Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MAGIC TIDES / Ilona Andrews
MAGIC TIDES / Ilona Andrews

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Quando sua tutora, Kate Daniels, a manda disfarçada para uma escola para crianças excepcionais, Julie aprende uma nova definição de "excepcional", no best-seller do New York Times, Ilona Andrews, "Magic Test".
Às vezes, ser uma criança é muito difícil. Supostamente os adultos devem alimentá-la e mantê-la segura, mas também querem que você lide com o mundo de acordo com as opiniões deles e não com as suas. Incentivam você a ter suas próprias opiniões e se você as expressar, eles farão de conta que ouvirão você. E quando te dão uma escolha, farão você selecionar uma opção dentro de uma lista de escolhas pré-selecionadas a dedo por eles. Não importa o que você decida, a escolha mais importante já foi feita e não foi por você.
Foi assim que Kate e eu acabamos no escritório do diretor da Seven Star Academy. Eu disse que não queria ir para a escola. Ela me deu uma lista de dez escolas e disse para escolher uma. Escrevi os nomes das escolas em pequenos pedaços de papel, prendi-os no mural de cortiça e joguei a faca contra eles por um tempo. Depois de meia hora, Seven Stars era o único nome ainda inteiro que eu conseguia ler. Pronto. Escolha feita.
Agora estávamos sentados em poltronas macias em um belo escritório, esperando pelo diretor da escola e Kate estava exercitando sua paciência. Antes de conhecer Kate, ouvia pessoas dizerem isso, mas não sabia o que significava. Agora eu entendia. Kate era a companheira do Senhor das Feras, o que significava que Curran e ela estavam no comando do gigantesco grupo de metamorfos de Atlanta. Era tão grande que as pessoas o chamavam de Bando. Os metamorfos eram como bombas relógio: frequentemente se irritavam com facilidade e explodiam com força violenta. Para não explodirem, eles criaram regras elaboradas e Kate tinha que exercitar muito sua paciência.

 


 


Ela estava fazendo isso agora, do lado de fora parecia muito calma e composta, mas eu sabia que ela estava fazendo um esforço de se manter assim só pela forma como se sentava. Quando Kate estava relaxada, ela se movimentava. Mexia-se na cadeira, cruzava as pernas magras, descruzava e cruzava de novo, se inclinava para um lado, se inclinava para trás. Ela estava muito quieta agora, pernas vestidas em jeans, bem juntas uma da outra, segurando sua Matadora, sua espada mágica no colo, com uma mão na espada e a outra mão segurando a bainha da espada. Seu rosto estava relaxado, quase sereno. Eu poderia perfeitamente imaginá-la pulando direto da cadeira para a mesa e cortando a cabeça do diretor com a espada.

Kate geralmente resolvia os conflitos conversando e quando isso não funcionava, cortava os obstáculos em pequenos pedaços e os fritava com magia para ter certeza que estavam mortos. Ela confiava muito na sua espada, era seu amuleto. Usava-o como algumas pessoas usam pingentes de cruzes ou a estrela e lua crescente1. Sua filosofia era, se tinha um pulso, poderia ser morto. Eu realmente não tinha uma filosofia, mas percebia que falar com o diretor seria algo difícil para ela. Se ele dissesse alguma coisa que ela não gostasse, não seria cortando-o em pequenos pedaços que iria me ajudar a entrar na escola.

— E se, quando o diretor entrar, eu tirar minha calcinha, colocar na minha cabeça e dançar ao redor? Você acha que ajudaria?

Kate olhou para mim com o seu olhar de durona. Kate poderia ser realmente assustadora.

— Esse olhar não funciona em mim, —eu disse a ela. — Sei que você nunca me machucaria.

— Se você quiser andar por aí com calcinha na cabeça, eu não vou te impedir, —disse ela. — É o seu direito humano básico de se fazer de idiota.

— Eu não quero ir para a escola. —Passar todo o meu tempo em um lugar onde eu era a pobre rata adotada por uma mercenária e um metamorfo, enquanto garotinhas ricas e mimadas zombavam pelas minhas costas e professores metidos colocavam-me em cursos terapêuticos? Não, obrigada.

Kate parecia exercitar um pouco mais a paciência. — Você precisa de uma educação, Julie.

— Você pode me ensinar.

— Eu posso e continuarei fazendo isso. Mas precisa conhecer outras coisas além daquilo que posso lhe ensinar. Você precisa de uma educação completa.

— Eu não gosto de estudar. Gosto de trabalhar no escritório. Quero fazer o que você e Andrea fazem.

Kate e Andrea administravam a Cutting Edge, uma pequena empresa que ajudava as pessoas com seus problemas de magia. Era um trabalho perigoso, mas eu gostava. Além disso, eu tinha muitas dúvidas. Coisas normais, como ir à escola e conseguir um emprego regular, não me interessavam. Não conseguia nem me imaginar fazendo isso.

— Andrea foi para a Academia da Ordem por seis anos e eu tenho treinado desde que posso andar.

— Estou disposta a treinar.

Meu corpo ficou tenso, como se uma mão invisível tivesse espremido minhas entranhas em uma bola. Segurei minha respiração ...

A magia inundou o mundo em uma onda invisível. A mão fantasma me soltou e o meu redor brilhou com tons de todas as cores enquanto minha visão sensitiva entrava em ação. A magia ia e vinha como bem entendesse. Algumas pessoas mais velhas ainda se lembravam da época em que a tecnologia estava no controle total e a magia não existia. Mas isso foi há muito tempo. Agora a magia e a tecnologia continuavam trocando de lugar, como duas crianças brincando de dança das cadeiras. Às vezes a magia dominava e carros e armas não funcionavam. Às vezes a tecnologia estava no comando e os feitiços mágicos diminuíam. Preferia a magia, porque ao contrário de 99,9% das pessoas, eu podia ver as cores que determinava seu tipo de magia.

Olhei para Kate, usando uma pequena gota do meu poder. Era como flexionar um músculo, um esforço consciente em me concentrar em alguma coisa. Um momento Kate estava sentada normal, ou tão normal quanto ela poderia estar, e no outro, envolta em um brilho translúcido. A magia da maioria das pessoas brilhava em uma cor. Humanos irradiavam azul, metamorfos verdes, vampiros emitiam um vermelho púrpura ... A magia de Kate mudava de cor. Era de um azul a profundo vermelho púrpura até um dourado pálido, como uma pérola riscada com tentáculos vermelhos. Era a coisa mais estranha que eu já tinha visto. Fiquei assustada a primeira vez que vi.

— Você tem que continuar indo para a escola, —Kate disse meio louca.

Eu me inclinei para trás e pendurei a cabeça nas costas da cadeira. — Por quê?

— Porque eu não posso te ensinar tudo, e os metamorfos não devem ser sua única fonte de educação. Você pode nem sempre querer estar ligada aos metamorfos. No caminho, pode querer fazer suas próprias escolhas.

Empurrei o chão com meus pés balançando um pouco na minha cadeira.

— Estou tentando fazer minhas próprias escolhas, mas você não quer deixar.

— Exatamente, —disse Kate. — Sou mais velha, mais sábia e sei mais do que você. Se conforme.

Maternidade fodona estilo Kate Daniels. Faça o que eu digo. Não havia nem se quer um ‘Se’ ou ‘Quando’ anexado a ele. ‘Ou’ nem pensar.

Eu balançava para frente e para trás mais um pouco. — Você acha que eu sou seu castigo de Deus?

— Não. Gosto de pensar que Deus, se ele existe, é amável e não vingativo.

A porta do escritório se abriu e um homem entrou. Era mais velho que Kate, careca, com traços asiáticos, olhos escuros e um grande sorriso. — Prazer em conhecê-las.

Eu me endireitei. Kate se levantou e ofereceu sua mão. — Sr. Dargye?

O homem apertou a mão dela. — Por favor, me chame de Gendun. Prefiro muito mais.

Apertaram-se as mãos e sentaram-se. Rituais adultos. Meu professor de história da minha escola anterior nos disse uma vez que apertar as mãos era um gesto de paz, isso demonstrava que você não tinha armas nas mãos. Mas desde que tínhamos magia, apertar as mãos era mais um salto de fé. Eu aperto a mão deste esquisitão e corro o risco dele me infectar com uma praga mágica ou me eletrocutar ou eu dou um passo atrás e sou rude? Hummm. Talvez os apertos de mão fossem eliminados no futuro.

Ele tinha olhos bobos. Quando eu morava na rua, costumávamos atacar pessoas como ele, porque eram gentis e de coração mole e você sempre podia arrancar alguma coisa deles. Não eram ingênuos corações puros, eles sabiam que enquanto você chorava na frente deles e agarrava sua barriga, seus amigos estavam roubando suas carteiras, mas eles iriam te alimentar de qualquer maneira. É assim que se moviam pelo mundo.

Apertei meus olhos, trazendo a cor de sua magia em foco. Azul pálido, quase prateado. Magia Divina, nascido da fé. O senhor Gendun era um sacerdote de algum tipo.

— Em que Deus você acredita? —Perguntei. Quando você é criança é permitido que seja direta.

— Eu sou budista. —Gendun sorriu. — Acredito no potencial humano para evoluir e na compaixão. A existência de um Deus onipotente é possível, mas até agora não vi nenhuma evidência de que ele existe. Em que Deus você acredita?

— Nenhum. —Conheci uma deusa uma vez. Não deu certo para nenhum dos envolvidos. Os deuses usam a fé como um carro usa a gasolina, era o suprimento do qual eles extraíam seu poder. Recusei-me a alimentar qualquer um dos seus motores.

Gendun sorriu. — Obrigado por responder ao meu pedido tão prontamente.

Pedido? Qual solicitação?

— Dois dos filhos do Bando frequentam essa escola, —disse Kate. — O Bando fará tudo que estiver ao nosso alcance para lhe oferecer assistência. —Hã? Espere um minuto. Pensei que estávamos aqui por mim. Ninguém não me disse nada sobre a escola solicitando nossa ajuda.

— Esta é a Senhorita Olsen, —disse Kate.

Eu sorri para Gendun. — Por favor, me chame de Julie. Prefiro muito mais. —Tecnicamente meu nome agora era Julie Lennart Daniels Olsen, que era bobagem. Se Kate e Curran se casassem oficialmente, eu ficaria com Lennart Olsen. Até então, decidi que Olsen seria bom o suficiente.

— É bom conhecê-la, Julie. —Gendun sorriu e acenou para mim. Ele realmente tinha essa coisa estranha calmante sobre ele. Ele era muito ... equilibrado de alguma forma. Recordava-me o medimago do Bando, Dr. Doolittle.

— Há muitas escolas na cidade para os filhos de pais excepcionais, —disse Gendun. — Seven Stars é uma escola para crianças excepcionais. Nossos métodos não são ortodoxos e nossos alunos são únicos.

Eita! Uma escola de flocos de neve2 especiais. Ou crianças monstruosas. Dependendo de como você escolhesse olhar.

Magia não afetava apenas o nosso meio ambiente. Todos os tipos de pessoas que antes eram normais e comuns estavam descobrindo fatos novos e às vezes indesejáveis sobre si mesmas. Alguns podiam congelar coisas outros cresciam garras e pêlos. E alguns manipulavam a magia.

— Discrição é de extrema importância para nós, —disse Gendun.

— Apesar de sua idade a senhorita Olsen é um agente experiente, —disse Kate.

Eu sou?

— Ela entende a necessidade de discrição.

Eu entendo?

— Ela tem um talento especial que a tornará muito eficaz neste caso, —disse Kate.

Gendun abriu uma pasta, tirou uma foto e a deslizou pela mesa para mim. Uma garota. Ela tinha um lindo rosto em forma de coração emoldurado por cachos de cabelos vermelhos. Seus olhos eram verdes e seus longos cílios se curvavam até quase tocar as sobrancelhas. Parecia uma bonequinha de tão bonita.

— Esta é Ashlyn, —disse Gendun. — Ela é uma caloura nesta escola. Uma boa aluna. Dois dias atrás desapareceu. O feitiço de localização indica que ela está viva e que não saiu da escola. Tentamos notificar seus pais, mas eles estão fora de alcance, viajando no momento, assim como seus contatos de emergência. Você tem vinte e quatro horas para encontrá-la.

— O que acontece depois de vinte e quatro horas?

— Teremos que notificar as autoridades, —disse Gendun. — Seus pais nos deixam muita à vontade para lidar com a Ashlyn. Ela é uma criança sensível e seu comportamento é frequentemente impulsionado por essa sensibilidade. Mas neste caso nossas mãos estão amarradas. Se um aluno desaparecer, somos legalmente obrigados a notificá-lo depois de setenta e duas horas.

Teriam quer relatar isso para a Divisão de Atividade Paranormal da força policial de Atlanta, sem dúvida. O PAD era tão sutil quanto um trator descontrolado. Eles desmontariam essa escola e grelhariam todos os seus flocos de neve especiais até derretê-los em suas salas de interrogatório. Quantos se aterrorizariam e confessariam algo que não haviam feito?

Eu olhei para Kate.

Ela arqueou uma sobrancelha para mim. — Interessada?

— Nós lhe daríamos um passe de visitante, —disse Gendun. — Vou falar com os professores, para que você possa conduzir sua investigação em segredo. Temos alunos convidados que visitam a escola antes de entrar definitivamente nela, dessa forma você não irá chamar atenção e a interrupção com outras crianças será mínima.

Este era um tipo de truque de Kate para me colocar nessa escola. Eu olhei para a foto novamente. Truque ou não, uma garota estava desaparecida em algum lugar. Ela poderia estar se escondendo porque estava fazendo algum tipo de piada, mas isso era altamente improvável. As pessoas se escondiam principalmente porque estavam com medo. Conhecia essa sensação. Eu estive com medo antes. Não foi divertido.

Alguém tinha que encontrá-la. Alguém tinha que se importar com o que aconteceu.
Puxei a foto para mais perto. — Vou fazer isso.


Meu guia na escola era uma garota alta de cabelos escuros chamada Brook. Tinha pernas magras, braços esqueléticos e usava óculos redondos que deslizavam constantemente pelo nariz. Ela empurrava-os a todo o momento para cima com o dedo do meio, então parecia que estava atirando no pássaro3 em todo o mundo a cada cinco minutos.

Sua magia era um azul forte e simples, da cor das habilidades humanas. Nós nos encontramos no escritório da frente, onde eles me equiparam com uma braçadeira branca. Aparentemente marcavam seus visitantes. Se houvesse algum problema, seria fácil pegar em uma filmagem.

