CAPÍTULO 16
Mulher de Muitos Vestidos vinha correndo da loja de Caçador com os braços cheios de armas, justo no momento no que ele detinha amigo frente à porta. Mirlo corria detrás de sua avó, arrastando um grande canasto. Assombrada, Loretta olhou as coisas que Mulher de Muitos Vestidos levava. Flechas de guerra, lanças, facas. Sua vista se deteve no cesto do Mirlo. Uma parte de pano de algodão me sobressaía por debaixo da tampa.
A mulher e a menina pareciam nervosas. Loretta sentiu a tensão no corpo de Caçador. Disse algo a sua mãe e desceu do cavalo. A mulher se deu a volta e voltou a entrar na loja de Caçador, insistindo ao Mirlo a que fizesse o mesmo. Uma expressão de consternação se desenhava na cara de Caçador quando levantou a Loretta da cadeira.
Rodeando o escudo de guerra que havia em um trípode próximo à porta, Loretta começou a sentir-se incômoda. Tinha o pressentimento de que a mãe de Caçador tinha tentado tirar certas coisas da loja de seu filho antes de que ela chegasse. Quando cruzou a porta, levou-lhe um momento acostumar-se à falta de luz.
Mulher de Muitos Vestidos e Mirlo estavam de pé a um lado da habitação, e em suas caras havia uma expressão de culpa. detrás delas Loretta viu um pau comprido cheio de cabeleiras e plumas. Os joelhos lhe fizeram água. Olhou a Caçador por cima do ombro. Ele a roçou ao passar e evitou seu olhar.
—Ladrou-ma.
Sua mãe e sua sobrinha se moveram para a porta, olhando a Loretta em sinal de desculpa. Quando estiveram fora, Loretta se aproximou do poste das cabeleiras... e ficou ali olhando-o com mórbida fascinação. As cabeleiras eram muito numerosas para poder contar-se. Tampouco o tentou. Uma já o fazia suficiente dano. Examinou as armas que sua mãe tinha tentado tirar dali. O cesto continha provavelmente lembranças que Caçador tinha recolhido das vítimas.
—Minha mãe queria te evitar a tristeza —disse Caçador com voz rouca. —Chegou sem avisar.
Loretta recordou a noite em que tia Rachel lhe tinha feito uma visita no mezanino. Loretta tinha defendido a Caçador essa noite. Que estúpida tinha sido.
—por que me escondeu estas coisas, Caçador?
O avançou uns passos para aproximar-se de agarrar o pau e atirá-lo ao chão. Sabia que tentava tirar da loja o bota de cano longo ensangüentado, mas ela o agarrou pela boneca.
—Por favor, não o faça. Tirá-lo é mentir tanto como dizer palavras falsas.
O a olhou com seus olhos escuros.
—Olhos Azuis...
Loretta lhe soltou e ficou a mão na boneca. O som preocupado de sua voz lhe punha doente. Queria cair ali mesmo. meu deus, o que tinha feito? Era um animal, como havia dito tia Rachel. Todas essas cabeleiras. A quantos de sua gente tinha mutilado? E ela tinha vindo correndo até ele para lhe pedir ajuda.
—irás procurar a Amy? Isso não é mentira, verdade?
Voltou a pôr o pau no sítio com tanta força que as paredes de pele vibraram. Loretta fechou os olhos. Amy. Tinha que controlar sua língua, tinha que manter a calma.
—Luto a grande luta por minha gente. Nunca te menti sobre isso. Minha mãe escondeu estas coisas para não te fazer danifico.
Loretta queria lhe dar as costas. Lhe tinha feito acreditar que era um homem bom, e lhe tinha oculto seu lado mais cruel. Tinha funcionado. Tinha quebrado sete anos de silêncio por ele. E tinha crédulo nele mais do que nunca acreditou poder confiar em alguém.
—Importa o que eu pense?
—Sim. —Fez um círculo para colocar-se frente a ela. Cruzando os braços, disse: —Seus pensamentos não podem me trocar a cara, mas...
Loretta lhe interrompeu.
—Não te peço que troque, Caçador. O único que te peço é que traga para a Amy.
—Trarei-a junto a ti.
—Isso é o único que me importa.
O a observou durante um momento.
—Seu coração parece ter um grande amor para ela.
—Sim. Esses homens horríveis... É só uma menina. Faz já oito dias que a têm. Não posso pensar em nada mais. Inclusive quando durmo sonho no que pode lhe estar passando, ouço sua voz me chamando. Intento encontrá-la, mas não posso.
Lhe agarrou o queixo, com a mesma carícia doce de sempre.
—Esta noite dormirá sem pesadelos. Hei dito que a encontrarei. Suvate, tudo se cumpriu.
Com isto, saiu da loja.
Voltou uns minutos mais tarde. depois de fazer-se com umas calças de ante, que ficou em cima do tanga, agarrou as armas, fazendo várias viagens fora da loja para preparar o cavalo. Quando teve reunido tudo o que necessitava, sentou-se no jergón de peles, sujeitou com os joelhos um pequeno espelho de barbear, e ficou a pintá-la cara, perfilando-os olhos com uma barra de grafite negra e fazendo-se três raias vermelhas no queixo.
Loretta se sentou no bordo da cama para lhe ver. Ao terminar a olhou. Ela via caçador o assassino pela primeira vez. Por um lado, parecia tão feroz que lhe dava medo; por outro, sentia-se extrañamente a salvo. Só um homem tão brutal e resolvido seria capaz de encontrar e resgatar a Amy.
—O que quer dizer a pintura? —perguntou.
—Que este comanche cavalga em são de guerra.
—Guerra? —sussurrou.
—Santos saberá pela pintura que estou contrariado.
—Lutarão? Amy poderia resultar ferida.
—Seu Ayemee não sofrerá nenhum dano. —levantou-se e apartou as pinturas, limpando-as mãos em um pedaço de tecido. Voltando-se frente a ela, disse: —Meu irmão, Guerreiro, e meu bom amigo Antílope Veloz ficarão junto a ti. Seus fortes braços são teus. —Fez-lhe um sinal para que se levantasse. —Levo-te com Guerreiro agora. Dormirá no lar de sua loja. Não te fará mal, de acordo?
Quando Loretta saiu da loja, agarrou-se ao braço de Caçador.
—Meu cavalo, onde está? Preciso cuidar dele, Y... quero meu alforja. —Tinha medo de que roubassem o pente de prender cabelo de sua mãe. —Tem coisas dentro que necessito.
Caçador não trocou o passo.
—Seu bom amigo está na pradaria. Sua bolsa a tem Donzela da Erva Alta, em sua loja.
Ao final do povoado, Loretta viu um grupo de homens pululando, com os cavalos preparados para sair de viagem.
—Vão esses homens contigo a procurar a Amy?
—Sim. Devo me dar pressa. —Caçador diminuiu o passo conforme se aproximavam da loja de Guerreiro. Na porta se parou por completo e agarrou a Loretta pelos ombros, obrigando-a a lhe olhar. —Seguirá os passos de Guerreiro como uma mulher segue os de seu marido? Até que volte a estar a seu lado?
Loretta assentiu, olhando com medo a escuridão da loja. ao redor deles, a gente do povoado se dedicava a fazer seus quehaceres diários. Podia cheirar carne assando-se no fogo. Um grupo próximo de mulheres se detiveram para falar e olhavam por cima de sua costura a Loretta, percorrendo com olhos escuros suas roupas de cima abaixo. Passou um grupo de meninos correndo, rendo e sussurrando algo enquanto se tampavam a boca com as mãos. Ao outro lado do caminho, havia um ancião sentado sob uma paliçada, observando-a sem pestanejar.
—A Guerreiro não importa que fique aqui? O que dirá sua mulher?
—Ela te dá a bem-vinda. Está bem. Tranqüila, Olhos Azuis. Minha mãe está perto. Pode vir com sua colher. —Conduziu a Loretta dentro da loja. —Guerreiro? Está aqui.
Guerreiro emergiu das sombras, com uma pele e um cabelo tão escuro que por um momento Loretta não pôde reconhecer suas facções. Estava comendo algo, e antes de falar mastigou a comida que tinha na boca. Loretta se tranqüilizou ao ver que levava calças e se perguntou se os teria posto para honrar sua chegada.
—Meu coração cavalga contigo, tah-mah.
Caçador moveu as mãos e acariciou ligeiramente o braço da Loretta. Depois a soltou.
—E o meu fica contigo. Nei meadro, vou.
Loretta sentiu que se separava dela. No segundo último se deu a volta para ele.
—Caçador...
O se deteve na porta para olhá-la.
—Está bem, Olhos Azuis.
Ouviu o roce de peles detrás dela e soube que Guerreiro se aproximou. Estava tão tensa que lhe doía o pescoço. Jogou um olhar por cima do ombro. Ele estava tão perto que podia tocá-la. Mas não o fez. Em vez disso sorriu. Foi um sorriso amável, tranqüilizadora. Fora, Loretta ouviu passar ao cavalo de Caçador.
Guerreiro deu um rodeio para aproximar-se da porta e dizer algo em comanche. Uns segundos mais tarde aparecia uma moça embelezada com uma saia de pele suave e uma blusa de ante bordada. Dobrou sua escura cabeça e se dirigiu a Loretta com voz sedosa.
—Minha mulher, Donzela da Erva Alta, convida-te a compartilhar seu fogo —traduziu Guerreiro. —Irá. Eu venho logo.
Loretta tinha os pés cravados no chão. Aterrorizava-lhe deixar a loja de Guerreiro sem Caçador. A mulher murmurou algo, atirando-se nervosa de uma de suas largas tranças e pondo seus finos dedos sobre a tira de arminho que lhe atava o cabelo. depois de um momento, agarrou a mão a Loretta para que fora com ela.
—Ma, vamos —animou Guerreiro. —Está bem.
Uma vez fora, Loretta tratou de olhar a seu redor, mas o sol a cegava e teve que ficar uma mão sobre os olhos em forma de viseira. Até então, os comanches nunca se atreveram a aproximar-se dela porque ia com Caçador. Mas agora ele se foi. «foi-se.» Quando decidiu vir aqui, não tinha pensado em tudo isto. Ficar abandonada em um povoado cheio de selvagens era mais do que tivesse podido imaginar. As mulheres aqui não falavam inglês. Isto fazia que solo pudesse falar com Guerreiro. Guerreiro, o das cabeleiras penduradas na brida.
Donzela da Erva Alta agarrou com mais força a Loretta, com umas facções suaves e uns olhos escuros cheios de compaixão.
—Keemah, Eu-OH-hobt Papai. Toquet.
Loretta reconheceu as palavras. Keemah, vêem. Eu-OH-hobt papai, cabelo amarelo. Toquet, está bem. Logo tratou de procurar em sua mente a palavra para inimigo.
—Tenho medo. Sua gente são meu to-ho-BA-k.
As bochechas da moça se arredondaram ao sorrir.
—K to-ho-BA-k! —deu um tapinha no ombro a Loretta. —Hites.
«Não são inimigos, são amigos.» Loretta lhe devolveu o sorriso, sentindo-se reconfortada enquanto seguia à mulher a Índia até uma loja próxima. Possivelmente não estivesse tão só depois de tudo. Não é que fora muito, mas era quão único tinha até que Caçador voltasse.
Caçador deteve o cavalo e olhou a inquietante planície, uma extensão de terreno infinita que os rodeava. Um manto de erva dourada se estendia até mais do que a vista podia alcançar. O lar. Este verão, a caça tinha sido melhor para o este, mas mesmo assim, Caçador tinha sentido falta das pradarias Staked, sobre tudo a segura fortaleza natural do ravina de Pau Duro. Este era território quohadie, e todo aquele que se atrevia a entrar nele, incluídos os comancheros, estavam em perigo. Sua gente não se sentia tão despreocupada quando tinham que acampar nos terrenos dos tosi tivo.
girou-se no cavalo para olhar ao grupo de guerreiros que cavalgavam detrás dele. Seus cavalos estavam tão cansados que avançavam com as cabeças quedas. Os homens foram encurvados, como se carregassem o cansaço nos ombros. Caçador lhes tinha imposto um ritmo muito rápido nos últimos dias e começava a passar fatura.
—Santos não pode estar muito longe —disse a Homem Velho. —As boñigas de cavalo são frescas, e nesta parte a erva está mais escura, como se tivesse sido pisoteada. Aqui puseram a pastar animais.
—Então por que te detém?
—Descansaremos um momento.
Chana, Porco, deteve seu cavalo junto ao de Homem Velho. Esquadrinhou o terreno rapidamente, com uns olhos agudos e calculadores.
—por que vamos descansar agora? Estamos quase sobre eles.
—Uma noite mais não suporá muita diferença —respondeu Caçador. —Se tivermos problemas, será melhor que estejamos descansados.
Homem Velho bufou.
—Trouxeste-nos aqui a tudo correr, e agora se preocupa que estejamos cansados? Não me assustam um punhado de comancheros. Poderia terminar eu sozinho com dez deles. Vamos primeiro a pela menina, e depois descansaremos, de acordo?
Caçador observou um momento o horizonte. A voz da Loretta seguia lhe sussurrando: «Não posso pensar em nada mais. Inclusive quando durmo sonho no que pode lhe estar passando, ouço sua voz me chamando. Intento encontrá-la, mas não posso.»
Caçador não estava seguro de por que encontrar a Amy se converteu em um pouco tão importante para ele e tampouco tinha intenções de analisar seus sentimentos. Pretendia acaso consolidar um trato com uma mulher que já tinha comprado? por que devia pagar duas vezes para tê-la? Tão importante era que ela estivesse feliz? por que estava disposto a arriscar sua vida e a de seus amigos para conseguir que essa sombra de angústia desaparecesse de seus olhos? Não tinha respostas a todas estas perguntas. E isto lhe inquietava.
Já era bastante molesto que seus amigos advertissem sua ansiedade. Deviam pensar que era um boisa. Nenhum comanche se obcecaria tanto pelo bem-estar de uma menina tosi.
—Meadro, vamos —insistiu Porco.
Caçador apertou a mandíbula. Fazia bem pedindo a estes homens que lhe acompanhassem. Não só porque eram seus mais fiéis amigos, mas sim porque eram dos que não perguntavam.
—Está bem, seguiremos —acessou, —mas de volta a casa, nos tomaremos com mais calma.
Porco franziu o cenho.
—Não ficará mais remédio. A cabelo amarelo estará muito fraco depois de ter estado com Santos todo este tempo.
A Caçador lhe encolheu o coração. Só desejava que a garota estivesse ainda viva.
Uma hora mais tarde, o grupo de comanches alcançou um alto do que se avistava o acampamento de Santos. Tinha-o instalado perto de um arroio subterrâneo. Os três carromatos de fornecimentos estavam colocados em forma de meia lua para o oeste, bloqueando o passado do plúmbeo sol.
Os comancheros jaziam nas escassas partes de sombra. Seu aroma, combinado com o aroma das cabeças de gado mortas e o de boñiga fresca de cavalo, mesclava-se com a brisa. Uma estranha quietude os invadiu ao ver chegar aos comanches. Um dos homens, que tinha estado arranhando-a entrepierna, ficou como petrificado com a mão estalagem em suas partes. Outro tinha um cigarro ao meio terminar entre os lábios. Quando a parte acesa começou a lhe queimar os dedos, deu um uivo e agitou o braço. Este som repentino pôs a outros em movimento. ficaram em pé e começaram a gritar pelo acampamento como se procurassem a seu chefe.
Os trinta comanches, ombros erguidos e expressão endurecida, puseram ao passo seus monturas. Caçador se fixou no terceiro carromato que tinha a sua direita. Algo azul e branco pendurava da roda traseira. Ao aproximar-se, viu que era a menina, a que tinham com os braços atados aos rádios da roda e a cabeça pendurando. Tudo o que ficava de seu vestido azul era uma saia feita farrapos. O reflexo branco era sua pele e os restos da blusa de musselina.
Santos saiu a lhes receber, com a mão direita levantada e a palma para diante em sinal de saudação. Caçador avançou para ele, os olhos acesos e a boca apertada.
—Olá, hites —saudou Santos enlaçando seus dedos em sinal de amizade. Depois, disse em comanche. —É bom que tenha vindo, meu amigo, o Lobo. Tenho rifles e munições. E bagatelas para suas mulheres.
Caçador não lhe devolveu o sinal de amizade. Viu que Santos reparava em sua pintura de guerra.
—Não viemos a comercializar. Tem a minha irmã de olhos amarelos.
A Santos lhe pôs a cara branca.
—A irmã de sua mulher? Não, eu não. Eu sou bom amigo do Lobo.
Caçador apertou as rédeas. Por irracional que parecesse, lhe deu vontade de matar a Santos. Tudo, por uma cabelo amarelo a que nem sequer conhecia. Entretanto, estava ali para salvar a Amy e isto era o que tinha que fazer primeiro.
—vim a por ela.
—Juro-o pela tumba de minha mãe, Lobo. Não tenho nem idéia. Isto é algo terrível.
Santos estava representando de maneira magistral o papel de arrependido. Se não tivesse sido por sua palidez, Caçador tivesse chegado a lhe acreditar. O comanche se moveu em seu cavalo. Olhou a Porco e a Homem Velho. Sabia que contava com eles para lhe cobrir as costas. Os comancheros, que eram ao redor de vinte, mostraram-se respeitosos e se apartaram quando passou dando grandes pernadas até o terceiro carromato. O peito lhe encolheu ao ver mais de perto o estado no que se encontrava a menina.
Estava furioso. Era como se lhe tivessem dado um golpe no estômago e não pudesse respirar. Fechou os punhos e deu um tropeção, tragando o rugido de ódio que lutava por sair de sua garganta. Esta era a valente menina que se enfrentou a ele com um rifle? Uns dedos cruéis tinham deixado moratones negros e azulados ao longo de seus magros braços. Tinha a blusa rasgada, e através da cortina de ouro que era seu cabelo se sobressaíam os peitos nus, inchados e morados. A saia era um tecido feito farrapos que lhe tinham levantado por cima do joelho; as coxas os tinha manchados de sangue e sêmen seco.
Caçador pôs um joelho no chão, roçando com a ponta do outro pé os pés nus da menina. Na terra pôde ver que outros homens se ajoelharam ali. Muitas vezes, a julgar pelos rastros.
—Ayemee? —Ela não se moveu. Caçador lhe pôs a mão no cabelo, tão parecido ao de sua mulher. —Ayemee, acordada. vim a te tirar daqui.
Com uma rapidez que lhe pareceu surpreendente, a moça levantou a cabeça. Olhou-o aterrorizada. Caçador a olhou fixamente aos olhos, em busca de um espiono de prudência. Não encontrou nenhuma. Ela o olhou um momento e começou a gemer, lutando com as cordas que lhe atavam à roda. Tinha as bonecas cheias de feridas e ensangüentadas. Esta não era, com toda segurança, a primeira vez que se despertou para encontrar a um homem frente a ela.
—Ayemee —sussurrou, tratando de ser doce com ela. —Toquet, está bem.
Começou a lhe desatar um dos braços, mas seus gritos lhe detiveram: eram agudos e curtos, e entre um e outro ofegava de uma maneira tão profunda que gelava o sangue. encolheu-se contra a roda do carromato, afundando os talões na terra para pôr distância entre eles. Caçador se deu conta de que acreditava que ele queria violá-la ou matá-la, ou talvez ambas as coisas.
tornou-se para trás e apartou as mãos para que ela pudesse ver que não tinha nenhuma arma. Amy olhou a seu redor fora de si, como se procurasse ajuda. As lágrimas se amontoavam em seus olhos. Quando voltou a lhe olhar, sua expressão era se desesperada.
Caçador manteve as mãos em alto.
—Lohrhettah me enviou. Para te buscar. Lohrhettah, sua irmã que te quer.
Por seu instante desorientados olhos pareceram centrar-se nele.
—Loretta?
Caçador assentiu
—Olhe dentro de mim, de acordo? Recorda a cara deste comanche?
Ela o olhou fixamente, e por um momento pensou que poderia estar lhe acreditando. Muito lentamente, levantou-se para tratar uma vez mais de desatá-la. No instante em que se moveu, ela voltou a enlouquecer, gritando e movendo para trás a cabeça.
Caçador sabia que devia dar-se pressa. quanto antes se levasse a moça dali, mais segura estaria. Seus homens não se moveriam, mas não estava tão seguro dos comancheros. Se começavam a pensar, embora só fora durante um instante, que os homens de Caçador se vingariam pelo ocorrido, poderiam deixar de ser cautelosos e começar a disparar.
Tirando a faca, cortou rapidamente as cordas que rodeavam as bonecas da Amy. A faca a assustou ainda mais. A menina caiu ao chão e se fez um novelo, com os joelhos pegos ao peito e a cabeça escondida. Ao sentir que a tocava, retorceu-se e começou a gemer.
Tinha que lhe separar os joelhos do peito para poder levantá-la. Ela não ofereceu resistência, mas seguiu tremendo enquanto ele a agarrava em braços. Apoiou a cabeça em seu ombro. Ao olhá-la, lhe encolheu o coração. Era a viva imagem da Loretta. A mesma cara pequena e os mesmos lábios sensíveis. O mesmo cabelo. Os mesmos olhos, como partes de um céu do verão.
Caçador caminhou para seu cavalo, sem olhar a esquerda nem a direita, consciente de que os comancheros o rodeavam. Da forma mais delicada que pôde, pôs a Amy no cavalo e se montou detrás dela. Ela gemeu e se abraçou ao cavalo. Com muito cuidado, sentou-a com as pernas para um lado e as costas apoiada em seu braço.
Santos se aproximou.
—Lobo, prometo-lhe isso, não sabia que tivesse em tanta estima a esta mulher. Não lhes tivesse deixado que a tocassem.
—Mulher? —bufou Caçador.
Santos se encolheu de ombros, com o olhar nervoso.
—Não é a primeira vez que se perde uma mulher em uma incursão. Vós têm feito o mesmo muitas vezes.
—Nós fazemos a guerra contra os homens.
Santos esquadrinhou ao grupo de comanches que lhe esperavam antes de responder.
—Isso não se aplica a todos vós.
—Este comanche deixa um par de rastros —disse Caçador brandamente. —Os outros caminham seus próprios passos.
Com a atenção posta na garota, Santos começou a falar em inglês.
—Não quis te fazer danifico, pequena güerita. —A Caçador disse— Sou seu bom amigo, Lobo. O que digo é a verdade.
Com uma careta de desgosto, Caçador fez girar ao cavalo e saiu cavalgando dali. Seus homens fecharam filas para lhe cobrir as costas. Amy se acurrucó no regaço de Caçador, lhe tocavam castanholas os dentes, tinha os braços cruzados cobrindo o peito, e tinha fechado os olhos. O aproveitou para lhe examinar o corpo. Tinha um par de arranhões profundos nas pernas que necessitavam atenção. Esperou que isto fosse o pior, que não a tivessem quebrado por dentro como tinham feito com Salgueiro.
Tinha prometido a Olhos Azuis que levaria de volta à moça. Não queria ter que lhe devolver um cadáver.
Uma hora mais tarde, depois de que os comanches se detiveram e acampado em um ravina, Caçador seguia sem poder determinar qual era a gravidade das feridas da Amy. Cada vez que tentava tocá-la, voltava-se louca. Agora ele se sentava a seu lado, enquanto ela permanecia acurrucada de lado, com os joelhos pegos ao peito e os braços sobre a cabeça.
Caçador começou a recordar aquela vez em que a moça tinha saído sozinha da casa para enfrentar-se a um exército de guerreiros, com um rifle maior que ela sobre o ombro. Amy, a que tinha mordido e esperneado quando Antílope Veloz tentou sujeitá-la no cavalo. Tinha um coração comanche. Os espíritos como o seu eram difíceis de dobrar. Que dor devia ter sofrido para ver-se reduzida agora desta maneira.
Caçador não queria assustá-la de novo. Devia lhe curar as feridas, e rápido, mas algumas eram muito mais profundas que as da carne. Para isso necessitava doçura. a das mãos de uma mulher.
Mas não havia nenhuma mulher a quilômetros de distância.
Caçador chamou homem Velho e pediu a ele e aos outros que se afastassem. Não queria que Amy se sentisse mais intimidada do que já estava. depois de uns minutos, quando todo se ficou em silencio ao redor deles, Caçador cruzou as pernas e se sentou a seu lado.
Com toda a suavidade do mundo lhe roçou o ombro. Ela se encolheu e começou a chorar. Ele deixou a mão ali, sabendo que antes ou depois teria que aceitá-la, já que precisava averiguar o alcance de suas feridas. Seus gemidos recordaram a Salgueiro, e lhe fizeram recordar coisas que acreditava esquecidas. O que recordava com maior intensidade daquela longínqua noite era o terror de sua mulher moribunda. Salgueiro se tinha abraçado a ele, assustada da escuridão que lhes rodeava, e cada vez que alguém se aproximava entrava em estado de pânico.
Amy não tinha a ninguém a quem abraçar-se. Podia quase cheirar seu medo. Necessitava que a abraçassem. E não havia ninguém mais. Salvo Caçador.
—Ayemee —sussurrou.
Ela esquivou sua carícia. Caçador lhe aconteceu a mão pelas costas e depois outra vez pelo ombro. Pareceu-lhe ver sangue fresca em sua saia desfeita. Tocou-a para assegurar-se. Ao sentir que seus dedos se umedeciam, lhe pôs a pele de galinha.
—Ayemee? Está ferida. Este comanche tem que te cuidar. Não te fará mal. É uma promessa que te faço.
Agarrou-lhe a saia e tratou de levantar-lhe Ela voltou a gritar e a defender-se com seus pequenos punhos. Caçador se apartou e levantou a mão. Ela arranhou o chão para pôr distância entre eles e depois se inclinou sobre seus joelhos apertando-a barriga com as mãos.
—Não me toque! Não me toque!
Caçador manteve a mão levantada, tratando de não assustá-la mais do que já estava.
—Tem muitas feridas —lhe disse em voz baixa. —Este comanche é seu amigo. Ajudarei-te.
Amy soluçou. Levantou a cabeça e cravou seus olhos azuis nele, uns olhos arroxeados e inchados de tanto chorar. Podia ver o muito que ela precisava lhe acreditar. Torceu a boca.
—Amigo?
Caçador começou a baixar os braços. Ela se estremeceu e se tampou a cara com as mãos, como se tivesse medo de que fora a golpeá-la.
—Ai, Ayemee, não tenha medo. Levarei-te com o Lohrhettah, de acordo? Está bem.
—Memore! Loretta está em casa. Ela não pôde te mandar. Tenta me enganar.
—Este comanche não minta. Lohrhettah te espera em meu povoado. Veio para mim porque sabia que este comanche podia te encontrar. —Caçador procurou em sua memória algo que pudesse convencer a Amy de que dizia a verdade. —Veio com uma cortera negra em que Olhos Azuis levava suas volantes.
—Uma carteira? —Um brilho de esperança iluminou os olhos da Amy. —Sua carteira negra? A que lhe deu minha mãe?
Caçador assentiu.
—Huh, sim, uma carteira negra. Seu vestido era azul, com pequenas serpentes e flores rosas. Muita wannup, né? Muitas saias brancas e pololos debaixo.
—Seu vestido de calicó azul —sussurrou Amy.
—Ah, sim? Caalicoo. Meus olhos não puderam ver isto se ela não veio para mim. É seguro que é assim.
—Então, por que te detém aqui? por que não me leva com ela?
—Está muito ferida.
Tensa e lista para saltar, olhou-o enquanto punha as mãos sobre seus joelhos.
—Verá em mim? Dizem meus olhos mentiras?
Ela o olhou fixamente. Caçador tratou de não mover-se, de não respirar.
—por que ia Loretta a te pedir que me buscasse? —passou-se uma mão tremente pela frente. —É um índio.
Essa era uma pergunta a que Caçador não podia responder a ciência certa. Muito lentamente, com muito cuidado, pô-lhe uma mão na parte superior do ombro.
—Ela viu a meu Mirlo, uma menina pequena. Seu Lohrhettah sabe que este comanche entende a dor em seu coração porque seu Ayemee se perdeu. Confiou neste comanche para te buscar, para lutar a grande luta que te traria de volta a ela.
—Tem uma menina pequena? De verdade te mandou Loretta?
Tinha uma expressão tão desconcertada que Caçador esteve a ponto de sorrir.
—Estou aqui, verdade? andei um grande caminho. Se este comanche queria te enganar, enganaria-te perto de meu povoado.
Seus olhos se obscureceram por um momento, e depois se iluminaram. Pôde ver que começava a lhe acreditar. O som de uns sedimentos atraiu a atenção dos dois. Caçador olhou para trás e viu que Homem Velho se aproximava. Amy emitiu um grito de angústia.
—Faz que se vá! —retorceu-se. —Faz que se vá!
Homem Velho se deteve a meio caminho. Levava um cantil na mão.
—Traz água, verdade?
Sua cara empalideceu.
—Não... não. Terá que se vá! Não... não quero lhe ver!
Caçador começou a levantar-se, com a intenção de ir e agarrar o cantil. No momento em que Amy viu que se movia, começou a chorar e a lhe atacar.
—Não! Não me deixe aqui com ele! Por favor, não!
A reação agarrou por surpresa a Caçador, que quase perde o equilíbrio ao sentir que um corpo pequeno se pendurava dele. Lhe aconteceu os braços pelo pescoço, lhe tirando a respiração. Sua carne nua e coberta de suor se pegou a ele como um marisco. Por um momento não soube como reagir. Então sentiu o medo que percorria o corpo da moça e a rodeou instintivamente com os braços. Não era muito maior que Mirlo. A Caçador lhe encolheu o coração ao ver o desespero com a que se abraçava a ele.
—Não o permita, por favor. Não deixe que me faça mal.
—Não, não. Não lhe deixarei. Está a salvo, Ayemee. Está a salvo. —Passou-lhe a mão pelas costas, com cuidado de não lhe tocar os moratones.
Ela ficou murcha e começou a chorar. Caçador a embalou em seu regaço e ela não se opôs. Pensou que possivelmente estava muito aterrorizada. Seus olhos se cravaram nos dele, grandes e selvagens, e tinha a cara tão pálida que parecia haver ficado sem sangue.
—Ai, Ayemee —sussurrou.
—Não deixe que me faça mal, por favor, não deixe que me faça mal. Serei boa, de verdade! Farei o que me diz. Não deixe que me faça mal.
—Ninguém vai fazer te danifico. É uma promessa que te faço. Ninguém. —Com cuidado, com muito cuidado, Caçador a apertou contra seu peito. —Toquet, pequena. Não tenha medo. Tudo está bem.
Rodeou-a com seus braços e ela tremeu. Consciente de que Homem Velho os estava olhando, Caçador afundou a cabeça nela e começou a sussurrar, embalando-a, como tivesse feito com o Mirlo. Ao princípio ficou rígida. Mas quando viu que ele seguia na mesma posição, começou outra vez a soluçar e Caçador soube que tinha ganho a batalha.
A pôs nos braços para que pudesse descansar a cabeça em seu ombro com mais comodidade. Sem deixar de embalá-la, acariciou-lhe o cabelo e seguiu lhe sussurrando. Não estava seguro do que era o que tinha que dizer, se tinha que falar em tosi tivo ou em comanche. As palavras não importavam. A mensagem estava em sua voz e em suas mãos.
Sem saber muito bem quando aconteceu, houve um momento no que ela se girou para ele e lhe rodeou o pescoço com seus magros braços. Com a cara afundada na amplitude de seu pescoço, abandonou-se ao pranto. A violência de seus soluços lhe atravessava a pele. Caçador fez um movimento para Homem Velho para que deixasse o cantil sobre o cavalo. Quando Amy ouviu os passos se agitou e se abraçou a Caçador com mais força.
—Não deixe que me levem! Por favor, não!
—Não passa nada. Não vão levar te, de acordo? Estou aqui. —Passou-lhe a mão pelo cabelo. —Estou aqui, Ayemee. Sou grande e mau como o búfalo, verdade que sim? Está segura comigo.
Homem Velho se foi tão rápido como tinha vindo. Caçador só podia imaginar o que outros deviam estar pensando. Que tinha perdido seu coração comanche. Que tinha esquecido como tinha morrido sua mulher. Que era boisa. Nesse momento, nada disso lhe importava. Fechou os olhos, consciente só da menina que tinha nos braços, do grande presente que acabava de lhe fazer ao depositar sua confiança nele.
Caçador não podia estar seguro de quanto tempo tinha passado. O sol estava desço no horizonte, preparado para o anoitecer. Ele seguia ali sentado, balançando a Amy. de vez em quando, quando abria os olhos, via o contraste entre seus braços escuros e a brancura dos da menina, o brilho de seu cabelo. Uma olhos azuis. Já não parecia lhe importar absolutamente.
A rapidez do anoitecer obrigou por fim a Caçador a endireitar-se. Devia cuidar da Amy enquanto ainda houvesse luz.
—Ayemee —disse brandamente, —está sangrando. Tenho que ver suas feridas. Lohrhettah se zangará muito se não cuidar bem de ti.
Ela ficou tensa.
—Tenho um corte na perna.
—Verei esse corte, de acordo?
—Não... não quero que o faça.
—Devo fazê-lo. Confiará neste comanche. um pouco, verdade?
Ela começou a tremer de novo.
—Não! Não deixarei que ninguém volte nunca para olhar, nunca.
Caçador ficou calado um momento, pensando.
—Darei-te minha faca. Se te fizer mal, poderá me matar.
A sugestão fez que a menina levantasse a cabeça. Olhou-o com uns olhos azuis cheios de incredulidade.
—Não o fará.
Caçador tirou a faca da capa e lhe pôs o punho na mão. Ela olhou absorta a folha curvada. Depois, bastante a contra gosto, aceitou com voz tremente.
—Está bem, deixarei-te, mas só se o fizer rápido.
Então a sentou na terra, frente a ele. Ela se incorporou apoiando-se em um cotovelo e sustentou a faca na mão, lista para atacar. Contendo um sorriso, encontrou-se com seu olhar assustado e lhe tocou a coxa esquerda.
—Aqui?
Ela assentiu. Caçador podia sentir seus tremores e sabia o muito que lhe custava deixar que lhe levantasse a saia. A fatia que tinha no lateral da coxa era profunda e seguia sangrando. Caçador soube pela linha poda da ferida que tinha sido feita com uma faca. A raiva lhe invadia. Mesmo assim, sentiu-se mais tranqüilo ao ver que sanaria logo. Com a mão posta na perna, levantou os olhos para ela.
—Sangra de dentro?
Sua cara se ruborizou, e se mordeu o lábio. Caçador tivesse dado todos os cavalos que tinha por ter uma mulher nesses momentos ali.
—Tem que me dizer a verdade, de acordo?
Seus olhos se encheram de lágrimas.
—vou morrer, verdade?
Caçador se sentiu como se um cavalo lhe tivesse dado um coice nas vísceras. Voltou a ver-se anos atrás, e recordou o último dia da vida de sua esposa.
—Esse sangue de dentro, é muita?
Ela sacudiu a cabeça, com a cara contraída.
—Ao princípio sim, agora só é um pouco. vou morrer?
Lentamente, a tensão de seus ombros foi cedendo.
—K, não. —Soltou-a e lhe baixou o vestido. —Não morrerá. —Seus conhecimentos da língua tosi eram insuficientes. —É dessa forma, não? um pouco de sangue.
Começou a levantar-se.
—Não! Por favor, não me deixe!
—Só vou a por água e tecido para limpar e cobrir a ferida. —O inclinou a cabeça para o cavalo. —Já o verá.
Ela considerou a distância, e depois assentiu.
Caçador deixou que ficasse com a faca enquanto limpava o corte da coxa. Parecia mais tranqüila agora que sabia que podia defender-se. A Caçador não preocupava muito que ela pudesse lhe atacar, e inclusive se o fazia, sabia que poderia detê-la antes de que lhe fizesse muito dano.
Quando terminou de limpar e lhe enfaixar a perna, deu-lhe uma de suas camisas de ante para que se cobrisse. Ela a agarrou agradecida, mas estava muito fraco para passar-lhe pela cabeça ela sozinha. resistia também a devolver a faca. O conteve outra vez o sorriso e sugeriu que trocasse a faca de uma mão a outra enquanto ele colocava seus pequenos braços pelas mangas da camisa.
depois de vesti-la, fez-lhe um leito sob um arbusto de mezquite, e se sentou junto a ela. Amy procurou sua mão. Caçador lhe rodeou os dedos com os seus. Baixou os olhos para ela e pensou na Loretta.
depois de um momento, Amy conseguiu conciliar o sonho. Com medo a que pudesse cortar-se com a arma que ainda sustentava no regaço, Caçador agarrou a capa que tinha em seu cinturão e colocou com muito cuidado nela a folha da faca.
assegurou-se de que dormia profundamente antes de deixá-la. Sem fazer ruído, agarrou seu cavalo e o levou a certa distância antes de fazê-lo parar e revisar a equipe que levava. Abriu umas alforjas, tirou a faca de reposto e atou a capa a seu cinturão. Continuando, encordó seu arco e revisou o fio da folha de sua tocha para assegurar-se de que estava afiada.
Homem Velho emergiu de entre as sombras.
—O que está fazendo?
Caçador seguiu preparando-se para a batalha, sem responder.
Homem Velho jogou um olhar à garota e se acariciou o queixo.
—vais voltar? É perigoso, um homem só contra todo um grupo.
Caçador tirou toda a bagagem que lhe sobrava das alforjas.
—Melhor que uma menina pequena contra todos eles.
—Seu braço forte é dela?
—É o caminho que devo percorrer. —Caçador apertou a mandíbula, evitando o olhar de Homem Velho. Os dois sabiam as implicações dessa afirmação. Caçador desejava poder explicar-lhe mas suas razões não estavam do todo claras, nem sequer para ele. —Santos lhe roubou a honra. Alguém deve voltar e reclamá-lo.
—Irei contigo.
—Não. Se cair, deve levar a menina a Guerreiro e a Loretta por mim.
Homem Velho suspirou, depois assentiu.
—Isso parece, amigo.
Com isto, Homem Velho se foi trotando em busca dos outros homens. Caçador ouviu vozes e passos agitados. Sua cara esboçou um sorriso ao ver que vários de seus amigos estavam já montados para ir com ele. Sem perguntas, sem amargas acusações. Se queria lutar por uma cabelo amarelo, eles seguiriam a seu lado.
Porco se aproximou dele atirando tão energicamente das rédeas de seu Pinto que o cavalo começou a mover-se em um meio círculo.
—Assim vamos lutar, não?
—Eu vou.
—Então vamos contigo. —Porco fixou o olhar no vulto que se acurrucaba sob o arbusto. —Você faria o mesmo por nós.
Caçador montou no cavalo.
—Estão seguros de que querem vir? Entenderei-o se ficam.
—Eu estou contigo. Planeja deixar a algum deles com vida?
—Este comanche terá com eles a mesma consideração que eles tiveram com a menina. —Os lábios de Caçador se fecharam. —Nenhuma.
Amy seguia dormindo quando Caçador voltou três horas mais tarde com a cabeleira ensangüentada de Santos pendurada da brida do puro sangue. Tinha reclamado sua honra... com a vingança.
CAPÍTULO 17
A luz do fogo dançava dentro da loja e emitia raios dourados pela habitação. Loretta estava sentada na sombra, trancando-se em silêncio os cabelos com a carteira aberta junto a ela. Quando teve terminado de arrumar o cabelo, apoiou as costas contra a parede de pele da loja e fixou a vista no grupo de índios que se sentavam com as pernas cruzadas perto do fogo. Estavam entretidos jogando a algum tipo de jogo de mesa no que havia tina peça de couro suave com as esquinas pintadas. Cada pessoa tinha uma pedra atribuída que se diferenciava pela forma em que estava grafite.
Loretta não pôde concentrá-lo suficiente no jogo para compreender as regras. Só tinha olhos para Búfalo Vermelho. uniu-se à família de Guerreiro para passar a velada e mostrava seu lado mais amável e alegre, um lado que a Loretta resultava difícil de acreditar. Menina Pony, a sobrinha órfã de Guerreiro de dois anos, subia em cima de Búfalo Vermelho agarrando-se a suas tranças e lhe apertando o pescoço por detrás até fazer que sua cara ficasse vermelha. Quando não o fazia caso, o fazia cócegas. O guerreiro tolerava suas travessuras, e suas mãos sempre se moviam com doçura quando tratava de lhe tirar as mãos de seu cabelo. Loretta não podia acreditar o que via.
Quando Donzela da Erva Alta agarrou os jogo de dados, Búfalo Vermelho lhe disse algo, e ela emitiu um estranho chiado, lhe dando uma cotovelada nas costelas. Búfalo Vermelho se Rio e lhe agarrou as tranças, lhe fazendo um nó com elas por debaixo do queixo. Ela levantou seus formosos olhos e atirou os jogo de dados, depois de agitá-los bem com uma floritura. Búfalo Vermelho se inclinou para ver o que tinha tirado, depois grunhiu e se golpeou a frente com a palma da mão. Guerreiro jogou atrás a cabeça e rugiu renda-se. Tartaruga, que com cinco anos já podia jogar, fez uma careta.
O jogo terminou e Donzela da Erva Alta parecia ter vencido por muito aos homens. desfez-se as tranças e deixou cair o cabelo sobre seus ombros, com uma expressão de suficiência na cara. A Loretta, este gesto recordou a Amy mas em realidade, esses dias, tudo recordava a ela. Ao observar a esta família, as únicas diferenças que podia advertir entre eles e os brancos era sua forma de vestir e o idioma. Em realidade, até pareciam mais felizes e contentes.
Búfalo Vermelho levantou os olhos. Quando seu olhar se encontrou com a da Loretta, deixou de sorrir. Baixou o olhar para a carteira, com a atenção posta no pente de prender cabelo de diamantes que brilhava à luz do fogo. O ficou com o olhar fixo no objeto um momento, depois apartou a cara, mas não antes de que ela visse o ódio refletido em seus olhos. Loretta fechou a carteira, determinada a lhe ignorar. Caçador voltaria logo com a Amy.
A sombra distorcida de Donzela dançou sobre as paredes ao levantar do círculo e rebuscar entre os utensílios de cozinha. Depois voltou para fogo e pôs um grande caldeirão suspenso nas chamas. Tartaruga não a deixava nem a sol nem a sombra, a cara iluminada pela emoção. Primeiro atirou uma colherada de graxa no recipiente, depois tirou algo de uma saca e o meteu no caldeirão, e por último o fechou com a coberta. Passados uns minutos, Loretta escutou o ruído familiar das pipocas.
Amy adorava as pipocas. As lembranças eram dolorosas: sentada na mesa, os lábios manchados de manteiga derretida, o som musical de sua risada... Loretta apartou a cara e entrecerró os olhos para evitar as lágrimas. Como não ia estar contente Tartaruga! A todos os meninos adoravam as pipocas. Muito em breve começou a notar o aroma. Como tivesse desejado que Amy estivesse ali.
Guerreiro lhe fez gestos.
—Lohrhettah, vêem, né?
Loretta olhou incômoda a Búfalo Vermelho. Para sua surpresa, aproximou-se de Donzela da Erva Alta para lhe fazer sitio. Mirlo atravessou correndo a habitação e agarrou a Loretta da mão.
—Keemah! —gritou.
Loretta se levantou e deixou que a menina a conduzisse ao círculo. Ela olhou a Búfalo Vermelho. Lhe devolveu o olhar e sorriu. Tinha o estranho pressentimento de que o fazia só por respeito a Guerreiro e a Donzela da Erva Alta. Tinha que haver um motivo oculto para esta repentina mudança de atitude. Ai, Deus! Esperava que Guerreiro os deixasse a sós em algum momento?
—Este comanche não vai comer te —disse. —Tranqüila.
Não estava segura do que era o que podia esperar de sua mudança de humor. Loretta se colocou a saia e se sentou com as mãos cruzadas sobre o regaço. Com Guerreiro a seu lado, sentia-se bastante segura. Estes últimos cinco dias lhe tinha demonstrado que era um homem amável e de bom caráter. Donzela da Erva Alta, com suas maneiras doces e tranqüilos, era a que levava as calças em casa. Loretta sabia que ninguém poderia lhe fazer danifico com Guerreiro ao lado.
Quando as pipocas deixaram de saltar, Donzela tirou a caçarola do fogo e a pôs no centro do círculo. Abriu a tampa e o maravilhoso aroma o impregnou tudo. depois de que todos se servissem, Loretta agarrou timidamente um punhado, tratando de não pensar na Amy e sentir-se tão desgraçada. Búfalo Vermelho grunhiu e afundou as mãos na caçarola, enchendo de pipocas a terrina que formava com as Palmas. Ao minuto seguinte, deixou cair a montanha de pipocas sobre o regaço da Loretta.
—Por Deus!, não... —Loretta esteve a ponto de dizer que não podia comer tantas, mas se tragou as palavras e esboçou um sorriso. Esta gente não conhecia a Amy. Não podia esperar que entendessem a tristeza que sentia, ou que lhes importasse, inclusive. —Obrigado.
Mirlo agarrou uma pipoca do montão que tinha Loretta na saia, e todo mundo se Rio. Para não ficar atrás, Menina Pony, que sempre estava movendo-se, engatinhou para ela e fez o mesmo.
—Vê? É bom que tenha tantas —disse Búfalo Vermelho.
Sua voz soou tão amável que Loretta levantou os olhos. Tinha a cara tão deformada que lhe resultava difícil ler sua expressão. Era o brilho que via em seus olhos só o reflexo do fogo? Um calafrio de desconfiança lhe subiu pelas costas. Apartou os olhos. Por muito amável que parecesse, nunca poderia confiar nele.
Antílope Veloz apareceu a cabeça pela porta e chamou tartaruga por seu nome. Ao cheirar as pipocas entrou, com um sorriso desenhado em seu formoso rosto. Loretta se inclinou a um lado ao ver que ele tratava de agarrar um punhado do extraordinário manjar. Embora Caçador lhe tinha assegurado que o braço forte de Antílope Veloz estava a seu serviço, Loretta não tinha visto o suficiente ao moço esses dias para sentir-se cômoda com ele.
O jovem índio parecia mais mexicano que comanche, e Loretta se perguntou se não seria também mestiço, como Caçador. Suas facções eram quase muito perfeitas para um homem: nariz majestoso e reta, olhos marrons grandes e cristalinos e uns lábios finamente desenhados que formavam um arco perfeito. Tampouco é que lhe importasse sua procedência. Fossem quais fossem seus orígenes, era um membro aceito e bem integrado no povoado. Jogou-lhe uns quinze anos, talvez dezesseis. Entretanto se comportava como um homem, com uma musculatura bem definida e um porte orgulhoso. Loretta pensou que devia ser tão brutal como qualquer outro na batalha.
Levando-se outro punhado de pipocas à boca, Antílope Veloz disse algo a Tartaruga e lhe piscou os olhos um olho. Sem pedir permissão a seus pais, o filho pequeno de Guerreiro ficou em pé de um salto e seguiu ao menino maior fora da loja. Loretta os seguiu com o olhar, perguntando-se onde poderiam ir tão tarde. Guerreiro e Donzela da Erva Alta não pareciam preocupados. Loretta começava ou seja que os meninos comanches tinham muita mais liberdade que os brancos, que podiam ir e vir como gostasse. Ainda não tinha visto que algum deles fora castigado ou recebesse sequer uma regañina.
Mirlo tirou o sítio a Tartaruga junto a seu pai, acurrucándose a seu lado e lhe pedindo carinhos. Guerreiro sorriu e lhe pôs algumas pipocas na boca. Ela as tragou como um peru, lhe mordiscando os dedos. Menina Pony, que sempre tratava de monopolizar a atenção frente à irmã maior, chiou e saiu disparada para onde estavam eles. Quando brincava de correr por detrás da Loretta, tropeçou.
Búfalo Vermelho tratou de agarrar à pequena, mas não chegou a tempo. Ela perdeu o equilíbrio e caiu de costas sobre o fogo. Seus gritos atravessaram o ar.
—meu deus! —Com as pernas enredadas no vestido, Loretta foi incapaz de mover-se para ajudar à pequena.
Guerreiro tratou de soltar-se de sua outra filha. Donzela ficou em pé, mas estava no lugar mais longínquo do círculo. Búfalo Vermelho estava mais perto e foi mais rápido. Agarrou à menina das chamas, jogou uma olhada às queimaduras e se girou para a porta, sustentando-a em braços ante ele enquanto corria. Loretta, incapaz de entender o que gritava, só pôde perguntar-se aonde a estava levando.
Guerreiro e Donzela da Erva Alta correram detrás de Búfalo Vermelho e Mirlo saiu disparada detrás de todos eles. Para quando Loretta quis livrar-se das saias e levantar-se, encontrou-se já só na loja. Podia ouvir os gritos de Menina Pony a suas costas, cada vez mais débeis. Ela não era a não ser uma estranha. Tremendo, fixou a vista no fogo. Pobre Menina Pony. Loretta se sentia culpado. Esmagou o tecido de seu pesado vestido com raiva, recordando a forma carinhosa em que Caçador tinha acariciado à menina, como seus olhos se enchiam de doçura quando a olhavam.
Havia pipocas esparramadas por todo o chão. Sem deixar de tremer, agachou-se para as recolher e as atirar ao fogo. Demorou vários minutos em ter o chão limpo.
Esta era a primeira vez que se encontrava sozinha no povoado. Aqueles três primeiros dias, Caçador tinha estado sempre a seu lado, e estes últimos cinco dias, tinha sido Donzela da Erva Alta a que tinha permanecido com ela. Loretta se afundou ficando em cuclillas e ficou absorta olhando as chamas. Queria fixar-se nos ruídos que provinham do exterior. Os outros vizinhos que tinham escutado as vozes da menina falavam aqui e lá, e se podia ouvir um som de preocupação em suas palavras.
Loretta fechou os olhos. Rezou para que a menina estivesse bem.
A pele da porta rangeu como se alguém tivesse entrado. Loretta não se atrevia a olhar. deu-se conta alguém de que estava sozinha? Vinham a atormentá-la? A matá-la?
—Guerreiro e Donzela voltarão logo. Devem esfriar o fogo das queimaduras de Menina Pony no rio. Quando terminarem, levarão-a a Mulher Medicina para que lhe aplique um ungüento curador. Guerreiro me envia para que cuide de ti. Antílope Veloz estará fora esta noite com Tartaruga.
Loretta levantou a cabeça e viu que Búfalo Vermelho se aproximava dela, com as calças e os mocasines molhados. Podia fazer uma idéia dele correndo para o rio com Menina Pony, sujeitando-a com mãos suaves e tratando de tranqüilizá-la com sua voz mais carinhosa. Lhe fez um nó na garganta. Preocupava-lhe saber que começava a lhe ver não como o cretino que era, mas sim como uma pessoa amada e capaz de amar. Um homem com duas caras, uma humana e a outra monstruosa.
Ele se agachou ao outro lado do fogo, percorrendo-a de cima abaixo com o olhar. Um sorriso de brincadeira apareceu em sua cara.
—Não tenha medo, não tem que o ter, né?
Loretta se agarrou a saia com o punho.
—Pensei que me odiava. por que esta mudança tão repentina?
Sorriu ainda mais.
—Não troquei. Meu ódio arde —assinalou para as chamas— como o fogo. Meu coração está contente, sim? É a mulher de minha primo. Foi o trato com ele. Em troca de sua irmã? —Levantou uma sobrancelha, observando-a como um menino cruel que atirou um inseto em uma panela de água fervendo. Tinha o incômodo pressentimento de que estava contente de poder desfrutar desse momento a sós com ela, que o tinha estado esperando como um gato espera ao camundongo, para atacar. —A canção terá terminado logo.
Uma semente do milho que Loretta tinha atirado ao fogo escolheu esse momento para saltar. O inesperado do ruído lhe fez dar um salto. A boca desfigurada de Búfalo Vermelho se contraiu.
Loretta estava assustada. Sabia que era isso o que tentava, pô-la nervosa. por que ia permitir lhe que a acossasse?
—Refere-te à canção de Caçador, verdade?
Búfalo Vermelho pareceu surpreso.
—Há-te dito as palavras?
—Não. Quais são as palavras?
Seus olhos brilharam, e esta vez ela soube que não tinha nada que ver com o resplendor do fogo, a não ser com o demônio que tinha dentro.
—Conhecerá as palavras... muito em breve —sua expressão era como de suficiência, —quando minha primo volte. Está claro que não é muito lista, Cabelo Amarelo. Mas isso é bom, a canção se cumprirá.
—O que quer dizer?
O se encolheu de ombros, sem responder.
—Diga me insistiu isso ela.
—Já o verá. —Sorriu, como se estivesse rendo-se de uma brincadeira que solo ele conhecia. Cravou os olhos no fogo por uns segundos. —Não te disse como lhe encontrar quando te levou a suas paredes de madeira? Não deixou marcas no chão, para que todos os que passassem soubessem que sua mulher vivia ali?
—Sim, e o que?
O a olhou, como se esperasse que o que acabava de dizer lhe doesse. Quando ela ficou lhe olhando sem dizer nada, ele soltou uma gargalhada.
—Não te deixou um de seus melhores cavalos? Não te deu seu medalhão para te marcar como sua mulher?
Loretta sentiu um calafrio subindo pelas costas.
—Sim.
—E pouco depois de que partisse, os comancheros chegaram, verdade?
—Sim, o que me quer dizer com isso?
Búfalo Vermelho sorriu.
—Que não é muito lista. O enviou a Santos para que te encontrasse. As palavras da canção dizem que você «deve» voltar para ele. Caçador fez que este caminho lhe fora mais fácil. E agora, mulher estúpida, entregaste a ele em troca. É dela. Quando voltar, a canção se cumpriu.
Todas as peças encaixavam com uma claridade horripilante. Loretta o olhou fixamente, com o pulso a cem por hora.
—Não... Memore.
Outra semente de milho saltou no fogo. Búfalo Vermelho moveu os restos carbonizados e os devolveu às chamas com supremo cuidado.
—Tinha que ser assim. Roubaram a sua irmã para te trazer para ele, não é assim? Seu medalhão te marcou, para que seu amigo, Santos, não roubasse à mulher equivocada. Três cabeleiras douradas. Santos te conheceu pela pedra que minha primo te deu.
—Não. —Embora o negasse, tudo parecia ter sentido. —O não faria algo tão desprezível. Não a uma menina!
—Os comancheros visitam suas paredes de madeira muito freqüentemente?
—Não, nunca. —Loretta se molhou os lábios, com a língua seca e pegajosa. —Mas não é tão estranho que estejam pela zona.
Lhe cravou os olhos.
—Caçador te deixa, e, pela primeira vez, eles vêm? levam-se a menina. E seu cabelo amarelo volta com ele, bastante rápido.
—Memore!
—A canção deve cumprir-se. Quando ele volte com a menina, pedirá-te o que convieram. Você virá a ele, como se disse em sua canção faz muito tempo. Você fez um pacto com ele, deu-te em troca da menina. Quando voltar, irá ao fogo central e anunciará seu matrimônio contigo. Depois... —Búfalo Vermelho sorriu e moveu a mão ao longo da laringe. —Suvate, tudo se cumpriu.
A Loretta lhe encolheu o estômago.
—Não.
O se encolheu de ombros outra vez, como se estivesse de acordo.
—Ah, sim, jogará contigo um pouco antes. —Inclinando-se para ela, para que a luz do fogo iluminasse sua cara desfigurada, lançou-lhe um olhar lascivo e disse: —E eu também. Muitos de nós, né? Será muito divertido, Cabelo Amarelo. Crie que ele seria tão amável com outra mulher branca? —deu um bufido e ficou de pé. —É tola. Uma Olhos Brancos? Cuspimos nelas. Põe-lhe doente. Sua gente matou a sua mulher, a seu filho ainda não nascido. Levou-te a suas peles de búfalo? Não, Cabelo Amarelo. Para ter prazer com alguém como você, deve esperar e fazê-lo a sua maneira.
Como se sua proximidade poluísse o ar que respirava, Búfalo Vermelho deixou o fogo e se sentou no jergón. Tirou a faca e ficou a revisar a folha com o dedo polegar. Depois, com o olhar fixo nos peitos da Loretta, passou-se a ponta pelo seu próprio.
—Logo, né? Muito em breve.
Loretta tinha vontades de vomitar. Não podia deixar de olhar o caminho que fazia com a faca, imaginando-lhe em seu corpo.
—Compartilha minhas palavras com Guerreiro. O te dirá que hei dito a verdade. Observa a minha primo quando voltar. Irá ao fogo central e dirá as palavras para te fazer sua esposa. Observa. Verá. Búfalo Vermelho não diz mentiras.
Um temor repentino e helador invadiu a Loretta. Caçador acreditava que sua canção tinha que cumprir-se, e que ela era parte da canção. Tinha-a manipulado como a uma marionete, lhe fazendo dançar com as palavras para que a profecia se cumprisse? Os brancos tinham matado a sua esposa? Possivelmente ele estava tão consumido pelo ódio como ela, e detestava a todos os que tinham a pele branca, como ela detestava aos comanches.
Gotas de suor caíram por sua frente. «Conhecerei a canção que seu coração canta.» Tinha-lhe acreditado. Tinha-lhe tomado carinho e tinha pensado que era seu amigo. Seu amigo. Ele o tinha entendido assim. E o tinha fomentado. «Não haverá guerra entre nós. Saudarei-te e irei cavalgando.» Podia ser tão falso? Tão desumano?
Recordou o poste com as cabeleiras, como sua mãe tinha tentado tirar as da loja, junto com as outras evidências de suas correrias. meu deus, todos participavam da mesma mentira, todos eles, inclusive Donzela da Erva Alta.
