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LUCKY, UMA MULHER INDOMÁVEL - P.2 / Jackie Collins
LUCKY, UMA MULHER INDOMÁVEL - P.2 / Jackie Collins

                                                                                                                                                 

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 LUCKY… UMA MULHER INDOMÁVEL

Segunda Parte

 

A felicidade voltara a reinar. E Atlantic City era precisamente onde Lucky desejava estar. Deixou Roberto em Nova Iorque com CeeCee e partiu para Atlantic City com a melhor das disposições.

Sabia o que procurava e os agentes de bens imobiliários aguardavam ansiosamente a sua chegada. Malogradamente, a localização que pretendera no tempo de Gino, já não estava disponível. E os preços tinham subido em flecha. Atlantic City começara a crescer de uma maneira que ninguém previra com exactidão. Ela soubera que seria assim. Maldito fosse Gino. Podiam ter desfrutado do entusiasmo de participarem conjuntamente do início desse crescimento. Mas para o diabo com o passado. Ela construiria o hotel mais belo alguma vez erigido. Criaria um palácio lendário, um lugar de encantamento. E dar-lhe-ia o nome de "O Santangelo".

Susan e Gino discutiram durante dois dias. Gino recusava-se a aceitar sequer a idéia de ir no cruzeiro se Lucky não lhe telefonasse a fazer o convite pessoalmente. E Susan insistia que se tratava de oportunidade que ela não podia, de maneira nenhuma, perder.

Gino ainda não admitira a ninguém, excepto a sua própria pessoa, que o seu casamento chegara ao fim. Susan, a mulher afectuosa e maravilhosa com quem casara, demonstrara não passar de uma concha vazia.

Era dar-lhe corda que ela vestia-se a preceito.

Era carregar-lhe no botão que ela dava um jantar magnífico.

Era empurrá-la na direcção certa que ela gastava dinheiro como se este fosse passar de moda.

Lucky estivera completamente certa acerca dela. Por que não o vira ele? Fora levado que nem um idiota.

Pensava freqüentemente em Lucky. E sentia saudades dela. Mas não havia forma de retroceder. Ela casara com Dimitri, dera à luz um filho. E não o consultara uma única vez.

Telefonou a Costa, que estava em Miami, e queixou-se.

- Na vida, uma pessoa recebe o que merece - observou Costa filosoficamente. - Que foi que alguma vez deste a Lucky que a levasse a sentir que devia pedir-lhe conselho?

Gino desligou, furioso. Costa estava a ficar senil.

- Iremos ao malfadado cruzeiro - disse a Susan. - Quero passar algum tempo com o meu neto e parece que esta é a única maneira de o fazer.

Susan sorriu.

- Sim, querido - replicou calmamente.

E correu a gastar mais alguns milhares de dólares. Dimitri acabara de pousar o telefone, depois de falar com Francesca, quando a sua secretária lhe anunciou que tinha Olympia em linha.

- Onde tens andado? - perguntou-lhe ele com voz trovejante. -Tenho tentado contactar contigo, sem conseguir.

- Estou em...

- Não basta, Olympia. Não deves desaparecer durante dias consecutivos. Podias estar, juntamente com Brigette, nas mãos de raptores que eu não sabia. És uma Stanislopoulos e como tal tens de...

- Voltei a casar.

- Cristo, rapariga! - exclamou Dimitri com voz tonitroante. - Vive com essa personagem degenerada se quiseres. Mas o casamento está fora de questão!

- Não foi com ele que casei.

Aquela rapariga fora sempre impossível. Mimada e sem juízo.

- Então com quem foi? - perguntou, furioso.

- Vê a capa da revista People. Lennie Golden. É um comediante.

- Um comediante!

-Pára de gritar. É melhor que qualquer dos outros três. Agora tenho de ir, vamos dar uma recepção. Fazes-me o favor de avisar a mãe?

- A tua mãe não sabe?

- Saberá quando lhe disseres.

- Olympia...

-Adeus, papá, vemo-nos no cruzeiro.

Dimitri começou a passear de um lado para o outro no seu gabinete. Olympia era a rapariga mais estúpida do mundo.

Comunicou com a sua ex-esposa, que não se mostrou excessivamente perturbada. Mandou a secretária comprar um exemplar da revista People e analisou o último caçador de fortunas sorridente que vinha na primeira página.

Telefonou a Francesca, que estava em Munique, e esta riu-se.

Olympia. Olympia. Não fora abençoado com uma filha esperta.

Lucky regressou tarde nessa noite, louca de entusiasmo. Dimitri acabara de jantar sozinho e não se encontrava na melhor das disposições.

- Encontrei exactamente o lugar certo - disse-lhe Lucky animadamente. - Fantástico em todos os aspectos e nem pensarmos em perdê-lo. Tens de pôr os teus advogados a tratar de o conseguir imediatamente. Prendeu as mãos em volta do pescoço dele. - Sinto-me estupenda. Vamos para o quarto celebrar. Fazer negócios deixa-me verdadeiramente excitada.

- Não fales como uma puta barata - disse Dimitri abruptamente, desprendendo-se do amplexo.

- O quê? - balbuciou Lucky, fitando-o estupefacta.

- Agora és minha esposa. Agradeço que faças o favor de o teres em conta.

Lucky afastou-se.

- Não me parece que te tenha ouvido bem.

- Tive um dia extremamente cansativo - disse Dimitri - E não preciso de que mo piorem.

Não reparou na expressão perigosa que surgira nos olhos de Lucky. Na tempestade súbita.

- Olympia voltou a casar - limitou-se a dizer. - É uma irresponsável. Merece perder até ao último tostão da sua herança.

- Ei, pá - disse Lucky com modos rudes, adoptando um sotaque popular das ruas de Nova Iorque. - Não topaste o que eu disse? Estou cheia de tesão. Vamos a isto?

O rosto de Dimitri parecia esculpido em granito.

- Que foi que disseste?

- Isso, pá. E também me podes beijar o cu.

Dito isto, Lucky dirigiu-se intempestivamente para o quarto sem olhar uma vez para trás. Ele que não pensasse que lhe podia falar naqueles modos sem sofrer as conseqüências.

Dimitri foi atrás dela, nada habituado a que lhe fizessem frente.

- Sai da minha frente - exclamou Lucky furiosamente.

- Que se passa contigo? - perguntou ele.

- Pensa um pouco.

- Não há nada em que pensar. Corrigi o teu comportamento.

- Corrigiste-me? Corrigiste-me? Quem raio pensas que eu sou para me falares dessa maneira?

- A minha esposa, a mãe do meu filho. E não utilizarás essa linguagem de vadia.

- Jesus Cristo! Que raio se passa aqui?

Dimitri esbofeteou-a no rosto. Lucky atirou-se a ele, de unhas em riste. Estas arranharam-lhe a pele, fazendo brotar sangue.

Ele era um homem corpulento, forte. Prendeu-lhe os braços e, juntos, caíram pesadamente sobre a cama.

Lucky não podia acreditar no que estava a acontecer. Conhecia Dimitri há dois anos e ele nunca revelara aquela faceta do seu caracter. Ela casara com um igual, não com o estupor de uma figura paternal que lhe dissesse como falar e comportar-se.

Dimitri prendeu-lhe os pulsos e empurrou-os para trás.

Lucky tentou acertar-lhe nos testículos com um joelho mas ele tinha demasiada força para ela. Apesar de ser uma mulher atlética, de maneira alguma frágil, parecia no entanto ter perdido as energias, enquanto o marido se concentrava em mantê-la presa.

Foi então que aconteceu. Sentiu a excitação dele e não a quis. Não daquela maneira. Não em resultado da cena violenta entre os dois.

Dimitri tentou mantê-la segura ao mesmo tempo que procurava atabalhoadamente o zipe das calças.

Lucky conseguiu erguer rapidamente o braço e acertar-lhe debaixo do queixo.

Dimitri gritou de dor.

O momento breve foi suficiente para ela rolar de debaixo do corpo do marido e correr a fechar-se na casa de banho. Tremia de ira.

Dimitri não foi atrás dela.

 

Havia dias bons e dias maus. Agora que a Califórnia estava dada como certa, Steven sentia-se ligeiramente melhor. Vivia num apartamento de divisão única da Terceira Avenida, pois alugara a sua bonita moradia quando partira para a Europa.

A sua vida estava uma desgraça e ele tinha consciência do facto. Outrora fora uma pessoa cheia de ambições, porém Carrie deitara tudo a perder com as suas revelações sórdidas. Desde que voltara à América, nada mais fizera além de pensar em si próprio e nos seus problemas. Dormia até tarde, não comia racionalmente, passava imenso tempo sem fazer nada no seu apartamento, vendo televisão. O único amigo com quem contactara fora Jerry Myerson. E mesmo esse só porque precisara de lhe pedir dinheiro emprestado.

Quanto às mulheres, escolhia-as ao acaso. Anteriormente tão exigente relativamente às companhias femininas, agora favorecia qualquer rapariga com quem não tivesse de conversar.

Que diferença em relação à sua vida passada. O impecável Steven Berkeley. Trabalhador incansável, assistente do Procurador Distrital, com um futuro promissor pela frente. A vida era estranha. Lembrava-se, com amargura, da tarde fatídica, em 1977, em que chegara à mansão de Enzio Bonnatti em Long Island, pronto para entrar em acção.

Mas Lucky Santangelo chegara primeiro.

A mesma Lucky Santangelo com quem ficara preso no elevador não mais de dois dias antes, durante o grande corte de energia.

A mesma Lucky Santangelo que poderia - ainda era uma simples conjectura - ser sua meia-irmã.

Lucky.

Uma jovem difícil de esquecer, com as suas observações irônicas e o ar moreno de cigana.

Lucky.

- Graças a Deus não tinham...

Ele nem queria pensar no que por pouco acontecera entre os dois. Como se sentiria ela se viesse a provar-se que eram meio-irmãos, reflectiu ele. Lembrar-se-ia sequer dele?

- Oh, sim, ela recordar-se-ia dele - o seu orgulho asseverou-lhe de que assim seria.

Que orgulho?

Tinha um aspecto terrível. Havia que se recompor, voltar ao trabalho e deitar o passado para trás das costas. Depressa.

 

Considerando bem os factos, Vitos Felicidade até recebeu muito bem a notícia. De facto, não pôde fazer mais que sorrir para as câmaras (que eram numerosas) e fazer de conta que encorajara o casamento de "amor à primeira vista".

Em privado, lamentou-se. Que havia de errado com ele? Por que o rejeitara Olympia? Duas vezes. Quem sabe ela via além da fachada. Seria ela a única a saber que por detrás do trepidante símbolo sexual estava um homem inseguro, simplório e vulgar?

Ele não desejava pensar no assunto. Esteve presente na cerimônia de casamento durante uma hora e depois retirou-se para a sua suite onde se sentou a matutar soturnamente.

Jess já não aceitou o ocorrido de ânimo tão leve. Procurou Matt e queixou-se acaloradamente, Este concordou com a sua opinião e salientou que não havia nada a fazer.

Éden, de volta ao Hotel Sands, espraiava o olhar pela janela, enquanto Zeko brincava aos solitários por perto. Ela escapulira-se de manhã cedo, determinada a ver Lennie, mas quando estava prestes a entrar no táxi, Zeko aparecera não sabia de onde e anunciara-lhe que o patrão lhe dera ordens para a acompanhar a todos os lugares onde ela se deslocasse. Éden quase gritara de frustração. Mas em vez disso, sorrira forçadamente e permitira que o asno a seguisse por uma série de lojas de mau gosto. Las Vegas possuía-as em abundância. Estava ansiosa por partir.

Paige convidara-a para almoçar e ela recebera autorização para ir. Mas enquanto digeria uma salada de atum, soubera das notícias referentes a Olympia Stanislopoulos e Lennie Golden.

Mexericos acabados de pôr a circular.

Sentira vontade de vomitar. Naquele momento fitava fixamente o néon e o deserto, sem saber se fizera a opção correcta.

Santino Bonnatti.

Lennie Golden.

Esperava ter escolhido o vencedor.

Tinha uma suspeita terrível de que talvez não fosse o caso.

- Tresandas - troçou Brigette.

- Deves estar a brincar. Tomei um duche de propósito - replicou Lennie, impassível.

- Já disse, tresandas - repetiu Brigette.

- Pareces um disco riscado.

Brigette fitou-o, admirada. Olhos azul-safira (da mãe) e um rosto em forma de coração.

- Detesto-te - murmurou desdenhosamente. Lennie fez uma careta.

- Não se podem ganhar todas - disse com um sorriso arrebatador. A preceptora Mabel, embaraçada, disse:

- Desculpe, mister Golden. Ela está cansada, é tarde, e...

- Deixe-se disso - interrompeu-a Lennie brandamente. -São quatro e meia da tarde. Se a miúda quer detestar-me, nada de desculpas, ela que faça a sua vontade. - Inclinou-se para falar a Brigette. - Sabes uma coisa? Brigette é um nome muito bonito e tu és uma senhorinha muito bonita.

Brigette pestanejou repetidas vezes. Por que estaria aquele a falar com ela? Normalmente quando lhes dizia que tresandavam, olhavam-na furiosamente, depois ignoravam-na e ela não era obrigada a dirigir-lhes mais a palavra - precisamente o que queria. Os namorados da mama eram uns porcos. Ela detestava-os a todos.

Lennie não ficou à espera de resposta. Retirara-se, apressado. Olympia reunira imprensa suficiente para lançar um filme de sucesso, posando para as fotografias como uma profissional. Mas até o era, em certo sentido. Crescera com fotógrafos à soleira da porta. Olympia Stanislopoulos. Herdeira. Jogo fácil para os paparazzi e colunistas de mexericos do mundo.

Arranjara maneira de transformar o seu casamento num acontecimento especial. O bolo era fantasioso, com um casal em miniatura a dançar no topo. O salão de baile do Magiriano transformara-se num reino de fadas florido. E o champanhe Louis Roederer Cristal corria a rodos.

Estremeceu só de pensar no quanto tudo aquilo custaria. Caberia a ele pagar? Ou seria presente do Magiriano?

Uma Jess de rosto sombrio encolheu os ombros quando ele lhe fez a pergunta.

- Não sei - respondeu secamente.

Via-se que Jess não estava nada satisfeita com a situação. Ele também não se sentia propriamente extasiado, mas o que estava feito, estava feito - e quem sabe? Talvez desse resultado. Aconteciam coisas estranhas.

Claro.

Os compromissos não faziam o estilo de Lucky. Esta não tencionava ficar por ali à espera de que Dimitri lhe pedisse desculpa - Ele tinha de aprender, e depressa, que ela não era capacho de ninguém.

Na manhã a seguir à discussão havida entre os dois, partira para a casa de East Hampton com Roberto e CeeCee. A verdade era que o comportamento de Dimitri perturbara-a mais do que desejava admitir. Ela desejava igualdade de direitos e deveres. Não uma relação desigual em que o homem se sentisse na prerrogativa de dispor de tudo a seu bel-prazer. Reconheceu, com indiferença, que o casamento com Dimitri fora um erro. Havia um fosso de idades que nunca poderia ser transposto e ela não estava disposta, de modo algum, a desempenhar o papel que ele tinha em mente destinar-lhe.

O facto de Dimitri não a procurar durante três dias, não a afectou minimamente. Friamente, telefonou aos advogados do marido e instruíu-os no sentido de negociarem a parcela de terreno que desejava adquirir em Atlantic City. Depois reconfirmou o assunto com os seus próprios advogados, para que estes se certificassem de que tudo avançava. Dimitri assinara um documento legal. O hotel seria construído, acontecesse o que acontecesse.

Três dias depois, Dimitri apareceu em casa de Lucky.

- Perdoa-me - disse, detendo-se no umbral da porta da entrada com as rosas "Sterling Silver" de que ela tanto gostava, e uma caixa do Tiffany.

Lucky sabia da dificuldade que Dimitri tinha em apresentar pedidos de desculpa. Podia tê-lo feito sofrer, no entanto deixou-o entrar; foram para o jardim e discutiram o assunto - dentro dos limites em que era possível discutir semelhante tema com um homem como Dimitri. Pertencia a uma geração que não acreditava em conversas prolongadas e analíticas.

Lucky abriu a caixa da Tiffany. Continha uma opulenta gargantilha de diamantes com um coração enorme no centro. Dimitri apertou-lhe o fecho da jóia na nuca e considerou tudo resolvido. Beijou-a castamente e informou-a de que Susan e Gino tinham aceite o convite para se juntarem a eles no iate.

Santo Deus! Nunca imaginara que Gino dissesse que sim. Não sabia explicar porque se sentia tão preocupada. Os sentimentos que experimentava em relação ao pai eram confusos. Havia ocasiões em que o amava mais que a qualquer outra pessoa no mundo; outras em que não se ralava com a perspectiva de não voltar a vê-lo. Fora sempre assim.

- Estás satisfeita, não estás? - inquiriu Dimitri.

Lucky não expressou os verdadeiros sentimentos.

- Claro - replicou com ligeireza.

Não se sentia nada entusiasmada com a perspectiva do cruzeiro. Os amigos de Dimitri. Francesca Fern e o seu marido empavonado. Agora Susan e Gino. E ficariam todos aprisionados num barco, juntos. Por muito grande e luxuoso que o iate de Dimitri fosse, eram acomodações muito próximas umas das outras. Uma rodada inescapável de almoços e jantares.

Talvez Olympia e o seu novo marido, fosse ele quem fosse, salvassem a situação. Lucky esquecera-se de perguntar de quem se tratava e agora Dimittri regressara a Nova Iorque, incumbindo-a de preparar o seu cruzeiro de duas semanas. Acedeu fazê-lo, com relutância.

Gino tinha a impressão de que os únicos dias em que se levantava da cama com entusiasmo eram aqueles em que iria encontrar-se com Paige. Ela trouxera-lhe um novo incentivo à vida. Era libidinosa e desinibida mas, acima de tudo, era divertida.

Aguardava ansiosamente o seu regresso de Las Vegas, e chegara ao Beverly Wilshire com uma hora de antecedência para o seu encontro das quintas-feiras. Paige aparecera meia hora depois. Cheirava ao seu habitual odor almiscarado e trazia uma saia cuja racha lhe subia quase até à virilha.

-Alguma vez alguém já te disse que te vestes como uma prostituta? - perguntou-lhe Gino com um sorriso divertido, sentando-se na beira da cama.

- Já. - Paige ajeitou o cabelo frisado. - E tu não me digas que não adoras!

Com um movimento rápido, desabotoou a saia na cintura e esta caiu no chão. Não trazia calcinhas.

- Ei... - Gino principiou a rir.

- Serviço rápido. - com um sorriso, Paige acercou-se dele. - E por favor deixe cinqüenta dólares em cima da mesinha-de-cabeceira antes de se ir embora.

- É barato - brincou Gino, deleitando-se com a brincadeira.

- Isso porque és um cliente especial - disse Paige, premindo o farto tufo de cabelo púbico de encontro ao rosto dele.

Gino reagiu com igual lascívia. O sexo mantinha-o jovem - não lhe restavam dúvidas do facto. As maleitas e os achaques da meia-idade não eram para ele. O sexo mantinha-lhe os fluídos vitais em circulação. Desde que conseguisse levantá-lo, sentia-se invencível, e Paige Wheeler proporcionava-lhe a melhor erecção de que gozara em anos.

Como seria a vida se fosse casado com uma mulher como Paige? De longe bem mais excitante do que estar com Susan dia sim dia não, com toda a certeza.

Fizeram amor durante bastante tempo. Paige exigia mais que um orgasmo, ao contrário de Susan, que considerava o momento em que atingia o clímace como o ponto final, empurrando-o depois para longe de si.

Paige gostava de fazer novas experiências. Em certas ocasiões desejaria ser mais novo, mais atlético. Mas ela parecia não se importar. Fosse como fosse, Gino sabia que a satisfazia.

- Como está Las Vegas? -perguntou Gino finalmente, quando Paige se deu por satisfeita.

Ela deixou-se ficar estendida em cima da cama, toda nua.

- Interessante - replicou.

-Interessante em que aspecto?

- Bem... Fui à noite de estreia de Vitos Felicidade e Lennie Golden no teu hotel.

- Que tal foi?

- O serviço ou o espectáculo?

- Ambos.

- Excelentes. Lennie Golden é realmente especial. E Vitos tem um certo encanto europeu. Como é evidente, não se falava de outra coisa senão do casamento de Olympia Stanislopoulos com Lennie Golden que teve lugar no dia a seguir. E foi para lá acompanhada de Vitos, como sabes.

- Sim?

- Não lês as colunas de mexericos?

- Só quando sou mencionado.

- Houve festas todas as noites. E joguei um pouco ao vinte-e-um. -Ganhaste?

- Perdi.

- Devias estar na minha companhia. Nunca te deixaria perder. Gino tocou-lhe no cabelo púbico. Estava húmido. Paige espreguiçou-se langorosamente.

- vou ausentar-me durante um par de semanas - disse Gino. Achas que podes passar sem mim?

- Tentarei - disse ela provocadoramente. - Onde vais?

- Não sei se já te disse, mas a minha filha Lucky, que é assim a modos que maluca como eu, casou com o outro Stanislopoulos. Dimitri, o pai. Podes acreditar numa coisa destas? Tem quase a minha idade. Lucky andou no mesmo colégio que Olympia. - Suspirou. - É louca.

- Que há de tão louco em casar com um dos homens mais ricos do mundo?

- Lucky não precisa do dinheiro dele - limitou-se Gino a dizer, afastando a mão.

- Volta a pô-la no mesmo sítio! - ordenou Paige com ar rabugento. Gino obedeceu.

- Hmmmm... -Paige entregou-se a novas sensações agradáveis.

Gino sentiu o ressurgir de nova necessidade na companheira e inclinou a cabeça para ela. Alguns segundos depois, Paige gemia ruidosamente e voltava a atingir o clímace.

Em toda a sua experiência com mulheres, Gino não conseguia lembrar-se de nenhuma tão insaciável como Paige. Esta sentou-se, beijou-o e disse:

- Obrigada. Agora fala-me da tua filha. Gino encolheu os ombros.

-Não há nada para dizer. Casou com o tipo e convidou-nos para o cruzeiro que vão fazer. Susan quer ir.

- Posso imaginar.

- E eu vou porque assim terei oportunidade de ver o garoto.

- Que garoto?

- Sou avô.

- Oh, não! - Paige saltou da cama com uma máscara de horror trocista no rosto. - Ando a dormir com um avô!

- Ei... -Gino sorriu. -Também não és nenhuma franganota!

- Ando pelos quarenta. Ainda não me sinto pronta para ir para a cama com avôs.

- Vai-te foder.

- Quando quiseres, velhote.

Ambos desataram a rir. Gino levantou-se, abraçou-a e ficaram a embalar-se um ao outro, bem-dispostos.

- Sabes uma coisa? - disse Gino. - És o meu tipo de mulher.

- Estás a algumas décadas de distância - observou Paige com ar pensativo -, mas crescemos os dois nas ruas de Nova Iorque.

- Nunca me falaste sobre o facto.

- Nunca perguntaste. Além disso, não se trata de um assunto que goste de andar a divulgar aos sete-ventos.

Gino pegou num roupão.

- Então... conta-me a história da tua vida.

- Um dia destes. Neste momento estou atrasada para um encontro. -Caramba! E eu a pensar que podíamos ficar por aqui um bocado

sentados a conversar. Não combines outras coisas quando te encontrares comigo.

Paige correu apressada para o quarto de banho.

- Quando é que partes? - perguntou-lhe de dentro da divisão.

- Daqui a uns dias.

- vou ter saudades tuas.

- Não tantas quanto as minhas.

Susan consultou, impaciente, o seu relógio de pulso Patek Philippe de ouro, sentada no terraço exterior do Hotel Bel Air. Paige estava atrasada. Mais uma vez. Acontecia permanentemente - ou seja, quando arranjava algum tempo para ver Susan. Durante os últimos meses, os encontros entre ambas tinham sido inacreditavelmente curtos e Susan começava a suspeitar de que Paige tinha mais alguém.

Franziu as sobrancelhas, ciente de que se Paige lhe dissesse que estava tudo terminado entre as duas, não seria capaz de o suportar. Não era justo. Não poderia conformar-se. Paige significava tudo para ela.

O criado de mesa aproximou-se e perguntou-lhe se desejava tomar mais uma bebida. Mandou vir o seu terceiro Martini e continuou à espera.

Paige chegou passados minutos, afogueada, o cabelo numa desgraça e a fatiota ridícula.

As duas mulheres beijaram-se.

- Tenho tanto que fazer! - exclamou Paige. - Dá a impressão de que toda a gente quer redecorar os interiores das suas casas. Desde que o trabalho que fiz para Ramo Kaliffe saiu na Architectural Digest que nunca mais tive sossego.

Susan sorriu delicadamente. Paige cheirava a almíscar e a sexo como de costume. Do outro lado do terraço, dois homens fitavam-nas. Paige atraía as atenções para onde quer que fosse. Não era bela, nem sequer medianamente, no entanto a aura de fascínio que irradiava suplantava essa insuficiência.

- Pensei que já não vinhas - observou Susan reprovadoramente.

- Sabes que chego sempre atrasada.

- Vamos a um cruzeiro pelas ilhas Gregas com Dimitri Stanislopoulos. Tinha de te ver antes de partirmos. - Reduziu a voz a um murmúrio. - Já há dois meses que não estamos. juntas. Não consigo agüentar mais.

Paige passeou impacientemente o olhar pelo terraço. Os seus olhos encontraram-se com os de um dos homens que as tinham estado a fitar insistentemente. Este ergueu-lhe a taça à laia de saudação. Provavelmente conhecia-o, concluiu, devia ser um amigo de Ryder; retribuiu o cumprimento com um aceno de mão.

- Então? - perguntou Susan, insistente. - Não achas que dois meses é muito tempo? Não sentes a minha falta tanto quanto eu sinto a tua?

Paige respirou fundo. Como é que se dizia a uma mulher que a relação estava terminada? Se Susan fosse um homem, o caso não teria apresentado dificuldades.

Tirou algumas nozes de um prato que estava sobre a mesa.

- Ryder foi sempre um homem de convívio difícil - principiou.

-Eu sei - interrompeu Susan. -Achas que Gino é fácil? É velho, exigente e tarado em termos sexuais. Simplesmente não sei como consigo suportá-lo. Se não fosses tu, eu...

-Escuta - disse Paige impetuosamente. - Não desejava ouvir censuras a Gino. Por acaso até considerava Gino bastante especial, e só por essa razão tencionava desistir de todos os seus outros amantes, incluindo Susan. - Ryder está diferente. Não sei que foi que lhe deu, mas o certo é que mudou, e para melhor.

Susan fitou-a sem compreender.

- Que dizes?

- Quero dar uma oportunidade justa ao nosso casamento - disse Paige com falsa convicção.

- O quê? - repetiu Susan estupidamente.

- com vossa licença, senhoras. -O homem cuja mirada Paige detectara, encontrava-se junto da mesa ocupada pelas duas. Era um indivíduo de meia-idade e tinha ar de quem estava de passagem por Los Angeles. - Tomei a liberdade de mandar vir champanhe.

O criado colocou um recipiente com gelo, juntamente com uma garrafa de Dom Pérígnon, ao lado da mesa.

-O meu amigo e eu achámos que duas mulheres tão bonitas como as senhoras mereciam só o melhor - disse o sujeito.

Nessa altura, o amigo, homem baixo, com barba, aproximou-se, ficando os dois à espera, expectantemente, de serem convidados a sentar-se.

- Obrigada - agradeceu Paige graciosamente, cruzando as pernas. Eles captaram-lhe o cheiro e ficaram alerta - quais perdigueiros prontos para a caça.

- Eu convidá-los-ia a juntarem-se a nós - continuou Paige -, mas Mistress Santangelo sofreu uma morte na família portanto estou certa de que compreenderão que não é a altura apropriada para travarmos... amizade.

- com certeza - disse o primeiro homem enfaticamente. - Nem sequer sonharíamos em a perturbar a si e a Mistress Santer... hum, talvez a senhora esteja livre para o jantar, não?

- Que convite tentador - observou Paige com um suspiro. - Mas é completamente impossível. Foi um prazer conhecê-los.

Cruzou as pernas no sentido contrário, proporcionando-lhes novo bafejo do paraíso, despachando-os em seguida ao voltar-lhes as costas. Captaram a mensagem e afastaram-se com relutância.

- Que queres dizer com essa de ires dar uma nova oportunidade ao teu casamento? - perguntou Susan com um sussurro furioso.

- Exactamente o que ouviste - replicou Paige calmamente. - vou passar a ser fiel.

- Tu! - exclamou Susan desdenhosamente. -Nunca! O criado serviu o champanhe.

- Por favor não me substimes - murmurou Paige. - Quando quero fazer uma coisa, faço-a.

Os olhos de Susan encheram-se de lágrimas.

- Então e nós? - perguntou sombriamente.

- Interromperemos a nossa relação e ficaremos a ver o que acontece.

Alice Golden chegou a Las Vegas dois dias depois do casamento do filho sair nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo. A sua chegada não era exactamente o que mais falta fazia na vida de Lennie naquele momento particular. Tinha uma esposa e uma enteada e andava atarefado a tentar habituar-se às duas. Uma mãe caída do céu era um factor dispensável. Contudo, quem ouvisse Alice falar, mãe e filho tinham sido sempre inseparáveis. Ela ensinara-lhe tudo quanto ele sabia. E embora a entrada de Olympia na relação estreita de ambos representasse um choque, estava disposta a aceitá-la de braços abertos. Dera três entrevistas "exclusivas" para esse efeito antes mesmo de ver Lennie.

Quando a mãe foi discretamente levada até ao seu apartamento por uma Jess atarantada, Lennie recebeu-a com ar fatigado.

- Encontrei-a a armar grande confusão no vestíbulo - sussurrou-lhe Jess -, a exigir Deus sabe o quê, portanto achei melhor trazê-la cá acima. Não creio que ela se recorde de mim.

- Meu querido! -exclamou Alice, escancarando os braços aracnídeos.

As dietas tinham-na tornado escanzelada e o cabelo apresentava-se pintado de um louro-branco manchado. Apertou Lennie estreitamente.

- Alice - perguntou o filho -, que estás a fazer aqui?

-Que estou a fazer aqui? - Olhou em volta, para a suite, como se estivesse diante de um público atento. - Que estou a fazer aqui? Sou a tua mãe. Da mesma carne e sangue. Que estou a fazer aqui? Que tipo de pergunta engraçada para um menino que acabou de casar sem dizer uma palavra à mãe amiga, preocupada, solitária.

Desempenhava, finalmente, o papel de mãe judia. Lennie não sabia se rir ou chorar.

- Acaba com isso, Alice - disse.

Jess aguardava. Não sabia se havia de ficar ou retirar-se. Lennie resolveu-lhe a dúvida.

- Manda vir chá - pediu com brusquidão - para nós os três. Alice trazia consigo uma mala de viagem que já conhecera nitidamente dias melhores. Pousou-a no chão e olhou em volta.

- Onde está a herdeira? - perguntou.

- A quê? - inquiriu Lennie.

- Creio que se referiu à herdeira - disse Jess, tentando abafar uma risada. - Não era o que queria dizer, Mistress Golden? Herdeira?

Alice perscrutou-a por entre três partes de pestanas postiças rígidas.

- Quem é você? - perguntou rispidamente. - A sua cara não me é estranha.

- Jess Skolsky, antiga colega de escola de Lennie. Alice fitou Jess fixamente.

- A camarão - disse finalmente, trazendo à memória de Jess todas as recordações dolorosas que tinham acompanhado o seu crescimento.

Alice sentou-se no sofá. Envergava um vestido de tecido plastificado barato, decotado para exibir os seios gastos e curto para mostrar as pernas ainda espectaculares.

- Vim para cá de avião - anunciou. Os homens que vinham no aparelho não me deixavam em paz. Quando disse a toda a gente que era tua mãe, Lennie, as mulheres não me largaram. Tenho quatro números de telefone para te dar mas agora que te casaste não espero que os queiras.

- A minha mulher não apreciaria - comentou Lennie secamente. -Onde está ela? Vim ver com os meus próprios olhos essa... -fez

uma pausa, decidida a encontrar a palavra certa - herdeira.

- Chama-se Olympia.

- Nome engraçado. - Lançou um olhar acusador ao filho. - Podias ter-me telefonado. Podias ter-me convidado para o casamento. Podias ter-me falado do êxito que estavas a ter em Las Vegas, o meu lar, a minha terra. Outrora fui uma estrela aqui, como sabes. Não há tanto tempo como isso. Alice a Rebolona. Ainda sou famosa nesta cidade. Havias de ver quão famosa. Devias tornar-te tão famoso como eu já fui, talvez ainda seja. Quem sabe eles lembram-se...

Não terminou a frase.

- Onde fica instalada, Mistress Golden? - perguntou Jess delicadamente, achando que era tempo de aliviar Lennie. Este gostava de ficar sozinho antes do espectáculo da noite.

- Aqui, evidentemente - ripostou Alice, agastadamente. - Trate-me desse assunto. Sou a mãe da estrela, como sabe. Mereço ser considerada como tal. Sem mim ele não estaria aqui, não é verdade?

- E quanto tempo vai ficar?

- O tempo que o meu filho me quiser aqui. Lennie encolheu os ombros sem saber o que fazer.

- Acabei de me casar, sabe.

- É por essa razão que me encontro aqui.

Lennie não tinha coragem para lhe dizer que se pusesse a andar. Quem precisava de uma mãe trinta e dois anos depois?

Quer precisasse dela ou não, o certo é que a sua presença era uma realidade indiscutível. Olympia e Alice juntas seriam o fim do mundo. Mal podia esperar para ver.

No dia a seguir à recepção - assim que teve a certeza de que as fotografias da boda tinham saído na imprensa mundial - Olympia telefonou a Flash, ainda no sul de França. Atendeu uma voz feminina juvenil.

- Passe o telefone a Flash - ordenou Olympia autoritariamente. E despache-se, estou a falar da América.

Teve então de esperar onze minutos antes da entoação acentuadamente cockney de Flash se fazer ouvir na linha.

- com qu'então és tu - observou ele rudemente. - Raio de maravilha! Estive duas malditas horas à tua espera no aeroporto a semana passada e olha que não gosto de aeroportos.

- Esperavas sinceramente que eu aparecesse?

- Por que não? Disseste que vinhas.

- Não fui - disse Olympia gelidamente -, porque não me pareceu que a tua mulher o apreciasse.

- Ora, merda! Esse é que é o teu problema?

- A tua mulher, Flash. Tua mulher, sobre cuja existência te esqueceste de me falar. A tua mulher grávida. ÍDeus, não passas de um estupor!

Flash soltou uma gargalhada impregnada de uísque.

- Andaste a ler esses pasquins de supermercado? Não sabia que as tipas ricas como tu chegavam perto sequer dos malditos dos supermercados.

- A vida real acaba sempre por apanhar qualquer um, rica ou não. Mandei empacotar todas as coisas que deixaste no apartamento de Nova Iorque e enviei-as para uma instituição de caridade.

Ultraje.

- O quê?

- Ouviste bem.

- Jesus Cristo!

- E por falar em jornais, já leste os de hoje?

- Não passas de uma vaca estúpida.

- Devo ter sido, para te aturar.

- Traz-me esse cu gordo pr'aqui qu'eu explico tudo.

- Posso levar o meu marido? -O teu quê?

- Lê os jornais.

- Ora, deixa-te disso, cabra estúpida. Não caíste nessa, pois não?

- Parecia estar na moda.

- com quem é que o fizeste? Não com aquele nabo espanhol do capachinho, não?

- Resisti à tentação.

- Valha-nos Cristo por isso.

- Casei com Lennie Golden.

- Quem é ele?

A conversa não estava a seguir o rumo previsto por Olympia. Antes de mais nada, esperara confiantemente que Flash soubesse tudo acerca do seu casamento. E contara, sem dúvida, que pelo menos conhecesse Lennie de nome.

- Realmente detesto-te - declarou Olympia irracionalmente.

- Vens ou não?

- Não tens estado a ouvir o que eu digo? Estou casada, tal como tu. Acabou tudo.

Flash sentia-se nitidamente entediado.

- Como queiras, Tetas.

Olympia quase podia vê-lo a encolher os ombros franzinos, como era seu costume sempre que se aborrecia ou enfadava. Ele estava-se nas tintas! Furiosa, atirou violentamente com o auscultador para cima do descanso. Seu pai tivera razão desde o princípio. Flash era um oportunista cheio de egoísmo, um depravado, e ela fizera bem em se livrar dele.

Então por que se sentia tão deprimida? Voltara a ser uma noiva. devia cantar e rir - ter, pelo menos, um sorriso no rosto.

Foi à sua reserva e inalou um pouco de cocaína. Afinal de contas quem era Lennie Golden? E por que casara com ele? Para irritar Flash? Razão meio-parva para uma pessoa se prender.

Deus! Que fizera ela? Lennie não parecia má pessoa e na cama era apetecível e eficiente - mas as boas pessoas nunca tinham sido o seu forte. Cometera novo erro. Daí a algumas semanas, depois do cruzeiro, daria instruções ao seu advogado para a livrar daquela situação. Não era nada de especial. Só mais uma despesa. Podia dar-se a esse luxo. Ser rica tinha de proporcionar algumas compensações.

 

Lucky tencionava levar apenas roupas desportivas no cruzeiro, porém Dimitri informou-a, bem ao fim do dia, de que os jantares seriam formais.

- Tu vestes-te para o jantar? - perguntou ela, surpreendida.

- É a tradição - replicou Dimitri.

- Tradição de quem?

- Minha.

Lucky perscrutou-lhe o rosto em busca de algum sinal de humor. Não encontrou nenhum. Agora que era sua mulher compreendia que não o conhecia nada bem. Nos dezoito meses que tinham passado juntos, fora uma relação intermitente - com períodos de tempo curtos passados na ilha dele - onde ficavam a sós e maravilhosamente descontraídos. Agora um novo Dimitri parecia emergir - um homem rígido, de gostos empedernidos e códigos de comportamento do velho mundo. Ela não estava muito certa de apreciar minimamente o novo Dimitri. Do que tinha a certeza era que teria mantido a relação na sua forma inicial. Por que cedera à pressão dele?

O negócio do terreno de Atlantic City estava quase concluído, o que a trazia exultante. Mas temia o cruzeiro. Esperava poder descobrir um canto tranqüilo e isolar-se.

Dimitri decidira que, naquele ano, o cruzeiro teria lugar no sul de França. Não mencionou a ninguém, muito menos a Lucky, que o facto seria do interesse de Francesca - que tinha um jantar de gala em sua honra em Monte Carlo e ao qual desejava não faltar.

Viajaram no Concorde de Nova Iorque para Paris e daí para o aeroporto de Nice num Jeí Lear particular; aí eram aguardados por um Rolls com motorista, que os levou para The Greek, como Dimitri denominara modestamente o seu iate.

Roberto suportou bem a viagem. Era uma criança extremamente activa e bem disposta, nada parecia afectá-lo, e Lucky sentia-se afortunada por ter encontrado alguém como CeeCee para cuidar do filho. Esta era uma bonita jovem negra de vinte anos, dona de uma fileira dupla de enormes dentes alvos, um sorriso pronto e cabelo sempre impecavelmente entrançado. Lucky descobrira-a a trabalhar como criada numa casa de hamburguers, seis semanas antes de dar à luz.

- Tenho tanta inveja! -observara a jovem sorridente, olhando para o ventre dilatado de Lucky enquanto lhe servia umas batatas fritas proibidas, um batido de leite e um enorme hamburger a escorrer molho - Adoro bebês. Tenho seis irmãos e irmãs mais novos na Jamaica e imensas saudades dos mais pequenos.

Tinham começado a conversar e Lucky, antes que desse por isso, oferecera emprego a CeeCee e esta aceitara imediatamente.

Dimitri mostrara-se discordante. Desejava uma preceptora inglesa treinada para o seu filho, não uma criada jamaicana qualquer, sem experiência. Mas Lucky sempre se deixara levar pelo seu instinto e CeeCee demonstrara ser uma preciosidade - adorava Roberto quase tanto quanto eles.

Tratava-se da primeira visita de Lucky a The Greek. O barco era enorme. Ela esperara encontrar luxo mas a pura opulência com que deparou ultrapassara as suas expectativas. Era um palácio de noventa e dois metros de comprimento, servido por uma tripulação, oito cabinas magníficas, cada qual decorada por um designer famoso diferente, um cinema art deco de paredes forradas a seda negra e equipamento do mais moderno que havia para exibir quer os vídeos quer os filmes mais recentes, uma piscina forrada a mosaicos dourados e brancos, e numerosos deques e outras áreas para entretenimento e diversão.

Foram saudados pelo comandante. Era um inglês de tez avermelhada, um bigode de pontas reviradas e atitude pretensamente jovial. A esposa, uma mulher de rosto cavalar e pele coriácea, mantinha-se a seu lado. Era a encarregada da cozinha. Trabalhavam para Dimitri ia para quinze anos e encararam Lucky com desconfiança mal disfarçada. O comandante e Mistress Pratt governavam os dinheiros das despesas a seu bel-prazer - e não desejavam a interferência de uma patroa.

- Algum dos meus convidados já chegou? - perguntou Dimitri com voz autoritária.

- Ainda não, Mister Stanislopoulos - replicou o comandante Pratt, dando-lhes as boas-vindas a bordo. - Mas estamos todos prontos e preparados.

Os seus olhos inexpressivos despiram Lucky ao mesmo tempo que lhe estendia a mão para a cumprimentar e dizia estarem todos imensamente deleitados e felizes por o patrão ter encontrado uma esposa.

"Estou mesmo a ver", pensou Lucky. Percebeu imediatamente que eles andavam a meter a mão em dinheiro alheio. Anos a dirigir um hotel em Las Vegas ensinara-a muitas coisas acerca da natureza humana. Tinha um faro especial para os caloteiros e trapaceiros deste mundo. Sorriu automaticamente. Como era eficiente a dispensar amabilidades sociais. Esperava ser capaz de manter essa sua capacidade ao longo de todo o cruzeiro. Depois partiria. Atlantic City esperava por si.

Dimitri pegou-lhe no braço e acompanhou-a aos aposentos que lhes estavam destinados. Aguardava-a uma cabina deveras masculina - toda em castanhos escuros e tons terrosos. A cama tamanho-gigante era encimada por uma cabeceira em couro e ladeada por duas mesinhas de cabeceira em couro-polido e metal. As paredes encontravam-se forradas a couro. Numa delas via-se pendurado um retrato enorme com uma mulher nua.

- Picasso - salientou Dimitri, reparando que Lucky fitava o quadro. Lucky foi até à casa de banho. Mármore-caviar. Fria e impessoal.

- Então? - perguntou Dimitri. - Gostas?

- É... austera - replicou Lucky.

- Parece-me que queres dizer que tem contornos definidos. Encomendei-a há três anos atrás a um dos melhores decoradores de Itália.

- Não deixa de ser austera. Teria preferido algo mais repousante. Voltou a olhar em volta. - Onde estão os livros? As revistas? E o que ainda é mais importante, onde está a música?

- Que música - perguntou Dimitri de cenho franzido.

Ele ainda não descobrira a paixão que ela tinha pela música sold. Como poderia alguém desenhar um quarto de cama sem lhe incorporar um magnífico sistema sonoro?

Os alojamentos de Roberto e CeeCee eram sem dúvida mais alegres. Originariamente concebidos para Brigette e a sua preceptora, tinham animaizinhos a trepar pelas paredes, um mural no tecto retratando o céu e o sol, e uma casa de banho de um amarelo soalheiro. Lucky sabia que passaria mais tempo ali que no santuário austero de Dimitri.

- Deus! -gritou Francesca Fern. -'Tenham cuidado com a minha bagagem, grandes bestas!

Os carregadores franceses trocaram olhares. Não entendiam o que ela dizia, mas era inglesa ou americana - não fazia diferença - e todas as turistas de língua inglesa deviam ser olhadas de cima para baixo e tratadas com o máximo de insolência que pudessem agüentar em dia tão quente e ventoso. Por acidente propositado, uma das malas Vuitton (eram doze e em tamanhos variados) caiu do cimo do carrinho de rodas através do qual estavam a ser transportadas para o automóvel que aguardava.

-Horace! -gritou Francesca. -Como te atreves a permitir que isto aconteça!

Horace, que certamente não tinha qualquer culpa da queda, disse:

- Desculpa, minha querida. Não voltará a acontecer.

- Espero bem que não - ripostou Francesca com maus modos, ignorando os turistas que, embasbacados, a fitavam pois tinham-na reconhecido, assim como o motorista, que se curvara respeitosamente.

Horace deu algum dinheiro aos carregadores desdenhosos.

- Por favor - implorou-, mais cuidado. Sim?

Os homens guardaram o dinheiro no bolso e ignoraram as suas súplicas, permitindo que as malas resvalassem para cima do passeio empoeirado mal chegaram junto do carro. Já tinham recebido a gorjeta, portanto nem se deram ao cuidado de ajudar o motorista de idade a apanhá-las e a colocá-las no porta-bagagens, limitando-se a afastar-se indolentemente, em busca da vítima seguinte.

Felizmente Francesca já estava dentro do automóvel nessa altura, abanando-se e queixando-se do calor. Tinha sempre algo de que se queixar e Horace estava sempre por perto para apanhar com as culpas. Este adorava desesperadamente aquela esposa de formas generosas e temperamento volúvel, sabendo que, com aquele seu talento tão grande, ela tinha de ter alguém em quem desabafar as suas frustrações. Ele fora, ao longo dos dezoito anos de casamento, o alvo perfeito da língua viperina da mulher. Assumindo um ar contristado, sentou-se a seu lado, no banco de trás.

- Hmmm - suspirou Francesca, com a sua famosa voz de entoações profundas e quentes. - Estou completamente exausta. Era capaz de dormir durante uma semana.

Horace deu-lhe toda a razão. Dava-lhe sempre razão. Achava-a a mulher mais espantosa que alguma vez encontrara em dias de sua vida e o facto de ela o ter escolhido a ele para marido, não cessava nunca de espantá-lo.

- Talvez venhas a fazê-lo, queridinha - disse Horace, perfeitamente ciente de que ela não o faria de maneira alguma. Quando ela e Dimitri estavam na companhia um do outro, passavam a noite inteira a beber, a rir e a dançar. Horace não permitia que a sua mente imaginasse o que mais eles poderiam fazer, tão-pouco se aventurando a indagar. Certa vez tentara fazer perguntas.

- Como te atreves a espiar-me? Não tolerarei ser interrogada por ti.

Depois disso, Horace passara a calar-se. O cruzeiro era um acontecimento anual e mesmo que Francesca se esgueirasse muitas vezes para a cama às seis da manhã, ele sabia tratar-se apenas de uma aberração temporária, não tardando que ela passasse novamente a ser sua.

Naquele ano, de qualquer maneira, as coisas poderiam ser diferentes. Dimitri casara novamente. "Uma desavergonhada de Las Vegas", exclamara Francesca desgostosa, ao saber da notícia. Horace imaginava uma corista loira e explosiva.

- Motorista - chamou Francesca, inclinando-se para a frente e batendo fortemente na divisória de vidro. - Por amor de Deus abrande. Você guia que nem um doido.

O motorista, esvaído das suas energias pelas malas de Francesca (seis tinham ido para outro táxi) e a guiar a mais de sessenta quilômetros à hora preferiu um estóico "oui, madame" e desejou estar em casa junto da esposa jovem que tomara recentemente e o mantinha até altas horas acordado todas as noites.

A viagem até Cannes prosseguiu sem acontecimentos assinaláveis durante mais dez minutos até que, sem razão aparente, o carro começou a ziguezaguear loucamente pela auto-estrada, falhando outros motoristas, possessos, por escassos centímetros.

- Santo Deus! -gritou Francesca horrorizada. -Horace! Faz alguma coisa!

Com um impulso súbito, o automóvel virou na direcção do passeio, embateu num poste e parou abruptamente. Francesca foi atirada ao chão e Horace caiu em cima dela. Miraculosamente, nenhum dos dois ficou ferido.

- Sai de cima de mim, idiota! - guinchou Francesca, tirando um dos sapatos de salto ponteagudo e batendo-lhe com ele ao acaso.

Horace ergueu-lhe a voz - era a primeira vez que o fazia.

-Pára com isso- berrou.

- Não me mandes parar com nada - gritou Francesca enraivecida, continuando a bater-lhe.

O taxista que viera a segui-los com o resto da bagagem, abriu a porta de trás e, com a ajuda de vários passantes, puxou-os para fora da viatura. Ouviam-se exclamações em francês em abundância "mon Dieu" "merde! ", assim como outras frases do gênero.

O motorista foi arrastado para fora do seu lugar. Tinha um pequeno corte na testa -para além deste, encontrava-se perfeitamente morto.

- Horace! -gritou Francesca. -A culpa é toda tua! Não descansarias enquanto não me estragasses as férias!

 

Uma semana em Las Vegas dificilmente poderia ser considerada como o cenário ideal para iniciar uma vida de casados. Especialmente com Alice a Rebolona por companhia. Seguindo a boa tradição das sogras e das noras, Alice detestava Olympia e esta retribuía na mesma moeda.

- É gorda - dizia Alice.

- É uma bruxa - dizia Olympia.

- É ordinária - dizia Alice.

- É constrangedora - dizia Olympia.

E assim por diante. Lennie recebia uma litania de queixas quer de um lado, quer do outro. E, para dizer a verdade, tanto lhe fazia. Olympia era um tanto rechonchuda demais - ele fizera-a prometer que iria perder cinco quilos. Alice passava perfeitamente por bruxa. Disse-lhe que se comportasse ou pusesse a andar. Lennie reparou que Olympia tratava o pessoal pessimamente e chamou-lhe a atenção para o facto. Acerca disso não podia fazer nada. Alice era sempre constrangedora. Quanto a isso, nada podia fazer. Toda a vida fora assim.

A grande surpresa fora Alice e Brigette. Adoravam-se uma à outra! Bastara que a criança loura lançasse um olhar à stripper gasta e logo se formara um elo. Brigette nunca gostara de nenhum adulto na sua vida. Alice sempre detestara crianças. Juntas, formavam um par bizarro - tagarelando acerca de programas de televisão, comida e roupas, como se fossem da mesma idade. Tanto Lennie como Olympia tinham dificuldade em acreditar no que viam. Bem no íntimo, Lennie sempre desconfiara de que o intelecto da mãe não ultrapassara a fase primária da adolescência - mas Brigette tinha apenas onze anos. No entanto quem as visse juraria que ela e Brigette eram amigas de longa data. O relacionamento entre as duas salvava o dia. Olympia aceitava Alice devido a esse facto. Brigette começara repentinamente a comportar-se como um ser humano um novo fenômeno.

O casamento, conforme Lennie descobriu, tinha algumas vantagens. Uma delas era terem-se acabado as conquistas fortuitas.

Certamente não se iludia de que ele e Olympia se encontravam loucamente apaixonados um pelo outro, no entanto dispunham de muito tempo. Tinham enveredado por aquele caminho e ele estava decidido, pelo seu lado, a esforçar-se para que resultasse.

Empurrou Éden para o fundo da sua mente.

Olympia também achava o casamento (o quarto) vantajoso. Especialmente com alguém como Lennie. Ele não se assemelhava aos outros três maridos que tivera - percebera-o imediatamente. Era mais inteligente e mais sexy, nada obcecado com o dinheiro dela como acontecera com os outros. De facto parecia até nem sequer se preocupar com o dinheiro. Ao apresentarem-lhe o acordo prenupcial, três dias depois do casamento, assinara o documento com data atrasada sem sequer lhe lançar uma mirada.

- Não foi com essa tua parte que casei - disse ele despreocupadamente.

Lennie possuía olhos electrizantes, lábios insistentes, mãos meigas e um pénis inspirador de admiração.

Não era Flash. Mas não era nada de desprezar.

Pôs Flash de reserva. Ele poderia esperar.

Jess tinha consciência de que não estava perante nenhum amor apaixonado, mas não era tão mau como imaginara que seria depois do seu encontro inicial com a Princesa Grega - como baptizara Olympia - embora esta lhe parecesse mais californiana que grega.

- Lennie - comentou -, não sei que foi que lhe disseste mas, fosse o que fosse, continua a repeti-lo, ela está quase suportável.

Lennie riu.

- Tens de compreender Olympia - afirmou ele pacientemente. Certo, está mimada de mais. Também não o estarias se o teu velho fosse dono de metade do mundo e tu crescesses a contar em ser dona da outra metade?

Jess tentou colocar-se em semelhante posição mas não foi muito bem sucedida.

-Olympia é muito insegura - prosseguiu Lennie o analista. -É por isso que trata as pessoas assim.

"Ah, sim? Insegura acerca de quê?" Agora a imagem começava a ficar nítida. Lennie Golden. Campeão das causas perdidas. Casara com a rapariga mais rica do mundo para a salvar de si própria.

- Quando a conheceres melhor - acrescentou ele -, gostarás verdadeiramente dela.

Um gosto adquirido, assim como o das enguias grelhadas.

- Se assim o dizes - concordou Jess amavelmente.

Não lhe apetecia discutir. Ele que aprendesse à sua própria custa.

Entretanto, Matt estava a pô-la doida. Agora que chegara à conclusão de que gostava verdadeiramente dele - e muito - ele tornara-se no Melhor Amigo, que nunca seria capaz de lhe pôr a mão em cima. Ela queria mais do que a mão dele, dando-lho a entender.

- Tiveste sempre razão em relação a nós, Jess - disse-lhe Matt, sem perceber minimamente. - Devia fazer mesmo figura de parvo no tempo em que não te deixava em paz.

- Não, não fazias - replicou ela esperançadamente.

- Fazia, sim. Era um parvo - repetiu ele.

E não tencionava voltar a fazer figura de parvo.

Olympia discutiu o cruzeiro de Dimitri, que se avizinhava, com Lenie. Este consultou Jess e descobriu que poderia ausentar-se por uma semana; passado esse espaço de tempo, tinha a sua primeira actuação marcada para o The Tonight Show, acontecimento que aguardava com expectativa mas também com nervosismo. Aparecer ao lado de Carson era o mesmo que ter uma audiência com o Papa.

-Eles prometeram-te uma actuação de sete minutos - disse Jess entusiasticamente. - Freddie Cordova disse que não conseguia perceber por que razão ainda lá não foste. Não quis dizer-lhe que andamos a bombardeá-los há dois anos.

Lennie decidiu que ele e Olympia partiriam imediatamente a seguir ao espectáculo de sábado à noite, indo de carro até Los Angeles, onde apanhariam o vôo para Londres, passando a noite nessa cidade para depois, no dia seguinte, seguirem novamente de avião, para o sul de França. Sentia-se entusiasmado com a viagem pois nunca saíra do país, embora, felizmente, tivesse arranjado um passaporte, anos antes, numa altura em que ele e Éden tinham planeado uma ida a Veneza - que nunca chegara a realizar-se porque ela fugira para Los Angeles com o amiguinho actor. Que acontecera a esse?

Olympia apreciou-lhe o entusiasmo. Como seria divertido mostrar-Lhe outras paragens... Só desejava que dispusessem de mais tempo.

A preceptora Mabel e Brigette partiriam dois dias antes deles e foi então que Olympia teve uma idéia brilhante. Por que não mandar Alice com elas? Tendo Alice por companhia, ao menos a criança comportar-se-ia.

Comunicou o seu plano a Lennie, que imediatamente lhe respondeu:

-Esquece semelhante idéia.

Mas Alice veio a saber do acontecido e enfrentou imediatamente Lennie, de maçãs do rosto vermelhas e mãos trêmulas.

- Não podes negar-me esta oportunidade - declarou dramaticamente. - Mantiveste-me fora do Griffin Show sabes perfeitamente. Não sou nenhum schlump que possas empurrar para trás. Sou a tua mãe, Lennie, a tua mãe!

Como se não lho dissesse dez vezes por dia. Lennie concordou, relutantemente, em que ela fizesse a viagem, embora tivesse o pressentimento terrível de que todos viriam a arrepender-se - especialmente ele.

O resto da semana em Las Vegas passou rapidamente. Ele e Vitos Felicidade obtiveram um êxito estrondoso e as críticas publicadas pareciam ter sido escritas por ele próprio. A da Variety mostrou-se particularmente lisongeadora. Descreviam-no como possuindo uma variedade de talentos, entre eles o sentido de oportunidade de Carlin, a irreverência de Bruce e a loucura cômica de Chevy Chase. Nada mau. Jess recortava tudo e juntava os materiais ao dossier de recortes que andava a organizar.

Matt deu um pequeno jantar em honra deles na véspera da sua partida. Não levava par e Jess também não. Ficaram calmamente sentados ao lado um do outro, ambos embebidos nos seus pensamentos por exprimir.

Vitos compareceu com uma morena escultural que passou o jantar inteiro a lamber-lhe a orelha.

"Aproveita-lhe bem a orelha", pensou Olympia, "pouco mais tens."

Vitos mostrou-se escrupulosamente encantador para todos sem excepção; ninguém imaginaria que Olympia o rejeitara ainda não há uma semana.

Lennie embebedou-se e Olympia apanhou uma "pedrada".

De manhã, Lennie resolveu não voltar a beber. Não gostava dos efeitos que o álcool lhe provocava nem das ressacas que tinha de suportar.

Olympia atarefou-se a fazer as malas. Jess apareceu à hora do almoço; estava decidida a regressar a Los Angeles na manhã seguinte.

- Por que não voltas connosco esta noite? - perguntou-lhe Lennie. Jess abanou negativamente a cabeça. Queria ficar mais uma noite

em Las Vegas. Quanto mais não fosse para dar a Matt uma última oportunidade.

Olympia recebia tratamento especial onde quer que se deslocasse; Lennie não levou muito tempo a descobrir esse facto da vida. Na América, também ele começava a desfrutar de tratamento VIP - tal era o poder da fama, para não falar do da televisão. Na Europa, ninguém ouvira falar dele e de repente era Mr. Stanislopoulos. Na primeira vez em que ouviu chamarem-no assim, riu. Da segunda, já não achou tanta graça. E da terceira não viu onde estava o humor.

Olympia ajeitou os caracóis louros e disse-lhe que se habituasse.

- Nunca me habituarei a tal, senhora - replicou iradamente. Londres era tal qual como a imaginara, embora mais quente do que contara. As ruas asfaltadas libertavam um vapor quente. No aeroporto eram aguardados por um Bentley branco com um motorista de cabelos a condizer, que os conduziu até ao Hotel Connaught.

- O meu pai fica sempre aqui - anunciou Olympia. - Tem o melhor restaurante da cidade.

Melhor restaurante ou não, o certo é que se aventuraram a ir jantar fora a um clube privado que ficava na Berkeley Square, chamado Annabel, onde Olympia encontrou alguns amigos ingleses. Formavam um grupo estranho, com nomes ainda mais estranhos como Muffy, Pinko, Nigel e Poopsie.

- A sociedade inglesa - sussurrou Olympia.

Os homens falavam com sotaque acentuado e as raparigas, embora de uma beleza delicada, tinham um ar intocável com a sua pele rosa-e-branco impecável e o cabelo artisticamente penteado à "Princesa Di." Lennie dançou com uma delas ao som de um disco de Sinatra, o Come Fly With Me, e todos pareciam estar a divertir-se imensamente. A rapariga cheirava a rosas fenecidas, premindo fortemente o corpo ossudo contra o dele.

- Continuemos - sugeriu Olympia depois de um delicioso jantar de cocktail de caranguejo, bife à Diana e gelado de chocolate amargo.

- Não te sentes fatigada? - perguntou-lhe Lennie. Estava a experimentar o efeito das diferenças horárias.

- De maneira nenhuma - replicou ela, na dúvida se devia ter-lhe oferecido um pouco da óptima cocaína que inalara antes de sairem.

- Não - era o fornecimento dela e não estava disposta a partilhá-lo. Quando fossem para o iate, deixava de saber onde reabastecer-se - portanto parecia-lhe importante poupar o que tinha. Além disso, Lennie dissera-lhe que não tomava droga, portanto, para quê desperdiçá-la com o marido?

Relembrou Flash por breves instantes. Ora com esse nunca havia qualquer problema. Era um consumidor superior. Quem sabe, talvez deparassem com ele no sul de França. Sabia-o escondido numa villa ao norte de Cannes, com a esposa adolescente e grávida, ambos provavelmente em estado de "pedrada" permanente.

Do Annabel seguiram para o Tramp, mais um clube privado que ficava na Jermyn Street, este, no entanto, mais informal e divertido do que o tranqüilo Annabel.

O Tramp era dirigido por um inglês afável chamado Johnny Gold. Saudou Olympia como a uma amiga de longa data, embora só a tivesse visto no clube uma vez anteriormente, na companhia de Flash. E mostrou-se igualmente amigável para com Lennie - de facto, parecia até saber quem Lennie era, o que deixou este lisongeado. Lennie soube instintivamente que o Tramp era o seu tipo de poiso. Tirou a gravata, desabotoou os primeiros botões da camisa e sentiu-se instintivamente melhor.

Johnny conduziu-os até à discoteca apinhada e enfiou-os numa mesa já repleta. Apresentou-os a Jan, sua mulher, uma ex-modelo espampanante. E algumas das outras pessoas sentadas ao longo dos confortáveis bancos estofados incluiam Ringo Starr, Jack Nicholson e George Best, a estrela do futebol inglês.

Lennie começou a acelerar - sentiu repentinamente as energias renovadas.

Ele e Olympia deambularam de clube em clube até às quatro da manhã, tentaram passar despercebidos pelo meio dos paparazzi açoitados, deixaram-se cair no interior do automóvel que os aguardava e dormiram durante todo o caminho que os levou de regresso ao Connaught.

Foi uma noite memorável e, ao meio-dia do dia seguinte, apanhavam novo avião, dessa vez para o sul de França, onde os esperava o cruzeiro de verão de Dimitri.

Lucky determinou a sua atitude e posição logo a partir do primeiro dia. Deixou-se ficar sossegada no seu canto, a apreciar, sentindo-se uma observadora relutante mas arguta da grande charada da vida.

Na realidade estava deveras habituada a observar pessoas e situações, depois de passar quatro longos anos em Washington, quando casara com o mortalmente chato Craven Richards.

Agora era Mrs. Dimitri Stanislopoulos e havia ocasiões em que perguntava a si mesma se estaria em muito melhor situação. Talvez a vida de casada não fosse para si. Ser livre e solteira parecia uma perspectiva mais atractiva cada dia que passava - porque cada dia que passava sentia que conhecia Dimitri menos. Este tornara-se arrogante e prepotente, um tirano para os seus subalternos. Outrora fora um amante excitante e hábil, mas desde que se tinham casado, parecera ter perdido todo o interesse pelo sexo.

Francesca Fern chegou no meio de grandes manifestações teatrais. O motorista que a conduzira ao iate tivera a indelicadeza de sofrer um ataque e morrer a meio da viagem. Sentia-se devidamente ultrajada. Culpava Horace, o infeliz do marido, por todo o incidente.

Horace aceitava a ira da esposa como lhe competia.

Dimitri consolou-a com champanhe, rosas e bastante atenção e solicitude.

Lucky, que tinha conhecimento da relação antiga entre os dois, deu consigo a interrogar-se se a mesma estaria de facto terminada, tal como ele assegurara ao discutirem a lista de convidados.

- Francesca foi outrora a minha paixão - confessara Dimitri abertamente. - Mas agora não passa de uma boa amiga e quero convidá-la.

- Claro - dissera Lucky, que não era de natureza ciumenta. E, para dizer a verdade, não via em Francesca qualquer espécie de ameaça - apenas uma mulher de meia-idade famosa e de rosto de aparência cavalar.

Depois de os Ferns se instalarem, chegou Saud Ornar, um árabe de riqueza imensa, com a sua amiguinha da sociedade, a condessa Tânia Zebrowski. Bastou um olhar para Lucky gemer interiormente. O homenzinho gordo e de olhos empapados em óleo era, sem a menor dúvida, um devasso, e a sua namorada, a escorrer diamantes e ouro, era uma mulher de rosto duro e trabalhado pela estética, cuja beleza já vira dias melhores.

A seguir foi a vez de Jenkins Wilder, o magnata texano do petróleo, indivíduo extravagante na casa dos cinqüenta, acompanhado de Fluffy, a esposa de dezoito anos que o tratava por "papazinho" e "labrego".

Assim se passou o primeiro dia.

A manhã seguinte trouxe a preceptora Mabel, Brigette e uma Alice grotescamente trajada, que atirou os braços ao pescoço de um Dimitri constrangido, beijou-o lascivamente e anunciou:

- Sinto como se o tivesse conhecido toda a vida. Agora somos família. Conheçamo-nos como deve ser.

Gino e Susan chegaram ao meio-dia e, pouco depois, o iate levantava amarras.

O cruzeiro começara.

Formaram-se amizades.

A condessa e Susan simpatizaram instantaneamente uma com a outra. Fluffy e o devasso árabe perceberam logo ter algo em comum. Francesca e Dimitri trocavam palavras entremeadas e olhares prolongados.

Alice sentiu um fraquinho por Horace.

Jenkins Wilder passava a maior parte do tempo ao telefone.

O que deixava de fora Lucky e Gino.

-Como tens passado? - perguntou a filha.

- Por que fugiste de Los Angeles? - perguntou o pai.

- Susan está com bom aspecto - observou Lucky, para dizer alguma coisa.

- Esse tipo - o Dimitri. É demasiado velho para ti - resmungou Gino.

"Que raio estamos nós a fazer aqui?" teve Lucky vontade de dizer. "Por que não nos piramos? "

- Olha, miúda, que estamos nós a fazer aqui?

Gino exprimira o seu pensamento em voz alta. O bom velho Gino, sempre pronto a dizer o que lhe corria na mente.

Encolheu os ombros e olhou para o mar. O iate sulcava suavemente a água límpida, rumo a Saint Tropez, onde deveriam recolher Olympia e o último marido desta. Ela e Gino encontravam-se no deque do topo a tomar banhos de sol. Por baixo deles, noutro piso, Dimitri e Francesca jogavam uma tumultuosa partida de gin rummy.

- Não faço idéia - respondeu ela por fim.

- Sabes uma coisa? - reflectiu Gino. - Penso que nós os dois cometemos alguns erros neste último par de anos.

Lucky fitou o pai atentamente. Que estaria ele a tentar dizer-lhe? Que também mudara de opinião acerca do seu casamento?

Teve vontade de lhe perguntar mas antes de o poder fazer, um criado apareceu e anunciou que o almoço fora servido. Sempre que ela e Gino estavam à beira de iniciar uma conversa séria, eram interrompidos por algo. Lucky teve esperança de que ele ficasse, que deixasse os outros almoçar. Mas o pai não o fez. Levantou-se, vestiu uma camisa desportiva e estendeu-lhe a mão.

- Vamos, miúda - disse. - Quanto mais refeições tomarmos, mais depressa nos vemos livres desta disparatada excursão flutuante e eu, pelo menos, estou ansioso para que tal aconteça!

O iate Stanislopoulos chegou ao porto de Saint Tropez às sete da tarde. Dimitri tomara a decisão de permanecerem todos no iate para jantar pois a maioria dos seus convidados devia estar provavelmente a sofrer com as diferenças horárias.

Lucky, agitada, ao envergar um vestido branco comprido, prendeu depois a sua nova gargantílha de diamantes ao pescoço e escovando o cabelo vigorosamente para em seguida o sacudir, transformando-o numa nuvem de caracóis negro-azeviche, sentia-se agitada. A seguir aplicou uma maquilhagem leve.

Dimitri mudou para um fato escuro, camisa branca e gravata de seda, e depois colocou-se em frente do espelho a mirar-se, aspergindo-se abundantemente de água de colônia.

- Isto é realmente ridículo - comentou Lucky. - Estamos em Saint Tropez, num barco, em férias e vestimo-nos como se fôssemos à noite de estreia da ópera!

- Pode parecer ridículo a ti - replicou Dimitri pomposamente. - No entanto, minha querida, é assim que gosto de viver.

- E quanto a mim? - inquiriu Lucky furiosa. - Será que não tenho o direito de dizer uma palavra sobre a nossa maneira de viver?

Dimitri fitou-a de alto a baixo.

- Esse vestido é excessivamente decotado - observou. - E puseste demasiada sombra nos olhos.

Era a primeira vez que ele criticava a sua aparência.

- Vai-te foder! - replicou Lucky furibunda.

Dimitri fitou-a e compreendeu, com grande mágoa, que nunca se deviam ter casado. Lucky era demasiado jovem, demasiado rebelde e, sem dúvida, demasiado libertina na sua linguagem. Ele tivera esperança de que, depois de casados, ela aceitasse a sua autoridade, orientação e conhecimento superior da vida. Obviamente, tal não iria acontecer.

Quando se sentaram à mesa da sumptuosa sala de jantar, não iam na melhor das disposições. Dimitri ficou instalado numa das cabeceiras da mesa, com Francesca à sua esquerda e Susan à direita. Lucky viu-se no extremo oposto, ladeada por Saud Ornar e Horace Fern. Gino ficara algures no meio, ao lado de Fluff. Lucky não ficou satisfeita. Quem determinara a disposição dos lugares?

Pegou num dos pequenos suportes de prata para os cartões e descobriu a letra de Dimitri no pedaço de papel branco.

Diabos o levassem. Ela começava a ficar perfeitamente farta de ser ele a tomar as decisões. Não teria ela, como Mrs. Stanislopoulos, o direito de também dispor de alguma autoridade?

A conversa que teve lugar durante o jantar foi, para dizer o mínimo, sensaborona. Lucky detestou Saud, com os seus olhos libidinosos e o cabelo ensebado, Horace era uma nulidade, as mulheres eram todas umas chatas, exclusivamente preocupadas com roupas, decoradores, jóias, mexericos e problemas com a criadagem.

"Que faço eu aqui?" pensou. "Terei perdido a cabeça ou quê? Porque isto não tem nada a ver comigo."

Francesca tinha um riso que fazia lembrar o trabalhar de um serrote. Utilizava-o com freqüência; ela e Dimitri pareciam passar um tempo maravilhoso um com o outro. Susan era o centro das atenções. Gino mostrava-se inusitadamente silencioso.

O jantar decorreu com lentidão. Caviar de entrada. Depois chateaubriand com purê de batata e vegetais à escolha. Tudo isto servido por três criadas filipinas impecavelmente uniformizadas.

"Isto é arcaico", pensou Lucky, depenicando na comida.

Quando chegou a altura da sobremesa, não podia mais de aborrecimento. E com Gino acontecia o mesmo, apesar de Fluff se esforçar ao máximo para o animar. Ele já desistira das meninas de dezoito anos há muitas décadas atrás.

Olharam um para o outro de cada lado da mesa. Gino abanou a cabeça como quem diz, "que porcaria é esta?" Lucky pantominou-lhe um, "como raio queres que saiba?" Sorriram conspiradoramente. Deus, que saudades ela sentira dele!

A sobremesa foram profiteroles abundantemente cobertas de chocolate e enquanto Lucky falava de banalidades com Horace, reparou que Francesca levava as iguarias cheias de creme à boca de Dimitri, uma de cada vez, ao mesmo tempo que ambos trocavam olhares incandescentes e Francesca ria guturalmente, lambendo os lábios vermelho-escuros com uma língua de serpente.

"Aquele filho da mãe continua a dormir com ela."

Lucky teve a certeza, o que a deixou furiosa.

Claro que o percebera desde o momento em que Francesca chegara a bordo. Era indiscutivelmente óbvio. Os olhares prolongados, íntimos, os toques de mão, a atenção que ele lhe dispensava. Tudo provas conclusivas. Lucky não era nenhuma idiota. Também não estava apaixonada por Dimitri - de facto, nunca o estivera. Oh, claro, durante algum tempo iludira-se com a idéia de que talvez ele fosse o homem indicado para si. Mas encarando os factos com clareza, ela só casara com Dimitri porque parecia o indicado a fazer para bem de Roberto, e também - não podia fugir aos factos - porque quisera construir o seu hotel mais que qualquer coisa no mundo.

Raios! Que acontecera ao amor? Depois de Marco, certamente não seria capaz de voltar a amar. Não com a mesma paixão abrasadora e inabalável. E tinha razão.

Raios! Raios! Raios!

Horace repetia-lhe a mesma pergunta idiota. Quem lhe dera que ele se calasse. Que tipo de homem era ele, vendo bem? Devia estar a par do que acontecia.

Estreitou os olhos e tentou conceber um plano de acção. Antes de mais nada, não tencionava humilhar-se e fazer uma cena. Provavelmente era o que estavam todos a aguardar, aquele grupo ilustre.

Não, ela saberia esperar pelo momento indicado para atacar.

Por que não teria Marco vivido?

Sentia-se à beira das lágrimas. Pestanejou várias vezes para as afastar. Chorar era uma fraqueza, e Lucky Santangelo era, acima de tudo, forte.

 

Carrie e Steven chegaram a Los Angeles ao fim da tarde. Steven ia silencioso, como de costume, permitindo que o seu ressentimento e fúria se agitassem por trás da aparência. Depois de se instalarem no hotel, voltou-se para Carrie e disse:

- Encontramo-nos às dez da manhã.

E foi tudo. Ela ficou entregue a si própria. Para ele tanto fazia que a mãe tivesse pela frente uma noite longa e solitária.

- Muito bem, Steven - replicou Carrie calmamente, encaminhando-se para o elevador.

Steven foi para o seu quarto, mirou o telefone durante algum tempo, fez a barba, tomou um duche, mandou vir meia garrafa de uísque através do serviço de quartos e voltou a mirar o telefone.

Às sete menos um quarto pegou no auscultador e ligou para os serviços telefônicos. Atendeu uma mulher.

- É uma emergência - disse com voz controlada. - Tenho de falar imediatamente com Gino Santangelo.

- Santo Deus. - A mulher pareceu aflita. - Que tipo de emergência? Mister e Mistress Santangelo saíram do país ontem. Ficarão na Europa durante duas semanas.

- Europa? - perguntou inexpressivamente.

- França - esclareceu a telefonista. - Posso tentar contactar... Ainda falava quando ele desligou.

Mais tarde, nessa noite, alugou um carro e passou pela residência Santangelo. Foi nessa altura que se deu conta da vida protegida que aquela gente levava, chegando então a uma conclusão - Gino Santangelo nunca lhe daria ouvidos, mesmo que estivesse na cidade. Por que andava ele a enganar-se a si mesmo?

Desanimado, guiou durante algum tempo, dirigiu-se de novo para Sunset e finalmente parou no parque de estacionamento de um bar. Só se apercebeu de que era uma casa de strip quando entrou, e nessa altura apeteceu-lhe beber, não se importando, de facto, com a espécie de espelunca em que tivesse ido parar.

O local estava repleto de homens de olhos pousados numa escandinava escultural que tirava a roupa sugestivamente numa passarela gasta que se estendia por entre as mesas lascadas. O cetim vermelho foi retirado para revelar carne macia, seios arrebitados e um monte-de-vénus cabeludo.

Steven mandou vir um uísque duplo através de uma criada de mesa em topless e saia de capim. A jovem possuía cabelo espigado e seios atrevidos. Não devia ter mais de dezassete anos. Steven sentiu pena dela e quando a viu regressar com a bebida, obsequiou-a com uma gorjeta generosa.

- Às nove e meia faço um intervalo. Posso fazer-lhe um trabalho de boca no parque de estacionamento por vinte dólares.

A oferta dela ofendeu-o. Estaria ele a começar a parecer necessitado daquele gênero de acção?

-Não, obrigado - disse ele com brevidade.

-Quinze- sussurrou a jovem esperançadamente.

-Não.

- Dez - implorou ela. - Tenho um filho. Ele precisa de coisas.

- Que tipo de coisas? - perguntou Steven rapidamente.

- Oh - olhou em volta furtivamente. - Comida, roupa. Tudo. -Uma ova. -Não estou a enganá-lo.

- Eh, Desiree - gritou o barman. - Que se passa aí? Estás a receber novo pedido ou quê?

A jovem ficou hirta como um rato encurralado. -Está bem - disse Steven-, traga-me mais outra dose. No palco, a escandinava deu lugar a uma porto-riquenha de cabelos espantosamente brancos. Envergava uma fatiota de cowboy, que permaneceu sobre o seu corpo núbil exactamente durante três minutos e meio. Em seguida despiu-se até só lhe restarem umas borlas nos mamilos e no púbis. Agachou-se e principiou a saracotear-se, enquanto os homens que compunham o público gritavam Obscenidades encorajadoras. Desiree voltou com a segunda bebida de Steven.

- Que idade tem o seu filho? - perguntou-lhe ele.

- Quase dois.

- E você?

- Que idade quer que tenha? - replicou a jovem coquetemente.

- Posso fazer de estudante ou puta. Quer voltar mais tarde e vamos até minha casa para descobrir? Custar-lhe-á uns cinqüenta, mas valerá cada dólar. Se quiser pagar-me sessenta, posso ir-me embora imediatamente. Digo-lhes que estou doente.

- Desiree - gritou o barman.

- Então? - perguntou ela ansiosamente, Steven sentiu-se curioso.

-Saia agora - decidiu.

- No parque de estacionamento daqui a cinco minutos - murmurou a jovem, afastando-se apressadamente.

Steven ficou a assistir a mais alguns minutos de mamilos rodopiantes. Mas quando a mulher que estava no palco começou a receber notas de dólar, que lhe enfiavam no pedaço minúsculo de tecido que lhe cobria o púbis, levantou-se e saiu para o exterior.

O ar estava perfumado e agradável. Colocou-se ao lado do carro alugado e aguardou.

Desiree acabou por aparecer, envergando uns jeans e uma T-shirt, o cabelo maltratado preso num rabo de cavalo. Naquele momento parecia ter doze anos. Dirigiu-se para um Pontiac velho.

- Passe o dinheiro e siga-me no seu carro - instruiu-o.

Ele não estava particularmente abonado, no entanto sentia-se atraído pela farsa.

- Metade agora, metade mais tarde - regateou.

- Não vai fazer-me mal, pois não? - implorou a jovem.

- Não me vai enganar e fugir, pois não?

- Nem pensar, homem. Gosto de si. Farei com que fique verdadeiramente satisfeito.

Steven não queria dizer-lhe que não tencionava fazer sexo com ela. Considerá-lo-ia um anormal e fugiria.

Talvez fosse nisso que ele começara a transformar-se: um anormal cheio de frustrações que passava a vida a percorrer bares de prostitutas e à procura de um pai que era demasiado tarde para descobrir.

Desiree vivia num apartamento miserável numa rua dos arredores de Santa Mónica. Estacionou o seu carro em fila dupla e disse a Steven que podia fazer o mesmo.

- Eles quando querem sair apitam - declarou.

Steven seguiu-a por umas escadas em mau estado, até chegarem a um pequeno quarto que continha a sua vida - incluindo uma criança de colo a dormir num berço de aspecto andrajoso encostado a um canto e um gato, de aspecto maltratado, a dormitar a um outro.

