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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


LUA ESCARLATE / Shannon Drake
LUA ESCARLATE / Shannon Drake

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

Na escuridão da noite...
Maggie Montgomery, dona da Magdalena's, uma elegante butique em Nova Orleans, fica chocada ao saber que um misterioso assassinato foi cometido na rua, em frente à sua loja, e que havia uma trilha de sangue entre a vítima e a porta da butique. Mas o choque se transforma em perplexidade quando Maggie fica conhecendo Sean Canady, o policial que vem interrogá-la... e que lhe inspira uma perigosa atração!
Algo poderoso, e além da razão, uniu Maggie e Sean. Algo relacionado com um passado em comum e que começou gerações antes, sob uma lua vermelha como sangue.
Pois naquela noite, mais de um século atrás, eventos perturbadores aconteceram na família Montgomery, e agora Maggie precisa encontrar um homem cujo amor seja puro o suficiente para salvá-la da escuridão à qual ela pode estar condenada...

 

 

 

 

 

 



Nova Orleans, 1840
- Não tem nada de errado com o conde DeVereaux - Magdalena protestou. Ela estava na enorme sala da casa-grande, discutindo com o pai. Sentada em uma poltrona,
tinha os pés firmes no chão e as costas empertigadas.
Observando-a, Jason Montgomery suspirou e sacudiu a cabeça com tristeza. Odiava magoar Magdalena, mas não havia outro jeito. Era sua única filha, bonita demais,
com uma vontade de ferro e uma inteligência vivaz, tudo isso aliado à graça de uma gazela e aos movimentos elegantes. Por vezes, podia parecer suave, terna, doce
e sedutora como a mais inocente das mulheres. Era ainda muito jovem, impressionável, apaixonada. Ele lhe ensinara a ser forte; afinal, não tinha herdeiros homens.
Era o senhor de tudo o que os rodeava ali naquela enorme propriedade, respeitado por todos os homens na Louisiana, homens que eram agora americanos, fossem seus
ancestrais franceses ou ingleses. Era uma pessoa sensata, experiente e, na verdade, poderosa. Tentara transmitir à filha tudo o que o transformara no que era.
E agora Magdalena usava esses ensinamentos contra ele.
- O senhor não gosta do conde porque ele é francês - ela o censurou.
- Não gosto do conde porque ele é... - Jason interrompeu a frase subitamente. Não queria que o julgasse um louco. Magdalena precisava respeitar a opinião dele
e suas ordens porque era sua filha.
- Escolhi viver neste lugar, onde meus associados são na maioria franceses - ele retrucou. Sim, isso era verdade. Em Nova Orleans havia homens e mulheres de
ascendência colonial americana; havia os franceses, os ingleses, e também os creoles, nascidos de ancestrais franceses. Existia gente de sangue mestiço, de pele
escura, e que sabia... sobre os segredos das sombras. Aquilo não seria possível. Não permitiria uma união do conde com sua filha. Levantou o punho, sacudindo-o.
- Sou seu pai. Você não vai se encontrar com Alec DeVereaux nunca mais. Decidi que se casará com Robert Canady, e isso acontecerá nos próximos meses.
- Não! - Magdalena gritou, levantando-se. Seus olhos irradiavam paixão e fúria. - Não farei isso, papai. - De repente, começou a soluçar. - O senhor nunca
me tratou assim! Ensinou-me a pensar e a sentir...
- Mas você não está pensando! - Jason exclamou. - Se estivesse, jamais iria querer se envolver com esse conde. Iria querer conhecer os pais dele, ter provas
de quem ele é, de onde veio...
- Está sendo arrogante, papai! Escute a si mesmo. O senhor me disse que esta terra passou a ser os Estados Unidos da América. Não nos curvamos a reis e rainhas,
e um homem faz o seu próprio destino...
- E garotas tolas desmaiam diante de homens misteriosos com títulos de nobreza!
- Papai, eu não me impressiono com títulos. O senhor não o conhece. Alec é instruído, e abriu um mundo novo para mim. Fez-me ver lugares distantes, entender
a história de homens e mulheres, coisas que aconteceram, e outras que ainda estão para acontecer. Eu estou apaixonada por ele porque...
- Oh, não... - Jason murmurou, em desespero.
- Estou apaixonada por ele porque Alec é corajoso, porque às vezes é muito serio, porque pode ser feroz e ao mesmo tempo terno, porque...
- Ele seduziu você, minha filha.
- Papai, ele é um homem honesto, e deseja se casar comigo.
- Nunca! Nunca, está me ouvindo? - Jason rugiu. Voltou-se ao criado que estava na sala. - Tyrone! Escolte minha filha ao quarto. Ela está proibida de sair
dali!
Tyrone era um negro livre. Ele caminhou na direção de Magdalena, com o olhar baixo.
- Desculpe, srta. Magdalena.
Magdalena olhou para o rosto atormentado do homem que era o braço direito de Jason Montgomery. O único defeito de Tyrone era o fato de ser totalmente fiel
ao seu pai. Ele a carregaria à força ao quarto se fosse necessário.
Voltou-se para o pai, ainda incapaz de acreditar no ódio que ele sentia pelo jovem por quem se apaixonara.
- Nem reis, nem rainhas, pai! Nenhum homem ou mulher, por mais poderoso que seja, nos comandará. Isto é América. Não me curvarei à vontade de ninguém!
Magdalena subiu as escadas, com Tyrone acompanhando-a de perto.
- Filha!
Ele era seu pai. Antes daquele momento, era sua queridinha, sua melhor amiga. Magdalena parou e se voltou.
- E quanto ao amor, menina? Você se curvaria à minha vontade porque ela vem do amor de um pai?
- Vou amar o senhor durante toda a minha vida, papai. Mas existe outro tipo de amor, e é por isso que precisarei desafiar o senhor.
- Você se casará com Robert Canady.
- Não vou fazer isso.
- Oh, criança, você fará, sim.
Magdalena arqueou a sobrancelha com ironia.
- Vai me manter presa até o dia da cerimônia?
- Oh, sim, filha, pela escuridão de cada noite que virá, juro que é isso o que vai acontecer!
Ela olhou para o pai, parado ali com incrível dignidade.
- Não me chame de filha - disse suavemente, e então recomeçou a subir a escada.
Dessa vez, não olhou para trás. Sentia o coração despedaçado. Lágrimas vieram aos seus olhos. Outros pais escolhiam os maridos de suas filhas. Não Jason. Ele
sempre fora também seu amigo,
Como não compreendia seus sentimentos? Um dia, ele também amara. Tinha confessado isso muitas vezes enquanto descrevia sua mãe com intenso ardor. Jason adorara
Marie d'Arbanville e se estabelecera naquele lugar para que ela se sentisse mais próxima de sua gente em Paris. Bem, isso não importava agora. Se ele conhecera o
amor, agora o havia esquecido.
Magdalena sentiu o coração bater mais forte. Robert Canady era um bom homem. Um viúvo bonito por quem já se sentira atraída. Chegara a desejar se casar com
ele, mas conhecera Alec. E o ouvira murmurar em seu ouvido, e sentira o seu olhar. Desde que Alec chegara a Nova Orleans, desde que haviam dançado no baile do governador,
desde que tinham rido, conversado, cavalgado juntos, não existia qualquer outro homem para ela. Ninguém mais com olhos de fogo e um murmúrio que despertava um anseio
em seu íntimo.
Entrou no quarto e bateu a porta. Prometera a Alec que iria vê-lo e que cavalgaria pelo riacho, voando pela noite, se isso fosse o necessário para encontrá-lo.
Olhou para a janela do quarto. Precisava ser rápida.
Puxou os lençóis da cama e procurou moldá-los no formato de um corpo, cobrindo-as depois com a colcha. Pegou sua capa e correu até a janela.
Magdalena!
Ela parou, confusa. Era como se tivesse escutado o chamado de Alec, um sussurro em seu ouvido. Como se ele estivesse ali perto, chamando por ela.
A brisa da noite a envolveu por inteiro.
Estou indo, meu amor, respondeu em pensamento.
Junto à janela havia uma árvore. Magdalena a alcançou com agilidade e foi descendo bem devagar pelos galhos. Ao passar pela janela da sala, viu o pai, com
a cabeça inclinada e os ombros baixos, sentado perto da lareira. A cena a comoveu.
Meu amor, meu amor...
Ela escutou o murmúrio outra vez, como uma carícia. Deixou a casa e correu em silêncio até os estábulos. Selou seu animal favorito e o conduziu para fora.
A lua estava cheia naquela noite sem estrelas, envolta por um tom escarlate misterioso. Talvez fosse uma tempestade chegando. A imagem era linda, apesar de
um pouco assustadora. Parecia que a lua se banhara em sangue.
Já longe de casa, Magdalena disse a si mesma que não poderia sentir medo. Uma vez que o pai compreendesse que ela se comprometera com o conde, decerto cederia
e aceitaria que os dois se casassem.
Cavalgou rapidamente pelos campos, e depois seguiu com mais cuidado pelo pântano. Sabia o caminho, conhecia bem o riacho. Nascera naquela região, e não tinha
medo de nada, nem de qualquer criatura da noite.
A lua escarlate a seguia. Mesmo com o coração pesado por estar desobedecendo ao pai, ela chegou à velha mansão que Alec comprara ao se mudar para Nova Orleans.
A casa adquiria o tom avermelhado do luar, como se as colunas brancas ganhassem sombras vermelhas, e a fumaça saindo da chaminé parecesse tocada por fagulhas em
forma de gotas de sangue.
Da janela de seu quarto, Alec DeVereaux sentiu um arrepio. Havia esperado uma eternidade por ela. Soubera, no momento em que vira Magdalena rindo no salão
de baile, que a amaria. Então a segurara em seus braços enquanto dançavam, e a desejara com uma angústia que suplantava a luxúria. Passara a noite atormentado pelo
desejo. Poderia tê-la seduzido; afinal, era um mestre nisso. Mas ela tinha de amá-lo também. E, por isso, esperara.
Até esta noite...
Ela viera, montada em um garanhão negro, banhada pelo brilho do luar. O cavalo começou a trotar pela alameda rodeada de jardins. Alec observou-a desmontar,
fascinado. Ouviu-a falando com Thomas na entrada, e escutou o som suave de seus passos enquanto subia as escadas.
Abriu a porta do quarto, e ela estava ali. Estendeu a mão, tocando-a finalmente, e lhe abaixou o capuz do casaco.
- Você veio - ele murmurou, e deu um passo para trás, convidando-a a entrar em seus domínios. A mão de Magdalena parecia tão pequena entre as suas. Delicada,
elegante. Tirou-lhe o manto e o largou no chão, deslizando o olhar por todo o lindo corpo.
Ela estendeu as mãos para sentir o calor do fogo na lareira. Alec a seguiu, segurou-a pelo ombro e aspirou o perfume de seus cabelos.
- Onde seu pai pensa que você está?
- Na cama.
Ele viu o pulsar de uma veia no pescoço de Magdalena e tocou o ponto com um beijo leve. Ela se virou, com ímpeto.
- Oh, Alec, não consegui mentir! Tivemos uma briga horrível. Eu... eu disse ao meu pai que queríamos nos casar.
- Ma belle, está tudo bem.
Magdalena suspirou antes de abraçá-lo.
- Ele precisa aceitar a nossa união porque eu te amo, Alec.
- Você me ama? Realmente me ama? - indagou. - Isso significa muito para mim. Nem sequer pode começar a entender o quanto.
Magdalena levantou o olhar, confusa. Ele era tão alto, e tinha os cabelos e olhos tão negros! Os ombros eram maravilhosamente largos, o peito firme, o queixo
perfeito. Não havia uma mulher em toda a Louisiana que tivesse dançado com Alec e não o considerasse o homem mais bonito que tinha conhecido.
Ele lhe contara um pouco sobre sua vida. A maior parte de sua família morrera durante a Revolução Francesa, mas havia alguns sobreviventes que desafiavam a
guilhotina. Ele próprio lutara na Batalha de Nova Orleans, quando menino, claro, trabalhando para o pirata Jean Lafitte. Tinha viajado muito, enfrentara um bom número
de duelos com pistolas e espadas. Era um excelente atirador. Por tudo isso, por tudo o que fizera, era um homem magnífico.
Subitamente, Alec se afastou. Havia uma garrafa de vinho em uma bandeja de prata depositada em uma mesinha. Serviu dois cálices, ainda de costas para ela.
Magdalena aproveitou para observar o quarto. Uma colcha de cetim preto fora estendida sobre a cama, contrastando com os lençóis brancos; sobre ela, havia uma pilha
de travesseiros. Na mesinha de cabeceira, outra garrafa, provavelmente de champanhe, ela pensou. Alec não disfarçava a razão de querer sua presença ali. No momento,
vestia apenas um roupão preto com listras vermelhas. Magdalena tinha certeza de que ele não usava nada por baixo. Mesmo assim, Alec parecia estar ostensivamente
se distanciando dela.
-Talvez seu pai tenha razão. Talvez você não devesse me amar.
- Você me ama? - ela quis saber. Alec se voltou para encará-la, solene.
- Com todo o meu coração. E vou amá-la por toda a minha... não, por toda a eternidade.
- Então não tem razão para que eu não te ame.
- E se eu for uma espécie de monstro?
- Por ser francês?
Alec sorriu de leve, e Magdalena o amou ainda mais.
- Por assombrar a escuridão - ele falou suavemente. - Por assombrar a noite. Eu matei...
- Muitos homens tiveram de fazer isso - Magdalena o interrompeu.
Ele sorriu de leve mais uma vez, observando-a, e ela sentiu os olhos dele. Verdadeiramente os sentiu. O fogo daquele toque parecia entrar em seu corpo, em
seu sangue. Sentiu-se tonta, faminta, deliciosa. Desejava aquele homem mais do que qualquer coisa em sua vida; tanto, que chegava a doer. Precisava tocá-lo, sentir
as mãos dele em seu corpo, os beijos dele em toda a parte. Queria-o dentro de si.
Mal podia respirar. Umedeceu os lábios e começou a abrir os botões de seu vestido.
- Ma petite chérie - Alec murmurou. - Você não veria mal em ninguém.
- Sei que não há mal algum em você.
Magdalena deixou o vestido cair no chão, ficando diante dele apenas com as roupas de baixo. Queria sentir os dedos de Alec em seu corpo. Você não está pensando,
o pai dissera, e era verdade, ela não estava pensando.
Não se importava. Sabia a diferença entre o certo e o errado, e que Deus a ajudasse, queria fazer o errado. No entanto, poderia ser errado amar tão profundamente?
Alec atravessou o quarto e pressionou o cálice de vinho entre seus dedos. Estavam muito próximos, e Magdalena viu o tormento nos olhos dele, a paixão angustiada.
Ele levou o cálice aos seus lábios, e ela bebeu. A brisa da noite que circulava pelo aposento pareceu erguer-se e baixar em ondas avermelhadas.
- E se eu for o Mal? - ele indagou.
- Você não é, Alec.
- Nunca quis ser...
A névoa se ergueu. Magdalena não estava mais com o cálice nas mãos, mas não se lembrava de tê-lo colocado em outro lugar. Piscou. O roupão de Alex jazia no
chão, e ele estava nu. Com as mãos estendidas, ele a fitava. Um tremor começou a percorrer seu corpo, seu sangue, sua alma, todo o seu ser. Desejava-o com uma intensidade
assustadora. Ele era forte e perfeito. O peito largo, coberto por pelos escuros; as pernas, musculosas; os quadris, estreitos. Olhou admirada para a ereção e estremeceu.
- Não me importo com o que você seja. Eu não me importo!
- Posso lhe trazer dor...
- Mas estou em agonia agora - ela disse. Não conseguindo mais resistir, abraçou-o, seus lábios buscando os dele. Mal beijara antes, mas subitamente era como
se soubesse devorar a boca de Alec, procurar pela língua dele, seduzindo-o, excitando-o.
Alec hesitou por um instante, lutando contra alguma força interior, e então a envolveu nos braços. O beijo foi tão apaixonado que ela sentiu o corpo em chamas,
e foi envolvida pela sensação de voar em meio à escuridão. Ele a colocou na cama e terminou de despi-la. A urgência dos gestos não a assustava. Ao contrário.
Por fim, começou a tocá-la. Beijos quentes e úmidos seguiam cada toque. Ele buscou suas pernas, e então sua intimidade. Seu coração pulsava com força, em um
ritmo frenético. Ela tremia e de repente sentiu um pouco de medo. Contudo, as sensações que experimentava eram tão fortes que a fizeram ignorar o temor. Alec a acariciou
eroticamente. Estava úmida. E então sentiu o toque mais íntimo de um dedo...
Magdalena não conseguiu evitar o grito. Ele estava ao seu lado, os olhos escuros avermelhados como o luar, as palavras intensas, angustiadas.
- Pode me amar? Consegue amar uma criatura da noite?
- Oh, Deus, por que não acredita em mim? Eu te amo. Amo o homem que me faz rir, que me faz sentir viva, que me faz desejar algo que eu desconhecia. Um homem
que viveu, lutou, aprendeu. Um homem que comanda, que escuta, que é firme e terno. Eu te amo, Alec.
Não conseguia entendê-lo. Desejava-o, queria realizar a promessa de êxtase. Queria abraçá-lo, remover a angústia dos olhos dele, assegurar-lhe...
- Sou uma criatura da noite - voltou a dizer. - E não sei se Deus ainda se lembra de mim!
Magdalena puxou-lhe a cabeça, querendo que ele voltasse a beijá-la. Pôs a mão dele em seus seios, encostando-se mais no peito forte, querendo fazer parte daquele
homem.
- Deus nos ensinou a amar, e eu te amo. Não existe mal que eu não consiga superar. O que é isso, essa criatura da noite que você diz ser?

- Vampiro! - Charles Godwin, o professor alemão, afirmou. Fora à casa de Montgomery naquela noite junto com Gene Courtemarch, o velho médico, e o jovem Robert
Canady, que tanto adorava a bela Magdalena.
Canady não estava familiarizado com aqueles assuntos, e na verdade não acreditava neles. Godwin e Courtemarch tinham amplos conhecimentos a respeito das criaturas
da escuridão.
- Sim, concordo - aquiesceu Jason, exausto de preocupação e dor. Havia chamado os amigos logo depois que a filha subira para o quarto.
- Cavalheiros - Robert Canady disse, meneando a cabeça -, não acredito nessa loucura, nessa ação que estão propondo! Eles enforcarão a nós todos, Jason, um
por um! E, apesar de que eu morreria feliz por sua filha, desse jeito minha morte não vai servir para nada. O conde acabou de chegar e pode ser bastante misterioso,
mas se comporta como um cavalheiro o tempo todo.
- Você é idiota, meu jovem? - Godwin explodiu. - Ele está se apossando da mulher que você ama.
Robert respirou profundamente.
- Que Deus me ajude, sim, amo Magdalena! Mas não posso assassinar um homem porque a mulher que amo o preferiu a mim.
- Você não entende? - Jason gritou, exasperado. Naquele momento, foram interrompidos pelos passos pesados de alguém descendo as escadas.
- Sr. Montgomery! - Tyrone gritou. - Ela nos enganou, senhor!
- O quê?
- Ela simulou estar na cama, mas deixou o quarto.
- Minha filha fugiu!
- Nós a seguiremos - Godwin gritou. - Tyrone, chegou a hora. Traga as estacas e as espadas. Depressa. Deus nos ajude, e que cheguemos a tempo!
- Cavalheiros! Mesmo que ela tenha escolhido amar aquele homem, ainda assim não podemos cometer um assassinato! - Robert Canady protestou, tentando, em vão,
fazer os homens raciocinar. Aqueles velhos tolos não percebiam a gravidade do ato? Ninguém se sentia mais traído do que ele. Amava Magdalena, queria desposá-la.
A dor era como uma faca cravada em seu corpo. Mas ela amava o francês.
- Maldição, Robert! - Jason protestou. - Você não escuta.
- A um bando de velhos tolos?
- Não, ao vento. À lua, à névoa, aos sons estranhos da noite! Já olhou para cima? O céu parece chorar lágrimas de sangue. Você não entende. Veja a lua escarlate!
- E precisa entender! - Godwin exclamou.
- Pelo amor de Deus, você tem de entender! - insistiu Courtemarch.
- Ele é... - Jason começou a dizer.
- Um vampiro! - Courtemarch terminou. - Por tudo o que é sagrado, deve compreender. O amante de Magdalena é um vampiro.

Alec estava com o corpo sobre o de Magdalena. Poderoso e lindo, ela pensou, as feições masculinas e, no entanto, bem definidas e alinhadas, os olhos tão escuros
que pareciam brilhar com um estranho fogo.
- Vampiro - ele disse suavemente.
Ela sorriu devagar a princípio. Depois meneou a cabeça.
- Não. Alguém o fez pensar que é isso.
- Sou uma criatura da escuridão, da noite - insistiu. Um arrepio percorreu o corpo de Magdalena. Ela o observou e viu seriedade no olhar de Alce.
- Talvez o amor possa me libertar. Essa é a promessa, a lenda. E eu te amo profundamente. Como se tivesse esperado cem anos para experimentar essa doçura.
Você precisa entender, estou com medo, com medo de que a lenda seja uma mentira, de que a promessa seja falsa. Eu não suportaria feri-la...
- Meu amor, pare com isso. - Colocou o dedo sobre os lábios de Alec. - Você não pode ser o que diz. Não vou acreditar nisso! - Pressionou o corpo contra o
dele. Beijou-o no rosto, no pescoço, no peito, deslizando as mãos pelo corpo viril.
Alec deixou escapar um gemido e a abraçou de novo.
- Posso lhe trazer o fogo do inferno, a condenação...
- Então pode trazer tudo isso, meu amor, porque não vou deixá-lo, não conseguiria fazê-lo. Não me importo com o que aconteça.
Ela não se importava...
Alec deitou-se sobre sua amada, tocando todo o seu corpo, beijando-a em todo lugar, envolvendo-a no fogo provocado pelas carícias íntimas, fazendo-a tremer
e implorar e jurar que sempre o amaria. Seus olhares se encontraram, e ele a penetrou devagar. Magdalena estremeceu e agarrou-o até a dor diminuir.
- Beije-me - ela sussurrou.
Alec tomou-lhe os lábios, afagando-a nos cabelos, antes de deslizar a boca até seu pescoço. E então ela sentiu os dentes dele, e uma dor breve e aguda...
Um grito escapou de seus lábios, mas dor e prazer se mesclavam, e a tempestade de emoções reinou. A sensação era tão boa que ela viu a escuridão aveludada,
o tom escarlate do céu, um brilho intenso... Tudo escureceu por um segundo, antes de as estrelas voltarem. A dor, o prazer... Alec apossara-se de seu corpo; extraíra
desejo, vida, sangue...
Vampiro... ele dissera.
Se ela tocasse em seu pescoço, encontraria um fio de sangue. Por Deus, talvez...
Não. Alec não podia ser um vampiro. Ainda sentia a maravilha, a excitação, a saciedade do desejo. Quase morrera de prazer. Havia alcançado um êxtase tão intenso
que tudo o mais desaparecera. Testara os fogos do inferno, e eles eram esplendorosos. Uma sensação de completude a envolveu.
- Amo você - murmurou. Alec começou a responder. Magdalena viu seus olhos negros brilhar, a boca se curvar em um sorriso sensual. E então ele ficou em silêncio,
imóvel.
Ela o fitou sem compreender nada por alguns segundos antes de ver a estaca que o atravessara pelas costas, saindo por seu peito. Uma mancha escarlate se espalhava
por seu corpo, começando a pingar.
- Vampiro! - alguém bramiu. Magdalena começou a gritar. Viu Alec sendo puxado para trás e o brilho provocado pelo movimento de uma espada. Eles o estavam decapitando!
Misericordiosamente, o instinto a levou a fechar os olhos. Ao sentir o sangue quente cair sobre sua pele, gritou. O corpo foi tirado de cima dela. Chocada,
abriu os olhos e não acreditou no que via. O pai e os amigos estavam ali. Robert também. Sério e triste enquanto a observava. Ele estendeu os braços em sua direção.
Aquilo era um pesadelo, não podia estar acontecendo. Mas sentia o sangue do amante sobre seu seio, exatamente como sentia o próprio sangue saindo do ferimento
no pescoço. Era algo horrível demais para ser compreendido; talvez não conseguisse entender. Ainda assim, o sangue era real.
A morte de Alec era real.
- Magdalena! - Robert gritou, envolvendo-a em seu manto.
Sentia muito frio, mas não podia aceitar o conforto dele. Continuou gritando.
Robert a apertou com mais força nos braços.
- Ela também é uma vampira agora! - Godwin insistiu, segurando a espada com firmeza.
- Deixe-a! - Robert gritou. - Malditos sejam todos vocês! Querem machucá-la ainda mais?
- Ela é minha filha. Não está morta, nem é uma vampira. Posso curá-la! - Jason rugiu.
Curá-la...
Nada jamais poderia curá-la. Não depois daquela noite. Conhecera o amor, e agora eles chamavam seu amante de monstro, e ele jazia morto no chão, coberto de
sangue, com a cabeça separada do corpo. Eles o haviam decapitado, e esse poderoso homem, Godwin, pretendia também decapitá-la, assim que Courtemarch a empalasse
com uma estaca. Não sabia se isso importava. A vida não tinha mais sentido algum...
Na verdade, parecia estar se esvaindo de seu corpo. Indo embora, através da marca no pescoço. Era uma sensação boa. Estava entorpecida. Tentou se afastar de
Robert para ver seu amado uma última vez.
O pai se aproximou, segurando-a.
- Não, Magdalena - ele sussurrou.
Mas ela viu. Oh, Deus. Não havia corpo algum. Nem sangue. No lugar onde seu amante caíra, o chão parecia queimado, com uma mancha negra no formato de uma criatura
alada.
Ela começou a gritar novamente.
E então seu grito foi sumindo, e morreu na garganta, levando junto sua consciência.
- Ela morreu e vai se tornar uma daquelas criaturas! - Godwin exclamou.
- Não, ela dorme! - Jason protestou.
- O sono da morte.
- Ela dorme! - Robert Canady rugiu.
- O sono da vida! Ela é minha filha, minha carne, meu sangue. Eu a curarei!
Jason pegou a filha nos braços, tirando-a até mesmo de Robert, e levou-a embora. Afastou-se da casa que antes era branca e agora parecia vermelha sob o brilho
da lua escarlate. Tropeçou, quase caiu.
Levantou-se e continuou carregando Magdalena.
Jason olhou para cima e percebeu que o luar estava sumindo e que o sol começava a surgir.
O sol. Um novo dia raiava no horizonte.
Começou a correr para a carruagem.

Ela jazia no estranho e gelado mundo da escuridão. Sabia que deveria lutar contra a sensação de sombras e frio. As pessoas a chamavam, mas as vozes pareciam
vir de muito longe. De algum lugar, conseguia ver uma luz distante, mas não alcançá-la. Alguém a segurava. Queria alcançar a luz.
Não podia. Queria gritar que a deixassem ir, mas seu pedido mudo se perdeu na escuridão, no vazio, na solidão além da morte...
Mais uma vez, havia sensações. Tão estranho. Achara que o frio que a envolvia nunca iria embora, mas algo quente a envolveu. Até mesmo a escuridão parecia
diferente, agora em tons de cinza.
O tempo está passando, ela pensou. Sombras, luz, escuridão...
Finalmente, chegou o momento em que sentiu as mãos do pai, e soube que estava ali junto a ela. Um líquido quente desceu por sua garganta.
Mais tempo se passou. Ela se sentiu mais forte e capaz de levantar a cabeça e tomar o líquido da xícara que o pai segurava. Continuou tomando, sem reconhecer
que estranha poção ele estava lhe dando enquanto permanecia ali tão doente. Por fim, encontrou força suficiente para indagar:
- O que estou bebendo?
- Sangue - Jason disse, sua voz soando sem entonação. Ela virou a cabeça nos travesseiros. Queria chorar, mas as lágrimas não vieram.
- Pelo amor de Deus, pai!
- Não. Pelo amor da minha filha. Durma agora, querida.
Os olhos dela se fecharam, e logo ela dormia.
Jason se levantou com o coração pesado, e a cobriu melhor. Ela precisava tanto daquele calor... Saiu do quarto e foi ao encontro dos amigos.
- Creio que ela viverá. - Hesitou, rezando para fazer a coisa certa ao pronunciar as próximas palavras. - E acredito que terá um filho.




Capítulo I



- Oh, Cristo! - Jack Delaney exclamou, pálido, dando as costas para o cadáver.
- Deixem o novato em paz, pessoal - Sean Canady disse aos colegas, apoiando o novo parceiro. - Vai ficar bem? - perguntou em tom baixo, para que apenas Jack
ouvisse.
Por um breve momento, Jack se apoiou em Sean, o policial mais velho e mais alto que ele, uma figura impressionante com seus ombros largos, cabelos escuros
e olhos azuis. Sean disfarçava bem as emoções, preferindo descontar as frustrações na academia de ginástica.
Jack respirou fundo, sabendo que a zombaria dos outros seria amenizada pelo apoio que recebera do parceiro.
- Estou bem - respondeu, por fim. Sean assentiu.
- Abram caminho, pessoal. Delaney vai interrogar a vizinhança. Quem sabe alguém viu alguma coisa. - Observou o colega se afastar do local em que estava o cadáver.
Sabia que, mesmo Jack tendo dito que estava bem, ele provavelmente iria vomitar às escondidas.
Sean foi até Pierre LePont, que estava inclinado sobre o cadáver, examinando-o. Aproximou-se do médico legista e cumprimentou-o antes de se concentrar no morto.
Ao contrário de Jack, ele já vira muitos cadáveres, inclusive diversos retirados do rio Mississippi, irreconhecíveis. Entretanto, havia algo de estranho nesse
caso.
O homem devia ter morrido há poucas horas, antes do amanhecer, e fora encontrado pouco depois das nove da manhã. Não havia sangue na rua. Ele estava branco,
exceto pela linha vermelha ao redor do pescoço. Não apenas pálido, nem acinzentado, e sim branco como um lençol. O mais horrível, e o que abalara Jack, era o fato
de seus olhos permanecerem arregalados, parecendo espelhar um completo pavor. Tentou imaginar o que ele devia ter visto nos últimos minutos de vida.
- Meu Deus! - Sean respirou fundo.
- Horrível, não? - disse Pierre. - E quer saber de uma coisa esquisita? Não houve luta. O sujeito ficou apavorado a tal ponto que só isso já podia tê-lo matado.
Vou fazer alguns testes, e não posso adiantar muita coisa agora, mas me parece que ele não mexeu um dedo sequer para se defender.
- Acha que morreu de susto?
- Poderia ter tido um ataque cardíaco, mas não teve.
- Não teve? Então qual foi a causa da morte? O ferimento no pescoço? - Sean sacudiu a cabeça, mesmo tendo feito a pergunta. Um ferimento no pescoço teria deixado
marcas de sangue no chão. Mas não havia sangue, como se o corte tivesse sido feito depois da morte. - Onde está o sangue?
Pierre também meneou a cabeça.
- Não tem sangue algum por aqui. E, a propósito, não é apenas um ferimento no pescoço. Ele foi decapitado. - Pierre rolou a cabeça do homem com cuidado, mostrando
que tinha sido completamente separada do corpo.
Sean sentiu o estômago revirar e pegou seu bloco de anotações.
- Qual é a idade do infeliz? Uns trinta anos?
Mike Hays, um dos policiais, deu um passo à frente.
- O nome é Anthony Beale, tenente Canady. Natural de Nova Orleans, vinte e nove anos. Tem ficha criminal. Cinco prisões, três por roubo, uma por invasão de
propriedade particular, e uma por agenciar prostitutas. Somente os roubos o levaram à cadeia, onde ele ficou por dezoito meses. Mas parece que agora ele estava se
dando bem.
Notou o terno Armani que ele está usando?
- Armani, hein? - Sean deu de ombros.
- Sim, belo terno - Pierre comentou.
- Ei, Sean, preciso de mais algumas fotos - Bill Smith, o fotógrafo da polícia, anunciou.
Sean observou a rua. Era a parte decente da Vieux Carré, o famoso bairro francês de Nova Orleans, se decente fosse a palavra que pudesse ser usada para uma
rua que exibia pelo menos uma dúzia de sex shops. Naqueles quarteirões em particular, porem, havia casas comerciais e residências. Mais abaixo, encontravam-se dois
hotéis caros, um de cada lado da rua, além de lojas de bijuterias e antiguidade. Ele recuou um passo para dar uma olhada mais ampla. Escritórios, estúdios de dança,
uma academia e um salão de bronzeamento eram anunciados cm alguns dos andares superiores. A rua mantinha ainda o estilo antigo, com seus prédios com janelas em arco
e balcões de ferro.
Nova Orleans, a sua cidade, o lugar que amava. Nascera ali. Tinha saído para ir à faculdade, tentando ver um pouco do mundo. Retornara. Havia algo a respeito
daquele local que considerava seu. As taxas de criminalidade eram altas, mas havia o jazz, a comida, as histórias de fantasmas e vodu, as águas escuras do Mississippi.
Sean voltou a olhar para o cadáver. Bem, ali estava Anthony Beale, um bandidinho aparentemente próspero. Devia ter irritado algum grandalhão da área.
- Isso me fez lembrar o caso do cemitério - Pierre comentou de repente, ao mesmo tempo em que o pensamento ocorria a Sean.
- Aquele corpo feminino, cortado em pedaços? - A mulher não identificada, que a polícia chamava de Jane Doe, tinha sido encontrada em um dos cemitérios fora
do bairro francês na semana anterior. Estava deitada em um dos túmulos, nua e desmembrada, exatamente como se Jack, o Estripador, tivesse voltado à vida. As partes
do corpo e os órgãos internos haviam sido colocados ao seu lado. O assassino provocara pânico na cidade e virara assunto de toda conversa dos moradores e turistas
dali. Naturalmente, um crime desse tipo, sem suspeito algum, levava à especulação e despertava o medo geral.
- Todos aqueles cortes e quase nenhum sangue - resmungou Pierre, referindo-se à mulher.
- Decapitada. - Sean assobiou baixinho. - Talvez tenhamos uma conexão aqui.
- Uma prostituta e um bandidinho - Pierre concordou,
- Temos de rezar para que haja apenas um sujeito ruim assim na cidade. Vou levar este aqui ao necrotério, e vamos ver o que consigo descobrir.
- Você ainda tem Jane Doe no gelo? - Sean perguntou. Ao ver Pierre assentir, prosseguiu:- Talvez pudéssemos dar uma olhada no corpo. Colocar a cabeça para
pensar.
- Pode ser. Ah, já posso lhe adiantar uma coisa. Nosso assassino é canhoto. Em ambas as vítimas. - Mais uma vez tocou a cabeça decepada com as mãos cobertas
por luvas.
- Veja como o pescoço foi cortado. Deve ter sido com uma faca muito afiada. Na verdade, não é nada fácil separar a cabeça do corpo.
- É bom ouvir isso.
Pierre se levantou, e Sean fez o mesmo.
- Já acabamos por aqui? - Pierre interrogou a Bill Smith e aos outros policiais. - Posso levar o sujeito para o necrotério?
- Sean é quem manda - Bill respondeu. - Já tirei todas as fotos.
- Ele é todo seu, Pierre - Sean decidiu.
Pierre fez um gesto para seus assistentes. Um saco tinha sido trazido, e ele deixou sua equipe levar o morto.
- Dê-me algumas horas, Sean. Então apareça no meu laboratório, e eu lhe direi o que tiver descoberto.
- Obrigado.
- Dias como este me deixam feliz por ser um fotógrafo - Bill observou.
- Fotos interessantes? - Sean indagou.
- Estas fotos o assombram, ficam na sua cabeça. Pode acordar no meio da noite e vê-las em sua mente. Mas pelo menos não tenho de encontrar o maluco que fez
isso.
- Maluco? Não sei se vejo o assassino assim.
- Então acha que foi uma pessoa normal quem cometeu um crime desses? - Bill perguntou, incrédulo.
Sean deu de ombros.
- Defina normal. Meu instinto me diz que este infeliz cruzou o caminho de alguém maior do que ele. Parece uma morte muito metódica. Cortar a cabeça não é coisa
fácil, e o que aconteceu neste caso é que não só a cabeça foi cortada, como não tem sangue algum. Está claro que a vítima morreu em outro lugar e acabou sendo descartada
aqui. A cabeça deve ter sido cortada com um propósito, e colocada de volta ao lugar de forma tão certa que nem eu percebi que estava separada do corpo até Pierre
movê-la. Existe uma razão e um padrão especial para tudo isso.
- Malucos também fazem uso da razão e de um padrão - Bill observou. - Foi você mesmo quem me disse isso depois daquele curso sobre assassinos em série que
fez na academia do FBI em Quantico. Lembra?
- O que quero dizer é que não estaremos procurando por alguém óbvio.
- Isto aqui é assustador. Em plena Bourbon Street. - Bill sacudiu a cabeça, desgostoso. - A garota no cemitério tinha o pescoço tão cortado que a cabeça estava
separada também. Dizem que Jack, o Estripador, era um sujeito extraordinariamente metódico ao cortar as partes do corpo de suas vítimas.
- Assassinos em série podem ser classificados como organizados ou desorganizados, ou podem ser a combinação das duas coisas. Um assassinato no estilo de execução
é usualmente planejado antes e limpo. A morte é o objetivo. Para alguns assassinos, é o prelúdio da morte que importa mais. Jack, o Estripador, deixava sangue nas
partes dos corpos.
- Como eu disse, tirar as fotos é mais fácil do que encontrar os malucos. - Bill abaixou a voz. - Veja se pega esse bem depressa. Minha mulher anda morta de
medo só de ler as manchetes dos jornais. O crime do cemitério era de arrepiar os cabelos.
Sean suspirou. Sabia disso. O crime no cemitério tinha sido horrível, e no estilo de Jack, o Estripador. A garota não lutara, não fora encontrada pele sob
suas unhas, e nem um único fio de cabelo havia sido achado no corpo. Houvera sexo seguido de morte, mas de acordo com Pierre, não tinha sido à força. Haviam colhido
amostras de sêmen, mas nenhuma levara a nada no banco de dados. O FBI estava encarregado dos testes de DNA, mas os resultados ainda demorariam dias ou semanas, e
Sean começava a temer que o assassino voltasse a matar de novo antes que a polícia técnica pudesse identificar o monstro.
Tinham achado milhares de impressões digitais sobre o túmulo onde a prostituta fora encontrada. O mesmo acontecera com as pegadas na área próxima. E eles nem
sabiam ainda o nome da vítima.
- Deve ter sido um assassino em série, como você disse - Bill sugeriu.
- Eu não disse exatamente isso. Precisamos saber mais - atalhou Sean. Dois corpos decapitados. Uma conexão parecia provável.
- Ei, isso não me deixa feliz.
- Ainda não sabemos o suficiente. Quando conseguirmos mais algumas informações de Pierre... - Sean interrompeu-se ao ver Jack um pouco mais adiante. - Lá está
o meu garoto. Sairei com ele em busca de testemunhas. Vejo você mais tarde, Bill. E lembre-se, vamos evitar chamar a atenção sobre isso, certo?
- Claro. Sean se afastou. Jack ainda estava pálido, mas tinha se recuperado um pouco.
- Foram aqueles olhos, Sean - ele confessou. - Vi o pavor refletido nos olhos arregalados do morto.
- Tem razão, Jack. Já vi cadáveres demais e tenho de admitir que esse parece diferente. Já obteve alguma informação do pessoal da rua?
Jack assentiu.
- Na verdade, não sou muito bom com isso, mas descobri algo que pode interessar a você e... salvar um pouco da minha dignidade.
- Não precisa salvar dignidade alguma, mas estou curioso. O que descobriu?
- Siga-me.
Esperançoso, Sean seguiu o policial novato.