Loretta apertou os dentes, e se encarou ao olhar diabólico de Búfalo Vermelho. As lembranças de Caçador flutuavam em sua mente. O rouco sussurro de sua voz, a carícia amável de suas mãos, seu sorriso cheia de indulgência. Podia um homem fingir todo isso? Não, não devia acreditar em Búfalo Vermelho, não podia. Caçador se merecia mais que isso.
Esperaria e rezaria. Se Búfalo Vermelho não mentia, se Caçador estava de verdade manipulando os fatos para que voltasse com ele, então ela e Amy valiam tanto como a morte.
Ao amanhecer, Amy abriu os olhos aterrorizada. Estavam todos rodeando-a. As manhãs e as noites, quando fazia frio, sempre eram os momentos piores. Eles viriam logo, um homem, possivelmente dois, seguidos por um fluxo contínuo deles... até que o sol estivesse alto no céu.
Pediu estar morta antes de que tudo voltasse a começar de novo.
Como fazia cada manhã ao despertar, Amy se estirou contra as cordas que a atavam ao carro. Ao dar-se conta de que já não havia cordas, ficou sem saber o que fazer. Não estava atada à roda do carro? Estava tombada sobre peles suaves, coberta com uma pele de búfalo? Seus dedos se fecharam instintivamente ao redor do punho da faca, e então recordou o que tinha passado no dia anterior.
Caçador, o comanche.
Sua mãe dizia que era um animal sem coração. Possivelmente fosse. Mas ao menos não lhe tinha feito isso ainda. Amy olhou a seu redor. Seu cavalo pastava perto dali, mas Caçador não estava. Sua garganta emitiu um soluço, e depois outro, e outro. Onde se tinha metido? Tinha-a abandonado? Assim que esses outros índios se dessem conta de que estava sozinha...
Uma mão grande e cálida saiu de nenhum lugar e lhe tocou o cabelo. Ela ficou tensa, e se tragou os soluços, com medo a mover-se. Um homem. Mas quem? Tinham-lhe visto os outros índios? Dobrou o pescoço e descobriu que Caçador dormia junto a ela, com a cabeça a solo uns centímetros da sua, seus pés assinalando ao lado oposto ao que assinalavam os dela.
—K taikay, k taikay —lhe sussurrou médio dormido. —Toquet, ma-tao-yo.
Amy não entendia as palavras. Só sabia que a acalmavam de uma maneira indescritível, como lhe acalmava o peso de sua mão sobre a cabeça. Uma mão poderosa e forte, e ao mesmo tempo carinhosa. Não estava sozinha. Tinha passado toda a noite com ela e não lhe tinha posto a mão em cima.
antes de dar-se conta do que fazia, Amy afundou os talões e se girou em sua direção. Ao lhe aproximar a cabeça, ele levantou suas escuras pestanas e tratou de olhá-la. Tinha-a tão perto que logo que teve que abrir os olhos para vê-la. tornou-se um pouco para trás e piscou.
Amy conteve a respiração. Tinha medo, e ao mesmo tempo, não o tinha. Seu ombro era imponente, seu peito escuro era o dobro de grande que o dela, possivelmente maior ainda, e seus músculos bem definidos faziam que seus próprios peitos parecessem diminutos em comparação. Ele podia matá-la se queria. lhe torcer o pescoço como um ramo seca. Mas também podia protegê-la.
Quando teve dado de comer e de beber a Amy, Caçador começou a preparar-se para partir, e a primeira tarefa da lista foi esconder a cabeleira de Santos para que a menina não pudesse vê-la e se assustasse. depois de assegurar a alforja à cilha do cavalo, escondeu a cabeleira e se moveu para ir agarrar outra coisa. Então se golpeou com algo. Ao girar-se para ver o que era, descobriu que esse algo era Amy. Seus grandes olhos brilhavam para ele, de um azul tão intenso e tão cheios de medo que teve que conter um grunhido de irritação. Rodeando-a para não pisá-la, agachou-se a recolher sua bolsa de viagem. Ao incorporar-se, roçou-lhe o ombro com o cotovelo. Já de volta ao cavalo, ela seguia pega a ele, como se estivesse atada a ele por uma corda invisível.
Caçador amarrou a bolsa a seu cavalo e depois se girou para ela. Era evidente que estava aterrorizada de que pudesse abandoná-la. Sabia o que os outros homens pensariam se a tratava com muitos olhares. Mas não lhe importava. Se acreditavam que sua intenção era tomar a Loretta como esposa, que esta menina era sua nova irmã pelo matrimônio, tratariam-na com mais consideração durante a viagem, e Amy necessitava toda a consideração do mundo nesses momentos.
Resignado, Caçador levantou o braço para que ela pudesse aproximar-se mais. Sentiu como seus pequenos dedos se agarravam a seu cinturão, como se temesse que fora a escapar. Caçador sorriu ao lhe rodear os ombros com o braço.
—Deve tomar cuidado com essa faca —lhe disse com suavidade. —Tem uma folha muito afiada, e te cortará se o tira da capa.
Ela agarrou a arma com mais força. Caçador a olhou um momento e depois tirou uma tira de couro de suas bolsas. Ajoelhando-se ante ela, estendeu a mão para que lhe desse a faca, sem deixar de olhá-la.
—por agora, né?
Incapaz de renunciar a seu único meio de defesa, Amy o olhou fixamente. Caçador esperou pacientemente. Quando por fim o entregou, ele passou a tira de couro pelo buraco da capa e depois a atou à cintura para que a arma pendurasse comodamente sobre seu quadril. Amy lhe recompensou com um sorriso. E ele pensou que era mais que suficiente.
CAPÍTULO 18
Alguém estava cozinhando uma panela de ameixas secas. O aroma adocicado enchia o ar do anoitecer e tentava a Loretta. Donzela da Erva Alta levantou as cortinas laterais da loja para deixar que a brisa refrescasse o interior, o que permitiu a Loretta ver seus vizinhos. Era curioso como, se fechava os olhos, podia muito bem imaginar que se encontrava rodeada de brancos. riam. Os meninos gritavam. ao longe pôde ouvir um homem gritando a sua mulher, igual a fazia tio Henry em casa, exceto porque a mulher lhe gritava também. Tia Rachel nunca se atrevia.
Donzela, que estava ocupada com a costura, levantou os olhos e sorriu. Com um brilho acalmado no olhar, levantou a blusa de ante que estava fazendo e a moveu para a Loretta para que pudesse admirar o estilo. Ao olhá-la, Loretta pensou em quão impossível parecia que esta mulher pudesse estar envolta em um complô, e se ela não sabia nada, é porque provavelmente não existia. E esta era uma das razões pelas que Loretta tinha decidido não emitir nenhum julgamento até que Caçador voltasse.
Como Búfalo Vermelho havia predito, Guerreiro confirmou sua história. Sim, Caçador tinha dado a Loretta um bom cavalo e lhe tinha ensinado a seguir seus passos para que pudesse «voltar» com ele, como estava dito na canção. Sim, tinha-lhe dado seu medalhão para que todos soubessem que era sua mulher. Loretta não tinha pedido a Guerreiro mais informação nem lhe havia dito qual era o propósito de suas perguntas. Se Caçador era culpado de traição, necessitaria o elemento surpresa para escapar dali.
Se Caçador era culpado. Sete dias tinham acontecido desde que Búfalo Vermelho lhe revelasse toda essa informação sobre ele, e cada vez lhe parecia mais difícil de acreditar. Se o seqüestro da Amy e seu conseguinte resgate tinham sido planejados, Caçador teria tornado muito antes. Se estava lhe custando tanto tempo retornar, era porque tinha tido dificuldades: em encontrar a Santos, em levar-se a Amy dali. Tinha chegado a um ponto no que só podia rezar para que Amy estivesse ainda viva.
Obrigando-se a não pensar mais no destino da Amy e centrando-se no traje que Donzela estava confeccionando, Loretta comentou:
—É muito bonito, de verdade que é muito bonito.
A blusa era bonita, com mangas raglán de franjas até o cotovelo e um pescoço em forma de v, debruado com um intrincado bordado. Era a última moda, se as excitadas explicações de Donzela queriam dizer isso.
Loretta se inclinou para tocar a blusa.
—É uma excelente costureira.
—Huh, huh. —Donzela da Erva Alta se mordeu o lábio superior para ocultar um sorriso de complacência. Loretta sabia que «huh» significava «sim», e por isso soube que Donzela tinha entendido que gostava, embora não pudesse comunicar-lhe bem. —Ein mah-heepicut —acrescentou Donzela com acanhamento.
Loretta tinha ouvido estas palavras antes, mas não podia recordar quando ou o que significavam. Agarrou um punhado de contas do saco de miçangas de Donzela e começou às ordenar sobre o jergón de peles segundo as cores: vermelhas, azuis, verdes, negras. Donzela da Erva Alta murmurou algo e assentiu agradecida. Loretta se sentia feliz de poder fazer algo útil. Quando tinha as mãos ocupadas lhe resultava mais fácil deixar de pensar na Amy.
Um grito do exterior chamou a atenção de Donzela. Com um movimento de cabeça, pôs a costura a um lado e ficou de joelhos. depois de escutar um momento, começou a balbuciar e a gesticular com as mãos. Loretta olhou para fora e viu que a gente corria pelo caminho que levava a final do povoado. Essa Habbe. Quando ouviu o nome, o medo, a esperança e algo que não sabia muito bem como definir a invadiu. Caçador havia tornado.
Loretta se agarrou a saia para não tropeçar e ficou de pé. Não se atrevia a deixar a loja, não sem o amparo de Guerreiro. Amy. A teria encontrado Caçador? Os pés da Loretta se moveram inverificado e a levaram a entrada da loja. Donzela da Erva Alta se apressou ao exterior e ficou nas pontas dos pés para tratar de ver o que ocorria por cima das cabeças que se agrupavam diante dela. Se Rio com força e assentiu a Loretta. Pronunciou alto e claro as palavras «eu-OH-hobt p-pi». Corto Amarelo! Loretta se esqueceu do que poderia lhe passar aí fora e saiu correndo da loja. Donzela da Erva Alta a agarrou e a obrigou a ficar com ela.
—K, não!
Morta de impaciência, Loretta tratou de ver algo entre o grupo de cavaleiros que se aproximava. Então alcançou a ver uma cabeça loira. Era tudo o que necessitava. soltou-se de Donzela e correu pelo caminho, unindo-se à enchente de pessoas que se amontoavam nessa direção. Amy. abriu-se passo entre duas mulheres.
Estava tão emocionada, que não se deu conta de que Antílope Veloz caminhava junto a ela. Ao momento seguinte vislumbrou um cavalo negro que se abria passo entre a multidão e uma voz familiar e profunda que lhe disse:
—Olhos Azuis?
Caçador ficou sem respiração ao ver que Loretta se girava para ouvir sua voz. Por um instante se esqueceu de que tinha à menina abraçada ao pescoço e só pôde pensar na formosa mulher que lhe esperava ali de pé, rodeada de um grupo de índios hostis, em meio de uma nuvem de pó. Seus olhos brilhavam como o azul intenso da parte baixa de uma chama, e suas pestanas escuras pareciam alcançar a linha cor mel de suas sobrancelhas. Tinha a trança médio desfeita e umas mechas douradas lhe caíam sobre os ombros. Era tão formosa que logo que podia acreditar que de verdade fora a fazê-la sua. Inclusive com aquele volumoso vestido que levava, coberta da cabeça aos pés, podia adivinhar as linhas femininas de seu corpo, a redondez de seus peitos, a fenda de sua cintura, o vôo de seus quadris.
Caçador se havia sentido orgulhoso de poucas posses em sua vida. É obvio, havia-se sentido orgulhoso de seu primeiro arco e de sua primeira pluma de reconhecimento. E certamente se havia sentido muito orgulhoso de seu primeiro cavalo de guerra, Fumaça. Mas o sentimento que lhe invadia agora ultrapassava com acréscimo todo o resto. Esta mulher dourada se uniu a ele por uma promessa feita a Deus, a ele e só a ele, para sempre, sem horizonte. O desejo, quente e urgente, queimava-lhe ao pensar na noite que lhe esperava. O pensamento de tê-la em suas peles de búfalo, de poder amá-la como tinha sonhado tantas vezes, fazia que o resgate da Amy lhe parecesse um jogo de meninos.
O olhar da Loretta recaiu na menina que sustentava. Correndo para ela com os braços abertos gritou:
—Amy, ai, Amy! Encontrou-te! Graças a Deus!
Caçador não estava do todo seguro do que era o que tinha esperado da Loretta quando lhe devolvesse a menina. Gratidão, certamente. Tinha cavalgado dia e noite durante doze dias. Tinha arriscado sua vida. Tinha cuidado de sua irmã. E agora lhe ignorava como se não estivesse ali? Seu Deus não tinha tido que lutar a morte com Santos. Caçador, sim.
Caçador sabia que não estava bem pensar assim, mas se alegrou quando Amy se abraçou a sua cintura e escondeu a cara no oco de seu ombro. Ao menos assim Loretta saberia quem havia a trazido até ali. Caçador olhou à multidão de gente que os rodeava.
—Teme por sua cabeleira, Olhos Azuis.
Loretta pôs uma mão na perna da Amy.
—Carinho, sou eu, Loretta.
Amy levantou os olhos, viu os índios e se encolheu contra Caçador, escondendo outra vez a cara.
—Amy, carinho... —A voz da Loretta se quebrou. —O que lhe ocorre?
Caçador sentiu uma pontada de culpabilidade. Recordando como tinha sido Amy antes de que Santos a seqüestrasse, podia imaginar a comoção que Loretta devia estar sentindo. O se tinha chegado a acostumar ao medo da menina, e depois de conhecer a terrível experiência pela que tinha passado, podia compreendê-lo. Mas Loretta não a tinha visto atada à roda do carro, indefesa contra todos esses cretinos que tinham abusado dela.
—Seu coração jaz sobre a terra. —Caçador rodeou a mão da Loretta com a sua e pôs ao passo a seu cavalo, arrastando-a com ele para a loja. Tinha esquecido quão pequena era sua mão, a fragilidade de seus ossos e a suavidade de sua pele. Lhe encolheu o estômago ao pensar no que lhe esperava. Nenhum guerreiro dos que conhecia tinha uma mulher como esta.
—Está bem, Olhos Azuis. Está assustada.
Quando chegaram à loja, Caçador se desfez dos braços da Amy para poder baixá-la do cavalo. Loretta a agarrou pelo cotovelo, acariciando e alisando o cabelo da menina.
Amy voltou a abraçar-se ao pescoço de Caçador.
—Não me deixe! —suplicou tremendo.
Caçador levou a Amy dentro da loja e a pôs sobre a cama. Ela se agarrou a ele e se negou a deixar ir. Caçador assentiu por fim e teve que sentar-se. A menina se acurrucó em seu regaço, apertando-se contra ele como se queria fundir-se com ele e ser absorvida, como o sebo à pele. Loretta ficou a um lado, esfregando-as mãos.
Caçador sabia que devia ir diretamente ao fogo central. Era costume que os guerreiros fizessem público as façanhas depois de uma viagem. Seus amigos deviam estar esperando, ansiosos por contar suas correrias e fanfarronear ante suas mulheres da coragem mostrada. Essa noite, obteria a recompensa a seu valor nos braços do amor. Quando mais excitantes fossem suas façanhas, mais ardente seria o amor.
Sim, deviam estar ansiosos por começar a falar do que tinham feito, de dar a suas mulheres o bota de cano longo que tinham tirado dos carromatos de Santos e lhes mostrar os novos rifles. Dado que Caçador tinha sido o chefe da viagem, sua presença era obrigada.
Mas, por muito que fora a ser a primeira noite da Loretta em sua loja, Amy lhe necessitava. Por um tempo ao menos.
—Toquet —lhe sussurrou, abraçando à menina com força. —Esta é minha loja, Ayemee. Ninguém te fará mal aqui.
Loretta se tragou as lágrimas. Ao ver o índio, sentiu-se envergonhada por ter suspeitado que pudesse ter algo que ver com o seqüestro da menina. A forma em que Amy se abraçava o dizia tudo.
Olhando a Caçador, Loretta viu coisas nele que antes lhe tinham acontecido desapercebidas. Ou possivelmente era que agora o olhava com outros olhos. A amplitude de seus ombros, os músculos desenhados ao abraçar a Amy... Tinham deixado de lhe parecer perigosos. Suas grandes mãos, capazes de uma força brutal, eram também capazes de acariciar a Amy com amorosa doçura. Inclusive sua voz parecia distinta, baixa e sedosa, com uns sussurros que transcendiam a barreira da linguagem, uma mescla de tosi e comanche que parecia tranqüilizar a Amy, acalmá-la, algo que parecia não poder fazer Loretta. Homem e menina, fortaleza e fragilidade, pele escura e pele branca.
Loretta se sentia como flutuando. Era como se uma calidez enorme se estendesse por seu peito. Tratou de recordar, com um pouco de culpabilidade, como se havia sentido quando Caçador lhe tinha posto a mão em suas costas dessa forma, em seu cabelo. Não era o momento de pensar nisso. Amy era quão único importava agora, mas Loretta não podia evitá-lo. Caçador. Seu odiado captor se converteu em seu herói, e a mudança de sentimentos a afligia. Caçador, o legendário assassino. Onde tinha ido parar? Tinha existido alguma vez?
—Lohrhettah está aqui, viu-a? —Caçador estendeu a mão em busca da mão da Loretta e a atraiu para que se aproximasse da cama. —Seu coração jaz pela terra, e chorou muito por ti. Verá dentro dela, sim?
Caçador uniu a mão da Loretta a da Amy. Esse contato era tudo o que necessitava. Amy se separou dele e se atirou nos braços da Loretta, chorando e tremendo. Loretta se pegou a ela, balançando-a a um lado e a outro.
—Está aqui, Loretta! É você de verdade! Pensei que não voltaria a verte nunca mais!
—Ah, claro que sim, Amy. Estou aqui, estou aqui.
—Eles me fizeram coisas horríveis —chorou Amy. —Horríveis!
Caçador se levantou lentamente da cama. Tinha chegado o momento da conversação feminina, e tinha deixado de ser necessário ali.
Ao ver que estava a ponto de partir, Loretta conseguiu soltar um braço e estendê-lo para lhe tocar o ombro. Seus olhos se encontraram. Caçador se deteve a meio caminho e lhe tocou a bochecha com a mão. Uma vez mais Loretta se sentiu extrañamente desorientada. Queria abraçar-se a ele, sentir a forte calidez de seus braços rodeando-a, lhe ouvir dizer que tudo estaria bem, sentir-se segura, como só ele podia lhe fazer sentir. Queria todas essas coisas com uma intensidade que lhe doía, e ter consciencia disso lhe assustou. O que lhe estava passando?
Caçador viu o brilho de carinho nos olhos da Loretta e foi toda a gratidão que necessitava. Saiu da loja um pouco mais alto que quando tinha entrado.
Loretta se afundou na cama para consolar a Amy e escutar com horror a descrição dos trágicos acontecimentos. A brutalidade do que ouviu a pôs doente. Invadiu-lhe o ódio. Queria matar a Santos com suas próprias mãos.
—Quando Caçador chegou ali, houve uma luta terrível? —perguntou Loretta com voz rouca.
Fracamente, Amy lhe respondeu.
—Não. Chegou caminhando ao acampamento de Santos e me montou em seu cavalo.
O estômago lhe deu um tombo. Molhando-os lábios, voltou-se para examinar o poste das cabeleiras de Caçador. As implicações do que Amy acabava de dizer eram muito sérias.
—O que quer dizer? O que se limitou a entrar ali caminhando? Com armas, não?
—Não. Sem armas. Pô-me no cavalo, falou um minuto com Santos e logo fomos cavalgando.
A Loretta começaram a lhe zumbir os ouvidos. Era como se a comoção lhe tivesse anestesiado por completo as emoções, como se a tivesse esvaziado.
—Amy... isto é muito importante. Parecia como se Santos e Caçador fossem bons amigos?
—Santos disse isso. «Sou seu bom amigo, o Lobo», isso é o que disse. —Amy emitiu um soluço. —Sabe o que, Loretta? Queria que os comanches os matassem. De verdade que o queria. Esperava que Caçador lhe cortasse a cabeleira, ali, frente a mim. Sou uma má pessoa, verdade?
—Ah, não, carinho, isso não é mau. Esse homem deveria pagar pelo que te tem feito.
—Crie que Deus me perdoará por desejar sua morte?
—Estou segura de que o fará. —Loretta apoiou a cara sobre o cabelo da pequena. —Ai, carinho, não deve te torturar dessa maneira. É perfeitamente natural que odeie a Santos. Se eu posso entendê-lo, não crie que Deus o entenderá também?
depois de vários minutos, Amy se relaxou nos braços da Loretta e fechou os olhos esgotada. Loretta lhe acariciou o cabelo, sussurrando todas essas coisas que se dizem para tranqüilizar a alguém, mas que ela estava segura de que não eram certas. Tudo não estava bem. Ela e Amy estavam em perigo e Loretta tinha que encontrar a forma de sair dali. Um tremor horrível lhe golpeou os membros e começou a tocar castanholas os dentes.
Os minutos passaram. A mente da Loretta era um torvelinho. «Sou seu bom amigo, o Lobo.» Por Deus, o que devia fazer? Escapar? E se escapavam, onde iriam?
Estes pensamentos se viram interrompidos por umas vozes de homens no exterior. Tombando a Amy na cama, Loretta se aproximou da entrada da loja e levantou a cortinilla para olhar fora. A certa distância, uma multidão se reuniu em torno do fogo crepitante. Caçador, montado em seu cavalo negro, com o corpo resplandecente à luz das chamas como se fora uma estátua de bronze, entregava-se a mais interessante das oratórias, com o braço levantado por cima da cabeça e o punho fechado. Agarrou um punhado de seu cabelo e fez um movimento rápido sobre sua cabeça com a outra. Era evidente que estava falando de cortar a cabeleira a alguém. A multidão rugiu encantada.
Os nomes do Lohrhettah e Ayemee flutuaram com a brisa. Todos se giraram para olhar para a loja de Caçador. Voltaram a animar. Loretta sabia que não gritavam porque fora uma mulher formosa.
Voltando a fechar a pele que fazia as vezes de cortina, abraçou-se à cintura. Tinha o pulso acelerado. No único que podia pensar era nas advertências de Búfalo Vermelho. Uma parte dela queria gritar que não era certo, mas a outra parte a conduzia a um estado de medo irracional.
agarrou-se a saia com os punhos e recordou o juramento que tinha feito de ficar com ele, de ser sua mulher, sua pulseira. Ela não era das que rompia promessas tão facilmente. Sentiu debilidade nas pernas. Deus, por que ficava ali plantada, preocupando-se com as promessas feitas a um homem que lhe tinha mentido desde o começo? Não podia permitir-se esperar para saber depois que a tinha enganado. Tinha que pensar na Amy.
—Amy! —Loretta correu pela loja. —Carinho, acordada!
Amy abriu os olhos. incorporou-se imediatamente.
—O que ocorre?
Loretta a agarrou do braço e atirou para tirar a da cama.
—Temos que sair daqui!
A pouca cor que Amy tinha recuperado na cara desapareceu.
—por que? Não quero ir sem Caçador. Os comanches estão aí fora! Centenas.
Loretta não queria assustar a Amy. A pobre garota já tinha sofrido o bastante.
—Confia em mim, amor. Temos que ir.
Muito nervosa para pensar em comida ou água para o caminho, agarrou a Amy da mão e virtualmente atirou dela para a porta. Jogando uma olhada ao exterior para assegurar-se de que ninguém dos do fogo as via, Loretta se escorreu por debaixo da cortina, obrigando a Amy a segui-la. Tão rápido como pôde, rodeou o tipi para que se interpor entre elas e a vista de outros.
—Acredito que esse índio nos viu —gemeu Amy, nervosa.
Loretta olhou a seu redor com desespero e viu que Búfalo Vermelho caminhava para o fogo central. Se as tinha visto, não pareceu dizer nada.
—Temos que chegar aos cavalos. Está bastante longe, Amy. Poderá fazê-lo?
Amy se balançou um pouco e assentiu. Loretta começou a caminhar, atirando da Amy com uma mão e com a outra sujeitando-a saia para não cair. depois do que pareceu uma eternidade, chegaram ao bordo do povoado. Loretta deu as graças a Deus com uma oração. Amy começou a caminhar mais devagar. Loretta olhou para trás para ver se estava bem. A menina tinha a cara pálida.
—Carinho, está bem?
Amy se balançou e esteve a ponto de cair.
—É só que me sinto estranha.
Ao momento caiu para diante. Loretta pôde sujeitá-la pelos cabelos. Com uma força que nunca pensou ter, conseguiu manter a Amy em pé. Tinha perdido a consciencia. Desesperada-se, Loretta teve que agarrá-la em braços. agachou-se e lhe pôs o estômago sobre o ombro. Depois tratou de ficar em pé. As pernas lhe tremiam do peso. Conseguiu ficar reta, recuperar o equilíbrio e caminhar dando tombos em direção aos cavalos.
Uns cem metros mais à frente, Loretta se tropeçou com a saia e caiu de joelhos. Amy caiu rodando ao chão. Loretta necessitou toda a força do mundo para levantar a Amy outra vez e ficar a ao ombro. Avançou com passo incerto, sem deixar de rezar. Tinha que conseguir chegar aos cavalos. Tinha que fazê-lo. antes de que Caçador se desse conta de que se foi.
No momento em que Caçador viu búfalo Vermelho caminhar para ele, soube que algo tinha passado com a Loretta. Nenhuma outra coisa poderia lhe fazer parecer tão presunçoso. A metade de seu relato, Caçador se calou e olhou para a loja, com o peito contraído de temor. Búfalo Vermelho se aproximou dele, sonriendo.
—Sua mulher trata de fugir —grunhiu Búfalo Vermelho. —Mentiu-te, né? ocorreu justo como pinjente que aconteceria. Nunca poderá ser um dos nossos. Nunca! É uma easop, uma mentirosa, e não se pode confiar nela. riu-se de ti, primo!
A multidão começou a cochichar. Caçador apertou as pernas contra o cavalo e agarrou as rédeas.
—Em que direção foi?
—Para os cavalos. Onde se não? A qual deles matará esta vez?
Caçador açulou os flancos de suas arreios e se mordeu um rugido de raiva. O tinha prometido ante seu Deus! É que não havia nada sagrado para os olhos brancos? Enquanto se afastava do povoado, Caçador ouviu outro cavalo que corria atrás dele. Olhou para trás e viu antílope Veloz cavalgando em seu alazão.
Uns segundos mais tarde Caçador viu a Loretta. Tinha agarrada a Amy, dobrada pelo peso, quase incapaz de levantar os pés. Manteve as rédeas de seu cavalo e tratou de controlar suas emoções. Raiva, sim, mas também dor, uma dor que lhe penetrava tão dentro que logo que podia suportá-lo. Tinha-lhe utilizado e agora tratava de escapar, esquecendo todas as promessas que lhe tinha feito. Desde o começo tinha planejado lhe deixar logo que lhe trouxesse para a moça. Caçador podia tolerar muitas coisas, mas não que tomassem por estúpido.
Antílope Veloz ficou junto a ele.
—Caçador, o que vais fazer?
—Ensinarei-a a não mentir!
Antílope Veloz observou a cabelo amarelo que lutava por carregar com a menina em ombros. Uns segundos depois perdia o equilíbrio e caía ao chão. Com o olhar fixo em Caçador, Antílope levantou uma sobrancelha. Caçador manteve a rédea curta sobre o cavalo, com o olhar fixo na mulher. O jovem suspirou. Esse brilho nos olhos de seu amigo não pressagiava nada bom. A mulher lutava por levantar outra vez à moça. E uma vez mais, caiu-lhe ao chão. Então, por fim, conseguiu ficar a ao ombro. Caminhou uns poucos passos para diante antes de que lhe falhassem as pernas e voltasse a tocar o chão.
Antílope Veloz se torno para diante no cavalo, com a vista posta na moça, recordando a valentia que tinha demonstrado quando se enfrentou a ele aquela longínqua manhã em sua casa de madeira. Invadiram-lhe umas vontades profundas de protegê-la.
—Ai-ee —exclamou. —Será melhor que a detenhamos, Caçador. Se sua mulher voltar a atirar ao chão a que se chama Ayemee, poderia resultar ferida.
Caçador correu ao galope. Antílope Veloz nunca tinha visto caçador açular a seu cavalo dessa maneira, nunca.
Enquanto cavalgavam detrás das dois cabelo amarelo, Loretta desencapou a faca que tinha Amy. Caçador sorriu a Antílope Veloz.
—Está preparado para a luta?
Antílope Veloz olhou ao céu.
—Se não o crava ela antes.
Caçador desceu do cavalo e caminhou para sua mulher. Ela ficou entre ele e Amy, com a faca em alto, tremendo com tanta força que se surpreendeu de que não lhe caísse a faca das mãos. O seguiu avançando, cada vez mais furioso.
—Fique aí, Caçador! Digo-lhe isso de verdade! Já aconteceu suficiente! Não deixarei que volte a lhe fazer danifico, ouviste-me?
A raiva de Caçador se multiplicou. depois de tudo o que tinha feito, atrevia-se a lhe acusar de fazer mal a Amy? Caminhou mais devagar. Tinha esperado que lhe desafiasse. Em vez disso viu que Loretta tremia, com tanto medo que logo que podia manter-se em pé. deteve-se e a observou. Por muito furioso que estivesse, não era cego. Não tinha nem idéia de por que tentava escapar, mas fora qual fora a razão, a mulher estava tão assustada que não se podia raciocinar com ela.
—Olhos Azuis...
—Não me chame assim. Meu nome é Loretta. Não pode me enganar mais com seus nombrecitos e suas maneiras amáveis. Sei a verdade.
Caçador ficou pensando um momento.
—Dirá-me essa verdade, né?
As lágrimas encheram seus olhos.
—Detenha! Detenha, ouve-me? Sei, Caçador. Sei tudo, por que me ensinou o caminho para voltar para ti, por que me deixou um cavalo e o medalhão. Como pudeste? Como pudeste? —Ele a olhou fixamente, e ela hasteou a faca. —Não o faça! Matarei-te, farei-o! —Tragou saliva, notando-se em Antílope Veloz, e depois voltando a olhar a Caçador. —Disse que foi meu amigo! E, que Deus me ajude, eu te acreditei!
Caçador estendeu uma mão.
—Não dê tapas ao ar, Olhos Azuis. A folha é larga. vais cortar te.
—A ti vou cortar te, miserável!
Caçador se cruzou de braços e a olhou surpreso.
—Traga-te para a menina. Não está bem isso?
—Foi difícil encontrá-la? —gritou ela. —Onde acordou com Santos para lhes encontrar? —Torceu a cara. —Deixou que violassem a uma menina de doze anos. Doze anos, Caçador!
Caçador olhou primeira a faca e depois a ela. Alguém lhe tinha estado contando mentiras, e tinha uma ligeira idéia de quem podia ter sido.
—Santos está morto.
—Memore!
—Não minto. Este comanche o matou.
—Amy diz que a agarrou e saiu dali a cavalo. Que Santos te chamou seu bom amigo.
—Essas foram suas palavras, não as minhas. Eu voltei depois, quando Ayemee dormia. Ela não sabe, né? A cabeleira está em meus alforjas.
Ele se aproximou dela, atento ao mais mínimo movimento. Ela levantou mais a faca.
—Atrás! —gritou.
—vou aproximar me. Escolhe bem o objetivo, Olhos Azuis, e coloca a folha até dentro. Só tem uma oportunidade. —Quando esteve a só um braço de distância, arremeteu contra ele com a faca fixa no peito. Caçador esquivou o golpe, tragando uma ira fria que lhe paralisava a mente. De verdade tentava lhe matar? Por muito assustada que estivesse, custava-lhe aceitar que podia fazer algo assim, e não podia acreditar o muito que este pensamento lhe doía. Tirou-lhe a arma da mão e a atirou a Antílope Veloz. Queria sacudir a Loretta até que lhe chiassem os dentes. depois de tudo o que tinha feito, como se atrevia a comportar-se assim?
—Leva ao Ayemee à loja de minha mãe, Antílope Veloz.
Loretta tratou de apartar-se dele, rodeando a inconsciente Amy com os braços para que ele não a tocasse.
—Não! te afaste dela. fica comigo.
—Não esta noite —grunhiu Caçador. —Tem uma promessa que cumprir, recorda-o?
Ela se encolheu ao sentir a mão que lhe tendia.
—Ao diabo com nossa promessa, animal! Morrerei antes de deixar que me ponha suas sujas mãos em cima.
—Então canta sua canção de morte.
Com isto, agarrou a Loretta da boneca e atirou para pô-la em pé. Depois a arrastou detrás dele até o cavalo.
CAPÍTULO 19
O único no que podia pensar Loretta de volta à loja era em estar com a Amy. Tratou de escapar de Caçador e atirar do cavalo, mas logo descobriu que lutar com ele era inútil. O guiava o cavalo com as pernas, o que lhe deixava os braços livres para sustentá-la, com um braço ao redor de sua cintura e o outro lhe agarrando as bonecas para que não lhe golpeasse.
Quando chegaram à loja e Caçador a desceu do cavalo, Loretta soube que a batalha estava perdida. Mesmo assim cravou os talões no chão e tratou de atrasar a entrada na loja o máximo possível. Entretanto, a seu lado, sua força era tão minúscula como a dos restos de um naufrágio flutuando sobre as ondas. A situação da Amy passou a um segundo plano. Se Loretta entrava nessa loja, pode que nunca voltasse a sair, e então as duas, Amy e ela, estariam perdidas.
A suas costas Loretta podia ouvir vozes que se aproximavam. Ia essa gente a seguir a Caçador dentro? Não pôde conter o pranto ao ver que Caçador levantava a cortinilla da entrada com tanta facilidade como se se tratasse de uma menina travessa que se retorcia para livrar-se de seu braço.
Nunca antes lhe tinha visto tão zangado, nem sequer a noite em que tinha ferido a seu cavalo. Sabia que era porque lhe tinha atacado com a faca. Mas o que outra opção tinha? ia ficar ali de pé e aceitar sem pigarrear o macabro destino que lhe tinha reservado?
O interior da loja estava escuro e as sombras nas esquinas resultavam perturbadoras. Caçador caminhou para a cama, com umas pernadas tão grandes que atravessou a distância que os separava dela em um abrir e fechar de olhos. Loretta estava aterrada, pensando que ia violar a, ou talvez algo pior. girou-se em seus braços para provocar um ataque frontal, e o único que conseguiu foi fazer que caíssem os duas sobre as peles.
O a cobriu com o peito, impedindo que pudesse mover-se de cintura para acima. E antes de tentar lhe dar uma patada, lhe imobilizou as pernas com as coxas. Tampouco lhe deu opção a lhe golpear a cara porque logo lhe agarrou ambas as mãos pela boneca. Tinha-a tombada debaixo dele, e a pressão no peito lhe impedia de respirar. Ele nem sequer tinha a respiração entrecortada. Loretta se revolveu, tratando de encontrar algo de força sem consegui-lo.
Os segundos passavam cheios de tensão. Loretta via frente a ela um rosto escuro, duro e implacável, com as facções desenhadas em duro relevo entre as sombras. Não podia salvar-se a si mesmo, e não poderia salvar a Amy.
O não dizia nada, não fazia nada. limitava-se a olhá-la, com os lábios apertados. quanto mais levantava ela os olhos para ele, maior e mais ameaçador lhe parecia, e mais medo sentia. Então compreendeu que não podia continuar nessa agonia por mais tempo, e gritou:
—A que esperas? Faz-o! Faz o de uma vez, maldita seja!
Lhe agarrou as bonecas com mais força. Com uma lentidão agônica, rasgou-lhe o sutiã do vestido. Loretta se ficou sem respiração ao ver que o braço lhe punha tenso. Seus olhares se encontraram. Tratava de lhe tirar o vestido. Podia vê-lo em seus olhos. Isto e mais. Não teria piedade dela esta vez. E tampouco lhe suplicaria. Ao menos não para ela.
—Confiava em ti —gritou Loretta. —Confiava em ti.
A dor que ouviu em sua voz fez que a raiva que sentia se desvanecesse como se nunca tivesse estado ali. Olhou-a. Recordou as acusações que lhe tinha feito um momento antes e esteve seguro de que Búfalo Vermelho lhe tinha estado enchendo a cabeça de mentiras. Ao olhar abaixo, deu-se conta do perto que estava de atuar como o animal que lhe acusava de ser.
—Olhos Azuis, dirá-me agora essa grande verdade que sabe. Namiso, agora!
—Já não penso jogar mais a seus jogos. acabou-se, ouve-me?
—Acabará-se quando eu o diga. —Loretta nunca tinha ouvido um veneno assim em sua voz. Estava fazendo um verdadeiro esforço por acalmar-se, suavizando a força que imprimia a suas bonecas e afrouxando algo o peso que punha sobre ela. sentiu-se aliviada ao ver que ele a soltava. —Não te farei mais dano. Falará-me.
Não estava segura de estar ouvindo bem. Soava tão sincero. Só com grande dificuldade recordou o que Amy lhe havia dito sobre seu resgate. Fechou os olhos.
—Ah, Caçador, por que tem feito algo assim? Como pode ser tão profundo seu ódio? Tem doze anos.
—Minha primo, Búfalo Vermelho, há-te dito palavras falsas? Se for assim, dirá-me isso.
—Como se não soubesse o que me há dito!
—Não cumpre sua promessa e tráficos de escapar, isso é quão único sei! Vem para mim com uma faca, isso é o que sei! Faz-me parecer um parvo, isso é o que sei!
—Ah, sim, você é o homem cujas palavras as leva o vento, sempre lhe sussurrando! O homem que nunca minta! Vi-te aí fora no fogo! Crie que sou estúpida?
Apertando os dentes, disse.
—por que não cumpriste sua promessa?
—por que teria que fazê-lo? Ela é só uma menina, Caçador. É um animal! Tia Rachel tinha razão. Sou uma estúpida!
Fez um som como se lhe estivessem estrangulando e se tirou de cima, soltando-a para cobri-los olhos com um braço. Loretta ficou tensa, lançando um olhar esperanzadora para a porta. Embora pudesse sair dali, as oportunidades que tinha de salvar a Amy eram escassas.
Com um grunhido tenso e contido, disse-lhe:
—Não me ponha a prova tratando de escapar, Olhos Azuis. Tenha por seguro que te pegarei.
depois de um momento, respirou sonoramente e ficou de lado, dobrando um braço sob a cabeça, com uns olhos azuis tão escuros que pareciam negros na débil luz.
—Repetirá as palavras que te disse Búfalo Vermelho. Não posso lutar contra um inimigo que esconde a cara.
Para ouvir sua voz, tão sedosa e próxima, pensou em tudas essas lembranças amargas e doces que tinha sobre ele. Lhe deu vontade de chorar.
—Fez-me pensar que foi meu amigo.
Caçador estudou seu delicado perfil, e terminou centrando-se na carnosidade de seus lábios. Podia advertir a dor da traição em sua voz, mas ele também se sentia traído.
—Acaso não te traga para a menina?
Os tendões de sua garganta se afrouxaram, e em sua voz aflorou um tom sarcástico.
—Resultou-te muito difícil encontrá-la?
—Conhecia o caminho que Santos seguiria! Tenho-o feito muitas vezes para comercializar.
Ela fechou os punhos.
—Conhecem-lhes bem, né? São muito amigos!
—K, não. Eu não lhe chamei amigo.
—O sim te chamou amigo. Amy o ouviu. Diz que cavalgou direto ao acampamento, sem armas, sem luta, e que a tirou dali. Quanto pagou a Santos para que a seqüestrasse, Caçador? Vinte cavalos? Cinqüenta? Ou o fez só pela diversão de tê-la ali uns quantos dias... para entreter-se ele e seus amigos?
Pergunta-a ficou entre eles, horrível e lhe distorçam, um insulto para ele e algo que rompia o coração dela. Caçador voltou a sentir raiva na garganta. Tragou saliva.
—Não lhe paguei nada.
—Nega que sua canção diz que uma cabelo amarelo deve vir a ti? Levou-me a casa e me ensinou como voltar para ti! —Levantou a voz, que se voltou estridente. —Deu-me um bom cavalo para cavalgar! Nega isso?
Caçador se sentia confundido.
—Está zangada porque te ensinei o caminho e te fiz presentes?
Ao fim girou a cabeça a um lado, os olhos cheios de lágrimas de desprezo.
—Como seu medalhão? «Leva-o sempre», disse-me. Mas não era para te recordar! Era para me marcar, para que o miserável de seu amigo Santos não seqüestrasse a cabelo amarelo equivocada. Sabia quanto amava a Amy. Golpeou-me ali onde mais me doía, sabendo o que faria algo para salvá-la. Confiei em ti. Falou de canções em nosso coração e de que nos recordaríamos sempre. E eu...
Sua voz se quebrou e se fez um gemido. Por um momento ele pensou que ia golpear lhe, do profundo que parecia sua dor, mas então seu rosto se enrugou e o desejo de luta desapareceu. Parecia tão abandonada, tão assustada, que tudo o que ele desejava era abraçá-la e lhe curar as feridas.
—Acreditei em ti, Caçador. Sabe o difícil que foi isso para mim? depois do que os comanches fizeram a meus pais? Traí sua memória ao confiar em ti. Dava as costas a tudo.
O coração de Caçador se encolheu ao notar a intensidade da dor que havia em sua voz. Duas grandes lágrimas escorregaram por suas bochechas lhe molhando a cara como traços de prata que chegaram ao queixo. Lhe aconteceu a mão pela nuvem de cabelo e a atraiu para si, sem fazer caso de sua resistência, lhe apoiando a cabeça na curva de seu pescoço. Ela ficou rígida contra ele, sem parar de tremer. Ele baixou a cabeça e soube que os últimos rastros de seu aborrecimento tinham desaparecido.
Caçador sempre tinha sabido que sua primo era preparado, mas só agora se deu conta de em que grau o era. Búfalo Vermelho tinha utilizado as meias verdades, o que fazia que sua mentira cobrasse mais força. Agora entendia que lhe tivesse atacado com uma faca. Não tivesse feito ele o mesmo para salvar a Menina Pony ou ao Mirlo? A única diferença entre ele e esta frágil mulher é que ele tinha mais força para entrar em batalha. Uma força que tinha estado a ponto de utilizar contra ela, justo o que ela tinha temido sempre.
—Ah, Olhos Azuis. —Sua voz, amortecida contra o pescoço dela, quebrou-se de emoção. —Não te menti. Meu coração canta só costure boas. Digo-te a verdade.
—Vi-te junto ao fogo!
Voltavam a falar do fogo? Caçador tratou de pensar no que era o que ela acreditava ter visto.
—Estava junto ao fogo, sim. É isso mau?
—Estava anunciando nosso matrimônio e prometendo a sua gente que nos cortaria a cabeleira a mim e a Amy! Exatamente o que Búfalo Vermelho me disse que faria. Vi-te!
Não pôde evitar sorrir, imaginando como devia haver parecido a ela.
—K, não. Contei-lhes o que ocorreu na batalha com Santos, Olhos Azuis.
— Mas eles aplaudiam!
—Porque lutei e reclamei a honra de seu Ayemee. Aplaudiram minha valentia, ouve-me? E minha vitória. Não se falou de matrimônio. Você é uma Olhos Brancos.
—Reclamou a honra da Amy? —ficou geada. —Mas ela disse que você visitou Santos e logo foram sem mais. Que não houve luta!
—Santos tinha muito medo, né? Tinha ofendido a um bravo guerreiro dos quohadie. Temia por sua vida quando me viu. Chamou a este comanche seu bom amigo para sossegar minha ira. depois de cuidar do Ayemee e de fazer que dormisse, cavalguei outra vez ao acampamento de Santos. O não a fará chorar mais.
separou-se dele para poder lhe examinar a cara. Sabia que não era consciente de como os quadris lhe estavam pressionando, nem do efeito que esta cercania lhe produzia.
—Então foi todo mentira? Nada disto é verdade?
O riscou a frágil cordilheira de suas vértebras através do tecido de seu vestido.
—Búfalo Vermelho tem uma amargura muito grande. Faz muitos taum, os casacas azuis vieram a nosso povoado quando a maioria de nossos guerreiros estavam fora de caçada. A mulher de Búfalo Vermelho e seu filho pequeno foram...
Caçador sentiu uma dor na garganta. As memórias que ele tinha desse mesmo dia eram quase muito difíceis de suportar, e falar delas não era fácil.
—Dispararam a sua mulher. A seu filho o pisotearam, não uma a não ser várias vezes. O coração de Búfalo Vermelho jaz sobre a terra. depois desse dia, faz a guerra, sim?
—Mas eu não sou uma casaca azul!
—Seu ódio é cego, Olhos Azuis. Em uma de suas muitas incursões, Búfalo Vermelho foi capturado. Os olhos brancos queriam saber onde estava seu povoado e lhe colocaram a cara em uma panela fervendo para lhe fazer falar.
—meu deus. —Loretta teve vontades de vomitar. —Seu rosto... por isso tem essas cicatrizes?
—manteve-se leal a sua gente. Os tosi tivo estavam determinados a lhe fazer falar. Quando escapou e voltou conosco, era tão feio como é agora. Tão feio que nenhuma mulher quis voltar a lhe olhar. Não haverá outra mulher para ele, não haverá um segundo filho. ficará sozinho para sempre, e busca consolo fazendo a grande guerra.
—Mas por que a tomou comigo? Eu não lhe tenho feito nada, nada.
Caçador se girou para tombar-se de costas e a levou com ele. adorava sentir seu corpo esbelto contra ele. lhe percorrendo o cabelo com a mão, sustentou-lhe a cara a solo uns centímetros da sua, para poder lhe ver os olhos. Gostava de ver compaixão e piedade neles. Era tão dourada por dentro como por fora. depois de tudo o que Búfalo Vermelho lhe tinha feito, surpreendia-lhe que ainda pudesse sentir compaixão por ele.
—Sou o melhor amigo de Búfalo Vermelho, desde que fomos pequenos, sua querido primo, como sua Amy é para ti. Teme que você te leve a este comanche longe dele, que meu coração se volte contra ele e deixe a um lado. Um homem feio, solo para sempre, sem ninguém mais que lhe cuide. Entende? Não pode controlar seu ódio.
—Mas eu... —Abriu os dedos sobre o peito dele, impulsionando-se com a palma da mão para separar-se dele. Caçador apertou o braço com o que lhe rodeava a cintura. perguntou-se se estaria precavendo-se de sua excitação. Então notou como seu coração se acelerava e teve a resposta que esperava. Tratou de conter um sorriso. Se soubesse o fácil que lhe resultava ver o que estava pensando. Era como as pedras no fundo de um lago cristalino. —por que acredita que eu posso te levar longe? Eu sou a vítima aqui, a que deixou a sua família.
—Isso te entristece?
—claro que sim!
—Não deve sentido. Este comanche te trará para sua família muitas vezes.
—Aqui? Não, Caçador, nunca virão para ver-me aqui.
—Então te levarei a suas paredes de madeira. Não quero que haja tristeza em seu coração.
O sentiu como cedia algo de sua rigidez e soube que havia dito as palavras adequadas.
—Ah, Caçador, quero te acreditar. Não imagina quanto.
dobrou-se, como se fora a pô-la a um lado e levantar-se.
—Trarei-te a cabeleira de Santos e a prata de suas calças.
Loretta abriu os olhos, empalidecendo.
—Por Deus, não. Não quero ver sua cabeleira.
—Crie-me? —Ele procurou seu olhar, com uma expressão solene, embora a expressão horrorizada dela o punha difícil. —A cabeleira está em meus alforjas. É uma prova, sim?
—Não... não preciso vê-la. —Já não havia tensão em seu corpo. —Acredito-te. por que foste mentir me? —Seus olhos se obscureceram. —O que ganharia com isso?
—Seus pololos? —observou sua reação e soube o momento no que ela se deu conta de que estava brincando. —Disse que podia roubá-los, sim?
—Se não recordar mau, decidimos que os roubaria quando eu não estivesse dentro deles.
O passou os nódulos pelo contorno sombreado de sua mandíbula. Ela moveu a cabeça para fazer que a bochecha lhe tocasse a palma, e as lágrimas brilharam em seus olhos.
—Ah, Caçador, tinha que ter crédulo em ti. Sinto-o muito. depois de tudo o que tem feito por nós, como poderá me perdoar?
—Está esquecido —murmurou. —Sem tristeza, né? Só alegria. Seu Ayemee é tua, assim também é minha. É algo muito simples, sim?
Apesar da débil luz, pôde ver que lhe suavizavam as facções e que os trementes lábios desenhavam um sorriso. Entretanto, seguia sem estar cômoda a seu lado. Se fazia um movimento brusco sabia que ela voltaria a ficar nervosa. Mesmo assim, o sorriso lhe deu um pouco de valor.
Percorreu com a mão a curva de suas costas e depois lhe tirou o braço da cintura, divertido ao ver como ela se separava dele e tratava de baixá-la saia para que seus pololos não ficassem ao descoberto. Tanto acanhamento lhe desconcertava. Recordava a forma em que seu corpo brilhava à luz do fogo, com uma pele tão pálida como os raios da lua e a ponta de seus peitos tão delicada como as flores do cacto. Como podia tanta beleza envergonhá-la?
Quando por fim ela ficou quieta, o silêncio se fez incômodo. Pela extremidade do olho, Caçador a viu morder o lábio, preocupada, seus pequenos dentes brancos afundando-se na suave carne rosada. Ao recordar como lhe souberam esses lábios ao contato com os seus, o desejo lhe encolheu as vísceras, e lhe fez recordar os planos que tinha feito para essa noite, planos que agora o vento se levou. Desejava-a, sim, mas não queria forçá-la a nada.
—Suponho que... —Loretta se calou. agarrou-se nervosa o vestido e depois passou os dedos pela linha de botões de seu sutiã. Olhou a sua redor nervosa, sem deixar de morder o lábio. —Isto... não me esqueci que as promessas que te fiz.
—Isso está bem. —Caçador a observou divertido.
—Uma promessa é uma promessa, inclusive embora se faça sob circunstâncias especiais. Você cumpriste sua parte e —Parecia incapaz de lhe manter o olhar. —Estou segura de que esperas que eu cumpra minha parte. —Um rubor escuro lhe subiu pelo pescoço. —Isto, imagino que levou a Amy com sua mãe para que nós pudéssemos... pudéssemos...
Parecia tão incômoda que Caçador teve piedade dela.
—Ah, sim, tínhamos um trato, verdade? —obrigou-se a bocejar com grande ostentação. —Meu coração sente pena por ter que dizer isto, Olhos Azuis, mas estou muito cansado depois da viagem, né?
O brilho de alívio que viu nos olhos da Loretta foi tão evidente que lhe deu vontade de rir.
—Ah, claro, certamente! —exclamou envergonhada. —cavalgaste muito. Deve estar esgotado.
O voltou a bocejar e deu uma palmada na pele que havia a seu lado.
—Tombará-te junto a mim.
—E o que passa com a Amy?
—Seu Ayemee está com minha mãe, sim? A mulher que é forte como o búfalo. Está a salvo. Não se preocupará dela até que o sol mostre sua cara. —A voz lhe pôs rouca. —Keemah, vêem.
—Me... eu gostaria de ir ver como está. deprimiu-se, Caçador. Quero saber que está bem. Não descansarei até que saiba.
—Se não estivesse bem, minha mãe viria. Minha mãe tem boa medicina, de acordo? E é muito amável. Confiará. —Estirou o braço e observou a confusão de emoções que percorria sua cara enquanto olhava o lugar que lhe oferecia. Tinha dormido antes com ele, muitas vezes, mas esta noite era diferente. Não havia nada que lhe impedisse de agarrar o que ele queria. Ela inclusive se negou o direito a resistir. O que ela parecia não entender era que nunca tinha havido nada que lhe detivesse. —Keemah.
Quando por fim ela se tombou a seu lado, Caçador experimentou um sentimento que não havia sentido nunca antes. Ia além da satisfação, além da alegria. Ter essa cabeça loira no ombro o fazia sentir que tudo estava bem, que os espíritos tinham aberto esse oco em seu ombro muito tempo atrás, e que ele tinha estado esperando toda sua vida para que ela o ocupasse. Rodeou-a com o braço e lhe pôs a mão nas costas.
—É bom, né?
Lhe colocou a mão no peito. Com um tom duvidoso, respondeu.
—Sim, é bom.
Depois seguiu outro silêncio. O mediu os batimentos do coração de seu coração que ressonavam em sua mão, contente de que por fim não parecessem um bando frenético de pássaros enjaulados. Com o olhar fixo no teto cónico, Caçador desejou sentir o cansaço que tinha pretendido ter. Mas não chegava. sentiu-se aliviado de que ela rompesse o silêncio.
—Caçador, o que quis dizer com o de que não tinha falado de matrimônio porque eu era uma olhos brancos?
O colocou os lábios no alto de sua cabeça, desfrutando de do aroma de flores que ainda emanava de seu cabelo. Nunca voltaria a cheirar a primavera sem pensar nela.
—Minha primeira mulher será um de meu próprio sangue. —Sentiu como ela ficava tensa, e tratou de suavizar a situação. —Você pode ser minha segunda esposa, né? Ou a terceira?
Para sua surpresa, ela se incorporou, tremendo outra vez, embora esta vez de raiva. Levantou a cabeça orgulhosa e se separou dele.
—Está zangada?
Lhe respondeu com um silêncio helador.
—Olhos Azuis, quais são as palavras equivocadas que hei dito?
—Que o que há dito?
Caçador enrugou o sobrecenho.
—Você não gostaria de te casar comigo? É melhor ser minha esposa que minha pulseira, verdade?
—Nunca serei um segundo prato, nunca!
Caçador a estudou, tratando de averiguar por que tinha trocado de conversação e tinha passado do matrimônio à comida.
—Como te atreve! —gritou. —De tudo o que... é um arrogante... Ah, não importa! Mas entende o que vou dizer te! Entre minha gente, um homem só tem uma mulher, só uma, e não olhe a nenhuma outra, nem pensa em nenhuma outra, nem touca a nenhuma outra até que a morte os separa. Não me casaria contigo embora pusesse de joelhos e me suplicasse isso!
Caçador se levantou lentamente, sentindo-se um pouco assustado por seu aborrecimento e tratando de descobrir o que era o que podia havê-lo produzido. Chegaria alguma vez a entendê-la?
Ela se inclinou para ele, com os olhos azuis ardendo.
—E embora me casasse contigo, um anúncio feito no fogo central não seria um matrimônio segundo meus livros. —Golpeou-lhe o peito. —Devo fazer meus votos diante de um padre! E além disso, quando escolher um marido, não será um comanche. Não escolheria a ti nem como primeiro marido, nem como segundo, nem como marido absolutamente. Para mim, não é mais que um bruto que trata às mulheres como se fossem ganho.
Com toda a calma do mundo, Caçador sentenciou:
—É minha mulher. Não te casará com ninguém mais.
—Bem, se crie que vou casar me contigo, será melhor que comece a te esquecer! Alguma vez o farei, ouve-me?
Com isto, abraçou-se a si mesmo e o olhou fixamente. Caçador suspirou e se tombou de costas, olhando ao teto. Os minutos passaram. Quando por fim sentiu que ela se girava ao outro lado da cama, tão longe dele como era possível, sorriu. Nenhuma mulher podia zangar-se tanto por outra mulher a menos que estivesse ciumenta. E uma mulher não ficaria tão ciumenta a menos que estivesse apaixonada. Possivelmente ele não fosse o único que estava pensando em outras coisas ali.
Pela manhã Caçador despertou e encontrou a seus olhos azuis enrolada junto a ele. A única parte de seu corpo que me sobressaía das peles era a ponta de seu nariz e uma meada de cabelo dourado. Tinha uma mão posta sob suas costas e a outra se insinuava entre suas coxas. sentiu-se tentado a despertá-la, só para ver a cara que punha ao dar-se conta de como o tinha abraçado.
Em vez disso, deslizou-se fora da cama e se penteou com os dedos antes de sair da loja. Sua mãe devia estar já acordada, e estava ansioso por saber como tinha passado a noite Amy. De caminho, viu antílope Veloz e a Estrela Brilhante, a irmã de sua esposa morta, que estava de visita na entrada da loja de sua mãe. Estrela Brilhante levava um prato de casca nas mãos, o que supôs seria um presente para sua mãe. As razões de que Antílope Veloz estivesse ali eram mais difíceis de explicar.
Quando Caçador se aproximou, Estrela Brilhante baixou suas largas pestanas e se ruborizou.
—bom dia, Caçador. Te senti falta de.
Caçador lhe pôs a mão no cabelo e forçou um sorriso. Estes últimos meses se havia sentido muito incômodo com a proximidade de Estrela Brilhante. Os homens comanches estavam acostumados a casar-se com as irmãs, e dada sua relação com Salgueiro Junto ao Rio, Estrela Brilhante esperava dele que mantivera o costume. Era uma garota encantadora e de bom caráter. Qualquer homem a tivesse encontrado idônea para o matrimônio. Mas, por alguma razão que não podia compreender, Caçador tinha estado evitando-a, sem estar muito seguro de seus sentimentos. Queria a Estrela Brilhante como primeira esposa?
Podia ver a tensão no ambiente. Olhando a cara perfeita de Estrela Brilhante tratou de imaginar como seria tê-la sob suas peles de búfalo, tocá-la como um homem toca a uma mulher. A imagem não acabava de tomar forma. Em seu lugar, via uma mulher loira, de olhos azuis, com a pele tão pálida como os raios de lua. Piscou e respondeu sem lhe emprestar muita atenção.
—E eu te senti falta de, Estrela Brilhante.
Antílope Veloz agarrou a Caçador do braço antes de entrasse na loja de sua mãe.
—Caçador, a respeito da pequena cabelo amarelo...
—Sim, o que acontece ela?