Acendeu uma lâmpada e perguntou sem rodeios:

- Você não é da polícia, pois não?

E ao vê-lo abanar negativamente a cabeça, recitou:

- Sexo simples custa só sessenta. Mais alguma coisa será pago à parte.

Steven indicou o bebê.

- E ele?

- Nada de pornografia com crianças - respondeu ela sem hesitar, uma expressão de alarme nos olhos inexpressivos.

Steven sentiu-se impotente. E muito, muito zangado.

- O que eu estou a perguntar - disse lentamente -, é se ele fica neste quarto? E se acorda?

- Não acordará.

- Como é que sabe?

-Porque não acordará - replicou a jovem teimosamente.

- Quem é que toma conta dele enquanto está a trabalhar?

- Dorme durante todo o tempo.

- Está a dizer-me que sai simplesmente daqui e deixa-o sozinho?

- Ele nunca acorda.

- Como é que pode estar tão segura? Steven sentou-se na beira da cama.

- Porque dou-lhe um suporífero - fica a dormir que nem uma pedra. - Fitou-o com ar estranho. - Está satisfeito?

- Jesus!

A rapariga considerou tratar-se de um sinal e começou a tirar a blusa pela cabeça.

- Não se dispa - apressou-se Steven a dizer. A jovem voltou a puxar a T-shirt para baixo.

- Tenho de tirar os jeans - queixou-se, mexendo desajeitadamente no zipe.

- Só quero conversar - disse Steven. - Mais nada.

Agitada, a rapariga agarrou no gato de aspecto miserável, abriu a porta e atirou-o para fora. Falar incomodava - ao menos, quando se tratava de sexo, sabia com o que estava a lidar.

- Quero o resto do meu dinheiro - disse em tom lamuriento. Steven entregou-lho e disse calmamente:

- Sabe que dar suporíferos a uma criança pequena é muito perigoso? -"Que é você - algum assistente social?

- Poderá ser fatal. Assim como deixá-lo aqui sozinho neste local tão propício a incêndios.

- Não me chateie, homem.

- Quem é o pai? A rapariga riu alto.

- Não sei. Nem me importo. De qualquer maneira, quem é que quer saber?

Talvez ele queira quando tiver idade suficiente para perguntar. Já pensou nisso?

- Escute, homem. - Os olhos dela mostraram-se subitamente animados. - Eu tomo conta do meu filho. Você pode não pensar que é como deve ser, mas é o melhor que posso fazer. Quando ele tiver idade suficiente para perguntar, dir-lhe-ei que o mantive comigo, que o sustentei, que não tem ninguém a quem agradecer sem ser eu, porque se não fosse eu, estaria num orfanato estatal qualquer sem ninguém que se importasse com ele.

Steven não ficou para conversar ou qualquer outra coisa. Partiu, com as palavras esganiçadas da rapariga a tinirem-lhe nos ouvidos... "Se não fosse eu, estaria num orfanato estatal qualquer sem ninguém que se importasse com ele..."

Se não tivesse sido Carrie, esse teria sido o seu destino. E como lhe pagava ele? Arrastando-a pelo país, em busca de um sonho ou de um pesadelo. E ela começava a odiá-lo por isso - ele sabia - e quem poderia culpá-la? Ele sujeitava-a a uma provação que a alienaria, quem sabe se para sempre. Começou a aperceber-se, pela primeira vez, do quanto a mãe significava para ele e de que maneira a fazia sofrer. Pusera-a fora da sua vida. Talvez fosse altura de começar a abrir portas. Aquela perseguição - aquela busca da verdade - não conduzia a lado nenhum.

Ao princípio telefonou para Nova Iorque a fim de falar com Jerry.

- Preciso de ajuda - disse.

- Que foi que aconteceu agora? - perguntou Jerry com um suspiro de tédio.

- Estamos em Los Angeles. Gino Santangelo ausentou-se. Liguei para casa dele e descobri que vai ficar fora durante duas semanas. E sabes que mais? Creio que finalmente compreendi que tinhas razão, se lhe apareço à porta de entrada com a minha história, o homem manda chamar a polícia e torna-me a vida negra. Por que não o faria?

- Tiveste de ir daqui até à Califórnia para chegares a essa conclusão? - comentou Jerry secamente.

- Passei em frente da casa dele. Tem portões, circuito fechado de televisão e guardas armados.

- O que significa que tu, com esse rosto negro, não conseguirás aproximar-te do filho da mãe.

- Exacto.

- Então telefonas-me a pedir ajuda.

- Exacto.

Fez-se um silêncio prolongado, finalmente interrompido por Jerry.

- Steven - disse o amigo asperamente -, estou a ficar farto de te emprestar dinheiro, fazer-te favores de borla e escutar-te as parvoeiras.

- Concordo contigo.

- O quê?

- Disse que concordo contigo. No teu lugar, já me teria mandado passear há muito tempo.

- Estarei a entender que vais abandonar essa busca idiota e recuperar o juízo?

- Continuo a precisar de saber quem é o meu pai - replicou Steven com seriedade. - Mas vou libertar Carrie dessa responsabilidade. Estou farto de a arrastar atrás de mim pelo país. E, se a oferta ainda estiver de pé vou trabalhar para ti. É tempo de começar a pagar as minhas dívidas.

- Não posso acreditar! - exclamou Jerry. - Um dia na Costa Ocidental e encontras Deus!

- Acaba com isso. Preciso de apoio, não de piadas. - Já falaste do facto a Carrie?

- Ainda não.

- Fá-lo. Imediatamente. E põe-te aqui bem depressa.

Encontravam-se sentados no Hotel Hyatt, na Sunset. O sol da Califórnia brilhava, quente, e o lobby mostrava-se repleto de turistas. Steven combinara encontrar-se com Carrie na entrada da frente às dez da manhã. Localizou-a ao longe. Reservada e cheia de aprumo, eternamente elegante e sem idade, a mãe destacava-se no meio da multidão.

Carrie pensava que iam visitar Gino Santangelo - uma humilhação que estava preparada para enfrentar pelo filho.

Steven aproximou-se da mãe por trás e abraçou-a. Esta assustou-se.

- Vamos para casa - disse-lhe ele. - De volta a Nova Iorque. Carrie perscrutou-lhe o rosto, percebeu que algo mudara e não fez perguntas.

- Tenho sentido saudades tuas, Steven - disse suavemente.

- Eu sei - replicou o filho. - Sei verdadeiramente.

Desde o instante em que saíram do Connaught e partiram para o aeroporto de Heathrow, Olympia ficou irascível para todos, incluindo Lennie. Quando chegaram ao avião, ele já aturara o bastante. O primeiro gesto de Olympia foi insultar a hospedeira.

- Por amor de Deus acaba com essa actuação de menina rica - disse Lennie em voz baixa e irada. - Qual é a tua intenção? Ser nomeada a parva do ano?

- Estou com uma ressaca - replicou Olympia, amuada.

- Então agüenta e deixa de deitar as culpas para cima dos que te rodeiam.

Olympia apreciava homens autoritários. Era uma pena que não fossem mais numerosos.

- Desculpa - respondeu contritamente. - Portar-me-ei melhor. Mas não o fez e quando chegaram ao aeroporto de Nice, Lennie já não agüentava mais. Eram aguardados por um helicóptero que os levou para Saint Tropez, onde estava o iate. Olympia subiu para bordo e foi imediatamente dormir.

Lennie matutou sobre a sabedoria do acto cometido. Jess - que raramente criticava algo-dissera que ele estava maluco. Se por aquela amostra se adivinhava o que estava para vir, a amiga tinha razão.

O luxo e opulência do iate Stanislopoulos espantou Lennie. Só nos filmes vira algo de semelhante. The Greek era um palácio flutuante.

Alice estragou tudo. Foi a primeira a cumprimentá-los quando subiram a bordo - uma figura bizarra com o usado macacão às riscas encarnadas, saltos muito altos e finos, meias de rede e uma maquilhagem abundante que incluía pestanas postiças.

- Bem-vindos - disse graciosamente, como se se tratasse do seu iate. - Fiquem à vontade.

Olympia lançou-lhe um olhar devastador.

- Alice querida - disse -, este tem sido o meu lar durante a maior parte da minha vida. Não preciso que me diga para me pôr à-vontade. Onde está Brigette? E por que não está junto dela? Ela é a única razão pela qual a senhora está aqui. com certeza tem consciência do facto.

Olympia não era pessoa para calar o que sentia - queria que Alice percebesse logo as coisas como elas eram.

Lennie não se ralou minimamente. Olhou em volta. Os criados pareciam surgir de todo o lado, pegando-lhes na bagagem, oferecendo-lhes champanhe gelado em bandejas de prata.

- Onde está o meu pai? - perguntou Olympia a um homem de uniforme branco.

- Foi a terra, Miss Olympia - replicou o comandante Pratt. - Para almoçar. Não deverá demorar. Disse que se encontraria com a Miss no bar do primeiro piso, às três da tarde.

- Levou Brigette - acrescentou Alice. - Eu quis ir com eles mas o seu papá disse-me para ficar aqui.

- Homem prudente - murmurou Olympia. Voltou-se para o comandante e perguntou altivamente: -Onde estão os restantes convidados?

- A maioria encontra-se em terra, Miss Olympia.

O comandante Pratt lançou um rápido olhar de relance a Lennie, enquanto Olympia bocejava e se queixava da viagem.

- Deseja almoçar, Miss? - perguntou ainda.

- Não-replicou Olympia, sem sequer consultar Lennie. -Preciso de descansar.

Alice riu alegremente.

- Bem, Lennie, meu boychick, que pensas tu de tudo isto?

- Acho que vou mijar e mudar de roupa - replicou o filho soturnamente. Alice não o apanhara no momento certo.

Saint Tropez encontrava-se no ponto mais alto da temporada. Turistas misturavam-se com os nativos nas ruas calcetadas do porto e ladeadas de butiques modernas e restaurantes ao ar livre. Ao longo do pequeno porto, iates atracavam nos poucos espaços disponíveis, e os seus ocupantes sentavam-se nos deques a beber margaritas e a ver a multidão que passava. Cerca do meio-dia, à hora do almoço, houve uma parada de corpos núbeis vestidos à última moda.

Dimitri passeava na companhia da linda neta loura, de Saud Ornar e Jenkins Wilder. Os três homens juntos dispunham de poder financeiro suficiente para comprarem França - sem problemas. Atrás deles, a vários passos de distância, seguiam vários guarda-costas esforçando-se por passarem despercebidos nas suas roupas citadinas de coldres de ombro escondidos.

Os três homens miravam as mulheres que passavam com um misto de tédio e semiluxúria. O dinheiro ensinara-os que a maioria das mulheres eram conquistáveis por um preço. Quer este fosse um vestido novo ou uma frota de Mercedes, dependia apenas de uma combinação. Mas o certo era que a excitação da conquista era um elemento permanentemente ausente porque o preço era sempre uma conclusão antecipadamente prevista.

Brigette caminhava alegremente, agarrada à mão do avô. Adorava estar com Dimitri. Este chamava-a de sua "Princesinha Diamante" e comprava-lhe tudo o que ela desejava. Absolutamente tudo. Brigette adorava sair do iate. Naquele ano as coisas seriam diferentes. Dimitri voltara a casar e tinha um bebê horroroso chamado Roberto.

Nome estúpido.

Bebê estúpido.

Brigette detestava-os a ambos e admirava-se da mãe não lhe ter falado acerca deles. No fim de contas, o parvo do bebê ocupara-lhe o quarto antigo com a sua estúpida ama negra. Mas não fazia mal pois realmente tinham-lhe dado um novo, um quarto de crescidos com papel de parede azul e uma banheira de jacto borbulhante. E, o que era o melhor de tudo, não tinha de o partilhar com a preceptora Mabel - mas sim com Alice, a sua nova amiga, e Alice tinha montes e montes de piada e ficavam até altas horas da noite a conversar. Brigette não entendia metade do que ela dizia mas isso não tinha importância. Alice era engraçada mesmo apesar de parecer um pouco amalucada, ter um cheiro esquisito, nunca se calar e usar mais maquilhagem que Miss Piggy.

-Pararemos para almoçar aqui - decidiu Dimitri, detendo-se em frente de um restaurante de aspecto requintado.

Trataram imediatamente de lhe arranjar uma mesa de frente, enquanto os guarda-costas se instalavam por perto.

Brigette reparara numa loja de bijuteria mesmo ao lado.

- Quero fazer compras, vovô - anunciou docemente.

- Amanhã - disse Dimitri despreocupadamente. - Uma das mulheres virá contigo.

- Quero ir agora. - Conseguiu que o lábio inferior lhe tremesse.

- Posso ir sozinha. A loja é mesmo aqui ao lado. Olha. Vês?

Apontou.

- Está bem, se não te demorares.

- Não tenho dinheiro nenhum, vovô.

Dimitri apalpou o bolso da sua camisa desportiva mas, à semelhança da maioria das pessoas ricas, não andava com dinheiro.

- Tens aqui, querida - disse Jenkins Wilder ruidosamente, pegando na carteira Gucci que levava consigo para todo o lado e tirando dela um maço de notas de cem dólares.

- Quantas serão precisas para ficares contente? Duas? Três? Brigette agarrou em trezentos dólares.

- É de mais - resmungou Dimitri.

- vou comprar presentes, vovô -, explicou Brigette pacientemente, escapulindo-se em seguida.

Dimitri fez sinal a um dos guarda-costas para que a seguisse. Jenkins Wilder recostou-se e sorriu.

- Que tipas de ar esquisito por aqui andam - observou. - Se não fosse um homem casado, talvez me divertisse um bocado.

- As francesas exigem demasiada atenção - disse Saud, os olhos oleosos atentos. - E normalmente não valem o trabalho.

- Concordo - disse Dimitri. - As inglesas são as mais sensuais.

- Diabos me levem, você acaba de se prender com uma moça americana - salientou Jenkins.

Era verdade - reflectiu Dimitri, e Lucky era sem dúvida uma beldade fora do comum. Mas não era Francesca e ele ainda albergava dentro de si uma paixão profunda por Madame Fern - uma paixão que parecia nunca esfriar.

Começara a chegar à conclusão de que convidá-la para o cruzeiro não fora, afinal de contas, muito boa idéia. Agora ele e Lucky encontravam-se casados, era impossível passar tempo em privado com Francesca. Anteriormente, tendo apenas de se haver com Horace, nunca houvera problema. Horace nunca se atrevera a interferir.

Dimitri tinha uma certa esperança de que Lucky se cansasse do cruzeiro e apanhasse um avião de volta a Nova Iorque. Preferiria o relacionamento entre ambos no tempo em que este não era tão permanente. Mas claro que tivera de desposá-la por causa de Roberto. Nenhum filho seu passaria pela vida sem a protecção do apelido Stanislopoulos.

- A vida também me ensinou - ponderou Saud Ornar -, que as ingleses são de facto mais eróticas na cama, quando se penetra na sua reserva natural.

Pronunciou a palavra "penetra" com uma entoação especial, ao mesmo tempo que os olhos empapados em azeite examinavam os seios baloiçantes de duas adolescentes que passavam, envergando finos caicais de malha e biquínis minúsculos.

- Eu cá nunca tive nenhuma moçoila inglesa - ruminou Jenkins Wilder. - Fui colocado nos arredores de Londres com o Exército em cinqüenta e um, mas tinha demasiado medo de apanhar um esquentamento!

Lennie tomou um duche e mudou para uns calções da Levis e uma camisa de ganga desbotada, enquanto Olympia, deitada na cama, se queixava.

Queixava-se de o pai não estar ali para a receber.

Queixava-se de Alice.

Queixava-se do comandante Pratt.

- Há anos que disse ao papá que se livrasse dele. Tem uns olhinhos bem maldosos.

Queixava-se da mulher do comandante Pratt.

- Uma cozinheira terrível. Por que pensas que não quis almoçar?

- Vá, acaba com isso - disse Lennie, tentando ignorar a má disposição da mulher. - Descontrai. É suposto estarmos em férias. Saiamos para explorar o lugar.

- Explorar? - troçou Olympia com escárnio. - Detesto Saint Tropez, está cheio de turistas chatos e pegas.

- Quero conhecer a terra - insistiu Lennie teimosamente.

- Não te prendas. Eu não te detenho. Mas conto que esperes por Dimitri para o conheceres.

Lennie olhou para o relógio de pulso. Faltava um quarto para as três.

- É a razão pela qual estou aqui, não é verdade?

Olympia levantou-se da cama e começou a arranjar-se em frente do espelho. Tinha vontade de inalar um pouco de cocaína mas, mais uma vez, não se atrevia a partilhá-la. Esgueirou-se disfarçadamente para dentro da casa de banho, fechou a porta à chave e serviu-se de duas linhas da droga.

O alívio foi imediato. Os poucos Valiuns que tomara para se agüentar, tinham-na feito sentir-se péssima durante todo o dia. Guardara a sua reserva de cocaína numa das malas e só naquele momento pudera dispor dela.

Inalou primeiro por uma narina, depois pela outra. Ergueram-se nuvens. Ficou com a cabeça desanuviada. Sentia-se pronta a conquistar o mundo.

Lennie bateu à porta.

- Que estás tu a fazer aí? - gritou-lhe.

- Apenas a arranjar o cabelo - respondeu-lhe ela.

- Despacha-te.

Lennie sentia-se estranhamente desorientado. A ida a Londres fora óptima mas talvez ter acedido a vir naquele cruzeiro tivesse sido um erro. Agüentar com Olympia era uma coisa - com ela podia ele bem, mesmo que estivesse a tornar-se uma super-chata. Mas o pai iria imaginá-lo atrás do dinheiro da filha e o resto do grupo não parecia ser nada divertido. Além disso teria de aturar Alice. E a única coisa de que realmente necessitava era de trabalhar no seu material para o Carson Show.

Olympia saiu finalmente da casa de banho e pegou-lhe na mão. Parecia de melhor humor.

- Vamos ao encontro de Dimitri! - disse animadamente. - Ele parece um pouco empertigado mas não ligues a esse pormenor, no fundo é fácil de lidar. Limita-te a responder às perguntas que te fizer e não te aborreças; prometo-te que só faremos isto uma vez por ano.

Subiram ao deque superior. Altifalantes estereofónicos deixavam passar música grega e Dimitri estava a demonstrar alguns passos complicados a Brigette. A criança tinha uma expressão esfusiante e ria, enquanto Alice se mantinha de lado a bater palmas alegremente.

- Uma perfeita cena de família - sussurrou Olympia com ar satisfeito. A seguir lançou-se na rotina completa do reencontro.

- Minha querida - disse a uma Brigette desinteressada. Beijo beijo.

- Papá! - disse a Dimitri, que lhe fez sinal com a mão para que se mantivesse afastada até a dança terminar. Só depois, e não antes, é que retribuiu o cumprimento da filha.

Lennie manteve-se aparte, observando, esperançado de que Alice não se intrometesse. E dessa vez a mãe fez-lhe a vontade.

- Papá, quero que conheças Lennie Golden- anunciou Olympia.

- O meu novo marido.

Cristo! Ela dava a impressão de que ele lhe pertencia. Estendeu a mão a Dimitri e perguntou a si mesmo o que estaria ele a fazer num iate enorme, ao sul de França, a conhecer um homem como Dimitri Stanislopoulos e casado com a filha deste. Eram tempos de loucura.

Dimitri observou-o fixamente com olhos perscrutadores e uma expressão de granito.

- Então - disse em voz bem alta -, você é que é o último!

Uma observação que não foi do agrado de Lennie, especialmente quando a sua mão estendida foi ignorada. Formulou algo de insultuoso para dizer. Ninguém o tratava abaixo de cão sem levar uma contrapartida - quer fosse o pai de Olympia ou não.

Antes de poder fazer ou dizer alguma coisa, Dimitri envolveu-o num abraço poderoso.

- Bem-vindo à nossa família - declarou em voz tonitroante. - Se foi suficientemente bom para Olympia, então é suficientemente bom para mim. - Um aceno rápido ao barman. - Champanhe para todos. Temos muito que celebrar.

Olympia sorriu e apertou o braço a Lennie.

- Eu sei - disse. - É maravilhoso, não é?

- Maravilhoso. Excelente - concordou Dimitri, radiante. - E eu também tenho uma surpresa para ti.

- De que se trata? - perguntou Olympia, pensando que possivelmente era mais algum colar de diamantes... Dimitri mostrava-se sempre generoso quando ela se casava.

-O vovô também se casou! -chilreou Brigette excitadamente. - E tu tens um irmão, mama. E eu sou tia dele. De verdade. Mesmo a sério. Palavra. Sou uma tia!

O sorriso de Olympia ficou rígido. Então iam-lhe roubar as luzes da ribalta? Olhou para o pai procurando nele a confirmação de que Brigette, mais uma vez, mentia.

Dimitri anuiu.

- É verdade. Também voltei a casar. E fui abençoado com um filho.

Durante um momento, Olympia sentiu-se desmaiar. Demasiada viagem e cocaína em quantidade insuficiente para atenuar o efeito daquele último choque.

- Não acredito - disse com ar vago.

-É verdade! É verdade! É verdade! - cantarolou Brigette.

- Sim, é - disse Alice, tirando uma taça de champanhe de uma bandeja de prata e juntando-se ao que entendia ser uma celebração estrondosa.

Olympia respirou fundo. O facto de o pai se ter casado não era demasiado mau. Mas ter um filho - com aquela idade! Ela era a única herdeira Stanislopoulos e era assim que devia continuar. Por muito rica que fosse, não tencionava partilhar o vasto império que lhe caberia quando Dimitri falecesse. Ele pertencia-lhe inteiramente. Aquela situação era, simplesmente, injusta!

Lennie entregou-lhe uma taça de champanhe e muniu-se de uma para si próprio.

- Parabéns, Mister Stanislopoulos - disse, satisfeito por ter deixado de ser o centro das atenções.

- Adoro casamentos - disse Alice com um suspiro. São ocasiões de tanta felicidade. Lembro-me do dia do meu como se tivesse sido a semana passada. Levava um vestido branco de cocktail tão elegante com uma cintura muito justa. - Voltou-se para Olympia, para quem o facto não podia ter menos importância. - Sabe, minha querida, eu tinha quarenta e cinco centímetros de cintura. Quarenta e cinco!

- A sério? - perguntou Brigette. -A sério. Tinha...

- Alice, leve Brigette para dormir uma sesta - ordenou Olympia sem mais nem porquê e em tom que não admitia réplica.

- Mas, mama... - principiou Brigette.

- Já!

- Vem daí, bichinha bonita - ronronou Alice, guiando a criança para fora da sala.

- com quem é que casaste, papá - perguntou Olympia docemente, sabendo que não podia tratar-se de Francesca e desconfiando de certa pega brasileira que quase lhe deitara as garras alguns anos antes. Ou quem sabe fosse a tal inglesa de sociedade com uma casa imponente e vagamente ligada à família real. Dimitri sempre apreciara a cultura.

- Ah... -exclamou Dimitri. - Agora é que vais ficar verdadeiramente admirada.

Lennie achou que o assunto era entre os dois, a altura ideal, portanto, para se escapulir.

- Dão-me licença que vá dar uma volta? - perguntou.

- Vai - disse Olympia, sem sequer lhe lançar um olhar. Lennie afastou-se rapidamente.

- Quem? - insistiu Olympia.

- Bem - disse Dimitri, fazendo o suspense durar. - Lembras-te de, aqui há muito tempo, te ter dito que encontrara uma velha amiga tua de colégio, Lucky Santangelo?

- Sim.

- Renovámos o nosso encontro em Nova Iorque e... -encolheu os ombros com descontracção. - São coisas que acontecem.

- São coisas que acontecem! -guinchou Olympia mais alto do que fora sua intenção. -Não me digas que casaste com Lucky!

- Foi exactamente o que fiz.

 

Agora que Lucky sabia - tinha a certeza - que Dimitri continuava o seu romance com a espampanante Madame Fern, resolveu vê-lo o menor número de vezes que lhe fosse possível. Roberto parecia feliz nas mãos excelentes da adorável CeeCee, portanto não teve dificuldade em se escapulir de manhã e deambular pelas ruas pitorescas. Deixou um bilhete a Dimitri dizendo que ia apreciar as vistas. Por que havia de ficar no iate contrariada, quando podia sair sozinha para espairecer um pouco?

A solidão nunca incomodara Lucky. Era a história da sua vida. Mas agora tinha Roberto, a razão principal pela qual não tomara um avião que a levasse de novo para Nova Iorque e o advogado mais próximo. Queria o divórcio. Mas não desejava perder a oportunidade de construir o seu hotel, de modo que tinha de se certificar de que tudo estava seguro antes de dar o passo.

Depois de deambular por várias butiques e outras lojas pequenas, apanhou um táxi para a Praia Tahiti, de que ouvira falar muito. Levava uma T-shirt larga, com um pequeno biquini escarlate por baixo e, nos pés, sandálias de tiras de couro.

O cabelo negro-azeviche ia preso numa trança grossa que lhe caía pelas costas, e tinha óculos escuros a taparem-lhe os olhos.

Armada de um Sony Walkman, de um frasco de óleo de bronzear Ambre Solaire e de um bom livro, enfrentou a famosa praia apinhada com confiança. Falava um francês hesitante, aprendido na sua juventude; pediu e pagou o aluguer de uma cadeira de recosto, toalha e um chapéu-de-sol.

O empregado, de tez bronzeada, instalou-a numa fileira próxima da beira da água e Lucky recostou-se, observando.

Um dos maiores prazeres que a vida tinha para oferecer era ficar a olhar para as pessoas que passavam. E na praia Tahiti, em Saint Tropez, não havia dúvida de que as vistas eram numerosas e variadas. Muitas das mulheres usavam topless e havia seios de todos os formatos, tamanhos e idades. Ninguém parecia objectar - de facto, todos davam mostras da mais completa indiferença.

Os homens franceses preferiam tangas muito diminutas e apertadas e espetavam a zona genital como que exibindo-se para a conquista de um prêmio. Alguns dos concorrentes eram interessantes.

Lucky sorriu. A atitude deles agradava-lhe. Ser casada com um homem mais velho fizera-a esquecer o prazer profundo de um corpo masculino perfeito - aquela combinação saborosa de músculos reluzentes e beleza juvenil. Permitiu que os seus olhos, ainda cobertos pelos óculos escuros, deslizassem pelos corpos dos homens que passavam, examinando-os da mesma maneira que estes sempre tinham examinado as mulheres. Era um passatempo divertido.

Lennie não falava uma palavra de francês. Sabia dizer "Vai-te lixar" em italiano, praguejar em alemão e proferir palavras de amor em sueco, porém o francês escapava-lhe completamente. Talvez se devesse ao facto de nunca ter dormido com nenhuma francesa e tinham sido sempre as suas aventuras passageiras a ensinarem-lhe fragmentos de línguas.

Não tinha importância. Em Saint Tropez, todos falavam inglês - ora fluente, ora incipientemente-mas todos tentavam.

Apaixonou-se imediatamente pela terra. Esta possuía um ambiente descontraído que lhe agradava. Ainda não era suficientemente rico ou vivido para encará-la como uma ratoeira sórdida e superpovoada para turistas. Limitava-se a ver muita gente nova a passar um bom bocado facto que o atraía. Arranjou lugar num café-esplanada, mandou vir um Cinzano com gelo e deixou-se ficar sentado durante algum tempo. Teria sido bom, reflectiu, estar ali com um grupo. Jess, Isaac, Joey, as gêmeas, Éden...

Por que se teria ela esgueirado para os seus pensamentos. Fizera lembrar uma prostituta cara quando a vira sentada numa das mesas da frente na sua noite de estreia, com o seu vestido prateado muito cingido e os amigos gangsters.

Éden Antônio.

"Pensei que ias tornar-te estrela de cinema. Que te aconteceu? Imaginou o rosto com que ela ficara ao ler a notícia do seu casamento com Olympia Stanislopoulos. Olhos em bico. Lábios comprimidos. Nariz franzido. Devia ter tido um sobressalto. Esperava que sim.

Ou não esperava?

A chama começara a diminuir. Era a primeira vez que pensava em Éden desde que saíra da América. As coisas estavam a melhorar.

Um casal jovem sentado numa mesa ao lado, mirava-o com um interesse mais do que casual. A rapariga, de uma beleza agreste, olhou-o nos olhos e sorriu-lhe. Ele retribuiu delicadamente o sorriso, fazendo-a cutucar o companheiro, um latino-americano de cabelo comprido, de blusão de ganga enfeitado com cravos e jeans imundos. Antes de Lennie conseguir sequer pensar em se retirar, sentavam-se os dois à sua mesa.

- Tu és Lennie Golden, certo? - perguntou a rapariga entusiasticamente. Exibia um bronzeado profundo, dentes à americana e um sotaque a condizer.

- Culpado.

- Eu bem te disse! - exclamou a jovem.

O companheiro não esboçou sombra de sorriso. Tinha uma tatuagem com uma caveira e uns ossos cruzados no braço e uma expressão melancólica. Não exactamente à James Dean - mais exactamente à James Cobura quando jovem. Deixou que a namorada fizesse as honras da casa, compondo um ar sisudo.

- Somos americanos - anunciou, continuando a exibir os dentes deslumbrantes. Estamos aqui há um mês.

- Que querem, uma medalha? - perguntou Lennie inexpressivamente.

- Nunca esperaria vê-lo a si! - Mais sorrisos deslumbrantes. - Sou louca pelos seus programas na televisão. Nunca perco nenhum. Quando lá estou, evidentemente.

- Evidentemente.

- Sim, homem, não estão mal de todo - disse Mister Sisudo, juntando-se finalmente à conversa.

- Ainda bem que gosta.

Tinham-se sentado sem serem convidados mas não eram propriamente mal-vindos. Lennie sentia necessidade de companhia e eles pareciam jovens equilibrados.

Começaram a conversar. O costume. "Que está a fazer aqui? Quanto tempo fica? Gosta da terra? Quer que lhe arranje uma droga de primeira? "

Lennie achou que um pouco de material de boa qualidade talvez ajudasse bastante a viagem a passar. E Olympia ficaria deliciada se ele voltasse com semelhante presente.

- A nossa reserva está na praia, com a minha irmã - explicou a rapariga. - São só alguns minutos de distância. Venha, nós levamo-lo até lá.

Ofereceram-lhe boleia num velho Renault decrépito, que foi o percurso todo aos arranques e a fazer barulho. Lennie instalou-se no banco de trás, todo dobrado. Não havia nada como estar de volta ao seio da humanidade. Perversamente, o facto agradou-lhe. Limusinas, aviões a jacto, apartamentos de cobertura e iates privados eram ainda demasiada opulência para os seus gostos plebeus. Continuava a trabalhar mentalmente num monólogo acerca da maneira como os muito ricos viviam. Havia tanta fartura de material! E inabordado, como um poço de petróleo por explorar. Se conseguisse organizá-lo a tempo, inclui-lo-ia no Espectáculo desta Noite.

A rapariga do sorriso deslumbrante tinha uma irmã que não ligava à roupa, tendo a cobri-la apenas um bronzeado nativo, uma imensidade de contas indianas e uma tanga sueca. Onde guardaria a famosa reserva? Nitidamente não na sua pessoa.

O namorado desta, francês, usava uns suspensórios pretos que passava a vida a afagar afectuosamente. Partilhavam todos de uma enorme tenda repleta de coisas boas.

Basta dizer o que deseja - anunciou o latino-americano, assumindo a liderança; pegou num pequeno embrulho contendo haxixe e enrolou um charro com perícia. Entregou-o a Lennie.

- com os cumprimentos da casa. Experimente. Vai gostar. É só comprar.

Lennie experimentou, gostou e pediu duas dúzias de charros.

- Enrolados, por favor.

O latino-americano teve muito gosto em fazer-lhe a vontade, lançando mãos à tarefa com saber e perícia.

- Volto já - disse Lennie, deambulando até à beira-mar para admirar a paisagem. A maioria das mulheres só usava as partes inferiores dos biquínis reduzidos, agindo como se estivessem completamente vestidas praticando jogging ao longo da praia, correndo atrás de crianças fugidias, lambendo cones de sorvete, deitando-se de costas de coxas abertas... para melhor obterem um bronzeado completo.

Durante quinze minutos, Lennie pensou que morrera e fora ter ao paraíso. Mas depois... que tinha aquilo de especial? Também os mamilos podiam ser de morrer de tédio, a não ser que pertencessem a alguém verdadeiramente especial...

Foi então que avistou a rapariga do cabelo negro-azeviche e olhos pretos que se atirara a ele em Las Vegas. Ali estava ela, dois anos depois, deitada numa praia de Saint Tropez, com um ar mais sensual e selvagem que nunca. Naturalmente, não estava de topless. Para quê dar espectáculo de borla? Vestia um biquini perigosamente vermelho, tinha auscultadores nos ouvidos e os olhos fechados. Reconheceu-a imediatamente. Algo a sua pessoa deixara uma impressão indelével nele.

"Procede com cautela", alertou-o uma voz interior. "Lembra-te, ela tem uma língua mordaz."

E um dos corpos mais excitantes que ele já vira. Alta, esguia e flexível, com pernas compridas, uma cintura fina, seios magníficos e ombros largos.

Lennie recordava-se do seu modo de andar. Estilo pantera, gracioso.

Recordava-se do único beijo trocado antes de ele suspender o desenrolar das operações. O nabo do ano.

Como iria abordá-la naquele momento?

Por que iria abordá-la naquele momento?

"És um homem casado", advertiu-o a sua consciência severamente.

"E depois?" replicou a sua líbido.

"Avança", replicou o seu pénis.

Ela devia ter sentido que alguém a observava. Sem aviso, sentou-se inesperadamente, retirou os auscultadores e os óculos e devolveu-lhe o olhar, trocista.

Lennie não estava suficientemente perto para dizer alguma coisa. Felizmente. Porque sempre que abria a boca, ficava a perder.

Ela lembrar-se-ia dele? Iria aproximar-se?

Lennie deteve-se à beira-mar, aguardando.

Lucky levantou-se com lentidão. Espreguiçou-se langorosamente e começou a caminhar na direcção dele.

Lennie susteve a respiração. Podia estar casado, mas morto é que não. Tinha ali uma oportunidade que não iria perder. Não pela segunda vez.

Os olhares de ambos entrecruzaram-se. Quando ela ficou mais próxima, ele sentiu-se fascinado pelo negrume dos olhos dela, pelas longas pestanas que os rodeavam, pela pele brilhante e os lábios cheios e sensuais.

Ia a dizer algo, não sabia bem o quê - "Viva", "Você de novo?" algo inofensivo. Não importava. Mas ela passou por ele e entrou na água.

Por um momento ficou petrificado, porém recuperou-se rapidamente. Virou-se e viu-a nadar em direcção a uma plataforma de madeira que flutuava ao longe. Sem pensar duas vezes, despiu a camisa, deixou-a cair em cima da areia e mergulhou no mar, no encalço da jovem.

Esta era uma nadadora rápida e levava-lhe um bom avanço. Mas o crawl irregular altamente pessoal que Lennie tinha, fê-lo disparar como um pistão e apanhá-la ainda nem a meio do caminho chegara. Nadaram lado a lado. Ela nada disse. Ele também não.

A tarde aproximava-se do fim e a plataforma que tinham na frente encontrava-se deserta. Lennie reparou-lhe nas orelhas furadas enquanto a cabeça dela se levantava e voltava a desaparecer sob a superfície do mar. Usava pequenos brincos de diamantes.

Apreciou-lhe os braços, fortes e poderosos a fenderem a água.

Pressentiu aventura, soube que tudo era possível e não vacilou. Quantas vezes na vida iria deparar com uma mulher como aquela?

Éden.

Que Éden?

Lucky estava a gostar do jogo. Vira Lennie aproximar-se através dos olhos resguardados. Lembrou-se dele no encontro mal-sucedido que tivera lugar em Las Vegas, interrogando-se imediatamente se não estaria ali aquilo de que precisava - um contacto puramente físico, sem compromissos. Se ele não recuasse, como na última vez.

Lennie Golden. Até do nome dele se recordava. Um tipo de ar sensualão. Por que não pô-lo à prova? No fim de contas, o destino colocara-os aos dois na mesma praia de Saint Tropez e ela sempre gostara de desforras. Ele seria o parceiro ideal para pagar a Dimitri na mesma moeda - Dimitri que, com toda a probabilidade, continuava a arrastar a asa àquela Fera horrorosa.

Levantou-se e dirigiu-se despreocupadamente para ele. Murmurou algo quando ela passou. Não lhe ligou nenhuma e mergulhou no mar, sabendo que ele iria no seu encalço. "Não falar. Não deitar tudo a perder", decidiu.

A alguma distância da praia havia uma plataforma de madeira e ela lançou-se na sua direcção.

Ele foi atrás dela.

Se Dimitri achava que ela era do tipo de mulher para admitir que ele tivesse aventuras sem que ela lhe pagasse na mesma moeda - então vivia num mundo de fantasia. Lucky Santangelo pagava na mesma moeda. E não deixava que ninguém se esquecesse do facto.

A plataforma boiava em frente, vazia e convidativa. Como seria naufragar, ficar isolada, longe do mundo? Era freqüente sentir-se só no mundo. Dimitri nada fizera para alterar essa sensação.

Chegaram à plataforma ao mesmo tempo e içaram-se para cima da mesma. Ele captara a mensagem silenciosa dela e não proferiu palavra. O sol pairava baixo no horizonte e na praia, as pessoas tinham começado a arrumar as suas coisas para se irem embora. Um praticante de ski aquático passou ao longe, fazendo com que a ondulação agitasse a plataforma. Os olhos de ambos encontraram-se e como que respondendo a uma combinação sem palavras, aproximaram-se um do outro. Ela fitava-o com aqueles seus espantosos olhos de cigana, negros e selvaticamente sensuais - o sinal era inconfundível.

Lennie tinha vontade de saber quem ela era. O que fazia ali. Tudo nela o intrigava. Mas a ocasião não era a indicada e ele tinha consciência

do facto. O que não significava que não pudesse alinhar no jogo.

Tocou nela e atraiu-a a si. Ela deixou-se envolver no seu abraço com a mesma naturalidade que teria se já se conhecessem há anos. Quando começaram a beijar-se, beijos prolongados, infindáveis, as línguas explorando-se uma à outra, a electricidade fluiu entre ambos.

Tinham os corpos húmidos. Carne salgada comprimindo-se contra carne salgada. Ele apertou-lhe, com a mão, a curva das costas contra si, deixando-a sentir a sua erecção.

Ela não se retraiu, pelo contrário, moveu os lábios lenta e sugestivamente. Ele percorreu-lhe as costas com as mãos até chegar à ponta da trança grossa; tirou o elástico que a prendia e desmanchou a luxuriante cabeleira, que lhe tombou, molhada, em redor dos ombros.

Durante todo esse tempo, os lábios de ambos mantiveram-se unidos, excitantemente quentes.

Uma lancha a motor passou perto, fazendo a plataforma balançar mais uma vez. Ele apertou-a com força, abrindo com mão perita a parte de cima do biquíni, que depois caiu, fazendo-o sentir a excitação dos seios nus contra o seu peito.

Ela passou-lhe muito, muito lentamente as mãos pelas costas abaixo, traçando-lhe os contornos com os dedos; ao chegar ao elástico dos calções de banho dele, moveu as mãos para a frente e acariciou-lhe a erecção através do tecido.

Ele gemeu involuntariamente, afastou-se ligeiramente e despiu desajeitadamente a peça de roupa, pouco se importando que o vissem da praia. Nada mais lhe interessava além daquela fantasia louca que estava a viver com tanto realismo.

As mãos dela estavam sobre ele, acariciando, afagando, enlouquecendo-o.

"Controlo", gritou-lhe uma voz mental. "(Não estragues tudo." Estendeu as mãos para os seios dela. Mamilos erectos, contornos macios e firmes. Lindos. Perfeitos.

Baixou-lhe a parte de baixo do biquíni, de dentro da qual ela saiu. Deixaram-se cair sobre a superfície fria e molhada da plataforma, ambos completamente alheios ao desconforto. O acto de amor que então iniciaram, nada teve de desajeitado. Ele penetrou-a suavemente, ela envolveu-lhe fortemente a cintura com as pernas e moveu-se ao seu ritmo como se já tivessem estado juntos muitas vezes. Ela aprendeu instintivamente o ritmo dele, e ele o dela.

Lennie estava no ponto máximo da excitação, no entanto limitava-se a ondular. A onda perfeita ainda estava para chegar, e quando tal acontecesse, ele queria que a cavalgassem juntos.

Um francês idoso de touca de banho, nadou em direcção à plataforma. Fez uma pausa para recuperar o fôlego antes de se içar para cima desta, mas viu o par enlaçado e voltou para trás, dando graças a Deus por a sua pouco condescendente mulher não estar junto dele.

Lucky fechou os olhos e entregou-se ao momento. Assim que vira Lennie Golden pela primeira vez, soubera que ele era um amante sensacional. E não se enganara. E o facto assustava-a - porque desejara que o mesmo fosse um acto de vingança sem conseqüências - apenas algo com que pagar a Dimitri na mesma moeda. E no entanto... era mais, muito mais. Era linguagem corporal na sua forma mais eloqüente e a última coisa que desejava na vida era outra ligação.

Sentiu a vaga avassaladora principiar. E soube, sem a menor dúvida, que aquela sensação não tinha nada a ver com as que já experimentara até ali. Aquela era grande, imensamente grande...

- Oh, Deus! -ouviu-se gritar. -Oh, Jeeeesus!

E perdeu-se num mundo de sensações. Flutuou no paraíso. Avassalada por uma libertação latejante que a lançou em espasmos de deleite.

Lennie experimentou a mesma sensação. A intensidade e profundidade do seu orgasmo apanhou-o de surpresa, deixando-o abalado e esvaído. Deixou-se ficar em cima dela por um momento, ainda unidos, e fitou-a nos olhos, tão profundos e cheios de segredos.

Quem era ela?

Tinha de saber.

E no entanto... talvez fosse melhor assim. Era uma mulher misteriosa e obviamente tencionava manter esse estatuto. De qualquer modo, que poderia ele dizer? "Gostaria de voltar a vê-la?" Claro. "E levarei a minha mulher."

Rolou de cima dela e pegou nos calções, grato por estes não terem caído para o mar.

A jovem sentou-se, apanhou o biquíni e vestiu-o.

O sol começara a desaparecer no ocaso e sentia-se uma friagem no ar. Na praia, quase deserta, dois banheiros empilhavam colchões e, à distância, uma loura fazia jogging ao longo da costa acompanhada por um cão-polícia branco.

Lucky inclinou-se para a frente, sacudiu o cabelo e prendeu-o descuidadamente no alto da cabeça. Fitou Lennie uma vez, com brevidade e, com a mais branda das vozes, murmurou:

- Sayonara, amigo.

A seguir mergulhou graciosamente da beira da plataforma e a última visão com que Lennie ficou dela foram os seus braços fortes a sulcarem velozmente o mar enquanto nadava em direcção à praia.

Aguardou dez minutos antes de a seguir. Quando chegou à praia já ela desaparecera; apercebeu-se de que, provavelmente, nunca mais a veria.

Uma tarde de fantasia... e ele nem sequer ficara a saber o seu nome.

 

- Hoje à noite jantamos com o chulo espanhol e Quinn. Acho que fizemos negócio.

- Quando? - perguntou Éden imediatamente.

- Esta noite - replicou Santino, arrotando e coçando a barriga.

Éden reprimiu uma observação desagradável. Por que lhe diria aquelas coisas à última hora? Faltava um quarto para as seis - como poderia ela aparentar o seu melhor, se tinham ficado de se encontrar todos, provavelmente, dali a uma hora?

Levantou-se da cama e correu para a casa de banho.

- A que horas e aonde? - perguntou, ligando o chuveiro.

- vou levar-te ao Chasen - anunciou Santino. - Põe-te espampanante - mas não demasiado, é um lugar de classe.

Éden rilhou os dentes. Santino falava-lhe como se ela fosse uma prostituta reles das ruas.

- Está pronta às sete e um quarto. Zeko levar-te-á lá de carro. Agora tenho de ir a casa... Até logo.

Éden não se deu ao cuidado de responder. Já se enfiara debaixo do chuveiro, lavando-se do cheiro dele, lavando o cabelo com champô, acariciando o triângulo dourado e facultando a si própria o orgasmo que ele nunca conseguia dar-lhe.

Não precisava de muito tempo para se aprontar. A sua anterior experiência de modelo habituara-a a dispor de muito pouco para se arranjar. Saiu do banho, secou-se com uma toalha, pôs os rolos de cabelo a aquecer, espalhou creme Estée no corpo e aspergiu-se com perfume da mesma marca. Nua, sentou-se em frente do espelho do seu toucador, limpou o rosto com algodão embebido em tônico adstringente, aplicou creme hidratante, base tom de pele, pó-de-arroz, rouge, sombra nos olhos, eyeliner, máscara, lápis para traçar o contorno dos lábios, baton e brilho.

Todo o processo levou-lhe quinze minutos e o efeito era dinamite.

A seguir secou o cabelo fino e aplicou os rolos aquecidos às longas madeixas.

Só lhe faltava decidir o que vestir, o que levava sempre o seu tempo. Havia um guarda-roupa enorme, que se estendia desde a casa de banho, cheio de peças. Andou de um lado para o outro, tentando seleccionar a fatiota indicada - algo que agradasse a Santino, Quinn (tipo esquisito como aquele nunca vira), Vitos, e, evidentemente, o Chasen. A escolha do conjunto certo para levar a um restaurante era de uma importância fulcral.

Do lado de fora da janela da casa de banho, escondido no meio dos arbustos, Zeko acabava de se auto-satisfazer. Desistira praticamente do sexo normal. Gozar à custa da namorada do patrão era muito mais satisfatório.

Puxou o zipe para cima e voltou para dentro de casa, onde pegou num exemplar de Auto Mechanic, que foi ler para a cozinha.

Éden escolheu um vestido preto cingido com um cinto largo em dourado. Enfiou meias pretas de renda, saltos altos e finos e um soutien de renda. Em seguida tirou os rolos do cabelo e penteou-se artisticamente.

Às sete e cinco estava pronta, decidindo chegar ao Chasen antes da hora - na esperança de o fazer primeiro que Santino. Mesmo cinco ou dez minutos de liberdade valiam alguma coisa.

Zeko, o grande boi, encontrava-se na cozinha, a ler. Ficou surpreendida com o facto de o indivíduo saber fazê-lo.

- Vamos - anunciou impacientemente.

- O patrão disse para sairmos daqui às sete e um quarto.

- E eu digo que saímos imediatamente.

Fitou friamente o homem detestável, desafiando-o a contrariá-la. Ele não o fez.

O lar de Santino era uma mansão protegida por portões, em Bel Air. Outrora a residência de uma discreta estrela de cinema, albergava agora o ramo Santino da família Bonnatti. Donatella, a mulher de Santino era uma provinciana gorda e boçal. Noiva importada da Sicília dezoito anos antes, o seu coração permanecera na pequena aldeia de onde fora arrancada.

Os filhos de Bonnatti eram quatro, com idades que iam desde os sete aos dezassete: três raparigas (todas, infelizmente, gordas como a mãe) e um rapaz (uma réplica do pai, com a vantagem acrescida de uma cabeleira completa). O rapaz, chamado Santino Júnior, era o mais novo e o preferido, estragado de mimos, tanto da mãe como do pai, que competiam entre si para lhe proporcionarem a atenção máxima.

- Santino! - exclamou Donatella, indo ter com o marido à porta da mansão, de mãos agitadas e os olhos expressivos cheios de preocupação. - Santino Júnior tá doente. Apanhou febre. Tar muito doente. - Lançou-lhe um olhar acusador. - Onde estiveste tu, ha? Tentei falar p'ro teu escritório nada. Onde estiveste?

Santino quase escorregou no soalho polido, tal era a pressa em correr escadas acima para ir ver com os seus olhos o filho "muito doente". Donatella tinha tendência para melodramatizar.

- Tive uma reunião - explicou - embora as explicações não fossem verdadeiramente necessárias. Ele podia fazer o que lhe desse na real gana e ambos o sabiam - desde que continuasse a mandar dinheiro para os parentes dela, a sustentasse mais aos filhos dentro do nível a que se tinham habituado, e a fornicasse de tantos em tantos meses. Ela não era exigente mas contava que ele a procurasse de vez em quando, e seis vezes por ano não era mau.

Donatella seguiu-o escadas acima e estava mesmo atrás do marido quando este abriu a porta que dava para o quarto do filho.

- Tás a ver! - grasnou com voz triunfante.

Santino Júnior, deitado no meio da cama, em pijama, tinha as maçãs do rosto muito vermelhas. Uma televisão de ecrã largo exibia um filme com Charles Bronson e o quarto encontrava-se extremamente aquecido.

- Filho! - exclamou Santino, correndo para junto da criança e pousando a mão suada na testa do rapaz.

- tás a ver! - repetiu Donatella. - Apanhou a febre!

Éden entrou no Chasen como uma estrela. Perguntou ao maítre d' pela mesa de Mr. Bonnatti. Este não tinha conhecimento de nenhuma reserva em nome de Mr. Bonnatti. Éden sugeriu que talvez a mesa estivesse no nome de Mr. Quinn Leech ou, quem sabe, de Vitos Felicidade.

- Ah, Mister Felicidade - suspirou o maítre d', finalmente impressionado. - Por aqui, se faz favor.

Éden não teve de o seguir porque Vitos encontrava-se sentado num reservado da sala da frente, na companhia do seu empresário - ainda não havia sinal de Quinn ou Santino.

- Boa noite - cumprimentou Éden graciosamente, ao mesmo tempo que os dois homens se esforçavam por se levantar. - Cheguei cedo? Ou todos os outros é que estão atrasados?

- Parece que a senhora é que chegou a tempo - ciciou Vitos no seu melhor inglês, fazendo uma pequena vénia formal -E chama-se...

Então ele não se lembrava dela? Ela sem dúvida que se lembrava dele.

- Éden Antônio - respondeu suavemente, sem permitir que a ofensa sentida transparecesse. - Encontramo-nos em Las Vegas.

- Sim, evidentemente - suspirou Vitos, continuando sem fazer a menor idéia.

Pegou-lhe na mão e depositou nela um beijo.

- Enchanté - murmurou.

Éden agitou as pestanas, gesto que não se atrevia a esboçar com Santino presente.

- Obrigada - agradeceu grave e afectadamente. O empresário de Vitos estendeu-lhe a mão.

- É a senhora Quinn, não é verdade?

- Não, não sou a senhora Quinn - limitou-se a responder, furiosa por a confundirem com a namorada de ar idiota de Quinn Leech. - Estive em Las Vegas com mister Bonnatti a falar do meu papel em A minha vida como Mulher da Vida. Serei a estrela do filme, não sei se sabe.

Deslizou para a banqueta ao lado da de Vitos e mandou vir um Martini, sem reparar no olhar espantado que este e o empresário trocavam.

- Ouvi dizer que Mister Bonnatti está a negociar consigo a sua participação a meu lado no filme - disse, decidida a fazer com que daquela vez se lembrassem dela. E de que maneira.

- Falámos d'um filme - disse Vitos em tom de desculpa -, mas não tem nenhum título de mulher.

- O quê?

Ele não era fácil de entender, mas o seu inglês saltitante era encantador de ouvir.

- Vitos quer dizer que estamos a falar de um filme em que ele é a estrela. Chama-se O Cantor - explicou o empresário.

- O Cantor? - perguntou Éden inexpressivamente.

Foram salvos da resposta pela chegada de Quinn Leech, sozinho e a tresandar a alho e uísque.

- Ora vivam todos - cumprimentou, sentando-se ao lado de Éden, aprisionando-a assim entre ele e Vitos. - Onde está Santino?

- Ainda não chegou - replicou Éden, declarando o óbvio. - E que conversa é essa de um filme chamado O Cantor? Pensei que iríamos falar a mister Felicidade acerca de A Minha Vida como Mulher Fácil.

- Foi reconvertido.

- Reconvertido? - guinchou Éden. Quinn anuiu.

- Estou a ver que o filho da mãe não lhe disse...

Éden abanou a cabeça enquanto se deixava invadir pela raiva.

- Escute - disse Quinn, sussurrando-lhe em tom de confidência ao ouvido. - Acha que Vitos Felicidade vai entrar num filme que tenha como título A Minha Vida como Mulher da Vida? Mudámos o argumento. Tem de o ler. Vai adorar.

- Sim, mas eu ainda entro nele? - perguntou em tom azedo. Quinn ergueu as mãos.

- Não me compete a mim dizê-lo. Sou apenas o realizador.

- Santino alguma vez lhe disse que este filme se destinava a lançar-me no estrelato? - perguntou Éden em tom sibilante.

- Nunca ouvi falar em semelhante coisa - respondeu Quinn com franqueza, mandando vir um Jack Daniels duplo.

Éden deixou-se afundar no silêncio. O estupor! O estupor careca, cabeludo e femeeiro! Não admirava que lhe tivesse dito para nunca falar do filme com ninguém sem ser ele. Não admirava que lhe tivesse dito para não falar a Quinn, Ryder, Paige ou qualquer pessoa acerca do projecto. Andava a enganá-la. Andava a fornicá-la com promessas vãs. Apeteceu-lhe pôr-se a berrar que nem uma possessa em pleno Chasen. Apeteceu-lhe matá-lo.

Um empregado trouxe um telefone até à mesa.

- Uma chamada para Miss Antônio - disse. Éden pegou no auscultador e encostou-o ao ouvido.

- Por que raio saíste de casa mais cedo? - queixou-se Santino. -Onde estás? - perguntou-lhe ela, com voz contida.

- Tenho o meu filho doente - disse Santino. - Está com febre. Não posso deixá-lo. Se não tivesses saído antes da hora de casa, poderia ter-te impedido de ir.

- Agora já cá estou - disse Éden.

- Isso sei eu. E quero-te daí p'ra fora. Já. Diz-lhes que não posso aparecer e porquê. Explica bem a coisa não quero que pensem que estou a fugir ao negócio. E depois pira-te daí, volta-me com esse cu para casa, Ouviste o que eu disse?

- Ouvi.

- Arranja uma desculpa. Ficaste mal disposta, uma dor de cabeça, qualquer coisa. Mas quero-te daí para fora dentro de cinco minutos. Percebido?

- Sim.

- Espero que não seja nenhum problema -disse Vitos, depois de o empregado levar o telefone.

- Mister Bonnatti não pode vir ter connosco esta noite. - Éden brincou com o copo de Martini. Tem o filho com febre e não quer deixá-lo. Espera que compreendam.

Todos lhe asseguraram que compreendiam.

- Ele é um homem muito dedicado à família - acrescentou Éden.

- É verdade! - concordou Quinn, explorando-lhe a coxa com a mão por baixo da mesa.

Ela afastou-lha.

- Mister Bonnatti pediu que um dos senhores desse instruções a Zeko, o motorista, para fazer folga durante o resto da noite. Poderíamos mandar um recado pessoal de mister Bonnatti lá para fora?

- Não tem problema - disse Quinn.

- Tu, linda senhora, ficas connosco? - inquiriu Vitos, os olhos melosos a derreterem-se nos dela.

- Absolutamente - replicou Éden com brusquidão. - Mister Bonnatti insistiu em que o fizesse.

Lucky voltou apressadamente para o iate. Dimitri e Francesca, sentados no deque superior, estavam profundamente compenetrados num jogo de gamão a dois. Não havia mais ninguém à vista. Francesca envergava um vestido de praia verde e um enorme lenço da mesma cor que lhe tapava, quase por completo, o chamejante cabelo ruivo. Dimitri continuava com os mesmos calções de caqui e uma camisa desportiva.

- Pensei que vinha atrasada para o jantar - disse Lucky, ofegante.

Francesca não lhe ligou nenhuma. Dimitri olhou-a furtivamente de relance e disse:

-O jantar é às oito.

E voltou a focar a sua atenção no jogo. Nenhum "onde estiveste o dia inteiro? Por que vens tão tarde?" Nem sequer um "como estás?" Qualquer sentimento de culpa que ela pudesse sentir foi imediatamente afastado.

- Onde estão todos? - perguntou Lucky.

- Aah... apanhei-te! - disse Francesca com voz sensual, procedendo a uma jogada fulcral no tabuleiro de gamão.

- Achas, mulher? - duvidou Dimitri com voz forte, contando com a sua própria jogada oportuna.

As gargalhadas dos dois misturaram-se.

Lucky sentiu a aguilhoada dolorosa da rejeição que conhecera toda a sua vida. Eles que se lixassem. Se se desejavam assim tão ardentemente, que ficassem um com o outro.

- vou tomar um duche - declarou asperamente.

Dimitri despachou-a com um aceno de mão - gesto que significava claramente, "não me maces, estou ocupado."

- O jantar é às oito - repetiu.

- Mal posso esperar - murmurou Lucky sarcasticamente.

Fez uma visitinha a Roberto, que brincava na sua banheira amarela, contente e feliz, vigiado pela sempre sorridente CeeCee.

Abraçou estreitamente o corpo húmido do filho.

- Olá, bebê bonito - cantarolou. - Como vai o meu menino? Como vai o meu pequeno?

- Mama - chilreou a criança alegremente. - Linda, linda mama.

- Tem-se portado muito bem hoje - disse CeeCee radiante. - É uma criança que nunca chora.

- Tal qual a sua mama - disse Lucky com um suspiro suave.

- Como?

- Nada.

De volta à cabine masculina de Dimitri, despiu a roupa e meteu-se debaixo de um chuveiro quente, fechou os olhos enquanto a água lhe caía, num ritmo tranqüilizante, pela pele. Por um momento permitiu-se relembrar Lennie e o inacreditável encontro erótico e satisfatório dos dois.

Dessa vez ele alinhara no seu jogo. Nada de tiradas de mau gosto ou baboseiras. Apenas um sexo maravilhosamente desinibido e sem palavras.

Estremeceu. Desde Março que não se sentia tão bem.

Alice desejava queixar-se a Olympia. Bateu à porta da cabine por esta ocupada, ao fim da tarde, e apanhou-a a atirar com objectos pelo ar, presa de fúria.

- Que se passa, querida? - perguntou-lhe, esquecendo os seus próprios problemas.

- Nada - retorquiu Olympia de má cara. - Que é que você quer?

- Linda maneira de falar à sua sogra - cacarejou Alice. - Pensei que éramos amigas.

- O quê? - ripostou-lhe Olympia com maus modos, sem qualquer paciência para aturar a mãe excêntrica de Lennie. Alice foi directa ao assunto.

- Fui tremendamente insultada - declarou, esgravatando o verniz das unhas.

- Porquê?

-Eu sou Alice Golden, antiga estrela de Las Vegas. Lennie herdou tudo o que sabe de mim. Não serei então suficientemente digna para me sentar à mesma mesa que os meus iguais?

- Está a fazer uma pergunta?

- Estou a fazer uma afirmação, minha querida. Uma afirmação Fez uma pausa teatral. - Tenho partilhado refeições com reis, dançado com príncipes. Que pensa que sou? alguma sluhb sem sentimentos?

- Por favor, Alice. Estou com uma ressaca e uma dor de cabeça. Que quer?

-Jantar com o meu próprio filho.

- Está aqui para acompanhar Brigette - salientou Olympia.

- Isso significa que não posso sentar-me à mesa com Lennie? Brigete vai para a cama às oito. Terei de ficar no deque inferior juntamente com a criadagem?

Olympia franziu a testa. Onde estava Lennie quando precisava dele? - Não sei - respondeu irritada. - Faça como quiser. Os olhos aguados de Alice deixaram transparecer um brilho de triunfo.

- Obrigada, querida - disse, já a pensar nas histórias com que iria animar os convivas ao jantar.

Gino não gostava de França. Não entendia a língua. Achava as pessoas rudes. Era demasiado quente. Detestava ficar confinado a um barco. E sentia a falta de Paige.

Susan, mais social que nunca, insistira em que passassem o dia com amigos seus, que tinham uma villa de verão nas colinas. O homem era um actor de cinema. Possuía um perfil grosseiro, dentes amarelos e cabelo pessimamente pintado de preto. A mulher era uma européia de língua afiada que, ao fim de tarde, deitara abaixo todos os conhecidos, incluindo as suas amigas mais chegadas.

Gino detestou cada instante. Disse-o a Susan no caminho de volta para o iate.

-Pois eu diverti-me imenso - disse Susan.

- Não estarias assim tão divertida se ouvisses o que aquela cabra está a dizer de ti neste momento - replicou Gino.

- De que estás a falar?

- Esquece.

Sabia que não agüentaria duas semanas naquela malfadada viagem.

- Ganhei - disse Francesca com a sua voz sensual.

- Ganhas sempre - riu Dimitri.

- Nada mais certo.

- Temos de nos preparar para o jantar.

- Sim. - Aflorou-lhe o rosto com uma longa mão reptilínea de unhas vermelho-sangue com centímetros de comprimento.

- Por que casaste com ela, Dimitri? Por que me humilhaste?

- Francesca, tu és casada - salientou.

- Isso não tem qualquer importância. Horace cuida das coisas por mim. É um casamento de conveniência.

- Divorcia-te dele.

- Não posso. Daria cabo dele.

- Então que é que estamos a discutir?

- A tua deslealdade.

- Nunca.

- Sim.

- Casei com Lucky para dar ao meu filho o apelido ao qual ele tinha direito.

Francesca arranhou suavemente na zona onde sabia que surtiria mais efeito.

- Agora já podes divorciar-te dela - sugeriu.

Depois de se livrar de Alice, Olympia atirou com mais um objecto. Onde diabo estava Lennie? Ela precisava de alguém com quem gritar. De que servia ter um marido se este não se encontrava por perto quando fazia falta?

Tinha uma dor de cabeça avassaladora e latejante. Quem não a teria depois de saber da notícia da existência de um meio irmão? Para não falar do facto de Dimitri ter casado com Lucky Santangelo.

- Lucky e Dimitri! Inacreditável! Ridículo! Obsceno!

Entrou intempestivamente na casa de banho, foi direita à sua reserva e inalou o resto do fornecimento de cocaína.

Depois engoliu um par de Quaaludes e tentou decidir o que vestir para enfrentar a sua nova madrasta.

Madrasta!

Que piada!

Lucky Santangelo.

Amiga.

Que amiga.

Dimitri era um anfitrião excelente. Os seus cruzeiros de Verão eram lendários. Nenhuma despesa era poupada, para que todos os seus convidados desfrutassem de um período maravilhoso.

Depois de terminar o seu jogo de gamão a dois, apressou-se a ir tomar um duche e a mudar de roupa, estando pronto para receber os convidados quando estes começaram a chegar ao deque superior para as bebidas preliminares. Lucky acompanhou-o. Mostrava-se particularmente deslumbrante num fraque branco Saint Laurent, o cabelo solto e caído. Gino estava no bar, sozinho. Lucky aproximou-se imediatamente do pai.

- Tenho de me pôr a andar daqui - anunciou-lhe ele.

- Também eu - concordou ela.

- Ei, talvez eu possa arranjar uns negócios de família que nos levem aos dois para Nova Iorque. Sabes que mais, miúda? Tenho imensas saudades da cidade.

- Pensei que adoravas Beverly Hills.

-É demasiado pacata para mim. Estou farto.

- De verdade?

- E quanto a Susan?

-Ainda não lhe disse mas estou a pensar em comprar uma casa em Nova Iorque.

- E dividires o teu tempo? -Por que não?

- Por mim acho bem.

- Passámos um dia interessante - disse Susan à condessa, deitando uma boa colher de caviar de esturjão numa bolacha, que enfiou, inteira, na boca.

- Passou? - replicou a condessa. - Eu senti-me pavorosamente aborrecida. Gosto de jogar baccarat. Estou ansiosa pela nossa chegada a Monte Carlo. Tenho simplesmente uma fome enorme pelas mesas.

- Quando o meu falecido marido, Tiny Martino, era vivo, costumávamos visitar Monte Carlo de tempos a tempos - observou Susan, tentando "impressionar. - Tiny era amigo dos Rainiers, sabe. Ele e Grace eram muito chegados.

A condessa ergueu uma sobrancelha delineada a lápis.

- Você foi casada com Tiny? - perguntou.

- Durante vinte e cinco anos - disse Susan orgulhosamente. E depois acrescentou timidamente:

- Casei muito nova, sabe.

A condessa sorriu e deu-lhe palmadinhas na mão.

- Aconteceu com todas nós, não foi, querida.

Susan esperou que ela retirasse a mão, deveras quente, em cujos dedos se viam diamantes impressionantes. A condessa não o fez.

Olympia estava furiosa porque Lennie parecia ter desaparecido. Não fazia tensões de ficar ali dentro. Se ele falhasse o jantar, o problema era dele. Além disso, estava ansiosa por ver Lucky. A esguia e ingênua Lucky Santangelo. Antiga melhor amiga. Antiga confidente. Ha! Ser boa para as pessoas nunca trazia recompensa. Elas aproveitavam-se da bondade e depois passavam a perna na primeira oportunidade.

A própria idéia de Dimitri e Lucky na cama juntos, era-lhe nojenta. Ela, Olympia, ensinara a Lucky tudo quanto esta sabia. Quando, quinze anos atrás, Lucky chegara à Suíça, nem sequer tinha sido beijada alguma vez! Olympia ensinara-a tudo acerca dos homens e de como divertir-se. Era só ver os agradecimentos que recebera.

Envergou uma dispendiosa fatiota dourada que teria ficado sensacional numa modelo alta e sem peito. A Olympia não ficava nada bem. Adornou as orelhas, os dedos e a garganta de diamantes pesadões. Depois afofou os compridos caracóis louros e preparou-se para uma confrontação cara-a-cara.

- Nunca estive em Paris - confidenciou Alice a Horace, com um brilho de nostalgia nos olhos.

- Não? - admirou-se o homem, olhando incessantemente em volta para ver quando é que Francesca aparecia. Ela obrigara-o a ir à frente, declarando que ele a atrapalhava enquanto tentava vestir-se.

- A alegre Paris - suspirou Alice. -Oo lala! - Surripiou um canapé a um criado que passava. - Provavelmente irei até lá com o meu filho. Ele tem muito orgulho em mim. Nada como um talento para reconhecer outro talento e ele sabe-o. - Anuiu. - Ah, sim, sem dúvida que sabe.

- Tenho a certeza - concordou Horace.

- Em breve aparecerei no Gríffin Shaw. - Mastigou, satisfeita, uma azeitona. - Adoro Merv. É um homem perfeitamente encantador.

- Óptimo.

Inclinou-se com ar íntimo para Horace.

- Mais que óptimo - disse, piscando maliciosamente o olho. - Mais, muito mais que óptimo.

- Excelente.

- Sim.

- Sim.

Olympia entrou no bar. Fez -uma pausa. Olhou em redor. Localizou Lucky imediatamente. Mirou-a de alto a baixo. Não podia acreditar que a insignificante amiga franzina dera em tal beldade. E nem um grama de banha em toda a figura.

Lucky viu-a a olhar para si e, por um momento breve, os olhos de ambas encontraram-se e voltaram a ser garotas, a brincarem aos namorados, fazendo entrar rapazes à sucapa no dormitório e permitindo-se ao "quase" - jogo que imaginavam terem inventado.

Lucky fora uma solitária durante a maior parte da sua vida. Não tivera amigas, mãe, ninguém com quem rir ou tagarelar - excepto, uma vez, com Olympia.

Atravessou a distância que as separava de braços estendidos.

Olympia recuou.

Lucky percebeu instintivamente que a antiga amiga não estava nada entusiasmada com o casamento do pai com ela, e quem poderia censurá-la? Era uma espécie de coincidência louca. Reduziu os braços estendidos a uma palmadinha amigável no ombro de Olympia.

- Olympia! Deus, já se passou tanto tempo. Estás óptima.

Olympia não conseguia encontrar palavras. O excesso de coca obstruira-lhe o cérebro. Desejava aparentar frieza e fazer de conta que não se importava, mas o certo era que se importava muito de que Lucky a tivesse votado ao esquecimento, nunca mais tentando contactar com ela, nem mesmo quando tinham chegado à idade adulta e podiam ver quem muito bem lhes apetecesse.

- A pequena Lucky Saint - disse friamente, utilizando o nome pelo qual Lucky fora conhecida no colégio. - Não há dúvida de que cresceste.

- Nem outra coisa seria de esperar.

- Sempre foste muito parvinha.

- Obrigada.

- A verdade dói? Lucky baixou a voz.

- Não comecemos a tratar-nos com hostilidade, está bem? Olympia conteve-se.

- Quem é que está a ser hostil? Eu não, certamente. Por que havia de ser hostil?

A entrada de Francesca salvou Lucky de responder. Envergava um vestido de baile vermelho, a condizer com o seu cabelo. Em volta do pescoço via-se um magnífico colar de rubis.

Horace encolheu-se. Era a primeira vez que via aquele colar. Sabia que devia ter sido presente de Dimitri - o que assinalava, consequentemente, que o romance se mantinha forte.

- Raios! - murmurou.

-"Alguém já alguma vez lhe disse que faz lembrar Burgess Meredith? - disse Alice ajeitando as pestanas. - Sempre o achei um homem tão atraente.

Lennie apanhou uma boleia de volta ao porto num descapotável com dois homossexuais alemães queimados pelo sol. Não falavam uma palavra de inglês. Ele não falava alemão. Mas houve fartura de delicados acenos de cabeça e sorrisos.

Esgueirou-se para dentro do iate e deparou com o comandante Pratt.

- O passeio foi agradável, senhor? - perguntou o homem. Lennie não sabia se era sua imaginação ou não, mas juraria que o comandante lhe lançara uma piscadela de olho lúbrica.

- Foi, obrigado - replicou.

- Está um pouco atrasado, senhor - acrescentou o comandante. Acabaram-se de se sentar para jantar.

- Levarei cinco minutos a mudar de roupa. É capaz de levar o recado à minha mulher?

- Certamente, senhor. - Teria sido mais uma piscadela conspirativa? -Devo dizer, senhor, que sua mãe é uma senhora muito simpática.

Oh, merda. O comandante queria Alice. Lamento meu amigo, tens vinte anos a mais para os gostos de Alice a Rebolona.

- É verdade - respondeu Lennie com afago, afastando-se rapidamente.

Enquanto os criados serviam à mesa e vinhos deliciosos eram vertidos nos copos de prata, decorriam conversas delicadas. Olympia ficou sentada ao lado de Gino Santangelo. Espetou o peito e flirtou descaradamente com este. Podia ser um velho, mas se Lucky podia ter Dimitri, por que não haveria ela de dar uma cambalhota com Gino?

Inclinou-se para bem perto dele.

- Aposto em como não se lembra da última vez em que nos vimos sussurrou-lhe.

Gino lembrava-se. E demasiado bem. Era uma imagem firmemente marcada na sua mente para sempre. Olympia Stanislopoulos, então com dezasseis anos, de rabo rosado espetado no ar enquanto se concentrava a proporcionar ao namorado da altura uma dose de sexo oral.

- Sabes uma coisa - tens razão, não me lembro. Olympia amuou.

- Ora. Como poderá ter esquecido?

Ele sabia o que queria afastar da memória. Aquela viagem. Aquela gente. No dia seguinte forjaria um telegrama a chamá-lo urgentemente a Nova Iorque.

Olympia dissera, "costumamos vestir-nos para o jantar", sem que ele ficasse a perceber muito bem o que ela quisera dizer. Lennie vestiu, relutantemente, um fato. Que frete. Por que alinharia ele naquilo? Uma noite era suficiente. Dali em diante tencionava levar Olympia para fora do barco para fazerem umas explorações. Devia haver grande fartura de restaurantes óptimos na localidade e ele não tencionava passar o tempo enfarpelado na companhia dos ricaços.

Examinou-se ao espelho e perguntou a si mesmo se teria tempo para um charro. Reflectida a seu lado imaginou ver a rapariga da praia. Morena, misteriosa, sexy... Ele sempre preferira as louras mas ela fizera-o esquecer todas as louras que já tivera - incluindo Éden.

Finalmente livre?

Sim.

Por que não ficara, ao menos, a saber o seu nome?

Alargou o nó da gravata, passou as mãos pelo cabelo, acendeu um charro, inalou profundamente várias vezes e foi jantar.

- Negócios são negócios - disse Saud Ornar. - E mulheres são mulheres. E nunca os dois se devem misturar.

-Que treta mais antiquada! -exclamou Lucky. -Onde é que passou os últimos cinqüenta anos?

Suad pestanejou, não acostumado a ser interpelado por mulheres. Além disso, não estivera a falar com Lucky; tratara-se de uma observação dirigida a todos em geral.

- Concordo consigo, Saud - guinchou Fluff. - Eu nunca quererei trabalhar. Nunca, nunca! Que horror!

- E nunca terás de o fazer, coisinha fofa - declarou Jenkins Wilder, juntando-se à conversa. - As meninas espertas nunca têm de levantar um dedo.

- Só os cus -murmurou Lucky. Alice soltou uma risada.

Francesca lançou um olhar cheio de significado a Dimitri. Susan disse:

- Penso que as raparigas deviam aprender lides domésticas na escola. Cozinhar, costurar e cuidar da casa em geral.

- E fornicar? - sugeriu Lucky. - Quero dizer, merda, Susan, se uma pessoa vai para a escola para aprender a tomar conta de um tipo, mais vale que fique a saber de tudo e como deve ser, não acha?

Dimitri dirigiu um olhar de aviso a Lucky, que o ignorou. Susan corou violentamente. Gino disse: -Ei, miúda... A condessa riu.

Olympia ficou carrancuda. A pequena e franzina Lucky ficara uma desbocada.

Lennie entrou na sala, avistou Olympia e aproximou-se desta.

- Onde estiveste? - perguntou-lhe ela com maus modos.

- Desculpa o atraso. Tive dificuldade em arranjar uma boleia da praia - explicou.

- Da praia! - escarneceu Olympia, como se fosse uma palavra obscena.

- Sim, sabes onde é. O lugar onde os campónios param... nem toda a gente tem um iate onde passar o tempo.

- Muito engraçado. Por que não te sentas? - Dirigiu-se aos que se encontravam presentes à mesa. - Gostaria de vos apresentar o meu marido, Lennie Golden.

Lennie viu na sua frente uma profusão de jóias e velhos. Também viu Alice, o que o deixou aflito.

- Agora vejamos - continuou Olympia, desempenhando o papel da anfitriã perfeita-, esta é a condessa Sebrowski e Saud Ornar. Mister e Mistress Jenkind Wilder, Susan e Gino Santangelo, Francesca e Horace Fern, e o meu pai já tu conheceste anteriormente. - nova pausa, não sabendo se conseguiria ignorar Lucky. Demasiado óbvio. -Oh, sim, e esta é Lucky.

Recusou-se a nomear o seu estatuto.

- Minha esposa - esclareceu Dimitri.

- Sua mulher - repetiu Lennie.

Ele olhou para ela. Ela olhou para ele. Foi como se o tempo parasse.

 

Do que Steven realmente estivera a precisar era de regressar ao mundo real. Resistira sempre à tentação de trabalhar numa firma de advogados grande e cara, preferindo ganhar experiência como assistente do procurador distrital e promotor público, onde o dinheiro não era nada abundante. Mas começara a ficar mais velho e prudente com o tempo e, naquele momento, a segurança e o sucesso pareciam bastante mais estimulantes. Era como se tivesse de agarrar em algo a passar ao seu alcance - Jerry assegurara-lhe que poderia escolher entre os muitos clientes ricos que necessitavam de ajuda.

- O facto de terem dinheiro não quer dizer que sejam todos uns horrores - explicou Jerry amigavelmente. - Por que não ficas com o caso Mary Lou? Trata-se de uma linda actriz negra da TV, com uma óptima imagem a nível familiar. Está a processar uma revista pornográfica que publicou fotografias dela de antes de ter atingido o grande sucesso de que hoje goza. Esta semana vamos recolher os depoimentos.

Mary Lou Moore. Steven vira o seu shaw várias vezes. Uma série divertida passada no Connecticut, em que Mary Lou desempenhava o papel da filha adoptiva de uma família branca. Era uma jovem, não devia ter mais de dezoito ou dezanove anos, e muito bonita.

- vou ficar com todos os clientes negros? - perguntou mordazmente.

- Só se os quiseres, Este caso é daqueles sumarentos. A heroína difamada pelos maus. O teu tipo de acção. De facto, ela afirma que as fotografias foram tiradas pelo namorado quando tinha quinze anos, por brincadeira. Achas que é caso que possas ganhar?

- Eu diria que não podemos perder.

- Pede uma indemnização alta. Os tipos podem pagá-la.

Depois de se instalar no escritório, Steven informou os inquilinos do apartamento da cave da sua moradia que tencionava voltar a ocupá-la. Estava com sorte - o homem, um engenheiro, acabara de aceitar um emprego no Médio Oriente e preparava-se para sair imediatamente. Houve

um reajustamento na renda (mais dinheiro emprestado por Jerry, que em breve seria reembolsado) e Steven mudou-se.

Voltava verdadeiramente a casa, depois de três anos perdidos. A sensação era maravilhosa.

Carrie conheceu Anna Robb, a escritora-fantasma que Fred Lester lhe recomendara. Era uma mulher pequena, meticulosa, de quarenta anos, que usava sapatos confortáveis e camisolas de lã largueironas. Parecia fisicamente ligada ao seu gravador Sony, que ligou assim que Carrie entrou na sua vida.

- Limite-se a falar - disse tranquilizadoramente -, acerca de tudo o que lhe apetecer. Depois extrairei exactamente o que desejar.

De modo que Carrie falou. A princípio de roupas, depois de moda e daí para a arte de bem receber em casa. Não tardou que estivesse a discorrer acerca da vida passada com o primeiro marido, Bernard Dimes.

-Dávamos festas tão interessantes... - recordou com prazer. Vinham pessoas das artes, grandes figuras do ballet, escritores. Bernard conhecia toda a gente. Era um homem fascinante.

- Como foi que se conheceram? - perguntou Anna, bebendo um gole do chá de limão que Carrie lhe preparara.

- Não creio que deseje falar acerca desse aspecto - replicou Carrie rapidamente.

Anna era uma profissional suficientemente hábil para saber quando devia passar logo a outro assunto.

Uma semana depois tinham feito três sessões de gravação, cada uma com quatro horas de duração. Nessa altura já Carrie se sentia à vontade na companhia de Anna e falara-lhe de tudo quanto podia discorrer em relação a moda, estilo, beleza e alimentação racional. Anna disse ter todo o material de que precisava.

- Mas não custou nada! - exclamou Carrie.

- Para si - disse Anna. - Para mim o verdadeiro trabalho começa agora. Primeiro escrevo o livro, depois divido-o em duas secções. Revemos o que foi escrito para nos certificarmos de que tem a sua aprovação. Depois começamos a escolher as fotografias e decidimos sobre aquelas que devem ser tiradas.

- É tão excitante! - disse Carrie.

- Se o livro for um best seller, é a sensação mais excitante do mundo. - Anna sorriu. - Se for um fracasso, é a pior.