— Ok, você me segue e não toca em nada, —Brook me informou. — Coisas aqui são aleatoriamente protegidas. Também Barka tem deixado pequenas cargas de magia por toda a escola. Você toca, te bate. Então seus dedos doem por uma hora.

— Barka é um estudante?

— Barka é um idiota, —Brook me disse e empurrou os óculos para cima. — Vamos.

Subimos as escadas. O sino tocou e a escada se encheu de crianças.

— Quatro andares, —Brook me disse. — A escola é uma grande praça, com o pátio de jardim no centro. Todos os campos, como o de futebol, estão fora da praça. O primeiro andar é o ginásio, piscina, estúdio de dança, auditório e cafeteria. Segundo andar, humanas: literatura, história, sociologia, antropologia, latim ...

— Você conhece Ashlyn? —Perguntei.

Brook parou pega de surpresa pela minha interrupção ao seu discurso. — Ela não se matriculou em latim.

— Mas você a conhece?

— Sim.

— Que tipo de estudante ela é?

Brook deu de ombros. — Quieta. Nós tivemos aula de álgebra juntas no quarto período. Pensei que ela poderia ser uma concorrência no começo. Você tem que tomar cuidado com os mais tranquilos.

— Ela era?

— Naaah. —Brook fez uma careta. — Relatórios de progresso foram divulgados na semana passada. Sua nota de matemática foi mediana. Um sete. Ela só fez bem em uma disciplina, botânica. Você poderia dar uma vassoura e ela vai enfiar no chão e cultivar uma macieira. Fiz botânica no semestre passado e ela bateu minha nota por dois pontos. Fez cem pontos perfeitos. Tem que haver um truque para isso. —Brook endireitou os ombros. — Tudo bem. Estou tomando botânica avançada no ano que vem. Vou derrubá-la.

— Você é um pouco louca, você sabe disso, não é?

Brook encolheu os ombros e empurrou os óculos olhando para mim. — Terceiro andar, magia: alquimia, teoria mágica.

— Ashlyn parecia chateada com o sete em matemática? —Talvez ela estivesse se escondendo por causa de suas notas.

Brook fez uma pausa. — Não.

— Ela não estava preocupada com seus pais? —Quando eu tirava uma nota ruim no meu antigo colégio interno, Kate fazia uma viagem para a escola só para puxar minhas orelhas. Quando eu ficava com saudades de casa, trocava uma nota de propósito. Às vezes ela vinha sozinha outras vezes trazia algum menino, que prometi a mim mesma ficar longe do seu tipo, porque eles são idiotas.

— Conheci seus pais no dia da família. Eu estava no comando do Comitê de Hospitalidade. Eles são realmente participativos, compreensivos e tudo isso, —disse Brook. — Eles não ficariam chateados com ela. Quarto andar: ciência e tecnologia.

— Vocês têm armários?

— Não. Temos gavetas em nossas mesas nas salas de aula.

— Podemos ir ver a sala de aula de Ashlyn?

Brook olhou para mim. — Olha aqui, estou designada a fazer essa turnê estúpida com você. Não posso fazer a turnê se você continuar me interrompendo.

— Quantas turnês você já fez até agora?

Brook olhou para mim. — Onze.

— Você não está cansada de fazê-las?

— Isso é irrelevante. É bom para o meu currículo.

Certo. — Se você não fizer a turnê desta vez, eu não vou contar a ninguém.

Brook franziu a testa. Essa linha de pensamento obviamente a deixou chocada. Aproveitei seu choque e continuei. — Estou aqui disfarçada investigando o desaparecimento de Ashlyn. Se você me ajudar, vou mencionar isso para Gendun.

Brook ficou intrigada.

Vamos, Brook. Você sabe que quer.

— Tudo bem, —disse ela. — Mas você vai dizer ao Mestre Gendun que ajudei.

— Ajuda inestimável, —eu disse.
Brook concordou. — Vamos. A sala de Ashlyn é no segundo andar.


A sala de aula de Ashlyn estava na aula de geografia. Mapas pendurados nas paredes: o mundo, as Américas, os EUA, e o maior mapa de todos, o novo mapa de Atlanta cheio de magia, completo com todos os novos acréscimos e bairros distorcidos e perigosos.

Algumas pessoas ocupavam a sala de aula formando pequenos grupos. Levei um segundo para olhar em volta e fechei os olhos. Nove pessoas ao todo, duas garotas à minha direita, três garotos mais adiante, uma garota sentada sozinha perto da janela, dois garotos discutindo algo, e um garoto loiro sentado sozinho na parte de trás da sala. Abri meus olhos. Perdi o menino de cabelos escuros no canto.

Bom, pelo menos eu estava ficando melhor nisso.

Brook parou ao lado de uma mesa de madeira. Era boa, grande e polida, a madeira selada pintada na cor âmbar. Bonita. Nenhum dos lugares em que estudei os móveis eram assim.

— Esta é a mesa dela, —disse Brook.

Eu me sentei na cadeira de Ashlyn. A escrivaninha tinha uma gaveta larga em toda a sua extensão. Tentei gentilmente abri-la. Bloqueada. Isso não era um problema. Puxei uma chave da pulseira de couro do meu pulso esquerdo e enfiei na fechadura.

O garoto loiro de costas se aproximou e se inclinou sobre a mesa. Sua magia era escura e intenso azul índigo. Provavelmente um mago elementar. Ele tinha feições agudas e olhos azuis que diziam que não fazia nada de bom. Meu tipo de pessoa.

— Oi. O que você está fazendo?

— Vá embora, Barka, —disse Brook.

— Eu não estava falando com você. —O garoto olhou para mim. — O que você está fazendo?

— Estou dançando. —Eu disse a ele. Faça uma pergunta idiota ...

— Você está arrombando a mesa de Ashlyn.

— Ooolha, eu sabia que você era inteligente e descobriria. —Pisquei para ele.

Barka arregalou os olhos para Brook. — E se eu disser ao Walton que você está fazendo isso? Isso seria uma mancha no seu currículo perfeito.

— Cuide da sua vida, —disparou Brook.

— Ele não vai dizer nada, —eu disse a ela. — Ele quer ver o que está dentro da mesa.

Barka sorriu.

A fechadura clicou e a gaveta se abriu. Fileiras de maçãs enchiam-na. Maças de vários tipos diferentes: Red Delicious4, Golden Delicious5, Green Granny Smith6 e cada uma com um pequeno adesivo anunciando o seu nome e tipo. Mesmo um punhado de maçãs vermelhas do tamanho de grandes cerejas tinha adesivos presos que diziam Cortland7 e Crimson Gold8. Eu não sabia que tantas variedades de maçã existiam.

Nenhuma delas mostrava sinais de apodrecimento. Elas pareciam maduras e frescas.

Eu me concentrei. Minha visão sensitiva entrou em cena. As maçãs brilharam com um verde cintilante. Agora isso era novidade. Um verde-floresta geralmente significava um metamorfo saudável. Magia humana vinha em vários tons de azul. A magia animal era tipicamente fraca demais para ser apanhada por qualquer uma das máquinas, mas eu a via bem, era amarela. Juntos, azul e amarelo formavam o verde. Esse verde em particular tinha muito amarelo para pertencer a um metamorfo comum.

A maioria dos metamorfos foi infectado pelo vírus Lyc-V, que os transformava em animais.

Às vezes aconteceu o contrário e os animais se transformaram em humanos. Os animais-humanos eram realmente raros, mas eu conheci um e a cor não era esse tipo verde também. Os lobos-humanos eram uma oliva monótona, mas isto era verde-primavera.

— Que tipo de magia Ashlyn tem?

Brook e Barka se entreolharam. — Eu não sei, —disse Barka. — Nunca perguntei.

Seja lá o que ela fosse não anunciava isso. Totalmente compreensível. Ver a cor da magia era uma ferramenta inestimável para a polícia, para os magos, basicamente para qualquer um que lidasse com investigação, tanto que inventaram uma máquina mágica, chamada de m-scanner, para imitar essa habilidade. Minha magia não era apenas rara, era excepcional. Eu era cem vezes mais precisa do que qualquer m-scanner existente. Mas no dia-a-dia ser uma sensitiva não me fazia bem algum. Se eu andasse por aí contando a todos sobre meu dom, mais cedo ou mais tarde alguém tentaria me usar e eu teria que usar meios de me proteger que não dependeriam da minha capacidade sensitiva. Era mais fácil manter minha boca fechada.

Ashlyn poderia ter esse tipo de magia, algo raro, mas não útil em combate.

Ainda não explicava sua obsessão por maçãs, no entanto. Talvez ela estivesse usando-as para subornar seus professores. Mas então suas notas seriam melhores.

A menor das três meninas à nossa esquerda olhou para mim. Sua magia, um azul índigo sólido quando eu entrei, agora evoluiu para listras de verde claro. Normalmente, a assinatura mágica não mudava. Exceto em Kate.

Olá, pista.

Eu fingi olhar para as maçãs. — Ashlyn tinha algum inimigo?

Barka pegou uma caneta e rolou entre os dedos. — Não que eu tenha notado. Ela era sossegada. Observadora, mas sem personalidade atraente.

Brook empurrou os óculos para ele. — Pervertido.

A garota deu um passo em nossa direção. — O que você está fazendo?

— Dançando! —Barka disse.

Brook nem olhou na direção dela. — Cuide da sua vida, Lisa.

Lisa fechou sua boca em uma linha fina desaprovadora, o que foi muito bom porque ela tinha uma daquelas bocas de lábios carnudos pintados em rosa brilhante. Sobrancelhas feitas em duas linhas estreitas, um cabelo estranhamente liso, cuidadosamente separados ... Lisa era claramente o tipo que perdia tempo cuidando na sua aparência. Boas roupas também. Garotas assim faziam a minha vida miserável na velha escola. Eu nunca confraternizava o suficiente, minhas roupas nunca eram caras o suficiente, e eu não passeava pelos corredores transmitindo para todos que se importavam que eu era muito melhor do que eles.

Mas nós não estávamos na minha antiga escola e muita coisa mudou desde então. Além disso, Lisa poderia ser uma pessoa perfeitamente legal. Embora de alguma forma eu duvidasse disso.

— Você não deveria estar fazendo isso, —disse Lisa, em voz muito alta.

Se eu a cutucasse a magia dela ficaria ainda mais listrada? Listrada era mesmo uma palavra? — Estou procurando por Ashlyn, —eu disse a ela.

— Ela está morta, —anunciou Lisa e checou a sala com o canto do olho.

Não se preocupe, querida, você tem a atenção de todos.

— Aqui vamos nós, —murmurou Brook.

— Como você sabe disso? Você a matou?

Lisa levantou o queixo. — Eu sei porque falei com o espírito dela.

— O espírito dela? —Perguntei.

— Sim, o espírito dela. Seu fantasma.

Isso era legal, mas não existiam fantasmas. Mesmo Kate nunca havia encontrado um. Nunca vi nenhuma magia fantasma e eu já tinha visto muitas coisas estranhas.

— O fantasma dela te contou quem a matou? —Perguntei.

— Ela tirou a própria vida, —declarou Lisa.

Brook empurrou os óculos para cima. — Não seja ridícula. Toda essa coisa de ‘eu vejo espíritos’ está ficando velha.

Lisa balançou de volta em seus calcanhares. Seu rosto ficou sério. — Ashlyn! Mostre seu espírito.

— Isso é estúpido, —disse Barka.

— Mostre sua presença! —Lisa chamou.

Listras verde-amarelas atravessavam sua magia, provocando flashes de um forte amarelo.

Uau.

A mesa estremeceu sob as pontas dos meus dedos. As cadeiras ao meu redor tremiam.

Brook deu um passo para trás.

A mesa dançou, pulando para cima e para baixo. As duas cadeiras de ambos dos meus lados dispararam para o teto, pairaram ali por um segundo tenso e desabaram.

Interessante.

Lisa nivelou seu olhar para mim. — Ashlyn está morta. Eu não sei quem você é, mas você deveria ir embora. Você a perturba.

Eu ri.
Lisa virou-se e saiu.


— Então, Lisa é uma telecinética? —Perguntei.

Brook deu de ombros. — Um pouco. Nada como isso. A coisa-cadeira-voando é nova. Normalmente, ela tem que suar para empurrar uma caneta sobre a mesa.

E este novo poder não teria nada a ver com aquelas adoráveis listras verde-amarelo em sua magia, não é? Era como a cor da magia das maçãs de Ashlyn, verde-amarelo, mas não do mesmo tom. Duas cores mágicas estranhas em um só dia. Isso era um inferno de uma coisa, como Kate diria.

— Você não vai embora? —Barka me perguntou.

— Claro que ela não está indo embora, —Brook disse a ele. — Eu não terminei a turnê.

— Quando as pessoas me mandam sair é porque é o momento certo para ficar por perto, —eu disse a ele. — Lisa teve algum problema com Ashlyn?

— Lisa tem problemas com todos, —disse Brook. — Pessoas como ela gostam de humilhar os outros, encontram uma fraqueza sua e te provocam só para se sentirem melhor.

— Ela é um fracasso, —acrescentou Barka. — Bem, ela é uma falácia, aparentemente. Seus pais são professores da Academia dos Magos. Quando ela foi admitida pela primeira vez, fez um grande negócio com toda essa grande magia que ela supostamente tinha.

— Eu me lembro disso. —Brook fez uma careta. — Toda vez que ela abria a boca, era tudo 'na Academia dos Magos, onde meu pai trabalha' ou 'quando eu visitava o laboratório da minha mãe na Academia dos Magos'. Uuui.

— Ela alegou ter toneladas de energia, —Barka acrescentou, — mas não podia fazer nada com isso, exceto alguns pequenos truques de telecinese.

— Deixe-me adivinhar, então as pessoas zombaram dela? —Eu perguntei.

— Boa parte da culpa disso foi dela mesma, —Brook me disse. — Nem todo mundo aqui tem uma magia incrível.

— Como Sam. —Barka encolheu os ombros. — Se você der a ele um pedaço de vidro transparente, ele pode modificá-lo com sua magia e deixá-lo fosco. É legal a primeira vez que você vê, mas é bem inútil e ele não consegue controlar muito bem também. Não é algo que faça grande diferença.

— É na cabeça de Lisa que ela é super-especial, —disse Brook. — Ela se sente como se fosse superior a todo mundo e passa a tratar mal as pessoas. Ninguém gosta de ser tratado dessa maneira.

— Ela é rejeitada? —Perguntei.

Barka deu de ombros novamente. — Nada tão ruim. Não é convidada para sair. Ninguém quer sentar com ela no almoço. Mas isso é pura autodefesa, porque ela não escuta o que você tem a dizer. Fala o tempo todo sobre seus pais especiais. Acho que ela finalmente conseguiu seus poderes.