Maggie Montgomery olhava pela janela a movimentação na rua. Havia dúzias de policiais e curiosos separados pelas faixas amarelas. Sentiu um arrepio na espinha.
- É um corpo! - Angie Taylor, sua assistente, entrou na sala, a voz cheia de fascinação e medo. - Houve um assassinato.
- Assassinatos já ocorreram por aqui antes - Maggie murmurou enquanto tentava ver o que acontecia lá embaixo naquele momento.
O corpo estava em um saco, sendo levado para uma ambulância que, por certo, seguiria para o necrotério. A multidão começava a se dispersar. Policiais, técnicos
e especialistas pareciam ocupados dentro da área delimitada pelas faixas amarelas.
- O rumor que corre, é que o corpo foi decapitado. Um homem, por sinal, um pilantra, se o pessoal do Café La Petite Fleur estiver certo. Um sujeito bonitão.
Dizem que agenciava garotas.
- Esse não é um crime parecido com aquele outro que os jornais não param de noticiar? - Maggie perguntou, continuando a observar a movimentação.
- Não. O corpo não foi mutilado, só decapitado.
- Ah, só decapitado - Maggie ironizou Angie riu nervosamente.
- Suponho que seja bem horrível também, não é? Mas lembra-se do que fizeram com a pobrezinha achada no cemitério? Bem, ela era um anjo caído. Agora, este sujeito
parece que vivia à custa do sofrimento dos outros.
Maggie lançou um olhar de censura a assistente.
- Angie, não acho que as prostitutas sejam todas umas coitadas. Algumas escolhem essa profissão porque ganham um bom dinheiro.
- Ninguém vai para a cama com um homem nojento sem sofrer. Acho que o sujeito que foi morto ontem à noite estava faturando em cima de alguma dessas moças.
Não posso imaginar nada mais deplorável. - Ela suspirou. - Isso torna a morte dele mais aceitável do que a da mocinha do cemitério. Não acha que o mal é pago na
mesma moeda?
- Nem sempre. - Maggie sorriu de leve. - Angie, você está em busca de um mundo perfeito. Se fosse assim, pessoas boas e gentis não estariam em cadeiras de
rodas, e bebês não morreriam de Aids.
- Mas não faz sentido quando algo de ruim acontece com uma pessoa ruim?
- E se o tal homem não fosse assim tão mau? E se sofreu abuso quando criança?
- Maggie, isso é bobagem. Ele prostituía as moças por dinheiro.
Maggie ergueu as mãos, ainda sorrindo.
- Está bem, ele não merece desculpa alguma. Você tem razão. Mesmo assim... duas pessoas decapitadas em uma semana!
- Você acha que o assassino é o mesmo? - Angie não pareceu convencida. - Uma das vítimas era mulher, outra um homem. Uma estava em pedaços, e a outra só perdeu
a cabeça.
Maggie hesitou.
- Decapitação não é algo comum. E é assustador. Nova Orleans vai entrar em parafuso. Os turistas vão sumir da área se a polícia não prender alguém bem depressa.
- Os turistas estão entupindo a loja lá embaixo, apesar da polícia. Ou talvez por causa deles - Angie retrucou.
- Se Allie e Gema precisarem de ajuda, vão nos telefonar. - Maggie deixou a janela e voltou à sua escrivaninha.
Allie e Gema eram as duas vendedoras que atendiam na butique Magdalena's. O negócio pertencia à família de Maggie há anos. Desde antes da Guerra Civil, as
mulheres Montgomery haviam se especializado em desenhar roupas. A princípio, eram elegantes vestidos de baile, mas aos últimos anos Maggie passara a desenhar também
lingeries, depois jóias e outros artigos. No momento, a empresa contava com vinte costureiras e um contador, que lidava com a parte financeira. A loja ficava no
andar inferior, os escritórios, no segundo andar, e no terceiro as oficinas. O prédio tinha cerca de cento e cinqüenta anos, e uma arquitetura charmosa. Fora modernizado
apenas para proporcionar mais conforto interior, mas mantinha o estilo antigo.
Cissy Spillane, a recepcionista, entrou na sala, já que a porta estava aberta.
- Maggie, há dois policiais na recepção. Querem falar com você.
- Por quê?
- Porque você é a dona do prédio.
Maggie consultou o relógio, estranhando estar se sentindo meio contrariada.
- Tenho um compromisso... - ela murmurou.
- Com a sra. Rochford. Deixe que eu a entretenha um pouco - Angie sugeriu.
Não havia como se recusar a atender os policiais. Eles sairiam desconfiados se ela decidisse não recebê-los e voltariam com um mandado de busca.
- Muito bem. Mande-os entrar, por favor, Cissy.
Logo Cissy voltava com dois homens. Nenhum vestia uniforme.
Maggie se levantou de sua cadeira e os inspecionou. Era uma dupla interessante. O mais jovem era alto e forte, tinha os cabelos vermelhos e um sorriso fácil.
Era bonito, e ela se perguntou se haveria uma esposa ou namorada que tivesse medo dos riscos que ele corria no trabalho.
O segundo parecia mais um veterano. Bem alto, com ombros largos e cabelos negros começando a apresentar alguns fios grisalhos, olhos muito azuis e pele bronzeada
pela exposição ao sol. Uns quarenta anos, quem sabe. Emanava poder e força de vontade. Um homem extremamente atraente.
- Srta. Montgomery? - ele perguntou. O tom de voz era profundo. Maggie sentiu um arrepio percorrer seu corpo.
- Sim. No que posso ajudá-lo?
O policial mais novo deu um passo à frente e estendeu a mão para cumprimentá-la.
- Sou Jack Delaney. Este é meu parceiro, Sean Canady. Estamos...
- Canady? - ela repetiu, voltando a fitá-lo. Sean sorriu.
- Um nome bem antigo. Assim como o seu.
Maggie concordou.
- Não tem uma estátua de um de seus ancestrais em uma esquina perto daqui?
- Meu trisavô, eu creio. Outro Sean. Lutou contra os ianques, é o que diz a placa na estátua.
- Oh, sim! Eu me lembro de algumas histórias sobre ele. Dizem que podia viajar como um relâmpago.
Canady sorriu.
- E sua empresa estava aqui quando meu trisavô defendeu a cidade.
- Sim. Mudamos um pouco a aparência, mas tudo começou naquele tempo.
- Desculpe-nos por tomar o seu tempo - Jack disse -, mas infelizmente temos algumas perguntas a fazer.
- Muito bem. Sentem-se. Aceitam um café?
- Não... - Sean começou.
- Sim - Jack falou ao mesmo tempo, e então olhou para o parceiro.
Embora eles não tivessem revelado a hierarquia na apresentação, Maggie percebeu que Sean era o superior. E ele parecia completamente à vontade com sua autoridade,
não tendo necessidade de provar nada. Sorriu para Jack.
- Claro. Um café vai bem.
Maggie pressionou um botão e pediu a Cissy que trouxesse café. Sentou-se à sua escrivaninha, e eles se acomodaram nas cadeiras à sua frente.
- Esta é uma visita oficial? - perguntou. Tentou olhar para os dois, mas acabou encarando Sean Canady.
Ele assentiu, observando-a com atenção. Maggie teve certeza de que Canady já aprendera muita coisa sobre ela nos poucos minutos em que estavam ali, juntos.
Era um homem que notava os pequenos detalhes.
- A senhorita está ciente de que aconteceu um assassinato? - Jack perguntou.
Maggie se esforçou para desviar o olhar de Sean, voltando-se para o policial mais jovem.
- Um assassinato? Não quero insultar os esforços da polícia, senhores, mas temo que ocorram muitos crimes a cada ano aqui em Nova Orleans.
- Infelizmente, isso é verdade - Sean reconheceu. Olhou para o parceiro, talvez um pouco irritado. - Vamos refazer a pergunta. Está ciente de que um corpo
foi encontrado na rua justamente nesta área?
- Sim. Um moço. Um bandido, pelos comentários.
Cissy entrou na sala e colocou a bandeja com café em uma mesinha, indicando aos policiais o açúcar, creme e adoçante. Jack colocou creme; Sean preferiu o café
preto. De alguma forma, Maggie sabia que seria assim. Ele parecia um homem dedicado, que sairia de casa com um bolinho em uma das mãos e uma caneca de café na outra.
Não perderia tempo comendo quando o tempo era crucial e, apesar de precisar da cafeína, tampouco se preocuparia com creme ou açúcar.
Percebeu que Canady lhe devolvia o olhar e sentiu-se estranha. Ele era o tipo de homem que provocava sensações especiais nas mulheres, talvez sem nem mesmo
perceber seu charme. Irritou-se por se sentir atraída pelo policial.
E o nome dele era Canady.
- Senhores, estou ciente de que um corpo foi encontrado esta manhã. O de um homem.
-Ele estava envolvido coto coisas ilegais - Jack adiantou.
- Sim, ouvi falar sobre isso, também.
- Ouviu? - Sean perguntou. Maggie deu de ombros.
- Sabe como as notícias correm, e temos uma cafeteria bem ao lado. Na verdade, estávamos cogitando se existe alguma ligação entre esse crime e o da semana
passada.
- Obviamente estamos nos perguntando a mesma coisa - Jack admitiu.
Maggie suspirou.
- Bem, o que posso fazer pelos senhores? Por que vieram até aqui?
Foi Sean quem se inclinou para a frente, seus olhos fixos nos de Maggie.
- Porque, srta. Montgomery... é senhorita?
- Sim. E então, por que...
- O nosso cadáver parece estar sem sangue - Jack intrometeu.
- Mas - Sean retomou, observando-a com atenção - havia uma trilha de gotas de sangue até a porta que leva aos escritórios do segundo andar da Montgomery Enterprises.
- Que mulher bonita! - Jack exclamou quando ele e Sean deixaram o Montgomery Building.
Sean grunhiu. Não que ele não concordasse. Maggie Montgomery era mais do que bonita. Alta, com o corpo bem modelado, seios fartos, cintura fina e quadris largos.
Tinha pernas longas, cabelos castanho-avermelhados e olhos dourados. Movia-se com graça e confiança. Seu corpo exalava um perfume sensual e provocante. No momento
em que a vira, chegara até mesmo a se esquecer do cadáver. Havia alguma coisa de diferente nela. Algo que despertava seus instintos mais primitivos.
- Realmente linda - Jack continuou. - Parece uma atriz de cinema. Melhor ainda, uma rainha...
- Jack, gotas de sangue nos levaram exatamente ao prédio dela.
- Ora, ela tem seu próprio negócio. Algo bastante lucrativo. Que ligação poderia ter com aquele gigolô? Fico pensando se eu teria qualquer chance com ela.
Não, claro que não. Mas ela estava de olho em você. Deve gostar de homens mais velhos. Sean olhou para o parceiro.
- Não que eu ache que quarenta seja uma idade avançada - Jack se corrigiu rapidamente. - Quis dizer, diabos, que ela não se interessou por mim.
- Jack, ela pode ser suspeita de um crime.
- Ora, que bobagem, Sean. Quanto é que ela mede e pesa? É magra, mas... que pernas! Deve fazer ginástica em alguma academia, não acha? E qual seria essa academia?
Gostaria de vê-la sem as roupas de trabalho.
- Jack, vou repetir mais uma vez. Ela pode ser suspeita de um crime.
- Pelo amor de Deus! Pode imaginar aquela mulher elegante decepando a cabeça de um homem ou esquartejando um corpo e o colocando em cima de um túmulo?
- Mas as gotas de sangue formaram uma trilha que chegava à porta dela.
- Você está se esquecendo de que há dúzias de pessoas trabalhando naquele prédio, Sean. E temos o pessoal da polícia técnica procurando mais sangue lá dentro.
Ela nem se perturbou com isso. E se acharmos mais sangue dentro do prédio, isso não significa que ela seja uma assassina. Isso é absurdo! Não sou experiente como
você, mas sei que é preciso força física para se cortar uma cabeça daquele jeito! E, se o nosso sujeito foi morto em outra parte e levado até a calçada, ela teria
de ser incrivelmente forte. Mesmo sem sangue, aquele corpo não era leve.
- Mesmo que ela não o tenha matado, pode bem ter contratado alguém para fazer o serviço.
- E um psicopata poderia ter feito aquilo com o corpo, e escapado pelo prédio dela.
- Pode ser, mas temos de seguir todas as pistas. Já imaginou como a imprensa vai acabar com a gente? Uma mulher é estuprada e tem a cabeça cortada, um homem
é morto na rua e também tem a cabeça cortada. Temos algum suspeito? Nenhum.
- Corpos sem cabeça... Fico achando isso meio estranho, mesmo para Nova Orleans - Jack murmurou. - Mas ela é inocente.
- Sim, eu posso até ver você dizendo para o chefe: "Senhor, a mulher é inocente. Veja aqueles lindos olhos dourados e as pernas espetaculares, e saberá disso
em um instante".
- E ela deve ter seios lindos também, apesar de eu não ter conseguido avaliar bem com toda aquela roupa.
- Meu Deus!
- Sean, você está neste trabalho há tempo demais... e está revelando sua idade.
- É, pode ser.
- E agora? - Jack perguntou, com mais seriedade. - Vamos trabalhar no caso e rezar para que Pierre tenha descoberto alguma coisa. Ou teremos de enfrentar
a imprensa.
- Que vai cortar nossas cabeças! - Jack resmungou. Sean deu de ombros. Jack estava certo. Se o caso não fosse resolvido bem depressa, era isso mesmo o que
ia acontecer.
Alguns funcionários de Maggie estavam perturbados com p que acontecera ali perto do prédio. Estranhamente, outros não estavam. Ela dera uma volta pela área,
conversara com o seu pessoal e recomendara que, quando saíssem à noite, não o fizessem sozinhos, mas sim em duplas. A idéia era que todos fossem para suas casas
logo que saíssem dali.
- Querida - Cissy disse -, não tenho ligação alguma nem com o morto de hoje nem com a prostituta do cemitério. E hoje, depois do trabalho, vou assistir à banda
de Dean. Você vai também?
Dean, o filho de um dos empregados da empresa, se apresentava em um dos clubes mais populares da Bourbon Street.
- Não sei se vou - Maggie respondeu. - Não estou com espírito de festa.
- Ora, não vai deixar que a morte de um pilantra qualquer estrague sua noite! - Cissy protestou.
- Não é apenas a morte desse homem, mas o fato de a trilha de sangue ter vindo dar exatamente na minha porta.
- Aqueles policiais vasculharam tudo por aqui e não encontraram nada dentro do nosso prédio - Angie observou. - Cissy sabe de tudo. Ela passou o dia flertando
com um policial bonitão.
Maggie franziu a testa.
- Você esteve flertando com um dos policiais?
- Tem alguma coisa contra eles? - Cissy perguntou.
- É que nas circunstâncias atuais...
- Bem, querida, esse sujeito era lindo demais.
- E esse belo homem era branco ou negro?
- Negro, querida. - Cissy riu. - Não era o seu tenente.
- Meu tenente?
- O branco mais bonito que já vi na vida.
- Um detetive investigando o meu prédio não é um branco lindo, é um problema. - Maggie acabou rindo. - Estou contente que o seu bonitão tenha aparecido. Pelo
menos, melhorou o clima do dia. Ele a convidou para sair?
Angie caiu na risada.
- Cissy o convidou antes que ele tivesse chance. Maggie lançou um olhar de censura para Cissy.
- Eu só comentei que um homem, depois de um exaustivo dia procurando por pistas que não existiam, podia bem se distrair com uma noite de jazz. Assim, se você
quiser ver o meu bonitão, é melhor nos acompanhar hoje à noite.
Maggie ainda hesitou. Estivera rodeada por pessoas o dia inteiro, e a visita da polícia tinha sido enervante, para dizer o mínimo. A pista de sangue chegar
à porta dela era pior ainda, e ela sabia que a polícia voltaria ali nos próximos dias. Precisava ficar sozinha e organizar os pensamentos.
- Não vamos lhe dar chance de dizer "não" - Angie declarou. - Sairemos direto daqui.
- Está bem. Eu irei! - Maggie concordou. - Será bom ouvir Dean tocar.
- Vou ser a primeira a me vestir - Angie declarou. - Posso, usar o seu chuveiro, Maggie?
- Claro. Vá em frente. - Ela tinha um banheiro particular no escritório.
- Cissy, se você quiser, pode tomar o banho depois de Angie e...
- De jeito algum. Sou a terceira. Se a deixarmos por último, vai acabar arranjando algum trabalho para fazer e tentar escapar do programa.
- Bem, agora vou fazer nossas reservas para o jantar - Angie disse.
- Cuido disso. Vocês duas comecem a se aprontar - Cissy insistiu.
Jantar. Maggie surpreendeu-se ao perceber que estava com fome. Um homem fora barbaramente assassinado a apenas alguns passos de sua porta, e mesmo assim...
- Será ótimo jantar - ela disse. - Um agradável passeio à noite. Vamos nos esquecer das...
- Pessoas mortas - Angie completou.
Maggie franziu a testa, hesitando.
- Certo. Vamos fazer exatamente isso.

Pierre LePont estava naquele emprego havia mais de vinte anos. Apesar de Sean conhecer outros legistas que faziam piadas com a morte, Pierre não era um deles.
O homem mantinha um respeito enorme pelos mortos e exigia o mesmo da equipe que trabalhava com ele.
Ainda assim, a morte podia ser algo terrivelmente humilhante. Em vida, Anthony Beale devia ter ameaçado e perturbado muita gente, e usara um terno Armani.
Agora, seu corpo estava nu, e sua cabeça dentro de um vidro perto da mesa de autópsia. Sean sentiu o cheiro habitual de necrotério.
- O que tem para mim? - perguntou, caminhando em volta do corpo e observando a cor da pele. Era bastante estranha, pior que a pele dos que se afogavam no Mississippi
e eram retirados do rio depois de passar dias dentro da água.
- Não tem muito sangue - Pierre respondeu.
- Então ele foi morto em um lugar e movido para...
- Não disse isso.
- Então qual é a sua teoria?
- Estou apenas dizendo que restou nele muito pouco sangue. Daí essa cor na pele.
- Está bem. Ele foi decapitado. O sangue deve ter saído das artérias... a não ser que ele tenha sido morto antes de ser decapitado e... diabos, o sangue simplesmente
não desaparece.
- Eu creio que o corte no pescoço foi feito na hora da morte, e foi isso que o matou. Cheguei a pensar que ele pudesse ter morrido de um ataque cardíaco e
então sido decapitado, mas não foi esse o caso. Não encontrei trauma suficiente no coração.
- Mesmo assim, Pierre, ele deve ter sido morto em outro lugar, do mesmo jeito que os animais são sacrificados. Deve ter sido pendurado e ter tido o sangue
drenado antes de ser jogado onde o encontramos.
Pierre deu de ombros.
- O que isso significa? - indagou Sean.
- Que é um cenário possível. Sean suspirou, exasperado.
- Examinei de novo nossa Jane Doe - Pierre contou, apontando para um corpo em outra mesa. - Decapitada, deixada sobre um túmulo, seus órgãos internos colocados
à sua volta. Nenhum sangue. Nenhum maldito sangue.
Sean passou a mão nos cabelos.
- Parece que temos algum tipo de ritual macabro ocorrendo na cidade. Algum tipo de magia negra ou coisa assim. Queriam o sangue.
- Se foi isso, conseguiram.
- E o que tem para mim do corpo?
- Não muita coisa. Um assassino canhoto com uma força incrível.
- Necessariamente um homem?
- Homem ou mulher, com uma força tremenda. Talvez seja um homem. Mas não existem garantias hoje em dia.
- Então o assassino é provavelmente um homem canhoto envolvido em um ritual macabro - Sean murmurou. - Tem razão, não é mesmo muita coisa.
- Lamento. Quando chegar o relatório com o DNA, teremos algumas respostas. Os computadores têm ajudado muito. Você sabe, podemos comparar este com outros crimes
bizarros.
- Pierre, vai levar semanas para termos o DNA.
- Sim, bem...
Sean deu um passo em direção ao corpo, detendo o olhar no pescoço. Subitamente sentiu o estômago revirar.
- O que é esta marca... aqui? Pierre aproximou-se. Realmente havia ali uma espécie de ferimento pequeno.
- Sabe, odeio ter de admitir, mas não sei bem o que pode ser. Pelo modo como a cabeça foi cortada, havia tanto trauma que nem percebi esse pequeno ferimento.
Parece...
- O quê? Pierre hesitou, não querendo adiantar nenhuma informação de que não tivesse certeza.
-Talvez ele tenha sido mordido, antes ou depois de morto.
- Pode ter sido mordida de cachorro?
- Vou mandar amostras para análise. Não posso me arriscar a dizer o que causou essa marca aí. O assassino pode ter mordido a vítima, especialmente se estiver
envolvido com algum ritual. Ou é um louco. Não sei. Logo que o laboratório me mandar resultados, eu aviso.
- Preciso até de resultados insignificantes. Qualquer coisa pode me ajudar.
Pierre hesitou por um momento.
- Quer dar uma nova olhada em Jane Doe?
Ele queria ver de novo Jane Doe? Nunca mais. Nem em um milhão de anos. Mas subitamente Sean se conscientizou de que precisava ver de novo a moça.
Fez um sinal afirmativo, respirando fundo.
- Ainda bem que seu parceiro não está aqui - Pierre comentou. - Foi gentil de sua parte deixá-lo fora disso.
- Passei-lhe uma tarefa não muito boa. - Sean fez uma cara de culpado. - A de preparar uma declaração para a imprensa.
- Pobre rapaz. Mandou o jovem cristão para ser devorado pelos leões, foi isso?
- Eu devia estar ao lado dele, mas... - Sean parou de falar quando Pierre puxou o pano que cobria Jane Doe.
- Pierre... - Sean apontou para uma marca no pescoço da moça.
- Bem... Tenho de admitir, não tinha notado isso.
- Não tínhamos nenhuma outra marca para comparar com essa - Sean lembrou o legista. - Pode ter sido provocada pela faca, enquanto a cabeça era cortada?
- Não acho. A arma utilizada não foi uma serra, mas uma faca lisa. Uma arma comprida, de nove polegadas, eu diria. Vou tirar amostras desta marca para análise.
Gostaria de poder lhe dar respostas mais definitivas.
- Já me deu uma.
- Qual?
- Definitivamente temos um assassino em série na cidade. E agora... o que vou dizer à imprensa?
Pierre sorriu de leve.
- Ainda bem que é trabalho seu, não meu. Bem, vá resgatar o seu cristão dos leões.
- A imprensa também vai direto ao pescoço - Sean brincou.
Pierre já estava distraído, olhando a marca em Jane Doe.
- Um cachorro? Está na moda treinar cães para atacar. Um gato? Não parece ser. Um morcego, um rato? Não sei, não - ele murmurou. - Boa sorte, Sean. Conversarei
outra vez com você assim que tiver novidades.
- Obrigado.
Sean saiu do necrotério e foi direto à delegacia fazer o relatório do caso e explicá-lo ao capitão Joe Daniels, o chefe do departamento de homicídios.
- Diga-me o que temos - Joe pediu. - Quero tudo. O que tem, e o que não tem.
- O que temos, eu acho, é um monstruoso assassino em série. O que não temos é pista alguma de quem ele possa ser - Sean admitiu, sentando-se em uma cadeira
diante da escrivaninha de Joe. Hesitou por um instante. - Devido ao estado dos corpos, creio que estamos lidando com alguém ligado a cultos satânicos ou um psicopata.
- Está bem. Fale-me a respeito desse corpo. Sean contou tudo em detalhes, e Joe o escutou com seriedade, concordando com a hipótese do assassino em série.
Seria preciso examinar as cenas dos crimes com pente fino e ainda buscar evidências psicológicas. O FBI tinha gente especializada em montar perfis de assassinos
desse tipo, e a polícia toda passara por um treinamento. Sean estivera em todas as aulas e grupos de discussão organizados, e comandaria a força-tarefa.
- Não sabemos se é mesmo um assassino em série, mas parece ser o caso - disse Joe. - E agora o seu parceiro novato está lidando com os abutres da imprensa.
É melhor ir ajudá-lo. Se Jack Delaney sobreviver a isso, ele terá sido uma boa aquisição para nossa equipe.
Sean concordou. Logo deixou o chefe e seguiu para a sala onde acontecia a entrevista coletiva. Chegou a tempo de colocar-se ao lado de Jack, que, apesar de
estar lidando bem com os gritos e a pressão, já se mostrava frustrado.
- Senhoras c senhores, não temos nenhum suspeito até o momento, mas nosso departamento é muito competente, trabalharemos com especialistas em patologia neste
caso - declarou Sean. - Jack já lhes passou o que temos; quando soubermos mais, vocês saberão mais. Por ora...
- O que a polícia está fazendo para nos proteger? - uma repórter perguntou.
- Tudo o que pode. Estamos em patrulha dobrada na cidade, e o governador pediu que as unidades da Guarda Nacional ajudem também. Agora, todos vocês sabem que
nossa cidade é grande. Então as pessoas devem agir com inteligência. Não andem em alamedas escuras e sejam cuidadosos quando tiverem de transitar pela cidade à noite.
Tenham em mente que Jane Doe estava envolvida em um trabalho perigoso e ilícito, e Anthony Beale se dedicava igualmente a atividades ilegais. Mesmo assim, repito.
Evitem lugares escuros, tentem irem direto do trabalho para casa, sempre em duplas, e fiquem atentos quando virem estranhos.
- Maravilha! Ficarmos atentos aos estranhos em uma cidade cheia de turistas! - um repórter ironizou. - E quanto ao pessoal que trabalha em restaurante ou hotéis?
Como eles vão evitar os estranhos?
- Devem usar inteligência e instinto - Sean respondeu.
- E chamar a polícia se tiverem a menor suspeita. Agora, sem mais perguntas. Obrigado a todos.
Sean foi empurrando Jack para fora da sala de entrevistas. Policiais uniformizados fecharam a passagem atrás deles, dando-lhes a chance de escapar.
- Meu Deus... - Jack gemeu. - Não tenho certeza se é uma boa coisa ser seu parceiro. E agora?
- Agora? - Sean fez uma careta. - Bem, vou fazer um relatório e ir para casa.
- Fico surpreso que consiga jantar e dormir depois do que vimos.
- Não tenho tanta certeza se vou conseguir comer, nem mesmo dormir. Possivelmente vou passar a noite agitado, mas temos uma boa equipe nos substituindo, e
isso me tranqüiliza. Eles me chamarão se precisarem de ajuda.
Jack sorriu.
- Sei de uma coisa que você pode fazer, se quiser.
- O quê?
- Conhece o oficial Mike Hays? Sean acenou afirmativamente.
- Bem, acho que devemos ir com ele a um clube de jazz.
- Um clube de jazz...
- Sabe, aquele lugar onde as pessoas tomam algumas bebidas e escutam uma boa música.
- Diabos, Jack, essa é a ultima coisa que eu quero hoje...
- Mike tem um encontro com aquela recepcionista alta e bonita que trabalha para a Montgomery Enterprises. Não precisamos saber tudo sobre os empregados de
lá?
Sean abriu a boca, depois a fechou. Levantou as mãos e as abaixou antes de começar a rir.
- Bem, eu adoro jazz. E faz um tempão que não escuto boa música.
- Ótimo. Primeiro vou para casa me trocar - Jack disse. - Mas você vai nos encontrar, certo?
- Sim. Estarei no Bourbon Street em uma hora.
Jack viu o companheiro se afastar. De certa forma, eles estariam trabalhando naquela noite, afinal.

Foi em Paris, não muito depois da primeira vez que experimentara sangue, que conhecera Lucian. E então soube das regras.
Não sabia muito bem o que estava acontecendo naquela primeira noite. Pensara estar sonhando. Na verdade, era algo mais próximo de um pesadelo das mais terríveis
proporções.
Chegara a Paris fazia pouco tempo. O pai a mandara para lá. Depois do que ocorrera entre ela e Alec, havia pouco a fazer a não ser envia-la para a Europa.
Desde então era uma estranha na bela e antiga cidade. Portanto, não deixava de ser natural que seu sono fosse agitado. E que sonhasse.
Um vento parecia envolvê-la com tremenda força. A terra sacudia, o ar era de tempestade, a escuridão predominava. Sentia-se imóvel, os dentes batendo involuntariamente,
levada pelo vento, pelas poderosas forças da noite, da escuridão. Voava no tempo e no espaço.
Então tudo ficou calmo outra vez. A escuridão ainda a envolvia, mas bem devagar uma luz foi penetrando em meio às sombras. Ela estava agora sobre algo sólido
e quente.
Olhou ao redor, confusa e desorientada. Não estava em seu quarto, mas no dormitório de outra pessoa. Havia uma lareira onde o fogo crepitava, uma escrivaninha,
uma vasilha com água, um espelho.
E, à sua frente, estava um homem sentado em uma enorme poltrona. Ele a observava, com as mãos casualmente pousadas no colo. Mesmo estando sentado, ela viu
que era muito alto, tinha ombros largos, e cabelos negros e longos. Uma estranha luz avermelhada continuava a entremear-se nas sombras, mas conseguiu perceber nitidamente
as feições dele. Delineadas, severas, belas de uma forma curiosa. E assustadoras, pois ela podia ver-lhe os olhos. Talvez eles devessem ter sido castanhos, mas não
eram.
Eram vermelhos, como as chamas da lareira.
Ela se sentou, tentando encará-lo. Procurava se convencer de que era um sonho. Oh, Deus, não! Um pesadelo. Caiu em desespero ao se ver diante do próprio diabo.
Ele se levantou, sorrindo. Um sorriso de satisfação.
Ela se empertigou, tentando parecer mais alta, desafiando-o. Afinal, se fosse um pesadelo, o que devia mesmo ser, essa era a forma certa de se enfrentar o
diabo.
Ele usava uma camisa preta, aberta na frente, calças escuras, que moldavam seus quadris e as pernas musculosas, e botas negras brilhantes, que chegavam acima
dos joelhos.
Caminhou até ela, examinando-a como se ela fosse uma espécie de presente, um novo bichinho de estimação talvez, ou um prêmio ganho em uma corrida de cavalos.
- Você é mesmo uma beleza. Uma criação admirável. Já tinha ouvido dizer que era assim. Alec se envolveu demais, mas ele está morto, e você agora está conosco.
Que maravilha! Seu pai a mandou para Paris. É um homem muito esperto. Está vendo, sei tudo sobre você. E sabe quem eu sou? - ele perguntou.
A voz masculina era profunda, quase como se fizesse parte do ar quente que a envolvia. Era uma espécie de murmúrio que entrava em seu ser.
- O diabo? - ela perguntou. Ele sacudiu a cabeça, rindo.
- Sou Lucian DeVeau.
- O diabo.
Ele parou diante dela, capturando suas mãos, fazendo-a se levantar. Ela tentou se libertar, mas não conseguiu. O corpo parecia não obedecê-la. Ele riu de seus
esforços.
- Não o diabo. O rei. Seu rei. O rei de toda a sua espécie.
- Não! É o personagem de um pesadelo. Minha espécie... Que espécie é essa? Isso é prepotência demais. Está errado. Não sou...
Lucian começou a rir de novo, e ela sentiu outra vez sua força envolvê-la. O poder do ar e do vento, e o poder da escuridão e da noite. O poder de uma estranha
tempestade. Tudo isso debaixo do poder dele, da força de seus braços, de seus olhos, de sua risada. Parte da tempestade que a engolira e derrubara.
- Negue, claro. Oh, é tão doce, meu amorzinho, quando os bons e inocentes se transformam em corruptos! Mas você não é mais assim tão inocente, não é? Houve
aquele jovem tolo por quem se apaixonou! Pobre Alec. Ele acreditava nas velhas lendas, de que um grande amor salvaria sua alma mortal! Ora, ora, mas seu pai o assassinou!
De novo, tudo em nome do amor, não? E ei-la agora aqui. Uma de nós. Minha serva.
- Isto é um pesadelo. Não vou ficar aqui, vou acordar...
- Oh, não, minha cara. - Ele ainda sorria. - Entenda-me. A vida agora é este pesadelo, e viverá nele. E vai me escutar e aprender. Porque sou o seu rei. Porque
precisa de mim.
- Deixe-me ir - ela exigiu, começando a lutar.
- Não tem força alguma. A força vem com o tempo, com a prática. Se a alma é roubada, a mente permanece, e é com o poder da mente que trabalhamos. Não se engane.
Ninguém tão interessante quanto você veio a mim por um bom tempo, e vou me divertir ensinando-lhe. Pertence a mim. E vai ter toda a minha atenção. Não muitos estão
dispostos a ensinar, e nem sempre ofereço minha sabedoria tão generosamente, mas... você é especial. Preste atenção. Vai ouvir muitas coisas, a maioria rumores.
Confie em mim, e não no que escutar dos outros. Bem, há coisas simples. O sol não a matará, mas o dia não é o seu tempo de força. Pode exercer suas atividades durante
o dia; no entanto, seu melhor sono virá ao amanhecer. O vinho ainda terá o gosto doce, mas não será suficiente. Pode ser machucada, mas irá se curar. Pode se ferir
seriamente, e levar anos para sarar. Pode ser morta, mas somente se sua cabeça for separada de seu pescoço, ou seu coração transpassado por uma estaca.
- Isso é um absurdo. Não vou ficar escutando...
- Oh, vai sim, e vai se lembrar de uma coisa. Sou eu quem governo. E todos sobrevivem porque eu governo bem e com sabedoria. Minha palavra, para você, é lei.
- Não entendo nada, vou acordar e...
- Não vai, não. Agora, o mais importante. Deve se alimentar com muito cuidado.
- Não sei do que está falando...
- Sabe muito bem. Para a maioria de nós, uma vítima sob a lua cheia é o suficiente. Se desejar viver em paz e evitar os caçadores mortais, escolha aqueles
que vivem no submundo. Procure os andarilhos, os sem-teto, os criminosos, as prostitutas. Roube carga humana de navios no mar. Não faça essa expressão horrorizada.
Oh, suponho que temos entre nós um ou outro moralista, que escolhe suas presas dentro das cadeias. Na verdade, você pode se surpreender ao descobrir que seguimos
um código de ética. Se ficar perturbada demais com sua fome, procure aqueles que já foram condenados. Assassinos presos, escolha esses. Isso não importa. O que importa
é o método. Compreenda bem isso. Disponha dos restos. Deve decepar a cabeça de suas vítimas e sugar suas artérias. Se não fizer isso, vai se ver diante de um julgamento
e condenada à morte pelos seus iguais. Sim! Existe uma lei entre nós, para garantir nossa sobrevivência! Cuidado com suas ações. E pode criar apenas dois outros
de nossa espécie a cada século.
- Criar dois... a cada século! Isso é insano. Vou embora...
- Não vai, não. De repente, ela sentiu como se estivesse voando outra vez. Em meio à tempestade, jogada de um lado para o outro.
Terminou deitada na cama, sem fôlego, estupefata. E Lucian estava sobre ela. Sem roupa, a pele dele macia como cetim, quente como as brasas de um fogo impossível,
o olhar preso ao seu.
Lutou com todas as forças, usou as unhas. Ele riu, divertindo-se com aquela luta inútil, e arrancou-lhe a roupa, passando a comandar todas as suas ações.
Ela estava tão furiosa que queria matar... Mas então... Começou a ser tomada por um intenso calor. Ouviu-o murmurar em seu ouvido. Sentiu o ardor sensual que
vinha dele, da língua, das carícias em seu corpo... Lutou com seu coração, com sua alma e mente. Mesmo assim, era uma batalha perdida. Mais tarde, sentiu-se horrorizada
ao compreender que ele tinha o poder de exigir dela o que quisesse. De ordenar, de seduzir. E pior do que tudo, de levá-la a desejar e a corresponder com ardor.
Ela era uma criatura sensual. Ela havia amado e desejado, e o resultado tinha sido maravilhoso. Isso era diferente. E mesmo assim...
Ele a fizera desejá-lo. E tudo para sua diversão. Ele estava satisfeito, deitado ao seu lado, tocando-a nos cabelos.
- Você é linda. Lamento pela morte de seu amigo, que a tornou igual a nós, e então morreu. Pobre Alec. Ele acreditava tão profundamente que o amor o libertaria!
Pobre sujeito, tão religioso, tão amante das canções, das poesias, dos mitos. A bela e a fera, e a fera dentro dele sumiria, se o amor fosse suficientemente forte.
Se eu estivesse mais familiarizado com esse sentimento, talvez pudesse amá-la. Quem sabe eu possa aprender.
- Eu nunca poderia aprender a amar você!
- Ah, então é bom que eu realmente não me importe com isso e que eu tenha o poder. Jamais me contentaria com uma amante apenas. Ainda assim, você me atrai,
me agracia, me cativa. Quando quiser, eu a chamarei, e você virá, porque eu exigirei.
- Vou ter meu próprio poder.
Mais uma vez, ele riu. Aquela risada profunda, diabólica. Tocou-a outra vez, envolvendo-a com seus sussurros, com sua sensualidade.
- Ma belle, eu tenho o poder.
Ela abriu os olhos lentamente. Estava em sua própria cama, ouvindo os sinos de uma igreja anunciar a hora.
Procurou analisar seu macabro pesadelo. Que noite horrível. Ainda se sentia exausta, o sonho tão vivido em sua mente.
Começou a se levantar, e então viu que sua camisola estava em tiras, inteira rasgada. Suas mãos começaram a tremer, e lágrimas surgiram em seus olhos. Oh,
Deus, não podia ser verdade.
Oh, Deus, era verdade.
Entregou-se ao pranto. Quando havia chorado tudo o que podia, levantou-se. Caminhou até a janela e observou o dia nascer lá fora.
Não choraria mais.
Lucian tinha o poder. Certo. Ela teria mais poder do que ele.

Angie, Cissy e Maggie jantaram em um restaurante novo perto do clube de jazz. Enquanto as duas pediam café expresso, Maggie decidiu ir até o banheiro. Quando
voltava para a mesa, passou pela área do bar. No alto, havia uma televisão ligada no canal de notícias.
Ela viu o detetive jovem que conhecera naquela tarde, Jack Delaney, dando uma entrevista. Os repórteres começavam a se tornar agressivos. Então Canady entrou
em cena. Havia um ar de autoridade nele que era tranquilizador. Quando disse que a polícia pretendia proteger a cidade, as palavras pareceram convincentes. Podia
ter algo a ver com sua presença física ou com o som de sua voz. Qualquer que fosse o seu poder, ele conseguira suavizar o ataque dos repórteres, prontos a dilacerar
a força policial. Olhando ao redor, ela teve certeza de que aqueles que ouviam o noticiário acreditavam, como a maioria da população de Nova Orleans, que o assassino
atacava gente do submundo, e que as pessoas decentes estariam a salvo. Porém, naturalmente, queriam que o assassino fosse preso.
Maggie notou uma sombra na tela da televisão. Alguém muito alto estava parado atrás dela. Voltando-se, deparou com Sean Canady. Ele trocara de roupa. Agora
usava uma jaqueta casual e uma camisa cinza aberta no colarinho, sem gravata.
- Como vai? - ele perguntou.
- Muito bem. Conseguiu acalmar os ânimos com as suas palavras, tenente. Refiro-me à sua entrevista coletiva. Sem dizer praticamente nada de relevante, de alguma
forma assegurou ao povo que aquele que for cuidadoso e evitar pessoas do submundo, provavelmente estará a salvo até que a polícia prenda o assassino.
Sean sorriu de leve.
- E isso é um elogio ou uma crítica? Ela não respondeu.
- Por acaso me seguiu até aqui?
O sorriso dele aumentou, revelando uma covinha do lado direito do rosto; um charme, sem dúvida. Havia tomado banho e tinha um cheiro gostoso de sabonete e
colônia de barbear. Maggie engoliu em seco, desejando poder desviar o olhar, mas não conseguiu.
- Não segui você até aqui. Tinha esperanças de encontrá-la no clube de jazz esta noite, já que suas funcionárias estarão lá. Alguns colegas e eu paramos aqui
para jantar.
A contragosto, um sorriso surgiu nos lábios dela.
- Bem, você é bastante honesto.
- Tento ser. E quanto a você?
- Faço o melhor que posso.
- Resposta interessante.
- Não matei aquele sujeito, nem a garota no cemitério, tenente.
- Eu a acusei dos crimes?
- Interrogou-me esta tarde. E vasculhou o meu prédio.
- Você me deu autorização.
- Se não tivesse dado, teria pedido um mandado de busca.
- Pode apostar que sim.
- Então... está me seguindo na esperança de fazer logo uma prisão?
Ele não respondeu. Dois bancos ficaram vagos no bar, e ele colocou a mão no cotovelo de Maggie, levando-a até lá.
- Deixe-me pagar uma bebida para você.
- Acha que se eu me embriagar confessarei que sou culpada?
Ele riu, ajudando-a a se sentar em um dos bancos. Maggie pediu vinho, e Sean preferiu uma cerveja.
- Pode beber em serviço?
- Não estou em serviço, Maggie.
- Não planeja me prender esta noite?
- Sabe muito bem que não encontramos nada em seu prédio.
- Disseram-me isso assim que a busca terminou.
- Mas é estranho que as gotas de sangue tenham ido parar na sua porta, não acha?
- Acho que muitas coisas são bem estranhas. Mas aparentemente só porque havia gotas de sangue junto ao meu prédio, pensa que o crime tem alguma ligação comigo.
Vou perguntar de novo. Vai me prender?
Sean apontou o cálice de vinho que ela segurava.
- Parece que você não é canhota.
- E daí?
- O assassino é.
- Mas eu posso ser hábil com as duas mãos, não é?
- Pode, mas quanto pesa?
- O quê?
Ele riu. O som chegou a Maggie com um toque de sensualidade. Ela tomou um bom gole de seu vinho, determinada a lutar contra essas sensações. Ele era um policial
atrás de um suspeito!
- O assassino é muito forte. Tudo indica que seja um homem musculoso.
- Como você? - ela perguntou, sorrindo. Ele apenas arqueou a sobrancelha.
- Não creio que tenha a força suficiente para decepar cabeças, srta. Montgomery.
- As aparências podem enganar. Mas me diga por que está me seguindo.
Sean bebeu um gole de cerveja e colocou o copo no balcão.
- Nem eu mesmo sei. Você é uma mulher interessante.
- Interessante?
- Está bem. É uma mulher muito bonita.
- Pode flertar com uma suspeita de assassinato, tenente?
- Não suspeito que tenha matado alguém.
- Então do que desconfia?
- Bem, acho que pode haver alguém em seu prédio envolvido no crime. Algum de seus empregados. Talvez você saiba de alguma coisa e não queira admitir, ou ainda
ignore saber.
- Oh, tenente! Que modo de cortejar uma mulher! Pensei que estivesse atrás de mim pelos meus atrativos. - Maggie riu e começou a se levantar do banco, pronta
para voltar à sua mesa.
Sean a segurou pelo braço, e ela se viu perdida nos olhos azuis do detetive.
- Você não é tola, nem modesta demais. Sabe muito bem dos seus atrativos. - Quando ela tentou se afastar, prosseguiu: - O quê? Não queria que eu fosse honesto?
- Sim, aprecio a honestidade. Mas não precisamos de jogos...
- Sem jogos. Quero conhecer você.
- E se eu não quiser que me conheça?
- Que tal simplesmente dormir comigo, então?
Maggie arregalou os olhos, surpresa, e Sean sorriu de novo.
- Desculpe, não consegui controlar minha língua. Veja, você ficou ofendida por eu estar atrás de você por motivos policiais. Eu lhe disse exatamente o que
está acontecendo. Estou seguindo-a porque é tão atraente que eu pareço não ter opção. E nossas famílias têm uma história comum. Dê-me uma chance. Termine sua bebida
e deixe-me ficar por perto no clube de jazz.
- Sabe o que há de errado com você, Canady?
- Tenho certeza de que são muitas coisas, mas tem algo específico em mente?
Ela não queria rir nem sentir-se fascinada por ele. Mesmo assim, acabou sorrindo.
- Você é perigoso! - ela disse, por fim. - Está atrás de alguma coisa.
- De muita coisa.
- Também é um homem irritante.
- É uma qualidade que vem com a profissão.
- Bem, minhas companheiras acabaram de pedir sobremesa...
- E pode notar que as suas companheiras se uniram aos meus homens.
Maggie voltou o olhar para sua mesa. Ele tinha razão. Viu o rapaz bonito de quem Cissy tinha falado ao lado dela; Jack Delaney conversava com Angie, e o garçom
servia cafés para todos.
- Eles formam casais bonitos, não acha? - perguntou Sean, rindo.
Maggie balançou levemente a cabeça.
- O seu amigo negro e alto é muito bonito, mas o que está parecendo é que a polícia inteira está nos rodeando.
- Meu amigo negro e alto se chama Mike. Você já conhece Jack. E a única razão de uma pessoa se preocupar com a lei é quando está escondendo alguma coisa. Você
está?
Sean lançou a Maggie um olhar que a perturbou. Era como se ele lesse as almas humanas. Ela hesitou por um instante.
- Já lhe disse que não matei nem o homem nem a garota do cemitério.
- E eu lhe disse que não acho que tenha cometido os crimes. Apenas suspeito de alguma coisa.
- Engana-se, tenente.
- Então vai sair comigo.
- Já estamos fazendo isso, não é?
- Suas amigas estão estranhando a sua demora. Por que não nos unimos ao grupo e tomamos um café? Ou podemos também sair daqui sozinhos. Diga-me, vive na antiga
propriedade dos Montgomery?
- Passo algum tempo lá, mas tenho um apartamento junto ao escritório. - Ela hesitou. Compreendia que deveria voltar ara casa, mas estava começando a ficar
curiosa sobre Sean.
- Não há também uma propriedade na sua família como a dos Montgomery?
- Sim, mas não tão grande quanto era antes. Ainda temos alguns acres, e a casa é linda. Difícil de manter, mas linda. Minha irmã se casou com um arquiteto,
e assim meu pai e eu temos bastante ajuda com os reparos por meio dos trabalhadores que ele conhece.
- Seu pai ainda está vivo. Que maravilha para você.
- Sua família está...
- Todos morreram. E não somos muito de ter filhos.
- Pena. Então você deveria ser clonada.
- Você é um bajulador.
- E ainda assim parece que não consigo dizer as coisas certas para que não fique tão arisca comigo.
- Você é um policial.
- E você inocente, lembra-se?
- É difícil entender o que você quer.
- Você suspeita demais. Estou sendo sincero. Gostaria que pensasse e depois me contasse se conhece alguém que possa saber mais alguma coisa sobre o crime.
E, quanto ao restante, bem... eu já deixei claro.
- Se houver alguma coisa para contar, eu contarei - ela disse depois de observá-lo com atenção por um instante.
- E agora podemos nos reunir aos nossos amigos?
- Huum... acho que sim.
- Presumo que você tenha optado por passar a noite comigo. Dormirmos juntos está fora de questão. Vou ter que ser muito mais sutil ao cortejá-la e agir mais
devagar para levá-la para a cama, não?
Maggie sorriu, detendo-se nas belas feições de Sean e no brilho provocador dos olhos azuis.
- Não subestime nem superestime a minha inocência, tenente. Sou bem crescidinha. Não tenho nada contra dormir com um homem atraente. Se e quando eu decidir
que é ele quem eu quero.
Com essas palavras, ela deu as costas a Sean, deixando-o sentado ali no bar enquanto voltava para a sua mesa.
Jane Doe tinha sido assassinada na quarta-feira, Anthony Beale na sexta. A cidade estava agitada, mas no sábado de manhã a manchete do jornal não atacava a
polícia tanto quanto Sean esperara.
Em vez disso, o artigo enfocava o clima de maldade em Nova Orleans, citando diversos crimes bizarros do passado. Era uma terra de feiticeiros de vodu e de
cultos sanguinários; havia quem acreditasse em alienígenas e quem achasse ser vampiro.
Sean estava tomando café da manhã em Oakville, a propriedade de sua família.
Curiosamente, sua noite de sexta-feira se transformara em algo muito semelhante a um encontro. Maggie Montgomery mostrara-se charmosa, bem-humorada e chegara
a flertar com ele. Tinham escutado jazz, e até dançado. Ele a levara até o apartamento que ela mantinha junto ao escritório, e tinham se despedido com um aperto
de mão à porta. Ótimo. Ele não a pressionara. Na verdade, Maggie era a mulher mais sensual que já conhecera. Ainda assim, ele conseguira manter um sorriso casual
na despedida, como se pudesse esperar eternamente para arrancar-lhe a roupa. Após dirigir a esmo por algum tempo, decidira não voltar para sua casa na cidade. Tinha
dormido na antiga propriedade da família.
Depois de um banho frio bem longo. Oakville era uma das típicas casas construídas no início o século dezoito, e contava com cinco aposentos no segundo andar.
O quarto do pai não tinha mudado nada desde que a mãe morrera, cinco anos atrás. O seu também não tivera muitas alterações desde que saíra de casa para ir para faculdade.
Tampouco houvera mudanças no quarto da irmã que, apesar de ser casada, ter filhos e uma linda casa no Garden District, ainda colocava novos pôsteres de bandas de
rock nas paredes de Oakville. Seu pai gostava que os filhos voltassem para casa vez por outra.
Pela primeira vez nos últimos cinqüenta anos, parte dos acres da propriedade estavam sendo cultivados de novo. Seu pai mantinha uma horta e se orgulhava de
usar suas cebolas e tomates para fazer a omelete que Sean adorava. O café também era muito bom. Bess Smith, que vinha dizendo a ele o que fazer desde que usava calças
curtas, ainda continuava na casa. Ela fazia o melhor café que já tomara. Tinha de admitir que era ótimo comer a omelete preparada pelo pai e tomar o café de Bess
enquanto lia o jornal.
Naquele momento, o pai, à sua frente, o observava, meneando a cabeça. Daniel Canady media alguns centímetros a menos que ele e, nos últimos anos, emagrecera
bastante. Aos setenta anos, sua aparência era muito distinta. Tinha abundantes cabelos grisalhos e olhos azuis.
Os investimentos de Daniel sempre haviam mantido a família muito bem financeiramente, o que era ótimo, pois ele escolhera a profissão de historiador, não muito
rentável. Dera aulas na universidade por vários anos, e se dedicava agora a escrever romances históricos. Felizmente, ensinara tudo sobre investimentos ao filho,
uma vez que a profissão de Sean tampouco remunerava bem.
- Você está se deixando envolver demais por esses assassinatos - Daniel disse.
Sean largou o jornal.
- Pai, estamos falando sobre pessoas que foram decapitadas.
- Bem, decapitar é uma forma de assegurar que o sujeito esteja morto. Mas lembre-se, filho, isto aqui é Nova Orleans. Tivemos prática de vodu e culto de zumbis
e vampiros em duzentos anos de história. Quando eu era menino, costumava atravessar os velhos cemitérios a caminho da escola e brincava com os colegas de chutar
caveiras que encontrávamos nos túmulos quebrados. Este é um lugar onde qualquer coisa pode acontecer.
- Sim. Mas o problema agora é que estou liderando as investigações dessas mortes e tenho a cidade inteira me olhando. O governador tem me telefonado todo dia.
Preciso deter esse criminoso e não tenho pista alguma.
- Sean, até agora vem batendo a cabeça contra a parede. Infelizmente, muitos assassinos nunca são pegos.
- Esta é a minha cidade, pai. Ninguém aqui mata e corta as pessoas, e sai ileso.
Daniel caiu na risada.
- Este é o espírito de luta. Tem alguma coisa para me contar que não tenha saído nos jornais?
- O jornal não publicou que encontramos uma pista de sangue que ia até o edifício da Montgomery Enterprises.
- Investigou o prédio?
- Claro, passamos lá um pente fino. Nenhuma gota de sangue dentro do edifício. Nada.
- Interessante. E conheceu a srta. Montgomery?
- Conheci. Ela cooperou bastante e nos deixou fazer uma busca lá dentro.
- E isso é tudo? Você pediu, e ela deixou que examinassem a propriedade dela?
Sean abaixou a cabeça, sorrindo. Havia passado oito anos vivendo com uma mulher chamada Sophie Holloway. Ela era bonita, doce, alegre. Haviam se conhecido
quando muito jovens. Tinham namorado, brigado, voltado a namorar. Quando finalmente planejavam se casar, Sophie descobrira um câncer no útero. Por mais que tivesse
tentado, ele não conseguira convencê-la a se casar. Fazia seis anos que ela morrera. Saía com mulheres. Gostava delas, e de sexo. Porém, viver com alguém outra vez
era um passo grande demais. Não encontrara a pessoa certa, e o pai temia que ele ficasse solteiro, e não perpetuasse o nome da família.
- Sim, pai. Ela deixou que fizéssemos a busca. Também estive com ela em um clube de jazz e conversamos. Por quê?
- Estava curioso. Se der uma olhada na história da nossa família, vai ver que houve um noivado entre um Canady e uma Montgomery. O casamento nunca aconteceu
porque ela foi embora para a Europa. Uma outra srta. Montgomery voltou, anos depois. As mulheres daquela família não adotam o sobrenome dos maridos. E parece que
têm nascido apenas mulheres, uma a cada geração, e todas mantêm o sobrenome Montgomery.
- Ora, isso é curioso.
- As Montgomery têm sido bastante estranhas esses anos todos, meu caro.
- O que acontece com elas?
- As mulheres vão para a Europa com seus filhos, e então voltam somente para ganhar dinheiro americano.
- Não se pode prender ninguém por isso.
- Nem estou sugerindo nada do tipo - Daniel replicou, sorrindo. - Mas gostaria de conhecer a sua srta. Montgomery. As ancestrais dela foram mulheres fascinantes.
Ela não é casada, certo?
- Não, papai.
- E você gostou dela?
Daniel hesitou, vendo a expressão esperançosa do pai.
- Bem, sim, gostei.
- E a convidou para sair.
- Não foi exatamente assim.
- Mas ela aceitou.
- Na verdade, não.
- Sabe, a propriedade Montgomery não fica longe daqui. Por que não vai até lá?
- Ela não está lá. Eu a deixei em seu apartamento no centro da cidade.
- Você a deixou?
- Alguns colegas e eu a escoltamos, assim como as amigas dela, até suas casas. Houve um assassinato, lembra-se?
- Ora, mesmo assim você pode ir até a propriedade Montgomery. Se me lembro bem, existe uma pintura fantástica de uma das ancestrais dela junto às escadarias.
Se houver alguém na residência, você pode entrar, ver a pintura e constatar que a aparência das Montgomery não mudou. E, quem sabe, a srta. Montgomery não está na
casa para o fim de semana? Se estiver, talvez você possa convidá-la para um churrasco hoje à noite.
- Eu a deixei na cidade. Mas talvez eu acabe dando uma volta por lá.
- Se ela estiver, convide-a para o jantar, está bem? Sabe o que ela gosta de comer? Será que gosta de carne? Pode ser vegetariana, não é? Muitas mulheres agora
são.
- Desculpe, pai, mas ontem à noite só a vi tomando um café e, portanto, não sei o que gosta de comer. Mas se eu a encontrar, farei o possível para convencê-la
a vir jantar conosco. Está bem assim?
- Faça isso. Seja convincente, filho.
Talvez o pai não o julgasse capaz de convencer uma mulher a sair com ele. Ou quem sabe o caso fosse outro. Daniel sabia que a mulher em questão era Maggie
Montgomery.
Subitamente, Sean sentiu um desejo muito forte de vê-la.