- Que é preciso fazer para que seja um best seller? - perguntou Carrie ingenuamente.

-Se eu soubesse, Fred Lester estaria a trabalhar para mim.

- Fale-me dele - pediu Carrie. - Parece ser tão boa pessoa. É casado?

- Está interessada?

Carrie ficou atrapalhada. Por que motivo poderia estar interessada? Desistira dos homens desde que se divorciara de Elliot Berkeley e agora estava demasiado velha e ligada aos seus hábitos para pensar em iniciar nova relação. Além disso, se voltasse a envolver-se com um homem, teria de lhe contar a verdade acerca do seu passado. E quem a quereria depois de o conhecer.

Não. Os envolvimentos sentimentais tinham acabado. Tinha Steven de volta, graças a Deus. Tinha alguns amigos. Que mais poderia desejar?

- Sem dúvida que não - respondeu afectadamente.

- Ele é viúvo - esclareceu Anna voluntariamente, guardando o gravador. - Mas penso que devo avisá-la de que está a viver com uma mulher.

Carrie sentia-se ansiosa por lhe perguntar quem era a mulher mas não o fez. Como seria embaraçoso Anna imaginar que ela estava interessada no seu patrão. Mudou rapidamente de assunto.

 

Lucky não ficou com a menor idéia de como decorreu o resto do jantar. Tentou evitar olhar para Lennie e soube que ele tentava fazer o mesmo em relação a ela, mas tal foi impossível. Os olhos de ambos encontravam-se constantemente e quando tal acontecia, a electricidade que geravam parecia incendiar toda a sala.

Ambos descobriram, no decurso da refeição, várias coisas.

Lucky, que raramente lia algo que não fossem livros excepto o Newsweek, The Wall Street Journal e tílues & Soul, além de nunca ver televisão, ficou a saber, através de Alice - que não se calava um momento - que Lennie estava no topo da carreira e era agora uma personalidade e uma estrela televisiva.

- Não leste a notícia do nosso casamento? - perguntou Olympia beligerantemente. - Saímos nos cabeçalhos dos jornais de todo o mundo.

- Não, não li - replicou Lucky delicadamente, fazendo Olympia amuar.

- E quanto ao meu Lennie, que saiu na capa da People? com certeza viu, não é verdade? - ralhou Alice.

- Lamento mas não vi - desculpou-se Lucky.

- Ele é que devia lamentar - observou Alice sombriamente. - Deixou-me de fora. Mas em breve eles escreverão um artigo acerca da minha pessoa. Provavelmente não sairei na capa mas não se pode ter tudo nesta vida, não é, querida?

Lennie ficou a saber quem Lucky era exactamente. Não só que se encontrava casada com o pai de Olympia mas que era Lucky Santangelo - a Lucky Santangelo que o pusera a andar do Hotel Magiriano dois anos antes.

De repente tudo se encaixou nos seus devidos lugares. Agora ele sabia porque fora despedido tão abruptamente, fugindo da cidade a sete pés.

Ela quisera ir para a cama com ele.

Ele não lhe fizera a vontade.

"Livra-te do filho da mãe." Podia imaginá-la a dar a ordem a Matt.

Sentia-se furioso, e com razão.

- Você é o mesmo Lennie Golden que actuou com muito sucesso no meu hotel? - perguntou Gino.

- Sou - respondeu Lennie.

Que era aquilo? Uma reunião de família? Lucky com o pai. Alice sentada à mesa - a parente orgulhosa em pessoa. Cristo! Tinha a impressão de estar a ter um pesadelo.

-Você ultrapassou os recordes da casa - disse Gino. -Disse a Matt que o quero lá novamente, assim que lhe for possível. De facto até lhe disse que fizesse uma combinação com o seu empresário, como por exemplo reservar uma semana para nós de dois em dois meses. Exclusivo.

Lucky ainda se apercebera de que Gino continuava a prestar alguma atenção aos negócios - imaginara-o a receber os lucros e nada mais.

Lennie Golden dera espectáculos no seu hotel e ela nem sequer soubera. Sentia-se uma idiota.

"Já não é o teu hotel", recordou-lhe uma voz interior. "Vendeste a tua parte, fugiste Por que havias de saber? Por que havias mesmo de te importar? "

- Sim, raios. Por que haveria de se importar? De qualquer maneira, quem era Lennie na sua vida? Certo, ela dera-lhe trela - grande coisa. Sexo era sexo e só por azar voltara a vê-lo.

"Ah sim?" "Sim."

Terminado o jantar, vários convidados mostraram vontade de ir a terra, a um clube nocturno.

-"Eu quero ir - anunciou Olympia a Lennie. Estava devidamente fornecida de coca e pronta a passar uma bela noite de pândega.

Ele, por outro lado, começava a sentir os efeitos dos dias de viagem, para não falar da tensão vivida ao longo do jantar, com Lucky sentada do outro lado da mesa.

- Eu vou deitar-me - disse Lennie.

- Vais uma ova - replicou Olympia iradamente. - Andaste o dia todo na rua enquanto eu ficava presa aqui. Vamos a um clube nocturno, portanto vai-te arranjar.

- Não me fales assim - disse Lennie furioso.

- Falo-te como muito bem me apetecer - troçou Olympia. Lennie fitou a mulher com quem casara. Tinha pequenos olhos azuis e uma cara rechonchuda e rosada. Os lábios pintados curvavam-se-lhe zombeteiramente e os caracóis louros pendiam-lhe. Sim, Jess tivera razão, sem dúvida. Ele fora acometido de loucura.

- Escuta - disse-lhe ele, em tom baixo e calmo. - Fala com quem muito bem te apetecer dessa maneira, mas a mim não me trates como se fosse uma merda. Percebeste?

Olympia recusou-se a ficar intimidada. Atirou o cabelo para trás.

- Depreendo que não queiras vir - disse altivamente. - Pois bem, eu vou, contigo ou sozinha.

- Diverte-te.

- Não penses que não o farei - disse Olympia, afastando-se desdenhosamente.

No extremo oposto da sala, Lucky desculpou-se junto de Dimitri com uma dor de cabeça, e este sentiu-se simplesmente aliviado.

Francesca, evidentemente, estava pronta, desejosa e disponível. Não consultou Horace sobre as suas preferências.

- Tu ficas aqui - informou o marido. - Sabes que detestas clubes nocturnos.

Alice, como não fora convidada, decidiu mostrar-se corajosa.

-Eu tomo conta de Horace - ofereceu-se.

Francesca ignorou-a - tinha o hábito de ignorar a maioria das pessoas, com excepção de Dimitri.

Jenkins e Fluff Wilder decidiram ir. O mesmo aconteceu com Saud e a sua condessa. Susan disse que sim. Gino disse que não. Ela ainda se sentiu tentada a ir sem ele mas, resistindo à tentação, acabou por ficar relutantemente. A condessa era uma mulher tão interessante - gostaria de conhecê-la melhor.

Assim que os noctívagos partiram, Gino despediu-se e retirou-se juntamente com Susan. Lucky fitou, contra vontade, Lennie. Este retribuiu-Lhe o olhar. Alice regalava Horace com histórias de Las Vegas. com a audiência forçada de uma pessoa e um fornecimento ilimitado de Grand Mamier - o seu licor preferido - estava no seu elemento; Lennie fez um gesto em direcção à porta.

Lucky anuiu, concordando.

- Boa noite a todos - disse calmamente, retirando-se. Lennie esperou um momento; depois também se levantou.

- Oh, querido! - exclamou Alice com uma risada juvenil. - Vais deixar-nos a sós? Olha que se me deixam sozinha na companhia de um homem tão atraente, não respondo pelas minhas acções!

Lennie não sabia o que mais detestava - se a mãe chata se a mãe ingênua e namoradeira.

No deque, procurou por Lucky. Esta encontrava-se recostada ao corrimão, fumando um cigarro, observando a sua aproximação com os olhos escuros e atentos.

- Estamos num mundo mais pequeno do que imaginamos - disse Lucky em voz baixa. - Devíamos ter deixado ficar as coisas como em Las Vegas. Menos complicado.

Ele tinha muito que lhe dizer, como por exemplo: "Por que mandou que me despedissem?" Isso para começar. Porém, faltaram-lhe as palavras. Apenas lhe apeteceu tomá-la nos braços.

Lucky inalou profundamente o fumo do seu cigarro, a seguir atirou-o borda fora. Sem outra palavra, como que obedecendo a uma combinação feita entre os dois, caíram nos braços um do outro como se fosse o acto mais natural do mundo. Ele ficou imediatamente pronto para ela, desaparecidas toda a fadiga e tensão.

Lucky beijou-o com os lábios, a língua, as mãos a acariciarem-lhe o rosto, movendo-as depois pelo corpo dele abaixo com pressa e concupiscência.

Lennie retribuiu-lhe os beijos, enfiou-lhe as mãos por debaixo do fraque branco e libertou-lhe os seios da prisão imposta pelo corpete minúsculo de seda.

- Desejo-te - murmurou Lenny. - Sempre, em todo o lado. Desejo-te.

Lucky tentou, debilmente, afastá-lo. Não queria dizer-lhe que se fosse embora. Ele despertava nela sentimentos que há muito tinham estado adormecidos. Sob o ponto de vista sexual, ele excitava-a num grau de que se esquecera ia para muito tempo. Ele era um perigo para si, no entanto não parecia ser capaz de se abster da entrega.

Beijaram-se e acariciaram-se em silêncio, até ser a vez dele a empurrar para longe de si. Falou com voz estrangulada:

- Que estamos nós a fazer aqui, a brincar aos namorados?

-Eu nunca brinco aos namorados - disse Lucky, puxando-lhe o zipe das calças para baixo e deixando-se cair de joelhos. - Nunca. - E a sua boca tocou nele, levando-o até ao paraíso para depois o trazer de volta, engolindo a evidência do facto.

- Oh, Jesus! - exclamou Lennie.

Experimentara bom sexo, mau sexo, sexo medíocre. Mas nunca experimentara sexo tão erótico e excitante do que o que fazia com Lucky Santangelo.

- Passei o jantar todo a pensar em fazer-te isto - disse Lucky com os olhos a brilhar. - Uma espécie de presente de despedida.

- Ei, senhora - se essa foi a despedida, mal consigo esperar para ver como dizes olá!

Lucky não se riu.

- Foi adeus. Nenhum de nós anda à procura de problemas. Hoje vivemos um sonho... uma fantasia. Agora voltamos à vida real.

- Estás a brincar? - Lennie agarrou-a pelos braços. - Amas o velho com quem casaste ou uniste-te a ele por causa do dinheiro que tem?

- Isso não é da tua conta - respondeu Lucky azedamente. - E já que estamos no campo das perguntas, por que te juntaste a Olympia? Foi a personalidade folgazã dela que te seduziu? Ou a sua conta bancária astronômica?

Lennie agarrou em Lucky ansiosamente, inclinando-a para trás, ao mesmo tempo que baixava a cabeça para os seios dela. -Não! -ordenou ela.

- Sim - insistiu ele. - Oh, sim.

Lucky perdeu-se nos seus braços. Algo estava a acontecer. Uma paixão que não experimentava desde Marco. E Marco morrera há cinco anos...

Lucky sentia-se estranhamente assustada e, ao mesmo tempo, exultante. Ao esmagar o corpo contra o dele, sentiu-se esvair-se toda a sua racionalidade. E voltou a desejá-lo.

O comandante Pratt, de gatas no deque superior, quase caiu borda fora. Aquela gente rica! Não era em nada diferente da outra. Que diria Mr. Stanislopoulos se soubesse daquela pouca vergonha?

Que poderia ele dizer? Nessa mesma tarde, Dimitri Stanislopoulos levara aquele horror da Francesca Fern para o seu gabinete e tinham lá ficado encafuados durante mais de uma hora, com as persianas corridas e um letreiro "NÃO INCOMODAR" na porta. Não admirava que a mulher andasse naquela vida indecente. Provavelmente nunca levava nada do velho grego - este andava demasiado ocupado a dar tudo à amiguinha.

O comandante Pratt levantou-se e sacudiu a roupa. Por quanto poderia vender aquela história, perguntou de si para si. Os jornais ingleses adoravam escândalos e mexericos - especialmente quando diziam respeito aos super-ricos. O News of the World ou o Sunday Mirror pagariam uma fortuna por algumas das suas histórias. Para não mencionar o Enquirer ou o Star.

Sim. O Comandante Pratt reconheceu que quando fosse tempo de se reformar, teria um belo ninho cheio de ovos à sua espera.

- Somos loucos - disse Lucky, encontrando finalmente as roupas abandonadas e esforçando-se por se enfiar dentro das mesmas. - Absolutamente loucos. Qualquer pessoa podia ter dado connosco. Este iate está a abarrotar de criados. Somos loucos. De verdade.

- Não precisas de estar a repetir isso constantemente. Eu acredito. Lucky voltou-se desafiadoramente para Lennie.

- Isto é sexo, apenas sexo. Tens consciência do facto, não tens? Lennie devolveu-lhe o olhar.

- Não sei como as coisas se passam contigo, mas o meu casamento já estava terminado antes de começar. Casei com Olympia numa noite de loucura em Las Vegas, na Capela Matrimonial do Amor e da Honra, já imaginaste? Ela anuiu.

- Conheço-a bem - é o local para onde as coristas arrastam os labregos da província que ganharam mais de cem dólares nas mesas da bacará.

- Podemos dizer que ganhei mas por todas as razões erradas. Estava completamente pirado, a recompor-me da cabra-do-século, e ansioso por me destruir a mim próprio. Estás a ver?

-Começo a fazê-lo.

- Tu provavelmente és a mulher de que andei à procura a vida toda. Acontece apenas que um milhão de louras me desviaram do caminho certo.

-Um sexo óptimo não basta para fazer com que uma relação resulte- observou Lucky ponderadamente.

- Mas é muitíssimo melhor que um sexo mau.

- É verdade.

- Eu só falo a verdade.

- Quando te convém.

- Vá, Lennie. És um conquistador, um femeeiro incansável. Nem sequer és o meu tipo.

- E que te leva a pensar que tu és o meu? Ambos desataram a rir.

Lucky tocou-lhe na face ao de leve e não pôde deixar de dizer:

- Lennie Golden, não sei o que se está a passar, mas creio que se trata de algo.

- Algo que se parece com um trovão. -Um relâmpago.

- Não apenas sexo. -Nem pensar.

- Mais.

- Certo.

- Muito, muito mais.

- Bem o dizes.

Lucky fitou-o. Tantas sensações ao mesmo tempo. Antes de poder pensar no que dizer a seguir, Alice e Horace apareceram inesperadamente.

- Oh! -exclamou Alice espantada, acrescentando um soluço delicado. - Que estão vocês os dois a fazer aqui fora?

Horace mexeu-se, pouco à-vontade.

- A jogar tênis - respondeu Lennie secamente. Alice riu.

- Saint Troop é uma terra adorável. - Gaguejou, soltando mais um soluço. - É tão... tropical.

- Saint Tropez - murmurou Lucky, emendando-a.

- Horace anda a mostrar-me o barco - explicou Alice, vacilando ligeiramente e agarrando-se ao corrimão para não cair.

- Que simpático - observou Lennie sarcasticamente.

- Anda daí, Horace - disse Alice com ar namorador. - Quero ver os escaleres salva-vidas. Não sei nadar, compreendes, portanto tenho de me certificar de que tudo está em ordem para o caso de haver necessidade.

Soltando uma gargalhada estridente, arrastou um Horace relutante no seu encalço.

- Minha mãe! -comentou Lennie com amargura. - A última das grandes swingers.

- O facto embaraça-te?

- Sou demasiado velho para me embaraçar.

- Que idade tens?

- Trinta. E tu?

-Irei juntar-me a ti nesse período ilustre daqui a dois dias. É o início oficial da idade madura, não é? O fim da frivolidade da década dos vinte.

- Acabou-se a fornicação fora de portas, não?

- Não é algo a que esteja habituado. Lennie agarrou Lucky pelos ombros. -Que vamos fazer, Lucky?

- Acerca do meu aniversário?

- Não armes em engraçada.

- Não faço tenções de deitar tudo a perder por tua causa. Já te disse o que penso. Dizemos adeus e fazemos de conta que não aconteceu nada.

- Assim, sem mais nem menos, não é?

- Eu consigo fazê-lo. com facilidade.

- Ora - disse Lennie com azedume. - É a tua solução para tudo, não é? Limitas-te a passar com uma borracha. Foi por isso que correste comigo de Las Vegas para poderes fazer de conta que a pequena cena havida entre os dois nunca acontecera?

- Que podia eu fazer? Manter-te por perto para me lembrar constantemente da nossa noite de nada?

- Não se despede uma pessoa apenas porque ela não dormiu connosco.

- Passo bem sem o teu sermão, obrigada.

- Estou a tentar ensinar-te alguma coisa.

- Ensinar-me a mim. - Ergueu a voz. - Ensinar-me a mim. Ha!

- Não grites.

- Quem é que está a gritar? - gritou Lucky.

O ruído de uma lancha anunciou o regresso dos noctívagos.

- Cristo! - exclamou Lennie angustiado. -Quando é que volto a ver-te?

- Amanhã. Ao pequeno-almoço, almoço e jantar. A não ser que algum de nós parta, não teremos possibilidade de nos evitarmos um ao outro.

- Sabes ao que me refiro.

Lucky já começara a afastar-se em direcção à escada.

- Dei-te o meu presente de despedida, Lennie. Deixemos as coisas ficar como estão.

Ambos pressentiam que era impossível.

 

Éden tencionava acabar a noite nos braços sensuais de Vitos Felicidade. Já que ia sair fora da linha, já agora que o fizesse com o popular amante espanhol. Contudo, às vezes os planos mais bem arquitectados sofriam alterações, e ela, à medida que a noite ia decorrendo, sentia-se progressivamente atraída por Quinn Leech. Este era um homem de barba farta, na casa dos cinqüenta, cadavericamente magro, com olhos lascivos e mãos enormes. Mas era um realizador cinematográfico e, por esse facto, dispunha de um atractivo especial. Éden vira vários filmes seus. Eram estranhos filmes policiais com uma dose excessiva de sexo e violência. Ele gostava de reduzir a mulher a pedaços - na tela. As feministas gostavam de o reduzir a pedaços - na imprensa. Os seus dois últimos filmes tinham sido desastres de bilheteira. Nos seus tempos fora um "director jovem e brilhante". Agora limitava-se a fazer tempo até ao seu próximo grande hit. Os estúdios não lhe davam trabalho, de modo que quando o seu velho amigo, Ryder Wheeler, o abordara com uma proposta para dirigir um filme financiado por dinheiro de uns "conhecidos", ele concordara imediatamente. Que lhe importava a proveniência do dinheiro?

Ryder alertara-o logo desde o princípio.

- Mantém-te afastado da namorada de Bonnatti - dissera. -Não forniques com o pessoal pago.

Mas Quinn nunca gostara de receber conselhos.

Sairam do Chasen antes da meia-noite. Vitos subiu para a sua limusina juntamente com o seu empresário, dirigindo uma vénia delicada a Éden e a Quinn.

-Imbecil! -murmurou Quinn depois de a limusina se afastar pela Boulevard Avenua abaixo.

- Não gosta dele? - perguntou Éden.

- O que há ali para se gostar ou não? O tipo é uma tela vazia. Éden tamborilou com as unhas compridas contra a pequena bolsa dourada, aguardando uma proposta da parte dele. Já se decidira a dizer que sim.

- Onde tem o seu carro? - perguntou o homem.

- Não se lembra? Mandámos o motorista para casa.

- Você mandou o motorista para casa.

O porteiro apareceu com um Porsche preto.

- Pode dar-me uma boleia? - perguntou Éden rapidamente.

- A melhor que já tiveste, pequena - gabou-se Quinn.

O homem vivia em Hollywood Hills, no Laurel Canyon. Numa casa repleta de objectos em couro negro e no meio de uma selva de plantas.

Bebeu Chivas Regai da garrafa, despiu a roupa, pediu-lhe que se despisse muito, muito lentamente e, no fim, não conseguiu levantá-lo.

Sugeriu então uma alternativa - um vibrador negro de avançada tecnologia, amorosamente guardado num estojo de couro da mesma cor. E a companhia da namorada residente, que dormia no andar de cima.

- Não contes comigo - disse uma Éden ofendida, chamando depois um táxi.

Quando saiu, Quinn ressonava no sofá. Éden não conseguia perceber por que motivo o preferira a Vitos.

Zeko estava à sua espera quando chegou a casa.

-O patrão vai chegar-lhe a roupa ao pêlo - grasnou, coçando a cabeça calva.

- Só se tu lhe disseres - respondeu Éden com brevidade. - E se tu lhe disseres, ver-me-ei forçada a contar-lhe que ficas acocorado no meio dos arbustos a gozar enquanto eu tomo banho e me visto.

A sua ameaça deu resultado. Zeko nunca disse uma palavra. Quando, no dia seguinte, Santino apareceu em casa, Éden disse-lhe que ficara a jantar no Chasen.

- Porque fizeste isso? - perguntou-lhe ele, com um músculo da bochecha a agitar-se incontrolavelmente. - Quando te disse p'ra voltares logo para casa?

- Por tua causa - replicou ela calmamente, reflectindo que se aquele estupor não se saísse rapidamente com o filme, ela pôr-se-ia a andar. - Teria parecido mal eu vir-me embora. Daria a impressão de que não queríamos saber deles para nada.

Os olhos de Santino ficaram salientes de tanta ira.

- Quando eu te disser p'ra fazeres uma coisa, tu fazes, percebeste? O que é que pensas que és, uma sócia?

- Quinn Leech disse-me que o guião foi reescrito e que o filme agora chama-se O Cantor - disse Éden sem vacilar.

-Ele disse-te isso, disse?

- Sim, disse.

- Grande besta. Fala de mais.

-"Por que não mo disseste tu? -Fitou-o acusadoramente. - Sou obrigado a dizer-te as coisinhas todas?

- Alterar o guião do filme dar-lhe um título novo não são coisinhas. Santino começou a andar de um lado para o outro.

- Que parvoíce mais idiota - disse com maus modos. - Preciso de descontrair, em casa não consigo. Venho para aqui com essa intenção.

Éden não sabia muito bem até onde poderia ir. No entanto apanhara-o desprevenido, portanto por que não experimentar?

- Quero ler o novo guião - insistiu. - Quero ver o que aconteceu ao meu papel. Prometeste que este seria o meu filme, o meu veículo. Quinn Leech nem sequer sabia que estava resolvido eu ser a estrela.

A primeira bofetada apanhou-a na face.

- Grande sã... -principiou. A segunda atirou-a ao chão.

-Não me dês ordens a mim - rosnou Santino. - Disse-te para me voltares com esse cu para aqui ontem à noite. Mas não, não podias fazer isso. Tinha de ficar por lá às perguntas para eu parecer um estúpido qualquer que tem uma amiguinha bisbilhoteira. Voltas a repetir uma dessas e corro contigo.

Éden começou a chorar, mais de frustração do que de raiva ou qualquer outro sentimento.

- Talvez seja o que eu quero - disse por entre soluços. - Afastar-me de ti.

Santino fitou-a com os olhos pequenos e maldosos.

- Quando eu quiser - disse lentamente. - Quando eu quiser. Só quando eu quiser.

Dimitri andava a planear uma festa. Uma festa em grande. Lucky não podia dizer se seria por algum sentimento de culpa ou não, mas nada o fazia demover da vontade de celebrar o seu aniversário em estilo. Lucky concluiu que só lhe restava alinhar - depois do acontecimento, partiria. Gino já tomara providências para que um telegrama o chamasse a Nova Iorque para uma reunião de negócios.

- Virás comigo - disse a Lucky, - Podes dizer que temos de nos encontrar com os advogados por causa da questão de Las Vegas.

Lucky queria afastar-se. Anteriormente já não era nada agradável, mas agora, com a complicação acrescida de Lennie, tornara-se impossível. Por que teriam as coisas deixado de ser simples? Por que olhar para Lennie lhe daria vontade de voar? Por que o olharia cinco minutos depois, sentindo que não desejava voltar a vê-lo? Não compreendia o que se passava. Lennie Golden não era o seu tipo. Tratava-se apenas de uma questão de sexo. E no entanto...

Pensou em Marco. Tinham passado uma noite única, gloriosa, inesquecível. Depois abateram-no. Nunca mais desejara experimentar semelhante desgosto e perda.

De qualquer maneira, Lennie pertencia a Olympia. À gorducha e petulante Olympia que a tratava como se ela fosse uma das namoradas temporárias de Dimitri e não a sua mulher. Tentara falar-lhe em particular. Olympia despachara-a com um cáustico:

- Que dirias se eu fosse para a cama com o teu pai? Lucky não pôde deixar de achar que a idéia era repelente.

O facto de Olympia flirtar descaradamente com Gino sempre que tinha oportunidade, não lhe escapou à atenção. Este não parecia reparar.

O iate zarpou para Cannes, onde a festa se realizaria. Lucky deixou-se ficar estendida na piscina, a ver CeeCee ensinar Roberto a nadar. Brigette passava a vida a saltar para dentro de água e a salpicar a cara da criança. CeeCee mandou-a embora e a menina gritou-lhe insultos.

- Preta suja - cantarolou. - Suja! Suja! Suja!

Lucky levantou-se de um salto e deu uma palmada no traseiro da miúda.

Brigette olhou para ela durante um momento, horrorizada, e depois irrompeu num choro ruidoso e forçado.

- Acaba com isso, rapariga - disse Lucky. - Não tens ninguém a apreciar-te.

Brigette parou abruptamente de chorar.

-Detesto gente preta e suja - declarou com desprezo.

- Porquê? - perguntou Lucky calmamente.

- Porque, porque, porque... - Fez uma careta com o rostinho bonito. - Porque a mama também não gosta! - terminou triunfantemente.

- Não é razão suficientemente boa.

A criança enfiou um dos polegares na boca.

- És demasiado velha para isso! - exclamou Lucky.

- Não sou nada! Posso fazer o que me apetece.

- Bebezinha suja! - cantarolou Lucky jovialmente. - Suja! Suja! Suja!

Brigette amuou.

- Detesto-te - disse.

- Não, não detestas - replicou Lucky bruscamente. - Simplesmente não me compreendes.

Brigette recuou para o outro extremo da piscina, onde a preceptora Mabel tricotava.

- Garota mimada! -murmurou CeeCee.

- Garota votada à indiferença, diz antes - observou Lucky. -Ainda não vi a mãe prestar-lhe a menor atenção. De vez em quando dá-lhe uma palmadinha, como se ela fosse um cachorro. Esta criança anseia por atenção.

-"Eu lhe dou a atenção-resmungou CeeCee, habitualmente tão sorridente. - Umas boas palmadas naquele rabo!

- Já o fiz. Não fará qualquer diferença. O que ela precisa é de amor. Lucky recordou, por um momento, a sua própria infância. Sabia o

que era estar só e ser ignorada.

Sobrevivera. Lucky Santangelo não precisava de analistas - mas não tinha dificuldade em ver que Brigette, se não fosse ajudada, ficaria com problemas.

Lennie apareceu à hora do almoço. Incendiaram-se um ao outro com olhares inflamados, mas Olympia estava mesmo atrás do marido. Era como se sentisse electricidade no ar e não estava disposta a permitir que houvesse faísca. Cumprimentou Lucky com ar breve e vago e atirou um beijo na direcção de Brigette, encaminhando-se para o deque superior.

- Anda - chamou Lennie.

-" vou dar um mergulho antes de almoço - disse Lennie. -Tomas depois - ordenou ela impacientemente.

- Tomo agora.

- Oh, está bem. Despacha-te. Desapareceu de vista. Lennie fitou Lucky.

- Como estás hoje?

Ela devolveu-lhe o olhar e quase se perdeu no verde indolente dos olhos dele.

- Estou bem.

Lennie verificou imediatamente a actividade que reinava na piscina. Duas preceptoras, duas crianças.

- Creio que sinto saudades tuas - disse ele muito calmamente. Brigette trepou para fora da piscina e correu para Lennie. Atirou o corpo molhado possessivamente contra o dele.

- Gostas de gente preta? - perguntou em voz alta. CeeCee fitou-a irada.

Lennie apercebeu-se imediatamente da situação.

- Gosto de gente verde, cor-de-laranja, gorda, magra. Claro que gosto de gente preta. E tu?

- Não sei. - Aparentou desalento. Esperara o apoio dele. -Sabes nadar debaixo de água? Podes ensinar-me? - implorou.

Lennie olhou para Lucky de relance. Esta brincava com Roberto na parte mais baixa.

- Anda, menina linda - disse, atirando Brigette ao ar. - vou ensinar-te a ser um peixe. Que tal?

Brigette guinchava de excitação, libertou-se e caiu dentro da piscina espalhando a água em todas as direcções.

- Despacha-te! - ordenou. - Depressa! Depressa!

Lennie mergulhou de corrida de um dos lados, percorreu a distância, em todo o comprimento, que o separava de Brigette, e emergiu junto desta.

A criança trepou-lhe para os ombros, às risadas e ele transportou-a pela piscina.

- Eu! - gritou Roberto. - Eu! Eu!

Lennie deixou cair Brigette e substituiu-a por Roberto.

- Cuidado! -admoestou Lucky.

- Ei, senhora - disse Lennie com uma piscadela de olho. - Sou um perito em crianças.

Os olhares de ambos entrecruzaram-se e entre os dois estabeleceu-se uma corrente de calor.

Por um momento, Lucky sentiu-se insegura em relação ao que estava a acontecer. O seu caso com Lennie limitava-se a sexo - puro sexo. E no entanto, por que se emocionaria ao vê-lo? Por que estremeceria - mesmo tão ligeiramente?

Ele nem sequer era o seu tipo. Não era Marco. Tinha o cabelo de um louro-sujo, dava mais ares a Robert Redford do que a Al Pacino. Os olhos eram verdes - de um verde assassino.

Viu-o brincar com as crianças. Estas gritavam de deleite com as atenções que ele dividia entre as duas. Roberto ria incontrolavelmente quando Lennie o atirava ao ar. Dimitri, Lucky reparara, tinha pouco tempo para brincar com o filho. Muito tempo, porém, para o fazer com Madame Fern.

Franziu as sobrancelhas. De todos os erros que cometera na vida, casar com Dimitri fora provavelmente o maior de todos.

A noite da festa estava perfeita: um firmamento azul repleto de estrelas, nenhuma brisa, nem ponta de humidade. O iate, decorado com mil luzes feéricas, parecia inacreditavelmente bonito. No deque foram instaladas mesas redondas enfeitadas com flores frescas, para a centena de convidados e, no deque superior, uma orquestra de cinco elementos tocava baladas românticas e rock suave.

Dimitri presenteou cerimoniosamente Lucky pelo seu aniversário pouco antes da hora marcada para os convidados começarem a chegar. Uma caixa de couro quadrada com veludo felpudo. Uma insígnia da Van Cleef and Arpeis. E no interior da caixa, um magnífico colar de diamantes perfeitos e esmeraldas reluzentes encastoadas em ouro, com brincos de pendentes a condizer.

- Encantador - ronronou a condessa, que percebia alguma coisa de jóias.

- Tão lindo! - suspirou Susan, achando que, em comparação, os presentes de Gino pareciam insignificantes.

- Ena! Coisa fina! - foi a exclamação de Fluff.

- É uma maravilha - exclamou Lucky, tirando o colar da caixa.

- Obrigada, querido.

Beijou castamente Dimitri na face. Este sorriu para os espectadores.

Francesca ficou de olhos em bico.

Olympia amuou.

Depois houve que abrir outros presentes. Um par de pesadas molduras em prata, da condessa e Saud. Um relógio de viagem de ouro sólido, de Jenkins e Fluff. Uma saia de seda horrorosa, vários números acima, dos Ferns. Nada, de Olympia. Uma camisola em cashemere, de Susan, uma pequena caixa em couro, de Gino.

- Algo que escolhi - sozinho - disse-lhe o pai com voz embaraçada. - Se não gostares, não és obrigada a usá-lo.

Lucky abriu a caixa lentamente. Gino há anos que não se lembrava do aniversário dela. Dentro da caixa estava um alfinete de peito que representava uma pantera em diamantes e salpicada de rubis e esmeraldas. Era a jóia mais requintada que Lucky já vira na sua vida. Totalmente original e absolutamente o seu estilo.

- Adoro-a - disse suavemente, encantada por ter sido o próprio Gino a escolher a jóia. - É um espanto. Adoro-a de verdade.

Deu um grande abraço ao pai.

- Adoro-te, miúda - disse Gino muito suavemente. - Parabéns! Pouco depois os convidados começavam a chegar, a maioria trazendo presentes que eram colocados num monte, para serem abertos mais tarde.

Lucky envergava um vestido de jersey de seda escarlate que rasava o chão, justo ao corpo e com uma racha à frente. Colocou o novo colar e brincos e prendeu o alfinete de peito ao tecido fino. Tinha um ar exótico com o cabelo empilhado no cimo da cabeça e o bronzeado intenso. Circulou pela festa. Desempenhava um papel. Era Mistress Stanislopoulos até ao mais pequeno pormenor - ciente de que se tratava apenas de uma posição temporária.

Lennie deixou-se ficar de parte a observar. A fantasia tornara-se realidade e ela ficara entranhada na sua pele de maneira inamovível.

Acercou-se dela no bar e livrou-a de uma conversa entediante com uma cuidada loura com enfeites de um milhão de dólares em diamantes.

- Sinto a tua falta - sussurrou-lhe Lennie.

Lucky experimentou um calafrio de expectativa. A loura afastou-se.

- Sinto-me excitado, solitário e chateado - continuou Lennie. - E podes não acreditar no que te vou dizer, mas creio que estou apaixonado.

Lucky manteve um tom superficial.

- Alguém que eu conheça? Lennie tocou-lhe no braço.

- Como é que tu te sentes?

- Casada - replicou Lucky sem rodeios. - E tu também.

- vou deixar Olympia - disse Lennie rapidamente -, assim que voltar. E quanto a ti e Dimitri?

- Não sei - replicou Lucky com honestidade.

- Que queres dizer, não sabes? Vais divorciar-te dele, não vais?

Lucky ressentiu-se com a pergunta. Que tinha ele a ver com o assunto?

- Não me parece ter mencionado que tencione fazer semelhante coisa - disse friamente.

Lennie tocou-lhe no colar com desprezo.

- Imagino que este tipo de bugiganga torne difícil descobrir uma solução.

Lucky sentiu-se subitamente furiosa.

- Estás a querer dizer que fico com ele por causa do seu dinheiro?

- Dá-me uma razão mais convincente.

- Vai-te foder! - explodiu ela. Lennnie tentou acalmá-la.

- Quem me dera que fosses comigo. Ela recusou-se a continuar a conversa.

- Põe-te a andar, parvalhão.

Olympia meteu-se na conversa. Tinha as faces ruborizadas, os seios a quererem saltar do decote pronunciado do vestido amarelo, que a fazia parecer uma banana demasiado madura. Também estava com uma "pedrada"- mas não lhe dera para a boa disposição. E embriagada, mas não feliz.

- Dá a impressão de que vocês os dois se dão muito bem - disse com voz pastosa. - De que estão a falar?

- De nada em especial - respondeu Lennie.

- Ela chamou-te parvalhão. - Os olhos pequenos de Olympia brilharam de ciúmes. - Deve ter havido alguma coisa.

- Contei-lhe uma piada sem graça.

- Todas as tuas piadas não têm graça.

- Agradecido.

- És um comediante reles. Alguma vez assististe a algum dos seus espectáculos, Lucky? É um pavor. - Soltou uma risada.

- De facto... -Por alguma razão desconhecida, Lucky deu consigo a defender Lennie-, já vi Lennie no palco e acho-o brilhantemente inovador.

- Onde é que o viste? - perguntou Olympia furiosa.

- Já fui proprietária de um hotel, o Magiriano. Lennie actuou no salão de festas.

- Quer dizer que os dois já se conheciam? Ambos responderam ao mesmo tempo.

- Já - respondeu Lucky.

- Não propriamente - respondeu Lennie.

- Que foi que fizeram, fornicaram um com o outro? - troçou Olympia, com a percepção dos bêbados.

- Estás fora de ti - disse Lennie rapidamente, rodeando-lhe os ombros com um braço.

Olympia libertou-se.

- Não me venhas com essa conversa do marido solícito só porque acertei na mouche. Provavelmente fornicaste-a mesmo. O que vejo é que ela não pode ver umas calças sem se atirar.

- Pensei que esse era o teu caso - disse Lucky friamente.

- Nunca precisei de andar à procura delas - disse Olympia. - Ainda me lembro de quando estávamos no sul de França - fugidas do colégio. Ninguém olhava sequer para ti. Não conseguias arranjar namorado nem que te pusesses de cabeça para baixo.

- Não sabia que vocês as duas tinham andado juntas no colégio - disse Lennie, tentando mudar de assunto.

- Cala a boca, parvalhão - disse Olympia ferozmente. - Tenho o direito de te chamar parvalhão, não tenho? - acrescentou sarcásticamente. - Ou é privilégio reservado à pequena Lucky Saint?

Lennie lançou-lhe um olhar mais expressivo que palavras e afastou-se.

- Então? - perguntou Olympia agressivamente a Lucky. - Fornicaste com ele?

- Olha - respondeu Lucky friamente -, se o tivesse feito, não to diria. E se não o tivesse feito, era a mesma coisa.

Virou-lhe as costas e desapareceu na animação da festa.

- Cabra petulante! - gritou-lhe Olympia nas costas. - Sei tudo acerca de ti. Sei de onde vens. Não penses que me enganas com os teus ares e graças. És escumalha da rua, tal como o gangster do teu pai!

- Olympia! - Uma voz áspera, uma mão pesada. - Não te desgraces dessa maneira. Vai para a tua cabina até ficares em estado de falar com as pessoas. - O rosto de Dimitri era uma máscara de mau agoiro. Chamou um criado. - Acompanhe miss Stanislopoulos à sua cabine. Dê-Lhe café até ficar sóbria. Não tolerarei semelhante comportamento.

Olympia afastou-se sem refilar. Precisava de mais um charro e umas taças de champanhe - precisava de cocaína e bem depressa.

Em Nova Iorque fazia calor, as ruas estavam repletas de turistas e os residentes só sobreviviam graças ao ar condicionado. Os escritórios de Myerson, Laker e Brandon ficavam num edifício elegante em Park Avenue. Steven ficou com um vasto gabinete de canto dotado de todos os confortos de um lar: frigorífico, televisão, vídeo, aparelhagem estereofónica e gravador.

- Porque não dispor da possibilidade de descontrair - disse Jerry âfavelmente. - Eu acho que um bom ambiente de trabalho faz bons trabalhadores.

O seu próprio gabinete fazia lembrar um apartamento, possuindo mesmo um pequeno quarto ao lado, para o caso de ele desejar passar ali a noite.

- Sabes, Jerry - disse Sam Laker, um dos sócios, em tom confidencial -, ele quer tê-lo para o caso de ser preciso.

- Preciso para quê? - quis saber Steven. Sam piscou-lhe significativamente o olho.

- Preciso para receber uma cliente.

Steven reflectiu no quão diferente aquilo era do espaço de trabalho que ocupara nos seus tempos de assistente do procurador distrital. Enfim, agora as coisas eram diferentes. Ele propunha-se fazer dinheiro, tal como Jerry. Para o diabo com a mania do bom samaritano.

A sua primeira cliente foi Mary Lou Moore. Era mais bonita do que parecia na televisão Possuía cabelo negro que lhe dava pela cintura, olhos castanhos muito afastados um do outro, e um sorriso deslumbrante. Deslocava-se acompanhada de um séquito constituído pela mãe, a tia - que também era sua empresária - e o namorado, um rapazola branco de cabelo encaracolado e a mania de fazer balões com pastilha elástica.

Depois de uma troca de impressões inicial, Steven ficou com a impressão de que Mary Lou nada diria na presença dos seus acompanhantes.

- Gostaria de falar a sós com Mary Lou - disse.

A mãe olhou para a tia. A tia olhou para o namorado. Olharam todos para Mary Lou, que anuiu, consentindo. Depois de se retirarem, Steven disse:

- Fale-me do assunto.

Mary Lou encolheu os ombros, tentando aparentar frieza. Mas quando começou a falar acerca do ultraje, da humilhação e da fúria que a publicação das fotografias de nu lhe causara, pareceu apenas uma adolescente desajeitada.

- Os malandros que fazem essas revistas não deviam poder safar-se com semelhante tipo de exploração - disse. - Está bem, reconheço que não fui nada esperta, antes de mais nada, em posar nua para as fotografias, mas tinha só quinze anos e foi na brincadeira com o meu namorado. Sabia lá que ele iria guardá-las e vendê-las? - Levantou o lindo queixo determinadamente. - Quero processá-los.

- Levará o seu tempo.

- Não me importo.

- Os advogados defenderão o caso. Tentarão desacreditá-la de todas as maneiras possíveis.

- Estou preparada.

- Envolver-se-á em depoimentos, adiamentos até chegar a tribunal.

- Precisamente a minha intenção.

- Vamos iniciar uma jornada longa. Uma vez lançados, não podemos parar.

- Vamos a isso, homem!

Depois de a jovem sair, Steven pegou na revista ofensiva - uma lustrosa publicação pornográfica de baixo nível chamada Comer. Mary Lou aparecia em seis páginas. As fotografias não eram, nitidamente, trabalho de profissional, mas quem quer que tivesse fixado a jovem de quinze anos, fizera um trabalho meticuloso.

Steven ficara com o nome do antigo namorado, dos editores e distribuidores da revista. Tanto quanto lhe era dado ver, Mary Lou tinha boas probabilidades de ganhar a causa.

Anna Robb trabalhava diligentemente na sua máquina de escrever. Já completara quatro capítulos de O Livro de Beleza e Estilo de Carrie Berkeley. Estava a correr bem.

Bocejou e espreguiçou-se. Era tempo de fazer um intervalo, decidiu; entrou na sala de estar do apartamento de Manhattan que partilhava com o namorado. Este dormia no sofá com os óculos na ponta do nariz, páginas de um manuscrito espalhadas pelo chão.

Anna apanhou-as e acordou-o suavemente.

- Adormeci - explicou ele escusadamente.

Anna consultou rapidamente o relógio Cartier que ele lhe oferecera no Natal e verificou, surpreendida, que já passava da meia-noite.

- É tarde - disse. - Queres que te prepare um pouco de leite com cacau?

Ele levantou-se do sofá. -Nada me agradaria mais.

- Vai para a cama que eu levo-to lá.

- Não te esqueças dos biscoitos de chocolate.

- Como se fosse possível.

Ele assistia ao final de O Espectáculo Desta Noite quando Anna entrou no quarto com um tabuleiro onde se viam duas chávenas de leite com cacau fumegantes e uma caixa de biscoitos ingleses.

- Estive a trabalhar no livro de Carrie Berkeley - disse. Ele abriu a lata dos biscoitos.

- Que tal vai?

Anna sentou-se na beira da cama - uma mulher pequenina de estrutura fina, feições vulgares e um sorriso afável.

- Muito bem. Penso que temos ali um trabalho de sucesso.

- Espero bem que sim.

- No entanto digo-te uma coisa.

- O quê?

- Debaixo de todo aquele brilho e esplendor há uma outra história. Ele fitou a televisão.

- Há?

- Oh, sem dúvida. - Anna anuiu. - Carrie Berkeley tem uma história verdadeira para contar. Sabes como pressinto estas coisas.

Ele mordiscou um biscoito de chocolate.

- És uma autêntica Sherlock Holmes - comentou.

- Não. Tenho apenas um bom instinto. Além disso leio nas entrelinhas e preencho as, lacunas. - Fez uma pausa, permitindo que a atenção fosse desviada por um treinador de animais que exibia a Johnny Carson um animal pequeno mas brincalhão. - Gostaria de discutir com ela a possibilidade de se escrever uma autobiografia. Que achas?

- Vejamos primeiro o que acontece com o livro de beleza. -Considera-la capaz de sair à rua para promovê-lo?

- Não sei.

Anna sorriu misteriosamente.

- Tu eras capaz de a convencer - observou. - Gosta de ti.

- Que queres dizer?

- Mais uma vez os meus famosos instintos. Perguntou-me se eras casado. Disse-lhe que vivias com uma mulher. -Riu suavemente. -Não a informei de que era eu.

- Isso é ridículo. Que te leva a ter idéia de que ela gosta de mim? Anna ergueu uma sobrancelha, divertida.

- Terei dado sem querer com uma atracção mútua? Ele mostrou-se enervado.

- Às vezes consegues ser bem parva. Ela deve andar no final dos sessenta.

- E tu também - salientou Anna.

- Que disparate - resmungou ele.

- Ainda bem que tens essa opinião.

Anna terminou o seu cacau e foi para a casa de banho preparar-se para se deitar.

Fred E. Lester olhou para a televisão sem ver e não pôde apreciar as piadas velhas de Mr. Carson e as habilidades de um macaco brincalhão. Os seus pensamentos tinham retrocedido para muitos, muitos anos atrás.

Freddie era um estudante de ditos espirítuosos e tendências alcoólicas. Encontrava-se de férias e Mel Webster, seu amigo, arranjara-lhe um encontro com uma desconhecida. A rapariga, Carrie, era linda - mas negra, Ele ficara chocado por ter de sair com uma negra. A sua família era originária do Sul. "Jesus! ", murmurou a Mel. - "Ela é o estupor de uma preta! "

"E que tem?" replicara Mel. "Nunca ouviste falar em pudim preto? "

Por que não, pensara Freddy. Por que não?

De pouco mais se lembrava. Uma série de clubes nocturnos e copos. A expectativa de ir para a cama com uma rapariga negra. O champanhe a correr e todos a ficarem embriagados.

Recordação seguinte... Ele, Mel e a acompanhante deste a voltarem para um apartamento. Era um sótão espaçoso, com uma cama de cada lado. Mel e a sua rapariga iniciaram a função numa das camas e ele deixara-se cair em cima da outra, adormecendo. Quando, mais tarde, Carrie o abanou para o acordar, pareciam ter-se passado apenas uns minutos. Ela estava tão bonita e ele sentia-se tão excitado. Por que não estariam eles a fazer o mesmo que Mel e a namorada?

Ela opusera-lhe uma resistência feroz mas ele era mais forte e dominou-a até ela jazer, indefesa, debaixo do seu corpo. Sabia que estava a violá-la mas não parou. Quem é que se importava? Ela estava a levar o que verdadeiramente desejava - o que todas as mulheres desejavam.

Depois de terminado, ela pedira dinheiro. Ele ficara furioso, atirara-Lhe com o que tinha, tirara as chaves do carro a Mel, que dormia, e saíra porta fora, vacilante.

As ruas estavam desertas e ele estava ansioso por chegar a casa, tomar um duche para se livrar do cheiro da cabra negra. Conduziu descuidadamente, sem se preocupar com mais ninguém, e ao dar uma curva, entrou por uma rua de sentido contrário, esmagando o carro contra um camião que se aproximava.

A única coisa que se recordava a seguir era de ter acordado, meses mais tarde, numa cama de hospital, vindo de um estado de coma, com uma cara que fazia lembrar um mapa das estradas complicado. As suas cicatrizes eram horrendas, no entanto os seus pais puderam dar-se ao luxo de lhe proporcionar uma cirurgia plástica pelos melhores especialistas. Passou muitos meses a caminhar para os hospitais - e nunca, durante aquele período difícil, deixou de ter presente o rosto de Carrie. Ele violara-a - era por essa razão que estava a ser castigado.

O acontecimento mudara a sua vida.

Passaram-se os anos. Casara com uma mulher boa que lhe dera dois filhos óptimos. Lançara a sua própria editora e construíra, com os anos, uma das casas mais bem sucedidas de Nova Iorque. Certa noite, em 1960, encontrava-se ele num baile de caridade, quando a viu. Carrie. Apesar de esta se apresentar de vestido comprido e estar toda arranjada, com o cabelo ao alto e diamantes nas orelhas e na garganta, reconheceu-a de imediato. Ela trouxe-lhe de volta todas as recordações de culpabilidade. Rezou para que não o reconhecesse. Assim aconteceu.

O alívio foi imenso. Ela não fazia idéia de que ele era o mesmo jovem estouvado que tão rudemente a tratara fazia tantos anos. Ao pensar posteriormente no caso, deu-se conta de que ela não poderia tê-lo reconhecido. A cirurgia plástica mudara-lhe consideravelmente a fisionomia e tinham-se passado vinte anos. Ele lembrara-se dela porque ficara com o rosto da jovem cravado a fogo na sua memória.

Descobriu de quem se tratava e não pôde impedir-se de seguir a sua vida na Vogue, no Harper's Bazaar e na Women's Wear Daily. Carrie era uma personalidade Ficara contente por ela.

Sua mulher morrera de cancro em 1973. Seus filhos, ambos de maior idade, escolheram companheiras adequadas e seguiram a sua própria vida. ficou só e solitário até Anna Robb entrar no seu gabinete, certo dia, para o entrevistar. Há dois anos que viviam juntos. Não se tratava de nenhum amor apaixonado - não que ele esperasse viver uma paixão com a idade que tinha. Mas davam-se bem.

Quando Carrie reentrara na sua vida, sentira-se chocado. Nunca imaginara voltar a vê-la. Ao longo dos anos o nome dela desaparecera das colunas sociais e a última referência de que se recordava era da notícia do seu divórcio. Depois disso, nada mais.

Os pensamentos retrocederam-lhe quarenta e dois anos. Ele dissera uma vez, "Ela não passa do estupor de uma preta", - que jovem mais estúpido, preconceituoso e intolerante ele fora. Como as coisas tinham mudado.

Anna dissera, "Ela gosta de ti." Seria verdade. Gostaria? Se alguma vez ela soubesse quem ele era mandá-lo-ia para o inferno.

 

Gino foi o primeiro a partir. Apresentou as suas despedidas na manhã a seguir à festa de aniversário de Lucky, invocando compromissos urgentes.

Susan preferiu ficar.

- Não te importas, pois não? - perguntou-lhe com uma voz de esposa preocupada.

- Não hesites, fica e diverte-te - replicou Gino, ansioso pela sua liberdade. Combinaram encontrar-se no aeroporto de Los Angeles dez dias depois.

Gino apanhou um avião para Paris e o Concorde para Nova Iorque, onde reservara a sua suite habitual no Pierre. O primeiro acto que levou a cabo mal chegou, foi telefonar a Paige, que estava em Los Angeles.

- Mete-te no próximo vôo para aqui - ordenou ele.

- Não sejas ridículo.

- Tenho um presente para ti?

- O quê?

- Algo que vais engolir todinho!

- Já alguma vez alguém te disse que não passas de um velho devasso? Gino riu.

- Não percas o próximo avião.

- Gino...

- Não me faças a vida dura.

- Só se me prometeres não me faltares com isso. -Tens a minha palavra.

Uma hora mais tarde, Paige ligou para ele. -Estarei aí na quarta-feira. -É muito tempo.

- Não te queixes. Tenho um negócio em andamento, já para não referir o marido e a família.

Gino ligou para Miami a fim de falar com Costa.

- Façamos uma reunião - sugeriu.

- Que se passa? - quis saber Costa.

- Estou em Nova Iorque. Sinto-me bem. Pensei em ver algumas caras conhecidas.

- Onde está Susan?

- Deixei-a no iate do Stanislopoulos. Está nas suas sete-quintas.

- E Lucky?

- Essa deve chegar amanhã. Só um minuto.

Pousou o telefone e foi abrir a porta ao empregado do serviço de quartos, que trazia um bife grosso e cheio de molho, batatas fritas, bolo de chocolate e gelado - alimentos proibidos por Susan, que andava sempre a perorar sobre o colesterol e as dietas.

Voltou a pegar no telefone e prosseguiu a sua conversa com Costa.

- Vem daí, velho amigo. Passaremos um bom bocado. Costa tinha uma litania de contras a apresentar.

- Tenho artrite, as minhas articulações dão cabo de mim, as minhas gengivas precisam de trabalhar...

- Vai-te abaixo quando for tempo disso. Quantas vezes venho eu a Nova Iorque?

- Talvez uma mudança de alguns dias me faça bem - reflectiu Costa, acrescentando decididamente: - Está bem, irei. Por que não?

Gino comeu o bife, não deixou uma batata frita, o gelado e o bolo seguiram o mesmo caminho. Depois arrotou de satisfação e adormeceu no sofá.

Depois de mais um dia de prolongados e significativos olhares entre Lennie e ela, Lucky percebeu que tinha de se afastar. Quem sabe a poderosa atracção desaparecesse se ela não tivesse de o encarar diariamente. Deus! Seria o que acontecia a quem passava algum tempo sem ir para a cama com ninguém?

Ela sabia, embora não estivesse preparada para o admitir, que não se tratava apenas de sexo. Dispondo de muito tempo para observar, reparara que ele era divertido, afectuoso e fantástico tanto com Roberto como com Brigette. O espectáculo dele a que já assistira no Magiriano, também

lhe fizera recordar que Lennie era um comediante extremamente talentoso e inteligente.

Como é que ele e Olympia tinham chegado a reunir-se? Ele era demasiado esperto para lhe aturar os disparates. Mas até as pessoas espertas podiam ser apanhadas, no entanto ele tinha cabeça suficiente para se libertar rapidamente daquela situação.

Lucky sabia que tinha de fazer o mesmo.

- Tenho uns assuntos de família a tratar com o meu pai - disse a Dimitri. - Papéis para assinar, coisas assim - acrescentou vagamente. - Tenho de ir imediatamente a Nova Iorque.

Dimitri concordou. Tinha os pensamentos longe dali. Francesca ficara ciumenta com o colar e os brincos de diamantes que ele oferecera de presente a Lucky e ele tinha de arranjar um presente de valor igual, se não superior, para mandar entregar discretamente à actriz temperamental.

- Faz o que tens a fazer - respondeu.

- Roberto ficará com CeeCee aqui - decidiu Lucky. - Talvez volte novamente daqui a uns dias.

Não fazia tenção de regressar. Cruzar o Mediterrâneo a bordo de um palácio flutuante não era a idéia que tinha de passar um bocado divertido -especialmente com pessoas como Saud Ornar e Jenkins Wilder. Detestava aquele tipo de homens. Chauvinistas ricos, poderosos e machistas. Topava-os à distância.

"Então por que casaste com um? "

Dimitri parecera diferente. Infelizmente não era. Não se preocupou com despedidas. Duvidava de que alguém desse pela sua falta além de Roberto e CeeCee. E Lennie -"mas essa era uma relação que não estava interessada em prosseguir. Território perigoso. Olympia já a detestava com o presente estado de coisas. Não lhe convinha piorar ainda mais a situação.

- Onde está Lucky? - perguntou Lennie ao jantar.

- Que te importa? - ripostou Olympia com maus modos. Andava mal-humorada desde a fúria que tivera na festa.

Lennie encolheu os ombros.

- Quem é que se importa. Foi só por perguntar.

- Teve de ir tratar de uns negócios a Nova Iorque - explicou Dimitri.

- Que tipo de negócios? - troçou Olympia. - Comprar um vestido novo?

Dimitri silenciou-a com um olhar.

Terminado o jantar, seguiu-se a habitual discussão de quem desejava fazer o quê.

- Vamos dançar - sugeriu Olympia agitadamente, emborcando brandy e desejando ter alguma coca para poder acalmar.

-Gostaria de uma jogatina - declarou a condessa.

De modo que, dividiram-se em dois grupos: Saud, a condessa, Jenkins Wilder, Dimitri, Francesca e Susan preferiram ir ao casino; Lennie deu consigo aparelhado a Olympia e a Fluff, que desejavam ir a uma discoteca. Alice e Horace não foram convidados a fazer parte de nenhum grupo.

- Estás cansado - disse Francesca ao marido tímido. - Precisas de repousar.

- Tomaremos uma última bebida juntos - disse Alice com uma piscadela de olho lúbrica.

- Tome-me bem conta da minha coisinha fofa - recomendou Jenkins a Lennie, metendo várias notas de mil francos nas mãos ávidas da jovem esposa. - Isto é para o caso de precisares de passar pó-de-arroz pelo rosto, boneca.

- Obrigada, papazinho - guinchou a jovem.

Eram aguardados por uma frota de Cadillacs que os levaria onde desejassem ir.

- Ao Regine - ordenou Olympia.

Portanto foram ao Regine - um clube privado elegante, à beira-mar plantado.

- Miss Stanislopoulos - ronronou o maitre d'. -Bem-vinda. É um prazer voltar a vê-la.

Deram-lhes o que Lennie presumiu ser a melhor mesa.

- Dancemos - disse Olympia, dirigindo-se, bamboleante, para a pista de dança.

- Não se prendam comigo - incentivou Fluff, com um ar de adolescente com as suas calças de cetim colantes e o cai-cai diminuto.

Começaram a dançar ao som de uma melodia de Stevie Wonder. Lenie executou todos os movimentos certos, ao mesmo tempo que a sua mente divagava, pensando em Lucky e no quanto lhe queria. Tinha de dizer a Olympia que o casamento dos dois fora um erro. Ela devia sabê-lo. Tinham tanto em comum como um Harley-Davidson e um Rolls-Royce. Talvez a melhor maneira de resolver o problema fosse não dizer nada voar simplesmente para Los Angeles, ir ao Espectáculo Desta Noite e não voltar.

A Stevie Wonder seguiu-se um Rod Stewart estridente, após o qual se sentaram.

Fluff estava a ser assediada por dois italianos atiradiços. Não parecia importar-se absolutamente nada - de facto até os encorajava com sorrisos lambidos e risadas de timbre agudo. Um deles convidou-a para dançar e ela arrancou para a pista de dança qual pássaro libertado da gaiola.

- Haja alguém que esteja a divertir-se - comentou Olympia intencionalmente, levantando-se para ir partilhar uma inalação com uma sua amiga, uma beldade de aspecto anguloso que envergava uma fatiota de rede.

- Onde é que posso comprar um pouco de coca? - perguntou à rapariga, uma freqüentadora habitual da sociedade inglesa.

- Revista-me, querida, arranjei o meu pedacinho num tipo deveras esquisito que ontem encontrei fora do casino. Pergunta a McGuiness, esse anda sempre fornecido de material.

McGuiness era um malandrim inglês supercorrupto que padecia de uma gaguez malfadada. Conduziu-a até junto do seu fornecedor, um costureiro inglês de cabelo ripado, olhos miudinhos e um sotaque cockney acentuado. Procederam à transacção num canto sossegado - e foi nessa altura que Flash fez a sua entrada.

Ah... a aura de uma estrela do rock. As entradas discretas não eram para elas. Gostavam de atenção, de gente e muito barulho. Flash não era excepção. Vinha vestido de cabedal negro e trazia lenços de seda branca, ainda que de ar esfarrapado, a esvoaçarem atrás de si. Tinha o cabelo comprido e pintado de um negro bem retinto (o grisalho não era muito do gosto das estrelas do rock). Usava o habitual aro de ouro - só um - e os dentes pareciam piores que nunca.

Olympia lançou-lhe uma olhadela e o seu coração deu um pequeno salto.

Flash fez uma pausa à entrada da discoteca, apenas o suficiente para deixar que os pategos percebessem que os honrava com a sua presença.

O disc jockey que tinha a norma "consigo reconhecer uma celebridade a seis metros de distância", muito em conta, abandonou imediatamente as Pointer Sisters e mudou astutamente para o hit, mais famoso de Flash, o Raunchy Lady, escrito em meados dos anos sessenta, altura em que o dito vivia com uma ex-freira.

- Flash! - exclamou Olympia.

- Sim, sim, sim, cá está o meu homem! - recitou o costureiro de senhoras que, de qualquer maneira, em breve passaria a dealer a tempo inteiro. Enfiou o dinheiro de Olympia no bolso e correu em direcção ao seu herói, que ele sabia ir gastar com fartura do seu material.

Olympia franziu o sobrolho. Flash não vinha sozinho. Trazia uma loura pendurada num braço e uma morena no outro, ambas figuras freqüentadoras do jet set que Olympia conhecia e detestava. Da esposa, nem vestígios.

Empertigou-se (Flash era um grande apreciador de seios), esperou que ele se sentasse e abriu caminho até à sua mesa.

- Então! - disse decididamente. - Cá nos voltamos a encontrar! Flash ergueu os olhos raiados de sangue e fatigados para ela, pestanejando.

- Olá, querida - murmurou finalmente, momentaneamente inseguro de quem se tratava.

- Que tal é a vida de casado? - perguntou Olympia sarcasticamente. - Miserável, espero.

-Diabos me levem! És tu, Tetas! - exclamou com voz roufenha. Engordaste uns quilitos, heim?

Olympia encolheu automaticamente a barriga.

-Não podias deixar de ser grosseiro - ripostou-lhe ela asperamente. - Tu fazes lembrar um zumbi.

- Olá, Olympia - cumprimentou a loura, agarrando-se ao braço de Flash como se ele fosse um salva-vidas.

Olympia agraciou-a com um aceno de cabeça indiferente.

A morena, encarregando-se do outro braço, nada disse. Reparara na sua imagem reflectida numa parede espelhada e admirava a própria beleza espampanante.

- Pensei que aparecesses por aqui mais cedo do que aconteceu observou Flash alegremente. - Imaginava que iríamos no barco de pesca do teu velho.

- Perdeste esse barco - disse Olympia altivamente. - O meu marido e eu vamos nele.

- Pareces mesmo uma rainha! -casquinhou Flash.

- Onde está a mulherzinha adolescente? - perguntou Olympia, o peito a retesar-lhe o tecido de seda vermelha de um modelo de Givenchy.

- Não toques nesse assunto, filha - disse Flash despreocupadamente. - Não gosto que me avivem a memória.

- Tens uma, não tens? - perguntou Olympia insistentemente.

- Tenho E agora arranjaste um velho para ti, portanto estamos quites. Certo?

- Vamos dançar, Flash - implorou a loura, passando-lhe as unhas longas e escarlates pela coxa coberta de cabedal negro.

- Aqui não, amor - replicou Flash em tom "não sabes que as Estrelas do Rock não dão espectáculo em lugares públicos sem serem pagas para isso".

- Então onde? - perguntou ela com lógica.

- Queres provar do material, Flash? - perguntou o costureiro de senhoras cockney, deliciado pela proximidade do seu herói. - É por conta da casa.

Tentou afastar Olympia com o cotovelo mas esta não cedeu um milímetro de terreno. Flash levantou-se.

- Se é de graça, é para mim. Dêm-me licença pequenas, temos de ir falar com um homem por causa de um cão.

Rodeou expansivamente os ombros do novo amigo com um braço, o que quase fez este desmaiar de excitação, e os dois seguiram em direcção aos lavabos masculinos.

- Merda! -exclamou Olympia.

Lennie, do outro lado da sala, observara tudo. E pouco se importara. Por que havia de o fazer? Em breve ele e Miss Stanislopoulos seriam águas passadas. Quanto mais depressa, melhor.

 

A primeira coisa que Lucky fez ao chegar a Nova Iorque foi telefonar a Gino.

- Tenho uma surpresa para ti, miúda - disse-lhe o pai. - Está no Pierre às cinco e meia.

A segunda coisa que fez foi ligar para os seus advogados para falarem acerca do negócio de Atlantic City. Era uma situação fácil de resolver: umas quantas assinaturas e a parcela de terreno que pretendia passava a ser propriedade sua.

Sentia-se imensamente entusiasmada. Agora voltaria a divertir-se. Criar um hotel a partir dos alicerces era uma tarefa desafiadora, cansativa mas, acima de tudo, compensadora. Ela tinha obrigação de saber - já lhe acontecera anteriormente, com o Magiriano.

Ah... mas que tarefa!

Estava preparada. Passara demasiado tempo inactiva. O que lhe fazia falta era imergir completamente a sua pessoa no projecto. Desviar-lhe-ia o pensamento de Dimitri e do romance tão mal disfarçado que este andava a viver. E deixaria de se lembrar de Lennie - que estava definitivamente fora de questão. Agora que se afastara do iate e podia reflectir sobre os factos com clareza, via que envolver-se com Lennie era pura loucura. Este estava casado com Òlympia - razão suficiente para ela se manter afastada dele. Mas ele também não deixava de ser mais que uma aventura fugidia. Pressentia que tinha ali um homem que a faria esquecer Marco...

E se assim fosse?

Não, obrigada. Ela não desejava voltar a viver semelhante tipo de envolvimento. Era demasiado doloroso. O melhor que tinha a fazer era esquecer Lennie Golden. Precisamente o que tencionava fazer.

Três horas depois, chegava ao Pierre. A última vez em que visitara Gino na sua suite preferida no hotel de Nova Iorque, fora na noite em que Dario, seu irmão, fora brutalmente alvejado ao fundo da rua.

No elevador, um indivíduo de fato cinzento-escuro perguntou-lhe se era modelo. Lucky presenteou-o com um olhar prolongado e gélido. Examinou-o da cabeça aos pés.

- Não - respondeu lentamente. - E você é?

O homem ficou confundido. Tinha cinqüenta e dois anos e filhos adolescentes. Que descaramento o dela em lhe perguntar se era modelo! Que disparate. Saiu do elevador no quarto piso sem proferir mais nenhuma palavra.

Gino recebeu-a com um abraço e uma piscadela de olho.

- Tal como nos velhos tempos, ha? - Sorriu. - Olha o que tenho aqui para ti.

- Tio Costa! - exclamou Lucky deleitada. - Que estás tu a fazer aqui?

Enquanto se abraçavam, Costa foi explicando até que ponto Gino sabia mostrar-se persuasivo.

- Uma visita à cidade grande não é nada má idéia - reconheceu. E como poderia resistir a ver-te?

Lucky riu, contente.

- Tio Costa, és uma surpresa maravilhosa.

Mas havia mais. Gino combinara um jantar com velhos amigos num restaurante italiano familiar em Queens. Estiveram presentes Aldo e Barbara Dinunzio - ela uma mulher frágil, ele gordo que nem um gato de vida repimpada!. Depois também havia os filhos crescidos e as várias esposas desses mesmos filhos, e também uma série de netos. Ao todo eram dezasseis as pessoas reunidas à volta da mesa a beberem vinho carrascão, a deliciarem-se com a saborosa pasta cuja confecção Barbara supervisionara pessoalmente na cozinha do restaurante (a casa de uma prima sua) e terminando com spumoni, o gelado preferido de Gino.

Lucky já não via aquelas pessoas há anos, tal como Gino, e a afabilidade e alegria reinantes na mesa eram contagiantes.

- Estou ansiosa para que conheça o meu filho Roberto - disse Lucky a Barbara, orgulhosamente. - É um encanto - dezoito meses de idade e um perfeito encanto! Espere até vê-lo!

A senhora idosa, que conhecera e gostara da mãe de Lucky, muitos anos antes, agarrou na mão desta e apertou-a fortemente.

- Maria devia estar aqui hoje - disse com mágoa. - Era uma mulher linda. De coração de ouro. Todos nós ainda sentimos a sua falta.

Ei - interrompeu Gino, ao reparar na expressão de Lucky. - Falamos do presente, não do passado. Quando deres uma olhadela a Roberto, verificarás que é um verdadeiro Santangelo. Tal e qual eu.

Lucky afastou as recordações tristes e sorriu. Gostava de ouvir o pai vangloriar-se acerca de Roberto.

- Tem os meus olhos, o meu cabelo - continuou Gino. - Não é, Lucky? Não é, miúda?

Lucky tocou no alfinete de peito que o pai lhe oferecera. Nunca mais deixara de o usar desde o dia do seu aniversário, enquanto os diamantes de Dimitri estavam esquecidos num cofre.

- Sim, papá - replicou com suavidade. - Tal e qual tu.

Mais tarde, no caminho de regresso ao hotel, Gino disse:

- Queres subir para tomar uma última bebida, miúda? Nada lhe poderia agradar mais naquele momento.

Depois de Costa se retirar para o seu quarto, mandaram vir duas doses de brandy Alexander e sentaram-se no confortável sofá da sala de estar da suite de Gino.

- Isto sabe bem - observou este. - Temos de o fazer mais vezes. Lucky acenou afirmativamente com a cabeça e tocou hesitantemente

no braço do pai.

- Sabes, ainda há pouco, quando Barbara falava de Maria... minha mãe...

A voz faltou-lhe, emocionada. Gino compreendeu a mensagem.

- Nunca falámos desse assunto, ha, miúda? Lucky sacudiu a cabeça e sussurrou:

- Nunca.

Gino levantou-se e aproximou-se da janela. Depois voltou-se e fitou a filha.

- A tua mãe era a mulher mais bondosa e bonita do mundo - disse com voz enrouquecida. - Ela amava-te a ti, a mim e ao teu irmão. Amava-nos a todos demasiado. Quando acabaram com a vida de Maria, destroçaram-me o coração. Sabes do que estou a falar, filha?

Ali estava o porquê de tantos anos passados com Gino a fugir dos seus filhos. A pô-los ao cuidado de preceptoras, guardas e colégios internos. Sempre calculara que, não os amando demasiado, os mantinha a salvo de perigos.

Errado.

Mas agora terminara.

Lucky levantou-se do sofá, chegou-se ao pai e abraçou-o com força.

- Fala-me da mama. Quero saber tudo. Por favor. Torna-a novamente parte da minha vida.

Gino não precisou de ouvir mais nada. Reprimira os seus sentimentos durante anos e a alegria de finalmente falar acerca de Maria e dos tempos de felicidade, representou um alívio maravilhoso.

As horas passaram céleres e era quase dia quando Lucky saiu do hotel. Sentia-se mais leve e muito, muito feliz. Desde os cinco anos que a mãe lhe faltava na vida. Agora sentia que a conhecera verdadeiramente. Gino transmitira-lhe recordações preciosas. Maria podia ter desaparecido, mas sem dúvida não fora esquecida.

- Bem-vindo à Cidade dos Anjos - cumprimentou Jess formalmente, Fora esperar Lennie ao aeroporto com uma limusina e um agente de viagens que o faria passar pela alfândega como se não existisse.

- É bom ser uma estrela, ha? - perguntou Jess ao instalarem-se no banco de trás da limusina. - A viagem correu bem?

- Creio que estou apaixonado - disse Lennie, pegando num doce e num copo de sumo de laranja era uma limusina bem aprovisionada.

- Humm - replicou Jess bruscamente. - Reacção natural de quem regressa da sua lua-de-mel.

- Não por Olympia, palerma.

- Oh, compreendo. Não estás apaixonado pela tua mulher e o facto faz de mim uma palerma. Então onde está a novidade, Mister Encanto?

Lennie procurou um cigarro e sorriu desarmantemente.

- Não te zangues comigo. Preciso de conforto e conselhos.

- Não que o aceites.

- Como me conheces bem. - Inclinou-se para a frente e ligou a televisão incorporada. - Podes não acreditar em mim mas encontrei a única mulher com a qual penso ser capaz de passar o resto da minha vida.

- Não me digas - disse Jess dramaticamente. - Éden enfiou-se no iate e catrapiscou-te mesmo de debaixo do lindo narizinho da princesa grega.

- Éden! -exclamou Lennie em tom zombeteiro. -Quem é Éden? Jess suspirou.

- O amor da tua vida. Lembras-te?

- Então não te disse? Estou prestes a encetar vida nova.

- com ou sem a princesa grega? - perguntou Jess, fazendo em seguida uma pausa significativa. - Lembras-te dela? É aquela com quem acabaste de casar.

- Não posso anular o casamento? - perguntou Lennie esperançado. -Dormiste com ela?

- Claro que sim.

- Então ou ela diz que não o fizeste ou então não creio que tenhas a menor hipótese.

Lennie mudou de canal de televisão e pegou em novo pastel doce.

- O verdadeiro amor não parece ter-te diminuído o apetite - observou Jess secamente.

- Estou nervoso.

- Por causa do Espectáculo Desta Noite? Estou ansiosa por ouvir o novo material que tens para apresentar. Isaac vai ter ao apartamento mais tarde. Pensei que quisesses mostrá-lo a nós.

- Não tenho nenhum material novo.

- O quê?

Lennie tragou o doce, alheio à consternação de Jess.

- Parece que não entendeste - explicou com ar grave. - Quero acabar com o meu casamento. Acabou, finito, kapici. Como é que alguma vez permitiste que eu desse semelhante passo é que nunca entenderei. Deves ter...

- Espera um momento! - ripostou Jess indignada. - Como é que eu alguma vez permiti que o desses? Fui deitar-me, estavas tu a dormir com ela. Levantei-me, tinhas casado. Não estava propriamente ao pé de ti para te deter.

Lennie inclinou-se e deu-lhe um beijo na face. -Amo-te, Jess. Como vão as coisas pelo teu lado? Tu e Matt já juntaram os trapinhos? Que tem acontecido em Los Angeles? Jess fitou-o.

- És esquisito, sabias?

- O segredo do meu sucesso.

Ficaram silenciosos. Havia ocasiões em que Jess imaginava conhecer Lennie melhor do que a qualquer outra pessoa no mundo. Outras, em que sentia que ele era um perfeito desconhecido. Perguntara-lhe por Matt. Mas quereria de facto saber? Nem um pouco. Não importava. De qualquer maneira não havia nada para dizer. Matt tratava-a como a uma irmã - ela deixara de exercer fascínio sobre ele. A sua última noite em Las Vegas, passara-a com um antigo namorado. Chato. Chato.

Ao menos Lennie parecia óptimo, apesar de inseguro e irrequieto. O melhor era mantê-lo afastado da bebida.

- A noiva tem conhecimento de que está a mais? - perguntou Jess.

- Ainda não a informei.

- Vai ficar furiosa?

- Parece-me que acenderá velas e cantará Aleluia! - Fez uma pausa. - Por outro lado não lhe darei grande desgosto, apenas lhe abalarei o ego. Ela ainda tem um fraquinho por Flash.

O rosto de Jess iluminou-se.

- Conheceste Flash? - perguntou, entusiasmada.

- Conheci-o, cheirei-lhe o hálito, admirei-lhe os dentes que ainda eram piores e fiquei perdido da cabeça só de inalar o ar que o rodeava.

- Caramba! Conheceste Flash.

- Acredita no que te digo, não tem nada de especial.

- Claro que não. Como se não delirássemos com a música dele uma centena de vezes por dia quando andávamos na escola.

- Tu é que deliravas - salientou Lennie. - Eu apenas gostava da maneira como ele tocava guitarra e mantinha uma nota.

Jess desatou a rir.

Lennie não pôde deixar de lhe fazer companhia.

- Por quem é que te apaixonaste desta vez, nabo? - perguntou afectuosamente.

-Lucky Santangelo - replicou Lennie, subitamente sério. Jess abriu os olhos de espanto.

- Estás a brincar comigo? Lennie agarrou em mais um doce.

- Nunca falei tão a sério na minha vida.

 

Com a partida de Gino, Lucky e Lennie, a vida a bordo de The Greek sofreu algumas mudanças subtis. Susan não dava um passo sem a aprovação e consentimento da condessa.

Dimitri, que achava que o renovar da sua ligação com Francesca fora conduzido com a maior discrição, abrandara o seu estricto código de comportamento e passava virtualmente todas as horas do dia com a volúvel actriz. E também a maioria das de sono.

Horace era uma presença embaraçante que ambos tentavam ignorar. Alice consolou-o de todas as maneiras possíveis na sua cabine, onde ele desfrutou de sexo pela primeira vez em quatro anos. Francesca não fazia esse tipo de coisa com ele. Horace só a acompanhava para organizar-lhe a vida e tratar-lhe dos negócios.

Olympia ficou no iate uma hora, depois de Lennie partir. Depois ligou para a villa de Flash.

- Traz-me essas calcinhas estúpidas para aqui - ordenou ele. - E fá-las acompanhar de alguma massa, faremos uma festa.

A festa durou três dias e Olympia também. Esta não sabia como dizer a Lennie que estava tudo terminado entre ambos. Talvez nem se desse a esse cuidado - o seu advogado que o fizesse - pagava-lhe o suficiente para isso.

Fluff saiu numa excursão de compras e de repente fugiu para Portofino com um dos italianos que conhecera no Regine's. Jenkins contratou detectives para a descobrirem e quando tal aconteceu, mandou um guarda-costas seu buscá-la de volta. Ela regressou feita uma adolescente cabisbaixa e amuada. Pouco depois, partiram para o Texas.

Brigette tentou afundar Roberto na banheira deste. CeeCee apanhou-a em flagrante e deu-lhe uma tareia que a pôs a chorar.

Dois dias mais tarde, Brigette foi ter com o avô e queixou-se de que a nojenta ama preta de Roberto a tocara "lá em baixo".

Dimitri, demasiado assoberbado pela sua relação apaixonada para se preocupar com questões domésticas, instruiu a preceptora Mabel para tratar do assunto. Esta, embriagada pelo poder que finalmente lhe era atribuído, espancou Brigette durante vinte abençoados minutos.

- E se correres para junto do teu avô a contar - ameaçou-a -, voltarei a bater-te.

CeeCee achou o castigo excessivo mas absteve-se de comentários e manteve Roberto sob estreita e permanente vigilância.

Numa tarde longa e quente em que todos tinham ido a terra, Susan foi para a sua cabina e deitou-se, nua, na cama. Passados minutos a condessa entrou e proporcionou-lhe todo o prazer que, até ali, só desfrutara junto de Paige Wheeler.

Susan fechou os olhos e adorou cada minuto. O toque feminino era tão delicado... Perguntou a si mesma se alguma vez voltaria a conseguir suportar a proximidade de Gino.

O comandante e Mrs. Pratt viram tudo, ouviram tudo e fizeram de conta que nada se passara.

O tempo no sul de França estava delicioso. O cruzeiro de verão de Dimitri Stanislopoulos foi um sucesso - como de costume.

Para Paige não foi fácil providenciar uma viagem súbita e inesperada a Nova Iorque, no entanto conseguiu fazê-lo. Ryder nunca fora um marido possessivo, graças a Deus - simplesmente um homem completamente assoberbado pelo seu trabalho. A organização de um negócio significava que tudo o resto ficava em segundo lugar. Portanto, quando Paige lhe disse que tinha de ir a Nova Iorque encontrar-se com um importante estilista de mobiliário de Itália, a única preocupação que demonstrou foi em relação ao jantar que ficara combinado darem em honra de Vitos Felicidade. O cantor espanhol estava a causar problemas relativamente ao contrato que lhe fora proposto. Queria garantias no que dizia respeito ao guião, à estrela e às contas.

O filme que Bonnatti financiava parecia estar a levar mais tempo que um bispo a arranjar companhia para a cama. Qualquer produtor começaria a ficar enervado. Ryder via o jantar como um acontecimento social capaz de abrandar egos abespinhados e pôr o malfadado espectáculo a andar.

- Adia a viagem - disse a Paige.

- Quem me dera poder - mentiu ela. - Mas não te preocupes. Certificar-me-ei de que nenhum pormenor é descurado.

