou Janie, e abriu um baú que havia a seu lado.

—Vá, sim, tenho apetite. Em realidade, muito —disse Nicole, e foi olhar o interior do baú. Nesses tempos, antes de que os navios se ocupassem de alimentar aos passageiros, cada um tinha que levar sua própria comida para manter-se durante a prolongado viagem. De acordo com a destreza do navegante, a rapidez do navio, os ventos, as tormentas e os piratas, uma viagem podia durar de trinta a noventa dias, se em realidade chegava.

No baú havia ervilhas e favas secas, e quando Janie abriu outro, Nicole viu carne de vaca e pescado salgado. Em outro baú havia farinha de aveia, batatas, pacotes de verduras, farinha de trigo, bolachas secas e uma caixa de limões e limas.

—Clay também ordenou ao capitão que comprasse algumas tartarugas, de modo que teremos sopa de tartaruga fresca.

Nicole contemplou os mantimentos.

—O senhor Armstrong parece um homem muito considerado. Quase estou desejando que me oferecesse a possibilidade de me casar com ele.

Janie começava a pensar o mesmo enquanto se voltava e abria as portas do armário que estava em uma esquina, e tirava uma alta e estreita banheira individual. A pessoa que se banhava podia sentar-se nela, com os joelhos recolhidos, e a água a cobria até os ombros.

Os olhos da Nicole titilaram.

—Vá, que luxo! Quem tivesse pensado que uma viagem em navio podia ser tão cômodo?

Com as bochechas ruborizadas de prazer, Janie sorriu. Tinha temido a possibilidade de uma viagem através do oceano com uma dama inglesa, pois pensava que os ingleses eram uns terríveis esnobes e adoradores da monarquia. Mas Nicole era francesa, e os franceses compreendiam as revoluções.

—Temo-me que teremos que usar a água de mar, e que levará muito tempo esquentá-la sobre esse fogareiro; mas será suficiente para dar um banho.

Umas horas mais tarde, depois de um banho delicioso, Nicole se deitou no camastro inferior; estava poda, alimentou-se e se encontrava fatigada. Foi necessário muito tempo para esquentar água suficiente para dois banhos. Janie tinha protestado, dizendo que ela tinha que servir a Nicole; mas a jovem tinha insistido em que não era a prometida do Clayton, e portanto podia ser unicamente a amiga do Janie. Depois, Nicole lavou seu único vestido e o pendurou a secar; e agora o gentil balanço do navio estava adormecendo-a.

À manhã seguinte bem cedo Janie se recolheu os cabelos em um ajustado e pequeno coque antes de começar a pentear os da Nicole. Tirou uma prancha e alisou o vestido da Nicole. A jovem francesa pôs-se a rir e disse que o senhor Armstrong tinha pensado em tudo.

de repente se abriu bruscamente a porta para dar passo a um dos seqüestradores da Nicole.

—O capitão deseja vê-la...agora.

O primeiro pensamento da Nicole era que, depois de tudo, esse homem tinha decidido devolvê-la a Inglaterra; e de boa vontade partiu atrás do marinheiro, seguida a curta distância pelo Janie.

Com um brusco movimento, o marinheiro devolveu ao Janie à habitação.

—Não quer falar com você...somente com ela. Janie começou a protestar, mas Nicole a interrompeu.

—Estou segura de que não haverá dificuldades. Talvez ele compreendeu que eu lhe disse a verdade.

Apenas Nicole entrou no camarote do capitão, supôs que algo andava mau. O capitão, o primeiro oficial e outro homem a quem ela nunca tinha visto, pareciam esperar algo.

—Talvez deva apresentar a estas pessoas —disse o capitão—. Desejo que todo se faça como corresponde. Ele é médico. Pode costurar feridas, ou fazer o que for necessário, e este é Frank, meu primeiro oficial. Acredito que você já o conhece. O sexto sentido que Nicole tinha adquirido durante o terror na França a levou a experimentar novamente um sentimento de pânico. como sempre, seus olhos refletiram o que sentia.

—Não tenha medo —disse Frank—. Desejamos falar com você. E além disso, é o dia de suas bodas. Não permitirá que outros digam que se casou a contra gosto, verdade?


Nicole começou a entender.

—Não sou Bianca Maleson. Sei que o senhor Armstrong ordenou celebrar um matrimônio por poder, mas eu não sou a mulher que ele deseja.

Frank lhe dirigiu um olhar sensual.

—Acredito que você é exatamente o que qualquer homem quereria. Falou o médico.

—Jovem, tem provas de sua identidade?

Nicole retrocedeu um passo para a porta, e meneou brevemente a cabeça. Seu avô tinha destruído os poucos documentos que ela conseguiu resgatar durante a fuga, pois considerava que a vida de ambos podia depender de que a gente não soubesse quem eram.

—Meu nome é Nicole Courtalain. Nasci na França, sou refugiada, e estive vivendo em casa da senhorita Maleson. Tudo isto é um engano.

O capitão falou.

—estivemos conversando, e chegamos à conclusão de que não importa quem é você. Meu contrato diz que devo levar a América à prometida do Clayton Armstrong, e me proponho fazer precisamente isso.

Nicole ergueu as costas.

—Não me casarei contra minha vontade!

depois de um breve gesto do capitão, Frank cruzou a habitação, e aproximou bruscamente a Nicole lhe rodeando a cintura com um braço; com o outro lhe sujeitou os braços.

—Essa sua boquita esteve me enlouquecendo desde que a vi —murmurou, apertando-a com força de modo que ela teve que aproximar sua boca a do marinho.

Nicole se sentiu dão desconcertada que não pôde reagir imediatamente. Jamais a tinham tratado desse modo. Inclusive quando tinha vivido com o moleiro e sua família, a gente do entorno tinha consciência de sua identidade, e a tratava com muito respeito. Esse homem cheirava a pescado e suor; era terrível. Os braços do primeiro oficial lhe cortaram a respiração; sua boca tocava a da Nicole de um modo que lhe provocava náuseas. Apartou a cabeça e gritou:

—Não!

—Terá mais disto — disse Frank, e lhe mordeu com força o pescoço, passou logo a mão suja pelo ombro da Nicole. Com um movimento violento lhe arrancou o vestido, e com ele a camisa, e o seio da Nicole ficou exposto ao contato do Frank e aos olhos dos dois homens restantes. A mão grande do Frank se fechou sobre a carne, e seu polegar lhe acariciou asperamente o mamilo.

—Não, por favor —murmurou Nicole, debatendo-se.

—Já é suficiente —ordenou o capitão. Frank não a soltou imediatamente.

—Oxalá não se case com o Armstrong —murmurou, lhe jogando na cara o fétido fôlego; mas se separou dela, e Nicole tratou de arrumar seu vestido. Com os joelhos frouxos, desabou-se sobre uma cadeira, e se passou o dorso da mão pela boca, segura de que jamais voltaria a senti-la poda.

—Parece que não lhe agrada muito —disse rendo o capitão antes de ficar sério e sentar-se em uma cadeira frente a Nicole—. Você acaba de ver o que lhe acontecerá se não aceitar este matrimônio.

Se não ser a esposa do Armstrong, será uma mulher abandonada por todos, e eu posso usá-la como desejo. Mas em primeiro lugar jogarei pela amurada a essa mulher Armstrong.

Nicole o olhou fixamente.

—Janie? Não lhe tem feito nada. Isso seria assassinato.


—O que me importa? Acredita que posso me aproximar novamente à costa da Virginia se não fazer o que Armstrong diz? E o que menos desejo é uma testemunha do que permitirei que os homens façam a você.

Nicole se encolheu na cadeira, e se mordeu o lábio inferior.

—Veja, senhora —disse Frank—, estamo-lhe oferecendo uma alternativa, e ao fazê-lo somos muito bondosos. — Os olhos do homem não se separaram do vestido, rasgado no peito—. Ou se casa com o Armstrong ou vem a minha cama. Quer dizer, depois que o capitão acabe com você. E depois, quando eu acabe com você... — interrompeu-se e sorriu—. Acredito que a essa altura das coisas não ficará muito. — inclinou-se para diante e apoiou um dedo sujo sobre o lábio superior da Nicole—.

Nunca tive uma mulher com a boca ao reverso. Estou pensando em todas as coisas que poderia obrigar a fazer a essa boca.

Nicole apartou a cabeça e sentiu que lhe revolvia o estômago. O capitão a observava.

—O que decide? Armstrong ou Frank e eu?

Concentrando sua atenção na necessidade de respirar profundamente, tratou de pensar.

Sabia que era importante manter a mente clara e encontrar uma solução.

—Casarei-me com o senhor Armstrong —disse com voz neutra.

—Eu sabia que era inteligente —disse o capitão— Nesse caso, querida, terminemos de uma vez.

Estou seguro de que você retornará à... segurança de seu camarote.

Nicole assentiu e ficou de pé, sempre sustentando o vestido com a mão.

—Frank representará ao senhor Armstrong. Tudo é perfeitamente legal. Armstrong ordenou a seu advogado que redigisse documentos onde declara que eu posso escolher a um homem que será seu representante.

Aturdida, Nicole permaneceu de pé frente ao capitão, quem executaria a cerimônia, e o médico, que seria a testemunha.

Frank respondeu rapidamente as perguntas do capitão no curso da cerimônia tradicional, mas quando o capitão perguntou:

—Bianca, aceita a este homem como seu legítimo marido? — Nicole recusou falar. Era tudo tão injusto! Tinham-na seqüestrado, afastado de um país ao que já estava acostumando-se, e pretendiam casá-la contra sua vontade. Sempre tinha sonhado com suas próprias bodas, com o vestido de cetim azul, e rosas em qualquer parte. Em troca, estava em um sujo camarote, o vestido esmigalhado, a boca machucada e acompanhada de um sabor repugnante. Nos três últimos dias a tinham sacudido de um extremo a outro como se tivesse sido uma folha em uma corrente turbulenta.

Mas não renunciaria a seu próprio nome! Pelo menos podia aferrar-se a isso, embora todo o resto estivesse fora de controle.

—Meu nome é Nicole Courtalain —afirmou com voz firme.

O capitão começou a falar, mas o doutor o propinó uma cotovelada.

—O que me importa? —protestou e releu a frase e inseriu em nome da Nicole em lugar do nome da Bianca.

Ao término da cerimônia, apresentou cinco anéis de ouro de diferentes tamanhos, e deslizou o mais pequeno no dedo da Nicole.

A cerimônia tinha concluído.

—Devo beijar à esposa? —disse lascivamente Frank.

O doutor aferrou o braço da Nicole e a separou do homem para aproximá-la à mesa que estava no centro da habitação. Tomou uma pluma e escreveu algo, e depois se voltou e entregou a pluma a Nicole.

—Tem que assinar —disse, e apresentou o certificado de matrimônio.

Ela tinha os olhos cheios de lágrimas, e deveu enxugar-lhe pois lhe turvavam a vista. O doutor tinha cotado seu verdadeiro nome no certificado de matrimônio. Ela, Nicole Courtalain, era já a esposa do Clayton Armstrong. Escreveu depressa seu nome ao pé da página.

Observou aturdida como Frank assinava ao pé do documento. Já era legal.

O doutor a tirou do braço e a acompanhou fora do camarote do capitão. Nicole estava tão confundida que retornou ao seu antes de adverti-lo sequer.

—Escute, querida —disse o médico—. Lamento muito tudo isto, pois acredito que em efeito você não é a senhorita Maleson. Entretanto, me crie, foi melhor que aceitasse a cerimônia. Não conheço senhor Armstrong, mas estou seguro de que será fácil conseguir a anulação do matrimônio quando você chegue a América. As alternativas eram... muito piores. E agora, darei-lhe um conselho: sei que a viagem será larga, mas permaneça todo o possível em seu camarote. Não permita que os homens a vejam em coberta. O capitão não vale muito, mas controla a seus homens... até certo ponto. Mas é necessário que você ajude conseguindo que os homens esqueçam sua presença, pelo menos até onde seja possível. Compreende-me?

Nicole assentiu.

—E sorria. A coisa não é tão grave como parece. América é um formoso país. Possivelmente nem deseje retornar a Inglaterra.

Em efeito, Nicole conseguiu sorrir.

—É o que diz Janie.

—Bem, isso está melhor. Agora, recorde o que lhe hei dito, e trate de pensar em sua chegada ao novo país.

—Farei-o. E obrigado —disse enquanto se voltava e entrava em minúsculo habitáculo.

Durante um momento o médico permaneceu imóvel. Pessoalmente acreditava que Armstrong era um estúpido se permitia que uma mulher como essa lhe escapasse.

—esteve ausente muito tempo! —disse Janie quando Nicole retornou; de repente sua voz se elevou

—. O que aconteceu a seu vestido? O que lhe têm feito?

Nicole se desabou em sua cama, e se cobriu os olhos com o braço.

de repente, Janie lhe aferrou a mão esquerda e examinou o reluzente anel de ouro.

—Estive com o Clay quando comprou estes anéis. Conseguiu cinco tamanhos para estar seguro de que algum ajustasse bem. Sem dúvida, o capitão reteve os restantes. Não é assim?

Nicole não respondeu, e com a mão estendida examinou o anel ao mesmo tempo que Janie. O que significava exatamente? Acaso esse fragmento de ouro a atava à promessa que acabava de fazer de amar e honrar a um homem a quem alguma vez tinha visto?

—por que aceitou a cerimônia? —perguntou Janie, enquanto tocava do pescoço da Nicole, onde estava formando uma chamativa marca vermelha. Nicole fez uma careta. Esse era o lugar onde Frank a tinha mordido.

Janie se ergueu.

—Não é necessário que me diga isso. Imagino o que aconteceu. O capitão queria ter a certeza de que receberia o dinheiro do Clay —disse, e apertou os lábios—. Maldito seja Clay Armstrong! me perdoe, mas todo isso é por sua culpa. Se não fora tão condenadamente obstinado, não tinha acontecido nada de tudo isto. Ninguém conseguiu fazê-lo refletir. Não, queria a seu Bianca, e estava disposto a tê-la. Sabe que falou com quatro capitães de navio antes de encontrar a um tão miserável que aceitasse realizar o seqüestro? E agora veja o que aconteceu! Aqui está você, uma moça inocente, maltratada por uma turma de sujos indivíduos, ameaçada com métodos repugnantes,

obrigada a casar-se com alguém a quem nem sequer conhece, e a quem, provavelmente, depois disto, não queira conhecer.

—Por favor, Janie, em realidade não é tão grave. O doutor disse que os homens não nos incomodariam, posto que agora estou casada com o senhor Armstrong, e sei que a você não farão nada. Estou segura de que quando chegarmos a América será possível anular o matrimônio.


—A mim! —disse irritada Janie—. Devi saber que esses canalhas a pressionariam profiriendo ameaça contra minha pessoa. E você nem sequer me conhece! —apoiou a mão no ombro da Nicole

—. Não importa o que você pretenda do Clay; uma anulação ou o que seja, eu me ocuparei de que o consiga. Direi-lhe o que penso, e em términos que ele jamais escutou antes. Juro que o obrigarei a compensar tudo... o tempo esbanjado na viagem de ida e volta através do oceano, o dinheiro que economizou para essa loja, Y... —de repente se deteve em metade da frase, e olhou divertida os baús dispostos contra a parede.

Nicole se sentou lentamente no camastro.

—O que acontece? Alguma dificuldade?

No rosto largo do Janie se desenhou um sorriso de pura perversidade.

—“Compra o melhor, Janie” —me disse. E estava aí, de pé no mole, com o ar que tem sempre, como se fosse o proprietário do lugar, e insistia em que eu comprasse o melhor.

—Do que está falando?

Janie estava como em transe olhando os baús absorta. Avançou um passo para eles.

—Disse que nada era muito bom para sua esposa —observou Janie, e seu sorriso se alargou—.

Clayton Armstrong, pagará caro tudo isto.

Nicole apoiou os pés no chão e olhou desconcertada ao Janie. Do que estava falando esta mulher?

—Clay entregou um saco de ouro, e me disse que comprasse os melhores tecidos possíveis, os adornos mais custosos. Disse que podia ajudar a sua esposa a confeccionar vestidos durante o comprido viaje. —Sorriu—. As peles podiam ficar a cargo de um peletero norte-americano.

—Peles? —Nicole recordou a carta—. Janie, esses tecidos são para a Bianca, não para mim. Não podemos costurar de acordo com minhas medidas; jamais lhe sentariam bem.

—Não tenho nenhuma intenção de confeccionar objetos para uma mulher a quem jamais vi —disse Janie, enquanto tratava de desatar um nó—. Clay disse que os objetos eram para sua esposa, e pelo que sei, você é a única esposa que ele tem.

—Não! Isso não está bem. Não posso aceitar algo que está destinado a outra mulher.

Janie deslizou a mão sob o travesseiro do camastro mais alto e tomou um grande molho de chaves.

—Decidirei-o eu, não você. Por uma vez, agradaria-me ver algo que Clayton não possa comprar nem ter com apenas pedi-lo. Todas as jovens da Virginia estão loucas por ele, e entretanto, precisa escolher a uma mulher inglesa que certamente nem sequer o aceita.

Abriu um baú e levantou com cuidado a tampa Lisa; sorriu ao ver o conteúdo.

Nicole não pôde conter sua curiosidade. aproximou-se do Janie e observou o interior do baú; conteve uma exclamação ao ver o conteúdo. Fazia anos que não via sedas, e menos ainda sedas de tal qualidade.

—Os ingleses temem ao que eles chamam as classes inferiores, de modo que fingem ser parte delas.

Na América todos são iguais. Se a gente pode costear-se coisas bonitas, não teme as usar. —Retirou um retalho reluzente e delicado de seda azul safira, e com ela rodeou um dos ombros da Nicole, apartou-a um pouco, e assegurou amplamente o tecido à cintura da jovem—.

O que lhe parece isto?

Sustentando a um momento à luz, Nicole esfregou o gênero contra sua bochecha e se moveu ao sentir o roce nos braços nus. Era um prazer sensual e pecaminoso.

Janie estava abrindo outro baú.

—E o que lhe parece isto para a cintura? —Retirou uma larga cinta de cetim azul escuro e a envolveu ao redor da cintura da Nicole. poderia-se ter pensado que o baú inteiro estava loja de comestíveis de cintas e bandagens.

Abriu outro baú.


—Um xale, senhora? —sugeriu rendo, e antes de que Nicole pudesse falar, retirou pelo menos uma dúzia de xales—: um tecido escocês, uma cachemira inglesa, algodão índio, encaixe do Chantilly.

Nicole admirou assombrada a abundância e a beleza, enquanto Janie abria um baú atrás de outro.

Havia veludos, tecidos, percais, lãs suaves, plumas de cisne, tules, organdis, braçadeiras de luto e delicados encaixes franceses.

Janie bailoteaba em meio dessa prodigiosa riqueza, e Nicole pôs-se a rir. Todo isso era muito.

sentou-se na cama, e Janie começou a lhe pôr em cima os diferentes tecidos, e ambas as mulheres começaram a rir e a envolver-se com escarlates e turquesas, verdes e rosados. Foi um episódio absurdo e lhe regozijem.

—Mas ainda não viu o melhor — anunciou rendo Janie enquanto se desprendia de um comprido gênero de tul rosado e de encaixe negro da Normandía. Quase em atitude reverente abriu um grande baú que estava ao fundo da pilha, e tirou um enorme manguito de pele.

—Sabe que pele é esta? —perguntou minta a deixava no regaço da Nicole.

Nicole afundou a cara na pele larga e espessa, sem fazer caso das seis cores de seda envoltos ao redor de seu braço e da transparente gaze a Índia que lhe envolvia o pescoço. Somente havia uma pele tão luxuosa, tão escura, tão profunda, tão espessa que quase podia afogar-se nela.

—Cebellina —disse em voz baixa, com expressão reverente.

—Sim —confirmou Janie—. Cebellina.

Com a pele em suas mãos, Nicole olhou ao redor. O pequeno camarote estava repleto de cores que relampejavam ou se impunham, giravam ou permaneciam imóveis, e parecia que todos estavam vivos e respiravam. Nicole sentiu desejos de mergulhar-se neles e abraçá-los. Em sua vida não tinha existido a beleza desde dia em que saiu do castelo de seus pais.

—Bem, por onde deseja começar? Nicole olhou ao Janie e rompeu a rir.

—Contudo! —riu, e estreitou contra seu corpo o manguito, e de um chute despediu voando seis plumas de avestruz.

Enquanto retirava de suas pernas um xale brilhante, Janie tomou várias revistas do interior de um baú.

—A Galeria da Moda Heidldoff — leu—. Estimada senhora Armstrong, escolha sua arma, e eu lhe mostrarei meu baú de aços, quer dizer, de alfinetes e agulhas.

—Janie, seriamente não posso.— sua voz já não trasuntaba convicção enquanto roçava seu próprio braço com a pele de cebellina, enquanto pensava que bem podia dormir com ela.

—Não quero ouvir uma só palavra mais. Agora, se acreditar que pode retirar seu braço dessa coisa, devolvamos estes tecidos a seu sítio e comecemos. depois de tudo, somente dispomos de um mês.


Capítulo 3

A princípios de agosto de 1794, o pequeno casco de navio correio chegou ao porto da Virginia.

Janie e Nicole apareceram ao corrimão de proa, e contemplaram com interesse o mole mais à frente do qual começava um denso bosque. Sentiram que o fechamento tinha terminado. Durante a última semana da viagem tinham falado somente de mantimentos... quer dizer, de mantimentos frescos.

Mencionavam as verduras e as frutas, as muitas novelo que logo maturariam, e o plano que tinham de comer um pouco de cada coisa, e nata fresca e manteiga. Janie desejava, sobretudo, consumir morangos, e Nicole simplesmente queria ver coisas vivas e verdes que crescessem da terra de fresco aroma.

Tinham passado costurando os largos dias de fechamento, e poucas dos luxuosos tecidos não se converteram em objetos para o Janie ou para a Nicole. A jovem se pôs um vestido de musselina bordado com minúsculas violetas, com uma fileira de cinta violeta no baixo. sujeitava-se os cabelos com outra cinta violeta. Tinha os braços nus, recebendo a calidez do sol poente.

As mulheres tinham conversado enquanto costuravam. Nicole quase sempre escutava, pois não desejava relatar a ninguém o episódio no que capturaram a seus pais, e menos ainda, quando a separaram de seu avô. Falou com o Janie de sua infância no castelo da família, e em seu relato o palácio parecia uma casa de campo comum. Também lhe contou do ano que ela e o avô tinham passado com a família do moleiro. E Janie riu quando Nicole falou com bastante conhecimento técnico da qualidade dos grãos que passavam pela pedra de moer.

Mas a maior parte do tempo, a conversação tinha estado a cargo do Janie. Narrou sua própria infância em uma granja pequena e pobre, a poucos quilômetros do Arundel Hall, que era o nome da casa do Clayton. Ela tinha dez anos quando nasceu Clay, e a mulher explicou que estava acostumado a levar nas costas ao menino quando era muito pequeno. Janie viveu o final de sua adolescência durante a Revolução Norte-americana. Como muitos agricultores virginianos, seu pai tinha semeado tabaco em todos seus campos. Foi à quebra quando o mercado inglês se fechou.

Durante vários anos ele e Janie tinham vivido na Filadelfia, um lugar odiado pelo Janie.

Quando morreu seu pai, retornou ao lugar que para ela sempre tinha sido sua casa, quer dizer, Virginia.

Explicou que ao retornar tinha encontrada muitas mudanças no Arundell Hall. Os pais do Clay tinham morrido de cólera vários anos antes. James, irmão maior do Clay, casou-se com a Elizabeth Stratton, filha do supervisor da plantação Armstrong. E enquanto Clay estava na Inglaterra, James e Elizabeth tinham morrido em um trágico acidente.

O menino a quem Janie tinha conhecido já não existia. Em seu lugar viu um jovem arrogante e exigente, que trabalhava como um demônio. Enquanto na Virginia uma plantação atrás de outra quebrava, Arundell Hall prosperava.

—Olhe —disse Nicole, e assinalou para a água—. Não é o capitão? —O corpulento homem ocupava um pequeno bote, um dos marinheiros estava a cargo dos remos.

A vários metros de distância do casco de navio correio flutuava uma enorme fragata; com os flancos arrepiados com duas filas de canhões. Muitos homens transportavam vultos e subiam e desciam pela larga engomada. Enquanto as mulheres observavam, o capitão baixou ao mole, vários minutos antes que sua própria nave que ainda estava manobrando no porto. O capitão subiu levantada engomada, passou à ponte da fragata, e se dirigiu para a proa da nave.

As mulheres estavam bastante longe, e os homens sobre coberta pareciam pequenos.

—Esse é Clay! —exclamou de repente Janie.

Nicole olhou assombrada ao homem que falava com o capitão, mas de longe se parecia com todos outros.

—Como pode sabê-lo?

Janie se pôs-se a rir. alegrava-se muito de voltar para casa.


—Quando conhecer ao Clay, compreenderá-me —disse, voltou-se bruscamente e se afastou da Nicole.

Forçando a vista para ver o homem que era seu marido, Nicole moveu nervosamente o anel que levava em sua mão esquerda.

—Vamos —disse Janie, e lhe pôs uma luneta na mão—. Olhe bem.

A pesar da luneta, os homens pareciam pequenos, mas Nicole pôde sentir a presença do homem que falava com o capitão. Tinha um pé apoiado em um fardo de algodão, o outro sobre coberta.

inclinava-se para diante, seu antebraço apoiado no joelho dobrado. Inclusive inclinado, era mais alto que o capitão.

Vestia calças rodeadas de tecido castanha e botas de couro negro até os joelhos. Na cintura levava um cinturão de couro negro de seis ou sete centímetros de largura. A camisa tinha as mangas recolhidas, e estava aberta ao pescoço; os braços mostravam a pele bronzeada pelo sol. Desde essa distancia ela não podia dizer muito em relação à cara, mas os cabelos castanhos estavam recolhidos depois da nuca.

Deixou a luneta e se voltou para o Janie.

—Não, nada disso —disse Janie—. Vi muitas vezes essa expressão. Que um homem seja alto e arrumado não é motivo para que ceda ante ele. Enfurecerá-se terrivelmente cuado descubra o que aconteceu, e se não saber te confrontá-lo atribuirá toda a culpa—

Nicole sorriu a seu amiga, e em seus olhos havia uma expressão vivaz.

—Em todo caso, você nunca disse que era alto e arrumado —observou burlonamente.

—Tampouco disse que fora feio. Agora, quero que retorne ao camarote e espere, porque pelo que conheço o Clay estará aqui em poucos minutos. Quero falar com ele antes que ninguém, e lhe explicar o que fez esse canalha do capitão. Agora parta!

Nicole obedeceu a seu amiga, e retornou à pequena e escura habitação, e quase experimentou um sentimento de nostalgia ante a necessidade de abandoná-la. Ela e Janie tinham chegado a intimar muito nos últimos quarenta dias.

Seus olhos acabavam de adaptar-se à escassa luz quando de repente se abriu bruscamente a porta.

Um homem que sem dúvida era Clayton Armstrong irrompeu na pequena estadia, e seus largos ombros ocuparam todo o espaço, até que Nicole teve a sensação de que ambos se encontravam em um recinto muito reduzido.

Clay não deu tempo a seus olhos para adaptar-se. Viu só o perfil de sua esposa. Estirou o comprido braço e a atraiu para si.

Nicole começou a protestar, mas então a boca do Clay encontrou a da jovem e ela já não pôde falar.

A boca desse homem tinha um sabor limpo, era forte, exigente mas ao mesmo tempo tenro, e ela não fez mais que um débil intento de apartá-lo. Os braços que a sustentavam estreitavam com mais força, e ele a elevou, de modo que os pés da Nicole logo que tocaram o chão. Sentiu o peito do homem que pressionava duramente sobre a suavidade feminina. Nicole sentiu que o coração começava a lhe pulsar com mais força.

Só tinha sido beijada assim quando a aferrou Frank, o primeiro oficial, mas não podiam comparar-se ambas as coisas. O moveu a cabeça, e elevou a mão para sustentar a nuca da Nicole. Ela sentiu que se deprimia, que se afogava. Rodeou com os braços o pescoço do homem e o aproximou mais a ela. Sentiu sua respiração sobre a bochecha.

Enquanto ele passava da boca à bochecha, ela sentiu os dentes sobre o lóbulo da orelha, e lhe afrouxaram os joelhos. A língua do Clay tocou o pescoço feminino.

Com um rápido movimento lhe aconteceu o braço sob os joelhos, elevou-a e aproximou ainda mais o corpo da Nicole. Aturdida, ela soube só que desejava mais e mais dele, jogou para trás a cabeça e lhe ofereceu seus lábios.

O a beijou com verdadeira ânsia, e ela respondeu com a mesma paixão. E quando Clay se aproximou da cama, sempre estreitando o corpo da jovem, isso pareceu um gesto natural. Ela desejava unicamente tocá-lo, mantê-lo perto. Deixou-a em cima da cama, se que seus lábios se apartassem nunca, e passou uma perna forte e pesada sobre ela. A mão enérgica lhe percorreu o braço nu. E quando lhe tocou o seio através das roupas, Nicole gemeu e arqueou seu corpo para aproximá-lo do do Clay.

—Bianca —murmurou ao ouvido da Nicole—. Minha tenra, meu doce Bianca.

Nicole não recuperou imediatamente o sentido. A paixão que sentia era muito intensa.

Só pouco a pouco cobrou consciência do lugar em que estava e do que não era.

—Por favor —disse, uma mão apoiada no peito do Clay; mas essa vez falou com voz tensa e débil.

—Está bem, meu amor, —disse ele, a voz profunda e clara, seu fôlego contra a bochecha da Nicole.

Os cabelos do Clay roçavam o rosto da Nicole, e cheiravam à terra que ela tanto tinha ansiado tocar outra vez. Fechou um instante os olhos.

—Esperei-te muito tempo, meu amor —disse ele—. Meses, anos, séculos. Agora sempre estaremos juntos.

As palavras conseguiram despertar a Nicole. Eram palavras de amor, palavras íntimas destinadas a outra mulher. Ela podia acreditar que as carícias que a tinham aturdido lhe pertenciam, mas as palavras correspondiam a outra.

—Clay —disse em voz baixa.

—Sim, amor? —respondo ele e beijou a pele suave ao redor da orelha da jovem. Tinha o corpo grande e forte ao lado da Nicole, em parte sobre ela. Nicole quase sentia que tinha estado esperando isso a vida inteira. Parecia-lhe natural aproximá-lo mais e por sua mente passou a idéia de que podia arrumar-lhe de modo que ele descobrisse a verdade pela manhã. Mas desprezou imediatamente essa possibilidade porque considerou que era desonesta.

—Clay, não sou Bianca. Sou Nicole.

Vacilou ante a idéia de lhe dizer que era sua esposa.

Durante um momento ele continuou beijando-a, mas de repente moveu bruscamente a cabeça, e ela sentiu que o corpo lhe endurecia e que a olhava fixamente na escuridão. Com um só movimento abandonou o camastro. Um instante antes estava em braços da Nicole, e ao seguinte ela se sentiu vazia. Temeu que o que aconteceria pouco depois. Parecia que ele conhecia o camarote ou outro parecido, porque sabia onde encontrar uma vela; e pouco depois o cuartito esteve iluminado.

Nicole piscou enquanto se sentava, e pela primeira vez pôde ver bem a seu marido. Janie havia dito a verdade ao falar de sua arrogância. refletia-se nos gestos. Tinha os cabelos mais claros que o que ela tinha acreditado, como iluminados pela luz do sol. As sobrancelhas espessas formavam um arco sobre os olhos escuros e o nariz grande e bem desenhado que avançava sobre a adulação, uma boca que ela sabia que era suave, mas a que agora formava uma linha tensa e colérica. Tinha o queixo forte e duro, e os músculos bem riscados.

—Muito bem, quem demônios é você, e onde está minha esposa? —perguntou.

Nicole ainda estava aturdida. Ao parecer, ele podia conter sua paixão com muita rapidez, mas a Nicole não acontecia o mesmo.

—foi um terrível engano.

—Vejo que outra pessoa está no camarote de minha esposa. —Sustentou em alto a vela e olhou os baús dispostos contra a parede—. Acredito que são propriedade do Armstrong.

—Sim, é assim. Se me permitir isso, explicarei-lhe. Bianca e eu estávamos juntas quando...

—Ela está aqui? Diz que viajou com ela?

Era difícil explicar a situação porque não lhe permitia concluir nem sequer uma frase.

—Bianca não está aqui. Não veio comigo. Se me escutar, eu...

O depositou a vela sobre o armário, aproximou-se e a dominó com sua estatura; as pernas bem separadas, as mãos nos quadris.

—Não veio com você! Que demônios significa isso? paguei ao capitão deste navio para celebrar um matrimônio por poder e trazer minha esposa a América. E agora, quero saber onde está!


Nicole também ficou de pé. Não a intimidava que sua cabeça chegasse só ao ombro de seu interlocutor, nem que o minúsculo camarote os aproximasse ainda mais; em todo caso, eram mais inimigos que amantes.

—estive tratando de lhe explicar, mas seu total falta de maneiras impede minha comunicação, portanto...

—Quero uma explicação, não uma lição de bons maneiras. Nicole começava a zangar-se.

—Você é grosseiro e torpe... muito bem, explicarei-lhe... eu sou sua esposa, quer dizer, se você for Clayton Armstrong. Disso não tenho a menor ideia, pois sua grosseria impede uma verdadeira conversação.

—Você não é meu Bianca.

—Me alegro de lhe dizer que não o sou. Como é possível que ela aceitasse casar-se com um indivíduo tão insuportável... —Se interrompeu, pois não desejava zangar-se. Durante mais de um mês tinha tratado de adaptar-se à idéia de que era a esposa do Clayton Armstrong, mas ele tinha abordado a nave esperando encontrar a Bianca, e em troca tinha achado a uma desconhecida.

—Senhor Armstrong, lamento esta situação. Realmente posso lhe oferecer uma explicação. O se apartou um passo, e se sentou sobre um baú.

—Como descobriu que o capitão não tinha visto a Bianca? —perguntou ele com voz mais serena.

—Não o entendo.

—Estou seguro de que me entende. Sem dúvida, você se inteirou de que ele não a conhecia, e decidiu substituir a Bianca. O que acreditava que uma mulher era tão boa como outra? Direi-lhe uma coisa, é indubitável que você sabe receber a um homem. Acreditou que me induziria a esquecer a meu Bianca ao substitui-la com seu formoso cuerpecito?

Nicole retrocedeu um passo; com os olhos bem abertos, o estômago contraído por causa das palavras do Clayton Armstrong.

Clay a percorreu de cima abaixo com olho crítico.

—Acredito que tivesse podido ter pior sorte. Entendo que você convenceu ao capitão de que nos casasse.

Nicole assentiu em silêncio, e lhe formou um nó na garganta. As lágrimas brotaram de seus olhos.

—Esse é um vestido novo? conseguiu que Janie acreditasse em você? por acaso se formou um novo guarda-roupa a minha costa? —de novo ficou de pé—. Muito bem, considere seu o guarda-roupa.

O dinheiro perdido evitará que seja tão ingênuo e crédulo a próxima vez. Mas não receberá de mim nem um céntimo mais. Retornasse comigo a minha plantação, e este matrimônio, se pode chamar-se assim, será anulado. E logo que termine o episódio, embarcará na primeira nave que retorne a Inglaterra. Está claro?

Nicole tragou saliva.

—Prefiro dormir nas ruas antes que passar outro minuto com você —disse com voz serena.

Armstrong se aproximou dela, e contemplou os rasgos tintos de oro pela luz da vela.

Passou um dedo sobre o lábio superior da jovem.

—E onde se não ter estado dormindo? —perguntou, mas saiu do camarote antes de que ela pudesse responder.

Nicole se apoiou contra a porta, com o coração angustiado, e novas lágrimas brotaram de seus olhos. Quando Frank lhe passou sobre o corpo as mãos sujas ela tinha conseguido conservar o orgulho, mas quando Clay a tocou se comportou como uma mulher da rua. O avô sempre lhe tinha recordado quem era: por suas veias corria sangue de reis. Havia aprendido a caminhar erguida, a cabeça alta, e inclusive quando a turfa tinha miserável a sua mãe, ela manteve a cabeça alta.

O que o engano da Revolução Francesa não tinha podido fazer a um membro da antiga família Courtalain, tinha-o obtido um norte-americano tosco e prepotente. Envergonhada, recordou como se rendeu por completo ao contato desse homem, e como inclusive tinha desejado continuar na cama com ele.

Com movimentos rápidos se tirou o vestido de fina musselina que levava e ficou um objeto mais pesado e mais prática. Dobrou a delicada musselina e a depositou em um dos baús. O vestido que levava a chegar ao navio tinha sido descartado pelo Janie depois de que Frank o rasgasse.

De um baú retirou uma folha de papel de cartas, inclinou-se sobre o armário e escreveu.

Estimado senhor Armstrong:

Confio em que ao receber esta, Janie o terá encontrado para lhe explicar alguma das circunstâncias que conduziram a nosso equivocado matrimônio.

É obvio, tem razão com respeito aos vestidos. Só por vaidade, virtualmente cheguei a lhe roubar.

Farei todo o possível para lhe reembolsar o valor dos tecidos. Pode me levar um tempo, mas tratarei de saldar essa dívida quanto antes. Como primeiro pagamento, deixo-lhe um relicário que tem certo valor monetário. É o único objeto de valor que possuo. Rogo-lhe que me desculpe por tão escasso valor.

Com respeito a nosso matrimônio, conseguirei a mais pronta anulação possível, e lhe notificarei.

Sinceramente Nicole Courtalain Armstrong.

Nicole releu a carta e a deixou sobre o pequeno armário. Com mãos trementes se tirou o relicário.

Inclusive na Inglaterra, onde tanto tinha necessitado obter alguma soma de dinheiro, negou-se a perder o relicário de ouro afiligranado que continha discos ovalados de porcelana com os retratos de seus pais. Sempre o tinha posto.

depois de beijar os pequenos retratos, o único objeto que recordava a seus pais, depositou-o sobre a carta. Possivelmente era melhor romper de tudo com o passado, pois devia abrir-se passo em um país novo... e sozinha.

Fora estava completamente escuro, mas o amplo mole se encontrava iluminado por tochas acesas.

Nicole caminhou serenamente pela ponte e baixou a engomada; os marinheiros estavam muito atarefados descarregando a nave e não a emprestaram atenção. O extremo oposto do mole estava sumido em sombras e tinha um aspecto temível, mas Nicole compreendeu que devia chegar até ali.

Quando já estava quase ao começo do bosque, viu o Clayton e ao Janie reunidos sob uma tocha.

Janie falava com expressão colérica ao Clay, e o homem alto parecia escutar em silêncio.

Não havia tempo que perder. Tinha muito que fazer. Precisava chegar ao povo mais próximo e encontrar emprego e refúgio. Quando se separou das luzes do mole, pareceu-lhe que o bosque a tragava; as árvores pareciam muito escuros, muito altos e formidáveis. Todos os relatos que tinha escutado a respeito da América retornaram a sua mente. Era um lugar povoado por índios sanguinários, um sítio onde pululavam bestas estranhas que destruíam às pessoas e a propriedade. O

ruído de seus passos era o único som no bosque, mas teve a sensação de que havia muitos outros movimentos deslizantes, gemidos e grunhidos, passados subrepticios, e passos mais pesados.


Caminhou barias horas. depois de um momento começou a cantarolar uma cancioncilla francesa que o avô lhe ensinou; mas antes de que passasse muito mais tempo compreendeu que suas pernas não poderiam levá-la mais longe se não descansava. Mas, onde? Seguiu por um estreito atalho, onde não encontrou mais que um vazio escuro.

—Nicole— murmurou para si mesmo—, não tem por que temer. O bosque é o mesmo durante a noite e durante o dia.

Suas palavras valorosas não lhe serviram de muito, mas reuniu toda a coragem possível e se sentou junto a uma árvore. Imediatamente sentiu que o musgo úmido lhe manchava o vestido. Mas estava muito fatigada para preocupar-se. Se acurrucó, recolheu os joelhos até que quase lhe tocaram o peito, descansou a bochecha sobre o braço e se adormeceu.

Quando despertou pela manhã, advertiu que uns olhos enormes a olhavam. Com uma exclamação se incorporou, e assustou ao coelhinho curioso que tinha estado observando-a. riu de seus tolos temores, e olhou a seu redor. As primeiras luzes da manhã atravessavam a folhagem das árvores, o

bosque parecia cordial e acolhedor. Mas quando se esfregou o pescoço rígido e depois tratou de ficar de pé, Nicole descobriu que lhe doía todo o corpo, e que tinha o vestido úmido e os braços frios. A noite anterior nem sequer tinha advertido que ia desfazendo seu penteado, de modo que os cabelos penduravam ao redor do pescoço em forma de mechas enredadas. Com movimentos pressurosos tratou de recompor seu aspecto.

Essas poucas horas de sonho a tinham reanimado, tanto, que avançou pelo estreito atalho com mais energia que antes. Durante a noite não se havia sentido muito segura de si mesmo, mas pela manhã compreendeu que tinha feito o que convinha. As acusações do senhor Armstrong não podiam ser toleradas, e ela conseguiria lhe pagar e recuperar assim seu orgulho.

Por volta de meia amanhã sentiu muito apetite. Ela e Janie tinham comido muito pouco durante os dois dias anteriores à chegada, e os ruídos de seu estômago o recordaram.

Por volta do meio-dia chegou a uma paliçada que protegia um horta com centenares de macieiras, vários com alguns frutos quase amadurecidos, e uns poucos no meio do horta carregados de maçãs grandes e amadurecidas. Nicole quase tinha superado a paliçada quando ouviu a voz do Clayton Armstrong que a acusava de roubo. Essa lembrança a induziu a deter-se antes de concluir seu encargo. O que lhe estava acontecendo desde que tinha chegado a América? Estava convertendo-se em uma benjamima, em uma pessoa pouco honrada.

A contra gosto retrocedeu para afastar-se da paliçada. Embora sua mente se tranqüilizou, seu estômago protestou energicamente.

Por volta da metade da tarde chegou a um arroio de bordas levantadas; tinha dolorosa consciência do cansaço de suas pernas e pés. Pareceu-lhe que tinha caminhado dias inteiros, e entretanto não via signos de civilização alguma. A paliçada tinha sido o único signo de trabalho humano.

Com movimentos cuidadosos, desceu para as águas do arroio, sentou-se em uma rocha, desabotoou-se os sapatos, os tirou e afundou os pés na água fresca. Tinha os pés com ampolas; a água lhe fez bem.

Um animal saiu dos arbustos que estavam detrás da jovem e correu para a água. Sobressaltada, Nicole se voltou com um movimento brusco. O pequeno mapache se sentiu tão impressionado de vê-la como Nicole de ver o animal. voltou-se imediatamente e fugiu para o interior do bosque.

Nicole riu de seu próprio medo. Decidiu recolher seus sapatos, bem a tempo para vê-los afastar-se, arrastados pela água. recolheu-se a saia e foi por eles, mas o arroio era mais profundo do que parecia, e a corrente muito mais rápido. Logo que tinha completado dez passos quando escorregou e caiu, a saia pega contra o corpo, e enredada nas pernas; de repente, um pouco aguado se afundou na cara interior de sua coxa.

Necessitou vários minutos para incorporar-se e separar a saia, mas a perna não a sustentou. aferrou-se ao ramo de uma árvore que se tendia sobre a água, e a utilizou para voltar para a borda. Quando ao fim esteve em terra firme, levantou-se a saia para inspecionar o dano. Viu um corte comprido e regular na cara interior da coxa esquerda, que estava sangrando profusamente. Rasgou sua camisa e cobriu cuidadosamente a ferida, apertando os dentes para conter o dor. Com outra parte da camisa enfaixou fortemente a ferida, e depois de vários minutos a hemorragia cessou. Finalmente, aplicou uma última vendagem à perna.

A dor da ferida, o esgotamento e a debilidade provocada pela fome foram excessivas para ela.

recostou-se sobre a areia e o cascalho da borda do arroio, e dormiu.

A chuva despertou. O sol quase se pôs, e os bosques de novo apareciam povoados de sombras. Com um sobressalto, Nicole se sentou, e se levou ambas as mãos à cabeça até que o atordoamento passou. Doía-lhe a cabeça, e se sentia débil; seu corpo inteiro parecia protestar. Era difícil manter-se de pé, mas a chuva fria a levou a compreender que tinha que encontrar um refúgio. Os pés ampollados lhe enviavam fulgores de dor a seu cérebro quando se afirmava sobre eles, mas já não tinha sentido procurar os sapatos na escuridão e a chuva.

Caminhou comprido momento, e já começava a sentir que seu corpo não lhe pertencia, e que o sofrimento não a afetava. Tinha os pés feridos e sangrantes, mas continuou caminhando. A chuva nunca tinha sido mais que uma garoa fria, e parecia que cessaria. Fazia várias horas que tinha perdido toda compostura em seus cabelos, que penduravam como uma massa fria e úmida até a cintura.

Dois animais grandes lhe aproximaram, e emitiram surdos grunhidos; nos olhos mostravam uma luz sinistra. Ao apartar-se deles, apoiou-se contra uma árvore e os olhou aterrorizada.

—Lobos —murmurou.

Os animais se aproximaram; ela se apertou ainda mais contra a árvore, e compreendeu que seriam os últimos minutos de sua vida. Pensou que morreria muito jovem, e que ainda tinha muito que fazer.

de repente, um corpo grande, o de um homem, apareceu montando um cavalo. Nicole tratou de comprovar se era real ou um produto de sua imaginação, mas a cabeça lhe doía tanto que não posso achar a resposta.

O homem ou a aparição, o que fosse, desmontou e recolheu umas pedras do chão.

—Fora daqui! —gritou, e arrojou as pedras aos cães. Estes se voltaram depressa e fugiram.

O homem se aproximou da Nicole.

—por que demônios não lhes disse que partissem?

Nicole o olhou. Inclusive na escuridão, o tom imperativo do Clayton Armstrong era inconfundível.

—Acreditei que eram lobos —murmurou.

—Lobos! —resmungou ele—. Nada disso. Só cães procurando um bocado. Está bem, já cometeu bom número de tolices. Venha a casa comigo.

voltou-se como se soubesse que ela o seguiria. Nicole não tinha forças para discutir. Em realidade, não tinha força para nada. Avançou um passo para afastar da árvore; as pernas lhe afrouxaram e a jovem se derrubou.


Capítulo 4

Clay logo que teve tempo de recolhê-la antes de que caísse ao chão. Conteve seu discurso a respeito da estupidez das mulheres quando viu que ela estava quase inconsciente. Os traços nus estavam frios, úmidos e pegajosos. Ajoelhado, apoiou-a contra seu peito, tirou-se a jaqueta, e com esse objeto a envolveu. Quando a elevou em braços, surpreendeu-o comprovar que era muito liviana.

Montou-a sobre seu cavalo, e a sustentou enquanto ele montava detrás dela.

Percorreram uma distância bastante larga antes de chegar à plantação.

Nicole tratou de sentar-se muito erguida para evitar o contato com ele. Inclusive em seu estado de esgotamento, sentia o ódio desse homem.

—Vamos, apóie-se, acalme-se. Prometo que não a morderei.

—Não —murmurou ela—. Você me odeia. Deveu permitir que os lobos me apanhassem, tivesse sido melhor para todos.

—Hei-lhe dito que não eram lobos, e não a ódio. Acredita que teria dedicado tanto tempo a procurá-

la se a odiasse? Agora, recoste-se.

Os braços que a sustentavam eram fortes, e quando Nicole apoiou a cabeça no peito do Clay se alegrou de estar outra vez perto de um ser humano. Os episódios dos últimos dias giraram em sua cabeça. Pareceu-lhe que nadava em um rio, e que havia sapatos vermelhos ao redor. Os sapatos tinham olhos e rugiam para assustá-la.

—Rua. Agora está a salvo. Os sapatos ou os lobos não poderão apanhá-la. Estou com você, e não há perigo.

Inclusive em sonhos, ela o ouviu e se tranqüilizou quando sentiu sua mão lhe esfregar o braço com um movimento satisfatório e quente.

Quando Clay deteve o cavalo, Nicole abriu os olhos e contemplou a alta casa que se levantava ante eles. Clay desmontou primeiro e elevou os braços para recebê-la. Nicole, um tanto reanimada pelo momento que tinha dormido, tratou de recuperar a dignidade.

—Obrigado, mas não necessito ajuda —disse e começou a desmontar. A debilidade do corpo exausto e faminto a traiu, e caiu sobre o Clay com bastante força. Clay se limitou a inclinar-se a recolhê-la em seus braços.

—Você traz mais dificuldades que seis mulheres juntas —disse, e caminhou para a porta.

Ela fechou os olhos e apoiou a cabeça contra o peito do Clay, e pôde ouvir o batimento do coração forte e regular do coração. Na casa, ele a depositou em uma grande poltrona de couro, e a abrigou melhor com a jaqueta antes de lhe servir uma taça de brandy.

—Quero que fique aqui e isto bebê. Entende-me? Retornarei em poucos minutos. Devo atender a meu cavalo. Se se mover antes de que eu volte, porei-a sobre meus joelhos e lhe darei uns açoites.

Está claro?

Ela assentiu, e Clay partiu. Não podia ver a habitação na qual estava pois a escuridão era muito densa, mas supôs que esse tratava de uma biblioteca, porque cheirava a couro, a tabaco, a tinta e a azeite de linhaça. Aspirou profundamente. Era a habitação de um homem. Ao ver a taça de brandy na mão, comprovou que ele quase a tinha cheio. Sorveu lentamente Delicioso! Fazia muito tempo que não provava nada parecido. Como o primeiro sorvo de brandy começou a esquentá-la, bebeu um gole mais abundante. Os dois dias de jejum a tinham debilitado por completo, e o brandy lhe subiu imediatamente à cabeça. Quando Clay retornou, a jovem sorria perversamente, e a taça de brandy bailoteaba entre seus dedos.

—Bebi-o tudo —disse—. Até a última gota.

Não gaguejava como um bêbado comum, mas acentuava as palavras intensamente.

—Quanto tempo faz que não come?

—Dias —respondeu ela—, semanas, anos, nunca, sempre.


—Está bem —grunhiu Clay—. As duas da madrugada, e tenho que lutar com uma bêbada. Vamos, de pé, é necessário que vírgula algo.

Tirou-a da mão e a obrigou a incorporar-se.

Nicole lhe sorriu, mas a perna ferida não a sustentou. Quando caiu sobre ele, a jovem sorriu com expressão de desculpa.

—Machuquei-me a perna —disse. Ele se inclinou e a elevou.

—Culpa dos sapatos ou dos lobos? —perguntou sarcásticamente. Ela se esfregou a bochecha contra o corpo do Clay, e emitiu uma risita.

—Seriamente eram cães? E os sapatos vermelhos seriamente me perseguiam?

—De verdade eram cães, e os sapatos foram um sonho, mas você fala dormida. Agora cale, ou despertará a toda a casa.

Ela se sentiu deliciosamente ligeira inclinada contra o corpo do homem, e lhe enlaçou o pescoço com os braços. Tinha os lábios perto da orelha do Clay quando tentou murmurar.

—Realmente é o terrível senhor Armstrong? Não lhe parece. Você é meu cavalheiro andante, e portanto não pode ser esse homem horrível.

—Você acredita que é tão terrível?

—Sim —disse ela com firmeza—. Disse que eu era uma benjamima. Que roubava roupas destinadas a outra pessoa. E teve razão, mas eu lhe demonstrei que não era benjamima.

—Como? —perguntou tranqüilamente Clay.

—Tinha muito apetite, e vi maçãs em um horta, e não tomei. Não, não sou capaz de roubar. Não sou uma benjamima.

—De modo que passou fome só para lhe demonstrar que não é uma benjamima?

—E para me convencer eu mesma. Eu também importo.

Clay não respondeu enquanto caminhava para a porta do fundo da sala. Abriu-a e saiu da casa para dirigir-se à cozinha, que estava em uma construção além do resto.

Nicole levantou a cabeça apoiada no ombro do Clay e aspirou.

—O que é esse aroma?

—Madressilva —replicou brevemente Clay.

—Quero um pouco —reclamou a jovem—. Me a respeito de modo que possa cortar uma ramita?

Ele pensou replicar algo, mas apertou os lábios e obedeceu.

Havia um muro de tijolos de dois metros de altura, talher com a fragrante madressilva, e Nicole arrancou seis ramos antes de que Clay dissesse que já era suficiente e continuasse seu caminho para a cozinha. Uma vez ali, deixou-a sobre a larga mesa que ocupava o centro da habitação, como se fora uma menina, e reavivou o fogo coberto de cinzas durante a noite.

Nicole brincou perezosamente com a madressilva que tinha sobre o regaço.

Ao voltar-se para olhá-la, Clay advertiu que o vestido da Nicole estava esmigalhado e manchado de lodo, os pés descalços machucados e sangrando em vários lugares. Os largos cabelos lhe penduravam pelas costas, e a luz do fogo lhes arrancava reflexos; houvesse-se dito que ela não tinha mais de doze anos. Quando a olhou, viu uma mancha mais escura no tecido de cor clara.

—O que lhe aconteceu? —perguntou com voz dura—. Isso parece sangue. Sobressaltada, ela o olhou como se tivesse esquecido que estava ali.

—Caí-me —disse simplesmente, sem lhe tirar os olhos de cima—. Você é o senhor Armstrong.

Reconheceria imediatamente esse sobrecenho franzido. me diga, alguma vez sorri?


—Só quando há algo que justifique o sorrir, e não é este caso —respondeu Clay, enquanto elevava a perna esquerda da Nicole e enganchava o talão em seu próprio cinto. Depois, levantou-lhe a saia para despir a coxa.

—Senhor Armstrong, sou realmente uma carga?

—Não pode dizer que tenha contribuído à paz e a tranqüilidade de minha vida —disse enquanto retirava com cuidado o tecido que cobria a ferida—. O sinto —disse quando ela se estremeceu e se aferrou a seu ombro. Era um corte feio e sujo, mas não profundo. Clay pensou que se curaria bem se o limpava. Moveu-a de modo que a perna ficasse estendida sobre a mesa, e foi esquentar um pouco de água.

—Janie me disse que a metade das mulheres da Virginia o perseguem. É certo?

—Janie fala muito. Acredito que será melhor que vírgula algo. Sabe que está bêbada verdade?

—Nunca estive bêbada —disse Nicole com toda a dignidade que pôde reunir.

—Vamos, isto vírgula —ordenou Clay, e pôs frente a ela uma grosa fatia de pão coberta com abundante manteiga fresca.

Ela concentrou seus esforços na comida.

depois de encher uma bacia com água morna, Clay tomou um trapo e começou a lavar a ferida da coxa. Estava inclinado sobre a jovem quando se abriu a porta.

—Senhor Clay onde esteve toda a noite e o que está fazendo em minha cozinha? Você sabe que não me agrada esta classe de intromissão.

O que menos necessitava Clay era outro sermão de uma mulher que trabalhava para ele. Ainda sentia as orelhas quentes por causa da repressão do Janie. Tinha-lhe gritado durante uma hora larga porque ele tinha escrito uma carta de explicação a Bianca, para enviá-la com a fragata que partia pouco depois, enquanto Nicole estava perdida no bosque.

—Maggie, esta é mi... esposa.

Era a primeira vez que pronunciava a palavra. Maggie sorriu

—É a mesma que, segundo Janie, você perdeu?

—vá deitar se, Maggie —disse Clay com muita paciência. Nicole se voltou e olhou à mulher corpulenta.

—Bonjour, madame —disse, e como saudação levantou seu pedaço de pão.

—Não fala inglês? —perguntou Maggie com um murmúrio teatral.

—Não, não falo inglês —replicou Nicole ao Maggie, mas havia um brilho de picardia em seus grandes olhos castanhos. Clay ergueu seu corpo e dirigiu um olhar de advertência a Nicole antes de tirar do braço ao Maggie e levar a à porta.

—Volte a deitar-se. Eu me encarregarei dela. Asseguro-lhe que sou perfeitamente capaz de fazê-lo.

—É obvio! Ignoro que idioma fala, mas parece a mulher mais feliz do mundo.

O olhar hostil do Clay induziu ao Maggie a abandonar a cozinha, e ele retornou onde estava Nicole.

—Suponho que estamos casados, verdade? —observou Nicole enquanto lambia o resto de lamantequilla que se ficou em seus dedos—. Lhe parece que tenho o ar de uma mulher feliz?

Ele se incorporou, verteu a água suja em um cubo de madeira e voltou a encher a bacia.

—A maioria dos bêbados se sente feliz. Continuou atendendo a ferida da Nicole.

Nicole lhe roçou os cabelos, e ele levantou a cabeça para olhá-la um momento antes de reatar seu trabalho.


—Sinto que não tenha conseguido o que desejava —disse ela a meia voz—. Seriamente, não o fiz a propósito. Tratei de convencer ao capitão de que devolvesse a Inglaterra, mas não quis.

—Sei. Não é necessário que me explique isso. Janie me contou tudo. Não se preocupe com esse assunto. Falarei com um juiz, e você poderá voltar para seu lar em muito pouco tempo.

—Lar —murmurou Nicole—. Esses homens queimaram meu lar. —interrompeu-se e olhou ao redor—. Este é seu lar?

Ele ergueu o corpo.

—Uma parte —respondeu.

—Você é rico?

—Não. E você?

—Não. —Lhe sorriu, mas ele se voltou para desprender uma frigideira da parede lateral, junto ao enorme lar. Em silêncio, ela observou os movimentos do Clay, que derreteu manteiga na frigideira e fritou meia dúzia de ovos; depois pôs outra frigideira sobre o fogo, e adicionou viárias fatias de presunto.

Poucos minutos mais tarde Clay depositou sobre a mesa, ao lado da Nicole, uma fonte com fumegante comida.

—Acredito que não poderei comer todo isso —afirmou ela com expressão solene.

—Nesse caso, possivelmente possa ajudá-la. Esta noite não jantei. Elevou a jovem e lhe sentou em uma cadeira frente à mesa.

—Por minha culpa?

—Não, pela minha, e por meu mau caráter —disse enquanto servia a jovem um prato dejamón com ovos.

—Você tem um caráter terrível verdade? Há-me dito algumas costure muito pouco amáveis.

—Vírgula! —ordenou Clay. Os ovos eram deliciosos.

—Mas disse uma coisa amável —sorriu Nicole com expressão sonhadora—. Disse que sabia como receber a um homem. Foi um completo não?

Ele a olhou desde seu lugar frente à mesa, e o modo em que contemplou a boca da Nicole provocou o rubor da jovem. A comida estava lhe esclarecendo um pouco a mente, mas o fato mesmo de estar com ele, a calidez do brandy em todo seu corpo, determinaram que a lembrança da primeira vez que tinham falado fosse muito vívido.

—me diga, senhor Armstrong, você existe à luz do dia, ou é só um fantasma noturno, algo que eu mesma criei?

Ele não respondeu, e continuou comendo e olhando-a. Quando terminaram, Clay retirou os pratos e verteu mais água na terrina. Sem dizer uma palavra, deslizou as mãos sob os braços da Nicole e a sentou de novo sobre a mesa.

Ela estava muito fatigada e sonolenta.

—Você consegue que me sinta como uma boneca, como se não tivesse braços nem pernas.

—Tem ambas as coisas, e estão completamente sujos.

Tomou um dos braços da jovem e começou a ensaboá-lo.

Ela passou o dedo por uma cicatriz em forma de meia lua que ele tinha a um lado do olho.

—Como se fez isto?

—Caí-me quando era menino. Deme o outro braço. Nicole suspirou.


—Tinha a esperança de que fosse algo romântico, por exemplo uma ferida que tivesse sofrido durante a guerra da revolução.—Lamento decepcioná-la, mas era um menino durante a guerra.

Ela acariciou a linha do queixo do Clay com um dedo ensaboado, e então perguntou:

—por que alguma vez se casou?

—Casei-me. Com você, verdade?

—Mas isso não é real. Não foi um verdadeiro matrimônio. Nem sequer você esteve presente.

Estava esse homem chamado Frank. Beijou-me, sabia? Disse que desejava que não me casasse com você, porque nesse caso poderia me beijar mais. E que eu tinha uma boca ao reverso. Você não acredita que minha boca esteja ao reverso, verdade?

Com o olhar fixo na boca da Nicole, Clay fez uma pausa, e quando começou a lhe ensaboar a cara, tampouco falou.

—Ninguém me havia dito antes que era feia. Não sabia. —Os olhos começaram allenársele de lágrimas—. Imagino que você detestou me haver beijado. Sei que lhe pareceu estranho, não o que tinha que ser.

—Deixará de falar? —repreendeu-a Clay quando terminou de enxaguar a cara da Nicole. Então viu que dos olhos da moça brotavam mais lágrimas, e compreendeu que depois de tudo, o alimento não a tinha acalmado muito; em todo caso, ele supunha que atuava assim a causa do brandy, e não de sua própria tolice—. Não, sua boca não é feia —disse finalmente.

—Não é uma boca ao reverso Lhe secou os braços e a cara.

—É única. Agora, cale-se, eu a levarei a sua habitação, e poderá dormir —disse, e a elevou em braços.

—Minhas flores!

Suspirando, ele meneou a cabeça e se inclinou de maneira que ela pudesse recolher da mesa as flores que tinha deixado ali.

Saiu da cozinha e entrou na casa principal; ali subiu a escada. Ela todo o tempo esteve acurrucada em silêncio, com a cabeça apoiada no peito do Clay.

—Oxalá você continue comportando-se assim, e não volte a ser o outro homem. Prometo que não lhe roubarei mais.

Ele não respondeu. depois de subir à planta alta, abriu a porta de um dormitório, e ao deixar a Nicole sobre a cama advertiu que o vestido ainda estava muito úmido. Quando viu que os olhos da jovem se fechavam por causa da fadiga, compreendeu que ela nunca poderia despir-se sozinha.

Amaldiçoando pelo baixo, começou a despi-la, consciente de que não ficava muito do vestido nem da delicada camisa. Quando os botões lhe incomodaram, simplesmente rasgou o tecido.

O corpo da jovem era formoso. Tinha os quadris bem formados e a cintura pequena, e seus peitos se elevavam impudicos. dirigiu-se à cômoda para retirar uma toalha, enquanto amaldiçoava a situação.

Acaso ela acreditava que Clay tinha gelo nas veias? Primeira a coxa, e agora devia tratá-la como se fora uma menina, e secá-la. Mas certamente não parecia uma menina!

A vigorosa massagem do CLAI com a toalha despertou a Nicole. Sorriu ante a agradável sensação, e com um movimento brusco ele desdobrou a colcha e a cobriu. Respirou aliviado quando já não esteve obrigado a vê-la. voltou-se para sair da habitação, mas lhe aferrou a mão.

—Senhor Armstrong —disse Nicole com voz sonolenta—. Obrigado por me encontrar. Inclinado sobre ela, Clay lhe apartou os cabelos da cara.

—Eu deveria me desculpar por havê-la induzido a escapar. Agora, durma. Amanhã falaremos.

Não lhe soltou.

—Desagradou-lhe me beijar? Foi como beijar uma boca ao reverso?


Na habitação entrava uma tênue luz, e Clay supôs que pouco depois amanheceria. Os cabelos da Nicole estavam pulverizados sobre o travesseiro, e a lembrança dos beijos que lhe tinha dado não era desagradável, nem muito menos. inclinou-se para ela, com a intenção de beijá-la apenas, mas a boca da Nicole o seduziu e ele a apertou o lábio superior entre os dentes e o acariciou, e passou a língua pelo contorno. Os braços da Nicole lhe rodearam o pescoço e o atraíram, de uma vez que entreabria a boca para recebê-lo.

Clay quase perdeu o controle de si mesmo antes de apartar-se e cobrir firmemente os braços da Nicole com a manta. Nicole lhe sorriu com um gesto sonhador, os olhos fechados.

—Não, você não acredita que isto é feio —murmurou.

Ele se ergueu e saiu da habitação, fechando a porta logo. Começou a caminhar para seu próprio quarto, mas compreendeu que seria inútil tratar de dormir. O que precisava era mergulhar-se em um arroio frio e confrontar uma larga jornada de trabalho duro. Pelo menos, isso pensou enquanto saía da casa para ir aos estábulos.

Pela manhã, quando Nicole despertou, sua primeira sensação foi a visão do sol e a luz. A segunda, uma forte enxaqueca. sentou-se na cama com movimentos cuidadosos, e se levou a mão à frente, e quando a manta se deslizou, a jovem se apressou a estendê-la outra vez, enquanto se perguntava por que teria dormido nua. Ao voltar o olhar para o flanco da cama, viu que suas roupas formavam um montão de trapos sujos e rasgados no chão.

Pôde recordar então que tinha visto o Clayton arrojando pedras aos cães, e acomodando-a sobre seu cavalo. O caminho a cavalo era uma lembrança imprecisa, e o momento que seguiu à chegada de ambos à casa era um branco total.

Olhou ao redor, e compreendeu que estava em um dormitório do Arundel Hall. Uma formosa habitação, ampla e luminosa. Tinha os chãos de carvalho, e o teto e as paredes estavam pintadas de branco. ao redor das duas portas e as três janelas havia aplicações esculpidas, singelas e elegantes.

Uma parede estava interrompida pelo lar, e em outra havia uma janela com um cômodo parapeito.

O leito de dossel, as cortinas, e o estofo do parapeito da janela exibiam tudo o mesmo tecido: fio branco com figuras azuis. Havia uma poltrona de couro azul frente ao lar, e uma cadeira chippendale branca frente a uma janela, de cara a um marca de pau-rosa. Outra cadeira e uma alta mesa de chá de três patas apareciam aos pés da cama. O resto da habitação estava ocupado por um guarda-roupa e um curvado armário, de aveleira com aplicações de arce. Ao estirar-se, Nicole sentiu que a enxaqueca se aliviava; apartou as mantas e se dirigiu ao guarda-roupa. Tudo os objetos que ela e Janie tinham confeccionado estavam penduradas ali. Sorriu, e sentiu que era bem-vinda; era quase como se essa formosa habitação estivesse destinada precisamente a ela.

ficou uma fina anágua de algodão, com o extremo do sutiã bordado com minúsculos casulos rosados, e sobre a anágua um vestido de musselina; na cintura, uma larga cinta de veludo. O decote baixo estava protegido por gaze transparente. penteou-se depressa os cabelos, e os cachos caíram aos lados emoldurando a cara; assegurou-os com uma cinta de veludo verde que fazia fogo com a que acompanhava ao vestido.

Quando fez uma pausa antes de sair da habitação, viu que duas das janelas olhavam para o sul, e davam ao jardim e mais à frente ao rio. Quando apareceu à janela esperava ver um jardim semelhante ao que era típico nas casas inglesas. Mas o que viu a induziu a emitir uma exclamação: Isso se parecia com uma aldeia!

À esquerda se levantavam seis construções, uma unida à esquina da casa por uma parede curva de tijolo. Das chaminés de duas das casas brotava fumaça. À direita havia outras construções, inclusive uma se comunicava também com a casa principal. A maioria destas casas estavam protegidas por enormes aveleiras.

Diretamente frente a ela havia um formoso jardim. Viu atalhos bordeados por altos muros de boj inglês. No centro dos atalhos havia um lago de azulejos, e para a direita viu a esquina de um pequeno pavilhão branco, oculto baixo duas grandes magnólias. Havia também um grande trabalhador de pedreira de flores e arbustos, e um horta limitado por uma paliçada de tijolos coberta de madressilva.


Depois do jardim, o terreno descendia bruscamente e formava parcelas baixas e plainas, e nelas se cultivava algodão, trigo, cevada e o que ela suspeitava era tabaco. além dos campos corria o rio. E

em qualquer parte havia estábulos e gente que trabalhava.

Ao respirar profundamente o fragrante ar estival e perceber o aroma de centenares de novelo diferentes, a enxaqueca desapareceu de tudo, e Nicole sentiu a necessidade de conhecer tudo o que havia ali.

—Nicole! —chamou alguém.

Nicole sorriu e saudou com um gesto ao Janie.

—Vêem, tem que comer algo.

Quando abriu uma das portas e baixou a escada, Nicole advertiu de repente que tinha muitíssimo apetite.

No corredor havia vários retratos, algumas sela e dois mesitas. Em todos os rincões da casa a jovem viu beleza. Na planta baixa, a escada conduzia a uma larga sala central, sobre a qual se desdobrava a certa altura um formoso arco dobro esculpido. Estava ali de pé, tratando de decidir aonde ir, quando apareceu Janie.

—dormiste bem? Onde te encontrou Clay? E acima de tudo, por que escapou? Clay não quis me explicar o que te havia dito para provocar sua atitude, mas imagino que foi algo terrível. Te vê um tanto débil.

Sorriu e elevou uma mão em gesto de rendição.

—Tenho muito apetite. Responderei a suas perguntas se me disser onde posso comer algo.

—É obvio! Devi imaginá-lo, em lugar de te reter aqui.

Nicole a seguiu até a porta que dava ao jardim, e que estava coberta por um alpendre octogonal com degraus orientados em três direções. Janie lhe explicou que os degraus da direita conduziam ao escritório do Clay e os estábulos, e os do centro aos sombreados e dissimulados atalhos do jardim.

Janie baixou os degraus da esquerda, que conduziam ao domínio da cozinheira.

A cozinheira era Maggie, uma mulher corpulenta de cabelos vermelhos. Janie explicou que Maggie tinha sido anteriormente uma servidora obrigada por um contrato, mas que, a semelhança de muitos dos empregados do Clay, tinha decidido continuar na casa incluso depois de concluído o período de sua contratação.

—E como está sua perna esta manhã? —perguntou Maggie. Nos olhos azuis se mostrava uma expressão maliciosa—. Embora esteja segura de que está virtualmente sã depois dos tenros cuidados que recebeu ontem à noite. Nicole olhou desconcertada à cozinheira, e começou a perguntar-se o que queria dizer.

—Cala Maggie! —disse Janie. Mas se notava uma atmosfera de conspiração entre ambas as mulheres quando Janie empurrou a Nicole para a mesa e lhe impediu de falar.

Maggie depositou abundante comida sobre o prato da Nicole: ovos, presunto, bolos, pudim, maçãs fritas, bolachas quentes. Nicole não pôde consumir sequer a metade da ração e se desculpou pelo que deixava. Maggie se pôs-se a rir e disse que como devia alimentar a sessenta pessoas três vezes ao dia, ali não se esbanjava nada.

Depois do café da manhã, Janie mostrou a Nicole algumas das dependências de uma plantação virginiana. Frente à cozinha havia uma habitação onde se preparavam a manteiga e o queijo, e contigüo à cozinha estava o recinto estreito e alargado onde trabalhavam três tecedores. Ao lado da casa dos teares estava o tanque, onde se armazenavam enormes vasilhas e barras de sabão. Sobre

estas construções havia habitações destinadas aos trabalhadores da plantação, que eram uma mescla de escravos haitianos, servidores por contrato e empregados que trabalhavam a salário.

A certa distância se estendia o horta, onde um homem e três meninos se ocupavam do cultivo das verduras. Janie apresentou a Nicole como a senhora Armstrong. Nicole tratou reiteradamente de protestar, pois disse que sua visita em realidade era provisória, e que devia considerar-se assim.


Janie olhou para outro lado e se comportou como se não ouvisse, e murmurou algo a respeito de que Clay era um indivíduo extremamente razoável, e de que ela abrigava grandes esperança nesse sentido.

Frente ao jardim, um lugar que conforme disse Janie, Nicole devia descobrir por própria conta, estava o despacho do Clay, um amplo edifício de tijolo à sombra de vários arces. Janie não propôs mostrar-lhe a Nicole, mas sorriu quando a jovem fez o possível para ver o que havia ao outro lado das janelas. Perto do despacho, sob vários cedros, havia mais construções: dormitórios dos trabalhadores, a habitação destinada a guardar gelo, o depósito, a casinha das ferramentas do jardineiro, a casa do administrador da propriedade, os estábulos e o depósito de carruagens, a curtume, a carpintaria e a ferraria.

Finalmente, quando estavam ao pé da colina, onde a terra descendia para os campos, Nicole se deteve, e se levou ambas as mãos à cabeça.

—Em efeito, é uma aldeia —disse, e sua mente repassou depressa toda a informação que Janie lhe tinha subministrado.

Janie sorriu com certa soberba.

—É inevitável que assim seja. Quase tudas as viagens se fazem pelo rio. —Assinalou vários hectares de campo, para o mole, sobre o rio—. Aí Clay tem uma embarcação de sete metros. No norte há cidades como as inglesas, mas aqui cada plantador tem que arrumar-se por si mesmo. E

ainda não o viu tudo. Lá está o estábulo de ordenha e o pombal. um pouco mais longe se encontra o galinheiro; e te asseguro que não conheceste ainda na metade dos trabalhadores. Estão ali.

Nicole alcançou a ver uns cinqüenta homens nos campos, alguns montavam a cavalo.

—Aí está Clay —Janie assinalou a um homem meio doido com um largo chapéu de palha, sobre um cavalo negro de grande elevada—. Esta manhã começou a trabalhar antes da saída do sol.

Dirigiu a Nicole um olhar oblíquo, sem dúvida para sugerir que a jovem bem podia explicar algo do que tinha acontecido a véspera.

Nicole não podia lhe subministrar informação, pois recordava muito pouco.

—O que faz nesta plantação?

—Sobre tudo me ocupo dos teares. Maggie fiscaliza tudo o que se refere à cozinha, e eu me ocupo da tinturaria, os tecelões e os tecedores. necessita-se muito tecido para abastecer um lugar como este. Terá que fabricar mantas para os cavalos, tecidos e lonas, assim como os objetos de vestir e as mantas destinadas aos trabalhadores.

Nicole se voltou para olhar para a casa. A beleza da construção radicava em sua simplicidade e suas proporções clássicas. Não era muito extensa, no máximo teria uns vinte metros de comprimento, mas os tijolos e os adornos sobre as janelas e as portas conferiam elegância à casa. Tinha dois novelo, e um telhado inclinado, com várias janelas. Só o pequeno e formoso alpendre octogonal interrompia a simplicidade da construção.

—Está disposta a ver um pouco mais? —perguntou Janie.

—Agradaria-me ver a casa. Em realidade, esta manhã conheci uma só habitação. O resto é tão formoso como esse dormitório?

—A mãe do Clay ordenou a fabricação de todos os móveis da casa. É obvio, isso foi antes da guerra. —Pôs-se a andar através dos altos sebes, em direção à casa—. Entretanto, devo te advertir que Clay deixou decair a moradia durante o último ano. Mantém o exterior em perfeito estado, mas diz que não dispõe de servidores para atender a casa. É um homem a quem não lhe importa o que

come ou onde dorme. Freqüentemente dorme sob uma árvore, nos campos, em lugar de cavalgar de retorno ao lar.

Quando chegaram à casa, Janie se desculpou, e disse que tinha que retornar aos teares porque seu trabalho estava muito atrasado.

Nicole se alegrou ante a possibilidade de dispor de tempo para examinar a casa. A planta abaja estava formada por quatro habitações grandes e dois corredores. A sala central continha a larga escada atapetada, e servia como lugar de recepção. Um estreito corredor separava o comilão da sala de estar, e a porta do fundo se abria a um atalho que comunicava com a cozinha.

Frente ao jardim havia um salão e a sala de estar. A biblioteca e o comilão davam as costas ao rio, e olhavam ao norte.

depois de realizar uma rápida inspeção das habitações, Nicole chegou à conclusão de que quem as tinha decorado era uma pessoa de bom gosto. Eram quartos singelos e discretos, e cada um dos móveis constituíam um exemplo da arte do marceneiro. A biblioteca era sem dúvida uma habitação masculina, e as escuras prateleiras de aveleira estavam ocupadas por livros encadernados em couro; um enorme escritório de madeira de aveleira ocupava grande parte da habitação. Duas poltronas de couro vermelho estavam dispostos frente ao lar.

O comilão tinha sido mobiliado ao estilo chinês, e as paredes estavam cobertas de papel pintado a emano com um delicado desenho de novelo e pássaros de tênues cores. Todos os móveis eram de mogno.

O salão era delicioso. As janelas que olhavam ao sul conseguiam que a habitação fosse um lugar luminoso e alegre. As cortinas eram de veludo rosado, e o estofo de três cadeiras, no mesmo tecido.

Um divã estava disposto perpendicularmente ao lar de mármore, e tinha sido estofo com raso de raias verdes e rosadas. As paredes estavam cobertas com papel de rosa mais tênue, com um rebordo de rosa mais escuro no extremo superior, e um pequeno escritório de pau-rosa ocupava um rincão.

Mas a sala de estar foi a favorita da Nicole. Era amarela e branca. As cortinas tinham sido confeccionadas com um grosso algodão branco salpicado com minúsculos casulos amarelos. As paredes estavam pintadas de branco. Um divã e três cadeiras estavam recubiertas com algodão de raias douradas e brancas, e contra uma parede havia uma espineta de finos suportes, ao lado de um suporte de livro. Um espelho e dois candelabros penduravam sobre a espineta.

Mas tudo estava sujo! As formosas habitações sugeriam que ali não tinha entrado ninguém em vários anos. As superfícies envernizadas da madeira apareciam opacas, cobertas de pó, e a espineta estava completamente desalinhada. As cortinas e os tapetes estavam impregnados de pó. Parecia vergonhoso que tanta beleza suportasse semelhante descuido.

De pé no corredor, com o olhar fixo na escada, Nicole decidiu que exploraria a casa inteira; mas nesse momento não podia suportar a visão de outras habitações saturadas de pó e sujeira.

Voltou os olhos para a musselina de seu vestido, e enfiou para o estreito corredor que conduzia à cozinha. Talvez Maggie tivesse um avental que pudesse lhe emprestar, e não duvidava de que no tanque haveria elementos de limpeza. Recordou que Janie lhe havia dito que Clay não se preocupava com o que comia. No recinto destinado à ordenha tinha visto algo que sugeria que não tinha sido utilizado durante anos, ou possivelmente nunca: um congelador para produzir nata geada.

Talvez Maggie poderia lhe reservar um pouco de nata e alguns ovos, e um menino se ocuparia de dirigir o artefato.

Era bastante tarde quando Nicole começou a vestir-se para o jantar. ficou um vestido de seda azul safira com rodeadas mangas largas, e um amplo decote, quase excessivo, pensou ao olhar-se no espelho. Sorriu depois de um novo intento de estirar um pouco o tecido. Pelo menos, o senhor Armstrong não a veria com roupas sujas e rasgadas.

sobressaltou-se para ouvir um golpe na porta. Uma voz masculina, sem dúvida a do Clay, falou através da porta fechada.

—Por favor, posso vê-la na biblioteca?

Um instante depois ouviu o ruído de suas botas sobre o chão de madeira, e depois o som mais longínquo conforme baixava a escada.


Nicole se sentia extrañamente nervosa ante o que seria o primeiro encontro real de ambos. Quadrou os ombros, e recordou as palavras de sua mãe no sentido de que uma mulher sempre devia confrontar erguida inclusive o que mais temia, e que a coragem é tão importante para uma mulher como para um homem. dirigiu-se para a escada.

A porta da biblioteca estava aberta, e a habitação se encontrava fracamente iluminada pelo sol poente. Clayton estava de pé atrás do escritório, e lia um livro aberto. Não falou, mas não cabia dúvida a respeito de sua presença.

—Boa tarde, senhor —disse serenamente Nicole.

Ele a estudou atentamente antes de deixar o livro sobre o escritório.

—Por favor, tome assento. Pensei que devíamos falar a respeito desta... situação. Posso lhe oferecer algo de beber antes do jantar? Talvez um xerez seco?

—Não, obrigado. Temo-me que tenho muito escassa resistência ao álcool —disse Nicole enquanto ocupava uma das cadeiras de couro vermelho frente ao escritório. Quem sabe por que, para ouvir estas palavras Clay arqueou levemente o sobrecenho. Ela pôde vê-lo melhor: era um homem de gesto solene, a boca de lábios apertados que formavam uma linha reta, e uma ruga entre as sobrancelhas que conferia a seus olhos escuros uma expressão nervosa, quase angustiada.

Clay se serve mais xerez.

—Você fala com muito pouco acento.

—Obrigado. Reconheço que às vezes me custa muito. Com freqüência ainda penso em francês e traduzo ao inglês.

—E às vezes esquece fazê-lo? Ela se sobressaltou.

—Sim, é certo. Quando estou muito cansada O... zangada, retorno a minha língua materna.

Ele ocupou um assento atrás do escritório, abriu uma pasta de couro e retirou uns papéis.

—Acredito que deveríamos esclarecer algumas questione. Assim que Janie me disse o que tinha acontecido, enviei um mensageiro a um juiz amigo da família lhe explicando a inusitadas circunstâncias e lhe pedindo conselho.

Nicole assentiu. Clay não tinha esperado sequer o retorno a sua casa para iniciar os trâmites da anulação.

—Hoje chegou a resposta do juiz. antes de lhe revelar o que há dito, desejaria lhe formular certas perguntas. Durante a cerimônia mesma, quantas pessoas estiveram pressentem?

—O capitão que presidiu a cerimônia, o primeiro oficial em quem se delegou sua representação, e o médico que foi testemunha. Três pessoas.

—E a segunda testemunha? Há outra assinatura ao lado da que estampou o médico.

—Na habitação estávamos somente os quatro.

Clay assentiu. Sem dúvida, o nome tinha sido falsificado ou agregado depois. Era outro da larga lista de aspectos ilegais desse matrimônio.

Clay continuou:

—E esse homem, Frank, que a ameaçou. Fez-o em presença do médico?

Nicole se perguntou como era possível que Clay conhecesse o nome do primeiro oficial, e que ele a tinha ameaçado.

—Sim —respondeu—. Tudo aconteceu em poucos minutos na cabine do capitão.

Clay ficou de pé e caminhou uns passos. foi ocupar o assento que estava frente a Nicole. Ainda vestia sua roupa de trabalho: grossas calças escuras, expulsa altas, e uma camisa branca aberta ao pescoço. depois de girar para ela as largas pernas disse:

—Temi que dissesse isso. —Sustentou a taça de xerez de maneira que lhe desse a luz; seus olhos se fixaram nos da Nicole, e piscaram apenas ao ver o profundo decote, onde os peitos firmes da jovem se sobressaíam através da seda azul.


Nicole se disse que não devia comportar-se como uma menina e cobrir o peito com a mão.

—O juiz me enviou um livro a respeito da leis inglesas que regem o matrimônio, e me temo que as mesmas são válidas também na América. Há várias razões que justificam a união, por exemplo a demência ou a incapacidade para ter filhos. Suponho que você é sã de corpo e mente.

Os olhos do Clay piscaram outra vez. Nicole sorriu apenas.

—Acredito que sim —disse.

