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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


LA MUJER PERDIDA / Jude Deveraux
LA MUJER PERDIDA / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Abandonada por seu tutor e escapando por pouco de um casamento com um pretendente faminto por dinheiro, Regan foge de Weston Manor, a única casa que ela já conheceu, determinada a governar seu próprio destino. Quando Travis Stanford, um americano grande e robusto, encontra Regan nas docas de Londres, ele promete protegê-la, desconhecendo a magnífica vontade de ferro dela o que tornaria o futuro perigoso e cheio de paixão. Dos cais obscenos da Inglaterra às elegantes mansões da Virgínia, seu amor foi aceso por acaso e inflamado pela emocionante busca de amanhãs desconhecidos.
A casa Weston ficava, serena e silenciosa, no meio de quase um hectare de jardins. Era uma casa pequena e despretensiosa que se parecia exatamente com o que era: a casa de um cavalheiro inglês em 1797. Somente um observador muito atento poderia dizer que duas das calhas da chuva estavam um pouco afundadas, ou que uma das lareiras estava faltando um canto, ou mesmo que em algumas bordas a tinta estava começando a se deteriorar
Lá dentro, a única sala totalmente iluminada era a sala de jantar, mas também havia vestígios de abandono. Nas sombras, o estofamento das cadeiras da Geórgia estava desfiado e descolorido.
Os ornamentos de gesso no teto alto começaram a rachar, e em uma das paredes havia um espaço mais claro onde antes havia uma pintura.
Mas a menininha sentada ao lado da mesa não prestou atenção a todas as imperfeições da sala, porque estava com os olhos fixos no homem à sua frente.
Farrel Batsford curvou sua boneca para que o punho com volantes de seda de sua camisa não se manchasse com o suco da carne assada. serve-se uma só parte e sorriu à moça em forma pouco convincente
—Deixa de papar moscas e come seu jantar —ordenou Jonathan Northland a sua sobrinha, e imediatamente apartou a vista dela-—. Bem, Farrell, o que dizia sobre a caça em seu imóvel?

 


 


Regam Weston tratou de olhar sua comida, inclusive de provar alguns bocados, mas não o obteve. Não entendia como podiam esperar que se acalmasse e comesse em um momento assim, quando estava tão perto do homem que amava. Jogou outra olhada ao Farrell através de suas largas pestanas escuras. O tinha aspecto aristocrático: nariz fino e olhos azuis, amendoados. Sua jaqueta de veludo e seu colete de brocado dourado sentavam à perfeição a seu físico magro e elegante. Tinha o cabelo loiro bem arrumado, e lhe ondulava apenas sobre o bordo de seu blanquisimo gravata-borboleta.

Quando Regam lançou um profundo suspiro, seu tio voltou a lhe dirigir um olhar de reprovação. Farrell enxugou com delicadeza as comissuras de seus lábios finos.

—Talvez minha prometida deseje dar um passeio à luz da lua —sugeriu Farrell, pronunciando cada palavra com claridade.

Prometida!, pensou Regam. Em uma semana se casariam e então Farrell séria só para ela, para amá-lo e cuidá-lo com devoção, para abraçá-lo; pertenceria- só a ela. Afligida pela emoção, não pôde falar; só assentiu em resposta. Ao arrojar o guardanapo sobre a mesa, notou uma vez mais o olhar reprobatoria de seu tio. Não se estava comportando como uma dama. dali em adiante, recordou-se por milésima vez, não deveria esquecer quem era ela... e quem teria que ser: a esposa do Farrell Batsford.

Quando Farrell lhe ofereceu o braço, Regam tratou de não aferrá-lo com muita força. Queria dançar de gozo, rir de felicidade, abraçar ao homem que amava. Em troca, seguiu-o com quietude para o fresco jardim.

—Talvez deveria ter trazido um xale —observou Farrell uma vez que saíram da casa.

—OH, não —replicou Regam, quase sem fôlego, aproximando-se mais a ele—. Não queria perder um só minuto para estar contigo.

Farrell se dispôs a dizer algo mas, aparentemente, trocou de parecer e apartou a vista.

—Sopra vento do mar, e está mais afresco que ontem à noite.

—OH, Farrell —suspirou Regam—. Em só seis dias estaremos casados. Sou a mulher mais feliz do mundo.

—Bom, é provável —respondeu Farrell depressa, enquanto se desembaraçava do braço dela—.

Sente-se aqui, Regam.

Ordenou-o em um tom muito similar ao que sempre utilizava com ela seu tio, um tom que refletia impaciência e exasperação.

—Preferiria caminhar contigo.

—vais começar a me desobedecer até antes de nos casar? —repreendeu-a, olhando-a aos olhos.

Esses olhos, grandes e confiados, delatavam tudo o que a moça pensava e sentia. Estava bonita com seu vestido de musselina de pescoço alto, embora lhe dava um aspecto infantil, mas o atraía tanto como um cachorrito que suplica afeto.

Farrell se apartou uns passos antes de falar.

—Está tudo preparado para as bodas?

—O tio Jonathan o planejou tudo.

—Claro... como sempre —murmurou Farrell—. Então voltarei na próxima semana para a cerimônia.

—Na próxima semana! —exclamou Regam, ao tempo que se levantava de um salto—. Não antes?

Mas, Farrell... nós... eu...

Farrell não lhe emprestou atenção e voltou a lhe oferecer o braço.

—Acredito que agora deveríamos retornar à casa. Se tudo o que fizer te desagrada, talvez devesse reconsiderar este matrimônio.

Uma só entrada do Farrell bastou para deter os protestos da jovem. Voltou a dizer-se que não devia esquecer suas maneiras e sim guardar silêncio, que nunca devia dar a seu amado motivos para criticá-la.

De retorno no comilão, seu tio e Farrell logo a enviaram a sua habitação. Regam não se atreveu a protestar; temia que Farrell voltasse a sugerir que cancelassem as bodas.

Uma vez em seu quarto, pôde desafogar-se.

—Não é maravilhoso, Matta? —exclamou alvoroçada a sua criada—. Alguma vez viu um brocado como esse? Somente um perfeito cavalheiro escolheria esse gênero. E que maneiras! Faz-o tudo

corretamente, tudo à perfeição. Como queria ser como ele, sempre tão segura de mim mesma, saber que até o mínimo movimento é correto.

Matta franziu o cenho.

—me parece que um homem deve ter mais que bons maneiras —replicou, com seu acento do oeste

—. Agora fique quieta e tire-se esse vestido. Já é hora de que esteja na cama.

Regam obedeceu, sempre obedecia. Algum dia, pensou, chegaria a ser uma pessoa importante.

Tinha o dinheiro que lhe tinha deixado seu pai, e estava a ponto de casar-se com o homem que amava. Juntos teriam uma casa elegante em Londres, onde ofereceriam as melhores festas e outra no campo onde ela pudesse estar a sós com seu perfeito marido.

—Deixe já de sonhar —lhe ordenou Matta— e deite-se. Algum dia Regam Weston vai despertar e verá que o mundo não é feito de confeitos e brocados de seda.

—OH Matta —riu Regam—. Não sou tão parva como cria. Pude apanhar ao Farrell, não é assim? O

que outra garota poderia fazer isso?

—Talvez qualquer que tivesse o dinheiro de seu pai—resmungou Matta enquanto agasalhava o magro corpo de sua ama—. Agora durma e guarde os sonhos para a noite.

Regam, obediente fechou os olhos até que Matta saiu da habitação. O dinheiro de seu pai! As palavras seguiam ressonando em sua mente. Claro que Matta se equivocava, raciocinou. Farrell a amava por ela mesma, porque...

Ao ver que não recordava uma só razão que lhe tivesse dado Farrell para casar-se com ela, incorporou-se na cama. A noite em que lhe tinha proposto matrimônio, Farrell a tinha beijado na frente e lhe tinha falado de seu lar, que pertencia a sua família desde fazia várias gerações.

Regam jogou a um lado as mantas, dirigiu-se ao espelho e observou sua imagem chapeada pela lua. Seus grandes olhos azul—esverdeados pareciam os de uma criatura e não os de uma mulher que tinha dezoito anos desde fazia toda uma semana. Sua figura esbelta sempre estava escondida baixo aquelas roupas que nada revelavam: roupa escolhida por seu tio.

Inclusive a camisola que acabava de ficar tinha mangas largas e pescoço alto.O que via Farrell nela?, perguntou-se. Como podia saber que era capaz de ser sofisticada e elegante se sempre ia vestida como uma menina? Tratou de sorrir com ar sedutor e deixou um ombro ao descoberto. Ah sim, se Farrell a visse assim, talvez faria algo mais que beijá-la com atitude paternal. Lhe escapou uma risita muito imatura ao imaginar a reação do Farrell ante a paquera daquela noiva serena e gentil.

Depressa, olhou para onde dormia Matta, no pequeno vestidor contigüo, e pensou que valeria a pena confrontar qualquer castigo de seu tio com tal de ver como reagia seu amado ao vê-la em camisola. ficou umas sapatilhas sem salto e, com muito sigilo, abriu a porta e baixou a escada nas pontas dos pés. A porta da sala estava aberta, e dentro havia velas acesas. Em meio de um halo dourado estava sentado Farrell, e Regam não pôde mais que maravilhar-se ao vê-lo. Passaram vários minutos até que começou a emprestar atenção ao que diziam.

—Olhe este lugar! —exclamou Jonathan com veemência—. Ontem me caiu sobre a cabeça uma parte de gesso. Eu estava aí, lendo o periódico, quando uma maldita flor caiu sobre mim.

Farrell estava concentrado em sua taça de brandy.

—Tudo terminará logo... ao menos para ti. Terá seu dinheiro e poderá arrumar a casa ou comprar uma nova se o desejar. Mas me espera uma vida desgraçada. Jonathan bufou e se serve mais brandy.

—Falas como se fosse a prisão. Em realidade, deveria estar agradecido pelo que tenho feito por ti.

—Agradecido! —mofou-se Farrell—. Me carregaste com uma menina torpe, mal educada e insensata. —Vamos, muitos homens a aceitariam com gosto. É bonita, e a muitos gostaria de sua ingenuidade.

—Eu não sou como outros —lhe advertiu Farrell.

A diferença de muitas pessoas, Jonathan não se deixava intimidar pelo Farrell Batsford.

—É verdade —respondeu com calma—. Não muitos homens fariam um trato como o que tem feito você.

Jonathan terminou seu terceiro brandy e se voltou para o Farrell.

—Mas não discutamos mais. Deveríamos estar celebrando nossa boa sorte, não nos atacando. —

Levantou sua taça enche para brindar.

— Por minha querida irmã, com gratidão por haver-se casado com seu jovem rico.

—E por ter morrido e deixado tudo a seu alcance? Não é isso o resto do brinde? —Farrell bebeu um grande sorvo e ficou sério.— Está seguro com respeito ao testamento de seu cunhado? Não quero me casar com sua sobrinha e depois me inteirar de que tudo foi um grande engano:

—Conheço-o de cor! —exclamou Jonathan, zangado—. Passei os últimos seis anos consultando advogados. A menina não pode tocar esse dinheiro até que tenha vinte e três anos, a menos que se case antes, coisa que não podia fazer até fazer dezoito anos.

—Desde não ter sido assim, acaso lhe teria procurado um marido aos doze anos?

Jonathan riu entre dentes e deixou sua taça na mesita.

—Talvez. Quem sabe? Por isso vejo, não trocou muito dos doze anos.

—Se não a tivesse mantido prisioneira nesta casa, possivelmente não seria tão imatura e pouco interessante. meu deus! Pensa na noite de bodas! Sem dúvida, chorará como um bebê.

—Deixa já de te queixar! —grunhiu Jonathan—. Terá bastante dinheiro para reparar essa monstruosa casa que tem, e o único que terei eu por todos estes anos de cuidá-la é uma soma exígua.

—Cuidá-la! Quando saiu de seu clube o tempo suficiente para sequer saber como era ela? —Farrell suspirou e logo prosseguiu.— Deixarei-a em minha casa e logo irei a Londres. Ao menos agora terei dinheiro para me divertir. Claro que não será agradável não poder convidar a meus amigos a casa. Possivelmente contrate a alguém que se encarregue das tarefas de uma esposa. Não imagino a sua sobrinha dirigindo uma casa do tamanho da minha.

Ao levantar a vista, viu que Jonathan tinha empalidecido, seus nódulos se tornaram brancos pela força com que aferrava a taça.

Farrell se voltou com rapidez e viu regam de pé na entrada. Como se nada tivesse ocorrido, deixou sua taça na mesita.

—Regam —disse, com suavidade—. Não deveria estar levantada estas horas.

Os grandes olhos da moça pareciam magnificados pelas lágrimas.

—Não me toque —murmurou, com os punhos fechados e as costas rígida. Parecia muito pequena, com o espesso cabelo escuro solto sobre as costas e vestida com uma camisola infantil.

—Regam, deve me obedecer.

—Não me fale assim! Como te atreve a me dar ordens depois das coisas que há dito? —Olhou a seu tio. Nunca terá meu dinheiro. Entende-me? Nenhum dos dois terá um só céntimo de meu dinheiro!

Jonathan começava a recuperar-se

.—E como esperas o ter você? —Sorriu.— Se não te casar com o Farrell, não poderá tocar esse dinheiro em cinco anos. até agora estiveste vivendo de meus ganhos, mas te advirto que se te negar a te casar com ele te jogarei na rua, posto que de nada me serviria.

Regam se levou as mãos à frente e tentou pensar com claridade.

—Sei sensata, Regam —pediu Farrell, apoiando uma mão no ombro da jovem.

Ela se apartou.

—Não sou como você há dito —murmurou—. Não sou tola. Sei fazer coisas. Não tenho por que aceitar a caridade de ninguém.

—É obvio que não —concordou Farrell em tom paternal.

—Deixa-a em paz! —exclamou Jonathan—. De nada serve tratar de raciocinar com ela. Vive em um mundo de sonhos, igual a sua mãe. —Tirou-a do braço e o apertou com força.— Sabe o que foram para mim estes últimos dezesseis anos, da morte de seus pais? Vi-te comer minha comida e usar a roupa que eu paguei, e todo esse tempo você estava sentada sobre milhões, milhões! que eu jamais poderia tocar. Mesmo que chegasse à idade em que poderia herdar, que motivos tinha eu para pensar que me daria algo?

—Lhe teria dado isso. É meu tio!

—Ja, ja! —Empurrou-a para a parede.— Teria-te prendado de algum petimetre disfarçado e ele o teria gasto tudo em cinco anos. Simplesmente decidi te dar o que queria e ao mesmo tempo me assegurar de obter o que eu desejava.

—Espera um momento! —exclamou Farrell—. Acaso me está chamando...? Nesse caso...

Jonathan o ignorou e prosseguiu.

—O que decide? Ou te casa com ele, ou te parte agora mesmo.

Não pode fazer isso ---exclamou Farrell

—É obvio que posso e vou fazer o. Está louco se crie que vou manter a outros cinco anos só por gosto.

Aturdida, Regam olhou a um e logo ao outro. Farrell, gritava seu coração. Como tinha podido equivocar-se tanto com ele? Não a amava, só queria seu dinheiro. Tinha falado de quão horrível seria casar-se com ela.

—Qual é sua resposta? —insistiu Jonathan.

—Farei as malas —murmurou Regam.

—Não te levará a roupa que eu paguei —se mofou Jonathan.

Apesar do que pareciam acreditar esses dois homens, Regam Weston tinha muito orgulho. Sua mãe tinha fugido de sua casa e se casou com um empregado pobre; não obstante trabalhou com ele, acreditou nele, e juntos fizeram uma fortuna. Quando nasceu Regam, sua mãe tinha quarenta anos; dois anos depois, morreu junto com seu marido em um acidente de navegação. Regam tinha ficado a cargo de seu único familiar: o irmão de sua mãe. Com os anos, a menina não tinha tido motivos para demonstrar o espírito que tinha herdado de sua mãe.

—Parto-me —respondeu em voz baixa.

—Regam, sei razoável —insistiu Farrell—. Aonde irá? Não conhece ninguém.

—Acaso deveria ficar e me casar contigo? Não será uma vergonha para ti ter uma esposa tão ignorante?

—Deixa-a ir! Já voltará —disse Jonathan—. Que veja um pouco como é o mundo; verá como volta.

Regam começava a desanimar-se com rapidez ao ver o ódio nos olhos de seu tio e o desprezo nos do Farrell. antes de trocar de parecer, antes de cair de joelhos ante o Farrell, deu meia volta e saiu da casa.

Fora estava escuro, e o vento do mar movia os ramos das árvores. Regam se deteve na soleira e levantou a frente. Obteria-o por muito que lhe custasse, demonstraria-lhes que ela não era uma pessoa inútil, como eles pareciam acreditar. As pedras estavam fritem sob seus pés ao afastar-se da casa. negou-se a pensar no fato de que estava em público, por escuro que estivesse, vestida só com sua camisola. Algum dia, pensou, voltaria para essa casa com um vestido de raso e plumas no cabelo, e Farrell se ajoelharia ante ela e lhe diria que era a mulher mais bela do mundo. Claro que para então, ela já teria renome por suas brilhantes festas e seria favorita do rei e a reina; celebrariam seu engenho e sua inteligência, além de sua beleza. O frio era tão intenso que começava a vencer a seus sonhos. deteve-se junto a uma perto de ferro e se esfregou os braços. Onde estava? Recordou que Farrell havia

dito que tinha estado prisioneira, e era verdade. Dos dois anos de idade, estranha vez tinha saído da casa Weston. Sua única companhia tinha sido uma série de criados e institutrices assustadas, e seu único lugar de recreio tinha sido o jardim. Apesar de estar sozinha, estranha vez o sentia. Começou a sentir-se só quando conheceu o Farrell.

apoiou-se contra o frio ferro da perto e afundou a cara nas mãos. A quem tratava de enganar? O

que podia fazer, só na noite, e em camisola?

Levantou a cabeça para ouvir passos que se aproximavam. Um sorriso brilhante lhe iluminou a cara: Farrell vinha a procurá-la! Ao apartar-se da perto, a manga de sua camisola se enganchou no

ferro e lhe desinteressou no ombro. Regam não fez caso e pôs-se a correr na direção da qual provinham os passos.

—Olá garotinha —disse um jovem de vestimenta pobre—.vieste a me saudar lista para te deitar?

Regam se separou dele e tropeçou com a prega de sua camisola.

—Não deve ter medo do Charlie —disse o homem—. Não quero nada que você não queira.

Regam pôs-se a correr. Seu coração pulsava a mais não poder, e a manga se rasgava um pouco mais com cada movimento. Não tinha idéia de onde ia, se corria para algo ou para afastar-se de algo. Mesmo que caiu a primeira vez, não diminuiu a velocidade.

Teve a impressão de que passaram horas inteiras até que chegou a um beco e permitiu que seu coração se acalmasse o suficiente para ver se ouvia os passados do homem. Tudo parecia estar em silêncio, de modo que apoiou a cabeça contra a úmida parede de tijolos e aspirou o aroma salgado do mar. Ouviu risadas a sua direita, uma portada, um entrechocar de metal e os chiados das gaivotas.

Olhou sua camisola e viu que estava esmigalhado e cheio de lodo, tinha barro também no cabelo e supôs na bochecha. Trato de não pensar em seu aspecto, pois desejava dominar o medo.

Tinha que fugir desse lugar pestilento e achar refúgio antes da manhã, um sítio onde pudesse descansar e estar a salvo.

arrumou-se o cabelo como melhor pôde, recolheu as partes rasgadas de sua camisola, saiu do beco e se encaminhou para onde tinha ouvido as risadas, talvez ali encontraria a ajuda que necessitava.

Minutos depois, um homem tratou de tomá-la do braço. Quando se separou dele, outros dois aferraram sua saia; a camisola se rasgou em três lugares.

—Não —murmurou, apartando-se deles.

O aroma de pescado era cada vez mais intenso e a escuridão era densa como o veludo.

Novamente pôs-se a correr, seguida de perto pelos homens.

Ao olhar atrás, viu que a seguiam vários homens, só a seguiam sem dar-se pressa, para chateá-

la. Em um momento estava correndo e, ao seguinte, sentiu como se se topou com um muro de pedra. Caiu ao chão como se a tivessem arrojado por uma venda.

—Travis —disse um homem— parece que a deixaste sem fôlego.

Uma enorme sombra se inclinou sobre Regam e uma voz profunda lhe perguntou:

—Tem-te feito mal?

antes de que Regam pudesse pensar, uns braços fortes e seguros a levantaram do chão. Estava muito exausta, muito aterrada para pensar nos maneiras. Em troca, afundou a cara no ombro de quem a sustentava.

—Acredito que acaba de obter o que queria para esta noite —observou outro homem rendo entre dentes—. Te veremos pela manhã?

—Talvez —respondeu a voz profunda contra a bochecha de Regam—. Mas possivelmente não volte até a partida do navio. Os homens voltaram a rir e seguiram seu caminho.

Regam não tinha idéia de onde estava nem de com quem estava. Quão único sabia era que se sentia a salvo, como se acabasse de despertar de um horrível pesadelo. Ao fechar os olhos e apoiar-se contra o homem que a carregava com tanta facilidade, sentiu que tudo sairia bem. Uma luz repentina a fez fechar os olhos com mais força e afundar mais a cara naquele ombro forte.

—O que faz aí senhor Travis? —perguntou uma voz de mulher.

Regam sentiu que o homem emitia uma risada grave.

—Traz um pouco de brandy e água quente a meu quarto. E um pouco de sabão.

Ao homem não parecia lhe custar subir a escada com o peso de Regam em seus braços. Quando acendeu uma vela, ela quase estava dormida.

Com suavidade, deixou-a sobre a cama, com a cabeça apoiada nos travesseiros.

—Bem, me deixe te olhar.

Enquanto a inspecionava, Regam olhou pela primeira vez a seu salvador. Tinha cabelo muito espesso, suave e escuro, e um rosto atrativo, com profundos olhos castanhos e boca fina. Seus olhos brilhavam, divertidos, e tinham minúsculas rugas nas comissuras.

—Satisfeita? —perguntou-lhe, ao tempo que ia abrir a porta.

Era sem dúvida o homem mais corpulento que Regam tinha visto, uma figura totalmente falta de elegância é obvio, mas ao mesmo tempo fascinante. A profundidade de seu peito medeia, talvez, o dobro de qualquer parte do corpo dela. Sem dúvida, seus braços eram tão grossos como a cintura de Regam e viu que suas calças revelavam coxas fortes e musculosas. Levava umas botas que chegavam aos joelhos e Regam se maravilhou ao as ver, posto que antes só tinha visto homens com sapatilhas pequenas.

—Toma, quero que isto bebês. Fará-te sentir melhor. Ao ver que o brandy lhe queimava a garganta, o homem lhe indicou que o sorvesse pouco a pouco.

—Está geada e o brandy te fará entrar em calor. Efetivamente o brandy a fez entrar em calor, a habitação iluminada pelas velas e a serena força daquele homem aumentaram a sensação de segurança de Regam. Seu tio e Farrell pareciam muito longínquos.

—por que fala você em forma tão estranha? —perguntou-lhe.

Os olhos do homem riram.

—Eu poderia te perguntar o mesmo. Sou norte-americano. Os olhos de Regam se dilataram com uma mescla de interesse e temor. Tinha ouvido muitas histórias a respeito dos americanos, homens que tinham declarado a guerra a sua mãe pátria que eram pouco mais que selvagens.

Como se lhe tivesse lido a mente o homem umedeceu um pano com a água quente, esfregou-o com sabão e começou a lhe lavar a cara. De algum jeito lhe pareceu natural que aquele homem, cuja mão era tão grande como a cara dela a lavasse com suavidade e ternura. Quando termino com a cara, começou com os pés e as pernas. Regam contemplou o cabelo do homem: tinha-o talhado justo por cima do pescoço da camisa, onde se frisava apenas e não resistiu a tentação de tocá-lo. Era firme e estava limpo, e Regam pensou que até o cabelo daquele homem era forte.

O homem se levantou, tomou a mão da moça e a beijou na ponta dos dedos.

—Ponha isto —disse e lhe arrojou uma de suas camisas podas— Eu baixarei a ver se encontro algo para comer. Parece que te viria bem uma boa comida.

Quando partiu a habitação começou a parecer cavernosa. Quando ficou de pé, Regam se cambaleou um pouco e compreendeu que o brandy lhe tinha subido à cabeça. Seu tio Jonathan nunca lhe tinha permitido beber álcool. Ao pensar nesse homem recordou tudo quão mau tinha ocorrido. Enquanto se tirava os restos da camisola esmigalhada e sujo, começou a imaginar o que sentiriam Farrell e seu tio quando ela voltasse do braço de um americano corpulento e arrumado. Aquele homem tinha o tamanho suficiente para obter algo que desejasse. meteu-se na cama, envolta na camisa cujas abas lhe chegavam mais abaixo dos joelhos, e imaginou sua volta vitoriosa à casa Weston. Além disso, o americano sempre seria seu amigo e inclusive assistiria a suas bodas com o Farrell. Claro que teria que aprender maneiras, mas talvez Farrell poderia acostumar-lhe dormiu com um sorriso nos lábios.

Travis voltou para a habitação com uma bandeja carregada de comida. Ao ver que seus intentos de despertar a Regam só obtinham que a moça se acurrucara mais sob as mantas, dispôs-se a comer sozinho. Tinha estado bebendo com seus amigos americanos da tarde, celebrando o feliz término de sua viagem e a concreção dos negócios do Travis na Inglaterra. Em uma semana zarparia de retorno a Virginia.

Os quatro homens tinham estado comentando que gostariam de ter uma muchachita doce em sua cama, quando aquela menina se topou com o Travis. Era bonita, jovem e poda, apesar da sujeira que lhe tinha tirado. perguntou-se que fazia só a essas horas, correndo pelas ruas com sua camisola esmigalhada. Talvez a tinham jogado da casa onde trabalhava ou possivelmente decidiu provar sorte só e descobriu que a assustava trabalhar na rua.

Travis consumiu a maior parte da comida, ficou de pé e se desperezó. Fora qual fosse o problema daquela moça, ao menos por essa noite seria dela. Ao dia seguinte poderia devolver a à rua. despiu-se lentamente, desabotoando-a roupa com estupidez. A maneira em que a jovem se obstinado o tinha excitado, e se perguntou onde teria aprendido ela esse truque, nenhuma das prostitutas que tinha conhecido utilizavam essa técnica. Já nu, deitou-se e atraiu à moça para si. Seu corpo estava fláccido, mas quando Travis introduziu a mão sob a camisa começou a despertar.

Regam sentiu aquelas mãos cálidas e masculinas sobre seu corpo e lhe pareceu que eram parte de seu delicioso sonho. Ninguém lhe tinha devotado afeto antes. Nem sequer em sua infância, quando ansiava que alguém a abraçasse, havia alguém que lhe oferecesse amor. No fundo de sua mente estava a lembrança de uma dor terrível e recente, e queria ter alguém a quem aferrar-se, alguém que apagasse essa dor.

Em um estado de semiviligia sentiu que lhe tiravam a camisa. Quando seus seios roçaram o peito do Travis e sentiram sua dureza e o pêlo que o cobria, Regam afogou uma exclamação de gozo. Uns lábios a beijaram na bochecha, nos olhos, no cabelo e finalmente na boca. Ela nunca tinha beijado a um homem, mas soube imediatamente que gostava de muito. Os lábios firmes mas suaves do Travis se moveram sobre os seus e os separaram apenas para saborear sua doçura.

Quando Travis a atraiu mais para ele, Regam o abraçou, deleitando-se com seu tamanho, e se aproximou mais, pois desejava estar em total contato com ele. Entretanto, quando os movimentos do Travis se fizeram mais rápidos Regam abriu os olhos surpreendida. Rapidamente começou a voltar em si e tratou de apartar-se dele. Mas a força do Travis era tanta que não se precaveu dos débeis intentos da moça por apartar-se. O tampouco tinha a mente muito limpa a causa do uísque que tinha bebido e a reação de entusiasmo inicial de Regam o tinha excitado.

Regam empurrou com mais força, mas os braços do Travis se fecharam mais ainda e seus lábios se apoderaram dos dela evitando qualquer resposta negativa. Apesar de seu crescente conscientiza de que o que estava fazendo estava mau, Regam não pôde resistir por muito tempo e começou a reagir a ele plenamente, arqueou-se contra ele, sem saber com exatidão o que era o que desejava. A mão do Travis sustentava a cabeça da moça a embalava, acariciava-a e seu dedo polegar a acariciava detrás da orelha. Seus dentes lhe mordiscavam o lóbulo da orelha.

—Doce —sussurrou—. Doce como as violetas.

Sonriendo Regam se moveu com frouxidão quando a coxa do Travis roçou o seu. Inclinou a cabeça para lhe permitir acesso a seu pescoço e seu ombro. Quando ele começou a lhe fazer o amor a seu pescoço, Regam sentiu que poderia dissolver-se como água. Entrelaçou os dedos no cabelo dele e lhe sustentou a cabeça, pois não queria que se apartasse. A primeira vez que a mão do Travis tocou seu seio, Regam ficou rígida pela surpresa. Logo, à medida que aquela deliciosa sensação fluía por cada poro e cada copo de seu corpo, atraiu a cabeça dele para a sua. Com ânsia, com paixão, sedenta, procurou seus lábios. Quando Travis subiu sobre ela, o primeiro que pensou Regam foi que, para um homem de seu tamanho, era extraordinariamente leve. Imediatamente sentiu dor e abriu os olhos, seu corpo perdeu aquela sensação de prazer e o empurrou com todas suas forças.

Mas Travis já não a ouvia. O desejo que sentia por aquela muchachita ardente era entristecedor, e não podia ouvir seus protestos.

Apesar de sua pouca prudência por excesso de álcool, soube que chegava à minúscula membrana. Em algum lugar de sua mente, um resto de sensatez lhe disse que estava cometendo um engano, mas não pôde deter-se. Penetrou-a com rapidez, mas tinha perdido grande parte de sua paixão original.

Quando terminou, ficou quieto, tendido sobre ela, e sentiu como o corpo pequeno e delicado da moça começava a estremecer-se com os soluços. As lágrimas mornas de Regam lhe umedeceram o pescoço e se mesclaram com seu suor.

separou-se dela, sem olhá-la. A luz do sol começava a entrar pela janela e Travis nunca se havia sentido tão sóbrio em toda sua vida. ficou as calças e as botas e logo a camisa, que não se

incomodou em grampear. Finalmente se voltou para a moça, só sua cabeça aparecia debaixo das mantas.

Com toda a suavidade que pôde utilizar, sentou-se junto a ela na cama.

—Quem é? —perguntou-lhe.

Toda a resposta que obteve foi um meneio de cabeça e um forte soluço. Travis aspirou profundamente e a fez incorporar-se, sem deixar de lhe cobrir os seios nus com o lençol.

—Não me toque! —exclamou Regam—. Me tem feito mal!

—Já sei, e o sinto, mas... —Prosseguiu em voz mais alta.— Maldição! Como podia saber que foi virgem? Pensei que foi... —Travis franziu o cenho. deteve-se o ver a inocência nos olhos de Regam.

Como tinha podido confundi-la com uma prostituta? Talvez tivesse sido pelo lodo ou a pouca iluminação, ou, o que era mais provável, o uísque que tinha ingerido, mas agora via que era impossível confundi-la. Até como estava agora, nua, sentada em sua cama, com o cabelo desalinhado sobre os ombros, exsudava um ar de refinamento e gentileza que só os membros da classe alta britânica podiam manter em momentos de tensão. Quando compreendeu o que tinha feito

—deitar-se com a filha virgem de algum lorde— começou a precaver-se da gravidade de seus atos.

—Acredito que não posso me desculpar pelo que ocorreu—disse—, mas talvez possa oferecer minhas explicações a seu pai. Estou seguro de que ele... — Compreenderá? pensou Travis.

—Meu pai está morto —respondeu Regam.

—Então te levar com seu tutor.

—Não! —exclamou Regam. Como podia voltar com seu tio nesse estado, para que aquele enorme americano confessasse o que tinham feito juntos?

— Se me fizer o favor de me conseguir um pouco de roupa, deixarei-o em paz. Não se preocupe comigo levar a nenhuma parte.

Travis pareceu pensá-lo um momento.

—por que estava correndo pelos moles em metade da noite? A menos que me equivoque, uma menina como você... —Sorriu ao ver a expressão de Regam.— Perdão, uma jovem como você jamais viu antes os moles.

Regam levantou a frente.

—O que eu tenha visto ou não, não é assunto dele. O único que lhe peço é um vestido, algo singelo se pode pagá-lo e me partirei em seguida.

Travis voltou a sorrir.

—Acredito que posso conseguir um vestido. Mas não penso te deixar a mercê das bestas que há lá fora. Recorda o que te ocorreu ontem à noite.

Regam o olhou, entrecerrando os olhos.

—Acaso teria podido me acontecer algo pior do que você me fez ontem à noite? —Afundou a cara nas mãos. — Quem vai querer me agora? Você me arruinou.

Travis se sentou a seu lado e lhe apartou as mãos.

—Qualquer homem te quereria, querida. É a mais deliciosa... —interrompeu-se.

Regam não estava segura de entender a que se referia, mas tinha certa idéia.

—Vulgar colono! Vocês são tão selvagens como se diz. Raptam às damas na rua e as levam a uma habitação onde lhes fazem... coisas horríveis.

—Espera um minuto! Se mal não recordar, você veio correndo para mim e, quando tratei de te ajudar, virtualmente saltou a meus braços. Isso não faz uma dama. E quanto ao de ontem à noite, não te parecia tão horrível quando me estirava o cabelo e me acariciava as pernas com seus piececitos.

Regam ficou boquiaberta, horrorizada, e não pôde responder.

— Ouça , sinto muito. Não quis te escandalizar. mas quero que entenda as coisas como são. Se eu tivesse sabido que foi virgem e não uma guia de ruas, não te haveria meio doido. Mas já não podemos trocar as coisas. Sim te toquei e agora é minha responsabilidade.

—Eu... é obvio que não sou sua responsabilidade. Asseguro-lhe que sei me cuidar sozinha.

—Como o fez ontem à noite? —disse Travis, levantando uma sobrancelha—. Foi uma sorte que te topasse comigo; se não, quem sabe o que te teria ocorrido.

Passou um momento antes de que Regam pudesse falar.

—Acaso sua arrogância não tem limites?. Não foi uma sorte me topar com você e agora sei que estava melhor nas ruas que encerrada com um louco, desprezível violador como você senhor!

Os olhos do Travis se iluminaram com um sorriso deslumbrante. passou-se a mão pelo cabelo e riu entre dentes.—Vá, vá. Acredito que me insultou uma dama inglesa. —Seus olhos percorreram os ombros nus da moça, e lhe sorriu

.— Sabe? acredito que eu gosto.

—Pois você não me agrada —replicou Regam, exasperada pela ignorância e a falta de compreensão daquele homem.

—me permita me apresentar. Sou Travis Stanford, da Virginia, e estou prazer em conhecê-lo —

disse, e lhe tendeu a mão.

Regam cruzou os braços sobre o peito e apartou a vista. Talvez se o ignorava e se mostrava grosseira com ele, deixaria-a ir.

--- Muito bem--- disse Travis, ao tempo que ficava de pé--- Como quer .Mas vamos esclarecer uma coisa: não penso te deixar reveste nos moles do Liverpool Ou me diz onde vive e quem é seu tutor, ou fica encerrada nesta habitação.

—Não pode fazer isso! Não tem direito! Travis a olhou com seriedade. —Ontem à noite ganhei esse direito. Os americanos tomam muito a sério nossas responsabilidades, e ontem à noite passou a estar a meu cargo... ao menos, até que me diga quem é seu verdadeiro tutor.

Enquanto terminava de vestir-se, observou-a no espelho, tratando de adivinhar os motivos pelos que ela não queria lhe dizer quem era. Uma vez que ficou a jaqueta, inclinou-se sobre ela.

—Estou tratando de fazer o melhor para ti —disse brandamente.

—E quem lhe deu o direito de decidir o que é bom ou mau para alguém a quem nem sequer conhece?

Travis riu entre dentes e respondeu

:—Começa a falar como meu hermanito. O que te parece um beijo antes de ir ?Se encontro a seu tutor, este pode ser nosso último momento a sós.

— Oxalá nunca volte a vê-lo! —gritou-lhe Regam—. Oxalá caia ao mar e ninguém volte a vê-lo jamais! Oxalá...!

Travis a interrompeu ao levantar a da cama com um braço enquanto, com o outro, apartava o lençol que os separava. Acariciou a pele suave do quadril e as coxas de Regam, e sua boca roçou a dela. Com soma suavidade, beijou-a, com cuidado para não assustá-la nem ser muito rude com ela Por um instante, Regam tratou de apartá-lo, mas aquelas grandes mãos sobre seu corpo e a pura força que emanava de lhe resultavam muito excitantes. Surpreendeu-lhe que um homem tão arrogante pudesse ser tão tenro.

Abraçou-o e inclinou a cabeça, enquanto seus dedos se perdiam entre o cabelo do Travis. O foi o primeiro em apartar-se.

—Começo a desejar não encontrar a seu tutor. eu adoro te abraçar.

Quando Regam levantou a mão para golpeá-lo, Travis riu, deteve-a, e lhe beijou os nódulos um por um.

—Foi só um desejo. Agora fique aqui e te leve bem, que quando voltar te trarei um bonito vestido.

Travis saiu da habitação, e riu para ouvir o golpe do travesseiro contra a porta já fechada. O som da chave ao girar na fechadura deu a Regam a impressão de que lhe tivessem colocado cadeias nos tornozelos.

O horrível silêncio era quase ensurdecedor para Regam, que contemplava, sentada e aturdida, a grande habitação sem vê-la em realidade. Por um momento não pôde acreditar que não estivesse em casa, em seu dormitório. Em troca, nas últimas horas seu mundo se derrubou a seu redor. Tinha

ouvido seu amado dizer que não queria casar-se com ela e a seu único familiar admitir que não lhe importava. E agora, o pior de tudo: já não tinha sua virtude e era prisioneira de um selvagem americano. Prisioneira, pensou. Sem sabê-lo, tinha estado prisioneira toda sua vida, em uma jaula dourada com um bonito jardim.

Enquanto estes pensamentos passavam por sua mente, começou a olhar a seu redor. Havia uma grande janela em uma parede, e lhe ocorreu que esta vez possivelmente pudesse fazer algo em relação a seu confinamento. Se pudesse escapar, certamente acharia ajuda, talvez alguém que a aceitasse ou lhe desse um trabalho. Ao pensar isso, deteve-se. O que sabia fazer? Como poderia ganhá-la vida durante cinco anos até que pudesse herdar? Quão único realmente sabia fazer bem era cultivar flores. Talvez...

Não, Regam, acautelou-se. Não é o momento de ir-se pela tangente. Primeiro devia escapar e demonstrar a aquele arrogante que não podia seqüestrar a uma inglesa e mantê-la, dócil, em sua custódia.

levantou-se e compreendeu que seu primeiro problema era a roupa. Em um rincão da habitação havia um baú, mas logo depois de uma rápida inspeção viu que estava fechado com chave.

Quando bateram na porta, sobressaltou-se e logo que teve tempo para ficá-la camisa do Travis antes de que entrasse uma moça gordinha e de bochechas rosadas, carregando uma bandeja de comida.

—O senhor Travis me disse que lhe trouxesse comida e água para banhar-se se a deseja —disse a moça, nervosa, olhando a seu redor e sem apartar-se da porta fechada a suas costas.

—Pode me conseguir um pouco de roupa? —perguntou-lhe Regam—. Por favor. Posso devolver-lhe mais tarde, mas necessito algo mais que a camisa desse homem.

—Sinto muito, senhorita, mas o senhor Travis me ordenou que não lhe desse roupa nem nada mais que comida e água quente, e que lhe dissesse que contratou a um homem para que vigie a janela todo o dia, se por acaso você tratava de escapar por aí.

Regam correu à janela e viu que o que dizia a mulher era verdade

.—Tem o que me ajudar —suplicou—. Este homem me deixa prisioneira. Por favor, me ajude a escapar.

A moça deixou a bandeja depressa, com os olhos dilatados pelo temor

.—O senhor Travis me ameaçou de morte se a sotaque ir. Sinto muito, senhorita, mas tenho que pensar em mim. Sem uma palavra mais, a moça partiu e voltou a jantar a porta com chave.

Ao princípio Regam não estava segura do sentimento que a percorria. Toda sua vida tinha sido agradável, despreocupada, com poucos problemas que enfrentar e menos pessoas que conhecer, mas agora tudo começava a acumular-se sobre ela e começava a afligi-la. Não tinha sido sua intenção abandonar a casa de seu tio mas tampouco queria seguir prisioneira de um homem horrível.

Levantou a bandeja com ambas as mãos, jogou-a contra a parede e logo observou como os ovos e o presunto se deslizavam pela suave superfície de gesso. Aquela reação em lugar de melhorar seu ânimo, piorou-o. jogou-se sobre a cama, gritou com a cara afundada no travesseiro esperneou e a empreendeu a murros contra o colchão de plumas.

Apesar da fúria e da total frustração que sentia por seu desamparo, o cansaço pôde mais. À

medida que seus músculos começaram a relaxar-se, caiu em um sonho profundo, como sem vida.

Nem sequer despertou quando a criada limpou a comida da parede, nem quando Travis entrou carregado de caixas coloridas, inclinou-se sobre ela e sorriu ao ver seu rosto doce e inocente.

—É um sanduíche muito doce —sussurrou Travis ao tempo que lhe mordiscava o lóbulo da orelha.

Quando Regam começou a despertar, ele se apartou, pois queria vê-la desperezarse, como seu corpo curvilíneo formava incitantes colinas e vales na camisa que levava posta. Ao desperezarse, com os olhos ainda fechados, os peitos de Regam pressionaram contra os botões, com o qual se formou uma abertura que revelou por um instante um delicioso diamante de carne. Esboçou um leve sorriso até que abriu os olhos e o descobriu observando-a.

—Você! —exclamou. Com um ágil salto, levantou-se e se equilibrou para ele com os punhos fechados e as abas da camisa batendo as asas. Travis apanhou com uma só mão as duas da moça.

—Vá, isso é o que eu chamo um bom recebimento —murmurou, e a atraiu a seus braços— Não é fácil recordar que devo te tratar como a uma dama quando arroja assim a meus braços.

—-Eu não me arrojei —replicou Regam, com os dentes apertados—. por que sempre o distorce tudo? Não desejo nada de você, salvo que me permita partir. Não tem direito...

Um beijo rápido a interrompeu.

—Já sabe que te deixarei ir assim que me diga aonde devo te levar. Uma moça como você deve ter familiares. me dê um nome e te levarei com eles.

—Para que se vanglorie do que me tem feito? Não, eu jamais aceitaria uma coisa assim. Deixe ir, e eu chegarei sozinha a casa.

—Não sabe mentir. —Sorriu.— Esses olhos que tem são tão claros como os de uma boneca. Todos seus pensamentos estão escritos neles. Hei-te dito várias vezes quais são minhas condições para te liberar, e não penso as trocar. Eu não vou ceder, de modo que terá que te resignar a fazê-lo você.

Regam se separou dele com chateio

.—Posso ser tão obstinada corno você. —Sorriu com ar perverso.— Além disso, sei que logo zarpará rumo à América. Então terá que me liberar.

Travis pareceu pensá-lo um momento

.—É verdade, terei que fazer algo contigo —respondeu arranhando o queixo—. Odiaria ter que partir a América e deixar essas pernas tuas desprotegido adequada.

Regam afogou uma exclamação. Tomou um extremo do lençol e tratou de arrancar a da cama, mas havia outro extremo entupido. Travis se aproximou e se inclinou sobre a cama para liberar o lençol e, ao mesmo tempo, introduziu a mão debaixo da camisa de Regam e lhe acariciou as nádegas com firmeza.

Regam chiou uma vez; logo ficou de pé, arrebatou-lhe o lençol e se envolveu as pernas com ela.

—Como pode me tratar assim? O que tenho feito para merecer isto? Jamais tenho feito mal a ninguém em toda minha vida.

Disse-o com tanto sentimento que Travis baixou a vista

.—Eu tampouco tenho feito nunca algo assim. Talvez simplesmente deveria deixar ir, mas não posso. Seria como arrojar uma flor silvestre a uma tormenta de neve ou, tendo em conta a vida que há nestes moles, seria como arrojá-la ao fogo. —Quando voltou a olhá-la, seus olhos estavam suaves e tenros.— Não tenho muita possibilidade de escolher. Não posso deixar ir; mas tampouco quero te ter prisioneira. Deus! Nem sequer tenho escravos, muito menos fechamento a meninas inocentes.

Quando terminou de falar, deixou-se cair com pesadez em uma cadeira que havia em um rincão. Regam teve a estranha sensação de que desejava consolá-lo. Durante o incômodo lapso de silêncio, reparou nas caixas, que estavam sobre o baú.

—Trouxe-me um vestido? —perguntou em voz baixa.

—Se te traga um vestido? —repetiu Travis sonriendo, parecia ter superado seu momentâneo abatimento. Atirou da corda que sujeitava uma caixa e começou a desdobrar um vestido de veludo, de uma cor que Regam não tinha visto antes: quase castanho, quase vermelho, mas com certo resplendor dourado. Ao entregar-lhe a Regam, ele disse:

—É da cor de seu cabelo: nem vermelho, nem castanho, nem loiro, a não ser todos eles ao mesmo tempo.

Regam o olhou, surpreendida.

—Que... que romântico! Não sabia que você...

Rendo, Travis tomou o vestido.

—Não sabe nada de mim e eu sei menos ainda de ti. Nem sequer me há dito como te chama.

Vacilante, Regam passou a mão pelo veludo que tinha em seus braços. Toda sua roupa sempre tinha sido do gênero mais barato possível. O veludo era o tecido mais formoso que tinha visto mas, por muito que desejasse senti-lo sobre sua pele, preferiu ser precavida.

—Regam-meu nome é —declarou em voz baixa.

—Sem sobrenome? Só Regam?

—É tudo o que lhe direi e se pensar que pode me subornar com um elegante vestido se equivoca—

respondeu com altivez.

—Não acostumo subornar às pessoas —replicou Travis—. Já te hei dito quais são as condições para deixar ir, e o vestido não tem nada que ver com elas.

Arrojou o objeto de veludo sobre a cama, dirigiu-se às outras caixas e as abriu uma por uma, esvaziando seu conteúdo desordenadamente. Havia um vestido de crepé de seda celeste adornado com cintas de cor azul esverdeada e uma camisola de linho bordado com centenas de diminutos pimpolhos rosados. Da última caixa caíram dois pares de sapatilhas e do de couro magro, tintas ao tom do veludo e do vestido azul.

—São muito belos —disse Regam assombrada, ao tempo que se levava a seda à bochecha.

Travis a observava, encantado. Ela era uma mescla de menina e mulher: furiosa um momento, como uma gatita zangada, e logo se convertia em uma menina inocente e adorável. Ao olhar aquele sorriso que iluminou os olhos turquesa da moça, Travis se sentiu enfeitiçado por ela, como se sobre ele tivesse cansado um feitiço que lhe impedisse de pensar em algo que não fora ela. Esse dia tinha passado horas inteiras nas lojas, onde se sentia totalmente desconjurado mas desejava fazê-la feliz.

sentou-se junto a ela na cama.—Você gosta? Não sabia que classe de vestidos nem que cores prefere, mas a vendedora me disse que estes são a última moda.

Quando Regam lhe sorriu, Travis sentiu que o invadia uma quebra de onda de posesividad que só tinha experiente por suas terras na Virginia. antes de chegar a pensar no que fazia, inclinou-se sobre a roupa e atraiu a jovem para ele. Sem lhe dar tempo a protestar, beijou-a com avidez, tratando de recuperar cada instante em que tinha pensado nela durante o dia.

—Meus vestidos —protestou Regam—. Se esmagarão. Com um só movimento, Travis recolheu toda a roupa e a jogou sobre a cadeira.

—pensei em ti todo o dia —sussurrou—. O que me tem feito?

Regam tratou de responder em tom despreocupado, apesar de que a cercania do Travis lhe acelerava o pulso.—Nada que tenha desejado lhe fazer. Por favor, me solte.

—Seriamente quer que te solte? —perguntou com voz rouca, enquanto lhe beijava o pescoço.

por que, pensou Regam este homem vil e repugnante me faz estas coisas horríveis? Mas, embora pensava isso não se esforçava por apartá-lo. Ansiava estar em seus braços e adorava a forma em que a beijava, o aroma de seu fôlego e a maneira em que lhe acariciava o rosto. O

tamanho daquele homem a fazia sentir-se pequena e segura, cuidada, protegida.

Seus pensamentos se interromperam quando os lábios do Travis acharam seus peitos nus. Já não pôde pensar: gemeu e lhe acariciou os ombros.

Lentamente Travis a soltou. Abriu os olhos, perplexa, e o viu de pé, tirando-a jaqueta. Incapaz de lhe tirar os olhos de cima, observou-o despir-se sem pressa.

A luz do sol poente entrava pela janela e enchia a habitação com um resplendor vermelho dourado que a transformava em um sítio de mágicas jóias. Muda, Regam não conseguia apartar a vista do corpo do Travis, que pouco a pouco se ia descobrindo. Nunca tinha visto um homem nu e sentia muita curiosidade. Nada teria podido prepará-la para a imagem do Travis nu. Tinha os músculos muito desenvolvidos por anos de trabalho, os braços esculpidos, o peito como o peitilho de uma antiga armadura romana que ela tinha visto em um livro. Entretanto, sua cintura era magra, e em seu ventre se destacavam os músculos. Quando se tirou as calças, ficaram ao descoberta suas coxas maciças nos que se distinguia cada músculo.

—Céus —murmurou Regam, e sua voz delatou o assombro que sentia. Só piscou quando seus olhos chegaram à virilidade do Travis.

Travis riu e se tendeu a seu lado—Apesar de tudo seus protestos, arrumado a que com um pouco de treinamento, chegará a ser uma moça muito luxuriosa.

—Não, por favor —pediu Regam, em um último intento de apartá-lo, mas Travis não lhe emprestou atenção.

Com destreza, tirou-lhe o que ficava de roupa e começou a lhe acariciar o ventre com uma suave massagem; seus dedos jogavam com essa área sensível e a palma de sua mão lhe excitava a pele.

Enquanto isso, beijava-a; utilizava os dentes na curva da orelha, e com a língua roçava apenas o ponto suave e palpitante que se achava justo debaixo do lóbulo.

Regam lhe acariciou os ombros e os braços, riscando com os dedos cada depressão que assinalava a união de dois músculos. A dureza do corpo do Travis era muito diferente da suavidade do dele, tão fraco em comparação com a força dele. moveu-se debaixo do Travis e baixou os braços para lhe acariciar as costelas, para sentir como os músculos de suas costas se contraíam sob sua pele morna e moréia, e logo lhe acariciou os firmes quadris. Esse contato lhe produzia de uma vez admiração e prazer e com cada carícia seu coração parecia acelerar-se e sua respiração se voltava mais profunda agitada.

—Regam, doce Regam —murmurou Travis, com uma voz que ela não só ouviu mas também também sentiu no sítio em que se uniam os peitos de ambos.

Quando Travis se apartou um pouco, Regam lhe cravou os dedos nos braços com força.

—Sim, meu gatita ansiosa, sim.

Penetrou-a lentamente e com facilidade e, embora ela o teria acreditado impossível, seu coração se acelerou mais ainda. Não havia dor, só algo que ela desejava imensamente. Quando se arqueou contra ele com estupidez e em forma errática, Travis se manteve afastado.

—Devagar, gatita, devagar —murmurou com uma mão no quadril de Regam, enquanto com o dedo acariciava seu umbigo.

Embora Regam não tinha idéia da intenção do Travis, não teve mais remedeio que lhe obedecer. Apesar de sua pouca experiência, compreendeu que ele se estava contendo, tomando seu tempo para lhe ensinar em lugar de participar às cegas. Lenta e cuidadosamente, ensinou-lhe a gozar, a tomar a iniciativa além de segui-la.

Regam teve a impressão de que seu corpo estalaria, de que se voltava mais e maior e que, quando estalasse, ela talvez morreria. de repente, Travis começou a mover-se com mais rapidez, e sua excitação se contagiou à moça. Regam se arqueou contra ele, e foi como se muitos foguetes estalassem em seu interior, brilhantes, ardentes, cegadores. Travis se desabou sobre ela, fláccido e suarento. Regam se sentia esgotada e débil, mas maravilhosamente bem, como se lhe tivessem tirado um enorme peso de cima. Pareceu-lhe haver-se adormecido um instante e, ao despertar, seu momento de intimidade com aquele homem que ainda era um perfeito estranho lhe pareceu um sonho. Tendida ali, com um braço do Travis sobre ela, imaginou como seria voltar a ver o Farrell. É

obvio, ele já estaria a par de suas aventuras com esse americano, e estaria envergonhado dela, possivelmente nem sequer lhe dirigiria a palavra. imaginou tratando de explicar-lhe dizendo que se resistiu, mas Farrell saberia a verdade. O americano dizia que seus olhos refletiam tudo o que pensava. Refletiriam também aquela nova experiência? Acaso todo mundo veria nela a uma mulher desonrada?

A seu lado, Travis se moveu, incorporou-se sobre um cotovelo e lhe sorriu.

—Não me equivoquei —murmurou—. Com um pouco de treinamento...

Regam lhe apartou a mão quando lhe acariciou o cabelo

.—Não me toque! Já me obrigou a fazer muitas coisas.

—Voltamos para isso? Acreditei que esta vez veria a verdade.

—A verdade! Claro que a vejo! Sei que você me retém aqui contra minha vontade e que é um delinqüente da pior índole.

Travis suspirou, levantou-se e começou a vestir-se

.—Já te hei dito por que te retenho aqui. —voltou-se para ela com rapidez.— Tem alguma idéia do que querem de ti esses homens do porto? Eles procuram uma versão violenta do que acabamos de fazer.

—E que diferença há entre eles e você?

—Até com sua inocência deveria saber que eu te faço o amor, enquanto que eles simplesmente lhe levantariam a saia e lhe fariam o que quisessem... um após o outro.

—Não tenho saia! —replicou Regam—. Quão único tenho é uma camisola muita quebrada.

Travis só pôde levantar os braços em gesto de exasperação.

—Só vê o que quer ver, não é assim? Por isso considero que é meu dever te proteger de ti mesma e de seus sonhos cor de rosa, além dos homens que lhe fariam mal.

—Não tem direito! Por favor, me deixe sair daqui.

Como se a moça não tivesse falado, Travis se dirigiu à porta e pediu a gritos o jantar.

—Sentirá-se melhor quando tiver comido —disse, e voltou a fechar a porta.

—Não tenho apetite —replicou Regam, com obstinação. Travis a tirou do queixo e a obrigou a olhá-lo.

—vais comer embora tenha que te obrigar —ordenou, com um olhar duro, sem aquela suavidade que sempre havia em seus olhos.

Regam só pôde assentir.

—Agora bem —prosseguiu, novamente de bom humor—, por que não te põe um desses vestidos que te trouxe? Isso te fará sentir melhor.

—Mas você terá que sair da habitação —murmurou Regam, um pouco assustada até pela ameaça.

Até então Travis não lhe tinha inspirado o mínimo temor.

Travis levantou uma sobrancelha para ouvir a petição. Levantou-a da cama e a depositou de pé no chão, nua.

—Não tem nada que eu não tenha visto, e se não querer que o hospedeiro te veja assim, será melhor que te vista.

Ao examinar a roupa que Travis lhe tinha levado, Regam advertiu que não havia roupa interior.

Preferiu não pedir-lhe e ficou o vestido de veludo. Acabava de grampear-lhe quando o hospedeiro bateu na porta. O vestido era de talhe alto, decotado, e a parte dianteira estava adornada com gaze de seda. Regam se olhou ao espelho que estava frente à cama e se alegrou de que não fora um vestido infantil. Seu cabelo solto era um matagal de cachos desalinhados; tinha as bochechas acesas e os olhos brilhantes, e todo isso se combinava para dar a imagem de uma mulher a quem acabavam de lhe fazer o amor... e o tinha desfrutado.

O olhar apreciativo do hospedeiro fez que Travis quase o jogasse.

—por que fez isso? —perguntou, Regam, surpreendida, perguntando-se se Travis estaria ciumento.

—Não quero que se forme uma idéia equivocada —respondeu, ao tempo que desentupia um prato de carne assada—. Amanhã terei que voltar a te deixar reveste e, se este homem pensasse que não me importa, poderia enviar a alguém aqui. Quão último quero é uma briga ou qualquer problema tão perto de minha partida. Nada poderá evitar que parta a casa. Já passei muito tempo neste maldito país.

Decepcionada, Regam se acomodou na cadeira que lhe ofereceu. O aroma da comida lhe fez precaver do tempo que levava sem comer. Recordou com assombro que do jantar com o Farrell e seu tio não havia tornado a comer.