No escritório, tinha várias questões a resolver. O negócio ia mais florescente que nunca - Paige possuía um estilo muito próprio e na altura estava na "berra". Telefonou a Irving Stroll, um estilista muito seu amigo, e perguntou-lhe se teria possibilidade de fazer as honras da casa a um casal de brasileiros que vinham a caminho da cidade com os bolsos a abarrotar de dinheiro. Irwin acedeu, de bom grado, a resolver-lhe o problema.

Felizmente tinha os dois filhos adolescentes na Europa, a atravessarem França de mochila às costas. Far-lhes-ia bem a ambos. Eles que vissem que a vida não era só descapotáveis novos e o esplendor de Beverly Hills.

Partiu numa manhã de quarta-feira, não conseguindo perceber porque se sentia tão excitada com a perspectiva de ver Gino.

No avião, foi sentada ao lado de um jovem actor de uma série de televisão dotado de um dos físicos mais bem construídos que já lhe fora dado apreciar. Se fossem outros os tempos, talvez ele tivesse representado um desafio - quanto tempo levaria a entrar-lhe dentro das calças? Mas agora parecia não dar importância à possibilidade. Só queria estar com Gino.

"Estás a envelhecer", troçou de si mesma. Mas, por estranho que parecesse, não se importou minimamente.

Lucky e Paige simpatizaram imediatamente uma com a outra. Gino levou a filha ao jantar e, ao apresentá-las, disse:

- Paige é uma velha amiga minha e de Susan, da Califórnia. "Não me digas", pensou Lucky. "Está mesmo a ver-se." Lembrava-se

da fama de mulherengo que Gino tivera. Susan pusera um ponto final em tudo isso. Naquele momento via-lhe novamente o mesmo brilho no olhar.

Comeram no Elaine's um dos melhores restaurantes de Nova Iorque para ver gente e passar um bom bocado. Elaine, uma mulher morena e interessante que conhecia toda a gente, acompanhou-os pessoalmente até junto de uma mesa ao fundo da sala.

Paige acenou a uns escritores amigos, enquanto Bobby Zarem, personalidade lendária, passava pela sua mesa para a cumprimentar.

Acabou por ser uma dessas noites em que a gargalhada brota expontaneamente e todos passaram um bocado divertido.

- Quem é ela? - perguntou Lucky a Gino quando Paige foi aos lavabos femininos.

- A modos que a melhor amiga de Susan - respondeu Gino acanhadamente.

- Não podes fazer uma troca? Gino quase sorriu.

- Não armes em espertinha, miúda.

- Não me parece que seja uma esperteza minha, acho, isso sim, que é uma das melhores sugestões que já te fiz! Que achas tu, Tio Costa?

Costa anuiu, divertido com a brincadeira.

Ficaram no Elaine até à uma e meia da manhã e depois era chegada a altura de voltarem para casa e irem para a cama.

Lucky reparou que o pai pousara a mão na coxa de Paige antes de se levantarem da mesa. Ele ainda se mantinha operacional. Adorou-o por isso. Gostara de toda a semana passada em Nova Iorque. Os contratos tinham sido assinados e selados em Atlantic City. Combinaram-se reuniões com arquitectos e construtores. Ela voltara decididamente ao mundo dos negócios e a sensação era formidável.

Tinha três recados de Lennie à sua espera no apartamento, escritos com a letra aracnídea do mordomo: "Por favor ligar para Mr. Golden", ao que se seguia um número de Los Angeles.

Amarrotou os bilhetes e atirou-os para o cesto dos papéis. Olympia encontrara-o primeiro. Ela, Lucky, não tencionava envolver-se.

Já te envolveste.

Não envolvi.

Tens a certeza? Que nome lhe dás?

Uma aventura passageira.

Uma ova.

Tirou os papéis dos recados do cesto, alisou-os. No instante preciso em que ia a pousar a mão no telefone, este tocou.

Soube que era ele e hesitou antes de pegar no auscultador.

Estás envolvida.

Não estou.

- Está?

- Lucky?

-Quem fala?

- Não me venhas com essa conversa. Estou em Los Angeles, entro no show de Carson amanhã. Podes apanhar um avião até cá?

Lucky pegou num cigarro e reparou que a mão lhe tremia ligeiramente.

- Deixa de viver num mundo de fantasia, Lennie. O que aconteceu entre nós foi... - Procurou a palavra exacta mas, não conseguindo encontrá-la, contentou-se com-... momentaneamente excitante. Agora acabou. Esquece. Eu já o fiz.

Ele ignorou-lhe o discurso.

- vou arranjar um advogado. Se Olympia concordar, anularemos o casamento.

Lucky reflectiu um momento em Olympia. Nunca mais poderiam voltar a ser amigas.

- Ouviste o que eu disse? - perguntou Lennie. Lucky suspirou.

- Faz o que tiveres de fazer.

- É a minha intenção. E quanto a ti? Lucky respiro fundo.

- Neste momento estou a encetar um projecto. vou construir um hotel em Atlantic City. Vai mobilizar-me todo o tempo e energias.

- Não respondeste à minha pergunta.

- Não sabia que me tinhas feito alguma.

- Deixa-me que ta repita. Vais divorciar-te de Dimitri?

Lucky não desejava ficar em semelhante posição. Quem era Lennie para a interrogar assim?

- Por que não me deixas em paz? - replicou em tom fatigado. uma complicação de que não preciso na minha vida neste momento. Deixa-me simplesmente em sossego.

Pousou o telefone, inalou profundamente o fumo do seu cigarro e reparou que começara a chover.

De volta ao Pierre, Gino e Paige reiniciavam contacto.

- Mais acima - instruiu Paige. Gino ergueu ligeiramente a língua.

- Mais suavemente - implorou ela. Ele abrandou a pressão.

-Mais - implorou ela.

Ele enterrou o rosto nos sucos dela e sentiu-se completamente

em casa.

Lennie não tinha material novo para utilizar no Espectáculo Dessa m Noite, para grande consternação de Jess e Isaac.

- Que diabo fizeste naquele maldito barco? - queixou-se Jess. Depois lembrou-se do nome da última paixão de Lennie e calou-se.

Lucky Santangelo. Que grande merda! Lucky Santangelo. A patroa. Lenie podia ser uma estrela mas com aquela deixava muito a desejar. À caminho do fim.

- É a rapariga que encontrei no casino daquela vez - confidenciou Lennie. - Lembras-te? Falei-te dela. Deu-me uma tampa.

- E mandou-te para a rua.

- E depois?

- Estás a brincar? - guinchou Jess. -Ficaste pior que estragado por te despedirem.

- Não me fez mal nenhum, pois não? Jess abanou a cabeça.

- Jesus! que posso dizer-te? Lucky Santangelo é... da alta roda. Dá-se com gente de poleiro. O pai dela é muito conhecido. Gino Santangelo, um personagem ligado à Mafia.

- Há quantos anos foi isso?

- A quem interessa o facto?

- Não, deixa-te disso - insistiu Lennie. - Que grande perita me saíste em relação aos Santangelos. Há quantos anos isso foi? Porque neste momento ele não passa de um velhote divertido casado com a viúva de um actor de cinema.

Jess mostrou-se aborrecida.

- Acredita no que te digo, Lennie. Confia em mim. Aqui há alguns anos, Lucky Santangelo envolveu-se num tiroteio.

- Que tipo de tiroteio?

- Oh, foi tudo abafado. Correram rumores de que matou a tiro um tipo que era padrinho dela.

- Não me venhas com rumores, dá-me factos.

- Disparou-lhe para os tomates com a sua própria pistola, já que queres saber ao certo, algo do gênero. A história foi a de que ele tentara violá-la mas as más línguas da cidade dizem que se tratou de um golpe de vingança. Ele mandara assassinar-lhe o irmão e o namorado.

- Que namorado?

- Outro encanto. Marco. Parecia saídinho de um filme de gangsters.

- Que foi que lhe aconteceu?

- Estoiraram-lhe a cabeça no parque de estacionamento do Magiriano. Lembro-me bem do acontecido. Ainda só lá trabalhava há seis meses. Sentia-me assustada, é que toda a gente falava de uma guerra qualquer de gangsters que estava a ter lugar, embora de facto nunca tenha chegado a concretizar-se. Lucky afastou-se do negócio e durante uns tempos as coisas acalmaram, Enzio Bonnatti viera dirigir o hotel, o tipo que ela matou.

Lennie ficou em silêncio enquanto digeria a informação. Não estava muito certo de poder acreditar em Jess ou não. A amiga possuía uma imaginação muito viva.

- Matt conhece a história verdadeira - acrescentou Jess. - Não que a conte a qualquer pessoa. Toda a cena dos mafiosos é tabu em Las Vegas, ninguém fala.

- Obrigado pela visita guiada à vida de Lucky Santangelo. Não faz qualquer diferença. Os meus sentimentos para com ela mantêm-se inalterados.

- Cristo! Pareces mesmo um labrego acabado de chegar da parvoeira. Que se passa contigo e essas obcessões idiotas que andas a ter? Ainda me lembro do Lennie Golden que tinha aventuras sem se envolver emocionalmente. Que aconteceu?

- Sabes que mais, Jess? És a minha empresária, não o raio da minha guardiã.

Entreolharam-se iradamente, sem nenhum querer ceder um milímetro.

O Espectáculo Desta Noite realizou-se. Foi bom - não tão bom como podia ter sido, mas Johnny pareceu gostar de Lennie - de facto até o convidou a sentar-se junto dos restantes convidados depois de terminar, e tagarelaram; Johnny mostrou-se muito simpático e, no fim, convidou-o a voltar.

- Foste estupendo. Eles adoraram-te - declarou Jess entusiasmada, na limusina que os levou a casa. - Quando Johnny te convidou para te sentares ao lado dele, percebeste logo que tinhas sido bem sucedido.

Mas Lennie não a escutava. Teria Lucky visto o espectáculo? Esperava que sim.

Estavam apenas a horas de distância mas ele sentia-lhe a falta.

Lucky utilizou a secretária de Dimitri para trabalhar em algumas idéias para o Santangelo. Colocou os seus auscultadores Sony e ouviu Isaac Hayes, um dos cantores de soid preferidos. Ele tinha a faculdade de expressar tudo o que ela sentia com a sua voz profundamente sensual.

Às onze e meia olhou de relance para a televisão e, automaticamente, ligou-a.

- E aquiiiiii está Johnny! - exclamou a conhecida voz de Ed McMahon, apresentando Johnny Carson.

O homem mais famoso da televisão americana colocou-se diante das câmaras e desfrutou do entusiasmo em que o seu público acolheu as suas piadas.

Lucky preparou uma bebida para si e fitou o aparelho. A meio do monólogo de Johnny, desligou-o.

Cinco minutos mais tarde, voltou a ligá-lo.

Para quê ver Lennie Golden?

Por que não?

Quando ele finalmente apareceu, recebeu uma ovação entusiástica do público. Obviamente, tal como Alice dissera, gozava de grande popularidade.

E assim era. A sua ironia acutilante atingia todos. E também estava com um aspecto óptimo.

Acendeu um cigarro e soprou contemplativamente anéis de fumo.

Lennie Golden.

Mais do que um encontro casual.

No dia a seguir ao espectáculo com Carson, Lennie cancelou um contrato feito com um clube, para grande fúria de Jess, e apanhou o avião para Nova Iorque. Instalou-se no Hotel Regency e telefonou a Lucky.

- Estou aqui e temos de falar - anunciou.

- Esquece. Não vai acontecer nada - replicou Lucky.

- Não me levantes dificuldades. Então janta apenas comigo.

- Para quê? Não servirá de nada.

- Porque quero que digas, cara a cara, que nada mais pode acontecer entre nós; nessa altura deixar-te-ei em paz. É uma promessa.

Lucky hesitou. Lennie insistiu.

- Está combinado?

- Não sei...

- Ei, queres que eu te deixe em paz, não queres? Quero com isto dizer que posso realmente pôr-te doida com telefonemas, cartas e flores. Posso esperar-te à porta do teu apartamento, complicar-te a vida, percebes?

Fez uma pausa e, depois acrescentou:

-Se eu estivesse no seu lugar, senhora, aproveitaria esta oportunidade excelente e vinha a correr. - Aguardou um instante, apenas o suficiente para lhe dar tempo para reflectir. -Então... posso ir buscá-la a que horas?

- Não servirá...

-... de nada - terminou ele a frase por ela. - Estou aí às oito e meia.

Lucky ia a objectar mas Lennie desligou antes de tal acontecer.

Lucky Santangelo ia ser dele e nada o deteria.

Francesca Fern considerara o facto de Dimitri Stanislopoulos voltar a casar como um insulto. Não perdia nenhuma oportunidade para referir o assunto, mostrando-se cada vez mais agitada à medida que o cruzeiro se aproximava do fim.

- É humilhante! - queixou-se, estavam os dois face-a-face diante da eterna mesa de gamão. - O mundo sabe que é a mim que amas. E agora casaste com essa... essa... pessoa. Como achas que eu me sinto? Ridicularizaste-me aos olhos do público.

Dimitri inclinou-se para a frente e tocou-lhe no áspero cabelo ruivo. Depois deixou a mão escorregar-lhe pela linha do decole pronunciado do vestido, detendo-a nos mamilos salientes.

- Magníficos! - murmurou.

A forma arrebitada dos seios dela fazia-lhe recordar certa africana que vira numa fotografia do National Geographic. Sugar aqueles mamilos era o maior afrodisíaco a que um homem poderia almejar.

Francesca afastou-lhe a mão com uma palmadinha.

-Santo Deus, Dimitri! -Fitou-o irada. -O meu amor não era o bastante?

Ele defendeu-se rapidamente.

- Casei com Lucky por causa do menino - explicou pela centésima vez.

- Pois. E agora tens de te divorciar dela - replicou Francesca imperiosamente, num tom de voz que não dava lugar a discussões.

Não sou dessa opinião - disse Dimitri. - Ela não nos incomoda. É muito independente e, para falar com franqueza, minha querida, quando não estás junto de mim, preciso da companhia de uma mulher.

- Ela não é nenhuma mulher! -ripostou Francesca maldosamente. - É uma desavergonhada! Antes de mais nada até nem percebo como conseguiste tocar-lhe. É uma pega, uma cigana. Para mim tem um ar obsceno.

Francesca não era para brincadeiras quando não lhe faziam a vontade.

- Basta! - disse Dimitri asperamente. - Eu nunca critiquei aquele cão miserável com quem estás casada.

- E por que o farias? Horace tem-se mostrado muito... compreensivo ao longo dos anos.

- Compreensivo, uma ova! Não passa de um cornudo sem tomates. Uma piada, minha querida, que quase nem vale a pena referir.

Francesca franziu os lábios repletos de baton.

- Vai para o inferno - rosnou. - A única coisa que desejas é o meu corpo. Serves-te de mim. Pouco te importam os meus sentimentos.

Dimitri riu rudemente.

- Ninguém se serve de ti, Francesca.

Ela levantou-se da mesa. Alta, de ossos largos, rija.

- É verdade - disse altivamente. - Ninguém se serve de Francesca Fern, nem mesmo o grande grego mau. - Emprestou um tom zombeteiro à voz. - Dimitri Stanislopoulos, com todo o seu dinheiro e poder. Dimitri Stanislopoulos, que morreria para estar a meu lado mas que recusa o meu pedido mais simples.

- E quanto ao meu pedido? - gritou Dimitri. - Há muitos anos que te peço que te libertes de Horace e cases comigo. Implorei e ameacei, fiz tudo o que está ao alcance de um homem. Atreves-te a falar de humilhação? Eu é que sou o humilhado. Por teres preferido ficar com essa criatura patética em vez de te tornares Mistress Stanislopoulos. Santo Deus, Francesca!

- Divorcia-te da cigana e veremos - murmurou ela em tom misterioso.

- Não - replicou Dimitri, empurrando a mesa de gamão e levantando-se. - Tu divorcias-te de Horace e depois é que veremos.

- Não faças chantagem comigo-disse Francesca enraivecida. -Não te atrevas a fazer chantagem com Francesca Fern!

- Isto não é chantagem, é sobrevivência - contrapôs Dimitri asperamente.

Francesca arrasou o amante com o olhar.

- Muito bem - decidiu dramaticamente. - Chegou a altura.

- De quê?

- De nos juntarmos, como sempre desejaste.

- Divorciar-te-ás de Horace?

- Pensarei nessa possibilidade.

Dimitri bateu violentamente na mesa com o punho.

- Maldita sejas, mulher! Decide-te de uma vez por todas.

Os olhos de Francesca falsearam, enquanto atirava a abundante cabeleira ruiva para trás.

- Sim - disse. - Fá-lo-ei!

A condessa agarrou na mão de Susan.

- Adeus, minha querida - disse. - Ou antes, até à vista, já que certamente voltaremos a encontrar-nos.

A condessa cheirava a Channel. Tinha uma pele coriácea e uns lábios de cantos descaídos e descontentes. Na sua juventude, devia ter sido de uma beleza excepcional. Agora era apenas chique. Fazia Susan sentir-se uma rapariga ingênua - sensação que esta não experimentava ia para trinta e cinco anos.

- Por favor telefona-me se alguma vez fores até Beverly Hills - solicitou Susan delicadamente, esperançada de que assim acontecesse.

- Beverly Hills - observou a condessa com um sorriso divertido. Rodeo Drive e gente do cinema.

Fazia com que ambas as coisas soassem como palavras obscenas.

-E árabes - acrescentou Susan secamente.

A condessa era uma snob. E, na opinião de Susan, também era uma pervertida. Após o delicioso encontro sexual havido entre ambas, sugerira a participação do namorado oleoso. Susan ficara abismada.

- Claro que não! - declarara.

A partir dessa altura, a condessa passara a tratá-la com uma condescendência irritante.

Susan pensou em Paige. Estava ansiosa por vê-la. Paige nunca sugeriria uma festa a três.

Olympia regressou ao iate feliz e com uma "pedrada" de se lhe tirar o chapéu. Dimitri estava demasiado ocupado para reparar. Francesca concordara em falar com o seu advogado em Paris e combinar os pormenores relativos ao divórcio de Horace. Depois dir-lhe-iam. Juntos.

Olympia beijou Brigette na face e contou os dias que faltavam para a criança voltar para o colégio interno em Inglaterra. Ter uma filha era uma responsabilidade tão aborrecida... Se não fosse Brigette, ela estaria livre para fazer o que muito bem lhe apetecesse. Nunca lhe ocorrera ser essa a situação que se verificava permanentemente.

Flash fora de avião até à Alemanha para gravar um disco. Deveriam encontrar-se no apartamento de Olympia em Nova Iorque, dali a uma semana. A vida retomaria o seu curso normal: sexo, droga e rock and roll.

Olympia estava satisfeita com a maneira como as coisas decorriam. Flash só mencionara a esposa adolescente para dizer, esboçando um gesto de indiferennça com a mão:

- Um erro, doçura. Ela nunca nos incomodará.

Olympia tinha a mesma opinião em relação a Lennie -também fora um erro. Agora que reconquistara Flash, livrar-se-ia de Lennie. Ele estava na Califórnia, muito, muito longe. Não havia problema.

- Francesca vai passar um dia a Paris, lá mais para o fim da semana - anunciou Dimitri casualmente ao jantar. - O meu avião levá-la-á.

Horace concentrou-se com o seu pedaço de caranguejo, resolvido a ignorar o facto de o seu mundo estar prestes a ruir. No cruzeiro já só restavam os Fern e Olympia, assim como as duas crianças e as respectivas preceptoras.

-Maravilhoso! -exclamou Olympia. -Eu também irei. Preciso de um dia de compras.

- Posso ir, mama? - implorou Brigette, que fora autorizada, excepcionalmente, a comer com os adultos.

- Não sejas tão tolinha, querida - respondeu Olympia com voz trêmula.

- Por que não? - perguntou Brigette.

- Porque... - replicou Olympia com ar vago. Brigette começou a mamar no polegar.

-Por favor, mama! -choramingou.

- Não - declarou Olympia decidida e asperamente. - Nem pensar nisso.

Brigette fitou a mãe com raiva.

- Odeio-te! - gritou de repente, apanhando todos de surpresa. Odeio-te de verdade! Grande vaca gorda!

- Brigette! - ralhou Dimitri com voz trovejante. -Como te atreves a falar à tua mãe dessa maneira! Vai imediatamente para o teu quarto.

Brigette calculou a possibilidade de se virar contra o avô mas achou que era melhor não o fazer.

- Mas, vovô, é que eu nunca vejo a mama - lamuriou-se pateticamente. - Lamento, lamento a sério. Mas porque não posso ir?

Dimitri voltou-se para a filha.

- Ridículo - exclamou Olympia. - Não estou disposta a ir com uma criança atrás das saias.

Brigette achou que alguns soluços ajudariam. Começou a choramingar.

Santo Deus! - exclamou Olympia entediada, tocando a chamar a preceptora Mabel, que levou imediatamente a criança.

Um encontro. Lucky nunca alinhava em encontros - nunca tinham feito parte do estilo imprimido à sua vida.

"Vou buscar-te às oito e meia", disse Lennie. Ela não concordara. Ele limitara-se a declarar as suas intenções e ela aceitara-as.

Agora já se arrependera. Que proveito lhe poderia trazer? A relação deles não conduzia a lado nenhum. Tinha a noção do facto. Por que não aconteceria o mesmo com ele?

Às sete horas deu instruções ao mordomo para que dissesse que estava fora da cidade. Depois passou a meia hora seguinte a preocupar-se com a reacção de Lennie. Talvez fosse melhor vê-lo e resolver as coisas de uma vez por todas.

Alterou as suas instruções e tentou decidir o que vestir. Dimitri gostava dela toda aperaltada mas ela preferia roupas informais, de modo que decidiu-se por umas calças de cabedal preto macio e uma camisa de seda larga, que apertou fortemente com um cinto. Botas pretas, argolas: de ouro nas orelhas e o alfinete de peito da pantera completaram a fatiota. Deixou o cabelo solto.

Às oito horas voltou a mudar de idéias. Porquê vê-lo? Ele obviamente não entendia a situação delicada em que tinham sido apanhados. Como a maioria dos homens, provavelmente pensava na oportunidade que tinha pela frente - um exemplar de traseiro disponível que lhe aparecera pela frente e ao qual se atirara. Merda! Tomara-a por parva. O que lhe interessava era uma aventura fácil. Ela nada mais representava para ele. Os homens não davam mostras de perceber que as mulheres podiam ser, sob o ponto de vista sexual, tão livres quanto eles. Lennie Golden que se lixasse. Por que havia ela de vê-lo?

- vou sair - informou o mordomo. - Quando Mister Golden chegar, diga-lhe que esta noite não venho ficar a casa.

- com certeza, minha senhora - disse o mordomo, com o seu inglês a não deixar transparecer um lampejo que fosse de interesse.

Onde iria ela? Gino estava com Paige e Costa regressara a Miami.

Talvez não devesse sair. Para o diabo com aquilo. Bastava que o mordomo lhe dissesse que ela saíra.

Com medo de o encarar?

De maneira nenhuma.

Preparou um Pernod com água para si e fumou dois cigarros seguidos.

- Mudei de idéias - comunicou ao impenetrável mordomo. - Quando Mister Golden chegar, manda-o entrar.

- Sim, minha senhora.

Começou a andar de um lado para o outro pela sumptuosa sala de estar. Sumptuosa, impecável, cara e entediante. Se Dimitri estava à espera de que ela vivesse naquele apartamento, mais valia que concordasse em mandá-lo redecorar. Sentia-se abafada e quanto a isso não havia nada a fazer. Por que casara com ele? Por que casara ele com ela? O coração de Dimitri pertencia indiscutivelmente à Madame Fern de rosto cavalar e, para dizer com franqueza, ela pouco se ralava. Não sentia o aguilhão do ciúme. Dimitri e ela tinham casado por razões que não incluíam o amor e a paixão. Seria aquela a história da sua vida? Dois maridos, nenhum deles amantes no verdadeiro sentido da palavra.

Sentia-se solitária e presa de agitação.

"O hotel preencherá esse vazio", pensou. "O meu hotel... Meu... É de Roberto. O meu menino maravilhoso."

O mordomo apareceu à porta.

- Mister Golden, minha senhora - anunciou com uma vénia ligeira.

Lucky apagou o que restava do cigarro, respirou fundo e voltou-se para saudar Lenie com um sorriso falsamente delicado.

- Lennie!

Os olhos de ambos prenderam-se e ela perdeu-se.

- Viva, senhora linda - disse ele, acercando-se de Lucky e pegando-lhe nas mãos.

O toque dele fê-la sentir-se debilitada. Que se passava ali?

- Posso preparar-lhe uma bebida, senhor? - inquiriu o mordomo atenciosamente.

- Vodka. com gelo - replicou Lennie, olhando em redor.

- com certeza, senhor. Lennie sorriu.

- Tenho a sensação de estar num museu! Lucky não pôde deixar de retribuir o sorriso.

- E estás - disse suavemente.

Aguardaram, em silêncio, que a bebida fosse servida, o gelo deitado nos copos e o mordomo se retirasse discretamente.

Lennie fitou-a nos olhos, ergueu o copo numa saudação e disse:

- A nós. À nossa vida juntos. À maneira como vai ser vivida.

Susan regressou a Beverly Hills para encontrar Gino ausente e Gemma, a filha, a residir em casa.

- Por que estás aqui, querida? - perguntou, tentando esconder o ressentimento incipiente. Gemma era uma rapariga tão desarrumada! Quando fora viver com o namorado, sentira grande alívio.

- Tivemos uma discussão - explicou Gemma, mordiscando uma maçã.

- Nada de sério, espero - observou excessivamente preocupada.

- Depende do que considerares sério - replicou Gemma, desistindo da maçã que estava a comer e colocando-a em cima de uma mesa de tampo polido. - Apanhei o parvalhão com a mão enfiada pela saia da minha melhor amiga e ela não trazia calcinhas vestidas. Como classificadas semelhante acção?

- Tens a certeza, querida?

Gemma fitou a mãe divertida. A mulher não era daquele mundo. Vivia numa fantasia permanente.

- Tenho a certeza - disse calmamente. - Que tal correu a viagem? Susan voltou a ajeitar uma jarra de flores, retirando cuidadosamente

uma rosa quase murcha com um pequeno gesto de contrariedade.

- Muito agradável - respondeu. - Um grupo de pessoas encantadoras.

- Quem? - perguntou Gemma, sem realmente se importar minimamente mas achando que devia fazer conversa já que se mudara novamente para casa e não queria a mãe a queixar-se do facto.

- Oh, Francesca Fern e o marido, Saud Ornar. - Uma pausa imperceptível. - A condessa Zebrowski. Lennie Golden.

Gemma ficou imediatamente atenta.

- Lennie Golden! - exclamou, - De verdade?

Susan acabou de arranjar as flores e começou a ajeitar peças de ornamento.

- É casado com a filha de Dimitri - explicou.

- O tipo é um borracho! - disse Gemma com um suspiro.

- A palavra "borracho" é uma expressão muito vulgar - admoestou Susan.

- Mas trata-se do que Lennie Golden é - insistiu Gemma entusiasmada. - Posso conhecê-lo? És capaz de dar um daqueles teus jantares ou coisa parecida?

- Não - declarou Susan aborrecida. - Gino ainda está em Nova Iorque e eu estou exausta. Preciso de repousar. Foi uma viagem cansativa.

Gemma tirou outra maçã de uma taça de prata e deu-lhe uma dentada generosa.

- Não me referia a amanhã - observou com enfado. -Podia ser na próxima semana.

- Estarás aqui na próxima semana? - perguntou Susan, esperando que a resposta fosse negativa.

- Se o parvalhão não vier a rastejar para me pedir desculpa, ainda cá poderei estar no próximo ano! -Gemma sorriu. Possuía dentes muito pequenos, perfeitos e brancos. - Voltei para casa, mãe, para ficar.

Gino viu Paige partir com desgosto. Os poucos dias passados juntos em Nova Iorque foram memoráveis. Ela era o seu tipo de mulher.

Paige retirou-se com um sorriso de contentamento no rosto. Adorara estar com ele tanto quanto ele com ela.

- Voltarei a Los Angeles daqui a uns dias - prometeu Gino.

- Então reservarei a nossa suite no Beverly Wilshire - disse Paige afavelmente. - Avisa-me apenas quando chegas.

Nenhum deles sabia até onde aquela relação iria, no entanto estavam dispostos a prolongá-la o mais possível.

Paige chegou a casa e deparou com Ryder deprimido.

- Podes mandar Bonnati, Vitos, o estupor de Quinn Leecn e todo o malfadado filme à merda.

Paige fez de esposa preocupada.

- Então o jantar não foi um sucesso? - perguntou.

- Ainda não tivemos o maldito do jantar - rosnou Ryder. - Tive de cancelar com os teus estuporados fornecedores que, mesmo assim estão a tentar que eu lhes pague a conta. Vitos adoeceu, Bonnatti foi chamado para fora da cidade e a Quinn deu-lhe para ser temperamental. Combinei outro jantar para segunda-feira.

- Os mesmos fornecedores?

-Estás a brincar? Desta vez é no Chasen. Paige anuiu.

- Escolha ajuizada.

Depois aguardou que Ryder lhe perguntasse pela viagem. Ele não o fez. Por que havia de se sentir culpada se ele nem sequer se preocupava?

Susan Martino deixara três recados. Paige telefonou-lhe, relutantemente. Não estava certa de desejar continuar com o jogo "ando a fornicar o teu marido mas ainda podemos ser boas amigas".

- Tenho de te ver - disse Susan.

- Estou assoberbada de trabalho - replicou Paige com brusquidão.

- É de uma importância vital - insistiu Paige, baixando a voz até a transformar num sussurro.

Teria ela descoberto? Paige hesitou.

- Bem...

- Vem tomar chá comigo amanhã. Às quatro da tarde em minha casa.

- És tão inglesa!

- Por favor não faltes.

Paige suspirou. Mais valia encarar a situação imediatamente.

- Estarei aí.

Gino pensou que, agora que Paige regressara a Los Angeles, ele aproveitaria para passar alguns dias com Lucky antes de voltar para a costa. Mas a filha informou-o pelo telefone, ofegante, quando conseguiu descobrir-lhe o paradeiro, que apesar de adorar vê-lo, estava ocupadíssima, que na altura seria impossível.

Dizer que Gino ficou desapontado era pouco. Sentiu-se magoado e furioso. Ele ficara em Nova Iorque para passar algum tempo com a filha e esta não parecia importar-se.

Filhos. Apreço. Que sabiam eles? Uma pessoa sacrificava-se na vida por eles, que nem sequer se davam ao cuidado de lhe dedicar um dia que fosse. Esqueceu convenientemente que, nos últimos dias, estivera fechado com Paige e não tivera tempo para se preocupar com mais ninguém incluindo Lucky.

- Nem sequer podemos jantar hoje à noite? - perguntou ao telefone.

- Estou verdadeiramente impossibilitada - explicou Lucky em tom de desculpa, soando notavelmente feliz para quem andava tão atarefado que nem tempo tinha para jantar com o pai.

- Claro - disse Gino. - Compreendo, filha.

Mas não compreendia. E decidiu partir para Los Angeles mais cedo - surpreender Susan e Paige.

 

Ficar apaixonado é como ser atingido por um camião enorme e, ainda assim, não ficar mortalmente ferido. Simplesmente enjoado, umas vezes eufórico, logo a seguir deprimido. Estar a morrer de fome e não ser capaz de comer. Quente, frio, permanentemente excitado, cheio de esperança e entusiasmo, com depressões momentâneas que são de arrasar.

Também é não ser capaz de apagar o sorriso do rosto, adorar a vida com uma paixão louca e inabalável e sentir-se dez anos mais novo.

O amor não se faz anunciar por nenhum sinal de aviso. Cai-se presa dele como quem é empurrado de uma prancha de saltos alta. Não há tempo para pensar no que está a acontecer. É inevitável. Um acontecimento que escapa ao nosso controlo. Uma maré louca, que acelera o bater do coração, da montanha-russa que nada pode deter no seu curso.

Nem Lucky nem Lennie contavam que tal lhes acontecesse. Oh, claro, sentiam-se atraídos um pelo outro, em termos sexuais era do melhor que podia haver. Mas amor?

Ora.

Eram duas pessoas de idéias definidas, independentes, inteligentes, para quem aquelas andanças já não constituíam novidade. Estavam no apogeu das suas carreiras e tinham objectivos definidos a atingir. Lucky tinha o seu hotel para construir e Lennie estava decidido a subir até onde desejasse.

A relação entre ambos era impossível.

E no entanto... Eram duas almas gêmeas que se tinham encontrado uma à outra, dois seres temerários, apaixonados, repletos de um prazer sensual pela vida.

- Que vamos fazer? - perguntou Lucky depois de estarem juntos quarenta e oito horas. As quarenta e oito horas mais excitantes e inacreditáveis da sua vida.

- Vamos livrar-nos das loucuras em que fomos apanhados, e depois cometeremos um acto verdadeiramente estúpido como casar, envelhecer, ter uma dúzia de filhos. Tudo isso - brincou Lennie.

Mas falava a sério.

Lucky sentia-se entontecida. O controlo escapara-lhe. E o facto não a perturbava minimamente. A sensação era maravilhosa.

- Vamos? Lennie sorriu.

- Tudo isso.

- Cala-te com essa conversa.

- Porquê? Ficas excitada? Lucky saltou para cima dele.

- Tu é que me excitas. De verdade.

Rindo, rolaram pela cama da casa que Lucky tinha em East Hampton - a casa que outrora pertencera a Gino e a Maria, era Lucky uma menininha de olhos grandes e natureza curiosa.

Lennie prendeu-a debaixo de si.

- Ei, senhora, por que estás sempre a discutir comigo? - perguntou. Lucky deitou-lhe a língua de fora e moveu-a sugestivamente.

- Para que possas sair vitorioso - disse com voz sensual. - Gosto de vencedores.

Ele subjugou-a com um beijo e ela deleitou-se na sua força, no toque do seu corpo e no cheiro da sua pele. As suas reservas tinham-se esvaído. Lennie, com o seu visual enérgico e bem-parecido, os gracejos leves, o talento admirável, a brandura com as crianças, já para não falar da perícia na cama, conquistara-a completamente. Era um tipo de homem que ela nunca encontrara antes e considerava-o especial.

Bastara-lhes um encontro. Ele fora buscá-la ao apartamento de Nova Iorque e levara-a a um restaurante chinês, onde tinham partilhado crepes, carne picada cheia de condimentos e uma garrafa de vodka. A troca de palavras delicadas durara precisamente dez minutos. A seguir começavam a tomar conhecimento da vida um do outro, a trocar experiências, a escutar, a contar, a revelar. Quando o restaurante fechou, à uma da manhã, continuavam a conversar, portanto foram até a um clube de jazz em Greenwich Village que os acomodou até às quatro da manhã.

- Não quero ir para casa - lembrou-se Lucky de dizer.

- Quem é que está a falar em voltar para casa? -replicara Lennie. Levou-a então para um local freqüentado por empregados de mesa

e trabalhadores nocturnos. Sentaram-se a um canto e beberam café interminavelmente, enquanto Billie Holiday entoava blues na velha jukebox uma prostituta excessivamente maquilhada dançava alegremente na pista minúscula.

Lucky contou-lhe coisas de que nunca falara a ninguém. Da descoberta do corpo da mãe apenas aos cinco anos. Do afastamento do pai. Da fuga do colégio com Olympia, quando adolescentes. E do casamento a que Gino a obrigara aos dezasseis anos.

- Detestei-o durante anos - explicou ela. - Mas sabes uma coisa? Penso que no fundo sempre o amei.

- Consigo entender toda essa questão do amor-ódio - disse Lennie solidariamente.

E começaram a falar acerca de Alice e do que fora crescer com uma mãe. completamente indiferente.

Às oito da manhã passaram pela garagem subterrânea onde Lucky mantinha o seu Ferrari. Atirara as chaves a Lennie e indicara-lhe a casa de East Hampton.

Com Ottis Redding no gravador e um trânsito matinal pouco denso, foi uma deslocação sem problemas. Compraram pão francês, manteiga, bacon e ovos num supermercado local.

- Não sei cozinhar - confessou Lucky.

- Mas eu sei - assegurou-lhe Lennie, acrescentando cogumelos e tomates à pilha de compras.

A casa de East Hampton estava fechada. A governanta fora à Finlândia passar um mês de férias com a família.

-Não tem problema - anunciou Lucky, abrindo uma janela que dava para a casa de banho do andar térreo e providenciando uma entrada pouco dignificante.

Nenhum deles tinha sono mas, depois do pequeno-almoço, deveras profissionalmente cozinhado por Lennie, retiraram-se para o andar de cima, onde se deitaram no quarto principal cor de vime, fazendo amor lenta e preguiçosamente, como se fosse a sua primeira vez juntos. E depois adormeceram abraçados um ao outro.

Lucky acordou ao lusco-fusco. A seu lado, estiraçado na cama, Lenie dormia. Desceu silenciosamente à cozinha, abriu uma lata e preparou duas tigelas largas de sopa de batata a fumegar. Depois pôs música soul suave na aparelhagem estéreo e voltou ao andar de cima.

Despertou-o com um beijo e entregou-lhe a sopa que lhe era destinada.

- Alimento - explicou ela com um sorriso. - Vais precisar de todais as tuas energias.

- Ei - disse ele provando a sopa quente. - Não há dúvida de que sabes como abrir uma lata.

Lucky riu suavemente.

- Por ti, aprenderei a cozinhar.

- A sério?

- Nem por isso. Mas não parece má idéia.

Lennie pousou a tigela fora da cama e estendeu-lhe os braços.

-Anda cá.

Lucky não discutiu. Ansiava pelo contacto dele. Ele electrizava-lhe a pele e cada carícia sua proporcionava-lhe pequenos choques deliciosos.

Experimentaram os corpos um do outro, provocando, recuando, vendo quem era capaz de se conter por mais tempo antes de se render ao êxtase do orgasmo.

- Tu és realmente especial - disse Lennie, completamente sincero.

- E tu também não és propriamente um desajeitado - replicou Lucky, sorrindo.

Conversaram noite dentro. Lucky falou-lhe do exílio a que Gino fora obrigado por motivos fiscais e de como ela tomara conta dos negócios da família.

- Construí o Magiriano - disse com orgulho. - Tinha vinte e cinco anos e era mulher. Não foi fácil.

- Posso imaginar.

- Não, não podes. Não verdadeiramente.

- Experimentarei.

- Experimenta isto.

Desejava-o na sua boca. Desejava sentir a sua erecção, o latejar da sua virilidade. Desejava-o sob o seu poder, o seu feitiço.

Lennie gemeu de prazer.

Lucky sorriu de triunfo.

Ele confessou a paixão outrora alimentada por Éden. Como tudo parecia trivial agora.

- Como é que ela era? - quis Lucky saber.

- Esguia, loura, destruidora.

- Faz lembrar uma ave. -Era muito bonita.

- A quem interessa?

- A mim não.

Lennie afastou-lhe as coxas morenas e enterrou o rosto no meio delas. O cabelo púbico negro azeviche dela parecia de seda. Ela sabia a flores de almíscar esmagadas. Agridoce.

Lucky atirou os braços para cima da cabeça e murmurou-lhe o nome vezes sem conta até se vir em violentos espasmos de abandono, ao mesmo tempo que ele a sugava até à última gota com desejo febril.

Passaram o resto da noite a dormir.

De manhã, Gino telefonou. Lucky já não se lembrava do que dissera ao pai. Não queria que a vida real invadisse o seu tempo com Lennie. Em breve Dimitri estaria de volta e as coisas teriam de se resolver.

Francesca inalou profundamente o fumo de um charuto fino, enquanto o avião de Dimitri a levava, juntamente com Olympia, até Paris.

- Já alguma vez pensou em levar uma série de injecções para emagrecer? - perguntou a Olympia com franqueza rude. - Há uma clínica na Suíça, eles são especializados em problemas de peso.

- Oh - retorquiu Olympia com vivacidade -, foi lá que fez a sua plástica facial?

Francesca franziu a testa.

- Nunca fiz nenhuma plástica facial - mentiu.

- Não? - admirou-se Olympia inocentemente. -Não - declarou Francesca com firmeza.

A conversa ficou por ali. Olympia teria gostado de ter Flash ali, a seu lado. Podia imaginá-lo com Francesca. Que choque!

Chamou a hospedeira de bordo, uma sueca de pele bronzeada e sorriso de gelo. Quando Dimitri viajava, era ela que lhe dava os recados. Olympia imaginava que os seus serviços não ficassem por aí.

-Preciso de comer um doce de chocolate - disse-lhe em sueco Que temos a bordo?

- Parfait, sorvete de frutas e nozes, cerejas frescas.

- Morangos?

- Uva preta.

- Deite-lhes chocolate por cima, por favor. Imagino que tenha de me contentar com isso.

A sueca fez faiscar o sorriso gélido e retirou-se para a área do pessoal. - Uva preta com molho de chocolate - admoestou Francesca, abanando o rosto cavalar com um exemplar da Vogue francesa. - Deve estar desesperada.

Olympia, com a segurança que a coca lhe proporcionava, sorriu. - Nem de longe tão desesperada como algumas pessoas que conheço- disse, pegando nos auscultadores.

- Que civilizado - observou Paige, mirando o chá à inglesa que Susan preparara.

Havia sanduíches delgadas de pepino, scones leves com um toque de creme e geleía, um bolo de gengibre, chá Earl Grey e um serviço de chá em loiça requintada.

- Todas as tardes, às quatro horas, serviam chá no iate Stanislo poulos - declarou Susan orgulhosamente.

-Que grupinho acolhedor e chegado deve ter sido - replicou Paige, sem se deixar impressionar.

- Foi maravilhoso - disse Susan com um suspiro.

Ela adorara a viagem. Só desejava não ter sucumbido aos avanços pervertidos da condessa.

- Gostaria que lá tivesses estado - acrescentou, pousando um olhar íntimo em Paige.

Paige engoliu uma sanduíche. Não dissera a Susan, antes da viagem, que estava tudo terminado? A mulher não a teria percebido?

- Senti a tua falta - observou Susan, acercando-se mais da amiga, no sofá cor de damasco. Pousou a mão no ombro de Paige. - Muito.

O som de uma abelha a zumbir quebrou o silêncio da tarde. Paige agitou-se, desconfortável. Por que custariam as ligações tanto a terminar? Masculinas, femininas, havia sempre uma luta final.

Respirou fundo e levantou-se.

- Susan, querida - disse, encarando a amiga loura impecavelmente arranjada. - Sei que vivemos bons momentos... em tempos. - Acentuou! o "em tempos". - Mas com a continuação, as coisas mudam. Da última vez em que nos encontrámos disse-te que Ryder e eu estávamos a dar uma segunda oportunidade ao nosso casamento.

Os olhos claros de Susan, impecavelmente maquilhados encheram-se de lágrimas.

- Eu sei, eu sei - disse, tentando controlar-se. - Mas preciso de ti, Paige. És tão importante para mim. Representámos tanto uma para a outra.

Paige olhou de relance e ansiosamente para a porta. Não convinha nada terem a governanta e escutar aquela cenazinha. Susan seguiu-lhe o olhar e levantou-se do sofá.

- Dei o resto do dia livre ao casal - disse. - Só voltarão tarde. E Gemma foi a São Francisco. Estamos completamente sozinhas - acrescentou significativamente.

Paige anuiu. Mais uma vez com Susan. Uma despedida como devia ser.

Não era como desejara, mas daria resultado.

 

A realidade acabou por invadi-los. Lennie tinha uma carreira à espera. E compromissos.

Ligou para Los Angeles a fim de falar com Jess, ouvindo-a gritar como uma índia demente.

- Onde estás tu? - berrou ela. - Por amor de Deus, disseste-me que estarias de volta passadas vinte e quatro horas. E depois desapareceste completamente. Inicias a gravação da nova série daqui a dois dias. A rede de televisão está a entrar em parafuso e eu também. Onde estás tu, Lenie? Cristo, não tens o mínimo sentido das responsabilidades?

- Acalma-te - admoestou-a o amigo. - Ainda tens um ataque cardíaco.

- Sou demasiado nova para ter um ataque cardíaco - replicou Jess em fúria. - E tu és demasiado novo para deitares a tua carreira a perder só porque a tua coisa voltou a descontrolar-se. Que aconteceu ao garanhão que conheci e amei?

- És uma artista com as palavras.

- E tu és um parvalhão de todo o tamanho.

- Agora que ambos sabemos o que somos, liguei-te para avisar que volto amanhã.

- Óptimo. Maravilhoso. - Jess deixou escapar um som de desgosto. - Que vais fazer? Segues directamente do aeroporto para o estúdio?

- Pareceu-me ouvir-te dizer que dispunha de dois dias.

-Exacto. Hoje e amanhã. Tens um guião à tua espera no hotel. Lê-o no avião que te trouxer de volta. Tens de estar no estúdio às oito da manhã de segunda-feira.

Fez uma pausa e depois acrescentou:

- Lennie.

- Sim?

- Só quero que saibas que te detesto. Lennie riu.

- E eu amo-te!

- Conversa fiada - disse Jess em tom rabugento.

Lennie desligou. Lucky estava a seu lado, sentada de pernas cruzadas em cima da cama, com uma camisola enorme vestida, meias até aos joelhos e o cabelo às tranças. Sem maquilhagem, parecia uma esplendorosa beldade de dezasseis anos.

- Creio que o mundo está a insinuar-se para junto de nós - disse ele. Lucky encolheu os ombros.

- Era inevitável. Lennie fitou-a nos olhos.

- Quem me dera que pudesses vir comigo. Lucky anuiu com ar sério, desejando o mesmo mas ambos sabendo

que era impossível. Dimitri deveria estar a chegar com Roberto e havia muito a fazer antes de poderem ficar os dois juntos para o resto das suas vidas. Tinham pasmado horas a discutir o futuro e uma separação breve era a única maneira de resolver o problema. Ela iria dizer a Dimitri que estava tudo terminado. E Lennie entraria em contacto com Olympia.

- Não quero deixar-te - disse ele, acariciando-lhe uma perna.

- E tu achas que eu quero? - replicou ela. Sinceramente.

Lennie tomou-a nos braços e embalou-a suavemente.

Lucky sorveu o seu cheiro especial e sentiu-se apaziguada.

- Estás a tremer - observou ele preocupado. Lucky chegou-se ainda mais a ele.

- Estou com frio.

- Não ficaremos separados durante muito tempo. -Eu sei.

- Posso voltar na quinta-feira, depois da gravação. Apanharei o Red Eye e encontro-me contigo aqui. Teremos o dia todo de sábado e a maior parte do de domingo.

Lucky riu brandamente.

- Então far-te-ei grandes cozinhados.

- Isso. Arranja uma provisão de latas. A tua sopa de batata é de gritos.

- Espera até veres o meu caldo de cogumelos bravos. Senhor, ainda não viste nada.

-Ei, senhora, passei as horas mais felizes da minha vida. Quero que o saibas.

Lucky tocou-lhe na face ao de leve.

- Eu sei.

Voltaram a fazer amor, e este foi mais terno, mais afectuoso do que já lhes acontecera experimentar anteriormente.

Lucky dormiu a noite envolvida nos braços protectores de Lennie e, quando a manhã chegou, acordaram cedo e voltaram silenciosamente para Nova Iorque.

O idílio terminara.

Marco deixara-a uma vez...

Não voltara a vê-lo vivo...

Gino não gostava de estar a envelhecer. De certa maneira, não se importava porque só os felizardos ainda estavam naquele mundo para contar como fora. Por outro lado, envelhecer era uma chatice. De repente, aos setenta e quatro anos, podia ver a luz ao fundo do túnel, que parecia estar mais próxima a cada dia que passava.

Ao contrário de Costa, não estava a cair aos bocados. Ainda tinha o seu cabelo intacto - na maior parte já grisalho mas espesso e forte. E os dentes - eram todos seus. E desde o ataque cardíaco que nunca mais tivera problemas sérios. De vez em quando sentia dificuldades com a digestão por causa de uma úlcera antiga, e lá lhe doía o ombro de tempos a tempos - mas nada com que se alarmar.

Aproveitou a estada em Nova Iorque para ir fazer um check up ao seu médico.

- Está maravilhosamente em forma-assegurou-lhe o médico. -Tem o coração e os pulmões de um homem de cinqüenta anos.

Os cinqüenta anos que se lixassem. Ele queria o coração e os pulmões de um jovem de vinte. A mortalidade em si era algo assustador.

Namoriscou com a hospedeira durante o vôo de regresso a Los Angeles. A jovem tinha cabelo acobreado, o que lhe recordou Paige, e um rosto bonito e atrevido, que lhe trouxe à memória Cindy, a sua primeira mulher, já lá iam tantos anos.

A jovem reagiu favoravelmente. Ele não sabia se o facto se devia à circunstância de ela o achar irresistivelmente atraente ou de o pressentir rico. A última parte não era difícil de saber. O seu fato era feito por medida, a camisa, de seda. O seu relógio de ouro Rolex custara seis mil dólares. Sabia que se a convidasse a sair com ele, ela responderia afirmativamente e sem hesitar. Mulheres fáceis. A história da sua vida.

Mas não se atirou a ela. Sentia um certo espírito de lealdade em relação a Paige. De momento ela desfrutava de toda a sua atenção. De toda ela. E ainda havia muito a dar-lhe. Muito.

Susan desiludira-o. Por baixo de toda aquela aparência cuidada estava uma mulher fria e ele sentia que nunca chegara a conhecê-la completamente.

Ao chegar ao aeroporto, apanhou um táxi para Beverly Hills. Devia ter telefonado a Susan a pedir-lhe que mandasse o carro buscá-lo com o motorista, mas saíra apressadamente devido à falta de disponibilidade de Lucky; além disso a idéia de fazer uma surpresa a Susan agradava-lhe. Ela desejava tudo combinado e sujeito a planeamento - uma certa imprevisibilidade só lhe faria bem.

O homem do táxi era estrangeiro. Falou ininterruptamente, no seu inglês arrevezado, de qualquer assunto que lhe despertasse a atenção. Gino limitou-se a emitir murmúrios ocasionais e disse-lhe que abrandasse depois de o ver saltar duas luzes vermelhas.

O homem sorriu e acenou com os dedos grossos.

- Eu não matar o senhooor! - brincou, falhando por pouco uma pobre senhora de idade que ia a atravessar a rua. - Grande naba! - gritou-lhe da janela do táxi.

- Caralho! - gritou-lhe a pobre senhora de idade em resposta, dando tempo a Gino como ao motorista motivo para reflexão.

Beverly Hills apresentava-se bem arranjada, tranqüila e perfeita. "Tal qual a minha mulher", pensou Gino ao pagar ao motorista e acrescentando uma gorgeta choruda.

- O senhor é um verdadeiro cavalheiro - disse o homem do táxi, arrancando ruidosamente.

Dois esquilos atravessavam o relvado da frente da casa a correr quando Gino se aproximou. O Rolls de Susan estava estacionado no passeio da frente e, atrás deste via-se o Porsche dourado de Paige.

Dois pelo preço de um. Iria ver Paige mais cedo do que imaginava.

Acelerou o passo e pegou nas chaves.

Uma vez livre de Francesca - que Olympia definiu como a chata do século, ainda pior que Lucky, se possível -, Olympia lançou-se numa verdadeira incursão de compras. Desejava voltar a Nova Iorque com um guarda-roupa completamente novo e de braço dado com Flash. A temporada das festas principiaria em Setembro e não tencionava perder uma ocasião que fosse de se divertir.

Lennie nunca entrou sequer nos seus pensamentos. Ele eram águas passadas. Assim que voltasse a Nova Iorque, instruiria o seu advogado para tratar do divórcio.

Nua e palpitante, Susan jazia na cama. A sua pele macia de alabastro não fora exposta ao sol do sul de França. Era uma perfeição pálida, apenas com uma pequena cicatriz de operação ao apêndice a marcar-lhe a epiderme.

Paige despira-se, ficando apenas com umas calcinhas e um soutien a condizer em tom de beringela, de onde o peito generoso parecia querer saltar. Olhou para Susan e não sentiu qualquer assomo de paixão. O interesse desapareceu, pensou.

Os seios de Susan estavam flácidos, os mamilos lisos, aguardando estímulo que os empertigasse. Ela contara sempre com Paige para se encarregar de todo o trabalho. Outrora o desafio fora agradável. Agora Paige não sabia por onde começar. Um apertão aqui, um toque ali. Não eram precisas grandes manobras para excitar Susan.

Paige cerrou os dentes e inclinou-se para a tarefa que tinha diante de si.

O advogado que Dimitri tinha em Paris recebeu Francesca no seu gabinete com grande solicitude. Fora advertido, pelo homem em pessoa, para conduzir o caso com grande cuidado. "Queira ela o que quiser, dê-lho", ordenara Dimitri. "O divórcio dela deve ser imediatamente executado. Nada de esperas. Quando estiver terminado decidirei o que fazer em relação à minha actual esposa.

- Dimitri - resmungou o advogado -, se está a pensar em se divorciar de Lucky, vai custar-lhe uma fortuna.

- Esquece que ela assinou um contrato pré-nupcial? - recordou-lhe Dimitri.

- Não. Mas também o senhor pôs a sua assinatura num documento que lhe permite construir um hotel em Atlantic City à sua custa. O facto levar-lhe-á vários milhões.

- Ela nunca o fará - disse Dimitri em tom despreocupado. - E se não for ela a tratar do assunto pessoalmente, o papel fica anulado. Também há um tempo limite estipulado. Não sou nenhum tolo. O advogado respondeu-lhe:

- Não, não é.

Mas no seu íntimo considerava que qualquer homem que preferisse Francesca Fern a Lucky Santangelo não podia deixar de estar à beira da senilidade.

Francesca encontrava-se sentada à sua frente, envergando um vestido de seda curto, meias pretas e sapatos de salto muito alto. Cheirava a Calèche, fumava charutos repelentes e de vez em quando permitia-se tossicar. As pernas eram pesadas e de cada vez que as cruzava e descruzava, o que fazia com freqüência, ele não podia deixar de reparar que não trazia calcinhas.

-Se eu decidir realmente a divorciar-me do meu marido, Horace, a pedido de Mister Stanislopoulos - disse com a sua voz sensual -, Horace tem de ser principescamente compensado do bolso de Mister Stanislopoulos, não do meu. Entendido?

- Sim, Madame Fern - concordou o advogado delicadamente. Dimitri tornou-me esse pormenor bem claro quando falou comigo pelo telefone ontem.

Francesca ignorou a utilização do primeiro nome de Dimitri, assinalando uma relação mais chegada do que era seu desejo reconhecer. Para Francesca, todos os que eram pagos deviam ser considerados empregados, tratando-o portanto nessa base.

- No caso de eu avançar com o divórcio - observou -, deverão preparar-se documentos para tanto eu como Mister Stanislopoulos assinarmos.

- Naturalmente - replicou o advogado. Um casamento entre aqueles dois sem um contrato financeiro era impensável.

- Eu tenho as minhas necessidades - continuou Francesca, soprando-lhe fumo para o rosto e voltando a cruzar as pernas pesadas.

- Tenho a certeza de que tem, Madame Fern - observou o advogado com voz branda, odiando aquela mulher de rosto cavalar que lhe falava como se ele não passasse de um paquete de escritório.

Foi então que ela lhe falou das suas necessidades, após o qual ele ficou a detestá-la ainda mais. Não só era uma cabra como também era calculista. As exigências que fazia eram ultrajantes. Quando as transmitisse a Dimitri, esperava que este se sentisse igualmente ultrajado.

Ela queria que lhe fosse atribuída uma vasta soma de dinheiro no dia do seu divórcio. Uma outra fortuna quando ela e Dimitri se casassem. Mais dinheiro aos montes por cada ano passado juntos. Uma mesada enorme para despesas. Um apartamento em Paris e um duplex em Nova Iorque. Um orçamento semanal para roupa que alimentaria uma família de quatro pessoas durante toda a vida. E uma cláusula especial estipulando que passado um período de um ano, ela e Dimitri teriam de passar só seis meses na companhia um do outro. Durante o resto do tempo eram livres para viajar por onde muito bem entendessem.

O advogado tentou manter-se impassível durante a apresentação das condições mas um nervo começou a saltar-lhe incontrolavelmente na face.

-Espero que tenha tomado nota de todas as minhas exigências disse Francesca Fern, levantando-se e alisando a saia.

O advogado também se pôs de pé.

- Sim, Madame Fern - disse delicadamente.

- Óptimo - replicou ela altivamente.

E sem sequer se despedir, saiu do gabinete em passo altaneiro. O advogado pegou imediatamente no telefone.

A casa de Beverly Hills dificilmente podia ser considerada como um sítio ao qual era agradável voltar. Era mais um lugar de exposição que um lar.

Gino entrou na sala de estar e deparou com um chá inglês semiconsumido em cima da mesinha. Serviu-se de uma sanduíche de pepino e deambulou até à cozinha, que também não tinha ninguém. Depois subiu ao andar de cima, preparado para encontrar Susan a mostrar a Paige alguma criação de um costureiro novo. As mulheres e as roupas. As duas conjugavam como dinheiro e poder. Elas gastavam fortunas em várias fatiotas que depois só usavam uma vez. Quem podia perceber semelhante coisa?

Sentiu o cheiro do perfume de Paige no ar. Essência de almíscar. Encharcava-se nela. Melhor do que o enjoativo Joy que Susan usava.

Sorriu de si para si. Gino Santangelo - o perito em perfumes. O garoto da rua com o sentido do olfacto!

Abriu a porta do quarto e ficou imóvel. Diante de si espraiava-se um quadro. Duas mulheres paralisadas pelo choque.

A loura, já não muito nova mas bem conservada. Pele nívea e seios pouco excitantes.

A ruiva, rosada e apetitosa.

Brincavam uma com a outra. "Tu mostras-me o teu... eu mostro-te o meu."

O único som que se ouvia em toda a casa era o rumorejar dentro da sua cabeça.

Lucky tentou concentrar-se. Não era fácil. Não parava de pensar em Lennie e ao fazê-lo, um sorriso estúpido abria-se na sua cara e sentia-se uma perfeita idiota.

- Qual é a piada? - queria saber constantemente um dos arquitectos com quem estava reunida.

Era um tipo atraente, no início da década dos trinta. Em tempos poderia ter passado uma noite com ele - mas agora as coisas eram diferentes.

- Não há nenhuma piada - respondeu Lucky, ainda a sorrir. Ele mirou-a com ar namoradeiro.

- Nesse caso deve estar com uma disposição óptima. Lucky não desejava encorajá-lo mas, obviamente, o seu sorriso permanente fazia-o por si.

- Tente dizê-lo ao meu marido - disse despreocupadamente, voltando-se para o lado.

Dimitri. Que iria ela fazer em relação a ele? Desde que saíra do iate que uma série de fotografias tiradas por paparazzi tinham saído em várias publicações. Todas eram de Dimitri e Francesca. A entrarem no iate... a saírem do iate... à saída de um clube nocturno... à entrada de "um restaurante. Abraçados e sorridentes. O par inseparável - Dimitri Stanislopoulos e Francesca Fern.

Como os jornais e revistas os adoravam, o bilionário envelhecido e a prima donna. Ambos casados, pasto da grande imprensa sensacionalista.

Lucky ficou muito satisfeita ao saber que o casamento não lhe parecia ter diminuído o interesse em Francesca. Assim seria muito mais fácil para ela dizer-lhe que estava tudo terminado. A desculpa ideal. Desejaria poder deixar-lhe um bilhete breve dizendo: "Caro Dimitri. Liberto-te do teu casamento por razões óbvias. Fiquemos amigos. Lucky."

Como seria recto e honesto.

O instinto disse-lhe que o desfecho não iria ser tão civilizado.

Olympia gastara trezentos mil dólares em roupas em Paris. Acrescentara-lhe um novo casaco de zibelina e uma selecção de jóias extravagantes. Também se fornecera de uma excelente porção de cocaína de primeira categoria, substância de que agora necessitava diariamente se desejasse ficar minimamente operacional. Não via como seria possível um homem gastar semelhante soma de dinheiro com ela. Os homens eram uns sovinas, por muito ricos que fossem. Observara o pai ao longo dos anos. Raramente o via meter a mão ao bolso, a não ser que fosse para si próprio ou Francesca.

Olhou de relance para a actriz envelhecida que ia sentada do outro lado da coxia, no avião particular de Dimitri. Que veria ele naquela vaca velha? E por que não fizera algo para resolver o assunto depois de todos aqueles anos?

Perguntou a si mesma porque teria Francesca feito aquela viagem súbita a Paris. Talvez perguntasse a Dimitri ao chegar. Talvez ele lhe dissesse, ou talvez não.

Inclinou-se para Francesca.

- Fez compras? - perguntou-lhe.

Francesca dignou-se lançar-lhe um olhar. Olhos profundamente implantados, perscrutadores, decorados com pestanas postiças.

- As compras aborrecem-me - respondeu.

- A mim não aborrecem - replicou Olympia, exibindo uma vistosa pulseira de rubis e diamantes. - As coisas bonitas excitam-me.

Francesca sorriu condescendentemente.

- Quem sabe se tivesse trabalhado um dia na sua vida se apercebesse de que fazer compras não passa de um lenitivo espiritual dos ricos ociosos - comentou.

- Que idiotice! - respondeu Olympia.

Teria dito mais, mas o avião entrara numa tempestade de verão e a turbulência súbita fê-la calar-se.

E no sul de França, Dimitri aguardava pacientemente o regresso da sua amante. Vira Roberto e Brigette a brincar na piscina. Tentara ignorar as observações hesitantes de Horace. Escutara o que o seu advogado de Paris lhe dissera ao telefone e rira estrondosamente ao saber das exigências de Francesca.

- Dê-lhe o que ela quer - disse decididamente.

E falava a sério.

Francesca ia finalmente pertencer-lhe. Pouco lhe importava quanto custasse.

Lennie encontrou, ao regressar a Los Angeles, uma Jess furibunda e um apartamento vazio. Os produtores de As Fontes também não ficaram propriamente loucos de alegria, especialmente quando se queixou acerca do guião que lhe fora enviado para Nova Iorque e lera no avião.

- É uma merda - disse Lennie.

- Vá-se lixar - disseram os produtores. - Começamos a filmar amanhã. Quer alterações? Tivesse cá estado mais cedo.

Lennie ficou a noite toda a pé a reformular o guião, tentando manter-se concentrado, pensando em Lucky.

Telefonou-lhe repetidas vezes até ela dizer:

- Isto é ridículo.

- Mesmo assim continuamos a falar.

- Tenho que ver se durmo alguma coisa - disse ela finalmente. - Dimitri chega amanhã e tenho de ter as idéias claras.

- Liga para mim - instruiu-a Lennie. - Estarei de volta do estúdio às oito, hora de Los Angeles.

Tinham planeado a estratégia a seguir. Lucky não hesitaria. Estava decidida a dizer a Dimitri, o mais depressa possível, que estava tudo terminado. Depois sairia do apartamento de Nova Iorque com Roberto e CeeCee e voltaria a fixar residência na casa de East Hampton. A partir daí, o assunto seria com os advogados.

Parecia tudo muito simples. A intuição aguda de Lucky dizia-lhe que não seria assim.

Olympia pressentiu imediatamente que havia algo de errado. Viajara o bastante de avião para se dar conta de problemas quando algum ocorria. Há demasiado tempo que se preparavam para aterrar.

Sob o bronzeado, a hospedeira sueca estava pálida e o facto não tinha nada a ver com a tempestade e a turbulência que tinham atravessado.

- Que se passa? - perguntou Olympia, agarrando-lhe no braço quando esta tentara passar apressadamente.

A mulher esboçou um sorriso forçado.

- Nada - disse, falsamente jovial.

- Não me venha com essa treta - replicou Olympia, estranhamente calma.

- É só um problema com o equipamento de aterragem.

- Que espécie de problema?

- Está preso.

- Oh, maravilhoso!

- O aeroporto de Nice já foi alertado. Mas o comandante acha que acabará por ficar bom antes de sermos obrigados a recorrer a manobras de emergência.

Por um momento, Olympia sentiu pânico, mas foi só por um momento. Olhou rapidamente para Francesca - a prima donna dormia.

- Acorde-a apenas quando tiver de ser - ordenou.

A hospedeira anuiu, visivelmente trêmula debaixo da sua impassibilidade sueca.

- Daqui a quanto tempo aterramos? - perguntou Olympia.

- Vinte minutos.

Vinte minutos para pôr o sistema de aterragem a funcionar.

E se ele não funcionasse?

Olympia recorreu à sua reserva de droga.

O avião particular de Dimitri Stanislopoulos despenhou-se às sete e quarenta e cinco da tarde de sexta-feira.

Havia nove pessoas a bordo - sete membros da tripulação e dois passageiros.

Depois de aterrar num mar de espuma, o avião capotou sobre a pista e irrompeu em chamas. Dois dos tripulantes e um dos passageiros conseguiram escapar à fornalha flamejante. Os três ficaram severamente queimados.

O resto das pessoas que seguia a bordo pereceu.

 

                 O VERÃO DE 1983

 

Carrie Berkeley sorriu para Bryant Gumbel enquanto os dois entretinham a América no Espectáculo desta Noite. Era de manhã cedo e as ruas de Nova Iorque estavam a ser varridas por uma onda de calor húmido. Mas no interior do estúdio com ar condicionado da NBC, no Centro Rockfeller, Carrie Berkeley, uma mulher de sessenta e nove anos impecavelmente preservada e cheia de estilo, e Bryant Gumbel, um dos melhores entrevistadores de televisão, trocavam palavras e olhares, criando uma atmosfera agradável.

Carrie promovia o lançamento do seu livro, escrito em conjunto com Anna Robb e que tinha por título O Livro de Beleza e Estilo de Carrie Berkeley. O livro começara já a subir para as listas dos best-sellers. A capa figurara na lista do The New York Times durante sete semanas.

Bryant Gumbel sorriu - tinha um sorriso irresistível - e deu a entrevista por terminada.

Era um jovem extremamente atraente, concluiu Carrie, o tipo de homem que teria gostado de apresentar à filha, se alguma vez tivesse tido uma.

Na Sala Verde, voltou para junto do publicista franzino que os editores lhe tinham reservado. Este era um homossexual assumido, tinha o cabelo cor de cenoura e um sorriso contagiante.

- Foi magnífica! - elogiou com entusiasmo. - Como sempre.

- Esse seria sempre o seu comentário, fizesse eu o que fizesse - provocou-o Carrie.

- Naturalmente. Não sou nenhum tolo. Deu-lhe o braço e saíram do edifício.

No exterior eram aguardados por alguns caçadores de autógrafos. Um deles apresentou a Carrie um exemplar do livro por esta escrito, com folhas dobradas a servirem de marca, para ela assinar. Carrie fê-lo, com um floreado.

Na esquina tinha uma limusina à sua espera para a levar para o seu compromisso seguinte. Carrie deixou-se afundar no couro luxuoso que forrava os assentos e maravilhou-se, tal como lhe acontecia várias vezes ao dia, diante do que a sua vida se tornara. Ela, Carrie Berkeley, era

agora uma autora publicada! com uma pequena ajuda de Anna Robb. As duas mulheres tinham-se tornado grandes amigas. Tão amigas, de facto, que Carrie permitira que Anna penetrasse nos segredos íntimos da sua vida. E durante o ano que passara tinham colaborado na biografia de Carrie, um manuscrito explosivo, recentemente completado e pronto para mostrar a um editor.

- Poderíamos tentar arranjar meio milhão de dólares de avanço dissera Anna calmamente quando se tinham encontrado da última vez.

- A tua história é dinamite.

Carrie teve dúvidas de que valesse a pena revelar a sua vida por meio milhão de dólares. Mas também era certo que-não se envolvera com o livro por uma questão de interesse monetário. Era uma história que Anna a convencera dever ser publicada. E ao ler as páginas, por vezes tão dolorosas que mal conseguia continuar, dava-se conta de que Anna tinha razão.

Até ali, ninguém soubera do livro. Nem Steve, nem sequer Fred Lester. Era um projecto que as duas mulheres tinham mantido reservado.

- Teremos de mostrar primeiro o manuscrito a Fred - disse Anna, preocupada. - Não me parece que pague o preço, no entanto cabe-lhe a opção e além disso merece ser o primeiro a vê-lo.

Carrie concordou. Tinha conhecimento da relação entre Anna e Fred Lester. Anna guardara segredo durante meses mas um dia deixara escapá-lo.

- Tens muita sorte - comentou Carrie. - Ele parece um homem óptimo.

- E é - concordou Anna.

- Achas que acabarão por casar? - perguntou Carrie, curiosa por se sentir tão deprimida.

- Não - respondeu Anna.

Depois dessa ocasião, nunca mais tinham voltado a falar da relação.

Carrie encarava com nervosismo a possibilidade de alguém ler o manuscrito de mil páginas. Estava tudo lá, impecavelmente dactilografado. A sua vida, a sua vergonha, todos os seus segredos mais íntimos.

Ah, mas o alívio que fora deitar tudo para fora - representara uma experiência catártica.

Sentia-se preocupada com a reacção que Steven iria ter. Anna salientara, com toda a razão, que Steven era um homem adulto.

- Tens de agir de acordo com o que achares justo - disse-lhe a amiga. - E Steven não tem outro remédio senão aceitar a tua decisão.

Carrie sabia que era assim. Contudo, não deixava de estar preocupada.

- Estou pronta - disse Mary Lou Moore, os enormes olhos castanhos com uma expressão determinada. - Entrarei a lutar e sairei vencedora.

- Tens a certeza absoluta? - perguntou Steven Berkeley. - Não será fácil. Eles estão verdadeiramente dispostos a arrasar contigo.

- Tenho mais que a certeza - replicou Mary Lou ferozmente.

- Então iremos a tribunal - disse Steven calmamente, satisfeito por vê-la tão decidida. - A data está fixada. Acabaram-se os adiamentos.

- E acabaram-se igualmente os depoimentos. - Mary Lou suspirou de alívio. - Detesto essas coisas. Todos aqueles advogados ramelentos a remexerem no passado de uma pessoa como larvas nojentas.

Steven riu.

Mary Lou fitou-o nos olhos.

- E o senhor também, advogado.

Steven desviou o olhar e ocupou-se de uns papéis que tinha sobre a secretária. Ultimamente Mary Lou andava a assediá-lo com olhares profundamente interessados. Ele não desejava perceber o que eles deixavam transparecer. Eles eram simplesmente advogado e cliente - apesar de ele a achar extremamente atraente. Em três anos vira-a passar de uma adolescente desajeitada para uma jovem mulher apetitosa. Fora uma transição interessante. Quando se encontraram pela primeira vez, ela não dava um passo sem a mãe, o empresário e uma série de namorados despassarados. Agora agia sozinha, tinha um agente legítimo e um empresário e nenhuma ligação visível. Ia ao seu escritório sem ser acompanhada e conduzira-se com dignidade ao longo dos passos intermináveis e entediantes que foram necessários para chegar a tribunal.

- E se almoçássemos? - convidou Mary Lou vivamente. - Devíamos celebrar, agora que vamos finalmente a tribunal, não achas?

Steven achava-a muito atraente - mas era tão nova, tinha apenas vinte anos. Além disso ele nunca concordara em misturar o trabalho com o prazer.

- Fiquei de almoçar com um cliente - mentiu em tom apologético.

- Eu sou uma cliente - salientou ela, inclinando a cabeça para o lado.

- Eu sei. E teremos muitas oportunidades de almoçar juntos quando estivermos em tribunal.

- Não posso esperar.

Quando Mary Lou saiu do seu gabinete, Steven permaneceu sentado durante alguns momentos a reflectir se haveria algo de errado em levá-la a almoçar fora.

Havia.

Porquê?

Porque ela ainda é uma criança.

Ele tinha quarenta e cinco anos, idade suficiente para ser seu pai. E ela era uma actriz, uma estrela de televisão.

E depois?

Quem sabe, depois de o caso terminar, ele a levasse a sair.

Reflectiu sobre o caso de Mary Lou durante um momento. Tinham começado por processar as Publicações Vista, uma editora reles de revistas. Mas no decurso dos depoimentos e averiguações, viera à luz que a companhia editora pertencia, na realidade, às Publicações Bonnatti, e apesar de a revista ofensiva ter sido distribuída pela Ravier, descobriu-se que esta era apenas uma subsidiária da Bonnatti. Assim, o processo era contra as Publicações Bonnatti e a Distribuidora Bonnatti. E o principal accionista de ambas as empresas era um indivíduo chamado Santino Bonnatti. E Steven sabia muita coisa acerca desse homem. Tratava-se do filho do famoso Enzio Bonnatti, a quem uma vez Steven quase prendera e levara diante de um grande júri. Mas o destino interviera e Lucky Santangelo matara o filho da puta. Pressupostamente em autodefesa.

Agora ele via-se a braços com o filho. Não seria capaz de o pôr de cana apesar de se tratar de um negociante conhecido de prostituição, droga e pornografia da Costa Ocidental; no entanto podia atingi-lo num ponto muito sensível: a carteira.

Mary Lou exigia dez milhões de dólares de indemnização. E Steven fazia tenções de não deixar escapar um tostão.

Jerry Meyerson entrou no seu escritório.

- Como vais, Steven? Acabei de receber um cancelamento. Estás livre para almoçar comigo?

- Se és tu a pagar, estou.

Foram ao Four Seasons porque Jerry estava para aí virado. E ao chegarem ao restaurante, deram de caras com Carrie, que almoçava com Anna Robb e Fred Lester. A primeira erradiava elegância e requinte.

- A tua mãe é uma mulher especialíssima - comentou Jerry com admiração, depois de se sentarem. - O que ela fez da sua vida é algo de notável.

Steven concordou. E estava satisfeito por, três anos antes, ter desistido da sua procura da identidade do pai, optando antes por se concentrar na revitalização da sua própria vida. Estava a sair-se extremamente bem. Tão bem que Jerry queria torná-lo sócio, algo em que tinha de pensar.

Voltara a viver na sua casa e a sair com várias mulheres interessantes. As coisas corriam bem.

Então por que não era feliz?

Porque bem no fundo do seu íntimo, continuava a precisar de saber quem era o pai.

E um dia havia de descobrir.

Um dia.

- Lennie! - Uma ordem aguda, queixosa. Depois mais alto. - Lenie!

Ele encontrava-se no seu estúdio mas ouviu-a. Cristo! Podia estar na praia que mesmo assim não deixaria de a ouvir.

Pegou no telefone e premiu a tecla do intercomunicador. A sua voz deixou transparecer a irritação que o dominava.

- Que é?

- Sinto-me sozinha.

- Estou a trabalhar.

- Eu sei. Mas continuo a sentir-me sozinha. Vem conversar comigo.

- Dá-me dez minutos.

Pousou o telefone e espraiou o olhar pela janela. A vista era espantosa. Luxuriantes quedas de água artificiais, folhagem tropical, palmeiras e verdura a perder de vista.

O seu estúdio era apainelado a couro, equipado com o que havia de melhor e mais recente em material de som estereofónico, gravadores vídeo e um aparelho de TV com capacidade de registar emissões de todo o mundo.

A mansão em que vivia ficava bem no alto de Bel Air. Tinha catorze quartos com as respectivas casas de banho, e salas de estar que nunca mais acabavam. Havia piscinas interiores, dois campos de tênis, uma confortável Jacuzzi com capacidade para doze pessoas e um ringue de patinagem.

Na cave estava montada uma enorme discoteca completa, cheia de espelhos, com luzes psicadélicas e uma colecção rara de álbuns de rock clássico. Numa outra sala havia duas mesas de jogo. E também um cinema privado que levava trinta pessoas.

Não que alguma vez fossem utilizados por alguém. Olympia estava com a paranóia e não queria que ninguém a visse, apesar de as cicatrizes já terem sarado há muito e de as maravilhas da cirurgia plástica lhe terem restituído a anterior beleza ao rosto. Não desejava ver as pessoas por causa do seu peso. Outrora agradavelmente roliça, Olympia Stanislopoulos pesava agora mais de noventa quilos. Era uma herdeira loira, gorda, mal humorada e rica, que escondia as banhas debaixo de cafetãs largas, prometia a Lennie que faria dieta e mandava uma das criadas buscar, à sucapa, bolos de chocolate a doces desde Godiva a See - de facto, tudo o que fosse doce e a que pudesse deitar a mão.

- Lennie! -guinchou novamente.

Lennie levantou-se com relutância e foi procurá-la.

Olympia encontrava-se na cozinha a olhar sombriamente para o interior de um frigorífico prodigamente fornecido. Ao lado, a criada aguardava.

- Nunca há nada de decente para comer aqui - queixou-se Olympia.

- Almoçámos há uma hora atrás - observou Lennie.

- Chamas a cenouras e aipo almoço? - troçou ela. - Já ouvi falar de dietas mas isto é ridículo.

- Devias ir para uma clínica - lembrou Lennie. - Seria muito mais fácil para ti.

Os olhinhos azuis de Olympia eram perfurantes e vingativos.

- E para ti, não é? Despachavas a mulher para uma quinta de gordos enquanto te divertias à grande.

Lá vinha a mesma história. A discussão do costume. Quanto tempo conseguiria ele agüentar aquela merda?

- Não percebo porque continuas a não aceitar a realidade - disse calmamente. - A única maneira de te livrares desse peso é recorreres a ajuda profissional.

- Vai-te lixar - retorquiu-lhe Olympia com maus modos. - A ti só te interessa que eu me afaste para tu poderes transformar esta casa na Cidade da Depravação.

Ela nunca o apanhara em flagrante. Mas desconfiava de cada passo que o marido dava. E com toda a razão. O celibato não era para ele. Ir para a cama com outras era uma maneira de disfarçar a mágoa.

Que poderia ele fazer? A notícia da queda do avião, ocorrida três anos antes, ainda lhe reverberava na cabeça. Um telefonema urgente. Uma voz pesarosa. Fragmentos do que se passara. "A sua mulher... um inferno terrível... Francesca Fern morreu... uma tragédia..."

A princípio pensara que Olympia também perecera. Mas não. Sobrevivera e estava em coma. Severamente queimada. Na unidade de cuidados intensivos. Arranjaram-lhe imediatamente uma reserva num avião. Pouco depois encontrava-se de volta à Europa, ficando ao lado da cama de hospital onde a mulher jazia.

Olympia. com o cabelo louro rapado, um dos lados da cara e o braço direito reduzidos a uma massa de queimaduras horrendas.

- Ela viverá - assegurou-lhe um dos médicos. - Mas tem de ter desejo para tal.

Dimitri aparecera no hospital acompanhado de Lucky. Vinha pálido e esvaído, com uma expressão estranha no rosto-uma espécie de loucura latente, prestes a explodir.

Lucky escondia-se atrás de enormes óculos escuros que lhe ocultavam completamente os olhos. Enquanto Dimitri se detinha ao lado da cama da filha, ele conseguira falar com ela à parte.

- Temos de conversar- disse ele em tom urgente, agarrando-lhe no braço.

Lucky não tirou os óculos. Disse em tom inexpressivo:

- Agora as coisas são diferentes.