—Então, a única razão que seria suficiente é demonstrar que a obrigou a contrair matrimônio. —

Não permitiu que Nicole o interrompesse—. A palavra fundamental é demonstrar. Devemos obter uma testemunha do matrimônio que possa testemunhar que você foi forçada a participar da cerimônia.

—Minha palavra não é suficiente? Ou a sua? Sem dúvida, o fato de que eu não sou Bianca Maleson terá certo peso.

—Se você tivesse usado o nome da Bianca e não o seu próprio, seria argumento suficiente. Mas vi o certificado de matrimônio, e menciona o nome da Nicole Courtalain. Isso é certo?

Ela recordou o momento em que tinha adotado uma atitude desafiante no camarote do capitão.

—E o que me diz do médico? mostrou-se bondoso comigo. Não poderia ser a testemunha?

—Oxalá assim seja. O problema é que já viaja de retorno a Inglaterra, na fragata que estavam carregando quando você chegou em seu casco de navio. Enviei um homem a Inglaterra com ordem de encontrá-lo, mas isso levará vários meses. Até que haja uma testemunha, os tribunais não anularão o matrimônio. Conforme afirmam os juizes, uma atitude diferente equivaleria a “tomar a tomar à ligeira o matrimônio”.

Clay bebeu o último sorvo de xerez e depositou a taça no bordo do escritório, e como havia dito tudo o que desejava, guardou silêncio e observou a Nicole.

Com a cabeça inclinada, ela estudou suas próprias mãos.

—portanto, durante um tempo você se verá apanhado neste matrimônio.

—Nós estamos apanhados. Janie me disse que você desejava associar-se a certa loja, e que trabalhou noites inteiras para economizar o dinheiro necessário. Sei que uma desculpa não servirá de muito, mas somente posso lhe pedir que a aceite.

Ela ficou de pé, e apoiou a mão no respaldo da cadeira.

—É obvio, aceito-a. Mas me agradaria lhe pedir algo.

Ao olhá-lo, Nicole advertiu que ele entrecerraba os olhos e ficava em guarda.

—O que você diga.

—Como estarei um tempo na América, preciso encontrar emprego. Aqui não conheço ninguém.

Pode me ajudar a encontrar trabalho? Tenho educação, falo quatro idiomas, e acredito que seria uma governanta aceitável.

Clay ficou de pé bruscamente e se afastou uns passos.

—Impossível —disse secamente—. Sejam as que sejam as circunstâncias do matrimônio, legalmente você é minha esposa, e não permitirei que se alugue como uma criada por contrato para limpar narizes sujos. Não! Permanecerá aqui até que possamos encontrar ao médico. Depois, falaremos dos planos futuros.

O assombro se manifestou na voz e a expressão da Nicole.

—propõe-se ditar o curso de minha vida?

Houve um espiono de diversão nos olhos do Clay.

—Suponho que assim tem que ser, posto que você está a meu cuidado. Ela elevou o queixo.


—Estou a seu cuidado não porque eu o tenha decidido. Desejaria que você me ajudasse a encontrar emprego. Devo pagar muitas contas.

—Contas? O que necessita que não haja aqui? Posso pedir a Boston artigos importados.

—Olhou-a enquanto ela acariciava a seda do vestido, e levantou do escritório uma parte de papel.

Era a carta que lhe tinha escrito antes de abandonar o navio—. Acredito que se refere às roupas.

Lamento havê-la acusado de roubo. —De novo pareceu divertido por algo—. Esses objetos são um presente para você. as aceite com minhas desculpas.

—Mas não posso fazer isso. Valem uma fortuna.

—E seu tempo e seus desconfortos não valem nada? Arranquei-a de seu lar, a traje a um país desconhecido e me comportei abominablemente com você. Estava muito zangado a noite quando a conheci, e acredito que meu mau caráter se impôs a minha razão. Uns poucos vestidos são um preço escasso para pagar o... dano que lhe causei. Além disso, que demônios farei com esses vestidos? Estão muitíssimo melhor em você que pendurados de um guarda-roupas.

Com um sorriso ao Clay, os olhos faiscantes, Nicole se inclinou em uma reverência.

—Merci beaucoup, M’sieur.

Ele a olhou fixamente, e quando ela começou a incorporar-se ele estendeu a mão para ajudá-la. A palma do Clay era cálida, e estreitou com força a da Nicole.

—Vejo que sua perna se curou perfeitamente.

Nicole o olhou desconcertada. A ferida era na coxa a bastante altura, e a jovem seu perguntou como era possível que ele estivesse informado.

—Ontem à noite disse ou fiz algo fora do comum? Acredito que estava muito fatigada.

—Não recorda?

—Só que você afugentou aos cães e me levou em seu cavalo. Não recordo nada do que aconteceu depois até esta manhã.

Ele a examinou longamente, com os olhos fixos nos lábios da Nicole, e ela começou a ruborizar-se.

—Esteve encantada —disse finalmente—. Bem, não sei como está você, mas eu sinto muito apetite.

—Sempre sustentando a mão da Nicole, e ao parecer sem a mais mínima intenção de soltá-la, começou a caminhar para a porta—. aconteceu muito tempo da última vez que uma mulher formosa compartilhou meu jantar.


Capítulo 5

Enquanto Nicole se vestia para jantar, Maggie havia trazido abundantes mantimentos a grande mesa de mogno. Havia caranguejo, carne assada com arroz, camarões, esturjão cozido, cidra e vinho francês. Essa abundância surpreendeu a Nicole, mas pareceu que Clay o considerava um fato usual.

Quase todo o alimento tinha sido cultivado ou caçado na plantação.

Nada mais sentar-se quando a porta do jardim se abriu bruscamente e se ouviram vozes estridentes e excitadas.

—Tio Clay! Tio Clay!

Clay depositou o guardanapo sobre a mesa e de duas pernadas chegou à porta do comilão.

Nicole o olhou assombrada. A cara do Clay, geralmente tão solene, tinha trocado em um instante ante o som das vozes. Não podia dizer-se que sonriera; Nicole nunca o tinha visto sorrir, mas tampouco tinha observado nesse rosto uma expressão de alegria. Enquanto ela olhava, Clay dobrou um joelho e abarrió os braços para receber a dois meninos que virtualmente se jogaram sobre eles, rodeando com os braços o pescoço do Clay, e afundando a cara em seu pescoço.

Nicole sorriu ante a cena, e se aproximou discretamente. De pé, e mantendo perto dos meninos, ele os interrogou.

—fostes obedientes? Passaram-no bem?

—Sim, tio Clay —disse a menina, que o olhava com expressão de adoração—. A senhorita Ellen me permitiu montar seu cavalo. Quando terei o meu?

—Quando suas pernas cheguem aos estribos. —voltou-se para o varão—. E você, Alex?

A senhorita Ellen te permitiu montar seu cavalo?

Alex se encolheu de ombros, como se o cavalo não importasse.

—Roger me ensinou a disparar o arco e a flecha.

—Seriamente? Talvez possamos te fabricar um. E você, Mandy? Também quer um arco e flechas?

Mas Mandy não escutava a seu tio. por cima do ombro do Clay olhava a Nicole, e um instante depois se inclinava e dizia com um murmúrio indiscreto que tivesse podido ouvir-se muitos metros de distância.

—Quem é ela?

Clay se voltou com os meninos, e Nicole pôde vê-los bem. Sem dúvida, eram gêmeos, e a jovem supôs que teriam uns sete anos. Em ambos viu os mesmos cachos loiros e os olhos azuis muito grandes.

—Esta é a senhorita Nicole —disse Clay enquanto os meninos a olhavam com curiosidade.

—É bonita —disse Mandy, e Alex confirmou a opinião com expressão solene. Sonriendo, Nicole sustentou apenas sua saia e fez uma reverência.

—Muito obrigado, m’sieur, mademoiselle.

Clay deixou no chão aos gêmeos, e Alex se aproximou da Nicole.

—Eu sou Alexander Clayton Armstrong —disse, uma mão atrás do corpo e outra diante, e se inclinou, piscando nervoso—. Lhe ofereceria minha mão mas é... como se diz?

—Presunçoso —colaborou Clayton.

—Sim —continuou Alex—. Um cavalheiro deve esperar que a dama lhe ofereça primeiro a mão.


—Muito honrada —disse Nicole e estendeu a mão para estreitar a do Alex. Mandy se aproximou de seu irmão.

—Eu sou Amanda Elizabeth Armstrong —disse, e fez uma reverência.


—Bem, vejo que já estão aqui. Pelo menos poderiam ter esperado até que eu baixasse, para me mostrar o caminho.

Os quatro se voltaram para olhar à mulher alta, de cabelos escuros, e ao redor de quarenta anos, uma mulher impressionante, de busto generoso, e olhos negros e vivazes.

—Clay ignorava que tivesse companhia. Eu sou Ellen Backes —disse, e ofereceu a mão—

. Meu marido Horace, e eu e nossos três varões somos vizinhos do Clay, uns dez quilômetros rio abaixo. Os gêmeos estiveram conosco uns dias.

—Eu sou Nicole Courtalain... —vacilou, e por cima do ombro olhou ao Clay.

—Armstrong —disse ele—. Nicole é minha esposa.

Ellen permaneceu imóvel um momento, sustentando a mão da Nicole. Depois, soltou-a para abraçar entusiastamente a jovem.

—A esposa! Isso me faz muito feliz. NÃO poderia encontrar um homem melhor, a menos que se casasse com o meu. —Soltou a Nicole e abraçou ao Clay—. por que não nos havia dito nada? Ao condado lhe teria vindo muito bem umas bodas! E sobre tudo a esta casa. Aqui não entraram mulheres depois da morte do James e Beth.

Nicole percebeu claramente a reação do Clay ante as palavras do Ellen. Ostensiblemente Clay não fez o mais mínimo gesto, mas a jovem sentiu que o atravessava uma corrente.

Ao o longe soou um corno.

—É Horace —disse Ellen e se voltou para a Nicole—. Temos que nos encontrar. Contarei-lhe muitas coisas. Clay tem uma larga lista de maus costumes, e uma delas consiste em que é muito

anti-social. Mas sei que agora tudo trocará —Passeou o olhar pela ampla sala—. Ao Beth alegraria que esta casa revivesse. Bem, vós —disse, dirigindo-se aos gêmeos—, venham a me dar um abraço.

Enquanto Ellen abraçava aos meninos, o corno soou de novo, e a mulher saiu depressa e desceu pelo atalho para a embarcação amarrada ao mole, onde seu marido a esperava.

depois de que ela partiu, pareceu que a sala se aquietou súbitamente. Nicole olhou ao Clay e os gêmeos, que contemplavam a porta aberta por onde tinha saído Ellen, e se pôs-se a rir.

—Vamos, —disse, e ofereceu a mão aos gêmeos—. Possivelmente eu não seja Ellen, mas acredito que posso lhes alegrar um pouco. Sabem o que é a nata geada?

Os meninos aferraram timidamente as mãos da Nicole e a seguiram até o comilão. Nicole foi depressa ao depósito de gelo e retornou. De novo na casa, apareceu com várias terrinas de estanho, tão frios que era necessário revesti-los com um tecido para poder sustentá-los. Apenas os gêmeos provaram o primeiro bocado de nata geada, olharam-na com amor.

—Acredito que os conquistou —disse Clay enquanto os gêmeos devoravam a substância cremosa.

Para ela mesma e para o Clay, Nicole adicionou à nata geada fruta banhada com brandy.

Várias horas mais tarde, quando os gêmeos já estavam deitados, Nicole recordou que nem ela nem Clay tinham jantado. Quando baixou a escada, encontrou-se com o Clay, que sustentava na mão uma bandeja.

—Pessoalmente desejaria jantar algo. Acompanha-me?

Foram à biblioteca, e Nicole saboreou a comida preparada depressa, embora os manjares eram um tanto estranhos. Clay tinha preparado sanduíches com grosas fatias de pão e ostras defumadas, e tinha regado tudo com mostarda quente do Dijon.

—Quais são? —perguntou Nicole entre um bocado e outro.

—Acredito que se refere aos gêmeos. —Clay se sentou em uma das cadeiras de couro vermelho, com as largas pernas apoiadas sobre o bordo do escritório—. São os filhos de meu irmão.

—Do James e Beth, a quem se referiu a senhora Backes?

—Sim. —A resposta do Clay foi quase dura por sua brevidade.

—O que pode me dizer deles?


—Têm sete anos. Você conhece seus nomes, Y...

—Não, refiro a seu irmão e sua cunhada. Lembrança que Bianca mencionou que eles tinham morrido enquanto você estava na Inglaterra.

Ele bebeu um comprido sorvo de cerveja, e Nicole teve a sensação de que Clay se debatia com um obstáculo em seu próprio foro íntimo. Quando falou, sua voz pareceu chegar de muito longe.

—A embarcação de meu irmão naufragou. afogaram-se juntos. Nicole sabia o que era perder uma parte da família.

—Acredito que entendo —disse discretamente.

Clay ficou bruscamente de pé, e quase derrubou a cadeira.

—Você não pode entender. Ninguém pode. Saiu da habitação.

Nicole se assombrou ante a veemência de seu interlocutor, e recordou que Bianca havia dito que Clay parecia pouco preocupado pela morte de seu irmão, e que lhe tinha declarado como se nada tivesse ocorrido. Entretanto, Nicole tinha visto o que acontecia nada mais mencionar os nomes de seu irmão e cunhada.

A jovem começou a retirar os pratos vazios, mas de repente se deteve. Tinha sido um dia muito comprido, e ela estava fatigada. Saiu da poeirenta biblioteca e subiu à habitação que Clay lhe tinha atribuído, e poucos minutos mais tarde, depois de despir-se e meter-se na cama, dormiu quase instantaneamente.

À manhã seguinte, a luz do sol e a claridade da habitação lhe arrancaram um sorriso. Possivelmente esse quarto tinha pertencido ao Beth. Enquanto se aproximava do guarda-roupa, pensou que muito provavelmente muito em breve pertenceria a Bianca; mas a idéia não lhe agradou e não quis atrasar-se nela.

Enquanto examinava o guarda-roupa, ouviu ruídos através da porta. A véspera não tinha tido tempo para explorar a planta alta. Uma porta conduzia ao corredor, e a segunda porta certamente comunicava com a habitação dos gêmeos. Sempre sonriendo, abriu-a, e de repente se encontrou com o Clay ao meio vestir.

—bom dia —disse ele, sem fazer caso do rubor da Nicole.

—Desculpe, não sabia... pensei que os gêmeos... —Ele estendeu uma mão para sua camisa.

—Deseja um pouco de café? —perguntou, e com um gesto da cabeça indicou a cafeteira depositada sobre uma mesa—. Lhe ofereceria chá, mas os norte-americanos já não são tão aficionados ao chá como antes.

Nicole se aproximou com certa cautela à cafeteira. Sem dúvida, era a habitação de um homem, revestida com painéis de madeira de aveleira, e uma cama enorme que ocupava a maior parte do espaço. Os objetos do Clay estavam distribuídas sobre as cadeiras e as mesas, de modo que logo que pôde ver os móveis. Havia duas taças junto à cafeteira, e sem perguntá-lo Nicole compreendeu que Maggie tinha subentendido que os dois compartilhariam a bebida. depois de servir uma taça de café, Nicole a entregou ao Clay, que estava sentado no bordo da cama. Levava a camisa desabotoada. Estava calçando-as botas. Não pôde privar-se de olhar longamente o peito do homem, bronzeado e musculoso.

—Obrigado —disse Clay, quem recebeu a taça e a olhou enquanto ela retornava aonde estava a cafeteira—. Ainda me teme?

—Naturalmente, não —disse ela enquanto servia outra taça de café, mas não o olhou—.

Nunca lhe temi.

—Pensei que isso era possível. Agrada-me que se penteie assim os cabelos. E o que se pôs hoje?

Esse vestido também me agrada.

Nicole se voltou e mostrou ao Clay um sorriso radiante. Os cabelos da jovem caíam pelas costas até a cintura.


—É uma camisola —explicou, e pensou que a alegrava não haver-se talher com uma bata. O

peitilho de pescoço alto, sem mangas, estava formada por encaixe de Bruxelas cor nata, e a fina seda que caía da cintura era quase transparente.

—Esta manhã começo tarde. Tome. —Com gesto imperativo lhe entregou a taça e elplatito.

Ela recebeu a taça, sempre sonriendo, mas não se apartou enquanto ele calçava a segunda bota.


—por que tem é cicatriz ao lado do olho?

Ele começou a dizer algo, mas ao olhá-la-se interrompeu; faiscavam-lhe os olhos, e em seus lábios havia uma expressão suave, distinta do acostumado gesto severo.

—Uma ferida de baioneta durante a revolução.

—Não sei por que, mas tenho a sensação de que está burlando-se de mim. Ele se inclinou para a Nicole.

—Jamais me burlaria de uma mulher formosa que está de pé junto a minha cama e vista nada mais que uma camisola —disse Clay, enquanto que com um dedo acariciava o lábio superior da Nicole

—. Agora, deixe isso —disse assinalando a taça e o platito que ela sustentava—, e saia daqui.

Sorridente, ela obedeceu, mas se deteve quando já tinha a mão na porta que comunicava os dois dormitórios.

—Nicole.

A jovem se deteve.

—Devo trabalhar n par de horas, e ao redor das nove comeremos na cozinha.

Ela respondeu com um gesto de assentimento, e sem voltar-se entrou em seu próprio quarto e fechou a porta. apoiou-se um momento sobre a folha de madeira. Ele tinha pronunciado o nome da Nicole e tinha afirmado que era formosa. Rendo-se de si mesmo, porque estava reagindo como uma menina tola, e depois de vestir-se depressa com um objeto singelo e resistente, saiu do dormitório e baixou a escada. Durante a manhã Nicole esteve comprido momento procurando os gêmeos. Tinha suposto que os encontraria dormidos, mas as camas dos meninos estavam vazios. Perguntou às pessoas da plantação, mas a única resposta foi uma sucessão de encolhimentos de ombros; ao parecer, ninguém sabia onde estavam os gêmeos.

Às sete e meia foi à cozinha, preparou a massa dos crêpes, e a deixou repousar, de maneira que a farinha absorvesse o leite. Depois, passou outra hora procurando os meninos, e ao fim retornou à cozinha com um sentimento de frustração. Preparou panqueques enquanto Maggie cortava e cortava as frutas, tão amadurecidas e suculentas que lhe desfaziam nas mãos. Nicole orvalhou generosamente os pêssegos com licor de amêndoas elaborado na plantação e os envolveu na fina e delicada lâmina dos crêpes, adicionou-lhes mel e depois nata batida.

Quando Clay apareceu na cozinha, Maggie e seus três ayudantas saíram, e misteriosamente descobriram que tinham que realizar tarefas em outros lugares. Nicole depositou frente ao homem o prato de crêpes, e ele provou um bocado antes de que ela formulasse a pergunta que tinha repetido pelo menos vinte vezes essa manhã.

—Onde estão os gêmeos? —Quando advertiu que Clayton continuava mastigando tranqüilamente e começava a encolher-se de ombros, Nicole se zangou. Apontou com o garfo ao Clay, e elevou a voz

—. Clayton Armstrong! Se se atrever a me dizer que não sabe onde estão, eu... eu...

Clay a olhou desde seu assento, com a boca enche, e lhe tirou da mão o garfo.

—Estão por aí. Geralmente vêm quando têm apetite.

—Quer dizer que ninguém os vigia? Podem fazer o que lhes deseja muito? E se sofrerem um acidente? Ninguém saberá sequer onde buscá-los.

—Conheço a maioria de seus esconderijos. O que é isto? Nunca provei nada parecido Você o preparou?


—Sim —disse ela, impaciente—. Mas e quem os insígnia?

Clay concentrava a atenção no prato de comida que tinha ante si, e não se incomodou em lhe responder.

Com um resmungo e murmurando algo em francês, pelo baixo, Nicole se preparou a repreendê-lo.

—Desejo que me empreste atenção e me responda. Estou cansada da falta de respostas.

Clay saltou de seu assento e seu braço enlaçou a cintura da Nicole, então as costas da jovem pressionou o peito do homem. Quando a força do braço do Clay obrigou a Nicole a expulsar todo o ar de seus pulmões e ela se sentia do todo impotente, lhe tirou o prato de panqueques e o depositou sobre a mesa.

—Não deve interferir na comida de um homem —disse. Estava brincando, mas não a soltou. Mas quando sentiu que o corpo da Nicole começava a desabarlhe permitiu respirar

—Nicole! —exclamou, e a obrigou a voltar-se—. Não queria lhe fazer danifico.

Reteve-a no abraço, mas já sem pressionar, enquanto escutava o retorno da respiração normal.

Nicole se apoiou nele, e sentiu desejos de que Clay não a tivesse solto. Com movimentos suaves a ajudou a ocupar um assento.

—Sem dúvida, tem apetite. Vamos, vírgula um pouco disto —disse, e depositou outro prato de crêpes antes de voltar para dele. Nicole respirou fundo, e percebeu o olhar zombador do Clay, como se ele tivesse podido ler o que ela pensava.

Depois do café da manhã, Clay disse a Nicole que o seguisse. deteve-se a sombra de um cedro, junto ao dormitório dos peões, onde estava sentado um homem muito ancião.

—Jonathan, onde estão os gêmeos?

—Nessa velha aveleira, junto à casa do supervisor.

Clay assentiu brevemente e começou a afastar-se, enquanto Nicole lhe pisava nos talões.

—Esta é sua nova senhora? —perguntou.

—Em efeito —respondeu Clay, com escassa calidez na voz. Jonathan sorriu, e mostrou as gengivas desdentadas.

—Não sei por que, pensei que se casaria com uma loira, um pouco mais alta e gorda que esta.

Clay fechou a mão sobre a boneca da Nicole e se afastou com passo brusco, enquanto o velho ria de boa vontade. Nicole desejava formular muitas perguntas, mas não tinha valor para as fazer.

Em efeito, os gêmeos estavam jogando entre os ramos da velha árvore. Nicole os olhou sorridentes e lhes pediu que baixassem, pois desejava lhes falar. Os meninos riram e subiram ainda mais alto.

Nicole se voltou para o Clay.

—Se você o pede, possivelmente obedeçam. CLAI se encolheu de ombros.

—Eu não desejo lhes falar. Tenho outras coisas que fazer.

Nicole olhou desgostada ao Clay, e de novo pediu a quão gêmeos baixassem. Eles se limitaram a lhes cravar os olhos, luminosos e perversos, e a jovem compreendeu que se desejava exercer autoridade sobre eles, teria que impor-se. voltou-se para o Clay.

—O que faria você se queria obrigá-los a baixar? Ordenaria-o?

—Não me emprestam mais atenção que a você —disse, e os olhou com certo ar de cumplicidade.

Em seu caso, iria buscá-los.

A risita dos gêmeos era um desafio, e Nicole compreendeu que do mesmo modo poderiam interpretá-las mentiras do Clay. Não acreditou nem por um instante que os meninos não obedecessem a seu tio. elevou-se a saia do vestido, e se descalçou.


—Se pode me dar uma mão... —sugeriu. Os olhos do Clay se iluminaram.

—Com muito gosto —disse, e se inclinou com ambas as mãos unidas.

Nicole sabia que ele tivesse podido elevá-la até o primeiro ramo, mas Clay se propunha lhe oferecer a menor ajuda possível. O que ele não sabia era que Nicole tinha muita prática nesse jogo de subir às árvores. Na propriedade de seus pais crescia uma velha macieira, e ela o conhecia de cor. Ao chegar a um ramo baixo, viu a escala apoiada sobre o lado oposto do tronco. Olhou ao Clay, e ele a observou, com as mãos nos quadris, as pernas nuas. Apanhou primeiro ao Alex e o entregou ao Clay, comprovou agradecida que pelo menos ele estava disposto a ajudá-la nisso.

Mandy passou a um ramo bastante magro, e sorriu a Nicole. A jovem devolveu o sorriso e começou a aproximar-se da menina.

Quando o ramo rangeu, Mandy gritou:

—Pesa muito! —olhou para baixo e pôs-se a rir— me Receba, tio Clay —gritou, e alegremente saltou aos braços de seu tio.

Muito tarde, Nicole compreendeu que pesava muito para o magro ramo. Os rangidos se fizeram mais sonoros.

—Salte! —ordenou uma voz. Sem pensá-lo duas vezes, Nicole afrouxou as mãos e aterrissou nos braços do Clay.

—Salvaste-a, tio Clay! Salvaste-a! —cantarolou Alex.

Nicole, mais assustada do que estava disposta a reconhecer, olhou ao Clay. Ele estava sonriendo!

Nicole nunca tinha visto antes um sorriso semelhante, ou possivelmente era que nos últimos tempos tudo o que fazia Clay parecia estar bem; e agora, ela também sorriu alegremente.

—Façamo-lo de novo —gritou Mandy, e correu para a escala.

—Não, nada disso! —disse Clay—. Ela lhes apanhou, e agora lhe pertencem. Façam o que diz a senhorita Nicole. E se me inteiro de que lhes comportam mau... —olhou-os com os olhos entrecerrados, e os meninos retrocederam.

—Acredito que já pode deixá-los a meu cargo —observou em voz baixa Nicole.

O sorriso se apagou dos lábios do Clay, então ele a olhou com um pouco de desconcerto.

—Sinto certa curiosidade Sempre esteve em dificuldades, como lhe acontece desde que a conheço, ou isto é novo?

Lhe dirigiu um sorriso levemente irônico.

—Seqüestrei a meu mesma, e me impus este matrimônio com você só para agradá-lo.

A voz da Nicole estava impregnada de sarcasmo, mas Clay não interpretou desse modo a resposta.

Ao ver as pernas nuas que ele sustentava com um braço, o vestido sobre os joelhos, sujeito de tal modo que Nicole não podia baixá-lo, Clay voltou a sorrir.

—Não sei o que é melhor... se isto, ou você de pé, em camisola e frente à luz. Quando Nicole compreendeu o que ele queria dizer, ruborizou-se intensamente. Clay a deixou no chão.

—Embora me agradaria muito permanecer aqui e ver o que acontece, devo retornar ao trabalho.

Sempre sonriendo, afastou-se para os campos.


Essa noite, Nicole, logo que pôde dormir, e se disse que era o resultado da temperatura tão elevada.

depois de ficar uma bata de fina seda sobre a camisola e baixar nas pontas dos pés a escada para sair ao jardim, avançou pelo atalho escuro, com os dois altos sebes aos lados, até que chegou ao lago de azulejos. sentou-se no bordo e afundou os pés na água. A noite estava povoada pelo canto das rãs e os grilos, e saturada com o aroma da madressilva; o ar noturno era fresco e agradável. Quando se tranqüilizou um pouco, começou a pensar. Durante os anos do terror, e o ano que ela e o avô tinham vivido ocultos na casa do moleiro, Nicole nunca se negou a olhar de frente a realidade. Sempre soube que mais tarde ou mais cedo todo isso concluiria; e assim foi.

Agora confrontava outro desastre em sua vida, mas esta vez estava mentindo-se, e se dizia que a coisa não teria fim. Era francesa, e as francesas se caracterizavam por seu praticamente; mas estava comportando-se como uma menina tola e romântica.

Tinha que confrontar o fato de que se apaixonou pelo Clayton Armstrong. Ignorava quando tinha acontecido; possivelmente nesse primeiro encontro, quando ele a beijou. Tudo o que sabia era que seus pensamentos e suas emoções, sua vida mesma, tinham começado a centrar-se nesse homem.

Sabia que desejava provocar sua cólera, de maneira que ele a capturasse entre seus braços, e ansiava passear-se frente a Clay coberta apenas com a magra e breve camisola.

Flexionou as pernas e apoiou sobre seus joelhos a cabeça. sentia-se como uma mulher da rua por causa de seu próprio comportamento, mas sabia que estava disposta a fazê-lo tudo com o fim de que ele a tocasse e a abraçasse.

Mas, o que pensava Clay com ela? NÃO era seu Bianca, como ele a tinha chamado aquela noite no navio. Pouco tempo depois se livraria da Nicole, e quando ela se afastasse, possivelmente jamais voltasse a vê-lo.

Tinha que preparar-se para esse final. Os últimos dias tinham sido maravilhosos, mas era necessário suspender isso. Tinha amado muito a seus pais, mas a turfa os arrebatou; e depois tinha transferido seu afeto ao avô, e também então ficou sozinha. Em cada um desses episódios tinha entregue seu coração, e quando chegou o rasgo Nicole sentiu desejos de morrer. Não podia amar ao Clayton de um modo tão absoluto que em definitiva não suportasse vê-lo unido à mulher a quem ele amava.

Quando voltou os olhos para as janelas escuras da casa, viu um resplendor vermelho que sem dúvida era a brasa do charuto do Clay. Ele sabia que Nicole estava ali, e sabia que estava pensando nele. Nicole entendia que podia compartilhar o leito do Clay se assim o desejava, mas embora isso pudesse ser muito prazenteiro desejava algo mais que uma noite com ele. Ansiava seu amor, queria que ele dissesse seu nome como tinha pronunciado o da Bianca.

incorporou-se e caminhou de retorno à casa. O corredor da planta alta estava vazio, mas o aroma do charuto era intenso.


Capítulo 6

Nicole levantou os olhos do livro que estava lendo e observou ao Clayton, que, caminhava para a casa. Viu que tinha a camisa rasgada, e as calças e as botas manchadas de lodo. Quando ele a olhou, ela cravou os olhos em seu livro, como se não o tivesse visto. Nicole e os gêmeos estavam sentados sob uma das magnólias, no rincão sudoeste do jardim.

Durante as três semanas que tinham passado da noite em que foi sentar se só junto ao lago, a jovem tinha dedicado muito tempo aos meninos...e muito pouco ao Clay. Às vezes sentia desejos de chorar quando ele a convidava a compartilhar o jantar ou o café da manhã, e ela alegava fadiga, ou que outra pessoa requeria sua ajuda. depois de um tempo, ele suspendeu seus convites. Clay começou a tomar freqüentemente suas comidas na cozinha, em companhia do Maggie, e às vezes não retornava de noite à casa, mas sim dormia em outros lugares, com seus homens... ou para o caso com suas mulheres.

Janie continuava muito atarefada com os teares, preparando-se para o inverno, e Nicole às vezes passava a tarde com seu amiga, que a diferença do Maggie jamais fazia pergunta.

Uma vez na casa, Clay permaneceu comprido momento frente a uma janela da planta alta, olhando para o jardim e a Nicole que estava sentada com os meninos. Não compreendia a súbita frieza que lhe demonstrava, nem por que ela já não era uma mulher alegre e cordial, a não ser uma pessoa cansada, sempre enfrascada em suas tarefas.

Atravessou o espaço que o separava de uma alta cômoda, tirou-se a camisa rasgada e suja e a jogou no descuido a uma cadeira. Ao abrir a gaveta descobriu que estava cheio de camisas engomadas e podas, e ao retirar uma fez uma pausa e olhou a seu redor. Pela primeira vez depois da morte de seu irmão a habitação se via asseada. Alguém retirava os objetos sujos e as devolvia podas e remendadas.

Enquanto introduzia os braços nas mangas da camisa, passou ao dormitório da Nicole. Também reluzia de limpeza e luz. Havia um enorme vaso com flores sobre a cômoda de frente curvo, e outro mais pequeno com três rosas vermelhas sobre a mesita, junto à cama. O bastidor de bordar estava ocupado por um trabalho realizado pela metade. Acariciou os luminosos fios de seda.

Ela tinha estado na casa menos de um mês, mas as mudanças já eram notórias. A noite da véspera Alex e Mandy tinham mostrado orgulhosamente ao Clay que podiam escrever seus nomes. A comida servida na plantação sempre tinha sido sã, embora possivelmente muito singela, mas graças à supervisão da Nicole todos os dias se adicionavam novos pratos.

Clay sempre tinha acreditado que não lhe importava o aspecto de sua casa, que só o agradava o aroma da cera de abelhas, assim como ver asseados e atendidos a seus gêmeos. Só lhe faltava a companhia da Nicole, o modo de rir e de fazê-lo rir que a caracterizava.

Enquanto baixava a escada, deteve-se e se perguntou como as tinha arrumado Nicole para conseguir a ajuda necessária e limpar a casa. Na plantação todos tinham tarefas, e pelo que ele sabia ninguém tinha descuidado a sua. Supôs que Nicole se ocupou pessoalmente de tudo. A ninguém podia sentir saudades que sempre estivesse fatigada!

Com um sorriso retirou uma maçã de uma fonte que estava em uma mesa do vestíbulo.

Provavelmente Nicole acreditava que estava lhe pagando esses malditos vestidos que ele tinha comprado. dirigiu-se à cozinha e ordenou ao Maggie que encontrasse um par de moças para ajudar a Nicole na atenção da casa, e depois saiu ao jardim.

—A classe terminou —anunciou Clay enquanto retirava o livro das mãos da Nicole, os gêmeos desapareceram antes de que nenhum dos adultos pudesse sequer piscar.

—por que tem feito isso? Ainda não é hora de suspender a lição.

—Necessitam um descanso. Ou pelo menos você o necessita. Ela se apartou um pouco.


—Por favor, tenho muito que fazer. Clay a olhou com o sobrecenho franzido.

—O que lhe acontece? por que se comporta como se me temesse?

—Não lhe temo. Acontece simplesmente que há muito que fazer em um lugar tão grande como este.

—Tenta me dizer que eu deveria retornar a meu trabalho?

—Não, claro que não. Só...

—Como parece que você não é capaz de terminar uma frase, me permita falar. Trabalha muito.

comporta-se como se fosse uma pulseira, exceto eu não lhes exijo tanto como você se exige. —

Aferrou-lhe a mão e a obrigou a aproximar-se—. Maggie está nos preparando uma cesta para um almoço campestre, e você e eu passaremos o resto do dia fazendo exatamente nada Sabe montar?

—Sim, mas...

—Não o permite negar-se, de maneira que será melhor que se cale.

NÃO lhe soltou a mão enquanto caminhavam para os estábulos. Ali, Clay pôs uma cadeira de couro brando sobre uma égua destinada a Nicole, elevou à moça e a depositou sobre a arreios, logo se encaminhou para a cozinha. Maggie sorriu alegremente ao entregar ao Clay as alforjas repletas.

Cavalgaram uma hora, deixando atrás o terreno mais alto, onde estavam a casa e as dependências, e se aproximaram dos campos mais baixos. A terra Lisa e fértil reproduzia o movimento de um rio em um arco formado pelos campos semeados de algodão, tabaco, linho, trigo e cevada. Para o leste da casa havia pastizales, e ali as vacas e as ovelhas pastavam separados uns de outros e em qualquer parte se levantavam estábulos. detiveram-se uma vez para alimentar com maçãs a um par de enormes cavalos de tiro. Enquanto Clay a ilustrava sobre a qualidade do algodão e os modos de curar o tabaco, ela o observava, e via refletido em seus olhos o orgulho do proprietário e o muito que lhe importavam suas terras e a gente que trabalhava para ele.

O sol estava alto no céu quando Nicole olhou através do rio e viu algo que conhecia muito bem: um moinho de água. Ao contemplar através das árvores a estrutura de tijolo e pedra a assaltaram as lembranças. Ela e seu avô sempre tinham vivido no luxo, e todas suas necessidades se haviam visto satisfeitas antes de que pudesse pensar nelas; mas quando a Revolução os obrigou a ocultar-se, aprenderam a sobreviver. vestiam-se igual ao moleiro e sua esposa, e trabalhavam como eles.

Nicole limpava a cozinha duas vezes por semana, e tinha aprendido a dirigir o moinho quando os homens se afastavam para entregar o grão.

Sonriendo, assinalou para o rio.

—É um moinho de grãos?

—Sim —respondeu Clay, sem demonstrar muito interesse.

—Do que é? por que não funciona? Podemos vê-lo? Clay a olhou assombrado.

—A qual das perguntas respondo primeiro? Pertence-me, e não funciona porque nunca contratei a ninguém para que o fizesse, e porque os Backes demolem meu grão. Sim, podemos ir ver o. um pouco mais acima há uma casa. Pode vê-la através das árvores. Quer que cruzemos?

—Sim, eu adoraria.

Havia um botecito de remos amarrado na borda do rio, e Clay depositou em seu interior as alforjas, ajudou a subir a Nicole e remou para a borda oposta.

—Parece que está em boas condições. Posso ver as pedras de moer? —perguntou Nicole uma vez que se aproximaram do moinho.

Clay retirou de seu esconderijo a chave que abria o grande cadeado das portas dobre, e viu como Nicole inspecionava os entalhes das pedras e murmurava algo a respeito das peneiras e da necessidade de conseguir um bom afiador para as pedras. Quando a jovem terminou sua inspeção, começou a formular perguntas, até que Clay elevou ambas as mãos em um gesto de protesto.

—Talvez procedamos mais rápido se lhe explico —disse—. Quando meu irmão vivia podíamos confrontar mais tarefas; mas agora estou sozinho, e decidi que o moinho já era muito. O ano passado faleceu o moleiro, e não procurei outro.

—Mas, e seu grão? Você disse que os Backes têm moinho.

—Sim, um moinho pequeno. É mais fácil enviar ali o grão que ocupar-se de ativar este lugar.

—E os restantes agricultores? Estou segura de que algumas pessoas, por exemplo o

pai do Janie necessitam um moinho Ou também vão aos Backes? Não é muito longe?

—Almocemos, e responderei a todas suas perguntas. Há um lugar adequado sobre essa colina.

Quando o almoço de presunto defumado frio, ostras encurtidas e bolos esteve disposto sobre uma toalha, Clay começou a fazer perguntas. Queria saber por que Nicole estava tão interessada no moinho.

Nicole sentia intensamente a presença do Clay, que estava muito perto, e sabia também que estavam sozinhos no tranqüilo e isolado bosque.

—Meu avô e eu trabalhamos certo tempo em um moinho. E então aprendi muito a respeito deste ofício.

—Seu avô —repetiu Clay, enquanto se estirava, a cabeça sobre as mãos—. Têm estado vivendo por um tempo na mesma casa, e entretanto sei muito pouco sobre você.

Sempre viveu com seu avô?

Ela se olhou as mãos e guardou silêncio. Não desejava falar de sua família.

—Não, não muito tempo —se apressou a dizer, e voltou os olhos para o moinho—. considerou a possibilidade de vender o moinho?

—Não, alguma vez O que me diz de seus pais? Também eram moleiros?

Nicole necessitou um momento para compreender as palavras do Clay. A idéia de sua elegante mãe com os cabelos pulcramente penteados e empoeirados, os três lunares minúsculos na comissura do olho, embelezada com um vestido de pesado raso trabalhando em um moinho lhe provocou risada.

Sua mãe acreditava que o pão provinha da cozinha.

—por que ri?

—Ante a idéia de que minha mãe pudesse trabalhar em um moinho Disse que ali havia uma casa?

Podemos vê-la?

Juntos recolheram com rapidez o que tinha demasiado do almoço, e Clay lhe mostrou a casa que estava completamente murada. Era uma singela casa de uma habitação, com um desvão, antiquada mas sólida e resistente.

—Cruzemos de novo o rio. Quero falar-se de certo assunto, e lhe mostrar um lugar.

Clay não enfiou diretamente para a borda oposta, e em troca remontou o rio, deixou atrás os campos cultivados e se deteve em um ponto da borda que parecia inabordável. O terreno estava talher de matagais e os salgueiros afundavam seus ramos na água.

Clay saltou do bote e o atou a um poste escondo entre os arbustos. Ofereceu a mão a Nicole e a ajudou a sustentar-se sobre a estreita bandagem de areia à beira do rio. Aferrou um enorme arbusto e o apartou, para revelar um atalho bastante largo.

—depois de você —disse Clay, e seguiu a Nicole. O arbusto voltou para seu lugar anterior, e de novo ocultou o atalho que desembocava em um claro talher de pasto, rodeado totalmente por árvores e matagais. Ambos tiveram a sensação de que entravam em uma grande habitação sem teto.

A ambos os lados havia grande profusão de flores. Nicole identificou algumas. Embora estavam intensamente pressionadas pela maleza, sobreviviam e floresciam.


—É um lugar formoso —disse a jovem e se voltou. A suave erva lhe acariciou os tornozelos—.

Alguém tem feito isto. Não pôde crescer naturalmente.

Clay se sentou no chão e apoiou as costas contra uma rocha que parecia ter sido posta ali para sua maior comodidade.

—Fizemo-lo quando fomos meninos. Levou-nos muito tempo, mas lhe dedicávamos todos os momentos livres. Desejávamos um sítio que fosse exclusivamente nosso.

—E certamente o é. A gente poderia caminhar a um metro de distância e não vê-lo. Os arbustos são muito espessos.

Os olhos do Clay tinham uma expressão distante.

—Minha mãe acreditou que os cães lhe arrancavam seu novelo. Estava acostumado a visitar alguém e lhe davam de presente cinco brotos. Quando chegava a casa, só tinha quatro. Freqüentemente me perguntei se suspeitava de nós.

—Quando diz nós se refere a você e seu irmão?

—Sim —respondeu Clay.

Os olhos da Nicole brilharam.

—Estou segura de que não plantaram as flores. Não posso imaginar a dois varões arriscando-se a sofrer um castigo por roubar bulbos de lírios. Em todo o plano participava uma menina?

A cara do Clay adotou uma expressão dura, e durante um momento não falou.

—Elizabeth plantou as flores.

O modo de dizê-lo levou a Nicole a compreender que essa Elizabeth tinha significado muito para ele; mas não alcançou a perceber se a amava ou a odiava.

—James e Beth —disse Nicole em voz baixa, e se sentou ao lado do Clay—. A morte de ambos é a causa da tristeza que você sente, a razão pela qual estranha vez sorri?

Clay se voltou para ela com uma expressão colérica no rosto.

—Enquanto não esteja disposta a confiar em mim, não espere minhas confidências.

Nicole o olhou assombrada. Acreditava que tinha respondido astutamente às perguntas do Clay a respeito de sua família, mas ele tinha demonstrado sensibilidade suficiente para compreender que ela ocultava algo. Se o passado da Nicole ainda era tão doloroso que a jovem não queria falar, possivelmente acontecia o mesmo com o do Clay.

—me perdoe —murmurou—. NÃO quis bisbilhotar. Permaneceram em silêncio vários minutos.

—Disse que desejava me falar de algo —observou Nicole. Clay estirou os braços e seu pensamento passou do irmão e a cunhada mortos a um tema mais grato.

—estive pensando na Bianca —disse, e lhe escureceu o olhar—. Quando risquei o plano do seqüestro, também enviei uma carta que deviam entregar ao pai uma semana depois da partida do casco de navio. Não desejava que se preocupasse com ela, mas ao mesmo tempo não queria que acreditasse que podia impedir nosso matrimônio. Por isso arrumei o matrimônio por poderes, embora é obvio isso não aconteceu como eu o planejei.

Nicole o escutava só pela metade. Jamais tivesse acreditado que as palavras do Clay pudessem lhe doer tanto, e para dissimular o sofrimento tratou de pensar no moinho. Podia dirigir esse moinho.

Talvez conseguisse trabalho na América, ou possivelmente vivesse e trabalhasse no moinho... e assim estaria perto do Clay.

—Recorda a fragata que entrou em porto pouco antes que seu navio? —perguntou Clay—. Com essa nave enviei uma carta a Bianca. Expliquei-lhe tudo. Disse-lhe que por engano me tinha casado com outra pessoa, mas que o matrimônio seria anulado imediatamente. É obvio, isso foi receber a carta do juiz.

—É obvio —repetiu secamente Nicole.


—Também lhe enviei dinheiro para pagar a passagem a América. Disse-lhe que ainda a necessitava, e lhe pedi que por favor me perdoasse e vivesse aqui. —ficou de pé e começou a caminhar pelo claro— Maldito seja! NÃO sei por que teve que acontecer tudo isto. Eu não podia retornar a Inglaterra, porque sou o único que pode dirigir a plantação. Escrevi-lhe várias cartas e lhe roguei que viesse, mas sempre me punha desculpas. Primeiro, seu pai estava muito doente, e ela temia abandoná-lo. Finalmente, compreendi que ela não quer sair da Inglaterra. Às vezes, os ingleses têm idéias estranhas a respeito dos norte-americanos.

Olhou a Nicole como se esperasse que ela respondesse à observação, mas a jovem não pronunciou palavra.

—Passará um tempo antes de que ela receba minha carta, e vários meses antes de que eu saiba se me aceita ou não. E aí entra você. —Olhou a Nicole com uma luz de esperança nos olhos, mas ela guardou silêncio—. Não sei o que você sente por mim. Ao princípio me pareceu que lhe agradava

minha companhia, mas nos últimos tempos... Já vê que pouco sei de você. As últimas semanas cheguei a respeitá-la muito. MINHA casa de novo é um lugar agradável, os gêmeos a amam, o pessoal lhe obedece. Suas maneiras são excelentes e acredito que você poderia confrontar algumas tarefas sociais. Seria agradável receber de novo a visita da gente.

—O que tenta dizer?

Ele respirou fundo.

—Se Bianca me rechaçar, agradaria-me continuar casado com você. Os olhos da Nicole passaram do castanho ao negro.

—Suponho que o matrimônio deveria produzir filhos. Clay entrecerró os olhos e sorriu apenas.

—É obvio. Devo reconhecer que você me parece bastante atrativa.

Nicole não recordava haver sentido tanto irritação no curso de sua vida. Experimentava um sentimento de cólera que ia dos dedos dos pés à raia dos cabelos. incorporou-se lentamente, e falou com esforço.

—Não, não acredito que isso seja possível.

Lhe aferrou o braço quando Nicole se voltou.

—por que não? —perguntou— Acaso Arundel Hall não é bastante espaçosa para você?

Com sua aparência, possivelmente poderia conseguir algo maior.

A forte bofetada que ela descarregou na bochecha do Clay arrancou ecos ao bosque.

Ele permaneceu imóvel, com a bochecha avermelhada, e seus dedos se afundaram na carne da Nicole.

—Desejaria a cortesia de uma explicação —disse fríamente. Ela arrancou o braço de um puxão.

—Cochon! Homem ignorante e vão. Como se atreve a me fazer essa proposição?

—Proposição! Acabo de lhe propor matrimônio, e acredito que as últimas semanas lhe demonstrei muitíssimo respeito. depois de tudo, você é legalmente minha esposa.

—Respeito! Você ignora o sentido dessa palavra. É certo que me atribuiu um dormitório separado, mas por que? por que me respeita, ou porque deseja dizer a seu bienamada Bianca que não me há meio doido?

A expressão na cara do Clay foi resposta suficiente.

—me olhe —quase gritou com voz rouca—. Sou Nicole Courtalain. Um ser humano com sentimentos e emoções. Sou mais que um caso de identidade equivocada. Sou mais que o fato de não ser “seu” Bianca. Você diz que me propõe matrimônio, mas veja o que oferece. Agora sou a senhora da plantação e todos me chamam “senhora Armstrong”. Mas meu futuro pende de um fio.

Se Bianca o aceitar, verei-me desprezada. Se ela o rechaçar você se arrumará comigo, como uma espécie de “pior é nada” Não! Não sou isso. Acontece que estive no lugar equivocado e no momento equivocado. Não pude escolher.


Respirou fundo.

—Sem dúvida, você acreditava que eu continuaria aqui e seria a institutriz dos gêmeos se em efeito Bianca vinha a América.

—Mas como, o que teria de mau?

Ela estava tão zangada que não pôde falar. Tomou impulso com o pé e o descarregou sobre o Clay.

Doeu- mais o dedo a Nicole que o tornozelo ao Clay, porque ele estava calçado com grosas botas; mas a ela isso não importou. Nicole prorrompeu em maldições francesas, e depois de voltou para o atalho.

Clay lhe aferrou de novo o braço. Também ele estava zangado.

—Não a entendo. EU poderia ter a metade das mulheres do condado se Bianca me rechaçasse, mas prefiro que você seja. O que tem isso de horrível?

—Devo me sentir honrada? Honrada porque permite que esta pobrecita permaneça com você?

Acredita que desejo ser objeto da caridade a vida inteira? Talvez o surpreenda, senhor Armstrong, que eu deseje um pouco de amor em minha vida. Desejo um homem que me ame, como você ama a

Bianca. Não quero um matrimônio de conveniência, mas sim de amor. Isso responde a sua pergunta? Prefiro morrer antes que viver luxuosamente em sua formosa casa com você, pois pensaria constantemente que você chora seu amor perdido.

Ele a olhou com uma expressão tão estranha que Nicole não teve idéia do que estava pensando. Foi como se pela primeira vez ele tivesse concebido a possibilidade de que Nicole fora algo mais que um engano.

—Não importa o que você pense —disse Clay com voz grave—, minha intenção não foi insultá-la.

Você é uma mulher admirável. converteu uma situação intolerável em algo que é um prazer para todos os que a rodeiam, salvo para você mesma. Todos nós, e eu antes que ninguém, utilizamo-la até o último extremo. Oxalá me tivesse falado antes da infelicidade que sente neste lugar.

—Não me sinto infeliz...—começou ela, mas teve que interromper-se porque as lágrimas lhe impediram de seguir. Se continuava desse modo um momento mais se jogaria no pescoço do Clay e diria que estava disposta a conviver com ele sem lhe importar as condições.

—Retornemos, né? Pensarei um pouco no assunto, e possivelmente possa oferecer uma situação mais conveniente para você.

Aturdida, ela o seguiu e ambos desceram pelo atalho.


Capítulo 7

Clayton se separou dela frente aos estábulos. Nicole não atinava a compreender como tinha conseguido retornar à casa. Tratou de manter a cabeça erguida, e concentrou a atenção em uma só coisa: a casa.

Logo que tinha fechado a porta de seu dormitório quando afloraram as lágrimas. O ano de ocultação lhe tinha ensinado a chorar em silêncio. jogou-se sobre a cama e os soluços a rasgaram.

Tudo o que ela havia dito estava mau. O não tinha atribuído à proposta de matrimônio a intenção que lhe tinha atribuído. E agora falava de uma “situação conveniente”. De quanto tempo dispunha antes de que Clay a despedisse? Se Bianca chegava,

Nicole poderia suportar a visão do Clay tocando-a e beijando-a? Teria que chorar até que lhe esgotassem as lágrimas, noite detrás noite, quando os visse fechar a porta do dormitório que ambos compartilhavam?

primeiro Maggie e Janie depois bateram na porta e lhe perguntaram se se sentia bem. Nicole conseguiu responder que estava resfriada e que não desejava contagiar a outros. A inflamação dos olhos e o nariz determinam que sua voz soasse como se em efeito a jovem estivesse doente.

Mais avançado o dia ouviu quão gêmeos cochichavam frente à porta, mas não a incomodaram.

Nicole se levantou e chegou à conclusão de que já se compadeceu muito de si mesmo. lavou-se a cara e se tirou o vestido. Ouviu os passos do Clay no corredor, e Nicole se deteve, contendo a respiração. Ainda não podia enfrentá-lo. Sabia que o que sentia se refletiria nos olhos. Durante o jantar provavelmente lhe rogaria que lhe permitisse permanecer perto para lhe lustrar as botas, se era tudo o que podia lhe oferecer.

tirou-se a anágua e ficou a camisola, o mesmo objeto de seda e encaixe que Clay tinha admirado.

Não sabia que hora era, mas estava muito fatigada e desejava deitar-se. Fora se preparava uma tormenta estival. Quando ouviu os primeiros e longínquos retumbos do trovão, apertou muito forte os olhos. Não podia recordar a seu avô, não podia!

Reviveu essa noite terrível. A chuva tamborilava nas janelas do moinho, e o raio conseguia que fora a paisagem se iluminasse com luz de dia. Graças aos raios viu o avô.

sentou-se na cama gritando, e com as mãos se cobria os ouvidos. Não ouviu abri-la porta nem viu o Clay que se aproximou da cama.

—Calma. Agora está a salvo. Tranqüilize-se. Ninguém pode agredi-la —disse, enquanto a abraçava.

Sustentou-a como se tivesse sido uma menina, e ela afundou sua cara no ombro nu do Clay. O a embalou brandamente, e lhe acariciou os cabelos.

—me fale disso. Qual foi o sonho?

Ela meneou a cabeça e estreitou desesperadamente os braços do Clay. Já estava acordada, e sabia que o sonho tinha sido real. Sabia que nunca poderia despertar do pesadelo. Um relâmpago iluminou a habitação, e Nicole se sobressaltou e tratou de aproximar mais o corpo do Clay.

—Acredito que é hora de que falemos —disse ele, enquanto tomava em braços, com uma manta sobre o corpo da Nicole.

Nicole meneou a cabeça, sem falar.

Levou-a a seu próprio dormitório e a depositou em uma cadeira, e depois lhe serve uma taça de xerez. Sabia que ela não tinha comido do almoço, e também que o álcool lhe subiria à cabeça.

Ainda assim, serve-lhe a taça. Quando viu que Nicole começava a acalmar-se, retirou-lhe a taça vazia, encheu-a ora vez e a depositou sobre a mesa, junto à cadeira. O se serve outra taça.


Depois, levantou-a, sentou-se na cadeira, e abraçou a Nicole, talheres ambos pela manta. A tormenta que rugia fora determinou que ambos parecessem especialmente isolados na habitação escura.

—por que saiu da França? O que aconteceu na casa do moleiro? Ela ocultou sua cara no ombro do Clay e meneou a cabeça.

—Não —murmurou.

—Está bem, nesse caso, me fale de um episódio especialmente grato. Sempre viveu com seu avô?

O xerez provocou nela uma sensação de tibieza e frouxidão. Esboçou um sorriso.

—Era uma casa formosa. Pertencia a meu avô, mas mais tarde seria de meu pai. Não importava; havia uma habitação para cada um de nós. Por fora era rosada. Meu dormitório tinha querubins pintados. desprendiam-se de uma nuvem. Às vezes eu despertava e abria os braços para recebê-los.

—Você vivia ali com seus pais?

—O avô vivia nesta asa, e eu na casa principal com meus pais. É obvio, reservávamos a asa oeste para as visitas do rei.

—É obvio —respondeu Clay—. O que aconteceu a seus pais?

As lágrimas rodaram silenciosas sobre as bochechas da Nicole. Clay tomou a taça e a obrigou a beber outro sorvo de xerez.

—me diga —murmurou.

—O avô voltou da corte a nossa casa. Freqüentemente se ausentava. Voltou para casa porque muitas pessoas se sentiam inseguras em Paris. Meu pai disse que todos devíamos partir para a Inglaterra até que a gente se acalmasse, mas meu avô disse que os Courtalain tinham vivido durante séculos no castelo, e que ele não desejava abandoná-lo. Afirmou que a chusma não se atreveria a levantar a mão contra ele. Todos o creímos. Era tão alto e forte... Somente com sua voz podia atemorizar a todos

interrompeu-se.

—O que aconteceu esse dia?

—O avô e eu saímos a cavalgar pelo parque. Era um formosos dia da primavera. de repente, vimos a fumaça que se elevava entre as árvores, e meu avô esporeou a seu cavalo. Eu o segui. Quando saímos do bosque, vimos tudo. Minha bela casa estava queimando-se. Eu permaneci imóvel sobre o cavalo, e olhei fixamente. Não podia acreditá-lo. O avô levou meu cavalo aos estábulos e me obrigou a desmontar. Disse-me que ficasse ali. Permaneci no lugar, olhando fixamente, observando como o fogo tingia de negro os tijolos rosados.

—E seus pais?

—Tinham ido à casa de um amigo, e projetavam retornar tarde. Eu não sabia que minha mãe se rasgou o vestido, de modo que os dois haviam tornado cedo. —Os soluços se acentuaram.

Clay a aferrou com mais força.

—me diga. Conte-o tudo.

—O avô retornou, e corria através dos sebes, em direção ao estábulo. Tinha as roupas sujas a causa da fumaça, e sob o braço sustentava uma cajita de madeira. Aferrou-me o braço e me obrigou a entrar em estábulo. Retirou todo o feno de uma caixa larga e me colocou ali. Depois também ele entrou. Permanecemos poucos minutos, e ouvimos os gritos da gente. Os cavalos relinchavam a causa do aroma do fogo. Quis me aproximar dos animais, mas o avô me obrigou a desistir.

interrompeu-se, e Clay lhe serve mais xerez.

—O que aconteceu quando a turfa partiu?


—O avô abriu a caixa de feno, e ambos saímos. Tinha escurecido, ou melhor dizendo era hora de estar já escuro. Nossa casa ardia, e emitia uma luz tão intensa como a do dia. O avô me aparto quando quis olhar. “Sempre olhe para diante, menina, nunca para trás”, disse. Caminhamos a noite inteira, e a maior parte do dia seguinte. Ao entardecer, deteve-se e abriu a caixa que tinha retirado da casa. Em seu interior havia papéis, e um colar de esmeraldas que pertencia a minha mãe. —

Suspirou ao recordar como tinham usado as esmeraldas para ajudar ao moleiro. Depois, ela tinha vendido as duas últimas para pagar sua participação na loja de sua prima—. Ainda não entendia o que estava acontecendo ali —continuou—. Era uma menina muito ingênua que tinha crescido longe dos sofrimentos da vida. O avô disse que era tempo de que crescesse e conhecesse a verdade.

Afirmou que a gente queria nos matar porque vivíamos em uma casa grande e confortável. Que em adiante devíamos ocultar o que fomos. Tomou os papéis e os enterrou. Disse que devia recordar sempre quem era, e que os Courtalain são descendentes e parentes de reis.

—E então foram à casa do moleiro?

—Sim —respondeu ela com voz neutra, como se tivesse decidido que não pronunciaria uma palavra mais.

Clay entregou a taça de xerez. Não lhe agradava embebedá-la, mas sabia que era o único modo de induzi-la a falar. O tinha intuído durante muito tempo que a jovem ocultava algo. Essa tarde, quando lhe perguntou a respeito de sua família, tinha percebido uma fugaz expressão de terror nos olhos da Nicole.

Apartou-lhe os cabelos da frente, e viu que os cachos estavam úmidos de transpiração. Era uma mulher tão miúda, e entretanto levava consigo tantas coisas... Esse mesmo dia, poucas horas antes, quando ela se zangou tanto.

Clay compreendeu que Nicole tinha perfeita razão. Do momento de sua chegada, ele nunca a tinha cuidadoso sem experimentar o desejo de ver os rasgos da Bianca. Mas agora, ao pensar em todas as tarefas que ela tinha realizado desde sua chegada à plantação, compreendeu que Nicole não era inferior a ninguém.

Tirou-lhe a vazia taça de xerez.

—por que saiu da França e da casa do moleiro? Ali certamente estava a salvo.

—Você é muito bondoso —Nicole falava com voz mais expressiva. Parecia que pronunciava alguma das palavras mais com a garganta que com a boca. Cada sílaba brotava como se estivesse revestida de nata. —Meu avô disse que eu devia aprender um ofício, e que o de moleira era bom. O

moleiro afirmou que uma moça nunca poderia entender o movimento das pedras e o grão, mas o avô riu dele. —interrompeu-se e sorriu.

—Poderia dirigir esse moinho. E haveria ganho.

—Nicole —disse Clay com voz suave mas imperativa—. por que abandonou a casa do moleiro?

Ela desviou o olhar para a janela quando a chuva começou a golpear o vidro.

Falou em voz muito baixa.

—Tivemos muitas advertências. O moleiro retornou do povo antes inclusive de vender o grão que levava no carro. Disse que tinham chegado de Paris alguns bagunceiros. Muita gente sabia a respeito de meu avô e de mim. O tinha sido aristocrata a vida inteira, e afirmava que era muito velho para trocar. O que ninguém compreendia era que meu avô tratava equitativamente a todos.

Tratava ao rei exatamente como tratava ao peão do estábulo. Dizia que depois da morte do Luis XIV não tinham nascido mais homens.

—O moleiro retornou depressa —insistiu Clay.

—Disse-nos que nos ocultássemos, que fugíssemos, porque era o único modo de salvar nossas vidas. Tinha chegado a afeiçoar-se com meu avô. O avô riu dele. descarregou-se uma tormenta, e com ela legou a gente do povo. Eu estava no desvão do moinho, contando os sacos de farinha. Olhei pela janela, e quando se descarregou o raio os vi chegar. Traziam lanças e foices. Conhecia alguns deles. Tinha-os ajudado a moer o grão.


Clay sentiu que o corpo da Nicole tremia, e a estreitou com mais força.

—Seu avô os viu?

—Subiu depressa a escada e se reuniu comigo. Disse-lhe que enfrentaria com ele às pessoas irritada, que eu também era uma Courtalain. Respondeu que devia haver mais Courtalain, e que eu era quão única subtraía. Falou como se ele já estivesse morto. Tomou um saco de farinha vazio e o pôs sobre minha cabeça. Acredito que ou estava muito aturdida para falar. Atou os borde do saco, e depois disse que se o amava não me moveria. Ao redor empilhou sacos cheios de grão. Ouvi-o baixar a escada. Uns minutos depois a turfa entrou em moinho. Revisaram o desvão, e várias vezes estiveram a um passo de me encontrar.

Clay a beijou a frente, e a sustentou junto a sua bochecha.

—E seu avô? —murmurou.

—Quando a gente partiu saí de meu esconderijo. Queria me assegurar de que ele estava a salvo.

Quando apareci na janela...

O corpo da Nicole se contraiu violentamente, e ele a estreitou afetuosamente.

—O que viu pela janela?

Ela se apartou com um gesto brusco.

—Ali estava meu avô, e me sorria. Clay a olhou, desconcertado.

—Compreende? Eu estava no desvão. Cortaram-lhe a cabeça e a cravaram sobre uma lança.

Sustentavam-na a certa altura, como um troféu. Houve um relâmpago, e então o vi!

—OH, Meu deus —gemeu Clay, e a abraçou, em que pese a que ela se debatia. Quando Nicole começou a chorar, ele a embalou e lhe acariciou os cabelos.

—Mataram também ao moleiro —continuou Nicole depois de um momento—. A esposa do moleiro disse que eu devia partir, que já não podia me proteger. Costurou três esmeraldas no arena de meu vestido e me levou a um navio que ia a Inglaterra. As esmeraldas e o relicário foram tudo o que ficaram de minha infância.

—E depois, foi viver à casa da Bianca e eu a seqüestrei. Ela conteve um soluço.

—Ouvindo-o, a gente diria que toda minha vida não foi nada. Tive uma infância muito feliz. Vivi em uma extensa propriedade, e ali me visitavam centenares de primos, que eram meus companheiros de jogo.

O se alegrou de comprovar que Nicole estava reagindo. Abrigava a esperança de que o relato da tragédia tivesse um efeito duradouro.

—E quantos corações roubou? Todos estavam apaixonados por você?

—Nenhum deles se apaixonou por mim. Minha primo me beijou certa vez mas não me agradou. E

não permiti que nenhum deles me beijasse outra vez. Você é o único... —interrompeu-se e sorriu e depois passou um dedo sobre os lábios do Clay. O beijou, e Nicole olhou atentamente seu próprio dedo. —Estúpida, estúpida Nicole —murmurou.

—por que se qualifica você mesma de estúpida?—Para falar a verdade, esta história é bastante cômica. Um dia estou passeando pelo parque. Ao seguinte, acordado em um navio que se dirige a América. Depois, obrigam-me a me casar com um homem que afirma que sou uma benjamima. —

Ao parecer, não percebeu o gesto do Clay—. Todo isto seria material para uma novela excelente. A bela heroína Bianca se compromete com o arrumado herói Clayton. Mas a perversa Nicole frustra

os planos de ambos. O leitor se manteria em velo até o fim da obra, quando o verdadeiro amor alcança seu propósito e Bianca e Clay se reúnen.

—E Nicole?

—Ah! Um juiz lhe entrega uns papéis que dizem que ela nunca existiu, que o tempo que ela passou com o herói de nada serve.

—Não é isso o que Nicole deseja? —perguntou Clay.


Nicole se levou aos lábios o dedo que Clay tinha beijado.

—A pobre, a ignorante Nicole se apaixonou por herói. Não é divertido? O nem sequer a olhou nesse matrimônio de dez minutos, mas ela o ama. Sabia que ele disse que Nicole era uma mulher admirável? Essa moça pobre e tola está ali, rogando, ansiando que lhe revele sua paixão mas o herói fala unicamente das coisas que ela sabe fazer, como se se tratasse de comprar uma égua.

—Nicole... —começou Clay.

Ela riu e se moveu nos braços do Clay.

—Sabia que tenho vinte anos? Minhas primas já estavam casadas aos dezoito. Mas eu sempre fui distinta. Diziam que era uma mulher fria e sem sentimentos, e que jamais um homem me quereria.

—equivocavam-se. Apenas se veja livre de mim haverá um centenar de homens que peçam seu mão.

—Anseia desembaraçasse de mim, verdade? Prefere sonhar com a Bianca a me ter, não é assim?

Sou estúpida. Assexuada, maternal, a virginal Nicole, apaixonada por um homem que nem sequer sabe que ela está viva.

Olhou-o. Em algum rincão, certa parte mais serena de seu cérebro escutava o que dizia Clay. O lhe sorria. ria dela! De novo os olhos lhe encheram de lágrimas.

—me deixe! me deixe em paz! Amanhã poderá rir de mim, mas agora não! —debateu-se para desprender os braços do Clay.

O a sustentou com força.

—Não estou me renda de você. Só me divertiu o que disse a respeito de seu caráter assexuado—.

Com o dedo roçou o lábio superior da jovem—. Realmente não sabe a que atenerse, verdade?

Quase posso compreender por que suas primos a evitaram. Em você há uma intensidade que é quase temível.

—Por favor, me solte —murmurou ela.

—Como é possível que uma mulher tão bela como você não esteja segura de sua beleza? — Nicole começou a falar, mas ele apoiou os dedos sobre os lábios da moça—. me Escute. Essa primeira noite no navio, quando a beijei..—.sorriu ao recordar—. Nenhuma mulher me beijou jamais desse modo. Não pediu nada em troca, só desejava dar. Depois, quando os cães a assustaram, acredito que eu teria caminhado entre brasas ardentes para chegar a você. Não compreende, não vê como sua presença influi em meu? Diz que jamais a olhei. A verdade é que jamais deixei de olhá-la. Na plantação todos se burlam das desculpas infantis que formulo para me aproximar a cada momento à casa.

—Não sabia que você soubesse sequer que eu estava aqui. Crie realmente que sou bonita? Refiro a minha boca... além disso, acredito que as mulheres belas são loiras e de olhos azuis.

O se inclinou e a beijou, com um beijo prolongado e acariciador. Roçou os lábios da Nicole, e depois a língua e os dentes. Com a ponta de sua própria língua tocou cada comissura da boca da Nicole, e depois apertou firmemente o lábio inferior entre seus dentes, e saboreou a firme maturidade.

—Isso responde a sua pergunta? Várias noites tive que dormir nos campos para descansar um pouco. Se você estiver na habitação contigüa, nunca posso dormir mais que umas poucas horas.

—Talvez tivesse devido vir a meu quarto —disse ela com voz rouca—. Não acredito que o tivesse rechaçado.

—Excelente —disse Clay enquanto lhe beijava a orelha, e depois o pescoço—, porque esta noite lhe farei o amor embora tenha que violá-la.

Lhe rodeou o pescoço com seus braços.

—Clay —murmurou—, amo-te.


O deslizou os braços sob o corpo da Nicole, ficou de pé, e a levou a leito. Acendeu uma vela depositada sobre a mesita de noite. O aroma das flores flutuou na habitação.


—Quero verte —disse, e se sentou junto a ela sobre a cama. O peitilho de encaixe da camisola estava assegurada com dezessete minúsculos botões forrados de raso. Lenta e cuidadosamente, Clay os desabotoou a todos. As mãos do Clay sobre os peitos moveram a Nicole a fechar os olhos.

—Sabia que te despi a noite que te salvei dos cães? Deixar dormir nessa cama foi a tarefa mais difícil que jamais executei.

—Assim foi como meu vestido apareceu esmigalhado.

O não respondeu, e procedeu a retirar os braços do peitilho de encaixe, e depois a levantou para separar o resto da camisola. Deslizou a mão sobre o flanco do corpo da Nicole, e se deteve na curva do quadril. Era uma mulher miúda, mas perfeitamente proporcionada. Tinha os peitos altos e generosos, a cintura minúscula, as pernas e os quadris esbeltos. Clay inclinou a cabeça, beijou-lhe o estômago e esfregou contra ele sua bochecha.

—Clay —murmurou Nicole, a mão sobre os cabelos do homem—. Tenho medo. O elevou a cabeça e lhe sorriu.

—Desconhecido-o sempre intimida.Alguma vez viu a um homem nu?

—A um de minhas primos, quando ele tinha dois anos —respondeu ela com sinceridade.

—Há uma grande diferencia —disse Clay, e ficou de pé para começar a desprender os botões laterais de suas calças, o único objeto que vestia nesse momento.

Ela se sentiu intimidada quando Clay se despiu totalmente, e manteve os olhos fixos na cara de seu amado. O permaneceu imóvel, e Nicole compreendeu que esperava certa reação. Tinha o peito bronzeado pelo sol. Era um peito largo e musculoso. A curva acentuada dos músculos refletia a luz da vela. A cintura era muito estreita, e os músculos do estômago formavam promontórios separados. Os olhos da Nicole passaram aos pés do Clay, as pantorrilhas fortes e às coxas proporcionadas. Era um homem que cavalgava, e suas coxas o revelavam. Os olhos da Nicole voltaram para rosto do Clay. O continuava esperando.

Ela baixou os olhos. O que viu não a atemorizou. Era Clayton, o homem a quem amava, e não lhe temia. Emitiu uma risada grave, de alívio e prazer. Abriu os braços para recebê-lo.

—te aproxime —murmurou.

Clay lhe sorriu e se deitou junto a ela na cama.

—Que formoso sorriso —disse Nicole enquanto lhe acariciava os lábios com um dedo—.

Algum dia me explicará por que a vejo com tão pouca freqüência.

—Possivelmente —disse ele, impaciente, enquanto a beijava.

A pele do Clay teve um efeito elétrico sobre a Nicole. As proporções e a força desse homem determinavam que ela se sentisse pequena e muito feminina. Enquanto lhe beijava o pescoço, Nicole lhe acariciava o braço, e sentia as desigualdades dos músculos. de repente, compreendeu que lhe pertencia, que ela podia explorar e saborear seu corpo. inclinou-se para ele e beijou o sorriso, e passou sua língua sobre esses dentes brancos que tão estranha vez se mostravam. Mordiscou tenuemente o pescoço do Clay, e com os dentes o tironeó o lóbulo da orelha. Moveu a coxa esfregando-o contra o corpo do homem.

Clay se sobressaltou pelo que ela fazia. E de repente pôs-se a rir.

—Vêem aqui, minha pequena zorra francesa.

Aproximou-a mais e rodou com ela sobre a cama.

Nicole riu, alegre e agradada. O a sustentou sobre seu próprio corpo, acariciou-lhe os cabelos, e depois lhe capturou os peitos.

de repente, a expressão do Clay trocou e se escureceu.

—Preciso-te —murmurou.


—Sim —admitiu Nicole—. Sim.

Com movimentos suaves a depositou na cama e com seu corpo cobriu o da Nicole. O álcool no estômago vazio, a catarse de ter relatado a alguém o episódio de seu avô, tudo conspirou para afrouxá-la. Somente sabia que estava com o homem a quem amava e desejava. Não experimentou medo quando sentiu que Clay a penetrava. Houve um momento de dor, mas o esqueceu ante a idéia de que estava mais perto do Clay.

Um momento depois, os olhos da Nicole se aumentaram surpreendidos. Antes, quando imaginava o que era fazer o amor, tinha pensado que se tratava de um prazer supremo, um sentimento de intimidade, de amor. Mas o que sentia em suas veias nada tinha que ver com o amor. Era fogo líquido!

—Clay —murmurou, e depois jogou para trás a cabeça e arqueou o corpo.

Ao princípio, ele procedeu com movimentos lentos, contendo-se, pois sabia que para ela essa era a primeira vez. Mas as reações da Nicole o inflamaram. Tinha adivinhado que ela era uma mulher que compreendia instintivamente a paixão, mas nunca até onde chegava a intensidade de seus sentimentos. Nicole lhe mostrava seu pescoço, e ele podia perceber o tamborilar do sangue. Lhe aferrava os quadris, e deslizava as mãos com o passar do corpo do Clay. Conseguia que ele sentisse que sua presença a levava a gozar tanto como ele. As mulheres que ele tinha conhecido no curso de sua vida geralmente se mostravam exigentes ou acreditavam que estavam lhe fazendo um favor.

Cobriu-a totalmente e seus movimentos foram cada vez mais intensos e velozes. Ela o aproximou mais e mais e lhe rodeou a cintura com suas pernas. Quando culminaram simultaneamente, estavam obstinados um ao outro, os corpos unidos, a respiração mesclada.

Para a Nicole foi uma experiência nova e maravilhosa. Tinha esperado algo celestial e comovedor.

Mas a paixão primitiva que havia sentido era muito mais que o que ela antecipasse. dormiu nos braços do Clay.

O não parecia disposto a lhe permitir que se apartasse nem a mais mínima distância. Apesar de todas as oportunidades que tinha compartilhado o leito com mulheres, sentia que essa era sua única experiência. Pela primeira vez em muitos anos, dormiu com um sorriso nos lábios.

A manhã seguinte, quando Nicole despertou, passaram vários minutos antes de que abrisse os olhos.

estirou-se perezosamente, consciente de que quando abrisse os olhos veria o dormitório de painéis escuros do Clay, o travesseiro que a cabeça de seu homem havia meio doido. Intuiu que se partiu, mas a felicidade que a embargava era muito intensa, e nada podia arruiná-la.

Quando ao fim olhou a seu redor, sobressaltou-a ver as paredes brancas de seu próprio quarto. Seu primeiro pensamento foi que Clay não tinha desejado que ela permanecesse em sua cama. Jogou em um flanco a manta liviana e se disse que isso era absurdo. Provavelmente, ele tinha arrumado as coisas de modo que ela decidisse por si mesmo se queria que outros a vissem na cama do Clay.

dirigiu-se aos guarda-roupas e escolheu um formoso vestido de musselina celeste, de cintura alta e saia com arena de cetim azul escuro. Sobre o penteadeira encontrou uma nota. “Tomo o café da manhã às nove. Clay”. Sorriu, e os dedos lhe tremeram quando se abotoou o vestido.

O relógio do vestíbulo deu as sete, e Nicole se perguntou como demônios poderia esperar até as nove sem vê-lo. Uma rápida inspeção na habitação dos gêmeos lhe indicou que se vestiram e já não estavam.

Saiu da casa pela porta do jardim, mas quando estava ali, de pé no pequeno alpendre octogonal, deteve-se um momento. Geralmente tomava o caminho que levava a cozinha, mas esta vez se voltou e se internou pelo que conduzia ao escritório do Clay.

Nunca tinha estado ali, e sem saber muito bem por que, tinha a sensação de que muito pouca gente conhecia esse lugar. Tinha a forma da casa principal, mas reduzida: uma construção retangular com teto alto. Só faltavam os ventanales e os alpendres.


Deu vários golpes suaves à porta, e como não obteve resposta, entrou. Sentia curiosidade por conhecer o lugar onde o homem a quem amava passava tanto tempo.

A parede que se levantava frente à porta continha duas janelas, rodeadas, do chão ao teto, por prateleiras de livros. Os arces que cresciam ao redor da casa determinavam que a habitação fosse um lugar fresco e sombrio. Sobre as paredes laterais havia arquivos de carvalho e um gabinete para guardar documentos. Deu vários passos no interior da habitação. As prateleiras estavam ocupadas por textos de leis, tratados de agrimensura e o cultivo de diferentes novelo. Sorriu e passou os dedos sobre algumas das encadernações de couro. Estavam podas, e como conhecia os costumes do Clay, Nicole compreendeu que a limpeza era conseqüência do uso não dos cuidados dispensados à ordem e o esmero da habitação.

Sempre sonriendo, voltou os olhos para a parede onde estava o lar. O sorriso despareció instantaneamente de seus lábios. Sobre o lar pendurava um enorme retrato... da Bianca. Era Bianca vista sob a luz mais favorável, um pouco mais magra que o que Nicole recordava. Os cabelos loiros estavam penteados para trás e deixavam ao descoberto o rosto ovalado, e os grossos cachos penduravam sobre um ombro nu. Tinha os olhos muito azuis e faiscantes, e a boca pequena desenhava um leve sorriso. Era uma expressão pícara, um tanto perversa, um gesto que Nicole não lhe tinha visto nunca. Era um sorriso destinado a uma pessoa a quem ela amava muito.

Ainda aturdida, examinou o suporte do lar. aproximou-se com passo lento. Viu ali uma pequena boina de veludo vermelho. Várias vezes tinha visto usar a Bianca uma boina idêntica. Ao lado, havia um bracelete de ouro, e Nicole também o tinha visto em poder da Bianca. A inscrição dizia:

“A B, com todo meu amor, C”.

Nicole retrocedeu um passo. O retrato, os objetos, todo isso formava uma sorte de santuário. Se não tivesse sabido a que atenerse, teria acreditado que se tratava da evocação de uma mulher já falecida.

Como podia lutar contra isso? A véspera, havia-lhe dito palavras de amor. E Nicole recordava horrorizada tudo o que lhe havia dito. Amaldiçoou-o por isso. Clay sabia o efeito que produziam na Nicole umas poucas gotas de álcool. Sempre tinha sido uma brincadeira da família que se alguém desejava conhecer os segredos da Nicole, era suficiente que lhe desse a beber duas gotas de vinho.

Mas esta manhã Nicole era outra pessoa. Essa manhã devia tratar de salvar o que subtraía de seu orgulho. Atravessou o jardim em direção à cozinha, e tomou o café da manhã. Maggie lhe sugeriu várias vezes que o senhor Clay voltaria pouco depois, e que Nicole devia tomar o café da manhã com ele. Mas a jovem não fez conta.

Depois do café da manhã, foi ao tanque e retirou elementos de limpeza. Uma vez que esteve na casa principal, ficou um vestido singelo azul, e depois baixou novamente para começar a encerar a sala de estar. Possivelmente o trabalho a ajudasse a adotar certas decisões.

Estava atarefada limpando a espineta quando os lábios do Clay lhe roçaram o pescoço.

Nicole se sobressaltou como se a tivesse queimado.

—Te senti falta de durante o café da manhã —disse Clay com voz preguiçosa—. Me teria ficado se não estivéssemos tão perto do momento da colheita.

Tinha os olhos escurecidos, e as pálpebras carregadas de sonho.

Nicole respirou fundo. Se permanecia ali com o Clay, passaria todas as noites junto a ele, até que Clay se reunisse com a mulher a quem amava.

—Desejo conversar contigo —disse.

Clay reagiu imediatamente ante o tom frio da Nicole. ergueu-se. A expressão preguiçosa e sedutora se apagou de seu rosto.

—O que acontece? —O tom do Clay esteve à altura de que tinha usado Nicole.

—Não posso permanecer aqui —disse ela sem andar-se com rodeios, e tratando de que ele não advertisse quanto sofria—. Bianca... —Doía-lhe, inclusive, pronunciar esse nome—. Estou segura


de que Bianca virá muito em breve a América. Quando receber sua carta e o dinheiro para a passagem, abordará o primeiro navio que parta da Inglaterra.

—Não tem aonde ir. Deve ficar aqui. —Era uma ordem.

—E ser seu amante? —perguntou ela.

—É minha esposa! Como posso esquecer isso se constantemente me recordar que te viu forçada a aceitar esse matrimônio?

—Sim, sou sua esposa. No momento. Mas, quanto durará isto? Quererá-me por esposa quando sua querida Bianca entre por essa porta?

Clay não respondeu.

—Quero uma resposta! Acredito que a mereço. Ontem à noite me embriagou intencionadamente.

Sabia o efeito que o álcool produz em mim, por isso não recordo a noite que me salvou dos cães.

—Sim, sabia. Mas também sabia que precisava falar. Meu propósito não era outro. Ela se apartou um momento.

—Acredito-te. Mas aí estava eu, sentada sobre seus joelhos, te rogando que me fizesse o amor.

—Não foi assim. Estou seguro de que recorda que... Avançou um passo.

—Recordo-o tudo. —Nicole tratou de serenar-se—. Por favor, me escute. Tenho certo orgulho, embora às vezes não o pareça. Está me pedindo muito. Não posso continuar aqui no papel de esposa, de autêntica esposa, sabendo que de um momento a outro tudo pode terminar. —cobriu-se a cara com ambas as mãos—. Muitas costure em minha vida terminaram bruscamente!

—Nicole... —acariciou-lhe os cabelos. Ela se apartou bruscamente.

—Não me toque! jogaste muito com meus sentimentos. Sabe o que sinto por ti, e já o aproveitaste.

Por favor, não me machuque mais. Por favor.

O se apartou.

—me acredite, nunca quis te ferir. me diga o que desejas. O que é meu é teu. Nicole sentiu desejos de gritar: Quero seu coração.

—O moinho —disse com voz firme—. É quase o tempo da colheita, e pôde pô-lo a trabalhar em um par de semanas. A casa parece sólida, e eu poderia viver ali.

Clay abriu a boca para rechaçar a idéia, e depois a fechou, retrocedeu um passo, recolheu seu chapéu e se voltou para a porta.

—É teu. Ocuparei-me de que redijam o título de propriedade. Também assinarei os contratos de dois homens e uma mulher. Necessitará ajuda.

encasquetou-se o chapéu e saiu da habitação.

Nicole sentiu que ficava sem fôlego. desabou-se pesadamente sobre uma cadeira. Uma noite de amor e uma manhã de horror.


Capítulo 8

Nicole abandonou a casa sem perda de tempo. Sabia que sua decisão não duraria muito. Cruzou em bote o rio para chegar ao moinho. Este se elevava sobre uma colina, e tinha uma larga artesa de madeira que conduzia do rio ao extremo superior da roda. Era um edifício alto e estreito, com base de pedra e corpo de tijolo. O teto estava formado por pranchas de madeira. Um alpendre corria com o passar do frente da construção. A roda mesma tinha uma planta e meia de altura.

Uma vez dentro, Nicole subiu à primeiro andar onde dois comporta se abriam sobre um balcão que estava em cima da roda. Até onde podia ver, os cubos das rodas se achavam em boas condições, embora era possível que os que descasavam no fundo estivessem oxidados.

As enormes pedras de moer no interior da construção, tinham um metro e meio de diâmetro e vinte centímetros de espessura. Passou as mãos sobre a pedra e identificou a trama irregular do quartzo.

As pedras eram de pedra de amolar francesa, a melhor do mundo. Tinham-nas levado a América como lastro na porão, e depois as tinham levado pelo rio até a plantação Armstrong. Tinham

profundos entalhes, com uma série de linhas que irradiavam do centro. Satisfez-a comprovar que estavam bem equilibradas, de modo que se achavam muito perto uma da outra, mas sem tocar-se.