—O que ocorre? —perguntou Travis ao ver sua expressão.

—Nada. É só que... —levantou a cabeça—. Não me agrada ser prisioneira, isso é tudo.

—Não tem que me dizer isso se não o desejar. Come seu jantar antes de que se esfrie.

Durante o jantar, Travis tentou várias vezes fazê-la falar, mas Regam resistia por temor a revelar, sem querer o, alguma pista a respeito de seu domicílio. Já não poderia voltar para a vida que tinha conhecido; depois do que tinha acontecido essa noite, talvez e a não a considerasse uma dama.

Travis a tirou da mão e se inclinou para ela.—É uma pena que às inglesas ensinem que não devem desfrutar de do sexo —disse, interpretando o ânimo da moça—. Na América as mulheres não são tão inibidas, agradam-lhes seus homens e não temem demonstrá-lo.

Regam lhe dirigiu sua total mais doce e falsa

.—Então por que não volta para a América e a suas mulheres?

Travis lançou uma gargalhada que fez ressonar os pratos e logo lhe deu um sonoro beijo na bochecha.

—Agora pequena, tenho trabalho que fazer, de modo que pode te pôr cômoda na cama e me esperar O...

—Ou possivelmente partir.

—Devo reconhecer que é persistente.

E você é teimoso como uma mula, pensou Regam, enquanto o observava empilhar os pratos sobre a bandeja e tirá-la ao corredor. Mais tarde, já em camisola e deitada, observou-o de costas, e viu como se passava a mão pelo cabelo enquanto sua pluma revoava sobre os papéis que tinha ante si. Sentiu curiosidade pelo que estava fazendo mas não quis perguntar-lhe para que sua relação com ele não se voltasse mais pessoal do que já era.

Se desperezó e se embarcou em um sonho no que Farrell ia resgatar a e derrotava ao americano em um duelo de espadas. Seu tio Jonathan estaria ali, rogaria-lhe seu perdão e lhe diria que se sentia muito solo sem ela Sorriu ao imaginar ao Travis amedrontado. Em seu sonho se viu apartando-se do Farrell e dirigindo-se para o Travis, lhe dando a mão e perdoando-o, lhe dizendo que retornasse a América e a esquecesse... se podia.

Quando Travis se deitou a seu lado, Regam fingiu dormir, mas ele a atraiu para si, beijou-lhe a orelha, apoiou-lhe uma mão no ventre e dormiu. Por estranho que lhe parecesse, a moça sentiu que ela também já podia dormir.

Pela manhã se achou sozinha na grande habitação, mas logo que despertou, entrou a criada.

—Desculpe, senhorita. Pensei que estaria dormindo. O senhor Travis me disse que lhe trouxesse água quente, se por acaso queria tomar um banho.

Regam não tinha intenções de voltar a humilhar-se suplicando à criada que a deixasse sair.

Indicou à mulher que lhe levasse a tina e a água quente e, a seu pesar, desfrutou do banho. Foi quase um consolo poder fazer algo se por acaso mesma. Antes, sempre tinha uma criada que a vestia e lhe lavava o cabelo, e seu tio escolhia para ela roupa troca e infantil.

Novamente limpa, secou-se o cabelo com a toalha comeu um abundante café da manhã e ficou o vestido de seda azul. Completou o traje com um delicado lenço bordado com flores em vários tons de azul.

Foi um comprido dia e como não tinha nada que fazer, estava aborrecida. Fazia frio na habitação, pois não havia lar, de modo que se passeou por ali esfregando-os braços. Pela janela entrava o débil sol de começos da primavera, mas mesmo assim era o sítio mais quente da habitação. Aproximou uma cadeira e começou a olhar distraída pela janela. Novamente começou a sonhar, desde seus planos para fazer um jardim, até como jamais perdoaria ao Travis e deixaria que Farrell se ocupasse dele. Ao pôr do sol ouviu uma voz que solo podia ser Travis: profunda, clara, cheia de humor. Seu coração começou a acelerar-se. Claro que se devia à solidão em que tinha passado o dia, mas mesmo assim teve que reprimir-se para nem sorrir quando ele entrou.

Travis lhe sorriu e seus olhos pardos a percorreram—Esse vestido te sinta bem —observou, enquanto se tirava o chapéu e a jaqueta..Virtualmente se desabou sobre uma cadeira e lançou um profundo suspiro—. Teria sido menos fatigante trabalhar no campo —prosseguiu—. Seus compatriotas são uma fileira de presunçosos e néscios. Quase ninguém queria escutar minhas perguntas e, muito menos, as responder.

Regam passou um dedo pelo bordo da mesa com ar indiferente, tratando de dissimular sua curiosidade.

—Talvez não lhes agradavam suas perguntas —sugeriu. Travis não se deixou enganar.

—Quão único queria saber era se a alguém lhe tinha perdido uma moça bonita mas extremamente teimosa.

Regam abriu a boca para lhe responder, mas voltou a fechá-la ao compreender que Travis queria fazê-la morder o anzol

.—E o que averiguou?

Travis franziu o cenho antes de responder; parecia perplexo pelo que tinha descoberto.

—Não só não pude averiguar nada sobre o desaparecimento de uma moça como você, mas sim não encontrei a ninguém que conhecesse uma jovem assim.

Regam não pôde responder. Nunca tinham tido visitas na casa Weston. Tudo o que ela sabia da vida o tinha aprendido de suas criadas e institutrices, que lhe contavam histórias de amor e de cavalheiros galantes, do mundo fora daquela casa. Era natural que ninguém a conhecesse.

Travis a observava, tratando de interpretar sua expressão. Todo o dia o tinha acossado uma dúvida: o que faria com Regam quando partisse a América? Não o disse mas tinha contratado a três homens mais para que investigassem sobre ela. A noite em que a encontrasse, a moça não tinha podido provir de muito longe, de modo que vivia no Liverpool ou nos arredores, ou estava ali de passagem. depois de perguntar em todas as posadas da zona, tinha a certeza de que ela vivia ali, mas não conseguia achar uma só pista. Era como se Regam se materializou de um nada naquela noite escura, perto do porto.

—É uma fugitiva —adivinhou, e a expressão da jovem confirmou seus pensamentos—. Mas não entendo de quem foge e por que ninguém está revisando céu e terra para te encontrar.

Regam se apartou e tratou de não pensar que isso se devia a que às pessoas que ela acreditava que a amavam não lhes importava seu paradeiro.

—Quão único posso supor —prosseguiu Travis lentamente— é que sua família se zangou muito por algo que tem feito. Sei por experiência própria que não lhe encontraram na cama com o filho do jardineiro, de modo que possivelmente te tenha negado a fazer algo que eles queriam. Acaso te negou a te casar com um velho ricachón?

—Frio, frio —respondeu Regam, com ar presumido.

Travis riu, porque os olhos da moça lhe indicaram que não estava tão longe da verdade. Mas a risada dissimulou o que realmente sentia. Enfurecia-o pensar que alguém pudesse jogar na rua a uma muchachita pura, vestida só com sua camisola. Talvez podia ter ocorrido em um momento acalorado, mas como era possível que deixassem acontecer vários dias sem procurá-la?

—Estava pensando que, já que não parece haver motivos para que fique na Inglaterra, possivelmente deveria vir comigo a América.

—O que? —exclamou Regam, atônita—. a América está cheia de selvagens e analfabetos que vivem em cabanas de troncos. O que há lá a não ser índios e animais horríveis, para não mencionar a selvageria da gente? Não, de maneira nenhuma irei a esse sítio tão primitivo.

Os olhos do Travis perderam rapidamente o bom humor. ficou de pé e se dirigiu a ela.

—Maldita inglesa! Tenho que suportar isso todo o dia com vocês "cavalheirescos." compatriotas.

Rechaçam-me porque não gostam de minha forma de falar ou minha roupa, ou porque tinham algum parente que morreu em uma guerra que ocorreu quando eu era pequeno. Estou-me fartando de que me olhem como se fora algo sujo e não penso tolerá-lo em ti.

Regam retrocedeu e levantou uma mão para proteger-se.

—Já me contive bastante contigo. de agora em diante, fará o que te diga. Se deixasse a uma menina como você sozinha aqui, quando é óbvio que não tem um só amigo no mundo, não poderia voltar a dormir em paz. Não penso te aborrecer falando de como é a América do Norte, dado que tem idéias tão claras a respeito, mas ao menos, em meu país não expulsamos às meninas só porque sejam desobedientes. Quando chegarmos a Virginia poderá escolher o que fazer... algo mais adequado para uma "dama" inglesa que te converter em guia de ruas, pois essa seria sua única possibilidade se ficasse aqui. Olhou-a com fúria.

—Está claro? Sem lhe dar tempo a responder, partiu com uma portada e jogou chave à porta.

—Sim, Travis —sussurrou Regam na habitação vazia.

alegrou-se de que Travis se partiu, pois lhe resultava impossível pensar em sua presença. Ao menos, se conseguia enfurecê-lo-o suficiente, talvez não a obrigaria a fazer essas coisas horríveis na cama e se o provocava, possivelmente a deixaria ir. Sonriendo se sentou e começou a imaginar sua fuga, quão estupendo seria escapar daquele americano rústico. Que idéia!, pensou. Levá-la a América!

acomodou-se na cadeira, cobriu-se com uma manta e começou a fantasiar sobre o lugar horrível que devia ser a América. Recordou o que lhe tinha contado uma criada cujo irmão tinha viajado lá e retornado com histórias horripilantes, todas as quais lhe tinham sido relatadas a ela com luxo de detalhes.

À medida que a vela se consumia e a habitação se sumia na escuridão, começou a olhar para a porta, perguntando-se quando voltaria Travis. Em um momento, já avançada a noite, deixou sua cadeira, deitou-se na cama grande e fria, e acomodou os travesseiros para recostar-se contra elas.

Não era o mesmo que recostar-se contra seu corpo grande e morno, mas ao menos ajudava.

Pela manhã tinha enxaqueca e estava de mau humor. Enfurecia-a o fato de que o americano a tivesse deixado sozinha e desprotegida toda a noite, a mercê de qualquer que pudesse conseguir a chave recue sua habitação. Em um momento ele falava do muito que ia cuidar a, e logo a abandonava a sua sorte.

Suas reflexões se interromperam quando alguém bateu na porta e logo a abriu. Regam cruzou os braços sobre o peito e levantou a frente, preparando-se para fazer ter sabor do Travis que seu abandono não a tinha afetado. Mas em lugar da voz profunda do Travis ouviu risadas de mulheres.

Regam se voltou e ficou boquiaberta ao ver três mulheres que entravam carregando grandes livros e vários cestos.

—É você mademoiselle Regam? —perguntou uma mulher moréia, bonita e miúda—. Eu sou madame Rosa, e elas são meus ajudantes. viemos para nos ocupar de seu guarda-roupa para sua viagem a América.

Regam demorou vários minutos em compreender do que se tratava todo aquilo.

Aparentemente, Travis tinha contratado a madame Rosa, uma imigrante francesa e ex-costureira de uma das damas da rainha María Antonieta, para que criasse todo um guarda-roupa para seu cativa.

Ao princípio Regam ficou furiosa pela presunção do Travis e simplesmente se sentou na cama com um olhar vazio. Mas ao ver a expressão perplexa das mulheres compreendeu que não podia descarregar sua ira com elas. Seu desgosto era com o Travis Stanford, não com essas mulheres que simplesmente faziam seu trabalho.

—Verei o que trouxeram —disse ao fim, com fadiga, pensando em todas as outras vezes que lhe tinham permitido escolher sua roupa. Seu tio lhe permitia usar somente vestidos rosas, azuis ou brancos, e seus únicos adornos eram quão bordados realizavam ela e as criadas.

Com um sorriso de alegria, a desenhista e seus ajudantes começaram a desdobrar amostras de gêneros sobre a cama. Parecia haver uma infinita variedade de cores e texturas, a maioria dos quais Regam não tinha visto nunca. Havia uma dúzia de cores de veludo, mais de raso, linho, pelo menos seis tipos de seda, com dúzias de cores para cada uma. Os gêneros de lã ocupavam uma esquina da cama, e Regam se maravilhou ante sua variedade: cachemiras, tartanes, um tecido suave e de fios largos que, conforme lhe informaram, era mohair. E as musselinas! Parecia haver centenas de cores, raiados, pintados, estampados, bordados, vincados.

Com os olhos dilatados pelo assombro, Regam olhou a madame Rosa.

—Além disso, certamente, estão as guarnições —disse a mulher, e indicou a seus ajudantes que aproximassem essas amostras. Havia plumas, cintas de raso e veludo, encaixe realizados à mão mesclados com fileiras de diminutas pérolas de cultivo, cordões chapeados, contas de azeviche, morre de seda, tules dourados e intrincados alamares.

Sobressaltada, Regam estava imóvel, sem poder deixar de olhar todo aquele colorido.

—Talvez seja muito cedo para mademoiselle —sugeriu madame Rosa—. Monsieur Travis disse que devíamos organizá-lo tudo em um dia para poder cortar todos os modelos antes de sua partida.

contratei a uma mulher que viajará com vocês e se encarregará da costura, de modo que tudo estará preparado quando chegarem a América.

Quando sua mente começou a limpar-se, Regam se perguntou se Travis saberia o que estava fazendo. Duvidava que um norte-americano tivesse idéia do custo da roupa feminina. Seu tio Jonathan se encarregou de lhe fazer conhecer os honorários exorbitantes que cobravam as costureiras.

—Travis perguntou qual seria o custo da roupa?

—Não, senhorita —respondeu madame Rosa, surpreendida—. Ontem à noite veio a minha casa muito tarde. Disse que, conforme lhe tinham informado, eu era a melhor costureira do Liverpool e que desejava um guarda-roupa completo para uma jovem. Não mencionou o preço, mas me deu a impressão de que monsieur Travis não precisava perguntá-lo.

Regam abriu a boca, voltou a fechá-la e sorriu. De modo que aquele colono robusto e briguento pensava que ainda estava nas selvas da América! Poderia ser divertido jogar por um dia com gêneros e adornos, fingir ordenar um extenso guarda-roupa, e logo ver a cara ao Travis quando recebesse uma conta mais alta que qualquer soma que tivesse imaginado. Claro que ela pediria às mulheres que lhe apresentassem a conta antes de começar a cortar a roupa. Não queria que saíssem perdendo quando Travis não pudesse lhes pagar.

—Por onde começamos? —perguntou Regam com doçura, divertida pela idéia de vencer a aquele jactancioso.

—Talvez pelos vestidos de dia—sugeriu madame Rosa, ao tempo que levantava as amostras de musselina. Horas mais tarde, Regam estava muito entusiasmada com todo o projeto. Era uma pena que não fora a ter esses vestidos, pois tinha planejado um guarda-roupa que seria a inveja l uma princesa. Tinha vestidos de musselina de tudas cores e desenhos, vestidos de baile de raso e veludo, vestidos de rua, um traje de montar que causou graça a Regam pois jamais tinha cavalgado e não tinha idéia de como se fazia, lenços, capas, casacos largos e jaquetas curtas, além de numerosas camisolas, regatas e anáguas com encaixe. Quando terminou, não ficava um sozinho tecido sem usar, e muito poucas cores.

Levaram-lhes o almoço e Regam se alegrou de que terminasse a sessão, pois começava a fatigá-la.

—Mas se logo que começamos —disse madame Rosa—. Esta tarde virá o peletero com o chapeleiro, o sapateiro e o confeccionista de luvas. E terá que tomar medidas a mademoiselle para tudo.

—É obvio —suspirou Regam—. Como pude esquecê-lo ?

Ao avançar a tarde, já nada a assombrava. O peletero lhe mostrou peles da Marta, arminho, chinchila, castor, lince, raposa e cabra de angorá, e Regam escolheu os forros, pescoços e punhos para os casacos que já tinha escolhido. O sapateiro tomou amostras dos tecidos a fim de tingir um par de sapatilhas brandas e sem salto para cada traje, e descreveu as botas de passeio que lhe faria.

O chapeleiro e madame Rosa coordenaram chapéus e vestidos, junto com as luvas.

Ao anoitecer, começaram a decair as energias de todos, especialmente as de Regam. sentia-se mal ao pensar que tanto trabalho ficaria em nada porque nenhum americano poderia pagar toda a roupa que ela tinha ordenado. Deu instruções a madame Rosa de que todos enviassem suas contas ao Travis antes de tomar sequer um par de tesouras, que antes de começar deviam ter o dinheiro em suas mãos. A costureira sorriu com cortesia e afirmou que teria a conta lista a primeira hora da manhã.

Quando ao fim ficou sozinha, Regam se desabou sobre uma cadeira, cansada pelo comprido dia e por seu constante sentimento de culpa. Durante todo o dia tinha tido consciência de que se tratava de jogo, mas aquelas pessoas se zangariam muito quando se inteirassem de que não receberiam pagamento alguma por todo seu trabalho.

Quando ouviu os passos sonoros do Travis na escada já estava bastante deprimida... e tudo por culpa dele. Assim que abriu a porta, Regam lhe arrojou um sapato que lhe golpeou o ombro.

—O que é isto? —perguntou Travis, sonriendo—. Pensei que esta noite ao menos te alegraria um pouco de lombriga. Sempre te queixa de que não tem roupa.

—Eu não lhe pedi que me comprasse roupa! Não tem nenhum direito sobre mim e menos ainda, para me levar a seu país incivilizado. Não penso ir, ouça-me? Sou inglesa, e ficarei na Inglaterra.

—Onde estão todos seus familiares e amigos? —disse Travis com ironia—. Acabo de passar outro dia tratando de averiguar onde passaste sua vida, e não pude achar nada. Malditos sejam! —

exclamou passando-as mãos pelo cabelo—.Que classe de gente poderia querer desfazer-se de uma criatura como você?

Possivelmente foi o cansaço por não ter dormido bem e pelo dia exaustivo, mas os olhos de Regam se encheram de grandes lágrimas cristalinas. Tinha estado tão furiosa nos últimos dias que não tinha tido tempo de pensar no que sentia pelo desgosto do Farrell ante a idéia de casar-se com ela e pelo ódio manifesto de seu tio. Durante dias tinha vivido em um mundo de sonho, com a esperança de que fossem a resgatá-la, mas, sem dúvida, Travis tinha falado com eles. Acaso Farrell e seu tio lhe haviam dito que não a conheciam?

antes de que pudesse falar, Travis tomou em seus braços. Regam o empurrou e tratou de protestar.

—-me deixe em paz —murmurou fracamente, mas apesar de seus esforços por apartá-lo, Travis a sustentou com força até que a moça afundou a cara em seu peito e os soluços começaram a sacudi-la.

Sem perder tempo, Travis a levantou em seus braços e se sentou em uma cadeira, embalando a Regam como se fora uma pequena.

—Anda, chora, gatita —sussurrou—. Acredito que se alguém merece fazê-lo, é você.

Aquela atitude do Travis, esse estranho que o fazia o amor e a cuidava enquanto as pessoas que deviam fazê-lo negavam sua existência, fez-a chorar com mais intensidade. O pior era o fim de seus sonhos de ser resgatada pelo Farrell, de voltar a ver seu amado. Já nunca teria a oportunidade de lhe demonstrar que podia ser uma boa esposa; agora a levariam a América contra sua vontade, e eles nem sequer se inteirariam de sua partida.

Quando ao fim os soluços começaram a aquietar-se, Travis lhe acariciou o cabelo úmido.

—Quer me contar por que está tão triste?

Não podia lhe falar do Farrell.

—Porque me deixa prisioneira! —respondeu com a maior firmeza que pôde demonstrar, e se separou do ombro do Travis. O seguiu lhe acariciando o cabelo e, quando voltou a falar, fez-o com uma voz cheia de paciência e compreensão.

—Acredito que estava prisioneira até antes de me conhecer. Desde não ter sido assim, não lhe teriam deixado na rua como a um montão de lixo.

—Lixo! —exclamou Regam, indignada—. Como se atreve a me chamar assim?

Travis lhe sorriu, perplexo

.—Não disse que fosse lixo, mas sim lhe trataram como se fosse. O que não entendo é por que quer voltar com alguém que te trata assim.

—Eu... eu... ninguém... —balbuciou, e voltaram a aflorar as lágrimas. Travis tinha uma maneira muito crua de dizer as coisas.

—Não é tão mau ser órfão —prosseguiu Travis—. Eu o sou a muito tempo tempo. Possivelmente nosso destino seja estar juntos.

Regam o olhou, sentida saudades. Sem dúvida, apesar do que havia dito, Travis freqüentemente raptava muchachitas e as deixava prisioneiras.

—Acredito que não me agrada o que está pensando —lhe acautelou—. Se tiver alguma idéia estranha, advirto-te que eu cuido o que me pertence.

—Diz que eu lhe pertenço? —exclamou Regam—. Apenas o conheço!

Travis sorriu antes de aproximar seus lábios aos dela. Beijou-a com tanta ternura, tanto desejo, que quase sem dar-se conta, Regam o abraçou.

—Conhece-me bastante bem —disse Travis, com voz rouca—. E te coloque na cabeça que é minha.

—Não sou dela! Eu...interrompeu-se quando Travis começou a lhe beijar o pescoço com diminutas dentadas; Regam suspirou e inclinou a cabeça.

—É uma tentação —disse, rendo— e me está fazendo perder muitas horas de trabalho. —Com firmeza, fez-a baixar-se de seus joelhos.— eu adoraria ficar contigo, mas tenho assuntos que atender e temo que me ocuparão a maior parte da noite. Sabia que zarparemos depois de amanhã?

Com a cabeça baixa, Regam não lhe respondeu. sentia-se muito parva por ter reagido a suas carícias com tanta rapidez e entrega. Depois de amanhã!, pensou. Se queria fugir dele, teria que fazê-lo muito em breve.

—Não me dá um beijo de despedida? —brincou Travis, da porta—. Nada que me ajude a me manter em calor lá, sozinho?

Regam tomou seu outro sapato e o arrojou, mas esta vez Travis o esquivou. Rendo, jogou chave à porta e baixou a escada.

Ao menos essa noite Regam estava muito fatigada para perder o sonho, mas cada noite a cama lhe parecia maior. Despertou por um som ensurdecedor que só podia ser Travis tratando de andar nas pontas dos pés pela habitação. Manteve os olhos fechados e fingiu dormir, mesmo que ele se inclinou e a beijou na bochecha. Quando lhe pareceu que Travis se partiu, esperou o som já familiar da chave ao fechá-la porta. Ao não ouvi-lo, incorporou-se na cama como movimento por uma mola.

esfregou-se os olhos duas vezes para certificar-se de que o que via era certo: a porta estava totalmente aberto. Sem perder um segundo mais, levantou-se de um salto, ficou o vestido de veludo e tomou seus sapatos. Com supremo sigilo, esmagou-se contra a porta ao sair e se dirigiu à escada.

Dado que nunca tinha visto da estalagem mais que o interior de uma só habitação, surpreendeu-lhe comprovar o isolamento desse quarto: sozinho, ao final de uma escada estreita e levantada ao pé da qual, a julgar pelos aromas, achava-se a cozinha. Estirou o pescoço até que ameaçou romper-se e viu o que era, sem dúvida, uma perna do Travis com sua bota alta, perto do pé da escada. Quando já começava a perder as esperanças, de fora se ouviu um bulício de carruagens e cavalos e uma voz de homem pedindo ajuda. Com grande alívio, viu o Travis correr para a porta. Em um instante baixou a escada, atravessou a cozinha quase vazia onde os poucos criados estavam absortos na atividade que havia fora e, ao fim, saiu ao sol brilhante da rua.

Não podia perder tempo para calçá-los sapatos, pois sabia que Travis descobriria sua fuga muito em breve. No momento, tinha que pôr tempo e distância entre ambos se desejava escapar.

Apesar de suas boas intenções, os pés começaram a lhe doer muito para seguir ignorando-os, e a gente começava a olhá-la. Diminuiu o passo e viu um beco escuro entre dois edifícios. dirigiu-se ali e se acurrucó entre várias gavetas de pescado dos que emanava um aroma nauseabundo. Tenho que pensar!, ordenou-se, pois sabia que sem um plano jamais poderia ganhar sua liberdade.

sentou-se em uma das gavetas de madeira, calçou os sapatos e se atou os cordões aos tornozelos. Enquanto isso acalmou seu coração acelerado e começou a pensar em suas possibilidades. Precisava ir a alguma parte, achar um sítio onde esconder-se até que pudesse conseguir trabalho e, especialmente, um lugar onde ocultar-se até que aquele americano demente abandonasse o país.

Sumida em seus pensamentos, não ouviu os gritos na rua até estar virtualmente olhando ao Travis, de perfil, com as pernas abertas e as mãos nos quadris. Passaram vários minutos até que compreendeu que ele não a via, que só estava dando ordens a outras pessoas. O fato de que desse ordens a estranhos renovou a decisão de Regam de fugir dele. Se acurrucó o mais que pôde entre as gavetas, rogando que não a vissem.

Mesmo que Travis se voltou e pôs-se a correr rua abaixo, Regam não se moveu, pois pressentia que ele nunca se dava por vencido. Não, Travis Stanford estava muito seguro de ter razão para

pensar nas opiniões alheias. Se era capaz de ter cativo a alguém, não a deixaria escapar sem brigar.

Imóvel naquela posição incômoda, Regam tratou de conceber um plano. Primeiro teria que afastar do porto, e a maneira de fazê-lo era ter o mar sempre a suas costas. Sorriu, pensando que isso não séria difícil, e acreditou ter resolvido a metade de seu problema. O outro problema era aonde iria uma vez que se afastasse do porto. Se conseguia voltar para a casa Weston, talvez Matta, sua antiga criada, conhecesse algum sítio aonde pudesse ir.

Pareceu-lhe que tinham acontecido horas inteiras, mas o sol seguia brilhando e o bulício do porto não se apagou. Recorrendo a toda sua capacidade de concentração tratou de ignorar as cãibras nas pernas e a dor nas costas.

Duas vezes viu passar ao Travis, e a segunda vez esteve aponto de chamá-lo. Possivelmente fora por seu corpo dolorido, mas recordava muito bem a última vez que tinha estado sozinha nos arredores do porto. Claro que então levava só sua camisola e como podia esperar que a tratassem como a uma dama se estava vestida como uma mulher da rua? Agora, com aquele elegante vestido de veludo, todos veriam nela a uma dama e não se atreveriam a tocá-la.

Sorriu com algo mais de confiança e tratou de prender-se um pouco o cabelo. No dia anterior tinha notado que a costureira francesa e seus ajudantes levavam o cabelo curto, à grega, e se perguntou se ela também deveria cortar-lhe Possivelmente isso lhe desse um ar de sofisticação em sua nova vida... fora qual fosse.

Passou o tempo com essas reflexões e, ao ver que o sol baixava, sentiu-se a ponto de embarcar-se em uma grande aventura. Tinha escapado desse horrível americano e estava em liberdade de ir aonde quisesse.

Lenta e dolorosamente, incorporou-se e sacudiu as pernas cansadas para que o sangue voltasse para elas. Uma vez de pé, precaveu-se de que tinha os pés machucados e talheres de sangue seca, e ao dar o primeiro passo as feridas voltaram a abrir-se. armou-se de coragem e avançou para a rua cada vez mais escura. Uma dama, recordou-se. Devia atuar como uma dama e não permitir que uma pequenez como os pés rasgados e inflamados a fizessem coxear. Se mantinha os ombros erguidos e a frente alta, ninguém a incomodaria. Ninguém se atreveria a importunar a uma dama.

A notícia de que uma moça elegante andava sozinha pela zona portuária correu como reguero de pólvora. Os homens que estavam muito ébrios para se ter em pé, de algum jeito as engenharam para sair de seu estupor e dirigir-se, cambaleantes, para lá. Todo um carregamento de marinheiros que acabavam de retornar de uma viagem de três anos tomaram suas garrafas de rum e correram para onde, conforme lhes haviam dito, esperavam-nos dúzias de mulheres. Perplexa, esforçando-se por dissimular o medo, Regam tratava de fazer caso omisso dos homens que se apinhavam a seu redor em número cada vez maior. Alguns, com sorrisos desdentados e emprestando a pescado e a coisas piores, estendiam suas mãos sujas e trementes para tocar o veludo de seu vestido.

—Nunca hei meio doido nada tão suave —sussurravam.

—Nunca me deitei com uma dama.

—Crie que as damas o farão igual às rameiras?

Regam começou a apertar o passo mais e mais, esquivando as mãos e os corpos que achava em seu caminho. Já não pensava em manter o mar a suas costas; quão único queria era escapar. Os homens do porto pareciam jogar com ela tal como o fizessem a noite em que levava só sua camisola. Entretanto, esses jogos relativamente leves cessaram com a chegada dos marinheiros jovens, viris e ávidos. Quando estes viram que havia uma só mulher em lugar das cinqüenta que lhes haviam dito, enfureceram-se e represaram sua fúria contra aquela moça assustada.

—-me deixem a mim. Eu necessito algo mais que tocar seu lindo vestido —disse em tom lascivo um jovem vigoroso, ao tempo que estendia uma mão e aterrava o ombro do vestido de Regam. O

tecido se rasgou até o peito, com o qual ficou ao descoberto um seio arredondado e suave que fez que os homens rieran com deleite.

—Basta, por favor —lhes pediu Regam, retrocedendo, mas então três pares de mãos lhe levantaram a saia e subiram pela parte traseira de suas pernas.

—É miúda, sim, mas tem muito onde deve o ter.

—Basta de perder o tempo. Joguemo-la.

antes de que Regam tomasse consciência do que estava aponto de acontecer e enquanto ouvia em sua mente as palavras do Travis a respeito de que esses homens a obrigariam a fazer o que tinham feito ambos, um dos marinheiros lhe deu um forte tranco que a fez cair contra os homens que estavam atrás dela. Com um vão esforço por gritar, tratou de incorporar-se, mas os homens a sujeitaram baixo muito mãos ansiosas. Sobre ela, sorridentes, estavam os marinheiros.

—Agora vejamos que há debaixo dessa bonita saia.

O homem levou a mão à saia de Regam, e esta lhe deu um chute na cara que o fez cair para trás. Tinha os braços sujeitos detrás da cabeça, e assim que o propinó o chute outros homens lhe sujeitaram os tornozelos e a obrigaram a abrir as pernas.

—Não me chutará, menina —riu outro marinheiro, enquanto aferrava o bordo da saia.

Em um instante estava sobre ela, sonriendo ao ver o terror de Regam e desfrutando de seus esforços por liberar-se das mãos que a sujeitavam. Imediatamente seguinte voou pelo ar e se aferrou o ombro, que lhe pôs cada vez mais vermelho. O som do disparo pareceu chegar depois de que o marinheiro voasse pelo ar. Ressonaram dois disparos mais por cima das cabeças dos homens antes de que estes conseguissem reagir a algo que não fora sua viciosa avidez.

Regam, ainda sujeita pelos homens, reparou primeiro no silêncio destes. Quando começaram a soltá-la, deu um chute e liberou uma perna. Imediatamente viu chegar ao Travis, furioso e violento.

antes de que Regam pudesse entender o que ocorria, Travis começou a golpear braços, pescoços, cinturões, o que tivesse à mão, com o qual os marinheiros e a gentinha do porto começaram a voar pelos ares. Tremendo de medo, Regam permaneceu imóvel enquanto as mãos abandonavam seu corpo uma por uma. Travis ficou de pé lhe dando as costas, com uma arma em cada mão.

—Alguém mais quer provar sorte com a dama? —desafiou.

Retrocedendo, como a escória selvagem e covarde que eram, os marinheiros amaldiçoaram ao Travis pelo desço por lhes arruinar a diversão, mas nenhum se opôs abertamente ao perigoso americano. Travis embainhou as pistolas e se voltou para Regam, viu-a ofegar de medo e advertiu que a maior parte de sua roupa estava intacta. Com um rápido movimento, inclinou-se e a levantou sobre seu ombro como se se tratasse de um saco de farinha.

Quase sem fôlego, Regam o golpeou nas costas.—me baixe! —exigiu-lhe.

Travis lhe deu uma forte palmada nas nádegas e, por fortuna para Regam, o veludo amorteceu o golpe. Logo Travis fez um gesto a outros dois homens que seguiam ameaçando à multidão com pistolas, e se encaminhou de retorno à estalagem.

Um dos marinheiros, ao que Regam tinha dado um chute no olho, gritou ao Travis que os ianques sim sabiam tratar às mulheres, e outros riram, contentes de não ter tido que brigar com ele.

O homem ao que Travis tinha disparado se afastou, coxeando, para os moles. Regam não voltou a dizer uma só palavra enquanto Travis a carregava naquela posição incômoda e vergonhosa, alegrou-se de que seu cabelo comprido ocultasse seu rosto ao olhar dos transeuntes e especialmente, da gente da estalagem. Quando chegaram à habitação que tinham compartilhado, Regam já estava lista para lhe dizer o que pensava de sua forma de tratá-la: que ele não era melhor que aqueles rufiões da rua. Mas sua coragem a abandonou quando Travis a jogou sobre a cama com tanta força que Regam se afundou no colchão de plumas até tocar a base de cordas entrelaçadas. Ao voltar para a superfície, tomou ar, apartou-se o cabelo da cara e olhou ao Travis, que estava mais furioso que nunca.

O não lhe deu tempo para falar.

—Sabe como te encontrei? —disse, com os dentes apertados, os músculos da mandíbula tensos e as mãos nos quadris—. Contratei a uns homens para que percorressem o porto e me informassem quando se produzira alguma comoção. Sabia que apareceria cedo ou tarde e que, quando o fizesse, estariam todos sobre ti. —inclinou-se para ela e grunhiu:— Durou mais do que esperava. O que fez?

Escondeu-te em algum sítio?

Ao observar o rosto de Regam, viu que estava no certo. Levantou as mãos com frustração enquanto se passeava com grandes pernadas pela habitação. Que diabos farei contigo? Tenho que te encerrar para te proteger de ti mesma. É que não tem idéia de como é o mundo? Adverti-te o que aconteceria se te partia daqui, mas não me creíste. Não, tinha que chegar ao extremo de quase te fazer violar e talvez, matar. A primeira vez que te encontrei, perseguiam-lhe os homens, e agora por sua culpa, tornou a ocorrer, Acaso creíste que seria diferente a segunda vez ?

Sustentando a parte superior de seu vestido, Regam jogava com o veludo da saia, tinha a mente ocupada em tratar de esquecer o que acabava de lhe acontecer, de que parecesse só um de seus sonhos.

—Eu pensei que como estava vestida como uma dama eles não... —murmurou.

—O que? —rugiu Travis, e logo se deixou cair em uma cadeira—. Não é possível que alguém possa acreditar, realmente acreditar... interrompeu-se e a olhou, tão pequena, talvez sem precaver-se de que tremia, com um comprido arranhão na bochecha e voltou a sentir aquela posse.

—Não há nada mais que falar. Amanhã te parte comigo a América.

—Não! —exclamou Regam, levantando a cabeça—. Não posso. Devo ficar na Inglaterra. Este é meu lar.

—Quer um lar onde lhe ataquem cada vez que saia à rua? Quer uma repetição do que passou hoje?

—Esta não é a verdadeira a Inglaterra —insistiu—. Há gente bela e lugares cheios de amor e amizade Y...

—E o que? —perguntou Travis com dureza—. Dinheiro? O dinheiro é a única diferença entre a escória de lá fora e a nobreza que você parece adorar, a mesma nobreza que jogou à rua a uma criatura inocente como você. me parece que a gente bela que você conhece não tem nada que criticar a quem faz um momento tratavam de te arrancar a roupa.

Lentamente, grandes lágrimas começaram a formar-se nos olhos de Regam. Quando esta levantou a vista, Travis viu sua tristeza. Ela pensava que necessitava seus sonhos, precisava acreditar no amor e a beleza, necessitava algo que compensasse o vazio de sua vida. Travis não entendeu exatamente o que acontecia a mente de Regam, mas sim viu sua dor, e aquelas lágrimas o debilitaram. Imediatamente, sentou-se a seu lado na cama e a envolveu em seus braços, tratando de proteger a das lembranças dolorosas que a acossavam.

—América você gostará de —lhe disse brandamente, lhe acariciando o cabelo—. A gente é boa e honesta, e lá gostará. Apresentarei ao meio Virginia e logo terá mais amigos que nunca.

—Amigos? —murmurou Regam, aferrando-se ao Travis. Logo que começava a compreender o muito que a

tinha afetado a experiência que acabava de sofrer. Ainda tinha a impressão de que havia mãos ávidas sobre tudo seu corpo.

—Não imagina toda a gente maravilhosa que há na América. Tenho um hermanito, Wesley, ao que adorará e além disso, claro, estão Clay e Nicoie. Nicole é francesa e fala francesa a uma velocidade incrível.

—É bonita? —perguntou Regam, com desdém.

—Quase tanto como você —respondeu Travis, sonriendo e lhe acariciando o cabelo—. Quando me parti estava a ponto de ter um bebê. Agora já deve ter vários meses. Claro que já tem aos gêmeos.

—Gêmeos?

Travis riu, separou-a dele e lhe enxugou as lágrimas com a ponta dos dedos.

—Ainda não entende que te levarei a América, não para te castigar nem porque eu goste de seqüestrar muchachitas, mas sim porque não tenho alternativa? Não há outra coisa que possa fazer contigo.

Essas palavras, cuja intenção era tranqüilizá-la, pronunciadas à maneira do Travis, que sempre chamava as coisas por seu nome, sortiram o efeito contrário em Regam. Seu tio e Farrell lhe haviam dito costure similares. Estava cansada de ser uma carga para todos.

—me deixe me levantar! —exigiu-lhe, ao tempo que o empurrava.

—Que diabos ocorre agora?

Regam girou a cabeça e tratou de morder a mão do Travis que estava sobre seu ombro. Travis voltou a empurrá-la para o colchão e se esfregou a mão.

—Não te entendo. Faz apenas uma hora te salvei a vida, e agora que te digo na melhor forma possível que me interessa seu bem-estar, fica furiosa comigo. Realmente não te entendo.

—me entender? —exclamou Regam, jogando faíscas pelos olhos—. Não teria tido que fugir se você não me tivesse tido prisioneira, e de não ter sido por você, não teria necessitado que me resgatassem. Em certo modo, salvei-me de você e para você.

Perplexo; Travis ficou boquiaberto.

—Acaso sua mente sempre funciona assim? Sempre toma dez caminhos distintos para chegar aonde quer?

—Suponho que isso é uma expressão americana cuja intenção é dissimular sua falta de lógica. O

fato é que você me deixa prisioneira, e exijo que me libere —replicou, com os braços cruzados e apartando a vista de seu interlocutor.

A ira do Travis logo se converteu em risada, que se esforçou por conter. Fora qual fosse o conceito que tinha Regam da lógica, distava muito do verdadeiro significado da palavra. Travis pensou em voltar a lhe explicar o que aconteceria se a deixava ir, mas tendo em conta que a tinham atacado duas vezes e não parecia haver-se impressionado, não tinha desejos de voltar a explicar-lhe Tampouco trataria de lhe pintar uma imagem esplêndida da América. Quão único podia fazer era deixar que ela o visse por si mesmo. Pensou também em abrir a porta e lhe dar outra oportunidade de ir ao porto, ou em lhe pagar um carro que a levasse aonde queria ir. Ao ocorrer-se o esta última possibilidade, algo se endureceu em seu interior. Se fazia isso, possivelmente nunca voltasse a ver aquela menina de olhos brilhantes que parecia ver o mundo através de seu próprio cristal cor de rosa. Entristeceu-o muito imaginar o comprido viaje por mar sem ela.

—Irá a América comigo —disse com firmeza, enquanto acariciava o ombro nu de Regam.

havia-se sentido tão culpado por havê-la seduzido quando ela era tão inocente que se obrigou a passar duas noites longe dela, mas o terror que havia sentido todo o dia ao não encontrá-la, combinado com a imagem sedutora que tinha agora a moça, com o ombro nu e o peito parcialmente exposto, fez-o esquecer a lógica.

—Não me toque —protestou Regam com altivez.

—Podemos estar em desacordo com respeito à... lógica—disse Travis, e sorriu ao pronunciar essa palavra—; mas há um aspecto no que, aparentemente, estamos de total acordo.

Regam se esforçou realmente por não responder às carícias do Travis, mas à larga resultou impossível ignorar o contato de sua mão, aquela mão larga, morna e sensual que percorria seu pescoço. Não queria demonstrar quanto a tinha afetado o que lhe ocorresse, queria que Travis pensasse que era valente, mas na verdade o que desejava era sentar-se em seus joelhos e esconder-se, talvez em seu bolso. Jamais se tinha alegrado tanto de ver alguém como essa tarde, ao ver o Travis diante dela, com as pistolas desencapadas. Inclinou a cabeça e Travis lhe acariciou o pescoço. Regam fechou os olhos quando ele levou a outra emano ao lado oposto de seu pescoço.

—Está cansada, verdade, amor? —sussurrou Travis aumentando a pressão de seus dedos—. Tem os músculos rígidos.

Regam assentiu em forma apenas perceptível; seu corpo começava a relaxar-se. Não tinha idéia do que fazia Travis; só sabia que, como por arte de magia, parecia estar derretendo seu corpo.

Fechou os olhos e se entregou a ele. Apenas se precaveu quando lhe tirou o vestido e a tendeu nua sobre a cama. O som suave e profundo de sua voz intensificava aquele novo prazer que sentia.

—Quando era menino —lhe disse—, passei três anos em um navio baleeiro. Foi uma experiência terrível, mas ao menos infiltramos em alguns lugares interessantes, como a China. Ali aprendi a fazer isto.

Onde quer que o tivesse aprendido, Regam lhe estava agradecida. Travis lhe cravava os dedos e por momentos o fazia danifico, mas logo compreendeu que, quando se relaxava, a dor cessava. Os

dedos do Travis lhe massageavam as costas, eliminando as moléstias que lhe tinha provocado o fato de passar várias horas acurrucada no beco. Lhe afrouxaram as cãibras nas pernas e, quando Travis começou a lhe massagear os pés, novas partes de seu corpo se afundaram mais no colchão brando.

Surpreendeu-a que inclusive seus braços estivessem tensos, mas as mãos do Travis afrouxaram os nós nos músculos e os relaxaram por completo.

Dado que Regam estava muito relaxada para mover-se, ele a deu volta como se fora uma pilha de trapos e se dispôs a trabalhar na parte dianteira. Começando pelos pés, esfregou-a, deu-lhe golpecitos, acariciou cada centímetro de seu corpo. Ao chegar à cara, acariciou-lhe com os polegares os músculos das bochechas e ao redor do nariz. A moça estava quase sem sentido. A relaxação era tal que não se precaveu da sensualidade da massagem de que as mãos fortes do Travis e seus olhos sobre seu corpo nu tinham despertado nela a paixão. sentia-se como um grande gato desperezándose ao sol, com cada músculo em paz, em espera das aventuras que sobreviriam.

Quando as mãos do Travis voltaram para suas coxas, pareceu-lhe o mais natural do mundo. Com um sorriso doce e experimentado, Regam manteve os olhos fechados, pois preferia somente sentir, render sua mente a seus sentidos. A mudança na pressão das mãos do Travis, talvez seu próprio desejo que se filtrava pelas gemas de seus dedos, foi sutil, mas ela o entendeu.

—Sim, amor —murmurou Travis com voz rouca e com a respiração mais profunda que nunca. Não utilizou os lábios nem outra parte de seu corpo que não fossem suas mãos: aquelas mãos maravilhosas, grandes e duras que lhe tinha visto usar para jogar pelo ar a homens robustos como se carecessem de peso. Seus dedos largos e calosos tinham uma agilidade quase artística, deliciosamente provocadora, enquanto exploravam uma vez mais a pele que acabavam de tocar.

Regam sentiu que em seu interior algo trocava, como se uma maquinaria primitiva ficasse em marcha. arqueou-se ligeiramente e em forma rítmica, e sei entregou a ele.

—Por favor —sussurrou, acariciando os braços do Travis, riscando seus músculos com os dedos—.

Por favor...

Travis não demorou para agradá-la, pois ele mesmo estava a ponto de estalar. Tinha-o fascinado a pura sensualidade do ato amoroso entre ambos e a beleza do corpo jovem e esbelto de Regam. Penetrou-a lenta, muito lentamente, sem renunciar à qualidade gentil e etérea do prazer de ambos.

Regam tinha aprendido o suficiente para saber como prolongar o movimento, e seguiu a iniciativa do Travis como se fossem dois corpos celestiales em uma união que duraria toda a eternidade. Entretanto, não pôde conter-se muito tempo; logo começou a respirar com mais rapidez e a cravar as mãos na pele do Travis. Em poucos segundos, a suavidade se converteu em ferocidade, e a avidez de ambos foi casal.

Quando ao fim chegaram à cúpula de sua paixão, Regam gritou e sentiu que lhe enchiam os olhos de lágrimas pela violência de seu desafogo. Durante alguns minutos permaneceu imóvel, flutuando em muito nada, saciada e feliz, relaxada e profundamente acalmada.

Lentamente, Travis se apartou, incorporou-se sobre um cotovelo, apoiou a cabeça na mão e a olhou. Seus olhos castanhos estavam escuros, e Regam advertiu quão espessas eram suas curtas pestanas. Quem é este homem?, perguntou-se. Quem é este homem que faz que meu corpo cante com uma música celestial? O não disse uma só palavra, mas Regam sentiu que o estava olhando pela primeira vez. Tinha-a prisioneira e, entretanto, cuidava-a, atuava como se a valorasse, e inclusive algumas vezes parecia ter remorsos por tê-la em cativeiro. Que classe de homem poderia ser tão gentil e tão forte ao mesmo tempo?

Ao observá-lo, pensou no pouco que sabia dele. O que pensava? Quais eram as pessoas que amava e que o amavam? Levou uma mão ao rosto do Travis e lhe acariciou a bochecha. Podia aquele homem, que parecia pensar que o mundo era dele, chegar a amar? Poderia uma simples mulher chegar a fazer dele um escravo, a ter em suas mãos aquele coração forte e palpitante?

Regam levou a mão até o peito nu do Travis, sentiu seu coração sob sua mão, passou os dedos por entre o pêlo do peito e logo, por impulso, deu um forte puxão.

—Não faça isso, diablilla —grunhiu, e logo lhe beijou os dedos—. Esperava que estivesse mais agradecida depois da forma em que te fiz gozar.

— Agradecida! —exclamou Regam, contendo um sorriso—. Desde quando uma pulseira agradece a seu amo?

Travis recusou morder o anzol simplesmente grunhiu e a atraiu para si. Não pareceu lhe importar que ela estivesse incômoda. Regam começou a protestar dizendo que não podia dormir nessa posição, mas as palavras se desvaneceram antes de terminar. sentia-se como uma trepadeira enroscada sobre o tronco de um grande carvalho; relaxada, caiu em um profundo sonho.

A sensação lânguida e felina de Regam desapareceu com uma rapidez assombrosa à manhã seguinte, quando Travis a tirou da cama com rudeza e lhe arrojou um punhado de água fria na cara.

Regam tratou de tomar fôlego e ao fim conseguiu abrir os olhos bem a tempo para ver uma toalha que Travis lhe arrojava.

—Vístete —lhe ordenou Travis por cima do ombro enquanto amontoava a roupa de ambos no baú já muito cheio.

Ao ver que espremia seu vestido de veludo já mutilado, Regam se lançou sobre ele.

—Basta! Não permitirei que trate assim meu formoso vestido —disse, ao tempo que o tirava e o alisava com amor. Travis a olhou com interesse.

—Está quebrado. Do que serve mas sim como trapo?

—O pode arrumar—respondeu Regam, enquanto dobrava o vestido com cuidado—. Sei remendar muito bem minha roupa e, além disso, o veludo dissimulará o remendo.

—Desde quando as damas ricas inglesas têm que remendar sua roupa?

—Eu nunca hei dito que fosse rica —replicou Regam, com um sorriso presumido.

—O dinheiro deve ter algo que ver, se não, não lhe teriam jogado de uma orelha. —Com os olhos brilhantes, acariciou-lhe as nádegas nuas.— Ou deveria dizer que lhe jogaram de um chute nesse bonito traseiro?

antes de que Regam pudesse lhe dar a resposta furiosa que merecia, deu-lhe uma palmada e adicionou:

—Agora vístete antes de que terminemos outra vez na cama e o navio zarpe sem nós.

Pensativa, Regam começou a vestir-se; logo, por impulso, voltou-se para ele.

—Seriamente acredita que eu poderia tentá-lo A... a fazer algo?

Travis não tinha idéia do que dizia Regam, mas ao vê-la assim, ao meio vestir-se, com aquele vestido de seda que dava um brilho azul a seus olhos e sua pele ainda acesa pela paixão da noite anterior, sentiu que ela podia convencer o de fazer algo.

—Deixa de me tentar e vístete. Já terá vários meses a bordo para jogar à sedutora, mas no momento há trabalho que fazer.

Regam se ruborizou porque o a tinha interpretado mal e se concentrou na tarefa de vestir-se.

Talvez, pensou, talvez aquele americano poderia... Jogou uma olhada ao Travis, que jogava botas ao baú sobre as camisas podas e brancas, e sorriu. Possivelmente nunca chegasse a ser um cavalheiro, mas tinha muitas possibilidades. Os olhos de Regam se dilataram pelo assombro ao ver que Travis fechava o baú, inclinava-se, tomava o cabo de couro e ficava de pé com o baú à costas.

—Lista? —perguntou, aparentemente sem precaver-se de seu enorme carrega.

Regam assentiu e saiu diante dele. Abaixo os esperava um café da manhã quente, mais abundante que todos os que ela tinha conhecido.

—Tem-me feito perder mais comidas que nunca em minha vida —lhe informou Travis.

Com descaramento, Regam olhou a enorme estatura do Travis e a grossura de seu peito.

—Não acredito que lhe faça mal perder algumas comidas—observou.

Travis riu, mas uns minutos depois Regam o viu observar-se de reojo em um espelho, como se se inspecionasse. Essa reação a fez sorrir com certa sensação de triunfo.

A comida estava deliciosa e Regam muito faminta. Agradou-lhe comprovar que os maneiras do Travis na mesa eram bastante corretos; talvez carecesse da delicadeza do Farrell ou de outro cavalheiro de sua qualidade, mas seria aprovado na sociedade decente.

—Acaso me saíram chifres, que me olha tanto? —brincou Travis.

Regam o ignorou e voltou a concentrar-se em sua comida, sentida saudades por sua própria falta de ânimo. Possivelmente fora pela experiência terrível que tinha tido no dia anterior no porto e o resgate por parte do Travis mas, na verdade, começava a entusiasmá-la-a idéia de ir a América.

Tinha ouvido dizer que, como na América a gente era livre, podia fazer-se rica. Talvez ela pudesse fazer uma fortuna naquele país primitivo e logo retornar triunfante, a Inglaterra...e ao Farrell.

A mão do Travis sob seu queixo a fez sair de seu sonho.

—Voltava a me deixar? —perguntou-lhe em voz baixa—. Ou planejava me matar enquanto dormisse?

—Nenhuma das duas coisas. Não perderia o tempo nisso.

Travis riu entre dentes. ficou de pé, ofereceu-lhe a mão e a ajudou a levantar-se.

—Acredito que irá muito bem na América. Necessitamos mais mulheres com seu caráter.

—Eu acreditava que para você todas as americanas eram a imagem da graça e a coragem.

—Sempre há lugar para as melhoras —replicou Travis rendo e a tirou do braço—. Agora manten perto de mim e nada te ocorrerá —adicionou com seriedade, acautelando-a com o olhar.

Regam não necessitou uma segunda advertência e assim que saíram da estalagem se aferrou ao braço do Travis. O aroma de pescado e os sons peculiares do porto lhe deram totalmente e por um momento voltou a sentir as mãos daqueles homens sobre ela.

Travis a observava pensativo consciente do medo que havia nos olhos da moça. Arrojou o pesado baú sobre o carro que esperava e indicou ao chofer a que navio devia levá-lo. Quando o carro se afastou, voltou-se para Regam.

—Há uma só maneira de perder o medo e é enfrentá-lo. Se te cair de um cavalo tem que voltar a montá-lo imediatamente.

Regam logo que emprestou atenção a aquele conselho confuso; em troca se aproximou mais ao Travis e lhe cravou os dedos no braço

—O carro chegará logo? —sussurrou.

—Não iremos de carro —respondeu Travis—. Você e eu caminharemos até o navio. Para quando chegarmos, já não terá medo. Não quero que te assuste cada vez que estejamos perto de um mole ou que cheire pescado podre.

Regam demorou um momento em assimilar aquelas palavras. Logo se separou dele e o olhou, atônita.

—essa acaso é a lógica americana? Não quero caminhar por este... este lugar. Exijo-lhe que me consiga uma carruagem.

—De maneira que o exige, né? —Travis sorriu.— Conforme aprendi na vida, não se deve exigir nada a menos que se possa levá-lo a cabo. Está disposta a caminhar sozinha até o navio?

—Você não faria isso, verdade? —sussurrou.

—Não, amor —respondeu tomando a da mão—. Nem sequer penso te deixar reveste neste país, muito menos neste sujo lugar. Agora vamos, me dê de presente um sorriso. Caminharemos até o navio, e verá que comigo está a salvo.

Apesar de seu receio, Regam logo começou a desfrutar da caminhada. Travis lhe assinalava edifícios, depósitos e botequins, e lhe contou uma anedota graciosa a respeito de uma briga que tinha visto em um botequim. Pouco depois, estava rendo e já não se aferrava com desespero ao braço do Travis.

Havia vários marinheiros recostados contra uma parede; fizeram uns comentários sobre ela, que Regam não alcançou para ouvir, mas que entendeu em essência. Sem perder a calma, Travis se desculpou e foi dizer umas palavras aos homens. Em poucos segundos, estes se tiraram as boinas e se aproximaram de dar os bom dia a Regam e a lhe desejar uma boa viagem. Primeiro perplexa, e

logo sentindo-se corno um gato ante um prato de nata, Regam olhou ao Travis e voltou a tomá-lo do braço. Com os olhos brilhantes, ele se inclinou e a beijou no nariz.

—Se segue me olhando assim, carinho, nunca chegaremos ao navio. Teremos que nos deter em uma destas posadas.

Regam apartou a vista, mas agora levava os ombros erguidos, a frente alta, e caminhava como se logo que tocasse o chão. E o melhor de tudo era que já não tinha medo. Ainda ia do braço do Travis, sábia que esse contato leve bastava para mantê-la a salvo. Talvez não fora tão mau estar com aquele americano corpulento e que aqueles homens a saudassem com respeito.

antes do que ela tivesse desejado, chegaram ao navio. Regam se assombrou por seu tamanho.

A casa Weston teria cabido na coberta.

—Como se sente? —perguntou-lhe Travis—. Não tem medo, verdade?

—Não —respondeu com sinceridade, aspirando profundamente o ar marinho.

—Isso pensei —disse Travis com orgulho, e a conduziu pela passarela de embarque.

Regam não teve oportunidade de ver muito, pois Travis a levou em seguida para a proa do navio. Ali havia um matagal de cordas tão grosas como sua perna e acima, uma telaraña de cabos.

—Os equipamentos de barco —explicou Travis, enquanto a conduzia por entre marinheiras e gavetas de provisões.

Com rapidez, levou-a por uma escalerilla levantada até um camarote pequeno que estava muito limpo e ordenado. As paredes eram painéis pintados em dois tons de azul. Contra uma parede havia uma cama grande, no meio havia uma mesa sujeita ao chão e contra a parede oposta, dois baús.

Uma clarabóia e um guichê davam à habitação suficiente luz.

—Não diz nada? —perguntou Travis.

Regam se surpreendeu pela voz quase ansiosa do Travis.

—É muito bonito —respondeu sonriendo e se sentou frente à janela—. Sua habitação também é assim?

—Eu diria que é exatamente como esta. Agora quero que fique aqui enquanto eu me ocupo de que carreguem minhas coisas. —deteve-se na porta e se voltou.— E procurarei entre os passageiros a essa costureira que contratei e lhe enviarei isso. Talvez queira revisar esses baús e decidir o que quer que realize primeiro. —Seus olhos brilharam.— E lhe disse que esquecesse as camisolas, que eu tenho minha maneira de te manter em calor. Com isso partiu, e Regam ficou olhando, boquiaberta, a porta fechada. Passageiros! Acaso Travis havia dito a quão passageiros ela dormiria com ele? Esses passageiros seriam amigos seus americanos, gente que ela esperava que a respeitassem algum dia? antes de que pudesse sequer imaginar essa situação horrível, a porta se abriu e entrou uma mulher alta e magra.

—Chamei, mas ninguém respondeu —disse, olhando a Regam com interesse—. Se o preferir, voltarei mais tarde. É só que Travis disse que havia tanto trabalho para fazer que demoraria toda a viagem. Há outra mulher que, acredito, poderá ajudar. Não sei se sabe fazer trabalhos finos, mas ao menos saberá fazer as costuras direitas.

