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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


LORDE DO DESERTO / Diana Palmer
LORDE DO DESERTO / Diana Palmer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

LORDE DO DESERTO

 

Os turistas enxameavam ao redor da área de alimentação no agitado aeroporto de Bruxelas, onde duas americanas entretinham-se em decidir o que fazer.

A loira esguia de terninho estilo safári olhou entre preo­cupada e divertida para sua companheira morena, que usa­va um conjunto de calça e blusa de seda verde.

— Não acha irônico que a gente morra de fome no meio de tanta comida? — perguntou Gretchen Brannon.

— Ah, pare com isso — respondeu Maggie Barton, mais alta do que sua companheira. — Não vamos morrer de fome, Gretchen, temos dólares americanos. Existem casas de câm­bio por todo lugar, aqui!

Ela gesticulou, indicando os arredores e as lojas próximas, quase colidindo com um casal na área apinhada. Os olhos de Gretchen brilharam.

— E mesmo? Onde, exatamente?

Maggie deixou que seu olhar passeasse pela área, sem sucesso, tentando lembrar o que sabia de francês para ler um cartaz.

Gretchen a observou com olhos semicerrados. Ao contrá­rio da eficiente Maggie, que conseguia dormir no avião, permanecera acordada por quase trinta e seis horas.

— Não consegue ver as manchetes? — insistiu Gretchen. — "Turistas ingênuas encontradas mortas nos fundos de res­taurante cinco estrelas."

 

Começou a rir outra vez. Maggie não achou graça.

— Fique aqui sentada. Não saia daqui, está bem? Gretchen controlou um impulso maluco de bater umacontinência. Maggie, com vinte e seis, era três anos mais velha do que Gretchen, e trabalhava para uma empresa de investimentos em Houston, da qual era sócia. Tinha uma forma de tomar conta das coisas que denunciava sua atividade profissional como executiva, mas ocasionalmente era uma bênção. Sem dúvida, a eficiente Maggie arranjaria uma forma de obter dinheiro local e voltaria carregada de comi­da e bebida.

Dito e feito. Maggie voltou com dinheiro, franzindo a testa ao tentar lembrar como o caixa explicara o funcionamento das moedas.

— Ainda temos tempo para comer alguma coisa e fazer um tour na cidade, antes de nosso vôo para Casablanca à tarde.

— Boa idéia, essa de fazer uma excursão. Mas não esque­ça de conseguir um guia bem forte. Acho que ele vai ter de me carregar.

Gretchen deixou que sua amiga a ajudasse a levantar. For­mavam uma dupla estranha: Maggie era alta, morena e volup­tuosa, e Gretchen, esguia, de estatura mediana, com longos cabelos loiros em tom platinado. Ambas carregavam saco­las, tendo o bom senso de não trazer mais do que isso, esca­pando assim das filas intermináveis e problemas com recu­peração de malas.

— Todo mundo fuma por todo lugar, aqui — reclamou Maggie, tossindo. — Será que não existe uma seção de não-fumantes?

— Claro que existe. É para lá que eles mandam a fumaça.

— E que tal aquele bar ali adiante? Não há quase nin­guém e quem se encontra lá não está fumando.

— Eu seria capaz de comer casca de pão seco. E se não tivermos dinheiro suficiente, até me ofereço para lavar os pratos — assegurou Gretchen.

Pediram um prato de massa, com tomates, cogumelos e pão caseiro; os pratos e a baixela eram de porcelana pura, embora estivessem no balcão. Depois de tomar a segunda xícara de café, Gretchen sentiu-se revigorada.

— Agora vamos ver se conseguimos encontrar uma ex­cursão, ou um guia com um carro — convidou Maggie.

Gretchen suspirou. Permaneceu sentada, de olhos fecha­dos. Seria bom ter uma cama e um quarto à disposição. Porém estavam a muitas horas do hotel onde se hospeda­riam, em Tanger, no Marrocos.

Quinze frustrantes minutos depois, Maggie desligou o telefone e resmungou contra ele. Em seguida cutucou Gretchen, que cochilava.

— Não consigo ler a lista telefônica, porque está em fran­cês... Não sei que moeda colocar no telefone. Não falo fran­cês, nem consigo quem entenda inglês no telefone.

— Não olhe para mim — respondeu a loira, com ar sono­lento. — Não falo francês nem o suficiente para pedir num restaurante. Tenho de usar o espanhol, mas ninguém por aqui parece entender...

— Também falo espanhol, mas não estamos no país cer­to para isso — disse Maggie. — Vamos lá para fora arranjar um táxi. Acho que não deve ser tão difícil assim.

Gretchen suspirou e levantou-se, puxando sua mala de rodinhas como se fosse um mascote relutante.

O aeroporto de Bruxelas era grande, moderno e acolhe­dor. Depois de um labirinto de becos sem saída, as duas en­contraram um táxi, com um motorista simpático, cujo in­glês era tão bom quanto o francês de Maggie. Apesar de tudo, ela e Gretchen conseguiram explicar o que desejavam e visitaram lugares com vistas magníficas. Foi uma volta de­morada, agradável e educativa. Teriam apreciado contarcom mais tempo, mas tiveram de voltar ao aeroporto, para não perder o vôo de conexão.

Animada pelo café, pelo lanche e pela excursão, Gretchen agora sentia-se completamente desperta — e ansiosa para chegar ao Marrocos, a terra dos camelos e do deserto do Saara, além dos famosos berberes das montanhas Rif. Mal podia esperar para ver a terra antiga do deserto.

Depois de várias horas e uma fascinante refeição de igua­rias do Oriente Médio a bordo, o avião pousou em Casa­blanca, no Marrocos, onde precisavam fazer a conexão para Tanger. Entre os costumes interessantes do vôo estava a dis­tribuição de comidas típicas do Marrocos e jornais grátis em várias línguas, além do hábito aparentemente tradicional de aplaudir o piloto assim que o trem de pouso tocava o solo em segurança.

Maggie e Gretchen se uniram à alegria geral e saíram para um outro mundo, onde todos trajavam turbantes e túnicas graciosas e as mulheres usavam um véu que lhes cobria o rosto. Havia muitas crianças viajando com os pais.

No interior do terminal do aeroporto, muito menor do que haviam imaginado, guardas com uniforme de camufla­gem guiavam os passageiros até o controle de alfândega, e dali para as várias salas de espera, onde aguardavam seus vôos. No banheiro pequeno e rústico, havia uma atendente que falava inglês e oferecia informações sobre a cidade e seus habitantes. Trocaram o dinheiro americano por dirràs, de­pois de sair da alfândega e antes de passar pelo controle de bagagem e pelo detector de metais outra vez; em seguida, embarcaram nas conexões.

Casablanca era grande, uma meça de construções brancas e modernos arranha-céus com o mesmo tráfego enlouquecedor que se encontrava em qualquer grande centro urbano. Quando o avião de dois andares decolou, tiveram uma visão esplêndida da cidade exótica contra o azul do Atlântico.

Apenas três horas e meia depois a aeronave tocava sua­vemente a pista de pouso do aeroporto de Tanger, comple­tando uma viagem que teria sido agradável, não fosse o aces­so de tosse de Maggie, já que ali era permitido fumar.

Finalmente os passaportes foram carimbados, a bagagem foi declarada e elas saíram do terminal para o ar tropical e úmido da noite de Tanger, na orla do Mediterrâneo. Vários táxis estavam estacionados em frente ao terminai, com pa­cientes motoristas aguardando os viajantes cansados.

O motorista sorriu, acenou de forma cortês, colocou a bagagem no porta-malas do Mercedes, e finalmente se pu­seram a caminho do hotel cinco estrelas, o Minzah, sobre uma colina com vista para o porto.

As ruas eram bem-iluminadas e quase todas as pessoas usavam túnica. A cidade apresentava uma curiosa combi­nação de coisas antigas e costumes veneráveis, de viajantes cosmopolitas, mistério e intriga. Havia tamareiras por toda parte. As ruas, mesmo à noite, estavam repletas de gente, a maioria com trajes típicos e só um ou outro com roupas oci­dentais. Os carros surgiam das travessas, buzinas tocavam. Cabeças se esticavam para fora das janelas invariavelmente abertas, acompanhadas por estranhos acenos de mão, par­ticipando do berbere gutural em discussões amigáveis no meio do trânsito. O cheiro adocicado do almíscar pairava em toda parte, doce, exótico e deliciosamente marroquino.

Foi um salto de fé no desconhecido para Maggie e Gretchen, por não terem conseguido encontrar uma excur­são que percorresse somente a cidade de Tanger. Fizeram tudo por itinerário de uma agenda de viagens e delinea­ram o itinerário à medida que programadas. As escalas em Bruxelas a caminho da África e em Amsterdã na volta ha­viam sido programadas, para que sentissem um pouco o am­biente da Europa. Tudo deveria revelar-se uma ótima via­gem, especialmente agora que estavam no Marrocos, onde por todos os locais existiam reflexos de um mundo antigo,imagens de berberes montando garanhões árabes, comba­tendo europeus pela posse de sua terra antiga e sagrada.

—  Essa é uma aventura maravilhosa — comentou Gretchen. — Apesar de só termos comido pequenos lanches.

— Eu disse que seria — concordou Maggie, com um sor­riso. Depois estreitou os olhos ao fitar o horizonte. — Não estou vendo o Saara.

— O deserto do Saara fica a novecentos quilômetros da­qui — informou o motorista, olhando para elas pelo retrovisor. — Tanger é um porto marítimo no Mediterrâ­neo, madenioiselle.

— Lá se vai nosso passeio pelo deserto — riu Gretchen.

— Bem, mas há muito o que ser visto por aqui — respon­deu o motorista. — O Museu Forbes, as Grutas de Hércules, O Grande Socco...

— O mercado — lembrou Maggie. — É, os folhetos di­zem que é enorme e vale a pena visitar.

— E verdade. E talvez possam contratar um carro para ir até Asilah, na Costa Atlântica, no dia da feira — continuou o motorista. — Vale a pena, porque é onde todos os campo­neses levam os produtos e bens para vender.

— Talvez possamos ver a casbá — acrescentou Gretchen, com ar sonhador.

— Uma casbá — corrigiu o motorista.

— Como assim? Existe mais de uma? — espantou-se Gretchen.

— Ah, o cinema americano... Humphrey Bogart — riu ele. — Uma casbá é simplesmente uma cidade cercada, mademoislle. As lojas estão no interior, aqui em Tanger. A senhorita verá. Muito antigo, Tanger é habitada desde qua­tro mil anos antes de Cristo, e os primeiros habitantes eram berberes.

Ele mencionou outros pontos de história durante todo o trajeto pela cidade e a subida da colina, até uma construção de fachada plana, que se mesclava com pequenas lojas. Ali estacionou e desligou o motor.

 

— Aqui está o hotel, mademoiselles.

O motorista abriu a porta para elas e entregou as malas a um jovem que saíra do hotel com um sorriso acolhedor.

A aparência exterior não correspondia exatamente à ima­gem que as duas faziam de um hotel cinco estrelas. Entre­tanto, assim que entraram no saguão, depararam com luxo e opulência. O porteiro usava um barrete vermelho e pale­tó branco. Estava ocupado com outros hóspedes, portanto as duas esperaram a bagagem observando o elegante saguão com o tapete alto, a madeira escura e trabalhada dos sofás e poltronas iluminados por um vitral em mosaico, como divisória da sala adjacente ao saguão. Os elevadores fica­vam próximos.

Quando o recepcionista liberou o outro hóspede e sorriu para elas, Maggie disse seu nome, sob o qual as reservas foram feitas. Pouco tempo depois estavam a caminho do quarto, com o jovem levando a bagagem.

O quarto tinha vista para o Mediterrâneo. Mais próximo, no andar de baixo, havia um belo jardim com uma piscina, de onde também se podia apreciar a vista do Mediterrâneo, sob as palmeiras e árvores frondosas, que protegiam o re­cinto. Lembrava as fotografias que Gretchen vira das ilhas do Caribe. A brisa marinha tinha um cheiro delicioso e o quarto era exótico, enorme, com aposentos separados para a banheira e o restante do banheiro. Havia um telefone e uma pequena geladeira, contendo refrigerantes, água, cer­veja e aperitivos.

— Com certeza Não vamos morrer de fome — murmu­rou Maggie, ao mesmo tempo que explorava os aposentos.

Gretchen retirou uma camisola da mala e entrou embai­xo dos lençóis, enquanto Maggie falava em voz alta sobre o serviço de quarto...

 

A despeito da diferença de fuso horário sobre a qual con­versaram tanto, ambas acordaram descansadas às oito horas da manhã seguinte, e vestidas com calça e camisa, des­ceram ansiosas para tomar café e partir para explorar a ci­dade que já fizera parte do Império Romano.

O recepcionista apontou o restaurante onde um bufe ela­borado para o café da manhã era servido, e indicou um guia credenciado da cidade que combinou para apanhá-las duas horas mais tarde. Ele as avisou para jamais, em circunstân­cia alguma, saírem sozinhas na rua, sem um guia. Parecia sensato seguir aquela regra e ambas concordaram em aguar­dar o guia no interior do hotel.

— Reparou no preço do café da manhã? — indagou Maggio quando sentavam à mesa. — Tudo isso mal chega a um dólar americano. Gretchen, o que acha de morarmos em Tanger?

— Adorei tudo até agora, mas acho que Callie Kirby não conseguiria ficar sem minha presença no escritório.

Maggie? não compartilhou do riso da outra, porém fitou-a com ar sério.

— Você vai envelhecer e morrer dentro daquele escritó­rio de advocacia — afirmou ela, com suavidade. — A fuga de Daryl foi uma das piores coisas que podia ter acontecido a você, assim logo depois da morte de sua mãe.

— Fui uma tola. Todo mundo enxergou o que ele queria, menos eu.

— Você nunca recebeu atenção de verdade de um homem — lembrou Maggie. — Era inevitável que ficasse brava com o primeiro homem que a tratou como uma mulher.

Gretchen fez uma careta.

— Tudo o que ele queria era o dinheiro do seguro. Não tinha a menor idéia de que a fazenda estava completamente hipotecada e que não haveria dinheiro algum. Teríamos perdido a propriedade se meu irmão mais velho, Marc, não tivesse economizado o bastante para pagar a parte comprometida.

— Foi pena que Daryl tivesse conseguido sair da cidade antes que seu irmão o tivesse alcançado — comentou Maggie.

— Marc às vezes assusta as pessoas com seu temperamen­to —- disse Gretchen, com um meio sorriso. — Ele foi uma espécie de lenda local antes de deixar os Patrulheiros do Texas para entrar no FBI.

— Marc também adora você. E eu também. De uma certa forma, fui como você. Decidi que precisava de uma grande aventura, um acontecimento importante para me tirar do marasmo. Portanto, estou viajando para o Quawi para ser assistente pessoal do sheik que governa o país. Que tal isso como ato de desligamento?

Gretchen riu.

— Acho que é o maior que você jamais fará em sua vida. Espero que saiba o que está fazendo, andei ouvindo coisas assustadoras sobre os países do Oriente Médio... como decapitações.

— Não no Quawi. É um país de cultura progressista, com uma mistura de religiões que o torna único no golfo Pérsico. E todo esse dinheiro do petróleo vai trazer muito progresso em pouco tempo. O sheik é muito avançado.

— E solteiro, segundo diz você? — provocou Gretchen. Maggie franziu a testa.

— E. Você lembra que o país dele foi invadido há dois anos, e que houve um grande escândalo internacional em torno do assunto? Assisti a vários documentários sobre essa época. Espalharam rumores sobre o sheik, também de natu­reza duvidosa, mas o governo explicou todas.

— Talvez ele seja lindo e sexy como Rodolfo Valentino. Já assistiu àquele filme mudo, O Sheik? — quis saber Gretchen, com ar sonhador. — Imagine ter uma fantasia como a que aconteceu no filme, Maggie? Ser raptada, num cavalo branco, por um sheik moreno que se apaixona loucamente por nós? Fico arrepiada só de pensar nisso. Talvez eu não esteja na época certa. Provavelmente devia estar sonhando em atirar um sheik na garupa do meu cavalo e fu­gir com ele como meu prisioneiro... — ela suspirou. — Mas,claro, não passa de um sonho. A realidade nunca tem nada de aventureiro para mim. Você faz mais o tipo para os ho­mens sensuais e charmosos. Maggie riu.

— Não tenho muita sorte com homens sensuais e charmosos. Gretchen sabia que ela estava pensando em seu irmão de criação Cord Romero.

— Não olhe para mim, minha especialidade são gigolôs, lembra? — brincou ela.

— Daryl não era gigolô, só um aproveitador barato. Você deveria sair com homens que combinassem com você.

— Você faz com que eu me sinta tão independente e cora­josa! Estou contente por ter me convidado para vir com você, que ainda pagou mais do que a sua parte para que eu pudes­se vir — declarou Gretchen. — Mesmo que eu tenha de vol­tar sozinha. Vou sentir sua falta... não vamos mais fazer compras juntas, nem bater papo no telefone nos feriados.

Maggie assentiu solenemente. Dali iria voar até o Quawi. Em seu papel como assistente pessoal do sheik, iria assumir responsabilidade pelas relações públicas, protocolo da cor­te e organização dos deveres familiares. Seria um desafio, e ela poderia ficar com saudade do Texas. Mas disse a Gretchen que qualquer coisa seria melhor do que ficar per­to de Cord Romero, que tornara claro o fato de que não pretendia jamais incluí-la em sua vida.

Ambos haviam sido órfãos, adotados por uma senhora da sociedade de Houston. Não possuíam nenhum laço de sangue, mas Cord a tratava como sua irmã. Casara-se al­guns anos antes, e sua esposa, Patrícia, cometera suicídio depois que ele sofrera um ferimento quase fatal e recusara-se a abandonar sua carreira de agente do governo. Logo após a morte da esposa, ele saíra da área e fora trabalhar como soldado mercenário, especializando-se em explosivos.

Era essa sua atividade profissional no momento e Maggie conseguira manter uma distância salutar até amorte da mãe adotiva. Casara-se algumas semanas depois, porém o marido, bem mais velho, ficara inválido e morre­ra seis meses depois da cerimônia. Ela e Cord vinham evi­tando um ao outro desde então. Gretchen se perguntava o que acontecera entre eles, mas a amiga jamais falara sobre isso.

Quando Cord voltara para Houston e passara a frequen­tar os mesmos círculos que Maggie, ela se candidatara a um emprego fora do país. Ironicamente, Cord falara a ela sobre o Quawi, onde estivera ajudando a desarmar minas terres­tres colocadas por guerrilheiros invasores. Maggie desco­briu que ele fora regiamente pago... muito mais do que sua própria posição como consultora financeira. Daquela vez estava determinada a separar-se de vez de Cord.

A caminho do trabalho, resolvera tirar umas férias. Con­vidara Gretchen para ir junto, principalmente porque a ami­ga passava por um período de depressão depois da morte da mãe e da traição do noivo. Ate então a viagem fora ma­ravilhosa. Porém logo Maggie viajaria para o Quawi e Gretchen embarcaria num avião para Amsterdã, de onde retornaria ao Texas.

Seria solitário para Gretchen, que conheceria um pou­co mais do mundo. Precisava disso. Cuidara da mãe com câncer nos últimos seis anos. Tinha vinte e três anos e era tão ingênua quanto uma garota educada num convento. Não tivera oportunidade de namorar muito, com sua mãe tão doente... e tão ciumenta da filha única. O pai de Gretchen morrera quando ela contava dez anos e seu ir­mão Marc, dezoito. Isso tornara a vida de ambos muito difícil. Marc morava com Gretchen, o capataz e sua famí­lia na fazenda, em Jacobsville, no Texas. Quando estava em casa. Marc trabalhava para o FBI, e passava a maior parte do tempo fora, em missões. O trabalho não permitia que ele auxiliasse Gretchen a cuidar da mãe, embora aju­dasse a manter a fazenda.

— Marrocos... — disse Gretchen, saboreando o nome. — Nunca pensei que conheceria um lugar assim tão exótico.

Maggie apenas sorriu.

— Você está quieta demais — observou Gretchen. Sem­pre ficava curiosa com os silêncios repentinos da amiga. Ge­ralmente Maggie era a mais falante das duas.

— Estava pensando... em casa — respondeu Maggie, dan­do de ombros.

— Que vergonha... Estamos em férias e acabamos de che­gar. Não pode estar com saudades, já.

— Não estou com saudade. Só queria que as coisas fun­cionassem melhor.

— Com Cord.

— Não teria dado certo. Ele nunca superou a morte de Pat e não quer desistir de seu trabalho com explosivos. Adora o que faz.

—  As pessoas mudam com a idade — comentou Gretchen.

— Ele, não. Passei metade da minha vida esperando que ele acordasse e começasse a me amar — declarou Maggie.

— Isso não vai acontecer. Preciso aprender a viver sem ele.

— Ele pode ficar com saudade e pegar o primeiro avião para cá e levar você para casa.

— Não é nada provável.

— Nem era provável que eu visitasse o Marrocos um dia — concluiu Gretchen.

Com ar vitorioso, deu a garfada final em seus ovos me­xidos.

—  Bem... o sheik é relativamente jovem, charmoso e sol­teiro. Quem sabe o que pode acontecer?

— Quem sabe...

Gretchen lamentava que Maggie tivesse decidido por uma mudança tão drástica em sua vida, iria sentir saudade. Sua sócia, Cailie Kirby, no escritório em Jacobsville, era uma boa companhia, mas Maggie era sua melhor amiga desde a infância. Havia sido suficientemente ruim quando ela se mudara para Houston. Fora do país seria pior ainda.

— Você pode vir me visitar — afirmou Maggie. — Possoter companhia. Quem sabe a gente arranja um príncipe para você.

— Não quero um príncipe. Aceito um bom caubói com seu cavalo e um coração sincero.

— Corações sinceros são uma coisa rara — lembrou Maggie. — Mas talvez você acabe encontrando. Espero que sim.

— Você podia voltar comigo. Ainda não é tarde demais para mudar de idéia. E se Cord de repente acordar e perce­ber que é maluco por você e que você está a mais de três mil quilômetros de distância?

— Como você mesma disse, ele sabe onde estou. Pode ir até o aeroporto e vir ao meu encontro — disse Maggie. — Agora vamos falar de coisas alegres, sim?

Gretchen não falou mais nada. Esperava sinceramente que Maggie soubesse o que estava fazendo. Uma coisa era ser turista, outra bem diferente era ser dependente das leis de outro país. O emprego parecia bom demais para ser verda­deiro. E o Quawi era uma sociedade dominada pelos ho­mens, onde as mulheres tinham aposentos separados e vi­das separadas. Não parecia estranho o sheik desejar uma relações-públicas do sexo feminino, estrangeira, e ainda por cima de um país onde as mulheres eram liberadas? Talvez estivesse ocorrendo uma revolução sutil no Quawi. Gretchen esperava que sim. Não queria ver a melhor amiga em peri­go. Mas alegrou-se, pois ainda passariam uma semana em Tanger e poderiam aproveitar. Seria uma viagem perfeita. Sa­bia que sim.

 

Porém, todos os planos de Maggie para as férias e para o novo emprego se dissolveram na manhã seguinte, ao rece­ber um telefonema de Jacobsville, no Texas.

— Detesto ter de dar a notícia a você — afirmou no apa­relho Eb Scott, seu amigo. — Cord foi ferido. Estava fazen­do um trabalho na Flórida uma semana atrás, colocando um pequeno dispositivo explosivo num barril para detonar a distância, o a coisa estourou no rosto dele.

Maggie empalideceu e sentiu uma vertigem. Apertou o telefone nas mãos e cerrou os olhos. Conseguiu formular com dificuldade sua pergunta seguinte:

— Ele... morreu?

Depois de um silêncio aflitivo, Eb respondeu:

—Não. Mas diz que preferia ter morrido. Cord ficou cego,Maggie.

Ela cerrou os olhos, tentando enxergar aquele homem independente e orgulhoso andando com uma bengala ou com um cão-guia, sozinho... a recolher os pedaços de sua vida.

— Onde ele está?

— O irmão de Gretchen, Marc, estava em Miami quando aconteceu. Ele foi buscar Cord e o trouxe para casa, depois que ele recebeu alta do hospital... Eu não soube até que Marc me telefonou, na volta de Miami.

— Cord está sozinho?

— Completamente — informou Eb, irritado. — Não quis vir ficar com Sally e comigo em Jacobsville.- e nem mesmo com Cy Parks. Ele não tem família, tem?

— Só a ruim... se é que posso ser chamada de família — disse ela, hesitando a seguir. — Acho que Cord me expul­saria de lá se eu fosse ficar com ele.

—  Para dizer a verdade, Marc disse que ele estava cha­mando por você quando foi levado ao hospital.

O coração dela deu um salto. Aquilo era inédito. Não conseguia lembrar-se de nenhuma época na vida de ambos em que Cord tivesse precisado dela. Ele a desejara, mas ape­nas uma vez, e nem sequer estava sóbrio.

— Telefonei para Cord assim que Marc avisou que o le­vara para casa. Cord disse que não acreditava que você es­tivesse disposta a cuidar dele, mas que eu podia telefonar, se quisesse. Então estou telefonando.

—  Mas que hora inoportuna... Estou a caminho de um novo emprego e tenho ainda uma semana de férias para aproveitar... — disse Maggie, olhando para Gretchen, que prestava atenção à conversa. — Ainda não sei como, mas acho que posso apanhar um vôo para Bruxelas e de lá um sem escalas para o Texas.

— Sabia que viria! Vou avisar Cord — disse Eb, contente.

— Obrigada por tudo, Eb.

— O prazer foi meu. Faça uma boa viagem de volta. E Marc disse para avisar Gretchen para ter cuidado e não sair sozinha,

—  Vou dizer a ela, não se preocupe. Quanto a Cord, a cegueira é... permanente?

— Eles ainda não sabem. — Ela agradeceu e desligou.

— Cord sofreu um acidente — disse Maggie, sem preâm­bulos. — Preciso ir para casa hoje... Sinto muito. Não gosto de deixar você sozinha...

Sabendo como Maggie se sentia sobre Cord, Gretchen preferia deixar-se raptar por bandidos do que dizer que receava ficar sozinha.

—  Não se preocupe comigo. Sei tomar conta de mim mesma — afirmou ela, com mais confiança do que sentia.

— Mas... e o seu trabalho, Maggie?

Maggie olhou para a amiga por um instante, e sua cabe­ça girou com o raciocínio intenso. Um plano formou-se em sua cabeça.

— Você pode assumir.

— O quê?

— Você pode ir para o Quawi e aceitar o trabalho. Escute antes de protestar. É exatamente do que você precisa. Vai vegetar naquele pequeno escritório em Jacobsville a vida in­teira? Você já desistiu de boa parte de sua vida por causa de sua mãe. É hora de ver um pouco do mundo real. E a oportunidade da sua vida. Não vai se repetir.

— Mas eu trabalho com advocacia — observou Gretchen.

— Não tenho a menor idéia de como organizar festas e es­crever comunicados para a imprensa. Além do mais, o sheik está esperando uma viúva morena!

— Pois diga a ele que tingiu os cabelos, e não mencione que não é viúva — instruiu Maggie, apanhando a mala e caminhando para o armário. — Você pode usar minha pas­sagem, e dou a você todo o dinheiro extra que tenho.

— Acho uma péssima idéia.

— Pois eu acho uma idéia maravilhosa. Você vai ter uma experiência única na vida — argumentou Maggie. — Pode até achar um solteiro disponível.

—  Essa, sim, é uma boa idéia — aplaudiu Gretchen. — Posso ser a esposa número quatro, embrulhada dos pés à cabeça no harém de algum árabe.

— Você precisa aprender mais sobre mulheres árabes — disse Maggie, em tom de censura — Elas vivem pelos valo­res que costumávamos ter, e possuem um poder próprio. No Quawi elas votam, assim como em vários outros países,e possuem independência financeira. Mas no Quawi exis­tem muitos homens e mulheres cristãos. Ouvi rumores que representam não somente a maioria, como o próprio sheik é cristão. É de ascendência mista.

— Se me lembro bem, houve rumores sobre o voraz ape­tite sexual do sheik. Você mesma me contou, ontem.

— Isso foi resolvido numa entrevista internacional, pou­co depois. O senador Holden disse que o próprio sheik ha­via começado esses rumores para conseguir que a esposa de Pierce Hutton ficasse a salvo do padrasto. Eles dizem que o sheik nunca se recuperou do caso com Brianne Hutton — informou Maggie, retirando as roupas dos cabides. — A sra. Hutton não é um modelo de beleza, mas possui um sorriso bonito e se veste com muita elegância. Talvez o sheik tenha se sentido atraído por ela porque é loira.

— Ele é bem moreno? — indagou Gretchen.

— Não sei. Nunca o vi, e não existem muitas fotografias dele por aí. Mesmo na posse ele usava um bisht cerimonial sobre a túnica, com turbante e um igal; tem conseguido manter o rosto parcialmente escondido da imprensa inter­nacional.

Maggie terminou de arrumar suas coisas, ainda com o pensamento em Cord. Passou para os papéis e a bolsa.

— Talvez ele tenha o rosto cheio de verrugas — sugeriu Gretchen.

Maggie não prestava atenção. Seu olhar perscrutava o quarto, procurando seus pertences.

—  Se esqueci alguma coisa, mande para mim de volta, sim? Tome — disse ela, entregando o que possuía em di­nheiro marroquino e falando brevemente com a portaria. — Ele vai chamar Mustafá, com o carro, para me levar ao ae­roporto. Lembre-se, não saia sozinha do hotel. Prometa-me.

—- Prometo, Maggie. Você também, tenha cuidado. Espero que Cord esteja bem.

— Está brincando? Sem enxergar? Só vou poder fazer o que ele deixar, e mesmo assim vai ser um inferno. Mas talvez eu possa ajudá-lo a se reintegrar no mundo. Pelo me­nos ele precisa de mim, e isso nunca aconteceu antes.

— Milagres acontecem quando a gente menos espera — disse Gretchen com simpatia.

— Espero que sim. Cord bem que poderia aproveitar esse. Escreva-me! — disse ela, abrindo a porta e saindo apressada.

— Claro.

Depois que o som distante do elevador cessou, o silêncio do quarto pareceu tornar-se denso e oco ao mesmo tempo. Havia programas na televisão, porém eram poucos canais e a maioria em árabe ou francês. Apenas os canais de notícias eram falados em inglês. O quarto era de bom tamanho, mas tornara-se claustrofóbico, diante das circunstâncias. Gretchen precisava esticar as pernas. Resolveu dar um pulo até a piscina para refrescar-se. Não custava nada tomar um pouco de sol enquanto tinha tempo.

A tarde foi solitária, embora ela tivesse encontrado ou­tros turistas e começado a reconhecê-los à vista. Apesar disso, sentou-se sozinha durante as refeições da tarde e da noite. Recolheu-se cedo. Ela imaginou que Maggie estaria a caminho de Bruxelas, procurando embarcar numa avião para os Estados Unidos. Também estaria sozinha.

Pensou na excursão que haviam perdido durante o dia, e considerou a possibilidade de combinar com Mustafã para o dia seguinte a excursão que teriam feito às Grutas de Hercules. Depois, poderiam ir até a cidade de Asilah, no litoral, como fora sugerido, pois devia ser um ótimo programa.

Dormiu um sono profundo e sentiu-se estranhamente repousada ao despertar. Colocou um vestido comprido sem mangas, com padrão amarelo e branco, um casaco de tricô para completar a composição, e deixou os cabelos longos soltos sobre os ombros. Desceu, encaminhando-se para a portaria, para ver se encontrava Mustafá.

Em sua pressa, deu um encontrão num homem distin­to, trajando um terno de seda acinzentado, muito elegante. Ele a segurou pelos ombros para firmá-la quando ela perdeu o equilíbrio. Assim que aprumou o corpo, Gretchen deparou com um par de olhos negros e intensos, com um brilho divertido.

—  Desculpe-me... quero dizer, excuse moi, mosier — corrigiu ela, achando que ele tinha cara de francês.

Era um homem elegante e bonito, a não ser pelas cicatri­zes do lado esquerdo do rosto escanhoado. Os cabelos eram negros como os olhos e ele tinha uma elegância de movi­mentos difícil de encontrar em homens tão altos. A pele era mais escura do que a dela, porém mais clara do que muitos dos árabes e berberes que ela encontrara. Gretchen chegava apenas até o queixo dele.

—  IIn'ya pas de quoi, mademolselle — disse ele, com voz profunda. — Não sofri dano algum.

Ela sorriu, apreciando a forma como os olhos a encaravam.

— Da próxima vez, vou olhar melhor por onde ando.

— É hóspede do hotel?

— Por alguns dias. Estou a caminho de um emprego novo no Quawi, mas queria primeiro tirar férias. É lindo por aqui.

— Um emprego novo no Quawi? — interessou-se ele.

— É. Vou trabalhar para o sheik — informou ela, em tom de confidência. — Relações públicas. Estou ansiosa para começar.

Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, depois os olhos inteligentes se estreitaram.

— Conhece bem esta parte do mundo?

— É a primeira vez que saio dos Estados Unidos... me sinto tão boba. Todos por aqui falam pelo menos quatro lín­guas. Eu só falo a minha própria e um pouco de espanhol.

— Incrível — comentou ele, erguendo as sobrancelhas. — Uma americana modesta.

— A maior parte de nós é modesta — comentou ela, sor­rindo em seguida. — Bem, alguns são rudes e gabolas, mas não se pode julgar um país inteiro por um punhado de pes­soas que gritam mais alto. E nós, texanos, somos muitomodestos, considerando que nosso Estado é melhor do que todos os outros. Ele riu.

— Você é do Texas?

— Sou, sim. Se quer saber, sou uma vaqueira de mão cheia— informou ela. — Se não acredita, posso derrubar e amar­rar um novilho na hora que você quiser.

Ele riu outra vez, perante tanto entusiasmo. Não conse­guia lembrar-se de quando conhecera alguém interessante como ela, a não ser uma única vez, muitos anos antes. Estu­dou-a com cuidado.

—  Se não me engano, o Quawi é muito menor do que qualquer um dos seus Estados.

— Pode ser, mas nos Estados Unidos é quase a mesma coisa em todos os lugares a que você vá — observou ela.

— Aqui, a música é diferente, a comida é diferente, as rou­pas são diferentes, e existe tanta história em qualquer lu­gar aonde a gente vá que eu poderia passar o resto da vida aprendendo.

— Você gosta de história?

— Adoro. Gostaria de ter ido à faculdade para estudar história, mas minha mãe teve câncer e eu não podia deixá-la sozinha por muito tempo. Só enquanto eu trabalhava, cla­ro, mas não podia estudar também. Não havia tempo. Nem dinheiro. Ela morreu quatro meses atrás, e eu ainda sinto falta dela — disse Gretchen, sorrindo em seguida. — Des­culpe, não queria mencionar assuntos tristes.

— Gostei que tivesse falado — respondeu ele, com sin­ceridade.

— Mademoiselle Barton! — chamou o recepcionista. Levou vários segundos para que ela percebesse que fora confundida com Maggie. Não havia problema com isso, lembrou a si mesma. Desculpou-se, deixando o homem alto com a maleta e dirigindo-se para o balcão da recepção.

— Mustafá já saiu para levar um grupo de hóspedes para as Grutas de Hércules — disse ele, com ar de desculpas.

 — Se ainda quiser ir, nosso carro está à sua disposição, e po­demos pedir que algum outro guia a acompanhe.

— Não sei... — disse Gretchen, hesitante.

Não tinha certeza se apreciaria o passeio sozinha.

— Desculpe — disse o homem alto aproximando-se. — Eu havia planejado ir até as grutas. Será que poderia parti­lhar a companhia da senhorita?

Ela olhou para ele com certo alívio.

— Seria ótimo... quero dizer, se quiser mesmo ir.

— Quero, sim. Teria o maior prazer — respondeu ele, olhando para o recepcionista e falando com rapidez, numa linguagem que ela não compreendeu.

Conversaram por alguns instantes e o recepcionista riu. Gretchen começava a perguntar-se se o fato de aceitar im­pulsivamente poderia trazer algum problema. Afinal, não sabia nada sobre o estranho...

— O cavalheiro é bastante confiável, mademoiselle — as­segurou o recepcionista quando a viu com expressão preo­cupada. — Asseguro-lhe que não sofrerá coisa alguma na companhia dele. Posso chamar Bojo, outro dos nossos guias com o carro para a frente do hotel?

Gretchen olhou para o companheiro, que assentiu.

— Então está bem. Mas a sua maleta...

O homem a entregou para o recepcionista com outro co­mentário breve na mesma língua melodiosa e intrigante, de­pois voltou-se para Gretchen, com um sorriso:

— Vamos?

 

O Mercedes fornecido pelo hotel era dirigido por um ára­be alto, de barba e bigode; depois de acomodá-los com to­das as cerimônias, assumiu seu lugar ao volante e entrou na corrente de tráfego. Assim como o motorista do táxi na chegada de Maggie e Gretchen a Tanger, mantinha a janela abaixada e falava com outros motoristas e pedestres que passavam por eles. O estranho disse a ela que instruíra Bojo para levá-los primeiro às Grutas de Hércules, que ela queria conhecer, depois, se tivessem tempo, poderiam ir até Asilah.

— Bojo nasceu em Tanger. Ele conhece metade da popu­lação e é parente da outra metade — disse o homem alto, recostando-se no banco com os braços cruzados.

— É como se eu estivesse de volta a Jacobsville — disse Gretchen, compreensiva. — As cidades pequenas são sim­páticas. Acho que eu não seria feliz numa cidade grande, onde a gente não conhece quase ninguém.

— Ainda assim você saiu de uma cidade pequena para morar e trabalhar num país... bem exótico — disse ele, numa afirmação que soava como pergunta.

Gretchen sorriu ao olhar para as ruas estreitas à frente deles, cheias de tamareiras e pedestres usando roupas de cores vivas.

— Quando minha mãe morreu, como não tenho paren­tes, parecia ter chegado a um beco sem saída. Não tinha fu­turo onde eu morava.

— Então não é casada?

— Eu? Não, nem nunca fui — respondeu ela, distraída. — Tive um namorado, quase ficamos noivos. Ele pensou que eu ia herdar muito dinheiro e terras quando minha mãe mor­resse, mas acontece que a propriedade estava hipotecada por completo, e só tivemos dinheiro para pagar um funeral sim­ples. Ele simplesmente desapareceu depois do enterro. Ouvi dizer que está namorando a filha de um banqueiro.

O rosto de seu companheiro endureceu por um instante. Ele a observava atentamente, porém Gretchen não se dava conta.

— Certo...

— Ele foi bom para mim — afirmou ela, dando de om­bros. — E pelo menos tive alguém comigo no final da doença de minha mãe. Antes, eu mal tinha tempo para namorar. Mamãe ficou doente por algum tempo, e só eu tomava con­ta dela. Meu irmão ajudava tanto quanto podia, claro, mas ele trabalha para o governo e viaja a maior parte do tempo.

—  E não havia ninguém mais que pudesse ter ajudado? Um amigo íntimo, talvez?

— Só minha amiga Maggie, mas ela morava em Houston. Mora em Houston. Eu morava na fazenda de minha família com mamãe. Só depois que ela morreu é que meu irmão conseguiu pagar a hipoteca e recuperar a posse das terras. Temos um capataz que mora lá e ganha por parcerias.

— Essa amiga... Ela viajou com você para cá? — quis sa­ber ele.

— Sim, mas precisou voltar para casa inesperadamente — disse Gretchen, começando a achar que estava fornecen­do informações demais a um estranho.

— E sua amiga deixou você completamente sozinha e à mercê de desconhecidos? — provocou ele.

Ela o encarou com um sorriso malicioso.

— Vai me oferecer um doce e pedir que vá até sua casa com você?

— Se quer saber a verdade, detesto doces... e você me parece esperta demais para ser apanhada dessa forma.

— Isso já não sei. Sou sensível a chocolates. Poderia ficar muito cordata a alguém com o bolso cheio de bombons Godiva com recheio.

— Um fato útil para se manter em mente, mademoiselle... Barton — respondeu ele com suavidade.

Ela o encarou, sem vontade de iniciar uma amizade com mentiras.

— Mademoiselle Brannon — corrigiu ela. — Gretchen Brannon.

Ele segurou a mão que ela ofereceu e levou-a aos lábios. Ela sorriu.

— Mademoiselle Brannon, enehanté — corrigiu ele, estrei­tando os olhos em seguida. — Eu achei que o recepcionista a houvesse chamado de mademoiselle Barton.

Ela sorriu.

— É Maggie Barton, minha amiga e companheira de quar­to. O irmão adotivo dela foi ferido num acidente e ela tomou um avião para lá hoje de manhã — informou Gretchen, mordendo o lábio. — Provavelmente eu não devia estar falando sobre isso, mas o caso é que ela quer que eu faça algo que não acho muito ético e minha consciência está me matando.

— Por favor, continue — pediu ele, com um gesto da mão. — Continue. Muitas vezes ajuda conversar sobre os proble­mas com um estranho imparcial. Somos estranhos, n'est ce pas?

— Somos. Acredito que não conheça ninguém no Quawi, certo?

Ele ergueu as sobrancelhas expressivamente.

— Bem, o caso é que Maggie conseguiu um trabalho, um emprego com o sheik de lá, e agora que não pode mais, pe­diu para eu tomar o lugar dela sem dizer a ninguém quem eu era.

— Você desaprova?

— Acho que ela não estava raciocinando bem, ou então não teria proposto uma coisa dessas. Não gosto de mentir. Nem sou boa nisso. Além do mais, Não acho que possa pas­sar por uma mulher do tipo executivo, e viúva. Não sou sofisticada e não sei planejar festas ou receber dignitários estrangeiros. Tudo o que sei é na área de advocacia. Traba­lhava para uma firma de advogados, em Jacobsville.

Um meio sorriso desenhou-se no rosto do estranho.

—  Impressionante.

— O que é impressionante?

— Deixe para lá. Quer dizer que acha que o trabalho está alem de sua capacidade?

— Com certeza. Pretendo terminar minhas férias aqui e voar para Amsterdã, depois ir para casa — declarou ela, em tom de quem toma uma decisão.

—  Acredita em destino, srta. Brannon?

— Não sei,

— Eu, sim. Acho que devia ir ao Quawi.

— E mentir?

— Não. E dizer a verdade — aconselhou ele, cruzando as pernas num gesto elegante. — Conheço o sheik, ou melhor, sei como ele é. E um homem justo e só admira a honestida­de. Use a passagem de sua amiga. Aceite o emprego.

— Ele não vai me dar o trabalho. Foi muito rigoroso com as qualificações de Maggie, e entre elas, por algum motivo, estava o fato de ter sido casada...

— Diga a verdade e aceite o emprego. Ele vai concordar. Acontece que eu sei que a necessidade dele de um assisten­te é pessoal e imediata. O sheik não vai querer perder tem­po tentando encontrar outra pessoa com as qualificações de madame Barton.

— Mas eu não tenho essas qualificações.

— Conhecer pessoas? Você e eu somos estranhos, e no entanto estamos aqui partilhando uma excursão.

— Isso foi só porque eu quase derrubei você — lembrou ela. — Não posso fazer disso um hábito, só para conhecer pessoas.

— Pois eu acho que você será uma ótima assistente.

— Como eu disse antes, não sei falar outra língua que não espanhol.

— Pode aprender a falar árabe.

— O pior é que não sou muçulmana.

— Nem o sheik — argumentou ele, inclinando-se para a frente. — O Quawi é uma nação incomum em sua mistura de culturas. Existem tanto judeus e cristãos quanto muçul­manos, numa história colonial peculiar. E nos últimos dois anos, tornou-se um aliado tanto dos Estados Unidos quan­to da Grã-Bretanha. Contratos de petróleo são tentações lucrativas para democracias poderosas. Quantos amigos o Quawi ganhou com suas novas riquezas...

— Você faz tudo isso parecer fácil demais — disse ela.

— É a verdade.

Ele examinou-lhe o rosto oval. Ela era atraente, mas não uma beleza estonteante. Entretanto, suas feições eram harmoniosas e os olhos muito expressivos. A boca era perfeita. Ele sorriu e lamentou-se pelo que jamais poderia experimen­tar outra vez. Os cabelos o fascinavam, pelo tom de loiro platinado, obviamente compridos e definitivamente natu­rais. Ela o fazia lembrar... Brianne Martin.

Gretchen também o examinava. Imaginava como ele ad­quirira as cicatrizes no rosto. Havia outras nas costas da mão esquerda, do mesmo lado.

Ele percebeu a curiosidade dela e tocou levemente o rosto.

— Foi um acidente, quando eu era bem mais novo. Exis­tem outras cicatrizes, escondidas.

—  Desculpe, eu não quis ficar reparando — disse ela, sorrindo com simpatia. — Não são feias, sabia? Você fica parecendo um pirata.

— Mademoiselle?

— Está faltando um tapa-olhos e um cutelo, além de um papagaio, claro... e uma daquelas camisas brancas e bufantes, que deixam o peito de fora.

O prazer dele foi externado no brilho intenso dos olhos e na gargalhada espontânea que escapou de repente. Gretchen teve a impressão de que ele ria muito raramente.

— Claro, e um navio de velas negras — completou ela.

— Um de meus ancestrais foi um berbere — disse ele. — Não exatamente um pirata, mas um revolucionário.

Ela fitou os olhos escuros e sentiu um vazio na boca do estômago. Reparou então que o fôlego parecia faltar-lhe. Nenhum homem a fizera sentir-se tão feminina.

— Eu sabia. Já cavalgou um camelo?

— Por que pergunta isso agora?

Em resposta Gretchen apontou para uma pequena ma­nada, à entrada de um hotel, em cujo estacionamento esta­vam entrando.

— Eu gostaria mesmo de cavalgar um antes de voltar para casa.

— Não são usadas selas, sabia? — comentou ele, enquanto o motorista estacionava o carro e saía para abrir a porta.

— Nem estribos?

— Também não.

Ela olhou para os animais.

— São tão bonitos, os camelos... Parecem cavalos sobre pernas-de-pau.

— Blasfémia! — bradou ele. — Comparar uma mera bes­ta de carga com algo tão elegante como os cavalos árabes.

— Você pratica equitação? — indagou ela, com as sobran­celhas arqueadas.

— Naturalmente — respondeu ele, observando os came­los com desprezo. — Mas não de terno.

Um Harmonia, ainda por cima, pensou ele, sem falar.

Gretchen tocou-lhe de leve a manga. Não costumava to­car pessoas, mas sentia-se segura ao lado dele. Não era um estranho, ainda que devesse parecer assim.

—  Por favor... eu nem quero ir muito longe. Só quero saber como é a sensação de cavalgar um camelo.

Foi como ligar diretamente os olhos verdes às terminações nervosas dele. Os dedos não estavam tocando sua pele, ainda assim o calor passava através do tecido, e o fôlego se acelerou. Uma tensão pouco familiar instalou-se no corpo inteiro.

— Muito bem — concordou ele por fim, afastando-se do toque perigoso.

Gretchen afastou a mão como se ele a tivesse queimado. Reparou que ele não gostava de ser tocado. Não se esque­ceria disso. Sorriu enquanto se aproximavam do treinador dos camelos.

— Obrigada.

— Você provavelmente vai cair e quebrar o pescoço — resmungou ele.

O homem falou com o sujeito que alugava camelos no mesmo dialeto que ela não havia entendido, sorrindo e ges­ticulando com as mãos como o outro. Ambos olharam para ela, sorrindo de uma orelha à outra.

— Venha — disse o homem alto a Gretchen.

 

Acenava na direção de um bloco de madeira colocado ao lado de um dos camelos bem tratados. Havia um cobertor sobre uma das duas corcovas e uma pequena corda trança­da para segurar.

— Não tenho muita certeza...

O homem alto a ergueu nos braços, sorrindo da surpresa dela, e colocou-a no dorso do camelo. Em seguida entregou a corda única de rédea nas mãos de Gretchen.

— Enrole as pernas na corcova — instruiu ele. — E segu­re bem. Eu disse ao nosso amigo aqui para andar com você devagar até o alto da colina e voltar. Sem galopar.

Ela apanhou sua pequena câmera da pochete ao redor da cintura e abaixou-se para entregar a ele.

— Será que você podia...

— Claro — respondeu ele, sorrindo.

Partiram, com os risos de Gretchen saudando o estranho andar ondulado do camelo. Acenou aos motoristas sorriden­tes que passavam por ela, enquanto o homem conduzia o ca­melo pela pista ao lado da rua. Durante todo o passeio, o ho­mem alto os observou e tirou fotografias. Não parecia muito um homem de ação, e ela não conseguia imaginá-lo monta­do num camelo. Parecia mais um homem de negócios. Pro­vavelmente detestava pêlos de camelo e areia, tanto quanto lama. Ela sonhara com um homem de ação correndo pelo deserto num garanhão branco. Seu companheiro, por mais charmoso que fosse, não seria páreo para uma história de Rodolfo Valentino, na época do cinema mudo. Era um pou­co decepcionante nesse ponto. Mas precisava parar de viver fantasias, lembrou a si mesma. Concentrou-se em agarrar a pequena corda para neutralizar o balanço.

Quando voltaram, o marroquino fez com que o camelo ficasse de joelhos e apanhou a câmera que o homem alto estendia para que ele segurasse. Em seguida ele esticou as mãos e ergueu Gretchen nos braços longos, fazendo uma pausa para voltar-se de frente para a câmera.

 

— Sorria — recomendou ele em voz baixa.

Os olhos de ambos se encontraram, próximos demais um do outro. O coração de Gretchen disparou, os lábios se en­treabriram e ela se concentrou em aproveitar aquele instan­te. Talvez fosse o início de uma grande amizade.

— Gostou?

— Foi maravilhoso — comentou ela, animada.

Estava consciente do tecido macio do paletó dele e do escrutínio dos olhos escuros. Não conseguiu respirar en­quanto ele a segurava nos braços.

Sentiu o hálito dele contra o rosto, e outra vez um arre­pio diferente percorreu-lhe o corpo. Ele a abaixou de repente e afastou-se para pegar a câmera. Gretchen parou de obser­vá-lo, sem graça. Sentiu como se tivesse feito uma coisa muito errada. Nem tinha idéia do quê.

Ele voltou em pouco tempo, entregou-lhe a câmera e sor­riu educadamente, como se nada tivesse acontecido.