Antílope Veloz olhou incômodo a Estrela Brilhante, e se armou de valor.
—Eu gostaria de arrumá-lo contigo, para tomá-la como esposa. Não agora mesmo, é obvio. Quando for mais maior. —O jovem guerreiro ergueu os ombros. —Nota promissória uma boa dote, cinqüenta cavalos e dez mantas.
Caçador sorriu. depois de um ano de correrias, Antílope Veloz só tinha dez cavalos. Quantos cavalos pensava roubar?
—Antílope Veloz, nem sequer acredito que lhe goste.
—Você tampouco gosta de muito a seu cabelo amarelo.
Nisso tinha razão. Caçador se esfregou o queixo, precavendo do canto de um pardal próximo e do som das folhas de um hibisco ao ser agitadas pela brisa. Que som tão relaxante. Tinha já suficientes problemas como para que Antílope Veloz viesse a lhe acrescentar um mais.
—Podemos discutir isto em outro momento?
—Não! Quero dizer... bom, ouvi outros guerreiros falar. Não sou o único que a quer. Se esperar, pode que você aceite a oferta de outro. Ela é muito boa, verdade?
Caçador se perguntou se estavam falando da mesma menina mirrada. Depois se centrou em Antílope Veloz, que era só uns anos maior que Amy. Supôs que um homem jovem devia encontrar a beleza brincalhona da Amy atrativa.
—Vejo sua preocupação. Mas esquece uma coisa, Antílope Veloz. Resulta que você demonstraste ser um amigo leal para mim. Não aceitarei a oferta de nenhum outro. Tranqüiliza-te isso?
Antílope Veloz seguiu agarrado ao braço de Caçador.
—Posso visitá-la?
—Não sei. passou por uma experiência horrível. Talvez ter a um jovem rondando-a não seja a melhor ideia.
—Homem Velho me disse o que lhe tinha ocorrido. Mas alguém deve lhe ajudar a caminhar para o sol, verdade?
Uma vez mais, Caçador teve que reconhecer que o menino tinha razão. A Amy ficava um caminho difícil que percorrer, e talvez fosse mais fácil fazê-lo com um bom amigo ao lado, um jovem que lhe ensinasse a confiar outra vez.
—Cuidará bem dela?
Antílope Veloz sorriu.
—Protegerei-a com minha vida. Sua mãe diz que ela estará o suficientemente forte para dar um passeio amanhã. Posso acompanhá-la?
Caçador pôs sua pesada mão no ombro do moço.
—Não quererá ir. Deste-te conta disso?
Antílope Veloz assentiu.
—Posso fazer que ela se acostume para mim.
—É uma lutadora.
—E eu a dobro em tamanho.
Caçador quase desejou poder seguir este caminho. Podia ser interessante. Mas Antílope Veloz não sabia que às vezes a força era inútil quando terei que tratar com mulheres assustadas.
—Vêem minha loja amanhã de noite.
Antílope Veloz sorriu.
—Acredito que deveríamos lhe trocar o nome. Ayemee? Sonha como o balido de uma ovelha. Dourada-a, esse é um bom nome para ela.
Sem responder, Caçador apartou a cortinilla da entrada e entrou na loja de sua mãe. Mulher de Muitos Vestidos estava ajoelhada junto ao fogo, removendo uma panela de aveia. Levantou os olhos e sorriu. Amy estava acurrucada na cama, e seus olhos grandes seguiam falando de medo. Caçador se deu conta de que sua mãe tinha encontrado para a menina uma muda de ante e uns mocasines, algo que lhe agradou muito. Quando Amy viu caçador, levantou-se e ficou de joelhos.
O cruzou a habitação e se agachou junto a ela. Seguia estando um pouco pálida, e se perguntou se sua mãe não se teria precipitado ao dizer a Antílope Veloz que poderia sair a dar um passeio ao dia seguinte. Sua mãe tinha escovado o cabelo da pequena em uma nuvem dourada que caía por seus ombros. Com razão Antílope Veloz queria chamá-la-a Dourada.
—Está bem? —perguntou Caçador na língua dos tossi.
—Estou melhor. —Olhou com preocupação para a porta. —Esse horrível menino segue aí fora?
Ele esperava que lhe perguntasse pela Loretta.
—Antílope Veloz?
—Esse é seu nome? Eu não gosto.
—Ah, já entendo. —Caçador apertou os lábios. —Por alguma razão?
—Simplesmente eu não gosto. —estremeceu-se de uma maneira bastante altiva e enrugou o nariz. —Me olhe de uma forma estranha.
Caçador supôs que Antílope Veloz tinha estado rondando-a, não olhando-a, mas acreditou pouco prudente dizer isto a Amy.
—Minha mãe te trata bem?
—Ela é sua mãe? —Amy olhou a Mulher de Muitos Vestidos. —É muito amável. Embora não entende nada do que digo. Você fala tão bem nosso idioma... por que ela não o fala?
—Não o necessita.
Amy considerou esta resposta um momento, e depois perguntou.
—Onde está Loretta?
Caçador começou a dar-se conta de que Amy não parecia recordar a discussão que tinha tido com a Loretta a noite anterior.
—Dorme em minha loja.
—por que estou eu aqui? Quero estar contigo, Caçador. E com a Loretta. Por favor.
—Poderá vir amanhã a minha loja. —Caçador olhou a panela de aveia cozida. —Minha mãe prepara um pouco de comida para ti. E medicina. Ela fará que recupere a força. Trarei para o Lohrhettah para que te veja. É uma promessa que te faço.
Amy lhe agarrou do braço.
—Fará que esse menino se vá?
Caçador lhe tirou os dedos do braço e se levantou.
—Antílope Veloz é um bom meu amigo. É bom que esteja aí fora. Não te fará mal.
Voltando-se para sua mãe, Caçador trocou com rapidez a seu próprio idioma e a alagou a perguntas. Sua mãe lhe disse que embora Amy estava débil, uma alimentação adequada e um bom descanso seriam suficientes para que se recuperasse. Tinha deixado por completo de sangrar. E o corte da perna curava bem.
Caçador explicou que voltaria com a Loretta breve, e depois deixou a loja. Ao sair abriu a cortinilla para Estrela Brilhante, que tinha esperado respetuosamente fora a que ele terminasse, antes de entrar. Antílope Veloz estava a só uns centímetros da entrada, com o pescoço estirado para ver por debaixo do braço de Caçador. Caçador fechou a cortinilla de pele.
—Antílope Veloz, deixa de espiá-la. Está-a incomodando.
—É muito dourada, verdade?
Caçador tinha o estranho pressentimento de que o moço não tinha ouvido nenhuma palavra do que dizia.
—Está muito assustada. De ti. Quer que vá, e não a culpo. Baba como um lobo raivoso.
A covinha que tinha na bochecha se fez mais pronunciado.
—Isso é um bom sinal, verdade? Que se tenha fixado em mim.
Caçador se afastou dali movendo a cabeça. Encontrou a Loretta acordada quando entrou em sua loja. Estava sentada na cama, passando-os dedos pela enredada juba. Ao lhe ver, apartou a cara, ainda zangada a julgar pelo brilho em seus olhos.
Ao princípio Caçador tratou de ignorar os olhares da Loretta. depois de tomar o café da manhã uns frutos secos e um pouco de pão branco de sua mãe, levou-a a visitar a Amy. Continuando, Caçador recuperou a carteira que Loretta tinha deixado na loja de Donzela e a acompanhou até o rio. Em lugar de banhar-se, que a tivesse obrigado a tirá-la roupa diante dele, Loretta se lavou o cabelo e se esfregou a cara. De volta à loja, negou-se a lhe olhar e não respondeu a nenhuma de suas perguntas.
Ao ver que este comportamento silencioso e arisco se prolongava depois da comida, a paciência de Caçador saltou pelos ares. Estavam sentados na loja, sobre as peles de búfalo. Ela a um lado da habitação e ele ao outro. O silêncio era asfixiante.
—Pode fazer a guerra com seus olhos durante uma lua e não ganhar nenhuma batalha. Cansei-me que seu aborrecimento, Olhos Azuis.
Ela levantou seu pequeno nariz e se negou a lhe olhar. Lhe tinha secado o cabelo e lhe tinha formado uma meada selvagem de cachos que lhe cobriam a cabeça como o ouro. Frustrado, Caçador apertou os dentes. Não sabia se ela se deu conta ou não, mas o certo é que já não lhe tinha medo como antes. Uma mulher assustada não tivesse sido tão teimosa.
—Dirá-me essa ira que te queima, né?
—Como se não soubesse!
O pegou os cotovelos contra seus joelhos dobrados. Mulheres. Nunca tinha podido as entender. Se estava ainda zangada porque tinha falado de tomar outras algemas, por que não o dizia? Tampouco é que estivesse pensando em casar-se com ninguém hoje mesmo.
—Olhos Azuis, você é minha mulher, de acordo? Este comanche quer que seu coração brilhe como o sol.
Lhe lançou um olhar carregado de desprezo.
—Pode que seja sua mulher, mas isso não significa que eu goste! Além disso, por que se preocupa por mim? Com tantas mulheres, serei uma mais do montão. Não saberá se estiver contente ou não. E em realidade, tampouco te importa. —Duas bolinhas de cor acenderam suas bochechas. —E por mim está bem.
Os dois ficaram em silêncio um momento.
—Quando levará a Amy a casa? —perguntou de repente.
—Seu pai se esconde detrás de suas paredes de madeira e deixa que os comancheros a levem. Ela fica com este comanche.
—Não estará insinuando que quer mantê-la aqui! Sua mãe se voltará louca de preocupação.
—Isso é muito triste, sim?
—Prometeu-o!
—Prometi trazê-la contigo. E o tenho feito.
—Ela não é um cavalo, Caçador! Não pode deixá-la aqui!
Levantou uma sobrancelha.
—Ah, sim? Quem vai vir a procurá-la?
—É insuportável. É um arrogante, um teimoso...
Caçador bufou e ficou em pé. De repente a loja parecia muito pequena para os dois. iria visitar seu pai, onde as mulheres mostrassem o devido respeito.
Muitos Cavalos estava fazendo os últimos retoques ao arco que tinha feito quando Caçador entrou no tipi. Pondo a arma a um lado, cravou uns olhos cheios de suspicacia em seu filho maior e franziu os lábios.
—Parece como se tivesse estado comendo do bolo de ameixas de La Que Treme e te tivesse tragado um osso.
Caçador não estava de humor para brincadeiras.
—Minha mulher me põe dos nervos. —sentou-se com as pernas cruzadas, agarrou o atiçador de ferro que havia junto a ele e começou a empurrar as brasas e as cinzas do fogo de seu pai. —Um para o outro, sem horizonte, isso é o que ela quer! Imagine a levando uma casa, curtindo o couro, costurando, cozinhando, agarrando lenha, todo ela sozinha. E se ficar doente enquanto estou fora? Quem cuidaria dela? Quem lhe fará companhia? Da forma em que ela pensa, quando eu esteja fora muito tempo, nem sequer poderá ir aonde Guerreiro a procurar companhia.
—Quereria que o fizesse?
Caçador deu um grande empurrão às cinzas, levantando uma grande poeirada que fez que Muitos Cavalos tossisse. O certo era que não podia suportar a idéia de que Loretta estivesse com outro homem.
—Agora mesmo, daria-a ao primeiro homem que fora o suficientemente estúpido para aceitá-la.
Muitos Cavalos guardou silêncio.
—Todos meus filhos seriam... —Caçador levantou os olhos. —Imagina rodeado de olhos brancos?
—Ah, esse é o problema. Que ela seja uma olhos brancos. —Muitos Cavalos assentiu e, com voz zombadora, disse: —Não te culpo. Nenhum homem poderia estar orgulhoso de um filho que tenha sangue branco. Será débil e covarde, uma vergonha para qualquer que o reclame como próprio.
Caçador ficou gelado e levantou os olhos. O sangue branco em suas veias era uma verdade tabu entre ele e seu pai. Nunca antes Muitos Cavalos tinha falado disso.
Muitos Cavalos se sorveu o nariz e se esfregou a cinza que ficava na cara.
—É obvio, há algumas exceções. Suponho que um homem pode criar a um menino mestiço e lhe ensinar a ser um com os espíritos. Embora suponha muito trabalho.
A tensão nos ombros de Caçador cedeu.
—Pus a prova sua paciência, pai?
Muitos Cavalos pareceu considerar a pergunta.
—Estive a ponto de perder a paciência a vez que me disparou na coxa com seu primeiro arco. Não tivesse sido tão mau se tivesse estado frente a ti.
Caçador se Rio.
—Não o estava quando atirei a flecha. Se não recordar mau, girei-me para te perguntar algo.
—E nunca pude te responder. Sempre agradeci aos deuses que me chegasse só até os joelhos. Se tivesse sido mais alto, seus irmãos e irmãs nunca tivessem nascido. —Voltou a sorvê-la nariz e depois sorriu. —Se o pensar, acredito que Guerreiro foi inclusive mais perigoso com seu primeiro rifle. Recorda aquela vez em que disparou sem querer a minha loja e fez um buraco na panela de sua mãe? Estava cozinhando coelho. A água caiu ao fogo e todo se encheu de fumaça. Quase morro asfixiado tratando de tirar todo mundo dali.
Caçador jogou atrás a cabeça e se Rio a gargalhadas.
—Recordo-te tirando o coelho da panela e dizendo a Guerreiro que tinha sido um tiro certeiro, justo no coração. À exceção, claro está, de que o tinha estripado. Também lhe disse que a próxima vez devia praticar só com objetivos que estivessem vivos.
—Falando dos ossos das ameixas, recorda o primeiro intento de sua irmã? Seu avô se partiu o último dente que ficava tratando de comê-lo.
—E se tragou o dente, o osso e todo o resto, para que ela não se sentisse envergonhada ante Cavalo Cinza, que tinha vindo a cortejá-la. —Caçador ficou a mão no estômago e suspirou. —Me alegro de ter vindo, pai. Sempre consegue alegrar meu coração.
Muitos Cavalos se passou a língua pelos dentes e assentiu pormenorizado.
—Estou orgulhoso de todos meus filhos —disse com voz rouca. —E de ti, mais que de nenhum outro. É estranho, filho, mas quando um homem agarra a um recém-nascido em braços e o reclama como dele, converte-se em filho de seu coração. O sangue não importa. Tampouco a cor de seus olhos. Quando deu seus primeiros passos, fez-o em direção a minhas mãos. Isto é o importante. Olhos brancos ou comanche, você é meu filho. Tivesse matado a qualquer que houvesse dito o contrário.
Caçador não pôde conter as lágrimas.
—O que está dizendo, pai?
—Digo que deve andar o caminho de seu coração. Veio aqui zangado porque seu cabelo amarelo estava zangada, não é assim? Se a amas, será o mesmo quando estiver triste ou quando estiver feliz. Viu alguma vez o lugar no que um arroio verte suas águas em um rio? Os dois se convertem em um. riem sobre as pedras juntos, dobram-se nos canhões juntos, afundam-se nas cascatas juntos. É o mesmo quando um homem e uma mulher se amam. Não sempre é agradável, mas quando acontece, um homem tem pouco que dizer. As mulheres, como os arroios, podem ser suaves um minuto e fazer sentir a um homem como se estivesse nadando em águas perigosas ao seguinte.
Caçador se inclinou sobre os joelhos, hasteando o atiçador ante os narizes de seu pai.
—Não a entendo. A trato com amabilidade, e mesmo assim ainda treme de medo ante a possibilidade de fazer uma comigo. Intento fazê-la feliz e em vez disso se zanga.
Muitos Cavalos levantou uma sobrancelha.
—O medo não é como a capa de pó das folhas que pode tirar-se com uma ligeira chuva. lhe dê tempo. Primeiro, te faça seu amigo. Depois, te converta em seu amante. Quanto ao de fazer feliz a uma mulher, algumas vezes terá êxito e outras não conseguirá nada. Assim são as coisas.
Caçador respirou profundamente e deixou escapar um pesado suspiro.
—Tampouco é que eu tenha pensado agarrar a outra mulher. É sozinho que...
—Que é muito teimoso?
Caçador se Rio.
—um pouco, sim?
Muitos Cavalos se encolheu de ombros.
—Um para o outro não é mau para o homem. Eu estou muito contente de ter só uma corda de tiro em minha loja. Imagina que exaustivo seria ter três ou quatro mulheres?
—Minha mãe foi suficiente para ti, mas ela é uma mulher muito especial.
Muitos Cavalos sorriu.
—É uma mulher ciumenta. E eu não sou estúpido. Não queria viver em um ninho de vespas toda minha vida. —encolheu-se de ombros. —Eu gosto das coisas tal como estão. Assim tenho menos línguas afiadas detrás de mim. Menos bocas que alimentar. E só uma mulher a que tentar entender. Traga-lhe pulseiras para que lhe ajudassem com as tarefas domésticas.
—Meu cabelo amarelo não acredita nos escravos.
—Tampouco acredita no de ter muitas mulheres. lhe diga que escolha: ou mulheres ou pulseiras. A ver o que escolhe. —Muitos Cavalos agitou a mão para limpar o ar de cinzas. —Deve recordar também que a cabelo amarelo te dará muitos mais filhos que uma mulher comanche. Tome cuidado ou te verá com mais meninos dos que pode alimentar. Nunca vi a uma mulher branca que não fosse fértil.
Um sorriso se foi desenhando na cara de Caçador.
—Dirá-lhe isto, né? até agora não parece mostrar o devido entusiasmo.
—Fará-o. lhe dê tempo. Tenha paciência. A recompensa bem valerá a espera.
Caçador apartou o atiçador e se levantou.
—Pensarei em suas palavras.
—Sonhas como um homem cujos olhos vão em diferentes direções. Que mulher do povoado te atrai?
—Nenhuma.
—Um teimoso, como imaginava. Tinha a esperança de que algum dia maturaria. Vejo que nunca o fará.
—Tenho o braço mais forte de meu círculo de lojas. Suas panelas não podem me dominar. Se isto é ser teimoso, então está claro que o sou.
Muitos Cavalos levantou os olhos.
—Crie que meu braço não é o mais forte?
—Acredito que deveria lutar com homens no campo de batalha, filho, onde tenha a oportunidade de ganhar. Isso é o que acredito. Mas quando me fizeste conta? —Agarrou o arco que estava fazendo. —Suponho que deve aprender as lições que te dá a vida por seus próprios meios.
Caçador preferiu ignorar as últimas palavras de seu pai.
—É um arco muito pequeno. Para quem é?
—Para Tartaruga —respondeu Muitos Cavalos com um sorriso de menino travesso. —A minha idade, há poucos prazeres na vida. É hora de que veja meu neto aprender a disparar. Meus amigos e eu estamos fazendo apostas. apostei dois cavalos a que disparará a Guerreiro na coxa. Homem Velho pensa que será no quadril. Quer apostar?
O sorriso de Caçador se voltou irônica.
—Não acredito. Se não recordar mau, disse a Guerreiro que ensinaria a Tartaruga a disparar.
Muitos Cavalos assentiu, depois moveu o sobrecenho.
—Assim é sua coxa o que me estou apostando, né? Vá. Com o passar do dia, traz para seu cabelo amarelo para que me conheça.
—por que?
—Talvez queira apostar conosco.
—Meu cabelo amarelo?
Muitos Cavalos sorriu.
—Se Tartaruga apontar um pouco mais alto, pensa em toda a dor que lhe estará economizando.
Caçador fez um ruído de desgosto e deixou a loja.
CAPÍTULO 20
Paciência. Durante os cinco dias seguintes, Caçador esteve tão escorregadio como o penugem do dente de leão que se leva o vento. Não só vivia com uma, a não ser com dois cabelo amarelo zangadas. Loretta, porque ele se negava a levar a Amy a casa e porque tinha mencionado que existia a possibilidade de que se casasse com mais de uma mulher. Amy, porque lhe obrigava a estar em companhia de Antílope Veloz. Mesmo assim, Caçador seguia em seus treze e mantinha a situação com implacável determinação, tratando de ignorar as olhadas às que se via submetido cada vez que punha um pé em sua própria casa.
À quinta noite, sua perseverança se viu recompensada com um sorriso da Amy depois de que Antílope Veloz a acompanhasse a casa depois de seu passeio diário. Trazia as bochechas tintas e ficou a contar a Loretta com todo luxo de detalhes sobre o tempo passado com Antílope Veloz, sobre a cierva e os dois cervos que tinham estado observando, sobre as flores que Antílope Veloz tinha pego para ela, o canto dos pássaros e a linguagem dos signos que lhe estava ensinando, os truques que o fazia. Era evidente que Antílope Veloz estava fazendo progressos com a Amy. A menina começava a curar-se.
Os ânimos de Caçador, que já estavam bastante baixos, desabaram-se. Era bastante deprimente que um menino inexperiente tivesse mais sorte com uma mulher que um homem feito como ele. Incomodava-lhe sobre tudo porque Caçador sabia que tinha pago de sobra, não uma a não ser duas vezes, pelo direito de ter a Loretta, que podia exercer esse direito quando quisesse, mas que entretanto não se atrevia a exercê-lo quando via as sombras que enchiam seus olhos. Recordando o conselho de seu pai, quão único podia fazer era rir de si mesmo. Tal e como estavam as coisas, se tinha que converter-se em amigo de sua mulher antes que em seu amante, pode que nunca conseguissem passar ao segundo estádio da relação.
quanto mais descontente se sentia Caçador com a situação, mais franzia o cenho. E quanto mais franzia o cenho, mais incômoda se sentia Loretta em sua presença. O pior era que Caçador não podia culpá-la. Seu acordo pesava sobre eles como uma nuvem cinza, e a promessa lembrada os mantinha tão unidos como separados. Caçador sabia que ela temia o momento no que lhe pediria que estivessem juntos. Cada dia que passava, a idéia parecia assustá-la mais. Caçador era o suficientemente sensível para dar-se conta de que esperar pacientemente a que ela quisesse não estava servindo de nada e, entretanto, tampouco podia obrigá-la.
Embora ela nunca tinha falado da morte de seus pais, Caçador tinha participado de muitos incursões para saber quão horrível devia ter sido para ela. Só isto tivesse sido suficiente para fazer odiar aos comanches de por vida. E também aos homens, seja qual fosse sua raça. Se por acaso isto fora pouco, os outros homens aos que tinha conhecido também tinham sido uns brutos: seu incestuoso tio, Santos e seus camaradas, e gostasse de admiti-lo ou não, o mesmo Caçador. Quando tratava de olhar ao mundo da maneira em que ela devia vê-lo, lhe encolhia o coração. O que tinha em sua experiência que lhe pudesse redimir?
As noites eram o pior. Queria que Loretta estivesse a seu lado com tanta intensidade que lhe doía, não só para satisfazer seu desejo, mas também simplesmente para abraçá-la. Para ele era maravilhoso poder tê-la ao lado, um sentimento que com toda segurança ela não compartilhava. Ela se inventava todo tipo de desculpas para não ter que dormir com ele. Temia, estava seguro disso, que fora algo mais que dormir o que ele tinha em mente. Cada noite se entretinha até o infinito na loja, inventando todo tipo de tarefas até que ele tinha piedade dela e se fazia o dormido. Quando por fim se sentia a salvo, tombava-se perto da Amy, deixando a Caçador a uns quantos passos de distância, completamente acordado e frustrado porque queria tê-la ao lado.
A sexta manhã Caçador chegou a inquietante conclusão de que nunca se havia sentido tão miserável. Enquanto mastigava uma parte de veado assado, examinou o interior da loja, tratando de imaginá-la como tinha sido uma vez... sem cabelos amarelos que lhe incomodassem. A imagem solitária que apareceu em sua mente lhe tirou o fôlego. Caçador se deu conta de que preferia ser um miserável com a Loretta que viver no vazio sem ela. Este descobrimento lhe esclareceu mente e lhe fez ficar em ação. Sabia que devia tomar medidas para assegurar-se de que não lhe deixasse nunca.
Caçador encontrou a Guerreiro no rio, ensinando a Menina Pony a nadar. sentou-se sob uma árvore de hibisco e apoiou as costas no tronco, deixando descansar a cabeça no joelho.
—Guerreiro, tenho que fazer uma pequena viagem —começou. —Vigiará a minha mulher e a sua irmã enquanto estou fora?
Distraído pela pergunta, Guerreiro se esqueceu de vigiar a sua filha e se deu a volta.
—Outra viagem? Mas se acabar de voltar.
Caçador olhou a Menina Pony, alarmado. Ficando em pé, gritou:
—Guerreiro! está-se afundando!
Guerreiro agarrou à menina pelo cabelo e atirou dela para cima. Sacudindo a cabeça, moveu-se para a borda.
—Não sei. Possivelmente é muito pequena. Donzela insistiu em que não o era, mas não recordo que me custasse tanto ensinar aos outros dois.
—Eu ensinei a Tartaruga, e Donzela ensinou ao Mirlo —recordou Caçador.
Guerreiro se agachou junto à garota que gemia e tossia, e tratou de tranqüilizá-la lhe dando palmadas nas costas. Caçador agradeceu a quão grandes as queimaduras de Menina Pony tivessem sanado.
—Possivelmente seja esse o problema, não crie? —brincou Guerreiro. —Que eu sou um mau professor. Caçador, por que não a insígnias você?
—Vou de viagem.
—Ah, sim, sua viagem. Onde vai?
Caçador ignorou a pergunta. Uma coisa era render-se a uma mulher, e outra bem distinta era admiti-lo ante seu irmão.
—Ensinarei-lhe quando voltar. Fazemos uma mudança, vale?
Guerreiro o olhou aliviado.
—Isso soa a um trato justo. Com muito gosto vigiarei a sua mulher se posso me liberar desta tarefa que Donzela me encomendou. Ao passo que vou, terei que lhe trocar o nome à menina pelo de Pedra do Rio. Asseguro-te que se afunda como elas.
Caçador se aproximou deles e levantou menina Pony no ar por cima de sua cabeça, com um amplo sorriso.
—Pedra do Rio? Não, eu gosto de Menina Pony. vamos ensinar te a nadar, de acordo, doninha?
A aquela altura, Menina Pony esqueceu por que estava chorando e explorou em gargalhadas. Caçador ficou o pequeno corpo molhado sob o braço e caminhou junto a seu irmão de volta a casa.
—Estarei fora uns quantos dias. Crie que poderá manter a Búfalo Vermelho longe de minha loja durante esse tempo?
—depois das histórias que contou quando esteve fora a última vez, Donzela o manterá afastado. Parece haver-se afeiçoado bastante com seu Lohrhettah. Está inclusive lhe fazendo uma blusa e uns mocasines.
—Sério? —A idéia de ver a Loretta vestida de ante lhe agradou. —lhe dê as obrigado em meu nome, fará-o?
—Dáselas você. Eu não estou muito contente com isso. Por isso é pelo que tenho que ensinar eu a Menina Pony a nadar! Donzela está ocupada costurando.
—Não posso dizer-lhe Vou.
—Agora mesmo?
Ao chegar aos arredores do povoado, Caçador pôs a Menina Pony no chão e lhe deu um tapinha nas costas de despedida.
—Sim, agora mesmo. Tenho que encontrar a uns quantos homens para que venham comigo. Levarei ao Lohrhettah e ao Ayemee a sua loja antes de ir.
Caçador não deu a Loretta nenhuma explicação de sua repentina partida. Um dia estava ali e ao seguinte se foi. Loretta e Amy ficaram com Donzela da Erva Alta. Amy estava adquirindo bastante vocabulário comanche graças a Antílope Veloz, o que resultou de grande utilidade, e antes de que Loretta se desse conta, viu-se aprendendo também algumas palavras. Donzela parecia encantada de poder lhe ensinar, não só o idioma, mas também os costumes de seu povo: nunca deixar que sua sombra caísse sobre o fogo da cozinha, nunca dizer os nomes dos mortos, nunca ir à direita quando se fazia uma entrada formal na loja de alguém. Loretta absorveu os novos costumes, contente de aprender tudo o que pudesse.
O quarto dia, já tarde, Muitos Cavalos visitou a loja de Donzela. Ao princípio, Loretta se sentiu incômoda, pois sabia que o pai de Caçador vinha em realidade a pô-la a prova. Mas muito em breve o senso de humor de Muitos Cavalos limpou todas suas dúvidas e se viu primeiro sonriendo e depois rendo-se a gargalhadas com suas ocorrências. Amy também estava encantada. Muitos Cavalos lhes contou um sem-fim de histórias de Caçador quando era pequeno. Ao final da velada, Loretta teve que admitir que o homem gostava. E o que era ainda mais importante, deu-se conta de que a sintonia era mútua. Por absurdo que lhe parecesse, sentiu-se extremamente agradada de contar com sua aprovação.
Quando se foi pôs uma mão enrugada na frente. Como se fosse um homem sagrado a benzeu, e lhe desejou boa noite, dirigindo-se a ela como «sua filha». O título agarrou completamente despreparada a Loretta. Quando olhou para cima, Muitos Cavalos a obsequiou com um sorriso de compreensão. Saiu dali antes de que ela pudesse recuperar a compostura.
Ao anoitecer do oitavo dia de ausência de Caçador, Loretta ouviu um som longínquo como de uivos e um ruído de cavalos que se aproximavam. Levantou o olhar da cozinha de Donzela e quase imediatamente viu caçador, que cavalgava vários cavalos por diante de outros, guiando ao que parecia ser um padre a lombos de uma mula. Loretta ficou nas pontas dos pés, o cenho franzido. Não era possível que estivesse vendo o que acreditava estar vendo. Que padre em seu são julgamento visitaria um povoado comanche?
Ao olhar a seu redor, viu a cara de assombro desenhada nos vizinhos de Donzela. Depois olhou a Guerreiro, que estava reclinado não muito longe de ali, vigiando-a. pôs-se de pé para ouvir os homens. Dirigiu-lhe um olhar surpreendido e arqueou a sobrancelha.
—Meu irmão traz para um Vestido Negro?
Era um padre. Loretta estirou o pescoço para ver melhor. Caçador cavalgou diretamente para o fogo central, que tinha sido preparado com antecipação para a noite, e baixou ao padre da mula. depois de ladrar algo ao pobre homem, deu-se meia volta e vinho diretamente à loja de Donzela, com o andar determinado e a mandíbula apertada. Loretta respirou profundamente. De repente, e sem poder acreditar-lhe soube por que Caçador havia trazido um padre ao povoado.
As pernadas se fizeram mais lentas conforme se ia aproximando dela, e os músculos de suas coxas se marcavam contra a ante das calças. Loretta ficou tensa ao ver o olhar de desafio que trazia nos olhos. Levantando o queixo, esperou a que ele se aproximasse, com o olhar fixo em seus largos ombros e resistindo as vontades de sair correndo. Essas largas e poderosas pernas que tinha a agarrariam imediatamente.
—Trouxe-te para um Vestido Negro —disse secamente e assinalou com o olhar para o padre. —O dirá palavras a seu Deus sobre nós, né?
Com isto, Caçador a agarrou firmemente do braço e atirou dela para o fogo central, sem deixar que lhe marcasse o passo, por muito que Loretta tentasse ir mais devagar.
—Não me casarei contigo! —gritou com desespero.
Lhe lançou um olhar cheia de arrogância.
—Será minha mulher, pequena. A minha maneira ou à tua, mas será assim.
Caçador se deteve diante do padre. Loretta olhou ao pobre homem, que tremia com tanta força que estava a ponto de deixar cair a Bíblia. O certo é que nesse momento lhe preocupava muito seu próprio destino para preocupar-se com o de outros.
—Pai —tratou de manter um tom tranqüilo e razoável, —poderia explicar a este pagão que um matrimônio não pode celebrar-se sem o consentimento da mulher?
O padre abriu a boca, mas nenhum som saiu dela. Olhou horrorizado a Caçador, e sua cara se voltou branca.
—Minha jovem moça, possivelmente seria melhor que procedêssemos. Este homem parece extrañamente convencido e eu, a verdade, não suporto a idéia de lhe contradizer.
Caçador se deu a volta para olhá-la e observou sua reação com a sobrancelha levantada. Depois fechou os olhos em sinal de desafio e Loretta levantou o queixo e se inclinou para ele.
—O que lhe tem feito a este pobre homem? Está aterrorizado! É que não tem vergonha?
Caçador tivesse podido lhe recordar que tinha havido um tempo no que ela estava igual de assustada, mas preferiu não desviar do tema. O que lhe importava era casar-se, não medir suas línguas. Lançou um olhar de convicção ao Vestido Negro.
—Diga suas palavras, ancião.
O padre se molhou os lábios e olhou com temor à multidão de selvagens que os rodeava. Possivelmente fosse o contraste do vestido negro com a pele pálida, mas Loretta pensou que estava perdendo a cor a uma velocidade alarmante. De fato, parecia como se fora a deprimir-se.
—Diga as palavras de Deus, ancião! —voltou a grunhir Caçador.
—Não te atreva a lhe intimidar —disse entre dentes Loretta. —É um homem de Deus, Caçador! Não se grunhe a um homem de Deus.
—Está bem, moça, não se preocupe. —O padre, com a cara cheia de suor, fez gesto de abrir sua Bíblia. —Pai misericordioso —murmurou, como se rezasse para que lhe liberassem. Tossindo, começou a mover as páginas da Bíblia, girando-se levemente para que a luz do fogo iluminasse as páginas. —Peço que me desculpem. Normalmente não preciso utilizar o livro... —Tossiu outra vez e apartou com a mão a fumaça. —Por alguma razão, as palavras desapareceram que minha mente. Ah, sim, aqui estão.
Furiosa, Loretta atirou do braço para livrar do apertão de Caçador.
—Pai, não tem nada que temer, o asseguro.
Caçador reclamou seu braço com uma força que a fez girar-se furiosa. Ele dobrou a cabeça e sussurrou.
—Olhos Azuis, não ponha a prova minha paciência. Golpearei-te forte como o vento.
—Golpeia, então! —tratou de soltar-se dele. —Faz-me mal.
—Pegarei-te. E então saberá o que é fazer mal. Agora, guarda silêncio!
Os olhos da Loretta ardiam de fúria.
—Não vou casar me contigo. me pegue se quiser! Vamos.
Caçador a olhou de uma maneira que a tivesse aterrorizado um mês antes.
—Lohrhettah, guardará silêncio e deixará que diga as palavras de Deus.
—Ele pode dizer as palavras de Deus até que os flocos de neve se derretam... —caiu e avermelhou. —Eu sou a que tem que dizer as palavras, Caçador, e não as direi. Entende-o?
—Minha querida menina —intercedeu o padre, —não está acostumado a ser comum que um destes —lançou um olhar de respeito a Caçador— cavalheiros se ofereça a fazer de uma cativa uma mulher honorável. Não lhe parece que seria inteligente aceitar?
—Não necessito matrimônio, pai. Ainda tenho minha honra.
Caçador a pôs a um lado e, com uma voz uniforme e inquietante disse:
—Sua honra se irá logo com o vento, Olhos Azuis. Fez uma promessa a Deus. É minha mulher! Agora digo que será minha esposa!
Loretta se molhou os lábios, tratando de lhe manter o olhar e não fraquejar.
—Trouxe-te para um Vestido Negro, não é assim? Para que seja um matrimônio em seu coração. Se você não disser as palavras de seu Deus para que se cumpra, pode estar segura de que me casarei contigo a minha maneira. —Formou com a mão um grande arco. —Sua honra voará com o vento. Suvate, tudo se cumpriu. Escolhe.
Loretta enrouqueceu de frustração.
—Mas eu não quero me casar contigo. Se o fizer, será para sempre! Não o entende?
—para sempre é muito bom.
—Não, é muito mau. Nunca poderei te deixar!
Caçador levantou as mãos.
—Não Vestiu Negro, não há matrimônio para seu Deus. Estarei contente de me casar a minha maneira. —Com um brilho de determinação nos olhos, deu-se a volta para a multidão, levantou os braços e gritou algo. Depois, encolheu-se de ombros. —Já está. Suvate, tudo se cumpriu. Hei dito minhas palavras. Estamos casados. —Agarrando-a do braço, grunhiu. —Keemah, vamos, mulher.
Loretta afundou os talões no chão.
—Não! Espera!
O a olhou, visivelmente zangado.
—Dirá as palavras de Deus?
Loretta não acreditava ter outra opção. Ao menos desta forma seu matrimônio seria bento por um padre e ela não viveria com Caçador em pecado.
—Sim. Direi as palavras. —lhe olhando de reojo, disse: —Posso ter um momento com o padre?
—Para que?
—Para lhe perguntar algo.
O apertão de Caçador se fez mais frouxo.
—Namiso, rápido.
Loretta tampou com a mão a orelha do padre e lhe sussurrou algo com rapidez. Depois deu um passo para trás e ficou junto a Caçador. O padre considerou o que lhe havia dito e depois assentiu. Um momento depois benzia ao jovem casal e iniciava a cerimônia. As palavras se amontoavam na mente da Loretta, sem sentido algum. Respondeu ausente quando assim lhe pedia. Depois veio o turno de Caçador. O padre lhe perguntou o habitual e acrescentou ao final:
—Renunciando às demais, tomará uma e só uma mulher por esposa, para sempre sem horizonte?
Caçador olhou a Loretta com suspicacia. Durante uns segundos ficou sem responder, e ela conteve o fôlego, com o olhar fixo ele. Depois, com solene sinceridade, inclinou a cabeça e respondeu.
—Hei-o dito.
O padre, algo confuso pelo incomum de uma resposta que estava acostumado a ser o «Sim, quero», ficou calado um momento, pareceu considerar a alternativa, assentiu e deu por concluída a cerimônia. Loretta e Caçador estavam casados, segundo as crenças dos dois. Caçador pediu a seus amigos que devolvessem ao padre a sua missão, lhes dizendo que pediria suas cabeças se o homem não chegava são e salvo. Depois, enviou a Amy à loja de sua mãe. Quando todos tiveram partido, girou-se para a Loretta, com uma sobrancelha arqueada e uma faísca de brincadeira em seus olhos cor azul índigo.
—Uma esposa e só uma esposa, para sempre sem horizonte?
Loretta apartou a cara, com as bochechas tintas. Agarrando-as mãos, balançou-se adiante e atrás, mordendo o lábio.
—Disse-lhe isso, Caçador, nego-me a ser segundo prato de ninguém.
O sorriu, um sorriso perigoso que lhe pôs os nervos de ponta. Olhou-a de cima abaixo e a conduziu arranca-rabo do braço até a loja.
—Agora mostrará a este comanche o bom primeiro prato que é, sim?
—Eu... —Lhe secou a boca enquanto se deixava conduzir por ele, arranca-rabo do braço. —Não quererá dizer agora, verdade? —Tinha o olhar posto na entrada da loja. —Nem sequer é de noite ainda. A gente ainda está acordada. Não comeste. Não acendi o fogo. Não podemos...
O levantou a cortinilla da entrada e a conduziu ao interior.
—Olhos Azuis, não tenho fome de comida —disse com voz rouca, —mas farei o fogo se o desejar.
Qualquer atraso, fora do tipo que fora, parecia-lhe bem.
—Ah, sim, faz bastante frio, não crie? —Era uma noite particularmente abafadiça, das que faziam que a roupa se pegasse ao corpo, mas isso logo que parecia importar agora. —Sim, um fogo será maravilhoso.
Deixou-a de pé sozinha, em meio das sombras, e foi agarrar um pouco de lenha que depois colocou no lugar do fogo. Pouco depois umas chamas douradas iluminavam a habitação, e a luz dançava e piscava sobre as paredes de couro. Agachado junto ao fogo, Caçador jogou a cabeça atrás e lhe dedicou um olhar preguiçoso, os olhos postos em seu vestido e as sobrancelhas levantadas em silencioso interrogatório.
—Quer comer algo? —perguntou-lhe com suavidade.
Loretta apertou as mãos contra a cintura.
—Pois a verdade é que tenho fome. Estou faminta! Você não? O que você gostaria de comer? —Jogou um olhar frenético às panelas de cozinha que havia detrás dele. —Arrumado a que um guisado te abrirá o apetite, verdade? depois de viajar tanto e comer só carne secada, deve ter vontades de algo quente. Sim, um guisado será perfeito.
Caçador torceu a boca.
—Olhos Azuis, um guisado nos levaria muitíssimo tempo.
Toda a noite, com um pouco de sorte.
—Ah, nem tanto. Não me importa, de verdade! —Fez um grande círculo para evitá-lo e ir para as panelas. —Faço um guisado estupendo, de verdade. Estou segura de que Donzela terá algumas batatas e cebolas para me emprestar. Poderia...
Loretta deu um salto ao sentir o roce de sua mão no ombro. deu-se a volta para lhe olhar, com uma grande panela no meio, e sua mão branca apoiada na asa.
—Olhos Azuis, não quero guisado —sussurrou Caçador, a voz cheia de ternura. —Se tiver fome, podemos comer uns bagos e uns frutos secos, gosta?
Loretta se tragou uma baforada de ar. Frutos secos era melhor que o outro. Possivelmente, se comia uma noz cada vez...
—Está bem, frutos secos.
Caçador estendeu uma pele de búfalo junto ao fogo enquanto ela tirava a panela e tirava uma saca de frutos secos do armazém de mantimentos. Ajoelhando-se junto a ele, Loretta ficou a mascar sonoramente, com a vista posta nas chamas, consciente de que em cada bocado que tomava, Caçador estava observando-a. Quando agarrou o quarto punhado, lhe rodeou a cintura com os dedos.
—Já é suficiente —disse com voz fica. —Porá-te malote do estômago se segue comendo.
Loretta já estava malote do estômago. Tragou saliva, sentindo-se miserável, e tratou de evitar seu olhar. Quando seus olhos se encontraram, ela sentiu como se a terra se abrisse. Não havia lugar a dúvidas em seu olhar. O momento que tanto tinha temido tinha chegado.
Ela sabia que antes ou depois ocorreria, certamente. Mas tinha esperado que fosse depois, muito depois. Em troca do resgate da Amy, ela tinha prometido entregar-se a ele. Era uma espécie de milagre que tivesse esperado todo este tempo para reclamar o que lhe correspondia. Era inclusive mais incrível que houvesse lhe trazido para um padre para que lhes casasse. Deveria sentir-se aliviada, inclusive contente de que sua união estivesse benta, mas o certo é que ela não se sentia casada. Tudo o que sentia era medo, um medo puro, negro e irracional. Por desgraça para ela, não chegava de noite de bodas sem saber o que aconteceria, como deveria ser para toda recém casado. Ela sabia o que lhe esperava e o horrível, doloroso e degradante que seria. Inclusive tia Rachel o odiava. Tinha-o deixado entrever muitos vezes, e embora não o tivesse feito, Loretta tinha ouvido chorar a sua tia o suficiente para saber que a penetração doía. E seria imensamente pior com um selvagem que pensava que as mulheres podiam ser compradas e vendidas como se fossem bagagem de sobra.
Esfregando-as mãos na saia, Loretta olhou com ar fúnebre o fogo. Luz. Por Deus bendito, por que tinha tido que pedir que fizesse fogo? O poderia vê-la agora, o que fazia que o ato de despir-se diante dele fora ainda mais horrível.
Tinha a pele de galinha. O a olhava fixamente, esperando como um homem que espera a que lhe sirva o jantar. E era inclusive mais terrível, o sentir-se como seu jantar. Um centenar de pensamentos passaram por sua cabeça, e deles o mais capitalista era o de sair correndo longe dele. Mas seu sentido da honra o impedia. O tinha prometido, e uma promessa era uma promessa. Tinha que cumprir com sua palavra. Passaria por isso com a cabeça alta. Tinha que fazê-lo.
Com mãos trementes, Loretta acariciou a larga linha de botões de seu vestido. Com cada movimento de dedos, suas bochechas se ruborizavam mais. A luz do fogo deixava poucas sombras, fazendo que o interior da loja parecesse estar a plena luz do dia. Tratou de procurar consolo no fato de que ele a tinha visto já nua a noite em que tinha tido febre. Mas isso foi faz séculos e não lhe aliviava muito o abafado que sentia ao ir baixando-as mangas do vestido.
Se ao menos fora um homem branco. Poderia ao menos sufocar o fogo. Ou possivelmente ter um ataque de consciência e dar-se conta da barbárie que supunha forçar a uma jovem virtuosa ao matrimônio. Mas ele não era branco, e a consciência não formava parte de seu vocabulário. O era seu dono. Agora estavam casados, inclusive para sua gente. para sempre.
Este pensamento a horrorizou enquanto se baixava o vestido até os quadris e permanecia de pé ao outro lado da loja. Teria que passar por este desagradável ritual não só uma vez, mas também milhares de vezes. Agora tivesse desejado não lhe haver feito prometer que só tomaria uma esposa. O matrimônio múltiplo podia ter seus benefícios. Com várias algemas ele poderia esquecer-se dela e não preocupar-se nunca mais do que fazia ou deixava de fazer...
Ao observar a Loretta, Caçador teve que conter uma gargalhada. Parecia um ratoncillo assustado a ponto de ser comido pelo grande falcão. Seus olhos azuis pareciam exageradamente enormes e brilhavam de medo. O rubor tingia de rosa seu branco pescoço, tão rosa como... Deteve o olhar em sua combinação. Através da fina musselina, podia ver as cúpulas sombreadas de seus mamilos. Lhe encolheu o estômago de desejo. Eram como flores de cacto. Como raios de lua. Possivelmente era acertado que se sentisse como um ser indefeso a ponto de ser devorado. O morria por possui-la, por chupar seus peitos, mordiscar o tentador caminho de suas coxas, por encontrar os lugares mais sensíveis de seu corpo e acariciá-los com sua língua até que sua paixão se abrisse em todo seu esplendor.
Quando a viu ali de pé, cada vez mais nervosa, lutando por tirar o faixa que sujeitava sua combinação, Caçador não pôde a não ser sentir uma ternura infinita. Por muito medo que lhe desse, estava disposta a cumprir a promessa que lhe fez e entregar-se a ele. Lhe fechou a garganta, e lhe pareceu que não ia poder respirar. Recordou a Salgueiro Junto ao Rio, recordou a primeira vez que estiveram juntos e o amavelmente que a tinha conduzido pelos caminhos do amor. Esta lembrança lhe envergonhou. Tinha passado muito tempo desde que não estava com uma mulher, muito se era capaz de desfrutar com tão doloroso acanhamento como a que tinha agora ante si.
Ficando em pé, Caçador removeu o fogo para que as chamas se reduziram um pouco e cobrissem a habitação de sombras. Depois se voltou para olhar a sua esposa, forçando-se a manter os dedos sobre seus próprios quadris, em uma postura deliberadamente relaxada.
—Olhos Azuis, vêem aqui —lhe sussurrou com suavidade.
Ela levantou a cabeça como se fora um cervo assustado, os olhos grandes e cautelosos. A Caçador lhe encolheu o coração. De uma pernada percorreu a distância que os separava. Agarrando-a pelo queixo, jogou-lhe a cabeça para trás e lhe aconteceu o polegar pelos trementes lábios.
—Eu... —tremeu-lhe a voz e não pôde continuar. Tragou e tratou de falar outra vez. —Sinto muito, Caçador. Sei que o prometi. É só que... estou um pouco nervosa.
Caçador inclinou a cabeça e descansou ligeiramente a frente contra a dela, lhe apartando as mãos para poder soltar a cinta rosada que rodeava sua pequena cintura. Sem olhar desatou a combinação e a deixou cair em um montão a seus pés.
—Não há nada que temer —sussurrou, —nada.
ficou sem respiração ao desatar o primeiro nó que fechava sua combinação. Desatou os outros com a mesma rapidez e passou os dedos por seus ombros, apartando a musselina e baixando-lhe pelos braços. A vergonha a cobriu, quente e palpitante, quando o ar da noite tocou seus peitos nus. Fechou os olhos, desejando morrer ali mesmo. Um segundo depois voltou a abri-los, aterrorizada do que ele pudesse fazer enquanto não lhe via.
lhe afrouxando o cinturão dos pololos, ajoelhou-se ante ela, lhe baixando as calças e lhe tirando os sapatos enquanto se desfazia da roupa que ainda a cobria. tornou-se para trás para vê-la e foi seu turno para ficar sem respiração. O que viu superava com acréscimo o que recordava. Por um momento não pôde apartar os olhos dela, fascinado pela brancura brilhante de sua pele, suas delicadas curvas, escondidas durante tanto tempo baixo esse petulante calicó e as múltiplos capa de musselina. Sujeitando-a pela cintura a atraiu para si, tremendo ao sentir a ponta de seus pequenos peitos sobre a carne de suas costelas. A débil luz do fogo, pôde ver as lágrimas que molhavam suas pálidas bochechas. O inclinou a cabeça para recolher o líquido salgado com a ponta da língua.
—Ah, Olhos Azuis, k taikay, k taikay, não chore. Alguma vez minha mão te provocou dor?
—Não —sussurrou ela.
Determinado a concluir aquilo que tinha começado, Caçador cobriu seu esbelto corpo com seus braços e a teve agarrada até a cama. Pondo-a com delicadeza sobre as peles, tombou-se junto a ela e a atraiu a seu lado. Seu membro tremeu com impaciência sob as calças. Esperava que ela resistisse, e possivelmente se o tivesse feito, ele teria contínuo, pois seu único pensamento era consumar o matrimônio, lhe tirar o medo e aliviar o desejo que sentia nas vísceras. Mas em vez de lutar, lhe rodeou o pescoço com os braços e se abraçou a ele, tão rígida e assustada que parecia ia quebrar se, com os membros de seu corpo tremendo de maneira incontrolada.
Entre lágrimas lhe disse:
—Caçador... poderia fazer uma coisa por mim? Um pouco muito pequeno, por favor?
Lhe pôs a mão no peito e sentiu o batimento do coração selvagem de seu coração.
—Que coisa, Olhos Azuis?
—Poderia terminar com isto rapidamente? Por favor? Não lhe voltarei isso a pedir, prometo-lhe isso. Só por esta vez, de acordo?
Caçador escondeu um sorriso entre seu cabelo e fechou os olhos, apertando os braços ao redor dela. A voz de seu pai lhe sussurrou: «O medo não é como o pó sobre as folhas que pode ser lavado com uma ligeira chuva». Essas palavras lhe vieram à cabeça ao tempo que uma dúzia de lembranças que acreditava esquecidos. Por um instante todo voltou atrás no tempo e Caçador se viu agarrado da mão de Salgueiro Junto ao Rio, correndo por uma pradaria de margaridas vermelhas, o som de suas risadas envolvendo-o tudo, e em seus olhos um brilho de amor de que bebiam um do outro. Recordou tantas coisas nesse instante: o amor, sim, mas sobre tudo a amizade que lhes unia, a sinceridade, a loucura, a risada. Ah, sim, a risada... O e seus pequena olhos azuis se riram juntos tão poucas vezes que Caçador tinha dificuldade por recordar quando o tinham feito. De repente soube que sem a risada, seu amor não chegaria muito longe. Sobre tudo para ela.
Em uma voz que expressava tanta frustração como tenra diversão, Caçador disse:
—Deseja-me tanto que quer que o faça rápido, verdade?
Loretta ficou rígida e inclinou a cabeça para lhe olhar. Lhe devolveu o olhar com um sorriso preguiçoso, tratando de não pensar nos mamilos que roçavam sua pele, no tortura que supunha sentir seus quadris sobre seu corpo. Soltando uma mão, limpou com cuidado as lágrimas que molhavam suas bochechas.
Rendo-se entre dentes, suspirou e disse:
—Olhos Azuis, temos muitas noites para estar o um com o outro. para sempre, sim? Até que morramos e nos apodreçamos.
—Até que a morte nos separe —lhe corrigiu.
—Ah, sim, até que a morte nos separe. —encolheu-se de ombros. —Muito tempo, verdade? Se provocar tanto medo em seu coração que devemos fazê-lo rápido, é mais sábio esperar. Basta-me dormindo a seu lado e poder pôr uma mão sobre ti.
Sua expressão passou da desconfiança à incredulidade.
—E não fazer nada?
Caçador estava de acordo com ela. Era a idéia mais boisa que tinha tido nunca. Nunca antes tinha desejado tanto a uma mulher.
—Você gostaria de fazer algo? Diga-o e o faremos. —Com a esperança de que se sentisse menos envergonhada por sua nudez, cobriu aos duas com uma manta e afrouxou o braço com o que a tinha abraçada, lhe deixando um pouco de espaço para que se sentisse cômoda. —me conte uma história, de acordo? Sobre meu Lohrhettah quando era pequena como Mirlo.
Ela o olhou fixamente, incapaz de acreditar que de verdade quisesse que lhe contasse uma história. O forçou um bocejo, e a julgar pela expressão da cara da Loretta, soube que não tinha resultado muito convincente.
—Não tem sonho —lhe acusou.
—K, não —admitiu. —Menti-te, sim? Para que te relaxe. Meu coração jaz sobre a terra quando tem medo. Temos que estar contentes, de acordo? me conte uma história.
—Caçador, estou nua —se queixou.
O levantou uma sobrancelha.
—Precisa estar vestida para contar uma história?
—Não, suponho que... bom, ajudaria-me a pensar.
O suspirou e ficou de lado, agarrando-a e fazendo que se recostasse na curva de seu braço. Ao lhe pôr a cabeça sobre o ombro, fez um valente intento de ignorar o sentimento intenso que sua pele sedosa provocava contra a sua e disse:
—Este comanche leva calças. Eu te contarei a história.
E com isto, Caçador começou a falar, sonriendo de vez em quando ao comprovar que não era o único que tinha problemas em concentrar-se na história. Com um sussurro rouco, recitou-lhe a profecia. Quando teve terminado, Loretta se incorporou no oco de seu braço.
—Essa é sua canção?
—Huh, sim.
—Mas se for preciosa!
Pela primeira vez, deu-se conta de que também gostava.
—Desde que sou um menino odiei estas palavras. —Enrolou uma mecha de seu cabelo entre os dedos, sonriendo. —E odiei à mulher de cabelo de mel que um dia roubaria meu coração. Desejava te matar, entende?
—Mas eu não sou a mulher de sua canção.
—Ah, sim. Você é a mulher.
—A canção diz que seu povo me chamará A Pequena Sábia. E não é assim! Nunca o farão. Eu não sou muito sábia que digamos.
—Acontecerá —lhe assegurou. —Deve ser assim. Tudo acontecerá assim.
Ela viu que seus olhos se escureciam.
—O que ocorre? por que está tão triste?
Lhe fez um nó na garganta.
—Minha canção diz que um dia deixarei a minha gente. Eu sou um comanche. Sem eles, não sou nada, Olhos Azuis.
Loretta olhou para o fogo, com o olhar perdido no jogo de sombras e luzes que formavam as chamas.
—Só é uma lenda, Caçador. Uma estúpida lenda. Ódio que se leva o vento? Altos lugares e grandes canhões de sangue! Novos manhãs e novas nações? —Voltou a cara para ele. —me olhe aos olhos. Vê um novo dia com novos começos?
O procurou seu olhar, e depois, com uma voz rouca que lhe atravessou o coração, sussurrou:
—Sim. —A palavra ficou suspensa entre eles até que o eco dela ficou gravado em sua mente para sempre.
Foi então quando Loretta soube. apaixonou-se por ela. Levantou os olhos e viu seu rosto escuro, tão próximo ao dele que respiravam o mesmo ar, e seu coração se rompeu um pouco, por ele, e por ela mesma. Ela nunca poderia lhe corresponder. Um ravina de ódio e amargura os separava. Nisto, ao menos, a profecia não se enganava.
—Ah, Caçador, não me olhe desse modo.
Com um movimento imperceptível, levantou o cotovelo por cima dela, mostrando a amplitude de seu peito de bronze, eclipsando com seus ombros a luz, de modo que só o rosto dela se iluminasse.
—Roubaste-me o coração.
—Não —sussurrou ela incômoda. —Não diga isso, nem sequer o pense! Não o entende? Nunca poderei te corresponder, Caçador. —Lhe acelerou o pulso. —Aterroriza-me...
Lhe tampou a boca com um dedo, e seus olhos se encheram de ternura.
—...te deitar comigo? Não estou cego, Olhos Azuis. Seu coração jaz sobre a terra por suas lembranças. Passarão. Virá para mim. Quererá que te toque. Será assim. Os deuses o hão dito.
Ela apartou a cara.
—Deitarei-me contigo porque lhe prometi isso e porque fiz um voto ante Deus e ante um padre. Mas nunca porque queira fazê-lo, nunca. —Estava a ponto de chorar. —Ah, Deus, o que estou fazendo aqui? Não quero te fazer danifico, Caçador, de verdade que não.
O se tombou junto a ela e a atraiu sobre o oco de seu braço, lhe recostando a cabeça sobre seu ombro.
—K taikay. Cala, Olhos Azuis. Não chore. Tudo irá bem.
—Como pode ir bem? Estou apanhada aqui. Nunca poderei ir. Fiz promessas que não estou segura de poder cumprir. Tenho medo, Caçador, de ti e de sua gente, inclusive de mim mesma. Como pode ir bem?
—Irá bem. Minha gente te aceitará. Agora é uma deles, a mulher de um guerreiro. Em seu momento, quererá estar junto a mim. Seu medo desaparecerá, já verá. Até então, este comanche esperará, de acordo?
—Esperar? —sussurrou. —Quer dizer que não... —calou-se e levantou os olhos para ele— ...me obrigará?
A Caçador lhe fez um nó na garganta.
—Não lhe prometo isso. Espero agora, não é assim? Veremos aonde nos levam nossos mocasines.
Para tranqüilizá-la, começou a lhe contar histórias sobre sua infância, sobre seu primeiro arco, sem mencionar a parte em que tinha disparado a seu pai, sobre sua primeira briga, sobre sua primeira caçada. Tinha chegado à história de seu sonho quando notou que seu corpo se relaxava e sua respiração se fazia mais compassada. Guardou silêncio. Ele olhou ao teto escuro, cheio de uma ansiedade que não podia ser saciada. Passaria muito tempo antes de que pudesse seguir a seus olhos azuis nos braços do sonho. Muito tempo.