A loja abria às dez horas da manhã. Allie Bouchet sempre chegava às nove e meia, fazia café e deixava tudo em ordem.
Com quase cinqüenta anos, ela era uma mulher atraente, viúva fazia quatro anos. O cabelo ficara grisalho cedo demais, mas combinava com o tom de seus olhos
e com o corpo bonito.
Ficou surpresa quando viu um homem sentado na quina do balcão. Procurou ser educada, apesar de ficar aborrecida ao ver um estranho ali dentro.
- Ora, o senhor me surpreendeu. Lamento, mas a loja não abriu ainda. Eu sempre me lembro de fechar a porta enquanto estou arrumando aqui. Devo ter me esquecido.
Peço desculpas se o deixei pensar que já estávamos funcionando.
- Ora, madame, eu é que peço desculpas - o homem disse, a voz profunda e sensual.
Era jovem e bem másculo. Usava calças pretas e um pulôver de lã também preto. Era bronzeado, tinha cabelos escuros, e fascinantes olhos dourados, que pareciam
hipnóticos e... lembravam os de uma cobra. Era muito bonito.
- Posso lhe oferecer café? Logo Gema Grayson vai chegar, e uma de nós poderá ajudá-lo a encontrar o que está procurando.
O rapaz deu um sorriso convidativo.
Allie se sentiu uma tola. Ele devia ser uns quinze anos mais jovem do que ela, e, com certeza, não estaria interessado em uma mulher mais velha.
- Café seria bom.
- Eu seleciono os melhores grãos - ela disse, feliz por ter alguma coisa para fazer, consciente de que os olhos do estranho a seguiam enquanto ela preparava
o café. - E não o mantenho no fogo. Coloco logo em uma garrafa térmica.
Ela serviu uma xícara e se voltou para o moço. Ele estava bem próximo, e era muito alto. Engraçado, ela não o ouvira se movimentar. Nem um ruído, nada. Era
também magro, e lembrava uma pantera negra. Alto, bonito, com um sorriso meio malandro. E o modo como ele a olhava...
Ele aceitou o café.
- Vim aqui para ver a srta. Montgomery. Ela vem hoje?
- Não. Ela não vem nos fins de semana. Estará de volta na segunda-feira.
- Bem... posso encontrar a srta. Montgomery se precisar mesmo... mas ela estará de volta na segunda. Fico feliz com isso.
Ele estava incrivelmente perto.
- Lamento que tenha perdido o seu tempo.
Ela não se lembrava de tê-lo visto tomar o café, mas isso devia ter acontecido porque a xícara dele estava agora vazia. Ele a colocou de lado e pegou-lhe as
mãos.
- Eu não perdi o meu tempo. Conheci você.
Allie sentiu um calor tomar conta de todo o seu corpo.
- Ora, o senhor é muito gentil.
Ele sorriu e se virou para sair, caminhando até a porta. Ela estava tão confusa que não o acompanhou, para fechar a porta quando ele saísse. Voltou-se para
a cafeteira, ainda sorrindo. Que bobagem, ficar daquele jeito por causa de um rapaz bonito. E tão novo. Meneou a cabeça, querendo afastar os tolos pensamentos.
Quando se virou outra vez, ficou surpresa ao encontrá-lo ali. De novo diante dela. Ele sorria, fitando-a nos olhos.
- Ora, senhor, por que...
- Tem outra coisa que preciso fazer aqui. Apenas uma coisa - ele disse suavemente.
E então a tocou...

A propriedade dos Montgomery tinha uma estrutura admirável. Sean parou o carro no caminho que levava à antiga casa para olhá-la, e imaginou que devia ter custado
uma fortuna.
Estimou que eram oito mil metros quadrados de construção. Um semicírculo de degraus levava à varanda, com suas colunas brancas. O curioso é que a varanda rodeava
a casa inteira, o mesmo acontecendo com o segundo andar da residência.
Podia imaginar como, nas décadas passadas, os hóspedes escapavam do calor do verão da Louisiana abrindo as portas dos quartos para receber a brisa do rio e
para caminhar à noite sob a luz do luar.
Prosseguiu pelo caminho de pedregulhos até estacionar diante da residência. Reparou no gramado impecável e a fachada recentemente pintada. O local estava muito
bem conservado.
Não esperava encontrar Maggie ali, mas gostaria de ver o retrato de que o pai falara. Quem sabe haveria uma governanta. Subiu as escadas e tocou a campainha.
Uma senhora baixinha e rechonchuda abriu a porta. Usava um avental sobre um vestido florido. As bochechas eram incrivelmente vermelhas, e o sorriso, acolhedor.
- Bom dia. Meu nome é Sean Canady. Estou procurando a srta. Montgomery. Ela está?
Sean ofereceu à mulher seu melhor sorriso, esperando ser convidado para entrar, mesmo que Maggie não estivesse ali.
- Sr. Canady, entre, por favor - a mulher disse. - O calor de hoje está monstruoso, e nosso novo sistema de ar condicionado, um verdadeiro paraíso.
A casa era espetacular. Típica de seu tempo, possuía um grande hall, com os quartos se abrindo simetricamente em ambos os lados. O foyer era imenso, e as portas
para os fundos se abriam de cada lado de uma escadaria dupla. Havia uma plataforma entre o primeiro e o segundo andar, cuja parede estava coberta por um enorme quadro
a óleo, de antes da Guerra Civil, Sean tinha certeza, e vitrais filtravam a luz do sol, projetando cores no interior da casa.
- Uau! - ele exclamou.
A mulher pareceu satisfeita com a reação dele.
- Sou Peggy, senhor. Pode ir em frente e admirar!
Ele mal a ouviu, pois olhava a pintura. Era o retrato de uma mulher excepcionalmente bela. Os cabelos vermelhos estavam presos, e algumas mechas esvoaçavam
pelo rosto. Usava um vestido azul de veludo. Devia ter sido pintado por alguém de muito talento, que captara não somente sua forma e graça, mas também a própria
alma da mulher. Era elegante, parecia inteligente e um pouco inocente. A pintura era de tirar o fôlego e, de certa forma, assustadora.
Maggie Montgomery era a imagem dessa pintura.
- Magdalena - uma voz murmurou atrás dele. Surpreso, ele se voltou. Era Maggie.
- Ora, tenente, por que a surpresa? Estou presumindo que veio aqui me ver.
- Tinha esperanças de encontrá-la.
- Bem, poderia ter telefonado. Temos um telefone, sabia?
- E o número está na lista?
- Você é um oficial da lei. Sem dúvida, quando quer um número de telefone, consegue descobri-lo sem problemas.
- Eu queria ver você.
- A mim ou a casa?
- A casa é espetacular.
- Obrigada.
- Mas você é ainda mais. Ela sorriu.
- Você é incrivelmente hábil com os elogios. - Ela cruzou os braços. Usava sandálias pretas e um vestido de tricô também preto. O cabelo estava preso em um
rabo de cavalo. Parecia jovem e inocente. - É bom que seja, já que não tenho muita certeza se pode ficar vasculhando as minhas propriedades.
Sean caiu na risada.
- Não tenho evidência alguma contra você, Maggie. Foi meu pai quem insistiu para que eu viesse aqui. Ele parece ansioso para conhecê-la. E Oakville não fica
longe daqui.
- Sei disso. Rumores dizem que a casa tem sido adorada geração após geração pelos Canady, que a preservam com extremo cuidado.
- Eu adoro Oakville, mas lá não temos nada como isto aqui - ele disse, apontando para o quadro.
- Magdalena. Ela se apaixonou pelo homem errado e morreu muito jovem.
- Isso é triste.
- Muito - ela concordou. Quando fitou Sean, os olhos brilhavam. - Ela foi mandada para a Europa para dar à luz seu filho ilegítimo. Felizmente, o mundo sempre
encontra um modo de perdoar os pecados dos ricos.
- Pobre garota. Parece tão vulnerável!
- Ela era. Apaixonou-se por um francês, um homem que a família não aprovava. O pai e os amigos dele foram atrás do amante de Magdalena. Ele foi morto, mas
teve sua vingança. Magdalena estava grávida. E então... bem, ela não podia mais se casar como homem que o pai dela queria.
Sean observou atentamente a pintura.
- Bem, eu diria que estou feliz que o homem tenha existido.
- Por quê?
- Ele deve ter sido um de seus ancestrais. Sem ele, você talvez não existisse.
- Elogios de novo, sr. Canady.
- Admito, estou obcecado
- Em dormir comigo?
Sean deu um passo para trás. Maggie era um verdadeiro desafio. Deixou seus olhos deslizar pelo corpo dela sugestivamente antes de encará-la.
- Sim.
- Sabe que, se estivesse vivendo nos tempos de Magdalena, eu deveria lhe dar uma bofetada e exigir que saísse e não voltasse nunca mais. Sean riu.
- Se vivêssemos naquele tempo, eu acredito que seria um pretendente apropriado, E se Magdalena quisesse mesmo dormir comigo, ela o faria. Não foi assim que
a pobre garota se encrencou?
- Nada tão simples. Ela dormiu com um francês. Você, por sua vez, é irlandês.
- E sabe-se lá o que mais. Cajun, francês, negro, espanhol. Nada de sangue puro. É bom você ficar sabendo disso.
- E por que eu deveria?
- Deve saber exatamente com quem está dormindo, não acha?
- Imagino que isto pode ser considerado um verdadeiro assédio.
- Verdade?
- Está tentando me seduzir para tirar informações de mim?
- Se as informações vierem, melhor ainda. Mas sabe bem que não é isso. Estou tentando seduzi-la porque ardo de desejo desde que a conheci.
Ela baixou os olhos e fitou as mãos.
- Bem - Maggie murmurou -, vamos falar sobre o seu pai. Gostaria de um chá gelado, limonada ou cerveja? Peggy ficará feliz em nos servir na varanda de trás.
A vista é linda.
- Chá gelado seria bom.
- Então vamos até a varanda superior.
Ele a seguiu pela escadaria. Maggie o levou até um escritório com estantes alinhadas em quase todas as paredes e exibindo quadros que deviam valer uma fortuna.
Uma brisa fazia com que as cortinas balançassem levemente.
- Vamos lá para fora - ela convidou. - Eu estava matando o tempo quando você chegou.
Sean a seguiu, observando-a. Ela parecia uma rainha governando os seus domínios. O balcão dava para um gramado, que ia até as margens do rio. Na varanda, havia
espreguiçadeiras e uma mesinha. Maggie sentou-se e esticou as longas pernas bronzeadas. Logo Peggy apareceu, carregando uma bandeja com chá gelado e sanduíches.
- É adorável termos companhia em uma manhã de sábado, não é, querida? - ela perguntou.
- Sem dúvida, Peggy.
- Bom apetite, sr. Canady. - Peggy sorriu para o visitante e deixou a varanda.
- Ela é simpática - Sean comentou.
- Peggy é maravilhosa. Um presente dos céus.
- Está há muito tempo com você?
Maggie pensou por um momento, descalçando as sandálias e jogando-as longe.
- Quando ela era muito jovem, trabalhava para minha mãe. Então mamãe fez o que todas as Montgomery fazem e foi para a Europa. Eu voltei há cerca de sete anos,
e Peggy tem estado comigo durante esse tempo. Ela mantém as coisas aqui funcionando perfeitamente, mesmo na minha ausência.
- Ela mora aqui na casa?
- Que tipo de pergunta é essa? A de um possível amante... ou a de um policial? Ela poderia ter me visto segurando um machado ensangüentado? Ou ela poderia
interromper um momento íntimo?
Sean arqueou uma sobrancelha, de certa forma perturbado com toda aquela cautela em relação a ele.
- Talvez as duas coisas... ou, quem sabe, tenha sido uma pergunta inocente a respeito de sua situação doméstica. Este lugar é imenso. É surpreendente vê-lo
tão bem-arrumado.
Maggie olhou para o rio, parecendo um pouco embaraçada pela resposta ríspida.
- Peggy tem sua própria casa, mas de segunda a sexta ela comanda duas jovens na limpeza da casa. Algo mais?
- Ambos os seus pais morreram?
- Sim. Você mencionou apenas seu pai. E sua mãe?
- Morreu faz algum tempo. Seu pai adotou o sobrenome Montgomery?
- Sim.
- Parece que os homens de sua família não contavam muito.
- Está sendo rude.
- Bem, seu pai...
- Eu adorava o meu pai. Ele era um homem maravilhoso.
- Lamento que o tenha perdido.
- Papai viveu uma vida plena. E o seu, o que faz?
- Perturba-me dia e noite, sempre que tem a chance.
Maggie franziu a testa.
- Ele foi professor de História na universidade. Agora lê, faz jardinagem, viaja e vive atrás de mim.
- Por quê?
- Acha que eu deveria me casar e dar continuidade ao nome de nossa família.
- Não tem irmãos?
- Uma irmã, casada e com filhos. O que conta pontos negativos para mim - ele explicou com um suspiro.
Maggie sorriu.
- Mas por que não se casou? Ocupado demais seguindo mulheres suspeitas?
- Quase me casei, mas ela morreu.
- Oh, lamento... E agora seu pai quer que supere isso e prossiga com sua vida, não?
- Mais ou menos.
- Então o mandou vir atrás de mim. Que pena!
- Por quê?
- Não pretendo me casar. Sou uma mulher de negócios.
- Não haveria problemas.
- Ah, fico feliz que você não se aborreça com isso...
- Bem, eu nunca abriria mão do sobrenome Canady para ser o pai de outra herdeira Montgomery.
- Ah... - ela murmurou, e Sean pareceu ver um leve traço de raiva em seus olhos. - A idéia de casamento está descartada. Seu pai ficará desapontado. E quanto
a você, tenente?
- Eu não sei. Você vai dormir comigo?
- Não sei. Claro que você deve considerar antes uma coisa importante.
- O quê?
- Eu poderia engravidar da próxima herdeira Montgomery... sem a bênção da Igreja. Sean se inclinou na direção dela, fitando-a nos olhos.
- Ora, diabos, o que seria da vida sem algum risco? - voz dele soou suave e provocante.
Maggie riu. Seu rosto estava rosado, e os olhos brilhantes. Sean precisava agradecer ao pai por tê-lo pressionado a fazer aquela visita. Com pesar, ele se
levantou. Havia dois crimes horríveis para resolver. Tinha de trabalhar, mesmo sendo fim de semana.
Ela se levantou também. Sean deu um passo à frente e lhe segurou as mãos.
- Vai jantar conosco?
- Para conhecer o seu pai?
Eles estavam muito próximos. A respiração de Maggie era um sussurro contra seus lábios. Aspirou o perfume suave que ela emanava. Abaixou a cabeça e a beijou.
Com gentileza no começo. Não pretendia nada mais do que isso. Mas ela não usava sutiã, e a leve pressão dos seios contra seu peito era incrivelmente excitante.
Beijou-a apaixonadamente, saboreando-a, inserindo a língua entre os lábios macios. Ela não resistiu. Correspondeu ao beijo, pressionando o corpo contra o seu.
Em segundos, Sean pensou, ele estaria arrancando as roupas de Maggie e levando-a consigo ao chão. Forçou-se a se afastar.
Maggie fez o mesmo. Seus lábios estavam levemente inchados. Ela levou os dedos à boca, fitando-o. Não havia acusação em seu olhar, nem ela parecia irritada.
Estava apenas trêmula.
E então Sean percebeu que ela era vulnerável, muito vulnerável.
Ele tossiu e deu um passo para trás.
- Posso pegá-la às sete horas?
- Eu... não sei...
- Sete e meia, então?
Maggie sorriu e buscou os olhos dele. Parecia estar tomando uma decisão importante.
- Sim. Estou ansiosa para conhecer seu pai.
Sean assentiu e se voltou rapidamente para sair, sem querer dar-lhe a chance de mudar de idéia.
Sete e meia. Jantar. E então ele a levaria para a cama.



Capítulo II



1860, havia mais uma vez vida na velha propriedade Montgomery. A herdeira tinha chegado da Europa. Chamava-se Meg. Era linda, sofisticada, confiante, segura
de si mesma, serena.
Meg sentia-se enlevada por se encontrar em Nova Orleans, mas chegara em meio a uma situação conturbada, pois uma guerra logo eclodiria. A maioria dos donos
das fazendas da Louisiana bradava furiosamente contra o Norte. Unidades de milícia formavam-se de um dia para o outro, meninos e homens anunciavam vitória contra
os ianques dentro de pouco tempo.
Sean Canady não tinha tanta certeza da vitória. Meg conheceu Sean, filho de Robert com sua primeira mulher, Deirdre, na semana em que chegou à cidade. Já que
a propriedade dele era próxima, visitou-a para oferecer a Meg as condolências pela recente morte de seu avô, e lhe dar boas-vindas ao novo lar. Apesar de ele ser
bonito e charmoso, Meg não se sentiu atraída por ele de imediato. Ou pelo menos tentou se convencer disso. Ela viajara, conhecera Roma, Paris, Londres e Madri. Era
uma mulher sofisticada, cheia de conhecimentos. Somente quando ele saiu da casa é que ela compreendeu o quanto queria vê-lo de novo. Desejava ouvir a voz grave e
profunda de Sean, conhecer suas idéias, escutá-lo manifestar suas preocupações de que o Sul talvez tivesse dificuldades na luta contra os ianques.
A mente dele a fascinava, assim como sua dedicação e sua paixão pela terra. Voltaram a se encontrar, e todas as vezes que conversavam, Meg se apaixonava um
pouco mais. Agora amava os olhos dele, os cabelos negros, o som da voz, a largura dos ombros, a risada. Mais do que tudo, amava o que havia dentro dele, sua alma,
inteligência e preocupação com o seu povo.
Ele a pediu em casamento.
Meg recusou. Não podia se casar. Mas estava apaixonada por Sean, e ele disse que esperaria, seguro de que a convenceria a aceitar.
- Não sou uma noiva apropriada, confie em mim. Não posso...
- Mas você é a mulher que eu quero.
- Mas não posso me casar com você.
- Por quê?
- Porque não posso.
- Mas se casará - ele lhe prometeu.
Eles iam juntos a todos os lugares. Um dia, em uma festa na casa de Lilly Wynn, ela conheceu Aaron Carter. Ele era jovem, magro e bonito; loiro, com olhos
dourados. Dizia ser um primo distante da falecida sra. Wynn. Meg foi apresentada a ele, mas não lhe deu muita atenção. Tinha olhos apenas para Sean. No entanto,
quando estava na mesa do ponche, Aaron abordou-a.
- Srta. Montgomery, a senhorita é adorável. Posso ir visitá-la?
- Claro, mas devo informá-lo de que estou praticamente noiva.
- De Canady.
- Sim. Mas existem outras jovens adoráveis que gostariam muito que o senhor...
Ele deu um passo para a frente, aproximando-se.
- É a senhorita que eu quero. E a terei.
Meg se surpreendeu com o tom de ameaça.
- Mas já lhe disse, senhor...
- Não importa o que me disse. Sei quem é. Nós dois somos da mesma espécie, e a quero para mim.
- Não sei do que está falando. Não somos da mesma espécie de maneira alguma.
Quando ela tentou se afastar, sentiu que uma força a impedia. E então soube o que ele era. Rangeu os dentes.
- Não somos iguais. E esta é a minha cidade.
- Eu a estou avisando, srta. Montgomery...
- Não, sou eu quem o está avisando. Saia deste lugar. Não tem espaço para o senhor aqui.
- Então, minha querida, está presumindo que este seja o seu território.
- Gosto muito da casa da minha família, sr. Carter. O senhor não imagina com que força eu posso defender aquilo que considero sagrado.
- Sei que é a favorita de um homem poderoso.
- Não sei do que está falando.
- De Lucian. Entendo que esteja entre as escolhidas dele.
- Como ousa sugerir...
- Não estou sugerindo nada. A senhorita é uma das favoritas de Lucian. Pode estar em busca de sua independência, mas, confie em mim, a proteção de Lucian não
vai tão longe. Eu posso protegê-la, minha querida.
- Não quero a sua proteção. Já lhe disse que estou quase noiva do sr. Canady...
- Quase. Ele não é um homem como eu.
- Graças a Deus.
- Cuidado, minha bela. Existem regras.
- E eu as obedeço. Não incomodo ninguém. Este é meu lar. Entenda isso. Agora quer me deixar em paz?
- A senhorita é magnífica. Um desafio.
- Já lhe disse por quem estou interessada.
- Mas eu mudarei isso.
- Está se recusando a me escutar, e começa a me aborrecer, senhor, e...
- E?
- Não subestime o meu poder. Posso destruí-lo.
Ele apenas sorriu. Meg lhe deu as costas e se afastou. Encontrou Sean no salão e dançou com ele, mas continuou observando Aaron Carter.
Por fim, enquanto ele se despedia dos donos da casa, buscou por ela, e seus olhares se encontraram. Ele fez uma reverência antes de se retirar.
- O que há de errado? Você parece aborrecida - Sean disse.
- Não mais, Sean.
Ela se sentiu aliviada quando Aaron Carter saíra. Ele acreditara nela, reconhecera sua força e a deixara. Graças a Deus! A vida já era difícil sem criaturas
como Aaron Carter para deixá-la ainda pior.
Naquela noite, a jovem Lilly Wynn despertou. Sentiu como se o seu nome estivesse ressoando no ar, como se a linda noite de inverno a chamasse. Porém, não era
a noite. Era ele. Dissera que iria encontrá-la, quando o conhecera no baile. Era um parente distante, ela pensara. Mas isso não importava. Ela lhe falara sobre a
severidade do pai, mas mesmo assim ele dissera que a encontraria à noite, e que o pai dela nunca saberia. E seria algo tão secreto, tão romântico... Sim, Lilly podia
ouvir o nome dela. Ele a chamava.
Levantou-se da cama, sentindo o ar envolvê-la em um abraço estranho e sensual. Queria correr ao jardim, dançar sob a luz das estrelas e da lua. Estava com
quase dezoito anos, bem na idade de se casar, e ansiosa para que o pai lhe desse permissão para isso. Mas naquela noite ela sonhava com um amante, com um homem que
a tocasse.
O jardim dos Wynn era enorme, cheio de mesas e cadeiras de ferro pelos caminhos, com fontes jorrando. Mais ao fundo, encontravam-se os túmulos e mausoléus
dos Wynn falecidos. Ela os ignorou naquele momento. Olhou para a lua e para as estrelas.
De repente, ela se sentiu muito longe da casa. Parecia que as sombras ao redor criavam vida. Um grito escapou de sua garganta. Ela precisava voltar para casa,
para seu pai.
Virou-se e viu o homem. Os olhos brilhavam como fogo. Um calor estranho a invadiu. Contudo, continuava com medo demais para falar.
- Minha belezinha... - ele murmurou.
Ela queria se sentir sensual outra vez, mas o medo não a abandonava.
- Belezinha...
Ele tirou sua camisola, deixando-a cair no chão. Ela ficou nua sob o luar, capturada pelos olhos dele. Aterrorizada, mas incapaz de se mover. Ele começou a
tocá-la intimamente, nos seios, entre as coxas... e então alcançou o pescoço.
- Eu preciso ir... - ela murmurou. Estava vagamente consciente de encontrar-se nua diante do homem.
- Sim.
Ele se moveu para o lado, e ela começou a andar. Sentiu a escuridão atrás de si como se as sombras e a maldade a envolvessem. Apressou o passo, mas o ar parecia
acariciá-la.
O mal era tentador. Tão tentador.
Ela se virou, querendo gritar, mas nenhum som escapou de seus lábios. Porque ela a tocava, a puxava para junto dele e a seduzia. O calor do sangue de Lilly
fluiu entre eles e a friagem do inverno se tornou os fogos do inferno.

O ano de 1861 chegou, e a Louisiana separou-se da União. Sean entrou na casa de Meg, furioso, e os criados se afastaram em silêncio.
- Preciso ir - ele disse. Tendo dinheiro, Sean formara uma unidade de cavalaria e assumira o posto de capitão. Não importava que não tivesse certeza de que
a guerra era o melhor caminho, ou de que o Sul ganharia a luta. Aquela era sua terra, aquele era o seu povo. Sua unidade agora fora chamada à luta, e ele estava
partindo. - Tenho de ir. Eu amo você, Meg. Case-se comigo.
- Não posso - ela murmurou, o coração partido.
Inconformado, Sean a tomou nos braços. Os beijos se tornaram apaixonados, e ele a despiu, rasgando suas roupas, tocando-a, cada vez com mais intimidade. Logo
ela tremia de desejo, sua paixão se igualando à dele, Ela o beijava com ardor, enfiando as unhas nas costas largas.
Meg sentiu o tapete da escada contra as suas costas, e os dois fizeram amor ali mesmo. Quando terminaram, ela chorou. Sean voltou a pedi-la em casamento, mas
Meg se agarrou a ele, murmurando que o amava, mas que jamais poderia se casar com ele. E prometeu que, se ambos sobrevivessem à guerra, explicaria o motivo. Porém,
o casamento não importava. Ela estaria ali, esperaria por ele e o amaria até o fim dos tempos. Isso deveria ser o suficiente.
Não era o suficiente, Sean lhe disse, mas era tudo o que podiam ter naquele momento. Fizeram amor outra vez, mais lentamente, mas com a mesma paixão.
E então ele partiu.

Sean leu e releu os relatórios da polícia sobre os dois crimes. Na segunda-feira, ele faria a primeira reunião com sua equipe e queria ter certeza de não estar
deixando escapar nenhum detalhe importante.
Um casal de turistas encontrara o corpo de Jane Doe no cemitério. Pierre fizera um comentário interessante em seu relatório médico: Jane Doe, deitada sobre
o túmulo como se estivesse em uma cama, havia sido deixada na mesma posição que a quinta vítima de Jack, o Estripador, Mary Kelly.
A cabeça de Jane Doe fora separada do corpo e, apesar de a de Mary não ter sido cortada, as mutilações eram semelhantes, especialmente quanto aos órgãos internos
removidos e colocados ao lado do corpo.
A lista dos traumas em Jane Doe era chocante. Felizmente, a maioria dos ferimentos parecia ter sido feito após a morte. Sean não precisava do relatório para
se lembrar da autópsia, pois estivera ao lado de Pierre o tempo todo.
Largou o relatório e passou os dedos pelos cabelos. Jane Doe decapitada, feita em pedaços. Um pilantra explorador de mulheres da Bourbon Street, decapitado,
não mutilado. Será que o assassino só mutilava mulheres? E seria um só assassino ou haveria outro perambulando pelas ruas da cidade? Não seria a primeira vez que
casos parecidos e sem qualquer ligação ocorriam em Nova Orleans.
Olhou para a tela do computador e começou a busca por crimes semelhantes ocorridos em todo o país. O problema é que havia casos demais. Alguns solucionados,
outros não.
- Leu o jornal? - Jack perguntou, entrando na sala.
- Sob as atuais circunstâncias, até acho que a imprensa foi generosa conosco. - Sean franziu a testa. - Eu o mandei vir aqui hoje?
- Eu sabia que você viria.
- Ah, você é um bom rapaz, Jack.
- Apenas tentando esclarecer alguns pontos. Li um bocado. Pesquisei até o vodu. Sobre Jack, o Estripador, também. Nunca foi pego, e existem milhões de teorias
a respeito da identidade dele.
- Você acha que podemos ter um novo criminoso imitando-o?
Jack deu de ombros.
- Jane foi cortada em pedaços. Exatamente como a última vítima do Estripador, e não a primeira. Acho que nosso assassino estava jogando, Ele passou bastante
tempo com a vítima e conhecia os crimes de Jack, o Estripador. Queria que corrêssemos atrás de livros sobre o assunto. Esse assassino gosta de atenção. E, para isso,
precisava buscar sensacionalismo. Ele não quer umas poucas linhas nos jornais locais: Quer ficar sob os holofotes.
Sean ficou em silêncio, pensando no que o colega dissera.
- Bem, o que você acha?
- Acho que você vai ser um excelente investigador de homicídios, Jack.
- Isso depois que parar de passar mal ao ver um cadáver.
- Diga-me, quando estava pesquisando o vodu, deparou com algum culto que tirava o sangue das vítimas?
- Existem muitas histórias envolvendo o sangue. Bram Stoker escreveu Drácula lá pelo final do século dezenove, e o romance girava em torno da lenda de Vlad
Dracul, o Empalador. Outra lenda fala de Elizabeth Bathory, da Hungria. A mulher se banhava no sangue de centenas de virgens, buscando a juventude perpétua e a vida
eterna. Tivemos aqui o caso bizarro de assassinos que prendiam suas vítimas e tomavam seu sangue aos poucos, dia a dia. Lembre-se de que estamos em Nova Orleans.
Temos vodu e magia, assim como praticantes do culto ao vampirismo.
- Você deve ter voltado no tempo. Mas diga-me... Onde Maggie se encaixa nesse seu material de leitura?
Jack sorriu.
- Na Playboy.
Sean resmungou baixinho:
- Eu me diverti bastante ontem à noite - Jack confessou. - Acordei me sentindo culpado. Estamos investigando dois crimes horríveis, e fui me divertir em um
clube de jazz.
- Garoto, se pretende ficar na Homicídios, precisa aprender a viver, apesar das vítimas. Pierre consegue levar uma vida normal, a despeito do que vê todos
os dias. Somos a única esperança de justiça para as vítimas. Pierre pode ser a voz delas, e nós podemos ser a justiça.
- Isso é um bom pensamento. E nossa pequena Jane Doe precisa mesmo de justiça. Pobrezinha, deve ter entrado naquela vida para conseguir o que comer.
- Tem um lado muito mole em você, Jack. Tem que tomar cuidado.
Jack concordou, e acabou rindo.
- E parece haver um lado lascivo em você, Sean. Vai se encontrar novamente com a srta. Montgomery?
- Vou levá-la para jantar em casa hoje à noite.
- Está brincando. Posso ir também? Vai ser divertido ver o seu pai interrogando a moça.
- Ele não vai fazer isso; ela não está presa.
- Ele vai fazer isso. Além de tentar acertar você com uma mulher que não represente algo passageiro.
- Ela está sob suspeita; e não, você não pode ir.
- E se eu levasse Angie Taylor? Ela e Maggie são grandes amigas. Angie tem a chave do prédio, e provavelmente conhece a sua mulher melhor do que ninguém.
- E acha que Angie vai aceitar o seu convite?
- Sim. - Jack sorriu. -Sei o que estou fazendo.
- Já dormiu com ela?
- Não. Mas dormi no sofá da casa dela. Posso levá-la para o jantar?
Sean hesitou. Isso até que poderia tornar a noite mais interessante. Maggie era a única pista que ele tinha, apesar de ser algo muito frágil. Não queria que
ela soubesse que a considerava uma pista. Se ela estivesse envolvida, seria sem saber. Se o prédio estivesse sendo usado, era sem o consentimento dela. Ainda assim...
Por mais que não quisesse admitir, seu instinto lhe dizia que, de alguma forma, ela estava envolvida. O que, na verdade, não importava. Precisava se aproximar
de Maggie, de um jeito ou de outro. Tinha de saber.
- Leve Angie. As sete e meia. Papai vai fazer um churrasco no quintal. Veja se a moça não é vegetariana.
Era meio-dia quando Gema Grayson ligou para Maggie. Gema e Allie formavam uma dupla de vendedoras habilidosas ali na loja. E eram amigas.
- Maggie, Odeio aborrecê-la em um sábado, mas estou preocupada com Allie. Ela não está aqui.
- Não foi trabalhar?
- Bem, ela veio trabalhar. Havia café pronto, e a porta estava destrancada. Achei que ela tinha ido comprar algo para comer, mas ela não voltou.
- Ligou para a casa dela?
- Ninguém atende.
- Chamou a polícia?
- Eles disseram que não podem começar nenhuma investigação, pois ela desapareceu há muito pouco tempo.
- Você lembrou a eles que um bárbaro assassinato aconteceu junto à nossa porta ontem?
- Falei, mas não ajudou em nada.
- Gema, não se preocupe. Vou ligar para o policial que foi falar conosco ontem. Vai ficar bem?
- Claro. Temos freguesas, e será bom me manter ocupada.
- Ligarei para o tenente Canady e irei até aí.
Maggie desligou e ficou olhando o telefone. Imaginou se não estaria cometendo um erro. O cartão de Sean estava em sua bolsa. Ela o pegou e olhou algum tempo
para os números, antes de discar. Ele atendeu ao primeiro toque.
- Sean?
- Maggie?
- Sean, lamento interromper seu trabalho, mas parece que uma de minhas funcionárias desapareceu. Por poucas horas, mas como ela é incrivelmente responsável,
estou preocupada. Você poderia me encontrar na loja?
- Estou indo para lá - ele disse brevemente.
A linha ficou muda. Maggie fitou o telefone por alguns instantes antes de colocá-lo no gancho.
Gema tentava conversar com a adolescente que queria um vestido para uma festa especial, mas continuava com os olhos presos à porta. Suspirou de alívio quando
viu o policial alto e charmoso que estivera ali no dia anterior, seguido pelo seu colega. Pediu licença para a garota, dizendo-lhe que seria melhor que voltasse
na segunda-feira, quando Maggie Montgomery estaria ali para dar sugestões melhores. Mal notou se a menina tinha prestado atenção ao que dissera e correu para receber
o tenente Canady.
- Maggie deve ter telefonado para o senhor. Obrigada por ter vindo. Entendo que a polícia não costuma procurar alguém tão depressa, mas se conhecesse Allie,
saberia que...
- Está tudo bem, temos de nos preocupar com quem está desaparecido. O que acontece é que, às vezes, as pessoas reaparecem por conta própria.
- Não quero estar me precipitando... Maggie também já está a caminho.
Sean se voltou para Jack.
- Fale com Carl pelo rádio do carro. Descubra se ele já chegou à casa de Allie.
- Pode deixar - Jack disse, saindo da loja.
- Gema, é melhor você se acalmar. Que tal uma xícara de chá? - Sean sorriu. - Um calmante?
Ela também sorriu, meneando a cabeça.
- Não, obrigada.
- Então vamos lá. Fale-me sobre Allie. Sei que falei com ela ontem. É uma mulher muito charmosa. Cabelos grisalhos, magra, personalidade forte. Deve ser uma
excelente vendedora.
- Oh, ela é maravilhosa. E adora a nossa linha de roupas. Ambas gostamos. Maggie é tão talentosa!
- Sim, ela é - Sean murmurou, olhando ao redor. Ate os manequins ficavam bem nos lindos trajes. Voltou-se para Gema. - Allie nunca chega tarde ao trabalho,
é isso?
- Ela estava aqui. Este é o ponto. Até preparou o café. E quem mais teria aberto as portas? - De repente, Gema olhou para a porta, surpresa. Allie entrava,
apressada, na loja.
Sean se virou.
- É ela, não é? - ele perguntou com gentileza.
Gema assentiu e, passando por ele, correu em direção à colega.
- Allie! Eu estava doente de preocupação!
- Eu sei. Estou tão aborrecida. Oh, Deus! - Allie notou a presença de Sean. - Você chamou a polícia!
- Claro, depois do que aconteceu ontem...
- Está tudo bem, sra. Bouchet - Sean assegurou a Allie.
- Não foi trabalho algum.
- O que aconteceu? Onde você estava? - perguntou Gema.
Nesse momento, Maggie chegou.
- Allie! - ela exclamou, entrando na loja.
- Oh, Maggie, sinto muito... - Allie estava começando a desmoronar.
Maggie abraçou a funcionária, e depois se voltou para Sean.
- Você a encontrou? - Sem esperar a resposta, voltou a abraçá-la. - Graças a Deus, você está bem!
- Não, eu não a encontrei - Sean informou.
- Mas então...
- Sinto muito por ter perturbado até a polícia quando tantas coisas ruins vêm acontecendo na cidade - disse Allie.
- E o pior é que... Oh, Deus, eu nem sei o que dizer. Não tenho uma explicação. Só me lembro de estar fazendo café, e então... Acho que devo ter saído, mas
não me lembro de nada. Maggie, vai querer até me demitir. Devo estar ficando louca. Estou sofrendo de um terrível lapso de memória.
- É claro que não vou demiti-la!
- Oh, obrigada, querida. Isso nunca me aconteceu antes, e não sei o que provocou esse meu estado, mas...
- Tem certeza de que agora está bem? - perguntou Sean.
- Acho que devemos levar você a um hospital - sugeriu Maggie. - Talvez você tenha caído e batido a cabeça! Precisa passar por um exame médico...
- Para que eles digam que sou uma velha senhora maluca? - Allie protestou.
- Por favor - Maggie insistiu. - Estou preocupada, e não vai fazer mal algum nos certificarmos de que está mesmo bem. Afinal, para que pagamos um seguro de
saúde?
- Eu não queria deixar Gema trabalhando sozinha...
- Estou muito bem - Gema garantiu.
O jovem policial entrou na loja e ficou parado à porta.
- Vamos levar Allie para um atendimento médico - disse Sean. - Jack, você dirige.
Maggie voltou-se para Gema.
- Voltarei mais tarde para pegar o carro.
Em minutos, os policiais, Maggie e Allie saíam rumo a um hospital.
Aliviada, Gema voltou ao trabalho.

A escuridão desceu sobre a cidade às oito horas da noite.
Bessie Giroue sentiu-se inquieta. Era uma garota de programa, acostumada com todos os tipos de malucos. Trabalhava para uma mulher que tinha um bar e um restaurante
na Prince Street. O lugar era legalizado e constava nos mapas turísticos. Porém, Mamie Johnson também fornecia algumas coisinhas extras... para quem soubesse pedir.
Os homens conseguiam uma garota limpa, regularmente examinada por um médico. Em troca, Bessie arranjava clientes com dinheiro vivo. Nada de sexo rápido em
uma viela escura. Bem, quanto mais rápido, melhor, mas ela usava hotéis baratos e pensões, onde ninguém prestava muita atenção ao que acontecia.
Era um trabalho, e pagava melhor do que muitos. Ela tinha um filho para sustentar. O resultado de um grande amor. Fizera tudo para ele, mas fora usada e largada.
Aprendera uma boa lição. Melhor ser paga por todas as coisas que costumava fazer de graça. E agora tinha o que comer. Chegara a passar fome antes de entrar para
aquela profissão. Amava seu menino e imaginava que, se economizasse o suficiente, poderia largar o que fazia e se mudar para lowa antes que ele crescesse e descobrisse
como ela ganhava a vida.
Naquela noite, sentia-se cansada. Quase ligara para Mamie, a fim de pedir uma folga, dizendo que estava doente. Porém, se fizesse isso, ela não lhe passaria
depois os clientes com mais dinheiro.
Assim, aceitara o trabalho. Enquanto seguia para o hotel combinado, olhou para o céu, preocupada. Estaria muito escuro a qualquer momento. Na verdade, o céu
tinha um tom escarlate, e a lua sumira. Tentou se animar, lembrando-se de que, dessa vez, a promessa de dinheiro era boa.
Quando chegou ao hotel, o céu continuava vermelho, agora mais escuro ainda. Um trompete soou alto demais.
Entrou no saguão. O sujeito da portaria nem sequer a fitou. Como Mamie instruíra, ela foi direto para o quarto. Estava escuro lá dentro. Quando estendeu a
mão para o interruptor a fim de acender a luz, ouviu uma voz rouca.
- Deixe escuro.
- Querido, não precisa ser tímido. Estou aqui para realizar a sua fantasia, e não importa se você é bonito ou não - ela murmurou. Começou a sentir necessidade
de ver o sujeito. Ele tinha uma bela voz.
O homem se moveu bem devagar. Bessie viu sua silhueta em frente da janela. Era alto, magro, e parecia ter o corpo perfeito.
- Mova-se para onde eu possa ver você - ele disse.
Ela obedeceu, deixando a bolsa cair no chão. Era morena e tinha um corpo firme. Belos seios, traseiro no tamanho certo. Estava convencida de que valia o que
cobrava.
Ele saiu das sombras, e Bessie gostou do que viu. Desabotoou a blusa bem devagar. Depois tirou a saia e os sapatos. Soltou as meias das ligas, pressionando
os seios no movimento. Uma liga, depois a outra. Finalmente, as meias.
Quase gritou de surpresa ao ser abraçada por trás. Sentiu os dedos dele em suas coxas, no ventre, nos seios, no pescoço. Por um momento, ela fechou os olhos.
Era quase como fazer amor. Deus, tinha relações sexuais todos os dias, mas quase não se lembrava de como era fazer amor.
De repente, ele se moveu bruscamente. Arrancou sua calcinha. Os beijos ardentes pareciam queimar suas costas. As mãos do homem estavam em toda parte.
Logo os dois deitavam-se no chão. Ela gemia, ansiando por mais. Era ridículo. Ela era uma prostituta. Uma profissional. Não deveria estar ofegando de prazer
como uma garota, sentindo-se úmida, excitada. Ele continuou beijando-a no pescoço e na coluna, e era delicioso, doendo um pouco por causa das pequenas mordidas em
sua pele, que eram em seguida cobertas de beijos.
Sentiu um líquido quente em suas costas, e gemeu de prazer. Pouco depois, reconheceu o cheiro, e então um arrepio percorreu sua espinha.
Era sangue. Seu próprio sangue, que ele lambia.
A princípio, não se alarmou demais. Estava eufórica e não sentia dor.
Mas havia tanto sangue! Tentou gritar, mas não encontrou a voz, nem teve forças. Ele ria.
Viu-o abrir a boca, e o brilho dos dentes brancos.
Então, teve consciência do sangue que jorrava de sua garganta e que... e que ele bebia...
Misericordiosamente, ela não viu mais nada.

Sean se surpreendeu ao ver como Maggie se preocupava com Allie Bouchet. Mesmo depois que os médicos a haviam examinado e declarado que estava bem, Maggie insistiu
para que a funcionária passasse a noite no hospital, em observação. Um dos médicos de plantão concordou que era o melhor a fazer, apenas para prevenir, mas aconselhou
Allie a procurar um especialista, a fim de encontrar a razão do lapso de memória.
Maggie só ficou tranqüila quando a mulher estava instalada em um quarto. Permitiu, então, que Sean e Jack a levassem até a empresa. Sentou-se ao lado de Sean
no carro dele, que não tinha qualquer emblema da polícia, desculpando-se por estar dando tanto trabalho aos dois.
- Suponho que por isso a polícia não saia em busca de uma pessoa desaparecida, a não ser depois de certo tempo. Lamento, Sean, Jack. Vocês dois tem coisa melhor
a fazer do que passar a tarde de sábado com uma mulher que sofreu um lapso de memória.
- Está tudo bem - Jack assegurou.
- Vocês têm de resolver dois casos sérios de homicídios, e tenho certeza de que continuam acontecendo crimes em Nova Orleans.
- Continuam, mas Jack e eu estamos tratando especificamente desses dois casos. E, para os outros, existem detetives suficientes. Não se preocupe por ter tomado
nosso tempo.
- O que ele quer dizer é que não há muito o que possamos fazer no momento, sem os resultados do laboratório. Além disso, são muitas horas ininterruptas de
trabalho. Portanto, não foi um problema passar a tarde assim. A propósito, você sabia que eu me convidei para ir à casa de Sean esta noite, e sua amiga, Angie, vai
comigo? - indagou Jack.
- Ela não me disse nada.
- Você quer ir comigo direto para a minha casa? - Sean quis saber.
- Não, obrigada. O dia está muito quente. Vou tomar um banho e colocar uma calça jeans. Afinal, mosquitos também gostam de churrascos.
- Como quiser.
Sean a deixou em frente à loja, e ficou algum tempo observando-a.
- O que está esperando? O que acha que vamos ver? - Jack perguntou.
- Eu não sei, mas...
- Mas o quê? São seus instintos funcionando?
- Sim - Sean murmurou, ligando o carro. Era algo instintivo. E ele estava fazendo o que um bom policial deveria fazer: passar o máximo de tempo possível com
Maggie Montgomery.