- É só um recuo temporário... - principiou Lennie. Lucky interrompeu-o rudemente.

- Não. É o destino. Não fomos feitos para estar um com o outro. Eu sabia que o que tínhamos era demasiado especial para durar.

- Quando Olympia sair do hospital...

A voz dela soava desprovida de emoção.

- Ela irá precisar de ti - disse secamente. -E tens de ficar com ela para a ajudares.

- Lucky...

- Não se trata só de Olympia - continuou Lucky calmamente. Dimitri também precisa de mim. Para dizer a verdade... -uma pausa imperceptível - ele não me deixará partir.

Não puderam continuar a falar e, pouco depois, ela e Dimitri retiravam-se. O pai preocupado não tencionava, obviamente, ficar por ali.

Lennie ficara furioso. A visita de Dimitri não parecera passar de pura cortesia. Ele não se importaria com a própria filha?

Quanto à situação com Lucky... bem, havia que dar tempo ao tempo. Assim que Olympia saísse do hospital e Dimitri se recuperasse do choque... tudo correria bem. Lennie decidiu, relutantemente, ficar junto de Olympia, pelo menos durante algum tempo. Casara com a rapariga, não era agora que ia abandoná-la.

Passava os dias no hospital, testemunhando a sua agonia insuportável. Na América, os produtores do seu espectáculo de televisão pediam o seu regresso imediato, caso contrário, levaria um processo.

- Esquece - disse a Jess pelo telefone. - Neste momento nem pensar em deixá-la.

Jess foi tentar convencê-lo pessoalmente de que estava a cometer um suicídio profissional. Foi brutalmente franca.

- Tu não a amas - salientou. - E não precisas do dinheiro dela. Portanto o que diabo estás a fazer aqui?

Lennie fitou-a prolongada e duramente.

- Porque ela está em coma e não tem mais ninguém - explicou.

- Não tenciono deixá-la entregue ao abandono. Não contes com isso da minha parte.

Jess anuiu. Compreendia. Era mostrar a Lennie alguém em apuros para ele ir logo a correr. Fora sempre assim.

Dimitri não voltou a visitar a filha. Segundo um dos seus empregados, retirara-se para a sua ilha, onde ficara em reclusão, pranteando Francesca Fern.

- Onde está Lucky? - perguntara Lennie, tentando manter uma entoação indiferente.

-Está com ele - respondera o homem. Está com ele.

As palavras não paravam de soar na cabeça de Lennie.

Estaria com ele em todos os sentidos? Os lábios de ambos tocar-se-iam? Fariam amor? Está com ele.

E por que não? Ele estava com Olympia.

Oh, Deus! Tanto ele como Lucky andavam preocupados com obras de caridade quando o que deviam fazer era estar juntos. Não era justo.

Passadas várias semanas, Olympia saiu do estado de coma. A primeira coisa que fez foi ver-se ao espelho. Ao fazê-lo, os seus gritos puderam ouvir-se por todo o hospital. Lennie esforçou-se por reconfortá-la. Tinha apenas uma das faces queimadas - a outra mantinha-se perfeita.

- Falei com os médicos - disse-lhe em tom confidencial. - com cirurgia plástica, enxertos de pele, ficas como nova.

- Grande estúpido - gritou Olympia, com as lágrimas a escorrerem-lhe pela cara. - Que é que tu sabes?

Lennie ainda pensou em partir. Mas ela era sua mulher e tudo indicava que só o tinha a ele - mais ninguém.

- Arranja-me um bocado de coca - pediu Olympia no dia seguinte.

- Estás maluca - replicou ele. - Andas a tomar toda a espécie de medicamentos. Queres dar cabo de ti?

- Não me importo - replicou ela inexpressivamente. - Talvez acabe por fazê-lo.

Dimitri continuava sem aparecer, embora enviasse flores diariamente e uma das suas secretárias particulares fosse inteirar-se pessoalmente da evolução do estado da filha.

-Onde está Dimitri? - perguntou Lennie iradamente.

- Mister Stanislopoulos não está bem - replicou a secretária em voz discreta. - Não pode abandonar a sua ilha.

- Que se passa com ele?

-Não estou autorizada a divulgar essa informação - respondeu a secretária altivamente.

No entanto divulgou que tanto a mulher como o filho se encontravam com ele.

Lucky voltara indiscutivelmente para Dimitri.

Lennie caiu em depressão. Tentou ligar para a ilha mas Lucky nunca estava contactável nem lhe respondia às chamadas.

Passou-se mais uma semana. Charlotte, a mãe de Olympia, apareceu, já o dia se aproximava do fim. Chegou de Nova Iorque, uma mulher tensa, bem vestida e de expressão rígida.

- Teria vindo antes - explicou aereamente -, mas foi-me completamente impossível.

"Porquê?" teve Lennie vontade de perguntar. "Quem está ali estendida é a sua filha, sua cabra insensível. Por que foi impossível? "

Charlotte ficou vinte e quatro horas.

- Quero ver Flash - murmurou Olympia um dia. - Tem mandado flores? Tem telefonado?

As flores eram em grande fartura, demasiadas para poderem ser arranjadas. Os cartões eram guardados numa caixa e a secretária de Dimitri dactilografava os bilhetes de agradecimento. Lennie perguntou à mulher se Flash enviara alguma coisa. Não sentia ciúmes, apenas alívio diante da possibilidade de haver uma saída.

- Não - replicou a secretária depois de consultar a lista de nomes que assentara numa agenda forrada a couro.

Lennie localizou a estrela do rock e telefonou-lhe.

- Olympia quer vê-lo - disse, esperando que Flash se mostrasse exultante com a oportunidade, facilitando-lhe, desse modo, a tarefa.

- Escuta, pá - confidenciou-lhe Flash-, isso são águas passadas, a tipa é demasiado ricaça para os meus gostos. Espero que se ponha boa e isso tudo, mas nunca foi nada de especial.

Olympia jurou que Lennie os mantinha separados.

Até que chegou o dia em que teve alta do hospital. Fora planeada uma série de operações, as quais, porém, não podiam realizar-se imediatamente pois a pele de Olympia teria primeiro de sarar.

- Levar-te-ei para a ilha do teu pai - sugeriu Lennie, com a idéia de ver Lucky.

- Não - replicou Olympia rapidamente, perfeitamente ciente da falta de cuidados manifestada por Dimitri. - Quero ir para a Califórnia.

Acabara de saber que Flash comprara uma casa lá e estava decidida a vê-lo. Sem dar conhecimento a Lennie, comprou a mansão de Bel Air por dez milhões de dólares, pelo telefone. Só lho disse quando chegaram.

Uma vez de volta à América, Lennie não sabia que fazer. Planeara ficar com Olympia até esta sair do hospital mas deixá-la naquela altura parecia uma crueldade. Havia ocasiões em que ela estava bem. Nem tudo eram gritos e impropérios. Portanto, por muito que desejasse dizer-lhe que estava tudo terminado, havia alturas para tudo e aquela não era a indicada. Quem sabe depois da primeira operação, quando ela começasse novamente a parecer normal e a recuperar a autoconfiança.

Os produtores da sua série na TV tinham-lhe movido processos pedindo indemnizações de milhões.

A Rolling Stone publicara a história em que estivera a trabalhar. Fê-lo aparecer como o egomaníaco do ano.

Jess deixou finalmente de o aborrecer a perguntar quando é que ele regressava ao trabalho.

Alice andava a dar entrevistas extravagantes a quem quer que lhas pedisse. Era acrescentar nabo do ano à lista dos seus atributos, já que era o que ela o fazia parecer.

Olympia e ele mudaram-se para a casa levando consigo um batalhão de criados. Pouco depois, Brigette e a preceptora Mabel chegavam para as férias de Natal.

- Mama, estás tão feia! - comentou Brigette impertinentemente.

- Não consigo olhar para ti.

Mal o Natal passou, foram enviadas para junto do avô, que continuava fechado na sua ilha.

- Detesto aquela criança - queixou-se Olympia amargamente,

- Tenciono vê-la o menos possível.

De manhã cedo, alguns dias depois de Brigette partir, Olympia mandou vir o carro e o motorista e ausentou-se misteriosamente, o rosto oculto por um lenço enorme.

Quando Lennie soube, ficou radiante. Era a primeira vez que ela saía de casa. Já não ficou tão radiante quando, uma hora depois, ela regressou a casa, histérica. Não chegou a informá-lo do que se passara mas ele não tardou em saber que ela fora ver Flash e que a estrela do rock, depois de lhe deitar um olhar, dissera "raios me partam! Sem ofensa, amor, mas eu cá não consigo agüentar caras desfiguradas. Dão-me voltas ao estômago, percebes?"

Lennie soubera do acontecido através do empresário de Flash, que telefonara a pedir-lhe que mantivesse Olympia afastada da vida do seu cliente.

- Diga ao medroso do seu cliente para se ir foder! -ripostara Lennie furibundo, atirando com o telefone.

Pouco depois, Olympia começou a apegar-se a ele, o que ainda não acontecera anteriormente. E queria sexo - questão que nunca mais voltara a pôr-se depois do acidente.

Lennie tentou mas o nível do seu desejo era nulo.

Olympia mostrou-se surpreendentemente compreensiva. De facto, deitava as culpas para o aspecto que tinha.

Lennie não tinha desculpas para apresentar excepto aquela que não lhe podia dizer: Lucky ocupava-lhe a cabeça, o coração, todo o ser. Era a única mulher que alguma vez desejara. E agora, devido ao trágico conjunto de circunstâncias, estavam separados.

Certa vez tentara entrar em contacto com ela, mas fora em vão. Era óbvio que o evitava. Ele sentia-se zangado e vítima de rejeição. Também tinha a noção de estar encurralado. E de estar prestes a enlouquecer.

Chegara a altura de regressar ao trabalho, mas Jess informou-o de que as ofertas eram escassas. Anteriormente tão requisitado, naquele momento mal se lembravam dele. A publicidade negativa e um processo judicial não ajudavam.

Lennie andara a acalentar a idéia de escrever o guião de um filme.

- Talvez consigamos arranjar financiamento e produzimo-lo nós próprios - sugeriu a Jess.

- Por que não dizes à tua mulher para entrar com o dinheiro? replicou Jess asperamente. -Ela compra-te tudo de quanto precisas.

Era verdade. Olympia ficava o dia inteiro sentada numa cadeira e agarrada ao telefone, a mandar vir coisas. Até ali comprara-lhe um Mercedes, um Porsche, um ginásio portátil, legiões de aparelhos electrónicos, um barco, gravadores, livros, roupas. Ela transformara-se numa adoradora de catálogos. Encomendava e comia, comia e encomendava. E assim passava os dias.

A primeira operação ao rosto foi um sucesso. Ela e Lennie foram de avião até ao Brasil, onde Olympia passou várias semanas numa clínica privada, a ser atendida pelos melhores cirurgiões plásticos do mundo. Lennie ficou sempre a seu lado. Trabalhava no seu guião e visitava-a diariamente. Ela precisava de todo o apoio de que pudesse dispor.

Dimitri mandou uma loja de flores. Já quase há um ano que Olympia não via o pai.

Já quase há um ano que Lennie não via Lucky, embora ainda continuasse a pensar nela constantemente. Ela, ao que tudo indicava, não lhe ligava nenhuma - caso contrário teria tentado contactá-lo, tal como ele fizera com ela. Sentia uma tristeza profunda, no entanto continuava a recusar-se a pensar que estava tudo terminado.

Quando Olympia recebeu alta para voltar para casa, ia consideravelmente mais bem humorada. Continuava a engordar mas o facto não parecia preocupá-la. Passava horas a examinar o rosto ao espelho e à espera do dia em que o veria completamente recuperado.

Lennie terminou o seu guião e entregou-o a Jess.

- Aí tens o que eu quero fazer - disse. - Acabaram-se os clubes e a televisão. E não, não peço à minha mulher para entrar com o dinheiro.

Jess ergueu uma sobrancelha com cinismo. Lennie era um cômico, uma estrela de televisão. Ninguém lhe financiaria um filme de ânimo leve. Depois de ler o guião, mudou de idéias. Era uma comédia hilariante sobre o crime chamada Detective Privado, com todos os ingredientes necessários para se tornar uma fita excelente.

Jess começou a procurar financiador e todos os estúdios lhe deram uma resposta negativa. Numa festa, conheceu um produtor chamado Ryder Wheeler. Este alcançara recentemente um êxito razoável com um filme de orçamento reduzido com o cantor Vitos Felicidade. Falou-lhe do projecto de Lennie e ele mostrou-se interessado. Jess mandou-lhe o guião e passadas três semanas o contrato era assinado.

O resto era história. Detective Particular foi o filme de maior sucesso financeiro de 1981. E Lennie tornou-se instantaneamente numa estrela de cinema, com um contrato magnânimo de um dos estúdios mais importantes, para escrever, produzir e actuar em mais três filmes.

Ele agora era, em termos profissionais, o homem mais pretendido no meio.

Mas pessoalmente a sua vida era um vazio.

Há três anos que o era.

As noites de inauguração sempre tinham apavorado Lucky, e aquela iria ser a segunda que vivia. A primeira fora o Hotel Magiriano, em 1975, oito anos antes. Se fechasse os olhos, ainda era capaz de recordar a sensação. Uma expectativa sufocante. Uma excitação louca. Era como ter um tigre preso pela cauda e à espera de a largar. Ah... a viagem... a altura inacreditável...

E agora o Hotel Santangelo, em Atlantic City, estava pronto para ser inaugurado. Sentia-se ansiosa.

Iniciou lentamente o ritual dos preparativos. Um duche prolongado e quente, que mudou para frio no fim. O latejar provocado pela água fria na pele era quase uma sensação sexual. E depois a luxúria de toalhões de banho felpudos e gigantescos, toalhas especialmente feitas para o Hotel Magiriano em cores maravilhosas que combinavam com os quartos de banho específicos a que se destinavam. Os entediantes roupões brancos de banho não eram do gosto de Lucky Santangelo. No seu hotel, os roupões de banho eram feitos de seda em Hong-Kong e oferecidos aos hóspedes de presente, sem serem acrescentados às contas.

Depois do duche, envergando uma camisa de seda cor de canela, sentou-se diante do seu toucador e aplicou a maquilhagem. Normalmente não a usava mas numa noite como aquela, sentia vontade de se arranjar a preceito. Sombra dourada para os olhos, lápis de kols preto, blusher acobreado e brilho sensual nos lábios.

Aos trinta e três anos, tinha uma aparência sensacional. Os anos apenas tinham servido para lhe acentuar a beleza morena e exótica - tornando-a mais intrigante e misteriosa. O esplendor da sua beleza era erótico e invulgar.

Despiu a camisa e, completamente nua, envergou um vestido comprido feito de cetim negro, pele de cobra e renda. O tecido colava-se-lhe ao corpo como uma segunda pele, fazendo-lhe sobressair todas as curvas do corpo flexível e afundando provocantemente entre os seios.

O estilo do seu cabelo era sempre o mesmo. Caracóis negros de azeviche, densos e brilhantes caídos pela altura dos ombros.

Satisfeita com a sua aparência, acrescentou o seu alfinete de peito preferido em forma de pantera, pendentes de diamantes nas orelhas e braceletes a fazer conjunto com os brincos. No dedo anelar da mão direita exibia um enorme diamante em formato de pera. Dimitri enchia-a de presentes. Era a sua maneira de dizer "obrigado".

Obrigado por quê?

Três anos antes, Francesca Fern perecera num acidente de avião. Dimitri nunca mais recuperara. Agradecia a Lucky o ter ficado com ele, permanecendo sua mulher, e por lhe dar a única razão para ficar vivo Roberto, seu filho.

Lucky fitou pensativamente a sua imagem reflectida na parede espelhada do seu apartamento de topo no Santangelo. Sabia que quando as pessoas olhassem para ela, veriam uma mulher forte, confiante e sexy. O que não veriam seria o coração destroçado por baixo daquela aparência. Nunca conseguira esquecer Lennie. E nunca deveria permitir-se cair novamente nas garras letais do amor.

Primeiro fora Marco...

Depois Lennie... Ambos apanhados por circunstâncias alheias ao seu controlo.

Muitas vezes interrogava-se sobre os seus sentimentos. A princípio ele tentara constantemente contactar com ela. Telefonemas, recados, até mesmo uma carta a insistir para que falassem.

Ele não compreenderia? O acidente do avião representara um aviso. Se ela voltasse a vê-lo novamente, algo de terrível aconteceria. Tinha a certeza.

Respirou fundo e ficou pronta para descer. Passou a língua pelos lábios, ergueu a cabeça e encaminhou-se para o seu elevador particular.

- É realmente algo de especial - disse Costa.

- Estupendo! - exclamou a esposa de Costa.

- Um feito - concedeu Gino.

À espera de Lucky no bar Art Deco, as posições dos dois tinham-se invertido. Costa casara e Gino divorciara-se.

A mulher de Costa era uma corista reformada de quarenta anos. Chamava-se Ria e adorava jardinagem e bridge. Tinham-se conhecido num clube de bridge de Miami um ano antes e a simpatia mútua foi instantânea; e apesar dos trinta e cinco anos de diferença de idade, juntaram os trapinhos. Ria não escondia o seu passado e Costa não parecia importar-se com o mesmo. Viveram juntos durante algum tempo e, de repente, quando Ria engravidou inesperadamente. Costa agiu como um verdadeiro cavalheiro e casou com ela, apesar de não estar cem por cento seguro de que o bebê fosse seu. Ela confessara uma aventura breve com um amor antigo. Costa vivera trinta anos maravilhosos com a primeira mulher mas, para sua tristeza, não tivera filhos. Pouco lhe importava a paternidade da criança. Aos setenta e cinco anos ia tornar-se pai pela primeira vez e sentia-se o homem mais feliz do mundo.

A princípio, Gino mostrara-se profundamente cínico. Lucky também. Mas depois de conhecerem Ria, ambos mudaram de idéia. A ex-corista dava mostras de adorar Costa, e além disso, prometera-lhe fidelidade dali em diante.

Gino consultou o seu relógio.

- Onde está Lucky? -perguntou. - Não vim de Las Vegas para ficar aqui sem fazer nada.

- Tem paciência - admoestou Costa. - É a sua grande noite. -J Suspirou com nostalgia. - Ah... como me lembro da inauguração do Magiriano... Que noite!

- É verdade. Comigo preso em Israel - queixou-se Gino. - O parvalhão do ano!

Agora estava divorciado.

Susan pedira-lhe couro e cabelo.

E tudo o mais a que pôde deitar as mãos.

Lei da Califórnia.

A lei da Califórnia que fosse às malvas!

Ele é que a apanhara a ela em flagrante - e ela é que lhe fizera exigências no valor de um milhão de dólares. Grande pega armada a grande dama. As tipas apanhavam sempre tudo. Ele nunca esqueceria a expressão que lhes viu nos rostos quando as

apanhara em flagrante. Susan e Paige. Sua mulher e sua amante. Duas rameiras ordinárias. Nunca o admitiria mas o certo era que sentia saudades de Paige. Essa

é que fora a verdadeira desilusão. Naturalmente, nunca mais voltara a falar-lhe.

- Lá vem ela - disse Costa com admiração. - E olhem-me para aquele aspecto!

- Estupendo! - disse Ria com um suspiro.

Era mesmo. Gino não podia deixar de o admitir. A sua filha era um perfeito espectáculo.

Brigette Stanislopoulos tirou os rolos aquecidos do longo cabelo louro. Tinha catorze anos mas podia facilmente passar por dezoito ou dezanove. As pessoas diziam-lho constantemente. Pessoas que a assediavam loucamente, o que lhe proporcionava um prazer imenso.

Brigette freqüentava agora um colégio na Suíça. MEvier, um rigoroso internato para meninas, de onde tanto a sua mãe, a chata e gorda da Olympia, e a mulher do pai, Lucky, a quem ela aprendera a adorar, tinham sido expulsas. Havia ocasiões em que Brigette sentia curiosidade em saber porque razão a mãe a enviara para ali. Até que percebera - ficava mais longe e facilitava as coisas.

Também descobrira, tal como sua mãe anteriormente, maneira de sair do colégio depois da hora da recolha. Tão simples. Centenas de meninas ricas tinham seguido o caminho da liberdade até à aldeia mais próxima. O nome da jogada era nunca serem apanhadas.

Brigette era capaz de jogar com perícia. E não precisava de qualquer ajuda. Não tinha vontade de acamaradar com nenhuma das outras raparigas; não passavam todas de umas criancinhas estúpidas, enquanto que Brigette gostava de se considerar uma mulher sofisticada e experiente. No fim de contas, já tinha uma certa vivência. Seu avô era um dos homens mais ricos do mundo. Sua mãe era uma herdeira famosa (gorda, infelizmente). E o padrasto era um astro de cinema. Ela gostava de Lennie, apesar de raramente o ver. A maior parte das suas férias eram passadas na ilha do avô.

Tinha um pedigree de respeito e não se importava de se vangloriar acerca do facto. E um temperamento - razão pela qual as pessoas não se davam ao cuidado de tentar fazer amizade com ela. com excepção dos rapazes da aldeia. Estes não se importavam com o seu mau gênio desde que ela lhes permitisse liberdades que as outras raparigas não estavam preparadas para facultar.

Brigette Stanislopoulos nunca fora até ao fim.

Mas tencionava fazê-lo.

Em breve. Assim que encontrasse o rapaz certo.

Brigette sorriu de si para si. Era notavelmente bonita. Tinha todos os traços belos da mãe e nenhum dos feios. Possuía seios óptimos. Grandes. Os rapazes adoravam-nos grandes e ela adorava tê-los. "Brincar às tetas", como ela chamava às carícias às mesmas, a sua parte do sexo preferida. A menos favorita era sugar a "coisa" dos rapazes. Embora o fizesse. Não podia escapar. Eles adoravam taaanto aquilo. E quando tinha um rapaz na sua boca, este ficava sob o seu feitiço. Era uma coisa que interessava saber para a vida.

Brigette alisou o corpete do vestido branco que Lucky lhe comprara especialmente para a inauguração do Santangelo. Para vestido não estava mal. Não era espectacular mas possuía um certo requinte juvenil. Teria preferido algo preto e provocante. O preto era a sua cor ideal. Especialmente com cabelos louros.

Os rapazes adoravam cabelos louros compridos. Adoravam passar as mãos por ele, enrolá-lo nas suas "coisas". Gostavam de se vir no seu cabelo. Que horror! Às vezes os rapazes eram criaturas nojentas.

Brigette interrogava-se muitas vezes sobre o que Lennie faria a Olympia na cama.

Depois tinha o mesmo tipo de curiosidade em relação a Dimitri e a Lucky.

Provavelmente o avô não fazia nada. Era demasiado velho. A "coisa" dele já devia ter mirrado e caído.

Seria o que acontecia? Decidiu perguntar a alguém. Embora quem pudesse saber? Afinal de contas não se tratava de algo que uma pessoa pudesse procurar em livros sobre a matéria. Em que título viria a questão? Pénis, o declínio de.

Riu alto e esperou que Lucky não tivesse nada a dizer sobre a sua maquilhagem. Abusara um bocado, mas adorava taaanto maquilhar-se.

Lucky caminhou regiamente em direcção ao pai. Movia-se como um leopardo - graciosamente, com passada segura e perigosa.

- Filha! -exclamou Gino, levantando-se para a cumprimentar.

- Velhote! - respondeu Lucky, sorrindo.

- Basta de ditos espirituosos. Riram e abraçaram-se.

- Estou orgulhoso de ti, filha - murmurou-lhe ele ao ouvido.

- Não foi fácil - replicou ela.

- Nada que valha a pena o é. Que lugar comum. Mas verdadeiro.

Lennie veio-lhe à idéia. Vira Detective Particular quatro vezes e o filme que se lhe seguira, Pedaço de Classe, três.

Tortura da mais refinada. Só de o ver no ecrã sentia o corpo a ansiar o seu contacto. Felizmente nunca mais o vira pessoalmente. Ele ficara na Califórnia com Olympia. Continuavam casados. Afinal de contas as coisas deviam ter resultado.

"Sim, e tu continuas casada com Dimitri", lembrou-lhe uma voz interior. "O teu casamento resultou? "

Nããão, apeteceu-lhe gritar. Ela casara com um recluso. Dimitr era uma pobre sombra do homem que outrora fora. Vivia em luto por Francesca. Não tinha intenção nem desejo de voltar a sair da sua ilha.

Durante algum tempo, Lucky consolou-o. Por que não? Estava velho e sozinho e só a presença de Roberto o fazia passar cada dia. A certa altura ela anunciara-lhe que tinha de avançar com o seu projecto. Os planos para o seu hotel estavam prontos e ela desejava pô-los em prática.

- Podes ir - declarou Dimitri. - Mas nunca permitirei que leves Roberto. Nunca.

- Posso levá-lo sempre que quiser - retorquira Lucky iradamente. O sorriso de Dimitri era uma máscara mortal.

- Experimenta e perderás. Não haverá nenhum hotel e podes crer no que te digo, Lucky, arranjarei maneira de nunca mais voltares a ver Roberto. - Fez uma pausa. - Tu podes ir e vir quando te apetecer. Podes construir o teu hotel, viajar, fazeres o que muito bem entenderes. Mas tens de deixar Roberto aqui comigo. Ele é meu filho até eu morrer. Depois passa a ser teu filho. Roberto herdará tudo.

Dimitri não era homem para fazer ameaças vãs. Lucky reflectiu sobre o que ele dissera e chegou à conclusão de que, se decidisse levar o filho, travar-se-ia uma batalha medonha. E uma batalha pelo quê? Se ela tinha liberdade para se movimentar à sua vontade, por que não deixar Roberto com Dimitri? Ele estava a salvo, ali na ilha com o pai - já que as ameaças de rapto eram freqüentes. E era indiscutivelmente feliz. Tinha CeeCee para velar por ele e esta adorava-o quase tanto quanto ela mesma.

Depois de muito pensar no assunto, decidiu aceitar a proposta de Dimitri. Dividiria a sua vida. Passaria parte do tempo na ilha e a outra parte em Atlantic City a construir o seu hotel. Não havia razão para não ter aceite. Lennie estava com Olympia. E se ela não podia ter Lennie, não desejava mais ninguém. As relações tinham acabado. Gostar, necessitar, amar - tudo isso eram águas passadas.

Talvez um encontro ocasional de uma noite, se tal desejasse. Nada de compromissos. Nada de pessoal. Apenas sexo.

-Fizeste um trabalho magnífico, minha querida! -elogiou Costa, levantando-se igualmente para a cumprimentar.

- Sim, é inacreditavelmente estupendo! - observou Ria. "estupendo" era a sua palavra preferida.

Lucky imaginava Ria nos seus tempos de prostituta. Provavelmente dizia aos seus clientes coisas como, "que material estupendo você tem! "

Imaginem o velho Costa casado com uma ex-mulher da vida.

Lucky controlou a vontade de rir e disse:

- Ainda bem que todos gostam.

Tentou não acalentar pensamentos maldosos em relação a Ria pois não restavam dúvidas de que esta fizera a felicidade do tio Costa. Gino, depois de se divorciar de Susan, regressara a Las Vegas e aos seus hábitos antigos. Não que Lucky o visse muitas vezes. Fora visitá-lo àquela cidade várias vezes e ele fora à ilha em três ocasiões, para ver o neto. Duas das vezes fora sozinho e na outra levara consigo uma starlet de vinte e cinco anos que só sabia falar da sua carreira e do momento de verdadeira fama que atingira ao sair nas páginas centrais de uma revista masculina idiota qualquer.

- Por favor - dissera-lhe Lucky -, descobre outra Susan. Mas não me submetas a mais uma dessas mulheres.

Gino sorrira. Que sorriso!

- Ei, miúda, pensei que detestavas Susan.

- E detestava - concordara Lucky. - De quem eu gostava era de Paige. Que foi que lhe aconteceu?

- A tipa era uma fraude - resmungou Gino. Não procedeu a mais explicações.

Lucky achava que o facto de ter construído o Santangelo sozinha, sem ter recorrido à ajuda de Gino, resolvera finalmente o diferendo existente nas suas relações com o pai. Ela adorava-o até mais não, no entanto deixara de considerar a sua aprovação como o facto mais importante do mundo.

Gino vivia em Las Vegas.

Ela vivia entre Atlantic City e a ilha de Dimitri.

Teria sido fácil voltar para ele quando o seu casamento falhara ou quando se lhe tinham deparado todos aqueles problemas aquando da construção do seu hotel. Tinham sido problemas importantes. Ela não o podia provar mas o certo era que alguém lhe tornara as coisas muito difíceis. Fora uma longa batalha contra a maré, com dificuldades sindicais, greves, piquetes de greve, lutas e problemas constantes.

Ao proceder a investigações sobre o assunto, o nome de Santino Bonnatti foi constantemente referido.

Ah... Santino... Fazia muito tempo, tinham sido amigos superficiais, Até que ela fora obrigada a matar Enzio Bonnatti, o pai dele; a partir dessa altura soubera que Santino esperava, de atalaia, como uma cobra venenosa, para atacar e desferir a sua vingança.

Assim que soube que Santino andava a sabotar-lhe os trabalhos do Santangelo, actuou.

Um telefonema. Sem Gino a apoiá-la.

Um encontro com um homem muito idoso, em Nova Iorque.

Um simples pedido.

Após isso, os problemas tinham cessado.

Ela estivera disposta a dar mais um passo em frente, se de tal visse necessidade. Mas Santino era basicamente um cobarde - conhecia-o bem. Quando recebera instruções para largar a presa, fizera-o rapidamente.

Gino olhou em volta, uma expressão de admiração e orgulho nos olhos.

- Realmente conseguiste, miúda - disse afectuosamente. - Este lugar é espectacular. Faz com que o Magiriano pareça uma casa de banho.

Lucky riu, bem disposta.

- Nem por isso. - Deu o braço ao pai. - Ei, vamos para a festa. Apetece-me divertir-me com o meu velhote.

- Corta o "velhote", rapariga. -Como queiras.

O sol entrava a rodos pelas enormes janelas espelhadas da casa de Blue Jay Way, mas Éden Antônio não se deu ao cuidado de se levantar da cama de tamanho gigante que ocupava. Deitada debaixo de lençóis estampados, amaldiçoava silenciosamente Santino Bonnatti. Ele dera-lhe cabo da vida.

Oh, Deus! Em primeiro lugar nunca devia tê-lo engatado. Um olhar para o pervertido peludo e careca devia ter sido o suficiente para a alertar. Ele era escumalha, da mais reles. E vinha-a arrastando firmemente, ano após ano, para o nível dele. Por que não percebera logo desde o princípio!

O tipo de homem malvado que ele era? Ela não era nenhuma tola, já vivera bastante. E no entanto, Santino Bonnatti enganara-a bem. Deixara-a acreditar que ela é que tinha a última palavra a dizer e que, com a continuação, ele acabaria por lhe fazer sempre a vontade.

A verdade era que Santino é que mandava. Fora sempre assim.

Ela sabia, sem a menor dúvida, que devia tê-lo largado há muito pois o homem fora piorando progressivamente. Ao ver que ele não cumpria a promessa feita de a tornar estrela no filme financiado para Vitos Felicidade, devia ter tomado imediatas providências.

Mas não. Limitara-se a ficar na sua casa de Blue Jay Way, guardada por Zeko, o babuíno, e fazendo as vontades todas a Santino. Quando finalmente reunira coragem suficiente para romper, ele recusara-se a deixá-la partir. "Só irás quando eu te der o estupor da autorização p'ra isso", dissera-lhe ele agoirentamente. "E não te preocupes, eu te direi em que dia é que isso acontecerá. Só não contes que seja tão cedo."

Até ali, o momento ainda não chegara. Ela era fraca e ele sabia. Quanto mais tempo adiasse a sua fuga, mais difícil esta seria. E os anos começavam a passar...

Virou-se, debaixo dos lençóis, e ficou de barriga para baixo. Se contasse a alguém o que se passava, não acreditariam. Ninguém acreditaria que em Los Angeles, em 1983, uma mulher podia ser mantida como prisioneira sexual por alguém como Santino Bonnatti.

Claro, ela podia ir à polícia mal lhe surgisse uma oportunidade, o que nunca acontecia porque Zeko guardava-a permanentemente. E mesmo que apresentasse queixa, de que lhe servia? Não tinha provas em como Santino a ameaçava todo o tempo, obrigando-a a fazer coisas que considerava obscenas e repulsivas, jurando que lhe daria cabo do rosto se alguma vez o abandonasse.

- E quanto à minha carreira? - perguntava ela o maior número de vezes possível. - Prometeste-me um filme. Sabes que prometeste.

Ele deixou a isca pender, sem nunca a retirar completamente.

- Tens de ter o papel certo - prometeu-lhe. - Quando ele aparecer, é teu, coisinha fofa.

O papel certo não existira na versão final do guião do filme de Felicidade. O par amoroso fora completado com outra actriz conhecida. A seguir, Santino investira dinheiro em Detective Particular, o primeiro filme de Lennie Golden. Éden vira o guião e tivera a certeza de que o papel feminino seria para ela.

- Quero fazê-lo - dissera a Santino ofegante.

Deus! Se ela conseguisse chegar junto de Lennie e contar-lhe o que lhe estava a acontecer, tinha a certeza de que ele a ajudaria.

- Não tenho nada a ver com este - disse-lhe Santino secamente.

- Só entro coa maldita da massa porque me cheira que vai dar bom dinheiro.

Tinha razão. Detective Particular bateu recordes. Lennie Golden ascendeu ao estrelato. Éden nem sequer chegou a ir à estreia. Santino levou a mulher, enquanto ela ficava em casa a ver televisão, com Zeko a um canto a esgravatar no nariz.

Em que ratoeira horrível fora apanhada. Vivia numa casa linda. Tinha roupas maravilhosas pois Santino, quando a levava a sair, queria que ela deixasse os amigos dele de olhos arregalados. E que mais?

Mais nada.

A sua vida era um nada.

Ela era um nada.

Agitada, afastou os lençóis com movimentos bruscos dos pés. Um jardineiro mexicano que trabalhava na folhagem do lado de fora, por pouco não deixou cair a mangueira.

Pegou no telefone. Sabia que Santino lhe controlava as chamadas mas dera-lhe licença para ter uma ou duas raparigas amigas, com quem almoçava de tempos a tempos. Ulla e Paige Wheeler - esta não exactamente uma rapariga, mas, não obstante, uma amiga compreensiva. Sentia-se tentada a contar tudo a Paige, na esperança de esta a poder ajudar.

Claro. Ela podia mesmo ajudar quando Éden fosse parar ao hospital com o rosto todo cortado e a sua beleza perdida para sempre.

- Mais depressa - ordenou Santino ao motorista, enquanto aceleravam pela auto-estrada fora, em direcção a Los Angeles, depois de uma reunião de negócios em San Diego.

- Está tudo bem, patrão? - perguntou Blackie, sentado ao lado do motorista.

- Sabes o que vou gravar na pedra da tua tumba? - resmungou Santino. - "Está tudo bem, patrão?" Pareces o maldito de um disco riscado.

- Desculpe, patrão.

- Esquece.

Santino tirou o casaco a custo e dobrou-o cuidadosamente. O ligeiro odor do seu próprio suor chegou-lhe às narinas. O facto preocupava-o. Malfadados desodorizantes. Havia de se meter no negócio dos desodorizantes - seria dono do mundo. Santino não estava de bom humor. Fora uma semana negativa. Lucky Santangelo inaugurara finalmente o seu maldito hotel em Atlantic City, o que o deixara fora de si. Fizera tudo quanto estava ao seu alcance para o impedir - levantara dificuldades em todos os campos - até que, sem mais nem menos, o estupor do irmão, Carlo, chamara-o a Nova Iorque. "Chegaram ordens de que deves parar imediatamente de incomodar a senhora."

A senhora! Que raio de senhora? Lucky Santangelo era uma puta e um daqueles dias ainda havia de a apanhar a jeito.

- Que ordens? - gritara Santino. - De quem?

Ontem houve uma reunião. Votou-se. Tens de deixar de a perseguir.

Santino assim fizera. Sabia quando devia obedecer. O que não significava que o assunto ficasse encerrado. Um daqueles dias apanharia a cabra. Um daqueles dias...

À semelhança de todos os bons californianos, Lennie aprendera a jogar tênis. Quando não andava em filmagens, acordava às sete da manhã. Não precisava de se preocupar em não despertar Olympia - dormiam em quartos separados. Depois de tomar duche e barbear-se, de vez em quando guiava até casa de Ryder Wheeler, onde os dois jogavam três partidas puxadas. Ocasionalmente, Paige fazia-lhes companhia. Ele gostava de ver a mulher de Ryder. Era muito divertida e ele apreciava saber das últimas "fofocas" - assim chamava ela aos mexericos.

Depois de sair de lá, ia para casa trabalhar. Normalmente passava seis ou sete horas fechado no seu estúdio com o seu brinquedo novo - um processador de palavras. Umas vezes fazia intervalo para almoçar, outras não.

Tinha algumas mulheres espalhadas pela cidade às quais podia telefonar em qualquer altura - normalmente eram mulheres atraentes, que trabalhavam e que ficavam deliciadas de o verem, sem lhe fazerem quaisquer exigências. Sabiam que ele era casado - dificilmente poderia ocultá-lo - e aceitavam o facto. Ocasionalmente visitava uma delas e acabavam por ficar a tarde toda a conversar. O sexo deixara de ter grande importância desde que Lucky saíra da sua vida. Sexo era apenas... ir para a cama.

Sabia que tinha de deixar Olympia. O casamento de ambos não tinha qualquer significado. Ele só ficara para a ajudar a suportar a série de operações que lhe tinham restituído a boa aparência. Além disso não havia nenhuma razão premente para acelerar o rompimento. Lucky não estava à sua espera. A ela, tanto fazia. Há três anos que o ignorava, não dando resposta nenhuma das tentativas por ele feitas no sentido de a contactar. Continuava com Dimitri - o que o deixava de cabeça perdida.

Contudo, chegava! Olympia recuperara finalmente a sua beleza. Era muito senhora de si. Continuava a mesma herdeira estragada de mimos e quando ele não estava trancado a trabalhar - o que acontecia quase sempre - discutiam constantemente.

- Acho que devemos divorciar-nos - disse-lhe ele um dia, ao saírem de mais uma briga.

Olympia calou-se a meio de uma frase e fitou-o. Olhos azuis atormentados num rosto porcino.

- Não me quero divorciar - respondeu rapidamente.

- Ei - escuta. - Lennie foi até ao bar e preparou um uísque para si. - Nunca fomos o casal ideal.

- Como é que sabes?

- Talvez porque seja verdade.

- Só porque tenho um pouco de peso a mais...

- Não tem nada a ver com o teu peso.

- Ah, isso é que tem - gritou Olympia. - Detestas-me porque achas que sou gorda, grande filho da mãe. Não tive a culpa de aquele avião cair. Não tive a culpa...

Oh, merda. A liberdade não ia ser fácil de conquistar. Sempre que ele tocava no assunto, era a mesma história.

- Filho da puta - murmurou Olympia. - Por que não me abandonas tu também? Todas as outras pessoas o fizeram. Estupor de astro de cinema. Põe-te a andar, Lennie. Pensas que me importo? Merda. Não quero saber. Talvez me mate, não seria o que te vinha mesmo a calhar? Gostarias?

Começou a soluçar teatralmente.

- Acaba com isso, Olympia - disse Lennie azedamente. -Sabes que só te deixarei quando tu quiseres.

Era sincero. No fim de contas, não tinha lado nenhum para onde ir, E as ameaças de suicídio, que ela fazia com freqüência, deixavam-no preocupado. Não desejava sentir-se responsável por nada que lhe acontecesse.

Sabia que Lucky estava prestes a abrir o hotel que construíra em Atlantic City. Algum relações públicas enviara-lhe um convite para a inauguração. Por um momento louco ainda pensara em ir. Mas de que serviria? Lucky Santangelo que se lixasse.

Detestava-a.

Não, não detestava.

Sim, detestava-a.

Lucky... Lucky... tinha-a sempre presente nos seus pensamentos.

Uma vez por mês, Dimitri telefonava à filha. A conversa era sempre a mesma. O discurso do "como estás" como Lennie lhe chamava. O telefonema de obrigação.

- Não o suporto! - guinchava sempre Olympia atirando com o telefone. - Gostava de saber porque se dá ao trabalho de ligar. Tratou-me como se eu não existisse quando estive no hospital praticamente morta. E também detesto aquela cabra com quem está casado. O estupor da Lucky Santangelo. Sabes que mais? O que ele desejava era que tivesse sido eu a morrer no acidente em vez da sua preciosa Francesca.

Embora não exprimisse a sua opinião, Lennie sentia-se inclinado a concordar com a mulher. Dimitri obviamente pouco se importava em voltar a ver a filha ou não. Ela representava a lembrança pungente do seu amor perdido. Mas com Brigette, a neta, a questão era outra. Esta passava a maior parte das férias com Dimitri, o que convinha perfeitamente a Olympia. De facto, Brigette não a visitava há mais de um ano,

Embora estivesse para chegar dentro de dias, pouco depois de Lucky inaugurar o seu hotel novo.

A última vez em que ela estivera lá em casa fora com a querida e velha Alice, que se fizera acompanhar de um actor desempregado de vinte e um anos e uma cinquentona de temperamento esfusiante. Os três embebedavam-se e tornavam-se extremamente desordeiros, de modo que Lennie nunca mais voltara a convidá-los. A princípio Alice queixara-se mas ele descobrira que se lhe mandasse dinheiro - em abundância - a mãe calava-se e deixava-o em paz. Já não a via há mais de um ano.

Graças a Deus tinha o seu trabalho. Este era extremamente absorvente. Deixava-lhe pouco tempo para pensar em algo mais. Escrever e participar em filmes era uma ocupação que lhe tomava vinte e quatro horas diárias. Não havia tempo para se preocupar com a vida real e com o que esta poderia ter sido. Era só continuar enfronhado na sua tarefa.

Jess adorava almoçar com Paige Wheeler. Paige era a única pessoa com quem podia ser vista em público sem se sentir baixa, pois Paige pouco mais alta era. E Paige falava calão. As tretas de Hollywood não eram para ela. Dizia o que lhe ia na cabeça, o que normalmente era ultrajante e divertido.

- Alguma vez foste para a cama com Lennie? - perguntou-lhe Paige, assim que se instalaram numa mesa do Bistro Garden.

- Que raio de pergunta é essa? - inquiriu Jess com uma risada.

- Ele é meu amigo. Não se vai para a cama com o melhor amigo.

- Ah, não? - admirara-se Paige, piscando-lhe o olho.

- És terrível! - exclamou Jess, rindo.

As mulheres tinham-se tornado amigas quando Ryder começara a patrocinar os filmes de Lennie.

- Posso perguntar, não posso? - desafiou-a Paige. - Acho-o com um aspecto tão sensacional. Às vezes o aspecto não tem nada a ver com o resto quando se passa à cama.

- com Lennie não é o caso.

- Pensei que tivesses dito que...

- Ele tem uma reputação a precedê-lo. Não te esqueças de que o conheço desde o tempo em que éramos miúdos.

Consultaram a lista e mandaram vir um almoço leve.

- Este fim de semana vou a Atlantic City - confidenciou Jess enquanto comia a salada miúda.

- Algo ou alguém que eu possa conhecer? - perguntou Paige, fazendo rodar o pé do copo de vidro com vinho entre os dedos.

Jess tinha os olhos a brilhar.

- Há um tipo - um homem mais velho... -São os melhores - murmurou Paige.

- Ele gostou mais ou menos de mim - em tempos - continuou Jess. - Mas, sabes, era um desses tipos que tem todas as mulheres que quer, portanto não me entusiasmei.

- Fizeste bem. Embora eu sempre me interrogue sobre o que poderia ter sido!

- Quando, alguns anos depois, voltei a Las Vegas com Lennie, ele estava mudado. Ou seja, não me ligou nenhuma, mostrou-se muito frio e...

Paige terminou a frase por Jess.

- E tu, naturalmente, ficaste ainda com mais vontade de o ter.

- Como é que sabias?

- Simples. É sempre assim. Eles querem-nos, nós não os queremos. Nós queremo-los, eles não nos querem. - Inclinou-se para a frente com interesse. - Que aconteceu desta vez?

- Ele quer-me, acho.

- E tu... -Se quero!

Paige anuiu com satisfação.

- Que maravilha. Quem é ele? E será que te merece?

- Chama-se Matt Traynor. Costumava dirigir o Hotel Magiriano, em Las Vegas, para Gino Santangelo. Agora está a dirigir o novo hotel de Lucky Santangelo em Atlantic City. É cinquentão e...

Paige abstraiu-se da discrição pormenorizada que Jess fez de Matt. Ouvir o nome de Gino trouxe-lhe recordações embaraçantes à memória. Ele nunca lhe permitira uma explicação - e de qualquer maneira, que poderia ela ter dito?

-... e então ele telefonou-me, convidando-me para lá passar o fim-de-semana. Diz que tem de falar comigo e não pode ser pelo telefone.

- A mim parece-me óptimo - disse Paige encorajadoramente. Jess sorriu.

- Espero que sim. Para te dizer a verdade, se tenho de sair com mais algum tipo que se ponha com conversas estúpidas, dou em doida!

Olympia telefonou a um dos seus fornecedores de droga. Tinha vários. Eles conheciam-na bem e confiavam nela. Receber o fornecimento pelo correio estava normalmente fora de questão. Mas para Olympia Stanislopoulos, tudo era possível.

Olympia armazenava estupefacientes. Tinha um fornecimento formidável. E dispunha do melhor local do mundo para guardar a sua reserva -um quarto secreto que o agente imobiliário lhe mostrara no próprio dia em que se tinham mudado para a mansão de Bel Air. Enquanto Lennie ficava no andar de baixo, o homem conduzira Olympia até à parte de trás da área do vestiário do quarto desta, carregara num botão escondido e mostrara-lhe, oculto atrás de um painel deslizante, um pequeno cubículo sem janelas.

- É para guardar a sua droga - brincara o homem. Ha ha. Grande piada.

- Não diga ao meu marido - dissera Olympia rapidamente. - É um lugar óptimo para guardar os presentes de Natal.

Nunca mais lhe faltaria a droga. Nunca. Nunca. Nunca.

Ter sofrido o acidente de avião já era suficientemente mau - ainda tinha pesadelos com o acontecido. Mas quando a privaram da cocaína, da "erva" dos comprimidos - todas as coisas que tornavam a vida suportável - sentira-se ultrajada.

Agora tinha uma provisão abundante de todo o material. O cubículo secreto fazia lembrar uma dispensa de hospital.

Depois de telefonar ao fornecedor e fazer uma encomenda, examinou o rosto ao espelho e apalpou a pele nova e macia. Voltara a ser bonita, possivelmente estava até mais bela do que antes do acidente.

Chupou as bochechas de maneira a ficar com elas metidas para dentro e imaginou-se magra. Ah... quando fosse magra, conquistaria o mundo. Emergiria do seu esconderijo e surpreenderia todos com a sua beleza.

Surpreenderia Flash.

Aquele estupor.

Voltaria a tê-lo. De certeza.

- Puseste demasiada maquilhagem - ralhou Lucky. - Mas seja como for estás óptima, portanto não deites tudo a perder.

- Demasiada maquilhagem? - admirou-se Brigette. - Pois se normalmente ponho o dobro!

- Onde? Nas aulas?

- Não. Fora das aulas. O meu lugar preferido!

Lucky abraçou-a. A jovem fazia-lhe lembrar tanto Olympia quando tinha a mesma idade... Gostava muito da criança -embora Brigette dificilmente se pudesse já considerar uma criança. Quase atingira a altura de Lucky e parecia ter dezoito anos.

- Ainda bem que estás aqui - disse Lucky afectuosamente. - E o vestido que escolhemos é o indicado.

- Bonito e virginal - observou Brigette com malícia. Lucky sorriu.

- Se tu o dizes. - Rodeou os ombros da jovem com um braço.

- Anda daí, quero que te sentes ao pé de Gino e Costa.

Brigette olhou em volta, no salão de baile apinhado de gente. Estava tão entusiasmada por se encontrar na noite de inauguração do Santangelo, Mas não ficava bem não mostrar indiferença e acima de tudo, nessa noite muito em especial, ela queria apresentar-se no seu melhor em termos de impassibilidade.

Ao caminharem em direcção à mesa que lhes estava reservada, reparou em John Travolta e aquela não seria Cheryl Teigs? E... caramba... não podia ser, mas era, o actor Tim Wealth. Tinha vinte e seis anos e era fantástico! Ela até era capaz de morrer por ele, e não era que o tinha ali na mesma sala!

Gino recebeu-a com um beijo na mão.

- Já é uma mulherzinha - disse. - bem bonita, também. Brigette gostava do pai de Lucky. Era velho mas tinha muito mais piada do que Dimitri, que passava a vida sentado numa cadeira de balanço a olhar para o mar com expressão sorumbática no rosto enrugado. Brigette sabia que tinha muita sorte em estar naquela inauguração. Há meses que implorava a Lucky, por carta e telefone, da Suíça, que a deixasse ir.

- Só por uns dias - condescendera Lucky finalmente. - Depois tens de ir logo para a Califórnia ver a tua mãe. Ela está à tua espera.

Brigette desejaria não ter de ir. Passar o Verão com Olympia era uma idéia deprimente. A mãe estava tão esquisita, gorda e emotiva... Brigette teria sido completamente feliz se pudesse passar a totalidade das férias com Lucky. Essa era diferente.

A noite estava a decorrer maravilhosamente e todos pareciam divertir-se. Lucky organizara um grupo de gerentes experimentados e inovativos, encabeçados por Matt Traynor, que Gino a autorizara a roubar-lhe.

Matt, muito bem-posto com o seu smoking novo, tinha o cabelo grisalho sobriamente penteado, parecia estar de namorada nova. Esta era baixa, de cabelo encaracolado e com um físico magnífico. Lucky sabia que já a vira algures mas não conseguia lembrar-se onde, até Matt proceder às apresentações. Depois ficou tudo esclarecido. Jess. A croupier de Las Vegas cujo bebê morrera afogado. Amiga de Lennie. Empresária de Lennie.

Lucky sorriu-lhe.

- Que bom voltar a vê-la, e parabéns por todo o sucesso com Lennie Golden. "Como está ele? Ainda fala de mim? É feliz? "

- O seu hotel é fantástico - exclamou Jess. - Deve ter sido um projecto difícil de concretizar.

- Foi - replicou Lucky. Jess saberia do que se passara entre ela e Lennie?

Não. Ninguém sabia. Era o segredo de ambos.

-Seja como for... - Jess indicou o magnífico salão de baile que uma deslumbrante amálgama de convidados de honra enchia. - É realmente algo de especial.

- Obrigada. "Lennie sente a minha falta? Eu sinto a dele."

- Viva, Brigette. - Jess inclinou-se sobre a mesa. - Já não te vejo há imenso tempo. Mal te reconheci. Pareces tão adulta!

- Oh. Viva.

- Ouvi dizer que estavas aqui de visita.

- É verdade. - Brigette agitou-se, pouco à-vontade.

Estava farta de ser delicada com toda a gente. A doce e pequena Brigette no seu vestido branco virginal. Bolas! Se ela crescera? Se eles soubessem!

Viu, do outro lado da sala, tom Wealth levantar-se e sair. Provavelmente estava tão aborrecido quanto ela. Pôs-se imediatamente de pé.

- Tenho de ir à casa de banho - sussurrou a Lucky.

Sem hesitar, seguiu na mesma direcção que o jovem actor.

Estrelas de todos os quadrantes tinham vindo à inauguração. Lucky deslocou-se de mesa em mesa, sorrindo, cumprimentando, dando as boas-vindas. Não era tarefa que lhe competisse, mas sabia como fazê-lo melhor do que qualquer outra pessoa.

Era uma festa de alto gabarito. Vitos Felicidade encarregava-se da parte musical, o champanhe corria a rodos, havia taças de prata com caviar em todas as mesas e os acepipes eram do mais requintado que havia.

Lucky convidara Dimitri e, por um momento, imaginara que este aceitaria. Mas depois recusara-se a sair da sua ilha. Ela vira-o transformar-se, em três anos, num velho. Dava a impressão de que Francesca levara consigo a sua vontade de viver. A ele nada mais interessava do que ficar na sua ilha a vegetar, tendo passado os seus interesses comerciais para as mãos dos empregados e não mostrando interesse por mais nada nem ninguém que não fossem Roberto e Brigette. Era o filho e a neta que o mantinham vivo.

Lucky ia e vinha conforme lhe apetecia, o que, durante a construção do Santangelo, lhe foi extremamente conveniente. Agora que o hotel estava pronto e Roberto chegara à idade de ir para a escola, não estava muito certa de desejar manter aquela combinação. Roberto tinha quatro anos e meio, era um menino robusto e tranqüilo. Teria de continuar a crescer no isolamento, com Dimitri a velar por ele? Na altura, os únicos amigos que tinha eram os filhos do empregado da ilha.

Brigette era uma outra questão. Chegara de férias, nadava, tomava banhos de sol e fazia ski aquático. Depois regressaria ao mundo real - se se podia chamar a um dispendioso colégio interno para raparigas na Suíça de mundo real.

Lucky gostara de vê-la mudar de garota choramingas e impertinente para uma linda adolescente. E era particularmente agradável vê-la tratar Roberto como se este fosse seu irmão mais novo.

Brigette nunca queria visitar Olympia, que parecia não se ralar minimamente com o facto. Lucky sentia-se como que uma mãe substituta da criança. Não se importava com a responsabilidade, que passara a ser sua desde que a preceptora Mabel fora despedida a pedido insistente de Brigette, quando esta chegara aos doze anos. Lucky assumira o papel de boa vontade. Tentara ensinar certos valores a Brigette, assim como um sentido de independência. Também a aconselhara em relação a todos os assuntos, desde a droga aos rapazes.

Brigette não estava com vontade nenhuma de passar o Verão com Olympia, mas Lucky persuadiu Dimitri a certificar-se de que tal acontecia.

- Talvez agora que Brigette está mais crescida, as duas se entendam - incentivou ela. - Se tal não acontecer, então é porque nunca será possível.

Como prêmio de consolação, Lucky autorizara que Brigette participasse na inauguração do Santangelo e a jovem parecia nitidamente adorar cada minuto.

- Achei que podíamos casar - disse Matt formalmente. - Parece ridículo teres vindo de tão longe sem que tenhamos algo com que comemorar a ocasião.

Jess não conseguia acreditar no que ouvia. Vários anos de silêncio e agora aquilo.

- Que achas? - continuou Matt com ar desprendido.

- Hum... - murmurou ela estupidamente. -Hum... eu... casada?

- Sim. A não ser que aches que se trata da pior idéia que já ouviste em toda a tua vida.

Jess abanou a cabeça.

- Porquê? - perguntou inexpressivamente.

- Por que não? Recuperou a compostura.

- Queres que te faça uma lista? Matt recuou.

- Esquece a sugestão.

- Porquê?

- Importas-te de parar de dizer "porquê? "

- Matt.

- Diz.

- Não me parece uma idéia tão esquisita como isso.

Brigette estava à porta dos lavabos masculinos quando Tim Wealth saiu.

- Olá - cumprimentou ela vivamente, como se fossem velhos amigos.

Ele olhou em volta para ver se era a ele que a jovem se dirigia. - Estou a falar contigo - disse Brigette arrojadamente. - Já nos encontrámos. Lembras-te?

Tim Wealth era alto e desengonçado, com um rosto fino, olhos intensos e cabelo comprido castanho. Envergava um fraque alugado, camisa preta e uma pequena argola de ouro numa das orelhas. Fizera um filme dois anos antes e fora considerado a grande descoberta do ano. Depois disso - nada. Não lhe aparecera um único guião para fazer.

Quem podia explicar as voltas que a indústria do cinema dava? Tim Wealth não, certamente.

Depois de esperar dezoito meses, acabara por começar a participar em séries de televisão medíocres. Depois disso, fora sempre a descer. Agora estava em Atlantic City com um produtor gay que lhe prometera mais que uma investida ao traseiro franzino.

- Onde foi que nos conhecemos? - perguntou ele, mirando Brigette de alto a baixo. - Creio que apanhei um esquentamento e sou demasiado novo para morrer.

- Como? - perguntou Brigette pestanejando, sem perceber.

- Esquece.

-Brigette não podia acreditar que estava realmente a falar com Tim Wealth.

-Vi o teu filme seis vezes - disse excitadamente. -Por que não fizeste mais nenhum?

-Boa pergunta - respondeu ele sombriamente.

-O meu padrasto é actor.

-Que interessante.

-Chama-se Lennie Golden. Conheces?

- Os ursos cagam nos bosques?

-Que disseste?

-Esquece.

Brigette não esmoreceu.

- A minha espécie de tia dirige este hotel.

- E quem é a tua espécie de tia?

- Lucky Santangelo. Já a viste?

- Poderia deixar de o fazer?

- Estás com alguma rapariga?

- Propões-te a oferecer os teus serviços para a noite?

Brigette sentiu um arrepio de excitação. Tim Wealth ainda era melhor em carne e osso do que na tela.

- Sim - disse sem hesitar. Ele fitou-a com curiosidade.

- Que idade tens?

- Dezoito - mentiu ela. -E tu?

- Tenho vinte e seis, quase a chegar aos cinqüenta. E se esta noite se prolonga por muito mais tempo, estou aqui estou a chegar aos sessenta.

Brigette riu.

- Estás chateado.

Tim ergueu uma sobrancelha.

- Que inteligente!

- Onde vives? - perguntou Brigette entusiasticamente.

- Em Los Angeles - replicou ele.

- Amanhã vou para lá -anunciou ela orgulhosamente.

- Que queres, uma medalha?

Brigette riu de novo, espetou o peito até ao máximo que o vestido branco virginal que Lucky escolhera lhe permitia.

Tim Wealth não pôde deixar de reparar. E apesar de dar para os dois lados, sempre se sentira atraído por um par de mamas magníficas. E o seu amigo produtor só dali a várias horas é que iria para a suite.

- Queres ver os meus pés? - perguntou ele. -Os teus pés?

- Os meus dedos dos pés são famosos.

- A sério?

- Serás real?

- O quê?

- Segue-me rapariguinha.

- Onde está Brigette? - perguntou Lucky.

- Não te preocupes com Brigette. Quando é que volto a ver o meu neto outra vez? - disse-lhe Gino.

- Em breve - prometeu Lucky.

- Por que não o trazes de volta à América, onde é o lugar dele? perguntou Gino impacientemente.

Sim. Por que não? Chegara a altura. Mas como? Dimitri nunca concordaria.

- vou fazê-lo - disse firmemente.

- Óptimo, óptimo - disse Gino, recostando-se e olhando em volta. O local estava animado. Ele próprio não poderia ter feito melhor.

Muitos dos convivas já se tinham deslocado para as mesas de jogo e o zumbir tranquilizador das roletas enchia o ar.

-Onde está Brigette - perguntou Lucky novamente, porém a sua atenção foi atraída por Vitos Felicidade, que se aproximava da mesa, seguido pelo seu séquito, para lhe elogiar a festa.

- Obrigada, Vitos. Lucky sorriu.

O cantor espanhol estava a custar-lhe uma fortuna, no entanto a maneira como o público adorara a sua interpretação fazia que cada moeda tivesse valido a pena.

Ele era senhor de uns olhos castanhos sofredores e melancólicos.

- Gostaria de lhe oferecer uma bebida - convidou ele. O seu inglês melhorara consideravelmente.

- Já estou a beber uma - replicou Lucky.

Os olhos dele deixaram transparecer um convite.

- Comigo.

Vitos Felicidade era um pinga amor. Milhões de mulheres, em todo o mundo, compravam os seus discos e desejavam o seu corpo. Ambas as coisas não exerciam qualquer efeito em Lucky.

- Mas esta noite estou muito ocupada - replicou ela com simpatia. - Talvez numa outra ocasião.

Ele não apreciava uma recusa; era uma variante curiosa.

- Talvez sim. - Piscou-lhe maliciosamente o olho. - Talvez não. Que iria ela fazer mais tarde, quando a festa terminasse? Estava

excitada, sentia a adrenalina jorrar. Nem pensar em ficar sozinha.

Sexo.

Por que não?

Com um desconhecido. Alguém que não fosse obrigada a ver outra vez.

- Bebe.

- Chupa.

- Cheira.

Tim Wealth transmitia uma série de instruções que Brigette seguia porque se sentia extasiada por estar junto dele.

Ele fê-la beber vodka simples, o que foi pavoroso, sabendo-lhe a remédio. Mas bebeu até à última gota porque não queria parecer uma criancinha.

A seguir ele puxou o zipe das calças para baixo, ordenou-lhe que se ajoelhasse e empurrOu-lhe a "coisa" para dentro da boca. Mas a "coisa" dele não era como a dos rapazes da aldeia que ficava perto do seu colégio. Aquela estava mole e flácida, como um brinquedo de borracha macio.

Ela fez o melhor que soube mas não houve nenhuma alteração, o que de facto pouco a ralou. Como detestava o momento em que o líquido salgado e quente lhe explodia na boca. Ela detestava mas os rapazes adoravam. Tim Wealth parecia diferente.

Afastando-a para o lado, voltou a enfiar-se dentro das calças e atravessou o quarto. Remexeu numa gaveta, de onde tirou um pequeno pacote contendo um pó branco, que dispôs cuidadosamente em duas linhas direitas, sobre o tampo de mármore de uma mesa. Depois entregou-lhe uma nota de banco enrolada e transmitiu-lhe a sua terceira ordem:

- Cheira.

Brigette sabia do que se tratava. Cocaína. Uma das colegas do colégio - a filha de um árabe rico - tomava-a constantemente.

Brigette já fumara "erva", mas era a sua estreia com a coca. Inalou com cuidado, mas precipitou-se, engasgando-se, ao mesmo tempo que as duas tiras de pó branco se espalhavam em todas as direcções.

- Merda! - exclamou Tim. Que raio és, algum estupor de novata?

- Lamento - gaguejou Brigette.

- Acho bem - queixou-se Tim, deitando mais um pouco da sua provisão preciosa. - Agora cheira. Como deve ser.

A sua segunda tentativa foi mais bem sucedida e de repente ela sentiu-se tãaaao bem.

- Despe-te - ordenou Tim Wealth.

Brigette hesitou apenas por um momento. Normalmente eram os rapazes que a despiam, e era na área escura do banco traseiro do automóvel de alguém. Aquilo era diferente. Ele era diferente.

Brigette fez o que ele disse, desembaraçando-se do vestido branco, soutien e calcinhas com abandono febril. Sentia-se esquisita - entre excitada, estranha e expectante.

Depois de ela estar completamente nua, ele fez aparecer novamente a sua "coisa" que, dessa vez se mostrava grande, dura e vermelha. Então obrigou-a a ajoelhar-se no chão, à maneira dos cães. Penetrou-a nessa posição, rápida e furiosamente.

Brigette abafou um grito de dor. Ele estava a magoá-la mas sentiu-se, ao mesmo tempo, invadir por ondas de prazer que a levavam a perder o controlo. Ondas maravilhosas de sensação.

Algo estava a acontecer-lhe, algo que não compreendia.

Ele desferiu-lhe uma palmada no traseiro, com força, e começou a investir contra ela como um louco.

As sensações agradáveis combinavam-se com as desagradáveis, fazendo-a gritar a implorar-lhe que parasse.

Ele não o fez até estar pronto. Depois explodiu com um suspiro e rolou para o lado, deitando-se no chão.

Brigette estremeceu e tentou levantar-se. Ao fazê-lo, as pernas tremiam-lhe de fraqueza e sentiu que estava pegajosa com o sangue.

- Veste-te, rapariguinha, e vai para casa - murmurou Tim sonolentamente da posição em que ficara, no chão. - Até qualquer dia.

Ele não teria percebido que lhe tirara a virgindade?

Obviamente não.

Brigette não sabia que mais fazer, portanto reuniu a roupa e vestiu-se rapidamente. Depois escreveu o nome e o número de telefone da casa de Olympia e Lennie em Los Angeles num bloco de notas, que colocou ao lado do telefone.

Tim Wealth adormecera.

Os seus roncos de satisfação acompanharam-na até à porta.

- Quero telefonar a Lennie - disse Jess. Matt sorriu.

- Sabes, antigamente pensava que tinhas uma ligação com ele. Tentei criar-lhe amizade mas tinha uns ciúmes do diabo.

- Idiota! - Jess sorriu. - Por que levaste todo este tempo para me dizeres o que sentias?

Matt levantou os braços ao ar.

- Olha quem fala. Qualquer pessoa não pensaria que me darias as boas-vindas quando me atirei pela primeira vez a ti. A tua atitude foi a de uma matadora, minha querida.

- Bem, eras um parvalhão. - Acrescentou apressadamente. - Na altura.

- Obrigado.

- Não tens de quê.

- Quem me dera estarmos em Las Vegas agora, poderíamos fazê-lo esta noite.

O sorriso de Jess alargou-se.

- Oh, fá-lo-emos esta noite.

- Faremos?

- Pode apostar, mister Traynor.

- Cá estamos! - exclamou Lucky. - Onde tens andado?

- Nas explorações - replicou Brigette inocentemente, as faces rosadas mas nenhum outro indício de anormalidade na aparência.

- Não gosto que desapareças - admoestou-a Lucky. -Se queres andar por aí a fazer explorações, arranjarei alguém para te acompanhar.

- Não sou nenhuma criança - objectou Brigette, pensando de si para si que finalmente era uma adulta, pois com certeza as sensações ainda há pouco experimentadas com Tim Wealth faziam dela uma mulher autêntica. Ele tirara-lhe a virgindade e ela ficara satisfeita por lhe ter cabido a ele e não a um labrego qualquer da aldeia.

- Sei que não - disse Lucky pacientemente. - Mas és uma jovem muito importante, que um dia herdará uma grande quantidade de dinheiro. E não podes resolver-te a andar por aí sem me dizeres onde vais, O teu avô ficaria furioso.

- Compreendo - disse Brigette, embora não fosse o caso. Às vezes Lucky conseguia ser tão chata como todos os outros adultos.

- Para dizer a verdade, até estou um pouco cansada. Não faz mal que me vá deitar já, pois não?

- Claro que não - concordou Lucky, aliviada por ficar livre da responsabilidade de Brigette por aquela noite.

-Vou casar-me - anunciou Jess pela ligação interurbana.

- com Matt? - replicou Lennie, deleitado pela amiga.

- Não! com o paquete do hotel, grande nabo!

- Quando?

- Em breve.

- Ei, vamos ter um grande casamento? - brincou ele.

- Não sei o que tu vais ter, mas seja o que for, és o meu padrinho. -O noivo é que tem um padrinho, tu levas uma dama de honor.

- A tradição que se lixe. Quero um padrinho - insistiu Jess teimosamente.

-Então ter-me-ás a mim.

- Agora és tu que te ofereces! Lennie tentou aparentar indiferença.

- Que tal é o hotel? - Espantoso.

- Viste Lucky?

- Claro.

- Que tal está?

- Espantosa.

- Não há dúvida de que és uma mina de informações.

- Contar-te-ei quando regressar.

Às três e meia da madrugada, os últimos convivas abandonaram a festa. Lucky ficou sentada à mesa com Matt, Jess, Gino e uma corista bonita que este cativara.

O infatigável Gino. Nunca mais pararia?

Obviamente não. Levantou-se para sair, com a corista no seu encalço.

- Já se faz tarde para mim - disse, rodeando a rapariga com um braço. - Sou um homem de idade. Não estou habituado a esta actividade.

- Ah isso é que estás - disse Lucky com um sorriso. Gino piscou o olho à filha e deu-lhe um beijo.

- És uma das vencedoras da vida, filha - sussurrou-lhe afectuosamente. - Nunca te esqueças disso.

- O meu velho é realmente especial - comentou Lucky com um sorriso, depois de Gino se retirar.

- Todos devíamos ter semelhante... ha... energia quando chegássemos à sua idade - observou Matt com admiração.

- É assim que lhe chamam? - disse Lucky vivamente.

Jess bebeu o resto do champanhe de um copo que estava sobre a mesa.

- Quando eu trabalhava no Magiriano - disse-, todas as raparigas ansiavam por uma noite na companhia de Mister Santangelo.

- De verdade? - Lucky sorriu. Não estava surpreendida.

- E aquelas que faziam a viagem nunca voltavam desiludidas.

- Não sei se devia estar a escutar semelhantes observações - brincou Lucky.

- E eu a pensar que era o garanhão cá do sítio - interpôs Matt.

- Eras o gozo lá do sítio! - troçou Jess.

Lucky reprimiu um bocejo. Desejava ficar sozinha. Por muito que gostasse de Matt - e de Jess, que a pouco e pouco ia ficando a conhecer- a noite ia ser longa e ela necessitava de tranqüilidade ou de sexo anônimo. Qualquer dos dois servia.

- vou para a cama - disse. - E posso sugerir-vos que façam o mesmo?

- Boa sugestão - disse Matt.

- De facto - concordou Jess, sentindo-se tímida pela primeira vez em anos.

Lucky levantou-se e os outros fizeram o mesmo.

- Fico muito contente pelos dois - disse afectuosamente. - Muito contente.

Jess fitou Matt - tão diferente do tipo de homem por quem normalmente se sentia atraída que mal podia acreditar.

- Eu também - murmurou.

Ao sairem do salão de baile, Lucky voltou-se para Jess e perguntou com indiferença:

- Como vai Lennie?

Jess que, evidentemente, sabia de tudo, escolheu as palavras cuidadosamente.

- Ele está bem - disse com lentidão. - Trabalha duramente. Às vezes penso que é o único prazer que tem na vida.

Lucky digeriu a informação enquanto davam as boas-noites uns aos outros diante do elevador.

Uma vez no cimo, dentro de sua casa, não foi capaz de adormecer. Pensava no que Jess dissera. "Às vezes penso que o único prazer que tem na vida é o trabalho..." Que grande verdade. Se ela não tivesse Roberto, sentiria o mesmo.

"Lennie... Lennie... Lennie, " Ele não lhe saía do pensamento.

Decidiu mudar de roupa e sair. Conhecia um bar que estava aberto toda a noite e onde a acção nunca parava. Despiu o vestido apressadamente e ao pegar nuns jeans e numa camisa, o telefone tocou. Durante um momento de loucura pensou tratar-se de Lennie. Atendeu rapidamente.

- Mistress Stanislopoulos.

Era um sotaque estrangeiro, uma chamada de fora.

Teve uma premonição súbita de que se tratava de más notícias e o coração começou a bater-lhe demasiado depressa. Roberto. "Por favor, Deus, que nada tenha acontecido a Roberto."

Foi com voz trêmula que respondeu:

- Sim.

- Lamento...

- O quê? - gritou, receando pelo filho.

- Mister Stanislopoulos... um ataque de coração violento... não houve tempo para a chamar... morreu há uma hora.

A selecção do júri levou dias. De cada vez que Steven aprovava um jurado, o advogado do réu apresentava objecções. E vice-versa. Mas final mente o corpo de jurados ficou completo e o julgamento pôde principiar.

Mary Lou esteve presente no tribunal desde o primeiro dia. Sentada no banco da frente, observava atentamente o desenrolar do processo.

Levou uma semana. Moore versus Bonnatti. E no final desse tempo Steven sentia-se bastante confiante de que iriam ganhar. Mary Lou por tara-se maravilhosamente no papel de testemunha, enquanto que a oposição nada mais apresentara além de homens de fato completo e desculpas débeis, olhos irrequietos e cabelo oleoso penteado para trás.

O próprio Bonnatti não apareceu. Steven gostaria de que ele o tivesse feito. Teria sido um prazer ver a cara do indivíduo quando o júri voltasse à sala com um veredicto de dezasseis milhões de dólares de indemnização a favor de Mary Lou.

A jovem estava estática.

- Não é o dinheiro! Não é o dinheiro! - repetia constantemente com voz excitada. - Sinto-me como Clint Eastwood. Bati-me por uma questão de princípio e ganhei!

- Eles vão recorrer - alertou Steven. - com uma indemnização desta amplitude, a redução poderá ser drástica.

- Não me importo - gritou Mary Lou. - Esta é a minha vitória e ninguém ma pode tirar!

Steven levou-a a celebrar fora. Celebraram toda a noite e a certa altura ele encontrou-se na cama com uma estrela televisiva de vinte anos com quem não tinha intenção de se envolver. Ela era desarmantemente jovem, bonita e meiga.

- Que estou a fazer aqui? - resmungou Steven depois de fazerem amor.

- Não gostaste? - perguntou Mary Lou, os olhos castanhos muito abertos com uma expressão inocente. Como se ela não soubesse perfeitamente que ele adorara cada minuto.

- Que pergunta! - exclamou Steven, passando os olhos pelo corpo encantadoramente firme, cor de chocolate de leite - talvez uma gradação mais clara que a sua própria pele.

- Eu passei um bocado perfeitamente fantástico - disse Mary Lou sorrindo. - Creio que o que dizem dos advogados é verdade.

- E o que dizem dos advogados? Mary Lou soltou uma risada.

- Que se se arranja um bom ele nunca mais nos larga o caso! Steven, não há dúvida de que és resistente!

Steven não pôde deixar de rir. Deus, como ela era bonita! Mas claro que ele nunca mais devia permitir que aquilo sucedesse.

Passou a noite com a jovem e de manhã informou-a decididamente de que não ia trabalhar.

Mary Lou sorriu, feliz, e disse: -Concordo absolutamente contigo.

Depois envolveu-o nos seus braços e ele perdeu-se na sua doçura. Fazer amor com Mary Lou era especial, ele sabia-o e procedeu em conformidade.

Quando, finalmente, deixou o apartamento dela, Mary Lou disse:

-Esta noite cozinharei o jantar para ti.

- Já te disse - replicou ele-, que esta relação não vai conduzir a lado nenhum.

- com certeza. - Ela sorriu. - Façamos, juntos, com que não conduza a lado nenhum. Está aqui às sete. Faço uma comida chinesa óptima.

Passada uma semana, Steven mudara-se do seu apartamento para casa de Mary Lou.

- Que Deus te ajude - acautelou-o Jerry.

- Ela não é um pouco nova de mais para ti? - aventurou Carrie. Steven concordava com ambos. Mas Mary Lou fê-lo libertar-se da sua amargura.

Nunca na vida ele fora tão feliz.

- Temos uma oferta estupenda. Uma oferta sólida - disse Anna Robb. - Quero que adivinhes de quem é.

Carrie sacudiu a cabeça. -Não faço idéia.

- Isso é óptimo - disse Anna de maneira convencida -, porque nunca te passaria pela cabeça.

- Quem é?

- Queres mesmo saber?

Anna não costumava ser tão brincalhona. Carrie começava a ficar enervada.

- Quero - disse com brevidade. - Agradeço que me digas. Anna respirou fundo.

- Meio milhão de dólares. Um quarto deles no acto da assinatura. Outro quarto aquando da publicação. Mais um quarto na divulgação. E o resto seis meses mais tarde.

- Quem foi que o comprou? - perguntou Carrie.

- Fred! - exclamou Anna. - Já imaginaste? Fred Lester. O sovina em pessoa.

- Fred - repetiu Carrie.

- Sim, minha querida. E comprou-o porque é a melhor biografia que leu em anos e acha que vai ter um êxito estrondoso. Ele diz, e passo a citar, "a honestidade deste livro deu-me vontade de chorar". Ora para Fred Lester fazer semelhante observação...

Anna continuou a falar mas Carrie deixara de escutá-la. Estava prestes a revelar a sua história ao mundo. E não se tratava apenas da sua história, também era a de Steven, pelo que devia pedir-lhe a opinião.

- Fred deseja falar-te. Amanhã, se possível. - Anna estava radiante. Carrie nunca a vira tão feliz. -Tem grandes planos.

Grandes planos. Oh, Deus. Talvez ela estivesse a cometer um erro. Partilhar os segredos da sua vida com Anna era uma coisa, mas espalhá-los aos quatro ventos era outra inteiramente diferente.

- Não sei... - principiou.

- Não sabes o quê? - gritou Anna, completamente fora do que lhe era habitual. - Sorri, por amor de Deus. Sorri, Carrie. Vais tornar-te a negra mais famosa da América!

- Grandes bestas! - berrou Santino Bonnatti. - Que pensam eles qu'eu sou? Um palhaço? Um nabo? Se acham que alguma vez verão dois cêntimos de dezasseis milhões bem podem tirar o cavalo da chuva. Donatella! - Gritou pela mulher.

Esta levou o seu tempo a entrar na sala. E depois olhou para o marido e para os capangas deste.

- Olh'á linguagem. T'ás a falar mal que te fartas - declarou. Achas qu'os putos não ouvem?

Ele na perspectiva de ter de pagar dezasseis das grandes e Donatella preocupada com os putos.

- Os putos que se fodam! -berrou.

- Fode-te mas é tu - respondeu Donatella. - Benzeu-se e ergueu os olhos para o alto. - Ah, Deus me perdoe, casei com um porco!

- O porco que paga as contas - resmungou Santino.

- Qu'é que tu queres - perguntou Donatella, pousando as mãos enormes nas ancas enormes. - Queres que te beije o cu?

Santino fitou a mulher com ira.

- vou sair - disse sombriamente. - Se telefonarem de algum jornal, diz-lhes que não tenho comentários a fazer.

- Qu'é isso de comentários?

- Diz apenas isso. Não precisas de perceber.

Dito isto, saiu desabridamente de casa. Raios partissem! Ele comprava-lhe tudo o que ela queria, ela vivia no estupor de um palácio e a cabra gorda nem sequer era capaz de falar inglês como devia ser. Admiraria que corresse para junto de Éden em busca de um pouco de classe e de um cu mais pequeno?

Quase soltou uma gargalhada diante da própria esperteza, Mas depois, ao lembrar-se das más notícias recebidas, voltou a compor uma carranca. O advogado que tinha em Nova Iorque era um nabo! Ele é que devia ter defendido o caso. Estava-se na América - podia-se publicar o que muito bem se entendia - e se a parvalhona pousara em pêlo, então nada mais natural do que arriscar-se a ver essas fotografias publicadas. E tudo o mais que ele quisesse.

Nenhum juiz de merda diria a Santino Bonnatti o que fazer.

Éden acabara de se exercitar um pouco quando Santino chegou. Este irrompeu pela sala de estar como um César em ponto pequeno, suando dentro da sua camisa de seda e do fato completo. com um resmungo, atirou-se para cima de uma poltrona, esticou as pernas, abriu a braguilha e ordenou:

-Toca a trabalhar-me na coisa.

Éden sentiu-se ultrajada. Zeko estava a um canto da sala a olhar para as moscas. A criada aspirava o vestíbulo. Um tratador de piscinas trabalhava no lado de fora.

-Estou farta de te aturar - disse ela corajosamente. Ele não lhe faria nada com toda aquela gente à volta.

Antes de ela sequer se aperceber, ele saltara da cadeira e atirara-se a ela, batendo-lhe por tudo quanto era sítio. Éden retribuiu.

- Grande filho da puta!