Quando Loretta despertou à manhã seguinte, Caçador e sua roupa tinham desaparecido. Em seu lugar viu uma saia e uma blusa de ante e um formoso par de mocasines. Loretta desdobrou a camisa com mãos trementes, reconhecendo o trabalho de Donzela nos bordados. «Ein mah-heepicut», tinha sussurrado Donzela. Agora Loretta sabia que essas palavras significavam «é para ti». Lhe encheram os olhos de lágrimas.
Quando estava levantando a saia, Caçador entrou na loja, e ela se meteu correndo debaixo das mantas. Com um sorriso cheia de picardia, disse:
—Donzela te mandou essa roupa. A próxima vez, não estará envolta em toda essa wannup, né? Levará-nos muito menos tempo não fazer nada.
girou-se e saiu da loja antes de que Loretta entendesse a brincadeira. Levou-lhe inclusive mais tempo sorrir. Havia uma promessa baixo essas palavras. «A próxima vez, levaria-lhes menos tempo não fazer nada.» Com o coração algo mais aliviado, Loretta saltou da cama e ficou a formosa roupa que Donzela tinha feito para ela. Era de sua talha.
Passou a mão pela suave pele que cobria seu peito e se ruborizou. Era quase como estar nua. A aba da blusa apenas lhe chegava à cintura, e caía com uma curva reta da linha do peito, amplo e solto. Sabendo da inclinação de Caçador por colocar a mão por debaixo de sua roupa, não pôde imaginar-se levando algo assim com ele rondando-a. E a saia não era muito melhor, lhe cobrindo só até os joelhos, com franjas na parte baixa. Sem roupa interior, sem um ponto! Era escandaloso.
Lhe fez um nó na garganta ao olhar o favorecedor corte da saia, o formoso bordado dos mocasines. Donzela tinha trabalhado tanto! Loretta sabia que feriria profundamente seus sentimentos se não ficava esta roupa. E era incapaz de desiludir a dessa maneira.
Pensou em sua mãe, em como se houvesse sentido se sua filha vestisse como uma comanche. A imagem lhe fez compreender que gostasse ou não, não se tratava só de que fora uma comanche, casada com o infame Caçador, mas sim de que tivesse que fazer o que ele quisesse, quando quisesse e até que morrera e se apodrecesse.
CAPÍTULO 21
Os dias seguintes, a vida no povoado se converteu em uma rotina que Loretta começou a encontrar, se não agradável, ao menos sim suportável. Até o momento, Caçador seguia sem exercer seus direitos conjugais. Búfalo Vermelho, para alívio dele, foi a uma caçada com um grupo de amigos, e como Caçador tinha prometido, Loretta viu que podia ir e vir pelo povoado sem problemas.
Desde que seu matrimônio com Caçador se feito oficial ante o fogo central, a atitude dos vizinhos para ela tinha trocado. Todos pareciam deixar o que estavam fazendo para ajudá-la a agüentar melhor seu novo papel como mulher de um guerreiro comanche. Com a ajuda de Donzela da Erva Alta e a mãe de Caçador, Loretta ia pouco a pouco aprendendo o idioma comanche, o que lhe abria uma linha de comunicação com as outras mulheres e lhe permitia fazer amigos. A Que Tremia, uma anciã que vivia várias lojas além de Caçador, levou-se a Loretta à parte uma tarde para lhe mostrar como fazer pemmican, um prato principal na dieta dos comanches, e que consistia em uma mescla de carne triturada, graxa e frutos secos. Por desagradável que pudesse lhe parecer, Loretta teve também que ajudar às mulheres a raspar e curar a pele de um grande búfalo morto, e agora se encontrava fazendo seu primeiro par de mocasines de uma velha parte de pele que Donzela lhe tinha dado.
A atividade rotineira do dia a dia afiançava o sentimento de pertença ao povoado da Loretta. Haviam-na já incluído na rotina noturna do banho feminino no rio. Era tranqüilizador olhar a seu redor e reconhecer as caras das que estavam a seu lado, sorrir e receber um sorriso em troca.
Outra mudança que alegrava a Loretta era a recuperação visível da Amy. Logo que podia acreditar quão rápido Amy parecia estar recuperando sua antiga alegria e logo se deu conta de que Antílope Veloz tinha muito que ver com isso. Era evidente que o jovem guerreiro adorava a Amy e passava horas inteiras percorrendo o rio com ela, forjando uma amizade que devolvia a cor às bochechas da moça.
Caçador, ao contrário que Loretta, considerava este período como um tempo de prova. Enquanto Antílope Veloz fazia grandes progressos com a Amy, ele não via que nada trocasse entre a Loretta e ele. Ela seguia tratando de evitar dormir com ele, e elegia compartilhar a cama com a Amy, que além disso era muito mais incômoda. Se por acaso isto fora pouco, estava a campanha de Estrela Brilhante por atrair sua atenção.
Era como se cada vez que se girasse, Estrela Brilhante estivesse ali, piscando e movendo suas formosas pestanas, um jogo evidente de cortejo que Caçador sabia que não poderia passar desapercebido a sua esposa por muito tempo. Caçador não queria envergonhar a Estrela Brilhante rechaçando-a. Ao mesmo tempo, não queria que Loretta acreditasse que ele estava provocando à garota. Já tinha muitos problemas nos que pensar.
Quando tratava de encontrar a melhor maneira de desanimar a Estrela Brilhante, a jovem intensificou seu ataque até que, como Caçador tinha temido, Loretta se deu conta do que acontecia. E quando o fez, foi ele quem pagou as conseqüências.
—Quem é essa garota? —perguntou-lhe uma noite.
—Que garota? —Caçador sentiu um calor que lhe subia pelo pescoço e evitou olhar o cintilação azulado que emitiam os olhos de sua mulher.
—Essa garota, a que parece ter algo no olho.
Caçador tratou de agradar a Loretta dedicando um olhar de aborrecimento a Estrela Brilhante.
—É a irmã de minha mulher morta. —Voltou a inclinar-se sobre a ponta de lança que estava afiando— Se chama Estrela Brilhante.
—Não parece muito brilhante. É um tic que tem, ou é que sempre pisca os olhos o olho dessa maneira?
Caçador deixou escapar uma espécie de risada.
—Põe olhos, sim?
—A ti?
Ele entrecerró as pálpebras e levantou a sobrancelha.
—Crie que te põe olhos a ti?
Loretta ficou rígida.
—Parece-te divertido? Não se deu conta de que está casado...? —A fúria em seus olhos se fez mais intensa. —Ah, claro, que estupidez a minha. Esqueci que vós podem ter uma manada inteira de mulheres.
Caçador suspirou e pôs a um lado a lança.
—Este comanche não deseja uma manada de algemas. Com uma já tem muitos problemas.
—Quer dizer que te faço a vida insuportável? Se for assim, por que te casou comigo? por que não te casou com ela?
Caçador reconhecia o ciúmes assim que os via. Todo o resto tinha falhado. Talvez terei que utilizar novas táticas.
—Poderia havê-lo feito. Estrela Brilhante acredita que seria um bom marido, sim?
—Pode te ter.
Essa não era exatamente a resposta que Caçador tinha esperado.
—Você me tem, o um para o outro, para sempre até que morramos e nos apodreçamos. Esse foi seu desejo.
Ela pigarreou um momento, tratando de dizer algo.
—Obrigou a esta farsa de matrimônio!
Ele voltou a encolher-se de ombros.
—E você não quer a seu homem. É algo muito triste. —Moveu a mão para Estrela Brilhante, que seguia movendo as pestanas. —Ela quer o que você não quer. E mesmo assim te zanga? É boisa, Olhos Azuis.
Loretta ficou de pé de um salto, com as mãos em jarras.
—Sonha como se lhe tivessem extorquido, pobre homem. Bem, pois deixa que te diga algo.
—Aqui estou.
Levantou o queixo com orgulho.
—Enquanto ponha os olhos em outras mulheres, esta mulher não entrará em suas peles de búfalo por muito que ponha de joelhos e lhe suplique. Fica claro? —Moveu o braço para Estrela Brilhante. —Pode tê-la a ela! Pode ter a todas as mulheres deste povoado! Você mesmo. Mas não poderá me ter a mim também, disso pode estar seguro!
Com isto, Loretta se deu a volta e correu para a loja. Caçador se sentou ali um momento, escutando os sons surdos que provinham de dentro. Estava chorando. Com um grunhido, agarrou a ponta de flecha que tinha estado afiando e a atirou em um arbusto próximo.
Estrela Brilhante parecia afligida quando Caçador ficou em pé e se girou para ela. Por sua expressão, imaginou que tinha ouvido chorar a Loretta. Caminhou para ela com lentidão. Embora lhe fizesse mal, tinha que lhe dizer que não ia casar se com ela. Os sentimentos da Loretta eram mais importantes agora.
—Não gosto a seu Loh-rhett-ah? —perguntou vacilante.
Caçador agarrou à moça pelos ombros.
—Não é você, irmã pequena. É uma olhos brancos, sim? A idéia de duas mulheres em minha loja lhe põe furiosa. —Caçador lhe acariciou o queixo. —É encantadora, Estrela Brilhante, e me honra, mas agora estou casado com uma cabelo amarelo, devo andar um novo caminho, sim? Meu Loh-rhett-ah nunca te aceitaria. Se seu coração estiver triste, o meu também o está.
Estrela Brilhante deixou de mover as pestanas e voltou a ser a de sempre.
—De verdade crie que sou encantadora, Caçador?
Caçador juntou sua frente com a dela e a rodeou com o braço. Sua voz era cálida.
—É preciosa. Seu rosto me faz pensar em minha mulher que morreu.
Estrela Brilhante se ruborizou.
—Diz-me essas palavras para alegrar meu coração. Nunca poderei ser tão bonita como minha irmã.
—São como duas gotas de água.
—De verdade o crie?
—Deveria ver como lhe olham os homens.
Estrela Brilhante se apartou para poder olhá-lo melhor.
—Inclusive Búfalo Vermelho?
Caçador examinou o interior de seus olhos escuros.
—Você gosta de minha primo?
Ela se mordeu o lábio.
—Não te incomoda, verdade? Nunca te desonrei lhe olhando. Só pergunto porque, bom, como você não me quer, não pensei que você...
—Estrela Brilhante, não! Não estou zangado. —Aliviado, Caçador se Rio e ficou as mãos no quadril. —Búfalo Vermelho é um homem solitário. Faria-me muito feliz que encontrasse uma esposa. —Examinou-a a consciência. —O que picasse! Nunca suspeitei que te interessasse Búfalo Vermelho.
Lhe suavizou a cara.
—Não é bonito, sei. Mas é um homem valente e forte! E sempre é amável. Fixaste-te alguma vez em quão amável é com os meninos? Seria um bom marido, acredito, se... —Uma nuvem de incerteza escureceu seu sorriso. —Se se fixasse em mim. Nem sequer acredito que me tenha visto.
—me acredite, viu-te, Estrela Brilhante. Acredito que simplesmente está pretendendo que não te vê porque está seguro de que você não te fixará nele.
—Mas se for maravilhoso. por que pensa isso?
—Por suas cicatrizes —suspirou Caçador. —Quer que fale com ele? Quando volte da caçada?
—Não! Pensará que sou muito direta.
Caçador levantou a mão.
—Não lhe direi que falamos. Direi-lhe só que acredito que está interessada nele. Se não o fizer, seguirá passando de lado ante ti, e terá neve em seu cabelo antes de que ele saiba o que sente.
Ela se relaxou e sorriu.
—Bom... —Pôs o olhar fixo na loja. —Caçador, acredito que é melhor que te deixe, sim? Para que possa fazer as pazes com sua esposa.
Com uma careta, Caçador respondeu.
—Seu coração jaz sobre a terra.
—Por mim? Falarei com ela.
—Não acredito que seja seguro —disse ironicamente.
Zangada não era exatamente a palavra que descrevia o estado da Loretta. Não só estava furiosa, mas também também doída. Isso o aterrorizava. Não estava apaixonada. Não o estava. Assim, o que lhe importava se Caçador queria ter uma dúzia de mulheres? Que diferença supunha para ela? Não lhe importava absolutamente. Não lhe importava! Porque não lhe queria. Assim, por que chorar?
A dor lhe amontoava na garganta. Agarrou uma frigideira e tratou de centrar seus pensamentos no jantar e no que tinha que fazer, mas seguia vendo caçador em sua mente. Imaginava seus olhos escuros cheios de risada, sua boca desenhando esse sorriso que lhe encolhia o coração, sua mão cálida agarrando a sua. Morreria se lhe via fazer todo isso com outra. O que lhe passava? Quando se tinha convertido em alguém tão importante para ela?
Não era justo! Ele se tinha coado em seu coração, fazia que lhe importasse. E agora estava ali fora tonteando com essa estúpida! As lágrimas rodaram por suas bochechas. Se era assim como se sentia uma quando estava apaixonada, não queria formar parte disso. sentia-se como um trapo molhado ao que alguém estivesse escorrendo. E o pior era que tinha medo de sair dali e fazer algo a respeito. Se o fazia, seria como admitir que lhe importava. E assim que ele se desse conta disso, esperaria uma prova. Olhou a cama e lhe fez um nó no estômago. As imagens do passado lhe atormentavam. Deu um golpe à panela. Não podia fazê-lo, simplesmente, não podia...
Quando viu entrar em Caçador, Loretta se limpou as lágrimas e começou a fazer ruído com as panelas, com tanta força que lhe apitaram os ouvidos. Por muito perverso que fora, preferia mostrar aborrecimento antes que lhe deixar ver quão doída estava. Era muito orgulhosa para lhe mostrar seus verdadeiros sentimentos.
—Olhos Azuis, temos que falar —disse ele com suavidade, detendo-se baixar a cortinilla da entrada.
—Vete a falar com Estrela Brilhante —lhe espetou, inclusive embora esta era a última coisa que queria que ele fizesse.
—Falarei contigo. —moveu-se lentamente para ela. —Hei-lhe dito a Estrela Brilhante que não me casarei com ninguém mais, sim?
Desejava lançar-se a seus braços e chorar, queria que lhe dissesse que tudo estava bem, como sempre fazia quando se sentia mau. Em vez disso, voltou-se contra ele.
—E suponho que deixou que se compadecesse de ti por ter feito semelhante trato? Pobre Caçador, apanhado com uma só mulher! —Tratou de lhe olhar mas não pôde encontrar seus olhos. —estive pensando enquanto estava aí fora paquerando com ela. E decidi que uma dúzia de algemas a meu redor convém. Tem razão! É boisa me sentir como me sinto... —calou-se e tragou saliva, sem olhar o de frente. —Não fui uma esposa para ti... —Sua voz se quebrou em um gemido. —E tenho medo de não poder sê-lo nunca.
A Caçador lhe encolheu o coração ao sentir a dor que escondiam suas palavras. Não tinha sido sua intenção lhe fazer danifico, só tinha pretendido obrigá-la a enfrentar seus sentimentos. por que fizesse o que fizesse sempre o fazia mal? Sentado no bordo da cama, inclinou-se para abraçá-las joelhos com os braços.
—Olhos Azuis, em seu momento será uma boa esposa para mim —disse com seriedade.
—Não, não o serei. —Olhou-o com os olhos cheios de lágrimas. —Ah, Caçador, o que é o que me passa?
Ao olhar com atenção sua pequena cara, Caçador se deu conta de duas coisas: de que não queria que fosse como as demais, e de que, para bem ou para mau, teria que fazer que esta dolorosa espera terminasse, pelo bem dos dois. Por uma vez, seu pai não tinha razão.
—Olhos Azuis... —Caçador suspirou e entrelaçou os dedos com os dela, com os nódulos para fora, concentrando-se para dizer as palavras adequadas. —Pode me falar para que este comanche possa ver em seu interior?
—Tenho medo.
—Ah, sim, medo —estudou os mocasines bordados que levava— porque sou comanche.
Ela entrecerró as pálpebras.
—Não é por isso, já não. Isso é só uma desculpa!
Com muito cuidado lhe perguntou.
—Então, o que é o que entristece seu coração?
mordeu-se o lábio superior e jogou a cabeça atrás para olhar ao oco que fazia de chaminé. depois de vários segundos, sorveu-se o nariz e disse:
—É um homem.
Viu-a tão desamparada que teve que conter um sorriso. ia começar a falar, mas trocou de idéia. Esclarecendo-a garganta, olhou primeiro a sua tremente boca e depois a suas nervosas mãos. Tinha que descobrir de que forma podia apartar seus medos. A paciência não tinha funcionado.
Loretta voltou a fechar os olhos e emitiu um som afogado, lhe dando as costas.
—te case com Estrela Brilhante. É o melhor. Não posso pretender que espere para sempre a que... —deu-se outro golpe nas bochechas e respirou fundo. —Ela é muito bonita. Não seria normal se você não gostasse. E está claro que ela te quer. por que vais permanecer ligado a mim?
O ficou de pé e lentamente se aproximou dela por detrás. Ao notar que lhe agarrava os ombros, deu um coice.
—Não quero me casar com Estrela Brilhante. Você é a esposa que quero. Uma esposa, para sempre.
—Não ouviste o que te hei dito? Não posso ser uma esposa para ti. Eu... —estremeceu-se, e se abraçou a cintura. —Sou uma covarde, Caçador. Se por acaso não te deste conta ainda! E não vou trocar. Pensei que poderia, mas cada vez é pior! Eu gostaria de ser mais como Amy. depois de tudo o que passou, ainda...
—Você não é Ayemee. —Interrompeu-a com doçura. —Ela é uma menina, e meu braço forte a protege. Quando passarem muitos taum, casará-se e terá que enfrentar-se a suas lembranças, sim? Mas hoje escapa deles. Você não pode seguir escapando, entende-o? Os anos aconteceram e o que te passou segue a seu lado.
Caçador apoiou as costas da Loretta sobre seu peito e baixou a cabeça para notar seu cabelo contra sua cara.
—Olhos Azuis... —Passou os lábios por uma de suas tranças até encontrar a doce curva de seu pescoço. —me faça uma pintura com suas lembranças, sim? Para que possa ver o que é o que teme.
—O que ia conseguir com isso?
—O medo é um inimigo forte. Eu estarei a seu lado.
Ela suspirou.
—Caçador, é a ti a quem temo.
lhe soltando os ombros, rodeou-a com seus braços e lhe pôs as mãos sob o peito. Sorriu ao ver que lhe agarrava as bonecas para assegurar-se de que não movia as mãos por sítios muito íntimos.
—Dou-te medo porque sou um homem?
—Não tem graça.
—Não me rio. É triste, sim, que seu marido seja um homem. É uma coisa horrível.
Lhe deu de presente um sorriso vacilante, lhe olhando por cima do ombro.
—Não é porque seja um homem, exatamente. É o que ocorre entre nós porque é um homem.
—Todo coisas boas. —Sentiu que ficava tensa. —Pequena, tem que confiar, ouve-me? Não minto. O que ocorre entre nós é muito bom.
—Intento te acreditar, de verdade. E então recordo coisas.
—me faça uma pintura com suas lembranças, de acordo?
—Não posso.
Caçador a abraçou com mais força.
—É uma lembrança de sua mãe?
—Sim —admitiu. —Minha mãe e o que os comanches lhe fizeram. Essas lembranças me atormentam e me dão muito medo. Começo a me perguntar como seria, sabe, entre nós dois. E então começo a me perguntar quando passará. E a primeira coisa que penso é na noite. E me aterroriza pensar que esta noite será a noite. Posso sentir como me olha. E tenho medo de que te zangue porque me vou dormir com a Amy.
—E eu explorei como o vento, né? Furioso porque não dorme comigo?
—Não. Mas sei que tem direito a está-lo.
—Assim esperas que me zangue e isso não ocorre. —Deu-lhe a volta em seus braços e lhe levantou o queixo para poder lhe olhar aos olhos. —E o medo cresce, até que é grande como o búfalo?
—Sim —admitiu ela, com um fio de voz.
Caçador suspirou e apoiou a bochecha contra a parte alta de sua cabeça.
—Ah, pequena, fui muito tolo. Temos que falar, sim? O que eu queria era fazer que seu medo fora pequeno, não grande. Que fôssemos bons amigos, não inimigos.
—Ah, Caçador, desejaria que pudéssemos ser outra vez amigos. Recorda nossa viagem de volta a minha casa de madeira? Algumas vezes... penso nesses dias, e ... —Se calou e fez uma careta. —Sentia-me tão unida a ti então, e me deu tanta pena te dizer adeus.
—E agora seu coração não canta amizade por mim?
—É meu marido.
—Eu quero ser seu amigo. —inclinou-se para lhe ver a cara. —Não posso ser ambas as coisas? Roubaste-me o coração, Olhos Azuis.
—Ah, Caçador...
—Será meu amiga outra vez? —perguntou com voz rouca. —Riremo-nos juntos, sim? E tombará a meu lado quando dormirmos, porque minha mão é a mão de um bom amigo.
—Eu gostaria que fôssemos amigos outra vez... de verdade.
—Então o seremos. —Mordiscou-lhe a orelha.
—Mas Caçador, não o vê? Estamos casados.
—Ah, sim, estamos casados. —Caçador tratou de fazer um círculo ao redor dessa palavra, tratando de imaginar o que era o que significava para ela—.E bons amigos, sim? Confia. Por última vez, minha mão te causou alguma vez dor?
—Não —sussurrou ela com voz rouca.
—Peguei-te?
—Não. —Ela se aproximou dele e lhe rodeou o pescoço com os braços. —Ah, Caçador, o que deve pensar de mim...?
—Acredito que tem muito medo em seu interior.
—Sem motivo. Nunca foste cruel comigo, nunca, e entretanto... —estremeceu-se. Rapidamente, disse-lhe as vezes que tinha ouvido tia Rachel chorar de noite. —Digo-me que não será assim contigo, que Henry é mau como o demônio e que por isso ela chora, mas... —calou-se e tragou saliva. —E se não ser assim? E se for tão horrível como parece?
Ao lhe olhar aos olhos, Caçador se viu uma vez mais sonriendo. Pensou em lhe dizer que muitas mulheres gemiam quando seus maridos faziam o amor com elas, mas decidiu que era melhor não dizê-lo. Pô-lhe a mão nas costas, desejando poder lhe tocar a pele em lugar do tecido da camisa. Controlou o impulso com medo a romper o momento de confiança que parecia haver-se criado entre eles.
—Não mais medo, né? Se me zangar, trarei-te a colher de minha mãe.
Ela se sorveu os eflúvios e Rio.
—necessitaria-se uma boa colher.
Com um movimento suave, agarrou-a em braços e a levou a cama, fazendo como se não se desse conta da expressão de surpresa ou a forma impulsiva em que atirava da saia para baixo. O se sentou com as costas apoiada em um dos postes retorcidos da cama, movendo-a para que ficasse sobre seu regaço, com os ombros recostados contra o oco de seu braço. lhe olhando aos olhos, brincou com um cacho que lhe caía pela têmpora, maravilhado pela forma em que se enrolava em seu dedo.
—Olhos Azuis, tem que me fazer uma pintura do que passou o dia que morreu sua mãe.
Um dos músculos de seus olhos se moveu e lhe tremeu a boca.
—Não posso falar disso. Não posso, Caçador. Por favor, não me peça isso.
—Meu coração também está triste de lembranças —lhe sussurrou roncamente. —vamos fazer um trato. Farei uma pintura de minhas lembranças, sim? E você fará uma dos teus para mim.
—Minhas lembranças são horríveis.
Caçador tragou saliva e jogou a cabeça para trás para apoiá-la sobre o poste. Compartilhar suas lembranças tampouco ia resultar lhe fácil. Contraiu o peito enquanto tratou de retroceder vários anos, até chegar a aquela longínqua noite em que tinha jurado que mataria a esta mulher que agora tinha em seus braços. A dor lhe transpassou como um raio, mas se apagou rápido. Suas lembranças de Salgueiro Junto ao Rio eram formosos e doces. Sempre os conservaria. Mas já não podiam lhe destruir.
Com um sussurro rouco, Caçador começou uma história que não tinha contado a ninguém antes sem saber, uma vez a teve começado, se seria capaz de terminá-la. Mesmo assim, as palavras saíam de sua boca, arrudas e feias, desenhando as imagens do açougue que teve lugar esse dia, da morte lenta de sua esposa. Quando terminou, a loja ficou sumida em um inquietante silêncio, e a mulher que tinha em braços extrañamente quieta.
Por fim se revolveu e cravou seus olhos azuis nele.
—Caçador, amava-a muito, verdade?
O pôs um dedo em sua bochecha.
—Esse amor é de ontem.
Loretta girou a cara contra seu peito, inalando o aroma de sua pele, amando a mescla de pele, fumaça e azeite que uma vez tinha encontrado tão desagradável. Caçador. Quando se tinha convertido em alguém tão importante para ela? Quase podia lhe ver, sustentando a sua mulher morta, um pouco como a sustentava a ela agora, os ombros cansados da dor. Sentia-o por ele, e pela jovem a que haviam tão logo arrebatado a vida esses selvagens homens brancos. Sem perguntar, Loretta soube que Caçador tinha açoitado aos violadores de sua mulher e tinha vingado sua morte. A história que tia Rachel tinha ouvido era provavelmente certa. O colar de sua esposa, o homem que a tinha profanado e matado a seu filho. Sim, Loretta podia ver caçador cheio de ódio. Não podia lhe culpar.
—Fará o intercâmbio? —sussurrou ele.
Loretta ficou sem respiração e tragou saliva. Por muito horríveis que fossem as lembranças de Caçador, os seus eram muito piores. Perseguiriam-na sempre se não conseguia as purgar. Sabia. Mas falar deles lhe resultava impossível.
—Não posso. Tantos homens, homens comanches, como você. Quando penso nisso não posso respirar.
—Não são comanches como eu. —Ele voltou a colocar-se contra o poste— Devo te culpar pelo que um olhos azuis fez a minha mulher morta?
—Não, mas...
—Eu não levantei minha mão contra sua mãe, pequena. Não me tenha ódio, né? Odeia aos homens que a mataram, mas não a este comanche.
—Ah, Caçador, não te odeio.
—Então, fará-me uma pintura?
—Não sei por onde começar.
—Viu vir aos comanches, sim? Eram muitos? Tinha medo? Havia sol? Estava escuro? Dirá-me isso. um pouco, sim?
As lembranças golpearam a cabeça da Loretta com uma claridade cegadora. ficou rígida, os ouvidos lhe encheram de ecos do passado. Com voz vacilante, começou a falar. Havia um rugido em suas têmporas que fazia que sua voz parecesse distante. Ao princípio não esteve segura de se estava em realidade dizendo as palavras que tinha na cabeça. Então viu a careta na boca de Caçador e soube que estava por fim falando.
Lhe pôs o braço sobre os ombros. Com uma de suas grandes mãos lhe sujeitou os dois, lhe apertando os dedos, esfregando-lhe como se queria apartar seu medo. Conseguiu lhe transpassar sua fortaleza, reconfortá-la, esquentá-la. Era como se pudesse enfrentar-se a algo com ele ao lado. A algo... inclusive a seus pesadelos.
O coração de Caçador se encolheu ao escutá-la. Tratou de vê-la como tinha sido então e imaginou que devia ser muito parecida com a Amy, uma menina frágil, geada de horror, testemunha do inenarrável. encontrou-se desejando poder voltar atrás no tempo até esse dia, poder estar ali com ela no porão, para que pudesse esconder seu rosto no oco de seu ombro, cobrir seus ouvidos e evitar que os gritos a atormentassem. Como isto era impossível, apertou-a mais ainda contra ele, fazendo o único que sabia fazer para lhe facilitar o relato.
Os comanches não só tinham violado a Rebecca Simpson, mas também tinham invadido seu corpo com objetos agudos, descarregando com ela seu ódio por todos os de sua raça, mutilando-a segundo suas crenças religiosas, para que não pudesse deixar este mundo e entrar no mundo dos mortos. Caçador o tinha suspeitado, sabia, mas ouvir a história de seus lábios o tirou de sua própria pele, despojou-o de seu sentimento comanche e o converteu em um menino branco olhando o mundo através de uma cortina de horror. Nesses minutos em que Rebecca Simpson se fez real para Caçador, deixou de ser uma cabelo amarelo sem cara, e se converteu na mãe de sua mulher, em alguém a quem Caçador tivesse amado. Sua gente a tinha matado, não só de maneira desumana, a não ser lenta e dramaticamente.
Caçador só podia maravilhar-se de que Loretta tivesse chegado a confiar nele tanto como o fazia, o suficiente para deixar que a abraçasse da forma em que o fazia agora, o suficiente para vir a lhe pedir ajuda quando Santos se levou a Amy. Como não foram haver lhe aterrorizado as mentiras de Búfalo Vermelho? Ou como não ia tremer cada vez que pensava em ter que deitar-se com um comanche?
—antes de morrer, pediu a Deus que os perdoasse —gemeu Loretta com voz entrecortada. —Era tão boa, Caçador. Não posso recordar uma só vez em que fosse cruel... com ninguém. Não se merecia morrer daquela maneira.
—Não.
—E se merecia muito mais de mim! Fiquei ali escondida, Caçador. Ela gritou e gritou pedindo ajuda. E eu não fiz nada, nada!
As lágrimas se amontoaram nos olhos de Caçador. Cobriu-a com seus ombros.
—Você foi uma menina.
—Uma covarde, fui uma covarde! —Soluçou, quase como em um arroto. Deslizou os braços ao redor do pescoço de Caçador e afundou o rosto contra sua garganta. —Isto é o que não consigo esquecer! Estar ali abaixo escondida, ouvindo seus gritos. Ah, por que não fiz nada?
—Teria morrido, Olhos Azuis. Os comanches lhe teriam matado... com a mesma lentidão, né? Uma menina pequena contra aqueles guerreiros? Não tivesse podido fazer nada.
—Tivesse podido, morrer com dignidade!
—Não com dignidade... a não ser com grande dor. Você não é uma covarde.
—Ah, sim, claro que o sou! me olhe! Aterra-me deixar que você, meu marido, toque-me. Você foste tão bom comigo e com a Amy. Deveria ter podido superar estes sentimentos! E não o tenho feito! Nem sequer sei por que me quer!
Um sorriso de tristeza se desenhou na boca de Caçador ao recordar como tinha saído sozinha a enfrentar-se a centenas de comanches, uma pequena mulher contra um exército.
—Faz que sorria em meu interior, por isso te quero. Na maneira em que um homem quer a sua esposa. —Pô-lhe uma mão nas costas para relaxar a tensão que notava em seus músculos. —Confiará neste comanche? Como fez quando cavalgou em círculo até mim? Uma última vez, confiará? Não te doerá mais à frente da dor da virgindade... e não te envergonhará. É uma promessa que te faço, para sempre.
Sua respiração se acelerou.
—Caçador, tenho medo.
—Não há nada que temer. Confiará e eu farei que esse medo desapareça, sim?
Loretta se estremeceu.
—Menti-te alguma vez?
—Não, nunca.
—Então confiará... por última vez?
—O que fará se te digo que não?
Caçador rezou para que não fora assim.
—Comerei-te e me limparei os dentes com seus ossos.
Ela se Rio, uma risada nervosa, insegura e cheia de lágrimas.
—Ou me pegará?
—Ah, sim. Pegarei-te seguro. —Pô-lhe os lábios na têmpora, sentindo seu pulso, medindo o medo que sentia. Caçador ficou tenso esperando sua resposta. —Olhos Azuis, dirá-me que sim?
—Esta noite? Agora?
—Sim, esta noite. antes de que este momento entre os dois passe.
Loretta se incorporou em silêncio, observando a Caçador que a moveu de seu regaço e a pôs tombada junto a ele. Ela seguiu cada um de seus movimentos, que pareciam destinados a lhe fazer voar. As mãos de Caçador tremeram ao lhe desfazer as tranças e introduzir os dedos na meada dourada que era seu cabelo, penteando-lhe para que caíssem em uma nuvem brilhante sobre seus ombros. Depois lhe rodeou a cara com as mãos e inclinou a cabeça para ela, lentamente. Estava ansioso por fazer dentro dela uma canção de felicidade. A sua maneira, ele estava tão assustado por suas lembranças como ela.
Ao lhe aproximar os lábios, Loretta ficou tensa. O momento tinha chegado, não havia volta atrás. Só uns centímetros separavam suas bocas, seda com seda, a mesma respiração, as pestanas movendo-se e roçando-se entre elas. Loretta queria gritar ao descobrir que seus sentidos começavam a estar fora de controle. Sentiu que lhe contraía o ventre, que seu interior tremia de desejo. Apartou a cara, tremendo ao notar que a boca de lhe atravessava a bochecha e lhe alcançava a orelha.
—Caçador? —Agarrou-lhe os ombros em busca de apoio, lhe cravando as unhas na carne. —Caçador?
—Estou aqui. Tranqüila. —Pô-lhe a mão no oco do pescoço e a obrigou a lhe olhar. —Tranqüila.
Loretta acreditou que as pernas lhe faziam água. Ao ver que a boca dele voltava a reclamá-la, sua mente desenhou centenas de possibilidades, todas igual de inquietantes. Então a força das sensações apagou todo o resto. Só existia Caçador, sólido, quente e doce. Caçador que a sustentava em seus braços fortes, Caçador lhe cobrindo o corpo.
Inclusive em sua inexperiência, Loretta sentiu que os beijos eram algo novo para ele, que estava dando-lhe só para agradá-la. Mas depois de uns quantos dentadas de exploração, pareceu dominar a técnica e reclamar sua boca com uma intensidade lhe esmaguem, empurrando com a língua até o mais profundo, imprimindo um ritmo tão antigo como o tempo. Loretta se inclinou para ele, lhe acariciando o cabelo, esquecendo por um momento todos seus medos. Lhe aconteceu um braço pela parte de abaixo e a levantou para atrai-la junto a ele. Podia sentir os batimentos do coração de seu coração. Ou eram os seus? Não importava. Quão único importava era que pareciam lhe percorrer o corpo.
Quando por fim se apartou para agarrar ar, tinha os olhos escuros cheios de ternura. Sorriu com lentidão, alisando-a entre as coxas, deixando que os pés da Loretta tocassem o chão. Com uma lentidão infinita agarrou os borde da blusa, apartou com suavidade o ante e lhe roçou os peitos. Loretta mergulhou nos olhos dele, preparando-se.
—Tenho medo —lhe disse nervosa.
—Eu tenho mais medo que você —murmurou ele.
—Você? Mas por que haveria...?
—Porque você é a luz do sol. Porque me faz cantar uma canção de felicidade em meu interior. Tenho muito medo de que me deixe. —Tirou-lhe a blusa pela cabeça e a pôs a um lado. Sonriendo, acariciou-lhe o cabelo, depois se levantou para colocar-se em cima dela, lhe cobrindo os peitos nus. Passou-lhe as mãos pelos braços até encontrar o cinturão que lhe sustentava a saia. A desatou rapidamente. —Nei com-mar p ein.
Ela se agarrou a saia.
—O que significa isso?
—Quero-te.
—Ah, Caçador.
Soltou-lhe a saia e deixou que caísse. Depois se ajoelhou ante ela, com cuidado de não olhar seu corpo enquanto lhe desatava os mocasines. Pô-lhe a mão por debaixo do joelho, e lhe dobrou a perna para lhe tirar o pé do sapato. antes de que ela pudesse adivinhar suas intenções, afundou a cabeça entre suas coxas. Ela se tampou com as mãos o triângulo de cabelo dourado que separava suas pernas.
—Caçador, não faça isso.
Sonriendo, tirou-lhe o outro mocasín, lhe roubando outro sorvo da coxa. Esta vez lhe agarrou uma perna de maneira que tivesse que sustentar-se em um só pé enquanto ele riscava com os lábios o caminho que lhe separava de suas mãos brancas.
Ela se cambaleou e tratou de recuperar o equilíbrio.
—O que está...? Caçador, não!
O mordiscou ausente a ponta de seus dedos, lhe oferecendo os ombros para que recuperasse o equilíbrio. Ela emitiu um chiado de consternação e se cambaleou de novo. O peso que suportava na perna fazia quase impossível que pudesse manter-se em pé. De maneira instintiva, agarrou-se aos ombros dele para não cair, expondo pela primeira vez o lugar que ele procurava com tanto desejo. E Caçador, com a pontaria certeira que dá a experiência, entrou em casa.
lhe agarrando o cabelo com os punhos, Loretta gritou e se tornou para trás sobre a cama. Ao momento seguinte se viu cravada nela por noventa quilogramas de bronzeados músculos. Seus mamilos transpassaram a cortina de seu cabelo e se cravaram no peito dele quando este se levantou para ficar sobre ela. Tinha o coração paralisado. Olhou-o fixamente e ele a sorriu como se acabasse de fazer uma travessura.
—Caçador, não volte a fazê-lo. É...vergonhoso.
—Não é vergonhoso —sussurrou ele, inclinando-se para lhe beijar o pescoço, lhe percorrendo os braços com a ponta dos dedos até fazer que sua pele ardesse. —Doce Olhos Azuis. Pennande, mel. Confia neste comanche.
Percorreu com a boca a corda que sustentava o medalhão e continuou até o peito. Loretta podia sentir o roce de seu cabelo. O fazia cócegas e lhe provocava um amontoado de sensações que nunca antes tinha experiente. cobriu-se os peitos com as mãos e ele, ao encontrar semelhante barreira, rodeou-os, com uns lábios tão suaves como uma pluma e tão ligeiros como as asas de uma mariposa. Por fim alcançou um lugar descoberto, um lugar em seus peitos ao que nem os dedos nem as mãos tinham podido chegar.
—Confia neste comanche, pequena.
Ela moveu rapidamente as mãos para impedir que seguisse explorando-a e ele trocou de tática com a mesma rapidez, lhe beijando a zona que suas mãos acabavam de abandonar. Loretta se sentiu como se estivessem prendendo fogo a sua pele, como se lhe estivessem arrebatando o fôlego. Sabia o que ele queria e isto a horrorizava. cobriu-se os peitos ainda com mais determinação, consciente só pela metade da dor que estava infligindo-se a si mesmo com os dedos, mais pendente das sensações que lhe provocavam suas carícias, as liberdades que sabia se estava tomando com ela.
Este jogo de evasivas continuou até que, para consternação da Loretta, ela apartou a mão o suficiente como para que ele descobrisse a ponta rosada de seu peito nu. Uma boca faminta se agarrou a ele com decisão, quente e úmida, e o movimento de sua língua lhe provocou uma quebra de onda de sacudidas por todo o corpo. ficou sem ar e ficou rígida.
Instintivamente tratou de lhe apartar, mas se deu conta de que era muito forte para desfazer-se dele. Demorou pouco em experimentar o delicioso impulso de sua língua e em esquecer assim qualquer pensamento racional. Em vez de apartá-lo, o que fez foi atrai-lo, arqueando o corpo contra a sólida parede que constituía seu peito comanche. Com seu braço lhe rodeou a cintura e a atraiu ainda mais perto, com a mão estendida sobre suas nádegas. A familiaridade desta mão e o calor estranho que notou sobre sua pele fez que voltasse para a realidade. Baixou os olhos e viu algo que sempre tinha acreditado impensável: a um homem lhe sugando o peito, seu corpo branco pego ao peito bronzeado dele.
—O que está fazendo? ...os brancos não fazem coisas assim. Estou segura de que não o fazem. Para! Por favor!
Alarmado por seu tom, Caçador levantou a cabeça e a olhou aos olhos. A última coisa que queria era assustá-la. Os tosi tivo tinham estranhos costumes, especialmente no relativo ao corpo das mulheres. Chegados a este ponto, não estava preocupado em como lhe fazer o amor, a não ser em fazer-lhe —me diga como fazê-lo.
—me diga como o quer, e o farei.
Pareceu confundida.
—O que?
—me diga como fazê-lo.
ficou tinta. mordeu-se o lábio, lhe olhando aos olhos.
—Não sei como. É só que, bom, há certas coisas que estou segura que uma mulher decente não... —Tinha as pupilas acesas, e os olhos lhe obscureceram. —Termina e já está.
Que terminasse? Caçador a olhou uns segundos. Então, um brilho divertido saltou em seus olhos.
—Olhos Azuis, se não saber como se faz à maneira tosi tivo, então o faremos à maneira comanche.
—Bom... sim, suponho. É só que... Caçador? —O baixou a cabeça e conduziu seus lábios até o outro peito, mordiscando-o e lhe apartando os dedos. —CA... Caçador?
—Tranqüila —sussurrou. —Tudo está bem. —Afundou a língua em um de seus peitos, procurando a parte mais sensitiva, a que guardava com tanto afinco. Quando encontrou o que procurava, ela ficou rígida. O passou uma e outra vez. Sua garganta deixou escapar um grito. Não podia pensar quando o fazia isto.
—É meu —sussurrou ele entre ofegos. —dêem-me isso Não há dor, pequena. Confia em mim.
E como se tivessem adquirido vontade própria, os dedos da Loretta se abriram. Através deles surgiu a redondez rosada de seu mamilo, como uma crista disposta a encontrar-se com ele. Caçador o sujeitou brandamente com os dentes e se ocupou dele até que ela começou a tremer e a gemer. Suas dúvidas desapareceram. Fora quais fossem seus costumes, seu corpo, embora fora o mais maravilhoso que tivesse visto nunca, respondia como todos outros.
Sem duvidá-lo mais, Caçador se meteu na boca a auréola de seu peito e atirou dela até que viu que se inchava contra sua língua. Sonriendo, levantou a cabeça e soprou brandamente. Quando as terminações nervosas desta parte tão sensível do corpo responderam à baforada de ar fresco e sua carne ficou firme, voltou uma vez mais a meter-lhe na boca, atirando do mamilo com os dentes. Repetiu o mesmo movimento até que viu aparecer o olhar de prazer em seus olhos e viu como começava a revolver-se contra ele.
Loretta se girou para ele, perdida em um halo incontenible de desejo. Com uma urgência febril, e sem estar muito segura do que era o que lhe passava, pô-lhe as mãos no vulto musculoso de seus ombros, atirando dele para que se aproximasse, necessitando sua proximidade mais que nada no mundo. Caçador. O medo tinha desaparecido, e em seu lugar tinha aparecido um calor raivoso na parte baixa de seu ventre. Um calor que se expandia por todo seu corpo e fazia tremer cada uma de suas terminações nervosas. Caçador. Enjoada, tudo lhe deu voltas... e sua única sujeição parecia ele, ele era o único capaz de levantá-la uma e outra vez em ondas sucessivas de sensações.
Com cuidado, docemente, Caçador lhe pôs a mão debaixo do estômago, no triângulo dourado no que descansam suas coxas. Seu abdômen vibrou ao sentir uns dedos que se afundavam no centro de sua feminilidade. Ela deu um salto e ficou tensa. Tratou de sentar-se, mas ele ficou sobre ela escarranchado e a obrigou a pegar as costas às peles, introduzindo seu dedo na estreita passagem. Caçador acreditou que ia morrer de desejo.
—Toquet, mah-Tao-eu. —Reclamou seus lábios para sossegar qualquer protesto e se deleito com o gosto adocicado de seu fôlego, com a maneira em que haveria as pernas para ele, inclusive embora tivesse medo de fazê-lo. Deslizou a boca até lhe alcançar a orelha, e lhe sussurrou para tranqüilizá-la. Tremia-lhe a têmpora. Deixou de ser consciente do que lhe dizia, se era em tossi ou em comanche, mas ela parecia tranqüilizar-se não já com as palavras, a não ser com o tom de sua voz. Caçador se sentiu afligido por tanta ternura. Loretta, seu sol. Era tão dourada como os raios, e tocasse onde tocasse, lhe queimava com sua luz.
lhe imprimindo um ritmo contínuo à mão, Caçador entrou nela. Loretta começou a respirar a um ritmo rápido e entrecortado. Então, ele sentiu um espasmo na estreita passagem do músculo e recebeu a espuma quente que começou a brotar de seu interior. Sua própria respiração se fez mais intensa. Cobriu-lhe os lábios com a boca. Com os olhos fechados e o rosto brilhante, Loretta gemeu brandamente em sua boca ao notar pela primeira vez o calor da paixão.
Caçador se tornou para trás para olhá-la, e desejou poder abandonar-se ele também no desejo. Mas não podia. Não esta vez. Queria que sua primeira experiência fora o menos dolorosa possível, tão prazenteira como pudesse conseguir, uma entrega total. Quando terminasse com ela, não teria nada que temer.
Trocando o peso a um cotovelo e ao joelho, colocou uma perna entre as dela e se moveu lentamente para baixo, sem deixar de beijá-la um momento, tratando de manter seus sentidos acordados para que sua mente não pudesse pensar no medo que tinha. Ele já estava assustado pelos dois. Abriu-lhe as coxas com os ombros e baixou os lábios... cada vez mais abaixo, até esse doce lugar cobiçado portanto tempo.
Ela gritou e resistiu quando a língua alcançou seu objetivo. Sem deixar-se dissuadir, Caçador lhe agarrou as bonecas para que não pudesse lhe opor resistência alguma. Encontrou o espaço vulnerável de carne que procurava e o agarrou, sem emprestar atenção a seus protestos, utilizando o peso de seu corpo para lhe imobilizar os quadris contra as peles. Sabia muito bem o que queria, e foi a por isso com determinação, até obter um gemido rouco dela, até ver que suas costas se arqueava de prazer, e seu corpo se retorcia ante cada movimento da língua. De sua língua, por fim.
Caçador levantou a cara para olhá-la e ficou fascinado ao contemplar o rubor de suas bochechas e o atordoamento de seus olhos azuis. baixou-se as calças com rapidez e se tirou a saca de medicina que tinha pendurada ao pescoço. Depois se colocou sobre ela, agarrou-a dos quadris e atirou dela para ele. Com cuidado e com uma lentidão que lhe estava matando, empurrou ligeiramente sobre ela. Como temia, a passagem era estreita, tão estreito que esteve a ponto de tornar-se atrás. Lhe apertou o estômago, e o medo lhe percorreu as costas em forma de tremor. Não havia forma possível de que pudesse lhe economizar a dor da primeira vez. Era uma mulher de constituição pequena, estreita de quadris. E ele era um homem grande. O suor lhe caiu pela frente.
Ela estava tão preparada como podia está-lo. Se não tomava agora, não o faria nunca. Apertando a mandíbula, Caçador a penetrou um pouco mais, odiando-se a si mesmo porque apesar de saber quão difícil seria para ela, só podia pensar em aliviar o desejo que sentia. Loretta abriu os olhos ao sentir a dor, e a cor desapareceu de seus lábios. Aí estava, a barreira da feminilidade. E Caçador duvidou um instante. Depois se abandonou com um empurrão suave, e sentiu o líquido quente que o envolvia.
Loretta gritou, um grito quebrado e tremente que lhe partiu em dois. Tentou sair dali, mas ele a cobriu rapidamente com seu corpo e a encerrou entre seus braços.
—Toquet, não passa nada, pequena. terminou, né?
Ela ofegou, movendo a cabeça.
—Dói!
—Passará —lhe assegurou com voz rouca, —passará. É uma promessa que te faço.
ficou rígida quando ele começou a mover-se dentro dela. Seu pequeno rosto se contraiu. As lágrimas se amontoaram nos olhos de Caçador ao ver que ela se abraçava a seu pescoço incluso embora era ele o que o fazia danifico. Tinha-lhe pedido que confiasse nele por última vez, e o estava fazendo. O que aconteceria a dor não passava como lhe tinha prometido? Nunca voltaria a deixar que se aproximasse dela.
Entretanto, logo respirou aliviado ao notar que seu corpo se relaxava. Com cuidado escolheu o momento de entrar ainda mais dentro dela. Só quando Caçador a ouviu emitir um grito de prazer se permitiu buscá-lo também para si mesmo.
Voltaram lentamente para a realidade, com os membros adormecidos, os batimentos do coração do coração irregulares e os corpos talheres de suor. Caçador colocou a cabeça da Loretta sobre seu ombro, para que não se fora. Em sua boca tinha uma meia sorriso desenhado. Sabia que esta primeira vez se afastava muito do que poderia chegar a ser, pelo que seria a segunda vez. Os dois tinham estado muito tensos, por não mencionar a dor que lhe tinha causado. Seu sorriso se fez maior. Esta pequena mulher enchia os ocos vazios de seu interior, o fazia sentir-se completo outra vez.
Com o olhar posto nas sombras que rodeavam a loja, Loretta escutava o pulso entrecortado de Caçador. sentia-se como se não tivesse ossos, exausta. Arderam-lhe as bochechas ao recordar as coisas que lhe tinha feito e a maneira indecente em que lhe tinha respondido. sentia-se envergonhada.
Como se ele sentisse sua angústia, deslizou uma mão por seu quadril e a subiu até suas costelas.
—Meu coração está cheio de um grande amor por ti —sussurrou.
As lágrimas se amontoaram nos olhos da Loretta. Ela não podia pôr nome à emoção que as provocava, e tampouco queria fazê-lo. Então, como se fossem projéteis de um canhão, as palavras saíram disparadas de sua boca.
—Ah, Caçador, eu também te quero.
No momento em que o disse, soube que era certo. Amava-o como nunca tinha amado a ninguém antes, com uma intensidade que lhe doía. Caçador, o feroz guerreiro, o ponto culminante de seus pesadelos, converteu-se na pessoa mais importante de sua vida.
CAPÍTULO 22
Loretta não soube que se ficou dormida até que não despertou com a deliciosa calidez dos lábios de Caçador em seu pescoço. Abriu os olhos lentamente e comprovou que ele estava a seu lado. Um raio de lua penetrava pelo buraco para a fumaça da loja e resplandecia nos largos ombros que a cobriam. Um peito sólido, quente e sedoso, tinha-a presa contra as suaves corte. Um braço duro e maravilhoso a rodeava e sua grande boneca lhe pressionava o espinho dorsal. Tinha uns dedos largos estendidos pela parte de atrás de seus ombros. Deixou cair a cabeça para encontrar-se com a boca que a reclamava.
—Olá, hites —sussurrou ela.
—Olá —lhe murmurou ele na orelha, despertando formosos desejos pelas costas.
Foi despertar e tomar consciência da nudez de seu corpo à luz da lua. olhou-se e se sentiu envergonhada de dormir com ele assim. Seu corpo se esticou, mas o roce de seus lábios no pescoço foi suficiente para lhe roubar a vontade de mover-se. Embora tampouco tivesse podido fazê-lo se tivesse querido. Havia uma urgência na forma em que ele a abraçava que... seu corpo estava tão duro que... Moveu os quadris para ela, e então não teve nenhuma dúvida de que ele a queria, outra vez.
—Caçador... o que acontece Amy? Fora está escuro.
—Fechei a pele. Irá-se com minha mãe. —Tinha a voz rouca, vibrante. Passou-lhe a mão das costas até as nádegas e atirou firmemente dela para que se pegasse a ele. Sua excitação lhe atravessou o abdômen, e Loretta se estremeceu. O se tornou para trás e a olhou, com um brilho prateado nos olhos. —Dói-te?
Loretta sabia que se esforçou muito em ser amável com ela antes, mas mesmo assim lhe doía. Era normal que lhe doesse, estava segura disso, e provavelmente desapareceria em um ou dois dias.
—Estou bem.
Lhe pôs a mão no ventre, provando-a com os dedos e lhe olhando aos olhos em busca do que estes lhe diziam.
—Ah, Olhos Azuis, acredito que memore.
Tanta amabilidade e preocupação a comoviam.
—Não é tão mau, de verdade. Se quiser... —O rubor subiu às bochechas ao dar-se conta do que tinha estado a ponto de dizer.
Caçador apertou os lábios em um sorriso cheia de compreensão.
—Este comanche o quer muito, mas esperará.
A frase ficou escorada com um ruído de cavalos no exterior. Caçador se apoiou em um cotovelo e moveu a cabeça para escutar. Um momento depois ouviram a voz de Búfalo Vermelho.
—Primo! Trago um presente de bodas para seu cabelo amarelo.
Caçador sorriu incrédulo e ao vê-lo, Loretta se deu conta do muito que significava para ele que ela e Búfalo Vermelho fossem amigos.
deslizou-se fora da cama e agarrou as calças para ficar os À luz da lua, as arestas de seus membros pareciam esculpidos em prata, o contorno de seu corpo desenhado contra as sombras. Tampando-se com uma pele, Loretta se sentou e pretendeu não lhe olhar. Mas o fez e o que viu lhe tirou a respiração. Possivelmente belo não fora a melhor palavra para um homem, mas era a única que lhe ocorreu nesses momentos.
Ao olhar, tomou consciencia pela primeira vez da forma masculina, do suave jogo de músculos em movimento, da sutil graça de sua força. Suas nádegas e suas coxas eram pura fibra. Ao girar-se, pôde vislumbrar a forma de seu membro, orgulhoso, duro e potente, sobressaindo-se de um ninho de pêlo encaracolado. Lhe fechou a garganta e no mais profundo sentiu coisas que logo que podia acreditar, coisas como desejo, ternura, excitação... e orgulho. sentia-se orgulhosa de que um homem como ele a amasse e a desejasse. Logo que podia acreditá-lo. Podia ter a qualquer garota do povoado, a alguém ágil e moréia de olhos escuros, podia escolher entre uma dúzia de mulheres como ele, mas em vez disso, tinha-a eleito a ela, uma magricela e pálida garota de granja.
Caçador se atou as calças à cintura com um nó de várias voltas e estendeu uma mão para ela. Por um instante, Loretta voltou para aquela primeira tarde, quando lhe tinha pedido que pusesse a mão sobre a sua. Então tinha tido um medo atroz, um medo que tinha desaparecido já por completo. Seu braço era seu escudo, justo como lhe tinha prometido.
—Vêem, mulher. Minha primo traz um presente, né?
—Caçador, estou sem vestir!
Renda-se, agarrou uma pele de búfalo e a pôs pelos ombros. depois de envolvê-la na pele, tirou-a da cama e a conduziu à porta, desatando a cortinilla para pô-la a um lado.
Búfalo Vermelho lhe esperava em suas arreios junto ao trípode. inclinou-se sobre o pescoço do cavalo e deixou ver uns dentes brancos e azuis que contrastavam com sua pele escura, sua juba cor ébano ao vento da noite.
—Um presente para ti, Cabelo Amarelo. Para cantar a canção de meu coração por suas bodas com minha primo.
Loretta baixou os olhos ao pacote envolto em pele que lhe entregou. Apertando-a pele de búfalo ao pescoço, deu um passo adiante.
—Obrigado, Búfalo Vermelho.
Ao estender a mão para agarrar o presente, Loretta viu um brilho nos olhos de Búfalo Vermelho. Embora tratou de convencer-se a si mesmo de que só era o reflexo da lua, não pôde evitar sentir-se incômoda. Fechou os dedos sobre o pacote e se dirigiu para a loja para unir-se com seu marido, que estava na entrada. Caçador disse algo a Búfalo Vermelho em comanche e depois levou a Loretta dentro, fechando a cortinilla.
—Olhará-o, né?
Loretta forçou um sorriso e cruzou a habitação para ficar sob os raios de lua que entravam pelo oco do centro. Duvidava que Búfalo Vermelho houvesse lhe trazido nada bonito, mas pretendeu sentir-se excitada para agradar a Caçador. Através da pele, pôde notar que o que havia no interior era brando. Algum tipo de roupa? Era muito pequeno para ser um objeto de vestir. Laços para o cabelo, possivelmente? depois de desatar a corda, Loretta desdobrou o envoltório e levantou o conteúdo com o polegar e o dedo indicador. Com o polegar notou uma superfície úmida e pegajosa, e com o outro algo grosso e brando. Umas mechas sedosas lhe roçaram os dedos. Na sombra, levou-lhe um momento identificar o que sustentava. Era uma cabeleira.
Loretta baixou os olhos. O pulso começou a martillearle a cabeça e o mundo se moveu de forma incontrolável ao redor dele. O cabelo era largo, de uma cor muita parecida ao dele. balançou-se, horrorizada. A umidade pegajosa era sangue, sangre fresca. A cabeleira se deslizou por seus paralisados dedos e caiu expulsando ao chão.
—O que é? —perguntou Caçador.
O se aproximou para ver a forma que havia a seus pés. Loretta se sentia a ponto de deprimir-se. Tentou falar e não pôde. Caçador ficou de joelhos e agarrou a cabeleira. Emitiu um grunhido desço de raiva. antes de que ela pudesse lhe deter, ficou em pé e deixou a loja, gritando o nome de Búfalo Vermelho.
Loretta ficou ali, com o estômago contraído e o suor lhe molhando o peito. Ouviu gritar outra vez a Caçador, esta vez a mais distancia. Búfalo Vermelho estava louco, louco de ódio. Se Caçador se enfrentava a ele, as conseqüências eram imprevisíveis.
Búfalo Vermelho e seus amigos estavam reunidos junto ao fogo central. À luz das chamas, Caçador pôde ver as cabeleiras que penduravam de seus monturas. Ouviu a Boñiga de Coiote alardear das cabeças que tinham talhado durante os assaltos. A raiva lhe nublou a vista. Atirando a cabeleira que levava a fogo, caminhou até Búfalo Vermelho, agarrou-lhe pelo ombro e lhe fez dá-la volta.
Búfalo Vermelho sorriu com suficiência.
—A sua mulher não gostou do presente? Tenho-lhe feito uma grande honra, não é assim?
A Caçador lhe engasgaram as palavras. Os dois sabiam que a intenção da cabeleira não era honrar a Loretta a não ser assustá-la e lhe provocar rechaço. Que Búfalo Vermelho se atrevesse a disfarçar sua mesquinharia e pretendesse lhe fazer acreditar que o presente ia com boas intenções era um insulto à inteligência de Caçador e a sua amizade.