— Esses poderes em Lisa apareceram depois que Ashlyn desapareceu?

— Sim. —Barka fez uma careta. — Então ela começou a sentir a presença de Ashlyn em todos os lugares. Quem sabe, talvez Ashlyn esteja realmente morta.

— Feitiço de localização diz que ela está viva. Além disso, não existem fantasmas, —eu disse a eles.

— E você é uma autoridade em fantasmas? —Brook perguntou.

— Confie em mim sobre isso.

Seria até uma coisa boa se fossem fantasmas, mas eu tinha essa sensação desagradável no estômago que dizia que isso era algo ruim. Algo muito ruim. Poderia ligar para Kate e perguntar a ela o que faria a cor da magia de alguém mudar. As cores não estavam misturadas ou fluindo uma para a outra como as cores de Kate faziam. Elas eram distintas. Separadas. Unidas, mas não misturadas.

Êêê. Havia algum tipo de resposta no final desse pensamento, mas não consegui descobrir qual era.

Chamar Kate estava fora de cogitação. Esta era a minha pequena missão e eu iria fazê-la sozinha.

Tentei pensar como Kate. Ela sempre disse que as pessoas eram a chave para qualquer mistério.

Alguém de alguma forma cometeu algo que fez Ashlyn se esconder e Lisa realmente não queria que eu continuasse procurando por ela. — Ashlyn tinha uma melhor amiga?

Brook fez uma pausa. — Ela e Sheila ficavam às vezes juntas, mas Ashlyn gostava mesmo era de ficar sozinha.

— Podemos ir conversar com Sheila?

Brook soltou um longo suspiro de sofrimento. — Certo.

— Você está indo? Nesse caso, Brook, segure isso por um segundo. —Barka jogou a caneta que estava rolando entre os dedos para Brook. Ela pegou. Uma luz brilhante acendeu e Brook largou a caneta no susto e apertou a mão dela.

Barka deu uma gargalhada.

— Idiota! —Os olhos de Brook cintilaram com um brilho perigoso por trás dos óculos. Ela saiu da sala. Eu a segui.

Nós descemos o corredor em direção à escada.

— Ele gosta de você, —eu disse.

— Sim, claro, —Brook rosnou.

Sheila acabou sendo o exato oposto de Ashlyn. Onde a foto de Ashlyn mostrava uma menina pequena e fofa, Sheila era musculosa. Não masculina, mas realmente forte. Nós a pegamos no vestiário quando ela estava saindo para jogar vôlei. Não é sempre que você vê uma garota com um abdômen bem definido.

Ela se sentou em um banco de madeira ao lado da pequena sala de dentro do vestiário que dizia sauna. Eu me perguntei o que diabos significava sauna. Era um vestiário de primeira classe, o chão era de azulejos, três chuveiros, dois banheiros, ‘sauna’, grandes armários. Os azulejos limpos cheiravam levemente a pinho. Vestiário especial para flocos de neve especiais.

— Eu não sei por que Ashlyn desapareceu. —Sheila puxou a meia esquerda.

— Ela estava preocupada com alguma coisa?

— Ela parecia um pouco nervosa.

— Ela teve algum problema com Lisa?

Sheila parou com o sapato em um pé. — Lisa A Falsa?

Certo, então eu não gostava da Lisa. Mas se eles me chamassem assim, eu ficaria chateada muito rápido também.

— Lisa, que sente a presença de Ashlyn.

— Não realmente. —Sheila balançou a cabeça. — Uma vez alguém deixou uma pegada na mesa de Ashlyn. Ela ficou muito nervosa.

— Que tipo de pegada?

— Lobo, —disse Brook. — Eu lembro disso. Ela esfregou a mesa por dez minutos.

— Qual foi o tamanho da impressão e quando isso aconteceu?

— Grande, —disse Sheila. — Do tamanho de uma tigela. Foi cerca de uma semana atrás ou mais.

Impressões desse tamanho podem indicar um metamorfo do tipo lobo, possivelmente um chacal ou um coiote.

— Se alguém tivesse um problema com ela, seria Yu Fong, —disse Sheila.

— Ele é o único estudante de dezoito anos que temos, —disse Brook. — É um cara chinês estranho.

— Estranho como?

— Ele é um órfão, —disse Sheila. — Seus pais foram assassinados.

— Eu pensei que eles tivessem morrido em um acidente de carro, —disse Brook.

— Bem, o que aconteceu, aconteceu, —Sheila me disse. — Por alguma razão ele não foi para a escola por um tempo. Ouvi dizer que estava preso, seja lá o que for. De qualquer forma ele apareceu um dia, conversou com o Mestre Gendun e foi admitido como aluno. Fez testes e teve créditos suficientes para começar no segundo ano. Ele é perigoso.

— Muito poderoso, —disse Brook.

— Super magia, —disse Sheila. — Você pode sentir isso saindo dele às vezes. Faz minha pele coçar.

Brook assentiu. — Não sei exatamente que tipo de magia ele tem, mas seja o que for, é significativo. Há outras três crianças chinesas na escola e elas seguem Yu Fong por aí como guarda-costas. Você não pode nem falar com ele.

— E Ashlyn teve um problema com ele? —De alguma forma eu não conseguia imaginar Ashlyn deliberadamente escolhendo uma briga com esse cara.

— Ela estava apavorada com ele, —disse Sheila. — Uma vez ele tentou falar com ela e ela surtou e saiu correndo.
Está bem então. Próximo alvo, o misterioso Yu Fong.


A busca pelo ‘cara chinês estranho’ nos levou ao refeitório, onde, de acordo com Brook, esse indivíduo de super magia almoçava com o segundo ano. Brook liderou o caminho. Eu a segui pelas portas duplas e parei. Uma grande claraboia iluminava a enorme sala de estar, cheia de mesas redondas de metal e cadeiras ornamentadas. Na parede oposta, a mesa do bufê se estendia, ocupada por vários funcionários vestidos de branco. Chique.

Os alunos pegavam seus pratos e os levavam para diferentes mesas. Alguns sentavam-se conversando.

À direita, várias vozes riram em uníssono.

À esquerda, uma larga entrada permitia vislumbrar uma pequena marquise. Em seu centro, logo abaixo da claraboia, crescia uma pequena árvore com folhas vermelhas, quase brilhando ao sol. Uma mesa estava ao lado da árvore e um jovem sentado em uma cadeira, debruçado sobre a mesa, lendo um livro. Ele era velho demais para ser chamado de menino, mas jovem demais para ser chamado de homem, e seu rosto era desumanamente belo.

Eu parei e olhei.

Eu já vi alguns caras bonitos antes. Esse cara ... ele era mágico. Seu cabelo escuro estava escovado longe de sua testa alta, caindo para trás sem um traço de uma onda. Suas feições eram perfeitamente esculpidas, seu rosto forte e masculino, com uma mandíbula contornada, uma pequena fenda no queixo, lábios carnudos e maçãs do rosto salientes. As sobrancelhas, escuras e largas, inclinavam-se para proteger os olhos grandes, lindos e muito, muito escuros. Não preto, mas marrom escuro.

Pisquei e meu poder veio com força total. O cara estava envolto em azul claro. Não muito prata, mas com o suficiente para diluir a cor para um cinza azul cintilante. Divino. Ele era um sacerdote ou um objeto de adoração, e olhando para ele, apostava no último. Brilhando assim, ele me lembrou de um daqueles seres celestiais da mitologia chinesa que me fizeram aprender na minha antiga escola. Ele parecia um deus.

— É ele, —disse Brook. — E seus guardas.

Dois meninos sentavam-se a uma segunda mesa a alguns metros de distância. — Eu pensei que você disse que haviam três, —murmurei.

— Existem, Hui tem álgebra agora.

Examinei os dois caras sentados ao lado de Yu Fong, azul claro. Voltei com a minha visão normal. Seu rosto estava me distraindo o suficiente, não precisava do brilho colorido também.

— Vou perguntar se ele vai falar com você, —disse Brook.

— Por que não vamos juntas? —Eles levavam a hierarquia do calouro muito a sério neste lugar.

Brook apertou os lábios dela. — Não, eles me conhecem.

Ela chegou a cerca de dois terços do caminho e, em seguida, um dos guardas de Yu Fong se levantou da cadeira e bloqueou seu avanço. Brook disse alguma coisa, ele balançou a cabeça e ela se virou e voltou para mim.

Claro que foi um não. E agora eles sabiam que eu estava indo.

Bem, tem que trabalhar com o que você tem.

Levantei minhas mãos e mexi meus dedos para o cara da super magia. Ele continuou lendo seu livro. Acenei de novo e comecei a andar em direção a ele, com um grande sorriso no rosto. Eu vi Kate fazer isso, e se eu não estragasse tudo, funcionaria.

O primeiro guarda se adiantou, bloqueando meu caminho. Dei a ele meu sorriso fofo, olhei para ele e apontei para mim mesma, como se estivesse sendo convocada e não pudesse acreditar. Ele olhou por cima do ombro para verificar o rosto de Yu Fong. Dirigi meu punho duro em seu intestino. O garoto se dobrou o meu soco com um suspiro surpreso. Bati minha mão em sua cabeça, dirigindo a cabeça para baixo.

Enfrente o joelho. Estrondo! O impacto reverberou pela minha perna.

Eu o empurrei para o lado e continuei me movendo. O segundo guarda-costas ficou de pé. Peguei a cadeira mais próxima, balancei-a e bati nele assim que ele estava chegando.

A cadeira conectou ao lado de sua cabeça com um sólido crunch. Eu soltei e ele tropeçou para trás com a cadeira em cima dele. Passei por ele e aterrissei na cadeira sobressalente da mesa.

O super-cara lentamente levantou o olhar de seu livro e olhou para mim.

Uau.

Havia uma espécie de arrogância séria em seus olhos, uma intensidade e determinação abrasadora.

Viver na rua dá a você um sexto sentido sobre essas coisas. Você aprende a ler as pessoas.

Lê-lo era fácil: ele era poderoso e arrogante e impunha controle sobre tudo ao redor, inclusive ele mesmo. Passou por poucas e boas na vida e ficou mais forte por isso. Ele nunca iria deixar você saber o que estava pensando e você sempre estaria pisando em ovos.

Toquei a superfície da mesa com a ponta do meu dedo. — São e salvo.

Houve alguns barulhos atrás de mim. Yu Fong fez um pequeno movimento com a mão e os ruídos pararam. Eu ganhei o direito de uma audiência. Uauuu!

Ele inclinou a cabeça e me estudou com aqueles olhos escuros.

Senti cheiro de incenso. Sim, definitivamente incenso, uma fumaça forte e ligeiramente doce. — Sempre me perguntei como alguém poderia se dirigir a um objeto de adoração? Eu deveria chamá-lo de ‘O Senhor de dez mil anos, ‘O Santo’, ou ‘O Filho do céu’? —Dali, um dos metamorfos, estava me ensinando o início das mitologias asiáticas. Infelizmente, isso era o máximo que eu sabia desde que comecei.

— Eu não sou um objeto. —Sua voz era ligeiramente acentuada. — Você pode me chamar de Yu.

Bastante humilde.

— Posso te ajudar em alguma coisa? —Ele perguntou.

— Meu nome é Julie Lennart. —Poderia muito bem ir com a grande arma. A maioria das pessoas não conhecia o sobrenome do Senhor das Feras, então se ele reconhecesse seria uma boa indicação de que era algum tipo de peso-pesado no mundo da magia.

— É um nome de peso para alguém tão pequena. —Yu Fong sorriu um sorriso agradável e fácil. Ele sorria daquele jeito tanto enquanto observava um cachorrinho fofo brincar com uma borboleta quanto quando os seus lacaios estavam torturando seu inimigo. Faça sua escolha. — O Senhor das Feras comanda mil e quinhentos metamorfos.

— Mais ou menos. —Era mais, mas ele não precisava saber disso.

Seus olhos escuros se fixaram em mim. — Um dia meu reino será maior.

Ha-ha! Certo, certo. — Estou aqui com o conhecimento e a pedido do Mestre Gendun.

Ele não disse nada. A mesa de metal sob meus dedos estava quente. Eu descansei mais a minha mão nela. Definitivamente quente. A lanchonete tinha ar condicionado e, mesmo agora, com magia, o ar ficava bem frio, o que significava que a mesa de metal deveria estar fria.

— Uma garota desapareceu. Ela era uma menina pequena. Tímida. O nome dela é Ashlyn.

Nenhuma reação. A mesa estava definitivamente ficando mais quente.

— Ela estava com medo de você.

— Eu não mato garotinhas.

— O que faz você pensar que ela foi morta? Eu não disse nada sobre ela estar morta.

Ele se inclinou para frente ligeiramente. — Se eu noto algo que me ofende, escolho ignorá-lo ou matá-lo. Eu a ignorei.

Rapaz, esse cara era vaidoso. — Por que ela ofendeu você?

— Eu nunca a ameacei. Ela não tinha motivos para se encolher na minha presença. Eu não espero que você entenda.

Pensei muito em por que ele acharia uma demonstração óbvia de medo ofensivo.

— Quando ela se encolheu, você se sentiu insultado. Você não tinha intenção de machucá-la, mas ela mostrou medo. Isso insinuou que seu controle sobre seu poder é imperfeito.

Os olhos de Yu se arregalaram levemente.

— Eu sou a enteada do Senhor das Feras, —disse a ele. — Gasto muito tempo com malucos arrogantes.

A mesa debaixo da minha mão estava quase quente demais para continuar tocando. Eu continuei suportando o calor. — Ashlyn te incomodou. Você disse que a ignorou. Você não disse nada sobre seus guarda-costas. Eles fizeram algo para Ashlyn que fizesse ela desaparecer?

Seu rosto era a imagem de desdém. Era apenas uma maneira educada de dizer que ele gostaria de zombar de mim, mas isso seria se rebaixar. Eu vi esse olhar preciso no rosto do Senhor das Feras. Se ele e Curran estivessem em uma mesma sala, a cabeça de Kate explodiria.

Eu esperei, mas ele não disse nada. Aparentemente Yu decidiu não dignificar com uma resposta.

Finas gavinhas de fumaça escapavam de seu livro. A mesa perto dele deveria estar muito mais quente do que na minha extremidade. Tinha que estar muito quente, porque o metal agora estava queimando meus dedos.

— Se eu descobrir que você machucou Ashlyn, eu vou te machucar de volta, —eu disse.

— Eu vou manter isso em mente.

— Faça. Seu livro está fumando.

Ele pegou. Eu lentamente levantei minha mão, soprei minha pele e me levantei para sair.