A mulher calou um momento e contemplou a Regam.

—sente-se bem, senhora Stanford? Está enjoada, ou já começa a sentir falta de seu lar?

--O que? -perguntou Regam atordoada—. Como me chamou?

A mulher riu e foi sentar se junto a Regam. Tinha formosos olhos e sua boca era carnuda e bonita, mas no meio havia um nariz largo e bicudo.

—Parece que nem você nem Travis se acostumaram ao matrimônio. Quando lhe perguntei se levavam muito tempo de casados, olhou-me como se não acreditasse que lhe falasse com ele. Assim são os homens! Demoram dez anos em admitir que renunciaram a sua liberdade. —Olhou a seu redor sem deixar de falar.— Mas, se me perguntar isso, o matrimônio se feito para os homens, quando se casam, têm outra pulseira. Bem! —exclamou de repente—. Onde está sua roupa nova?

Acredito que será melhor que comecemos.

Centenas de idéias se apinhavam na mente de Regam, todas confusas. No torvelinho dos últimos dias tinha esquecido por completo a roupa.

A mulher aplaudiu a mão de Regam com atitude pormenorizada.

—Suponho que é muito para você estar recém casado com alguém como Travis e viajando a um novo país. Talvez deva retornar mais tarde.

Recém casado, pensou Regam. Em certo modo, era verdade. Ao menos era agradável imaginá-

lo em lugar de enfrentar a realidade da situação.

A mulher tinha chegado à porta quando Regam se recuperou.

—Espere! Não parta. Não sei onde está a roupa. Não, Travis disse que estava nos baús.

A mulher sorriu, agradada, e tendeu sua mão.

—Sou Sarah Trumbull, e estou encantada de conhecê-la, senhora Stanford.

—OH, sim! —suspirou Regam. Aquela mulher lhe agradava muito apesar de sua estranha forma de falar.

Sarah se ajoelhou depressa e abriu o primeiro baú. Talvez o melhor indício de sua admiração foi seu total silêncio ao contemplar a quantidade de cores e gêneros suaves e finos.

—Isto deve haver flanco muito dinheiro ao Travis —conseguiu murmurar finalmente.

Regam sentiu uma pontada de culpa ao recordar que deliberadamente tinha eleito muita mais roupa da que necessitava só para envergonhar ao Travis quando não pudesse pagar a conta.

Entretanto, era óbvio que a tinha pago e se perguntou quanto lhe haveria flanco. Acaso teria tido que hipotecar ou vender o que tinha?

—Outra vez a vê chateada. Está segura de que não está enjoada pelo movimento do navio?

—Não, estou bem.

—Vá—disse Sarah, voltando o olhar ao baú—. Travis não exagerou ao dizer que isto levaria meses de trabalho. Esse outro baú está tão cheio como este?

Regam tragou em seco e jogou uma olhada ao baú fechado

.—Temo que sim.

—Teme que sim! —exclamou Sarah, rendo, enquanto tirava uma carteira de couro do baú—. Olhe isto ! —disse e a esvaziou sobre sua saia. Caíram vários papéis grossos, e em cada um havia quatro desenhos em aquarela de vestidos femininos—. São estes quão vestidos escolheu? Regam tomou e sorriu. Eram vestidos muito belos, e os bosquejos em si eram obras de arte. Ambas começaram a revisar o que havia nos baús, e descobriram que todos os vestidos e casacos estavam cuidadosamente cortados e que junto a cada objeto estavam envoltos os adornos correspondentes.

—Parece que tenho tudo preparado para começar —observou Sarah. Recolheu os desenhos e os tecidos, disse que desejava pôr mãos à obra e partiu tão abruptamente como tinha chegado.

Durante um momento Regam permaneceu sentada junto à janela, contemplando o camarote e perguntando-se que aventuras lhe aguardariam. Pensou no Farrell e desejou que soubesse que se achava em um navio rumo à América e que lhe estavam confeccionando um guarda-roupa digno de uma princesa. Não tinha idéia do tempo que tinha passado imóvel nesse assento, mas pouco a pouco começou a tomar consciência dos sons que provinham do exterior. Durante toda sua vida se viu obrigada a permanecer em uma área muita limitada, e o único que podia fazer era sonhar. Agora compreendeu, estava em liberdade de ver e fazer coisas; a porta do camarote não estava fechada com chave e quão único tinha que fazer era subir uma escada para estar na coberta de um navio de verdade.

Aspirou profundamente, sentindo-se como um pássaro ao que permitem sair da jaula; abandonou o camarote e se deteve um instante ao pé da escalerilla escura. Quando se abriu uma porta próxima, sobressaltou-se:

—Rogo-lhe me desculpe —disse uma amável voz masculina—. Não sabia que havia alguém aqui.

—Ao ver que Regam não respondia, continuou:—Talvez deveria me apresentar, já que parece que seremos vizinhos. Ou acaso sou muito presunçoso? Possivelmente o capitão poderia fazer as honras.

Os maneiras formais do jovem foram um alívio depois da suspensão nos últimos dias, de tudo o que se parecesse com a cortesia.

—Se; seremos vizinhos —-respondeu, com um sorriso—; de modo que talvez possamos fazer uma exceção e suspender as formalidades.

—Então me permita me apresentar. Sou David Wainwright.

—E eu sou Regam Alena... Stanford —disse a sua vez, não queria revelar sua verdadeira identidade nem fazer saber a aquele homem a verdade de sua relação com o Travis.

Com gentileza, ele estreitou sua mão e logo a convidou a acompanhá-lo a coberta.

—Acredito que ainda estão carregando. Talvez resulte divertido ver esses americanos em grupo, embora deva confessar que às vezes me custa entender sua linguagem.

Sobre a coberta brilhava um sol quente e a Reguem lhe contagiou o entusiasmo da gente que passava a seu redor. Emergiram na base do fortaleza, uma coberta parcial adicionada na proa do navio. Logo compreenderam que estorvavam o passo, de modo que subiram à fortaleza. De ali tinha uma boa vista das atividades no resto do navio e no mole. Ali também Regam pôde ver melhor ao David Wainwright. Era um homem miúdo, de rosto intrascendente e cabelo pajizo. Sua roupa era de boa lã; sua gravata-borboleta, perfeitamente branco, e seus pequenos pés estavam embainhados em sapatilhas de couro brando. Era a classe de cavalheiro que ela sempre tinha conhecido, com mãos feitas para as teclas de um piano ou para jogar com uma taça de brandy. Ao olhar seus dedos largos e finos, Regam pensou com desgosto que um homem tosco como Travis talvez tocaria duas teclas juntas com um só de seus grandes dedos. Entretanto, teve que admitir que aqueles dedos largos às vezes tocavam os lembre corretos.

Seus lábios se curvaram em um sorriso secreto e apartou a vista do David, que estava lhe explicando por que se dirigia a um lugar tão selvagem como a América, e procurou com o olhar ao Travis.

—Não posso lhe dizer o muito que me alegra viajar com uma dama inglesa—dizia David—.

Quando meu pai me sugeriu que fora a me ocupar de suas posses naquele país incivilizado, a idéia me horrorizou. ouvi muitas histórias sobre esse lugar e, como se isso não bastasse, o solo feito de conhecer um americano pode pôr a um contra esse país. Olhe isso! —exclamou—: É justo ao que me referia.

debaixo deles, dois marinheiros deixaram cair as cargas que levavam para o centro da coberta, onde outro homem as levava abaixo, e começaram a empurrar-se. Em um instante, um deles enviou um murro à mandíbula do outro e errou, mas antes de que pudesse voltar a tentá-lo o segundo homem lhe deu no nariz. AI instante começou a sangrar, e o homem ferido começou a lançar murros ao ar.

Como saído de um nada, apareceu Travis, que capturou aos dois homens muito mais pequenos que ele pelo pescoço de suas camisas e os levantou da coberta. Não lhes custou ouvir o que dizia Travis aos marinheiros a respeito de sua conduta e o que prometeu fazer se lhe causavam mais problemas.

Sacudiu-os como se fossem cachorrinhos, jogou-os a um lado, disse-lhes que se limpassem e voltassem a trabalhar, e levou a carga de ambos ao marinheiro que esperava.

—Isso é um exemplo do que eu dizia —prosseguiu David—. Esses americanos não têm disciplina.

Este é um navio inglês com um capitão inglês, e entretanto esse... esse rústico americano pensa que tem todo o direito de impor sua vontade sobre a tripulação. Além disso, não terei que deixar ir a esses homens de qualquer jeito. Terei que castigá-los por sua má conduta e que sirva de exemplo.

Todo capitão sabe que a única maneira de deter a insubordinação é fazê-lo ao começo mesmo.

Regam estava de acordo com ele, é obvio. Seu tio havia dito o mesmo muitas vezes, mas a forma em que Travis tinha dirigido aos dois homens parecia eficaz e sensata. Franziu o cenho, confundida por seus pensamentos, perguntando-se quem estaria no certo. Com a mente ocupada em outras coisas, ao princípio não viu o Travis, que o fazia gestos.

—Acredito que esse homem trata de chamar sua atenção —observou David, entre aborrecido e incrédulo.

Tratando de mostrar-se sofisticada, Regam respondeu ao Travis com um amável gesto antes de apartar a vista. Não tinha desejos de oferecer um espetáculo como o que acabava de fazer ele.

—Parece que não ficou satisfeito —disse David, com curiosidade—. Vem para aqui. Talvez deva chamar o capitão.

—Não! —exclamou Regam, ao tempo que voltava o olhar para o Travis e sorria apesar de si mesmo.

—Me sentiste falta de? —perguntou-lhe Travis, rendo; levantou-a em seus braços e a fez dar uma volta no ar.

—Baixa me! —exclamou Regam, zangada, mas sua voz não alcançou a apagar o prazer de sua cara

—. Cheira como um jardineiro.

—E como sabe você como cheira um jardineiro? —brincou.

Desde atrás, David se esclareceu garganta ruidosamente. Regam se ruborizou e conseguiu apartar-se do Travis.

—-Senhor Wainwright, apresento ao Travis Stanford. —Olhou ao Travis com expressão de súplica.

— Mi... marido —adicionou em um sussurro.


Os olhos do Travis não se alteraram absolutamente. De fato, seu sorriso pareceu mais cálida ao estender a mão e estreitar a do David.

—Encantado de conhecê-lo, senhor Wainwright. Conheceu minha esposa na Inglaterra?

Com que facilidade mentia!, pensou Regam. Mas tinha sido muito bom ao proteger assim a honra dela. Tinha pensado que Travis poria-se a rir, como tantas outras vezes.

—Não, acabamos de nos conhecer —respondeu David olhando-os, vendo o braço possessivo do Travis sobre os ombros pequenos de Regam, vendo uma refugiada e elegante dama inglesa nas garras de um trabalhador médio selvagem e sem maneiras. Tinha muitos desejos de limpá-la mão que tinha estreitado Travis. Se este advertiu o leve rictus do lábio superior do David, dissimulou-o muito bem, e Regam estava muito ocupada tratando de recuperar certa dignidade ao apartar a mão do Travis.

—Tinha a esperança de que a tivesse conhecido antes —disse Travis, e ignorou o olhar de Regam ante sentiu saudades daquelas palavras, quase como se não fossem certas—. Tenho que voltar para trabalho, amor —prosseguiu, com um sorriso—. Fique aqui acima e não te aproxime da coberta baixa, entende? Sem esperar resposta, voltou-se para o Wainwright.

—Confio em que posso deixá-la com você —adicionou, em tom cortês e formal, mas ao mesmo tempo dava a impressão de estar rendo. Regam sentiu muitas vontades de lhe dar um chute.

Depressa, voltou-se e baixou a escada, e Regam se perguntou se estaria ciumento. Talvez ao Travis preocupava não poder competir com um cavalheiro como o senhor Wainwright.

O navio zarpou. Regam, muito entusiasmada para comer e muito curiosa para abandonar o fortaleza sequer um momento, não se precaveu da palidez crescente do David nem o viu tragar constantemente. Quando ele se desculpou Regam sorriu e permaneceu onde estava. por cima dos homens que içavam as velas, voavam buliçosas gaivotas. O balanço do navio lhe recordou que estavam a ponto de empreender uma viagem, que com esse movimento ela iniciava uma nova vida.

—Parece feliz —observou Travis a seu lado.

Regam não o tinha ouvido subir a escada.

—Sim, estou-o. O que fazem esses homens? Aonde levam essa escada? Onde estão outros passageiros? Seus camarotes são como o nosso ou têm distintas cores?

Travis lhe sorriu e começou a lhe contar tudo o que podia sobre o navio. Era um bergantín de vinte e quatro canhões; estes eram necessários para manter afastados aos piratas. Os outros passageiros foram na coberta baixa, no meio do casco de navio. Não lhe falou da pouca ventilação que havia nessa seção nem das regras estritas que impunham o escasso movimento dos passageiros.

Só a eles dois e ao Wainwright era permitido andar pelo navio a seu desejo. Explicou-lhe por que todos os navios se pintavam em tons ocre. antes da revolução norte-americana todos os navios se limpavam com azeite de linhaça, que ia obscurecendo a madeira com cada passada. quanto mais

velho era o navio, mais escuro estava. Durante a guerra, os ingleses procuravam atacar aos navios mais escuros, até que alguém decidiu pintar todos os navios da cor de um novo. Travis assinalou várias áreas pintadas de vermelho e explicou que quase todas as partes internas, especialmente aquelas próximas aos canhões, estavam pintadas dessa cor para que a tripulação se habituasse a ele e não fora presa do pânico quando, em uma batalha, visse-se rodeada pelo vermelho do sangue.

—Onde aprendeste todo isso? —perguntou Regam com interesse.

—Algum dia terei que te falar do tempo que passei no baleeiro, mas agora vamos comer algo. A menos, claro, que não queira comer.

—por que não teria que querer comer? passou muito tempo do café da manhã.

—Temia que te tivesse contagiado a indisposição de seu amigo. Se não me equivocar, todos outros passageiros estão chateados.

—Seriamente. OH, Travis, devo ver se posso ajudá-los

Travis a tirou do braço antes de que chegasse à escada.

—Poderá ajudá-los mais tarde. Agora vais comer e a descansar. tiveste um comprido dia.

Talvez Regam sim estava cansada, mas também estava farta das ordens do Travis.

—Não tenho apetite, e posso descansar mais tarde. irei ajudar aos outros passageiros.

—Pois eu digo que me obedecerá, de modo que será melhor que lhe ditas.

Regam o olhou, furiosa, sem mover-se. Travis se inclinou e lhe advertiu em voz baixa:

—Ou faz o que te digo ou te levo abaixo pela força diante de toda a tripulação.

Invadiu-a uma sensação de impotência. Como podia raciocinar com aquele homem? Como podia lhe fazer entender que para ela era importante sentir-se útil?

Quando ele dirigiu uma mão para o ombro de Regam, esta girou sobre seus talões e, depressa, baixou a escada e entrou em camarote. sentou-se junto à janela e se esforçou por não chorar. Não era fácil conservar seus sonhos de chegar a ser uma dama respeitada quando lhe davam ordens como se fora uma criatura.

Momentos depois, Travis chegou com uma bandeja carregada de comida. Preparou a mesa em silêncio e logo foi sentar se junto a Regam.

—O jantar está preparado.

Tratou de tomar a da mão, mas ela a retirou.

—Maldição! —exclamou Travis, ao tempo que ficava de pé de um salto—. por que fica aí como se acabasse de te golpear? Quão único disse foi que não acreditava que devesse perder o jantar e um pouco de descanso para ajudar a pessoas que nem sequer conhece.

—Conheço o Sarah! —replicou Regam—. E não disse que me convinha descansar; disse que tinha que descansar. Você jamais sugere nada, sempre o exige tudo. Alguma vez te ocorreu que tenho mente própria? Teve-me prisioneira na Inglaterra, nem sequer me deixava aparecer na porta e agora me tem prisioneira neste camarote. por que não me ata à cama ou me encadeia à mesa? por que não admite o que sou para ti?

Distintas emoções passaram pelo atrativo rosto do Travis, mas a que preponderava era a confusão. —Expliquei-te por que não podia ficar na Inglaterra. Inclusive perguntei a esse moço que estava contigo se te conhecia. O navio ainda não tinha zarpado e se ele me houvesse isso dito, teria podido te levar com sua família. Mais lágrimas foram aos olhos de Regam. Pensar que ela tinha acreditado que Travis estava ciumento, quando o único que queria era outra oportunidade de desfazer-se dela...

—Desculpa que seja uma carga tão pesada para ti —replicou com altivez—. Possivelmente deveria me jogar pela amurada para te evitar tantas moléstias.

Atônito, Travis não pôde a não ser olhá-la

.—Embora chegue a viver mil anos, acredito que nunca entenderei seu modo de raciocinar. por que não come algo? Depois se quiser, levarei-te abaixo e poderá acontecer toda a noite sustentando cabeças enjoadas.

Parecia tão tenro, seus grandes olhos tão transparentes, lhe rogando, esforçando-se por agradá-

la... Como podia lhe explicar que o que ela queria era a liberdade de escolher, o direito de tomar suas próprias decisões? Queria demonstrar-se a si mesmo e a seu tio que ela valia algo. Aceitou a mão do Travis e permitiu que a conduzisse à mesa, mas parecia incapaz de melhorar seu ânimo.

Suco com a comida no prato e apenas a provou. Tratava de emprestar atenção ao que dizia Travis mas não conseguia concentrar-se. Não podia deixar de pensar em que durante toda sua vida tinha sido prisioneira de alguém, em que nunca lhe tinham permitido tomar uma só decisão.

—Bebe seu vinho —sugeriu Travis brandamente.

Regam obediente, bebeu toda a taça e sentiu que começava a relaxar-se. Logo lhe pareceu natural que Travis tomasse em seus braços e a levasse a cama. Enquanto a despia, ela já estava semidormida. Mesmo que já estava nua e Travis começou a lhe beijar o pescoço, a moça sorriu e caiu em um sonho profundo.

Ao ver que Regam necessitava tanto dormir, Travis a agasalhou, tomou um charuto e subiu a fumá-lo à coberta.

—Tudo bem?

Travis se voltou e achou ao capitão atrás dele

.—Acredito que o obteremos.

O capitão observou ao Travis, apoiado no corrimão, com um comprido charuto na boca.

—O que acontece, moço? —perguntou-lhe com seriedade. Travis sorriu. O capitão tinha sido amigo de seu pai durante anos, até que este morrera de cólera.

—O que sabe sobre as mulheres?

—Nenhum homem sabe muito —respondeu o capitão, tratando de não sorrir; alegrava-se de que o problema não fosse grave—. Lamento não ter chegado a conhecer sua esposa. Hão-me dito que é uma beleza.

Travis observou seu charuto e demorou um momento em responder.

—Minha esposa, sim. É só que me custa entendê-la.

Travis não era homem de fazer confidências, e isso era tudo o que diria. ergueu-se e trocou de tema.

—Crie que os móveis estarão bem na adega?

—Deveriam está-lo —respondeu o capitão—. Mas para que necessita mais móveis? Não terá agregado outra asa a essa mansão que tem, ou sim?

Travis riu entre dentes.

—Não. Ao menos, não o farei até que tenha uns cinqüenta filhos para ocupar todos os quartos que tenho. Os móveis são para um amigo. Embora sim comprei terras. Este ano semearei mais algodão.

—Mais! —exclamou o capitão, e logo assinalou a coberta que tinham ante eles—. Isto é todo o espaço que eu necessito. Não saberia o que fazer com... quantas hectares de terra tem agora?

—Cento e sessenta mais ou menos.

O capitão lançou um bufido de incredulidade

.—Espero que sua esposa seja boa dona-de-casa. Sua mãe necessitou todo seu talento para dirigir esse lugar, e quase o duplicaste da morte de seu pai.

—Poderá com o trabalho —respondeu com confiança—. boa noite.

De retorno no camarote, despiu-se, pensativo. Logo se deitou e atraiu a Regam para si.

—A questão é se eu poderei com ela —murmurou antes de dormir.

Regam demorou exatamente vinte e quatro horas em descobrir que Travis tinha toda a razão a respeito de quão desagradável era atender a gente decomposta. Desde muito cedo pela manhã até altas horas da noite fez pouco mais que limpar o vômito da gente e seus pertences. Os passageiros estavam muito indispostos para sustentar a cabeça sobre as terrinas de porcelana que ela lhes aproximava e para pensar aonde ia parar o conteúdo de seu estômago. As mães estavam tendidas em seus estreitos beliches. A seu lado, os meninos choravam, enquanto Regam e outras duas

mulheres limpavam, tratavam de consolá-los e trabalhavam duramente horas intermináveis. Como se a decomposição não fora suficiente, Regam se consternou ao ver as condições em que viajava essa gente. Havia três dormitórios: um para casais casados e dois para homens e mulheres solteiros, e a disciplina de manter separados a estes últimos era muito estrita. Às moças não lhes permitia falar com seus irmãos, nem aos pais com suas filhas, e nesses primeiros dias de indisposição todos se preocupavam com seus familiares.

Em cada dormitório havia muitas fileiras de camastros pequenos e duros. Nos estreitos corredores se apinhavam as pertences dos passageiros: baús, caixas, pacotes, cestas, que continham não só roupa e o que necessitariam no Novo Mundo mas também a comida para a viagem. Parte dessa comida começava a decompor-se, e o aroma agravava as náuseas dos passageiros: Regam e as outras mulheres circulavam pelo camarote feminino, tratando de passar por cima dos baús e dando muitos rodeios a cada passo. Quando voltou para seu próprio camarote, que em comparação parecia um palácio, estava mais exausta do que tinha esperado.

Travis deixou seu livro imediatamente e tomou em seus braços.

—Foi difícil, amor? —sussurrou.

Regam só pôde assentir contra o peito do Travis contente de estar perto de alguém tão são e forte, de estar longe da sujeira e a pobreza que tinha visto esse dia. apoiou-se contra ele, meio dormida, e apenas se precaveu quando Travis a deixou em uma cadeira e foi abrir a porta. Nem sequer se incomodou em abrir os olhos para ouvir um chapinho de água. depois de tudo, era quase quão único tinha ouvido em todo o dia enquanto lavava roupa, fraldas e terrinas.

Sorriu com deleite e se relaxou quando Travis começou a lhe desabotoar o vestido. Era agradável que a atendessem a ela depois de ter acontecido o dia atendendo a outros. Quando Travis a levantou, nua, em seus braços, alegrou-se de que a levasse a cama, mas quando sentiu a água quente abriu os olhos depressa.

—Necessita um banho, minha cheirosa menina—disse Travis, rendo, ao ver a surpresa de Regam.

A água quente, apesar de ser água de mar, estava deliciosa, e Regam se recostou e deixou que Travis a lavasse.

—Não te entendo —disse Regam, observando-o, sentindo como suas mãos fortes e ensaboadas percorriam seu corpo.

—O que terá que entender? Direi-te o que queira saber.

—Faz umas semanas teria pensado que um homem que seqüestra gente deveria ir ao cárcere, mas você...

—Eu o que? Seqüestro muchachitas, violo-as, mas não as mau trato? Em todo caso, não muito freqüentemente —adicionou, com um sorriso.

—Não —insistiu Regam com seriedade—. Não o faz, mas acredito que é capaz de algo. Não entendo a um homem como você.

—E a que classe de homem entende? A seu amiguita Wainwright? me diga, quantos homens chegaste a conhecer? Quantas vezes te apaixonou?

Não estava preparado para a resposta de Regam.

—Uma vez —respondeu em voz baixa—. Me apaixonei uma vez, e não imagino que volte a acontecer.

Travis a observou um momento; viu a forma em que seus olhos se suavizaram com uma expressão distante e as comissuras de sua boca se curvaram ligeiramente.

Em um momento Regam pensava no Farrell, em como lhe tinha proposto matrimônio, e imediatamente se sobressaltou quando Travis arrojou o sabão à água diante de seus olhos.

—Termina você sozinha, ou espera que venha a fazê-lo seu amado —grunhiu, e partiu com uma portada.

Regam sorriu, pensando que ao fim o havia posto ciumento. Saiu da tina e começou a secar-se.

Pensou que possivelmente fora bom que Travis compreendesse que não era o único em sua vida, que existiam outras pessoas no mundo. Quando chegassem a América e seus caminhos se

separassem, talvez não estaria tão seguro de que ela não poderia arrumar-lhe só encontrar um homem como Farrell, alguém que a amasse e não a considerasse uma criatura ignorante. meteu-se na cama e de repente se sentiu muito sozinha. Farrell não a amava; só a tinha querido por seu dinheiro. Seu tio tampouco a queria, e Travis, aquele homem estranho, arrogante e bom, tinha deixado em claro que só a queria no momento. Sozinha, cansada, faminta, desventurada, pôs-se a chorar.

Quando Travis tomou em seus braços, aferrou-se a ele, temerosa de que ele também fora a deixá-la.

—Calma, doce, te tranqüilize. Agora estas a salvo —sussurrou Travis, mas quando os lábios de Regam se uniram aos seus, deixou de pensar em consolá-la.

Regam não sabia que se devia à enfermidade que a tinha rodeado todo o dia e a sua sensação de solidão, mas estava faminta do Travis. Não pensou que a tinha prisioneira nem que ao menos deveria ser reacia como amante. Quão único pensava era que o necessitava com desespero, necessitava que a abraçasse, amasse-a, fizesse-a sentir parte do mundo e não um apêndice inútil.

Com audácia, introduziu os dedos sob a camisa do Travis e fez saltar um botão. O pêlo de seu peito lhe recordou sua masculinidade. Os dedos de Regam exploraram, não com suavidade a não ser com firmeza, inclusive com rudeza, a textura de sua pele, que aumentava seu calidez ante esse contato.

Travis a sotaque sobre a cama e se apartou para tirar o resto da roupa. Tinha os olhos acesos e a boca inflamada. Quando se voltou e se sentou ao bordo da cama para tirá-las botas, suas costas larga e musculosa ficou a mercê de Regam. A moça lhe mordiscou os ombros enquanto seus mamilos lhe roçavam as costas com um toque leve e eletrizante. Logo, seus lábios desceram pela curva profunda dos ossos, beijando, acariciando, saboreando sua pele. Com os polegares aos flancos e a gema dos dedos sobre as costelas do Travis, Reguem-lhe acariciava as costas com seu corpo. As depressões profundas dos músculos, a força do Travis, agora tão aplacado sob suas carícias, resultavam embriagadoras e lhe davam uma sensação de poder.

Beijou-lhe o lóbulo da orelha, deu-lhe leves dentadas e logo emitiu uma risita grave e sedutora.

Com um só movimento rápido, Travis se voltou, tomou em seus braços e esteve sobre ela. Regam estava tão ansiosa como ele, e mais que lista,

Travis estava cegado pela audácia da moça e por uma vez, não se conteve por consideração ou para não ferir a sensibilidade dela. Tratou-a com todo o ardor e a paixão que sentia, movendo-se com força, lhe massageando as nádegas com as mãos, abraçando-a mais e mais. Quando ao fim chegou o desafogo como uma tempestade de êxtase, lentamente, pouco a pouco, ficaram exaustos, trementes e débeis.

—O que me tem feito? —sussurrou Travis, abraçando-a com uma força tal que ameaçava sufocá-la.

Regam só seguiu obstinada a ele, muito cansada para pensar. Logo caiu em um profundo sonho e não se precaveu de que Travis seguia inclinado sobre ela, observava-a, acariciava-lhe ele cabelo, cobria-a melhor com o lençol. Mas até em seu sonho sentia seus braços que a rodeavam, seu corpo forte a seu lado e a doçura de seu fôlego junto a seu ouvido. moveu-se ligeiramente, abriu os olhos, esboçou um sorriso dormitado, aceitou de bom grau o beijo suave do Travis e voltou a sorrir quando ele apoiou a cabeça junto à sua e dormiu a sua vez.

O dia seguinte foi uma repetição do mesmo trabalho duro e cheiroso de ajudar aos passageiros decompostos. Ao cair a tarde, Travis lhe disse que fora ao camarote a descansar ou não seria de ajuda para ninguém. O tom de sua voz, sempre repartindo ordens, fez que Regam lhe dissesse exatamente o que pensava dele.

—Poderia ajudar em vez de estar vadiando na coberta.

—Vadiando, né?— -Travis sorriu, com essa semisonrisa zombadora que tanto a irritava.

Pela primeira vez Regam reparou na camisa de algodão suja e molhada de suor e nas calças folgadas que chegavam ao joelho, inseridos em botas de couro brando. de repente se esclareceram várias coisas para Regam, como por exemplo como podia Travis pagar um camarote privado. Era óbvio que, em troca da passagem tinha que trabalhar.

—No que posso ajudar? —perguntou—. Embora se esperas que enxugue bocas sujas, advirto-te que não o farei.

Se Travis tinha que trabalhar em troca da passagem, ela também, e resultava impossível descansar.

—Esta manhã caíram dois dos beliches superiores. Falei com a tripulação, mas riram de mi.

—Certamente riram porque não sabem por onde se toma um martelo. Que mais?

—Necessitamos alguém que se ocupe dos meninos maiores. Pensei que talvez poderia procurar o Sarah Trumbull. Faz dias que não a vejo.

—Sarah está ocupada —respondeu lacónicamente— mas possivelmente eu possa ajudar com os outros problemas.

Regam sentiu que lhe tirava um peso de cima, porque sabia que Travis cumpriria sua palavra.

—Se segue me olhando assim, sou capaz de construir camarotes privados para cada passageiro aqui na coberta.

Regam riu e sentindo-se muito melhor, voltou para suas tarefas. Muito pouco tempo depois, Travis apareceu na porta do camarote de mulheres com uma caixa de ferramentas de carpintaria.

Algumas das mulheres chiaram em sinal de protesto porque não estavam de tudo vestidas, mas Travis não demorou muito em fazer que se sentissem cômodas. Riu com elas e lhes disse que todos os homens morriam porque subissem a coberta, para que a travessia fora menos tediosa. Apesar do que havia dito a Regam, sustentou a cabeça de uma mulher sobre um cubo e lhe enxugou a boca com ternura. Trocou os fraldas a dois bebês e correu dois baús pesados para que houvesse mais espaço para poder circular. além de todo isso, reparou os beliches roda, verificou o estado das demais e reforçou algumas. Quando partiu, a maior parte das mulheres sorriam, e era como se pelo dormitório lotado tivesse passado uma brisa de ar fresco.

—Céus —suspirou uma mulher a cujo bebê Travis tinha trocado—. Quem era esse homem incrível?

—É meu! —exclamou Regam em voz tão alta e com tanto tom de desafio que as mulheres riram, com o qual a moça se ruborizou.

—Não tem por que envergonhar-se, querida. Só dê graças ao Senhor todas as noites por ser tão bom com você.

—Talvez pelas noites ela tem outras coisas em mente—sugeriu alguém em voz alta.

Regam se sentiu quase agradecida quando uma das mulheres começou a gemer, pois então pôde escapar às brincadeiras. Mas até enquanto ajudava a essa mulher começou a ficar furiosa.

Travis flertava com todas, e em seus próprios narizes! Sem dúvida adorava que todas as mulheres suspirassem por ele, ser o único homem ao que lhe permitia entrar em camarote feminino. Lhe permitia! Certamente Travis nunca fazia um pouco tão ordinário como pedir permissão para algo.

Regam depositou com força uma jarra de água, a cada instante ficava mais furiosa. Claro que ele não tinha motivos para tratá-la como a uma dama, posto que tudo o que sábia dela era o que faziam na cama. Aquele americano corpulento e grosseiro não tinha idéia de como tratar a uma mulher, salvo para seu próprio uso. Para ele, todas eram iguais, estivessem doentes ou vestidas com roupa de raso, ele pensava que todas estavam feitas para seu prazer.

Perto do anoitecer, subiu a coberta para lavar as terrinas de barro. Ali, rodeados de meninos e meninas, estavam Travis e dois marinheiros, lhes ensinando a fazer nós. Uma menina de uns doze anos parecia estar fazendo um nó com uma parte de tecido, enquanto uma criatura de uns dois anos estava sobre os joelhos do Travis, absorta no entrecruzar-se da corda que tinha ele. Sorriu e saudou regam com a mão antes de voltar-se uma vez mais para os meninos. Com altivez, Regam levantou a frente e retornou ao camarote sufocante, irritada pelo fato de que até os meninos o achavam irresistível. Havia dito às mulheres que Travis era dele, mas tinha plena consciência de que não exercia poder algum sobre ele, que ela não era mais que seu brinquedo cativo e que, quando chegassem a América, desfaria-se dela e logo conseguiria outra mulher... alguém que tivesse menos uso que ela. Com olhos suspicazes, olhou a todas as mulheres que havia no amplo camarote, perguntando-se se alguma delas seria sua sucessora.

Quando chegou o momento de partir do dormitório, já estava totalmente furiosa. Seu tio, havia dito que era uma falsa, o qual era uma vergonha para ele, mas nas últimas semanas tinham acontecido muitas coisas, e Regam estava trocando.

O camarote que compartilhava com o Travis estava vazio quando chegou, mas enquanto Regam contemplava as estrelas pela janela, abriu-se a porta.

Uma jarra de estanho dirigida diretamente à cabeça do Travis o fez agachar-se rapidamente.

Que diabos...

Regam tomou outra jarra de um armário na parede.

—Você gosta de flertar, verdade? —acusou-o—. você adora ter a todas as mulheres detrás de ti.

"OH, que homem encantador!", suspiravam todas. A segunda jarra lhe roçou o ombro. Enquanto Regam tirava do armário a terceira, Travis cruzou o camarote e lhe reteve a mão. Novamente tinha aquele sorriso divertido.

—Não te deixe ganhar por seu temperamento. Por favor, trata de recordar que uma vez foi uma dama inglesa.

Sua atitude condescendente, além disso do fato de que tinha sido ele quem a fizesse deixar de ser uma dama, fez que o sangue de Regam ardesse de ira.

—Estou farta de ti! —exclamou, e lhe deu uma cotovelada nas costelas.

Satisfez-a ouvir o grunhido do Travis, mas antes de que pudesse recuperarlhe deu um chute no tornozelo. Travis se apartou, esfregando o tornozelo, com uma expressão de total desconcerto.

—Não quereria falar disto? por que está tão zangada?

—-Zangada? —arremedou-o—. Estou furiosa porque dá por sentado que tem direito sobre todas as coisas. Você gostou de como lhe olhavam essas mulheres, com tanta adoração? Foi repugnante que utilizasse aos bebês para as conquistar. Acaso planeja seqüestrar a alguma delas quando acabar comigo?

—Talvez —respondeu Travis, com a mandíbula rígida e uma faísca nos olhos—-. Possivelmente uma delas estaria mais agradecida pelo que você tem. por que não pergunta quem quereria ocupar seu sítio?

—É o animal mais vaidoso e arrogante de toda a criação! Alguma vez te ocorreu que a mim pode não me gostar de estar prisioneira ou que tampouco poderia lhes gostar da outras mulheres? Acaso devo te agradecer que me retenha contra minha vontade, que me tenha posto à força em um navio rumo a um país que desprezo e que ameace revelando a todos nossa verdadeira relação se não ficar contigo?

—Já te disse por que não podia te liberar na Inglaterra —disse Travis em tom grave—. Te demonstrei toda a amabilidade, dei-te tudo o que tem posto, mas segue sendo muita romântica para ver a verdade. Acaso não te lembra do que aconteceu o porto com esses homens?

Isso se parecia muito às coisas que lhe havia dito seu tio. Sempre havia alguém que se ocupava dela e logo o jogava em cara.

—Não te estou agradecida —replicou em voz baixa—. E não quero nada mais de ti. Não tem que preocupar-se de que possam me atacar no navio, de modo que agora te deixarei em paz e me instalarei com as mulheres solteiras. —Olhou o singelo vestido de musselina que Sarah tinha terminado a noite anterior e adicionou: —Quando chegar a América tratarei de ganhar dinheiro suficiente para te pagar este vestido. Talvez possa vender outros. voltou-se e, com a frente alta e as costas erguida, sei encaminhou à porta.

Travis demorou um momento em compreender que Regam realmente pensava deixá-lo e era o suficientemente teimosa para fazê-lo. Sem pensar no que para, aferrou-a pela parte traseira do vestido. Com a pressão de Regam, que ia em uma direção, e Travis que atirava na outra, a magra musselina se desinteressou de cima abaixo e caiu aos pés da moça.

Imediatamente, o olhar do Travis passou da ira ao desejo. Seus olhos a percorreram com avidez deleitando-se com os peitos que descobria a rodeada e decotada camisa interior.

—Não —murmurou Regam, tratando com todas suas forças de escapar ao olhar lhe paralisem do Travis:

Um braço forte e poderoso lhe rodeou a cintura e a atraiu para o forte peito, fazendo-a inclinar-se para trás. Com debilidade, lutou contra ele, ansiosa por desafiá-lo, por lhe demonstrar que ela era uma pessoa independente, mas suas carícias e seus beijos a fizeram desistir.

—Fará o que te diga, amor —grunhiu Travis, levantando-a do chão e beijando-a no pescoço—. É

minha por todo o tempo que eu queira.

Regam fechou os olhos, e jogou a cabeça para trás e se entregou por completo às carícias do Travis. Já não pensava em escapar daquele homem que a dominava com tanta facilidade. Quando ouviu rasgar-se mais tecido, voltou a lutar.

—Minha —sussurrou Travis—. Eu te encontrei, e é minha.

Não teve tempo de pensar; Travis a empurrou para a parede e a encurralou ali com seu tamanho e sua força. Seus beijos se voltaram ávidos, como se desejasse devorá-la. Regam também começava a respirar cada vez mais rapidamente e suas mãos aferravam os ombros do Travis; seus dedos se cravavam em sua pele através da camisa, tratando de atrai-lo mais para si. Uma das mãos do Travis percorreu com desejo o quadril nu da moça, acariciou-lhe a coxa e a fez levantar a perna até apoiá-la no quadril dele. Regam, ansiosa, abraçou-o com as pernas e enganchou os tornozelos à costas do Travis, que a sustentava enquanto lhe acariciava as nádegas. As mãos do Travis se moviam em uma forma excitante que levou a Regam a um frenesi total. Não se precaveu quando as calças do Travis caíram a seus pés. Só quando a levantou, tomando-a pela cintura, e logo a baixou sobre sua virilidade, Regam abriu os olhos, mas só por um instante.

Estava completamente em seu poder, incapaz de mover-se por si só, de costas à parede, abraçando com as pernas o quadril do Travis, que começou a levantá-la, a controlar seus movimentos, a guiá-la. A sensação do couro do Travis contra ela, os ondulações de seu quadril sob suas coxas, a força que o impulsionava, ameaçavam levar a à loucura. Aferrou entre seus dedos o cabelo do Travis e o estirou enquanto ele a penetrava com mais força, com uma força que ameaçava rompê-la, fundir sua pele com a dela, consumi-la. Com esse poder, Travis a levantava e a baixava com facilidade, uma e outra vez, mais e mais de pressa, até que Regam gritou baixo aquele doce tortura. A boca do Travis esmagou a seu ao tempo que ele se desabava contra ela que seguia rodeando-o com as pernas como se fossem uma braçadeira de aço. Regam se estremeceu, débil e impotente, saciada, exausta.

Pouco a pouco, a moça começou a cobrar consciência de onde estava e quem era. Seu corpo, dócil e flácido, seguia apoiado contra a orgulhosa estrutura musculosa do Travis. O lhe beijava o pescoço úmido, com ternura, enquanto a sustentava com os braços sob as nádegas. Como se fora uma criatura, levou-a a cama e a deitou como se se tratasse da substância mais preciosa e delicada da criação.

Com fadiga, como se ele também tivesse perdido todas as forças, tirou-se a camisa e se tendeu a seu lado.

—Esta noite tampouco há jantar —murmurou, mas não como se o lamentasse.

Com suas últimas forças, atraiu a Regam para se.

—Como poderia deixar que me abandonasse? —sussurrou, e ambos dormiram.

Pela manhã, Regam logo que podia olhá-lo aos olhos. A forma em que Travis a olhava, tão arrogante, tão seguro de se mesmo, dava-lhe desejos de lhe arrojar uma faca. Aparentemente, acreditava sabê-lo tudo sobre ela, acreditava tê-la em seu poder, que lhe bastava mover um só dedo para que lhe pertencesse.

Quanto desejava lhe apagar essa expressão da cara! Embora fosse uma só vez, desejava ver que ele não conseguisse o que acreditava dele.

Enquanto tomavam o café da manhã, Sarah Trumbull bateu na porta antes de entrar.

—Desculpem —disse—. Pelo general, a esta hora vocês já não revistam estar.

—Vêem comer algo, Sarah —a convidou Travis, com um sorriso presumido, e olhando a Regam como se entendesse perfeitamente por que ela evitava seus olhos.

Mas Sarah estava mais interessada em uma parte de musselina rasgada que uma vez fora um vestido e que ela acabava de costurar. Riu entre dentes, dirigiu ao Travis um olhar de recriminação e disse:

—Travis, se pensa tratar assim todas minhas confecções não tenho por que seguir costurando.

Travis se passou a mão pelo cabelo, jogou uma olhada a Regam, que olhava para outro lado, e riu.

—Tratarei de me controlar. Agora devo ir ajudar em coberta. Ao capitão lhe faltam homens nesta viagem. Embora —adicionou, com um sorriso— talvez não fiquem muitas energias. Beijou a Regam na bochecha e saiu do camarote. Sarah lançou um suspiro como um furacão enquanto olhava com ânsias a porta fechada.

—Se houvesse mais homens como ele, poderia sentir a tentação de me casar.

Se Regam tivesse conhecido alguma má palavra, a teria usado

—Não tem trabalho que fazer? —perguntou em tom cortante.

A atitude de Regam não intimidou ao Sarah.

—Eu também estaria ciumenta se fosse meu.

—O não é...! —começou a protestar com hostilidade, mas se deteve—. Travis não é de ninguém —

disse ao fim, e se dispôs a recolher os pratos do café da manhã e a colocá-los em uma bandeja.

Sarah decidiu trocar de tema.

—Conhece esse homem que viaja no camarote de em frente?

—David Wainwright? Conhecemo-nos o outro dia, mas isso é tudo. Acontece-lhe algo?

—Não sei, mas faz dois dias que venho aqui a costurar sua roupa e não ouvi movimento em seu camarote. Pensei que talvez estaria ajudando aos homens decompostos.

Regam franziu o cenho e decidiu investigar; desculpou-se ante o Sarah e saiu. Apesar de estar habituada ao trabalho fedorento dos últimos dias, o aroma que achou ao abrir a porta do camarote do David, afligiu-a. A densa escuridão a fez deter um momento na soleira, procurando com o olhar ao senhor Wainwright. Ao fim, em meio do que parecia um montão de trapos sujos, encontrou-o acurrucado junto à janela, tremendo. aproximou-se dele e imediatamente advertiu que estava afiebrado; em seus olhos havia um brilho doentio e, pelos desvarios que articulava, soube que delirava. voltou-se para ouvir um ruído na entrada e viu o Sarah que contemplava a habitação com horror.

—Como pode alguém viver assim?

—me faça o favor de pedir ao Travis que me envie água quente —disse Regam com firmeza—. lhe Diga que envie muita água. E necessitarei também uns trapos e sabão.

—É obvio —respondeu Sarah. Não invejava absolutamente a tarefa que tinha Regam por diante.

O sol se filtrava pelas janelas do camarote do David Wainwright e reluzia sobre o cabelo de Regam, fazendo ressaltar as mechas douradas na penumbra. Iluminava também seu suave e perfumado vestido de musselina e destacava cada um dos diminutos pimpolhos bordados com fio dourado. A moça sustentava um livro e, ao lê-lo em voz alta, suas palavras eram tão serenas como a imagem que mostrava ela.

David estava recostado sobre almofadas limpas, junto à janela, com um braço em tipóia e a camisa branca aberta no pescoço. Tinha passado um mês desde que Regam o encontrasse, só e doente, em seu camarote. Com o primeiro balanço do navio, David se tinha chateado e tinha baixado a seu camarote. Horas mais tarde, caiu de seu beliche em forma tal que se fraturou o antebraço. Dolorido, decomposto, débil e indefeso, não pôde pedir ajuda. Em um intento de retornar à cama, voltou a cair e a nova dor lhe fez perder o conhecimento. Quando Regam o encontrou, David não tinha idéia de quem era nem onde estava e durante dias, depois do que lhe entalaram o braço, ninguém acreditou que sobreviveria.

Durante todo esse tempo, Regam nunca se apartou dele. Limpava o camarote, lavava ao David, sentava-se a seu lado, convencia-o de que bebesse um pouco de caldo de carne, levantava-lhe o ânimo. David não era bom paciente. Estava seguro de que morreria, de que nunca voltaria a ver a Inglaterra, de que a América do Norte e seus habitantes seriam responsáveis por sua morte. Passava horas inteiras relatando a Regam que tinha tido uma premonição de que esses seriam seus últimos dias neste mundo.

Regam, por sua parte, alegrava-se de ter uma desculpa para apartar-se da presença entristecedora do Travis, de que por uma vez em sua vida alguém a necessitasse, de não sentir uma carga.

—Por favor, Regam —pediu David com mau humor—. Não as mais. Preferiria que conversássemos. Moveu seu braço ferido com uma careta de dor.

—Do que você gostaria de falar? Acredito que já esgotamos todos os temas.

—Todos os temas relativos a minha vida, quererá dizer. Eu sigo sem saber nada sobre ti. Quais foram seus pais? Em que zona do Liverpool vivia? Como conheceu esse americano?

Regam deixou o livro a um lado e ficou de pé

.—Talvez deveríamos subir a dar um passeio pela coberta. É um dia esplêndido, e a ambos fará bem caminhar.

Com um leve sorriso, David baixou os pés ao estou acostumado a esperou com paciência que Regam o ajudasse a levantar-se.

—Minha misteriosa dama —disse, em um tom que revelo que, em realidade, agradava-lhe não saber muito sobre ela. Chegaram à coberta, ela tomando-o pela cintura e ele, pelos ombros, e a primeira pessoa com quem se encontraram foi Travis. Regam não pôde a não ser notar o contraste entre o jovem loiro e magro com sua roupa imaculada e a robustez do Travis, com sua roupa que cheirava a suor masculino e ao ar salgado do mar.

—De passeio? —observou Travis com cortesia, mas ao mesmo tempo levantou uma sobrancelha e dirigiu a Regam um sorriso zombador.

David assentiu fríamente, quase com grosseria, e logo impulsionou a Regam a seguir caminhando.

—Como pudeste te casar com alguém assim ? —disse quando ficaram a sós—. É a mulher mais doce e tenra e quando penso que tem que suportar as cuidados desse colono enorme e insensível, quase basta para que volte a me adoecer.

—Não é insensível! —protestou Regam—. Travis é...

—É o que? —perguntou David com grande paciência. Pergunta-a ficou sem resposta. Regam se separou do David, apoiou-se no corrimão e, contemplando a água, perguntou-se o que significava Travis para ela. Pelas noites a fazia gritar de gozo, e o fato de que sempre lhe tivesse lista uma tina cheia de água quente lhe demonstrava sua bondade. Não obstante, Regam sempre tinha presente que era seu prisioneira.

—Regam —disse David—, não respondeste minha pergunta. Não se sente bem? Talvez está cansada. Sei que me atender não é o mais fácil do mundo, possivelmente prefira...

—Não —respondeu com um sorriso, pois já conhecia esses argumentos—. Sabe que desfruto com sua companhia. Sentamo-nos aqui um momento?

Passou o resto da tarde com o David, mas não conseguia emprestar atenção ao que ele dizia.

Em troca, observava a agilidade com que Travis subia pelo cordame junto ao mastro e arrojava as grosas e pesadas cordas formando uma grande pilha. Em várias ocasiões Travis se deteve e lhe piscou os olhos um olho, sempre consciente de que ela o observava.

Essa noite, pela primeira vez em várias semanas, Regam chegou ao camarote antes que Travis.

Finalmente chegou ele e, ao vê-la, lhe iluminou a cara e sorriu com felicidade. Parecia haver-se voltado mais atrativo nessas últimas semanas, com o rosto bronzeado pelo sol e os músculos mais duros ainda que antes.

—É bom verte depois de um dia exaustivo. Crie que poderia me receber com um beijo? Ou acaso os deste todos ao jovem Wainwright?

A alegria de Regam se esfumou.

—Devo aceitar esse insulto sem uma palavra? O fato de que me obrigue a manter esta relação indecente não significa que outro homem também possa fazê-lo, nem que eu o tente.

Travis se separou dela, tirou-se a camisa e começou a lavar-se.

—É bom saber que esse cachorrinho não tratou que tomar o que é meu. Não é que pudesse fazê-lo, claro, mas eu gosto de estar seguro.

—-É insofrível! E não sou tua!

Travis se limitou a sorrir com confiança.

—Quer que te demonstre que é minha?

—Não te pertenço —replicou Regam, retrocedendo—. Sei me cuidar sozinha.

—Mmm... —Travis sorriu e lhe aproximou. Com sensualidade, começou a percorrer com um dedo o braço de Regam e ao ver vacilar o olhar firme da moça, entrecerró os olhos.— Acaso esse menino pode te fazer estremecer com um só dedo?

Regam se apartou.-

—David é um cavalheiro. Falamos de música e de livros, coisas das que você não sabe nada, sua família é uma das mais antigas da Inglaterra e eu desfruto com sua companhia. —Endireitou os ombros.— E não permitirei que seu ciúmes arruínem minha amizade com ele.

—Ciúmes? —Travis riu.— Se tivesse ciúmes, seria de alguém que tivesse algo mais que esse imberbe. —ficou sério.— Mas acredito que o moço começa a te olhar com outros olhos e penso que não deveria vê-lo tanto.

—Que não deveria...? Acaso não há parte de minha vida que não trate de controlar? —acalmou-se e prosseguiu.— Sou uma mulher livre, e quando chegar a América penso fazer uso de minha liberdade. Estou segura de que David é a classe de homem que quereria casar-se e não trataria de...

escravizar a uma mulher.

Com calma, Travis apoiou uma mão no ombro do Reagan.

—Realmente você gostaria de me trocar por um menino e um anel de ouro?

inclinou-se para beijá-la, mas ela se apartou.

—Talvez eu gostaria de tentá-lo —murmurou—. Os homens não podem ser tão diferentes. Se David me amasse, possivelmente poderíamos ser compatíveis na cama matrimonial.

Travis a aferrou pelos ombros com brutalidade.—Se esse menino chegar a te tocar, romperei-lhe todos os ossos... e em sua presença.

Deu-lhe um tranco e partiu de uma portada. Regam passou a noite sozinha. resistia a admitir quanto sentia falta da o Travis, o só que se sentia sem seus braços. Durante toda a noite deu voltas na cama, tratando de não chorar, tratando de não ter medo.

Pela manhã tinha olheiras e, pela primeira vez, Sarah não lhe fez perguntas. Ambas ficaram a costurar em silêncio. Perto da queda do sol, David bateu na porta e perguntou se Regam desejaria caminhar com ele.

Em coberta, Regam parecia incapaz de ver outra coisa que ao Travis, e este nunca a olhava.

Enfurecia-a que Travis a ignorasse, e em conseqüência derrubou toda sua atenção para o David, que se queixava da duração da viagem e da comida. Ao ver que o olhar de Regam acontecia do desinteresse à adoração, David deixou de falar e a olhou.

—Hoje está mais encantada que nunca —sussurrou—. O sol arranca a seu cabelo um tom dourado avermelhado.

Justo nesse momento Travis passava perto deles, com uma grande parte de vela sobre o ombro:

—Obrigado, David —disse Regam em voz muito Sua alta cumpridos fazem que uma mulher se sinta como uma rainha. Não recordo me haver sentido tão adulada. Se a ouviu, Travis não se alterou; passou a seu lado sem sequer diminuir o passo.

Essa noite voltou a estar sozinha. Ansiava demonstrar ao Travis que não lhe importava seu abandono. Queria lhe provar que podia fazer coisas por própria conta. Por isso, no transcurso dos dias, começou a flertar com o David mais e mais abertamente, sempre quando Travis estava perto.

AI cair a noite do terceiro dia, David a acompanhou a seu camarote e, em lugar da despedida amistosa de sempre, tomou em seus braços com ferocidade.

—Regam —lhe sussurrou ao ouvido—, deve saber que te amo. Amei-te desde o começo, mas passo todas as noites só enquanto esse... esse animal tem direito a te tocar. Regam, meu amor, me diga que sente o mesmo por mi.

Com grande surpresa, Regam descobriu que o abraço e os beijos do David lhe resultavam repulsivos. Empurrou-o, tratando de liberar-se.

—Sou uma mulher casada! —protestou.

—Casada com um homem que não é digno de beijar a prega de seu vestido. Manteremos nosso amor em segredo até que cheguemos, e então faremos anular seu matrimônio. Não pode acontecer toda sua vida com esse marinheiro pobre. Vêem comigo, e te construirei uma casa como nunca se viu nesse atrasado país.

—David! —insistiu, lutando—. me Solte agora mesmo!

—Não, meu amor. Se você não tiver a coragem de dizer-lhe farei-o eu.

—Não, por favor, não!

de repente compreendeu que Travis estava no certo. Ela não queria ao David e o tinha usado para lhe causar ciúmes.

David a obrigou a olhá-lo e lhe cobriu a cara de beijos quentes, úmidos e sufocantes, enquanto Regam se retorcia tratando de fugir. Em um abrir e fechar de olhos, David pareceu voar pelo ar.

Atônita e incrédula, Regam observou como o punho do Travis dava totalmente na cara do David e o esmagava contra a parede. David caiu ao chão, inconsciente, e Travis voltou a levantar o punho.

De um salto, Regam o aferrou do braço e se pendurou dele.

—Não! —gritou—. vais matar o!

O rosto do Travis era uma distorção de seu semblante habitual. Tinha os olhos avivados, negros de fúria, e a boca em um rictus de ira. Regam se apartou com temor.

—Conseguiu o que procurava? —grunhiu, com o cenho franzido.

Sem dizer mais, deu meia volta e retornou a coberta. Tremendo, Regam olhou ao David, que começava a incorporar-se com o nariz lhe sangrem. Seu primeiro impulso foi ajudá-lo, mas ao ver que tratava de incorporar-se compreendeu que se achava bem, de modo que fugiu a seu camarote.

Uma vez dentro se recostou contra a porta; seu coração pulsava com força e as lágrimas começaram a rodar por suas bochechas. Travis tinha razão! Ela tinha usado ao David tinha jogado com seus sentimentos, quase tinha prometido algo que não pensava dar; e tudo para despertar o ciúmes do Travis. Mas ao não podia lhe causar ciúmes, para o, Regam não era mas que uma propriedade.

jogou-se sobre a cama e pôs-se a chorar profunda e sinceramente. Horas mais tarde, sentia a cabeça embotada e lhe ardiam os olhos. dormiu-se chorando, e a tinha despertado uma violenta sacudida do navio. Enquanto tratava de entender o que acontecia, outra sacudida repentina a expulsou da cama e a fez cair ao chão; onde ficou, aturdida. A porta do camarote se abriu e golpeou contra a parede ao inclinar o navio em outra direção.

Na entrada estava Travis, vestido com um grosso impermeável com o cabelo despenteado e molhado. aproximou-se dela com dificuldade pelo balanço do navio e a levantou em braços.

—Tem-te feito mal? —gritou, e só então Regam se precaveu do tremendo ruído que havia.

—O que ocorre? Naufragamos? —perguntou Regam, e se acurrucó contra ele, imensamente feliz de voltar a tocá-lo.

—É só uma tormenta —respondeu Travis com outro grito—. Não há muito perigo, porque faz dias que nos estamos preparando. Quero que fique aqui, entende? Que não te ocorra subir a coberta ou ir com os outros passageiros. Está claro?

Regam assentiu contra o ombro do Travis e se aferrou a ele, pensando que talvez a razão de sua ausência nos últimos dias tinha sido essa preparação para a tormenta.

Travis se inclinou, deixou-a sobre a cama, olhou-a com uma expressão que Regam não pôde decifrar e logo a beijou possessivo.

—Fique aqui —repetiu, e acariciou a comissura de um dos olhos avermelhados e inchados da moça.

Com isso partiu, e Regam ficou sozinha no camarote. A solidão intensificava sua percepção do balanço do navio. Para não cair da cama, aferrou-se aos flancos o melhor que pôde. A água começou a filtrar-se por debaixo da porta e a cobrir o chão do camarote.

Enquanto lutava por conservar o equilíbrio, começou a imaginar o que estaria acontecendo na coberta. Se a água chegava ao camarote, devia haver outros já alagados. Sua imaginação, sempre ativa, começou a idear um quadro horrendo. Uma vez, quando Regam era pouco mais que uma criatura, uma criada de seu tio tinha recebido uma carta que lhe informava que seu marido tinha cansado pela amurada durante uma tormenta, e mais tarde um amigo de este tinha ido contar lhe toda a triste historia. Todo o pessoal de serviço, e também Regam, reuniu-se em torno do marinheiro para escutar todos os detalhes horripilantes. Essa história já não lhe parecia tão irreal, pois por cima de sua cabeça havia ondas altas como uma casa, ondas de uma força tal que podiam arrastar consigo a uma dúzia de homens. E Travis estava lá encima!