Saiu à luz do sol, e avançou pela colina em direção a casita. Posso ver muito pouco da construção, por causa das taipas que cobriam janelas e portas.

Os ruídos que chegavam do rio atraíram sua atenção.

—Nicole! Está ali? —gritava Janie enquanto subia a colina.

Era muito agradável voltar a ver a mulher corpulenta de bochechas rosadas. Ambas se abraçaram como se não se viram todos os dias da chegada do navio a América.

—De modo que não resultou, né?

—Não —disse Nicole—. Não resultou absolutamente.

—Tinha a esperança de que como já estavam casados Y...

—O que está fazendo aqui? —perguntou Nicole para trocar de tema.

—Clay veio ontem à casa dos teares e disse que você se transladaria aqui, e que se propunha trabalhar no moinho. Ordenou que escolhesse a dois homens bons, que levássemos todas as ferramentas necessárias e ajudássemos. Também disse que se queria, podia viver aqui, e que de todos os modos me pagaria o mesmo.

Nicole desviou o olhar. A generosidade do Clay era quase entristecedora.

—Vocês dois, venha —gritou Janie—. A trabalhar.

Janie apresentou os dois homens a Nicole. Vernon era alto e ruivo, e Luke mais baixo e moreno.

Obedecendo às instruções do Janie, os homens usaram barras para arrancar as pranchas que muravam a porta principal da casa.

Dentro ainda estava escuro, mas Nicole viu que era uma formosa casita. A planta baixa estava formada por uma espaçosa habitação, um lar de dois metros e meio de longitude sobre uma parede, uma escada com uma balaustrada esculpida a emano no rincão. Três janelas embutidas se distribuíam entre duas paredes, e a porta e uma janela ocupavam as duas restantes. Sob uma janela havia um velho armário de pinheiro, e no centro uma mesa larga e larga.

Quando os homens tiraram as pranchas das janelas, entrou muito pouca luz. O ruído provocou a fuga de centenares de patinhas.

—Uf! —soprou Janie, e enrugou o nariz—. Terá que trabalhar muito para arrumar esta casa.

—Em tal caso, será melhor que comecemos.


Ao entardecer tinham realizado alguns progressos. A planta alta era um desvão de teto baixo, cujas duas asas caíam bruscamente. Sob a sujeira descobriram algumas madeiras belamente trabalhadas.

O interior das paredes estava engessado, e uma capa de caiado obteria que parecessem novas. As janelas podas permitiam o passo de muita luz.

Vernon, que tinha estado cravando algumas cobre soltas no teto, de repente anunciou que pelo rio se aproximava uma balsa. Todos foram à borda. Um dos homens dirigia a vara para aproximar a balsa.

Estava carregada de móveis.

—Um momento, Janie, não posso aceitar isso. Clay já tem feito muito.

—Não é o momento de mostrar-se orgulhosa. Necessitamos essas coisas. E além tudo isto estava no desvão do Clay. Não é quão mesmo se lhe custasse algo. Agora, sustento um extremo desse banco.

Howard! Espero que haja trazido cal... e um par de colchões.

—Isto não é mais que a primeira carga. Quando tiver terminado, tudo o que há no Arundel Hall estará deste lado do rio —respondeu Howard.

Janie, Nicole e os dois homens trabalharam três dias na casa. Os homens dormiam no moinho, e as mulheres caíam exaustas de noite nos colchões de palha postos no desvão da casa.

Ao quarto dia apareceu um homem de baixa estatura e corpo enxuto.

—ouvi dizer que aqui há uma mulher que acredita que pode dirigir um moinho. Janie estava disposta a responder asperamente ao homem, mas Nicole se adiantou.

—Eu sou Nicole Armstrong, e penso dirigir o moinho. No que posso servi-lo?

O homem a observou cuidadosamente, e depois estendeu para ela a mão esquerda, com a palma para baixo.

Janie se dispunha a repreender ao homem por suas maneiras quando Nicole tomou com suas mãos a que lhe oferecia e a voltou. Janie fez uma careta, pois lhe pareceu que a palma do homem estava mutilada, e salpicada de promontórios cinzas.

Nicole passou as mãos sobre as do homem e depois lhe dirigiu um sorriso luminoso.

—Está contratado —disse. O homem piscou.

—E você sabe o que faz. Dirigirá bem o moinho.

Quando o homem partiu, Nicole explicou o que tinha acontecido. O homem era um afiador de pedras de moinho. Usava um cinzel e afiava os entalhes das pedras. Para fazer isso, cobria-se a mão direita com couro e deixava nua a esquerda. Com o tempo, a mão esquerda ficava salpicada com fragmentos de pedra. Os homens mostravam orgulhosos a mão esquerda. Era um símbolo de sua experiência. Havia um dito, “mostrar a massa que alguém tinha”. “Massa” era uma antiga palavra que aludia à pedra esmagada.

Janie retornou ao trabalho, murmurando que também se confeccionavam luvas para a mão esquerda.

Quando a artesa que chegava ao rio ficou poda de restos, e a água fluiu sobre o extremo superior da roda obrigando-a a girar, ouviu-se um clamor que alcançou vários quilômetros de distância.

Nicole não se surpreendeu quando, menos de um dia depois, o primeiro cliente chegou em uma grande barcaça carregada de amadureço para mole. Sábia que Clay tinha despachado um homem rio acima e outro rio abaixo, para difundir a notícia da reapertura do moinho.

Durante quase duas semanas ela não o tinha visto e entretanto pensava constantemente nele. Duas vezes tinha alcançado a vê-lo cavalgando através de seus campos, mas em cada caso ela se afastou.

Uma manhã, quando o moinho levava três dias funcionando, Nicole despertou muito cedo. Ainda não tinha esclarecido, e ouviu a respiração profunda do Janie, que dormia na mesma habitação.

vestiu-se depressa a meia luz, e deixou que os cabelos soltos lhe caíssem sobre as costas.


Sem saber muito bem por que, não a surpreendeu ver o Clay de pé frente à roda de água. Vestia calças de tecido cor castanha claro e botas altas com o rebordo superior dobrado. Estava de costas a ela, as mãos unidas nas costas. A camisa parecia especialmente branca com essa luz e outro tanto podia dizer do chapéu de asa larga.

—Fez um bom trabalho —disse sem voltar-se—. Oxalá pudesse conseguir de meus servidores a metade do que fez.

—Acredito que é conseqüência da necessidade. O se voltou e ao olhou intensamente.

—Não, não é a necessidade. Pode retornar a minha casa quando o desejar.

—Não —respondeu ela—. Assim é melhor.

—Os gêmeos sempre perguntam por ti. Querem verte. Nicole sorriu.

—Os sinto falta de. Poderia lhes permitir que venham.

—Pensei que poderia vir a minha casa. Para jantar, esta noite. Ontem atracou um navio e trouxe algumas costure da França. Há tinjo seco, borgoña e champagne. Hoje o trazem pelo rio.

—Parece tentador, mas...

O se adiantou um passo e lhe aferrou os ombros.

—Não poderá me evitar eternamente. Que desejas de mim? O que te diga quanto te sinto falta de?

Acredito que na plantação todos me odeiam por te haver induzido a partir. Maggie me serve a comida queimada ou crua, e no meio nada. Os gêmeos choraram ontem à noite porque eu não conhecia um condenado conto francês, a respeito de uma dama que se apaixona por um monstro.

—A Bela e a Besta —sorriu Nicole—. De maneira que quer que retorne para ter uma comida decente...

O arqueou o cenho.

—Não retorça minhas palavras. Nunca quis que te partisse. Deverás jantará?

—Sim —disse ela.

Clay a aproximou e lhe deu um beijo rápido e forte, e depois a soltou e começou a afastar-se.

—Acreditava que as coisas não funcionavam —disse Janie detrás da Nicole.

Nicole não soube o que responder. Retornou à casa para começar a tarefa do dia.

Durante esse comprido dias, Nicole logo que pôde conter o nervosismo provocado pela expectativa do jantar com o Clay. Quando Vernon pesava os sacos de grão e dizia os números a Nicole, ela tinha que lhe pedir que repetisse as cifras para as anotar bem. Entretanto, recordou que devia enviar ao Maggie uma receita do Dindon À a Daube, um pato desossado, cheio e servido em uma caçarola.

Ao Maggie adorava a boa comida, e Nicole sabia que provavelmente prepararia dois patos, um para a casa principal e outro para ela e seu pessoal.

Às seis, o bote de remos do Clay se aproximou da borda com o Anders, o administrador da propriedade. Era um homem alto e loiro. Vivia com sua esposa e dois filhos em uma casa que estava ao sul do escritório do Clay. Seus meninos freqüentemente jogavam com os gêmeos. Nicole lhe perguntou por sua família.

—Todos estão muito bem, salvo que a sentimos falta de. Ontem Karen preparou fruta em conserva, e deseja lhe enviar um pouco. Funciona o moinho? Parece que você já tem alguns clientes.

—O senhor Armstrong difundiu a notícia, e pouco a pouco aumenta o número de pessoas que trazem seu grão.

O lhe dirigiu um olhar peculiar.

—Clay é um homem respeitado.

Chegaram à borda, e Nicole advertiu que Anders insistia em olhar rio acima.

—Acontece algo?


—O veleiro já deveria ter retornado. Ontem à noite soubemos que tinha entrado um navio, e Clay enviou o veleiro esta manhã cedo.

—Está preocupado, verdade?

—Não —repôs Anders, enquanto ajudava a Nicole a deixar o bote—. Pode haver muitas causas.

Possivelmente os homens se dedicaram a beber um pouco de cerveja com os passageiros do navio...

ou algo pelo estilo. É muito próprio do Clay... Desde que James e Beth se afogaram, se inquieta se o veleiro se atrasar embora seja uma só hora.

Caminhavam para a casa.

—Conheceu o James e ao Beth?

—Muito bem.

—Como eram? Clay mantinha relações muito estreitas com seu irmão? Anders demorou um momento em responder.

—Os três estavam muito unidos. Virtualmente cresceram juntos. Acredito que Clay tomou muito a peito a morte desses dois. A tragédia o trocou.

Nicole desejava formular cem perguntas mais. Como o tinha trocado? Como era Clay antes da morte do irmão e a cunhada? Mas não tivesse sido justo para o Clay ou Anders perguntar isso nessa oportunidade. Se Clay desejava lhe falar, faria-o do mesmo modo que Nicole tinha crédulo nele.

Anders a deixou no alpendre do jardim. por dentro, a casa lhe pareceu tão bela como a recordava.

Pareceu que os gêmeos se materializavam de um nada, e lhe aferravam as mãos para levá-la à planta alta. Desejavam que ela lhes contasse uma larga lista de histórias antes de que fossem deitar se.

Clay a esperava ao pé da escada, a mão estendida.

—É ainda mais bonita do que recordava —disse em voz baixa, e a olhou com expressão ambiciosa.

Ela apartou os olhos do Clay e caminhou para o comilão, sua mão ainda sustentada firmemente pela de seu anfitrião. Nicole levava um vestido de seda crua, de um matiz suave, quase apagado. Era uma cor damasco, e estava debruado com cintas de raso de um tom mais escuro. O decote era muito profundo. As mangas e o peitilho estavam debruados com uma fileira de pérolas. As pérolas

ganhavam no contraste com a pele da Nicole. Além disso, ela se tinha adornado os cabelos com pérolas e cintas.

Clay não apartou seus olhos da Nicole enquanto caminhava para o comilão. Nicole advertiu imediatamente que Maggie se esforçou realmente. A mesa quase cedia por causa da enorme quantidade de mantimentos.

—Espero que ela não cria que comeremos todo isso —disse Nicole com um sorriso.

—Suponho que tenta me informar que se estiver aqui a comida melhorará.

—O veleiro ainda não chegou?

Nicole advertiu a expressão preocupada em à cara do Clay antes de que ele meneasse a cabeça.

Acabavam de sentar-se à mesa quando irrompeu na habitação um dos trabalhadores da plantação.

—Senhor Clay! Não soube o que fazer —disse em uma catarata de palavras. Sustentava o chapéu nas mãos e parecia disposto a destrui-lo em um momento. Estava muito nervoso—. Ela disse que tinha que vir aqui para vê-lo, e que você me deshollaría a chicotadas se não a trazia.

—Acalme-se, Roger. Do que está falando, e sobre tudo, de quem está falando? Clay depositou o guardanapo sobre o prato vazio.

—Não sabia se lhe acreditar ou não. Pensei que possivelmente era uma inglesa qualquer que tentava me enganar. Mas depois a olhei bem, e se parecia tanto à senhorita Beth que pensei que era ela.


Nem Nicole nem Clay ouviram o homem, porque de p, detrás dele, estava Bianca. Os cabelos loiros formavam um marco a sua cara redonda. A boquita aparecia deformada em um bonito gesto. Nicole teve a sensação de que havia esqueça o que Bianca era realmente. Sua vida tinha trocado tanto os últimos meses que tinha a impressão de que o período passado na Inglaterra nunca tinha existido.

Ante sua visão recordou vividamente de que modo Bianca sentia prazer em controlar às pessoas.

Nicole se voltou para o Clay e a expressão que viu nele a assombrou. Houvesse-se dito que estava contemplando um fantasma. Era uma expressão de incredulidade e ao mesmo tempo de profunda felicidade. de repente, ela sentiu que lhe afrouxava todo o corpo. Compreendeu então que no mais profundo de seu ser sempre tinha abrigado a esperança de que quando ele visse novamente a Bianca compreenderia que já não a amava. As lágrimas pugnavam por brotar de seus olhos, e Nicole compreendeu que tinha perdido, e que ele jamais a tinha cuidadoso como olhava a Bianca.

Nicole respirou lenta e profundamente, e depois ficou de pé e atravessou a habitação em direção a Bianca. Ofereceu-lhe sua mão.

—Posso te dar a bem-vinda ao Arundel Mai?

Bianca dirigiu a Nicole um olhar de ódio e não fez caso da mão que a jovem lhe oferecia.

—Comporta-te como se fosse proprietária da casa —disse pelo baixo, e logo sorriu recatadamente ao Clay—. Não alegra de lombriga? —disse seductoramente, e em sua bochecha esquerda se formou a covinha—. viajei muito para te encontrar.

Clay quase derrubou a cadeira quando avançou para a Bianca. Aferrou-lhe os ombros com ambas as mãos, e depois a olhou com ardente intensidade.

—Bem-vinda —murmurou, e a beijou a bochecha. Não advertiu que ela resistia ao contato—.

Roger, leva acima o baú.

Roger se separou do grupo. Tinha passado seis horas em um veleiro com essa loira, e um par de vezes tinha tido que reprimir a tentação de arrojá-la pela amurada. Jamais tivesse acreditado que uma mulher pudesse descobrir tantas coisas das quais queixar-se em tão breve lapso. Tinha renegado contra Roger e a falta de obediência que lhe demonstravam os homens. Parecia que esperava que todos os homens atendessem seus mais mínimos desejos. quanto mais perto estava a plantação Armstrong, Roger acreditava mais firmemente que tinha cometido um engano a levá-la ante o Clay.

Ao ver o modo em que Clay olhava à mulher, Roger se assombrou. Como era possível que a olhasse assim quando essa bonita e miúda senhorita Nicole estava perto, e nos olhos lhe lia o sofrimento?

Roger se encolheu de ombros, encasquetou-se o chapéu e transladou o baú à planta alta. Tripular

embarcações era sua profissão, e dava graças ao céu porque ele não tinha nada que ver com as mulheres.

—Clayton! —disse bruscamente Bianca, apartando do homem—. Não me convida a tomar assento? Depois do comprido viaje até aqui, estou esgotada.

Clay tentou tomá-la do braço, mas ela o esquivou. Aproximou-lhe uma cadeira à esquerda da que ele ocupava na cabeceira da mesa.

—Certamente tem apetite —disse enquanto retirava do gabinete outro jogo de pratos e talheres.

Nicole estava de pé na porta, e os observava. Clay revoava ao redor da Bianca como uma galinha.

Bianca distribuiu a gaze verde de seu vestido e se sentou. Nicole advertiu que Bianca tinha engordado pelo menos dez quilogramas da última vez que ela a tinha visto. Ainda tinha estatura suficiente para distribuir o peso, que ainda não lhe tinha deformado a cara; mas as proporções dos quadris e as coxas tinham aumentado muito. A moda da época, com a cintura alta, dissimulava até certo ponto a situação, mas o estilo de vestidos sem mangas revelava totalmente os grossos braços.

—Desejo sabê-lo tudo —disse Clay inclinado para ela—. Como chegaste aqui? Em que classe de casco de navio embarcou?


—Foi terrível —disse Bianca, e piscou apenas—. Depois que chegou a carta que enviou a meu pai, senti-me desolada. Compreendi que tinha cometido um terrível engano. É obvio, vim no primeiro navio disponível—. Dirigiu um sorriso ao Clay. Quando seu pai lhe tinha mostrado a carta, Bianca tinha rido de boa vontade ante a brincadeira que se feito a costa da pobre e estúpida Nicole, mas dois dias mais tarde tinha recebido outra carta. Uns primos longínquos da Bianca viviam na América, não longe de onde estava Clay, e tinham escrito a Bianca para felicitá-la por seu futuro matrimônio. Pareciam acreditar que ela estava inteirada da riqueza do Clay, e se propunham conseguir da jovem algum empréstimo logo que contraísse matrimônio. Bianca se desentendeu instantaneamente dos primos, mas se encolerizou quando soube da riqueza do Clay. por que esse homem estúpido não lhe havia dito que era rico? Sua fúria passou prontamente do Clay a Nicole.

Quem sabe como, essa perrita trapaceira se inteirou das circunstâncias do Clay e tinha arrumado as coisas para ocupar o lugar da Bianca. Imediatamente Bianca disse a seu pai que se propunha ir a América. O senhor Maleson se limitou a rir e disse que se ela conseguia o dinheiro necessário, podia partir; isso não lhe importava. Bianca se voltou para a Nicole, ainda de pé na soleira da porta.

Sorriu como uma amável anfitriã.

—Não vem conosco? —perguntou com voz tenra—. Uma de suas primas veio à casa a perguntar por ti —disse quando Nicole se sentou—. Contou uma história absurda, de acordo com a qual você e ela pensavam dedicar-se ao comércio. Disse-lhe que trabalhava para mim e que não tinha dinheiro. Relatou as coisas mais fantásticas a respeito da venda de certas esmeraldas, e de seus trabalhos durante a noite. Em realidade, uma coisa muito absurda. Para me assegurar, e mesma revisei seus quarto—. Seus olhos faiscaram—. A passagem a América é tão caro verdade? Por outra parte, você nada sabe disso, né? Meu bilhete custou aproximadamente quão mesmo custaria a participação em uma loja.

Nicole manteve a cabeça alta. Não permitiria que Bianca vise como lhe doíam suas palavras. Mas se esfregou as gemas dos dedos em lembrança do sofrimento que tinha confrontado costurando à meia luz de sua habitação.

—Me alegro de verte —disse Clay—. Verte de novo a meu lado é como se um sonho se materializou.

—De novo? —perguntou Bianca, e as duas mulheres olharam ao Clay. O a observava com uma expressão estranha no rosto.

Clay reagiu.

—Quis dizer que tão freqüentemente imaginei aqui, que em efeito parece que tivesse retornado. —

Levantou uma fonte de batatas—. Certamente tem apetite.

—Absolutamente! —disse ela, mas seus olhos não se separavam da comida—. Não poderia provar bocado. Em realidade é possível que definitivamente deixe de comer—. Riu agradada antes suas palavras—. Sabe onde me puseram nessa horrível fragata? Na coberta inferior, com a tripulação e o gado! Incrível! O olho de boi perdia, o teto filtrava, e durante muitos dias vivi na semioscuridad.

Clay contraiu o cenho.

—Por isso eu tinha disposto uma cabine para ti a bordo do casco de navio correio. Bianca se voltou para olhar a Nicole.

—É obvio, não recebi tão bom trato. Imagino que sua comida também terá sido melhor que a minha.

Nicole se mordeu a língua para abster-se de comentar que, à margem da qualidade, a quantidade parecia ter sido mais que suficiente.

—Nesse caso, possivelmente a cozinha do Maggie ajudará a compensar o passado. Clay aproximou um pouco a fonte a Bianca.

—Sim, possivelmente provarei algo.

Nicole observou em silêncio enquanto Bianca se servia uma porção de cada um dos veintitantos manjares depositados sobre a mesa. Nunca parecia que enchia muito o prato, ou que comia muito de algo. Um observador distraído haveria dito que comia com moderação. Era uma técnica que ela tinha aprendido no curso dos anos para dissimular sua gulodice.

—Onde conseguiu esse vestido? —perguntou Bianca enquanto com movimentos delicados vertia mel sobre uma bolacha.

Nicole compreendeu que lhe avermelhava o rosto. Recordava muito bem as acusações do Clay no sentido de que tinha roubado tecidos destinados a Bianca.

Temos que falar de certas coisas —disse Clay.

Suas palavras evitaram que Nicole se visse obrigada a responder.

antes de que Clay pudesse continuar falando, Maggie irrompeu na habitação.

—Ouvi que chegaram visitantes no veleiro. Senhora Armstrong, ela é seu amiga?

—Senhora Armstrong? —perguntou Bianca e olhou a Nicole—. Se refere a ti?

—Sim —disse tranqüilamente Nicole.

—O que está acontecendo aqui? —perguntou Bianca.

—Maggie, pode nos deixar sozinhos? —disse Clay.

Maggie observou com muita curiosidade à mulher. Roger tinha renegado durante toda a última hora. Tinham sido necessários quatro jarros de cerveja para serená-lo.

—Somente desejava saber se posso servir a sobremesa. Há bolo de queijo e amêndoas, bolo de maçã, e um bolo de mel.

—Agora não, Maggie! Temos que falar de coisas mais importantes que a comida.

—Clay —disse tranqüilamente Bianca—. aconteceu muito tempo da última vez que comi fruta fresca. Possivelmente terei que aceitar o bolo de maçãs.

—É obvio —disse instantaneamente Clay—. Traga-o todo—. Se voltou para a Bianca—. me Perdoe, estou muito acostumado a repartir ordens.

Nicole desejava retirar-se. Sobre tudo desejava apartar do homem a quem amava, e que de repente se converteu em um estranho. ficou em pé com um movimento brusco.

—Não desejo tomar sobremesa. Se me desculparem, acredito que voltarei para minha casa. Clay ficou de pé ao mesmo tempo que ela.

—Nicole, por favor, não quis...

Voltou os olhos, pois Bianca tinha apoiado sua mão sobre a dele. Era a primeira vez que a visitante o tocava voluntariamente.

O estômago da Nicole se contraiu dolorosamente quando viu a expressão nos olhos do Clay. Saiu rapidamente da habitação, e da casa, ao ar fresco da noite.

—Clay —disse Bianca. Retirou a mão do braço do Clay apenas Nicole se apartou, mas já tinha entrevido o poder que exercia sobre ele. Clay a desgostava tanto como ela recordava. Tinha a camisa aberta ao pescoço, e não se incomodava em usar jaqueta. Bianca detestava tocá-lo, detestava inclusive estar perto dele, mas estava disposta a sofrer muito para apropriar-se da plantação. Na viagem do mole, esse homem odioso que tripulava o bote lhe havia dito que Clay era o dono de tudo. O comilão estava luxuosamente mobiliado. Bianca sabia que o empapelado tinha sido pintado especialmente para essa habitação. Os móveis sem dúvida eram caros, embora seu número era reduzido. Sim, se tinha que tocá-lo para apropriar do lugar, faria-o. depois de casar-se, diria-lhe que se mantivesse afastado dela.

Maggie lhes levou uma bandeja enorme carregada com bolos quentes e bolo de queijo frio.

Sobre o bolo, uma gelatina de damasco.

—Aonde foi a senhora Armstrong?

—Retornou ao moinho —disse secamente Clay. Maggie lhe dirigiu um olhar suspicaz e saiu.

Bianca apartou os olhos do prato carregado com três sobremesas. disse-se que posto que tinha comido tão pouco durante o jantar, podia mostrar-se generosa consigo mesma.


—Desejaria uma explicação.

Quando Clay terminou, Bianca estava concluindo uma segunda porção de bolo.

—Então, agora me despreza como se fosse um limão espremido, verdade? Todo meu amor por ti, todo o sofrimento que suportei para chegar aqui, nada significam. Clayton, se tivesse ordenado a esses seqüestradores que revelassem de onde vinham, ou teria ido com eles de boa vontade. Sabe muito bem que não teria suportado permanecer afastada de ti—. se limpou delicadamente os lábios e os olhos lhe encheram de lágrimas. Lágrimas autênticas. A idéia de que podia perder toda a riqueza do Clay provocava nela um sentimento profundo—. Maldita Nicole! Que oportunista!

—Não, por favor, não diga esses. Seu lugar está aqui. Seu lugar sempre esteve aqui. As palavras do Clay lhe pareceram estranhas, mas Bianca as deixou passar.

—Quando esta testemunha do matrimônio retorne a América, conseguirá a anulação? Não permitirá que permaneça aqui e depois... abandonará-me verdade?

O se levou aos lábios as mãos da Bianca.

—Não, é claro que não.

Bianca lhe dirigiu um sorriso e ficou de pé.

—Estou muito fatigada. Crie que agora posso descansar?

—É obvio. —Tirou-a do braço e a conduziu para a escada, mas ela se separou de Clay.


—Onde estão os criados? Onde estão o ama de chaves e o mordomo? Clay subiu a escada detrás da Bianca.

—Algumas mulheres ajudam a Nicole, ou melhor dizendo a ajudavam antes de que ela fosse a viver do outro lado do rio, mas dormem nos quartos que estão sobre os teares. Nunca acreditei necessário ter um mordomo ou um ama de chaves.

Bianca se deteve o final da escada, e o coração lhe pulsava rapidamente a causa do esforço. Sorriu recatadamente.

—Mas agora estou eu. É obvio, as coisas trocarão.

—Como deseja —concedeu Clay, e abriu a porta da habitação que antes tinha sido da Nicole.

—Muito singela —julgou ela—, mas servirá.

Clay se aproximou do gabinete curvado e com a mão tocou uma figurita de porcelana.

—Era a habitação do Beth —disse, e depois se voltou para a Bianca. Sua cara tinha a expressão de um homem desesperado.

—Clay! —disse Bianca, e se levou a mão ao pescoço—. Me assusta.

—me desculpe —se apressou a dizer ele—. Te deixarei sozinha. Saiu bruscamente da habitação.

—que homem grosseiro e torpe... —começou a dizer Bianca pelo baixo, e depois se encolheu de ombros. Alegrava-a que ele se retirou. Passeou o olhar pela habitação. Era excessivamente austera para ela. Tocou com a mão as colgaduras brancas e azuis da cama. Tinham que ser rosadas. Voltaria a adornar a cama com tul rosado e muitos adornos. Também era necessário revestir as paredes com papel rosa, e possivelmente ordenaria que pintassem flores sobre o papel. Terei que retirar dali os móveis de aveleira e arce. É obvio, substituiria-os com alguns móveis dourados.

despiu-se lentamente e depositou o vestido sobre o respaldo de uma cadeira. A lembrança da seda damasco da Nicole a irritou. Quem era essa mulher para usar seda quando ela, Bianca, tinha que arrumar-se com gazes e musselinas? Mas que esperasse um pouco, já ensinaria a esses ignorantes americanos o que era autêntico estilo. Compraria um guarda-roupa que envergonharia tudo o que Nicole tinha.


ficou uma camisola, retirado do baú que Roger tinha depositado no dormitório, e se meteu na cama.

O colchão era um pouco duro para seu gosto. adormeceu-se pensando em tudas as mudanças que introduziria na plantação. Sem dúvida, a casa era muito pequena. Adicionaria uma asa, sua própria asa privada, e assim evitaria a proximidade excessiva do Clay depois de casar-se. Compraria uma carruagem; uma carruagem mais luxuosa que o da rainha. O teto estaria sustenido por querubes dourados. dormiu com um sorriso nos lábios.

Clay saiu com passo rápido da casa para ir ao jardim. A luz da lua se refletia na água do lago.

Acendeu um comprido charuto e permaneceu de pé, em silêncio, à sombra dos sebes. Ver a Bianca tinha sido o mesmo que ver um fantasma. Era quase como recuperar ao Beth. Mas esta vez ninguém a arrebataria: nem seu irmão, nem a morte. Seria sua por toda a eternidade.

Deixou cair o charuto e o esmagou com a bota. Aguçou o ouvido para ouvir a roda do moinho, mas estava muito longe. Pensou na Nicole. Evocou seu sorriso, o modo de abraçar-se a ele enquanto chorava. Sobre monte recordou seu amor... a todos. Na plantação não havia uma só pessoa a quem Nicole não tivesse prodigalizado sua bondade. Inclusive o velho Jonathan, um homem preguiçoso e amargurado, falava bem dela.

Com movimentos lentos se voltou para retornar à casa.

A manhã seguinte Bianca despertou lentamente. A comodidade do leito e a boa comida representavam um luxo depois dos dias passados em alta mar. Sem dificuldade recordou onde estava ou o que se propunha fazer; toda a noite tinha sonhado com isso.

Apartou as mantas e as olhou com desagrado. Para falar a verdade, era excessivo pedir que a senhora de uma propriedade como essa dormisse com lençóis de linho. O menos que podia reclamar era a seda. Do baú retirou um vestido de algodão rosado e lhe pareceu muito desagradável que Clay não lhe subministrasse uma donzela.

Fora do dormitório, dirigiu uma rápida olhada aos corredores, mas não sentiu curiosidade por conhecer a casa. Bastava-lhe que fosse dela. Seu interesse principal se centrava na cozinha, cuja localização lhe tinham famoso a noite anterior.

Amaldiçoou a distância que separava a casa da cozinha. Em adiante ordenaria que lhe levassem a comida, porque não desejava caminhar para consegui-la.

Entrou com passo majestoso à espaçosa cozinha. Parecia um sonho convertido em realidade. Ao longo de sua vida sempre tinha sabido que ela estava destinada a mandar. Esse estúpido pai que ela tinha se riu da Bianca quando a jovem lhe disse que desejava recuperar a propriedade que tinha

pertencido outrora aos Maleson. É obvio, a plantação Armstrong jamais poderia comparar-se com as propriedades inglesas; mas por outro lado, acaso algo do que havia na América podia comparar-se com a Inglaterra?

—bom dia —disse amavelmente Maggie, os braços talheres de farinha até os cotovelos porque estava preparando bolachas para o almoço—. No que posso servi-la?

A ampla cozinha fervia de atividade. Uma das ayudantas do Maggie vigiava três caldeirões depositados sobre os carvões do lar. Um menino imprimia um movimento lento a uma parte de carne posto a assar. Outra mulher amassava em uma grande artesa de madeira, e duas moças cortavam verduras.

—Bem —respondeu Bianca com voz firme. Sabia por experiência que era melhor afirmar uma atitude superior sobre os criados do começo mesmo—. Desejo que você e os restantes criados formem fila e se preparem para receber minhas instruções. Em adiante espero que todos vocês interrompam o que fazem quando eu entro em uma habitação e me tratem com o devido respeito.

As seis pessoas que estavam na cozinha suspenderam seus trabalhos e a olharam com a boca aberta.


—Já me ouviram! —ordenou Bianca.

Com movimentos lentos e torpes a gente se aproximou da parede do oeste. Todos, exceto Maggie.

—Quem é você para repartir ordens?

—Não tenho por que responder a suas perguntas. Os criados devem saber qual é seu lugar. Quer dizer, quão criados queiram conservar seu posto —ameaçou. Bianca tratou de ignorar o olhar hostil do Maggie e o fato de que não se alinhasse com os outros—. Quero falar da comida que sai desta cozinha. A julgar pelo jantar de ontem à noite, é muito singela. necessitam-se mais molhos. Por exemplo, a gelatina do presunto era deliciosa. —Sorriu astutamente, pois sabia que o elogio reanimaria às pessoas—. Mas —continuou dizendo— tivesse devido servir-se mais molho.

—Molho? —perguntou Maggie—. Esse presunto estava revestido com açúcar pura. Quer dizer que pretende que lhe envie uma fonte de açúcar derretida?

Bianca lhe dirigiu uma olhem sinistra.

—Não estou lhe pedindo comentário. Vocês estão aqui para obedecer meus desejos. E com respeito ao café da manhã, espere o sirva no comilão às onze em ponto. Quero um jarro de chocolate preparado com três partes de nata e um de leite. Também algumas desses bolos servidos ontem à noite. Servirá-se o almoço às doze e meia Y...

—Parece-lhe que poderá resistir tanto tempo só com umas poucas dúzias de bolos? — perguntou sarcásticamente Maggie enquanto se tirava o avental e o jogava sobre a mesa—. Falarei com o Clay e verei quem é você —disse enquanto passava frente a Bianca.

—Sou a senhora desta plantação —disse Bianca, o corpo muito erguido—. Sou sua patrã.

—Trabalho para o Clay e sua esposa que, graças a Deus, não é você.

—Mulher insolente! Ocuparei-me de que Clay a despeça como castigo por sua atitude!

—Possivelmente me parta antes de que ele possa me despedir —disse Maggie, e caminhou para os campos.

Maggie encontrou ao Clay no galpão do tabaco, onde estava pendurando a secar as largas folhas.


—Desejo falar com você! —reclamou a mulher.

Durante todos os anos que Maggie tinha trabalhado para a família do Clay, jamais havia provocado dificuldades. mostrava-se muito franco, e mais de uma vez se aproveitaram suas idéias para melhorar distintos aspectos da plantação; mas seus queixa sempre estavam justificadas.

Clay tratou de limpar o suco negro do tabaco que lhe manchava as mãos.

—Acontece algo? tampou-se de novo o tiro da chaminé?

—Esta vez é mais grave que a chaminé. Quem é essa mulher? Clay interrompeu suas tarefas e olhou fixamente ao Maggie.

—Esta manhã entrou em minha cozinha e começou a exigir que todos lhe obedecêssemos. Quer o café da manhã servido no comilão. Acredita que é muito boa para vir à cozinha como todos outros.

Com um gesto irritado Clay jogou em um flanco o trapo sujo.

—Você viveu na Inglaterra. Sabe que a gente da classe alta não come na cozinha. Para o caso, tampouco o faz a maioria dos restantes proprietários das plantações. Não me parece que seja uma petição tão ofensiva. Possivelmente convenha que todos aprendamos alguns maneiras.

—Petição! —burlou-se Maggie—. Essa mulher não conhece o sentido da palavra. —interrompeu-se de repente, e baixou a voz—. Clay, querido, conheço-o desde que você era um menino.

O que está fazendo agora? casou-se com uma das mulheres mais afetuosas que conheça esta terra, mas ela foge e vive do ouro lado do rio. E agora traz para sua casa a uma jovem altiva que é a imagem mesma do Beth. —Apoiou a mão no braço do Clay—. Sei que você os amou aambos, mas não pode trazer os de volta.

Clay a olhou hostil, e o rosto lhe escureceu cada vez mais. separou-se dela.

—Ocupe-se de seus assuntos. E dê a Bianca o que ela peça.

afastou-se, a cabeça erguida, a sombra projetada pelo chapéu de asa larga ocultando a expressão de sofrimento de seus olhos.

Por volta de fim da tarde Bianca saiu encolerizada do Arundel hall. Tinha passado várias horas na plantação, conversado com os trabalhadores, formulado sugestões e aconselhado, mas ninguém a tinha tratado com respeito. Anders, o administrador da plantação, riu-se da idéia de comprar uma carruagem. Observou que os caminhos da Virginia eram tão maus que a metade da gente nem sequer tinha carruagem, e em todo caso não os havia com querubes dourados que sustentaram o teto. Explicou que quase todos os deslocamentos se faziam utilizando o rio. Mas não riu quando Bianca apresentou a lista de tecidos que ela desejava. limitou-se a olhá-la com os olhos muito grandes.

—Realmente quer lençóis de seda rosada? —perguntou.

Bianca lhe informou que a gente mais refinada da Inglaterra as usava. Não fez caso da observação do Anders no sentido de que Bianca já não estava na Inglaterra.

E em qualquer parte escutou o nome da Nicole. A senhorita Nicole tinha ajudado a melhorar o jardim. Bianca resmungou. por que não? Tinha sido outrora a criada da Bianca, e não uma dama entre cujos antepassados se contava um barão, como era o caso da Bianca.

Mas depois de um momento Bianca se fatigou de escutar o nome da Nicole. Também estava farta de que se considerasse a francesita a senhora da plantação. Caminhou para o mole e o bote de remos que a levaria a moinho. propunha-se falar francamente com a Nicole.

Roger a levou através do rio, e Bianca se encolerizou ante a insolência do homem. Mas Roger lhe disse francamente que não desejava ter nada mais que ver com ela.

Bianca se viu obrigada a subir os degraus de madeira que baixavam do mole até a água, e depois subir por um íngreme atalho que conduzia a casita. A porta estava aberta, e a visitante viu uma mulher corpulenta inclinada sobre um pequeno fogo que ardia no enorme lar. Entrou na habitação.

—Onde está Nicole? —perguntou em voz alta.

Janie se incorporou e olhou a jovem loira. A noite da véspera Nicole tinha retornado cedo do jantar com o Clay, e o único que Janie pôde arrancar foi que tinha chegado Bianca. Não disse mais, mas a expressão de sua cara revelava muito. Os olhos tinham uma expressão de intensa tristeza. Ao levantarse dedicou às tarefas de costume, mas Janie opinava que a jovem já não mostrava a vivacidade de costume.

—Quer passar? —disse Janie—. Certamente você é Bianca. Estava preparando um pouco de chá.

Possivelmente deseje beber uma taça conosco.

Bianca examinou com desgosto a habitação. Não viu nada encantado nas paredes revestidas de gesso, o céu raso sustentado por vigas, ou a roca junto ao fogo. A seus isso olhos era uma choça.

Limpou com os dedos da mão uma cadeira antes de ocupá-la.

—Desejo que vá procurar a Nicole. lhe diga que estou esperando e que não disponho de todo o dia.

Janie depositou a bule sobre a mesa. De modo que esta era a formosa Bianca de quem Clay estava tão apaixonado. Viu uma mulher de rosto descolorido e um corpo que, evidentemente engrossava velozmente.

—Nicole tem coisas que fazer —disse Janie—. Virá quando puder.

—suportei bastante insolência dos criados do Clay. Advirto a você que se...

—Se o que, senhorita? Saiba que eu obedeço a Nicole, não ao Clayton—. Isso não era do todo verdade—. E além disso...


—Janie! —disse Nicole da porta. Atravessou a habitação—. Temos uma visita, e devemos ser amáveis. Desejas um refresco, Bianca? Ficam algumas bolachas quentes do café da manhã.

Quando Bianca não respondeu, Janie murmurou algo a respeito da possibilidade de que essa mulher se comesse todo o grão do moinho.

Bianca sorveu seu chá e com gestos desdenhosos comeu as bolachas suaves, mornos e açucarados.

Suscitava a impressão de que o fazia por obrigação.

—De modo que vivem aqui. descendeste um pouco verdade? Acredito que Clayton te teria permitido permanecer na plantação para desempenhar algumas tarefas. Possivelmente como ayudanta da cozinheira.

Nicole apoiou a mão sobre o braço do Janie para impedir que falasse.

—Eu preferi sair do Arundel Mai. Desejava me manter sozinha. Como sabia dirigir um moinho, o senhor Armstrong me transferiu bondosamente a propriedade deste lugar.

—Transferiu! —exclamou Bianca—. Quer dizer que era dono disto e que o deu de presente? depois de tudo o que lhe tem feito e o que me tem feito mesma?

—Desejaria saber o que lhe tem feito —interveio Janie—. Me parece que ela é a parte inocente em todo este assunto.

—Inocente! —burlou-se Bianca—. Como soube que Clayton era rico?

—Não sei a que te refere.

—Se não soube, por que te emprestou tão facilmente a ir com os seqüestradores? De fato, lançou-te sobre o cavalo daquele homem. E de que modo o capitão conseguiu te casar com meu prometido?

Usou esse cuerpecito fracote que tem para seduzi-lo? Vocês, os membros das classes inferiores sempre fazem coisas pelo estilo.

—Não, Janie! —deu bruscamente Nicole, e depois de voltou para a Bianca—. Acredito que será melhor que te parta agora.

Bianca ficou em pé, sonriendo apenas.

—Somente desejava te advertir. Arundel Hall é meu. A plantação Armstrong é minha, e não tolerarei sua interferência. Já me tiraste bastante do que me pertence e não penso te dar mais. De modo que manten afastada.

—O que me diz do Clay? —perguntou Nicole com voz serena—. também ele se de sua propriedade?

Bianca curvou o lábio inferior, e depois sorriu.

—De modo que se trata disso? Caramba, caramba, que mundo pequeno. Sim, é meu. Se pudesse ter o dinheiro sem ele, aceitaria a situação. Mas isso não é possível. De todos os modos, direi-te uma coisa: inclusive se pudesse me desprender dele, não permitiria que você o tivesse. Desde que te conheci me conduziste dificuldades, e preferiria morrer antes que te dar o que me pertence.

—Seu sorriso se alargou—. Te dói ver como me trata? Tenho-o aqui.

Adiantou a mão gordinha e branca, e depois a fechou lentamente para formar um punho.

Sempre sonriendo, voltou-se e saiu da habitação, sem fechar a porta.

Janie se sentou sobre o bordo da mesa, ao lado da Nicole. Tinha a sensação de que a tinham passado entre as pedras de moer.

—De modo que este é o anjo que por ordem do Clay eu tinha que trazer da Inglaterra?

—Janie meneou lentamente a cabeça—. Me agradaria saber se tiver nascido o homem capaz de conhecer as mulheres. Que demônios vê nela?

Nicole tinha os olhos fixos na porta aberta. Não lhe importava perder a batalha ante uma mulher que amasse ao Clay, mas lhe doía vê-lo com a Bianca. Mais tarde ou mais cedo descobriria como era ela, e ao chegar a essa situação sofreria muito.

Os gêmeos irromperam na habitação.

—Quem era essa senhora gorda? —perguntou Alex.


—Alex! —exclamou Nicole. Mas sua reprimenda perdeu peso quando Janie pôs-se a rir.

Nicole tratou de evitar um sorriso. —Alex, não deve chamar gorda às pessoas.

—Embora o seja?

A risada do Janie era tão estrepitosa que Nicole não pôde falar. Decidiu afastar do tema do excedido peso da Bianca.

—É uma convidada de seu tio Clay —disse finalmente.

Os gêmeos se olharam em silêncio, e depois se voltaram depressa e desceram pelo atalho.

—Aonde irão? —perguntou Janie.

—Provavelmente a apresentar-se. Desde dia em que Ellen Backes os ensino a cerimônia, não perderam oportunidade de fazer reverências e inclinar-se.

Janie e Nicole se olharam, e depois saíram em silêncio da casa. Não estavam seguras da atitude que Bianca mostraria frente aos gêmeos.

As duas mulheres chegaram a tempo para ver o Alex que se inclinava ante a Bianca. Estavam de pé, no mole. Bianca parecia agradada pelos maneiras pulcros dos gêmeos, em que pese a que as roupas e as caras dos meninos estavam um pouco sujos. Mandy permanecia de pé, junto a seu irmão, e sorria orgulhosa.

de repente, Alex perdeu o equilíbrio, e para evitar uma possível queda à água, aferrou o que teve mais perto, quer dizer o vestido da Bianca. O gênero se rasgou na costura da cintura, e se formou um grande orifício.

—Estúpido, torpe! —disse Bianca, e antes de que ninguém pudesse falar descarregou uma forte bofetada na cara do Alex.

O menino fez equilíbrios no bordo do mole, e agitou os braços um momento antes de cair ao rio.

Nicole estava na água até os tornozelos antes de que Alex emergisse pela primeira vez. O pequeno sorriu ante a expressão da Nicole, e nadou para a borda.

—O tio Clay diz que não devemos nadar com os sapatos postos —disse, enquanto se sentava na borda e começava a tirar o calçado. Fez um gesto a Nicole, que ainda estava na água, com os sapatos empapados.

Nicole sorriu e retornou a terra firme. Ainda lhe pulsava o coração a causa do medo que tinha sentido ao ver a queda do menino.

Enquanto Janie e Nicole concentravam a atenção no Alex, Mandy olhou à mulher corpulenta. Não lhe agradava que alguém golpeasse a seu irmão. aproximou-se um passo a Bianca, e apoiou firmemente os talões no mole. Aplicou um forte empurrão a Bianca, e depois se apressou a retroceder.

Todos se voltaram quando ouviram o chiado de temor da Bianca. Caiu lentamente. A falta de força e de tom muscular a reduziam à impotência. Suas mãos pequenas e gordinhas bateram o ar.

Quando tocou a água, as salpicaduras quase alagaram o mole. Mandy ficou empapada da cabeça aos pés. voltou-se, o peitilho do vestido molhada, e a água lhe corria pelas bochechas e o nariz. Sorriu com gesto de triunfo a seu irmão, e Janie começou a rir outra vez.

—Basta, todos vocês —ordenou Nicole, mas lhe tremia a voz porque estava contendo a risada.

Bianca oferecia um espetáculo tão divertido ao cair... Nicole se aproximou do lado oposto do mole, e outros a seguiram. Bianca emergiu lentamente da água. Chegava-lhe apenas ao joelho, mas ao cair tinha fundo completamente. Os cabelos loiros formavam mechas finas e retas sobre a cara. Os cachos que tinha obtido com muito esforço e o uso de uma prancha quente já não existiam. A água lhe tinha pego no corpo o magro algodão do vestido, e quase parecia que estava nua. A via mais grosa do que Nicole tinha acreditado. As coxas e os quadris eram tão adiposos que quase não tinham forma. Onde tivesse devido estar a cintura, havia um cilindro de graxa.

—É gorda! —disse Alex, nos olhos uma expressão de assombro.


lodo.


—Não fiquem assim, me tirem daqui! —gritou Bianca. —Tenho os pés entupidos no

—Acredito que será melhor que chamemos os homens —disse Janie. —Nós dois não temos força suficiente para levantar uma baleia.

—Calem! Calem todos! —disse Nicole, e se aproximou do bote para recolher um remo. —A Bianca não agradam os homens. Vamos, Bianca, aferra o extremo do remo; Janie e eu lhe tiraremos dali.

Janie obedeceu, e sustentou um extremo do remo.

—Se quer sabê-lo, a essa mulher só agrada sua própria pessoa, e não muito, por certo.

As mulheres tiveram que trabalhar bastante para tirar do lodo a Bianca. Apesar de seus proporções, não era muito forte. Quando ao fim chegou à borda, Roger saiu do bosquecillo, onde sem dúvida tinha permanecido um momento. Os olhos lhe faiscavam de prazer quando ajudou a Bianca a subir ao bote, e a levou de retorno à outra borda.


Capítulo 9

Quando se aproximou o cavaleiro solitário, Clay estava inclinado sobre o toco da velha árvore, e assegurava várias cadeias ao redor das raízes largas e profundas. Em uma hora mais ficaria o sol.

Tinha estado trabalhando desde muito antes do amanhecer. Estava cansado, não só pelo trabalho que tinha realizado esse dia, mas também por vários dias de trabalho ininterrupto.

Quando ao fim assegurou as cadeias ao tronco, enganchou-as ao colar do corpulento percherón. O

cavalo afundou as patas maciças no chão quando ouviu a ordem do Clay. Lentamente, o tronco começou a emergir do chão.

Clay se apoderou de uma tocha e curta os finos tendões que asseguravam ao chão o largo toco.

Quando ao fim terminou sua tarefa, conduziu ao cavalo, que arrastava o tronco, para o bordo do campo que estava limpando. Enquanto desprendia as cadeias e as enrolava antes das depositar no chão, o recém-chegado falou.

—Bom trabalho! Não vi um espetáculo tão bom desde que assisti a uma função de alguns bailarinos na Filadelfia. É obvio, tinham melhores pernas que você.

Clay lhe dirigiu um olhar hostil, e depois esboçou um sorriso.

—Wesley! Faz séculos que não te vejo. Você e Travis já colheram o tabaco?

Wes Stanford se ergueu. Não era um homem alto como Clay, mas era robusto, seu peito largo e musculoso, e as pernas sólidas. Seus cabelos eram castanhos, e os olhos muito escuros, freqüentemente com uma expressão alegre. encolheu-se de ombros.

—Conhece o Travis. Está seguro de que pode ele sozinho dirigir o mundo. Pareceu-me oportuno privar os de minha ajuda pelo menos umas horas.

—tornaram a brigar?

Wesley sorriu.

—Travis seria muito capaz de explicar ao demônio como organizar o Inferno.

—E não duvido de que o demônio lhe obedeceria.

Os dois homens se olharam e puseram-se a rir. A amizade entre ambos se fortaleceu ao longo dos muitos anos de vizinhança. Inicialmente o fator que os tinha reunido consistia no fato de que ambos eram irmãos menores. Clay sempre tinha vivido à sombra do James, e por sua parte Wesley tinha tido que lutar com o Travis. Muitas vezes, quando Travis estava perto, Clay tinha agradecido a presença do James. E não invejava ao Wes que tivesse um irmão assim.

—por que está limpando seus próprios campos? —perguntou Wes—. Todos seus homens lhe abandonaram?

—A coisa é pior —disse, Clay, enquanto se enxugava o suor da frente com um lenço.

—Tenho problemas com mulheres.

—Ah! —sorriu Wes. —Bem, agradaria-me me ocupar dessa classe de problemas.

Desejas que abordemos o tema? trouxe um garrafão de licor, e disponho de toda a noite.

Clay se sentou no chão, as costas apoiada em uma árvore, e aceitou o licor de milho que lhe oferecia Wes, quem se sentou ao lado de seu amigo.

—Quando penso o que foi minha vida os últimos meses, não sei como pude suportá-lo.

—Recorda esse verão tão seco, quando se queimaram três de seus depósitos de tabaco, e morreu a metade de suas vacas? —perguntou Wes—. isto Acaso é pior?

—Esses eram tempos fáceis. Eu podia descansar mais.

—meu deus! —exclamou Wes com expressão grave. —Bebe um pouco mais disto e me diga o que está acontecendo.


poder.


Ao Wes agradou a idéia do Clay de seqüestrar a Bianca e depois casá-la com ele por

—Não chegou, ou pelo menos não chegou com o Janie no casco de navio correio.

—Disse que tinha pago ao capitão com o fim de que realizasse a cerimônia.

—Em efeito. E o capitão me casou com uma mulher, mas não com a Bianca. Os seqüestradores levaram-se a uma mulher equivocada.

Wes olhou a seu amigo com os olhos muito grandes e a boca aberta. Passou um momento antes de que recuperasse a fala.

—Quer dizer, o que foi ao encontro de sua esposa e descobriu que estava casado com uma mulher a quem alguma vez tinha visto? —Bebeu um generosos sorvo de licor ao advertir o gesto sombrio do Clay—. Que aspecto tem? Uma velha bruxa?

Clay apoiou a cabeça na árvore e elevou os olhos ao céu.

—É uma dama, e francesa. Tem os cabelos negros e os olhos castanhos muito grandes, e a boca mais apetecível que eu tenha visto. Tem um corpo que me provoca tremor nas mãos quando atravessa uma habitação.

—Eu diria que tem que te alegrar, a menos que essa mulher seja estúpida ou perversa.

—Nenhuma das duas coisas. É educada, inteligente, muito trabalhadora. Os gêmeos a amam, e na plantação todos a adoram.

Wes bebeu outro gole.

—Parece-me que não representa um problema muito grave. Não acredito que essa mulher seja real.

Certamente tem um defeito.

—E isso não é tudo —disse Clay e estendeu a mão para o licor. —Logo que compreendi que se consertou o matrimônio com uma pessoa equivocada, escrevi a Bianca, e lhe expliquei tudo.

—Bianca é a mulher com quem pensava te casar? Como reagiu? Não acredito que lhe tenha agradado verte casado com outra.

—Durante muito tempo não tive notícias dela. Enquanto isso, passei meses com a Nicole, que legalmente é minha esposa.

—Mas não foi sua esposa em nenhum outro sentido?

—Não. Convimos em pedir a anulação mas se necessitava uma testemunha de que tinha sido um matrimônio forçado, e o único em condições de testemunhar já se encontrava na Inglaterra.

—De modo que te impôs conviver com uma mulher formosa e encantadora. Pobre homem! Sua vida foi um inferno.

Clay se desentendeu das brincadeiras do Wes.

—depois de um tempo, vi que Nicole era uma verdadeira jóia, e decidi conversar com ela. Disse-lhe que se Bianca lia minha carta e chegava à conclusão de que não queria ter nada mais que ver comigo, agradaria-me continuar casado com a Nicole. depois de tudo, eu estava obrigado acima de tudo com a Bianca.

—Parece-me que foi uma atitude bastante razoável.

—Em efeito, mas Nicole não pensou o mesmo. Disse casas desagradáveis durante meia hora.

Afirmou que não estava disposta a ser uma segundona, Y... não sei quantas coisas mais. Não me pareceu que suas palavras fossem muito sensatas, mas compreendi que não se sentia muito feliz.

Essa noite...

Interrompeu o relato.

—Continua! É a melhor historia que escutei em muitos anos.

—Essa noite —continuou Clay, —ela estava dormindo no quarto do Beth, e eu no do James, e quando ouvi que gritava acudi imediatamente. Estava terrivelmente atemorizada por algo, de modo que a obriguei a beber bastante e consegui que falasse. —levou-se uma mão aos olhos. _Ha tido um passado terrível. A turfa francesa arrastou a seus pais a à guilhotina e queimou-lhe a casa, e mais tarde mataram ao avô e passearam frente a ela a cabeça cravada sobre uma lança.

Wes fez uma careta de desgosto.

—O que aconteceu depois dessa noite?

Clay pensou que o importante não tinha que ver com o que tinha acontecido depois dessa noite, a não ser durante a mesma. Todas as noites tinha permanecido acordado, recordando quando a tinha tido em seus braços e lhe tinha feito o amor.

—Ao dia seguinte me abandonou —disse Clay com voz tranqüila. —Em realidade, não me abandonou, mas sim cruzou o rio e foi se viver no velho moinho. Agora está dirigindo esse lugar e realizando um magnífico trabalho.

—Mas você deseja que retorne verdade? —quando Clay não respondeu, Wes meneou a cabeça. —

Disse que eram problemas com as mulheres, não com uma mulher. Que mais aconteceu?

—Depois que Nicole começou a trabalhar no moinho, apareceu Bianca.

—Como é?

Clay não soube o que responder. Bianca levava duas semanas vivendo na casa, mas Clay não a conhecia mais que a noite de sua chegada. Estava dormindo quando ele saía pela manhã, e dormia a sua volta. Certa vez Anders lhe tinha falado a respeito dos gastos excessivos, mas Clay tinha rechaçado a queixa. É obvio, ele podia dar o luxo de pagar algumas objetos para a mulher com quem se casaria.

—Não sei como é. Acredito que me apaixonei por ela apenas a vi na Inglaterra, e depois nada trocou. É formosa, encantadora, amável e bondosa.

—Eu diria que já sabe bastante dela. Bem, examinemos a situação. Está casado com uma criatura esplêndida e comprometido e apaixona por outra mulher igualmente esplêndida.

—Essa é mais ou menos a situação —sorriu Clay—. te Ouvindo, diria-se que se trata de um pouco muito desejável.

—Poderia te mencionar situações piores. Por exemplo, minha condição de solteiro e solitário.

Clay emitiu um resmungo. Wes não necessitava mais mulheres em sua vida.

—Direi-te o que farei —sorriu Wes, e aplaudiu a perna do Clay. —Verei as duas mulheres e me levarei uma. Você pode ficar com a que eu despreze, e desse modo te liberará da necessidade de escolher a uma delas. —Estava brincando, mas Clay tinha uma expressão séria na cara. Wes franziu o cenho. Não lhe agradava ver tão inquieto a seu amigo. —Vamos, Clay, tudo sairá bem.

—Não sei —disse Clay. —Ultimamente não me sinto seguro de nada.

Wes se incorporou, e se esfregou as costas no lugar em que a casca lhe tinha arranhado a pele.


—Essa Nicole ainda está no moinho? Crie que posso ir ver a? Percebeu um brilho súbito nos olhos do Clay.

—É obvio. Vive ali com o Janie. Não duvido de que te receberá bem. Parece que sua casa está a disposição de todo o mundo.

Havia um espiono de desgosto na voz do Clay.

Wes prometeu ao Clay que voltaria depois para o Arundel Hall para saborear algum para saborear algum dos pratos do Maggie. Depois montou a cavalo e se encaminhou para o mole. Obrigou a suas arreios a avançar lentamente pelo caminho tão conhecido, porque desejava pensar. Tinha-o impressionado ver o Clay depois de tantos meses. Era como se tivesse estado conversando com um estranho. Quando eram meninos os dois tinham acontecido muito tempo juntos. E depois, de repente, uma epidemia de cólera se levou aos pais do Clay e ao pai do Wes. A mãe do Wes tinha morrido pouco mais tarde. As famílias do James e Clay e do Travis e Wesley se uniram mais por causa da tragédia comum. Tinha prolongados períodos de separação quando os jovens travavam em caminhos plantações, mas tratavam de reunir-se sempre que fora possível.

Wes sorriu ao recordar uma festa no Arundel Hall, quando tanto Clay como Wes tinham dezesseis anos. Os varões tinham apostado a que poderiam levar detrás dos sebes a uma das exuberantes gêmeas Canton. Tinham-no conseguido facilmente, mas Travis tinha descoberto o jogo e depois de aferrar a cada varão pelo pescoço o tinha arrojado ao lago de azulejos.

Onde estava esse Clayton? Tal era a pergunta que Wes se formulava. O Clay a quem ele conhecia se teria rido dessa absurda situação com as duas mulheres. Teria obstinado a que lhe interessava e a tivesse levado a planta alta. Wes conhecia homem que tinha organizado o seqüestro de uma dama inglesa, mas o homem que se comportava como se temesse voltar para sua casa era um estranho.

Desmontou sob uma árvore, junto ao mole, e depois desensilló o cavalo. Imaginou que o problema do Clay era a francesa. Clay havia dito que essa mulher trabalhava para a Bianca... sem dúvida, como donzela. Deus sabia como as tinha arrumado para substituir a Bianca e em definitiva se casou com um rico norte-americano. Wes estava seguro de que essa mulher estava chantageando ao Clay para obrigá-lo a que a retivesse em seu caráter de esposa. por agora, já tinha conseguido o moinho e algumas terras ao redor.

E Bianca? Wes experimentou um sentimento de compaixão por essa mulher. Tinha viajado a América com a esperança de casar-se com o homem a quem amava, e em seu lugar tinha encontrado a outra pessoa.

Atou o cavalo à árvore e depois embarcou no bote e remou em direção à borda oposta. Conhecia bem o moinho, pois tinha sido um de seus lugares favoritos quando era menino. Sorriu ao ver os gêmeos em cuclillas, junto à borda do rio, observando atentamente a falta total de movimentos de um sapo aborrecido.

—O que estão fazendo vocês dois? —perguntou asperamente.

Os gêmeos se sobressaltaram ao uníssono, e depois se voltaram e sorriram ao recém-chegado.

—Tio Wes! —gritaram, lhe atribuindo o título honorífico. Correram para o lugar onde esperava Wes com os braços abertos.

Wes os aferrou da cintura e elevando-os girou sobre si mesmo enquanto eles riam de boa vontade.

—Me sentiram falta de?

—OH, sim —disse Mandy, rendo. —Já não vemos muito ao tio Clay, mas aqui está Nicole.

—Nicole? —perguntou Wes. —lhes agrada, verdade?

—É bonita —disse Alex. —Antes estava casada com o tio Clay, mas não sei se seguirem assim.

—É obvio, sim —disse Mandy. —Sempre esteve casada com o tio Clay. Wes depositou aos meninos no chão.

—Está em casa?

—Acredito que sim. Às vezes vai ao moinho.

Wes apoiou as mãos sobre as cabeças dos meninos.

—Verei-os depois. Possivelmente possam cruzar o rio comigo. Irei jantar com o tio Clay. Os gêmeos se apartaram como se Wes tivesse sido veneno.

—Agora vivemos aqui —disse Alex. —Não temos que retornar à casa.

antes de que Wes pudesse formular perguntas, os meninos se voltaram e se internaram no bosque.

Wes percorreu a colina em direção a casita. Janie estava dentro, sozinha, inclinada sobre a roca de fiar. Wes abriu em silêncio a porta e avançou em puntillas. Deu-lhe um sonoro beijo na bochecha.

Janie não se moveu nem pareceu absolutamente surpreendida.


—Me alegro de verte, Wes —disse serenamente. voltou-se para olhá-lo com os olhos faiscantes. —

Que sorte que não tenha nascido índio. Não poderia acontecer inadvertido nem sequer em meio de um tornado. Ouvi-te quando estava fora, com os gêmeos.

ergueu-se e abraçou ao homem.

Wes a abraçou com força, e a levantou uns centímetros no ar.

—Certamente, não te priva de alimento —disse rendo.

—Mas você sim. Te vê mais magro. Sente-se e te trarei de comer.

—Não muito. Devo jantar com o Clay.

—Hum! —disse Janie enquanto enchia uma terrina com ensopa com partes de presunto. Sobre um prato pôs patas de caranguejo frite e ao lado, um recipiente com manteiga derretida. —Nesse caso, será melhor que coma aqui. Maggie está em pé de guerra, e sua cozinha não é a mesma de antes.

—Imagino que isso tem que ver com as mulheres do Clay —disse Wes, a boca cheia de comida.

Sorriu ante a expressão de surpresa do Janie. —Vi ao Clay antes de vir aqui, e me contou tudo.

—Clay não sabe tudo. Desconhece a maior parte.

—O que significa isso? Eu diria que é um problema bastante singelo. Quão único precisa é anular o matrimônio com esta Nicole, e depois casar-se com a Bianca, a mulher a quem ama. E então voltará a ser feliz.

Janie se zangou tanto ante as palavras do Wes que quase não pôde falar. Tinha em lhe emano o concha de sopa de ferro carregado de sopa, e com ele golpeou a cabeça do Wes.

—Né! —gritou Wes, e se levou a mão aos cabelos, sujos de sopa quente.

Janie se arrependeu imediatamente. Por nada do mundo desejava machucar ao Wes. Tomou um trapo e o empapou em água fria para lhe limpar o cabelo.

Enquanto Janie estava inclinada sobre o Wes, entrou Nicole. Janie começou a apartar-se com o fim de que Nicole pudesse vê-lo, mas depois decidiu que era melhor não fazê-lo. Wes espiou com curiosidade desde seu refúgio atrás do corpo robusto do Janie.

—Janie —disse Nicole—. Sabe onde estão os gêmeos? Vi-os faz uns minutos, mas parece que agora desapareceram. —tirou-se um chapéu de palha que lhe cobria a cabeça e o pendurou de um cabide de madeira, junto à porta. —Desejava lhes dar umas lições antes do jantar.

—Voltarão para casa, e além você está muito cansada para trabalhar com eles.

Wes compreendeu que Janie o ocultava intencionadamente, mas permitindo observar a Nicole.

Soube então que essa mulher podia ser muitas coisas, mas jamais a criada de ninguém. Caminhava com uma graça e uma elegância serenas que demonstravam que nunca tinha sido faxineira de outras pessoas. E o que Clay havia dito de sua beleza era pouco. Seu primeiro pensamento foi depositar rosas aos pés da Nicole e lhe rogar que se separasse do Clay e o aceitasse a ele.

—Clay enviou hoje uma mensagem —disse Janie.

Nicole fez uma pausa, a mão sobre o corrimão da escada.

—Clay?

—Recorda-o? —disse Janie, os olhos fixos no rosto do Wes. —Perguntou se você iria jantar com ele esta noite.

—Não —disse serenamente Nicole. —Não posso, embora talvez deveria enviar algo.

Maggie não cozinha muito ultimamente.

Janie resmungou:

—nega-se a cozinhar para essa mulher, e você sabe.

Nicole se voltou e começou a falar. Depois, deteve-se. Ao parecer, Janie tinha duas pernas mais. A jovem se separou da escada para aproximar-se do Janie.


—Olá —disse Wes, apartou as mãos do Janie e ficou de pé. —Sou Wesley Stanford.

—Senhor Stanford —disse amavelmente Nicole, lhe oferecendo a mão. Dirigiu ao Janie um olhar inquieto. por que tinha oculto a esse homem? —Quer sentar-se? Posso lhe oferecer um refresco?

—Não, obrigado. Janie já se ocupou disso.

—Acredito que irei procurar aos gêmeos —disse Janie, e saí da casa antes de que ninguém pudesse falar.

—Você é amigo do Janie? —perguntou Nicole enquanto servia ao visitante um jarro de cidra fria.

—Do Clay. —Observou a cara da Nicole, não pôde apartar os olhos da boca. O lábio superior lhe intrigava. —crescemos juntos, ou pelo menos passamos muito tempo juntos.

—me fale dele —disse Nicole, nos olhos grandes uma expressão de ansiedade—. Como era durante a infância?

—Distinto —disse Wes, enquanto a observava. Pensou: Está apaixonada por ele. —E acredito que esta situação o transtorna.

Nicole ficou de pé e caminhou para o lar, detrás do Wes.

—Em efeito, assim é. Suponho que lhe relatou a história. —Nicole não esperou que ele assentira.

—Tratei de lhes facilitar as coisas saindo da casa. Não, não é certo. Tratei de me facilitar e mesma as coisas. Sentirá-se feliz outra vez quando anular nosso matrimônio e possa casar-se com a Bianca.

—Bianca. Você trabalhou para ela na Inglaterra?

—Em certo modo. Muitos ingleses nos acolheram bondosamente depois da fuga de nosso país.

—Como foi possível que os seqüestradores a levassem a você e não a Bianca? —

perguntou Wes diretamente.

Nicole se sorriu e recordou a cena.

—Por favor, senhor Stanford, falemos de você.

Wes sabia que o rubor dizia mais que as palavras. Que classe de mulher era tão generosa que propor preparar comida para o homem a quem amava quando sabia que jantaria com outra mulher? Wes

tinha formulado um julgamento errôneo, e não desejava incorrer outra vez na mesma falta.

Esperaria a conhecer a Bianca antes de formular outra opinião.

Uma hora mais tarde, Wes abandonou a contra gosto a ordem serena da casita da Nicole para ir ao Arundel Hall. Não queria partir, mas ao mesmo tempo desejava vivamente conhecer a Bianca. Se Nicole era a segunda alternativa do Clay, a primeira tinha que ser realmente um anjo.

—O que te pareceu? —perguntou Clay quando recebeu ao Wes ao fundo do jardim.

—Estou pensando na possibilidade de enviar alguns seqüestradores a Inglaterra. Se for a metade de bem que a ti, morrerei feliz.

—Ainda não conhece a Bianca. Espera dentro e anseia verte.

A primeira visão da Bianca impressionou realmente ao Wes. Era como voltar a ver o Beth, a esposa do James. Sua mente retornou em um instante aos tempos em que a casa transbordava amor e alegria. Beth tinha talento para conseguir que todos se sentissem bem recebidos. Sua risada estridente podia ouvir-se em toda a casa. Não havia um mascate em quilômetros a quão redonda não fosse bem recebido na hora de comer.

Beth era uma mulher alta e forte. Sua energia afetava a todos. Podia trabalhar a manhã inteira na plantação, sair de caça com o James e Clay toda a tarde; e a julgar pelo permanente sorriso do James, Wes suspeitava que ela era capaz de fazer o amor toda a noite. Estava acostumado a chamar os meninos e os abraçava com gestos exuberantes. Podia preparar pão-doces com uma mão e abraçar a três meninos com a outra.


Wes sentiu durante um momento que lhe enchiam os olhos de lágrimas. Beth tinha sido uma mulher tão viva que quase era possível acreditar que retornaria à terra.

—Senhor Stanford —disse Bianca com voz tranqüila—.Quer passar?

Wes se sentia um parvo, e sabia que devia parecer precisamente isso. Piscou umas poucas vezes para esclarecê-la visão, e depois olhou ao Clay. O dono de casa tinha advertido a impressão suscitada no Wes.

—Aqui chegam muito poucos visitantes —disse Bianca enquanto conduzia aos homens ao comilão.

—Clayton me promete que muito em breve poderemos voltar a receber. Quer dizer, apenas se esclareça esta lamentável situação e eu seja a verdadeira senhora da casa. Quer tomar assento?

Wes continuava hipnotizado por ela, pela semelhança com o Beth; mas a voz era distinta, e também os movimentos e na bochecha esquerda Bianca tinha uma covinha que não tinha existido no Beth.

Ocupou uma cadeira frente a Bianca, e Clay ficou entre eles.

—O que lhe parece nosso país? É muito distinto da Inglaterra?

—OH, sim —disse Bianca, enquanto vertia uma generosa porção de molho sobre três fatias de presunto. Alcançou ao Wes o recipiente de lata com o molho. —América é muito mais tosca que a Inglaterra. Não há cidades, nem lugares aonde ir comprar. E a falta de vida social, quer dizer, de vida social decente, é entristecedora.

Wes fez uma pausa com a mão sobre o concha de sopa do molho. Bianca tinha insultado a seu país e a seus compatriotas, mas ao parecer não tinha consciência de sua própria grosseria. Mantinha a cabeça inclinada sobre o prato. Wes verteu molho em seu prato, e depois a provou.

—Santo Deus, Clay! Desde quando Maggie serve fontes de açúcar com o presunto? Clay se encolheu de ombros, sem demonstrar interesse. Enquanto comia olhava a Bianca. Wes começou a suspeitar de toda essa relação.

—me diga, senhora Armstrong —começou a dizer, e de repente se interrompeu. — Desculpe-me, mas você não é a senhora Armstrong... ainda.

—Não, não o sou! —disse Bianca, dirigindo um olhar malévolo ao Clay. —Minha donzela se jogou em braços dos homens que deviam me levar ao Clay. E depois, enquanto estava a bordo do navio convenceu ao capitão de que ela era Bianca Maleson, e conseguiu que esse homem a casasse com meu prometido.

Wes começava a sentir antipatia para a mulher. Tinha necessitado poucos minutos para superar a impressão provocada pelo parecido com o Beth; mas a essa altura da conversação também essa impressão começava a dissipar-se. Bianca era branda e fofa onde Beth sempre tinha sido forte e firme, com ossos grandes.

—Diz que foi sua donzela? Não chegou a Inglaterra fugindo da Revolução Francesa?

Acreditava que só a aristocracia se viu obrigada a sair do país.

Bianca moveu o garfo.

—Isso é o que Nicole diz a todos. Afirma que seu avô foi o duque do Levroux, ou pelo menos, sua prima me disse isso.

—Mas você sabe a que atenerse, verdade?

—É obvio. Trabalhou para mim uns meses e estou bem inteirada. Suspeito que foi cozinheira em uma casa, ou costureira. Mas por favor, senhor Stanford —disse Bianca, e sorriu, —

realmente deseja falar de minha criada?

—É claro que não —respondeu Wes, sonriendo a sua vez—. Falemos de você. Poucas vezes posso me dar o prazer de uma companhia tão encantadora. me fale de sua família e de suas idéias a respeito da América.

Wes comia lentamente enquanto escutava a Bianca. Não era fácil continuar comendo e ao mesmo tempo escutar. Lhe falou da linhagem de sua própria família, da casa que seu pai havia poseído outrora. É obvio, na América todo era terrivelmente inferior ao que existia na Inglaterra, e isso era aplicável sobre tudo às pessoas. Enumerou os defeitos de todos os servidores do Clay, explicou como a maltratavam e se negavam a lhe obedecer. Wes emitia breves sons de simpatia, e não cessava de surpreender-se da quantidade de alimento que essa mulher ingeria.

De tanto em tanto Wes olhava furtivamente ao Clay. Este mantinha uma atitude passiva, como se não escutasse ou não compreendesse as palavras da Bianca. Às vezes olhava a Bianca com olhos frágeis, como se em realidade não a visse.

Parecia que o jantar se prolongaria até o infinito. Wes se surpreendeu ante o sentimento de segurança da Bianca. Ao parecer, não duvidava de que ela e Clay se casariam muito em breve, e de que seria a proprietária do Arundell Hall. Mas quando começou a falar de derrubar a parede do este para adicionar à casa uma asa de recarregada arquitetura, “não tão simples como esta casa”, Wes não quis escutar mais.

voltou-se para o Clay.

—por que os gêmeos se ficaram do outro lado do rio? Clay olhou ao Wes com o cenho franzido.

—Nicole pode educá-los, e eles quiseram ir —disse francamente. —Querida, desejas vir conosco à biblioteca?

—Céus, não —disse Bianca com expressão afetuosa. —Não desejo me entremeter nas conversações dos cavalheiros. Se me desculparem, desejo me retirar. foi um dia exaustivo.

—É obvio —disse Clay.

Wes murmurou uma despedida, e depois se voltou e saiu da habitação. Quando estava na biblioteca se serve uma abundante ração de uísque e o bebeu de um gole. Estava servindo uma segunda porção quando Clay entrou na habitação.

—Onde está o retrato do Beth? —perguntou Wes com os dentes apertados.

—Transladei-o a meu escritório —disse Clay enquanto se servia um brandy.

—Para estar sempre perto dela? Tem uma cópia do Beth caminhando por toda a casa e seu retrato no escritório, onde passa o resto do dia.

—Não sei do que está falando —observou irritado Clay.

—Sabe muito bem! Refiro a essa cadela vaidosa e excedida de peso a que utiliza como substituta do Beth.

Os olhos do Clay relampejaram. Era o mais alto dos dois, e um homem forte e de músculos duros, mas Wes era um indivíduo muito robusto. Eles nunca tinham disputado.

de repente, Wes se acalmou.

—Olhe, Clay, não desejo gritar, nem sequer quero discutir contigo. Acredito que agora necessita um amigo. Não entende o que está fazendo? Essa mulher se parece com o Beth. Quando a vi pela primeira vez, pensei que era Beth. Mas não o é!

—Tenho consciência disso —disse secamente Clay.

—Crie-o? A miras como se fosse uma deusa, mas, ouviste-a falar? Está tão afastada do Beth como humanamente é possível. É uma hipócrita vaidosa e arrogante.

Um instante depois o punho do Clay golpeou a cara do Wes. Wes retrocedeu sobre o escritório e dali saiu despedido por volta de uma das poltronas de couro vermelho. esfregou-se o queixo e sentiu na boca o sabor do sangue. Durante um momento contemplou a possibilidade de atacar ao Clay.

Possivelmente uma boa briga lhe devolveria a sensatez. Pelo menos Clay entendia essa linguagem.

—Beth está morta —murmurou Wes. —Ela e James estão mortos, e por muito que o tente nada conseguirá devolvê-los a este mundo.

Clay olhou a seu amigo cansado na poltrona, esfregando o memorou; quis falar, mas não pôde.

Havia muitas coisas que dizer, e muito poucas. voltou-se e saiu da habitação, e da casa, e caminhou para os campos de tabaco. Possivelmente umas horas de trabalho o acalmassem, evitassem-lhe pensar no Beth e Nicole, não, na Bianca e Nicole.


Capítulo 10

As árvores estavam tingindo-se com as belas cores outonais. Os vermelhos e os dourados reluziam.

Nicole estava de pé no topo de uma colina da qual podia ver-se o moinho e a casa. Através das árvores fortaleza a ver a luz do sol que se refletia na água clara.

Tinham passado dez dias da visita do Wesley Stanford, e mais de um mês desde essa horrível noite em que Bianca tinha retornado à vida da jovem. Nicole tinha acreditado que o trabalho esforçado no moinho lhe permitiria se separar de sua mente a imagem do Clay. Mas não tinha sido assim.

—Gozando da paz do campo?

Nicole se sobressaltou quando ouviu a voz do Clay. Não o tinha visto durante todo o período em que ele tinha estado com a Bianca.

—Janie me disse onde estava. Suponho que não te incomodo.

Ela se voltou lentamente e o olhou. Clay tinha o sol à costas, e os extremos frisados de seus cabelos escuros pareciam dourados. O via fatigado e parecia ter mais anos. Tinha profundas olheiras, como se não tivesse dormido bem.

—Não —sorriu ela. —Não me incomoda. Está bem? Já colheste o tabaco?

Os lábios do Clay se afrouxaram e desenharam um sorriso suave. sentou-se no chão, estirou o corpo e contemplou o céu através da folhagem brilhante, dourada e vermelha. Quando estava perto da Nicole se sentia melhor.

—Parece que seu moinho prospera. vim a te pedir um favor. Ellen e Horace Backes nos oferecem uma festa. Um autêntico festejo virginiano, que durará pelo menos três dias, e você e eu somos os convidados de honra. Ellen deseja dar a bem-vinda a minha esposa em nome da comunidade.

Quando Clay se estendeu aos pés da Nicole, com suas pernas largas, os músculos tensos contra a camisa aberta, ela sentiu que se derretia. Desejava afundar-se no chão junto a ele, e aplicar a bochecha à pele bronzeada. Clay estava transpirando a causa do trabalho no campo, e ela quase podia saborear o sal de seu corpo enquanto se imaginava que estava lhe beijando o pescoço. Mas quando viu que Clay se afrouxava junto a ela, o impulso da jovem variou: sentiu desejos de lhe dar chutes. O corpo da Nicole parecia uma labareda, mas ele se comportava como se acabasse de ingressar na paz e a serenidade da casa de sua mãe.

Ela necessitou um momento para compreender o que Clay dizia.

—Acredito que seria um tanto embaraçoso que tivesse que dizer ao Ellen que me nego a assistir, verdade?

O a olhou com apenas um olho aberto.

—Conheceu-te, e sabe que estamos casados.

—Mas não sabe que não estaremos casados muito tempo.

Nicole se voltou e quis afastar-se, mas Clay lhe aferrou o tornozelo e ela tropeçou e caiu para diante sobre suas mãos e joelhos. Clay se sentou, deslizou as mãos sob os braços da Nicole, e a elevou.

—por que te zanga comigo? Faz semanas que não te vejo, e quando venho convido a uma festa.

Acreditei que se sentiria agradada e não zangada.

Ela não podia lhe explicar que a serenidade do Clay demonstrava era o motivo de sua cólera.

sentou-se sobre o pasto, longe das mãos de seu interlocutor.

—Não me parece correto que nos apresentemos em público como marido e mulher quando poucos meses mais tarde se anulará o matrimônio. Eu acredito que deveria ir com a Bianca e explicar a todos o tolo engano. Estou segura de que seria uma anedota maravilhosa.

—Ellen te conheceu —disse Clay obstinadamente. Não tinha resposta para os interrogantes da Nicole. Somente sabia que a perspectiva de passar três dias com suas noites com ela, o proporcionava felicidade pela primeira vez em vários meses. Tomou a mão da Nicole e a examinou um momento. Era tão pequena, tão pulcra e poda, e podia suscitar tanto prazer... A levou aos lábios e beijou uma por una as suaves almofada das gemas.

—Por favor, aceita —pediu em voz baixa. —Todos meus amigos, pessoas a quem conheço sempre, estarão ali. trabalhaste muito os últimos meses, e necessita um descanso.

Nicole sentiu que os ossos começavam a derreter-se o ao contato de seus dedos com os lábios do Clay, e entretanto uma parte de seu ser se encrespou, irritada. O estava vivendo com outra mulher, e dizia que a amava, mas beijava a Nicole, tocava-a, convidava-a a festas. Desse modo a levava a acreditar que era seu amante, uma mulher a quem se mantinha oculta e se utilizava sozinho para o prazer. E entretanto, desejava lhe apresentar a seus amigos.

—Clay, por favor —disse com voz débil.

O mordiscou a cara interior da boneca da Nicole.

—Irá?

—Sim —disse Nicole com voz débil, os olhos entrecerrados.

—Magnífico! —exclamou Clay, soltou-lhe a mão e ficou de pé. —Amanhã às cinco da manhã me reunirei contigo e os gêmeos. E também Janie. Sim, será melhor que traga mantimentos.

Possivelmente algo francês. Se não ter todo o necessário, lhe diga ao Maggie que o retire do depósito.

voltou-se e assobiando percorreu a colina.

—De todos os indivíduos insuportáveis... —começou a dizer Nicole, e então sorriu.

Talvez se o compreendia, não chegaria a amá-lo tanto.

Clay estava pensando na noite do dia seguinte. Estaria a sós com a Nicole, compartilhando um dormitório na casa espaçosa e irregular do Horace. Em vista dessa perspectiva, podia privar-se de um rápido ato de amor sobre a colina, onde qualquer podia vê-los.

Apenas Clay desapareceu, Nicole ficou de pé. Se tinha que preparar comida para três dias, era melhor que começasse quanto antes. Levaria frango assado com mostarda do Dijon, patê envolto em um revestimento de massa, verduras frite e um guisado. E tortas! Tortas de cabaça, de carne picada, de maçã, de pêras, de morangos. Estava quase sem fôlego quando chegou à casa.

—bom dia —gritou Clay enquanto amarrava o veleiro ao mole, do lado do rio em que habitava Nicole. Sorriu a jovem, ao Janie e a quão gêmeos esperavam com várias cestas enormes.

—Não sei se o veleiro navegará com tanto peso a bordo, sobre tudo depois de toda a comida que Maggie enviou.

—Imaginei que possivelmente resolvesse cozinhar algo para você depois que lhe disse que tinha convidado a Nicole —manifestou Janie.

Clayton não lhe fez caso e começou a entregar as cestas ao Roger, quem as depositou uma atrás de outra no fundo da embarcação. Os gêmeos riram ao arrojar-se literalmente nos braços do Roger.

—Parece muito alegre esta manhã —disse Janie. —Quase estou pensando que recuperou a sensatez.

Clay aferrou da cintura ao Janie e lhe aplicou um forte beijo na bochecha.

—Possivelmente a recuperei, mas se não calar, arrojarei-a também ao bote.

—Talvez você a arroje —disse em voz alta Roger, —mas não posso garantir que tentarei recebê-la.

Janie resmungou indignada, e sustentou a mão do Clay enquanto abordava a embarcação.


Clay ofereceu a mão a Nicole.

—Eu poderia tratar de receber a esta dama —disse rendo Roger.

—Esta é minha! —disse Clay quando elevou do mole a Nicole e sustentando-a fortemente passou ao bote.

Nicole o olhou com os olhos muito grandes. de repente lhe pareceu que estava ante um estranho. O

Clay a quem ela conhecia era um homem solene e discreto. Mas quem quer fosse este, agradava-lhe.

—Vamos, tio Clay! —gritou Alex. —As carreiras de cavalos terão terminado antes de que cheguemos.

Clay apoiou lentamente a Nicole, e depois a sustentou com um só braço por uns momentos.

Ela se limitou a olhá-lo, e sentiu que o coração lhe pulsava com força. Clay a soltou bruscamente.

—Alex! nos desamarre. Mandy, olhe se pode ajudar ao Roger a apartar o veleiro da borda.