Caçador lhe pegou um murro na boca. Búfalo Vermelho se cambaleou, inclinando-se para trás sobre o fogo. Caçador lhe agarrou do braço, fez-se a um lado e voltou a lhe golpear. Búfalo Vermelho caiu de costas, sacudindo a cabeça e pestanejando.
Com as pernas abertas e os punhos fechados, Caçador o olhou fixamente.
—Não volte nunca mais a fazer mal a minha esposa, Búfalo Vermelho. Se o fizer, pode estar seguro de que te matarei.
Búfalo Vermelho se limpou o sangue que lhe caía da comissura do lábio, os olhos ardentes de raiva.
—Eu estou já morto para ti. Desde que encontrou a cabelo amarelo, todos estamos mortos para ti. Escolhe-a a ela em vez da mim!
—E você escolhe sua amargura em vez da mim!
Fabricante de Flechas rodeou o fogo e tocou a Caçador pelo ombro.
—Búfalo Vermelho não queria fazer nenhum dano. Ela é sua mulher, sim? Una do povo! Deveria sentir-se honrada de que Búfalo Vermelho lhe apresentasse uma cabeleira. Uma mulher comanche o estaria.
Caçador apartou a mão de Fabricante de Flechas de seu ombro.
—Minha mulher não é comanche. Apresentar-se ante ela com uma cabeleira de cabelo amarelo é uma crueldade, e os dois sabem.
Búfalo Vermelho se incorporou.
—Ouvi-te bem? Você mulher não é comanche? Mas, primo, como pode ser possível? Ela é sua esposa, aceita agora como une do povo. Quer dizer que sua lealdade segue ainda com a terra tosi tivo? Que nossa gente não é a sua?
Caçador apertou os dentes, tratando de controlar-se. depois de um momento, respondeu:
—Não vim aqui a jogar com as palavras, Búfalo Vermelho.
—Porque não tem palavras para defendê-la!
—Tenho que defender a minha mulher frente a ti? Minha primo, um homem que foi uma vez como um irmão para mim? Quando lhe Miro, solo vejo um estranho. —Caçador moveu o braço para os cavalos. —A quantos tosi tivo matastes? Discutiram o de fazer a guerra no Conselho? Não! Não pode ver além de seu ódio! O que acontecerá com nossa gente quando os tosi tivo decidam vingar-se? Morrerão! A centenares! Outros têm direito a escolher! A decidir se queremos fazer a guerra ou procurar a paz. Os homens como você estão nos negando a outros nosso direito a decidir. Não luta a grande guerra pelo bem de nossa gente, luta por Búfalo Vermelho!
Búfalo Vermelho ficou em pé.
—Os tosi tivo nos atacaram! Não tivemos outra opção que nos defender. Pergunta a Fabricante de Flechas e a Boñiga de Coiote, eles lhe dirão isso.
Caçador retorceu o lábio.
—Os tosi tivo tinham mulheres com eles! Não tivessem atacado a um grupo de vinte guerreiros!
Búfalo Vermelho entreabriu os olhos.
—Eu não sou um amante dos olhos brancos, como alguém que conheço. te olhe! Zanga-te porque um guerreiro apresentou a sua mulher uma cabeleira! Utiliza seus punhos como uma menina. Ela te está fazendo débil. Se fosse um homem, lutaria como um homem... a morte.
Contendo-as vontades de lhe esmagar a cara, Caçador abriu as mãos.
—É minha primo. Meu coração sente um grande amor por ti. Mas não tanto como para te deixar que faça chorar a minha mulher. te afaste dela! Se não o fizer, desafiarei a morte.
—Está renunciando a tudo o que é! —gritou Búfalo Vermelho. —E para que? Por uma mulher que te voltará as costas? Chama-me cego? me odeie se quiser, primo. me mate. Prefiro morrer que ficar a seu lado e ver como destroças sua vida.
Caçador deu as costas aos gritos avivados de sua primo e entrou na escuridão.
Uma hora mais tarde permanecia convexo junto à Loretta, olhando o fogo que fazia desenhos sobre as paredes da loja. As palavras de Búfalo Vermelho lhe faziam mal. Se Loretta tivesse que escolher, renunciaria a sua gente por ele? Sabia que estava acordada pelo som de sua respiração, mas mesmo assim se assustou para lhe ouvir falar.
—Caçador, o que ocorre? Espero que não siga ainda preocupado pelo da cabeleira. Incomodou-me, mas já passou.
O se girou para olhá-la. Havia sombras em seus olhos, e estava tão pálida como a morte.
—Memore, Olhos Azuis. Muitos dos teus morreram à mãos de minha primo, e seus espíritos gemem e lhe chamam.
—Não foi você quem os matou. Isso é o que conta.
O peito de Caçador se contraiu. Um dia ele teria que ir lutar de novo... para matar a olhos brancos. Era inevitável. Como se sentiria quando chegasse o momento?. —Você é uma comanche agora, se? —disse ele esperançado. —Uma dos nossos.
Uma mescla de emoções indefiníveis percorreu seu rosto.
—Estou casada com um comanche. Amo-lhe. Mas eu nunca serei uma comanche.
Caçador examinou suas facções, as que uma vez lhe resultaram tão repulsivas e agora lhe eram tão queridas. Percorreu com o dedo a frágil linha de seu nariz e depois riscou uma linha por seus maçãs do rosto, apalpando os huesecillos que formavam seu rosto. O só queria protegê-la.
—É parte de mim, parte de meus. Não pode ter um pé na terra comanche e outro na dos tosi tivo.
—Meus dois pés estão aqui, Caçador, mas parte de meu coração está na casa de madeira. Por muito que te queira, isso nunca trocará. Você também é parte de mim. Significa isso que é parte dos tosi tivo?
Nesse momento, Caçador sentiu um medo inominável. sentiu-se como vários verões atrás quando se viu apanhado em uma enchente, miserável pelas águas descontroladas do rio. A luta do comanche por sobreviver era assim, avançando sempre, e arrastando a todo aquele que se encontrasse pelo caminho. Os homens como Búfalo Vermelho alimentavam esta fúria.
—Tenho medo —sussurrou Caçador. —Por minha gente e por ti. Búfalo Vermelho não se foi de caçada. foi se fazer uma incursão. Não reuniu ao Conselho. Muitos de nós acreditam que manter a paz com os tosi tivo é a única maneira de sobreviver. Mas os homens como Búfalo Vermelho agarram essa oportunidade de semear a paz e a jogam no vento. Os tosi tivo devolverão o ataque, entende-o? E muitos de meus morrerão. Neste povoado ou em outro. —Pô-lhe uma mão no cabelo, lhe escovando as mechas com o polegar. —Se atacarem, terei que cavalgar com os outros para me vingar.
Loretta tragou saliva.
—E matar a minha gente, quer dizer.
—Isso fará que me olhe com ódio?
Loretta era um poço de emoções. Búfalo Vermelho tinha feito muito dano. Se os brancos atacavam, não poderia lhes culpar. Então, como podia culpar a Caçador se ele fazia o mesmo? De repente se encontrou em um nada invejável posição de ver e compreender às duas partes. E o que era mais difícil ainda, simpatizava com ambas. Seria menos horrível se os brancos faziam mal ao Mirlo que se os comanches faziam mal a Amy?
—Ah, Caçador, se eu cavalgasse para este povoado com os tosi tivo e matasse a sua gente, como se sentiria?
Lhe endureceu a cara.
—Mataria a minha mãe? A Guerreiro ou a Donzela? Aos meninos?
—Não. E você não poderia fazer mal a tia Rachel nem a Amy nem a tio Henry. Essa não é a questão, verdade?
—Este comanche não pode trocá-la cara.
—E eu não posso trocar a minha.
Riscou o oco de seu pescoço, e sua boca desenhou um sorriso triste.
—Eu gosto de sua cara, Olhos Azuis. Está gravada em meu coração.
—Estamos apanhados no meio, verdade, Caçador? Desde o começo, sabíamos que passaria deste modo.
—Não farei a guerra contra os indefesos —lhe sussurrou com voz tosca. —Nem às mulheres nem aos meninos. Está bem assim?
Ainda com acanhamento, tocou-lhe com o dedo o lábio superior.
—Poderia levantar a faca contra um homem com olhos azuis e não pensar em mim, Caçador?
Fez um som de dor e atirou dela com brutalidade para rodeá-la com os braços e tocar seu cabelo com os lábios. Nenhum deles falou. Não havia nada que dizer. Procuraram consolo em quão único tinham, a calidez do um com o outro.
Ao dia seguinte Caçador e Loretta escaparam da tensão que Búfalo Vermelho tinha semeado no povoado levando-se a Amy e a Antílope Veloz a jogar junto ao rio. Antílope Veloz tirou o tema do assalto só uma vez. Caçador lhe informou que já se falava bastante disso no povoado, e de que ninguém tinha sabor de ciência certa se Búfalo Vermelho tinha instigado o ataque. portanto, não tinha sentido passar o dia preocupando-se disso.
Loretta estava contente de que o tema fosse tabu. Pela primeira vez em semanas se sentia tranqüila. As perguntas que lhe atormentaram a noite anterior seguiam em algum rincão de sua mente, à espera. Mas por agora tinha eleito as esquecer e tratar de desfrutar da companhia de Caçador.
Com o passar do dia, revelou-lhe uma parte dele que não conhecia e que lhe pareceu encantadora: a do menino travesso. Tão logo se comportava como o perfeito amante, lhe deslizando os dedos pelo decote do vestido ou sob os braços enquanto andavam, que se convertia em um uva sem semente, deslumbrando-a e ameaçando-a atirando-a à água ou saindo de entre os arbustos para assustá-la, com a mesma ferocidade que um urso.
A Loretta lhe acelerava o pulso com todos estes excessos. Sabia que Caçador só estava jogando, mas era muito convincente quando se fazia passar por um selvagem. Sob sua amável aparência se escondia um lado escuro, e nestes momentos era quando melhor se podia vislumbrar. Embora se tinha convertido em seu amigo e amante, era também a encarnação de tudo o que ela tinha temido durante os últimos sete anos. Fazer o amor com ele não tinha apagado por completo esta lembrança. Algumas vezes se perguntava se o passado estaria perseguindo-a toda a vida.
Caçador desapareceu uma vez, e voltou para os poucos minutos com um buquê de flores. Quando Antílope Veloz e Amy não olhavam, atirava da Loretta para beijá-la detrás dos matagais. Várias vezes, quando começava a anoitecer, pô-lhe a mão no estômago levantando uma sobrancelha inquisidora. Loretta se ruborizava, consciente do que lhe estava perguntando. sentia-se ainda dolorida detrás ter feito o amor, mas não tanto como a noite anterior. Mas como podia fazer saber? As mulheres não falavam dessas coisas, nem sequer com seus maridos.
Ao anoitecer, de volta a casa, os quatro se detiveram a meio caminho para sentar-se na borda sob um grupo de hibiscos. Loretta se abraçou os joelhos dobrados, olhando o reflexo das folhas e da luz mortiça do sol sobre a água. Só escutava pela metade o que diziam Amy e Antílope Veloz. Caçador se apertou junto a ela, sujeitando-a cabeça com uma mão, sem deixar de olhá-la nem um momento. Ela era consciente de seu olhar, e quando começou a ficar nervosa, a devolveu. O que viu foram uns olhos abrasados de paixão.
Sonriendo, Caçador agarrou um punhado de erva e roçou com ela seu braço até lhe chegar à axila. Continuando, centrou-se em uma de suas pernas, riscando um círculo ao redor da parte alta dos mocasines, lhe roçando a curva da pantorrilha, a parte traseira da coxa, sob a saia. A Loretta lhe encolheu o estômago e uns calafrios maravilhosos lhe percorreram as costas. Lhe arrepiou o cabelo da nuca.
A intenção de Caçador era lhe fazer recordar tudo o que lhe tinha feito a noite anterior, algo que um homem branco não tivesse feito nunca, não em companhia de outros. Mas ele se criou como um selvagem, ao ar livre com outros meninos e meninas, talher só com um pouco de tecido. A ela, entretanto, tinham-na afogado com regras de propriedade, capa sobre capa de musselina. Para ele, fazer o amor era tão natural como comer quando se tem fome ou beber para satisfazer a sede. Não sentia vergonha, nem acanhamento, nem concebia o conceito do secretismo. «O que quero, agarro-o. É algo muito simples.» Não era simples, entretanto. Ao menos não para ela.
A Caçador divertia observar a Loretta. Quando lhe dirigia um olhar lascivo, ele notava que suas pupilas se dilatavam até que a íris se voltava quase negro. As bochechas lhe punham de cor carmim, e um rubor rosado coloria seu esbelto pescoço. Caçador se perguntou se teria o resto do corpo igual de rosado e desejou estar a sós com ela para descobri-lo. Faria-o logo. Esta noite acenderia fogo para que ela não pudesse esconder-se nas sombras, e ele poderia conhecer cada palmo de seu corpo, pouco a pouco.
Tanto acanhamento lhe excitava. Imaginava o momento no que ela viria a ele sem reservas, mas queria antes saborear também esta fase da relação em que ainda as coisas se faziam pouco a pouco. Como agora, quando podia jogar com uma fibra de erva e observar as emoções que se desenhavam em seu rosto, imaginar o momento no que poderia reclamar o que ela guardava com tanto zelo.
—Deveríamos voltar —disse ela com suavidade. —vai fazer se de noite. E estou cansada.
Com a energia que dá a juventude, Antílope Veloz e Amy se levantaram imediatamente, dispostos a voltar. Quando Loretta ficou em pé, Caçador a sujeitou pelo tornozelo.
—Nós voltaremos um pouco mais tarde —disse com voz rouca.
Antílope Veloz sorriu, compreendendo, e agarrou a Amy da mão para lhes deixar sozinhos. Loretta lhes seguiu com o olhar, cada vez mais ruborizada. Quando olhou a Caçador, tinha os olhos muito abertos, cautelosos.
—por que não vamos agora?
—Já sabe. —Apertou-lhe o tornozelo e a obrigou a aproximar-se, rodando para tombar-se de costas e ter uma vista melhor. Sabia que ela desconhecia quão insinuante podia ser uma saia que chegasse até os joelhos quando um homem olhava de abaixo, e conseguiu que sua cara não lhe delatasse para que não o adivinhasse.
—Vêem aqui, pequena.
—Quero voltar.
Ele desejou que ficasse ali discutindo durante um tempo.
—Obedece a seu marido.
Ela enrugou o nariz.
—Estamos a plena luz do dia.
—Keemah, vêem.
Cansado de ter que conformar-se olhando podendo tocar, Caçador moveu a cabeça e deixou que ela descobrisse o olhar lascivo que guardavam seus olhos. Foi recompensado com a irresistível visão de umas coxas cremosas e esbeltas. Ela ofegou e ficou de joelhos, como se alguém lhe tivesse dado um golpe na parte de atrás das pernas.
Atirando-se da saia, gritou.
—É que não tem vergonha?
Respondeu-lhe com um sorriso. lhe agarrando a boneca, atirou dela.
—Não tenho vergonha. É minha mulher.
Loretta perdeu o equilíbrio e caiu sobre seu peito. Revolvendo-se, mas também agradada, disse:
—Há um lugar e um momento para cada coisa, e não é precisamente agora.
—Não? —Colocou-lhe a mão pela blusa. —Eu digo que é muito bom momento.
Ela se contraiu ao notar uns dedos que percorriam suas costelas.
—Faz-me cócegas.
Sem avisar, rodou com ela e ficou em cima. Beijou-lhe ligeiramente os lábios enquanto trocava a mão de suas costelas a seus peitos. O pequeno montículo de carne se ajustava perfeitamente ao oco de sua mão, e o mamilo se erguia orgulhoso ao roce de sua pele. Lhe ruborizaram as bochechas. Incapaz de resisti-lo, Caçador lhe levantou a blusa e se apartou para ver o que tinha em frente, lhe imobilizando as pernas com suas coxas. Não se tinha equivocado. Quando se ruborizava, ficava rosa por todo o corpo.
—Caçador! —Tratou de cobrir-se outra vez com a blusa. —Alguém poderia vir!
—Ninguém vai vir.
Fascinado, tocou a ponta rosada de seu mamilo com seus dedos escuros. ficava duro e espectador, exigia toda a atenção... atenção que ele estava disposto a lhe dar. Afundando a cabeça, chupou com a ponta da língua a montanha rosa, e depois agarrou a crista com os dentes.
Ela gemeu e lhe agarrou o cabelo com os punhos.
—Caçador?
—Sim? —passou-se ao outro peito. —O que quer, pequena?
ficou sem respiração ao notar uns dentes que se fechavam sobre ela.
—Quero ir.
Com a determinação que dava a experiência, Caçador seguiu atormentando-a até que as pontas de seus mamilos se incharam, moradas e quentes, contra sua língua.
—Caçador, por favor... —gemeu e o atraiu para ela, arqueando os quadris contra ele. —Caçador...
Ele a agradou e se meteu o mamilo na boca. Ela gritou ao notar o puxão, e ele glorificou o som, sabendo que podia fazer que se rendesse a ele. depois de ocupar-se dos dois peitos, começou a lhe beijar nos lábios, mas lhe agarrou forte do cabelo e lhe obrigou a voltar para os mamilos, arqueando-se, ansiosa por receber sua boca. Com uma gargalhada de prazer, Caçador respondeu à silenciosa prerrogativa e saboreou a doçura de seu corpo. Depois a beijou nos lábios.
Loretta abriu os olhos e olhou a seu marido comanche com desejo. Pouco a pouco foi acalmando o pulso e recuperando o sentido. Um sorriso carregado de ternura abria a boca de Caçador.
—Meu coração se entristece por ter que dizer estas palavras, Olhos Azuis, mas alguém poderia vir. Minha mulher que não tem vergonha deve esperar, verdade?
Ela procurou provas a camisa para arrumar-lhe Caçador se tornou para trás para deixar que se sentasse, e seus olhos cintilaram com picardia. Ela se colocou a roupa, ainda ruborizada. Caçador a agarrou da mão e a pôs em pé, desejando ter estado um pouco mais longe do povoado para poder terminar o que tinha começado. Mas não queria arriscar-se a que lhes vissem.
—Iremos a minha loja, sim? Farei-te feliz ali, onde ninguém pode nos ver.
Lhe beliscou o ombro.
—Tem-no feito a propósito!
O se Rio e lhe aconteceu o braço pelos ombros para atrai-la para si enquanto caminhavam. Quando estiveram junto ao povoado, Loretta se apartou. sentia-se culpado. Caçador jogou atrás a cabeça para rir. Para vingar-se dele, agarrou um punhado de calhaus e começou a atirar-lhe Tinha muito má pontaria, mas Caçador os tivesse esquivado de todas formas... Quando teve terminado com todos, ele se voltou para ela e a alcançou antes de lhe dar tempo a agarrar outro punhado.
Loretta chiou e saiu correndo. Não pôde chegar muito longe. Caçador tinha as pernas muito largas. Levantou-a e a agarrou em braços, lhe passando um braço por debaixo dos joelhos. Lhe golpeou as costas, jogando. Do mesmo modo, lhe colocou a mão livre por debaixo da saia e lhe beliscou as nádegas.
Depois de tudo, decidiu Caçador, tinha sido um grande dia.
Búfalo Vermelho estava sentado fora da loja de Caçador quando chegaram. Caçador pôs a Loretta no chão mas sem retirar um braço protetor sobre seus ombros. Reduziram o passo, e Caçador fixou a vista em sua primo. O olhou para outro lado.
—Caçador, preciso falar contigo —disse em voz baixa. —Pode vir a minha loja?
Caçador disse a Loretta que voltaria em um momento. Depois acompanhou a sua primo sem dizer uma palavra. Búfalo Vermelho tinha o fogo aceso dentro de sua loja. Os dois homens entraram pela esquerda e fizeram um círculo completo antes de sentar-se com as pernas cruzadas junto às chamas. Abraçando-as joelhos, Caçador afundou os ombros e observou a sua primo. Búfalo Vermelho não ofereceu a Caçador a pipa da paz, por isso não puderam fumar juntos como irmãos. Por muito que Caçador odiasse o tabaco, tivesse-lhe gostado que sua primo tivesse esse gesto com ele.
Búfalo Vermelho atirou outra parte de lenha ao fogo e depois ficou olhando fixamente as chamas. Tinha o lábio ligeiramente arroxeado no sítio no que Caçador lhe tinha golpeado. Passou ainda um momento até que disse algo.
—Meu coração jaz sobre a terra —disse brandamente. —Não quero que haja maus sentimentos entre nós.
Caçador apertou a mandíbula e fixou a vista no círculo de fumaça.
—Custa-me acreditá-lo. Não é a primeira vez que me engana. Você pôs a serpente em sua cama, verdade?
Lentamente, Búfalo Vermelho assentiu.
—Não voltarei a lhe fazer danifico de novo. A amas, verdade? Mais que a seu povo, mais que a nenhuma outra coisa.
Caçador fechou os olhos um momento. A mesma pergunta parecia lhe perseguir, uma e outra vez.
—A amo, sim. Mas mais que a meu povo? Eu sou meu povo. Débito o amor entre um homem e uma mulher matar aos outros amores?
—Se tivesse que escolher, escolheria-a a ela. Se ela tivesse que escolher, qual crie que seria sua eleição?
O rosto de Caçador se contraiu.
—por que é isso tão importante? Nunca a obrigarei a escolher.
—Talvez não esteja em suas mãos. Fila é seu inimigo, Caçador! Sua gente nos está matando! Abre os olhos e vê a verdade! Ao final, destruirá-te! Terminará por te obrigar a dar as costas a tudo o que é, deixará seu coração inerte e te abandonará.
—Para isto me tem feito vir? —bufou Caçador. —Se for assim, vou.
—Não! —Búfalo Vermelho alargou o braço para agarrar o de Caçador através do fogo. —Não vá, primo. Sinto muito. Esquece o que hei dito.
—Suas palavras me cortam em dois. Nunca poderei as esquecer.
Búfalo Vermelho se passou uma mão pela frente e suspirou.
—Sinto muito. Aceitarei-a como sua esposa, Caçador. De verdade que o farei.
—Suas palavras são pouco profundas, como um rio em temporada de seca. me mostre sua dor. Assim pode que te cria.
Búfalo Vermelho ficou em pé.
—Mostrarei-lhe isso. Olhe o que tenho aqui. Um presente, sim? Para sua mulher. Um presente como nenhum outro.
Tirou algo brilhante de uma alforja e o pôs na palma da mão, aproximando-lhe a Caçador.
—Luz de lua sobre a água, primo. Um pente de prender cabelo para sua esposa tosi.
Cativado pelo brilho das pedras preciosas, Caçador levantou o pente de prender cabelo e a girou para vê-la à luz do fogo. Por um instante imaginou a expressão na cara da Loretta se lhe desse algo tão delicado. Depois apartou o pensamento de sua mente.
—O tirou a uma das mulheres que mataste. Ela cuspiria sobre isso.
—Não! Foi um intercâmbio com os comancheros.
Caçador se sentiu algo mais animado. Queria com todas suas forças poder dar de presente a Loretta costure bonitas, coisas que fossem valiosas para uma mulher branca. Sabia que seu mundo era muito diferente ao dele. Um pente de prender cabelo como essa a consolaria.
—Quanto?
—É um presente!
—Ah, não. Só o marido de uma mulher deveria lhe dar um pouco tão formoso.
—Custará-te uma manta —disse Búfalo Vermelho encolhendo-se de ombros.
Caçador grunhiu.
—Dois cavalos, não menos.
—Um. Não aceitarei mais. —Búfalo Vermelho se Rio. —Isto o fazemos sem que se inteire ninguém, né? Somos bons comerciantes.
Fascinado pela beleza das pedras, Caçador levantou os olhos.
—Vale muito mais.
—A pena que me causa o ter feito mal a sua mulher faz que estejamos em paz.
Caçador sorriu e fechou os dedos ao redor do pente de prender cabelo. Estava tão ansioso por dar-lhe a sua esposa que se levantou.
—Trarei-te o cavalo agora mesmo.
—Amanhã é suficiente.
Caçador pôs uma mão no ombro de sua primo. lhe olhando aos olhos, disse:
—Meu coração está contente, Búfalo Vermelho. O sol não brilha igual quando você não está a meu lado.
O sorriso de Búfalo Vermelho se desvaneceu.
—Nunca te abandonei, Caçador. Somos irmãos. Se parecer que te volto as costas, não é por falta de amor.
—Isso é passado. —A voz de Caçador tremia de emoção. —Agora caminha um novo caminho, não é assim?
Búfalo Vermelho sorriu e lhe deu um empurrão amistoso.
—vá casa com seu cabelo amarelo.
Caçador duvidou na porta.
—Há algo que quis te dizer há um tempo. Estrela Brilhante quer que a olhe.
—Estrela Brilhante? —Uma expressão incrédula cruzou a cara marcada de Búfalo Vermelho. —Quer-me? Você fala boisa, primo.
—É assim. Se te interessar, será melhor que a reclame antes de que algum outro o faça. É encantadora.
—Sim—disse Búfalo Vermelho, um pouco ausente. —Está falando da irmã de sua mulher?
Caçador se Rio.
—É muito tímida para aproximar-se de ti, mas seus olhos lhe seguem quando você não olha.
Caçador encontrou a Loretta acurrucada em seu lado da cama quando ele entrou na loja. Não pôde evitar sentir-se desiludido. Se estava dormida, teria que esperar a manhã para lhe dar o presente. Estava impaciente. Queria lhe agradar agora.
—Olhos Azuis?
Ela se incorporou sobre um cotovelo e o olhou dormitada.
—por que tem esse sorriso tão grande?
Caçador escondia o pente de prender cabelo detrás das costas. sentou-se no bordo da cama e se voltou para ela para que não pudesse vê-lo.
—Trago-te um presente de bodas.
A curiosidade despertou por completo. sentou-se e tratou de ver o que tinha na mão.
—O que é?
—Um pouco muito fino. Algo tão brilhante como minha mulher dourada.
Ela se inclinou a um lado.
—Cazadooor! O que é?
Lentamente, tirou a mão. Loretta não disse nada ao princípio. Depois lhe olhou inquisitiva.
—É uma brincadeira? O que faz colocando a mão em minhas coisas?
O sorriso de Caçador pareceu congelar-se e seus olhos se moveram para onde estava a carteira negra da Loretta. A Loretta lhe endureceu a garganta. Ela também se voltou para olhar a bolsa. Um medo gelado lhe atravessou as costas. Desceu da cama e cruzou a habitação. Lhe acelerou o pulso ao estirar a mão para agarrar a carteira. O broche se abriu entre seus trementes dedos e ao olhar dentro viu o pente de prender cabelo de diamantes de sua mãe.
Foi como se o tempo se deteve. Ali suspensa, Loretta assimilou lentamente o fato de que, sete anos depois da morte da Rebecca Simpson, o casal perdido de seu pente de prender cabelo tinha aparecido em mãos de Caçador. Por um instante, a conclusão mais óbvia lhe deu na cara: Caçador tinha sido o homem que tinha talhado a cabeleira a sua mãe. Mas muito em breve pensou com claridade. Não podia ser Caçador. Tinha chegado a lhe conhecer o suficiente para saber que ele não o tinha feito. Mesmo assim, a dor a atravessou, uma dor que a feria no mais profundo. As pernas lhe falharam e teve que cair de joelhos, incapaz de falar, de levantar a cabeça. Pela extremidade do olho viu caçador que se levantava da cama, o pente de prender cabelo queda no chão, esquecida.
Como um homem que se aproxima da guilhotina caminhou para ela. Ouviu-o tomar ar quando se aproximou de olhar o que havia no interior da carteira negra.
—Pertencia a minha mãe —chorou. —Levava os dois pentes de prender cabelos postos o dia que morreu. Esta a encontrei perto de onde ela jazia. A outra a levou o comanche que a matou.
—Não. —A palavra saiu de sua garganta como um sussurro atormentado.
Loretta ficou uma mão na boca para afogar o grito que lutava por sair de sua garganta. Caçador se afundou de joelhos junto a ela.
—Não. —Voltou a dizer, esta vez com mais convicção. —Eu não... O dia em que ela morreu, eu não... —Sua voz se quebrou, e viu que lhe cobria com os dedos seus punhos brancos. —Olhos Azuis, não te menti.
Deixando cair a mão, lutou por um pouco de ar, tragando-os soluços, tentando falar. girou-se para lhe olhar, com lágrimas nos olhos.
—Deu-lhe isso Búfalo Vermelho, verdade?
Caçador a olhou fixamente, sem responder.
—Verdade?
—Huh, sim —admitiu por fim, resistindo a acreditá-lo. —O trocou a uns comancheros.
—É mentira. —Loretta apertou os olhos. Caçador, o homem ao que amava, seu marido, era o primo do assassino de sua mãe. Tudo encaixava agora, o ódio que Búfalo Vermelho lhe tinha, seus contínuos esforços por desfazer-se dela. As lembranças giraram em sua mente, lembranças de sua mãe, do ágil e esbelto jovem índio que lhe tinha talhado a cabeleira. Búfalo Vermelho. Com a cara desfigurada, Loretta não tinha podido reconhecê-lo. —Ai, Meu deus! meu deus!
Nesse instante, o matrimônio da Loretta se converteu em seu maior pesadelo. Ao menos trinta homens tinham participado daquele assalto. Todos eram deste povoado, certamente. Homem Velho, Porco, Fabricante de Flechas, Boñiga de Coiote, Guerreiro, o pai de Caçador, qualquer deles podia ter estado ali. Talvez inclusive seu marido. Uns rostos imprecisos voltaram a estar frente a ela, provenientes do passado. Não queria acreditar que Caçador tivesse estado ali esse dia, mas como podia estar segura? Em quantos ataques aos tosi tivo tinha participado ele? Um centenar, talvez em mil? Podia inclusive recordar uma pequena e poeirenta granja e à mulher que tinham assassinado ali?
Fixou a vista no poste das cabeleiras. Nenhuma delas tinha o cabelo comprido, o que provava que só fazia a guerra contra os homens. Isto não significava que não tivesse estado presente quando se atacava às mulheres, só que ele não tinha participado. Estava a cabeleira de seu pai em sua coleção? Loretta cravou os olhos horrorizada em uma meada de cabelo castanho, depois em outra...
—Olhos Azuis... —Quis lhe tocar o ombro.
Loretta se separou dele.
—Não, Caçador. Por favor, não. —Olhou ao chão com os olhos talheres de lágrimas e viu um arbusto de erva que resistia em meio da areia que formava ao chão da loja. O ódio entre ela e o povo de Caçador era como essa erva, capaz de sobreviver a tudo. Sentiu um vazio inominável em seu interior.
—Búfalo Vermelho me disse que comprou o pente de prender cabelo. Deve ser assim, sim?
—Grande que é Texas, seria bastante coincidência, não crie?
Caçador não estava seguro do que significava coincidência, mas entendeu o que queria dizer. Pela primeira vez em sua vida esteve tentado a mentir, a dizer algo que pudesse convencer a de que se equivocava. O costume de toda uma vida o deteve. Sem sua honra não era nada.
—Búfalo Vermelho esteve nesse ataque, Caçador. Você sabe, eu sei, e ele também. Por isso me odeia tanto.
Para prová-lo, colocou a mão na carteira e tirou o retrato o sua mãe. O deu a Caçador, observando sua expressão.
—É minha mãe.
—Duas gotas de água —sussurrou.
Caçador olhou o parecido, e recordou aquele primeiro dia no que Loretta saiu de sua casa e se aproximou deles no jardim, com o cabelo dourado brilhando ao sol, os olhos cintilantes em seu pequeno rosto. Quase imediatamente, Búfalo Vermelho tinha começado a pedir a Caçador que a matasse, que pusesse fim a sua vida. Caiu-lhe o suor pela cara. Quando Loretta tinha delirado a primeira noite que a deixaram cativa, tinha revelado em seus gritos que tinha visto a morte de sua mãe. Após, o ódio de Búfalo Vermelho por ela se intensificou. Deveu temer que algo pudesse lhe fazer recordar, a maneira em que caminhava, o som de sua voz, e que antes ou depois o reconheceria como o assassino de sua mãe e o revelaria a outros.
Com uma voz que parecia provir do mais profundo de seu estômago, Loretta disse:
—Búfalo Vermelho teve que saber que eu estava relacionada com ela no momento em que me viu. Não sou tão bonita como ela, mas o parecido não pode acontecer desapercebido.
Caçador levantou a cabeça. Que não era bonita? morria por riscar com o dedo o aprimoramento de suas facções, de atrai-la a seus braços e abraçá-la para sempre, de não deixá-la partir nunca. Mas lhe estava escapando, podia vê-lo com seus próprios olhos. Agarrou a foto pelo marco e o medo que sentiu não se parecia com nenhum que tivesse podido sentir antes. «Búfalo Vermelho, os homens de seu povoado?» Se algo assim era certo, e Caçador sabia que o era, podia perder de novo à mulher que amava, tão seguro como tinha perdido a Salgueiro Junto ao Rio, de forma igualmente irrevogável. Uma mulher podia passar por cima muitas coisas quando amava a um homem, mas nunca nada assim. Este pensamento lhe aterrava.
Loretta respirou fundo e expulsou o ar lentamente. Passando-a mão pela frente, disse:
—Esta é a forma que tem Búfalo Vermelho de vingar-se por lhe haver pego ontem. depois de tudo o que tem feito para evitá-lo, você lhe deste as costas de todas formas. Já não tem nada que perder. —Se Rio com uma risada quase histérica. —Desde o começo tentou nos separar. —Lhe encolheu o corpo. —Por fim o conseguiu.
—Não. —Agarrou-lhe o queixo e a obrigou a lhe olhar. —É minha mulher, para sempre. Dissemos as palavras de Deus. Suvate, tudo se cumpriu. Não pode te voltar atrás.
Soltando-a, devolveu a foto à carteira, colocando-a no compartimento de linho com extremo cuidado, como se sua delicadeza pudesse de algum modo desfazer os enganos que se cometeram.
—Os homens deste povoado mataram a meus pais, Caçador! Não entende o que isso significa? —As palavras se rompiam na garganta da Loretta, cada sílaba abria mais e mais a fossa que os separava. —Não posso ficar aqui sabendo algo assim. Não posso! E se me ama, não me pedirá que o faça.
—É minha mulher! —Moveu a mão em direção à porta. —Hei-o dito ante minha gente. Deve andar sempre meus passos. É o costume. Uma mulher não deixa a seu marido. Está proibido.
Loretta levantou o queixo.
—Segundo seus costumes!
—Meus costumes são as tuas. Minha gente é sua gente. Sou seu marido!
O eco dos gritos de sua mãe golpeava as paredes de sua mente. Embora vivesse cem anos, nunca poderia esquecê-los.
—Significa isso que meus costumes são também as tuas? —enfrentou-se a seu olhar com uma intensidade assustadora. —Vingará a meus pais?
A cara lhe pôs pálida.
—E matar a minha primo?
—E todos os que estiveram ali! Esse é seu costume, não? Vingar a sua gente? Isso é o que disse ontem à noite. Se sua gente for minha gente, então minha gente é a tua.
O olhar que viu na cara de Caçador a assustou. Loretta o olhou fixamente, sem logo que poder assimilar o que acabava de dizer.
—Caçador... —Agarrou-o do braço. —Não queria dizer isso!
O escapou de seu braço e se levantou.
—Não queria dizer isso. —Voltou a gritar. —Seria como te partir o coração. Crie que quero isso? Já houve suficientes mortes.
Alarmados pelos gritos da Loretta, Amy e Antílope Veloz entraram na loja. Os olhos azuis da Amy, preocupados, olharam primeiro a Loretta e depois a Caçador.
—O que ocorre?
Sem deixar de tremer, Loretta estendeu uma mão em direção à cama.
—O pente de prender cabelo perdido de mamãe.
Amy cruzou a habitação. depois de olhar a peça de diamantes um momento, girou-se com uma expressão desconcertada e olhou a Caçador.
—Você? —sussurrou. Depois, como se fora um animal selvagem, deixou escapar um grito rouco e se lançou violentamente sobre ele, lhe pegando e lhe arranhando. —É um açougueiro! Um açougueiro assassino!
Caçador agarrou a Amy pelas bonecas e a rodeou com rapidez com o braço, atraindo-a para ele. Antílope Veloz deu um passo para eles, sem saber muito bem se devia proteger a Amy ou manter-se leal a Caçador.
—Matou a sua mãe! Matou a sua mãe! Ela levava esse pente de prender cabelo o dia que morreu. —Amy se revolveu, lutando por soltar-se. —Cortou a cabeleira a minha tia Rebecca! Só assim se explica que possa ter seu pente de prender cabelo. me solte! me tire suas sujas mãos de cima!
As acusações da Amy golpearam a Caçador como se lhe tivessem atirado uma rocha no peito. Pouco lhe consolava que Loretta não tivesse reagido assim. Voltando-se para Antílope Veloz, gritou:
—leve-lhe isso com minha mãe!
Antílope Veloz agarrou a Amy pelo braço e atirou dela para tirar a da loja. Seus gritos foram diminuindo pouco a pouco. Caçador se girou para olhar a sua esposa. abraçava-se a cintura, com um olhar escuro e triste nos olhos.
Com um grunhido de raiva, Caçador se deu a volta e saiu da loja, com a mente posta na loja de Búfalo Vermelho. Guerreiro veio correndo para ele.
—Caçador, o que ocorre? O que é o que seu Ayemee está gritando?
Sem deixar de andar, Caçador lhe explicou.
—Matarei-o por isso. Seja minha primo ou não, matarei-o.
Guerreiro lhe agarrou do braço e lhe obrigou a deter-se.
—foi-se, Caçador! Faz sozinho uns minutos... com todos seus amigos.
—foi-se? por que não me há isso dito?
—Não sabia! —Guerreiro levantou as mãos. —Como ia ou seja o, Caçador? Vai e vem todo o tempo.
Por um instante, Caçador considerou a possibilidade de lhe seguir, mas então a imagem da cara branca da Loretta cruzou sua mente. Não podia deixá-la assim de zangada. Respirou fundo e empreendeu o caminho de volta a sua loja.
—Como o está tomando sua mulher? —perguntou Guerreiro.
—Tem o coração na terra.
Guerreiro suspirou.
—Isto é mau, Caçador, muito mau. Sua mãe? Seu pai? Nunca poderá te perdoar por isso.
Caçador aumentou o passo, cada vez mais preocupado por ter deixado sozinha a Loretta.
—Não tem outra opção. Havemos dito as palavras, não é assim? É minha mulher.
—Mas Búfalo Vermelho matou a seus pais!
—Ainda segue sendo minha mulher.
CAPÍTULO 23
Loretta estava empacotando suas coisas quando Caçador entrou na loja. ficou de pé nas sombras um momento, observando-a. A luz do fogo caía sobre ela, iluminando seu cabelo dourado, piscando no ante que cobria seus ombros cansados. Estava chorando. Esse som lhe partia em dois.
—Olhos Azuis?
O sussurro lhe fez girar a cabeça. ficou em pé de um salto, com os olhos atormentados e os lábios pálidos.
—Vou, Caçador.
Caçador saiu das sombras, doente ao pensar que podia perdê-la.
—Eu não estava em sua casa de madeira esse dia, Olhos Azuis. Hei-o dito. —deteve-se junto ao fogo, por medo a envenená-la. —É uma promessa de Deus que te faço.
Ela o olhou com lágrimas nos olhos. Doía-lhe a garganta e tinha a boca seca.
—Ah, Caçador, não vê que isso não troca nada? —Fez um gesto para o poste de cabeleiras. —Desde o começo sabíamos que nunca poderia funcionar entre nós. De alguma forma, durante uns dias maravilhosos, conseguimos esquecê-lo. É um comanche. Eu sou uma tosi tivo. Pertencemos a mundos diferentes.
—me olhe e me diga que não me ama —lhe pediu com voz rouca.
—Todo o amor do mundo não poderia trocar isto.
—me diga as palavras!
—Não posso. Porque te amo, não o vê? O que devo fazer não tem nada que ver com o que existe entre os dois.
—Meu coração só canta coisas boas... —Lhe quebrou a voz, e tragou saliva. —Pensei que o pente de prender cabelo te faria muito feliz.
—Sei. —Loretta se limpou as bochechas e tratou de conter as lágrimas. —Não estou te culpando. Não é tua culpa, Caçador, nem minha, nem sequer de Búfalo Vermelho. Não o entende? Esta loucura começou muito antes de que nós tivéssemos nascido, e continuará depois de que tenhamos morrido todos. Algumas costure, não importa o doces e maravilhosas que sejam, não podem ser.
O deu um passo vacilante para ela.
—Seus olhos dizem que me culpa. Seu coração sussurra que estava ali esse dia.
Lhe olhou fixamente um momento, depois inclinou a cabeça assentindo a contra gosto.
—Está bem, quer saber a verdade? Acredito que poderia ter estado ali. Como pode estar tão seguro? Búfalo Vermelho é sua primo. Quantos ataques têm feito juntos? Dúzias?
—cavalgamos juntos muitas vezes.
—E matou a mulheres nesses ataques?
—Faz muitos taurn. Sou um homem agora e sigo o caminho que meu pai seguiu antes que eu. Não faço a guerra contra os indefesos. Os homens que cavalgam comigo lutam a minha maneira.
—Faz muitos taum. Quantos taum, Caçador? Sete? Recordaria uma poeirenta granja?
—Este comanche não estava ali! —rugiu.
—Diria-o se fosse assim?
—Não minto!
—Está bem, você não estava ali. Mas não estamos falando de ti! Estamos falando de Búfalo Vermelho! —Sua voz se converteu em um gemido agudo. —E do fato de que você vive e cavalga com os assassinos de minha mãe. Que estivesse ali ou não, não troca nada. Os homens deste povoado mataram a meus pais e não posso suportar seguir aqui. Imagina como me sentiria. me levantar pela manhã e dizer bom dia a algum dos homens que torturou a minha mãe até a morte. Não posso fazê-lo, nem sequer por ti.
Passando-a mão pelo cabelo, Caçador trocou o peso de seu corpo a um só pé, o quadril para fora e um joelho dobrado.
—Meu coração jaz na terra por suas lágrimas, sabe? Mas não posso ir para trás e desfazer os muitos enganos do passado. Sua mãe e seu pai estão mortos. Suvate, tudo se cumpriu.
Loretta se abraçou, com o olhar fixo nele.
—Suvate? A morte de meu pai talvez. Foi rápida, ao menos, mas a de minha mãe... —Inclinou a cabeça, guardando silêncio. Quando por fim levantou os olhos, as lágrimas brilharam sobre suas bochechas. —Tem razão. cumpriu-se. Tudo. Ao menos, claro está, que queira te vir comigo. Podemos ir longe. Solos você e eu, Caçador. Faria isso por mim? Poderíamos estar juntos. Poderíamos esquecer, se o tentarmos.
—Sou um comanche. Sem minha gente, não sou nada.
—E eu sou uma tosi tivo. Se ficar aqui com os assassinos de meus pais, não serei nada.
—É minha mulher. Somos um, para sempre sem horizonte.
—Ah, Caçador, não é tão fácil. Vou —sussurrou com voz tremente. —Não poderá me vigiar cada segundo.
—Está proibido que uma mulher deixe a seu marido.
—Também o está nosso amor.
A Caçador lhe encolheu o estômago. Não podia culpá-la por querer ir-se. Ah, sim, claro que a entendia. Inclusive estava de acordo com ela, mas não tanto como para estar disposto a perdê-la. Agora mesmo estava muito nervosa. Depois, quando se acalmasse, veria as coisas de maneira diferente. Necessitava tempo para pensar, para decidir o que fazer, para arrumar as coisas entre eles. Amava-a muito para deixar que se fora. Muito. Com a esperança de desanimá-la, grunhiu-lhe.
—Se for, este comanche te seguirá. Qualquer que tente te afastar de mim morrerá. Pensa nisto. Paguei um bom preço. É minha mulher. O que é meu, mantenho-o.
—Não o faria! —disse-lhe com um gemido. —A minha família, Caçador?
A incredulidade que cruzou seu rosto esteve a ponto de fazer que Caçador se retratasse de sua ameaça, mas sabia que se o fazia, ela sairia correndo à primeira oportunidade. Se ela temia por seus seres queridos, estaria menos disposta a fazer uma loucura.
Loretta entrecerró os olhos, duros e frágeis. Levantando o queixo, olhou-o com desdém.
—Claro que o faria, verdade? O único que te importa é conservar o que te pertence. Neste caso, a mim. O que comprou e pelo que pagou, sua mulher tosi! Que não é muito melhor que um cavalo.
—É minha. derramei minha semente em ti. te afaste de mim, e te pegarei até que chore e gema. É uma promessa que te faço.
—Sabe qual foi meu problema, Caçador? Que vi só o que queria ver. —Dirigiu o braço para o poste de cabeleiras outra vez. —Sempre tive a prova diante de meus narizes, mas te justifiquei e te vi da forma em que queria verte. De alguma forma, dizia-me mesma que te importava, não como uma posse, mas sim como uma pessoa. E ao me fazê-lo esqueci de um pouco mais importante; de que é um comanche e sempre o será. Um selvagem assassino! Tia Rachel tinha razão.
Caçador cruzou a habitação e se sentou no bordo da cama, observando-a.
—Se crie que me vou deitar contigo agora, está louco —lhe esclareceu, com voz trêmula.
—Estou seguro de que sou um comanche louco —respondeu. —Deitará-te junto a mim. Esta noite e sempre. Não pode fugir. Se o fizer, a morte cavalgará junto a ti, vá onde vá.
A luz da lua banhava o interior da loja. Loretta não estava segura de se Caçador dormia. Tinha deitada junto a ele uma eternidade... esperando. A respiração da Amy se feito profunda e contínua. Se Loretta não se movia logo, seria muito tarde.
Girou a cabeça e examinou o perfil escuro de Caçador, consciente da longitude do corpo quente que jazia junto a ela. Por um momento uma ternura lhe paralisem a invadiu. Apartou essa sensação o mais rapidamente que pôde. O amor era em realidade cego, como gostava de dizer a tia Rachel. E Loretta se converteu na mais cega de todas.
Em seu mundo, Caçador era um homem bom e honesto, mas não era nem poderia ser nunca seu marido. A ameaça de matar a todos os que a ajudassem, incluída sua família, era uma prova disso. sentia-se um pouco como uma estúpida, por ver só sua bondade, que era considerável, e ignorar essas coisas que ela tanto aborrecia. E não eram detalhes pequenos, coisas que pudessem superar juntos. Sabia desde o começo que Caçador tinha esse outro lado, ele nunca tinha mentido nisto, mas de algum modo ela não tinha querido vê-lo.
Loretta se deslizou até o bordo da cama e ficou em pé. Girando-se, conteve o fôlego, imóvel, com a vista posta em seu marido. Ele não se moveu. Caminhou um passo para trás, depois duvidou, em parte esperando a que ele despertasse e a sujeitasse. Se não houvesse dito a sério o de pegá-la se escapava, não teria feito uma promessa. Entre sua gente, a deserção era um pecado cardeal, com a mesma consideração que o adultério. A uma comanche adúltera cortavam o nariz. Um pensamento que não lhe agradava absolutamente. Melhor que ser apedrejada até a morte, mas igual de horrível.
Ao ver que Caçador não se movia, Loretta se afastou uns passos mais, tremendo. Amy dormia só a uns metros dali, mas lhe pareceu um quilômetro, um quilômetro comprido e perigoso. Quando por fim chegou até ela, pô-lhe uma mão na boca. Amy se revolveu e abriu os olhos, grandes como pratos e brilhantes como safiras à luz da lua. Loretta lhe pôs um dedo na boca para lhe indicar que guardasse silêncio, e lhe fez um gesto para que se levantasse e saísse da loja. Amy se incorporou, olhando assustada por cima do ombro e em direção aonde Caçador dormia.
Loretta se arrastou até as alforjas de Caçador, medindo na escuridão para fazer-se com o cantil e as reservas de comida. Agarrou duas bolsas, uma de frutos secos e outra de carne seca. Depois, agarrou a carteira negra.
Abriu-a e tirou uns pololos limpos e bem dobrados. Pô-los junto a Caçador, com lágrimas nos olhos. Tantas lembranças. Produziam-lhe uma grande tristeza. Caçador, saudando-a a meia noite, com os pololos ao vento. Caçador, ficando os no nariz e cheirando o perfume de flores, os olhos sempre zombadores. Um dia, quando deixasse atrás a amargura, poderia talvez olhar estes pololos e sorrir quando pensasse nela. Rezou para que assim fora. Estava segura de que terminaria por perdoá-la.
Ela e Amy saíram ao exterior. Com o olhar fixo nas lojas, Loretta se encaminhou para as árvores, temendo que alguém pudesse as ver e dar a voz de alarme. Agora que tinha dado o primeiro passo, não havia volta atrás. Levar uma surra não estava precisamente em sua lista de preferências, sobre tudo se a surra a dava um homem com a fortaleza de Caçador. Quando acreditou que se afastaram o suficiente, reduziu o passo.
—Estamo-nos escapando, não? —gemeu Amy. —E tudo por esse cretino de Búfalo Vermelho. Antílope Veloz me contou o que aconteceu. Não pode culpar a Caçador pelo que sua primo fez!
Loretta, que tinha os nervos a flor de pele, girou-se e protestou.
—Não é só por Búfalo Vermelho. meu deus, Amy, não te dá conta do que tudo isto significa? Os homens deste povoado mataram a meus pais! Deveu haver trinta guerreiros ali esse dia! E nós vivemos com eles, somos amigas deles. Pelo amor de Deus, não posso suportar estar aqui nem um minuto mais.
Amy se rodeou a cintura com as mãos e levantou o queixo.
—Não penso ir sem falar com Antílope Veloz antes.
—Não fará nada disso.
—Não tenho outra opção. O e eu nos prometemos coisas. Não penso ir sem lhe dizer por que e aonde vou. Quando souber que me fui, voltará-se louco.
—Fará o que eu te diga e quando lhe disser isso, jovencita. Que tipo de promessas?
—Promessas de matrimônio, e não penso me mover daqui até que não fale com ele.
A Loretta deu um salto o estômago e se sentiu como se fora a cair de joelhos.
—Amy, perdeste a cabeça? Só tem doze anos!
—Idade suficiente! —A luz da lua se refletiu em sua cara, mostrando sua angústia. —O que me espera em casa, Loretta? Vergonha, isso é o que me espera; por algo que não é minha culpa. Estou perdida! Aqui, com a gente de Antílope Veloz, esse tipo de coisas não importam. Caçador vingou minha honra, e já está. Antílope Veloz me ama, e eu amo a ele. É o melhor amigo que tive nunca!
—É um comanche, isso é o que é. E não te consentirei que te case com ele! —Loretta estava assustada. Amy tinha sofrido muito. Amar a Antílope Veloz só traria mais dor. Era muito jovem para dar-se conta disso agora, mas um dia agradeceria que Loretta a tivesse afastado dali. —Com um desastre de matrimônio na família temos o bastante. E quanto ao de que está perdida, isso é uma tolice. Sente-se perdida?
—Não! Mas só porque a gente daqui não me faz sentir assim! Em casa será diferente. As mulheres murmurarão a minhas costas. Não quererão que me sente na igreja! Marginarão-me, e você sabe.
—Então iremos viver a outro sítio, sós você e eu, ao Galveston, possivelmente, onde ninguém nos conheça. Ninguém diz que tenhamos que ficar aqui.
Com isto, Loretta deu a carteira a Amy e a agarrou do braço, atirando dela enquanto fazia um círculo para chegar ao lugar onde pastavam os cavalos.
—Está como uma cabra, se crie que pode escapar assim de seu marido comanche. Tem idéia do que te fará quando te pilhar?
—Pegará-me, suponho, e é por isso pelo que não penso deixar que me agarre.
—Pegará-te sim, diante de todo mundo. que escape é uma desonra para ele. Zangará-se tanto que te cortará o nariz! O não é um tipo branco, Loretta Jane. Ninguém abandona a um comanche! Caçador se voltará tão louco que partirá o couro duro com os dentes.
—te cale, Amelia Rose, ou terei que te dar uns bons açoites.
—Não é o suficientemente grande para fazê-lo!
—O que te aposta? —desafiou-a Loretta com voz tremente.
Amy exclamou.
—Está assustada, verdade?
—Até os ossos.
—Então por que lhe deixa?
—Porque tenho que fazê-lo. Tenho que fazê-lo! Agora segue andando. Sou a maior. Sei melhor que você o que convém às duas.
Amy fez o que lhe dizia, embora sem estar muito convencida. Com cada passo descrevia o desgraçado destino que aguardava a Loretta quando Caçador a encontrasse.
—Não me cortará o nariz!
—Claro que o fará!
—Não o fará! —Loretta deu um salto para cruzar um atoleiro de água e se girou para ajudar a sua prima. —Agora deixa de tentar me assustar.
—Deveria estar assustada. O é um comanche, Loretta! Quando uma mulher comanche envergonha a um homem, há certas coisas que se espera que ele faça. Tem que fazê-lo, para limpar sua honra.
—Agradece a Deus que eu não seja uma mulher comanche, de acordo? —Loretta insistiu a Amy para que seguisse andando, tropeçando com ela.
—Loretta Jane, não estará pensando em roubar os cavalos, verdade?
—Quer andar?
—Caçador vai fritamos vivas. —Quando viu que Loretta ficava em silêncio, Amy se aproximou dela. —Ah, Loretta... não foi Caçador quem o fez. Não acredito que pense que ele esteve ali.
Loretta se passou o lado exterior da mão pela frente.
—Não estou tão segura de que não estivesse. E nunca o estarei. Nem sequer acredito que Caçador esteja seguro. —Olhou a sua prima aos olhos. —você pode estar segura, Amy? Pode?
Amy se girou ligeiramente, para olhar ao rio. Loretta estava segura de que a garota pensava em Antílope Veloz e nas horas que tinham acontecido ali abaixo. levantou-se uma ligeira brisa que fez sussurrar aos hibiscos.
—Não, não posso assegurá-lo. Existe a possibilidade de que estivesse. Búfalo Vermelho é sua primo. Como você e eu. Fizeram muitas coisas juntos. Suponho que existe a possibilidade de que Caçador estivesse ali.
—Se tivessem sido seus pais, e soubesse que Antílope Veloz podia ter tomado parte em seus assassinatos, ficaria aqui? me diga a verdade.
Amy fechou os olhos com força, tremendo.
—Não, não poderia ficar. Sinto muito, Loretta. Não deveria te haver atormentado como o tenho feito.
Loretta lançou um olhar inquieto por cima do ombro da moça. Caçador podia despertar em qualquer momento e quando o fizesse viria diretamente aos cavalos.
—Vamos. Já haverá tempo para falar mais tarde.
Amy ficou em marcha, com um passo mais ligeiro agora que estava convencida do que faziam. Quando chegaram aos pastos, a Loretta lhe caiu a alma aos pés. As silhuetas dos cavalos eram impossíveis de identificar entre as sombras. Onde estava Amigo?
Chamou-o por seu nome. Um relincho pareceu provir da esquerda.
—Há um negro! —gritou Amy.
Loretta ficou nas pontas dos pés para ver melhor. Pela maneira em que o cavalo lhe olhava, soube que era Amigo. abriu-se passo entre o grupo de cavalos para chegar aonde estava Amigo. depois de tomar um tempo para lhe saudar da forma em que Caçador lhe tinha ensinado, agarrou-o pela brida e o conduziu fora da manada. Girando-se, agarrou um tordo de cabelo murcho para a Amy. Tinha a orelha esquerda queda, o que significava que era um cavalo manso.
depois de atá-los sacos de comida à cintura, Loretta montou e pediu a Amy que fizesse o mesmo. Depois se ergueu sobre Amigo e contemplou à manada de cavalos.
—Temos que espantá-los —disse Loretta.
—Temos que o que? Há centenas!
—Se Caçador pode correr até aqui e montar, cairá sobre nós como moscas ao mel, e antes de que nos tenhamos afastado um quilômetro. —A imagem do corpo musculoso de Caçador cavalgando em harmonia com seu cavalo lhe veio à mente. —Já sabe quão bem cavalga!
—Mas poderiam nos pisotear!
Ou ser colhidas com as mãos na massa. Era impossível saber o longe que poderiam ouvi-las vozes se começavam a relinchar aos cavalos. Não podiam evitá-lo, tampouco. Armando-se de valor, Loretta deu um alarido e levou a Amigo ao centro da manada, movendo as mãos e dando palmadas aos cavalos na garupa. Levou-lhes um momento, mas os animais terminaram por sair espantados, rompendo suas ataduras e correndo em todas direções na escuridão. Loretta e Amy perseguiram a quão valentes pareciam não alterar-se. Ao fim, nem um só cavalo esteve à vista. Loretta esperava que corressem uma boa distância. Não era muito, mas ao menos deteria um tempo a Caçador.
Amy cavalgou em linha com a Loretta, com o olhar fixo no povoado.
—Estou segura de que nos ouviram. Todos os índios deste povoado vão se voltar loucos quando averiguarem o que temos feito.
Estas palavras lhe fizeram pensar em um Caçador enfurecido como nunca. Loretta se agarrou à crina de Amigo.
—Vamos. Cavalguemos. Temos que ganhar vantagem.
A viagem a casa resultou ser muito mais singelo que a primeira viagem ao povoado comanche. Esta vez sabia melhor como encontrar água, por isso não tinha que deter-se fazer expedições campestres em busca de mananciais. O primeiro dia, ela e Amy mantiveram a vista atrás, aterradas de que os comanches pudessem aparecer em qualquer momento. O segundo dia, as duas puderam relaxar-se um pouco. No terceiro, Amy estava convencida de que Caçador se deu por vencido.
—Deve estar feliz por haver-se liberado de ti —brincou Amy. —Eles podem cobrir o dobro de distância que nós fazemos em um dia. por que se não foram demorar tanto?