— Por que você se importa? —Ele perguntou.

— Porque nenhum de vocês faz. Olhe ao seu redor, uma garota está desaparecida. Uma garota que você viu na aula todos os dias. Ficou tão assustada com alguma coisa que teve que se esconder dela. Ninguém está procurando por ela. Todos vocês estão apenas seguindo suas vidas como de costume. Você tem todo esse poder e você não levantou um dedo para ajudá-la. Apenas senta aí, lendo seu livro, confortável atrás de seus guarda-costas e demonstra como sua magia é impressionante ao aquecer sua mesa. Alguém tem que encontrá-la. Eu decidi que seria eu.

Eu não sabia se isso estava fazendo alguma diferença na sua consciência.

— A verdadeira força não é matar ou ignorar seu oponente, é ter a vontade de proteger aqueles que precisam de sua proteção.

Ele ergueu as sobrancelhas ligeiramente. — Quem disse isso?

— Eu disse. —Fui embora.

Brook estava olhando para mim.
— Vamos, —disse a ela, alto o suficiente para ele ouvir o escárnio na minha voz. — Acabamos aqui.


No corredor, fui até a janela e soltei o ar. O poder. Todo aquele poder, toda aquela magia fervendo nele e ele apenas ficava lá. Não fazia nada para ajudar Ashlyn. Ele não se importava.

Brook limpou a garganta atrás de mim.

— Eu só preciso de um minuto.

Olhei para fora, no pátio, cercado pelo prédio quadrado da escola. Era um pátio realmente grande, no entanto nenhum lugar para se esconder: bancos, flores, caminhos retorcidos de pedra. Uma única árvore subia em direção ao extremo norte, rodeada por um labirinto de canteiros de flores, espalhando-se a partir dela como um daqueles pequenos jogos de quebra-cabeça, onde você tem que rolar a bola até um buraco através de um labirinto de plástico.

— Você está errada, —disse Brook atrás de mim. — Você sabe o que, todos nós temos problemas. Só porque eu não procurei Ashlyn isso não me faz uma pessoa má. Você tem alguma ideia do quanto são competitivos os exames da Academia de Magos? Me dedicar estudando e me preparando toma todo o meu tempo. E eu nem te conheço! Por que tenho que me justificar para você?

As flores estavam em plena floração. Ásteres azuis9, delicadas íris barbadas10 nas cores creme e amarelo, coração-roxo11, eu tinha muita herbologia na minha antiga escola. As florações eram normais para início de junho. A árvore tinha pequenos brotos que começavam a se desenrolar em pétalas brancas e rosas.

— Não é como se eu a conhecesse muito bem. Não vejo porque eu deveria ser responsabilizada por qualquer problema que a fez se esconder. Se ela tivesse vindo até mim e dissesse: ‘Brook, estou com problemas’, a teria ajudado.

— O que é essa árvore?

— O que?

— A árvore no quintal. —Eu apontei para ela. — Que tipo de árvore é?

Brook piscou. — Eu não sei. É a árvore morta. Você não pode ir lá agora, não com a magia, o jardim de flores é protegido. Ouça, não estou orgulhosa por não ter procurado Ashlyn. Tudo o que estou dizendo é que talvez eu não tenha procurado por ela e provavelmente deveria, mas estava ocupada.

Aposto que era uma macieira. Algumas macieiras floresciam tarde, mas a maioria florescia em abril e maio. Era junho agora.

— Há quanto tempo essa árvore está morta?

— Desde que me lembro. Eu estou nesta escola há três anos e sempre foi morta. Eu não sei por que ainda não a arrancaram. Você está me ouvindo?

— Está florida.

Brook piscou. — O que?

— A árvore está florescendo. Veja.

Brook olhou para a janela. — Hã.

Perfeita nota cem em botânica. Maçãs na gaveta. Lobo imprimindo sua pata na mesa. Aterrorizada por um menino que cria calor, porque onde há fumaça, há fogo. Macieira que está morta há anos, florescendo.

Tudo se alinhava na minha cabeça em uma flecha perfeita apontando para a árvore.

— Podemos ir lá embaixo?

Brook estava olhando para a árvore. — Sim.

Dois minutos depois, saí pela porta lateral para o pátio interno e desci o caminho de pedra. Eu estava a quinze metros da árvore quando senti a magia na minha frente. Parei e me concentrei na minha visão sensitiva. Uma parede de magia surgiu na minha frente, brilhando levemente com prata pálida. Uma Proteção, um feitiço defensivo projetado para impedir a entrada de intrusos. Correntes de poder passavam por ele.

Algumas Proteções brilhavam com cores translúcidas, tanto para intimidar quanto para avisar de que a barreira existia e entrar nela machucaria. Esta era invisível para alguém sem meu tipo de visão. E, a julgar pela intensidade da magia, tocá-la machucaria você o suficiente para deixá-lo se contorcendo de dor por alguns minutos ou derrubá-lo completamente.

Eu me virei e caminhei ao longo da Proteção, com Brook me seguindo. O feitiço seguia o canteiro curvo de flores.

— Qual é o objetivo da Proteção?

— Ninguém sabe, —disse Brook.

— Você já perguntou a Gendun?

— Na verdade sim. Ele apenas sorriu.

Ótimo.

À frente, um espaço de dois metros de largura cortava o círculo da Proteção. Parei, olhei e vi outra Proteção. Este era um labirinto mágico, com anéis de Proteções dentro de outros e no centro de tudo a macieira.

— Ela está nos observando, —Brook assobiou.

— O que?

— Janela do segundo andar, à esquerda.

Olhei para cima e vi Lisa nos olhando. Nossos olhares se conectaram. O rosto de Lisa tinha essa estranha mistura de emoções, parte curiosidade, parte medo. Ela me descobriu. Ela entendeu que eu vi a Proteção de alguma forma e que sabia sobre a macieira, e ela estava com medo agora. Não podia ser de mim que estava com medo. Eu não era tão assustadora. Ela estava com medo de que eu encontrasse Ashlyn?

Um brilho verde cintilante explodiu nas costas de Lisa. Ele se transformou na silhueta de um lobo de dois metros e meio de altura. A fera olhou para mim com olhos de fogo.

Meu coração acelerou no peito como um passarinho assustado. Algo antigo me olhou através daquele fogo. Algo inimaginavelmente velho e egoísta.

O lobo estremeceu e desapareceu. Se eu tivesse piscado, eu teria perdido isso.

— Você viu aquilo?

— Viu o que? —Brook perguntou.

Então eu vi isso com a minha visão sensitiva.

Lisa se virou e foi embora. Minha testa ficou gelada. Passei a mão pelo meu rosto e vi o suor frio na minha mão. Ai credo.

As coisas estavam fazendo cada vez mais sentido. Eu me virei para Brook. — Vocês têm uma biblioteca?

Ela me deu uma olhada como se eu fosse idiota. — Sério? Você realmente precisa fazer essa pergunta?

— Lidere o caminho!

Brook se dirigiu para a porta. Assim que ela chegou, a porta se abriu e Barka bloqueou o caminho. — Ei!

Brook passou por ele e marchou pelo corredor, cerrando os dentes, parecendo que iria derrubar quem estivesse em seu caminho. Eu a segui.

Barka me alcançou. — Onde vocês estão indo tão rápido?

— Para a biblioteca.

— Está pegando fogo e precisam de nós para apagá-lo?

— Não.

Barka deve ter ficado sem coisas espirituosas para dizer, porque ele calou a boca e nos seguiu.

A biblioteca ocupava uma vasta sala. Prateleiras forravam as paredes. Com a magia indo e vindo como a maré, os leitores eletrônicos não eram mais confiáveis, mas a biblioteca também os tinha. Se você precisasse encontrar algo rapidamente, os e-readers12 eram sua melhor aposta. Você só tinha que esperar até que a magia desaparecesse e a tecnologia assumisse novamente.

Infelizmente a magia não mostrava sinais de ir embora.

Andei pela biblioteca, verificando os rótulos nas prateleiras. Filosofia, psicologia ...

— O que você está procurando? —Brook perguntou. — Eu posso encontrá-lo mais rápido.

— Mitologia grega e romana.

— Dois-nove-dois. —Brook virou-se e desapareceu entre as estantes de livros. — Aqui.

Fiz a varredura dos títulos. Enciclopédia dos mitos gregos e romanos. Ponto!

Os olhos de Brook se iluminaram. — Merda! Claro. As maças. É tão claro que eu poderia me dar um tapa por ser tão idiota.

— Você chegou lá. —Arranquei o livro da prateleira e levei-o para a mesa mais próxima, folheando as páginas para chegar à letra E.

— O que está acontecendo? —Barka perguntou.

— Ela encontrou Ashlyn. Ela está em uma árvore, —Brook disse a ele.

— Por quê?

— Porque ela é uma Epimélide13, —murmurei, procurando a listagem certa.

— Ela é um o quê?

— Uma dríade da maçã, seu idiota, —Brook rosnou.

Barka levantou a mão. — Não lembro! O grego e o romano foram três semestres atrás.

— Epimélides são as dríades de macieiras e guardiãs de ovelhas, —expliquei.

Barka se reclinou novamente na mesa. — Isso é um pouco aleatório.

— Epimélide vem de Melas14 e significa tanto maçãs como ovelhas, —disse Brook.

— Isso explica por que ela está com medo de Yu Fong, —eu disse. — Ele é calor e fogo. Fogo e árvores não se dão bem.

— E alguém deixou uma impressão de lobo em sua mesa. Os lobos são os inimigos naturais das ovelhas, —disse Barka.

— Alguém estava tentando aterrorizá-la. —Brook caiu na cadeira, como se de repente estivesse exausta. — E nenhum de nós jamais prestou atenção por tempo suficiente para ver isso.

— Foi Lisa. —Eu examinei a introdução para a dríade. Tímida, reclusa, blá-blá-blá ... sem inimigos naturais. Nenhuma menção de lobos mitológicos.

— Como você sabe?

— Ela tem um lobo dentro dela. Eu vi. É por isso que os poderes dela estão mais fortes. Acho que ela fez um acordo com alguma coisa e acho que essa coisa quer Ashlyn.

Eles se entreolharam.

— Que tipo de magia você tem, exatamente? —Barka perguntou.

— O tipo certo. —Puxei uma cadeira e me sentei ao lado de Brook. — Se Lisa tivesse feito um acordo com um demônio de três cabeças ou algum tipo de quimera, eu poderia encontrá-lo, mas um lobo, poderia ser ...

— Qualquer coisa, —Brook terminou. — Quase toda mitologia com uma floresta tem um canídeo. Pode ser francês ou celta ou inglês ou russo ou qualquer outra coisa.

— Algum de vocês pode se lembrar dela dizendo alguma coisa sobre um lobo? Talvez haja um diário que ela tenha feito?

— Eu vou descobrir. —Brook se levantou e foi direto para a mesa da biblioteca.

Folheei o livro mais um pouco. Dríades não eram muito conhecidas. Elas eram criaturas instáveis, facilmente assustadas, bonitas. Basicamente objetos sexuais. Eu acho que os gregos antigos realmente não tinham muito acesso a pornografia, então deve ter sido divertido imaginar que cada árvore escondia uma linda garota dócil com grandes peitos.

De alguma forma eu tinha que salvar Ashlyn, e não apenas daquela macieira, mas de toda essa situação. Não sabia ao certo se Lisa tinha feito algum tipo de acordo com a criatura. Posso estar errada, posso estar exagerando toda a situação. A única coisa que eu sabia com certeza era que sozinha não tinha forças para lutar em um combate. Minha magia não era o tipo que me daria vantagem em um combate corpo-a-corpo, e essa coisa ... bem, pela intensidade da magia do lobo que eu senti, essa coisa daria trabalho até mesmo aos lutadores do Bando.

Às vezes eu desejava ter nascido um metamorfo. Se eu fosse Curran, apenas morderia a cabeça daquele lobo.

Curran. Humm. Agora havia um pensamento inteligente. Puxei um pedaço de papel de rascunho da pilha da escrivaninha da biblioteca, escrevi um bilhete e o li. Ele faria isso. Depois que eu apontei todas as suas deficiências, ele faria isso apenas para provar que estou errada. Agora me senti muito feliz comigo mesma.

Brook voltou da sua pesquisa com uma expressão enojada no rosto. — Macieiras. Ela verificou livros sobre macieiras.

— Tudo bem. Barka, você pode levar essa nota para Yu Fong?

Ele encolheu os ombros. — Claro. Eu gosto de viver perigosamente. —Ele tirou o bilhete dos meus dedos. — Até mais tarde!

Ele piscou para Brook e partiu.

— Você vai lutar contra o lobo, —disse Brook. — Você é a pessoa mais estúpida que eu já conheci. Precisamos levar isso para adultos agora.

— Eu acho que Gendun já sabe o que está acontecendo. Ele não teria notado a árvore que estava ganhando vida. Ele não parecia frenético sobre o desaparecimento de Ashlyn e ele disse que o feitiço de localização indicava que ela estava no terreno. Acho que eu terei que resolver isso sozinha.

— Ele estaria colocando sua vida em perigo. —Brook empurrou os óculos de volta para cima do nariz.

— E Ashlyn.

— Eu não consigo explicar isso. Só sinto que sou capaz e preciso fazer isso sozinha. —Talvez fosse algo que só eu poderia fazer. Talvez Ashlyn não confiasse em um adulto, mas confiaria em uma garota da idade dela. Talvez Gendun não tivesse noção da gravidade. Eu não fazia ideia. Eu só tinha que tirar Ashlyn daquela árvore.

Quando estava presa na minha antiga escola, havia momentos em que eu teria me escondido em uma árvore se pudesse. Eu sabia que Kate e Curran e até mesmo Derek, o idiota, viriam me resgatar. Mas sabia que nenhum dos meus amigos da escola fariam. Às vezes você só quer que uma criança como você se importe. Bem, eu era essa garota.

— Eu vou com você, —anunciou Brook.

— Eu não acho que isso é uma boa ideia, —eu disse a ela.

Ela empurrou os óculos para mim.
— Tudo bem. —Eu sorri. — Se mate.


Esperei no pátio em um dos pequenos bancos à beira das Proteções, lendo meu livrinho a vista de todo mundo. Peguei emprestado de Brook. O livro falava sobre como o universo começou com uma explosão gigante. Eu entendi duas palavras, e essas foram a e é.