—Sim, capitão Clay! —disseram rendo os gêmeos. Nicole se sentou junto ao Janie.

—Bem, este é o homem a quem lembrança! —disse Janie—. Aconteceu algo. Não sei o que, mas queria agradecer à pessoa que obteve este resultado.

Ouviram o estrépito da festa quase a um quilômetro antes de chegar ao mole dos Backes. Nem sequer eram as seis da manhã, mas a metade do condado já se distribuiu sobre o prado, e algumas pessoas estavam mais longe, perto do rio, disparando aos patos.

—Trouxe para o Golden Girl? —perguntou Alex. Clay olhou desdenhoso ao menino.

—Não seria uma verdadeira festa se não pudesse esvaziar os bolsos de todos, verdade?

—Acredita que poderá vencer ao Irish Lass, do senhor Backes? —perguntou Roger—. Ouvi dizer que é um cavalo muito veloz.

Clay emitiu um grunhido.

—Não lhe custará o mais mínimo esforço.

Enquanto falava, abotoou-se a camisa e de um canasto que estava perto da proa tirou uma gravata.

Atou-a depressa, e depois ficou um colete de rasa cor castanha. Seguiu uma jaqueta cor chocolate.

Os botões eram de bronze, o fronte formava uma curva e as costas chegava a menos de um centímetro dos joelhos. As calças de couro se atiam como uma pele. Calçava botas altas, mais elevadas sobre o joelho que atrás. Lustrou-as rapidamente, e começaram a brilhar como um espelho.

Finalmente, ficou um chapéu castanho escuro, com a asa brandamente curvada.

voltou-se para a Nicole e lhe ofereceu o braço.

Nicole sempre o tinha visto vestido com roupa de trabalho. O homem que colhia tabaco se transformou em um cavalheiro digno do Versalles.

Pareceu que ele advertia a vacilação da Nicole, e possivelmente por isso em seus lábios se desenhou um largo sorriso.

—Sem dúvida, quero parecer digno de me apresentar com a esposa mais formosa do mundo.

Não crie que tenho razão?

Nicole lhe sorriu, e se alegrou de que ela mesma tivesse cuidado tanto seu traje. Levava um vestido de seda branca, muito fina e delicada. Tinha sido bordado a emano na Inglaterra, com minúsculos junquilhos dourados. O peitilho era de veludo, e tinha a mesma cor intensa, o dourado das flores. O

pescoço e as mangas estavam debruadas de branco. assegurou-se os cabelos com cintas douradas e brancas.


Quando Roger amarrou o veleiro a um dos moles, ao extremo da propriedade dos Backes, Clay disse: —Quase o tinha esquecido! Tenho algo para ti.

Afundou a mão no bolso e tirou o relicário de ouro que ela tinha deixado muito tempo atrás no navio.

Nicole o estreitou fortemente em suas mãos, e depois sorriu ao Clay.

—Obrigado —disse.

—Depois poderá me agradecer devidamente —disse ele, e a beijou na frente. voltou-se para alcançar vários canastos ao Roger, que se mantinha de pé no aborde do mole. Sustentou apertada contra seu corpo a Nicole, e depois a elevou até o mole.

—Aqui estão! —gritou alguém quando começaram a caminhar para a casa.

—Clay! Creímos que podia ser uma mulher disforme, a julgar pelo modo em que a esconde.

—Mantive-a oculta pela mesma razão que escondo meu brandy. O excesso de exposição não é bom para o brandy nem para as algemas —respondeu Clay.

Nicole se olhou as mãos. Este novo Clay a desconcertava, precisamente por causa de que agora estava anunciando ao mundo que ela era sua esposa.

—Olá —disse Ellen Backes—. Clay, deixe-me isso um momento. Tiveste-a meses inteiros. A contra gosto, Clay soltou a mão da Nicole.

—Não me esquecerá, verdade? —disse ao mesmo tempo que lhe dirigia uma piscada.

Depois, seguiu a vários homens que se dirigiam à pista de carreiras. Nicole viu que ele bebia um gole comprido de uma jarra de cerâmica.

—Certamente, você tem feito maravilha com ele —disse Ellen—. Não vi ao Clay tão feliz depois da morte do James e Beth. É como se se ausentou muito tempo, e agora retornasse.

Nicole não soube o que responder. Esse Clay sorridente e brincalhão que todos viam era um estranho para ela. Ellen não lhe ofereceu a oportunidade de falar porque imediatamente começou a apresentá-la a muitas pessoas. Nicole se viu bombardeada por perguntas a respeito de suas roupas, sua família, e como tinha conhecido ao Clay, onde se tinham casado. Não mentiu diretamente, mas tampouco falou do seqüestro nem do matrimônio à força.

A fachada da enorme casa do Ellen olhava ao rio. Nicole tinha visto muito poucas casas norte-americanas, e esta a surpreendeu. A casa do Clay era de uso georgiano puro, mas a do Ellen e Horace era uma mescla de todos os estilos arquitetônicos imagináveis. Parecia que cada geração tinha agregado uma asa segundo o estilo que preferia. A casa se estendia em várias direções, com asas largas, asas curtas e corredores que conduziam a distintos edifícios.

Ellen advertiu que Nicole olhava fixamente a casa.

—Notável, verdade? Acredito que vivi aqui um ano antes de conhecer tudas as curvas. Dentro é muito pior que fora. Tem corredores que não levam a nenhuma parte e portas que se abrem sobre o dormitório de outras pessoas. Realmente é terrível.

—E não duvido de que você lhe tem muito afeto —sorriu Nicole.

—Não estou disposta a trocar nem um tijolo, salvo que penso adicionar outra asa. Nicole a olhou assombrada, e depois pôs-se a rir.

—Talvez outra planta? Não outra asa, a não ser um terceiro andar. Ellen sorriu.

—Você é uma moça inteligente. Acredito que compreende muito bem a minha casa.

Alguém chamou o Ellen, e duas mulheres começaram a formular a Nicole mais pergunta, enquanto ela ajudava a servir a comida. Havia pelo menos vinte mesas de cavaletes distribuídas sobre o prado. Algumas estavam carregadas de mantimentos; frente a outras havia bancos. Todas a famílias

tinham levado tanta comida como Nicole e Janie. cavou-se um poço, e estavam assando centenares de ostras. Alguns escravos faziam girar um porco inteiro sobre um poço e o banhavam com molho picante. Alguém explicou a Nicole que era um modo haitiano de cocção, e que se chamava andaime.

de repente, chegou o som de um corno do fundo da plantação.

—É a hora! —gritou Ellen, e se tirou o avental—. As carreiras começam já mesmo.

Como uma só pessoa, todas a mulheres se tiraram os aventais, elevaram as saias e puseram-se a correr.

—Agora que a beleza chegou, podemos começar —disse um homem.

Nicole se manteve um tanto se separada das restantes mulheres, que estavam reunindo-se sobre o bordo da pista oval cuidadosamente riscada. Durante a carreira lhe tinham desprendido os cabelos.

Colocou sob uma cinta um cacho reluzente.

—me permita —disse desde atrás Clay. As mãos do Clay não fizeram muito para arrumar os cachos desordenados, mas as gemas de seus dedos sobre o pescoço da Nicole enviaram pequenas correntes elétricas pela coluna vertebral da jovem. Obrigou-a a voltar—. O passa bem?

Ela assentiu, e o olhou fixamente. Clay apoiava as mãos sobre os ombros da Nicole, e lhe tinha aproximado a cara.

—Meu cavalo correrá agora. Dará-me o beijo da boa sorte?

Como de costume, a resposta estava nos olhos da Nicole. O deslizou os braços ao redor da cintura da jovem e a estreitou contra seu corpo. Sustentou-a assim um momento, a cara afundada no pescoço da Nicole.

—Me alegro tanto de que tenha vindo comigo... —murmurou, e depois roçou com os lábios a bochecha da jovem, e finalmente se deteve na boca. Nicole sentiu que lhe afrouxavam as pernas e se aferrou ao corpo do Clay.

—Clay! —gritou alguém—. Tem toda a noite para isso. Agora, vêem e te ocupe de seus cavalos.

Clay apartou a cabeça da Nicole.

—Toda a noite —murmurou, e lhe aconteceu o dedo sobre o lábio superior. Soltou-a bruscamente e se aproximou de um homem que parecia uma versão mais corpulenta do Wesley. O homem aplaudiu as costas do Clay.

—De todos os modos, não te critico. Crie que haja mais belezas como ela na Inglaterra?

—Travis, dei procuração da última —disse Clay rendo.

—De todos os modos, acredito que um dia irei ver pessoalmente.

Nicole permaneceu de pé, olhando, enquanto os homens se afastavam. Provavelmente já lhe tinham apresentado ao irmão do Wes, mas todos os nomes e as caras se confundiam.

—Nicole! —chamou Ellen—. Te reservei um lugar junto a mim. Nicole se aproximou depressa para olhar as carreiras de cavalos.

Três horas depois os homens e as mulheres retornaram juntos ao lugar onde os esperava a comida.

Nicole estava ruborizada por causa da risada e o efeito do sol. Não se tinha divertido tanto do período anterior à Revolução Francesa. Suas primos franceses estavam acostumados a queixar-se e afirmavam que os ingleses era tão sérios, e que viviam só para o trabalho e a igreja, de modo que não tinham idéia do modo de divertir-se. Contemplou aos norte-americanos distribuídos sobre o prado, e soube que suas primos tivessem simpatizado com essa gente. A manhã inteira tinham rido e gritado. As mulheres se mostraram não menos estrepitosas e tinham manifestado em alta voz suas opiniões a respeito da qualidade dos cavalos. E não sempre puxavam pelos corcéis dos respectivos maridos. Ellen tinha apostado várias vezes contra Horace, e agora se vangloriava de que Horace teria que lhe preparar um trabalhador de pedreira novo e pedir a Holanda cinqüenta bulbos novos de tulipas.

Nicole tinha permanecido de pé, em silêncio, como uma estranha espectadora, até que Travis viu que ela franzia o cenho frente a um dos cavalos do Clay.

—Clay, acredito que a sua esposa não agrada o cavalo.


Clay logo que olhou a Nicole.

—Minhas mulheres apostam em meus cavalos —disse, e dirigiu um olhar significativo ao Horace.

Nicole olhou fixamente as costas do Clay enquanto ele ajustava a cadeira liviana sobre o cavalo. Ela entendia de cavalos. Aos franceses agradavam como ao que mais as carreiras de cavalos, e os cavalos de seu avô tinham derrotado repetidas vezes aos do rei. Arqueou o cenho. Bem! De modo que suas mulheres apostavam por seus cavalos né?

—Não vencerá —disse com firmeza—. Não tem boas proporções. As patas são muito largas para o largo do peito. Os cavalos como esse nunca são bons corredores.

Todos os que ouviram a olharam, e os jarros de cerveja se detiveram no ar.

—Vamos, Clay, permitirá esse desafio? —disse Travis rendo—. Me parece que ela sabe algo.


Clay apenas se deteve para ajustar a cilha.

—Quer apostar uma pequena soma?

Ela o olhou fixamente. Clay sabia que Nicole não tinha dinheiro. Ellen a tocou com o cotovelo.

—lhe prometa o café da manhã em à cama durante uma semana. Um homem é capaz de tudo para obter isso.

A voz do Ellen percorreu toda a pista. Como o resto, com a única exceção da Nicole, já tinha bebido muito.

—Parece-me justo —sorriu Clay, e com uma piscada ao Travis agradeceu que seu amigo tivesse formulado a idéia. Clay parecia acreditar que a aposta tinha concluído.

—Talvez eu te leve o café da manhã à cama —propôs Clay com um sorriso sensual, e os homens que estavam ao redor riram apreciativamente.

—Eu preferiria uma capa nova para o inverno —disse fríamente Nicole, e se voltou para caminhar para a pista—. Uma capa de lã vermelha —adicionou por cima do ombro.

As mulheres que estavam ao redor, riram, e Ellen lhe perguntou se estava segura de que não tinha nascido na América.

Quando o cavalo do Clay perdeu por três corpos, seu proprietário teve que suportar muitas brincadeiras. Todos perguntaram se não era melhor que Nicole se ocupasse do tabaco tanto como dos cavalos.

Enquanto as mulheres caminhavam de retorno à casa, comentavam rendo as perdas e as lucros.

Uma bonita jovem tinha prometido lustrar pessoalmente as botas do marido durante um mês.

—Mas ele não esclareceu que parte das botas —disse rendo a jovem—. Será o único homem da Virginia cujos pés possam ver-se refletidos em um espelho.

Nicole olhou a montanha de comida e compreendeu que tinha muito apetite. As fontes depositadas sobre uma mesa eram enormes. Nicole se serve um pouco de tudo.

—Crie que pode comer todo isso? —burlou-se desde atrás Clay.

—Possivelmente tenha que me servir outra vez —respondeu ela, rendo—. Onde me sinto?

—Comigo, se pode esperar. —apoderou-se de um prato e sobre ele depositou mais comida que a que Nicole tinha, e depois aferrou o braço da jovem e caminhou para um grande carvalho. Um dos criados do Backes sorriu e depositou grandes jarros de ponche de rum sobre o chão, junto à árvore.

Clay se sentou no pasto, seu prato sobre os joelhos, e começou a comer. Olhou a Nicole, que permanecia de pé, o prato na mão.— O que acontece?

—Não quero me manchar o vestido com o pasto —disse ela.

—me dê seu prato —disse Clay minta depositava o seu no chão, a pouca distância. Quando o prato da Nicole se reuniu com o primeiro, Clay lhe aferrou a mão e a atraiu a seus joelhos.


—Clay! —disse ela e tratou de apartar-se. O a obrigou a permanecer no mesmo sítio—.

Clay, por favor. Estamos em um lugar público.

—Não lhes importa —disse Clay, enquanto lhe acariciava a orelha—. Lhes interessa a comida mais que o que façamos.

Ela se apartou.

—Está bêbado? —perguntou com expressão suspicaz. Clay se pôs-se a rir.

—Em efeito, parece uma esposa, e sim, estou um pouco bêbado. Sabe qual é seu problema? —Não esperou que ela respondesse.— Está completamente sóbria. Sabe que é absolutamente deliciosa quando te embebeda? —Beijou à ponta do nariz da Nicole, e depois levantou o jarro de ponche de rum.— Vamos, bebe isto.

—Não! Não quero me embriagar —disse com expressão obstinada.

—Aproximarei o jarro a sua boca, e o bebe ou te arruína o vestido.

Ela contemplou a possibilidade de recusar, mas Clay tinha um aspecto tão atrativo, como um garotinho desobediente, e Nicole sentia tanta sede... O ponche de rum era delicioso. Tinham-no preparado com três classes de rum e quatro sucos de fruta. Estava frio, e na superfície flutuavam pedaços de gelo. Lhe subiu imediatamente à cabeça, e ela respirou fundo ao sentir que se afrouxavam suas tensões.

—Agora se sente melhor?

Ela o olhou com os olhos entrecerrados, e lhe acariciou a bochecha com o dedo.

—Aqui é o homem mais arrumado —disse com expressão sonhadora.

—Melhor que Steven Shaw?

—Refere-te ao loiro da covinha no queixo? Clay fez uma careta.

—Pôde haver dito que não tinha idéia de quem era. Toma —entregou o prato—.

Come algo. A gente diria que uma francesa não se embriagaria tão facilmente como você. Ela apoiou a cabeça no ombro do Clay e os lábios contra a pele morna.

—Vamos, sente-se bem —disse Clay com expressão severo, e pôs um pedaço de pão demaíz na boca da Nicole—. Acreditei que tinha apetite. —O olhar que lhe dirigiu induziu ao Clay a mover incômodo as pernas.— Come! —ordenou.

Nicole desviou a contra gosto sua atenção para a comida, mas lhe agradava estar sentada sobre os joelhos do Clay.

—eu adoro seus amigos —disse enquanto mastigava a salada de batatas—. Esta tarde haverá mais carreiras de cavalos?

—Não —disse Clay—. Geralmente deixamos descansar aos cavalos. A maioria da gente joga aos naipes, ao xadrez ou ao backgamon. Outros encontram suas habitações neste labirinto ao que Ellen chama casa, e dormem uma sesta.

Nicole continuou comendo tranqüilamente um momento. Depois levantou os olhos para olhá-lo.

—O que faremos nós?

Clay sorriu de tal modo que lhe moveu somente um flanco da boca.

—Pensei te dar um pouco mais de rum, e depois te perguntar.

Nicole o olhou fixamente, e estendeu a mão para o jarro de ponche. depois de beber um comprido trago, depositou-o no chão. de repente bocejou.

—Sim, acredito que necessito... uma sesta.

Sem falar, Clay se tirou a jaqueta e a pôs no chão, a seu lado. Depois, elevou a Nicole e a deitou sobre o objeto. Beijou a comissura da boca surpreendida da jovem.

—Se for te levar através do pátio até a casa, preciso estar em condições decentes.


Os olhos da Nicole descenderam até o vulto nas calças de couro do Clay. pôs-se a rir.

—Come, fantasia de diabo! —ordenou em um tom fingidamente áspero.

Poucos minutos depois Clay lhe retirou o prato terminado pela metade e a ajudou a incorporar-se.

Pô-lhe a jaqueta sobre um ombro.

—Ellen —chamou, quando estava mais perto da casa—. Que habitação nos atribuíste?

—A asa nordeste, planta alta, terceiro dormitório —se apressou a responder a proprietária de casa.

—Fatigado, Clay? —perguntou alguém rendo—. Que estranho, como se fatigam os recém casados.

—Está ciumento, Henry? —perguntou Clay por cima do ombro.

—Clay! —protestou Nicole quando já estavam na casa—. Está me envergonhando. Clay grunhiu

—Do modo como me olha, consegue que eu me ruborize.

Sustentou-a enquanto encontrava seu caminho através dos corredores. Nicole recolheu a impressão de uma estranha mescla de móveis e quadros. Os móveis formavam uma variada gama, do estilo isabelino inglês ao cortesão francês e aos primitivos norte-americanos. Viu quadros dignos do Versalles e outros tão toscos que certamente eram obra de meninos.

Clay as arrumou para encontrar a habitação. Empurrou dentro a Nicole e a sustentou em braços enquanto com o pé fechava a porta. Cobriu-a de beijos famintos, como se lhe parecesse impossível chegar a satisfazer-se. Sustentou-lhe a cara entre as mãos, e a inclinou para aproximá-la mais.

Nicole renunciou a todo esforço para controlar-se. Sua mente era um torvelinho por causa da proximidade do Clay. Podia sentir a pele quente desse homem através da camisa de algodão. Tinha a boca dura e suave ao mesmo tempo, e a língua muito doce. As coxas do Clay pressionavam sobre ela, reclamando e ao mesmo tempo solicitando.

—esperei isto muito tempo —murmurou Clay enquanto lhe beijava o lóbulo da orelha. Mordeu-a brandamente.

Nicole se separou do Clay. Enquanto ele a observava com expressão desconcertada, Nicole caminhou para o fundo da habitação e levantou os braços e com movimentos rápidos começou a tirar o adorno de seus cabelos. Clay permaneceu imóvel e a observou. Nem sequer se moveu quando ela começou a manipular os botões que tinha nas costas do vestido. Vê-la assim, só em uma habitação com ele, era o que tinha desejado durante muito tempo.

Nicole adiantou os ombros e se desprendeu o vestido. Abaixo se tinha posto uma fina camisa de gaze de algodão. O decote profundo estava adornado com minúsculos corações rosados. Mantinha-o pacote sob o busto com uma fina cinta de cetim rosado. Seus peitos pressionavam sobre o tecido delicado, quase transparente.

Com movimentos muito lentos, ela desatou o nó da cinta e deixou que a gaze caísse ao chão.

Os olhos do Clayton seguiram o movimento do tecido, e esquadrinharam cada centímetro da Nicole, dos peitos altos e firmes à cintura pequena e os pés delicados. Quando de novo lhe olhou a cara, lhe tendeu os braços. Clay avançou um passo através da habitação, elevou a Nicole e a depositou brandamente sobre a cama. Permaneceu de pé contemplando-a. A luz do sol através das janelas cobertas por cortinas lhe revelou que ela tinha uma pele sem defeitos.

Clay se sentou na cama, ao lado da Nicole, e com a mão lhe acariciou a pele. Ao tato era tão grata como parecia com a vista, quer dizer, Lisa e morna.

—Clay —murmurou Nicole, e lhe dirigiu um sorriso.

Clay se inclinou e lhe beijou o pescoço, o pulso na base da garganta, e depois passou lentamente aos peitos, e jogou com eles, e saboreou os rígidos mamilos rosados.


Nicole afundou os dedos nos cabelos espessos do Clay, e arqueou para trás o pescoço.

Clay se deitou na cama, junto à Nicole Estava completamente vestido, e Nicole podia sentir a frieza dos botões de bronze do colete contra sua própria pele. O couro das calças era morna e suave. O

couro das botas esfregou as pernas da jovem. As roupas que lhe roçavam a pele nua, o couro e o bronze, eram todos elementos masculinos, todos fortes como Clay.

Quando se deitou sobre ela, Nicole esfregou a perna contra o flanco da bota. O couro da calça lhe acariciou a cara interior da coxa. O se inclinou sobre um lado e começou a desabotoar o colete.

—Não —murmurou ela.

O a olhou um momento e depois a beijou de novo, profunda, apaixonadamente.

Nicole riu quando ele levantou uma perna e com o couro suave da bota se deslizou ao longo da perna feminina. Clay soltou os botões que estavam aos flancos de suas calças, e Nicole gemeu ao primeiro contato de sua virilidade.

deitou-se sobre ela, e a sustentou fortemente, como se temesse que Nicole tentasse abandoná-lo.

Lenta, muito lentamente, Nicole começou a reviver outra vez. estirou-se e respirou profundamente.

—Sinto como se me tivesse liberado de muitas tensões..

—Isso é tudo? —riu Clay, a cara apertada contra o pescoço da Nicole—. Me alegro de ter podido ser útil. Possivelmente a próxima vez deveria trazer as esporas.

—Ri-te de mim?

Clay se apoiou em um braço.

—Jamais! Acredito que estou me renda de mim mesmo. Em todo caso, você me ensinaste certas coisas.

—Sim? Por exemplo?

Ela passou o dedo sobre a cicatriz junto ao olho do Clay. Clay se separou da Nicole e se sentou.

—Agora não. Talvez lhe direi isso mais tarde. Tenho apetite. Não me permitiu comer muito faz uma hora.

Nicole sorriu e fechou os olhos. sentia-se deliciosamente feliz. Clay ficou de pé e a olhou. Os cabelos negros da Nicole se desdobravam em abano sob o corpo, e formavam um esplêndido contraste com as curvas de toda sua estrutura. O advertiu que Nicole já estava meio dormida.

inclinou-se e beijou a ponta do nariz da Nicole.

—Dorme, meu amor —murmurou em voz baixa, e depois estendeu sobre ela a outra metade do cobertor. Saiu da habitação nas pontas dos pés.

Quando Nicole despertou, estirou-se perezosamente antes de abrir os olhos.

—Vamos, vêem —disse uma voz rouca do fundo da habitação.

Nicole sorriu e abriu os olhos. Clay olhou a imagem da Nicole refletida no espelho. A camisa do Clay estava sobre uma cadeira, e ele se barbeava.

—dormiste a maior parte da tarde. Propõe-te perder o baile? Ela sorriu.

—Não. —ia levantar se da cama, mas advertiu que estava nua. Olhou ao redor, procurando algo para cobrir-se. Quando advertiu que Clay a observava interessado, jogou em um flanco o cobertor e caminhou para o guarda-roupa, onde Janie tinha pendurado seus objetos. Clay sorriu e continuou barbeando-se.

Quando terminou, aproximou-se dela por detrás. Nicole vestia uma bata de raso damasco, e olhava desconcertada suas roupas, procurando um objeto conveniente.

de repente, Clay se apoderou de um vestido de veludo cor canela.


—Janie disse que devia usar este. —Estendeu o braço e o examinou com olho crítico. —Não parece que tenha muito aí acima.

—Eu contribuirei isso —disse Nicole com certa altivez, e se apoderou do vestido.

—Nesse caso, acredito que não necessitará isto.

Nicole se voltou e viu o que ele tinha nas mãos. Pérolas! Havia quatro fileiras, asseguradas com quatro largos broches de ouro. Nicole sustentou nas mãos o colar e apalpou a textura suave das pérolas. Mas não via muito bem como as usar. Parecia mais um cinturão comprido que um colar.

—Ponha o vestido, e eu te mostrarei —disse Clay—. Minha mãe ideou este colar.

Nicole se apressou a vestir a anágua, e depois a túnica. O peitilho era muito decotado, e as mangas, apenas umas tiras sobre os ombros. Clay assegurou os ganchos sobre as costas. Depois, uniu um dos fechamentos com o centro do vestido, e o segundo com um ombro. O terceiro fechamento ficou

unido ao centro do profundo decote, e outro ao outro ombro, de maneira que formavam um círculo completo que se fechava atrás. As quatro fileiras estavam armadas de tal modo que se complementavam. Duas fileiras cruzavam o busto, e as outras penduravam elegantemente sobre o veludo.

—Muito formoso —disse Nicole ao olhar-se no espelho—. Obrigado por permitir usá-lo. O se inclinou e lhe beijou o ombro nu.

—Minha mãe me deu de presente isso, com o fim de que o entregasse a minha esposa. Ninguém o usou jamais. Ela se voltou para olhá-lo.

—Não compreendo. Nosso matrimônio não é...

O aplicou um dedo sobre os lábios da Nicole para sossegá-la.

—Gozemos da noite. Amanhã haverá tempo de falar. Nicole retrocedeu uns passos e terminou de vestir-se.

Alcançava para ouvir os músicos que estavam abaixo, no prado. Aceitava pensar unicamente no momento atual. A realidade estava representada pela Bianca e Clay no Arundel Hall. A realidade era o amor do Clay por outra mulher.

Saíram da habitação, e Clay a conduziu de novo através do labirinto da casa até sair ao jardim. As mesas tinham recebido mais mantimentos, e a gente se passeava em qualquer parte comendo e bebendo. Nicole logo que teve tempo de provar um bocado antes de que Clay a arrastasse à plataforma que tinham armado para dançar. A briosa equipe virginiana a deixou sem fôlego.

depois de quatro danças, Nicole rogou ao Clay que lhe permitisse descansar. O a separou do grupo e a levou a um pequeno pavilhão octogonal que se levantava baixo três salgueiros. Tinha anoitecido enquanto dançavam.

—As estrelas são formosas, verdade?

Clay a abraçou e a aproximou, e a cabeça da Nicole descansou sobre o homem de seu companheiro.

O não falou.

—Oxalá este momento pudesse durar eternamente —murmurou ela—. Oxalá nunca terminasse.

—Acaso os restantes momentos foram tão horríveis? Foi tão desgraçada na América?

Ela fechou os olhos e com sua bochecha esfregou a do Clay.

—Aqui passei meus momentos mais felizes e os mais miseráveis. —Não desejava falar disso.

Levantou a cabeça.—por que Wesley não está aqui? Teve que retornar porque deve ocupar-se de sua plantação de maneira que o irmão possa vir? E quem é essa mulher que está com o irmão do Wesley?

Clay sorriu e obrigou a Nicole a baixar a cabeça.


—Wes não veio, e suponho que foi porque não quis. Com respeito ao Travis, acredito que seria capaz de administrar sua propriedade da Inglaterra, se o desejasse. E a ruiva é Margo Jenkins. Por isso sei, está decidida a apanhar ao Travis, à margem de que ele o aceite ou não.

—Oxalá ela não o apanhe —murmurou Nicole—. Você e Wesley discutiram? Sentiu que se endurecia o corpo do Clay.

—por que me pergunta isso?

—Acredito que seu caráter me induz a perguntá-lo. O se afrouxou e pôs-se a rir.

—Em efeito, tivemos um choque.

—Grave?

O a separou um pouco e a olhou nos olhos.

—Talvez tenha sido uma das conversações mais sérias de minha vida. —Elevou a cabeça.—

Acredito que estão tocando uma equipe. Está preparada?

Nicole respondeu com um sorriso quando lhe aferrou a mão e a levou para o grupo dos bailarinos.

Nicole se surpreendeu ante a resistência dos virginianos. Tinha sido um dia comprido, em que pese a que ela tinha dormido durante a tarde. Ao terceiro bocejo, Clay a tirou da mão e a levou a planta

alta. Ajudou-a a despir-se, mas quando Nicole estava caindo à cama lhe ofereceu uma larga bata de banho. Nicole o olhou assombrada.

—Pensei que te agradaria um banho de meia-noite —disse, enquanto se despia e se embainhava em uma bata curta de algodão, as mangas muito largas e soltas.

Em silêncio, Nicole o seguiu através de outras passagens que os levaram a saída. Assombrada, advertiu que estavam perto do bordo dos bosques. Podia ouvir o rio, que não estava muito longe.

Atravessaram caminhando a densa escuridão das árvores até o lugar em que uma curva do rio formava um formoso lago. Clay depositou na borda o sabão e as toalhas, despiu-se, recuperou o sabão e se introduziu ao rio. Nicole o olhou enquanto a luz da lua arrancava reflexos aos músculos das costas do Clay. internou-se sem ruído na água, e as pernas largas se deslizaram quando nadou para o centro do lago. voltou-se e a olhou.

—Pensa ficar ali toda a noite?

Ela se apressou a desatar sua bata e a deixou cair ao chão, e depois correu atrás dele. mergulhou-se na água.

—Nicole! —chamou Clay quando viu que ela não reaparecia. Em sua voz havia uma nota de temor.

Nicole emergiu detrás do Clay, e lhe mordeu as costas antes de inundar-se novamente.

Clay respondeu com um grunhido, e depois a aferrou da cintura.

—Vêem aqui, fantasia de diabo —disse, e lhe beijou a frente.

Lhe rodeou o pescoço com os braços, e o beijou apaixonadamente. Sua pele experimentava uma sensação grata ao roçar a do Clay. A água estava morna e agradável. Clay a apartou, e começou a ensaboá-la. Passou-lhe as mãos por todo o corpo, muito lentamente. Quando terminou, ela se apoderou do sabão e lavou ao Clay. Riram ao uníssono, gozando da água e cada um do outro. antes de que Nicole pudesse enxaguar-se, Clay começou a lhe lavar os cabelos. Nicole se afundou na água para enxaguar-se. Seus cabelos flutuaram depois do corpo em uma larga massa de prata escura.

Clay a olhou, e depois a atraiu lentamente. Beijou-a apenas, e aproximou mais o corpo da jovem.

Apartou-a um momento e a olhou nos olhos. Parecia que estava lhe formulando uma pergunta, e ao parecer obteve resposta. Beijou-a de novo, e depois a elevou em braços e a levou a borda.

Depositou-a brandamente no pasto, e começou a lhe beijar o corpo. Beijou-a em todos os lugares em que suas mãos ensaboadas a haviam meio doido. Nicole sorriu, com os olhos fechados.


Inclinou a cabeça e atraiu para a sua a boca do Clay. Passou-lhe as mãos sobre o corpo, e sentiu sua força, toda sua energia.

Depois, Clay se deitou sobre a Nicole; ela estava preparada para recebê-lo.

—Doce Nicole —murmurou Clay, mas ela não o ouviu. Seus sentidos tinham passado da realidade à paixão pura que Clay provocava nela. Elevou os quadris para recebê-lo.

Um momento depois, Clay jazeu ao lado da Nicole, e a estreitou contra seu corpo. Tinha uma perna cruzada sobre ela. Sua boca estava perto da orelha da Nicole, e o fôlego do Clay era suave e morno.

—Casará-te comigo? —murmurou Clay. Ela não estava segura de havê-lo ouvido bem.

—Não me responderá?

Nicole pôde sentir a tensão de seu próprio corpo.

—Estou casada contigo.

O se inclinou sobre a Nicole, a cabeça apoiada sobre um braço.

—Quero que te case de novo comigo, frente a todo o condado. Esta vez quero estar presente quando nos casarmos.

Ela guardou silêncio enquanto lhe acariciava o lábio superior com um dedo.

—Certa vez disse que me amava —lhe recordou Clay—. É obvio, estava bêbada, mas o disse.

Falava a sério?

Ela logo que podia respirar.

—Sim —murmurou, olhando-o aos olhos.

—Então, por que não quer te casar comigo?

—Ri-te de mim? Burla-te?

O sorriu e esfregou o nariz contra o pescoço da Nicole.

—Parece-te tão difícil acreditar que posso ter um mínimo de sensatez? Como pode amar a um homem a quem cria estúpido?

—Clay, te explique. Não entendo o que está dizendo. Nunca pensei que fosse estúpido. O a olhou de novo.

—Deveria acreditá-lo. Na plantação, todos exceto eu lhe ofereceram seu amor. Inclusive meus cavalos são mais ardilosos que eu. Recorda a primeira vez que te beijei no navio? Estava tão irritado por causa do que tinha perdido... sua pessoa. Desejava que não te partisse nunca, mas aí estava você e me dizia que em realidade não foi minha. Enfureci-me quando vi essa nota, e me pus frenético quando não pude te achar. Acredito que Janie compreendeu então que me tinha apaixonado por ti.

—Mas Bianca... —começou a dizer Nicole, e então Clay apoiou um dedo sobre os lábios da jovem.

—Ela pertence ao passado, e quero que nós partamos daqui. Ellen sabe que nos casamos por poder no navio, e compreenderá se pedimos voltar a nos casar aqui.

—Voltar a nos casar? Aqui?

Clay lhe beijou o nariz e sorriu, e seus olhos centellaron à luz da lua.

—Parece-te uma idéia tão absurda? Desse modo tenderemos um centenar de testemunhas que jurarão que ninguém nos obrigou a contrair matrimônio. Não quero que depois surja a idéia de uma anulação. —Sorriu.— Inclusive se te dou chicotadas.

A tensão da Nicole se dissipou.

—Lamentaria-o.

—O que? —Clay se pôs-se a rir—. O que faria?

—Diria ao Maggie que não cozinhe, explicaria aos gêmeos o que fez, de modo que lhe odiassem também, Y...


—me odiar? —de repente adotou uma expressão grave, e aproximou mais a Nicole.— Você e eu estamos sozinhos. Temo-nos unicamente o um ao outro. Tem que me prometer que nunca me odiará.

—Clay —disse ela, tratando de respirar—. Não falei a sério. Como poderia te odiar se te amar tanto?

—Eu também te amo —disse ele, e afrouxou um pouco seus braços—. Provavelmente nos levará uns três dias prepará-lo tudo para as bodas, mas aceita, verdade?

Ela se pôs-se a rir.

—Pergunta-me se aceitar o que mais desejo na vida? Sim, casarei-me contigo. Todos os dias, se o desejar.

O começou a depositar beijos famintos sobre o pescoço da Nicole.

Nicole se sentiu plena. Tivesse desejado que esse dia se prolongasse eternamente. Possivelmente nunca precisasse retornar a uma vida em que ela tinha habitado uma casa e Clay outra. Sentia que estaria segura se podiam casar-se publicamente antes de retornar. Haveria testemunhas de que Clay a amava e desejava.

A palavra Bianca cruzou sua mente, mas os beijos do Clay afugentaram todos os pensamentos. Três dias, havia dito Clay. O que podia acontecer em três dias?


Capítulo 11

A manhã seguinte, quando Nicole despertou não pôde acreditar nas coisas que tinham acontecido a véspera. Todo isso parecia muito bom para ser certo. Estava sozinha no dormitório, e o sol entrava

pela janela. Sorriu para ouvir as vozes excitadas sob a janela. As carreiras de cavalos começariam pouco depois. Saltou da cama e se vestiu depressa com uma singela túnica de musselina.

Levou-lhe vários minutos encontrar o modo de sair da casa para aproximar-se das mesas do café da manhã. Estava comendo um prato de ovos mexidos quando percebeu que a gente que se encontrava ao redor tinha calado. Parecia que um por um todos se silenciavam.

ficou de pé e olhou para o mole. O que viu esteve a um passo de lhe paralisar o coração. Wesley caminhava ao lado da Bianca. Nicole se havia sentido a salvo nessa propriedade, longe da Bianca, mas de repente percebeu que seu mundo começava a derrubar-se ao redor dela mesma.

Bianca avançou confidencialmente para o grupo. Vestia uma túnica de raso malva com grandes floresça negras bordadas ao redor do arena. Tinha um largo encaixe em à cintura e o pescoço. Os peitos grandes estavam pela metade dissimulados pelo vestido de cores brilhantes. Usava uma sombrinha de raso fazendo jogo com o resto.

Inclusive enquanto Nicole observava a aproximação do casal, começou a perguntá-la causa do silêncio de outros. Sabia que a presença da Bianca lhe impressionava, mas, por que afetava às pessoas que não a conheciam? Olhou às pessoas ali reunida, e advertiu a expressão de surpresa nos rostos.

—Beth —repetiram várias pessoas—. Beth.

—Wesley —chamou Ellen de um rincão do prado—. Que susto nos deste! — Atravessou o prado em direção aos recém chegados.— Bem-vindos —disse, e estendeu a mão.

Inclusive quando já estavam perto das mesas, Nicole não pôde mover-se. Wesley se separou da Bianca, que já se deu procuração de um prato. As mulheres a rodearam.

—Olá —disse Wesley a Nicole—. O que lhe parecem as festas virginianas?

Quando Nicole o olhou, tinha os olhos cheios de lágrimas. perguntou-se por que ele tinha feito isso.

por que havia trazido para a Bianca? Tinha motivos para odiar a Nicole e desejar separar a do Clay?

—Nicole —disse Wesley, a mão apoiada no braço da jovem—. Confie em mim. Por favor.

Ela teve que assentir. Não podia oferecer outra resposta. Ellen se aproximou por detrás ao Wes.

—Onde a encontrou? Clay a viu? Wesley sorriu.

—Já a viu. —Estendeu a mão para a Nicole—. Quer ir comigo à pista de carreiras?

Sem falar, ela aceitou o braço do Wes.

—O que sabe do Beth? —perguntou quando já se afastaram uns metros.

—Só que morreu, com o irmão do Clay —respondeu Nicole. interrompeu-se de repente-.

Bianca se parece com o Beth, verdade?

—Ao princípio impressiona. Se permanecer imóvel e calada, em efeito se parece com o Beth, mas logo que abre a boca toda a semelhança desaparece.

—Então Clay... —começou a dizer Nicole.

—Não sei. Não posso falar por ele. Só sei que ao princípio eu também pensei que ela era Beth. Sei que o interesse do Clay nela se apóia em seu parecido com o Beth. Não poderia tratar-se de outra coisa, pois Bianca não é o que eu chamaria uma mulher agradável. —Sorriu.— Clay e eu discutimos um pouco por causa dela. —massageou-se o memorou. —Pensei que talvez o beneficie ver juntas a ambas.

Nicole compreendeu que Wes tinha boas intenções mas ela tinha visto o modo em que Clay olhava a Bianca, tinha visto como a adorava. E não sabia se podia suportar que ele voltasse a olhar desse modo a outra mulher.

—O que aconteceu ontem nas carreiras? Clay derrotou ao Travis? Oxalá o tenha conseguido.

—Acredito que o tentou —disse rendo Nicole, contente de trocar de tema—. Mas, não quer conhecer meus planos a respeito de uma nova capa vermelha?

Era norma nas festas virginianas que todos os convidados se atendessem sozinhos. Havia comida em todas as mesas, todos os jogos imagináveis, criados dispostos a atender os mais mínimos desejos. De maneira que quando o corno chamou para iniciar as carreiras matutinas, as mulheres se consideraram em liberdade de abandonar a Bianca, já que a recém chegada rechaçava o convite a presenciar as carreiras. Os olhos da Bianca não podiam apartar-se da comida depositada sobre as mesas. Essa horrível Maggie virtualmente se negou a cozinhar para ela depois da partida do Clay.

—Você é a senhorita Maleson de quem ouvi falar?

Bianca apartou os olhos do prato sobre o qual acumulava manjares e olhou ao homem alto. Era magro até o extremo de parecer gasto. A jaqueta gasta e suja lhe pendurava sobre o corpo. Tinha o rosto coberto parcialmente pelos cabelos negros, compridos e desgrenhados e uma fina barba negar.

O nariz era largo, os lábios formavam uma magra linha, mas os olhos eram como dois carvões negros que reluziam no fundo do matagal dos cabelos e a barba. Os olhos eram pequenos e estavam tão juntos que os bordos interiores pareciam sobrepor-se.

Bianca fez uma careta e apartou o olhar.

—Mulher, tenho-lhe feito uma pergunta! Você é uma Maleson? Ela o olhou hostil.

—Não acredito que isso lhe concirna. Agora, me deixe passar.

—Uma glutona! —disse o homem, ao ver o prato transbordante de comida—. A gulodice é pecado, e você pagará por isso.

—Se não me deixar em paz, chamarei a alguém.

—me permita falar com ela. Acredito que é bastante bonita.

Bianca olhou interessada ao homem que se aproximou. Era um homem forte e saudável, que teria no máximo vinte e cinco anos, embora por desgraça mostrava a mesma cara do pai. Os ojillos negros se passearam sobre o corpo branco e brando da Bianca.

—O nome de solteira de nossa mãe foi Maleson. ouvimos dizer que você pensava casar-se com o Clayton Armstrong, e escrevemos a Inglaterra. Não sei se você recebeu a carta.

Bianca recordava muito bem a carta. De modo que essa era a chusma que se atrevia a afirmar que estava aparentada com ela.

—Não recebi nenhuma carta.

—O prêmio do pecado é a morte! —disse o velho com uma voz que chegava a muitos metros de distância.

—P, essa gente que está ali joga e aposta aos cavalos. Deveria lhes falar enquanto nós conversamos com nossa prima.


Bianca se voltou e se afastou do grupo. Não tinha a mais mínima intenção de conversar com eles.

Apenas se tinha sentado quando dois jovens vieram a instalar-se junto a ela. Em frente estava o homem que lhe tinha falado antes, e ao lado de outro homem, mais jovem e de menor estatura, que teria uns dezesseis anos. A aparência do moço estava suavizada pelos olhos de cor clara, mais redondos e mais separados.

—Este é Isaac —disse o homem maior—, e eu sou Abraham Simmons. Esse homem é nosso pai. —

Fez um gesto em direção ao velho que caminhava depressa para a pista de carreiras, com uma Bíblia sob o braço.— O único que interessa a ele é pregar. Mas Ike e eu temos outros planos.

—Por favor, podem retirar-se? Desejaria tomar em paz meu café da manhã.

—Senhora, isso é suficiente para três comidas —disse Ike.

—Você é muito altiva verdade? —perguntou Abe—. Pensei que se alegraria de falar conosco, posto que somos seus parentes, e todo isso.

—Vocês não são meus parentes! —disse ferozmente Bianca.

Abe se ergueu e a olhou fixamente. Entrecerró os olhos pequenos como contas de vidro até que pareceram nada mais que ranhuras pelas que brotava uma luz negra.

—Não me parece que lhe sobrem os amigos. ouvimos que você se casaria com o Armstrong e seria a proprietária do Arundel Hall.

—Sou a proprietária da plantação Armstrong —disse altivamente Bianca entre um bocado e outro.


—Então, quem é a bela mujercita que segundo Clay é sua esposa?

A Bianca se o endureceram os músculos da cara. Ainda a irritava o fato de que Clay a tivesse deixado para levar consigo a Nicole. comportou-se de um modo estranho com ela depois da noite em que esse simpático senhor Wesley Stanford jantasse com eles. Desde essa noite pareceu que Clay a vigiava constantemente, e Bianca tinha começado a sentir-se incômoda. Tocou o tema de adicionar uma asa à casa, e ele se limitou a olhá-la fixamente. Bianca tinha saído encolerizada da habitação. Jurou que lhe faria pagar caro sua grosseria. E de repente, tinha abandonado a plantação. Ela se alegrou de que ele partisse; sua presença constante a inquietava. Em ausência do Clay tinha consagrado horas a projetar comidas. Mas empalideceu intensamente quando essa repulsiva Maggie preparou menos da metade dos pratos que ela tinha ordenado.

Enquanto estava na cozinha dizendo à cozinheira que se apreciava seu emprego era melhor que trabalhasse um pouco, reapareceu Wesley. O visitante lhe falou de uma festa e lhe disse que Clay tinha levado a Nicole.

Bianca se preparou a contra gosto para transladar-se à plantação Backes a manhã seguinte bem cedo. Como era possível que essa horrível Nicole tentasse apoderar-se do que não lhe pertencia? Já lhe mostraria! Quão único ela precisava fazer era sorrir ao Clay, e ele se comportaria como o tinha feito a primeira noite. Sim, Bianca conhecia muito bem a sedução que possuíam as mulheres de sua família.

—Essa mulher foi antes minha donzela —disse altivamente Bianca.

—Sua donzela! —disse Abe rendo—. Parece que agora é a donzela do Clay.

—Leve a outro sítio seus sujos comentários —disse Bianca enquanto ficava de pé para encher novamente o prato.

—Escute —disse Abe, que a seguiu. Tinha uma expressão séria na cara—. Acreditei que você se casaria com o Clay e depois poderia nos ajudar. A nosso pai o único que lhe interessa é a prédica.

Temos terras não longe da propriedade do Clay, mas não ganhou. Talvez você pudesse nos emprestar um touro, e posto que somos membros da família, inclusive nos dar de presente um par de vitelas.

—E uns frangos —adicionou Ike—. Ao MA agradaria ter mais galinhas. É sua prima.

—Não estou aparentada com vocês! Como se atrevem a contar comigo e minhas possibilidades?

Como se atrevem a me falar de... animais!

Abe necessitou um momento para responder.


—Aqui há algo que não está claro, senhorita Altiva. Você não receberá o dinheiro do Clay, verdade? Você viajou da Inglaterra a América, e descobriu que ele se casou com sua donzela e não com você! —Abe se pôs-se a rir.— É a melhor historia que escutei em muitos anos. Espere a que comece a contá-la diante dos vizinhos.

—Não é certo! —disse Bianca, e começaram a lhe lacrimejar os olhos—. Clayton se casará comigo! Serei a proprietária da plantação Armstrong. Isso necessitará um tempo, mas nada mais.

Clay anulará o matrimônio com essa mulher.

Abe e Ike se olharam, tratando de conter a risada.

—De modo que o anulará, né? —disse Abe—. Ontem, quando ela estava sentada nos joelhos do Clay e o alimentava não me pareceu que ele pensasse separar-se dessa moça.

—E quando a levou a planta alta em metade da tarde? —adicionou Ike. Estava na idade em que começava a descobrir ao sexo oposto. Tinha passado uma hora sob uma árvore imaginando o que Clay o fazia a sua bonita esposa—. Quando baixou tinha um sorriso de orelha a orelha.

Bianca pensou: Essa suja trotona. Essa cadela acreditava que poderia lhe arrebatar a plantação utilizando seu corpo para seduzir ao Clay. Apartou os olhos do prato de comida, e olhou em direção à pista de carreiras. Logo que conclua o café da manhã, poria em seu lugar a Nicole.. Ergueu a cabeça e começou a afastar-se dos jovens.

—Talvez mais tarde comprove que necessita amigos —lhe gritou Abe—. Não esquecemos à família como faz você, mas em adiante nosso preço será muito mais alto. Vamos, Ike, tratemos de evitar que P se meta em confusões.

Uma hora mais tarde Bianca se aproximou da pista de carreiras. A jornada estava lhe parecendo muito fatigante, e além irritante. alegrou-se porque já não teria que discutir para conseguir o que queria. Chegaria o momento em que a plantação Armstrong seria dela, e ela poderia descansar depois das comidas, para digerir bem o alimento. E agora, por causa da Nicole, devia assistir a essas repulsivas festas, e tratar a tanta gente ruidosa e grosseira.

Viu a Nicole de pé ao lado do Ellen Backes, sobre o bordo da pista de cavalos, mas Nicole guardava silêncio, e em sua cara havia uma expressão inquieta. Olhava para um extremo da pista, onde Clay se encontrava com um grupo de homens.

Bianca tocou o homem da Nicole com a ponta de sua sombrinha.

—Vêem aqui —ordenou quando Nicole se voltou.

Com um gesto resignado, Nicole acompanhou a Bianca e ambas se afastaram do resto.

—O que está fazendo aqui? —perguntou Bianca—. Seu lugar não é este, e sabe! Se Clay ou eu não lhe interessamos, pensa em ti mesma. ouvi dizer que te comportou com ele como a pior trotona guia de ruas. O que dirá a gente quando se desembaraçar de ti e se case comigo?

Quem quererá casar-se contigo quando souber que foi usada desse modo?

Nicole olhou à mulher mais alta. Quão único pôde pensar foi que era horrível estar com um homem que não fora Clay.

—Quer que vamos ver o? —perguntou altivamente Bianca—. Recorda como se desentendeu de ti o dia que eu cheguei da Inglaterra?

Nicole sabia que esses poucos minutos estavam marcados a fogo em seu próprio coração.

—Um dia aprenderá que um homem deve respeitar a uma mulher antes de que possa amá-la.

Quando atua como uma qualquer, tratam-lhe como isso.

—Nicole —disse Ellen, quem se aproximava nesse momento—, sente-se bem? Parece-me que sofre algum mal-estar.

—Possivelmente o excesso de sol. Ellen sorriu.

—Não pode ser uma novidade de outra classe, verdade?

A mão da Nicole se posou sobre o estômago. Oxalá Ellen acertasse.


—Possivelmente o excesso de comida —disse Bianca—. Uma nunca deve comer muito e depois ficar ao sol. Acredito que retornarei à casa. Nicole, parece-me que deveria me acompanhar.

—Sim, o mesmo digo —afirmou Ellen.

O que menos desejava Nicole era continuar em companhia da Bianca, mas advertiu que Clay e os homens estavam aproximando-se. Não suportava ver que Clay se derretia ante a visão de sua amada.

Havia pelo menos três amplas salas na casa do Ellen, e todas estavam lotadas. Uma súbita chuva fria tinha obrigado a todo mundo a procurar refúgio. acenderam-se fogos em toda a casa, e quando os grandes lares começaram a desprender calor, a casa se enfraqueceu.

Clay se tinha sentado em uma poltrona de couro, e bebia um jarro de cerveja e observava a quão gêmeos fritavam milho sobre o fogo. Poucos minutos antes tinha ido à planta alta e encontrou a Nicole dormida na cama. Estava preocupado por ela, porque ao longo da manhã a gente lhe tinha falado da mulher que se parecia com o Beth.

—Quer sentar-se? —ouviu dizer a uma voz conhecida. voltou-se e viu o Wes bastante perto, de frente ao próprio Clay. Uma figura que sem dúvida era a da Bianca lhe dava as costas.

Clay ainda não desejava vê-la. Acima de tudo, queria falar com a Nicole, tranqüilizá-la, impedir que se preocupasse. Começou a ficar de pé, mas Wes lhe dirigiu um olhar de advertência. Clay se encolheu de ombros e continuou sentado. Talvez Wes desejava estar sozinho com ela.

—Certamente isto a impressiona muito —disse Wes, e Clay pôde ouvir sem dificuldade o que seu amigo dizia.

—Não sei a que se refere— disse Bianca.

—Pode ser sincera comigo. Clay me contou tudo. Você veio da Inglaterra com a esperança de casar-se com o Clay, e descobriu que estava unido a outra mulher. E agora, ele vive publicamente com essa jovem.

—Em efeito, você me compreende! —Exclamou agradecida Bianca—. Ao parecer, todos estão contra mim, e não entendo a razão. Deveriam criticar a Nicole, essa horrível mulher. Eu sou a parte ofendida.

—me diga, Bianca, por que quis casar-se com o Clay quando o conheceu? Ela guardou silêncio.

—Estive pensando —continuou Wes—, ceo que poderíamos nos ajudar um ao outro. É obvio, você sabe que Clay é um homem de recursos. —Sorriu ante o enérgico gesto de assentimento da Bianca.

— Estes últimos anos minha plantação não se desenvolveu bem. Se você fosse a senhora do Arundel Hall, poderia me ajudar.

—Como?

—De tanto em tanto alguns vacunos poderiam extraviar-se em minhas terras, ou possivelmente desapareçam uns poucos sacos de trigo. Clay não advertiria a falta.

—Não sei.

—Mas você seria sua esposa. A proprietária da metade da plantação. Bianca sorriu.

—É obvio. Você poderia me ajudar a ocupar o lugar que me corresponde? Ao princípio estava segura de que o conseguiria, mas ultimamente não sei muito bem a que atenerme.

—Sem dúvida, você será sua esposa. Se você me ajudar, eu a ajudarei.

—De acordo. Mas, como se livrará dessa terrível Nicole? Ela se oferece ao Clay, e ele é tão estúpido que lhe agradam os encantos dessa prostituta.

—Já ouvi suficiente —disse Clay com voz seca enquanto se inclinava sobre a Bianca.


Ela se voltou, e se levou a pescoço a mão.

—Clay! Assustou-me! Não sabia que estava aqui. Clay a ignorou e se voltou para o Wes.

—Em realidade, isto não era necessário. Levou-me um tempo, mas finalmente compreendi o que queria me dizer. Ela não é Beth.

—Não —disse Wes—. ficou de pé, e seu olhar passou do Clay a Bianca..— Acredito que vocês dois têm que conversar.

Clay assentiu, e depois lhe ofereceu a mão.

—Devo-te muito.

Wes sorriu e estreitou a mão de seu amigo.

—Não esquecerei esse golpe que me deu. Mas escolherei o momento apropriado para te pagar. Clay se pôs-se a rir.

—Posso me enfrentar a ti, inclusive se tiver a ajuda do Travis. Wesley emitiu um resmungo, e deixou ao Clay a sós com a Bianca.

Bianca estava começando a compreender que Clay tinha escutado toda a conversação com o Wes, e que Wes tinha planejado o episódio de modo que Clay ouvisse as palavras da Bianca.

—Como te atreve a escutar minhas conversações? —ofegou quando Clay se sentou frente a ela.

—suas palavras não me disseram nada que eu não soubesse antes. me diga, por que veio a América? —Não esperou a resposta da Bianca.— Antes acreditava te amar, e te pedi em matrimônio. Eu estive... açoitado por sua lembrança durante muito tempo, mas agora compreendo que nunca te amei e que nem sequer te conhecia.

—O que tenta me dizer? Tenho cartas que dizem que te casará comigo. É ilegal faltar a uma promessa dessa classe.

Clay a olhou assombrado.

—Como pode falar de promessas incumplidas quando já estou casado? Nenhum tribunal me pedirá que abandone a minha esposa para me casar com outra mulher.

—Farão-o quando eu lhes explique as circunstâncias do matrimônio. Ao Clay lhe endureceram os músculos da cara.

—Que desejas? Dinheiro? Pagarei-te o tempo perdido. E acumulaste um guarda-roupa considerável.

Bianca conteve as lágrimas. Como era possível que este grosseiro rufião americano compreendesse o que ela desejava? Na Inglaterra ela não tinha podido tratar com as pessoas que outrora tinham sido os pares de sua família por causa da falta de dinheiro. Alguns de seus conhecidos riam a suas costas do projeto de matrimônio com um norte-americano. E inclusive sugeriam que não tinha podido conseguir nada melhor. Bianca dava a entender que tinha recebido várias propostas, mas isso não era certo.

Em definitiva, o que desejava realmente? O que sua família tinha tido outrora: segurança, posição, liberdade frente aos cobradores de contas atrasadas, o sentimento de que a necessitavam e a desejavam.

—Quero a plantação Armstrong —disse em voz baixa. Clay se acomodou na poltrona.

—Certamente, não pede pouco, né? Não posso nem lhe quero dar isso cheguei a amasse a Nicole, e me proponho tomá-la por esposa.

—Mas não pode! realizei a viagem da Inglaterra. Tem que te casar comigo! Clay arqueou o cenho.

—Retornará a Inglaterra com a maior comodidade possível. Tentarei compensar o tempo que perdeu, Y... a ruptura do compromisso. É tudo o que posso fazer.


Bianca o olhou hostil.

—Quem crie ser, caipira insuportável e ignorante? Crie que jamais quis me casar contigo? Vim unicamente quando soube que tinha dinheiro. Crie que poderá me desprezar como um baú velho?

Crie que retornarei a Inglaterra como uma mulher desprezada?

Clay ficou de pé.

—Não me importa absolutamente o que faça. Retornará quanto antes, embora tenha que me encarregar pessoalmente de te colocar na adega do navio.

voltou-se e começou a afastar-se. Se permanecia junto a essa mulher um minuto mais perderia os estribos.

Bianca fervia de fúria. Jamais permitiria que esse homem repugnante a desprezasse. Acreditava que podia pedir sua mão, e depois, com a mesma desenvoltura, lhe ordenar que se afastasse, como se Bianca tivesse sido uma criada. Nicole! Essa era a verdadeira faxineira! E entretanto, ele se desentendia da Bianca para favorecer a essa égua de classe inferior.

As mãos da Bianca se converteram em punhos aos flancos do corpo. Não o permitiria!

Antigamente, um de seus antepassados tinha conhecido ao sobrinho do rei da Inglaterra. Ela era uma pessoa importante, e tinha poder e influência.

Pensou em “sua família”. Os homens que lhe tinham falado essa manhã haviam dito que eram parte de sua família. Sim, pensou sonriendo. Ajudariam-na. Conseguiriam-lhe a plantação.

Ninguém riria dela!

Clay estava de pé sob o teto de um dos numerosos alpendres dela casa do Ellen. A chuva fria salpicava o chão a seu redor, e o isolava. Tirou um charuto do bolso de sua jaqueta, e o acendeu; logo inalou profundamente. Os últimos dias, repetidamente tinha pensado em sua própria estupidez, e havia chegue a amaldiçoar-se; mas as maldições já não lhe bastavam.

Apesar do que havia dito ao Wes, a visão da Bianca iluminada claramente tinha sido uma revelação.

A mente do Clay sempre se tinha visto obstinada pela visão do Beth.

sentou-se sobre o corrimão do alpendre, um pé apoiado no chão enquanto observava que a chuva já descampava. Entre as árvores se viam uns débeis raios de luz de sol. disse-se que Nicole tinha sabido o que era Bianca. E entretanto, sempre se tinha mostrado amável e bondosa com essa mulher. Nunca tinha adotado atitudes hostis, nem derrubado sua cólera sobre ela.

Sorriu e jogou no pasto úmido a bituca do charuto. A chuva se precipitava dos beirais da casa, mas o sol já arrancava reflexos às botas que reluziam sobre o pasto. Olhou para a janela da habitação onde dormia Nicole. Ou possivelmente tinha despertado? Como teria reagido a jovem ao ver a Bianca na festa?

Entrou na casa, atravessou os corredores e subiu a escada até sua habitação. Nicole era a pessoa mais generosa que ele tivesse conhecido jamais. Amava-o, e amava aos meninos e os criados, inclusive aos animais, e entretanto, nunca tinha pedido nada em troca.

Logo que abriu a porta soube que ela não estava dormida. Clay se dirigiu ao guarda-roupa e retirou um vestido, um objeto singelo de cor castanha.

—Vístete —disse com voz serena—. Quero te levar a certo lugar.


Capítulo 12

Com movimentos lentos, Nicole apartou as mantas e ficou a anágua. Sentia o corpo dolorido.

Pensou que pelo menos ele não a havia esqueça. Ao menos esta vez a presença de seu bienamada Bianca não o tinha cegado de tudo. Ou se propunha levar a de retorno ao moinho, para afastá-la todo o possível da Bianca.

Não perguntou aonde foram. As mãos lhe tremiam tão enquanto abotoava o vestido que Clay teve que ajudá-la. O a olhou à cara, contemplou os olhos, enormes e expressivos, impregnados de temor e ânsia.

inclinou-se e a beijou meigamente, e lhe ofereceu, ansiosa, seus lábios.

—Ceo que não te dei muitos motivos para confiar em mim, verdade? —perguntou Clay. Ela se limitou a olhá-lo, e sentiu na garganta um nó que lhe impedia de falar.

Clay lhe sorriu paternalmente, e depois a tirou da mão e ambos saíram da habitação e da casa.

Nicole se recolheu a larga saia para evitar que roçasse o pasto úmido. Clay avançava com passo rápido, e emprestava escassa atenção ao feito de que ela quase tivesse que correr para seguir o ritmo das largas pernadas do homem. Sem dizer uma palavra, embarcou-a no veleiro, e depois soltou as amarras e desdobrou a vela. A pequena e elegante embarcação sulcou a água com movimentos precisos e rápidos. Nicole permaneceu sentada, uma expressão serena em seu rosto, observando os movimentos do Clay que dirigia o fraudou. A corpulência mesma do Clay suscitava na Nicole a impressão de uma montanha impenetrável, misteriosa, algo que ela amava mas não entendia.

Nicole começou a sentir a opressão no peito quando advertiu que retornavam à plantação Armstrong. Tinha acertado! Devolvia-a ao moinho. A bandagem de ferro que lhe encerrava o peito, apertava com tal força que ela nem sequer podia chorar. Quando passaram frente ao mole do moinho, e o deixaram atrás, sentiu que lhe afrouxava a respiração e que uma quebra de onda de alegria percorria seu corpo.

Ao princípio, não reconheceu o lugar onde Clay se deteve. Parecia uma massa impenetrável de folhagem. Clay descendeu da embarcação, com a água até os tornozelos, amarrou o veleiro e depois

ofereceu os braços a Nicole. Agradecida, ela quase se jogou sobre o peito do Clay. O a olhou fixamente um momento, um tanto divertido, e ao fim passou com ela a entrada dissimulada e chegou a um formoso claro. Depois dela chuva, tudo parecia fresco e novo. A luz do sol se refletia nas gotas de chuva de centenares de flores.

Clay depositou no chão a Nicole, e depois se sentou apoiando as costas contra uma grande rocha, ao lado das flores, e sentou em seus joelhos a Nicole.

—Sei que detesta manchar seu vestido com o verde do pasto —disse sonriendo.

Ela o olhou com expressão séria. Tinha um expressão preocupada, quase temerosa nos olhos.

mordeu-se o lábio superior.

—por que me trouxeste aqui? –murmurou.

—Acredito que é hora de que falemos.

—A respeito da Bianca? —Sua voz era apenas audível. Os olhos do Clay a examinaram.

—por que há uma expressão de terror em seus olhos? Atemorizo-te? Ela piscou repetidamente.

—Você não, mas sim o que tem que me dizer. Isso me intimida.

O a abraçou, e a cabeça da Nicole se afundou no ombro do Clay.

—Se não ter inconveniente em escutar, agradaria-me te falar de mim, de minha família e de Beth.


Quão único ela pôde fazer foi assentir em silêncio. Desejava conhecer tudo o que se referisse a ele.

—Tive uma dessas infâncias idílias que se parecem com os contos de fadas que conta aos gêmeos

—começou Clay—. James e eu fomos amados e educados pelos pais mais maravilhosos que alguém possa imaginar. Minha mãe era uma mulher formosa e boa. Tinha um grande senso de humor e James e eu nos sentíamos muito desconcertados por suas atitudes quando fomos mais pequenos. Se preparava um almoço o dia que decidíamos sair de pesca, às vezes abríamos uma caixa e encontrávamos dentro uma rã. Envergonhava-nos quando víamos que podia pescar melhor que qualquer de nós.

Nicole sorriu, e imaginou como seria a mãe do Clay.

—E seu pai?

—O ao adorava. Inclusive quando James e eu já fomos adultos, eles dois jogavam como meninos.

Foi um lar muito feliz.

—Beth —murmurou Nicole, e sentiu que a ele lhe endurecia o corpo por um momento.

—Beth era filha de nossa babá. Sua mãe morreu ao nascer Beth, e ela não tinha irmãos nem irmãs.

É obvio, minha mãe se fez cargo da garotinha. E também James e eu. James tinha oito anos quando nasceu Beth, e eu quatro. Nunca sentimos ciúmes pela pequena a quem minha mãe consagrava tanto tempo. Lembrança que eu a levava em braços de um lugar a outro. Quando pôde caminhar, seguia a todas partes. James e eu não podíamos passar um dia no campo sem a companhia da pequena Beth.

Aprendi a montar um cavalo com o Beth na garupa.

—E te apaixonou por ela.

—Não posso dizer que me apaixonei. Tanto James como eu sempre a amamos.

—Mas ela se casou com o James.

Durante um momento Clay guardou silêncio.

—Não foi exatamente assim. Não acredito que ninguém tenha mencionado jamais o assunto, mas sempre soubemos que ela se casaria com o James. Não acredito sequer que jamais lhe tenha proposto matrimônio. Lembrança que celebramos uma festa quando Beth fez dezesseis anos, e James lhe perguntou se não acreditava que já era hora de que fixassem a data. Os gêmeos nasceram antes de que ela fizesse dezessete anos.

—Como era Beth?

—Feliz —disse Clay com voz opaca—. A pessoa mais feliz que eu tenha conhecido. Amava a tanta gente... Era uma mulher transbordante de energia, sempre rendo. Um ano as colheitas foram tão malotes que eu acreditei que nos veríamos obrigados a vender Arundel Hall. Inclusive minha

mãe já não sorria. Ero Beth sim. Disse-nos que devíamos cessar de nos compadecer e que terei que fazer algo. Por volta de fins dessa semana pudemos idear um plano de economias para sobreviver ao inverno. Não foi um inverno fácil, mas conseguimos conservar a plantação, e toda graças ao Beth.

—Mas todos morreram —murmurou Nicole, e pensava em sua própria família tanto como na do Clay.

—Sim —disse ele em voz baixa—. Houve uma epidemia de cólera. Muitos morreram no condado.

Primeiro meu pai, depois minha mãe. Não acreditei que nenhum de nós pudesse recuperar do golpe, mas em certo modo me alegrei de que tivessem desaparecido juntos. Não lhes teria agradado a separação.

—Mas ainda tinha ao James, Beth e os gêmeos.

—Sim —sorriu Clay—. Ainda fomos uma família.

—Não desejava ter seu próprio lar, sua esposa e seus filhos? —perguntou Nicole. Clay meneou a cabeça.

—Agora parece estranho, mas eu estava satisfeito. Tinha mulheres quando as desejava. Havia uma moça, bicho-tesoura, que... —interrompeu-se e sorriu. —Não acredito que deseje inteirar-se disso.


Nicole assentiu vigorosamente.

—Acredito que jamais conheci ninguém que se levasse tão bem como nós três. Tínhamos passado juntos a infância, e cada um conhecia os pensamentos e os desejos dos outros. James e eu trabalhávamos juntos, e estranha vez falávamos, e depois voltávamos para casa, com o Beth. Ela...

não sei como dizê-lo, mas o certo é que conseguia que nos sentíssemos bem recebidos. Sei que era a esposa do James, mas também cuidava de mim. Sempre estava preparandocomidas, e me confeccionando camisas novas.

interrompeu-se. Estreitou com força a Nicole, e afundou a cara nos cabelos fragrantes da jovem.

—me fale da Bianca —murmurou Nicole. Clay falou então em voz muito baixa.

—Durante uma das festas na casa, organizada pelo Beth, um visitante, um homem que tinha chegado da Inglaterra, passou comprido momento olhando fixamente ao Beth. Finalmente lhe disse que pouco antes tinha conhecido a uma jovem que podia ser a gêmea do Beth. James e eu nos rimos, porque sabíamos que ninguém podia ser como nossa Beth. Mas Beth se interessou muito.

Formulou cem perguntas ao homem e anotou cuidadosamente a direção da Bianca Maleson. Disse que o dia que visitasse a Inglaterra trataria de encontrar à senhorita Maleson.

—Mas você foi primeiro a Inglaterra.

—Sim. Acreditávamos que não estávamos recebendo um preço justo pelo tabaco e o algodão que levávamos aos mercados ingleses. Ao princípio, James e Beth projetavam ir, e eu permaneceria aqui com os gêmeos, mas Beth descobriu que teria outro filho. Disse que não faria nada que ameaçasse prejudicando ao menino no curso de uma viagem através do oceano, e por isso tive que ir sozinho.

—E te pediu que fosses ver a Bianca.

O corpo do Clay se esticou e suas mãos estreitaram com mais força a Nicole.

—James e Beth se afogaram poucos dias depois de minha partida, mas recebi a notícia na Inglaterra, vários meses depois. Acabava de terminar minhas diligências comerciais, e tinha viajado à casa da Bianca. Nesse momento sentia uma terrível saudade. Estava fatigado das comidas mau preparadas e da necessidade de atender a lavagem de minhas próprias camisas. Somente desejava voltar para casa e a minha família. Mas sabia que Beth me esfolaria vivo se não tentava conhecer essa mulher que supostamente lhe parecia tanto. O inglês que tinha falado com o Beth da Bianca me convidou a passar uns dias em sua casa. Quando Bianca entrou na habitação, assombrei-me profundamente. Nesse momento senti desejos de abraçá-la e lhe perguntar pelo James e os gêmeos.

Parecia-me impossível que não fosse Beth.

interrompeu-se um momento.

—ao dia seguinte, um homem veio a me dar a notícia da morte do James e Beth.

Tinha sido enviado pelo Ellen e Horace, e necessitou muito tempo para me encontrar.

—A dor e a impressão foram terríveis, verdade? —disse Nicole, que conhecia por experiência a situação.

—Eu estava aturdido. Não podia acreditar que fosse certo, mas o homem tinha estado ali quando os dois corpos foram retirados do rio. Quão único eu podia pensar era que quando retornasse ao Arundel Hall a casa estaria vazia. Meus pais tinham morrido, e agora James e Beth também tinham desaparecido. Pensei permanecer na Inglaterra, e pedia ao Horace que vendesse a plantação.

—Mas ali estava Bianca.

—Se, Bianca estava ali. Comecei a pensar que em realidade Beth não se foi, e que era um presságio que a notícia de sua morte me tivesse chegado no momento mesmo em que estava perto de uma mulher que lhe parecia tanto. Pelo menos, eu pensava que Bianca lhe parecia. Quão único podia fazer era olhá-la fixamente e me dizer que Beth ainda vivia comigo. Pedia a mão da Bianca.

Desejava retornar a Virginia levando-a comigo, porque não desejava entrar em uma casa vazia; mas ela disse que necessitava tempo. Eu não tinha tempo. Sabia que devia voltar para casa. Como entendia que Bianca muito em breve se reuniria comigo, pensei que podia confrontar a plantação, e abrigava a esperança de que ela me ajudaria a esquecer.

—Nada pode ajudar a esquecer. Clay lhe beijou a frente.

—Trabalhei por dois, possivelmente por três, mas nada podia aliviar a dor. Mantive-me afastado da casa todo o possível. O vazio dessa residência me oprimia. Os vizinhos trataram de ajudar, e inclusive quiseram me encontrar uma esposa, mas eu somente desejava que as coisas continuassem como estavam.

—Desejava a volta do Beth e James.

—À medida que passavam os dias a idéia de que conseguiria recuperar ao Beth cobrou mais e mais força. Aceitava a morte do James, mas me perseguia a imagem da Bianca. Acreditava que ela poderia substituir ao Beth.

—Por isso arrumou que a seqüestrassem e lhe trouxessem isso.

—sim. Foi uma medida se desesperada, mas eu estava desesperado, quase enlouquecido. Nicole apoiou a bochecha sobre o peito do Clay.

—Não sente saudades que te zangasse tão quando descobriu que te tinha casado comigo e não com a Bianca. Esperava uma loira alta e encontrou...

—Uma beleza pequena e miúda de estranha boca —disse Clay rendo—. Se me tivesse pontudo com uma pistola, o teria tido merecido. Nesse momento te provoquei muito sofrimento.

—Mas esperava a Bianca! —disse Nicole em defesa do Clay, e levantou a cabeça para olhá-lo.

O a obrigou a apoiar-se novamente em seu peito.

—Graças a Deus não o consegui! Fui um estúpido ao acreditar que um ser humano pode substituir a outro.

As palavras do Clay provocaram um calafrio na Nicole.

—Ainda amas a Bianca?

—Nunca a amei. Agora o compreendo. Quão único vi foi sua semelhança com o Beth. Inclusive quando chegou aqui, jamais a escutei nem pensei nela... somente recordava ao Beth. Mas inclusive nesse estado de ignorância compreendia que algo andava mau. Supus que quando Bianca estivesse em minha casa todo voltaria para seu lugar, e que me sentiria como nos tempos em que Beth vivia.

—Mas não foi assim? —perguntou Nicole com certa esperança na voz.

—Não e tenho que lhe agradecer isso Embora esteja dizendo agora que não escutava a Bianca, acredito que uma parte de meu pequeno cérebro se interessava nela. Quão único sabia era que não desejava retornar a casa de noite, e que estava trabalhando com mais intensidade que com o passar do último ano. Mas quando você vivia na casa, eu desejava retornar. Quando Bianca chegou aqui, voltei a preferir o trabalho no campo, e sobre tudo nas parcelas que estão mais perto do moinho.

Nicole sorriu, e através da camisa beijou o peito do Clay. Suas palavras eram as mais maravilhosas que ela tivesse escutado.

—Foi necessário que Wes me devolvesse a sensatez —continuou dizendo Clay—. Quando Wes conheceu a Bianca, vi como se impressionava. Nesse momento considerei que estava justificado que ela e não você estivesse na casa. E me disse que Wes entenderia.

—Não acredito que Wes simpatize com a Bianca. Clay sorriu e lhe beijou a ponta do nariz.

—Diz-o com muita cortesia. Quando Wes me disse que a seu julgamento Bianca era uma cadela vaidosa e arrogante, castiguei-o. Minha própria atitude me repugnou, e não soube se me sentia mal por ter golpeado a meu amigo ou por escutar a verdade. Saí da casa e não retornei durante dois dias. Tinha muito que pensar. Levou-me um tempo, mas comecei a compreender o que tinha feito.

E assim consegui confrontar o fato de que Beth estava morta. Tinha tentado recuperá-la através da Bianca. Mas isso não funcionava. Em troca tinha, embora os tinha ignorado quase sempre, aos gêmeos. Se James e Beth ainda viviam, era através de seus filhos e não de uma estranha. Se desejava dar algo ao Beth, tinha que ser uma boa mãe para os gêmeos a quem ela amava tanto, e não a uma mulher que jogasse na água ao Alex porque lhe rasgou o vestido.

—Como soube?

—Pelo Roger, Janie, Maggie e Luke —disse Clay com expressão desgostada—. Ao parecer todos acreditaram necessário me falar da Bianca. Todos conheceram o Beth, e suponho que intuíram que a maior parte da atração que ela exercia sobre mim radicava nessa semelhança.

—por que me convidou à festa? —perguntou Nicole, contendo a respiração. O se pôs-se a rir e a abraçou com força.

—Quando se trata de cérebro acredito, que os dois temos um muito pequeno. Quando compreendi que estava tratando de substituir ao Beth pela Bianca, também soube por que dedicava tanto tempo a vigiar o mole do moinho. Amo-te. Não sabia? Todos outros estão inteirados.

—Não —murmurou ela—. Não estava segura.

—Quase me destruiu a noite da tormenta, quando me falou de seu avô e disse que me amava. —

interrompeu-se um momento. —Ao dia seguinte me abandonou. por que? Passamos juntos essa noite, e a manhã seguinte me mostrou uma expressão de total frieza.

Nicole recordava claramente o retrato do escritório do Clay.

—O retrato que está em seu escritório é a imagem do Beth, verdade? Percebeu que ele assentia.

—Acreditei que pertencia a Bianca, e o lugar me pareceu uma espécie de santuário. Como podia competir com uma mulher a quem venerava?

—Isso já não existe. Devolvi o retrato a seu lugar sobre a chaminé, no comilão. Guardei em um baú os objetos de vestir para as armazenar com o resto. Possivelmente um dia Mandy as necessite.

—Clay, o que acontecerá agora?

—Já lhe hei isso dito. Desejo que te case novamente comigo, e esta vez será público, com muitas testemunhas.

—E Bianca?

—Disse-lhe que tem que retornar a Inglaterra.

—Como reagiu? Clay franziu o cenho.

—Não pode afirmar-se que com elegância, mas me obedecerá. Ocuparei-me de compensá-la. É


conveniente que tenha recuperado rapidamente a sensatez. Já gastou uma enorme soma. —

interrompeu-se bruscamente e sorriu a Nicole. —É a única mulher, entre todas as que conheço, que se mostra tão considerada com seus inimigos.

Nicole se separou do Clay e o olhou sobressaltada.

—Bianca não é minha inimizade. Possivelmente deveria sentir afeto por ela, porque graças a sua intervenção cheguei a te conhecer.

—Na verdade, não ceo que tenha muito que lhe agradecer. Nicole emitiu uma risita travessa.

—Eu tampouco acredito.

O lhe sorriu e lhe acariciou a têmpora.

—Perdoa-me por ter sido tão cego e estúpido?


—Sim —murmurou ela antes de beijá-lo. A consciência de que ele a amava a convertia em uma mulher especialmente apaixonada. Rodeou-lhe o pescoço com seus braços e o aproximou mais. O

corpo da Nicole se arqueou contra o do Clay.

Nenhum dos dois advertiu as primeiras gotas frite de chuva. Só quando um relâmpago sulcou o céu e começou a cair uma verdadeira cortina de chuva geada, ambos decidiram separar-se.

—Vamos! —gritou Clay, ficou de pé e a obrigou a incorporar-se.

Ela quis voltar-se para o atalho que levava ao veleiro, mas Clay a obrigou a ir em outra direção.

Correram para o limite do claro, frente ao rio. Enquanto Nicole permanecia de pé sob a chuva, esfregando-os braços frios, Clay tiro sua faca e cortou vários sebes.

—Maldição! —renegou em voz alta, porque ao parecer não podia achar o que procurava. Depronto, os arbustos se abriram e revelaram o que parecia ser uma pequena caverna; Clay passou o braço sobre os ombros da Nicole e virtualmente a empurrou para o interior.

Ela tremia. Tinha o vestido empapado por causa da chuva fria.

—Um minuto, e teremos um fogo aceso —disse Clay enquanto se ajoelhava em um rincão, perto da entrada.

—O que é isto? —perguntou ela ajoelhada também junto ao Clay.

—James, Beth e eu descobrimos esta pequena cova e para dissimulá-la plantamos os sebes e as árvores. James pediu a um dos pedreiros que lhe ensinasse a construir um lar. — Com um gesto da cabeça assinalou a estrutura tosca onde tratava de acender fogo. ficou em cuclillas enquanto o fogo cobrava força. —Sempre pensamos que este era o lugar mais secreto do mundo, mas quando cresci cheguei a compreender que a fumaça era tão eficaz como uma bandeira de sinais. Então não sente saudades que nossos pais nunca se opor às

“desaparecimentos” dos três. Quão único tinham que fazer era aparecer a uma janela para saber onde estávamos.

Nicole ficou de pé e olhou ao redor. A caverna tinha uns cinco metros de comprimento por três de largura. Contra as paredes havia um par de toscos bancos e uma grande cômoda de madeira de pinheiro, com as dobradiças oxidadas e quebrados. Algo reluzia em um nicho da parede.

aproximou-se do resplendor. Sua mão tocou algo frio e suave. Retirou o objeto e o aproximou da luz do fogo. Era uma grande parte de vidro esverdeado, e dentro tinham depositado um minúsculo unicórnio de prata.

—O que é isto?

Clay se voltou e lhe dirigiu um sorriso. Durante um momento esteve sério, e depois estendeu a mão e tomou a parte de vidro, enquanto Nicole se sentava a seu lado. Examinou-o enquanto falava, e o fazia girar em suas mãos.

—O pai do Beth lhe comprou em Boston o pequeno unicórnio. Ela o considerava muito bonito. Um dia, estávamos aqui, na caverna, e James acabava de terminar a construção do lar. Beth disse que desejava que sempre fôssemos amigos. de repente, retirou o unicórnio da cadeia que o sustentava sob seu pescoço, e disse que devíamos ir ver o soprador de vidro. James e eu a seguimos, pois compreendemos que tinha pensado algo. Convenceu ao velho Sam de que lhe fabricasse uma esfera de vidro translúcido. Depois, os três tocamos o unicórnio e juramos que sempre seríamos amigos.

Beth deixou cair o unicórnio no vidro quente. Disse que o fazia de maneira que jamais alguém voltasse a tocá-lo. —Olhou de novo o vidro, e o devolveu a Nicole.

—Foi uma coisa tola e infantil, mas então nos pareceu que significava muito.

—Não zero que seja tola, e em todo caso parece que foi eficaz —disse Nicole com um sorriso.

Clay se esfregou as mãos, e depois olhou a Nicole, com expressão sombria nos olhos.

—Não estávamos fazendo algo interessante antes de que começasse à chuva? Nicole o olhou com uma expressão inocente em seus olhos muito grandes.

—Não tenho idéia do que quer dizer.

Clay ficou de pé, aproximou-se da velha e ruinosa cômoda, e tirou duas das mantas mais poeirentas e comidas pelas traças que se viram jamais.


—Não são precisamente lençóis de seda rosada —disse, rendo de certa brincadeira que Nicole não entendeu de tudo—. Mas é melhor que a sujeira do chão.

voltou-se e ofereceu seus braços a Nicole.

Ela correu ao encontro do Clay, e ambos se abraçaram fortemente.

—Amo-te, Clay —murmurou ela—. Te amo tanto que quase sinto medo.

Clay começou a liberar os cabelos da Nicole. Acariciou logo a massa escura e sedosa.

—por que tem medo? —disse em voz baixa, seus lábios roçando o pescoço da Nicole—. É minha esposa, quão única desejo e quão única terei daqui em diante. Pensa em nós e em nossos filhos.

Nicole sentiu que lhe afrouxavam os joelhos quando a língua do Clay lhe tocou o lóbulo da orelha.

—Filhos —disse em voz baixa—. Queria ter filhos. O se apartou um pouco da Nicole e sorriu.

—Não é fácil produzir filhos. necessita-se muito... ah, muito trabalho. Nicole riu, e seus olhos se moveram agradados.

—talvez deveríamos praticar —disse ela com expressão solene—. Todos os trabalhos são mais fáceis obrigado A... a experiência.

—Vê aqui, fantasia de diabo —disse Clay, e a elevou em braços. Depositou-a cuidadosamente sobre as mantas. Quem sabe por que, o aroma mofado das mantas harmonizava com a atmosfera do lugar. Era um sítio povoado de fantasmas, e Nicole acreditou que eles os olhavam com gestos benévolos.

Clay soltou os botões do vestido úmido da Nicole, e cada vez que aparecia um fragmento de pele nua, beijava-o. Retirou-lhe o vestido, como se ela tivesse sido uma menina. Nicole se tirou sozinha a anágua. Ansiava oferecer sua pele ao contato do Clay. Este a aproximou ainda mais, o braço sob as costas da Nicole, e lhe prodigalizou suas carícias e seus jogos.

—É tão bela... —disse, e a luz do fogo bailoteó sobre a pele da jovem.