O anel de diamante que ele tinha no dedo mindinho da mão rasgou-Lhe a pele fina da face, fazendo brotar sangue.

- Odeio-te! - gritou Éden, agarrada à cara.

Zeko não teve sequer a curiosidade de olhar. A criada continuou a aspirar. O tratador da piscina deitou soluto na água da piscina.

Éden correu para a casa de banho e mirou-se ao espelho, horrorizada. Tinha o rosto arruinado.

Santino foi atrás dela com uma entoação queixosa na voz.

- Porq'andas sempre a dar-me trabalhos? - perguntou. - Tu é qu'pediste problemas, tou com outras preocupações na cabeça.

Éden molhou algodão em tintura de iodo e passou-o cuidadosamente pela face.

- Tenho d'aturar merda em casa. Venho pr'a aqui pr'a m'aliviar e descansar.

Éden não lhe ligou nenhuma.

Ao ver a sua imagem reflectida no espelho, endireitou a gravata. O facto de estar quase completamente careca aborrecia-o profundamente. Mas como diziam, era dos carecas que elas gostam mais.

Por falar no assunto.

- Põe-te de joelhos, querida.

Querida? Chamava-lhe ele querida. A pedir-lhe que o chupasse depois do que lhe fizera. Nem pensar. Estava farta. Havia de arranjar maneira de se livrar daquela situação.

Dois dias mais tarde, Santino informou-a de que o papel ideal aparecera finalmente. Atirou-lhe um guião.

Éden não lhe perdoara ter-lhe arranhado o rosto, no entanto leu o guião e ficou descoroçoada.

Pornografia pura.

- Tetas e cus - contrapôs Santino. - Qual pornografia. Se não queres, arranjarei outra pessoa.

Éden voltou a ler o guião. Quem sabe com algumas alterações aqui e ali, cortar a cena da violação, melhorar a personalidade da rapariga Era o papel principal.

- Quem é o realizador? - perguntou.

- Ryder quer tomar conta do assunto. -Ele é produtor.

Reagan era o estupor de um actor. Olha onde está hoje.

- Quem vai ser o meu par?

- Um puto chamado Tim Wealth.

Éden tentou manter o rosto impassível. Tim Wealth. O jovem actor com quem fugira para Los Angeles ao deixar Lennie em Nova Iorque cinco anos atrás.

- Já ouviste falar nele? - perguntou Santino.

- Não - mentiu ela.

- Nem eu - disse Santino. - Mas dizem que é bom. Queres ou não? Éden suspirou.

E disse que sim.

Tetas e cus era melhor que nada.

O funeral de Dimitri Stanislopoulos, realizado na sua ilha particular, foi uma ocorrência sombria. Numa semana repleta de sol, o dia mostrava-se nublado e nevoento. Amigos e associados comerciais chegaram de todas as partes do mundo a fim de lhe prestarem a última homenagem. Lucky, vestida de preto, estava de mão dada com Roberto, que não percebia nada do que se passava. Brigette, cancelada a visita prevista à mãe, manteve-se por perto enquanto o caixão era baixado à terra. Gino fizera questão em acompanhar a filha à ilha, a fim de lhe dar o seu apoio. O mesmo tinham feito Costa e a mulher. Olympia não aparecera - sinal de desrespeito que teria horrorizado Dimitri.

- Creio que Mistress Goldman se encontra doente - comunicou o advogado da família a Lucky.

- Que se passa com ela?

O advogado aclarou a garganta.

- Não creio que esteja completamente recuperada do acidente que teve.

- Isso foi há três anos - salientou Lucky.

- Eu sei - replicou o advogado prudentemente. - Mas tenho conhecimento de que estará suficientemente bem para assistir à leitura do testamento de Mister Stanislopoulos.

A voz de Lucky deixou transparecer sarcasmo.

- Evidentemente.

Enterrar Dimitri dava a Lucky uma sensação estranha. Não se sentia uma viúva sofredora. Era como se tivesse perdido um amigo, já que, uma vez aceites as condições de Dimitri em relação a Roberto, tinham-se dado bastante bem. Nunca mais, depois da morte de Francesca, ele fora seu marido ou amante. Mas fora um conselheiro prudente e um pai excelente para o filho. Sentiria a sua falta.

E agora? Recuperara a sua liberdade e Roberto. Podia levá-lo para onde entendesse. O mundo abria-se diante de si.

Mas agora que dispunha dessa liberdade, não sabia que fazer com ela.

Olympia teria ido ao funeral do pai; sentira vontade de o fazer. Mas como poderia, com aquele seu aspecto de elefante bebê?

Quando recebera a notícia, não acreditara que Dimitri morrera. Ele não lhe podia fazer semelhante desfeita. Tinham travado uma guerra fria. Dimitri acabaria por lhe pedir desculpa da indiferença gritante a que a votara e ela perdoá-lo-ia; depois as coisas regressariam ao normal.

Mas agora que ele morrera, tal já não era possível.

Primeiro sentiu-se frustrada, depois furiosa, e finalmente foi-se abaixo e chorou lágrimas amargas. Durante toda a sua vida Dimitri fora o rochedo que se erguera atrás de si para a salvar das suas dificuldades, Nos seus tempos de criança, tirara-a de uma mãe que não a amava e permitira-lhe viver com ele. Quando adolescente, tivera de fazer frente a professores furiosos que pretendiam expulsá-la de cada escola em que entrava. E mulher feita, ele se encarregara de pagar aos maridos de que ela se livrara, fazendo com que a vida lhe corresse sem problemas. com Dimitri Stanislopoulos como pai, nunca ela teria de se preocupar com alguma coisa.

Agora ele desaparecera.

E era tudo culpa de Lucky.

-Aquela cabra deu cabo dele - informou a Lennie. -O hotel não lhe chega. Aquela cabra quer o dinheiro todo dele.

- De que estás a falar?

Olympia começava a pô-lo doido. Três anos de servidão penal bastavam - ele não conseguia agüentar mais.

- Tudo começou quando casou com ela - insistiu Olympia. - Ela é que o impediu de me ir ver ao hospital. Teve sempre ciúmes de mim.

- Ele foi ao hospital.

- Uma vez! - ripostou Olympia furiosa. - E depois ela arranjou maneira de o obrigar a ficar na ilha. - Acenou com a cabeça. - Não sei como o conseguiu mas o certo é que o matou.

- Só dizes disparates.

- Ah digo? - Olympia fixou os olhos azuis em Lennie com malignidade. - Que se passa entre ti e aquela cabra? Por que estás sempre a defendê-la?

Não era a primeira vez que discutiam acerca de Lucky e Olympia não disfarçava a fúria e o rancor que sentia pela antiga colega.

- Tenho obrigação de a conhecer melhor do que tu - continuou Olympia. - Quando andávamos juntas no colégio imaginava-a minha amiga. Mas podes crer no que te digo, ela é má e matou Dimitri. Tenho a certeza.

Quando Olympia decidia algo, não valia a pena tentar fazê-la mudar de idéias.

Assim que Jess chegou a Los Angeles, telefonou a Lennie.

- Posso ver-te imediatamente? - perguntou.

- Encontramo-nos na sala de pólo - disse Lennie. - Apetece-me sair de casa.

Almoçaram juntos e Jess não descansou enquanto não lhe mostrou o seu anel de noivado de safira e diamante.

Lennie deu-lhe um beijo e desejou-lhe felicidades; depois disse:

- Imagino que a partir daqui sigamos caminhos separados.

Jess disse adeus a um empresário seu conhecido, que almoçava com duas louras.

- Estás a brincar? - exclamou. - Não desisto dos meus dez por cento sobre ti. Nem pensar.

Mandou vir um Bloody Mary e uma salada Neil McCarthy, enquanto Lennie optava por um screwdriver e ovos mexidos.

- Matt e eu já discutimos o assunto - continuou Jess determinadamente. - E eu vou acumular.

- Entre aqui e Atlantic City?

- Não. Pensei que Leninegrado e Paris seria mais divertido!

- Ha ha. Outra comediante.

- Funcionará perfeitamente. Tenho o escritório aqui assim como o contabilista e as secretárias. Em vez de aparecer por lá todos os dias, faço-o três vezes por semana. Durante o resto do tempo, fico apenas à distância de um telefonema. Estás de acordo?

Lennie encolheu os ombros.

- Como quiseres. Pensei que ias desistir de tudo para passares a doméstica.

Jess riu.

- Vai-te foder!

Lennie chegou-se para mais perto.

- Promessas, promessas!

Jess bebeu uma porção generosa do seu Bloody Mary.

- Escuta, estrela. Graças a Deus nunca o fizemos.

Uma morena escultural envergando uma fatiota vermelho-vivo esvoaçante, deteve-se junto da mesa.

-Viva, Lennie - disse em tom dolente. Ele não fazia idéia de quem se tratava.

- Viva... como vais?

-O meu empresário disse-me que andas a reunir actores. Tens algum papel para uma tipa antiga na lide?

Bingo! Tratava-se de uma estrela de cinema dos anos sessenta que se mantinha no passivo ia para dez anos. Outrora, nos seus tempos de juventude, ele sentira um desejo tremendo por ela.

- Por que não hei-de arranjar mais um? - respondeu ele sem se dar por achado.

- Por que não o fazes?

A actriz passou a língua pelos lábios e entregou-lhe discretamente o seu cartão.

- Telefona para mim em qualquer altura que queiras - murmurou, afastando-se bamboleante.

- Às voltas com mulheres mais velhas? - provocou Jess.

- Tudo o que me apareça pelo caminho, pá.

A Sala do Pólo estava efervescente. Um astro de cinema, a sofrer de um excesso de plásticas faciais, deteve-se à entrada por momentos, até se certificar de que todos o viam bem. Duas starlets em embrião de calças à toureador mais do que justas e camisolas segunda-pele, acercaram-se imediatamente, às risadinhas.

- Já te disse que vi Lucky? - inquiriu Jess em tom casual. Lennie observou o duo de starlets. Estas não paravam um segundo, até que um indivíduo alto e de bigode as arrebanhou para a sua mesa. Lennie tomou uma golada generosa da sua bebida.

- Como está ela? - perguntou, tão casualmente quanto Jess.

- Não tão fria como a imaginava. De facto até foi muitíssimo simpática comigo. E o hotel é deslumbrante. Se alguma vez mais quiseres actuar lá...

Jess começou a descrever o hotel, enquanto Lennie imaginava o que devia ter sido. Sim, o que poderia ter sido se Lucky o desejasse tanto quanto ele a ela.

Mas, obviamente, não era o caso. Ficar com Dimitri e construir o seu hotel tivera a prioridade máxima.

Que faria ela agora que Dimitri morrera? pensou.

Olympia pedira-lhe que a acompanhasse a Nova Iorque para a leitura do testamento. Só dali a alguns meses iniciaria as filmagens do seu novo filme e daquela vez sentia-se bloqueado para escrever, portanto achou que não havia inconveniente em fazê-lo.

Claro.

Com toda a indiferença.

Ia ver Lucky depois de decorridos três anos.

Mal podia esperar.

Tornar-se a viúva de um dos homens mais ricos do mundo era uma experiência espantosa. Como esposa de Dimitri Stanislopoulos, Lucky fora tratada com certa deferência por parte dos associados comerciais daquele. Como sua viúva, adulavam-na constantemente.

Lembrou-se então de que assumira agora uma posição de poder que nunca antes lhe fora facultada nem em sonhos. Olympia e Roberto herdariam a parte de leão da vasta fortuna de Dimitri, mas o facto não a deixava propriamente na miséria. Era dona absoluta do Santangelo. Tinha dinheiro no banco, da venda das suas acções do Magiriano. E a casa de East Hampton pertencia-lhe inteiramente. Não precisava do dinheiro de Dimitri e não esperava ficar com nenhum. Assinara um contrato pré-nupcial antes do casamento a abdicar de quaisquer direitos sobre os vastos bens e riquezas de Dimitri. O hotel bastava-lhe. Realizara o seu sonho. Ainda assim, não podia deixar de assistir à leitura do testamento. Os interesses de Roberto tinham de ser protegidos. Não que contasse com algum problema. Dimitri fizera testamento ao filho.

Gino ia voltar a Las Vegas, juntamente com Costa e Ria, que os acompanhavam para uma visita. Lucky achou que talvez fosse boa idéia mandar Roberto e CeeCee com eles. Não queria deixar o filho na ilha. E não o queria levar para Nova Iorque consigo. Confiava inteiramente em CeeCee. Além disso, far-lhe-ia bem passar algum tempo com Gino.

Tomaram-se as devidas disposições. Brigette também devia seguir com eles e ficar em Los Angeles. Lucky não a queria a viajar sozinha.

- Devia era mandar um guarda-costas contigo - disse, preocupada.

Brigette riu diante da idéia.

- Ninguém sabe quem eu sou.

- Desde que não ponhas o apelido Stanislopoulos no bilhete. Aos olhos públicos és Brigette Standing. Não te esqueças desse pormenor.

As recordações voltaram-lhe à mente. Nos tempos de estudante de Lucky, também Gino fizera questão em que ela não utilizasse o célebre apelido Santangelo. Fora conhecida por Lucky Saint. Que apelido! Olympia depressa descobrira o seu segredo e tinham-se tornado amigas desde então.

Outrora.

Há muito tempo...

No avião, Brigette foi sentada ao lado de Gino. Ficou contente. Costa era tão chato e Ria, a mulher, falava de mais. CeeCee, com essa nunca conseguira entender-se. E Roberto - ou Bobby, como lhe chamava- não passava de uma criancinha estúpida.

Brigette tinha pena por o vovô Dimitri ter morrido. Mas o acontecimento abrira-lhe uma vida nova e excitante. A partir dali deixavam de poder enfiá-la na entediante e velha ilha grega de cada vez que tinha férias. Lá só havia fartura de natação e banhos de sol. Talvez Lucky lhe permitisse visitar Atlantic City com freqüência. O Hotel Santangelo era um estouro - oh, os tempos que ela podia ali passar! E depois talvez pudesse ir ver Gino a Las Vegas - no fim de contas eles eram todos uma espécie de família e davam-se optimamente. E depois também havia a avó Charlotte em Nova Iorque. Era uma chata mas um fim de semana ou outro naquela cidade podia ser divertido. E sempre havia Los Angeles. E a mama. E Lennie.

A mama era um grande frete.

Lennie era estupendo.

E Tim Wealth vivia em Los Angeles.

Estremeceu de expectativa.

A hospedeira caminhou pela coxia. Tinha uma saia travada, demasiado justa, pensou Brigette. Realçava-lhe o traseiro.

- Queres uma bebida, miúda? - ofereceu Gino.

- Um uísque com gelo, por favor - brincou Brigette.

- Uma palmada no rabo - alvitrou Gino com um sorriso.

A hospedeira sorriu com ar arrogante. Possuía dentes brancos e muito grandes. Brigette sentiu curiosidade sobre se ela já alguma vez teria pensado em fazer um anúncio de pasta dentífrica.

- Que tal um belo copo de leite, querida? - perguntou a "dentuças".

Brigette ficou carrancuda. A dirigir-se a ela como se fosse uma bebê, Detestava quando os adultos lhe falavam com ar superior. Não se aperceberiam de quão parvos pareciam? Ela tinha catorze anos, não quatro.

Olympia decidira-se, finalmente, a iniciar uma dieta rigorosa - não que a perda de alguns quilos fizesse qualquer diferença nas suas proporções de mamute, porém ela achava que sim. Ultimamente vinha a sentir-se paranóica e incapaz de dormir. O consumo incessante de cocaína não estava, sem que percebesse porquê, a proporcionar-lhe o estímulo necessário. Queixou-se a um dos seus fornecedores, pelo telefone, acusando-o de estar a fornecer-lhe material de qualidade inferior.

- Encontre-se comigo, linda senhora - propusera-lhe ele persuasivamente. - Conheço um processo de lhe prolongar o efeito dessa coca até alturas que a farão voar!

- Quero algo que me faça sentir bem e tire o apetite. Preciso de perder dois ou três quilos - disse Olympia, como se estivesse a conversar com um médico respeitável.

- Tenho precisamente o que lhe convém, senhora bonita. Mas preciso de a ensinar a servir-se do material.

Combinaram encontrar-se num hotel de Hollywood, no dia seguinte. Olympia não se sentia nervosa. Nunca na vida se sentira nervosa com o que quer que fosse.

O passador era um indivíduo quarentão, de rosto encovado, cabelo oxigenado e falhas de dentes. Olympia descobrira-o através de um outro que fornecia Flash e era de Nova Iorque. O homem tinha um tique facial alarmante e cheirava a fumo antigo, Quando Olympia entrou no quarto do hotel, ligou a televisão e trancou a porta.

- Que tem aí para mim? - perguntou, agitada.

O homem mirou a herdeira loura e gorda e cheirou-lhe a dólares.

- O que eu não tenho aqui para si, linda senhora - disse.

Uma hora depois, Olympia saiu, um toque de elasticidade na passada e uma expressão de deleite no rosto. Levava uma boa quantidade de coisas boas. Inalar heroína batia, de longe, a coca. Quando chegou a casa, Lenie estava a trabalhar.

- Onde foste? - perguntou ele, satisfeito por vê-la aventurar-se a sair.

Olympia sorriu sonhadoramente.

- Às compras - respondeu. - Estou a perder quilos a olhos vistos. Tenho de comprar roupas para Nova Iorque.

- Óptimas notícias.

-Oh, e Lennie - acrescentou imperiosamente-, aluga um avião. Não vou para Nova Iorque numa carreira normal.

E saiu do estúdio apressadamente.

Só ele teria casado com uma mulher que dizia "aluga um. avião" como se pedisse comida de cão.

Tentou trabalhar durante mais uma hora mas não conseguiu, portanto subiu ao piso de cima. Olympia estava no quarto, com roupas espalhadas por todo o lado.

- Brigette chega esta noite - lembrou-lhe Lennie. - E partimos na segunda-feira. Não devíamos pôr mais alguém cá em casa a tomar conta dela além dos empregados?

- Quem tens em mente? - perguntou-lhe, inspeccionando uma colecção de cafetãs de seda.

Lennie passeou-se pelo quarto.

- Talvez Jess.

- Então essa não passa a vida a correr para Atlantic City e para o malandrim com quem casou?

- Oh, é verdade.

Esquecera-se de que Jess agora dividia o seu tempo.

Olympia colocou um vestido de seda azul à frente. A cor condizia com os seus olhos. Se ao menos tivesse alguns quilos a menos - bem, mais do que alguns, tinha de admitir - seria a rapariga mais bonita do mundo. E as raparigas bonitas tinham companhia para a cama. Estava farta de Lennie e das suas desculpas esfarrapadas.

- Tomei uma decisão - declarou Olympia dramaticamente.

- Sim?

As decisões de Olympia duravam normalmente dez minutos.

- vou fazer uma cura de sono e perder verdadeiramente peso. Quando voltassem de Nova Iorque, ela deixaria de ser problema dele.

Já se sacrificara o suficiente. Tinha de se divorciar.

- Óptimo - disse Lennie, esperando que, para o próprio bem dela, fosse verdade.

- Óptimo - imitou Olympia em tom trocista. - Gostava de saber se acharás tudo tão óptimo quando eu voltar a ser senhora do meu nariz.

- Ei, isso é precisamente o que eu quero. Olympia fitou-o, espantada.

- O quê?

Lennie pressentiu o começo de uma discussão, o que não estava a apetecer-lhe. Brigette chegaria não tardava nada. Já não a viam há mais de um ano e seria agradável que tudo corresse harmoniosamente entre eles os dois, em vez de estarem a atirar-se à garganta um do outro.

- Escuta, e que tal Alice? - sugeriu, mudando de assunto com uma idéia repentina que, se bem pensada, depressa veria ser uma loucura. Ele tentava desesperadamente manter Alice fora de casa, não levá-la para lá.

Olympia achou que também não lhe apetecia uma discussão.

- Hum, entendem-se bem, Brigette gosta dela e Alice sabe guiar. Pode levá-la até à Disneylândia e à montanha Mágica e a todos esses lugares para miúdos. Queres que mande uma das secretárias telefonar-lhe?

- Isso, boa idéia. - Espreguiçou-se. - vou ter com Ryder para fazermos uma reunião.

Olympia franziu as sobrancelhas.

- Por que és sempre tu a ir ter com ele? Por que não vem ele ter contigo?

- Porque tu nunca queres ninguém cá em casa. Olympia estreitou os olhos.

- E a ti até te convém lindamente, não convém? Dessa maneira tens a liberdade assegurada. Não é? - Atirou a cafetã azul para o chão.

- Bem, aproveita o mais que puderes, marido querido, porque as coisas irão ser muito diferentes no futuro. Já me mantiveste aqui fechada tempo suficiente.

- Eu é que te mantive fechada aqui? - exclamou Lennie em tom de desprezo e ira. - Eu? Levar-te a ver o teu cirurgião plástico já é problema dos grandes.

Olympia sentia-se demasiado jovial para discussões.

- Adeus - disse asperamente.

- Para sempre - murmurou Lennie.

- O quê?

Lennie saiu para fora da casa, atirou-se para trás do volante do seu Porsche e arrancou velozmente.

Ryder Wheeler estava no campo de tênis a treinar com um atirador de bolas automático.

Lennie sentou-se numa cadeira ao lado do bar, ficando a assistir.

Ryder conseguiu um par de jogadas muito boas, reparou em Lennie e aproximou-se.

- Brincas sempre sozinho? - perguntou Lennie sarcasticamente. Ryder tirou uma toalha das costas de uma cadeira e pô-la ao pescoço.

- Só quando Paige está fora da cidade.

Como que respondendo a uma deixa, Paige saiu de casa. Envergava um vestido escarlate curto e trazia saltos muito altos, com as pernas nuas. Fazia lembrar uma prostituta de Marselha.

- Olá, boneca - cumprimentou Lennie.

- Não sabia que tinham combinado encontrar-se - disse Paige, dando um beijo a Lennie na testa.

- Não tínhamos - replicou Lennie. - Mas precisava desesperadamente de um pouco de ar fresco.

À semelhança de toda a gente, também Paige sentia curiosidade em relação ao casamento de Lennie com Olympia. Todos tinham ouvido falar de Olympia Stanislopoulos mas nunca ninguém a vira. Jamais aparecia em público e Lennie não dava explicações a ninguém, incluindo a imprensa - que especulava permanentemente. Segundo Jess, o casamento perdurava. Fora tudo quanto Paige conseguira descobrir.

- Aqui apanharás muito ar fresco. Estou de saída para ir trabalhar numa masmorra. - Deu um beijo superficial a Ryder na bochecha. Adeus, queridinho.

Deteve-se por um instante, olhou de um para o outro e acrescentou com ar brincalhão:

- Fala a Lennie do teu novo projecto. Faz força. Quem sabe, talvez o consigas convencer a aparecer nele como artista convidado.

- Que novo projecto? - perguntou Lennie, observando Paige até esta desaparecer.

Ryder tirou uma ameixa de um prato que estava sobre a mesa, pegou no intercomunicador, mandou vir café simples e depois recostou-se na sua cadeira.

- vou fazer um filme pornográfico - disse.

- O quê?

Lennie não estava seguro de ter ouvido correctamente. Desde os seus dois últimos filmes, Ryder Wheeler era um dos produtores de maior sucesso na cidade.

- Pornografia leve, evidentemente - acrescentou Ryder rapidamente. - Feita a preceito. O director sou eu.

Lennie desatou a rir.

- Não acredito no que oiço. Ryder encolheu os ombros.

- Tenho tudo o que desejo. Todo o dinheiro de que alguma vez precisarei Portanto decidi satisfazer um velho sonho meu.

- Estás a brincar comigo?

- Não. Falo a sério.

- Tu não és nenhum director. És um óptimo realizador, mas director... deixa-te disso!

Ryder palitou os dentes com um fósforo.

- Dirigir um filme não tem nada de especial - disse. -Se nos rodearmos do pessoal indicado e se tivermos um cinematógrafo esperto, ficamos com noventa por cento do problema resolvido. se se é capaz de falar com os actores e se se escolhe o elenco indicado, então está tudo ganho. Além disso, se há quem goste de ver mulheres bonitas, mais vale que seja eu a mostrá-las.

- Tu nem sequer andas atrás delas. És o único tipo que conheço que não anda atrás delas.

- Não tenciono meter-me numa coisa dessas para ter "motor de arranque" - explicou Ryder pacientemente. - Se quisesse arranjar com quem ir para a cama, estou na cidade mais indicada para tal. - Fez uma pausa. - Faço-o, Lennie, porque dirigir um filme pomo é uma das ambições que tenho por realizar. Além disso um dos meus investidores entra com o dinheiro todo e a mim cabe-me uma fatia generosa dos lucros que - se falarmos em termos de vendas em vídeo - vão ser tremendos.

- E quanto à tua reputação? Ryder riu com vontade.

- Nesta cidade a reputação que interessa tem a ver com dinheiro que se faz. Merda, Lennie, para um tipo vivido como tu és, às vezes pareces um escuteiro.

- Vai-te lixar, parvalhão. Ryder replicou-lhe, satisfeito:

- Aparece lá pelo estúdio um dia destes. É não sei quantas vezes melhor que uma partida de tênis.

O café foi servido em lindas chávenas de loiça requintada, com colheres grandes que não eram apropriadas. Carrie decidiu comprar-lhe um serviço de delicadas colheres de prata para o Natal mas, conhecendo Fred Lester como conhecia, calculou que o mais provável era este não as utilizar.

Fred aclarou a garganta pela segunda vez e passou a palma da mão pela cabeça calva.

Carrie cruzou e descruzou as pernas. Ainda as tinha muito belas. As marcas do tempo não tinham ainda começado a desfeá-las. Às vezes, quando se olhava ao espelho, ficava desanimada ao ver que os anos principiavam a notar-se na sua pessoa. Mas estava viva, portanto era uma das que tinham sorte, ou não seria assim? Muitas vezes interrogava-se sobre o que era feito dos companheiros da sua juventude, as prostitutas e as dançarinas de strip, os chulos e os vigaristas. Ainda seriam vivos? Duvidava sinceramente. Na altura a vida era dura e só os mais aptos sobreviviam.

- O teu livro é uma preciosidade - disse Fred Lester finalmente.

- Uma mostra de honestidade num mundo desonesto.

- Obrigada - murmurou Carrie em tom grato.

O comentário de Fred era a primeira reacção de que tinha conhecimento relativamente ao seu livro. Ainda não o mencionara a Steven.

Fred juntou as pontas dos dedos, formando com eles uma cúpula. Espraiou o olhar pela sala, desviando-o de Carrie.

- Podem surgir problemas legais com respeito a alguns dos nomes que mencionou. Poderá não ser possível... ha... referires os nomes verdadeiros. - Riu forçadamente. - Especialmente o de Fred Lester.

Carrie também riu.

- Nunca te disse mas foi o nome dele que me trouxe até ti. Fred examinou as unhas.

- Foi?

- Absolutamente. Sabes, quando finalmente contei a verdade a Steven, ele ficou obcecado e quis descobrir a identidade do verdadeiro pai: se era Gino Santangelo ou Fredy Lester.

- Foste ter com Gino Santangelo?

- Por pouco não aconteceu. Fomos de avião até à Califórnia mas algo impediu Steven de continuar a sua investigação. Graças a Deus.

Chovia nas ruas de Nova Iorque e a água batia incansavelmente de encontro aos vidros das janelas do gabinete.

- Quantos Freddy Lester encontraste? - perguntou Fred. - E que foi que eliminou a hipótese de ser eu?

Carrie bebeu um golo de café. Estava forte e demasiado quente.

- Perguntas o que foi? - brincou Carrie. - Estás a dizer-me que eras tu?

Fez-se um momento de silêncio antes de Fred encher a sala com uma gargalhada estrondosa.

- Quem me dera - disse.

- Não, não gostarias de ter sido a pessoa. - O seu tom de voz tornou-se subitamente duro. - Aquele homem foi um animal. Sem consideração por ninguém senão ele mesmo. - A voz tremeu-lhe. - Violou-me. Mesmo que eu tivesse sido prostituta em tempos, tinha os meus direitos, não achas?

Fred acalmou-a.

- Claro que tinhas, minha querida. Claro que tinhas. Carrie levantou-se e acercou-se da janela.

- Ainda me lembro - disse em tom amargo -, da dor que tive de sofrer. - Fitou, sem ver, a torrente de trânsito que se estendia ao longo

das ruas encharcadas pela chuva em baixo. - Estava sozinha, sem dinheiro e sem trabalho e com um bebê a crescer dentro de mim. Não tinha outra possibilidade. Tinha de voltar à única profissão que conhecia para sobreviver. Não me restava alternativa. Ele não dera alternativa.

Fred levantou-se e aproximou-se de Carrie, detendo-se atrás desta.

-Mas tens um belo filho. A dor deu-te algo bom.

Carrie nunca pensara no assunto nesses termos. Anuiu com ar fatigado e depois foi assaltada por um lampejo de dúvida.

- Steven não sabe do livro. Não quero perturbá-lo.

- Se a tua vida o perturba, com certeza o problema é dele.

- Eu sei. Mas...

- Gostarias de que fosse eu a informá-lo? Carrie sacudiu a cabeça.

- A responsabilidade é minha. Falarei com ele amanhã.

- Talvez eu devesse acompanhar-te. Algo no tom dele lhe despertou a atenção. Carrie afastou-se da janela

e fitou-o. A pouco e pouco, fez-se luz no seu espírito.

- Foste tu, não foste? - sussurrou por fim. - Foste tu. E por essa razão é que me pagaste meio milhão de dólares. Dinheiro de complexo de culpa! Foste tu!

- Sim - disse Fred, sentindo um peso enorme sair-lhe de cima dos ombros.

- Viva - cumprimentou Brigette alegremente, esforçando-se por esconder o choque que sentia por ver o tamanho da mãe.

- Estás tão crescida! -exclamou Olympia. -Santo Deus! Fazes-me sentir tão velha. O que não corresponde à verdade - acrescentou rapidamente.

- Por que não foste ao funeral do avô? - perguntou Brigette acusadoramente e sem perder mais tempo.

- Detesto funerais - disse Olympia petulantemente. - A tua mãe estava doente - interveio Lennie.

- A mim parece óptima - declarou Brigette, com os olhos azul-cobalto a brilhar.

- Então diz-lho - sugeriu Lennie suavemente. - Ela submeteu-se a enxertos de pele, cirurgia plástica e Deus sabe que mais. Diz à tua mãe que ela voltou a ser bonita.

- Estás bonita, mama - disse Brigette com relutância. - Alguém telefonou para mim?

- Quem esperavas que o fizesse? - perguntou Olympia, detestando o facto de a filha ter, aos catorze anos, um aspecto tão maduro e desenvolvido.

- Tenho amigas cá - disse Brigette em tom vago. - Do colégio e de outros lados.

- Óptimo - disse Olympia.

- Estupendo - disse Lennie.

- Temos de ir a Nova Iorque - disse Olympia logo a seguir. - Alice vem para aqui tomar conta de ti.

- Quem?

- Alice. Lembras-te dela, a mãe de Lennie. Costumavas adorá-la.

Brigette bocejou e espreguiçou-se.

- Ah, é verdade. "Aquele morcego velho", pensou. "Bem, com ela por aqui de certeza que gozarei da liberdade que quiser."

- Quanto tempo vais estar ausente, mama? - perguntou com ar inocente.

- Só o tempo que for preciso - respondeu Olympia. E, de si para si, acrescentou silenciosamente, "só o tempo preciso para me certificar de que aquela cabra da Lucky não apanha mais do que merece. O que, se eu tivesse uma palavra a dizer, seria zero".

Tim Wealth abandonou o amante no dia em que iniciou as filmagens, com Ryder Wheeler, do filme Ardor. E fê-lo porque ele começara a tratá-lo abaixo de cão e que obrigação tinha de aturar semelhante atitude? O homem não passava de um produtor reles, não de um segundo Clark Gable.

Tim voltara a trabalhar, podia pagar as suas próprias despesas e se bem que Ardor não se pudesse comparar propriamente com Gatsby, não deixava de ser um filme quente. Em todos os aspectos.

No seu primeiro dia de estúdio, conheceu pessoalmente aquela que iria ser o seu par feminino. Bastou-lhe um olhar para ficar siderado. Éden Antônio.

- Conhecem-se? - perguntou Ryder, reparando na expressão de Tim.

- Não-respondeu Éden, afastando-se.

"Cabra mentirosa", pensou Tim. Mas ela sempre fora uma mentirosa e uma cabra.

Tim Wealth fora de Nova Iorque para Detroit com a idade de dezanove anos. Esperara sinceramente ver as portas dos teatros abrirem-se diante de si. Era um actor e dos bons. As únicas portas que se lhe abriram foram as dos automóveis que cruzavam a Times Square à procura de um engate fácil. Tornou-se prostituto - não por opção mas porque dava bom dinheiro e lhe permitia freqüentar aulas de representação durante o dia.

Um dos outros estudantes era uma rapariga chamada Éden Antônio. A mulher mais bonita que ele já vira. Não só era bonita como também sofisticada e mundana - e só de ouvi-la falar era excitante. Ele bebia-lhe cada palavra porque Éden tinha classe e estilo - todas as coisas que faltavam na vida de Tim.

De vez em quando calhava fazerem cenas juntos. Ela não era muito boa na arte de representar, no entanto a sua beleza exótica compensava. Apesar de ser vários anos mais velha do que ele, tornaram-se bons amigos, e apesar de ele a saber a viver com outro tipo, tornaram-se amantes.

Um dia ela chegara à aula com uma expressão determinada no rosto.

- Escuta -, dissera-lhe. - Não sei qual é a tua opinião mas estou farta desta cidade. Quero ir para Los Angeles e entrar para o cinema. Por que não vamos juntos?

- E quanto ao teu namorado? - perguntara ele.

- Que tem ele? - replicara ela.

Depois de decidirem a ida, Éden encarregara-o de tomar todas as providências. Ele conseguira poupar algum dinheiro. Um dos aspectos positivos de se ser prostituto era o de se ser bem pago - em dinheiro e livre de impostos. E Éden contara que fosse ele a arcar com todas as despesas. O que aconteceu.

Dois bilhetes em primeira classe.

- Quero começar como deve ser, dissera Éden. Reservas no Beverly Hilton.

Várias fatiotas para Éden deslumbrar os agentes que contratavam actores.

Um mês no hotel sem arranjar trabalho fez com que Tim se apercebesse de que ficara liso.

- É uma pena -, dissera Éden, saindo da sua vida numa manhã chuvosa de Los Angeles, numa altura em que ele se ausentara para tentar arranjar alguma coisa, deixando-o com uma conta de três mil dólares que não sabia como pagar.

Tim ficara arrasado. Mas o acontecido proporcionara-lhe conhecimentos imediatos sobre as mulheres de classe e estilo.

Escapuliu-se sem pagar a conta e reatou a vida que outrora levara e era a única que conhecia para ganhar a vida.

Ser prostituto na Santa Monica Boulevard não diferia de o ser em Times Square.

Aos vinte e um anos foi, certo dia, engatado por um conhecido actor cuja vida íntima andava pelas ruas da amargura. O homem era casado, tinha filhos mas o facto não o impediu de montar um apartamento a Tim, juntando-lhe um subsídio generoso para roupas e pagando-lhe todas as despesas. O arranjo mostrou-se extremamente conveniente para Tim. Mantinha-o afastado das ruas, permitia-lhe receber raparigas quando o seu benfeitor não estava por perto e concentrar-se nas suas aulas de representação.

As suas diligências acabaram por dar fruto e, em 1980, conseguira o papel masculino principal num filme, para grande desgosto do seu namorado. Separaram-se zangados.

Críticas estupendas e boa afluência do público não deram absolutamente em mais nada. O actor tinha influência e servira-se dela para se certificar de que a carreira de Tim Wealth ia direitinha para o cano do esgoto.

Precisamente onde permanecera até a oferta de Ryder Wheeler aparecer-lhe no caminho.

- Mostra tudo quase até ao osso - advertira-o o seu empresário -, vai ser feito com classe e fartura de massa.

Tim aceitara o papel. Não tinha nada a perder - apenas o seu pudor, esse nunca contara muito. O guião dizia tratar-se de um filme pornográfico. Mas com Ryder Wheeler na direcção, Tim esperava que fosse algo mais. Experimentara já o gosto do estrelato; ansiava desesperadamente por mais.

Éden Antônio. Esta era tão ardorosa quanto o filme. Tim descreveria a mulher como gélida. Nunca a esquecera. Mas agora era mais velho e bastante mais prudente. Daquela vez Éden não o levaria à certa.

Éden erradiava estilo e sensualidade, apesar de a sua figura raiar o anoréxico. Uma escolha ligeiramente estranha para o papel feminino principal numa fita que prometia revelar muita carne.

- Está óptima - disse-lhe o maquilhador. - O resto das bonecas fazem que Dolly Parton pareça ter sido pisada por uma prensa!

Tim mal podia esperar. Tetas e maricas. A história da sua vida.

Nunca pudera escolher.

Agora que tinham iniciado as filmagens, sentia-se satisfeito por ter concordado em participar. Raios, se Richard Gere podia mostrar tudo, por que não faria ele o mesmo? Embora fosse mais do que mostrar tudo.

Ryder Wheeler dissera que o tipo de película que estavam a fazer era o filme do futuro.

- O público quer ver tudo - assegurara aos seus actores. - Hoje são vocês, amanhã serão Burt Reynolds e Jessica Lange.

Tim tinha as suas dúvidas. Mas ao menos, a acreditar nas palavras do seu empresário, tudo seria feito com classe e dinheiro. A primeira vez em que ficaram a sós, Éden disse:

- com que então também não conseguiste, heim?

- És uma cabra refinada - replicou ele.

- Um dos meus atributos principais - retorquiu ela. Encontravam-se no camarim de Éden. Tim fechou a porta com um

pontapé e possuiu-a em memória dos bons velhos tempos.

- O meu namorado dará cabo de ti por causa disto - sussurrou Éden. - Se alguma vez vier a descobrir.

- Tencionas dizer-lhe?

A mesma gargalhada gutural e enrouquecida.

- Que achas?

Na segunda semana de estúdio, Tim conheceu o "homem da massa", Santino Bonnatti. Este pavoneou-se de um lado para o outro como se o mundo lhe pertencesse incluindo todos os que nele viviam. Obviamente era dono de Éden, a quem tratava afectuosamente por "desavergonhada" em frente de toda a gente.

- É o teu namorado? - perguntou Tim desnecessariamente.

- Infelizmente - replicou Éden.

No ecrã, juntos, faziam saltar faíscas. Éden Antônio e Tim Wealth. E ainda nem sequer tinham iniciado as cenas mais ousadas.

Ryder percebeu imediatamente que seria assim que visionou as primeiras cenas. Telefonou a Paige e pediu a esta que fosse ter com ele à sala de projecções.

Paige viu Tim e Éden juntos e concordou imediatamente com o marido.

- Temos de manter este filme com nível - disse Ryder. - Quero que seja o Último Tango dos anos oitenta, não uma repetição de Garganta Funda.

- Não tens problemas em relação a isso, pois não? - perguntou Paige.

- Eu não tenho problemas mas Bonnatti vai-me dar que fazer. Espera e verás.

De facto, algumas semanas depois do início das filmagens, Santino exigiu mais.

- Quero mais mamas. Quero mais cu. Quero que chupem mais e fodam mais.

- Não encubras nada - incentivou Ryder. - Diz-me o que tens em mente.

Santino estava furioso. Ele entrava com a massa para um pornô e só lhe saíam cenas que nunca mais acabavam, iluminações cuidadas e merda artística.

- Ou fazes como eu quero - advertiu -, ou pões-me esse cu mexer do meu filme.

Dois dias mais tarde, Ryder Wheeler fez exactamente o dito.

Tim Wealth e Éden Antônio ficaram estupefactos. Especialment quando Santino trouxe um realizador bem conhecido pelas suas produções reles, que não perdeu tempo e foi directo ao osso - em mais de uma maneira.

Nos intervalos das filmagens, quando Santino não estava por perto e o sempre presente Zeko andava atrás das figurantes, Tim consolava Éden na privacidade de um dos camarins que lhes estavam destinados. Uniam-se ansiosamente. Éden, nervosa, tensa e esfomeada. Tim, surpreendido por conseguir reviver sentimentos que julgava desaparecidos há muito.

Não foi preciso que passasse muito tempo para Santino ficar desconfiado. Observava-os diante da câmara e não se importava com o que ali acontecia - porque ele controlava as operações e Éden era propriedade sua. Mas fora da câmara não queria que eles se falassem sequer.

- Tens de o largar - advertiu-a Tim.

- Eu sei - concordou Éden.

Tim Wealth não era capaz de perceber por que razão começara a prender-se. Devia era filmar a fita e cavar - Santino Bonnatti não era boa rês - era do pior que podia haver.

- Se eu arranjasse uma boa quantidade de massa, podíamos fugir para o México e esconder-nos - sugeriu Tim.

Éden concordou. Mas onde é que Tim Wealth iria arranjar uma maquia suficientemente grande que lhes permitisse uma fuga em segurança?

Nessa mesma noite, Tim vasculhou a sua mala - a que levara a Atlantic City na sua última viagem com o amante. Amarrotado a um canto estava um pedaço de papel. Neste estava escrito Brigette Stanislopoulos e um número de telefone.

Tim não hesitou.

Brigette sentia-se enfastiada. Estar presa na mansão de Bel Air semanas a fio na companhia de um batalhão de criados e da maluca da Alice era o cúmulo da chatice. Viera visitar a mãe e Lennie e praticamente, mal chegara eles tinham corrido para Nova Iorque quase sem se despedirem. Ena-'realmente tinham vontade de voltar a vê-la não tinham?

Durante algum tempo divertiu-se a remexer no guarda-fato de Olympia, assim como em todas as suas gavetas e na sua secretária. Depois explorou o estúdio de Lennie, mas este tinha o hábito de fechar as coisas, portanto não foi muito longe.

Alice propôs:

- Queres ir à Disneylândia, querida? Disneylândia! Brigette lançou-lhe um olhar maligno.

Alice apreendeu a mensagem. A Disneylândia estava fora de questão. Em vez disso foram ver um filme classificado para adultos à Hollywood Boulevard e mais tarde passearam-se no banco traseiro do Rolls-Royce branco de Olympia guiado com um motorista uniformizado, observando a parada de prostitutas pela Sunset.

Brigette estava fascinada.

- Elas realmente são pagas para fazer aquilo? - perguntou cheia de curiosidade.

- Naturellement ma chérie - respondeu Alice.

Andara a aprender umas frases em francês com um anão estrangeiro bem nutrido que conhecera num bar. Ele chamava-se Cláudio e provinha de um circo.

- Que é que elas fazem? - perguntou Brigette.

- O que elas não fazem, diz antes - replicou Alice misteriosamente.

- Oo la la!

Regressaram à mansão e jogaram às cartas. A cada dia que passava, Brigette esperava que o telefone tocasse pois tinha a certeza de que Tim Wealth ligaria, enquanto Alice não sabia se havia de convidar Cláudio a ir até lá a casa. Lennie fora muito claro nas instruções deixadas:

- Não quero que tragas nenhum dos teus amigos aqui, homem, mulher, normal ou maricas. Nenhum deles.

Pobre Claudiosinho. Era uma pessoa meiga e pacata. E sem dúvida muito sexy para quem tinha tão pouco tamanho. com certeza Lennie não teria impedido a ida de Cláudio ali a casa...

- Estou pirada - queixava-se Brigette constantemente. - Não podemos fazer alguma coisa para variar? Não conheces gente nenhuma?

Alice não entendia o significado quer de pirado ou transado - tanto uma coisa como a outra lhe soavam rudes. Suspirou. Os jovens daquela época eram diferentes. Brigette parecia uma adolescente tão precoce... Ou quem sabe era o normal. Obedecendo a um impulso, telefonou a Cláudio e convidou-o a aparecer lá em casa.

- Tenho um amigo que me vem visitar - informou Alice. "Que se divirtam os dois", murmurou Brigette de si para consigo. "'Ele levar-nos-á a sair" disse Alice para com os seus botões. Já estava

farta de fazer de ama seca. Quando Lennie lhe telefonara a convidar para ir para ali, ficara entusiasmada. Queria estar próxima do seu filho famoso, não permanentemente arredada da sua vida. Mas estar de olho numa irrequieta adolescente de catorze anos não era exactamente o que tinha em mente. Cláudio animaria indiscutivelmente as coisas.

- Seria agradável ver alguém - resmungou Brigette. - Estava chateada com Tim Wealth. Tinham-se passado semanas e nem sequer telefonara. Em breve ela teria de se ir embora de Los Angeles e regressar ao colégio. Quem pensava ele que era?

- Sim - disse Alice com ar ausente e bem disposto. - com Cláudio divertir-nos-emos bastante.

- Brilhante - disse Brigette. Alice declarou a medo:

- Sairemos e transaremos!

Brigette riu. Alice, com os seus movimentos saltitantes, o cabelo pintado e as faces cheias de rouge, sempre a fizera rir.

- Isso mesmo, avó!

O sorriso desapareceu do rosto de Alice.

- Não me chames assim, querida. Faz-me sentir velhíssima.

Em Nova Iorque, a batalha estava em plena acção. O testamento de Dimitri Stanislopoulos era um documento longo e complicado. Para surpresa de todos, deixara o grosso do seu dinheiro, interesses comerciais propriedades a Lucky - para esta os gerir até Roberto atingir os vinte e cinco anos de idade.

Olympia não ficara exactamente de fora. Deveria receber uma pensão anual de um milhão de dólares enquanto vivesse, o que a dita considerou um insulto de todo o tamanho. Brigette receberia o dobro dessa quantia e também uma herança de vinte e cinco milhões de dólares quando chegasse aos vinte e um anos.

-Como é que ele se atreveu! -gritou Olympia, ao saírem do escri tório do advogado. - Como é que aquele filho da mãe se atreveu a fazer-me uma coisa destas!

Na realidade Lennie não estava nada interessado nos comentários histéricos da mulher. Acabara de estar face a face com Lucky depois de três anos de afastamento e sentia-se como alguém que tivesse sido pontapeado no estômago por uma bota de biqueira de aço. Ela estava tão deslumbrantemente bela como sempre, envergando um fato saia-casaco preto simples e os caracóis negro-azeviche austeramente presos no alto da cabeça.

Aproximara-se deles e propusera-se abraçar Olympia em sinal de condolência, mas esta mantivera-a afastada com um olhar gélido. Ele não soubera o que dizer. Tudo parecia inapropriado. Ei - a grande estrela ficara sem fala. Lucky mal olhara para ele. - Como vais? - conseguira murmurar. - Bem, obrigada - respondera em tom frio e impessoal.

E fora tudo - as únicas palavras trocadas, a que se seguiram horas de tédio durante as quais o testamento foi lido.

Lennie tentara captar-lhe o olhar mas Lucky manteve-se reservada e ausente, o que o deixou completamente desconcertado. Tudo indicava que, no que dizia respeito a Lucky, estava tudo acabado. E enquanto estivesse casado com Olympia não tinha forma de a convencer do contrário.

- A culpa é toda daquela cabra - continuava Olympia a resmungar. - Fez-lhe uma lavagem ao cérebro. Forçou-o. Mas que nem pense que vai levar a melhor porque não o permitirei. Os meus advogados não descansarão enquanto não ganharem a minha causa.

Os jornais atiraram-se à notícia como uma praga de formigas e Lucky, que conseguira sempre manter-se razoavelmente à margem da notoriedade pública, viu-se repentinamente no centro das atenções. Na qualidade de Mistress Stanislopoulos, mantivera-se na retaguarda. Mas como viúva Stanislopoulos e herdeira da maior parte da fortuna de Dimitri, viu-se súbita e coercivamente projectada para as luzes da ribalta. Começaram a aparecer cabeçalhos indesejáveis. Foram buscar fotografias dos seus tempos de nora do senador de Richmond, da inauguração do Magiriano, assim como outras mais recentes, da noite de abertura do Hotel Santangelo.

"FILHA DE ANTIGO MAFIOSO GANHA JACKPOT", anunciava um jornal. "FILHA DE SANTANGELO ALCANÇA FORTUNA RÁPIDA", dizia outro.

Não tardou que investigações mais aprofundadas trouxessem à luz do dia a história da sua tentativa de violação às mãos de Enzio Bonnatti e o subsequente tiroteio. Tinham levado seis anos a conseguir levar a notícia para os cabeçalhos dos jornais, mas agora tinham-no conseguido.

"HERDEIRA DE STANISLOPOULOS MATOU VIOLADOR."

Lucky sentiu-se ultrajada pela súbita perda de privacidade e quando publicaram uma fotografia de Roberto a brincar na piscina do Magiriano, onde ficara aos cuidados de Gino, ficou furibunda e telefonou imediatamente ao pai.

- Que raio se passa? - perguntou. - Por que os deixas fotografar Roberto?

- Não deixo - replicou Gino sombriamente. Estava demasiado perturbado pelo despoletar inesperado de publicidade. - Pus os guardas da segurança a atirar com os parvalhões da imprensa daqui para fora, mas não tenho poder para controlar os turistas que trazem máquinas fotográficas - queixou-se.

- Quero Roberto daí para fora - disse Lucky com veemência. Imediatamente.

- Eu sei - concordou Gino. - Estava a pensar no mesmo. Comunicou os seus planos à filha. Costa e Ria tinham alugado uma

casa em Beverly Hills para aquele mês. Chegavam de avião de Los Angeles naquela noite e ele planeara levar Roberto e CeeCee para junto deles.

- Não consigo aturar a merda que anda por aqui - disse. - Assim ninguém saberá do nosso paradeiro e teremos um pouco de sossego.

- Por mim acho bem - disse Lucky. - Irei ter convosco assim que puder.

- Não te apresses - sossegou-a Gino. -Roberto está em segurança comigo.

- Eu sei - replicou Lucky calmamente. - Mas tenho saudades dele.

E era verdade. Desesperadamente verdade. Um hotel não substituia um filho.

Conversaram mais um pouco e no final, Lucky sentiu-se melhor. Podia finalmente recorrer a Gino em tempos de necessidade. Ele compreendia e estava sempre disponível para a ajudar. Naquele momento ela precisava de alguém.

Lennie.

Ainda casado com Olympia.

Por que imaginara ela que existia algo de importante entre eles?

 

Éden sabia que, se ao menos pudesse contactar com Lennie, este lhe emprestaria o dinheiro necessário para a livrar das garras mortíferas de Santino Bonnatti. com Ryder Wheeler afastado do filme, a situação deteriorava-se de dia para dia. As suas cenas com Tim não representavam problema. Eram escaldantes mas conseguia dominar-se porque o sabia do seu lado. Contudo, quando Santino insistira na reintrodução da cena da violação, ela soubera que se aproximavam problemas.

Um corpulento actor de filmes pornográficos de primeiro escalão, apareceu no estúdio para actuar como seu violador. E Éden pressentiu, sem a menor dúvida, que Santino dissera ao realizador para levar a cena até às últimas conseqüências.

Tim passou-lhe alguns comprimidos antes de o mandarem sair do estúdio.

- Toma-os - ordenou. - Ajudar-te-ão a agüentar. Éden assim fez e sentiu-se imediatamente melhor.

Santino estava sentado diante do local de filmagens quando a chamaram para iniciar a cena. Instalado na cadeira do realizador, por detrás da câmara, compusera um olhar de esguelha e tinha a beata de um cigarro fedorento presa entre os dentes.

- Montes de sorte, querida - desejou, qual namorado em cuidados. Éden sorriu com alheamento. Os comprimidos tinham-na levado para

outro lugar, onde nada tinha importância.

O realizador, um novaiorquino de cabelo pintado e olhos matreiros, disse:

- Vamos a isso, doçura. Vive a cena. Sente. Primeiro filmarei um quadro geral e depois passaremos para os grandes planos.

- Estou bonita? - perguntou com um murmúrio.

- Estás uma brasa, doçura. Vais pôr todos os schlong no cinema em pé e ao rubro.

Éden passou a língua pelos lábios finos e aguardou a palavra mágica: "Acção"!

O realizador proferiu e todos se afastaram.

Éden entrou em cena como a profissional que era.

Éden Antônio.

Grande beldade dos ecrãs.

Envergava uma camisa de noite de cetim e pouco mais.

Atrás da cortina escondia-se o actor corpulento, à espera da sua vez. A um sinal do realizador, entrou em cena, enorme e sinistro. Agarrou-a

sem perder mais tempo. Ela ficou como uma boneca indefesa no abraço vicioso.

Éden descontraiu e tornou-se inerte dentro do abraço do indivíduo.

- Luta! - sibilou o realizador.

- Isso, luta! - repetiu Santino, inclinando-se para a frente, com o suor a escorrer-lhe dos sobrolhos.

Por que havia ela de lutar? O que porventura acontecesse naquele momento era inevitável, nem toda a resistência do mundo o impediria.

Debilmente, tentou resistir.

O homenzarrão adorou. Rasgou-lhe o cetim, pegou nela como se fosse uma pena e atirou-a para cima da cama.

Os comprimidos tinham um efeito anestesiador. Éden deu-se por feliz com o facto. Ser violada diante de uma câmara de filmar nunca fora um objectivo de carreira.

- Olá, rapariguinha.

- Tim!

- Que memória!

- Por que só me telefonaste agora?

- Pensei que as meninas ricas como tu não queriam saber de actores falidos como eu.

- Estás falido?

- Quase. Mas penso que sou capaz de arranjar trocos suficientes para te levar a jantar esta noite.

- A sério?

- Por que não? Estás livre, não estás?

- Oh, certamente.

- Encontramo-nos no bar Trader Vic às oito horas.

Brigette voltou a pousar o auscultador e guinchou de alegria. Sabia que Tim Wealth telefonaria e agora acontecera. Brilhante!

Ele convidara-a a sair e ela iria.

Excepto...

Como conseguiria sair de casa?

Alice estava a dormir uma soneca em frente de uma televisão gigante.

Ressonava delicadamente.

Brigette abanou-a vigorosamente até a acordar.

- Onde estou? - murmurou Alice, perdida por um momento. -'A minha amiga do colégio está cá - anunciou Brigette.

- Onde? - perguntou Alice em pânico, sentando-se apressadamente e olhando em volta.

- Não aqui, palerma. Em Los Angeles. De visita.

Alice estivera a sonhar com John Travolta. Lera algures que ele preferia mulheres mais velhas e tinha a certeza de que se alguma vez ele pusesse os olhos nela, seria amor à primeira vista. Mrs. Alice Travolta. Aí estava "algo que faria Lennie deter-se e ficar atento.

- Que bom, querida - observou com ar ausente.

- Ela quer que eu vá ficar a casa dela hoje à noite - mentiu Brigette.

Alice ficou deliciada.

- Será muito agradável para ti - disse, dando-lhe uma palmadinha na cabeça.

Cláudio apareceria ali naquela noite e assim teriam oportunidade de ficar a sós. Tomar conta de Brigette era uma coisa - mas negligenciar a sua vida sexual era outra. Cláudio era um baixinho extremamente talentoso e ela sentia a falta das suas atenções ardorosas.

- Não quero ir para casa da minha amiga no Rolls - declarou Brigette. - É tão embaraçante!

Se Alice dispusesse das coisas, ela própria não iria a lado nenhum a não ser de Rolls-Royce - nunca mais. Que criança peculiar Brigette era.

- Como é que vais para lá? - perguntou.

- Chamo um táxi.

- Lennie disse...

- Por favor, AH. Por favorzinho! Não digo nada a Lennie se tu fizeres o mesmo.

Alice não via mal algum em deixar uma rapariga sair de táxi.

- Oh, muito bem. Mas não fales com o motorista. São todos uns malandros, como sabes.

Brigette sorriu astutamente. O que planeara fazer também nada tinha de inocente, mas que importava?

Correu para o guarda-roupa de Olympia e remexeu nos fatos da mãe. Camisas e blusas, vestidos e saias, lenços e cintos, casacos e calças. Vasculhar entre as roupas de Olympia era como estar num armazém. O gosto da mãe deixava muito a desejar e Brigette não conseguiu encontrar nada a seu contento, excepto um miserável lenço a imitar pele de leopardo pendurado ao fundo. Juraria que pertencera a Flash.

Excitada, pegou nele. Jeans justos, um dos casacos de Lennie e o lenço - especialmente se realmente pertencera a Flash - formariam uma toilette estupenda.

Ao puxar pelo lenço, ouviu um ruído raspante, ao mesmo tempo que uma parte do guarda-roupa deslizava para o lado, revelando um cubículo secreto.

Brigete ficou assustada mas apenas por um momento. Calculou que tivesse deparado com o local onde a mãe guardava as jóias.

Cheia de curiosidade, afastou as roupas e entrou na divisão minúscula. As paredes tinham prateleiras alinhadas. E nestas via-se uma profusão imensa de frascos contendo comprimidos de cores diferentes, garrafinhas de vidro, caixas com material castanho que cheiram a tabaco e pacotes com um pó branco.

Brigette franziu a testa, intrigada.

Drogas?

De quem?

De Lennie? Ele era um astro de cinema. Não era costume os astros de cinema serem todos pirados da cabeça? Lera sobre o facto no Enquirer ou noutro lado qualquer.

Cheia de curiosidade, pegou num pacote contendo pó branco. Fazia lembrar açúcar pilé mas calculou que fosse cocaína. Lembrou-se, com um estremecimento de excitação, do encontro tido com Tim Wealth. Ele inalara coca e zangara-se com ela por ter espirrado, desperdiçando a maior parte do material. Que diria ele se lhe levasse um presente? Teria de ficar contente. E ela desejava, mais do que a qualquer outra coisa no mundo, agradar-lhe.

- Viva, rapariguinha - cumprimentou Tim Wealth, levantando-se para a receber.

- Tenho dezoito anos - mentiu Brigette. - Acaba com esse "rapariguinha".

Tim inclinou-se para ela.

- Os restaurantes polinésios sempre me excitaram. E a ti? Brigette sentiu as pernas fracas mas não quis dar-lho a perceber.

- Que estás a beber? - perguntou ela, olhando para o copo dele.

- Uísque envelhecido.

- Tomarei o mesmo - disse, esperando e rezando para que não lhe pedissem o bilhete de identidade.

Como que lendo-lhe o pensamento, Tim disse:

- Tens apenas dezoito anos - só estás autorizada a tomar bebidas alcoólicas aos vinte e um. Queres que eu vá preso?

Se ele soubesse!

- Mandarei vir um sumo de frutas para ti e podes provar do meu uísque à sucapa. Que tal?

Brigette anuiu, feliz. Ele era tão fantástico! E compreensivo.

O jantar foi maravilhoso. Pelo menos parecera maravilhoso. Brigette estava demasiado excitada para comer. Custava-lhe a acreditar que estava, de facto, num restaurante acompanhada por Tim Wealth.

- Fala-me de ti - encorajou-a ele durante o chow mein de galinha. - És realmente neta de Dimitri Stanislopoulos?

Brigette acenou afirmativamente com a cabeça.

- Ele morreu, sabes.

- Sim, li sobre o assunto - observou Tim com indiferença. Lera tudo sobre o mesmo. -Um velhão podre de rico, heim?

- Parece.

Parecia-lhe. Tim fitou a bonita jovem loura que tinha na sua frente e reflectiu sobre a melhor maneira de se servir dela. Não sentia remorsos pelo que tinha de fazer. Ela estava a servir-se dele. Catorze anos e a querer passar por dezoito. Boneca de luxo. Boneca de luxo rica. Boneca de luxo perigosa. A ela tanto fazia que, por causa daquele logro, ele pudesse dar com os ossos na choça. Por que havia de o fazer? Toda a vida lhe tinham oferecido as coisas em bandeja de prata e sempre seria assim. Ligeiramente diferente dos seus princípios humildes. Aos catorze lutara contra uma tentativa de violação do padrasto no urinol público. Miss Stanislopoulos, com os seus enormes olhos azuis e caracóis louros, provavelmente nem sequer sabia o que um urinol público era.

Perguntou a si mesmo que tipo de acesso ela teria ao dinheiro que pressupostamente era seu. Ter catorze anos era ser-se a modos que jovem. De certeza que andava rodeada de preceptores e guardas, sendo vigiada provavelmente nem sequer sabia o que era um urinol público.

Se era vigiada permanentemente, como diabo estava ali beberricando-lhe no uísque envelhecido e impacientemente à espera de ir para a cama com ele?

Fez-lhe algumas perguntas sobre as pessoas com quem se encontrava ali em Los Angeles e soube de tudo o que dizia respeito à louca Alice, mãe de Lennie Golden.

- Como é que chegaste aqui? - perguntou com curiosidade.

- Hum... apanhei um táxi. - Hesitou. -Podia ter vindo a guiar mas tenho o carro a arranjar na oficina.

- Ah, sim, que problema é que tem?

- Avaria no motor.

Tomou um gole rápido da bebida dele e esperou que as perguntas tivessem acabado.

Brigette lembrou-se do Porsche que Lennie deixara na garagem.

- De que marca é o teu carro? - insistiu Tim.

- Um Porsche - disse sem hesitar. Ele resolvera brincar com ela.

- De que modelo? Brigette levantou-se a custo.

- Tenho de ir à casa de banho. Tim pôs-se delicadamente de pé.

- Não faças cerimônias.

 

Jerry Myerson atirou com a revista de folhas lustrosas para cima da secretária de Steven, onde caiu com um baque sonoro. A publicação de Bonnatti, intitulada Comer, mostrava Mary Lou de meias pretas, cinto de ligas e pouco mais. Esta fitava a câmara, de lábios húmidos, expressão amuada e posição atrevida.

- Há-as por aí aos montes - disse Jerry, apontando para a legenda que acompanhava a rapariga nua: MARY LOU REVELA-SE... VEJAM TUDO, SAIBAM TUDO... CINCO PÁGINAS GLORIOSAS...

Steven olhou. E praguejou. E passou as páginas da revista, procurando as restantes fotos.

- Tinhas conhecimento disto? - perguntou Jerry.

- Raios, não - replicou Steven por entre dentes, enquanto examinava as outras fotografias.

- Ela devia ter-te dito - resmungou Jerry. - Isto vai atirar com a nossa vitória pela janela fora. A decisão será anulada e ela ainda acabará por ter de pagar os custos a Bonnatti.

Steven ficou silencioso enquanto olhava para as imagens ofensivas, Mary Lou aparecia numa banheira vazia, com uma perna negligentemente atirada pela borda da mesma. Mary Lou aparecia deitada numa cadeira de descanso, de pernas abertas, apenas com uma estola de penas a tapá-la. E muitas outras do gênero das que eram próprias das revistas masculinas.

- Raios! -exclamou Steven cheio de raiva. Jerry mostrou-se compreensivo.

- Eu sei, eu sei. É um choque. Pensavas que ela era boa rapariga e tudo isso. Mas acredita no que te digo, mulheres, nunca se pode adivinhar o que têm para nos aprontar na primeira oportunidade. Eu...

- Poupa-me à tua filosofia barata - interrompeu Steven iradamente, ainda de olhos fitos nas fotografias. - Esta não é Mary Lou.

- Steven. Sei que gostas da rapariga, mas...

- Esta não é Mary Lou - repetiu Steven furioso. - Estas fotos são falsas.

- De que estás a falar?

- Falsas. Montagens - disse Steven excitadamente. - O rosto dela. Juntaram-lhe o corpo de outra mulher qualquer. Jesus! Estou a falar inglês, não estou?

- Tens a certeza de que não são verdadeiras?

- Jerry. Por favor. Eu vivo com a rapariga. Tenho obrigação de saber que aspecto tem sem a roupa. - Agitou a revista no ar. - Esta não é definitivamente Mary Lou.

- Então teremos de o provar - raciocinou Jerry. - E depois é voltar ao tribunal para uma verdadeira indemnização. Estamos perante uma quantia mirabolante.

- Isso fica a três ou quatro anos de distância. Representa mais depoimentos, jornais, reuniões e adiamentos. Todas as maquinações legais.

- Por que me dizes algo que já sei?

- Porque não tenho a certeza de que Mary Lou esteja disposta a passar novamente por todo o processo. Irá desejar que estas fotografias não mais voltem a aparecer. - Impossível. A revista deve estar a chegar às bancas.

- Como te sentirias se alguém te fizesse semelhante barbaridade? perguntou Steven furibundo.

Jerry riu.

-Não me parece que eu vendesse assim muitas revistas! - Grande parvo. Para ti é tudo uma brincadeira, não é? - Existem determinados factos que escapam ao nosso controlo. Dispomos de um sistema legal para tratar desses factos, de que, devo salientar-te, tu fazes parte. Portanto ou recorres a ele ou tens um colapso nervoso.

- Vai-te lixar! - explodiu Steven. - Não vou assistir a esta trama de braços cruzados.

Jerry encolheu os ombros. -Não podes fazer nada.

-Vais ver se posso ou não -disse Steven com raiva.

O excitante estava na sua execução. Agora que consumara aquele acto, Lucky precisava de avançar para outro qualquer. Construíra o Santangelo. O hotel ficara precisamente como o desejara. O seu hotel. Motivo de orgulho para a sua pessoa. Mas não tencionava ficar sentada em Atlantic City a contar o dinheiro. Desejava um novo desafio, outra aventura.

Havia um consórcio comercial a querer comprar-lhe o hotel. Ofereciam uma vasta margem de lucro em relação aos dois milhões que a sua construção custara.

Vende, decidira. Pega no dinheiro e corre, como diria Gino. Não que este lhe fizesse falta - estava rica como nunca imaginara vir a ser possível nos seus sonhos mais ousados. O que realmente lhe fazia falta era a sua liberdade. Estar presa a Atlantic City para o resto da vida não era a idéia que tinha do paraíso. Passou rapidamente instruções aos seus advogados para que avançassem com as negociações.

- Olympia Stanislopoulos contestou o testamento - informaram-na os seus consultores legais.

Não era surpresa.

- Digam-lhe que duplicarei o que o pai lhe deixou - decidiu Lucky generosamente. - E que pode ficar com o iate de presente.

A resposta de Olympia foi rápida e direita ao assunto: "Não".

Lucky fez nova tentativa.

- Triplicarei o que Dimitri quis deixar-lhe e cederei o apartamento de Nova Iorque. Se ela não aceitar a minha oferta no prazo de dez dias, retirá-la-ei assim como a todas as outras já feitas.

A resposta de Olympia foi: "Para quê esperar dez dias? Quando eu apanhar aquela cabra em tribunal e provar que ela assassinou o meu pai e obrigou-o a alterar o seu testamento, tudo será meu."

Os advogados esfregaram as mãos de contentamento. E a imprensa também.

- vou embora - disse Lennie. Olympia concedeu-lhe um olhar irado.

- Não falas a sério - disse. - Não voltarias as costas a todas as coisas que posso dar-te.

Tinham passado as últimas semanas a discutir, desde a leitura do testamento. Na casa de Bel Air, ele tinha possibilidade de escapar. Mas no apartamento de Nova Iorque não dispunha de semelhante luxo. Lennie sabia que não podia suportar a situação por mais tempo. E por que motivo continuava porali? Olympia recuperara a beleza do rosto - a cirurgia plástica encarregara-se de todas as suas cicatrizes. Certo, estava gorda. Seria problema dele? Deveria sentir pena da mulher e continuar a seu lado para sempre?

- Não quero nada de ti - disse ele em tom fatigado. - Podes ficar absolutamente com tudo o que me deste. Os carros, a casa, a mobília. Vou-me embora deste casamento de mãos vazias.

- De mãos vazias uma ova - gritou Olympia. - Que me dizes ao dinheiro que ganhaste?

- Foi ganho por mim, não foi? É meu, não é?

- Não quando eu te tratar da saúde - respondeu-lhe Olympia rancorosamente. - Lei da Califórnia. Metade de tudo quanto tens é meu.

- E vice-versa. Mas eu não quero nada que te pertença. Portanto deixa-me em paz que eu terei a mesma delicadeza contigo.

- Grande estupor!

- Que senhora fina.

- Vai-te lixar. Só te vais embora porque não sou tão rica como imaginavas que iria ser.

- O dinheiro não tem nada a ver com o assunto e tu sabes.

- Claro - troçou Olympia. - Mas vais arrepender-te, é só esperares. O testamento será invalidado e eu serei a mulher mais rica do mundo. Nessa altura é que terás verdadeiramente pena.

Lennie atirou com umas roupas para dentro de uma mala, fechou a tampa desta com um movimento seco e dirigiu-se para a porta.

- Adeus, Olympia.

Ela foi atrás dele e atirou-lhe com um cinzeiro de cristal. Este não lhe acertou na cabeça por escassos centímetros. Lennie abriu a porta e saiu para a liberdade. Devia ter dado aquele passo há muito tempo atrás.

 

- Que tal foi, querida? - perguntou Alice alegremente quando um táxi trouxe Brigette até à porta da mansão, pouco faltava para o meiodia. - A tua amiga gostou de te ver? - Sem esperar pela resposta, continuou em tom ligeiro: - Gino telefonou. Está cá em Beverly Hills com Roberto e o teu tiozinho quer ver-te. -Sorriu. -Que estranho ter um tio com quatro anos e meio! Gino vai mandá-lo para cá hoje à tarde, acompanhado de CeeCee.

- Por que estão eles aqui? - murmurou Brigette mal-humorada.

- Não sei - retorquiu Alice com um trinado, feliz depois da noite passada com o amante minúsculo. - Je ne sais pás.

Brigette compôs uma carranca. Estivera a contar com um dia tranqüilo para pensar em Tim. Que noite tinham passado juntos! A noite mais excitante de toda a sua vida. Tim Wealth era o maior borracho existente à face da terra.

Ela amava-o.

Faria tudo por ele.

Ele era seu dono absoluto.

O camarim de Tim era o único refúgio de que dispunham.

- Como correu? - quis saber Tim.

Viam-se olheiras profundas em redor dos olhos de Éden e hematomas no seu corpo.

-Uma vez para a câmara e outra para Santino quando me levou para casa - queixou-se Éden amargamente. - Se tivesse uma arma, tê-lo-ia morto.

- Não precisas, de ir tão longe. Estou a trabalhar num plano que nos fará sair daqui em beleza. Que tal acharias passar o Inverno em Acapulco?

- Tenho de me afastar dele - disse Éden em tom desesperado.

- Não agüento mais.

- Não te preocupes. Está a andar.

Éden rodeou-lhe o pescoço com os braços finos e beijou-o com os lábios delgados. Tão diferente da rapariguinha com quem passara a noite. Mas incomparavelmente mais excitante. Éden Antônio carregava nos botões certos. Era uma mulher com quem ele sabia poder passar o tempo sem se aborrecer minimamente.

Uma batida na porta do camarim fê-los separarem-se.

- Quem é? - perguntou Tim.

- Chamam-no ao estúdio.

- vou já.

Gino, Costa, Ria, CeeCee e Roberto, almoçaram na Sala do Pólo do Hotel Beverly Hills. Gino deliciou-se com os ovos mexidos e o salmão defumado. Também desfrutou da parada de gente.

Algumas pessoas detiveram-se à sua mesa: um senador de cabelos grisalhos, com uma jovem secretária pelo braço; uma mulher de formas abundantes, cheia de diamantes que usava permanentemente e que em certa ocasião lhe vendera uma casa; um empresário com uma "pedrada" e olhos irrequietos; e, por fim, Paige Wheeler.

Esta entrou, falou com o maitre d', avistou Gino, quis passar pela mesa sem cumprimentar mas as boas maneiras levaram a melhor. Para não mencionar Costa, que lhe acenou e chamou pelo nome.

Paige envergava uma das suas famosas saias de racha até acima, e um casaco de linho por cima de uma blusa colorida. Os seios fartos retesavam-lhe agressivamente o tecido da blusa. Não trazia soutien, e Gino não teve dificuldade em lhe adivinhar a protuberância firme dos mamilos.

- Gino! - Sorriso afectuoso. - Há quanto tempo.

Já não se viam um ao outro desde que ele a apanhara com Susan e o divórcio subsequente.

Gino levantou-se, sempre cavalheiro, e beijou-a em ambas as faces. Ela tinha o mesmo cheiro. Almíscar e sexo. Mas parecia um pouco mais velha. Ele também. Grande coisa. Nenhum deles era cordeirinho. Ela caminhava para os cinqüenta e ele saía a toda a velocidade dos setenta.

- E Costa - disse sorridente. - Que prazer em te ver.

Costa apresentou Ria e mencionou o facto de estar prestes a ser pai. Paige ficou devidamente impressionada.

- E este é Roberto, neto de Gino - acrescentou Costa. - Não são parecidos?

Paige sorriu ao rapazinho.

- Tal e qual - disse.

Roberto fitou-a com os enormes olhos de pestanas compridas dos Santangelo e mordiscou um pastel doce.

- Que tal tomar uma bebida connosco? - convidou Costa. Desconhecia por completo as circunstâncias que tinham forçado Gino a romper com Paige. Ninguém sabia quais tinham sido.

Paige olhou de relance para Gino. Este não reagiu.

- Não posso - desculpou-se. - Tenho mm encontro marcado para o almoço com um cliente. Talvez numa outra altura.

- Telefone para nós - incentivou Costa, escrevendo o seu número de telefone numa carteira de fósforos. - Ficamos cá durante um mês.

Paige fitou Gino nos olhos ao mesmo tempo que murmurava:

- Pode ser que o faça. Este continuou sem reagir.

- Bem, foi um prazer voltar a vê-los a todos - disse Paige cordialmente, afastando-se para ir ao encontro do cliente.

- Gosto dela. É uma mulher de classe - observou Costa. - Como é que a deixaste partir, Gino?

Gino não respondeu. Estava demasiado ocupado a recordar.

Diante da câmara, Éden fez escorregar as mãos pelo peito de Tim abaixo. Beijou-o apaixonadamente e sentiu a reacção pronta dele que, ao mesmo tempo lhe despia o vestido pelos ombros e a inclinava sobre uma mesa.

- Corta! -gritou o realizador.

Santino, no lugar que ocupava habitualmente em frente do cenário, inclinou-se para a frente. Não gostara do tempo que os dois tinham levado a separar-se. Murmurou imprecações por entre dentes.

Desenlaçaram-se e Éden foi para junto do cabeleireiro, que começou a ajeitar-lhe o cabelo.

- Ei, desavergonhada - chamou Santino em voz bem alta. - Chega aqui.

Éden não lhe ligou nenhuma.

- Já disse para chegares aqui, estrela de cinema desavergonhada - repetiu Santino.

A mão do cabeleireiro começou a tremer. Éden estava impassível. Por dentro, toda ela era raiva. O pessoal mantinha-se atento. Tim desaparecera no interior do seu camarim.

Éden caminhou lentamente em direcção ao seu dono. Ele era um monstro. Um porco baixote, careca e cabeludo. E cada dia estava mais louco.

- Que é? - perguntou ela com voz sibilante. Santino levantou-se e puxou-a rudemente pelo braço.

- Tens uns minutos livres, estrela de cinema? - perguntou. A voz dela era contida.

- Tenho.

Todos estavam de ouvido à escuta, apesar de fazerem de conta que não.

- Apetece-me ser chupado - declarou Santino preguiçosamente.

- Vamos até ao teu camarim, estrela de cinema, vou permitir que me chupes todo.

Éden gelou por dentro. Não bastava que lhe pertencesse. Tinha de a humilhar publicamente. Tinha de mostrar ao mundo que podia tratá-la como melhor entendesse. Se ela tivesse uma arma, ter-lhe-ia acertado mesmo no meio dos olhos miúdos.

 

Lennie necessitava de tempo para ficar sozinho e reflectir sobre a sua vida. Portanto não informou ninguém do seu regresso a Los Angeles, nem mesmo Jess. Apanhou o avião e depois meteu-se num táxi, que o levou do aeroporto para o seu apartamento antigo, de que não se desfizera por razões sentimentais.

A penthouse de divisão única, em Doheny, cheirava a mofo e a falta de uso. Abriu as persianas. Sentiu-se em casa. Mais em casa do que na mansão de numerosas assoalhadas de Bel Air.

Harriet, a velha criada lamurienta que cuidara das suas coisas quando vivera ali, ficara de lhe ir limpar a casa uma vez por semana - continuava a receber o seu salário - mas obviamente nunca o fizera. Passou um dedo por uma prateleira, que deixou uma marca visível na camada espessa de pó.

Olhou em volta. A cama estava por fazer - encontrou recordações de mil e uma raparigas louras. A sala de estar estava por limpar. Encontrou uma garrafa de vodka e uma resma de blocos de folhas amarelas que utilizara para escrever. Outrora. Fazia muito tempo.

A tranqüilidade reinava no apartamento. Não havia criados a cirandar, telefones a tocar, secretárias e, acima de tudo - não havia Olympia.

Dera o passo.

Estava livre.

Quase.

Depois do intervalo para o almoço, Santino saiu do estúdio.

Éden manteve-se de cabeça erguida, embora no fundo se sentisse mortificada. Ele obrigara-a a pôr-se de joelhos e ameaçara-a quando ela tentara recusar. Começava indiscutivelmente a tornar-se um desvairado. Ela tinha de lhe escapar o mais depressa possível. Estava convencida de que em breve ele lhe ameaçaria a vida, não apenas o rosto.

Tim abraçou-a com força diante da câmara e depois, mais tarde, no seu camarim, entre filmagens, abraçou-a a sério e fizeram amor com enorme ânsia. com Tim Wealth, ela prestava-se aos jogos amorosos sem coacção. Jogos amorosos que Santino a obrigava a fazer com ele.

- Estou a tratar das coisas para podermos partir o mais depressa possível - assegurou-lhe Tim. - Talvez amanhã. Quero que estejas pronta para quando eu te telefonar.

- Não podemos ir para lado nenhum onde Santino possa apanhar-me - disse ela ansiosamente.

O dinheiro levar-nos-á para muito longe e eu estou a pensar em arranjar grande quantidade dele.

Planeara um esquema - um esquema diabólico. Este envolvia Brigette. E depois? Ela era uma miúda rica e estragada de mimo. Era tempo de aprender como o mundo funcionava.

A última coisa que Brigette tinha vontade de fazer era brincar com um petiz de quatro anos e meio. E sempre detestara CeeCee.

Reunidos à volta da piscina, pareciam uma família numerosa e feliz. Alice, com um fato de banho reduzido que revelava a carne enrugada e deixava um tufo alarmante de cabelo púbico sair-lhe pelas virilhas; Cláudio, o amigo de Alice, perfeitamente formado em todos os sentidos mas pouco mais alto do que Roberto, que brincava satisfeito na piscina; CeeCee, vigilante como sempre. E Brigette, de biquíni branco, parecendo ter no mínimo dezanove anos.

Brigette tomava entusiasticamente banhos de sol, sabendo que o bronzeado lhe caía bem com o cabelo louro. Queria aparecer a Tim no seu melhor. O Verão estava a acabar e em breve seria altura de regressar ao detestável colégio. Não o podia suportar. Todos os seus pensamentos convergiam para Tim Wealth. Ele era diferente de qualquer das pessoas que conhecera até ali. Tão melancólico, espirituoso e sexy...