Loretta não se fazia iluda. Caçador as seguiria, até o fim do mundo se fazia faltar.
—Possivelmente seja a Providência. te limite a agradecer a Deus que ainda não nos tenha dado caça.
—Se disse que mataria a todo aquele que nos ajudasse, aonde iremos?
Amy fazia esta pergunta uma dúzia de vezes.
—Ao forte Belknap. A patrulha fronteiriça tem ali seu centro. Nem sequer Caçador pode fazer-se com um forte.
—E o que passará se os da patrulha não estão ali? E se se foram ao meridiano noventa e oito?
—Então teremos problemas. Teremos que ir a casa, reunir alguns mantimentos e sair dali.
—Aonde?
—Aonde seja, até que encontremos um lugar seguro. Possivelmente ao Jacksboro. Possivelmente a outro forte. Necessito um mapa, isso é o que necessito.
Amy contemplou a infinita extensão de terreno plano que havia ante elas.
—Um mapa? Loretta Jane, tenho a impressão de que este é um osso muito duro de roer para ti.
—Estaremos bem. Confia em mim. Cheguei ao povoado de Caçador, não?
—Porque Caçador te ensinou o caminho!
—Bom, pois de agora em diante terei que me guiar por meu nariz.
—Utiliza-a enquanto possa.
Loretta entreabriu os olhos.
—Importaria-te tentar ser um pouco mais otimista? Tudo sairá bem. Sei que é assim.
Entretanto, tinha uma bola de secura na garganta. Rezou para que tudo saísse bem.
A mãe de Caçador estava de pé junto a ele, esfregando-as mãos, enquanto reunia as pertences de seu filho antes de partir.
—Sua minha, está muito zangado. Tenho medo do que possa lhe passar a sua mulher quando a encontrar.
Caçador ficou tenso e caminhou além de sua mãe para chegar a seu cavalo.
—Desonrou-me.
—Ela não conhece nossos costumes. É uma desonra entre sua gente deixar ao marido?
Caçador acomodou as bolsas na parte de atrás do cavalo e as ap com cilhas.
—É uma desonra aqui.
—Caçador, pode te estar aquieto e falar comigo?
—Não, você fala o idioma das mulheres. por que meu pai não está aqui? Direi-te por que. Sabe que ela espantou aos cavalos de todos os homens do povoado, nos deixando indefesos frente a um ataque. Sabe que partiu sem permissão. Sabe que me desonrou! O está sentado em sua loja e diz que é bom que a encontre e a castigue por isso.
—Está sentado em sua loja porque seus joelhos estão velhos e lhe doem. Vê e fala com ele.
—Não tenho tempo. Devo cavalgar rápido para alcançar a minha mulher. —Caçador tratou de entrar na loja, mas sua mãe lhe impedia o passo. Suspirou e se levou as mãos à cintura. —Pia, está pondo a prova minha paciência. Estou farto, ouve-me? E muito zangado.
—encontraram-se todos os cavalos, e não aconteceu nada.
—demoramos dois dias em fazê-lo! A pé! É algo que nunca esquecerão! E te parece que não aconteceu nada? Seja qual seja o castigo que escolha, minha mulher o terá bem castigo, e ainda será pouco. me diga uma mulher que conheça que tenha abandonado a seu marido. Uma sozinha, pia, e me passará o aborrecimento.
Mulher de Muitos Vestidos sacudiu a cabeça.
—As mulheres comanche são diferentes. Seu Lohrhettah tem motivos para estar zangada. E tem motivos para fugir. Isso o entende. Enquanto cavalgue detrás dela, pensa em minhas palavras. Se você soubesse que o homem de suas paredes de madeira violou a sua esposa grávida, viveria com ele?
Caçador se abriu passo até a loja, sem responder.
—me olhe, Caçador. me responda! Por amor ao Lohrhettah, poderia viver com o assassino de sua esposa morta?
—É suficiente! —Caçador apartou a sua mãe, muito confuso para dar-se conta de que sua mãe esteve a ponto de cair. —Vete com seu marido, anciã. lhe enrede a ele com sua língua!
Três dias depois, os piores temores da Amy se materializaram: não havia tropas no forte Belknap. Loretta sabia que poriam em perigo às famílias que viviam ali se ficavam. Sua consciência não lhe permitia ficar. Ela e Amy não tiveram outra opção que voltar para casa.
Os Steinbach, um casal que vivia na prisão militar, convidaram às duas garotas a compartilhar sua comida dominical antes de que partissem. A pesar da fome mortal que tinham, Loretta declinou a oferta.
—Será melhor que sigamos caminho. Se por acaso vêm nos seguindo. Por favor, não se preocupem. Estaremos bem —lhes assegurou enquanto ela e Amy montavam. Tivesse querido soar mais valente do que se sentia. O senhor Steinbach a tratou como se fora uma heroína. Ficavam ainda umas boas seis horas de duro rodeio, e Loretta estava ansiosa por começar. Sentia que Caçador estava cada vez mais perto, e este sentimento a aterrorizava. —Adeus, senhor Steinbach.
Loretta jogou uma olhada ao jardim poeirento onde os pequenos dos Steinbach jogavam lenço por detrás. Não podia pôr em perigo suas vidas.
A granja parecia extrañamente deserta quando Loretta e Amy alcançaram o alto. As garotas sujeitaram as rédeas dos cavalos e olharam à casa. Apesar da secura, o campo de milho prosperava. Loretta pôde ver um dos porcos pulando no curral. Tudo parecia normal, exceto porque estava anoitecendo e deveria ter saída fumaça da chaminé.
—Está bem, a senhora Steinbach disse que era domingo —apontou Amy. —Possivelmente mãe e pai foram onde os Bartlett para o serviço religioso. Não vejo o carro.
Loretta assentiu. Era domingo. Essa palavra ficou pendurando no ar, estranha, depois de tanto tempo com os comanches. O banho noturno dos sábados. A roupa de domingo. As leituras da Bíblia pela tarde. Parecia que tinham acontecido séculos de todo isso. Estirou os ombros, tão cansada que queria deixar cair do cavalo. Sabia que Amy estava igual de cansada.
—Possivelmente é simplesmente que saíram. —Dirigiu um olhar zombador ao traje índio da Amy. —Se tia Rachel nos vê vestidas assim, vai se pôr joga uma fera.
Amy se olhou os mocasines, ainda úmidos detrás ter cruzado o rio.
—Eu gosto de vestir assim. É muito melhor que levar todos esses volantes e musselinas que dão tanto calor.
Loretta açulou a Amigo, tornando-se para trás para equilibrar o peso ao baixar a costa. sentia-se estranha passando a porta da granja vestida como uma comanche. depois de atar a Amigo ao poste da entrada, Loretta subiu os degraus e cruzou o alpendre até a porta. Levantando o fecho, entrou em interior. O primeiro que percebeu foi o aroma de pão de milho recém feito, outra prova de que hoje tinha havido serviço dominical. Tia Rachel só cozinhava pão a véspera do domingo. Amy passou a Loretta lhe roçando o ombro e se foi direita à panela do lar.
Agarrou um pedaço de pão com os dedos e lhe deu um remoo bastante pouco adequado para uma senhorita. Depois se girou com as bochechas cheias.
—Diabos, isto está muito bom! Estou tão cansada de carne seca e amêndoas que poderia me abarrotar. Quer?
—Mais tarde. Não podemos nos deter. Agarremos um pouco de comida e vamos.
—Sem ver mamãe?
—Não há tempo.
—Não penso ir sem ver «minha mãe. Não é para mim a quem persegue Caçador!
—Fará-te picadinho igual! Tem umas idéias estranhas sobre a família da mulher com a que se casa. Segundo ele, agora lhe pertence. Não acredita que tio Henry possa cuidar de ti como é devido.
—E está no certo. Pai não cuida de ninguém exceto de si mesmo.
Loretta agarrou um rifle da vitrine e ficou a trastear na gaveta dos cartuchos.
—Empacota o pão para a viagem, Amy. Depois sal à despensa e agarra tudo o que veja: carne seca, milho, frutos secos. Date pressa! Se nos atrasarmos, Caçador pode aparecer em qualquer momento.
menos de uma hora depois, as garotas estavam quase listas para partir. Amy acabava de sair a selar o cavalo, e Loretta estava a ponto de unir-se, quando Amy entrou na casa, fechando a porta detrás dela.
—Que Deus nos agarre confessados, Caçador está aqui!
A Loretta deu um salto o coração.
— meu deus, tranca a porta, Amy!
Loretta agarrou a cama e a tirou de em cima da trampilla. Amy veio a ajudá-la correndo, com a cara desencaixada pelo medo.
—Viram-lhe? —gritou Loretta.
—Não acredito. Mas nossos cavalos estão aí fora! Saberão, Loretta Jane! Que demônios vamos fazer?
—nos esconder! —Loretta abriu a trampilla e pediu a Amy que baixasse as escadas. Ela agarrou o rifle e olhou preocupada à cama para assegurar-se de que estava reta e as mantas não estavam desordenadas. Qualquer detalhe que parecesse estranho serviria a Caçador para saber que se moveu a cama. Assim que fizesse essa dedução, não lhe levaria muito tempo pensar em uma trampilla no chão. Já não acreditava que os comanches fossem estúpidos, e Caçador menos que outros.
Correndo detrás da Amy, Loretta agarrou a trampilla e a fechou detrás dela. Uma escuridão úmida e asfixiante a envolveu. Baixou a provas os degraus que ficavam. Uns raios de luz escassos atravessavam as junturas das madeiras do chão e iluminavam o rosto pálido da Amy. O lugar era muito pequeno, de apenas um metro quadrado, o suficientemente profundo para ficar de pé. Loretta insistiu a Amy a que ficasse em uma esquina e ficou de pé junto a ela, com o rifle em alto.
O estrondo dos cavalos se gravou na mente da Loretta. Sentiu a Amy tremer junto a ela. A voz de Caçador soou alto e forte, rugindo algo em comanche. Ao momento seguinte gritou.
—Olhos Brancos, me mande a minha mulher!
Loretta deu um salto. O aborrecimento que ouviu em sua voz lhe pôs os nervos de ponta. Depois se fez o silêncio, um silêncio comprido e desafiante. Podia imaginar-se a Caçador olhando as cobertas de couro das janelas dianteiras, e a expressão em seu rosto ao descobrir que não havia ninguém ali.
A madeira rangeu. Loretta olhou a seu redor. Alguém tinha entrado no alpendre. Houve outro rangido, e depois outro. Ardiam-lhe os olhos. Paralisada pelo medo, esperou. Um instante depois a porta se abriu e ouviu o toque suave de uns mocasines no chão da cabana. Podia sentir a cercania de Caçador em cada poro de sua pele. Apertando-se contra Amy, fixou a vista na trampilla. «Por favor, Deus, não deixe que se dê conta das madeiras diferentes.»
Um silêncio asfixiante começou a lhe apitar nos ouvidos. Conteve a respiração e soube que Amy fazia o mesmo. Então Amy soluçou. Foi sozinho um sussurro, mas pareceu tão alto como um cañonazo. Tudo começou a ranger ali acima. Uma tabela, e uma sombra que penetrou pelas junturas do chão. Loretta pôs o dedo no gatilho, tremendo, com a pele coberta de suor. A trampilla se levantou uns milímetros...
Amy gemeu e conteve um grito. Sem saber muito bem por que lado abriria a porta Caçador, Loretta esperou a ver o dedo de seu mocasín, depois dirigiu o canhão do rifle para ele. A porta chiou ao abrir-se de par em par. A luz a cegou um momento. Caçador as olhava ameaçador, com a expressão cheia de raiva.
—Fora! —estalou os dedos e se golpeou o ombro com o polegar, tornando-se atrás para que elas pudessem sair. —Namiso, agora!
Amy se apressou a obedecer. Loretta utilizou todo seu peso para mantê-la na esquina.
—Vete daqui, Caçador. Não vou contigo.
O pôs um pé no último degrau. Perguntando-se se estava de verdade fazendo algo assim, Loretta lhe apontou com a arma.
—Não o tente! Parte, por favor. Não quero te fazer danifico!
Deu um passo mais, imponente, com uma expressão de ira nos olhos.
—Está carregada! Não me ponha a prova, Caçador! Não vou voltar!
Para desgraça da Loretta, ele se atreveu a dar outro passo. Ela se preparou e tratou de mover o dedo tremente do gatilho. imaginou o som do disparo ensurdecendo seus ouvidos. Viu-o cambaleando-se e caindo pelas escadas, com o peito aberto e cheio de sangue. Seus olhos cor índiga olhando-a, imóveis. As lembranças de seus pais apareceram em sua mente, mas também outras lembranças, os de Caçador, em um centenar de momentos diferentes, como seu amigo, seu amante, como seu protetor. Odiava o que era, as coisas que era capaz de fazer. Mas o amava também. E que Deus a ajudasse, mas não era capaz de lhe matar. Ele sabia. Leu-o em seus olhos. Baixou os degraus que ficavam e uivou a Amy que estava detrás dela.
—Vê com Antílope Veloz —ordenou.
—Caçador... —Amy o agarrou do braço. —Tem que entendê-lo! Era sua mãe! Sua mãe e seu pai! Como se sentiria?
—Vê com Antílope Veloz! —grunhiu.
Com um soluço, Amy correu escada acima e saiu da casa, chamando antílope Veloz. Com um rancor lento e deliberado, Caçador lhe tirou a arma das mãos e a atirou ao chão. Então, sem dizer uma palavra, a pôs ao ombro e subiu as escadas com ela agarrada.
—Caçador, pelo amor de Deus, não faça isto! —Agarrou-o do cinturão, recordando aquelas outras vezes nas que a tinha levado dessa maneira. —Maldito seja! Não voltarei ali, não o farei!
Ele cruzou a habitação a grandes pernadas, fazendo como se não a ouvisse. Furiosa, Loretta lhe golpeou a parte traseira das coxas. Ele seguiu andando. O chão se cambaleava e tudo começou a nublar-se. Quão seguinte soube foi que ele a punha sobre o cavalo e se montava a suas costas. Outros dois índios agarraram os cavalos nos que Loretta e Amy tinham escapado. Amigo relinchou ao sentir que um estranho o tocava, mas uma palavra suave de Caçador o acalmou imediatamente.
Caçador deu a volta ao cavalo e Loretta se deu conta de que era certo que se propunha levá-la ao povoado. Seus desejos não contavam absolutamente. Ele a obrigaria a viver entre os assassinos de seus pais, a lhes olhar à cara cada dia de por vida, a partir o pão com eles, a ser educada com eles, a aceitá-los. Esse pensamento a fez reagir.
—Não! —gritou, girando-se para lhe atacar. —Não voltarei contigo, não o farei!
Agarrando-a pelo cabelo, sacudiu-a violentamente. Loretta ficou paralisada pela dor. A simples brutalidade deste ato fez que Loretta o olhasse sem poder acreditar-lhe Ele a olhou com um brilho nos olhos.
Com uma voz cheia de veneno, disse.
—Este comanche parará e te dará uma surra se lhe der problemas, entendido?
—Não o fará!
—Sou um comanche, sim? Um mo-cho-rook, um cruel. Disto é do que escapava? De uma fera, de um homem que te pega? Ou que possivelmente entregará a seus amigos? Isso estaria bem, né? Se pudesse encontrar a um homem tão estúpido como para que ficasse contigo!
Soltou-lhe o cabelo e lhe rodeou a cintura com o braço. Guardou silêncio, fazendo avançar ao cavalo a um trote desacompasado. A mão que lhe sujeitava o quadril era pesado, a pinça de seus dedos incômoda, mas não cruel. Loretta se apoiou nele e fechou os olhos.
—por que não pode entender que todo se acabou entre nós, que não posso ficar nesse povoado contigo? —disse. —Inclusive embora você não tenha nada que ver com a morte de meus pais, a gente do povo sim. Não posso esquecer isso! E não posso perdoá-lo!
—A este comanche não importa nada a canção de seu coração —protestou com uma voz ainda venenosa— Me pertence, para sempre! Coloquei-te minha semente. Um comanche não deixa a sua mulher.
Estas foram as últimas palavras que se intercambiaram. Os quilômetros passaram rápido, as noites largas, até que Loretta se deixou vencer pelo esgotamento e caiu em um profundo sonho. Horas mais tarde despertou com o apertão da mão de Caçador no braço, que a baixava bruscamente do cavalo. Sem saber muito bem onde estava, caiu como um saco a seus pés, e depois caminhou engatinhando para tratar de livrar-se dele. Entretanto, ele atirava dela com uma mão e agarrava uma pele de búfalo e uma estaca com a outra.
Depois de uns segundos, deixou-a cair por seu próprio peso, estendeu a pele no chão e agarrou uma rocha próxima. Loretta o viu à luz da lua enquanto começava a cravar uma a una as estacas. Sabia que tentava atá-la a elas com as pernas e os braços abertos, mas uma parte de seu ser se negava a acreditá-lo. Só estava tentando assustá-la, intimidá-la para que obedecesse.
—por que acampamos tão longe dos outros? —perguntou, tratando de manter um tom acalmado. Havia um fogo aceso a certa distância, e podia ouvir o som mortiço dos outros falando.
—Seu Ayemee não deve ver —respondeu com um tom de voz monótono.
—Ver o que? —perguntou ela tremendo.
—Os jogos aos que vamos jogar —disse ele em voz baixa.
O levantou os olhos da estaca que estava pondo no chão. Loretta apreciou o brilho assassino em seus olhos e saiu correndo. antes de poder dar dois passos, ele estava sobre ela. Agarrando-a pela boneca, atirou dela para a pele. Depois, com uma rapidez inesperada, obrigou-a a tombar-se de barriga para cima e ficou escarranchado sobre ela, lhe imobilizando as coxas com o peso de seu corpo enquanto lhe assegurava os braços. Com a mesma rapidez lhe atou os pés.
Loretta o olhou fixamente, como se assim pudesse convencer-se de que solo queria assustá-la. escapou-se, e agora ele queria lhe ensinar a lição. Assim que reivindicasse o que era dele, voltaria a ser o mesmo Caçador amável e doce que ela conhecia.
Seguiu dizendo-se isto até que viu que ele ficava em cuclillas junto a ela e lhe rompia a blusa para deixar ao descoberto seus peitos. Começou a ofegar ao notar seus dedos na ponta de seus mamilos. A luz da lua jogava com seu rosto, e deixava ao descoberto a ira que guardava em seu coração.
—Ah, sim, assim deve ser, né? Uma besta e sua mulher? —O rosto lhe contraiu em uma careta de desgosto ao retorcer a sensível pele de seus peitos entre o dedo indicador e o polegar. O estômago da Loretta tremeu ao receber as sensações. —Caçador, que viola e tortura? Esse sou eu. —Abandonando os peitos, tornou-se para trás e lhe rasgou a saia. —Isto está muito bem, Olhos Azuis. O animal que há dentro de mim te quer atada.
Com isto, tendeu-se junto a ela. Inclusive em sua confusão, pôde ouvir ao longe as palavras que ia dizendo. Olhou-o aos olhos e soube o muito que lhe tinha doído sua fuga.
Apoiando-se em um cotovelo, pô-lhe a mão no abdômen e baixou a cabeça para lhe roçar a têmpora com os lábios. Loretta sentiu uma convulsão no ventre com as primeiras carícias. Uns dedos percorreram o caminho para seus peitos, lhe fazendo cócegas e despertando um mundo cheio de sensações.
—Serei cruel, sim? E te farei chorar rios de lágrimas enquanto jogo contigo. Será bom, muito bom.
Tocou-lhe a boca com os lábios, jogando com ela. Agarrou-lhe o peito com o oco da mão. A silhueta de seu corpo se desenhava à luz da lua como uma sombra negra, os ombros como uma parede ameaçadora e seu cabelo comprido, como uma cortina de seda.
Sonho ou pesadelo?
Ele seguiu sussurrando, lhe dizendo coisas terríveis, cruéis, tentando-a com o que ainda estava por vir, materializando seus piores sonhos. Mas suas carícias eram as de um amante, tão doces e mágicas, tão pacientes e cuidadosas, como a última vez que tinham estado juntos. Sabia que a tinha pacote só para lhe demonstrar que por muito adversas que fossem as circunstâncias, por muito zangado que estivesse, nunca poderia lhe fazer danifico.
—Ah, Caçador, sinto-o —disse sem poder reprimir um soluço. —Não era minha intenção te fazer tanto dano. Nunca quis te fazer danifico.
—Parte-me o coração e crie que não vai doer me? —Deu-lhe uma dentada no lóbulo da orelha e brincou com ela um momento, fazendo que lhe tremesse todo o corpo. —Cospe em tudo o que sou e crie que não vai doer me? Abandona-me, desonra-me, e crie que não vai doer me?
A rouca emoção que percebeu em sua voz a fez chorar.
—Nunca foi minha intenção te desonrar...
Loretta desejava lhe abraçar, mas ao tentar mover os braços recordou que os tinha atados. O reclamou seus lábios, quentes e exigentes, embora também extrañamente carinhosos.
O que seguiu foi muito formoso. Incapaz de permanecer passiva, Loretta lhe respondeu com uma espiral de paixão tão assombrosa como inquietante. Houve um momento no que Caçador cortou as tiras de couro que atavam suas bonecas e seus tornozelos, mas ela nem sequer se deu conta. O era como um fogo dentro dela, como brasas que piscam convertendo-se em chamas baixas, que crescem rapidamente e se convertem em um inferno. Não houve medo. Nem dor. Só uma união doce e amarga, uma união que ela nunca tivesse podido imaginar como possível.
Depois Caçador a rodeou docemente com os braços e lhe recordou as promessas que lhe tinha feito, a de que nunca experimentaria brutalidade ou vergonha entre seus braços, a não ser amor.
—Como não pode ouvir a canção que meu coração canta, Olhos Azuis?
Loretta sabia que estava refiriéndose a algo muito maior que ao puro ato de fazer o amor. O pranto se amontoou em seu peito, depois lhe subiu à garganta e ganhou força até que não pôde contê-lo mais e escapou, seco e tosco.
—Ah, Caçador, tem que entender. Só pensa em ti e em seus direitos. Mas o que passa com meus?
Caçador lhe pôs a cabeça sobre seu ombro e a rodeou com os braços. Ela deixou que suas lágrimas cálidas molhassem a pele dele e escorregassem, frite e úmidas por seu braço. Com os olhos fechados, Caçador rememorou cada uma de suas palavras, os sussurros como tortura e as perguntas sem respostas. Só pensava em si mesmo? Sim. Porque não fazê-lo significaria perdê-la. Muito depois de que sua esposa caísse em um sonho profundo, ele permaneceu acordado, com a vista fixa na escuridão, em busca de uma solução.
Uma solução que não existia...
CAPÍTULO 24
Os dias seguintes cavalgaram em silêncio. Só Amy e Antílope Veloz pareciam cômodos com a situação. Pelas noites, Caçador acampava longe dos outros. Agora, quando começava a pôr as estacas, Loretta não tinha medo, a não ser uma ansiedade por experimentar o que vinha a seguir. odiava-se por isso, mas só até que Caçador lhe roubava o sentido. Depois, esquecia-se de tudo exceto de estar entre seus braços.
Passado o momento de prazer, Loretta não sentia a não ser uma profunda resignação. Parecia-lhe incrível poder responder de forma tão irracional às carícias de Caçador. O a amava, mas em sua opinião se tratava de um amor superficial e centrado nele mesmo. Tentava fazê-la feliz, mas só quando seus desejos não entravam em contradição com os dele. Se voltava a escapar, ele voltaria a ir em sua busca.
Uma dessas noites, Loretta ficou a lhe observar o perfil, recordando aquela noite em que lhe tinha entregue o pente de prender cabelo, no feliz que estava por ter podido lhe dar um pouco tão formoso. Uma prova de amor? Cada vez que pensava nisso, lhe dava vontade de vomitar. Não havia futuro para eles. Não nesse povoado, e ele nunca deixaria a sua gente.
Caçador se girou para ela e lhe rodeou a cintura com o braço. À luz da lua, seus olhos eram duas gotas negras.
—Olhos Azuis, tudo irá bem. Confia neste comanche.
—Como pode ser assim, Caçador?
—Eu farei que seja assim. —Roçou-lhe o lábio superior com o dedo.
Confiar. Sua voz, sua carícia suave... fundiam sua resistência, faziam-na sentir-se cálida e líquida, sem vontade. Fechou os olhos. dentro de quatro dias, talvez menos, estaria de volta no povoado de Caçador.
—Caçador, por que me ataste esta noite outra vez? Durante quanto tempo pensa seguir fazendo-o?
—Até que minha carícia fique gravada no coração.
—Ah, Caçador, já está gravada em meu coração. Quando fugi não o fiz por medo.
—Disse-me «olá, hites» com um rifle. Não voltará a ter medo. Ira, possivelmente odeio, mas não medo. —Riscou com o nódulo a linha de seu pescoço. —Fez-me uma pintura com suas lembranças. Agora, eu faço novas lembranças, para que sejam muito melhores.
Perplexa, Loretta observou seu rosto escuro. Então se deu conta de que estava falando das lembranças a respeito da morte de sua mãe, dos comanches, as estacas, esses horríveis minutos antes de sua morte. Estava deliberadamente evocando estas lembranças, para apagá-los e substitui-los por uns cheios de amor. Quando pensava em estacas agora, pensava nas sensações que lhe percorriam as costas, nos doces beijos que lhe dava à luz da lua, em seus maravilhosos braços rodeando-a.
ficou a chorar.
—Obrigado pelas novas lembranças, Caçador. São muitíssimo melhores.
Lhe aproximou a cara.
—Este comanche quer que haja mais lembranças.
Ela respirou com força.
—Não posso, não o vê? te dizer que sim é me render a tudo o que sou.
Lhe agarrou as bonecas com suas mãos de ferro.
—Por isso também é pelo que te ato. —pegou-se a seus lábios, lhe acendendo todo o corpo. —Fará a guerra amanhã?
Pergunta-a a sussurrou em seus lábios, com um fôlego quente e doce. Tocou-lhe a língua com sua língua e o coração da Loretta se elevou ao notar o cuidado que punha ao fazê-lo. Amanhã. Não parecia tão longe para lutar. Esta noite não podia evitar lhe amar... uma última vez.
«Novas lembranças que fossem muito melhores.» Caçador lhe proporcionou centenas de lembranças novas nos dias que seguiram. Para quando chegaram ao povoado, ela tinha aceito algo muito importante. Sabia que não podia ser feliz vivendo ali, e se negava a pretender que o era, mas sabia também que não podia fazer trocar de ideia a Caçador. Manteria-a a seu lado, lhe provocando guerras de sensações e lembranças, até que o passado se convertesse em uma lembrança imprecisa que só a perseguisse em contadas ocasiões.
Uma destas ocasiões teve lugar uns dias depois de sua volta. Essa noite Búfalo Vermelho e seus amigos voltaram para acampamento com um grupo de guerreiros de outra tribo. Caçador, que percebeu o perigo, dirigiu-se ao fogo central.
O rosto desfigurado de Búfalo Vermelho se contraiu ao ver caçador. Com um tom mordaz, disse.
—Devemos advertir do perigo. Um grupo de tosi tivos se uniu e exigem a volta de alguns reféns capturados nos últimos ataques.
O estou acostumado a pareceu desaparecer sob os pés de Caçador.
—Então libera os reféns.
Búfalo Vermelho baixou os olhos.
—Não podemos.
—Estão mortos? —Caçador deu um passo adiante. —Búfalo Vermelho, me diga que não tem nada que ver com isto.
Búfalo Vermelho agarrou a Caçador pelo braço. Caçador pôde ver a culpa marcada na cara de sua primo. Búfalo Vermelho tentou falar, mas não pôde e deixou cair a mão. Caçador soube então que por fim tinha começado a dar-se conta da gravidade das conseqüências que suas ações podiam conduzir.
Embora Búfalo Vermelho não lhe disse nada mais, Caçador ficou junto ao fogo, com a esperança de solicitar algo mais de informação. Tudo o que ouviu foram palavras de medo. Se as coisas estavam tão mal como os homens que acabavam de chegar pareciam acreditar, seu povo tinha um sério problema. Os granjeiros tosi tivo tinham contratado a pistoleiros do Este, de um lugar chamado Arkansas, para lutar até que os reféns brancos fossem liberados.
Quando os visitantes partiram, Búfalo Vermelho e suas hóspedes ficaram na parte de atrás do povoado.
—Caçador? —chamou Búfalo Vermelho.
Caçador se girou e esperou a que sua primo lhe alcançasse.
—O que prepara esta vez? Tem a cabeleira de sua mãe? Isso seria um bom presente.
Búfalo Vermelho ficou branco e olhou às árvores.
—cometi um grande engano. Derrama meu sangue se for seu dever, mas não me arranque de seu coração, primo.
A Caçador lhe fez um nó na garganta. Ao olhar a Búfalo Vermelho não podia ver um assassino, a não ser a um homem que tinha arriscado sua vida por ele em tantas ocasiões que os dois tinham perdido a conta.
—Arranquei-te de meu coração a noite em que minha mulher chorou sobre o presente de bodas que eu lhe dava.
As lágrimas cobriram os olhos de Búfalo Vermelho.
—Farei as pazes com ela, se me disser como.
Embora Caçador temia a resposta, precisava fazer a pergunta.
—Você matou a sua mãe e a seu pai, verdade? Não mais mentiras, Búfalo Vermelho, só a verdade.
A carne marcada de Búfalo Vermelho se contraiu à altura de suas bochechas.
—Sim, eles não eram nada para mim, Caçador! Um tosi tivo e seu cabelo amarelo. Eu não posso ver o manhã! Como podia sabê-lo!
Caçador fechou os punhos, recordando a foto da Rebecca Simpson, com uma cara tão parecida com a da Loretta.
—Fez todas essas coisas a sua mãe? Foi você? Essa não é a forma em que nossos pais caminham.
—É a forma em que muitos homens caminham. Nunca lhes tornaste a cara , Caçador. por que me volta isso ?
—Você torturou à mãe de minha esposa. Eles não.
—Crie que cavalgava sozinho?
Caçador se preparou.
—Quem mais estava ali?
—Esse é meu segredo. Já cometi muitos enganos. Não te roubarei também a seus amigos. Importa isso? Se pudéssemos voltar atrás em nossos passos, crie que voltaríamos a fazer essa incursão outra vez? Sabe que não o faríamos.
—Talvez seja assim, mas isso não troca nada. Matou à mãe de minha mulher.
—Eu matei a uma branca de cabelos de mel! Ela não era nada para mim. Hei meio doido a essa que se chama Ayemee? Podia havê-lo feito. tive muitas ocasiões para fazê-lo.
—Envenenou o coração de minha mulher contra mim! Inclusive agora quer ir-se. por que me deu esse pente de prender cabelo?
Búfalo Vermelho começou a tremer.
—Queria aceitá-la. Estava claro que você sentia um grande amor por ela. Sabia que me daria as costas se seguia te causando problemas. Quando te foste procurar à menina, tentei tratá-la com amabilidade, me fazer seu amigo e esperava que nunca chegasse a me reconhecer.
—E depois trocou de idéia? por que?
—O pente de prender cabelo! —Búfalo Vermelho levantou as mãos como se suplicasse. —Estava no fogo de Guerreiro jogando com eles. Olhei-a e lhe dediquei a melhor de meus sorrisos. E então a vi! Em cima de sua bolsa negra, luz de lua sobre a água, igual ao pente de prender cabelo que eu tinha. Soube então que um dia a poria ou a ensinaria a alguém. E quando o fizesse, alguém recordaria o pente de prender cabelo que eu tinha pego naquele ataque. Teria-te informado da verdade.
—Que tinha matado a sua mãe?
—Sim! Sabia que se isso ocorria, ela te daria as costas. Que te perderia. Esteve mau, te mentir assim, mas sabia que ela se iria se averiguava que foram os homens deste povoado os que mataram a seus pais. —Búfalo Vermelho agarrou outra vez a Caçador do braço. —Dava-te o pente de prender cabelo para que ela se fosse antes de que fosse muito tarde, antes de que a deixasse grávida. Se esqueceria dela com o tempo e me perdoaria. Minha esposa está morta. Meu filho está morto. Meus pais estão mortos. Devo perder a outro em mãos dos tosi tivo!
Caçador respirou fundo e exaltou lentamente.
—Búfalo Vermelho, quando minha mulher te dê a mão da amizade, será bem-vindo a minha loja. Enquanto isso, caminha um caminho de tristeza. É o que escolheste.
—Nunca escolhi caminhar longe de ti, nunca.
Embora necessitou de toda sua força de vontade para fazê-lo, Caçador tirou a mão de Búfalo Vermelho de seu braço.
—Caminha um novo caminho. Toma uma mulher. Não tem que estar sozinho se não querer. —Com um ligeiro movimento de cabeça, Caçador dirigiu o olhar de Búfalo Vermelho para a mulher que permanecia ao outro lado do fogo, avivando as chamas. Quando ela levantou os olhos e viu que Búfalo Vermelho a olhava, avermelhou e se sentiu tão coibida que deixou cair a lenha que levava nos braços.
—Estrela Brilhante? —sussurrou Búfalo Vermelho.
Caçador se afastou caminhando e deixou que Búfalo Vermelho interpretasse o que quisesse.
De volta à loja, mandou a Amy a procurar antílope Veloz e sentou a Loretta junto ao fogo para falar com ela. Primeiro lhe deu as más notícias que Búfalo Vermelho e os outros haviam trazido. Depois, com muito cuidado, tirou o tema de Búfalo Vermelho e seus desejos de fazer as pazes. Loretta lhe voltou a cara.
—Como te atreve sequer a me perguntar isso Como te atreve?
Caçador lhe agarrou do queixo para que o olhasse.
—Búfalo Vermelho teve uma vida muito dura, pequena. Está partido, como uma árvore convexa pelo vento. Sua mulher, seu filho, seus pais, todos morreram à mãos dos tosi tivo. Você choraste, ele chorou. As lágrimas devem acabar-se. Não há perdão em seu coração?
—Pede algo impossível —lhe tirou a mão de sua cara. —Estou aqui porque me obriga a está-lo. Estou sendo educada com sua gente porque me obriga a sê-lo. Búfalo Vermelho é outra coisa. Se se aproximar desta loja, matarei-o.
Caçador a olhou aos olhos, sem dizer nada.
A dor que viu em seus olhos indicou a Loretta o muito que o feria com estas palavras, o muito que amava a Búfalo Vermelho e que sempre o amaria, por muito mal que tivesse feito. Mas lhe perdoar? O mero pensamento lhe parecia inconcebível.
Agarrando-as mãos, Loretta se apertou com elas a cintura.
—Ama-me, Caçador? Ama-me de verdade?
—Meu amor por ti é grande.
—Então me tire daqui —lhe sussurrou com paixão. —É a única forma de que tenhamos um futuro juntos. A única forma. Por favor, pensará nisso? Se me amar, se de verdade me amar, não me torturará desta forma.
As palavras da profecia voltavam a lhe golpear. Levantou uma mão para acariciar o cabelo a Loretta, deixando-se levar pela fascinação que lhe produzia afundar-se no azul de seu olhar. Como a canção predisse, ela tinha dividido seu coração comanche. Só uns momentos antes havia lhe tornado as costas a seu amigo de toda a vida. Agora lhe pedia que voltasse as costas a sua gente.
—Olhos Azuis, não posso ir.
As lágrimas nublaram os olhos da Loretta.
—Amo-te Caçador, mas os gritos de minha mãe me chamam. Nunca me verei livre deles, não se fico aqui. Uma manhã despertará e já não estarei aqui. E me assegurarei de que esta vez não possa me encontrar nunca. —O começou a falar, mas lhe fez calar, lhe tocando os lábios com a boca. —Não. Suas ameaças vazias não me manterão aqui. Não me pegará. —Moveu a mão e a pôs em sua bochecha. —Crie que não sei já isto?
Lhe pôs a mão na nuca e a atraiu para seu peito para lhe afundar a cara no oco de seu ombro.
—Não é costume que um comanche pegue a sua mulher —pigarreou, —como tampouco é costume deixar que se vá.
Ela girou a cara para lhe tocar o pescoço com os lábios.
—Faz uma lembrança formosa comigo, Caçador —lhe sussurrou com voz rouca. —Um mais.
Apertando-a pela cintura, Caçador se tombou com ela sobre as peles. Nunca antes tinha tomado ela a iniciativa. Tremeu-lhe a mão ao percorrer suas costas. «Faz uma lembrança formosa comigo, Caçador.» Enquanto baixava a cabeça para beijá-la, perguntou-se por que estas palavras lhe tinham divulgado a despedida. «Um mais.»
Loretta despertou pouco depois do amanhecer, só em um ninho de peles. Tinha a vaga lembrança de Caçador levando a à cama depois de lhe fazer o amor por última vez. incorporou-se, cobrindo o peito com a pele de búfalo. Sua roupa a esperava cuidadosamente dobrada aos pés da cama, com os laços para fazê-las tranças. A Caçador fascinava seu cabelo loiro, e nunca lhe tinha feito o amor sem lhe desfazer primeiro as tranças. Um sorriso triste se desenhou em sua boca. Caçador, o típico índio descuidado, lhe dobrando a roupa a sua mulher tosi. equivocou-se em tantas coisas!
abraçou-se os joelhos e apoiou o queixo nelas, com o olhar perdido nas sombras, atenta aos sons do povoado. Uma mulher chamava a seu cão.
Em algum lugar, chorava um menino. Havia um aroma de carne assada que enchia o ar. «Sons familiares, aromas familiares, as vozes de seus amigos.» Quando se tinha convertido este povoado em sua casa?
Loretta fechou os olhos e procurou se desesperada algo em seu interior que lhe devolvesse sua identidade e suas lembranças. Mas a sociedade dos brancos tinha deixado de ser uma realidade para ela. Caçador se tinha convertido no eixo de seu mundo, Caçador e sua gente. Amy jazia dormida no jergón, a curta distância de onde ela estava. Loretta podia ouvir sua respiração homogênea. «Amy, tia Rachel, casa.» Poderia voltar para casa agora e recuperar as rédeas de sua vida?
A resposta não se fez esperar muito. A vida sem Caçador não seria vida. E entretanto, ver búfalo Vermelho, dia sim e dia não, resultava-lhe inconcebível.
Apartando as peles de búfalo, Loretta saiu da cama e se vestiu rapidamente. A única forma de começar o dia era ignorar a existência de Búfalo Vermelho e concentrar-se em Caçador. Havia um fogo que fazer e um café da manhã que preparar.
depois de verter água do zurrón ao lavamanos, Loretta se lavou a cara, penteou-se e se recolheu o cabelo em uma única trança que lhe caiu pelas costas.
Fora, a manhã trazia um ar fresco e carregado de umidade. Os pássaros trilavam das árvores de hibiscos próximos, criando uma cacofonia de sons. Loretta se deteve a entrada da loja e baixou o olhar. Só ficavam dois lenhos para o fogo. Teria que ir a por mais se queria manter o fogo durante um tempo.
Ajoelhando-se na chaminé, desenterrou as partes de carvão da noite anterior e colocou partes de madeira sobre ela, acrescentando palha como isca. agachou-se um pouco mais e soprou sobre o conjunto até que as partes de carvão começaram a avermelhar e prenderam na palha. Depois se levantou e colocou os lenhos sobre as parpadeantes chama.
A suas costas, ouviu um ruído metálico. deu-se a volta esperando encontrar-se com seu marido. Em vez disso se encontrou diretamente com o olhar negro de Búfalo Vermelho. Por um instante, deixou de lhe palpitar o coração. Olhou-o de frente. Lhe devolveu o olhar. Levava os braços carregados de lenha e tinha posto um lenho a seus pés. Lentamente se agachou e começou a descarregar o resto.
Ao final Loretta pôde dizer.
—Vete daqui!
—Trago-te lenha —respondeu ele em voz baixa.
Até a Loretta sabia que os guerreiros não se ofereciam para trazer lenha. Era trabalho de mulheres. Búfalo Vermelho se estava humilhando ante ela, tratando de fazer as pazes. Não lhe importava.
—Não quero sua suja lenha. Agarra-a e vete.
O seguiu com sua tarefa como se não a tivesse ouvido. A Loretta lhe amontoou a raiva na garganta. ficou de pé e caminhou para ele.
—Hei dito que vá daqui! te leve a maldita lenha contigo!
Quando ela quis chegar até ele, Búfalo Vermelho já tinha terminado de descarregar a lenha e se levantava para partir. Era ao menos uma cabeça mais baixo que Caçador, mas a seu lado, Loretta parecia uma anã. Ela se tornou atrás, atônita, perguntando-se se ele seria capaz de cheirar seu medo. O índio inclinou a cabeça em sinal de saudação e se afastou caminhando.
—Hei dito que te leve a lenha contigo! —gritou-lhe. —Não a quero! —Agarrou um lenho e o lançou. Terminou no chão e ricocheteou, lhe dando na pantorrilha. O se deteve e se girou, com a cara impassível enquanto ela atirava o resto dos lenhos em sua direção.
Sem dizer nada, começou a recolhê-los. Para desconcerto da Loretta, voltou para a chaminé e começou a colocá-los outra vez em uma ordenada pilha. Pela extremidade do olho, Loretta viu que os vizinhos começavam a congregar-se ao redor para ver o que acontecia. Começaram a lhe arder as bochechas. Não podia acreditar que Búfalo Vermelho estivesse humilhando-se dessa maneira.
—Não —disse com raiva. —Vete, Búfalo Vermelho! Vete!
Ele levantou a cabeça. As lágrimas rodavam por suas desfiguradas bochechas.
—Caçador me arrancou que seu coração.
—Me alegro! É um animal!
Búfalo Vermelho se estremeceu como se lhe tivesse dado um murro.
—Proibiu-me entrar em sua loja até que me estreite sua mão de amiga.
—Nunca! —Horrorizada, deu um passo atrás. —Alguma vez, ouviste-me?
Búfalo Vermelho se levantou lentamente, limpando-as mãos nas calças.
—É meu irmão, meu único irmão.
—Esperas que me compadeça de ti? Como te atreve sequer a te aproximar? Como te atreve...?
Lhe quebrou a voz. Deu meia volta e se meteu na loja. Sem ver a Amy, que estava sentada no jergón, Loretta se atirou na cama. Com os punhos fechados, sufocou o pranto contra as peles. O ódio a oprimia, quente, horrível e venenoso. estremeceu-se. «lhe estreitar a mão de amiga?» Jamais, não enquanto vivesse.
Caçador voltava de banhar-se no rio e viu parte da confrontação entre a Loretta e Búfalo Vermelho. Ao recordar o ultimato que Loretta lhe tinha dado a noite anterior, deu meia volta e voltou para rio, muito agitado para enfrentar-se a sua esposa antes de pensar certas coisas.
Com passo lento e contínuo, seguiu o curso do rio até estar o suficientemente longe do povoado para poder descarregar um pouco a tensão que lhe oprimia. sentou-se sob um hibisco e apoiou as costas contra o tronco prateado, com a vista perdida na água. Deixou que sua mente vagasse junto a ela, até algum lugar longínquo. A brisa era fresca e o céu tinha uma cor cinzenta com raias rosas. Inalou o aroma de erva e terra, uns aromas familiares que lhe reconfortavam. Os pássaros pareciam celebrar o novo dia sobre sua cabeça.
Desejou ter saído de caça com os outros essa manhã. O perigo, a tensão incessante de um búfalo encurralado, tivesse-lhe esclarecido mente. Tinha que tomar uma decisão sobre a Loretta, e tinha que fazê-lo logo. Uns dedos cruéis lhe espremiam o coração. Sua gente ou Loretta? Os rostos de seus pais passaram ante seus olhos. Depois lhe seguiram outros: Mirlo, Menina Pony, Tartaruga, Guerreiro, Donzela da Erva Alta e Búfalo Vermelho. Por muito que os amasse, tinha terminado por amar mais a Loretta. Quando lhe tinha ocorrido?
Havia dito uma vez a Loretta que não seria nada sem sua gente, e era certo. Daria tudo o que tivesse por estar com ela. Mesmo assim, como poderia viver sem seu povo. A profecia se cumpriu. Sem ela, não havia manhãs. Como podia um homem viver sem manhãs?
Suspirou e fechou os olhos. Do mesmo momento em que ela tinha saído da casa de madeira, o caminho que lhes esperava tinha estado marcado, mas ele tinha sido muito cego para vê-lo. Uma mulher tosi e um comanche com uns passados gravados em sangue e lágrimas, tinham poucas possibilidades de poder viver felizmente entre qualquer das duas raças. Para ser um, deviam caminhar sozinhos, longe de sua gente.
Mas onde? Caçador não tinha as respostas. Ao oeste, como vaticinava a profecia? Este pensamento lhe assustava. Nas grandes montanhas? Ele se tinha criado nos espaços abertos, onde se podia ver o manhã, com o sopro do vento do norte. O que caçaria? E como? Não saberia que raízes nem que frutos secos agarrar. Não saberia quais são as novelo boas para curar, nem as que são más. atreveria-se a levar a uma mulher a uma terra desconhecida, sem saber se seria capaz de alimentá-la, de cuidar dela, de protegê-la? E se tinham um filho? «O inverno, o tempo no que os meninos choram.» Como poderia manter-se erguido como um homem se deixava morrer de fome a sua família?
Caçador abriu os olhos e se incorporou, passando-os dedos pelo cabelo úmido. Ao olhar ao céu, procurou o deus da Loretta, a esse Pai Todo-poderoso a quem ela agradecia a comida. Ao princípio lhe tinham incomodado suas preces. Seu deus não lhe trazia a comida. Era seu marido o que o fazia. Loretta lhe tinha explicado que seu deus guiava também a ele para que pudesse caçar com êxito.
Estava seu deus ali no céu como ela acreditava? Ouvia de verdade os sussurros dos homens, seus pensamentos? Caçador podia ver seus próprios deuses, à Mãe Terra, à Mãe Lua, ao Pai Sol, ao vento que soprava nas quatro direções. Era fácil acreditar no que estava à vista. por que o deus da Loretta se escondia? Tão feio era? escondia-se só para os comanches? Loretta dizia que ele era o pai de todos, incluídos os índios.
Caçador se sentiu em paz. Com tantos deuses, os sua e os dela, estava claro que estariam bem protegidos. Com o corpo depravado, rendeu-se ao destino. Os deuses os guiariam. O deus da Loretta guiaria seus passos para caçar quando os seus lhe falhassem. Juntos, Loretta e ele encontrariam um novo lugar onde os comanches e os tosi tivo pudessem viver como um, um lugar onde Caçador pudesse cantar as canções de seus antepassados e mantê-los vivos.
Caçador se levantou e encaminhou seus passos de volta ao povoado, com a decisão tomada e o coração partido para dar-se conta de que a profecia havia predito este momento muito tempo atrás.
O estalo de uma arma e um guincho fez levantar a Loretta da cama de um salto. Girando-se, cravou horrorizada os olhos na entrada da porta, desconcertada pelo tumulto de ruído, gritos, gente correndo, disparos e vozes de homens brancos. Um ataque! O medo a surpreendeu de tal modo que houve um instante em que suas pernas não lhe responderam. Então viu o camastro vazio da Amy. meu deus!
moveu-se para a porta, com a cabeça lhe dizendo que se desse pressa. Entretanto, seus movimentos eram desesperadamente lentos. Correr, correr como pudesse, passar entre os gritos e o fedor a mortos e encontrar a Caçador e a Amy. Abriu a cortinilla e saiu ao exterior, percorrendo com a vista uma e outra loja, incapaz de processar o que via. Homens brancos, fumaça, cavalos à carreira, sangue!
—Caçador! Amy!
balançou-se para diante. Uma mulher passou por seu lado correndo. Gritava o nome de seu filho e golpeou a Loretta até lhe fazer perder o equilíbrio.
—Amy! Caçador! Hah-ich-k cin, onde estão?
A voz da Loretta se perdeu em uma confusão de ruído. Tropeçou com algo e olhou ao chão. Um menino pequeno jazia com as pernas abertas a seus pés, o peito banhado de vermelho, os olhos marrons fixos no céu, preparado para morrer.
—Ai, meu deus!
Tropeçando, Loretta se agarrou a garganta, incapaz de apartar os olhos do moço. Quatro anos, talvez menos, abatido pela bala de um homem branco. estremeceu-se. Olhasse onde olhasse via morte, e lhe custava acreditá-lo. Os brancos não faziam coisas assim. Não podiam!
—Amy, onde está? Hahi-ch-k cin?
Loretta correu pelo caminho que separava as lojas. Um cavalo carregou contra ela, o brilho do metal em alto. Levantou um braço e se apartou, convencida de que o sabre ia partir a em dois. Ao ver que a folha não chegava, baixou o braço. O homem, mais sujo que moreno, tinha o cabelo comprido e gordurento. Levava botas altas, cobertas de pó e postas por fora de umas calças moradas brilhantes. De uma das botas me sobressaía o punho de uma faca. Do cinturão lhe caíam dois grandes revólveres. Um valentão da fronteira? Loretta tinha ouvido histórias sobre eles, mas se este era um deles, estava bastante longe de sua casa. Era mais do tipo de escória branca que podia jogar raízes em qualquer sítio. Chamaram-lhe a atenção suas magras e cruéis facções. O mundo a seu redor girou como em um caleidoscopio de cor.
—Uma mulher branca!
Loretta o olhou aos olhos, conmocionada pelo absurdo da situação. deu-se meia volta e correu entre o tumulto de corpos amontoados, homens, mulheres, meninos... todos correndo para salvar a vida. Havia tosi tivos por todos lados, o ruído de suas armas era ensurdecedor. diante da Loretta, uma jovem a Índia corria em ziguezague aterrorizada, tratando de escapar do cavaleiro que a perseguia com o sabre em alto. À costas levava um menino sujeito com um lenço. O valentão blandió a espada em um movimento mortal, e a mulher caiu de cara ao chão. O homem deteve o cavalo e o fez cavalgar em um círculo ao redor de seu corpo, levantando a folha ensangüentada para utilizá-la na seguinte vítima. Loretta gritou e gritou.
—Não! Ao menino não! meu deus, não!
Sentido saudades pela voz, o homem girou a cabeça e ficou absorto ao ver o cabelo da Loretta. A julgar por sua expressão, ficou estupefato de ver uma mulher branca. Duvidou um momento. O suficiente para que Loretta se lançasse sobre o menino, rezando entre soluços. O homem levantou o sabre e ficou olhando à mulher que desatava o lenço e agarrava ao menino em braços. O menino agitou seus pequenos punhos ao ar. Loretta o apertou contra seu peito e saiu dali correndo.
«lhe esconda.» Este pensamento lhe sobreveio como uma letanía. Olhou entre as lojas e depois se dirigiu ao bosque. Os arbustos lhe pegaram na cara. Passou por eles protegendo ao menino com os braços. Ao chegar a uma árvore cansada, agachou-se no oco que havia no chão detrás dele. assegurou-se depois de que ninguém os tinha seguido. Pôs ao menino entre as folhas, lhe cobrindo com elas e rezando para que seus gritos não guiassem aos brancos até ali.
Não havia tempo de pensar nada mais. Conduzida pelo desespero, Loretta correu de volta ao povoado, enjoada ao ver tanto horror a seu redor enquanto procurava a Amy e a Caçador. Por todos lados havia corpos. Bordeó um tipi e se encaminhou para a loja da mãe de Caçador, com a esperança de que Amy tivesse estado ali quando o ataque começou. Enquanto corria pelo claro central viu muitos Cavalos, o pai de Caçador, que corria no meio do barulho para agarrar a uma menina que permanecia paralisada pelo terror, de pé, chamando a seus pais a gritos.
Justo no momento no que Muitos Cavalos agarrava à menina, ouviu-se o disparo certeiro de um rifle. Uma mancha vermelha cobriu o peito do homem. cambaleou-se, levando a mão à ferida e olhando com olhos incrédulos o sangue que caía entre seus dedos. Depois se desabou no chão, com um braço levantado para a menina, que tinha começado a dar patadas ao chão, frenética. Seu salvador estava morto e seu assassino voltava a atacar, esta vez contra ela.
Loretta se lançou em uma carreira mortal para salvar a uma menina indefesa. Sua mente tinha deixado de assimilar o que ocorria. Isto não podia ser real. Nada disto podia sê-lo. Caçador, onde estava Caçador? Loretta chegou até a menina e a agarrou em braços.
Era uma matança. Intumescida, incapaz de pensar, Loretta apertou à menina que chorava contra seu peito, percorrendo com a vista o lugar, tratando de localizar a Caçador entre os corpos, a Amy, a Donzela da Erva Alta e a seus filhos. Ouviu um leve gemido e se deu conta de que o som saía de sua própria garganta.
A Que Treme jazia ante sua loja, com uma colher de madeira na mão, os olhos abertos sem ver. Homem Velho, com um tiro nas costas. Porco, que corria para a Loretta, com a expressão desencaixada e o cabelo comprido ao vento.
—Toniets! —Rugiu enquanto estirava o braço para ela, a voz quase imperceptível entre o estrondo das balas. —Toniets! Namiso!
Corre, rápido! Agora! As palavras chegavam ao cérebro da Loretta e ficavam ali congeladas.
—Muitos Cavalos! Porco, não podemos lhe deixar!
—Ein habbe wen-ich-ket! —rugiu. —Buscas a morte! Toniets, corre! Nah-ich-k, ouve-me?
Tinha que encontrar a Amy e Caçador.
—Porco, onde está Caçador? Está Amy com ele? Não posso encontrá-los! Não posso encontrá-los!
—Às árvores! Ela correu às árvores! —Porco estirou um braço na direção em que Amy tinha deslocado. —Vê! Namiso, mulher! Caçador não está aqui!
Com a menina ainda nos braços, Loretta saiu disparada. Toniets, corre rápido! Namiso, agora! Os dois idiomas dançavam em sua cabeça, como um zumbido, mesclando-se. Já não sabia quem era. Só sabia que devia fugir dos horríveis tossi tivo que queriam matá-la e matar à menina que levava em braços.
antes de chegar às árvores, Loretta se encontrou com a Amy. Tremia e era como se os olhos fossem sair se o das conchas.
—Loretta, onde está Caçador? Onde está Caçador?
Dando graças ao céu, Loretta agarrou a Amy do braço e atirou dela para que ficassem a coberto.
— Não sei! Não está aqui, não está aqui!
Ao chegar às árvores, Loretta procurou o tronco no que tinha escondido ao recém-nascido. Ao vê-lo, empurrou a Amy para diante, sem fazer caso dos ramos que lhe arranhavam a cara e o cabelo. Amy saltou o tronco. Aliviada para ouvir que o menino seguia chorando sob a folhagem, Loretta se escondeu também, com a pequena chorando em seus braços. Das árvores podia ver outros menos afortunados que corriam para a morte. Seus gritos se elevavam ao céu, agudos e estremecedores, e depois eram eclipsados pelo silêncio. Muitos Cavalos. A Loretta lhe encolheu o coração.
—Loretta! O menino! Corre na direção equivocada!
Loretta se tornou para diante para ver melhor. além das árvores, um menino corria cegado pelo medo, primeiro em uma direção e depois em outra. Um cavaleiro saiu cavalgando desde umas lojas próximas. Em qualquer momento se daria conta da presença do menino e o mataria. Loretta ficou tensa. lhe dando a Amy a menina pequena, saltou o tronco e correu escondida entre a maleza. Ao chegar ao claro, agarrou ao pequeno de um braço e o conduziu até os arbustos. O se agarrou ao pescoço da Loretta, chorando e sem parar de tremer.
—Toquet, mah-Tao-eu —cantarolou. —Tudo está bem, pequeno. K taikay, não chore. Tranqüilo, toquet.
As palavras fizeram sua magia. Loretta fechou os olhos, balançando ao menino, recordando os braços quentes e amorosos de Caçador ao redor de seu corpo. Então, o som ensurdecedor de uns cascos a suas costas fez voltar para a realidade. ficou olhando ao cavaleiro que tinha saído fazia uns momentos de entre as lojas. Sujeitava a seu cavalo e se colocava o rifle no ombro. Loretta se esforçou por ver entre a maleza. Um índio corria para as árvores. Búfalo Vermelho! Por um instante Loretta se alegrou. merecia morrer, e que melhor forma de morrer que fazê-lo à mãos de um tosi tivo assassino? Então viu o rosto de Caçador em sua mente, os olhos carregados de tristeza por haver-se negado a perdoar a sua primo.
Pondo ao menino a um lado, Loretta ficou em pé de um salto. Não havia tempo para pensar, tinha que atuar. Saiu das árvores e correu para o homem que montava no cavalo, com o pulso a cem por hora. Caçador. Tinha perdido a sua mulher e a seu filho, a seu pai, e Deus sabe a quanta gente mais. Não tinha sofrido o bastante? O amor por lhe fez correr mais rápido, fortaleceu-lhe as pernas para chegar antes. Viu que o homem branco ficava quieto, apontando, preparado para apertar o gatilho. Com um chiado, cobriu os últimos metros de um salto e se lançou com todo o peso de seu corpo contra o cavalo. O animal se cambaleou e se moveu a um lado, fazendo que seu cavaleiro perdesse o branco. O rifle explorou inofensivo ao ar.
Surpreso pelo disparo, Búfalo Vermelho se girou e viu o homem branco que tratava de manter-se no cavalo. Viu também à mulher de cabelo dourado que lhe pegava nas coxas. O rifle hesitante do homem branco desvelava o resto da história. Por um momento Búfalo Vermelho ficou parecido ao chão, com o olhar incrédulo posto na Loretta.
Ao lhe ver duvidar, Loretta gritou.
—Corre, maldito imbecil! Corre!