—Não está decepcionado porque não sou loira?

—Cala! —ordenou Clay com uma voz fingidamente severo—. Não trocaria absolutamente a cor de sua pele.

Ela se voltou para olhá-lo, e depois começou a desabotoar a camisa do Clay. O tinha o peito suave, mas ao mesmo tempo resistente graças à musculatura, e o pêlo lhe cobria a maior parte. Tinha o estômago forte e liso. Nicole sentiu que seus próprios músculos se endureciam ao ver é corpo masculino tão belo. A enxuta dureza do Clay formava um contraste acentuado com a suavidade da Nicole. Agradava-lhe o corpo deste homem. Agradava-a vê-lo caminhar, o modo em que seus músculos se moviam sob a pé, e como ele se esforçava quando tinha que controlar os movimentos de um cavalo indócil. Agradava-lhe vê-lo arrojar sacos de quarenta e cinco quilogramas a um carromato. Tremeu quando apoiou sua boca sobre a pele bronzeada e morna que cobria as linhas do estômago do Clay.

O a observava, e via a diversidade de emoções que se manifestavam nos olhos expressivos da Nicole. Quando ao fim concentraram a atenção na escuridão da sensualidade pura, Clay sentiu seu próprio corpo percorrido por calafrios. Essa mulher o acendia de um modo que nenhuma tinha obtido antes. Já não lhe importavam as palavras de amor, e simplesmente a desejava. Quase se arrancou suas roupas, e se tirou as botas largas e rodeadas com mais rapidez que em qualquer outro momento de sua vida.

Seus beijos já não foram tenros e gentis, e quando lhe capturou a orelha com a boca esteve a um passo de danificá-la. Os lábios, a língua e os dentes do Clay se deslizaram sobre o pescoço da Nicole, descansaram sobre o ombro, e depois voltaram para os peitos.

Nicole arqueou o corpo ao contato com o Clay. A língua que ela sentia sobre seu seio emitia pequenas faíscas de fogo que circulavam por suas veias. A boca do Clay descendeu até o estômago da Nicole, e a obrigou a contrair-se ao sentir a doce tortura dos beijos. Ela afundou suas mãos nos cabelos abundantes do Clay, e o obrigou a aproximar de novo a boca a que lhe oferecia.

—Clay —murmurou antes de que a reunião de ambos lhe impedisse de falar.

O cobriu com seu corpo o da Nicole, e ela sorriu, os olhos fechados, ao sentir seu peso.

Clay era dele, total e absolutamente dele.

Quando ele a penetrou, foi como uma surpresa para a Nicole, uma quebra de onda de prazer ao renovar a experiência da debilidade do Clay. O a encheu completamente, até que Nicole sentiu que perecia de êxtase.

moveram-se ao mesmo tempo, ao princípio lentamente, até que Nicole sentiu que já não podia suportar mais essa tardança. Suas mãos acariciaram a solidez das costas do Clay, e depois as nádegas, e sentiu o trabalho dos músculos, e a potência encerrada sob a pele quente.

Quando chegaram juntos ao clímax, Nicole sentiu as contrações de seu próprio corpo, da cintura aos dedos dos pés. Clay rodou a um flanco e aproximou mais a Nicole, e as pernas da jovem pulsaram.

Ela sorriu e apoiou sua cara contra o peito do Clay, e lhe beijou o ombro, e saboreou o sal da transpiração.

adormeceram-se ao mesmo tempo.


Capítulo 13

Quando Nicole despertou, acreditava que estava em caverna com o Clay. mas o sol que iluminava a cama, e que brilhava através das cortinas de encaixe do Ellen lhe recordou onde se encontrava. O

lugar junto a ela estava vazio, mas o travesseiro ainda se encontrava afundada pela marca que tinha deixado a cabeça do Clay.

estirou-se perezosamente, e o lençol caiu de seu corpo nu. depois de fazer o amor na caverna, a noite anterior, tinham dormido várias horas. Ao despertar, tinha saído a lua, o fogo estava apagado e tanto Clay como ela tinham frio. Tinham recolhido depressa as roupas úmidas e foram correndo até o veleiro. Clay retornou lentamente pelo rio até a casa dos Backes.

Uma vez ali, Clay incursionó na cozinha e retornou a Nicole com uma grande cesta de fruta, queijo, pão e vinho. Riu quando Nicole começou a demonstrar apetências amorosas depois de só meio copo de vinho. De novo fizeram o amor, e depois comeram outra vez, e se beijaram e voltaram a comer, e jogaram e riram até que de novo dormiram, fortemente abraçados.

Nicole se moveu e tomou uma parte de maçã que estava sob seu quadril direita. Olhou-o sorridente antes de depositá-lo sobre a mesita de noite. Sabia que os lençóis do Ellen ficariam manchadas definitivamente depois das travessuras deles duas durante a noite. Mas como podiam desculpar-se pelo que tinham feito? Podia explicar que ela tinha vertido vinho sobre as costas do Clay, e depois o tinha sorvido, embora por desgraça se derramou um pouco quando ele se impacientou e se voltou antes de que ela pudesse bebê-lo tudo? Não, não era algo que alguém pudesse explicar à proprietária de casa.

Nicole apartou as mantas, e depois se esfregou os braços nus. No ar se percebia o primeiro presságio do outono. No guarda-roupa havia um vestido de veludo que tinha precisamente a cor do vinho que ela e Clay tinham bebido durante a noite. Com movimentos rápidos o pôs, e se abotoou os minúsculos botões de pérolas que chegavam até o pescoço. Tinha as mangas largas e o pescoço alto se ajustava firmemente ao busto e depois caía formando uma saia que chegava ao chão. Era um vestido singelo, elegante e abrigado, precisamente o que ela necessitava já que o dia era bastante fresco.

aproximou-se do espelho para arrumá-los cabelos. Desejava mostrar-se especialmente atrativa. Clay havia dito que durante o almoço anunciaria os planos do segundo matrimônio, e convidaria às pessoas a sua casa para celebrar as bodas durante o Natal. Nicole tinha podido convencer o de que esperasse e preparasse uma festa para celebrar o acontecimento. Os convidados do Ellen começariam a partir essa tarde, e Clay, desejava anunciar a novidade antes de que partissem.

Nicole se perdeu uma só vez antes de encontrar a porta que conduzia ao prado onde se serviram novamente as mesas. Várias pessoas rondavam ao redor das mesas, falando e comendo tranqüilamente. Todos pareciam fatigados e dispostos a dar por terminada a larga celebração.

Nicole desejava retornar ao Arundel Hall... na condição de senhora da casa.

Viu a Bianca sentada, reveste frente a uma mesita, sob um olmo. Ao vê-la sentiu certo remorso. Em certo modo não parecia justo que a inglesa tivesse realizado uma viagem tão comprido com a esperança de casar-se, e tudo para descobrir que seu prometido já tinha contraído matrimônio.

Vacilante, Nicole avançou um passo. Então Bianca moveu a cabeça, e apartou os olhos do prato de comida que tinha ante si. Os olhos da Bianca despediam faíscas de ódio. Sua expressão era feroz.

Nicole se levou a mão ao pescoço, e retrocedeu. de repente sentiu que sua própria atitude era hipócrita. É obvio, podia dar o luxo de oferecer sua simpatia a Bianca, pois ela mesma, Nicole, tinha vencido. Os vencedores sempre podem mostrar uma atitude graciosa. voltou-se para as mesas e levantou um prato; mas já não tinha apetite.

—Desculpe-me, senhora Armstrong —disse um homem que se inclinou sobre ela. Nicole apartou o olhar da comida que estava servindo no prato.

—Se?

Viu um jovem alto e forte, mas os olhos do desconhecido a irritaram. Eram pequenos e estavam muito juntos e mostravam um brilho desagradável.

—Seu marido lhe pede que vá buscá-lo o veleiro.

Nicole ficou de pé instantaneamente e rodeou a mesa para aproximar-se do homem. O

desconhecido sorriu.

—Agradam-me as mulheres obedientes. Vejo que Clay sabe educar à sua.

Nicole começou a responder ao indivíduo, mas se interrompeu. Sabia que uma resposta não bastava para pôr a esse homem em seu lugar.

—Acreditei que o senhor Armstrong estava na pista de carreiras —disse, e intencionadamente utilizou o título formal. Seguiu ao indivíduo através do prado, em direção ao rio.

—Não são muitos os homens que informam sempre a suas mulheres sobre seu paradeiro — sorriu o jovem, e a olhou de cima abaixo, e seus ojillos se atrasaram nos peitos da Nicole.

Nicole deteve a marcha.

—Acredito que voltarei para a casa. Quer avisar a meu marido que o verei ali? voltou-se e começou a retornar à casa.

Não tinha dado dois passos antes de que a mão do homem se fechar brutalmente sobre o braço da Nicole.

—me escute, francesita —disse, os lábios curvados em uma careta —. A conheço bem.

Já me falaram que seus costumes e suas mentiras. Já sei o que lhe tem feito a minha prima.

Nicole cessou em sua resistência e o olhou fixamente.

—Prima? me solte ou grito.

—Faça-o, e seu marido não viverá até manhã.

—Clay! O que lhe têm feito? onde está? Se está ferido, eu... eu...

—O que? —disse o homem muito interessado—. Seriamente está quente com ele, né? Disse a papai que você era pouco mais que uma cadela em zelo. Já vi como revoa ao redor do Clay. Uma mulher honesta não procede assim.

—Que deseja? —perguntou Nicole, os olhos muito abertos. O jovem lhe dirigiu um sorriso.

—Não se trata tanto do que desejo como do que tomarei. Bem, está disposta a me escutar?

Ela assentiu em silêncio, intensamente comovida.

—Caminhará comigo até o mole, onde está amarrado o bote de minha família. Não é igual ao que você usa, mas é suficiente para uma mulher como você. Depois, embarcará-se sem armar escândalo e daremos um passeio.

—Iremos onde está Clay?

—É obvio, preciosa. Já lhe hei dito que nada acontecerá a esse homem se você fizer o que lhe mando.

Nicole assentiu, e a mão do homem se deslizou até o cotovelo da jovem, mas continuou apertando-a com a mesma força que antes. Ela podia pensar unicamente em que Clay corria perigo, e era necessário ajudá-lo.

Levou-a a um extremo do mole, onde dois homens esperavam em um veleiro velho e remendado. A gente era um homem de idade, muito magro e sujo, com uma Bíblia sob o braço.


—Aí está! —gritou—. Uma Jezabel, uma mulher perdida pecaminosa.

Nicole olhou hostil ao homem, e depois começou a falar, mas o jovem que lhe sustentava o braço o apertou com força. Empurrou-a para o moço mais jovem.

—Disse-lhe que fechasse a boca —grunhiu o homem—. te Ocupe dela, Isaac, e olhe que não faça o mais mínimo ruído.

Nicole olhou ao moço que a tirou dos ombros. Os rasgos de sua cara eram mais suaves, menos duros que os dos dois restantes. O veleiro se moveu e o jovencito evitou que Nicole caísse. Ela se voltou, com o olhar para a casa dos Backes. Viu o Clay que atravessava a cavalo o prado, meio doido com um largo chapéu branco. O cavalo que ele montava tinha sido adornado com uma grande coroa de flores. Era evidente que acabava de ganhar uma carreira e estava celebrando seu triunfo.

Nicole compreendeu instantaneamente. Esses homens não tinham ao Clay, e jamais o tinham tido.

Soube que estava bastante perto da casa, de modo que se gritava podiam ouvi-la. Abriu a boca e encheu os pulmões, mas não alcançou a gritar, porque um punho grande e duro lhe golpeou a cara.

Caiu deprimida nos braços do Isaac.

—Abe, não tinha motivo para fazer isso! —disse Isaac, enquanto sustentava o corpo inerte da Nicole.

—É obvio, tinha bons motivos. Se não tivesse estado olhando-a tão embevecido, teria advertido que se dispunha a gritar.

—Podia impedi-lo de outro modo —disse Isaac—. Por pouco a matas!

—Sem dúvida, você teria usado beijos para obrigá-la a calar —se burlou Abe—. Seguro que não é a primeira vez que a golpeiam. Agora, te ocupe dela. Papai e eu vigiaremos.

—Moço, seu falar é pecaminoso! —disse Elijah Simmons—. Essa mulher é uma desencaminhada, uma pecador e a levamos para lhe salvar a alma.

—É obvio, papai —disse Abe enquanto piscava os olhos um olho ao Isaac.

Isaac apartou o olhar de seu irmão e tomou em braços a Nicole. Não fez caso das brincadeiras do Abe. Sustentou o corpo da jovem e permaneceu sentado em coberta, de costas ao corrimão. Não tinha advertido antes que ela era tão miúda, mais parecida com uma menina que a uma mulher adulta.

Fez uma careta quando Abe lhe arrojou umas cordas e um lenço sujo, e lhe ordenou que a maniatasse. Pelo menos, se ele se encarregava da tarefa, evitaria lhe machucar a delicada pele.

Isaac tinha duvidado muito do momento em que Abe lhe disse que seqüestrariam à pequena e bonita senhora Armstrong. Abe tinha explicado ao pai que em realidade Clay estava casado com a prima Bianca, mas que essa prostituta da Nicole tinha seduzido ao homem, até o extremo de levá-lo a abandonar a Bianca e a viver publicamente com a prostituta francesa. A explicação tinha bastado ao Elijah. Estava disposto a lapidar à moça.

Desde o começo Isaac se havia oposto ao seqüestro. Não acreditava em tudo o que Bianca dizia, mas como, apesar de que era sua prima. A jovem inglesa não se havia sentido muito agradada

quando os conheceu. Mas Abe continuava insistindo na injustiça que se cometeu com a substituição da Bianca pela Nicole. Dizia que seqüestrariam a Nicole só o tempo necessário para anular o matrimônio e dar tempo a Bianca de casar-se com o Clay.

Enquanto sustentava contra seu corpo a Nicole, Isaac não podia imaginar que ela fosse uma mentirosa nenhuma mulher que cobiçava o dinheiro do Clay. Ao parecer, amava ao Clay. Mas Abe dizia que uma mulher que olhava a um homem como Nicole olhava ao Clay, não era honrada. As algemas tinham que ser mulheres honestas, discretas e pouco atrativas, como a mãe dos dois irmãos.

Isaac se sentia desconcertado ante as palavras do Abe, porque se lhe davam a escolher preferia casar-se com uma mulher como Nicole antes que com uma como sua mãe. Possivelmente ele e Nicole pertenciam à mesma categoria de pessoas, e ambos eram perversos.

—Isaac! — ordenou Abe—. Basta de sonhar, e disposta atenção. Está recuperando o sentido, e não quero que grite. lhe ponha essa mordaça.

Isaac obedeceu a seu irmão, exatamente como havia facho ao longo de toda sua vida.


Nicole abriu lentamente os olhos. O queixo e a cabeça lhe doíam horrivelmente, e necessitou um momento para esclarecer visão. Tratou de massagear o queixo, mas algo o impediu, e quase a estrangulou.

—Silêncio —disse Isaac—. Comigo está segura. —Falou em um murmúrio, destinado só aos ouvidos da Nicole—. Em um minuto lhe tirarei a mordaça, quando chegarmos a casa. Fechamento os olhos e descanse.

—Já despertou essa filha de Satã? —perguntou Elijah a seu filho menor.

Nicole olhou ao moço que a sustentava. Não desejava confiar em nenhum deles, mas não tinha alternativa. Advertiu que lhe piscava os olhos um olho. Compreendeu, e fechou seus próprios olhos.

—Não papai —gritou Isaac—. Está dormindo.

—Wes —disse Clay, com expressão preocupada—. Viu a Nicole? Wes apartou os olhos da bonita ruiva que paquerava com ele.

—Clay, já a perdeste? Acredito que terei que te ensinar a conservar a suas mulheres — brincou.

Mas trocou de atitude quando viu a cara de seu amigo. Deixou sobre a mesa a jarra de cerveja e caminhou uns passos com o Clay—. Está preocupado, verdade? quando a viu por última vez?

—Esta manhã. Estava dormindo quando fui às carreiras. Ellen diz que viu baixar a Nicole, mas depois desapareceu. perguntei a algumas mulheres, mas nenhuma a viu.

—Onde está Bianca?

—Comendo —disse Clay—. Já fui ver o que estava fazendo. De todos os modos, não pode nos emprestar muita ajuda. Várias mulheres disseram que Bianca não se afastou das mesas em todo o dia.

—Não é possível que Nicole tenha saído a passear, possivelmente para gozar de um pouco de paz e tranqüilidade?

Clay franziu ainda mais o sobrecenho.

—Durante a comida devíamos anunciar que projetávamos um segundo matrimônio no Natal. E

queríamos convidar a todos.

—A comida foi faz uma hora —murmurou Wes enquanto olhava a vários convidados que se dirigiam ao mole. Eram os que já retornavam a suas casas—. Estou seguro de que desejaria te encontrar aqui quando você fizesse o anúncio.

—É obvio —confirmou secamente Clay—, era precisamente o que mais desejava Nicole.

Os dois homens se olharam. Ambos recordaram a morte do James e Beth. Se um navegante perito como James podia afogar-se...

—vamos procurar ao Travis —disse Wes.

Clay assentiu e depois se voltou para quão convidados não se retiraram ainda. O nó em seu estômago era cada vez mais doloroso.

Quando se mencionou o tema da segurança da Nicole, a reação dos convidados foi imediata.

suspenderam-se todas as atividades, e cessou a diversão. As mulheres organizaram com rapidez um plano para rastrear o bosque que rodeava a plantação. Os meninos correram de uma habitação a outra para ver se podiam encontrar a Nicole. Os homens se aproximaram do rio.

—Sabe nadar? —perguntou Horace.

—Sim —disse Clay, e passeou o olhar sobre a água, procurando um corpo miúdo, decabellos negros.

—Discutiu com ela? Possivelmente alguém a levou de retorno ao Arundell Hall. Clay se voltou para o Travis.

—Não! Maldita seja! Não houve nada disso. E não se partiu sem me dizer isso Travis apoiou a mão no ombro do Clay.

—Talvez está no bosque recolhendo avelãs, e esqueceu a hora. — Sua voz revelava que não acreditava isso mais que o próprio Clay. Por isso tinha visto da nova esposa do Clay, era uma jovem razoável e considerada—. Horace —disse com voz neutra—, traz os cães.

Clay voltou para a casa. Não conseguia controlar sua fúria. Estava irritado consigo mesmo porque lábia deixado sozinha embora fosse uns poucos minutos. E zangado com ela porque se apartou dele.

Mas o pior de sua cólera provinha do sentimento de impotência. Podia estar a dez metros dele, ou a cinqüenta quilômetros, e Clay não tinha idéia do lugar onde devia procurá-la.

Ninguém emprestou atenção a Bianca que estava de pé a um lado com um prato repleto em sua mão, sonriendo.

Fazia seu trabalho, podia retornar a casa. Estava cansada de escutar às pessoas que lhe perguntava quem era e por que vivia com o Clay.

Os cães estavam confundidos pelos muitos aromas que provinham de tantas pessoas.

Ao parecer, descobriam por toda parte a pista da Nicole, e provavelmente tinham razão.

Enquanto Horace trabalhava com os cães, Clay começou a interrogar às pessoas. Conversou individualmente com todos os homens, as mulheres e os meninos da enorme plantação. Mas a resposta era sempre a mesma: ninguém recordava havê-la visto essa manhã. Um dos escravos disse que lhe tinha servido uns ovos mexidos, mas não podia recordar o que ela fez depois.

De noite, os homens entraram em bosque com tochas. Quatro homens remontaram e descenderam o rio em seus veleiros, e enquanto navegavam chamavam a Nicole. explorou-se a borda oposta do rio, mas ninguém achou signos da jovem.

Quando chegou a manhã, os homens começaram a retornar à casa. Tratavam de evitar o olhar dolorido do Clay.

—Clay! —gritou uma mulher correndo para ele.

Clay voltou imediatamente a cabeça, e viu a Amy Evans que o fazia gestos com seu chapéu enquanto corria do mole.

—É certo? —perguntou Amy—. Sua esposa desapareceu?

—Sabe algo? —perguntou Clay.

—O tinha os olhos afundados, e a cara escurecida pela barba sem barbear.

Amy se levou a mão ao peito, tratando de acalmar a agitação provocada pela carreira.

—Ontem à noite um dos homens veio a nossa casa e perguntou se tínhamos visto sua esposa. Ben e eu dissemos que não a tínhamos visto, mas esta manhã, durante o café da manhã, nossa filha maior, Deborah, afirmou que tinha visto a Nicole com o Abraham Simmons perto do mole.

—Quando? —perguntou Clay, enquanto aferrava pelos ombros à minúscula mujercita.

—Ontem pela manhã. Disse ao Deborah que retornasse ao veleiro para retirar nossos xales, porque estava muito afresco. E Deborah diz que viu o Abe com a mão sobre o braço da Nicole, levando-a

ao rio. Deborah nunca simpatizou com o Abe, e quis afastar-se dele, de modo que subiu ao veleiro, retirou os xales e se afastou imediatamente.

—Viu a Nicole embarcar no bote dos Simmons?

—Não, nada. Esse grande cipreste que cresce junto à borda lhe impediu de ver mais, e por outra parte Deborah desejava retornar às carreiras. Não pensou muito no assunto, e nem sequer o recordou até esta manhã, durante o café da manhã, quando Ben e eu comentamos o desaparecimento da Nicole.

Clay olhou fixamente à mulher. Se Nicole tinha embarcado no bote, ainda estava viva. Não se tinha afogado como ele temia. E podia haver muitas razões pelas quais tinha acompanhado ao Abe Simmons. Quão único o homem precisava era afirmar que alguém requeria a ajuda da Nicole, e esta não o teria pensado duas vezes.


As mãos do Clay se fecharam sobre os fortes ombros da Amy. Depois, inclinou-se e lhe deu um sonoro beijo na bochecha.

—Obrigado —disse, e seu olhar de novo recuperou certa vivacidade.

—Encantada, Clay —disse rendo Amy.

Clay soltou à mulher e se voltou. Seus amigos e vizinhos permaneciam de pé, em silêncio.

Nenhum deles tinha dormido durante a noite.

—Vamos —disse Travis enquanto dava umas palmadas ao Clay no ombro—. É provável que a esposa do Elijah esteja dando a luz outro menino, e Abe jogou mão da primeira mulher que encontrou.

Clay e Travis se olharam longamente. Nenhum deles acreditava isso. Elijah estava louco, e não era inofensivo, nem muito menos. Abe era um jovem áspero e de mau caráter, que demonstrava francamente a hostilidade que sentia ante riqueza dos plantadores vizinhos.

Clay se voltou quando alguém lhe tocou o braço. Viu o Janie, que entregava uma cesta repleta de mantimentos.

—Leve isto —disse a mulher. Era a primeira vez, em todo o tempo em que Clay a tinha conhecido, que as bochechas do Janie perdiam sua cor. Tinha a cara cinzenta por causa da inquietação.

Clay recebeu a cesta e acariciou a mão do Janie. Depois voltou os olhos para o Travis e Wes, que estava junto a seu irmão. Assentiu uma vez, e os três homens caminharam depressa para o veleiro do Clay. Wes foi primeiro a sua própria embarcação, e quando se reuniu com o Clay e seu irmão, trazia consigo um par de pistolas. Os homens guardaram silêncio enquanto soltavam amarras e começavam a sulcar o rio, em direção à propriedade dos Simmons.

Com o passar do dia Nicole teve momentos em que dormiu e outros em que estava deprimida.

Quando estava acordada, as árvores que desfilavam acerta altura, pareciam irreais, desenhos nos quais se mesclavam as sombras e a luz do sol. Isaac a deixou sobre uma pilha de trapos e velhos sacos de alimento. O movimento lento da embarcação e a dor surda do queixo conseguiram que emprestasse escassa atenção às ligaduras dos tornozelos e as bonecas, além da mordaça que lhe cobria a boca.

O sistema fluvial da Virginia era muito extenso. Abe dirigiu o pequeno veleiro entrando e saindo dos afluentes que unem um rio importante com outro. Havia canais tão estreitos que os dois homens tinham que usar os remos para mover o veleiro entre as árvores que quase os tocavam.

—Abe, aonde vai? —perguntou Isaac.

Abe sorriu misteriosamente. Não pensava informar a seu irmão sobre o lugar do destino. Tinha descoberto essa ilha uns anos atrás, e sempre tinha pensado que algum dia podia lhe ser útil. Pouco depois de embarcar à mulher, Abe deixou a seu pai na propriedade da família. Sabia que muito em breve os homens iriam procurar à mulher, e o velho Elijah se enfrentaria a eles. Elijah nunca mentiria se lhe perguntavam o que tinham feito à mulher, mas passariam horas antes de que alguém

pudesse entender suas explicações. Abe sorriu ao pensar em sua própria astúcia. Quão único tinha que fazer era controlar ao moço. Voltou os olhos para a mulher, atada e impotente, que jazia imóvel sobre o montão de farrapos. Sorriu e se passou a língua pelos lábios.

Ao entardecer, Abe guiou o veleiro para a borda.

Isaac ficou de pé e franziu o sobrecenho. Tinha passado uma hora da última vez que viram uma casa. Durante um momento a água tinha sido pouco mais que uma espécie de limo verde estagnado.

O ar era fétido e hostil.

—Saiamos daqui —disse Isaac, olhando ao redor—. Ninguém poderia viver nesta peste.

—Precisamente o que eu desejava. Salta aqui, e traz esse bote. Agora! —ordenou Abe quando Isaac começou a falar.


Isaac estava muito acostumado a obedecer a seu irmão maior. Não lhe agradava a água lamacenta, e no momento mesmo em que a olhava uma larga serpente se deslizou sobre a superfície. Saltou a um lado do veleiro, e sentiu o lodo esverdeado que lhe sugava os pés até os tornozelos. Avançou dificultosamente, e a lama espumosa aderia aos joelhos; finalmente, desatou o pequeno bote de remos. Embarcou nele e utilizou os remos para aproximar o bote ao lado do veleiro.

Abe estava de p na coberta, sustentando em braços a Nicole. Entregou-a a seu irmão menor, e depois também ele passou ao bote de remos.

—Deixa-o no fundo, e toma os remos —ordenou—. Ainda precisamos percorrer um comprido trecho.

Isaac fez o que lhe mandava, e apoiou o corpo da Nicole sobre uma de suas pernas.

Não lhe agradou a expressão de temor que via nos olhos da jovem; desejava tranqüilizá-la.

Abe resmungou ao advertir a atitude de seu irmão.

—Moço, não te faça ilusões a respeito desta mulher. Ela sabe a quem pertence.

Isaac desviou o olhar, e recordou a atitude da Nicole com o Clay. Não concebeu a possibilidade de que as palavras de seu irmão tivessem um sentido distinto.

Não foi fácil manobrar através da água pantanosa. Várias vezes Isaac teve que deter-se para limpar os restos aderidos aos remos. Está obscurecendo, e as árvores frondosas bloqueavam por completo o passo da escassa luz. Isaac elevou os olhos, e lhe pareceu que a árvores se inclinavam para eles e tentavam devorá-los.

—Abe, eu não gosto deste lugar. Não podemos deixá-la aqui. por que não a levamos de retorno a nossa propriedade?

—Porque ali a encontrarão. E não acredito haver dito que a deixaríamos aqui. Agora!

te aproxime da borda.

Isaac usou os remos como varas para aproximar o botecito à borda. Abe saltou a terra.

—Vamos, me siga —disse, enquanto Isaac elevava a Nicole.

—Uns minutos mais, e a desatarei —murmurou Isaac, que sustentava em braços a Nicole. Ela assentiu com um gesto de fadiga, a cabeça apoiada no ombro do jovem.

Abe revelou a presença de uma porta baixa e sólida, que parecia embutida nas sombras.

—Encontrei este lugar faz muito tempo —disse orgulhosamente enquanto abria a porta.

Era uma cabana de pedra, pequena, com uma só habitação. Dentro não havia nada, salvo o pó e as folhas que cobriam o chão.

Isaac depositou no chão a Nicole, e ela sitiou que as pernas não a sustentavam; depois, o jovem lhe tirou a mordaça. Nicole conteve uma exclamação, e quase chorou agradecida. Depois, Isaac lhe desatou as cordas que asseguravam as bonecas da prisioneira. Quando se ajoelhou para desatar as ligaduras dos pés, Abe lhe gritou.

—Que demônios está fazendo? Não te hei dito que a desatasse! Isaac olhou hostil a seu irmão na escuridão.

—Acaso pode fazer algo? Não vê que está tão cansada que logo que pode manter-se de pé? Há algo que comer por aqui? E um pouco de água?

—Atrás há um velho poço.

Isaac olhou ao redor com expressão de desgosto.

—O que é isto? por que alguém quis construir aqui uma choça?

—Imagino que este lugar não sempre foi pantanoso. O rio trocou seu curso e isolou este setor. Há javalis por estes lados, muitos coelhos e um par de macieiras à beira de rio. Agora, basta de perguntas, e traz água. A última vê que vim, deixei um cubo aqui.

Isaac saiu a contra gosto à escuridão da noite.


Nicole se apoiou na parede de pedra. Doíam-lhe as bonecas e os tornozelos, e ainda não tinha reagido o necessário para movê-los. Logo que teve consciência do que acontecia quando Abe lhe aproximou.

—Cansada, verdade? —disse o homem em voz baixa enquanto sua mão grande acariciava o pescoço da jovem—. E estará ainda mais cansada amanhã, depois de que termine com você. Você jamais tem feito o amor como o farei eu.

—Não —murmurou Nicole, e deu um passo a um lado para afastar do homem—. Os pés intumescidos recusaram sustentá-la, e Nicole se desabou para diante, sobre as mãos e os joelhos.

—O que lhe tem feito? —perguntou Isaac da porta. inclinou-se e levantou a Nicole.

—meu deus, moço! —disse Abe, médio rendo-se—. Quem te visse diria que está apaixonado por ela a julgar pelo modo de te comportar. Em definitiva, o que vê nesta mulher? Já conhece o assunto.

É pouco mais que uma prostituta.

—sente-se bem? —perguntou Isaac, com as mãos sobre os ombros da Nicole.

—Sim —murmurou ela.

Isaac se separou da Nicole, e um momento depois lhe deu de beber a água de uma terrina suja.

Nicole bebeu ansiosamente.

—Já é suficiente —disse o jovem—. Sinta-se e descanse um pouco.

Passou o braço pelos ombros da Nicole e a levou até a parede do fundo.

—É mais jovem do que eu acreditava —disse aborrecido Abe. Começou a dizer algo mais, mas se interrompeu.

Isaac se sentou no chão, e depois aproximou da Nicole e a acomodou ao lado.

—Não tema —disse ao advertir que ela endurecia o corpo—. Não lhe farei mal.

Nicole estava muito cansada, tinha muito frio e estava tão intumescida que pouco lhe importavam as normas do decoro. sentou-se ao lado do Isaac, e ele apoiou sobre seu próprio ombro a cabeça da jovem. Ambos dormiram instantaneamente.

—Isaac! —chamou Abe, movendo o ombro de seu irmão—. Acordada! — Tinha os olhos fixos na Nicole. Encolerizava-o que essa cadela emprestasse tanta atenção a seu hermanito. Isaac não era ainda um homem, tinha completo apenas quinze anos, e nunca tinha tido uma mulher. Entretanto, comportava-se como se soubesse muito de mulheres... pelo menos se arrumava bem com a Nicole.

Abe observava a Nicole, e a tinha observado durante a última hora, enquanto a luz do novo dia começava a iluminar a choça. Os cabelos negros da Nicole se soltaram, e a umidade determinava que os pequenos cachos se aderissem à cara da jovem. As grosas pestanas roçavam a bochecha. E

essa boca! Era para enlouquecer. Adoecia-o ver como o braço do Isaac sujeitava posesivamente à mulher, e a mão do jovem descansava precisamente sob o busto protegido pelo vestido de veludo.

—Isaac! —voltou a gritar Abe—. Te propõe dormir o dia inteiro? Isaac despertou lentamente.

Estreitou com força a Nicole e lhe sorriu.

—Vamos, te levante —disse aborrecido Abe—. Tem que ir ao veleiro para trazer algumas costure.

Isaac assentiu. Não perguntou a seu irmão porquê devia ir ele e não o próprio Abe. Isaac sempre tinha obedecido a seu irmão.

—sente-se bem? —perguntou a Nicole. Ela assentiu sem falar.

—por que me trouxeram aqui? Pedirão resgate ao Clay?

—vá procurar a comida —ordenou Abe quando Isaac começou a falar—.eu responderei a suas perguntas. Vete! —ordenou ao advertir que Isaac parecia vacilar.

Abe permaneceu de pé na soleira da porta, e viu como seu irmão menor avançava pelo atalho.


Assim que Nicole ficou sozinha com o Abe, compreendeu que devia lhe temer. A véspera sua mente não funcionava bem, mas agora percebia o perigo que corria. Isaac era um moço afetuoso e inocente, mas não havia nada afetuosos nem inocente no Abe. Nicole ficou de pé, sem falar.

Abe se voltou bruscamente para ela.

—Agora estamos sozinhos —disse em voz baixa—. Você acredita que é muito boa para ter nada que ver comigo, verdade? Já vi como se aferra ao Isaac, e lhe permite tocá-la e abraçá-la. —

Avançou um passo para ela —. É uma dessas mulheres que só aceitam a carne jovem? Agradam-lhe unicamente os muchachitos?

Nicole se ergueu, a coluna vertebral rígida, e se negou a permitir que esse homem horrível advertisse o medo que ela sentia. Pareceu-lhe que ouvia a voz do avô: “Pelas veias dos Courtalain corre sangue de reis” seus olhos se desviaram para a porta. Talvez pudesse esquivar ao homem e sair da choça.

Abe sorriu muito divertido.

—Não há modo de me evitar. Mais vale que se deite e goze. E não espere que Isaac venha a salvá-

la. Demorará ainda várias horas.

Nicole se deslocou lentamente ao longo da parede. Não importava o que acontecesse, não cederia facilmente.

antes de que tivesse dado um passo, um comprido braço saiu disparado e lhe aferrou umas mechas de cabelo. Lenta, muito lentamente, ele envolveu a massa de cabelos ao redor da mão e a atraiu.

—Muito limpos —murmurou Abe—. Estou seguro de que são os cabelos mais limpos que vi. A alguns homens não gosta dos cabelos negros, mas a mim se. —Sorriu—. Acredito que tem muita sorte, porque eu gosto.

—Não conseguirá um bom resgate se me fere —disse Nicole, com sua cara perto do Abe. Os ojillos negros do homem a olhavam hostis, e todo seu corpo cheirava a transpiração rançosa e a dentes podres.

—É uma mulher serena —disse ele sonriendo—. por que não chora e roga?

Lhe dirigiu um olhar frio, e se negou a permitir que ele advertisse o temor que sentia. O avô se enfrentou a uma turfa encolerizada. O que era esse homem sujo e perverso comparado com aquilo?

O a sustentou perto, com os cabelos bem sujeitos. Passou-lhe a mão sobre o ombro, e o polegar do Abe acariciou a curva do seio da Nicole.

—Seu valor não depende do que eu lhe faça. Enquanto a mantenha viva, posso me divertir tudo o que deseje.

—O que quer dizer? — Nicole pensou que devia tratar de que ele continuasse falando.

—Não importa o que quero dizer. Não me interessa lhe explicar o que penso.— A mão deAbe descendeu pela curva do quadril da jovem—. Um vestido muito bonito, mas se interpõe em meu caminho. Tire-lhe El tiró de los cabellos de Nicole, hasta que pareció que amenazaba romperle el cuello.

—Não —disse em voz baixa.

O atirou dos cabelos da Nicole, até que pareceu que ameaçava lhe romper o pescoço.

Os olhos da Nicole se encheram de lágrimas a causa da dor, mas ainda assim não quis despir-se.

Não estava disposta a representar o papel de prostituta para um homem.

O a soltou bruscamente e pôs-se a rir.

—É a cadela mais altiva que conheço —disse. Foi para a porta e levantou as cordas que Isaac tinha deixado no chão—. Como não quer fazê-lo sozinha, possivelmente terei que ajudá-la. Veja, nunca vi a uma mulher completamente nua.

—Não —murmurou Nicole, e retrocedeu, e as mãos trataram inutilmente de aferrar-se à parede de pedra.


Abe riu quando se equilibrou sobre ela e a aferrou do ombro. Nicole tratou de apartar-se, mas não o conseguiu, pois já lhe tinha fundo na carne os grossos dedos. Obrigou-a a ajoelhar-se. Nicole inclinou para diante a cabeça e afundou os dentes no músculo que estava em cima do joelho do Abe. Um instante depois saiu despedida através da habitação.

—Maldita seja! —explorou Abe—. Me pagará isso.

Aferrou-lhe um tornozelo e atou ao redor um extremo da corda. O cânhamo áspero se afundou na carne já dolorida. Nicole tratou de descarregar chutes, mas ele a sustentou facilmente. Uniu-lhe os braços e atou juntas as bonecas. Havia um gancho embutido na parede de pedra, utilizado antes para pendurar a caça cobrada. Abe elevou a Nicole atirando da corda que sujeitava as bonecas, e atou o extremo ao gancho. Os pés da Nicole logo que tocavam o chão.

Ela ofegou ao sentir a dor nos braços estendidos. Atou-lhe os pés juntos, e depois enlaçou a corda em outro gancho. Ela se encontrava impotente, fortemente atada à parede.

Abe retrocedeu um passo e admirou o resultado de seu trabalho.

—Agora não parece uma dama tão elegante —disse, enquanto se esfregava a perna no lugar que lhe tinha mordido. Do bolso tirou uma faca comprido.

Ao ver a arma, a Nicole lhe aumentaram os olhos.

—Agora parece que começa a demonstrar o respeito devido a um homem. Uma coisa que meu pai conhece bem é o modo de tratar a uma mulher. Todas essas mulheres que estavam na casa dos Backes me parecem insuportáveis. Os maridos lhes permitem falar, e lhes dão dinheiro para que apostem nos cavalos. A gente não diria que são homens ao ver como se comportam. E algumas acreditam que são melhores que os homens. O verão passado pedi a uma dessas moças que se casasse comigo, e sabe o que fez? riu de mim. Estava lhe fazendo uma grande honra, e riu de mim!

Exatamente como você! Você se leva bem com essa gente. É bonita, e está casada com um rico, e certamente não aceitaria nem sequer me saudar.

A dor nos braços da Nicole era muito intenso e não lhe permitia pensar. Tinha a confusa sensação de que Abe estava falando molesto. Talvez ela tinha cometido o engano de ignorá-lo e desprezá-lo.

—Por favor, me solte. Clay lhe pagará o que peça.

—Clay! —burlou-se ele—. Como pode me dar o que desejo? Pode me oferecer uma vida longe de um pai louco? Pode conseguir que uma autêntica dama aceite casar-se comigo? Não! Mas em todo caso pode me oferecer umas poucas horas de prazer com sua dama.

aproximou-se mais a ela, sustentava a faca na mão. Os olhos do Abe relampejaram ameaçadores.

Deslizou a faca sob o primeiro botão do peitilho do vestido da Nicole. Ela conteve a respiração quando o frio aço lhe tocou a pele. O botão saltou e caiu ao chão.

Cortou um por um os botões, depois rasgou o peitilho de raso que sustentava o vestido sob o busto.

Aproximou a mão a Nicole e brandamente separou as peças de veludo. Acariciou o seio direito meio talher pela fina anágua.

—Bonito —murmurou—. Realmente bonito. —Utilizou a ponta da folha para abrir limpamente a camisa.

Os peitos da Nicole já lhe ofereciam nus. Nicole fechou os olhos, e as lágrimas começaram a lhe correr pelas bochechas.

Abe retrocedeu um passo para admirá-la.

—Agora não parece uma dama —disse sonriendo—. Se parece com todas as mulheres de Boston.

Eu lhes agradava. E me rogavam que voltasse com elas. —de repente, lhe endureceu a boca—.

Vejamos o resto.

Inseriu a faca sob o bordo superior da larga saia e muito lentamente rasgou o veludo até a prega. Os pedaços do tecido penduraram, mostrando a anágua quase transparente que havia abaixo.


—Encaixe —murmurou Abe enquanto levantava a anágua—. Minha mãe sempre quis um pedaço de encaixe autêntico para adicionar um pescoço a seu vestido do domingo. E você usa encaixe na roupa interior.

Com um movimento rápido e violento arrancou a anágua.

Contemplou o corpo nu, os quadris arredondados, a cintura pequena, e os peitos levantados por causa da posição dos braços. Passou a mão sobre a coxa.

—De maneira que assim são as damas sob todas suas sedas e seus veludos. Não sente saudades que Clay, Travis e os outros lhes permitam falar até os cotovelos.

—Abe! —chamou Isaac—. Está aí? Um dos remos se rompeu e...

deteve-se na soleira da porta da choça. O que viu suscitou nele uma impressão profunda. Nicole estava assegurada à parede, com os braços estendidos por cima da cabeça. O corpo do Abe impedia a visão do Isaac, mas o moço alcançou a ver as partes do vestido, e da anágua que caíam até o chão.

A cara juvenil do Isaac passou da confusão à cólera e a raiva.

—Disse que não a machucaria —afirmou com os dentes apertados—. Eu confiei em ti. Abe se voltou para seu irmão menor.

—E eu te disse que retornasse ao veleiro. Dei-te uma ordem, e espero que me obedeça.

Continuava sustentando na mão a faca que agora apontava ao Isaac.

—Para usá-la. Por isso queria me afastar daqui? Propunha-te usá-la como fez com a pequena dos Samuels? Depois que passou por suas mãos, os pais tiveram que enviá-la longe. Tinha medo de ir dormir de noite, medo de que você fosses procurar a. É obvio, não quis te denunciar, mas eu sabia a que atenerme.

—E o que? —disse Abe—. Quem te ouvisse diria que é uma menina. Estava comprometida com um dos moços Peterson. Se o dava a ele, porquê não a meu?

—A ti! —protestou Isaac—. Sobre a terra não existe uma mulher que te aceite. Vi como tentam mostrar-se amáveis contigo, mas você sozinha desejas às que pode submeter pela força. —Elevou o cubo que tinha aos pés e o jogou na cabeça do Abe—. Estou farto de ver que usa às mulheres! já é suficiente! deixa-a em paz!

Abe esquivou facilmente o cubo que Isaac lhe arrojou. Sorriu com expressão maliciosa.

—Moço, recorda a última vez que me desafiou? —perguntou, e começou a descrever um círculo, escondido, enquanto passava a faca de uma mão à outra.

Isaac olhou a Nicole quando Abe se moveu. A impotência em que encontrava a essa mulher não o excitou. Ao contrário, repeliu-o. Voltou os olhos para o Abe.

—Lembrança que a última vez eu tinha doze anos —se apressou a responder.

—E agora, o menino acredita que se converteu em homem.—Abe se pôs-se a rir.

—Se, isso acredito.

Isaac atacou com tal velocidade que Abe não viu o movimento de seu irmão menor. Estava acostumado a um menino controlável e torpe. Não tinha percebido o crescimento de seu próprio irmão.

Quando Abe recebeu o primeiro murro de seu irmão na cara, desconcertou-se. Retrocedeu para a parede de pedra, e quase lhe cortou o fôlego. Mas reagiu e sua cólera cobrou a mesma intensidade que a do Isaac. Já não pensou que estava lutando contra seu próprio irmão.

—Cuidado! —gritou Nicole ao Isaac quando Abe atacou. A folha da faca se afundou na coxa do Isaac, e Abe empurrou para cima, e lhe infligiu uma ferida larga e profunda.

Isaac emitiu uma exclamação e se separou da faca. O corte era muito profundo e ainda não sangrava muito. Aferrou a boneca do Abe, obrigando a seu irmão a inclinar-se. A faca caiu ao chão, e com a velocidade de um gato Isaac o recolheu. O braço do Abe descreveu um arco quando tentou apoderar da faca, mas sentiu que uma pontada lhe cortava o ombro.

De um salto procurou o amparo da parede junto à porta, com a mão posta na ferida do ombro. O

sangue começava a emanar entre seus dedos.

—Quê-la para ti, verdade? —disse com os dentes apertados—. Podem tê-la!

voltou-se depressa e saiu pela porta aberta. Fechou-a com forte golpe, e Nicole e Isaac alcançaram para ouvir o ruído do ferrolho.

Isaac avançou a tombos para a porta e realizou um débil esforço por derrubar seu peso nela. A perna começava a lhe sangrar, e já estava sentindo os primeiros efeitos da perda.

—Isaac! —gritou Nicole quando viu que os olhos do Isaac começavam a fechar-se no momento mesmo em que apoiava seu peso na porta—. Curta minhas ataduras e te ajudarei.

Isaac! —chamou outra vez porque lhe pareceu que ele não a ouvia.

Cegado pela dor, Isaac se aproximou dela tropeçando e levantou o braço em direção às cordas que imobilizavam os braços da Nicole.

—as corte, Isaac — o apressou ela quando pareceu que ele tinha esquecido onde estava e o que tinha que fazer.

Isaac utilizou o último resto de força para cortar as cordas, que felizmente estavam algo podres.

Quando as ligaduras cederam, Isaac se derrubou sobre o chão da choça e Nicole caiu para diante, sobre suas mãos e joelhos. Com movimentos rápidos ela se desatou os tornozelos.

A faca ensangüentada do Abe estava no chão. Sem perda de tempo Nicole cortou sua própria camisa, converteu-a em tiras, e depois abriu as calças do Isaac para pôr ao descoberto a ferida. Era profunda mas poda. Enfaixou-a fortemente para deter a hemorragia. Isaac parecia encontrar-se em estado de debilidade, e não falava nem se movia. Quando Nicole terminou de enfaixar a perna, tratou de que o jovem bebesse um pouco de água, mas ele não a aceitou.

de repente, sentiu-se muito cansada. sentou-se, com suas costas apoiada na parede de pedra, enquanto sustentava a cabeça do Isaac. O contato pareceu acalmar ao moço. Lhe separou da frente os cabelos negros, e depois apoiou sua própria cabeça na parede. Estavam encerrados em uma sólida choça de pedra. Não tinham comida nem outros fornecimentos. encontravam-se em uma ilha desolada, onde ninguém poderia achá-los e entretanto de repente Nicole se sentiu mais segura ali que durante as últimas vinte e quatro horas. adormeceu-se.


Capítulo 14

A propriedade dos Simmons estava em um rincão afastado, a uns vinte quilômetros, rio acima, da plantação Armstrong. Era terra sem valor, pedregosa e estéril. A casa era pouco mais que uma choça, pequena e suja, e entejado tinha urgente necessidade de reparações. O pátio de terra calcada estava lotado de galinhas, cães, porcos e vários meninos quase nus.

Travis amarrou o veleiro ao carcomido mole enquanto Clay saltava à borda e caminhava para a casa, seguido pelos restantes homens. O velho de figura espectral apareceu na porta da casa.

—O que desejam? — perguntou, com os ojillos sonolentos, como se acabasse de despertar. voltou-se por volta de um dos meninos, uma pequena que teria no máximo quatro anos. Tinha uma galinha no regaço, e com gestos fatigados estava depenando-a—. Você, menina! —disse Elijah—. Será melhor que não deixe plumas nessa ave. Se o fizer, levarei-te a abrigo.

Clayton olhou com repugnância ao velho. Dormia enquanto seus filhos trabalhavam.

—Quero falar com você.

Quando o velho começou a despertar, seus ojitos se converteram em pouco mais que ranhuras.

—Bem! O pagão veio a procurar sua salvação. Necessitará o perdão de seus perversos costumes.

Clay aferrou a cabeça do homem, e o levantou de modo que os pés do Elijah logo que tocaram o chão.

—Não quero que me pregue! Sabe onde está minha esposa?

—Sua esposa? —cuspiu o homem—. As mulheres escarlates não são algemas. É uma filha de Satã e terá que eliminar a da terra.

O punho do Clay golpeou o rosto alargado e ossudo do homem. O corpo se chocou contra o marco da porta e se deslizou lentamente para o chão.

—Clay! —disse Travis, a mão sobre o braço de seu amigo—. Não conseguirá nada dele.

Está louco. — Travis se voltou para os meninos—. ides procurar a sua mãe.— Ordenou.

Os meninos levantaram a vista, apartando os olhos das galinhas e as favas com as quais estavam trabalhando, e se encolheram de ombros. Pareciam tão castigados, tão desmoralizados, que nem sequer lhes interessava ver como golpeavam a seu pai.

—Estou aqui —disse uma voz suave detrás dos homens. A senhora Simmons era ainda mais magra que o marido. Tinha os olhos afundados e as bochechas enfraquecidas.

—Ouvimos dizer que minha esposa embarcou em um bote com seu filho. Tem desaparecida dois dias.


A senhora Simmons assentiu com um gesto fatigado como se a notícia não a assombrasse.

—Não a vi, e tampouco vi a nenhum desconhecido. — levou-se a mão à costas para aliviar a dor. Parecia ter um embaraço de seis meses. Não negou a idéia de que possivelmente seu filho tinha algo que ver com o desaparecimento da Nicole.

—Onde está Abe? —perguntou Wesley.

A senhora Simmons se encolheu de ombros. Voltou os olhos para o marido, que começava a voltar em si. Pareceu que ela desejava fugir antes de que Elijah despertasse de tudo.

—Faz dias que Abe não vem por aqui.

—Você não sabe aonde foi? Ele sabe? —perguntou Clay, indicando ao Elijah com um gesto da cabeça.

—Abe não fala muito com ninguém. O e Isaac embarcaram no veleiro e se foram. Às vezes se ausentam durante vários dias.

—Não sabe aonde vão? —perguntou Clay desesperado. Travis aferrou o braço do Clay.


—Ela não sabe nada, e duvido que tampouco o velho saiba algo. Abe certamente não lhes informou sobre seus planos. Acredito que o melhor será organizar um grupo de busca. Podemos enviar gente às casa, remontando e descendendo o rio, para perguntar se tiverem visto algo.

Clay assentiu em silêncio. Sabia que era a atitude mais razoável, mas levaria muito tempo. Tratou de rechaçar a imagem do Abe e Nicole. Abe era um homem deformado por muitos anos de domínio severo e absurdo do Elijah. Clay se voltou e retornou ao veleiro. Sentia uma imensa cólera por causa da frustração.

Wes caminhou detrás do Clay e seu irmão, e todos retornaram ao veleiro. deteve-se quando um punhado de calhaus lhe golpeou as costas.

—Psst! Aqui.

Wes olhou em direção aos matagais que cresciam junto ao rio, e pôde distinguir apenas o perfil de uma figura pequena. Caminhou para ali, e apareceu uma menina. Era uma pequena muito bonita, com grandes olhos verdes. Embora a via mais limpa que aos restantes meninos Simmons, tinha posto um fino e puído vestido de algodão.

—Queria falar comigo? Ela o olhou assombrada.

—Você é um desses homens ricos, verdade? Os que vivem em uma casa grande à beira do rio?

Wes compreendeu que ele era rico comparado com a menina. Assentiu.

A menina olhou ao redor para assegurar-se de que perto não havia ninguém.

—Sei algo do paradeiro do Abe —murmurou a pequena. Em um instante Wes se inclinou.

—O que? —perguntou.

—Minha mamãe tem uma prima, uma dama. É difícil acreditá-lo não? Esta prima vem a Virginia, e Abe disse que ela nos daria um pouco de dinheiro. O e papai e também Isaac foram a uma festa, uma verdadeira festa.—— Respirou fundo——. Nunca fui a uma festa.

—O que disse Abe? —perguntou impaciente Wes.

—Veio a casa, e ouvi que dizia ao Isaac que se levariam a uma dama e a esconderiam.

Depois, a prima de minha mamãe a daria de presente algumas vaga do senhor Armstrong.

—Do Clay? —perguntou assombrado Wes——. aonde levaram a dama? Quem é a prima de sua mãe?

—Abe disse somente que ele sabia aonde levava a dama, e que não diria nem sequer ao Isaac.

—Quem é a prima?

—Não recordo o nome. Abe disse que em realidade ela era a esposa do senhor Armstrong, e que a mulher pequena era uma mentirosa e queria apoderar-se do que correspondia a sua prima.

—Bianca —disse assombrado Wes. Sempre tinha pensado que ela estava no fundo de todo o assunto; então teve a certeza. Wes olhou fixamente à menina, e depois lhe sorriu——. Preciosa, se fosse maior, acredito que te beijaria pelo que tem feito. Toma. —Afundou a mão no bolso e tirou uma moeda de ouro——. Minha mãe me deu de presente isso. Agora é tua.

Depositou a moeda na mão da menina.

Ela aferrou com força o dinheiro e olhou assombrada ao Wes. Ninguém lhe tinha dado jamais algo mais que maldições e castigos. A seus olhos, Wesley, tão pulcro, um homem que cheirava tão bem, era como um anjo descendido à terra. Falou com voz muito suave.

—Quando eu seja grande, casará-se comigo? Wesley sorriu.

—Possivelmente o faça. — incorporou-se. Depois, obedecendo a um impulso, deu na bochecha um sonoro beijo à menina—. Vêem ver-me quando crescer.— voltou-se depressa e caminhou para a veleiro onde Clay e Travis esperavam impacientem. A notícia de que Bianca estava implicada e possuía informação sobre o paradeiro da Nicole determinou que a lembrança da menina se esfumasse.

Mas não aconteceu o mesmo com a menina. Permaneceu de pé, em silêncio, olhando afastar-se ao veleiro. Ao longo de seus treze anos tinha vivido isolada com sua família. Nunca tinha conhecido nada fora da mesquinharia de seu pai e a severidade da mãe. Ninguém se tinha mostrado amável com ela, e nem sequer a tinham beijado. tocou-se a bochecha, onde Wes o tinha feito, e se voltou.

Tinha que encontrar um esconderijo para a moeda de ouro.

Bianca observou que Clay corria do mole até a casa, e sorriu para si mesmo. Não ignorava que ele descobriria que a própria Bianca estava comprometida no desaparecimento da Nicole, de modo que se tinha preparado para contá-lo. Bebeu o último sorvo de chocolate, concluiu o último crêpe.

Depois se enxugou delicadamente a boca.

Estava no dormitório da planta alta, e sorriu ao olhar ao redor. Esse lugar tinha trocado muito os últimos dois meses. Já não tinha a aborrecida simplicidade anterior. Havia tul rosado em qualquer parte, e os arremates da cama tinham sido dourados. O bordo da chaminé estava talher de pequenas figuras de porcelana. Bianca suspirou. Ainda não tinha terminado as reformas, mas trabalhava nisso.

Clay irrompeu na habitação, e suas pesadas botas ressonaram sobre o chão de madeira.

Bianca se estremeceu ante a grosseria desse homem, e decidiu que compraria mais tapetes.

—Onde está? —perguntou Clay, com voz seca e dura.

—Presumivelmente devo saber o que significam suas palavras.

Bianca se esfregou os braços gordinhos, e pensou nas peles que compraria para o inverno.

Clay se aproximou com uma larga pernada e entrecerró os olhos. Bianca lhe dirigiu um olhar de advertência.

—Se me tocar, jamais a encontrará. Clay retrocedeu.

—Que repugnante! — burlou-se Bianca—. É suficiente sugerir que essa prostituta mentirosa corre o mais mínimo perigo para que trema.

—Se apreciar sua vida, dirá-me onde está.

—Se você apreciar sua vida te manterá afastado de mim. Clay chiou os dentes.

—Que desejas? Darei-te a metade de tudo o que possuo.

—A metade? Pensei que ela valia mais.

—Então, tudo. Transferirei-te a plantação inteira.

Bianca sorriu e se aproximou da janela para arrumar uma cortina. Manipulou a seda rosada.

—Não sei o que fez para induzir a todos a acreditar que sou estúpida. Mas não careço completamente de inteligência. Se me transferir este lugar, e depois te afasta com sua querida prostituta francesa, o que me acontecerá?

Clay fechou os punhos, mantendo-os aos flancos do corpo. Era tudo o que podia fazer para abster-se de estrangular a essa mulher; mas não desejava fazer nada que ameaçasse a Nicole.

—Direi-te o que me acontecerá —continuou dizendo Bianca—. Em um ano esta plantação quebraria. Os norte-americanos são gente repulsiva. Os criados acreditam que têm os mesmos direitos que os amos. Jamais me obedeceriam. E depois de ir à quebra, qual seria meu destino?

Talvez você retornasse e voltasse a comprar a propriedade por uns centavos. Teria tudo o que desejas, eu nada.


—Então, que mais posso te dar? —disse Clay com expressão zombadora.

—Pergunto-me se na verdade ama a minha criada.

Clay guardou silêncio, olhando fixamente a Bianca. Pensava como era possível que tivesse visto nela certa semelhança com o Beth.

—Diz que está disposto a me entregar sua propriedade, mas, dará-me todo o resto para salvá-la?

Explicarei-te. Suponho sabe que tenho primos na América. Não são precisamente a classe de pessoas que alguém exibiria em público, mas são úteis...OH, sim, muito úteis. Esse homem Abe aceitou tudo o que eu lhe sugeri.

—aonde a levou?

Bianca o olhou com expressão zombadora.

—Crie que lhe direi isso tão facilmente? depois do que me tem feito? Humilhaste-me, utilizaste-me.

Faz meses que estou aqui, e não tenho feito outra coisa que esperar enquanto você perseguia a essa cadela em presença de todo o mundo. Agora me toca o turno de fazer que você espere.

Fez uma pausa.

—Bem, onde estava? Ah, sim, meus amado primos. Em troca de uns poucos animais, mostraram-se dispostos a fazer tudo o que eu desejasse, e inclusive chegar ao assassinato.

Clay retrocedeu um passo. Não tinha concebido a possibilidade do assassinato. Bianca sorriu ante a reação do Clay.

—Acredito que está começando a entender. Agora, me permita te dizer o que desejo: quero ser a proprietária desta plantação. Desejo que você a administre, e eu aproveitarei os benefícios. Quando me presente em sociedade, quero fazê-lo como uma mulher casada e respeitável, não como um apêndice desnecessário, o que fui na festa dos Backes. E desejo que os criados me obedeçam.

Bianca desviou o olhar um momento; e quando de novo cravou os olhos no Clay, falou com voz muito serena.

—Está familiarizado com a Revolução na França? Todos recordam aos parentes de minha ex-donzela na França. Conforme acredito, a maioria foi decapitada. A turfa ainda está irritada na França, ainda busca aos aristocratas para levá-los a guilhotina.

Fez uma pausa.

—Esta vez Abe se limitou a levá-la a uma ilha perdida entre os riachos da Virginia, mas a próxima será depositada em um navio que a devolva a França.— Sorriu—. E não cria que se te desembaraçar do Abe eliminará a ameaça. Tem muitos parentes, e todos se alegrarão de me ajudar e de satisfazer meus desejos. E se me acontece algo, embora seja um arranhão provocado por ti, deixei dinheiro para garantir que devolvam a Nicole a França.

Clay teve a sensação de que tinha recebido um chute no estômago. Retrocedeu um passo e se desabou em uma poltrona. A guilhotina! Recordava vividamente a história do avô da Nicole, a cabeça cravada em uma lança. Como ela se obstinado ao próprio Clay aterrorizada pelas lembranças. Não podia arriscar a possibilidade de que retornasse a esse horror.

Jogou para trás a cabeça. Defenderia-a. Vigiaria-a de tal modo que não a perdesse nunca de vista. E

de repente compreendeu que essa idéia era absurda. Em casa dos Backes, Nicole se tinha afastado dele só duas horas. Teria que viver como uma prisioneira. E um momento de descuido e... o que? A morte? Um terror pior que o que já tinha conhecido? Não podia fazer nada que a entregasse a tão terrível destino.

Tentou raciocinar com a Bianca.

—Posso te dar dinheiro suficiente de modo que tenha uma boa dote. Com uma dote conseguirá um marido inglês.

Bianca emitiu um resmungo.


—Em efeito, não entende às mulheres né? Retornaria envergonhada a Inglaterra. Todos os homens diriam que me pagou antes que me desposar. Sem dúvida, teria marido, mas ele riria de mim, ridicularizaria-me. Desejo da vida um pouco mais que isso.

Clay ficou de pé e ao fazê-lo derrubou a cadeira.

—O que teria se te casasse comigo? Sabe que no máximo posso te odiar. Anseia isso?

—Uma mulher prefere que a odeiem e não que dela riam. Pelo menos, o ódio implica certo grau de saudável respeito. Em realidade, acredito que faríamos um casal admirável. Eu poderia dirigir sua casa, ser sua anfitriã. Organizaria grandes festas. Seria a esposa perfeita. Por sua parte nunca teria que suportar a uma mulher ciumenta. Enquanto administre satisfatoriamente a plantação, gozará de liberdade total para fazer o que desejar, e inclusive perseguir as mulheres.— estremeceu-se—.

Enquanto te mantenha afastado de mim.

—Posso te assegurar que não tem por que temer que jamais chegue a te tocar. Bianca sorriu.

—Se sua intenção foi insultar, em todo caso não interpreto assim suas palavras. Não desejo ser tocada por ti ou por qualquer outro homem.

—E Nicole?

—É obvio, voltemos para ela. Se te casar comigo, não sofrerá dano algum. Inclusive pode permanecer no moinho, e se o deseja estará em condições de visitá-la para ter seus... seus prazeres mais terrestres. Estou segura de que ambos gozarem com suas travessuras.

—O que garantia tenho de que depois de casados um de suas primos não aparecerá em metade da noite?

Bianca refletiu um momento.

—Não acredito que haja nenhuma garantia. Possivelmente lhe atendrás mais seriamente ao acordo se nunca estiver muito seguro do que pode lhe acontecer a Nicole.

Clay permaneceu em silêncio. Não tinha garantias. A vida de seu bienamada dependia dos caprichos de uma cadela ambiciosa e egoísta. Mas, acaso tinha alternativas? Podia desafiar as exigências da Bianca e permanecer casado com a Nicole, mas viveria em um estado de terror permanente, ante a possibilidade de achá-la morta. Amava-a de um modo tão egoísta que estava disposto a arriscar a vida da jovem por uns poucos meses de prazer? depois de tudo, não era sua vida a que corria perigo, a não ser a da Nicole. Em resumo, contemplou a possibilidade de perguntar sua opinião a Nicole, mas sabia que ela estava disposta a arriscá-lo tudo para permanecer com ele.

O amor que ele sentia era tão débil que não podia realizar sacrifícios por ela?

—Sabe onde está?

—Tenho um mapa.— Sorriu Bianca, como se soubesse que tinha triunfado—. Desejo que manifeste sua aceitação de minhas condições antes de lhe entregar isso Bianca sonrió.

Clay tratou de aliviar o nó que sentia na garganta.

—Não é possível anular o matrimônio sem o testemunho do médico que foi testemunha das bodas.

Pode fazer-se muito pouco até que ele retorne da Inglaterra.

Bianca sorriu.

—Aceito isso. Quando ele chegue, espero que se anule o matrimônio e se celebre o nosso. Se isso se atrasar, Nicole desaparecerá. Está claro?

Clay a olhou com desprezo.

—falaste com absoluta sinceridade. Quero esse mapa.

Bianca atravessou a habitação para uma das figuras de porcelana depositadas sobre o armário de frente curvo, levantou-a e de seu interior tirou um rollito de papel.

—É um desenho tosco —disse—, mas acredito que legível.— Sorriu—. Minha querido primo Abe esteve com ela na ilha dois dias e uma noite, e passará outra noite antes de que chegue ali. Disse que se propunha passar um momento agradável com a Nicole. Estou segura de que a esta altura das coisas já teria tido muito tempo. É obvio, ela foi bastante usada antes de fazer este viaje com o Abe. A propósito, perguntou-te por que ela o acompanhou sem oferecer a mais mínima resistência? por que não gritou? O mole está a pouca distância do lugar onde havia pelo menos vinte pessoas.

Clay avançou um passo para a Bianca, mas se conteve. Se chegava a tocá-la, isso equivaleria a matar a Nicole. Não acreditava que sua própria consciência o reprovasse muito, mas sabia que essa mulher era capaz de cumprir suas ameaças, inclusive da morte. voltou-se sobre seus talões, com o mapa na mão e saiu da habitação.

Bianca permaneceu de pé frente à janela, e o viu caminhar para o mole. Um sentimento de triunfo percorreu seu corpo. Já lhes mostraria! Já mostraria a todos! Seu pai se riu quando ela fez a bagagem para ir a América. Havia dito que Clay não se sentiria muito inquieto quando descobrisse que estava casado com uma formosa muchachita como Nicole. Tinha considerado que a anedota do matrimônio por equívoco era tão bom que a tinha relatado pelo menos a vinte pessoas antes da partida da Bianca. Era impossível calcular a quantas pessoas mais já lhes tinha revelado o assunto.

Bianca apertou os lábios. Sabia o que todos diziam: que Bianca era igual a sua mãe. Sua mãe tinha levado a sua cama a tudo o que usasse calças. Quando era pequena, e ouvia os ruídos que vinham do dormitório de sua mãe, Bianca se jurou que jamais permitiria que um homem a manchasse, ou que pusesse suas mãos toscas e famintas sobre seu delicado e branco corpo.

Quando Bianca anunciou que viajaria a América, seu pai a acusou de ser como essa mulher, e afirmou que estava se desesperada por receber as carícias do brutal norte-americano, precisamente o tipo de homem que agradava a sua mãe morta. Como podia Bianca retornar a Inglaterra depois de ter acontecido meses na casa do Clay? Não poderia mostrar um anel de bodas, mas disporia de muito dinheiro, exatamente o que acontecia com sua mãe quando retornava de suas excursões de fim de semana. Inclusive a milhares de quilômetros de distância, quase podia ouvir as brincadeiras e ver os gestos de desprezo quando a gente comentasse o que ela tinha feito para ganhar esse dinheiro.

Não! Golpeou o chão com o pé. Seria a proprietária da plantação Armstrong, e não importava o que tivesse que fazer. E depois, pensou com um sorriso, convidaria a seu pai a visitá-la. Mostraria-lhe sua riqueza, seu marido, os dormitórios separados. Demonstraria-lhe que não era como sua mãe.

Sim, sorriu. Ela lhes mostraria!

—Disse-lhe isso? —perguntou Wes assim que Clay chegou ao veleiro. Clay mostrou o mapa.

—Disse-me isso.— Replicou. Falou com voz neutra.

—Essa cadela! —disse Wes com expressão hostil—. Deveríamos te castigar com um látego, porque você conseguiu que viesse a América. E pensar que quase te casa com ela! Quando retornarmos e

Nicole recupere a liberdade, confio em que jogará nessa prostituta gorda à porão, e te desembaraçará dela com a maior rapidez possível.

Clay guardou silêncio, e seus olhos negros contemplaram o rio. Não respondeu aos comentários do Wesley; era pouco o que podia dizer. Acaso podia explicar a seus amigos que provavelmente depois de tudo teria que casar-se com a Bianca?

—Clay? —perguntou Travis, com a voz carregada de inquietação—. Se sente bem? Crie que sua esposa está ferida?

Clay se voltou e Travis franziu o sobrecenho ao advertir a expressão do rosto de seu amigo.

—Como se sente um homem quando acaba de vender sua alma ao diabo? —perguntou em voz baixa.


Isaac comeu os últimos bocados de coelho e maçãs assadas servidos na frigideira. Depositou a frigideira no chão e apoiou as costas contra a parede de pedra da choça; tinha as pernas estiradas sobre a erva. A coxa, fortemente enfaixado com tiras da anágua da Nicole lhe pulsava. Fechou os olhos e expôs seu corpo à luz do sol; sorriu ao sentir a tibieza. A atmosfera da pequena ilha cheirava mau, na água abundavam serpentes venenosas, e eles tinham poucas esperanças de que chegassem a salvá-los; mas Isaac não desejava sair dali. Os dois últimos dias tinha comido melhor que nunca em sua casa, em que pese a que Nicole tinha só uma frigideira para cozinhar. E tinha podido descansar, algo que era novo em sua vida.

Seu sorriso se alargou quando ouviu o roce conhecido da saia de veludo da Nicole. Abriu os olhos e saudou com um gesto a jovem. Nicole tinha arrancado o encaixe de sua anágua e com ele, unido os pedaços do peitilho de seu vestido, para sustentá-los nos lugares por onde tinha passado a faca do Abe. Isaac estava muito surpreso. No curso de sua vida tinha acreditado que as mulheres que viviam nas casas eram inúteis, mas Nicole não se deixou dominar pela histeria depois da disputa entre os dois irmãos. ajoelhou-se e enfaixado a ferida do Isaac para conter a hemorragia, e depois entregou tranqüilamente ao sonho.

Pela manhã viram que a porta tinha dobradiças de grosso couro. Nicole utilizou a faca do Isaac e cortou o couro, e por sua parte Isaac apoiou seu corpo contra a porta para evitar que caísse. Tinham necessitado toda a força dos dois para abrir a porta e deixar um espaço que lhes permitisse deslizar-se para fora. Mais tarde, Isaac descansou enquanto Nicole preparava um laço com um pedaço de corda de sua anágua e apanhava um coelho. Isaac se assombrou quando viu que ela sabia fazer essas coisas. Nicole riu e lhe disse que seu avô lhe tinha ensinado a preparar armadilhas.

—Sente-se melhor? —perguntou Nicole, sonriéndole. Os cabelos desciam por suas costas até a cintura, formando uma massa espessa e reluzente.

—Sim. Embora me sinto um pouco sozinho. Poderia falar um momento comigo? Nicole sorriu e se sentou ao lado do Isaac.

—por que não sente medo? —perguntou Isaac—. Suponho que a maioria das mulheres estariam aterrorizadas ao ver-se neste sítio.

Nicole pensou um momento.

—Acredito que os sentimentos são coisas relativas. Houve ocasiões em que senti muitíssimo medo.

Mas comparado com elas, este lugar parece quase seguro. Dispomos de água e comida, e o tempo ainda não é muito frio; quando melhorar sua perna sairemos da ilha.

—Está muito segura disso? Viu a água?

—As serpentes não me intimidam. Só a gente pode nos prejudicar.

Isaac experimentou um sentimento de culpa. Nicole não tinha perguntado uma só vez a razão pela qual ele e Abe a tinham seqüestrado. Podia ter permitido que ele se sangrasse até morrer, e provavelmente era o que tivesse tido que fazer.

—Está-me olhando de um modo estranho— disse Nicole.

—O que acontecerá quando retornarmos à civilização?

Nicole experimentou que um sentimento de alegria lhe percorria o corpo. Pensou: “Clay”. Nicole deixaria o moinho em mãos de outra pessoa e retornaria à casa do Clay. Viveria ali com ele e os gêmeos, como tinham feito antes, mas já Bianca não poderia turvar as relações entre eles.

Seus pensamentos retornaram ao Isaac.

—Não acredito que deseje voltar para sua casa. Talvez queira trabalhar para mim no moinho.

Acredito que poderíamos utilizar os serviços de outro homem.

O rosto do Isaac trocou de cor.

—Como pode me oferecer emprego depois do que lhe fiz? —murmurou.


—Salvou-me a vida.

—Mas a traje aqui! Desde não ter sido por mim, jamais se teria encontrado nesta situação.

—Isso não é certo, e você sabe —disse Nicole—. Se te tivesse negado a ajudar ao Abe, ele teria utilizado a outra pessoa, ou teria vindo sozinho. E nesse caso, qual teria sido meu destino? —

Apoiou a mão no braço do Isaac—. Te devo muito. O menos que posso fazer é te oferecer emprego.

O a olhou em silêncio vários minutos.

—Você é uma dama, uma autêntica dama. Acredito que minha vida melhorará depois de havê-la conhecido.

Ela se pôs-se a rir, e observou a luz do sol que brincava em seus próprios cabelos.

—E você, amável senhor, desempenharia-se bem em todas as cortes do mundo. Sua galanteria é excessiva.

O lhe retribuiu o sorriso, mais feliz que o que nunca se sentou em sua vida. de repente, Nicole se incorporou de um salto.

—O que foi isso?

Isaac permaneceu imóvel e escutou.

—me traga a faca —murmurou—. E oculte-se. Oculte-se na borda. Ninguém a encontrará ali. Não importa o que aconteça, não saia até que estejamos seguros.

Nicole lhe dirigiu um sorriso muito afetuoso. Não estava disposta a abandoná-lo, com essa ferida, à compaixão de quem se aproximava com tantas precauções. E certamente não desejava meter-se na lama da água. Entregou a faca ao Isaac. Depois, quando se inclinou para ajudá-lo a ficar de pé, ele a apartou.

—Vá-se! —ordenou Isaac.

Nicole se ocultou depois dos salgueiros que cresciam na borda da ilha, e depois avançou lentamente para os passos que se aproximavam discretos. Viu primeiro ao Travis, as largas costas inconfundíveis. Lhe encheram os olhos de lágrimas. apressou-se às enxugar, e advertiu que Travis se afastava dela.

Sentiu a presença do Clay a suas costas. voltou-se como um relâmpago; os cabelos flutuavam no ar.

Permaneceu imóvel, como se fosse feita de pedra.

Em silêncio, ele abriu os braços.

Nicole avançou dois passos, e afundou a cara no pescoço do Clay, e apertou seu corpo fortemente contra o corpo do homem. Sentiu o rosto do Clay contra sua bochecha, e advertiu que também ele tinha os olhos úmidos.

Sempre sustentando-a em seus braços, Clay lhe levantou o queixo para olhá-la. Examinou sua cara, quase como se estivesse devorando-a.

—Está bem? —murmurou.

Ela assentiu, com seus olhos fixos nos do Clay. Havia algo que andava mau, muito mal. Intuiu-o.

O a estreitou com mais força.

—Acreditei que me voltava louco. Não poderia suportar o mesmo outra vez.

—Não terá que suportá-lo —sorriu Nicole, e relaxou o corpo, e se entreteve em sentir a calidez e a força do Clay—. Minha própria ingenuidade me meteu nisto. A próxima vez não serei tão descuidada.

—A próxima vez não lhe darão alternativa —disse ferozmente Clay.

—Clay, o que quer dizer com isso? A jovem tratou de apartar-se dele.


Clay lhe inclinou a cabeça e começou a beijá-la; apenas os lábios do Clay tocaram os da Nicole, ela deixou de pensar. Fazia tanto tempo que estavam separados...

—Olá!

A cabeça do Clay se voltou, e seus olhos se cravaram no Travis e Wesley.

Vejo que a encontraste —disse sonriendo Wes—. Lamentamos te interromper, mas este é um lugar fedido, e queríamos partir.

Clay assentiu, na cara se desenhava uma expressão séria, o sobrecenho muito franzido.

—E ele? —disse Travis, com a voz carregada de desgosto. Assinalou ao Isaac, desacordado e cansado no chão. As ataduras que lhe envolviam a perna estavam manchando-se de sangue. Tinha uma protuberância no queixo, sem dúvida onde tinha recebido o golpe.

—Isaac! —exclamou Nicole, e se separou dos braços do Clay. aproximou-se imediatamente ao moço—. Como pudestes fazer isto? —olhou hostil ao Travis—. Salvou a vida.

Não imaginam como recebeu essa ferida na perna? Se eu tivesse sido seu prisioneira, tivesse podido escapar dele.

Travis olhou um tanto divertido a Nicole.

—Acredito que não me detive pensar. Apareceu por uma esquina da choça e me atacou com uma faca.— Piscou um pouco—. Suponho que devia retroceder um passo e refletir um momento.

—Desculpa —disse Nicole—. Acredito que estou um pouco nervosa. — apressou-se a desatar as ataduras ensangüentadas da perna do Isaac—. Clay, me dê sua camisa. Necessito mais ataduras.

Quando Nicole se voltou, com a mão estendida para receber a camisa, viu os três homens com o peito nu, e os três lhe oferecendo sua camisa.

—Obrigado —murmurou, contendo as lágrimas. Que feliz será retornar novamente ao lar.


Capítulo 15

Nicole fez uma pausa, com a agulha na mão, e pela centésima vez voltou os olhos para a janela.

Não precisava esforçar-se por evitar o pranto, porque já tinha gasto todas suas lágrimas. Fazia quase dois meses que não via o Clay. O primeiro mês se havia sentido desconcertada, confundida e aturdida. E depois chorou durante várias semanas. sentia-se intumescida, como se lhe tivessem arrancado uma parte de seu corpo e precisasse adaptar-se à nova situação.

Depois que Clay e ela saíram da ilha, Nicole tinha retornado ao moinho. Durante o comprido viaje rio abaixo em direção à plantação Armstrong, Clay a tinha abraçado com força, e às vezes quase lhe impedia de respirar bem. Mas a Nicole não importava. Somente ansiava sentir a pressão desses braços.

Quando chegaram ao mole, Clay disse ao Travis que se aproximasse primeiro ao mole do moinho.

Nicole se sentiu desconcertada, porque supunha que iria à casa com ele. depois de abraçá-la quase com desespero, ele a soltou bruscamente e de um salto se embarcou de novo, sem olhar para trás enquanto Travis enfiava a embarcação para o mole do Clay.

Durante vários dias Nicole tinha esperado a chegada do Clay. E quando ele não viu, tratou de desculpá-lo. Sabia que Bianca ainda vivia na casa com ele. Possivelmente Clay necessitava mais tempo para conseguir que um navio destinado a Inglaterra pudesse afastá-la.

Passou um mês sem notícias, e Nicole começou a chorar. Em diferentes ela ocasione o amaldiçoou, perdoou-o, compreendeu-o e voltou a amaldiçoem. Tinha mentido quando lhe disse que a amava? O

poder da Bianca sobre ele era maior que o que ele mesmo tinha suposto? Nicole estava tão encolerizada que não podia pensar ordenadamente.

—Nicole —disse Janie em voz baixa; na casa todos falavam em murmúrios—. por que não vais cortar algumas novelo com os gêmeos? Parece que nevará. Wes virá mais tarde, e poderemos adornar a casa para o Natal.

Nicole ficou de pé lentamente, mas em realidade não sentia muita alegria ante a perspectiva do Natal.

—Não derrubará a asa leste de minha casa —disse Clay com voz que trasuntaba mortal seriedade.

Bianca o olhou desgostada.

—Esta casa é muito pequena! Na Inglaterra não seria mais que a do guarda-florestal.

—Nesse caso, posso sugerir que retorne a Inglaterra?

—Não suportarei seus insultos me ouve? esqueceste a minhas primos?

—Como não passa um momento sem que os mencione me parece impossível esquecê-los.

Agora tenho que trabalhar. Fora daqui!

Olhou-a hostil desde seu assento atrás do escritório. Viu que ela elevava o nariz e saía furiosa da habitação.

Quando Bianca partiu, Clay se serve uma taça. Já não tolerava a Bianca. Provavelmente era o ser humano mais preguiçoso que tinha conhecido. zangava-se constantemente por que os criados recusavam lhe obedecer. Ao princípio, Clay tinha realizado débeis intentos de obrigá-los a manter certa disciplina. Mas logo renunciou a seus esforços. por que tinha que obrigá-los a sofrer tudo o que ele suportava?

Saiu do despacho e foi aos estábulos em busca de seu cavalo. Tinha passado dois meses com essa cadela! Dia detrás dia tratava de pensar na nobreza de seu próprio gesto, e em que com seu martírio provavelmente estava salvando a vida da Nicole. Mas a dor automóvel infligido tem certo limite. Agora que dispunha de mais tempo para pensar, imaginava um modo de frustrar os planos da Bianca. O e Nicole podiam sair da Virginia. Escolheriam o momento em que não se advertisse a ausência de ambos durante uns dias, e partiriam ao oeste. Estavam ocupando-se novas terras em todo o território que se estendia de ali até o rio Mississipi. E Clay desejava conhecer esse rio.

Bianca acertava em uma coisa: sozinha, quebraria em menos de um ano. Clay podia arrumar que Travis comprasse a plantação depois de que Bianca começasse a contrair dívidas. Travis e Wes podiam obrigar a Bianca a abandonar a terra. Sobre tudo, se Nicole estava longe, fora do alcance dessa cadela gorda.

Clay montava seu cavalo. Deteve-o à beira do rio. Da chaminé da Nicole brotava a fumaça. Ao princípio, ele se manteve longe da jovem porque lhe vê-la provocava excessivo sofrimento. Durante os últimos meses, com bastante freqüência tinha subido ao topo de uma colina para contemplar a atividade ao outro lado do rio. Desejava aproximar-se dela e lhe falar, mas não podia fazê-lo enquanto não tivesse esboçado um plano. Agora o tinha.

Começaram a cair grandes flocos de neve, e enquanto Clay observava ouviu o ruído das marteladas.

Posso ver uma figura solitária sobre o telhado do moinho, assegurando as pranchas soltas.

Clay desmontou sonriendo, aplaudiu a esbelta garupa negra do animal e o observou enquanto voltava os estábulos. Depois, aproximou-se do bote e remou para cruzar o rio.

Tirou um martelo da caixa de ferramentas que estava ao pé da escada apoiada contra a parede do moinho, e subiu ao telhado. Wesley o olhou surpreso, sorriu e em silêncio entregou um punhado de pregos. Clay dispôs prontamente em uma mesma direção a cabeça dos pregos e começou a dar

marteladas, sustentando os pregos com a mão esquerda, rápida como uma máquina. O trabalho físico lhe fez bem depois da disputa com a Bianca.

Quase tinha anoitecido quando os dois homens desceram da escada, ambos os suarentos e fatigados.

Mas era um cansaço agradável, originado n. Trabalho em companhia de um amigo.

Entraram em moinho, onde reinava um ambiente morno e uma banheira com água os esperava.

A noite caía mais intensamente.

—Faz muito que não lhe vemos —disse Wes; na voz havia um tom de acentuada crítica. Clay não respondeu enquanto se tirava a camisa e começava a lavar-se.

—Janie me disse que Nicole se dormiu chorando durante semanas inteiras — continuou Wes—.

Talvez isso não te importa. depois de tudo, tem essa cópia ampliada do Beth que te mantém quente.

Clay o olhou fixamente.

—Está julgando coisas das quais não sabe nada.

—Então, possivelmente me possa explicar isso Clay se secou com movimentos lentos.

—Conhecemo-nos quase desde que nascemos. Fiz algo que possa provocar tanta hostilidade?

—até agora não! Maldita seja, Clay, é uma mulher formosa. É boa, e tenra e...

—Não me precisa dizer isso interrompeu-o Clay—. Crie que desejo me manter afastado dela? Não pensaste alguma vez que há circunstâncias que escapam a meu controle?

Wes permaneceu em silêncio um momento. Tinha errado quando não confiou em seu amigo.

Apoiou a mão no ombro do Clay.

—por que não entra comigo? Nicole prometeu preparar pão-doces. E os gêmeos se alegrarão de verte.

—Dirige a seu desejo a hospitalidade da Nicole —disse ferozmente Clay. Wes sorriu.

—Esse é o Clay que eu conheço. Se não a cuidar alguém tem que fazê-lo.