O jantar estava sendo muito agradável, Maggie reconheceu. Jack de fato se convidara e levara Angie. Sean tinha decidido convidar Mike, que estava acompanhado
de Cissy Spillane. Era bom estar com as amigas. Sean também se sentiria mais à vontade tendo dois de seus colegas presentes?
O pai dele, Daniel, também convidara uma amiga, Annie-Marie Huntington. Ela devia ter por volta de cinqüenta anos. Era loira, magra, elegante e bonita. E acima
de tudo, parecia estar em paz consigo mesma, uma qualidade bastante agradável.
Elas conversavam enquanto Cissy e Angie davam uma volta às margens do rio e os homens bebiam cerveja e lidavam com o churrasco. Maggie ficou sabendo que Annie-Marie
era bibliotecária. Era inevitável que um historiador se desse tão bem com uma serena bibliotecária, Maggie pensou.
- Não sei como não tive a chance de conhecer você antes - Anne-Marie disse. - Sempre quis conhecer a atual srta. Montgomery. Sua família tem tanta história!
- Bem, agora fomos apresentadas. E será muito bem-vinda a qualquer hora em meu escritório. Temos alguns desenhos que datam de décadas atrás, e revistas de
moda de 1800 em diante.
Daniel Canady voltou-se, interessado.
- Espero estar incluído nesse convite.
- Naturalmente.
- Graças a Deus - Sean resmungou, tirando a carne da churrasqueira e colocando-a sobre a mesa. - Ele vem me pedindo para lhe arranjar um mandado de busca para
conseguir entrar lá, agora que sabe que nos conhecemos.
- Esses meninos... - Daniel sorriu para Maggie. - Eles podem ser bastante aborrecidos.
Anne-Marie se levantou.
- Vou buscar o pão e as saladas.
- Eu ajudo - Maggie se ofereceu.
Quando as duas voltaram da cozinha, Cissy e Angie tinham retornado, e foram buscar o resto dos pratos.
O gramado de Oakville parecia surpreendentemente livre de insetos. A lua estava cheia, enorme, e estranhamente a noite ganhara tons de vermelho. Daniel explicou
que isso acontecia porque o sol demorava a se pôr naquele fim de verão. Começaram a comer, e os convidados elogiaram o churrasco.
- O molho é de minha autoria - Daniel disse, sorrindo. - E graças a Deus você não é uma dessas mulheres sem carne nos ossos, Maggie.
- Papai! - Sean protestou, rindo. - Parece que está dizendo que Maggie...
- Tem carne sobre os ossos. E nos lugares certos, naturalmente. Apesar de os americanos deverem diminuir o consumo da carne vermelha, ela é muito importante.
Somos criaturas carnívoras. Precisamos só olhar para os dentes que Deus nos deu para saber disso. Mas as jovens hoje em dia fazem cada dieta! Tive medo de que você
fosse vegetariana, Maggie.
- Oh, não. Adoro carne. Gosto muito de um bom bife. E, quanto mais malpassado, melhor.
- Muito bem!
Quando terminaram de comer, os insetos começavam a surgir, e decidiram entrar para tomar o café e a sobremesa, o creme brülée que Anne-Marie fizera. Sentaram-se
na biblioteca, um aposento lindo com estantes trabalhadas à mão.
Maggie estava surpresa por se sentir tão bem com Sean. Ele cheirava a sabonete e loção pós-barba. Usava jeans e camiseta, e a roupa enfatizava a força de seu
corpo. Sentia-se alarmada pela força do desejo sexual que a invadia sempre que se tocavam ou quando ele simplesmente a fitava e sorria.
Engolindo em seco, olhou para a grande mesa à qual Daniel se sentava, folheando livros antigos enquanto lhes contava casos interessantes que faziam parte da
história da cidade.
- Sabe filho, existem várias tragédias na história de Nova Orleans. Como o "homem do machado". Acredita-se que ele tenha matado treze pessoas. E, apesar de
o parente de uma das vítimas ter alegado que acabou com a vida dele, a polícia nunca soube da verdade.
- Mas, pai, eles não tinham metade das técnicas que temos agora.
- Alguns crimes jamais são solucionados. Sabe bem disso. Vocês têm casos em aberto nos arquivos. Esses assassinatos acabaram de acontecer, e leva-se tempo
para se descobrir e prender um assassino. Semanas, meses, algumas vezes até mesmo anos.
- Pode ser, mas quero resolver esses casos rapidamente - Jack observou.
- Seremos vítimas dos bons cidadãos de Nova Orleans se não o fizermos - Mike garantiu.
- Por falar nisso, os bons cidadãos também estiveram envolvidos em histórias interessantes no passado. E um dos casos envolve a sua própria família, Maggie.
- Verdade? - Sean olhou para Maggie com interesse. - Sabe do que meu pai está falando?
- Acho que sim. Um dos meus antepassados parece ter matado um nobre francês. - Maggie fez uma careta. - Aparentemente, ele pensou que o homem fosse um vampiro.
- Verdade? - Jack riu. - Oh, bem, estamos em Nova Orleans. Mas ele matou mesmo o nobre?
- Não tenho certeza. Era muito rico e poderoso na comunidade. Se ele matou o homem, tratou de se livrar do corpo.
- Nada ficou provado contra Jason Montgomery - Daniel informou. - Contam que o nobre francês estava atrás da filha de Montgomery, Magdalena.
- Ah! A jovem do retrato junto à escada. - Sean olhou para Maggie com interesse ainda maior.
- A própria - Maggie confirmou.
- Alguns dizem que, apesar de Jason Montgomery viver e trabalhar aqui, ele não confiava nos franceses. E o francês provavelmente seduziu a jovem Magdalena.
Ela foi para a Europa logo depois, e lá teve uma filha, segundo os boatos.
- Existe, é claro, a possibilidade de o francês ter apenas voltado para a França, de Magdalena ter se reunido a ele mais tarde, e de tudo isso não passar de
uma história - Maggie disse secamente.
- Mas é uma boa história. Um amante morto pelo pai de sua amada... a jovem partindo para nunca mais voltar. Talvez ela nunca tenha perdoado o pai por ter matado
seu amado. Quem sabe? - Anne-Marie observou.
- E ainda tem algo mais... - Daniel disse, piscando para Maggie.
- Mais? - Sean arregalou os olhos, surpreso.
- Acho - disse Maggie - que seu pai está se referindo ao fato de Jason Montgomery querer que sua filha se casasse com um Canady.
- Ainda bem que não se casaram. - Sean lançou um olhar provocante para ela. - Seríamos parentes, imagine só!
- Houve outra ocasião em que um Canady quase se casou com uma Montgomery - acrescentou Daniel. - Durante a guerra. Aparentemente, o herói de nossa família
se apaixonou por uma Montgomery. E ela também o adorava, diz a história.
- O que aconteceu? - Angie perguntou.
- O nosso valente soldado, que abasteceu sua tropa com armas e cavalos e defendeu seus homens arriscando a própria vida, morreu tentando defender a cidade.
Tem uma estátua dele na praça do bairro francês.
- Que triste! - Cissy suspirou. - E como o nome da família continuou?
- Sean tinha enviuvado antes de conhecer a srta. Montgomery. A mulher morreu de varíola, mas lhe deixou um filho.
Todos ficaram em silêncio por alguns instantes. Cissy foi a primeira a falar.
- Maggie, querida, não sabia que a história de sua família era tão interessante!
- Imagino que todas as famílias tenham histórias empolgantes - Maggie retrucou. - Mas, como as Montgomery sempre voltam para Nova Orleans, é mais fácil encontrar
todos os esqueletos em nossos armários.
- As mulheres da família Montgomery parecem viver grandes romances - Sean observou.
- Mas pareciam tornar a vida dos Canady um inferno - Jack observou.
Sean sorriu para Maggie.
- Estou disposto a me arriscar. Maggie devolveu o sorriso, inquieta.
Assim que chegaram à sua casa, Maggie o convidou para entrar. Sean não tinha certeza se ela queria mesmo isso, pois parecia desconfortável, mas aceitou. Passaram
pela sala de jantar rumo a uma enorme cozinha.
- Eu deveria lhe oferecer alguma coisa para comer, apesar de seu pai ter servido um banquete! Vamos ver... biscoitos... uvas... E o que prefere tomar? Posso
fazer um drinque com café.
Ela estava com a cabeça dentro da geladeira. Sean se aproximou de Maggie por trás, colocando as mãos em seus quadris. Ela endireitou o corpo. Por um momento,
Sean sentiu o pulsar do sangue dela, acelerado, mas então ela escapou e abriu um dos armários, de onde tirou uma garrafa de licor.
- Sean, pode me passar o leite, por favor?
Ele lhe estendeu o leite, e pouco depois aceitou a bebida que ela preparara. Manteve-se perto, observando-a. Maggie engoliu o drinque de uma vez. Ele largou-o
seu e se aproximou, determinado.
Beijou-a e, quando Maggie não tentou evitar o abraço, avançou. Levou as mãos aos quadris arredondados, pressionando o corpo dela contra o seu, já bastante
excitado. Explorou com a língua a boca com gosto de licor. O aroma da pele suave o levava à loucura; os mamilos intumescidos tocavam seu peito. Ela percorria suas
costas com as mãos, correspondendo ao beijo com ardor. Quente, úmida, doce... derretendo-se de encontro a ele. Sean tocou o cós do jeans que ela usava e desceu o
zíper, ansioso por um contato mais íntimo.
De repente, Maggie o empurrou.
- É melhor você ir embora.
- Por quê?
Maggie ergueu o rosto, e os lindos olhos estranhamente brilhavam com lágrimas.
- As mulheres Montgomery só estragam a vida dos Canady.
- Apesar de ter pena dos meus antepassados, agradeço a Deus pelo que aconteceu.
- Mas, Sean...
- Eu disse que estou disposto a me arriscar.
- Não pode esperar muito de mim - ela murmurou. - Não pode querer demais.
Maggie virou-se, foi até a sala e começou a subir as escadas.
- Por favor, vá embora.
- Não! - Ele a seguiu, subindo o primeiro lance e se detendo na plataforma intermediária da escadaria. Agarrou-a pelos ombros. - Droga! Existe algo entre nós,
algo especial, e não vou deixar você jogar isso fora... apenas porque eu sou um policial.
- Não é por...
Ele não a deixou terminar de falar. Beijou-a com paixão e puxou-a de encontro ao corpo. Maggie pareceu se entregar, derretendo-se outra vez, e Sean se aproveitou
disso. Os poucos botões da blusa dela cederam com facilidade, e ele era hábil com fechos de sutiã. Os seios se soltaram e encheram suas mãos. Ele acariciou cada
mamilo até que Maggie choramingasse de encontro a seus lábios. Mais uma vez, levou a mão ao jeans, empurrando-o para baixo, tocando os pelos púbicos, encontrando
com os dedos a área mais quente do corpo feminino.
Imaginou que ela não fazia sexo havia muito tempo. Apesar dos protestos, ela parecia arder de desejo. Estava muito quente, muito úmida. Afastando-se um pouco,
ele a levou ao chão, depositando-a sobre o luxuoso tapete persa, tirando-lhe a sandália, o jeans e a calcinha. Fitou-a nos olhos.
- Sean, eu...
Ele tocou-a nos lábios mais uma vez, lambendo, saboreando, provocando-a, enquanto a despia da blusa e do sutiã abertos. Quando a viu nua, deteve-se, extasiado.
Ela era linda. Tinha os seios fartos, a cintura fina e os quadris perfeitos, os pelos do púbis eram avermelhados, e as pernas, longas.
Inclinou-se e sugou cada um dos mamilos, mordiscando-os de leve. Maggie o abraçou, e as bocas se encontraram quando ele se deitou sobre ela. Depois, passou
a percorrer com os lábios cada pedacinho do corpo delicado. O ventre, as coxas, a doce intimidade... acariciou-a por inteiro com a língua, fazendo-a murmurar palavras
desconexas antes de, finalmente, chegar ao clímax.
Sean abriu rapidamente os botões da calça e penetrou-a; ela o enlaçou com as pernas e arqueou o corpo. O ritmo ficou cada vez mais acelerado. Sentindo-se envolvido
pelo calor de Maggie, ele não mais se conteve e atingiu o êxtase.
Saciado, deitou-se ao lado dela, surpreso com a força da paixão que haviam compartilhado. Ao voltar-se para Maggie, viu que seus olhos brilhavam. Ela era perfeita!
Admirou os seios, o ventre, o triângulo de pelos avermelhados e, mais uma vez, começou a se excitar.
- Não sei se devo dizer "Uau!" ou "Sinto muito, Maggie" - ele falou suavemente, e ficou feliz ao vê-la sorrir.
- Uau! - ela respondeu em um murmúrio.
- Ótimo! - Apoiando-se no cotovelo, ele beijou-a nos lábios e na testa. - Deus... tocar você, olhar para você...
- Eu tenho um quarto, Sean.
- Será perfeito... E, eu sinto muito. O atrito com o tapete machucou sua pele?
- Valeu a pena - ela falou, solenemente.
Sean se levantou, abotoando a calça para não correr o risco de tropeçar e fazer um papel ridículo caindo da escada. Depois, abaixou-se e pegou-a no colo, feliz
com o fato de a polícia exigir que seus homens estivessem sempre em forma. Manteve o olhar preso no dela enquanto subia as escadas.
- Por qual caminho?
- Segunda porta à direita - ela disse, sorrindo, com os braços em torno de seu pescoço.
Ele abriu a porta certa. Um luar escarlate invadia o quarto por entre as cortinas do balcão. Sean puxou a colcha de cetim que cobria a cama e colocou Maggie
sobre os lençóis. Depois, livrou-se de toda a roupa enquanto ela o observava.
Aproximou-se, e Maggie se ajoelhou na cama. Beijou-o nos ombros, no peito e no abdômen, deslizando as mãos por seu corpo. Tocou sua ereção, antes de envolvê-la
cornos lábios. Sean gemeu e deitou-se sobre ela, penetrando-a outra vez. Enquanto se movia, beijaram-se e se abraçaram. Ela o mordiscava, enfiava as unhas em suas
costas e arranhava sua pele com os dentes.
Passaram a maior parte da noite fazendo amor, dormindo, despertando e saciando-se de novo. Por fim, abraçados, adormeceram profundamente.
Quando Sean acordou, Maggie não estava mais na cama. Nem no quarto. Ele se levantou depressa e vestiu a calça jeans, chamando-a.
Não houve resposta. Saiu do quarto e começou a procurá-la. Parou um instante para admirar o quadro de Magdalena. Tinham feito amor pela primeira vez sob a
pintura. Esperava que a ancestral tivesse aprovado o ato. Sorrindo, Sean saldou a bela mulher retratada.
- É ridículo, mas estou apaixonado - ele murmurou.
Correu até a cozinha, mas não havia sinal de Maggie. O café estava pronto e ele se serviu de uma xícara. Olhando pela janela, viu-a à margem do rio, com os
cabelos soltos, fitando as águas, pensativa, enquanto tomava café. Ele saiu rapidamente e se aproximou dela.
Ao senti-lo perto, ela voltou-se e sorriu, mas seu olhar era de preocupação.
- O que há de errado, Maggie?
- Não é que haja qualquer coisa errada, apenas...
- Maggie, se você está pensando que existe alguma maldição entre os Montgomery e os Canady, por favor, pare.
Ela voltou o olhar para as águas do rio.
- Apenas acho que apressamos as coisas. E agora vamos recuar. Eu... gostaria que fosse embora.
Era a última coisa que ele esperava ouvir, após a noite que haviam desfrutado.
- Maggie, há alguma coisa especial entre nós...
- Sean, nós fomos depressa demais. E eu gostaria de um pouco de espaço. Por favor.
Ele meneou a cabeça, admirando-se por se sentir tão magoado. Na verdade, sabia que sua atitude era imatura.
- Muito bem. Como quiser. Sexo é sexo, certo? Bem, obrigado por algumas boas...
- Sean, isso não é fácil para mim - ela murmurou.
- Desculpe. Talvez eu ainda tenha que ligar para você por causa da investigação. De qualquer forma, obrigado por uma noite divertida. E, a propósito, se achar
que o que tivemos foi mesmo muito bom, pode me telefonar. Se eu estiver livre, podemos fazer de novo.
Ele se virou e se afastou, irritado.
- Sean...
Ele achou que ela pudesse ter dito seu nome. Suavemente. Mas seu orgulho estava muito ferido. E ele continuou andando, sem olhar para trás.


1862
O capitão Sean Canady estava perplexo e irado.
Guerra era uma coisa. Assassinato era outra. E estava acontecendo. Alguém estava matando os feridos de batalha. Alguém dentro das próprias tropas sulistas.
Um traidor.
E a cidade de Nova Orleans estava perto de cair nas mãos dos inimigos. Sean não escondia nada de sua amada.
- Estou tentando descobrir o que está acontecendo - disse a Meg. - Meus homens estão dispostos a morrer por uma causa. Não vou deixá-los ser assassinados.
- Sim, mas precisa ter muito cuidado, querido. Seus homens não podem ficar sem você.
- Não vou morrer. - Ele sorriu. - Tenho de viver. Por você. Por nós.
Ao dar-lhe um beijo de despedida, Sean sentiu um estranho medo. Por Meg. Havia nela um perturbador ar de determinação.
- Você deveria ir para a cidade.
- Receio que os ianques logo estejam lá. - Meg franziu o nariz, contrariada.
Sean riu.
- Alguns ianques são pessoas decentes, sabe disso, não é?
- Pode ser, mas sou uma sulista, apaixonada por um sulista.
- Prometa-me que tomará cuidado e que não será pega desprevenida quando a batalha chegar muito perto.
- Prometo, meu amor. Ele a beijou outra vez.
- Estarei cuidando de você - ela sussurrou. Sean se afastou, estreitando os olhos.
- O quê?
- Você está sempre no meu coração.
Neblina.
Uma luz fraca desvanecia no horizonte, que começava a ser dominado pelas cores da noite. A escuridão se fazia lentamente, permeada por tons vermelhos que lembravam
sangue.
A batalha fora dura, mas terminara, e os ianques tinham sido derrotados daquela vez. Sean agora queria salvar os feridos.
Seguiu à frente da carroça que se dirigia à igreja convertida em hospital dentro do bosque. Avistando alguns corpos, ele desmontou, e logo a raiva o dominou.
Estavam todos mortos. Assassinados.
Montou depressa e prosseguiu adiante. De repente, viu um movimento... uma silhueta... e ouviu um grito.
Soube então que o assassino caminhava entre os feridos.
- Não! - ele gritou, pegando a espada.
Um soldado caído gritava, apavorado. Sean viu um homem de pé, pronto para decepar a cabeça do ferido. Atacou, e a silhueta se virou, pronta para se defender.
As espadas se encontraram com tremenda força, e Sean quase caiu do cavalo. Porém, endireitou-se e investiu outra vez.
A surpresa o fez hesitar quando identificou o assassino dos soldados feridos. Era o coronel Elijah Wynn, amigo de seu pai. Um homem cuja casa ele visitara
várias vezes.
- Venha me pegar, Sean! - Elijah gritou, desafiando-o.
- Que loucura é essa? O senhor é um líder, e não um assassino. Pelo amor de Deus, por que está fazendo isso?
- Eles são monstros, você não sabe?
- São soldados, lutando por uma causa. O senhor está assassinando um a um. Está louco, senhor.
- Não é assassinato. Estou tentando garantir a sobrevivência de todos nós, da humanidade! Esses não são homens decentes, mas seres das trevas! Talvez filhos
malditos das meretrizes que cultuam o vodu, e têm de morrer. Um deles seduziu a minha querida Lilly. Você sabe, você viu, ela foi pega pelo filhote do Satanás, e
morreu de uma doença maldita, e agora o diabo tem de morrer.
Sean meneou a cabeça. Tudo isso por causa da pobre Lilly! Elijah Wynn estava falando de sua filha, que morrera logo após o Natal, consumida por uma doença
terrível. O homem enlouquecera de dor.
- Elijah! Não vai conseguir achar o homem que seduziu sua filha! Não pode fazer com que esses jovens soldados paguem pela morte dela. Eles não são monstros,
nem seres das trevas. Estamos em guerra, lutando para formar uma nação.
Elijah ignorou-o, voltando-se para o homem ferido.
- Um deles é um monstro. Um monstro tão horrível que precisa ser destruído. Sean, eu lhe digo a verdade. Eu encontrei o monstro, senti seu toque, mas não vi
seu rosto. Ele me deu força, e devo usá-la para destruí-lo, antes que ele acabe comigo. - Ele levantou o sabre.
- Elijah, não!
Sean atacou o coronel. Enfrentara diversas batalhas, era bem treinado e ágil, sabia usar suas armas e seus punhos. A guerra lhe dera muitas habilidades.
Lutava contra Elijah, um homem vinte anos mais velho. Achara que o venceria com facilidade, mas ele se revelava dono de uma força incrível.
Sean teve a chance de trespassá-lo com sua arma, mas não o fez. Conhecia-o havia muito tempo, e o pesar enlouquecera o homem. Apesar de tudo o que ele fizera,
não queria matá-lo. Tentou apenas derrubá-lo, mas o coronel tinha a força de dez homens. De repente, ele largou a espada e pegou a pistola.
- Jesus, Elijah, não! - Sean rugiu, avançando para arrancar-lhe a arma. Porém, em seguida, sentiu a bala entrar em seu corpo. A dor era assombrosa. Imaginou
se iria morrer. Talvez os órgãos vitais não tivessem sido atingidos. Tentou se manter em pé.
Não podia morrer. Prometera a Meg que não morreria.
Porém, não conseguiu ficar em pé. Enquanto caía, viu o rosto de Elijah. O homem levantava a lâmina sobre ele, para ter certeza de que não ficaria ali ferido.
Para se assegurar de que seria mais um soldado morto.
Subitamente, percebeu que alguém puxava Elijah Wynn para trás. Uma névoa parecia envolvê-lo. Não tinha força alguma, não podia lutar. Sentia o gosto da morte.
Tentou ver quem enfrentava o coronel.
Deus, era Meg! Impossível. Ele devia estar delirando.
Usou toda a força de vontade para se levantar. A fúria o fez colocar as mãos em volta do pescoço de Elijah e, com a energia nascida do amor, da ira e do desespero,
afastou o homem de Meg.
No entanto, alguém veio por trás dele e o derrubou. Havia outro homem no campo de batalha. E estava agarrando Meg, tentando levá-la embora.
Elijah se levantava, com as forças renovadas. Mas era o recém-chegado que levava Meg, e Sean se atirou contra ele. Com facilidade, o homem o segurou e o atirou
longe. Sean sentiu a cabeça batendo nas pedras e não conseguiu ver mais nada. Durante algum tempo, apenas escutou os gritos da batalha.
Por fim, sua visão clareou, e ele enxergou o recém-chegado, que tinha uma aparência familiar. Talvez o tivesse encontrado antes, mas não sabia onde nem quando.
Enquanto o fitava, confuso, o homem sorriu.
- Você é duro de matar, Canady! Meio morto, mas ainda tentando lutar contra mim. Porém, agora, você vai morrer!
Sean conseguiu pegar sua arma, mas ao mesmo tempo em que sua faca se afundou no corpo do homem, sentiu a arma do outro penetrar fundo no seu.
O desconhecido caiu de lado, gritando.
Mas era tarde demais. Sean sentia uma dor horrível. Onde estava Meg? Ele sabia que a morte se aproximava.
Então, sentiu um toque gentil e foi embalado por braços carinhosos. Sua preciosa Meg se encontrava ali, ao seu lado. Tinha os olhos marejados e o rosto repleto
de angústia.
- Meu amor... Oh, Deus, Sean, preciso encontrar um médico.
- Não, querida, é tarde demais para um médico. Meg, por Deus, deve fugir daqui, precisa se salvar. Eu não posso mais protegê-la.
- Estou em segurança.
- Tem outro assassino aqui.
- Não, Sean. Estou segura. E preciso encontrar um médico.
- Não, fique comigo. Fale de seu amor por mim. Diga que teria se casado comigo. Diga que me amará para sempre.
- Sim, eu amarei você para sempre... Oh, Deus, Sean, você não pode morrer. Eu posso...
- Eu amo você, Meg, e morreria por você quantas vezes fossem necessárias.
- Sean... Oh, Deus, eu o beijarei e lhe darei a vida. Desesperadamente, ela se inclinou sobre ele e o beijou.
Mas era tarde demais. A vida de Sean se esvaíra.
Meg gritou. Chegara tarde demais. Tarde demais até mesmo para o último beijo. Ela o agarrou, soluçando.
Ouviu vozes a distância. Eram os homens de Sean, procurando os feridos. Exausta, ela olhou para onde Wynn estava caído, em meio a uma poça de sangue. Olhou
para mais além, e lá estava ele. Apesar do golpe desferido por Sean, ele se levantara e a fitava, triunfante.
Aaron Carter.
Ele caminhou em sua direção.
- Bastardo! - ela grunhiu e se levantou.
- Eu disse que você seria minha. Somos da mesma espécie. Precisa entender isso.
- Tenho nojo de você, Aaron! Eu disse para ir embora, e você destruiu aquela moça inocente e enlouqueceu de dor o pai dela. Não satisfeito, aumentou ainda
mais essa loucura ao tomar apenas um pouco do sangue dele, dando-lhe uma enorme força para buscar justiça, matando homens inocentes do assassinato que você cometeu.
- Eu seduzi uma inocente! - Aaron caiu na risada. - Sim, minha querida, essa é a natureza da besta!
- Eu vou matar você - ela gritou, lançando-se na direção dele com incrível força.
Até mesmo Aaron se surpreendeu com aquele poder e ergueu os braços para se defender. Tudo o que Meg sentia era dor e ódio. Ela o atacou com tanta intensidade
que arrancou carne de seus ossos, fazendo um grande estrago.
Indiferente a qualquer outra coisa, ela se ajoelhou outra vez ao lado de Sean e fechou os olhos, em agonia. Ela quisera protegê-lo, mas não tinha percebido
o que acontecia. Achava que Aaron Carter havia ido embora. Ele fora discreto.
E se vingara.
De repente, o vento rugiu; era um som furioso. O julgamento começaria.
Meg abriu os olhos. Lucian estava em pé entre os corpos, olhando para ela, para o coronel, para Aaron Carter.
- O que temos aqui? - ele perguntou.
- Uma traidora de nossa espécie! Ela me atacou e deve ser punida. Precisa entender que temos regras. Ela é perigosa e vai acabar matando a todos nós.
- Ah... - Lucian observou o estrago que Meg fizera em Aaron.
- Você é o nosso governante e me deve justiça. Ela precisa ser punida de forma adequada.
Lucian olhou para Meg.
- Que intrigante! O que aconteceu aqui? - Pegou Elijah pelo pescoço e olhou para os outros corpos antes de ver como Meg se ajoelhava ao lado de Sean Canady.
Fitou-a. - Ah, o Bem e o Mal têm seu preço, não? Tudo na vida e na morte tem seu preço. Uma lição aprendida aqui. Minha pobre Meg. Talvez agora aprenda a não se
apaixonar por mortais. Você se esquece de quem é, Meg Montgomery! Do que é. Filha das forças da escuridão, filha do pecado... E, pelo amor de Deus, precisa aprender
a terminar suas refeições. - Sacudiu Elijah como se ele fosse uma boneca, separando a cabeça do corpo com um só movimento, antes de deixá-lo cair no chão.
- Ele não era a minha refeição! - Meg protestou. - Era o jogo de Aaron Carter, um experimento de sua crueldade! Aaron matou a filha desse homem, e fez dele
outra de suas vítimas. Simplesmente vai destruindo as vidas humanas para se divertir. É ele quem é perigoso e vai nos expor com sua crueldade. Nada satisfaz sua
fome! É um ser abominável até mesmo entre nós.
- Essa criatura a quem se refere não fui eu quem criei, minha querida - disse Lucian. - Mas receio que seja um de nós. E você conhece as nossas regras. Sabe
que não pode matar alguém de sua espécie.
- Não tentei matá-lo. O bastardo...
- O velho coronel tinha uma filha linda e sensual, pelo que ouvi.
- Muito sensual - Aaron Carter confirmou, rindo.
- E acredito que ela agora anda entre nós - Lucian disse.
- Sim, porque você permite... - Meg o acusou.
- Meu amor, está se esquecendo de que era direito dele, assim como é seu, escolher a quem quer dar o presente da vida.
- Ele seduziu a única filha desse homem, transformou-o em um louco, que passou a matar os soldados feridos em campo de batalha...
- E o louco matou o seu precioso mortal. Lamento, mas não há crime contra a nossa espécie nisso. As regras pelas quais vivemos garantem a nossa sobrevivência,
e não a dos mortais. E, no entanto, você tinha o poder para salvar seu capitão.
- Talvez eu não acredite que ser "presenteado" com esta vida seja ser salvo.
- Que estranho casal vocês deviam ser. Você, acreditando tanto na alma, e seu homem, cheio de ética. - Lucian pegou-a pela mão. - Venha comigo, Meg.
Aaron se enfureceu.
- Não! Você não vai perdoá-la. Tem de dá-la para mim! Ela me feriu. Precisa cuidar de mim, ser minha, ela me deve isso...
- Não! Ele não tem direito algum. Ele sabia que... que...
- Que você amava o seu mortal? - Lucian completou.
- Por justiça, eu exijo que a entregue! - Aaron insistiu.
- Não. Este é o lugar dela, Carter. Você errou vindo aqui.
- Mas ela me feriu.
- Você é o responsável por seus ferimentos. Vá. O tempo vai curar as suas feridas.
- Não vou. Acha que pode ficar com ela apenas porque é rei e...
- Isso - Lucian o interrompeu com impaciência. - Posso fazer o que eu quiser porque sou o rei, porque tenho poder e força e, se eu decidir que você está errado,
tenho o poder para destruí-lo. A não ser que me vença. O que não vai conseguir. Portanto, vá embora.
Aaron Carter olhou para Meg.
- Lucian não estará todo o tempo com você. Sou poderoso. Serei mais forte. Pode ter certeza de que me verá outra vez. Tenho meus direitos, que até mesmo o
rei admite. Minha bela, você pagará um dia.
- Aaron, vá embora antes que eu me esqueça de que devo defender tudo o que somos e acabe com você - disse Lucian.
Quando Aaron partiu, sibilando de raiva, Lucian voltou-se para Meg.
- Lamento. Honestamente. Agora eu lhe ordeno que venha comigo.
- Não.
- Minha querida...
Quando Lucian a tocou, Meg permitiu que ele a confortasse. Abraçou-o, soluçando. Ele era diferente de Aaron, e não o odiava.
Afastou-se após alguns instantes. Ele poderia obrigá-la a acompanhá-lo e fazer com que o obedecesse, mas, apesar de todo o poder dele, ela o desafiava. Ao
ver o corpo de Sean, tudo o que queria era chorar. Nada mais importava.
- Venha - ele insistiu.
- Não vou deixar Sean agora...
- Ele está morto!
- Mesmo assim, não vou deixá-lo.
- Garota tola. Vele os restos mortais de seu humano. Você acabará voltando para mim porque eu sou o poder e o deus do seu mundo. E porque, admitindo ou não,
você é uma fêmea sensual e precisa de mim.

- Você não tem idéia do que é o amor!
- Você fala de amor, mas brinca com fogo. Lembre-se de nossas regras. Quebre uma delas, e sofrerá as conseqüências.
- Porque eu rejeito você quando desejo apenas morrer - ela murmurou.
Curiosamente, percebeu que, além de bravo, Lucian estava magoado.
- Talvez. Cuidado, meu amor, não me pressione demais. Meg encostou-se a uma árvore, chorando. Ouviu-se um murmúrio no ar. Ela estava sozinha com seu amante
morto.
Aaron Carter fora embora. Lucian também partira. Ele a defendera, mas talvez não a perdoasse nunca. Porém, nada importava.
Porque Sean tinha morrido.

O terceiro corpo não foi achado até quinta-feira. Pierre, calculou que a pobre criatura fora morta fazia quase uma semana.
- Notou que foram noites de lua cheia? - indagou Pierre.
Sean concordou. Tinham sido noites em que a lua se refletira em tons avermelhados no rio e no pântano.
Dessa vez, a vítima fora encontrada no pântano. A água e os animais haviam feito um grande estrago no corpo já mutilado. Partes dele tinham sido encontradas;
outras, continuariam desaparecidas para sempre. A selvageria com que o criminoso mutilava as vítimas começava a fazer com que todos se lembrassem cada vez mais de
Jack, o Estripador.
Sean ficou ao lado de Pierre no necrotério. Jack, determinado, tentara permanecer com eles. Agüentara dez minutos até se retirar correndo para vomitar. Voltou
no momento que o legista explicava que as marcas no pescoço e a forma como a cabeça fora cortada sugeriam ser obra do mesmo assassino.
- Oh, diabos! Temos mesmo um lunático para caçar - Jack comentou.
Sean assentiu. Seu grupo agora contava com mais dois homens do FBI, um para traçar um perfil do criminoso e outro para analisar as evidências físicas, mas
nem mesmo eles estavam sendo de grande ajuda. Não havia pistas.
Nem mesmo a da trilha de sangue até o prédio de Maggie Montgomery. Todos os funcionários dela haviam sido interrogados e, inclusive, tinham sido feitos testes
no polígrafo. Ninguém sabia de nada. Agora, com o novo assassinato, a tênue ligação do criminoso com a empresa de Maggie parecia se esvair.
Eles acreditavam conhecer a identidade da vítima, apesar de as impressões digitais e a arcada dentária ainda estarem sendo analisadas. Era uma prostituta.
A vizinha denunciara seu desaparecimento quando a moça não tinha voltado para junto do filho de quatro anos na última sexta-feira.
Pobre Bessie. De acordo com a vizinha, sua clientela era composta só por pessoas ricas. Trabalhava para alguém, apesar de a vizinha não saber quem. Ela não
ganhava menos de cem dólares por encontro. Nesse momento, não importava o que ela cobrara do último cliente. Fora ela a pagar.
Sean voltou-se para o colega.
- Jack, reúna o nosso pessoal. Vou querer todos na rua. Preciso falar com os policiais que estão sob disfarce no bairro francês. Quero o nome de todos os gigolôs
e cafetinas da área. Entendeu?
- Claro, Sean.
- Vou falar com a vizinha da vítima - Sean decidiu. - Talvez descubra alguma coisa que passou despercebida.
A vizinha da garota morta era uma mulher ainda jovem e bonita. Havia chorado bastante por Bessie, Sean pensou, vendo que ela tinha os olhos inchados. Sentiu-se
angustiado ao conhecer o garotinho meio tímido, que lhe disse que tia Jeanne contara que a mãe estava vivendo feliz com Deus no céu, e que não voltaria nunca mais
para casa.
Jeanne mandou-o assistir a um filme enquanto servia um café para Sean.
- Srta. Montaine, eu não conhecia Bessie, mas tenha certeza de que não vou julgá-la pela profissão que tinha. Todos nós fazemos o que temos de fazer na vida.
Jeanne lançou a Sean um olhar de gratidão.
- Sabe, eu quero ficar com o menino.
- Se eu puder fazer alguma coisa para ajudar, me avise.
- Vou me lembrar dessa sua promessa, tenente.
- Estou desesperado, srta. Montaine. Preciso descobrir o culpado, mas não tenho nenhuma pista. Será que não sabe de alguma coisa que possa me ajudar?
Jeanne meneou a cabeça, frustrada.
- Sei que ela se encontraria com um cliente. Ela me ligou e disse que chegaria tarde. Eu lhe disse que ficasse sossegada quanto a Isaac. Mas quando ela não
voltou, soube na hora que alguma coisa tinha acontecido. Ela não era de deixar o filho de lado.
- Alguém veio procurar por Bessie ou pelo filho? Algum parente?
- Não.
Sean entregou para Jeanne um cartão com todos os seus números de telefone.
- Se lembrar de alguma coisa, qualquer coisa, me ligue, por favor.
- Claro, se eu puder ajudar... Bem, eu sei que Bessie tinha os encontros marcados por uma mulher. Uma que é dona de um restaurante.
O coração de Sean disparou.
- Ótimo, srta. Montaine. Estou tão feliz com essa informação que sou capaz de beijá-la. - Ele acabou lhe dando um beijo estalado na testa.
- Essa é uma boa pista?
- Uma pista e tanto. Obrigado!
Ele correu para o carro e ligou para Jack pelo rádio. O parceiro parecia frustrado. O número de gigolôs na cidade, era grande demais.
- Deixe isso para lá, Jack. Mande prender Mamie Johnson.
- Sean, preciso de uma razão específica para prender a mulher, você sabe.
- Diga que alguém a ligou ao crime.
- Certo.
Trinta minutos mais tarde, Mamie Johnson estava sentada na sala de interrogatório com Sean, Jack e Gyn Elfin, uma das duas mulheres da força-tarefa. Gyn lembrou
a Mamie de seus direitos, mas ela parecia disposta a falar. Sabia que a polícia não estava interessada em acabar com seu negócio.
- Bessie Giroue era minha amiga - Mamie disse.
- Foi você quem combinou o encontro dela com um homem na sexta-feira à noite, não? - Sean indagou.
- Sim.
- E quem era ele?
- Um sujeito alto, bonito e de fala macia. Nunca o vi antes. Ele veio ao meu restaurante, cheirando perfume estrangeiro. Pediu o meu prato mais caro e uma
garrafa de vinho. Nós conversamos. Ele me perguntou se eu estava interessada em um encontro. Era tão bonito que eu quase aceitei, mas como tenho de cuidar do negócio,
disse a ele que conhecia algumas garotas com quem ele poderia desfrutar de uma noite agradável. O homem concordou. Eu passei para ele a hora e o lugar.
- Então você sabe nos dizer onde eles se encontraram?
- Claro. No Blue Pontchartrain. Quarto número oito. A apenas duas quadras do meu restaurante.
- Vou mandar vir um desenhista para você ajudá-lo a fazer um retrato do suspeito. Quero que descreva o homem.
- Certo, tenente.
- Jack, reúna o grupo. Mamie, você vai comigo.
- Está bem, querido. - Ela revirou os olhos para o policial bonitão.
- Gyn! Você vem junto também.

Ela aprendera sobre si mesma e sobre os outros. Que havia coisas ruins, mas boas também. Nem tudo era preto ou branco. O mundo estava cheio de tons de cinza.
E ela vivia nessa área cinzenta.
Acordou com tanta fome que chegava a sentir dor. O estômago reclamava pela falta de alimento. Era noite. E ela não conseguia dormir à noite.
Tentara tanto se controlar! Provar que isso não aconteceria com ela. Nas últimas semanas, sugara apenas um rato ou dois, com nojo. Fora também ao necrotério.
Porém, recentemente, não se alimentara.
Agora veio a dor. E, com ela, a agonia. Era noite de lua cheia. A hora de caçar.
Saiu para dar uma volta na cidade. Podia sentir o pulsar dos corações das pessoas que passavam. E das veias nos pescoços.
Não, ela não podia matar.
Tinha ido ao necrotério de Paris, mas, por incrível que parecesse, em uma cidade tão grande não havia corpos frescos. Aprendera com o pai que não ficaria doente
nem morreria se tomasse o sangue dos mortos. Oh, seu querido pai! Tinha pesquisado muito para mantê-la viva. Desafiara os amigos, todos certos de que seria necessário
que ela morresse também, como Alec. Com a cabeça decepada. Oh, ela gostaria de estar morta, mas o pai insistira que um suicídio era pecado grave na religião católica.
Porém, o que interessava a Igreja, se ela estava entre os amaldiçoados?
O pai nunca conseguiria prepará-la para esse tipo de fome que sentia agora...
Um bêbado se aproximou para roubá-la. A tentação foi grande. Somente o cheiro de alho a deteve. Correu dele, sem rumo. Apenas então percebeu que saíra dos
limites da cidade. E ouviu um mugido.
Vacas...
Caminhou no pasto repleto de vacas. Todas com olhos enormes e inocentes. Hesitou, mas lembrou-se de que elas seriam abatidas de qualquer maneira. Escolheu
um animal e o sugou até ficar coberta de sangue. A fome em parte foi amenizada.
- Oh, isso é realmente adorável! Surpresa, ela ergueu a cabeça. Era Lucian.
- O necrotério estava vazio, não? - ele a provocou.
- Sim.
- E continua com dor.
- Não - ela mentiu.
- Venha comigo. - Ele a conduziu a um lago, onde ela se lavou, e depois a cobriu com sua capa.
- Quase matei um bêbado hoje - ela confessou.
- Mas não conseguiu. Então... quando houver outra noite como esta, além das vacas, existe outra opção...
Ele a pegou pelas mãos, e ela sentiu-se envolvida por uma névoa. Viu-se então em um lugar imundo, onde homens e mulheres se amontoavam atrás das grades.
- A prisão - ele disse suavemente. - Lá está Jean LeBeau, o assassino de treze mulheres. Ele vai para a guilhotina amanhã. Ali, Hector Roderigo, que matou
a mulher em um acesso de fúria. Ele se arrependeu, mas é tarde demais. Há outros. Se você vai ser um demônio moralista, escolha uma vítima digna... ou indigna.
- Quem sou eu para julgá-los?
- Minha querida, eles já foram julgados. E receberam sentenças de morte. Para LeBeau, por exemplo, a guilhotina é pouco. Por outro lado, o jovem Roderigo tem
muito medo, e poderia não enfrentar uma morte tão violenta.
- Fico então com Roderigo - ela disse. - Serei gentil com ele.
- Seu beijo será muito mais terno do que o de Madame Guilhotina - Lucian lhe assegurou, antes de deixá-la.
Ela ouviu Roderigo soluçar, rezando para a Virgem, chorando por sua esposa. Foi até ele. Tocou-o, acariciou-o nos cabelos e garantiu-lhe que existia um Deus
e que acreditava que Ele perdoava.
Então ela bebeu...

A semana tinha sido longa e difícil. Maggie não percebera que andava tristonha até Cissy e Angie comentarem sobre o seu abatimento.
- Ei! Existe vida aí? - Cissy perguntou, pouco antes de fecharem a loja na sexta-feira.
- Sim.
- Não falamos sobre o jantar. - Angie sentou-se na beirada da escrivaninha de Maggie.
- Vocês queriam ir a algum lugar para jantar? - perguntou Maggie.
- Não. Eu tenho um encontro - Angie contou.
- Com o policial? Angie assentiu.
- Bem, chefe, eu adoraria ir com você a algum lugar para animá-la, mas também tenho um encontro. - Cissy sorriu, satisfeita.
- Com outro policial.
- Sim.
- Se vocês duas já têm programa, porque estão falando nisso?
- Porque você, srta. Montgomery, deveria cuidar melhor do tenente.
- Verdade? - Queria mesmo ter cuidado melhor dele. Mas tinha tanto medo de se envolver. Com um Canady.
Com um policial.
O medo a ajudara a aplacar um pouco a angústia que sentira naquela semana. Deus, tinha sido maravilhoso! Acordada à noite, ela quase podia sentir as mãos de
Sean em seu corpo. Tentara se convencer de que era apenas atração física. No fundo, sabia que havia algo mais.
E ela o mandara embora. Lamentava-se agora. Não queria se envolver? Ora, envolvera-se no minuto em que seus olhares tinham se encontrado.
- Voltando ao jantar, querida! - Cissy disse. - Venha conosco.
- Não, obrigada. E já que as duas têm compromisso, podem ir.
Enquanto Angie e Cissy iam se arrumar, Maggie desceu até a loja. Como Gema e Allie também tinham compromissos, dispensou-as, ficando sozinha. Verificava alguns
recibos quando a porta se abriu. Devia ter se esquecido de trancá-la.
- Lamento, mas já fechamos - ela começou a dizer para o homem parado junto à porta.
Ele era alto, magro, forte. Vestia calça preta e camisa de seda. Tinha feições extremamente bonitas, os olhos de um curioso tom dourado, que lembravam os de
uma serpente. Lindo, elegante, charmoso.
- Olá, Maggie.
- Oh, Deus!
- Você não parece contente em ver um velho amigo. Tentei avisá-la de que estava na cidade. Vim aqui e encontrei aquela simpática senhora. Ela não lhe contou?
- Não, ela não disse nada. Sofreu um lapso de memória e passou a noite no hospital.
- Lamento ouvir isso. Ela é realmente simpática.
- Você não... não a machucou, não é?
- Ora, Maggie! Não machucaria uma senhora por nada do mundo. Levei-a para tomar um café com leite e a trouxe de volta, sã e salva.
Maggie hesitou por um longo momento, tentando controlar o medo e o temperamento.
- Obrigada. E o que você tem feito? Não veio a Nova Orleans para ser gentil com velhas senhoras.
- Não.
- Então por que está aqui?
- Pelos velhos tempos - ele disse, tocando-a no rosto. - Eu me preocupo com você, Maggie. Não gostaria que nada lhe acontecesse.
- O que houve entre nós terminou faz tempo.
- Talvez. É nisso que você acredita. No entanto, há sempre o futuro, não?
- Não.
- Bem, é claro que eu posso apenas partir... - Ele sorriu.
- Espere! Por favor, diga-me por que está aqui. Oh, Deus, não é você que tem...
- Não, não sou eu.
- Então...
O sorriso dele desapareceu, e seus olhos a tocaram de uma forma que a fez tremer. Ele se importava com ela. A sua maneira.
- Vim para alertá-la - ele disse suavemente antes de sair.
Quando Angie e Cissy desceram as escadas, prontas para sair, Maggie estava sozinha, olhando para a porta da frente, sem ver nada.
- Tem certeza de que não quer vir conosco? - perguntou Angie.
- Sean vai estar com eles?
- Não, querida. Sinto muito - disse Cissy.
- Bem, talvez eu vá com vocês.
- Vai ser bom. Os rapazes decerto estarão um pouco taciturnos hoje.
- Por quê?
- Acabamos de ouvir o noticiário. Acharam mais um corpo. Outra prostituta. Uma garota bonita, com um filho pequeno. Temos que ficar juntas. Não podemos deixar
você andando sozinha por aí, independentemente do que está acontecendo na sua vida amorosa.
- Essa moça foi... mutilada? - Maggie perguntou.
- Não estão dando muitos detalhes. Estão apenas alertando as mulheres solteiras a tomar cuidado e não andar sozinhas.
- Não vou sair com vocês se não me deixarem ir embora.
- Estaremos com dois policiais - disse Cissy. - Jantaremos e levaremos você para casa.
Apesar de Jack e Mike tentarem ser charmosos naquela noite, na verdade estavam aborrecidos. O corpo fora encontrado no dia anterior, a identidade da moça ainda
era incerta, e a forma como tinha morrido era aterradora.
- Todos os crimes são ruins - Maggie observou, solidária.
- Tem razão. - Jack suspirou. - De qualquer forma, agora temos uma pista interessante.
- Verdade?
- Não podemos dizer muita coisa, mas temos a descrição do possível assassino. Isso vai nos ajudar muito. Na verdade, era isso o que estava faltando.
- Uma descrição? - Maggie sentiu um frio no estômago.
- Maggie, lamento, mas não podemos dizer mais nada - Jack disse.
- Tudo bem.
Terminaram de comer, e eles levaram Maggie até a loja. Dormiria na cidade essa noite.
- Suba e se tranque - Jack disse.
- Está bem. Obrigada. Boa noite.
Ela entrou no prédio, e sabia que eles estavam esperando pelo clique da fechadura. Obediente, travou a porta. Ficou encostada ali, sentindo falta de Sean.
Estava com medo. E com raiva.
De repente, subiu as escadas, decidida a agir. Pegou o guia telefônico e procurou um endereço. Após encontrá-lo, saiu do prédio.
A noite estava escura. A lua cheia sumira.
Maggie caminhou pela rua, observando os rostos das pessoas que passavam por ela.