— As grutas são por esse caminho. Vamos indo. Gretchen foi à frente, deixando que ele a seguisse. Havia um quiosque de lembranças na entrada e ela hesitou, a aten­ção captada por um pequeno objeto, um círculo de pedra, com um domo incrustado e o que parecia ser um fóssil no interior. Fascinada, ela o apanhou, achando que era sedoso ao toque.

— Sua primeira lembrança? Permita, por favor... — disse ele, pagando a jóia.

— Mas...

Ele ergueu uma das mãos para impedir que ela continuas­se o protesto.

Uma ninharia... — disse ele, conduzindo-a para a en­trada. — Cuidado, vá devagar. Esta é uma caverna viva. Vai descobrir paredes de calcário, onde, por séculos, os homens vieram até aqui para moer grãos.

Gretchen entrou, sentindo imediatamente uma umidade fria. Misturaram-se a outros turistas. Havia uma aberturana direção do mar que parecia muito com o mapa da África. As paredes possuíam esferas em baixo-relevo... os moinhos, pensou ela. Apertou sua lembrança nas mãos e apanhou a câmera outra vez, fotografando as paredes. Quando seu acom­panhante não estava olhando, fotografou-o também. Apre­ciava a companhia dele como nunca apreciava a de alguém em toda a sua vida. E nem ao menos sabia o seu nome.

Aproximou-se. Ele observava o movimento das ondas através da abertura da caverna, com as mãos nos bolsos e uma expressão sombria no rosto. Voltou-se quando perce­beu a aproximação de Gretchen.

— Não sei seu nome — murmurou ela.

— Pode me chamar... monsieur Souverain — disse ele, com voz profunda e um brilho divertido nos olhos.

— Tem um primeiro nome, ou isso é segredo?

— Philippe.

— Philippe — repetiu ela, sorrindo.

O brilho nos olhos dele tornou-se mais pronunciado.

— Vamos indo. Podemos conhecer Asilah, se você quiser...

— Eu gostaria muito — disse ela, hesitando em seguida. — Eu... não estou desviando você de algum compromisso de negócios importante, estou?

Ele riu.

— Não tenho nenhum compromisso importante hoje nem amanhã — declarou, rindo. — Talvez, como você, eu esteja de férias.

— Aposto que não faz isso muitas vezes.

Os dois subiram os degraus de pedra para retornar ao estacionamento.

— Por que diz isso?

— Porque você age como um homem de negócios vicia­do em trabalho. Imagino que esteja na cidade para realizar algum projeto grandioso que envolva todos os tipos de pes­soas importantes.

— Estava mesmo, mas o negócio não deu certo antes mesmo que eu saísse do avião. Agora estou trabalhando em outros com o qual espero obter mais sucesso.

Gretchen não notou que ele a observava às ocultas en­quanto falava; olhava ao redor, maravilhada.

— Eu não esperava nada disso quando saí do Texas — confidenciou ela. — É tão excitante ver como as pessoas são amigáveis e educadas... É quase como estar em casa, a não ser pela forma de vestir e pelo som do árabe e do berbere.

— Você não sabe nada sobre o Marrocos? — indagou ele, abrindo a porta do carro para ela.

— Tudo que os nossos repórteres na televisão falam é sobre assuntos políticos e escândalos, ou então a tragédia mais recente. Não nos informam coisa alguma sobre outros países, a menos que alguém muito importante seja assassi­nado lá.

— E o que tenho notado.

— Foi por isso que Maggie e eu viemos até o Marrocos. Para ver como é. E agora que fomos apresentados decente­mente, estou contente em conhecê-lo, sr. Souverain — dis­se ela, estendendo a mão.

— Posso dizer o mesmo, Gretchen — respondeu ele. Aceitou a mão, e levou a palma até a boca, encarando-a diretamente enquanto os lábios tocavam a pele de forma suave e sensual. Seu nome soava estranho, misterioso, exci­tante. A sensação da boca masculina em sua pele a deixou inquieta, embora não de uma forma desagradável. Puxou os dedos com rapidez exagerada, rindo para que ele não per­cebesse que se sentia vulnerável e exposta.

Philippe não disse nada até estarem confortavelmente instalados no assento de couro e o veículo colocar-se em movimento. Os olhos, entretanto, ainda pareciam curiosos. Sorriu.

— Gostaria de ouvir alguma coisa sobre a história de Tanger?

— Adoraria...

—  Os berberes foram os primeiros a chegar aqui... — começou ele.

Passaram por fábricas de rolhas e olivais ao longo da estrada que seguia pela costa até Asilah, e Gretchen riu ao observar os camelos brincando na água rasa da praia.

— Eles adoram nadar e tomar sol — informou Philippe.

— Mais ou menos como turistas num feriado.

— São muito bonitos, mas não são tão grandes como eu imaginava. Acho que no cinema é diferente.

— Assistiu ao O Vento e o Leão, com Sean Connery?

— Várias vezes, na verdade — disse ela.

— Pois o palácio dos Raissouli é em Asilah.

— Ele existiu de verdade?

— Foi um revolucionário que tentou destituir o monar­ca. Mas falhou.

— Meu Deus, pensei que tudo não passasse de ficção.

— Bem, em relação à história, a maior parte era; mesmo assim gostei do filme. Em meu país, os filmes estrangeiros constituem boa parte da diversão e entretenimento.

O país dele. Com certeza, a França. Gretchen sorriu.

— Nunca estive na França.

— É belíssima. E antiga. Como a maior parte da Europa, aliás — disse ele, deixando passar o engano. — A casbá de Tanger data da época da conquista romana, ou até antes.

— Adorei tudo aqui. Cada estrada e cada vilarejo, as lo­jas e o povo que anda por essas ruas estreitas — comentou ela. — E quase um conto de fadas.

— Você gosta de lugares exóticos — afirmou ele, estrei­tando os olhos.

— Eu nunca tinha saído do Texas antes. Nem mesmo até a fronteira do México. Nunca viajei para lugar nenhum. E entre todos os lugares, vir conhecer a África... Sinto que estou vivendo um sonho.

— Engraçado... é exatamente como estou me sentindo... — declarou ele.

Sorria enquanto seu olhar examinava a praia.

 

Asilah fervilhava de atividade. Antes de 1972, toda a cida­de ficava no interior das muralhas antigas. Agora havia tam­bém shoppings e várias construções em andamento, con­tou Bojo, o guia. Enquanto procuravam uma vaga para es­tacionar na cidade apinhada, viram carrinhos puxados por jumentos, carregando pessoas de um lado para outro, pelas ruas estreitas.

Imediatamente do lado de fora da casbá havia uma ala­meda sombreada, onde se avistavam bares com mesas ao ar livre. Mas o guia avisou que teriam de seguir adiante, pois o mercado de Asilah ficava um pouco além, continuan­do pela rodovia.

— Hoje é dia de feira — disse Philippe, tomando o braço de Gretchen. — Será uma verdadeira aventura.

Foi mesmo. Ela viu belas frutas e vegetais, ervas e espe­ciarias, tudo arrumado com perfeição e sem uma mancha na superfície uniforme e colorida das cascas. Viram tempe­ros exóticos, poções, roupas e chapéus. Havia artigos de couro e até mesmo galinhas e coelhos vivos. Um pouco afastado das tendas de comércio, havia um grupo de pessoas, jumentos e cavalos, esperando a hora de voltar para suas vilas.

— A produção é maravilhosa! — exclamou ela. — E ain­da mais bonita do que a dos nossos supermercados, mas não é refrigerada.

—  É verdade. E aqui no mercado, boa parte é vendida para os comerciantes da cidade grande.

Enquanto caminhavam ele a instruiu sobre os vários tem­peros e visitaram bancas de azeitonas de vários tipos. De­pois voltaram para a cidade, conduzidos pelo guia.

— Está com sede? — indagou Philippe.

— Acho que seria capaz de beber uns dois litros de água— respondeu ela, passando um lenço na testa para secar o suor.

— Eu também.

Ele e o guia a levaram até um café na proximidade de Asilah, onde pediram água mineral para ela e chá de menta para ele. Ele lhe ofereceu chá, mas Gretchen ainda não tinha coragem de beber nada que não fosse engarrafado e recusou.

— Precisa experimentar o chá de hortelã, antes de sair do Marrocos — aconselhou ele. — É uma especialidade local.

—  Prometo experimentar. No momento, porém, água gelada me parece o melhor.

— Não duvido.

Ele passou a garrafa de água gelada para ela, apanhou seu chá e dirigiram-se para um grupo de mesas ao ar livre, próximas à parede da cidade antiga. O guia permaneceu para trás, a fim de falar com um dono de loja que ele co­nhecia.

— O café é do proprietário deste pequeno espaço e todos pagam no balcão e comem aqui.

— É muito bonito — comentou Gretchen, olhando ao re­dor. — Existem muitos turistas por aqui.

— E verdade. A cidade é um centro de artes, principal­mente agora, no festival anual. As lojas da cidade velha estão enfeitadas, e Asilah assumiu sua faceta mais alegre para o festival. Atrai pessoas de todos os lugares da África, Euro­pa e do mundo inteiro.

— Você disse que o palácio dos revolucionários era aqui—  lembrou Gretchen.

Ele assentiu. Tomou um gole do chá de hortelã e, sem pressa, saboreou-o até o final; pediu licença para levar a xícara e o pires ao balcão. Ela ficou curiosa com esse deta­lhe, pois a maioria dos turistas, assim como ela, usava co­pos descartáveis. Seguindo Philippe com os olhos, perce­beu a extrema cortesia com a qual ele era tratado pelo dono do café. Enquanto observava, reparou que havia outros ho­mens por perto, de óculos escuros. Haviam estacionado atrás deles quando chegaram. Perguntou-se por que esta­riam ali; tinham o ar de quem seguia alguém muito im­portante, talvez um dignitário estrangeiro disfarçado. Quando voltasse para casa, perguntaria ao irmão como funcionava esse tipo de segurança. Em seguida lembrou que ia para o Quawi, não para casa; isso a deixou nervosa e um pouco triste.

Philippe a observava do alto de sua estatura.

— Está preocupada — afirmou ele.

— Desculpe, estava pensando sobre meu novo emprego, se é que vou conseguir.

— E se preocupando. — Ela sorriu.

— Não gosto da idéia de usar uma passagem em nome de outra pessoa, nem de fingir, mesmo que o sheik acabe me contratando.

— Acho que você se preocupa demais com isso. Quanto à passagem, o recepcionista pode alterar o nome para você, e Mustafá ou Bojo vão acompanhá-la até o aeroporto e es­perar até que o avião decole — informou ele, indicando o motorista e o guia.

— É mesmo?

Ele sorriu da expressão de surpresa de Gretchen.

— Não fazem isso em seu país?

— Não.

— Cada um com os seus costumes. Vai descobrir que a vida é um pouco diferente nesta parte do mundo.

— Já descobri. Mas não sei se é bom para mim ser mimada desse jeito. Eu não passo de uma simples auxiliar de advogado.

Um dos olhos escuros cerrou-se.

— Minha impressão, Gretchen Brannon, é que você não é nada simples.

— Mas você não sabe nada sobre as mulheres do Texas...

— Uma falha que pretendo sanar nos próximos dias — afirmou ele, galantemente. Depois piscou e imitou a voz de Charles Boyer: — Você vem comigo para a casbá?

Ela não conseguiu deixar de rir.

— Eu também assisto a filmes demais. Achava que só ha­via uma casbá quando cheguei, até o motorista do táxi me explicar.

— Os filmes de Charles Boyer e Humphrey Bogart forne­cem a imagem de um Marrocos muito diferente.

— É verdade. Aqueles dias já se foram há muito.

Ele colocou uma das mãos sob o cotovelo dela para guiá-la através dos portões da velha cidade e pelo labirinto de ruas estreitas e pequenas lojas.

— As velhas crenças, pode ser, mas não a intriga — afir­mou ele, baixando a voz. — Está vendo esse homem de ter­no bege, de óculos escuros? Não, não vire a cabeça.

— Estou.

— Já reparou nos senhores de óculos e ternos escuros por perto?

— Eu os tinha visto antes.

— São guarda-costas.

—  E mesmo? Para quem trabalham? Para o homem de terno bege?

— Quem sabe? Talvez ele trabalhe para um dos prínci­pes sauditas que possuem propriedades fora de Tanger.

—  Um que o guia me mostrou, que saiu do helicóptero com os homens armados?

— Esse mesmo. Eles saem para passear de tempos em tempos. Ontem mesmo vi um ex-presidente da Espanha na cidade — disse ele.

— Nós também. Nunca tinha encontrado um chefe de Estado, ex ou não.

Ele manteve os olhos na estrada, sem responder nada.

— Aqueles guarda-costas... devem estar armados.

— Submetralhadoras Uzí, nove milímetros. E sabem como usá-las.

— Meu Deus! Espero que ninguém o ataque.

— Não há perigo. Ninguém o conhece por aqui. Vários chefes de Estado do Oriente Médio conseguem misturar-se à multidão e não são reconhecidos.

— Então, se por acaso reconhecer o sheik do Quawi, quer mostrá-lo para mim? Talvez eu possa me atirar à mercê dele antes de viajar para a capital do país.

Ele colocou os óculos escuros e sorriu.

— Posso assegurar que nem os súditos dele o reconhece­riam em trajes ocidentais.

— Ele é... cruel?

— Como? — indagou Philippe, observando-a através das lentes esverdeadas.

— Minha amiga, Maggie, disse que houve rumores so­bre ele e mulheres muito jovens. Disse que não eram ver­dadeiros e que ele mesmo deu início aos boatos.

— Foi mesmo. Posso garantir a você que não existe peri­go algum perto dele — afirmou Philippe, com seriedade. — Acho até que você vai se sentir particularmente segura e mi­mada, quando estiver sob a proteção dele.

—  Espero que tenha razão — disse ela, com fervor. — Puxa, veja aqueles xales...

Gretchen apressou-se até um mostruário improvisado à porta de uma loja. Havia um xale preto com a borda enfeita­da de pérolas., uma peça artesanal que a deixou sem fôlego.

— Um xale marroquino, como as mulheres usam na ca­beça quando saem em público. No Quawi, chamamos o turbante de hijab. Gosta?

— Acho que deve ser caro demais — respondeu ela, en­carando-o. — Mas você não vai comprar. Se puder, eu mes­ma pago.

—  Ah, essa independência americana... Muito bem — concordou ele, falando com o vendedor. — São cinquenta e seis dirrãs.

— Cinquenta e seis...

— Isso corresponde a cerca de sete dólares — informou ele. Ela sorriu.

— Vou levar.

Philippe a ajudou a encontrar as moedas para pagar, enquanto o vendedor embrulhava o xale. Em seguida ele apanhou o pacote, colocou-o embaixo do braço e a condu­ziu pelo labirinto de lojas. Pararam mais duas vezes para que Gretchen pudesse barganhar por um par de brincos e uma pulseira de prata com turquesas.

Seguiam por um caminho de pedras, quando ele falou:

— Lá está o palácio do Raissouli.

Gretchen quase ficou sem fôlego com a visão. Os azule­jos, em branco e vários tons vibrantes de azul, eram combi­nados, no interior das muralhas alvas, nos padrões mais belos de mosaicos que ela já vira. Ela tocou os azulejos com fascinação.

— Todo o trabalho é geométrico — murmurou.

— Os construtores do Islã são proibidos de representar qualquer forma humana ou animal nesses padrões — ex­plicou ele. — Por isso os desenhos são geométricos.

— São lindos. Quando penso nos prédios de cimento e aço que temos em nosso país...

— Mas vocês também têm belas construções em madeira.

— E, existem alguns prédios vitorianos com entalhes em madeira. Já vi muitas casas assim. Na verdade, a minha foiconstruída com essa técnica. Não é luxuosa nem nada, mas quando está pintada fica muito bonita.

Ele apreciou o reflexo nos cabelos platinados ao retorna­rem para a luz do sol, enquanto caminhavam através da cidade, na direção dos portões.

— Nunca usa os cabelos soltos, Gretchen?

— São muito finos e não ficam parados. Além do mais, caem na frente dos olhos, especialmente quando venta. Aliás, aqui no Marrocos parece que nunca pára de ventar.

— Qual o comprimento?

— Passa um pouco da minha cintura — respondeu ela, encarando-o. Por quê?

— Conheço uma moça, também americana, que tem os cabelos muitos parecidos com os seus. Só que ela cortou. Acho que o marido pediu — disse ele. — Ele sabe como eu gosto de cabelos compridos.

— O marido dela?

— Eles têm um filho de quase dois anos agora.

— Imagino que ela o tenha recusado.

— Eu não a pedi em casamento, e ele sim.

— Seu malandro... — brincou ela.

Entretanto ele não sorriu. O rosto permanecia impassí­vel, denotando, no máximo, certa introspecção.

— Desculpe. Imagino que ela significasse muito para você — apressou-se Gretchen a dizer.

— Ela era todo o meu mundo — afirmou Philippe, com intensidade. — Mas o destino não permitiu.

O olhar dele fixou-se num ponto além dela. A testa se franziu.

Gretchen voltou-se a tempo de ver o homem de terno bege agora mais próximo, acompanhado dos guarda-costas. Um dos dois sujeitos de terno escuro gesticulava com veemên­cia. O homem de bege olhou para Philippe.

—  Precisamos partir imediatamente — avisou Philippe, impelindo-a na direção em que o guia aguardava com os homens de preto.

Era como se de repente ele tivesse se transformado em outra pessoa, alguém acostumado a exercer autoridade, que esperava ser obedecido instantaneamente. Quando chega­ram onde se encontravam os sujeitos de preto, ficaram pró­ximos àquele que Philippe descrevera como empregado de um príncipe saudita, mas o homem não estava se compor­tando como a realeza se portaria, ao contrário, agia de modo humilde, em tom de voz quase suplicante.

Philippe fez perguntas e distribuiu ordens numa língua diferente do que a usada para falar com os vendedores. Olhou preocupado para Gretchen e a conduziu na direção do carro, com o guia andando na frente e os outros três homens atrás e dos lados.

Gretchen não disse nada. Percebeu uma urgência de ação que indicava perigo, e preferiu mover-se com rapidez e em silêncio. Notou o olhar de aprovação de Philippe quando entraram no carro. Os homens que os acompanhavam en­traram no carro de trás, outro Mercedes. Sem perda de tem­po estavam todos na rodovia que levava a Tanger.

Em poucos minutos ela percebeu que ainda ganhavam velocidade, e que havia um terceiro carro em perseguição.

Gretchen olhou para Philippe, preocupada. Ele tirou um celular do bolso e falou com rapidez, em língua estrangei­ra. O carro atrás deles, aparentemente seguindo ordens, deu uma guinada e bloqueou a pista estreita por completo, para que o terceiro carro parasse ou os abalroasse. Enquanto se afastavam, o som de tiros rápidos ecoou atrás deles. As mãos de Gretchen se apertaram na garrafa plástica, que quase estourou.

— Está tudo bem... — assegurou Philippe em tom recon­fortante. — Estamos perfeitamente a salvo. Você reagiu muito bem numa situação de crise.

— Escutei tiros...

— Não eram dirigidos a nós. Apenas ajudamos aquele homem de bege a evitar um sequestro. Posso garantir que neste mesmo instante as autoridades marroquinas estão a caminho para prender os criminosos.

— Mas eles estavam armados!

— É verdade, mas não têm experiência para competir com Ahmed e Bruno.

— Quem são Ahmed e Bruno? — quis saber Gretchen.

— Guarda-costas. Isso. O guarda-costas do príncipe — informou ele, sorrindo como se fosse uma brincadeira pes­soal. — Desculpe ter de abreviar nosso encontro, mas te­nho uma importante reunião de negócios à tarde. Gostaria de jantar comigo?

— Se você... quero dizer, eu adoraria.

— Bien. Ligo para o seu quarto às quinze para as oito.

— Ótimo.

Na verdade não estava acostumada a jantar tão tarde, mas o hotel não servia refeições antes das oito da noite. Contu­do, já estava com fome. Talvez pudesse encontrar alguma coisa para mordiscar na pequena geladeira em seu quarto.

— Tomou café da manhã?

— Tomei...

— Mas não almoçou, certo? Sabia que o hotel serve na piscina um bufe delicioso às três horas?

Gretchen suspirou de alívio.

— Agora sei. Só que lá os cardápios são todos em francês e os garçons precisam traduzir para mim.

—  Farei isso hoje à noite — prometeu ele, apanhando outra vez o telefone no bolso. Falou com rapidez. Ouviu e desligou. — Os homens que tentaram o sequestro estão sob custódia da polícia.

— Nunca vi nada parecido com isso em toda a minha vida.

— Infelizmente, para mim não é novidade — respondeu Philippe, emitindo uma ordem para o motorista. — Bojo vai me deixar na embaixada, mas depois vai levar você para o hotel e acompanhá-la até lá dentro. Eu o instruí para falar com o recepcionista sobre nossa pequena... aventura, assim eles vão vigiar você.

Gretchen sentiu-se envolvida em algodão macio, como uma coisa preciosa. Mal o conhecia, e apesar disso ele não era um estranho.

— Obrigada.

— Toda essa confusão foi minha culpa. Fui descuidado.

— Não entendo. Somos apenas turistas.

Nesse instante aproximaram-se de um imponente conjun­to de edifícios no centro da cidade, e o motorista estacionou.

— Preciso ir agora — disse Philippe, levando a mão de Gretchen aos lábios, sem deixar de encará-la. — Neste mo­mento, está mais segura do que já esteve em toda a sua vida.

Voltou-se e disse algo ao motorista, que acenou em res­posta.

Ele saiu do carro sem olhar para trás, mas Gretchen re­parou que o automóvel com os homens de preto encostou em seguida, e os ocupantes passaram a seguir Philippe de perto. Ficou imaginando por que o teriam seguido, em vez de ao príncipe saudita.

— Aqueles guarda-costas... — começou ela.

— Mademoiselle não deve se preocupar. Monsieur está em boas mãos — informou Bojo.

— Mas aqueles homens não são guarda-costas do prínci­pe saudita?

O homem hesitou por alguns instantes.

— Eles não trabalham para o príncipe. São chamados para acompanhar dignitários estrangeiros... e importantes ho­mens de negócios — acrescentou.

— Estou vendo. Obrigada.

Sorriu e recostou a cabeça contra o banco macio, aliviada e ainda um pouco intrigada. Agora que possuía um amigo no Marrocos, não queria perdê-lo com tanta rapidez.

Bojo saiu do Mercedes acompanhou Gretchen até a recep­ção. Parecia diferente, muito concentrado e alerta, enquanto conversava na língua que ela não entendia; Gretchen repa­rou que apesar de ele estar usando uma túnica de listras, no padrão preferido dos marroquinos, sob a vestimenta havia um terno ocidental. Observou-o com cuidado, reparando no relógio caro no pulso dele e no anel de brilhantes no dedo mínimo. Não se parecia nem um pouco com um guia de ho­tel. Quando ele se voltou para ela outra vez, estava cheio de atenções e obséquios. Gretchen perguntou-se se iria se acos­tumar com todos aqueles cuidados.

Olhou para si mesma no espelho e notou uma fina cama­da de areia amarelada. O vento ali parecia soprar constantemente; havia reparado também que nenhum dos carros tinha ar-condicionado, pois as janelas sempre estavam aber­tas. A areia entrava no interior dos veículos, e aparentemente em todos os lugares.

Gretchen tomou um banho rápido de chuveiro, evitando usar muita água, pois raciocinou que devia ser preciosa num país desértico.

Seu guarda-roupa fora severamente limitado pela insis­tência de Maggie em carregar apenas uma mala de mão. Vestiu calça branca e uma blusa de seda em padrão branco e lilás, calçando sandálias para completar. Sorriu para o vestido estilo camponesa mexicana pendurado no armário, sua única opção para o jantar. Talvez pudesse usar os cabe­los soltos e colocar os brincos e o colar de fileira única de pérolas cultivadas. Não queria envergonhar Philippe, que provavelmente viria de traje a rigor.

Desceu até a área anexa à piscina, que possuía um balcão para o interior, e ficou mais relaxada quando viu outrosturistas em trajes de banho enchendo seus pratos. O gar­çom sorriu e ela retribuiu o sorriso. Percebeu que muitos dos visitantes estavam enfrentando o mesmo problema que ela e parou de se preocupar.

Comeu presunto cru com melão e pequenas empadas re­cheadas com carne de pombo, imaginando o que as pessoas em Jacobsville diriam se a vissem ali. Tomou água "com gás", como eles chamavam a soda ali, sentindo-se uma rai­nha em férias. O sol estava quente, e os jardins, convidati­vos, em sua beleza exótica, repletos de rosas e de outras flo­res, cujo aroma doce percebia-se no ar. As vozes dos banhis­tas divertindo-se chegavam aos seus ouvidos, produzindo um fundo agradável, quando ela se recostou numa das ca­deiras de balanço com vista para o jardim. Antes que per­cebesse, adormeceu.

Sonhou. No passeio de barco em que estava, a brisa pren­deu algumas madeixas em torno do seu pescoço. O rosto repousava em um travesseiro macio. Ela suspirou e espre­guiçou-se, percebendo que o travesseiro fazia um ruído es­tranho.

Abriu os olhos e deparou com um rosto moreno escuro provido de intensos olhos negros. Gretchen repousava o rosto contra o ombro dele e suas longas pernas estavam encolhidas na cadeira de balanço. Por vários segundos ape­nas olharam um para o outro, à luz do sol poente.

— Como você teve sorte em dormir com o sol já não tão forte... As queimaduras podem ser letais, nesse clima — dis­se ele, com voz grave.

— O almoço foi delicioso e fiquei com sono aqui na ca­deira.

Uma das mãos dele estava acariciando levemente o pes­coço dela; depois de um breve olhar para a boca, Philippe deixou os olhos vagarem na direção do mar.

— Eu mesmo durmo pouco. Meus sonhos trazem pe­sadelos.

— Sobre o quê? — indagou ela, intrigada com a familia­ridade.

Deveria sentir-se ameaçada, ou pelo menos desconfiada; afinal de contas, ele era um desconhecido... Ou devia ser.

— Guerra. Morte. Gritos de gente inocente na escuridão do terror.

Gretchen o encarou, os olhos arregalados.

— Você não é francês? — perguntou ela, hesitante.

— Não.

— Então, de onde...

A mão dele moveu-se, de forma que o polegar impediu que ela continuasse.

— É cedo demais, Gretchen — disse ele, com delicadeza. — Cedo demais para a verdade. Vamos viver num mundo de fantasia por mais alguns dias e deixar as respostas para o amanhã.

— Que tipo de fantasia tem em mente?

— De um tipo inocente — afirmou ele, o dedo traçando o contorno dos lábios dela. — O único tipo de que sou capaz.

— Não estou entendendo...

— Sei disso. Talvez esse detalhe não seja importante — disse ele, aconchegando-a nos braços como um gatinho.

Gretchen cheirava a orquídeas. Ele passou os dedos pelo contorno do rosto, depois pelas sobrancelhas, como se esti­vesse fazendo um esboço a pincel.

— Que idade você tem? — Vinte e três.

O indicador pousou nos lábios entreabertos e ele ficou apreciando a reação. A respiração aumentou de intensida­de. As pupilas se dilataram. O corpo respondeu com um estremecimento involuntário... Ele amaldiçoou sua sorte.

— Como você é, na paixão: submissa ou gosta de morder e arranhar? — perguntou ele, de repente.

Gretchen afastou-se, na cadeira, a expressão indignada.

—  Não sei a que tipo de mulher está acostumado... mas não tenho o hábito de fazer esse tipo de coisa.

Os olhos negros a observavam, intrigados.

— Que tipo de coisa?

— Dormir por aí com homens — respondeu ela, voltan­do a encará-lo. — Muito menos com um homem que acabei de conhecer. Portanto, se foi por isso que você foi bonzinho para mim, é melhor procurar uma mulher mais moderna. Se eu for para a cama com um homem, com toda a certeza será com meu marido e mais ninguém. Ponto final.

A seriedade o abandonou na mesma hora. Ele a encarou com curiosidade, depois com expressão divertida, depois riu.

— Vá em frente, pode me chamar de puritana. Ou dizer que estou vivendo no século passado. Não ligo. Estou acos­tumada.

— A frágil voz da razão num mundo insano — disse ele. — Eu sabia que você era única entre as americanas.

— Sou uma volta aos tempos vitorianos. — Ele tomou-lhe a mão com suavidade.

—  Eu não quero ter uma relação sexual com você, Gretchen.

— Não? — estranhou ela.

Ele olhou para as duas mãos juntas e odiou-se pela mal­dição que lhe negava as expectativas de um homem. Afa­gou os dedos dela enquanto considerava suas opções. O certo seria mandar Gretchen para casa imediatamente. Se­ria o melhor para ela. Porém ela lhe tocara o coração. Fizera com que sentisse vontade de viver. Fizera com que ele ris­se, chorasse e encarasse o mundo como um lugar de fasci­nação e diversão. Fazia muito tempo que não se sentia da­quela forma. Dois anos, para ser exato. Não esperara sentir-se assim outra vez. E se isso acontecia apesar do pouco tem­po em que se conheciam, o que dizer de quando, com o passar do tempo, se conhecessem melhor?

Como seria quando ela soubesse seu terrível segredo... quando a verdade viesse à tona? Iria encará-lo com pieda­de ou com repulsa? Poderia suportar ver tais emoções na­queles belos olhos verdes?

— Não fique assim — pediu ela, reparando na expressão atormentada que ele exibia. — Seja o que for, vai ficar tudo bem algum dia. Vai mesmo. A gente precisa procurar os milagres, ou eles não acontecem, Philippe.

— Como você sabe que há algo errado?

Ela franziu a testa.

— Não sei explicar. Estou sentindo que há.

A mão de Philippe pressionou a dela. No momento em que seu olhar mergulhou no de Gretchen, soube que não teria coragem de mandá-la embora.

 

— Foi alguma coisa que eu disse? — quis saber Gretchen, interrompendo os pensamentos dele. — Sei que sou meio radical. Não tive intenção de ser rude.

— Não foi nada que tenha dito. Se quer saber, admiro muito sua atitude — afirmou ele, com um sorriso. — As mulheres muçulmanas valorizam sua virtude. Mas é algo raro nos dias de hoje.

— É o que dizem. Meus pais eram muito rígidos e pro­fundamente religiosos — respondeu ela, brincando com um botão da blusa. — Você é muçulmano?

— Não.

Gretchen ergueu o rosto, buscando respostas no olhar dele.

— Sou católico — disse ele. — Assim como muitos do meu povo. Somos quase igualmente divididos entre muçulmanos, católicos e judeus. Torna a política muito interessante.

— Estou surpresa sobre quanto eu não sabia a respeito desta parte do mundo. Pensei que todos fossem árabes e muçulmanos. Mas já descobri que muitos habitantes aqui no Marrocos são berberes, não árabes.

—  Um povo muito orgulhoso de sua herança antiga — concordou ele. — A linguagem berbere não é escrita. Passa de geração a geração verbalmente, e sua história é tecida nos tapetes que vendem, episódio por episódio.

— Gostaria de vê-los — disse ela.

— Amanhã. Vou pedir que Bojo nos leve para dar uma volta pela cidade.

— Já fui, mas não me interessei em olhar os tapetes. Nem percebi o que estava perdendo...

— Pois pode esperar porque vale a pena. Agora, se me desculpar, preciso dar alguns telefonemas e me ausentar. Mas pouco antes das oito passo em seu quarto, está bem?

-— Só trouxe um vestido na bagagem. É um vestido me­xicano com rendas...

Ele adivinhou-lhe os pensamentos pelo ar de preocupa­ção no rosto.

-— E acha que pode me envergonhar por não estar ves­tindo algo caro?

— Isso — admitiu ela. Ele sorriu.

— Tenho certeza de que o que quer que vista ficará en­cantador. Estou ansioso por nosso encontro — despediu-se Philippe.

Ele a deixou ali na cadeira de balanço e ela observou-lhe a postura elegante ao afastar-se. Esse era um dos pontos em que o país a tinha impressionado muito: a graça com que as pessoas se movimentavam. Ninguém parecia apressado. Era um andar maravilhosamente lento que se adaptava ao esti­lo de vida e de negócios, sem pressa e sem correrias. Per­guntou-se se ninguém ali tinha úlcera. Duvidava muito.

Gretchen vestiu-se com mais cuidado do que nunca na­quela noite. Fazia vários meses desde que Daryl a convida­ra para sair e fingira estar apaixonado por ela. Fora uma presa fácil para o conquistador, amando pela primeira vez na vida e envaidecida pelo fato de um belo jovem estar interessado nela. Chegara até a ficar com ela no hospital nos dias que antecederam a morte de sua mãe.

Só depois do funeral ela compreendera o verdadeiro in­teresse dele.

 

Daryl fora até a fazenda depois do trabalho, oferecer-se para casar com ela e administrar a herança. Quando Gretchen explicara que não havia herança, ele dera a im­pressão de ficar chocado e zangado. Resmungando algo sobre perder tempo, fora embora e ela nunca mais o vira.

Seu irmão, Marc, tentara preveni-la sobre Darvl, porém ela só ficara zangada com ele, recusando-se a escutar. Era a primeira vez que um homem a fazia sentir-se tão espe­cial e amada. O que magoava mais era que ela fora ingê­nua o suficiente para acreditar nele. Contudo, a mãe sem­pre fora tão possessiva e dependente dela que Gretchen raramente conseguia sair com alguém quando era adoles­cente. Mesmo depois que completara vinte anos, a maior parte eram encontros ocasionais e únicos. Marc dissera várias vezes que ela precisava se desligar um pouco da mãe, apesar da doença, porém o coração mole de Gretchen fora sua perdição. Quando pedira mais liberdade, a mãe concordara, depois chorara e reclamara por ter sido deixa­do sozinha. Gretchen acostumara-se com esses encontros fúteis até que Daryl chegara.

Conhecera-o no escritório de advocacia onde trabalhava. Ele pedira que o sr. Kemp fizesse algum tipo de trabalho legal para ele, e durante uma conversa com Gretchen ficara sabendo que sua mãe estava acometida de uma doença ter­minal, e que morava numa fazenda. Ele passou por lá na hora do almoço, e ela o acompanhou até o restaurante. No supermercado, passou a encontrá-lo com frequência. Ele a convidou para ir a um baile em Houston, mas ela colocou dificuldade. Ele riu e disse que poderiam fazer um piquenique na casa dela, do qual a mãe participaria.

Gretchen estava flutuando no ar. Não apenas Daryl a encantara, como também encantara sua mãe. Na verdade, ele tornara as últimas semanas alegres e felizes. Gretchen ado­rava os poucos minutos roubados que passava com Daryl, empolgada com os beijos e carícias. Ele a pediria em casamento na semana em que a mãe morrera, e esta tivera pelo menos a felicidade de saber que sua filha ficaria em boas mãos.

Então, como todos os sonhos, este também terminara abruptamente. A vergonha e humilhação que Gretchen sen­tira só fora aumentada pela recusa de Daryl em se encon­trar com ela. As pessoas sentiram pena, mas Gretchen não queria pena. Queria uma fuga. A essa altura, Maggie tele­fonara e perguntara se ela queria ir para o Marrocos.

Gretchen afastou os pensamentos depressivos e retornou ao presente. Olhou para sua imagem no espelho. Com os longos cabelos loiros soltos e o vestido branco ondulando sobre o corpo curvilíneo, adornado com pérolas nas ore­lhas e no pescoço, sua figura era diferente. Não se podia dizer que fosse um modelo de beleza, mas estava longe de ser feia. Sentia-se vulnerável. Esperava que seu novo ami­go tivesse dito a verdade quando garantira que não estava interessado em seduzi-la, porque pela primeira vez ficaria à mercê de suas próprias necessidades represadas. Ele era bem mais atraente que Daryl, e lhe despertava sensações que ela não conhecia. Percebera também que Philippe era um homem sofisticado. Provavelmente tinha, em sua esteira, vá­rios corações despedaçados e romances desfeitos. Esperava não acabar como um deles. Já tivera sua cota de sofrimento.

Uma batida na porta soou exatamente quando faltavam quinze minutos para as oito horas. Ela a abriu, para en­contrar Philippe num belo terno escuro com camisa bran­ca e gravata de seda azul em padrão elegante e discreto. Poderia passar por um modelo de capa de uma revista de moda, e ela sentiu-se inibida em seu vestido de loja de departamentos.

Os olhos negros detiveram-se nos cabelos longos, dando a impressão de ficarem presos ali. Lentamente, a mão dele ergueu-se e tocou com reverência os fios sedosos, alisando-os, maravilhando-se com o toque sutil e o perfume.

— E você os esconde numa trança... Que desperdício!

— Eu... me acostumei.

— Mas está usando assim por minha causa, não é?

— É — admitiu ela, pouco à vontade.

— Somos estranhos — declarou ele, movendo com deli­cadeza o queixo dela para cima. — E ainda assim, conhece­mos um ao outro por milhares de anos.

— Que engraçado... eu estava pensando exatamente nis­so hoje à tarde.

— Talvez seja a mais cruel interferência do destino — comentou ele, enigmaticamente. — Vamos indo. Parece que hoje teremos uma dança do ventre.

Cretchen observou-lhe o sorriso malicioso.

— Pervertido...

— Pervertido, não. Sou simplesmente um apreciador da beleza — afirmou ele, estendendo o xale negro sobre os ombros dela. — Pode acreditar, acho você muito mais intri­gante do que uma dançarina.

— Obrigada.

—  Não disse como elogio. É verdade. Conheço você o suficiente para saber que detesta mentiras tanto quanto eu — afirmou ele, enquanto caminhavam pelo corredor acarpetado, com janelas para o jardim.

Gretchen sorriu. Sentia-se segura com ele. Entraram no elevador e depois desceram os degraus que levavam ao jar­dim interno, onde uma fonte central era cercada por belos mosaicos, as mesas cobertas com toalhas de linho branco e baixela de porcelana, prata e cristal. Vários casais já esta­vam sentados, e uma bela morena de vestido branco e seu companheiro tomavam lugar no palco, com violões.

— O espetáculo de hoje à noite — informou Philippe. — Ela é da península do Yucatán, no México, e tem uma voz linda.

— Você a conhece?

— Pessoalmente, não, mas vim de Madri, onde ela esta­va se apresentando num hotel.

— Veio de Madri?

Naquele instante aproximou-se um garçom de paletó branco e fez vermelho vivo. Conduziu-os até uma das me­sas, onde Philippe puxou uma cadeira para Gretchen sen­tar-se, depois acomodou-se em frente a ela. Aguardou até que o garçom se afastasse, para responder:

— Faço negócios pelo mundo inteiro. Poderia dizer que sou uma espécie de embaixador.

— Isso explica os guarda-costas, eu acho. Hoje à tarde eu os vi seguindo você para o interior do edifício e perguntei a Bojo. Ele me explicou que esses homens fazem a segurança de homens de negócios, além de dignitários estrangeiros.

— É verdade — concordou ele, com um suspiro.

— Pois eu gostei muito do passeio de hoje à tarde. Foi gentileza sua oferecer-se para ir comigo. Fiquei sozinha de­pois que Maggie foi embora. Acho que agora ela deve es­tar em Bruxelas, esperando o vôo de volta para os Estados Unidos.

— Já esteve em Bruxelas?

— Já. Maggie eu viemos de Bruxelas para Casablanca, depois direto para cá. Na volta, vou passar por Amsterdã... Bem, na verdade agora vou para o Quawi — corrigiu ela, baixando os olhos para o guardanapo. — Philippe, você vai sempre para o Quawi?

— Para dizer a verdade, passo boa parte do tempo no Quawi. Faço negócios com o sheik. Muitos negócios.

Os olhos dela se ergueram e foi como se contemplassem sonhos ou fantasias, como se a partir dali sua vida fosse envolver-se em mistério e alegria.

Ele sorriu, os olhos negros tentando ler a expressão dela.

—  Agora o Quawi lhe parece um lugar menos assusta­dor? Como vê, não diremos adieu, e sim au revoir.

—  Fico contente.

Os dedos longos tocaram os dela, cuja mão estava sobre a mesa, ao lado do copo.

— Eu também. Embora talvez não esteja lhe fazendo um favor deixando que vá para lá.

— Por que não?

— Você pode descobrir que as aparências enganam. Os olhos de Gretchen brilharam.

— Não vá me dizer que é um ladrão de jóias, espião in­ternacional ou coisa parecida.

— Não. Posso garantir que não é esse o caso — disse Philippe.

Ela observou a mão dele. Era à esquerda e havia cicatri­zes no dorso, finas linhas que contrastavam com a pele cor de oliva.

— Foi do acidente?

Gretchen percebeu que um tremor sacudiu levemente o corpo dele. Retirou a mão.

— Foi.

— Desculpe, fui inconveniente — disse ela, assim que per­cebeu o mal estar dele.

— Você vai ter de saber antes de sair de Tanger — afir­mou ele, com ar sério. — Mas prefiro adiar isso até o fim. A franqueza pode ser brutal.

— Nesse caso você deve ser mesmo um assassino cruel — respondeu ela, séria. — Mas compreendo. Você não quer estragar as minhas ilusões...

Ele riu outra vez, apanhado desprevenido.

— Você me faz lembrar dela. A primeira coisa que me atraiu para ela foi um senso de humor que me fazia rir de mim mesmo, algo que nunca tinha me acontecido antes.

— Ela?

— Uma mulher que conheci. Loira como você, com uma personalidade muito cativante. Pensei que se tratava de uma pessoa única. Fiquei encantado quando descobri que a Ter­ra pode abrigar outra mulher parecida com ela.

— Maggie acha que sou completamente maluca.

— Você possui uma mente criativa — disse ele, reclinan­do-se na cadeira para examiná-la melhor. — Ficaria surpre­sa com quantas pessoas dizem apenas o que é esperado delas, por causa do medo de ofender. Detesto esse tipo de gente.

Devia detestar mesmo, pensou Gretchen, alguém muito importante. Queria perguntar sobre os outros aspectos da vida dele, sobre o trabalho. Estava curiosa a respeito de Philippe, que não parecia disposto a discutir o passado.

Ela olhou para o cardápio e sorriu.

— Está em francês. Em todos os lugares onde vamos, o cardápio é em francês — resmungou ela.

— Acho que preciso começar a traduzir os cardápios para você. Vamos começar já.

Philippe leu o seu e foi explicando pacientemente os ter­mos, pedindo para que ela repetisse a pronúncia. Gretchen optou por melão com presunto, seguido por um prato prin­cipal de carneiro ao molho marroquino. Ele pediu peixe e uma garrafa de vinho branco.

—  Nunca tomei vinho antes — declarou Gretchen. Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.

— Prefere outra bebida?

— Acho que já é tempo de aprender alguma coisa sobre vinhos — disse ela, dando de ombros. — Se o sheik não é muçulmano, provavelmente tem uma adega e espera que eu saiba tudo sobre vinhos.

— É possível. Mas dificilmente se erra com um bom vi­nho branco, como um Riesling ou um Chardonnay. Embo­ra eu prefira um Alsace ou um Gewrtztraminer. Foi um gosto adquirido.

— Nunca vou aprender tudo isso.

— Claro que vai. Toda noite você prova um vinho dife­rente. Quando for embora do Marrocos será uma verdadei­ra conhecedora.

— Você é muito sofisticado.

— Fui educado na Europa. A gente amadurece rapida­mente num ambiente sofisticado. Mas não nasci tão rico que possa ignorar o ambiente de onde vim — declarou Philippe com expressão séria. — A verdadeira praga do século vinte é a pobreza, Gretchen. E a avareza é sua irmã de sangue.

— Você também acha isso?

O garçom chegou com o vinho.

— Este é um Riesling. Nem muito encorpado nem muito leve — informou ele, depois que o garçom os serviu.

— Na medida — disse ela, provando e apreciando o sa­bor. — Tínhamos uma pequena vinha, mas nosso capataz passou com o trator em cima.

— Um bárbaro.

— Era exatamente assim que o chamávamos. Conner, o Bárbaro. Não havia uma flor a salvo no quintal se ele esti­vesse no trator. E um grande cavaleiro, mas tem um fraco para passar o aparador de grama nos canteiros de flores e em árvores novas.

— E esse é o homem que toma conta da fazenda para vocês?

— Bem, ele é ótimo com os cavalos e o gado.

— E suponho que você o adore.

— Se quer saber a verdade, tive uma paixão por ele quan­do era menina — admitiu ela. — Mas passou faz tempo.

Os olhos de Philippe se estreitaram. Não falou mais até que as frutas fossem servidas, junto com um café para Gretchen e água gasosa para ele.

— Então você gosta de flores — comentou ele.

— Adoro flores. Minhas roseiras já ganharam prêmios, e também cultivo vários outros arbustos de flores.

Philippe brincou com a salada.

— Meu pai cultiva orquídeas. Ele as chama de netas e todas têm nome — relembrou ele com ar de afeição, perdi­do em recordações. -— Quando eu era pequeno, tinha ciúme delas. Na verdade, ele mandou um criado para a cadeia, por aguar uma planta doente, que veio a morrer. Um ho­mem muito vingativo, meu pai.

— Posso imaginar como ele se sentiu. Tenho uma queda por roseiras doentes. Tenho o dom de fazer com que fiquem boas — disse ela.

— Alguns males, porém, não podem ser curados nem pela mão mais iluminada de amor — declarou ele, observando-a.

Traços de amargura apareceram no rosto moreno. Trata­va-se de um homem de muitos contrastes. Ela observou as mãos finas movimentarem-se com delicadeza e precisão.

— Você não gosta das minhas cicatrizes — disse ele.

— Não é isso. Eu estava observando como você usa suas mãos. Todos nesta parte do mundo parecem mover-se de forma graciosa, sobretudo os homens. No meu país não é assim.

Philippe relaxou e voltou a atenção para sua salada de frutas. A culpa era sua por enganá-la. Por isso ficava de mau humor às vezes. Precisava parar com as mentiras. O que era, era. Nada no mundo iria modificar isso.

— Nos movemos como vivemos, sem pressa — declarou ele, com simplicidade.

— Aposto que vocês não têm o mesmo índice de proble­mas vasculares que nós nos Estados Unidos.

— Provavelmente é verdade. Você vai para um país muito diferente do seu próprio, muito menos sofisticado do que o Marrocos. Várias conveniências modernas não existem lá, e mesmo a eletricidade é uma aquisição recente. O povo do Quawi era em grande parte nômade até o início do século passado. Quando foi dividido entre os europeus, muitas fa­mílias resistiram e foram dizimadas. E preciso uma boa dose de tolerância para se adaptar a um cenário tão arcaico.

— Acha que eu deveria voltar para o Texas? — Philippe queria dizer sim, para que ela aproveitasse achance enquanto ainda era tempo. Mas encarou-a e sentiu  como se uma parte dele estivesse do outro lado da mesa. Não conseguiu dizer nada.

— Sei que é um risco — disse ela, contente por ele não ter respondido. — Mas já adoro o Marrocos. Acho que vou me dar muito bem no Quawi, se o sheik for paciente com minha ignorância sobre costumes locais.

— Acho que vai descobrir que ele é paciente em tudo.

— Espero que sim. É como um salto de fé. Um passo no desconhecido. Maggie disse que eu estava vegetando no Texas, e acho que ela tinha razão. Eu nunca tive uma aventura de verdade em toda a minha vida. Nunca cheguei a compreen­der que o mundo era tão grande e os povos tão diferentes. Jamais esquecerei este lugar, aconteça o que acontecer.

— Nem eu — disse ele, em voz baixa.

Segurava a taça com tanta força que pareceu a Gretchen que o cristal iria quebrar-se. Ela imaginou o que o tornava tão intenso, e se o jeito dele seria mesmo esse.

A cantora ergueu-se no pequeno palco e começou a can­tar uma canção de amor em espanhol. Gretchen suspirou e fechou os olhos, para apreciar ainda mais.

— Entende o que ela canta? — quis saber Philippe.

— Entendo. E uma música sobre um homem e uma mu­lher que se apaixonam loucamente mas não podem se ca­sar porque ele vai para a guerra. Estão se despedindo. É muito triste.

— Você entende espanhol — disse ele, sorrindo.

— Entendo. Falo mal, mas leio e entendo se não falarem rápido demais.

— E uma de minhas línguas favoritas — afirmou ele.

A mão de Philippe procurou a dela, enquanto escutavam a cantora. Os dedos entrelaçaram-se. Gretchen parou de prestar atenção no que a letra da música dizia; o contato com ele a deixava zonza.

O espetáculo não foi dos mais demorados e a cantora agradeceu e saiu do palco. Gretchen retornou à realidade quando Philippe soltou a mão dela para pegar o cartão de crédito e quitar a conta. Ela reparou que o cartão era dou­rado. Ele devia ser um homem rico. Talvez estivesse acos­tumado com mulheres que o acompanhavam por causa do dinheiro.

Ele colocou o cartão sobre a nota e adicionou uma polpu­da gorjeta em dinheiro. Gretchen imaginou que ele a acom­panharia até seu quarto e se despediriam. Não mencionara nenhum plano para o dia seguinte, mas provavelmente eles não a incluiriam. Gretchen tinha um histórico de poucos encontros com cada pessoa. Nunca soubera flertar, jamais tivera conversas brilhantes e era apenas bonitinha. Ficava deprimida em pensar que presumira muita coisa depois que ele a encontrara no balanço. A atenção de Philippe a deixa­ra embriagada de esperança, porém ele parecia carregar um peso nos ombros e seus olhos não encontraram os dela de­pois que o garçom voltou com o cartão.

Ele afastou-lhe a cadeira com a cortesia habitual e ofereceu o braço enquanto subiam os degraus que levavam ao saguão.

—  Preciso ir — disse ele sem encará-la. — Tenho um encontro de negócios esta noite ao qual não posso faltar.

— Compreendo... Foi um dia maravilhoso. Obrigada. Talvez a gente se veja por aí, no hotel.

Ele parou imediatamente e encarou-a com expressão sombria.

— Já se cansou da minha companhia?

— Pensei que você tivesse se cansado da minha.

— Se tivesse acontecido isso, estaria fazendo um favor a você.

— Não pode me contar o que o está perturbando? — inda­gou ela, enchendo-se de coragem.

— Não — respondeu ele, consultando o relógio. — Ama­nhã vamos com Bojo ao mercado de tapetes. Mas não mui­to cedo. Tenho uma reunião de manhã. Podemos nos en­contrar às dez horas, no saguão?