Clay se voltou, saiu do moinho, e caminhou para a casa.

Não tinha estado ali desde dia do traslado da Nicole. Nada mais entrar, a calidez do lugar o impressionou. Era mais que a calidez física do enorme lar; era algo intangível, que um sentia intimamente mais que na pele.

O sol invernal entrava pelas janelas muito limpa. Havia muito poucos móveis, e Clay identificou a maioria dos refugos que ele tinha enviado um tempo antes. A baixela que estava no armário, junto ao lar, era um conjunto de peças quebradas e desiguais. Fala muito poucos utensílios de cozinha.

Mas apesar de tudo, nesse momento Clay teria trocado sua bela casa por essa singela morada. Janie estava inclinada sobre um caldeirão de azeite fervendo, e voltava os pão-doces à medida que se elevavam na superfície. Os gêmeos estavam perto, indiferentes aos homens que tinham entrado pouco antes.

—Mandy —disse Janie—, se tenta comê-los quando estão tão quentes, queimará-te, e você sabe.

Mandy emitiu uma risita enquanto se apoderava de um pão-doce recém cozido e o mordia. Lhe encheram os olhos de lágrimas quando se queimou a boca, mas não quis mostrar ao Janie que estava sofrendo.

—É tão obstinada como seu tio —disse desgostada Janie.

Clay se pôs-se a rir, e Janie se voltou bruscamente para olhá-lo.

—Janie, deveria tomar cuidado quando falas de alguém. Possivelmente o aludido esteja te escutando.

antes de que Janie pudesse responder, os gêmeos gritaram:

—Tio Clay! —e se jogaram nos braços do visitante. Clay sustentou a um menino em cada braço e girou com eles. Quando os elevou, Alex e Mandy lhe rodearam o pescoço com os braços.

—por que não veio antes? Quer ver meu novo cachorrinho? Desejas um pão-doce? São bons, mas estão muito quentes.

Clay se pôs-se a rir e os abraçou com força.

—Me sentistes falta de?

—Sim, muito. Nicole disse que tínhamos que esperar a que viesse a nos ver, que não podíamos ir verte.

—Essa senhora gorda ainda está ali?

—Alex! —disse Nicole da escada—. Tem que cuidar suas maneiras.— aproximou-se lentamente ao Clay; o coração lhe pulsava com força. Desconcertava-a o fato de que a presença do Clay pudesse inquietá-la tanto. Posto que ele tinha podido abandoná-la com tanta desaprensión, era evidente que Nicole lhe importava muito pouco. Tratou de manter controlada sua cólera.

—Querem tomar assento? —perguntou formalmente.

—Se, Clay —disse Wes sonriendo—. Sente-se. Janie, crie que esses pão-doces já se esfriaram o bastante?

—Mais ou menos.— Janie depositou a fonte sobre a mesa grade—. Onde estiveste, ingrato, maldito... —zumbiu em voz baixa, incapaz de encontrar uma palavra bastante forte para aplicá-la ao Clay—. Se voltar a maltratá-la, terá que as verta comigo.

Clay lhe sorriu, depois tomou a mão grosa e áspera do Janie e a beijou.

—Janie, é grandiosa como protetora. Se não te conhecesse, quase me assustaria.

—Possivelmente seja bom que te assuste —replicou Janie, mas seus olhos faiscavam.

Nicole estava de costas a eles enquanto servia tranqüilamente copos de licor de ovo.

Com as mãos trementes, pôs um copo frente a Clay.

Os olhos do Clay não se separaram do rosto da Nicole enquanto elevava o copo.

—Licor de ovo —disse—. O bebi unicamente em Natal.


—É Natal! —disseram rendo os gêmeos.

Clay olhou ao redor e viu pela primeira vez o muérdago sobre a chaminé. Não tinha advertido que já era Natal. Os últimos meses de tortura, passados perto da mordaz língua da Bianca, começavam a apagar-se.

—Nicole preparasse um peru amanhã, e virá o senhor Wesley e o senhor Travis — disseram os gêmeos.

Clay olhou ao Wes.

—Crie que haverá espaço para outro convidado? Os homens se olharam.

—Tem que decidi-lo Nicole.

Clay olhou longamente a sua esposa, esperando a resposta.

Nicole sentiu que sua irritação aflorava. Estava usando-a! Passava dias deitado com ela, dizia-lhe que a amava, e de repente a expulsava de sua vida como um traste inútil. E agora, depois de vários meses de silêncio aparecia em sua casa, e o que desejava? Possivelmente pretendia que lhe beijasse os pés como bem-vinda. Ergueu o corpo e se separou dele.

—É obvio, você e Bianca são bem-vindos. Estou segura de que a festividade lhe agradará tanto como a todos.

Wesley teve que conter a risada quando observou a ruga que se desenhava na frente de Clay.

outro?


—Bianca não pode... —começou a dizer Clay.

—Insisto! —disse secamente Nicole—. Posso adicionar que um não é bem-vindo sem o de repente, a atmosfera da casa foi mais do que Clay pôde suportar. Não viam o


quadro que formavam. Wes recostado em uma cadeira, fumando um cachimbo que tinha retirado do suporte da chaminé. Os gêmeos abarrotados de pão-doces. A menção do nome da Bianca o levou a recordar o sofrimento em sua própria casa.

ficou de pé.

—Nicole, podemos falar? —perguntou tranqüilamente.

—Não —disse ela com firmeza—. Ainda não. O assentiu e abandonou a calidez da casa.

Bianca o esperava quando Clay entrou no Arundel Hall.

—E bem! De modo que não pôde te manter longe dela, verdade? Clay passou a seu lado sem lhe responder.

—Esse homem que dirige o estábulo veio para ver-me e perguntou por ti. Estava preocupado porque temeu que tivesse sofrido um acidente, já que o cavalo retornou sozinho. Sempre estão preocupados com ti...e por ela! Aqui ninguém se inquieta no mais mínimo por mim.

Clay se voltou e a olhou com expressão zombadora.

—se preocupa tanto de ti mesma, que compensa o descuido do resto. Sabia que manhã é Natal?

—É obvio! Disse a quão criados desejava que preparassem uma comida especial. E estou segura de que, como de costume, não farão conta, e tampouco você intervirá.

—Uma comida! É seu interesse principal, verdade? — de repente, aproximou-se da Bianca e aferrou com uma mão o pescoço do vestido—. Se fará o que desejas. Amanhã iremos jantar a casa da Nicole.

Talvez, se Nicole os via juntos, saberia tudo o que Clay estava sofrendo. E ele desejava tanto passar o dia com a Nicole que estava disposto a impor a todos a perversa personalidade da Bianca. Talvez ela se limitasse a comer e calasse.

Bianca tratou de soltar-se, mas não pôde. A proximidade do Clay lhe revolvia o estômago.


—Não irei! —ofegou.

—Nesse caso, ordenarei que em todo o dia não tragam mantimentos a esta casa. A Bianca os olhos lhe aumentaram horrorizada.

—Não pode fazer isso —disse.

O a separou de um empurrão, e Bianca se golpeou com força contra a parede.

—Adoece-me —disse Clay—. Irá embora tenha que te arrastar.— Olhou-a de cima abaixo—. No suposto caso de que possa fazer tal coisa. meu deus, que agradável seria desembaraçar-se de ti.

interrompeu-se, afligido pelo que ele mesmo havia dito. voltou-se, entrou na biblioteca e fechou com um forte golpe a porta.

Bianca permaneceu em silêncio um momento, olhando fixamente a porta. O que tinha querido dizer quando mencionou a possibilidade de desembaraçar-se dela?

voltou-se e subiu lentamente a escada. Nada estava acontecendo como ela tinha planejado. Abe a tinha visitado pouco depois de que ela entregou o mapa ao Clay. Sangrava por causa da ferida no braço, e Bianca quase se deprimiu. Esse homem terrível lhe tinha exigido dinheiro para fugir da Virginia e escapar da vingança do Clay. Bianca tinha tido que forçar uma cada da biblioteca para lhe entregar algumas moedas de prata.

Lhe disse que tinha que manter-se perto, porque possivelmente o necessitasse de novo. Abe riu da Bianca enquanto se enfaixava o braço, e disse que ela o tinha levado a perder a sua família e sua herança. E depois, formulou alguns comentários muito grosseiros a respeito do que ela podia fazer com suas futuras necessidades.

Bianca sabia que não contava com outros aliados. Disse ao Clay que tinha outros parentes, mas era uma ameaça vazia. Se Clay a obrigava a subir a um navio, ninguém se vingaria da Nicole, contra o que Bianca havia dito. Não aconteceria nada. Bianca seria abandonada, e ninguém, absolutamente ninguém se preocuparia com ela.

Fechou a porta de seu dormitório e se aproximou da janela para contemplar o escuro jardim. A neve recém queda embelezava o lugar. Teria que renunciar a todo isso? Durante um tempo se sentou segura, mas começava a preocupar-se novamente.

Tinha que fazer algo... e depressa. Devia desembaraçar-se da Nicole antes de que essa cadela francesa se apoderasse de tudo. Abe se tinha partido, e portanto Bianca não podia cumprir sua ameaça de enviar a Nicole de volta a França; mas é obvio, Clay não sabia... ainda. Bianca não duvidava de que mais tarde ou mais cedo teria que descobri-lo.

Aferrou a cortina e esmagou a seda rosada. Em vista do modo em que esses dois faziam o amor, era estranho que Nicole ainda não estivesse grávida. depois de ver como se comportava Clay com os gêmeos, Bianca suspeitou que se Nicole tinha um filho, o filho do Clay, não haveria poder na terra que o induje a esse homem a abandoná-la.

de repente, Bianca soltou a cortina e alisou o tecido. E se outra mulher concebia o filho do Clay?

Não se conseguiria desse modo que a francesa se visse deslocada? E se Clay acreditava que Nicole estava deitando-se com outro? Bianca pensava que era provável que Nicole fizesse precisamente isso. mostrava-se tão sensual com os homens, que provavelmente tinha dormido com o Isaac na ilha. Ou com o Wesley!

Bianca sorriu e se acariciou o ventre. Pensar sempre despertava o apetite. Caminhou para a porta.

Tinha que pensar muito, e precisava fortalecer-se.

—Feliz Natal! —gritou Travis quando Clay e Bianca entraram na casita da Nicole. Bianca tinha uma expressão hostil. Não fez caso do Travis e contemplou a comida que ocupava a mesa grande, no centro da habitação. soltou-se da mão do Clay e caminhou para a mesa.

Prefere a essa mulher antes que a Nicole? —resmungou Travis.


Te ocupe de seus próprios assuntos —disse asperamente Clay e se afastou, e a risada do Travis ressonou em seus ouvidos. Janie entregou ao Clay uma copita de licor. O a bebeu depressa, porque necessitava o calor e a força do álcool. Emitiu uma exclamação quando terminou de beber.

A bebida era deliciosa.

Tome cuidado, é bebida forte.

Mas estamos em Natal! —disse Clay com falsa jovialidade—. É um dia para comer, beber e alegrar-se.

Elevou a taça em uma saudação a Bianca, que estava bordeando lentamente a mesa e mordiscando trocitos de todas as fontes.

Todos calaram quando Nicole entrou na habitação. pôs-se um vestido de veludo azul safira, com um profundo decote e cintas azuis bordadas ao redor da alta cintura. Os cabelos largos e escuros estavam distribuídos perfeitamente em grossos cachos, unidos com cintas azuis adornadas com centenares de pequenas pérolas.

Clay somente pôde olhá-la desejoso, pois os olhos da Nicole o evitaram. O fato de saber que ela tinha motivo justificado para zangar-se não atenuava o sofrimento.

Wes se adiantou e ofereceu o braço a Nicole.

—Verte já é suficiente presente de Natal. Não te parece, Clay? Bianca falou enquanto Clay olhava em silêncio.

—Esses é um dos tecidos destinados para mim? —perguntou com voz doce—. Uma das que você e Janie usaram sem minha permissão?

—Clay! —disse Travis—. Será melhor que faça algo com essa mulher antes de que eu intervenha.

—É meu convidado —disse serenamente Clay, e se serve mais licor.

—Por favor —disse Nicole, sempre evitando o olhar do Clay—. Tenho que chamar os gêmeos.

Estão no moinho, admirando aos cachorrinhos recém-nascidos. Não demorarei um minuto.

Clay depositou sobre a mesa sua taça vazia e caminhou com ela até a porta. Retirou a capa da Nicole pendurada no cabide de madeira que estava junto à porta.

—Não te quero perto —disse ela pelo baixo—. Por favor, fique aqui.

Clay não fez conta, abriu a porta e saiu com ela. Nicole elevou o queixo e se adiantou, fingindo que nem sequer reconhecia sua presença.

É bonito seu nariz, mas se não a baixas tropeçará. Ela se deteve bruscamente e se voltou para ele.

—Para ti é uma brincadeira, verdade? Algo que é questão de vida ou morte para mim é coisa de risada para ti. Esta vez suas palavras não acalmarão minha irritação. fui ferida e humilhada muitas vezes.

Os olhos da Nicole eram enormes e ardiam iluminados pela luz das estrelas. Os lábios formavam uma linha tão tensa que o inferior quase desaparecia. Quão único subtraía era o lábio superior cheio e sensual. Clay ansiava beijá-lo.

—Nunca foi minha intenção te ferir —disse serenamente—. E menos ainda te humilhar.

—Então, e só por ignorância, fez um trabalho excelente. Chamou-me prostituta cinco minutos depois de te conhecer. Permitiu-me administrar sua casa, mas me abandonou logo que apareceu sua querida Bianca.

—Basta! —ordenou ele, lhe aferrando com força os ombros—. Sei que nossa relação não foi normal, mas...

—Normal! —disse ela com sarcasmo—. Nem sequer estou segura de que tenha sido uma relação.

Acredito que sou uma prostituta. Estala os dedos, e acudo correndo.

—Oxalá isso fora certo.

A voz do Clay estava carregada de ironia.


depois de emitir o que sem dúvida era uma maldição francesa, Nicole o olhou com ódio e descarregou um forte chute no tornozelo do Clay.

O a soltou e se inclinou para esfregá-la zona golpeada. Coxeando, seguiu-a e conseguiu tomá-la do braço.

—Tem que me escutar!

—Como fiz quando me falou do Beth? Ou a vez que me pediu que de novo contraísse matrimônio contigo? Crie-me tão ingênua que possa voltar a te acreditar? E depois, quando me mostrar vulnerável e caia em seus braços, de novo te cansará de mim e retornará a sua querida Bianca? Uma mulher não pode chegar a esses extremos pelo homem a quem ama.

—Nicole —disse Clay, sustentando-a firmemente de um braço e acariciando o outro com a mão—, sei que sofreste. Eu também sofri.

—Pobrecito —sorriu Nicole—. Tem que suportar só a duas mulheres em sua cama. Ao Clay lhe endureceram os rasgos da cara.

—Sabe como é Bianca. Se me aproximar de menos de um metro fica verde. Nicole o olhou com os olhos cheios de estupor; falou com voz aguda.

—Deseja minha compreensão?

O continuou sujeitando-a pelos ombros.

—Quero sua confiança. Quero seu amor. Pode suspender seu ódio e pensar que existe um motivo que explica por que não te vi? É muito pedir depois de tudo o que passamos juntos? Talvez adotei certas atitudes que provocam sua desconfiança, mas te amo.

Isso não significa nada para ti?

—por que? —murmurou Nicole, tratando de conter as lágrimas—. Me abandonou sem uma palavra, afastou-te como se tivesse terminado comigo. Na ilha eu podia pensar somente na volta a casa, em que os dois viveríamos juntos no Arundell Hall.

O a aproximou mais, e sentiu que as lágrimas da Nicole lhe umedeciam a camisa.

—Isaac não mencionou a sua prima?

As horas passadas na ilha eram uma lembrança confusa na mente da Nicole.

—Quis te explicar ali mesmo, mas não pude. Estava tão atemorizado que nem sequer pude te falar do assunto.

Ela tentou levantar a cabeça, mas ele o impediu.

—Atemorizado? Mas eu estava a salvo. Abe se tinha afastado. Não temia ao Isaac, verdade?

—Bianca é prima do Isaac. Eles são uma das razões pelas quais ela veio a América. Prometeu ao Abe um touro e várias vitelas se ele te seqüestrava e te escondia até que Bianca pudesse conseguir a anulação do matrimônio. Uma das filhas do velho Elijah falou do plano ao Wes.

—E Bianca te disse onde estava eu? O a estreitou ainda com mais força.

—Por um preço. Disse-me que se não me casava com ela conseguiria que um de seus muitos parentes devolvesse a França.

Sentiu o estremecimento da Nicole; a idéia era tão horrível para ela como o tinha sido para o Clay.

—por que não me disse nada? por que me abandonou tão bruscamente?

—Porque teria ido à casa e desafiado a Bianca. Tivesse-a desafiado a que tentasse te devolver a seu país.

—É o que deveríamos ter feito.

—Não, não posso correr o risco de te perder —disse Clay enquanto lhe acariciava os cabelos.


Nicole se separou dele.

—por que me diz isso precisamente agora? por que continua assustado, te protegendo depois das largas saias da Bianca?

Clay meneou a cabeça e sorriu.

—Falei com o Isaac quando ele começou a trabalhar para ti. Disse-me que a razão pela qual acompanhou tranqüilamente ao Abe foi que acreditava que eu estava em dificuldades. Podia fazer menos, sabendo que sua vida corria perigo?

—Retornemos à casa e falemos com a Bianca.

—Não! —Era uma ordem—. Não arriscarei sua vida, entende? Quão único ela tem que fazer é planejar de novo sua captura. Não! Não quero isso.

—Então, propõe que passemos o resto de nossas vidas nos reunindo em Natal, de maneira que Bianca possa ter o que deseja? —perguntou zangada Nicole.

O passou o dedo sobre o lábio superior da jovem.

—Tem uma língua afiada. Prefiro-a quando a usa para algo que não seja me castigar.

—Possivelmente necessita o castigo. Certamente, parece temer a Bianca.

—Maldita seja! Mostrei-me muito paciente, mas já tenho bastante de seus insultos. Não temo a Bianca. tive que apelar a todo meu controle para me abster de matá-la, mas sabia que se a machucava, te machucava.

—Isaac disse que Abe saiu da Virginia. Está seguro que há mais parentes? Possivelmente Bianca mentiu.

—Wes voltou a falar com a menina que nos ajudou antes. Disse que Bianca estava aparentada com sua mãe, e que esta tinha centenares de parentes.

—Mas estou segura de que não muitos farão o que Bianca deseja.

—A gente está disposta a fazer tudo por dinheiro —disse Clay com repugnância—. E Bianca tem ao seu dispor toda a plantação Armstrong.

Nicole rodeou com os braços o peito do Clay. E se aferrou a ele.

—Clay, o que faremos? Temos que nos arriscar. Possivelmente essa mulher está fantasiando.

—É possível, mas não estou seguro. Levou-me meses, mas agora tenho um plano.

Iremos ao oeste. Trocaremos nossos nomes e sairemos da Virginia.

—Sair da Virginia? —perguntou ela, e de novo se apartou—. Mas seu lar está aqui.

Quem dirigirá a plantação?

—Imagino que Bianca —disse serenamente Clay—. Lhe ofereci toda a propriedade, mas disse que queria um marido que a administrasse.

—Meu marido! —disse ferozmente Nicole.

—Sim, sempre teu. Escuta, estivemos aqui muito tempo. Podemos nos ver amanhã junto à cova?

Poderá encontrá-la?

—Sim —disse ela com voz vacilante.

—Não confia em mim, verdade?

—Não sei, Clay. Sempre que acredito em ti e em nossa união, ocorre algo terrível. Não posso suportá-lo mais. Não sabe que terríveis foram para mim os últimos meses. Não sabia, e me fazia pergunta, e sempre estava confundida.

—Teria que te haver explicado a situação. Agora o compreendo. Mas necessitava tempo para pensar. — Fez uma pausa—. Pelo menos, não tiveste que conviver com a Bianca.

Sabe que essa mulher quer derrubar parte de minha casa e adicionar uma asa? Se o permitisse, converteria Arundel Hall em uma monstruosidade semelhante à casa do Horace e Ellen.

—Se a deixar, poderá fazer o que desejar com a casa. Passou um momento antes de que Clay respondesse.

—Sei. vamos procurar aos gêmeos, e retornemos.


separou-se da Nicole e a tirou da mão.

Durante esse jantar prolongado e incômoda, Nicole compreendeu que sua mente estava dominada pela confusão. Tinha que lutar não só com a Bianca, mas também também com o Arundel Hall.

Sabia quanto amor professava Clay a seu lar, e como estava acostumado a falar quase com reverência dessa casa. E embora parecia que ele tinha descuidado a casa em benefício dos campos, compreendia muito bem que Nicole tinha concedido à casa a atenção que conforme acreditava o próprio Clay o lugar merecia. Nicole pensava que esse era o motivo que o tinha levado a formular sua primeira proposta de matrimônio, quando havia dito que continuaria casado com ela se Bianca não chegava a América.

Nicole comia relutantemente, e escutava apenas os planos do Travis, que projetava visitar a Inglaterra durante a primavera. Clay tinha razão: Nicole não confiava nele. Muitas vezes lhe tinha entregue seu coração e ele o tinha rechaçado. A lembrança da vez que ele a embebedou e a induziu a confessar que o amava provocava o rubor da Nicole. Depois, convidou-a a sua casa, e logo que chegou Bianca ele já nem sequer emprestou atenção à presença da Nicole. Tinha-lhe feito o amor na casa dos Backes para abandoná-la pouco depois. É obvio, sempre tinha razões maravilhosas.

Primeiro, a história do Beth, e agora a traição da Bianca. Nicole lhe acreditava, pois essas histórias eram muito estranhas, e não podiam ser mentira, mas agora ele dizia que projetava sair da Virginia e afastar-se da Bianca porque desse modo os dois podiam estar juntos. Dizia que odiava a Bianca, mas tinha vivido com ela vários meses.

Afundou ferozmente o garfo em uma peça de peru. Tinha que lhe acreditar! É obvio, o odiava a Bianca e amava a Nicole. Havia razões lógicas que explicavam a convivência da Bianca e Clay, e determinavam que Nicole residisse no moinho. Mas nesse momento Nicole não podia recordar uma só de sortes razões.

—Acredito que o peru já está morto —sussurrou Wes ao ouvido da Nicole.

—Parece que não sou muito boa companhia. Travis lhe dirigiu um sorriso.

—Uma mulher que tem o aspecto que você mostra não precisa fazer ou dizer nada. Um dia vou procurar uma moça bonita e a guardarei em um frasco de vidro. Permitirei-lhe sair só quando a necessitar.

—Eu diria que o fará umas três vezes por noite —disse Wesley, enquanto se servia mais batatas.

—Não tolerarei esta classe de conversação! —disse Bianca com expressão severo—.

Vocês têm que recordar que estão ante uma dama.

—Conforme me educaram, as damas não vivem com homens quando não estão casadas com eles —

disse abertamente Travis.

O rosto da Bianca avermelhou de cólera quando ela ficou de pé, derrubando a cadeira e fazendo tremer a mesa.

—Não permitirei que me insultem! Eu serei a proprietária do Arundel Hall, e quando chegar esse momento...

interrompeu-se, e emitiu um grito quando Mandy, que olhava fixamente à corpulenta mulher, com o prato na mão, deixou cair uma porção de molho na saia da Bianca.

—Tem-no feito a propósito! —gritou Bianca e levantou uma mão para golpear à menina.

Todos ficaram de pé para impedi-lo. Mas Bianca se conteve sozinha, pois lançou uma exclamação, e os olhos lhe encheram de lágrimas; separou-se de um salto da mesa e se aferrou o pé. Ali, descansando sobre o grosso tornozelo, apareceu um pudim de ameixas, grande e muito quente.

—me tirem isto! —gritou Bianca, e agitou convulsivamente o pé.

Nicole lhe arrojou um guardanapo, mas ninguém se inclinou para ajudá-la a limpá-la massa pegajosa. Travis retirou ao Alex, que estava sob a mesa.

—Janie, acredito que o menino tem os dedos queimados.


—Que maneira de esbanjar o pudim —disse com tristeza Wes, observando a Bianca que tratava de manter o equilíbrio ao mesmo tempo que se limpava o pé com o guardanapo. Bianca tinha o ventre tão volumoso que logo que podia alcançar seu tornozelo.

—Não esbanjamos nada —disse Janie—. Em realidade, acredito que nunca me gostou tanto uma sobremesa.

—Clayton Armstrong! —gritou Bianca—. Como te atreve a estar aqui e permite que me insultem deste modo!

Todos se voltaram para o Clay. Ninguém tinha advertido que ao longo do jantar ele tinha estado bebendo abundantemente uma taça atrás de outra de licor. Tinha os olhos frágeis, e olhava sem interesse os movimentos da Bianca.

—Clay —disse serenamente Nicole—. Acredito que será melhor que leve a Bianca ... de volta a casa.

Clay ficou de pé lentamente, e apreciou que se mostrava indiferente a todos os pressente; aferrou o braço da Bianca e a arrastou para a porta sem fazer caso de seus gritos e suas afirmações no sentido de que o pudim ainda lhe queimava. Saiu com ela da casa, e enquanto Bianca desprendia sua capa ele se apoderava de um garrafão cheia de licor. O ar frio ameaçou congelar a massa úmida e pegajosa que cobria o tornozelo da Bianca.

A desagradável mulher seguiu a contra gosto ao Clay, tropeçando na escuridão. Tinham-lhe arruinado o vestido; sentia o molho frio nas coxas, e o tornozelo lhe doía por causa da queimadura e o frio. As lágrimas lhe turvavam a visão, e quase não sabia onde estava. Clay a tinha humilhado novamente. Não tinha feito outra costure desde sua chegada a América.

No mole, Clay grunhiu quando elevou a Bianca e a deixou no bote.

—Segue engordando e nos afundaremos —disse, a voz pouco clara.

Ela já tinha chegado ao limite dos insultos que podia suportar, e se enfrentou ao Clay.

—Parece que te agrada essa nova bebida —disse com voz doce, e com um gesto indicou o garrafão depositado no fundo do bote.

—Consegue que esqueça um momento. Agrada-me tudo o que produz esse efeito.

Bianca sorriu na escuridão. Quando chegaram à borda do rio, aceitou a mão que lhe ofereceu, baixou a terra, e o seguiu com passo rápido, de retorno à casa. Quando chegaram à porta do jardim, ela estava tremendo, porque sabia o que era necessário fazer apesar de que a idéia do fato a enojava.

Clay depositou o garrafão sobre a mesa do vestíbulo e voltou a sair. Bianca murmurou:

—Camponês!

recolheu-se a saia e subiu depressa a escada para ir a sua habitação; não emprestou atenção à dor do tornozelo nem aos batimentos do coração de seu coração. Abriu uma gaveta e tirou um frasquito de láudano. O licor misturado com o sonífero determinaria que Clay não tivesse a menor ideia do que lhe tinha acontecido. Bianca dispunha do tempo indispensável para adicionar umas gotas ao licor vertido em um copo. Essa substância tinha um aroma muito desagradável!

Clay arqueou o sobrecenho quando lhe ofereceu o copo. Mas já estava muito ébrio para formular-se perguntas a respeito das atitudes da Bianca. Elevou o copo em uma saudação zombadora à mulher, e depois bebeu de um gole o ardente líquido. depois de deixar o copo sobre a mesa, levou-se o garrafão aos lábios.

Bianca se limitou a sorrir ante a grosseria desse homem, e o viu subir a escada. Quando ouviu fechá-la porta do dormitório do Clay, e o ruído das botas ao cair ao chão, compreendeu que tinha chegado o momento.

O vestíbulo estava sumido na escuridão. Bianca se encontrava sozinha e escutava. A idéia lhe repugnava; detestava o contato com um homem tanto como isso agradava a sua mãe, mas quando jogou um último olhar ao vestíbulo, compreendeu que se não se metia na cama com o Clay o perderia tudo. Aferrou a garrafa de láudano e subiu a escada.


Em seu próprio quarto, tremiam-lhe as mãos enquanto se despia e ficava uma camisola de seda rosa pálido; chorou ao beber uma porção de láudano. Pelo menos, a droga adormeceria seus sentidos.

A luz da lua iluminava a habitação do Clay, e Bianca o viu tendido na cama. Estava completamente nu, e a luz chapeada sobre a pele cor de bronze lhe conferia o aspecto de uma estátua; mas Bianca não viu nada formoso no espetáculo do homem nu. O láudano a levou a sentir que esta protagonizando um sonho.

Com movimentos lentos se deslizou junto ao Clay, na cama, e contemplou com temor a idéia de ver-se obrigada a provocá-lo. Não sabia se poderia chegar a isso.

Clay não necessitava que o respirassem. Tinha estado sonhando com a Nicole, e o contato da camisola de seda de uma mulher, o aroma dos cabelos perfumados, provocaram sua reação.

—Nicole — murmurou, e aproximou ainda mais a Bianca.

Mas inclusive em sua embriaguez, e submetido aos efeitos da droga, Clay compreendeu que essa não era a mulher a que amava. Estendeu a mão para tocá-la, e encontrou uma massa adiposa abundante, e com um grunhido afogado se voltou e tratou de afundar-se novamente no sonho com a Nicole.

Bianca, rígida, contendo a respiração, esperou que a sensualidade animal se impor no Clay. Quando ele se limitou a grunhir e se apartou, passaram vários minutos antes de que ela compreendesse que não desejava tocá-la. Proferiu grosseiras maldições, e explicou ao homem dormido o que opinava de sua falta de masculinidade. Se a plantação não tivesse sido tão importante para ela, teria agradável a Nicole essa caricatura de homem, e que lhe fizesse proveito.

Mas terei que fazer algo. Pela manhã, Clay devia acreditar que tinha desflorado a Bianca, porque do contrário o plano que ela tinha concebido jamais teria êxito. O láudano bebido um momento antes se converteu em um obstáculo para a Bianca quando saiu da cama e baixou a tropeções a escada; mas tivesse podido encontrar-se ainda mais drogada, e de todos os modos teria encontrado seu caminho: a cozinha.

Sobre a mesa grande havia uma parte de carne; Bianca encheu até a metade um jarro com o sangue da carne. apoderou-se de seis pão-doces guardados em uma gaveta para recompensar seu próprio engenho, e retornou à casa.

De novo na planta alta, e quando já tinha comido os pão-doces, o láudano começou a exercer sobre ela todo seu efeito. deslizou-se junto ao Clay e manchou seu ventre com sangue; depois, ocultou o jarro sob a cama. Bianca dormiu ao lado do Clay.


Capítulo 16

Os primeiros raios do sol matutino se posaram sobre a magra capa de neve e foram ferir os olhos avermelhados do Clay. A dor dos olhos passou diretamente à cabeça, onde pareciam haver-se reunido todas as coisas perversas criadas no mundo. Tinha a impressão de que seu corpo pesava pelo menos quinhentos quilogramas, e cada movimento era uma tortura, inclusive o gesto de recolher outro punhado de neve e levar-lhe à língua ressecada e torcida. Pior que a espantosa enxaqueca e o estômago agitado era a lembrança dessa manhã. Tinha despertado ao lado da Bianca.

Ao princípio, não tinha podido fazer outra coisa mais que olhar fixamente, porque o corpo lhe doía muito e ele não estava em condições de pensar.

Bianca abriu os olhos em um instante, e conteve uma exclamação ao ver o Clay. sentou-se na cama, e se cobriu o corpo com os lençóis.

—Animal! —disse com os dentes apertados—. Animal sujo e fedido!

Quando lhe explicou que a tinha miserável a sua cama e violado, Clay não soube o que dizer.

Quando Bianca concluiu seu relato, Clay se pôs-se a rir, porque lhe parecia incrível que tivesse chegado a esse grau de bebedeira.

Mas depois de que Bianca desceu da cama, ele viu sangue nos lençóis, e na camisola. antes de que Clay pudesse replicar, Bianca tinha começado a lhe dizer que ela era uma dama, que não admitiria que a tratassem como a uma prostituta, e que se tinha um filho, Clay se veria obrigado a desposá-la.

Clay não se incomodou em responder, e depois de abandonar a cama começou a vestir-se depressa.

Queria afastar-se da Bianca tudo o que fosse possível.

Sentado no claro que ele tinha limpo com o James e Beth, começou a recordar certas coisas.

Possivelmente se tinha embriagado tanto que tinha feito o amor a Bianca. Em todo caso, essa manhã não podia recordar nada do que tinha feito depois de separar-se da Nicole.

Nicole era a pessoa que o inquietava. O que aconteceria se Bianca se embaraçava? Separou-se de sua mente a idéia.

—Clay? —chamou Nicole—. Está aqui?

Sonriendo, ele ficou de pé para saudá-la quando chegou ao claro.

—Não disse a que hora devíamos nos encontrar.

—OH, Clay! Tem um aspecto terrível!

Nicole chegou ao meio metro de distância, deteve-se, e piscou várias vezes.

—Cheira tão mal como a aparência que tem. Ele esboçou uma careta.

—Ouvi dizer que o amor era cego?

—Inclusive os cegos podem cheirar. Sente-se e descansa, ou acendo fogo na caverna.

Traje mantimentos. Ontem à noite não comeu muito.

Clay gemeu.

—Não me fale de ontem à noite —disse.

Uma hora mais tarde, quando já tinham tomado o café da manhã e a pequena cova se enfraqueceu, Nicole parecia disposta a conversar, suas costas apoiada na parede de pedra, uma manta sobre as pernas. Mas ainda não estava disposta a aceitar facilmente os braços do Clay.

—Ontem à noite não dormi muito —começou a dizer—. Estive pensando no que me disse a respeito da Bianca e seus parentes. Desejo te acreditar... mas é difícil. Quão único sei é que sou sua esposa, e entretanto ela vive contigo. É como se quisesse a ambas.

—Realmente crie isso’


—Trato de não acreditá-lo. Mas sei que Beth exerce muita influência sobre ti. Talvez não compreende quão estreita é a relação que mantém com seu lar. Ontem à noite falou de ir e abandonar este sítio. Entretanto, houve um momento em que estava disposto a seqüestrar a uma mulher só porque se parecia com outra que pertencia a este lugar.

—Para mim você significa mais que a plantação.

—Crie-o? —perguntou Nicole. Olhou-o com os olhos grandes e escuros—. Espero que assim seja

—murmurou—. Espero significar tanto para ti.

—Mas dúvidas —disse ele, sem andar-se com rodeios. Sua mente evocava a visão da Bianca no leito, o sangue virginal da Bianca nos lençóis. Possivelmente Nicole tinha razão quando se negava a confiar nele? voltou-se para o pequeno nicho onde estava o unicórnio com sua coberta de vidro, ficou de pé e o sustentou entre as mãos. —Formulamos votos frente a isto —disse—. Sei que fomos meninos e tínhamos muito que aprender da vida, mas nunca quebrantamos os votos.

—Certas promessas inocentes são as mais sinceras —sorriu Nicole. Clay sustentou a lembrança na mão.

—Amo-te, Nicole, e prometo que te amarei até o dia de minha morte.

Nicole se aproximou do Clay, e pôs sua mão sobre a do homem. Havia algo que a incomodava.

Beth, James e Clay haviam meio doido o unicórnio, e depois Beth tinha ordenado que o envolvessem em uma borbulha de vidro, de maneira que ninguém mais pudesse tocá-lo. Para falar a verdade, era uma tolice, mas Nicole não podia deixar de recordar o retrato do Beth, tão parecida com a Bianca. Um pensamento cruzou sua mente. Quando ela será digna de tocar o que Beth havia meio doido?

—Sim, Clay, amo-te —murmurou Nicole—. Sempre te amei, e sempre te amarei.

Com movimentos cuidadosos, Clay devolveu ao nicho o unicórnio de vidro, e não advertiu o cenho franzido da Nicole. voltou-se e a aproximou para si.

—Podemos ir para o oeste na primavera. Sempre se organizam caravanas de carretas.

Sairemos em diferentes dias, de maneira que ninguém saiba que nos partimos juntos.

Clay continuou falando, mas Nicole não o escutava. Faltavam muitos meses para a chegada da primavera. A primavera era o momento em que a terra recuperava vida, e se semeavam os campos.

Clay poderia partir, e abandonar a todas as pessoas que dependiam dele?

—Está tremendo —disse Clay—. Tem frio?

—Acredito que sinto medo —disse ela com sinceridade.

—Não há motivo para temer. Já passamos o pior.

—Crie-o Clay?

—Cala! —ordenou ele, e aproximou sua boca a da Nicole.

Fazia muito que não estavam juntos, pelo menos da festa na casa dos Backes. Nicole podia ter muitos motivos razoáveis que justificavam seus temores, mas eles se esfumaram quando Clay a beijou. Os braços da jovem rodearam o pescoço do Clay, e aproximaram ainda mais sua cara, enquanto ele a obrigava a voltar a cabeça e lhe pressionava a boca de modo que Nicole entreabriu os lábios. Tinha fome dela, ansiava o doce néctar que rechaçaria a sujeira da noite com a Bianca, uma noite mesclada de visões do Beth, uma camisola de seda rosada, e manchas de sangue em um lençol branco.

—Clay! —exclamou Nicole—. O que acontece?

—Nada. Só que ontem à noite bebi muito. Não te afaste —murmurou, enquanto a estreitava contra seu corpo.— Necessito-te tanto... É um ser quente e vivo. —Beijou-lhe o pescoço.— me faça esquecer.

—Sim —murmurou ela.— Sim.

Clay a deitou no chão da cova, sobre uma manta. Nesse lugar estreito reinava uma atmosfera morna, que cheirava bem. Nicole o desejava, mas Clay queria tomar-se seu tempo. Com movimentos pausados desabotoou o peitilho do vestido de lã da Nicole, e deslizou a mão, sustentando um seio, e seu polegar acariciou o tenro mamilo.

—Como te senti falta de! —murmurou ele, enquanto sua boca seguia o movimento da mão.

Nicole arqueou seu corpo, e sua mente se converteu em um torvelinho de cores violentas. Enquanto manipulava os botões da jaqueta do Clay, não atinou a recordar o que fazia, pois a boca e as mãos do Clay impediam que Nicole executasse nem sequer uma tarefa singela.

Sonriendo ante a inépcia da Nicole, Clay se apartou um pouco. Os olhos da Nicole estavam fechados, e as pestanas formavam uma curva grosa e sedosa sobre as bochechas. Enquanto lhe acariciava os lábios, seu sonho passou da doçura à paixão. Suas mãos desabotoaram depressa os botões do colete, e arrancaram a camisa, as botas e as calças.

Nicole jazia de costas, a cabeça apoiada sobre seu próprio braço, observando como a luz das chamas jogava deliciosamente com a pele dos músculos do Clay, e passava de uma entrada a um montículo poderoso. Acariciou com um dedo as costas do Clay.

O se voltou, nu, uma estátua de pele dourada e bronze.

—É formoso —murmurou Nicole, e lhe sorriu antes de beijá-la outra vez, e sua mão deslizou facilmente o vestido, e acariciou o corpo suave e firme; explorou-o lentamente, como se não o conhecesse muito bem. Quando a elevou sobre seu próprio corpo, ela curvou o quadril e guiou ao homem no ato de amor.

—Clay! —exclamou Nicole, enquanto movia os quadris, ao princípio lentamente, e depois com ritmo mais intenso, até que se aferrou a ele, e suas mãos o buscaram famintas. derrubou-se sobre o Clay, débil, sufocada, saciada.

—Esclareçamos isto, senhora —disse o jovem corpulento, e cuspiu perto dos pés—.

Você quer que eu lhe dê um filho? Não que lhe entregue um de meus, dos que já nasceram, mas sim lhe faça um?

Bianca estava de pé, o corpo rígido, o olhar à frente. Tinha necessitado perguntar muito pouco para descobrir ao Oliver Hawthorne, um homem disposto a fazer os que fora necessário por um preço, e a manter a boca fechada. A primeira idéia da Bianca tinha sido lhe pagar para conseguir que devolvesse a Nicole a França; mas os Hawthorne não tinham a reputação de desonestidade que caracterizava aos Simmons.

depois de fracassar o intento de conseguir que Clay a embaraçasse, Bianca compreendeu que terei que fazer algo, porque do contrário todos seus sonhos sobre o futuro ficariam em nada. Não passaria muito tempo antes de que Clay compreendesse que ela não exercia nenhum poder sobre ele. Devia embaraçar-se, e para obtê-lo pouco importava o que tivesse que fazer.

—Sim, senhor Hawthorne, desejo ter um filho. investiguei a sua família, e parece que você é especialmente prolífico.

—De modo que investigou, né? —Sorriu à mulher, enquanto a observava. Não lhe importava sua grossura, pois lhe agradavam as mulheres corpulentas, de costas fortes, mulheres entusiastas e enérgicas na cama; mas sim lhe importava a aparência que ela tinha de que jamais tinha trabalhado em sua vida.— Talvez você alude ao feito de que os Hawthorne podem ter filhos, embora não conseguem que seu tabaco cresça bem.

Bianca assentiu secamente. Quanto menos falasse com esse homem, tão melhor.

—É obvio, isto deve ser confidencial. Em público eu não admitirei conhecê-lo, e espero receber o mesmo trato.

Ao Oliver faiscaram os olhos. Era um homem de baixa estatura, corpulento, com um dente quebrado; tinha a sensação de que todo isso era um sonho e de que pouco depois despertaria. Aqui estava ante uma mulher que lhe oferecia pagar por ir à cama com ele uma ou tantas vezes como ele necessitasse para embaraçá-la. sentia-se como um cavalo obrigado a cobrir a uma égua, e a idéia lhe agradava o bastante.

—É obvio, senhora, o que você diga. Comportarei-me como se jamais a tivesse visto ou não conhecesse menino, embora lhe advirto que meus seis filhos me parecem todos.

Bianca pensou no Clay o tinha merecido; reconheceria como próprio a um filho quando evidentemente pareceria provir de outro homem. O menino seria baixo e robusto, muito diferente ao corpo do Clay, um homem grácil e de elevada estatura.

—Está bem —disse Bianca, e a covinha apareceu em sua bochecha esquerda—. Pode reunir-se comigo manhã às três, detrás da curtume da plantação Armstrong?

De modo que Armstrong, né? Clay tem dificuldades para produzir seus próprios filhos? A expressão da Bianca se endureceu.

—Não desejo responder perguntas e prefiro que você não as faça.

—É obvio —disse Oliver, e depois olhou ao redor com cautela. Estavam à beira de um caminho, a uns sete quilômetros da plantação Armstrong, o lugar que ela tinha indicado na mensagem enviada ao Oliver. Quando ele estendeu uma mão e lhe tocou o braço, Bianca pegou um salto como se a tivessem queimado.

—Não me toque! —disse apertando os dentes.

Oliver franziu o cenho, desconcertado, enquanto a via voltar-se e caminhar encolerizada pelo caminho, em direção à carruagem que a esperava em uma curva. Pensou que era uma mulher estranha. Não queria que a tocasse, e entretanto desejava que ele a embaraçasse. Olhava-o com desprezo como se Oliver lhe repugnasse, mas queria encontrar-se com ele pela tarde para fazer o amor. À luz do dia! A idéia lhe interessava, e deslizou a mão debaixo a calça para acomodar-se melhor. Não era homem de olhar o dente ao cavalo agradável. Possivelmente outras damas metidas como essa necessitavam seus serviços para compensar os enguiços de seus homens muito fracos.

Talvez Oliver pudesse ganhá-la vida desse modo, e ao demônio com o tabaco.

Quadrou os ombros e pôs-se a andar para sua casa.

Durante o mês seguinte Nicole se sentiu contente, já que não feliz. Clay e ela se viam freqüentemente no claro, junto ao rio. Eram encontros prazenteiros, lojas de comestíveis de amor e de planos relacionados com a viagem para o Oeste. Pareciam meninos, e falavam do que levariam, do número de dormitórios da futura casa, dos filhos que teriam e dos nomes que poriam a cada um.

Também comentavam o momento em que explicariam os planos aos gêmeos e ao Janie, pois naturalmente eles os acompanha—riam.

Um entardecer de fins de fevereiro o céu se escureceu ameaçador, e o raio ameaçou partir em dois a casita.

—por que está tão nervosa? —perguntou Janie—. É nada mais que uma tormenta.

Nicole guardou sua malha no canasto depositado no chão, porque era inútil tratar de continuar. As tormentas sempre lhe retroagiam de noite em que se levaram a seu avô.

—Está nervosa porque não pode reunir-se com o Clay? O assombro se desenhou na cara da Nicole.

Janie sorriu.

—Não é necessário que me diga o que está acontecendo. Vejo-o em sua cara. Sempre imaginei que falaria comigo quando chegasse o momento.

Nicole se sentou no chão, frente ao fogo.

—Você é muito boa e paciente comigo.


—Você é a pessoa paciente —afirmou Janie—. Sobre a terra não há outra mulher que esteja disposta a suportar o que Clayton lhe faz.

—Há motivos... —começou a dizer Nicole.

Os homens sempre têm motivos quando se trata das mulheres. —interrompeu-se bruscamente. —

Não deveria dizer isso. Neste assunto há mais do que parece, disso estou segura. Possivelmente há motivos que justifiquem que Clay se reúna com sua esposa como se ela fosse uma qualquer.

Com os olhos faiscantes, Nicole sorriu.

—Uma qualquer, né? Talvez mais adiante, quando eu viva com ele e o veja todos os dias, recorde com afeto esta época, em que me adorava tanto.

—Eu não acredito, e você tampouco. Agora você deveria estar no Arundel Hall, seu— visando o trabalho, em lugar dessa gorda...

Quando um raio interrompeu as palavras do Janie, Nicole emitiu um grito de medo e se levou a mão ao coração.

—Nicole! —disse Janie, e se incorporou bruscamente, lançando sua costura ao chão—. Algo anda mau. —Rodeou com o braço os ombros da Nicole, e a levou de retorno à cadeira.— Quero que se sente e se tranqüilize. Prepararei-lhe um pouco de chá, e lhe adicionarei brandy.

Nicole se sentou, mas não afrouxou seu corpo. Os ramos de uma árvore golpeavam o teto, o vento se filtrava através das janelas, e movia as cortinas. Fora, a não—che estava escura, e aos olhos da Nicole tinha um aspecto horrível.

—Vamos —disse Janie, obrigou a Nicole a aceitar uma fumegante taça de chá—. Beba isto, e depois deite-se.

Nicole tratou de serenar-se enquanto bebia o chá, e sentiu que o brandy a esquentava; mas tinha os nervos muito tensos e não podia relaxar-se.

Quando soou o primeiro golpe na porta, Nicole pegou um salto tal que derramou a metade do chá sobre seu vestido.

—Certamente é Clay —disse Janie sonriendo, enquanto se apoderava de um pano de prato—. Sabe que lhe impressionam as tormentas, e veio a acompanhá-la. Vamos, seque-se e prepare um bonito sorriso para ele.

Com as mãos trementes, Nicole tratou de limpar o vestido de lã manchado com chá, e se preparou para receber ao Clay com um sorriso.

Quando Janie abriu a porta principal, já estava pensando uma frase de bem-vinda e um exorto destinados ao Clay. propunha-se lhe dizer o que pensava sobre o descuido em que tinha a sua esposa.

Mas o homem que estava frente a ela não era Clay. Era um indivíduo de curta estatura, corpo miúdo, os cabelos finos e loiros que se derramavam sobre o pescoço da jaqueta de couro. Ao redor do pescoço tinha um lenço de seda branca, pacote de modo que cobria o bordo inferior do queixo.

Tinha olhos pequenos, o nariz afiado como uma faca, e uma boca pequena de lábios grossos e apertados.

—Esta é a casa da Nicole Courtalain? —Perguntou, a cabeça arremesso para trás, como se tentasse olhar de acima ao Janie, o qual era impossível porque a mulher tinha vários centímetros mais de estatura.

A voz do homem mostrava tanto acento que Janie não alcançou a compreender bem o que lhe dizia.

Por outra parte Janie nunca tinha escutado esse sobrenome.

—Mulher! —ordenou o hombrecito—. Você não tem língua ou não tem cérebro?

—Janie —disse Nicole com voz tranqüila—. Eu sou Nicole Courtalain Armstrong. Ao vê-la, acalmou-se a irritação do homem.

—Oui. Você é a filha.

voltou-se e retornou para a noite.


—Quem é? —perguntou Janie—. Nem sequer pude entendê-lo. É um amigo?

—Janie, jamais o tinha visto. E o acompanha uma mulher.

—Ambas as mulheres saíram de noite. Nicole passou o braço sobre a cintura da mulher, e o homem a sustentou do outro lado. Por sua parte, Janie levantou do chão uma mala e o seguiu.

Uma vez na casa, levaram a mulher a uma cadeira frente ao fogo, e Janie serve chá e brandy enquanto Nicole se aproximava de um arca para retirar uma manta. Quando Janie terminou de preparar o chá e o entregou à exausta mulher, teve tempo para examiná-la bem. Era como ver uma versão mais antiga da Nicole. Essa mulher tinha a pele Lisa, clara e perfeita, e sua boca era

exatamente igual a da Nicole, uma combinação de inocência e sexualidade. Os olhos se pareciam com os da Nicole, mas os via vazios, inertes.

—Vamos, vamos —disse Nicole, e envolveu a manta ao redor das pernas da mulher antes de levantar os olhos e ver a expressão estranha no rosto do Janie. Nicole observou à mulher, do lugar em que estava ajoelhada no chão, suas mãos toda—via sobre a manta. Quando examinou os rasgos conhecidos, lhe encheram os olhos de lágrimas; e depois as lágrimas começaram a descender lentamente por suas bochechas.

—Mamãe —murmurou—. Mamãe.

inclinou-se para diante e afundou a cara no regaço da mulher.

Janie viu que a mulher de mais idade não reagia ante o gesto ou as palavras da Nicole.

—Abrigava a esperança... —disse o homem—. Supus que ao ver novamente a sua filha voltaria em si.

As palavras do homem determinaram que Janie compreendesse a que respondia a expressão vazia nos olhos da mulher; eram os olhos de uma pessoa que não desejava ver nada mais da vida.

—Podemos deitá-la? —perguntou o homem.

—Sim, é obvio —disse Janie com voz firme, e se ajoelhou junto a seu jovem amiga—.

Nicole, sua mãe está muito cansada. Levaremo-la acima e a deitaremos.

Nicole ficou de pé em silêncio. As lágrimas corriam por suas bochechas e seus olhos não se separavam da cara da mulher. Médio aturdida, ajudou a sua mãe a subir a escada e com o Janie a despiram. A mulher não disse uma só palavra.

Abaixo, Janie serve mais chá com brandy, e depois preparou sandwiches de presunto e queijo para o jovem.

—Acreditava que meus pais tinham morrido —disse em voz baixa Nicole. O homem comeu depressa; era evidente que tinha muito apetite.

—Seu pai morreu. Vi-o guilhotinado. —Pareceu que não lhe importava a expressão dolorida da Nicole.— Meu pai e eu fomos ver a execução, como fazia quase todo mundo. Era o único entretenimento que ficava em Paris, e ajudava a compensar a falta de pão. Mas meu pai é... como dizê-lo? Um romântico. Todos os dias voltava para sua oficina de sapateiro e falava com minha mãe e comigo e dizia que era uma lástima que matassem a tantas mulheres formosas. Dizia que era uma vergonha ver como caíam essas cabeças tão formosas.

—Pode relatar essa historia com menos detalhe? —perguntou Janie, a mão sobre o ombro da Nicole.

O homem tomou um pote de cerâmica cheio de mostarda.

—Dijon. É bom ver coisas francesas neste país bárbaro.

—Quem é você? Como salvou a minha mãe? —perguntou Nicole. O jovem mordeu um pedaço de queijo carregado de mostarda e sorriu.

—Filhinha, sou seu padrasto. Sua mãe e eu estamos casados. —ficou de pé e tomou a mão da Nicole. —Sou Gerard Gautier, agora membro da grande família dos Courtalain.

—Courtalain? Acreditei que esse era o nome de solteira da Nicole.


—É-o —disse Gerard, voltando para seu assento frente à mesa—. É uma das famílias mais antigas, mais ricas e influentes da Europa. Oxalá você tivesse conhecido ao velho, o pai de minha esposa.

Vi-o uma vez, quando eu era menino. Grande como uma montanha, e conforme dizem, igualmente forte. Contaram-me que sua cólera fazia tremer ao rei.

—Inclusive a gente mais vulgar provoca o tremor do rei —disse amargamente Nicole—.

Por favor, me diga como conheceu minha mãe.

Gerard dirigiu um olhar desdenhoso ao Janie.

—Como lhe dizia, meu pai e eu fomos ver as execuções. Adele, sua mãe, caminhava detrás de seu pai. A via bela e majestosa. pôs-se um vestido branco, e com os cabelos negros parecia um anjo. A gente guardou silêncio ao passo do Adele. Todos viram que o marido se sentia muito orgulhoso

dela. Tinham as mãos atadas à costas, e não podiam tocar-se, mas se olhavam, e várias pessoas puseram-se a chorar, porque era evidente que essas duas pessoas tão belas se amavam. Meu pai me deu uma cotovelada e me disse que não podia suportar que matassem a uma criatura tão notável. In

—tentei detê-lo, mas... —Gerard se encolheu de ombros—. Meu pai sempre faz o que lhe deseja muito.

—Como a salvou? —insistiu Nicole—. Como conseguiu resgatá-la em presença da turfa?

—Não sei. A turfa mostra um humor distinto cada dia. Às vezes a gente chora quando rodam as cabeças; e outras ri ou lança viva. Suponho que depende do tempo. Esse dia todos se sentiam românticos, como meu pai. Vi como se abria passo através da turfa, fechava a mão sobre as ligaduras que sujeitavam as bonecas do Adele e a empurrava para a gente.

—E os guardas?

—Ao público lhe agradou o que meu pai estava fazendo, e o protegeu. Fecharam filas à medida que ele passava. Quando os guardas tentaram segui-lo, vários se Interpuseram no caminho, e lhes deram pistas falsas. —interrompeu-se e sorriu, e bebeu o resto de um grande copo de vinho.— Eu estava encarapitado sobre o bordo de uma parede, e de ali podia vê-lo tudo. Que espetáculo! A gente gritava aos guardas todas as direções imagináveis, e enquanto isso meu pai e Adele retornavam em silencio à oficina.

—Você a salvou —murmurou Nicole, os olhos fixos em suas próprias mãos, que dê— cansavam sobre o regaço—. Como posso agradecer-lhe fatigado y necesita descansar.

—Pode nos oferecer refugio —se apressou a dizer o homem—. viemos que muito longe.

—O que você diga —respondeu Nicole—. O que é meu lhes pertence. Certamente está fatigado e precisa descansar.

—Um momento! —disse Janie—. Esta história não termina aqui. O que lhe aconteceu à mãe da Nicole depois que seu pai a salvou? por que saíram da França? Como descobriu que Nicole estava aqui?

—Quem é esta mulher? —perguntou Gerard—. Não me agrada que os criados me tratem deste modo. Minha esposa é a duquesa do Levroux.

—A revolução anulou todos os títulos —disse Nicole—. Na América todos são iguais, e Janie é meu amiga.

—Uma lástima —disse o homem, e seus olhos exploraram a singela habitação. O bocejou antes de ficar de pé. —Estou muito fatigado. Neste lugar há um dormitório cômodo?

—Nada sei de comodidade, mas há lugares para dormir —replicou Janie com hostilidade—.

No desvão dormimos os gêmeos e as três mulheres. No moinho há alguns camas de armar.

—Os gêmeos? —O visitante observou cuidadosamente a excelente qualidade do vestido de lã da Nicole, e olhou aos olhos da jovem. —Que idade têm?

—Seis anos.

—São deles?

—Eu os cuido.


O visitante sorriu.

—Bem. Acredito que terei que me arrumar com o moinho. Não me agrada que os meninos despertem.

Quando Nicole foi procurar sua capa, pendurada junto à porta, Janie o impediu.

—Atenda a sua mãe, e ocupe-se de que este cômoda. Eu o atenderei.

Sonriendo agradecida, Nicole deu as boa noite ao Gerard e subiu à planta alta, onde sua mãe dormia pacificamente. A tormenta se acalmou, e caíam silenciosos suaves flocos de neve. Enquanto Nicole sustentava a morna mão de sua mãe e a observava, viu-se assaltada pelas lembranças: sua mãe elevando-a em braços e abraçando-a pouco antes de ir a um baile da corte, ou lhe lendo, ou

empurrando um balanço. Quando Nicole tinha oito anos, Adele tinha confeccionado vestidos idênticos para ambas. O rei disse então que um dia as duas mulheres seriam gêmeas, pois Adele jamais envelheceria.

—Nicole —disse Janie quando retornou—. Não pode permanecer sentada a noite inteira.

Sua mãe necessita descanso.

—Não a incomodarei.

—E tampouco a ajudará. Se esta noite não dormir, amanhã estará muito cansada para servir de algo.

Embora sabia que Janie tinha razão, Nicole suspirou, porque temia que se fechava os olhos sua mãe desapareceria. A contra gosto, ficou de pé e beijou a sua mãe antes de voltar-se para começar a despir-se.

Uma hora antes do amanhecer, todos os habitantes da casita despertaram por causa dos gritos horríveis... gritos de terror absoluto. Enquanto os gêmeos saltaram de suas camas e se aproximaram do Janie, Nicole correu ao lado de sua mãe.

—Mamãe, sou eu, Nicole. Nicole! Sua filha. Mamãe, te acalme, está a salvo.

O terror que a mulher manifestava era prova clara de que não entendia as palavras da Nicole. E

embora Nicole falava em francês, suas palavras não produziam o mais mínimo efeito; Adele continuava tremendo, e gritando, gritando como se lhe rasga—são o corpo.

Os gêmeos se cobriram os ouvidos e trataram de ocultar-se entre as dobras da camisola de flanela do Janie.

—Chame o senhor Gautier —gritou Nicole sustentando as mãos de sua mãe que tratava de largar-se.

—Aqui estou —disse ele do pé da escada. —Pensei que podia despertar deste modo. Adele! —disse bruscamente. E como ela não respondeu, o homem lhe aplicou uma forte bofetada na bochecha. Os gritos cessaram imediatamente, e a mulher piscou umas poucas vezes, e ao fim se derrubou, soluçando, nos braços do Gerard. O a sustentou um momento antes de deitá-la outra vez na cama.

—Agora dormirá umas três horas —disse Gerard, e se incorporou antes de voltar-se para retornar à escada.

—Senhor Gautier! —disse Nicole—. Por favor, certamente podemos fazer algo. Não é possível deixá-la assim.

O homem se voltou e sorriu a Nicole.

—Ninguém pode fazer nada. Sua mãe está completamente louca.

encolheu-se de ombros, como se o assunto lhe interessasse muito pouco, e baixou a escada.

Detendo-se apenas o tempo necessário para retirar do cabide sua bata, Nicole baixou detrás ele.

—Não pode dizer algo assim e ir-se —disse a jovem—. Minha mãe sofreu experiências horríveis. Não duvido de que se descansar e de novo se sente em um lugar seguro, poderá recuperar-se.

—Talvez.


Janie entrou na habitação, seguida de perto pelos gêmeos. Por acordo tácito se adiou a discussão até depois do café da manhã, de maneira que fora possível falar sem a presença dos gêmeos.

Enquanto Janie retirava a baixela, Nicole se voltou para o Gerard.

—Por favor, me diga o que aconteceu a minha mãe depois de que seu pai a resgatou.

—Nunca se recuperou —disse Gerard—. Todos acreditaram que se mostrou muito valente enquanto caminhava para sua morte, mas a verdade era que fazia muito tempo que tinha perdido o contato com a realidade. Tiveram-na encarcerada durante um período muito prolongado, e ela tinha visto como executavam a todos seus amigos. Imagino que depois de um tempo sua mente se negou a aceitar que lhe esperava o mesmo destino.

—Mas quando esteve a salvo —disse Nicole—. Não se tranqüilizou? Gerard examinou atentamente as unhas de seus próprios dedos.

—Meu pai nunca deveu salvá-la. Era muito perigoso alojar em nossa casa a um membro da aristocracia. O dia que a salvou da guilhotina, a multidão o olhou com simpatia, mas mais tarde alguém podia nos denunciar ao comitê de cidadãos. Era muito perigoso para todos. Minha mãe começou a chorar noite detrás noite, dominada pelo medo. Os gritos do Adele despertavam aos vizinhos. Não falavam da mulher a quem ocultávamos, mas nos perguntávamos quanto tempo passaria antes de que solicitassem a recompensa oferecida pela duquesa.

Enquanto bebia o café que Janie lhe tinha servido, Gerard estudou um momento a Nicole. A via muito formosa à luz do dia a pele refrescada pelo descanso da noite, os olhos brilhantes enquanto escutava o relato; e ao Gerard agradava bastante o modo em que ela o olhava, espectador, com muito interesse.

Gerard continuou dizendo: —Quando soubemos que tinham assassinado ao duque, fui ao moinho onde ele se ocultava. Desejava saber se tinha sobrevivido pelo menos um membro da família. A esposa do moleiro estava furiosa, porque tinham assassinado a seu marido ao mesmo tempo que ao duque. Levou-me bastante tempo conseguir que me falasse da filha do Adele, e que explicasse que você tinha viajado a Inglaterra. Em casa quando meus pais souberam o que lhe tinha acontecido ao moleiro, assustaram-se muito. Compreendemos que era necessário tirar de nossa casa ao Adele.

Nicole ficou de pé e se aproximou do fogo.

—Vocês tinham poucas alternativas. Deviam entregá-la ao comitê ou tirá-la do país, é obvio sob outro nome.

Gerard sorriu ante a rápida compreensão da Nicole.

—E acaso havia disfarce melhor que a verdade? Casamo-nos discretamente, e saímos de viaje para passar a lua de mel. Na Inglaterra conheci senhor Maleson, que me disse que você tinha trabalhado para sua filha, e que ambas estavam na América.

—Maleson era um homem muito peculiar —disse—. Me contou a história mais estranha, e a entendi só pela metade. Disse que você estava casada com o marido da filha. Como era possível?

Neste país um homem pode ter duas algemas?

Janie emitiu um resmungo zombador antes de que Nicole pudesse responder.

—Clayton Armstrong dita sua própria lei nesta região do país.

—Armstrong? Sim, é o nome que Maleson mencionou. Então, é seu marido? por que não está aqui?

Saiu em viagem de negócios?

—Negócios! —disse Janie—. Oxalá assim fosse. Clay vive do outro lado do rio em uma casa grande e formosa, com uma parva gorda e ambiciosa, e em troca a esposa vive-se—parada dele na choça de um moleiro.

—Janie! —explorou Nicole—. Já falou o bastante.

—O problema é que você diz muito pouco. Quando Clay fala você se inclina e responde: “Sim, Clay. Por favor, Clay. O que você diga, Clay”.


—Janie! Não quero continuar escutando isto. Temos um hóspede, se por acaso o esqueceu.

—Não esqueci nada! —replicou bruscamente Janie e se voltou para o fogo, dando as costas a Nicole e ao Gerard.

Quando Janie pensava no Clay e no modo em que ele tratava a Nicole, zangava-se. Não sabia se se irritava com o Clay por seu comportamento ou com a Nicole que aceitava tão serenamente esse trato. Janie acreditava que Clay não merecia a Nicole, que ela devia anular o matrimônio e procurar outro homem. Mas sempre que Janie afirmava isto, Nicole se negava a escutar, e dizia que confiava no Clay, além de amá-lo.

Os gritos recomeçaram e interromperam os pensamentos de todos. Arranca—rum ecos a casita, e o horror dessa voz provocou estremecimentos no Janie e Nicole.

Gerard ficou de pé com movimentos lentos e fatigados.

—O lugar novo a atemoriza. Quando se acostumar, os gritos serão menos freqüentes. Caminhou para a escada.

—Acredita que me reconhecerá? —perguntou Nicole.

—Quem pode dizê-lo? Durante um tempo teve dias lúcidos, mas agora sempre se mostra temerosa.

encolheu-se de ombros antes de subir ao desvão, e um momento depois os gritos cessaram.

Nicole subiu a escada com movimentos cautelosos. Gerard estava sentado sobre o bordo da cama, um braço rodeando os ombros do Adele, que se aferrava a ele, e olhava ao redor com expressão de horror. Abriu muito grandes os olhos, alarmada, quando viu a Nicole, mas não continuou gritando.

—Mamãe —disse Nicole com voz suave e pausada—. Sou Nicole, sua filha. Recorda quando papai, trouxe-me um coelhinho? Recorda que escapou da caixa e ninguém pôde encontrá-lo? Procuramos em todos os rincões do castelo, mas não apareceu.

Pareceu que os olhos do Adele cobravam uma expressão mais tranqüila enquanto olhava a Nicole.

Nicole tomou a mão de sua mãe e continuou dizendo:

—Recorda o que fez, mamãe? Para lhe fazer uma brincadeira a papai, soltou três coelhas no castelo.

Recorda o ninho de coelhinhos que papai encontrou junto a suas botas de caça? Como te riu. Mas depois papai riu, porque encontramos mais coelhos na cômoda, sobre seu vestido de bodas. E

recorda ao avô? Disse que vocês dois eram meninos e que adoravam jogar.

—Organizou uma partida de caça —murmurou Adele, a voz áspera a causa do excessivo esforço dos gritos.

—Sim —murmurou Nicole, e as lágrimas lhe turvaram a visão—. Essa semana nos visitou o rei, e ele, o avô e quinze de seus homens se vestiram como se partissem à guerra, e começaram a procurar a todos os coelhos. Recorda o que aconteceu então?

—Fomos soldados —disse Adele.

—Sim, vestiu-me com as roupas de minha primo. Depois, você e algumas das damas da corte usaram as roupas dos soldados. Recorda à velha tia da rainha? A via tão estranha com essas calças de homem...

—Sim —murmurou Adele, apanhada pelo relato—. Essa noite jantamos pescado.

—Sim —sorriu Nicole—. As damas apanharam a todos os coelhos e os soltaram no parque, e para castigar aos homens, que tinham sido tão maus soldados, só serviu pescado no jantar. OH! Recorda a massa de salmão?

Adele tinha recuperado o sorriso, e respondeu:

—O chef formou com essa massa muitos coelhos, centenares de coelhinhos. Com lágrimas nos olhos, Nicole esperou.


—Nicole! —disse bruscamente Adele—. O que está fazendo com esse terrível vestido? Uma dama nunca deve usar lã. É muito tosca, oculta muito. Se um cavalheiro quer usar lã, mais vale que se dedique a pastor. Agora, vê e busca um objeto de se—dá, algo que tenha sido elaborado por mariposas, não por essas ovelhas feias e sujas.

—Sim, mamãe —deu tranqüilamente a filha obediente, e beijou a bochecha de sua mãe—.

Tem apetite? Desejas que te traga uma bandeja?

Adele apoiou as costas contra a parede, atrás do colchão estendido no chão, ao parecer inconsciente da presença do Gerard, que retirou o braço.

—me envie algo leve. E hoje usa a porcelana do Limoges azul e branca. depois de comer descansarei, e mais tarde me envie ao chef, porque precisamos planejar as comidas da semana próxima. Virá a rainha, e quero que sirvam algo muito especial. OH, sim, se chegarem esses atores italianos, lhes diga que mais tarde falarei com eles. E o jardineiro! Tenho que lhe falar a respeito das rosas. Há tanto que fazer, e estou tão fatigada... Nicole, crie que hoje poderá me ajudar?

—É obvio, mamãe. Descansa, e te trarei pessoalmente algo de comer. Eu mesma falarei com o jardineiro.

—Você a tranqüiliza —disse Gerard, enquanto baixava com a Nicole—. Faz muito que não a vejo tão serena.

Com a mente convertida em um torvelinho, Nicole atravessou a habitação. Sua mãe ainda acreditava que estava vivendo em uma época em que contava com fiéis criadas que se dedicavam exclusivamente a vesti-la. Nicole tinha tido juventude suficiente para adaptar-se a um mundo duro e cruel, onde ninguém a mimava, mas duvidava que sua mãe pudesse imitá-la.

Com movimentos lentos Nicole retirou da parede uma pequena frigideira, e começou a quebrar ovos para preparar uma omelete. Clay, pensou, enxugando-as lágrimas com o dorso da mão, agora como posso fugir contigo? Sua mãe estava ali, e a necessitava. Também Janie e os gêmeos a necessitavam. Nicole era responsável pelo Isaac, e agora Gerard e Adele também a requeriam. Que direito tinha de compadecer-se de si mesmo? Devia sentir-se agradecida porque não estava sozinha no mundo.

Um forte golpe proveniente do desvão lhe indicou que Adele se impacientava pela tardança de sua comida. de repente, abriu-se bruscamente a porta do frente, e entrou uma baforada de ar frio.

—Desculpe-me, Nicole —disse Isaac—. Ignorava que tinha visitas, mas ali há um homem que precisa vê-la.

—Irei quanto antes.

—Diz que tem pressa, porque parece que se aproxima uma grande nevada. Quer chegar a casa dos Backes antes de que comece.

Os golpes provenientes do desvão se fizeram mais insistentes.

—Nicole! —gritou Adele—. Onde está minha donzela? Onde está meu café da manhã?

Nicole se apressou a depositar o alimento sobre uma bandeja e com movimentos rápidos passou frente a Isaac e subiu ao desvão.

Adele examinou apenas um segundo a singela bandeja de vime, o recipiente de cerâmica escura, a omelete quente da qual brotava suco de queijo, e sustentou um pedaço de pão torrado entre o polegar e o índice.

—O que é isto? Pão? Pão dos camponeses? O que me tragam minhas massas preferidas!

antes de que Nicole pudesse dizer uma palavra, Adele tinha esmagado o pão na omelete.

—O chef me insultou! lhe devolva isto, e lhe diga que se apreciar seu emprego não volte a me servir esse lixo.

Levantou a bule e derrubou o conteúdo, e o chá quente se derramou sobre a bandeja de vime e passou às mantas.


Quando viu o desastre que sua mãe provocava, Nicole começou a sentir-se muito fatigada. Terei que lavar as mantas... à mão. Era necessário voltar a preparar o café da manhã, e Nicole teria que convencer a sua mãe de que o aceitasse, mas sem provocar seus gritos. E Isaac a necessitava no moinho.

Baixou a escada com a bandeja lhe gotejem.

—Nicole! —Janie quase derrubou ao Isaac quando entrou correndo à sala—. Os gêmeos desapareceram. Disseram ao Luke que pensavam fugir porque uma senhora louca tinha vindo a viver com eles.

—Bem, por que Luke não o impediu? —Nicole depositou a bandeja sobre a mesa. Adele já estava golpeando de novo o chão.

—Disse que acreditou que era uma brincadeira, e que aqui não vivia nenhuma dama louca. Nicole levantou as mãos em um gesto de impotência.

—Isaac, vá procurar aos homens e comecem a revisar o bosque. Faz muito frio e não podemos permitir que estejam sozinhos fora. —voltou-se para o Gerard. —Pode preparar algo de comer para minha mãe?

Gerard arqueou o cenho.

—Temo-me que não me faço cargo das tarefas femininas. Janie conteve uma exclamação de cólera.

—Escute, você!

—Janie! —gritou Nicole—. Agora os gêmeos som mais importantes. Levarei-lhe um pouco de pão com queijo. Terá que arrumar-se com isso. E me unirei à busca logo que possa. Por favor —

adicionou, quando viu que Janie olhava hostil ao Gerard—. Agora necessito ajuda. Não agravem meus problemas.

Janie e Isaac saíram da casa enquanto Nicole começava a depositar pão e queijo em um canasto. Os golpes do Adele eram mais intensos, e Nicole não advertiu a expressão com que Gerard a observava, apoiado lánguidamente sobre um gabinete.

Nicole se sentiu culpado porque quase arrojou os mantimentos sobre o regaço de sua mãe, e porque advertiu o sentimento de ofensa nos olhos do Adele. Ao separar-se de sua mãe se sentiu ainda mais culpado, mas era necessário encontrar aos gêmeos. De todos os modos, no instante mesmo em que correu para a porta e começou a chamá-los, viu os dois meninos que atravessavam o terreno para ela.


Capítulo 17

depois de jogar uma olhada ao relógio que estava sobre o gabinete, junto à porta, Nicole se separou do lar e se aproximou da mesa da cozinha. Os gêmeos jogavam tranqüilamente no rincão mais afastado da habitação; Alex tinha vários animais de madeira esculpida, e Mandy uma boneca de cera que supostamente era a esposa de um agricultor.

—Nicole —perguntou Alex—, podemos sair depois de comer? Nicole suspirou.

—Suponho que sim, se cessar a nevada. Talvez convençam ao Isaac de que lhes ajude a construir um boneco de neve.

Os gêmeos se olharam sorridentes e retornaram a seus jogos.

abriu-se a porta, e a baforada de ar frio ameaçou apagar o fogo.

—Este é o mês de março mais frio que vi jamais —disse Janie, enquanto aproximava as mãos ao fogo—. Não acredito que a primavera chegue nunca.

—O mesmo digo —murmurou Nicole. Fechou o punho e o descarregou rudamente sobre a massa que começava a levantar-se. Pensou: A primavera! O momento em que ela e Clay deviam partir.

Janie dizia que esse inverno tinha sido o mais úmido e frio que ela visse jamais na Virginia. Por causa da neve, todos se tinham visto obrigados a permanecer na casa —quatro adultos e dois meninos apanhados em um espaço reduzido. Durante o mês que tinha passado da chegada do Gerard e Adele, Nicole tinha visto o Clay uma só vez. Mas inclusive nisso momento lhe tinha parecido que Clay mostrava uma atitude longínqua, como se algo o inquietasse.

—bom dia —disse Gerard enquanto baixava a escada. Imediatamente depois de sua chegada, a distribuição das comodidades tinha trocado. O e Adele dormiam na cama dos gêmeos, instalada no desvão; em troca, os meninos dormiam sobre colchões estendidos todas as noites na planta baixa.

Janie e Nicole descansavam acima, e uma cortina as separava do matrimônio.

—bom dia! —resmungou Janie—. É quase meio-dia.

Como de costume, Gerard não fez conta. Tinham chegado a professar uma in—tensa e mútua antipatia.

—Nicole — disse Gerard com expressão de rogo—, não poderia fazer-se algo para evitar o ruído a hora tão temprana da manhã?

Ela estava muito fatigada de cozinhar, limpar e atender a tantas pessoas, de modo que não respondeu.

—Além disso, os punhos de minha jaqueta estão sujos. Acredito que poderiam limpá-los —

continuou dizendo, e estendeu os braços e examinou os objetos que vestia nesse momento.

Encontrou-as muito elegantes, até o detalhe do coque verde sobre a camisa branca. Gerard se havia sentido desconcertado quando descobriu que Nicole não sabia que uma gravata verde significava que seu dono era membro da nobreza francesa.

—É um pequeno detalhe que nos permite nos diferenciar dos plebeus —disse.

Os golpes no teto determinaram que Nicole desviasse o olhar do pão. Adele tinha despertado antes que de costume.

—irei ver a —disse Janie. Nicole sorriu.

—Sabe que ainda não está acostumada a você.

—De novo começará a gritar? —perguntou Alex com certa ansiedade.

—Podemos sair? —perguntou Mandy.

—Não, não —respondeu Nicole—. Poderão fazê-lo depois. Levantou uma pequena bandeja, serve um copo de cidra e subiu ao desvão.


—bom dia, querida —disse Adele—. Esta manhã não tem bom aspecto. Não se sente bem?

Adele falou em francês, como fazia sempre. Embora Nicole tinha tratado de conseguir que falasse inglês, um idioma que a dama conhecia bem, Adele se negava.

—Somente um pouco cansada. Ao Adele brilharam os olhos.

—Esse conde alemão te teve dançando muito ontem à noite, verdade?

Era inútil tratar de raciocinar ou explicar, de modo que Nicole se limitou a assentir. Se sua mãe retornava à realidade embora fosse uns minutos, começava a gritar, e era necessário apelar às drogas para obrigá-la a calar. Às vezes vacilava entre a histeria e uma serenidade promovida pela fantasia. Durante a etapa de calma, referia-se ao assassinato e a morte, ao período que tinha passado no cárcere, aos amigos que saíam por uma porta e jamais retornavam. Nicole detestava especialmente esses momentos, pois recordava a muitas das pessoas que, conforme afirmava sua mãe, tinham sido executadas. Recordava às mulheres tenras e frívolas que no curso de sua vida nunca tinham conhecido outra coisa que o luxo e a comodidade. Quando pensava em que essas mulheres tinham caminhado para sua própria morte, logo que podia conter as lágrimas.

Uma voz que chegou da planta baixa atraiu sua atenção. Wesley! Experimentou um sentimento de alegria, e a satisfez ver que sua mãe se recostava sobre os travesseiros da cama e fechava os olhos.

Adele estranha vez abandonava a cama, mas às vezes exigia várias horas de atenção.

Nicole se sentiu um pouco culpado, como de costume, mas de todos os modos se separou de sua mãe e foi saudar a hóspede. Não tinha visto o Wes desde aquela terrível janta de Natal, três meses antes.

Estava enredado em uma discussão com o Janie, e Nicole adivinhou que a mulher explicava a presença do Gerard e Adele.

—Wesley —disse Nicole—, que alegria voltar a vê-lo.

Em seu rosto se desenhava um largo sorriso quando se voltou, mas Wes ficou instantaneamente sério.

—Santo Deus, Nicole! Tem um aspecto terrível! Parece ter perdido pelo menos dez quilogramas e não ter dormido em um ano inteiro.

—Essa é mais ou menos a verdade —disse irritada Janie.

Quando Wes desviou o olhar do Janie a Nicole, advertiu que nenhuma das duas mulheres tinha bom aspecto. As bochechas do Janie já não estavam rosadas. detrás das mulheres apareceu um hombrecito loiro que se encontrava de pé, perto dos gêmeos, e olhava aos meninos com um leve gesto de desagrado nos lábios grossos.

—Alex e Mandy, podem ficá-las botas e bons casacos? E Nicole, desejo que você e Janie também se preparem. Sairemos a dar um passeio

—Wes —começou a dizer Nicole—, realmente, não posso. Estou preparando pão, e minha mãe...

—interrompeu-se—. Sim, desejaria sair a passear.

Nicole correu à planta alta para procurar sua capa nova, a que Clay tinha ordenado lhe confeccionar quando ela ganhou a aposta aos cavalos, na festa dos Backes. A mescla de lã e seda reluziu quando a jovem ficou a grosa capa. O capuz que pendurava sobre as costas da Nicole mostrava o arminho espesso e luxuoso que revestia a totalidade do objeto.

Fora, o ar era frio e limpo; a neve ainda caía, e os flocos freqüentemente se posavam nas sobrancelhas da Nicole. O tecido escuro formou o marco da cara da jovem quando ela ficou o capuz.

—O que está acontecendo? —perguntou Wes, que se tinha afastado com a Nicole logo que saíram.

Janie, os gêmeos e Isaac tinham iniciado com pouco entusiasmo um curva—-te com bolas de neve.


—Pensei que tudo sairia bem entre você e Clay depois da festa dos Backes, quando a resgatamos dessa ilha.

—Tudo se arrumará —disse confidencialmente Nicole—. Mas levará um tempo.

—Não duvido que Bianca está no fundo de tudo isto.

—Por favor, prefiro não falar do assunto. Como estão você e Travis?

—Sentimo-nos sozinhos. Começamos a nos cansar de nossa mútua companhia. Quando chegar a primavera Travis irá a Inglaterra a procurar esposa.

—A Inglaterra? Mas aqui mesmo há várias jovens muito formosas. Wesley se encolheu de ombros.

—Isso lhe disse, mas acredito que você o estragou. Pessoalmente, prefiro esperar uma oportunidade com você. Se Clay não corrigir muito em breve sua atitude, tratarei de tirar-lhe Sonriendo, Wes le pasó el brazo sobre los hombros, y acercó más a Nicole.

—Por favor, não diga isso —murmurou Nicole—. Acredito que sou um pouco supersticiosa.

—Nicole, algo está mau, verdade?

Os olhos da Nicole se encheram de lágrimas.

—Acontece unicamente que estou tão cansada Y... faz várias semanas que não vejo o Clay. Não sei o que está fazendo. Sinto este horrível temor... que ele se apaixonou pela Bianca e não me deseje dizer isso —Sí —sonrió Nicole apartándose de Wes. Se limpió los ojos con los nudillos. —Usted creerá que no soy mayor que los mellizos.

Sonriendo, Wes lhe aconteceu o braço sobre os ombros, e aproximou mais a Nicole.

—Você trabalha muito, tem excessiva responsabilidade. O que menos deveria lhe preocupar é o amor do Clay. Como pode acreditar que esteja apaixonado por uma cadela como Bianca? Se ela viver na casa do Clay e você está aqui, há boas razões que explicam a situação. —Fez uma pausa.

—Possivelmente sua segurança, pois não posso conceber que haja outra razão que justifique que Clay se mantenha afastado de você.

Ela assentiu, tratando de conter um soluço.

—O o há dito?

—Algo, mas não esclareceu muito. Vamos, ajudemos aos outros a fabricar um boneco de neve, ou melhor ainda, podemos desafiá-los a um duelo com bolas de neve.

—Sim —sorriu Nicole apartando-se do Wes. limpou-se os olhos com os nódulos. —Você acreditará que não sou maior que os gêmeos.

O a beijou na frente e sorriu.

—Realmente, uma menina! Vamos, nos aproximemos antes de que gastem toda a neve. Uma voz que chegava da borda do rio os interrompeu.

—Olá! Há alguém em casa?

Wesley e Nicole se voltaram e caminharam para o mole.

Um homem de certa idade, corpulento, com uma cicatriz recente na bochecha esquerda, aproximava-se caminhando. Vestia o traje do marinheiro, e levava uma bolsa couve—gado do ombro.

—A senhora Armstrong? —disse quando se aproximou dela—. Não me recorda? Sou o doutor Donaldson, do Prince Nelson.

Em efeito, a cara parecia conhecida, mas Nicole não recordava exatamente onde a tinha visto antes.

Várias rugas se formaram nas comissuras dos olhos quando o homem são—riu.

—Admito que quando nos conhecemos as circunstâncias não eram muito propícias, mas vejo que as coisas saíram bem. —Ofereceu a mão ao Wesley. —Você certamente é Clayton Armstrong.

—Não —disse Wes, enquanto estreitava a mão do homem—. Sou um vizinho, Wes—lei Stanford.

—Compreendo. Bem, possivelmente se necessita minha presença. Abrigava a esperança de que as coisas tivessem trocado... já que esta jovem é tão bondosa e bonita.


—O médico do navio! —exclamou Nicole—. Durante o matrimônio!