Depois de jantarem no Trader Vic, ele levara-a para o apartamento que tinha em Hollywood. Um quarto. Uma cama. Oh! Se ele era sexy!

Despira-a, fizera amor com ela, levara-a a arrepiar-se e a estremecer e depois, à laia de brincadeira, dissera: "Vamos tirar umas fotografias, rapariguinha."

Ela rira, embaraçada, quando ele lhe dissera que poses devia fazer diante da sua máquina fotográfica Polaroid.

"Faz isto. Faz aquilo. Sorri. Mostra-te feliz."

A princípio ela sentira-se acanhada - mas depois de ele lhe dizer que as fotos seriam para ela própria guardar, descontraíra-se e apreciara a brincadeira. Ele presenteara-a com as fotografias. Ela presenteara-o com o saco cheio de pó branco que tirara do cubículo secreto de Olympia. Ele ficara verdadeiramente encantado.

Que aventura brilhante fora passar a noite com Tim Wealth. Desejaria poder passá-las todas com ele.

De manhã ele chamara-lhe um táxi, dissera que depois telefonaria e mandara-a para casa.

Brigette aguardava ansiosamente notícias dele.

Depois de ir deixar Roberto para passar a tarde com Brigette, Gino sentira-se perdido. Ria levara Costa às compras pela Rodeo Drive-de modo que a tarde estendia-se, vazia, à sua frente.

Desde que se divorciara de Susan que a sua vida nunca mais conhecera a ordem. Fazia o que queria quando queria. Era agradável, mas também sentia a falta de algo. Apreciava o companheirismo de uma mulher estável. Gostava de poder acordar de manhã e encontrar alguém ao seu lado. Estava demasiado velho para um engate rápido - e a maior parte das mulheres com quem agora ia para a cama já não lhe despertava interesse.

Começara finalmente, tinha de admitir, a ficar velho.

Com Paige Wheeler, nunca se sentira velho. Vê-la de novo reavivara-Lhe todas as recordações passadas, que eram bem deliciosas.

Pareceu-lhe ter reparado num brilho especial nos olhos de Paige quando esta o fitara naquele dia. Estaria enganado ou também ela sentia a sua falta?

Impulsivamente, fez o carro seguir para o Hotel Beverly Wilshire e instalou-se numa suite.

- Não traz bagagem, Mister Santangelo? -perguntou o empregado da recepção.

- Virá mais tarde. Mande uma garrafa de Dom Pérígnon e uma dose do vosso melhor caviar para cima.

- com certeza, senhor.

Uma vez na suite, começou a andar de um lado para o outro. Pois era - apanhara Paige com Susan. Bem, ela nunca confessara ser virgem.

Pois era - telefonava a Paige ou não?

Em frente do Lina Lee, em Rodeo Drive, às quatro da tarde, as águas rebentaram a Ria.

- Oh, meu Deus! - guinchou Ria. - Leva-me para o hospital, depressa!

Costa, que toda a vida fora um homem calmo, entrou completamente em pânico.

Uma turista do Minnesota e uma vendedora solícita encarregaram-se da situação. Se não fossem as duas, Ria poderia ter iniciado o trabalho de parto no passeio.

- Preciso de um orçamento para um trabalho - disse Gino pelo telefone em voz formal.

Paige reconheceu-lhe imediatamente a voz. Fez sinal a um assistente para que saísse do escritório e recostou-se na cadeira de couro.

- Que tipo de trabalho? - inquiriu, igualmente formal.

- Urgente.

- Urgente?

- Muito.

- Hummmm... -Fez uma pausa, como quem consulta uma agenda de compromissos muito preenchida. - Receio só dispor de tempo livre para a próxima semana.

- Encaixe-me.

Paige apoiou os pés em cima da secretária.

- Não sei se posso.

- Pode, sim.

- Onde?

- No Beverly Wilshire. Em que outro lugar poderia ser? Deu-lhe o número da suite.

- Tem alguma idéia do que deseja? - perguntou ela em tom profissional.

-Desejo-te a ti. E depressa.

Sorrisos irromperam em ambos os rostos ao desligarem.

- Provem uma fatia de bolo de frutas, fui eu mesma que o fiz - ofereceu Alice aos presentes. - São tudo ingredientes naturais. Oo la la! É uma delícia!

Tapara o fato de banho com uma fatiota que se parecia com uma toalha de mesa florida, e tentava impressionar Cláudio com os seus dotes domésticos. Na noite anterior ele confessara-lhe ser oriundo de uma família francesa nobre. Condessa Cláudio! Ha! Aí estava algo que impressionaria verdadeiramente toda a gente.

CeeCee provou um pouco e partiu imediatamente a capa de um dos dentes da frente numa noz dura. Ficou a olhar, espantado para a capa inutilizada.

- Imagino que tenhamos de te levar a um dentista - disse Alice com relutância. - Que aborrecimento!

CeeCee concordou. Não tinha alternativa. O ar frio estava a atingir-Lhe um nervo e começava a sentir o começo de uma desagradável dor de dentes.

- Conheço um dentista em Marina del Rey - disse Alice com um suspiro de mártir. Acho melhor telefonar-lhe.

Incomodada com a inconveniência da situação, pegou no telefone.

- Olá, rapariguinha.

Brigette quase saltou de alegria.

- Estava à espera do teu telefonema - disse. - Nunca pensei que acontecesse tão depressa.

- Queres vir até minha casa para brincarmos?

- Oh, não! Estou a tomar conta do meu estúpido tio.

- Do teu tio?

- Tem quatro anos e meio. E é parvo.

Brigette não reparou no tom de excitação que aparecera na voz de Tim ao perguntar:

- Roberto?

- Como é que sabes o nome dele?

- Não sou apenas um actor bonito. Brigette riu.

- Onde estão os outros? - perguntou Tim com curiosidade. - Por que razão estás a tomar conta do miúdo?

- A preceptora de Roberto partiu um dente e Alice e o namorado, que é um anormal, parece que saíram todos na limusina para mandarem arranjar o dente. O dentista de Alice vive em Marina del Rey e ela quis levar o namorado, devias vê-lo, para lhe mostrar o apartamento onde vive. Portanto... parece que estou presa, não é?

- Adoro miúdos - disse Tim rapidamente, reorganizando mentalmente o esquema que planeara.

- Deste não gostarias tu - disse Brigette mal-humoradamente. - É um cigano.

- Trá-lo. Depois te dou a minha opinião. Brigette riu.

- Não posso fazer isso.

- Claro que podes. Apanhas um táxi à esquina da Fairfax com a Sunset e encontramo-nos lá. Compramos um gelado ao puto e eu levo-o a casa. Depois podemos ter a noite toda só para nós os dois. Que tal?

Brigette sentia-se tentada. Desejava ver Tim a todo o custo. Mas se levasse Roberto, CeeCee iria aos arames. CeeCee era muito possessiva. Assim que percebera que tinha de ir ao dentista tentara contactar com Gino ou Costa para que fossem buscar Roberto, mas não encontrara nenhum dos dois.

E não confiava nas criadas. Cheia de relutância, deixara a criança entregue aos cuidados de Brigette.

- Não o deixes sair de junto de ti - admoestara. - Voltarei assim que me despachar.

CeeCee não mandava nada. Só se importava com o estúpido do Roberto. Seria bem feito que, ao voltar, não o encontrasse.

- Então? - perguntou Tim. - Que se passa?

- Vamos ao gelado - disse Brigette com uma risada. - Mal posso esperar!

As coisas estavam a correr melhor do que Tim esperara.

Pegou no jornal que tinha em cima da mesa, na sua frente, e olhou para o cabeçalho que encimava a fotografia de uma criança pequena de cabelo escuro a sair de uma piscina: O RAPAZ MAIS RICO DO MUNDO.

Voltou a ler a legenda por baixo:

"Roberto Stanislopoulos é o rapaz mais rico do mundo? Amigos chegados do falecido bilionário, Dimitri Stanislopoulos, afirmam que não tardará a sê-lo. Soube-se hoje em Nova Iorque..."

Tim pousou o jornal lentamente. Brigette Stanislopoulos era presa suficiente mas agora teria os dois.

Era um golpe de sorte com o qual dificilmente sonharia.

 

Steven não sabia se devia dizer a Mary Lou ou não. Martirizando-se com a dúvida, compreendeu, finalmente, que era o único caminho a seguir. Tinha de lhe dizer. A revista ofensiva devia estar prestes a chegar às bancas. A imprensa começaria a assediá-la, esperando que comentasse. Ele sabia que a rapariga que aparecia naquelas posições pornográficas não era Mary Lou, mas teriam de o provar ao resto do mundo.

- Raios partam! -disse de si para si. E perguntou-se como podia haver alguém tão reles e vil como Santino Bonnatti.

Lucky Santangelo eliminara o pai de Santino, o famoso Enzio. Tivera as suas razões. Segundo o que constava, Enzio fora responsável pelo assassinato de Marco, seu amante, e de Dario, seu irmão. Na altura, Steven discordara da actuação. A lei era adequada. A lei trataria dos indivíduos como Enzio Bonnatti.

Agora já não estava tão certo. A lei era um processo longo e tortuoso. As pessoas podiam ser subornadas para que a justiça não fosse exercida.

Cancelou um compromisso e voltou apressadamente para casa. Quanto mais cedo contasse a Mary Lou, melhor. Ela teria de falar com a cadeia de televisão e com os patrocinadores do seu espectáculo. O melhor a fazer era ela dar uma conferência de imprensa antes de os órgãos de comunicação social lhe sitiarem a casa.

Planeou a melhor maneira de tratar da situação. Dignidade e negação aí estava o único procedimento indicado.

O acentuado cheiro a gás atingiu-o mal abriu a porta da frente. Engasgou-se e quase sufocou - o ar estava impregnado dele.

Jesus Cristo! Mary Lou teria deixado o fogão ligado? Detestava cozinhar; normalmente mandavam vir a comida de fora.

Conteve a respiração e correu para a cozinha.

Mary Lou estava caída no chão, em frente do fogão, com o gás aberto.

Ao lado via-se um exemplar da revista Comer.

 

Lucky deambulou até ao gabinete de Matt e empoleirou-se na beira da secretária deste.

- Estou farta - comunicou-lhe com um suspiro de fadiga. - Vou-me embora para Los Angeles amanhã de manhã. Passarei lá o fim-de-semana e regressarei na terça. És capaz de tomar conta das coisas sem mim?

- Creio que sobreviveremos - disse Matt ironicamente. - Desde que possamos ligar para ti a qualquer hora do dia ou da noite.

O Santangelo abrira devidamente capacitado para o negócio - mas tinham surgido os habituais problemas com os cozinheiros, gerentes e pessoal em geral Tudo controlável.

Lucky sorriu melancolicamente.

- Sabes que nunca durmo. E também sabes que gosto de ser a primeira a saber de tudo o que se passa.

Matt disse:

- Portanto vai, descontrai, descansa e diverte-te. Bem mereces. Lucky pegou num lápis que estava sobre a secretária e ficou a brincar

Com ele.

- Estou ansiosa por ver Roberto. É o que me está realmente a fazer falta, uma dose maciça de amor de filho.

-A mim parece-me óptimo.

- Bem, quem sabe, talvez tu e Jess se decidam a mandar vir um. Matt riu, constrangido.

- Disso não percebo nada.

Falaram de várias questões ligadas ao trabalho. Matt sabia que Lucky tencionava vender. Esta incluira-o numa parte da acção. Ele ainda não se decidira sobre o que fazer a seguir. Os compradores potenciais tinham-Lhe oferecido um contrato bastante favorável - mas ele precisava de discutir o assunto com Jess antes de se comprometer.

Terminada a conversa de trabalho, Lucky deu-lhe um beijo ligeiro na cara e foi fazer as malas. Não telefonara a Gino a avisar da sua chegada. Queria fazer uma surpresa a todos.

O som do chuveiro deixava-se ouvir no quarto. Gino, de roupão, estava sentado na beira da cama desfeita a manusear uma garrafa de Dom Pérignon que tirara de dentro de um balde de gelo colocado sobre a mesinha de cabeceira. Vazia. Nem uma gota. E ele que não se lembrava de ter bebido assim tanto.

- Ei - chamou. - Acabámos o champanhe.

- Vives perigosamente - respondeu-lhe Paige. - Manda vir outra garrafa. Dormir com um velho rico tem de ter as suas compensações.

Gino soltou uma risada e pegou no telefone. Ela fazia-o rir constantemente.

- Vem aí mais champanhe - anunciou entrando na casa de banho e abrindo a porta do duche para a ver ensaboar-se.

Paige era senhora de uns seios cheios e autênticos (como ele detestava o silicone - quem quer que tivesse inventado as mamas de silicone devia levar um tiro), um corpo firme, coxas macias e um tufo revolto de cabelo púbico cor de cobre - como o da cabeça.

- O que eu quero sabes tu bem -disse.

- Que é? - perguntou Paige, ensaboando vigorosamente os seios.

- Quero que passes a noite aqui. Tal como em Nova Iorque. Lembras-te? Vivemos bons bocados lá, não foi?

Paige pousou o sabonete e deixou que a água lhe passasse pelo corpo. Depois saiu da banheira e envolveu-se num toalhão felpudo.

- Sabes bem que não posso ficar - disse com brusquidão.

- Por que não? - perguntou Gino.

- Porque - replicou Paige pacientemente-, sou uma mulher casada e tenho um marido em casa que ficará extremamente preocupado se eu decidir passar a noite toda fora.

- Ficará?

Paige começou a esfregar-se.

- Sim, ficará.

- Que tu passes o dia na cama com outro não o preocupa, agora à noite já é diferente, não?

Paige recusou-se a permitir que Gino a fizesse zangar.

- Como queiras.

Deixou cair a toalha e pegou num roupão. Gino sentou-se na beira da banheira.

- Senti a tua falta, moça - disse. - Tentei diversificar, mas tu és a única que me agrada a cem por cento.

Paige começou a rir.

- Não acredito nessa, Gino. Tu vais para a cova com uma erecção! Ele agarrou-a pela cintura e premiu o rosto contra o estômago dela. Paige abriu o roupão.

- Já que estás aí em baixo... - murmurou.

Ele não precisou de mais nenhum encorajamento.

Alice entreteve-se com Cláudio em Marina del Rey. Mostrou-lhe o seu velho álbum de fotografias e as ligas prateadas cuidadosamente preservadas. Ele ficou devidamente impressionado. Especialmente quando ela lhe apresentou as fotografias por ela ingenuamente tiradas a todos os que tinham estado presentes no famoso cruzeiro Stanislopoulos.

Beberricaram Martinis, admiraram a vista para o mar que se desfrutava da parte da frente do apartamento de Alice e fornicaram no sofá. Alice sorriu de si para si. Cláudio podia ser baixote, porém possuía o maior schlong que ela já vira.

O bofetão violento atirou com Éden para o outro lado do quarto.

- És uma desavergonhada, eis o que tu és. E uma desavergonhada velha, se queres saber.

- Tenho trinta e um anos - soluçou Éden, descontrolada. - Não sou nenhuma velha. - Agachou-se ao canto, à espera da pancada seguinte. - Não sou nenhuma velha! - guinchou.

- Nesta cidade isso já é ser uma velhadas, para a mulher - declarou Santino com desprezo.

Tirara o casaco e o colete, enrolando as mangas da camisa às riscas para cima - chegar a roupa ao pêlo a uma mulher dava um trabalhão. Estava a suar mais que o costume.

Éden enrodilhou-se na posição fetal, de joelhos contra o peito, os braços a rodeá-los. Estava uma desgraça. Tinha um olho negro e meio fechado, o queixo inchara-lhe com um hematoma arroxeado, e o sangue pingava-lhe de um corte no lábio.

Santino fitou-a do alto do seu desdém.

- Se fodes com outro tipo sem ser Santino Bonnatti, tens de pagar por isso. Entendes, desavergonhada?

- Não fiz nada - choramingou Éden.

Santino levantou a mão para lhe desferir novo golpe mas mudou de idéias. Ela aprendera a lição. Tão cedo não abriria as pernas para mais ninguém. Ela sabia a quem pertencia.

Agora só lhe faltava tratar da saúde a Tim Wealth. Dar-lhe uma lição.

Ninguém fodia a mulher de Bonnatti sem ser em frente da câmara.

Ninguém.

Só se ele desse ordem.

- com que então este é que é o miúdo? - perguntou Tim Wealth.

- Aqui tens o cigano - concordou Brigette.

- Não sou nenhum cigano, não - assegurou Roberto.

- Dá-me a mão e cala a boca, puto - ordenou Brigette, pegando na mão do rapazinho.

O trânsito circulava, célere, pela Sunset. Só lhe faltava Roberto ir parar debaixo de um carro. Lucky nunca mais lhe perdoaria. Tim inclinou-se para falar à criança.

- Olá -disse.

- Gelado? - perguntou o rapazinho ansiosamente.

- Se te portares bem - replicou tom. Brigette riu.

- Aposto que as pessoas que passam imaginam que formamos uma família - disse. - Eu sou a mãe, tu és o pai e este é o nosso filhinho. Desatou a rir gostosamente.

Tim olhou rapidamente em volta. Não queria que ninguém reparasse neles. Brigette não passava propriamente despercebida com a sua camisola vermelha a dizer "MATERIAL QUENTE" na frente, os jeans brancos colantes e as cascatas de cabelo louro.

-Vamos para minha casa - sugeriu.

- Gelado - repetiu Roberto, tentando libertar-se da mão de Brigette.

- Cala-te, Bobby - disse-lhe ela rispidamente, pensando para consigo que devia ter deixado o miúdo em casa. De que servia tê-lo trazido? CeeCee ficaria furiosa.

E depois? Não passava de uma preceptora estúpida. Quem se importava com a reacção que pudesse ter? De facto, ralar-se até lhe faria bem. Brigette nunca esquecera a tareia que levara por sua causa aos onze anos. A humilhação ainda perdurava.

- Prometeste gelado ao cigano - lembrou a Tim, - Façamos-lhe a vontade e despachemo-lo para casa.

Nem pensar em deixar que Tim levasse Roberto para casa de carro. Já resolvera meter a criança num táxi e depois telefonar a Alice a avisar que ela ia a caminho. Alice acreditaria em qualquer coisa. "Viva, Ali", diria. "Estou em casa da minha amiga e vamos ao cinema. Bobby segue num táxi, deverá estar a chegar aí. Provavelmente passarei a noite em casa da minha amiga." Dessa maneira, CeeCee não lhe podia dizer nada. Isso - o puto ficava bem, era só uma corrida de dez minutos. Estava ansiosa por se ver livre dele a fim de ficar a sós com Tim.

- Tenho gelado lá em casa - disse Tim.

- Tens?

- De chocolate.

Brigette enfiou alegremente o braço no dele.

- De que estamos à espera? - Sorriu, puxando Roberto com a outra mão. - Vamos.

Informação.

Carrie dispunha da informação que seu filho desejava. E depois de Fred Lester lhe confessar a verdade, tudo se tornara muito simples.

Gino Santangelo era o pai de Steven.

Gino. Uma lembrança tão longínqua...

Fizera-lhe um filho sem ter a menor consciência do facto.

Gino Santangelo.

Ao longo dos anos, ela lera notícias ocasionais acerca dele nos jornais. Antigo gangster, era agora um homem importante, e velho - tal como ela. E respeitado. Ainda a semana anterior vira uma fotografia dele no jornal de uma associação caritativa de Las Vegas, ao lado do ex-presidente. Os dois homens tinham ficado de frente para a objectiva com o braço um por cima do outro. Bons amigos.

O pai de Steven.

Não se podia importar menos. Mas Steven precisava de saber.

Carrie apressou-se ao longo da Lexington, em direcção à casa de Steven, que ficava na Rua 58. Ia completamente abstraída com os seus pensamentos. Sentia-se confusa... tão confusa. Durante quarenta e cinco anos lembrara-se de Freddy Lester como perfeita escumalha. E agora ele voltara a entrar na sua vida. Um homem perfeitamente respeitável. Um homem bem-disposto, possuidor de maneiras excelentes e um rosto bondoso.

Era tão difícil acreditar que ele fora outrora o porco bêbado que a violara. O escroque insensível que a tratara por "estupor de preta".

Ele contara-lhe a sua história, enquanto ela ficava na sua frente, a olhá-lo com uma expressão de desprezo no rosto.

Ele falara-lhe do acidente sofrido, da sua família e da sua vida.

Ela escutara-o com um silêncio de pedra.

Finalmente ele dissera:

- Se eu fosse pai de Steven teria gostado de o saber para começar a compensá-lo por todos estes anos perdidos. A voz de Carrie era fria. -Não sei nem me interessa.

- Mas eu sei - observou Fred muito calmamente. - Assim que estive de posse de todos os factos, não descansei enquanto não descobri. - Como poderiam fazê-lo? - perguntou Carrie. -Se tens a certeza de que Gino Santangelo e eu fomos os dois únicos intervenientes, então não restam dúvidas.

- O meu livro conta a verdade - declarou Carrie em tom gélido. -Eu não minto.

- Bem, então o pai de Steven é Gino. Eu possuo um tipo sangüíneo extremamente raro. Investiguei os registos médicos de Steven - as leis da genética provam que eu não o podia ter gerado. Fez uma pausa e depois continuou.

-Tomei a liberdade de investigar o passado de Gino Santangelo. Ele esteve na prisão entre 1940 e 1947. Eles ficaram com a sua história médica completa. O tipo de sangue dele é exactamente igual ao de Steven.

Fred continuara a apresentar-lhe factos comprovadores. Também dispunha de uma documentação completa com todos os dados recolhidos, que lhe entregara.

A certa altura ele calara-se e Carrie recompusera-se. - Mister Lester - disse friamente -, desejo interromper os planos de publicação do meu livro. -Mas...

Carrie ergueu uma mão para suster os protestos de Fred. -Por favor. Preciso de tempo para pensar. Talvez para a semana tenha mudado de idéias, ou no próximo ano. Simplesmente não sei. - Espero que sim - disse Fred ansiosamente. - Não posso dizer-lhe até que ponto é importante para mim publicar este livro. Trata-se de uma...

-Ah, desde que os nomes sejam mudados - interrompeu-o Carrie secamente. - Para proteger os não-tão-inocentes. Fred esboçou um gesto de impotência.

- Carri... tudo aconteceu há tanto tempo...

- Não há tempo suficiente, Mister Lester. Não há tempo suficiente, nem pouco mais ou menos.

Carrie saiu da editora e caminhou a esmo pela Quinta Avenida abaixo. A tarde já ia no fim e ela aproximava-se da casa de Steven. Ele tinha de saber imediatamente da verdade.

Havia uma ambulância estacionada em frente e uma pequena multidão olhava, embasbacada.

Carrie abriu caminho.

- Que se passa? perguntou a uma mulher bem vestida.

- Suicídio, suponho - respondeu a dita, de olhos brilhantes. - Não acenda nenhum cigarro, ia o bairro todo pelos ares. Gás, penso eu. Não sente o cheiro?

Durante um instante arrasador, Carrie imaginou tratar-se de Steven. Mas, graças a Deus, antes de ceder ao pânico, o filho saiu do edifício a correr e atrás dele vinha uma maça transportada por dois homens.

- Steven - chamou, desesperada. - Que aconteceu?

 

Uma enfermeira muito simpática tratava de manter Costa são de espírito, enquanto Ria passava horas na sala de partos.

Ele fizera inúmeras tentativas para telefonar a Gino mas uma máquina estúpida atendia constantemente o telefone e Costa não estava disposto a falar para um a máquina. Por fim resolveu ligar para a mansão de Olympia a fim de falar com CeeCee e Roberto, mas uma criada informou-o de que todos tinham saído.

Não haveria ninguém no mundo a quem ele pudesse dar a notícia? Ele, Costa Zennocotti, ia, aos setenta e cinco anos de idade, ser pai pela primeira vez.

CeeCee estava com maus pressentimentos, não sabia porquê, mas eles estavam presentes na sua cabeça, e bem fortes. No dia em que Dimitri morrera, acontecera-lhe o mesmo. Acordara de manhã, lavara os dentes e procedera às suas abluções matinais. Despertara Roberto e dera-lhe o seu picado preferido, acompanhado com ovos estrelados. Depois tinham ido, juntos, visitar o pai da criança, como era costume.

Mr. Stanislopoulos estava sentado no seu lugar habitual. Parecia fraco e cansado.

"Bom-dia, CeeCee. Bom-dia, Roberto" dissera. Tudo como acontecia todos os dias. No entanto ela percebera imediatamente que ele não chegaria ao fim daquele dia. Naquele momento voltara a experimentar as mesmas sensações de mau agoiro.

Fitou a apalermada mãe de Mr. Golden e o companheiro estrangeiro desta, já que eles eram responsáveis por Roberto ter ficado com Brigette durante mais tempo que o necessário.

Brigette era irresponsável. Não fazia idéia de como cuidar de uma criança de quatro anos e meio. Estava estragada de mimo, era egoísta e sentia ciúmes de Roberto - sempre fora assim.

CeeCee suspirou ruidosamente. Não imaginara Marina del Rey tão longe. Se o tivesse sabido, teria ignorado o dente e prenderia a capa com pastilha elástica ou algo do gênero. Para cúmulo, Alice deixara-a sentada na sala de espera do dentista durante quase duas horas. CeeCee mostrava-se silenciosamente furibunda.

Finalmente puseram-se a caminho de Bel Air no Rolls Royce de Olympia.

- Quanto tempo levaremos a lá chegar? - perguntou ao motorista. Este era um inglês de rosto sisudo, em uniforme completo.

-Cerca de meia hora, minha senhora, dependendo do trânsito respondeu com voz audível.

- Obrigada.

Desejaria poder libertar-se dos maus pressentimentos.

 

- Gostas de mim? - perguntou Tim Wealth.

Brigette não soube o que responder. Roberto sentado no balcão da cozinha a entornar gelado de chocolate pela roupa toda e Tim a fazer-lhe a pergunta mais importante de toda a sua vida. "Não gosto de ti, amo-te", apeteceu-lhe gritar bem alto, mas talvez fosse um pouco cedo demais. No final de contas, ele não lhe falara de amor.

- Sabes bem que sim - disse finalmente. -O que faço contigo não faço com mais ninguém. É mais do que gostar.

Quem sabe ele percebia.

-Eu também gosto de ti - disse Tim, com ar muito sério. -Mas sei de uma coisa a teu respeito que me traz muito ralado.

- Que é? - perguntou Brigette rapidamente.

- Mais gelado - pediu Roberto.

Santo Deus! Apetecia-lhe dar um tabefe ao parvo do ciganozinho!

Tim foi ao frigorífico, de onde tirou novo pacote, que colocou em frente da criança.

Brigette mexeu-se, impaciente, à espera de que ele lhe dissesse o que o ralava.

Tim não a manteve na expectativa.

- Sei que idade tens - declarou. Ela sentiu-se corar.

- Tenho dezoito - disse em tom fanfarrão.

- Tens catorze - contrapôs ele.

- Não tenho nada - mentiu ela desesperadamente, sentindo-se humilhada.

- Tens sim - insistiu ele sombriamente. - E já imaginaste o sentimento de culpa que isso me dá?

- O quê? - perguntou amuada.

- Crime de violação.

O único som que se ouvia na divisão era o que Roberto fazia a chupar o seu sorvete. Brigette desejaria não estar ali. Desejaria que o chão se abrisse para a engolir. Tim Wealth estava prestes a dizer-lhe que não queria voltar a vê-la e ela tinha vontade de morrer.

- Como é que descobriste? - murmurou, profundamente corada. - Não és exactamente um segredo de estado - disse Tim. – Li acerca do teu avô e do testamento.

- São tudo mentiras. -O quê?

- A minha mãe diz que tudo o que os jornais publicam é mentira. - Talvez seja assim. Mas informei-me, rapariguinha, e tu tens mesmo catorze anos. Só fazes quinze para Dezembro.

- Parabéns a mim - murmurou Brigette.

Roberto descobrira uma televisão a um canto da divisão.

- Quero ver - disse, apontando para o aparelho.

Brigette deixou-se cair na ponta do sofá que servia de cama a Tim.

Tim ligou a televisão a Roberto e a criança desceu do contador, pegou na sua caixa de gelado e sentou-se no chão a alguns centímetros do televisor, totalmente absorto.

- Não quero ter catorze anos - disse Brigette amuada. -Detesto. Detesto de verdade. -Os enormes olhos azuis encheram-se-lhe de lágrimas. - E agora também tu me detestas.

- Não, não detesto - disse Tim apaziguadoramente, pondo-lhe um braço à volta.

- Sim, detestas - choramingou a jovem.

- Não, não é verdade. Mas temos um grande problema e tens de ajudar a arranjar uma solução.

Brigette desejou não ter Roberto ali. Só o facto de ele estar na mesma sala dava-lhe cabo dos nervos.

- Não te preocupes - disse ela truculentamente. -Daqui a uma semana volto para o colégio da Suíça, portanto deixará de haver um grande problema.

- Queres ir? - perguntou Tim sem hesitar. - Ou preferes ficar comigo?

A possibilidade de ficar com ele nunca lhe ocorrera. Mas agora que Tim a mencionara, era exactamente o que ela gostaria de fazer.

- Como é que posso fazê-lo? - perguntou ela esperançada.

- Escuta, rapariguinha, e escuta com atenção. Tenho um plano.

Paige Wheeler telefonou para casa eram cinco e meia da tarde. Surgira uma viagem de negócios urgente a São Francisco - só regressaria no dia seguinte.

- Nem sequer vens buscar um malote com roupas para a noite? perguntou Ryder.

Paige explicou que o cliente árabe tinha um avião particular impacientemente à espera dela para partir.

Ryder compreendeu. Negócios eram negócios.

Gino telefonou para a casa alugada em Beverly Hills. Não estava ninguém, apenas atendeu o aparelho que registava as chamadas.

- Isto é uma aventura - ronronou Paige com um sorriso malicioso.

- Já há muito tempo que não tenho uma aventura. - Voltou a deitar-se na cama e espreguiçou-se de prazer. - És tão persuasivo, Gino.

- É a história da minha vida - observou ele com um sorriso Nunca tive dificuldade em levar a minha a melhor.

- Aposto que sim!

Lennie trabalhou toda a tarde num novo guião. Acabou com a meia garrafa de vodka, pôs Bruce Springsteen no estéreo e assistiu ao pôr do Sol do seu apartamento de Hollywood com a cama por fazer e as espessas camadas de pó.

Cristo! Sentia-se estupendo. Há muito tempo que tal não lhe acontecia. E o material que escrevera era bom, acutilante e cheio de uma sagacidade cáustica. Depois de se sentir bloqueado durante meses, voltava a entrar em acção.

Ia ser novamente livre.

Tinham-se acabado as mansões e os criados.

Tinha-se acabado Olympia.

Era como se começasse tudo de novo e só tinha que pensar na sua própria pessoa.

Evidentemente. Agora era rico por direito próprio. Era famoso. Um astro de cinema.

Merda! Não passava de um cômico que fazia as suas deixas na altura certa. Astro de cinema é que não era.

Havia assuntos a resolver. Antes de Olympia regressar para Los Angeles, tinha de ir buscar as suas coisas pessoais a Bel Air. Esvaziar o seu estúdio, levar apenas aquilo que pagara do seu bolso. E depois teria de explicar a Alice. A mãe encontrava-se na mansão a tomar conta de Brigette. Comunicaria as notícias suavemente às duas. Brigette era, no fundo, uma boa rapariga - se desejasse manter-se em contacto, ele ficaria satisfeito. Não levara grande vida. Ter Olympia como mãe não era nada fácil.

No dia seguinte trataria do caso com elas.

Nessa noite desejava divertir-se.

Com essa idéia em mente, telefonou a Jess e perguntou a esta se desejava acompanhá-lo ao Foxie.

Jess apanharia um avião na manhã seguinte para ir ter com Matt, no entanto ficou radiante com o convite, tão ansiosa estava por saber de todas as novidades.

- Vem-me buscar por volta das oito - disse Lennie. - Eu é que sou o tipo sem carro.

-Tens quatro automóveis, Lennie - salientou Jess.

- Já não tenho - declarou ele sem uma nota de tristeza.

Assim que o Rolls Royce se deteve em frente da mansão de Bel Air, CeeCee saltou para fora.

- Ainda quebras o pescoço, querida - advertiu Alice.

CeeCee moveu-se com ligeireza. Passava das seis. Se Lucky alguma vez descobrisse que ela deixara Roberto durante todo aquele tempo, ficaria furiosa e com toda a razão. CeeCee sabia que confiavam totalmente nela e sentia-se muito orgulhosa com o facto.

- Roberto - chamou, entrando velozmente em casa, seguida por Alice e Cláudio, que parecia ter montado residência por ali. - Roberto!

Não houve resposta.

- Provavelmente estão lá em cima, no quarto de Brigette-disse Alice, levando Cláudio para uma das vastas salas de estar.

CeeCee subiu rapidamente a majestosa escadaria de mármore, seguindo depois por um corredor que nunca mais acabava. A casa era ridiculamente grande. Tinha capacidade para nela viverem seis famílias com absoluta independência.

-Roberto - chamou ansiosamente.

O quarto de Brigette estava vazio. Havia roupas, discos e revistas espalhados por todo o lado. Mas nem sinais de Brigette e Roberto.

CeeCee gostaria de que os maus pressentimentos a abandonassem. A cada momento que passava tornavam-se piores. Já não lhe restavam dúvidas de que algo estava errado.

- Roberto! - gritou. - Roberto. Onde estás? Roberto! Vasculharam a casa, com Alice a queixar-se a par e passo.

Duas criadas mexicanas que falavam muito mal inglês, afiançaram não saber de nada. Depois apareceu uma terceira, que murmurou algo acerca de um táxi.

- Roberto foi num táxi com Brigette? - perguntou CeeCee, espaçando as palavras para se certificar de que a empregada entendia.

- Si, si - anuiu a mulher.

- Tanta confusão - observou Alice abanando a cabeça com ar sabedor. - Quando Brigette se apercebeu de que estávamos atrasados, decidiu levar Roberto a casa.

Telefonaram para a casa alugada e ninguém atendeu.

- Gino levou-os a jantar fora - alvitrou Alice.

CeeCee anuiu, esperançada de que assim tivesse acontecido. Mas os maus pressentimentos não a abandonavam e até isso suceder, não podia ter a certeza de nada.

Os paparazzi puseram-se imediatamente em acção quando Olympia Stanislopoulos apareceu no Studio 54 em Nova Iorque. Emergira de uma limusina cinzenta luzidia, com janelas sombreadas, qual princesa de formas opulentas.

Envergava um volumoso casaco de zibelina sobre a figura ampla e o longo cabelo louro caía-lhe sobre os ombros.

A acompanhá-la ia um cabeleireiro espanhol, de baixa estatura, vestido de cabedal enfeitado de taxas; uma secretária negra, com um metro e oitenta de altura; e um maquilhador travesti.

Olympia sorriu para os paparazzi.

- Olá, pessoal. - A voz saía-lhe enrouquecida e as pupilas dos olhos azuis eram pontos de loiz minúsculos. Encostou-se provocantemente à parte da frente da limusina. - Querem uma fotografia?

Flashes explodiram, quando os fotógrafos se colocaram em posição. Olympia Stanislopoulos parecia um elefante bebê bonito e louro. As fotos percorreriam o mundo inteiro.

- Onde está Lennie? - gritou um dos fotógrafos. Olympia franziu o sobrolho.

- Lennie? - perguntou, como se de facto não fizesse idéia de quem eles falavam. - Qual Lennie?

Uma jovem elegante, de câmara pronta a disparar e a cabeça cheia de estenografia, fez um bom cálculo e perguntou:

- É verdade que os dois se separaram?

Olympia envolveu mais estreitamente o tronco na sua ziBelina e dirigiu-se para a entrada do clube.

- Lennie Golden - declarou majestosamente -, é um marido que não prestava para nada, correcção, era um marido que não prestava para nada, e na cama era uma desgraça. Publiquem isso. E entrou, seguida de perto pelo séquito de adoradores.

O casino Santangelo cintilava de animação. Lucky tinha as malas feitas, pronta para partir. Planeava ir de carro até Nova Iorque, passar a noite no Pierre e apanhar o primeiro vôo da manhã para Los Angeles.

Antes de sair, deu uma volta pelo casino. A noção de que criara semelhante actividade dava-lhe sempre uma sensação excitante.

Vitos Felicidade animava os espectáculos da casa, e naquele momento, terminado o primeiro dos mesmos, as multidões estavam a sair do Salão Diamante. As mulheres vinham todas esvoaçantes, agarradas a programas com a fotografia de Vitos e tagarelando sobre o aspecto encantador e viril que o cantor tinha.

Se ao menos soubessem! Lucky passara uma noite na sua companhia. Ele conseguira manter a erecção durante dois minutos antes de extravasar todos os seus problemas. Ela tivera pena dele. Não tinham consumado o acto, limitaram-se a conversar durante o resto da noite.

Acenou a um dos seus encarregados fazendo sinal para um croupier que, numa mesa de jogo, começara a mostrar-se demasiado entusiasmado com uma morena roliça. Numa mesa de dados, o responsável anunciou um vencedor e a multidão aplaudiu. Duas prostitutas a cortarem na casaca de certo sujeito avarento passaram, envergando vestidos colantes e muito decotados.

Os olhos escuros de Lucky varreram a sala. Tudo corria serenamente. Estava satisfeita.

- Ora viva! És a Tetas em plena florescência, não é verdade? Olympia perscrutou a figura franzina que tinha na sua frente no clube barulhento. Ultimamente estava a ter uma certa dificuldade de focagem.

-Olá -respondeu com ar vago.

- Sou eu, parvinha. Flash.

- Adooooro o seu trabalho - disse o travesti com um suspiro, inclinando-se para a frente.

- Eu também - concordou o cabeleireiro, para não ficar atrás.

- Ponham-se a andar suas duas rainhas velhas - disse Flash bem disposto.

Sentou-se ao lado de Olympia, que percebera finalmente de quem se tratava.

- Estás porreira - observou Flash, olhando-lhe a cara. - Um bocado de carne a mais mas realmente conseguiste voltar ao normal, não foi?

- Sinto-me sensacional!

Flash enfiou-lhe a mão dentro das dobras do casaco e apalpou-lhe a cintura.

- Sempre gostei de pequenas gordas. Excitam-me, percebes?

- Eu não sou gorda. Tenho apenas uns quilos a mais.

- Uma boa quantidade deles.

-Onde é que arranjas os teus. lenços? Adooooro os teus lenços ronronou o travesti, acariciando o trapo esbranquiçado e imundo que pendia do pescoço de Flash.

Flash sorriu.

- Olha, desampara-me a loja, tá bem? com que raio de parvalhões te fazes acompanhar, Tetas?

Naquele momento já Olympia conseguira focá-lo completamente. Flash, Estrela do rock. Amante. Pénis.

- Trataste-me como a um zero à esquerda quando precisei de ti de verdade - declarou furiosa, fitando-lhe o rosto cheio de marcas de bexigas. - E pelo que ouvi, ultimamente as coisas não te têm corrido muito bem. Que pena - acrescentou, sarcasticamente.

- Já te disse - observou Flash secamente. - Simplesmente não consigo agüentar pessoas desfiguradas. Mas agora estás esplêndida, Tetas. Nova em folha.

- Que queres? - perguntou ela majestosamente.

- O que ele por ventura quiser, dá-lho! - guinchou o cabeleireiro. -Ooooh, sim - suspirou o travesti. -Ele é tãaao macho!

- Estou apenas a ser amigável - disse Flash.

- Tu nunca foste amigável na tua vida - salientou Olympia. Flash enfiou-lhe a língua no ouvido.

- Queres voar? - sussurrou ele.

O hálito dele cheirava a alho e tabaco. As roupas tinham um odor a fumo antigo. Quando abria a boca, viam-se os dentes, mais podres que nunca.

Olympia lembrou-se dos velhos tempos. Sexo, droga e rock and roll.

Por que não mais um vôo com uma estrela decadente do rock?

Toda a sua vida Brigette esperara que algo de maravilhoso acontecesse. Crescera num mundo de adultos indiferentes que lhe proporcionavam abundância de bens materiais mas nada mais. Quando era pequena, conseguia chamar a atenção de todos pondo-se a berrar, escolhendo cuidadosamente as alturas. O facto enfurecia a mãe, que era tão bonita... sempre vestida de peles e enfeitada de diamantes, com o cabelo louro a encaracolar-lhe suavemente em volta da cara. Mas a mãe andava sempre atarefada com o último namorado. Permanentemente ocupada com as outras pessoas.

Brigette adorara estragar um dia perfeito à mãe. Quando gritava e berrava punha a mãe furiosa até mais não, no entanto isso obrigava-a a reparar que tinha uma filha.

Nos últimos anos, Brigette deixara de se importar se a mãe reparava no facto ou não. E quando a mãe tivera o acidente de avião, sentira-se secretamente satisfeita. Se Olympia morresse, deixaria de ser obrigada a fazê-la reparar na sua existência.

Porém, Olympia não morrera. Limitara-se a engordar. E Brigette crescera. E aprendera que na vida existiam mais coisas além de chamar a atenção da mãe.

Agora Tim Wealth entrara na sua vida. E Brigette soubera que o momento maravilhoso por que esperara, chegara finalmente.

Esqueceria o colégio, as aulas e tudo o mais. Tim Wealth era o seu futuro. Tim Wealth queria ficar com ela para sempre. Ele explicou-lhe o seu plano, enquanto ela escutava atentamente e Roberto enfiava a mão no pacote de gelado e cada vez se aproximava mais da televisão, até ficar a escassos milímetros desta.

Tim continuava a acentuar a circunstância de ela ter apenas catorze anos.

- Se tivesses dezoito, não havia problema - explicou ele pacientemente. - Podíamos pisgar-nos para Nevada ou outro lado qualquer, casávamos e ninguém podia fazer absolutamente nada. Mas como és de menor idade, temos de o fazer às escondidas. E para isso precisamos de muito dinheiro. E para o fazermos com sucesso, falo de muita massa. Aos montes.

-Eu sou muito rica - declarou Brigette decididamente. -O meu avô acabou de me deixar uma fortuna.

- Claro. Mas só a terás quando chegares aos dezoito ou aos vinte e um. Algo parecido, não é?

- Sim, mas não deixa de ser minha.

Eu sei, tu sabes, mas experimenta dizer a eles. - Fez uma pausa, depois "enfiou-lhe o barrete" sem dificuldade nenhuma. - Quero estar contigo permanentemente, rapariguinha. És muito, muito especial e não desejo arriscar-me a perder-te. Percebes?

Brigette anuiu, extasiada. Todos os sonhos que acalentava estavam a tornar-se realidade.

Tim começou a andar de um lado para o outro no quarto, de punhos cerrados, falando rapidamente, envolvendo-a, entusiasmando-a.

- Quer a tua mãe se importe contigo ou não, tentará afastar-nos um do outro - disse. - E Lennie Golden fará o mesmo. E Lucky. Todos eles dizem que és demasiado nova. Não teríamos possibilidade. Prender-te-iam num lado qualquer e nunca mais nos veríamos um ao outro.

- Eu fugiria - declarou Brigette ferozmente.

- Isso, sim, mas não te quero colocar nessa posição - disse Tim

rapidamente. -Temos de atacar antes deles.

Brigette estava completamente empolgada pelas palavras de Tim.

- Sim, sim - concordou, com os olhos azuis a brilharem intensamente.

- Aqui está o que temos de fazer - disse Tim, mantendo a voz

baixa e acercando-se mais da jovem. - Temos de lhes tirar o teu dinheiro.

Io dinheiro é teu e tens direito a cada moeda dele.

Brigette anuiu, excitada.

- Mas eles não to darão de mão "beijada - continuou Tim. - Portanto haverá que passar-lhes a perna.

-Como é que o fazemos?

-com um jogo.

-Que jogo?

-Chamemos-lhe o jogo do "rapto-e-resgate".

Brigette estremeceu.

-É perigoso?

Tim riu.

- Então eu envolver-te-ia em alguma coisa que fosse perigosa? Tens de confiar em mim.

- quanto a ele?

-Ele é um bônus - disse Tim - Uma espécie de segurança para

termos a certeza de que eles pagam depressa. Amanhã, por exemplo. Brigette sentiu uma pontada de remorso, apenas uma pontada.

- Depois de pagarem, ter-vos-ão aos dois de volta - prosseguiu Tim.

- Eu não quero voltar! - choramingou Brigette.

-É só por uns dias, enquanto organizo a nossa fuga - disse Tim apressadamente. - Depois encontramo-nos num local a combinar e pisgamo-nos. Entretanto descreves os teus raptores como tendo sido um casal de mexicanos que te mantiveram em Santa Monica. Inventas o que te apetecer.

- Hummm - e como é que explico a saída com Bobby num táxi?

- Recebeste um telefonema urgente. Um recado da tua mãe a dizer para te encontrares com ela e levares o miúdo.

Brigette soltou uma risada.

- Pensaste em todos os pormenores. -Claro que pensei.

Deus, como ela era ingênua! Não veria o esquema que ele estava a montar? Quando percebesse que ele não iria ao encontro dela, já ele estaria longe com Éden; e ela provavelmente regressaria à Suíça, caída em desgraça.

Se alguma vez o apanhassem, ele tinha duas fotografias Polaroid da doce Brigette a brincar. Ela imaginara ter ficado com a totalidade das

fotografias, mas ele não tivera dificuldade em surripiar algumas para si. Só elas deviam valer um milhão de dólares se a família desejasse suprimi-las. Sim. Um milhão de dólares não tinha significado nenhum para aquela gente. Assim que tivesse o dinheiro na mão, punha-se a andar.

- Quanto é que vamos pedir? - perguntou Brigette a medo.

- Um milhão de dólares - replicou Tim em tom sério. - Um milhão deles.

 

Às nove da noite, CeeCee estava histérica, contudo ninguém parecia importar-se minimamente. Ela passara a vida a correr entre a casa alugada e a mansão de Bel Air, na esperança de obter notícias. A casa alugada encontrava-se vazia. De Gino ou Costa, nem sinais.

- Não te rales dessa maneira - disse Alice, completamente despreocupada. - Brigette está com Roberto, portanto o menino está bem. Ou saíram com Gino ou estão em casa da amiga.

-Quem é a amiga, Mistress Golden? -perguntou CeeCee, desesperada.

Provavelmente preocupava-se desnecessariamente - o mais natural era estarem com Mr. Santangelo, como Alice dizia.

Alice encolheu os ombros.

- Não sei... uma amiga do colégio. Brigette ficou em casa dela a noite passada.

Se estivessem com Gino, pensou CeeCee, por que não teriam deixado recado?

- Tem o número de telefone? - perguntou a Alice, ainda ralada. Alice abanou negativamente a cabeça.

- E quanto à amiga de Brigette? Como se chama?

- Je ne sais pás.

CeeCee estava a pontos de rebentar.

- Mistress Golden! - explodiu. - A senhora é uma desgraça! Ficou encarregue de Brigette e nem sequer sabe onde ela passou a noite.

- Não fales comigo nesse tom de voz - disse Alice altivamente. - Já fui uma estrela, sabes. Todos pensam que o meu filho é o importante da família mas eu já era famosa antes de ele nascer. Portanto mete isso na cabeça não sejas malcriada, rapariga.

CeeCee fitou-a embasbacada. A segurança de Roberto estava em jogo, para não falar do seu emprego, e aquela fala-barato velha a fazer discursos acerca do estrelato.

- Só quero Roberto em casa - disse por entre os dentes cerrados. - Como é que pode entrar em contacto com a amiga de Brigette?

- Não sei - retorquiu-lhe Alice com brusquidão. - E gostaria que deixasses de me aborrecer. Não tardarão a voltar, é só esperares para ver.

- Não posso acreditar! - exclamou Rainbow. - O homem em pessoa!

Lennie levantou-a ao ar com um abraço.

- Foxie! - chamou Rainbow. - Anda ver quem eu tenho aqui para ti!

Foxie saiu apressadamente do seu escritório, olhou para Jess e abraçou-a.

- Não é ela! - disse Rainbow a rir. Deu um beijo nos lábios a Lennie, deixando-os lambuzados. - É este pedaço.

- Um pedaço, um naco, a quem interessa? - disse Foxie, rolando os olhos vesgos. - Quando tenho a minha adorada Jess ao pé, ninguém mais conta.

- Encantador! - sorriu Rainbow. - Ele ama outra mulher!

- E eu também o amo - disse Jess firmemente, afagando o homem minúsculo.

Lennie sorriu e descontraiu-se. Negligenciara os amigos desde que atingira a fama. Bem, Olympia dificilmente os teria apreciado, estava mesmo a imaginá-la com o lúbrico do Foxie. Ou a conversar com a descarada da Rainbow.

Lucky encaixaria. Lucky encaixaria em qualquer lado.

Deixaria passar um par de meses e depois telefonar-lhe-ia.

Isso.

Talvez pudessem começar tudo de novo.

Talvez.

Costa tornou-se um papá babado às nove e quarenta da noite. Estava extasiado. Tinha uma filhinha de três quilos e trezentos.

Caminhou ao longo do corredor do hospital a distribuir charutos a desconhecidos. Depois correu para o telefone a fim de comunicar a notícia maravilhosa a Gino.

Foi CeeCee que atendeu o telefone.

- Oh, Mister Zennocotti, onde tem estado? - queixou-se ela. - Roberto está consigo?

- Por que havia ele de estar comigo? - admirou-se Costa, intrigado. - Chame Gino ao aparelho, depressa.

- Não está cá. Roberto também não está aqui. E lançou-se numa explicação atarantada. Costa disse exactamente o mesmo que Alice.

- Devem estar com Gino. Não se preocupe. Tenho a certeza de que devem estar a chegar a casa. E quando isso acontecer, diga a Gino para ligar para mim. Rápido. Tenho notícias magníficas.

Às dez horas em ponto da noite, o telefone tocou na mansão de Bel Air.

- Está? - atendeu Alice alegremente.

Sentia-se bastante animada com os vários copos de Grande Manier e Cláudio já estava por tudo depois de ter emborcado meia garrafa de conhaque Delamain.

- Um milhão de dólares - disse uma voz abafada.

- O quê?

- Roberto. Brigette. Um milhão de dólares pelos dois.

- Não consigo ouvi-lo. Fale mais alto.

- Não chamem a polícia, pensem apenas em arranjar o dinheiro. Em notas de cinqüenta dólares. Não marcadas.

- Não percebo. Quem fala?

-"No Farmers Market. Às quatro horas da tarde de amanhã. Vão até à secção de alimentação racional que fica ao fundo, ponham o saco ao canto e saiam da loja pela outra entrada. Não olhem para trás. Entendido?

- Santo Deus! - exclamou Alice, assustada.

-Se quiserem ver os dois vivos, sigam as minhas indicações. Um milhão de dólares. Nada de polícia. Nada de aldrabices. Não há segunda oportunidade. Se fizerem exactamente o que digo, os miúdos voltarão para casa uma hora depois.

A chamada foi desligada.

 

O aeroporto Kennedy estava apinhado de gente decidida a partir o mais depressa possível para o fim-de-semana.

Lucky atravessou a sala de estar da Pan American. Só dispunha de tempo para tomar um café antes de chamarem para o seu vôo.

Steven chegou ao aeroporto quinze minutos depois. Ao comprar um bilhete para o vôo seguinte da Pan American, tinha uma expressão sombria. Levava a barba por fazer e tinha um ar desalinhado, depois de ter passado a noite à cabeceira de Mary Lou.

Às vezes havia coisas na vida que não podiam deixar de ser feitas. E às vezes ficar do lado certo da lei significava que essas coisas ficavam por fazer.

Steven decidira, pela primeira vez na sua vida, fazer justiça com as próprias mãos.

Steven planeara tratar pessoalmente da saúde a Santino Bonnatti.

- Sinto-me desconfortável - queixou-se Brigette. Passara a noite toda a lamuriar-se interminavelmente; os seus lábios, em forma de botão de rosa, deixavam escapar toda uma série de reclamações.

- Por amor de Deus - exclamou Tim -, volta a dormir. Brigette sentou-se.

- Tenho de ir à casa de banho - murmurou.

- Então vai - disse ele, mal-humorado.

Saiu do sofá-cama, passou por cima de Roberto, que dormia em cima de uma cama improvisada com almofadões, e fechou-se na casa de banho minúscula. Dormir espalmada contra Tim, como se fossem sardinhas numa lata, não tinha piada nenhuma. Talvez tivesse tido alguma se o estúpido do puto não estivesse com eles. Não podia suportar o parvo do pequeno Bobby. Por que teriam de o manter com eles?

Imaginava o susto que CeeCee não estaria a apanhar. Oh, o pânico que não devia sentir!

Tim levantara-se quando saiu da casa de banho, e Roberto também.

- Tenho fome - disse o rapazito, esfregando os olhos.

Lucky também iria aos arames. Brigette não se sentia muito bem com a idéia, mas eles estavam a cuidar de Roberto.

- vou fazer o pequeno-almoço - ofereceu-se alegremente.

-Não há nada para fazer - replicou Tim. Agora que a engrenagem se pusera em movimento, queria acabar com o assunto. O tempo era precioso.

Recolher o dinheiro.

Livrar-se de Brigette e do miúdo.

Ir buscar Éden.

E fugir.

Havia um vôo para a Cidade do México ao fim da tarde e ele reservara dois lugares. Lá chegados, podiam alugar um carro e desaparecer no desconhecido.

- Quero ir para casa - disse Roberto. - Quero CeeCee. Quero a mama.

Brigette abriu o frigorífico. Estava vazio.

- Nunca comes? - perguntou a Tim. - Estou esfomeada.

Ele mandara vir uma pizza na noite anterior. Ainda havia um bocado na caixa.

- Contentem-se com isso - disse.

- Uh! -exclamou Brigette. -Vou ao supermercado.

- Não, não vais - disse Tim rapidamente. - Eu vou. Escreve num papel o que desejas.

O que menos falta lhe fazia era ter Brigette a deambular pela vizinhança para ser vista e recordada. Imaginou o que estaria a passar-se na mansão de Bel Air. Provavelmente estavam a reunir o dinheiro e a manterem o sigilo. As pessoas ricas não gostavam de publicidade. O seu palpite era o de que pagariam e calariam - desde que recebessem as suas crianças de volta.

Perguntara incessantemente a Brigette se esta o mencionara alguma vez a algum deles.

- De maneira nenhuma - assegurara-lhe a jovem. - Se pensassem que eu andava com alguém atiravam-se ao ar.

Tim vestira-se apressadamente, enquanto Brigette escrevinhava uma lista com o que pretendia. Poderia confiar nela? Parecia razoavelmente satisfeita, mas, não fosse o Diabo tecê-las, alertou-a para que não atendesse o telefone se este tocasse e para trancar a porta depois de ele sair.

Assim que saiu para a rua, telefonou a Éden.

- Podes falar? - perguntou.

- Não. - Falava com voz trêmula. - Creio que se enganou no número.

- Ele manteve a voz baixa e falou depressa:

- Encontras-te comigo em frente de May Company, na Wilshire, por volta das quatro desta tarde. Está tudo a andar. Estamos lançados.

- Quem era? - perguntou Santino.

- Engano - replicou Éden.

- Disseram palavrões?

- Não.

- Então por que ficaste à escuta?

- Repetiram o número, só para ver se tinham ligado bem. -Pensas que sou estúpido ou quê?

Éden estava farta de maus tratos, físicos e mentais. Não havia tréguas. Santino ficara a noite toda, só para a atormentar. Agora havia que planear a fuga. Sair não seria fácil.

- Acho que me devias deixar sozinha - disse com voz fatigada.

- Isso. A mim também me parece. Estás cada vez mais velha. Estás uma gaja velha, sabias? É a modos que triste, mas eu tenho coração d'ouro por te foder e deixar-te viver aqui. Não achas?

- Aprecio tudo quanto tens feito por mim, Santino.

Ele treinara-a para se comportar como um cãozinho de colo, para se deitar no chão e fazer de morta.

- Até te meti num filme - continuou ele. - Mesmo aquilo que tu querias. Certo, querida?

Éden anuiu.

- Foi muita bondade tua.

Assim que ele saísse de casa, ela partiria. Não seria difícil trocar as voltas a Zeko em Beverly Hills, onde pressupostamente faria compras. Ela conhecia uma loja onde as salas de prova levavam à saída das traseiras. Se pegasse num monte de roupas e deixasse Zeko à espera na parte da frente, só passadas horas é que ele se aperceberia do desaparecimento dela.

- Claro, claro, claro - disse Santino expansivamente. Sentara-se na cama e acariciava o peito cabeludo com um cuidado estremoso. - Pus-te num filme, muito generoso da minha parte considerando que já estás arrumada.

- Obrigada - murmurou Éden.

- No entanto deste-me a paga.

Ela não fazia idéia de onde ele queria chegar. O silêncio era mais seguro.

- Isso mesmo - disse Santino pensativamente. - Não há dúvida de que me deste a paga. E de que maneira.

O rosto doía-lhe terrivelmente. Mal podia ver de uma das vistas e os lábios estavam inchados e magoados. Devia estar um pavor de se ver.

- Gosto de as fazer pagar - declarou vingativamente. - Quem trair Santino Bonnatti não deve passear por nenhum beco numa noite escura. Nem sequer dez anos mais tarde. Tás a perceber?

- Eu nunca te traí.

- Que raio de nome é que dás a foderes com o teu parceiro no filme?

- Não o fiz.

Uma bofetada apanhou-a na cara. Éden sentiu os dentes entrechocalharem.

- Não o fiz, grande besta!

- Talvez sim, talvez não -disse Santino calmamente. - Achei que devia ter piada descobrir.

Reabriu-lhe o corte no lábio. O sangue gotejou lentamente para os lençóis de cetim.

Onde estava Gino? O registador de chamadas informara que estaria ausente a noite toda mas não deixara nenhuma pista relativamente ao sítio onde ficaria.

Alice, depois de receber o que considerara ser um telefonema de brincadeira a falar de rapto e resgate, deixou-se ficar sentada em silêncio durante alguns momentos, antes de ter um ataque de histerismo.

Cláudio foi chamar CeeCee. Esta localizou imediatamente Costa no hospital e depois deixou-se cair numa cadeira, a tremer e a murmurar sozinha. Pouco depois Costa chegou a casa, tentando encabeçar as operações.

- Nada de polícia - dizia constantemente. - Nenhuma ajuda exterior enquanto não soubermos o paradeiro de Gino.

- E quanto a Lucky? - lamuriou CeeCee. - Ela vai ficar louca. Atirará as culpas para cima de mim e com razão.

- A culpa não é de ninguém - disse Costa em tom fatigado. Aquela noite acabara por se tornar a pior da sua vida, ao mesmo tempo que era a melhor. Tentou contactar com Lucky para o Hotel Santangelo e falou com Matt, que lhe disse que esta apanhara o avião do princípio da manhã para Los Angeles.

- Podes encontrá-la no Pierre se for importante - acrescentou Matt.

Costa não sabia o que fazer. Se ela vinha a caminho, para quê preocupá-la? Decidiu ir esperá-la ao aeroporto. Entretanto, tentou contactar com Olympia e Lennie.

Uma criada informou-o de que Mrs. Stanislopoulos saíra e que Mr. Golden deixara de viver ali.

- Onde se encontra ele? - perguntou Costa.

A criada, que fora arrancada ao seu sono, mostrou-se pouco colaborante e afirmou desconhecer.

Costa passou uma noite agitada. Ordenou a uma Alice ainda histérica que fosse para o andar de cima, com Cláudio para a confortar. E mandou CeeCee para a casa alugada esperar por Gino. Entretanto, ficou sentado no estúdio de Lennie a noite toda, a contar os minutos e a tentar descobrir quem poderia ter raptado os miúdos. Eles queriam - fossem quem fossem - um milhão de dólares em dinheiro. Uma tarefa impossível de levar a cabo até às quatro da tarde, embora se havia alguém com possibilidades para tal, esse alguém fosse Gino e Lucky.

Costa desejava apenas poder contactar com um ou o outro. Não tentar contactar Lucky antes de esta sair de Nova Iorque não fora uma decisão acertada; quando se decidira, finalmente, a alertá-la, já ela ia a caminho do aeroporto.

Telefonou para o hospital. Sua mulher e filha iam bem.

Já ele não se sentia tão bem. Os anos tinham começado a pesar-lhe muito.

- Tenho de te dizer - fazes-me sentir novamente com dezasseis anos! - observou Gino sorridente, de manhã. - Bem... talvez uns vinte.

Paige espreguiçou-se languidamente.

- Caramba, Gino. Deves ter sido realmente algo de especial nos teus tempos de rapaz.

- Uma brasa, um portento na cama - costumavam chamar-me Gino, o Cobridor.

Paige riu a bandeiras despregadas.

- O Cobridor! Adoro a alcunha. Conta-me mais.

-Bem, eu vivia mais ou menos em casas que não eram minhas, e havia uma mulher, dona das maiores mamas que já vi - que gostava de que eu a tratasse por mama.

Paige sentou-se na cama. De manhã tinha um aspecto óptimo, não devastado como muitas das mulheres da sua idade.

- Como é que tu lhe chamavas? - perguntou interessadíssima.

-Nada mais que mama. Tinha treze anos e ela ensinou-me tudo o que havia para saber.

Paige acenou pensativamente com a cabeça.

- Ah... quer então dizer que recebeste a tua educação sexual de uma mulher mais velha.

- Exacto. E também aprendi a foder.

- Gino!

- Não me digas que consegui finalmente chocar-te?

- Nunca.

- Que és? Resistente ao choque?

- Isso mesmo.

- Gaja durona.

- Mais dura que tu.

- Sim?

- Sim.

Gino tentou agarrá-la mas ela escapou-se-lhe.

- Quando me descobriste na cama com Susan choquei-te, não foi? - perguntou ela calmamente.

O silêncio pairou, pesado. Gino preparava-se para esquecer o pequeno incidente. Agora ela trazia-o à tona.

- De facto - continuou Paige, decidida a esclarecer a questão-, Susan e eu tínhamos uma ligação que vinha de muito antes de eu te conhecer. Nós éramos...

- Não quero saber disso - interrompeu-a Gino rudemente.

- Acho que devias saber. Quando tu e eu começámos a andar juntos, apercebi-me de que te queria muito mais que a ela. Susan sentia-se relutante em me deixar. O dia em que nos encontraste juntas era o da minha despedida.

- Que despedida - ironizou Gino.

- Nunca levaste nenhuma amante para a cama a fim de teres mais facilidade em lhe dizeres que estava tudo terminado?

- Teria preferido mil vezes apanhar-te com um jovem garanhão que com a minha mulher - disse Gino asperamente.

-Da próxima vez tentarei fazer-te a vontade. -Ei... -Puxou-a para ele. - Já alguma vez alguém te disse que és uma desbocada?

- Há muito tempo que não.

Gino rolou para cima, dela, resmungou e deixou-se escorregar para o lado.

- Que foi? - perguntou Paige, preocupada.

-Por que haveria eu de fazer o trabalho todo? Sou um garanhão já ultrapassado, tu é que és a maníaca sexual. Vamos a isso, Mistress Wheeler.

Paige suspirou.

- Valha-me Deus - disse, abanando a cabeça. - Quem quer que tenha sido a tua professora, não há dúvida de que fez um trabalho competente.

Lennie dormia embalado por sensações agradáveis. Voltara ao trabalho, sentia a criatividade a circular dentro de si. Privava de novo com os amigos - uma noite na companhia de Jess, Foxie e Rainbow era puro divertimento. E estava livre.

De manhã levantou-se e deitou-se imediatamente ao trabalho, tendo apenas uma resma de blocos de folhas amarelas, uma esferográfica e a mente por companhia.

Mais tarde telefonaria a Alice e comunicar-lhe-ia a notícia do divórcio em perspectiva. Provavelmente a mãe sofreria um colapso nervoso quando se apercebesse de que ele deixava de estar casado com uma das mulheres mais ricas do mundo. Ter uma Stanislopoulos como nora soubera-lhe bem.

Ora, então...

Paciência.

Pobre velha Alice.

 

Tim ia a assobiar enquanto se dirigia para o seu apartamento, levando consigo um saco de papel contendo leite, sumo de laranja, pão, doce e gelado para manter o puto sossegado. O golpe ia resultar lindamente. Já estivera a pensar que, se calhar, depois do México, ele e Éden poderiam ir para o Brasil.

Ah... Rio. A praia de Ipanema. Copacabana. Levando um milhão de dólares por companhia, podiam fazer o que lhes desse na real gana.

Quem sabe ele abandonava a carreira de actor, que até nem estava a correr muito bem, e tornava-se compositor de canções ou andarilho das praias. Em breve poderia permitir-se fazer o que desejasse. Absolutamente tudo o que desejasse.

Equilibrou o saco de papel com uma mão e, com a outra, agarrou nas chaves, enquanto subia as escadas exteriores que conduziam ao seu apartamento, dizendo em voz alta, "sou eu" ao meter uma delas à fechadura.

E depois não soube o que o atingiu. Alguém aproximara-se dele pelas costas e atirara-o ao chão, empurrando-o para dentro do apartamento com força brutal.

O saco de papel, com os artigos de mercearia, foi pelo ar: o leite entornou-se, o gelado espalhou-se pelas paredes, o sumo de laranja escorreu para o chão.

- Que rai... - começou a dizer. Mas um pontapé violento na barriga calou-o.

Tanto Brigette como Roberto começaram a gritar.

- Que temos aqui? - exclamou Santino Bonnatti, passando por cima de Tim, fazendo sinal aos dois capangas que lhe tinham facilitado a entrada e fitando Brigette e Roberto. - Alguma reunião de família?

- Quem é o senhor? Que quer? - perguntou Brigette arquejante. E a seguir atirou-se para cima de um dos malandrins que pontapeava Tim ao acaso e continuamente, enquanto este tentava enrodilhar-se sobre si mesmo para se proteger.

- Largue-o! - gritou.

- Largue-o - imitou Roberto, correndo para o lado dela e agarrando-se a uma das pernas do homem.

Os lábios de Santino esboçaram um esgar de enfado. Caramba, onde é que Tim Wealth fora buscar aqueles miúdos?

 

Um chinês muito amistoso não recebeu resposta à conversa que tentou entabular com Steven no vôo das cinco horas para Los Angeles. Mais adiante, na primeira classe, Lucky proporcionou o mesmo tratamento a um homem de negócios de idade que sofria de mau hálito.

Nenhum deles comeu. Nenhum deles assistiu à passagem do filme. Após a aterragem, apressaram-se para fora do avião e conseguiram desembarcar ao mesmo tempo, deparando um com o outro no ponto onde os passageiros da primeira classe se juntam aos da secção turística.

- Lucky Santangelo - exclamou Steven.

Lucky hesitou só por um momento e depois recordou-se.

- Mister P. G. - disse com um sorriso cansado. Steven fez uma careta.

- Isso já acabou.

- Desistiu? Tinha a certeza de que acabaria por se tornar presidente da câmara de Nova Iorque.

Caminharam juntos pelo corredor que ligava o avião ao aeroporto. Steven sentia uma certa estranheza por voltar a ver Lucky, agora que sabia que existiam grandes probabilidades de partilharem do mesmo pai.

- Da última vez em que nos encontrámos eu estava prestes a ser presa - observou Lucky, voltando-se para o fitar. - Lembra-se?

- Oh, nunca o poderia esquecer - disse ele. - Você deu um tiro no tipo em cuja condenação eu estivera a trabalhar durante dois anos.

- Autodefesa.

- Claro.

- De verdade.

Lucky recordou o encontro havido entre os dois seis anos atrás. O prolongado e húmido corte de energia eléctrica de Nova Iorque em 1977. Altura em que ficara presa no elevador com Mr. Steven Berkeley durante uma noite inteira - nove longas horas. -Tinham-se tornado amigos, por assim dizer. Por pouco não foram amantes.

Um dia depois ela descobrira que ele era o Procurador Distrital a trabalhar no processo contra Enzio Bonnatti. Depois disso não voltara a vê-lo.

-Vive aqui? - perguntou ele delicadamente.

Lucky abanou a cabeça negativamente.

- E você?

- Estou só de visita.

- Que faz, agora que deixou de ser P. D. -perguntou ela com curiosidade.

- Mudei de área. Sou advogado.

Passaram à escada rolante. Lucky recordava-se de ter ido ao apartamento dele naquela madrugada quente e húmida porque perdera as chaves do seu. Ele deixara-a tomar um banho e emprestara-lhe algumas roupas suas. Deus, como ele era correcto! Mas percebera que se sentira tentado, até a namorada quebrar a atmosfera que começara a pairar.

- Chegou a casar com aquela rapariga, Ellen, não era assim que se chamava?

- Aileen. Não, não cheguei a casar com ela. Lucky fez uma careta.

- Óptimo. Ela estragou o que poderia ter sido o início de uma bela relação.

Steven esqueceu a sua raiva por um momento e pegou-lhe no braço.

- Há muitos anos atrás, Gino, seu pai, conheceu a minha mãe.

Lucky fitou-o. Ele era espantosamente bem parecido, com os seus caracóis negros, a pele cor de chocolate cremoso e os olhos intensamente verdes.

- Sim?

- Gino era dono de um clube nocturno, o Qemmie, nos anos trinta, creio.

- Exactamente. Bem...

- Lucky!

Era Costa, que se encontrava na extremidade da escada-rolante, a acenar-lhe freneticamente.

Lucky retribuiu o gesto, curiosa por ele ter sabido da sua chegada.

- É o meu tio - explicou a Steven. - Foi... agradável voltar a vê-lo. Até um dia destes.

Seria imaginação sua ou ele teria vislumbrado algo de si próprio no sorriso de despedida que ela lhe dirigiu?

Steven ficou a vê-la desaparecer de vista e soube, de uma vez por todas, que tinha de descobrir quem era o seu pai.

No quarto que Flash ocupava no hotel, havia droga por todo o lado e Olympia sentia-se pairar no Paraíso. Ela e Flash tinham passado a noite a deleitarem-se à maneira dos bons velhos tempos e ela não desejava voltar a sair de junto dele. Ele deixara de ser um antigo viciado em heroína, decidira voltar a consumir desse material durante algum tempo, e ver Olympia no Studio 54 fizera-o antever óptimas perspectivas de cobertura financeira para o respectivo consumo.

A verdade era que Flash estava na miséria, fora corrido e dera em vagabundo. O seu anterior grupo recusava-se a ter alguma ligação com ele e a mulher adolescente pusera-o fora da sua vida.

Olympia aparecera no momento exacto.

Olympia era fácil de levar à certa.

Olympia podia comprar-lhe tudo o que ele muito bem desejasse.

Começaram pela coca, mudaram para outros materiais e acabaram em injecções de uma mistura de cocaína com heroína.

Foi uma noite longa, interrompida apenas por uma série de passadores de droga que iam e vinham com a sua variedade de mercadorias sempre que Flash os chamava.

Levine, uma antiga admiradora que se tornara viciada e passadora, servira o feliz casal às seis da manhã.

- Volta daqui a umas horas - indicou-lhe Flash. - Traz-me tudo o que tiveres de primeira qualidade.

Levine garantira assim fazer.

Flash prometeu que, se ela entregasse o que ele queria, lhe tocaria algumas notas na sua guitarra.

Levine exclamou:

- Porreiro!

Olympia limitou-se a sorrir.

Levine voltou às dez e meia da manhã com uma carrada de coisas boas. Passara pelo seu apartamento, de onde trouxera um pequeno gravador Sony. Se Flash ia tocar, desejava gravar. Porreiro!

O hotel era uma espelunca mas uma espelunca confortável e Flash gostava da atmosfera boêmia que se vivia no local.

Levine bateu à porta e abriu-a com a chave que Flash lhe dera.

Deitou uma mirada aterrorizada ao interior e depois deitou a fugir.

 

Santino Bonnatti passeou-se pelo apartamento de divisão única de Tim Wealth.

- Tens aqui uma bela porcaria - observou, pegando numa fotografia emoldurada de Tim e atirando-a ao chão, para a pisar viciosamente a seguir.

- Quero ir para casa - gritou Roberto.

- Cala o estupor do miúdo! - ordenou Santino, olhando iradamente para a criança.

Brigette estremeceu. Também ela queria ir para casa. Não fazia idéia do que se passava mas, fosse o que fosse, sentia-se muito assustada.

Falou com voz trêmula.

- Tim, vou levar Bobby a casa. Dirigiu-se nervosamente para a porta.

Tim viu um milhão de dólares levantar vôo. Também viu muitos problemas reservados para a sua pessoa se não tomasse alguma medida. Um dos capangas de Santino bloqueou a porta.

- Deixa-os sair - ordenou Santino. - E não se ponham para aí a pedir socorro senão o vosso irmãozinho perderá um braço.

- Não o faremos - disse Brigette aliviada. Agarrou fortemente na mão de Bobby. - Anda, Bobby.

O malandrim afastou-se para o lado. Santino aproximou-se de Tim.

- Menino bonito e actor de merda - rosnou -, com que então pensavas que fodias a minha mulher e te safavas sem mais nem menos?

Brigette levou apressadamente Roberto para fora do apartamento.

- Achas mesmo que seria assim? - continuou Santino com ar incrédulo. - É que se pensavas, és mais estúpido do que eu imaginava.

Pontapeou a nuca de Tim com a ponta bicuda do sapato italiano polido.

Tim começou a sufocar.

- vou quebrar-te essa porcaria de braços e pernas. E vou esmagar essa tua carinha de bonito de tal maneira que ficarás fora de acção durante uns tempos.

- Posso pagar-lhe para que não o faça - disse Tim quase sem conseguir respirar, agarrando-se à possibilidade de sobrevivência que se lhe deparava. Mais valia repartir do que perder absolutamente tudo. - Posso dividir um milhão de dólares consigo se não deixar partir esses miúdos.

Santino cutucou a garganta de Tim com a biqueira do sapato.

- Que raio de merda é essa de que falas?

- Aqueles miúdos são especiais - disse Tim a custo. - Ela é uma Stanislopoulos e o rapaz também. Ele herdou uma fortuna enorme. A mãe é Lucky Santangelo e o pai é Dimitri Stanislopoulos. Estou a contar com um resgate de um milhão de dólares.

- Estás a gozar comigo? - perguntou Santino com os olhos miúdos a brilhar intensamente.

- Nunca faria semelhante coisa - disse Tim desesperadamente.

- Na, não farias - matutou Santino. Fez sinal a um dos homens. -Trá-los de volta, Blackie. Já.

O indivíduo correu para fora do apartamento. Tim esfregou a garganta no sítio onde começara a formar-se um inchaço arroxeado.

- Posso levantar-me?

Santino não o escutava. Estava a recordar.

Nada de vinganças, heim? Isso era o que eles pensavam. Era o que eles todos pensavam. Até mesmo aquele medroso do Carlo. Mas agora... com o puto em seu poder... o filho dela...

Jesus Cristo! Era maná caído do céu.

 

Costa pôs Lucky ao corrente de toda a história durante o percurso entre o aeroporto e a mansão de Bel Air. À medida que ia ouvindo o relato, Lucky ia ficando pálida. Os olhos negros brilhavam-lhe de fúria.

- Onde está Gino? - perguntou depois de Costa terminar.

-Não sei. Deixou recado no atendedor de chamadas a dizer que estaria a noite toda ausente e esta manhã ainda não telefonou.

- Ele tem alguma namorada aqui?

- Ninguém, que eu saiba. - Hesitou um momento. - Encontrámos Paige Wheeler ontem ao almoço. - Achas que eles...

- Telefona para casa dela e para o escritório.

- Boa idéia.

O tom de Lucky era rápido e desprovido de emoção, embora por dentro se sentisse a arder de horror e frustração. A única coisa que sempre temera estava a acontecer e escapava ao seu controlo.

- Alguém já se inteirou do acontecido junto das companhias de táxi? Descobriram o motorista que recolheu Brigette e para onde a levou mais Roberto?

Costa abanou a cabeça.

- Não - replicou timidamente. Por que não se teria lembrado desse passo?

Lucky não queria olhar para ele. Não passava de um velho cansado que não sabia o que fazer. Mas que culpa poderia ela atribuir-lhe?

Olhou rapidamente para o relógio de pulso. Era quase meio-dia.

- Deus, Costa! - não conseguiu conter-se. - Por que não me telefonaste mal isto aconteceu? E porque Matt não foi alertado? Sabes que podemos confiar nele. Devíamos ter começado a arranjar o dinheiro assim que Alice recebeu o telefonema.

Costa baixou a cabeça.

- Eu sei. Foi um erro de julgamento. De qualquer maneira vinhas a caminho... portanto pensei... -a voz faltou-lhe e sentiu-se miseravelmente.

"Não grites com Costa", avisou-se a si mesma. "Mantém-te calma. Raciocina. Roberto escapará incólume. Está com Brigette. Ela cuidará dele."

Antes de mais nada, por que razão Brigette saíra de casa com Roberto? E por que Costa não se informara imediatamente junto das companhias de táxis?

Oh, Deus! Onde estava Gino? Naquela altura já ele se teria encarregado de todos os passos a dar.

Pensando em voz alta, disse:

-Vou contactar com Boogie. Posso dispor de maneira de levantar o dinheiro em Las Vegas e alugarei um avião para que ele mo traga aqui. Assim que chegarmos a casa vou ter de pedir a retribuição de alguns favores.

Alice, acompanhada de um Cláudio solícito e de uma CeeCee de olhos vermelhos, aguardava-a na mansão de Bel Air.

- Quem é este? - quis saber Lucky imediatamente, fitando Cláudio de frente.

-Um cavalheiro meu amigo - replicou Alice com voz tremente.

- Não sei o que teria sido de mim sem ele.

Lucky decidiu imediatamente que era preciso investigar o indivíduo. Alice podia ter engendrado toda aquela maquinação com a ajuda do seu amigo minúsculo e de alguns cúmplices no exterior.

- Alguém contactou com Olympia? - perguntou.

- Olympia não está em casa - respondeu Costa rapidamente. - Deixei recados.

- E quanto a Lennie? Ele não está? Lucky passeou agitadamente pela sala.

-Aparentemente não. Segundo a criada, saiu lá de casa, Não têm o número de telefone dele.

- Preciso de ficar sozinha - disse.

Saíram e Lucky sentou-se ao pé do telefone a reflectir. Alguns instantes depois fez uma chamada particular a um velho associado de Gino.

- Fala Lucky Santangelo - disse cautelosamente. - Peço-lhe que retribua um favor que deve ao meu pai. Preciso de um carro com um motorista experiente. E dois homens armados. Também quero uma carrinha de vigilância e um sistema de detecção de duas vias. Quero o melhor que houver e dentro de uma hora.