O dia estava acabando. A maioria dos estudantes já tinha ido embora há muito tempo e os que moravam no dormitório haviam deixado o campus também. Estranhamente, nenhum professor apareceu e me interrogou ou exigiu saber quando eu estava planejando sair. Isso só confirmou minha suspeita de que Gendun sabia o tempo todo o que eu estava fazendo. Talvez ele tivesse algum tipo de razão adulta secreta para resolver esse problema através de mim. Talvez tenha sido um teste. Eu realmente não me importava. Apenas esperava que a magia não fosse embora.

O crepúsculo havia chegado nas asas de uma mariposa noturna, silenciosa e suave. O céu acima de mim escureceu para um roxo lindo e profundo. Estrelas brilhavam no alto, e abaixo delas, como se inspiradas por sua luz pequenos vaga-lumes despertavam e rastejavam de seus abrigos nas folhas. Tarde o suficiente.

Coloquei meu livro no banco e fui em direção às Proteções. A magia ainda estava em alta e quando me concentrei usando minha visão sensitiva as paredes cintilantes das Proteções brilharam levemente. Caminhei ao longo da primeira Proteção e fiz uma pausa. Tinha certeza que seria seguida. Lisa sozinha poderia não ser capaz de lembrar todas as lacunas na Proteção invisível, mas um lobo seguiria meu cheiro com o seu nariz.

Eu teria que perguntar o pessoal do Bando como tornar meu perfume mais forte. Se eu tivesse caspa coçaria minha cabeça, mas eu não tinha. Passei a mão pelo meu cabelo loiro e segui em frente, caminhando pela próxima Proteção até a sua abertura estreita.

Passei pelos anéis de feitiços defensivos, tomando o meu tempo, parando nas lacunas, até que finalmente eu emergi no espaço aberto ao redor da árvore. Flores cobriam os galhos. Flores delicadas, com pétalas brancas coradas de um rosa fraco, floresciam entre pequenos botões cor-de-rosa.

Esperava estar fazendo a coisa certa. Às vezes é muito difícil descobrir qual é a coisa certa. Você faz algo e gostaria de poder voltar no tempo por cinco segundos e desfazê-lo, mas a vida não funciona dessa maneira.

Quem não arrisca não petisca.

Puxei uma maçã Red Delicious do meu bolso. A casca da fruta tão vermelha que era quase roxa. Eu me agachei e rolei a maçã suavemente para as raízes da árvore. Ela parou no pé do tronco.

A casca da árvore mudou, rastejou ... uma perna coberta de casca separou-se do tronco e pisou na grama ao redor da árvore. Os dedos tocaram a grama e a casca se transformou em pele humana. Um momento depois uma menina muito pequena se agachou na grama. Prendi minha respiração.

O cabelo de Ashlyn era completamente branco. Não apenas loiro ou platina. Branco.

Ela pegou a maçã. — Red Delicious.

— Oi, Ashlyn.

Ela olhou para mim com olhos verdes. — Oi. Então você me encontrou.

— Não foi muito difícil.

Uma faísca de magia flamejou além das proteções. Ashlyn se encolheu com os olhos arregalados. — Está chegando!

— Tudo vai dar certo.

— Não, você não entende! O lobo está chegando.

Lisa apareceu na Proteção externa.

— Ela está aqui! —Ashlyn murmurou em tom de desespero. — Vá embora! Você vai se machucar.

— Confie em mim.

Lisa correu pelas Proteções, correndo rápido, seguindo minha trilha. Eu pisei na frente de Ashlyn.

Lisa saiu do labirinto da Proteção e parou. — Obrigada por me mostrar o caminho.

Eu me mantive entre ela e Ashlyn. Enquanto Lisa se concentrasse em mim ela não perceberia que havia alguém a seguindo pela Proteção. — O que é o lobo?

— Você o viu?

— Sim.

Lisa suspirou. — É um espírito da floresta. Chama-se Leshii15.

— É uma criatura da floresta? —Ashlyn agarrou meu braço. — Mas por que quer me machucar? Ele é como eu.

— Quer o seu sangue, —disse Lisa. — É fraco, e seu sangue o tornaria mais forte.

— Quer me comer? —Ashlyn sussurrou.

— Muito. Olha, não é pessoal, nunca tive problemas com você, mas estou cansada de ser Lisa ‘A Falsa’.

— Como você fez o negócio com essa criatura? —Eu perguntei a ela.

— O libertei da prisão na Academia dos Magos, —disse Lisa. — Meu pai mostrou para mim. Os magos o prenderam durante a última explosão mágica e deram a ele algumas árvores, para mantê-lo vivo enquanto o estudavam, mas as árvores não são suficientes. Ele quer uma floresta e eu quero que as pessoas me levem a sério. Favorável para mim e para ele.

— Mas não para Ashlyn que será comida viva. Não é nada demais, não mesmo? —Eu disse. Cadela.

— O que eu devo fazer? —A voz de Lisa subiu muito e vi o mesmo medo que eu vislumbrei anteriormente. Exceto que agora estava em seus olhos e estava escrito em todo o seu rosto. — Eu não sabia o que ele era realmente quando o libertei. O negócio foi feito, o carrego dentro de mim e isso me dá poderes. Eu não sabia que ele ia matá-la!

— Você é uma idiota? Essa é a primeira coisa que ensinam em qualquer escola, —eu rosnei. — Nunca faça negócios com criaturas mágicas. É um maldito espírito da floresta! Você sabe o quanto poderoso ele é? Que porra você achou que iria acontecer?

— Cansei de ouvir você, —rosnou Lisa. — Estou acabando com isso agora. Ninguém pediu para você enfiar o nariz onde não é de sua conta. Eu te disse para sair e não me escutou. Você não pode lutar comigo. E agora vocês duas vão morrer. Quem é a idiota, hein?

— Você é uma pessoa terrível, — Ashlyn disse a ela.

— Por mim ... —Os braços de Lisa se ergueram, como se ela tentasse se equilibrar.

Um grito cheio de dor e terror saiu dela. Um fantasma de um lobo enorme e desgrenhado explodiu em seu peito, brilhando com magia verde. Aterrissou na grama, elevando-se sobre nós. Sua pele era cinza. A enorme boca do lobo abriu-se de repente. Presas monstruosas estalaram no ar.

— Agora! —Eu gritei.

Yu Fong atravessou a Proteção até a clareira. Suas íris brilhavam de laranja e ao redor vi pequenas espirais de chamas.

O lobo se virou para encará-lo.

Magia saía de Yu Fong como pétalas de uma flor de fogo. Ela brilhava como um bonito ouro avermelhado e se moldou em um contorno de uma besta translúcida. Ele estava em quatro pernas fortes e musculosas, braços com enormes garras ondulando com chamas. Escamas cobriam seu corpo. Sua cabeça pertencia a uma mistura de dragão e leão chineses, e longos fios de vermelho puro fluíam de ambos os lados de suas mandíbulas. Espinhos eriçaram-se entre a juba carmesim e os olhos eram pura lava derretida. Dentro desta fera Yu Fong sorria, um vento mágico puxando seu cabelo.

Uau. Ele era um dragão.

O lobo atacou, indo em direção a Lisa. Yu Fong entrou em seu caminho empurrando Lisa para longe. Ela caiu na grama. O dragão abriu a boca. A chama explodiu em um rugido, como um tornado. O fogo engolfou o lobo e a fera desgrenhada gritou, abrindo a boca sem imitir nenhum som.

O lobo atacou Yu Fong mordendo o dragão com seus enormes dentes. Yu Fong cerrou os punhos. Uma parede de chamas altas saiu do dragão e envolveu o lobo.

Calor queimou minha pele.

O lobo se contorceu no casulo de chamas, mordendo e arranhando para se libertar. O rosto de Yu Fong estava sereno. Ele se inclinou para trás, riu suavemente dentro da fera e o fogo explodiu com puro calor branco, chamuscando meu cabelo.

Ashlyn escondeu o rosto nas mãos.

O lobo queimou, crepitando. Observei queimar até não restar nada a não ser uma pilha de cinzas.

O dragão desapareceu, deixando Yu Fong. Ele pisou na pilha de chamas e passou a mão sobre ela, tão elegante e bonito que parecia irreal. As cinzas subiram para o céu em uma rajada de fagulhas e se espalharam pelo pátio além das Proteções, acomodando-se no chão como belos vaga-lumes.

— Bem, é isso, —disse Brook, na Proteção externa. — Ashlyn, eu trouxe um cobertor para você.

Yu Fong deu um passo em nossa direção e Ashlyn deu um passo em direção à árvore.

— Não tenha medo. Eu não vou te machucar, —ele disse, sua voz suave. — Venha, vamos te vestir.

Ao nosso redor, o mundo mudou. A magia desapareceu abruptamente como uma chama de vela sendo soprada por um súbito jato. As Proteções desapareceram. O jardim parecia subitamente comum.

Bem. Que tal isso?

Yu Fong acompanhou Ashlyn para longe da árvore, guiando-a para Brook.

Lisa levantou-se. Suas pernas tremiam. Ela estremeceu e saiu mancando para o pátio. Eu não a persegui. Por que eu faria isso?

Brook colocou o cobertor sobre os ombros de Ashlyn e gentilmente a levou embora. Sentei-me na grama e encostei-me no tronco da macieira. De repente eu estava muito cansada.

Yu Fong se aproximou e olhou para mim. — Feliz Julie Lennart?

— É Olsen, —eu disse a ele. — Eu só puxo Lennart do meu bolso para ocasiões especiais.

— Entendo.

— Obrigada por salvar Ashlyn.

Yu Fong pegou o ramo de maçã mais próximo e o puxou para baixo, estudando as flores frágeis, seu rosto desumano e belo emoldurado pelas flores. Alguém deveria ter tirado uma foto desse momento. Era muito bonito.

— Claro, agora você me deve um favor, —disse ele.

Idiota. Retiro o que disse, esqueça. Ele não era bonito. Na verdade, nunca vi um cara mais feio em toda a minha vida.

— A satisfação de saber que você salvou a vida de Ashlyn deveria ser suficiente.

— Mas eu não salvei apenas a vida dela. Eu salvei a sua também, —disse Yu Fong.

— Eu teria me virado bem.

O olhar que ele me deu dizia alto e claro que achava que eu era louca. — Espero receber esse favor um dia.

— Não prenda a respiração.

— Imagino que terei muitas oportunidades, já que você passará muito tempo aqui, —disse ele.

— O que faz você pensar que vou estudar aqui?

— Você fez amigos, —disse ele. — Você vai se preocupar com eles. —Ele soltou o galho e foi embora. — Vou te ver amanhã, Julie Olsen.

— Talvez! —Gritei. — Eu ainda não decidi!

Ele continuou andando.

Me sentei sob a macieira. De alguma forma, deixar Ashlyn e Brook abandonadas não me dava um sentimento caloroso e tranquilo.

Tinha certeza que não seria nada difícil ser admitida nessa escola.

Eu tinha razão desde início. Kate me pegou em uma armadilha.

Mas, quem sabe, talvez não tenha sido uma coisa tão ruim.

Quando sua tutora, Kate Daniels, a manda disfarçada para uma escola para crianças excepcionais, Julie aprende uma nova definição de "excepcional", no best-seller do New York Times, Ilona Andrews, "Magic Test".
Às vezes, ser uma criança é muito difícil. Supostamente os adultos devem alimentá-la e mantê-la segura, mas também querem que você lide com o mundo de acordo com as opiniões deles e não com as suas. Incentivam você a ter suas próprias opiniões e se você as expressar, eles farão de conta que ouvirão você. E quando te dão uma escolha, farão você selecionar uma opção dentro de uma lista de escolhas pré-selecionadas a dedo por eles. Não importa o que você decida, a escolha mais importante já foi feita e não foi por você.
Foi assim que Kate e eu acabamos no escritório do diretor da Seven Star Academy. Eu disse que não queria ir para a escola. Ela me deu uma lista de dez escolas e disse para escolher uma. Escrevi os nomes das escolas em pequenos pedaços de papel, prendi-os no mural de cortiça e joguei a faca contra eles por um tempo. Depois de meia hora, Seven Stars era o único nome ainda inteiro que eu conseguia ler. Pronto. Escolha feita.
Agora estávamos sentados em poltronas macias em um belo escritório, esperando pelo diretor da escola e Kate estava exercitando sua paciência. Antes de conhecer Kate, ouvia pessoas dizerem isso, mas não sabia o que significava. Agora eu entendia. Kate era a companheira do Senhor das Feras, o que significava que Curran e ela estavam no comando do gigantesco grupo de metamorfos de Atlanta. Era tão grande que as pessoas o chamavam de Bando. Os metamorfos eram como bombas relógio: frequentemente se irritavam com facilidade e explodiam com força violenta. Para não explodirem, eles criaram regras elaboradas e Kate tinha que exercitar muito sua paciência.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/MAGIC_TIDES.jpg

 


Ela estava fazendo isso agora, do lado de fora parecia muito calma e composta, mas eu sabia que ela estava fazendo um esforço de se manter assim só pela forma como se sentava. Quando Kate estava relaxada, ela se movimentava. Mexia-se na cadeira, cruzava as pernas magras, descruzava e cruzava de novo, se inclinava para um lado, se inclinava para trás. Ela estava muito quieta agora, pernas vestidas em jeans, bem juntas uma da outra, segurando sua Matadora, sua espada mágica no colo, com uma mão na espada e a outra mão segurando a bainha da espada. Seu rosto estava relaxado, quase sereno. Eu poderia perfeitamente imaginá-la pulando direto da cadeira para a mesa e cortando a cabeça do diretor com a espada.

Kate geralmente resolvia os conflitos conversando e quando isso não funcionava, cortava os obstáculos em pequenos pedaços e os fritava com magia para ter certeza que estavam mortos. Ela confiava muito na sua espada, era seu amuleto. Usava-o como algumas pessoas usam pingentes de cruzes ou a estrela e lua crescente1. Sua filosofia era, se tinha um pulso, poderia ser morto. Eu realmente não tinha uma filosofia, mas percebia que falar com o diretor seria algo difícil para ela. Se ele dissesse alguma coisa que ela não gostasse, não seria cortando-o em pequenos pedaços que iria me ajudar a entrar na escola.

— E se, quando o diretor entrar, eu tirar minha calcinha, colocar na minha cabeça e dançar ao redor? Você acha que ajudaria?

Kate olhou para mim com o seu olhar de durona. Kate poderia ser realmente assustadora.

— Esse olhar não funciona em mim, —eu disse a ela. — Sei que você nunca me machucaria.

— Se você quiser andar por aí com calcinha na cabeça, eu não vou te impedir, —disse ela. — É o seu direito humano básico de se fazer de idiota.