—Sim. —O homem sorriu.— Logo que cheguei a Inglaterra, recebi a mensagem reclamando minha presença imediata na Virginia, pois eu era a única testemunha que podia declarar que se tratava de um matrimônio forçado. Cheguei quanto antes e me indicaram onde estava o moinho. Meus dados eram um tanto confusos, porque não sabia onde se encontrava a plantação Armstrong, e quem vivia no moinho. Decidi correr o risco, e vim aqui antes.

—Me alegro de que tenha procedido assim. Tem apetite? Posso lhe preparar uns ovos, e há um pouco de presunto e toucinho, e uma panela de favas.

—Não tem que me dizer isso duas vezes.

Depois, quando os três estavam sentados frente à mesa, o médico lhes falou do capitão do Prince Nelson e seu primeiro oficial, chamado Frank. Os dois homens se afogaram, durante a viagem de volta a Inglaterra.

—Recusei me embarcar novamente com eles depois do que lhe fizeram. Possivelmente tivesse devido impedi-lo, mas eu sabia que nesse caso procurariam outra testemunha. Além disso, eu também conhecia as leis a respeito da anulação do matrimônio. Sabia que seria a testemunha que você necessitava se desejava anular essa união.

—Então, por que se apressou a retornar a Inglaterra? —perguntou Wes. O médico sorriu.

—Não me deram a escolher. Estávamos tudo em um botequim celebrando nossa chegada sãs e salvos. E ao dia seguinte despertei a bordo de um navio com uma terrível enxaqueca. Passaram três dias antes de que pudesse recordar sequer meu nome.

Um forte golpe no forro do teto interrompeu a conversação, e sobressaltou a Nicole.

—Minha mãe! Esqueci seu café da manhã. Por favor, me desculpem.

Com movimentos rápidos e destros. Nicole passou por água um ovo e o depositou cuidadosamente sobre uma fatia de pão, junto a um bolo de maçã servida em outro prato, e uma fumegante taça de café com leite. Subiu depressa a escada com a bandeja.

—Sente-se comigo um momento —disse Adele—. Aqui estou muito sozinha.

—Abaixo há um visitante, mas depois virei e poderemos conversar.

—É um homem? Seu visitante é um homem? Adele suspirou.

—Oxalá não seja um desses terríveis príncipes russos.

—Não, é um norte-americano.

—Um norte-americano! Que extraordinário. Muito poucos norte-americanos são cavalheiros. Em todo caso, não lhe permita que use contigo uma linguagem grosseira. E olhe como caminha. Sempre pode conhecer um cavalheiro por sua postura. Se seu pai vestisse farrapos, inclusive assim pareceria um cavalheiro.

—Sim, mamãe —disse Nicole antes de baixar novamente a escada. Sua vida estava muito afastada do mundo em que convinha decidir se um homem era ou não um cavalheiro.

—Wesley me diz que o senhor Armstrong vive do outro lado do rio. De modo que o matrimônio não funcionou, né? —perguntou o médico.

—Não foi fácil, mas ainda fôlego esperança.

Nicole tratou de sorrir, mas ela mesma não advertia tudo o que sua cara expressava, ou que tinha olheiras de cansaço sob os olhos, e que a fadiga dissimulava o fato de que se sentia poseída pela esperança... e também pelo desespero.

O doutor Donaldson franziu o cenho.

—Jovem, Você come bem? Dorme o suficiente? Wes falou antes de que ela pudesse responder.

—Nicole adota às pessoas mais ou menos como outros adotam aos gatos vagabundos.

Recentemente recebeu a duas pessoas mais. Aqui vivem os sobrinhos do Clay, que não deveriam ser


responsabilidade de nossa amiga, e agora tem na casa a sua mãe, que acredita que ele é o rei da França.

Nicole sorriu.

—Tal como você o diz, parece que minha vida é uma pesada carga. Doutor, vê-la—dê é que amo às pessoas que me rodeia. Não renunciaria a nenhum deles.

—Jamais o sugeri —interveio Wes—. Mas afirmo que deveria estar vivendo na casa que se levanta do outro lado do rio, e que a cozinha deveria ser responsabilidade do Maggie.

O médico tirou a pipa do bolso de sua jaqueta e se recostou no respaldo da cadeira. disse-se que as coisas não lhe tinham saído muito bem a damita francesa. Esse jovem, Wes, tinha razão quando afirmava que ela merecia algo melhor que matar-se trabalhando. O doutor Donaldson tinha projetado viajar ao norte, para Boston, mas decidiu que permaneceria na Virginia uns poucos meses. Detestava o modo em que a tinham obrigado a contrair um matrimônio que Nicole não desejava, e sempre se havia sentido um pouco responsável pelo episódio. Agora, sabia que devia manter-se perto, para o caso de que ela necessitasse ajuda.

Nicole retirou o capuz que cobria sua cabeça e deixou que a brisa lhe acariciasse a cara. Moveu os remos do pequeno bote, afundando-os na água e retirando-os com movimentos compassados. O


estou acostumado a continuava talher de neve. Não havia brotos nas árvores, mas uma sensação indefinível anunciava a primavera. Tinham passado duas semanas desde a primeira visita do médico. Sorriu ao recordar as palavras do Donaldson: havia dito que estaria perto, se por acaso Nicole o necessitava. por que teria que necessitá-lo? Ansiava dizer ao Donaldson, dizer a todos que com o Clay partiria muito em breve da Virginia.

Nicole levava vários meses riscando planos. É obvio, os gêmeos e Janie viajariam com ela e Clay.

Desagradava-lhe profundamente lhe ideia de separar-se de sua mãe, mas ali estaria Gerard, e mais tarde, quando tivesse uma casa, Adele poderia ir viver com eles. Isaac trabalharia no moinho e enquanto mantivesse ao Gerard e ao Adele poderia embolsar os benefícios da exploração. Quando Adele se reunisse com a Nicole no Oeste, Isaac poderia fazer-se carrego do moinho e trabalhá-lo com a ajuda do Luke.

—Sim, tudo se arrumaria perfeitamente.

A véspera Clay lhe tinha enviado uma nota para lhe pedir que se reunisse com ele essa manhã no claro. Essa noite ela logo que tinha podido dormir. Não cessava de pensar no encontro com o Clay, o momento em que todos os planos começariam a cobrar vida.

Respirou profundamente o ar frio e limpo, e depois lhe chegou o aroma da fumaça. Clay já estava na cova. Jogou sobre os arbustos a corda do bote, e depois saltou à borda e amarrou a embarcação.

Correu pelo estreito atalho. Como se fora uma parte de seu sonho, Clay estava ali de pé, esperando-a, com os braços abertos. Nicole salvou a distância que os se—parava e se jogou sobre ele. Era tão alto, tão forte, e tinha o peito tão firme... Clay a abraçou fortemente, tanto que ela logo que pôde respirar. Mas em realidade não desejava respirar. Quão único ansiava era fundir-se com ele, converter-se em parte dele. Desejava esquecer sua própria pessoa, existir só com ele.

Clay levantou o queixo da Nicole, para vê-la melhor. Tinha um olhar faminto, sombria, ambiciosa.

Nicole sentiu uma labareda que lhe percorria o corpo. Isso era o que lhe faltava! Forçou o corpo para apertar com os dentes os lábios do Clay. Nicole emitiu um som grave, que era metade queixa metade risada.

A língua do Clay roçou a comissura dos lábios da Nicole. Ela sentiu que lhe afrouxavam os joelhos.

Clay se pôs-se a rir, depois a elevou em braços e a levou a aveludada escuridão da cova.


Houve um movimento frenético. Eram duas pessoas famintas uma da outra, desesperada-se, ansiosas, exigentes, porque o fogo lhes queimava a pele e exigia imperiosamente sua própria liberação. despiram-se em poucos segundos, e arrojaram os objetos ao descuido, nos diferentes rincões da cova.

Não falaram com unir-se. A pele de ambos se encarregou de falar. atacaram-se com ferocidade.

Nicole aderiu seu corpo ao do Clay, e sentiu que um relâmpago lhe atravessava a cabeça. Quando sentiu os batimentos do coração que lhe percorriam o corpo, sorriu e começou a relaxar-se.

—Clay —murmurou—, joguei-te tanto de menos... O tinha o fôlego morno quente sobre a cara da Nicole.

—Amo-te. Amo-te profundamente. Sua voz tinha um matiz de tristeza.

Ela se separou do Clay, e depois se acurrucó contra seu corpo, de modo que sua cabeça descansou no oco do homem do Clay.

—Hoje é a primeira manhã que me pareceu realmente primaveril. Quase me parece que esperei eternamente esta primavera.

Clay se inclinou sobre ela e tomou a capa da Nicole. Estendeu-a sobre eles, o arminho sobre a pele dos dois.

Nicole sorriu agradada e esfregou suas coxas contra os do Clay. O momento era perfeito... estava em braços de seu amante, sozinha, os corpos serenados e sobre eles a carícia do arminho.

—Como está sua mãe? —perguntou Clay.

—Não grita tanto como antes. Me alegro de que esteja melhor, porque seus alaridos assustam terrivelmente aos gêmeos.

—Nicole, hei-te dito que deveria me devolver aos meninos. Em sua casa não há espaço.

—Por favor, deixa-os estar comigo. O a acariciou com ternura.

—Sabe que não desejo separar os de ti. Acontece simplesmente que ali há muita gente, e tem muito que fazer.

Lhe beijou o ombro.

—Agradeço sua preocupação, mas te asseguro que não representam um problema. É obvio, se queria te levar ao Janie e ao Gerard consideraria o oferecimento.

—Janie te conduz dificuldades?

—Não, em realidade não. Ela e Gerard se odeiam, e se atacam constantemente. trata-se só de que estou cansada de ouvi-los.

—Se Janie odiar a alguém, geralmente tem boas razões para adotar essa atitude. Não me há dito muito a respeito de seu padrasto.

—Meu padrasto —sorriu Nicole—. É estranho pensar que Gerard está substituindo a meu pai.


—me fale de sua vida. Sinto-me tão distante de ti...

Nicole voltou a sorrir, possivelmente porque se sentia protegida pelo amor do Clay.

—Gerard se sente muito orgulhoso de sua condição de membro da aristocracia francesa.


A coisa parece realmente humorística quando a gente recorda que na França há centenares de pessoas que desejam ser membros do povo comum.

—Por isso ouvi dizer, sua presença em sua casa não é precisamente agradável. Sabe que se necessitar algo...

Ela apoiou as gemas dos dedos sobre os lábios do Clay.

—Você é tudo o que necessito. Às vezes, quando há muito ruído em casa e tenho a sensação de que todos pressionam sobre mim, detenho-me e penso em ti. Esta manhã ao despertar estive muito animada quando sentia a tibieza do ar. Não é certo que o tempo no Oeste é o mesmo que temos aqui? E realmente sabe construir uma casa? Quando poderemos partir? Faz momento que desejo empacotar, mas me pareceu que ainda não era o momento de dizer-lhe ao Janie.

interrompeu-se ao ver que ele não respondia. apoiou-se em um cotovelo para olhá-lo.

—Clay, tudo está bem? —perguntou.

—Perfeitamente —disse Clay com voz neutra—. Ou pelo menos, tudo estará bem.

—O que quer dizer? Adivinho que há dificuldades.

—Não, ou em todo caso nada grave. Nada impedirá que nos partamos. Ela o olhou com o cenho franzido.

—Clay, conheço-te, e sei que tem um problema. Não mencionou a Bianca, e entretanto eu venho a te falar de todas minhas dificuldades.

O lhe sorriu apenas.

—Você é incapaz de derrubar sobre outro suas dificuldades. É tão bondosa, tão boa e compassiva, que quase nunca adverte como te usa a gente.

—Usa-me? —repetiu Nicole rendo—. Ninguém me usa.

—Sim, eu te uso, e também os gêmeos, e sua mãe e seu marido, e inclusive Janie. Todos descarregamos sobre ti nossas dificuldades.

—Quem te ouvisse diria que sou uma Santa. Exijo muitas coisas da vida, mas sou uma mulher prática. Sei que devo esperar para conseguir o que desejo.

—E que desejas? —perguntou Clay.

—A ti. Quero estar contigo em minha própria casa, com os gêmeos. E talvez outros meninos... seus filhos.

—Terá-os! Juro-o! Todos o que tenhamos será teu. Ela o olhou fixamente.

—Quero saber o que está mau. relaciona-se com a Bianca, verdade? Descobriu nossos planos? Se te ameaçou outra vez, agora não o suportarei. Minha paciência virtualmente se esgotou.

Clay lhe aconteceu o braço sobre os ombros e aproximou a cabeça da Nicole.

—Quero que me escute, e que saiba tudo antes de dizer uma palavra. —Cabeça de gado—piró fundo. —Acima de tudo, quero te dizer que isto não modificará nossos planos.

—Isto?

Tentou levantar a cabeça para olhá-lo, mas ele o impediu.

—me escute, e depois responderei a suas perguntas. —Fez uma pausa, e elevou os olhos para o teto da cova. Tinham passado três semanas desde que Bianca lhe dissesse que estava grávida. Ao princípio, Clay se tinha rido e respondeu que ela mentia. Bianca tinha permanecido imóvel, um sorriso nos lábios, muito segura de si mesmo. Bianca se tinha encarregado de chamar o médico para lhe pedir que a examinasse. Desde esse dia Clay tinha vivido em um verdadeiro inferno. Não podia acreditar o que ouvia. Tinha necessitado muito tempo para chegar à conclusão de que considerava mais importante a Nicole que ao menino concebido pela Bianca.

—Bianca está grávida —disse Clay em voz baixa. Como Nicole não reagiu, ele contínuo falando—.

Vinho o médico e o confirmou. pensei muito tempo no assunto e decidi continuar com nossos planos e sair da Virginia. Estabeleceremos nosso lar em um lugar distinto.

Nicole não pronunciou uma só palavra. Continuou apoiada no ombro do Clay, calmosamente, como se ele não houvesse dito nada.

—Nicole? Ouviu-me?

—Sim —respondeu ela com voz logo que sussurrada. O retirou o braço para apartar-se um pouco e olhá-la.


Sem olhar ao Clay, Nicole se sentou, voltou-lhe as costas e lentamente começou a ficá-la anágua.

—Nicole, quero que diga lago. Não te teria falado disto, mas Bianca já o disse na metade do condado. Não desejava que soubesse por outra pessoa. Pareceu-me que eu devia te informar.

Ela não respondeu uma palavra enquanto deslizava o vestido sobre a cabeça.

.—Nicole! —exigiu Clay, e a aferrou pelos ombros para obrigá-la a que o olhe—se. Conteve uma exclamação quando viu que os olhos castanhos, geralmente tão quentes e afetuosos, mostravam-se frios e duros.

—Não acredito que deseje que eu diga nada.

O a atraiu, mas ela tinha o corpo rígido.

—Por favor, me fale. Olhemos de frente este assunto e comentemo-lo. Uma vez que tenhamos esclarecido atmosfera, poderemos riscar planos.

Ela o olhou, nos lábios um leve sorriso.

—Planos? Planos para partir e deixar a um menino inocente em mãos da Bianca?

Crie que será uma mãe perfeita?

—Que demônios me importam suas qualidades como mãe? Só te desejo, e quero estar unicamente contigo.

Ela levantou as mãos e apartou ao Clay.

—Nenhuma só vez disse que o menino não podia ser teu.

O a olhou fixamente, sem piscar. Tinha previsto a pergunta, e queria ser sem—zero.

—Estava ébrio, e foi uma só noite. Ela se meteu em minha cama. Nicole lhe dirigiu um frio sorriso.

—Possivelmente devo perdoar o que se faz sob a influência do álcool. depois de tudo, olhe o que me aconteceu precisamente por isso. Estava bêbada a primeira vez que me fez o amor.

—Nicole. —Clay se inclinou para ela. Nicole retrocedeu bruscamente.

—Não me toque —disse em voz baixa—. Não me toque nunca mais. O lhe aferrou com força o ombro.

—É minha esposa, e tenho o direito de te tocar.

Nicole lhe arrancou a mão e descarregou na cara do Clay uma forte bofetada.

—Sua esposa! Como te atreve a me dizer isso? Quando não fui mais que seu amante? Usa-me quando me necessita para satisfazer seus desejos físicos. Bianca não é suficiente para ti?

É o tipo de homem que necessita mais de uma mulher para acalmar sua sensualidade?

O rastro deixado pela mão da Nicole se destacou vividamente na pele do Clay.

—Sabe que isso não é certo. Sabe que sempre fui honesto contigo.

—Sei? O que sei de ti? Conheço seu corpo. Sei que exerce certo poder mental e físico sobre mim.

Pode conseguir que faça o que desejas; pode me induzir a acreditar as histórias mais absurdas.

—me escute, tem que acreditar em mim. Amo-te. Iremos juntos daqui. Ela jogou para trás a cabeça e riu.

—Você é quem não me conhece. Reconheço que não demonstrei muito orgulho enquanto estive perto de ti. Em realidade, não fiz outra coisa mais que me deitar de costas quando entrava em uma habitação, ou me ajoelhar ou me pôr sobre ti. Nem sequer pergunto o que te agrada. Limito-me a obedecer.

—Basta! Isto é indigno de ti!


—Crie-o? Qual é a autêntica Nicole? Todos supõem que é uma espécie de mãe nutricia que alimenta a todos, aceita a responsabilidade dos problemas de cada um, e pede muito pouco. Não é assim! Nicole Courtalain é uma mulher; uma mulher da cabeça aos pés, com todos os sentimentos de cobiça e todas as paixões de outras mulheres. Bianca é muito mais inteligente que eu. Sabe o que quer e o busca. Não se sinta em sua casa a esperar pacientemente a mensagem de um homem que a verá pela manhã para jogar amor. Sabe que esse não é o modo de conseguir o que deseja.

—Nicole —disse Clay—, por favor, te acalme. Não está falando a sério.

—Não —disse sonriendo Nicole—. Acredito que por uma vez falo a sério. Estive na América todos estes meses e dediquei todo meu tempo a esperar. Esperei a que me dissesse que me ama, e depois

esperei a que te decidisse entre a Bianca e eu. Acredito que fui muito estúpida, muito tola e fantasiosa. Confiei em ti como uma menina.

Emitiu uma risada parecida com um resmungo.

—Sabia que Abe me rasgou as roupas e atou a uma parede? Fui tão estúpida que somente pude pensar em que ele me mancharia, e que depois já não seria digna de ti. Imagina isso? Provavelmente estava deitado com a Bianca enquanto eu, grande estúpida, tratava de me manter limpa para ti.

—Já é suficiente. Já há dito muito.

—Caramba, Caramba! O exigente Clayton Armstrong ouviu muito. Muito de quem de nós? Da redonda Bianca ou da flacucha Nicole?

—Cala e me escute. Disse-te que isto não modificava as coisas. Partiremo-nos tal como o tínhamos planejado.

Ela o olhou hostil, o lábio superior curvado em um gesto de desprezo.

—Mas a meus olhos a situação é distinta! Crie que desejo passar a vida com um homem que tão facilmente pode abandonar a seu próprio filho? O que aconteceria se partirmos ao oeste e temos um filho? Se te cruza no caminho uma jovencita, possivelmente fuja com ela e abandone a nosso filho.

As palavras da Nicole golpearam ao Clay, que retrocedeu um passo.

—Como pode acreditar isso?

—por que não? O que fez para que eu pense de outro modo? Fui uma parva, e por certa razão, possivelmente suas costas largas ou outra tolice pelo estilo, apaixonei-me por ti. E como é homem, aproveitou bem minha sensualidade de escolar.

—Crie realmente isso? —perguntou Clay.

Acaso posso acreditar outra coisa? Não tenho feito mais que esperar constantemente. Esperei para começar a viver. Pois bem, agora isso se terminou!

calçou os sapatos, ficou de pé e caminhou para a entrada da pequena cova. Clay ficou depressa as calças e a seguiu.

—Não pode partir assim —disse aferrando-a do braço—. É necessário que em—lojas.

—Entendo muito bem. Você escolheu. Acredito que se tratou de ver quem se embaraçava primeiro.

Os Courtalain nunca foram muito férteis. Que lástima, possivelmente eu tivesse ganho a carreira.

Nesse caso teria sido a proprietária da grande residência? Dos criados? —fez uma pausa—.

Do menino?

—Nicole.

Ela olhou a mão do Clay sobre seu próprio braço.

—me solte — disse fríamente.

—Não o farei até que razões.

—Quer dizer que devo permanecer aqui até que com belas palavras me com—vença de que retorne a seus braços verdade? Isso terminou. Isso está completamente morto.

—Não o diz a sério.


Ela falou com voz muito serena.

—Faz duas semanas veio para ver-me o médico que estava no mesmo navio em que cheguei a América.

Clay a olhou fixamente.

—Sim, a testemunha que você reclamava urgentemente nesse momento. Disse que me ajudaria a conseguir a anulação.

—Não —disse Clay—. Eu não quero.

—passou o momento de que queira. tiveste tudo, ou melhor seria dizer a todos os que desejava.

Agora me toca o turno. Já não esperarei mais, e começarei a viver.

—Do que está falando?

—Em primeiro lugar da anulação do matrimônio, e depois me dedicarei a ampliar meu negócio.

Não vejo por que não posso aproveitar esta formosa terra da oportunidade.

Um lenho caiu no pequeno lar, e a borbulha de vidro que encerrava o unicórnio atraiu o olhar da Nicole. Ressonou a risada seca e fria da jovem.

—Devi compreender como foi quando formulamos esses votos infantis. Eu não era suficientemente pura para tocar o unicórnio, verdade? Só sua querida e morta Beth era bastante boa para gozar do privilégio.

Passou frente a Clay e saiu à manhã fria. dirigiu-se tranqüilamente ao bote e começou a remar, de retorno ao mole do moinho. Seu avô lhe havia dito que nunca devia olhar atrás. Não era fácil evitar que sua mente chorasse a perda do Clay. Evocou a imagem da Bianca, satisfeita e grávida, as mãos descansando sobre o ventre que guardava ao filho do Clay. Olhou seu próprio estômago liso, e se sentiu agradada porque não estava grávida.

Quando chegou ao mole começava a sentir-se melhor. incorporou-se e levantou os olhos para a casita. Seria seu lar permanente um tempo mais e portanto devia repará-la. Necessitava mais espaço, uma sala abaixo, e dois dormitórios mais acima. Mas compreendeu imediatamente que não tinha dinheiro. A um flanco do moinho havia boas terras de cultivo, e ela recordava imprecisamente que Janie havia dito que estavam em venda. Mas não tinha dinheiro para comprar terras. Depois, recordou seus vestidos. Sem dúvida, valiam algo. Vá, somente o manguito de cebellina... lhe teria agradado arrojá-lo tudo à cara do Clay. Ordenar que lhe entregassem as roupas, amontoadas frente a sua porta. Mas esse gesto de altivez lhe haveria flanco muito. Em casa dos Backes, várias mulheres tinham admirado os objetos da Nicole. de repente recordou a capa forrada de arminho que tinha deixado sobre o chão da cova. Mas jamais poderia retornar ali... nunca.

Muitos planos se cruzavam em sua cabeça quando entrou na única habitação da casita. Janie estava inclinada sobre o fogo, o rosto avermelhado a causa do calor. Gerard se tinha acomodado em uma cadeira, esmagava um pão-doce em um prato. Os gêmeos estavam em um rincão, e riam detrás de um livro.

Janie a olhou.

—Aconteceu algo.

—Não —disse Nicole—. Pelo menos, nada novo. —Olhou ao Gerard. —Gerard, acabo de chegar à conclusão de que você seria um excelente vendedor.

Gerard arqueou uma sobrancelha.

—A gente de minha classe... —começou a dizer.

Nicole o interrompeu ao mesmo tempo que retirou o prato que o homem sustentava sobre os joelhos.

—Isto é a América, não a França. Se comer, tem que trabalhar. O lhe dirigiu um olhar hostil.

—O que posso vender? Não sei nada de cereais.

—Os cereais se vendem sozinhos. Quero que convença a algumas formosas jovens de que as verá ainda mais formosas embelezadas com sedas e cebellinas.


—Cebellinas? —perguntou Janie—. Nicole, do que está falando? Nicole lhe dirigiu um olhar que obrigou a calar ao Janie.

—Subida comigo e lhe mostrarei os objetos. —voltou-se para os gêmeos. —E vocês dois começarão a estudar e receberão lições.

—Mas, Nicole —a interrompeu Janie—, você não tem tempo. O operário do moinho já chegou.

—Eu não me ocuparei disso —disse firmemente Nicole—. Acima vive uma mulher muito educada, que se alegrará muitíssimo de guiar aos meninos.

—Adele? —burlou-se Gerard—. Não poderá conseguir que entenda o que você deseja, e muito menos que o faça.

—Não nos agrada a senhora que grita —disse Alex, sustentando a mão do Mandy e retrocedendo um passo.

—Basta! —disse Nicole em voz alta—. Já estou farta destas queixa. Janie e eu não estamos à frente de um hotel gratuito. Gerard você me ajudará a conseguir dinheiro para comprar terra. Minha mãe se fará cargo dos meninos, e os gêmeos terão que educar-se. Em adiante seremos uma família, não uma aristocracia com um par de criados.

voltou-se e começou a subir a escada. Janie a olhou sorridente.

—Não sei o que lhe aconteceu, mas me agrada!

—Se ela acreditar que eu... —começou a dizer Gerard.

Janie agitou um concha de sopa quente e pegajoso frente à cara do Gerard.

—Ou você trabalha ou o despachamos a França e ali lhe cortarão a cabeça ou terá que dedicar-se a fabricar sapatos, como seu pai. Entendeu?

—Não pode me tratar assim!

—Posso, e o farei. Se não subir essas escadas, como disse Nicole, talvez descarregue meu punho em sua feia cara.

Gerard começou a falar, mas calou ao ver o punho do Janie muito perto de sua cara. Ela era uma mulher alta e forte. Gerard retrocedeu um passo.

—Ainda não terminamos —disse. Murmurou várias maldições em francês e seguiu a Nicole até o desvão.

Janie se voltou para os gêmeos, dirigiu-lhes um olhar de advertência, bateu Palmas duas vezes e ordenou aos meninos que também subissem a escada.


Capítulo 18

Wesley levou a Nicole rio acima, até a casa em que se alojava o doutor Donaldson, e depois os três se dirigiram à casa do juiz. Wes não fez muitos comentários quando Nicole lhe disse que desejava anular seu matrimônio com o Clay. Em realidade, ninguém disse grande coisa, e Nicole teve a sensação de que todos consideravam que esse passo era inevitável. Ela tinha sido a última em depositar certa confiança no Clay.

necessitou-se muito pouco tempo para anular o matrimônio. Nicole temia que como tantas pessoas a tinham visto com o Clay, e posto que se consumou o matrimônio, a situação podia ser mais complicada. Descobriu que inclusive se tivessem tido filhos, e em vista da força utilizada durante a cerimônia de matrimônio se justificava a anulação do vínculo conjugal.

O juiz conhecia o Clay e ao Wesley de toda a vida. Nicole lhe tinha sido apresentada durante a festa dos Backes. Detestava dissolver o matrimônio, declarar que nunca tinha existido; mas não podia questionar o testemunho do médico.

Além disso, tinha escutado as falações a respeito da mulher com quem Clay vivia. Em seu foro íntimo decidiu que visitaria muito em breve ao Clay e lhe dizer o que pensava de seu comportamento imoral. O juiz olhou com simpatia à bela francesita. Não merecia o dano que Clay lhe tinha infligido.

Declarou anulado o matrimônio.

—Nicole? —perguntou Wes quando saíam da casa do juiz—. Se sente bem?

—É obvio —respondeu Nicole com voz seca—. por que poderia não estar bem? Se você queria comprar terra, aonde iria em primeiro lugar?

—Imagino que visitaria os donos. por que?

—Conhece senhor Irwin Rogers?

—É obvio. Vive a um quilômetro e meio daqui.

—Poderia me levar e me apresentar? —perguntou Nicole.

—Nicole, do que se trata?

—Desejo comprar a terra de cultivo contigüa ao moinho. pensei cultivar c—bada esta primavera.

—Cevada? Mas Clay pode lhe dar...

interrompeu-se ao ver o olhar da Nicole.

—Já não estou vinculada com o Clayton Armstrong, e não tenho nada que ver com ele. Abrirei-me sozinha passo no mundo.

Começou a avançar pelo caminho, mas Wes lhe aferrou o braço.

—Não posso acreditar que tudo tenha terminado entre você e Clay.

—Acredito que faz muito que terminou, mas eu fui muito cega para compreendê-lo

—disse serenamente Nicole.

—Nicole —começou Wes, olhando-a. A luz do sol que iluminava a cara da jovem arrancava faíscas aos olhos. Examinou a boca da Nicole, com esse fascinante lábio superior. por que não se casa comigo? Nunca viu minha casa. É enorme. Todos os que estão com você poderiam viver ali, e nem sequer os veríamos. Travis e eu temos mais dinheiro de que necessitamos, e você não precisaria trabalhar.

Ela o olhou um momento, e depois sorriu.

—Wesley —disse—, você é muito amável. Mas no fundo, não deseja casar-se com—esfarelo.

apartou-se um pouco dele.

—Sim, desejo-o! Você seria a esposa perfeita. Poderia dirigir a plantação, e todos a quereriam.


—Basta! —disse ela rendo—. Conseguirá que me sinta muito velha. —ficou em puntillas de pé e beijou a comissura da boca do Wes. —Agradeço-lhe o oferecimento, mas não desejo sair de um matrimônio e entrar diretamente em outro. —Olhou-o com os olhos entrecerrados. —E se tiver a ousadia de mostrar-se aliviado, jamais voltarei a lhe falar.

Wes elevou a mão da Nicole, beijou-a, e lhe estreito os dedos.

—É possível que chore, mas certamente não me sentirei aliviado. Nicole riu e retirou a mão.

—Agora necessito amigos mais que um amante. Se seriamente deseja me ajudar, poderia tratar de que o senhor Rogers enfaixa a bom preço a terra.

Wesley a olhou um momento. Sua oferta de matrimônio tinha sido um impulso do momento, mas pensando-o mais se disse que seria muito grato realmente estar casado com uma pessoa como Nicole. Ela o tivesse surpreso se aceitava, mas Wes desejava que tivesse sido assim.

Sorriu a jovem.

—O velho Rogers se sentirá tão agradado de vender essa terra que prática—memore a dará de presente.

—Nada de violência —disse Nicole rendo.

—Possivelmente um dedo ou dois fraturados, mas nada mais.

—Bem... se só forem os dedos.

Ambos riram e desceram pelo caminho em direção à casa de senhor Rogers.

Em efeito, conseguiram a terra a bom preço. Nicole tinha muito pouco efetivo, o dinheiro obtido pelo Gerard obrigado à venda das roupas, mas o senhor Rogers aceitou que ela pagasse a terra durante vários anos. Por sua parte, Nicole aceitou moer grátis durante três anos o grão da granja do Rogers.

—Não pode dizer-se que deu de presente a terra —afirmou Wes quando saíram—. A moenda do grão grátis três anos!

A Nicole faiscaram os olhos.

—Espere a que receba sua fatura pelo quarto ano!

Quando saíram da casa do senhor Rogers, foram ao impressor, e Nicole ordenou que imprimissem volantes que anunciavam as tarifas de moenda de seu moinho.

—Nicole! —disse Wes quando ouviu as cifras que ela ditava ao impressor—. Como pretende ganhar dinheiro? É um terço menos do que cobra Horace.

Nicole sorriu.

—Competência e quantidade. Você me trará seu grão, ou o levará a moinho do Horace? O

impressor pôs-se a rir.

—Wes, acredito que esta jovem o apanhou. Falarei disso a meu cunhado, e estou seguro de que irá a você.

Wesley olhou a Nicole com renovado respeito.

—Não tinha idéia de que houvesse um cérebro detrás dessa cara bonita. Ela o olhou com expressão grave.

—Não acredito que o houvesse. Ou pelo menos, estava escurecido por idéias infantis sobre o amor e o romance.

Wesley tinha em seu rosto uma expressão preocupada ao sair da loja do impressor. Adivinhava que Nicole estava mais ferida do que se mostrava disposta a reconhecer. Pensou: Maldito Clay! Não tinha direito de usar a desse modo.

De retorno na casita do moinho, Nicole confrontou dificuldades originadas pelo Gerard. O

hombrecito a olhou aborrecido.


—Já foi bastante desagradável que tivesse que vender roupa de mulher. —interrompeu-se e se alisou os cabelos. Estavam cortados no estilo de um patrício romano, com elegante descuido.

Mantinha os cabelos bastante curtos, sem ondas nem cachos. —Por seu—posto, às mulheres agradou me receber. Não se parecem com as pessoas desta casa. Escutaram agradadas as anedotas de minha família, os grandiosos Courtalain.

—Desde quando a família da Nicole é também a sua? —exclamou Janie.

—Já o vê! —gritou Gerard—. Aqui não me aprecia.

—Terminem de uma vez —disse Nicole—. Estou cansada de ouvi-los disputar. Gerard, você demonstrou que é um perfeito vendedor. Às mulheres adoram seu acento e suas maneiras elegantes.

O homem se ergueu por efeito dos cumpridos.

—Se o desejar, pode entregar os volantes às esposas dos agricultores. Em realidade, talvez seja uma boa idéia.

—Os volantes não são sedas —murmurou Gerard.

—Mas a comida é comida —disse Janie—. E se deseja comer, terá que trabalhar como todos.

Gerard avançou um passo para o Janie, o lábio superior curvado em um gesto de dê—preço, mas Nicole apoiou a mão no antebraço do homem e o conteve. Gerard olhou a mão da Nicole, depois elevou os olhos para a cara de seu compatriota, e ao fim retornou novamente à mão. Com a sua cobriu a mão da Nicole.

—Por você, faria-o tudo.

Com a maior cortesia possível, Nicole se separou dele.

—Isaac o levará no bote, de modo que visite todas as casas com o passar do rio.

Gerard sorriu a Nicole como se ambos tivessem sido amantes, e depois saiu em silêncio da casa.

—Não confiou nele —disse Janie. Nicole fez um gesto com a mão.

—É inofensivo. Só quer que o tratemos como se fosse um aristocrata. Logo aprenderá.

—Você é muito generosa. Siga meu conselho, e mantenha-se longe dele.

A primavera chegou prontamente aos campos da Virginia, e com ela maturaram os cultivos tempranos. Não passou recheio tempo antes de que as enormes pedra de moer começassem a girar novamente, depois da prolongada pausa invernal. Quão volantes Nicole tinha mandado imprimir foram proveitosos, e os agricultores chega—rum de lugares muito distantes para moer seu grão no moinho.

Nicole jamais se tomava um minuto de descanso. Empregou a outro homem com o fim de que ajudasse nos campos, semeados com cevada e trigo. Gerard colaborou a contra gosto no moinho, mas esclareceu que considerava seres inferiores aos norte-americanos. Nicole lhe recordava a cada momento que seu avô o duque tinha trabalhado dois anos em um moinho.

Ao parecer, ninguém contemplava a idéia de que os gêmeos retornassem ao Clay, e Nicole sabia que isso era um signo da confiança que lhe professava. Uma vez por se—emana Isaac cruzava o rio com os meninos e os levava a visitar seu tio.

—Tem mau aspecto —informou certa vez Isaac, à volta de uma destas visitas.

Nicole não se incomodou em perguntar a quem se referia. A pesar do trabalho intenso, Clay nunca estava muito longe de seu pensamento.

—Bebe muito. Nunca o vi beber tanto como agora.

Nicole se apartou. Tivesse devido alegrar-se de que ele se sentisse tão mal, pois certamente o merecia. Mas em realidade a idéia não lhe agradava. separou-se do Isaac e foi à horta.

Possivelmente umas horas de trabalho com a enxada a ajudariam a se separar da mente a lembrança do Clay.


Uma hora mais tarde Nicole se apoiou sobre uma árvore e com o antebraço se enxugou o suor da cara. Com os movimentos vigorosos executados durante o trabalho tinha entrado em calor.

—Vamos, trouxe-lhe um copo de limonada —disse Gerard. Ela assentiu, agradecida, e bebeu todo o líquido.

Gerard retirou uma fibra de pasto da manga do vestido de algodão.

—Não deveria permanecer aqui, ao sol. Arruinará-lhe essa formosa cútis. Deslizou a mão sobre o braço da Nicole.

Nicole estava excessivamente fatigada para apartar-se. Os dois se encontravam em um lugar muito sombreado, fora da vista da casa e o moinho.

—Me alegro deste momento a sós —disse Gerard, aproximando-se mais a Nicole—. É estranho que vivamos na mesma casa, e entretanto estranha vez nos oferece a oportunidade de estar sozinhos, de manter uma conversação íntima.

Nicole não desejava ofendê-lo, mas tampouco queria respirá-lo. apartou-se um passo.

—Pode falar comigo quando o desejar. Confio em que o entenderá assim.

O se aproximou de novo, e deslizou a mão pelo braço da Nicole, em uma carícia.

—Você é quão única aqui me entende. —Falou em francês, e aproximou mais sua cara a da Nicole.

—Vamos do mesmo país, pertencemos ao mesmo povo. Nenhum destes sabe como é agora a França. Une-nos um vínculo comum.

—Agora me considero americana —respondeu ela em inglês.

—Como é possível? Você é francesa, como eu sou francês. Pertencemos aos grandes Courtalain.

Pense que poderíamos continuar a linhagem.

Nicole se ergueu e o olhou hostil.

—Como se atreve! —exclamou— Esquece a minha mãe? Está casado com ela, e entretanto me formula proposições como se eu fosse uma faxineira.

—Acaso é possível lhe esquecer quando seus gritos quase me enlouquecem? Acredita que por um instante esquecimento que estou unido a ela? O que pode me dar? Possivelmente filhos? Sou um homem, um homem são, e mereço ter filhos. —Aferrou-lhe o braço, e a aproximou mais. —Você é a única. Neste país perdido da mão de Deus, você é quão única merece ser a mãe de meus filhos.

Você uma Courtalain! O sangue de nossos filhos será sangue azul, sangue real.

Nicole necessitou um segundo para entender o que ele queria. E quando compreendeu lhe revolveu o estômago. Não havia palavras que pudessem expressar o que sentia. Esbofeteou-o fortemente.

Gerard a soltou imediatamente e se levou a mão à bochecha.

—Me pagará —murmurou—. Lamentará isso me haver tratado como se eu fora um destes sujos americanos. Já verá quem sou.

Nicole se voltou e retornou à horta. Em definitiva, Janie tinha tido razão ao referir-se ao Gerard. A jovem se disse que devia manter-se apartada todo o possível do francês.

Duas semanas mais tarde, Wes trouxe a notícia de que Clayton tinha contraído matrimônio com a Bianca.

Nicole tratou de endurecer-se para suportar o efeito da notícia.

—Tentei raciocinar com ele —disse Wes—. Mas já sabem que obstinado é. Você foi sempre a escolhida de seu coração. Quando se inteirou da anulação esteve ébrio quatro dias. Um de seus homens o encontrou à beira do pântano, no prado do sul.

—Suponho que recuperou a sobriedade para assistir a suas próprias bodas —comentou fria—mente Nicole.


—Disse que o fazia pelo menino. Maldito seja! Não entendo como teve força suficiente para deitar-se com essa vaca.

Aferrou o braço da Nicole quando ela se voltou.

—Sinto haver dito isso. Não quis ofendê-la.

—Acaso poderia me ofender? O senhor Armstrong nada significa para mim.

Wes permaneceu no mesmo lugar, e viu afastar-se a Nicole. Desejava estrangular ao Clay pelo que lhe tinha feito a essa jovem.

No Arundel Hall imperava a sujeira. Em vários meses não tinham limpo a casa, Bianca se tinha sentado frente à mesa do comilão, e ingeria pão-doces açucarados com nata. Seu ventre enorme se destacava tanto que parecia que daria a luz de um momento a outro.

Clay entrou na casa, e se deteve frente à porta do comilão. Tinha as roupas cobertas de lodo, e a camisa rota. O via ojeroso.

—Que formoso espetáculo quando retorno a casa —disse em voz alta—. Minha esposa.

Logo será a mãe de meu filho.

Bianca não fez conta, e continuou comendo lentamente a nata deliciosa e abundante.

—Comendo por dois, querida? —perguntou Clay. Como não obteve resposta, começou a subir a escada. Havia roupa suja em qualquer parte. Abriu uma gaveta e viu que estava vazio. Já não o esperavam as camisas podas e remendadas.

Amaldiçoou e fechou de repente a gaveta. Depois saiu da casa e caminhou depressa para o rio.

Agora passava muito pouco tempo em sua casa. Dedicava quase toda a jornada aos campos; de noite se sentava sozinho na biblioteca e bebia até que acreditava possível dormir. Mas inclusive assim, dificilmente conseguia conciliar o sonho.

À beira do rio se despiu e se internou na água. Depois do banho, tendeu-se sobre o pasto e dormiu.

Quando despertou já era de noite, e durante um momento não soube onde estava. Retornou à casa aturdido, em uma espécie de duermevela.

Ouviu os gemidos logo que entrou na casa. Reagiu prontamente e sacudiu as névoas do sonho.

Bianca jazia acurrucada ao pé da escada, e com uma mão se sustentava o estômago.

Clay se ajoelhou junto à Bianca.

—O que acontece? Caiu-te? Ela o olhou.

—me ajude —ofegou—. O menino.

Clay não a tocou, e em troca saiu correndo da casa para chamar à parteira da plantação.

Poucos minutos depois, tinha retornado, seguido pela mulher. Bianca jazia no mesmo lugar em que ele a tinha deixado.

A parteira deslizou as mãos sobre a forma inerte da Bianca, e quando as levantou para as aproximar da luz os dedos estavam ensangüentados.

—Pode levar a à planta alta?

Clay elevou a Bianca. Lhe desenharam as veias do pescoço a causa do esforço realizado para transportar escada acima o pesado corpo. Depositou-a brandamente sobre a cama.

—vá procurar ao Maggie —ordenou a parteira—. Necessitarei ajuda para atender a esta mulher.


Clay permaneceu sentado em sua biblioteca, bebendo sem descanso enquanto Maggie e a parteira atendiam a Bianca.

Maggie abriu discretamente a porta.

—O menino morreu —disse em voz baixa. Clay a olhou assombrado. Depois, sorriu.

—De modo que perdeu ao menino, né?

—Clay —disse Maggie. Não lhe agradava a expressão que viu nos olhos do homem. — Queria que cesse de beber.

O se serve outra taça de licor.

—Você não deveria me consolar? me dizer que haverá outros meninos?

—Não haverá os disse a parteira da porta—. É uma mulher muito grosa, e quão—dou caiu pela escada recebeu um forte golpe. Dentro está muito danificada, e sobre tudo seus órgãos femininos. E

não estou muito segura de que possa viver.

Clay esvaziou a taça e voltou a enchê-la.

—Viverá. Disso não me cabe a mais mínima dúvida. As pessoas como Bianca não morrem facilmente.

—Clayton! —gritou Maggie—. Isto o impressionou muito. —aproximou-se dele e tomou a mão. —

Por favor, deixe de beber. Do contrário, amanhã não poderá trabalhar.

—Trabalhar —disse Clay, e sorriu—. por que tenho que trabalhar? Para que? Para minha querida esposa? Para o filho que acaba de perder?

Bebeu mais licor e pôs-se a rir. Era uma risada desagradável.

—Clay —disse Maggie.

—Saiam daqui! Um homem jamais pode estar sozinho?

As mulheres saíram lentamente da habitação. Quando amanheceu, Clay continuava bebendo, e esperando o esquecimento que a bebida devia lhe contribuir.

Nos campos, os trabalhadores começaram a jornada. Era pouco usual que Clay não os vigiasse. Por volta da tarde começaram a trabalhar com movimentos mais lentos. Era melhor que o patrão não estivesse vigiando-os.

O quarto dia, quando Clay tampouco se aproximou dos campos, alguns homens nem sequer se incomodaram em trabalhar.


Capítulo 19

Corria o mês de agosto de 1796, um ano depois. Nicole estava de pé no topo da colina e contemplava sua propriedade. levou-se as mãos à cintura e se massageou os músculos fatigados.

aliviava-se um pouco a dor, se podia ver a causa da fadiga. O quente sol de agosto caía ardente sobre as altas novelo de tabaco. Os casulos de algodão logo começariam a abrir-se. O trigo dourado, quase amadurecido, balançava-se brandamente agitado pela brisa. O ruído das pedras de moer, que se moviam regulares e constantes, sulcava o ar. Um dos gêmeos gritou, e Nicole sorriu para ouvir a áspera reprimenda do Janie.

Tinha passado bastante mais de um ano da anulação de seu matrimônio. Nicole tinha consciência de que tinha medido o passado do tempo desde esse momento no escritório do juiz. depois daquele fatídico dia, ela tinha feito pouco mais que trabalhar. Todas as manhãs se levantava antes do amanhecer, atendia o moinho, e cuidava os cultivos da semeia até a colheita. A primeira vez que levou o produto ao mercado, os homens riram, pois acreditavam que poderiam obter os produtos a sob preço. Mas Nicole não se deixou enganar; negociou com muita firmeza. Quando se retirou do

mercado sorria, e os homens que lhe tinham comprado meneavam a cabeça. Wesley caminhava a seu lado e ria.

Esse ano Nicole comprou mais terra. Utilizou todo o dinheiro obtido na colheita do ano precedente para adquirir mais parcelas. Já era proprietária de sessenta e cinco hectares de terra da borda mais alta do rio. Tinham bom deságüe, e o estou acostumado a era fértil. Confrontava algumas dificuldades pela erosão, mas ela e Isaac passaram parte dos meses invernais preparando reparos de pedra. Também limparam a nova terra. Tinha sido um trabalho difícil e duro, mas o tinham feito.

Depois, ao princípio da primavera, tinham plantado o tabaco, e mais tarde semearam os restantes campos. Tinham um horta, uma vaca leiteira e galinhas junto à casa.

A casa não tinha trocado. destinou-se a melhorar a terra todo o dinheiro disponível. Adele e Gerard ocupavam uma parte do desvão, e Janie e Nicole a outra. Os gêmeos dormiam abaixo, cada um em seu jergón. Faltava espaço, mas todos tinham aprendido a arrumar-se. Janie e Gerard estranha vez se falavam, e cada um fingia que o outro não existia. Adele continuava vivendo sua fantasia da França prerrevolucionaria. Nicole tinha podido convencer a sua mãe de que os gêmeo, eram seus netos, e de que Adele devia educá-los pessoalmente. Durante dias inteiros era uma excelente professora. Avivava as lições com relatos fascinantes de sua vida na Corte. Falava-lhes dos tempos em que ela era menina, e das estranha, costumes do rei e a reina da França. Ou em todo caso, esses costumes pareciam peculiares aos meninos. Certa vez Adele relatou que a reina tinha ordenado que todos os dias lhe levassem seus objetos em canastos de vime forrados de gênero verde novo, que se usava uma só vez, e depois o davam de presente aos criados. Os gêmeos às vezes se cobriam com folhas verdes, e diziam que eram os criados do Adele. E ela se mostrava muito agradada.

Mas às vezes um detalhe miúdo desequilibrava ao Adele, e comovia sua frágil serenidade. Certa vez Mandy se atou ao pescoço uma cinta escura, e Adele viu a menina. A visão da menina lhe recordou a execução de seus amigas, e depois gritou horas inteiras. Os gêmeos já não se atemorizavam por causa dos gritos do Adele. encolhiam-se de ombros ou corriam a procurar a Nicole para lhe dizer que fosse ver sua mãe. depois de uns dias, durante os quais Adele se acurrucaba dominada pelo medo, e falava do assassinato e a morte, estava acostumado a retornar a seu mundo fantástico.

Jamais tinha consciência do presente, e não sabia que estava na América, e que a França se achava muito longe de ali. Reconhecia unicamente a Nicole e os gêmeos, tolerava ao Janie, e olhava ao Gerard como se não existisse. Nunca lhe permitia tratar com desconhecidos, pois a intimidavam horrivelmente.

Gerard parecia satisfeito porque sua esposa não tinha idéia de quem era ele. Assim que via a Nicole, parecia que Adele esquecia o tempo que tinha passado no cárcere e o período que tinha vivido na casa dos pais do Gerard. Com a Nicole falava de seu marido e seu pai como se ainda estivessem vivos, como se de um momento a outro pudessem retornar à casa.


Gerard se mantinha afastado do resto dos habitantes da casa da Nicole. De fato, era um estranho.

Não era o mesmo desde dia em que Nicole o tinha esbofeteado. Desaparecia vários dias seguidos e retornava em meio da noite, sem explicar aonde ia. Quando estava na casa, freqüentemente se sentava junto ao fogo e olhava a Nicole, até que a ela lhe soltavam pontos de sua costura ou se cravava uma agulha no dedo. Nunca voltou a abordar o tema do matrimônio com a Nicole, mas às vezes ela desejava que o fizesse. Em certos casos, quando Nicole o surpreendia olhando-a, a jovem desejava que esse homem a enfrentasse, porque desse modo podiam enredar-se em uma discussão a fundo. Mas quando o pensava sentia que sua atitude era absurda. Gerard não estava fazendo nada censurável pelo mero feito de olhá-la.

Em todo caso, e à margem de seus restantes falta, Gerard cumpria uma função no moinho. Suas maneiras cortesãos e seu particular acento atraíam tantos clientes como os baixos preços da Nicole.

Um número extraordinário de mulheres jovens iam com seus pais a pedir que lhes moessem o grão.

Gerard os tratava a todos como se fossem aristocratas franceses, jovens ou velhos, grossos ou magros, feios ou bonitos. As mulheres emitiam risitas quando as tirava do braço e as passeava ao

redor do moinho. Mas nunca se afastava com elas, e os pais sempre sabiam onde estavam suas filhas.

Só uma vez Nicole entreviu os pensamentos do Gerard. Uma jovem especialmente feia punha seus olhos em branco, muito agradada, enquanto Gerard lhe beijava a palma e murmurava frases em francês. Uma brusca mudança na orientação do vento permitiu a Nicole ouvir o que ele dizia.

Embora sorria, Gerard estava dizendo que essa mulher era como esterco de porco. Nicole se estremeceu e começou a afastar-se; não desejava ouvir nada mais.

Ergueu as costas e olhou ao outro lado do rio. Não tinha visto o Clay desde dia em que lhe falou do embaraço da Bianca. Em certo modo, houvesse-se dito que isso constituía um episódio muito remoto, mas ao mesmo tempo parecia que tinham transcorrido nada mais que minutos. Não havia uma só noite em que ela não pensasse no Clay, em que não desejasse o ter perto. Freqüentemente o corpo traía a Nicole, e muitas vezes ela ansiava lhe pedir um encontro no claro. Em momentos assim não lhe importavam nem seu orgulho nem os ideais superiores. Somente atinava a pensar nele, em seu corpo forte e quente que a estreitava.

Meneou a cabeça para esclarecer visão. Era melhor não atrasar-se no passado nem recordar o que já não era. Agora vivia bem, e estava rodeada por pessoas que a amavam. Não tinha direito a sentir-se sozinha, não podia deixar de agradecer o que lhe oferecia.

Voltou os olhos para a plantação Armstrong. Inclusive de longe, Nicole podia apreciar que não estava bem cuidada. deixou-se apodrecer nos campos a colheita do ano precedente. Ao ver o que acontecia Nicole se sentiu dolorida, mas nada podia fazer. Isaac a mantinha informada do que estava acontecendo: a maioria dos homens a salário se partiram muito tempo antes, venderam-se os contratos de alguns criados, quão mesmo quase todos os escravos. Só subtraía um punhado de pessoas. Essa primavera se semeou parte das terras baixas; mas nada mais. As terras altas permanecia sem cultivar, e nelas só havia caules podres. Isaac dizia que ao Clay não importava, e que Bianca estava vendendo tudo o que encontrava para pagar suas roupas e a constante redecoración da casa. Isaac dizia também que a única pessoa da plantação que tinha trabalho era a cozinheira.

—Não é um espetáculo agradável, verdade?

Nicole se voltou bruscamente e viu o Isaac, de pé junto a ela. Também ele olhava mais à frente do rio. Durante os meses que tinham passado do seqüestro, Isaac e Nicole tinham chegado a estreitar relações. Unia-os um vínculo forjado pela tragédia comum. Ela sempre tinha tido a sensação de que as pessoas que a ajudavam, no fundo se consideravam subordinadas ao Clay, e isso valia também até certo ponto para o Janie. Só com o Isaac existia esse vínculo especial. E Isaac, freqüentemente olhava a Nicole como se estivesse disposto a dar a vida por ela.

—Pode sair do passo se a colheita for boa, e até agora o tempo foi perfeito — observou Nicole.

—Não acredito que Clay tenha a força necessária nem sequer para colher o tabaco, e muito menos para levá-lo a mercado.


—Isso é absurdo. Não há homem mas laborioso que Clayton Armstrong.

—Não havia... —disse Isso Isaac era certo antes, mas agora quão único sabe fazer é aproximar a garrafa a sua boca. E o que resolveria trabalhando? A esposa gasta mais do que poderia pagar-se, com quatro plantações. Quando vou ali com os gêmeos, sempre há cobradores que perseguem o Clay. Se permitir que a colheita lhe apodreça no campo, perderá-o tudo. Terminarão a propriedade.

Nicole se apartou. Não desejava ouvir mais.

—Acredito que tenho que revisar uns papéis. Os Morrison trouxeram essa cevada que você pediu?

—Esta manhã —respondeu Isaac, que caminhava detrás da Nicole. O jovem respirou fundo e por milésima vez formulou mentalmente o desejo de que ela se relaxasse um pouco, embora fosse pelo bem dos que compartilhavam sua vida na casa. Também desejava que Wesley os visitasse, mas Travis tinha viajado a Inglaterra, e Wes tinha que ocupar-se de sua própria plantação. Ninguém podia conseguir que Nicole deixasse de trabalhar sequer uns minutos.

Gerard se recostou sobre uma árvore e observou ao Isaac que caminhava detrás da Nicole, enquanto ambos retornavam ao moinho. Freqüentemente se perguntava o que havia entre eles. Passavam muitas hora juntos. O último ano Gerard tinha conhecido a muitas pessoas, e a maioria se mostrou disposta a lhe dizer tudo o que ele queria saber. Sabia que Nicole era uma mulher apaixonada.

Tinha escutado várias vezes o relato do comportamento da jovem na festa dos Backes. Sua atitude tinha sido a de uma mulher vulgar, gesso frente a muita gente; entretanto, esbofeteou-o quando ele se atreveu a tocá-la.

Não tinha passado um dia sem que ele recordasse como o tinha esbofeteado, e o modo de olhá-lo, como se Gerard tivesse sido um réptil venenoso. Sabia por que se negou a ele. Acreditava que ela era melhor que Gerard. depois de tudo, ela pertencia à família Courtalain, cuja história estava relacionada com os reis e rainhas da França. E quem era Gerard? O filho de um sapateiro.

Acreditava que ela o aceitaria depois de inteirar-se de que eram parentes, mas não era assim. Para ela Gerard era filho de sapateiro, e não importava o que ele fizesse, a situação sempre séria a mesma.

Gerard pensou no que se obrigou a fazer o último ano. Nicole o tinha obrigado a prostituir-se com essas grosseiras norte-americanas. Eram mulheres toscas, desprovidas de educação, e conheciam unicamente esse desanimado idioma norte-americano. Ao Gerard adorava observar a expressão nos olhos das mulheres quando dizia coisas horríveis em francês. Eram muito estúpidas para entender suas palavras.

E de noite, Nicole o torturava, jogava com ele até que Gerard já não podia suportar mais. Só uma cortina separava o quarto do Gerard do espaço que Nicole ocupava. O estava deitado, na escuridão, e Adele roncava a seu lado, e Gerard escutava a Nicole despir-se. Conhecia os sons de cada objeto.

Sabia quando ela estava nua, um instante antes de ficar a camisola. Imaginava o corpo bronzeado da jovem, e que ele abria os braços e a recebia. E então lhe mostraria! Conseguiria que ela se arrependesse de havê-lo esbofeteado.

separou-se da árvore. Chegaria o momento em que ela se arrependeria de ter acreditado ser melhor que Gerard. Imaginava tudo o que lhe faria. Obrigaria-a a arrastar-se e rogar. Sim! Era uma mulher apaixonada, mas ele a tocaria unicamente se Nicole o pedia de joelhos. Demonstraria-lhe que o filho de um sapateiro não é inferior a qualquer de seus elevados parentes franceses.

Caminhou entre as árvores e se afastou do moinho. Esse lugar o adoecia. Todos reunidos, rendo e conversando... sem dúvida falando do próprio Gerard. Uma vez tinha alcançado para ouvir dois homens que se referiam ao "francesito". Gerard se apoderou de uma pedra, mas depois o pensou melhor. Havia modos melhores de vingar-se, sem necessidade de ferir ninguém. Mais avançado o outono, esses dois homens tinham perdido toda a colheita de tabaco. Um deles quebrou.

Gerard sorriu ao recordar. Enquanto caminhava com o passar do penhasco, um movimento no lado oposto do rio atraiu sua atenção. Era uma mulher bastante corpulenta a cavalo. deteve-se e olhou um momento. Durante o último ano tinha visto cada vez menos atividade nesses campos. Nunca lhe tinha interessado especialmente a relação da Nicole com o Armstrong. Sabia que antes Nicole estava casada com ele, e que na festa dos Backes se comportou como a amante desse homem. Muitas vezes Gerard tinha imaginado que Nicole se comportava do mesmo modo com ele.

Quando Nicole conseguiu a anulação do matrimônio, pouco depois da chegada do francês, Gerard se sentiu agradado. Pensava que estava lhe revelando a quem desejava verdadeiramente. Isso o tinha emocionado, sem dúvida, ela tinha obtido a anulação para casar-se depois com o Gerard. Tinha esperado uns dias, e depois tinha dado a entender a quão jovem estava disposto a recebê-la em seu leito.

Chiou os dentes ao recordar. Ela era uma coquete, e às vezes prometia coisas e depois reagia como se ele a tivesse insultado.

Enquanto olhava, a mulher que estava no lado oposto do rio levantou o látego e atirou um bom golpe sobre a garupa do cavalo. O animal saltou, depois inclinou a cabeça e contraiu o corpo. A mulher foi despedida pelo ar e caiu sentada, levantando uma nuvem de pó e calhaus.

Gerard vacilou um momento e depois pôs-se a correr para o mole. Não tinha uma idéia muito clara de suas próprias intenções, mas sabia que era necessário chegar à mulher.

—Está ferida? —perguntou quando esteve perto. Bianca estava sentada no chão, com seu corpo dolorido a causa do golpe e do momento que tinha cavalgado. tirou-se da boca um pedaço de terra e o olhou com desgosto. surpreendeu-se ao ver o Gerard. Fazia muito tempo que não via um cavalheiro, e identificou imediatamente o traje de estilo francês. Gerard vestia uma jaqueta de pano verde com o pescoço e os punhos de veludo. Levava camisa de seda branca, a gravata bem atada.

As pernas magras estavam embainhadas em calças cor castanha com seis botões de pérolas no joelho.

Bianca suspirou. Era agradável ver um homem que não estivesse vestido com objetos de couro.

Também a agradava ver um corpo esbelto, o corpo de um cavalheiro, em lugar da corpulência de um peão rural.

—Posso ajudá-la? —repetiu Gerard quando viu que a mulher não respondia. Advertiu o sentido do olhar da Bianca. Não era a primeira vez que observava essa expressão na América. As mulheres tinham fome de cultura e refinamento.

Examinou-a enquanto lhe oferecia a mão. Era uma mulher corpulenta, muito corpulenta. O vestido de cetim vermelho, muito decote, revelava um busto enorme. Tinha os braços muito grossos, que pressionavam sobre as mangas do vestido. A cara mostrava o aspecto de algo que antes tinha sido bonito, mas agora estava recarregado e deformado irremediavelmente. A pesar do corte antiquado do vestido e o tecido inadequado, Gerard compreendeu que era um objeto cara.

—me permita ajudá-la —disse Gerard com seu acento mais quente—. Me temo que danificará essa cútis deliciosa se continuar ao sol.

Bianca se ruborizou, e depois aceitou a mão que lhe oferecia.

Gerard se viu obrigado a realizar um esforço considerável. Pareceu-lhe ainda mais corpulenta quando a viu de pé.

Era uns cinco centímetros mais alta que ele, e pesava pelo menos vinte e cinco quilogramas mais.

Gerard não lhe soltou a mão, e a conduziu amavelmente até o amparo da sombra de uma árvore. Com um gesto amplo, tirou-se a jaqueta e a estendeu sobre a erva.

—Por favor —disse com uma reverência—. É necessário que descanse depois de uma queda assim.

Uma jovem delicada como você tem que cuidar-se.

voltou-se para o rio.

Bianca se acomodou sobre a jaqueta, e depois olhou ao Gerard, que já se afastava.

—Não pensasse me abandonar, verdade?

Ela olhou por cima do ombro, para lhe expressar de maneira inequívoca que havendo-a encontrado, não queria nem podia abandoná-la.


Gerard se deteve a borda do rio e tirou seu lenço, Pertencia ao Adele; o único que a dama possuía, era de seda pura, com encaixe de Bruxelas e as iniciais A. C. Gerard tinha eliminado cuidadosamente a e deixado a C, posto que agora ele era um Courtalain.

Umedeceu o lenço e o levou a Bianca. ajoelhou-se ao lado da jovem.

—Tem uma mancha na bochecha —disse em voz baixa. Como ela não reagiu, Gerard adicionou:

—me permita. —Sustentou na mão o queixo da Bianca, e começou a lhe limpar cuidadosamente a sujeira.

Bianca pensou que era estranho que o contato com o Gerard não lhe inspirasse rechaço. depois de tudo, ele era um homem.

—Lhe sujará o lenço —balbuciou.

O lhe respondeu com um sorriso de profunda tolerância. —O que é a seda comparada com a pele de uma mulher formosa?

—Formosa? —Olhou-o com assombro. O azul dos olhos era apenas visível por causa das bochechas excessivamente avultadas. A covinha da bochecha esquerda já não era visível—. Faz muito que ninguém me chama formosa.

—Que estranho —disse Gerard—. Eu houvesse dito que seu marido, porque estou seguro de que uma dama de sua beleza está casada, o repete todos os dias.

—Meu marido me odeia —disse abertamente Bianca.

Gerard refletiu um momento. Advertiu que essa mulher necessitava um amigo, e também precisava falar. encolheu-se de ombros. O não tinha nada que fazer, e além disso, às vezes as coisas que lhe diziam as mulheres solitárias eram úteis.

—E quem é seu marido? —Clayton Armstrong. Gerard arqueou o sobrecenho.

—O proprietário deste lugar?

—Em efeito. —Bianca suspirou—. Pelo menos, o que subtração disto. O se nega a trabalhar porque me odeia. Diz que não quer matar-se trabalhando no campo só para comprar alguns adornos.

—Adornos? —repetiu Gerard.

—Em realidade, sou uma pessoa frugal. Não compro nada que não necessite... algumas objetos singelos, Uma carruagem, adornos para a casa, nada que uma dama de minha posição não necessite.

—É uma vergonha que tenha um marido tão egoísta. Bianca desviou o olhar para o rio.

—Ela é a culpado de tudo isto. Se não se arrojou os pés de meu marido, não teria acontecido nada parecido.

—Mas eu acreditava que Nicole tinha estado casada com o senhor Armstrong. Gerard não fingiu desconhecer o tema.

—Esteve casada, mas eu a pus em seu lugar. Acreditou que podia apoderar-se do que era meu, pelo que tanto trabalho me havia flanco, mas não o obteve.

Gerard olhou ao redor, e Contemplou os campos de tabaco que se estendiam a sua esquerda.

—Até' onde exatamente chega a propriedade do Armstrong? Pareceu que Bianca se reanima

—É rico, ou poderia sê-lo se trabalhasse um pouco. Tem uma bonita casa, embora seja muito reduzida.

—Nicole renunciou a tudo isto? — perguntou Gerard, até certo ponto para se mesmo. A cólera avermelhou as bochechas da Bianca.


—Não renunciou. Lutamos, e eu ganhei. Isso é tudo. Agora Gerard estava realmente interessado.

—me fale dessa luta. Realmente, interessa-me muito.

sentou-se no chão e escutou absorto o relato da Bianca. Surpreendeu-o a astúcia da mulher. Essa era uma pessoa a quem ele podia entender. Sorriu quando lhe explicou como tinha pago ao Abe com o fim de que seqüestrasse a Nicole. E a olhou quase com respeito quando lhe disse que tinha chegado ao extremo de meter-se na cama do Clay.

Na América ninguém tinha escutado com tanta atenção a Bianca, nem lhe tinham mostrado tanto interesse. Ela mesma sempre tinha acreditado que o modo de manipular ao Clay e a Nicole tinha sido extremamente ardiloso, mas ao parecer ninguém o tinha visto assim. Ao comprovar que Gerard exibia um interesse tão vivo, Bianca continuou lhe relatando como tinha pago ao Oliver Hawthorne para conseguir que esse homem a deixasse grávida. Bianca se estremeceu ao recordar o episódio, e disse que tinha tido que drogar-se para suportar o contato desse indivíduo.

Gerard se pôs-se a rir.

—E não foi sequer o filho do Armstrong! Que maravilhoso! Não duvido que Nicole se enfureceu quando descobriu que seu amado algemo dormia com outra, e inclusive a tinha deixado grávida. —

Obedecendo um impulso, aferrou a mão adiposa da Bianca e beijou a pele tensa

—. Que lástima que perdesse o menino. Tivesse sido um justo castigo para o Armstrong que o menino se parecesse com um vizinho, e não ao persumido pai.

Se — disse Bianca com expressão sonhadora —. Me teria agradado que ele fizesse o papel de tolo, em pagamento de tudo o que se burlou de mi.

De você seria impossível burlar-se. Em realidade, parvas são as pessoas que não a apreciam como merece.

—Se, sim —murmurou Bianca—. Você me compreende. Permaneceram em silêncio um momento.

Bianca acreditou que tinha encontrado a seu primeiro amigo, alguém que estava interessado nela.

Todos outros pareciam tomar partido pelo Clay ou Nicole.

Com respeito ao Gerard, no momento não sabia o que fazer com as revelações da Bianca, mas sabia que de um modo ou de outro lhe seriam úteis.

—Apresentarei-me: sou Gerard Gautier, da família Courtalain.

—Courtalain! —exclamou Bianca—. Mas esse é o sobrenome da Nicole.

Sim, estamos... aparentados.

A Bianca lhe encheram os olhos de lágrimas.

—Você se aproveitou de mim —murmurou desesperada—. Me escutou, mas está do lado da Nicole!

Começou a incorporar-se, mas o peso de seu corpo a atirou de novo para trás. Gerard apoiou as mãos sobre os ombros da Bianca e a obrigou a sentar-se.

—Que eu esteja aparentado com ela certamente não significa que esteja de seu lado. longe disso, sou hóspede em sua casa, e não passa um momento sem que me recorde que dependo de sua caridade.

Bianca piscou rapidamente para limpá-las lágrimas. —Então, você sabe que essa mulher não é o anjo puro que pretende ser. casou-se com meu prometido. Tratou de me tirar ao Arundel Hall e a plantação. Entretanto, todos parecem acreditar que eu sou a que procedeu mau. E eu sozinho tomei o que era meu.

—Sim —conveio Gerard—. Embora quando diz todos suponho que se refere aos norte-americanos.

Mas, o que pode esperar de pessoas tão grosseiras e ignorantes?

Bianca sorriu.

—São gente muito estúpida. Ninguém viu como Nicole se arrumava com esse horrível Wesley Stanford.


—Ou com o Isaac Simmons! —disse enojado Gerard—. Passa muitíssimas horas diárias com esse vulgar plebeu.

Um sino soou ao longe. Chamava a comer aos trabalhadores da plantação que ainda ficavam.

—Devo partir —disse Bianca—. Poderíamos... nos ver outra vez?

Gerard utilizou sua escassa força para ajudá-la a incorporar-se, e depois ficou a jaqueta. Não foi uma tarefa fácil.

—Nada poderia impedir que eu a visse outra vez. Devo dizer que pela primeira vez desde que cheguei a América sinto que achei a uma amiga.

—Se —coincidiu em voz baixa Bianca—. Eu penso o mesmo. O tomou a mão e a beijou meigamente.

—Então, amanhã?

—Aqui, à hora do almoço. Eu trarei de comer. O assentiu depressa, e se separou da Bianca.


Capítulo 20

Bianca olhou um momento a figura do Gerard, afastar-se. Era seriamente um homem arrumado...

tinha maneiras delicados, refinados, muito diferentes aos que podiam ver-se nesses repugnantes norte-americanos. voltou-se para a casa e suspirou ao recordar que devia percorrer um comprido trecho. Essa distância era culpa do Clayton. Bianca tinha pedido que alguém a levasse em

carruagem através da plantação, mas Clay se riu da idéia, e disse que não estava em condições de riscar caminhos porque ela fora tão preguiçosa que não aceitava caminhar.

Durante a larga caminhada até a casa, Bianca pensou no Gerard. por que não se casou com um homem como ele? por que tinha aceito a um indivíduo tão mesquinho e grosseiro como Clayton?

Tivesse sido feliz com um homem como Gerard. Repetiu várias vezes o nome. Sim, a vida com ele tivesse sido muito prazenteira. Jamais se tivesse burlado da Bianca, nem a tivesse ofendido.

Uma vez na casa, desapareceu o sentimento de euforia. O lugar estava incrivelmente sujo. Não o tinha limpo a fundo em mais de um ano. As telarañas penduravam do teto. Sobre a mesa havia roupas, papéis e flores secas. O estou acostumado a estava enlodado. Os tapetes estavam tão carregados de pó que o mero feito de caminhar sobre elas levantava pequenas nuvens.

Bianca tinha tentado manter um grupo de criados, mas Clay sempre lhe fala impedido de aplicar sua disciplina. Apoiava aos criados contra ela. depois de uns meses se negou a empregar pessoal na casa. Dizia que o caráter da Bianca era muito azedo, e que não podia impor-se a ninguém o castigo de suportá-lo. Bianca tinha discutido com o Clay, e lhe havia dito que não tinha idéia do modo de tratar aos criados; mas como de costume, ele não fez conta

—Aqui vem minha pequena esposa... embora corresponda chamá-la pequena? —disse Clay. Estava apoiado no corrimão da escada, frente à porta do comilão. A camisa que vestia em outro tempo tinha sido branca, mas a via suja e rasgada; tinha-a aberta até a cintura, apenas sujeita pelo largo cinturão de couro. As botas altas estavam cobertas por crostas de lodo. Na mão sustentava uma taça de uísque, a bebida que consumia a cada momento.

—Imaginei que o sino chamando a comer te traria de volta —disse Clay perezosamente. passou-se a mão sobre o queixo sem barbear—. Não importa o que aconteça, é suficiente mencionar a comida para que acuda correndo.

—Repugna-me —replicou ela com expressão hostil, e passou ao comilão. A mesa grande estava lotada de mantimentos. Maggie era uma das poucas pessoas que tinham contínuo sonriendo ao Clay ao longo desse ano. Bianca se sentou com movimentos cuidadosos e desdobrou um guardanapo de linho sobre o regaço, enquanto estudava a comida.

—Que apetite! —disse Clay da porta—. Se fosse capaz de olhar assim a um homem, dominaria-o sem remédio. Mas os homens não lhe interessam, verdade? Seus únicos interesses são a comida e você mesma.

Bianca depositou em seu prato três partes de carne.

—Nada sabe de mim. Possivelmente te interesse saber que alguns homens me consideram atrativa.

Clay resmungou e bebeu um sorvo de uísque.

—Ninguém poderia ser tão estúpido. Em todo caso, confio em que eu sou o único que chega a esse nível de estupidez.

Bianca continuou comendo, lenta mas constantemente. —Sabia que sua querida e perdida Nicole se deita com o Isaac Simmons? —sorriu ao ver a expressão na cara do Clay—

. sempre foi uma cadela. Estava acostumado a encontrar-se contigo inclusive quando vivia comigo.

As mulheres como ela não podem viver sem um homem, e para o caso pouco importa que classe de indivíduo é.


Estou segura de que também se deitou com o Abe. Possivelmente representou o papel de casamenteira quando os reuni nessa ilha.

—Não te acredito —disse Clay pelo sob—. o Isaac é quase um menino.

—E você, o que foi aos dezesseis anos? Agora que ela se livrou de ti, pode fazer o que deseja com quem quer. Arrumado a que lhe ensinou algum de seus sujos truques na cama, e agora ela os ensina ao precioso e inocente Isaac,

—te cale! —gritou Clay, e lhe arrojou a taça à cabeça. Fosse porque estava muito ébrio para apontar bem, ou porque agora ela tênia mais prática em esquivar, o certo é que Clay errou o tiro.

Clay saiu da casa, E caminhou para o despacho E os estábulos. Nos últimos tempos, estranha vez visitava seu escritório; não lhe parecia necessário. Quando chegou aos estábulos, apoderou-se de uma jarra de uísque e caminhou para o rio.

sentou-se na borda e apoiou suas costas sobre uma árvore. De ali podia ver os campos semeados da Nicole. A casa e o moinho estavam fora de seu campo visual, e Clay se alegrava de que assim fosse.

Ver a fecundidade e a produtividade dos campos da Nicole já era mais que suficiente. perguntou-se se Nicole alguma vez pensaria nele, se o recordaria. Vivia com esse pequeno francês que, conforme afirmava Maggie, tinha embevecidas a quase todas as mulheres da Virginia. Desprezou a idéia do Isaac. Bianca tinha a mente doente.

Clay bebeu um comprido sorvo de uísque. Necessitava cada vez mais a bebida para esquecer. Às vezes, de noite, despertava de um sonho em que seus pais Beth e James o acusavam todos de esquecê-los, de destruir o que lhes pertencia. Pela manhã estava acostumada despertar com novas idéias, uma esperança distinta, planos para o futuro. Então via a Bianca, a casa suja, e os campos sem cultivar. Ao outro lado do rio, o som das risadas, ou os gritos de um dos gêmeos ressonavam no ar. Em um movimento inconsciente, alargava a mão para a garrafa de uísque. O uísque lhe adormecia os sentidos, e o ajudava a esquecer, e em definitiva, evitava que ouvisse ou pensasse.

Não emprestou a mais mínima atenção quando as nuvens cobriram o sol. Avançou o dia e o manto de nuvens se espessou. deslocavam-se perezosamente, mas cobriam porções cada vez majores do céu. ao longe, um raio sulcou o céu. dissipou-se o calor do dia e começou a sopro o vento. Varreu os campos de trigo e cevada. Golpeou o corpo do Clay, e mordiscou a camisa solta. Mas o uísque o mantinha quente. Inclusive quando caíram as primeiras gotas, Clay não se moveu. Começou a chover, cada vez mais intensamente. A chuva empapou o chapéu do Clay, a água começou a juntar-se sobre a asa, e depois lhe correu pela cara. Clay nem sequer advertiu confia umidade quando a camisa lhe pegou à pele. Permaneceu sentado, bebendo.

Nicole se voltou para a janela e suspirou. A chuva durava já dois dias, e não amainava sequer um minuto. tinham tido que suspender a moenda porque o rio tinha crescido tanto que era difícil controlar a água que chegava nos cubos. Isaac lhe tinha assegurado que os cultivo estavam a salvo enquanto os muros de pedra resistissem, e parecia que podiam agüentar. A água arrastava ao rio a capa superficial do chão das terras altas. Houvessem-se sentido totalmente a salvo dos perigos da chuva se não tivessem tido preocupar-se com a erosão.

Nicole se sobressaltou quando ouviu fortes golpes na porta

—Wesley! —disse, contente de vê-lo—. Está empapado! Entra!

Wesley se tirou o impermeável de tecido encerado e o sacudiu. Janie recebeu o objeto e a pendurou a secar.

—por que vieste com este tempo? — perguntou Janie—. Problemas com o rio?

—Muitos! Há café? Tenho confio e estou molhado.


Nicole entregou um grande jarro de café, e Wesley bebeu de pé, frente ao fogo. Gerard estava sentado em um rincão da habitação, em silêncio, a expressão distante. Wes alcançava para ouvir quão gêmeos falavam na planta alta, provavelmente com a mãe da Nicole, a quem ele tinha visto uma só vez.

—Bem, estamos esperando —insistiu Janie—. Que te trouxe por aqui?

—Em realidade, dirigia-me à casa do Clay. Haverá uma inundação se a chuva continuar.

—Uma inundação? —perguntou Nicole—. E prejudicará ao Clay? Janie dirigiu um olhar duro a Nicole.

—O que é mais importante, prejudicará-nos? Wes observava a Nicole.

—As terras do Clay sempre estiveram expostas às inundações... pelo menos as parcelas mais baixas.

Aconteceu uma vez, quando fomos meninos. Embora é obvio, nessa época o senhor Armstrong tinha ordenado semear os outros campos.

—Não entendo.

Wes se ajoelhou, e com uma lasca começou a riscar um diagrama que representava as terras do Clay, as da Nicole e o curso do rio. Precisamente, pouco depois do moinho o rio se desviava bruscamente para às terras do Clay, e o nível do estou acostumado a baixava o bastante, e criava uma planície inundable. do lado da Nicole a terra era alta, mas a do Clay era terra baixa, fértil, mas também constituía o ponto destinado a receber o excedente de água do rio.

Nicole apartou os olhos do desenho.

—Então, minhas terras estão drenando nas do Clay, e contribuem à elevação do nível do rio.

—Suponho que se pode interpretar assim, mas não poderia dizer-se que tem a culpa se Clay perder as colheitas.

—Perder as colheitas? Todas?

Wes passou o atiçador sobre o mapa desenhado na cinza. EI tem a culpa. Conhece bem o mecanismo das inundações. Todos os anos aceitou o risco e semeou esses terrenos, porque ali a terra é muito fértil. Sempre se protegeu semeando mais terras em terreno alto. O pai do Clay estava acostumado a considerar que a sorte o favorecia quando chegava a colher esses campos.

Nicole ficou de pé.

—Mas este ano semeou unicamente as terras baixas. Wes se aproximou dela.

—Sabia a que atenerse. Não ignorava o que podia ocorrer.

—Não é possível fazer nada? É inevitável que o perca tudo? Wes lhe aconteceu o braço pelos ombros.

—Ninguém pode deter a chuva. Se conseguisse suspender a queda de água, ele se salvaria; mas fora disso, não há outro recurso.

—Sinto-me tão impotente... oxalá pudesse fazer algo.

—Wesley —disse Janie com voz áspera—. Certamente tem apetite. por que não come algo?


Wes sorriu à mulher.

—eu adoraria tomar um bocado. Mas me digam como estão aqui as coisas. Parece-lhes que posso ver os gêmeos?

Janie se aproximou do pé da escada.

—O duque do Wesley está aqui —gritou— e deseja ver suas altezas reais.

Wes olhou incrédulo a Nicole. Ela elevou os olhos ao céu, meneou a cabeça e suspirou, e depois fez um gesto de impotência com as mãos. Wes quase se sufoco com a risada. Os gêmeos baixaram a escada como um tromba e se jogaram nos braços do visitante. O os recebeu, girou com eles e os jogou no ar, enquanto os meninos gritavam de alegria.

—Wes, deveria casar-se —disse Janie com voz terrivelmente séria, enquanto dirigia um olhar significativo a Nicole.

—Farei-o quando você me aceite —disse rendo—. Não! Não posso! Lembrança que já prometi matrimônio a uma das hermanitas do Isaac.

—É melhor para ti —resmungou Janie—. me Peça em matrimônio, e o aceito. Agora, deposite no chão a esses jovencitos e vêem comer.

Depois, enquanto Wes comia e respondia às perguntas dos gêmeos, viu a expressão no rosto da Nicole. Sabia o que a tinha impressionado. Estendeu a mão obre a mesa e estreitou a da Nicole.

—Já verá como todo se arruma. Travis e eu nos ocuparemos de que ele não perca a plantação.

Nicole levantou a cabeça.

—por que falas de perder a plantação? A perda da colheita de um ano não significa que perca a propriedade inteira.

Wes e Janie se olharam.

—Em circunstâncias normais, não seria o caso, mas por outro lado, os homens estranha vez perdem toda a colheita. Clay deveu ter semeado nas terras altas.

—Mas inclusive se perder a colheita, sem dúvida dispõe de suficiente reserva em efetivo para sobreviver. Parece-me incrível que a plantação vá à quebra em um só ano.

Wes apartou o prato. A chuva seguia golpeando o telhado. —Mais vale que saiba a verdade: o ano passado Clay deixou que seus cultivos se apodrecessem no campo, mas graças ao intenso trabalho durante os anos precedentes, e a tudo o que fizeram seu pai e seu irmão, sua situação financeira era sólida. Mas Bianca...

Vacilou, ao ver a expressão nos olhos da Nicole. A jovem tratava de manter uma atitude serena, mas Wes não se enganava, e via como a feria a só menção do nome da Bianca.

—Bianca —continuou dizendo Wes— contraiu dívidas extraordinárias. Falei com o Clay faz um mês, e me disse que ela tomou emprestadas certas somas, e utilizou como garantia a plantação, com o fim de enviar dinheiro a seu pai, que vive na Inglaterra. Ao parecer, ela tenta recuperar a antiga casa de sua família.

Nicole ficou de pé, aproximou-se do fogo e com o atiçador removeu distraída as cinzas. Recordou o parque que se entendia frente à casa da Bianca, o mesmo que anteriormente tinha sido propriedade dos Maleson. Bianca sempre dizia que um dia ela conseguiria recuperar o lar da família.

—E Clay lhe permitiu usar sua terra? Isso não parece muito próprio dele. Wes esperou um momento antes de responder.

—Não estou seguro de que falemos do mesmo Clay. Nicole, ele trocou. A dizer vê sorte da propriedade ou seu próprio destino. Não dá um passo sem uma taça de uísque na mão. Tentei raciocinar com ele, mas não quis me escutar. limitou-se a me ignorar. Em certo sentido, é a pior atitude que pôde adotar. Clay sempre teve caráter, e é muito capaz de descarregar um golpe antes de pensar, mas agora...

Deixou inconclusa a frase.

—De modo que Clay perdeu a agora é possível que lhe aconteça o mesmo. Tenta me dizer que está em bancarrota?

—Não. Travis e eu conversamos com os credores, e estamos apoiando ao Clay. De todos os modos, disse ao Clay que devia evitar que Bianca continuasse gastando do mesmo modo.

Nicole se voltou para olhar ao Wes.

—E disseram ao Clay que o ajudariam a confrontar suas dívidas?


—É obvio. Não desejava que ele se inquietasse muito.

—Homens! —disse com ferocidade Nicole, e depois adicionou em francês umas frases que induziram a arquear as sobrancelhas ao Gerard, que escutava tudo com expressão passiva—. O que diria se Clay vier a te informar que te considerasse incapaz de administrar sua terra, e que não deve te inquietar, porque ele se fará cargo?