—  Dez horas. Estarei esperando — respondeu ela, con­tente.

— É sempre tão entusiasta a respeito das coisas?

— Sempre. Acho que deve ser porque tínhamos tão pou­co. Marc e eu crescemos numa época de sacrifícios pela fa­zenda, e aprendemos a não esperar muito. Tendemos a apreciar as coisas mais do que as pessoas comuns, eu acho.

— Também cresci na pobreza — confidenciou ele. — Por isso preciso fazer o que puder para que meu povo escape dela. A chave é a educação, Gretchen. É preciso que haja escolas, bons professores e a última tecnologia, sobretudo computadores.

Ela sorriu.

— Para que possam competir no mercado mundial.

— Exatamente. Enquanto viver, nunca mais quero ver uma criança morrer de fome.

Ela imaginou uma cena dolorosa da infância de Philippe e enterneceu-se.

— Tanta compaixão nesses olhos bonitos... — disse ele. — O Quawi tem sorte por atrair um espírito tão suave.

— É exatamente isso. Estão esperando Maggie, uma pes­soa sofisticada, viajada e organizada.

— Organização pode ser aprendida. Acho que o sheik vai se divertir... ensinando você.

— Ele tem um harém? — indagou Gretchen, preocupada. Philippe explodiu numa gargalhada.

— Não, ele é um governante moderno.

— Graças a Deus!

— Isso quer dizer que não tem desejo algum de partilhar a cama dele, então?

— Pare com isso. Serei uma secretária, não um escândalo. Ele olhou para o porteiro, que fez um gesto. Foi como sealgum entendimento tivesse passado entre os dois.

— Não saia do hotel sozinha — recomendou.

—  De noite, nem pensar.

— Nem de dia. Preciso deixar você no elevador, porque Bojo está me esperando na porta com a limusine. Até amanhã.

Ele levou a mão de Gretchen aos lábios numa breve des­pedida e partiu.

— Até amanhã.

Philippe afastou-se com seu andar elegante. Ela o obser­vou com um suspiro. Em pouco tempo, ele passara a fazer parte de sua vida, que parecia alterada. Esperava não vir a lamentar no futuro ter passado as férias com um homem que sabia mais sobre mulheres do que ela sobre o Estado do Texas. Porém sentia prazer na companhia dele, isso não podia negar.

Subiu para o quarto e despiu-se. Era cedo, mas foi para a cama assim mesmo. O dia seguinte chegaria mais cedo se tosse dormir logo. Pensou por alguns instantes na pobre Maggie, que àquela altura devia estar a meio caminho de casa.

Apagou a luz e fechou os olhos, apoiando o rosto sobre a mão que a boca firme de Philippe havia beijado.

 

Fora um erro ir para a cama cedo, concluiu Gretchen, quan­do acordou às cinco horas da manhã e não conseguiu mais dormir. Levantou-se, vestiu calça branca e uma blusa de tricô cor-de-rosa, com um casaco de algodão branco, e cal­çou ténis e meias. Ficou andando pelo quarto e tentando assistir à televisão até que chegasse a hora de poder descer para o lauto café da manhã.

Ela sabia que Philippe não estaria presente, porque ele dissera que tinha um compromisso para uma reunião du­rante o café da manhã, mas o fato de sentar-se à mesma mesa onde na noite anterior tinham escutado a cantora era a melhor coisa, depois da companhia dele.

Ela adorava a pequena fonte interna e o piso de mosai­cos. Lembrou-se do palácio em Asilah e dos belos tons dos azulejos azuis que o decoravam. Nunca esqueceria aquela visão, nem o passeio de camelo, com Philippe tirando foto­grafias e rindo só de ver o contentamento dela. Ficou sur­presa pelo fato de um homem que ela conhecia havia tão pouco tempo ter se tornado tão importante em sua vida. O trabalho dela era no Quawi, e inevitavelmente teria de sair dali e deixar Philippe.

Ele dissera que não era francês. Perguntou-se onde ele teria nascido. Era um conforto saber que tinha interesses comerciais no Quawi, pois pelo menos o veria de vez em quando. Depois que revelasse as fotografias, teria recordações do tempo que passaram juntos. Comeu um pedaço de melão, entristecida. Não queria pensar numa época em que Philippe já não estaria em sua vida.

Ao reparar nas flores frescas nas mesas, recordou-se da mãe, que as adorava. Ainda sentia a perda recente, assim como saudade de Marc. Não estivera com ele desde o en­terro, quando precisara impedi-lo de ir tomar satisfações de Daryl com os próprios punhos, ao saber o que seu ex-noivo fizera. Para um tipo conservador, seu irmão mais velho fi­cava surpreendentemente desinibido quando chegava à hora de expressar sua opinião. Usara palavras que ela ja­mais escutara para descrever Daryl.

Imaginou de que maneira o irmão iria encarar o homem elegante e sofisticado que a atraíra. Ficaria desconfiado, com certeza. Era estranho que um homem como Philippe se in­teressasse por uma moça inocente como ela. Era melhor lem­brar disso e tomar cuidado. Afinal, ele poderia ser um escroque internacional procurando uma história de "cober­tura", por exemplo. Entretanto, não se sentia desconfiada e não descartava a ideia de que ele a estivesse usando por interesse pessoal. Sentia-se impotente para parar de vê-lo, fossem quais fossem os motivos dele. Ficara sozinha por muito tempo... tempo demais.

A ideia de que Philippe tivesse sido atraído pela pessoa dela em si foi descartada logo. Sentia-se absolutamente de­solada quando considerava sua falta de sofisticação. Maggie teria sido o tipo ideal para ele, mas a vida tomava rumos estranhos. Esperava que a amiga fosse capaz de lidar com a cegueira de Cord Romero. Pelo que ela recordava, mesmo com os dois olhos bons, ele era uma peste. Cego, era de­mais até para uma enfermeira veterana.

O garçom serviu café e perguntou se ela estava com fome. Com um sorriso tímido, Gretchen foi até a mesa e serviu-se de frutas e bolinhos, nada que lembrasse um café da manhã.

 

Gretchen começou a acreditar que o horário combinado jamais chegaria. Andou por mais de uma hora no interior do quarto, penteou duas vezes os cabelos, leu o regulamen­to do hotel, assistiu às notícias pelo único canal da televi­são em inglês e observou o movimento do porto pela jane­la. Por fim, abriu-as de par em par, deixando que o quarto fosse envolvido pelos aromas de Tanger. Em algum lugar além do horizonte ficava o rochedo de Gibraltar, e mais além... a Espanha. Porém a neblina não permitia que se en­xergasse tudo.

A batida na porta provocou-lhe um sobressalto. Não pre­cisou verificar para saber a hora, pois Philippe sempre che­gava um pouco adiantado.

Abriu a porta e lá estava ele. Usava calça branca com uma camisa vermelha de linha e paletó branco. Estava elegante e informal, embora Gretchen não acreditasse que ele pos­suísse algum traje informal, como jeans ou camisetas, no guarda-roupa. Tratava-se de um homem cosmopolita e so­fisticado. Fazia forte contraste com os homens que conhe­cera até então, de jeans e botas, que passavam o dia colhen­do feno. Recordou o irmão domando cavalos no curral, depois da morte súbita do pai, segurando-se à sela como se estivesse colado.

— Está linda, mademoiselle — comentou ele com um sor­riso cativante.

— Estava pensando algo parecido sobre você... Aposto que nunca cavalgou um cavalo selvagem em toda a sua vida — comentou ela.

— Por que diz isso?

— E que você se veste tão bem... Meu patrão é o único homem que conheço que usa terno, mas ele é advogado. Todos os homens em Jacobsville usam jeans, camisa espor­te e botas.

—  Ah... os caubóis — disse ele, enquanto saíam para o corredor.

— Isso mesmo. Acho que nunca vi nosso capataz de terno. A comparação o irritou. Parecia que ela acreditava que ele fosse uma espécie de modelo de bela estampa, sem ap­tidões físicas.

—Você cavalga? — indagou Philippe.

 Gretchen sorriu.

— Cavalgo. Sei montar como um macaquinho. Meu ir­mão Marc me colocou em cima de um pônei aos três anos de idade, para horror da minha mãe — recordou ela, sor­rindo. — Peguei o jeito na hora. Tive uma égua belga que era só minha, e adorava passear com ela.

Entraram no elevador.

— Acredito que o sheik tenha um belo estábulo de cava­los árabes puros — comentou ele.

— Acho que ele não me deixaria montar um, não é?

— A maioria são garanhões, usados apenas para procriar e perigosos de lidar. Além deles, claro, existem as éguas e os potros para montaria.

— Claro...

Gretchen lembrou-se dos cavalos que precisaram vender porque não tinham mais condições de sustentá-los... inclu­sive a bela égua belga.

Philippe reparou e a observou curiosamente.

— Você gosta muito de cavalos, mas falar deles a deixa triste. Por quê?

— Bem, eu estava pensando em nossa fazenda. Os cava­los eram usados para lidar com o gado. A maior parte era quarto-de-milha.

— Já ouvi falar do famoso quarto-de-milha texano.

— Você nunca me disse onde nasceu — lembrou ela. As portas do elevador abriram-se no andar térreo.

—  Hoje vamos apreciar o passeio, amanhã trataremos disso.

 

Foi uma verdadeira aventura seguir Bojo e Philippe pelo Socco, o mercado de tapetes. O guia conhecia os locais onde poderiam conseguir os melhores preços. Gretchen sentou-se numa loja, fascinada, enquanto o vendedor explicava a diversidade dos padrões berberes. Eram um pouco como hieróglifos, pensou ela, observando-os de perto. Havia uma variedade enorme, não apenas de tapetes de lã. Havia tam­bém de seda e de algodão. Gretchen apaixonou-se por um tapete de algodão verde-claro, com figuras berberes.

A despeito de seus protestos, Philippe comprou-o para ela, pedindo que anotasse o endereço da fazenda, para que o mercador o enviasse para lá. Gretchen explicou que a ca­seira recebia a correspondência quando ela não estava. Jun­to com o capataz, seu marido, dirigiam as coisas para Marc, que se ausentava por períodos prolongados.

— Agora tem uma lembrança típica do Marrocos — dis­se ele, enquanto caminhavam.

As ruas estreitas era ladeadas por altos muros de adobe. Ele a conduziu por um beco que terminava num portão grande de ferro trabalhado. Atrás havia um jardim florido.

— Essa é uma das casas de luxo para alugar aos estran­geiros que vem passar as férias. — Mencionou o nome do hóspede atual, um famoso cantor de ópera, observando o espanto dela. — Gosta dele?

— Adoro ópera.

— Também adoro. Música é um dos poucos prazeres que me restam — afirmou ele, com ar sério.

— O que aconteceu para tornar você tão amargo? — per­guntou ela, sem pensar.

— Nada que deva preocupá-la, mademoiseile — respon­deu Philippe, em tom formal.

— Desculpe, não tive intenção de ser intrometida. — Parece que atingira ali um ponto fraco. Philippe era um homem extremamente reservado. Precisava se lembrar disso e parar de fazer tantas perguntas. Fosse o que fosse, de­via ser algo doloroso.

Ele odiava a ideia de contar tudo a ela. Odiava lembrar-se de suas deficiências, sobretudo com aquela mulher. Num curto espaço de tempo, acostumara-se a ela. Não fazia a me­nor ideia sobre como Gretchen poderia reagir ao seu passa­do secreto, nem queria pensar no assunto ainda. Deixou que ela fosse na frente para juntar-se a Bojo, que observou o rosto dos dois e sugeriu que almoçassem.

Saíram do bairro dos mercadores e entraram num restau­rante, onde Gretchen sentiu apetite apenas para comer uma salada. Philippe mal pronunciou uma palavra enquanto re­mexia a comida no prato. Enquanto comiam, o celular de Bojo tocou. Ele atendeu e falou brevemente, com seriedade, desligando em seguida. Ele e Philippe conversaram numa língua que ela não compreendeu.

Gretchen imaginou que depois daquilo iriam diretamente para o hotel.

Foi exatamente o que aconteceu.

— Não saia do hotel sob nenhuma circunstância — reco­mendou ele, com firmeza, enquanto os dois se despediam, no saguão. — Não acredite em ninguém que fale por mim. Se receber uma mensagem qualquer, pode saber que não é da minha parte. Quero que me prometa isso.

A julgar pela expressão dele, algo corria mal. Gretchen recordou os homens no seda preto e os tiros, e ficou preo­cupada.

— Acho que não gostaria de me explicar por que está tão preocupado, certo?

— Eu devia ter colocado você num avião de volta para os Estados Unidos — disse ele, ignorando a pergunta. — Agora essa possibilidade já não existe. Sua segurança está ligada à minha, e estou correndo grave perigo. Lamento tudo isso muito mais do que posso dizer.

 

Os olhos dela se arregalaram. Philippe parecia tenso como uma corda esticada. Daria qualquer coisa para dissolver aquela expressão.

— Quer dizer que é mesmo um ladrão internacional? Que excitante! Quem está nos perseguindo? A Interpol?

A despeito do nervosismo, Philippe riu.

— Não. Não é a Interpol... Gretchen, quero que fique com medo. Pode salvar sua vida.

—  Desculpe, mas não costumo ter medo. Cresci numa fazenda e trabalho para um advogado criminal. Vai me dar um colete à prova de balas e uma arma? — continuou ela. Parou e franziu a testa. — Pensando bem, pode pular essa parte da arma. Marc diz que raramente viu alguém atirar tão mal... Philippe!

Ele colocara as mãos nos ombros dela e pressionara leve­mente para interrompê-la. O tom foi autoritário, quando falou:

— Sei que tem boa intenção, mas não é o momento ade­quado para brincar. Fique séria!

O toque foi elétrico. Gretchen ergueu os olhos verdes para ele, os lábios entreabertos. Sentia como se tivesse realmen­te levado um choque. Percebeu o calor do corpo dele, o hálito de menta. Jamais reagira tão intensamente a um ho­mem. As palmas das mãos se apoiaram contra o peito dele, pressionando, enquanto ela erguia o rosto para o olhar es­curo e turbulento que a hipnotizava.

— Meu Deus, como você é forte... — sussurrou ela, sem se dar conta.

As mãos passaram para os braços, e ali os dedos encon­traram músculos firmes e rígidos. Ele parecia irresistivel­mente atraente, e ela aproximou-se.

Philippe sentiu o toque dos seios contra a frente da cami­sa leve e quase perdeu o fôlego. Seus olhos baixaram, e a expressão de seu rosto animou Gretchen. Colou o corpo ao dele, sentindo as pernas se tocarem. Pela primeira vez emsua vida, encontrava-se subjugada por sua própria necessidade física.

Entretanto, ao mover-se, ocorreu algo devastador.

Um som que lembrava um gemido escapou dos lábios dele. O corpo todo estremeceu. Os olhos se arregalaram de puro terror ao encontrarem os dela. Philippe resmungou e empur­rou-a tão rápido que Gretchen quase perdeu o equilíbrio.

— Fiz alguma coisa errada? — perguntou ela, com em­baraço evidente.

Ele tinha dificuldade para respirar. Uma das mãos segu­rava seu flanco. Não conseguia falar. Sentia uma dor enor­me na virilha e nas coxas. Aquilo era... impossível!

— Preciso ir... imediatamente! Lembre-se do que eu dis­se. Fique no hotel!

O tom lembrava mais uma ordem do que um pedido, pensou Gretchen, arrepiada.

Philippe partiu imediatamente, fazendo um sinal para Bojo, que o seguiu sem perder tempo.

Gretchen conseguiu entrar no elevador e foi para o quar­to, grata por a pequena cena não haver sido testemunhada por outros hóspedes. O recepcionista falava no telefone e o saguão estava deserto. Philippe literalmente a jogara para longe, como se o contato entre ambos o desagradasse.

Ela fechou a porta e apoiou a cabeça contra a madeira po­lida. Agora que o ofendera sendo oferecida, ele nunca mais se aproximaria dela. Devia fazer as malas, partir para o Quawi e esquecer sua estadia em Tanger.

Philippe entrou na limusine e fez com que Bojo o levasse de volta ao próprio hotel, pouco adiante na mesma rua. Foi direto para o quarto, entrou no banheiro, fechou a porta, ligou o chuveiro e despiu-se. Pela primeira vez em muitos anos, forçou-se a encarar a própria nudez de corpo inteiro.

Cerrou os dentes enquanto observava os danos que a explosão da mina havia causado. As cicatrizes não passavam de linhas brancas contra sua pele azeitonada. No abdômen, entretanto, estavam as piores. Essas ele não podia mostrar para ninguém, para nenhuma mulher, jamais. Os médicos haviam sentenciado que ele jamais funcionaria como homem; agora, pela primeira vez em muitos anos, ele questionava o que sempre aceitara como verdade.

Fechou os olhos e imaginou o corpo de Gretchen, inocente e rosado, pressionado contra o dele sem tecidos entre am­bos. Novamente percebeu um novo despertar do próprio corpo. Abriu os olhos e olhou no espelho. Enquanto obser­vava, seus pensamentos o excitaram.

— Mon Dieu! — exclamou ele, admirando com reverên­cia o poder de sua ereção.

Nove anos. Nove longos, intermináveis e agonizantes anos de impotência, confirmada por todos os especialistas. Era permanente. Agora ele ficara excitado por uma virgem. Não apenas isso, mas a única mulher no planeta que não poderia seduzir.

Ironia das ironias, pensou ele. Existia uma pequena pos­sibilidade de que ainda fosse viril, e ironicamente não po­dia usufruir disso. Jamais desonraria uma virgem, ainda que fosse por esse motivo. Além disso, existia a dúvida. Mesmo que pudesse ainda ter uma ereção, será que poderia ser man­tida por tempo suficiente para ter uma relação sexual com­pleta? Ao longo dos anos, existiram explosões fantasiosas de prazer, mas com nenhuma mulher ele obtivera aquela reação. Mas naturalmente ele não tentara nada. Acreditara nos médicos, e jamais tocara uma mulher durante longos nove anos. Jamais testara a verdade. E agora que aparecera essa possibilidade, o que aconteceria? Ainda que cedesse à sua luxúria e a mantivesse com ele, estaria em perigo ali no Marrocos com seus inimigos.

O que Bojo ficara sabendo o deixara furioso. Seu pior inimigo acabava de ser libertado de um presídio em Moscou. Vários dos velhos companheiros mercenários dele ha­viam desaparecido também. Não era preciso muito para concluir que a vingança estava em fase de planejamento. Era necessário sair logo do Marrocos, e tirar Gretchen dali tam­bém. Ela se tornara o elo fraco da corrente, por ser objeto de seu apreço. O homem que a tivesse poderia pedir qual­quer preço. Philippe faria qualquer coisa para salvá-la. E não apenas porque ela o lembrava tanto Brianne...

Só se apresentavam duas alternativas. Poderia contar tudo a Gretchen e deixar que ela tomasse a decisão. Ou poderia mandá-la para casa antes que se metesse em assuntos pe­rigosos, ou nutrisse esperanças e expectativas que ele ja­mais seria capaz de cumprir. Gretchen fora magoada emocionalmente. Philippe não tinha intenção de ser a causa de mais sofrimento. Por outro lado, sabia que ela carregava o poder de transformá-lo outra vez num homem inteiro. Cer­tamente não era muito para pedir ao destino. Poderia protegê-la. Afinal, deixar que ela fosse para casa aumentaria ainda mais o risco. Além do quê, não queria que ela fi­casse perto do homem pelo qual tivera uma paixão. Ainda que de adolescente.

Com determinação, entrou embaixo do chuveiro.

Gretchen chegou a tirar a mala do armário, assim que su­biu ao quarto, num acesso de autopiedade humilhada. Po­rém recobrou a razão pouco depois de abrir a mala sobre a cama. Como poderia deixar Philippe agora, justamente quando estavam se tornando mais íntimos? Não tinha de­sejo verdadeiro de partir, a despeito do comportamento estranho dele. Não podia entender por que ele ficara tão protetor em relação a ela, e depois a empurrara com uma espécie de repulsa, quando ela se aproximara demais. Cer­tamente nenhum homem em seu estado normal repeliria a aproximação de uma jovem atraente. Philippe era sofistica­do e experiente. Gostaria de saber o que fizera de errado.

Nunca se comportara com tanta ousadia antes. Afinal, ele era estrangeiro, e podia estar acostumado a um comporta­mento feminino mais submisso. Procurando uma desculpa para não ir, resolveu que não podia deixar de conversar com ele, pelo menos mais uma vez, para tentar compreender o que fizera de errado para ofendê-lo. Guardou a mala vazia no armário e passou o resto do dia na piscina, aproveitan­do o sol do Mediterrâneo.

 

Na manhã seguinte, desceu para o café alguns minutos mais tarde que de hábito, esperando que as pessoas não reparassem nas olheiras escuras pela falta de sono. Ficara acordada a maior parte da noite, pensando em várias for­mas de abordar o assunto com Philippe. Se ele voltasse. Senão... bem, seguiria com sua vida. Iria para o Quawi, e começaria sua existência em nova direção. Mas rezou para voltar a ver Philippe.

Forçou-se a encher seu prato, em vez de ficar pensando em Philippe. Como aquelas pessoas fascinantes, precisava aprender que a vida transcorria por si mesma, não precisa­va ser controlada por ninguém. Pessoas sempre ficavam magoadas. Sabia disso melhor do que qualquer um. Não deveria ter esperado tanto de um encontro casual, de qual­quer forma. Forçou-se a sorrir para os garçons e expressar alegria. Não fazia sentido deixar os outros se sentindo mal só porque estava triste.

Ocupou-se em beliscar as iguarias e, quando ergueu os olhos, lá estava Philippe com um buque de rosas brancas, em frente à sua mesa. Encarou-a por um instante antes de curvar-se e oferecer as flores.

— Desculpe-me — disse ele, com simplicidade. Nenhum dos dois dormira, e ao olhar um para o outro,perceberam o ocorrido. Ele sentou-se e segurou-lhe os de­dos frios.

—  Nunca tive a intenção de ser rude com você. Ou de magoá-la.

Os olhos verdes continham uma indagação.

—   Não está bravo comigo?

—  Nunca fiquei bravo com você, Gretchen — assegurou ele, beijando-lhe a palma da mão. — Não era raiva.

O coração dela deu um salto. Era correspondida. Sentiu o rosto corar enquanto o examinava.

— Estou tão contente... Pensei que tivesse feito alguma coisa para você. Que tivesse sido ousada demais...

— Ousada?

—  Eu praticamente me atirei em cima de você, e sabia quenão gosta muito de ser tocado. Eu sabia disso, e devia... Por que está rindo?

A vida era bela. Philippe sentia-se jovem e cheio de vida, masculino por inteiro. Olhou para aquela mulher tão incons­ciente de seus atrativos e sorriu.

— Adoro quando você me toca — disse ele, com voz rou­ca. — Na verdade, nunca apreciei tanto um toque.

— É mesmo?

— Sim. Algum dia conto com detalhes essa história. O que gostaria de fazer hoje?

— O que você quiser — respondeu Gretchen.

— Qualquer coisa?

Ela inclinou-se para a frente, fingindo segredar.

— Podemos roubar dois camelos e abrir uma agência de turismo.

— Que ideia... — Ele riu. Mas, enquanto isso, que tal vi­sitar o Museu Forbes? A construção, originalmente um pa­lácio, agora está à venda, mas acredito que podemos dar uma olhada. Malcom Forbes deu uma grande festa há cerca de três anos, amplamente divulgada pela televisão.

— Eu assisti. Ouvi as histórias. Aquela casa?! — excla­mou ela. — Ah, eu adoraria ir lá.

— Termine seu café e vamos indo, então — incentivou ele — com um sorriso.

 

 

Gretchen recuperou seu apetite e terminou de comer as frutas. Seus olhos recaíram sobre as rosas, e com a mão li­vre ela acariciou algumas pétalas.

— Muito obrigada. Adoro flores.

— Eu reparei — disse ele, chamando o garçom a seguir e dando uma instrução.

O tom de comando produziu obediência imediata e o homem afastou-se com as flores.

— Aonde ele está levando as minhas rosas? —- indagou ela.

—  Ele vai colocá-las num vaso, que a camareira levará até o seu quarto. Gosto da idéia de minhas flores velarem seu sono.

Gretchen corou. Philippe notou que ela se sentia lison­jeada com facilidade. Talvez fosse por causa do noivado terminado tão abruptamente, talvez por sentir atração pela primeira vez. Qualquer que fosse o motivo, despertava cha­mas nele que não sentira por nove anos. Queria aquela mulher. Nada era mais importante para ele, no momento.

Foram até o litoral visitar a Mansão Forbes, de mãos da­das, fazendo com que ela se sentisse um tesouro guardado. A todos os lugares aonde iam, Bojo os acompanhava de perto, e também os dois guarda-costas que ela vira em Asilah. Dessa vez não havia príncipe algum à vista... Seu companheiro tornava-se um mistério maior a cada instan­te, mas não conseguiria ficar sem a companhia dele. Pela primeira vez em sua vida, estava se apaixonando.

 

Philippe parecia apreciar a companhia de Gretchen tanto quanto ela apreciava a dele, porque descobriu todos os ti­pos de atividades que podiam partilhar. Assim ocorreu nos quatro dias que se seguiram. Sem tomar tudo óbvio, Philippe certificou-se de que Gretchen fosse vigiada a cada passo que davam, mesmo quando não a estava acompanhando. Ela passava um bom tempo na piscina do hotel e no jardim e ele cumpria compromissos comerciais com agentes estran­geiros, quando não passeavam pelos pontos turísticos da ci­dade. Partilhavam pelo menos uma das refeições, às vezes ambas. Quanto mais a conhecia, mais gostava dela. Gretchen era profundamente honesta com ele e o fato de não conhe­cer sua verdadeira identidade o deixava confiante de que ela não estava representando. Era uma experiência nova, ser julgado pela aparência apenas. Então recordou a compai­xão inesperada de Brianne e a realidade caiu sobre ele. Era desonesto deixar que Gretchen esperasse um relacionamen­to normal, quando ele sabia que não poderia ser assim. Mas começava a nutrir dúvidas sobre isso.

À medida que os dias passavam, aprendeu que sua reação física inicial não era falsa, Cada vez que ela o tocava, ficava excitado, para sua consternação e deleite. Ela era ino­cente demais para perceber. E, naturalmente, nunca a dei­xava chegar perto o suficiente para arriscar ser descoberto. Andava de mãos dadas com Gretchen mas não avançava mais do que isso, para frustração dela. Apreciava o jeito atrevido como ela o provocava, ainda que inocente, e a óbvia atração que sentia por ele. Não queria arriscar-se a assustá-la. Não pelo menos até saber o que Gretchen escolheria. Ela se tornara essencial em sua vida.

Vários dias mais tarde, Gretchen estava sentada à beira da piscina, de maio vermelho e óculos escuros, quando uma sombra obscureceu seu pedaço de sol. Abriu os olhos e de­parou com Philippe, elegante em seu terno, mais sombrio que de hábito.

Tirou os óculos e corou ante o olhar que ele lançou a seu corpo. Os olhos estreitaram-se ao deparar com os seios fir­mes, antes de seguir até as pernas longas e bem-feitas. Gretchen sentiu um arrepio delicioso percorrer seu corpo.

As reações que ela demonstrava eram novas e excitantes para um homem que estivera morto da cintura para baixo por tantos anos. Estava ficando viciado nos breves momen­tos de prazer que tinha quando estava com ela. Também se tornava curioso sobre o tempo que era possível prolongar e manter a ereção na cama, uma curiosidade que ele não ou­sava satisfazer. Não por enquanto, pelo menos.

— Venha comigo, Gretchen. Adiei a conversa enquanto foi possível. Agora não é mais — disse ele. — Venha, preci­samos conversar.

Inclinou-se e segurou uma das mãos dela, puxando-a em sua direção. Pegou a saída de banho e entregou-a para que ela vestisse. Gretchen acompanhou-o através de uma esca­daria de mármore que conduzia a um pátio elevado sobre a piscina, sombreado por árvores altas. Sentaram-se nas ca­deiras de ferro trabalhado e em pouco tempo um dos gar­çons apareceu para anotar os pedidos. Philippe pediu um coquetel de rum para cada um.

Gretchen sabia que seu tempo no Marrocos estava para terminar, em mais alguns dias partiria para o Quawi, e Philippe partiria para casa, onde quer que fosse a casa dele. O pensamento de deixá-lo provocava-lhe um sentimento devazio. Era estranho que em tão pouco tempo ele se tornasse essencial para sua felicidade.

— Não bebo... — começou ela.

— Acho que vai querer um gole depois de escutar o que tenho para dizer — afirmou ele, retirando uma cigarrilha turca do bolso. — Importa-se?

Gretchen meneou a cabeça. Era a primeira vez que ele fumava. Obviamente sentia-se nervoso.

Não disseram nada ate que o garçom trouxesse as bebi­das e se afastasse.

— É uma pina colada. Tem pouco rum. Prove — convidou ele.

Foi o que ela fez, franzindo o nariz ao gosto do álcool. Philippe sorriu.

— Quanto mais você bebe, melhor fica — disse ele, dan­do um longo gole em seu copo.

— Sobre o que vamos conversar?

— Sobre mim. Já é hora de ser honesto com você — afir­mou ele, a expressão séria. — A despeito da minha vonta­de própria, não quero dar nenhuma falsa expectativa sobre um relacionamento comigo.

— Philippe! — espantou-se ela, corando.

— Isso é muito mais difícil para mim do que você pode imaginar. Por favor, deixe-me terminar antes de dizer algu­ma coisa. Nove anos atrás, quando eu estava na Palestina numa viagem de negócios, pisei numa mina enterrada, uma sobra dos conflitos regionais. Desde então, Não tenho sido mais... um homem.

Aquilo não correspondia exatamente à verdade, porém não ousava relatar suas suspeitas a ela por enquanto. Teria de conquistar a confiança dela antes de se aventurar num relacionamento físico. Além disso, queria ver como ela rea­giria a um homem totalmente impotente.

Gretchen sentiu seus sonhos desmoronando. Começou a fazer associações. As cicatrizes na mão esquerda, no rosto... Fora um acidente. Um acidente que o inutilizava como homem. Tomou um longo gole de sua bebida e engasgou. Sen­tia o coração pesado.

Os olhos de Philippe estavam perdidos no interior do pró­prio copo. Afinal, o que esperara? Ainda se lembrava da rea­ção bondosa e cheia de piedade, estremecendo de repulsa.

Repentinamente sentiu um toque tão macio em sua mão fria, a acariciar as cicatrizes. Abriu os olhos e viu os dedos dela como um bálsamo contra o dorso de sua mão, os olhos verdes cheios de compaixão.

— Sempre me perguntei por que você não era casado. Quer dizer, afinal você é um homem bonito, sofisticado e charmoso. Perguntei-me mais de uma vez por que você olhou para alguém tão simplória e desinteressante como eu.

— Simplória? Desinteressante? — repetiu ele, genuina­mente surpreso.

— Não valho muita coisa — afirmou Gretchen, dando de ombros. — Então, pensei que o fato de me carregar por aí com você fosse por causa da solidão. Eu estava por perto. Foi à única forma de explicar para mim mesma o fato de você continuar saindo comigo.

Ele ficou aliviado. Como imaginara a princípio, ela não fugiria. Tinha coragem.

— Você tem uma auto-estima muito baixa.

— Você também. E não devia. Sei que os homens dão muita importância para a potência física, mas está falando com uma pessoa que não conhece coisa alguma sobre pra­zer sexual. Daryl me acariciou uma ou duas vezes e eu to­lerei, mas não gostei de verdade. Essa foi à única experiên­cia real que tive com um homem. Portanto, talvez eu seja frígida, de qualquer forma. Mesmo que não seja, como pos­so sentir falta de uma coisa que nunca tive? — argumentou ela, encarando-o. — Gosto muito de você. Então... o que im­porta isso? Quero dizer, sobre sua sequela.

Philippe recostou-se na cadeira, deixando escapar o ar dos pulmões. Tomou o que restava de sua bebida. Encontrava-se absolutamente sem palavras.

 

— Não precisa me dizer. Enfiei os pés pelas mãos outra vez, não foi? — continuou ela.. — Toda vez que falo com você parece que as coisas pioram.

— Nunca conheci alguém como você, Gretchen — decla­rou ele, estreitando os olhos. Subitamente parecia muito mais velho. — Quer dizer que mão acha minha condição... um desafio?

—  Mesmo que faltasse um. "braço ou uma perna, ainda seria você., não? Gosto de ficar perto de você. Sinto-me... segura.

— E está mesmo — comentos ele, com certa amargura.

— Não! Não é isso. Não tenho medo de nada quando estou com você. Embora seja obrigada a admitir que fiquei apavorada quando pensei que ia me seduzir.

— É mesmo? Por quê?

—  Porque você teria conseguido — respondeu ela, bai­xando os olhos.

— Começo a me perguntar sobre isso... Confesso que não esperava aquela reação de sua  parte. Imaginei que seu pri­meiro impulso seria voltar para os Estados Unidos e me esquecer.

— Voltar à minha vida monótona e ao meu emprego de sempre? Se quer saber, não tenho muito pelo que voltar, lá no Texas. A solidão é portátil — afirmou ela, colocando o copo sobre a mesa. — Você disse que vai para o Quawi de tempos em tempos?

Ele cruzou as pernas. Chegara o momento da honestida­de absoluta. Ela merecia.

— É verdade. Moro lá.

— Você não tinha me contado isso!

— Eu não conhecia você. Queria saber se iria ou não me dizer quem era. Eu sabia que você não era Maggie Barton.

— Como?

— Tenho uma fotografia dela sobre a minha escrivaninha. Ao lado do currículo — respondeu ele, encarando-a.

 

Os olhos negros brilhavam enquanto Philippe esperava, com paciência, que ela encaixasse a peça final do quebra-cabeça.

Os olhos de Gretchen se arregalaram. Recordou as coisas que escutara sobre o sheik do Quawi. A idade, o fato de ser solteiro, a reputação de estranho...

O fôlego foi expelido de uma só vez ao compreender quem era seu companheiro. Os guarda-costas eram dele. Bojo não era um guia, mas guarda-costas pessoal. Philippe não era homem de negócios ou embaixador. Era o sheik rei­nante do Quawi. Seu novo patrão.

— Mas fui extremamente mal-educada e pouco profissio­nal — protestou ela.

—  Você me agrada muito. Tem a coragem de um fal­cão caçando e nunca mente. Se eu fosse o homem que era nove anos atrás, você já seria minha em todos os sentidos da palavra.

— Eu?

— Você, sim. Gretchen, eu não queria apenas uma se­cretária experiente quando resolvi contratar uma secre­tária americana. Agora que sabe a verdade, pode enten­der meu medo de que comentassem esse tipo de coisa. Um governante em minha posição não pode deixar transpare­cer suas fraquezas, especialmente uma dessa magnitude. Tive um outro motivo para querer contratar uma pessoa, e ainda tenho. Você pode não querer aceitar as condições, mas preciso explicar quais são.

— O que eu teria de fazer? — indagou ela com simplici­dade.

Ainda estava chocada com a confissão, que poderia terminar com todas as suas esperanças. Não apenas ele era incapaz de intimidades, mas também era o equivalente a um monarca. Ela era uma garota do Texas que precisava trabalhar. Não existia possibilidade de nada mais íntimo do que amizade naquele frágil relacionamento. Gretchen ficou devastada aoperceber quanto ficara desapontada com aquilo. Apesar disso, não podia suportar a idéia de nunca mais vê-lo.

— Você teria de ser surpreendida em situações comprometedoras comigo. Apenas na frente de suas criadas, claro. Jamais me ocorreria deixar que algum dos guarda-costas ou do meu círculo de amigos vissem alguma intimidade. Você seria a única ocupante do meu harém, representando um papel.

— Fingindo ser sua amante — concluiu ela, arrepiada só em pensar.

— Isso.

Gretchen sentiu um calor interno, delicioso. A idéia da boca de Philippe sobre a sua deixava seus joelhos fracos. Ele queria criar aparências. Ela o desejava, e começava a compreender isso. Impossível ou não, ele a atraía bastante. Todos os tipos de imagens excitantes formavam-se em sua mente.

— Não tenho idéia sobre como me comportar num harém.

— Nem eu, apesar das sugestões que vemos no cinema. Precisamos aprender juntos.

Um pouco da incerteza afastou-se da expressão dela. Sorriu de volta.

— Certo. Quer dizer que somos ambos iniciantes, e começamos do mesmo ponto de partida?

— Uma bela forma de colocar o assunto — concordou ele. — Pelo menos sua virtude estaria completamente a salvo comigo.

Era o que ele esperava. Não ousava falar sobre o efeito que os carinhos lhe causavam. Não queria assustá-la.

— Até onde esse fingimento precisa ir?

— Teria de ser convincente. Só isso.

— Você iria me beijar... e daí por diante? — quis saber Gretchen, baixando os olhos.

— Isso. Especialmente daí por diante.

— E faríamos as refeições juntos, eu suponho?

Ele fez um gesto afirmativo.

— Iríamos a lugares juntos... Não. As mulheres Não apa­recem em público com os homens nesta parte do mundo.

— Eu governo o Quawi. As mulheres votam e são finan­ceiramente independentes dos homens. As mulheres mu­çulmanas que usam o iújab e a aba assim o fazem por desejo próprio, sem a menor coerção do governo. Tenho mulheres ministras em meu gabinete, e muitas das novas empresas que abriram filiais no Quawi contratam mulheres executi­vas. Quanto à minha vida particular... sou o sheik. Faço minhas próprias regras. Poderíamos sair e ir aonde você quisesse. Até mesmo velejar... Tenho um iate.

—  Adoro barcos — disse ela, entusiasmada.

— Já esteve num veleiro?

Gretchen riu.

— Bem, ainda não. Mas parece muito excitante.

— Nesse caso, faremos um cruzeiro — decidiu ele. De­pois encarou-a. — Não se importa com a idéia de ser mani­pulada por um homem nas minhas condições?

— Não, claro que não. Acho que seria realmente excitan­te. E eu seria a única mulher no harém. Imagine só o que pensariam de mim. Iriam achar que valho por dez.

— Você me acha atraente? — indagou ele, rindo.

— Muito — disse ela, sem hesitar.

Philippe não cabia em si de contentamento, jamais po­deria ter imaginado a reação de Gretchen à sua proposta. Sentia-se quase um homem inteiro outra vez.

Segurou a mão dela do outro lado da mesa, entrelaçando os dedos.

— Uma coisa que posso prometer é satisfação. Ainda que não seja da forma convencional.

Ela sorriu, levemente confusa. Não tinha a menor idéia ao que ele se referia, mas imaginava que também seria excitante.

— Bem, acho que será um emprego bastante satisfatório — continuou ele. — Espero que não se importe em sair de Tanger pela manhã.

 

— Assim tão cedo? Por quê?

— Lembra-se do telefonema que Bojo recebeu pouco antes de nos separarmos, alguns dias atrás?

— Lembro.

— Era um dos contatos dele. Meu maior inimigo comprou sua fuga da cadeia, na Rússia, e provavelmente está, neste momento, planejando um ataque contra mim. Na verdade é bem provável que os homens que tentaram me se­questrar em Asilah naquele dia fossem os dele, apesar de eu não poder provar nada.

— Por quê?

— Quem você acha que forneceu as provas que o conde­naram? Eu revelei o envolvimento dele num ataque a uma plataforma de petróleo que resultou num desastre ecológico para uma das repúblicas soviéticas. Ele perdeu tudo o que tinha. Agora está louco para se vingar, e não apenas de mim. Dobrei a segurança ao nosso redor nos últimos qua­tro dias, mas é apenas uma questão de tempo até Kurt Brauer nos encontrar aqui. Precisamos sair do Marrocos e voltar para o Quawi, onde tenho pessoal suficiente para proteger você.

— Acha mesmo que esse Brauer iria me machucar?

— Com certeza. Ele machucaria qualquer pessoa ligada a mim, de qualquer forma que conseguisse. Ele é assim.

— Você tem muitos inimigos desse tipo? — quis saber Gretchen.

— Não muitos, felizmente para nós dois — respondeu ele. — Você pode vir a lamentar ter concordado com esse trabalho, Gretchen. Se a natureza dele a deixa pouco confortável, pode recuar se quiser, mas tem de ser logo. Uma vez que vá até o Quawi... precisa ficar lá.

Ela pensou em ser abraçada e tocada como um amante faria. Seu coração disparou.

— Não quero recuar. E não tenho medo de seus inimi­gos. Fico ao seu lado, não importa o que aconteça — decla­rou ela, com fervor.

—  Eu sabia que você tinha coragem. Que seja, então. Deixamos o futuro nas mãos do destino.

— Nas mãos do destino... — concordou ela, sorrindo. A grande aventura de sua vida estava para começar.

Gretchen aguardava no saguão na manhã seguinte quando seu novo patrão apareceu com Bojo para levá-la ao aeroporto.

— Algo me ocorreu — disse ela, enquanto se dirigiam para a limusine, dirigida pelo sorridente Mustafá.

— O quê?

Os dois entraram e acomodaram-se, deixando Bojo sentado no banco da frente.

— Philippe é mesmo seu nome, não é?

— Na verdade, é um deles. Mas sou conhecido como Philippe nos outros países — explicou ele.

— Philippe — repetiu ela, como se recitasse um poema. — E Souveraín?

Ele sorriu.

— É a palavra francesa para "soberano". É o que sou. E também tenho sangue francês, assim como turco e árabe. Meu verdadeiro sobrenome é Sabon. Achei melhor manter minha identidade secreta até conhecer você melhor.

— Fui tão ingênua...

— Você foi, e é, absolutamente deliciosa. Fez com que eu ficasse envergonhado da minha farsa, especialmente depois de ser tão honesta sobre si mesma, desde o início.

— Detesto mentiras — afirmou ela, com simplicidade. Eu também, mas precisamos, de vez em quando, pregar pequenas mentiras.

Gretchen usava uma blusa de seda com mangas compridas, sobre um vestido verde que ressaltava a cor de seus olhos.

— Não está com calor? — quis saber Philippe.

— Para dizer a verdade, estou, mas os folhetos de turismo dizem que as pessoas por aqui beliscam braços nus.

— Não precisa mais ler folhetos de agências de turismo. Pergunte a um nativo local.

—  Você nasceu aqui no Marrocos?

— Pude parecer estranho, mas nunca soube exatamente onde nasci. Boa parte da minha infância é só um borrão na memória.

— Por quê?

— Cresci como mendigo em Bagdá — disse ele, com certa amargura. — Estava desnutrido quando meu pai foi ao Iraque, supostamente numa visita oficial, e seguiu minha pista até uma velha enfermeira que cuidava de mim... — Ele hesitou. — Ela me usava para pedir comida. Essa enfermeira fora serva de minha mãe, que fugiu comigo quando minha mãe desapareceu. Tinha medo que meu pai me castigasse pelos erros de minha mãe.

— Puxa, o que sua mãe fez de tão terrível? — quis saber Gretchen.

— Ela dormiu com pelo menos dois guardas do palácio. Naquela época, a penalidade por adultério de uma mulher muçulmana era a morte. Minha mãe saiu do país.

— Devo crer que seu pai tinha um harém?

— Meu pai é cristão. Tinha uma esposa, e a despeito de suas religiões diferentes, ele era fiel a ela. Uma mulher muçulmana não pode se casar com alguém de outra religião. Porém minha mãe não se preocupava muito com questões religiosas, ou de moralidade. Mais de uma vez meu pai e eu nos torturamos com a dúvida sobre se eu era mesmo filho dele. Nenhum de nós teve a coragem de fazer os testes sanguíneos necessários — concluiu ele, com certa amargura.

—  Desculpe. Não tive intenção de trazer um assunto desagradável.

— Já reparei nisso nos americanos — comentou ele. — Como nação, parecem estar obcecados por sexo.

— Não olhe para mim — murmurou ela. — Eu não sou assim.

— Sei disso- A pureza é um bem valorizado nesta parte do mundo, tanto para homens quanto para mulheres. Acredita mos que as idéias ocidentais sobre moralidade são corruptas.

Beijou-lhe a palma da mão, e Gretchen deslizou mais para perto, aproveitando que o motorista e o guarda-costas esta­vam entretidos em conversar.

Ele se voltou, de forma que o joelho tocou as pernas dela. Os olhos de ambos se encontraram.

— Você me afeta de uma forma estranha — murmurou Philippe.

— Foi por isso que me afastou naquele dia?

A mão esguia penetrou nos cabelos dela e puxou a ore­lha para mais perto dos lábios.

—  Empurrei você porque me excitou visivelmente. Há nove anos eu não tinha uma sensação tão intensa com ne­nhuma mulher.

Gretchen sentiu o coração bater mais forte, talvez forte demais. Inconscientemente, uma de suas mãos apoiou-se na camisa branca, sentindo a tepidez da pele embaixo. Ele a desejava!

Philippe recuou um pouco para poder observar os olhos verdes. Sentiu que eles se dilatavam, percebeu cada pulsa­ção forte nela. Dois pontos proeminentes se sobressaiam, delineados pela blusa de algodão.

Ela o encarava com desejo mal-contido e um orgulho enor­me por ter conseguido o que outras mulheres não consegui­ram. Estava tremendo com novas e deliciosas sensações.

Com a ponta dos dedos Philippe acariciava-lhe os cabe­los próximos à nuca e o lóbulo da orelha.

— Você disse que ele acariciou você...

— Ele tocou nos meus seios... mas foi por cima da blusa — sussurrou ela, com voz trêmula. — Por baixo, nunca. Eu odiava quando ele me tocava.

As mãos dela passavam pelo tecido, sentindo a textura sob a camisa. Imaginou que ele teria pêlos no peito.

— Mas gostaria muito que você me tocasse... — conti­nuou ela.

 

Ele puxou o rosto de Gretchen contra seu pescoço, abra­çando-a, enquanto procurava recuperar o controle. O corpo latejava. Latejava! Ele mal respirava. Sua mão contraiu-se atrás da cabeça dela e pressionou-lhe o rosto contra o peito, onde os dedos o tocavam.

Gretchen gemeu baixinho e ele respirou forte na orelha delicada. Malditos fossem os seguranças, a limusine e o povo na rua ao redor do carro com as janelas abertas... Ele a desejava!

— Sente-se direito. Agora! — disse Philippe, com voz rouca.

Afastou-a com delicadeza, olhando deliberadamente para a janela oposta. Cerrou o punho para controlar-se.

Gretchen arfava. Porém, dessa vez sabia por que ele a afastara. Olhou abaixo do cinto, onde o paletó ficava aberto. Podia ser ingênua e inocente, mas sabia, por suas leitu­ras, qual a aparência de um homem excitado. E Philippe parecia definitivamente excitado. Teve vontade de cantar de alegria, por saber que tinha feito aquilo a ele, quando ne­nhuma outra mulher conseguira, em nove anos.

A dúvida penetrou por um instante em sua mente, imagi­nando que ele forjara aquela história de impotência. Pensou um pouco, depois percebeu que não teria feito aquilo. O cho­que e a novidade da situação estavam estampados no rosto dele, na força com que cerrava os punhos. Sentiu orgulho da própria feminilidade. Tinha um sentimento de ser inadequa­da desde a época de Daryl. Agora sabia que não se tratava de não ser atraente. Philippe a desejava. De verdade.

Imaginou-se deitada sobre ele com o corpo nu. Seria o céu se ele a tocasse.

Esticou a mão e com delicadeza cobriu o punho cerrado de Philippe, que percebeu imediatamente e entrelaçou os dedos nos dela. Voltou à cabeça, e os olhos negros transmi­tiram sensações ardentes.

Nesse instante, Gretchen percebeu que o amava.

 

No momento em que Gretchen e Philippe chegaram ao aeroporto com Mustafá e Bojo, a atmosfera mudou completamente. Foram recebidos por outros três homens de terno, corpulentos e com paletós volumosos, que os cerca­ram assim que Bojo fez um sinal, e os escoltaram através do terminal lotado até a pista, onde um Learjet aguarda­va. Um dos homens parecia mais um lutador profissional de luta livre, incluindo os longos cabelos negros, amarra­dos num rabo-de-cavalo. Quase não falava, mas a uma curta palavra de Philippe, tornou-se imediatamente a som­bra de Gretchen.

Dois homens uniformizados, de sobrancelhas espessas, encontraram Philippe e falaram em tom respeitoso. Philippe conversou com eles, obviamente dando ordens. Deu o bra­ço a Gretchen e a conduziu pelos degraus de embarque até a cabine da pequena aeronave. Foram seguidos pelos guarda-costas e Bojo, que tomaram lugar nos assentos com mesas, a uma boa distância da poltrona de Philippe.

O jato particular fascinou Gretchen, que jamais estivera no interior de um deles. Possuía poltronas grandes e con­fortáveis, uma atendente uniformizada e todo tipo de apa­relhos eletrônicos que se pudesse imaginar. Acomodou-se na poltrona em frente a ele, à janela.

— Parece o estúdio do meu irmão — brincou ela.

— O que seu irmão faz? — quis saber Philippe.

— Trabalha para o FBI. É um agente especial de campo. Ele era Patrulheiro do Texas, e acho que sente falta disso. O melhor amigo dele, Judd Dunn, ainda trabalha perto de Austin. Ele sempre tenta fazer com que meu irmão volte. Mas Marc está no FBI há dois anos, e embora goste do trabalho, diz que está ficando estressado por viajar demais — disse ela, rindo em seguida. — Engraçado, ele detestava ter de ficar em nossa cidadezinha, mas agora diz que sente fal­ta do Texas.

— Vocês dois são amigos?

— Muito. Com a morte de nossos pais, tudo o que temos é um ao outro. Você tem irmãos?

Philippe olhou pela janela, extraindo um charuto do bol­so. Dedicou-se ao ritual de cortá-lo e acendê-lo antes de falar.

— Eu tinha dois irmãos mais velhos. Foram vítimas de um atentado político, quinze anos atrás.

—  Sinto muito saber. Você precisa se preocupar com outros inimigos, além desse homem com os mercenários?

Ele a observou através da fumaça azulada.

— Todo chefe de Estado enfrenta assassinos em poten­cial, Gretchen. E próprio do cargo.

— É por isso que mantém Bojo e os outros guarda-costas, não é?