— Eu não quero ir para a escola. —Passar todo o meu tempo em um lugar onde eu era a pobre rata adotada por uma mercenária e um metamorfo, enquanto garotinhas ricas e mimadas zombavam pelas minhas costas e professores metidos colocavam-me em cursos terapêuticos? Não, obrigada.

Kate parecia exercitar um pouco mais a paciência. — Você precisa de uma educação, Julie.

— Você pode me ensinar.

— Eu posso e continuarei fazendo isso. Mas precisa conhecer outras coisas além daquilo que posso lhe ensinar. Você precisa de uma educação completa.

— Eu não gosto de estudar. Gosto de trabalhar no escritório. Quero fazer o que você e Andrea fazem.

Kate e Andrea administravam a Cutting Edge, uma pequena empresa que ajudava as pessoas com seus problemas de magia. Era um trabalho perigoso, mas eu gostava. Além disso, eu tinha muitas dúvidas. Coisas normais, como ir à escola e conseguir um emprego regular, não me interessavam. Não conseguia nem me imaginar fazendo isso.

— Andrea foi para a Academia da Ordem por seis anos e eu tenho treinado desde que posso andar.

— Estou disposta a treinar.

Meu corpo ficou tenso, como se uma mão invisível tivesse espremido minhas entranhas em uma bola. Segurei minha respiração ...

A magia inundou o mundo em uma onda invisível. A mão fantasma me soltou e o meu redor brilhou com tons de todas as cores enquanto minha visão sensitiva entrava em ação. A magia ia e vinha como bem entendesse. Algumas pessoas mais velhas ainda se lembravam da época em que a tecnologia estava no controle total e a magia não existia. Mas isso foi há muito tempo. Agora a magia e a tecnologia continuavam trocando de lugar, como duas crianças brincando de dança das cadeiras. Às vezes a magia dominava e carros e armas não funcionavam. Às vezes a tecnologia estava no comando e os feitiços mágicos diminuíam. Preferia a magia, porque ao contrário de 99,9% das pessoas, eu podia ver as cores que determinava seu tipo de magia.

Olhei para Kate, usando uma pequena gota do meu poder. Era como flexionar um músculo, um esforço consciente em me concentrar em alguma coisa. Um momento Kate estava sentada normal, ou tão normal quanto ela poderia estar, e no outro, envolta em um brilho translúcido. A magia da maioria das pessoas brilhava em uma cor. Humanos irradiavam azul, metamorfos verdes, vampiros emitiam um vermelho púrpura ... A magia de Kate mudava de cor. Era de um azul a profundo vermelho púrpura até um dourado pálido, como uma pérola riscada com tentáculos vermelhos. Era a coisa mais estranha que eu já tinha visto. Fiquei assustada a primeira vez que vi.

— Você tem que continuar indo para a escola, —Kate disse meio louca.

Eu me inclinei para trás e pendurei a cabeça nas costas da cadeira. — Por quê?

— Porque eu não posso te ensinar tudo, e os metamorfos não devem ser sua única fonte de educação. Você pode nem sempre querer estar ligada aos metamorfos. No caminho, pode querer fazer suas próprias escolhas.

Empurrei o chão com meus pés balançando um pouco na minha cadeira.

— Estou tentando fazer minhas próprias escolhas, mas você não quer deixar.

— Exatamente, —disse Kate. — Sou mais velha, mais sábia e sei mais do que você. Se conforme.

Maternidade fodona estilo Kate Daniels. Faça o que eu digo. Não havia nem se quer um ‘Se’ ou ‘Quando’ anexado a ele. ‘Ou’ nem pensar.

Eu balançava para frente e para trás mais um pouco. — Você acha que eu sou seu castigo de Deus?

— Não. Gosto de pensar que Deus, se ele existe, é amável e não vingativo.

A porta do escritório se abriu e um homem entrou. Era mais velho que Kate, careca, com traços asiáticos, olhos escuros e um grande sorriso. — Prazer em conhecê-las.

Eu me endireitei. Kate se levantou e ofereceu sua mão. — Sr. Dargye?

O homem apertou a mão dela. — Por favor, me chame de Gendun. Prefiro muito mais.

Apertaram-se as mãos e sentaram-se. Rituais adultos. Meu professor de história da minha escola anterior nos disse uma vez que apertar as mãos era um gesto de paz, isso demonstrava que você não tinha armas nas mãos. Mas desde que tínhamos magia, apertar as mãos era mais um salto de fé. Eu aperto a mão deste esquisitão e corro o risco dele me infectar com uma praga mágica ou me eletrocutar ou eu dou um passo atrás e sou rude? Hummm. Talvez os apertos de mão fossem eliminados no futuro.

Ele tinha olhos bobos. Quando eu morava na rua, costumávamos atacar pessoas como ele, porque eram gentis e de coração mole e você sempre podia arrancar alguma coisa deles. Não eram ingênuos corações puros, eles sabiam que enquanto você chorava na frente deles e agarrava sua barriga, seus amigos estavam roubando suas carteiras, mas eles iriam te alimentar de qualquer maneira. É assim que se moviam pelo mundo.

Apertei meus olhos, trazendo a cor de sua magia em foco. Azul pálido, quase prateado. Magia Divina, nascido da fé. O senhor Gendun era um sacerdote de algum tipo.

— Em que Deus você acredita? —Perguntei. Quando você é criança é permitido que seja direta.

— Eu sou budista. —Gendun sorriu. — Acredito no potencial humano para evoluir e na compaixão. A existência de um Deus onipotente é possível, mas até agora não vi nenhuma evidência de que ele existe. Em que Deus você acredita?

— Nenhum. —Conheci uma deusa uma vez. Não deu certo para nenhum dos envolvidos. Os deuses usam a fé como um carro usa a gasolina, era o suprimento do qual eles extraíam seu poder. Recusei-me a alimentar qualquer um dos seus motores.

Gendun sorriu. — Obrigado por responder ao meu pedido tão prontamente.

Pedido? Qual solicitação?

— Dois dos filhos do Bando frequentam essa escola, —disse Kate. — O Bando fará tudo que estiver ao nosso alcance para lhe oferecer assistência. —Hã? Espere um minuto. Pensei que estávamos aqui por mim. Ninguém não me disse nada sobre a escola solicitando nossa ajuda.

— Esta é a Senhorita Olsen, —disse Kate.

Eu sorri para Gendun. — Por favor, me chame de Julie. Prefiro muito mais. —Tecnicamente meu nome agora era Julie Lennart Daniels Olsen, que era bobagem. Se Kate e Curran se casassem oficialmente, eu ficaria com Lennart Olsen. Até então, decidi que Olsen seria bom o suficiente.

— É bom conhecê-la, Julie. —Gendun sorriu e acenou para mim. Ele realmente tinha essa coisa estranha calmante sobre ele. Ele era muito ... equilibrado de alguma forma. Recordava-me o medimago do Bando, Dr. Doolittle.

— Há muitas escolas na cidade para os filhos de pais excepcionais, —disse Gendun. — Seven Stars é uma escola para crianças excepcionais. Nossos métodos não são ortodoxos e nossos alunos são únicos.

Eita! Uma escola de flocos de neve2 especiais. Ou crianças monstruosas. Dependendo de como você escolhesse olhar.

Magia não afetava apenas o nosso meio ambiente. Todos os tipos de pessoas que antes eram normais e comuns estavam descobrindo fatos novos e às vezes indesejáveis sobre si mesmas. Alguns podiam congelar coisas outros cresciam garras e pêlos. E alguns manipulavam a magia.

— Discrição é de extrema importância para nós, —disse Gendun.

— Apesar de sua idade a senhorita Olsen é um agente experiente, —disse Kate.

Eu sou?

— Ela entende a necessidade de discrição.

Eu entendo?

— Ela tem um talento especial que a tornará muito eficaz neste caso, —disse Kate.

Gendun abriu uma pasta, tirou uma foto e a deslizou pela mesa para mim. Uma garota. Ela tinha um lindo rosto em forma de coração emoldurado por cachos de cabelos vermelhos. Seus olhos eram verdes e seus longos cílios se curvavam até quase tocar as sobrancelhas. Parecia uma bonequinha de tão bonita.

— Esta é Ashlyn, —disse Gendun. — Ela é uma caloura nesta escola. Uma boa aluna. Dois dias atrás desapareceu. O feitiço de localização indica que ela está viva e que não saiu da escola. Tentamos notificar seus pais, mas eles estão fora de alcance, viajando no momento, assim como seus contatos de emergência. Você tem vinte e quatro horas para encontrá-la.

— O que acontece depois de vinte e quatro horas?

— Teremos que notificar as autoridades, —disse Gendun. — Seus pais nos deixam muita à vontade para lidar com a Ashlyn. Ela é uma criança sensível e seu comportamento é frequentemente impulsionado por essa sensibilidade. Mas neste caso nossas mãos estão amarradas. Se um aluno desaparecer, somos legalmente obrigados a notificá-lo depois de setenta e duas horas.

Teriam quer relatar isso para a Divisão de Atividade Paranormal da força policial de Atlanta, sem dúvida. O PAD era tão sutil quanto um trator descontrolado. Eles desmontariam essa escola e grelhariam todos os seus flocos de neve especiais até derretê-los em suas salas de interrogatório. Quantos se aterrorizariam e confessariam algo que não haviam feito?

Eu olhei para Kate.

Ela arqueou uma sobrancelha para mim. — Interessada?

— Nós lhe daríamos um passe de visitante, —disse Gendun. — Vou falar com os professores, para que você possa conduzir sua investigação em segredo. Temos alunos convidados que visitam a escola antes de entrar definitivamente nela, dessa forma você não irá chamar atenção e a interrupção com outras crianças será mínima.

Este era um tipo de truque de Kate para me colocar nessa escola. Eu olhei para a foto novamente. Truque ou não, uma garota estava desaparecida em algum lugar. Ela poderia estar se escondendo porque estava fazendo algum tipo de piada, mas isso era altamente improvável. As pessoas se escondiam principalmente porque estavam com medo. Conhecia essa sensação. Eu estive com medo antes. Não foi divertido.

Alguém tinha que encontrá-la. Alguém tinha que se importar com o que aconteceu.
Puxei a foto para mais perto. — Vou fazer isso.


Meu guia na escola era uma garota alta de cabelos escuros chamada Brook. Tinha pernas magras, braços esqueléticos e usava óculos redondos que deslizavam constantemente pelo nariz. Ela empurrava-os a todo o momento para cima com o dedo do meio, então parecia que estava atirando no pássaro3 em todo o mundo a cada cinco minutos.

Sua magia era um azul forte e simples, da cor das habilidades humanas. Nós nos encontramos no escritório da frente, onde eles me equiparam com uma braçadeira branca. Aparentemente marcavam seus visitantes. Se houvesse algum problema, seria fácil pegar em uma filmagem.

— Ok, você me segue e não toca em nada, —Brook me informou. — Coisas aqui são aleatoriamente protegidas. Também Barka tem deixado pequenas cargas de magia por toda a escola. Você toca, te bate. Então seus dedos doem por uma hora.

— Barka é um estudante?

— Barka é um idiota, —Brook me disse e empurrou os óculos para cima. — Vamos.

Subimos as escadas. O sino tocou e a escada se encheu de crianças.

— Quatro andares, —Brook me disse. — A escola é uma grande praça, com o pátio de jardim no centro. Todos os campos, como o de futebol, estão fora da praça. O primeiro andar é o ginásio, piscina, estúdio de dança, auditório e cafeteria. Segundo andar, humanas: literatura, história, sociologia, antropologia, latim ...

— Você conhece Ashlyn? —Perguntei.

Brook parou pega de surpresa pela minha interrupção ao seu discurso. — Ela não se matriculou em latim.

— Mas você a conhece?

— Sim.

— Que tipo de estudante ela é?

Brook deu de ombros. — Quieta. Nós tivemos aula de álgebra juntas no quarto período. Pensei que ela poderia ser uma concorrência no começo. Você tem que tomar cuidado com os mais tranquilos.

— Ela era?

— Naaah. —Brook fez uma careta. — Relatórios de progresso foram divulgados na semana passada. Sua nota de matemática foi mediana. Um sete. Ela só fez bem em uma disciplina, botânica. Você poderia dar uma vassoura e ela vai enfiar no chão e cultivar uma macieira. Fiz botânica no semestre passado e ela bateu minha nota por dois pontos. Fez cem pontos perfeitos. Tem que haver um truque para isso. —Brook endireitou os ombros. — Tudo bem. Estou tomando botânica avançada no ano que vem. Vou derrubá-la.

— Você é um pouco louca, você sabe disso, não é?

Brook encolheu os ombros e empurrou os óculos olhando para mim. — Terceiro andar, magia: alquimia, teoria mágica.

— Ashlyn parecia chateada com o sete em matemática? —Talvez ela estivesse se escondendo por causa de suas notas.

Brook fez uma pausa. — Não.

— Ela não estava preocupada com seus pais? —Quando eu tirava uma nota ruim no meu antigo colégio interno, Kate fazia uma viagem para a escola só para puxar minhas orelhas. Quando eu ficava com saudades de casa, trocava uma nota de propósito. Às vezes ela vinha sozinha outras vezes trazia algum menino, que prometi a mim mesma ficar longe do seu tipo, porque eles são idiotas.

— Conheci seus pais no dia da família. Eu estava no comando do Comitê de Hospitalidade. Eles são realmente participativos, compreensivos e tudo isso, —disse Brook. — Eles não ficariam chateados com ela. Quarto andar: ciência e tecnologia.

— Vocês têm armários?

— Não. Temos gavetas em nossas mesas nas salas de aula.

— Podemos ir ver a sala de aula de Ashlyn?

Brook olhou para mim. — Olha aqui, estou designada a fazer essa turnê estúpida com você. Não posso fazer a turnê se você continuar me interrompendo.

— Quantas turnês você já fez até agora?

Brook olhou para mim. — Onze.

— Você não está cansada de fazê-las?

— Isso é irrelevante. É bom para o meu currículo.

Certo. — Se você não fizer a turnê desta vez, eu não vou contar a ninguém.

Brook franziu a testa. Essa linha de pensamento obviamente a deixou chocada. Aproveitei seu choque e continuei. — Estou aqui disfarçada investigando o desaparecimento de Ashlyn. Se você me ajudar, vou mencionar isso para Gendun.

Brook ficou intrigada.

Vamos, Brook. Você sabe que quer.

— Tudo bem, —disse ela. — Mas você vai dizer ao Mestre Gendun que ajudei.

— Ajuda inestimável, —eu disse.
Brook concordou. — Vamos. A sala de Ashlyn é no segundo andar.