—Não é o mesmo! Somos amigos, sempre fomos .

—Os amigos se ajudam mutuamente, não se destroem

—Nicole! —acautelou-a Wes, que estava zangando-se—. Conheço o Clay de toda a vida...

—E agora arroja uma âncora a um homem que se afoga! Isso é o que faz! Wes ficou de pé, o rosto vermelho de fúria, as mãos aferrando a mesa.

Janie intercedeu.

—Terminem de uma vez! Estão comportando como meninos, pior que meninos, porque os gêmeos nunca atuam assim.

Wes começou a acalmar-se.

—Sinto muito. Não quis me zangar, mas Nicole, acusa-me de coisas terríveis.

Ela se voltou para o fogo, com o atiçador ainda na mão. Tinha corrigido o curso do rio desenhado pelo Wes. Olhou-o enquanto falava.

—Não falei com má intenção. Acontece simplesmente que Clay é um homem muito orgulhoso.

Ama a plantação, e preferirá renunciar a ela antes que perdê-la.

—Isso não tem sentido. Nicole se encolheu de ombro.

—Imagino que, em efeito, o que digo não parece muito sensato. Possivelmente tropeço com certas dificuldades para me expressar. Wes, não há modo de evitar que o rio se transborde?

—Possivelmente rezando. Se cessar a chuva, é possível que a água descenda.

—por que essas terras não se alagavam todos os anos? por que se trata de inundações ocasionais?

—O curso do rio está trocado. O avô do Clay nos disse quando nós fomos meninos que em sua própria infância não havia terras baixas, e que ano detrás ano o rio se deslocava um pouco e deixava ao descoberto uns metros mais de terra.

—Vêem— disse ela, e se separou do mapa desenhado nas cinzas —. me Mostre aqui o sentido do que está explicando.

Wes se ajoelhou frente ao lar.

—Acredito que o rio tenta formar uma curva. Esta curva estava acostumada ser mais reta, mais ampla, mas no curso dos anos trocou.

Ela examinou o mapa.

—O que quer dizer é que o rio está carcomendo minhas terras altas e criando essa planície desce na propriedade do Clay.

Wes a olhou surpreso.

—Não acredito que isso deva preocupar-se. O rio necessitará cinqüenta anos para levar uma parcela importante de sua terra.

Ela não fez caso do olhar do Wes.

—e o que acontece se entregarmos o que deseja a esse deus do rio?

—Do que está falando? —perguntou Wes.

Tinha acreditado no princípio que movia a Nicole um impulso egoísta, e que a preocupava a possibilidade de que o rio lhe arrebatasse sua terra.

—Nicole... —disse Janie—. Não me agrada esse tom de voz. Nicole tomou uma lasca.


—O que aconteceria se minhas terras fossem cortadas aqui?

—Riscou uma linha de uma curva do rio à outra—. O que aconteceria?

—É uma terra úmida e levantada, e provavelmente se desprenderia e cairia ao rio.

—E de que isso modo influiria no nível da água?

Ao Wes lhe aumentaram os olhos quando começou a como prender o que ela pensava.

—Nicole, não pode fazer isso. Precisaria cavar vários dias, e a terra que se desprenderia está semeada com seu trigo.

—Não respondeste a minha pergunta. Descenderia o nível da água?

—O rio teria mais espaço e poderia distribuir-se melhor... possivelmente. Como podemos sabê-lo?

—Estou pedindo uma opinião, não uma resposta absoluta.

—Sim, maldita seja! É provável que ao rio adore tragar-se suas terras em lugar das do Clay. O que lhe importa uma coisa ou a outras a essas malditas águas?

—Agradeceria-te que cuidasse a linguagem em presença dos meninos— disse recatadamente Nicole

—. Bem, necessitaremos pás e picos para as raízes e as pedras, Y...

Wes a interrompeu.

—Sabe como está o tempo? A chuva cai com tal força que pode matar, e falas de trabalhar nessas condições.

—Não conheço outro modo de cavar uma sarjeta. Talvez você possa fazê-lo baixo teto, de modo que todos trabalhamos-se cos e mornos.

—Não posso te permitir que faça isso —disse francamente Wes—. Clay pode arrumar-se sem necessidade de que te sacrifique. Travis e eu lhe emprestaremos o dinheiro, e o ano próximo as coisas melhorarão.

Nicole o olhou fríamente.

—Seriamente? O ano próximo as coisas melhorarão? Olhem o que lhe temos feito. Todos o abandonamos. É um homem que necessita uma família. Era feliz quando tinha a seus pais, ao James, ao Beth e os gêmeos. E depois, um por um todos o abandonaram. Durante um tempo lhe ofereci meu amor, mas depois o neguei... e também tirei aos gêmeos. —Levantou um braço e assinalou na direção do Arundel Hall—. Antes era uma casa feliz, habitada por pessoas a quem ele amava e que o amavam. O que tem agora? Inclusive seus sobrinhos vivem com uma estranha, e não com ele. Temos que lhe demonstrar que sua pessoa nos importa.

—Mas Travis e eu...

—Dinheiro! Você é como um marido que oferece dinheiro a sua esposa em lugar da atenção e o amor que ela necessita. Clay não necessita dinheiro; precisa saber que alguém se interessa por ele.

Tem que sentir que não está sozinho no mundo.

Wes ficou de pé e a olhou fixamente, e o mesmo fizeram Janie e os gêmeos. Gerard entreabriu as pálpebras, mas sua expressão indicava que estava profundamente interessado.

—Adivinha o que sente Clay? —perguntou serenamente Wes—. Ou está transladando o que você mesma sente? Não é você a que se sente solitária e deseja que alguém te demonstre interesse?

Nicole tratou de sorrir.

—Não sei. Agora não tenho tempo de pensar nisso. Cada minuto que percamos o nível do rio subirá e se aproximará do tabaco do Clay.

Wes aferrou bruscamente o braço da Nicole e a abraçou. —Se um dia encontrar a uma mulher que me ame a metade do que você ama ao Clay, aferrarei a ela e não a soltarei nunca Nicole se separou dele e se enxugou uma lágrima.

—Por favor, desejo guardar alguns secretos, e além não duvido que terá uma conduta tão ridícula como a que Clay e eu demonstramos. Bem! — disse com voz enérgica—. nos Organizemos.

Possivelmente possa conseguir algumas pás, verdade?


Janie se desatou o avental, pendurou-o no cabide que estava junto à porta, e se apoderou do impermeável do Wes.

—aonde vai? —perguntou Wes.

—Enquanto os dois conversam, eu tratarei de faz algo. Acima de tudo, pedirei emprestados algumas objetos ao Isaac. Sair sem roupa adequada baixo esta chuva não é o melhor modo de trabalhar. E

depois irei procurar ao Clay.

—Clay! —disseram ao uníssono Nicole e Wes.

—Vós podem acreditar que é um inválido, mas eu sei a que atenerme. Pode cavar tanto como outro qualquer, e ainda o acompanham alguns homens. Oxalá tivéssemos tempo para trazer também ao Travis.

Nicole e Wes continuavam olhando-a sem falar.

—Propõem-lhes jogar raízes ali? Nicole, vêem comigo ao moinho. Wes, marca os lugares onde terá que cavar a sarjeta.

Wes aferrou o braço da Nicole e a puxou há porta.

—Vamos! Há trabalho que fazer!


Capítulo 21

Janie se sentiu impressionada quando viu Arundel Hall. Havia uma grande filtração no telhado do alpendre, e estava alagado. A porta da casa se achava entreabierta e o tapete oriental tinha um bordo completamente empapado. Entrou na casa e tentou fechar a porta. A permanente umidade da chuva tinha inchado a porta, de modo que era impossível fechá-la. Enrolou o tapete úmido para apartar a da porta, e olhou dolorida o estou acostumado a arqueado e enrugado frente à porta. Seria necessário substituir o carvalho.

Irritada, passou o olhar pelo largo vestíbulo. A intensa umidade determinava que a sujeira e os restos que havia na casa cheirassem mau. Fechou os olhos um momento e mentalmente pediu perdão à mãe do Clay. Depois atravessou o vestíbulo e se aproximou da biblioteca.

Abriu a porta sem chamar. Viu imediatamente que era a única habitação que não tinha trocado, embora tampouco estava poda. Permaneceu de pé na soleira vários minutos, enquanto seus olhos se adaptavam à penumbra.

—Certamente morri e cheguei ao céu —disse uma voz tartajosa que brotou de um rincão—. Minha formosa Janie com calças de homem. Possivelmente te propõe impor uma moda?

Janie se aproximou do escritório e acendeu um abajur e depois aumentou a intensidade da chama.

Conteve uma exclamação quando viu o Clay. Tinha os olhos vermelhos, a barba suja e espaçada.

Duvidava que se lavou em várias semanas.

—Janie, mulher, quer me aproximar essa jarra que está sobre o escritório? Faz momento que quero alcançá-la, mas parece que não tenho força suficiente.

Janie o olhou um momento.

—Quanto tempo faz que não come?

—Comer? Não há comida. Não sabia que minha querida esposa o consome tudo? Tentou incorporar-se. Mas o esforço lhe pareceu excessivo.

Janie se aproximou do Clay.

—Cheira!

—Obrigado, querida, é a palavra mais bondosa que me hão dito em muito tempo. Ajudou-o a incorporar-se. O via muito inseguro sobre os pés.

—Desejo que venha comigo —disse Janie.

—É obvio. Seguirei-te aonde queira.

—Acima de tudo, sairemos à chuva. Possivelmente isso te refresque, ou pelo menos te lave.

Depois, iremos à cozinha.

—Sim —disse Clay—. A cozinha. O lugar favorito de minha esposa. A pobre Maggie agora trabalha mais que quando cozinhava para toda a plantação. Sabia que todos se partiram?

Janie sustentou ao Clay enquanto caminhavam para a porta lateral.

—Sei que nunca vi um caso de autocompasión pior que o teu.

A chuva fria os golpeou com força. Janie inclinou a cabeça para evitar os alfilerazos da água, mas pareceu que Clay nem sequer os advertia.

Na cozinha, Janie avivou o fogo e adicionou lenha. apressou-se a depositar uma cafeteira sobre a churrasqueira. O lugar estava na mais completa desordem, um espetáculo muito distinto à escrupulosa limpeza que antigamente tinha reinado ali. Tinha o aspecto de um lugar ao que ninguém emprestasse atenção.

Janie ajudou a sentar-se ao Clay. e depois saiu outra vez à chuva em busca do Maggie.

Sabia que necessitaria ajuda para devolver a sobriedade ao Clay.


Uma hora depois, Maggie e Janie tinham obrigado ao Clay a beber uma quantidade extraordinária de café, e a comer meia dúzia de ovos mexidos. Enquanto estavam nisso, Maggie não cessava de falar.

—Esta já não é uma casa feliz —disse Maggie—. Essa mulher coloca o nariz em tudo. Pretende que nos inclinemos ante ela e lhe beijemos os pés. Todos nos ríamos antes de que Clay se casasse com ela. —Fez uma pausa e dirigiu um olhar duro ao Clay—. Mas depois, não houve modo de agradá-la.

Todos os que podiam partir, têm-no feito. Quando começou a reduzir as rações de comida, inclusive fugiram alguns escravos. Acredito que sabiam que Clay não os buscaria. E acertaram.

Clay começava a recuperar a lucidez.

—Janie não deseja conhecer nossos problemas. A gente que habita o céu não quer saber do inferno.

—Você escolheu o inferno! —começou ao Maggie, iniciando um discurso que sem dúvida tinha repetido muitas vezes.

Janie apoiou a mão no braço do Maggie para interrompê-la.

—Clay —disse com voz serena—, está bastante lúcido para me escutar?

O apartou os olhos do prato de ovos. Em sua cara se desenhavam profundas olheiras. A boca era uma linha reta com as comissuras muito marcadas. Parecia mais velho que o que Janie o recordava.

—O que quer me dizer? —perguntou secamente.

—Sabe o que está fazendo a chuva com seus cultivos?

Clay franziu o sobrecenho, e depois apartou o prato. Janie o devolveu a seu lugar anterior. Clay obedeceu e voltou a comer. —É possível que esteja ébrio, mas acredito que não pude ignorar tudo o que está me acontecendo. Quer dizer, tudo o que eu mesmo provoquei. Sei muito bem o que está fazendo a chuva. Não lhes parece que é um final apropriado? depois de tudo o que minha esposa —

disse a palavra com profundo sarcasmo — lhe tem feito a esta plantação, parece que os dois a perderemos.

— E está disposto a permitir isso? _preguntó Janie—. O Clay a quem sempre conheci lutava pelo que queria. Lembrança que você e James combateram um incêndio durante três dias.

—OH, sim, James —disse Clay em voz baixa—. Então me importava o que pudesse me acontecer.

—Você possivelmente não se preocupe com o que lhe acontece—disse ferozmente Janie—, mas a outras pessoas importa. Agora mesmo Wesley E Nicole estão sob a chuva tratando de desprender da terra da Nicole para salvar a sua. e o único que faz é esperar aqui, chapinhando em seu orgulho egoísta.

—Orgulho? Não tive orgulho desde que... desde certa manhã em uma cova.

—Basta! —gritou Janie—. Basta de pensar em você mesmo e me escute. ouviu uma só palavra do que hei dito? Wes disse a Nicole que estas terras provavelmente se alagariam e ela ideou um modo de salvar os cultivos.

—salvá-los? —Clay levantou a cabeça—. O único modo conseguir que afastamento a chuva, ou possivelmente construir um dique rio acima.

—Ou também, se o rio pudesse desviar-se, em lugar de transbordar sobre estas terras...

—Do que está falando? Maggie se sentou ao lado do Clay.

—Janie, você disse que Nicole se propõe salvar a colheita do Clay. Como? Janie olhou a seus dois interlocutores, que agora se mostravam interessados.

—Conhecem a curva fechada que descreve o rio debaixo de moinho? —Não esperou a resposta—.

Nicole imaginou que se cavava ali uma sarjeta, o rio podia seguir esse curso em lugar de alagar as terras baixas, onde está o tabaco do Clay.


Clay se recostou no respaldo da cadeira E olhou ao Janie. Sabia exatamente o que Janie queria dizer. O excesso de água do rio necessitava uma saída, E nesse sentido um lugar era tão bom como outro. Passou um momento antes de que falasse.

—Se o rio em efeito segue esse curso ela perderá vários hectares de terra —disse finalmente.

—Isso é o que disse Wes —Janie serve mais café para os três—. Tratou de convencer a Nicole, mas ela disse... —fez uma pausa e olhou ao Clay—. Disse que você necessitava que alguém acreditasse em você mesmo, que necessitava que alguém se preocupasse de sua sorte.

Clay ficou de pé bruscamente e se aproximou da janela da cozinha. A chuva era tão intensa que no máximo pôde recolher uma impressão do que acontecia fora. Pensou na Nicole. Tinha permanecido ébrio quase um ano porque não queria pensar ou sentir, e entretanto não tinha alcançado seu

propósito. Nem por um minuto, ébrio ou sóbrio, tinha deixado de pensar nela, e o que poderia ter sido, o que teria sido só com que ele... E quanto mais pensava, mais bebia.

Janie tinha razão, sentia lástima de si mesmo. Ao longo de sua vida sempre havia sentido que controlava as coisas; mas depois lhe tinham arrebatado a seus pais, e mais tarde ao Beth e ao James.

Acreditou que desejava a Bianca, mas Nicole o tinha confundido. E quando compreendeu quanto a amava, já era muito tarde. Já a tinha ofendido tanto que ela não desejava confiar novamente nele.

A chuva golpeou contra o cristal. Ali fora suportando esse frio dilúvio, Nicole trabalhava para ele.

Estava disposta a sacrificar sua terra, seus cultivos, a segurança de todas as pessoas que dependiam dela, e o fazia por ele. O que havia dito Janie? Para lhe demonstrar que alguém se preocupava com ele.

voltou-se para o Janie.

—Na plantação ficam uns seis homens. Irei buscá-los e trarei pás. — Caminhou para a porta—.

Necessitarão alimento. Esvaziem as despensas.

—Muito bem! —sorriu Maggie. As duas mulheres cravaram os olhos na porta quando Clay desapareceu.

—Essa tenra damita ainda o ama, verdade? —perguntou Maggie.

—Nunca cessou de amá-lo, embora certamente eu tentei convencer a de que o esquecesse.

Em minha opinião, não existe homem bastante bom para ela.

—E esse francês que vive com ela? —perguntou Maggie expressão hostil.

—Maggie, não sabe do que está falando.

—Tenho umas horas para escutar —disse Maggie, e começou a guardar mantimentos nos bolsos.

Cozinhariam no moinho. Era melhor levar a comida crua e molhada que tentar o transporte quando estivesse quente.

Janie sorriu.

—Então, comecemos. Tenho um ano inteiro de informação que te comunicar.

A chuva se precipitava com tal força que Clay apenas a ver seus homens enquanto cruzavam o rio.

A água lambia os borde dos botes de remo, e ameaçava tragar-se aos homens tanto como à terra. O

rio já tinha crescido bastante e se levou várias fileiras do tabaco do Clay.

Quando chegaram à borda oposta, os homens carregaram as pás e começaram a subir a colina, com a cabeça inclinada, de modo que o bordo do chapéu os protegesse um pouco, ao menos, da chuva.

Quando chegaram ao sítio em que os outros estavam cavando, não perderam tempo e começaram a trabalhar. O Clayton que tinha ido repartir lhes ordens não era um homem a quem se atrevessem a desobedecer. Clay afundou a pá na terra branda. Não era o momento de dedicar-se a pensar em que estava colaborando com o sacrifício da Nicole. de repente pareceu-lhe importante salvar a colheita. Desejava recolher esse tabaco tanto como jamais tinha desejado algo em sua vida.

Cavou com mais energia que a que tinha demonstrado antes. Parecia poseído por um demônio.

Estava tão concentrado no movimento da pá, que ao princípio não sentiu a mão lhe tocava o braço.

Quando retornou à presente, voltou-se para olhar aos olhos a Nicole.

Vê-la de novo o sobressaltou. Apesar da intensa chuva o mesmo tivessem podido estar sozinhos.

Ambos levavam chapéus de asa larga, e a água lhes corria pela cara.

—Toma! —gritou ela para impor-se à fúria da chuva—. Café. Ofereceu-lhe uma jarra. Sua mão protegia a abertura de] recipiente.

Clay recebeu o jarro e bebeu o conteúdo sem dizer uma palavra. Ela recuperou o recipiente vazio e se afastou.

Clay permaneceu imóvel um momento, e observou a Nicole, que tratava de caminhar sobre o lodo.

Parecia muito pequena embainhada nas roupas masculinas, e meio-fio com botas grandes. ao redor do Clay, pisoteados no lodo, havia caules de trigo quase amadurecido, o trigo da Nicole.

Pela primeira vez olhou ao redor. Quinze homens cavavam a sarjeta. Viu o Isaac e ao Wes em um extremo. À esquerda se estendia a parcela que eles tentavam desprender. O trigo se inclinava sob a chuva furiosa, mas a ladeira da colina garantia um bom drenado. Não longe havia um muro de pedra baixo. Clay tinha visto o Isaac e a Nicole construindo esses muros. Cada vez que ela levantava uma pedra, Clay bebia um pouco mais. Agora, todo esse trabalho iria parar ao rio, descartado como se nada significasse. E tudo por ele.

Cavou de novo a pá na terra e começou a cavar com mais energia ainda.

A escassa luz do dia começou a desvanecer-se poucas horas depois. Nicole lhe aproximou de novo e com gestos lhe indicou que devia deter-se e comer. Clay meneou a cabeça e continuou cavando.

Chegou a noite, e os homens, continuaram trabalhando. Não havia modo de manter acesas os abajur, e assim cavavam médio por instinto e meio graças ao melhoramento da visão noturna.

Wesley tratava de manter aos homens nas linhas que ele tinha fixado.

Por volta da manhã, Wes se aproximou do Clay e com um gesto lhe indicou que o seguisse. Os cavadores estavam muito cansados, frios e doloridos. A tarefa era bastante dura, mas combinada com a intensidade da chuva provocava um esgotamento total.

Clay seguiu ao Wes até o extremo da sarjeta. Estavam muito perto do final. Em uma hora, pouco mais ou menos, saberiam se o trabalho realizado serviria de algo. de repente, Clay pensou que possivelmente o rio não se sentisse obrigado a aceitar o sacrifício da Nicole. Podia permanecer no mesmo curso, e não fazer caso do canal.

Wes olhou com gesto inquisitivo ao Clay e lhe pediu opinião a respeito da formação da boca da sarjeta. A chuva era tão intensa e ruidosa que não podiam falar. Clay assinalou um atalho que terminava na curva do rio, e os dois amigos começaram a cavar ali.

O céu começou a esclarecer-se à alvorada. Os homens puderam ver o que tinham feito e onde deviam continuar. Só faltava um metro e meio pão completar a profunda sarjeta. Wes e Clay se olharam por cima da cabeça da Nicole. A jovem cavava junto os homens, sem levantar jamais a vista. Todos pensaram o mesmo. Em poucos minutos mais saberiam se tinham tido êxito ou não.

de repente, o rio respondeu à pergunta. mostrou-se tão ambicioso que não pôde esperar que cavassem o metro e médio que faltava. A água alagou a sarjeta pelos dois extremos ao mesmo tempo. O estou acostumado a molhado e brando se desabou como se fosse feito de massa de confeitaria. Os cavadores logo que tiveram tempo de saltar a um lado para evitar que os arrastasse a água. Clay aferrou da cintura a Nicole e a deixou em um nível mais alto e seguro.

Todos retrocederam um pouco e viram como o rio cobria a terra semeada de trigo. O chão se desprendia formando lâminas espessas, escuras e férteis, e caía à água, e ao fim desaparecia para sempre. A água turbulenta varria a terra como lava vulcânica.

—Olhem! — gritou Wes por cima do ruído.


Todos voltaram os olhos para a borda oposta, na direção assinalada pelo Wes. Estavam tão fascinados pela visão da terra que caía à água que não tinham emprestado atenção aos campos do Clay. Quando o rio foi encher o vazio deixado pela terra da Nicole, que agora viajava a impulso da corrente, o nível descendeu o bastante. As últimas fileiras de tabaco, que um momento antes estavam sob a água, agora apareceram outra vez, achatadas e estragados; mas as fileiras que estavam um pouco mais acima, salvaram-se.

—Hurra! —gritou Nicole, e foi a primeira. de repente, o cansaço se dissipou em todos. Tinham trabalhado a noite inteira para alcançar uma meta, e o tinham obtido, O júbilo substituiu à fadiga.

Começaram a agitar no ar as pás. Isaac aferrou a mão do Luke e ambos dançaram no lodo.

—Conseguimo-lo! —gritou Wes impondo-se ao ruído da chuva. Elevou a Nicole e a jogou no ar.

Depois a recolheu e a passou ao Clay, como se a jovem tivesse sido um saco de grão.

Clay sorria de brinca a orelha. —Você o fez —disse rendo, enquanto recebia a Nicole—.

Você o conseguiu! Meu formosa e brilhante algema!

Abraçou-a com força e a beijou, em um beijo intenso e faminto.

Durante um momento, Nicole esqueceu a hora, o lugar, tudo o que tinha acontecido. Beijou ao Clay com toda a paixão que sentia. Experimentava um sentimento de necessidade, e para ela Clay era o único alimento.

—Para isso haverá tempo depois —disse Wes e tocou no ombro ao Clay. Seus olhos transmitiram uma advertência. Os homens os olhavam com curiosidade.

Nicole olhou ao Clay, e ela mesma advertiu que em sua cara as lágrimas se mesclavam com a chuva.

O a soltou a contra gosto. separou-se da Nicole com um movimento rápido, como se o queimasse, mas o olhar do Clay continuou sustentando a da Nicole, em um gesto que expressava ao mesmo tempo fascinação e dúvida.

—Comamos —gritou Wes—. Oxalá as mulheres tenham preparado bastante alimento, porque poderia consumir pelo menos uma carreta de comida.

Nicole se separou do Clay. Em seu corpo sentia mais vida que durante todos os meses anteriores.

—Maggie está aqui, de modo que sabe que é provável que haja mais que suficiente.

Wes sorriu, e depois lhe aconteceu o braço pelos ombros, e todos começaram a caminhar para o moinho.

Tinham preparado uma mesa sobre cavaletes, e o alimento tivesse sido suficiente para cem pessoas famintas. Havia pão recém assado, ainda quente e fragrante. Esperavam-nos grandes potes de nata fria. E também salada, pescado cozido, ostras, caranguejo, peru, carne de vaca e pato. Havia oito classes de bolos, doze tipos de verdura, quatro tortas, cabeça de gado vinhos, três classes de cervejas, além de leite e chá.

Nicole se manteve se separada do Clay. Tomou seu prato loja de comestíveis de comida e se sentou sozinha em um rincão, junto às rodas lhe moer. O havia dito que Nicole era sua esposa, e durante um momento ela sentiu que o era. Parecia que tinha passado tanto tempo desde que ela foi sua esposa... e entretanto, quem sabe por que, intuía que em realidade nunca o tinha sido. Só esses breves dias em casa dos Backes, Nicole havia sentido que se identificava com seu papel.

—Cansada?

Levantou o olhar para o Clay. O se tinha tirado a camisa úmida, e uma toalha pendurava de seu pescoço. Parecia vulnerável e solitário. Nicole ardia em desejos de abraçá-lo, de consolá-lo.

—Tem inconveniente em que me sente contigo?

Ela meneou a cabeça em silêncio. Até certo ponto estava fora do alcance dos olhares do resto.


—Não está comendo muito —disse Clay em voz baixa e com um gesto da cabeça assinalou o prato cheio—. Talvez necessita um pouco de exercício para abrir o apetite.

Os olhos do Clay brilharam. Nicole tratou de sorrir, mas a proximidade do Clay a inquietava.

Clay tomou um pedaço de presunto do prato da Nicole e o comeu,

—Maggie e Janie fizeram um grande trabalho.

—Puderam utilizar seu mantimentos. Foi muito amável de sua parte te mostrar tão generoso.

Os olhos do Clay se escureceram quando olhou a Nicole. —Seriamente estamos tão distanciados que nem sequer podemos falar? Não mereço o que tem feito hoje por mim. —Não!

—disse quando ela começou a interrompê-lo—. me Permita terminar. Janie disse que eu tinha estado chapinhando na autocompasión. Acredito que assim foi. Acredito que estive sentindo que não merecia o que me tinha acontecido. Esta noite tive que muito tempo para pensar. acabei que compreender que a vida é como alguém a faz. Disse certa vez que eu não atinava a decidir o que desejava. Tinha razão. Queria o ter tudo, e acreditei que o conseguiria com apenas pedi-lo. Acredito que era muito fraco e não podia suportar nenhum tipo de carência.

Ela apoiou a mão sobre o braço do Clay.

—Não é um homem débil.

—Não acredito que você me conheça, como tampouco eu mesmo me conheça. Tenho-te feito costure terríveis, E agora isto... —Não pôde terminar a frase. Lhe quebrou a voz—. Você me devolveu a esperança, algo que perdi faz muito tempo.

Pôs sua mão sobre a da Nicole.

—Prometo-te que não voltarei a te defraudar. Não me refiro só ao tabaco, mas também a minha vida.

O olhou a mão da Nicole, e lhe acariciou os dedos.

—Não acreditei que fora possível, mas te amo mais que nunca.

A Nicole lhe formou um nó na garganta, e não pôde falar. Clay a olhou aos olhos.

—Não há palavras para te dizer o que sinto por ti, ou para te agradecer o que tem feito.

—interrompeu-se bruscamente, como se se afogasse—. Adeus —murmurou.

Desapareceu antes de que ela pudesse falar.

Clay saiu com passo rápido do moinho, deixando ali a camisa, e sem fazer caso da gente que o chamava. Uma vez fora, logo que advertiu que a chuva se converteu em uma mera garoa. Com as primeiras luzes do alvorada pôde ver as mudanças sofridas pela terra. Onde antes os campos da Nicole descendiam para o rio, agora caíam cortados a pico. O rio mesmo parecia mais sereno.

Como um grande animal que comeu bem e que agora estivesse dirigindo seu festim.

O mole se mantinha intacto, E Clay cruzou o rio, agora muito mais largo, em direção a seu próprio embarcadero. Caminhou lentamente para a casa. Era como se estivesse despertando depois de um ano de pesadelo. Sentia a seu lado a presença do James, que se mostrava afligido pelo que Clay fazia com essa formosa e fértil plantação.

Também viu o descuido em que se achava a casa. Cruzou o atoleiro que se formou sobre o chão de madeira.

Bianca estava de pé da escada. protegia-se com uma grosa bata de seda celeste. Debaixo levava uma camisola de cetim rosado. O pescoço, os punhos, o peitilho e o extremo da bata estavam adornados com um cós muito largo defina plumas multicoloridos.

—Bem! De modo que chegaste! De novo esteve fora toda a noite.

—Me sentiste falta de? —perguntou sarcásticamente Clay. Lhe dirigiu um olhar que foi resposta suficiente.

—Onde estão todos, e por que não serviram o café da manhã?


—Acreditava que estava preocupada comigo, mas em troca seu interesse se centra nas habilidades do Maggie.

—Quero uma resposta! Onde está o café da manhã?

—Agora estão servindo o café da manhã ao outro lado do rio, no moinho da Nicole.

—Ela! Essa prostituta! De modo que ali estiveste. Devi compreender que não poderia viver sem satisfazer suas repugnantes e primitivas necessidades. O que utilizou esta vez para te atrair?

Há-te dito algo de mim?

Clay desviou o olhar com um gesto de repugnância, e começou a subir a escada.

—Graças a Deus, seu nome jamais foi mencionado.

—Ao menos aprendeu isso —disse altivamente Bianca—. Tem astúcia suficiente para compreender que a conheço bem, que sei quem é ela. Todos estão muito cegos, e não advertem que é uma mentirosa rapaz E trapaceira.

Clay se voltou com um rugido contra Bianca. Deu três ou quatro passos e se deteve frente a ela.

Aferrou-a pelo pescoço da bata e a arrojou fortemente contra a parede.

—Lixo! Nem sequer tem direito a pronunciar seu nome. No curso de sua vida jamais tiveste um gesto de decência para com ninguém, e a acusa de ser como você. Ontem à noite, Nicole sacrificou vários hectares de sua terra para salvar a minha. Ali estive toda a noite, cavando junto a ela e a outras pessoas que sabem o que significam a bondade e a generosidade.

Empurrou de novo a Bianca contra a parede.

—Tirou-me todo o possível. Em adiante, eu dirigirei este lugar. me acredite, você não o fará.

Bianca respirava com dificuldade. As mãos do Clay lhe cortavam a circulação. As bochechas gordinhas se incharam por causa da pressão.

—Não pode ir com ela. Sou sua esposa —ofegou—. Este lugar é meu.

—Esposa! —repetiu sarcásticamente Clay—. Em vista dos enganos que cometi, acredito que quase o mereço. —Soltou-a e retrocedeu um passo—. te Olhe! Não te agrada, tampouco agrada a ninguém.

voltou-se para sua habitação, e ali se deitou e dormiu instantaneamente.

Bianca permaneceu imóvel como uma estátua de mármore quando Clay se afastou. por que lhe havia dito que a própria Bianca se não gostava a si mesmo? Ela provinha de uma antiga e importante família inglesa. Como era possível que não se sentisse orgulhosa de si mesmo?

Sentiu ruídos no estômago, e se levou a mão ao ventre. Com passo lento saiu da casa e foi à cozinha. Não sabia nada de cozinha, e os barris de farinha e outros ingredientes crudos simplesmente a confundiam. Tinha apetite, muito apetite, e não encontrava o que comer. As lágrimas brotaram de seus olhos quando saiu da cozinha e caminhou para o jardim.

Ao fundo do jardim havia um pequeno pavilhão, protegido por duas enormes e antigas magnólias.

sentou-se sobre uma almofada; e quando advertiu que estava completamente empapado, começou a ficar de pé. Mas, do que servia? Sua bela bata já se danificou.

As lágrimas correram por suas bochechas enquanto os dedos nervosos atiravam da bata.

—Posso incomodá-la? —disse uma voz com bastante acento. Bianca elevou bruscamente a cabeça.

—Gerard! —exclamou, e de novo as lágrimas brotaram de seus olhos.

—esteve chorando —disse ele com compreensão. Começou a sentar-se ao lado da Bianca, mas advertiu a tempo que as almofadas estavam molhadas. Arrojou um por sobre o corrimão, e depois usou um lenço, não o lenço de seda do Adele, para secar a maior parte da água do banco de madeira. instalou-se—. Por favor, me diga o que acontece. Acredito que neste momento você necessita um amigo.

Bianca ocultou a cara entre as mãos.

—Um amigo! Não tenho amigos! Neste horrível país todos me odeiam. Esta manhã ele me disse que nem sequer eu eu gostava mesma.


Gerard se inclinou para frente e tocou os cabelos da Bianca. Não estavam de tudo limpos.

—Não compreende que lhe dirá tudo o que possa machucá-la? A deseja somente a Nicole. Fará o que seja, ou dirá o que lhe pareça melhor para consegui-la. Quer que você parta, porque assim poderá ter à outra.

Bianca o olhou, com os ojillos avermelhados sobre as bochechas inchadas.

—Não poderá tê-la. Está casado comigo.

Gerard sorriu, como se estivesse frente a uma menina. —Que inocente é você! Tão tenra e vulnerável, tão natural. Disse-lhe onde esteve ontem à noite? Ela fez um gesto com a mão.

—Disse algo a respeito de uma inundação e de que Nicole lhe tinha salvado suas terras.

—É obvio, ela quer lhe salvar a terra. Seu plano é apoderar um dia da plantação. As engenhou de maneira que parecesse que fazia um grande sacrifício, mas em realidade estava facilitando a formação de novas parcelas da plantação Armstrong E ela decidiu que chegasse o momento em que tudo isto lhe pertença.

—Mas, como? Várias testemunhas presenciaram meu matrimônio com o Clay. Não é possível anulá-lo.

Gerard lhe deu um tapinhas na mão.

—Você é uma verdadeira dama. Nem sequer pode conceber a traição que aninha nesses dois. Você lhes tendeu algumas armadilha, mas não eram mais que armadilhas, nada que prejudicasse

realmente a outros. Nem sequer o seqüestro teve a intenção de ferir. Mas os planos destes dois não são tão inocentes... ou eqüitativos.

—O que,., o que quer dizer? O divórcio? Gerard guardou silêncio um momento.

—Oxalá se tratasse só do divórcio. Acredito que estão planejando... um assassinato.

Bianca o olhou atônita um momento. Ao princípio não pôde adivinhar qual seria a vítima do crime.

A idéia de que Nicole se precipitasse de um alto penhasco a atraía. Se Nicole desaparecia, a vida da Bianca melhoraria muito. Mas a desconcertava a possibilidade de que Clay considerasse assassinar a Nicole.

Muito lentamente começou a cobrar consciência do que queria dizer Gerard.

—Eu? —murmurou—. Desejam me matar? Gerard lhe sustentou com força a mão.

—Temo-me que sou tão ingênuo como você. Levou-me bastante tempo compreender o que acontecia. Não podia entender por que Nicole renunciava voluntariamente a uma parte de sua terra, a menos que a impulsionasse um motivo que ninguém suspeitava. Finalmente, esta manhã o compreendi com absoluta claridade. Esses bárbaros fizeram tanto ruído no moinho que não pude dormir. Compreendi que se Nicole voltava a ser a proprietária da plantação, a terra nova criada pela mudança do curso do rio a beneficiaria.

—Mas um assassinato! —ofegou Bianca—. Você está equivocado.

—Armstrong alguma vez tentou machucá-la? Jamais a golpeou?

—Esta manhã. Empurrou-me contra uma parede. Logo que podia respirar.

—É um homem violento. Começa a perder o controle de si mesmo. Um destes dias você descobrirá uma magra corda cruzada na escada, e quando tentar baixar, tropeçasse e cairá.

—Não! —exclamou Bianca e se levou a mão ao pescoço.

—É obvio, Armstrong estará longe da casa quando isso aconteça. Depois, não necessitará mais que retirar a corda. E então representará o papel do marido arrasado pela dor, e você, minha querida amiga, estará morta e fria em um ataúde.

Os olhos da Bianca pareciam exagerados a causa do medo.

—Não posso permitir que isso aconteça. Tenho que impedi-lo.

—Se, tem que ser muito cuidadosa. Por meu bem tanto como pelo seu. Ela o olhou.


—Por seu bem?

Gerard levantou a mão da Bianca, e a sustentou entre as suas.

—Você acreditará que sou um torpe, um homem muito audaz. Não, não posso dizer-lhe —Por supuesto —contestó Bianca, todavía desconcertada por las afirmaciones de Gerard. El se irguió y se ajustó la corbata.

—Por favor —rogou ela—. Você disse que fomos amigos. Pode me revelar o que pensa.

O baixou os olhos, mas viu que o estou acostumado a estava muito úmido para ajoelhar-se.

danificariam-se suas roupas.

—A amo —disse com voz se desesperada—. Como posso pretender que me cria? Conhecemo-nos ontem apenas, mas a partir desse momento quase não pensei em outra coisa. Sua imagem me persegue constantemente. Todos meus pensamentos vão para você. Por favor, não ria de mim.

Bianca o olhou assombrada. Jamais um homem lhe tinha declarado seu amor eterno. Na Inglaterra, Clay tinha pedido a mão da Bianca, mas se tinha mostrado reservado, distante, como se enquanto propunha matrimônio estivesse pensando em outra coisa. O modo de olhar a do Gerard acelerava a respiração da Bianca. Sim, ele a amava seriamente. Ela amava seriamente! Isso era evidente. Depois do primeiro encontro ela tinha pensado várias vezes no Gerard, mas só porque o considerava uma pessoa gentil e pormenorizada. Agora o via sob uma luz diferente. Bianca podia amar a esse homem. Sim, podia amar a uma pessoa que tinha maneiras tão refinados.

—Eu não poderia rir de você—disse. Gerard sorriu.

—Nesse caso, posso abrigar a esperança de que chegue a retribuir sequer seja uma pequena proporção de meu afeto? Não pedirei muito, somente vê-la de vez em quando.

—É obvio —respondeu Bianca, ainda desconcertada pelas afirmações do Gerard. O se ergueu e se ajustou a gravata.

—Agora tenho que partir. Quero que me prometa que se mostrará muito cuidadosa. Se lhe acontecesse algo, embora se visse afetado um só de seus cabelos, me destroçaria o coração. —

Dirigiu um sorriso a Bianca, e então viu algo sobre o corrimão do pavilhão—. Quase a esquecia.

Aceitaria este pequeno signo de meu afeto? —Entregou a Bianca uma caixa de mais de dois quilogramas de chocolate francês. Era o presente que lhe tinha devotado a filha de um agricultor, quão mesma tinha comprado um dos vestidos da Nicole.

Bianca quase lhe arrebatou a caixa.

—Não comi —murmurou—. Esta manhã ele não me permitiu comer.

Jogou no chão a cinta que atava a caixa, e retirou a tampa. Tragou oito bombons antes de que Gerard pudesse sequer respirar.

Bianca se deteve, com a boca enche, e um fio de chocolate úmido na comissura dos lábios.

—O que pensasse você de mim?

—Penso unicamente que a amo —disse Gerard quando conseguiu dominar seu assombro ante o espetáculo que Bianca oferecia com seu ataque à caixa de bombons—. Não sei se você compreender que a amo como é. Não reclamo nem desejo mudanças. Você é uma mulher, uma mulher formosa e completa. Não quero uma jovem magra e sem formas. A amo como você é.

Bianca o olhou com a mesma expressão que tinha adotado quando descobriu os bombons.

Gerard sorriu.

—Podemos vemos novamente? Talvez dentro de três dias, ao meio dia. Eu trarei o almoço.

—OH, sim disse Bianca—. eu adoraria.

O se inclinou profundamente, tomou a mão da Bianca e a beijou. Advertiu que o olhar da Bianca continuava fixa nos bombons. depois de deixá-la, Gerard permaneceu um momento à sombra de uma árvore, e a viu devorar os dois quilogramas de bombons em questão de minutos. Sorriu para si mesmo e retornou ao moinho.

Três dias depois, Gerard estava sentado frente a Bianca em um rincão pouco freqüentado da plantação Armstrong. Entre ambos podiam ver-se os restos de um festim. Janie tinha tido que consagrar toda a manhã para a preparação dessa comida. Ao princípio Janie tinha recusado obedecer a ordem de preparar a comida para o almoço campestre. A intervenção da Nicole a tinha obrigado a obedecer. Ao Gerard não agradava uma mulher que desobedecesse suas ordens.

—O tenta me matar de fome —disse Bianca, com a boca cheia de nata e bolos de amêndoa—. Esta manhã recebi como café da manhã só dois ovos passados por água e três bolachas. E anulou minha ordem de comprar uns vestidos novos. Não sei o que pretende que use. Estes estúpidos norte-americanos nem sequer sabem costurar bem. Os vestidos se abrem constantemente pelas costuras.

Gerard observou interessado a enorme quantidade de alimento que Bianca devorava com verdadeira pressa. O tinha solicitado comida suficiente para seis pessoas, mas agora não estava seguro de que isso fosse suficiente.

—me diga —perguntou—, mostrou-se cuidadosa ultimamente? esteve atenta ao perigo?

Suas palavras bastaram para induzir a Bianca a deixar o garfo. levou-se uma mão à cara.

—Odeia-me. A cada momento vejo indícios de seu ódio. depois das chuvas trocou seu atitude. Não me permite comer. empregou a várias mulheres para que limpem a casa, mas quando lhes reparto ordens não me escutam. É como se eu não fosse a senhora da plantação .

Gerard desembrulhou uma peque a torta revestida de chocolate. Tocou o braço da Bianca e lhe ofereceu a sobremesa. Os olhos da Bianca brilhavam quando se apoderou do manjar.

—Se você e eu fôssemos os donos da plantação, tudo se arrumaria de diferente

modo

— Você e eu? Como poderia ser isso? — Já tinha devorado a torta e olhava enquanto Gerard desembrulhava outra.

—Se Armstrong muriese, você herdaria a propriedade.

—É um homem repulsivamente são, tão são como qualquer de suas mulas. Acreditei que talvez se matasse bebendo, mas depois da chuva não tornou a provar uma gota de uísque.

—Quantas pessoas sabem? dou que durante um ano ou mais esteve bebendo muitíssimo.

O que aconteceria se sofresse um... acidente depois de embriagar-se?

Bianca se ergueu e olhou com fixidez os restos da comida. Não ficava muito, e ela detestava deixar sobras, mas sinceramente seu estômago não suportava um só bocado mais

—Já lhe hei dito que agora não bebe —insistiu com pressão distraída. Gerard chiou os dentes ante a estupidez da mulher.

—Não acredita que poderíamos arrumar uma última bebedeira? Bianca levantó1entamente a cabeça e olhou ao Gerard.

—O que quer dizer?

—Clayton Armstrong é um homem perverso. Trouxe-a aqui com enganos. Depois, quando você chegou a este horrível país, utilizou-a e a maltratou.

—Sim —murmurou Bianca—. Sim.

—Não podemos permitir que isto continue. Você é sua esposa. E entretanto ele a despreza . Por Deus, nem sequer lhe permite comer!

Bianca se acariciou o enorme estômago.


—Você tem razão, mas, que posso fazer?

—Eliminá-lo. —Sorriu ao observar a expressão do rosto da Bianca—. Sim, sabe o que quero dizer

—. Se inclinou sobre os pratos sujos e tomou a mão de sua interlocutora —. Tem todo o direito do mundo. Você é tão boa que nem sequer adverte que é sua vida ou a desse homem. Acredita que um indivíduo como Clayton Armstrong se deterá ante o crime?

Ela o olhou assustada.

—Acaso ele pode fazer outra coisa? Deseja a Nicole mas está casado com você. Pediu-lhe o divórcio?

Ela meneio a cabeça.

—Fará-o. E você o concederá? De novo Bianca negou com a cabeça.

—Nesse caso, ele achará outros modos de desembaraçar-se de uma esposa que não lhe interessa.

—Não —murmurou Bianca—. Não lhe acredito.

Tratou de incorporar-se, mas seu próprio peso e toda a comida que tinha ingerido a obrigaram a permanecer no mesmo lugar.

Gerard ficou de pé e lhe ofereceu suas mãos, mas antes afirmou bem os pés no chão para sustentar o peso

—Pense-o —disse quando ao fim ela conseguiu incorporar-se—. É questão de saber quem sobrevive ao outro. trata-se dele ou de você.

separou-se do Gerard.

—Devo ir —disse.

Tinha um torvelinho na cabeça por causa dos pensamentos terríveis insinuados pelo Gerard.

Caminhou lentamente de retorno à casa. antes de entrar, examinou com cuidado as portas, não fosse que alguém se ocultasse detrás delas. Enquanto subia pesadamente a escada, com o olhar explorava as cordas destinadas a lhe provocar uma queda mortal.

Uma semana mas tarde Clay mencionou pela primeira vez a possibilidade do divórcio. Ela se sentia muito débil e fatigada por causa da falta de alimento e descanso. Não tinha recebido uma comida apropriada desde dia do almoço com o Gerard. Clay tinha ordenado que se impor uma dieta rigorosa a Bianca. Tampouco tinha podido descansar muito, porque a cada momento sonhava com que Clay lhe aproximava armado de uma faca, gritando que um dos dois devia morrer.

Quando ao fim ele aludiu ao divórcio, foi como se um pesadelo tivesse cobrado realidade. Estava sentada na sala de estar. Clay havia devolvido ao lugar a forma que tinha antes da redecoración ordenada pela Bianca. Era como se Clay já estivesse tratando de eliminar todos os rastros do passo da jovem inglesa por sua casa.

—O que podemos oferecemos um ao outro? —estava dizendo Clay—. Estou seguro de que eu te importo tão pouco como você me importa .

Bianca negava obstinadamente com a cabeça. —Em realidade, você quer a essa mulher.

Pretende me abandonar para te unir a ela. Os dois planejastes tudo isto.

—Essa é a idéia mais absurda que ouvi jamais. —Clay tentou dominar seu mau humor.— Você foi quem me obrigou a contrair matrimônio. —Olhou-a com os olhos entrecerrados—. E também a que me mentiu sobre o filho.

Bianca afogou uma exclamação e se levou a mão às dobras carnudas que lhe cobriam o pescoço.


Clay se voltou e caminhou para a janela. Pouco antes se inteirou do episódio do Oliver Hawthorne.

Esse homem tinha perdido a maior parte de sua escassa colheita por causa da chuva, e dois de seus filhos tinham morrido de febre tifóide, de maneira que tinha ido reclamar dinheiro ao Clay, mas então soube que o menino tinha morrido. Clay expulsou da plantação ao homem.

—Você me odeia —gemeu Bianca.

—Não —disse serenamente ao Clay—, já não te odeio. Quão único desejo é que nos separemos.

Enviarei-te dinheiro, e me ocuparei de que esteja cômoda. .

—Como pode fazer isso? Crie que sou estúpida, mas sei que quase tudo o que vontades provém deste lugar. Parece que é rico porque tem tanto, mas não é assim Como pode manter a plantação e além disso me enviar dinheiro?

Clay se voltou bruscamente, com os olhos sombrios por causa da cólera.

—Não, não é estúpida, só é incrivelmente egoísta. Não compreende quanto desejo lombriga livre de ti? Não pode ver quanto me repugna? Estaria disposto a vender a plantação só para não ver mais essa máscara adiposa que você chama cara.

Abriu a boca para continuar falando. Mas de repente, trocou de atitude e saiu depressa da habitação.

Bianca permaneceu sentada no sofá, imóvel, durante comprido momento Não desejava pensar no que Clay lhe havia dito. Em troca, recordava ao Gerard. Seria agradável viver com ele no Arundel Hall. Ela seria a senhora da residência, e organizaria comidas e fiscalizaria a organização de distintas reuniões sociais, enquanto ele fazia o que os homens fazem fora da casa. Ao anoitecer, ele voltaria para lar, e ambos compartilhariam uma agradável comida. E depois, ele se despediria com um beijo até a manhã seguinte.

Passeou o olhar pela habitação, e recordou os adornos que lhe tinha agregado. De novo se tinha convertido em um lugar nu e feio. Gerard não lhe impediria redecorar a casa. Não, Gerard a amava como ela era.

ficou lentamente de pé. Compreendeu que devia vê-lo, devia falar com o homem a quem amava.

Bianca não tinha alternativa. Gerard tinha acertado. Clay planejava desembaraçar-se dela, e estava disposto a fazê-la apelando a qualquer meio.


Capítulo 22

—O que está fazendo aqui? —perguntou Gerard enquanto ajudava a Bianca a desembarcar do bote, na parte do rio ocupado pela Nicole. Olhou ao redor com expressão temerosa.

—Tinha que vê-lo.

—Não pôde enviar uma mensagem? Eu teria acudido imediatamente. Os olhos da Bianca se encheram de lágrimas.

—Por favor, não se zangue comigo. Não poderia suportar mais irritações. Gerard a olhou um momento.

—Venha comigo. Devemos evitar que nos vejam da casa.

Ela assentiu e o seguiu. Caminhava com dificuldade. Teve que deter-se duas vezes para recuperar o fôlego.

Quando chegaram ao topo de uma colina da qual podia ver-se a casa, Gerard lhe permitiu deter-se.

—Agora, me diga o que aconteceu.— Escutou atentamente o discurso prolongado e emotivo da Bianca—. De modo que sabe que o menino que você concebeu não era dele.

—Isso é mau?

Gerard a olhou com desgosto.

—Os tribunais não vêem com bons olhos o adultério.

—Tribunais? Que tribunais?

—Os tribunais que lhe concederão o divórcio e lhe tirarão tudo. Bianca sentiu que lhe afrouxavam as pernas e finalmente se sentou no chão.

—trabalhei muito para conseguir isto. Não me pode tirar isso Não pode! Gerard se ajoelhou a seu lado.

—Fala a sério? Há modos de impedir que lhe roube tudo. Ela o olhou.

—refere-se ao assassinato?

—Acaso ele não tenta matá-la? Agradaria-lhe retornar a Inglaterra como divorciada?

Todos diriam que você não foi capaz de reter um homem. E o que diria seu pai?

Bianca recordou quantas vezes seu pai se riu dela. Tinha afirmado que Clay não a aceitaria assim que conhecesse um pouco a Nicole. E jamais lhe permitiria esquecer o episódio se ela retornava desonrada.

—Como? —murmurou—. Quando?

Gerard ficou em cuclillas. Havia uma luz estranha em seus olhos.

—Logo. É necessário que seja logo. Não devemos permitir que ele revele a alguém seus planos.

Nesse momento um movimento atraiu a atenção da Bianca.

—Nicole! —exclamou, e depois se levou a mão à boca.

Gerard se voltou instantaneamente. Detrás estava Adele, médio oculta pelas árvores, Nicole tinha necessitado muito tempo para convencer a sua mãe de que não era perigoso passear pelo bosque, detrás da casa. E essa era a terceira vez que ela saía sozinha.

Gerard necessitou só um passo para aferrar o braço de sua esposa.

—O que ouviste? —disse, pressionando fortemente o braço do Adele.

—Assassinato —disse ela, os olhos quase exagerados a causa do medo. Gerard lhe atirou uma forte bofetada na bochecha.


—Sim! Assassinato! O teu! Entende-me? Dava uma só palavra disto, e Nicole e os gêmeos irão à guilhotina, Agradaria-te ver rodar suas cabeças ao canasto?

A expressão do Adele passou do terror a algo que só pode compreender quem conheceu o horror mais profundo.

Gerard deslizou um dedo sobre o pescoço do Adele.

—Recorda-o —murmurou, e a separou de um empurrão.

Adele caiu de joelhos, incorporou-se depressa e fugiu para a casa.

Gerard se ajustou a gravata, e depois se voltou para a Bianca. Ela permanecia de pé, com as costas apoiada contra a árvore, nos olhos uma expressão de temor.

—Que demônios ocorre? —perguntou ele.

—Jamais o tinha visto assim —murmurou Bianca.

—O que você quer dizer é que nunca viu como um homem protege à mulher amada.— E como viu que ela duvidava, Gerard continuou—: Tinha que me assegurar que não repetisse o que ouviu.

—Repetirá-o. É obvio que dirá tudo o que ouviu.

—Não! Sobre tudo depois do que lhe disse. Está louca. Você não sabia?

—Quem é? parece-se com a Nicole. Gerard vacilou.

—É sua mãe.— E antes de que ela pudesse formular mais pergunta adicionou—: me Espere amanhã à uma onde nos encontramos o outro dia. Ali poderemos riscar novos planos.

—Você trará o almoço? —perguntou Bianca.

—É obvio. Agora, parta antes de que alguém a veja. Não quero que nos vejam juntos... ainda —

adicionou. Tirou-a da mão e a levou até o mole.

Quando Nicole retornou do moinho, Janie a recebeu na porta, e em seu rosto havia uma expressão solene.

—Sua mãe está acontecendo um mau momento. Ninguém pode acalmá-la.

Um grito horrível ameaçou sacudir o teto da casita, e Nicole subiu depressa a escada.

—Mamãe! —disse Nicole, e tratou de abraçar a sua mãe. A cara do Adele estava tão desfigurada que logo que podia reconhecer-lhe —Están acostumbrados a todo esto. Se acurrucaron en el guardarropa, y salieron en cuanto ella se dirigió a su cuarto.

—Os meninos! —gritou Adele, agitando desordenadamente os braços—. Os meninos! As cabeças!

Querem assassiná-los, matá-los. Tudo está manchado de sangue!

—Mamãe, por favor. Está a salvo!

Nicole falava em francês, quão mesmo Adele. Janie se achava junto à escada.

—Pareceu-me que os gêmeos a preocupavam. Isso é o que diz? Nicole se debatia tratando de sujeitar os braços de sua mãe.

—Acredito que sim. Fala dos meninos. Possivelmente se refere a um de minhas primos.

—Não acredito. Apareceu gritando na casa faz poucos minutos, e tratou de ocultar aos gêmeos no guarda-roupa que está sob a escada.

—Tomara que os meninos não se assustaram. Janie se encolheu de ombros.

—Estão acostumados a tudo isto. Se acurrucaron no guarda-roupa, e saíram assim que ela se dirigiu a seu quarto.


—Matará-os! —gritou Adele—. Eu não sabia. Nunca soube. A senhora gorda os matará.

—O que está dizendo agora? —perguntou Janie.

—Tolices. Pode conseguir um pouco de láudano? Acredito que o único modo de que se acalme é dormindo.

Quando Janie partiu, Nicole continuou tratando de acalmar a sua mãe, mas Adele estava frenética.

Seguia puxando do assassinato, a guilhotina e a mulher gorda. Quando Adele mencionou ao Clayton, Nicole começou a emprestar mais atenção.

—O que acontece Clay? —perguntou Nicole.

Os olhos do Adele estavam exagerados, e lhe tinham desordenado os cabelos.

—Clay! Também o matarão. E a meus meninos, a todos meus meninos. Aos meninos de todos.

Mataram à rainha. Matarão ao Clay.

—Quais matarão ao Clay?

—Eles. Os assassinos de meninos! Janie estava ao lado da Nicole.

—Acredito que tenta lhe dizer algo. Pareceu-me que pronunciava o nome do Clay. Nicole recebeu do Janie a taça de chá.

—Bebe isto, mamãe. Sentirá-se muito melhor.

O láudano não demorou para produzir seu efeito. Abaixo, Gerard entrou na casa.

—Gerard —disse Nicole—. aconteceu algo que transtornou a minha mãe? Gerard se voltou lentamente para a Nicole.

—Não a vi. Está sofrendo de novo outro de seus ataques?

—Como se isso lhe importasse! —disse Janie, que aconteceu Nicole, caminho ao lar—.

Já que é sua esposa, deveria sentir algo por ela.

—Em todo caso, jamais comunicaria meus sentimentos a uma pessoa como você —replicou Gerard.

—Basta já de uma vez!— ordenou Nicole—. Com essa atitude, nenhum ajuda a minha mãe. Gerard fez um gesto com a mão.

—Não é mais que um de seus ataques. A esta altura das coisas você já deveria estar acostumada.

Nicole se aproximou da mesa.

—Não sei por que, mas este é diferente. É quase como se tentasse me dizer algo. Gerard a olhou com os olhos entrecerrados.

—O que poderia dizer que não haja dito já cem vezes? O único tema que conhece é o assassinato e a morte.

—É certo —observou Nicole com expressão pensativa—. Mas esta vez mencionou ao Clay.

—Clay! —disse Janie—. Não conhece o Clay verdade?

—Por isso eu sei, não. E mencionou várias vezes a uma mulher gorda.

—É impossível adivinhar a quem se refere —comentou Janie.

—É obvio —interveio Gerard, com um calor pouco característico nele—. Sem dúvida viu juntos ao Clay e a Bianca, e como não os conhece se assustou. Você sabe que os estranhos a aterrorizam.

—É muito provável que você tenha razão —disse Nicole—. Mas em todo caso me pareceu que nisto há algo mais. Insistiu em afirmar que alguém tentava matar ao Clay.

—Sempre está dizendo que alguém tenta matar a outro —observou irritado Gerard.

—Talvez, mas nunca confundiu o passado e o futuro, até o ponto em que o tem feito agora.


antes de que Gerard pudesse adicionar uma palavra, Janie interveio.

—É inútil preocupar-se agora. Pela manhã você pode tratar de falar com sua mãe. Possivelmente depois de uma noite de descanso ela esteja em condições de explicar-se mais claramente. Agora, sinta-se e tome seu jantar.

A casita estava escura e silenciosa. Fora, as águas do rio corriam lentas e serenas pelo curso modificado. Era um dia bastante morno por tratar do mês de setembro, e as quatro pessoas que ocupavam o dormitório do desvão, dormiam sem mantas.

Adele se movia inquieta. Apesar da elevada dose do sonífero, movia-se e agitava, e tinha estranhos sonhos. Sabia que devia fazer algo, mas não tinha idéia do modo de comunicá-lo. Parecia que o rei e a reina da França se mesclavam com um agricultor chamado Clayton, um homem cujo rosto ela não alcançava a ver. Mas via claramente a morte, a morte do Clayton, a de todos.

Gerard apagou o magro charuto que tinha estado fumando e em silêncio saiu da cama. ficou de pé e olhou a sua esposa. Tinham passado muitos meses da última vez que ele a tinha abraçado. Na França se havia sentido honrado de ser o marido de uma Courtalain, embora tivesse a idade do Adele. Mas ao conhecer a Nicole os sentimentos que o uniam ao Adele se esfumaram, Nicole era uma versão mais jovem e mais bela de sua mãe.

Em silêncio, sem provocar o mais mínimo ruído no chão, de madeira, aproximou-se ao lado da cama ocupada pelo Adele, e depois se sentou sobre o bordo. inclinou-se sobre ela para aferrar o travesseiro que ele usava.

Adele abriu os olhos apenas um instante antes de receber o travesseiro na cara. Começou a resistir, mas depois compreendeu que era inútil. Era o que tinha estado esperando. Durante todos os anos

passados na prisão, a cada instante tinha esperado a morte. Finalmente tinha chegado, e estava preparada.

Gerard retirou o travesseiro da cara do Adele. Na morte a via bonita, mais jovem que nunca, Gerard ficou de pé, e depois se aproximou da manta pendurada que dividia essa parte do dormitório da que ocupavam Janie e Nicole.

Contemplou a Nicole, seu corpo logo que protegido pela fina camisola. A mão do Gerard ansiava deslizar-se pela curva do quadril da Nicole.

—Logo —murmurou—. Logo.

Voltou para a cama, deitou-se junto à mulher a quem acabava de assassinar, e dormiu. Pensou unicamente que os movimentos do Adele já não o incomodariam.

Quando Nicole descobriu o corpo sem vida de sua mãe à manhã seguinte, a casa estava vazia. Os gêmeos e Janie tinham ido recolher maçãs, e como de costume, Gerard tinha saído sozinho.

sentou-se em silencio no bordo da cama, apertou com sua mão a mão fria de sua mãe, e acariciou as bochechas, tão parecida com a sua própria. voltou-se e com movimentos muito lentos abandonou a casa.

Caminhou até o penhasco que se elevava sobre o moinho e a casa. de repente se sentiu muito sozinha, muito isolada. Durante anos tinha acreditado que sua família não existia. Depois, o reaparecimento de sua mãe tinha modificado a situação. Agora, somente tinha ao Clay.

Voltou os olhos para o rio, e mais longe, para o Arundel Hall, tão perfeita sob os primeiros raios do sol. disse-se que, de todos os modos, não tinha ao Clay. Devia compreender que ele se partiu, quão mesmo em definitiva fazia feito Adele.


sentou-se no chão com os joelhos recolhidos, e inclinou a cabeça. Nunca deixaria de amá-lo nem necessitá-lo. Agora, quão único ela desejava era o consolo dos braços do Clay estreitando-a, lhe dizendo que a vida continuava depois da morte do Adele. Inclusive as últimas palavras do Adele se referiram ao Clay.

Levantou bruscamente a cabeça. Uma mulher gorda planejava matar ao Clay. É obvio!

Adele tinha ouvido a Bianca que planejava a morte do Clay.

A mente da Nicole tratou de examinar as explicações possíveis. Talvez Bianca se encontrou com um cúmplice em um lugar próximo ao moinho. Se Clay morria, Bianca se converteria em proprietária da plantação. Nicole ficou de pé e correu para o mole. À força de remos cruzou o rio em poucos minutos. De novo em terra firme, recolheu-se as saias e correu para a casa.

—Clay! —gritou ao passar de uma habitação a outra. Enquanto procurava o Clay, e a pesar do sentimento de obrigação, posso jogar uma olhada à casa. Parecia que as paredes a recebiam com os braços abertos. O retrato do Beth tinha retornado a seu lugar sobre o suporte da chaminé, no comilão. Nicole lhe dirigiu uma rápida olhada e teve a sensação de que os olhos do Beth expressavam certa inquietação.

Finalmente, entrou na biblioteca. Ali a sensação da presença do Clayton era entristecedora. O

escritório estava talher de papéis, mas o via limpo, como um lugar de trabalho permanente.

Advertiu o momento exato em que ele se aproximou por detrás; mas Nicole não se voltou. O aroma intenso da traspiración do Clay se mesclou com o couro da habitação, Nicole respirou fundo, e depois se voltou lentamente para olhar ao Clay.

Ela o tinha visto muito pouco durante o último ano, e uma só vez durante várias horas. O homem humilde e silencioso que tinha ido ao moinho para ajudar a cavar a sarjeta era um estranho para a Nicole. Mas o homem que agora estava ante ela era o mesmo de quem se apaixonou. Tinha a camisa aberta até a cintura, estava empapado de transpiração, e mostrava as mãos e os antebraços

manchados de tabaco. A postura, com os pés muito separados, as mãos na cintura, recordou-lhe a primeira vez que o viu através de uma luneta.

—estiveste chorando —observou Clay com voz neutra.

Sua voz lhe provocou um calafrio, e de repente não soube por que estava ali. separou-se dele e avançou um passo para a porta.

—Não! —Nicole obedeceu a ordem—. Olha —disse Clay em voz baixa. Nicole se voltou lentamente.

—O que aconteceu?

A voz do Clay expressava profunda preocupação. A Nicole lhe encheram os olhos de lágrimas.

—Minha mãe... morreu. Devo voltar para casa.

Os olhos do Clay não a abandonaram nem um instante.

—Acaso não sabe que está em sua casa?

As lágrimas ameaçavam brotar. Ela não tinha idéia de que Clay ainda a impressionava tanto.

Meneou a cabeça, e seus lábios formaram em silêncio uma negação.

—Vêem aqui.

Clay falou sem levantar a voz, mas o acento continha uma ordem.

Nicole se negou a lhe obedecer. Em seu cérebro perdurava certa capacidade de raciocínio, e Nicole sabia que mais valia não repetir o que antes tinha existido entre ambos. Mas seus pés não se mostraram igualmente razoáveis. Um deles se moveu e avançou um passo.

Clay se limitou a olhá-la, e a corrente elétrica entre eles foi quase tangível.

—Vêem —repetiu.


As lágrimas afluíram, e os pés da Nicole a jogaram sobre ele. Clay a recebeu em seus braços, e a estreitou com infinita ternura. Levou-a a divã, e ali a sustentou abraçada.

—Se quer chorar, tem que fazê-lo onde corresponde, sobre o peito de seu homem.

Sustentou-a e lhe acariciou os cabelos enquanto ela chorava e expressava toda a dor provocada pela morte de sua mãe.

Um momento depois Clay começou a fazer perguntas.

Tratou de que ela falasse de sua mãe, dos bons tempos. Nicole explicou a relação do Adele com os gêmeos, e assinalou que quando estavam reunidos pareciam três meninos.

de repente, ela se incorporou e lhe explicou o que a tinha levado ao Arundel Hall.

—vieste a me advertir que alguém tentaria me matar?

—Não alguém —disse Nicole—. Bianca. Acredito que a intenção de minha mãe foi me dizer que Bianca planejava te assassinar.

Clay refletiu um momento.

—Não é possível que ela ouvisse o Isaac ou a outros homens falando da Bianca? Um de meus homens me disse o outro dia que se ele tivesse tido uma esposa como a minha, provavelmente a teria assassinado.

—Isso é terrível —exclamou Nicole. Clay se encolheu de ombros.

—Adele pôde ter ouvido uma afirmação parecida. Provavelmente foi o mesmo comentário sem importância.

—Mas, Clay...

Ele apoiou um dedo sobre os lábios da Nicole e a obrigou a calar.

—Agrada-me que eu se preocupe tanto como para que tenha vindo a me advertir, mas Bianca não é uma assassina. Carece do cérebro e a coragem necessárias.— Cravou o olhar na boca da Nicole, e com a gema do dedo lhe acariciou o lábio superior—. joguei muito de menos sua divertida boca ao reverso.

Nicole tratou de apartar-se, o qual não era fácil em vista que estava sentada nos joelhos de Clay.

—Nada trocou —disse. Clay sorriu a Nicole.

—É certo. Nada trocou entre nós desde dia em que quase te violei no camarote do navio. Amamo-nos do primeiro encontro, e isso nunca trocará.

—Não, por favor —rogou Nicole—. Todo terminou. Bianca... Clay manifestou irritação.

—Não quero ouvir novamente seu nome. tive muito tempo para pensar depois da inundação.

Compreendi então que ainda me ama. Bianca não foi a causa dos problemas entre nós; a causa foi nossa própria obstinação. Você sabia que eu temia perder a plantação, e eu não demonstrei suficiente força; e tampouco você creíste muito em mim.

—Clay... —começou a dizer Nicole. No fundo do coração ela sabia que Clay dizia a verdade; mas em realidade, não lhe agradava ouvi-la.

—Querida minha, agora tudo está esclarecido. Começaremos de novo. Mas esta vez não nos separaremos. Esta vez ninguém poderia nos separar.

Nicole o olhou. Tinham passado por muitas coisas, e em que pese a tudo, o amor que os unia perdurava. Nicole intuiu que esta vez conseguiriam o que desejavam.

Apoiou a cabeça no ombro do Clay, e ele a estreitou fortemente.

—Quase diria que nunca fui daqui. Lhe beijou os cabelos.


—Tem que abandonar meus joelhos, porque do contrário te deitarei neste divã e te farei o amor.

Nicole desejava rir e brincar com ele, mas a dor provocada pela morte de sua mãe continuava afligindo-a.

—Vêem comigo, querida —disse Clay—. Voltemos para moinho e vejamos sua mãe. Depois poderemos riscar planos.— Com a mão elevou o queixo da Nicole—. Confia em mim?

—Sim —disse Nicole com voz firme—. Confio em ti.

Clay a obrigou a incorporar-se; depois, também ele deixou o divã, Nicole contemplou assombrada o vulto nas calças do Clay. de repente, pareceu-lhe que a habitação era um lugar muito quente.

—Vamos —disse Clay com voz rouca—. E deixa já de me olhar desse modo. Tomou a mão e a levou fora da habitação.

Nenhum dos dois viu a Bianca, que estava de pé junto à porta do comilão. encontrava-se fora da casa quando viu a Nicole que corria para o Arundel Hall. Tinha decidido persegui-la, com o propósito de lhe recordar que estava introduzindo-se em terrenos de propriedade privada. Uma vez dentro, ouviu os movimentos da Nicole que percorria a casa, golpeando as portas dos dormitórios, e comportando-se como se fora a proprietária do lugar. Nicole se deslocava com excessiva rapidez, de modo que a mulher mais corpulenta não podia lhe seguir o passo. Finalmente permaneceu de pé junto à porta, e escutou o que eles falavam.

Agradou-a inteirar-se de que a esposa Gerard tinha morrido. Bianca e Gerard nunca tinham mencionado o fato de que ele já estava casado, mas Bianca sabia que a mulher era anciã, e que não podia viver muito tempo mais.

assustou-se quando Nicole revelou que Bianca planejava assassinar ao Clay. Mas depois ouviu dizer ao Clay que Bianca não tinha inteligência nem coragem suficientes, e então se tranqüilizou. Em poucos segundos passou do gelo ao fogo. Soube então que podia executar o plano do Gerard. depois do que havia dito dela, Clayton Armstrong merecia morrer.

Saiu da casa e foi procurar a um menino a quem poder enviar uma mensagem destinada ao Gerard.

Compreendeu que dispunha de pouco tempo antes de que Clay adotasse medidas para desembaraçar-se dela.

Nicole estava frente ao moinho, e bebia grandes sorvos da água de um jarro. A água fresca era muito grata depois de confrontar uma manhã difícil. O grão de outono tinha maturado por completo, e ninguém tinha um minuto de descanso.

Em todo caso, o trabalho a distraía dos planos que ela e Clay tinham esboçado. Tinham sepultado ao Adele junto à tumba da mãe do Clay.

—Deste modo sempre a teremos perto —disse ele. Depois, ambos abordaram a Bianca para falar do futuro. Clay disse que estava cansado de guardar secretos e que em adiante desejava que todo se fizesse à luz do dia. Bianca tinha mantido silêncio, e escutado atentamente o que Clay tinha que dizer. O oferecimento que lhe fez (mantê-la o resto de sua vida) era muito favorável, e tanto Clay como Nicole sabiam que essa responsabilidade representava uma pesada carga que ambos teriam que confrontar durante anos. Clay procurou a mão da Nicole sob a mesa. Agora os unia um intenso sentimento de cooperação.

depois da reunião, nenhum dos dois falou, e ambos se dirigiram ao claro secreto que estava perto do rio. Apesar de que fazia bastante mais de um ano que não se uniam fisicamente, não sentiam muito obrigação. tomaram seu tempo, olharam-se, exploraram e saborearam mutuamente. Estavam tirando o chapéu outra vez.

Não houve largas explicações, e tampouco insistiram em que a conduta de ambos tinha sido muito estúpida. Não tinham a sensação de que algo ia acontecer; só uma alegria profunda porque de novo se reuniram. Sentiam que eram uma só pessoa, não dois indivíduos que desconfiavam um do outro, que emitiam julgamentos errôneos e suportavam mal-entendidos permanentes.

—Nicole!

A voz áspera do Gerard arrancou de seu ensoñación a Nicole e a devolveu à presente.

—Sim?

—estivemos procurando-a. Um dos gêmeos caiu do penhasco. Janie deseja que você venha.

Nicole deixou cair o pano, recolheu-se as saias e pôs-se a correr, acompanhada de perto pelo Gerard. O penhasco estava deserto.

—Onde estão? —perguntou Nicole. Gerard se aproximou mais.

—Está disposta a fazer qualquer sacrifício por eles, verdade? Você se dá inteira a todos, exceto a mim.

Nicole retrocedeu um passo.

—Onde estão os gêmeos?

—No inferno, por isso me importa. Queria tê-la aqui, sozinha. Desejo que dê comigo um breve passeio.

—Tenho que trabalhar. Eu...

interrompeu-se quando viu a pistola nas mãos do Gerard.

—Vejo que agora me concede sua atenção. Ou é o resultado que obtêm todos os homens que você escolhe?

Nicole curvou o lábio e o amaldiçoou em francês. Gerard sorriu a jovem.

—Que pitoresco! Bem, quero que agora venha comigo... em silêncio.

—Não.

—Imagine que responderia assim. Recorda que você pensou que minha querida esposa tinha escutado dizer a Bianca que planejava assassinar ao Armstrong? Por uma vez na vida dessa louca, sua conjetura foi acertada.

Nicole o olhou fixamente, com os olhos muito abertos.

—Você matou a minha mãe —murmurou.

—Que moça mais sagaz. Muito sagaz. Agora, se deseja ver com vida a seu amante, terá que obedecer.— Moveu a pistola—. por aí, e recorde que sua vida depende de você.

Nicole atravessou o bosque, afastando do moinho, e baixou até a borda do rio, onde Gerard tinha escondido um bote de remos. Satisfez-o o fato de que Nicole tivesse que remar para cruzar o rio, enquanto ele permanecia sentado na popa e repartia ordens. Gerard se referia constantemente a sua

própria astúcia, e ao modo em que Nicole o tinha atraído do momento mesmo da chegada do francês ao moinho.

Desembarcaram em um rincão distante da plantação Armstrong. Ali havia um depósito de ferramentas vazio, médio oculto sob uma árvore, a porta pendurava de uma dobradiça quebrada.

Logo que tinham chegado à porta cando Bianca saiu do bosque.

—Onde estava? E o que faz ela aqui?

—Isso não importa —replicou asperamente Gerard—. O fez?

Os olhos da Bianca, convertidos em uma ranhura pelas bochechas grotescamente adiposas, tinham um brilho antinatural.


—Não saiu a cavalo. Não fez o que tinha que fazer. Pus o vidro na arreios, como você disse, mas ele não pediu o cavalo.

—O que aconteceu? —perguntou Gerard.

Bianca tinha estado sustentando sua própria saia. Agora a soltou. Tinha diante uma grande mancha de sangue.

—Disparei-lhe —disse, como se o fato a surpreendesse a ela mesma.

Nicole gritou, e quis pôr-se a correr para a casa, mas Gerard a aferrou do braço.

Descarregou um forte golpe na boca da jovem, e a enviou ao interior do abrigo.

—Está morto? —perguntou Gerard.

—Sim —respondeu Bianca. Piscou, e sua voz se parecia extrañamente a de uma menina.

Mostrou a outra mão, que tinha mantido oculta à costas—. Traga a outra arma.

Gerard a arrebatou e depois apontou com ela a Bianca.

—Entre ali —ordenou.

Bianca franziu o sobrecenho, desconcertada, e depois entrou em abrigo.

—Porquê está Nicole? O que faz aqui minha criada? —limitou-se a perguntar.

—Bianca! —gritou Nicole—. Onde está Clay?

Bianca se voltou lentamente e olhou a Nicole, que apertava seu corpo contra a parede.

—Você! —murmurou—. Você fez isto!

Quase caiu sobre a Nicole, com as mãos como garras.

Nicole logo que pôde respirar quando o enorme peso da Bianca caiu sobre ela.

—lhe tire as mãos de cima, prostituta gorda! —gritou Gerard.

Arrojou uma arma ao chão, colocou a outra sob o cinturão e começou a separar a Bianca da Nicole.

—Quero matá-la! —gritou Bianca—. me Permita matá-la! Gerard desencapou sua arma e apontou a Bianca.

—Você é quem morrerá, não ela —disse. Bianca sorriu.

—Você não sabe o que diz. Sou eu, recorda? A mulher a quem ama.

—Amar! —burlou-se Gerard—. Acaso alguém poderia amá-la? Preferiria aparearme com uma das vacas!

—Gerard! —rogou Bianca—. Você está transtornado.

—Vaca estúpida e vaidosa! Supôs que eu, um Courtalain, poderia amar a uma pessoa como você.

Acharão-a morta, como conseqüência do suicídio, curvada pela dor provocada pela morte de seu marido, assassinado sem dúvida por ladrões.

—Não —murmurou Bianca, as mãos estendidas, as Palmas para cima.

—Sim —sorriu Gerard, sem dúvida muito agradado consigo mesmo—. A propriedade Armstrong passará à mãos desses parvos gêmeos, e como não há outros parentes, Nicole desempenhará a função de tutora, e eu serei o marido.

—Nicole! —ofegou Bianca—. Você disse que a odiava. Gerard se pôs-se a rir.

—Foi um jogo, recorda? Você e eu jogamos um jogo, e eu ganhei.

Nicole começava a recuperar a calma. Talvez pudesse distrair a atenção do Gerard até que alguém os descobrisse.

—Ninguém acreditará que Bianca se suicidó por causa do Clay. Todos sabem que ela o odeia.

Bianca dirigiu um olhar de ódio a Nicole. E então, entre as duas se estabeleceu por uma vez uma corrente de entendimento.


—Se —disse Bianca—, os peões e os criados da casa sabem que estranha vez nos vemos ou nos falamos.

—Mas ultimamente a gente há dito que vocês se reconciliaram, que Armstrong já não bebe e se converteu em um marido perfeito —disse Gerard.

Bianca pareceu desconcertada.

—Bianca é uma dama inglesa —disse Nicole—. Na Inglaterra pertence à nobreza, mas na França já não há aristocratas. Ela seria uma esposa admirável.

—Não é absolutamente nada! —opinou Gerard—. Nada! E todos sabem que na França se restabelecerá a monarquia. E então, eu estarei casado com a neta de um duque. Os grandiosos Courtalain reviverão através de mim!

—Mas... —começou a dizer Nicole.

—Basta já! —gritou Gerard—. Acredita que sou estúpido, verdade? Pensa que não adivinho que seu plano é me induzir a seguir falando? — Moveu sua arma em direção a Bianca—. Não a aceitaria embora fosse a muito mesmo rainha da Inglaterra. É gorda, feia, e incrivelmente estúpida.

Bianca se jogou sobre ele, e suas mãos procuraram a cara do francês. Gerard se debateu um momento sob o peso que o sufocava.

A arma se disparou, e Bianca se apartou com movimentos lentos, as mãos sobre o estômago, enquanto o sangue começava a lhe tingir os dedos.

Os olhos da Nicole estavam fixos desde fazia um momento na pistola que Gerard tinha arrojado descuidadamente ao chão; mas agora Gerard e Bianca se debatiam entre a Nicole e a arma. Passeou o olhar pelo abrigo vazio, e de repente viu uma tabela de madeira apoiada contra a parede. Com grande esforço conseguiu levantá-la.

Uns instantes depois do estrépito da arma, Nicole golpeou ao Gerard com a tabela.

Gerard trastabilló enquanto Bianca caía ao chão.

—Feriu-me —murmurou Gerard em francês, e com os dedos tratou de estancar o sangue de sua têmpora—. Pagará pelo que tem feito.

Avançou para ela, enquanto Nicole retrocedia.

Bianca, cujo vestido estava tingindo-se de sangue, alcançou a ver confusamente que Gerard se aproximava da Nicole. A arma estava ao alcance de sua mão. Usou os últimos restos de sua força para levantá-la, apontar e oprimir o disparador. Morreu antes de ver que sua pontaria tinha sido certeira.

Nicole permaneceu absolutamente imóvel quando Gerard, de repente, deteve-se. Pareceu que ele reagia antes de que Nicole ouvisse o disparo. Os olhos do Gerard mostraram surpresa, desconcerto por causa do que lhe tinha acontecido. E depois, muito lentamente, caiu morto; em seus olhos ainda se refletia o assombro.

Nicole se separou do corpo do Gerard. Os dois jaziam no chão. A mão estendida do Gerard tinha cansado sobre a da Bianca, e enquanto Nicole olhava, um último reflexo determinou que a mão da Bianca se fechasse sobre a do Gerard. Na morte o reteve como nunca tivesse podido fazê-lo em vida.

Nicole se voltou e saiu correndo do abrigo. Correu a distância que a separava da casa. Tinha que achar ao Clay!

Havia manchas de sangue no chão da biblioteca, mas nenhum signo da presença do Clay. Nicole sabia que seu coração tinha cessado de pulsar muito antes.

de repente, deteve-se e se sentou no divã; cobriu-se a cara com as mãos. Se queria encontrar ao Clay, necessitava tempo para pensar e serenar-se. Talvez alguém o tinha achado e o tinha retirado dali. Não, se tivesse sido isso, a casa se veria plena de atividade.

Aonde poderia ter ido?

ficou de pé, porque sabia onde estava Clay... no claro.


Tinha os olhos cheios de lágrimas enquanto percorria a distância de mais de um quilômetro que a separava da cova. Doíam-lhe os pulmões, e o coração lhe pulsava com força, mas Nicole sabia que não devia deter-se.

Logo que passou a porta secreta o viu. Parecia quase cômodo, deitado perto da água, com um braço estendido.

—Clay —murmurou Nicole, enquanto se ajoelhava. Ele abriu os olhos e sorriu a jovem.

—Equivoquei-me com a Bianca. Mostrou valor suficiente e tratou de me matar.

—me deixe ver —disse Nicole enquanto retirava do ombro do Clay a camisa ensangüentada. Era uma ferida limpa, mas ele estava debilitado pela perda de sangue. Nicole se sentiu aturdida a causa do alívio que sentia.

—Deveu permanecer na casa — disse Nicole enquanto rasgava uma tira de sua anágua e começava a enfaixar a ferida.

Ele a olhou.

—Como soube que estava aqui?

—Depois teremos tempo para falar disso —replicou Nicole—. Agora necessita que te veja um médico.

Começou a incorporar-se, mas ele a tirou do braço.

—me diga!

—Bianca e Gerard estão mortos.

Ele a olhou longamente. Mais tarde poderia inteirar-se dos detalhes.

—Vá à cova e traz o unicórnio.

—Clay, não há tempo...

—Vê!

A contra gosto, Nicole foi à cova e trouxe o pequeno unicórnio de prata encerrado na borbulha de vidro. Clay o depositou no chão e com uma pedra rompeu o vidro.

—Clay! —protestou Nicole.

O se recostou sobre a erva; na mão o unicórnio que ao fim estava fora de seu envoltório.

—Disse certa vez que eu não te acreditava digna de tocar o que Beth fazia meio doido. O que não sabia é que eu era o impuro.— apoiou-se em um cotovelo. Tinha escassa força depois de romper o vidro, e deixou cair o unicórnio sob o decote da Nicole. Dirigiu uma meia sorriso a jovem—.

Depois o recuperarei.

Ela sorriu; suas bochechas apareciam banhadas em lágrimas.

—Tenho que ir procurar um médico. Lhe aferrou a saia.

—Retornará para mim?

—Sempre.— acomodou-se melhor o peitilho do vestido—. Um pequeno corno de prata está me cravando, e alguém deveria me ajudar a retirá-lo.

Clay sorriu com os olhos fechados.

—Ofereço-me como voluntário.

Ela se voltou e caminhou para a saída do claro.

 

 

                                                   Jude Deveraux         

 

 

 

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