— Não vou a nenhum lugar do mundo sem eles — de­clarou Philippe, com um sorriso conformado. — Como fi­lho único, preciso suportar uma boa quantidade de super-proteção. Quando meu pai resolve sair da estufa de orquí­deas, claro.

— Ele por acaso aprova sua idéia de contratar uma mulher americana para lidar com os seus compromissos sociais?

Ele soprou uma baforada de fumaça para o teto, enquanto refletia sobre contar-lhe a verdade.

— Não. Acontece que ele não gosta de europeus por cau­sa do imperialismo de algumas décadas atrás. E acha que os americanos são decadentes, portanto pode ser que ele lhecause desconforto — disse Philippe, com sinceridade. — Mas não deixe que ele a intimide. A maioria dos homens tripudia sobre as mulheres que o permitem.

— Isso inclui você?

— Especialmente. Você não faz idéia do tipo de vida que levei. Eu já gostava de dar ordens antes mesmo de assumir o poder no Quawi, e quero avisar que estou acostumado, desde a infância, a uma obediência total.

—  Isso não me surpreende — confessou ela, com um sorriso tímido. — Todas as mulheres no seu país usam véus e são mantidas separadas dos homens?

— Ah, a imprensa americana... — começou ele, com um sorriso. — Compreendo. Vocês americanos imaginam que nossas mulheres são oprimidas, que vivem com medo de mutilação e ameaçadas de morte por parte dos homens.

— Bem, desde que conheci você mudei de idéia...

— Fico lisonjeado. E se quer saber, tem razão. Estou tra­balhando para alterar a situação das mulheres, e meu pai esbraveja comigo por causa das novas leis que coloquei em vigor. Ele diz que sou tão decadente quanto os europeus e os americanos, querendo conceder às mulheres direitos que só pertencem aos homens.

— Muito bem. Philippe riu.

— Ele também é cristão. Retirou o poder de seu tio e o manteve por quarenta anos. Mas a fé dele tomou difícil rei­nar até que nossas religiões se diversificassem. Por isso ele afirmou que eu era muçulmano, e deixei que acreditassem nisso até assumir o poder. Tenho um grande respeito pelo Profeta e pelos seus escritos, porque boa parte de minha família é muçulmana. Não professamos nenhuma religião no Quawi.

— Você disse que seu país era... primitivo.

— Comparado com o seu, somos mesmo. Porém, tenho grandes projetos para o meu povo, para a construção denovas universidades, hospitais modernos e indústrias. Não indústria poluente — declarou ele, com gravidade. — Já aprendemos o suficiente sobre chuva ácida e vazamentos de produtos químicos. Nossa indústria será quase exclusi­vamente voltada para a eletrônica, informática, computa­dores e os avanços que virão. Já atraímos uma companhia americana, que agora vende hardware e software juntos, num pacote. Talvez até conheça a indústria... de Canton Rourke.

— O sr. Software! — admirou-se ela. — Mas ele não foi à falência alguns anos atrás?

— Foi e recuperou a fortuna. Eu o conheci por intermé­dio de um amigo em comum. Um ex-mercenário que agora vive em Cancún, no México; atende pelo nome de Diogo La Remos.

— Você conhece mercenários de verdade?

Philippe riu, divertido. Depois aproximou o rosto dela e olhou por sobre o ombro.

— O que pensa que Bojo é?

Os olhos verdes se arregalaram.

—  Mesmo?

— Ele pertence a um grupo liderado por um ex-médico, Micah Steele.

Gretchen soltou uma exclamação de surpresa.

— Mas que coincidência... nem acredito! Trabalho... Tra­balhei para Calhe Kirby, que é meio-irmã de Micah, no es­critório de advocacia, em Jacobsville, no Texas.

— Micah fala dela. Bem, nesse caso talvez você conheça Eb Scott e Cy Parks, ex-membros do grupo, e também Cord Romero, que infelizmente...

—  Ficou cego — completou ela, fascinada. — Por isso minha amiga Maggie foi para casa... para tomar conta dele. Foram criados juntos, como meio-irmãos, na infância. Só estou aqui porque ela voltou para casa e desistiu do empre­go. Viemos juntas para o Marrocos!

A mão dele acariciou a dela, apertando-a quando os olha­res se encontraram.

— O destino.

— É... o destino — disse ela com fervor.

Os dedos dele começaram a deslizar no dorso da mão de Gretchen, cujo pulso acelerou-se. Philippe percebeu e agra­deceu à providência por ter-lhe enviado aquela mulher, que o fazia sentir-se vivo outra vez, como um homem inteiro. Seu corpo respondia àquele toque fugaz e o contentamento transparecia no olhar.

O avião começou a taxiar enquanto fitavam um ao outro. Poucos minutos depois estava no ar, alto sobre a pista, decolando na direção das nuvens.

Os olhos escuros adquiriram um brilho singular ao estu­dar o rosto corado de Gretchen, que parecia sentir tanta von­tade quanto ele. De repente Philippe abriu o cinto de segu­rança e ergueu-se, oferecendo a mão para retirá-la da pol­trona. Emitiu uma ordem ao passar por seus homens, con­duzindo Gretchen para a traseira do avião.

Abriu uma pequena porta nos fundos, colocou-a no inte­rior e fechou-a atrás das costas. Tratava-se de uma pequena suíte, com uma cama de casal, escrivaninha e duas escoti­lhas redondas, responsáveis pela iluminação do interior, quase na penumbra.

Gretchen começou a falar, porém ele colocou o indica­dor sobre os lábios entreabertos. Em seguida, ergueu-a nos braços.

Depositou-a cuidadosamente na cama e deitou-se ao lado dela. Gretchen o encarava com uma interrogação no olhar, chamas esverdeadas na obscuridade.

— Pode considerar isso uma entrevista machista para seu novo trabalho — murmurou Philippe no ouvido dela.

Em seguida a boca firme apoderou-se dos lábios de Gretchen, com uma sensualidade que despertou todos os sentidos do corpo dela.

 

O gemido baixo fez com que ele erguesse a cabeça. Os dedos acariciavam pouco abaixo do pescoço de Gretchen, cujos olhos verdes estavam bem abertos, fascinados pela ex­pressão do rosto dele. O silêncio na cabine só era quebrado pelo zunido agudo dos motores a jato; ouvia-se o arfar da respiração de Philippe.

Ele sentia o hálito dela contra a própria boca, e mal po­dia conter seus batimentos cardíacos.

—  Faz muito tempo, Gretchen.., tenho sido intimidado pela minha crença na impotência, e não cheguei a ter inti­midade com mulher nenhuma nesses nove anos.

A mão morena estremecia ao acariciar o corpo dela. Apesar das duas camadas de tecido, queimava como ferro em brasa. Gretchen sentiu o corpo retesar-se e ficar sensível nos lugares mais estranhos, e contorceu o corpo involuntariamente.

— Que delícia...

— Gosta? — perguntou ele, emocionado. — Eu também. Os dedos tornaram-se mais ousados, traçando a curva dosseios. Os olhos escuros fixaram-se nos mamilos, que enrijeciam sob o tecido. Gretchen gemeu baixinho e colo­cou a palma das mãos sobre a camisa dele. Philippe sentiu o calor, o corpo respondendo como se não houvesse tecido, e gemeu.

— Desculpe — disse ela, afastando a mão.

Philippe imediatamente a colocou de volta.

— Gosto disso. Não pare — pediu ele.

— Isso tudo é desconhecido para mim. Não sei o que fazer...

— Eu mostro. Não precisa ter medo. Como você já sabe, não sou homem suficiente para colocar em risco sua virgin­dade...

A mão de Gretchen impediu que ele continuasse. Enca­rou-o com seriedade.

— Você é um homem que sofreu um acidente terrível. Isso não faz de você menos homem. Eu é que não tenho a experiência necessária — afirmou ela. — Nem ao menos sei o que deveria sentir, portanto não tenho a menor condição de criticar você.

—  E eu quis contratar uma mulher experiente...

— Todos cometemos esses pequenos erros — comentou Gretchen, com ar malicioso. — Não vou levar isso em con­ta, nem usar contra você.

Philippe não sabia se ria ou se deitava em cima dela. Eram ambos sentimentos novos para ele. Sentiu que o próprio cor­po reagia ao calor da presença dela e parou de mover-se.

Gretchen percebeu a pressão contra os quadris e ergueu uma sobrancelha.

— Pensei que você não fosse capaz disso — sussurrou ela.

—  Isso não acontece há nove anos... nove longos anos — disse ele. — E que falta de sorte. Sinto isso justo com uma mulher que não saberia distinguir um orgasmo de uma batata.

O riso foi incontrolável. Abafou a timidez, mas não a paixão crescente que ela sentia e se manifestava nos movi­mentos do corpo.

Philippe adorou as inesperadas provocações físicas por parte dela, a aceitação incondicional de suas limitações, o prazer que sentia ao toque dele. Sorriu. O que enxergara como uma maldição durante todo aquele tempo tornara-se divertido.

Uma das pernas procurou o calor que havia entre as dela; manifestava o ardor reprimido por longo tempo.

— Um verdadeiro tormento... Você me provoca e prome­te o paraíso. Me faz sonhar — murmurou ele, aproximando os lábios.

Beijou-a com ardor, enquanto as mãos pareciam criar vontade própria para explorar as formas esguias do corpo feminino.

Philippe sentiu o corpo dela contorcendo-se contra o seu e ficou ainda mais excitado. Gemeu e suas mãos agarrram o travesseiro sob a cabeça dela, como se ele quisesse esmagá-lo.

As pernas de Gretchen abriram-se para intensificar o con­tato, e ao sentir o odor de colônia com traços de tabaco ela aspirou profundamente, dilatando as narinas.

De forma involuntária ela arqueou o corpo, gemendo ao sentir uma onda desconhecida de prazer.

— Gretchen...

Ela estremeceu quando a boca de Philippe voltou a exi­gir seus lábios, invadindo-os com a língua, voraz e ardente. Philippe parecia querer devorá-la. Gretchen sentiu a cabe­ça girar quando deslizou os braços por sob o tecido da ca­misa dele e acariciou os pêlos do peito. Uma das mãos tateou o relevo de uma cicatriz sob o braço esquerdo.

Ele percebeu e pareceu deixar de respirar por um instan­te, até sentir o movimento na pele amortecida. Era um dos muitos carinhos que a ponta dos dedos e as unhas faziam. Ergueu a cabeça, procurando o rosto dela.

— Existem outras como essa, não? — indagou Gretchen.

Os dedos agora percorriam a linha do cinto na calça. Fi­taram-se enquanto ele sentia a camisa sendo puxada lenta­mente. Depois Philippe tocou a mão dela para refrear os carinhos.

— Tudo bem... se eu tocar você? — quis saber Gretchen, hesitante.

— Abaixo da cintura, não — disse ele, através de dentes cerrados.

— Por que não?

— Gretchen... algumas das cicatrizes vão até o osso. As da virilha e da perna esquerda são deformantes.

— Não sou do tipo impressionável — argumentou ela. — Adoro tocar você. E gosto quando me toca.

— Não toquei... ainda.

— Quer?

— Que pergunta...

 

As mãos de Philippe começaram a desabotoar a blusa de seda. Gretchen observava o rosto dele, a expressão se ilu­minando ao deparar com o sutiã preto de renda.

—  Não se anime muito, porque uso enchimento... Não sou muito... volumosa — disse ela, espantada com a pró­pria ousadia.

— Enchimento? — indagou ele, observando-a desabotoar o sutiã. — Sua... trapaceira.

— Muito desapontado?

— Por que eu ficaria desapontado?

— A maioria dos homens gosta de seios grandes, não é? Com o dedo indicador Philippe traçou uma trilha entreos seios dela, provocando arrepios que se estenderam pelo corpo inteiro. Gretchen ergueu o torso involuntariamente. Os olhos negros revelavam desejo.

— Os homens são muito diferentes no que se refere à mulher perfeita. Pessoalmente, prefiro um seio que caiba em minha boca — afirmou ele, provocando uma expressão de surpresa. Afastou uma das taças do sutiã. — Você não as­siste a filmes?

O mamilo rígido ansiava por ser tocado. — Assisto a filmes e também leio livros... mas nunca pen­sei que fosse tão gostoso.

— Você me torna ansioso para ser inteiro outra vez — disse ele, admirando o que acabara de descobrir.

Os dedos dele contornaram o seio, em volta do mamilo escuro. Gretchen produziu um som agudo e alto.

— Como é bom que esta cabine seja à prova de som...

Ela se contorceu como se estivesse sofrendo uma tortu­ra quando ele baixou a cabeça e tomou a carne fremente entre os lábios, acariciando-a com a língua. Gretchen en­terrou as unhas nas costas dele, o fôlego deu a impressão de ser suspenso, enquanto ela se tornava uma prisioneira sensual.

 

—  Por favor, não pare... — gemeu Gretchen.

Ele redobrou os esforços, expondo devagar o outro seio e alternando as carícias entre um e outro. A mão então desli­zou pela pele quente do ventre, e em pouco tempo a boca se aproximava do umbigo, sentindo a carne febril vibrar com os movimentos dos lábios e da língua, incentivados pelos gemidos dela.

De repente Philippe voltou a beijá-la na boca. As mãos, entretanto, penetraram por baixo do vestido e tocaram Gretchen no centro de sua feminilidade. Ela experimentou sensações que jamais imaginara, e gritou.

A boca de Philippe voltou para os mamilos rígidos, sugando um deles enquanto os dedos acariciavam o outro. Gretchen poderia ter chorado de vergonha, porém os olha­res de ambos se encontraram por alguns segundos antes que ela caísse no precipício de sensações sensuais urgentes e começasse a estremecer com um tipo de prazer que jamais experimentara. Os olhos cerraram-se quando ela se entre­gou ao êxtase provocado pelas mãos e lábios, no primeiro orgasmo de sua vida...

Gretchen chorou, agarrando-se a ele para obter conforto. Philippe aconchegou-a, pressionando-a contra o peito. Ele a satisfizera, embora ainda estivesse excitado. Era mais do que ousara esperar. Se podia manter a ereção por tanto tem­po, isso significava que existia uma chance de verdadeira­mente... possuí-la.

Ergueu a cabeça e encarou o rosto afogueado de Gretchen, os olhos verdes desfocados. O corpo dela ainda estremecia.

Acariciou os cabelos loiros, afastando uma mecha do rosto.

— Quando eu disse que poderia satisfazer você... era isso o que eu queria dizer.

Ela engoliu em seco, ainda envergonhada, mas fascinada pelo olhar dele.

 

— É assim, então?

— Acho que sim — respondeu Philippe, com um sorriso terno. — Não tenho certeza se me lembro direito.

— Philippe...

— Sim?

— Você ainda está... excitado.

— Muito excitado — admitiu ele. — Também estou sur­preso. Nunca fui capaz de me manter assim tanto tempo.

— Se quiser tentar... Ele a encarou.

— Você faria isso por mim? Me ofereceria sua castidade sem casar?

Gretchen mordeu o lábio inferior antes de responder:

— Você é um chefe de Estado. Quando se casar, terá de ser com alguém igualmente importante.

— Terá de ser uma mulher capaz de conviver com mi­nhas limitações, sejam elas quais forem. Só porque posso manter uma ereção não quer dizer que eu seja potente. Te­nho uma perda real de sensibilidade, Gretchen — disse ele. — Não, não vire o rosto. Precisamos falar disso. Não posso dar um filho a você, ainda que seja possível me tornar seu amante. Os danos, como você vai ver a seu tempo, foram terríveis. Mais do que posso me permitir mostrar.

— Você foi ao médico nos últimos nove anos, desde que fizeram o diagnóstico original?

—  Não precisei. Meu espelho diz tudo o que quero sa­ber... quando tenho coragem de me olhar.

Gretchen escalou o corpo dele, de forma que pudesse abraçá-lo apoiando o rosto em seu ombro.

— Você vai ter de me mostrar como — murmurou ela com suavidade. — Mas estou com vontade de aprender a fazer por você a mesma coisa que fez por mim.

O coração dele parou. O braço envolveu-a e manteve os dois juntos por algum tempo.

 

—  Uma oferta generosa, pela qual fico mais agradecido do que você imagina. Mas eu não sujeitaria nenhuma mu­lher a me ver, principalmente uma virgem que não conhece o corpo masculino. Estou desfigurado.

— Se você não confiasse em mim, não teria permitido que eu estivesse aqui.

—  Eu estava excitado. Queria saber qual seria a minha reação.

— Mas você ficou sem nada. Eu recebi tudo — protestou ela.

— Talvez seja apenas isso o que resta para mim — disse ele, com voz triste.

Os dedos de Gretchen se enterraram nos pêlos do peito dele e os olhos dela se fecharam.

— Tem alguma sensação aqui?

— É estranho... tenho sensações mais intensas quando toco você.

— Não tentou fazer amor com ninguém depois do aci­dente?

— Os médicos me disseram que não adiantaria, e acredi­tei neles — respondeu Philippe. — A reação que tive a você foi um verdadeiro mistério.

— Talvez você não sinta nada porque não tenha experi­mentado — sugeriu ela.

— Tentei uma vez. Com uma mulher, na Europa — lem­brou ele, amargamente.

— O que aconteceu?

— Nada, e ela achou a situação divertida — disse ele, que ainda escutava o eco da risada em sua mente. — Foi quan­do eu resolvi desistir. Decidi que manter as aparências se­ria a única solução para mim, fingir um relacionamento para calar os boatos.

— Eu jamais teria dado risada de você — afirmou Gretchen, irritada com a mulher.

Philippe a puxou contra si, de forma que os quadris dela ficassem sobre ele.

—  Eu devia mandar você de volta para o Texas agora mesmo.

— Não, senhor. Acha que vou voltar para aquele traba­lho chato, enquanto outra mulher vai ser a estrela do seu harém? Como pode dizer uma coisa dessas?

Ele ergueu uma sobrancelha e estudou-lhe a expressão, baixando para os seios pressionados contra seu peito. Ain­da estava excitado. Ela o fazia sentir-se mais forte do que nunca. Enquanto a admirava, ocorreu-lhe que oferecia a ela uma reputação duvidosa. Suas raízes do Oriente Médio revoltaram-se contra algo tão impróprio. Gretchen era inocen­te. Ficava envergonhado só de pensar em desonrá-la daquela forma.

— Então... prefere viver comigo e brincar de médico? — provocou-a.

— Só se as regras forem iguais. Não pretendo ser a única pessoa a tirar a roupa por aqui.

A alegria que ele sentia era quase palpável.

— Que pena... Você fica tentadora sem roupa.

— Acho que vou ter de aprender a organizar recepções e eventos sociais do protocolo — suspirou Gretchen.

— Pois fique sabendo que tenho um verdadeiro exército de pessoas que não faz outra coisa a não ser isso — disse ele. — Sua única preocupação vai ser comigo.

— Vou engordar.

— Não vai ter tempo de engordar. Espero permanecer no palácio boa parte do tempo nos próximos anos, porque tenho planos prestes a dar frutos, especialmente na área de educação. Você pode me ajudar a convencer as pessoas nas vilas distantes a permitir que seus filhos frequentem a escola.

— Adoraria fazer isso! Mas não falo sua língua.

— Eu providencio o que for necessário.

 

—  Ótimo. Mais uma coisa para me motivar — disse Gretchen, encarando-o.

— Mais uma coisa, você disse?

Ela baixou a cabeça e mordeu levemente o lábio inferior de Philippe.

— Isso.

— Você aprende rápido. O que mais?

— Quero que você me deflore — sussurrou ela. — Que se torne meu amante.

— Não desejo outra coisa — respondeu ele, acariciando o traseiro nu. — Mas precisa entender que não temos todas as chances do mundo.

— As probabilidades de você estar como agora eram nulas — argumentou ela. — Onde existe fumaça há fogo, Philippe.

— Acho que entendi perfeitamente...

Gretchen colocou os lábios sobre o peito dele, provocan­do um gemido. Hesitou. Sentiu, sob a mão, o bater forte do coração. Mal parecia estar respirando. Aproximou a boca do mamilo dele, devagar. Imitou o que ele fizera, sugando-o.

Philippe estremeceu na cama e as mãos se apoiaram na cabeça dela, pressionando-a contra ele. Os dedos penetra­ram nos cabelos loiros, segurando-os.

— Ensine-me agora — pediu Gretchen, com voz rouca. Ele começou a resmungar algo, numa língua que ela nãoentendeu. Porém não lutava contra os dedos ágeis. Ele mesmo soltou o cinto e abriu o fecho da calça, conduzindo a mão dela até o tecido sedoso.

Guiou-a até o ponto onde a rigidez explodia contra a seda, ensinando-a a acariciar os pontos mais sensíveis, da forma mais agradável, num silêncio rompido apenas pelo som da respiração de ambos.

Philippe estremeceu, porém não houve consequência. Nenhum calor.

— Maldição! Não consigo... — resmungou ele, entre os dentes.

— O que estou fazendo de errado? — quis saber Gretchen. Ele manteve o contato da mão dela e suspirou. Os olhoscontinuavam cerrados.

— É como se o prazer estivesse ali perto, mas fora de al­cance. O problema é comigo, não com você. E não estamos na hora, nem no lugar mais apropriado para resolver.

Philippe afastou a mão dela e rolou para o lado. Levan­tou-se e começou a arrumar suas roupas. Gretchen também se recompôs, sem encará-lo.

— Não me arrependo de nada — declarou ela, assim que ele se voltou.

— Nem eu. Agora você me pertence — respondeu ele, fitando-a. — Precisamos casar.

— Por quê?

— Porque se existir alguma possibilidade de ter você, é o que vou fazer. Em meu mundo, nenhum homem possui uma virgem, a menos que seja seu marido.

— Mas não pertenço a sua classe social — protestou ela.

— Gretchen, quer que eu mande virar o jato para o lado do Texas?

— Depois disso? — indagou ela, com expressão magoada. Philippe riu e puxou-a para seus braços. Acariciou-a até  acalmá-la.

— Se quer arriscar, podemos nos casar pelas leis do meu país, sob nossos costumes — sugeriu ele, hesitante. — Esse casamento só seria válido no Quawi, portanto se eu for in­capaz de consumar o relacionamento, você pode voltar para casa ainda virgem e solteira.

— E se você puder consumar? — murmurou ela.

— Acho que nesse caso vai precisar de um exército para tirar você do país — respondeu ele. — Porque se existir al­guma possibilidade de que seja completamente minha, ja­mais vai escapar, durante esta encarnação.

 

— Nunca sonhei que algo parecido pudesse me acontecer— afirmou Gretchen. — Gostaria muito de casar com você. Mas não quero que se sinta obrigado.

— Fazer de você alvo para mexericos no palácio iria me diminuir e desonrá-la. Meu pai mandaria cortar minhas mãos. Ele é fanático por tradição — afirmou Philippe. — Para dizer a verdade, também sou. E você, também.

— Não quero causar problemas...

— Primeiro você me torna outra vez um homem comple­to, depois acha que vou encará-la como um problema?

— Você não chegou a tentar de verdade fazer amor de­pois do acidente, chegou? — quis saber ela, encarando-o e percebendo a verdade. — Pois você pode muito bem ser per­feitamente capaz com outra pessoa. Por exemplo, aquela loira que você disse que se parece comigo...

—  Brianne.

A lembrança do relacionamento com Brianne fez com que a expressão dele endurecesse. Philippe a adorara, desejara-a com todas as forças, mas ela preferira Pierce Hutton por­que imaginava que ele seria impotente para o resto da vida.

Gretchen percebeu a tristeza e sentiu-se insegura.

— Ainda sente alguma coisa por ela?

— Sempre vou gostar dela — respondeu ele, com since­ridade. — Mas ela está bem casada e tem um filho de dois anos. Mesmo que eu me recuperasse completamente, nãohaveria esperança. Com ela, não. Mas minha reação a você é promissora, e tenho a intenção de ir até o final. Minha posição é clara. Se quiser desistir, o momento é agora.

— Tem um pára-quedas?

— Não — disse ele, sorrindo.

— Nesse caso terei de ficar com monsieur Souveraín. Rindo, ele abriu a porta, fazendo um gesto para que elapassasse primeiro. Os dois saíram rindo, o que provocou trocas de olhares estupefatos entre os guarda-costas. Pare­ciam perplexos com tanto bom humor e contentamento no rosto do sheik. Otimo. Isso lhes daria algo para pensar.

Sentou-se ao lado de Philippe até que a aeronave aterrissasse em solo do Quawi. Não era mais do que o Marrocos fora, na expectativa de Gretchen. Havia tamareiras por toda à parte, extensões desérticas que conduziam ao golfo Pérsico, e um mar inacreditavelmente azul, quando visto do alto. No interior das antigas muralhas da cidade, os edifí­cios eram em sua maioria brancos. Havia mosteiros e uma catedral bem visíveis, e a distância, o que parecia as funda­ções de uma cidade moderna.

Philippe fez um gesto e a aeromoça impecavelmente ves­tida sorriu para Gretchen e entregou-lhe um embrulho de pano preto.

— Isso é necessário — afirmou ele, solenemente. — É o mesmo que abrir um guarda-chuva durante uma tempesta­de em seu país. Sou soberano de meu país, e devo ser o primeiro a respeitar as tradições, assim como é meu dever proteger você de qualquer extremista que viva aqui.

— Não precisa explicar nada para mim — disse ela. — Conversei com uma moça muçulmana no hotel e ela disse que para os que vivem estritamente pela lei do Corão, a aba e o hijab são sinais visíveis do orgulho e da pureza da mulher.

Ele sorriu, satisfeito.

— Quem lhe ensinou as palavras para manto  e véu?

— Foi essa mulher. Sei que existe também um tiiobe, que os homens usam com um bisht por cima, e uma outra na cabeça, segura por aquele rolinho que parece uma corda e se chama igal.

—  Estou impressionado — afirmou Philippe, com um assobio.

— Shukran — agradeceu ela, em árabe.

— Agora você me impressionou de verdade. Aqui está. Ele ficou em pé e deixou que o véu negro cobrisse oscabelos claros e abundantes. Em seguida ajeitou o manto ao redor, cobrindo completamente o corpo de Gretchen,

— Em meu povo ainda existem os que poderiam preju­dicar você se virem suas formas expostas. De qualquer for­ma, não quero correr risco algum.

— Obrigada. Não faz mal, vamos combinar uma coisa. Se algum dia for até o Texas, vai ter de colocar um chapéu de vaqueiro, e provavelmente alguém vai convencer você a tentar domar um potro.

Philippe riu, divertido com a presunção de Gretchen so­bre sua personalidade. Imaginava que a opinião dela seria que ele jamais domaria um cavalo. Anteviu a surpresa dela quando o visse como verdadeiramente era, em seu próprio território. Afastou-se para que os guarda-costas abrissem as portas da limusine.

Já estavam percorrendo a estrada para a capital quando Gretchen falou:

— Você devia ter me contado desde o início quem era.

— E tirar todo o mistério do nosso relacionamento? Não, quanto mais misteriosos, mais atraentes os homens são para as mulheres.

— Você é um rei — afirmou ela, mais para acostumar-se à ideia do que para lembrá-lo.

— Sou um sheik — corrigiu ele. — O líder da tribo que tradicionalmente mantém o poder nesta parte do continente. A linhagem vem praticamente sem interrupções há seis gerações, embora meu pai seja o primeiro sheik cristão.

— Certo. Por assim dizer, você herda a coroa, como os reis.

Naquele momento Philippe parecia tudo, menos europeu e cristão.

— Ninguém herda um título entre os povos do deserto. Precisa ser conquistado e mantido, pelo homem que o pu­der defender.

Ela teve vontade de fazer mais perguntas, porém o tele­fone tocou, e em seguida o interfone, avisando que a liga­ção era para Philippe. Ele apanhou o receptor na coluna ao lado, escutou e falou brevemente, com ar de preocupação. Desligou sorrindo para ela.

— Mais complicações — informou. — Um ataque na fron­teira. Vários homens morreram. Significa que terei de ir até a fronteira, no deserto do norte, para lidar com o assunto.

— Tem um exército?

— No sentido em que está perguntando, ainda não. So­mos um país antigo, mas sem uma base moderna de poder, a menos que inclua armas táticas de longo alcance e uma pequena unidade militar de elite com quantidade limitada de equipamento. Não, os rebeldes terão de ser enfrentados da forma antiga. E enquanto resolvemos o problema, pode­mos resolver o nosso também. Vou providenciar para que o casamento seja celebrado ao mesmo tempo.

— Está falando a sério?

— Estou.

— Mas você não disse que seu pai não gosta de ameri­canos?

— Gretchen, você vai encantar meu pai — afirmou ele, confiante. — Tudo o que precisa é de um pouco de tempo.

— Vamos partir hoje?

— Não, ficaremos alguns dias. Preciso me encontrar com vários ministros e com meu pai para discutir os tratados queacabei de assinar e os contratos que negociei — disse ele. — Você vai ter o suficiente com que se ocupar. Meu ministro da Educação vai explicar em detalhes meu projeto para a educação da primeira infância.

— Espero que eu consiga fazer tudo o que você deseja — disse Gretchen, preocupada.

— Não tenho a menor dúvida disso.

— Você me faz sentir como se fosse capaz de realizar qual­quer coisa. Até poucos dias atrás, eu era uma espécie de es­pectadora da vida. Agora você me fez querer participar.

— Esse homem que tentou casar com você? Por onde anda?

— Daryl? Ele se envolveu com a filha de um banqueiro logo depois, para dar outro golpe do baú... — começou ela, interrompendo-se ao perceber que ele não entendera a ex­pressão. — Bem, ele tentou fazer o mesmo que fez comigo. Pensou que minha mãe fosse rica e que iria deixar muito dinheiro quando morresse. Mas não havia herança nenhu­ma, e ele foi embora assim que soube.

— Um oportunista! — exclamou Philippe, compreenden­do tudo.

— Isso, e como eu não tinha experiência para reconhecer o interesse, Daryl me enganou com facilidade. Minha mãe era terrivelmente ciumenta, sobretudo depois que comple­tei idade suficiente para namorar. Acho que sabia que esta­va morrendo e tinha medo de ficar sozinha. Como se eu pudesse pensar em deixar que isso acontecesse!

— Não, acho que você não é do tipo de pessoa que aban­dona as pessoas de quem gosta — concordou Philippe.

— Pelo menos Daryl se encontrava por perto quando ela se foi, portanto não fiquei completamente sozinha. Marc estava na Flórida e só chegou para o enterro.

Philippe resmungou algo, os olhos brilhando.

— Você não teve ninguém para ajudar com as provi­dências?

— Bem, até que Daryl resolvesse criar coragem para per­guntar sobre o testamento, ficou ao meu lado. Mas acho que não existem muitos homens dispostos a se enterrar pelo res­to da vida numa fazenda de gado hipotecada, numa cidade pequena do Texas.

— Você se valoriza pouco.

— Falando em valorizar, é verdade que nesta parte do mundo existe a escravatura branca? — indagou ela, de olhos arregalados.

— Por que quer saber? Está achando que posso ticar ten­tado a vender você? — provocou Philippe.

— Acho que não. Você não precisaria do dinheiro.

— Não mesmo — riu ele, apreciando-a. — Ouro branco. E o nome que dariam a uma mulher como você. Alcançaria um altíssimo preço.

— Está vendo? Você pensou nisso!

— Ainda que eu fosse um mercador, acha que venderia o tesouro mais precioso do depósito?

Gretchcn sorriu, satisfeita. Era como um recomeço, estar num lugar diferente com aquele homem que já a fascinava de muitas formas. Introduziu a mão pela abertura da aba; sem voltar a cabeça, os dedos longos entrelaçaram-se aos dela e pressionaram antes de soltar. Gretchen recordou en­tão que demonstrações públicas de afeição eram inaceitá­veis naquela parte do mundo e recolheu a mão devagar. Ele reparou, e os olhos piscaram, aprovando.

A reação de Gretchen a primeira visão que teve do palá­cio foi uma revelação para Philippe, que a observava, en­cantado.

— O Poiais Tatluk... sede do poder de minha família — murmurou ele, assim que a construção apareceu ao longe.

À medida que se aproximavam, Gretchen via com mais detalhes as torres alvas e a monumental estrutura de pedras brancas, com portais e janelas arqueadas e ornadas com treliças. Não havia sacadas ou terraços, mas ela recordou-se de que nas habitações árabes, as sacadas eram sempre vol­tadas para um pátio interno, de forma que as mulheres fi­cassem escondidas aos olhos do mundo.

— É magnífico...

—  Foi a única estrutura que os homens de Brauer não destruíram, dois anos atrás — disse ele, com expressão tão ameaçadora que parecia outra pessoa. — Brauer pretendia usar como quartel-general quando ele e os mercenários to­maram conta de meu país.

— Como você escapou? — quis saber ela. — Se não se importa de me contar.

— Atravessei o cerco e me juntei a uma caravana que ia para Omã. Depois, com o dinheiro que tinha no bolso, com­prei uma passagem para a Martinica, onde... tomei empres­tados os fundos necessários para lançar uma contra ofensiva bem-sucedida.

— Com mercenários?

Philippe voltou-se para ela com uma expressão diferente no olhar.

— Você não sabe nada sobre nós. Pode descobrir que as suposições não correspondem à realidade — declarou ele. — Em todo o Oriente Médio, não existem mercenários ou soldados comparáveis aos meus sha-Koosh.

— Seus o quê?

— Minha guarda pessoal. São meus sha-Koosh.., meus martelos, na sua língua. Não possuem rival em combate, exceto talvez o SAS britânico... Special Air Service, uma unidade de soldados escolhidos a dedo, cujos métodos de treinamento são também, vamos dizer, excepcionais.

—  Certo, como os Boinas Verdes e os soldados de elite em meu país. Os que a gente manda combater terroristas.

— Manda... — repetiu ele, intrigado. — Acho que enten­do. Um general fica na escrivaninha e manda os homens para a batalha, é isso?

— Bem, não são todos assim — corrigiu ela. — Mas nin­guém espera que um chefe de Estado lidere um ataque.

— Claro que não.

Gretchen reparou que Philippe desviava o rosto para que ela não visse sua expressão divertida.

— Você disse que sua família está no poder há várias gerações.

— É verdade — confirmou ele. — Originalmente, fazia parte do Império Otomano, dos turcos. Depois, quando os franceses e ingleses lutaram em nosso território no século dezenove, vieram os missionários estrangeiros e começaram a nos converter. Conquistamos nossa independência em 1930, quando meu avô derrotou um destacamento da Le­gião Estrangeira Francesa, depois reuniu as tribos de beduí­nos que restaram sob o comando de um só sheik. Meu pai o sucedeu, mas não antes de ser convertido para o cristianismo, o que causou uma perturbação apreciável. Foi forçado a combater para defender sua posição. Meus outros dois ir­mãos eram muçulmanos, e eu fui criado de forma a honrar ambas as religiões. Alguns anos atrás finalmente me con­verti ao catolicismo. Isso causou uma certa divisão, e meu pai achou melhor não fazer das religiões uma fonte de discórdia. Como já deve ter compreendido, existem muitas seitas muçulmanas, umas mais radicais do que outras. Co-­existimos com todas, e também com os judeus, garantindo liberdade de culto no país.

—  Acho que você deve ser um ótimo líder — afirmou Gretchen, admirada.

— Ainda tenho muito a percorrer antes de me tornar um homem assim. Mas ter uma feroz dama do deserto para pro­teger pode apressar minha jornada.

— Não sou feroz...

— Mas será. Você tem coração de falcão. Só está faltando a confiança para perceber seu potencial. Posso fazer com que acredite em si mesma. Posso torná-la forte, assim como você me torna forte.

— Não estou entendendo.

— As experiências da sua vida se combinaram para au­mentar sua força, só que você nunca a testou, certo? Gretchen, a maior parte das mulheres que conheço, com uma exceção, teria corrido gritando de medo quando come­çou o tiroteio, em Asilah. Você ficou ao meu lado.

— Achou que eu ia deixar você enfrentar sozinho o perigo, é?

O corpo dele deu a impressão de inchar de orgulho. As­sumiu uma postura de respeito e seriedade, refletida pelo olhar intenso.

— Sabia que os falcões se acasalam por toda a vida? — Os lábios de Gretchen se entreabriram e ela sentiu os mamilos enrijecerem. Só então se deu conta da intensidade do desejo que a consumia. Apesar do manto negro, ele per­cebeu os dois pontos através do tecido. Seu semblante en­dureceu à medida que o desejo aumentava em seu interior. Philippe odiava sua impotência. Suspirou e voltou o rosto para a paisagem na janela.

— Um dia, ficará contente por Maggie não ter vindo tra­balhar para você — disse ela, de forma a não ser ouvida pelos outros. — Prometo. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para torná-lo feliz.

— Como? Casando com um homem pela metade?

— Você é mais completo do que qualquer pessoa que eu já tenha conhecido, Philippe Sabon. Prefiro seus beijos a uma relação sexual com qualquer outro homem.

— Eu me sinto assim com você, também — afirmou ele. — Acho que posso chegar a amar você.

— Sei disso. Também posso amar você — murmurou ela, fitando-o com intensidade.

Por um instante, pareceu que ele iria atirar as convenções aos quatro ventos, mas no instante em que iniciou um mo­vimento quase imperceptível na direção dela, o carro fez uma curva. Entravam na alameda pavimentada e ladeada por tamareiras elevadas, que conduzia à entrada do palácio.

 

Como se de repente sua fraqueza o irritasse, Pbilippe saiu do carro assim que o motorista abriu a porta, deixando que Gretchen o seguisse, com o enorme guarda-costas de rabo-de-cavalo a seu lado. Agora a aparência do homem era completamente árabe, embora a imaginação dela encontrasse alguma semelhança com Elvis Presley. Imaginou o que Philippe diria se apelidasse assim o guarda-costas. Talvez descobrisse, nos próximos dias.

O interior do palácio era tão belo e trabalhado quanto o exterior. Os ladrilhos no chão apresentavam vários tons di­ferentes de azul. Havia arcos graciosos em todas as passa­gens e tapetes que eram verdadeiras obras de arte. Gretchen apaixonou-se instantaneamente pela escadaria monumental do saguão, sob o lustre de cristal suspenso. Voltou-se, a ca­beça inclinada para cima, hipnotizada pelo ambiente exótico e luxuoso, até que suas costas encontraram algo sólido e quen­te. Virou-se, para se ver observada como se fosse uma presa.

— Este é Ahmed — apresentou Philippe. — É meu tio, irmão de meu pai. Ahmed, esta é minha noiva, Gretchen Brannon, de Jacobsville, no Texas.

Um lampejo de ódio passou pelos olhos negros do ho­mem mais velho.

— Noiva? Uma infiel? Uma... americana? — disse ele, pronunciando a nacionalidade como se fosse um palavrão.

Gretchen aprumou o corpo e dispunha-se a responder, quando Philippe entrou à sua frente. Houve uma troca de palavras em árabe, e os olhos do homem mais velho baixa­ram. Ele curvou-se, murmurou alguma coisa e afastou-se. Os guarda-costas o seguiram, exceto "Elvis".

— Eu avisei que seria difícil. Mas você não deve se en­volver numa discussão verbal com meu tio. Ele é muçul­mano, e pode encarar como uma ofensa grave — informou Philippe. — Entendido?

— Entendido. De verdade.

— Não estou me importando pela minha pessoa, é com a sua segurança pessoal que me preocupo. Ele é poderoso e possui aliados na corte. A não ser por meu pai e eu, é o único que pode reclamar a condução do Estado. Gostaria de ser sheik.

— Estou entendendo. Não vou dar a ele nenhum motivo para me usar contra você.

— Como se ele pudesse... Mas não consigo conversar com você vestido assim — disse ele.

Philippe retirou o manto negro e o turbante, desalinhando os cabelos nesse processo. Atirou as peças para o guarda-costas e indicou que ela devia segui-lo.

Conduziu-a pelo saguão e através de um arco, depois por um corredor interno, e de repente chegaram a uma espécie de paraíso terrestre. O aposento de ladrilhos era enorme e havia várias fontes. Palmeiras e outras espécies tropicais formavam um jardim interno, onde, por toda parte, havia orquídeas. Centenas delas.

— Que lindo! — exclamou Gretchen, sem conseguir conter-se. — É muito bonito aqui.

Aproximou-se de um botão amarelo-esverdeado e aspirou o aroma exótico. Com a ponta dos dedos acariciou as pétalas.

— Não toque nas flores! — avisou uma voz irritada, por trás dela.

Voltando-se, quase derrubou o vaso. O homem idoso que os contemplava usava uma túnica branca e um turbante da mesma cor, um taiga. Era alto e corpulento, e sua barba e bigode eram alvos, assim como os cabelos espessos.

— Elas são diferentes. Desculpe, mas eu adoro flores. Não consigo deixar de ter vontade de encostar de leve nelas — disse Gretchen. — Tenho uma orquídea em casa... só uma phalanopsis, não muito cara, e eu vivo mimando-a.

— Só uma? — Gretchen corou.

— Sim. Bem, não tenho um lugar apropriado para culti­var orquídeas. E não poderia comprar muitas, mesmo que tivesse. São caras — confessou ela, com sinceridade.

— Você se encontra sem véu na presença de um homem que não é seu marido — observou o recém-chegado. — E usa roupas que ofendem meus olhos e os de meu irmão e dos homens da família.

Philippe avançou. Falou com o homem, demonstrando firmeza e grande respeito.

—  Você casaria com isso? Uma americana! Uma infiel, vinda do ninho da serpente? — indagou o velho, voltando os olhos para ela e medindo-a. — E uma infiel magra, ain­da por cima.

— Como ousa? — respondeu Gretchen, antes que Philippe pudesse dizer alguma coisa. — Vou à igreja, saiba o senhor, e chicoteio um homem se for preciso, antes de deixar que ele encoste cm mim sem uma aliança de casamento.

As sobrancelhas brancas se ergueram. Ele inclinou a ca­beça e estalou os lábios para observar o rosto avermelhado de Gretchen.

—  Fil-fil — disse ele, explodindo em risos.

Philippe riu um pouco e trocou algumas frases curtas com ele.

O velho sorriu e permaneceu em silêncio. Philippe cur­vou-se e o outro acenou com a mão; com um último olhar para Gretchen, virou-se e retornou ao local onde estava, con­tinuando a cuidar das orquídeas, demonstrando a mais absoluta indiferença em relação aos dois.

Philippe fez um sinal para que Gretchen o seguisse.

— Meu Deus, que homem prepotente — reclamou ela, irritada. — E também me chamou de alguma coisa. O que quer dizer?

— Deixe para lá. Avisei você que ele tentaria intimidá-la. Se tivesse deixado que ele se saísse bem, estaria agora a meio caminho do Texas, escoltada pela guarda pessoal dele.

— Seu jardineiro tem guarda pessoal? — estranhou ela.

— Não é meu jardineiro, Gretchen. É meu pai.

— Oh!

O rosto dela ficou escarlate.

— Não se preocupe, ele vai se acostumar com você. Philippe voltou-se e emitiu, em árabe, uma ordem aosegurança que os acompanhava. O homem curvou-se e saiu.

— Aonde ele vai?

— Já está sentindo falta dele, é? Eu o designei para pro­teger sua vida com a dele. Jamais vai sair de perto de você, a não ser enquanto dorme. Mesmo assim, vai dormir à sua porta.

— Está levando minha segurança muito a sério — afir­mou Gretchen, impressionada.

Philippe parou de andar e voltou-se para ela.

— Acho que Brauer tem alguém infiltrado no palácio — disse ele. — Também acho que ele teve algo a ver com o ataque na fronteira hoje. Não posso permitir que nossa se­gurança relaxe, especialmente agora. Nunca deve sair de seus aposentos sem Hassan.

— Você quer dizer, Elvis.

— Um apelido, é? Falou com ele? — quis saber Philippe.

— Ainda não falo árabe.

— Certo. Então foi coincidência.

— O que foi coincidência?

— Só uma brincadeira particular, eu acho. Chame-o como quiser. Em meu país, quando as pessoas casam, é costume que o noivo dê um dote à noiva.

— Não quero seu dinheiro.

— Muito bem. Nesse caso, dou Hassan para você. Ele é seu.

— Não parece ouro branco para mim, mas pode ser que tenha talentos ocultos. Já que ele me pertence, se você se divorciar de mim posso levá-lo para casa?

Ele riu alto.

— O divórcio está fora de questão, não precisa se preo­cupar. Entende?

— Sim. Mas não vamos nos casar numa igreja, vamos?

— Não, ainda não — afirmou ele, deixando de sorrir. — A cerimônia será simples, com um mínimo de testemunhas e sem festividades formais. O casamento numa grande ca­tedral seria válido por toda a vida. Se existisse a possibili­dade de filhos, seria necessário um casamento de Estado. Mas isso é impossível.

— Quem vai herdar tudo quando você morrer? — inda­gou ela, também séria.

— Eu não contei? O filho de Brianne irá se tornar sheik com a minha morte. — É um belo menino, com os olhos escuros do pai. E, naturalmente, o pai dele irá se opor, como se opõe a qualquer coisa que possa provocar encontros entre mim e a esposa dele. É um homem ciumento e possessivo.

Com certeza Brianne ainda significava algo para ele, se tinha à intenção de deixar o reino para o filho dela. Gretchen imaginou qual seria a reação do tio, para não mencionar a do pai de Philippe.

Ele parecia irritado em mencionar Pierce Hutton.

— Deus sabe o que ela vê naquele homem.

— Como é o marido dela? — quis saber Gretchen.

— Rico.

— Além disso, quero dizer — riu ela.

— Ele tem uma corporação internacional de construção. Constrói plataformas de petróleo, entre outras coisas. É um homem corajoso, embora eu não goste dele. Ele, Brianne e eu fugimos juntos do Quawi durante o ataque de Brauer. Foi Hutton quem me emprestou o dinheiro para recuperar meu país — disse Philippe. — Um fato que ele nunca cansa de me lembrar.

Parecia haver muita rivalidade entre os dois homens. Gretchen estava curiosa sobre Brianne. Ela devia ser uma verdadeira beldade para que dois bons homens lutassem porela. Era natural que o marido a amasse, mas Gretchen tinha ciúme da forma como Philippe falava dela.

— Vou ver você outra vez hoje? — indagou ela, passan­do a assuntos mais práticos.

Ele gesticulou para a bela mulher usando uma gel lábia bege até os tornozelos e um hijab combinando, que vinha pelo corredor acompanhando Elvis.

— Pode ser. Esta é Leila, que vai levar você até seus apo­sentos. Mandei preparar o quarto que foi de minha avó paterna. Gostaria de saber se gosta deles. Ela era turca. O marido era francês.

— Ainda está viva?

— Morreu há vinte anos. Adorava orquídeas, e passou essa característica a meu pai.

— Pelo menos ele gosta de alguma coisa.

— É verdade. As amadas orquídeas de meu pai. Não ama muitas coisas mais, a não ser, talvez, o país. Mas não im­porta. Você não vai se relacionar muito com ele. Agora vá com... Hassan — disse Philippe, sorrindo por causa do ape­lido que ela mencionara.

Deu a ordem em árabe e o guarda-costas assentiu e cur­vou-se.

Falou por um instante com a bela morena, que adiantou-se e tomou Gretchen pela mão.

— Venha comigo, por favor, sra. Fil-fil — disse ela res­peitosamente.

Philippe riu.

—  Está vendo? Agora você também tem um apelido, mademoiselle. Acho que pode agradecer a meu pai por isso.

— O que quer dizer?

— Quer dizer "pimenta". E posso assegurar, não era no tipo suave que meu pai estava pensando quando usou o termo!

 

Leila levou Gretchen para os aposentos luxuosos na ala branca e dourada das mulheres do palácio. Ela parou e ob­servou tudo, incrédula. Era como algo saído de uma revista de luxo, com ladrilhos decorados no chão e no teto, e um banheiro do tamanho de sua casa em Jacobsville, incluindo uma pequena piscina ao ar livre. A piscina era revestida pelo mesmo tipo de ladrilhos do piso, cercada por pequenas pal­meiras e flores em grandes vasos, de forma a ficar quase invisível.

— Gosta? — perguntou Leila.

— É lindo. Lindo.

— Aqui era o antigo harém — confidenciou Leila, em voz mais baixa. — O bisavô do sidi tinha vinte concubinas, e aqui era onde ficavam, cercadas por eunucos.

— Sidi? O que quer dizer? — quis saber Gretchen. — Quer dizer lorde, senhor.

— Lorde do deserto — murmurou ela.

Em sua mente, Gretchen visualizou um sheik, de túnica branca e esvoaçante, cavalgando um garanhão a galope à frente dos guerreiros. Sorriu com a vivacidade de sua ima­ginação, mesmo porque Philippe mal devia ser capaz de ca­valgar. A mística do lugar já começava a afetá-la.

— É um homem muito forte, o sidi — disse Leila, enquan­to abria as malas que o guarda-costas trouxera.

Ao terminar, balançou a cabeça, desolada ao examinar o conjunto de roupas de Gretchen. Havia duas saias, uma blusa e um par de calças, além do vestido mexicano c do xale que o acompanhava.

— Nada disso vai servir — disse ela, por fim. — Preciso avisar o sidi sobre seu guarda-roupa, lady Fil-fil. Ele espera que se vista como uma dama da sua posição.

—  Da minha posição? — estranhou Gretchen.

— Será minha ama, naturalmente — disse Leila. — A noi­va de um sheik. Sim, conhecemos o desejo do sheik de se ca­sar... tínhamos receio de que ele não trouxesse uma noiva. Existiam certos rumores de que ele não teria uso para uma mulher...

O rosto de Gretchen ficou escarlate, traindo um sentimen­to de culpa, porém a criada interpretou de outra forma.

— Certo... Então não era a falta de necessidade de uma mulher, era a falta de alguém de quem ele gostasse, certo? — disse Leila, com um sorriso cúmplice.

— Ele é... muito atraente.

— Ele é um homem e tanto, senhora. Um verdadeiro ti­gre. Ainda contam histórias sobre ele ao redor das foguei­ras dos acampamentos dos beduínos, sobre as batalhas fe­rozes realizadas para retomar o Quawi dos mercenários.

— É, ele me contou sobre a sua guarda pessoal. — Leila lançou à ama um olhar estranho.

— Todas as tribos se uniram na batalha, minha senhora. Todas do país. Não pode fazer uma idéia das divisões, dos clãs inimigos, das vinganças que precisaram ser deixadas de lado para que isso acontecesse.