Búfalo Vermelho saiu disparado para ficar a coberto. Loretta se afastou do cavalo a tropicões. O homem branco, um gigante ruivo de calças jeans e camisa de flanela vermelha, deu a volta a suas arreios e cavalgou para ela. Loretta se girou e tratou de lhe esquivar. O a agarrou do cabelo, atirando para trás dela. Pôs a um lado o rifle e se inclinou, levantando-a e pondo-a sobre seus joelhos. A cavanhaque da cadeira lhe cravou no estômago e o aroma imundo de suas calças lhe cravou na garganta.
—Vá, vá, o que temos aqui? Uma rubita a Índia?
—Deixa que vá!
—Era seu homem esse ao que quase disparo? Por isso lhe salvaste a vida?
Loretta lhe deu um golpe na coxa.
—Deixa que vá!
Ele riu e lhe agarrou a blusa com o punho, lhe pressionando no espinho dorsal com os nódulos da mão. Outro homem chegou cavalgando até ele.
—Olhe, Chet, olhe o que temos aqui!
Loretta viu os cascos de um alazão em meio de uma nuvem de pó. Ao estar de barriga para baixo, não podia ver a cara do outro valentão, só as botas e as calças cheias de sangue. Depois ouviu o grito da Amy pronunciando seu nome.
—Deixa que se vá! —gritou Amy. —Deixa que se vá agora mesmo!
—Amy, não! Volta! Volta!
Loretta sentiu que seu captor açulava o cavalo. Com o pescoço torcido, tratou de ver a Amy. Só pôde vê-la muito de soslaio. Corria para as árvores e um cavalo se precipitava sobre ela desde atrás. Depois, tudo o que Loretta viu foi o chão cheio de corpos girando a seu redor. «Sangue e couro. Cabelos negros como o ébano que brilhavam azulados à luz do sol. Recém-nascidos, meninos, mulheres.» Não se tinham parado ante ninguém. Loretta ouviu o grito de alguém e se deu conta de que era o seu. agarrou-se à perna de seu captor e tratou de incorporar-se, lhe atacando com as únicas armas que tinha: os punhos.
—Puta ingrata!
tornou-se para trás na cadeira e golpeou a Loretta na mandíbula. A cabeça lhe deu voltas e depois, tudo se fez negro.
Preocupado ainda pela decisão que tinha tirado de deixar a seu povo, Caçador caminhava devagar, com os sentidos postos nos sons e os aromas familiares do mundo que lhe rodeava. De repente, ouviu-se um estalo longínquo que sossegou o murmúrio da água. deteve-se para ouvir melhor, sem saber muito bem ao princípio de onde provinha o ruído. «Disparos de rifles. Provêm do povoado.» Sobreveio-lhe o pânico. Um ataque!
Culpando-se por haver-se afastado tanto, correu pelo bosque tão rápido como pôde, roçando apenas o chão com os talões e procurando em cada pernada uma baforada de ar para seus pulmões. A maioria dos guerreiros estavam de caçada. Lembranças de outros ataques alagaram sua mente. Loretta! Correu mais rápido. Amy! Não podia lhe ocorrer outra vez. Não podia. Esta vez chegaria a tempo. Tinha que fazê-lo.
Caçador fez um giro fechado e entrou na maleza, saltando troncos e com o olhar fixo nos paus das lojas que se elevavam ao céu. Os disparos tinham cessado. Ouviu o estrondo dos cascos na distância.
Já mais perto do povoado, seus passos se fizeram mais lentos.
Tudo tinha acabado. Caçador se deteve, incapaz de assimilar o que via. Os corpos cobriam o chão como se fossem partes de madeira imprestável. Viu as lojas queimadas. O aroma de couro e carne lhe golpeava o nariz. Em algum lugar se ouvia o pranto de um recém-nascido. O vento lhe trouxe o latido frenético de um cão. Salvo isto, o resto era silêncio, um silêncio amargo e mortal.
—Lohrhettah! —Caçador passou sobre o corpo de um menino, sem ser capaz de registrar o que via, horrorizado pelo silêncio. —Lohrhettah! Hah-ich-k ein? me diga palavras!
Uma mulher jazia espatarrada a uns quantos metros dele, uma moça e esbelta, com suas tranças negras envoltas em pele de arminho. Caçador gritou de raiva. Correu para ela e ficou de joelhos a seu lado. Ao agarrá-la em braços, o sangue lhe empapou o estômago e a parte baixa dos braços.
—Donzela! Donzela!
Caçador lhe agarrou o queixo e lhe moveu a cara para ele. Seus formosos olhos lhe olharam em silêncio, sem lhe ver.
CAPÍTULO 25
Não havia um só lugar do corpo da Loretta que não lhe doesse. Seu captor seguia levando-a como um fardo sobre a cadeira, e a barriga a deixava já arroxeada, como se lhe tivessem estado dando murros. O sangue lhe tinha baixado à cabeça e lhe pulsava a têmpora. As horas passaram. Loretta seguia de barriga para baixo, com a mão de um estranho sobre suas nádegas. Amy estava perto, de vez em quando a ouvia chorar. Desejou poder estar com ela, consolá-la, assegurar-se de que estava bem.
Caçador! Se estava vivo, Loretta sabia que viria a procurá-la. E tinha que estar vivo. Não poderia suportá-lo se não era assim. A vida seria inconcebível. Rezou como nunca tinha rezado antes em sua vida, sem cessar, com todo seu coração... por um homem ao que havia uma vez odiado.
Implorou a Deus para que lhe desse outra oportunidade, a oportunidade de lhe dizer que ficaria junto a ele e o amaria, sempre sem horizonte. Se tinha morrido no ataque sem saber isto, uma parte da Loretta morreria também.
Quando por fim o grupo de cavaleiros se deteve para passar a noite, Loretta pendurava do cavalo como se fora parte da bagagem. Caiu ao chão como um montão de carne sem vida, os braços e as pernas intumescidos e imprestáveis. Tinha areia nos dentes. Entrecerró os olhos para esquadrinhar o crepúsculo. Caçador. Ai, Deus, por que não vinha? Sabia que ele era capaz de alcançar a estes homens. Deveria estar já ali, a menos que estivesse morto.
— Levanta, muñequita!
Loretta moveu a cabeça para ver o que a rodeava. Percorreu com o olhar as altas botas cheias de pó, as calças cheias de sangue, a barriga branda e o largo peito, detendo-se na cara de barba ruiva. Uns olhos verdes penetraram a penumbra para olhá-la, com uma expressão dura e ameaçadora. Ao ver que não se movia, agachou-se junto a ela e lhe agarrou o queixo com a mão, lhe fechando os dedos de uma forma cruel e dolorosa. Loretta retrocedeu duas semanas atrás no tempo, quando Caçador a tinha pego dessa maneira, com uma determinação firme mas indolor. Então também tinha tido medo, mas não da mesma forma. Este homem usava sua força para intimidar, e seus olhos brilhavam cheios de violência. Estava a só um suspiro de ser violada.
—É uma beleza, né? —murmurou com voz rouca. —Arrumado a que esse teu hombretón virá quente para te buscar. Isso se não estar morto.
Seu fedor a homem pegou ao nariz. Odiava a expressão comtemplativa de seu rosto. Se admitia que estava casada com um comanche, consideraria-a perdida e se aproveitaria dela. Depois seus homens fariam o mesmo com a Amy. Lhe fez um nó no estômago só de pensá-lo. Ela era uma mulher adulta, casada com um homem maravilhoso que lhe tinha dado dúzias de formosas lembranças. Por muito que lhe fizessem estes animais, ela sobreviveria. Mas Amy talvez não.
—Não tenho a ninguém que venha a me buscar, assim não tem do que preocupar-se —respondeu com voz inexpressiva. —Felizmente, você e seus homens chegaram a tempo.
O ficou observando as roupas índias que levava.
—Memore, preciosidade, o que ocorre? Tem medo de que me volte muito carinhoso se descobrir que estiveste dando prazer aos comanches?
Tratou de manter a calma e respondeu.
—É um homem preparado. Ouvi-lhes falar com ti e a seus homens. Lhes pagou para que resgatem a cativos, não para que abusem deles. Toca a uma de nós e será o engano mais grave de sua vida. Não estivemos dando prazer a ninguém. E se nos desgraçam, garanto-te que lhes pendurarão por isso.
Era um osso duro de roer. Percorreu com os dedos a tira de pele que lhe rodeava o pescoço e tirou o medalhão de Caçador de debaixo da blusa. Estudou-o com atenção.
—me parece que te deita com um chefe, carinho. —Sorriu e voltou a lhe colocar o medalhão debaixo da blusa, sem lhe tirar os olhos de cima. A Loretta lhe pôs a carne de galinha ao sentir o roce de seus nódulos. —Um comanche não leva o signo do lobo a menos que seja alguém importante. O lobo é sagrado para eles, é seu irmão. Nenhuma mulher leva um medalhão como este a menos que seu homem a tenha marcado com ele.
—Nenhum sujo índio me pôs as mãos em cima —protestou Loretta. As palavras lhe arderam na garganta, lhe fazendo sentir-se desleal com Caçador. O que aconteceria estava aí fora escondido, escutando-a?. —Um dos guerreiros me pôs o medalhão antes de ir-se de caçada. Como parece que evita que os outros me toquem ou a minha prima pequena, sigo levando-o.
Ele sorriu e cravou os talões.
—De onde é?
—De uma granja ao outro lado do Braços.
—Perto do forte Belknap?
—A umas poucas horas a cavalo. —Loretta se incorporou e olhou por cima do homem, rezando para que Amy estivesse bem. —É ali onde ides levar nos?
—Isso acredito. A menos que algo te passe no caminho. Isso seria uma pena, não crie? Mas claro, as mulheres mortas não contam histórias.
—Nem tampouco dão recompensas por elas. —Loretta falou com uma valentia que estava longe de sentir. —Não acredito que seus homens apreciassem fazer tudo isto sem receber nada em troca, não crie? O certo é que se poderiam pôr muito irascíveis por isso.
Ele se molhou o lábio superior, chupando-a barba com a ponta da língua enquanto a olhava de cima abaixo. Loretta esperava que Caçador pudesse vir logo. Os homens como este não tinham escrúpulos, nenhum sozinho.
Como se tivesse cansado em um poço de tristeza, Caçador se deslizou até o bosque, seguindo os sons que provinham dali. Sentiu um calafrio. depois de escutar a sua mãe e a Guerreiro todas estas horas, a canção de luto de Búfalo Vermelho não deveria lhe haver incomodado, mas o fez. Não só a dor, era sobre tudo a agonia. Caçador chegou até um claro de lua, com o coração encolhido ao escutar os persistentes lamentos.
Encontrou a Búfalo Vermelho ajoelhado junto ao rio, com a cabeça queda, dando-se murros no peito. Caçador se aproximou dele lentamente, o pulso lhe pulsando nas têmporas, irregular e ensurdecedor. Nunca tinha visto búfalo Vermelho dessa maneira e não estava seguro de ter a força necessária para lhe consolar. Ele também estava de luto. Quando a realidade lhe alcançou, quando se permitiu pensar naqueles que tinha perdido, a dor tinha estado a ponto de lhe partir em dois.
Ficando de joelhos, Caçador pôs uma mão nas costas convulsa de sua primo.
—Búfalo Vermelho, cavalgará comigo?
Búfalo Vermelho afogou um soluço.
—Se buscas vingança, Caçador, começa comigo! É minha culpa, tudo é minha culpa. Seu pai, Donzela da Erva Alta, Homem Velho. —tampou-se os olhos com uma mão e afogou outro soluço. —Os meninos! morreram por minha culpa. Tratou de me acautelar, e eu não te escutei. Inclusive se levaram a sua mulher por minha culpa! Não me mereço cavalgar com os homens.
—O que quer dizer? A meu Lohrhettah a levaram porque é uma mulher tossi, não por sua culpa.
—Não! Ela saiu correndo das árvores para parar a um tosi tivo que ia disparar me. O não a tivesse visto se não tivesse sido por mim.
Esta notícia aliviou um pouco a dor que sentia em seu coração. Durante todo o dia, enquanto tratava de aceitar a dor de sua família mutilada e enterrava aos incontáveis mortos, as dúvidas lhe tinham atormentado. Não pôde evitar perguntar-se se ela se foi por vontade própria com os assassinos de seus pais.
Caçador abriu os braços a Búfalo Vermelho e lhe atraiu para si.
—Búfalo Vermelho, deve deixar a um lado esses sentimentos. Necessito-te, primo, como nunca antes. vais falhar me?
—Não, você não me necessita. Sou como o veneno, Caçador. Todos aqueles aos que amo morrem. —Sacudiu os ombros com uma convulsão. —Todos.
—E deixará sem vingar essas mortes? Guerreiro e eu não podemos fazê-lo sem ti. Quem nos cobrirá as costas? O momento de chorar terminou. Agora devemos lutar. Por Donzela da Erva Alta. Por meu pai. Por todos os que se foram. —Caçador respirou com fúria. —Os sábios convocaram um Conselho. Não podemos permanecer passivos. Devemos jogar aos brancos daqui. Agora é o momento, enquanto estão em guerra entre eles. Seus soldados estão longe. Não têm defesa. O povo deve atacar.
Búfalo Vermelho deixou de chorar.
—Mas Caçador, isto é exatamente o que você temia que ocorresse. O que acontece o de sobreviver em paz?
—É muito tarde. —Caçador sentiu uma dor no centro do peito. —Sou um sonhador, Búfalo Vermelho. A terra é como um único osso que se disputam dois cães famintos. Só há osso para um deles. A paz não se produzirá nunca, nunca. Você tinha razão e eu fui muito cego para vê-lo.
—Mas sua mulher! Ela é uma tosi. Fala de jogar os daqui. E ela?
Caçador começou a falar, mas não podia. Voltou a respirar fundo e o tratou de novo, com a voz contraída.
—Protegerei-a o melhor que possa. Os outros acessaram a não atacar suas paredes de madeira. Há já um mensageiro que saiu para dizer às outras tribos o do ataque de hoje e nossa decisão de declarar a guerra. Também dirá a outros o de minha mulher tosi.
—Não vai procurá-la? Ela é sua esposa. Seu lugar está contigo.
—Um homem não pode possuir a uma mulher, primo. Só pode... —Caçador se deteve. Em sua mente lhe apareceu a imagem da Loretta. —...Só pode amá-la. O sangue dos tosi tivo correrá a grande altura. Obrigá-la a ficar conosco enquanto matamos a sua gente seria uma tortura. antes de que isto termine, meu nome será uma maldição em seus lábios.
Búfalo Vermelho se apartou e levantou sua desfigurada cara para o céu.
—Perdeste-a, verdade? Sinto muito, Caçador. É minha culpa.
—Não é só culpa tua. Isto teria passado de uma forma ou outra, Búfalo Vermelho. Tenho que me assegurar de que minha mulher chega segura a suas paredes de madeira. Só pedirei a uns quantos homens que cavalguem comigo. Guerreiro precisa estar aqui estes dias, com seus filhos. Eu devo seguir aos tossi tivo, me assegurar de que não fazem mal nem a ela nem a seu Ayemee. Se algo sair mau, teremos que atacar. Necessito seu braço forte. Pode deixar a um lado seu ódio por ela e cavalgar comigo?
Búfalo Vermelho se limpou as bochechas com o dorso da mão.
—Quer a seu lado? depois de tudo o que te tenho feito?
Caçador lhe deu um apertão no braço.
—Tenho medo de ir sem ti. Sua vida depende de nós.
Búfalo Vermelho ergueu os ombros.
—Então estou contigo.
Caçador assentiu.
—Uma vez mais, irmão. Sim?
Búfalo Vermelho ficou em pé.
—Sim, irmão. —Estreitou a mão de Caçador e se encontrou com seu olhar, os olhos cheios de lágrimas. —Não só vou pôr o a um lado, vou enterrar o. Se tiver que fazê-lo, morrerei por ela.
Caçador tratou de conter também as lágrimas.
—Já perdi a muitos, primo. Não faça nada boisa para provar sua lealdade para mim. Protege-a, sim. Mas te cubra também as costas.
Onde estava Caçador? Loretta se fazia esta mesma pergunta uma e outra vez... e os dias seguiam passando. Enquanto os mercenários a escoltavam a ela e a Amy cada vez mais perto do forte Belknap, a inquietação da Loretta crescia. Caçador não estava morto. Sabia que não o estava. Algumas vezes tivesse jurado que cavalgava justo detrás deles, mas quando se dava a volta, não via nada. Outras vezes sentia seu olhar e levantava os olhos convencida de que o veria, montado em seu cavalo, a só uns metros de distância. Mas nunca estava ali.
Para evitar os horríveis pesadelos do ataque que começavam a atormentar seu sonho, Loretta se mantinha acordada de noite junto à Amy, olhando ao céu estrelado. Pela Amy, Loretta tinha sabido da morte de Donzela da Erva Alta, e chorava por ela. Perder a Muitos Cavalos já tinha sido um golpe duro para ela, mas ao menos ele tinha tido uma vida larga e plena. Donzela da Erva Alta, com seus belos olhos e seu doce sorriso, não. Loretta rezou para que alcançasse o céu, para que descansasse em paz. Rezou também por Guerreiro e seus filhos, para que Deus lhes desse força para seguir sem ela.
Enquanto rezava agudizó o ouvido... precisava ouvir caçador, ouvir algum som que lhe indicasse que estava aí fora, porque sentia que estava ali. Sabia, tão segura como se Caçador o houvesse dito, que ele estava as observando. Sabia que, sempre e quando Amy e ela não sofressem nenhum machuco à mãos dos brancos, ele se manteria a curta distância, as observando sem ser visto.
A última noite sua fé por Caçador foi recompensada. Quando todo mundo se situou para dormir, um coiote uivou nas cercanias. Sua voz era como um lamento que lhe provocou um calafrio nas costas e lhe pôs a carne de galinha. ficou de lado, lhe dando as costas ao fogo para poder ver na escuridão. Uma sombra se moveu além da luz que projetava o fogo. O coiote voltou a uivar.
Sentiu uma onda de calor por todo seu corpo. Da forma mais imperceptível que pôde, levantou dois dedos da mão e fez o sinal de amizade. Se Caçador estava aí fora, veria-a e saberia a canção que cantava seu coração.
Caçador sentiu que lhe cravava uma pedra no estômago, mas apenas o notou. Convexo no chão, manteve a atenção no resplendor da fogueira e na pequena mulher que jazia junto às chamas, com a cara olhando na direção em que ele estava. Em sua mente ele estava junto a ela, lhe acariciando a bochecha com a mão, lhe sussurrando palavras de amor. Desejou agora lhe haver ensinado como reconhecer sua chamada de animal para que soubesse que estava com ela, que levava ali seis dias.
Caçador jogou atrás a cabeça e voltou a uivar, deixando que o grito se propagasse pelo ar. Quando baixou os olhos, viu que Loretta sorria. Depois levantou os dedos, com os olhos postos aonde ele estava. Tinha reconhecido sua chamada. Possivelmente lhe tinha ensinado mais do que acreditava. A dor o envolveu, uma dor aguda e tão fundo que não podia respirar. «O signo da amizade.» Em uns quantos dias seu coração não voltaria a lhe cantar uma canção de amizade nunca mais.
Dois dias mais tarde, os mercenários deixaram a Amy e a Loretta no forte Belknap. depois de receber uma carta do senhor Steinbach em que se confirmava que as garotas tinham sido devolvidas sões e salvas, os rufiões se foram ao sul a pedir sua recompensa. Ao fim, Loretta e Amy, escoltadas pelo Steinbach, foram capazes de fazer o último trecho da viagem até casa.
Quando chegaram à granja dos Masters, a viagem da Loretta e Amy se deu por concluído. Desmontaram dos cavalos que lhes tinha deixado o senhor Steinbach e se jogaram nos braços de tia Rachel que as recebeu entre abraços e beijos. Rachel, gasta e com olheiras por toda a dor passada, logo que podia tirar as mãos da Amy e se negava a deixar que a moça se afastasse de seu lado. Amy respondeu com rodeios às perguntas sobre seu vivencia no acampamento de Santos, e Rachel teve que conformar-se com que o tema se deixasse para outro momento.
Embora Loretta estava contente de ver sua tia, subiu os degraus da casa com sentimentos encontrados, sem poder deixar de olhar atrás para ver se via caçador. O viria a por ela agora. sentia-se extrañamente impaciente. Tinha vontades de voltar para casa, de voltar para povoado, a sua própria loja, de voltar a estar entre seus braços. Esta pequena granja tinha deixado de ser sua casa. Sua casa estava com Caçador, fora onde fosse, embora significasse ter que viver com os assassinos de seus pais. Talvez não o esqueceria nunca, talvez nunca o perdoaria, mas não podia viver a vida com a vista posta no passado.
Tia Rachel e tio Henry pediram ao senhor Steinbach, que tinha escoltado às garotas até a granja, que jantasse com eles. depois de atender aos cavalos, ele aceitou com alegria. Embora se sentia esgotada da viagem, Loretta se lavou e ajudou ao Rachel a servir a comida, sentindo-se desorientada na cozinha que uma vez lhe resultou familiar. As paredes e o teto baixo lhe pareciam asfixiantes. morria por um pouco de ar fresco e pela ventilação da loja de Caçador. Em noites calorosas como esta, alguém podia levantar as cortinillas laterais e desfrutar da brisa.
—Então, jovencitas, como se sente ao poder estar em casa de novo? —perguntou o senhor Steinbach.
—Suponho que está bem —respondeu solenemente Amy. —Estou bastante contente de ver minha mãe.
Rachel se girou da chaminé.
—Amelia Rose, isso soou quase lúgubre! Mostra a devida gratidão. Esses homens tão valentes arriscaram suas vidas por te resgatar, e o senhor Steinbach fez um comprido caminho para te escoltar a casa desde o Belknap.
Loretta apertou os dentes e pôs a bandeja de comida na mesa com um pouco mais de força da que pretendia.
—Apreciamos a ajuda do senhor Steinbach, tia Rachel, de verdade que sim, mas se esperas que alguma de nós dê as graças a esses mercenários, então terá que esperar aí sentada. Esses valentes homens não vieram a nos resgatar. Deveram matar aos índios. Mulheres, meninos, recém-nascidos e anciões. A maioria dos guerreiros estavam caçando e estou segura de que os mercenários sabiam. Foram ali a torturar a gente e isso é o que fizeram.
O silêncio que seguiu a suas palavras se cravou no ar como a tormenta. Henry olhou atônito a Loretta. Rachel ficou os dedos nos lábios. O senhor Steinbach parecia incômodo.
Amy, que estava sentada com os homens na mesa, conteve as lágrimas.
—Mataram a Muitos Cavalos, ao pai de Caçador, mãe. E à mulher de Guerreiro, Donzela da Erva Alta. Ela fez o traje que leva Loretta. Eram nossos amigos.
Henry se ruborizou.
—Espero que possa perdoar a minhas garotas, senhor Steinbach. passaram uma dura prova. Voltarão a ser como antes em uns dias.
Steinbach se esclareceu garganta.
—Não precisa desculpar-se. Pode que haja muitos que odeiem aos índios no Texas, mas não é meu caso. Nunca vi a um grupo mais vergonhoso que esses mercenários de Arkansas. Parecem mais valentões da fronteira que outra coisa. Quem os contratou devia estar louco.
—Os comanches se levaram a seus parentes —protestou Henry. —Viu alguma vez o que fazem a uma mulher branca quando a capturam? Se me perguntar, esses índios tiveram exatamente o que se merecem.
O senhor Steinbach levantou uma sobrancelha inquisidora.
—Viu alguma vez como alguns homens brancos tratam às índias?
—Não somos nós os que fazemos que esses índios enfaixam a suas mulheres sem ter em conta nada mais.
—Casam-nas —corrigiu Steinbach. —Os índios não vendem a suas mulheres, senhor Masters. Aceitam um presente de bodas por elas, que é completamente diferente. Os presentes se aceitam de boa vontade, e a mulher é, segundo seus costumes, tomada como uma mulher honrada. Esperam que seja tratada como tal.
—Um presente de bodas! —Henry soprou. —É o mesmo que as vender. São uns animais pagãos, todos eles o são.
Steinbach sorriu.
—Possivelmente. Mas eles dirão o mesmo de nós e a dote que uma mulher traz para o matrimônio. Como eles o vêem, pagamos para nos desfazer de nossas filhas, que é igual de pagão e não diz muito de nossas mulheres. —Tomou um pequeno sorvo de café e depois se encolheu de ombros. —É evidente que suas garotas receberam um bom trato por parte da tribo de Caçador. É uma pena que esses bons índios paguem pelo que fizeram os maus.
Amy dirigiu um olhar rebelde a seu padrasto, e depois olhou a sua mãe, que estava colocando uma panela de guisado no fogo.
—Não terminei ainda. Caçador irá procurar a esses mercenários. Já o verão. Morrerão, não ficará nenhum. E espero que Caçador se tome seu tempo para matá-los.
Rachel se benzeu com rapidez.
—Não deveria dizer algo assim, Amy. Estou segura de que não deseja um final assim para ninguém.
Amy se levantou da banqueta.
—Desejei-o também para os comancheros! Está isso mau?
—Isso é diferente.
—Não, não o é. Eles me fizeram mal, e Caçador os matou. Está dizendo que não deveria havê-lo feito?
—Não. —Ao Rachel tremeu a mão ao tirar a coberta da panela, os olhos fixos na Amy, a cara branca. —Se Santos e seus homens... —calou-se e tocou o ombro de sua filha. —Amy, carinho. O que lhe...?
—O que me fizeram não importa! O que importa é que Caçador veio e me salvou, mãe! E depois lutou por mim. E diz que isso está mau?
Rachel lhe pôs a mão no quadril.
—Não. Se Santos e seus homens... se eles... —Seus olhos se obscureceram. —Deveriam ter sido pendurados. Embora saiba que não é muito melhor que o que seu amigo Caçador os castigasse por nós.
—Mas estaria mal que castigasse a esses mercenários?
Loretta deu um passo atrás.
—Amy, carinho, será melhor que deixemos esta conversação para depois.
—Não! Quero falar disso agora!
O rosto do Rachel se ficou branco como a cal.
—A quem têm feito mal os mercenários, Amy? Eles estão de nosso lado.
—De nosso lado? Mataram a recém-nascidos, mãe! E a meninos pequenos! Está dizendo que os meninos índios não valem igual a nossos meninos?
—Não, claro que não.
—Então, o que é o que diz? —As lágrimas se amontoaram em seus olhos. —Você não estava ali! Não sabe! Mas eu sim! Vi o que esses homens fizeram. Vi suas caras enquanto o faziam. Espero que morram. Espero que morram de uma forma lenta e horrível. —Apartou a cara. —Desejaria estar de volta com Antílope Veloz, isso é o que desejaria.
Com isto, Amy saiu correndo para as escadas do mezanino. Seu pranto ressonou por toda a casa. Loretta se encontrou sendo o centro de três olhadas acusadoras. Molhando o lábio, disse:
—Amy aconteceu uma prova muito dura. Necessitaremos um tempo ainda antes de que alguma de nós esqueçamos, se é que alguma vez o fazemos.
Rachel se voltou para as escadas.
—Não, tia Rachel, não. Deixa-a só um momento. Até que se acalme um pouco.
—Mas ela me necessita, precisa falar.
—Falará contigo quando estiver lista —lhe disse com amabilidade. —Necessita tempo. Ela sabe que a quer.
—Amy fala do bastardo de Caçador como se fora um de nós —bufou Henry.
Loretta se foi para a janela e abriu o couro que fazia de cortina para olhar na penumbra. Agarrou o batente com os dedos e cravou as unhas na madeira. Com a vista posta na colina, recordou o tenro que tinha sido Caçador com a Amy quando a trouxe para o povoado depois de sua terrível experiência com Santos.
—Tio Henry, você deve também sabê-lo. Esse bastardo ao que tanto odeia, é meu marido. —A madeira se quebrou entre os dedos da Loretta. —Casei-me com ele ante um sacerdote, e o quero. Apreciaria muito que não voltasse a falar assim dele em minha presença.
detrás dela, a cozinha ficou tão em silêncio que Loretta podia ouvir os outros respirar. Rígida, esperou a reação. Não demorou muito em chegar.
—O que há dito? —gritou Henry.
—Que Caçador é meu marido. —Repetir as palavras lhe deu coragem. deu-se a volta e deixou a suas costas a janela para enfrentar-se a seu tio, que se tinha posto de pé. —Estamos casados, e nossa união foi benta pela Igreja.
—Obrigou-te?
—A diferença de alguém que eu sei, Caçador nunca me forçou a fazer nada. —encontrou-se com o olhar do Henry, consciente de que seu significado não lhe tinha passado desapercebido. —Nunca me maltratou, nunca me intimidou. Sinto-me orgulhosa de ser sua mulher. Quando vier a me buscar, irei com ele.
—Jesus bendito, tornou-se louca —sussurrou Henry. afundou-se na banqueta, como se fora uma nuvem de fumaça a que acabassem de deixar sem ar. —Que irá com ele? Com os comanches? Rachel, faz que recupere o sentido. Nunca ouvi nada igual.
Fazendo um grande esforço por não seguir a Amy escada acima, Rachel olhou a sua sobrinha aos olhos e depois suspirou.
—Suponho que se ela o amar, Henry, nada do que possa dizer vai fazer lhe trocar de idéia. Loretta? Está segura disto?
—Sim, quero-o com todo meu coração.
—Irá com ele por cima de meu cadáver —bravuconeó Henry.
—Isso pode arrumar-se —respondeu Loretta em voz baixa.
A cara do Henry se inflamou. Voltou a levantar-se da banqueta com os punhos fechados e depois recordou que tinham companhia. Mas inclusive embora o senhor Steinbach não tivesse estado ali, Loretta não tivesse tido medo.
—Significa isso que não voltarei a verte alguma vez? —perguntou Rachel com um fio de voz.
Loretta deixou a um lado a possibilidade de que poderiam ir-se viver a algum lugar remoto.
—Virei a verte. Caçador prometeu que me traria freqüentemente, e ele nunca rompe uma promessa.
—por cima de meu cadáver... —Henry se mordeu a língua, o pescoço inchado de raiva. —Se cruzamentos essa porta, Loretta Jane, nunca deixe que sua sombra volte a cruzá-la. Nenhuma mulher que se relacione com esses animais tem o direito de freqüentar às pessoas de bem.
Loretta endireitou os ombros.
—Se for assim como se sente, então esperarei a meu marido fora. —E dando-a volta, ficou a andar para a porta.
—Está muito segura de ti mesma, né? —ladrou Henry. —Digo-lhe isso a sério, jovencita. Sal por essa porta e não será bem-vinda. E se ele não vem?
—Virá.
Loretta abriu a porta, saiu ao alpendre e fechou a porta detrás dela. sentou-se a esperar com as costas apoiada no poço.
Uma hora depois, tia Rachel lhe trouxe uma terrina com guisado. Loretta o aceitou tratando de não mostrar sua inquietação. Caçador deveria ter tornado já.
—Loretta Jane, se quer voltar a entrar, Henry diz que pode. Tudo o que tem que fazer é te desculpar.
Loretta voltou a olhar em direção à colina. Caçador viria.
—Obrigado, tia Rachel, mas não. Já tenho feito minha eleição. Além disso, ele seguirá dizendo coisas de Caçador e prefiro estar aqui fora antes que lhe ouvir.
—Ama-o de verdade, né? —Rachel se colocou a saia e se sentou, apoiando também as costas no poço. —me conte. me ajude a entendê-lo.
Loretta sorriu.
—por que o amo, quer dizer? —Seu sorriso se desvaneceu, e suspirou. —Ah, tia Rachel, como pode explicar o amor? Caçador diz que provém de um lugar secreto, e acredito que tem razão. Certamente eu não tratei de querê-lo, nem sequer de que chegasse a me gostar de. —Olhou ao Rachel um bom momento. —Odiava aos comanches, mais inclusive que tio Henry, recorda? Mas Caçador é um homem bom, um homem maravilhoso. Que mais posso dizer? Se lhe tivesse visto cuidando da Amy depois de... Contou-lhe isso já Amy? Pelo que aconteceu os comancheros?
—As palavras não são necessárias. Sou sua mãe. Estava aí, em seus olhos. Tanto... ódio, tanto medo. Não soube o que lhe dizer, agarrou-me tão despreparada. Violaram-na, verdade? Todo o grupo?
—Sim.
Rachel respirou fundo.
—E Caçador os matou a todos?
—Até ao último deles.
Fechando os punhos, Rachel apartou a cara um momento.
—Cada segundo que passa eu gosto mais esse homem.
—Caçador foi tão bom com a Amy. —A voz da Loretta se fez mais rouca conforme contava a história. —Amy nunca chegará a superá-lo de tudo. Suponho que o que ocorreu a perseguirá sempre. Mas Caçador lhe devolveu seu orgulho, tia Rachel.
—Sei. —Rachel olhou a Loretta, angustiada. —Quem é Antílope Veloz?
Para ouvir seu nome, Loretta sorriu e sentiu uma onda de calor por todo o corpo.
—O amigo especial da Amy.
—Especial?
—Seu pretendente. —esclareceu-se garganta, sem querer revelar muito. —Amy lhe tem muito carinho. E ele foi muito bom com ela. Acredito que é tudo o que deveria dizer. O resto lhe deve contar isso Amy.
Rachel pareceu aceitá-lo.
—É...? —calou-se e suspirou. —Deus, não posso acreditar que esteja perguntando isto, é um jovem respeitável?
—Tão respeitável como qualquer outro moço. Mas o mais importante, tia Rachel, é que a Antílope Veloz não importa o que os comancheros fizeram a Amy, não da forma em que importaria a um moço branco. Entristece-lhe que tivesse que acontecer algo assim, certamente, mas em sua cabeça ela é ainda casta e doce, e maravilhosa. Isso é muito importante para a Amy, especialmente agora, que está recuperando-se. Não deveria falar mal de Antílope Veloz, entende? Deixa que as coisas sigam seu curso. Os comanches acreditam que o passado o leva o vento. A experiência da Amy se foi com ele. Ela precisa acreditá-lo assim.
—Sim. —A boca do Rachel se torceu, tremendo. —Não direi nada contra seu Antílope Veloz. Deus sabe que necessita um amigo especial nestes momentos. —Jogou a cabeça atrás e fechou os olhos. depois de um momento, pareceu voltar de seus pensamentos e suspirou. Agarrando a mão a Loretta, perguntou-lhe: —Crie que gostarei a esse teu Caçador?
Loretta pôs a terrina a um lado e abraçou com força a sua tia.
—Ah, tia Rachel, quero-te. Faz-me tão feliz ter sua bênção.
De repente, Rachel ficou rígida.
—Falando do rei de Roma, aqui vem.
Loretta ficou de pé, cheia de alegria, e correu para a cancela do imóvel. Acima na colina pôde ver a figura dos cavaleiros silueteada contra o céu escuro. Os comanches cortaram rédeas e formaram filas ordenadas. Loretta se deteve. Inclusive a esta distância e com a escassa luz pôde ver que os homens traziam a cara grafite de guerra. Lhe caiu a alma aos pés. Não pensaria Caçador que se partiu voluntariamente com os assassinos de sua gente?
—Entra em casa, tia Rachel —disse Loretta.
—por que? O que ocorre?
—Não estou segura. Está zangado.
—Então entra comigo!
Loretta se tragou o medo. Um dos índios me sobressaía entre outros, com o peito largo e os ombros erguidos. Caçador. Fixou a vista nele. Um mês antes tivesse saído fugindo aterrorizada. Mas já não voltaria nunca para fugir dele.
—Entra em casa, tia Rachel. Tranca a porta. Faz o que digo!
Loretta começou a caminhar de novo, assustada, embora não o suficiente para sair fugindo. Um grupo de comanches em pé de guerra era algo impressionante inclusive para ela, mas o homem ao que amava cavalgava com eles. antes de chegar à cancela, os guerreiros avançaram com os cavalos. Entretanto, em vez de atacar, como tinha temido que pudessem fazer, rodearam a propriedade a cavalo, pondo lanças na terra a poucos metros de distância. Uma vez mais, Caçador tinha vindo a marcar sua casa.
Quase ao mesmo tempo de compreender isto, deu-se conta também de que Caçador não marcaria a propriedade se pensasse levá-la com ele. ia deixar a. Pôs-se a correr para ele.
—Caçador! Caçador, por favor...! —Chegou à cancela e viu se desesperada e impotente como os guerreiros passavam ante ela a toda velocidade, deixando uma nuvem de pó a seu passo. Não podia saber quem deles era Caçador. —Caçador, ao menos, fala comigo!
Se a ouviu, fez como se não tivesse sido assim. Uns momentos depois, o grupo de guerreiros desapareceu atrás da colina. Loretta ficou ali de pé, olhando-os. Ia Caçador a divorciar-se dela pelo ataque dos tosi tivo?
Embora se sentia muito doída, era incapaz de sentir rancor. Era culpa dela se ele a deixava. A noite antes do ataque, tinha jurado que o deixaria se ele não partia com ela. Tinha insistido para que escolhesse entre ela e seu povo. Isso era o que tinha feito. Seu pai e outros muitos tinham morrido. Sua honra lhe pedia vingança.
ficou a mão no peito, sobre o medalhão que levava sua marca. Jogando atrás a cabeça, gritou seu nome, rezando para que a ouvisse e voltasse. Esperou e rezou. Mas nunca voltou.
—Loretta! Volta para o imóvel —gritou Rachel.
Loretta se deu a volta, abraçando-a cintura, com o corpo ligeiramente dobrado para conter as lágrimas que a oprimiam.
—Tia Rachel, deixou-me, deixou-me!
Rachel veio correndo. Rodeando-a com os braços, gritou.
—Ai, carinho...
—Abandona-me! —Uma vez mais Loretta jogou a cabeça para trás. —Cazadooooooor!
O grito se afastou com o vento, agudo e lastimero. De repente ele reapareceu no alto, uma figura solitária a cavalo, uma silhueta negra em contraste com o céu. Por um momento Loretta pensou que o estava imaginando do muito que tinha desejado que voltasse. Então, levantou o braço em uma saudação silenciosa, saudando-a como um guerreiro saudaria outro. Honrando-a. Loretta se soltou do abraço do Rachel e caminhou cambaleando-se para ele, bebendo de sua imagem. Queria estar junto a ele. Tinha que lhe fazer entender isto. Ele não tinha que escolher entre sua gente e ela. equivocou-se, e muito.
—Caçador! me leve contigo! Quero-te!—gritou— Não pensava o que dizia! Não o pensava!
O ficou ali, com o braço em alto, durante uns segundos devastadores. Depois lhe fez dar a volta a seu semental e desapareceu. Com os olhos arroxeados, Loretta seguiu olhando para ali muito tempo depois de lhe ver desaparecer. Tinha-lhe pedido que escolhesse, e o tinha perdido. Suas pernas pareceram ceder ante o peso de seu corpo, doía-lhe tanto o peito que não podia respirar.
—Caazadoooooor!
O vento roçou suas bochechas, agarrou seu nome e o afastou dela. cruzou-se de braços e sufocou o pranto, com o olhar fixo na colina. Nunca voltaria a olhar nessa direção sem ver sua figura desenhada no horizonte.
O vento lhe trouxe seu nome, em um grito apenas audível, mas igual de estremecedor, como o sussurro de uma alma perdida que procura consolo. Ele deteve o cavalo e se incorporou para captar o som em sua totalidade, os dentes apertados, os olhos fechados, a respiração contida lutando por sair de sua garganta. Caçador. Sua mulher seguia lhe chamando. Quando começasse a matar a sua gente, seguiria lhe chamando do mesmo modo?
Necessitou de toda sua força de vontade para não voltar junto a ela. Horrorizava-lhe ter que lhe fazer danifico desta maneira. Entretanto, o que outra coisa podia fazer? Tinha que lutar a grande luta por seu povo. Não tinha alternativa. Enquanto estivesse aí fora lutando, queria que Loretta estivesse em um lugar seguro. Depois do ataque a seu povoado, não lhe cabia nenhuma dúvida de que estaria mais segura entre sua gente. Não podia controlar aos tosi tivo e seus ataques, mas sim podia fazer que nenhum dos seus atacasse a casa de madeira da Loretta.
Outro grito atravessou a noite. Caçador! Abriu os olhos, esquadrinhando a nuvem de pó que se estendia ante ele. Sua honra lhe esperava, mas seu coração o deixava atrás. Ao galope, inclinou-se sobre o pescoço de seu cavalo e deixou que o vento lhe desse na cara e lhe devolvesse a voz de sua amada enquanto corria com os outros guerreiros.
CAPÍTULO 26
Durante os dias que seguiram, os comanches atacaram para vingar a morte dos seus. Chegaram notícias de que os mercenários tinham sido todos assassinados quando se dirigiam a outro povoado comanche. As histórias de Caçador que chegaram à granja dos Masters eram horríveis, algumas resultavam inclusive surpreendentes. Por muito brutalmente que os índios estivessem fazendo a guerra, Caçador seguia sem matar a mulheres e meninos. Os olhos da Loretta se encheram de lágrimas quando uma patrulha fronteiriça do forte Belknap lhe disse que em algum lugar com o passar do rio Vermelho, Caçador tinha cavalgado até uma mulher de cabelo amarelo e a tinha saudado. Loretta sabia que Caçador esperava que ela ouvisse de algum modo esta história e compreendesse a mensagem que estava lhe enviando.
Ela o entendeu, e chorou porque conhecia o significado. Com cada ataque perpetrado pelos índios, a fossa entre Caçador e ela se aumentava.
Quando o horror era insuportável, justificava as ações dos índios recordando como tinham atacado antes seu povoado. Recordava a Muitos Cavalos, um ancião frágil que morreu quando tratava de salvar a um menino. Pensava naquela a Índia aterrada que corria para salvar sua vida e a de seu filho, e que foi atravessada por detrás com o sabre. deu-se conta agora de que não havia bons nem maus, nem coisas que estivessem bem ou mau, só gente lutando por suas vidas. Gente maravilhosa, que vivia, e amava, e ria.
Pensava freqüentemente em Búfalo Vermelho, aceitando finalmente o que Caçador tinha tratado de lhe explicar tantas vezes, que os homens bons às vezes se viam impulsionados a fazer coisas horríveis. Búfalo Vermelho tinha cometido atos imperdoáveis, mas por fim Loretta podia agora olhar no profundo do homem e tratar de lhe entender. Agradecia a Deus ter podido salvar a vida de Búfalo Vermelho, porque sabia que agora ele protegeria a Caçador com a mesma ferocidade com a que uma vez tinha tratado de salvar a Caçador de seu futuro ao lado de uma mulher tosi.
Quase dois meses depois de que Caçador se despedisse dela, Loretta foi uma manhã ao desculpado que havia fora da casa e ficou a vomitar violentamente. sentiu-se tão fraco que se sentou no chão de fora, com as costas apoiada na parede do desculpado. Tinha a cara empapada em suor. Fechou os olhos, pensando que ia deprimir se.
—Pelo amor de Deus, Loretta Jane, o que te ocorre?
Loretta abriu os olhos e viu sua tia que se aproximava. Tratava de escolher o melhor caminho através da erva, para não cravá-los pés descalços. Tinha posto a camisola e a brisa da manhã o inflava e lhe dava um aspecto volumoso.
—Encontro-me mau. Tem um pouco de bergamota? Necessito um de seus chás. Tenho o estômago fatal.
Rachel ficou em cuclillas e lhe pôs a mão na frente.
—Não tem febre. Quando começou?
Loretta franziu o cenho, pensativa.
—Esta manhã. Embora agora que o penso, senti-me também enjoada faz umas quantas manhãs.
Rachel enrugou o cenho, com a vista fixa na Loretta.
—Vertigens?
—Ontem. Pensei que era pelo calor.
—Desde quando não te vem o período?
Loretta jogou atrás a cabeça, tratando de recordar.
—Acredito que foi... —Abriu os olhos, e ficou a mão no abdômen.
Rachel suspirou.
—Temo-me que o chá de bergamota não te ajudará. —Guardou silêncio um momento. —Loretta Jane, normalmente não perguntaria isto a uma mulher. Quer que vá te buscar um pouco de erva lombriguera?
—Para que?
Rachel pôs a vista no celeiro.
—Nos primeiros meses, umas quantas dose desta erva podem te liberar do problema.
Problema? Loretta ficou olhando a sua tia, tratando ainda de assimilar o fato de que estava grávida. Não se sentia grávida. Mas se o estivesse, não lhe ocorreria pensar em abortar.
—Tia Rachel, mas como pode sequer me perguntar algo assim?
—Que Deus me castigue com a morte, mas tenho que fazê-lo. Não são boas notícias, carinho. Já seria mau se fosse um menino branco, sem marido e isso. Mas ficar grávida de um comanche sem estar casada? Isso é um desastre.
—Mas eu estou casada! Estou casada com todas as da lei!
—Carinho, não tem anel, nem papéis, nem testemunhas, nem sequer um sobrenome. E nenhum homem a seu lado. Quem te acreditará?
—Não me importa quem me cria. Eu sei. Isso é suficiente.
—Para ti, talvez. Mas como crie que se sentirá seu filho crescendo como um bastardo?
Loretta se sentiu como se lhe tivessem dado um guantazo na cara. Um bastardo. Estas palavras tinham um som tão horrível! abraçou-se a cintura e um intenso instinto de amparo a alagou de repente. O filho de Caçador. Amaria-o com todo seu coração.
—Ah, tia Rachel. Um menino. Caçador não me deixou, depois de tudo.
Rachel deixou cair as mãos.
—diga-me isso quando tentar alimentá-lo no inverno. Henry é tão cretino que provavelmente me abandonará se sotaque que fique aqui. As três sós não teremos muitas possibilidades de sobreviver.
—Então irei.
—Não fará tal coisa. Hei dito que não será fácil, não que seja impossível. —Ergueu os ombros e perdeu a vista na distância por um momento. Quando voltou a olhar a Loretta, havia um brilho de determinação em seus olhos azuis. —Ao lhes ver ti e a minha filha, ao ver como sobrevivestes a coisas que qualquer outra mulher não tivesse podido... —molhou-se os lábios. —Essa fortaleza interior provém de seus antepassados, de mim. Ensinei-lhes a permanecer de pé e a lutar. Criei-lhes como mulheres orgulhosas. E ultimamente, me Miro no espelho e me pergunto onde foi a parar a antiga Rachel.
—Ah, tia Rachel, só tem feito o que pensou que seria melhor para mim e para a Amy.
Rachel assentiu.
—Sim. Mas chega um momento em que devemos cruzar a linha. —Suspirou e levantou os olhos, com um sorriso tímido nos lábios. —Se essa linha estiver entre um recém-nascido e Henry, darei-lhe uma patada em seu gordo traseiro e o mandarei à casa de prazer do Jacksboro, lhe dizendo que não volte dali nunca mais.
Surpreendida, e sem saber muito bem como devia reagir, Loretta disse:
—Casa de prazer?
—Não acreditará de verdade que vai ali só para conseguir tabaco e café ou para nos trazer o anuário feminino, verdade? —Rachel tocou a Loretta no ombro. —Não me olhe com essa cara de pena. Deixa-me sozinha uma vez quase todos os meses. Parece-me uma bênção do céu.
Loretta jogou atrás a cabeça e riu com todas suas forças.
—Tio Henry freqüenta uma casa de prazer? Ai, tia Rachel, arrumado a que essas mulheres dobram seu preço cada vez que o vêem aparecer!
—Não o duvide —disse Rachel com aspecto sombrio. —Henry é tudo menos um amante. perdi muitos anos de minha vida agachando a cabeça ante ele. Não quero fazê-lo por mais tempo. me posso arrumar isso sem um homem. Já o verá. —ficou em pé e tendeu uma mão a Loretta para ajudá-la. —Vamos, pequena mãe. Prepararei-te algum remédio que te tire as náuseas.
—Ah, tia Rachel, crie que é de verdade?
—E tanto. Será melhor que comecemos a costurar roupa nova. Tenho um pouco de flanela por aí. Servirá-nos bem.
Loretta sorriu, respirou fundo e se passou a mão pela frente.
—Sinto-me tão feliz, tia Rachel!
—Desfruta-o ao menos até que o diga ao Henry.
—Temos que dizer-lhe agora mesmo?
—Carinho, se for vomitar pela manhã antes de chegar ao desculpado, vai se inteirar de todas formas. Será melhor que nós acendamos a mecha para estar acauteladas quando chegar a explosão.
Não era possível preparar-se para as explosões do Henry. Embora Loretta estava preparada, saltou igual com o primeiro grunhido.
—Que está o que?
—vou ter família.
Com um tirante acima e outro abaixo, a camisa desabotoada até a metade e os pés descalços, Henry estava preparado para agarrar um manha de criança. As manchas da cara lhe puseram de um arroxeado inquietante. Os olhos lhe incharam como gudes azuis e gritou:
—vais ter um bastardo comanche?
—Não é um bastardo. Conheço seu pai.
Henry fechou a boca como se fora um peixe. Levando um dedo ao nariz, bufou.
—Direi-te o que farei se tiver um mucoso índio. Pendurarei-o pelos pés e lhe sacudirei o cérebro, isso é o que farei.
A Loretta lhe fez um nó no estômago. O medo por seu filho lhe fez dar um passo atrás.
—Cala, Henry.
A voz do Rachel soou tão suave, tão tranqüila, que por um momento nem Loretta nem Henry se giraram para olhá-la. Então Loretta registrou o ruído que tinha ouvido. Sua tia estava junto à prateleira dos rifles. Tinha uma Spencer nas mãos e com o canhão apontava ao chão, mas estava preparada, a julgar por sua postura, a apoiar a culatra contra o ombro.
—O que há dito? —disse Henry, chiando os dentes.
—Hei dito que te cale Henry. —A voz do Rachel seguia sendo suave, mas o brilho em seus olhos eram de uma pessoa disposta a lutar até a morte. —agüentei sua mesquinharia durante quase nove anos. acabou-se. vais desculpar te ante a Loretta Jane agora mesmo.
—Ou se não o que?
Rachel levantou uma sobrancelha, lhe ameaçando.
—Se não, bom, acredito que é muito grande para te pendurar dos pés e te golpear o cérebro. Assim terei que te disparar. Agora te desculpe. Não admitirei esse tipo de comentários em minha casa.
—Em sua casa?
—Isso hei dito.
Henry fez muito bom trabalho tratando de parecer que estava refletindo. Com as mãos no quadril, dobrou um joelho e olhou ao rifle.
—Rachel, carinho, agora mesmo tem uma arma nas mãos, mas muito em breve terá que deixá-la e te pôr a cozinhar. E quando o fizer, vou pôr te como um tomate esse culo gordo que tem. Agora te sugiro que você seja a que se desculpe. Se consegue ser convincente, talvez possa chegar a esquecer que tudo isto passou.
Loretta pensou que a fanfarronice podia funcionar. Tia Rachel nunca tinha passado muito tempo zangada, e Loretta não acreditava que pudesse está-lo durante mais de dez minutos. Nesta ocasião, entretanto, sua tia a surpreendeu. Em vez de desculpar-se, apertou a mandíbula e levantou o queixo.
—Henry, se me tocar quando estiver cozinhando, racharei-te de cima abaixo com a faca da carne. Estou até os narizes de ti.
—me dê a arma! —Henry se aproximou dela.
Rachel apontou. A explosão agarrou despreparada a Loretta, que deu um salto assustada. Henry saltou para trás, levantando os pés do chão tudo o que pôde.
—Deus Bendito, estiveste a ponto de me disparar nos pés, maldita estúpida!
—A próxima vez não falharei.
Henry cuspiu ao chão, tão fora de si que parecia que ia estalar.
—Rachel, juro-lhe isso, penso te fazer a vida impossível por isso.
—Toca-a, tio Henry, e te golpearei a cabeça com um lenho até que perca o sentido —interveio Loretta.
—E se com isso não é suficiente, eu me encarregarei de terminar contigo! —gritou Amy das escadas do mezanino. —Bem feito, mãe! lhe dê ao velho sapo o que se merece!
Rachel voltou a pôr a Spencer na prateleira.
—E bem, Henry? Parece que somos três contra um. vais desculpar te com a Loretta Jane ou não? —encolheu-se de ombros. —Suponho que também pode te largar, se isso gostar de mais. Mas se fica, terá que te desculpar antes do café da manhã.
Henry fechou os punhos, tremendo. Loretta se moveu para a chaminé e agarrou uma parte de lenha, se por acaso tivesse que necessitá-la. Amy baixou as escadas, lista para fazer o mesmo.
—Juro-te que não sei o que é o que lhe está passando ao mundo —grunhiu Henry. —As mulheres rebelando-se e tratando aos homens como se se tornaram loucas! Poderia acabar com vocês três e me atar um cigarro ao mesmo tempo.
—Então sei um homem e lhe faça desafiou Amy. —Se não, dava a Loretta que o sente, como te há dito minha mãe.
Henry duvidou, como se considerasse as opções que tinha, tal e como eram.
—Pois nem que houvesse já feito mal ao menino! —grunhiu. —Se Loretta Jane não tiver o cérebro para pensar-lhe melhor, então terei que me desculpar.
—Aceitas —murmurou Loretta.
Henry se levantou o tirante esquerdo e se passou a mão pelo cabelo, olhando o buraco que Rachel fazia na madeira.
—Que demônios vais dizer às pessoas que nos passou no chão, mujercita?
Rachel sorriu.
—Como! Direi-lhes o rápido que te ocupou dele e o arrumou, Henry. Não podemos ter buracos no chão, não crie?
Já tarde, essa mesma noite, Loretta saiu e se sentou no alto da cerca de madeira, perto da cancela de entrada, agitando os pés ao ar e olhando à colina. Rachel tinha ganho o primeiro assalto com o Henry, mas ela ainda tinha medo do que pudesse lhe ocorrer ao menino quando nascesse. Lhe passava pela cabeça procurar caçador, mas como? Podia estar em qualquer sítio, e o rádio de terreno era grande. Isso, se tinha sobrevivido aos últimos ataques da última vez que teve notícias delas. «Por favor, Deus, deixa que Caçador viva. Traga-me o de volta.» O desejo do ter perto lhe doía no peito.
As lanças, tombadas como soldados bêbados em uma noite de guarda, alinhavam-se pelo perímetro da propriedade, as plumas ondeando ao vento e suas hastes esbeltas negras à luz da lua. Henry tinha aprendido a lição depois da visita dos comancheros. Esta vez tinha deixado as lanças onde estavam. Loretta se perguntou qual delas seria a de Caçador. Se soubesse, agarraria-a e a guardaria dentro da casa. Uma lembrança para seu filho. Poderia ser que o menino não tivesse nada mais de seu pai.
Com a cabeça para trás, ficou observando a lua. A Mãe Lua, como a chamava Caçador. O vento lhe acariciava as bochechas. Loretta fechou os olhos, pensando nas quatro direções. Baixo ela estava a Mãe Terra. Pela manhã, o Pai Sol lhe mostraria seu rosto pelo este. Deuses de um homem primitivo? Loretta sorriu. Caçador adorava as criações de Deus, os signos visíveis de sua grandeza. Um Deus com muitas caras, e cada uma das elas olhava em uma direção.
Estaria Caçador ali fora, olhando ao céu como ela? Estaria rezando? «Por favor, Mãe Terra, faz que esteja bem. Guíale em um grande círculo para mim.» Em voz alta, sussurrou:
—Quero-te, Caçador. Necessito-te. Seu filho te necessita. —Desejou que suas palavras viajassem no vento e lhe dissessem que o amava. Ao dia seguinte, quando saísse o sol, rezaria para que a luz dourada recordasse a ela, a sua mulher de cabelos dourados. «Volta para mim, Caçador.»
Descendo da cerca, Loretta afundou os joelhos no chão e fez o sinal da cruz. Depois começou a rezar, a seu Deus, aos de Caçador. Sentiu uma paz imensa. O encontraria a forma de chegar a ela.
Loretta estirou o fio, revisou os borde da costura e depois colocou a agulha em outra parte de tecido. Podia sentir a suavidade da flanela sob seus dedos. imaginou esse tecido esquentando a um corpo diminuto e sorriu. Pisando uma vez mais para que a cadeira de balanço seguisse movendo-se, elevou os olhos para sua tia.
—Sabe? Deveria começar a pensar no nome. Devo estar já de mais de dois meses. O nome é importante. Sobre tudo para este menino.
— por que é especial para este menino? —perguntou Rachel, levantando o olhar do pão que estava amassando. —Os nomes são importantes para todos.
Loretta suspirou.
—Bom, tendo a Caçador como pai, tenho que pensar em nomes que ele passaria.
—Como chama a este menino Água Corrente te deserdo.
Loretta riu.
—Não sei. depois de fazer a prega a todos estes fraldas, acredito que Água Corrente não iria do todo mal.
Rachel levantou os olhos e sacudiu a cabeça, com um ar de tristeza.
—A menos que o pai deste menino venha finalmente a recolher sua bagagem, a criatura terá que crescer na sociedade dos brancos. Já é suficiente desgraça que não tenha pai, assim é obrigatório que tenha um nome bonito e normal.
Amy dobrou a página do livro de leituras.
—O que precisa é um bonito nome branco com um significado índio que goste a Caçador.
Preocupada com o futuro de seu filho, Loretta tratou de sorrir.
—Vá, Amy, essa é uma idéia estupenda!
Rachel deixou a massa um momento e franziu o cenho.
—Sou bastante boa com os nomes. Deixem que pense nisso.
—Algo que chame a atenção para um menino, mamãe. —Amy se mordeu o lábio. —Já sabe, como Grande Lutador. Ou Rei Sábio. Tem que te lembrar de como pensa Caçador. Eles dão aos meninos grandes nomes.
—Antílope Veloz, por exemplo? —sorriu Loretta.
—Faz-lhe parecer que tenha uma cauda que mover, verdade? —A Amy lhe pronunciaram as covinhas das bochechas. —É obvio, ele odeia o nome da Amy, assim estamos iguais. Diz que sonha como o balido de uma ovelha.