A idéia a sobressaltou. Travis, certamente, nunca acreditaria que pudesse lhe acontecer algo terrível. Sem dúvida, estava seguro dê que até o mar mesmo lhe obedeceria. Por outra parte, ele não era um verdadeiro marinho. Era apenas um granjeiro que, de menino, tinha estado em um baleeiro, e agora tinha que trabalhar em troca de sua passagem.

Uma sacudida de especial violência voltou a jogar a Regam da cama. Travis!, pensou, lutando por levantar-se. Talvez essa onda o tinha jogado pela amurada. Regam levantou a vista para ouvir um forte rangido de madeira. O navio se estava quebrando! aferrou-se com ambas as mãos ao bordo da cama e conseguiu ficar de pé. dirigiu-se a seu baú que por fortuna, estava atarraxado ao chão.

Tinha que encontrar um casaco, e depois, de algum jeito, chegar à coberta. Alguém tinha que salvar ao Travis de si mesmo, convencer o de que retornasse à relativa segurança do camarote e se se negava, alguém tinha que cuidá-lo. Se caía pela amurada, Regam lhe arrojaria uma corda.

Nenhuma história que lhe tivessem contado teria podido preparar a Regam para a intensa rajada de vento e ar salgado que lhe impregnou o corpo ao abrir a porta que dava à coberta.

Necessitou todas suas forças para abri-la-o suficiente para poder sair, e logo se fechou de um golpe atrás dela. Uma rajada de rocio salgado a empapou imediatamente, com o qual sua capa de lã se aderiu com pesadez a seu corpo.

Obstinada ao corrimão da escada e esforçando-se por manter-se erguida, piscou pela água fria que parecia atravessá-la e tratou de divisar ao Travis. Ao princípio não conseguia distinguir aos homens das partes do navio, mas seu interesse na segurança do Travis era mais forte que a dor que lhe causava a violência da tempestade.

Pouco a pouco seus olhos se adaptaram e, piscando depressa para limpar a água, distinguiu as figuras imprecisas dos homens em meio da enorme coberta. antes de que pudesse decidir como chegaria a essa parte do navio, uma súbita sacudida a derrubou e a fez rodar pela coberta. golpeou-se com força contra uma madeira do navio e se aferrou ao que tinha mais perto: a base de madeira de um canhão.

Quando passou a onda, começou a incorporar-se uma vez mais, e ao fazê-lo, voltou a ouvir aquele rangido de madeira, só que esta vez advertiu que provinha de acima. Certamente um dos mastros se estava quebrando. Lentamente, começou a avançar para os homens e para o mastro. alegrou-se ao ver que todos os homens, incluído Travis, estavam sujeitos ao navio e olhavam o mastro que perigava.

—Hei dito que subam! —rugiu o capitão, com voz mais alta ainda que a fúria do mar.

Regam se enxugou os olhos com o dorso da mão e viu que os marinheiros davam um passo atrás. Demorou um momento em compreender que o capitão estava ordenando que alguém subisse

pelo cordame. Pensou lhe dizer qual era sua opinião dessa ordem, mas sabia que devia guardar silêncio para que Travis não a descobrisse ali acima. Entretanto, quando jogou uma olhada ao Travis, viu que ele já a tinha visto e se dirigia para ela. A expressão de fúria que havia em seu rosto superava a fúria do mar e, sem pensá-lo, Regam se encaminhou de retorno à porta; de repente sua coragem se esfumou.

antes de que chegasse a dar dois passos, a enorme emano do Travis a tirou do ombro. Não disse uma só palavra, nem era necessário que o fizesse, posto que sua cara o dizia tudo. Quando o navio voltou a sacudir-se e outra onda ameaçou derrubá-lo, Travis a cobriu com seu corpo e a sustentou contra o corrimão.

—Talvez te golpeie por isso —lhe gritou ao ouvido uma vez que o navio voltou a endireitar-se.

Então os distraiu outro grito, mais alto ainda, do capitão:

—É que não há um homem entrei vocês? Nesse momento, enquanto Travis a aferrava do braço com uma força dolorosa, Regam viu o David e soube imediatamente que a tinha seguido a coberta. Até a tênue luz, através do rocio do mar, viu que tinha a cara machucada pelo murro do Travis. olharam-se um momento e Regam se sentiu culpado ao ver que David sabia que o tinha usado, que tinha feito o papel de tolo.

Uma onda mais pequena golpeou a coberta e interrompeu o contato visual entre ambos.

Quando se dissipou, Regam viu que David se adiantou... mas não a olhava. Caminhando o mais erguido que podia dadas as circunstâncias, dirigia-se para o capitão. deteve-se justo frente a Travis e gritou:

— Eu sou um homem! Eu subirei pelo cordame!

— Não! —gritou Regam, obstinada ao braço do Travis—. Detenham-no.

David se sustentou da base do mastro e se voltou para o Travis. Este pareceu entender a muda súplica do David e assentiu uma vez; logo tomou as mãos de Regam para retê-la.

Regam lutou com o Travis. Queria ir para o David, detê-lo, pois sabia que ela era a culpado daquele intento suicida. Ao ver que nada podia fazer, ficou imóvel, igual à tripulação. Travis se localizou entre o corrimão e o sustento de um canhão para sujeitar melhor a Regam, mas em nenhum momento apartou o olhar da figura miúda do David.

O capitão, aliviado por ter encontrado ao fim alguém com suficiente coragem para subir pelo cordame, gritava instruções ao David ao tempo que lhe atava uma corda à cintura. A julgar pelos gestos e pelas poucas palavras que se ouviam, era óbvio que David devia subir pelo cordame até o primeiro e mais comprido peñol, avançar quase até a metade de este até ficar suspenso sobre a água turbulenta e assegurar o peñol para que não se rompesse.

Regam não pôde a não ser afogar uma exclamação de incredulidade, muito atônita inclusive para protestar. Estava segura de que via o David encaminhar-se à morte. Com temor, afundou a cara no peito do Travis, mas este a obrigou a olhar ao David, que se tinha detido na base do mastro, esperando um último olhar dela.

A jovem levantou a mão a modo de despedida e logo a deixou cair com impotência. Erguida, com as costas apoiada no peito do Travis, observou-o iniciar a arriscada ascensão. Imediatamente se fez evidente a inépcia do David, pois seus pés escorregavam e freqüentemente perdiam apoio, de modo que ficava pendurado de uma só mão. O vento tratava de arrancá-lo, lhe fazendo soltar as mãos e lhe arrebatando as cordas sob os pés.

Regam se levou a mão à boca e cravou os dentes em sua própria carne enquanto observava lentamente, com grande dificuldade a cada passo, David chegou ao fim ao peñol. aferrou-se a ele com ambos os braços e pareceu deter um momento, vacilante, para descansar ou possivelmente a esperar que passasse a seguinte onda. Quando a água se limpou e quem estava em coberta viram que David seguia ali, ouviu-se um suspiro unânime de alívio. Quando o navio voltou a endireitar-se, David começou a avançar centímetro a centímetro pelo peñol. Pouco antes de chegar ao ponto em que se estava quebrando, desenrolou parte da corda que levava a cintura e se levou um extremo à boca.

— Cuidado! —grito alguém perto de Regam. Mas David não ouviu a advertência: outra grande onda voltou a isolar o de outros.

Na coberta se ouviu o golpe da onda misturado com outro som: um rangido de madeira.

Regam conteve o fôlego e esperou o que lhe pareceu uma eternidade. Quando ao fim a água se limpou, levantou a vista com temor para o peñol ao que David seguia obstinado com tenacidade.

Quando finalmente pôde ver, sorriu porque o peñol seguia intacto. Entretanto, seu sorriso durou muito pouco, pois logo viu o que se quebrado: por cima da cabeça do David estava a cofa maior, uma larga plataforma que se usava para montar guarda. Dessa plataforma se desprendeu um flanco, em parte justo em cima da cabeça do David, e a julgar pela imobilidade do jovem, parecia havê-lo golpeado.

Regam aferrou ao Travis com mais força enquanto observava a figura pequena e imóvel do David. Não tinha idéia de que Travis a olhava e advertia o terror que refletia o rosto da moça.

Regam não teve consciência de nada até que Travis a separou de si, fez-a acuclillarse e sujeitar-se ao pesado canhão.

— Fique aqui! —ordenou-lhe. Logo tomou uma corda que estava atada ao cabillero e a enrolou à cintura. Uma nova classe de terror se apoderou de Regam, um terror tão profundo que lhe impedia de falar, e suas mãos ficaram brancas pela força com que aferrava o canhão.

Atrevendo-se apenas a respirar, observou como Travis subia pelo cordame com mãos e pés muito mais seguros que os do David, com uma agilidade notável para alguém tão corpulento, ou possivelmente fora que necessitava todas suas forças para resistir à tempestade. Cada vez que uma onda lhe impedia de ver o Travis, Regam se sentia morrer um pouco. Quando o viu chegar ao peñol, o corpo da moça estava tão rígido como o canhão ao que se aferrava.

Com cautela, Travis avançou pelo peñol. Quando alcançou ao David, localizou-se escarranchado sobre ele e se inclinou; obviamente lhe gritava, mas o vento feroz se levou as palavras. Quando David se incorporou e olhou ao Travis, vários dos marinheiros lhes gritaram palavras de fôlego. Mas Regam não sentiu alívio algum.

Travis e David falaram comprido momento até que Travis começou a avançar. Todos se assustaram mais ao vê-lo ir além do David sobre o estreito peñol. Com destreza e rapidez, assegurou-o com a corda que levava. Em duas ocasiões teve que deter-se e aferrar-se ao pau para que as ondas não o arrastassem ao mar.

Quando terminou, retrocedeu até o David. Este lhe entregou a corda que tinha atada à cintura e Travis atou o extremo à sua. Assim ficaram unidos para qualquer destino que lhes aguardasse no comprido descida à coberta.

Durante um momento mais seguiram falando, pois aparentemente Travis tratava de convencer ao David de que abandonasse o sítio ao que se aferrava com todas suas forças.

O coração de Regam quase se deteve o ver que Travis atirava da corda para que David retrocedesse até o pau maior. Era como se Travis tivesse todo o tempo do mundo, pela paciência com que esperava que David começasse a mover-se. Lentamente, movendo um músculo por vez, David começou a retroceder e Travis guiou os pés do moço até o cordame. Como se se tratasse de uma criatura, Travis o ajudou, colocou-lhe as mãos e os pés nos lugares adequados e em um momento o sustentou com seus braços contra o instável cordame. Quando passou a onda, reiniciaram o descida.

Regam começou a respirar um pouco quando os viu uns seis metros da coberta. Viu que Travis gritava ao David, que meneava a cabeça; voltou a lhe gritar até que David assentiu. O moço começou a descender sozinho enquanto Travis o sustentava com a corda e atava um extremo ao cordame.

Regam ficou de pé e compreendeu que Travis se certificava de que David estivesse a salvo, bem sujeito, de modo que se a seguinte onda o arrastava, não se levasse também ao David. Com lágrimas nos olhos, Regam observou que Travis, ao olhar por volta do mar desde aquela altura, parecia ter visto algo que outros não alcançavam a ver. Travis se enrolou a corda ao antebraço; logo

entrelaçou o outro braço no cordame e impulsionou com o pé ao David, cuja cabeça estava agora ao nível dos pés do Travis. David, inseguro e apavorado, perdeu apoio e seu corpo miúdo caiu durante um instante até que se deteve graças à corda que tinha atada à cintura e que sustentava Travis.

David lançou um grito de terror e Travis começou a baixá-lo lentamente até que os marinheiros o receberam e o baixaram rapidamente à coberta.

Mas os olhos de Regam não se separavam do Travis, que, assim que viu que David estava a salvo, soltou a corda, aferrou-se ao cordame e agachou a cabeça para proteger-se. Regam se separou do canhão com pressa, mas não pôde dar mais que um passo, pois nesse momento os golpeou a maior das ondas. A coberta se alagou de água fria e salgada e, como se protestasse, o navio ameaçou derrubando-se.

Regam caiu sobre a coberta, rodou e foi dar totalmente contra o cabillero. Entretanto, a pesar da dor, só reparou em outro horrível rangido de madeira. Apesar da inclinação da coberta e da força da água, aferrou-se ao cabillero e tratou de levantar-se. O grito de um homem e a visão fugaz de um corpo arrojado por cima de sua cabeça e da amurada não a fizeram desistir. Custava-lhe respirar e, muito mais, ver, e se esforçou por levantar a vista para o cordame de que pendia Travis. Se não tivesse cuidadoso com tanta atenção, não teria divisado a imagem imprecisa do Travis, que nesse momento perdia apoio e começava a cair. Lhe travou um pé no cordame e isso o salvou; parecia aturdido e procurava às cegas a corda que necessitava para sustentar-se.

As seqüelas da imensa onda seguiam sacudindo ao bergantín cone se fosse um trompo de brinquedo. Regam seguia obstinada e rezava enquanto Travis se esforçava por sujeitar-se. Viu que lhe acontecia algo, que estava lutando contra algo mais que o mar. Enganchou um braço no cabillero, tirou das cabillas uma corda grosa como seu braço e começou a avançar lentamente para o pé do cordame.

A seu redor, os homens gritavam e o vento e a água disfarçavam os sons, mas Regam só via o Travis, que dolorosamente tratava de descender. Sustentando-se ainda o melhor que podia, Regam subiu pelo cordame até alcançar o pé do Travis. Estava assustada mas sabia que não havia alternativa, de modo que lhe sujeitou o tornozelo ao cordame com a corda. Esta era muito larga e grosa para poder atá-la, por isso simplesmente a enrolou, com a esperança de que lhe alcançasse o tempo antes de que chegasse a seguinte onda. Pendurada sobre a coberta com apenas uma parte de corda, não estava preparada para o golpe de uma onda. Entrelaçou seu corpo com a corda e se aferrou com todas suas forças. depois dessa onda, Regam estava muito assustada para mover-se.

Com uma mão aferrava o extremo da grosa corda que tinha sujeito ao tornozelo do Travis e tinha medo de abrir os olhos. Fazia o que podia para salvá-lo, e não se atrevia a olhar para averiguar se ele seguia ali ou não.

Pareceu-lhe que tinha passado comprido momento ali, meio sentada e médio suspensa, até que ouviu gritos. Ainda temerosa de abrir os olhos, manteve-os fechados com força.

—Travis! —ouviu gritar de abaixo, bastante perto dela.

—Senhora Stanford! —chamou uma voz que só podia ser a do capitão.

Regam abriu os olhos, nervosa, ainda temia olhar para onde Travis podia estar ou não. Mais tarde, ninguém recordava quem começou a reir. Possivelmente não fora uma situação graciosa, mas os marinheiros estavam aliviados porque ao fim tinham deixado atrás a tormenta. As últimas duas ondas tinham desviado ao navio de seu curso e o quadro que tinham ali acima lhes resultava extremamente entretido.

Regam, a uns três metros da coberta, estava virtualmente sentada no cordame, com seu vestido de musselina empapado e as pernas nuas entrelaçadas nas cordas atadas, abraçando seu próprio corpo com braços e pernas. Em uma mão tinha uma enorme corda sujeita à perna do Travis, um homem que a dobrava em tamanho e que agora pendia do cordame como se estivesse dormindo.

Realmente parecia uma garotinha que conduzia a um estranho animal.

—Basta de risadas e baixem-nos! —gritou o capitão. Respirada pelas risadas dos homens, Regam se atreveu a olhar para o Travis e viu que lhe sangrava a têmpora.

Quando três dos marinheiros chegaram até ela e viram o estado do Travis, deixaram de rir.

—Você lhe salvou a vida —disse um deles com assombro—. O nem sequer sabe que estamos aqui.

Não teria podido sustentar-se se você não o tivesse pacote.

—Está bem?

—Respira —respondeu o marinheiro, mas não adicionou mais.

—Não —disse Regam—. Baixem ao primeiro Travis. Agora que compreendiam a seriedade do que tinha feito Regam, os marinheiros a contemplaram um momento com incredulidade; logo se voltaram respetuosamente, sem olhar as pernas nuas da moça.

Com certa dignidade, Regam conseguiu baixar com a ajuda de um marinheiro. Surpreendeu-lhe ver até que altura tinha chegado pela dificuldade que teve para descender.

Uma vez na coberta sólida, seguiu aos homens que levavam ao Travis ao camarote. Ao passar frente à porta do David, um dos homens murmurou que o jovem cavalheiro estava dormindo.

Regam só assentiu, pois todos seus pensamentos eram para o Travis.

Logo chegou o médico da bordo e examinou a ferida do Travis.—Certamente o golpeou a cofa maior ao desprender-se.

—O médico olhou a Regam com admiração.

— Hão-me dito que você o salvou de cair pela amurada.

—ficará bem? —perguntou Regam, sem lhe importar o elogio.

—Nunca se sabe com estas feridas. Às vezes sobrevivem, mas já não lhes funciona a mente. Quão único podemos fazer é lhe dar de beber água e evitar que se mova muito. Lamento não poder ajudá-

la mais.

Regam só assentiu enquanto apartava o cabelo úmido da frente do Travis. O navio seguia sacudindo-se, mas parecia aprazível em comparação com as horas passadas. Regam se voltou e pediu a um de quão marinheiros ainda estavam ali que lhe levasse água fresca.

Quando ficou a sós com o Travis pôs mãos à obra. Primeiro o despiu, o qual não foi fácil pelo peso de seu corpo inerte. Envolveu-o com mantas secas que tirou de um baú e se deteve o ouvir que batiam na porta. Era Sarah Trumbull.

—Um dos marinheiros veio a me buscar. Contou-me uma louca história de que você atou ao Travis à vela. Disse que Travis estava ferido e que talvez você necessitasse ajuda. E lhe envia isto.

Regam tomou o recipiente com água.

—Não necessito ajuda—respondeu—. Mas possivelmente possa ajudar aos outros passageiros —

adicionou, assinalando com a cabeça em direção à porta fechada do David.

Ao Sarán bastou ver o temor que refletia o rosto de Regam para compreender que algo andava muito mal.—Todos rezaremos por ele —sussurrou, e apertou brevemente a mão de Regam.

Outra vez só com o Travis, começou a lhe limpar a ferida. O corte não era largo, mas aparentemente o golpe tinha sido muito forte, pois Travis estava totalmente inconsciente. Logo depois de limpá-lo e abrigá-lo, e ao ver que ainda não se movia, Regam se tendeu a seu lado na cama e o embalou em seus braços, com a esperança de lhe devolver a vida por pura força de vontade.

Horas mais tarde despertou. dormiu-se de cansaço e seus dentes tocavam castanholas de frio.

Não tinha reparado em que ainda tinha posta a roupa molhada. Travis estava imóvel inerte, pálido; sua vitalidade habitual tinha desaparecido.

Regam se levantou com sigilo e se tirou o vestido molhado e frio. Notou, distraída, que em algum momento tinha perdido sua capa de lã e que o vestido de musselina estava rasgado em várias partes. Pobre Travis, pensou com um sorriso. Teria que comprar um guarda-roupa novo até antes de que estivesse preparado o primeiro. A idéia a fez levá-la mão à boca e lhe encheram os olhos de lágrimas. Possivelmente Travis não chegaria a ver sua roupa nova; possivelmente nunca despertaria de seu sonho. E tudo por culpa dela! Se não tivesse paquerado com o David, este não se haveria sentido obrigado a demonstrar ao Travis que era um homem. Se tão somente... obrigou-se a pensar em outra coisa.

dirigiu-se ao baú e tirou um grosso vestido de seda com cordoncillos de cor vermelha escura, com adornos de cetim negro na cintura, o pescoço e os punhos. vestiu-se, retornou junto ao Travis e voltou a lhe limpar a ferida, que ainda sangrava um pouco. A meia-noite Travis começou a mover-se e agitar-se na cama, e Regam se esforçou por evitar que se machucasse ao mover os braços. Sua força não podia competir com a dele, de modo que o único que podia fazer era subir em cima, para retê-lo com o peso de seu corpo. Ao amanhecer Travis voltou a agitar-se e logo pareceu dormir; a maior parte do tempo mantinha os olhos fechados. Quando a luz do sol começou a entrar pela janela, Regam se sentou ao bordo da cama, apoiou a cabeça no ombro do Travis e caiu em um profundo sonho

O que despertou foi a mão do Travis lhe acariciando brandamente o cabelo. Imediatamente se incorporou e o olhou para ver se havia lucidez em seus olhos.

— por que estas vestida? —perguntou Travis com voz rouca, como se isso fora o mais importante do mundo, Regam não tinha idéia da rigidez que tinha mantido seu corpo nas últimas horas, mas nesse momento foi tanta a tensão que a abandonou que de repente começou a tremer. Grandes lágrimas foram a seus olhos e rodaram por suas bochechas. Travis não só ficaria bem, mas também além sua mente não tinha sofrido dano algum.

Travis levou um dedo à bochecha de Regam e tocou uma lágrima.

—Quão último recordo é que ouvi quebrá-la cofa maior. Golpeou-me na cabeça?

Regam só pôde assentir, e as lágrimas começaram a afluir com mais intensidade.

—Isso foi ontem ou anteontem?

—Anteontem —respondeu; sentia na garganta um nó tão jantado que logo que podia falar.

Travis esboçou um sorriso, logo uma careta de dor finalmente outro sorriso.

—Então, essas lágrimas são por mim?

Novamente, Regam só pôde assentir.

Travis voltou a jantar os olhos, sem deixar de sorrir.

—Valeu a pena um golpecito na cabeça para ver minha menina chorar por mim —murmurou, antes de dormir.

Regam voltou a apoiar a cabeça sobre seu peito e deu rédea solta às lágrimas. Chorou por todo o medo que tinha sentido ao ver o Travis subir pelo David, ao subir ela depois pelo Travis e pelas horas passadas sem saber se ele viveria ou não.

Travis era um maravilhoso paciente, tanto que Regam ficou exausta em quarenta e oito horas.

Não teve nenhum reparo em afeiçoar-se a que Regam o atendesse e o cuidasse. Queria que sempre lhe desse a comida na boca, constantemente necessitava sua ajuda para vestir-se e pedia que o lavasse com a esponja duas vezes por dia. Cada vez que Regam lhe sugeria que tentasse caminhar para recuperar suas forças, de repente lhe aparecia uma enxaqueca mais intensa ainda que a que o afligia todo o tempo e pedia à moça que lhe aplicasse panos frios na frente.

Ao quarto dia, quando Regam já estava a ponto de lhe dizer que melhor se foi pela amurada, alguém bateu na porta. Era David Wainwright.

—Posso passar? Ainda tinha o braço enfaixado e um hematoma na mandíbula.

Com mais forças das que tinha demonstrado em vários dias Travis se incorporou na cama.

—Claro que pode passar. Tome assento.

—Não —disse David, sem olhar diretamente Regam—. Vim a lhe dar as obrigado por me haver salvado a vida.

Travis observou ao moço um momento.

—Só o fiz por vergonha, porque nos fez ficar a todos como covardes.

Os olhos do David se dilataram. Recordava muito bem como se paralisou sobre o peñol e como Travis, paciente até em meio da tempestade, havia-o posto a salvo. Mas viu também que Travis não tinha intenções de contar-lhe a ninguém. David endireitou os ombros e esboçou um leve

sorriso.—Obrigado —repetiu mas seus olhos expressaram mas que suas palavras. Depressa saiu do camarote.

—Foi muito bom —disse Regam, ao tempo que se inclinava e beijava ao Travis na bochecha.

Travis estendeu um braço com rapidez e tomou pela cintura.

—Errou —grunhiu; atraiu-a para si e a beijou na boca. Regam o abraçou com desejo. Seu corpo sabia muito bem quantos dias tinham passado sem mais que um contato fraterno. separou-se dele e, enquanto Travis lhe mordiscava brandamente o lábio inferior; emitiu uma risita grave.—-Faz uma hora estava muito fraco para deixar a cama.

—Agora tampouco desejo me levantar, mas não tem nada que ver com a debilidade—respondeu, e levou sua mão à costas de Regam para lhe tirar o vestido.

Imediatamente, ela se levantou de um salto.

—Travis Stanford, se romper outro de meus formosos vestidos, juro que não voltarei a te dirigir a palavra.

—Não me importa que não me fale —replicou Travis, ao tempo que jogava a um lado as mantas e lhe mostrava que já estava mais que preparado para ela.

—OH, céus —suspirou Regam, e começou a desabotoar o vestido com mais pressa que nunca. Com júbilo, já nua, apressou-se a meter-se na cama com ele. Começou a acariciá-lo com as pernas e afundar a cara na suave pele do pescoço do Travis. Havia espere muito tempo que ele retornasse a sua cama, e estava tão preparada como ele. Entretanto, quando tratou de que Travis se localizasse sobre ela, ele resistiu.

—Não, minha pequena enfermeira —disse, rendo entre dentes. Tirou-a da cintura, levantou-a como a uma boneca e a colocou sobre sua virilidade. Regam afogou uma exclamação de surpresa.

Demorou um momento em recuperar-se, mas quando Travis a fez inclinar-se e aproximou a boca ao peito da moça, a surpresa se converteu em gozo. Travis lhe acariciava as costas enquanto com a boca excitava os peitos de Regam. Ela nunca havia sentido aquele contato excitante em tantas áreas ao mesmo tempo. As fortes mãos do Travis voltaram para sua cintura e a levantaram, lentamente, antes de voltar a baixá-la.

Sem pensá-lo duas vezes, Regam se adaptou ao ritmo. Suas fortes pernas, endurecidas pelo constante balanço do navio, impulsionavam seu corpo para cima e para baixo. Logo descobriu que lhe agradava controlar o ritmo, rápido ou lento, inclinar-se para roçar o peito do Travis com seus seios, observar como o atrativo rosto dele adquiria uma expressão angélica. Entretanto, seu interesse por observá-lo-se dissipou muito em breve e, ao aumentar a paixão de Regam, começou a mover-se mais e mais rapidamente. Travis a aferrou com força e, sem separar-se dela, fez-a tender-se de costas e continuou o movimento até que o delicioso desafogo chegou para ambos.

Com debilidade, desabou-se sobre Regam, talher de suor, com todos os músculos relaxados.

debaixo dele, a moça sorriu e o abraçou com força. Seu prazer aumentava ao ter controle sobre ele, ao saber-se capaz de converter a alguém tão forte como Travis naquele homem dócil e sereno. Sem deixar de sorrir, dormiu.

Regam estava reclinada sobre as almofadas no estreito beliche, débil e tremente, enquanto Travis lhe aplicava compressas frite na frente. Olhou-o com gratidão e sorriu o melhor que pôde.

—Que momento para me decompor! —murmurou. Sem dizer nada, Travis continuou auxiliando-a.

Regam estava calada, muito fraco para mover-se. Pessoalmente, pressentia que aquela indisposição tinha que ver com o que ocorria em sua mente. Claro que não podia mencionar-lhe ao Travis, mas a assustava muito a idéia de chegar a América, de estar sozinha em um país estranho com gente que falava um idioma que às vezes lhe custava entender.

Tinha passado quase um mês da tormenta e, após, não tinha feito muito, salvo ajudar ao Sarah com a costura. Já não paquerava com o David Wainwright nem tratava de provocar o ciúmes do Travis. Em troca, tinha passado o tempo com ele: comendo, fazendo o amor e conversando.

Descobriu que Travis era um estupendo narrador, e a entretinha com largas histórias a respeito de seus amigos da Virginia. Falou-lhe do Clay e Nicole Armstrong, de quem lhe contou uma extraordinária história a respeito de que Clay tinha estado casado com uma mulher, uma aristocrata francesa, e comprometido com outra. A forma em que Travis o contava fez rir a Regam até as lágrimas, especialmente pelas travessuras dos sobrinhos do Clay. Falou-lhe de seu irmão Wesley, e Regam demorou vários dias em compreender que Wesley era um moço e não um menino pequeno.

Em silêncio, ofereceu uma prece de apoio para qualquer pessoa que tivesse que viver sob o domínio do Travis. Falou-lhe também dos Backes e de todos outros que viviam rio acima e rio abaixo.

Regam o escutava com interesse, glosando as histórias do Travis com sua imaginação. Ao imaginar a essa gente, via barracões rústicos, mulheres com singelos vestidos de percal incluso fumando em cachimbos de espiga de milho; aos homens, imaginava como simples granjeiros trabalhando nos campos. Com um sorriso de confiança, desejou que aquelas pessoas não fossem tratar a como um membro da realeza só pela roupa bela e custosa que levava.

Graças às histórias do Travis e à fantasia de Regam, que as realçava, o comprido viaje passou voando, e essa semana era primeira em que Regam se preocupava. Não sabia se era essa preocupação o que lhe tinha provocado o vômito ou viceversa. Quão único sabia era que de repente se achava muito indisposta e débil, tendida no beliche, olhando ao teto, com o estômago revolto.

Travis se tinha levado de maravilha do começo de sua enfermidade. Tinha-a cuidado, lavava-lhe a cara e se encarregava de que descansasse. Inclusive tinha suspenso seu trabalho com a tripulação e não a deixava sozinha por mais de uns minutos.

Regam sabia que todas essas cuidados eram uma maneira de despedir-se dela. A roupa bonita e essas cuidados de último momento eram a recompensa do Travis pelo prazer que lhe tinha dado durante a viagem a América. Agora poderia livrar-se dela, voltar com sua família e seus amigos, e nunca teria que voltar a vê-la. Já não teria que suportar que paquerasse com outros homens nem que fora uma pessoa inútil. As lágrimas começaram a rodar por suas bochechas. por que não a tinha deixado na Inglaterra, onde ao menos conhecia os costumes elegantes da gente? por que tinha tido que obrigá-la a ir a aquele estranho lugar para logo abandoná-la como a um refugo? Tinha intenções de lhe dizer o que pensava dele, mas assim que Travis retornou ao camarote voltou a ter náuseas e esqueceu seu aborrecimento.

—Acabamos de divisar terra —disse Travis, enquanto a abraçava e a embalava contra seu peito quente e reconfortante—. Manhã a esta hora chegaremos ao porto da Virginia.

—Bem —murmurou Regam—. Talvez quando estivermos em terra firme me passe esta decomposição.

Essa declaração pareceu divertir ao Travis, que a abraçou com força e lhe acariciou o cabelo.

—Acredito que te passará muito em breve.

As horas seguintes foram um furor de atividade. Sarah guardou no baú os últimos vestidos de Regam, e Travis pagou a ela e às outras mulheres que a tinham ajudado. Houve lágrimas quando Sarah e Regam se despediram. Sarah planejava ficar no navio e viajar a Nova Iorque para ver sua família. Todas as mulheres às que Regam tinha ajudado ao começo da viagem se reuniram e lhe obsequiaram uma manta como para uma criatura tecida com um formoso desenho.

—Pensamos que logo a precisará —disse uma mulher, olhando ao Travis com picardia.

—Muitíssimas obrigado —disse Regam, mais agradada do que as mulheres podiam imaginar, pois não havia maneira de lhes dizer que eram suas primeiras amigas.

Essa noite permaneceu acordada em braços do Travis, contemplando-o à luz da lua. Desejava que ele não tivesse chegado a significar tanto para ela, desejava poder odiá-lo como ao princípio, ou inclusive encontrá-lo desprezível, mas agora tudo o que sentia era uma entristecedora solidão por sua próxima separação: a daquele homem de quem tinha chegado a depender, e das outras mulheres que a consideravam uma amiga e não pensavam que era uma insensível.

Pela manhã estava muito calada. Esforçando-se por sorrir, de pé na coberta, despediu-se de seus amigas, que estavam contentes de desembarcar e entusiasmadas por sua chegada a casa ou a uma nova terra.

Travis a tinha deixado sozinha enquanto ordenava o desembarque de seus pertences. Essa manhã, ao despertar muito tarde, Regam viu que o navio já tinha atracado e que algumas pessoas desembarcavam. Com um beijo rápido, Travis lhe disse que estaria ocupado até a tarde e lhe explicou que a tormenta os tinha aproximado da América. Como tinham chegado vários dias antes do planejado, ninguém tinha ido esperar os.

esperá-los!, pensou Regam com desagrado, enquanto observava ao Travis dando ordens a alguns marinheiros que empilhavam os baús.

—Senhora Stanford?

Regam se voltou para a tímida voz e achou ao David Wainwright. Parecia mais magro, e seus olhos olhavam a um ponto ligeiramente à esquerda da cabeça de Regam.

—Quero lhes desejar o melhor de tudo a você e a seu marido —disse.

—Obrigado —respondeu Regam. O rosto do David refletia todo o medo que sentia e Regam desejou que o seu não fora tão evidente.

—Espero que a ambos goste da América mais do que pensávamos —adicionou.

David fez ouvidos surdos a aquele comentário, que lhe recordava as conversações que tinham mantido, estava muito envergonhado.

—Diga a seu marido...Não pôde terminar. Tomou a mão de Regam, beijou-a e a olhou aos olhos um momento.

—Adeus —murmurou, e partiu depressa pela passarela.

Comovida pelos sentimentos do David, Regam se inclinou sobre o corrimão e viu o Travis, que a olhava com o cenho franzido. A moça o saudou alegremente com a mão e pensou pela primeira vez que possivelmente conseguisse sair adiante só nesse novo país. depois de tudo, fazia amigos no navio. Talvez,..

Travis não lhe deu mais tempo para pensar, pois uns minutos mais tarde estava lhe dizendo que se desse pressa e comesse, que ficasse roupa resistente, que guardasse a roupa no baú... enfim, estava dirigindo sua vida.

Regam pensou que ele não via o momento de livrar-se dela, e lhe obedeceu com uma lentidão que enlouquecia ao Travis.

—Ou termina em dois minutos ou te tiro daqui pela força —lhe advertiu—. Nos espera uma carreta, e queria chegar antes do anoitecer.

A curiosidade de Regam pôde mais que o ressentimento.

—Aonde vamos? Me... conseguiste-me um emprego?

Travis se deteve, com o baú a suas costas, e lhe sorriu.

—Encontrei-te um emprego estupendo! Algo no que é muito boa. Agora vamos.

Regam recorreu a todas suas forças para evitar que as palavras do Travis a incomodassem.

Seguiu-o pela passarela com a frente alta.

Travis carregou o baú no veículo mais feio e desvencilhado que ela tivesse visto.

—Sinto-o —disse Travis, rendo, ao ver o desagrado da moça—. Te disse que chegamos antes do previsto, e isso foi quão único pude conseguir, Esta noite iremos a casa de meu amigo, e amanhã pedirei emprestada uma lancha. Nada do que dizia Travis tinha sentido para Regam. Sabia que uma lancha era uma espécie de embarcação, mas não tinha idéia de que quereria Travis conseguir uma.

Travis tomou pela cintura e a sentou na carreta desvencilhada com tanta cerimônia como para o baú, localizou-se a seu lado e fez ficar em marcha aos dois cavalos de aspecto lento.

Os campos que atravessavam pareciam mais agrestes que os da Inglaterra, e o caminho era atroz; em realidade, era pouco mas que um rastro. Conforme o comprovava o toco castanholas dos dentes de Regam, Travis tropeçava com todos os poços do caminho.

Travis a olhou e riu entre dentes

.—Entende agora por que em geral viajamos de navio? Amanhã estaremos em uma bonita lancha, sem buracos nos que cair.

Regam não tinha idéia de onde estaria ela ao dia seguinte, posto que aparentemente Travis preteria manter em segredo a identidade de seu futuro patrão. Ela não tinha intenções de lhe pedir detalhes, pois sabia que só conseguiria que ele a olhasse com aquela expressão irritante. O sol começava a ficar quando se detiveram ante a primeira casa que viram: uma casita de madeira branqueada, poda e espaçosa. Aos lados do atalho que levava a casa havia flores cujas pétalas se moviam brandamente com a brisa primaveril. A casa era singela, mas de melhor qualidade que a que tinha esperado Regam.

Travis bateu na porta e saiu uma mulher gordinha e de cabelo grisalho que levava um avental de percal sobre seu vestido de musselina.

—Travis! —exclamou—-. Pensamos que acontecia algo. O homem que enviou disse que chegariam muito antes.

—Olá, Martha —disse Travis, e a beijou na bochecha—. Sim, demoramos mais do que pensei. O

juiz já chegou?

Martha riu.

—Segue tão impaciente como sempre. Suponho que esta é a senhorita.

Com atitude possessiva, Travis tomou a Regam pelos ombros.

—Regam, apresento ao Martha.

Regam se sobressaltou pelos maus maneiras do Travis, e estendeu a mão.

—Encantada de conhecê-la; senhora...

—Só Martha —respondeu a mulher com um sorriso—. Agora está você na América do Norte. O

juiz os espera.

Entraram em uma habitação agradável, com móveis limpos e bem cuidados estofos em um tom verde claro, e cortinas do mesmo tom. antes de que pudesse abrir a boca, apresentaram-lhe ao juiz, um homem alto e quase calvo que não parecia ter mais nomeie que o de "juiz".Se estreitaram a mão e em um abrir e fechar de olhos Regam ouviu as palavras:

—Queridos irmãos, estamos aqui reunidos em presença de nosso Senhor...

Confundida, pensando que ouvia mau, Regam olhou a outros. Martha sorria a seu marido com ar angélico; ele tinha um livro aberto e lia a fórmula da cerimônia matrimonial. Travis a sustentava da mão com uma expressão assombrosamente solene.

Regam demoro uns minutos em compreender o que estava ocorrendo. Estavam casando-a com o Travis Stanford sem sequer lhe haver perguntado se estava de acordo! Estava ante aqueles estranhos, vestida com um traje verde escuro de grosso linho, cansada, com o cenho franzido de preocupação por seu futuro... e a estavam casando! Olhou o perfil solene do Travis e pensou que esta vez tinha ido muito longe. Quando fora a casar-se, teriam que pedir-lhe antes, e ficaria seu melhor vestido.

de repente se precaveu de que todos a olhavam. O juiz sorriu e repetiu:

—Regam, aceita a este homem como marido?

A moça olhou ao Travis com seu sorriso mais doce e romântico e respondeu:

—Não.

Passou um momento antes de que alguém reagisse. Martha emitiu uma risita que demonstrava que estava ao tanto do caráter dominante do Travis, e o juiz se apressou a olhar seu livro. Com o rosto aceso de fúria, Travis a levou quase ao rastro ao vestíbulo e fechou a porta atrás deles.

—Que demônios significa isto? —grunhiu, olhando-a muito de perto.

Regam, involuntariamente, retrocedeu um passou e tratou de não perder a coragem. Ela tinha a razão, e isso estava a seu favor.—Jamais me perguntou sequer se queria me casar contigo.

Tampouco me perguntou se queria vir a América. Estou cansada de que tome todas as decisões por mim.

—Decisões! —exclamou Travis—. Nenhum dos dois tem que tomar nenhuma decisão. O destino o tem feito por nós.

Ao ver o olhar de consternação de Regam, ele prosseguiu.

—Queria te sacudir para te fazer entrar em razões, mas temo fazer mal ao bebê.

—Bebê? —murmurou Regam.

Travis jantou os olhos um momento, como se rezasse pedindo forças.

—Não pode ser tão ingênua como para não saber que o que fazemos na cama produz bebês. —Ao ver que a moça seguia calada, continuou em voz mais baixa.— Não terá acreditado realmente que essa decomposição que teve nas últimas semanas foi pelo movimento do navio, ou sim?

Com ternura, acariciou-lhe a bochecha

.—Carinho, leva a meu bebê em ti, e eu me caso com a mãe de meus filhos.

Estupefata, Regam não conseguia pensar com coerência.

—Mas e o emprego? —murmurou—. Além disso, não posso me casar com este vestido, e não tenho flores, Y... Y... OH, Travis! Um bebê!

Travis tomou em seus braços e a abraçou com força.

—Pensei que sabia. Acreditei que simplesmente não me queria dizer isso Eu tampouco me teria dado conta, só que uma vez a esposa de meu amigo Clay vomitou justo diante de mim. Disse-me que a muitas mulheres ocorre isso nos primeiros meses. Agora, amor —prosseguiu, tomando-a pelo queixo—, quer te casar comigo?

Ao ver que vacilava, insistiu.

—Em minha casa poderá trabalhar quanto queira —disse, sonriendo—, se o que quer é ganhar a vida. Quanto ao vestido, eu gosto mais sem roupa, de modo que qualquer vestido está bem. Além disso, só estão Martha e o juiz. E posso recolher algumas floresça do jardim do Martha.

—Não —murmurou Regam, esforçando-se por conter as lágrimas. As palavras do Travis eram muito lógicas. Claro que ela esperava um bebê, e claro que se casaria com ele. Não tinha outra opção, já que sabia que não podia escapar do Travis se levava algo que lhe pertencia. Quanto à roupa, o que importava? Se podia casar-se sem amor, podia fazê-lo sem um bonito vestido.

—Estou lista —disse ao fim, em tom sombrio.

—Não é uma execução —disse Travis, rendo—. Talvez esta noite poderei te compensar.

Regam se adiantou pelo corredor. Sabia que Travis nunca o entenderia. As bodas era supostamente, o acontecimento mais importante na vida de uma mulher, um momento em que sente que todos a querem e lhe desejam felicidade. Durante o resto de sua vida ela recordaria aquela cerimônia secreta e triste, rodeada de estranhos, quando se casasse não por própria vontade mas sim pelo que levava no ventre. Mecanicamente, no momento adequado, manifestou aceitar ao Travis como marido e ignorou o olhar curioso que lhe dirigiu. Quando chegou o momento de lhe colocar o anel, Martha ofereceu o seu, mas Regam se encolheu de ombros e respondeu que não importava.

Ao final da cerimônia ninguém sorria, e quando Travis se inclinou para beijá-la, Regam lhe ofereceu a bochecha. Logo que provou o vinho que lhes ofereceu o juiz e não fez nenhum comentário quando Travis disse que deviam partir.

Regam se despediu esforçando-se por sorrir e lhes agradeceu enquanto Travis a ajudava a subir à carreta. A tensão do dia e as bodas (se a podia chamar assim) tinham-na deixado exausta.

desabou-se sobre o assento e Travis a atraiu para si.

—Não foi umas grande bodas, verdade? —observou—. Não foi algo que uma moça possa contar a seus netos.

—Não —respondeu Regam simplesmente, sem atrever-se a dizer mais para não chorar. Quão único queria fazer era dormir; talvez ao dia seguinte poderia pensar com mais alegria em seu bebê e em ser a esposa do Travis.

Quando a carreta se deteve, Regam estava quase dormida, e logo que despertou quando Travis a levantou em braços e a levou por uma escada.

—Chegamos?—murmurou.

—Ainda não —respondeu Travis com seriedade—. Estamos em uma estalagem. Pela manhã iremos a casa.

Regam assentiu e se acomodou contra ele. Ao menos essa era sua noite de bodas. Travis poderia não saber como devia celebrar umas bodas, mas sim sabia fazer a melhor noite de bodas que uma mulher pudesse imaginar.

Tendida na cama onde ele a deixou, ouviu-o subir os baús pela escada. Possivelmente não fora tão mau estar casada com o Travis; ao menos, já não teria que preocupar-se com que a abandonasse.

Sorriu ao sentir os lábios mornos do Travis em sua bochecha.

—Voltarei em um momento —murmurou Travis, e ela se estremeceu—. Descansa, pois o necessitará.

Ao fechá-la porta atrás dele, Regam-se desperezó, colocou as mãos sob a cabeça e olhou ao teto, sem vê-lo em realidade. Era sua noite de bodas. No ano anterior se casou uma das criadas de seu tio, e ao dia seguinte todos a acossavam com brincadeiras; mas a moça estava tão radiante que nada lhe incomodava. Agora Regam entendia por que.

de repente, incorporou-se na cama. Era verdade que esperava um bebê e que já não era virgem; mas se sentia como se o fora. Com um olhar de adoração para a porta fechada, pensou em quão bom tinha sido Travis ao lhe permitir esse momento a sós para preparar-se. No velho vestidor que havia em um rincão da habitação lhe esperava uma tina com água quente, e supôs que Travis tinha enviado a alguém por diante para preparar sua chegada. Inclusive lhe tinha deixado sobre o penteadeira as chaves dos baús.

Depressa, porque sabia que Travis estaria impaciente em sua noite de bodas e não demoraria muito em chegar, abriu seu baú e procurou entre a formosa roupa que tinham costurado Sarah e ela. Quase no fundo havia uma bata de fina seda com um ligeiro brilho prateado. Era translúcida, sem revelar muito. Tinha estado guardando-a para uma ocasião como essa. desabotoou-se com rapidez o vestido de linho, sem pensar em que tinha sido seu traje de bodas. Ao menos em sua noite de bodas sim poderia luzir algo elegante. despiu-se e começou a lavar-se, rendo todo o tempo. Logo ficou a bata e se estremeceu de deleite ao senti-la sobre sua pele. Era suave, lhe acariciem, e se aderia a suas curvas nos lugares adequados. aproximou-se do espelho e se sobressaltou um pouco ao ver como seus peitos levantavam com impudicícia o formoso tecido; os mamilos rosados eram apenas visíveis, mas, de algum jeito, destacavam-se. Sim, pensou. Ao Travis adorará esta bata. Tirou do baú a escova com armação de prata que lhe tinha agradável Travis. soltou-se o cabelo e o deixou cair livremente a suas costas. alegrou-se de não haver o talhado nunca como o tinham feito tantas mulheres da revolução na França. O escovou depressa e correu à cama pois sabia que já se atrasou o bastante. sentia-se tão impaciente como certamente o estaria Travis.

Uma vez na cama, adotou o que supôs era uma pose sedutora, médio reclinada sobre os travesseiros, com um braço estendido e apoiando apenas os dedos da outra emano em seu ombro.

Com o que esperava que fora uma expressão sofisticada, olhou lánguidamente por volta da porta .Era tarde e a estalagem estava em silêncio, mas cada vez que ouvia o mais leve rangido de madeira sorria ao imaginar a expressão do Travis quando entrasse. Cada vez que pensava nele arqueava as costas um pouco mais, tirando peito. Não deixava de recordar as palavras do Farrell ao imaginar sua noite de bodas com ela, a respeito de que certamente choraria como uma criatura. Essa noite, embora Farrell nunca soubesse, demonstraria que se equivocava. Essa noite seria uma sedutora, uma mulher que sabia o que queria... e o conseguiria. Travis ficaria de joelhos, tremendo como gelatina, e ela seria sua proprietária.

Talvez fora a posição incômoda de suas costas o que primeiro lhe causou dor. Logo compreendeu que lhe doía um braço e lhe tinha adormecido o quadril. moveu-se um pouco, baixou o braço e começou a sair de seu mundo de sonho. Era uma perita em fugir da realidade durante compridos lapsos, e se perguntou quanto tempo tinha estado nessa posição.

Olhou a seu redor e viu que não havia relógio, e tampouco havia lua fora. A vela que estava junto à cama, que era nova, estava vários centímetros mais curta.

Onde estaria Travis?, perguntou-se, ao tempo que jogava a um lado as mantas e se dirigia à janela. Não acreditaria que ela necessitava tanto tempo para preparar-se. Houve um relâmpago que iluminou por um instante o pátio vazio da estalagem. Em poucos minutos começou a cair uma garoa suave, e Regam se estremeceu pelo ar frio que se filtrava pela janela. Voltou para a tibieza da cama e olhou a seu redor. Lhe ocorreu que essa habitação se parecia muito a aquela em que Travis a tinha tido encerrada na Inglaterra. Então ela era sua pulseira, e agora era sua esposa. Claro que não tinha anel, e o juiz tinha assinado o papel só com o Travis, mas ela esperava um filho do Travis e estava segura de que ele voltaria por isso.

A idéia de que não voltasse a fez franzir o cenho. Porquê lhe teria cruzado pela mente uma idéia tão absurda? Travis era um homem de palavra, e se tinha casado com ela. Um homem honrado, murmurou. Acaso os homens honrados seqüestram mulheres e as levam a América contra sua vontade? O lhe tinha dado razões pelas que a obrigava a acompanhá-lo, mas talvez quão único queria era alguém que lhe enfraquecesse a cama no comprido viaje por mar. E ela sim que o tinha feito! Quase tinham feito arder a cama e agora ela levava em seu ventre o produto desse fogo.

Começou a chover mais forte, e as gotas golpeavam contra a janela escura; com a chuva se acrescentou o desespero de Regam. Travis nunca a tinha querido. O havia dita centenas de vezes.

Inclusive quando estavam a bordo do navio, ele tinha tratado de averiguar sua identidade para poder desfazer-se dela. Era igual a Fariell e seu tio Jonathan: eles tampouco a queriam. As lágrimas começaram a cair por suas bochechas ao mesmo tempo da chuva. por que se tinha casado com ela?

Acaso Travis se inteirou de sua herança? Tinha-a levado a América do Norte, imediatamente se tinha casado com ela, e agora que tinha esse papel e podia reclamar o dinheiro já não queria vê-la.

Tinha-a abandonado em um país estranho sem dinheiro, sem ajuda e, talvez, com um bebê ao que cuidar.

Pôs-se a chorar com fúria, dando murros ao travesseiro, sacudindo-se pelos soluços. Logo começou a aquietar-se e as lágrimas se voltaram mais lentas, à medida que a fúria se convertia em desesperança, e se perguntou por que não era digna de que a amassem.

Fora, a chuva se converteu em um denso aguaceiro e, horas mais tarde, esse som a arrulhou até que caiu em um sonho profundo. Não ouviu os primeiros passos na escada, e o que finalmente despertou foram os fortes golpes na porta.

—Abre esta maldita porta! —rugiu uma voz que só podia ser do Travis. Era óbvio que não lhe preocupavam outros hóspedes.

Regam sentia a cabeça pesada como uma parte de granito. Tratou de incorporar-se e olhou com os olhos inchados para a porta que ameaçava romper-se com os golpes do Travis.

—Regam!

O grito a fez voar até a porta. Girou o fecho e disse, aturdida:

—Está fechada com chave.

—A chave está sobre o penteadeira—respondeu Travis, aborrecido.

Logo que tinha aberto a porta quando Travis irrompeu na habitação... mas Regam quase não pôde vê-lo, pois estava detrás da maior quantidade de flores que ela tinha visto em sua vida. Como era aficionada à jardinagem, reconheceu muitas delas: tulipas, narcisistas, jacintos, lírios, violetas, três cores de lilás, papoulas, azaleas e umas rosas muito belos e perfeitas. Estavam totalmente desordenadas: algumas penduravam detrás do Travis, diante dele, algumas maças no Ramos, outras soltas e quedas, algumas

cobertas de lodo; outras estragadas pela chuva. Mesmo que Travis se deteve, chore-as caíam a seu redor como formosas gotas de chuva.

Travis avançou, com o qual pulverizou mais floresça e pisou em algumas, jogou-as em todas sobre a cama e então Regam viu que estava talher de lodo... e muito zangado.

—Malditas coisas! —exclamou, ao tempo que tirava um ramalhete de violetas do pescoço de sua camisa e o jogava na cama—. Nunca pensei que poderia odiar as flores, mas esta noite

possivelmente tenha trocado de parecer. Ao tirar o chapéu, caiu água ao chão. Com desgosto, tirou três lírios anões do chapéu e os jogou com o resto.

Até então logo que tinha cuidadoso a Regam, e era tão grande sua fúria que nem sequer reparou na bata nem no resplendor que provocava o sol nascente sob a seda .Com pesadez, sentou-se em uma cadeira e começou a tirá-las botas, mas antes se levantou e, com uma careta, tirou da cadeira uma rosa com espinhos.

—Quão único pensava fazer era uma simples viagem ao norte —explicou enquanto se tirava uma bota, da que caiu mais água—. meu amigo tem um estufa e vive a apenas oito quilômetros daqui. E

como uma noiva deve ter flores, me ocorreu te trazer algumas.

Ainda sem olhar a Regam, tirou-se a jaqueta empapada e suja. dela caiu uma cascata de flores esmagadas, ao meio desfolhar-se. Travis as ignorou com uma indiferença obstinada.

—A metade de caminho começou a chover —prosseguiu—. Mas segui viagem, e quando cheguei, meu amigo e sua esposa se levantaram da cama e pessoalmente me cortaram as flores. Esvaziaram todo o jardim e o estufa.

A seguir se tirou a camisa empapada, e mais floresça caíram sobre a pilha considerável que tinha aos pés.

—Os problemas começaram à volta. Ao maldito cavalo lhe saiu uma ferradura, e tive que caminhar por essa tira de barro que na Virginia chamam caminho. Não podia procurar quem me ferrasse isso e me perder minha própria noite de bodas.

Fascinada, Regam não podia a não ser contemplá-lo, com cada palavra do Travis, suas feridas se fechavam.

—Então começaram os relâmpagos. O cavalo se assustou e me jogou no lodo. Se esse animal viver dois dias mais, não será porque eu o permita —ameaçou—. O teria deixado ir, mas as malditas flores estavam na arreios, de modo que tive que passar duas horas na tormenta procurando a esse animal, e quando o encontrei já não tinha a arreios.

Com fúria, tirou-se as calças

.—Passou outra hora até que encontrei a arreios e estas... —prosseguiu, enquanto tirava de suas calças o que ficava de uma peonía, sorria com desdém e a espremia antes de deixá-la cair ao chão

—. Os sacos se quebrado e não havia forma de carregar as flores, de modo que tive que as pôr onde pudesse.

Pela primeira vez olhou a Regam aos olhos.

—Ali estava eu, um homem maior, em meio de uma das piores tormentas do ano, me enchendo a roupa com estas flores cheias de espinhos e aroma. Sabe o imbecil que me senti? E agora por que chora? —disse sem pausa e com o mesmo tom.

Regam levantou uma rosa ligeiramente alhada e muito molhada da cama e a levou ao nariz.

—Uma noiva deve ter flores —murmurou—. Tem feito isto por mim.

O rosto molhado do Travis refletiu perplexidade e exasperação.

—por que, se não, teria saído em uma noite assim, em minha própria noite de bodas, Por Deus, se não fora por meu flamejante algema?

Regam não pôde responder; manteve a cabeça encurvada, com os olhos cheios de lágrimas.

Travis se manteve pensativo um momento. Logo se aproximou do a, tomou pelo queixo, fez-lhe levantar a cara e a observou

.—estiveste chorando muito —disse em voz baixa—. Pensou que não voltaria, não é assim?

Regam se separou dele e se dirigiu à cabeceira.

—Não, claro que não. É só que...

voltou-se para ouvir que Travis ria entre dentes. Estava nu, de pé, como um deus mitológico rodeado de flores aromáticas, e ela também sorriu. Tinha retornado a ela, e se tinha esforçado muito por lhe dar o que queria.

Ao vê-la com aquela bata transparente, os olhos do Travis se acenderam de desejo.

—Não mereço uma recompensa por tudo este trabalho?—murmurou, estendendo os braços a Regam.

De um salto gigante, Regam se lançou para ele e o abraçou com braços e pernas. Travis a sustentou, surpreso.

—Como pôde pensar que te deixaria depois de tudo o que me há flanco te conseguir? —murmurou, antes de unir seus lábios aos dela.

O contato da pele nua do Travis, fresca e úmida entre suas pernas, fez-a estremecer-se de prazer e Regam aumentou a pressão de suas pernas até ameaçar parti-lo em dois. Quão único os separava era a magra seda. Regam se esfregou contra ele, com os seios quase esmagados pelo duro peito do Travis. Levou as mãos ao cabelo molhado e entrelaçou os dedos nele enquanto seus lábios marcavam um atalho ardente sobre os do Travis. Estava ali, tinha retornado a ela e era seu marido, seu para o que desejasse. Com júbilo e uma sensação de poder, Regam lhe mordeu o lóbulo da orelha com muita força. Em um abrir e fechar de olhos se encontrou voando pelo ar e aterrissou com uma explosão de flores de centenas de cores e aromas e uma delicada revoada de seda. tirou-se dois narcisistas da cara e sorriu ao Travis, que estava de pé junto a ela com as mãos nos quadris, os músculos tensos e a virilidade erguida.

—Assim é como deve ver-se uma noiva. —Deixa de falar e vêem aqui—disse Regam, rendo e estendendo os braços .Mas em lugar de ir com ela, Travis se ajoelhou e lhe beijou os dedos dos pés, um por um, excitando-os com a língua. Sua boca ardente prosseguiu para a planta dos pés e enquanto passava os dentes pelo arco, Regam se estremeceu ao esticar um nervo em seu interior.

Travis riu, com um som profundo que se transmitiu ao pé de Regam, subiu pela perna e reverberou no centro de seu ser.

Travis! —exclamou, incorporando-se e tratando de alcançá-lo.

debaixo dela, as flores rangiam e liberavam sua fragrância. Mas Travis a ignorou ; seus lábios subiram até os joelhos da moça, explorando, beijando, acariciando.