Ele sabia que estava sonhando, mas tudo parecia real. Tentou acordar.
Estava cavalgando um lindo cavalo. Conseguia ouvir o rufar dos tambores. Passou a cavalgar mais rápido, sabendo que, graças a essa sua habilidade, venceria
o inimigo. Estava suado, assim como o animal sob o sol inclemente.
Então ele ouviu a si mesmo. Era um grito, um som selvagem que o assustou tanto que...
Ele acordou, lutando contra os vestígios do sonho. Cavalgava para onde? Buscava que inimigo?
Ótimo. Talvez pudesse galopar pelas ruas de Nova Orleans e encontrar o assassino.
Dormira sentado no sofá de seu apartamento na cidade enquanto assistia à tevê. Devia estar sonhando com as vítimas daqueles assassinatos bárbaros. Sean se
espreguiçou. Pelo menos agora ele tinha a chance de pegar o criminoso. Havia um desenhista fazendo um retrato do homem, e ele mandara Mamie voltar para o seu negócio
e ficar de olho. Se visse o sujeito de novo...
Levantou-se, foi ate a cozinha e pegou uma garrafa de cerveja. Tomou um gole, sentindo-se inquieto. Ele já estivera no quarto de hotel onde a mais recente
vítima fora assassinada. Os legistas haviam colhido impressões digitais, mas isso não significava muita coisa. Eles tinham encontrado uma quantidade insignificante
de sangue, e muito sêmen. Ainda assim, era difícil imaginar que um crime brutal tivesse ocorrido ali, uma vez que o quarto estava limpo.
Mas havia outras coisas a fazer. Podia ir ao bar de Mamie, e ficar lá observando. Podia conversar com os empregados do hotel. Porém, sentia-se exausto e precisava
de uma noite de sono.
Ficou surpreso ao ouvir a campainha. De mau humor, atendeu à porta do jeito que estava: sem camisa, descalço, com a garrafa de cerveja na mão, os cabelos despenteados
e dois botões de seu jeans abertos.
E deparou com Maggie Montgomery.
- Vim... para pedir desculpas.
Sean não a convidou para entrar. Ainda estava magoado.
- Ouvi sobre a terceira vítima - ela prosseguiu. - Lamento muito.
- É culpada do crime?
- Claro que não.
- Então por que lamenta?
- Ora, estou lamentando a perda humana, e o fato de essa morte complicar ainda mais a sua vida, Sean.
Ela estava maravilhosa, usando um vestido branco, sem mangas, que revelava bem o bronzeado e as longas pernas. O cabelo parecia mais vermelho, e o perfume
era delicioso. Ela se virou para ir embora.
- Por que está aqui, Maggie? Ela voltou a fitá-lo.
- Quanta delicadeza! Nada de "Por favor, entre e beba alguma coisa" ou "Como tem passado?"...
- Sem delicadezas, já que não quero me envolver demais - ele disse secamente. - Você me pediu para sair da sua casa, lembra? Então, o que está fazendo aqui?
- Se vai ser rude e desatencioso...
- Não disse que seria desatencioso. Eu apenas quero a verdade. Por que está aqui?
- Francamente, pelo sexo. Foi ótimo. Mas se estiver ocupado... ou feliz com a sua cerveja, posso voltar outra hora.
- Não existe ocasião melhor do que o presente - ele resmungou. Puxou-a para dentro do apartamento e, largando a cerveja em uma mesinha, tomou-a nos braços
com ardor.
Ela reagiu com a mesma ansiedade, buscando o zíper da calça dele. Sean nunca se sentira tão excitado, tão desesperado. Depressa, começou a despi-la. Maggie
não usava nada sob o vestido branco. Ele agarrou-lhe os quadris, puxando-a de encontro ao corpo. Fechou os olhos diante da urgência da paixão que os dominava.
Mais tarde, enquanto tinha Maggie em seus braços, imaginou como conseguira sobreviver aos últimos dias sem ela.

Londres, outono de 1888
Tendo chegado recentemente a Londres, a herdeira americana Megan Montgomery estava morando em um apartamento na St. James Place. O apartamento ao lado era
ocupado por um jovem médico e sua esposa, Peter e Laura Austin. Era um casal charmoso e amigável, e Megan logo começou a passar mais tempo com eles. A primavera
chegou, e ela e Laura se tornaram amigas.
Megan contou a Laura sobre o costume que as herdeiras Montgomery tinham de ficar algum tempo na Europa estudando moda antes de voltar a Nova Orleans para trabalhar
no negócio da família. A mãe dela deixara a cidade durante a Guerra Civil e conhecera um homem que a tinha interessado. Megan nascera dessa união. Agora, com os
pais mortos, precisaria retornar para os Estados Unidos.
Por sua vez, Laura contara a Megan tudo sobre sua vida. Peter nascera em uma família aristocrática, que nunca o perdoara por se casar com ela, filha de um
pastor de uma igreja pobre. Ela crescera sem dinheiro, mas com muito amor. Peter tinha sido criado apenas com dinheiro. Tendo conhecido Laura quando cuidava do pai
dela em seu leito de morte, Peter optara pelo amor.
Um amigo que estava viajando emprestara o apartamento para que o casal o usasse nos três anos seguintes. Assim, apesar de estarem vivendo aparentemente com
luxo, eles eram pobres.
Laura costumava acompanhar Peter em seu trabalho humanitário, dando assistência gratuita à população das áreas mais miseráveis de Londres. Quando o verão chegou,
Laura descobriu estar grávida, e Megan insistiu em ocupar o lugar da amiga.
Um dia, aconteceu o que Megan menos esperava. Reconheceu um homem de seu passado. Alto e magro, ele também carregava uma maleta de médico. Aproximou-se dela.
- Ora, se não é um anjo de misericórdia - ele disse, tocando-a no rosto. - Venha comigo.
- Está louco? Vá assombrar outro lugar.
- Arrumou um amante casado, Megan?
- Ele é um amigo, e este é um conceito que você nunca vai entender.
- Você parece não saber quem é.
- Está errado. Sei bem quem eu sou. Conheço as minhas forças, e sei de minhas fraquezas.
Ele sacudiu a cabeça.
- Os lobos caçam e matam para sobreviver. Leões na África perseguem suas presas. Não somos diferentes.
- Não somos animais, Aaron.
- Discordo.
- Você é um ser cruel, e nunca quero ter nada com você.
Megan virou-se para se afastar, mas ele a segurou pelo braço.
- Poderíamos governar o mundo juntos. Mudar a história, os acontecimentos...
- Não, o que faríamos seria destruir a nossa própria espécie. E eu não quero governar o mundo. Quero apenas uma vida normal. Uma família, um lar... - Ela lhe
deu as costas e se afastou.
- Volte já aqui! - ele ordenou. Megan o ignorou. Furioso, ele surgiu diante dela, empurrando-a em direção a um muro e encurralando-a. Ela lutou, mas ele era
poderoso demais. Horrorizada, percebeu que ele pressionava seu pescoço com uma faca.
- Por que implica comigo? Lucian se impôs a você, e continuam amigos. Eu não deveria fazer o mesmo? Subjugá-la com a força superior de décadas? Obrigá-la a
aprender, a ver o que você é! Olhe ao redor. O mundo é deprimente, e existem muitos que apreciariam o beijo da morte.
- Largue-me!
- Eu posso matar você. Cortar sua cabeça.
- Então Lucian e os outros seriam forçados a destruir você.
- Lucian é o rei agora, mas eu fico cada vez mais poderoso. Ele acha que pode formar uma sociedade de intelectuais. Mas ele vai cair do pedestal, porque somos
animais. E, como os homens caçam animais, nós caçamos homens.
- Deixe-me ir!
Nesse momento, Peter saiu do bar, chamando por ela, e Megan de repente se viu sozinha no meio da neblina.
Voltaram para casa. Ela dormiu profundamente durante horas. Quando acordou, viu-se diante de Lucian. Aaron Carter também estava lá.
- Você está desafiando o destino, Carter - disse Lucian. - Temos nossas regras, e a primeira delas é que cada um pode viver como quiser. Megan escolheu a vida
dela, e você deve deixá-la em paz. Somos poucos, e o mundo é muito grande.
- Mas poderíamos ser tantos mais! - Aaron argumentou.
- Se não houver regras, não haverá comida.
- Lucian, você é um tolo, pensando que pode transformar leões em carneiros!
- Os leões morrem se comerem todos os carneiros! Somos presas para o equilíbrio da vida, como todas as criaturas. As leis foram escritas pelos ancestrais,
seres que existiram antes de meu tempo. Estou avisando vocês. Não deixem essa briga afetar o nosso mundo. Se quiserem destruir um ao outro, serão condenados pelos
seus pares.
- Você pegou o que quis, Lucian. Por que eu não posso fazer o mesmo?
- Cada novo ser tem de ter um professor. Eu estive com Megan, e ela aprendeu. Fez suas escolhas. Tem direito a isso.
- Verdade? Porque você tem o que quer, Lucian? Porque se considera o nosso rei?
- Sou o rei porque sei a diferença entre o desejo e o excesso. Eu sobrevivi porque sei que há limites da sanidade, mesmo em nosso mundo. Você quer me enfrentar,
Aaron? Pode vir. Tente me vencer! - Lucian falou com calma.
- O dia chegará, Lucian. Juro.
- O dia chegará quando os seus excessos sádicos provoquem a sua destruição.
Aaron praguejou e olhou para Megan.
- Você também terá o seu dia! - ele prometeu, e subitamente desapareceu.
- Ele se foi - disse Lucian. - Por ora, claro.
- Obrigada. Ele sorriu.
- Mesmo que agora você seja assim tola e prefira os mortais, chegará um tempo em que pensará diferente. E eu estarei esperando.
Ela riu suavemente.
- Esperando... com o seu harém.
- Não está sendo justa, Megan.
- Lucian, você não acredita no amor. Sente desejo por mim, mas apenas durante alguns segundos até encontrar uma nova diversão.
- Talvez. Ainda assim, gosto de você.
- Lucian... - Ela hesitou. - Alec...
Ele arqueou a sobrancelha. Havia se passado muito tempo desde que ela mencionara Alec.
- Sim?
- Alec acreditava no amor. Antes... que eu me transformasse, era como se ele acreditasse que nós poderíamos ter uma vida... normal. Com morte no fim. Ele me
disse que o amor era o maior poder na terra, que a única verdadeira liberdade estava no amor.
- Ele era um romântico. Acreditava em contos de fadas. Um jovem lindo e poeta. E ele está morto. Aí jaz a lenda. Tome cuidado com Aaron. Ele é poderoso.
- Talvez. Mas eu também sou.

Eles acordaram juntos na manhã de sábado. Maggie preparou o café antes de tomar banho. Quando Sean apareceu na cozinha, ela usava uma das camisas dele. Os
cabelos estavam soltos e despenteados. Linda, Sean pensou, observando-a.
- Importa-se que eu prepare algo? - ela perguntou. - Omeletes, cereal, bolinhos?
- Perfeito. Enquanto isso, vou para o banho. Não sei o que pode acontecer hoje.
- Tem de trabalhar ou ir ao necrotério?
- Pensei em passar o dia em um bar. Daqui a pouco, eu explico tudo.
Pouco depois, após o banho, Sean falou sobre a última vítima enquanto comiam.
- De qualquer forma, finalmente tenho uma pista de verdade. Eu sei como é o homem.
- Tem um retrato?
- O sujeito jantou no restaurante de Mamie e queria uma mulher. Ela fez os arranjos. Parece que Bessie Giroue foi morta no quarto do hotel, e então seu corpo
foi jogado no pântano.
- Como acha que o assassino conseguiu sair do hotel com um corpo pingando sangue?
- Não sei.
-Talvez o sujeito no bar não seja o assassino. Talvez ela tenha encontrado mais alguém depois que deixou o hotel.
- Talvez. Maggie, o que está tentando fazer? Acabar com o meu fio de esperança?
- Estou apenas tentando ser bastante racional. Você tem aí o retrato do suspeito?
- Sim, a cidade inteira tem um.
- Como assim?
- Espere um instante.
Sean saiu da mesa e abriu a porta do apartamento para pegar o jornal, que estampava na primeira página o retrato falado do suspeito. Ele o entregou a Maggie,
e a forma como ela olhou o retrato o perturbou.
- Alguém que conheça?
Ela meneou a cabeça, sem fitá-lo.
- Não... não.
- De qualquer forma, pensei em passar o dia com você. Podemos passear pela Vieux Carré. Admirar a arquitetura, tomar um café com leite, cheirar as flores,
sentar junto ao rio. Depois do almoço, poderíamos ir até o restaurante de Mamie e tomar alguma coisa no bar. Mais tarde, um jantar bem elegante. O que acha?
- E suponho que estaremos observando as pessoas em busca desse homem.
- Ah, sim.
- Sabe, quando ele vir o retrato vai sumir para alguma outra cidade.
- Não creio. Acho que ele é do tipo que se diverte atormentando a polícia. Deve adorar ver que estamos atrás dele... Nós poderíamos também ir até o hotel,
fazer algumas perguntas para os empregados de lá. Mas não sei se tenho direito de arrastá-la nisso tudo. Se preferir voltar para a sua casa e tomar um pouco de sol,
tudo bem. Mas eu gostaria de ter a sua companhia.
- Huum... Não gosto muito de sol, na verdade. E odeio a idéia de você dar suas voltas sem mim por perto.
- Verdade?
- Tenho a impressão de que outras mulheres poderiam querer tomar o meu lugar. E o sexo com você é bom demais para eu correr esse risco.
Em segundos, ele a tomava nos braços, tirando-lhe a camisa rapidamente, tocando todo o seu corpo. Não chegaram ao quarto.
Era muito mais do que ótimo sexo, Sean pensou. Enquanto descansavam no sofá da sala, ele imaginou outra vez como sobrevivera aqueles dias sem ela. Bem, agora
ele a tinha. Mas como conseguiria mantê-la ao seu lado? Mesmo em seus braços, ela parecia esquiva e misteriosa.
- Vou tomar um banho - ela murmurou. - Bem rapidinho.
Com graça e agilidade, ela se levantou e sumiu rumo ao banheiro. Ele ouviu o barulho do chuveiro. Em minutos, estava de volta, usando o vestido branco, os
cabelos vermelhos caídos sobre os ombros.
- Pronto?
- Dê-me cinco minutos.
Ele tomou banho e se vestiu bem depressa. Tinha medo de perdê-la de vista durante muito tempo. Temia que ela desaparecesse. No ar. Na nevoa.



Capítulo III



Eles perambularam por uma hora, passeando pelas ruas estreitas. Pararam para tomar um café com leite na Prince Street, e depois alimentaram os pombos na Jackson
Square. Evitaram conversar sobre os crimes.
Por fim, viram-se diante da estátua de outro Sean, de outra época, e de um mundo bem diferente. A placa sob a estátua do capitão Sean Canady mencionava as
datas de seu nascimento e morte e suas valentes conquistas. Morrera na tentativa de salvar a cidade de Nova Orleans; era um herói, e viveria eternamente na história
como um lutador em busca da justiça.
- Um sujeito e tanto, hein? - Sean comentou.
- Você se parece com ele.
- Verdade?
Maggie estremeceu, como se estivesse com medo de alguma coisa.
- Não me diga que acredita em fantasmas. Não você sendo assim, tão sofisticada.
- Você não acredita em fantasmas?
- Não acredito em assombração alguma. Mas se este meu parente aqui aparecesse, suponho que seria um espírito benevolente, não acha?
- Oh, seria sim. Mas às vezes, você não pensa que... existe maldade no ar?
- Eu não acredito nisso.
- Então, como explica os assassinatos?
- Explicá-los? As pessoas estão sendo mortas por um psicopata.
- Como?
- O que você quer dizer?
- Como ele faz? Como você explica a falta de sangue, ou o corpo dilacerado da vítima sendo tirada de um quarto de hotel sem nenhuma testemunha?
- Jesus, Maggie! Se essa pudesse ser a resposta. Espíritos. Não acredito em espíritos maus. As pessoas fazem o mal. Tem um homem mau matando as pessoas, e
vou encontrá-lo e entregá-lo à Justiça.
- Não acho que vai ser assim tão fácil, Sean. Eu... - Ela interrompeu o que estava dizendo ao ouvirem um grito horrível.
Sean ficou em alerta. Uma loira saiu de um dos clubes de jazz. Sangue escorria de sua mão enquanto recuava, mantendo o olhar fixo na porta do bar. Um homem
surgiu atrás dela. Seu riso era demoníaco.
- Diabos! - Sean resmungou. - Maggie, espere aqui por mim.
Ele a deixou junto à estátua e atravessou a rua, empunhando a arma. O homem estava alcançando a moça, com uma garrafa quebrada na mão. Nesse instante, outro
homem saiu do clube.
- Corte a vagabunda, Ray! - o segundo sujeito gritou. Transeuntes começaram a recuar, assustados.
- Pare! - Sean comandou ao primeiro homem, que o ignorou.
- Cuide da sua vida. Ela é minha mulher e precisa de um castigo.
Lágrimas escorriam pelo rosto da moça. Era bonita. Sean notou que os braços dela estavam cheios de marcas.
Drogas, ele pensou. A garota o fitou, com medo nos enormes olhos azuis. Não confiava cm ninguém.
- Venha, está tudo bem - Sean disse a ela.
A moça estava tão apavorada que nem pareceu ouvir. Sean a puxou pelo braço e a protegeu com seu corpo. Não desviou o olhar de Ray, que continuava se aproximando,
rindo diabolicamente.
- Vai atirar em mim? Pode atirar - Ray debochou. - Eu vou matá-lo, policial.
- Ele é um maldito policial?
- Cale-se, Rutger! - Ray gritou para o segundo homem.
- Mais um passo, e eu atiro, seu idiota! - Sean disse, com a arma apontada para o peito de Ray.
O homem prosseguiu, e Sean deu um tiro no ar, a fim de alertá-lo.
- Pare imediatamente e solte essa garrafa!
- Saia do meu caminho.
- Diga a ele quem você é, Ray, diga a ele o que me contou, e então corte aquela vagabunda - Rutger, gritou.
Ray abriu um sorriso malvado.
- Muito bem, Ray. Pode me dizer quem você é - Sean o encorajou.
- Não me conhece? Sou Satanás, sou invencível.
- E eu sou o tenente Canady. E vai ser um homem morto se não fizer o que eu mandar.
- Garoto durão, é? - Ray caiu na risada. - Quero a mulher, tira. Saia do meu caminho. Quero a preciosa pombinha. Vou bebê-la inteirinha. Tirar a pele dela.
A moça continuava atrás de Sean, tremendo sem parar.
- Quero a mulher! - Ele recomeçou a se aproximar.
- Vá pegar a vagabunda, Ray. - Rutger caiu na risada. Não haveria mais tiros para o ar. Sean estava tentado a acertar a cabeça de Ray. Mirou, porém, a perna.
O tiro o atingiu no joelho. Um tiro capaz de derrubar qualquer um, com uma dor insuportável. Mas o homem não pareceu se perturbar. E foi chegando mais perto.
- Maldição! Última chance. Pare! - Sean berrou.
As ruas pareceram estremecer com a risada do homem. Sem escolha, Sean mirou o peito de Ray. O sujeito caiu sobre ele, tentando agarrar a moça. Sean se surpreendeu
com a força tremenda do homem, que ainda tentou cortar seu pescoço com a garrafa. Por fim, ele caiu no chão, com os olhos fechados. Sean checou o pulso. Estava frio.
Ouvindo as sirenes da polícia, Sean suspirou, aliviado. Estava exausto. De onde o homem tirara tanta força?
- Ray morreu, mas Rutger vai me matar. Oh, Deus, não tenho chance alguma - a moça murmurou.
- Precisa largar as drogas, moça, ou será uma bênção se ele estrangular você.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
- Eu quero parar, mas ele não deixa. Oh, Deus, ele está vindo me pegar. - Agarrou-se a Sean.
Rutger olhava para a garota, parecendo determinado a matá-la. Sean instintivamente deu um passo para a frente. Percebeu que o homem estava tenso, com as veias
do pescoço sobressaltadas. Por fim, ele recuou, rindo, debochado.
Policiais correram em direção a Sean.
- Um já está no chão e não vai mais criar problema, mas levem esse aí para trás das grades! - Sean apontou para Rutger.
- Vai me acusar de quê? De ter falado o que eu queria?
- De ter incitado a violência. Leiam os direitos dele e o tirem da minha frente.
Felizmente, os policiais eram musculosos e dominaram Rutger. Sean se voltou e viu Maggie parada junto ao corpo de Ray.
- Você está bem? - ela perguntou.
- Estou, mas preciso ir à delegacia fazer um relatório do que aconteceu.
- Vou junto.
- Ótimo.
- E quanto a ele? - Maggie indagou, olhando para o corpo.
- Ele está morto.'
- Tem certeza?
- Maggie, é claro que tenho certeza.
- E para onde vão levá-lo?
- Para o necrotério. Ele não teve uma morte natural.
- Mas todos na rua viram...
- Maggie, querida, sabe que sempre fazem uma autópsia. - Reparou que ela fitava a jovem drogada.
- Dê-me um minuto - ela pediu; Caminhou até a moça e tocou-a com delicadeza no rosto, - Não tenha medo. Esta é sua chance de se livrar da droga. Mude de cidade,
se for necessário. Agarre a sua chance.
Para surpresa de Sean, a loira esboçou um sorriso.
- Vou tentar.
- Vai conseguir.
- Sempre quis acreditar que anjos da guarda existiam. Talvez o meu cuide de mim agora.
- Acredite em si mesma. Isso é o mais importante,
- Você é policial? Vamos nos ver mais tarde?
- Não sou policial, mas sou amiga de ótimos policiais. E tenho certeza de que vamos nos ver de novo. - Afastando-se da garota, ela voltou para perto de Sean.
- Vamos pegar o meu carro - ele disse.
- Por quanto tempo vai conseguir segurar Rutger?
- Primeiro, preciso que a moça apresente a queixa. Posso segurá-lo somente o suficiente para dar a ela algum tempo.
A tarde não seguiu conforme o planejado. Maggie acompanhou Sean até a delegacia e conversou com policiais enquanto ele fazia o relatório.
A loira se chamava Callie Sewell. Tinha vinte anos e fugira de casa por causa de um pai abusivo, tendo caído nas mãos de um amante abusivo. Precisava de ajuda.
Passaria a noite no hospital, em observação.
Ray Share estava no necrotério, e a autópsia estava marcada para o dia seguinte.
No final da tarde, Sean finalmente se viu livre da papelada.
- E agora aonde vai, chefe? - Jack perguntou. - Ao bar de Mamie?
- Pretendíamos ir sozinhos - Sean respondeu, olhando para Maggie.
- Mas é claro que você está convidado - ela disse, sorrindo.
- Que diferença isso vai fazer? - Sean resmungou. A perspectiva de ficar sozinho com Maggie tinha sido agradável. Bem, pelo menos agora poderia relaxar com
ela, enquanto Jack se mantinha atento aos clientes. - Desde que você fique comigo mais tarde.
- Preciso ir para casa hoje à noite.
- Não. Por favor. Eu quero você comigo esta noite. - Hesitou. - Preciso de você.
- Está bem. Eu ficarei.
Maggie se surpreendeu com a elegância do estabelecimento de Mamie. Não era luxuoso, mas bastante agradável. Espantou-se também ao ser apresentada à proprietária.
A mulher não parecia uma cafetina.
Os três sentaram-se no bar. Ela pediu vinho, enquanto Sean e Jack bebiam cerveja.
Recordando o episódio daquela tarde, Maggie estremeceu. Ray morrera. Mas não sem antes enfrentar Sean. Sentiu os olhos úmidos de gratidão por ele estar bem.
Quando Jack saiu por um instante para ir ao banheiro, Sean tomou sua mão. Ela o fitou e sorriu, sentindo um calor no corpo ao vê-lo retribuir o sorriso. Estava
se apaixonando por ele. Não queria que isso acontecesse, claro, mas ainda assim...
Ele era Sean.
Levantou-se e foi até o banheiro. No caminho, observou a clientela. Cada rosto. Consultou o relógio, e nervosamente imaginou quanto tempo Sean iria querer
ficar ali. A noite parecia estar passando muito depressa.
O crepúsculo se fora... .
E uma lua cheia... e escarlate surgia no céu.

Londres, final do verão, 1888
Assassinato não era algo raro no bairro pobre de Londres. Lutas irrompiam nos bares. Maridos batiam em suas mulheres. Bêbados atacavam uns aos outros com facas
e garrafas quebradas. Ainda assim, mesmo naquele submundo, normalmente havia motivo para um assassinato.
Roubo. Ódio, ciúme, paixão.
Prostitutas às vezes morriam, sofrendo abusos de sua clientela. Mas em agosto de 1888, Londres foi palco de vários estranhos acontecimentos.
Torsos de mulher foram descobertos no rio Tâmisa.
E então, no dia 6, um corpo feminino brutalmente esfaqueado trinta e nove vezes foi encontrado em uma viela.
O assassinato chegou aos jornais. A mulher foi descrita como de meia-idade, morena e provavelmente advinda das classes mais baixas. Logo, ela foi identificada
como Martha Tabrum. Fora vista pela última vez com um soldado. Portanto, soldados foram colocados diante de possíveis testemunhas, mas não se chegou a resultado
algum.
Peter estava perturbado com o assassinato e não queria mais que Megan o acompanhasse ao bairro pobre. Ela, porém, argumentou e conseguiu convencê-lo a permitir
que continuasse ajudando-o em seu trabalho médico junto às prostitutas.
Em 31 de agosto, o corpo de outra mulher foi encontrado. Era Mary Ann ou, como era conhecida pelos amigos.
O pescoço tinha sido cortado de forma a quase separar a cabeça; o estômago fora aberto, e os intestinos expostos.
A polícia e os médicos discutiam; os jornais especulavam.
Peter ficou preocupado outra vez, mas Megan continuou acompanhando-o.
E então, em 8 de setembro, o corpo de Annie Chapman foi encontrado.
A perturbação de Peter aumentou. Um dia, quando voltavam para casa, ele conversou com Megan. Revelou que vinha sofrendo lapsos de memória. Perdia a consciência
momentaneamente e despertava em outro local, sem saber onde estivem. Encontrara-se sozinho por ocasião dos assassinatos e suspeitava de que fosse o assassino.
Megan tentou tranquilizá-lo, pois sabia que isso não era verdade. Decidiu que não deixaria de freqüentar o bairro pobre. Antes, ia para ajudar as mulheres.
Agora estava determinada a encontrar o assassino. Gostava demais de Peter e Laura, e não permitiria que nada os magoasse. E após a confissão desesperada de Peter,
percebeu que ela era possivelmente a única mulher com poder para pegar o assassino.

Mamie levou os aperitivos para Sean pessoalmente.
- Querido, aqui está a mais deliciosa lagosta de toda a Louisiana. E escargôt com manteiga e vinho, camarões, cauda de jacaré, anéis de cebola e batatas.
- Parece gostoso.
- Onde estão os seus amigos?
- No banheiro. Por acaso viu nosso suspeito?
- Ele não está aqui. Mas se aparecer, fique sossegado, tenente. Vou ajudar você a pegar esse sujeito.
- Obrigado, Mamie. Agora que temos o retrato falado, quem sabe as mulheres fiquem mais atentas e evitem o bastardo.
- Está se referindo às prostitutas.
- Mulheres em geral. Homens também. Afinal, a segunda vítima era...
- Um pilantra.
- Eu ia dizer homem.
- Ele era um pilantra.
- Tudo bem. De fato, era, e talvez tenha merecido morrer.
- Gosto de você, tenente, sabia? Na verdade, estou preocupada com você. Isto aqui é Nova Orleans.
- E daí?
- Querido, goste ou não, no momento tem algo de muito ruim por aqui.
- Mamie, sou um policial. Carrego uma arma e sei me cuidar.
- Sei que não é nem estúpido nem tolo. Mas gostaria que fosse falar com uma mulher chamada Marie Lescarre. Ela tem dons especiais.
- Ela pratica o vodu, não é?
- Menino, você precisa de ajuda, e simplesmente está fora do meu alcance. Veja sua namorada.
- O que tem ela? Está achando que existe algo de ruim em Maggie?
- Oh, não! Ela é maravilhosa, e parece ter uma aura boa à sua volta. Mas alguma coisa não está certa na garota. Posso lhe garantir isso.
- Mamie, foi você quem me deu a melhor pista até agora. Tem um homem mau na cidade, e estamos atrás dele.
- Mas você deveria falar com Marie Lescarre. Pode encontrá-la na Jackson Square ao anoitecer, vendendo óleos. Ela tem uma licença. - Afastou-se da mesa ao
perceber que Jack retornava. Sorriu para ele. - Menino, sente-se e comece a comer! Vou mandar o garçom trazer mais bebidas.
Jack se sentou.
- Duas coisas - ele disse. - Primeiro, Rutger já foi solto. O advogado fez um escândalo. Mas não se preocupe. A garota está sob proteção.
- Acho que vou dar uma passada no hospital a caminho de casa.
- Claro. E Maggie...
- O que acontece com Maggie?
- Não sei. Você poderia alertá-la para tomar cuidado.
- O que quer dizer? Ela foi até o banheiro.
- Ela ia naquela direção e não me viu ao telefone. Mas estava vasculhando o lugar. Talvez você devesse reforçar que o homem que perseguimos é muito perigoso.
Sean tomou um gole de cerveja. Logo, Maggie voltou à mesa, com um sorriso angelical nos lábios.
- Viu alguma coisa? - ele perguntou. - Parece que andou sondando o ambiente.
- Eu procurava o homem do retrato falado.
Sean apenas suspirou.
- Maggie, quando sairmos daqui, quero dar uma passada no hospital. Tudo bem?
- Aconteceu alguma coisa com Callie?
- Não, mas Rutger foi solto.
- Rutger foi solto? - ela repetiu.
- Temos policiais vigiando o quarto de Callie. Ela vai ficar bem.
- Bem, por enquanto temos aqui um aperitivo e tanto, e todos nós estamos precisando - disse Jack, servindo-se de um pedaço de cauda de jacaré.

Rutger Leon estava nas ruas. Checou o bolso das calças para se certificar que estava com a faca. O policial o tinha posto na cadeia, mas o advogado o libertara.
Sentiu vontade de rir.
A vagabunda receberia o merecido. Aquela maldita Callie. Fora preso por culpa dela.
Os policiais tinham certeza de que ela estava em segurança. Mas sempre havia falhas na vigilância que eles faziam. E agora ela estava no hospital.
Virou a esquina e olhou para o prédio.
Maggie e Sean foram até o hospital visitar Callie. Estavam em seu quarto, e ela sorria para os dois.
- Vocês vieram mesmo.
- Claro. - Sean sentou-se ao pé da cama.
- Você veio, e nem é uma policial.
- Queria ver como você estava. Callie fechou os olhos.
- Não está sendo fácil. Maggie segurou a mão da garota.
- Lute, Callie. Pense que vai livrar seu corpo das drogas, que vai começar uma vida nova.
Estava evidente que era uma batalha difícil.
- Tenho de lhe contar uma coisa - falou Sean. - Rutger foi solto.
- Oh, Deus, sou uma mulher morta.
- Não é, não - afirmou Maggie.
- Temos dois guardas no corredor, Callie. Amigos meus, bons sujeitos. Vai ficar tudo bem com você.
- Eu queria mesmo acreditar em vocês - ela disse, com lágrimas nos olhos.
- Tente descansar agora. Vão lhe dar um remédio que vai ajudar. - Sean se levantou, pegou a mão de Maggie e, após se despedirem de Callie, saíram do quarto.
No corredor, ele parou para conversar com os dois policiais. Depois deixaram o hospital e voltaram ao apartamento dele.
Nem bem entraram, Maggie se jogou nos braços de Sean, beijando-o com paixão, desejo e, ao mesmo tempo, ternura.
- Opa - ele murmurou contra os lábios dela, começando a abrir-lhe o vestido. - O que eu fiz para merecer isso?
- Você é simplesmente... você. Ele a beijou com paixão, e logo os dois estavam sem roupa.
Maggie estava nos braços dele, sentindo sua força, seu calor. Sean levou-a para a cama. Acariciou-lhe os cabelos, observando-a. Adorava os olhos de Maggie,
o sorriso, as sardas no rosto.
- Sean... - ela sussurrou.
- O que foi?
- Estou me apaixonando por você.
- Eu me apaixonei por você no momento em que nos conhecemos - ele confessou.
Sean amou-a com paixão.

Ele despertou na escuridão. Sentia-se como se estivesse lutando para acordar depois de um longo sono. Tremeu de frio, o que não era surpresa. Dormia em cima
de algo muito duro e frio. Aço?
Inspirou fundo. Alguma coisa estava enfiada em sua boca, e ele cuspiu. Um pano. E havia um lençol cobrindo sua cabeça.
Precisava se levantar. Tentou, mas teve dificuldade. Tinha lutado. Com um policial, e o miserável atirara. Era isso. Ele estava em um hospital, estava...
Faminto. Como nunca estivera antes. Faminto por carne vermelha. Crua. Não, não... Alguma coisa vermelha, mas... Sangue.
Conseguiu se sentar e olhou em volta. Era um quarto de hospital. Havia uma luz brilhante sobre a cama. E uma mesinha ao lado. Porém, algo estava errado. Sobre
a mesinha, estavam instrumentos cirúrgicos. Um deles parecia uma serra de cortar ossos.
A porta se abriu, e ele viu alguém se aproximando. Uma mulher com um avental branco. Bonita, jovem. Talvez fosse estudante de Medicina. Podia ouvir o coração
dela bater, e ver as veias do pescoço pulsando. Queria tocá-la. Beijá-la. Sugar seu pescoço.
Ouviu um barulho e voltou-se. Será que era um sonho? Estaria morto? A moça seria um anjo?
- Venha, querida - ele ordenou. - Vou beber e jantar. A voz do anjo soou determinada.
- Não acho que vá fazer isso, seu bruto.
Antes que ele pudesse se mover, ela pegou a serra. Foi rápida demais, e ele logo se viu em meio às verdadeiras trevas do inferno.
Rutger não se apressou. Entrou no hospital por volta da meia-noite, seguindo direto para a ala da maternidade. Ninguém deu muita atenção para o homem nervoso
que estava na sala de espera.
Ele tomou café e assistiu ao noticiário. De madrugada, entrou em um quarto da manutenção e arranjou um avental de médico, uma touca e uma máscara. Em um dos
postos de enfermagem, pegou uma seringa contendo um sedativo e seguiu para a ala que o interessava.
Como suspeitava, havia apenas um guarda à porta de Callie. Não usava uniforme, mas era um policial, sem dúvida. Um sujeito bonito, magro e alto.
- Olá, doutor - o policial cumprimentou, levantando-se. Que sorte!, Rutger pensou. Agora poderia enfiar facilmente a seringa com o sedativo no homem.
- Como vai indo a minha paciente? - Rutger perguntou, aproximando-se.
- Parece que está tudo bem.
- Ótimo. - Com rapidez, ele pegou a seringa do bolso e enfiou a agulha no policial, que não demorou e começou a cair.
Rutger deixou-o ali e entrou no quarto. Precisava agir depressa. Aproximou-se da cama e colocou um esparadrapo na boca de Callie. Não queria que ela começasse
a gritar.
Agora era hora de acordar a moça. Sacudiu-a, e nada. Ela estava sedada. O que não tinha graça nenhuma. Socou-a no rosto. Aos poucos, Callie foi abrindo os
olhos e o identificou. Estava ali, indefesa e aterrorizada. Ele puxou uma faca, sorrindo.
- Olá, querida. Quando eu terminar o que vou fazer com você, vai desejar morrer.
Os olhos dela se fecharam, para irritação dele. Nesse momento, sentindo um frio estranho, voltou-se pára trás. Deparou com o policial. Não podia ser! Aplicara
o sedativo no homem. Mas lá estava ele, sorrindo.
- Ora, doutor, isso é modo de tratar uma paciente?
- Você deveria estar dormindo. Vou ter de acabar com você de outro jeito, seu porco!
- Acho que não - o policial disse, ainda sorrindo.
Rutger viu as mãos do homem descendo sobre os seus ombros. Foi levantado como se não pesasse nada. O sujeito abriu a boca, querendo seu pescoço. Tentou gritar,
mas sua veia foi perfurada. Em questão de segundos, estava inconsciente.
O quarto se encheu do som de alguém sugando. Rutger foi drenado de sangue antes de ser largado no chão.
Callie começou a acordar, tomada pela sensação de pânico, lembrando-se de que Rutger estava no quarto. Abriu os olhos, mas não conseguiu gritar, pois estava
amordaçada.
E então viu Rutger caído. O policial levantou-o do chão e o segurou com incrível facilidade. Depois, com um movimento poderoso, separou-lhe a cabeça do corpo.
Mais uma vez, Callie desmaiou.
O policial deu um passo na direção dela.

Ele estava cavalgando outra vez, as patas do animal espalhando terra pelo campo. Um campo... de batalha.
O disparo de um canhão soou. Ele estava ofuscado pela pólvora que enchia o ar. Sentiu o cheiro da morte. De algum lugar, um cavalo relinchou.
- Tomem o caminho por entre as árvores - ele comandou aos homens que vinham com ele. Olhou seus rostos e os reconheceu. Não se lembrava, porém, de seus nomes.
Todos dependiam de seu comandante, e ele sabia que o perigo viria de toda parte. Ainda assim...
Deus, estava ansioso para que o dia terminasse. Mas o que quer que acontecesse, iria até ela. Precisava vê-la, tocá-la, senti-la. Agüentaria o que fosse, tudo
para ouvir a voz dela.
Outra vez ouviu o som do disparo de um canhão. As árvores diante dele subitamente explodiram e...
Sean acordou e ficou olhando para o teto. Lembrava-se vagamente do sonho. Ou seria um pesadelo, que o vinha atormentando havia algum tempo? Voltou-se para
Maggie, temendo tê-la acordado, mas ela não estava ao seu lado.
- Maggie! - A voz dele soou rouca e ansiosa.
- Sean?
Ele voltou-se. Maggie estava à porta do banheiro, nua, com um copo de água na mão, os cabelos soltos caindo sobre seus ombros.
Sean suspirou aliviado, cobrindo o rosto com as mãos, e ela caminhou até a cama em silêncio.
- Sean? - ela repetiu suavemente.
- Oh, Deus, Maggie, você me deu um susto!
- Estou aqui.
Ele a puxou para a cama e a envolveu ternamente em seus braços. Maggie acariciou de leve os cabelos dele, fitando-o.
- Sabe que eu menti para você? - ela murmurou.
- Mentiu?
- Eu não estou me apaixonando por você, Sean. Eu amo você. Mas tenho tanto medo.
- Estou com você, Maggie. E também te amo.
Ela ficou quieta, e Sean a embalou como a uma criança.
Ele também tinha medo. De perdê-la. Pressionou-a contra o seu corpo, dizendo a si mesmo que simplesmente não a deixaria ir.