—Na maneira em que ele o pronuncia, certamente que sonha assim.
—E se chamarmos o menino como seu pai e seu tio Guerreiro juntos? —perguntou Rachel. —Chase Kelly. Chase significa Caçador e Kelly significa guerreiro.
Loretta deixou descansar a costura em seu regaço, com o olhar sonhador.
—Chase Kelly... Chase Kelly. Sonha bem, verdade?
—Estaria melhor com um sobrenome —comentou Rachel.
—Lobo! —gritou Amy. —Isso é o mais parecido a um sobrenome que poderá conseguir de Caçador.
—Chase Kelly Lobo. —Loretta saboreou o nome um momento, acariciando-o com a língua. —Eu gosto. O que pensa, tia Rachel? Lobo como sobrenome não é tão estranho, verdade?
—me parece precioso. E se Caçador vem algum dia, não poderá queixar-se muito. Caçador Guerreiro é muito melhor que Calções Furados.
—Água Corrente! —corrigiu Loretta.
—O que seja —sorriu Rachel. —Se for menina, o que te parece Nicole? Significa «mulher vitoriosa para seu povo».
—Ah, eu gosto disso—sussurrou Loretta. —A Caçador adoraria.
Rachel sorriu.
—Nicole Lobo. Se tiver os olhos de seu pai, índigo iria perfeito. Nicole índigo Lobo.
—Não soa bem —protestou Amy. —Índigo Nicole Lobo, isso eu gosto mais!
—Índigo Nicole. —As lágrimas queimaram os olhos da Loretta. Uma mulher vitoriosa para seu povo. —Sim, é bonito, para ambos os mundos.
—Seu nome tampouco está mau. Seguro que não sabe o que significa. —Rachel dobrou a massa e depois a olhou com um sorriso zombador. —Escolhemo-lo sua mãe e eu, sobre tudo pelo significado.
—É uma variação da Laura, não? Coroa de louro ou algo assim?
—Esse é o significado mais conhecido. Mas no livro de nomes de sua mãe, significava outra coisa.
—E bem? Solta-o. —Loretta esperava, sem tirar a vista de sua tia. —O que significa? Peito plano e esquálida?
Rachel se tornou atrás e Rio.
—Peito plano e esquálida?. Loretta Jane, juro-te que ninguém poderá dizer de ti que é uma prepotente. Significa «a pequena sábia».
Loretta ficou branca como a parede e pôs os pés no chão para deter a cadeira de balanço.
—Significa o que?
—A pequena sábia —o sorriso do Rachel se desvaneceu. —Encontra-te bem? O que ocorre?
Loretta pôs a costura a um lado e ficou de pé.
—Nada, tia Rachel. Na... nada. —Percorrendo a habitação com os olhos, Loretta se passou a parte exterior da boneca pela frente, como se nada do que estava passando fora real. —Eu, isto, acredito que sairei a tomar um pouco o ar.
depois de sair correndo da casa, Loretta cruzou a toda velocidade o jardim e se recostou contra a cerca, seu lugar favorito porque de ali podia ver a colina. «A pequena sábia.» Ainda um pouco enjoada pela impressão, pôs o olhar perdido na distância, recordando a noite em que Caçador lhe tinha recitado sua canção. «Os antepassados a chamarão Pequena Sábia...»
Esquadrinhou o fechou e pela primeira vez teve a certeza de que ela e Caçador estavam destinados a estar juntos. Tratou de recordar todas as palavras da canção. Conseguiu-o a pedaços. «Entre eles se interporá um profundo ravina de sangue.» E uma vez havia dito que era uma lenda estúpida... Agora pensava de outro modo. cumpriram-se muitas coisas dela para burlar-se. Um ravina de sangue. Loretta fechou os punhos. Caçador voltaria com ela. Não sabia quando, nem como, mas de repente esteve segura de que a canção, que uma vez tinha sido uma maldição para ela, converteu-se em sua major esperança.
O aroma de feno queimado impregnou as fossas nasais de Caçador. moveu-se lentamente para a maleza, com cuidado, com a pele de galinha e os sentidos alertas como sempre que a morte caminhava a seu lado. Um tosi tivo tinha saído correndo do celeiro para esconder-se ali. Caçador o tinha visto. Podia encontrar-lhe em qualquer momento, com a faca preparada. Detendo-se, tratou de controlar a respiração e escutar, sujeitando com força a tocha em uma mão.
Ouviu o ruído de um ramo ao quebrar-se. Caçador localizou o som e se dirigiu para ele. Viu um resplendor azul que me sobressaía entre um arbusto de erva amarela. Com a barriga no chão, deslizou-se para diante em silêncio. De repente, o homem branco deu um salto e ficou o rifle no ombro. Caçador rodou de forma instintiva. A carga terminou fazendo um buraco inofensivo no chão. Ficando em pé, Caçador se lançou para ele antes de que pudesse carregar uma segunda vez ou tirar a faca.
O homem gritou enquanto caía para trás pelo peso de Caçador. depois de uma breve resistência, o comanche ganhou vantagem, ficou escarranchado sobre o homem e levantou a tocha. No instante no que estava preparado para baixar a folha que teria que partir para homem em dois, Caçador fixou a vista no rosto de seu inimigo, pálido de medo, seus olhos como duas esferas azuis gigantes.
«Poderia levantar sua folha contra um homem de olhos azuis e não pensar em mim, Caçador?»
O corpo lhe pôs tenso. Olhou aos olhos azuis do homem e tratou de bloquear o eco da voz da Loretta em sua mente. O homem branco o olhou a sua vez, com a garganta congestionada e a pele reluzente de suor.
—Caçador, date pressa! Devemos reunimos com os outros!
A voz de Guerreiro lhe devolveu à realidade. Esticou o braço e tratou de baixar a tocha. Mas era como se uma mão invisível lhe sujeitasse a boneca. Ouviu o som dos pés de Guerreiro ao pisar na maleza. A respiração de Caçador se fez rápida e irregular. Não podia olhar a este homem aos olhos e matá-lo. Era como voltar a folha contra si mesmo.
Quando Guerreiro apareceu depois da alta erva e viu caçador escarranchado sobre o homem branco, deteve-se.
—Mata-o! Rápido! Vejo fumaça que vem da outra granja. terminaram ali. Temos que nos encontrar com eles e sair daqui!
—Não posso —pigarreou Caçador.
—O que?
A pergunta de Guerreiro ficou no ar, como uma acusação. Caçador ficou em pé, com a vista cravada no tosi tivo. O homem o olhou sem acreditar o que lhe estava passando.
—Meadro, vamos —grunhiu Caçador.
Guerreiro não se moveu, lhe olhando com desprezo. Caçador tragou saliva. Não tinha palavras para explicá-lo. Não estava seguro de que Guerreiro pudesse entendê-lo, inclusive embora as tivesse.
—vais deixar lhe vivo?
—Sim!
—por que?
Caçador roçou a seu irmão ao passar e ficou a caminhar depressa.
—Seus olhos.
Caçador chegou ao cavalo antes que Guerreiro. depois de montar, girou-se e olhou para a pequena granja, onde sabia que se escondiam uma mulher e dois meninos. Guerreiro se dirigiu para ali com suas arreios. Os dois irmãos se olharam, estranhos pela primeira vez em suas vidas.
—Possivelmente seja porque estamos muito perto das paredes de madeira de seu Lohrhettah, verdade?
—Possivelmente —respondeu Caçador com voz apagada.
Ele e Guerreiro açularam a seus cavalos para avançar, fechando filas com os outros guerreiros que os tinham ajudado a perpetrar o ataque. Búfalo Vermelho ficou a sua altura. por cima da arvoredo puderam ver a nuvem de fumaça negra que se elevava ao céu. Durante vários dias os homens de Caçador tinham cavalgado com outra tribo. Hoje os dois grupos se separaram, os homens de Caçador tinham atacado ali e os outros a granja próxima. A julgar pela fumaça, os outros guerreiros tinham aceso fogo a algo mais que aos arredores.
Ao chegar ao claro, depois de sair da arvoredo que rodeava o rio, o grupo de Caçador deteve seus cavalos. Tinham queimado a casa e todo o resto, o que significava que não tinham deixado superviventes. Caçador fixou a primeiro atenção na fumaça negra e depois na cúpula das árvores que havia mais à frente. A casa da Loretta estava a só a uns quantos quilômetros rio abaixo.
Pesaroso, Caçador cavalgou com seus homens pelas casas arrasadas para fechar filas com os outros índios. Conforme foram aproximando-se do jardim que rodeava a propriedade, Caçador diminuiu a marcha do cavalo e fixou os olhos nos corpos inertes que jaziam no chão. Então ouviu um revôo de calicó levantado pelo vento e deteve o cavalo. A raiva lhe secou a garganta, e lhe produziu uma ardência na língua. Começou a tremer. Uma mulher e dois meninos pequenos. Caçador soube sem necessidade de aproximar-se mais que não tinham tido uma morte rápida.
Loretta seguia pensando nas palavras da profecia. Sentada na cerca, com as pernas pendurando, olhava com atenção os buracos de seus sapatos. Eram velhos, um par que tinha guardado só se por acaso os necessitava. Os bons de cano alto estavam no povoado de Caçador. Sentia falta de seus mocasines e o sentimento de liberdade que sua saia e sua camisa de ante lhe davam. Esse tipo de roupa, entretanto, provocava olhares de assombro agora que estava entre os brancos. O sol de agosto lhe pegava na nuca, quente e implacável. Seria melhor que voltasse dentro. Com duas capas de musselina e o calicó por cima, uma mulher podia torrar-se neste calor se não ficava à sombra. Além disso, tia Rachel estaria já a ponto de começar a pôr o pão ao forno e necessitaria ajuda para começar a preparar o jantar.
Suspirando, Loretta jogou atrás a cabeça. Durante vários segundos, esteve tão absorta pensando em Caçador que não viu o que tinha ante os olhos. Então fixou a vista na nuvem de fumaça negra que flutuava no céu. Fumaça. Algo lhes tinha passado aos Bartletts.
desceu-se da cerca de um salto e correu para o celeiro.
—Tio Henry! Tio Henry! Algo passa em casa dos Bartletts. Há fumaça!
Henry saiu correndo do celeiro e ficou a mão em forma de viseira para não deslumbrar-se com o sol.
—Maldita seja! Parece como se a granja inteira estivesse ardendo.
Um temor frio e sufocante se instalou no peito da Loretta.
—meu deus! —ficou uma mão na barriga. —Não, Meu deus! Os Bartletts não!
Henry rodeou o celeiro à carreira para selar a Ida. Loretta lhe seguiu para sujeitar o potro enquanto seu tio lhe punha a cilha da cadeira e ajustava os estribos.
—vá trazer me a Sharps e uma saca de cartuchos, Loretta Jane. Reunirei-me contigo frente à casa.
—Não crie que deveria ir procurar ao Tom? Se forem os índios, poderia te colocar em problemas.
Ele fez um gesto para o perímetro exterior da propriedade.
—Levarei-me uma dessas condenadas lanças. Isto me protegerá dos índios melhor que Tom.
Loretta deu meia volta e correu para a casa. Para quando quis terminar de lhe contar a tia Rachel o da fumaça e teve pego a munição para o Henry, seu tio já estava fora esperando. As três mulheres saíram ao alpendre.
—Tome cuidado, Henry —recomendou Rachel.
—Pela quantidade de fumaça, diria que o ataque terminou.
Rachel lançou um olhar assustado ao céu negro. Uma careta de resignação se desenhou em seu pálido rosto.
—Se o vir mau, volta para por nós. Necessitará uma mão para cavar.
Henry voltou duas horas depois, com a cara cheia de fuligem e os olhos afundados. As mulheres saíram a reunir-se com ele. O atou a Ida ao poste do alpendre e subiu a escalinata arrastando os pés, com os ombros cansados. Não teve que dizer nada. Loretta baixou a cabeça. Os Bartlett. Todos. Se tivesse havido superviventes, Henry tivesse insistido ao Rachel para que fora a atendê-los.
—Acredito que será melhor que vá enganchar as mulas ao carro —disse Loretta com voz apagada.
—Ajudarei-te. —Amy saltou do bordo do alpendre e depois ficou a esperar a Loretta. Quando esta a alcançou, ficou a caminhar junto a ela. —Arrumado a que foram os comanches.
—Mas não Caçador —particularizou Loretta. —A senhora Bartlett e os meninos. Tio Henry não o há dito, mas devem estar mortos.
Amy suspirou.
—Não, não foi Caçador.
O calor do mortiço fogo golpeou a Loretta na cara, lhe secando os olhos até ter a sensação de que lhe tinham pego as pestanas. A fumaça lhe picava na garganta. Uma rajada de ar levantou a saia de calicó da senhora Bartlett, que revoou sobre as marcas azuis de suas coxas. Violada e assassinada. O tempo voltou atrás e por um momento Loretta se encontrou junto a sua mãe outra vez. Entrecerró os olhos e se balançou um pouco. O jardim dos Bartlett se ondulava como uma tromba turbulenta de água, elevando-se, caindo, frisando-se. Loretta se apartou, tão enjoada que teve que agarrar um pouco de ar e caminhar um momento para não vomitar.
depois de marcar o jardim dos Bartletts com várias lanças para não ter que temer outro ataque, tio Henry escolheu enterrar aos mortos sob um hibisco próximo. Amy lhe ajudou com a pá. Rachel e Loretta prepararam os corpos para lhes dar devida sepultura. Fechando os punhos, Loretta ficou mãos à obra.
Felizmente, não podia pensar enquanto ajudava ao Rachel a preparar o necessário. A casa era uma pilha de escombros, por isso não puderam vestir a ninguém de domingo, como tivesse sido o apropriado. Loretta os agarrou dos pés e Rachel dos braços e entre as duas os levantaram como puderam e os arrastaram até a árvore. Levaria-lhes horas cavar seis fossas. Umas horas largas e intermináveis.
depois de um turno com a pá, Loretta não pôde suportar as arcadas por mais tempo e saiu correndo para procurar privacidade no lugar mais longínquo do jardim. Ficando de joelhos, apoiou as mãos no chão e ficou a vomitar. O enjôo era insuportável. Quando as náuseas cessaram, incorporou-se sobre seus talões e olhou para diante com uma só pergunta na cabeça. Como podia alguém fazer algo assim a outro ser humano?
Sentindo-se ainda muito fraco para cavar, Loretta ficou em pé e caminhou, respirando profundamente com a esperança de que isto lhe assentasse o estômago. Então descobriu uma marca de casco no chão que quase lhe fez perder o equilíbrio. Tinha forma de lua crescente.
Notou um assobio nos ouvidos. Só um homem podia ter montado o cavalo que deixava essa marca. Caçador tinha estado ali. Loretta se balançou e estendeu o braço em busca de suporte. Ao não encontrá-lo, a mão se agitou no ar vazio.
—Mãe está preocupada com ti e pelo menino. Está bem?
A pergunta da Amy lhe fez dar um coice. girou-se e deu um passo para trás, olhando aterrorizada a cara pálida de sua prima.
—Amy, ai, Deus! Caçador esteve aqui.
—Ah, vamos! Não pode ser Caçador! É impossível!
Loretta assinalou o rastro disforme. Amy se agachou para examiná-la. Se antes estava pálida, agora sua pele tomou a cor do marfim. Loretta apartou a cara para olhar o espetáculo desolador da granja carbonizada que se elevava ante elas. «Caçador, não», pensou de forma desconexa. Não o homem que ela conhecia, o pai de seu filho. Não podia ter feito algo assim. Não à senhora Bartlett e às meninas.
—Possivelmente... —Amy se calou e se molhou os lábios— ...alguém roubou seu cavalo. Sim, isso deve ser, Loretta Jane. Alguém roubou seu cavalo.
Loretta lhe agarrou pela cintura.
—Ninguém roubaria o cavalo de Caçador, ao menos não um comanche. Deve haver outra explicação. As duas sabemos muito bem que Caçador não faria isto.
—Ao menos, isso acreditávamos.
Loretta olhou conmocionada a Amy.
—Não podemos lhe julgar desta maneira. merece-se um pouco mais de credibilidade.
Amy voltou a olhar o rastro de cavalo.
—Possivelmente esteve aqui e as coisas lhe foram das mãos. Possivelmente foi incapaz de detê-los. antes de que se desse conta, a mulher já estava morta.
Loretta assentiu e se apartou. Tremia-lhe todo o corpo. A julgar pelo que tinham visto, a senhora Bartlett e suas filhas não tinham morrido tão rapidamente.
Com um sentimento de irrealidade, Loretta se dirigiu de volta ao hibisco. As tumbas não se cavariam sozinhas. Ao passar pelo lugar no que a senhora Bartlett jazia, deteve-se para inspecionar o terreno e ver os rastros de mocasines que havia ao redor. Tinha estado ali Caçador? Com a pergunta, algo em seu interior se quebrou e morreu.
Graças a Deus, Tom Weaver tinha visto a fumaça e tinha ido com outra pá para terminar de cavar as fossas. Quando a família Bartlett recebeu sepultura, Tom cavalgou com a escopeta atrás do carro dos Masters de volta a sua granja. Enquanto os homens guardavam no estábulo aos animais, Rachel e Loretta tiravam pão e punham a mesa. Entretanto, ninguém pareceu ter apetite quando por fim se sentaram para jantar.
Com expressão preocupada, Tom se passou uma mão pelo cabelo e suspirou.
—Pete Shaney e um casal de vizinhos vieram a minha casa esta tarde quando viram a fumaça. Parece que todo mundo de por aqui está fazendo a bagagem e partindo a um lugar mais perto do Belknap. vão pela manhã. Acreditam que será mais seguro se formos um bom grupo.
Henry levantou as sobrancelhas.
—Abandonam a colheita?
—Parece-me que a colheita não vale de nada aos mortos. —Tom se encolheu de ombros. —Estas últimas semanas os índios se tornaram loucos. Dá-me a impressão de que estão tratando de jogar aos brancos deste território. Ódio dizer isto, mas com todos nossos quatro exércitos lutando no norte, os índios têm as de ganhar. Estão atacando granjas para o este todo o tempo. Nós estamos muito assolados aqui. Isto faz muito mais vulneráveis às famílias. A patrulha fronteiriça faz um bom trabalho, mas estão bastante dizimados.
—Você vai? —perguntou Henry.
—Disse ao Shaney que estava muito apegado aqui. Mas depois do que lhe aconteceu hoje aos Bartlett, acredito que talvez ir-se não seja tão má idéia. Ao menos até que esta maldita guerra se termine e tenhamos um pouco de infantaria para cavalgar como antigamente e mantê-los a raia. —Tom lançou um olhar rápido às mulheres. —Pensa-o bem, Henry. Sei que tem essas lanças aí fora para te proteger, mas francamente, está confiando muito nelas. Esses índios lhe podem jogar isso em qualquer momento, como estão fazendo-o com todos outros.
Henry deixou a decisão ao Rachel. Ela assentiu com a cabeça, de forma quase imperceptível.
—Viajam juntos? —perguntou Henry.
—Sim. Podemos nos unir a eles no caminho ao Belknap.
Henry sopesou a decisão um momento. Olhando ao Rachel, disse:
—Será melhor que comece a fazer a bagagem, mulher. Escolhe o que vamos levar nos com cuidado. O carro não suportará muita carga.
A última hora da noite, quando todo mundo estava dormido, Loretta se ajoelhou em seu beliche e olhou pela janela, recordando a Caçador, sua risada, sua doçura, sua valentia. Já tinha pensado o pior dele uma vez e logo se arrependeu por isso. Mas não esta vez. O homem que ela conhecia nunca participaria do assassinato de três mulheres.
Lhe encheram os olhos de lágrimas. tombou-se junto à Amy com a vista fixa na lua. Não pôde conter um soluço. Tampando-a boca com a mão começou a chorar. Por Caçador, por ela e por seu filho.
CAPÍTULO 27
Convexo de costas, com um braço dobrado detrás da cabeça a modo de travesseiro, Caçador contemplava a lua enche. Uma lua comanche. Boa luz para matar. Seus pensamentos estavam na Loretta. Havia uma coisa que lhe dava voltas na cabeça: não poderia voltar a cavalgar contra os tosi tivo. Os homens que foram com ele não poderiam voltar a confiar nele. O não poderia voltar a confiar em si mesmo.
Cada vez que Caçador fechava os olhos, via essa mulher e a suas meninas no chão. Era uma lembrança que lhe perseguiria para sempre. havia-se oposto a perpetrar um ataque nessa zona, mas com mais de cem homens de duas tribos diferentes juntos, os protestos de um homem serviam de muito pouco. Tinha sido tão perto da casa da Loretta! Ela poderia ter visto a fumaça. A gente massacrada seriam certamente seus amigos.
Respirando fundo, Caçador se obrigou a fechar os olhos, castigando-se com as imagens que rondavam sua cabeça. Sobrevivência ou loucura? O amava a seu povo, e rezava para que sobrevivessem, mas para ele a guerra tinha terminado.
Como a profecia tinha vaticinado, era um guerreiro sem povo. Havia um lugar em seu interior agora que não era comanche. Como podia levantar sua folha contra os que eram como Loretta? Ela se tinha convertido em parte dele. Hoje, ao olhar os olhos azuis desse homem branco, tinha tentado matá-lo. «Olhos Azuis, os olhos da Loretta.» lhe matar tivesse suposto algo mais que matar a um inimigo. Tivesse sido como destroçar uma parte de si mesmo.
—Dorme? —perguntou-lhe Guerreiro.
Caçador se incorporou e olhou a seu irmão, ao que envolvia uma luz chapeada.
—Não, tah-mah, não durmo.
Guerreiro estendeu a pele de búfalo e se sentou a seu lado, sujeitando-as joelhos com os braços. Com a vista posta na escuridão, disse:
—Já não é um de nós.
Algo duro e frio lhe golpeou o estômago. Tão evidentes eram suas insônias?
—Eu quero a meu povo, Guerreiro.
—Sei. Mas já não é um de nós. —Guerreiro jogou com a franja de seu mocasín. —Talvez isso não seja algo mau. Nosso povo muito em breve se irá com o vento. —Suspirou e ficou pensativo. —São mais que nós, Caçador. Embora lutemos com todas nossas forças, nunca ganharemos. Quando a guerra entre os tosi tivo termine, seus soldados voltarão e voltarão a nos reduzir às terras úmidas. Centenas de nós morrerão, até que só uns poucos sobrevivam.
Caçador sabia que o que Guerreiro dizia era certo, mas admiti-lo não era fácil.
—por agora, Guerreiro, nosso povo sobrevive.
—por agora. —Guerreiro tragou saliva e baixou o olhar. —Quero-te muito, tah-mah. Se me deixar, meu coração jazerá sobre a terra. Mas chegou o momento de que cumpra a última parte da profecia.
A Caçador lhe secou a boca. Fixou a vista nas estrelas.
—Alguém deve preservar os costumes de nosso povo —pigarreou Guerreiro, —alguém que canto nossas canções e ensine nossos costumes. Se você não o fizer, tudo o que somos se perderá. Deve ir procurar a sua mulher e levá-la longe, às terras do oeste, onde esta guerra não vos alcance. —A voz de Guerreiro tremeu emocionada. —A um lugar novo, Caçador. Já conhece as palavras da canção.
—Guerreiro, faz que pareça tão simples. Viu o que aconteceu perto de sua casa hoje. Ela me cuspirá à cara quando vir. —Caçador ficou um braço sobre os olhos. —Deixei-a e cavalguei para a batalha contra sua gente. A quantos matamos do ataque a nosso povoado?
—Não te dará as costas.
—Como sabe? E diz que devo cumprir com a última parte da profecia? Como? Onde está esse sítio elevado de que falam os deuses? Onde está o ravina cheio de sangue? E como poderei cruzar alguma vez uma distância tão grande para levar a Loretta da mão?
—Deve ter fé. O lugar elevado aparecerá, como aparecerá o grande ravina. —Tornando-se para diante, Guerreiro deu um apertão a Caçador no ombro. —Coragem, tah-mah. Tem que ter coragem.
Caçador apertou os dentes.
—Sinto-me tão sozinho. Não posso olhar dentro de mim e encontrar minha cara, Guerreiro. Levantei minha tocha para matar a esse homem hoje, e não pude fazê-lo. Nosso pai morreu. Sua mulher está morta. Onde está meu ódio? Quando trato de buscá-lo, não o encontro. Solo um grande vazio e uma tristeza tão profunda que me doem até os ossos.
O apertão de Guerreiro se fez mais forte.
—O ódio se foi a um lugar muito longínquo que não pode encontrar, como disse a profecia. Por isso acredito que é hora do que siga seu próprio caminho. Deve lutar a última grande luta por seu povo, sim? E deve fazê-lo sozinho. Eu tenho que ficar. Por nossa mãe, por meus filhos. Você é nossa esperança, nossa única esperança.
—Chama-o esperança? Eu o chamo sair correndo.
—Não! Quando corremos, fazemo-lo em busca de um lugar familiar e seguro. O inverno cairá logo sobre nós. Terá que te enfrentar ao desconhecido e a grandes perigos quando for ao oeste. —lhe dando um débil empurrão, exclamou: —É nossa esperança, Caçador! por que não o vê? Quando o último comanche abandone sua arma, quando o último chefe diga que tudo acabou, saberemos que não tudo acabou. Saberemos que nosso povo sobreviverá... longe deste lugar... que nossas canções se cantarão, que nossos costumes se respeitarão. Sei que tem medo, mas o medo nunca te deteve. Não deve deixar que te detenha agora.
—Irei onde os deuses me levem —sussurrou Caçador. —Sabe que o farei. É só que não posso ver o caminho que eles querem que siga. Não há ninguém para me guiar.
—Verá o caminho em seu momento. Quando for para o oeste saberá, dentro de ti. Saberá para onde encaminhar seus passos. —A voz de Guerreiro transmitia segurança. —Eu gostaria de te pedir algo, tah-mah. Cavalga junto a mim por última vez na batalha. Será a última lembrança que teremos um do outro, fará-o?
Uma vez mais, Caçador recordou os olhos azuis do branco ao que não tinha podido matar. «As batalhas se estenderão detrás de ti sem horizonte.» Quando terminariam? Mas seu irmão o tinha pedido.
—Cavalgarei contigo —sussurrou Caçador— por última vez.
Alisando o jergón de peles, Guerreiro se estirou de costas sobre ele, tão perto de Caçador que lhe roçou com o braço. depois de um bom momento, disse:
—Falará-lhe com seus filhos de mim?
Caçador desejou poder chorar, mas as lágrimas se amontoavam em suas pálpebras, dolorosas e ardentes.
—Sim. E você lhes falará de mim aos teus?
—Farei-o. —A voz de Guerreiro se quebrou. —Contarei-lhes de ti e sua dourada e da canção que lhes levou ao oeste. Ama-a muito, tah-mah. Os dias de estar juntos som poucos.
—Sim. —Caçador sabia que Guerreiro pensava em Donzela da Erva Alta. Com uma voz rouca, acrescentou: —Muito curtos.
À manhã seguinte a família Masters se uniu à caravana de granjeiros que fugia ao forte Belknap. Como os carros estavam já abarrotados de coisas, todas as pessoas em forma tinham que ir caminhando, o que deu às mulheres a oportunidade de intercambiar suas histórias de terror. Ao parecer, todo mundo temia por suas vidas.
Duas horas depois, lhe rompeu uma roda ao carro dos Shaney, e o grupo teve que parar-se para que os homens a arrumassem. Os granjeiros puseram seus carros formando um círculo e montaram um acampamento provisório. As mulheres começaram imediatamente a preparar a comida de meio-dia. Loretta e Amy ajudaram trazendo combustível para os fogos de cozinhar.
—Pelos pregos de Cristo! —grunhiu Amy. —Bonita maneira de passar a manhã, agarrando caca para o fogo. por que nós?
—Porque não somos tão velhas para cair de culo nem tão jovens para nos perder. —Loretta se agachou, agarrou uma boñiga seca e a pôs no saco. depois da horrível experiência da noite anterior em casa dos Bartlett, Amy não tinha sorrido nem uma vez. Loretta não podia evitar estar preocupada. —Nunca te queixava no povoado de Caçador.
—Isso era diferente. Uma espera ter que recolher mierda de búfalo quando se vive com os índios —suspirou. —Isto está tão plano como uma mesa. Quem ia perder se? andamos um quilômetro e ainda podemos ver nosso carro.
—Há um montículo mais à frente.
—Só um. Alguém poderia caminhar durante quilômetros e utilizá-lo como marca do terreno.
Loretta encontrou outra boñiga. Com a esperança de arrancar um sorriso a Amy, fez uma careta e a ondeou ante os narizes da moça.
—Quer que nos esfreguemos um pouco o cabelo com ela?
—Raios, não!
Sem sorriso. A pobre Amy não tinha muitos motivos para estar alegre estes dias. Sem dar-se por rendida, Loretta disse:
—Isto é o que me disse você uma vez, recorda? Que as mulheres comanches se esfregavam o cabelo com boñigas.
—Talvez o fazem. —Determinada a seguir com seu mau humor, Amy franziu o cenho e agarrou uma boñiga, pondo-a junto às demais no saco. —Certamente no inverno. Não estivemos ali nessa época do ano. De todas formas, que dêem aos índios. —mordeu-se o lábio superior, com expressão desconsolada. —Como pode estar contente? Os Bartlett estão frios em suas tumbas. E o fizeram os comanches! ouviste o que todo mundo diz? Chamam-nos animais assassinos. E acredito que têm razão!
—Porque os rastros do cavalo de Caçador estavam onde os Bartlett?
—Sim! —Amy levantou os olhos, que lhe brilhavam com lágrimas de raiva. —Enganou-me me fazendo acreditar que era alguém que não é. Odeio-o.
Loretta suspirou.
—Enganou-te, Amy? Caçador está lutando uma guerra. Na guerra ocorrem coisas horríveis, coisas que estão fora de nosso controle. Se for condenar a Caçador, então te direi que se merece um julgamento. Façamos uma lista com as evidências que lhe culpam, de acordo? —Loretta levantou o punho. —O que fez Caçador quando Santos te seqüestrou?
—Veio e me salvou.
Loretta subiu o dedo polegar.
—Essa é uma evidência. O que fez depois de te tirar de onde estava Santos?
—Cuidou-me —respondeu Amy com um fio de voz, os lábios trementes. —Ah, Loretta, já sei quão bom é Caçador! Não tem que me fazer uma lista.
—Isso me alivia, porque não estou segura de ter dedos suficientes para enumerar suas virtudes. —Loretta sorriu e tocou o braço da Amy. —Não esqueça todas essas coisas maravilhosas que Caçador tem feito, Amy, não por um rastro de cavalo. Caçador é seu amigo. E foi muito bom amigo. merece-se sua confiança.
—Como pode explicar esse rastro de cascos?
Loretta sacudiu a cabeça, sentindo-se de repente velha e cansada.
—Não preciso fazê-lo. Pensei muito sobre isso ontem à noite. Sobre Caçador, sobre as coisas que sei dele. Há um velho dito que diz que não devemos acreditar nada do que ouçamos e só a metade do que vejamos. Acredito que esse rastro está nessa metade do que não devo acreditar. Conheço caçador. E você também. Não lhe teria feito isso à senhora Bartlett. Nunca!
—Está-me fazendo sentir muito culpado por duvidar dele.
—Caçador não quereria que se sentisse culpado. Assim não o faça. te limite a ter fé nele.
Quando se estirou para abraçar a Amy, Loretta ouviu um grito. Olhou para trás ao pequeno conjunto de carros e viu uma mulher que agitava os braços e se dirigia a elas.
—Algo passa.
Amy olhou para ali, deslumbrada pelo sol.
—Querem as boñigas ou não? Que mulher mais estranha. Se acreditar que vou correr todo o caminho de volta até ali está muito equivocada. O que é o que diz?
Loretta afinou o ouvido mas não pôde entender nada.
—Será melhor que voltemos. Possivelmente arrumaram já o carro e estão preparados para...
Loretta ficou geada, o final da frase engasgado. Pela extremidade do olho viu os comanches, eram mais de um centenar. obrigou-se a olhar para ali. Montados a cavalo, os guerreiros formavam um grupo compacto, joelho com joelho, em três largas filas.
—Ai, Meu deus, Amy corre!
Atirando o saco de boñigas ao chão, Loretta agarrou a Amy pelo braço e cortou com seus pés a erva espaçada que as separava dos carros. Até esse momento não se deu conta do muito que se haviam, afastado. Não havia maneira de que pudessem consegui-lo. Não. As visões da granja dos Bartlett passaram por sua cabeça. Golpeou o chão com os talões, fazendo que o impacto sacudisse suas pernas.
Amy tropeçou com a saia e caiu de bruces sobre a erva.
Loretta atirou dela para levantá-la, fazendo um esforço por respirar.
—Date pressa, Amy! Deus, date pressa!
ouviu-se um disparo. O som foi tão forte que Loretta notou o estalo nos ouvidos. Amy se afundou nos talões, os olhos imensos e a boca desencaixada.
—Amy! Vamos!
Soou outro disparo, esta vez dos carros. Os comanches responderam com uns agudos gritos de guerra. A fila traseira se desagregou, abrindo-se em um grande leque para flanquear a formação pelos extremos. Loretta se agarrou por braço da Amy, arrastando-a para diante. Os carros. Tinham que chegar aos carros. Aí fora estavam indefesas.
O turno de disparos que seguiu, fez que Loretta aliviasse o passo. Não estava segura já da direção da que provinham os disparos. Só sabia que ia se produzir um ataque índio a grande escala e que ela e Amy estavam entre dois fogos. «Por favor, Deus. Por favor, Deus.»
ouviam-se gritos por todos lados. O estou acostumado a começou a vibrar aos pés da Loretta. Olhou horrorizada por cima do ombro e viu os cavalos que carregavam contra elas.
Justo nesse momento lhe enredou a ponta do calçado com um arbusto de erva e se cambaleou, perdendo a sujeição que tinha na Amy.
Tratando de manter o equilíbrio, Loretta gritou:
—Segue correndo! —E Amy o fez. Com um pânico cego. Não para os carros, a não ser para os comanches. Loretta saiu detrás dela. —Amy! Volta! Eles não lhe conhecem! Volta!
Amy seguiu correndo na direção equivocada, como uma gazela. Loretta se lançou para ela, tratando de agarrá-la pelo braço. Seus dedos lhe tocaram a manga, mas ficaram vazios. Com a vista posta nos índios, que avançavam implacáveis, Loretta titubeou e ficou atrás. Antílope Veloz! Com razão Amy corria para os índios. Antílope Veloz cavalgava em primeira fila, e Amy devia havê-lo visto. Em um momento de pânico, tinha deslocado para alguém que sabia que poderia protegê-la.
Loretta se deteve e se tampou a boca com as duas mãos. Amy seguia correndo para os comanches. E se Antílope Veloz não a via? E se algum outro índio a via e a matava antes de que Antílope Veloz pudesse detê-la?
Caçador, que cavalgava no flanco esquerdo, observou um movimento rápido e dirigiu o rifle a vários pontos, reconhecendo à figura que corria para eles. Cabelo dourado e mel. Imediatamente lhe assaltou o medo. Amy. Nesse momento viu também a Loretta que corria atrás dela. Com um movimento brusco do cavalo, Caçador saiu disparado através da fila frontal. Interceptados sem prévio aviso, os outros guerreiros se viram obrigados a recolher rédeas. Seus monturas se encabritaram e agitaram os cascos ao ar. Os comanches que vinham por detrás se viram envoltos no tumulto e trataram desesperadamente de controlar seus monturas.
Com a confusão, Amy perdeu de vista a Antílope Veloz. Trocou de direção e correu para os carros, cobrindo uma grande distancia antes de que Caçador pudesse dirigir seu cavalo. O medo lhe atravessou na garganta. Amy, com a saia torcida pelo vento e o cabelo loiro fazendo de brilhante objetivo, corria em linha reta aos carros. E Loretta ia detrás.
Entre as forças inimizades. Os brancos, ao ver as mulheres, tinham deixado de disparar, mas ao jogar uma olhada aos seus, Caçador viu que um guerreiro apontava contra ela.
—K, não! —Caçador fez ziguezaguear seu cavalo para a linha de fogo do homem. —Não!
Com um chute furioso, investiu a todo galope e se adiantou vários metros aos guerreiros, muitos dos quais eram de outra tribo. Não reconheceriam a Amy nem a Loretta. Se Caçador não conseguia deter os disparos, sua mulher e sua irmã pequena morreriam. Quando esteve seguro de que todos na formação podiam lhe ver, girou o cavalo e os olhou de frente. Levantou o rifle por cima de sua cabeça e fez um sinal para que deixassem de disparar.
Sem deixar de seguir a Amy, Loretta viu caçador no momento no que seu cavalo me sobressaía frente aos outros. deteve-se um momento a agarrar ar e olhou por cima do ombro. Caçador, dando as costas aos carros, sua alta figura sobre o cavalo, ondeava o rifle por cima de sua cabeça.
Como se se tratasse de um sonho, deu meia volta. A imagem de Caçador fazendo dê objetivo se gravaria no tecido de sua mente para o resto de sua vida.
O terror eclipsou todos os sons. Só o sangue zumbia em seus ouvidos, o roce agônico de sua respiração, e o nome de Caçador, que se repetia em sua cabeça como uma letanía enquanto saía correndo para ele. O tempo se deteve. Sentiu como se caminhasse com dificuldade através de um rio de frio melaço, as pernas duras, e os pés como duas bolas de chumbo. Caçador. Como se estivesse apanhado em um sino de cristal, ele surgiu ante ela, uma imagem reproduzida ao detalhe pela luz do sol, mas impossível de alcançar. Caçador. Os brancos dos carros o matariam. Para eles, não era uma pessoa, era um animal. Embora ela se encontrava ainda a bastante distancia, Loretta se dirigiu a ele, gritando seu nome em silêncio.
Quando se produziu o disparo, ela se estirou como se a bala tivesse entrado em seu próprio corpo. O estalo ressonou e ressonou, alto e vibrante, materializando seus piores temores com uma finalidade lhe esmaguem. Tinha que correr. Só via caçador, sobre o cavalo um segundo, formoso e orgulhoso, e cansado para diante ao segundo seguinte, como se uma mão malvada lhe tivesse golpeado as costas. agarrou-se à lateral do cavalo. E caiu...
Tinham disparado a Caçador. Loretta não podia pensar em nada mais. Os outros comanches lhe pareceram imprecisos. Caçador era sua única realidade, e os dedos frios da morte lhe rodeavam. Os momentos transcorridos nos últimos três meses passaram por sua mente como em uma peça de teatro. Seu bravo captor, seu leal amigo, seu tenro amante. Não podia perdê-lo assim.
—Caçador! Não, por favor, Meu deus, ele não!
Loretta chegou até ele e ficou de joelhos, tratando de agarrá-lo em braços. O peso da morte. Não podia lhe levantar. Havia sangre por todos lados. Um gemido tortuoso saiu de sua garganta. Caçador, não! Com a mão tremente, tocou-lhe um lado da mandíbula, chorando seu nome. «Este comanche não pode trocar sua cara.» Tocou-lhe a cicatriz que atravessava sua cara, os lábios inertes que tantas vezes lhe tinham sussurrado para consolá-la. Se ele tinha gravado sua cara em seu coração, ela tinha a gravada sua na alma.
—Não morra! Caçador, por favor, não morra! Quero-te! Caçador... —Um soluço rasgou as palavras que saíam a fervuras das vísceras. —Lhe...quero. Nah-ich-k, ouve-me? Quero-te! Não pode morrer e me deixar. Por favor, não me deixe!
Como se sua voz pudesse lhe alcançar de algum modo, ele se moveu ligeiramente e gemeu. Loretta se encheu de esperança. Com a atenção posta pela primeira vez na ferida, viu que a tinha no ombro. «Não é mortal se se para a hemorragia, se lhe cuida bem.» Com a esperança deste pensamento, assaltou-lhe um temor diferente. Olhando atemorizada aos carros, cobriu o corpo de Caçador com o seu próprio.
—Não disparem! —Seu grito atravessou o ar. —Não disparem, maldita seja! Não disparem!
fez-se o silêncio na planície. Os brancos tinham deixado já de disparar, com medo a disparar aos de sua própria gente. Os comanches, inclusive aqueles que não tinham visto nunca à mulher de cabelo dourado de Caçador, sabiam dela e baixaram os rifles. Antílope Veloz desceu do cavalo e saiu correndo. Guerreiro, no extremo direito da fila frontal, cavalgou para eles também.
Os dois homens não perderam um segundo. Com delicadeza, apartaram a Loretta de seu marido. Levantaram o corpo mortiço de Caçador e o subiram ao cavalo. Loretta ficou em pé, observando, impotente, como Antílope Veloz guiava o cavalo de Caçador entre os outros e Guerreiro corria de volta a seu Pinto.
—Guerreiro! Não me deixe aqui! Por favor, não me deixe aqui!
antes de ir-se, Guerreiro se deu a volta para olhá-la, com uns olhos escuros penetrantes e o olhar contraído. Depois desapareceu entre sua gente. Os comanches se retiraram tão rápido como tinham chegado.
Loretta, sacudida pelo vento, ficou sozinha de pé na planície, até que já não pôde vê-los mais. Quando já não pôde ouvir o estrondo dos cascos, levantou as mãos e se olhou as manchas avermelhadas que manchavam sua pele. O sangue de Caçador. O último sacrifício. E o tinha feito sem duvidar, cheio de amor para ela. A dor de saber isto a fez chorar até que já não teve mais lágrimas.
Essa noite depois do jantar, Loretta se sentou junto ao fogo com uma taça de café arenoso nas mãos. Utilizando como assento um cubo colocado do reverso, fixou a vista nas parpadeantes chama. As mulheres que se congregavam ao redor do fogo falavam pouco, algumas, pensou Loretta, seguiam assustadas de que pudesse produzir-se outro ataque dos comanches, outras sem dúvida porque receavam de sua presença e queriam lhe deixar claro que se davam conta. A mulher de um comanche. Depois do espetáculo que tinha dado essa manhã, todo mundo sabia.
A Loretta dava igual. Tinha uma dor no peito tão grande como uma pedra. Não sabia se Caçador vivia ou não. Talvez nunca soubesse. Era seu marido. Amava-o. por que estas mulheres não podiam entendê-lo? Em vez disso, atuavam como se fora uma espécie de verme em um saco de farinha.
Possivelmente tivessem razão. Já não pertencia a seu mundo. Duvidava de que pudesse voltar a encaixar em nenhum lugar outra vez, inclusive entre os comanches. Os olhos de Guerreiro. Nunca esqueceria como a tinha cuidadoso antes de que se fora. Ela não tinha disparado o rifle, mas tinha sido o motivo de que Caçador caísse. Tinha visto a acusação escrita no rosto de Guerreiro.
Suspirando, Loretta moveu a cabeça para trás e observou as estrelas. Os granjeiros, temendo outro ataque, tinham posto os carros em círculo. Quase todo mundo estava aterrorizado por ter que passar a noite ali. O carro do Shaney seguia sem estar arrumado. Loretta havia tentando lhes tranqüilizar sem êxito. Ela sabia que os comanches não voltariam a atacar. Como se Guerreiro fosse deixar que atacassem uma caravana em que viajava a mulher de Caçador!
ouviu-se o uivo de um coiote e o som pôs os cabelos de ponta a Loretta. Afinou o ouvido, tratando de escutar algo.
—Espero que isso seja o que parece e não um índio —sussurrou a senhora Cortwell.
—Parece um coiote —respondeu a senhora Spangler. —Olhe ali, olhe que lua há. Embora claro, também é uma boa lua para matar. Lua comanche, chama-a meu marido.
O fogo crepitou, e a senhora Shaney deu um coice.
—Céus, tenho os nervos a flor de pele!
O coiote voltou a uivar, e seu pranto se perdeu no céu, triste e solitário. Loretta ficou em pé. O coração começou a lhe pulsar mais depressa.
—O que ocorre? —gritou a senhora Spangler.
A senhora Cortwell ficou a mão na garganta.
—Ai, senhor, são os índios! —ficou de pé de um salto. —Matthew! Matthew Cortwell, onde diabos te colocaste? Aí fora há índios!
—Não lhes farão mal! —disse Loretta brandamente. —Fique tranqüila, senhora Cortwell.
—Para ti é fácil dizê-lo, puta comanche!
Loretta se deu meia volta e se afastou do fogo. Assustado pelos gritos da senhora Cortwell, tio Henry saiu do carro e a parou a meio caminho.
—Nem o pense, Loretta Jane.
—Caçador está aí fora, tio Henry.
—Isso não sabe. Quer perder a sua família, moça? —Agarrou-lhe o braço. —E não só isso, pensa também em nós e no que dirão.
Outros homens se congregaram ao redor. Loretta olhou suas caras acusadoras e se sentiu apanhada. Voltou a ouvir a coiote. Caçador.
—Vou. Está aí fora me chamando, e vou.
O senhor Cortwell se aproximou, com a asa do chapéu baixada, o que obscurecia por completo sua cara.
—Se for, mulher, não volte. Tem que entendê-lo assim.
—Isso! —acessou outro homem. —Não queremos a uma maldita amante dos índios conosco. Vê com ele, e Por Deus, que saiba que não poderá trocar depois de idéia.
Loretta olhou primeiro a um homem e depois a outro. Eles lhe devolveram o olhar com olhos cheios de ódio. Nesse instante soube que se passava o círculo dos carros, a decisão seria irrevogável. De repente, teve medo. além da luz do fogo os comanches esperavam, possivelmente os mesmos comanches que tinham matado à senhora Bartlett. Uma guerra. Esses homens que a rodeavam eram iguais que ela e formavam parte de seu mundo. Se lhes dava as costas, estaria dando as costas a tudo o que lhe era familiar e querido. Incluída sua família. Caçador a tinha deixado uma vez. E se tinha vindo agora não a levá-la com ele, a não ser a lhe dizer que estava no certo?
Loretta, paralisada pela indecisão, tragou saliva e lançou um olhar de temor à escuridão que se estendia além dos carros. Se não se reunia com ele agora, talvez não tivesse a oportunidade de fazê-lo nunca mais. ia ter um filho dele. Devia sabê-lo. Se ela ia a ele, não a deixaria. Não, se entendia que não podia voltar com os seus. Mesmo assim, lutar por sua gente era importante para ele. Os brancos tinham derramado muita sangue em seu povoado.
«Confia.» Era mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Por um momento, Loretta se debateu, incapaz de tomar uma decisão. Chase Kelly Lobo. Índigo Nicole Lobo. Seu filho ou filha tinha o direito de conhecer seu pai. E perderia a oportunidade se não se armava de valor. Queria passá-la vida olhando-se no espelho, como fazia tia Rachel, arrependendo-se?
Loretta se soltou de tio Henry. Se ia-se, tinha que dar-se pressa antes de que Caçador desistisse e se fora. abriu-se passo entre os homens e ignorou os insultos que começaram a lhe proferir.
Amy apareceu na escuridão. Pela expressão de seu rosto, Loretta soube que tinha estado escutando. Trocou o passo e se jogou nos braços de sua prima com força.
—Quero-te, Amelia Rose. Não o esqueça nunca.
Amy começou a mover os ombros ao compasso de seus soluços.
—Não o farei. Te vou sentir falta de, Loretta. Muitíssimo.
Loretta a estreitou com mais força.
—Talvez um dia voltemos a estar juntas. Tem que conhecer meu filho!
—Possivelmente quando Antílope Veloz venha a me buscar. —Amy se engasgou emocionada e se apartou um pouco. —O dirá, verdade? Que não esqueci a promessa que lhe fiz? Que o esperarei?
—O direi.
—Será melhor que vá. —Amy lhe roçou a bochecha com a mão. —Vamos! antes de que Caçador se vá!
Loretta olhou para o carro com uma expressão de culpabilidade nos olhos.
—lhe diga a tia Rachel que...
—Sabe, mas o direi de todas formas.
Loretta tocou a bochecha da Amy com a mão, tratando de sorrir mas muito assustada para consegui-lo.
—Adeus.
—Adeus, Loretta Jane. Adeus!
A palavra seguiu a Loretta na escuridão. Adeus. Enquanto deixava atrás a caravana, sentiu-se mais só do que o tinha estado jamais. A luz da lua banhava a planície. Loretta fez um círculo lento mas não viu ninguém. Se Caçador estava aí fora, por que não se deixava ver?
A chamada do coiote se elevou no céu uma vez mais. Loretta se girou para o som e correu em direção à colina. Ao subir o pendente, Caçador saiu de entre as sombras, alto e escuro, com o cabelo ondeando ao vento. Levava a parte alta do peito e o ombro coberto de tiras de tecido. Calicó e musselina.
Diminuindo o passo, Loretta caminhou um bom trecho para ele, depois se deteve. Queria-a como sua mulher agora? Tinham passado muitas coisas da última vez que se viram. Muito dor e muitas mortes. Tinha a cara escondida nas sombras e não podia ver nada de sua expressão.
Quando Loretta se deteve vários metros dele, o coração de Caçador deixou de pulsar um momento e depois se acelerou. Ao vê-la surgir das sombras, viu uma mulher tosi vestida com roupa tosi, a pele pálida e o cabelo dourado iluminados pela luz da lua comanche. Como havia dito a profecia, pararam-se de pé em um lugar elevado, ela na terra dos tosi tivo e ele, comanche até os ossos, na terra de seus antepassados. Uma grande distancia lhes dividia, uma distância muito mais difícil de cruzar que os poucos metros que agora havia entre eles.
Caçador se sentia impaciente por todas as coisas que queria lhe dizer, mas nenhuma delas parecia importar agora. deu-se conta então de que o grande ravina cheio de sangue não era um lugar na terra a não ser em seus corações. Havia uma dor nos olhos da Loretta que lhe partia em dois. Sabia que era a mesma dor que o seu. Seu pai, Donzela da Erva Alta, os pais da Loretta. Eram tantos os seres queridos que tinham perdido...
—Está bem? —perguntou ela.
Caçador estava fraco pela perda de sangue. Tinha o ombro como se lhe tivessem parecido um carvão ardendo.
—Estou bem. vieste, sim? Há tantas coisas das que temos que falar...
—Vi o rastro de seu bom amigo na granja dos Bartlett —disse com voz tremente. —Uma mulher e duas meninas foram assassinadas. Sei que esteve ali.
Caçador fechou os olhos. Se pudesse fechar a distância entre eles e abraçá-la... Mas o medo ao rechaço lhe detinha.
—Pequena, eu...
—Não! —Levantou a mão. —Não diga nada, Caçador. —Tremeu-lhe o braço ao baixá-lo. —Não quero que me explique isso, de verdade. Não o necessita.
Claro que o necessitava. Caçador examinou a terra, em busca das palavras adequadas. Não as encontrou.
—Fui à granja depois. Digo a verdade.
Levantando a vista para ela, Caçador tratou de ler seus pensamentos. E se não lhe acreditava? Quando tratou de imaginar como seria a vida sem ela, solo viu vazio. Tinha que lhe acreditar.
Com um medo que não havia sentido jamais, estendeu uma mão para ela, com a palma aberta olhando para cima. Por um momento interminável, ela ficou olhando os dedos que lhe estendia; depois, com um grito afogado, correu para ele. Ao lhe dar a mão, Caçador apanhou seu leve figura e a atraiu para ele com o braço são e a abraçou até pensar que ia romper lhe os ossos. «Flores da primavera, suave como a pele de um coelho, cálida como a luz do sol.» Reprimiu um soluço.
—Seu ombro. vais fazer te danifico.
—Não é nada. —Não mentia. A dor parecia muito distante agora, como um falcão rondando e voando em círculos. Mais tarde descenderia para lhe romper a carne, mas por agora podia esquecer-se dele. Caçador afundou a cara na curva de seu pescoço, seu lugar favorito. Tinha sonhado tantas noites com isto, tinha-o desejado tanto... As lágrimas encheram seus olhos, e um tremor lhe atravessou o corpo. —Quero-te tanto, pequena. Tanto.
—Eu também te quero, Caçador. Pensei que ia morrer quando me deixou.
—Irá deste lugar comigo, seguirá meus passos?
Um silêncio contraído se criou entre eles.
—Ah, sim, Caçador. claro que sim.
—Não faça uma promessa tão rápido. Devemos ir ao oeste. Sozinhos, Olhos Azuis, deixando tudo o que somos atrás. A todos aqueles que amamos, a sua gente e à minha.
Loretta lhe agarrou a cara com as mãos, tremendo pela intensidade das emoções.
—Caçador, você é minha gente. Seguirei-te aonde seja.
—Não conheço o caminho. —Tinha a voz grave, e as palavras saíam a tropicões. Admitir sua própria vulnerabilidade não lhe resultava fácil. Mas não era momento de ser orgulhoso. Se Loretta escolhia lhe seguir, sua vida estaria em perigo. Queria que soubesse. —A canção diz que faremos uma nova nação, mas este comanche teme não poder alimentar nem sequer a dois. Se caminhar junto a mim, segue a um homem que está perdido.
Loretta lhe rodeou a cintura com os braços e apoiou a bochecha contra seu peito, inalando o aroma de sua pele, amando-o. Pôs os olhos na lua gigantesca que brilhava sobre eles. «A Mãe Lua nos cuida.»
—Não está perdido, Caçador. As palavras de sua canção lhe guiarão. E quando lhe faltarem, seus deuses lhe conduzirão ao lugar que estamos destinados a encontrar. Cantaremos as canções dos antepassados a nossos filhos. O comanche e a tossi tivo viverão como um para sempre. Não o vê? Você e eu somos o princípio. —Arqueou as costas para olhá-lo aos olhos. —Caçador e seu cabelo amarelo, juntos como um sozinho.
—Crie-o? —Caçador a examinou, bastante surpreso. —As palavras de minha canção estão em seu coração?
Sonriendo através das lágrimas, Loretta lhe disse o significado de seu nome.
—Sim, acredito. Acredito em seus deuses. Acredito em sua canção, mas, o mais importante, acredito em ti. —Tocou com os dedos a cicatriz de sua bochecha. —Não tenho medo de nada salvo de estar sem ti. Esta manhã, quando pensei que lhe tinham matado... Nunca tinha tido tanto medo. Nunca.
Búfalo Vermelho saiu de entre a escuridão, guiando seu cavalo de guerra favorito. Loretta e Caçador, abraçados, giraram-se para lhe olhar. Quando Búfalo Vermelho chegou junto à Loretta, agarrou-lhe a mão e lhe pôs os dedos ao redor da rédea do animal.
—Búfalo Vermelho, não posso aceitar seu cavalo! —Ela sabia que este cavalo era a posse mais valiosa do comanche, finamente domado, e sua arma mais capitalista quando participava da batalha. Era uma grande honra que o entregasse, possivelmente a maior honra que um guerreiro podia fazer a ninguém, mas ela não podia aceitá-lo por consciência.
—A boa esposa de minha primo comanche deve ter um bom cavalo. Nunca chegarão ao oeste em um desses cavalos percherones e mau treinados dos tosi tivo.
Búfalo Vermelho lhe estendeu a mão. «Em sinal de amizade.» Ela tinha prometido uma vez que nunca estreitaria sua mão de amigo, nunca. Por um momento duvidou. Depois, o último nó de ódio de seu interior se desfez, e pôde lhe dar a mão. Loretta sabia que sua mãe estaria satisfeita. Para a Loretta e Caçador, a guerra entre sua gente tinha que terminar. Não havia espaço para o passado em seus corações, não havia espaço para a amargura.
Búfalo Vermelho sorriu, inclinou a cabeça a Caçador e se girou para partir.
—Búfalo Vermelho, poderia dar uma mensagem a Antílope Veloz de minha parte? lhe diga que Amy não esqueceu sua promessa, que lhe esperará.
Búfalo Vermelho levantou a mão em sinal de despedida.
—O direi.
depois de que Búfalo Vermelho desaparecesse na escuridão, Caçador apertou a mão com a que percorria a cintura da Loretta. Baixou os olhos e elevou as sobrancelhas com uma expressão tão inquisitiva como surpreendida. lhe colocando a mão no abdômen, sussurrou.
—Olhos Azuis, o que é isto?
Loretta o olhou, os olhos ainda umedecidos pelas lágrimas.
—Nosso filho, Caçador.
Seus quentes dedos se dobraram como se queria protegê-la. Lentamente, sua cara se iluminou com um sorriso.
—Um filho... —pronunciou a palavra em um suspiro reverente.
—Nosso filho.
Loretta colocou sua mão sobre a dele, tão cheia de amor que sentiu que ia derreter se. O futuro era incerto. O caminho que lhes esperava estaria cheio de perigos. E estariam completamente sozinhos. Duas pessoas contra um mundo hostil.
Mas nada disto a assustava. O seu não era um amor ordinário e sabia que o curso de suas vidas tinha um propósito maior que o de estar juntos.
Encontrariam o caminho para o oeste, como estava escrito. Sabia que o fariam. A nação comanche estava condenada. Não havia forma de parar aos granjeiros brancos em seu caminho para a terra dos antepassados. Uma raça inteira de gente seria finalmente conquistada e destruída.
Ela e Caçador eram como sementes flutuando no vento. De algum modo, em algum lugar, encontrariam um lugar fértil onde poder jogar raízes e fazer-se fortes. Através deles, os antepassados viveriam. Os deuses lhes tinham enviado um sinal para lhes ajudar a acreditar, para lhes dar fé, e ela não tinha já nenhuma dúvida de que as palavras da canção de Caçador se cumpririam.
Dentro dela crescia um menino, que era tão tosi tivo como comanche, o filho de um grande guerreiro de olhos azul índigo e de sua mulher de cabelo como o mel. Um filho que traria renovadas esperanças para seus antepassados e para o futuro.
Catherine Anderson
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