Regam, lista para ele e ansiosa, pensou que a voltaria louca ao jogar assim com seus sentidos.

A boca do Travis torturou primeiro uma perna, e, como se isso não bastasse, sua mão, tão forte e tão sensível de uma vez, acariciou-lhe os músculos da outra perna até que Regam se sentiu débil e indefesa. Entretanto, ao mesmo tempo se sentia como uma tigresa; queria arranhá-lo e mordê-lo, rasgar a aquele homem que ameaçava a sua prudência.

Quando Travis chegou ao centro da femineidad de Regam com mãos e lábios, a moça esteve a ponto de gritar e girou a cabeça para um lado e para outro, desesperada-se pelo que o fazia.

—Por favor, Travis, por favor —rogou. Em poucos segundos ele a beijou com ardor, mas não mais que ela, que parecia querer devorá-lo. Quando a penetrou, Regam se arqueou até separar-se por completo da cama; necessitava-o e usava seus lábios para incitá-lo mais.

A paixão do Travis era tão grande como a dela, e sua necessidade, violenta. depois de uns poucos movimentos profundos e poderosos, seu corpo se sacudiu e a abraçou com força enquanto os espasmos percorriam ambos os corpos.

Passou um momento até que Regam notou que não podia respirar, que Travis parecia querer absorvê-la, e ela queria que o fizesse.

Finalmente, Travis diminuiu a pressão de seus braços mas não a soltou, e manteve a cara contra o pescoço da moça. Regam abriu os olhos e viu uma larga fileira de pétalas esmagadas que se aderiam à pele suarenta do Travis. Voltou a cabeça, aspirou profundamente a doce fragrância e pôs-se a rir, enquanto estendia uma mão, tomava algumas floresça e as jogava no ar.

Com uma sobrancelha levantada, Travis se incorporou e a olhou.

—O que é tão gracioso? —perguntou-lhe.

—Floresça para a noiva! —exclamou Regam com alegria—. OH, Travis, eu referia a um ramo, não a todo um jardim. Travis se inclinou sobre ela, tomou um punhado de flores ao azar e o entregou.

—Estou seguro de que aqui encontrará o que queria.

Regam saiu de debaixo dele, rodou sobre as flores, arrojou várias ao ar e logo sobre o Travis.

—Ela quer flores ---disse, rendo e arremedando a voz do Travis—. Pois bem, darei-lhe flores.

---OH, Travis, tudo o que faz é tão... tão grande! —riu, procurando a palavra adequada—. O faz tudo tão desmedido, avassalador...

sentou-se na cama e o observou, aquele magnífico corpo reclinado com indolência sobre um leito de flores, e seu coração pareceu dar cambalhotas.

—Talvez—prosseguiu, com voz felina—, não tudo em ti seja avassalador todo o tempo.

Travis aspirou súbitamente e a aferrou pela bata, mas o deteve um grito breve e agudo de Regam.

—Não te atreva a lhe rompê-la advertiu, mas a tirou depressa antes de que Travis pudesse fazê-lo.

—Ordens e provocações —murmurou Travis, estreitando os olhos, enquanto ficava em quatro patas e começava a persegui-la como um enorme animal selvagem.

Com um chiado de gozo, Regam se apartou e começou a bombardeá-lo com flores enquanto ele avançava lentamente para ela. Quando ficou encurralada contra a parede, levantou as mãos em sinal de rendição.

—Gentil senhor—disse, simulando temor—. Façam o que desejarem por mim, mas não me tirem a virtude.

Com a pele acesa pela perspectiva do delicioso ataque do Travis, sobressaltou-se quando ele lançou um sonoro "Maldição!" Girou a cabeça e viu que Travis se sentou e se aferrava o joelho.

—Como se pode engatinhar sem machucar-se com estas coisas? Olhe isto! Alguma vez tinha visto um espinho tão grande?

Regam se pôs-se a rir com tantas vontades que acreditou que se afogaria. Travis se tirou o espinho do joelho, jogou-a no chão e olhou a Regam com fúria.

—Alegra-me te servir de diversão.

—Travis —exclamou—. É tão, tão romântico!

Travis ficou sério pelo sarcasmo da moça e sua boca se converteu em uma linha reta.

—por que teria te trazido todas estas malditas flores se não fora a alma do romantismo? —

perguntou com seriedade.

Pergunta-a, e especialmente a maneira em que a tinha formulado fez que Regam lançasse outra gargalhada. Demorou vários minutos em compreender que estava hiriendo os sentimentos do Travis. Teve que admitir que realmente o tinha tentado. Não era sua culpa se não entendia que freqüentemente um ramalhete de violetas é mais romântico que uma quantidade de flores suficiente para encher uma carreta. Ela havia dito que queria flores, e ele as tinha procurado. Travis tampouco tinha a culpa se um espinho o obrigava a interromper um encantador jogo romântico.

incorporou-se, apoiou uma mão no ombro do Travis e afogou a risada.

—Travis, as flores são preciosas. Seriamente eu gosto de muito.

Ao ver que ele não respondia e que tinha os músculos do pescoço rígidos, realmente lamentou ter rido. Travis fazia todo aquilo por agradá-la, e o único que ela fazia era rir.

—Arrumado a que posso fazer que te passe o aborrecimento —sussurrou, enquanto lhe mordiscava a orelha e com a língua lhe acariciava o lóbulo—. Talvez se te beijar o joelho ferida, deixará de te doer —murmurou, baixando com os lábios pelo braço do Travis.

—Talvez —respondeu Travis, com a voz muito profunda—. Eu gostaria de prová-lo.

Regam, consciente da maneira em que Travis tinha tratado de agradá-la, queria fazer o próprio.

Empurro-o brandamente e descobriu que ele era como cera em suas mãos; e lhe intrigou sua expressão de curiosidade e prazer. A força do Travis rendendo-se lhe causava sensação de poder.

Começou pelo joelho e, dali, seus lábios ascenderam, seguidos por suas mãos, lhe massageando a perna e deleitando-se com seus músculos. Quando chegou ao centro de sua masculinidade, Travis gemeu e sussurrou o nome da moça. Com um só movimento, subiu-a à cama. Com os olhos escuros e acesos a atraiu a seu lado e a penetrou em um instante. Não tinha a calma de sempre, era um homem levado a extremo de sua tolerância e cegado pelo desejo.

Sua violenta necessidade excitou a Regam, especialmente porque sabia que ela a tinha provocado. Levantou seu corpo baixo o dele e a penetrou com força, atirando dela, empurrando-a, possuindo-a.

Quando ao fim a fúria acabou com uma intensa explosão, Regam ficou fraco pela furiosa tempestade que desatavam ao fazer o amor. Esgotados, dormiram o um em braços do outro.

—te levante! —ordenou Travis, lhe dando uma palmada em suas formosas e firmes nádegas—. Se não nos pusermos em caminho, nunca chegaremos a casa do Clay, e se crie que passarei uma noite contigo nessa lancha, equivoca-te.

Regam não tinha idéia do que falava, de modo que, sem nenhum comentário, apartou-se o cabelo dos olhos e tirou uma pétala de tulipa que lhe tinha aderido à bochecha.

—por que não passaria a noite comigo em um navio?—perguntou com preguiça, enquanto se incorporava, aturdida e esgotada... mas feliz.

—Não é um navio —respondeu Travis—, a não ser um bote pequeno, e certamente naufragaríamos com suas acrobacias.

—Com meus...? —começou a protestar Regam, tratando de mostrar-se ofendida, mas como estava ali, sentada nua em meio de todas aquelas flores esmagadas, com as bochechas acesas e os olhos dormitados, não podia parecer mais que uma fada tentadora.

Travis a olhou no espelho. Seu olhar a fez sorrir e ameaçar reclinar-se novamente na cama.

—Não, não te atreva —lhe advertiu Travis, com uma expressão ameaçadora—. Se não te levantar agora mesmo, encarregarei-me de que em minha casa tenhamos dormitórios separados.

A absurda ameaça a fez rir; mas de todas formas se levantou e começou a lavar-se. sentia-se tão bem que não podia fazer nada depressa. Entretanto, Travis, em lugar de ajudá-la a vestir-se, mantinha-se a um lado, esperando-a com impaciência.

Quando ao fim esteve preparada, levou-a quase a rastros à planta baixa e a uma mesa onde os esperava um abundante café da manhã. Travis atacou a comida como se estivesse a ponto de morrer de fome, resmungando pelo baixo porque já não comia com regularidade e porque ela estava consumindo-o na flor da vida, mas seus olhos brilhavam com diversão.

Em um momento, carregaram-se os baús ao bote e ficaram em marcha pelo rio James para o lar do Travis e Regam começou a acossá-lo com perguntas. Antes se tinha resistido tanto a essa viagem que não tinha pensado muito em onde vivia Travis.

—Sua granja é muito grande? Você mesmo ara o campo, ou tem empregados? Sua casa é tão bonita como a do juiz e Martha?

Travis a olhou um momento, perplexo, e sorriu

.—Mi... né... granja é bastante extensa, e tenho alguns empregados, mas às vezes aro os campos eu mesmo. E acredito que minha casa é... bonita, mas talvez me pareça isso porque é minha.

—E a te construais com suas próprias mãos —adicionou Regam, com ar sonhador e uma mão pendurando a ras da água. Talvez em um país singelo como aquele, sua falta de experiência no manejo de uma casa não resultasse tão desastrosa. Fairell havia dito que sabia que ela não poderia dirigir sua propriedade, e Regam estava segura de que não se equivocava. Mas com uma casa pequena como a do Travis, talvez de uma ou duas habitações, poderia arrumar-lhe A crescente tibieza do sol e seus pensamentos agradáveis logo a adormeceram. Bastante mais tarde, despertou sobressaltada para ouvir um disparo por cima de sua cabeça. Esteve a ponto de cair à água pelo susto; ao levantar a vista, viu o Travis com uma pistola fumegante levantada para o céu.

—Despertei? —perguntou.

Pelo entusiasmo que havia em seu rosto, Regam soube que algo estava por acontecer e não respondeu aquela pergunta tola. Se desperezó e olhou a seu redor enquanto Travis voltava a carregar a pistola, mas não viu mais que o rio e a abundante folhagem a ambos os lados.

—Estamos perto da casa do Clay —explicou Travis, e voltou a disparar ao ar.

Regam jogou uma olhada à densa arvoredo que os rodeava e se perguntou como alguém podia construir uma casa ali, mas nesse instante viu que as árvores desapareciam abruptamente à esquerda. Havia um comprido mole de madeira com dois botes, ambos os maiores que aquele em que eles foram, e ao aproximar-se, divisaram-se muitos edifícios. Havia casas grandes e pequenas, jardins, campos arados, peões por toda parte, cavalos, carretas e, em geral, muita atividade.

—Sua casa também está neste povo? —perguntou Regam enquanto Travis manobrava o bote para o mole. Travis emitiu uma risita grave que a moça não entendeu.

—Isto não é um povo. É a plantação do Clay.

Regam não recordava ter ouvido essa palavra. Abriu a boca para fazer mais perguntas, mas a interromperam umas risadas infantis que atraíram a atenção do Travis. Com rapidez, ele saltou fora do bote e logo ajudou a Regam a desembarcar bem a tempo para levantar em braços a dois dos meninos mais formosos que ela tivesse visto.

—Tio Travis! —exclamaram, rendo, enquanto ele os fazia girar em seus braços—. Nos trouxeste algo? O tio Clay estava preocupado por ti. Como é a Inglaterra? Mamãe teve dois bebês em vez de um, e temos mais cachorrinhos.

—De maneira que mamãe, né? —disse Travis, rendo. O menino olhou a sua irmã com desdém.

—refere-se a Nicole. Às vezes custa recordar que não é nossa mãe.

Seguindo de perto aos meninos chegou um homem alto e magro, de cabelo e olhos escuros, maçãs do rosto salientes e uma expressão de imensa alegria.

—Onde demônios estava? —perguntou, ao tempo que tendia a mão ao Travis e logo o abraçava com grande efusividad.

—Adiantei-me várias semanas, e você sabe muito bem! —respondeu Travis—. Ninguém foi receber me, e tive que deixar minha bagagem em depósito e alugar este miserável bote.

Travis assinalou para o bote com um gesto exagerado, com o qual Clay viu regam, que estava em silencio no extremo do mole. Mas antes de que o homem pudesse fazer qualquer pergunta, Travis lançou um comprido suspiro.

—Aqui está quem queria ver —foi o comentário do Travis.

adiantou-se depressa, tomou em seus braços a uma jovem muito bonita e a beijou efusivamente. Imediatamente, o outro homem deixou de olhar a Regam e se voltou por volta dos dois. Parecia tratar de dominar alguma emoção.

Imediatamente, Travis conduziu à mulher para o mole.

—Quero te apresentar a alguém —dizia.

Desde perto, a mulher era mais formosa ainda que ao longe: tinha o rosto em forma de coração, grandes olhos castanhos e boca sensual. Com um rápido olhar de avaliação, Regam viu que tinha um vestido de musselina púrpura, com músculos cintas verdes sob o talhe. E ela pensava ensinar às americanas qual era a última moda! O vestido daquela mulher podia luzir-se na corte real.

—Apresento a minha esposa, Regam —disse Travis, olhando-a com orgulho—. O é Clayton Armstrong e ela sua esposa Nicole. E estes patifes —adicionou, sonriendo— são os sobrinhos do Clay, Alex e Mandy.

—Muito gosto —disse Regam, perplexa ainda por aquelas pessoas. Distavam muito de sua idéia em relação aos norte-americanos.

—Não quer passar à casa? —convidou-a Nicole—. Deve estar fatigada, duvido que Travis te tenha deixado descansar muito.

Para ouvir isso, Travis bufo e Regam conteve o fôlego, esperando que não respondesse com uma grosseria.

Regam se limitou a seguir a Nicole com docilidade, e esta sorriu.

—É um pouco cansativo, verdade? Regam olhava a seu redor, tratando de entender em que classe de lugar se achava.

Uma mulher robusta e loira se aproximou delas à carreira com a saia levantada bem por cima dos tornozelos.

—É Travis quem acaba de chegar? —gritou antes de estar junto ao grupo.

—Sim, e ela é sua esposa, Regam. Regam, apresento ao Janie Langston.

—Sua esposa? —repetiu Janie, surpreendida—. O fez! Esse Travis é uma maravilha. Disse que ia a Inglaterra a procurar uma esposa. Querida —disse apoiando a mão no braço de Regam—, espera-te muito trabalho sendo a esposa do Travis Stanford. Espero que tenha a coragem suficiente para lhe fazer frente. Dito isso, pôs-se a correr para o mole.

—Quem mais vive aqui? —perguntou Regam a Nicole.

—Bastante gente, em realidade. Há peões de campo, tecedores, encarregado-los da granja, jardineiros... enfim, toda a gente necessária em uma plantação.

—Plantação... —Regam murmurou aquela estranha palavra. Entravam agora a uma larga fileira de arbustos que ocultavam em parte os edifícios

.— Travis disse que foste ter um bebê e os meninos disseram algo a respeito de dois.

Nicole esboçou um formoso sorriso.

—Parece que na família do Clay abundam os gêmeos; faz quatro meses tive um varão e uma menina. Entremos e lhe mostrarei isso com gosto.

diante deles apareceu uma enorme casa de tijolos, aproximadamente do mesmo tamanho que a casa Weston. Regam desejou que sua cara não refletisse seu estupor. Claro que na América também havia gente rica e claro que alguns teriam mansões. Era só que na Inglaterra a gente falava de que a América do Norte era tão jovem que não tinham tido tempo de construir muito. No interior da casa, as habitações eram surpreendentemente encantadoras, amplas, com móveis estofados em seda, empapelados pintados à mão, retratos nas paredes. As mesas e os escritórios estavam adornados com chore recém atalhos.

—Passemos à sala. Trarei para os meninos. Ao ficar sozinha naquela habitação, Regam se assombrou mais ainda ao apreciar sua elegância. Contra uma parede havia um escritório Sheraton com delicadas incrustações e, sobre ele, um espelho com marco de ouro. Entrem-te, havia um armário alto com livros encadernados em couro.

Regam só tinha conhecido a casa Weston, que, em comparação, resultava feia e pobre. Ali tudo resplandecia limpo e bem cuidado. Não havia gesso quebrado, estofos desfiados nem superfícies gastas.

Regam apartou sua atenção dos móveis da sala quando entrou Nicole com um bebê em cada braço. Ao princípio, Regam não se atrevia a tomar em braços a algum deles, mas Nicole a convenceu de que podia fazê-lo. Em um momento, o garotinho lhe sorria e lhe respondia com sons, e apenas se precaveu quando Travis entrou e se sentou a seu lado no sofá. Estavam sozinhos na habitação.

—Crie que nós também possamos ter dois juntos? —perguntou-lhe Travis, enquanto tomava a mão do bebê e deixava que aferrasse seu dedo.

A expressão do Travis ao observar ao bebê era de pura alegria.

—Realmente deseja um filho, verdade? —observou Regam.

—A muito tempo tempo —respondeu com seriedade e logo adicionou com sua brutalidade habitual

—Nunca tive muitas vontades de me casar, mas sim poderia me rodear de filhos.

Regam franziu o cenho e pensou lhe perguntar por que se carregou com uma esposa, mas conhecia a resposta. Travis queria ao filho que ela esperava. Mais adiante, lhe demonstraria que sérvia para algo mas que criar filhos, juntos trabalhariam para melhorar sua granja. Possivelmente nunca chegasse a ser tão bonita como a plantação Armstrong, mas algum dia seria muito cômoda.

—O que te parece Travis? —preguntóClay da porta, com evidente orgulho. Mandy estava a seu lado, Alex atrás dele, e um bebê em seus braços. A Regam lhe pareceu o mais feliz dos homens.

—Clay —disse Travis—, o que resultado te deram essas vacas novas? Te embolorou o feno do ano passado?

Dado que os homens pareciam querer falar de negócios e ambos estavam contentes com os bebês, Regam entregou ao Travis o que tinha em braços e ficou de pé. Travis não pôs reparos para elevar ao menino, a diferencia de Regam, que temia que lhe caísse.

—Acredito que irei procurar a Nicole —disse e Clay lhe indicou onde estava a cozinha.

De fora, ouviu dizer ao Clay

—É mais bonita do que pensei que pudesse conseguir—, ao qual Travis só respondeu com um bufido.

Com a frente alta, Regam atravessou o vestíbulo adornado com flores, saiu pela porta traseira, girou para a esquerda e se encaminhou à cozinha, que estava em um edifício separado. Na grande habitação todos estavam atarefados e Nicole, com os braços talheres de farinha, dirigia-o tudo.

Quando uma muchachita deixou cair sem querer uma cesta com ovos, com quebrasse tudo, em um bol com massa, Nicole não se zangou. Dois meninos, com roupa singela mas poda passaram correndo, e Nicole apanhou um cubo de leite bem a tempo para que não se derramasse. Até enquanto o endireitava, levantou a vista, viu regam e sorriu com calidez.

limpou-se as mãos no avental e se adiantou.

—Lamento ter tido que te deixar, mas queria que se preparasse um bom jantar para vós.

—Isto sempre é assim? —perguntou Regam, um pouco horrorizada.

—Quase sempre. Há muchísima gente que alimentar. —Nicole começou a tirar o avental.— Preciso cortar algumas ervas, e talvez você gostaria de dar um passeio antes do jantar, se não estar muito cansada.

—Dormi a maior parte da viagem—respondeu Regam com um sorriso—. E eu adoraria ver a plantação.

Mais tarde, Regam pensou que nada poderia havê-la preparado para tudo o que lhe mostrou Nicole. Um homem lhes preparou uma carreta de duas rodas e Nicole a conduziu pela plantação, enquanto lhe assinalava cada uma das dependências. Regam tinha estado no certo em sua primeira impressão. A plantação era uma espécie de povo, só que tinha um só dono. Quase todo o necessário para viver-se para, cultivava-se, pescava-se ou se caçava ali. Nicole lhe mostrou a granja, o pombal, a rejeduría, os estábulos, a curtume e a carpintaria, e ao redor da cozinha havia um ahumadero, um malteadero e um tanque. Nicole lhe mostrou os muitos hectares de campos de algodão, linho, trigo e tabaco. Ao outro lado do rio, havia um moinho onde se moíam os grãos. Vacas, ovelhas e cavalos pastavam em áreas separadas.

—E você dirige tudo isto? —perguntou Regam, assombrada.

—Clay ajuda um pouco —respondeu Nicole, rendo— mas, sim, é muito trabalho. Não saímos muito, mas tampouco precisamos fazê-lo posto que aqui temos todo o necessário.

—É muito feliz, verdade?

—Agora se —respondeu Nicole—. Mas não sempre foi fácil. —Olhou para o moinho, ao outro lado do rio.— Clay e Travis são amigos da infância, e espero que nós também sejamos amigas.

—Nunca tive uma amiga —disse Regam, olhando a aquela mulher que era tão miúda como ela. Não tinham idéia de quão chamativas resultavam, Nicole com seu cabelo negro e Regam com o seu, castanho escuro com reflexos dourados avermelhados.


—Eu tampouco —disse Nicole—. Não uma verdadeira amiga com quem pudesse falar. —Com um sorriso agitou as rédeas e o cavalo ficou em marcha.—- Algum dia, quando tivermos muito tempo, contarei-te como conheci o Clay.

Regam se ruborizou, pensando que ela jamais poderia contar a ninguém como tinha conhecido ao Travis. Em primeiro lugar, ninguém acreditaria.

—Tenho apetite, e você?—comentou Nicole—. E acredito que meus bebês devem ter uma fome atroz.

—E, sem dúvida, Travis também —adicionou Regam, rendo.

—É tão jovem como parece? —perguntou Clay, embalando a seu filho em braços e olhando pela janela a Nicole e Regam, que se afastavam no carro.

—Acreditará-me se te digo que não sei quantos ânus tem? E isso é algo que temo lhe perguntar.

Imagine se resultasse ter dezesseis.

—Travis, de que demônios falas? Como a conheceu? Não pôde perguntar sua idade a seus pais?

Travis não tinha intenções de confiar essa historia a ninguém. Anos atrás, quando o irmão maior do Clay, James, vivia, teria podido confiar nele, mas agora não podia revelar que tinha seqüestrado a sua esposa.

Clay pareceu entendê-lo, pois havia coisas que ele tampouco queria revelar a respeito de si mesmo... e do que tinha ocorrido entre ele e Nicole.

—Sempre é tão calada? Não quero ser intrometido, mas vós dois parecem um casal incongruente.

—Sabe defender o seu —respondeu Travis, sonriendo, com um brilho nos olhos—. Para falar a verdade, não sei como é. Parece trocar a cada instante. Em um momento é uma criatura romântica e logo... —interrompeu-se ao recordar essa manhã, quando faziam o amor.— Seja como for, resulta-me fascinante.

—E Margo? Não acredito que fique muito contente quando se inteirar de seu matrimônio.

—Posso me encarregar dela.

Velhas lembranças, não de tudo curados, escureceram os olhos do Clay.

—Protege a sua esposa dela. Uma mulher como Margo se toma o café da manhã com sanduíches doces como Regam. Eu sei —adicionou em voz baixa.

—Margo não pode fazer nada e eu o farei saber.

Estarei ali para proteger a minha esposa e Regam sabe o que sinto por ela. Casei-me com ela, não é assim?

Clay não disse mais. Em uma ocasião lhe tinham dado conselhos e ele não os tinha escutado, e sabia com que facilidade se podiam fazer os votos matrimoniais... e quebrantá-los.

Essa noite, quando Regam se deitou junto a seu marido na cama com dossel, contou-lhe algumas de suas impressões do dia.

—Não sabia que existisse algo assim. É como se Clay e Nicole fossem donos de todo um povo.

Travis a atraiu para si

.—Então você gosta de nosso sistema de plantações?—murmurou, sonolento.

—claro que sim, mas me alegra que não haja muitas Não entendo como Nicole pode ocupar-se de um lugar assim. Graças ao céu, você não é mais que um granjeiro pobre. Ao não receber resposta, olhou ao Travis e viu que estava dormido. Sorriu, se acurrucó contra ele e dormiu plácidamente.

Ao dia seguinte, a despedida foi surpreendentemente difícil. Nicole prometeu visitar regam muito em breve e ajudá-la no que pudesse. Clay e Travis comentaram a colheita desse ano, e subiram ao pequeno bote e se dirigiram rio acima.

Regam estava entusiasmada por ver onde vivia Travis e se perguntou se o lugar seria tão grande, agreste e rude como ele. Esperava poder retinar seu lar, como esperava também refinado a ele. depois de navegar lenta e plácidamente por um tempo, chegaram a outro claro na arvoredo. À

distância se via um enorme mole com mais navios.

—Não é outra plantação, ou sim? —perguntou Regam, aproximando-se do Travis. Aquilo parecia muito maior que o lar do Clay, de modo que devia ser uma cidade.

—Claro que o é!—respondeu Travis com um sorriso.

—Conhece os donos deste sítio?

Ao aproximar-se, Regam viu que aquela plantação parecia uma versão aumentada da do Clay. Junto ao mole havia um edifício tão grande como a casa do Clay.

—O que é isso? —perguntou.

—É o depósito do navio. Ali os capitães podem reparar velas e outras coisas, e se armazenam os artigos para ser transportados. Havia três botes pequenos amarrados ao mole, duas barcaças e quatro lanchas, conforme indicou Travis. Regam viu com surpresa que Travis dirigia o bote para esse mole.

—Pensei que Íamos a casa —disse, consternada—. Quer ver algum amigo aqui?

Travis saltou a terra e a ajudou a fazer o mesmo antes de que a moça pudesse dizer outra palavra.

Tomou pelo queixo e a fez olhá-lo.

—Isto —disse brandamente, olhando-a aos olhos—é minha plantação.

Por um momento, Regam ficou muito atônita para falar.

—Tudo... tudo isto? —murmurou.

—Até a última fibra de pasto. Agora vêem, mostrarei-te seu novo lar.

Essas foram as últimas palavras que puderam compartilhar a sós, pois imediatamente chegou até eles uma multidão. De um edifício a outro ressonavam gritos de "Travis!" e "Senhor Stanford!"

Em nenhum momento Travis soltou a mão de Regam enquanto estreitava as mãos de centenas de pessoas que chegavam correndo de todos os rincões da plantação. E a todos a apresentava, lhe explicando que este homem era o chefe de carpinteiros, aquele era assistente de jardinagem, essa mulher era a terceira criada da planta alta. A lista era interminável e quão único Regam podia fazer era saudá-los com a cabeça enquanto sua mente não deixava de repetir: "Todos são empregados.

Todos trabalham para o Travis... e para mim."

Em algum momento das apresentações, Travis declarou esse dia festivo, e pouco depois começaram a chegar os peões de campo para saudá-lo. Homens robustos, musculosos, chegavam rendo e brincavam com o Travis a respeito de que certamente se enterneceu durante a viagem. Regam notou com orgulho que nenhum dos homens era mais musculoso que seu marido.

Enquanto se afastavam do rio, saudando mais pessoas pelo caminho, alguns dos empregados começaram a fazer perguntas. Aparentemente, a metade da plantação estava vindo-se abaixo.

—Onde está Wes? —perguntou Travis enquanto caminhava com tanta pressa que Regam tinha que correr para segui-lo.

—Seu tio Thomas morreu em Boston, e Wes teve que ir ocupar-se de seus assuntos —respondeu um homem que era supervisor.

—E Margo? —insistiu Travis com o cenho franzido—. Ela poderia ter atendido alguns desses problemas.

—Perdeu umas vinte vacas por uma espécie de enfermidade —respondeu o homem.

—Travis —chamou uma mulher robusta e ruiva—. Três dos teares estão chateados e cada vez que peço a alguém que os repare me diz que não é seu trabalho.

—Travis —disse outra mulher— os Backe têm novos frangos do este. Poderia autorizar o dinheiro para comprar alguns?

—Travis —disse um homem que fumava um cachimbo—. Terá que fazer algo com a lancha mais pequena. Terá que repará-la ou descartá-la.

de repente, Travis se deteve e levantou as mãos.

—Todos lhes detenha aqui. Amanhã responderá todas suas perguntas. Não! —Seus olhos se iluminaram e tomou a mão de Regam.— Tenho uma esposa e amanhã ela se fará cargo das tarefas das mulheres. Carolyn, você poderá lhe perguntar pelos teares e sua Susan poderá lhe perguntar pelos frangos. Estou seguro de que ela sabe mais disso que eu.

Regam se alegrou de que Travis a tivesse da mão pois de não ter sido assim, teria dado meia volta e posto-se a correr. O que sabia ela de teares e frangos?

—Agora bem —prosseguiu Travis—, quero mostrar minha casa a minha esposa, e se me fazem uma só pergunta mais, cancelarei o feriado escolar —ameaçou fingindo ferocidade.

Se Regarem não tivesse estado tão deprimida, teria rido pela pressa com que todos se afastaram, salvo um ancião que estava de pé no fundo, muito calado.

—O é Elias —disse Travis com orgulho—. É o melhor jardineiro da Virginia.

—Traje algo para a nova senhora —disse Elias, e lhe ofereceu uma flor que Regam não tinha visto nunca. Tinha uma tonalidade púrpura que era brilhante e suave de uma vez. O centro era uma espécie de tromba escarolada e, por detrás tinha grandes pétalas acorazonados.

Regam estendeu a mão, quase temerosa de tocá-la.

—É uma orquídea, senhora —disse Elias—. A primeira senhora Stanford se as fazia trazer cada vez que os capitães foram aos mares do sul. Talvez, quando tiver tempo, agradaria-lhe ver os estufas.

—Sim —respondeu Regam, perguntando-se se a esse lugar faltaria algo.

Agradeceu ao jardineiro e logo seguiu ao Travis, que seguia caminhando em direção oposta ao rio. Pela primeira vez divisou ante eles a enorme casa. Até desde essa distância dava a impressão de que a casa Weston e a do Clay caberiam em uma só asa.

Com visível orgulho pela casa que amava, Travis lhe contou que seu avô a tinha construído e que todos os Stanford a amavam. Mas a cada passo se acrescentava o temor de Regam. As responsabilidades da Nicole lhe tinham parecido entristecedoras, mas agora desejava viver em uma casa como a dela. Como faria para dirigir aquela casa monstruosa, além das tarefas que Travis esperava que assumisse? Ao chegar à casa, viu que era maior do que parecia. Tinha uma seção central de tijolos, de quatro pisos e meio de alto, e duas asas em forma de L a cada lado. Subiram uma larga escada de pedra e, uma vez dentro Travis começou a lhe mostrar a casa.

Levou-a a um quarto azul, um verde, um vermelho e um branco, e lhe mostrou a sala de classes e a habitação do ama de chaves. Os quartos trasteros eram tão grandes como o dormitório que tinha ela na casa Weston. Com cada habitação —cada uma com muito belos móveis— o medo de Regam aumentava cada vez mais. Como poderia ela dirigir um lugar desse tamanho? Quando acreditava ter visto todas as habitações que podia haver em uma casa, Travis a levou quase ao rastro pela escada esta asa. As habitações desse primeiro andar, que era a principal, superavam por muito às anteriores. Havia um comilão com uma sala contigüa para o chá das damas, outra sala para a família, uma biblioteca para os homens, duas salas mais para qualquer outra atividade, e um enorme dormitório com um quarto infantil contigüo.

—É o nosso —disse Travis, e sem pausa a levou a salão de baile.

Ali Regam ficou atônita. Havia dito muito pouco desde que entrassem na casa, mas agora sentia que as pernas já não a sustentavam. deixou-se cair sobre um sofá e contemplou o salão em um silêncio de estupefação. O só tamanho já era entristecedor. O teto de cinco metros de altura a fazia sentir pequena, insignificante. As paredes tinham painéis pintados de celeste pálido, e os pisos de carvalho estavam impecavelmente lustrados. Parecia haver muitos móveis: seis sofás estofados em cetim rosado inumeráveis sela estofas do mesmo tom, um harpa, um piano, e numerosas mesas colocadas perto das paredes, com o qual ficava espaçoso o centro, talher com um imenso tapete oriental.

—Claro que, quando temos festas, tiramos o tapete —informo Travis com orgulho—. Talvez queira oferecer uma festa. Poderíamos convidar a umas duzentas pessoas a passar a noite aqui e você e Malvina, a cozinheira, poderiam planejar o menu. Você gostaria, verdade?

Era muito. Com lágrimas nos olhos e uma dor no ventre, Regam pôs-se a correr pelo salão de baile em direção à porta oposta. Nem sequer tinha idéia de como sair da casa. Correu por um comprido corredor, abriu uma porta e entrou em um bonito quarto azul e branco. Não recordava os nomes de todas as habitações, muito menos sua localização. jogou-se no chão, apoiou a cabeça e os braços em uma poltrona azul e branca e pôs-se a chorar. Como podia Travis lhe fazer isso? por que não o havia dito?

Em um instante Travis chegou a seu lado, tomou em seus braços e se sentou na poltrona.

—por que chora?—perguntou-lhe com tanta inquietação que Regam começou a chorar, com mais intensidade.

—É rico! —exclamou, com um nó na garganta.

—Chora porque sou rico? —perguntou, incrédulo.

Embora tratasse de explicar-lhe Regam sabia que ele nunca o entenderia. Travis sempre estava seguro de fazê-lo tudo bem, jamais lhe ocorria duvidar de que pudesse obter alguma coisa. Não sabia o que era ser inútil. Agora esperava que ela dirigisse a casa, as dependências, os serventes e já que estava, que oferecesse uma festa para uns duzentos amigos.

—Não posso te ajudar se não me disser o que te ocorre —insistiu Travis enquanto lhe entregava um lenço—. Não pode te zangar porque não sou um granjeiro pobre.

—Como...? —soluçou—. Como posso...? Nem sequer vi um tear em toda minha vida!

Travis demorou um momento em entender a que se referia.

—Não terá que tecer você, só ordenar a outro que o faça. As mulheres lhe trarão seus problemas e você resolverá —disse—. É muito singelo.

Nunca o faria entender! Regam se levantou de um salto e ponho-se a correr outra vez. Voltou pelo corredor, passou pelo salão de baile e dali a outro corredor, até que ao fim encontrou seu dormitório e se tornou sobre a cama com uma revoada de saias de musselina e anáguas.

Apesar de seus soluços ouviu os passos lentos do Travis que se aproximava. deteve-se na porta, observou-a um momento e decidiu que ela precisava estar sozinha. Para ouvi-lo partir, Regam se pôs-se a chorar com mais força.

Horas mais tarde uma criada chamou brandamente à porta e lhe perguntou o que desejava jantar. Regam esteve a ponto de responder "Yorkshire pudding", mas logo compreendeu que nem sequer sabia o que comidas havia na América. Finalmente, disse à moça que não tinha apetite e lhe pediu que partisse Talvez pudesse ficar nessa habitação para sempre, sem ter que enfrentar-se ao mundo exterior.

Apesar da primeira impressão de Regam a respeito de quão difícil era dirigir uma plantação, distava muito da realidade. Travis se levantou antes do amanhecer e, em poucos minutos, havia mulheres na habitação que começaram a fazer perguntas a Regam. Ao ver que ela não tinha idéia das respostas, começaram a olhar-se de soslaio. Em um momento uma das criadas murmurou algo a respeito de como um homem como Travis tinha podido casar-se com alguém como ela. E por toda parte ouvia o nome do Margo.

Um bicho-tesoura lhe mostrou desenhos que lhe tinha dado Margo. Um jardineiro plantava bulbos da senhorita Margo. No quarto azul achou vestidos que pertenciam à senhorita Margo, que freqüentemente se hospedava ali. Durante o jantar, perguntou ao Travis por essa mulher, mas ele se limitou a encolher-se de ombros e explicou que era uma vizinha. depois de tanto tempo longe de sua plantação, estava abarrotado de trabalho. Até durante as comidas revisava papéis com seus dois ajudantes, cifras de bens recebidos e bens vendidos a varejo. Regam não queria esgotá-lo mais lhe havendo de seus problemas.

Um dia, o mundo de Regam se deteve em seco. Travis tinha retornado para jantar depressa e lhe falava com a boca enche a respeito da chegada de um novo navio da Inglaterra. Nesse momento o sobressaiu o som dos cascos de um cavalo no caminho de tijolos. ouviu-se o estalo de um látego seguido por um agudo relincho e Travis se dirigiu à janela, depressa.

—Margo! —rugiu—. Se voltar a golpear a esse cavalo, darei a ti com esse látego.

Uma risada profunda e sedutora pareceu encher o corredor.

—Melhores homens que você o tentaram, meu amor —respondeu uma voz feminina, e logo se ouviu outro estalo e outro relincho.

A casa inteira tremeu quando Travis baixou a escada. Regam, com os olhos dilatados, deixou o guardanapo sobre a mesa e se dirigiu à janela. Abaixo havia uma ruiva muito belo que levava um traje de montar verde esmeralda sobre sua atrativa figura. Seus peitos grandes e proeminentes, sua cintura pequena e seus quadris arredondados fizeram que Regam olhasse suas próprias curvas leves.

Mas em um instante voltou a olhar à mulher que montava a seu semental negro que corcoveava, furioso, no pátio. A mulher parecia controlar com facilidade a aquele imenso animal.

Olhava para o fronte da casa e, ao ver aparecer ao Travis, voltou a rir e levantou o látego.

Em poucos segundos Travis deu um salto e lhe arrebatou o látego levantado, mas a mulher cravou seus talões ao cavalo e o fez retroceder. Em nenhum momento perdeu o equilíbrio nem a confiança quando o animal levantou as patas dianteiras, e quando voltou às baixar ela ameaçou voltar a lhe cravar os talões.

Mas Travis foi mais rápido que ela. Tirou-a do braço com uma mão e com a outra as rédeas. Por um momento lutaram, a risada da mulher enchia o ar, como se fora a luz da lua em pleno dia. Era uma mulher alta e forte, e com a força do cavalo era um excelente rival para o Travis. Quando ao fim Travis obteve que ela se apeasse, fez-o abraçando-se a ele e roçando com seus peitos a cara e o peito do Travis. Logo abriu a boca e o beijou de modo tal que. da posição de Regam, parecia querer devorá-lo.

Regam não pensou que pudesse baixar a escada com tanta rapidez, mas ao chegar abaixo, o beijo logo que terminava.

—Ainda pensa me dar com o látego? —perguntou Margo, em um tom o suficientemente alto para que Regam alcançasse para ouvi-la—. Ou talvez possa te convencer de usar algo um pouco mais pequeno... muito pouco mais pequeno, se mal não recordo —adicionou, ao tempo que esfregava seu quadril significativamente contra a dele.

Travis tomou pelos braços e a apartou

.—Margo, antes de que siga fazendo o ridículo, acredito que deveria conhecer alguém. —voltou-se aparentemente consciente de onde estava Regam.— Apresento a minha esposa.

Muitas expressões passaram pelo rosto do Margo. As sobrancelhas arqueadas se juntaram e seus olhos verdes se acenderam. As aletas de seu nariz Patricia se inflamaram, e seus lábios sensuais assumiram um rictus. Parecia a ponto de dizer algo, mas calou. Olhou ao Travis e lhe deu uma bofetada que ressonou contra a imensa casa. Em poucos segundos voltou a montar, atirou com força das rédeas e dirigiu o cavalo para o este, golpeando-o grosseiramente com o látego.

Travis a observou um momento, resmungou algo como "Não tem direito de tratar assim aos animais", apertou a mandíbula machucada e se voltou para sua esposa.

—Era Margo Jenkins, nossa vizinha mais próxima. Com essa serena declaração pareceu pôr ponto final ao episódio.

Regam, paralisada e rígida, viu a vivida impressão da mão do Margo na bochecha do Travis quando ele se inclinou para beijá-la

.—Verei-te esta noite. por que não te deita um momento? Está algo pálida. Queremos um bebê são, não o esqueça.

Dito isto, fez um sinal a seu ajudante que estava detrás de Regam, para que o seguisse, e se dirigiu para a asa oeste da casa, a seu escritório

Regam demorou comprido momento em recuperá-lo suficiente para voltar para a casa. Durante todo o dia a acossou a lembrança da altiva e esplêndida Margo. Em duas oportunidades se deteve ante um espelho e se observo: seus olhos grandes, sua cara magra e seu ar geral de doçura. Margo Jenkins não tinha nada de doçura. Afundou as bochechas e tratou de imaginar-se mais sofisticada, com uma beleza superior, mas se deu por vencida com um profundo suspiro.

Nos dias seguintes começou a emprestar atenção cada vez que se mencionava o nome do Margo e descobriu que durante anos se deu por sentado que Travis se casaria com ela. Durante a ausência do Travis e do Wes, Margo dirigia a enorme plantação além da própria. Com cada palavra que ouvia, Regam tinha cada vez menos confiança em si mesmo. Acaso tinha frustrado aquele matrimônio ao topar-se com o Travis aquela noite no porto? por que Travis se casou com ela, se não porque esperava seu bebê? Quando tentou expor essas dúvidas ao Travis, ele só riu. Estava muito ocupado com a semeia da primavera para poder falar muito e, quando ficavam a sós, as mãos dele sobre seu corpo lhe faziam esquecer tudo.

Uma semana depois da visita do Margo, Regam estava no corredor esta asa, aborrecendo a idéia de ir à cozinha. Era hora de examinar o menu da semana seguinte... e de confrontar a Malvina, a cozinheira. A mulher tinha experiente uma foto instantânea antipatia para Regam e todo o tempo resmungava pelo baixo. Uma das criadas mencionou que Malvina estava aparentada com a família Jenkins e certamente, tinha pensado, como todos outros que Travis se casaria com o Margo.

Finalmente, Regam se armou de coragem e se dirigiu à cozinha.

—Agora não tenho tempo de fazer nada mais —disse Malvina antes de que Regam pudesse falar—.

Acaba de chegar um carregamento de homens e tenho que lhes dar de comer.

Regam se negou a intimidar-se.

—Parece-me perfeito. Só tomarei uma taça de chá e em outro momento podemos ver o menu.

—Ninguém tem tempo para preparar chá —replicou a cozinheira, com um olhar de advertência a seus três jovens ajudantes.

Regam endireitou os ombros e se dirigiu à cheirosa e fumegante estufa de ferro fundido que havia contra uma parede.

—Posso fazê-lo eu mesma —disse com o que esperava fora um tom de desprezo dissimulando que não tinha idéia de como se preparava uma taça de chá.

voltou-se apenas para olhar à cozinheira com ódio e com um sorriso desdenhoso nos lábios, levantou a bule. O sorriso se esfumou imediatamente, Regam gritou, deixou cair a bule quente e teve que retroceder de um salto para não salpicar-se com a água hirviente. detrás dela se ouviu a risada maliciosa da cozinheira, e o único que pôde fazer Regam foi contemplar com impotência sua mão queimada.

—Tome —disse uma das criadas com amabilidade enquanto aplicava manteiga fresca à mão de Regam—. Deixe-se isto posto e vá sentar se. Eu lhe levarei seu chá. Disse a última frase com um sussurro, assinalando à cozinheira.

Em silêncio e com a cabeça encurvada, Regam saiu da cozinha, com os dedos estendidos e a manteiga derretendo-se sobre seu calor palpitante. Queria ir diretamente a seu dormitório, mas um jovem lhe informou que alguém a esperava na sala. Regam estava perguntando-se como poderia escapar quando Margo apareceu na escada radiante, com um vestido de cetim azul.

—O que te tem feito pequena? —perguntou, baixando a escada depressa—. Charles, traz ataduras à sala, e que Malvina nos envie chá. Com xerez! E lhe diga que quero um pouco de seu bolo de frutas.

—Sim, senhora —respondeu o jovem, e se afastou depressa. Margo tomou a Regam pela boneca e a ajudou a subir a escada.

—O que fez para te queimar tanto?

Com o orgulho tão ferido como a mão, Regam se alegrou de ter a compaixão do Margo.

—Levantei a bule quente —respondeu envergonhada. Sem alterar-se, Margo a conduziu a um sofá.

Em um instante apareceu uma criada que Regam estava segura de não ter visto jamais, com ataduras e panos limpos.

—E onde estiveste você, Sally? —perguntou-lhe Margo com severidade—. Sempre tratando de te salvar do trabalho?

—Não, senhora. Todas as manhãs ajudo à ama, não é certo, senhora? —disse, olhando a Regam com descaramento.

Regam não respondeu. Tinha conhecido a muita gente nas últimas semanas. Margo tomou as ataduras.

—Sal daqui, embusteira! E tome cuidado ou farei que Travis me transpasse seu contrato. Com uma expressão de terror, a criada partiu.

Margo se sentou no sofá, junto a Regam.

—Agora me deixe ver sua mão. Realmente te queimaste muito. Deveu sustentar a bule bastante tempo. Espero que fale com o Travis sobre os serventes. O lhes deixa fazer o que quiserem e por isso se acreditam donos desta casa. É por isso que há tanto tempo Travis pensava casar-se.

Necessita uma mulher forte que pudesse ocupar-se de um estabelecimento tão grande.

Enquanto falava, enfaixava com ternura a mão de Regam. Quando terminou, retornou Charles com uma enorme bandeja com um delicioso serviço de chá georgiano, uma licoreira de cristal com xerez e duas taças, e uma assombrosa variedade de sanduíches e sanduíches.

—Malvina não se esmerou muito —observou Margo examinando a bandeja com desdém—.

Possivelmente já não me considera uma visita. Diga —ordenou ao Charles— que passarei a falar com ela antes de partir.

—Sim, senhora —respondeu Charles com uma reverência e saiu da habitação.

—Agora bem —prosseguiu Margo com um sorriso— eu servirei, pois você não poderá fazê-lo com essa mão.

Com a maior facilidade Margo serve o chá, acrescentou-lhe uma boa medida de xerez e escolheu um sanduíche para Regam.

—Em realidade, vim a me desculpar —disse ao tempo que se servia xerez e fazia a um lado o chá

—. Não imagino o que terá pensado de minha imperdoável grosseria a semana passada. Estava muito envergonhada para retornar e te pedir que me recebesse depois do ocorrido.

A Regam lhe agradou a humildade daquela imponente mulher

.—Eu... Deveria ter vindo —respondeu. Margo apartou a vista e prosseguiu.

—Verá, Travis e eu estivemos muito unidos desde meninos e todos davam por sentado que algum dia nos casaríamos. Por isso me surpreendi muito quando te apresentou como sua esposa. —Olhou a Regam com olhos suaves e suplicantes.— Entende-o, verdade?

—É obvio —murmurou Regam.Quanto se pareciam Margo e Travis, ambos tão seguros de si mesmos! Eram os soberanos do mundo.

—Meu pai morreu faz dois anos —continuou Margo, com tanto dor na voz que Regam teve piedade dela—. Após, dirijo sozinha minha plantação. Claro que é muito mais pequena que esta, mas já é o bastante.

Regam pensou consternada que tinha ante si a uma mulher capaz de dirigir toda uma plantação, enquanto que ela nem sequer sabia preparar uma taça de chá. Ao menos havia uma coisa que sim sabia fazer bem. Sonriendo, baixou a cabeça e disse:

—Travis espera que nossos filhos o ajudem com a plantação. Claro que ainda falta muito tempo para isso, mas este já tem um bom começo.

Ao notar que Margo não respondia, Regam levantou a vista e viu fogo em seus olhos.

—De modo que é por isso que Travis se casou contigo! —exclamou com uma voz que provinha do mais profundo de seu ser.

Regam a olhou atônita.

—me perdoe outra vez! —pediu Margo, ao tempo que apoiava uma mão na boneca de Regam—.

Parece que nunca digo o correto. É só que me intrigava o motivo, posto que estávamos virtualmente comprometidos. Claro que Travis é tão honrado que se haverá sentido obrigado a casar-se com a mulher que esperava a seu filho. Sabe? —adicionou rendo—, não sei como não me ocorreu. Talvez se... bom, se me tivesse ficado grávida, teria se casado comigo... OH, céus! Outra vez o tenho feito.

De maneira nenhuma quis insinuar que estivesse grávida antes de te casar com o Travis. É obvio que não.

ficou de pé e Regam fez o próprio.

—Agora devo ir —disse Margo—. Parece que hoje não digo nada corretamente. —Aplaudiu a emanou de Regam. —Estou segura de que Travis se apaixonou por ti e por isso te escolheu. Não estamos na Idade Média. Os homens se casam por eleição e não porque as mulheres fiquem grávidas. Claro que Travis sempre disse que queria ter filhos, mas não suportar a uma esposa autoritária. Embora você, minha doce menina, nunca poderia ser autoritária. Agora sim devo partir.

Espero que sejamos muito boas amigas. Talvez possa te ajudar a conhecer os gostos do Travis. Não esqueça que nos conhecemos sempre.

Beijou o ar junto à bochecha de Regam e deu meia volta.

—Ordenarei que retirem a bandeja —disse com um sorriso—, assim seu doce cabecita não terá que preocupar-se por isso. vá descansar e cuida desse bebê que Travis deseja tanto.

Saiu da habitação e Regam se desabou sobre uma cadeira, sentindo-se como se acabasse de sair de uma tormenta. Passaram vários minutos até que começou a pensar nas palavras do Margo.

Eleição? Travis não a tinha eleito, ela se tinha topado com ele. A teria liberado com gosto, mas ela se negou a lhe dar o nome de seu tio. Honra! A honra do Travis lhe tinha impedido de deixá-la na rua e mais tarde, essa mesma honra o tinha levado a casar-se com ela. O que havia dito nas bodas?

O se casava com a mãe de seus filhos.

Acaso o tinha obrigado? Era óbvio que esse matrimônio não tinha nada que ver com o amor.

Como podia um homem como Travis amar a uma menina que nem sequer sabia preparar uma taça de chá sem queimar-se?

Passaram os dias e Regam se atrasava cada vez mais com suas tarefas. Os serventes pareciam divertir-se trocando diariamente de voltas. Quando Regam lhes falava, respondiam com insolência e chegou um momento em que ela logo que saía de se habitação.

Travis chegava a casa, levantava-a em seus braços e o fazia cócegas até que a tristeza abandonava seu rosto. Sempre lhe perguntava o que lhe ocorria. Convidava-a a passear pela plantação e a moça ia, envergonhada pelo muito que necessitava seu amparo. Nunca poderia admitir o só que se sentia nesse país.

Travis jamais se queixava por sua falta de autoridade, e ninguém se atrevia a ser insolente com ele, mas sim notava que algumas tarefas da plantação não estavam bem fiscalizadas. Um dia Regam o ouviu gritar aos peões da granja, lhes perguntando por que estavam tão atrasados com seu trabalho.

Margo a visitou duas vezes e cada vez falava com Regam com amabilidade, mas logo atacava ao pessoal de serviço por sua negligência. Quando partia, Regam se sentia esgotada e mais inútil que nunca.

Não falava com o Travis a respeito de seus problemas com o pessoal nem do muito que chorava durante o dia. Uma tarde enquanto Regam estava na biblioteca tratando de concentrar-se em um livro, entrou Travis.

—Ah, aqui está! —exclamou, sonriendo—. Pensei que tinha desaparecido.

—Acontece algo? Sobre a roupa levava um impermeável como os dos marinheiros do navio.

—mora-se uma tormenta. Um raio derrubou parte de uma perto e escaparam uns cem cavalos.

—Irá buscá-los?

—Sim, assim que chegue Margo.

—Margo? —Fechou o livro.— O que tem que ver ela com os cavalos?

Travis riu ao ver a expressão de Regam.

—Alguns lhe pertencem. Além disso cavalga mais rápido que a maioria l os homens do condado. O

fato é, minha pequena esposa, que a necessito.

Regam ficou de pé e o olhou

.—Mas o que posso fazer eu?

Travis a olhou com indulgência e a beijou no nariz.

—Em primeiro lugar, não preocupar sua formosa cabecita, em segundo lugar, cuidar de meu menino e por último, mas isto é o mais importante, enfraquecer minha cama. Dito isto, partiu.

Por um momento, Regam ficou onde estava. Seu primeiro impulso foi chorar, mas estava farta de fazê-lo. Não estava disposta a ficar sentada sozinha, e cuidar de filho do Travis. A vida tinha que ser algo mais que o solo feito de viver por uns poucos instantes a sós com um homem ao que só lhe importava o que ela levava em seu ventre.

Quando Travis realmente queria algo, procurava à mulher a quem sempre tinha recorrido: Margo. Ela, com seu orgulho e sua arrogância; com sua segurança de poder fazer algo no mundo.

Sem pensá-lo mais, dirigiu-se ao dormitório e começou a fazer a bagagem. A idéia de fazer algo, algo, fez-a dar-se pressa. No penteadeira havia um estojo com um bracelete de safiras e um par de pendentes de diamantes. Tinham pertencido à mãe do Travis, e ele os tinha obsequiado a Regam.

Vacilou só um momento e logo os guardou também na mala.

ficou uma grosa capa, dirigiu-se à porta, certificou-se de que ninguém a visse e se encaminhou à escada. antes de baixar se deteve para contemplar o que alguma vez fora dele. Não! Nunca tinha

sido dele. Com renovada decisão, retornou correndo à biblioteca e escreveu depressa uma nota para o Travis, na qual lhe dizia que partia e que ele ficava em liberdade para ter à mulher que amava.

Logo abriu uma gaveta e esvaziou em seu bolso o conteúdo de uma caixa de moedas.

Foi fácil sair da casa sem ser vista. Os serventes estavam ocupados assegurando as janelas e as portas em preparação para a tormenta que se cheirava no ar como lã molhada. A casa dava ao rio, mas por detrás dela havia um atalho acidentado que, segundo Travis, era um caminho. A maioria dos virginianos se transladava por água, e Regam decidiu tomar o atalho para evitar que a descobrissem.

Caminhou durante uma hora. O ar estava pesado pela tormenta e, finalmente, começou a chover. O

atalho se cobriu de um lodo que se aderia aos sapatos e dificultava muito a marcha.

—Quer que a leve, jovencita? —perguntou alguém. Regam se voltou e achou uma carreta conduzida por um ancião.

—Não há muito amparo da chuva, mas é melhor que caminhar —insistiu o homem. Regam lhe tendeu a mão, agradecida, e ele a ajudou a subir.

Margo entrou na casa como um furacão, com a roupa empapada e o cabelo convertido em um matagal desalinhado. Maldito Travis!, pensou. Manda-me procurar como se eu fora um peão para ajudá-lo com os cavalos, enquanto essa inútil de sua esposa fica em casa! Não passava um dia sem que recordasse aquela horrível manhã em que se encontrou a sós com ele.

No dia anterior tinha ido saudar o sua volta da Inglaterra, esperando que a levasse a sua cama como de costume, mas em troca lhe tinha apresentado a essa garotinha descolorida como sua esposa. À manhã seguinte Margo lhe enfrentou e exigiu saber que demônios acreditava ele que estava fazendo. Travis não disse muito até que ela começou a enumerar os defeitos de Regam... de todos os quais se inteirou em detalhe pela Malvina, sua prima. Travis levantou a mão para golpeá-la mas se conteve a tempo. Com uma voz que nunca lhe tinha ouvido, disse-lhe que Regam valia duas vezes mais que ela e que não lhe importava que sua esposa não pudesse dominar a um exército de serventes. Disse também que se Margo queria ser bem-vinda a essa casa deveria pedir desculpas a Regam.

Margo tinha demorado uma semana em tragar-se seu orgulho e acudirá aquela tola moça. E o que tinha encontrado? A Regam chorando, incapaz de atender sequer seus dedos queimados. Mas ao menos tinha averiguado por que Travis se casou com ela. Agora lodo estava claro. O caráter submisso de Regam, combinado com a agressividade do Travis, tinham-lhe conseguido o que ele desejava: um filho. Agora lodo o que tinha que fazer Margo era demonstrar ao Travis que estava desperdiçando sua vida e seu dinheiro com aquela menina inútil.

Com a mesma fúria que tinha tido nas últimas semanas, Margo subiu a escada. Travis lhe tinha pedido que caminho a sua casa, passasse a ver sua preciosa mulher, pois ele teria que passar essa noite, e talvez o dia seguinte, em casa do Clay. Tinha cansado um raio sobre a granja do Clay e necessitava ajuda para reconstrui-lo. Margo teve vontades de esbofetear ao Travis ao ver sua expressão. Como se fora uma tragédia passar duas noites longe dessa pequena! Tomou fôlego para acalmar-se, abriu a porta do dormitório e se surpreendeu ao achá-lo vazio... e desordenado.

Enquanto observava as gavetas abertas e a roupa pulverizada sobre a cama, soube que era muito esperar que um ladrão tivesse entrado na casa e se levou a princesita. Arrebatou um vestido de raso de uma bela cor de pêssego amadurecido e a invadiu a inveja. Em todos seus vestidos, se os olhava com atenção, havia partes gastas. Arrojou o vestido sobre a cama e foi percorrer a casa que tanto conhecia, abrindo as portas com fúria e pensando que todo aquilo deveria ter sido dele. Na biblioteca, achou uma só vela acesa junto a uma singela nota, sobre o escritório do Travis.