—  Sei muito pouco sobre o Quawi. Tenho muito que aprender — concluiu Gretchen.

— Acho que vai gostar de aprender — assegurou Leila com um sorriso. — Agora, minha senhora, quer enxaguar o corpo na banheira com hidromassagem?

— Uma hidromassagem?! — exclamou Gretchen, agra­davelmente surpresa.

— Um dos progressos do mundo moderno que temos ago­ra. E é grande o suficiente para uma mulher e seu marido.

— Leila! — exclamou Gretchen, corando. O sorriso da outra era aprovador.

— Posso perceber que seus princípios são como os nos­sos, minha senhora, e fico contente. Nós, das tribos, damos muito valor a moral.

— Venho de uma cidade bem pequena. Sou antiquada nessas coisas — disse Gretchen.

—  Nesse caso, seria bom aprender alguma coisa sobre nossas tradições. Será um prazer instruí-la, com a permis­são do meu siâi.

— É preciso obter permissão dos homens para fazer as coisas por aqui? Quero dizer, todas as mulheres?

— Em boa parte do Oriente Médio vivemos pelo Corão — afirmou Leila, solenemente. — Isso significa que não permitimos explorações sexuais fora do casamento e ne­nhum acesso a coisas imorais. Essa é a lei para as mulheres e para os homens. Somos um povo puro e cuidadoso com a moral...

Interrompeu-se para saber como uma mulher americana e liberada reagiria à afirmação.

— Aqueles que acreditam nos antigos valores são tidos como pré-históricos em meu país — afirmou Gretchen.

— Nesse caso, bem-vinda ao tempo das cavernas, madame — disse Leila, erguendo uma sobrancelha.

Gretchen riu. Iria gostar daquela companheira.

— De uma mulher das cavernas para outra, muito obri­gada.

— Agora devo preparar seu banho?

A despeito do que Philippe dissera sobre talvez não en­contrá-la mais naquele dia, Gretchen tomava café e comiadoces de amêndoas no quarto, quando ele entrou nos apo­sentos. Leila vinha junto, embora já tivesse sido dispensa­da para a noite.

— Uma acompanhante para servir de vela? Que excitan­te... — comentou Gretchen enquanto ele se sentava à mesa baixa de vidro, em frente a ela.

Philippe riu. Agora usava uma túnica, como aquelas cha­madas de djellabahs no Marrocos, porém azul-escura e ele­gante, com trabalhos em dourado nos acabamentos. Os sa­patos eram do tipo chamado babouche no Marrocos, sem salto. Ele inclinou a cabeça e lançou um olhar aprovador à gellabia de seda branca que ela trajava, fina o suficiente para revelar a túnica de algodão por baixo.

— Você se veste de forma conservadora. Mas não luxuo­sa o suficiente, eu receio. Arranjei uma costureira para vir amanhã e tomar suas medidas para um guarda-roupa com­pleto. Eu particularmente gosto muito de você de branco, mas acho que um tom profundo de verde também ficaria muito bem.

— Não devia gastar muito dinheiro comigo — protestou ela. — Na verdade, não sou do tipo que dá muita impor­tância às roupas, e quando sair, usarei uma aba escura, de qualquer jeito, mesmo que saia com você.

— Você precisa vestir o que for necessário, porque faz parte do papel que veio representar. Além do mais, gosto de lhe comprar roupas bonitas. Permita-me esse prazer, sim?

Ela sorriu.

— Está bem, mas eu quero pelo menos um par de jeans para que possa cavalgar com você.

—  Eu adoraria levá-la para cavalgar, mas precisa usar culotes e um capacete. Roupas de equitação, Gretchen.

— Gosto de jeans — disse ela, com uma careta.

— Quando em Roma...

— Já sei. Faça como os romanos. Está bem — concordou ela, reparando no rosto vincado de Philippe. — Você estácansado. Parece que alguém andou lhe tirando pedaços. Se comeu algum, ficou envenenado.

— É uma boa descrição de como me sinto — riu ele, erguen­do-se e espreguiçando-se. — Alimentaram você direito?

—  Está brincando? Não pararam de me oferecer coisas gostosas. Agora a pouco comi tortas de carne de pombo e achei uma delícia. Agora esses doces... — Gretchen apanhou uma das tortas de amêndoas. — Quer?

Ele curvou-se e abriu a boca, sem deixar de olhá-la. De­pois se inclinou e pousou a boca sobre a dela, pressionan­do os lábios e roçando os pêlos do bigode.

Gretchen correspondeu, mas Philippe ergueu-se e estu­dou-a por um instante. Em seguida voltou-se para a cama de quatro pilares e cortinado de gaze.

— As horas parecem dias para um homem sedento. Ve­nha, minha pequena.

Curvou-se e ergueu-a nos braços, sem a menor dificul­dade. Beijou-a nos olhos, enquanto a colocava com suavi­dade na cama, e deitou-se a seu lado.

Gretchen permaneceu ali, carente e imóvel, como se te­messe quebrar o encanto. Então vieram as mãos, uma de cada lado de sua cabeça, a retirar as presilhas dos cabelos, até soltarem os fios loiros e compridos, que caíram ao redor do rosto dela como um halo dourado.

Em seguida foi a vez dos pequenos botões da geliabia, que os dedos acompanharam um a um, libertando as abas e expondo o tecido abaixo.

O coração de Gretchen parecia querer saltar no peito. Sa­bia que isso também era visível a ele, pois a trama levíssi­ma da túnica interior, apesar de não ser transparente, mo­via-se a cada gesto pronunciado, revelando as formas abai­xo. Quando Philippe a tocou, era como se não estivesse usando nada, o que provocou uma excitação crescente.

Os dedos dele procuraram o fecho interno e deslizaram sob o tecido, em contato direto com a pele. A carícia continuou até onde apenas uma tira reduzida cobria as curvas dos seios.

—  Ah... — exclamou ele, deliciado em tocar o mamilo excitado. — Sem enchimentos.

— Nunca mais vou usar enchimentos para você — mur­murou ela, fitando-o. — Você fez com que eu tivesse orgu­lho do meu corpo.

— É assim que tem de ser — observou Philippe, com cari­nho. — Como sua pele é macia aqui, Gretchen! Escute... que­ro colocar minha boca em você e fazê-la gemer de prazer. Mas Leila vai ouvir. Se acha que ficará com muita vergonha...

Beijou-a nos lábios e começou a mordiscar-lhe o lábio inferior, enquanto as mãos se tornavam mais ousadas. Ela não respondeu, mas em compensação ocupou-se em abrir os fechos restantes da roupa, sem timidez nem vergonha.

Os olhos verdes fizeram com que ele se sentisse um rei de verdade, enquanto deslizava os lábios pelo corpo dela. As costas de Gretchen se arquearam involuntariamente, o suficiente para que o mamilo escuro convidasse a boca e a língua a tocá-lo.

O gemido profundo que brotou da garganta de Gretchen teve o poder de excitá-lo ainda mais. Philippe sugou com vontade, transmitindo seu desejo com a língua. Seu corpo deslizou para cima dela. Nesse instante esqueceu as con­venções, o respeito que prometera e sua resolução anterior. Estava descontrolado. Seu corpo pulsava, de forma que mal sentiu as unhas que se cravavam em suas costas. Nada exis­tia, a não ser aquela mulher desejável e sua vontade de se satisfazer. Afinal, talvez fosse possível...

—  Sidil

Philippe estremeceu. Forçou o olhar a afastar-se do cor­po macio de Gretchen e focalizou-se na forma cuja silhueta aparecia no portal da frente, além das cortinas.

Leila estava ali, com os braços cruzados, o rosto osten­tando uma expressão desaprovadora, fitando-o.

 

Ele resmungou algo, furioso, em árabe, e ela respondeu calmamente e com firmeza, na mesma língua.

Philippe praguejou em francês, inglês e árabe antes de conseguir parar de tremer de excitação e raiva. Nunca fica­ra tão fora de si. Ainda estava. Sua vontade era rasgar o que restava das roupas de Gretchen e...

Resmungou alto e afastou-se dela, sentando-se do lado oposto da cama. Apoiou o rosto entre as mãos.

Gretchen mal conseguia respirar. Arrumou a camisola sobre os seios e olhou para Leila com uma mistura de con­fusão e embaraço.

—  Venha comigo, senhora — disse Leila, movendo-se com firmeza para puxá-la da cama. — Antes do casamento, não, sidi. Que vergonha!

Philippe irrompeu numa gargalhada, apesar de sua agonia.

— Peste! Eu devia ter dado você para Mustafá al Bakir quando ele me pediu!

— Seria melhor eu me casar com um boi. Agora, se me dá licença, vou com a senhora para o outro aposento até resolver partir, sidi — disse Leila. — O senhor não deve desonrá-la.

Philippe fez um esforço para ficar em pé. Não ergueu a cabeça na direção das mulheres; Gretchen ainda tentava se cobrir.

— Nesse caso, pode deixá-la trancada até sairmos para o deserto — disse ele. — A tentação é muito grande para re­sistir.

— Foi o que Hassan me disse — respondeu Leila, erguen­do uma das sobrancelhas. — Sei tudo o que aconteceu no avião, sidi. Minha senhora não está a salvo sozinha com o senhor. Meu dever é zelar para que a castidade dela perma­neça intacta até a cerimônia. Quer vocês gostem, quer não.

— Eu não gosto — disse ele, piscando para Gretchen. — É a terceira vez que tem sorte, mademoiselle.

Riu quando ela corou, saindo dos aposentos em seguida.

Leila ajudou Gretchen a recompor seus trajes.

— O que ele quis dizer com "terceira vez"?

— Foi apenas uma expressão. E não pergunte o que sig­nifica — avisou Gretchen, com um sorriso.

— Aquele homem é uma ameaça, isso sim — disse Leila. — E pensar que confiei em deixá-lo sozinho com a senhora.

Gretchen não disse uma palavra, mas podia imaginar como Philippe se sentiria ao ser encarado como um sedutor em potencial. A proteção feroz de Leila o tinha agradado e divertido, por motivos que a mulher não poderia imaginar.

Lembrando-se da ereção rígida no corpo dele, mais a ur­gência do abraço, Gretchen não teve dúvidas de que em breve aprenderia todos os segredos da alcova. Mal podia esperar pela cerimônia do casamento, que tomaria Philippe exclusivamente seu. Se conseguisse seduzi-lo, a misteriosa Brianne não manteria a preferência dele. De qualquer jeito, pretendia seduzi-lo.

Uma semana passou-se rapidamente, enquanto Gretchen aprendia a orientar-se pelo enorme palácio e começava a travar conhecimento com o pessoal que trabalhava ali. Sen­tia pena dos pobres servos que precisavam lavar as pare­des, pois usavam alvejante e suas mãos sofriam com isso. Queixou-se a Philippe, que providenciou luvas de borracha para os trabalhadores. Depois, Gretchen descobriu na cozi­nha uma mulher que mal conseguia ficar em pé, e insistiu em resolver esse assunto. Um médico foi enviado e a mu­lher recebeu licença pelo tempo que durou o tratamento.

Havia outros problemas ainda que ela notara, para o divertimento do sheik. Descobriu que as horas de trabalho eram demasiadas e que a falta de instalações para as crian­ças era preocupante. Provocou uma reunião com os criados, em que cada um teve a chance de dizer o que desejava, até mesmo o cozinheiro, que sofria havia longo tempo com a falta de eletrodomésticos para preparar as refeições à francesa que Philippe tanto apreciava. O administrador ficou ressentido a princípio com a interferência de uma mulher, estrangeira ainda por cima, em sua área. Porém, à medida que Gretchen conseguia transformar as condições de traba­lho, passou a considerá-la uma aliada, e chegou a conspirar com ela para trocar o aparelho de jantar e as toalhas de linho.

Gretchen não parou nos assuntos do palácio. Encontrou crianças brincando na terra com pedaços de madeira. Não havia brinquedos, ou um lugar apropriado para brincar. Acompanhada de um intérprete, visitou as casas imacula­damente limpas e conseguiu reunir as mães, cuja maioria trabalhava nas indústrias têxteis. Não tinham quem tomas­se conta dos filhos, que brincavam na rua porque não havia outro lugar. Ela foi até Philippe e pediu uma área devida­mente cercada e uma pessoa para tomar conta das crianças, enquanto as mães trabalhassem. Uma escola maternal seria uma necessidade, com um educador habilitado na direção.

Philippe concordou, ainda que chocado com a mudança que se processava nela desde sua chegada. Gretchen pare­cia estar em todos os lugares, observando, escutando, apren­dendo. Viu coisas que precisavam ser mudadas e foi direto às providências. Tornou-se madura perante os olhos de Philippe. Estava encantando a todos no palácio, inclusive ele. Queria estar com ela mais tempo durante o dia, mas Leila conseguia mantê-lo afastado de Gretchen, a não ser por breves períodos à noite. Nessas ocasiões, porém, mantinha-se no interior do aposento com o casal.

Estavam num desses momentos, e Philippe disse algo em árabe para Leila, que bordava, imperturbável, e ape­nas sorriu.

— Partimos para Wadi Agadir em dois dias — disse ele a Gretchen. — Suas primeiras roupas já devem ter sido entregues no palácio. Leila irá com você.

— Uma caravana? — indagou Gretchen, entusiasmada. — Camelos, cavalos e...

—  Calma. Vamos de jipe, um Land Rover — ele inter­rompeu-a, lançando um olhar de advertência a Leila. — Sou um homem urbano. Por que deveria sofrer nas costas de um camelo se posso viajar num jipe?

— Acho que leio romances demais — disse Gretchen. — Tenho certeza de que viajar de jipe será uma experiência e tanto, também.

— A viagem inteira será uma experiência. Espero que nenhum de nós a esqueça enquanto vivermos — declarou ele, misteriosamente. Bocejou. — Agora preciso ir. Durma bem.

— Você também. Obrigada por não se importar.

— Não se importar com quê?

— Tenho feito um bocado de agitação pelo palácio. Des­culpe se causei muitos problemas. Talvez eu devesse ter ficado confinada no quarto...

Leila riu. Philippe, também.

— O cozinheiro está fazendo os doces de que você gosta, pessoalmente, com as mãos... um homem que os ajudantes apelidaram de "Napoleão". A mulher da lavanderia usa os amaciantes mais caros na sua roupa. As crianças aparecem e ficam ao seu redor onde quer que você esteja. Meu pró­prio criado roubou um vaso de orquídeas da estufa de meu pai... um deslize pelo qual poderia ter sido decapitado em outra época... para colocar em sua sala de estar. Problemas? Vivo em apreensão constante, imaginando que algum ser­vo possa cortar o próprio pescoço por medo de ofender você.

— É verdade, minha senhora. Todos no palácio a ado­ram — confirmou Leila, rindo da expressão de Gretchen.

— Todos foram muito bondosos — disse ela. — Senti que devia fazer alguma coisa por quem eu pudesse.

Leila ergueu-se.

— Não é difícil gostar de uma mulher assim — declarou ela, olhando em seguida para o sheik. — Devo trocar de roupa, agora. Mas só vou demorar alguns minutos, sidi.

 

— Devo ficar contente com qualquer tempo que consiga— suspirou Philippe.

A morena curvou-se e sorriu com ar malicioso para Gretchen, enquanto deixava o aposento.

Philippe esticou os braços e Gretchen aninhou-se neles, apoiando o ouvido no peito dele, escutando o bater forte do coração.

— Tenho pensado sobre essa viagem pelo deserto — dis­se ele. — Talvez seja melhor você ficar aqui.

— Por quê? Já mudou de idéia sobre nosso casamento? — perguntou ela, afastando-se para encará-lo.

— Isso nunca. Mas acontece que pensei melhor, seriamen­te, sobre envolver você numa situação que talvez seja mais perigosa do que eu imaginei.

— Não tenho medo.

— Nem eu tenho medo por mim. Mas poderia ser um ris­co para você.

— Só vamos nós dois, então?

— Que mulher impossível! — desabafou ele. — Não, cla­ro que não. Minha guarda pessoal também estará lá, e vá­rios guerreiros representantes das tribos. Quando nos reu­nirmos, formaremos uma força respeitável.

— Você parece não estar muito contente com isso — co­mentou ela, estudando-lhe o rosto.

— Pode ser. Passei essa semana inteira reunindo informa­ções de meus espiões. Brauer está em Salid, o país em minha fronteira do norte. Tenho provas disso. Ele contratou um bando de malfeitores e assassinos pagos, e aguarda lá para lançar a próxima ofensiva. Não posso permitir que fique.

— E como vai fazer com que ele saia de lá? Ele tem ar­mas automáticas e outras armas modernas, não tem? — perguntou ela, cada vez mais preocupada.

Philippe assentiu.

— Tem explosivos plásticos, lançadores de mísseis ter­restres, minas e granadas. Possui amigos que lhe devemfavores, e o crédito dele é bom com a maior parte dos nego­ciantes de armamentos. Se ele puder começar uma guerra, será capaz de repor as perdas só com as comissões em ven­das de armas. Com a atual situação política, talvez ele seja capaz de realizar isso, se eu não o impedir a tempo.

— O que posso fazer para ajudar?

— Se está planejando usar um lançador de mísseis a meu lado na batalha, pode esquecer.

— Não teria força para isso, mas sei usar o laço e sei ati­rar. Marc me ensinou. E posso cavalgar qualquer animal com quatro patas — afirmou ela.

— Habilidades que podem ser bastante úteis... Será que Leila não vai se perder a caminho daqui?

Beijou-a. Os dois se abraçaram, procurando sentir o cor­po do outro responder à sensualidade que pairava entre eles como uma corrente elétrica. Gretchen sentiu como se fizes­se parte daquele homem.

— Eis-me aqui de volta — anunciou uma voz familiar à porta.

Philippe voltou-se a tempo de ver Leila entrando.

— Depois da cerimônia, se você chegar a menos de cem metros de nós, vou usá-la para prática de tiro ao alvo da tropa — avisou ele.

— Nesse caso, quem iria preparar o banho da senhora? E quem tomaria conta das roupas e se empenharia para fazê-la mais bonita para o sidi?

— Ela não precisa ser mais bonita — disse ele, acarician­do o rosto da noiva. — Ela é linda.

— E precisa dormir bem para ficar assim, sidi.

— Você se esquece de que sou o senhor aqui. Uma pala­vra minha é lei.

— É verdade, sidi, para qualquer outra parte do palácio. Mas aqui é um invasor, e a palavra final é minha. Boa noi­te, meu senhor.

Minas

Philippe ergueu as mãos, num gesto de resignação, e ca­minhou em direçao à porta, resmungando em árabe o tem­po inteiro.

Depois que ele se foi, Leila riu.

— Estou aqui há muitos anos, mas nunca escutei o sídi rir. Todos os criados comentam essa mudança, que aconte­ceu logo depois de sua chegada, minha senhora. Ele parece encantado.

—  Acho que foi ele quem me encantou — comentou Gretchen, olhando ainda para a porta. —- É como um conto de fadas, para mim. Jamais sonhei que um homem como ele pudesse se interessar por uma pessoa simples como eu,

— Simples? A senhora possui uma beleza interior como nunca vi em outras pessoas. É isso que encanta o sidi. Será uma boa esposa para ele, minha senhora. Vai lhe dar mui­tos filhos saudáveis.

— Isso seria maravilhoso.

Gretchen pretendia desempenhar sua parte da farsa, mas sabia que não haveria filhos. Ficava triste ao pensar nesse aspecto. Naturalmente existiam muitas crianças na corte, ela estaria envolvida nos cuidados e educação de todas. Talvez isso suprisse a falta de filhos próprios. A alternativa era deixar Philippe e encontrar um homem que pudesse ter filhos, mas essa idéia era insuportável. O que quer que acon­tecesse a ela agora, sua vida estava ligada à dele. Era seu verdadeiro destino, e o aceitava de bom grado.

 

Três dias depois, o grande jipe branco aguardava junto aos degraus da escadaria principal do palácio, sendo carregado com suprimentos. Atrás, vários camelos já traziam todo o equipamento necessário para o acampamento do sheik, in­clusive grande variedade de tapetes. Gretchen estava salti­tante de excitação, porque entre tudo o que estavam levan­do encontrava-se o vestido de casamento, tecido no palá­cio. Ia para o deserto, casar-se com um homem que jamais imaginara encontrar, quanto mais amar. Mesmo que a cerimônia não fosse válida em nenhum outro lugar a não ser no Quawi, ela seria a esposa de Philippe na pátria dele. Pelo menos até que resolvesse mandá-la embora. Queria perten­cer-lhe de uma forma tão completa que ele jamais sentisse vontade de mandá-la embora.

Philippe, assim como ela, trajava roupa caqui. Explicou ser tão ocidentalizado que não gostava das roupas tradicio­nais para viajar. Um dos homens que passava perto quase tropeçou ao escutar, mas Gretchen nada percebeu.

Houve também uma discussão calorosa entre Philippe e o pai. Gretchen presumiu que fosse sobre o casamento. Mas enquanto os suprimentos eram carregados, Leila veio avisar que o pai de Philippe queria falar com ela. Gretchen ficou levemente apreensiva, porque sabia que o homem não gostava dela. Tivera o cuidado de permanecer fora do caminho dele, embora não pudesse resistir a uma ou outra visita ao belo orquidário, quando ninguém estava por perto. Imaginou se ele descobrira que alguém invadira seu santuário.

Leila acompanhou-a até a enorme estufa ao lado do pa­lácio. O velho sheik voltou os olhos desaprova dores para o traje dela. A saia longa de brim e a blusa caqui combina­vam com as botas de cano alto, tudo fazendo parte do novo guarda-roupa encomendado por Philippe. Aquela era uma de suas roupas preferidas.

—  Sem aba — comentou ele, indicando a ausência do manto tradicional.

Ela suspirou.

—  Desculpe. Esqueci, com toda a excitação. Como fui criada numa fazenda, no Texas, costumava usar só camise­ta e jeans. Até mesmo esta roupa parece demais para mim...

Ele disse algo em árabe que ela suspeitou ser melhor não saber a tradução.

— Está zombando de mim...

— Não, de jeito nenhum. O senhor não me conhece, mas não sou sarcástica nem consigo magoar outras pessoas. Es­tava dizendo a verdade. Sou completamente leiga no que diz respeito a trajes, etiqueta e ocasiões sociais. Não precisa se preocupar. Philippe só vai se casar comigo nessa cerimônia tribal. O matrimônio não será válido, a não ser em seu país. Ele não vai ficar encalacrado comigo.

— Encalaca...

—  Encalacrado. Preso a mim. Não terá de ficar casado comigo — continuou ela. — Sei que ele precisa se casar com uma mulher do próprio nível, quando fizer isso de verda­de. Philippe... tem outro motivo para casar comigo.

Os olhos dele estreitaram-se; ainda não sorrira.

— Não está certo. Ela deu de ombros.

— Então o senhor mesmo tire essa idéia da cabeça dele. Eu já disse a Philippe que não precisa se casar comigo.

— Ele também não me escuta — declarou o sogro, vol­tando-se para observar as orquídeas. — Vá com meu filho, então. Mas tenha certeza de ficar perto dos guarda-costas — avisou ele, tornando a olhar para ela. Depois aproximou o rosto e continuou em voz baixa: — Um dos criados fugiu esta noite. Era um dos que são designados para servir meu irmão. Não acho que tenha sido coincidência. Alguém está observando os movimentos de Philippe.

—  Acha que esse criado está ligado ao homem que Philippe colocou na prisão?

— Kurt Brauer. É possível. Ele perdeu dinheiro e prestí­gio e agora quer recuperar os dois à custa de meu filho. Tenho tentado convencer Philippe de que o exército e nos­sas armas de longo alcance estão melhor aparelhados para lidar com essa revolta na fronteira, mas ele não quer saber. Diz que Brauer pode usar contra ele o fato de ficar atrás e mandar os outros combaterem. Os chefes locais das tribos poderiam encarar como sinal de fraqueza e passar para o lado do inimigo... e nisso ele tem razão. Retirei minhas objeções, mas mantenho a preocupação. Philippe é um pouco relaxado no que diz respeito à segurança pessoal. Diga a Bojo que quero meu filho vigiado noite e dia, não importa o que ele possa dizer.

— Pode deixar, eu digo — concordou ela, pensativa. — Será que alguém poderia me emprestar uma arma?

— Mademoiselie!

— Atiro bem — explicou Gretchen. — Meu irmão traba­lha como agente secreto e me ensinou a atirar. Se tudo o mais falhar, e Philippe não deixar Bojo por perto, posso fi­car acordada aos pés da cama dele e montar guarda.

Ele permaneceu em silêncio por um tempo tão longo que Gretchen perguntou-se se teria escutado. O velho sheik olha­va para ela, intrigado. De repente, a expressão do rosto ido­so suavizou-se.

— Você ama meu filho.

— Gosto muito dele — corrigiu ela.

— Você o ama e ainda não sabe. Engraçado... entendi tudo errado. Agora as coisas começam a fazer sentido — afirmou ele. — Sabe, eu estava me perguntando por que uma jovem americana estaria tão ansiosa para colaborar com uma farsa vergonhosa que colocaria sua moral em risco. Mas você o ama, e ele está disposto a arriscar uma guerra para mantê-la ao lado dele...

— Arriscar uma guerra? Como assim?

— Meu irmão o ameaçou de guerra civil se ele insistir nessa cerimônia de casamento, mas Philippe não quer ou­vir falar de cancelar... nem mesmo pensa em adiar — disse o sheik, sorrindo quando os olhos dela se arregalaram. — Ele quer você. Talvez existam forças em ação aqui que a ciência médica não possa explicar, hein?

Gretchen ficou escarlate, e o futuro sogro riu com gosto.

— Vá para o deserto e se case, menina. Todos os médicos da Europa falharam na cura dele, mas acho que você vai funcionar — disse, em tom carinhoso. — E eu que pensei que Philippe estivesse perdendo o juízo...

— Talvez ele esteja ainda. O senhor não pode deixá-lo ser causador de uma guerra. Não quero ser responsável pela morte de ninguém — declarou ela, séria.

— Foi só uma maneira de falar. Ninguém vai morrer. Meu irmão faz sempre um bocado de escândalo, mas tem medo de meu filho. Assim como a maior parte dos líderes das tri­bos. Muito poucos ousaram provocar a ira dele nos últimos anos.

— Philippe? Mas ele é um homem tão educado... Por que está rindo?

— Meu filho pode ser educado e delicado com você, mi­nha pequena, mas... pergunte a ele qualquer dia como foi que acabou pisando naquela mina, na Palestina.

— Já perguntei. Ele me disse que foi um acidente. Sim­plesmente pisou em cima durante uma viagem de negócios.

O velho a encarou.

— E você acha mesmo que um homem de negócios iria caminhar num campo minado?

Aquele fato, na verdade, não ocorrera a Gretchen. Várias cidades haviam sofrido danos, mas seria difícil imaginar que restaram minas terrestres nas calçadas. Por que não pensa­ra nisso da primeira vez?

Uma buzina soou lá fora.

— Seu prometido está ficando impaciente — disse o sheik. — Um momento!

Trocou algumas palavras com um criado, que saiu quase correndo. Enquanto se aproximavam da porta, o homem retornou com um embrulho escuro. O velho sheik pegou o tecido, abriu a dobra e tirou dali uma pistola Colt .45, de ação simples, carregada, além de uma caixa de munição. Embrulhou de volta e entregou a Gretchen.

— Um presente de um dos chefes de Estado do seu país, que jamais imaginou o uso que se faria dele — disse, com um sorriso. — Vá com Deus, minha criança.

— Irei. E vou tomar conta de seu filho.

— Acha que ele precisa de uma babá? Ela deu de ombros e sorriu.

— Bem, ele é um tipo urbano, e eu atiro bem.

Os olhos do velho sheik pareciam mal conseguir conter o divertimento.

— Vá. Quando voltar, falaremos sobre orquídeas. Acho que então você terá uma opinião diferente quanto à nature­za das coisas.

Ela teve vontade de perguntar o que ele queria dizer exatamente com aquilo, mas a buzina soou outra vez. Gretchen curvou-se e saiu com o embrulho debaixo do braço.

— Onde esteve? — quis saber Philippe, assim que ela se aproximou. — Precisamos chegar ao oásis antes que o sol esteja a pino.

— Desculpe-me, esqueci minhas roupas íntimas — disse ela, mostrando o embrulho.

Sem mais explicações, colocou o embrulho na mala e entrou no Land Rover ao lado dele. Bojo brindou os dois com um sorriso, com Elvís no assento ao lado. Ambos traja­vam roupas caqui para o deserto e calçavam botas, além de usar turbantes. Todos os viajantes tinham óculos escuros, inclusive Gretchen. Philippe encomendara um par especial­mente para ela. Imaginou o que diria seu irmão se soubesse que ela estava ao lado de um sheik, no deserto, com uma Colt .45 na bagagem; teve de reprimir o riso. Afinal, precisa­va ter cuidado para que Philippe não imaginasse que o esta­va protegendo. Não queria que se sentisse envergonhado.

— Onde você estava? — quis saber Phílippe, assim que a caravana se pôs a caminho.

— Seu pai queria falar comigo — disse ela. — Parece que um dos criados fugiu esta madrugada, e ele achou o fato suspeito.

Antes de responder, Philippe trocou um olhar com Bojo.

— Meu tio gosta de criar complicações. Essa pode ser a ruína dele — concluiu, em tom ameaçador.

Disse algo em árabe para Bojo e estendeu a mão na direção dele.

Um telefone celular lhe foi entregue em poucos segun­dos. Porém não parecia um aparelho comum. Possuía nu­merosos controles e dois visores. Philippe pressionou um dos controles, notando a curiosidade dela.

— É um GPS. Um localizador por satélite, que fornece a posição exata onde quer que estejamos, mesmo no meio do deserto. Com ele, posso mandar coordenadas a um posto remoto, no caso de Brauer usar um equipamento mais so­fisticado do que eu previ.

— Ou fornecer coordenadas de alvo — disse Gretchen, demonstrando que entendera.

 

— Claro, posso ordenar um ataque aéreo, se for preciso. Temos aviões e mísseis de longo alcance, ainda que nossos homens não sejam tão bem treinados quanto os americanos.

— Claro — concordou ela, embaraçada. — Não sei o que estava pensando...

—  Veja... posso fazer a triangulação do oásis, aqui — explicou ele, movendo os controles. — E aqui... assim po­demos estimar a melhor direção a seguir. E acho que va­mos fazer tudo dentro do horário.

Philippe atirou o dispositivo de volta para Bojo, que o apanhou no ar sem ao menos olhar para o objeto.

Algo estava ocorrendo, ela pressentia. Imaginou se Philippe estaria em contato com seu exército e planejava deixar que eles atacassem Brauer, enquanto ia para fazer sua aparição pública em outro lado. Bem, uma coisa era certa. Não pretendia deixar que nada acontecesse a ele, nem que isso significasse ficar uma semana inteira com a pistola nas mãos durante a noite.

— Aconteceu outra coisa, que ainda não mencionei a você. Brauer mandou um assassino a Paris e realizou um atenta­do contra a vida de Brianne Hutton — contou Philippe.

— Aquela sobre a qual falou, que tem um filhinho de dois anos?

— Ela mesma. Eu só soube hoje de manhã. Enviei uma pequena unidade para acompanhar a ela e o filho até aqui, enquanto Hutton trabalha para descobrir o assassino lá.

— A polícia não seria o ideal para fazer isso?

—  Não confio a vida dela a ninguém. Nem mesmo ao marido — declarou ele. — Hutton estava relutante em dei­xar que ela viesse, mas sabe que ela e a criança estarão mais seguros comigo do que com ele, no momento. O palácio é praticamente inexpugnável. Posso protegê-la lá.

— E nós devíamos mesmo estar indo para o deserto à uma hora dessas? — perguntou Gretchen.

Seu coração entristeceu ao imaginar Brianne no palácio, em Quawi. Sabendo como Philippe se sentia, seu espaço, depois que voltassem, iria diminuir muito. Com ou sem cerimônia, sabia que não seria páreo para a bela e elegante sra. Hutton.

—  Ela chegará em cinco dias, o tempo necessário para fazermos os preparativos — informou ele. — Hutton não quer arriscar nada no aeroporto. Vai providenciar para que o próprio jato dele, com seu corpo de guarda-costas, venham trazê-la. Mas primeiro ele quer eliminar a possibilidade de sabotagem, o que requer um procedimento detalhado. En­viei meus próprios especialistas para ajudar. Hutton tem um novo chefe de segurança que eu não conheço. Tate Winthrop saiu, porque a esposa não queria mais saber de vê-lo envol­vido em tiroteios, especialmente depois que nasceu o filho deles.

— Posso entender — comentou Gretchen. — E quanto ao casamento? Não seria bom adiar?

— Não, isso eu terei com Brauer ou sem Brauer — disse ele, com firmeza, olhando-a de alto a baixo. — Você deve­ria estar usando uma aba. Vamos providenciar uma assim que chegarmos ao oásis.

— Você também, mandando-me usar aba.

— Quem mais... Ah, você falou com meu pai. Ele foi cria­do de forma rígida. Eu também, em outra época, quando ele me trouxe para cá. Eu era uma criança de rua, sem a menor disciplina ou controle. Aprendi as duas coisas com ele.

Pobre menino, pensou Gretchen. Quase comentou em voz alta, mas uma nuvem de areia à frente chamou sua atenção. A estrada seca transformava-se lentamente em deserto, e ela imaginou que outra coluna de veículos fosse unir-se a eles. Mas à medida que conseguia enxergar, as imagens iam se clareando, formando um quadro cada vez mais nítido, até formarem... não uma coluna de jipes, mas um regimento montado de homens usando túnicas e turbantes brancos, al­guns nos cavalos mais magníficos que ela já tivera a opor­tunidade de ver. Garanhões árabes.

As armas dispararam em saudação, acompanhadas por gritos de guerra dos cavaleiros que cercavam o jipe. Bojo parou, rindo, e Philippe saiu do veículo assim que o líder do regimento se aproximou e apeou do cavalo. Os dois ho­mens trocaram cumprimentos com a efusividade de irmãos, falando em árabe com entusiasmo.

—  Ahmed — explicou Bojo, quando reparou no olhar curioso de Gretchen. — Ele lidera uma das muitas tribos que juraram aliança à família Tatluk. É um parente do sidi que jurou lutar até a morte por ele.

O homem tinha quase a altura de Philippe. Usava uma túnica que o cobria do pescoço aos pés e falava animada­mente mostrando a indumentária de Philippe.

Philippe riu e disse alguma coisa, acompanhada de um aceno de mão. O outro concordou, olhou na direção do car­ro e sorriu.

— O que aconteceu? — quis saber Gretchen. Bojo hesitou, pigarreando.

— Eles... estão falando sobre o veículo, mademoiselle.

Ela se perguntou por que todos pareciam estar se divertin­do. Mas Philippe retornou e sentou-se a seu lado, enquanto o líder montava com elegância e fazia um gesto para que os ho­mens o acompanhassem na direção da qual tinham vindo.

A cavalgada dos homens pelo deserto era um espetáculo impressionante.

—  Que bonito! E que cavalos lindos! — exclamou Gretchen, sem conseguir se conter.

— São árabes — explicou ele, saboreando a admiração dela.

— Vão ao mesmo lugar que nós?

— Vão. Você terá oportunidade de ver os cavalos de per­to, não se preocupe.

— Será ótimo — respondeu Gretchen, ainda hipnotizada por uma visão que só tivera em sonhos.

Philippe sorriu para Bojo, que teve de esconder o rosto.

 

O acampamento não foi tão inesperado quanto os ho­mens. Gretchen assistira a documentários sobre o deserto e suas tribos nômades. Mesmo assim, não estava preparada para o luxo no interior das tendas. Foi levada para uma mais afastada, enquanto alguns homens se ocupavam em erigir a de Philippe. Foi uma tarefa impressionante, completada com tapetes enormes e castiçais ornados. Ela sorriu ao ima­ginar o urbano Philippe naquele ambiente. Parecia tão des­locado quanto um casaco de pele ali.

Depois que a tenda foi montada, Leila levou a ama para dentro e arrumou as roupas. Gretchen estirou-se nas almo­fadas macias e olhou ao redor, imaginando como um lugar tão exótico podia parecer tão familiar a ela. Fechou os olhos com um suspiro, abrindo-os de repente ao sentir um cutucão de Leila nas botas.

—  É melhor tirar as botas aqui, não? — disse ela, com um sorriso. — Está cansada, minha senhora?

—  Exausta. Imaginei que nunca iríamos chegar aqui, e tenho certeza de que não ligaram o ar-condicionado nenhu­ma vez. Para dizer a verdade, não vi janelas fechadas em nenhum lugar, desde que cheguei ao Marrocos. Será que vou comer sozinha?

— Sim, minha senhora — respondeu Leila, retirando-lhe a segunda bota. — Pelo menos por hoje. Amanhã vai ser realizada a cerimônia. Amanhã não ficará sozinha à noite.

Gretchen sentia-se cada vez mais como se estivesse vi­vendo num sonho, onde nada era o que parecia. Preocupou-se brevemente com o casamento, com o futuro incerto. Mesmo que Philippe nunca pudesse ser fisicamente um marido, ela aceitaria as condições, pois já o amava o sufi­ciente. Porém ele não concordaria. Se o sheik não conseguis­se consumar o casamento, ela não tinha dúvidas de que seria enviada de volta aos Estados Unidos. Se existisse alguma coisa que pudesse fazer a respeito disso...

Decidiu fazer o possível para seduzi-lo, como se fosse iniciada nessa arte havia muito tempo.

—  Agora descanse — convidou Leila. — Voltarei com comida e água. Ou minha senhora prefere café?

— Café, por favor.

— Ótimo.

Gretchen recostou-se e cerrou os olhos. Quando os abriu, Philippe estava debruçado sobre ela, observando-a.

— Oi — disse ela.

— Você dormiu durante toda a refeição da noite — in­formou ele. — Estava tão cansada assim?

— Acho que estava. Faz algum tempo que não consigo dormir muito bem. Desde que minha mãe morreu.

— Casaremos amanhã.

— Claro — concordou Gretchen, sorrindo. — Você tem certeza?

Ele levou uma das mãos dela aos lábios.

— Tenho.

— Que horas são?

— É hora de ir para a cama... Não, minha menina. Hoje não. Mas de amanhã em diante...

— Acho que meu irmão nunca iria acreditar nisso.

— Se tivéssemos tempo, eu mandaria um avião buscá-lo para a cerimônia. Mas não poderia esperar. Brauer não está longe, e tenho muitas coisas para fazer. Durma bem.

— Você também. Por falar nisso, onde vai dormir? — Philippe riu.

—  Ali — respondeu ele, indicando um compartimento contíguo na tenda. — Leila vai dormir na sua porta, assim como Hassan vai dormir na minha. Portanto, não alimente esperanças quanto a me seduzir enquanto durmo.

— Eu nem pensaria nisso — riu Gretchen.

Ela o observou sair antes de se levantar e desembrulhar o pacote que recebera do velho sheik. Colocou a pistola sob o travesseiro, junto com a munição. Fingiria dormir, masninguém iria aproximar-se dali para chegar até Philippe. Pretendia protegê-lo de qualquer intruso.

Gretchen permaneceu acordada a maior parte da noite, o que resultou numa aparência não muito descansada, e uma certa lentidão de reflexos. Mal teve tempo de esconder a arma quando Leila trouxe o café da manhã; antes que per­cebesse, estava sendo preparada para o casamento. Várias mulheres da tribo a banharam e a vestiram, passaram henna em suas mãos e pés e colocaram um véu em seu rosto. Quando terminaram, os cabelos loiros cuidadosamente ocul­tos pelo turbante e pelo véu, Gretchen ficou com uma apa­rência misteriosa e quase bonita.

Procurou por Philippe enquanto caminhavam pelas ala­medas entre as tendas na direção do local onde seria reali­zada a cerimônia. Não o viu, até chegar em frente a um ancião de túnica branca. Então, olhando para cima, reconhe­ceu os olhos negros do marido sob o tecido branco, manti­do no lugar pelo igal, a corda trançada em negro, de acordo com seu posto. Numa bainha de marfim, havia uma ada­ga cerimonial com um cabo de prata incrustado de pedras. Estava presa a uma faixa amarrada a cintura, e para dizer a verdade, ele parecia perigoso demais para um homem urbano.

Enquanto Gretchen tentava se adaptar a essa nova per­cepção, o ancião começou a falar em árabe. Philippe delica­damente a instruiu durante a cerimônia, fazendo com que ela repetisse as palavras apropriadas e indicando quando devia falar. Quando terminou, suas mãos foram atadas por alguns instantes e então Philippe empunhou uma espécie de cimitarra e, com um movimento hábil, cortou uma fatia de pão, partindo-a e entregando metade a Gretchen.

— Mais uma tradição — explicou ele. — Coma o pão.

Ela obedeceu, mordendo e mastigando; engoliu, ajudada por um gole de água.

— Com isso, estamos casados — disse ele, com suavidade.

— Já? Mas você não ergueu o véu, nem me beijou — es­pantou-se ela, olhando os rostos sorridentes ao redor.

—  No meu país, isso é feito em particular, sra. Fil-fil. Agora seu rosto é só para os meus olhos.

— Podíamos fazer isso valer para os dois — afirmou ela, com um olhar malicioso. — Você também podia usar um véu.

— Só se estiver numa tempestade de areia — riu ele.

— Você ficou muito bem com essa túnica e o turbante. Emprestou de alguém para a cerimônia? — quis saber ela.

— Acho que temos alguns conceitos para esclarecer — disse Philippe, erguendo uma sobrancelha.

Dispunha-se a iniciar algum tipo de explicação quando um cavaleiro entrou galopando no acampamento. Cavalgou diretamente até a multidão e saltou da sela. Ajoelhou-se em frente a Philippe e começou a falar em árabe.

Philippe escutou-o brevemente antes de erguer a mão, num comando para que todos procurassem suas montarias.

— Vá até a tenda e fique lá — disse ele a Gretchen. — Não coloque a cabeça para fora por nenhum motivo. Hassan!

O guarda-costas aproximou-se para receber ordens em árabe. Curvou-se, tomou Gretchen pelo braço e a conduziu para o interior da tenda.

Leila balançou a cabeça perante a raiva da ama, que luta­va para se libertar do guarda-costas.

— Eles vão lutar. Minha senhora não deve se expor ao perigo.

— Perigo?! Philippe é que vai estar em perigo. Eu pro­meti ao pai dele que o protegeria. Não pretendo deixar que entre numa guerra cavalgando sem apoio! Pode dizer a Elvis que é bom ele sair, ou vai ser decapitado por me ver trocar de roupa.

Chocada, Leila obedeceu. Assim que o guarda-costas saiu, Gretchen se enfiou em sua roupa caqui e colocou apistola e a munição no bolso. Sem pensar no status do marido e em suas obrigações, colocou um aba sobre a rou­pa, abandonando o chapéu, por não caber sob o turbante. Correu para a parte dos fundos da tenda, onde sabia que Hassan não estava. Havia ainda muitos cavalos no acampamento. À distância, os cavaleiros lançavam uma nuvem de areia para o ar, enquanto progrediam furiosamente na direção do horizonte.

Sorrindo, olhou ao redor até reparar num cavalo selado, aguardando próximo a uma das tendas. Esperava que não enforcassem ladrões de cavalos no Quawi, mas não tinha escolha. Não deixaria que Philippe entrasse sozinho num tiroteio. Pretendia ser um dos homens ao lado dele, para poder protegê-lo. Sem pensar nas consequências, atirou-se para a sela e partiu atrás da nuvem de areia, que indicava a posição do marido e seus homens. À porta da tenda, Leila chamava Hassan, que correu à procura de um cavalo.

Mesmo sob aquelas circunstâncias, cavalgar um árabe puro-sangue foi uma das experiências mais agradáveis da vida de Gretchen. Sentia os movimentos perfeitos sob ela, a graça e a energia. Era como cavalgar o vento; seus cabelos se soltaram das presilhas e esvoaçaram ao ritmo do movi­mento. A distancia, enxergava a coluna e os cavaleiros; seus calcanhares incentivaram o formoso animal.

Já quase alcançava o final da coluna quando sua monta­ria parou e empinou, derrubando-a. Gretchen resignou-se a uma queda de traseiro na areia, pouco dignificante. O capuz saíra de seus cabelos, que brilhavam como ouro à luz do sol. Enquanto lutava para recuperar o fôlego e apanhar o cavalo ao mesmo tempo, um grupo de cavaleiros veio de outra direção. Permaneceu imóvel, pois tornava-se claro, pelas vestimentas, que não eram homens pertencentes à tribo. Estavam usando uniformes camuflados com as cores do deserto e estavam armados até os dentes. Um deles, decabelos ruivos, riu alto e disse algo a outro homem, que a agarrou com facilidade.

Suspendeu-a pela cintura, colocando-a atravessada na sela. Gretchen debateu-se, tentando morder e socar, até re­ceber uma pancada na cabeça. O cavaleiro, então, reuniu-se aos outros.

— Vocês a encontraram! Minha enteada... Deixem ver o rosto dela! — disse um homem com forte sotaque alemão.

O homem que a transportava ergueu-lhe a cabeça para que o outro pudesse ver-lhe as feições.

Kurt Brauer praguejou em alemão, irritado ao perceber quem era.

—  Essa não é Brianne! Eles disseram que ela estava a caminho daqui.

—  Essa é a americana que está com Sabon. Dizem que ele pretende se casar com ela.

Um interesse renovado iluminou os olhos de Brauer.

— Vejam as mãos. Têm henna e ela veio diretamente do acampamento. Senhores, acho que acabamos de capturar a sra. Sabon em pessoa!

 

Gretchen recobrou os sentidos numa tenda bem menor da­quela onde dormira, sentindo dor de cabeça e náuseas. Com dificuldade, flexionou os músculos do pescoço e examinou os arredores. Um homem estava acomodado a uma mesa baixa de escrever. Quando percebeu o movimento dela, encarou-a.

— Quem é você? — perguntou ele.

— Gretchen Brannon — respondeu ela, percebendo que cada palavra ecoava dolorosamente em sua cabeça. — E você, quem e?

— Kurt Brauer. Talvez tenha ouvido Philippe falar so­bre mim.

— Você? — Apesar da dor, Gretchen arregalou os olhos.

— Sim, eu — respondeu ele, em tom de ironia. — E ago­ra tenho Philippe exatamente onde eu queria. Acredito que ele venha conversar comigo assim que souber que você está em meu poder. Meus homens infiltrados foram muito solí­citos em fornecer informações a seu respeito.

— Acha mesmo que Philippe vai se importar por você prender a secretária dele?

— Ah, você parece ser bem mais do que isso. Meus in­formantes disseram que se casou com monsieur Sabon há algumas horas...

— Foi um casamento de conveniência — protestou ela. — Assim posso trabalhar para ele sem criar mexericos no palácio.

Brauer ergueu uma sobrancelha.

— Philippe fez questão de tornar sabido que não preten­dia casar-se nunca, e sei muito bem por quê. Ele não é mais um homem — declarou ele, aguardando para ver a reação de Gretchen. — Está vendo? Você não conseguiu negar. Esse é um fato que pretendo compartilhar com o povo, para que saibam quem é, na verdade, seu governante. Neste mundo, um homem é julgado por sua habilidade com mulheres, por sua capacidade de ser pai. Acho que o trono será um pouco menos seguro, uma vez que a verdade apareça. E o tio dele irá pagar muito bem. Com Philippe fora do caminho, ele é o herdeiro.

— Por que está me contando tudo isso? — quis saber Gretchen, desconfiada. Não sabe que a primeira coisa que farei será contar a Philippe?

— Jamais irá contar coisa alguma para ele, madame — disse Brauer, em tom soturno. — Pretendo deixá-la no de­serto para os abutres. Direi a seu marido, em alguns dias, onde encontrá-la. Como gostaria de ver o rosto dele quan­do achar seu corpo... Disseram-me que gosta muito de você.

O coração dela deu um salto. A boca secou. Gretchen disse a si mesma para não entrar em pânico. Se perdesse a calma, poderia se considerar morta.

— Reparei que você não negou o estado de seu marido — continuou Brauer.

— Para que me importar em negar uma mentira? — ob­servou ela, aparentando calma exterior. — Minha criada iria morrer de rir se escutasse o que disse. Ela nos conhece bem.

Pela primeira vez, Brauer deu a impressão de hesitar. Pareceu inseguro, sem saber o que dizer.

—  Nunca se deve confiar nos mexericos, sr. Brauer — insistiu Gretchen. — Pode ser fatal.

— Nesse caso, presumo que não faria a menor objeção a um exame físico, faria? Se seu marido chegou a consumar o relacionamento, um médico saberá.

Calma, disse ela a si mesma. Forçou um sorriso.

— Claro que sim. Se é tão importante para você, pode trazer um médico.

A incerteza transformou-se em raiva.

— Não importa. O que importa é que você está em meu poder, esse é o fato. Perdi tudo o que tinha. Passei dois anos infernais num presídio russo. Agora tenho a chance de re­tribuir meu sofrimento a Philippe Sabon, e é o que preten­do fazer, ainda que me custe à vida. Ele vai pagar.

— Pagar pelo quê? Por deixar você e seus piratas contra­tados matar o povo e destruir metade da cidade? Que tipo de homem mata gente inocente?

Brauer aproximou-se e vibrou, com a costa da mão, um forte tapa no rosto de Gretchen, que foi ao chão. Ergueu-se imediatamente e tentou reagir com um soco em seu agressor, apenas para receber um golpe com a mão fechada no rosto.

Gretchen caiu pela segunda vez, com a cabeça latejando de dor, além da mandíbula amortecida.

Enraivecida, com a mão procurou a abertura da aba e foi até a cintura... para perceber que o objeto procurado não estava lá.

— É isso o que quer? — indagou o mercenário, apanhando a pistola em sua mesa. Apontou na direção da cabeça dela e puxou o percussor para trás. — Talvez eu devesse poupar sua morte lenta no deserto e usar uma bala agora...

Aquela era a ocasião em que Gretchen chegava mais per­to da morte em toda a sua vida. Ergueu o queixo e olhou para ele, a mandíbula latejando de dor.

—  Pode atirar, vamos! — desafiou ela, os olhos verdes faiscando. — Precisa ser grande e forte para bater numa mulher, não é? Precisa ser ainda mais corajoso para atirar numa. Vamos!