A sala de aula de Ashlyn estava na aula de geografia. Mapas pendurados nas paredes: o mundo, as Américas, os EUA, e o maior mapa de todos, o novo mapa de Atlanta cheio de magia, completo com todos os novos acréscimos e bairros distorcidos e perigosos.

Algumas pessoas ocupavam a sala de aula formando pequenos grupos. Levei um segundo para olhar em volta e fechei os olhos. Nove pessoas ao todo, duas garotas à minha direita, três garotos mais adiante, uma garota sentada sozinha perto da janela, dois garotos discutindo algo, e um garoto loiro sentado sozinho na parte de trás da sala. Abri meus olhos. Perdi o menino de cabelos escuros no canto.

Bom, pelo menos eu estava ficando melhor nisso.

Brook parou ao lado de uma mesa de madeira. Era boa, grande e polida, a madeira selada pintada na cor âmbar. Bonita. Nenhum dos lugares em que estudei os móveis eram assim.

— Esta é a mesa dela, —disse Brook.

Eu me sentei na cadeira de Ashlyn. A escrivaninha tinha uma gaveta larga em toda a sua extensão. Tentei gentilmente abri-la. Bloqueada. Isso não era um problema. Puxei uma chave da pulseira de couro do meu pulso esquerdo e enfiei na fechadura.

O garoto loiro de costas se aproximou e se inclinou sobre a mesa. Sua magia era escura e intenso azul índigo. Provavelmente um mago elementar. Ele tinha feições agudas e olhos azuis que diziam que não fazia nada de bom. Meu tipo de pessoa.

— Oi. O que você está fazendo?

— Vá embora, Barka, —disse Brook.

— Eu não estava falando com você. —O garoto olhou para mim. — O que você está fazendo?

— Estou dançando. —Eu disse a ele. Faça uma pergunta idiota ...

— Você está arrombando a mesa de Ashlyn.

— Ooolha, eu sabia que você era inteligente e descobriria. —Pisquei para ele.

Barka arregalou os olhos para Brook. — E se eu disser ao Walton que você está fazendo isso? Isso seria uma mancha no seu currículo perfeito.

— Cuide da sua vida, —disparou Brook.

— Ele não vai dizer nada, —eu disse a ela. — Ele quer ver o que está dentro da mesa.

Barka sorriu.

A fechadura clicou e a gaveta se abriu. Fileiras de maçãs enchiam-na. Maças de vários tipos diferentes: Red Delicious4, Golden Delicious5, Green Granny Smith6 e cada uma com um pequeno adesivo anunciando o seu nome e tipo. Mesmo um punhado de maçãs vermelhas do tamanho de grandes cerejas tinha adesivos presos que diziam Cortland7 e Crimson Gold8. Eu não sabia que tantas variedades de maçã existiam.

Nenhuma delas mostrava sinais de apodrecimento. Elas pareciam maduras e frescas.

Eu me concentrei. Minha visão sensitiva entrou em cena. As maçãs brilharam com um verde cintilante. Agora isso era novidade. Um verde-floresta geralmente significava um metamorfo saudável. Magia humana vinha em vários tons de azul. A magia animal era tipicamente fraca demais para ser apanhada por qualquer uma das máquinas, mas eu a via bem, era amarela. Juntos, azul e amarelo formavam o verde. Esse verde em particular tinha muito amarelo para pertencer a um metamorfo comum.

A maioria dos metamorfos foi infectado pelo vírus Lyc-V, que os transformava em animais.

Às vezes aconteceu o contrário e os animais se transformaram em humanos. Os animais-humanos eram realmente raros, mas eu conheci um e a cor não era esse tipo verde também. Os lobos-humanos eram uma oliva monótona, mas isto era verde-primavera.

— Que tipo de magia Ashlyn tem?

Brook e Barka se entreolharam. — Eu não sei, —disse Barka. — Nunca perguntei.

Seja lá o que ela fosse não anunciava isso. Totalmente compreensível. Ver a cor da magia era uma ferramenta inestimável para a polícia, para os magos, basicamente para qualquer um que lidasse com investigação, tanto que inventaram uma máquina mágica, chamada de m-scanner, para imitar essa habilidade. Minha magia não era apenas rara, era excepcional. Eu era cem vezes mais precisa do que qualquer m-scanner existente. Mas no dia-a-dia ser uma sensitiva não me fazia bem algum. Se eu andasse por aí contando a todos sobre meu dom, mais cedo ou mais tarde alguém tentaria me usar e eu teria que usar meios de me proteger que não dependeriam da minha capacidade sensitiva. Era mais fácil manter minha boca fechada.

Ashlyn poderia ter esse tipo de magia, algo raro, mas não útil em combate.

Ainda não explicava sua obsessão por maçãs, no entanto. Talvez ela estivesse usando-as para subornar seus professores. Mas então suas notas seriam melhores.

A menor das três meninas à nossa esquerda olhou para mim. Sua magia, um azul índigo sólido quando eu entrei, agora evoluiu para listras de verde claro. Normalmente, a assinatura mágica não mudava. Exceto em Kate.

Olá, pista.

Eu fingi olhar para as maçãs. — Ashlyn tinha algum inimigo?

Barka pegou uma caneta e rolou entre os dedos. — Não que eu tenha notado. Ela era sossegada. Observadora, mas sem personalidade atraente.

Brook empurrou os óculos para ele. — Pervertido.

A garota deu um passo em nossa direção. — O que você está fazendo?

— Dançando! —Barka disse.

Brook nem olhou na direção dela. — Cuide da sua vida, Lisa.

Lisa fechou sua boca em uma linha fina desaprovadora, o que foi muito bom porque ela tinha uma daquelas bocas de lábios carnudos pintados em rosa brilhante. Sobrancelhas feitas em duas linhas estreitas, um cabelo estranhamente liso, cuidadosamente separados ... Lisa era claramente o tipo que perdia tempo cuidando na sua aparência. Boas roupas também. Garotas assim faziam a minha vida miserável na velha escola. Eu nunca confraternizava o suficiente, minhas roupas nunca eram caras o suficiente, e eu não passeava pelos corredores transmitindo para todos que se importavam que eu era muito melhor do que eles.

Mas nós não estávamos na minha antiga escola e muita coisa mudou desde então. Além disso, Lisa poderia ser uma pessoa perfeitamente legal. Embora de alguma forma eu duvidasse disso.

— Você não deveria estar fazendo isso, —disse Lisa, em voz muito alta.

Se eu a cutucasse a magia dela ficaria ainda mais listrada? Listrada era mesmo uma palavra? — Estou procurando por Ashlyn, —eu disse a ela.

— Ela está morta, —anunciou Lisa e checou a sala com o canto do olho.

Não se preocupe, querida, você tem a atenção de todos.

— Aqui vamos nós, —murmurou Brook.

— Como você sabe disso? Você a matou?

Lisa levantou o queixo. — Eu sei porque falei com o espírito dela.

— O espírito dela? —Perguntei.

— Sim, o espírito dela. Seu fantasma.

Isso era legal, mas não existiam fantasmas. Mesmo Kate nunca havia encontrado um. Nunca vi nenhuma magia fantasma e eu já tinha visto muitas coisas estranhas.

— O fantasma dela te contou quem a matou? —Perguntei.

— Ela tirou a própria vida, —declarou Lisa.

Brook empurrou os óculos para cima. — Não seja ridícula. Toda essa coisa de ‘eu vejo espíritos’ está ficando velha.

Lisa balançou de volta em seus calcanhares. Seu rosto ficou sério. — Ashlyn! Mostre seu espírito.

— Isso é estúpido, —disse Barka.

— Mostre sua presença! —Lisa chamou.

Listras verde-amarelas atravessavam sua magia, provocando flashes de um forte amarelo.

Uau.

A mesa estremeceu sob as pontas dos meus dedos. As cadeiras ao meu redor tremiam.

Brook deu um passo para trás.

A mesa dançou, pulando para cima e para baixo. As duas cadeiras de ambos dos meus lados dispararam para o teto, pairaram ali por um segundo tenso e desabaram.

Interessante.

Lisa nivelou seu olhar para mim. — Ashlyn está morta. Eu não sei quem você é, mas você deveria ir embora. Você a perturba.

Eu ri.
Lisa virou-se e saiu.


— Então, Lisa é uma telecinética? —Perguntei.

Brook deu de ombros. — Um pouco. Nada como isso. A coisa-cadeira-voando é nova. Normalmente, ela tem que suar para empurrar uma caneta sobre a mesa.

E este novo poder não teria nada a ver com aquelas adoráveis listras verde-amarelo em sua magia, não é? Era como a cor da magia das maçãs de Ashlyn, verde-amarelo, mas não do mesmo tom. Duas cores mágicas estranhas em um só dia. Isso era um inferno de uma coisa, como Kate diria.

— Você não vai embora? —Barka me perguntou.

— Claro que ela não está indo embora, —Brook disse a ele. — Eu não terminei a turnê.

— Quando as pessoas me mandam sair é porque é o momento certo para ficar por perto, —eu disse a ele. — Lisa teve algum problema com Ashlyn?

— Lisa tem problemas com todos, —disse Brook. — Pessoas como ela gostam de humilhar os outros, encontram uma fraqueza sua e te provocam só para se sentirem melhor.

— Ela é um fracasso, —acrescentou Barka. — Bem, ela é uma falácia, aparentemente. Seus pais são professores da Academia dos Magos. Quando ela foi admitida pela primeira vez, fez um grande negócio com toda essa grande magia que ela supostamente tinha.

— Eu me lembro disso. —Brook fez uma careta. — Toda vez que ela abria a boca, era tudo 'na Academia dos Magos, onde meu pai trabalha' ou 'quando eu visitava o laboratório da minha mãe na Academia dos Magos'. Uuui.

— Ela alegou ter toneladas de energia, —Barka acrescentou, — mas não podia fazer nada com isso, exceto alguns pequenos truques de telecinese.

— Deixe-me adivinhar, então as pessoas zombaram dela? —Eu perguntei.

— Boa parte da culpa disso foi dela mesma, —Brook me disse. — Nem todo mundo aqui tem uma magia incrível.

— Como Sam. —Barka encolheu os ombros. — Se você der a ele um pedaço de vidro transparente, ele pode modificá-lo com sua magia e deixá-lo fosco. É legal a primeira vez que você vê, mas é bem inútil e ele não consegue controlar muito bem também. Não é algo que faça grande diferença.

— É na cabeça de Lisa que ela é super-especial, —disse Brook. — Ela se sente como se fosse superior a todo mundo e passa a tratar mal as pessoas. Ninguém gosta de ser tratado dessa maneira.

— Ela é rejeitada? —Perguntei.

Barka deu de ombros novamente. — Nada tão ruim. Não é convidada para sair. Ninguém quer sentar com ela no almoço. Mas isso é pura autodefesa, porque ela não escuta o que você tem a dizer. Fala o tempo todo sobre seus pais especiais. Acho que ela finalmente conseguiu seus poderes.

— Esses poderes em Lisa apareceram depois que Ashlyn desapareceu?

— Sim. —Barka fez uma careta. — Então ela começou a sentir a presença de Ashlyn em todos os lugares. Quem sabe, talvez Ashlyn esteja realmente morta.

— Feitiço de localização diz que ela está viva. Além disso, não existem fantasmas, —eu disse a eles.

— E você é uma autoridade em fantasmas? —Brook perguntou.

— Confie em mim sobre isso.

Seria até uma coisa boa se fossem fantasmas, mas eu tinha essa sensação desagradável no estômago que dizia que isso era algo ruim. Algo muito ruim. Poderia ligar para Kate e perguntar a ela o que faria a cor da magia de alguém mudar. As cores não estavam misturadas ou fluindo uma para a outra como as cores de Kate faziam. Elas eram distintas. Separadas. Unidas, mas não misturadas.

Êêê. Havia algum tipo de resposta no final desse pensamento, mas não consegui descobrir qual era.

Chamar Kate estava fora de cogitação. Esta era a minha pequena missão e eu iria fazê-la sozinha.

Tentei pensar como Kate. Ela sempre disse que as pessoas eram a chave para qualquer mistério.

Alguém de alguma forma cometeu algo que fez Ashlyn se esconder e Lisa realmente não queria que eu continuasse procurando por ela. — Ashlyn tinha uma melhor amiga?

Brook fez uma pausa. — Ela e Sheila ficavam às vezes juntas, mas Ashlyn gostava mesmo era de ficar sozinha.

— Podemos ir conversar com Sheila?

Brook soltou um longo suspiro de sofrimento. — Certo.

— Você está indo? Nesse caso, Brook, segure isso por um segundo. —Barka jogou a caneta que estava rolando entre os dedos para Brook. Ela pegou. Uma luz brilhante acendeu e Brook largou a caneta no susto e apertou a mão dela.

Barka deu uma gargalhada.

— Idiota! —Os olhos de Brook cintilaram com um brilho perigoso por trás dos óculos. Ela saiu da sala. Eu a segui.

Nós descemos o corredor em direção à escada.

— Ele gosta de você, —eu disse.

— Sim, claro, —Brook rosnou.

Sheila acabou sendo o exato oposto de Ashlyn. Onde a foto de Ashlyn mostrava uma menina pequena e fofa, Sheila era musculosa. Não masculina, mas realmente forte. Nós a pegamos no vestiário quando ela estava saindo para jogar vôlei. Não é sempre que você vê uma garota com um abdômen bem definido.

Ela se sentou em um banco de madeira ao lado da pequena sala de dentro do vestiário que dizia sauna. Eu me perguntei o que diabos significava sauna. Era um vestiário de primeira classe, o chão era de azulejos, três chuveiros, dois banheiros, ‘sauna’, grandes armários. Os azulejos limpos cheiravam levemente a pinho. Vestiário especial para flocos de neve especiais.

— Eu não sei por que Ashlyn desapareceu. —Sheila puxou a meia esquerda.

— Ela estava preocupada com alguma coisa?

— Ela parecia um pouco nervosa.

— Ela teve algum problema com Lisa?

Sheila parou com o sapato em um pé. — Lisa A Falsa?

Certo, então eu não gostava da Lisa. Mas se eles me chamassem assim, eu ficaria chateada muito rápido também.

— Lisa, que sente a presença de Ashlyn.

— Não realmente. —Sheila balançou a cabeça. — Uma vez alguém deixou uma pegada na mesa de Ashlyn. Ela ficou muito nervosa.

— Que tipo de pegada?

— Lobo, —disse Brook. — Eu lembro disso. Ela esfregou a mesa por dez minutos.

— Qual foi o tamanho da impressão e quando isso aconteceu?

— Grande, —disse Sheila. — Do tamanho de uma tigela. Foi cerca de uma semana atrás ou mais.