Repugnou-lhe a letra, com seus "aes" e "oes" abertas.

Entretanto, ao lê-la, tudo começou a esclarecer-se. De modo que a intrusa tinha deixado ao Travis para que tivesse à "mulher que amava"! Possivelmente tinha chegado o momento de fazer algo com respeito ao infantil presunção do Travis com essa muchachita.

Guardou a nota de Regam no bolso e escreveu outra.

Querido Travis:

Regam e eu decidimos nos conhecer melhor, de modo que vamos ao Richmond por uns dias.

Deixamo-lhe saudações. Sonriendo, Margo desejou que "uns dias" bastassem para apagar o rastro de Regam. Sem dúvida a moça seria tão torpe em sua fuga como em tudo o que tentava fazer. Mas Margo podia encarregar-se disso. Com um pouco de dinheiro aqui e lá, poderia convencer às pessoas de que nunca a tinham visto. Passaram quatro dias até que Margo retornou ao fim, sozinha, à plantação Stanford. Sentiu asco quando Travis correu a recebê-la, subiu de um salto à carruagem e lhe perguntou, com olhos febris:

—Onde está Regam?

Mais tarde, Margo se orgulhou de sua própria atuação. mostrou-se furiosa porque Regam nunca se apresentou para a viagem.

assustou-se ao ver a fúria do Travis. Conhecia-o da infância, mas jamais o tinha visto perder o controle. Em poucos instantes mobilizou a toda a plantação para a busca de sua esposa. Chegaram amigos de todas partes, mas o segundo dia quando encontraram uma parte de um dos vestidos de Regam na borda do rio, muitos abandonaram a busca e retornaram a casa.

Mas Travis não se deu por vencido. Cobriu um círculo de trezentos quilômetros ao redor da plantação e formulou perguntas a todos os que viviam dentro do círculo.

Margo continha o fôlego e rogava ter feito bem seu trabalho. Teve sua recompensa quando Travis voltou um mês mais tarde, cansado, magro e envelhecido. Com um sorriso, Margo recordou todo o dinheiro que lhe havia flanco esse engano. Com a plantação já endividada, não podia permitir-se muitos enganos, de modo que tinha tomado todo o efetivo que tinha e subornado a homens e mulheres de toda a região. Alguns diziam ao Travis que a tinham visto, mas lhe indicavam caminhos errôneos. Outros que a tinham visto o negavam. E alguns poucos insobornables disseram a verdade, mas mais adiante havia outros que juravam não havê-la visto.

Pouco a pouco, Travis retornou ao trabalho da plantação, dando cada vez mais autoridade a seu irmão Wesley. E Margo se dispôs a reparar a vida do Travis

.

O primeiro lance da viagem foi quase agradável para Regam. Não deixava de imaginar a cara do Travis quando a encontrasse. Claro que negociaria com ele antes de retornar a seu lar. Insistiria em que me despedisse da cozinheira e contratasse a um ama de chaves. Não! Regam mesma escolheria o ama de chaves, alguém que o fora leal.

O homem da carreta a deixou em uma estalagem de diligências. Ali, Regam se armou de coragem e entrou na pequena estalagem, que, mais que um estabelecimento público, parecia a casa de alguém.

—Era nossa casa—lhe explicou a proprietária—, mas depois de que morreu meu marido, vendi as terras e comecei a aceitar hóspedes. Foi muito mais fácil que cozinhar para meus dez filhos.

A proprietária da estalagem tomou a Regam sob sua asa e lhe deu um amistoso sermão a respeito de viajar sozinha. Enquanto comia sozinha em uma mesa, Regam imaginava ao Travis pedindo informação a essa mulher. Pela manhã, perguntou à proprietária quatro vezes para onde ia a próxima diligência, e compreendeu com certa culpa que o fazia para que a mulher gravasse em sua mente para onde iria ela.

Ao segundo dia na diligência já estava muito fatigada e não deixava de olhar pelo guichê. A tormenta tinha passado; o ar tinha ficado muito carregado e o vestido lhe aderia ao corpo, em uma oportunidade ouviu aproximar um cavalo e sorriu, segura de que o cavaleiro seria Travis. Apareceu a cabeça pelo guichê e levantou a mão para saudá-lo, mas o cavaleiro seguiu de comprimento.

Envergonhada, voltou a acomodar-se em seu assento.

Essa noite não houve nenhuma posadera amigável a não ser somente um ancião mal-humorado que servia carne dura e batatas frite para o jantar. Triste e cansada. Regam subiu ao dormitório que, em sua condição de mulher sozinha, compartilhava com outras dez mulheres.

Antes do amanhecer despertou e pôs-se a chorar em silêncio. Na hora de partir, doía-lhe a cabeça e tinha os olhos inchados. Os outros quatro passageiros tratavam de conversar com ela, mas Regam só podia assentir a suas perguntas. Todos lhe perguntavam o mesmo: Aonde se dirigia.

Olhando pelo guichê sem ver em realidade, começou a expô-la mesma pergunta. Acaso tinha fugido do Travis só para lhe demonstrar que podia ser independente? Realmente acreditava que ele queria ao Margo?

Sem achar respostas a suas perguntas, seguiu tomando uma diligência atrás de outra, olhando passar a paisagem, sem incomodar-se sequer pela falta de comida e camas decentes.

Uma tarde, aturdida, desembarcou da diligência em um sítio inóspito que consistia em pouco mas que algumas casa.

—Aqui termina o percurso, senhora —lhe informou o chofer ao tempo que lhe oferecia a mão.

—Como disse ?

O homem a olhou com paciência. Nos últimos quatro dias a tinha visto sumida em seus pensamentos e pensou que talvez não estivesse em seus cabais.

—Aqui termina o percurso. além do Scarlet Springs não há mais que terra a Índia. Se quer seguir viagem, teria que alugar uma carreta.

—Poderia conseguir uma habitação aqui?

—Senhora, isto nem sequer é um povo, não há hotéis. Olhe, ou fica ou volta. Aqui não tem onde alojar-se.

Voltar! Como podia voltar com o Travis e seu amante? Desde detrás da diligência se ouviu uma voz de mulher.

—Eu tenho sítio. Pode ficar comigo até que dita o que deseja fazer.

Regam se voltou e achou a uma jovem voluptuosa e de baixa estatura, de cabelo cor mel e grandes olhos azuis.

—Sou Brandy Dutton, e tenho uma granja aqui perto. Quer ficar comigo?

—Sim—respondeu Regam—. Posso lhe pagar...

—Não se preocupe por isso. Já nos arrumaremos.

Tomou a mala de Regam e ficou em marcha

.—Vi-a ali e me pareceu tão pequena que me deu pena. Sabe, eu estava igual a você faz uns três meses. Meus pais morreram e me deixaram sozinha, sem mais que esta velha granja e algo mais.

Bem, chegamos.

Fez passar a Regam a uma casa de dois novelo em muito mal estado

.—Sinta-se. Prepararei um pouco de café. Como se chama?

—Regam Stanford —respondeu sem pensá-lo, logo se encolheu de ombros pois o que importava que não se escondesse? Era óbvio que ao Travis não interessava que voltasse.

Regam sorveu o café. Embora não lhe agradou muito o sabor, ajudou-a a sentir-se melhor, apesar de que as lágrimas começavam a crescer detrás de seus olhos.

—Parece que você também teve sua tragédia —observou Brandy enquanto cortava uma parte de bolo e o entregava a Regam.

Um homem que queria casar-se com ela apesar de desprezá-la, um tio que a detestava, um homem que se casou com ela só pelo menino que esperava... Não pôde a não ser assentir à pergunta do Brandy.

Ao ver que a moça logo que tinha provado o bolo, Brandy a olhou com compaixão e lhe perguntou se desejava deitar-se. Uma vez só no pequeno dormitório. Regam se pôs-se a chorar com vontades, como nunca antes o tinha feito.

Não ouviu entrar no Brandy; só sentiu que a abraçava.

—me pode contar isso se o deseja —sussurrou. —Homens! —exclamo Regam—. Duas vezes os amei e as duas vezes...

—Não faz falta que diga mais —disse Brandy—. Sou uma perita em homens. Faz dois anos me apaixonei por um e decidi que valia mais que qualquer outra pessoa no mundo. Por isso uma noite

fugi pela janela de meu dormitório, sem deixar sequer uma nota a meus pais e me fugi com ele.

Dizia que íamos casar nos, mas nunca parecia ser o momento adequado. Faz seis meses o encontrei na cama com outra mulher.

Essa confissão fez chorar mais a Regam.

—Não sabia aonde ir—prosseguiu Brandy—. Então vim a casa, e meus maravilhosos pais me receberam sem dizer jamais uma palavra sobre o que tinha feito. Duas semanas mais tarde morreram de escarlatina.

—Eu... sinto-o —soluçou Regam—. Então, você também está sozinha.

—Exatamente —disse Brandy—. Sou proprietária de uma granja que está a ponto de derrubar-se sobre minha pessoa e todos os homens que passam por aqui juram que poderiam me fazer a mulher mais feliz do mundo.

—Espero que não lhes cria! —exclamou Regam.

Brandy riu.

—Começa a falar como eu, mas ou me caso com algum deles ou morro de fome aqui.

—Eu tenho um pouco de dinheiro —disse Regam, e esvaziou sobre a cama seus bolsos. Viu com consternação que só ficavam quatro moedas de prata—. Espera um minuto! —adicionou, enquanto corria para sua mala e tirava o bracelete de safiras e os pendentes de diamantes.

Brandy os levantou para a luz.

—Um de seus dois homens deveu ser muito bom contigo.

—Quando estava comigo sim —respondeu Regam com desgosto. de repente sua expressão trocou e se aferrou o ventre.

—Sente-se mau?

—Acredito que o bebê acaba de mover-se —respondeu assombrada.

Os olhos do Brandy se dilataram, e logo pôs-se a rir.

—Bonito par somos! Duas mulheres rechaçadas que odeiam a todo o gênero masculino —disse em um tom que não deixava dúvidas de que sua opinião fora a trocar— com um par de jóias, quatro moedas de prata, uma granja que se vem abaixo e um bebê em caminho. Como faremos para levar comida a nossa mesa este inverno?

A forma em que falou de ambas e a insinuação de que esse inverno estariam juntas despertou uma faísca de interesse em Regam. Travis não a queria, mas ela tinha que sobreviver. Ao sentir outro movimento do bebê sorriu. Nos últimos meses não tinha pensado muito em seu filho. Travis não a deixava pensar mais que nele.

—O que te parece se comermos mais bolo e conversamos? —sugeriu Brandy.

Regam não imaginava seu futuro com muita alegria, mas tinha que planejar algo para ela e seu filho.

—Você fez isto? —perguntou, enquanto comia o bolo com voracidade.

Brandy sorriu com orgulho

.—Se houver algo que sei fazer, é cozinhar. Aos dez anos já cozinhava tudo para meus pais.

—Ao menos você tem algum talento—disse Regam, em tom sombrio—. Eu não sei fazer nada.

Brandy se sentou à velha mesa.

—Eu poderia te ensinar a cozinhar. Estava pensando em preparar comidas e as vender às pessoas que acontece Scarlet Springs. Entre as duas poderíamos ganhar o suficiente para nos manter.

—Isto é Scarlet Springs? Assim se chama este lugar?

Brandy a olhou com compaixão.

—Suponho que simplesmente abordou uma diligência e chegou até o final do percurso.

Regam só assentiu enquanto terminava a parte de bolo.

—Se estiver disposta a tentá-lo e a trabalhar, eu gostaria de ter sua companhia.

estreitaram-se as mãos para selar o acordo. Brandy demorou uma semana em chegar a acreditar realmente que Regam não sabia cozinhar, mas passaram dez dias até que se deu por

vencida.—é inútil —suspirou Brandy--. Se não esquecer a levedura é a farinha ou o açúcar ou alguma outra coisa.

—Pôs sobre a mesa uma fogaça de pão e trato de lhe cravar uma faca, mas não pôde.

—Sinto-o —disse Regam—. Te asseguro que o tento.

Brandy a olhou com olho crítico e disse:

—Sabe para que é muito boa? Gosta de às pessoas. Tem certo ar de doçura e é tão bonita que as mulheres tomam simpatia e querem te proteger e os homens também.

Uma vez Travis tinha querido protegê-la, mas não tinha durado muito

.—Não estou segura de que tenha razão, mas que classe de talento é esse?

—Pode vender. Eu cozinharei e você venderá. te mostre doce por fora, mas negócia bem. Não deixe que ninguém te convença de pagar menos do que pedimos.

Ao dia seguinte a diligência trouxe para quatro pessoas que foram encontrar se com outras no Scarlet Springs para prosseguir viagem para o oeste. Por impulso, Regam elevou o preço da comida e ninguém o questionou. Venderam tudo.

Essa tarde gastou todo o dinheiro que tinham ela e Brandy. Três dos colonos que viajavam para o oeste tinham sobrecarregado suas carretas e se dispunham a jogar no rio o excesso de carga: faróis, cordas e alguma roupa. Estavam zangados e queriam assegurar-se de que ninguém pudesse usar o que eles tinham pago. Regam ofereceu comprar tudo. Correu à casa, tomou todo o dinheiro e o deu aos colonos.

Quando retornou com a mercadoria, Brandy ficou furiosa. Não tinham dinheiro, ficavam muito poucas provisões e tinham uma habitação cheia de equipes que ninguém necessitava.

Durante três dias se alimentaram de maçãs que roubavam de um pomar que estava a seis quilômetros dali. Regam se sentia muito culpado.

Ao segundo dia chegaram mais colonos ao Scarlet Springs e Regam lhes vendeu todos os artigos pelo triplo do que ela tinha pago. Chorando de alívio porque sua situação se solucionou. Regam e Brandy se abraçaram e dançaram na cozinha.

Isso foi o começo de tudo. Com essa primeira venda ganharam confiança em si mesmos e mútua também. Começaram a planejar o que poderiam fazer no futuro. Fizeram um trato com o granjeiro que tinha o pomar de maçãs: elas lhe comprariam todas as maçãs quedas em troca de muito pouco dinheiro e uma fogaça de pão por semana. Pelas noites ambas cortavam e cortavam as maçãs e ao dia seguinte as punham a secar ao sol. Uma vez seca, vendiam-nas aos colonos que viajavam ao oeste. Cada centavo que ganhava, cada trato que faziam, aumentava o montante de seu negócio. levantavam-se antes do amanhecer e se deitavam muito tarde. Entretanto, às vezes Regam se sentia mais feliz que nunca. Pela primeira vez em sua vida sentia que alguém a necessitava.

Durante o outono começaram a aceitar hóspedes e a servir comidas. A gente chegava ao Scarlet Springs muito tarde para continuar viagem ao oeste e pernoitavam ali. Um homem lhes explicou que em seu povo natal lhe tinham devotado uma festa de despedida e não queria retornar e dizer que tinha perdido as carretas.

Regam e Brandy se olharam sorriram e disseram ao homem que elas se encarregariam. Para novembro já podiam receber seis hóspedes e logo que ficava sítio.

—O ano próximo plantarei pepinos japoneses e couves —disse Brandy olhando com asco uma comida que consistia em pouco mais que carne de caça.

Olhou a Regam e deixou de queixar-se. A moça estava de pé, vacilante, com o ventre muito volumoso.

—Se me desculpar --disse, na voz mais baixa possível—, acredito que subirei a ter um bebê.

Brandy furiosa, tomou o braço de seu amiga e a ajudou a subir ao dormitório que compartilhavam.

—Sem dúvida tiveste dores todo o dia. Quando vais deixar de te considerar uma carga e a pedir ajuda? Com estupidez, Regam se sentou na cama e se recostou nos travesseiros que colocou Brandy.

—Poderia me exortar mais tarde? —disse, com a cara contorsionada.

Apesar da textura pequena de Regam, o seu foi um parto fácil. Chegou ao mundo uma menina grande e perfeita. Franziu a carita, fechou os punhos e começou a mugir.

—Igual que Travis —murmurou Regam e tendeu os braços para tomar a sua filha—. Jennifer. Você gosta desse nome?

—Sim—respondeu Brandy, enquanto asseava a Regam e à habitação.

Estava muito exausta para pensar no nome do bebê. Observou a Regam, que embalava em braços a sua filha e sentiu que tinha levado a pior parte.

Um mês depois, ambas as mulheres se adaptaram à nova rotina de dirigir a casa de hóspedes e atender ao bebê. Quando chegou a primavera, chegaram também centenas de colonos. Um homem cuja esposa tinha morrido na viagem ao Scarlet Springs, decidiu ficar com seus dois filhos pequenos no pueblito e começou a construir uma casa grande e cômoda.

—Este povo crescerá —murmurou Regam, com a menina em braços. Contemplou a velha granja e imaginou com uma nova mão de pintura. Deu rédea solta a sua imaginação e viu também uma ampliação no fronte, algo como uma larga galeria.

—Tem uma expressão muito estranha —observou Brandy—. Quer me dizer a que se deve?

Ainda não. pensou Regam. Tinha tido muitos sonhos em sua vida e todos tinham fracassado. Em adiante se concentraria em um só objetivo, e trabalharia muito para obtê-lo.

Semanas mais tarde, Regam decidiu ao fim revelar ao Brandy suas idéias de remodelar e aumentar a casa para convertê-la em um verdadeiro hotel. Brandy se surpreendeu muito.

—É... uma idéia estupenda—respondeu vacilante—. Mas crie que nós... quero dizer, duas mulheres... possamos fazer algo assim? O que sabemos de hotelaria?

—Nada —admitiu Regam com seriedade—. E não me deixe comparar o que sei fazer com o que quero fazer, ou jamais o tentarei.

Brandy riu, sem saber como tomar essa declaração.

—Estou contigo—disse ao fim—. Você decide o que terá que fazer e eu te seguirei.

Isso era outra coisa em que Regam não queria pensar. Em realidade queria manter-se tão ocupada que não pudesse pensar. Dois dias mais tarde encontrou uma nodriza para o Jennifer, tirou as jóias de seu esconderijo e abordou uma diligência para o norte. Passou por três povos até encontrar a alguém disposto a pagar um preço decente pelo bracelete e os pendentes. E em todas partes visitou as posadas locais. Descobriu que uma estalagem não era somente um alojamento para viajantes mas também um lugar de reuniões sociais e políticas. Riscou bosquejos e fez perguntas e sua seriedade e juventude ganharam muitas horas de conversação e respostas.

Quando retornou a casa, cansada mas alvoroçada e mais que ansiosa por ver sua filha e a seu amiga, tinha uma grande mala de couro cheia de notas, desenhos e receitas para o Brandy.

Costurados à roupa, trazia remessas bancárias pelas jóias. Desde esse momento em adiante jamais houve dúvida alguma de quem era o líder nessa sociedade.

Farrell Batsford desceu da diligência no florescente povo do Scarlet Springs, Pensilvania, em uma fresca amanhã de março de 1802. sacudiu-se o pó do caminho, acomodou o pescoço de veludo azul de sua jaqueta e atirou de seu punho de encaixe.

—É aqui onde baixa, senhor? —perguntou-lhe o chofer desde atrás.

Farrell não se incomodou em olhar ao chofer, simplesmente assentiu. Segundos mais tarde, deu meia volta para ouvir que seus dois grandes baús eram jogados no chão do teto da diligência. Com um amplo sorriso, ele chofer o olhou com ar inocente.

—Quer que as leve a estalagem? —perguntou um homem fornido.

Novamente Farrell assentiu com frieza, ignorava o melhor que podia a toda a raça americana.

Quando se afastou a diligência, Farrell viu pela primeira vez a Estalagem do Golfinho Prateado.

Tinha três novelo e meia, com galerias dobre à frente e altas colunas brancas que chegavam ao teto íngreme. Farrell jogou no jovem uma moeda e decidiu dar um passeio pela cidade.

Aqui há dinheiro em alguma parle, pensou ao observar os edifícios limpos espaçosos. Frente à estalagem havia uma imprensa, um consultório medico, um advogado e uma drogaria. Perto dali havia uma ferraria, um amplo armazém, uma escola e ao outro extremo do povo, uma igreja alta e bem conservada. Tudo tinha um aspecto próspero. Voltou sua atenção à estalagem, era fácil deduzir que esse edifício dominava o povo. Ao fundo tinha uma asa adicional, em uma parte mais velha mas bem conservada do edifício. Todas as janelas estavam limpísimas, todos os portinhas, recém pintados, e enquanto Farrell observava, muita gente entrava e saía do próspero estabelecimento.

Voltou a tirar de seu bolso um artigo de um periódico. O artigo afirmava que uma tal senhora Regam Slanford e Brandy Dutton, uma solteirona, eram virtualmente proprietárias de tudo: um povo na Pensilvania. Ao princípio, Farrell tinha acreditado impossível que se tratasse da mesma Regam a quem tinha procurado durante tantos anos, mas enviou um homem a esse povo e este retornou com uma descrição que só podia corresponder a Regam que ele conhecesse.

Novamente, pensou naquela noite, quase cinco anos atrás, quando Jonathan Northland tinha jogado a sua sobrinha de sua própria casa. A pobre e inocente Regam nunca tinha compreendido que a casa Weston era dela e que em lugar de viver dos ganhos de seu tio, como dissesse Jonathan aquela noite, era Northland quem vivia dos interesses da fortuna de Regam. Farrell sorriu e se perguntou se Northland teria imaginado alguma vez quem tinha posto sobre aviso aos testamentos dos bens de Regam a respeito do que tinha feito seu tio. Era uma vingança leve mas apropriada pelas coisas que dissesse Northland sobre ele a noite em que os testamentos jogaram ao Jonathan da casa Weston sem um só penique. Seis meses mais tarde, acharam ao Jonathan Northland morto a punhaladas em um botequim portuário e ao fim se completou a vingança do Farrell.

Com o correr dos meses e os anos Farrell começou a pensar mais e mais na fortuna de Regam, depositada em um banco, que crescia diariamente graças ao hábil manejo de seus testamentos. Começou a procurar uma esposa, alguém que tivesse dinheiro suficiente para mantê-lo a ele e a sua propriedade, mas nenhuma jovem tinha tanto dinheiro como Regam Weston. As mulheres ricas não queriam ter nada que ver com um cavalheiro sem título, sem um penique e com hábitos duvidosos.

depois de uma infrutífera busca de dois anos, Fanell se convenceu de que ao plantá-lo Regam tinha arruinado sua reputação com as mulheres. portanto, o que correspondia fazer era procurá-la, casar-se com ela e deixar que o dinheiro reparasse sua reputação.

Tinha-lhe levado um tempo encontrar à antiga criada de Regam, que vivia em Escócia com uns familiares. A anciã sofria a dor permanente de uma mandíbula desencaixada, pois Jonathan lhe tinha quebrado o osso quando ela tratou de responder as perguntas de um americano a respeito de uma moça que tinha encontrado.

Falando com grande dificuldade e bebendo constantemente para apagar a dor, a anciã lhe provocou tanto asco ao Fanell que o logo que suportava estar perto dela. Suas lembranças eram incertas e Farrell demorou várias horas em averiguar o que desejava saber, mas partiu com certa idéia de onde devia procurar.

Seguindo as respostas que obtinha, logo averiguou que Regam se partiu a América. Não foi fácil tomar a decisão de segui-la, mas supôs que depois de vários anos nesse país incivilizado, a moça estaria ansiosa por voltar para a Inglaterra.

América do Norte era maior do que tinha imaginado e havia alguns pontos isolados de civilização, mas a gente era repugnante. Nunca se atenían a seu nível social; todos se acreditavam membros da realeza. Estava a ponto de voltar para a Inglaterra quando viu o pequeno artigo em um periódico. Quando retornou o homem a quem contratasse para ir ao Scarlet Springs, descreveu a uma mulher muito parecida com Regam, embora não parecia ser a moça ingênua que ele recordava.

Atravessou o ovalóide de grama que separava as duas ruas principais e entrou na estalagem.

Havia um grande vestíbulo com paredes brancas. Nesse momento, vários homens e mulheres entravam em uma habitação que estava à direita e Farrell os seguiu. tratava-se de uma sala maior ainda, com cômodos sofás e cadeiras e sobre uma parede, um grande lar de pedra. Todos os móveis

tinham estofos novos de raso rosa apagado e verde claro, a raias. junto a essa sala havia um bar que lhe pareceu rústico, com suas mesas e cadeiras de carvalho, embora era óbvio que havia muito movimento ali. Frente à sala comum havia um enorme comilão público e dois privados. Finalmente voltou para frente da estalagem, sem chegar à parte velha e apareceu a uma acolhedora biblioteca que cheirava a couro e tabaco. Ao outro lado do vestíbulo havia uma sala de recepção, onde um empregado cortês lhe atribuiu uma habitação privada no segundo andar. —Quantas habitações têm?

—Uma dúzia —respondeu o empregado—. Mais duas com sala e é obvio, as habitações privadas das proprietárias.

—Claro. Suponho que se refere às duas dama.

—Sim, senhor: Regam e Brandy. Regam vive abaixo, ao final da parte velha e Brandy está acima, justo em cima dela.

—E elas são as damas que, conforme se diz, são proprietárias da maior parte do povo? —perguntou Farrell. O empregado riu entre dentes.

—O pregador diz que o único edifício que não é delas é a igreja, mas todos sabemos que elas a pagaram. E têm as hipotecas de todos outros edifícios. Se chegava um advogado, Regam lhe dava dinheiro para construir uma casa e ele ficava, logo um médico e assim este lugar logo chegou a ser um povo.

—Onde posso encontrar à senhora Stanford? —perguntou Farell, não lhe agraciava que aquele homem a chamasse por seu nome de pilha.

—Em qualquer parte —respondeu depressa, pois chegava um casal a registrar-se—. Está em todas partes ao mesmo tempo.

Farrell, que não queria causar um escândalo, ignorou a descortesia com que o empregado tinha deixado de lhe emprestar atenção. Mais tarde teria que falar com o gerente fora quem fosse.

Sua habitação era poda e bem mobiliada, e o sol entrava pela janela. Sobre uma parede havia um pequeno lar. trocou-se a roupa da viagem e baixou ao comilão. Irritava-o comer no salão público, mas sabia que ali seria mais provável ver regam. O menu era extenso: serviam sete tipos de carne, três de pescado, pratos frios, molhos, verduras, carnes de caça e uma lista impressionante de bolos e pudins. A comida era servida com celeridade, estava quente, bem preparada e deliciosa.

Enquanto provava um pouco chamado "bolo moravo", uma mulher entrou em salão e todas as olhadas, masculinas e femininas, voltaram-se para ela. Não a olhavam só por sua extraordinária beleza, mas sim por sua presença, sua personalidade. Aquela mulher miúda, com um delicioso vestido de musselina verde, sabia quem era. Caminhava com segurança e conversava facilmente com uns e com outros. Parecia uma dama elegante recebendo convidados em sua casa. Em uma mesa se deteve, observou um prato e o enviou de volta à cozinha. Em outra mesa, duas mulheres ficaram de pé e a abraçaram brevemente, e durante um momento se sentou com elas e riu, feliz.

Farrell não podia apartar os olhos dela. No superficial, parecia-se com a menina torpe que ele tinha conhecido. Os olhos eram da mesma cor; o cabelo, do mesmo tom castanho, mas aquela mulher, com seus firmes curva e sua facilidade de trato com a gente, não se parecia absolutamente à menina assustadiça com quem tinha estado comprometido uma vez.

Farrell se recostou na cadeira e esperou com calma que Regam se aproximasse dele. Sorriu ao vê-lo, mas não o reconheceu. Um instante depois, quando ela estava conversando com um casal próximo a ele, levantou a vista e achou os olhos do Farrell. Olhou-o um momento e Farrell lhe dirigiu seu sorriso mais encantador. Desfrutou muito ao vê-la dar meia volta e sair da sala depressa.

Esteve seguro de que ficava

nela algum sentimento, bom ou mau, relacionado com o. Ódio ou amor, não lhe importava qual fora, com tal de que o recordasse.

—Regam, sente-se bem? —perguntou Brandy do outro lado da grande mesa de carvalho da cozinha, onde fiscalizava a três cozinheiras.

—Claro —respondeu Regam em tom cortante. Logo tomou fôlego e sorriu—. É só que acabo de ver um fantasma.

As duas mulheres se olharam e Brandy levou a Regam a um rincão da grande habitação.

—O pai do Jennifer? —Não —respondeu Regam em voz baixa. Às vezes lhe parecia que não havia um momento de sua vida em que não pensasse no Travis. Cada vez que olhava os grandes olhos castanhos do Jenniter, via-o ele. Às vezes, para ouvir passos fortes na escada, o coração lhe dava um tombo.

—Lembra-te do homem com quem estive comprometida faz anos? Farrell Batsford? —Não havia segredos entre as amigas.— Está no comilão.

—Esse canalha! —exclamou Brandy, indignada—. O que pediu? Porei-lhe veneno. Regam riu.

—Suponho que eu também deveria me sentir assim, mas me pergunto se alguém pode esquecer o primeiro amor. Ao vê-lo, voltaram muitas lembranças. Eu tinha tanto medo de tudo, estava tão ansiosa por agradar e tão apaixonada por ele... Parecia-me o homem mais arrumado e elegante que tivesse visto.

—E como está agora?

—Bom, não está nada mal —respondeu Regam, com um sorriso—. Suponho que deveria convidá-

lo a meu escritório para conversar. É o menos que posso fazer.

—Regam —lhe advertiu Brandy— tome cuidado. Não está aqui por acaso.

—Estou segura disso e tenho bastante idéia do que busca. Em menos de um mês farei vinte e três anos, e então o dinheiro que me deixaram meus pais será meu.

—Não o esqueça nem por um momento —lhe aconselhou Brandy.

Regam se dirigiu a seu escritório, contigüa à cozinha, e se sentou na cadeira de couro, ante o escritório. Não era que Farrell a tivesse afetado tanto, mas sim com ele haviam tornado muitas lembranças. Como uma quebra de onda de água triagem, recordou a horrível noite em que soubesse a verdade sobre seu tio e seu prometido. Uma lembrança atrás de outro: Travis abraçando-a, Travis lhe dizendo o que fazer, Travis lhe fazendo o amor, e Regam constantemente aterrada. Nos últimos quatro anos se sentou a lhe escrever centenas de vezes para lhe falar de sua filha e lhe dizer que ambas estavam bem. Mas sempre se acovardava. E se Travis lhe respondia que não lhe importava, o qual era o mais provável dado que alguma vez a tinha procurado? Com os anos, ela tinha aprendido a valer-se sozinha, mas poderia fazê-lo com o Travis? Converteria-a ele novamente na menina chorosa e assustadiça que tinha sido?

Uma chamada à porta a devolveu à presente. A sua resposta, Farrell abriu a porta.

—Espero não interromper—disse sonriendo, seus olhos revelavam o muito que o alegrava vê-la.

—Absolutamente —respondeu. ficou de pé e lhe tendeu a mão—. Justamente ia enviar te uma mensagem para que viesse.

Farrell baixou a cabeça e lhe beijou a mão com ardor.

—Talvez não suportava te enfrentar a mim tão logo —murmurou—. depois de tudo, significamos muito o um para o outro faz tempo.

Foi uma sorte que Farrell não pudesse ver a cara de Regam nesse momento. A expressão que adquiriu foi de absoluto estupor. Que caipira presunçoso! pensou. Realmente acreditava que ela não recordava aquela espantosa noite, que não recordava a razão pela que queria casar-se com ela?

Quando Farrell voltou a levantar a cabeça, Regam sorria. Não tinha chegado a ser rica mostrando seus sentimentos.

—Sim —disse docemente—. aconteceu muito tempo. Sente-se por favor. Posso te oferecer algo para beber?

—Uísque, se tiver.

Regam lhe serve um copo de uísque irlandês e sorriu com ar inocente ao ver a surpresa do Farrell. acomodou-se frente a ele em uma cadeira e perguntou:

—Como está meu tio?

—Temo que faleceu.

Regam não respondeu, insegura de seus sentimentos. Apesar de tudo o que lhe tinha feito, era parte de sua família

.—Porquê vieste Farrell?

Farrell demorou um pouco em responder.

—Por um sentimento de culpa —disse ao fim—. Embora não tive verdadeira participação no que te fez seu tio aquela noite, sentia-me algo responsável. Apesar do que tenha acreditado ouvir, eu sim te queria. Preocupava-me que fosse tão jovem e me desgostava que seu tio te mantivera em tanta ignorância. —Riu como se se tratasse de uma piada privada. —Deve admitir que não foi muito inspirada como acompanhante no jantar. Nunca me agradou a idéia de me casar com uma criatura.

Talvez a outros sim goste.

—E agora? —perguntou Regam, com um sorriso sedutor

—trocaste. Você... já não é uma menina.

antes de que Regam pudesse responder se abriu a porta e Jennifer entrou correndo, com um buquê sem esculpo em sua mão suja. Era uma formosa menina de três anos, miúda como Regam e com os olhos e o cabelo do Travis. Tinha herdado também a segurança de seu pai, não era assustadiça como Regam a sua idade.

—Traga-te flores, mami—disse, sonriendo.

—Que doce de sua parte! Agora se souber que chega a primavera —respondeu Regam ao tempo que abraçava com força a sua filha.

Jennifer, sem intimidar-se, observava abertamente ao Farrell.

—Quem é ele? —perguntou com um sussurro muito audível.

—Farrell, apresento a minha filha Jennifer. O é um velho meu amigo, o senhor Batsford.

Jennifer conseguiu dizer "'Muito prazer" antes de sair com a mesma pressa com que tinha chegado.

Regam olhou com adoração a porta que sua filha acabava de fechar de um golpe e logo voltou a olhar ao Farell

.—Temo que viu a minha filha tanto tempo como qualquer de nós. Pode andar livremente pela estalagem e aproveita cada momento.

—Quem é seu pai? —perguntou Farrell, sem perder tempo.

Regam respondeu com a mentira de sempre: que era viúva, mas talvez porque esse dia tinha pensado tanto no Travis, seus olhos a delataram. Advertiu o olhar do Farrell mas não disse nada para não debilitar o engano.

—Devo deixar que siga trabalhando —disse Farrell. — Quereria jantar comigo esta noite?

Ainda turvada porque ele tinha descoberto sua mentira, Regam aceitou imediatamente.—Até esta noite, então —disse Farrell, e partiu.

Farrell se dirigiu diretamente à cozinha para ordenar um jantar muito especial. Quando apresentaram ao Brandy e viu a hostilidade em seus olhos, soube que Regam lhe tinha contado tudo.

Imediatamente, assumiu suas maneiras mais encantadores e lhe pediu que lhe mostrasse o povo.

Brandy aceitou, incapaz de negar-se, e passou uma das tardes mais agradáveis de sua vida. Se havia uma coisa que Farrell tinha aprendido a fazer nos últimos anos em sua busca de uma esposa enriquecida, era a cativar às mulheres. Para o entardecer já tinha convencido ao Brandy de que ele tinha sido uma vítima inocente da cobiça do Jonathan Northland. Contou-lhe uma história larga e complicada de tudo o que tinha feito para encontrar a Regam, de seus remorsos em todos esses anos. Ao voltar para hotel, Brandy estava encantada com ele. Mas Farrell tinha conseguido dela mais que isso: o nome e o paradeiro do marido de Regam. Para a hora do jantar, já tinha despachado a um homem para a Virginia, para que averiguasse a verdade sobre o Travis Stanford.

Travis estava apoiado no mostrador de uma casa de modas do Richmond, esperando com paciência enquanto Margo se provava outro vestido.

—O que te parece este, carinho? —perguntou-lhe Margo ao sair do vestidor. O vestido de musselina cor enferruje deixava muito pouco de seus grandes peitos liberado à imaginação—. Não é muito ousado ou sim? —prosseguiu em voz baixa, enquanto se aproximava dele e lhe acariciava o peito.

—É bonito —respondeu Travis impaciente—. Não compraste já suficientes? Queria chegar a casa antes do anoitecer.

—A casa! —protestou Margo franzindo os lábios—. Quase não sai dessa plantação. Antes me levava a dançar. Antes... fazia muitas coisas comigo.

Travis apartou as mãos do Margo de seu peito e a olhou com fadiga.

—Então não era um homem casado.

—Casado! —exclamou Margo—. Sua esposa te abandonou! Demonstrou que não te queria. O que outro homem segue fiel a sua esposa, esteja com ela ou não?

-—Desde quando sou como outros? —replicou Travis com um olhar de advertência. Já tinham discutido isso muitas vezes.

O tinido das campainhas ao abri-la porta da loja interrompeu as seguintes palavras do Margo.

Ambos se voltaram e viram entrar no Ellen Backes. Era vizinha e amiga da família do Travis.

—Pareceu-me verte Travis —disse alegremente—. Margo —a saudou com frieza, sem ocultar sua opinião do assédio do Margo a um homem casado.

Ellen não conhecia regam, mas tinha referências dela por parte da Nicole a esposa do Clay.

Dado que conhecia o Travis desde fazia muitos anos, acreditava saber por que tinha fugido Regam.

—Acaba de acontecer algo muito curioso —prosseguiu Ellen—. Eu estava na igreja entregando flores frescas para no domingo e um homem de bastante mau aspecto começou a fazer perguntas sobre ti.

—Talvez esteja procurando trabalho —supôs Travis sem lhe dar importância.

—Eu também pensei isso ao princípio e embora não estava emprestando atenção, juraria que o ouvi mencionar a Regam.

Imediatamente, Travis se incorporou.

—Regam? —sussurrou.

—Pensei esperar a que o pastor terminasse, mas tinha medo de que te partisse antes.

Sem uma palavra mais, Travis saiu da loja, subiu a uma carruagem e apurou aos cavalos para que se dessem pressa.

—Maldição! —exclamou Margo com veemência—. Tinha que vir a me arruinar o dia.

—Sinto-o muito —respondeu Ellen com um radiante sorriso enquanto Margo retornava irada, ao vê. Ellen se voltou para a janela e rezou em silencio por que Travis conseguisse averiguar algo sobre sua esposa.

antes de que os cavalos se detiveram por completo, Travis saltou da carruagem frente à igreja.

Nesse instante saía um homem que parecia haver-se passado a vida bebendo. Travis, que nunca tinha sido muito dado às formalidades e estava muito alterado para pensar nas conseqüências, aferrou ao homem pela camisa e o abandonou contra a parede de madeira

.—Quem é?

—Eu não fiz nada senhor e não tenho dinheiro.

Travis o empurrou mais contra a parede.

—É você quem âncora fazendo perguntas sobre mim?

O homem fez uma careta de dor, trabalhava em excesso se por respirar com a pressão do punho do Travis em sua garganta

.—O me pagou. Eu tinha que averiguar se você estava vivo ou não.

—Será melhor que comece a falar. Quem te pagou?

—Um inglês muito elegante. Não sei como se chama. Disse que era amigo dele mas que lhe haviam dito que você estava morto, então me pagou para que averiguasse quando tinha morrido.

Travis apertou com mais força a garganta do homem

.—Mencionou a Regam.

O homem o olhou, confundido.

-—Pinjente que ele se alojava no hotel de Regam.

Por um momento, Travis diminuiu a pressão.

—O que Regam? E onde está esse hotel?

—No Scarlet Springs, Pensilvania, e é Regam Stanford, como você. Perguntei-lhe ao pregador se estavam aparentados.

Imediatamente, Travis soltou ao homem e teve que sustentar-se para não desabar-se.

—Sobe à carruagem. Iremos ao Scarlet Springs, e pelo caminho falará.

antes de que o homem alcançasse a sentar-se, Travis fez arrancar aos cavalos. Ao passar a toda velocidade frente à loja onde estava Margo nem sequer diminuiu a marcha. deteve-se frente à cavalariça.

—Jake! —chamou—. me Dê uma carreta decente, algo que suporte uma viagem comprido. E toma isto —adicionou ao tempo que arrojava dinheiro sobre o assento—. Devolve este carro a seu dono.

Jake logo que levantou a vista

.—Se tiver pressa será melhor que ponha em marcha, parece-me que se aproxima tormenta —disse e assinalou com a cabeça na direção em que se aproximava Margo, muito furiosa. Deixou cair a ferradura que estava limpando e foi enganchar uma canela para o Travis.

Travis se voltou para o hombrecito que seguia no assento do carro e lhe advertiu:

—Se te mover daí. será o último que faça. Acabava de dizê-lo quando chegou Margo

.—Como te atreve a seguir de comprimento e me deixar reveste lá? —repreendeu-o, quase sem fôlego por havê-lo açoitado.

—Agora não tenho tempo para discutir. Parto-me em uns minutos.

—Parte-te! Bom, acredito que terminei as compras, mas terá que acontecer as buscar pelas quatro lojas.

—Jake! —rugiu Travis—. Ainda não tem lista a carreta?

voltou-se para o Margo

.—Não vou a casa, de modo que terá que procurar a outro para que te leve. Peça-lhe ao Ellen. Passa por minha casa e lhe diga ao Wes que estarei ausente por um tempo. voltou-se e viu que Jake aproximava a pesada carreta à frente do estábulo. —Sobe —ordenou ao nervoso hombrecito que estava na carruagem.

—Travis —insistiu Margo, irritada—. Se não me ajuda...interrompeu-se quando Travis subiu à carreta, sem lhe emprestar atenção.

—Aonde vai? —perguntou, enquanto a carreta ficava em marcha.

—Ao Scarlet Springs, Pensilvania, a procurar a Regam —respondeu, antes de partir com um revôo de pedregulho e poeirada.

Tossindo e amaldiçoando Margo se voltou e olhou ao caballerizo, que sorria com satisfação.

Compreendia a graça de sua perseguição do Travis, mas quanto mais ria a gente, mais furiosa ficava ela. Entretanto, apesar de sua fúria, começou a conceber um plano. Com que Scarlet Springs, não era assim? O pobre Travis se partiu sem uma só camisa limpa. Possivelmente ela deveria lhe empacotar um pouco de roupa e levar-lhe Sim. quanto mais o pensava, mais se convencia de que Travis necessitava roupa limpa.

Regam estava em seu escritório, revisando contas, quando entrou Brandy.

—Como vai tudo? —perguntou.

—Muito bem —respondeu Regam, sem deixar de examinar os livros—. O ano próximo poderemos construir um par de edifícios novos. Estava pensando em uma mueblería. Não crie que Scarlet Springs necessita sua própria fábrica de móveis?

—Sabe que não referia às finanças. Como vão as coisas entre você e Farrell? Ontem à noite voltou a jantar com ele, não é certo?

—Sabe muito bem que sim. Mas em resposta a sua pergunta, Farrell sempre é uma estupenda companhia. Sabe levar uma conversação, suas maneiras são impecáveis e sabe como fazer que uma mulher se sinta como uma rainha. —Aborrece-te muitíssimo, verdade?—observou Brandy com um suspiro ao tempo que se sentava.

—Em uma palavra, sim. Com o Farrell não há surpresas. É tão... Não sei, suponho que é muito perfeito. —Ao Jennifer gosta.

Regam riu.—Ao Jennifer gosta dos presentes que lhe faz,imagina dar de presente a uma menina tão ativa como Jen uma boneca de porcelana! Ela queria usá-la como branco para praticar com o jogo de arco e flechas que lhe deu de presente você.

Brandy afogou uma risita

.—Talvez Farrell espera que as meninas também se comportem como damas.

Regam ficou de pé atrás de seu escritório.

—Temos algum hóspede novo? —Faz uns minutos chegou um homem em uma carreta. Um sujeito muito arrumado. E muito grande.

—Brandy, é incorrigível —disse Regam. rendo—. Mas irei lhe dar a bem-vinda.

Ao sair de seu escritório, topou-se com o Farrell.

—bom dia —a saudou, e lhe beijou a mão—. está mais bela que o sol nascente sobre as gotas de rocio em uma pétala de rosa.

Regam não soube se rir ou gemer.

—Obrigado por tão formoso completo, mas agora devo ir.

— Regam, querida, trabalha muito. Vêem passar o dia comigo. Levaremos ao Jennifer e iremos almoçar ao campo, como se fôssemos uma família.

—É um convite muito tentador, mas realmente devo ir.

—Não pode fugir de mim com tanta facilidade —replicou Farrell com um sorriso. Tirou-a do braço e se dirigiram à recepção.

Regam sentiu a presença do Travis até antes de vê-lo. Estava na porta, e seu enorme corpo tampava a luz. O corpo de Regam ficou rígido quando os olhos de ambos se encontraram. Nenhum dos dois se moveu, simplesmente se olhavam. Uma quebra de onda atrás de outra de emoção atravessou a Regam até que lhe pareceu ouvir um forte estalo. Ao cabo de uns minutos que lhe pareceram horas, girou sobre seus talões e com uma revoada de saias, fugiu a seu escritório.

Farrell não estava seguro do que ocorria entre Regam e aquele homem, mas tinha bastante idéia. Não lhe agradava a reação dela. Sem perder tempo, seguiu-a de perto.

—Regam, amor—lhe disse, enquanto tomava pelos ombros. A moça tremia tanto que logo que podia se ter em pé.

Entretanto, Regam logo que notou sua presença. Quão único ouvia eram os batimentos do coração de seu coração e os passos lentos e pesados que se aproximavam sem vacilar. Tremente e pálida, aterrou-se ao bordo do escritório e se inclinou para a fortaleza do Farrell.

A porta do despacho se abriu com uma força brutal e deu totalmente contra a parede.

—por que me deixou? —perguntou Travis com um sussurro, perfurando-a com o olhar.

Quando ele lhe aproximou, Regam não pôde falar; só o olhava, pasmada.

—Tenho-te feito uma pergunta.

Farrell se interpôs.

—Espere um momento. Não sei quem é você, mas não tem nenhum direito sobre Regam.

Não terminou o que queria dizer, pois Travis tomou pelos ombros e o jogou para o outro lado da habitação. Regam apenas o notou, só tinha consciência de que Travis lhe aproximava cada vez mais.

Quando esteve a poucos centímetros dela, acariciou-lhe brandamente a têmpora com a ponta dos dedos e Regam sentiu que lhe afrouxavam os joelhos. antes de que se desabasse, Travis a levantou em braços e afundou a cara no pescoço da moça. Sem que se dissessem uma só palavra, levou-a para a porta, girou à direita e se dirigiu ao final do corredor, onde estavam as habitações de Regam.

depois de dois dias de falar com o homem ao que tinha contratado Farrell, conhecia bem a distribuição da Estalagem do Golfinho Prateado.

Com a mente muito ocupada para poder pensar, Regam não considerou o que estava fazendo.

Quão único sabia era que estava em braços do Travis e que mais que a vida mesma, queria que lhe fizesse o amor.

Brandamente, como se ela pudesse romper-se, tendeu-a sobre a cama e logo se sentou a seu lado. Sustentou entre suas mãos a cara de Regam e lhe acariciou as bochechas e as têmporas.

—Quase tinha esquecido quão formosa é —murmurou—, o delicada e adorável que é.

As mãos de Regam subiram por seus braços. Era magnífico voltar a sentir aquela força, aquela cercania. Uma vez mais começou a tremer ao invadi-la o desejo, que pôs-se a correr com ardor por suas veias.

—Travis —conseguiu sussurrar antes de que a boca dele cobrisse a sua.

Desesperado-se, frenéticos, turbulentos, começaram a arrancá-la roupa. Não desejavam ternura: só havia uma violenta necessidade que deviam satisfazer. A roupa caía ao chão, os botões voavam pela habitação, um punho de encaixe se rasgou e as delicadas meias de seda se fizeram farrapos. Quando se uniram como um trovão que segue a um brilhante relâmpago, aferraram-se com todas suas forças, mais e mais profundamente, tratando de saciar sua incontrolável sede mútua.

Com violência, em um estalo cegador, arquearam-se com os espasmos que percorreram seus corpos.

Seguiram obstinados durante vários minutos até que ao fim os músculos se relaxaram, Então se olharam, como se queriam devorar-se.

Foi Regam quem quebrou o feitiço ao rir, pois Travis, com o peito e um braço nus, levava posta uma só manga da camisa. Travis baixou a vista para ver o que era tão gracioso, e sorriu com deleite.—Olhe quem ri —disse, e assinalou o que ficava do traje de Regam.

Tinha uma anágua enrolada à cintura e havia outra, rasgada, debaixo deles. Seu espartilho, médio posto e médio esmigalhado, estava enrugado sob um braço, enquanto seu vestido estava a pouco mais de três metros, pendurado do marco de um quadro. Regam se apoiou sobre os cotovelos e, ao olhar para seus pés, viu que uma de suas meias, com sua bonita liga de encaixe, estava intacta, enquanto que a outra, furada, estava enredada entre os dedos de seus pés. Travis conservava uma manga de sua camisa e as botas, nada mais.

Regam olhou aqueles olhos brilhantes e aquele delicioso corpo agora tão próximo, e pôs-se a rir. Abraçou-o e começaram a derrubar-se na cama, rendo, enquanto Travis lhe tirava com perícia o que ficava de roupa. Logo sem separar-se dela, tirou-se as botas e a hilaridade se renovou quando ouviram um forte estalo de porcelana quebrada ao aterrissar uma das botas em alguma parte.

Regam deixou de rir ao sentir os beijos do Travis em seu ombro e em seus braços. A primeira paixão já tinha passado, agora podiam acontecer mais tempo voltando a explorar-se e a tirar o chapéu. Enquanto a boca do Travis percorria seu corpo, Regam fechou os olhos e se rendeu a seus sentidos. Acariciou-lhe o braço, tirou-o da mão, a levou aos lábios e saboreou aqueles largos dedos que tanto prazer lhe davam. Mordiscou brandamente as gemas, passou a língua pelos nódulos.

Aquela era, sem dúvida, a mão de um homem: com cicatrizes, dura, calosa, larga, e de uma vez delicada e sensível. Mordeu-lhe a palma com força, como se queria devorá-lo.

Travis retirou a mão e lhe acariciou as pernas, massageou-a e a beijou, até que Regam agitou as pernas com impaciência pois outra vez o desejava. Quando Travis voltou a subir a cabeça, Regam o atraiu para si para beijá-lo.

Travis emitiu uma risada grave e sedutora e a atraiu para si, ambos de flanco, enfrentados. Fez que Regam o abraçasse com as pernas e gemeu ao penetrá-la. Regam se aferrou a ele com força

enquanto Travis manipulava seu corpo e prolongava o êxtase durante minutos, dias, semanas, anos, um século, e ela jogava a cabeça para trás, sem consciência de quem era ou onde estava.

Quando Regam começava a pensar que se voltaria louca, de repente Travis a fez tender-se de costas e a penetrou com forças até que ao fim seus corpos acharam o desafogo. Sem uma palavra, esgotados, suarentos, saciados, dormiram o um em braços do outro.

Regam foi primeira em despertar e se surpreendeu ao ver pela janela que o sol ficava. Se desperezó, apartou-se para olhar ao Travis ajeitado na cama e se perguntou se alguma vez teria um pouco de prudência estando com ele. Pela primeira vez em anos tinha esquecido por completo suas responsabilidades para com sua filha, seu amiga e seu trabalho. Com sigilo para não despertá-lo, levantou-se e se vestiu. antes de sair, beijou o cabelo do Travis e o cobriu com uma manta ligeira.

Em silêncio, saiu da habitação e se dirigiu à cozinha. Brandy devia estar perguntando-se o que lhe tinha ocorrido.

Travis despertou lentamente. Pela primeira vez em anos tinha dormido bem. Com um sorriso nos lábios, voltou-se para olhar a sua esposa, mas em lugar de Regam achou um par de olhos solenes que o observavam com atenção.

—Olá —disse à garotinha—. Como te chama?

—Jennifer Stanford. Quem é você?

Até antes de ouvir a resposta. Travis supôs quem era aquela criatura. Tinha certo parecido com seu irmão menor, e o arco das sobrancelhas se parecia muito ao da mãe de ambos.

—Sua mãe se chama Regam? A menina assentiu com seriedade.

Travis se incorporou na cama e manteve a manta sobre si, também sério.

—O que diria se eu fosse seu pai?

Jennifer riscava um desenho com o dedo no cobertor.

—Talvez eu gostaria. É meu pai?

—Acredito que não me equivocaria se dissesse que sim.

—Viverá conosco?

—Esperava que vocês fôsseis viver comigo. Se sinta a meu lado contarei onde vivo. O ano passado comprei quatro ponies do tamanho justo para minha filha.

—Deixaria-me montar um pony?

—Seria teu para cuidá-lo, montá-lo e para o que quisesse.

Jennifer vacilou apenas um momento e logo subiu à cama, longe ao princípio, mas à medida que Travis prosseguia com sua narração, foi aproximando até sentar-se em seus joelhos.

Assim os encontrou Regam, juntos, fascinados o um pelo outro. Era um quadro encantador.

Assim que Jennifer viu sua mãe, começou a dar saltos de alegria sobre a cama.

—O é meu papai, e vamos viver com ele, e tem um pony para mim, e porcos e frangos e uma casa em uma árvore e um lago, e poderemos ir de pesca e tudo!

Regam olhou rapidamente ao Travis e logo tendeu os braços a sua filha.

—Brandy tem o jantar lista para ti na cozinha.

—Papai pode vir também?

—Temos que falar —respondeu Regam com firmeza—. Poderá vê-lo mais tarde... se comer o que te preparou Brandy.

—Farei-o —prometeu Jennifer, e saudou seu pai com a mão antes de sair depressa.

—É uma beleza —disse Travis—. Não poderia estar mais orgulhoso... deteve-se quando Regam se voltou e o olhou, furiosa—Tenho feito algo mau?

—Se tiver feito algo mau? —arremedou-o Regam tratando de conter-se—. Como te atreve a dizer a minha filha que vamos viver contigo?

—Pois claro que virão, agora que lhes encontrei. Demorei um tempo, é tudo.

—Alguma vez te ocorreu que eu sempre soube onde estava? Em qualquer momento em que o tivesse desejado poderia ter voltado para ti e a essa monstruosidade de plantação que tem.

—Regam —disse Travis, com voz grave—, não entendo por que te partiu, mas sim posso te dizer que você e minha filha virão a casa comigo.

—É por isso mesmo que me parti —replicou Regam—. Desde que te conheci me disse o que fazer e como fazê-lo. Eu queria ficar na Inglaterra, mas você queria que viesse a América, então vim a América. Iniciou uma cerimônia de bodas sem sequer me perguntar se queria me casar contigo. E

essa plantação! Deixou-me a cargo de cem pessoas que faziam todo o possível por desafiar minha autoridade. E todo o tempo você estava... fora, perseguindo cavalos com sua querida Margo.

Para ouvir isso último, Travis sorriu

.—Ciúmes? Por isso me deixou?

Regam levantou as mãos com exasperação.

—É que não ouviste nada do que pinjente? Não quero que dirija minha vida, nem a do Jennifer. Não quero que lhe diga o que fazer nem como. Quero que aprenda a tomar suas próprias decisões.

—Quando te impedi de tomar uma decisão? Dava-te meia plantação para que o fizesse e nunca interferi. —Mas eu não sabia tomar essas decisões. Não o entende? Tinha muito medo, em um país estranho, cheio de estranhos que me diziam constantemente que eu não sabia fazer nada. Tinha medo!

Os olhos do Travis brilhavam

.—Pois, a julgar pelo que ouvi dizer, aqui te foi muito bem. Aqui não tem medo dos americanos, por que o tinha lá? Admito que tenho uns juizes bastante duros trabalhando para meu, mas se aqui o obteve, por que não lá?

—Não sei —respondeu com sinceridade—. Aqui tive que fazer algo ou morreria de fome. Em sua casa teria podido me acontecer a vida inteira em minha habitação.

—Que é o que fazia a maior parte do tempo, se mal não recordar.

Regam o olhou surpreendida, porque não tinha idéia de que Travis soubesse o que ela fazia durante o dia. Acaso ele teria idéia de quão aterrada tinha estado esses meses?

—Se começou de um nada e construíste todo um povo —prosseguiu Travis—, não te custará dirigir minha casa. Tenho uma carreta aqui. Poderíamos empacotar a roupa do Jennifer e a tua e partir de amanhã. Ou, melhor ainda partamos agora. Tem roupa em casa, e comprarei a minha filha todo novo.

—Basta! —gritou Regam—. Termina agora mesmo! Ouve-me? Não dirigirá minha vida outra vez.

Eu gosto de ter poder próprio. Eu gosto de decidir o que quero fazer em lugar de que você ou meu tio ou inclusive Farrell tomem as decisões por mim.

Travis levantou a cabeça.

—Quem é Farrell?

Com expressão desgostada, Regam respondeu:

—O homem ao que jogou pela habitação esta manhã.

—E o que há entre vós? —perguntou, com olhar penetrante.

—Conheci o Farrell na Inglaterra. De fato, uma vez estive comprometida com ele e veio a América para me buscar.

Travis calou um momento

.—Uma vez me disse que tinha estado apaixonada Era deste Farrell?

Regam se surpreendeu de que o recordasse.

—Acredito que sim. Eu me sentia sozinha e ele me emprestou atenção durante um tempo e eu acreditava amá-lo. Foi faz muito tempo; eu era uma pessoa muito distinta.