Londres, setembro de 1888
Os jornais estavam especulando sobre os assassinatos das mulheres. O dr. George Baxter Phillips, cirurgião-chefe da policia, acreditava que o assassino de
Annie tinha habilidades cirúrgicas e conhecimentos anatômicos, já que a mutila- ra e removera os órgãos de uma forma limpa e correta.
Os periódicos falavam em um monstro. Uma criatura capaz de sumir nas sombras e na penumbra da noite. Pessoas mais racionais começavam a acreditar que o assassino
era um médico. E a polícia tivera de salvar suspeitos de ser linchados pelas multidões.
Peter parecia mais agitado a cada instante, mas queria prosseguir com seu trabalho com as mulheres pobres. Megan, por sua vez, continuava acompanhando o amigo.
No final de setembro, ela começou a respirar mais aliviada. O assassino parecia ter se mudado para algum outro lugar, já que nenhuma outra vítima aparecera.
Mas então ele atacou de novo. Duas vezes, ao amanhecer do dia 30 de setembro.
Justo quando Peter saíra para buscar uma carruagem e desaparecera por algum tempo. Eles haviam atendido uma criança doente. Quando ele não voltou para buscá-la,
Megan saiu da casa e foi à sua procura.
As ruas começavam a despertar. Megan começou a correr, chamando pelo médico. Foi quando ouviu os comentários.
- Outra mulher morta - alguém disse.
- Com a garganta cortada!
- O monstro, de certo, porque ela foi morta em segundos!
- Ficou em pedaços. Tem de ser mesmo um monstro!
Megan olhou em volta, mas não viu Peter em lugar nenhum. Temia pela sanidade mental do amigo. Mas será que as desconfianças dele poderiam ser verdadeiras?
Estaria ele cometendo aqueles crimes?
Não, isso não era possível, Megan disse a si mesma. Conhecia Peter. Ele era uma pessoa boa.
Mas onde ele estava?
Sean acordou com o barulho. Dormia com seu revólver no criado-mudo, e sempre se orgulhara de sua habilidade de acordar ao menor ruído. Nos últimos tempos,
contudo, dormia mais profundamente. Nunca antes tivera pesadelos. Talvez devesse mesmo ir ver a mulher do vodu, como Mamie sugerira.
O som vinha de Maggie, saindo da cama. Ele ficou um instante observando-a em silêncio, tentando não se excitar com a visão, pois precisavam sair. Porém, ela
era linda, e sua mente nem sempre conseguia dominar o corpo.
Ela se virou e o pegou olhando-a.
- Você acorda com o barulho de um alfinete caindo, não? Eu me levantei para preparar o café.
- Eu costumava ser assim, mas estou ficando velho.
Maggie observou a ereção dele, que se destacava sob o lençol.
- Você parece bem acordado. - Ela riu. Sean também riu.
- Claro, é cedo, e temos que sair, e eu não a coagiria a nada...
- E eu tenho de ir trabalhar e... .
- Nós dois queremos ver Callie. Sem mencionar que estou investigando o crime mais bizarro de Nova Orleans em décadas. Ainda assim...
- Bem, seria uma pena desperdiçar o que está... tão acordado. - Maggie deitou-se sobre ele, e Sean imediatamente começou a acariciá-la. - De quanto tempo você
precisa?
- Acho que eu deveria exagerar e dizer que poderia levar um dia e uma noite. Mas nesse instante... uns dois ou três minutos. Cinco, com sorte.
- Ótimo, porque você só vai ter cinco.
Maggie era incrivelmente sensual. Ele envolveu-lhe os seios com as mãos e notou que ela estremeceu. Colocou-a sob seu corpo e penetrou-a bem fundo, sem conter
o violento desejo.
Mais tarde, ficaram deitados apenas por alguns instantes antes de se levantar ao mesmo tempo para o banho.
- Sou convidada aqui e tenho privilégios - ela declarou.
- Não precisa discutir porque tenho um modo de solucionar isto... Vamos tomar banho juntos.
- Certo. Mas não me peça para ensaboar nada para você. Estamos atrasadíssimos.
De fato, o banho foi rápido. Eles se vestiram e saíram do apartamento, comprando café em um bar no caminho.
A medida que se aproximavam do hospital, Sean foi ficando mais nervoso. Pressentia algo ruim no ar, apesar de ter deixado guardas vigiando o quarto de Callie.
Se tivesse acontecido alguma coisa errada, ele teria sido chamado.
- Alguma razão para estar andando tão depressa? - Maggie perguntou quando estavam no corredor do hospital.
- Não. - Mas ele não diminuiu o passo.
Frank Ducevny, o jovem policial, estava sentado em uma cadeira diante da porta de Callie. O rapaz disse a Sean que tudo estava bem com a paciente, exceto pelos
pesadelos horríveis que a tinham perturbado à noite.
A visita foi rápida. Sean e Maggie ficaram contentes, pois a mãe de Callie iria buscá-la e colocá-la em uma clínica para dependentes. Quando saíam, Sean foi
chamado por uma enfermeira.
- Tenente Canady, uma ligação para o senhor. Era Pierre LePont. Do necrotério.
- Tenho um caso desagradável em minhas mãos - Pierre disse. - Sabe o sujeito que você matou ontem? Alguém o matou de novo.
- Pierre, isto não está fazendo sentido.
- Nada faz sentido, Sean. Alguém entrou aqui e cortou a cabeça do morto. Ele foi decapitado, tenente. Quanto tempo leva para chegar aqui?
- Quinze minutos.
Sean seguiu para o necrotério após deixar Maggie na Montgomery Enterprises.
Pierre não perdeu tempo, e o levou direto ao corpo. Os dois olharam em silêncio para o que tinham à frente.
- Não entendo - Sean murmurou. - Tem certeza de que ele estava morto quando chegou aqui?
- Ora, vamos lá! Foi você quem o matou. Sabe muito bem que ele estava morto.
- Sim. Talvez a decapitação faça parte de algum ritual satânico, uma coisa de religião... Não sei. Bem, quero falar com sua equipe. Depois, vou para a delegacia
falar com o meu pessoal e tentar ver se alguma coisa começa a fazer sentido.
Sean passou duas horas conversando com todos os que trabalhavam no necrotério. O guarda que vigiava a porta jurou não ter visto nenhum estranho no prédio.
A polícia técnica não encontrou nem impressões digitais nem pegadas. Na serra, que aparentemente fora usada para decepar a cabeça do sujeito, não havia nada.
Por fim, Sean saiu de lá e, menos de uma hora depois, estava reunido com sua equipe.
- Até este momento - ele disse -, creio que temos três vítimas. Jane Doe, encontrada no cemitério, suspeita de ser uma prostituta. Anthony Beale, conhecido
pilantra com ficha na polícia. Bessie Giroue, garota de programa. E agora temos um corpo sem cabeça. Manny?
Manny Garcia era especialista em perfil psicológico do FBI.
- Nosso assassino é provavelmente um sociopata, e não um psicopata, o que significa que é um homem normal, que sabe bem o que é um comportamento racional,
e meramente se considera acima dos outros homens, tendo, portanto, direito aos seus excessos. Ele é um assassino sexual, o que se evidencia pelo sêmen encontrado
e pelo método de mutilação; ele corta os genitais das vítimas. Acredito que seja ele quem lhes decepa a cabeça, ou temos algum imitador pela cidade ou um grupo de
cultistas. Por que Beale foi morto, não sei. Talvez tenha cruzado o caminho do assassino. E por que a cabeça dele foi decepada, também não tenho a menor idéia. Sean
olhou para seus homens.
- Pessoal, vamos sair às ruas e ver o que conseguimos descobrir. Precisamos de uma conexão entre o corpo do necrotério e as vítimas de assassinato. Temos de
manter os olhos bem abertos para que o homem do retrato falado não consiga passar por nós. Cada um de vocês sabe o que deve fazer.
Exceto por Jack e Manny, os outros saíram da sala.
- Tem alguma coisa a mais para mim, Manny? Qualquer coisa?
- Nada tangível. Apenas algumas comparações. - Manny pegou o laptop e abriu um artigo. - Leia.
...o corpo foi encontrado de costas, a cabeça virada à esquerda do corpo... os intestinos colocados do lado direito... uma parte de cerca de sessenta centímetros
foi retirada e colocada entre o corpo e o braço esquerdo...
Sean correu os olhos pelo texto e sentiu um arrepio. Parecia o relatório sobre Jane Doe.
- Está bem, Manny, o que é isso?
- Jack, o Estripador. Londres, 1888 - adiantou-se Jack. - Acredita-se que tenha matado cinco prostitutas em Whitechapel e Spitalfields, apesar de cerca de
sete a nove crimes terem sido atribuídos a ele.
- Acho que temos alguém querendo imitar esse assassino - Manny comentou.
- E onde Beale entra nessa história? E o homem do necrotério, que teve a cabeça decepada?
- Não sei. É possível que o caso do necrotério não tenha nada a ver com os assassinatos. Eu só achei que você deveria ver esse relatório.
- Claro, Manny, qualquer coisa ajuda. Mas me corrija se eu estiver errado. Faz algum tempo que li sobre as vítimas de Jack, o Estripador, mas penso que haja
duas grandes diferenças com os crimes de agora.
- Está bem. Nossas vítimas tiveram a cabeça decepada. Mas as vítimas do Estripador tinham os pescoços cortados, quase decepados.
- Quase.
- E que outra diferença você vê? - Jack perguntou.
- Havia muito sangue quando Jack, o Estripador, matava. Nosso sujeito não deixa nenhuma gota.
- Em alguns relatos médicos do tempo do Estripador, aparecem anotações dizendo que não havia o sangue que deveria haver.
- Mas estão se esquecendo de unia coisa - murmurou Jack.
- Do quê? - Sean quis saber.
- Estamos em Nova Orleans - Jack respondeu secamente.
Maggie estava tendo dificuldades para se concentrar. Angie entrou na sala e deu uma olhada no desenho que ela fazia. Deveria ser o esboço de um vestido de
baile para a esposa de um senador. Quando viu o que Maggie desenhara, gemeu.
- O que é isso, meu Deus?!
Maggie baixou os olhos e gelou. Seus dedos começaram a tremer. No desenho havia uma rua escura e cheia de sombras. Caída no chão, uma mulher morta. Afastou
o papel, horrorizada.
Angie aproximou-se.
- Certo. Eu gosto de Sean Canady e tenho insistido para você sair com ele, mas, querida, tem de se afastar desse homem e da área do crime por uns tempos.
- Não, isso não é por causa de Sean.
- Está se envolvendo demais nesse clima de morte. Só porque um bandido decidiu ser morto aqui perto desse prédio!
Angie era maravilhosa. Ela e Cissy eram suas melhores amigas, mas naquele momento não queria que ninguém dissesse que seu envolvimento com Sean a estava perturbando.
Os assassinatos precisavam ser esclarecidos, e para que isso acontecesse, de um modo ou de outro ela estava envolvida. Levantou-se, tentando parecer calma.
- Sabe de uma coisa, Angie? Vou dar uma volta para espairecer. Quando voltar, desenho o vestido da sra. Smith.
- Você não deveria sair sozinha.
- Angie, é dia. Estarei bem.
Maggie abraçou Angie e saiu do prédio. Não sabia muito bem para onde ia, mas de repente percebeu que caminhava na direção do restaurante de Mamie Johnson.
Eram cerca de quatro da tarde e, portanto, não havia muita gente no restaurante. Maggie foi direto ao bar e pediu um aperitivo.
- Eu estava mesmo esperando você - Mamie disse, aproximando-se.
- Verdade? Por quê?
- Não sei bem.
- Isso é bom, porque nem eu sei exatamente por que vim até aqui.
- Prometi ficar de olho para o caso de o assassino voltar, mas não acho que isso vai acontecer. Ele lê jornais, e sabe que eu o reconheceria. Não vai querer
entrar aqui e me matar.
- Então... se ele está procurando por um certo tipo de mulher, ele terá de ir a outro lugar.
Mamie balançou a cabeça afirmativamente.
- Onde?
- Querida, tem uma centena de lugares onde ele pode ir.
- Sim, mas... acho que ele gostou do que conseguiu de você. Uma mulher com um toque de classe.
- Existem outras que fazem o mesmo que eu.
- Sean quer saber o que você conseguir descobrir. Tenho certeza de que eles vão colocar uma policial como isca, no caso de o assassino tentar arranjar uma
acompanhante de novo. Se souber que esse homem quer um novo encontro, você me avisa primeiro?
- O que está se passando nessa sua linda cabecinha? Não lhe contaram como as mulheres foram achadas? E depois você é magrinha demais, querida.
- Sou mais forte do que pareço.
- Oh, meu bem! - Mamie protestou.
- Mamie, por favor, olhe para mim. Não quero que mais ninguém se machuque. Eu...
- Mas as vítimas são só prostitutas, não sabe disso?
- Não precisa ser assim tão amarga! Não julgo prostitutas, nem ninguém. Cada uma de nós faz o que tem de fazer. Mamie, por favor, eu preciso de ajuda. Creio
que sei quem está fazendo isso, e ele não vai tentar nada contra mim...
- Oh, não! Não vai se sacrificar em uma causa nobre, srta. Maggie Montgomery. E por que conheceria este sujeito que é tão brutal contra prostitutas?
- Apenas tenho um inimigo.
- Conte isso a Sean.
- Não posso. Ele não entenderia.
- Muito bem, então vai ter de contar para mim.
- Você não acreditaria,
- Experimente. Eu venho lá dos lados do pântano. Tenho o vodu no sangue. Se quiser minha ajuda, fale. Eu tenho a mente aberta.
- E consegue ficar de boca fechada? Mamie, realmente preciso de sua ajuda.
- Fale comigo, querida. Posso ser uma velha prostituta, mas juro a você, tenho um coração de ouro.
Maggie respirou fundo antes de começar a falar.
A tarde foi passando. Mamie escutou. Primeiro, seu ar era de descrença; depois, apenas de dúvida. Finalmente, de total assombro.
A mãe de Callie fora buscar a filha, e agora as duas estavam a caminho de uma clínica em Denver. Rudger sumira, mas não importava mais onde ele estava. Não
podia mais fazer mal algum a Callie.
Com as pistas levando a lugar nenhum, Sean decidiu caminhar um pouco pela cidade. Ao chegar a Jackson Square, viu uma mulher vendendo óleo a duas turistas,
e soube que se tratava da amiga de Mamie, a mulher ligada ao vodu, Marie Lescarte. Decidiu aproximar-se dela.
- Tenente Canady, como vai?
- Mamie lhe falou sobre mim?
- Sabia que viria me procurar - ela respondeu, sugerindo que não precisava que alguém lhe contasse as coisas. Ela simplesmente sabia.
- Então você é Marie Lescarte?
- Você sabe bem disso. Então veio falar comigo. Por quê? O que deseja?
- Estou disposto a tentar de tudo para acabar com essas mortes.
Ela pareceu satisfeita com a resposta.
- Sabe que está em perigo, não?
- Sou um policial. Sempre corro perigo. Marie meneou a cabeça.
- Você é uma alma velha, tenente... Escute-me. Nós vemos que existe o negro e o branco. A noite e o dia, O Mal e o Bem, mesmo que o Mal não seja sempre visto,
e nem sempre possamos tocar o Bem. Existem forças na cidade agora; boas e más.
Ele hesitou, nem acreditando no que estava prestes a perguntar.
- Maggie Montgomery é uma força do Mal?
Para alívio de Sean, Marie negou comum gesto de cabeça.
- Mas tome cuidado! Ela não é o que parece ser.
- Ela é vodu? Ela apenas sorriu.
- Cuidado com as noites, tenente.
- Mas, Marie...
- Não há nada mais que eu possa lhe dizer. Sempre houve sombras neste lugar. Mágica. O Bem e o Mal. Proteja-se, tome cuidado. Procure a besta, e pense nas
armas de que vai precisar. Abra a mente. Isso é o mais importante. As lendas são usualmente baseadas em fatos. Você acredita em Deus, tenente?
- Sim.
- Você não vê Deus, não conhece Deus, mas acredita que Ele exista. A fé é acreditar no que não se pode ver. Achamos que a fé é algo compartilhado pelos homens
inteligentes. Então sabemos que tem mais neste mundo do que podemos ver. O mundo não é achatado; homens caminharam na lua. Todas as coisas são possíveis. - Ela colocou
alguma coisa na mão de Sean.
- Não posso tomar algo de você...
- Aceite isto.
- Mas quanto lhe devo?
- Não me deve nada. Isto é um presente. Porque existe, a escuridão e a luz. O Bem e o Mal. Você é bom. Eu sou boa. E somos iguais. É isso o que importa.
Ela o fitou intensamente antes de se voltar para um casal interessado em comprar óleos e poções do amor.
Sean sacudiu a cabeça. Estava ouvindo uma mulher que praticava o vodu! Que diabos ela tinha lhe dado? Abriu a mão e viu uma cruz de prata, presa em uma longa
corrente. Sorriu. Começava a se virar para ir embora quando Marie o chamou.
- Tenente! Use a corrente!
Ela estava sendo sincera, e Sean assentiu. De fato, colocou a corrente no pescoço. Ela não tinha lhe dado um amuleto tolo. Era uma cruz. Ele podia usar algo
assim.
Estranhamente, sentia-se mais seguro usando a corrente.
Deixou a Jackson Square, surpreso ao perceber que estava caminhando até o restaurante de Mamie.
Chegando lá, pediu um refrigerante e um sanduíche. Estava comendo quando Mamie veio se sentar ao seu lado.
- Não vi o homem de novo - ela disse. - E não creio que ele vá voltar.
- Ele pode vir, sim.
- Mas deve ter visto a foto no jornal.
- Pode ser que ache que é bom demais para ser pego. Se for isso, pode aparecer aqui. Desafiar você. Não está com medo, não é?
- Talvez um pouco. E como você vai poder me ajudar, se ele aparecer para me pegar?
- Tem policiais aqui o tempo todo. - Ele sorriu. - Não sabia?
- Eu suspeitava. Você está arruinando o meu negócio.
- Fui ver sua amiga lá na Jackson Square. Você disse a ela que eu poderia aparecer por lá? Ela me conhecia.
- Não falei nada. Ela é vodu. Sabe de tudo.
- Ora, Mamie...
- Existe o Bem e o Mal. E também, a religião e encantamentos. Tudo é a mesma coisa.
Ela falava como Marie.
- Estou usando a cruz que ela me deu. O que acha disso?
- Vai precisar dela, Sean.
- Cruzes afastam o vodu do Mal?
- Ora, menino, precisa acreditar que existem forças além do homem. Quer comer pão de alho?
- Eu estou comendo um sanduíche de rosbife!
- Pão de alho faria bem a você. Deveria sair com sua garota esta noite. Leve-a a um restaurante italiano e coma bastante alho.
- Mamie, estivemos falando do Bem e do Mal. De vodu, cruzes e alho. Está começando a parecer que você acredita que a cidade está cheia de vampiros.
- Quem somos nós para saber?
- Vamos lá, temos um assassino na cidade. - Ele enfiou a mão no bolso e tirou a carteira.
- É por conta da casa - Mamie disse.
- Obrigado. - Beijou-a no rosto. - Eu ficarei bem. Estou usando a cruz da sua amiga.
- Claro.
- Tenha fé, mulher. E quero que use isto para mim. - Estendeu um relógio que conseguira com o sujeito do FBI.
- Se estiver em perigo, aperte aqui. É como um pager, que funciona entre você e eu. Você aperta, e ele vibra do meu lado. Não se esqueça. Se estiver em perigo...
- Apertarei o botão do relógio. - Mamie sorriu e o deixou.
Saindo do restaurante, Sean entrou no carro e ligou para Maggie. Ela estava preocupada, e queria saber o que estava acontecendo. Ele contou que Callie tinha
partido, e que Rutger sumira.
- O que aconteceu no necrotério?
- Ah, só vi um monte de mortos. - Ele gostava de ouvir a voz de Maggie. Estavam longe havia apenas algumas horas, mas sentia a falta dela. Mesmo assim, achou
que era importante manter certa distância. Vodu. Ele não acreditava nisso. Mas sempre fora uma pessoa que seguia os instintos.
- Vou ficar fora até tarde esta noite.
- Ah...
Ele hesitou, amaldiçoando-se.
- Mas se acontecer de você ser uma coruja da noite...
- Pode me ligar a qualquer hora. E, Sean?
- Sim?
- Eu te amo - ela murmurou. Ele se sentiu derreter.
- Também te amo.
Desligando, ele começou a dirigir sem rumo. De repente, viu que tomava o caminho de Oakville. Ao chegar, encontrou o pai sentado na varanda.
- Olá, pai.
- Olá! Que bom ver você. O que o traz aqui no meio da semana?
Sean sentou-se ao lado dele.
- Qual é o problema, filho?
- Preciso de respostas.
- Precisa é de patologistas, técnicos e de pessoas que dêem espetáculos, identificando pegadas, impressões digitais, coisas assim.
- Adivinhe o que tenho, além disso tudo.
- Não sei. Você me conta.
Sean contou ao pai sobre o corpo decapitado no necrotério, sobre Mamie e a sobre a cruz que ganhara de Marie Lescarte.
- Interessante.
- Não é? Será que pode me contar alguma coisa que tenha acontecido no passado e que seja remotamente semelhante ao que está ocorrendo?
- Jack, o Estripador.
- Pai, o último crime dele foi em novembro de 1888.
- Pelo que vejo, você andou lendo.
- Temos uma equipe. Não há quem não esteja lendo.
- Certo. Então você sabe a respeito dos assassinatos... e dos suspeitos. Existe uma teoria que diz que Jack, o Estripador era um verdadeiro monstro. Nascido
da névoa, da sujeira e da pobreza indecente daquelas ruas de Londres.
- Ótimo. Posso dizer ao chefe e aos jornais que estou procurando por uma névoa do Mal.
- Diga-lhes que está procurando por um monstro. Homens são bem capazes de ser monstros.
- Isso é tudo o que pode me dizer?
- Bem, estamos em Nova Orleans. Supõe-se que zumbis andem nas sombras das velhas plantações, e lá pelo bairro francês...
Sean resmungou.
- E houve aquele caso na prisão em 1909... Bastante interessante. Todas essas cabeças decepadas de agora me fizeram recordar disso. Um deficiente mental, Josh
Jurgen, foi condenado à morte pelo assassinato de uma garota. Josh e sua mãe afirmaram no julgamento que um andarilho matara a menina. Muitos acreditaram nele, mas,
mesmo assim, ele foi condenado à forca. Foi mantido na solitária, esperando o dia da execução. Na noite anterior, ele mesmo se enforcou. O mais estranho é que ele
aparentemente conseguiu se amarrar com tanta força que acabou com a cabeça decepada. A mãe do menino era amiga de uma das ancestrais de sua namorada. Ela implorou
pelo menino no tribunal. Porém, apesar de seu prestígio, ele foi condenado. Dizem que ela foi a última a estar com ele antes que o garoto se matasse.
- Interessante. - O que estava acontecendo com as pessoas, que pareciam sempre envolver a família de Maggie em alguma maldição?
E por que sentia que havia algo de estranho a respeito dela?
- O pântano está cheio de história de fantasmas - disse Daniel. - A lua cheia traz os lobisomens. E você sabe que a cidade também tem um culto ao vampirismo.
A sua cruz é de prata. Fico pensando se a velha Marie está preocupada com lobisomens ou vampiros.
- Pai...
- Os Montgomery, junto com um Canady, mataram um homem, suspeitando de que ele tivesse estranhos hábitos. Lembra-se? Falamos disso a outra noite. Alguns dizem
que eles o mataram por ser um francês, mas isso é drástico demais, especialmente em uma cidade como Nova Orleans. Então surgiram as lendas de que os Montgomery tinham
passado a criar vampiros, um a cada geração. Surgiram rumores quanto aos Canady também. Bem, diabos, não poderíamos ser todos heróis. Porém, é bom ter alguns na
história da família, não acha?
- Sim, é claro.
- Gostaria de ajudar mais. No caso de Jack, o Estripador, não havia a tecnologia de hoje para analisar as pistas. Mas você sabe como a Europa tem áreas que
precisam de renovação; aquelas onde os nevoeiros ainda escondem os assassinatos, e onde se consegue realmente acreditar na maldade. Não apenas em Londres. Em muitas
cidades. E ao longo da história, e no mundo inteiro, têm relatos a respeito de criaturas sobrenaturais. Até hoje, tem quem acredite em anjo da guarda. Na Idade Média,
os homens achavam que eram assombrados por fantasmas e vampiros. Existem dúzias de casos de vampirismo, documentados por oficiais. Alguns podem ser explicados. As
pessoas, algumas vezes, eram enterradas vivas e, quando os túmulos eram abertos, os corpos pareciam recentes. E também, mesmo após a morte, algumas funções continuam,
e assim os cadáveres pareciam ter se movido.
- Então, as pessoas ignorantes acreditavam que os fenômenos naturais criavam vampiros.
- Ah, mas havia também outros casos historicamente documentados. Houve uma família na Nova Inglaterra que perdeu a filha. Ela começou a aparecer à noite para
as irmãs. Cinco crianças morreram antes de o pai resolver cavar o túmulo dos que tinham sido mortos, enfiar estacas em seus corações, arrancá-los e queimá-los. Depois
disso, as mortes pararam.
- As crianças provavelmente foram vítimas de alguma doença contagiosa.
- Mas quatro sobreviveram, depois que o pai fez isso.
- Então é um vampiro que anda agora matando em Nova Orleans? Bem, obrigado, pai. - Sean se levantou. - Você me ajudou bastante.
- Eu tentei. Já vai embora?
- Tenho de ir.
Despediram-se, e Sean foi até o carro. Enquanto dirigia, recordava todas as conversas que tivera naquele dia.
Quando se aproximou do bairro francês, o aparelho que dera a Mamie começou a vibrar. Ficou gelado. Tirou-o do bolso e identificou onde ela estava. Uma alameda,
perto da Bourbon Street.
Lembrou-se da área. A alameda era escura e sombria. Havia poucas lojas na rua, e algumas casas bem pobres. Na verdade, a alameda lembrava uma das ruas da velha
Londres.
O território de Jack, o Estripador.

Megan encontrou Peter apenas perto das cinco da manhã, nas escuras sombras de uma alameda, caído junto a um muro. As mãos estavam ensangüentadas. Ela o chamou,
correu até ele e o abraçou.
- Você não fez aquilo, Peter. Não matou ninguém.
- Como sabe que não sou o monstro?
- Eu sei que não é. Já vi monstros. Você não é um deles. E não matou a moça.
- Moça? - Peter riu grotescamente, assustando Megan. - Não ouviu? Foram duas mortes esta noite. Duas mulheres mortas. - Ele começou a rir outra vez, e então
passou a chorar.
Megan o sacudiu.
- Peter, sabe que não pode ter feito isso.
- Sim, eu acredito que não tenha matado ninguém, mas veja o sangue em minhas mãos. De onde veio?
Megan conseguiu levar Peter até a casa dele. Ainda não amanhecera totalmente, e as ruas estavam cheias de sombras.
Mas nem a luz poderia afastar o novo terror. A primeira vítima, Liz Stride, era uma prostituta sueca. Ela escapara da mutilação. O assassino então tinha esquartejado
Catherine Eddowes.
Dessa vez, a polícia informou os jornais que recebera uma carta, escrita por um homem que dizia ser o assassino e assinava como Jack, o Estripador. Antes das
últimas mortes, outra carta chegara, assinada pelo mesmo autor, prometendo um duplo assassinato.
Londres pareceu enlouquecer de fúria e pânico.
Peter ficava horas olhando para as paredes; Megan começou a percorrer as ruas sozinha, em busca do criminoso.
Outubro passou. Laura ficou doente, e Peter tentou se livrar da letargia e do medo. Cuidou da gripe que a esposa contraíra e, conforme ela melhorava, percebeu
que Megan saía noite após noite.
- Se quer continuar com essa loucura, eu irei junto - ele disse.
Os médicos eram agora considerados suspeitos, assim como açougueiros, mercadores e estrangeiros.
Peter e Megan fizeram um pacto. Ele voltaria a trabalhar e acreditaria em si mesmo. Juntos, eles procurariam o assassino.
Dia 9 de novembro, uma sexta-feira, eles caminhavam em meio à escuridão e às sombras quando ouviram um grito.
- Assassinato!
- Meu Deus! - Peter gemeu. - Fique perto de mim! Ele correu, e subitamente Megan o perdeu de vista.
Chamou-o, correndo pela noite, mas não o encontrou. Por fim, após andar por muito tempo, voltou para casa.
Ficou assustada ao ver que a porta do apartamento dos amigos estava aberta. Entrou e encontrou Peter de joelhos ao lado do sofá onde Laura estava. Morta.
- Peter?
- Ela está morta. - Ele soluçou.
Megan deu-se conta de que Laura havia piorado naquela noite, e que morrera enquanto ela e Peter procuravam o assassino. Ela tinha morrido sozinha. Se Peter
estivesse com ela, talvez a tivesse salvado.
- Estou amaldiçoado! Acordei de novo com sangue, e Deus me puniu pelas vidas que tirei levando embora a mais preciosa delas.
- Peter, não! Não pode acreditar nisso.
- Preciso de uma bebida, Megan. Você pode pegar para mim?
Ela se apressou a sair da sala, mas, ao chegar no corredor, ouviu um tiro. Voltou correndo. Peter dera um tiro na cabeça. Morreu sobre a esposa..
No dia seguinte, circulou a notícia de que Mary Jane Kelly, uma prostituta irlandesa, tinha sido assassinada. O criminoso ficara um bom tempo com ela, mutilando-a
com selvageria.
Naquela noite, Megan, triste e mais sozinha do que nunca, viu-se caminhando até a Miller's Square, onde a vítima morava em um quarto alugado. Deteve-se e ficou
olhando a casa da garota.
Sentiu-se observada e se virou. Ele estava lá. Elegante, com um casaco escuro, parado nas sombras. Levantou o chapéu, cumprimentando-a, e Megan foi até ele.
- O que está fazendo aqui?
- Observando os resultados do meu trabalho.
Ela respirou profundamente, sentindo a fúria tomar conta de seu corpo.
- O quê?!
- Ora, vamos. Por certo sabia que os corpos mutilados dentro do rio eram trabalho meu. Aquelas mulheres não prestavam, eram prostitutas. Morrendo de alcoolismo,
de desespero. Eu apenas aliviei...
- Você as mutilou!
- Bem, isso parece ruim, mas eu estrangulei as moças antes. Dei-lhes uma morte suave e depois as cortei um pouco para confundir a polícia. Eu não as abençoaria
com a nossa vida, pois não mereciam.
- Nem sequer as matou por causa da fome!
- Eu as matei porque sou uma besta. Assim como você.
Ele sorriu, e Megan compreendeu o que acontecera.
- Matou-as para fazer Peter pensar que era um assassino e enlouquecer. Hipnotizou-o, confundiu-o... Meu Deus! Não me importo com o que aconteça comigo. Vou
matar você!
Ele não teve tempo de reagir porque em um instante Megan estava sobre ele com uma fúria cega, mordendo, rasgando a pele... Ao ouvi-lo gritar, ela tomou consciência
da própria selvageria e parou. Quase cometera o maior pecado de sua espécie, a única infração que poderia levá-la a ser executada. Quase cortara a cabeça dele.
Não se importava. Queria matá-lo. Nesse momento, ela ficaria feliz em morrer.
De repente, sentiu que alguém a segurava. Lucian.
- Não faça isso! Ele está seriamente ferido e vai levar séculos para se curar.
Megan fechou os olhos. Não se importava. Desprezava esta vida. Não conseguia aguentá-la. Ouviu um riso horrível. Aaron Carter. Ele a estava ameaçando...
Mamie saiu do trabalho com tranqüilidade. Não dera importância ao que Sean e Maggie temiam. O assassino não era tolo. Não voltaria para um lugar onde seria
reconhecido. Ela se considerava em total segurança, mesmo caminhando pelas ruelas de Nova Orleans. Era como se o local fizesse parte dela. Nada a assustava, já que
vira o suficiente de ruim na vida. Ninguém mexia com ela.
Era tarde, mas, para uma cidade que raramente dormia, as ruas estavam silenciosas demais. As pessoas estavam com medo do assassino, pensou.
A noite estava estranha. A lua, atrás das nuvens.
Mamie sentiu um arrepio e caminhou mais depressa. Ouviu passos atrás dela. Parou e virou-se para ver quem era. Não havia ninguém. Recomeçou a andar. Se virasse
na alameda, usaria um atalho que conhecia pelo meio dos prédios velhos. Ninguém ousaria segui-la por ali.
Ouviu passos novamente. Lembrou-se do relógio e pressionou o botão, continuando a andar depressa. Parou mais uma vez e olhou para trás.
Não deveria ficar surpresa ao vê-lo. Alto, magro, bonito, vestido de preto. Ele viera para matá-la.
- Como vai, Mamie? - Segurou-a pelo braço e a puxou com incrível força.
Ela abriu a boca para berrar, mas ele foi mais rápido e tapou-lhe a boca.
- Você me denunciou, mulher. - Ele riu e lambeu o rosto dela. - Huumm... Doce como chocolate com leite. Vou gostar de saboreá-la inteirinha. - Pressionou o
pescoço dela com os dentes. - Sim, você me denunciou. Deu para a polícia o meu retrato quando eu começava a me divertir.
Mamie soube que ia morrer.
Sean segurava o instrumento eletrônico que dava a localização de Mamie. Ele chamara reforços, e sabia que Jack e os outros logo o encontrariam. Porém, sabia
também que o tempo significava tudo naquele momento.
Acelerando o carro, entrou na alameda. Saltou na rua escura e gritou o nome dela.
- Mamie!
Inquietação e medo levaram Maggie de volta ao restaurante de Mamie.
- Que bom que tenha voltado, srta. Montgomery, mas está procurando por Mamie? - indagou Sam, o garçom.
- Sim.
- Lamento, mas ela saiu minutos atrás.
- Vou tentar alcançá-la.
- Espere! Mamie está em segurança nessa vizinhança. Já quanto à senhorita, eu não tenho certeza...
- Está me dizendo que Mamie está segura porque é negra e pode cuidar de si mesma, e eu sou branca e pareço fraquinha?
- Eu... bem... eu... não... sim!
- Serei cuidadosa. - Antes que o homem protestasse mais, ela se apressou para fora do restaurante.
- Droga! - ele disse. - Espere! Coisas ruins têm acontecido.
Maggie não esperou, e logo descia a rua. Sam chegou até a porta, pronto para segui-la. Foi detido por um homem alto e moreno.
- Está tudo bem. Vou atrás da moça - ele disse. Sam fitou o homem.
- Não se ofenda, senhor, mas...
- Irei atrás da moça - o homem repetiu, olhando para Sam com firmeza.
Sam voltou para o bar, confuso. Não lembrava por que estivera prestes a correr rua abaixo.
- Sabe quem eu sou, Mamie? - o assassino murmurou. Ele a encurralara em um muro entre dois prédios. Estavam envolvidos pelas sombras, e ele continuava tapando
sua boca. Lambeu-a no rosto outra vez e passou os dentes por seu pescoço. Eram afiados. Ela sentiu os joelhos enfraquecer. Agora acreditava. Nunca sentira tanto
pavor.
- Estranho, não é? O Estripador ficou famoso pelo sangue e mutilações das suas vítimas. Mas a morte das moças não demorava muito. Ele as asfixiava. Era cuidadoso
e se divertia, mas era tão misericordioso! Sabe quem eu sou, Mamie?
Ela acenou que sim. Então ouviu seu nome soando na rua. Reconheceu a voz do tenente Canady. O assassino também o ouviu, e seu sorriso aumentou.
- Ninguém nunca ouviu as vítimas gritar, Mamie... - ele murmurou.
Mamie estava desesperada, Gostava muito da vida. Mordeu a mão dele com força e acertou-o com o joelho na virilha. Então, gritou. O assassino a soltou, blasfemando.
- Vagabunda!
Agarrou-a de novo. E era poderoso. Ela começou a ver tudo preto quando ele apertou seu pescoço. Viu a faca perto de seu rosto e, quando achou que não haveria
mais saída, ouviu uma voz de comando.
- Largue a faca!
O assassino não se perturbou e continuou descendo a faca.
Um tiro foi disparado, seguido por outros.
Ela via a faca se aproximando.
Nesse momento, o assassino foi arrancado de cima dela. Mamie se encostou ao muro para não cair.
Então ela os viu. Os dois homens estavam no chão, e o criminoso tentava alcançar a faca, que fora lançada para longe. Eles se socavam. O atacante conseguiu
ficar sobre Sean, que reagiu, empurrando-o. Ele caiu pesadamente, mas se levantou, apesar dos ferimentos a bala que devia haver em seu corpo. Ele então pegou a faca
e começou a caminhar na direção do tenente.
Mal respirando, ainda no chão, Sean viu o homem se aproximar. Procurou ver suas feições. Era alto, magro e bastante musculoso, o que devia explicar a força
descomunal. Parecia estranhamente familiar, apesar de ter certeza de que não o conhecia. O assassino parou e fitou-o, como se também o tivesse reconhecido. Abriu
um enorme sorriso.
- Olá, homem morto! - ele disse.
Com um rompante de energia, Sean se colocou de pé quando ele o alcançou. Socou-o no estômago, ganhando tempo para recuperar o revólver, que caíra no chão quando
ele puxara o homem de cima de Mamie. Recuperando a arma, atirou repetidas vezes.
Sangue escorria do ombro e da mão do assassino, mas isso não o detinha. Ele se recuperou depressa e continuou se aproximando. Porém, antes que Sean fosse atingido,
ouviu um grito furioso e se surpreendeu ao ver alguém atrás do atacante.
- Pare, seu bastardo!
Maggie. Ele mal acreditava no que via. E mais passos vinham da alameda agora.
- Maggie! Saia daqui! - Sean gritou, tomado pelo medo e pela fúria.
Tarde demais. O assassino, exibindo uma máscara de puro ódio, empurrou-a. Maggie caiu, e Sean se atirou contra o homem, derrubando-o. Porém, com facilidade,
o criminoso saiu de baixo de seu corpo, levantou-se e foi em direção a Maggie, com a faca na mão. Sean lançou-se outra vez contra ele. Para sua surpresa, o homem
o arrastou junto. Por fim, Sean conseguiu detê-lo, mas logo foi atingido por um violento soco.
Sabia que precisava reagir. O assassino se voltara outra vez para Maggie, que começava a se levantar. Sean partia de novo para o combate quando outro homem
surgiu na alameda. Era alto, moreno e magro, vestido todo de preto.
- Pegue Maggie! - o homem disse a ele, partindo para cima do assassino.
Sean ainda pensou que era ele o policial; ele deveria lutar, e não um civil surgindo em defesa de Maggie.
- Maggie! - o assassino gritou, tentando se atirar contra ela, mas sendo impedido pelo homem que surgira.
Sean entendeu que precisava tirar Maggie da zona de perigo. Começou a escutar as sirenes da polícia. Ouviu o assassino gritar o nome de Maggie outras vezes.
Alcançou-a e, ao fitá-la, os olhos dela quase o fizeram parar. Havia medo neles. Não por ela, mas por ele. Maggie o amava. Realmente o amava.
- Saia já daqui! Pegue Mamie e desçam a rua! - ele gritou.
- Não. Sean, é você quem tem de sair daqui!
- Maggie, vá, ou vamos ter outra vítima em nossas mãos. Ela resistiu, mas olhou para os dois homens em luta e, de repente, obedeceu. Foi até Mamie, e as duas
correram pela alameda.
O assassino e o estranho continuaram lutando. De repente, o criminoso se levantou e começou a se afastar; o segundo homem foi atrás dele. Sean os seguiu. Porém,
após virarem em uma esquina, os dois sumiram nas sombras.
Subitamente, os carros da polícia estavam em toda parte.
- Ele é extremamente forte. Tenham cuidado - Sean gritou, indicando aos policiais por onde o assassino sumira.
Precisavam pegá-lo. Contudo, Sean tinha a sensação de que não conseguiriam. Diabos! O sujeito parecia ter tomado esteróides suficientes para derrubar um elefante.
As balas não o afetavam. Podia derrubar três homens com facilidade. E quanto ao outro sujeito?
Sentindo dores no corpo, Sean caminhou pela alameda. Jack Delaney e Mike Hays tinham chegado. Mamie estava sentada no banco de trás de seu carro, e Maggie
encontrava-se parada junto à porta. As meias e a saia estavam rasgadas, a jaqueta cheia de terra, os cabelos vermelhos despenteados. Sean a olhou com fúria.
- Que diabos há com você? - Ele começou a sacudi-ia, descontrolado. - Maldição, aquele homem é um assassino, e você se atirou contra ele como se fosse a Mulher
Maravilha?
Maggie empalideceu.
- Tive medo de que ele matasse você.
- Sou um policial, Maggie, sou pago para correr riscos. Sou treinado para isso, diabos!
- Crianças, por favor! - Mamie se levantou e foi are os dois.
Sean se voltou para ela, e de novo para Maggie. Quem estava tremendo sem parar era ele. Maggie parecia muito bem.
- Talvez devêssemos levar Mamie para um hospital - Jack sugeriu.
- Não vou a hospital algum, doçura.
- Os médicos estão aqui, Mamie - disse Sean. - Pelo menos deixe que a examinem.
Sean afastou-se do carro, praguejando, e logo Jack o alcançava.
- Apareceu um segundo homem, que lutou contra o assassino - Sean contou.
- Quem era ele?
- Não tenho a menor idéia. Ele simplesmente surgiu, correndo atrás do assassino.
Ao notar que Jack ficou em silêncio, Sean perguntou:
- O que foi?
- Algo aconteceu, uma hora atrás. Outro corpo foi encontrado. Em pedaços. A cabeça e o dorso foram pescados por um barco.
- Foi identificado?
- Sim. Rutger Leon.
- Cabeça e dorso?
- Acham que as extremidades podem ter sido devoradas pelos habitantes do pântano.
Era difícil sentir pena de Rutger Leon. Mais difícil ainda entender o que estava acontecendo. Um assassino que vitimava mulheres. Um homem sem a cabeça. E
agora, um bastardo chamado Rutger feito em pedaços.
Olhou para a alameda. O maldito assassino já deveria ter sido encontrado.
- Eu devia pedir demissão - Sean murmurou.
- Talvez o encontremos esta noite.
- Oh, claro!
O humor de Sean estava ainda pior quando ele foi até o carro falar com Maggie.
- Quem era o outro homem, Maggie? - ele perguntou rudemente. - E não me pergunte que outro homem. Sabe a quem me refiro. Conte-me. Agora. Quem era ele?
- Eu não...
- Não me diga que não sabe. Ele a chamou pelo nome.
- Ele é...
- Não minta para mim, Maggie!
- Ele é um velho amigo, Sean. Isso é tudo. Nós nos conhecemos... na Europa. Ele chegou aqui recentemente.
- Como você veio parar nesta rua?
- Instinto. Fiquei preocupada com Mamie. Fui ao restaurante, e Sam me disse que ela tinha acabado de sair. Vinha tentando alcançá-la quando ouvi o barulho...
Alguma coisa não estava certa, Sean decidiu. Maggie estava mentindo.
- E quanto ao seu amigo?
- Isso, eu não sei. Pergunte a ele!
- Bem, agora não posso fazer isso, já que ele simplesmente desapareceu atrás do assassino. - Percebeu que alguns policiais esperavam para falar com ele. -
O que foi, sargento Meeks?
- Tenente, os homens estão em toda a parte, mas não conseguimos encontrá-lo ainda. Sinto muito. Vamos continuar procurando.
- Obrigado, sargento. Mantenham-se sempre alertas e avisem a todos que o homem é muito perigoso.
- Sim, senhor.
- Se precisar de mim, estarei na delegacia por algum tempo, colhendo depoimentos! - ele disse, olhando para Maggie e Mamie. Virou-se de costas para as duas,
mandando Jack e Mike levá-las à delegacia enquanto ele pegava seu carro.
Duas horas mais tarde, ele pediu que Mike levasse Mamie de volta ao restaurante. Ela contara sua versão dos acontecimentos. Sean designara um policial para
ficar à porta dela a noite inteira. Porém, isso não parecia significar muito para Mamie. Ela insistira em comer enquanto dava seu depoimento, e pedira pão de alho,
peixe com alho e uma salada com dentes de alho. Quando Sean a questionara, ela tinha dito:
- Querido, esta é somente uma daquelas noites em que eu quero me sentir perto do meu Deus.
- Nem Deus vai agüentar o seu hálito, Mamie.
Ela tinha rido, insistira para ver Maggie, e as duas haviam cochichado antes de Mamie ir embora.
Agora Maggie estava sentada, nitidamente irritada.
- O que quer de mim? - ela perguntou.
Até mesmo Jack fora embora. Os policiais ainda estavam procurando nas ruas e não tinham achado o criminoso.
- Toda a verdade.
- Eu me senti inquieta e precisava ver Mamie.
- Vocês duas ficaram bem unidas de repente.
- Gosto dela.
- O suficiente para arriscar sua vida?
- Não pretendia arriscar minha vida. Apenas vi que ele estava atacando você e... - A voz dela falhou.
Sean lutou contra a onda de calor que o envolveu.
- Quem era o homem? Nome e endereço, por favor.
- Lucian DeVeau - ela respondeu. - Não sei onde ele está morando. Não o via há anos, até que ele apareceu na loja outro dia.
- Um velho amigo? Ou um velho amante?
- Essa pergunta é importante para o relatório da polícia?
- É importante para mim.
- Posso ir para casa agora?
- Velho amante. Quando romperam o relacionamento?
- Anos atrás.
- Quantos anos?
- Não sei!
- Por que Mamie estava engolindo tanto alho?
- O quê?
- Nada. Vamos embora.
- Juntos?
- Sim.
- Está sendo incrivelmente rude.
- Você precisa de proteção.
- Decerto tem algum outro policial que...
- Querida, sou eu o policial que você vai conseguir. Vamos.
Ele abriu a gaveta, carregou o revólver e pegou munição extra. Saíram da delegacia. Sean queria colocar alguma distância entre eles dois e o assassino. Portanto,
preferiu levá-la até a propriedade da família Montgomery.
Ela o deixou no saguão. Sean andou pela casa, verificando portas e janelas antes de subir as escadas. No meio do caminho, parou para olhar a pintura de Magdalena.
Um estranho tremor o envolveu. Ficou tentado a tirar Maggie do chuveiro e levá-la até ali.
Estranho. Talvez ele devesse mesmo pedir demissão da polícia e se internar em um bom hospital. Forçou-se a subir o restante dos degraus. Já no andar de cima,
verificou as portas dos balcões e as janelas.
No quarto dela, ouviu o barulho do chuveiro. Deitou-se na cama e fechou os olhos, com a arma sobre o peito.
Em questão de segundos, dormia.

Ele tinha lutado. Enfrentara o inimigo, matara e vencera. A batalha terminara, e era hora de cuidar dos feridos, protegê-los do assassino.
Estava cavalgando, sentindo a brisa no rosto. Estava sujo, sedento, com fome, cansado. E queria ir encontrá-la.
O assassino estava diante dele. Pronto para atacar de novo. Ele cavalgou, pronto para o ataque, mas não para matar. Deus, devia haver misericórdia em algum
lugar! Mas o inimigo era forte demais.
Outro esperava. Então viu um rosto. Um rosto que ele conhecia.
Oh, Deus!
Dor... Ele sentia dor. Sabia que a morte estava chegando. E ela estava lá, um anjo, abraçando-o, com os olhos cheios de lágrimas. Que Deus o ajudasse! Ele
tinha força, aprendera tanto a ter coragem quanto a sentir misericórdia, mas não estava preparado, e agora o mundo ia se esvaindo...
Sean acordou assustado, sabendo que sonhara que lutava em uma guerra que terminara havia um século. Sentou-se, colocando com cuidado a arma na mesinha de cabeceira.
O assassino estivera em seu sonho. O homem que vira aquela noite o matara no sonho. Estava ficando louco. Logo seria tirado da polícia.
Olhou para a porta do banheiro.
Pensamentos invadiram sua mente. Mamie comendo alho sem parar. As palavras dela; as de Marie, ao dar-lhe a cruz. Seus estranhos sonhos. O pai contando-lhe
histórias. Havia um rumor de que as Montgomery geravam um vampiro a cada geração. Anos e anos antes, a ancestral de Maggie se apaixonara pelo homem errado. A família
o matara, e ela tinha partido. E cada filha ainda mantinha o sobrenome Montgomery.
Certo, pensou, estava realmente ficando louco. Sabia que Maggie não era a assassina, mas que diabos estava acontecendo?
Levantou-se, decidido a fazer uma busca. Abriu as gavetas. Não podia acreditar que estava tentando se lembrar dos filmes de vampiros aos quais assistira, dos
livros que lera.
Vampiros odiavam cruzes; Maggie as usava. Vampiros não tinham reflexos no espelho; Maggie, sim. Vampiros dormiam durante o dia; ela caminhava nas ruas durante
o dia. Vampiros dormiam em caixões; Maggie, em uma cama.
A não ser que...
Abaixou-se e olhou embaixo da cama. Nesse instante, ela saiu do banheiro.
- O que está fazendo? - ela perguntou.
Sean endireitou o corpo e a encarou. Algo não estava certo, e era hora de descobrir a verdade.
- Procurava por terra - ele disse.
- Por que não um caixão?
- Você tem um?
- Não. E você? - Quando ele não respondeu, Maggie respirou fundo. - Dormimos juntos. Você sabe muito bem que não durmo em um caixão... Acha que sou uma vampira?
- Não diga bobagem.
- Sean, eu o avisei para não se envolver comigo.
Ele não podia estar louco. Ele a amava, e não podia perdê-la. Aproximou-se de Maggie.
- Você poderia ficar me avisando eternamente. Não importaria. Eu te amo.
- Você mal me conhece.
- Está errada. Sinto como se sempre a tivesse conhecido. Você faz parte de mim. Como viver, como respirar. Você está no meu sangue.
Ele a puxou para junto de seu corpo. Beijou-a nos lábios e depois no pescoço, enquanto a acariciava. Enterrou seu rosto entre os seios dela, e sugou cada mamilo
por cima do tecido da camisola, fazendo-a ofegar e arquear o corpo. Caiu de joelhos, lambendo-a, provocando-a com sua língua. Entreabriu-lhe as pernas, tocando-a
intimamente, enlouquecendo-a de prazer. Ela apertou seu ombro, gemendo, e chegou ao clímax.
Sean tomou-a nos braços e, sem saber a razão, levou-a até as escadas. Não se preocupando em se despir por completo, fez amor com Maggie ali, sobre os degraus.
Ao terminarem, carregou-a de volta à cama. Tirou as roupas e deitou-se ao seu lado.
- O que foi aquilo? - ela perguntou, sorrindo.
- Não sei.
- Pensei que estivesse bravo comigo.
- Estava. Ainda estou. E, se voltar a agir sem cuidado, juro que vou lhe dar umas palmadas. Prometa-me que não vai ser imprudente.
- Sean, hoje à noite as coisas simplesmente aconteceram.
- Como Lucian aparecendo.
- Eu sabia que ele estava na cidade. Ele parou na loja para me cumprimentar. Somos velhos amigos.
- Certo. O relacionamento de vocês acabou mesmo?
- Nunca foi sério.
- Não foi essa a minha pergunta.
- Sim. Acabou realmente.
Sean a fitou, e depois deslizou os olhos pelo corpo de Maggie. Desejou-a outra vez. Ela correu as mãos por seu peito e abdômen, tomando seu membro na mão,
massageando-o de leve, com um sorriso nos lábios.
- É bom que tenha acabado mesmo - ele disse. - E nós estamos sendo descuidados aqui. Temos de nos casar.
O sorriso de Maggie sumiu.
- Sean...
- O que foi?
- Essa é uma das razões por que você não deveria me amar. Não posso ter filhos.
Ele não se perturbou.
- Então não teremos filhos.
- Você quer filhos.
- Quero você. Podemos adotar, se quisermos. O que importa é que a minha vida não tem significado sem você.
- Sean...
- Shh... Não pare o que estava fazendo - ele pediu. Ela sorriu outra vez e passou a acariciá-lo com os lábios. Em algum momento da noite, eles dormiram.