Brauer praguejou em alemão. Baixou a arma e gritou para alguém, fora da tenda. Ele e o ruivo que havia agarrado Gretchen na sela conversaram rapidamente e Brauer entre­gou-lhe um bilhete. O ruivo concordou com um gesto, olhoude forma estranha para Gretchen e saiu. Segundos mais tarde escutaram o ruído de um motor sendo acionado.

— É meu helicóptero — explicou Brauer. — Estou man­dando meu homem até o Palais Tatluk com um bilhete de resgate.

_ O pai de Philippe vai fazer churrasco dele numa fo­gueira bem grande — disse ela, num acesso de bravata.

— Não acho provável. O velho sheik não tem estômago para lutar mais. Ele vai dizer a Philippe que tenho você comigo e estou disposto a negociar. Em seguida, Philippe vai cair na minha armadilha.

— Você parece muito seguro disso.

— Estou mesmo. Philippe é um sujeito sofisticado, não um lutador. Não acho que vá ter muita graça acabar com ele, mas quero que sofra quando encontrar você — afirmou ele, em tom de prazer pervertido. — Talvez eu deixe Eric trabalhar no seu corpo com a faca de esfolar de que ele tan­to gosta. Já imaginou o rosto de Philippe encontrando você esfolada... e ainda viva?

Cretchen sustentou firme o olhar dele. Quando falou, foi com voz controlada:

— E quando meu irmão descobrir, não vai haver um lu­gar no mundo em que possa se esconder dele.

— E posso saber quem é esse seu temível irmão? — ca­çoou Brauer.

— Ele já foi Patrulheiro do Texas. Não sei se alguém já disse a você, mas quando um patrulheiro começa a seguir alguém, vai até o inferno e só pára quando encontra. Esse é meu irmão.

— Só que você vai estar morta.

— E você vai me encontrar logo depois — respondeu ela, altiva.

— É uma mulher muito corajosa. Ouvi dizer que minha enteada vinha para cá. Tinha a esperança de capturar a ela, não você. Não sei o que Philippe sente por você, mas seique morreria por Brianne. Ela foi à única mulher que ele amou de verdade.

Brianne mais uma vez!

— A sra. Hutton nem está no país. Parece que sua rede de espiões precisa ser atualizada. Ou trabalhar para o tio do sheik não foi suficiente?

— O que sabe sobre isso?

— Sei um bocado sobre sua rede de espiões no palácio — respondeu ela, cautelosa. — Tenho amigos mercenários, e também recolho minhas informações.

Brauer riu.

— Pois duvido que soubesse sobre o chefe da segurança... ou sobre o ajudante do cozinheiro — disse ele, com ar de esperteza. — De qualquer forma, nada disso vai ajudar você, porque tem poucas horas de vida.

— Acho melhor aproveitar as suas últimas horas, tam­bém — retrucou Gretchen.

Ele a encarou.

— Não saia da tenda, ou então terei de amarrar e amor­daçar você. Com este calor, embrulhada nessa aba, prova­velmente iria sufocar até morrer.

— Não se iluda.

Ele deu de ombros, abriu a tenda e saiu. Gretchen ergueu-se e olhou ao redor, procurando qualquer coisa que pudes­se utilizar como arma. Não havia nenhuma faca à vista. Escutou Brauer falando com alguém do lado de fora. Sobre a mesa baixa, estava um telefone como o que vira com Philippe, do tipo GPS. Ela o apanhou, digitou o número de Philippe, que guardara na memória havia alguns dias, e esperou que alguém atendesse.

Foi o que aconteceu, mas a pessoa falou em árabe.

— Aqui é Gretchen. Fui seqüestrada por Brauer.

Em seguida desligou, apagou o número da memória do aparelho e colocou o dispositivo exatamente no mesmo local onde o encontrara. Retornou para onde estava, ficando em posição de quem tinha dificuldade para se levantar.

 

Cerrou os olhos e rezou para que Philippe ou alguém a tivesse entendido. Brauer entrou poucos minutos depois, apanhou o telefone e saiu.

— De onde veio à chamada? — perguntou Philippe ao árabe que atendera. — Deixe para lá.

Pressionou alguns botões em seu aparelho, conseguiu o número e acionando outros controles foi capaz de localizar o local que originara a chamada em sua tela, Fez um gesto a seus homens e deu algumas ordens.

Acabara de receber um telefonema do palácio, de seu chefe de segurança, informando que Brauer tinha Gretchen em seu poder e queria negociar. Philippe instruiu o homem para não fazer nada, até que recebesse novas ordens. Disse-lhe que não tinha certeza se valia à pena pagar por sua se­cretária, mesmo que fosse sua esposa. Fora apenas um ar­ranjo comercial, afirmara, não um caso de amor. O chefe de segurança pareceu surpreso e indagou se o governo dos Estados Unidos se envolveria no caso, já que ela era cidadã americana. Afinal, tratava-se de uma disputa de fronteiras.

Philippe sorriu internamente. Então era isso... Brauer pre­tendia iniciar uma guerra. Poderia negociar armas à vontade, sobretudo com seus clientes no país vizinho, sem mencionar o envolvimento do Quawi numa guerra no instante em que o país se tornava próspero. Porém ele não tinha aparentemente nada a perder e estava determinado a levar o plano até o fim, fosse qual fosse o custo em vidas. Não era um homem com idéias originais, e essa seria sua ruína, pensou Philippe.

Finalizou a conversa com o chefe de segurança afirmando que precisava consultar seus ministros de gabinete. Estava a caminho do palácio, de volta, e discutiriam tudo pessoalmente. Atirou o telefone para outro de seus homens, indicando que deveriam levá-lo e voltar para o palácio. Se alguém o localizasse, iriam reparar que progredia em direção à cidade, não para a fronteira. Apanhou outro aparelho no jipe antes de sair e refletiu sobre seu próximo movimento.

 

O chefe de segurança fora contratado pelo tio de Philippe e aprovado pelo velho sheik, mas o sobrinho não confiava nele e o observava havia várias semanas. O homem prova­velmente era um canal direto até Brauer. Isso era bom. Brauer imaginaria que ele estava de volta para o palácio a fim de improvisar uma solução diplomática para o seqües­tro. Brauer nunca encontrara Philippe em seu próprio terri­tório. Seria uma surpresa.

Entretanto, Gretchen assumira um risco enorme para pas­sar as coordenadas para ele. Era preciso não perder tempo. Kurt estava louco para se vingar e àquela altura já saberia que Gretchen era sua esposa. Ele a mataria da forma mais horrível que pudesse imaginar, depois ligaria para Philippe e diria a ele onde encontrá-la. Seria um procedimento típico de Brauer. Philippe pensou em Gretchen nas mãos de seu inimigo, cuja obsessão era magoar as pessoas de quem ele gostava. Não podia deixar que acontecesse o pior. Ainda havia tempo.

Sinalizou para que Hassan, com os olhos baixos de ver­gonha, se aproximasse, e lhe disse em tom cortante o que achava da eficiência dele como guarda-costas. O homem desculpou-se profusamente e ofereceu-se para fazer qual­quer coisa no sentido de reparar sua falta.

— Reze para que ela viva — aconselhou Philippe, com raiva contida. — Se ela não viver, reze por você mesmo.

Girou nos calcanhares e caminhou até onde seus homens esperavam. Ordenou que os chefes das tribos fossem até seu povo e trouxessem todos os homens capazes de empunhar armas. Telefonou ao chefe de sua pequena Força Aérea e forneceu as coordenadas do alvo, avisando-o para não começar nenhum ataque antes de receber a ordem. Levaria al­gum tempo para organizar tudo, e cada segundo contava. Estava furioso por Gretchen ter sido apanhada. Hassan havia jurado que não a vira sair da tenda. Mas Leila vira. Ela atirara-se aos pés de Philippe, chorando, enquanto con­tava o que havia acontecido. Tentara impedir sua ama, po­rém a sra. Fil-fil era teimosa e não fora possível.

 

— Você disse que ela estava com uma pistola? — pergun­tou Philippe.

— Sim, sidi. E uma caixa de balas. A senhora ficou acor­dada quase a noite inteira, vigiando para ver se ninguém chegava perto da sua tenda. Acho que foi o velho sheik quem deu a arma para ela. Estava escondida num embrulho de pano.

Philippe soube imediatamente a qual embrulho ela se referia, recordando-se de tê-lo visto nas mãos de Gretchen, pouco antes de partirem.

— E por que ela me seguiu?

— Ela disse que precisava protegê-lo.

— Proteger-me! — exclamou ele, atirando as mãos para o alto, num gesto de impotência. — Contra uma força de mercenários profissionais com as melhores e mais moder­nas armas?

Ainda resmungava quando subiu à sela de seu belo ca­valo árabe. Fez um gesto para que os homens o seguissem.

Leila observou a partida, o olhar perturbado, o coração pesado. Se a ama não fosse encontrada com vida, temia que todos levassem a culpa, inclusive ela.

Alerta, Gretchen aguardava uma chance de salvar a si mesma. Seu irmão, Marc, a aconselhara a jamais lutar com um homem armado; porém ela conhecia técnicas de defesa pessoal. Se conseguisse se aproximar o suficiente de Brauer, poderia ter uma chance de escapar. Não tinha o mesmo peso dele, mas contaria com o fator surpresa; não podia deixar passar nenhuma oportunidade. Uma vez que os homens retornassem, seria impossível fugir.

Kurt só voltou ao interior da tenda no início da tarde, acompanhado de três outros homens, todos armados até os dentes.

—  Seu marido é teimoso — disse ele. — Mas não vai adiantar. Não consigo imaginar como ele tem a ousadia dequerer me atacar com um punhado de homens a cavalo. Talvez imagine que ainda vivemos no século passado.

Brauer voltou-se e falou em alemão com dois homens, que partiram em seguida. Pouco depois, um motor começou a funcionar. O terceiro homem, o ruivo, permaneceu ao lado da mesa de Brauer.

— Para onde vai? — indagou ela.

— Está pensando que eu iria dizer a você? É muito otimista ou completamente ingênua, madame.

— Se acha que vou morrer de qualquer jeito, que dife­rença pode fazer? — argumentou ela.

— Eric vai levá-la para um local no deserto, enquanto eu e meus homens preparamos uma pequena surpresa para seu marido. Foi uma experiência agradável conhecê-la, madame Sabon, e uma pena que não tivéssemos mais tempo para fi­car juntos.

— Vá amolar o boi!

Ele riu. Reuniu alguns papéis de sua escrivaninha e colo­cou-os no bolso do casaco. Disse alguma coisa a Eric, que olhou para ela de uma forma que produziu arrepios de medo.

Brauer partiu e Gretchen observou seu novo companhei­ro. Ele era magro, com olhos intensamente azuis e cabelos avermelhados. Tinha uma faca em uma das mãos.

Esforçou-se a respirar normalmente e esperar pela melhor oportunidade para fugir. Obviamente ele era mais forte do que ela e estava armado. Tentou recordar tudo o que Marc lhe ensinara sobre defesa pessoal. Deixe o inimigo vir, pen­sou ela, isso é uma vantagem. Use a própria força dele contra ele. Nunca tente lutar se puder fugir.

Do lado de fora da barraca soou o ruído de um veículo partindo.

Eric girou a faca na mão. Os olhos adquiriram um brilho cruel e um sorriso frio desenhou-se em seus lábios.

— Kurt disse para deixar você de uma forma que seu marido não esqueça nunca. Mas não disse que não posso aproveitar primeiro — declarou ele, com um tom que pro­vocava náuseas.

Gretchen permaneceu imóvel nas almofadas, as mãos cru­zadas no colo. A boca parecia conter um chumaço de algo­dão, de tão seca. As mãos, ao contrário, estavam úmidas. Pense, ordenava ela a si mesma. Pense e faça o que Marc faria.

O homem, cujo estado de alerta era relaxado pela ausên­cia de movimentos e a aparência dócil de Gretchen, deu de ombros e atirou a faca sobre a mesa. Aproximou-se dela com passos lentos e gingados, os olhos lúbricos com a antecipa­ção do prazer.

Ela aguardou, tremendo, até que ele se curvasse para apanhá-la nos braços. Nesse instante, o pé calçado com a bota subiu e golpeou-o no peito, atirando-o contra a parede da tenda. No mesmo movimento, Gretchen colocou-se de pé, deu dois passos até a faca, apanhou-a e saiu da tenda. Do lado de fora, correu na direção das montanhas.

Escutou o barulho que Eric fazia na areia atrás dela, pra­guejando e gritando-lhe que parasse. A aba a estava atra­sando, mas era impossível parar para tirá-la no momento. Continuou correndo, os pulmões ardendo com o esforço. Se conseguisse chegar às montanhas, talvez...

Porém, no deserto, a distância enganava muito. As mon­tanhas encontravam-se mais distantes do que imaginara a princípio. Seus músculos começavam a dar sinais de fadiga e os pulmões encontravam cada vez mais dificuldade para captar o ar. Uma súbita rajada de vento atirou-lhe areia nos olhos, nas narinas e na boca. Era como se o deserto a qui­sesse deter. Percebeu que seu perseguidor a alcançaria a qualquer minuto, agora.

Ah, Philippe, eu devia ter obedecido a você e ficado no acampa­mento, pensou ela.

Tropeçou e torceu o tornozelo. Lágrimas de dor e frus­tração brotaram de seus olhos. Caiu, segurando firme o cabo da faca. Ele poderia apanhá-la, mas Gretchen não preten­dia entregar-se com facilidade.

 

Eric ria. Com o olhar confiante, diminuiu o passo e apro­ximou-se com um sorriso escarnecedor e vitorioso. Sua presa desistira. Agora poderia fazer o que desejasse e antecipava os prazeres perversos que teria... quando sentiu um forte impacto no peito.

A mudança de expressão no rosto dele intrigou Gretchen. Ele parou e os olhos azuis demonstraram surpresa. No mes­mo instante ouviu-se um ruído que lembrava o estalido seco de fogos de artifício. Um jato de sangue jorrou dos lábios do atacante, que caiu de boca na areia, em frente a ela.

Mais além, Gretchen divisou uma nuvem de poeira, um cavaleiro destacando-se à frente, cuja montaria era um belo garanhão de pêlo castanho-claro. Ele empunhava um rifle fumegante e, enquanto dava ordens, derrubou um dos de­fensores do acampamento.

Instantaneamente a anarquia instalou-se na base dos mercenários. Os árabes cavalgavam como deuses em seus cavalos perfeitos, disparando mesmo a galope. Gretchen nunca vira nada parecido. Os mercenários, apesar de esta­rem melhor armados, correram para seus veículos.

Ela ergueu-se, para admirar a forma como cavalgavam aqueles homens, numa cena de proporções heróicas, uma tribo selvagem contra modernos guerrilheiros. Aquele ára­be alto a fascinara. Um dos mercenários o atacou. Ele apeou e enfrentou o homem derrubando-o com certa elegância. O mercenário ergueu-se empunhando uma faca, que imedia­tamente foi chutada para longe; um soco potente no rosto o colocou fora de ação. O cavaleiro apanhou a arma do inimi­go e saltou para a sela com a destreza de qualquer caubói do Texas. Gretchen ficou como hipnotizada.

Ele veio a galope na direção dela, sem diminuir a veloci­dade. Inclinou-se na sela e com um braço firme apanhou-a pela cintura, colocando-a sentada à frente, em seu cavalo. O rosto estava coberto por um pano branco, e a cabeça en­volta no turbante tradicional. Era a realização de todos ossonhos que ela tivera. Um sheik num garanhão, salvando a heroína de grande perigo no deserto...

Ele olhou para cima, os olhos negros brilhando de raiva.

— Sua maluca! Eu devia ter deixado você com aquele cachorro alemão e aí você iria saber as conseqüências de não cumprir ordens — disse uma voz conhecida.

— Philippe?! — exclamou ela, sentindo que poderia des­maiar.

Ele baixou o pano, mostrando o rosto irado.

— Mulher imprudente! Como se eu precisasse de proteção... Achmed!

Acrescentou uma ordem em árabe. Acenou com a mão, comandando os homens para fora do acampamento. Em poucos segundos, todos voltavam a galope por onde tinham vindo.

— Por que estamos indo com tanta pressa? — perguntou Gretchen, entregando a Philippe a faca, que ele colocou no cinto ao lado de sua adaga cerimonial.

— Porque ordenei um ataque aéreo nessas coordenadas — explicou ele. — Onde está Brauer?

— Ele saiu do acampamento antes que você chegasse — disse Gretchen, ainda fascinada com a nova faceta do mari­do, que ele tão bem ocultara por trás dos trajes urbanos. — Nunca vi ninguém cavalgar como você.

— Aprendi a lutar e cavalgar antes de aprender a falar inglês. Leila me disse que você veio para me proteger. Como você é preocupada... e o conceito que faz de mim não é muito lisonjeiro.

— Eu não sabia — admitiu ela, corando. — Você estava sempre de ternos caros e pensei que fosse um homem da cida­de. Seu pai disse que você precisava de proteção, o que que­ria que eu pensasse? Eu não sabia se esses seus guarda-costas iriam fazer direito o trabalho deles, portanto resolvi aju­dar. Eu não disse a verdade da primeira vez... Atiro muito bem.

— Não sei se reparou, mas eu tinha um exército de guer­reiros calejados e veteranos comigo. Se quer saber, eu mesmo os treinei! Fui um dos poucos chefes de Estado que fi­zeram o curso do SAS britânico e passaram na primeira ten­tativa. Uni as tribos guerreiras do Quawi quando fugiram perante o ataque de Brauer, e organizei uma contra-revolução aqui — disse ele, de um fôlego só. — E você acha que eu preciso de proteção?

— Está bem, fiz uma besteira! Não precisa ficar esfregan­do na minha cara!

Ele esporeou o cavalo, que aumentou a velocidade.

— Se eu tivesse chegado cinco segundos mais tarde, aque­le excremento branqueio iria estuprar você.

— Quase consegui... quero dizer, na tenda eu consegui chutá-lo para longe. Saí correndo. Foi assim que escapei.

O rosto dele parecia petrificado. Estava quase tremendo de raiva, medo... e desejo. O corpo vibrava de prazer a cada contato com o de Gretchen. Sentia-se poderoso como não se sentia havia anos. Talvez fosse a combinação do perigo com o alívio. Fosse o que fosse, ele desejava possuí-la ali mesmo.

— Como apanharam você?

— Eu estava tentando alcançar você, quando o cavalo empinou e me derrubou. Seus sabe por quê — contou ela. — Estavam sobre mim antes que eu percebesse. Brauer re­solveu mandar aquele ruivo com a faca para me esfolar e me deixar no deserto por alguns dias. Depois iriam contar para você onde eu estava... Pensaram que eu fosse Brianne Hutton.

Philippe quase ficou sem fôlego, imaginando o que teria acontecido a Gretchen. Fora à coisa mais apavorante que já lhe acontecera. Depois assimilou o que ela dissera.

— Isso quer dizer que ele sabe que Brianne vem para cá.

— Sabe. E sabe muito mais. Seu chefe de segurança é um dos espiões dele, e o assistente do cozinheiro também — contou ela, rindo com o espanto do marido. — Ele pensou que eu ia morrer mesmo, por isso falou. Seu tio o está aju­dando, também.

— Pois meu tio vai lamentar — afirmou ele, com olhar perigoso. — E você também vai lamentar por me ter feitopassar esse sofrimento, hoje. Pensei que ele iria matá-la an­tes que eu chegasse ao acampamento.

— Ele pensou mesmo nisso — disse ela, levando a mão ao maxilar.

— Ele bateu em você? Kurt Brauer bateu em você!

— Bem, eu também bati nele. Marc me ensinou a dar um soco com a mão fechada. Acho que ele ficou pior do que eu. E se eu enxergar aquele sujeito de novo, enfio uma bala na cabeça dele!

— Gretchen... — murmurou Philippe, abraçando-a. — Sua maluca. Maluca e corajosa.

Ela passou os braços ao redor do pescoço dele e apertou com força. Percebeu a excitação do marido.

— O sr. Brauer achava que você fosse incapaz com as mu­lheres. Mas creio que não pensa mais assim.

Ela sentiu a alteração nas batidas do coração dele.

— O que você disse para ele?

— Que minha criada iria rir muito se escutasse o que ele pensava. E é verdade... Leila pensa que nós já....

— Já o quê?

— Você sabe...

— Acho que agora não seria uma boa hora para... isso — disse Philippe, encarando-a.

— Por que não?

— Porque estou com raiva de você. Eu não conseguiria ser delicado, mesmo se pudesse.

— Acho que eu não iria me importar — murmurou ela. — Não iria me importar com a forma que você escolhesse para fazer amor.

O corpo forte estremeceu. Ele curvou-se, sem se impor­tar com o resto do mundo. Beijou-a com urgência. Ali mes­mo, a galope. Gretchen correspondeu, abrindo os lábios e acolhendo-o com entusiasmo. O ardor de Philippe tornou-se mais veemente e ela quase protestou. Se ele não a podia possuir quando estava calmo, talvez a fúria que sentia pu­desse operar o milagre.

 

Philippe ergueu a cabeça e seus olhos mergulharam com intensidade nos de Gretchen. O rosto avermelhado dela apoiou-se contra o pescoço forte, enquanto ele incitava seu cavalo pelo deserto, à frente de seus homens. Sentia-se ple­no de vida e vontade... Não se recordava de haver sentido tanto desejo.

No instante em que chegaram ao acampamento, ele a colocou no solo e apeou em seguida. Gritou algumas ordens para seus homens e para Leila, que saiu da tenda e entrou em outra.

Sem diminuir o ímpeto, Philippe tomou Gretchen nos braços e caminhou direto para o próprio compartimento, fechando as abas atrás de si. Puxou, num movimento úni­co, as cobertas e deitou-a nos lençóis de algodão branco. Retirou o próprio turbante e a túnica, assim como a dela, antes de se deitar em seu leito de campanha.

Gretchen quase não cabia em si de excitação, e teve von­tade de dizer algo a ele, mas ficou com medo de quebrar o ritmo do que vinha acontecendo. Muita coisa dependia dos próximos minutos.

Philippe começou a beijá-la antes que qualquer palavra fosse pronunciada. O ardor dos carinhos era insistente, fe­bril, quase brutal. Não estava pensando em sua capacidade ou na falta dela. Sentia o corpo cálido e sinuoso sob os músculos e o perfume de lavanda exatado pela pele clara.

 

Percebeu vagamente as mãos e as unhas dela nas costas, a submissão implícita. Gretchen não parecia ter medo algum, se é que os beijos podiam indicar o que ela sentia.

As mãos de Philippe tiraram a blusa do caminho e afas­taram o sutiã reduzido, para acariciar os seios expostos. Brotando da pele quente, os mamilos lembravam pérolas escuras. Quando a boca aquecida tocou com sofreguidão aquele ponto, o corpo dela pareceu impulsionado por uma mola invisível, e as costas se arquearam.

Foi a vez do fecho da saia, e o que havia sob ela. Em pou­cos segundos o corpo nu era como o da primeira mulher em sua vida. O desejo tomou conta de todos os sentidos de Philippe. Sem que sua boca deixasse o seio dela, retirou o que restava da própria roupa e tocou-a em sua feminilida­de. Surpreso, percebeu que Gretchen estava pronta.

Ela parecia estar dizendo alguma coisa, mas não foi pos­sível escutar, porque ele baixava a boca para o local mais secreto e sensível, mergulhando a língua na escuridão ma­cia. Gemidos brotaram da garganta dela, e seu corpo se contorceu sob os carinhos inéditos.

Uma das mãos separou as pernas. Philippe não pensava em sua incapacidade, nem conseguia imaginar outra coisa que não fosse penetrar o corpo desejado. A boca subiu, pro­curando a dela, enquanto um único gesto tornava os dois corpos um só. Mesmo que o próprio prazer ficasse fora do alcance, poderia dar a ela tudo o que tinha vontade. As mãos de Gretchen acariciavam as costas dele, os flancos, as co­xas, e ela gemia baixinho de prazer, movimentando os qua­dris de forma que Philippe penetrasse mais e mais.

—  Diga-me o que fazer — murmurou ela, com voz entrecortada. — Faço qualquer coisa para dar prazer a você.

Ele afastou o rosto para poder focalizar os olhos verdes. Seu abraço a estreitou ainda mais.

— Ensine-me... Não quero ter prazer, a menos que você também tenha.

 

Um arrepio correu pela espinha dele, ao perceber o des­prendimento dela. O corpo jovem não estava acostumado às exigências que Philippe impunha, e ele começou a ima­ginar que poderia tê-la machucado. Beijou-lhe o rosto, os lábios, o pescoço, provocando-a com a língua. O corpo dela correspondeu, buscando o contato que ele dosava para excitá-la ainda mais.

Os dois se encaravam, e os olhos verdes ficavam vidrados com os movimentos provocantes e deliberados que Philippe agora fazia. Inclinou-se e sussurrou algo no ouvido dela. Hesitante a princípio, Gretchen começou a contrair a mus­culatura do ventre, adaptando-se a um ritmo sensual. Ele gemeu.

— É... assim? — indagou ela, com timidez.

—  Isso... assim mesmo, menina. Isso mesmo!

Ele girou os quadris, intensificando os gemidos. Quando sentiu o corpo dela se contrair, algo aconteceu. Philippe sentiu um calor, como se fosse algo vivo dentro dele, algo que se movia pela primeira vez em muitos anos. Uma ex­traordinária sensação de tensão e ansiedade explodiu em chamas esbranquiçadas e incandescentes, enchendo-lhe a mente e o corpo com um prazer que veio junto com a pene­tração total. Os gritos dos dois misturaram-se.

Philippe ergueu a cabeça, tentando focalizar o rosto dela. Os movimentos dos quadris recomeçaram.

— Está machucando? — quis saber ele.

— Agora, não. Quero dizer, não. Nem um pouco...

O prazer tomou conta de Gretchen, invadindo-a aos pou­cos. Seu corpo criou vida própria, movimentando-se por si só. O turbilhão parecia não ter fim, como se a cada instante um nível maior de satisfação a atingisse.

Philippe sentia a espiral do êxtase aproximar-se, incenti­vado pelas reações de Gretchen. Começou a gritar quando as pernas dela se entrelaçaram em seu corpo. O prazer total atingiu o corpo dela como uma lâmina. Gretchen gemeu.

 

— Isso! Quero ver seu rosto — disse ele.

Era inacreditável a intensidade de prazer expressa pelo semblante dela, como se estivesse flutuando sobre ondas po­derosas. Gretchen começou a soluçar e o som pareceu des­pertar algo no interior de Philippe, que começou a beijá-la e rolar com ela na cama, prometendo ainda mais.

— Por favor... — murmurou ela.

— Agora!

Gretchen abandonou todos os resquícios de controle, es­timulando-o ainda mais a cada contração que parecia per­correr o corpo todo. Philippe também se entregava. Sentiu algo ao longo da espinha, rompendo um invólucro sem vida à medida que subia, até tomar conta de todo o seu ser.

Os gritos de ambos soaram ao mesmo tempo que os cor­pos estremeciam na intimidade da tenda. Philippe sentiu que seu coração explodia a partir da virilha, num arrepio carregado de uma intensidade física que o corpo quase es­quecera. Era o êxtase. O prazer que imaginara jamais sentir novamente. Nove anos...

Os corpos convulsionaram juntos, como se movidos por cordões invisíveis. Nenhum dos dois escutava os próprios gritos. Muito ao longe, por entre as fronteiras da consciên­cia, ele ouviu uma agitação de passos e vozes do lado de fora. Ergueu a cabeça molhada de suor, os músculos do rosto ainda contraídos, e gritou uma ordem. Os passos se afastaram.

Respirou profundamente e admirou os olhos verdes em­baciados no rosto avermelhado de Gretchen. Ele mesmo parecia partilhar aquela incerteza sobre o que ocorrera; seu corpo estremeceu outra vez, agora observando as reações espelhadas na expressão dela, os músculos ainda contraí­dos pelo êxtase. Devagar e juntos, os dois relaxaram.

O corpo forte de Philippe pressionava o dela contra o colchão sob eles. Ele se afastou, cobrindo-se antes que Gretchen pudesse ver as cicatrizes. Depois admirou-a, afa­gando a pele delicada.

 

— Você sangrou — sussurrou ele.

A voz ainda parecia insegura, e todo o corpo de Philippe estava úmido, como se tivesse corrido.

Gretchen teve de controlar sua timidez. Estava completamente despida e sentia os olhos negros passeando por seu corpo. Ainda estremecia, sob o impacto do que parecia a sensação mais forte de toda a sua vida.

— É natural — afirmou ela, com simplicidade.

— Foi ruim?

Ela negou, com um movimento de cabeça e uma pergun­ta no olhar.

— Você sentiu, não foi? Sentiu até o final como eu?

— Senti! Senti... — disse ele, beijando-a e sentindo o gos­to das lágrimas. — Não chore... foi lindo. Foi muito bonito, Gretchen. Nunca ousei imaginar que uma mulher seria ca­paz de despertar tudo isso em mim...

Os dois se abraçaram, emocionados. Ela o puxou outra vez sobre seu corpo. Philippe riu baixinho.

— Ainda não, meu bem.

Ele se afastou, com uma expressão diferente de tudo o que ela conhecia. Acariciou-lhe o rosto com a ponta dos dedos, um brilho possessivo no olhar. Levantou-se deva­gar e vestiu o restante da indumentária com mãos que ocasionalmente estremeciam. Absorveu a visão do corpo dela, repousando contra os lençóis, os cabelos espalhados pelo travesseiro, numa moldura dourada para o rosto belo e ino­cente. Sorriu temamente antes de cobri-la com os lençóis.

— Preciso resolver alguns assuntos — anunciou Philippe. Chamou Leila e saiu antes que Gretchen pudesse pergun­tar qualquer coisa.

Ficou embaraçada com a entrada de Leila e outras qua­tro mulheres, que começaram a separar trajes, encher uma banheira e retirar as roupas de cama.

Leila ajudou-a a entrar na pequena banheira.

— Está tudo bem — disse ela em tom tranquilizador.

 

Com certeza sabia o que acabara de acontecer, pensou Gretchen, envergonhada ao recordar os gritos de Philippe, a preocupação dos guardas do lado de fora da tenda.

—  Leila...

— O sidi disse para banhá-la e cuidar da senhora, que ele vai voltar para jantar. É sua noite de núpcias, senhora — disse a morena, com um sorriso. — Acho que será uma lon­ga noite.

Gretchen fechou os olhos ao mergulhar o corpo na água tépida. Não havia mais dúvidas em sua mente de que Philippe era um homem completo, capaz de satisfazer uma mulher. As criadas haviam presenciado as evidências disso e nunca mais ele teria de temer os mexericos sobre sua con­dição. Mas o fato de ser capaz significava que ele poderia casar, e com certeza não seria com uma moça do interior do Texas. Sentiu sua felicidade, recém-conquistada, ameaçada de terminar abruptamente.

Sua musculatura estava dolorida, porém a água morna logo amenizou essa sensação. Depois do banho, Leila trou­xe um jarro contendo um unguento para passar nas áreas doloridas. Obviamente as mulheres eram todas casadas e conheciam a experiência da primeira vez. Pareciam a delicadeza em pessoa.

Em seguida, vestiram-na com uma gellabia de seda cor de lavanda, cujo bordado produzia efeitos multicoloridos. Em seguida deixaram-na, perfumada e com os longos cabelos escovados, sozinha em seu aposento da tenda.

Gretchen permaneceu ali, ainda tentando absorver as novas sensações. Conhecera um lado de Philippe que até então não sabia que existia. Seu marido não era um homem sofisticado, como imaginara a princípio; bem, talvez fosse, mas também era um guerreiro. Lembrou-se da imagem que vira no deserto, antes de saber quem era, cavalgando com uma naturalidade impressionante e parecendo formar um só corpo com o animal quando viera em sua direção paraapanhá-la. Seria uma história para contar aos netos, se ti­vesse algum.

Pareceu uma eternidade até escutar a voz de Philippe do lado de fora da tenda. Sentou-se, acreditando estar pouco vestida, e uma timidez inexplicável abateu-se sobre ela quando a cortina se moveu e o marido entrou.

Ele também tomara banho. Usava um thobe branco de seda trabalhado em ouro, sobre uma calça exótica combinando. O cabelo ainda estava úmido e ele parecia belo e pe­rigoso, completamente diferente do homem que ela imagi­nara conhecer no Marrocos.

Também percebeu diferença no jeito como ele a fitava, com ar de posse nos olhos escuros e uma leve sugestão de sorriso nos lábios. Afastou o corpo para dar lugar a Leila, que trazia uma bandeja com chá e boa variedade de comi­da. A mulher deixou a bandeja e lançou um olhar eloqüente ao casal, antes de sair.

Philippe deixou-se cair numa almofada ao lado de Gretchen.

— Coma — convidou ele, oferecendo um doce de nozes.

— Está uma delícia — disse ela, apreciando o sabor. Serviu o chá para ambos, aspirando deliciada o odor dehortelã que se desprendia do líquido quente. Apanhou uma das xícaras e ofereceu ao marido.

— Ainda está zangado comigo?

— Deveria estar — respondeu ele, tentando fazer cara feia. — Você podia ter morrido. De agora em diante, quando eu der uma ordem, obedeça!

— Assim falou meu senhor.

Ele a puxou e deixou que seu corpo rolasse sobre o dela, num movimento gracioso.

— Agora sou o senhor. De todas as formas.

— As mulheres me deram um banho — contou ela.

— É uma tradição na minha tribo. Isso e o lençol nupcial ficar guardado — explicou Philippe. — É prova de que vocêveio virgem para a cama nupcial e de que qualquer filho concebido é meu.

—  Gostaria que existisse uma criança, Philippe. Adoraria ter um filho seu.

O rosto dele ficou sério ao olhar para ela.

— Um milagre é o suficiente na vida, não acha? Isso quer dizer que sentiu o que aconteceu comigo?

— Senti — respondeu ela, corando.

— Foi... inesperado. Eu sabia que podia permanecer excitado por tempo suficiente para dar prazer a você. Mas não imaginei que eu também poderia sentir — confessou Philippe, beijando-a. — Você me fez homem outra vez. Foi um pre­sente que jamais esquecerei.

Gretchen enterrou os dedos nos cabelos negros.

— Acha que podemos repetir?

Ele pensou um pouco antes de responder:

— Não sei. A combinação de perigo, alívio, logo depois da violência... Parece difícil recriar essas circunstâncias.

Ela passou o indicador sobre a cicatriz no rosto.

— Acho que sim. Mas, em compensação, antes você não achava nem uma vez possível.

— Isso é verdade. Nove anos de celibato, Gretchen. E num espaço de poucas semanas você me devolveu tudo.

— Isso foi porque você se soltou comigo. Talvez só fal­tasse isso. Você achava que não podia, por isso nem pensa­va em tentar.

— Compreende que nosso casamento agora significa com­promisso apenas no Quawi?

— Lembro que você me disse — afirmou ela, afastando-se. — Estou morrendo de fome. Isso está com jeito de ser uma delícia.

Começou a comer, desanimada. Observando-a, Philippe fez a refeição em silêncio; a luz baça da lanterna sobre eles deixava o ambiente imerso em penumbra, o que conferia um ar de mistério ao corpo feminino coberto pela túnica. Averdade era que Gretchen o excitava como nenhuma outra mulher conseguira até então. A beleza dela era diferente, original. Ele sentiu o início das sensações que haviam par­tilhado horas antes.

Ela não reparava na observação dele. Imaginava que o marido estaria ansioso para mandá-la embora, agora que era um homem completo outra vez. Talvez essa Brianne Hutton não fosse feliz no casamento como afirmava, e ele alimen­tasse esperanças nesse sentido. Visualizou um bela loira sob o corpo forte de Philippe e imediatamente expulsou o pen­samento da mente. Engasgou com um pastel de sementes de papoula e teve de tomar um gole de chá para parar de tossir.

Reparou então que Philippe chamava o criado para reti­rar a bandeja, acrescentando outra ordem, que ela não en­tendeu. Sem dizer palavra, ele ergueu-se e baixou a corren­te que segurava a lamparina, de forma que pudesse apagar a chama.

Prendeu-a novamente e curvou-se para erguer Gretchen, conduzindo-a ao cômodo dele.

Com o coração aos saltos, ela sentiu-se despir com mo­vimentos rápidos e habilidosos. Estava nua sob a túnica, como as mãos dele logo descobriram. Acariciaram de for­ma familiar às curvas que tanto o excitavam, sentindo o perfume da essência que Leila e as outras mulheres haviam adicionado ao banho.

— Você parece seda viva — disse ele, beijando-a com sofreguidão. — Quero você. Acha que precisa de mais tem­po para se recuperar?

— Não — respondeu Gretchen, sem hesitar.

Passou os braços ao redor do pescoço dele, disposta a satisfazer o que quer que o corpo do sheik pedisse, e a apren­der mais intimidades deliciosas.

— Espere...

 

Philippe afastou-se e um som de tecido deslizando de­nunciou seus movimentos. Quando voltou, ela sentiu o cor­po nu dele, e gemeu baixinho de prazer enquanto se ani­nhava contra a pele e os pêlos.

As mãos de Philippe percorreram desde os ombros até os quadris, puxando-a então contra si. Sentiu a resposta no próprio corpo e riu de puro prazer devido à sua virilidade recuperada.

Gretchen correspondeu aos beijos com ânimo compará­vel ao dele, demorando-se nos contatos como aprendera, fazendo carícias que incendiavam o desejo de ambos.

As mãos de Philippe agora lhe acariciavam os seios fir­mes, até que a boca procurou o mesmo caminho, mordis­cando com os lábios a pele sensível. A sucção provocou gemidos de delícia em Gretchen. Com habilidade, ele moveu o corpo dela e, quando Gretchen percebeu, estavam em contato íntimo. No instante seguinte, começou a ser pe­netrada, sentindo o volume e a rigidez contra a carne macia.

Estremeceu, agarrada ao pescoço dele e afastando-se involuntariamente. Parecia mais sensível do que antes, e ele, maior.

— Você recuou... Está machucada?

— Por dentro... não — respondeu ela, cautelosa. — Mas você parece... maior.

— Acho que estou mesmo — disse Philippe, beijando-a e abrindo mais as pernas dela. — Relaxe. Está tão tensa que seu corpo resiste a mim.

—  Desculpe. Não é que eu não queira — murmurou Gretchen. — Adoro ficar assim com você.

Ele ergueu a cabeça e beijou-lhe as pálpebras.

— Eu é que esqueci as dificuldades — afirmou Philippe, enigmaticamente. — Sobretudo com uma amante inexpe­riente.

— Dificuldades?

 

— Deixe para lá. Preciso ser mais paciente, só isso.

Ele acariciou as coxas de Gretchen, fazendo com que se abrissem mais, e começou a acariciá-la de uma nova forma. Era como se galgasse, pouco a pouco, os degraus do desejo, levando-a de uma surpresa a outra.

Enquanto a beijava, ele movia o corpo de um lado para outro, deslizando sobre o dela, os pêlos roçando a pele macia  e sensível. Os corpos se tocaram na maior intimidade que já haviam partilhado.

O ritmo da respiração de Gretchen aumentou sensivel­mente quando uma das mãos de Philippe introduziu-se  entre os corpos em estreito contato e começou a realizar carícias desconhecidas para ela, provocando estremecimen­tos involuntários.

Gretchen também queria tocá-lo, mas ficou em dúvida em virtude das conversas anteriores. Contentou-se em acariciar-lhe os ombros e as costas, que se moviam, sinuosos, sobre seu corpo.

— Aqui... e aqui... — sussurrou Philippe, carinhosamen­te. — Não tenha medo.

Ele iniciou um movimento que aos poucos provocou uma nova e fantástica sensação no corpo de Gretchen. Logo as unhas riscavam as costas dele, numa reação descontrolada; Philippe moveu os quadris e sentiu que o corpo dela agora aceitava o seu e exigia mais. O prazer tornou-se violento,  como uma corrente de alta voltagem, e o contato, que antes parecera tão íntimo, agora não parecia suficiente. Ela arqueou o corpo na direção do dele.

— Philippe! — exclamou Gretchen, assustada com a percepção de uma sensação de prazer explosivo, incomensuravelmente maior do que experimentara antes. — Ainda...    não foi o suficiente.

A mão dele apanhou uma almofada, que colocou com facilidade sob os quadris dela. Quando foi penetrada mais fundo, Gretchen gritou alto.

 

— Será que estamos unidos o suficiente? Nunca possuí uma mulher tão completamente... nunca quis ir tão fundo...— balbuciou Philippe.

As mãos dele apertaram os quadris de Gretchen, ao puxá-los com força. O prazer foi quase doloroso. Ele estremeceu e gemeu contra os lábios dela. Sentiu os dentes de Gretchen em seu ombro e riu, enquanto se movia mais rápido.

— Pode me morder... pode me arranhar...

Ela usou o último lampejo de consciência, percebendo que as unhas se enterravam nos quadris dele, quando o turbilhão incontrolável de satisfação apagou o resto em sua mente. Gretchen soluçou alto, ele repetiu-lhe o nome num sussurro, quando os corpos se uniram no mesmo prazer indescritível.

Um beijo pareceu à única forma de manifestar o que pa­lavras jamais poderiam. O cansaço que sentiam era delicio­so, e a paz de espírito, inédita para ambos.

Em seguida, os lábios delicados de Gretchen beijavam e a língua acariciava o local onde o mordera.

— Senti seus dentes. Sentiu minhas mordidas, também?— perguntou Philippe.

— Senti. Isso é normal? — quis saber ela.

— Se obtivermos prazer com isso, é. Ela estremeceu e aconchegou-se a ele. Philippe afagou-a.

— Podemos satisfazer um ao outro agora, usando só es­ses pequenos movimentos... e sou egoísta o suficiente para desejar isso. Mas seu corpo deve estar cansado. Se continuar­mos, pode ficar dolorido depois.

Rolou para o lado e espreguiçou-se ruidosamente.

Ela não podia enxergá-lo na escuridão total, mas ouviu os movimentos da túnica sendo vestida. Fora delicioso sen­tir o corpo de Philippe sem nada entre ambos, mas ainda havia uma certa relutância dele no sentido de deixar que ela visse as cicatrizes. O melhor seria aceitar.

 

— Em seguida ele a colocou cm pé e vestiu-lhe a gellabia.

— Venha.

Ergueu-a nos braços, carregando-a de volta aos próprios aposentos. Colocou-a na cama e ajoelhou-se ao seu lado, ob­servando-lhe, o rosto iluminado pela tocha.

— Por que Não posso dormir com você a noite inteira? — perguntou Gretchen.

— Tenho pesadelos... Você simplesmente não iria conse­guir dormir.

— Você é meu marido.

— No Quawi... só no Quawi — lembrou-a Philippe, er­guendo-se. — Houve uma mudança de planos. Vamos para o palácio amanhã bem cedo. Brianne já deve estar lá quan­do chegarmos, e preciso providenciar as medidas de segurança. Ela veio bem antes do que calculei.

— E quanto a Brauer?

— Bombardeamos o quartel-general dele. Muitos dos homens morreram e a maior parte do equipamento foi des­truída. Ainda que ele resolva provocar outro incidente na fronteira, não será agora. Por enquanto, todos nós estamos relativamente a salvo. Sobretudo com meu tio sob os cuida­dos da guarda e os cúmplices dele na cadeia.

— Você mandou prender todos eles?

— Mandei. Serão julgados. Assim como meu tio será, se não tomar cuidado.

— E eu pensei que você precisasse de proteção... — disse ela, esticando o corpo no colchão.

— Pode ser que precise... Você tem um efeito inesperado em mim. Não tenho certeza se gosto muito.

— Que efeito é esse?

— Esses arroubos repentinos de arrebatamento físico... Não era o que eu pretendia quando trouxe você para cá.

— Você não saberia se ainda era capaz, se não tivesse acontecido nada.

 

A expressão no rosto dele a teria deixado chocada se houvesse luz suficiente. A verdade é que Philippe ficara tão obcecado com o que acontecera que se sentia vulnerável. Nunca conhecera essa situação no passado difícil, porém aquela mulher seria capaz de deixá-lo de joelhos. Tinha po­der sobre ele e isso era perturbador. Conhecia o poder de sedução e traição das mulheres que se utilizavam dos ho­mens para os próprios fins. Não imaginava que Gretchen fosse capaz de comportar-se daquela maneira, mas como ter certeza? Mergulhar de cabeça naquela obsessão física não fora uma atitude inteligente, ainda que as circunstâncias o tivessem enviado diretamente para a cama dela.

Agora precisava lidar com as consequências e estava con­fuso demais no momento para que tudo fizesse sentido. Brauer ainda se encontrava à solta e Brianne estava a cami­nho. Olhou para Gretchen e seu corpo estremeceu... Preci­sava de tempo.

— Você não está arrependido pelo que aconteceu, está? — quis saber ela.

— Não sei, pode ser uma bênção ou uma maldição. Dur­ma bem.

Philippe voltou-se e deixou-a sem olhar para trás. Ela fi­cou imaginando o que teria dito ou feito para que ele mu­dasse de humor daquela maneira. A experiência mais exci­tante de sua vida o transformara num estranho. Algo mu­dara drasticamente entre eles, e não apenas na intimidade. Ele parecia mais distante dela.

Chegou a pensar se Philippe se sentia culpado em ceder ao desejo, agora que Brianne Hutton chegara, um antigo amor reaparecendo em sua vida. Apenas o tempo diria, mas se sentia rejeitada e insegura como nunca.

 

Na manhã seguinte, Philippe entrou na tenda envergando a túnica branca, dando a impressão de fazer parte do deser­to, como seus veteranos calejados. Ainda parecia alheio a Gretchen, embora impecavelmente educado e cortês. Ela cavalgou o próprio cavalo na volta, e não sugeriu que montassem juntos. O jipe fora enviado à frente, para poder apa­nhar a sra. Hutton e seu filho no aeroporto, que estavam chegando antes do dia previsto.

Quando chegaram ao palácio, já se encontrava ali, e Brianne saiu para receber Philippe, que subiu os degraus da escadaria de dois em dois para poder tomar-lhe as mãos e beijar-lhe as palmas calorosamente. Curvou-se e apanhou no colo o menino ao lado da bela loira, que parecia ter a mesma idade de Gretchen.

Gretchen quase teve um choque ao divisar o rosto da outra.  A semelhança era incrível, Dir-se-ia serem irmãs, de tão parecidas. Enquanto observava, como hipnotizada, Philippe entrou no palácio com Brianne e o filho, sem ao menos olhar para trás.

Hassan, o guarda-costas de Gretchen, acompanhou-a até o interior e deixou Leila encarregada dela. Mas dessa vez permaneceu à porta da ala feminina.

— Ainda há perigo — explicou Leila— O sidi disse a Hassan para ficar por perto enquanto o sr. Brauer estiver à solta.

— Engraçado... para mim ele disse que não existe perigo imediato porque destruíram a base principal dos mercená­rios — respondeu Gretchen.

— É verdade. Mas nunca é sábio arriscar muito. É preciso repousar, senhora. Passou por muitas experiências cansativas.

Gretchen corou e baixou os olhos. Leila sorriu.

— Está vendo? Não foi tão ruim assim aprender sobre os homens e suas necessidades. Foi bom, não foi?

— Foi...

— O sidi é um homem de grande experiência — comen­tou a morena, enquanto começava a abrir a bagagem da ama e guardar tudo. — Quando ele era mais novo, sempre ha­via muitas mulheres bonitas em volta. Nos últimos anos ele ficou sério demais, sobretudo depois que assumiu o poder no Quawi. Mas quer um herdeiro. E uma mulher america­na não seria ruim politicamente, quando ele for pedir ajuda ao governo do seu país para modernizar o nosso.

—  A sra. Hutton é americana, não é? — perguntou Gretchen, sentando-se.

— Ela é casada, senhora. Uma convidada, naturalmente, mas não da mesma classe da esposa de um sheik.

— Acha mesmo?

Suspirando, Gretchen cerrou os olhos apenas para rever mentalmente a cena do marido acompanhando Brianne e seu filho. Relembrou trechos de conversa sobre a jovem esposa de Pierce Hutton. Porém agora que vira a semelhan­ça, tinha medo que o desejo de Philippe por ela aquele que não podia satisfazer com Brianne. Não ajudava fosse ima­ginar que ele poderia ter imaginado que Gretchen era a outra o tempo todo, relegando-a a um papel de substituta. Lem­brou como ele parecia tornar-se distante depois que faziam amor e a súbita e total falta de consciência de sua presença no instante em que vira Brianne. Tinha um pressentimento de que não seria um incidente isolado.

Realmente, não foi. O primeiro dia estabeleceu o padrão das semanas seguintes. Philippe encontrou tempo para le­var Brianne a visitar seu reino e mostrar tudo aquilo que a própria Gretchen morria de vontade de conhecer. O filhoestava sempre com eles, e tamanha era a atenção dispensa­da por Philippe ao garoto que Gretchen sentiu o coração apertado. Nunca teriam um filho. Ao que parecia, ele trata­va o de Brianne como se fosse seu.

Com Gretchen era sempre educado, comportando-se como um anfitrião com uma hóspede. Não ia mais aos apo­sentos dela, mesmo durante o dia. Ela não sentia que pos­suía status. Fora uma espécie de experiência, para ver se o sheik poderia ser homem outra vez. Agora que tinha essa segurança, perseguia a sra. Hutton, que as mexeriqueiras asseguravam estar em crise com o marido, sendo o motivo da discussão a vinda dela para o Quawi.

Gretchen encontrou um aliado inesperado em seu ex-inimigo, o velho sheik. Certo dia, ele a convidou para ir ao seu orquidário e começou a ensinar sobre orquídeas. Ela reve­lou-se uma aluna ávida, ouvindo com atenção, enquanto ele explicava as diferenças entre as espécies, as condições de crescimento e a qualidade do perfume exótico. As orquídeas cresciam em troncos de árvores, e não no solo, fato que fas­cinou Gretchen.

Ela tocou um botão frágil de phalatiopsia com a ponta dos dedos.

— São tão individuais... como as pessoas — observou.

— Gosto de pensar que também possuem personalidade — disse o sheik. — Algumas são tímidas e só desabrocham quando recebem muito cuidado e carinho. Outras são exi­bidas, sempre mostram muitas flores. Existem ainda as re­clusas, que escondem os botões embaixo das folhas... Eu as acho fascinantes.