—E o que sente por ele agora?

—Agora não sei o que sinto por nada Durante anos me assustava por tudo, de repente fiquei totalmente só e tive que sobreviver. Nos últimos quatro anos não tenho feito mais que levar livros contáveis e comprar e vender propriedades. Agora, de repente aparece Farrell e recorda a aquela menina rechaçada que fui uma vez e agora você, como sempre me provoca um desejo imenso de te tocar mas me aterra que volte a me converter na menina chorosa que fui. Não o entende, Travis?

Não posso voltar para sua plantação para que me anule. A única maneira de ser eu mesma é estar longe de ti. Apesar de suas melhores intenções, pôs-se a chorar.

-Maldito seja! —gritou—. por que tiveste que vir a me alterar assim? Vete, Travis Stanford!

-Vete e nunca volte a te aproximar de mim! —adicionou, e saiu dando uma portada.

Travis se recostou contra a cabeceira e sorriu. Quando a conheceu tinha visto nela apenas uma sugestão da mulher que podia chegar a ser, mas não estava seguro de como podia ajudá-la a converter-se nessa mulher. Talvez Regam tivesse razão e a plantação fora muito para ela. Quando se inteirou de como a tratava o pessoal esteve a ponto de açoitá-los a todos, mas sabia que ela precisava achar seu própria fora. Fechou os olhos e ao pensar nela, assombrou-se da mulher em que se converteu: segura de si mesmo, sensata, com seus sonhos cumpridos. Tinha tomado algo que era pouco mais que uma parada no caminho e tinha construído um próspero povo. Tinha criado uma filha inteligente e sensata. Ninguém teria que preocupar-se de que Jennifer se retirasse a seu quarto a chorar.

Com uma forte gargalhada de pura felicidade, jogou a um lado a manta e começou a vestir-se; ao menos suas calças e suas botas estavam inteiros. Embora Regam acreditava ter maturado o suficiente para resistir a ele, Travis sabia que não era assim. Como era aquele velho provérbio? A idade e a traição sempre vencem à juventude e ao talento. O pensava jogar mão a todos seus recursos, a todos os meios, para recuperá-la. Com decisão, saiu da habitação, só com suas calças escuras e suas botas altas.

Travis se deteve na porta aberta da cozinha, atraído pelos aromas que dali emanavam. Riu entre dentes ao recordar como Regam sempre lhe tinha feito perder as comidas. Jogou uma olhada à habitação e soube que a curvilínea loira que estava em um rincão era Brandy Dutton. Tinha ouvido muito dela de boca do uva sem semente que tinha conhecido no Richmond.

—Desculpe —disse em voz alta—. Poderia comer algo aqui? Não estou precisamente vestido para jantar em público.

—OH, céus —exclamou Brandy pelo baixo, sonriendo enquanto observava abertamente o peito nu do Travis e seus braços fortes. Travis compreendeu que o que lhe haviam dito dela era verdade: Brandy distava muito de ser celibatário.

Quando se recuperou, Brandy disse

—De modo que você é o homem que há devolvido a cor às bochechas de Regam.

—Bom, sim pus cor em alguma parte —respondeu Travis em voz baixa, para que o ouvisse só Brandy e não o pessoal, que os observavam sem dissimulação.

Brandy lançou uma gargalhada e o tirou do braço.

—Acredito que nos levaremos muito bem. Agora sente-se que lhe trarei algo para comer. Elsie —

chamou por cima de seu ombro—, corre à loja e compra um par de camisas para o senhor Stanford de quão maiores tenha Will. E não te dê pressa. Temos muito de que falar.

Brandy serve ao Travis uma comida como nunca tinha provado. quanto mais comia ele, mais agradava ao Brandy. devido a sua falta de camisa, à comida e às respostas do Travis, para o fim do jantar já estava virtualmente apaixonada por ele.

—Sim, sente-se sozinha —disse Brandy em resposta à pergunta do Travis—. Quão único faz é trabalhar. É como se queria provar-se algo. Durante anos tratei que convencer a de que trabalhasse menos, mas não quer saber nada. Trabalha sem descanso, comprando mais e mais. Poderia haver-se retirado faz um ano.

—Não há homens? —perguntou Travis, com a boca cheia de bolo de frutas.

—Umas centenas o tentaram, mas nenhum obteve nada com ela. Claro que, quando uma teve o melhor...

Travis lhe sorriu, tomou a camisa nova do respaldo da cadeira e ficou de pé.—Regam e Jennifer deixarão Scarlet Springs e voltarão comigo. Como afetará isso a sua sociedade?

—Há um advogado que acaba de chegar do este e ele poderia encarregar-se da venda de propriedades e de investir o dinheiro. Com minha parte eu gostaria de viajar, talvez a Europa. me diga, Regam sabe que se irá daqui?

Travis se limitou a sorrir de tal modo que Brandy riu.

—Boa sorte! —disse, enquanto Travis saía da cozinha.

Durante dois dias Regam as engenhou para evitar ao Travis ou, ao menos, para evitar outra discussão com ele. Mas ninguém podia evitá-lo fisicamente. Jennifer parecia convencida de que seu pai era seu companheiro de jogos exclusivo, e sempre estavam juntos. Travis incluso assumiu a tarefa de lavar o cabelo comprido e emaranhado de sua filha e Regam se limitou ao ver que Jennifer não emitia um só som de dor ou de protesto. Levava-a a cavalgar e a subir árvores e a menina estava muito impressionada pela agilidade do Travis. Jennifer lhe mostrou todo o povo, anunciando a todos que ele era seu pai e que ia viver com ele e com seus cavalos.

Regam se esforçava por fazer caso omisso do Travis e de sua forma de seduzir ao Jennifer, além das inumeráveis pergunta que o fazia a gente do povo. Não tinha visto o Farrell da chegada do Travis e, quando reapareceu, Regam se precaveu com surpresa de que não tinha pensado nele nesses dois dias.

—Posso te falar em privado? —perguntou-lhe Farrell. Parecia cansado e estava muito sujo, como se tivesse viajado durante dias sem dormir.

—É obvio. Vêem meu escritório. Uma vez ali, Regam fechou a porta e se voltou para ele

.—Parece que tem algo importante que me dizer.

Farrell se deixou cair sobre uma cadeira e a olhou

.—Fui a Boston e voltei em dois dias.

—Deve ter sido um assunto muito urgente —supôs Regam, enquanto lhe servia um gole—.

Suponho que tem que ver comigo e com o dinheiro de meu pai.

—Sim ou ao menos com o testamento de seu pai. Havia uma cópia arquivada no escritório de um advogado em Boston. Eu a mandei fazer e a enviei a América do Norte faz um tempo, se por acaso te encontrava aqui. Acreditava estar seguro de um ponto do testamento, mas fui a Boston para confirmá-lo. Tenho aqui uma carta —disse, ao tempo que tirava um sobre do bolso interior de sua jaqueta.

Regam tomou e o sustentou um momento

—Talvez possa me dizer o que diz.

—Seus pais morreram quando foi muito pequena e possivelmente você não o recorde, mas naquele tempo o irmão de seu pai ainda vivia. O ia ser seu tutor e de fato, passou uns meses com ele, mas morreu pouco depois que seus pais.

---Eu só recordo ao tio .Jonathan.

-—Sim. era o único familiar que ficava, de modo que o testamento do testamento, que é o banco de seus pais, pôs a seu cuidado. Claro que não sabiam que classe de homem era Jonathan. Quando se redigiu o testamento, seus pais pensaram que estaria a salvo com o irmão de seu pai.

-—Farrell, por favor, vê o grão.

—O que quero te dizer, querida, é que não podia te casar sem a permissão de seu tutor. Talvez eles não queriam que te casasse com um cazafortunas: ou possivelmente não queriam que passasse o que a eles, pois a família de sua mãe os deixou sem um centavo.

—Isso é tudo? Tem que haver algo mais.

—Regam, não o entende. Casou-te com o Travis Stanford sem a permissão escrita de seu tutor e tinha apenas dezessete anos.

—Dezessete? Não, tinha completo os dezoito fazia vários meses.

—Na carta figura sua verdadeira data de nascimento. Seu tio trocou a data para poder te casar antes e obter o dinheiro.

Estupefata, Regam se apoiou no escritório.

—Diz que meu matrimônio com o Travis não é válido?

—Carece totalmente dê validez. Foi menor de idade e não tinha a permissão de seu tutor. Não está, nem estiveste nunca casada com ninguém, senhorita Weston.

—E Jennifer?

—Lamento dizer que é ilegítima: Claro que, se voltasse a te casar, seu marido poderia adotá-la.

—Não acredito que ao Travis agradasse a idéia de que outro adotasse a sua filha —murmurou.

—Ao diabo com o Travis! —exclamou Farrell, ao tempo que se levantava de um salto e se aproximava dela—. Faz anos que quero me casar comigo e que te amo. Não pode me culpar por ter fugido a uma menina de dezessete anos. Suponho que por instinto pressentia que não estava preparada, e não pode me culpar por não querer me casar com uma criatura. Ao menos, eu não te levei a minha cama pela força, como esse homem que é o pai do Jennifer. interrompeu-se e a tirou da mão.

—te case comigo, Regam. Serei um marido bom e fiel. Acaso não te amei o tempo suficiente? E

serei um bom pai para o Jennifer.

—Por favor Farrell —pediu Regam apartando-se dele—. Devo pensar nisto. foi uma grande surpresa me inteirar que durante anos vivi em pecado com um homem. E isto poderia fazer muito machuco ao Jenniler.

—Por isso mesmo... —começou a replicar Farell, mas Regam levantou uma mão e o interrompeu.

—Preciso estar sozinha e pensar nisto. E você —adicionou sonriendo— necessita um banho e um momento de descanso.

Passaram vários minutos até que Farrell partiu e Regam ficou sozinha ao fim para ler os documentos. Meia hora depois, quando terminou, Regam sorria. Era verdade que nunca tinha estado casada com o Travis. Que furioso ficaria quando soubesse! Pela primeira vez em anos se deixou levar por uma de seus ensoñaciones e imaginou a reação do Travis quando lhe dissesse que não tinha nenhum poder sobre ela e que legalmente, Jennifer não era sua filha. Por uma vez em sua vida venceria ao Travis Stanford. Seria uma experiência maravilhosa.

Quanto à proposição do Farrell, descartou-a. Aquele parvo pensava que Regam realmente acreditava em suas declarações de amor. Queria casar-se com ela antes de que cumprisse os vinte e três anos, pois então ela herdaria a fortuna de seus pais. Logo lhe faria entender que ela estava decidida a fazer sua própria vida. Com um sorriso, dispôs-se a escrever uma nota para o Travis, na qual o convidava a acompanhá-la em um jantar íntimo essa noite.

O comilão privado estava preparado com altos e tragantes candelabros, cristalería vienense, serviço de mesa francês e platería inglesa. O vinho era alemão e a comida, americana.

—Alegra-me que tenha voltado para seus cabais —disse Travis enquanto lubrificava uma bolacha com manteiga

—. Jennifer estará muito melhor se tiver amigos em lugar de todos estes estranhos. Sempre lhe permitiu andar a seu desejo por aqui? Não me parece correto que uma criatura jogue nos corredores de um hotel.

—E você tem tanta experiência com os meninos que é obvio, sabe muito bem o que é bom para eles

—replicou Regam.

Travis se encolheu de ombros.

—Sei o suficiente para estar seguro de que há melhores sítios que este para uma criatura. Em minha casa poderia acontecer mais tempo com o Jennifer Y... —sorriu— com nossos outros filhos.

—Travis —começou Regam, mas ele a interrompeu.

—Não posso te dizer quanto me alivia que ao fim tenha voltado para seus cabais. Embora em realidade, supus que brigaria mais. cresceste mais do que pensei.

—O que? —exclamou Regam, engasgando-se com o vinho—. Que ao fim voltei para meus cabais?

Que cresci? De que falas?

Travis a tirou da mão, acariciou-lhe os dedos e falou com voz profunda, grave.—Este jantar não é uma grande surpresa para mim, porque sabia o que queria me dizer. —Beijou-lhe os dedos.—

Quero que saiba que compreendo quão difícil foi para ti tomar esta decisão e nunca o usarei em seu

contrário. foste muito valente e generosa ao aceitar voltar comigo. Talvez deseje ficar em seu pueblito um tempo mais, mas Jennifer necessita algo mais que estar rodeada de estranhos. Necessita um lar, o qual eu, é obvio, posso lhe dar. —Voltou a lhe beijar os dedos.— tomaste uma decisão muito sensata.

Regam aspirou profundamente para acalmar-se, bebeu um pouco de vinho e lhe sorriu.

—É um granjeiro vaidoso! —disse em tom amistoso—. Não tenho intenções de retornar a sua casa e meu "pueblito" como o chama você, é um lar para minha filha.

Apesar de suas boas intenções, começou a levantar a voz.

—Não te hei convidado aqui para te dizer que voltaria contigo, como supôs com sua típica arrogância, a não ser para te informar que não estou casada contigo, nem nunca o estive.

Esta vez foi Travis quem se engasgou. Regam, pela primeira vez no jantar, começou a comer.

Que estupendo era derrotar ao Travis!

O tomou pela boneca e tratou de levantá-la.

—O que faz?

—Suponho que neste povo haverá um pregador. O pode nos casar agora.

—Mas não o fará! E se não se sinta, posso voltar a me levar ao Jennifer.

Travis vacilou mas, como não queria arriscar-se a sofrer esse castigo, sentou-se

.—Conta-me o tudo —disse, abatido.

Regam perdeu parte de seu regozijo ao ver a expressão do Travis e quando lhe disse que Jennifer não era legalmente sua filha, esteve a ponto de aceitar casar-se com ele nesse mesmo instante. Mas a expressão do Travis trocou para ouvir o nome do Farrell.

—Foi esse imprestável quem lhe disse isso? —perguntou—. Se tomou muitas moléstias. O que há nisto para ele?

Regam sabia muito bem que Travis não estava ao tanto do dinheiro que ela herdaria, dinheiro que para ele não significaria nada, mas para o Farrell o era tudo. Mas, na verdade, não lhe agradou a insinuação de que Farrell tinha outro motivo além disso do amor.

—Farrell quer casar-se comigo —respondeu com altivez—. Diz que me ama e também ao Jennifer e quer adotar a minha filha.

—Não seria tão parva —replicou Travis com presunção—. Que mulher quereria a um debilucho como ele?

O final implícito dessa pergunta era "quando poderia" ter a alguém como eu.

Regam o olhou com fúria e respondeu, quase em um grito:

— Farrel é um cavalheiro. Sabe fazer sentir a uma mulher como uma dama. Sabe cortejar de uma maneira... deliciosa. Vocês os americanos, só sabem exigir.

Travis bufou.

—Qualquer americano pode cortejar melhor que um inglês debilucho.

—OH, Travis —disse Regam com um sorriso sereno—. Você não sabe nada disso. Sua idéia de seduzir a uma mulher consiste em arrastá-la pelo cabelo.

—Pois muitas vezes você gosta que lhe arrastasse —replicou.

Regam perdeu a serenidade.

—isso é um exemplo de sua grosseria de colono.

—E você, minha querida, é uma inglesa presunçosa. Disse que seu aniversário é em três semanas.

Pois bem, esse dia te casasse comigo, e o fará por sua própria vontade. Dito isso, saiu da habitação, e não alcançou para ouvir regam exclamar: "Jamais!"

Ao dia seguinte muito cedo, Regam estava em seu escritório quando chegou Brandy com montões de novidades. Primeiro a acusou porque Travis se partiu a noite anterior e ainda não retornava. Logo depois de deixar em claro sua opinião (que Regam estava equivocada), advertiu-lhe que uma mulher alta e ruiva se registrou essa manhã e perguntava por seu noivo, o senhor Travis Stanford.

—Parece-me que está em problemas —concluiu Brandy, com um suspiro.

—Que bem! —respondeu Regam em tom fatigado—. Justo o que necessito. É que ninguém se dá conta de quão difícil é dirigir um hotel como este? Tenho trabalho de vários dias empilhado em meu escritório e a propósito, Farrell já me informou que a partida do Travis e antes que ele, há-me isso dito minha filha. Estou segura de que Farrell tem muito mais que me dizer, mas é provável que Jennifer não volte a dizer uma só palavra em minha presença. Agora bem, a ruiva não pode ser outra que meu querida amiga Margo Jenkins. me dê uns minutos para me preparar e poderei me encarregar dela. Brandy assentiu e saiu da habitação.

Durante um momento Regam deixou que sua mente voltasse para tempo das visitas do Margo à plantação. Naquele tempo Margo não se zangava com ela e a ajudava com o pessoal de serviço, e não tinha visto os insultos daquela mulher como o que eram. Essa Malvada! pensou. Como gostaria agora lhe pôr as mãos em cima! E Margo! Querida-a Margo, que tiranizava a pobre e insegura esposa do Travis, fingindo ajudá-la quando, em realidade destruía a pouca segurança que ficava.

Com um sorriso Regam saiu de seu escritório, passou pela cozinha e pediu ao Brandy que prepara-a chá para duas mulheres. Ignorou os comentários de seu amiga a respeito de que estava lista para a batalha e logo enviou um convite ao Margo para tomar o chá na biblioteca.

Margo se apresentou imediatamente e Regam viu nela costure que antes não tinha visto: o rosto e o corpo do Margo começavam a acusar rastros de tantos anos de vida dissipada.

Tresnoitadas, boa comida, excessos de toda classe se refletiam em rugas e olheiras, e em um engrasamiento de sua cintura que se advertia a pesar do apertado espartilho.

—Vá, vá, se for a florecíta inglesa —disse Margo ao entrar—. Me hão dito que agora é proprietária deste lugar. Quem lhe comprou isso?

—Não quer tomar assento? —disse Regam com cortesia—. ordenei um refrigério. Em efeito, sou a proprietária deste hotel. —Com um sorriso inocente prosseguiu.— E da imprensa, o escritório do advogado, o consultório do médico, a loja, !a ferraria, a escola e a farmácia, além de quatro granjas fora do povo e cento e vinte hectares de terra.

Margo piscou uma só vez, mas não mostrou outra mudança de expressão.-

—E com quantos homens dormiste para conseguir todo isso? Estou segura de que ao Travis interessará sabê-lo.

—Que amável é ao pensar que valho tanto! —exclamou Regam com entusiasmo—. Mas lamento te informar que eu não tenho sua habilidade para me vender e conseguir o que quero. tive que recorrer à inteligência e ao trabalho para ter tudo o que hoje possuo. Quando me sobrava um pouco de dinheiro, não o gastava em um vestido novo mas sim o utilizava para comprar mais terras e mais materiais de construção. deteve-se e foi abrir a porta ao Brandy, que, com grande curiosidade, trazia uma enorme bandeja.

—Como vão as coisas? —sussurrou Brandy.

Regam sorriu com presunção, com o qual Brandy riu e lhe entregou a bandeja. Quando voltaram a ficar a sós, Regam colocou a bandeja sobre uma mesita baixa e serve o chá.

—Quer que voltemos a começar? —perguntou Regam—. De nada serve fingir que somos amigas.

Suponho que está aqui porque quer a meu marido.

Margo tratou de serenar-se. Não queria perder aquela batalha.

—Vejo que aprendeste a servir o chá —observou.

—aprendi muitas coisas nos últimos anos. Verá que não sou tão confiada como antes. Agora me diga. o que quer.

—Quero ao Travis. Era meu até que você te meteu em sua cama, embaraçou-te e o obrigou a casar-se contigo.

—Essa é uma maneira de ver as coisas. me diga, acaso Travis te há dito que se casaria contigo se se livrasse de mim?

—Não faz falta que me diga —replicou isso Margo—. Já estávamos quase comprometidos quando ele te conheceu e o único problema é que está encaprichado contigo. Nenhuma mulher o tinha abandonado antes e isso o volta louco.

—Se esse for o caso, se ao Travis gosta das mulheres que o abandonam por que o seguiste até aqui?

Não teria sido melhor ficar e que ele voltasse para ti?

—Maldita seja! —grunhiu Margo—. Travis Stanford é meu! Já era meu muito antes de que você deixasse de usar vestidos curtos. Você o abandonou! Roubou as jóias de sua mãe e o deixou. Se não tivesse encontrado aquela nota... —deteve-se abruptamente.

Regam a olhou aos olhos um momento concentrada. Todos esses anos se perguntou por que Travis nunca a tinha encontrado. Ela tinha deixado um rastro que até um menino poderia seguir, mas Travis nunca se incomodou em fazê-lo. Mas se Margo tinha achado a nota antes que ele...

—Buscou-me muito tempo? —pergunto em voz baixa. Margo ficou de pé e a olhou, furiosa.

—Não esperará que lhe diga isso, verdade? Advirto-lhe isso: Travis é meu. Não acredito que seja o suficientemente mulher para brigar comigo. Eu sempre consigo o que quero.

—Seriamente. Margo? —perguntou Regam com calma—. Tem acaso um homem que te abrace pelas noites enquanto chora, ou a quem pode confiar seus mais profundos secretos? Sabe o que é compartilhar, amar e ser amada por alguém? —Voltou a cabeça e olhou ao Margo.— Ou acaso vê às pessoas como se fossem dólares e centavos? me diga, se você fosse a proprietária do Scarlet Springs seguiria tão interessada em meu marido?.

Margo se dispôs a responder mas, aparentemente trocou de parecer e, em silêncio, saiu da habitação. Quando Regam se levou a taça de chá aos lábios, notou com surpresa que estava tremendo. As perguntas que tinha feito ao Margo eram quão mesmas ela se expôs sem dar-se conta.

Ao fim e ao cabo, o que significava ser proprietária de um povo? Ali tinha amigos, pessoas a quem tinha tomado carinho, mas podiam substituir a uma pessoa especial, alguém que a amasse embora não estivesse no melhor dos ânimos, alguém que lhe sustentara a cabeça quando se decompunha, uma pessoa especial que conhecesse todas suas partes feias e mesmo assim a animasse?

Ao recordar a plantação do Travis e a casa Stanford compreendeu que Jennifer devia crescer ali. Nas paredes estavam os retratos de centenas de antepassados do Travis, que também eram os ancestros do Jennifer. A menina merecia essa classe de continuidade, um lugar que implicasse segurança e paz, não a vida sempre cambiante de um hotel.

Sonriendo se recostou na cadeira. Claro que não seria fácil dizer ao Travis que tinha trocado de parecer . Sem dúvida, ele se desfrutaria e responderia que sempre tinha sabido que ganharia. Mas o que importava isso? Para ela significava mais passar a vida com o homem que amava que renunciar a tudo por seu tolo orgulho. Além disso, haveria maneiras de pagar-lhe Se, pensou. Faria-lhe lamentar sua jactância.

—Vê-te muito agradada contigo mesma—observou Brandy.

Regam não tinha ouvido entrar em seu amiga.—Estava pensando no Travis.

—Isso me faria sorrir a meu também. Então, quando vai com ele?

—E o que te faz pensar...? —começou a perguntar Regam, mas se deteve quando Brandy pôs-se a rir—. Já sei o que está pensando e é verdade. Sabe? durante anos tive medo do Travis, medo de que sua personalidade me devorasse e eu deixasse de existir.

—Mas agora sabe que pode defender o teu —disse Brandy.

—Sim e compreendo que ele tem razão: que sua plantação é um sítio melhor para o Jennifer. Mas o que tem que ti? Como te afetará que eu me parta do Scarlet Springs? Quer que procure a outra pessoa para que te ajude com o hotel?

—Não, não se preocupe por isso —respondeu Brandy levantando uma mão—. Travis e eu o arrumamos tudo. Não haverá nenhum problema.

—Travis e você? Quer dizer que você... e meu marido...? A minhas costas?

—Pelo último que soube, ele já não era seu marido. E é obvio que sabia que te partiria. Travis não é um homem ao que uma mulher possa resistir por muito tempo. Sabia o inferno pelo que passou tratando de te encontrar quando o deixou? E que se manteve celibatário após?

—O que?—exclamou Regam, enquanto voltava a invadi-la o amor pelo Travis— Como sabe?

—Enquanto você trabalhava, eu passei um tempo com o Travis e Jennifer e se você não tinha curiosidade, eu sim. Quer saber pelo que aconteceu esse pobre homem nos últimos anos? Sem esperar a resposta de Regam, Brandy começou a lhe relatar a história larga e detalhada dos sofrimentos do Travis. A maioria de seus amigos acreditavam que Regam se afogou, mas ele seguia procurando-a embora todos lhe aconselhavam que se desse por vencido. Um pregador chegou a insistir em que fizesse um funeral para sua querida esposa desaparecida, pensando que talvez isso liberaria ao Travis de sua obsessão.

Uma hora mais tarde, Regam saiu da biblioteca com a cabeça nas nuvens. Ignorou ao Farrell, que a viu e a chamou e procurou o Travis por toda parte, ansiosa por lhe dizer que o amava, que queria casar-se com ele e que voltaria para casa com ele. Ao anoitecer, ao ver que Travis ainda não aparecia, começou a perder parte de seu entusiasmo. Distraída, rechaçou o convite do Farrell para jantar e passou a noite com sua filha. Ao cabo da segunda noite sem notícias do Travis, sua euforia se aplacou. Jennifer estava de mau humor e dirigia olhadas zangadas a sua mãe; Farrell insistia com seus convites e Margo perguntava constantemente onde estava Travis.

Ao terceiro dia, Regam começou a desejar não haver nunca conhecido ao Travis Stanford. Não podia havê-la abandonado depois de tudo o que tinha feito para encontrá-la!: Ou sim? OH, Deus, por favor, rezou em silêncio essa noite, ao jogar-se sobre a cama. Por favor, que não me tenha abandonado. Pela primeira vez em anos, pôs-se a chorar. Maldito seja, Travis!, pensou. Quantas lágrimas lhe tinha feito derramar aquele homem?

Às cinco da manhã seguinte, Regam despertou para ouvir que chamavam a sua porta.

Dormitada, levantou-se e ficou a bata. De pé no corredor estava Timmie Watts, o filho de um de seus inquilinos granjeiros. antes de que Regam pudesse dizer um palavra, o moço lhe entregou uma rosa vermelha de esculpo comprido e partiu depressa. Regam bocejou e olhou a flor deliciosa e fragrante. Sujeito ao caule havia um papel, que desenrolou e leu: "Regam querem te casar comigo?

Travis. Passou todo um minuto até que sua mente compreendeu o que viam seus olhos, e então lançou uma exclamação de júbilo, estreitou a rosa contra seu peito e deu três saltos no ar. O não a tinha esquecido!

—Mami —disse Jennifer, esfregando-os olhos—, tornou papai?

—Quase —respondeu Regam rendo. Tomou a sua filha em braços e dançou com ela pela habitação.

—. Esta rosa, esta formosa e perfeita rosa, é de seu pai. Quer que vamos viver com ele.

Iremos –disse jennifer. rendo também e abraçando a sua mãe, pois começava a enjoar-se—.

Poderemos montar meu pony.

—Todos os dias, a partir de agora e para sempre! Agora nos vistamos, porque certamente papai chegará muito em breve.

antes de ficar um vestido de veludo dourado, Regam arrojou todas seus pertences sobre a cama. Estava em meio daquela desordem quando alguém voltou a bater na porta. Correu a abri-la, esperando ver o Travis.

Era Sarah Watts, a irmã do Timmie, que trazia duas rosas rosadas. Confundida, Regam tomou as rosas e observou ao Sarah partir correndo pelo corredor.

—Era papai? —perguntou Jennifer.

—Não, mas papai nos enviou duas rosas mais. Sujeito a cada uma havia um papelito enrolado, escrito com letra do Travis, que dizia: "Regam, quer te casar comigo? Travis."

—Passa algo, mami? por que papai não vem a nos ver?

Sem emprestar atenção à roupa que estava sobre a cama Regam se sentou. Era apenas uma recôndita suspeita, mas as novas rosas a fizessem perguntar-se o que estaria tramando Travis. Jogou

uma olhada ao relógio e viu que eram apenas as cinco e meia. Tinham entregue uma rosa às cinco, duas às cinco e meia. Não, pensou. Não podia ser.

—Não passa nada, meu amor —disse Regam—. Querem levar estas rosas a seu quarto?

— São de papai?

—É obvio.

Jennifer tomou as rosas como se fossem muito valiosos e as levou a seu quarto.

Às seis, quando Jennifer e Regam estavam vestidas e se dirigiam abaixo a tomar o café da manhã, chegaram três rosas mais.

—Que formosas! —exclamou Brandy, que já estava levantada e cozinhando. antes de que Regam pudesse protestar, tomou as flores, leu as notas sujeitas a elas e as colocou em um Horero. —Não parece muito feliz. Pelo ânimo que tiveste nos últimos dias, pensei que te alegraria receber um sinal dele. me animariam muito três rosas com essas notas.

—Há seis rosas —respondeu Regam com seriedade—. Uma chegou às cinco, duas às cinco e meia, três às seis.

—Não estará pensando...

—Tinha-o esquecido, mas Travis e eu discutimos pelas maneiras de cortejar. Eu fiz alguns comentários depreciativos a respeito de que os americanos não sabem cortejar a uma mulher.

—estiveste muito mal —disse Brandy sentindo-se muito americana—. Seis rosas antes do café da manhã lhe demonstram o que podemos fazer os americanos —adicionou, e reatou seu trabalho.

Pensando que tinha ofendido a seu melhor amiga, Regam se dirigiu ao comilão para verificar que tudo estivesse preparado. Enquanto saía do comilão, o filho do impressor lhe entregou quatro rosas amarelas, cada uma com sua respectiva nota.

Com um profundo suspiro, Regam sorriu ao ver as rosas e meneou a cabeça. Acaso Travis alguma vez para nada em pequena escala? Guardou as notas em seu bolso e foi em busca de um floreiro.

Para as dez da manhã já não sorria. Cada meia hora chegavam mais rosas, e até o momento havia um total de sessenta e seis. A quantidade mesma não era intimidatoria, mas sim o interesse que aquelas flores estavam despertando em todo o povo. O farmacêutico e sua esposa foram tomar o café da manhã ao hotel, algo que nunca tinham feito antes e ao se partir detiveram para perguntar a Regam quem era esse Travis que tinha contratado a seus três filhos para que entregassem rosas cada meia hora. Não revelaram onde conseguiam os meninos essas flores nem quem tinha falado com eles e se mostraram muito discretos com respeito às notas que tinham lido... mas a curiosidade os carcomia.

Ao meio dia chegou um ramo de quinze rosas, cada uma com uma nota sujeita ao caule e foi então quando ela começou a tratar de esconder-se. Mas todo o povo parecia conspirar contra ela.

Sempre que faltavam cinco minutos para a hora ou a meia hora, alguém tinha algo importante que lhe dizer, algo que a mantinha à vista de todos quando chegava o seguinte ramo.

Às quatro, entregaram-lhe vinte e três rosas.

-—Já são duzentas e setenta e seis —disse o dono do armazém e escreveu a quantidade com giz na parede do bar.

—Não tem clientes hoje? —perguntou-lhe Regam irritada.

—Nenhum só —respondeu o homem sonriendo—. Estão todos aqui. —Voltou a olhar para o atestado salão. —Quem quer apostar quando vão deixar de chegar Regam deu meia volta e saiu dali, depois de deixar o ramo de rosas em braços do Brandy.

—Rosas?—exclamou Brandy—. Que maravilhosa surpresa! Quem as terá enviado?

Regam fez uma careta e seguiu pelo corredor. Não lhe teria sentido saudades que Travis tivesse instigado todo aquele interesse nas rosas. Certamente a gente do povo tinha melhores costure que fazer em lugar de observá-la receber flores. Claro que o motivo pelo que Travis tinha contratado a todos os meninos do povo era despertar o interesse dos pais.

Às sete recebeu vinte e nove rosas e às oito, trinta e uma. Para as nove já tinha recebido quinhentas e sessenta e uma rosas, de tudas as cores que podiam ter as rosas. As notas do Travis que diziam o mesmo uma e outra vez enchiam seus bolsos, as gavetas de seu escritório, uma caixa sobre seu penteadeira, uma panela de cobre na cozinha. Apesar de tudo seus protestos, não podia desprezar uma só das notas.

A dez começou a perguntar-se se alguma vez deixariam de chegar as flores. Estava cansada e não queria mais que meter-se na cama e estar tranqüila, justo quando chegava à porta de seu dormitório, um menino lhe pôs nos braços um ramo de trinta e cinco rosas. Uma vez dentro, Regam lhes tirou cuidadosamente todas as notas, leu-as e logo as guardou em uma gaveta, junto com sua roupa interior. Travis, suspirou; já não estava fatigada. Ao menos só em seu quarto podia desfrutar das rosas.

Alguém, sem dúvida Brandy, tinha colocado vários vasos com água em um rincão e Regam ocupou um. Ao fazê-lo recordou a última vez que Travis lhe tinha agradável flores, em sua noite de bodas.

Ainda estava rendo quando, às dez e meia, chegaram trinta e seis rosas. Chegaram mais às onze e às onze e meia. À meia-noite, Regam foi abrir a porta e viu que era o Reverendo Wentworlh, da igreja do Scarlet Springs.

—Passe por favor —disse Regam com cortesia.

—Não, devo ir a casa. Já é muito tarde. Só vim a lhe trazer isto. Entregou-lhe um estojo branco, comprido e estreito. Regam o abriu e viu que continha uma delicada rosa de cristal fino magro e frágil, com um suave tintura rosado. O caule e as folhas também eram de cristal, de uma suave cor verde. A seu lado havia uma pequena placa de prata esculpida, que dizia: "Regam, quer te casar comigo? Travis."

Regam ficou sem fala, temerosa de tocar a beleza da rosa de cristal.

—Travis estava muito desejoso de que gostasse de —disse o Reverendo Wentworth.

—Onde a encontrou ? E como a trouxe para o Scarlet Springs?

—Isso, minha querida, sabe somente o senhor Stanford. O simplesmente me pediu que lhe entregasse um presente esta meia-noite. Claro, quando chegou o estojo e ao ver que estava aberto, minha esposa e eu... bom, não resistimos a tentação de espiar o que era. Agora realmente devo ir.

boa noite.

Regam apenas o ouviu. Fechou a porta distraída, e se recostou contra ela um momento, com o olhar fixo na elegante e esplêndida rosa de cristal. Conteve o fôlego temerosa de que se quebrasse e a colocou no pequeno floreiro que havia junto a sua cama, junto à primeira rosa que lhe tinha enviado Travis. Ao despir-se, não apartou os olhos de nenhuma das duas rosas, e quando se deitou, a luz da lua parecia destacar cada rosa. Regam dormiu com um sorriso.

Ao dia seguinte despertou tarde: já eram as oito. Jogou uma rápida olhada a suas rosas e dirigiu a tudo um radiante sorriso. levantou-se e tomou sua bata. Uma das mangas estava torcida e, ao endireitá-la, caiu um papelito azul que dizia: "Regam, .quer te casar comigo? Travis."

Depressa o guardou em seu bolso, pensando que não tinha reparado em que as notas do dia anterior estivessem escritas em papel azul. Foi ao quarto do Jenniter e o achou vazio. A menina freqüentemente se levantava e ia à cozinha até antes de que sua mãe despertasse.

Sem deixar de sorrir, Regam voltou para sua habitação para vestir-se. Estava segura de que Travis se apresentaria esse dia, que se ajoelharia ante ela e lhe rogaria que se casasse com ele.

Talvez, só talvez, ela aceitaria. Riu em voz alta. Deixou de rir quando encontrou outra nota azul dentro de seu vestido. Vacilou apenas um momento, olhou a nota com suspicacia e logo deu meia volta e começou a registrar seu guarda-roupa.

Havia notas azuis por toda parte: em seus sapatos, em seus vestidos, dentro das gavetas, em suas anáguas e regatas, inclusive debaixo do travesseiro!

Como se atrevia? pensou, ficando mais furiosa com cada nota que encontrava. Como se atrevia a invadir assim sua intimidade? Se não tinha sido Travis em pessoa, tinha contratado a alguém para

que revisasse todas suas coisas e colocasse as notas. Mas quando? Certamente algumas tinham sido postas ali de noite, porque inclusive no vestido que tinha usado no dia anterior havia três notas.

Furiosa, saiu de sua habitação e foi diretamente a seu escritório. A primeira vista, essa habitação não tinha sido tocada. Agradeceu ao céu ter o costume de fechá-la com chave todas as noites. sentou-se ante seu escritório e ao princípio não reparou no fio magro que havia sobre o secante de couro. Logo, com suspicacia o seguiu até o pé do escritório, onde desaparecia. ajoelhou-se e logo se tendeu de costas. Sujeito à parte inferior de seu escritório havia um pôster com grandes letras que dizia: "Regam, quer te casar comigo? Travis." Apertou os dentes, arrancou o pôster e estava rompendo-o em diminutos pedacinhos quando entrou Brandy com as mãos cheias de papelitos azuis.

—Vejo que também andou por aqui —disse Brandy alegremente.

—Esta vez chegou muito longe. Este é meu escritório privado e não tem direito a vir aqui sem convite.

—Não quero te pôr mais nervosa, mas olhaste em sua caixa forte ?

—Em mi...! —começou a exclamar, mas se deteve. Regam era quão única tinha um jogo das três chaves que se necessitavam para abrir a caixa forte. O outro jogo estava guardado na abóbada de um banco, a mais de cem quilômetros dali. Nem sequer Brandy abria jamais a caixa forte do hotel, nem sabia como nem em que ordem se usavam as chaves; deixava isso a cargo de Regam.

Depressa, Regam se dirigiu à caixa forte e iniciou o comprido processo de abertura. Ao abrir a última porta, caiu uma larga cinta azul. Regam atirou dela furiosa e viu imediatamente o que tinha escrito. Não se incomodou em lê-la, simplesmente colocou a mão na caixa, tirou um punhado de cinta azul e a jogou para o cesto dos papéis.

—Como soube? —perguntou ao Brandy, enquanto ficava de pé.

Brandy parecia um pouco nervosa e sorriu ligeiramente.—Oxalá esteja lista para isto. Parece que ontem, enquanto todo o povo estava aqui e as lojas estavam fechadas, alguém, ou possivelmente foi um exército de pessoas, colocou todas estas proposições azuis por todo o povo. O

médico encontrou uma em sua maleta e quatro em seu consultório. Will encontrou seis em seu armazém Y... —Fez uma pausa e afogou uma risita —o ferreiro encontrou uma cinta azul na ferradura de um cavalo.

Regam se sentou.—Continua —suspirou.

—Alguns tomaram bem, mas outros estão bastante zangados. O advogado encontrou uma em sua caixa forte e está falando de fazer uma demanda. Mas, em geral, todos riem e dizem que querem conhecer esse Travis.

—Não quero voltar a vê-lo em minha vida —disse Regam com sentimento.

—Não o diz a sério —replicou Brandy sonriendo—. Talvez suas notas sejam todas iguais, mas a maioria das outras são muito criativas. Há poemas, algumas costure do Shakespeare, e a senhora Ellison, que touca o piano, recebeu uma canção inteira que diz que é muito bonita. Está ansiosa por fazer lhe escutar isso. Regam levantou a cabeça. —Está aí fora? Brandy fez uma careta.

—Agora todos se sentem envoltos e a maioria deles está fora.

—Quem não está? — perguntou Regam fracamente.

—A avó da senhora Ellison, que teve um ataque o ano passado e o senhor Watts, que tinha que ordenhar, Y... —deteve-se porque não recordava que faltasse alguém mais.— A irmã da senhora Brown está de visita; chegou ontem e morre por te conhecer. trouxe também a seus seis filhos.

Regam apoiou os braços no escritório e afundou a cara neles.

—pode morrer com apenas desejá-lo? Como posso me enfrentar a todas essas pessoas? —Olhou ao Brandy, com grande angustia.— Como pôde Travis me fazer isto? Brandy se ajoelhou junto a seu amiga e lhe acariciou o cabelo.

—Regam, não te dá conta de que te quer tanto que está disposto a fazer algo com tal de te recuperar? Não sabe por tudo o que aconteceu desde que o deixou. Sabia que ao princípio perdeu vinte quilogramas? Foi seu amigo chamado Clay quem o convenceu de que não renunciasse à vida.

—Travis te há dito todo isso?

—Em certo modo. Eu lhe perguntei algumas costure e outras não. Demorei um pouco em armar o quebra-cabeças, mas o obtive. Agora esse homem está além de todo orgulho. Não lhe importa o que tenha que fazer para que volte com ele. Se pode conseguir a ajuda de todo um povo, fará-o. Talvez suas táticas sejam um pouco... bom, não é precisamente sutil, mas o que prefere? Ter uma rosa e um homem como Farrell O... setecentas e quarenta e duas rosas e Travis Stanford?

—Mas por que tem que fazer tudo isto?

—Há-me dito muitas vezes que Travis nunca te pedia nada, mas sim somente te dizia o que tinha que fazer e como. Se mal não recordar, na cerimônia lhe disse que não simplesmente porque não te tinha pedido que te casasse com ele. Não acredito que agora possa acusar o de não haver lhe pedido isso. Além disso, disse que queria que te cortejasse. —Brandy ficou de pé sonriendo.— Isto pode passar à história.

Apesar de si mesmo, Regam começou a sorrir

.—Quão único eu queria era um pouco de champanha e algumas rosas.

Brandy abriu muito os olhos e se levou um dedo aos lábios

.—Por favor, não mencione o champanha. Pode iniciar uma inundação.

Regam lançou uma risita.

—É que alguma vez fará nada a escala normal?

—Você espera que não? —disse Brandy com seriedade—.Eu daria muito por estar em seus sapatos.

—Meus sapatos estão cheios de notas —respondeu Regam, impassível.

Brandy riu e se dirigiu à porta.

—Será melhor que te prepare. Todos estão ansiosos por verte. Brandy riu para ouvir o sentido gemido de Regam e saiu da habitação.

Regam se tomou um momento para acalmar-se e para pensar nas palavras do Brandy. Tudo no Travis era exagerado, desde seu corpo até sua casa e suas terras; por que esperava que a cortejasse de outra maneira? Com cuidado, recuperou a cinta que tinha arrojado ao papeleiro e a pregou com ternura. Algum dia a mostraria a seus netos. Com decisão, os ombros direitos, saiu de seu escritório e se dirigiu aos salões públicos.

Nada teria podido prepará-la para o que a esperava. A primeira pessoa a que viu foi a avó da senhora Ellison sentada em uma cadeira, sonriéndole com a metade da cara, pois a outra metade lhe tinha paralisado com o ataque.

—Alegra-me muito que tenha podido vir—lhe disse Regam, como se tivesse enviado convites para aquela festa.

—Setecentas e quarenta e dois! —dizia um homem—. E a última é de cristal, gasta da Europa.

—Como terá feito para trazê-la sem que se rompesse?

—E como terá chegado a meu desvão? A escada se rompeu faz dois dias e não tive tempo de arrumá-la. Mas aí estava: uma bonita cinta sujeita a um fardo de feno, com uma proposição matrimonial para Regam.

Um homem pintava uma roseira na parede do bar e ao lado da pintura havia números: 5 hs. 1

rosa: 5:30 hs, 2 rosas, até chegar a trinta e oito rosas às onze e trinta da noite e uma rosa a meia-noite, mais o total ao pé. Regam não se incomodou em perguntar quem era o pintor ou quem lhe tinha dada permissão para pintar em sua parede. Estava muito ocupada recebendo perguntas.

—Regam, é verdade que esse homem é o pai do Jennifer mas não está casada com ele?

—Estávamos casados quando nasceu Jennifer —tratava de explicar—. Mas eu era menor de idade Y... Outra pergunta a interrompeu. —Dizem que esse homem é dono do meio Virginia. —Nem tanto; só um terço. O sarcasmo não apagava o interesse da gente. —Regam, não me agrada que esse homem deixe notas em minha caixa forte. Tenho documentos privados ali, e a palavra de um advogado a seus clientes é sagrada. Assim seguiram, hora detrás hora, até que o sorriso de Regam parecia pega a sua cara. Só uma vocecita a seu lado a fez reagir.

—Mami...

Regam baixou a vista e viu a carita de sua filha, visivelmente preocupada com algo.

—Vêem —lhe disse, ao tempo que a levantava em braços e a levava a cozinha—. Vejamos se Brandy pode nos preparar o almoço, e o comeremos no campo.

Uma hora mais tarde, Regam e sua filha estavam sozinhas junto a um arroio ao norte do Scarlet Springs. Tinham acabado com uma cesta cheia de frango frito e bolos de morango.

—por que papai não volta? —pergunto Jennifer—. E por que não me escreve cartas como a todos?

Pela primeira vez, Regam reparou em que sua filha tinha sido excluída das notas e as rosas.

Recordou que na habitação do Jennifer não tinham encontrado nenhuma nota. Sentou a sua filha sobre seu regaço.

—Suponho que papai quer que me case com ele e sabe que aonde eu vá irá você também.

—Não quer casar-se também comigo?

—Quer que viva com ele, de fato, acredito que ao menos a metade das rosas são para ti, para que você também vás viver com ele.

—Oxalá me enviasse rosas! Timmie Watts diz que papai só quer a ti e que quando vão, eu terei que ficar aqui com o Brandy.

—Isso é uma maldade! E não é certo! Seu papai te quer muito. Não te falou do pony que comprou para ti e da casa que construiu na árvore? E isso foi te conhecer. Imagina o que fará agora que sabe quem é.

—Crie que também me pedirá que me case com ele?

Regam não soube responder a isso.

—Quando me pede isso a meu, significa que também quer a ti.

Com um suspiro, Jennifer se recostou contra sua mãe.

—Oxalá papai viesse a casa. Oxalá nunca voltasse a ir-se e oxalá me enviasse rosas e me escrevesse cartas.

Regam embalou a sua filha e lhe acariciou o cabelo, sentindo sua tristeza. Como odiaria Travis saber que tinha ferido a sua filha ao exclui-la! Talvez ao dia seguinte ela poderia compensar o descuido do Travis. Talvez pudesse encontrar algumas rosas, se ficava alguma no estado depois dos envios do Travis e dar-lhe a sua filha... de parte de seu pai. Amanhã, pensou, e quase se estremeceu.

O que teria Travis em memore para esse dia?

À manhã seguinte, Jenniter despertou a sua mãe. Trazia um ramalhete de rosas na mão.

—Serão de papai? —perguntou a sua mãe.

—Pode ser —respondeu Regam, sem mentir em realidade, para dar esperanças à menina. Ela tinha colocado o ramo essa manhã sobre o travesseiro de sua filha.

—Não são de papai —disse Jenniter com grande desespero—. Você as puseste ali. Jogou-as sobre a cama e correu a seu quarto. Passou um momento até que Regam pôde consolar a sua filha e ela mesma chegou ao bordo das lágrimas antes de que Jennifer se acalmasse. Se tão somente tivesse alguma maneira de fazer chegar uma mensagem ao Travis para lhe falar da angústia do Jenniter...

Quando ao fim se vestiram distavam muito de estar alegres. tiraram-se da mão e juntas, prepararam-se para ir ao encontro do que tivesse planejado para elas esse dia... e do Travis.

Os salões de recepção estavam cheios de gente do povo, mas como não havia novidades, freqüentemente havia um só membro por família. Regam evitou suas perguntas e manteve ao Jennifer a seu lado enquanto fiscalizava os salões e se esforçava por cumprir uma rotina normal. Já estava cansada de ser ela mesma um espetáculo.

Para o meio-dia não tinha ocorrido nada novo e a gente, decepcionada, começou a partir. O

comilão estava cheio mas não lotado e Regam notou que Margo e Farrell estavam comendo juntos, falando tão de perto que suas cabeças quase se tocavam. Regam franziu o cenho e se perguntou o que teriam que dizer-se. Entretanto, não teve tempo de pensar em nada mais pois o ruído que

provinha do vestíbulo aumentava cada vez mais de tom e intensidade. Levantou os olhos ao céu, com vontades de chorar. O que terá feito agora? —murmurou.

Jennifer aferrou a mão de sua mãe.

—Será papai que vem a casa?

—Certamente tem feito algo —respondeu, e se encaminhou à porta principal.

Ao sair do comilão, ouviram a música que começava a encher o fronte do hotel. Mais e mais forte, ouvia-se um som de cavalos e carretas, e outros sons que nunca tinha ouvido.

—O que é? —perguntou Jennifer, com os olhos cada vez mais abertos.

—Não tenho nem idéia —respondeu Regam.

O fronte do hotel estava cheio de gente, todos imóveis; em seus sítios, nas seis janelas do frente e na porta aberta.

—Jennifer! —gritou alguém, e de repente todos se animaram.

—É um circo!

—E traz animais! Uma vez vi um assim na Filadelfia.

Repetiram várias vezes o nome do Jennifer até que Regam conseguiu fazer um lugar para ela e para sua filha na galeria dianteira.

Dobrando a esquina da escola, vinham três homens com as caras pintadas, roupa de raso com lunares e raias de cores brilhantes, que faziam todo tipo de cambalhotas e saltavam o um sobre o outro.

Sobre o peito traziam algo que pareciam ser letras. Regam demorou um momento em decifrar a palavra devido às acrobacias dos palhaços.

—Jennifer—disse—. Diz Jennifer.

Rendo, levantou sua filha em braços e assinalou, entusiasmada.

—É para ti! São palhaços, e nos trajes têm escrito seu nome, Jennifer.

—São para mim?

—Sim, sim, sim! Seu papai te enviou todo um circo e, se conhecer o Travis, não é um circo pequeno. Olhe! Ali vêm uns homens fazendo provas sobre cavalos.

Muito assombrada, Jennifer observou a três cavalos, formosos e de largas crinas, que se aproximavam do galope. Sobre cada um havia um homem: um de pé, outro montando e desmontando a saltos, tocando apenas o chão com os pés, e o último cavalo parecia dançar. Como um sozinho, detiveram-se em meio de uma poeirada e saudaram o Jennifer. A menina, com uma amplísima sorriso, olhou a sua mãe.

—O circo é para mim—disse com orgulho, olhando às pessoas que estava perto dela—. Meu papai me enviou um circo.

detrás dos palhaços e os cavaleiros, chegou um homem que caminhava sobre pernas de pau, e logo outro que trazia para um osito negro com uma cadeia. Tudo tinha escrito o nome do Jennifer.

A música soava cada vez com mais intensidade à medida que a banda se aproximava do hotel.

de repente, todos ficaram em silencio ao ver dobrar a esquina à criatura maior e estranha que tivessem visto. Lentamente, fazendo tremer a terra com suas grandes patas, o animal e seu domador se detiveram frente ao hotel. O homem desdobrou um pôster ao flanco do animal: "O Capitão John Crowinshield apresenta ao primeiro elefante gasto a estes os Estados Unidos da América do Norte, E a pedido especial do senhor Travis Stanford, esta enorme besta atuará para...

Regam leu o pôster para sua filha, que se aferrava a ela com força

.—Para o Jennifer! —anunciava outro pôster.

—O que te parece isso? —disse Regam. Papai lhe enviou um elefante que atuará só para ti. Por um momento Jennifer não respondeu, mas depois de uma larga pausa se aproximou do ouvido de sua mãe.

—Não tenho que conservá-lo, verdade? —sussurrou. Regam teve vontades de rir, mas quanto mais pensava na pergunta de sua filha e no senso de humor do Travis... —Sinceramente, espero que não

—respondeu. Deixaram de pensar no elefante assim que se afastou, pois atrás dele vinha um

formoso pony coberto por um manto de rosas brancas com o nome do Jennifer escrito em lajes vermelhas.

—O que diz mami? —perguntou a menina com esperança—. Esse pony é para mim?

—Claro que o é —respondeu uma formosa loira que levava um traje muito revelador (escandaloso, em realidade) de algodão elástico— Seu papai encontrou para ti ao pony mais suave e doce de todo o estado e, se quer pode montá-lo no desfile.

—Posso? Por favor!

—Eu a cuidarei —disse a mulher—. E Travis está perto.

Com relutância, Regam deixou ir a sua filha e observou enquanto a mulher a colocava sobre a arreios. Do flanco do pony, a mulher tomou uma jaqueta totalmente coberta de rosas rosadas e a colocou ao Jennifer.

—Rosas para meu! —gritou Jennifer—. Papai me enviou rosas também!

Regam notou que sua filha parecia estar procurando a alguém com o olhar e com uma rápida olhada, viu que Timmie Watts se escondia depois da saia de sua mãe. Com um sentimento de culpa, Regam tirou o menino à vista do Jennifer, que imediatamente lhe tirou a língua e lhe arrojou uma rosa. Para aplacar sua consciência, Regam perguntou ao Timmie se gostaria de caminhar junto ao pony do Jennifer no desfile e o menino aceitou de boa vontade.

Saudando com alegria e com certa majestuosidad, Jennifer cavalgou pela rua para o limite sul do Scarlet Springs. Atrás vinham mais homens e mulheres, alguns a pé, outros a cavalo, todos com trajes estranhos e alegres, seguidos por uma banda de metais de sete integrantes. Ao final do desfile vinham mais palhaços, que traziam pôsteres que anunciavam que em duas horas mais haveria uma função grátis do circo, cortesia da senhorita Jennifer Stanford.

Quando a última pessoa desapareceu na curva do caminho, além da igreja, a gente permaneceu um momento em silêncio.

—Acredito que será melhor que siga com meu trabalho —disse ao fim um homem.

—Que roupa se usa para ir a um circo? —perguntou uma mulher.

—Regam —disse alguém—, quando for este povo morrerá de aborrecimento.

Uma risita rapidamente sufocada que só podia ser do Brandy fez voltar-se para Regam.

—O que crie que esteja planejando Travis agora?

—Chegar para mim através do Jennifer —respondeu Regam—. Ao menos, espero que isso seja tudo o que planeja. Entremos, temos que nos preparar. Fecharemos o hotel, poremos na porta um pôster que diga que fomos ao circo, e todos poderão ir.

—Estupenda idéia. Levarei comida para nós e para o meio povo e estaremos listas no tempo que nos deu Travis.

As duas horas passaram depressa e depois do que lhe pareceram minutos, Regam estava conduzindo uma carreta carregada de comida para o circo. Tinham armado uma grande loja sujeitando a lona às árvores e postes. Tinham colocado largos bancos de madeira, os do fundo mais altos que os de adiante e a maioria destes já estavam ocupados pela gente do povo. Em uma seção central havia um grande espaço separado por cintas rosadas e alaranjadas que se balançavam com a brisa.

—Está pensando onde se sentará? —perguntou Brandy rendo ao ver a expressão dúbia de Regam

—. Vamos, não pode ser tão mau como imagina.

A jovem do apertado traje rosa conduziu a Regam e ao Brandy até a seção demarcada pelas cintas e as deixou ali. Em poucos minutos entraram dois cavalos a todo galope. Sobre eles vinha um homem, com um pé em cada cavalo. Ao chegar ao final da pista, o homem saltou sobre um cavalo, fez girar a ambos e novamente ao galope, começou a saltar de um a outro.

—Céus! —exclamou Brandy.

depois disso, não tiveram tempo para pensar, pois a pista começou a encher-se de cavalos. Os cavalos realizavam provas e os homens sobre eles. Havia dois homens de pé sobre dois cavalos e um terceiro sobre os ombros dos dois primeiros, enquanto os cavalos corriam em círculo pela pista.

Quando partiram os cavaleiros. Jennifer entrou na pista montada em seu pony, que era conduzido pela jovem vestida de rosa. Jennifer tinha posto um traje idêntico, com certo brilho dourado aqui e ali. Regam observou com o coração na boca como a mulher tomava a mão do Jennifer, que ficou de pé sobre a arreios e lentamente, percorria para a pista.

—Sente-se! —ordenou-lhe Brandy quando Regam tratou de ir para sua filha—. Não pode cair de muito alto, e a mulher a sustenta.

Então a mulher soltou a mão do Jennifer, que exclamou:—me olhe, mami!

Regam esteve a ponto de deprimir-se, especialmente quando Jennifer saltou e a mulher a recebeu em seus braços. Jennifer fez várias reverências como, obviamente, tinham-lhe ensinado e todo Scarlet Springs aplaudiu a mais não poder. A menina correu para sua mãe e Regam a abraçou com força.

—Como estive? Tenho-o feito bem?

—estiveste esplêndida. Quase me matas do susto.

Jennifer pareceu agradada para ouvir isso.

—Espera até que veja papai.

Regam demorou um momento em acalmar a seu coração acelerado e quando pôde voltar a falar, não teve tempo de perguntar pelo Travis, pois uma vez mais o elefante começou a desfilar ante eles. Os palhaços fizeram mais prova que faziam rir a todos e o osito dançou. Mas todo o tempo Regam procurava o Travis.

A banda não tinha deixado de tocar, e agora iniciava uma estranha música que fez que todos calassem.

—E agora, damas e cavalheiros —anunciou um homem arrumado que levava uma jaqueta vermelha e brilhantes expulsa negras—, apresentamo-lhes um ato que desafia à morte.