Capítulo IV



Apesar de estar profundamente apaixonado, Sean acordou sentindo peso da responsabilidade. O assassino ainda estava solto. Cada vez mais perigoso. Com os olhos
semicerrados, ele observou Maggie despertar.
- Sean? - ela chamou suavemente.
- Sim?
- Sou uma vampira.
- O quê? - A luz da manhã, a suspeita dele parecia ridícula, e as palavras de Maggie, absurdas.
Ela balançou a cabeça, fitando-o.
- É verdade.
Sena sorriu, sentindo que tudo aquilo era tolice.
- Não tem caixão, Maggie. Eu procurei. Não existe terra sob a cama. Você tem reflexo, come e bebe normalmente, e não queima sob a luz do sol.
- Não somos destruídos pela luz do sol; apenas ficamos mais fracos durante o dia. Nossa força maior vem ao anoitecer. Não preciso de caixão, Sean, e tenho
muitas tendências humanas porque...
- Não, não me diga! - Sentou-se, sorrindo. - Sei a história. Tem tendências humanas porque é somente metade vampira. Sendo descendente de Magdalena e de seu
amante vampiro, é como se fosse mestiça, não?
O olhar de Maggie era de total seriedade.
- Não durmo em um caixão porque... não precisamos realmente de caixões. Eles apenas são escuros e confortáveis. Além disso, não pareço ter tantas fraquezas
como alguns vampiros porque meu pai deu-me sangue antes que eu entrasse na escuridão. Ele tinha amigos que estavam familiarizados com vampiros, e creio que, de alguma
maneira, evitou que eu morresse e voltasse de outra forma, como acontece na maioria dos casos. Quanto à luz... bem, levou décadas para que eu me sentisse confortável
na claridade. E acredite em mim, raramente vai me encontrar na praia.
-Maggie, vamos lá, como pode ser uma vampira, se não têm características que estejam de acordo com a lenda?
- As lendas trazem só parte da verdade. Muitos vampiros descansam nos caixões porque morreram antes de renascer. Despertaram no caixão, que é como um lar para
eles. Nunca fui enterrada. Vivo aqui, e sempre volto para minha casa. Não preciso carregar terra se estou onde nasci. Quando vou para a Europa, sim... Levo terra
comigo. Extraímos força da terra. E todos os vampiros têm reflexo. É um mito dizer o contrário. E comemos normalmente, apenas precisamos de algo mais. Sentimos uma
sede que precisa ser saciada com o líquido certo. - Maggie se calou por alguns instantes. - E não houve um bebê, Sean. Magdalena não teve um filho ilegítimo do amante
francês. Meu pai sabia que eu viveria por séculos, e inventou a história de eu estar grávida. A cada vinte anos mais ou menos, posso voltar a Nova Orleans como a
nova herdeira. Eu me pareço com Magdalena, Sean, porque sou Magdalena.
Ela estava mentindo, claro.
- Maggie, por favor...
- Sean, tem de me ouvir. É a verdade. Ele sacudiu a cabeça, impaciente.
Vampiro. Isso podia significar tantas coisas. Uma pessoa que sugava a essência da vida de outros, como um marido tirano. Alguém insano, que acreditava precisar
beber sangue para sobreviver. Por que não? Havia assassinos que escutavam vozes, demônios que lhes diziam o que fazer e a quem matar. O mundo estava repleto de loucura.
- Está bem. Você afirma ser vampira. Foi sua sede por sangue que fez surgir essa série de crimes recentes? Está tentando me dizer que é a assassina? - Ele
sacudiu a cabeça. - Maggie, eu vi o assassino.
- Não sou a assassina. Mas você não quer aceitar a verdade, mesmo quando a tem à sua frente. Sabe que tem algo errado nessas mortes, e que o sangue não pode
ter desaparecido do nada. Vampiros existem de verdade. E muito tempo atrás, eu matei. Quando... quando fui mordida, meu pai tentou evitar que eu me tornasse uma
predadora. Ele adquiria sangue de diferentes fontes. Nos últimos anos, tenho usado bancos de sangue e pequenos mamíferos. Nunca quis matar. - Hesitou. - Existem
graus sutis para as mordidas de vampiros. Algumas matam; outras maculam. Claro, que também não tive a intenção de matar aquela pobre criança com atraso mental que
seria enforcada...
- O quê? - Sean lembrou-se da história contada pelo pai.
- Faz muito tempo, tive uma amiga, cujo filho tinha um atraso mental. Ele foi acusado de um crime horrível que não havia cometido. Assim...
- Você o transformou em vampiro? - Sean indagou, zombeteiro.
- Não. Jamais criei outro de minha espécie. Temos o direito de gerar apenas dois por século...
- Dois por século - ele repetiu, incrédulo.
- Mas eu não faria isso com ninguém.
- Por quê? Parece que você tem se dado bem.
- À custa da minha alma, Sean.
Ela estava tão séria! Pensava estar dizendo a verdade, Sean concluiu.
- Você mencionou uma guerra. Qual?
- A Guerra Civil. Matei o homem que provocou a morte de seu ancestral, o outro Sean. O nome dele era Wynn. O que aconteceu não foi realmente culpa dele. Sean,
tem um vampiro monstruosamente mau...
- Em contraste com o bom vampiro sugador de sangue, certo?
Maggie suspirou, impaciente.
- Acredite ou não, a maioria de nós é como qualquer predador, incluindo o homem. Temos evoluído. Conseguimos até diminuir a quantidade de sangue de que precisamos,
tomando apenas o necessário. Há os muito velhos, já cansados de matar, que aprenderam que matar é o que nos leva a ser mortos. Muitos vivem apenas com o sangue de
animais. Os homens comem carne, não? Pois vampiros comem a carne e bebem o sangue. De animais criados em fazendas, algumas vezes de outros predadores...
- E o que você faz? Consegue o seu suprimento dos crocodilos do pântano?
- Não fale bobagens. Répteis têm sangue frio. Podem saciar nossa fome por um instante, mas não totalmente. E temos os bancos de sangue hoje em dia.
- Ah...
Deus! Maggie estava perdendo o juízo, e ele a amava tanto!
- Maggie, tem de compreender que o que diz é uma ilusão. Não pode ser verdade. Sim, tem homens ruins. São os nossos monstros.
- Mas, Sean, ontem à noite você olhou debaixo da minha cama. Suspeita de alguma coisa desde que me conheceu. Estou dizendo a verdade, explicando o que tem
tentado entender, mas continua sem acreditar em mim.
Sean abaixou os olhos, não querendo que ela visse como suas palavras o perturbavam. Ele vinha sonhando com a Guerra Civil; com o assassino.
- Sean, isso não é tão absurdo como parece. Talvez seja uma doença, que não sabemos como curar. E ela vai passando de um para outro. Você não acredita em Deus?
Que existe o Bem e o Mal? Se existem anjos, então existem também os demônios. Sou uma vampira. E têm outros como eu.
- Mas se tais criaturas são reais, Maggie, o mundo inteiro estaria povoado por vampiros!
- Não, porque os vampiros podem ser mortos. E porque, como eu já lhe disse, temos regras entre nós. Nos tempos antigos, os homens nos caçaram, nos mataram,
quase nos aniquilaram. Aprendemos a coexistir com os humanos, assim como os homens coexistem com tigres, cães e leões. As regras são rígidas; assim podemos sobreviver.
Não podemos criar mais do que dois seres como nós por século. Se não existisse essa lei, teríamos aniquilado a humanidade. Aprendemos a viver sem matar seres humanos.
Não estamos vivendo no passado. Estamos em uma era tecnológica, em um novo mundo.
- Sim, mas não consigo acreditar no que diz.
- Pois preste bem atenção, porque só assim vai conseguir pegar o assassino.
- Sabe quem ele é?
- Sei.
- E o assassino é um vampiro?
- Sim.
Sean levou as mãos à cabeça.
- Está ficando louca. Eu também. E isso. Vamos começar tudo de novo. Você pertence à raça dos vampiros?
- Sim.
- Tem uma força extraordinária e poderia ter me matado, se quisesse?
- Tenho força, mas nunca seria capaz de matá-lo, Sean.
- Tem força? Então prove. Faça alguma coisa.
- Sean, pare com isso.
Ele a segurou pelos ombros e a sacudiu. Maggie não protestou.
- Se o assassino é vampiro, é por isso que ele não caiu quando atirei nele?
- Exatamente.
- Então... matar é uma coisa fácil para ele.
- Sempre foi.
- Já o conhecia?
Maggie confirmou com a cabeça.
- Outro amante?
- Não. Eu sempre o odiei.
- Mas ele é forte, porque é um vampiro. Isso a torna forte também, certo?
- Sim.
-Vou repetir uma pergunta. Você poderia me matar, depressa, facilmente?
- Poderia, mas ao mesmo tempo não poderia.
- Por que não?
- Porque eu amo você, Sean.
Ele ficou em silêncio, ainda se recusando a acreditar.
- Então me ama de verdade.
- Você sabe disso.
- Maggie, quantos anos você tem?
- Muitos. Sou Magdalena, já não lhe disse?
- Muitos anos, então. Quantos homens você amou?
- Dois antes de você, apesar de que o segundo realmente não conta.
- Por que não?
- Porque acho que ele era você.
- Ele era eu?
- Sean, acredito que quando as vidas são muito curtas, as pessoas podem voltar. Em situações similares. Acho que você é o Sean Canady que conheci e amei durante
a Guerra Civil.
Sean sentiu a garganta seca. Os seus sonhos de estar em batalha, de buscar a glória, o desejo maluco de querer amar Maggie na escadaria...
- Quem foi seu primeiro amante?
- O conde Alec DeVereaux. Quando nos conhecemos, eu era muito jovem.
- E o amou, e ele fez isso com você?
- Eu amei Alec, e acredito que ele também tenha me amado. Tem um ditado inscrito em uma lápide antiga na França, que diz: "E o amor o libertará". Acho que
ele acreditava que nosso amor mudaria as coisas. Que, por meu intermédio, ele poderia recuperar sua alma imortal. Lucian pensa que Alec estava convencido disso.
- Ah... Esse Lucian é também um vampiro. E ele sobreviveu todo esse tempo?
- Mais do que eu. Lucian é muito velho. Quanto a Alec... Meu pai o matou. Estava com um de seus ancestrais e com outros homens. Eles achavam que sabiam o que
Alec era.
- Pelo que diz, eles sabiam. Alec era um vampiro.
- Sim, mas não era mau. - Ela viu descrença nos olhos de Sean. - Você precisa acreditar em mim. É a única forma de enfrentar o assassino.
- Não preciso de um revólver, mas sim de uma estaca, é isso?
Maggie ignorou o tom irônico que ele usava e continuou fitando-o.
- Muito bem, preciso de uma estaca, e o assassino é um vampiro.
- Sim. Ele é também Jack, o Estripador.
- Oh, Jesus, Maggie...
- Não fale comigo nesse tom. Vou começar de novo e tentar enfiar tudo isso em sua cabeça oca. Quando era jovem, eu me apaixonei. Meu pai quis me salvar e matou
Alec. Depois, passou a vida inteira tentando me salvar. Inventou uma criança e um modo de eu poder voltar a Nova Orleans de vinte em vinte anos. Conheci Lucian porque
ele é o rei, o nosso mentor. Ensinou-me as leis, como sobreviver, como ter uma vida. Durante a Guerra Civil, eu conheci Sean Canady, mas não tive coragem de lhe
confessar o que era. Jurei que, assim que a guerra terminasse, eu lhe contaria porque não podia me casar com ele. Em uma festa, conheci um homem, e soube logo que
era um de minha espécie. E que era cruel. Não quis nada com ele, mas ele me perseguiu. Ele matava sem parar e, pior, divertia-se maculando as vítimas. Já lhe falei
sobre isso. É uma forma de morder na qual a pessoa não morre, nem se torna vampiro. De qualquer modo, esse vampiro matou a filha do coronel Wynn, e então o destruiu.
Wynn começou a decepar as cabeças dos soldados, convencido de que um deles seduzira e matara sua filha. Sean Canady foi atrás de Wynn, eu atrás de Sean, e Aaron
Carter atrás de mim. Eu estava desesperada para manter Sean vivo, mesmo que fosse obrigada a transformá-lo em vampiro, mas já era tarde demais.
Sean teve certeza de que a, expressão de seu rosto era de absoluta descrença.
- Bem, a guerra acabou, o tempo passou... e Aaron se transformou em Jack, o Estripador? E é ele o assassino contra quem eu lutei ontem à noite?
- Sim. Eu o encontrei em Londres. Tinha viajado para a Europa. Não envelheço, e preciso de tempo para que a nova Maggie cresça e volte.
- Claro - Sean murmurou.
- Eu estava em Londres, tinha feito amizade com um médico e sua esposa. Lembra o que disse sobre acreditar que as pessoas possam voltar quando suas vidas são
curtas demais?
- Sim.
- Acho que o médico é agora o seu parceiro Jack, e que Angie foi Laura.
- Claro, por que não? Se vamos acreditar em vampiros, por que não em reencarnação?
- Não sei se existe ou não reencarnação. Sei apenas que o mundo está repleto de almas, boas e más, velhas e novas... E espero que você não ignore o que estou
lhe dizendo, pois se Aaron não for detido, mais gente morrerá... Esse médico, Peter, era um homem determinado a ajudar as pessoas pobres de Londres. Uma noite, estávamos
trabalhando, e eu vi Aaron. Tivemos uma briga, e Lucian interveio. Algum tempo depois, os assassinatos começaram, e Peter passou a ter lapsos de memória. Convenceu-se
de que era o criminoso, pois aparecia coberto de sangue. Então Laura, que estava grávida, ficou doente e morreu. Peter... se suicidou. Eu estava atordoada, caminhando,
quando vi Aaron. Quando o confrontei, descobri que ele era o responsável por matar as prostitutas e por fazer Peter acreditar que era o assassino. Fiquei com tanta
raiva que o ataquei. Eu o teria matado se Lucian não tivesse me detido, porque, se matasse um de minha espécie, seria executada. Aaron ficou machucado, com ferimentos
que levaram provavelmente um século para curar. Mas agora ele está bem e voltou, forte, mau, cruel ao extremo.
- Maggie... - Ainda havia descrença em seus olhos.
- O que preciso fazer para convencê-lo?
Sean tomou o rosto de Maggie nas mãos e beijou-a suavemente nos lábios.
- Vou tomar um banho e ir trabalhar. Talvez, já o tenham pegado.
- Você sabe que não o pegaram. Se isso tivesse acontecido, teriam ligado.
Ela estava certa, claro. Sean entrou no chuveiro e deixou a água fria cair sobre seu corpo. Quando saiu, Maggie já estava vestida.
- O café está pronto - ela disse, saindo do quarto.
Sean encontrou Peggy na cozinha. A mulher cumprimentou-o, serviu-lhe café e bolo. Maggie também estava à mesa. Quando terminaram, despediram-se da empregada
e foram até o carro.
Fizeram o trajeto em silêncio. Quando ele parou perto da Montgomery Enterprises, Maggie voltou-se para ele:
- Sean, prometa que vai pensar em tudo o que eu disse.
- Certo. Mas quero que prometa que vai se manter afastada disso.
- Sean, estou tentando ajudar...
- Maggie, eu te amo, independentemente do que está acontecendo.
- Mas Sean...
- Isso tudo é uma loucura. Nada faz sentido.
- Faz, sim. Eu decapitei Ray.
- O quê?!
- Fui até o necrotério e cortei a cabeça dele.
- Você? - Ele tentou imaginar Maggie serrando a cabeça do homem.
- Imagem horrível, não é? Fui atrás de Ray porque ele estava maculado. Aaron tinha tornado o sangue dele ruim, o suficiente para que ele voltasse. Agi rapidamente
para impedir a transformação.
- Não acredito em você.
- Você não quer acreditar. Sim, Sean, eu posso mudar de forma e me deslocar como a névoa. É quase como telectnesia. Pense nisso. Lembra-se de ter acordado
e de não ter me visto ao seu lado na cama?
- Certo. Volte no tempo. Londres, 1888. As vítimas do Estripador tinham as gargantas cortadas, mas não decepadas.
- Bem, Aaron queria que Peter se convencesse de estar louco. Havia muitos assassinatos acontecendo ao mesmo tempo...
- Está bem. Mas e quanto a Anthony Beale? Ele era um cafetão. Você diz que decapitou Ray. Também matou Beale?
- Não. E eu não matei ninguém. Ray já estava morto. Apenas fiz o necessário para que ele não se transformasse.
- Então quem matou Beale?
- Só pode ter sido Aaron. Beale deve tê-lo aborrecido.
- E quanto a Rutger Leon?
- Leon está morto?
- O corpo dele foi achado ontem. O dorso e a cabeça, pelo menos.
- Não posso imaginar Aaron matando Rutger. Pelo contrário. Acho que ele adoraria ver o homem atormentando Callie.
- Alguém o matou.
- Não fui eu! - Maggie exclamou, exasperada. - Eu lhe contaria se tivesse sido eu, apesar de você não acreditar em nada do que digo.
- Bem, você tem de ir trabalhar, e eu também. Verei o corpo de Rutger e depois me reunirei com meus homens. Devo dar cruzes a todos eles?
- A sua é bonita.
- Não a incomoda?
- Gosto de arte sacra. E adoro igrejas. Lucian sempre caçoou de mim porque rezo bastante. Mas alguns vampiros se sentem enfraquecidos pelas cruzes. Elas não
os detêm, mas podem ganhar algum tempo. E água-benta pode queimar, especialmente durante o dia.
- E alho? É verdade ou mito?
- Coma bastante alho. O alho no sangue deixa os vampiros doentes.
- E posso matar um deles com uma estaca enfiada no coração?
- Se tiver essa chance, claro.
- Ou cortar a cabeça?
- Sim.
- Ótimo. Agora tenho algo a dar para a minha equipe quando informá-los de que estamos caçando um vampiro.
Maggie sacudiu a cabeça com tristeza.
- Eu te amo, Sean. Mas não, não haverá nenhum futuro para nós. A não ser que comece a acreditar em mim.
Ela desceu do carro e se afastou dele.
- Maggie!
Era tarde demais. Ela não olhou para trás.
Sean entrou no escritório, mal tomando consciência dos telefones tocando, e da agitação à sua volta. Parou em sua mesa e sentou-se, até Jack se aproximar.
- Jack, você andou pesquisando a respeito do Estripador. Sabe alguma coisa sobre vampiros?
- Por que pergunta? Temos um vampiro na cidade?
- Não acredito em vampiros.
- Tem havido uma misteriosa falta de sangue.
- Alguém acredita que é uma reencarnação de Jack, o Estripador, ou pensa que é um vampiro.
- Um imitador pode ser igualmente perigoso.
- E se... - Sean hesitou. - E se existir mesmo um vampiro?
- Vamos ter de chamar o Van Helsing - Jack brincou antes de ver o olhar sério de Sean. - Bem, eu...
- Não mande me internar ainda. Estou apenas formulando hipóteses. Lidando com um imitador, ou seja lá o que for. Afinal, isto aqui é Nova Orleans, o lar do
vodu, de vampiros e outras coisas mais. Então me ajude,
- Nos filmes, os vampiros dormem durante o dia, a luz do sol pode fritá-los, água-benta age como ácido, uma estaca enfiada no peito mata o sujeito e a decapitação...
- Ele se interrompeu e pigarreou. - Mas são as vítimas que estão sendo decapitadas, Sean. Ah, uma vítima não poderia se tornar um vampiro se tiver a cabeça cortada,
certo?
Sean não respondeu.
- Vou ao necrotério - disse. - E preciso que pesquise a história de Nova Orleans, especialmente na época da Guerra Civil. Ah, e veja se descobre algo sobre
Aaron Carter.
- Claro. Devo começar a usar uma cruz? E talvez mastigar alho?
- Muito alho - Sean concordou, sorrindo.
- E devo arranjar água-benta?
- Ainda não. Mas eu te aviso se for precisar.

Maggie mal entrara no escritório quando o telefone tocou.
- Montgomery Enterprises.
- Ah... e estou falando com a srta. Montgomery? Ela sentiu um arrepio.
- Aaron. Maldito seja!
- Querida, todos nós estamos entre os amaldiçoados.
- O que você quer?
- Sangue, mortes, o habitual.
- Já conseguiu isso. Por que está ligando? O que quer de mim?
- Ora, minha querida, é você quem eu realmente quero.
- Verdade? Que interessante, Aaron. Nós desprezamos um ao outro.
- Oh, não. Isso é impressão sua. E tudo o que quero é ter você comigo.
- Se me tivesse, pararia com os crimes? A risada dele foi de arrepiar.
- Oh, não. Quero ensiná-la a viver, a ter um poder igual ao meu, porque não tenho medo de ser o que sou. Um predador, meu amor. Uma criatura da noite.
- Alguma vez você foi humano, Aaron?
- Pergunta interessante. Na verdade, fui.
- E foi um assassino quando era humano, Aaron?
- Ah, outra pergunta interessante! Somos assassinos quando nos alimentamos de gado? Não, somos apenas animais superiores, e o gado serve para. saciar nossas
necessidades. Querida, sempre fui mais forte, mais inteligente. Sou o mais alto na escala da criação, e os que matei foram meu gado, em todos os tempos. Os seres
humanos são estúpidos. Eles não acreditam. Vêem a si mesmos como criaturas superiores, inteligentes demais para aceitar aquilo que seus olhos não enxergam! Mesmo
quando a verdade lhes é atirada na cara, continuam cegos. Pobre Sean, vou pegá-lo de novo, sabia? Outro Canady. E ele será presa fácil, porque não acredita. Como
sempre. Brilhante demais para acreditar... Maggie torceu o fio do telefone.
- Deixe os Canady em paz, Aaron. Eu irei até você. Onde? Quando?
- Oh, Maggie! De jeito algum. Eu irei até você, quando menos esperar. Talvez nos falemos de novo. Talvez eu lhe dê algumas chances.
- Aaron, se machucar Sean, mato você. Estou falando a verdade.
- Maggie, meu amor, eu fiquei mais forte. Muito mais. Talvez não consiga me matar. Talvez eu a deixe existir para sempre, apenas para me divertir.
- Aaron...
- Até logo, Maggie, meu amor.
- Aaron!
- Volte no tempo, Maggie. Foram cinco as prostitutas... Bem, pelo menos foi a conta deles. O que acontece depois das duas primeiras, Maggie?
- Duas? Você é responsável pelo menos por cinco mortes.
- Não tenho nada a ver com Rutger Leon. Mas isso não importa. O bandidinho também não conta. Foram duas prostitutas, Maggie. E deviam ter sido três. Aquela
Callie. Mas ela foi embora e não vou atrás dela agora. Voltando ao assunto, Maggie, você se lembra? Duas na mesma noite...
- A polícia está à sua procura, Aaron. E você não é indestrutível...
- Policiais morrem, também. Eu decerto planejo matar outro Canady. Outro Sean Canady. Afinal, não queremos aquele bastardo na imortalidade conosco, não? Duas
mortes hoje à noite, Maggie. Duas prostitutas. Fique atenta.
- Aaron...
A linha ficou muda.
Pierre e Sean estavam olhando o corpo das vítimas. Jane Doe e Bessie Giroue, mulheres de vidas tristes e curtas. Anthony Beale. E ainda Rutger e Ray.
- E então? - Pierre perguntou.
- Procure marcas no pescoço. Como aquelas que achamos em Beale.
- Por quê?
- Acredito que nosso louco pensa ser um vampiro. Vou olhar Rutger e Bessie, você examina Ray.
- Certo.
Sean concentrou-se nos corpos, e logo identificou, acima dos cortes, as marcas, semelhantes a dois furos.
De repente, começou a ver tudo embaçado, como se a sala estivesse tomada por uma névoa. Percebeu que havia alguém com eles. Olhou em volta. Um dos assistentes
de Pierre estava ali, parado bem atrás do legista. Jovem, ele usava um avental. Nenhum dos dois reparara em sua chegada.
- Não pedimos ajuda - Sean disse.
Pierre levantou os olhos, observou o recém-chegado e estranhou.
- Como entrou aqui? Quem é você, meu jovem?
Quem ou o quê?, perguntou-se Sean, reconhecendo o assassino.
- Cale a boca, velho! - Com um soco, lançou Pierre pela sala, que caiu, inconsciente, no chão.
- Se tiver matado Pierre...
- Ele não está morto. Não gosto de carne morta. Sangue quente é como um bom vinho servido frio. Mas isso fica para depois. Olhe para você, tenente Canady!
Estamos juntos de novo. Sou Aaron Carter, às suas ordens. Já me chamaram de várias coisas ao longo dos tempos: Jack, o Estripador, Homem do Machado, La Morte. E
eu adoro Nova Orleans. Por aqui, temos jovens como Bessie, filhos de satanás, como o velho Ray, e pessoas divididas entre a escuridão e a luz, como nossa irresistível
Maggie. Ah, e temos nossos pretensos heróis, como você, Canady. Diabos, matei você uma vez, meu amigo. Deveria ter permanecido morto.
Sean observou Carter enquanto ele falava. Seria mesmo um vampiro centenário? Ou apenas um homem louco?
- Bem-vindo ao necrotério - disse. - Deveria tomar cuidado. Pode ficar por aqui mais tempo do que imaginava.
- Bela bravata. Bem, vocês sempre foram presunçosos. Eu queria que Maggie visse você morrendo de novo, mas não resisti à tentação de fatiá-lo em uma mesa de
autópsia.
Poderia esse homem ser realmente uma aberração imortal? Sean estava prestes a descobrir. Sacou a arma.
Ele, ao mesmo tempo, viu e não viu Carter se mover. Apesar de ter sido rápido, antes que pudesse atirar, o sujeito estava em cima dele, e os dois lutavam pela
arma. A força de Carter era assombrosa. Sean podia imaginar seus dedos sendo quebrados um a um. Antes que isso acontecesse, puxou o gatilho, sem saber ao certo o
que atingiria.
Atingiu Carter e, por um momento, o homem ficou parado. Sean imaginou que o tivesse acertado no estômago e que ele cairia, gritando. Porém, Carter riu. Arrancou
a arma de suas mãos e a jogou para longe. Começou a apertar seu pescoço. Desesperado, Sean tentou livrar-se daquelas garras.
O oxigênio estava sumindo. Carter sorria enquanto abaixava a cabeça, aproximando os dentes afiados de seu pescoço.
Sean percebeu que estava morrendo.
Com um resquício de força, moveu a perna, e conseguiu atingir o oponente na virilha. O assassino soltou-o e se dobrou de dor. Quando começou a se endireitar,
estava tomado de fúria.
- Tenente, vou cortar seus órgãos sexuais e enfiá-los em sua garganta enquanto você morre em uma lagoa do próprio sangue.
Isso poderia ter acontecido, caso Sean não tivesse conseguido reagir. Atingiu-o com um soco e fez rapidamente uma espécie de barricada com as gavetas de aço
dos armários. Pegou uma vassoura que estava em um canto. Quem sabe poderia servir de estaca?
Carter veio em sua direção, e Sean ergueu o cabo, mirando o coração do vampiro, que se deteve, fitando-o.
Nesse momento, a porta da sala se abriu, e Jack entrou. Carter virou-se para olhá-lo, e passou a caminhar em sua direção.
- Quer dar alguns tiros de alerta?
- Pare, ou atiro para matar! - Jack avisou. Rindo, Carter deu outro passo em direção ao policial. Jack começou a atirar.
Carter recuou, com o corpo cheio de balas. Olhou para Sean e para Jack antes de se despedir polidamente.
- Vamos nos encontrar de novo cavalheiros!
Passou por Jack, que recarregava a arma, e saiu dali. Sean o perseguiu, mas após virar uma esquina, o assassino desapareceu, deixando para trás uma leve névoa.
- Eu não vi aquilo - Jack murmurou ao ver Sean retornar. - Talvez eu tenha visto aquilo. Droga, o que acabei de ver? E por que odeio tanto esse homem?
- É um assassino - Sean observou.
- Tem algo mais...
- Bem, parceiro, chegou bem na hora. O que o trouxe aqui?
- Tenho algumas informações interessantes para você. Achei os dados históricos de Aaron Carter.
Maggie tentou telefonar para Sean o dia inteiro, mas só lhe diziam que ele não estava na delegacia, que estava ocupado ou que a veria mais tarde. Estava aterrorizada.
Se pelo menos ele acreditasse no que dizia, teria uma chance de se defender. Encontrava-se sentada no escritório, desolada, quando sentiu alguém tocá-la nos cabelos.
- Dia ruim? Eu a preveni contra os mortais. Claro, você sabe que pode salvar o seu amado Canady.
Ela ergueu os olhos para Lucian e percebeu que ele não caçoava dela.
- Aaron é um monstro! Por que não podemos matá-lo?
- Todos somos monstros. Lembra-se? Como podemos condená-lo por ser um predador, quando todos nós somos predadores?
- Não somos como ele.
- Maggie, minha doce Magdalena! Não lembra os tempos em que não existiam bancos de sangue? Lembra-se da agonia da fome quando ela chegava com força? Você matou,
mesmo que não queira recordar.
- Sim, mas homens vão à guerra, as pessoas matam, tem o ódio, a paixão... mas não existe nos homens nem nas bestas crueldade como a que há em Aaron! Lucian,
por favor...
- Sabe que eu não posso matar Aaron. Nem você pode. Mas...
- Mas o quê?
- Isso não significa que ele não possa ser destruído. Todas as criaturas têm um ponto fraco. Sabemos que podemos ser mortos. Uma estaca enfiada no coração,
a cabeça cortada. Aaron não é minha criação, e pouco sei sobre ele. Mas pense, Maggie, você tem voltado aqui, porque é seu lar. Quando viaja para a Europa, leva
terra daqui. Creio que Aaron também tenha nascido aqui. Ele se sente bem neste lugar, anda livremente nesta área. E você o conheceu em Nova Orleans. E, apesar de
ser uma bobagem acreditar que derretemos sob a luz do sol, ele precisa descansar em algum lugar. Todos nós precisamos. Se ele for encontrado enquanto estiver dormindo...
Maggie sentiu o coração disparar. Era isso. Precisava pesquisar sobre Aaron Carter. Fechou os olhos. Sim, ele alegara ser um parente distante dos Wynn. Eles
o tinham recebido bem, e tinham aceitado que ele cortejasse Lilly. E então a garota morrera... e renascera transformada. Não ouvira nada sobre ela desde que o coronel
enlouquecera e passara a matar os soldados.
- Lucian...
- Você não deve matá-lo. Lembre-se disso.
- Lucian, eu vou livrar o mundo de Aaron, de um jeito ou de outro. E se precisar me condenar pelo meu ato, Lucian, que assim seja.
- Maggie, Maggie... não deve ser um mártir para o mundo.
Ela raramente via Lucian assim tão terno. Apaixonado, sim. Arrogante, também. Nunca terno. Ele a abraçou e deu-lhe um beijo na testa.
- Isso eu faço por você - ele disse suavemente. E então se foi.

Depois que Pierre foi levado ao hospital, Sean retornou à delegacia. Entrou em sua sala e bateu a porta. Tomou um gole do café que fora deixado para ele e
passou a mão pelo cabelo. Quando se virou, viu Lucian DeVeau sentado em uma das cadeiras diante de sua mesa. Ele surgira do nada.
- Boa noite - Lucian cumprimentou.
- Você me assustou!
- Desculpe.
- Estou feliz em ver você. Estávamos à sua procura, sabia?
- Ela já lhe contou?
- Contou o quê?
- O que ela é.
- Não sei do que está falando.
- Está mentindo. Mas tudo bem. Nós raramente revelamos a verdade. As pessoas não lidam muito bem com a informação.
- Fica surpreso com isso?
- Se não estiver querendo a minha ajuda... - Lucian começou a se levantar.
- Ao contrário. Estou ansioso para ouvir o que tem a me dizer. Sente-se, por favor.
Um leve sorriso surgiu nos lábios de Lucian.
- Não vou falar sobre o passado, pois não importa.
- Porque acabou?
- Sim. E o que acontece agora é muito mais interessante. Creio que você realmente ama Maggie. E ela o ama.
- E você, ainda está apaixonado por ela?
- Acho que tanto quanto sou capaz, mas isso não é importante. Estou aqui como amigo.
- Vocês não têm dormido juntos?
- Não dormimos juntos há anos.
- Quantos?
- Décadas, rapaz.
- Sabe, não acredito em nada disso - Sean resmungou.
- Não acredita? Acho que acredita, sim, mas vou dar-lhe uma ajuda. - Ele observou as marcas roxas no rosto de Sean. - Vejo que não está em uma forma tão boa
no momento, tenente. Outro encontro com Aaron? O que posso dizer para que acredite? Vejamos. Ah, sim! Posso apostar que a polícia achou partes de um corpo recentemente.
De um tal Rutger Leon.
Sean ficou alerta. A notícia não chegara aos jornais.
- O que sabe sobre essa morte?
- Eu cortei o homem em pedaços.
- Você?
- Estava com fome. Tenho certeza de que Maggie o informou que nós estamos tentando formar uma sociedade mais refinada, recorrendo constantemente à Cruz Vermelha
para o nosso suprimento de sangue. Mas quando Rutger foi ao hospital torturar a garota, eu decidi que não permitiria.
Sean concluiu que devia estar perdendo a razão.
- E por que está aqui agora?
- Para que você possa salvar a vida de Maggie.
- O que quer dizer com isso?
- Ela vai tentar matar Aaron. Vai procurar pegá-lo desprevenido. Ela não pode fazer isso. Primeiro, porque ele é forte demais e conseguirá matá-la. Maggie
já o feriu antes, mas não percebeu que ele se tornou mais poderoso. E se, por acaso, ela conseguir superá-lo, será condenada à morte. Nossa lei diz que não podemos
tirar a vida de um dos nossos. Não importa o que eu pense de Aaron, nem que eu goste de Maggie; se ela o matar e eu não ordenar a morte dela, haverá rebelião e caos
entre nós.
- Por que está me dizendo isso?
- Obviamente, você, um mortal, vai ter de matá-lo.
- Como?
Lucian sorriu.
- Boa resposta. Não disse "Não seja ridículo. Sou um oficial da lei e não posso matar o homem". Descubra onde Aaron está antes que Maggie o faça. E leve uma
espada.
- Não posso ficar andando por aí com uma espada.
- Então arranje uma faca bem grande. Quando tiver a chance, corte a cabeça dele.
- Se nem sei como encontrar o desgraçado, como é que vou cortar a cabeça dele?
- Ah... agora tenho a sua atenção. Se quiser que isto acabe, precisa descobrir como matá-lo. E como vai conseguir fazer isso, bem, nem eu sei. Mas acredito
que ele seja desta região.
- Não tem certeza?
- Ora, não sei de tudo. Como eu disse, Aaron ficou mais forte. Ele quer ser como eu. Mas quer vingar-se de Maggie mais do que tudo, e assim irá procurá-la
primeiro. Eles se conheceram aqui. Em algum momento, ele vai dormir. Todos os vampiros têm de descansar. Ele não precisa dormir necessariamente durante o dia. Ainda
assim, nesse período, não temos a força que temos à noite. Encontre Aaron durante o dia, quando estiver descansando. Não fique dando tiros para o alto, tenente.
Ache-o e mate-o. Enfie uma estaca no coração dele e corte-lhe a cabeça.
- Se eu sugerir uma ação dessas na reunião com meus homens...
- Ninguém vai ajudá-lo nessa missão, Canady. Se preferir, pode se recusar a acreditar nisso tudo. Mas, se ama Maggie, é melhor matar Aaron.
A linha privada de Sean começou a piscar.
- Seu telefone - Lucian disse.
- Certo. Com licença. - Sean pegou o aparelho. Era Jack na linha.
- Estou a caminho agora. Sabe de uma coisa, Sean? Ninguém viu aquele sujeito entrar no necrotério. Ninguém. E ele simplesmente desapareceu. O que acha disso?
- Acho que é uma grande loucura. Venha para cá tão logo puder.
Ele desligou o aparelho e se voltou para terminar a conversa com Lucian.
Mas ele sumira no ar.
Quinze minutos mais tarde, Jack entrou na sala de Sean carregando seu notebook.
- Tudo bem? - Sean perguntou.
- Oh, sim. Um sujeito desaparece da minha frente e as balas não o matam, mas estou bem. E você?
- Estou interessado em saber o que descobriu sobre Aaron Carter.
- Bem, tem a história de um sujeito com esse nome. - Jack mostrou as fotos que imprimira. - Os Carter tinham uma plantação acima do rio. A primeira geração
foi bem. O primeiro Carter, Grayson, era um homem popular e magnânimo. Morreu em 1747, e o lugar passou para seu filho, Aaron, que tinha dezesseis anos. Ele herdou
a propriedade, apesar de haver um irmão mais velho, Steven, que era deficiente. Quando Aaron se afastava a negócios, Steven ficava na casa. Gritos eram ouvidos durante
a noite, viajantes desapareciam, coisas assim. Um dia, a jovem e linda filha de um empregado negro de uma plantação vizinha desapareceu, e um grupo entrou na casa
de Carter. Adivinha o que encontraram?
- Não sei. Aaron Carter dormindo em uma cripta?
- Não. Aaron Carter era humano. Eles nem o encontraram na casa. Mas acharam escravos e criados mortos, com os corpos mutilados. Em uma sala que era sempre
mantida escura, as pessoas encontraram um grupo de mulheres apavoradas. Era um harém de negras, asiáticas, brancas, inglesas, francesas, espanholas. Ele as raptava
e se divertia com elas até se cansar. Havia quartos em uma das alas da casa, supostamente os domínios de Steven, onde dúzias de assassinatos foram cometidos.
- E o que aconteceu?
- Naturalmente, Steven foi acusado. Ele recebeu tiros, foi enforcado e puseram fogo na casa. Não sobrou quase nada dali. Aaron Carter, supostamente voltando
do exterior, chorou pelas pessoas mortas e pelo irmão. Doou dinheiro às famílias, e mandou construir uma grande capela nas ruínas da propriedade. Ele disse que voltaria
para a Europa porque queria se afastar do horror pelo qual se sentia responsável.
- Fim da história?
- Não. Há dois finais. O racional diz que ele foi para a Europa e, quando voltou com uma esposa, um filho pequeno e uma filha, foi assassinado pela mãe da
última garota que desaparecera na antiga propriedade. Porém, alguns dizem que a mãe da menina era ligada ao vodu e a todos os tipos de magia negra. Parece que ela
podia invocar o diabo e fazer pessoas desaparecer. A história conta que ela acreditava que Aaron seduzira a filha dela; então, ela fez uma linda mulher seduzi-lo
e tirar sua vida. Seja qual for a história verdadeira, ele desapareceu, mas supostamente seu bisneto retornou durante a Guerra Civil e quase se casou com uma jovem
da família Wynn. Ela era uma prima distante, já que a sra. Wynn descendia do bebê que Aaron Carter trouxera para os Estados Unidos. Ela se casara com um homem de
sobrenome Dixon, e tinha reconstruído a casa. Os Dixon, no entanto, morreram na virada do século.
Sean olhou para Jack, com uma estranha sensação. Lembrava-se de uma área ao norte de Oakville, que sempre lhe parecera abandonada. Era cercada para evitar
invasões de turistas, curiosos e cultistas que queriam celebrar suas cerimônias durante a lua cheia.
- No que está pensando? - Jack perguntou.
- Que vamos parecer ridículos quando amanhã cedo sairmos em direção à propriedade dos Carter e dos Dixon munidos de estacas e de água-benta. O que você acha
disso?
- Acho que hoje vi um homem que parecia a maldade em figura de gente, e que de repente desapareceu. Sabe de uma coisa? Vamos procurá-lo durante o dia. Ao amanhecer.
Não caçaremos esse sujeito na escuridão. Vamos procurar as ruínas e a capela. E sairemos dali antes do cair da noite. Não acredito nisso, claro. Nem acredito que
esteja falando isso. Mas vou para casa e farei estacas com meus tacos de beisebol.
- Serve cabo de vassoura afiado na ponta. Jack hesitou.
- A madeira de freixo é boa. E, lembre-se, a capela deve estar em ruínas... - Jack interrompeu-se, olhando para a porta da sala.
Sean se virou. Era Maggie. Parecia pálida, mas sorria.
- A capela não está em ruínas.
- Como sabe? - Sean perguntou.
- Tentei encontrar Aaron Carter - ela disse. - Fui ao fórum e passei algum tempo consultado documentos públicos. Um cheque era enviado de Paris por A. D. Carter
duas vezes por ano para manter a velha capela na propriedade Carter-Dixon. - Olhou para Sean. - Eu vou com vocês
- Não! - Jack e Sean falaram ao mesmo tempo.
- Jack, você não entende, eu posso ajudar...
- Maggie, vamos conversar sobre isso amanhã - disse Sean.
- Vamos falar do que aconteceu hoje? Seus policiais são cuidadosos com o que dizem à imprensa, mas usaram a palavra "desapareceu". O que aconteceu no necrotério?
Os noticiários estão dizendo que você e Pierre foram atacados por um homem vestido com um uniforme de médico. Você e Jack atiraram, e ele desapareceu. É isso o que
está nos noticiários, Sean.
- O sujeito fugiu, Maggie.
- O sujeito era Aaron! - ela disparou, irritada. - O assassino. - Voltou-se para Jack. - E você sabe que ele simplesmente desapareceu no ar.
- Não foi bem no ar - ele disse na defensiva. Quando Maggie continuou com o olhar fixo nele, Jack engoliu em seco. - Maggie, as pessoas não desaparecem.
- Ele desapareceu, Jack.
- Como sabe, Maggie? Você nem estava lá.
- Ele é um vampiro, Jack. Você pode duvidar disso, mas é a verdade.
- E você o conhece?
- Conheço.
- Então as gotas de sangue daquele bandido na Bourbon Street, que paravam em sua porta...
- Foram feitas por Aaron de propósito. Para me incriminar.
- Por quê?
- Sou uma vampira.
Sean grunhiu, e Jack balançou a cabeça, incrédulo.
- Maggie, você está usando uma linda cruz de ouro no pescoço, você vai...
- À igreja. Eu vou, mas Aaron não vai. Você pode machucá-lo de várias formas. Ele vai ser duro de matar, mas algumas vezes, um pouco de tudo ajuda. Ele não
vai evaporar com água-benta, mas isso pode torná-lo mais lento. O alho pode ajudar...
- Alho. Talvez devêssemos jantar uma refeição bem italiana - Jack murmurou.
- Sim, deveríamos fazer isso. Vamos para a minha casa, e eu cozinho.
- Comida com alho? - Jack perguntou. - Pode comer isso?
- Vou apenas cozinhar. Ficaremos na minha casa esta noite. E eu irei com vocês amanhã cedinho.
- Não, Maggie - Sean disse.
- Vou, sim. E ficaremos juntos a partir de agora. Aaron quer matar você, Sean. E ele vai matar Jack também, com o maior prazer do mundo.
- Eu atirei nele. Sean atirou também. Ele não pode estar em bom estado.
- Se ele correu, estava machucado. Mas se desapareceu, não estava muito ferido. Ele vai voltar.
Sean se aproximou de Maggie e tomou-lhe as mãos nas suas.
- Está bem, Maggie, vamos ao seu jantar italiano. Comeremos tudo com alho. Mas preciso terminar algumas coisas antes, e Jack precisa fazer compras. Dê-nos
uma hora ou um pouco mais.
- Mas vocês irão à minha casa?
- Juro que sim.
Maggie olhou firme para Sean antes de se virar e sair da sala.
Jack voltou-se para o colega.
- Sean, o que Maggie disse é verdade?
- É o que ela diz.
- Está bem. Então o que vamos fazer?
- Você vai sair em busca de munição: Vassouras, água-benta, cruzes bentas. Fósforos ou isqueiros. Ou ambos.
- Nós seríamos afastados por isso, sabia?
- Não vai haver uma reunião da força-tarefa a esse respeito, Jack.
- É, eu imaginava. E enquanto eu estiver comprando vassouras para transformá-las em estacas, o que você vai fazer?
- Vou a uma farmácia.
Jack olhou o parceiro, confuso.
- Pílulas para dormir. Maggie não pode ir conosco.
Pouco depois, Sean se dirigia à propriedade Montgomery, pensando que a noite parecia mais escura que o usual. Não havia estrelas. A lua cheia começara a desaparecer
por entre nuvens escuras.
Quando chegou à casa de Maggie, ela mesma abriu a porta. Beijou-o rapidamente, com os olhos brilhantes.
- Você acredita? Ele a abraçou.
- Vou caçar um vampiro ao amanhecer.
Ela sorriu e voltou para a cozinha, sendo seguida por ele. Havia água fervendo no fogão, e molho cheirando a alho. Alguma coisa borbulhava em uma panela. Sean
a cheirou e franziu o nariz.
- Maggie, temos de comer isso?
- Não. Isso é uma loção para a pele. Você e Jack vão ter de esfregar no corpo, especialmente no pescoço, peito e pulsos; todo lugar onde Aaron possa enfiar
os dentes com mais facilidade.
- Oh... - ele murmurou. - Onde está Peggy?
- Eu a mandei ver a irmã em Atlanta.
- Por quê?
Maggie hesitou. Nesse momento, tocaram a campainha.
- Deve ser Jack - ela disse.
Sean foi abrir a porta. Jack entrou, carregando duas sacolas.
- Arranjou tudo?
- Tudo. Tive de prometer ir à missa todos os domingos pelo próximo ano inteiro, já que não consegui explicar por que precisava de água-benta.
- Fará bem à sua alma. Vamos para a cozinha. O jantar está quase pronto.
Jack seguiu o parceiro.
- Olá, Maggie.
- Olá, Jack.
- Maggie estava para me contar por que mandou Peggy para a casa da irmã.
- Bem, eu espero que vocês tenham mesmo ferido Aaron porque ele me telefonou e me ameaçou. Quer matar você e me torturar pelo próximo século. E ele disse que
estava seguindo a ordem dos assassinatos de Jack, o Estripador. Descontando Anthony Beale...
- Até agora, duas prostitutas - Jack disse.
- Mas se ele vai seguir os números do Estripador... - Sean murmurou. - Haverá um duplo assassinato. Jesus, deveríamos estar caçando esse louco hoje à noite.
- Não à noite! - Jack protestou. - Ele é mais forte à noite.
Sean olhou surpreso para o parceiro. Ele estava mesmo acreditando em tudo aquilo?
- Vamos amanhã ver se o encontramos lambendo as feridas - Maggie disse. - Vocês têm certeza de que acertaram muitos tiros nele?
- Sim - os dois responderam ao mesmo tempo.
- Certo. Vamos comer. Não sou má cozinheira. Sentem-se. O jantar estará pronto assim que eu escorrer a massa.
Momentos depois, ela colocava sobre a mesa macarrão com molho vermelho, acompanhado de pão de alho. A salada deles também estava repleta de alho. Maggie serviu-lhes
vinho tinto.
Quando ela foi até a geladeira buscar o queijo, Sean pensou em colocar as pílulas para dormir em sua taça. Porém, hesitou. Deixaria isso para mais tarde. Não
queria admitir, mas estava com medo. Não tanto de morrer. Afinal, era um policial, e se acostumara a esse tipo de temor. Tinha medo de ficar sem ela de novo.
Quando ela retornou, quis saber o que exatamente acontecera no necrotério. Ambos explicaram, e Jack terminou com uma pergunta.
- Ele simplesmente desapareceu, Maggie?
- Sim, ele pode mudar de forma. Não é fácil. É o poder da mente sobre a matéria, e requer muita energia.
Por fim, terminaram a refeição. Apesar de carregada de alho, a comida estava deliciosa.
- Maggie, vamos beber mais um pouco de vinho? - Sean pediu.
- Claro.
Quando ela se virou para pegar a garrafa, Sean colocou as pílulas na taça. Ela os serviu, e Jack fez um brinde.
- À nossa destemida caça ao vampiro!
- Devemos ter medo e cuidado - Maggie disse, erguendo a taça.
- Muito cuidado - Sean reforçou. Eles beberam. Então Sean se levantou, estendendo a mão para Maggie.
- Preciso dormir um pouco.
- Eu ficarei para arrumar...
- Não, Maggie, pode ir. Eu vou tirar os pratos da mesa e transformar vassouras em estacas - Jack disse.- Não acredito que estou dizendo isso... que você é
uma vampira, e que estou dormindo na sua casa... Boa noite, Maggie. Boa noite, Sean.
Sean subiu as escadas com Maggie. Parou perto do retrato, com uma estranha sensação.
- Você é vampira - ele murmurou. - E acha que sou a reencarnação de um parente distante.
Maggie acariciou-o no rosto.
- Sei que sou uma vampira. E simplesmente acredito que amo você há mais de uma vida.
Ele a pegou nos braços, levou-a até o quarto e deitou-a na cama. Ficou olhando para Maggie, acariciando sua pele. Vampira. Criatura da noite. Monstro. Deveria
ser horrível, mas era linda.
- Faça amor comigo... - ela pediu suavemente.
- Ah, meu amor, o alho...
- Apenas não respire em mim. - Maggie tomou a iniciativa e deslizou os lábios pela pele de Sean.
Uma sensação de calor o envolveu, e ele se viu desesperado para se deitar com ela, para estar com ela. Para sempre. Começou a acariciar cada pedacinho daquele
corpo sedutor.
Despiram-se, e logo se abraçavam e se amavam com paixão, explodindo em um clímax intenso.
- Eu te amo, Sean - ela disse, e seus olhos se fecharam.
- Eu também te amo, Maggie.
Ela não o ouviu. As pílulas para dormir faziam efeito. Sean a envolveu nos braços. Beijou-a suavemente, sentindo o sabor do vinho nos lábios macios. E se ela
tivesse uma estaca enfiada no peito, morta como um "monstro" deveria ser? O que aconteceria com aquele rosto perfeito? Ela se transformaria em cinzas, e sumiria
no vento? Nunca saberia, pois morreria mil vezes antes de deixar que alguém fizesse mal a ela. Sendo verdade ou não, ele a amava.
No entanto, se fosse verdade, o que poderiam fazer? Viver e amar durante o curto tempo de vida que ele teria? Ela o esperaria, para quando ele retornasse como
outro homem, em outro século? E se ele se transformasse em vampiro? Eles ficariam ali, desapareceriam por alguns anos, voltariam um quarto de século depois, e viveriam
de novo e de novo?
Não, ele não acreditava nisso, não podia acreditar.
Deitou a cabeça no travesseiro ao lado de Maggie e a apertou contra seu corpo. No dia seguinte, ele iria caçar um vampiro com uma sacola cheia de água-benta
e estacas.
Ele tinha de acreditar...
Ao raiar do dia, Jack chamou Sean. Ele se levantou, beijou Maggie na testa e cobriu-a bem. Saiu dali, feliz ao ver que ela continuava profundamente adormecida.
Mesmo parecendo uma loucura, Jack e ele passaram pelo corpo todo o creme que Maggie preparara à base de alho. Juntos, colocaram as estacas, o cutelo, água-benta,
facas afiadas, fósforos, isqueiros, lanternas e até spray de cabelo para iniciar um bom fogo, caso fosse necessário.
Encontrar a propriedade não foi difícil; achar uma trilha pela folhagem alta até as ruínas foi outra coisa. Uma vez que conseguiram chegar ao centro da propriedade,
desceram do carro e olharam ao redor. Em várias alas, a casa estava sem telhado. O mato praticamente tomara conta de tudo.
De repente, o céu começou a escurecer. Jack olhou para Sean, apreensivo.
- Não acredito que o dia vai ser assim. Parece que teremos uma tempestade.
- Vamos entrar logo.
Entraram na casa, cada um com a arma pronta para atirar, estacas e facas presas aos cintos, mochilas penduradas nos ombros.
- Estava pensando qual arma usaria primeiro. Nunca imaginei que fosse uma lanterna - Jack resmungou.
Sean entrou à frente do colega. Diante dele, estava o que restara de uma elegante escadaria. Ainda havia um enorme retrato pendurado na parede junto à escada,
como na casa de Maggie.
- Jesus! - Jack murmurou, e Sean percebeu que o colega fazia o sinal da cruz. - É ele!
- Sim, nosso assassino. Examine o andar de baixo que eu fico com a área dos quartos.
Sean ouviu Jack se movendo no andar térreo. Foi subindo os degraus com cuidado, evitando as partes que o fogo consumira. Seus movimentos pareciam ecoar na
área inteira. Chegou ao topo da escada. Moveu-se bem devagar, para evitar cair nos buracos do assoalho. No corredor, havia três portas, mas nenhum teto sobre os
quartos. Abriu todas, mas nada encontrou.
Seguiu adiante, e deparou com outra série de portas. Nesses aposentos, havia teto. O primeiro quarto estava muito escuro. Sean levantou a lanterna, e quase
gritou quando centenas de morcegos pareceram criar vida.
- Sean! - Jack chamou lá de baixo.
- Está tudo bem. Apenas morcegos.
- Apenas morcegos! - Jack resmungou. - Oh, claro, estávamos procurando por um vampiro enorme, que pode estar acordado durante o dia e encontramos apenas morcegos!
- Continue procurando.
Sean recomeçou a caminhar com cuidado pelo corredor. Parou quando ouviu um ruído em um dos quartos. Devagar, abriu a porta, e alguma coisa pulou sobre ele.
Deveria ter atirado, pensou, mas por alguma razão não o fizera. Instinto?
Uma mulher aterrorizada o atacava. Soluçava, tentando pegar sua arma. Ouviram-se passos no corredor. Jack se aproximou, lançando mais luz no aposento.
A mulher estava tentando mordê-lo e chutá-lo para se libertar.
- Ei, está tudo bem - ele disse. Quando a lanterna de Jack iluminou o rosto dela, Sean resmungou: - Droga! - Era Jeanne Montaine, a amiga de Bessie Giroue,
que havia ficado com Isaac, o filho dela. - Jeanne, sou eu, Sean Canady. O policial, Jeanne. Está tudo bem.
- Não, não está! - ela berrou, ainda tentando atacá-lo. - Vocês podem ser policiais, mas isso não importa, não entendem? Ele vai matar vocês dois. Ele disse
que me mataria se eu não o protegesse. E o menino está aqui, ele gosta realmente de sangue novo. Vai matar o pobrezinho, depois nem sei o que vai fazer comigo. Oh,
Deus, tenho de matar vocês...
- Não, Jeanne. Vamos proteger você e o menino...
- Oh, Deus, você não entende!
- Quem é essa mulher? - Jack perguntou, tentando segurá-la.
- A amiga de Bessie Giroue, a que ficou com o menininho. Jeanne, onde ele está?
Jeanne não respondeu. Sean ouviu outro som estranho, vindo do outro lado da cama.
- É a criança - ele disse a Jack. - Venha, garoto. Saia daí.
A cabeça do menino apareceu.
- Venha - Jack o encorajou.
Subitamente, Isaac saiu de trás da cama e atacou Jack, grunhindo e mordendo. Sean empurrou Jeanne e segurou o menino até que ele se acalmasse.
- Ele disse que tomou apenas um pouco de sangue - Jeanne disse. - Tomará tudo da próxima vez. Nós dois vamos viver apenas enquanto o servimos.
Deus, Aaron maculara o garoto. O menino poderia ser salvo? Se não pudesse, Sean teria coragem de enfiar uma estaca no coração de uma criança?
Novamente se ouviu um barulho. Os dois policiais ficaram em total alerta.
- Mãe de Deus! - Jack exclamou.
Sean respirou, aliviado. Era Pierre LePont, o médico legista, que segurava um enorme crucifixo de prata.
- Droga, Pierre, você vai nos cegar com essa coisa brilhante - Sean reclamou.
- Bem, estamos caçando vampiros, certo?
- Talvez - Jack disse na defensiva. Pierre olhou o jovem policial.
- Acha que não sei diferenciar um homem morto de um semimorto, quando vejo um? - ele perguntou.
Sean não ia argumentar com o legista, nem lhe perguntar como descobrira que estariam ali. As coisas pareciam inexplicáveis nos últimos tempos.
- Vamos examinar esses quartos - disse Sean. - Ele pode estar acordado. Você pode feri-lo com água-benta, Pierre. A cruz pode ou não funcionar. Tem alho com
você?
Pierre puxou um colar de dentes de alho para fora da camisa.
Verificaram todos juntos os quartos restantes, antes de decidirem descer para procurar a cripta da família. Um trovão ressoou.
- Temos de nos apressar - Jack disse, seguindo atrás de Pierre. Atrás dele, vinham Jeanne e o garotinho, que ainda estava bem agitado.
Ao voltarem ao andar térreo, Sean se voltou para Jeanne.
- Sabe onde ele está?
Ela sacudiu a cabeça em negativa.
- E agora? - Jack perguntou.
- Temos de achar a porta da cripta - afirmou Sean.
Foram caminhando entre as ruínas. Entraram no que devia ter sido um salão de festas. Acabaram chegando à sala de jantar, na cozinha e, finalmente, nas portas
duplas que levavam a uma varanda.
Sean abriu as portas. Era meio-dia, e deveria haver mais claridade. Nuvens escuras cobriam o céu, e tudo parecia cinza. Era um clima que combinava com o cemitério
da família, que jazia diante deles.
Anjos estavam em cima de pedestais, as asas destruídas pela ação do tempo. Madonas rezavam sobre os túmulos cobertos de ervas; havia carvalhos enormes por
toda a parte. O grupo passou pelo cemitério. Pierre e Jeanne começaram a rezar. Jack tropeçou e quase caiu sobre um anjo quebrado. O vento começou a ficar mais forte.
Eles ouviram um estranho barulho e compreenderam que deveria ser o ar, que ressoava contra os túmulos.
Por fim, pararam junto à cripta. Portas duplas protegiam a construção. Um relâmpago cortou o céu. Sean empurrou as portas e iluminou o interior da tumba com
sua lanterna. Havia ali oito caixões, todos em prateleiras abertas, quatro de cada lado da porta.
- Vamos? - Sean murmurou.
Jack começou a pegar uma estaca, mas Pierre o deteve.
- Jack, fique com a mulher e a criança, por favor. Estou mais familiarizado com cadáveres.
Jack olhou para Sean, que acenou concordando. Ele próprio se muniu de uma estaca e seguiu em direção ao primeiro caixão.
O sujeito já tinha virado pó.
Sean ouvia Pierre atrás dele, a respiração de Jack, as fortes batidas de seus corações.
O segundo homem possuía ainda parte da carne sobre os ossos. A roupa era elegante, talvez do século dezoito. O terceiro fora decapitado. E havia uma estaca
enfiada onde estivera o coração dele.
Ao abrir o quarto caixão, Sean deu um passo para trás, surpreso. Havia uma jovem lá dentro. Ele a vira em algum lugar. Não a conhecia, mas... Sim, ele a tinha
visto lendo taro na Jackson Square, quando fora conversar com Marie Lescarte.
- Tenente, graças a Deus! - ela disse, levantando os braços. - Ajude-me...
- Meu Deus - ele murmurou. Outra mulher que Aaron fizera prisioneira. Precisava tirá-la dali.
- Não, Sean! - Pierre alertou.
E então ela se ergueu enfurecida, os caninos visíveis e prontos para morder. Sean conseguiu empurrá-la de volta para o caixão.
- Não me machuque - ela murmurou. - Eu não mato...
- Quase mordeu meu pescoço - Sean disse.
- Ele quer você morto. Eu mataria você com alegria! - ela sibilou subitamente, atacando-o.
Sean rangeu os dentes. Isso seria assassinato? Ele estaria matando alguém que já estava morto?
Jack aproximou-se com uma estaca, posicionando-a contra o coração da mulher, e enterrou-a bem fundo. A jovem soltou um grito horrível. Pareceu se quebrar inteira,
os ossos estalando. Logo não havia muita pele sobre seus ossos.
Todos acompanharam a cena, sem conseguir desviar os olhos.
Até que ouviram o som de palmas e se voltaram imediatamente.
Aaron Carter emergiu do último caixão, do outro lado da cripta. Estava sorrindo.
- Os valentes caçadores de vampiros acabaram de matar uma debutante. Bravo!
- A moça do taro? Quantos corpos devemos creditar a ela? - Sean perguntou.
- Oh, ela não estava aqui há muito tempo. Ela livra as ruas dos mendigos e fugitivos. Ah, mas você a viu antes, não? Anos atrás, ela era uma das coisinhas
mais doces que se poderia imaginar...
- Vejo que está com o coração partido - Sean disse.
- Ela me protegia, me adorava. Serviu-me bem. Ela é outro débito que você vai ter de pagar. Ela nunca compreendeu a respeito de Maggie... mas você entende
agora, não é, tenente?
- Sim, eu entendo.
- Mas esta noite morrerá, e Maggie será minha.
- Não pretendo morrer.
- Acho que vou me livrar primeiro do velho - ele disse, referindo-se a Pierre. - Depois, do jovem. O emotivo Jack Delaney, seu lacaio irlandês. Acho que já
vi o garoto antes, e ele já me viu, mas é um tolo toda vez...
- Maldito! - Jack respondeu, fitando-o com ódio.
- Cuidado, Jack - Sean o alertou. - Ele quer que você se descontrole.
Jack observava Aaron como se estivesse olhando para a face da pura maldade.
- Desta vez, você morre. Estamos preparados, seu desgraçado...
- Você é um tolo! Preparados! Não sabem de nada.
Como Jack já acabara com a vampira, estava se sentindo confiante. Levantou a estaca, atirando-se contra Aaron com um grito de raiva.
- Não, vamos atacá-lo juntos - Sean berrou.
Jack nem chegou a atingir Aaron. O vampiro o agarrou pelo braço, lançando-o no ar. Ele bateu na parede de pedra e caiu no chão.
Sean puxou o revólver e começou a atirar, sabendo que retardaria a ação do vampiro. Ao ver Aaron se voltar, vindo em sua direção, largou a arma, levantando
a estaca. Os dois lutaram. Sean viu Pierre se aproximando de Aaron por trás, mas o monstro também o viu. Ele se virou e atingiu Pierre com tanta força que o legista
também foi lançado para longe.
Agora Aaron focava a atenção em Sean. Apenas a estaca os separava, mas essa ponte significava a vida ou a morte.
Rindo, Aaron usou sua força superior, e lentamente pressionou a estaca para baixo. Abriu a boca, e seus caninos surgiram. Ainda tendo de afastar a estaca,
ele avançava devagar, mas estava quase alcançando o pescoço de Sean. Começou a rir, e o som era horrível.
Então a risada parou, e Aaron Carter se deteve. Sean sentiu que o vampiro estava enfraquecendo. Era o alho. Usou a vantagem, avançando com a estaca.
Aaron cambaleou e tossiu, enfurecido. Respirou fundo e encarou Sean.
- Você vai pagar por isso, assim como ela!
Ele virou-se e saiu correndo de lá. Sean o seguiu para fora. A chuva começava.
- Carter! - ele gritou.
Mas o vampiro sumira. Ou foi isso o que ele achou. O vento o açoitava.
- Você vai morrer, Canady! - Ele escutou. Era uma voz? O assobio do vento?
Sean foi empurrado com força contra a pedra da tumba e bateu a cabeça. Sentiu uma dor intensa por alguns instantes, e depois tudo escureceu à sua frente.