— Eu também... todas elas. O senhor deu nome a todas?

— A cada uma delas. E muitas têm idade suficiente para ser minhas filhas, e outras, netas.

Caminhavam entre as fileiras de plantas, cercados por todos os tipos de árvores e arbustos tropicais. Era um local que qualquer jardineiro invejaria.

 

Ele olhou para a nora, que trajava uma getlabia de algo­dão, branca e cor-de-rosa, com um turbante ao redor dos cabelos loiros. Ela se adaptara tão bem, pensou ele. Nunca forçava ou tentava mandar; persuadia e levava as pessoas a fazer o que desejava que fizessem. Era cortês mesmo com os criados. O cozinheiro enviava-lhe guloseimas especiais, por intermédio de Leila. A costureira se esmerava ao máxi­mo nos trajes para ela. O vendedor de doces trazia para ela amostras dos melhores chocolates, e os pães e confeitos mais frescos e bonitos vinham para Gretchen todas às manhãs. Desde a avó do velho sheik não houvera no palácio uma mu­lher tão querida por todos.

Mas ela também não estava feliz. Ele ouvira notícias so­bre à noite do casamento e havia evidências mais do que amplas de que a união fora consumada. Mesmo que Philippe não fosse capaz de ter filhos, poderia se casar com ela numa cerimônia formal. Eram notícias maravilhosas para um ho­mem que julgara eterna a impotência do filho único. Porém algo acontecera de errado. Philippe passava todos os mo­mentos livres com a sra. Hutton e o filho, deixando Gretchen de lado.

— Por que ele deixa você pela mulher de Paris? — inda­gou o velho sheik, de repente.

— Ele a ama — respondeu Gretchen, com simplicidade.

— Você não pretende competir com ela?

— Como poderia? Não tenho a mesma classe social dela, e também não sou bonita como ela, nem tenho uma histó­ria antiga de amizade com Philippe. No momento em que ele a viu, passou para o lado dela e me esqueceu — queixou-se Gretchen, olhando para o piso de mármore e dese­jando ter ousado vir descalça.

— Ele deseja você. Essa é uma arma que pode usar — aconselhou o velho sheik, ignorando as observações dela.

— Acho que não seria suficiente. Não se ele a ama. Estou pensando em voltar para casa.

— O quê?

— O senhor deve perceber que não vai dar certo. Philippe não me teria escolhido para esposa nem em cem anos se eu não fosse parecida com ela. Ele sabe agora que é um ho­mem completo e acho que já está pensando nas qualidades que deseja numa companheira. Pode acreditar, não estou nem no páreo.

—  A sra. Hutton é casada e tem um filho — disse ele, com firmeza.

—  Ela teve uma discussão com o marido quando resol­veu vir para cá — Gretchen contou o que soubera por Leila. — Philippe a ama e ela deve ter algum sentimento especial por ele. Como posso lutar contra isso?

— Precisa tentar, pelo menos... se é que o ama.

— E se eu falhar?

— Nesse caso... eu mesmo a ajudo a ir embora, se você quiser, com a condição de que Hassan vá com você. Brauer tem um longo raio de alcance, mesmo até os Estados Uni­dos. Quaisquer que sejam os defeitos de meu filho, ele não deseja que você corra nenhum perigo.

— Hassan iria odiar ter de sair daqui.

— Essa é a minha condição — insistiu ele.

— Muito bem — disse ela, com um suspiro.

— Mas não até que você faça um último esforço para salvar seu casamento, minha jovem. Não gosto da idéia de mandar embora a única pessoa que gosta de orquídeas em todo o palácio.

— Está bem. E muito obrigada.

Ele deu de ombros e apanhou um podador.

— Agora vamos aprender a arte da preparação da muda.

Naquela noite, Gretchen banhou-se e perfumou-se. Ves­tiu o caftati mais bonito, de veludo azul com apliques dou­rados, e deixou os cabelos cair numa cascata pelos ombros e costas. Com toda a esperança de resolver alguma coisa, caminhou devagar até os aposentos do marido com o cora­ção batendo forte, premeditando seduzi-lo. Ela era como umpatrulheiro perseguindo sua presa. Penetrava nos domínios de Philippe, sabendo que ele a desejava e que era a mulher com a qual tivera mais sucesso. O único ponto a seu favor, ainda que o sheik não a amasse.

Chegou até a porta dupla, onde foi barrada por dois guar­das. Um deles estreitou os olhos.

— O que deseja? Ninguém pode entrar aqui sem autori­zação. Sobretudo uma mulher impropriamente vestida e mostrando seu corpo.

Ele falava como se ela fosse uma reles concubina. Não a conhecia. Gretchen também nunca o vira. Mas a atitude do homem a deixou furiosa. Por que Philippe tinha guardas que não reconheciam a própria esposa?

— Quero ver meu marido.

— E por que ele estaria aqui? Quem é ele?

— Philippe Sabon — respondeu ela, os olhos verdes faiscando.

— Não acredito nisso! O sidi não é casado! — protestou ele.

— É, e pode ir chamá-lo. Agora!

—  Muito bem. Espere aqui — disse o guarda, depois entrou no quarto.

O companheiro permaneceu na porta, e escutaram uma conversa abafada no interior. Em seguida o guarda retornou, com Philippe logo atrás. Estranho e atraente. Ele ergueu o queixo, olhando para Gretchen como se não a reconheces­se. Pouco depois ouviram um movimento e Brianne Hutton entrou no campo de visão. Estava vestida com um conjunto de seda verde e não parecia desalinhada, embora o fato de se encontrar com Philippe nos aposentos dele àquela hora da noite fosse mais do que eloquente.

— O que quer, Gretchen? — indagou ele, com formalida­de. — É um pouco tarde para ditar, agora.

— Ditar? — estranhou ela.

Percebeu, pela expressão do rosto de Philippe, que fosse o que fosse o que existira entre eles, já desaparecera.

— É minha secretária social, srta. Brannon — lembrou ele. Parecia pouco à vontade e não a encarou diretamente. En­tão aquele era o jogo. Pretendia dizer que nunca se casara e que ainda era solteiro. Não era de espantar que colocasse guar­das desconhecidos à sua porta, para protegê-lo de uma invasão. Com o diálogo, ocorrera a ela que não possuía aliança ou certificado escrito. Apenas as pessoas que lá estiveram teste­munharam a cerimônia: Gretchen, Philippe e Leila sabiam do casamento. A criada, naturalmente, diria o que ele ordenasse. Ergueu o queixo, também orgulhosa. Se o que ele queria era Brianne, podia muito bem deixá-lo nos braços dela.

— É verdade, monsieur Sabon. Desculpe-me pela intrusão. Só vim dizer que estou de partida para os Estados Unidos amanhã e terá de me substituir. Boa noite!

O jovem guarda que fora insolente com ela a encarava, per­plexo. Gretchen lançou uma ofensa em dialeto árabe, que vi­nha aprendendo secretamente desde que chegara, num esfor­ço de agradar ao marido. Não tinha certeza do significado, mas devia ser terrível, pois o jovem empalideceu. Aprendera com o velho sheik, muito eloquente quando um servo quebrara um vaso, ainda com a orquídea dentro. Ele repetira a frase vezes suficientes para que ela a gravasse. Praticara sozinha.

—  Mademoisele...

Jamais uma mulher falara com ele naquele tom em toda a sua vida. Estava chocado.

— Para você, é madame.

Não se importou que Brianne escutasse, furiosa com a situação e principalmente por ter sua identidade negada pelo marido. Erguendo um pé, chutou a canela do guarda com toda a força e saiu corredor afora.

As sobrancelhas de Philippe se arquearam em choque, observando a tempestuosa retirada de Gretchen e seu guar­da, desequilibrado, pulando num pé só e tentando manter a dignidade. Philippe dispensou-o com uma ordem. Olhou para o outro homem, que fazia força para não rir, olhando para a frente, em posição de sentido.

 

Philippe entrou de novo no quarto e fechou a porta, pouco à vontade com Brianne. Não se comportara bem. Seu ardor nas núpcias o deixara chocado e envergonhado. Mesmo quan­do jovem, suas aventuras no leito sempre eram silenciosas e controladas. Com Gretchen ele dissera e fizera coisas que nunca tivera vontade de fazer com outra mulher. Sua fraqueza e vulnerabilidade o deixaram pouco seguro perto dela.

As mulheres gostavam de ter os homens a seus pés. Em seu passado podia contar dezenas delas que teriam se apro­veitado dessa vulnerabilidade para obter o que queriam dele. Entretanto, nas semanas que sucederam a viagem pelo deserto, sua esposa não o viera procurar nenhuma vez, para pedir alguma coisa. Aquilo o envergonhava e agora sentia-se culpado. Não a tinha tratado bem naquela noite. O que poderia fazer com Brianne Hutton agora, a não ser manter a amizade? Ela amava o marido. Queixava-se diariamente com Philippe do desentendimento que o casal tivera.

A chegada dela, depois de um atentado, provocara no sheik uma espécie de amortecimento emocional. Já amara aquela mulher, cuja vida corria perigo por sua causa. Co­meçou a evitar Gretchen, vivendo num mundo de sonhos onde Brianne e seu filho eram sua família. Mas o sonho não fora realizado. E naquela noite, com a reação de Gretchen, fora como receber um balde de água fria para recobrar o bom senso. Ficaria sem nada, pois era o que esperava de Brianne Hutton. Nada.

Ainda gostava dela, mas ambos eram casados. Se existira uma chance para os dois, ficara no passado; agora era tar­de. Ela só falava sobre Pierce e como se sentia mal desde que o deixara zangado e partira.

Havia ainda outro problema mais grave. Não se sentia excitado perto dela. Seu corpo, que se tornara tão receptivo aos encantos de Gretchen, parecia adormecido quando se encontrava próximo a Brianne. Levara muitos dias para per­ceber como seu comportamento devia ter parecido indecenteaos que o cercavam. Naquela noite cometera o pior erro de todos, ao negar seu casamento e deixar Gretchen ir embora.

— Por que contratou uma secretária americana? — quis saber Brianne, com expressão de curiosidade.

Philippe passou a mão pelos cabelos negros e suspirou. Olhou para baixo.

— Já cometi muitos erros na vida. Esta noite foi o pior... Gretchen não é minha secretária, Brianne. É minha esposa.

O rosto de Brianne exibiu fascinação, surpresa e diverti­mento, numa sequência rápida.

— Sua esposa?

Philippe deu de ombros, embaraçado.

— Ela é do Texas. Cavalga muito bem e atira melhor ainda com uma pistola 45, como no cinema — riu ele. — Caiu numa emboscada e foi sequestrada quando tentava me salvar.

— Que mulher interessante — comentou Brianne. — Tentando salvar você...

— Ela só tinha me visto com roupas ocidentais, em mi­nha personalidade de negociante. Pensou que eu fosse um fracote da cidade.

Brianne riu, interessada.

— Meu pai a adora — continuou Philippe. — Permite até que ela toque as preciosas orquídeas dele, imagine. É peri­goso partir agora. Seu padrasto ainda está por aí, provavel­mente esperando um descuido.

— Não acha que deveria ir até lá e dizer isso a ela? — indagou Brianne, com um sorriso enigmático.

— Seria necessário um homem muito corajoso para en­trar lá desarmado. Talvez meu guarda vá mancar por vá­rios dias e certamente nunca vai se recobrar do choque de ouvir uma mulher pronunciando um impropério daqueles — disse ele, sério a princípio, depois deixando escapar o riso.

— Não tenho idéia de onde ela pode ter aprendido uma lin­guagem dessas, e ainda num dialeto arcaico do meu povo. Suspeito que meu pai tenha alguma coisa a ver com isso... Preciso ter uma conversa com ele.

 

— Há muito tempo espero que você encontre uma mulher que pudesse... bem, que pudesse aceitá-lo como é e fazê-lo feliz. Você é um amigo querido. Eu me preocupo com você.

— Assim como sempre me preocuparei com você — res­pondeu ele. — Mas Gretchen é diferente... eu sou... inteiro com ela.

— Philippe!

— Nunca acreditei em milagres até que ela entrou na minha vida — explicou ele, sorrindo. — Tenho sido injusto com ela, ultimamente. Agora preciso tentar readquirir o equilíbrio. Pode me dar licença?

— Claro. Para dizer a verdade, acho que vou aproveitar o exemplo e ligar para Pierce, para saber se ele tem estado tão mal quanto eu. Se ele estiver disposto a conversar de verdade, talvez eu até volte para casa.

— Só se for com um esquadrão dos meus homens. Sozi­nha, não. Recuso-me a deixar que corra qualquer risco.

—Pode deixar, eu digo a Pierce — sorriu ela, avançando e dando um beijo no rosto dele. — Muito obrigada, Philippe. Você foi ótimo para Edward e para mim.

— Adoro seu filho. Gostaria... bem, acho que um milagre é suficiente na vida de uma pessoa. Não devo ser ambicioso.

— Descobri em minha vida que os milagres acontecem quando a gente menos espera — disse Brianne. — Até mes­mo médicos erram... como você mesmo já descobriu, se entendi direito.

Philippe riu e saiu pelo corredor, na direção dos aposen­tos de Gretchen. No caminho encontrou Leila, que parecia confusa e preocupada.

— Sidi! A senhora está fazendo as malas. Não me escuta quando tento argumentar com ela... Está dizendo palavras terríveis, sidi.

— Tem sorte por ela não estar armada — comentou ele. — Gretchen chutou um dos meus guardas.

— Ela perdeu a cabeça de repente... parece maluca! — disse Leila.

 

— Eu lido com ela. Pode ir para a cama.

— Mas, sidi...

— Vá.

Ao aproximar-se da entrada, encontrou o pai, que saía. O velho sheik fitou-o com ar de reprovação.

— Vá e contemple seu trabalho. Ela está partindo por sua causa!

— Como você parece inocente julgando os outros! — res­pondeu Philippe. — Se ouvisse a linguagem que essa mu­lher usou com um dos meus guardas...

— Ela aprendeu comigo — admitiu o velho sheik, pigar­reando. — Quando um criado imbecil derrubou uma das minhas netas. Mas eu não traduzi.

— Pois devia ter traduzido. Espero ser criticado por to­dos os criados agora. E ela chutou um de meus guardas com tanta força que ele não está conseguindo andar direito.

— Foi mesmo? E por quê? Posso perguntar? Foi à vez de Philippe pigarrear.

— Bem... para encurtar a história, ele se recusou a acredi­tar que ela era minha esposa.

— Isso é compreensível, desde que você passa tanto tem­po com a mulher de Paris e tão pouco com a mulher com a qual se casou — disse o pai, fazendo um gesto em direção à porta. — Não consigo impedi-la. Mas pelo menos insisti para que levasse Hassan com ela.

— Minha esposa não vai a lugar nenhum — declarou Philippe, decidido.

O velho sheik olhou-o de cima a abaixo, medindo-o.

— Sugiro um pouco mais de proteção no corpo, antes de entrar lá. Talvez um colete à prova de balas...

Com isso, afastou-se.

Philippe respirou fundo e entrou no quarto de Gretchen.

A cama estava coberta com os poucos artigos de roupa ocidental que ela trouxera. As gellabias e abas de veludo es­tavam empilhadas sobre duas cadeiras, próximas à janela. Os cabelos loiros estavam soltos e caíam sobre o rosto; elase encontrava abaixada, resmungando para apanhar uma das túnicas que caíra na chão. Colocou-a com o restante das roupas não desejadas. Não olhou na direção dele, quando Philippe entrou.

— Veio se despedir? Muito bem. Já se despediu. Adeus. Ele hesitou, incerto sobre que atitude adotar.

— Brauer ainda está por perto. Não é um bom momento para viajar.

— Vou levar Elvis. Ele me protegerá, não se preocupe — retrucou ela.

Philippe cruzou os braços.

— Não vou lhe dar permissão para sair do país. Será barrada no aeroporto.

— Seu pai já me deu os documentos necessários. Vou via­jar no jato particular dele. Sem precisar da sua preciosa per­missão — informou ela, com voz inexpressiva.

— Você é minha esposa!

— Coisa nenhuma! Sou apenas sua secretária! Você mes­mo disse.

— Pois é isso o que eu quero explicar.

— Não precisa explicar nada. Você foi bem claro. Agora saia do meu quarto!

— Não me dê ordens em meu próprio palácio, madame — disse ele, em voz baixa e ameaçadora.

— Aqui é meu quarto, e quero que saia.

— Saio no momento em que eu quiser. Não antes.

— Se não sair daqui, eu... Philippe!

Ele a tomara subitamente nos braços. O rosto parecia furioso. Foi até a porta e trancou-a.

— Ponha-me no chão imediatamente. Vou para minha casa. Vou casar com um fazendeiro ou com o capataz da minha fazenda. Depois viverei feliz para sempre. Está me ouvindo?

Ignorando as palavras e os golpes, ele a levou até a cama, atirando-a ali. Com um sorriso selvagem, arrancou o caftan que ela vestira depois do banho, arrancando-o de um só puxão. Gretchen ficou nua, a não ser pela reduzida calcinha de seda, que logo seguiu o mesmo destino. Ele ficou de joe­lhos sobre o leito, o rosto congestionado pelo ciúme de um homem sem rosto no Texas, pelo qual ela fora apaixonada quando adolescente.

— Seu brutamontes! Como ousa? — reclamou ela, coran­do e puxando o lençol sobre o corpo.

— Você é minha esposa!

Philippe parecia estremecer de desejo e raiva.

— Não foi isso o que disse há alguns minutos —- retrucou Gretchen. — O que está pretendendo fazer, posso saber?

— Já que não tenho mais nada a fazer, resolvi mostrar com quem você se casou. Se acha mesmo que sou um mons­tro, deixe-me provar que tem razão, antes que vá embora.

Apanhou a bainha da túnica e ergueu-a de uma só vez. Em seguida soltou o fecho da calça de seda e deixou-a cair. Quando se voltou, as cicatrizes que cobriam todo o lado esquerdo apareciam como borrões esbranquiçados sobre o bronzeado da pele. Gretchen ficou ao mesmo tempo choca­da e fascinada. Já vira fotografias de homens nus, mas Philippe era um capítulo à parte. Ela não enxergava os de­feitos. Na verdade, não estava certa de reconhecê-los. Sen­tou-se na cama, subitamente tímida, olhando para ele.

— Bem? Não tem nada a dizer? — indagou Philippe, o rosto lívido.

Gretchen o encarou.

— Não foi à toa que doeu da primeira vez — comentou ela, devagar.

 

A expressão de Philippe alterou-se. Os punhos se abriram.

— O quê?

— Você me ouviu — respondeu Gretchen, olhando para o objeto de seu comentário.

— Eu queria que visse as cicatrizes — disse ele, sentan­do-se na cama.

— Ah... e por quê?

— Achei que seria uma vingança comparável à sua fuga.

— Vingança? Como assim? — indagou ela, sem entender. Em vez de responder, ele a beijou suavemente. Sentiu queas mãos dela procuravam seu peito, depois se apoiaram ali. O gesto provocou nele uma espécie de arrepio interno. Sen­tiu em seguida as carícias que os pés dela faziam em suas pernas e deslizou para a cama, deitando-se a seu lado.

As mãos acariciaram o rosto de Gretchen enquanto a beijava. A língua traçou o contorno exterior dos lábios, de­pois penetrou na abertura. O silêncio tornou-se explosivo. Ele sentiu-se como quando era adolescente, com a mesma ansiedade para experimentar. Tratou-a como trataria uma virgem, primeiro excitando-a, depois negando o prazer pelo qual ela suplicava. Outro ponto sensível era despertado, para terminar da mesma forma, estabelecendo um ritmo crescente de excitação. Quando ele por fim se dispôs a con­sumar tudo, ela tremia violentamente de pura necessidade.

 

Gretchen gemia no ouvido dele, marcando os ombros com as unhas, enquanto era penetrada. Ele sentiu que os qua­dris dela se projetavam na direção do movimento.

Leu a necessidade nos olhos verdes, repletos de amor. Apanhou um travesseiro e o colocou sob os quadris inquie­tos. Em seguida, moveu-se até o fundo.

— Assim...

Ela gemia enquanto era beijada de forma completa. Ele sussurrava coisas que a faziam mover-se ainda mais depres­sa. A cada impulso ambos eram elevados um pouco mais, até assumirem um ritmo enlouquecedor e frenético.

Philippe sentiu as contrapões internas, que o fizeram abandonar todo o controle. O prazer dela era o que mais tinha poder de excitá-lo. O corpo todo suava ao atingir o êxtase, quando os músculos se imobilizaram.

Assim que a respiração voltou ao normal, os olhos se abri­ram, para deparar com o rosto pálido e cheio de lágrimas.

— Gretchen! Machuquei você?

Os lábios dela tremiam. Gretchen sentia-se humilhada, envergonhada por haver cedido, quando tudo que o mari­do desejava era estar da mesma forma com Brianne. Ele a usara e ela permitira, pois seu amor era demasiado. Mas isso não era certo.

Gretchen empurrou-o para o lado. Curvou-se em posi­ção fetal e recusou-se a falar.

— Machuquei você? — insistiu ele. Ela negou com um gesto de cabeça.

— Então o que aconteceu de errado?

Ela engoliu em seco, odiando-o pelo prazer que recebera.

— Ela é casada. Mas até um cego pode ver que é pareci­da comigo. Acho que esta noite eu fui à substituta dela, não é? Não pôde ir para a cama com ela, então veio para cá. Espero que tenha apreciado a duble.

— Como? — foi o que ele conseguiu dizer.

— Estou tão envergonhada... nunca me senti tão humi­lhada na vida. Nem sequer tenho força de vontade para ne­gar. Deixei que você... me usasse.

Philippe jamais se sentira tão ultrajado. Ergueu-se da cama e vestiu a roupa antes mesmo de perceber o que esta­va fazendo. Ficou tão furioso com o intolerável insulto que esqueceu das cicatrizes. De qualquer forma, ela continuava encolhida, de costas para ele.

Atirou as cobertas sobre o corpo dela, praguejando-a em três idiomas, nenhum deles compreensível.

— Você simplesmente não suporta a verdade, não é? — começou Gretchen, sentando-se na cama. — Deseja o que é nobre demais para ter. Não teve coragem de me apresentar a ela como esposa, mas na hora de fazer sexo, veio corren­do para mim. Estou à disposição!

— Pois você não é mais minha esposa! Eu me divorcio de você. Pode voltar para o Texas e casar com o capataz da sua fazenda, com as minhas bênçãos!

— É, e você pode conseguir que Brianne se divorcie para casar com ela, não pode?

— Acredite no que quiser, madame.

Philippe girou nos calcanhares e saiu do aposento, pra­guejando alto e provocando a fuga de vários criados. Leila entrou correndo.

— Senhora, o que posso fazer para ajudar?

— Pode me ajudar a fazer as malas e chamar Hassan. Estou saindo agora mesmo!

— Mas, minha senhora... — começou Leila.

— Você escutou. Todo o palácio escutou. Ele se divorciou de mim. Não moro mais aqui — declarou Gretchen, recom­pondo-se e saindo da cama. — Quero tomar banho e de­pois quero que chame o motorista para me levar com Hassan até o aeroporto.

— Irei para ajudar — ofereceu Leila.

 

— Vou sentir saudade de você, sabia? Mas não pode via­jar comigo. Logo terá outra ama para servir, aqui.

— Ela é casada, madame.

—  Isso pode ser resolvido com tanta facilidade quanto foi aqui. Vamos, quero terminar logo e entrar no avião.

Uma semana mais tarde, Gretchen não apenas voltara ao Texas, como também retornara ao trabalho, em Jacobsville. A moça que tomara seu lugar na firma de advocacia de Barnes & Kemp ficara grávida e desistira do trabalho en­quanto tivesse enjôos pela manhã. O cargo estava temporariamente vago, mas Gretchen procurava algo permanente.

A surpresa foi descobrir que Callie Kirby também não estava mais lá. Algo estranho pairava no ar, e ninguém fa­lava sobre o assunto. Os mexericos diziam que havia um grande traficante de drogas envolvido, e que Micah Steele, meio-irmão de Callie, também desaparecera. Fora isso, não se sabia mais nada.

Gretchen poderia ter descoberto toda a verdade com Marc, mas ele não estava em casa quando ela chegou. Conner Mack, o velho capataz da fazenda e sua esposa, Katie, a acolheram com os braços abertos, assim como Judd Dunn, Patrulheiro do Texas e amigo de Marc. Parou para visitá-la e ficou surpreso ao encontrá-la com um árabe de dois metros de altura que a acompanhava a todos os lugares.

— Onde você o conseguiu? — quis saber ele.

— Hassan? Oh, ele é meu dote. Meu acordo de casamen­to, devo dizer. Nunca me senti mais segura em toda a mi­nha vida. Ele toma conta de mim.

— Você vai ao banheiro sozinha? — brincou Judd.

— Ele fica do lado de fora, esperando — contou ela, rin­do. — E imponente, não é?

— Ele fala inglês, ao menos um pouco?

Gretchen fez um movimento de cabeça numa negativa e sorriu para Hassan, que retribuiu o sorriso.

— Mas é um amor. Eu me sinto completamente segura ao lado dele.

Judd reparara num brilho rápido nos olhos do estrangei­ro, mas não comentou nada.

— O que vai fazer a respeito do seu casamento?

— Não há nada a fazer. Ele se divorciou de mim antes que eu saísse do país. Estou livre.

— Não parece muito legal.

—  O casamento só era válido no Quawi — lembrou Gretchen, sentindo uma leve náusea. Talvez tivesse apanha­do algum verme no Quawi, enquanto estava no deserto. — Como vai o trabalho?

— Está difícil. Colocaram-me trabalhando com um parcei­ro novo, e não nos damos muito bem. Tenho saudade do tempo de Marc. Ele nunca vai ser feliz, andando de um lado para outro nos confins do mundo. Por que não volta para cá?

— Acho que ele mesmo começa a se perguntar isso. Pa­rece que não está contente no FBI. Não gosta de ser obriga­do a viajar tanto.

— Ótimo. Espero que piore, a ponto de ele não conseguir dormir à noite.

— Dê mais um tempo, acho que ele está fraquejando — sorriu ela.

— Para dizer a verdade, não me conformo — disse Budd. — Não sei bem até hoje por que Marc saiu da Patrulha. Ele adorava aquilo.

O motivo de Marc ter saído ainda o incomodava, por isso Gretchen não pretendia entregar o irmão.

— Ele teve vontade de mudar de ares, só isso.

— Eu sei. E de se afastar de alguém nesse processo.

— Eu não disse nada. Meus lábios estão selados.

— Deixe para lá, sei quando parar de insistir.

Judd fez mais duas visitas antes de terminar suas férias e ter de retornar ao quartel-general em Austin. Gretchen gos­tava dele, mas sentia-se um pouco intimidada.

 

Nao era esse o caso com o capataz e sua esposa, que to­mavam conta da casa. O casal tinha mais de cinquenta anos e ela imaginou o que Philippe diria se soubesse que tinha seis anos quando fora apaixonada por ele, que era muito mais velho. Fora mais um pai do que empregado. Philippe ficara com uma impressão errada, porém isso não a inco­modava mais. Ainda estava indignada por ter sido tratada como escrava na própria cama, fazendo o papel de outra mulher. Seu orgulho fora ferido, mas isso não amenizava a solidão. Sentia falta de Philippe todos os dias.

Chegara a nutrir esperança de que ele a procurasse, ou escrevesse, talvez até aparecesse algum dia em sua porta. Porém, depois que um mês se passou sem nenhuma indi­cação da presença dele, Gretchen desistiu. Sentia-se cansa­da a metade do tempo e enjoada a outra metade, mas sorria para todos que trabalhavam com ela. Continuou assim até que certo dia desmaiou no escritório, e foi parar no consul­tório da dra. Lou Coltrain.

Quando voltou a si, Hassan a colocara na van e fora até o consultório da médica. Só Deus sabia como o encontrara, mas sua ação fora rápida e providencial. Praticamente a car­regara, com todo cuidado, até a sala de espera.

— Hassan acha que eu deveria ver a dra. Lou — expli­cou Gretchen, irritada. — Acabei de desmaiar.

— O sr. Hassan é seu marido? — indagou a recepcionis­ta, arregalando os olhos.

— Se eu for explicar o que ele é, terei de escrever um li­vro. Tem um horário para mim?

— Naturalmente. Por sorte a doutora está atendendo a última paciente do dia. Ia para casa mais cedo, mas tenho certeza de que poderá atendê-la. Sente-se, por favor.

Foi o que Gretchen fez. Hassan sentou-se ao lado dela, sem reparar nos olhares das outras pessoas na sala de espe­ra. Alguns minutos depois, foi chamada pela recepcionista que a conduziu a um pequeno cubículo. Hassan ergueu-se o ficou junto à porta.

Lou Coltrain entrou pouco depois, não sem antes medir com os olhos o gigante árabe.

— Parece que você tem uma sombra — disse ela. sorrin­do para a paciente.

Ela também era loira, e era casada com Coltrain "Cobre", o outro médico do consultório.

— E Hassan — explicou Gretchen. — Às vezes eu o chamo de Elvis. Ele foi meu dote.

— Como assim?

— Meu marido me deu como dote de casamento. Ainda o mantenho, apesar de meu marido ter se divorciado de mim. Ele é meu guarda-costas.

— Você precisa de um? — indagou a médica.

— Eu... fui casada com o sheik de um pequeno país cha­mado Quawi. Ele se divorciou de mim e me mandou para casa, mas um dos inimigos está tentando tomar o poder. Ele acha que posso sofrer algum atentado, por isso Hassan pre­cisa morar comigo até que um de nós morra ou o inimigo seja preso — finalizou Gretchen, orgulhosa do próprio re­sumo da situação.

— Bela história. Já pensou em publicar?

— E verdadeira.

— Claro que é. Agora, por que não me conta o que está acontecendo com você?

Gretchen descreveu o que sentia de anormal. Lou fez uma pergunta e ela teve uma surpresa ao constatar que não fica­ra menstruada nos dois últimos meses. Lou franziu a testa e chamou a enfermeira para tirar amostras de sangue.

— O que acha que é? — quis saber Gretchen, preocupada.

— Bem, se quer saber, acho que está grávida — respon­deu a médica. — Vamos ter certeza com os exames. Mas não creio que tenhamos alguma surpresa.

Gretchen sentiu-se tonta.

 

— Não posso estar grávida! Não é possível.

— Você disse que se casou...

— Não é isso. Meu marido sofreu lesões graves por ter pisado numa mina que explodiu. Vários especialistas dis­seram que ele jamais poderia ter relações outra vez, ou ter filhos. Estavam errados sobre a parte do sexo, mas ele ja­mais acreditaria que estavam enganados sobre ter filhos. Vai pensar que não é dele... — disse ela, desesperada. — Não posso contar nada para Philippe. Não posso...

— Se quiser considerar outras opções... — sugeriu a dra. Lou, tomando-lhe a mão.

Gretchen largou a mão dela, quando compreendeu a in­sinuação.

— Não! De jeito nenhum! Quero ter meu filho. Só preci­so dar um jeito de Philippe não descobrir.

—- Seu guarda-costas está aí na porta. Que não é à prova de som — lembrou a médica.

— Hassan não fala inglês. Ele é bonito, não é?

— Muito. É grande como uma casa... — Lou fez uma pausa, para examinar os exames que a enfermeira trazia.

— É isso mesmo. Você está grávida.

Gretchen sentiu como se alguém tivesse agitado uma varinha de condão em sua vida. Seu olhar se suavizou. Seu rosto tornou-se radiante. Olhou para Lou com uma expres­são um pouco confusa, mas encantada.

— A primeira providência é procurar um ginecologista. O melhor que conheço é em Houston, mas temos um espe­cialista que vem todas as sextas-feiras e atende no Hospital Jacobsville.

— Eu preferia um médico que me tratasse aqui.

— Está bem. Vou mandar você para a dra. Genoa. Vai gostar dela.

— Uma mulher?

— Ótima obstetra. Vou pedir que Tilly marque uma con­sulta para o mês que vem. Até lá, procure descansar bastante. Alem disso, tente comer coisas leves... frutas, verdu­ras, proteínas. Vou receitar um remédio seguro contra seus enjoos — disse a médica, entregando-lhe uma caixa de pí­lulas. — Não é da minha conta, mas gostaria de informar que seu marido tem o direito de saber, mesmo que tenham se divorciado.

— Vou contar a ele... algum dia — respondeu Gretchen.

— Pode ir para casa.

— Sim, senhora.

Hassan a conduziu de volta e dirigiu a van para a fazen­da, em vez de para o escritório. Parecia ostentar um sorriso dissimulado. Gretchen estava tão cansada e aérea com a notícia que não reparou.

Dois dias depois, enquanto ela digitava uma petição para o sr. Kemp no escritório, uma limusine preta com placa di­plomática estacionou em frente ao prédio, seguida por ou­tra, idêntica.

— Vejam! — chamou uma das secretárias, já observando da janela.

Ela arregalou os olhos ao reparar no homem alto e ele­gante que saía do primeiro veículo.

— O que é? — quis saber Gretchen, a atenção presa ao documento que redigia.

— Alguém muito importante! Duas limusines enormes!

— Talvez seja algum político que o sr. Kemp esteja re­presentando...

— Só se for um político árabe — respondeu a garota da janela.

Os dedos de Gretchen ficaram paralisados no teclado. Ergueu a cabeça lentamente, depois acelerou o movimento quando a porta começou a abrir-se. Philippe Sabon entrou na sala, seguido de perto por dois guarda-costas usando turbantes e três outros, obviamente americanos, todos com fones de ouvido.

 

Ele se voltou e olhou para seus companheiros.

— Não podiam voltar e intimidar as pessoas na calçada, ou coisa parecida?

— Lamento, Vossa Alteza, mas temos ordens específicas. Sinto muito — disse um dos americanos.

Ele deu uma ordem em árabe e seus dois homens saíram. Philippe voltou-se então para encarar Gretchen, furioso. Ela sustentou-lhe o olhar, lembrando-se do último confronto que tiveram e enrubescendo contra a vontade.

Ele moveu o pescoço como se o colarinho estivesse aper­tado. Trajava um bem-cortado temo ocidental de seda e uma camisa branca, impecável. O cabelo estava penteado e as unhas aparadas, numa verdadeira figura de modelo.

— Pois não. Posso ajudar? — perguntou ela.

— Quero falar com você. Em particular — disse ele, olhan­do as outras pessoas na sala.

— Pois eu não quero falar com você, nem sozinha nem acompanhada. Pode voltar e casar com a sua hóspede. Está lembrado? Você se divorciou de mim.

— Não estamos divorciados! — gritou Philippe, o sota­que se acentuando a medida que ele se descontrolava.

— Pois você disse que sim.

— Nesse caso, menti...

Ele continuou falando em árabe, erguendo as mãos para o céu, como se pedisse a Alá para iluminar aquela mulher.

— Não use esse tipo de linguagem na minha presença — disse Gretchen, erguendo-se. — Vou falar com seu pai so­bre isso.

— Já conversei com ele sobre a sua linguagem.

— O que quer? Não pretendo voltar com você, não im­porta o que aconteça. Estou muito bem aqui no Texas.

— Deve estar mesmo, pelo que disse sobre seu amado capataz. Só espero que ainda se lembre de que é uma mu­lher casada.

— Pela última vez, Philippe, eu não sou casada!

 

Os dois se encararam por alguns segundos, sem proferir palavras. O sr. Kemp, sem se dar conta de nada fora do comum, saiu do escritório lendo uma procuração, e depa­rou com um dos acompanhantes de Philippe.

— Que diabo...

— Quem é você? — perguntou Philippe, com voz de co­mando.

— Sou Kemp. Este é meu escritório. E o senhor, quem é?

— Sou Philippe Sabon, sheik do Quawi, protetor dos ino­centes, defensor dos fiéis, senhor do deserto e assim por diante.

Kemp ficou impressionado. Olhou para Gretchen, que parecia encolher.

— Então esse é seu ex-marido...

—  Não sou ex-marido. Sou marido dela! — corrigiu Philippe, exasperado.

—  Você disse que iria se divorciar! — argumentou Gretchen.

— Não conheço nenhum país no mundo onde não seja necessário um documento escrito para terminar um casamen­to — retrucou Philippe. — Pode perguntar a seu chefe.

— Nisso ele tem razão — concordou Kemp, sorrindo.

— Mas, você... — recomeçou ela.

— Já sei. Admito que disse um monte de bobagens. Por isso quero conversar com você. Acho que vamos ter de le­var o Serviço Secreto, meus guarda-costas e Hassan junto, mas podemos amarrá-los e amordaçá-los num canto para conversar,

— Desculpe, senhor, mas isso não é permitido — lem­brou um dos homens.

— Se eu usar minha influência, Russell, posso mandar destacar você para vigiar o delegado do Salid, na ONU. Ele tem cobras de estimação e pertence a um obscuro culto que toma banho anualmente...

— Gosto muito de cantos, senhor — respondeu o homem, sem perder tempo.

 

— Vá para casa — disse Kemp a Gretchen. — Nelly pode terminar a petição por você.

— Não é trabalho nenhum — completou Nelly, olhando para o sheik com ar sonhador.

Gretchen, já com a bolsa na mão, levou seu trabalho até a mesa da colega e explicou o que faltava fazer. Depois voltou-se para o chefe.

— E não se esqueça da reunião amanhã cedo sobre o novo projeto de irrigação.

—  Pode deixar, não me esquecerei. Cuide-se bem, Gretchen.

— Obrigada.

Philippe e os agentes afastaram-se para que ela saísse da sala. Hassan, sorrindo de uma orelha à outra, estava na calçada.

—  Seu vira-casacas! — desabafou ela. — Não sei como entendeu quando a médica deu o diagnóstico, mas sei que Philippe veio por sua causa. Seu monstro superprotetor!

— Muito obrigado — disse ele, numa perfeita imitação da voz de Elvis Presley.

Gretchen abriu a boca, surpresa, enquanto Philippe se aproximava.

— Eu não cheguei a contar para você? Hassan nasceu em Tupelo, Mississipi. Tem um sotaque carregado, mas fala in­glês fluentemente.

 

Gretchen ficou inibida em conversar com Philippe, com a presença de Hassan no carro. Cruzou as mãos no colo e assim permaneceu, impassível. Estava consciente do ou­tro veículo que os seguia. Compreendeu que o Serviço Secreto dos Estados Unidos também considerava Kurt Brauer uma ameaça, ou eles não se dariam a todo esse tra­balho para proteger seu marido. Isso não contribuiu para acalmá-la.

Chegaram à fazenda dez minutos mais tarde; Philippe deixou seus guarda-costas na varanda, junto com dois ame­ricanos, enquanto os outros foram vigiar o exterior. Hassan permaneceu com eles.

Katie saiu da cozinha limpando o avental e deparou com Philippe.

—  Katie, este é... meu marido — apresentou Gretchen, hesitante. — Philippe, esta é Katie. Ela e o marido cuidam da fazenda quando Marc e eu não estamos.

As sobrancelhas dele se ergueram e ela deduziu que fa­zia alguns cálculos mentais, por causa da história que con­tara sobre o capataz. Antes que mencionasse algo, Gretchen achou melhor retirar a caseira dali.

—  Katie, você faria um pouco de chá gelado para levar até a varanda? Temos seis homens no total, incluindo três do Serviço Secreto.

— Serviço Secreto... — repetiu a caseira, alarmada.

 

— Está tudo certo, Katie. Eles sempre andam perto de Philippe para protegê-lo enquanto está em nosso país.

Katie olhou preocupada para Philippe, depois para Gretchen.

— Ele sabe?

— Ele sabe — confirmou o próprio Philippe, consciente de que ela se referia à gravidez.

Permaneceu olhando para Katie, até que ela se retirou para a cozinha.

— Podemos conversar aqui — disse Gretchen, entrando num pequeno estúdio e fechando a porta atrás deles.

O aposento tinha uma mobília sólida e acolhedora, além de estantes repletas de livros e manuais, e a escrivaninha onde Marc trabalhava, com vista para a janela. À distância, o gado típico do Texas, com seus chifres compridos, pasta­va tranquilamente.

Philippe reparou logo no armário com as armas e os tro­feus de tiro, assim como nos dispositivos eletrónicos que Marc utilizava no trabalho de tempos em tempos.

— Impressionante.

— É — concordou Gretchen sem entusiasmo, acomodan­do-se numa das cadeiras.

Philippe caminhou até a escrivaninha, sentou-se sobre o tampo, cruzou os braços e olhou diretamente para ela.

— Quando Hassan me telefonou, mal pude acreditar no que ele me contou. Você, naturalmente, consultou um médico.

Gretchen não se deu ao trabalho de responder. Depois de algum tempo ele continuou:

—  Como sabe, é cedo demais para que um teste seja acurado...

— Estou grávida há oito semanas.

Um silêncio carregado seguiu-se. Por fim, ele resmungou em árabe.

— Por que isso o surpreende? — quis saber ela.

— Parece que tem dificuldade com os números, madame. Só está de volta ao seu país há quatro semanas.

— Exato. E faz oito semanas que estou grávida — repe­tiu ela, aguardando com impaciência.

— Se você estivesse grávida há oito semanas, a criança seria minha. E isso é impossível. Não pode ser! Você está mentindo!

— Mentindo? — Gretchen ergueu-se da cadeira, furiosa.

— Está insinuando que fiquei grávida aqui? E posso per­guntar como isso teria acontecido?

— Você disse que sentiu alguma coisa pelo seu capataz...— murmurou ele, ríspido.

— É verdade, e caso não tenha reparado, Katie tem cin­quenta e cinco anos, e o marido dela, Connor, cinquenta e sete! Tive uma paixão por ele quando eu estava com seis anos de idade!

O olhar dele dava a impressão de que iria perfurá-la a qualquer instante; perdia terreno.

—  E daí? Você recebeu uma visita, um amigo de seu irmão...

— Maldito seja!

Gretchen cerrou os punhos e chegou a imaginar qual se­ria a reação dos homens do Serviço Secreto se ela abrisse a cabeça de Philippe com uma cadeira.

Ele parecia cada vez mais confuso. Os médicos, os espe­cialistas haviam confirmado ser impossível. Ela sabia. Que coragem, acusá-lo de ser o pai da criança!

— Não posso ter filhos. Você sabe muito bem.

— E também não pode fazer sexo — lembrou ela, com ironia. — Não podemos esquecer essa parte.

Ele proferiu uma série de palavrões em árabe que teriam deixado seu pai orgulhoso.

— Só porque erraram uma vez não é motivo para supor que os prognósticos de três especialistas sejam falsos.

— Pode acreditar no que quiser, Philippe — disse ela, a ponto de chorar.

— Não vou acreditar num conto de fadas!

 

Aquilo foi à gota que transbordou o copo. Gretchen co­meçou a desfiar pragas em árabe arcaico, com mais entu­siasmo que ele. Quando esgotou o vocabulário aprendido com o velho sheik, caminhou até a estante, apanhou o volu­me mais pesado e atirou-o na direção dele com toda a for­ça. O ruído do impacto foi satisfatório, deixando-o abalado.

— Que diabo está fazendo?

— Estou mostrando minha biblioteca para você. Machu­cou muito? Quer chamar seus amigos do Serviço Secreto para protegê-lo?

Atirou outro livro, com mais força, porém Philippc con­seguiu se desviar. O terceiro projétil literário, porém, atin­giu-o próximo ao ombro. Ela procurava outro mais pesado, quando ele a agarrou pelo braço.

Gretchen lutou furiosamente e conseguiu aplicar um pontapé nele. Philippe reprimiu um grito e segurou a per­na machucada; ela aproveitou a vulnerabilidade para chu­tar a outra canela. Dessa vez ele gritou. Segundos mais tar­de a porta abriu-se e dois dos agentes entraram, com as armas em punho; dois outros permaneceram à porta, cobrin­do os primeiros com armas automáticas.

— Vão embora! — gritaram Philippe e Gretchen, ao mes­mo tempo.

Os homens imediatamente se retiraram, fechando a por­ta atrás de si.

Philippe olhou para ela, raivoso, e de repente explodiu numa gargalhada.

— Não é de estranhar que os criados pareçam estar num velório desde que você foi embora — disse ele com um sus­piro. Abraçou-a quando ela se dispôs a chutá-lo outra vez. — Muito bem. Retiro todas as minhas acusações ofensivas. Devo confessar que a idéia de ver você com outro homem me deixa fora de controle. Mas senti saudade e fiquei com raiva quando Hassan me contou sobre seu visitante.

— Você não me procurou...

Philippe acariciou-lhe o rosto.

— Eu estava com vergonha. Comportei-me mal com você e só pedi desculpas uma vez, em toda a minha vida. Até agora. Brianne é minha amiga, Gretchen. Nunca foi mais do que isso. Nem poderia.

Ela começava a fraquejar e não queria que isso aconte­cesse. A verdade, contudo, era que fazia muito tempo que não era abraçada por ele, e ficara sozinha e assustada nesse período.

— Judd é amigo de Marc. Desde a infância. Ele e eu cres­cemos juntos, é como se fosse meu irmão, também.

— Eu me desculpo de todo o coração por minhas suspei­tas. Quero fazer as pazes — afirmou ele, acariciando-a.

— Quer mesmo? Passe-me outro livro que eu mostro — respondeu ela, belicosa.

Ele riu outra vez e sua boca procurou a de Gretchen. A resistência durou poucos segundos. O corpo, desejoso de receber carinhos e beijos, abriu-se para ele da forma que uma flor acolhia as primeiras gotas de chuva. Gretchen gemeu, abraçando-o e puxando-o contra si. Imediatamente excitado, Philippe correspondeu com mais ardor e colou o corpo ao dela. Gretchen inclinou-se sobre o tampo da escrivaninha.

— Isso é loucura — murmurou ele.

Apesar disso, suas mãos procuravam os fechos das rou­pas dela, quase descontrolado depois de tantas semanas de abstinência. Quando Gretchen percebeu a intenção dele, afastou-se um pouco.

— Philippe, não! Não podemos...

Mas era tarde. Ele conseguira erguer-lhe a saia e prensa­va Gretchen contra o tampo de madeira, o corpo começan­do a invadir o dela, apesar dos protestos. Os olhos verdes de Gretchen diziam o que não era mencionado em palavras, e ela enxergou a força do desejo nos olhos dele.

— Não grite... — pediu Philippe, com voz entrecortada.

— Eu não me atreveria.

 

Gretchen mordia o lábio inferior para controlar-se, à medida que a pressão e o ritmo provocavam sensações fa­miliares e esquecidas.

— Gretchen... eu te amo — afirmou ele, impulsionando o corpo para a frente.

O calor e a potência do desejo dele a levaram ao clímax com rapidez incomum. Gretchen sentiu o próprio corpo enrijecer e arregalou os olhos de surpresa, encontrando os dele, que também não se controlava mais. Foi a sensação mais íntima de toda a sua vida. Soluçou, certa de que mor­reria com a intensidade do momento.

As unhas se cravaram nos quadris de Philippe, enquan­to os dois se apertavam num espasmo final de êxtase. Gretchen sentiu, pouco depois, que o corpo dele também relaxava sobre o seu.

Ela suspirou, consciente de que sua saia estava enrolada na cintura e a calça de Philippe encontrava-se no chão. Os dois se fitaram.

Gretchen corou.

— Está vendo o que consegue atirando livros em mim? — comentou ele.

— Acho que vou mandar comprar mais alguns, bem gros­sos, para levarmos ao Quawi.

— E eu pensei que teria de amarrar e amordaçar você para levá-la de volta comigo...

Antes de responder, Gretchen observou os corpos de ambos, ainda unidos.

—  Acho que não vai precisar. Amo você — disse ela, movendo os quadris contra ele. — Gosta disso, não gosta? Também adoro.

Inesperadamente, explosões de prazer toldaram o olhar de Philippe, como se o chão lhe faltasse. Pensou que não saberia mais viver sem aquele prazer intenso, e recordou as semanas que ficara sozinho. Quando deu por si, reparou que a pequena feiticeira loira em seus braços o encarava comum sorriso. Manifestando sua alegria, ela mordeu-lhe o ombro numa demonstração de prazer, enquanto ria entrecortada mente.

— Sua bruxinha!

— Se eu conseguir manter você satisfeito, não vai mais me mandar embora — argumentou ela, com um suspiro de satisfação. — Amo você, Philippe, mas esta posição está muito ruim.

Ele se afastou devagar, sem deixar de fitá-la. Beijou-a, antes de permitir que se levantasse.

Gretchen riu enquanto arrumava suas roupas, partilhan­do com ele aquele momento.

— Acho que nunca mais vou encarar uma escrivaninha do mesmo jeito — afirmou Philippe. — E acho que terei histórias interessantes para contar aos nossos filhos, quan­do tiverem idade suficiente para poder ouvir.

— Nossos filhos... — repetiu ela. — Você não parecia ter essa ideia na cabeça quando veio. Nem acreditava que o filho fosse seu.

Philippe ergueu a cabeça para encará-la.

— Se quer saber a verdade, eu tinha medo de acreditar. Mas depois disso... — declarou ele, olhando para a escriva­ninha —, é impossível acreditar que outro homem tenha tocado você. Parecia carente.

— Você também.

— Claro. Não toquei em mulher nenhuma desde que você foi embora.

— E Brianne Hutton?

— Ela nunca teve o poder de me excitar, Gretchen. Não que soubesse que eu pensava nisso... Por um dia ou dois, tentei retornar a um passado em que éramos os dois soltei­ros, um passado onde eu não estava encantado por uma mulher que me despertou e me enfraqueceu tanto que sen­tia vontade dela noite e dia. Porém meu corpo continuava morto, quando Brianne estava perto de mim. Claro, nãoajudou nada o fato dela falar o tempo todo sobre o mari­do e sua briga com ele — confessou Philippe. — Ou que eu só conseguia pensar em você, especialmente depois que foi embora.

— Ela não excitava você? — indagou Gretchen, curiosa.

— Mas você a amava...

— Será? Essa foi uma pergunta que me fiz várias vezes. Brianne foi boa para mim, numa época em que eu precisa­va muito de carinho. Mas você acendeu uma espécie de fogo dentro do meu corpo. Eu me sinto vivo com você, como nunca tinha me sentido, mesmo antes do acidente. Agora sei que faz parte da minha vida. Preciso ficar com você, ou nunca conseguirei ser feliz.