—Nosso próximo acrobata caminhará pela corda frouxa... sem rede. Se cair... bom, já podem imaginá-lo.

—Acredito que isto eu não gostarei de—disse Regam levantando a vista para a corda tendida entre dois postes altos—. Talvez deva ir e me levar ao Jennifer.

A expressão do Brandy trocou

.—Possivelmente deva ficar regam —disse em um tom estranho.

Regam seguiu o olhar do Brandy e ao princípio não acreditou o que via. Travis entrou na pista, com um braço em alto como se sempre tivesse trabalhado em um circo. O traje que levava de algodão negro, apertado como uma segunda pele fazia ressaltar os grandes músculos de suas coxas, suas nádegas pequenas e duras e seu peito largo e forte. De seus ombros pendurava uma capa negra forrada em cetim vermelho. Com um gesto cerimonioso a jogou em uma bela mulher vestida apenas com um diminuto traje de cetim verde.

—Não é de sentir saudades que esse homem te volte louca —observou Brandy.

—Que diabos faz ali? —exclamou Regam atônita—. Não será tão parvo como para... Não pôde continuar, pois soaram as trompetistas e Travis com calma, começou a subir pela instável escalerilla de cordas até a diminuta plataforma.

—Esse é meu papai! Esse é meu papai! —gritava Jennifer, saltando sobre o duro assento de madeira.

Regam não podia mover-se. Não piscava, seus pulmões não funcionavam, até seu coração deixou de pulsar enquanto observava ao Travis sobre a plataforma. Quando a alcançou, voltou a saudar a multidão e todos aplaudiram com entusiasmo. Logo se produziu um completo silêncio quando Travis iniciou sua lenta e cuidadosa caminhada pela corda, com uma larga vara nas mãos.

Pareceu que passava uma eternidade até que chegou ao outro extremo.

Os aplausos estalaram e Regam afundou a cara nas mãos, com lágrimas de alívio.

--me avise quando estiver abaixo —pediu ao Brandy. Brandy estava extrañamente calada.

—Brandy? —disse Regam. espiando por entre os dedos. A espresión de seu amiga a fez voltar a levantar a vista para o Travis. Estava de pé na plataforma, olhando a Regam com calma,

aparentemente esperando algo. Quando ela o olhou, Travis enganchou algo ao poste da plataforma e outra costure ao largo cinturão de couro negro que tinha posto.

—vai voltar a caminhar pela corda —sussurrou Brandy—. Mas ao menos esta vez usará um cabo de segurança. Travis já tinha avançado aproximadamente um metro pela corda quando todos se deram conta do que era em sua realidade "cabo de segurança". Lentamente a bandeira começou a desdobrar-se. A primeira palavra que viram foi "Regam" e, depois de ter visto aquela frase centenas de vezes nos últimos dias, não necessitavam que ninguém a lesse por eles.

—Regam! —leram ao uníssono.

Depois vinha: "Quer". Cada palavra soava mais e mais forte e, finalmente quando Travis chegou à plataforma oposta voltaram a lê-la todos juntos. Não lhes teria saído melhor se o tivessem praticado durante semanas.

—Regam! Quer te casar comigo? —leram ao uníssono.

Regam avermelhou de pés a cabeça.

—O que diz, mami? —perguntou Jennifer cuantío lodos a seu redor puseram-se a rir.

Regam não respondeu por temor ao que pudesse dizer. negou-se categoricamente a olhar ao Travis, que estava descendo pela escalerilla de cordas entre vítores, aplausos e hilaridade geral.

—Vou a casa —sussurrou Regam por fim—. Por favor, te encarregue do Jennifer.

Com a frente alta, saiu da seção reservada, passou diante da multidão e saiu dali. A gente lhe gritava, mas ela os ignorou e se dirigiu a pé ao hotel. Utilizou sua chave para entrar em suas habitações e pensou que talvez nunca mais sairia dali, salvo possivelmente para escapulir do povo alguma noite e não voltar a ver ninguém do Scarlet Springs.

Não se surpreendeu ao achar sobre seu travesseiro uma nota escrita em grosso papel marfim, era um convite gravado, delicada e custosa, de parte do Travis Stanford para jantar essa noite às nove. Ao pé havia uma mensagem escrita à mão, que dizia que ele passaria por ela às oito e quarenta e cinco.

sentia-se totalmente derrotada. Sabia que nada poderia fazer a não ser aceitar. Se se negava, acaso Travis faria que seu elefante derrubasse a porta ou chegaria montado nele? Regam estava preparada para algo que Travis mesmo pudesse imaginar.

Ninguém a incomodou o resto da noite e agradeceu a quem se encarregou de dispor tal fenômeno. Já tinha tido bastante nos últimos dias.

Exatamente às oito e quarenta e cinco, bateram na porta. Ao abri-la achou ao Travis, elegantemente vestido com uma jaqueta de cor verde escura e calças verde mais clara. Sorriu-lhe e jogou uma olhada ao bonito vestido de seda cor pêssego que tinha posto.—Está mais bonita que nunca —disse, ao tempo que lhe oferecia o braço.

Assim que Regam o tocou, perdoou-o. Teve vontades de dar um chute por isso, mas toda sua frustração e sua ira, todos seus desejos de matá-lo, abandonaram-na imediatamente. Um pouco enjoada, apoiou-se contra ele um momento. O a tirou do queixo e a olhou aos olhos. Sem deixar de olhá-la-se inclinou e a beijou brandamente.

—Te senti falta de —sussurrou. Logo sorriu e a conduziu para um bonito carro para duas pessoas.

—OH. Travis —foi tudo o que pôde dizer Regam enquanto ele se sentava a seu lado, ante o qual Travis riu em forma sedutora e pôs em marcha os cavalos.

Era uma noite clara, cálida, iluminada pela lua, lhe traguem e serena. Era quase como se Travis tivesse ordenado uma noite assim. depois dos últimos dias, Regam não tinha idéia do que esperava dele, mas não era o que viu quando se detiveram.

Junto ao arroio, sobre o pasto, havia uma manta de veludo com fios dourados e, sobre esta, muitas almofadas de cor azul escura e dourada. Havia taças de cristal, pratos de porcelana e comida de aroma delicioso, tudo rodeado de velas protegidas por globos de vidro opaco de um tom rosado.

Era uma cena irreal, quase celestial.

—Travis... —sussurrou Regam quando a ajudou a baixar—. É formoso.

Travis a conduziu para as almofadas e a ajudou a acomodar-se em uma posição cômoda. Logo abriu uma garrafa de champanha frio. Quando Regam tomou sua taça, Travis se acomodou com uma careta sobre as almofadas que estavam frente a ela.

—Travis, está ferido?

—Até o último maldito osso —respondeu quase em um gemido—. Nunca em minha vida trabalhei tanto como nestes últimos dias. Espero que não necessite que siga te cortejando.

Regam ficou boquiaberta e estava a ponto de lhe responder, mas em troca bebeu um sorvo de champanha, tratando de não engasgar-se.—Não, acredito que já me cortejaste bastante —disse com seriedade—. É mais, acredito que ninguém mais no povo o precisará —adicionou.

—Não siga com o tema —lhe advertiu Travis, enquanto se acomodava melhor, com uma careta de dor—. me Dê algo para comer, quer?

Ordens, pensou Regam, mas sorriu e encheu um prato com frango quente, assado frio, molho e um pudim de arroz e cenouras.

—Foi difícil aprender a caminhar pela corda?

—Em três dias, sim. Com um par de dias mais, teria podido fazê-lo sem essa vara.

—Poderia haver tomado outro dia —sugeriu docemente.

—E te dar tempo com esse pomposo inglês. Batsford? A propósito, que esteve fazendo ultimamente?

—Temo que estive muito atarefada para me fixar nisso.

Travis sorriu com presunção e se recostou contra as almofadas emprestando atenção a sua comida.

—Alegrarei-me quando for a casa comigo e possa comer com regularidade. Ultimamente estive comendo com uma mão e escrevendo com a outra.

—Escrevendo? Ah, sim, perguntava-me se tinha escrito as notas pessoalmente.

—Quem mais te proporia matrimônio? Bom —disse sonriendo ao ver a expressão de Regam—.

Não quis dizer isso e sabe. Crie que ao Jennifer gostou do circo?

—adorou. Entre o pony e as rosas, acredito que a fez a menina mais feliz do mundo.

Travis parecia extasiado.

—Não sabia se poderia trazer para esse maldito elefante a tempo. Que animal tão enorme!

Arrumado a que deixou suficiente abono para mais de dois hectares de milho. Estava pensando em levar um pouco a casa para ver o que resultado dá. Claro que o melhor é o abono de galinha, mas disso não se pode tirar muito. Talvez este elefante...interrompeu-se para ouvir a gargalhada de Regam. Olhou-a entrecerrando os olhos e logo apartou a vista, ignorando-a por completo.

—Travis, terá havido alguma vez alguém como você neste mundo?

Travis lhe piscou os olhos um olho e lhe sorriu.-

—Estive bem na corda verdade? Agora me dê uma parte desse bolo. Crie que Brandy quererá dever cozinhar para nós?

Regam não respondeu enquanto cortava o bolo. Nos últimos dias, Travis lhe tinha proposto matrimônio milhares de vezes, mas nunca cara a cara e não se incomodou em esperar uma resposta.

E nunca lhe havia dito que a amava.

Entregou-lhe o bolo e lhe disse:

—Acredito que Brandy quer fazer outras coisas, mas estou segura de poder encontrar uma cozinheira melhor que seu Malvina.

Travis riu entre dentes e provou uma parte de bolo......Fez-te acontecer um mau momento .verdade? Nossa velha cozinheira morreu faz seis anos e Margo nos trouxe para a Malvina. Nunca me causou problemas, mas teve certos roce com o Wes. Poderia te haver liberado dela, sabe?

—Isso farei —respondeu Regam com um brilho nos olhos—. Estou ansiosa por fazê-lo.

Travis guardou silêncio portanto tempo que Regam o Miro. À luz da lua, certamente era uma ilusão óptica, mas seus olhos pareciam úmidos. Não podia ser, porque em essência Regam acabava de lhe dizer que voltaria com ele.

—Alegra-me ouvir isso —disse ao fim logo sorriu para si e voltou para seu bolo—. Wes pode te ajudar com o que necessite enquanto eu esteja no campo.

—Acredito que me poderei arrumar isso Como é Wes? Passa muito tempo na casa?

—É um bom moço, às vezes um pouco teimoso e tenho que lhe baixar um pouco as fumaças, mas em geral me ajuda.

Regam tratou de não sorrir.

—Quer dizer que expressa sua opinião e se atreve a diferir contigo e você... chegam aos murros?

—Vê isto?—disse Travis à defensiva, assinalando uma diminuta cicatriz que tinha no queixo—. Me fez isso meu hermanito, de modo que não tem por que falar como se ele levasse as de perder.

—E me levantará a mão quando me atrever a dissentir ?

—Jamais estiveste de acordo comigo, e nunca te golpeei. Segue me dando filhos como Jennifer e sempre me agradará. Agora voltemos, preciso dormir.

—Só lhe interessam os filhos que lhe dou? —perguntou Regam com seriedade.

A única resposta foi um gemido, embora Reguem não soube se se devia à pergunta ou aos músculos doloridos.

—lhe deixe disse Travis quando Regam começou a recolher os pratos—. Mais tarde virá alguém a recolher tudo.

encaminharam-se para o carro.

—A quantas pessoas contratou nestes dias? E como abriu minha caixa forte?

Sem contemplações, Travis a levantou e a depositou sobre o assento.

—Um homem deve ter seus segredos. Contarei-lhe isso quando fizermos cinqüenta anos de casados. Reuniremos a nossos doze filhos e lhes contaremos a história da declaração mais empreendedora, criativa e romântica do mundo.

E lhes falaremos do abono de elefante?, pensou Regam, mas não disse nada, e ficaram em marcha para o povo.

Ao chegar à porta de Regam, Travis bocejou, beijou-lhe a mão e se dirigiu ao que Regam supôs que seria sua habitação. Estupefata, perplexa, Regam ficou de pé junto a sua cama, olhando a porta fechada.

depois de tudo o que lhe tinha feito passar, depois de todas aquelas proposições de matrimônio, tinha-a levado de picnic à luz da lua, sem mencionar em nenhum momento o matrimônio e falando de abono de elefante e a tinha deixado em seu dormitório sem sequer um beijo de boa noite. Em toda a noite não a havia meio doido, nem sequer parecia consciente de sua cercania nem de que ela o desejava tanto. Claro que ela tinha dissimulado bem seus sentimentos, sabia, mas ele também devia sentir ao menos um pouco de paixão ou certo desejo. Possivelmente para ele fora suficiente fazer o amor uma vez cada quatro anos. depois de tudo, Travis já tinha bastante idade, teria uns trinta e oito anos já. Talvez a essa idade os homens...

Regam começou a despir-se. Quando se tinha posto o vestido, tinha imaginado ao Travis tirando-lhe Talvez ele não queria casar-se com uma impudica. Se! Isso tinha que ser! O sempre tinha pensado que estavam casados e sabendo que não o estavam... Não, tampouco estavam casados lodo o tempo que passaram no navio.

sentou-se na cama e se tirou os sapatos e as médias. Talvez Travis só estava cansado, tal como havia dito e não tinha energias para dedicar-se a ela essa noite. ficou uma singela camisola de algodão, passou a ver sua filha, que dormia, e se deitou em sua enorme cama, fria e vazia.

Uma hora mais tarde seguia acordada e sabia que essa noite não poderia dormir, não enquanto ela estivesse em uma cama e Travis em outra.

—Ao diabo com seu cansaço! —exclamou em voz alta ao tempo que jogava a um lado as mantas.

Em seu guarda-roupa tinha algo que nunca tinha usado, um presente do Brandy. Era uma bata de seda branca, suave, quase transparente e tão decotada que deixava pouco liberado à imaginação. O

peitilho consistia em muito poucos centímetros de tecido sobre uma cinta de cetim branco e esses poucos centímetros eram tão rodeados que faziam ressaltar os peitos de Regam por cima do tecido.

—Estará cansado, mas duvido de que esteja morto —disse sonriendo, ao olhar-se ao espelho. ficou uma capa e subiu a escada por volta do quarto do Travis.

Travis estava de pé no centro de sua habitação, sonriendo para si, com uma taça de oporto na mão, quando Margo entrou e deu uma portada. O sorriso do Travis se esfumou imediatamente.

—Vete —lhe ordenou que—. Regam chegará em qualquer momento.

—Essa rameira! —vaiou Margo—. Travis, dá-me asco! Sabe o ridículo que tem feito nos últimos dias? Todo o povo ri de ti. Nunca viram um homem que fizesse tantas tolices.

—Já há dito o que tinha que dizer. Agora vete —disse Travis fríamente.

—Não hei dito nem a metade. Nos últimos dias formulei muitas perguntas e pelo que averigüei, nem sequer sabe quem é essa mulher. por que teria que casar-se contigo, um parvo e grosseiro americano? Está orgulhoso dessa plantação que tem, mas sabia que sua pequena Regam poderia comprá-la sem muito esforço?

Esperou para ver como tomava Travis a notícia. Travis nem sequer piscou só a olhou com desagrado.

—Ela vale milhões —prosseguiu Margo—. E os terá na próxima semana. Pode ter a qualquer homem que deseje; por que teria que casar-se com um granjeiro americano"'

Travis seguia sem falar.

—Talvez sim sabia —disse Margo—. Possivelmente sempre soube e por isso está disposto a fazer tanto o ridículo para consegui-la. Os homens fazem algo para obter esse dinheiro. Não pôde dizer mais. Travis tomou pelo cabelo e a fez jogar a cabeça para trás.

—Vete —lhe ordenou com voz grave—. E roga que nunca volte a verte —adicionou, e a empurrou para a porta. Margo se recuperou quase imediatamente.

—Travis —lhe rogou jogando-se sobre ele e abraçando-o—. Não sabe quanto te amo? Sempre te amei, desde que fomos meninos. Sempre foste meu. Desde que a trouxe para casa e disse que era sua esposa, morri um pouco cada dia. E agora isto... toda esta estupidez por ela e não entendo por que. Ela nunca te quis. Abandonou-te, pêra eu sempre estive contigo, sempre perto quando me necessitava. Não posso competir com seu dinheiro, mas posso te dar amor se me deixar. Abre os olhos, Travis e me olhe. Vê quanto te amo.

Travis separou de se os braços do Margo e a manteve a distância

.—Nunca me amou. Quão único queria era minha plantação. Faz anos que sei que está endividada.

Ajudei-te muitas vezes, mas não te ajudarei ao ponto de me casar contigo. Disse-o em tom suave e era óbvio que não lhe agradava vê-la desintegrar-se dessa maneira.

Quando Regam abriu a porta em silêncio, esperando ver o Travis dormido e deitar-se com ele, viu-o com o Margo, olhando-a com ternura, girou sobre seus talões e pôs-se a correr.

Travis deixou cair ao Margo e saiu detrás Regam.

Regam sabia que nunca conseguiria chegar a seu quarto antes que Travis, de modo que provou a terceira porta antes da sua, a da habitação do Farrell.

Travis conseguiu aferrar a capa de Regam justo quando ela entrava e ficou com a capa na mão enquanto ouvia girar a chave na fechadura.

—Regam? —escolho Farrell. com os olhos dilatados, enquanto acendia uma vela, ficava as calças com pressa e se levantava, tudo ao mesmo tempo—. Parece aterrada.

Com os olhos muito abertos, Regam se apoiou contra a porta, agitada.

—Margo e Travis —foi tudo o que pôde dizer. Imediatamente se separou da porta de um salto quando um pouco pesado a golpeou. Ao seguinte golpe, a bota do Travis atravessou a madeira e logo sua mão abriu a porta. Atravessou a habitação em duas grandes pernadas e aferrou o braço de Regam.

—Já tive suficientes jogos—disse—. Esta vez vais obedecer me, queira-o ou não.

—Um momento! —interveio Farrell, tratando de tomar o braço do Travis.

Travis o olhou de acima a abaixo, descartou-o e se voltou para Regam

.—Tem vinte e quatro horas para empacotar, e depois nos partiremos. Casaremo-nos em minha casa.

Regam se separou dele

.—E Margo estará em nossas bodas? Ou acaso prefere passar com ela nossa noite de bodas?

—Quando chegarmos a casa poderá ter todos os ataques de ciúmes que queira, mas já estou farto de caminhar pela corda frouxa e de procurar todas essas malditas rosas que você parece necessitar, e não penso seguir tolerando isto. Se for necessário, encadearei a minha cama, mas que não te caiba dúvida de que você e minha filha ireis viver comigo.

aplacou-se um pouco.

—Regam, fiz tudo o que pude para te demonstrar que me ama. Ainda não o compreende?

—Eu?—exclamou—. Que eu te amo? Eu nunca o duvidei. Foi você quem estava inseguro. Nunca me amou. A primeira vez teve que te casar comigo. Teve que...deteve-se e olhou ao Travis, incrédula.

Travis trastabilló para trás e suas mãos caíram a seus lados, inertes. Às cegas, pálido, procurou provas um ponto de apoio. Pareceu envelhecer dez anos em um segundo ao deixar cair pesadamente sobre uma cadeira.

—Que tive que me casar contigo?—murmurou com voz débil e rouca—. Que estava inseguro? Que alguma vez te amei? Por um momento afundou a cara entre as mãos e quando voltou a olhá-la, seus olhos estavam avermelhados.

—Amo-te do primeiro dia em que te vi —disse em voz baixa—. por que se não, me teria importado o que te ocorresse? Foi tão jovem e estava tão assustada... e eu tinha medo de te perder. Sua voz cobrou força.

—por que diabos teria arriscado minha vida a bordo desse navio para salvar a esse menino Wainwright, que tanto te agradava? Sabe quantas vontades tinha de jogá-lo pela amurada? Mas não o fiz porque você o queria. E diz que nunca te ame...ficou de pé, começava a zangar-se.

—E te advirto que não é a primeira que tem meu filho. Não tive que me casar contigo.

—Mas disse que sempre te casava com a mãe de seus filhos. Eu pensei... —disse Regam, entre lágrimas. Travis levantou as mãos com exasperação.—Estava assustada e furiosa, nem sequer sabia que foi atener um bebê. O que devia dizer eu? Que tenho um filho ilegítimo em casa? Que sua mãe tratou de me demandar por não me casar com ela?

—Você... poderia haver dito que me amava.

Travis se serenou

.—Jurei ante testemunhas que te amaria pelo resto de minha vida. Que mais podia fazer?

Regam-se Miro as mãos.

— Nunca me tem proposto matrimônio... pessoalmente.

—Que alguma vez te propus matrimônio?—rugiu Travis—. Maldição Regam! Que mais quer de mim? Fiz o ridículo diante de todo um estado e você diz... interrompeu-se. ajoelhou-se ante ela e juntou as mãos.

—Regam querem te casar comigo? Por favor. Amo-te mais que a minha própria vida. Por favor, te case comigo.

Regam apoiou uma mão no ombro do Travis

.—E Margo? —sussurrou.

Travis apertou os dentes, mas respondeu

:—Poderia me haver casado com ela faz anos, mas nunca quis fazê-lo.

—por que não me disse isso?

—por que não o entendeu sem que lhe dissesse isso? —replicou—. Te amo. Casará-te comigo?

—Sim! —exclamou Regam, e o abraçou—. Me casarei contigo para sempre.

Nenhum dos dois tinha consciência do que ocorria a seu redor e se surpreenderam quando ouviram os aplausos.

Regam afundou a cara no pescoço do Travis

.— Há muita gente? —perguntou, com temor.

—Temo que sim—respondeu Travis—. Suponho que ouviram quando me fechou a porta.

Regam nem sequer se incomodou em corrigi-lo, em lhe dizer que o ruído o tinha produzido sua bota ao fazer pedaços a porta e não ela ao girar a chave.

—Quer me tirar daqui?—sussurrou—. Não acredito que possa lhes olhar à cara.

Triunfante, Travis ficou de pé com Regam em seus braços e se dirigiu à porta. A gente do povo e inclusive os hóspedes do hotel, vários dos quais tinham prolongado sua estadia ao chegar a primeira rosa do Travis, sentiam-se envoltos naquele romance e tinham chegado correndo ao primeiro estalo de madeira.

As mulheres com grosas batas e rizadores no cabelo, lançaram um profundo suspiro enquanto Travis se levava a Regam.

—Sabia que teria um final feliz —disse uma delas—. Como pôde rechaçá-lo?

—Minha esposa nunca me acreditará quando o contar —disse um homem—. Talvez me perdoe por voltar três dias mais tarde.

—É um parvo se isto contas a sua esposa —bufou outro—. Deveríamos fazer um pacto e guardar o segredo, ou todas as mulheres do país esperarão que as cortejemos assim. Eu por minha parte, não penso caminhar por nenhuma corda, por nenhuma mulher do mundo. Direi a minha esposa que passei estes três dias com outra mulher, trará-me menos problemas —concluiu e se voltou para o dormitório de homens. À larga, a gente decidiu voltar para a cama, e se sobressaltaram quando Farrell fechou de um golpe o que ficava de sua porta.

Durante vários minutos, Farrell não deixou de amaldiçoar a América do Norte, aos norte-americanos e às mulheres em geral. Esses dois o tinham ignorado, dizendo-se mentiras de apaixonados como se ele nem sequer estivesse na habitação. Ao recordar todo o dinheiro que tinha gasto em sua busca de Regam e em cortejá-la, começou a ficar mais e mais furioso. Entretanto, ela aceitava a um animal que derrubava portas, a um imbecil a quem todos consideravam um parvo.

Essa mulher estava louca! E pertencia a ele, ao Farrell Batsford. tomou-se muito trabalho para conseguir seu dinheiro e não pensava dar-se por vencido sem razão. Depressa ficou uma bata e foi em busca do Margo. Sabia que ela não tomaria à ligeira aquela humilhação pública. Talvez os dois poderiam planejar algo.

—Olhe Travis —murmurou Regam, acariciando a perna do Travis com a sua. O sol do amanhecer dava um tom dourado a sua pele.

—Não comece outra vez —lhe advertiu Travis—. Ontem à noite quase me deixou esgotado.

—Pois não parece que te tenha esgotado tudo —replicou rendo; beijou-lhe o pescoço e se moveu contra ele.

—Será melhor que te comporte se não querer dar um mau exemplo a sua filha. bom dia, carinho —

saudou. Regam se apartou bem a tempo, pois Jennifer deu um salto e aterrissou sobre o ventre do Travis.

—tornaste papai! —exclamou—. .Posso montar a meu pony hoje? Podemos ir ao circo outra vez?

Ensinará-me a caminhar pela corda?

—Em lugar do circo, o que lhe parece ir a casa comigo? Não tenho um elefante, mas sim muitos outros animais e um hermanito.

—Wesley sabe que falas assim dele? —perguntou-lhe Regam, mas Travis a ignorou.

—Quando podemos ir? —perguntou Jennifer a sua mãe.

—Em dois dias? —sugeriu Regam olhando ao Travis—. Tenho muito que fazer.

—Agora meu amor —respondeu Travis—, vá à cozinha a tomar o café da manhã. Nós desceremos em um momento. Quero falar com sua mãe.

—Falar? —perguntou Regam quando ficaram a sós esfregando-se contra ele—. Eu gosto de muito nossas "conversações".

Travis a separou de si, com seriedade nos olhos

.—Falava a sério, quando disse que queria falar contigo. Quero saber quem é e o que fazia em camisola no porto do Liverpool a noite que te encontrei.

—Preferiria falar disso em outra ocasião —respondeu Regam com toda a ligeireza que pôde demonstrar—. Tenho muito que fazer.

Travis a atraiu para si

.—me escute. Sei que o que te ocorreu é muito doloroso. Não insisti nisso desde que saímos da Inglaterra, mas agora estou aqui e está a salvo. Não deixarei que nada te faça mal, e quero sabê-lo tudo sobre ti.

Passaram vários minutos até que Regam pôde falar. Contra sua vontade começou a recordar aquela noite em que tinha conhecido ao Travis e sua vida anterior. Durante anos tinha sido livre, tinha conhecido a outras pessoas, tinha visto como viviam e agora via a prisão em que tinha passado sua infância.

—Cresci com uma falta absoluta de liberdade —começou, ao princípio sem emoção, mas ao pensar na maneira em que a tinham tratado em sua infância, ficou mais e mais furiosa.

Travis não a apressou em nenhum momento; só a abraçava, protegia-a com seus braços e seu corpo, enquanto ela relatava toda sua história. Passou um comprido momento até que chegou de noite em que tinha ouvido a conspiração do Farrell e seu tio. Travis não disse uma palavra, mas seus braços a aferraram com mais força.

Regam prosseguiu relatando ao Travis o que sentia então por ele, como a assustava e ao mesmo tempo, como ela se aferrava a ele, oscilando entre sua necessidade de demonstrar seu próprio valor e seu desejo de amparar-se na força dele. Contou-lhe tudo o que tinha sentido na plantação e riu um pouco daquela muchachita assustada, temerosa de dar ordens a seus próprios serventes. Terminou com a história de como o tinha abandonado, dos rastros que tinha deixado, do muito que tinha chorado ao ver que ele não a buscava.

—Eu poderia te haver ajudado em casa —disse Travis quando Regam concluiu—. Mas sabia que te teria incomodado. O dia que veio Margo, quando te queimou a mão, tive vontades de matar a Malvina.

Regam o olhou

.—Não tinha idéia de que te tivesse informado disso.

—Estou a par da maioria do que ocorre em minha plantação —respondeu—. Sinceramente, não sabia como te ajudar. Sabia que tinha que aprender a te ajudar a ti mesma.

—Sempre tem razão, meu adorado marido?—perguntou Regam, lhe acariciando a cara.

—Sempre. E espero que o recorde e que de agora em diante, obedeça-me em tudo.

Regam lhe dirigiu seu sorriso mais doce.

—Penso te contradizer todo o tempo. Cada vez que me dê uma ordem, eu...

interrompeu-se quando Travis a beijou com força. Logo a empurrou para que se levantasse.

—te levante, vístete e vá ver que Brandy prepare suficiente comida para meu café da manhã.

Recebeu um travesseiro na cara. —Acabo de te dizer que sou rica e nem sequer faz um só comentário. A muitos homens gostaria de ter meu dinheiro entre as mãos.

Travis observou o corpo nu de Regam e sorriu lentamente

.—Estou olhando o que eu gosto de ter entre as mãos. Quanto a seu dinheiro, pode pagar esse circo que queria e o que fique, pode dar-lhe a nossos filhos.

—O circo que eu queria? —exclamou—. Todo isso foi tua idéia.

—Você queria que te cortejasse.

—Precisamente! Sua forma de cortejar foi a mais exagerada, torpe e inepta que tenha visto!

Qualquer inglês o teria feito melhor.

Sem alterar-se, Travis se recostou sobre o travesseiro.

—Mas consegui que viesse a esta habitação com

uma bata transparente, quase me rogando que te fizesse o amor, de modo que, aparentemente, não estive tão mal.

Regam ficou boquiaberta um momento, e logo pôs-se a rir enquanto se vestia.

—É insofrível. Trago-te o café da manhã à cama ou prefere um comilão privado?

—Assim fala uma boa garota. Trata seguindo desta maneira. Acredito que comerei na cozinha, só te assegure de que haja muita comida.

Regam saiu da habitação rendo ainda e Travis se perguntou como teria que pagar aquele último comentário. Mas, fizesse o que fizesse Regam, a vida com ela seria maravilhosa. Ela valia toda a dor que tinha tido nos últimos anos. Lentamente, satisfeito, começou a vestir-se.

Esse dia, a maioria da gente do povo passou pelo hotel para felicitar a Regam por sua futura bodas e para despedir-se dela, pois sabiam que partiria muito em breve. Ao contrário do que pensava Margo, ninguém pensava que Travis fora um parvo. Às mulheres parecia maravilhosamente romântico e aos homens agradava a maneira em que procurava o que queria.

No meio da amanhã, Regam estava enterrada até as orelhas de trabalho. Uma criada se queixou de que tinha encontrado uma mancha de tinta de uma cor estranha em um jogo de lençóis e todos pareciam queixar-se por uma coisa ou outra. Ou possivelmente fora a imaginação de Regam, provocada pela tristeza que lhe causava partir do hotel que tinha construído com o Brandy.

—Está triste, verdade? —perguntou-lhe Travis aproximando-se desde atrás.

Regam ainda não se acostumou à aguda percepção daquele homem. Antes não se precaveu de que tivesse tanta consciência de suas necessidades e seus problemas e agora a assombrava sua sensibilidade.

—Sentirá-se melhor quando chegar a casa. O que precisa é um novo desafio.

—E o que passará quando aprender tudo o que terá que saber sobre o manejo de uma plantação? —

perguntou-lhe voltando-se para ele.

—Isso não acontecerá nunca, porque a plantação me inclui e nunca o aprenderá tudo sobre mim.

Agora bem, onde está minha filha?

—Pelo general a esta hora está com o Brandy. Não me fixei porque pensei que você estava com ela.

—Pensou um momento e logo sorriu.— Onde está o pony que lhe comprou? Onde esteja, ali estará Jennifer.

—Já olhei no estábulo, mas não está ali e Brandy não a viu em toda a manhã.

—Nem sequer para o café da manhã? —perguntou com o cenho franzido—. Travis! —exclamou alarmada.

—Espera um minuto —a tranqüilizou—. Não te altere. Possivelmente foi à casa de alguma amiguita.

—Mas ela sempre me diz aonde vai... sempre! é a única maneira em que posso saber onde está enquanto trabalho.

—Está bem —disse Travis—. Você procura-a no hotel e eu a buscarei pelo povo. Em um momento a encontraremos Agora vê! —adicionou rendo.

O primeiro que lhe ocorreu a Regam foi que talvez a excitação do dia anterior lhe tinha provocada dor de estômago e teria tornado a deitar-se e esquecido dizer a ninguém aonde iria. Com sigilo Regam atravessou seu dormitório e abriu a porta de sua filha. Esperava vê-la dormida na cama, de modo que ao princípio não entendeu a desordem da habitação. Havia roupa por toda parte, gavetas abertas, os lençóis estavam meio arrancos da cama e os sapatos estavam pulverizados pelo chão e sobre a cama.

—esteve fazendo a bagagem! —disse em voz alta, aliviada.

Quando se ajoelhou para recolher um sapato, viu a nota sobre o travesseiro. Não devolveriam ao Jennifer a menos que colocassem cinqüenta mil dólares ao pé do velho poço que estava ao sul do povo, em um prazo de dois dias.

O grito angustiado de Regam se ouviu em todo o hotel. Brandy com as mãos e o avental talheres de farinha, foi primeira em chegar ao quarto do Jennifer. Apoiou um braço sobre os ombros trementes de Regam, levou-a a sentar-se na cama e tomou a nota.

Brandy levantou a vista e olhou às pessoas que estava na porta

—Que alguém vá procurar ao Travis —ordenou que—. lhe Digam que venha aqui imediatamente.

Regam ficou de pé, mas Brandy a deteve.

—Aonde vai?

—Tenho que ver quanto dinheiro tenho na caixa forte —respondeu aturdida—. Sei que não é suficiente. Crie que possa vender algo em dois dias?

—-Regam, sente-se e espera ao Travis. Saberá como conseguir o dinheiro. Inclusive é provável que tenha um pouco aqui.

. Sem ter consciência do que fazia. Regam voltou a sentar-se, aferrando a nota dos seqüestradores e um dos sapatos do Jennifer. Momentos mais tarde Travis irrompeu na habitação.

Ao vê-lo, Regam se levantou de um salto e correu para ele.

—Alguém se levou a minha filha! —exclamou—. Tem dinheiro? Pode conseguir cinqüenta mil dólares? Certamente pode conseguir essa soma.

—Espera, me deixe ver a nota —disse Travis ao tempo que a abraçava com firmeza. Leu-a várias vezes antes de levantar a vista.

—Travis —disse Regam—. O que temos que fazer para conseguir o dinheiro?

—Isto eu não gosto de —murmurou Travis pelo baixo e se voltou por volta do Brandy—. Passou toda a manhã na cozinha? Brandy assentiu.

—E não ouviu nada? Viu algum estranho no corredor? —perguntou assinalando com a cabeça para o corredor que dava à cozinha e ao despacho de Regam.

—A ninguém. Nada fora do comum.

—vá procurar a todo o pessoal e traz-os aqui imediatamente —ordenou ao Brandy.

-—Travis, por favor, temos que começar a reunir o dinheiro.

Travis se sentou na cama e atraiu a Regam entre seus joelhos.

—me escute. Aqui algo anda mau. Há só duas maneiras de entrar em seu apartamento: passando pela cozinha ou pela porta traseira. Brandy e as cozinheiras sempre estão nesse corredor que vai da cozinha à despensa e ninguém teria podido sair com o Jennifer sem ser visto. Então fica a porta traseira, que sei que sempre tem jantada com chave. A fechadura não foi forçada, de modo que Jennifer deveu abri-la de dentro.

—Mas não pode ser! Ela sabe que não deve fazer isso.

—A isso vou. Só a abriria a alguém que conhecesse e em quem confiasse, alguém que fora amigo da casa. E agora, o segundo ponto. Quem sabe que pode conseguir cinqüenta mil dólares? Ninguém no povo me conhece e até ontem eu não sabia que você tivesse dinheiro. Isto significa que alguém sabe muito mais de ti que os residentes do Scarlet Springs.

—Farrell! —exclamou Regam—.Sabe melhor que eu quanto dinheiro tenho.

Nesse momento Brandy retornou com o pessoal, todos vinham em silêncio e com os olhos dilatados, e atrás deles chegava Farrell Batsford.

—Regam —disse—, acabo de me inteirar. Há algo que possa fazer?

Travis passou a seu lado e começou a interrogar ao pessoal, a lhes perguntar se tinham visto algo que lhes chamasse a atenção essa manhã, se tinham visto o Jennifer com alguém.

Enquanto pensavam, sem recordar nada, Travis tomou a mão de uma criada.

—O que é isto que tem nos dedos? De onde saiu?

A moça retrocedeu, assustada.

—É tinta. Saiu dos lençóis da número doze.

Travis se voltou para Regam, à expectativa.

—É a habitação do Margo —disse com pesadumbre. Sem outra palavra, Travis saiu do apartamento pela porta traseira e se encaminhou aos estábulos e Regam saiu atrás dele. Quando o alcançou, ele estava selando um cavalo.

—Aonde vai? —perguntou-lhe—. Travis! Temos que conseguir o dinheiro!

Travis se deteve o tempo suficiente para lhe acariciar a bochecha

.—Margo tem ao Jennifer—disse enquanto continuava selando ao cavalo—. Sabia que encontraríamos a tinta e sabe que eu irei atrás dela. Isso é o que procura em realidade. Não acredito que faça mal ao Jennifer.

—Que não o crie! Sua rameira se levou a minha filha Y...

Travis levou um dedo aos lábios de Regam.

—É também minha filha e se tiver que dar ao Margo cada hectare que possuo, farei-o com tal de recuperar ao Jennifer. Agora quero que fique aqui, porque eu posso me encarregar melhor disto solo

—disse e montou.

—Pretende que fique aqui a esperar? Como sabe onde está Margo?:

—Sempre vai a sua casa —respondeu—. Sempre vai aonde pode estar perto da memória de seu maldito pai. Tomou as rédeas, aplicou um chute ao cavalo e desapareceu em meio de uma nuvem de pó.

Era de madrugada, três dias mais tarde, quando Travis deteve seu cavalo frente à casa do Margo. Tinha necessitado vários cavalos para viajar à velocidade que lhes exigia. Desmontou de um salto e entrou na casa dando uma portada. Sabia exatamente onde encontrar ao Margo: na biblioteca, sentada sob o retrato de seu pai.

—demoraste um pouco mais do que esperava —lhe disse Margo alegremente ao saudá-lo. Seu cabelo avermelhado, emaranhado chegava aos ombros, e tinha uma mancha escura na bata.

—Onde está?

—Ela está bem —respondeu Margo rendo ao tempo que levantava um copo de uísque vazio—. vá ver a você mesmo. Estranha vez faço mal aos meninos. Depois vêem beber algo comigo.

Travis subiu os degraus de dois em dois. Em um momento de sua vida tinha visitado com freqüência a casa Jenkins e a conhecia muito bem. Agora enquanto procurava a sua filha, não emprestava atenção aos sítios das paredes onde antes houvesse retratos nem às mesas que agora careciam de ornamentos.

Encontrou ao Jennifer dormida na cama que ele tinha utilizado em sua infância. Levantou-a e a menina abriu os olhos sorriu, disse "papai" e voltou a dormir. Certamente tinha viajado com o Margo toda a noite e ainda tênia na cara e na roupa o pó do caminho. Com cuidado voltou a deixá-

la na cama, beijou-a e voltou para a planta baixa. Era perfure falar com o Margo. Ela nem sequer levantou a vista quando Travis atravessou a biblioteca e se serve uma taça de oporto.

—por que? —murmurou Margo—. por que não te casou comigo? depois de todos os anos que passamos juntos... Cavalgávamos juntos, nadávamos nus, fazíamos o amor. Sempre pensei e meu pai também pensava...

Interrompeu-a o grito do Travis

.—Por isso mesmo! Esse maldito teu pai! Em sua vida amou só a duas pessoas: a ti mesma e a Ezra Jenkins. deteve-se e levantou sua taça em gesto de saudação ao retrato se localizado sobre o lar.

—Você nunca o entendeu, mas seu pai era o embusteiro mais miserável e mesquinho que tenha existido. Roubava centavos aos meninos escravos. Nunca me importou muito o que fazia, mas cada dia via que te parecia mais a ele. Lembra-te de quando começou a cobrar aos bicho-tesouras pelas lançadeiras rotas?

Margo levantou a vista com desespero no rosto.

—O não era assim. Era bom Y...

Travis bufou.

—Era bom contigo e com ninguém mais.

—E eu teria sido boa contigo —insistiu Margo suplicante.

—Não! Teria-me odiado por não extorquir nem roubar a todo mundo. Teria visto essa atitude como uma debilidade de minha parte.

Margo tinha a vista cravada em sua bebida

—Mas por que ela? por que um rato de boca-de-lobo como essa inglesa pálida e flacucha? Nem sequer sabia preparar uma taça de chá.

—Sabe bem que não é nenhum rato de boca-de-lobo, posto que lhe pede cinqüenta mil dólares de resgate.

Os olhos do Travis começaram a obnubilarse ao recordar aquela noite na Inglaterra.

—Deveria havê-la visto quando a conheci, suja, assustada, vestida só com uma camisola esmigalhada. Mas falava como uma dama do melhor berço. Cada palavra, cada sílaba era tão precisa... Mesmo que chora, fala assim.

—E te casou com ela por seu maldito acento presumido? —disse Margo com fúria.

Travis sorriu com ar distante

.—Casei-me com ela pela forma em que me olhe. Faz-me sentir o melhor homem do mundo.

Quando ela está comigo posso fazer algo. E foi um prazer vê-la crescer. deixou que ser uma menina assustada e se converteu em uma mulher. —Seu sorriso se voltou mais ampla.— E é toda minha.

Margo jogou no outro lado da habitação seu copo vazio, que se estrelou contra a parede, detrás do Travis.

—Acaso pensa que vou ficar me aqui escutando os desvarios que diz de outra mulher?

O rosto do Travis se endureceu

.—Não tem que me escutar se não querer. irei procurar a minha filha e a levarei a casa.

Ao pé da escada se voltou para o Margo.

—Conheço-te bem. Sei que é pelo que te ensinou seu pai que tentou conseguir o que queria desta maneira absurda. Esta vez não farei cargos, porque Jennifer está ilesa. Mas se voltar A...deteve-se e se esfregou os olhos. de repente teve muito sonho e ao subir a escada, parecia um bêbado Pouco depois de que Travis partisse do hotel, Regam voltou para seu apartamento, aturdida. Farrell a esperava.

—Regam por favor, tem que me dizer o que acontece. Alguém tem feito mal a sua filha?

—Não —murmurou—. Não sei. Não posso te dizer nada.

—lhe sente -—insistiu rodeando-a com seu braço—, e conta-me o lodo.

Em poucos minutos Regam lhe contou a história.

—E Travis te deixou aqui para que sofresse sozinha? —perguntou Farrell surpreso—. Não tem idéia do que lhe esteja passando a sua própria filha e tem que confiar em que ele a recupere de mãos de seu ex-amante?

—Sim —respondeu com impotência—. Travis disse.. .

—E desde quando deixa que outra pessoa dirija sua vida? Acaso não preferiria estar com sua filha e não aqui, sem saber nada?

—Sim! —exclamo, ficando de pé—. É obvio que se.

—Então, vamos. Partiremos imediatamente.

—Os dois?

—Se —disse Farrell tornando a da mão—. Somos amigos e os amigos devem ajudar-se nas desgraças.

Só mais tarde, quando foram no carro rumo ao sul, para a plantação do Travis, Regam se precaveu de que não havia dito a ninguém aonde ia. Entretanto, não pensou muito nisso, pois estava muito preocupada com a segurança de sua filha.

Viajaram durante várias horas. O carro ia muito devagar para o gosto de Regam e em um momento se adormeceu. Despertou abruptamente quando Farrell lhe tocou o braço. Estava de pé no chão, a seu lado; o carro se deteve.

—por que nos detemos? —perguntou Regam. Farrell a fez descer do carro.

—Precisa descansar, e temos que falar.

—Falar! —-exclamou Regam—. Podemos falar mais tarde, e não preciso descansar. Tratou de apartar-se dele, mas Farrell a sustentou com firmeza.

—Regam, sabe quanto te amo? Sabia o que faz muito tempo me apaixonei por ti na Inglaterra? Seu tio me ofereceu dinheiro e eu o aceitei, mas me teria casado contigo sem o incentivo do dinheiro.

Foi tão doce e inocente, tão encantadora...

Em sua aflição, Regam não reparou em que se achava sozinha com aquele homem em meio de um bosque afastado.

—OH, por todos os céus, Farrell! O que tenho feito para que me cria tão imbecil? Nunca me amou e nunca me amará. Quão único quer é meu dinheiro, o qual não vais conseguir. Então, por que não te leva como um bom moço, volta para sua pobre e bonita casa na Inglaterra e me deixa em paz.?

Em um abrir e fechar de olhos, Farrell a golpeou e a moça caiu de costas contra a carruagem.

—Como te atreve a me falar assim? Minha família descende de reis, enquanto que seus antepassados foram simples mercados. O fato de que tenha que me rebaixar a me casar com uma mulher como você, que sabe mais de livros contáveis que de encaixes, é...

Enquanto Farrell falava, Regam começou a recuperar-se. Muito mais importante que seus problemas com o Farrell era sua preocupação pelo Jennifer. Ainda de joelhos pela queda, atacou contra ele e lhe deu com a cabeça justo entre as pernas.

Farrell ficou dobrado em duas pela dor e Regam aproveitou para escapar. Jogou uma olhada ao carro e viu que Farrell tinha desenganchado os cavalos o suficiente para que não constituíra um meio rápido de fuga. levantou-se as saias e pôs-se a correr de retorno ao caminho. Bem a tempo, viu uma velha e ruinosa carreta que desaparecia em uma curva. Recorreu a todas suas energias para alcançá-la.

Conduzia-a um ancião de grandes costeletas cinzas.

—Persegue-me um homem! —explicou-lhe Regam, correndo ao mesmo tempo da carreta.

—E deve apanhá-la? —perguntou o velho obviamente divertido pela situação.

—Quer me obrigar a me casar com ele, porque quer meu dinheiro! Mas eu quero me casar com um norte-americano!

O patriotismo decidiu ao homem. Sem sequer diminuir a marcha, aferrou o braço de Regam e a subiu à carreta como se não pesasse nada. Com outro movimento rápido a localizou na parte traseira e a cobriu por completo com sacos de cereais. Segundos depois apareceu Farrell a cavalo e Regam conteve o fôlego para ouvir sua voz. Por um momento o velho fingiu ser surdo e se negou a que Farrell revisasse a carreta; quando insistiu, o homem desencapou uma pistola. Finalmente admitiu a contra gosto ter visto passar a três homens, um dos quais levava a uma mulher bonita, Farrell partiu em meio de uma nuvem de pó.

—Já pode sair—disse o velho enquanto tomava o braço de Regam e a fazia passar ao assento.

A moça se esfregou o braço e conteve os desejos de lhe pedir que deixasse de tratá-la como se fora um de seus sacos de cereais. Espirrou várias vezes e logo perguntou ao homem se sabia onde estava a plantação Stanford, na Virginia.

—É muito longe. São vários dias de viagem.

—Não se trocarmos de cavalos e viajamos toda a noite. Pagarei-lhe os cavalos e todos os gastos.

O homem a observou uns minutos.

—Talvez possamos fazer algo. Levarei-a o mais depressa possível se me disser por que a perseguia esse inglês e para que busca ao Travis. Ou é ao Wesley a quem busca?

—Contarei-lhe tudo e Travis é meu.

—Senhorita, não terá tempo para aborrecer-se —comentou o velho rendo entre dentes e açulou aos cavalos para que se movessem.

Em poucos segundos avançavam pelo caminho a toda velocidade. Regam se sustentava com ambas as mãos e os dentes lhe tocavam castanholas constantemente. Não podia falar nem contar nenhuma história. Uma hora mais tarde o velho deteve a carreta, apeou-se e a ajudou a baixar.

—O que faz? —perguntou-lhe Regam.

—Iremos em bote —respondeu—. A deixarei na porta mesma do Travis.

Caminharam mais de um quilômetro até chegar a uma cabana e a um mole, sobre um estreito riacho. O homem entrou na cabana e voltou com um saco de lona

—Vamos —disse, e a subiu a um bote tão ruinoso como a carreta.

Uma vez que ficaram em marcha, o velho disse:

—Agora fale.

Dias mais tarde, o homem deixou a Regam no mole da plantação do Travis, onde se despediu dela e lhe desejou boa sorte. Era cedo pela manhã e a plantação estava em silêncio enquanto Regam corria para a casa.

A porta estava aberta e Regam subiu a escada rezando por que Travis e Jennifer estivessem dormindo em uma das habitações. Começou a abrir uma porta atrás de outra, amaldiçoando à casa por ser tão grande e lhe fazer perder tanto tempo.

Encontrou-o no dormitório; apenas lhe via o cabelo por cima do lençol.

—Travis! —exclamou correndo para ele—. Onde está Jennifer? Está bem? Como pôde me deixar sem saber nada e ficar aqui dormindo tão plácidamente? —perguntou lhe dando um forte puxão de orelhas.

O homem que se incorporou na cama não era Travis. Lhe parecia muito, mas era uma versão mais pequena dele.

—me diga, o que tem feito meu irmão agora? —perguntou com fadiga, esfregando-a orelha, mas ao olhar a Regam sorriu—. Você deve ser Regam. me deixe apresentar...

—Onde estão Travis e minha filha?

Wesley ficou sério imediatamente.

—me diga o que passou.

—Margo Jenkins seqüestrou a nossa filha, e Travis foi atrás dela.

Sem lhe dar tempo a nada, Wes jogou a um lado as mantas que o cobriam, sem lhe importar sua nudez e começou a vestir-se

—Sempre disse ao Travis que Margo era perversa, mas ele acreditava lhe dever algo e sempre a consentia. Ela acredita que pode conseguir algo no mundo, que todo lhe pertence por direito. Vêem comigo —disse tomando a da mão.

—Parece-te muito ao Travis —observou Regam, e afogou uma exclamação pela dor que Wes lhe causava na boneca e pelo esforço que lhe custava lhe seguir o passo. —Não é momento para insultos —respondeu. Wesley a deixou na porta da biblioteca enquanto carregava duas pistolas e as punha no cinturão.

—Sabe montar? Não. Travis disse que não sabia. Vêem, pode ir diante de mim. Os dois juntos não chegamos a pesar tanto como Travis.

Se tivesse tido tempo e animo, a Regam lhe teria desagradado muito o irmão menor do Travis.

Como podia haver dois homens tão parecidos? E em um ou dois anos mais, Wes seria tão grande como seu irmão.

—Eu sou Wesley —se apresentou, enquanto a ajudava a montar.

—Isso supus —respondeu Regam, e imediatamente partiram para todo galope.

Ao chegar a casa do Margo, Wes a ajudou a apear-se.

—Entraremos por separado. Recorda que estarei perto de ti.

Regam entrou pela porta do frente. Em um momento encontrou ao Margo sentada na biblioteca.

—Bem a tempo —disse Margo com um sorriso, mas tinha os olhos avermelhados—. São a terceira visita que tive esta manhã.

—Onde está minha filha e onde está Travis? —perguntou Regam.

—A pequena e querida Jennifer está dormindo, igual a seu amado pai. Claro que Jennifer despertará, mas Travis não.

—O que? —gritou Regam—. O que tem feito com minha família?

—Não mais do que tem feito você com minha vida. Travis bebeu suficiente ópio para matar a dois homens. Está acima, dormindo até que mora.

Regam tinha chegado à porta quando se deteve o ouvir um disparo. Paralisada, olhou para a porta. Margo passou a seu lado depressa e abriu a porta. Entrou Farrell, arrastando o corpo lhe sangrem do Wesley.

—Encontrei-o rondando fora —disse Farrell e deixou ao Wes em uma cadeira.

—O que faz aqui? —exclamou Regam, e se dirigiu para o Wesley.

—Deixa-o! —ordenou-lhe Farrell tomando-a pelos ombros—. Acaso pensou que ia render me tão facilmente, depois de te haver buscado tantos anos? Não, Margo eu planejamos isto faz tempo, enquanto todos vós estavam jogando com esse estúpido menino. Wesley morrerá por suas feridas, recebidas em um lamentável acidente de caça. Nunca encontrarão o cadáver do Travis e sua filhinha o herdará tudo. Eu é obvio, casarei-me com a mãe da herdeira, mas ela estará tão dolorida pela morte de seu marido que se suicidará. Então eu voltarei para a Inglaterra como único beneficiário de seus bens e Margo terá a generosidade de aceitar ser a tutora do Jennifer e se encarregará da plantação Stanford até sua maioria de idade... se chegar a cumpri-la. Entende agora por que estou aqui?

—Estão loucos! —disse Regam retrocedendo—. Ninguém acreditará em tantas mortes acidentais.

voltou-se e pôs-se a correr faria a escada que estava ao final do corredor, mas Farrell a deteve.

—Agora é minha —disse avançando para ela, com a roupa manchada pelo sangue do Wesley.

Regam estendeu a mão e derrubou um candelabro que estava sobre uma mesita.

Imediatamente, as cortinas que adornavam uma porta próxima se envolveram em chamas. O grito do Margo ressonou enquanto tomava um pequeno toalha de mesa e tratava das apagar.

—Solta-a —ordenou uma voz do final do corredor.

—Travis! —exclamou Regam lutando por liberar-se do Farrell.

Travis se via muito mal, como se acabasse de sofrer uma decomposição violenta.

—Acreditei que te tinha encarregado dele —gritou Farrell ao Margo, que seguia tratando de apagar o fogo.

—Demorei um pouco em eliminar todo o ópio de meu organismo —respondeu Travis, apoiado no corrimão da escada.

—Deixem de falar! —gritou Margo—. me Ajudem a apagar o fogo! está-se estendendo!

Farrell aterrou a Regam com mais torça e lhe apontou à cabeça com a pistola. Wesley, desabado em uma cadeira detrás do Farrell, recorreu às poucas forças que ficavam para tirar uma faca de sua bota, e com um tiro certeiro o cravou entre os omoplatas do Farrell. Este levantou a pistola, disparou para o teto e caiu para frente.

Regam reagiu imediatamente e correu para o Travis

.—Tira o Wesley —disse—. Eu trarei para o Jennifer.

Regam não demorou para encontrar a sua filha dormida, levantou-a em braços e baixou correndo a escada enquanto Travis se esforçava por tirar seu irmão da casa. Nenhum dos dois tinha muitas forças e demoraram o que pareceu uma eternidade em sair ao ar fresco da manhã. Travis depositou ao Wesley sobre o pasto, com suavidade.

—Trarei cavalos e uma carreta —disse.

—Travis! —exclamou Regam, enquanto o tirava do braço e olhava para a casa. Uma labareda saiu pela janela da planta baixa—. Não podemos deixar ao Margo ali dentro. Tem que sair ou morrerá.

Travis lhe acariciou brevemente a bochecha e correu à casa. Minutos mais tarde voltou a sair com o Margo sobre seu ombro, esperneando, lhe dando murros e amaldiçoando-o. Travis a deixou cair ao chão.

—Essa maldita casa não vale a vida de ninguém, nem sequer a tua —disse Travis ante o olhar furioso do Margo.

Regam estava inclinada sobre o Wes, lhe enfaixando a ferida de bala que tinha no flanco.

Apenas Travis apartou a vista do Margo, esta se levantou de um salto e pôs-se a correr para a casa.

—Meu pai está dentro! —gritava.

Travis viu quando as primeiras chamas chegaram à saia do Margo e soube que não poderiam salvá-la. Depressa tomou a sua filha, que o olhava tudo com os olhos dilatados e a fez afundar a cara em seu ombro.

Um poucos segundos o vestido do Margo, empapado de uísque se cobriu de chamas. Regam apartou a vista e Wes a abraçou para que chorasse sobre seu ombro. Passou um momento até que puderam recuperar-se. Travis tocou com afeto a frente de seu irmão e lhe sorriu.

—Cuida de minhas mulheres enquanto vou em busca de uma carreta—lhe disse.

Quando voltou, estavam rodeados por peões da plantação, que olhavam com impotência como ardia a casa. Já era muito tarde para tratar de salvá-la. Os homens estavam tirando os cavalos dos estábulos próximos, outros ajudaram ao Travis a carregar ao Wes na parte traseira da carreta.

Jennifer estava sentada junto a seu tio, muito cansada e aturdida para falar.

Quando Travis e Regam se localizaram no assento, Travis a olhou.

—Vamos a casa?

—A casa —murmurou Regam—. Minha casa é onde você esteja Travis e ali quero estar. Beijou-a.

—Quero-te —disse—, Y...

—Eu me estou sangrando e vós dois lhes fazem a corte —resmungou Wesley desde atrás.

—A corte! —bufou Travis pondo em marcha aos cavalos—. Hermanito, nem sequer sabe o que é cortejar. Assim que ponha bem, contarei-te algo sobre o melhor estilo de cortejar do mundo. Talvez algum dia possa ter a metade de engenho...

interrompeu-se e olhou a Regam entrecerrando os olhos. Ela se tinha posto-se a rir e esse olhar doído a fez rir mais ainda.

—Acredito que no que se refere a suas histórias, Travis, prefiro escutar a versão de Regam —disse Wesley sonriendo com os olhos fechados.

—A casa —murmurou Regam enxugando-os olhos—. Será muito bom chegar a casa.

Travis também começou a sorrir enquanto dirigia aos cavalos rumo à plantação Stanford.

 

 

                                                   Jude Deveraux         

 

 

 

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