O telefone tocava. Maggie ouviu o som como se viesse de muito longe. Estava tão cansada! Por fim, conseguiu pegar o aparelho.
- Alô.
- Maggie, minha querida.
Ela despertou de imediato ao ouvir a voz de Aaron. Sentou-se na cama e olhou para o relógio. Era dia. Sean saíra. O pânico tomou conta dela.
- Aaron...
- Maggie, meu amor, sim, sou eu.
- Onde está Sean?
- Seu amante?
- Fale comigo. Pare de zombar de mim, ou desligarei o telefone.
- Se fizer isso, outro Canady morre.
- Você tem um Canady com você, Aaron?
- Huum, talvez.
- Você está com Sean?
- Tenho um Canady.
- Qual Canady? - Maggie tremia. Não sabia onde Sean estava. E Aaron parecia bastante forte p vingativo. - Onde você está?
- Bem, estava descansando tranqüilamente na minha casa até que fui perturbado pelos seus amigos.
- O que aconteceu?
- Com seus amigos? Ora, nada ainda. Eles destruíram a minha linda criação, Lilly Wynn. Mas ela sempre foi uma substituta sua.
- Ela era uma de suas descendentes, seu idiota. Onde está Sean?
- Oh, imagino que correndo de volta para você. Mas isso não vai adiantar muito porque você virá ao meu encontro agora.
- E como vai me forçar a isso?
- Bem, eu estou em Oakville, a propriedade dos Canady. A caminho daqui, parei na sua empresa para pegar duas de suas amigas, Angie e Cissy. E acabei de deixar
desacordado um velho. Daniel, esse é o nome, certo? Se não chegar aqui sozinha, em meia hora, vou começar com as garotas. Minha melhor imitação dos meus dias como
Jack, o Estripador. Depois, vou furar a artéria do velho e secá-lo antes de deixar um pedaço dele em cada quarto para o filho encontrar. Ah, logo mato Sean também.
Quem sabe se a irmã dele não aparece também, trazendo os filhos. Ela pode vir a ser a última das vítimas no estilo Jack, o Estripador. Pode ser Mary Kelly.
Maggie estava horrorizada. Tentou afastar o torpor. Maldito Sean. Ele lhe dera alguma coisa para forçá-la a dormir. Precisava se livrar dos efeitos. E tinha
de chegar até Aaron. Engoliu em seco.
- Aaron, eu vou matar você.
- Não, meu amor. Desta vez, vai fazer o que eu quero. Tem trinta minutos.
O telefone ficou mudo.
Mamie estava desesperada.
Sentia-se em segurança e se divertira ao estar contando com a proteção da polícia, em vez de ser perseguida por eles. A cada oito horas, a equipe mudava, e
um novo bonitão vinha ver se ela estava bem.
Mas então uma conhecida, Libby Warren, dona de uma casa de garotas de programa, desaparecera. E seu barman a vira pela última vez conversando com um sujeito
bonito, elegante e de pele clara.
Ela tentara falar com Sean Canady em todos os números que ele lhe dera, mas não conseguira. Ligara também para o colega dele, Jack, e nada. Finalmente decidira
que tinha de agir por conta própria. Isso porque realmente acreditava em Maggie. E estava claro que Libby morrera.
Agora ela precisava sair, passando pelo policial. Como?
Decidiu então ligar para Maggie. Ficou surpresa quando ela atendeu. A voz estava tensa, como se ela esperasse outra pessoa.
- Mamie, o que aconteceu?
- Bem, querida, apenas queria que soubesse que acho que Carter matou uma velha madame ligada à minha área. Venho tentando encontrar o tenente Canady.
- Mamie, eu sei onde Aaron Carter está. Estou indo atrás dele agora.
- Mas...
- Diga a Sean que eu o amo, por favor.
- Mas, querida...
- Eu não sei onde Sean está. Deveria ter ido com ele às ruínas da velha propriedade Carter-Dixon. Acredito que ainda esteja vivo. Mas Aaron Carter está com
as minhas amigas e com o pai de Sean como seus prisioneiros... e eu tenho de ir. Fique aí em segurança, junto da polícia.
- Espere! Vai atrás daquele louco sozinha?
- Não diga nada a ninguém! Se fizer isso, alguém mais morre! Não posso perder tempo. Eu atendi o telefone porque achei que poderia ser Aaron de novo. Tenho
de ir.
- Mas preciso ajudar você...
- Então reze por mim.
- Posso mandar a polícia inteira...
- Não! Aaron vai matar alguém se eu não for sozinha.
A linha ficou muda. Mamie ficou parada, olhando o aparelho. Sean estava nas velhas ruínas, mas o assassino não. Precisava encontrar o tenente o mais depressa
possível. Porém, o policial bonitão não a deixaria sair.
- Oficial? - ela chamou suavemente. - O tenente Canady está ao telefone.
O moço caminhou até ela. Quando chegou mais perto, ela o atingiu na cabeça com o aparelho. O belo rapaz caiu no chão sem um gemido.
- Lamento, querido.
Ela saiu do restaurante e conseguiu chegar ao carro de seu garçom. Pegando a estrada, acelerou.
Ele sentiu a chuva no rosto. Estava dormindo, e a cabeça doía... Alguém o estava tocando. Maggie. Não, não era o toque gentil de Maggie. Alguém batia em seu
rosto.
- Querido, você tem de acordar! Tenente Canady, sou eu, Mamie.
Mamie! A tontura sumiu, e ele se sentou, Gemeu por causa da dor na cabeça, mas a mente agora estava alerta.
Eles haviam encontrado Aaron. E o vampiro sumira outra vez. Pierre e Jack estavam no chão. Jeanne, sentada com o menino, soluçava.
- Jack está frio, mas vivo, e o velho legista respira também. Mas você tem de se mexer e conseguir ajuda. Maggie está a caminho de Oakville.
- Oakville!- Ele se levantou tão bruscamente que quase derrubou Mamie.
- Seja esperto agora, tenente.
- Vou ser. Droga! - Ele olhou para os outros, e depois para Mamie. - Tem de assumir aqui. Peço ajuda pelo rádio, e você cuida do menino de Bessie. Ele parece
um cão raivoso.
- Tenente...
- Ele está em Oakville, e Maggie foi atrás dele, sozinha... - Ele pegou uma das sacolas e saiu.
Mamie olhou para o menininho. Uma coisa tão preciosa. O garoto sibilou para ela.
- Não se meta comigo, meu jovem! Eu lhe dou uma boa surra se fizer isso.
O menino pareceu se acalmar imediatamente. Mamie se sentiu melhor. Olhou em volta, para o cemitério escuro. Para os túmulos e caixões abertos.
- Oh, droga! - ela exclamou.
E rezou para que a ajuda chegasse logo.

Parara de chover, mas a escuridão do dia continuava, um alerta de que a chuva voltaria.
As massivas portas da frente de Oakville estavam abertas.
Maggie desceu do carro e subiu correndo os degraus da frente. Sabia que precisaria de toda a sua força.
Um relâmpago cortou o céu, e um trovão soou em seguida.
Ela deu um passo à frente e quase tropeçou em um corpo. O pânico tirou-lhe o ar. Por causa da escuridão, não conseguia ver quem era. Abaixou-se às cegas, rezando
para que não fosse Daniel ou uma de suas amigas.
O corpo estava frio. Ela quase gritou, mas procurou dominar a raiva quando viu que o corpo não pertencia a nenhum dos três. Era uma mulher. Uma estranha. Fora
morta com selvageria. Havia um bilhete preso à sua roupa.
Esta é uma refeição para mim, Maggie, mas deixei o corpo aí para lhe dar as boas-vindas. Como vê, ainda não usei nele a minha arte. Talvez nem o faça, já que
tenho outros corpos aqui dentro que me servirão bem para novas experiências. Você está assustada, não é? Quer saber onde estão as suas lindas amigas? Mal posso esperar
para experimentar o sabor delas.
Maggie sentiu a boca e a garganta secas. Onde estavam eles? Procurou na cozinha, na sala de jantar, na sala de visitas e na biblioteca.
Daniel Canady estava lá, caído sobre sua escrivaninha. Não suportaria ser a responsável pelas mortes dele e de suas amigas. Como poderia olhar outra vez para
Sean, se fosse a culpada pela morte de seu pai? Como viveria se Cissy ou Angie morressem por causa da proximidade com ela?
Por favor, Deus, ela rezou enquanto tocava Daniel. Viu um fio de sangue escorrendo da testa dele, mas a pele estava quente. Buscou o pescoço e encontrou a
pulsação.
Ao ouvir um som, ela se virou. As amigas estavam vivas, presas uma à outra. A cabeça de Cissy estava abaixada, mas Angie a olhava, pedindo ajuda.
- Oh, graças a Deus! - Maggie murmurou. Levantando-se, começou a atravessar a sala para libertar as amigas, a fim de que elas fugissem.
De súbito, o ar da sala ficou gelado.
- Maggie, Megan, Meg... srta. M. Montgomery... O que vai fazer agora, Maggie? Onde eu estou? Consegue me ver? Ah... veio até aqui para lutar comigo? Se vencer,
eles vivem. Se perder, faço o que quiser. E você vai sofrer até desejar estar morta. Maggie... Magdalena!
Ela caminhou pela sala, olhando as sombras, tentando descobrir onde Aaron estava.
- Aaron, isto é entre nós.
- Canady está entre nós. Gostou do presente que eu lhe deixei na entrada?
- Quem era ela?
- Eu não sei. Alguém que, por azar, cruzou meu caminho. Eu lhe disse, fui acordado rudemente pelo tenente Canady. Então eu soube o que tinha de fazer... Corri
até sua empresa e vi suas amigas. Queria acabar logo com elas, mas preferi trazê-las até aqui. Não tinha muito tempo. Precisava que você viesse. Imagino até que
Canady adivinhe onde estou e venha também. Estava tentado a beber uma de suas amigas, mas queria você aqui para o final, é claro. Deve sentir isso na carne. Essa
que está na entrada não sofreu porque morreu no meu abraço, amando cada minuto.
- Eu odeio você, Aaron, porque é um assassino de sangue-frio...
- Não, Maggie, nós dois somos assim. Não pode mudar a sua natureza.
- Está errado. Jamais cometerei esses crimes.
- Está mentindo. Sabe que já matou.
- Somente quando...
- Quando julgava um homem e se convencia de que ele devia morrer? Oh, Maggie, também é filha de Satanás e quer atribuir a si mesma um poder divino! Acha que
pode assumir o papel de juiz e júri?
- Vá para o inferno, Aaron, que é o seu lugar. Eu ainda acredito em Deus.
- É tola, então, já que Deus se esqueceu de você! Pensa que vai encontrar perdão porque o sangue que toma vem da Cruz Vermelha? - ele caçoou.
- Você é um tolo. O que isto vai provar? Eu te odeio, pela sua brutal crueldade, pelos seus vícios doentios. Você já era doente antes de se tornar no que é
agora.
Uma risada ecoou na sala.
- Nós somos criações magníficas. Somos a culminação do poder do Mal! Somos predadores, como tubarões e crocodilos. Nascemos para matar, dilacerar, acabar com
a população humana. Você é uma tola, que tenta ser o que não é.
- Eu me recuso a ser um monstro, Aaron!
- Recusa-se a isso! Talvez você mude o tom, e tudo por uma causa nobre, é claro! Venha até mim, Maggie. Peça meu perdão. Acho que deve vir de joelhos. Implorar,
prometer-me o gosto do paraíso. Faça tudo isso... e talvez eu deixe as moças e o velho Canady viverem.
- Farei o que você quiser, Aaron. Apenas me deixe desamarrar minhas amigas...
Ela tinha chegado até Cissy e Angie. Ambas estavam amarradas com suas próprias meias de forma tão apertada que ela não conseguia desatar os nós. Seu olhar
encontrou o de Angie, e ela tentou passar uma mensagem de otimismo, fazê-la entender que a libertaria, assim como a Cissy, e que elas deveriam sair dali. Gritou
ao sentir-se atingida por um golpe, que a jogou para trás.
- Levante-se, Maggie. Não é hora de soltar ninguém. Maggie obedeceu.
- Eu já lhe disse que vou fazer tudo...
- Venha até mim.
- Onde você está?
Subitamente Aaron apareceu, parado ao lado de Daniel, com um sorriso cruel nos lábios. Ele o puxou pelos cabelos, e encostou a faca em seu pescoço.
- Lembra-se de tudo o que já fiz, Maggie? Com uma faca, exatamente como esta?
- Sim, Aaron. Mas quando você começou isso nesta cidade, queria que eu pensasse ser obra de Lucian?
- Claro... Não pretendia enganá-la por muito tempo, mas achei que poderia pensar que seu precioso Lucian retornara ao básico.
- Ninguém jamais poderia confundi-lo com Lucian.
- E por que não? Acha que nosso supremo Lucian jamais dilacerou um mortal? Engana-se, se acredita nessa fantasia.
- Ninguém confundiria você com Lucian - ela repetiu.
- Bem, vamos voltar ao assunto. O que é capaz de fazer para mim se eu deixar Canady vivo? Ele está tão perto da morte, que quase sinto o gosto. E não importa
o quão poderosa pense que é, nunca conseguiria me impedir de matar este homem.
- O que você quer que eu faça?
- De joelhos, Maggie. - Ele sorriu. - Venha de joelhos até aqui e me diga que lamenta por ter me machucado ao longo de tantas décadas.
Maggie ajoelhou-se e, sabendo que não tinha escolha, foi se aproximando dele lentamente.
- Largue Daniel, e eu irei embora desta casa com você.
- Oh, Maggie! Como você mente.
- Não estou mentindo. Farei qualquer coisa se deixá-lo vivo, e libertar as garotas.
- Quanta nobreza! Mas vamos ver se está me dizendo a verdade. Continue vindo até aqui. Agora fique de pé, bem devagar. Beije-me, Maggie. Faça desse beijo uma
promessa de tudo o que virá.
Aaron continuava segurando a cabeça de Daniel, com a faca em seu pescoço. Ela se levantou, tocou-o no rosto e esfregou os lábios nos dele. A boca de Aaron
era fria. Tinha gosto de sangue. Ele pretendia despertar seu apetite.
- Está com sede, Maggie? - ele murmurou contra os lábios dela.
- Sim.
- Por que não mata Canady?
- Porque aprendi a não matar.
- Esse não foi bom o suficiente, Maggie. Tente outro, beijo. Sinta o gosto de meus lábios.
- Largue Daniel e a faca.
- Certo. - Ele largou Daniel e, em um instante, pressionava a faca contra o pescoço de Maggie.
Ela compreendeu que ele tinha força para cortar sua cabeça sem esforço algum, se quisesse.
- Agora, Maggie - ele murmurou sensualmente e, com o braço livre, puxou-a para mais perto.
- Se você me matar, os outros vão condená-lo. Lucian...
- O reinado dele está no fim. Não vê isso? O seu precioso Lucian veio aqui para intervir? Ele não tem o meu poder. Não entendeu ainda? Passei os últimos tempos
aprimorando o meu poder. Não temo que Lucian me julgue. Se eu matar você, também o matarei, e meu reinado começará. Não me leve a fazer isso, Maggie.
Ela suspirou, e seus olhares se encontraram. Então sentiu o pavor dominá-la ao ouvir uma voz. A voz de um mortal.
- Largue-a, seu cretino! Sean viera.
Apesar de tudo o que vira em todos os anos como policial, tropeçar naquele cadáver quase o fez gritar. Quem estava ali, morto?
Caiu de joelhos. Examinar a pobre mulher morta quase o fez passar mal.
Então foi envolvido pelo medo. E se isso tivesse acontecido também com seu pai? Com Maggie? A casa estava silenciosa e escura enquanto lá fora as nuvens pareciam
tornar o céu de uma cor estranhamente púrpura.
Respirou fundo. Rezou, pedindo coragem, como nunca fizera antes. Queria gritar, chamar o pai, chamar Maggie, mas não ousou fazer isso. Sua única chance era
o elemento surpresa.
Quase sem enxergar, usou a memória para caminhar pelos cômodos da casa. A sala estava vazia; a cozinha, silenciosa. Foi até a sala de visitas, e então... Ouviu
vozes. Carter provocava Maggie. Parou, escutando o que ela respondia. Estava barganhando a vida do pai dele. Aproximou-se mais. Chegando à porta da biblioteca, viu
Carter com a faca no pescoço de Maggie. Apontando a arma para o vampiro, gritou:
- Você me ouviu! Largue Maggie!
O assassino empurrou-a para o lado, segurando-a pelo braço. Apoiou o outro braço na cabeça de Daniel e riu para Sean.
- Deixá-la ir... ou o quê, meninão? Olhe, Maggie, o policial chegou. Por que não lhe diz que as balas dele não podem me matar? Faça com que entenda ou corto
a garganta do pai dele!
- Sean, você tem de ir embora. Por favor...
- Você ouviu a moça, meninão. Caia fora daqui. Se fizer isso, quando eu colocar minhas mãos em você, vou apenas matá-lo. Por outro lado, se me der trabalho,
vai desejar estar morto.
Maggie estava ao lado de Carter, assim como seu pai. Precisava fazer alguma coisa. Ouviu um barulho em um canto da sala. Viu Cissy e Angie encostadas a uma
parede. Angie mal se movia, mas as mãos dela estavam nos pulsos de Cissy; ela estava libertando a amiga. Aaron Carter pretendia matar muita gente aquele dia.
Ele era um policial. Talvez não pudesse matar Carter com uma bala, mas sem sombra de dúvida poderia feri-lo e ganhar algum tempo para os outros. Levantou a
arma e mirou a cabeça do vampiro. O tiro soou, e a bala atingiu-o na testa.
Maggie gritou, e Carter soltou um palavrão. Sean sentiu-se realizado por um instante, mas logo viu que o assassino não caíra.
Movendo-se como um raio, Maggie pegou um dos livros mais grossos de Daniel e atingiu Carter com toda a força. O criminoso se dobrou, gemendo, e Sean começou
a atirar sem interrupção.
De repente, Carter desapareceu.
- Maggie! - ele gritou, abraçando-a e tentando ver o pai ao mesmo tempo.
- Seu pai levou uma batida na cabeça - Maggie disse, tocando-o no rosto. - Oh, Sean, você não deveria estar aqui...
Sean levantou o pai da cadeira. Maggie correu até as amigas. Angie já estava livre, e desatava os nós que prendiam Cissy.
- Vocês estão bem? - Maggie perguntou, ansiosa.
- Sim. Maggie, pelo amor de Deus, o que é esse homem? A força dele... Nós...
- Vocês têm de sair daqui depressa e buscar ajuda enquanto Carter está enfraquecido. Vão! Alguma de vocês consegue dirigir?
- Eu consigo! - Angie exclamou. - Cissy, vamos logo. Maggie, você tem que vir também...
- Não, temos que ficar com Daniel! Vão!
Sean carregou o pai até um sofá, onde o deitou. Voltou-se para Maggie.
- Para onde ele foi?
- Não sei.
- Ele vai morrer? - perguntou, já sabendo a resposta.
- Não.
Nesse momento, uma risada pareceu encher toda a casa. Os olhares deles se encontraram. Maggie sentiu medo. Não por si mesma, mas por Sean.
- Ele não foi embora... - ela murmurou. - Mal está ferido!
Sean ouviu o som de um motor de carro. Felizmente, as garotas haviam escapado.
Então ele sentiu Carter, e foi subitamente lançado no ar.
Lutou, tentando conter a força que tentava destruí-lo, empurrar os braços que o apertavam tanto que ele mal conseguia respirar.
- É um homem morto! - Carter rugiu. - Vou fazer você em pedaços!
Sean foi arremessado contra uma parede. Desesperadamente, tentou clarear a cabeça e se levantar.
Finalmente, viu Carter, e não apenas uma sombra.
- Aaron! Sou eu quem você quer ferir! - gritou Maggie. Deu alguns passos para trás, tentando desviar a atenção dele de Sean.
Logo mudou de tática. Gritou e se jogou contra ele. Porém, Aaron começou a rir de novo, o som misturando-se ao estrondo de um trovão.
- Acha que vai me destruir, meu amor? Pensa que me afastei para me curar todo aquele tempo, sem procurar ficar cada vez mais forte? Eu me empanturrei de sangue,
nadei no sangue, banhei-me no sangue. Tenho um poder que você jamais terá, nem em mil anos...
Ele a levantou. Maggie levou os dedos ao pescoço dele, e apertou com força. Sean conseguiu se levantar, pegou a arma e atirou de novo. Com cuidado, para não
atingi-la. Aaron a largou e, de repente, sumiu outra vez.
Sean estava no chão. Conseguiu arrastar-se ate onde Maggie estava.
- Onde ele está?
- Não sei. Mas voltará.
- Maggie, só tem um jeito. Torne-me um de vocês.
- Não, Sean! Deixe que ele me leve daqui, e talvez você consiga se salvar.
- Não farei isso. Não entende? Nada o fará mudar de idéia. Se ele vencer a nós dois, ficará ainda mais forte.
- Por favor, Sean. Não posso nem pensar em ver você morrer outra vez.
- Faça isso, Maggie.
- Nem mesmo sendo um vampiro você conseguirá matá-lo. Terá perdido a sua alma e, se morrer desse jeito... não haverá escapatória da maldição eterna.
Eles voltaram a ouvir o riso. Primeiro suave, depois mais alto. Olhando acima do ombro de Maggie, Sean viu que a sombra começava a tomar forma.
- Faça isso, Maggie! Eu imploro!
- Não, Sean...
- Diabos, faça ou vamos morrer, e muitos outros também vão pagar. Maggie, pelo amor de Deus! - Ele a puxou contra ele, com força. - Agora, Maggie!
- Não!
- Não precisa sugar todo o meu sangue. Apenas me morda para que eu tenha força, sem me tornar um vampiro.
- Não sei. Você pode enlouquecer...
- Esta é a nossa última chance!
Sean sentiu os dentes de Maggie. Como agulhas, afundando em seu pescoço. De repente, sentiu-se forte e se levantou.
Um instante depois, a sombra se transformou em matéria. Aaron estava à sua frente, com a faca na mão, chamando-o para a luta.
- Venha, meninão.
O vampiro conseguiu dar-lhe um chute na cabeça, derrubando-o. Sean ergueu-se rapidamente, recusando-se a perder a luta quando tinha poder igual. Carter veio
de novo em sua direção.
Maggie se atirou sobre as costas dele. Rasgou-lhe a camisa e a pele com as unhas, mas Carter pareceu não se abalar. Livrou-se dela com um gesto brusco e continuou
seguindo em frente. Parou diante de Sean e socou-o no rosto, lançando-o longe mais uma vez.
Sean rezou para que seu poder surgisse. Carter aproximou-se novamente, e o lançou no ar para fora da biblioteca. Sean ouviu a risada do vampiro. Subitamente,
alguém estava ao seu lado. Lucian, determinado, entregou-lhe uma espada.
- Você agora tem a força. Use a espada, Canady.
Sean aceitou a arma. Levantou-se, com a espada junto ao corpo, e caminhou até a biblioteca. Carter sorriu para ele, movendo a faca de uma mão para a outra.
- Estou cansado de brincar. É hora de morrer.
Sean esperou até que Carter se aproximasse mais. Levantou a espada. E a desceu com toda a força. Segundos depois, ele viu o alarme nos olhos do vampiro.
Então o aço atravessou pele e músculo, sangue e osso. E a cabeça de Aaron Carter voou, separada do corpo.
- Sean! - Maggie gritou, correndo para os braços dele. Sean a apertou bem forte. A fraqueza o dominou, e os dois caíram juntos no chão.
- Oh, Deus, Sean!
- Pegamos o assassino - ele murmurou.
- Ah, Sean, você não entende...
- Maggie, estamos vivos, e ninguém precisará mais viver com medo. É o que importa.
Ele se levantou com dificuldade. Escutava as sirenes da polícia. Mamie não ficara sentada sem fazer nada, afinal.
Procurou Lucian, mas ele não estava mais ali.
Em minutos, policiais enchiam a casa. Jack, com uma bandagem na cabeça, estava entre eles; até o chefe viera. Sean tentou falar, mas sua cabeça doía demais.
Tudo então ficou escuro.
Maggie não lhe dissera que vampiros podiam desmaiar.
O tempo passou depressa.
Daniel se recuperou após algumas noites no hospital. Sean também foi internado e ficou no mesmo quarto que o pai.
Os jornais e a polícia aclamavam Sean e Maggie como heróis. Os dois tinham acabado com o Estripador de Nova Orleans.
O caso terminou de forma mais bizarra do que começara.
O corpo do assassino teria sido levado pelo médico legista, mas segundo as notícias, fora roubado e substituído por um esqueleto sem cabeça. Os ossos, quando
investigados e datado o carbono, tinham mais de duzentos anos.
Ainda assim, Nova Orleans prosseguiu com sua vida. Os dias passaram, e então as semanas. Os assassinatos e o estranho incidente do desaparecimento do corpo
do criminoso já não apareciam nos noticiários.
Sean se olhava todos os dias no espelho. Não parecia ter mudado nada. E ainda gostava de alho.
Tinha de admitir que temia enlouquecer de um dia para o outro. Continuava trabalhando normalmente, pois sabia que Maggie e Jack estavam de olho nele.
Ela se mudara aos poucos para o seu apartamento. Os dois dividiam o tempo entre Oakville e a mansão dos Montgomery. Foram se curando. E esperavam.
Em uma tarde, um mês após a morte de Aaron, Sean foi se encontrar com Maggie na Montgomery Enterprises. Como ela saíra, decidiu esperá-la no escritório.
Estava sentado na cadeira dela, examinando alguns dos desenhos, quando descobriu que tinha companhia.
Lucian DeVeau estava sentado bem à vontade em uma das cadeiras diante da escrivaninha.
Sean sentiu um arrepio.
- Droga, Lucian, se veio me dizer que sou um vampiro, ou que era um vampiro quando matei Carter e que agora tem uma sentença de morte decretada contra mim,
pode falar logo. E o que quer que aconteça, vou levá-lo junto se pensa que pode fazer Maggie pagar por qualquer coisa...
- Ah, tenente! Em primeiro lugar, fui eu quem lhe entreguei a espada. O bastardo estava atrás de mim. Alta traição, não importa como se veja as coisas. Mas
pense. Sente-se diferente?
- Não entendo.
Lucian suspirou, exasperado.
- Ninguém vai querer matá-lo, Canady. Não existe uma sentença de morte.
- Contra mim ou contra Maggie? Lucian sorriu.
- Tenente, você não é um vampiro. Pode ser um tolo, mas diante das circunstâncias, isso é perdoável.
- Não sou um vampiro? Nem fui maculado? Mas Maggie me mordeu.
Lucian inclinou-se, meneando a cabeça.
- Não me entendeu, Canady. Vou ter de explicar. Nunca foi um vampiro, e só ficou maculado por causa da mordida por pouco tempo. Maggie sempre foi diferente,
porque o pai lutou para mantê-la viva. Ela nunca morreu oficialmente, nunca foi enterrada. Nunca tentou transformar alguém em vampiro. Quando matou, foi mais por
misericórdia, e o fez seguindo as nossas regras. Não compreendo bem como essas coisas podem acontecer, mas o que sei é que não tenho poder algum sobre você. Se você
fosse um vampiro, eu teria esse poder. Portanto, você continua mortal, como sempre foi. Afinal, deve haver mágica na fé. Eu me lembro de quando Alec conheceu Magdalena.
- Alec? Aquele que transformou Maggie em vampira?
- Sim. Alec se apaixonou e arriscou a vida a cada segundo naquele romance. Estava convencido de que poderia deixar de ser um vampiro simplesmente por estar
vivendo um grande amor. Talvez isso possa de fato acontecer. Admito que haja um poder maior. Maggie nunca perdeu a fé. Quantos vampiros você conhece que freqüentam
a igreja? Eu tentei convocar vocês, ordenar que se apresentassem a mim, mas não ouviram meu chamado, nem foram compelidos a obedecer. Não tenho todas as respostas.
Mas vim para dizer isso. Você não é um vampiro; e talvez Maggie também tenha encontrado a paz, porque ela não me escuta mais.
- Gostaria de acreditar nisso. Se isso é verdade, o que está fazendo aqui?
- Vim para me despedir e desejar felicidades a vocês. Não quero ver Maggie. Seria doloroso. Então, adeus e boa sorte. E aceite o meu conselho. Não viva o passado,
não fique prensando no que foi real e no que pode ter sido imaginado ou sonhado. Foi-lhe dada uma vida. Você venceu Aaron Carter com a força da sua vontade e do
seu amor por Maggie. Para um humano, você é legal. Portanto, esqueça o que aconteceu e me esqueça também. Nunca fui seu inimigo Vá viver a sua vida e valorize o
que você tem.
Sean assentiu e estendeu a mão para Lucian.
- Para um vampiro, você também é legal. - Sorriu. - É um cavalheiro e um mestre, como meu pai diria.
Lucian pareceu um pouco embaraçado. Não parecia bom para o rei dos vampiros ser admirado por um mortal. Mas aceitou a mão de Sean, quase como se lembrando
de um mundo diferente, e de uma outra fase de sua própria existência. Deram-se as mãos e se levantaram ao mesmo tempo.
De repente, Lucian sorriu, fazendo um gesto do Star Trek com os dedos.
- Viva bastante e prospere! - ele disse. - Diabos, eu adoro esses filmes! Viver nos séculos dos avanços tecnológicos tem suas vantagens.
Sean riu, fazendo também o sinal com a mão.
- Adeus, Canady, e boa sorte.
Subitamente, Sean ouviu seu nome sendo chamado. Olhou em direção às escadas. Era Maggie. Ela voltara. Virou-se para dizer adeus para Lucian, mas não havia
mais ninguém ali.
Ele correu para as escadas. Maggie estava ofegante, com os olhos úmidos e um sorriso radiante no rosto.
- Maggie, o que foi?
- É inacreditável!
- O quê?
- Eu pensei que fosse impossível, mas... estou grávida!
Ele a tomou nos braços, surpreso. Ela dissera que essa possibilidade não existia.
- Mas pensei que não podia...
- Eu sei! Agora posso! Estou tão feliz! Sean, alguma coisa aconteceu. Não sei bem o que foi. Estou diferente. Não tenho mais força, nem poderes. E estou grávida.
Fiz quatro testes diferentes! Oh, Sean, vamos ter um bebê! De alguma forma, mais do que sobrevivemos a isso. Somos ambos...
- Mortais - ele sugeriu com suavidade.
- Oh, Sean... Como é possível?
- Fé - ele disse. - Amor.
- Ainda tenho medo de acreditar.
- Não podemos ter medo. Temos que agradecer cada momento.
- Está feliz com o bebê?
- Encantado. Nada no mundo poderia me fazer mais feliz. Exceto estar com você. - Ele a abraçou com força. - E você, Maggie? Está feliz? Nós vamos envelhecer
e morrer.
- Sei disso. Não é maravilhoso? Sean, quero envelhecer ao seu lado. E quanto à morte... não haverá problemas. Desde que nos enterrem juntos.
Ele riu.
- Sim, mas ainda temos toda uma vida pela frente.
- E um bebê, Sean!
Sean beijou suavemente os lábios rosados.
- Vamos para casa, meu amor.
Lá fora, ele ergueu o rosto e olhou para o alto.
Uma lua imensa brilhava no veludo negro do céu. Maggie estava em seus braços. Iriam se casar e começar uma família.
Emocionado, Sean entoou uma prece de agradecimento em seu coração, deixando-a subir diretamente ao Firmamento.
Obrigado, Senhor.
A vida era boa. Um presente...
E ele pretendia vivê-la em toda a sua plenitude com a mulher que amava...

 

 

                                                   Shannon Drake         

 

 

 

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