A seguir tomou imediatamente providências para conseguir o levantamento do dinheiro necessário. Dava graças a Deus por Las Vegas. os amigos de Gino e Boogie. Podia ter ido a um banco mas a maior parte dos seus bens não eram líquidos e apesar de lhe ser possível levantar a quantia, teria levado o seu tempo e teria sido necessário dar explicações. O problema principal estava agora em o dinheiro chegar a tempo ou não. Boogie teria de o ir buscar, arranjar um avião e chegar ao Farmers Market antes do prazo final, que era às quatro da tarde.

Ela só conseguia pensar até essa hora. Depois disso, a sua mente estava vazia.

se Roberto e Brigette não voltassem?

E se eles nunca mais voltassem?

Estremeceu e recusou-se a pensar no impensável.

- Por que não vamos passar o fim de semana a São Francisco? sugeriu Gino. - Seja como for é lá que se supõe que estejas, portanto vamos para lá.

- Ah, também guias - provocou Paige.

-Faço coisas de que tu nem nunca ouviste falar, rapariga. Paige sorriu.

- Pouca coisa há de que eu não tenha ouvido falar. Gino estava cheio de entusiasmo.

-Está a apetecer-me guiar. Podemos ir pela auto-estrada costeira, ficar numa estalagem durante a noite e chegar a São Francisco no domingo de manhã, apanhando depois o avião de volta na segunda-feira. Que dizes?

- Fazes-me lembrar um caixeiro viajante. Paige beberricou o seu café.

- Vá, Paige, aventura-te.

Paige riu-se.

- Que diabo pensas que estou a fazer? - Após uma pequena pausa, depois fitou-o significativamente. - Sou uma mulher casada, Gino.

Gino agüentou-lhe o olhar firmemente.

- E depois?

- E depois não devia ter passado a noite, quanto mais arrancar para um fim de semana de devassidão.

Gino ponderou sobre a observação de Paige antes de responder. - Então é isso o que eu represento para ti, ha? Um fim de semana devasso que vem aí!

-Desde que não deixes de te vir!

- És uma grande descarada.

- E não é que tu adoooras!

- Vamos ou não?

- Creio que me convenceste.

Lucky percorreu o estúdio de Lennie. Como era estranho estar na sua casa, no seu quarto entre as suas coisas... Pegou num guião encapado a couro e fitou-o sem ver.

Pensou no filho, Roberto. Tão forte e cheio de curiosidade e energia. Tão vivo.

Se quem quer que o tinha chegasse a tocar-lhe sequer...

Ela mataria.

Já o fizera antes.

CeeCee entrou timidamente na sala e anunciou a chegada do motorista de táxi cujo paradeiro Lucky detectara apenas com dois telefonemas.

- Manda-o entrar - disse Lucky secamente.

Um homem de pescoço taurino, pele escura e nariz bulboso entrou na sala. Usava uns calções ridículos e uma camisa havaiana. Lucky acenou-lhe com uma nota de cem dólares.

- Quero que me conte tudo o que conseguir recordar acerca da rapariga e do rapazinho que transportou daqui ontem à tarde.

Os olhos do homem ficaram presos à nota como se esta tivesse cola.

- Peguei-os às quatro e meia - disse, lambendo os lábios carnudos. - Levei-os até à esquina da Fairfax com a Sunset, mesmo em frente do supermercado Thrifty. Não me pareceu que fossem as paragens mais indicadas para os deixar. Moça com boa aparência.

- Que aconteceu depois de eles saírem do seu carro?

- Bem, ela pôs-se a modos que a olhar em volta, como quem está à espera de se encontrar com alguém.

- E viu alguém aproximar-se deles?

- com a blusa que ela levava, não havia tipo que não parasse na rua para a olhar.

- De que cor era?

- Vermelha e justa, e tinha qualquer coisa escrita na frente. -Que é que dizia?

O taxista fez uma careta.

- Tenho uma memória que não é grande coisa.

-O rapazinho estava bem? Ou parecia perturbado?

- Estava todo satisfeito. Não parava de falar em gelados. -Mais alguma coisa?

- Pareceu-me que foram com um tipo qualquer, mas não tenho bem a certeza. A luz estava verde e eu ia a virar a esquina.

- Que aspecto é que ele tinha? O motorista encolheu os ombros.

- Não sei. Jovem, magro. Foi só uma olhadela rápida. Lucky entregoou-lhe o dinheiro.

O motorista pegou na nota e observou-a contra a luz.

- É verdadeira - disse Lucky.

- Eu sei. Estou só a confirmar. Hábito, sabe.

Seria capaz de reconhecer o sujeito se voltasse a vê-lo?

- Na.

- Obrigada.

- Eu é que lhe agradeço. Foi o dinheiro que menos me custou a ganhar na vida.

Daquele lado, a informação não era muito importante. Mas mostrava que, fossem para onde fossem, faziam-no de livre vontade. Ninguém os apanhara na rua.

Lucky pensou em Brigette e nas palavras esclarecedoras do taxista. Todos tratavam Brigette como uma criança - incluindo a própria Lucky. Mas ela parecia uma mulher e bem sexy. Talvez algum tipo a tivesse conquistado... algum tipo com grandes idéias e uma mente suja...

Lucky saiu abruptamente do estúdio. CeeCee aguardava-a, do lado de fora.

- Onde fica o quarto de Brigette?

CeeCee acompanhou-a ao andar de cima, onde entraram no domínio de Brigette. Depararam com uma desarrumação própria de adolescente.

Lucky manteve-se a olhar apenas durante alguns momentos, recordando-se dos sítios onde costumava esconder os seus segredos quando era jovem.

Debaixo do colchão. Nada. Atrás de um quadro. Nada. Sob uma pilha de revistas. Bingo! Um pequeno livro quadrado com as palavras "MEU DIÁRIO" impressas na frente.

Abriu-o e várias fotografias Polaroid caíram ao chão. Lucky examinou-as rapidamente e percebeu que o seu palpite batera certo. Algum tipo conquistara Brigette. E de que maneira.

O homenzarrão interceptou-os rapidamente e pegou em Roberto antes que Brigette pudesse impedi-lo de alguma maneira.

- Mister Bonnatti quer ver-vos - disse com voz roufenha.

Roberto tentou, em vão, libertar-se. Nenhuma das pessoas que passavam pela Hollywood Boulevard prestou atenção à adolescente loura e ao homem enorme que levava um rapazinho a berrar. Brigette calculou ser capaz de fugir - mas como poderia deixar Bobby?

-Quem é Mister Bonnatti? - perguntou, tentando mostrar-se corajosa.

- Não te preocupes com isso - respondeu o homem. - Diz apenas ao puto que se cale e vamos.

Contrariada, seguiu o indivíduo de volta ao apartamento de Tim.

Quando lá chegaram, Tim estava sentado no sofá. Mostrava-se empalidecido mas ao menos não se encontrava estendido no meio do chão com o pé de alguém em cima da garganta.

- Hum... Brigette - disse em voz contida, indicando Santino Este homem é meu amigo. Nós... ha... tivemos uma briga por causa de um dinheiro que eu lhe devo. Agora já está tudo resolvido.

O malandrím pôs Roberto no chão e o rapazinho desferiu-lhe imediatamente um pontapé no queixo. Santino sorriu.

- Desculpa se te assustámos. Estivemos só a esclarecer uns assuntos. Brigette fitou Tim. Algo não estava bem e ela sabia-o.

- Quero levar Bobby para casa - disse com voz trêmula. Tim não a fitou nos olhos.

- Não podes - disse. - Ainda não. Sabes que temos tudo planeado. -Eu vou participar na vossa pequena operação - disse Santino suavemente.

Brigette odiou o homem. Cheirava a after shave enjoativo e fazia-a arrepiar-se.

- Acho que já não quero fazer o que tínhamos combinado - disse ela pouco à-vontade.

Santino fitou-o com olhar malévolo.

- Não tens escolha, garota.

- Quero ir para casa. Quero ir para casa - cantarolou Roberto, aos pulos.

Santino aproximou-se de Brigette e apoiou-lhe o queixo na palma da mão.

- Coisinha fofa, coisinha nova - ciciou. - Que tal tornares-me feliz?

Brigette sentiu o pânico invadi-la. - Não me toque - advertiu, retrocedendo.

- Que tencionas fazer contra isso? - perguntou ele, prendendo-lhe os braços com um movimento rápido e esmagando-lhe os lábios com os seus, ao mesmo tempo que lhe enfiava a língua grossa pela boca.

Brigette engasgou-se e começou a gritar, debatendo-se ferozmente.

Santino esbofeteou-a na face com toda a força.

- Cala-me essa boca, gaja estúpida! -berrou.

A jovem caiu no chão e começou a soluçar. Roberto correu para junto dela e inclinou-se para a consolar.

Tim respirou fundo. A vida não era fácil. Não queria que aquilo acontecesse mas ele nada podia fazer para o impedir.

Zeko não a largava nem por um minuto.

- vou às compras - declarou Éden despreocupadamente.

- Mister Bonnatti disse para não sair de casa.

- Mister Bonnatti que se vá foder. Zeko encolheu os ombros.

-Ele é que manda. Eu apenas executo ordens. Éden tentou nova táctica. Quem sabe conseguia levar aquela avantesma a sentir pena dela.

- Olha para a minha cara, Zeko - disse tristemente. - Estou toda marcada. Preciso de cremes especiais e loções para a tratar. Por favor leva-me a sair. Eu não lhe digo nada.

Zeko reflectiu sobre a proposta e não foi na conversa. Sabia que o melhor que tinha a fazer era não enganar o patrão quando se tratava de uma ordem determinante.

- Seu mirone nojento! - guinchou Éden, apercebendo-se de que não o convencera. - Não admira que não passes de um cão de guarda idiota.

Atirou com a porta do quarto e tentou descortinar uma maneira de fugir. Santino tinha-a presa ali, reduzida a uma prisioneira. Quem podia prever o que ele pensava fazer-lhe a seguir? Ouvira contar histórias de namoradas de mafiosos que eram embarcadas fora da fronteira quando deixavam de ter préstimo. Mandavam-nas fazer serviço nalgum bordel estrangeiro. Santino falara-lhe de certa rapariga que acabara por se enforcar numa casa de prostitutas mexicana.

Estremeceu. Tinha a casa cheia de alarmes. Nem sequer podia sair fora da porta da frente sem que campainhas assinalassem a sua partida. E mesmo que o fizesse, A Blue Jay Way ficava no topo das Hollywood Hills e Zeko tinha as chaves do automóvel num fio em volta do pescoço.

Pegou num candeeiro e atirou-o pela sala, enraivecida de frustração.

Até que lhe ocorreu uma idéia. Uma idéia brilhante!

Havia alguém que podia salvá-la. Uma pessoa.

- Paige Wheeler encontra-se em São Francisco. Ninguém sabe onde se hospedou - disse Costa com ar fatigado. - Eu, pessoalmente, informei-me junto de seis dos melhores hotéis. Não está registada em nenhum deles. E Gino também não.

Lucky ergueu o olhar. Acabara de começar a ler o diário de Brigette.

- Talvez ela não tenha chegado a ir a São Francisco. Alice e CeeCee que comecem a investigar. Comecem pelo Hotel Beverly Hills e depois passem ao Beverly Wilshire.

Costa anuiu.

- Descobriste alguma coisa?

- Depois te direi. A letra de Brigette era quase ilegível e o início dos parágrafos ao acaso. Lucky começou pelo mais recente.

Devia ter sido escrito na véspera do seu desaparecimento.

Jantei sabes com quem! No Trader Vic. Fiquei marada. Depois voltámos para o apartamento que ele tem em Hollywood. Fiz tudo! Tudo! Dei-lhe coca de presente. Ficou contente. Tirou muitas fotografias na brincadeira! Quem me dera ter uma dele. Da próxima vez peço-lhe uma. Ele é tão fantástico! Mal posso acreditar. Detestei vir-me embora. Fiquei a noite toda. Disse a Alice que fiquei em casa de uma amiga. Ela é tão fácil de levar! Amo Tim. Acho que ele me ama!

Portanto o nome dele era Tim. Era um começo. Lucky folheou rapidamente as páginas, voltando mais atrás. Era quase tudo a mesma coisa. Estou chateadíssima! Alice é tão parva! E um ocasional Sabes quem ainda não telefonou.

Até que deu com a marosca. A noite de inauguração do Santangelo.

Que noite fantástica e maravilhosa! Conheci Tim Wealth! O único Tim Wealth! E ele ainda é melhor em carne e osso e refiro-me a carne a sério! Finalmente fi-lo, com ele! Não posso acreditar que o fiz. Mas ele é tão completamente frio e brilhante. Totalmente. Amo-o, evidentemente. Disse-lhe que tinha 18!

Lucky deixou cair o diário e levantou-se de um pulo. Quem diabo era Tim Wealth?

Pegou no telefone e ligou para Atlantic City a fim de falar com Matt.

- Arranja-me a lista dos convidados da noite de inauguração e diz-me quem é Tim Wealth.

Matt tinha uma característica - era um homem organizadíssimo. Minutos depois tinha a lista na sua frente.

- Não vem aqui nenhum Tim Wealth.

- Raios! Sabes quem ele é?

-Não faço idéia. Porquê? Que se passa?

- Nada que te possa agora explicar.

- Talvez Jess saiba. Agüenta, vou chamá-la.

Lucky consultou rapidamente o relógio de pulso. Era quase uma e meia. Em breve teria de sair para ir buscar Boogie e o dinheiro ao aeroporto.

Jess apareceu em linha.

- Tim Wealth entrou num filme há cerca de um ano atrás. É um bom actor. Não sei porque razão não voltou a Fazer mais nada. Como que desapareceu no anonimato.

-Ele esteve na nossa inauguração. Certo?

- Não o vi.

- Jess - agradeço que digas a Matt para descobrir imediatamente a sua morada actual e para ligar imediatamente para casa de Lennie. É urgente!

-Não posso acreditar. Estive com Lennie ontem à noite em Los Angeles. Ele não me disse que vocês os dois...

- Lennie está em Los Angeles? - perguntou Lucky, surpreendida.

- Tu não estás com ele?

- Não. Estou em casa dele porque... olha, agora não posso falar nesse assunto. Onde é que posso encontrá-lo?

Jess mostrou-se perplexa. Não conseguia perceber o que se passava.

- Ele ficou no antigo apartamento que tinha.

- Deu o número de telefone a Lucky. Costa entrou no quarto.

- Gino esteve registado no Beverly Wilshire. Saiu há uma hora atrás.

- Merda! - exclamou Lucky, furiosa.

- O quê? - perguntou Jess.

- Nada. Dá-me a tal morada. Desligou. Costa parecia exausto.

- Por que não vais até ao hospital visitar Ria e o bebê? - sugeriu Lucky. - Aqui já não podes fazer mais nada.

- vou ao aeroporto contigo - disse ele. -Não, não vais.

- Sim, vou.

- Vai visitar o teu bebê, Costa. Agora é só uma questão de tempo. Penso que sei quem tem os miúdos.

- A calma com que mo dizes! Quem? Como?

- Daqui a um minuto terei uma morada.

Lucky fechou os olhos. Sentia a cabeça a latejar. Aquele era o grande pesadelo da sua vida. Pensou em Lennie e quis telefonar-lhe. Mas que poderia ele fazer além de interferir? Ela tinha de fazer aquilo à sua maneira. Sem ajuda do exterior. Nem sequer de Lennie.

O telefone tocou. Lucky atendeu.

- Não sei como faço mas o certo é que consigo sempre - disse Matt orgulhoso consigo, dando-lhe a morada de Tim Wealth.

 

Uma espreguiçadela. Um bocejo. Lennie trabalhara que chegasse para aquele dia. A sua escrita enchia trinta páginas. Nada mau. Estava a produzir, o guião saía-lhe com facilidade.

Talvez devesse telefonar a Alice - não podia adiar eternamente a boa notícia. Estendeu preguiçosamente a mão para o telefone e este tocou quando estava prestes a pegar-lhe. Só podia ser Jess, a contar-lhe como fora a sua viagem. Dera um pulo até Nova Iorque no Jacto Lear de um produtor discográfico dissoluto que trocava de namorados da mesma maneira que as pessoas trocavam presentes de Natal.

- Viva. O vôo foi bom? Quantas admiradores levava o pequeno Mary Sunshine? - perguntou alegremente.

- Como é que sabias que era eu?

- Porque - explicou Lennie pacientemente -, és a única pessoa que sabe que estou aqui.

- Já não sou. Lennie resmungou.

- A quem disseste?

Notava-se um sorriso na voz de Jess.

- A Lucky.

Lennie tentou mostrar-se desinteressado.

- Ah, sim?

- Pensei que não te importasses.

Lennie não sabia se se importava ou não. Desejava vê-la - desesperadamente. Por outro lado, não tinha a certeza se não seria demasiado cedo. Ambos precisavam de tempo para se adaptar.

- Por que razão o fizeste?

- Para dizer a verdade - observou Jess -, ela neste momento está em tua casa.

- Em casa de Olympia - corrigiu ele.

- Não me interessa a quem pertence a casa. Ela está lá.

- A fazer o quê?

- Pareceu-me muito alterada.

- Podes ser mais explícita?

- Telefona para ela.

- Grande ajuda me dás.

- Fá-lo.

-Vai passear.

Desligou e tomou uma decisão. Não telefonaria, iria até lá. Precisava de a ver mais que qualquer outra coisa no mundo.

Brigette percebeu que havia algo de terrivelmente errado. Roberto e ela tinham sido apanhados numa ratoeira maligna e a culpa era toda sua. Enrodilhados no assento traseiro do automóvel, com um meliante de aspecto temível de cada lado, sentia-se dominada pelo medo. Santino ia sentado na frente, ao lado do motorista de rosto impassível. Inclinado sobre as costas do banco, tagarelava animadamente.

- Tenho planos para vocês dois, pequenos - disse. - Vamos fazer coisas juntos que vocês pensavam que só os rapazes e raparigas crescidos podiam fazer. - Olhou de esguelha para Brigette. - Se pensavas que aquela porcaria de actor prestava para alguma coisa, espera até pormos a coisa a andar, franguinha.

Brigette estremeceu e abraçou-se fortemente a Roberto. Pela primeira vez na sua vida tinha verdadeiramente medo e não apenas por si. Por Bobby, que não passava de um bebê. E por Tim. Que lhe teriam eles feito? Ela fora tirada apressadamente do apartamento e obrigada a ficar no carro durante um quarto de hora. Quando Santino aparecera, Tim não viera com ele.

- Acaba com a choradeira - disse Santino a Roberto com maus modos.

- Onde está Tim? - perguntou Brigette teimosamente.

- Que tal era ele na função? Material quente, doçura? Eu te mostrarei o que é ser material quente. Eu ensinarei aos dois.

 

Só havia tempo para passar pela morada dada por Matt como sendo de Tim Wealty antes de seguir a toda a velocidade para o aeroporto. Tratava-se de um edifício situado em Laurel Canyon.

Os dois homens "emprestados" pelo velho associado de Gino eram sujeitos rudes e jovens. Ambos pareciam espertos e competentes. Autodenominavam-se de "Cavernas" e "Protector". O automóvel, um Lincoln com telefone, era guiado por um terceiro indivíduo.

Lucky pô-lo ao corrente do que era preciso fazer e eles anuíram como se tivessem andado toda a vida envolvidos naquele gênero de trama.

A casa em Laurel Canyon dispunha de portões e sistema de acesso controlado electricamente. O criado que atendeu mostrou-se disposto a tocar na campainha para os deixar entrar depois de proferidas três palavras simples: "Entrega de água Sparkletts."

Guiaram até à entrada das traseiras e esperaram que a porta se abrisse. Depois "Cavernas" e "Protector" atravessaram-se no caminho do homem estupefacto, mostrando-lhe cartões de identificação do FBI e armas.

Lucky foi atrás deles. O estilo deles agradava-lhe. Passaram rápida e metodicamente revista à casa. O piso térreo encontrava-se deserto. No de cima, o proprietário do edifício, sentado no meio de uma cama de água circular de cor púrpura, assistia a uma telenovela e assoava o nariz.

-Deus me proteja! -titubeou ao invadirem-lhe o quarto.

Lucky assumiu o comando.

- Esquadrão anti-droga. - Adiantou-se. - Temos um mandato de prisão para Tim Wealth.

O homem agitou as mãos de dedos impecavelmente arranjados no ar.

- Uma cena dos meus próprios filmes! Não me magoem, farei tudo o que ordenarem.

- Tim Wealth - disse Lucky ameaçadoramente.

- Já não o vejo há semanas. Foi-se embora com duas das minhas malas Gucci preferidas, oitocentos dólares, três máquinas de filmar e uma série de caxemíras. Actores! Nunca mais!

- Tem a morada dele? - perguntou Lucky autoritariamente.

- Não tenho nem quero ter. - Agitou-se, pouco à-vontade. - Têm a certeza de que são da brigada Anti-Droga? Parecem-me terrivelmente familiares. - Esforçou a vista. - Penso que é melhor ver o vosso mandato de busca.

- Olhe - temos de o encontrar - disse Lucky asperamente. - E se você não nos disser onde podemos localizá-lo, nesse caso será preso como cúmplice. Estou a ser clara?

- Experimentem o agente dele, Zack Schaeffer.

Olhou intensamente para Lucky, procurando na sua memória; até que se fez luz.

- Isto é alguma espécie de brincadeira ridícula? - perguntou com impertinência. - Você é aquela tipa do Hotel Santangelo de Atlantic City. Estive na inauguração. - Saiu a custo de cima da cama, resplandecente no seu pijama dourado. Santo Deus! Este é um dos vossos espectáculos, não é? Onde estão as câmaras? Oh, Deus! Todos vão rir de mim. Recuso autorização, nunca poderão utilizar este material. Processarei. Eu...

As suas palavras ficaram a pairar no ar enquanto eles saíam porta fora.

Lennie ensaiou o seu discurso durante o percurso para Bel Air. Nada de intenso, não muito despreocupado, porém. "Viva, deixei Olympia." Não. Demasiado impessoal. Que tal: "Ora bem. Dei finalmente o passo." Ou melhor ainda: "Lucky, que estás a fazer aqui? Sabias que Olympia e eu nos separámos? "

Cristo! Sentia-se com dezasseis anos. Por que não seria capaz de lhe dizer simplesmente os sentimentos que lhe iam no coração?

Entrou em casa e sentiu imediatamente que havia algo de errado. Alice estava deitada num sofá da sala de estar, pálida e esvaída. Agarrava num copo contendo um líquido cor de âmbar, enquanto um homem de meia idade e tamanho liliputiano, sentado a seu lado, tinha os olhos fixos no ecrã de uma televisão.

- Que se passa? - perguntou Lennie olhando em redor e não gostando de toda a cena. Dissera claramente à mãe para não trazer nenhum dos seus amigos lá para casa.

- Lennie! Meu filho! - chilreou Alice, sentando-se e esboçando gestos dramáticos. - Raptaram Brigette e Bobby. Levaram os bebês.

 

Havia três carros estacionados em frente da residência dos Bonnatti. Steven encostou atrás de um Toyota enjoativamente amarelo, no Hertz Ford que alugara no aeroporto. Uma chamada feita à chegada para um hospital em Nova Iorque informara-o de que Mary Lou continuava internada no mesmo. Quando informara a mãe de que tinha necessidade imperiosa de ir a Los Angeles, Carrie preferira ficar junto da família de Mary Lou no hospital.

- Porquê? - perguntara a mãe preocupada.

- Porque às vezes - replicara ele calmamente -, a lei não ajuda a que cheguemos ao dia seguinte.

- Não compreendo...

Que ela entendesse ou não não importava. Ele sabia o que tinha a fazer.

Saiu do carro alugado e tocou à campainha.

Donatella Bonnatti, em pessoa, veio atender à porta. Há anos que Santino tentava habituá-la a ter criados, mas Donatella não tinha feitio para ter gente a servi-la. Preferia dar em mártir e fazer tudo sozinha. "Pensas que eles limpam? Não! Deixam tudo qu'é uma merda!" - queixar-se-ia ferozmente. "Pensas que eles cozinham? Uma pasta de merda, isso é qu'eles cozinham!" Portanto, enquanto Santino se rodeava de guarda-costas, Donatella preferia a companhia de duas tias italianas de idade, que faziam as coisas à antiga e iam lá a casa três vezes por semana.

Naquele dia estava sozinha. E apesar de ser domingo, decidira esfregar o vasto soalho da cozinha, aproveitando a saída de Santino e das crianças.

Apareceu à porta da frente de cabelo desgrenhado, as feições grosseiras a luzirem de suor devido ao trabalho pesado, e com uma bata de algodão florida a cobrir-lhe as formas avantajadas.

- Qu'é que vossemecês querem? - perguntou, mirando Steven de alto a baixo.

Este presumiu, naturalmente, tratar-se da criada. Donatella trazia numa das mãos uma vassoura usada à qual se apoiou enquanto o observava com olhos sicilianos perspicazes.

Steven falou lenta e cuidadosamente.

- Preciso de falar com Santino Bonnatti. É uma questão urgente. Donatella chupava um rebuçado.

- Marcou entrevista?

- Vim de avião de Nova Iorque. Cheguei agora mesmo do aeroporto. Mister Bonnatti está em casa?

Donatella não sabia que Santino tinha negócios com negros. Não lhe dissera nada. Ela só sabia que havia ocasiões em que os segredos dele a punham doida. Como seu marido, ele devia dividir as coisas com ela, no entanto não lhe confiava nada.

- De qu'é que se trata? - perguntou.

- Quem é a senhora? - replicou Steven. Donatella riu rudemente.

- Acha qu'eu sou a criada, não é? Eu sei, eu sei. - Alisou a bata. - Ninguém põe o couro a trabalhar em Beverly Hills. Sou Mistress Bonnatti.

Gino e Paige pararam para um almoço descontraído algures ao longo da auto-estrada Costeira do Pacífico. Deliciaram-se com lagosta fresca e uma garrafa de vinho. Deliciaram-se com a companhia um do outro.

Em todos aqueles anos, Gino nunca andara verdadeiramente envolvido com uma mulher casada. Claro, experimentara ligações efêmeras, matinês e outras ocasiões do gênero. Certa vez, nos seus tempos de jovem, permitira-se um romance escaldante com a sofisticada Clementine Duke, a esposa de um senador. Mas aquele assunto com Paige era diferente. Ele era um homem de idade e ela permitia-lhe sentir-se vivo. Ela fazia-o rir e ele tinha a noção de que a desejava na sua vida numa base permanente.

Depois de almoço, tocou no assunto com casualidade.

- Já alguma vez pensaste em deixar Ryder?

Encontravam-se sentados numa mesa junto de uma janela que deixava ver um panorama magnífico do oceano. Paige espraiava o olhar pelo mar.

- Ryder precisa de mim - disse calmamente. - E os meus filhos também.

- Uma ova!

- É verdade.

- Se te viesses embora amanhã, o teu velho estava-se nas tintas. E os teus filhos são todos crescidos.

Paige fitou-o nos olhos.

- Muito agradecida. Não há dúvida de que sabes como fazer com que uma pessoa se sinta querida.

- Deixa-te disso, rapariga. Eu quero-te. É aí que pretendo chegar.

- Já me tens.

- Durante um mísero fim-de-semana.

- Talvez mais que isto seja demasiado para ambos.

Gino não foi capaz de entender. Por que não saltaria ela de entusiasmo? Todas as mulheres que tivera tinham-no feito.

Se calhar era o que lhe agradava em Paige. Esta fazia o que queria, quando queria.

- Acho melhor telefonar para casa - disse Gino, levantando-se da mesa. - Caso contrário ainda mobilizam o FBI.

Paige ficou a vê-lo sair do restaurante. Gino Santangelo tinha estilo, verdadeiro estilo.

Ver Boogie serenou Lucky. Ele estivera sempre a seu lado em tempos de perturbação e sabia que podia contar com a sua ajuda.

Vinha com a sua aparência discreta habitual, envergando o macacão coçado e tênis. Debaixo do braço trazia uma pasta volumosa de cabedal contendo o dinheiro do resgate. Os olhos azuis-claros moveram-se inquietamente de um lado para o outro enquanto se dirigiam apressadamente em direcção ao automóvel.

Lucky pô-lo ao corrente de todos os dados que conhecia.

- Achas que devíamos meter a polícia no assunto? - perguntou-lhe Lucky ansiosamente, não muito segura quanto à própria decisão que tomara.

- Nem pensar - disse Boogie. - Nada de interferências do exterior.

Lucky ficou contente por tê-lo a seu lado. Como Gino faltava, Boogie era a única segurança de que dispunha.

- Vou-te dizer o que vamos fazer - explicou ela. - Procedemos à entrega do resgate no Farmers Market e esperamos, rezando, que as crianças sejam devolvidas. "Cavernas" seguirá a pessoa que vier buscar o dinheiro...

- Não. Eu é que o faço - interrompeu Boogie sem hesitar. - Ninguém é melhor do que eu para esse tipo de trabalho.

- Óptimo. Disporemos de uma carrinha de observação equipada com telefone e comunicação via rádio. Está tudo preparado. - Acenou-Lhe com uma folha de papel. - Esta é a última morada do tipo que penso estar envolvido. Tim Wealth, um actor desempregado. "Projector" está neste momento a investigar o endereço. Telefonará assim que tiver informações.

Boogie fitou-a penetrantemente.

- E como é que tu estás a aguentar-te?

Lucky ficou em silêncio por um momento. Quando finalmente falou, tinha a voz tensa, ainda que timbrada de aço.

- Eu estou bem. Só quero as crianças de volta sãs e salvas. E quando as tiver... -Os olhos endureceram-se-lhe. - O filho da mãe que as levou irá desejar nunca ter nascido.

 

A sala de estar dos Bonnatti apresentava um aspecto imaculado, cada peça de mobília a brilhar fortemente de tão polido. O sofá forrado a damasco tinha cobertas de plástico em ambos os braços e a um canto via-se um enorme piano negro com um xaile de renda antigo a pender-lhe dos lados; no tampo deste havia uma imensidade de molduras antigas com fotografias de família.

Steven não se deu ao cuidado de se sentar. Não estava ali para delicadezas sociais.

- Mistress Bonnatti - declarou -, o seu marido é o mais vil dos homens.

Atirou com a revista Comer que trouxera consigo para cima de uma mesa.

- A senhora que vê na primeira página é minha noiva - disse iradamente. -Ou antes, o rosto é o dela, mas o corpo não.

- Eh! Por que me mostra isto? - guinchou Donatella. -Eu não gosto de revistas porcas como esta na minha casa.

-Fico contente em ouvi-la fazer essa observação - disse Steven asperamente. - Mas o seu marido não tem esses problemas. Ele é que as publica.

Pegou na revista e folheou-a até encontrar a série de fotografias que era pressuposto serem de Mary Lou.

- Veja estas fotografias, Mistress Bonnatti. Pôs-lhe a revista na frente. - São fotografias falsas. Entende o que digo? Falsas! É o rosto de Mary no corpo de outra mulher qualquer.

- Eu não gosto dessa porcaria - insistiu Donatella, arrependida de ter convidado o desconhecido a entrar. Esperara descobrir algo sobre o marido mas não aquele tipo de coisa.

- Mary Lou tentou suicidar-se por causa destas fotos - disse Steven rudemente. - Tentou matar-se por causa do seu marido doente e sádico.

- Eu cá não sei de nada - disse Donatella rapidamente.

-Não? Bem, não é tempo de começar a saber? Se eu estivesse no seu lugar...

O telefone tocou e Steven calou-se abruptamente. Grata pela interrupção, Donatella correu a atender. Se fosse Santino, ordenar-lhe-ia que voltasse imediatamente para casa. Ficaria zangado por ela ter deixado entrar um desconhecido em casa, ainda por cima um desconhecido negro. Santino andava sempre a avisá-la para ter cuidado com crimes, roubos e o risco que era pôr até o pé fora de casa.

Raios partissem Santino. Se ele andava metido com revistas porcas, ela nunca lhe perdoaria. Ele tinha uma editora mas esta só publicava coisas para computador e técnicas - o próprio Santino lho dissera.

Ah... mas poderia ela confiar nele? O marido nunca lhe contava nada de nada. Ela sabia que ele andava envolvido nuns assuntos vergonhosos mas, ao longo dos anos, aprendera a não estranhar os seus modos secretos no que se referia a negócios. "Nunca me tragas nada cá pr'a casa", advertira-o certa vez. E ele assim fizera.

Agora tinha pornografia no seu próprio lar e o preto afirmava que Santino era responsável.

Pegou no telefone.

- Quem é? - gritou.

Ouviu-se uma voz feminina sensual.

- Mistress Bonnatti? Donatella? Respondeu com impaciência.

- Sou, sou. Quem fala?

- O seu marido tem uma casa na Blue Jay Way, em Hollywood Hills, onde mantém a amante - sussurrou a voz.

- Quê? Qu'é que está pràí a dizer?

- Amante. Namorada. Parceira sexual.

A voz murmurou a morada completa e depois acrescentou:

- Por que não vai até lá ver com os seus próprios olhos? Desligou.

 

A criada irlandesa que trabalhava no Hotel Nova Iorque ao sair de serviço às seis e quarenta e cinco da tarde, queixou-se ao gerente da noite.

- Raios, Albert, não consegui entrar no quarto vinte e cinco o dia todo.

- Não te preocupes com isso - replicou o gerente de cabelo comprido.

- Não estou preocupada - replicou a rapariga sarcasticamente. - Mas tenho metade dos materiais de limpeza fechados à chave naquele armário grande da casa de banho.

-Amanhã vais buscá-los.

- Se ele não estiver morto em cima da cama - retorquiu a rapariga desdenhosamente.

- Quem?

- Aquele cantor. Flash.

O gerente da noite pestanejou. Acabara de voltar de férias e não sabia que o lendário Flash se encontrava hospedado ali no hotel.

- Por que dizes semelhante coisa? - perguntou, achando que a mulher era uma chata mas que, mesmo assim, tinha de a aturar.

- Não seria a primeira vez que acontece neste hotel - disse a mulher com desprezo. - E aquele quarto esteve hoje demasiado sossegado. Normalmente tem a música alta e gente a entrar e a sair.

- Vamos até lá dar uma olhada - sugeriu o gerente, ansioso por conhecer a estrela do rock.

A criada riu zombeteiramente.

-Olhem-me só para ele! Ansioso por ver o cadáver! Que vergonha.

- Anda - encorajou ele, saindo de detrás da secretária.

- Vai tu - disse ela rudemente. - Eu cá vou fazer o jantar ao meu marido que não gosta de o ver atrasado.

Saiu apressadamente e nessa altura o gerente teve de atender algumas chamadas. Depois decidiu que devia aproveitar aquela oportunidade para conhecer o grande Flash em pessoa. Tirou a chave de serviço de uma gaveta e deixou a recepção aos cuidados de um porteiro porto-riquenho com uma "pedrada". Não que ele próprio fosse grande abstêmio. Nada de sério. Um par de Quaaludes só para agüentar o turno da noite. Talvez Flash tivesse algo melhor para lhe oferecer.

Ofegando de expectativa, carregou no botão de chamada do elevador ferrugento.

 

Chegaram ao Farmers Market com vinte minutos de avanço. No parque de estacionamento do estabelecimento a seguir estava a carrinha de vigilância que Lucky requisitara. O seu motorista era um ex-detective chamado Dave.

- Monte sistemas de comunicação em Boogie e em mim - instruiu Lucky. - Eu irei entregar o dinheiro e Boogie fará a perseguição. Vocês seguem-me de perto, em ligação permanente.

-Não há problema - disse Dave.

Era um indivíduo alto e ágil. Seria bem compensado pelos seus cuidados.

Lucky esperava que fosse esperto. Precisava de esperteza acima de tudo.

Santino tinha um feitio naturalmente desconfiado. E apesar de as pessoas que trabalhavam para si lhe professassem de uma lealdade até à morte, não confiava nelas minimamente. Não restavam dúvidas de que ir buscar um milhão de dólares era demasiada tentação para pôr no caminho de alguém. Portanto decidiu ficar para assistir à jogada e certificar-se de que umas centenas de dólares não levavam sumiço durante o caminho. Se o que Tim Wealth prometera fosse verdade, toda a operação seria um achado.

Lucky Santangelo devia estar a subir pelas paredes, o que a ele dava muito gozo. Teria de passar por muito mais antes de voltar a ver o filho - se é que voltava a vê-lo sequer.

Santino sorriu de si para si. Que dia inesperado aquele; não havia vingança mais doce que aquela que era esperada de há muito.

O Farmers Market era um paraíso para os turistas, um vasto complexo de lojas de lembranças ao ar livre, casas de bugigangas e um mercado de produtos alimentares coberto que vendia de tudo desde mangas a salame italiano.

Lucky encontrou a livraria B. Dalton mesmo no centro. Dirigiu-se lentamente em direcção a ela, levando a pasta de cabedal contendo o dinheiro do resgate na mão. Exteriormente mostrava-se calma, mas por dentro sentia uma raiva fria e tinha vontade de gritar de fúria e frustração.

A livraria estava com movimento, o negócio apresentava-se florescente. De olhos atentos, olhou em volta à procura da secção dos livros sobre alimentação racional. Uma mulher gorda vestida com calças de tecido plastificado dava uma vista de olhos ao livro de exercícios de Jane Fonda mas, exceptuando ela, a área encontrava-se vazia.

Lucky consultou o relógio de pulso. Faltavam dois minutos para as quatro.

A mulher gorda voltou a colocar o livro de Jane Fonda no lugar e afastou-se.

Lucky viu novamente as horas. Faltava um minuto.

Onde andaria Boogie, pensou, mas não se preocupou por não estar a vê-lo. Boogie conseguia misturar-se no meio da multidão e passar despercebido.

Quatro horas em ponto.

Pousou cuidadosamente a pasta de cabedal a um canto e saiu da loja pela outra entrada. Uma vez no exterior, o seu instinto imediato foi voltar atrás e agarrar a pessoa que fizesse a recolha. Mas não podia fazê-lo. Tinha de aguardar. Ver se as crianças eram devolvidas. Esperar, apenas.

Boogie se encarregaria dessa parte final. Junto do dinheiro havia um dispositivo de detecção. Não iriam longe sem que Boogie os seguisse.

Santino designou Blackie para proceder à recolha, enquanto ficava à espera no carro com Roberto e Brigette e os seus outros dois capangas. Estacionaram numa rua próxima, a um quarteirão de distância. Blackie era corpulento, de faces esguias, cabelo ralo e carranca permanente.

- Não demores muito tempo a voltar aqui - ordenou Santino. Inclinou-se para Brigette e deu-lhe umas pancadinhas na coxa. A jovem encolheu-se.

- Adolescente, estou ansioso por to dar a provar - disse Santino fitando-a com ar significativo - Não é, garota? Não é?

- Abranda - pediu Paige. - Vais matar-nos. Depois não servirás de nada a ninguém.

- Queres ir tu a guiar?

- Para dizer com franqueza, quero.

Gino encostou o Porsche de Paige à berma da estrada e trocaram de lugar. Paige apertou o cinto de segurança e instruiu-o para que fizesse o mesmo. Gino acedeu, relutante - correr riscos fora sempre mais o seu estilo.

Paige voltou a dirigir, com perícia, o automóvel para o meio do fluxo de trânsito que percorria a auto-estrada Costeira do Pacífico. Ainda tinham umas boas duas horas de corrida pela frente antes de chegarem a Los Angeles.

- Nunca me senti tão impotente em toda a minha vida - resmungou Gino. -Quando puser as mãos no filho da puta que é responsável, ele desejará nunca ter nascido.

- Não fales - respondeu Paige, guiando ainda mais depressa do que Gino mas menos perigosamente. - Poupa as tuas energias. Lucky deve estar de cabeça perdida. Precisará de ti quando lá chegares.

- Devia ter estado com ela - lamentou Gino. -Caramba! Quem imaginaria semelhante coisa? Quem se atreveria?

Lennie queria telefonar para a polícia.

- Não podes fazer isso -disse Alice com uma firmeza que não lhe era habitual. - Lucky diz que está tudo sob controlo.

- Sob o controlo de quem? - gritou Lennie furioso. - E por que não falou já alguém com Olympia?

- Temos tentado - disse Alice -, mas ela não está em lado nenhum.

- Jesus Cristo! - explodiu Lennie. - Brigette é filha dela. Ela devia estar aqui. Ou pelo menos devia saber do que se passa.

- Continuo a tentar. Costa entrou na sala.

- Acabo de ter notícias de Lucky. O dinheiro foi colocado no lugar combinado. Boogie vai a seguir-lhe o rasto. Agora só nos resta esperar e ver se as crianças aparecem.

- Bem, não posso ficar aqui sentado à espera - berrou Lennie. -Onde está Lucky? Dê-me o número de telefone do carro.

Costa assim fez, relutantemente.

- Ela não quer ser incomodada - advertiu. - Quer manter a linha livre.

- Estou-me nas tintas para o que ela quer - gritou Lennie. - Tenho a ver com o assunto. Se ela não gostar, tanto pior.

Donatella Bonnatti fitou Steven.

- Eh, Mister Berkeley. O senhor veio ver o meu marido. Ele não está cá. Então agora vai-se embora, ha?

Steven observou-a atentamente. A mulher estava agitada e impaciente. Quem quer que tivesse falado ao telefone, perturbara-a. Algo lhe dizia que não fora o marido, mas tratava-se de algo que tinha a ver com este.

Donatella caminhou até à porta. Os botões da bata que vestia retesavam o tecido, revelando um peito farto e roupa interior recatada.

- Agora vá-se embora. Tenho de sair. Steven anuiu.

- Voltarei para falar com Santino.

Donatella estava alheada, morta por se ver livre dele. A revista pornográfica e o envolvimento de Santino pareciam já não a preocupar. Algo mais a preocupava.

- Faça o que quiser. Tá bem. Tá bem. Apressou-o porta fora e fechou esta firmemente.

Berkeley sentou-se ao volante do seu carro alugado, seguiu até à rua, estacionou e aguardou. Um quarto de hora mais tarde o Toyota apareceu, guiado por Donatella.

Esta lançou-se em direcção a Hollywood.

Steven foi atrás dela.

Éden passeava-se pela casa sem parar. Tentara maquilhar o rosto mas este estava desfigurado pelas marcas dos punhos vis de Santino. Não para sempre. Graças a Deus. Equimoses e olhos pisados. Uma semana, duas e voltaria ao normal.

Zeko sentara-se do lado de fora, junto da piscina que se estendia em frente da casa, a atirar avelãs para dentro da boca feia aberta. O homem era um cretino. Ela odiava-o quase tanto quanto a Santino. Ambos eram uns porcos que consideravam as mulheres abaixo de cão.

Fitou o relógio da cozinha. Passava das quatro. Tim estava à sua espera e ela sem possibilidade se aparecer. Bonnatti que se lixasse. Ela acabaria por se livrar dele - de uma maneira ou outra.

Ouviu um carro parar no passeio em frente da casa. Esperançada, correu para a janela e espreitou, mas foi Santino que viu aparecer. Estava acompanhado por dois malandrins que nunca o largavam e havia ainda uma rapariguita loura com ele, assim como um rapazito.

Traria os filhos para a verem? Não podia acreditar que até mesmo Santino fosse capaz de descer tão baixo.

Correu rapidamente para a cama e fechou a porta. Estava fresco ali dentro, onde tinha por única companhia o zumbido tênue do ar condicionado a funcionar.

Ouviu gente a entrar. Que não esperassem que saísse dali para os conhecer. Ele não podia obrigá-la. Que faria? Matava-a?

- Vamos, borracho - troçou Santino, puxando Brigette para dentro de casa.

O coração de Brigette batia tão depressa que quase podia ouvi-lo.

Alice contara-lhe histórias de raparigas que desapareciam de casa. "Escravas brancas", cacarejara Alice com ar sabedor. "Sentam-se ao lado de raparigas que não desconfiam de nada, em cinemas, e espetam-lhes agulhas nos braços. Depois levam-nas Deus sabe para onde."

Brigette rira-se de Alice quando esta lhe contava histórias sinistras como aquela. Troçara de Lucky quando esta a alertara para possíveis raptores. Mas agora que se apercebera da gravidade da situação em que se encontrava, sabia quão ambas tinham tido razão com as suas advertências e admoestações.

Imaginou o que estaria a passar-se na casa de Bel Air. Lucky estaria lá? Olympia? Gino? Lennie? Teriam chamado a polícia? Por onde andariam a procurá-la e a Roberto?

Sentiu-se novamente uma menina, perdida e só. E no entanto tinha de ser forte por Roberto. Ele confiava nela. Agarrava-se ao seu braço como se a sua vida dependesse disso. Talvez fosse verdade.

Falou com bravura.

- Tem o dinheiro - disse, tentando desesperadamente manter a voz firme. - Agora deve deixar-nos ir embora tal como Tim prometeu.

Santino deitou a rir.

- Tim. Quem é Tim? - Olhou de relance para os seus comparsas.

- Algum de vocês sabe quem é esse tal de Tim?

- Nunca ouvi falar nele, patrão - disse Blackie.

- Na, na sei - concordou o outro indivíduo.

- Vá, borracho - incentivou Santino, puxando Brigette em direcção ao quarto. - Traz o rapaz também. Ele pode assistir para ficar a saber como é desde cedo. - Riu aparatosamente diante do próprio humor.

- Nós os três vamos fazer uma fotografia muito bonita, uma fotografia bonita para enviar à mama dele.

Abriu a porta com um pontapé. Deparou com Éden.

- Fora, desavergonhada - ordenou.

- Q... q... que se passa? - gaguejou Éden.

- Espera lá fora e não me chateies. Percebes inglês?

Brigette fitou Éden implorantemente, aliviada por ver outra mulher.

- Este homem raptou-nos - principiou. -Ele...

Santino desferiu-lhe uma bofetada na cara com as costas da mão. Roberto gritou.

Éden recuou até ao fundo do quarto enquanto ele também batia no rapazinho. Não podia valer-lhes. Não podia valer a si própria.

Os dados estavam lançados. O que porventura pudesse acontecer a partir dali escapava ao seu controlo.

Um telefonema do "Protector" chamara Lucky ao prédio de apartamentos em Hollywood Boulevard. O apartamento de Tim Wealth.

"Cavernas" acompanhou-a de carro. Contrariamente ao que o seu apelido indicava, vestia um casaco desportivo e calças impecavelmente passadas - fazia lembrar um recém-saído da universidade, no entanto Lucky sabia que ele levava uma arma poderosa consigo e esperava poder contar com ele em momentos de perigo.

Subiram a escada exterior a abarrotar de estudantes que voltavam para casa e onde estava um velho embriagado que atrapalhava o caminho a toda a gente.

O "Protector" deixou-os entrar. Tinha olhos atentos, com os quais perscrutou as redondezas.

Lucky entrou no pequeno apartamento e parou, imobilizada pelo choque. Havia um corpo no meio do chão. Um corpo que não só fora muito maltratado como também levara um tiro na cabeça.

- Tim Wealth - informou o "Protector" sem rodeios. - Cheguei pouco antes de ele nos deixar.

Lucky susteve a respiração.

- E?

- Temos mais problemas - informou o "Protector" sombriamente.

- Já alguma vez ouviu falar de um homem chamado Santino Bonnatti?

O coração de Lucky parou.

- Bonnatti? - sussurrou. O "Protector" anuiu.

- Santino tem as crianças.

A Blue Jay Way era uma rua ventosa e tranqüila que ficava bem no alto de Hollywood. Pouco trânsito passava por ela, apenas um ou outro residente, ocasional que ia tratar de algum assunto da sua vida.

Boogie, na parte de trás da carrinha de vigilância, calculou tratar-se do esconderijo ideal para manter Brigette e Roberto. Quando vira o Mercedes que, seguiam abrandar, tivera a certeza de que tinham dado com a marosca. Ao ver três homens saírem do carro, levando as crianças com eles, ainda mais seguro ficara. Um deles parecia vagamente familiar, mas não foi capaz de associar um nome àquele rosto.

Naquele instante tivera de decidir se os atacaria ali e imediatamente. Mas as probabilidades estavam contra ele. Três tipos - provavelmente armados - e ansiosos por conservarem o milhão de dólares. Gerar-se-ia um tiroteio, alguém podia ferir-se e ele não podia arriscar-se a pôr minimamente em perigo a vida de Roberto ou Brigette. Além disso, Lucky nunca desejaria vê-los envolvidos em qualquer tipo de tiroteio.

Aguardou que entrassem todos em casa; a seguir tentou contactar com Lucky através do telefone da viatura. O motorista atendeu a chamada e disse-lhe que esperasse.

Os minutos passaram lentamente. Ele era paciente, cauteloso. A última decisão caberia a Lucky.

Quando esta apareceu em linha, ele reparou que a sua voz deixava transparecer uma raiva gelada.

- Onde estás? - perguntou ansiosamente. Ele deu-lhe a morada e as novidades.

Lucky, transmitiu a informação ao motorista e disse-lhe que a pusesse rapidamente no local. Depois perguntou o mais calmamente que conseguiu:

- Um dos homens era Santino Bonnatti?

Ele percebeu então que o rosto que lhe parecia conhecido pertencia de facto a Bonnatti, e as implicações tornaram-se claras.

- Como é que quer fazer? - perguntou. - Talvez seja altura de pôr a polícia ao corrente.

- Levaria demasiado tempo - replicou Lucky, a raciocinar velozmente. - "Cavernas" e "Protector" estão comigo. E tu tens Dave. Vamos tratar nós do assunto. É a única maneira.

- Não sei quem mais está dentro de casa - disse Boogíe. Há muito que aprendera a não contrariar Lucky Santangelo.

- Descobre o que te for possível - replicou ela tensamente. - Vamos a caminho.

Boogie saiu da carrinha e foi até à parte da frente alertar Dave.

- Ela quer avançar - informou. - Tem o filho ali dentro. Alinhas connosco?

Dave anuiu e deu uma palmadinha na 38 que tinha presa à cintura.

- Serás generosamente compensado por ela - prometeu Boogie.

- O dinheiro não interessa - disse Dave. - Não gosto de gente que maltrata crianças. Esses tipos precisam de uma lição.

- Dizes bem - observou Boogie. - vou ver como havemos de proceder.

Os dois anos que passara nas selvas do Vietname tinham-lhe dado pés leves e a capacidade de se movimentar furtiva e celeremente. Desapareceu no meio da densa vegetação rasteira que rodeava a casa e subiu por uma inclinação de terreno coberta de arbustos e moitas.

Pouco depois ficava com uma vista perfeita, de cima para baixo, da casa.

Lennie, no seu estúdio, não parava de tentar ligar para o número do carro que Costa lhe dera.

Estava sempre impedido.

Praguejou para consigo próprio e pensou no que Lucky devia estar a sentir. Ela precisava dele. E se ao menos conseguisse falar com ela e saber do seu paradeiro, iria ter com ela. Não havia nada que não fizesse por ela.

Alice entrou na sala e colocou uma chávena de café em cima da secretária. Era o único gesto oportuno que alguma vez fizera por ele, mas quem é que podia ficar ali sentado a tomar café numa altura daquelas?

Bingo! Finalmente conseguira ligação. A linha tocou e um homem atendeu.

- Está?

- Ligue-me a Lucky.

Ouviu-se um som abafado e em seguida a voz de Lucky soou.

- Onde estás? - perguntou Lennie.

Lucky soube imediatamente que era ele, mas não era altura para reencontros.

- Estou a tomar conta do assunto, Lennie - disse ofegante. Lennie explodiu de fúria.

- Tu estás a tomar conta do assunto. E quanto à polícia?

- Nada de polícia - disse Lucky calmamente. Confia em mim.

- Onde estás? - insistiu ele ansiosamente.

- Não posso dizer-te.

- Não podes uma treta! - exclamou Lennie, que nunca na vida se sentira tão impotente.

- Estamos a aproximar-nos da Blue Jay Way - disse o "Protector".

- Tenho de desligar - disse Lucky com a respiração alterada. - Daqui a pouco já terei as crianças comigo.

- Onde raio estás tu? - gritou Lennie.

Agora já não fazia mal dizer-lhe. Quando ele ali chegasse já estaria tudo terminado.

- Não quero a polícia metida no assunto - insistiu Lucky.

- Prometo-te.

Ela disse-lhe rapidamente onde estavam. Lennie atirou com o telefone e correu para fora de casa.

 

O gerente do turno da noite do Hotel -Nova Iorque deteve-se diante da porta do quarto 425 e bateu várias vezes.

Ao ver que não havia resposta, serviu-se da chave de serviço e entrou.

A princípio teve a impressão de que estavam a dormir - a lendária estrela do rock e a loura gorda. Encontravam-se grotescamente esparramados em cima da cama, nus.

O gerente do turno da noite manteve-se muito quieto e procurou escutar o som das respirações. Aproximou-se para mais perto, observando os sinais de uma noite inteira de orgia de estupefacientes. Havia frascos de comprimidos entornados em cima de uma das mesinhas-de-cabeceira, uma seringa vazia, um saco de plástico transparente meio-cheio de um pó branco, assim como outros acessórios relacionados com a droga.

O gerente cheirou, percebeu os odores da morte e estremeceu. Não era a primeira vez que testemunhava semelhante panorama, e provavelmente não seria a última. Mas nunca antes vira uma pessoa famosa morta.

O quarto encontrava-se horrivelmente silencioso. Somente os sons que chegavam da rua quebravam a quietude opressiva.

Aproximou-se rapidamente ainda para mais perto e examinou Flash, que de boca aberta, deixava ver os dentes podres.

Com um movimento furtivo, provou uma pitada do pó branco que enchia parcialmente o saco de plástico ao lado da cama.

Cocaína.

Enfiou rapidamente o saco no bolso.

Depois olhou para a loura. Tinha as faces bochechudas, a pele às manchas arroxeadas. Parecia-lhe vagamente conhecida.

No exterior soaram sirenes de polícia e ele deu um salto, perguntando a si mesmo se parariam. Desvaneceram-se à distância - era um som habitual em Nova Iorque.

Depreendeu que teria de fazer alguma coisa relativamente àquela desgraça. Jesus. Iria ser trabalho para toda a noite e também meteria jornalistas e tudo. A imprensa provavelmente ficaria doida. De facto, a imprensa ia querer entrevistá-lo. De certeza.

Lançou um último olhar ao casal infeliz e pegou no telefone.

A notícia chegou aos serviços de imprensa mesmo a tempo de sair no noticiário das dez da noite em Nova Iorque. Em Los Angeles eram sete da tarde.

Como os órgãos de comunicação social apreciavam a morte de uma celebridade. Ainda melhor, a morte de duas celebridades.

E aquela possuía todos os ingredientes.

Dinheiro.

Sexo.

Droga.

E rock and roll.

Que mais poderiam desejar?

- Despe a roupa, borracho - ordenou Santino.

- Acho bem que me deixe em paz - advertiu Brigette, com os olhos dilatados pelo medo.

Santino riu. Fechara a porta à chave e metera esta no bolso. O mundo real ficara lá fora e ele estava sozinho com aquele pedaço louro apetitoso em que estava ansioso por enfiá-lo.

Ah... mas não estava completamente sozinho. O rapaz também se encontrava no quarto. O filho de Lucky Santangelo.

Mesmo que tivesse traçado os planos mais imaginativos, dificilmente teria arranjado melhor.

Tirou o casaco e fungou de gozo.

Os olhos de Brigette foram atraídos para o revólver que Santino trazia dentro de um coldre de ombro. A pele arrepiou-se-lhe e sentiu-se desfalecer, vendo-o aproximar-se de uma câmara de vídeo instalada sobre um tripé, virada para a cama, que ligou.

- Muito bem, pára com a pastelice. Despe a roupa - disse Santino com maus modos, tirando a arma do coldre e apontando-a a Roberto, que se agachou, petrificado, a um canto. - Já, borrachinho, ou o rapaz apanha com um balásio.

Brigette estava débil de tão horrorizada. Aquilo não estava a acontecer-lhe. Não passava de um sonho horrendo. Começou a chorar.

- Traz o teu cu para a frente da câmara - ordenou Santino. Brigette obedeceu, com lentidão.

De repente Roberto deu um pulo e correu para Santino, socando-lhe uma das pernas com os punhos minúsculos.

- Pára! Pára! -gritou o rapazinho.

Santino atirou a criança para longe com um empurrão brutal, lançando-a de rodo pelo chão.

Os soluços de Brigette aumentaram de intensidade mas o facto não incomodou Santino. Fixara os olhos nela com uma expressão lasciva.

- Tira tudo, garota. Já. Ou dou um tiro neste pequeno estupor barulhento mesmo em frente dos teus lindos olhos azuis.

Donatella passou em frente da casa de Blue Jay Way e reconheceu imediatamente o carro de Santino. Deixou escapar uma longa torrente de palavrões em italiano, assim como alguns em inglês.

- Casanova bastardo mentiroso, batoteiro e conquistador de putas!

Como se atrevia ele. Como se atrevia ele!

Pai dos seus filhos, marido fiel - ou assim sempre jurara ser. Ela dera-lhe os melhores anos da sua vida e ele não passava de um cão ranhoso.

Estacionou e tirou, a custo, o corpo volumoso de detrás do volante.

Na altura em que Donatella saía do seu Toyota, o Lincoln parava em frente da carrinha de vigilância, mais ao cimo da colina. Boogie recebeu Lucky quando esta saltou do carro.

- Santino está dentro de casa com mais três homens - informou rapidamente. E também lá está uma mulher. Vejo a coisa da seguinte maneira: "Cavernas" e "Protector" provocam um acto de diversão na frente enquanto eu entro pelas traseiras.

- E que farei eu? Fico a tricotar? - perguntou Lucky asperamente.

- Tu ficas no carro. Trarei as crianças sãs e salvas. Confia em mim.

- O teu plano tresanda - disse Lucky friamente. - vou entrar contigo.

- Acabarás por me atrasar - salientou ele.

- Tretas. Irei atrás de ti. Se me deixar atrasar, a culpa é minha.

- Poderá tornar-se perigoso. Lucky fitou-o.

- Conheces-me, Boogie? Conheces-me minimamente?

Não valia a pena continuar a discutir. Ninguém diria a Lucky Santangelo o que fazer.

- Falarei rapidamente com os rapazes -disse Boogie. - Depois avançaremos.

Resmungando para consigo mesma, Donatella caminhou ruidosamente pelo carreiro coberto de cascalho acima. Antes de sair de casa substituira a bata por um fato castanho sóbrio e uns sapatões fortes e confortáveis. Escovara o cabelo e pusera baton e sombra azul nos olhos. Donatella, que nunca fora muito habilidosa na arte de aplicar maquilhagem, estava digna de se ver.

Ainda a resmungar de si para si, tocou à campainha da casa de Blue Jay Way, onde esperava encontrar o marido nos braços de alguma prostituta barata e reles.

- Quem é a mulher? - perguntou "Cavernas", vendo Donatella aproximar-se da porta da frente.

- Não interessa - replicou Lucky. - Em termos de distracção ela até dará jeito. Vocês entram atrás dela - provocam uma discussão, pensem em algo que ponha todos a falar na frente, enquanto nós vamos pelas traseiras.

- Acha que a fita do FBI pode resultar? - perguntou "Cavernas", mostrando um cartão de identificação falso a Lucky.

- Perfeito - disse Lucky. - Vamos a isto, rapazes.

Foi atrás de Boogie na sua caminhada por entre os arbustos circundantes.

A zona de Hollywood Hills era uma confusão. Tinha uma profusão de ruas serpenteantes e todas muito compridas, com voltas e mais voltas e algumas com becos sem saída.

Steven perdera Donatella e o seu Toyota amarelo de vista quando esta virara pela Doheny Drive, e agora não era capaz de a encontrar.

No fundo não importava. Ele voltaria à residência Bonnati e esperaria, pois sabia o que havia de fazer ao malandro quando finalmente se encontrassem cara a cara.

- Que raio está ele a fazer àqueles miúdos? - perguntou Éden a Blackie, que estava na sua cozinha à procura de algo para meter na boca nojenta.

Blackie esboçou um gesto de ignorância. Naquele dia - ainda que por breves momentos - estivera na poss" de um milhão de palhaços. Que momento!

Esqueceu convenientemente que naquele dia também assassinara um homem. A sangue frio, com um disparo à traição na cabeça.

- Metes-me nojo - disse Éden, com a voz cheia de repugnância.

- Trabalhas e sujeitas-te a um homem que é pior que lixo. - Obrigou-o a olhar para ela. - Vê o que ele me fez. Que achas de um tipo que faz uma coisa destas?

Blackie lançou-lhe um olhar de poucos amigos.

- Quem se interessa? - disse, abocanhando um pedaço de queijo. Éden ouviu o toque da campainha e susteve a respiração...

- Quem é? - perguntou Zeko desconfiado, abrindo apenas uma fenda da porta.

Donatella desferiu um pontapé tremendo na porta da entrada, magoando Zeko ao fazê-lo.

- Qu'é que estás aqui a fazer? Onde puseste o meu marido? A boca de Zeko ficou pendente.

- Mistress Bonnatti! - exclamou com voz entaremelada.

- Isso. Sou Mistress Bonnatti. E depois? Depois vou entrar aí pr'a dentro. Fora do caminho, grande parvalhão.

Zeko ficou varado. Que iria o patrão dizer daquilo?

Desprendeu o fecho de segurança da porta e não reparou nos dois homens que vinham atrás da mulher.

- FBI - disse um deles, mostrando a identificação. - Andamos a investigar um dos vossos vizinhos. Gostaria de que respondesse a algumas perguntas.

Brigette, nua, encolhia-se no meio da enorme cama. Pelas faces desciam-lhe lágrimas. O homem asqueroso e nojento tocara-lhe, obrigara-a a posar em frente da câmara. E agora estava a despir Bobby, casquinhando divertido ao ver o rapazinho desferir pontapés e debater-se.

Estremeceu ao recordar as coisas com que ele a ameaçara. Dissera-Lhe explicitamente o que ia fazer a Bobby, enquanto despia freneticamente a roupa interior. Ficara de calções aos corações, e a sua erecção projectava-se obscenamente contra o tecido.

Bobby gritava e o som de cada um dos seus gritos angustiados partia-Lhe o coração. Era por sua culpa que Bobby estava ali. Sua culpa!

Santino estava concentrado na criança. Preparava-se para cometer um acto tão vil... tão indecente...

Boogie moveu-se rápida e silenciosamente, descendo por entre os cactos, ervas e arbustos que cobriam a vertente da colina.

Lucky conseguiu manter-se por perto, indiferente aos arbustos pendentes e ramagens que lhe arranhavam e rasgavam o rosto e as mãos.

Aproximavam-se das traseiras da casa. Diante deles estendia-se uma piscina vasta, tendo a rodeá-la portas de vidro que deitavam para o interior da casa.

- Vamos entrar de surpresa - murmurou Boogie, puxando da arma.

- Prometo-lhe que não tarda a ter os miúdos de volta, Lucky.

Mistress Bonnatti? - perguntou Éden, empurrando Zeko e defrontando a mulher enorme que estava à porta. Donatella mirou-a.

- Você tem o meu marido aqui? - perguntou em voz audível. - O meu Santino?

- Sim. Ele está aqui - replicou Éden. -Mas antes de o ver acho que nós as duas devíamos falar.

- Ele dormiu com você? - perguntou Donatella. - Você vai dizer-me a verdade.

O "Protector" aproveitou a oportunidade para empurrar Donatella para dentro de casa.

- Espere um min... -principiou Zeko, completamente atarantado. Mas "Cavernas", que seguira "Protector", puxou de uma arma e disse:

- Poupe as palavras, medroso. Onde estão as crianças?

- Quem é esta gente? - gritou Donatella. - Que se passa?

- Encoste-se apenas à parede e cale a boca - ordenou "Cavernas". Fez um gesto a Éden. - Tu também, querida.

Blackie saiu da cozinha, cambaleante. "Cavernas" fez-lhe sinal para que se juntasse ao grupo. Blackie tentou retroceder mas "Cavernas" disse-lhe:

- Mais um movimento e morres, estupor. Blackie ficou petrificado.

Das traseiras da casa chegou o som de um impacto tremendo. E depois, um disparo. Um. Dois. Três.

 

             OITO MESES MAIS TARDE

                     MAIO DE 1984

 

Na sala de tribunal, a atmosfera pesava com o silêncio reinante.

Lucky olhava em frente sem ver, os olhos negro-opala a não deixarem transparecer nenhuma emoção, embora por dentro se sentisse arder de ansiedade e tensão incontroláveis.

O funcionário do tribunal começou a ler o documento em voz alta, com o seu timbre anasalado.

- No dia quatro de Maio de mil novecentos e oitenta e quatro... no estado da Califórnia...

Palavras. Tantas palavras. E para que serviam?

Olhou rapidamente em volta, passeando o olhar pela sala de tribunal, fixando-os em Brigette, sentada na fila da frente. A jovem adolescente mostrava-se solene, o rosto pálido sem expressão, o cabelo louro sobriamente preso numa trança discreta.

Lucky estava furiosa por lhe terem permitido vir. O pesadelo ficara já para trás de Brigette. Não havia razão para lho recordarem.

O funcionário do tribunal continuou a leitura.

Lucky susteve a respiração e esperou... rezou...

A sua culpabilidade estava antecipadamente pressuposta. Os jornais já a tinham crucificado há muito. Lucky Santangelo. A filha do mafioso. Gino já não se envolvia com o crime organizado ia para mais de vinte anos - e no entanto, a má fama permanecia.

Lucky ergueu o queixo orgulhosamente; recusava-se a vergar. Estava preparada para suportar o que porventura lhe destinassem.

- E nós, os jurados - continuou o funcionário sonoramente - consideramos a ré, Lucky Santangelo - uma pausa. - culpada de homicídio de segundo grau.

O veredicto atravessou-a como um choque eléctrico, ao mesmo tempo que a sala de tribunal se enchia de barulho. Vozes. Ruído.

Uma centena de pés matraqueantes.

O zumbido encheu-lhe os ouvidos, os olhos, o nariz, a garganta. O zumbido sufocava-a.

Olhou para a movimentação que se gerara na sala de tribunal com os olhos negros vidrados. As figuras apressadas... ratos a correrem para... Deus, para que corriam eles?

Telefones. Últimas notícias. A tarefa de fazer a notícia sair em primeiro lugar. Fornecer as massas sedentas com as notícias saborosas que eram as desgraças dos outros.

De repente um grito dilacerante trespassou a sala de tribunal, ao mesmo tempo que Brigette se levantava de um salto.

- Nãaao! - gritou a jovem. - Não! Não! Não! Lucky Santangelo é inocente. Eu é que o fiz. Matei Santino Bonnatti. Eu é que sou a culpada!

 

No dia um de Setembro de mil novecentos e oitenta e quatro, estava um tempo esplêndido para um casamento. O céu apresentava-se azul e sem nuvens, o sol brilhava sem estar demasiado quente. A casa, pintada de branco, que se erguia no meio de jardins magnificamente floridos, parecia aprazível e acolhedora.

Roberto, agora com cinco anos e meio, deambulava pelo terreno cumprimentando os convidados com o seu fatinho escuro. Era um rapaz robusto, inegavelmente bem parecido com os seus olhos negro-azeviche de pestanas compridas e o cabelo preto aos caracóis. Ligeiramente afastada, CeeCee mantinha-se atenta, assim como os guardas da segurança que rodeavam o perímetro da casa e os detectives à paisana que se misturavam discretamente com os presentes, passando em revista os convidados que iam chegando.

Costa, Ria e o seu bebê foram dos primeiros a chegar. Alice correu a recebê-los. Enfeitara o cabelo pintado com fitas e envergava um rodopiante vestido de chiffon verde-vivo. A revista People acabara de a fotografar e o sucesso subira-lhe à cabeça. Cláudio fora substituído por German Rolf, um cantor pop já entradote, de dentes ponteagudos e tendência para estar permanentemente a assobiar.

Jess e Matt chegaram pouco depois. Matt vinha conservadoramente vestido com um fato cinzento, enquanto Jess se bamboleava literalmente num vestido pré-mamã às bolas. Esperava gêmeos a qualquer momento e, como Lennie tão rudemente observara a brincar, fazia lembrar uma melancia prestes a rebentar de tão madura.

Steven Berkeley chegou num Rolls Royce cor de bronze, um presente de casamento de sua noiva, Mary Lou, que vinha sentada a seu lado. Tinham dado o nó uma semana depois de esta ter alta do hospital.

Carrie acompanhava-os. Tinha a aparência requintada de sempre. A Women's Wear Daily acabara de a eleger para o seu grupo das mulheres mais bem vestidas.

Carrie dera a Steven, como prenda de casamento, uma cópia do seu manuscrito. "A sua publicação depende unicamente de tu a desejares ou não", dissera-lhe. E depois revelara-lhe a identidade do seu verdadeiro pai, já que ele tinha todo o direito de o saber.

Steven levara Mary Lou à Europa na lua-de-mel e aproveitara a altura para ler a história da vida da mãe. Quando voltara, dissera a Carrie que achava um crime ela não permitir que fosse publicada. Depois pegou numa cópia do manuscrito assim como nos documentos relativos ao seu parentesco, e foi à Califórnia visitar Lucky à prisão.

Os jornais estavam a tornar Lucky Santangelo um exemplo. No fim de contas, ela era uma mulher que não fora punida por um assassínio anterior e eles estavam decididos a não permitir que nem todo o dinheiro e influência do mundo lhe comprassem a liberdade pela segunda vez. Especialmente quando o homem que a acusavam de matar era filho da sua primeira vítima.

"VENDETTA" ENTRE "GANGSTERS", clamavam os cabeçalhos. RECUSA DE CAUÇÃO PARA LUCKY SANTANGELO.

Ele contara-lhe tudo. "As nossas vidas parecem entrecruzar-se em todos os aspectos", disse antes de sair. "Não sei se alguma vez desejarás aceitar o facto ou não, mas eu sinto-me orgulhoso por te ter como irmã. E farei tudo o que puder para te ajudar."

Lucky não se limitara a aceitá-lo, também convencera Gino de que tinha um filho. E apesar de este ter levado meses a acreditar na sua história, concordara finalmente em encontrar-se com Steven e talvez - apenas talvez - encetar gradualmente algum tipo de relação.

Brigette envergava um vestido branco. Um vestido virginal. Um vestido de dama de honor. Estava deslumbrantemente bonita com a sua pele clara, os olhos azuis enormes e o corpo em pleno desabrochar.

Brigette era agora uma das raparigas mais ricas do mundo. Herdara toda a fortuna da mãe, além de ter os seus fundos próprios, que eram muito vastos, e também a pensão que o avô lhe deixara depois de morrer.

Brigette freqüentava um colégio particular feminino no Connecticut e passava os fins de semana com Lucky - que assumira de bom grado o papel de sua tutora legal.

Visitava, uma vez por mês, o agente do tribunal a quem ficara entregue a vigilância sobre a sua suspensão condicional, pura formalidade para impedir que a imprensa clamasse que ela se safara por ser neta de Dimitri Stanislopoulos, ter dinheiro e conhecimentos poderosos nos sítios certos.

De vez em quando, Brigette tinha pesadelos. Eram sempre os mesmos:

Tim Wealth.

Sorridente.

Feliz.

A dizer:

"Viva, rapariguinha, como vais? "

Mas depois imaginava o cadáver dele no chão do apartamento, enquanto Santino lhe despia a roupa e lhe fazia coisas revoltantes.

Lembrava-se do dia fatídico com detalhes aterrorizantes.

A arma.

A arma de Santino.

Em cima da mesa.

Santino. Tão entretido a tentar molestar Bobby. O rosto nojento transformado numa máscara distorcida. Ela tivera de o deter...

Rastejou, soluçando, pela cama. Estendeu a mão para a arma.

A vozinha teimosa de criança de Bobby num longo grito de terror.

Ela pegara na arma com as mãos trêmulas.

A arma dele.

Levada pelo instinto, apontara e carregara o gatilho.

A explosão atirara Santino para trás, com o sangue a jorrar-lhe do ferimento do ombro. Ele fitara-a com surpresa e fúria a saltar-lhe de cada poro.

- Grande desaver... - principiara.

Brigette carregara no gatilho uma segunda e terceira vezes.

O sangue espesso espirrara para todo o lado, ao mesmo tempo que Santino caía no chão sem proferir mais uma palavra.

Fora nessa altura que Lucky entrara precipitadamente no quarto.

A partir desse momento tudo ficara reduzido a uma imagem indistinta. Lucky a tirar-lhe a arma das mãos trêmulas, a limpar-lhe o punho, a retirar a fita da câmara vídeo e a ordenar a Boogie que levasse as crianças para fora.

Nessa altura uma mulher corpulenta aparecera à porta e começara a gritar histericamente, apontando acusadoramente para Lucky.

"Foi você! ", lamentara-se. "Sua puta. Matou o meu marido. Matou-o. Eu vi-a! "

No meio da confusão que se gerara, ela e Roberto foram retirados por Boogie, que depois de os envolver em cobertores, os fizera sair disfarçadamente pelas traseiras, metendo-os num carro que os aguardava; voltaram então apressadamente à casa de Bel Air, onde lhe deram sedativos e advertiram para nunca falarem do acontecido a ninguém.

O único acontecimento de que se recordava a seguir era da prisão de Lucky, sob a acusação de assassínio e de ela, Brigette, ter ficado calada até não poder continuar a esconder por mais tempo a sua culpa secreta. Confessara em plena sessão de tribunal. Tê-lo-ia feito antes mas sentia-se demasiado assustada. A verdade dos factos acabou por vir à luz do dia e a gravação incriminadora foi apresentada. Lucky foi libertada e Brigette, por ser menor, ficou sujeita a suspensão condicional de pena apenas por um ano. No final de contas, tratara-se de um caso de legítima defesa.

Sentia-se satisfeita por ter confessado. A princípio Lucky ficara zangada consigo mas certo dia pegara-lhe na mão, fitara-a nos olhos e dissera: "Obrigada. O que fizeste precisou de muita coragem. E estou-te grata."

Agora a vida corria bem. Embora não fosse perfeita. Sentia a falta da mãe. Olympia - sentia realmente muito a sua falta.

- Ei - disse Gino -, estás com óptimo aspecto. Deu uma pequena palmada no ombro de Costa.

- Não ando a sentir-me bem - queixou-se Costa melancolicamente.

- Sempre a ter que dizer - riu Gino. - Sempre com lamúrias.

- Sofro de artrite - resmungou Costa. -Doem-me os ombros. O meu...

- Acaba com isso! - exclamou Gino. - Quem é que precisa de uma lista dos teus problemas? Pensa saudável. Mantém-te saudável. É a única maneira, pá.

Gino fazia uma publicidade magnífica às próprias palavras. Continuava a aparentar ter menos anos do que na realidade, apesar de o cabelo estar finalmente grisalho e uma ligeira inflamação nas articulações lhe lembrar que era humano. Mas gozava a vida. Tinha uma filha linda, um neto que prosseguiria a tradição da família e uma saúde excelente. Oh, sim, e também um filho recém-descoberto. Bizarro mas aparentemente verdadeiro. Steven era um homem complexo e interessante; começara a habituar-se a ele.

Não tinha Paige Wheeler. De todas as mulheres da sua vida, ela fora a única que nunca pudera possuir.

Continuavam a ver-se. Tardes passadas no Beverly Wilshire e algum fim-de-semana ocasional. Mas ela recusara-se simplesmente a abandonar Ryder.

Gino continuava a tentar. O facto proporcionava-lhe um desafio. Mantinha-lhe o gosto pela vida.

Lennie examinou-se ao espelho. Sentia-se nervoso como um tigre num circo. E no entanto também o invadia uma bem-aventurança impossível de descrever. Inimaginável. Intensa.

Dava o passo pela segunda vez. E daquela vez estava no controlo perfeito dos seus sentidos. Daquela vez sabia que seria para sempre.

Lucky Santangelo.

Perigosa.

Obstinada.

Voluntariosa.

Louca.

Sensual.

Tudo.

Outrora pensara -já lá ia muito tempo - que Éden era a mulher da sua vida. Pobre, patética Éden, que se apresentara no tribunal para testemunhar o que se passara no quarto da casa de Blue Jay Way - quando nada sabia. Ele, evidentemente, chegara demasiado tarde. Quando lá entrara, estava tudo terminado. Lucky resolvera o assunto à sua maneira.

Certo dia, fora do tribunal, ele e Éden tinham-se encontrado cara a cara.

"Lennie." Ela pousara-lhe a mão no braço e perscrutara-lhe atentamente os olhos. "Sentia muito a tua falta mas Santino mantinha-me prisioneira. És capaz de compreender até que ponto foi difícil para mim? "

Ele não sentira nada. Era como se os anos passados juntos nunca tivessem existido.

- Quero ver-te, Lennie - murmurara ela sedutoramente. - Penso que estou pronta para assumir um compromisso.

Ele tentara tirar-lhe as ilusões com brandura. Mas com Éden não havia brandura possível.

- com que então deste numa de grande estrela, ha? - observara venenosamente. - Já sabia que te subiria à cabeça.

Éden eram águas passadas.

Ajustou a gravata. Gravata de seda. Camisa branca de seda. Fato preto Armani. E sapatos de tênis pretos.

Bem, nunca ninguém o acusara de ser convencional.

- Ei, filha - chamou Gino, espreitando pela abertura da porta. - Estamos prontos?

Lucky virou-se a fim de olhar para o pai.

- Nunca me chamaste assim anteriormente - observou Lucky suavemente.

- Nunca te chamei o quê? Ela sorriu.

- Filha.

Gino entrou no quarto.

- Sabes uma coisa?

- O quê?

- Parece que me esqueço sempre de te dizer isto e parece-me que não é importante, porque afinal de contas é coisa que sabes na mesma.

- Sim?

- Adoro-te, miúda. Adoro-te de verdade. E tenho orgulho em ti. Autêntico orgulho.

Lucky pestanejou para afastar as lágrimas - porque chorar no dia do seu casamento não ficaria bem - e abraçou-se ao pai.

- Também te adoro, papá.

- Ei... - Gino deu-lhe um pequeno encontrão. -Amarrotas o fato. Gino. Tão requintadamente vestido. com um aspecto tão magnífico.

Que lhe importava a ela o passado do pai - que tinha se por causa dele e da sua reputação aos olhos do público não lhe tivessem concedido fiança? E sete meses passados na prisão por um crime que não cometera tinham custado muito a passar mas ela suportara-os - como uma Santangelo. O que lhe importava era Gino, o homem. Seu pai. Adorava-o e agora podia admiti-lo livremente.

- Por que não vamos andando? - sugeriu Gino. - Os convidados estão prontos e o meu braço também.

Estendeu o braço à filha num gesto de cortesia à moda antiga e Lucky aceitou-o, radiante.

Lennie estava à espera.

Casaram no jardim da casa de East Hampton. Lucky Santangelo e Lennie Golden.

Lucky fitou o futuro marido, ao aproximar-se dele. Lennie voltou-se e retribuiu-lhe o olhar.

A electricidade faiscou. Estavam destinados a formar uma combinação letal.

Gino entregou a sua filha.

Roberto fazia de pagem.

Brigette, de dama de honor.

E Jess era a madrinha de Lennie.

Era um casamento perfeito.

 

                                                                                Jackie Collins  

 

                      

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