— Tem certeza?

— Tenho — respondeu ele, baixando a mão até o ventre de Gretchen. — Certeza absoluta. Um dos especialistas que me examinaram mora em Paris. Acho que seria boa ideia convidá-lo para o batizado de nosso filho.

— Um convite bem bonito — concordou ela, sorrindo.

— Confesso que pensei que voltaria para casa sozinho e incompleto. Acho que aqueles pequenos milagres sobre os quais comentamos às vezes... acontecem de verdade.

— Sempre acreditei nisso.

Os dois voltaram juntos para a sala de estar, desalinha­dos, provocando o girar de várias cabeças.

— Está pronto para sair, senhor? — perguntou Russell.

— Só amanhã. Imagino que minha esposa tenha alguns assuntos para resolver antes de sairmos outra vez do país— disse Philippe. — Com certeza o fato de passar uma noite numa fazenda do Texas não vai perturbar vocês, vai?

— Sou do Bronx — disse um dos homens. — Odeio gado.

— Eu sou de Los Angeles — afirmou outro. — Tenho medo de cavalos.

— Maricas — comentou Russell.

 

— Ah, é? — respondeu o agente de Nova York. — Pois eu não vi você correndo para o touro que partiu para cima do premiê soviético, na fazenda do presidente em Fort Worth, Russell.

— Era um boi, seu idiota — corrigiu o agente da Geórgia. — Se aquele Patrulheiro do Texas não tivesse interferi­do, estaríamos agora na Terceira Guerra Mundial.

—  E também não era um boi. Era uma vaca leiteira. Só estava brincando com ele, não foi um ataque de verdade.

— Pode ser, mas a brincadeira ficou em dez pontos e o presidente precisou comprar uma calça nova para ele — ob­servou o terceiro agente. — Ouvimos dizer, no dia seguin­te, que você foi designado para fazer a segurança das férias do vice-presidente.

— Fui eu quem pedi! Gosto de pântanos.

— Claro, claro...

—  Vocês todos podem dormir no celeiro — disse Gretchen.

—  Não podemos, senhora. Precisamos estar onde Sua Alteza estiver.

— No quarto? — perguntou ela, horrorizada.

— Madame! Não somos desse tipo de agência — respon­deu ele, chocado.

Philippe riu.

— Ele quis dizer que precisa ficar a uma distância de onde eu possa chamá-lo com um grito. Podemos estender col­chões na sala para eles, não podemos?

— Claro — disse ela.

— Meus guarda-costas dormirão em frente à porta, com Hassan. Acho que ficaremos bastante seguros.

— Fale por você mesmo — disse ela. — Todos estão ar­mados.

— Tudo certo, madame, eles dão uma bala para cada um, e temos de mantê-la longe das armas.

— Eles nunca seriam tolos a ponto para dar uma bala a você — comentou o outro agente. — Vamos examinar a área.

Saíram, e Philippe fez um gesto para que os próprios guarda-costas o imitassem. Apenas Elvis ficou.

— Você nunca disse uma palavra sobre saber falar inglês — reclamou ela.

—  A senhora nunca perguntou — disse ele, com uma mesura perfeita.

Em seguida, saiu. Philippe abraçou a esposa.

— Finalmente a sós.

Eles se beijavam com entusiasmo quando o ruído de um carro chegando provocou uma comoção do lado de fora. Os dois se separaram atentos. Em seguida Gretchen escutou uma voz familiar:

— Quem está pensando que é?

Gretchen correu para a varanda, a tempo de ver um agen­te do Serviço Secreto lutando para derrubar seu irmão. Ele dava trabalho de tal forma que lutava contra os três.

— Marc!

Ele ergueu a cabeça, distraindo-se por tempo suficiente para que lhe algemassem as mãos para trás. Marc começou a praguejar e todos recuaram.

Gretchen desceu os degraus à frente de Philippe, indo na direção de Russell.

— Não pode fazer isso! Este é meu irmão. Ele mora aqui!

— Acabamos de fazer — respondeu o agente do Bronx, passando a mão no rosto, onde havia um corte. — E ele irá à presença do juiz, por agressão a um agente federal.

— Você vai estar ao meu lado, seu idiota. Sou do FBI — disse Marc, entre os dentes.

— Não... — gemeu Russell, começando a fazer uma co­nexão em sua mente. — Não pode ser esse Brannon!

 

Os olhos de Marc se estreitaram, e seus cabelos castanhos brilhavam ao sol, enquanto a memória rangia as engrenagens.

— Uma ova que Não pode! Sou eu mesmo, e desta vez você vai se dar mal de verdade, Russell — ameaçou Marc, sacudindo as algemas. — Quer tirar logo isto de mim?

— E melhor tirar — disse Russell ao outro agente. — Ele é relacionado com o promotor-geral, dois senadores e com o vice-presidente.

— Como é que eu ia saber? Ele nem sequer se apresen­tou — reclamou o agente do Bronx, procurando nos bolsos a chave das algemas.

— Como assim, me apresentar? — esbravejou Marc, es­fregando os punhos. — Você me derrubou na hora em que eu saí do carro.

—  Ele foi Patrulheiro do Texas por dez anos — disse Russell, sem graça. — O último agente que o algemou foi acompanhar o acampamento do vice-presidente.

— Por falar nisso, como foi à viagem, Russell? — quis saber Marc, com um sorriso sádico.

— Foi excelente, senhor — disse Russell, com uma care­ta. — Eu nunca tinha comido carne de cobra preparada em fogueira de acampamento. É muito bom. Se encontrar o vice-presidente, pode dizer a ele.

Gretchen riu de alegria e correu para abraçar o irmão. Ele a ergueu nos braços e deu-lhe um beijo estalado no rosto.

— Como vai, menina? E por que não está no Quawi fa­zendo seu trabalho? — perguntou ele, olhando para o es­trangeiro alto que os observava com um sorriso.

— Ela está grávida — anunciou Philippe, sem pestanejar.

— Grávida? — estranhou Marc, voltando-se para Gretchen. — Vou ser tio?

— Definitivamente. Vai ser uma criança milagrosa — con­firmou ela.

— Como assim?

Philippe estendeu os braços para ela e olhou para o cu­nhado por sobre os cabelos loiros da esposa.

— Entre outras coisas, os médicos disseram que eu era estéril. Gretchen mudou minha vida. Eu a adoro.

— Quem é você? O chefe dela?

— Sou o marido — corrigiu Philippe.

— Sua Alteza é o sheik do Quawi — informou Russell. Marc arqueou as sobrancelhas, depois o olhou paraGretchen.

— Vocês se casaram?

— Claro — respondeu ela, indignada. — De que outra forma poderia estar grávida, mano?

A expressão dele era enigmática ao estudar o outro homem.

— Você não apareceu no noticiário há alguns anos? Se não me engano, seu país foi invadido...

—  Invadido e dominado, para dizer a verdade. Alguns amigos influentes me ajudaram a expulsar os mercenários de lá. Mas o chefe deles ainda está à solta, e causando pro­blemas.

— Brauer — disse Marc, olhando em volta. — Agora es­tou entendendo a segurança ao seu redor. Vocês acham que ele tentaria alguma coisa em solo americano?

— Não temos garantias — respondeu o agente de Nova York. — Por isso estamos aqui.

— Não conseguiu apanhá-lo? — indagou Marc a Philippe.

— Ele está perto da fronteira de meu país, em Salid. Te­mos uma força de elite tentando contê-lo, no momento... — informou Philippe. — Mas agora precisa haver uma ceri­mônia de Estado. Gretchen carrega o herdeiro de meu tro­no. Uma cerimônia simples, como a que tivemos algumas semanas atrás, não teve repercussão suficiente para estabi­lizar à região. Precisamos voltar amanhã e providenciar tudo. Seria bom se viesse conosco.

— Vou pedir uma licença — disse Marc.

— Eu peço para você. Considerando a extensão das nos­sas reservas de petróleo e a nossa posição favorável com ogoverno de vocês, espero ter um bom apoio político, no momento. Também convidei alguns amigos que tenho, com experiência em lidar com terroristas internacionais.

— Micah Steele?

— Na verdade ele parece estar numa outra missão, no momento. Estava pensando em Montana e mais alguns da turma dele — disse Philippe.

— Sua Alteza, lembro que não pode contratar mercená­rios para países estrangeiros — começou a dizer Russell.

— Mercenários, não. Convidados para o casamento. Ci­dadãos comuns — acrescentou Philippe, com um sorriso.

— Sempre posso ligar para o vice-presidente, se você ti­ver algum problema com isso — lembrou Marc.

— Eu? Não, senhor. Problema nenhum. E vocês, rapazes? Um coro de negativas respondeu à pergunta do agente Russell.

Marc avançou para a varanda.

— Nesse caso, é melhor pedir a Katie para fazer comida. Estou morrendo de fome!

Ficaram conversando até tarde. Na manhã seguinte, os vaqueiros estavam reunidos no curral para examinar o novo garanhão que Marc comprara em Austin, onde fora se candidatar ao trabalho na Patrulha outra vez.

—  Belo animal, não? — comentou Marc com Philippe e Gretchen, que chegavam para juntar-se a ele.

O árabe envergava roupas do cunhado, que tinha apro­ximadamente o mesmo tamanho.

— Muito bonito — comentou ele.

— Bravo, não? — comentou um dos vaqueiros, olhando de soslaio para a pose de Philippe. — Acho que o marido da dona Gretchen não teria coragem de montá-lo.

— Espere um pouco — intrometeu-se Russell, atrás do casal.

— Eu gostaria muito — disse Philippe, com um sorriso.

 

Saltou a cerca e aproximou-se do animal, sob os olhares estupefatos dos agentes.

— Tudo bem, pessoal — garantiu Gretchen, olhando paraMarc. — Tudo bem.

— Ele pode pular um pouco, moço, e você acaba caindo. Acha que consegue? — perguntou o vaqueiro que segura­va as rédeas do garanhão.

— Vou tentar.

Philippe tomou as rédeas, acariciou o animal e falou bai­xo, próximo da orelha dele, sentindo-lhe o medo. Voltou o rosto do cavalo para o sol matinal e de repente saltou para o lombo. O garanhão, ao sentir o peso, corcoveou como um animal selvagem, mas Philippe parecia colado à sela. Ria alto, divertindo-se, enquanto os saltos redobravam e o garanhão dava a volta na cerca várias vezes, antes de apre­sentar sinais de cansaço. Quando o ritmo diminuiu, o cava­leiro falou com ele, acalmando-o. Depois de mais alguns poucos saltos, o cavalo começou a trotar, depois andou a passo ao longo da cerca. Só então Philippe desmontou e entregou as rédeas ao rapaz boquiaberto.

— Crio cavalos árabes — explicou ele. — Eu mesmo gos­to de domá-los. Este é um bom cavalo, mas falta-lhe ener­gia. Se quiser ficar com ele, isso deve ser levado em conta.

Marc riu.

— Eu devia saber. Mas ontem ele parecia mesmo um molenga da cidade.

— Foi o que sua irmã pensou, antes de me ver cavalgar. — Estendeu um braço e Gretchen juntou-se a ele. — Um dia vou contar a história de como ela foi sozinha a cavalo para me salvar, com uma Colt .45 na mão.

— Eu não ficaria surpreso. Ela é uma garota e tanto — disse Marc, orgulhoso.

— Sou um homem de sorte.

Voaram para o Quawi naquele mesmo dia, embarcados pelo Serviço Secreto e depois protegidos pelos guarda-costas de Philippe, no jato particular, chefiados por Bojo e ou­tros três homens mais velhos que Gretchen nunca vira. Marc aparentemente os conhecia, pois conversaram durante a via­gem, em voz baixa. Gretchen ficou sabendo que Cord Romero não recuperara a visão e que sua amiga Maggie ainda estava com ele, tentando ajudá-lo a recompor sua vida. Mais do que isso, ninguém disse. Mas ela tinha certeza de que o assunto entre os homens era Kurt Brauer.

Estava receosa com a cerimônia oficial que Philippe anun­ciara, mas ele a acalmou e prometeu que as coisas correriam bem. Devia deixar as preocupações para ele e os guarda-costas.

Gretchen sabia que estavam seguros, porém preocupa­va-se com Philippe. Brauer estava enlouquecido pelo de­sejo de vingança. A cerimônia de casamento seria trans­mitida pela televisão. Era a oportunidade perfeita para um ataque terrorista.

 

Gretchen nunca vira tantas equipes de televisão, caminhões com antenas para captar satélites e jornalistas do mundo inteiro reunidos num só lugar. Embora soubesse que o ca­samento seria televisionado, jamais imaginara nada naque­la escala.

A alegria de Philippe com sua gravidez contagiara todos no palácio, especialmente o pai, que encheu o quarto de Gretchen com orquídeas, como presente de boas-vindas. Os criados faziam tudo o que era humanamente possível para aumentar-lhe o conforto, e todas as noites ela dormia nos braços do marido.

A única nuvem escura no horizonte era a liberdade de Kurt Brauer, a empanar a felicidade dos dois. Gretchen odiava até a menção do nome dele.

O tio de Philippe, que ajudara Brauer, não estava mais no cenário. Fugira, juntamente com o chefe da segurança, para procurar asilo num país vizinho. Seus aliados haviam se escondido. Bojo era visto pelo palácio, acompanhado dos mercenários que vieram com eles no avião desde o Texas. O mais idoso era um juiz de Chicago, J.D. Brettman, acom­panhado de uma fazendeiro loiro de Montana, que os ou­tros chamavam de "Holandês". O terceiro membro do gru­po era latino, com bigode e uma educação esmerada. Seu nome era Laremos, e sua família vivia em Cancún, no Mé­xico. Gretchen ficou sabendo por Philippe que os três haviam literalmente deixado sua merecida aposentadoria para supervisionar a segurança no casamento, como favor pes­soal a Philippe. Gretchen também conhecia outros membros, mais jovens, de Jacobsville e cercanias, que se empenhavam na luta contra um poderoso cartel mexicano de traficantes. Foi uma surpresa para ela encontrar o fazendeiro Eb Scott como membro do grupo de ex-mercenários, além de Cy Parks e Micah Steele.

Entrementes, a segurança no Palais Tatluk era formidável. Hassan foi literalmente a todos os lugares com Gretchen, e Leila nunca estava fora de sua vista, a não ser durante a noite. O pai de Philippe tinha o mesmo tipo de proteção. Os mercenários pareciam estar roubando tempo de suas vidas. Para homens na casa dos quarenta anos, Gretchen achou que estavam todos em forma e eram incansáveis e habilidosos em seus arranjos de segurança. Jamais vira tan­tos aparelhos eletrônicos juntos, na vida.

Maravilhara-se com um dispositivo que podia detectar o ruído de uma formiga andando no concreto exterior e cap­tar em vídeo todo o movimento dela. Até mesmo Marc não conhecia um tão sofisticado.

— Somos mesmo meticulosos — disse o Holandês a ela, com um sorriso. — Foi assim que sobrevivemos até esta idade.

— Todos vocês têm família, não?

—  Minha esposa e eu temos dois filhos e uma filha. Laremos tem um casal, e Brettman tem uma filha. Nosso ex-chefe, Apoio, e a esposa dele, Joyce, estão esperando o se­gundo filho — disse ele, encarando-a. — Para dizer a ver­dade, nenhum de nós esperava casar.

— Nem eu, se quer saber — confessou ela, olhando para o marido.

Philippe conversava com seu secretário de imprensa e dois membros da mídia.

—  Acredito que saiba que seu marido foi assunto de muitos mexericos durante alguns anos.

— Pois vai ser assunto para outro tipo de fofoca quando eu colocar minha roupa de gravidez.

— Que maravilha! — comentou o Holandês, surpreso. Terminou de fazer as associações, enquanto ela colocavaas mãos sobre o ventre.

— Pensei que Laremos estivesse mentindo quando disse que seu marido podia enfrentar terroristas. É impressionante como ele parece um homem de negócios até que o veja atrás do cano de uma arma.

— Como sabe como ele fica atrás do cano de uma arma? — indagou Gretchen.

— Ninguém disse que fizemos parte do grupo que veio para libertar o Quawi de Brauer? Estávamos à frente na primeira onda de assalto, ao lado de Philippe e sua guarda pessoal — contou ele, assobiando para demonstrar assom­bro. — Caminhava no meio do tiroteio. Nunca vi nada pa­recido. Seu marido apanhou o chefe do grupo, um que matou a criada dele, Miriam, e... bem, não vou contar o que aconteceu, mas mesmo os mercenários veteranos se afasta­vam dele depois do que viram. É um homem que não se deve provocar.

— Bem, acho que já vi meu marido de mau humor e con­cordo completamente com você.

Recordou a violência de Philippe com suas roupas, por duas vezes, ao melhor estilo dos heróis do cinema mudo. Não que depois ele fizesse as coisas com violência... porém não comentaria nada disso com o Holandês.

Mesmo assim, ele pareceu entender, pois riu em seguida.

— Não é de espantar que ele seja rigoroso com os guar­das que faltam ao respeito com você... Segundo entendi, um deles está de licença de saúde por um bom tempo.

— Meu Deus! Não sabia que tinha chutado tão forte...

— Não foi um chute — disse ele, com a língua de fora, enquanto terminava o ajuste fino do aparelho. — Foi um soco na mandíbula. Muito forte. Vários dentes se soltaram e o homem foi rebaixado e designado para guardar o único camelo velho que ainda existe nos estábulos. Pertenceu ao pai dele e foi usado no golpe que expulsou os europeus e colocou a família Tatluk no poder.

— Philippe deu um murro nele?

— No camelo?

— Não, no guarda. Deu?

— Vários, conforme me contaram. Aí está um que nunca vai faltar ao respeito com você.

— As coisas que ficamos sabendo sobre pessoas que pen­samos conhecer...

— É verdade... Ficamos sabendo alguma coisa sobre você, também. Especialmente quando saiu cavalgando sozinha para salvar seu companheiro com a fiel Colt .45 na mão — disse o Holandês. — Precisa conhecer minha esposa. Dani me ajudou a resolver um sequestro de avião alguns anos atrás... E a mulher de J.D., Gabby, chegou a atirar num su­jeito que tentava matá-lo na selva sul-americana.

Gretchen ficou impressionada.

— Por acaso essas mulheres eram do Texas?

Ele sorriu e ela continuou seu caminho, sentindo-se se­gura e protegida.

As tradições pré-nupciais foram rituais fascinantes para Gretchen, que ficou deliciada em cumpri-las. Leila e as ou­tras mulheres do palácio ajudaram a passar henna em suas mãos e pés e conduzi-la a festas que pareciam não terminar e conversas que constituíam um prelúdio para a cerimônia antiquada e elegante, na qual ela se uniria com toda a pom­pa e tradição a seu belo consorte.

A lista de convidados, assim como os preparativos, era formidável. Gretchen quase assobiou quando leu alguns dosnomes. Não ficou contente em descobrir que Pierce e Brianne Hutton a encabeçavam, mas estava começando a acreditar que Philippe realmente a amava. Quando falava em Brianne, era com respeito, não com algum desejo insatisfeito.

Além dos Hutton, Tate Winthrop e sua esposa Cecília foram convidados, e os pais, Matt e Leta Holden. Matt era senador em Dakota do Sul. Ali havia uma história, que Philippe contara em detalhes, provocando risadas. A nova sra. Tate Winthrop havia "banzado" seu então guardião Tate com uma terrina de musse de caranguejo, num programa de televisão em cadeia nacional. Gretchen mal podia espe­rar para conhecê-la.

Quando amanheceu, por fim, o dia do casamento, os pre­parativos de segurança tornaram-se mais rígidos e eficien­tes. Detectores de metal foram instalados de forma não obstrutiva. Dispositivos de escuta e câmeras ocultas foram colocados de modo a cobrir todo o palácio. Os guarda-costas de Philippe estavam por todos os locais, além de certo número de americanos usando terno... entre eles, Russell.

Gretchen, em seu vestido de casamento, teve um vislum­bre do agente dobrando uma esquina para evitar um en­contro com seu irmão. Marc era conhecido por tomar difícil a vida das pessoas de quem não gostava.

Desde cedo foram iniciadas as viagens de limusines en­tre o palácio e o aeroporto, para apanhar os convidados. De repente, as câmeras começaram a funcionar, e a orquestra a tocar. Os dignitários reuniram-se na grande catedral, cons­truída pelos espanhóis quatro séculos antes. Um sacerdote em paramentos de luxo aguardava no altar, enquanto Marc conduzia uma elegante Gretchen pela nave acarpetada até o altar, onde Philippe Sabon, em suas vestes oficiais de cerimônia, esperava por ela.

Ela esquecera tudo sobre a ameaça de Brauer. A segurança era tão perfeita que literalmente nem uma mosca poderia passar pela rigidez do esquema. Estava certa de que tudocorreria perfeitamente. Permaneceu ao lado do marido, re­petindo seus votos com fervor e voz firme, emocionando-se quando ele fazia os dele. Foi parecida com a cerimônia no deserto, porque ele apanhou sua cimitarra e cortou um pedaço do pão, que entregou a Gretchen. Em seguida fo­ram proclamados marido e mulher, porém ele não a beijou no altar. Sorriu para ela e voltou-a para os convidados, apre­sentando sua rainha.

O som da bomba explodindo atrás deles foi algo vindo de fora do tempo e do espaço. Gretchen ouviu mas nem chegou a atinar com o que fosse, até que Philippe a atirou ao solo, protegendo-a com o próprio corpo.

Ela sentiu a aspereza do tapete contra o rosto e começou a tossir quando estilhaços e uma nuvem de poeira fina caiu so­bre eles. Escutaram tiros e os gritos de pessoas em pânico. Os convidados foram conduzidos para fora, e os guarda-costas de Philippe, armados até os dentes, cercaram o casal.

Philippe praguejou, enquanto ajudava Gretchen a se le­vantar, girando o corpo para examinar o sacerdote, que se sentava com dificuldade. Ela estendeu a mão.

—  Está bem, reverendo? — indagou Gretchen, preo­cupada.

— Sim, minha criança. E você?

— Estou ótima — respondeu ela, olhando para Philippe. Reconheceu o olhar de fúria que vira no deserto, enquanto ele gritava ordens precisas para os guarda-costas.

Dutch van Meer passou por sobre uma coluna derruba­da e aproximou-se. Não parecia mais o homem afável que Gretchen conhecera. Tinha um olhar tão frio e perigoso quanto o de seu marido, enquanto trocavam informações.

— Brauer mandou um de seus espiões com explosivos plásticos C-4. Foi escondido na pia batismal... o único lu­gar onde não verificamos. Acho que estou ficando velho. Desculpe.

— Nenhum de meus guarda-costas pensou nisso, inclu­sive Bojo — respondeu Philippe.

— Apanhamos o sujeito que instalou a carga e já o inter­rogamos — disse o Holandês. — Ele contou que Brauer e cerca de trinta homens estão a caminho daqui em helicóp­teros de combate. Pretendem se infiltrar em vôo baixo, sem detecção de radar, e aterrissar no heliporto, com a intenção de sequestrar você em frente à imprensa internacional.

— Um plano desesperado... e não preciso de nenhuma bola de cristal para saber onde ele conseguiu os fundos necessários. Meu tio vai desejar nunca ter ouvido falar no Quawi! Assim como Brauer, quando eu terminar com ele.

Gritou uma ordem para Hassan, que sempre estava por perto, e foi ver seu pai, que acenava e gritava para ele.

— Cuidado — aconselhou o Holandês a Gretchen. — Não se pode subestimar Brauer. Acho que ele está mais interes­sado em você do que em Philippe.

— Por quê?

— Porque Philippe faria qualquer coisa para salvar você, e Brauer sabe disso. O casamento é prova das intenções dele e da preferência sobre a sra. Hutton.

Gretchen engoliu um palavrão.

— Terei cuidado.

Marc aproximou-se deles com a arma na mão.

— Você está bem? — quis saber ele, preocupado com a irmã.

— Estou. E você?

Ele assentiu e abraçou-a, enquanto o Holandês se descul­pava e ia conversar com Philippe. Marc abaixou-se e apa­nhou um revólver Smith & Wesson calibre 38, de cano cur­to, de um coldre na perna e entregou-o a Gretchen, sem fa­zer alarde.

— Se esse sujeito pisar no palácio, vai se arrepender de ter se metido com o meu casamento. Que ousadia!

— Cuidado para não levar um tiro!

— O mesmo para você — respondeu ela, acariciando-lhe o rosto. — Meu pobre irmão... Sinto muito pela forma como as coisas correram para você.

A expressão dele atestava o estresse. Marc entortou os olhos.

— A vida é dura.

—  Ela não culpa você.

— Eu mesmo me culpo. E minha auto-estima também não melhorou nem um pouco com o que acabou de acontecer. Eu devia ter verificado a pia batismal.

— O Holandês disse a mesma coisa. Tenho certeza de que todos os agentes por aqui estão pensando nisso. Vai repa­rar que o chefe da guarda de Philippe está tentando pare­cer invisível. Só que não ajuda.

— Seu marido é simpático. Gosto dele — disse Marc.

— Acho que você gosta de Philippe porque Russell mor­re de medo dele.

Marc riu e abraçou a irmã.

—  Lá vem o pessoal da mídia. É melhor esconder essa arma e sair daqui — aconselhou ele. — Não precisa desse tipo de atenção no momento.

— Nem você.

— Fique perto dos guarda-costas de qualquer jeito. Gretchen assentiu e abriu caminho pelos destroços de mármore e madeira, ainda tremendo pelo susto da explo­são e pelo alívio de se encontrar com vida.

Philippe veio até ela. Verificou cuidadosamente todo o corpo de Gretchen, depois suspirou de alívio e beijou-lhe a testa.

— Hassan vai ficar com você, e Leila também. Preciso sair.

— Aonde vai? — perguntou ela, preocupada.

— Vou apanhar Brauer antes que ele chegue ao palácio — explicou ele, fazendo um gesto para seus homens, incluin­do os três mercenários, Bojo e Marc.

— Quero ir com você.

— Você carrega nosso filho — disse Philippe, seguran­do-a pelos ombros. — Não pode assumir esse risco... por ele. Compreende?

 

Cretchen tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos, incapaz. de esconder a preocupação.

— Não conseguiria viver sem você — disse ela, com sin­ceridade.

Philippe ficou emocionado e beijou-lhe a palma das mãos. A vida tornava-se preciosa para ele. Terrivelmente precio­sa. Olhou para ela, atormentado. Não tinha vontade de sair de perto da esposa, porém era mais arriscado ficar ali e aguardar o ataque de Brauer e seus fanáticos.

— Tome conta dela, se dá valor à sua vida — ordenou ele a Hassan.

— Não se preocupe — disse o Holandês, quando Philippe girou nos calcanhares. — Um homem que uniu dez das mais agressivas tribos de beduínos em todo o Oriente Médio é mais do que capaz de lidar com um terrorista.

— Espero que sim...

— Devia mesmo ler a história deste país, sra. Sabon — aconselhou ele. — Tenho a impressão de que ainda não conhece bem seu marido.

— O que quero é exatamente isso. Tempo para conhecê-lo.

O palácio lembrava um hospício na meia hora seguinte. Equipes de repórteres por toda parte, conversando com qualquer um que parecesse capaz de entender inglês ou outra língua europeia. Gretchen escapou com Leila para a ala das mulheres, com Hassan à frente, a mão no cabo da pistola automática que sempre carregava. Examinava com meticulosidade os corredores e aposentos, abrindo portas fechadas e verificando o interior dos cómodos.

—  Ele está preocupado. Eu também — confessou Leila. — Esse homem, Brauer, é como uma serpente do deserto, quieto quando está armando o bote. O homem que contou sobre a vinda dele não é digno de confiança. Conheço-o há muitos anos e sei que faria qualquer coisa por dinheiro. Fiquei sabendo que não precisaram insistir muito, nemtorturá-lo, para que falasse. Estavam bravos demais para pensar com clareza sobre isso.

—  Acha que as informações são falsas? — perguntou Cretchen.

— Acho que é possível. Enquanto um pequeno exército não seria capaz de entrar à força no palácio, um ou dois homens, mais alguns guardas subornados, seriam muito mais eficientes.

Gretchen sentiu o metal frio da arma contra a coxa, onde a colocara, sob o vestido de noiva. Refletiu sobre o que a outra dissera, considerando o que fazer.

— Devíamos nos trancar em nossos quartos, senhora — sugeriu Leila. — Pelo menos lá ficará a salvo.

— Não acho. E o último lugar onde ficaríamos seguras — afirmou ela. — Se eu fosse Brauer, seria onde estaria agora. É também o último lugar onde alguém procuraria por ele... Hassan, quero que vá até os estábulos e traga aquele guarda que eu chutei. Ele fica onde os camelos são guardados.

O guarda-costas arregalou os olhos.

— Como?

— Os outros guardas pessoais estão com meu marido — lembrou ela. — Ele é o único homem que ficou para trás. E traga também o velho sheik quando voltar. A segurança dele não é menos importante que a minha.

Hassan não fez perguntas. Saiu imediatamente para cum­prir as ordens.

—  Nós duas vamos colocar uma isca na armadilha — disse ela a Leila. — Quero que vá até a lavanderia e apanhe roupas de homem para nós. Mas quero também roupas de mulher que se ajustem em Hassan e naquele guarda alto que está cuidando do camelo.

Os olhos de Leila se estreitaram, compreendendo as in­tenções de Gretchen.

—  A senhora é esperta...

— Sou texana. E mesmo os terroristas internacionais de­viam pensar melhor antes de se meter com gente como nós.

O guarda castigado não ficou muito à vontade perto de Gretchen no início, desmanchando-se em desculpas. Ela ergueu a mão.

— Nunca quis que meu marido arrebentasse seus den­tes. Mas estou dando a você a chance de ajudar a salvar todos nós e posso garantir que meu marido irá ficar con­tente com você se tudo funcionar direito. Acho que Brauer está nos meus aposentos. Leila e eu vamos nos vestir de homem e patrulhar o exterior do meu quarto. Você e Hassan irão entrar na sala e se deixarem descobrir por Brauer. Ele é que vai ter a surpresa, porque Leila e eu estaremos logo atrás, com armas — explicou Gretchen, mostrando seu re­vólver. Retirou o outro do cinto do guarda e entregou-o a Leila. — Sabe atirar?

— Claro. Meu marido também pertence à guarda pessoal do sidi — respondeu ela, sorrindo.

— Muito bem, então vamos entrar lá e dar a Brauer a pior surpresa da vida dele. Depois saímos para falar com a im­prensa internacional, com uma história muito melhor do que um simples casamento! Vamos vestir os disfarces e colocar tudo em prática.

A alguns quilómetros dali, Philippe, furioso, encontrava-se ao lado de Bojo e do Holandês, num pequeno helicópte­ro, em comunicação com seus outros veículos militares.

— O helicóptero de Brauer não está à vista em lugar ne­nhum, se é que existe — dizia ele, irritado. — Porem uma das patrulhas de fronteira encontrou evidências de movi­mento recente na área, e um satélite captou dois jipes ro­dando na direção do palácio. Fomos flanqueados. Eu sabia que não devia confiar naquele informante!

—  Vivendo e aprendendo — filosofou o Holandês. — Desculpe. Nenhum de nós é exatamente inocente neste momento.

—  Gretchen! Ela e meu pai foram deixados no palácio para a própria proteção. Podem estar em perigo de vida neste momento — raciocinou Philippe, preocupado. — Meia-volta. Para o palácio, o mais rápido que puder!

— Sim, sidi — aquiesceu o piloto.

Segundos depois, o helicóptero estava retornando.

Os homens haviam trocado de roupa, e entraram no apo­sento usando gellabias, com os véus ocultando os rostos barbados. O guarda mais jovem dirigiu a Gretchen, já com roupas masculinas, um olhar acusador.

— Se alguém disser uma palavra, vou dizer que ordenei que se vestissem assim. Prometo — disse ela. — Pensem na missão, não nos meios.

— Você fala como meu sargento — comentou Hassan, que era grande demais para parecer uma mulher.

— Se disser que pareço com ele, vai passar os próximos cinco anos fazendo segurança das dunas, no deserto — avi­sou ela.

— Não disse nada, madame. Nem uma palavra. Gretchen sorriu para Leila, que parecia tão deslocada quanto ela em roupas masculinas. Escondeu a arma no cin­to, fazendo sinal para que a criada fizesse o mesmo. Sinali­zou para os homens, que começaram a caminhar na dire­ção dos aposentos de Gretchen, e entraram devagar.

Do corredor, Leila e Gretchen procuraram um ângulo de onde pudessem observar o interior. Kurt Brauer, de fato, aguardava atrás das cortinas, acompanhado de dois homens armados. Saíram do esconderijo, e os olhos azuis dele de­monstraram incerteza momentânea.

— Onde está a sra. Sabon? — indagou ele, em inglês. Obviamente não falava árabe.

— A senhora? Foi levada para o hospital — respondeu o guarda mais jovem, procurando afinar a voz. — Ela ficou ferida na explosão. Viemos buscar suas roupas.

— E o sheik? — quis saber Brauer, relaxando um pouco.

— Está com ela. Quem são vocês? O que querem no quar­to da senhora? — insistiu o guarda.

Brauer moveu-se, inquieto.

— Não importa, agora. Onde é esse hospital? O guarda deu a informação.

Brauer começou a perceber algo de errado com as "mu­lheres". Franziu a testa.

— Vocês estão esquisitas... — observou ele. Depois dirigiu-se aos companheiros: — Vão até lá fora, vigiar o corredor.

Os dois caminharam direto para as armas apontadas de Gretchen e Leila.

— Se disser uma palavra, pode se considerar um homem morto — instruiu Gretchen em voz baixa.

Forçou os dois a saírem do campo visual, rendendo-os. Leila repetiu o comando em árabe, a arma pressionada con­tra a barriga do outro terrorista. Acrescentou uma ordem para que largassem as armas.

Os dois obedeceram.

— Que barulho foi esse aí fora? — quis saber Brauer. — Homens!

Houve um movimento rápido no interior do quarto e o terrorista foi lançado para fora, de cabeça. Acertou o assoa­lho do corredor e, antes que pudesse erguer-se, o guarda que insultara Gretchen saltou do interior sobre ele. Ela teve de admirar a técnica usada. O homem não deixava nada a desejar como guarda-costas, sabia como lutar de forma efi­ciente. Em pouco tempo Kurt foi subjugado. Depois foi amar­rado com uma corda improvisada de vestimentas femininas.

— Muito bem, meu jovem! — aplaudiu Gretchen, os olhos verdes brilhando de satisfação. — Estou orgulhosa de você.

Ele sorriu; em pouco tempo, os dois homens livraram-se das gellabias e envergaram as próprias túnicas. Então saíram, con­duzindo os três prisioneiros pelo corredor. Gretchen e Leila demoraram alguns segundos para trocar de roupa e segui-los.

O velho sheik olhou para fora da sala que estava ocupan­do, viu os cativos, sorriu de uma orelha à outra e juntou-seà nora e sua serva com tanto orgulho que Gretchen teve vontade de beijar-lhe o rosto. Mas não o fez. Tocar no sogro seria quebrar um protocolo rígido que ela conhecia.

— Tome a arma — disse ela, estendendo o revólver para ele. — Vá até lá com Hassan e o outro guarda. Vai fazer mara­vilhas para a sua imagem com a imprensa internacional.

Ele parou, perplexo.

— Você faria isso por mim? Depois de tudo o que eu dis­se sobre as mulheres americanas e os estrangeiros?

— Você vai ser o avô do meu filho — justificou ela, dan­do de ombros.

— É verdade — concordou ele, sorrindo afetuosamente e recusando a arma. Envolveu as duas mãos da nora. — E você vai ser a mãe de meu neto. Essa história será contada ao redor das fogueiras dos acampamentos de meu povo pelo futuro afora. Não vai fazer mal nenhum a meu neto saber que a mãe dele tem o coração de um falcão. Vá.

Ela alcançou o grupo com os prisioneiros, que logo che­gou à área ocupada pela imprensa e pelos convidados.

— Mas vejam quem está aqui... Kurt Brauer! — exclamou Pierce Hutton, com um sorriso, fazendo sinal aos represen­tantes da imprensa. — Vocês, da imprensa americana, tal­vez se lembrem desse indivíduo sem escrúpulos. Foi ele quem invadiu o Quawi há dois anos, com soldados contra­tados, matou mulheres e crianças, e quando foi preso rece­beu uma sentença leve, numa penitenciária russa, de onde saiu há poucas semanas. Só que agora será julgado por um tribunal no Quawi. Posso prometer que a sentença será mais justa. Não veremos esse rosto tão cedo.

— Quanto a isso, está absolutamente certo — disse uma voz forte, atrás de Pierce.

Philippe aproximou-se, ainda usando as vestes do casamen­to, seguido dos mercenários e de sua guarda pessoal. Parou em frente a Kurt Brauer, e seus olhos examinaram Hassan e o guarda dos camelos. Mais além, Gretchen tinha a arma do irmão na mão, ao lado de uma Leila também armada.

Compreendeu tudo e sorriu.

—  Como podem ver... no Quawi, até as mulheres são perigosas.

Brauer e os dois asseclas foram afastados para que a im­prensa pudesse fotografar as duas mulheres armadas, num evento bem ao gosto da mídia. Philippe cruzou os braços, satisfeito, e sorriu orgulhoso, enquanto sua esposa era en­trevistada, fotografada e admirada por metade da popula­ção mundial... incluindo dignitários estrangeiros.

O vice-presidente dos Estados Unidos deu um beijo no rosto dela, e os representantes da Rússia e de Israel agrade­ceram com um aperto de mão. Os outros formaram fila para elogiar a coragem de Gretchen.

Tanta felicidade depois das emoções fortes foi demais para ela. Desmaiou.

No mesmo instante Philippe estava ao lado da esposa, afagando-lhe as mãos e afastando às pessoas de perto.

— Gretchen... querida! Você está bem?

Parecia quase em pânico. Ela abriu os olhos. Sentia-se enjoada e um pouco entorpecida, além de uma sensação de sede monumental. Olhou para o marido.

—  Acho que capturar invasores não é uma atividade indicada para mulheres grávidas.

Ele riu, aliviado ao ver que a cor retornava ao rosto dela.

— Talvez não, mas pelo menos você escolheu a melhor hora para desmaiar. Depois de tudo acabado e antes das entrevistas.

Apanhou-a nos braços e beijou-a ternamente.

— Madame Sabon disse que está grávida? — perguntou um dos repórteres próximos.

— Completamente grávida — admitiu ela, com orgulho, abraçando o marido. — Todos estão convidados para o batizado. Mas agora só quero minha cama e um pouco de morango com molho de picles.

Todos riram com a brincadeira. Kurt Brauer, no meio da multidão, praguejava enquanto era levado, com seus com­panheiros, pelos guardas de Philippe. A ameaça terminara. Gretchen sentia-se aliviada como nunca, agora que podia desfrutar sua felicidade. Beijou o marido e aninhou a cabe­ça no ombro dele, numa atitude feminina.

— Fiz bem?

— Fez bem — confirmou ele. — Como conseguiu?

Ela hesitou. Era bom ter as coisas para agradar aos ho­mens. Nunca se sabia quando isso podia valer algo que se precisava de verdade. Mas também era prudente não exa­gerar nas façanhas.

—  Se quer saber mesmo, acho que não me lembro da maior parte do que aconteceu. Mas Hassan e o guarda que você esmurrou salvaram o dia. Eles surpreenderam Brauer nos meus aposentos, e Leila e eu apontamos nossas armas para os capangas. Foi só isso.

— O Holandês e os outros encurralaram o resto da pa­trulha lá embaixo. Dois foram feridos, mas os restantes es­tão bem e já se entregaram. Felizmente para nós, ninguém ficou seriamente ferido com a bomba. Não deu certo como deveria, mas a intenção de Brauer era nos matar. Como não funcionou, veio ele mesmo completar o trabalho sujo.

—  Só que ele parece não ser muito bom nisso. Talvez possa aprender algo útil enquanto estiver na cadeia — opi­nou Gretchen.

— Nossos presídios não possuem instalações desse tipo — respondeu Philippe, sem pensar.

Ela olhou para ele, com um sorriso malicioso.

— Bem, esse era mesmo um assunto sobre o qual eu que­ria conversar. A reforma do sistema penitenciário... — co­meçou ela.

Leila e o velho sheik escutaram o gemido de Philippe, pois estavam observando o diálogo. Ambos sorriam. Mas não disseram nada.

 

Pareceu uma eternidade o tempo que Philippe demorou para voltar ao quarto. Gretchen tirara o vestido de casamen­to e o substituíra pelo caftan que gostava de usar quando estava em seus aposentos.

Philippe sorriu ao aproximar-se da porta e abriu os bra­ços. Gretchen correu a abrigar-se neles, aninhando-se ali como se tivesse receio de que alguém o levasse ou tentasse separá-lo dela.

— Tudo está sob controle — anunciou ele, apertando-a nos braços. — Brauer e a maioria dos homens estão sob custó­dia e serão julgados. Terminou.

— Não podemos deixar que ele saia nunca mais.

— Vamos, quero que conheça algumas pessoas.

— Espere... — pediu ela, indo em busca da aba. Envergou-a antes de se juntar a ele, provocando uma expressão de surpresa.

Philippe tomou-a pelo braço e conduziu-a até a porta. Quando foi aberta, reconheceu imediatamente Brianne Hutton, mas o homem moreno e alto ao lado dela não lhe era familiar, assim como a jovem loira e o cavalheiro more­no que a acompanhavam.

— Já conhece Brianne — disse Philippe, com o braço ao redor da cintura dela. — Este é o marido dela, Pierce Hutton, e estes são Cecília e Tate Winthrop.

—  Estou muito contente em conhecer você — disse Gretchen, sorrindo.

— Bem, sou obrigado a admitir que existe uma semelhan­ça — disse Pierce Hutton.

— E verdade, existe mesmo uma leve semelhança — con­cordou Philippe, abraçando a esposa.

—  Leve mesmo — respondeu Pierce, olhando para Cretchen. — Você está muito bem, apesar de toda a agita­ção da manhã. Não teve consequência alguma, eu espero.

Ela se apoiou contra o peito do marido.

— Não. Estou só cansada, mas isso é natural.

— Muito natural, principalmente para uma mulher grá­vida.

A exclamação de Brianne foi de pura alegria.

— Oh, que maravilha!

Philippe riu e uma cor avermelhada instalou-se em suas faces.

—  Como você disse uma vez, milagres acontecem. Gretchen me fez acreditar nisso.

—  Obviamente — concordou Pierce Hutton, com um sorriso maroto, olhando para Brianne.

Ela fez uma careta, como desafiando-o a duvidar de seu amigo, Philippe Sabon. Ficou claro que ele não cometeria mais esse erro.

—  Eu mesma acredito em milagres — afirmou Cecília Winthrop. — Tate e eu esperamos nosso segundo filho. O mais velho está com os avós no hotel. Graças a Deus não trou­xemos nem ele nem o filho de Brianne para a cerimônia.

— Os Holden ficaram no hotel com ele — disse Pierce.

— Foi assustador, mas... não foi nada com que a gente não pudesse lidar — declarou Gretchen, olhando para o marido.

Os convidados ficaram para jantar antes de retornar ao hotel. Iriam voar de volta a seus países na manhã seguinte. Marc desejou felicidades à sua irmã, recebeu de volta, com um sorriso, sua pistola de cano curto e apertou calorosamente a mão do cunhado. Gretchen e Philippe retornaram ao próprio quarto pouco tempo depois, cansados e prontos para dormir.

No caminho, encontraram o pai dele no corredor do pa­lácio, de ombros curvados e expressão grave.

— O que aconteceu, pai?

— Nada — respondeu ele, dando de ombros. — Bem... nada de importante.

— Pai...

O velho sheik parecia envergonhado.

— Acabei de levar, do padre Felipe, a descompostura mais vergonhosa da minha vida.

— Mas por que ele faria uma coisa dessas?

— Lembra como sua esposa insultou um dos guardas, não lembra? Pois esse guarda é o filho mais novo do chefe de uma das tribos de beduínos, que está muito contente por você tê-lo admitido de volta à guarda, e com uma promoção...

— Era o mínimo que eu podia fazer, depois da ajuda que ele deu a Gretchen.

— Pois, é... O problema não foi exatamente com ele. O outro guarda, que estava junto, teve muito prazer em rela­tar tudo o que ela disse. Como a ascendência americana dela é bem conhecida, assim como sua falta de conhecimentos do árabe, principalmente o arcaico, chegaram à conclusão de que ela só poderia ter ouvido de mim esse tipo de lin­guagem — contou ele, pigarreando e evitando o olhar do casal. — Recebi penitências para as próximas duas sema­nas e uma recomendação de maior cuidado na forma de me expressar. Mas além disso, andei prestando atenção em mi­nha nora, numa tentativa de aprender imprecações mais aceitáveis...

Em seguida ele sorriu e desatou num linguajar de vaquei­ro acidentado que deixou Gretchen abismada.

— Se disser uma coisa dessas na frente do padre Felipe, ele vai querer lavar sua boca com sabão — avisou ela, com o rosto vermelho.

 

— Pois eu disse. Por isso ganhei duas semanas de peni­tência.

Gretchen não conseguiu mais se controlar perante o ar infeliz do velho sheik e explodiu numa gargalhada.

— Você disse que era gíria americana quando eu pergun­tei — queixou-se ele.

— E é. Só que aprendi com meu irmão, e ninguém no sul do Texas coloca a mão no fogo por ele quando perde a calma.

— Não precisam se preocupar — interveio Philippe. — Para dizer a verdade, andei estudando filmes antigos ame­ricanos e encontrei algumas expressões do vocabulário po­pular que podem servir até para o nosso herdeiro, sem ren­der penitências...

— Diga uma — pediu Gretchen, curiosa.

Philippe sorriu de orelha a orelha antes de satisfazer-lhe a vontade.

— Bolota de cavalo!

O velho sheik e a nora caíram na risada.

Mais tarde, nos braços do marido, Gretchen pensava nos últimos meses de sua vida, sentindo o coração aquecido ao saborear as delícias da nova vida que construíra.

— Temos tanta coisa... — murmurou ela, em tom sonha­dor. — Nunca pensei que seria assim tão feliz.

— Nem eu. Mas foi você quem fez milagres ao meu redor.

— Nós fizemos os milagres juntos — afirmou ela, colocan­do a mão sobre o ventre. — Espero que tenhamos um palá­cio cheio de crianças, mas uma já é mais do que eu esperava.

— E eu... — suspirou Philippe, procurando os lábios dela na escuridão. — Preciso encontrar um tempo para ensinar a você meu francês de alcova.

— Desculpe ter metido seu pai em encrenca com o padre Felipe. Não tive intenção.

— Teve, sim — acusou ele, com carinho.

— Bem, para dizer a verdade ele me causou um bocado de problemas com aquelas maldições árabes antigas.

 

— E você sabia que o padre Felipe fala espanhol fluen­temente.

— Eu ensinei só algumas coisinhas — sorriu ela. — Mas no final foi bom. Ajudou a melhorar a linguagem dele.

— E a sua, também.

— Estou aposentada, já me corrigi. Não faço mais esse tipo de coisa — garantiu ela.

— Será mesmo?

— Pode acreditar, virei uma nova página — disse Gretchen, passando a perna sobre a dele.

Philippe não tinha mais vergonha de seu corpo perto dela, nem evitava a luz. Gretchen o fizera compreender que as cicatrizes eram piores em sua cabeça do que em seu corpo. Assim como o fizera compreender muitas outras coisas.

Esfregou o rosto no da esposa, que suspirou.

— Minha pérola de preço incalculável — disse ele.

— Humm...

— Lembra-se da história do homem pobre que encontrou uma pérola de preço incalculável e vendeu tudo o que pos­suía para comprá-la? Pois eu daria meu reino por você.

— De verdade?

— Tudo o que tenho.

— Amo você — disse ela, com carinho.

— Pois eu amei você desde que a vi pela primeira vez, em frente ao balcão da recepção do hotel no Marrocos, toda preocupada, mas tentando parecer confiante. Foi como se eu olhasse no interior da minha própria alma. A partir da­quele momento eu já não conseguiria mais ficar sem você, mesmo que tentasse — disse Philippe. — É estranho que eu tenha demorado tanto tempo para perceber.

— Você nunca tinha dito que me amava.

— E você acha que eu, um homem cujo corpo é o maior pesadelo, iria ter coragem de tirar minhas roupas na frente de uma mulher só por causa de um acesso de raiva?

Aquilo nunca ocorrera a Gretchen, que prendeu a respi­ração ao compreender o gesto dele.

 

—  Eu sabia... simplesmente sabia que você não iria me ridicularizar ou ficar com pena de mim quando visse as ci­catrizes — murmurou Philippe. — Confiei em você o sufi­ciente para partilhar meus piores defeitos. Foi um ato de amor, mesmo que na hora eu não tivesse percebido.

— Nem eu.

Ele sentiu lágrimas rolando por seu peito.

— Por que está chorando, minha pérola?

— Porque amo você mais do que minha vida — respon­deu ela.

— Pois eu amo você mais do que qualquer outra coisa no mundo — afirmou Philippe, enfatizando suas palavras com um beijo.

Os dois partilharam o ardor que as palavras não conse­guiam mais expressar por meio de gestos, na oração milenar que une casais apaixonados, através dos séculos e culturas.

—  Philippe...

— O que foi?

— É melhor que isso não seja uma coisa que você diga para todas as mulheres na sua vida...

— Mulher, você me ofende, assim. Acho que precisa de um corretivo.

Baixou a cabeça e começou a aplicar o que chamou de corretivo, usando a boca e a ponta dos dedos, exigindo que ela ficasse quieta para receber a "punição".

—  Depois você me explica como ofender você, porque acho que vou merecer muitos castigos — murmurou Gretchen, com a respiração entrecortada.

Foi a última coisa coerente que ela disse por algum tempo.

Sete meses mais tarde nascia Ahmed Rashid Philippe Mustafá, o herdeiro legítimo do trono do Quawi, filho do sheik e de lady Gretchen. Durante o batizado, dois preemi­nentes especialistas foram vistos discutindo um artigo con­junto sobre anomalias da fertilidade e diagnósticos preco­ces da função sexual causada por ferimentos múltiplos.

Os pais do bebê não quiseram comentar o assunto.

 

                                                                                            Diana Palmer

 

 

                      

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