Impressões desse tamanho podem indicar um metamorfo do tipo lobo, possivelmente um chacal ou um coiote.

— Se alguém tivesse um problema com ela, seria Yu Fong, —disse Sheila.

— Ele é o único estudante de dezoito anos que temos, —disse Brook. — É um cara chinês estranho.

— Estranho como?

— Ele é um órfão, —disse Sheila. — Seus pais foram assassinados.

— Eu pensei que eles tivessem morrido em um acidente de carro, —disse Brook.

— Bem, o que aconteceu, aconteceu, —Sheila me disse. — Por alguma razão ele não foi para a escola por um tempo. Ouvi dizer que estava preso, seja lá o que for. De qualquer forma ele apareceu um dia, conversou com o Mestre Gendun e foi admitido como aluno. Fez testes e teve créditos suficientes para começar no segundo ano. Ele é perigoso.

— Muito poderoso, —disse Brook.

— Super magia, —disse Sheila. — Você pode sentir isso saindo dele às vezes. Faz minha pele coçar.

Brook assentiu. — Não sei exatamente que tipo de magia ele tem, mas seja o que for, é significativo. Há outras três crianças chinesas na escola e elas seguem Yu Fong por aí como guarda-costas. Você não pode nem falar com ele.

— E Ashlyn teve um problema com ele? —De alguma forma eu não conseguia imaginar Ashlyn deliberadamente escolhendo uma briga com esse cara.

— Ela estava apavorada com ele, —disse Sheila. — Uma vez ele tentou falar com ela e ela surtou e saiu correndo.
Está bem então. Próximo alvo, o misterioso Yu Fong.


A busca pelo ‘cara chinês estranho’ nos levou ao refeitório, onde, de acordo com Brook, esse indivíduo de super magia almoçava com o segundo ano. Brook liderou o caminho. Eu a segui pelas portas duplas e parei. Uma grande claraboia iluminava a enorme sala de estar, cheia de mesas redondas de metal e cadeiras ornamentadas. Na parede oposta, a mesa do bufê se estendia, ocupada por vários funcionários vestidos de branco. Chique.

Os alunos pegavam seus pratos e os levavam para diferentes mesas. Alguns sentavam-se conversando.

À direita, várias vozes riram em uníssono.

À esquerda, uma larga entrada permitia vislumbrar uma pequena marquise. Em seu centro, logo abaixo da claraboia, crescia uma pequena árvore com folhas vermelhas, quase brilhando ao sol. Uma mesa estava ao lado da árvore e um jovem sentado em uma cadeira, debruçado sobre a mesa, lendo um livro. Ele era velho demais para ser chamado de menino, mas jovem demais para ser chamado de homem, e seu rosto era desumanamente belo.

Eu parei e olhei.

Eu já vi alguns caras bonitos antes. Esse cara ... ele era mágico. Seu cabelo escuro estava escovado longe de sua testa alta, caindo para trás sem um traço de uma onda. Suas feições eram perfeitamente esculpidas, seu rosto forte e masculino, com uma mandíbula contornada, uma pequena fenda no queixo, lábios carnudos e maçãs do rosto salientes. As sobrancelhas, escuras e largas, inclinavam-se para proteger os olhos grandes, lindos e muito, muito escuros. Não preto, mas marrom escuro.

Pisquei e meu poder veio com força total. O cara estava envolto em azul claro. Não muito prata, mas com o suficiente para diluir a cor para um cinza azul cintilante. Divino. Ele era um sacerdote ou um objeto de adoração, e olhando para ele, apostava no último. Brilhando assim, ele me lembrou de um daqueles seres celestiais da mitologia chinesa que me fizeram aprender na minha antiga escola. Ele parecia um deus.

— É ele, —disse Brook. — E seus guardas.

Dois meninos sentavam-se a uma segunda mesa a alguns metros de distância. — Eu pensei que você disse que haviam três, —murmurei.

— Existem, Hui tem álgebra agora.

Examinei os dois caras sentados ao lado de Yu Fong, azul claro. Voltei com a minha visão normal. Seu rosto estava me distraindo o suficiente, não precisava do brilho colorido também.

— Vou perguntar se ele vai falar com você, —disse Brook.

— Por que não vamos juntas? —Eles levavam a hierarquia do calouro muito a sério neste lugar.

Brook apertou os lábios dela. — Não, eles me conhecem.

Ela chegou a cerca de dois terços do caminho e, em seguida, um dos guardas de Yu Fong se levantou da cadeira e bloqueou seu avanço. Brook disse alguma coisa, ele balançou a cabeça e ela se virou e voltou para mim.

Claro que foi um não. E agora eles sabiam que eu estava indo.

Bem, tem que trabalhar com o que você tem.

Levantei minhas mãos e mexi meus dedos para o cara da super magia. Ele continuou lendo seu livro. Acenei de novo e comecei a andar em direção a ele, com um grande sorriso no rosto. Eu vi Kate fazer isso, e se eu não estragasse tudo, funcionaria.

O primeiro guarda se adiantou, bloqueando meu caminho. Dei a ele meu sorriso fofo, olhei para ele e apontei para mim mesma, como se estivesse sendo convocada e não pudesse acreditar. Ele olhou por cima do ombro para verificar o rosto de Yu Fong. Dirigi meu punho duro em seu intestino. O garoto se dobrou o meu soco com um suspiro surpreso. Bati minha mão em sua cabeça, dirigindo a cabeça para baixo.

Enfrente o joelho. Estrondo! O impacto reverberou pela minha perna.

Eu o empurrei para o lado e continuei me movendo. O segundo guarda-costas ficou de pé. Peguei a cadeira mais próxima, balancei-a e bati nele assim que ele estava chegando.

A cadeira conectou ao lado de sua cabeça com um sólido crunch. Eu soltei e ele tropeçou para trás com a cadeira em cima dele. Passei por ele e aterrissei na cadeira sobressalente da mesa.

O super-cara lentamente levantou o olhar de seu livro e olhou para mim.

Uau.

Havia uma espécie de arrogância séria em seus olhos, uma intensidade e determinação abrasadora.

Viver na rua dá a você um sexto sentido sobre essas coisas. Você aprende a ler as pessoas.

Lê-lo era fácil: ele era poderoso e arrogante e impunha controle sobre tudo ao redor, inclusive ele mesmo. Passou por poucas e boas na vida e ficou mais forte por isso. Ele nunca iria deixar você saber o que estava pensando e você sempre estaria pisando em ovos.

Toquei a superfície da mesa com a ponta do meu dedo. — São e salvo.

Houve alguns barulhos atrás de mim. Yu Fong fez um pequeno movimento com a mão e os ruídos pararam. Eu ganhei o direito de uma audiência. Uauuu!

Ele inclinou a cabeça e me estudou com aqueles olhos escuros.

Senti cheiro de incenso. Sim, definitivamente incenso, uma fumaça forte e ligeiramente doce. — Sempre me perguntei como alguém poderia se dirigir a um objeto de adoração? Eu deveria chamá-lo de ‘O Senhor de dez mil anos, ‘O Santo’, ou ‘O Filho do céu’? —Dali, um dos metamorfos, estava me ensinando o início das mitologias asiáticas. Infelizmente, isso era o máximo que eu sabia desde que comecei.

— Eu não sou um objeto. —Sua voz era ligeiramente acentuada. — Você pode me chamar de Yu.

Bastante humilde.

— Posso te ajudar em alguma coisa? —Ele perguntou.

— Meu nome é Julie Lennart. —Poderia muito bem ir com a grande arma. A maioria das pessoas não conhecia o sobrenome do Senhor das Feras, então se ele reconhecesse seria uma boa indicação de que era algum tipo de peso-pesado no mundo da magia.

— É um nome de peso para alguém tão pequena. —Yu Fong sorriu um sorriso agradável e fácil. Ele sorria daquele jeito tanto enquanto observava um cachorrinho fofo brincar com uma borboleta quanto quando os seus lacaios estavam torturando seu inimigo. Faça sua escolha. — O Senhor das Feras comanda mil e quinhentos metamorfos.

— Mais ou menos. —Era mais, mas ele não precisava saber disso.

Seus olhos escuros se fixaram em mim. — Um dia meu reino será maior.

Ha-ha! Certo, certo. — Estou aqui com o conhecimento e a pedido do Mestre Gendun.

Ele não disse nada. A mesa de metal sob meus dedos estava quente. Eu descansei mais a minha mão nela. Definitivamente quente. A lanchonete tinha ar condicionado e, mesmo agora, com magia, o ar ficava bem frio, o que significava que a mesa de metal deveria estar fria.

— Uma garota desapareceu. Ela era uma menina pequena. Tímida. O nome dela é Ashlyn.

Nenhuma reação. A mesa estava definitivamente ficando mais quente.

— Ela estava com medo de você.

— Eu não mato garotinhas.

— O que faz você pensar que ela foi morta? Eu não disse nada sobre ela estar morta.

Ele se inclinou para frente ligeiramente. — Se eu noto algo que me ofende, escolho ignorá-lo ou matá-lo. Eu a ignorei.

Rapaz, esse cara era vaidoso. — Por que ela ofendeu você?

— Eu nunca a ameacei. Ela não tinha motivos para se encolher na minha presença. Eu não espero que você entenda.

Pensei muito em por que ele acharia uma demonstração óbvia de medo ofensivo.

— Quando ela se encolheu, você se sentiu insultado. Você não tinha intenção de machucá-la, mas ela mostrou medo. Isso insinuou que seu controle sobre seu poder é imperfeito.

Os olhos de Yu se arregalaram levemente.

— Eu sou a enteada do Senhor das Feras, —disse a ele. — Gasto muito tempo com malucos arrogantes.

A mesa debaixo da minha mão estava quase quente demais para continuar tocando. Eu continuei suportando o calor. — Ashlyn te incomodou. Você disse que a ignorou. Você não disse nada sobre seus guarda-costas. Eles fizeram algo para Ashlyn que fizesse ela desaparecer?

Seu rosto era a imagem de desdém. Era apenas uma maneira educada de dizer que ele gostaria de zombar de mim, mas isso seria se rebaixar. Eu vi esse olhar preciso no rosto do Senhor das Feras. Se ele e Curran estivessem em uma mesma sala, a cabeça de Kate explodiria.

Eu esperei, mas ele não disse nada. Aparentemente Yu decidiu não dignificar com uma resposta.

Finas gavinhas de fumaça escapavam de seu livro. A mesa perto dele deveria estar muito mais quente do que na minha extremidade. Tinha que estar muito quente, porque o metal agora estava queimando meus dedos.

— Se eu descobrir que você machucou Ashlyn, eu vou te machucar de volta, —eu disse.

— Eu vou manter isso em mente.

— Faça. Seu livro está fumando.

Ele pegou. Eu lentamente levantei minha mão, soprei minha pele e me levantei para sair.

— Por que você se importa? —Ele perguntou.

— Porque nenhum de vocês faz. Olhe ao seu redor, uma garota está desaparecida. Uma garota que você viu na aula todos os dias. Ficou tão assustada com alguma coisa que teve que se esconder dela. Ninguém está procurando por ela. Todos vocês estão apenas seguindo suas vidas como de costume. Você tem todo esse poder e você não levantou um dedo para ajudá-la. Apenas senta aí, lendo seu livro, confortável atrás de seus guarda-costas e demonstra como sua magia é impressionante ao aquecer sua mesa. Alguém tem que encontrá-la. Eu decidi que seria eu.

Eu não sabia se isso estava fazendo alguma diferença na sua consciência.

— A verdadeira força não é matar ou ignorar seu oponente, é ter a vontade de proteger aqueles que precisam de sua proteção.

Ele ergueu as sobrancelhas ligeiramente. — Quem disse isso?

— Eu disse. —Fui embora.

Brook estava olhando para mim.
— Vamos, —disse a ela, alto o suficiente para ele ouvir o escárnio na minha voz. — Acabamos aqui.


No corredor, fui até a janela e soltei o ar. O poder. Todo aquele poder, toda aquela magia fervendo nele e ele apenas ficava lá. Não fazia nada para ajudar Ashlyn. Ele não se importava.

Brook limpou a garganta atrás de mim.

— Eu só preciso de um minuto.

Olhei para fora, no pátio, cercado pelo prédio quadrado da escola. Era um pátio realmente grande, no entanto nenhum lugar para se esconder: bancos, flores, caminhos retorcidos de pedra. Uma única árvore subia em direção ao extremo norte, rodeada por um labirinto de canteiros de flores, espalhando-se a partir dela como um daqueles pequenos jogos de quebra-cabeça, onde você tem que rolar a bola até um buraco através de um labirinto de plástico.

— Você está errada, —disse Brook atrás de mim. — Você sabe o que, todos nós temos problemas. Só porque eu não procurei Ashlyn isso não me faz uma pessoa má. Você tem alguma ideia do quanto são competitivos os exames da Academia de Magos? Me dedicar estudando e me preparando toma todo o meu tempo. E eu nem te conheço! Por que tenho que me justificar para você?

As flores estavam em plena floração. Ásteres azuis9, delicadas íris barbadas10 nas cores creme e amarelo, coração-roxo11, eu tinha muita herbologia na minha antiga escola. As florações eram normais para início de junho. A árvore tinha pequenos brotos que começavam a se desenrolar em pétalas brancas e rosas.

— Não é como se eu a conhecesse muito bem. Não vejo porque eu deveria ser responsabilizada por qualquer problema que a fez se esconder. Se ela tivesse vindo até mim e dissesse: ‘Brook, estou com problemas’, a teria ajudado.

— O que é essa árvore?

— O que?

— A árvore no quintal. —Eu apontei para ela. — Que tipo de árvore é?

Brook piscou. — Eu não sei. É a árvore morta. Você não pode ir lá agora, não com a magia, o jardim de flores é protegido. Ouça, não estou orgulhosa por não ter procurado Ashlyn. Tudo o que estou dizendo é que talvez eu não tenha procurado por ela e provavelmente deveria, mas estava ocupada.

Aposto que era uma macieira. Algumas macieiras floresciam tarde, mas a maioria florescia em abril e maio. Era junho agora.

— Há quanto tempo essa árvore está morta?

— Desde que me lembro. Eu estou nesta escola há três anos e sempre foi morta. Eu não sei por que ainda não a arrancaram. Você está me ouvindo?

— Está florida.

Brook piscou. — O que?

— A árvore está florescendo. Veja.

Brook olhou para a janela. — Hã.

Perfeita nota cem em botânica. Maçãs na gaveta. Lobo imprimindo sua pata na mesa. Aterrorizada por um menino que cria calor, porque onde há fumaça, há fogo. Macieira que está morta há anos, florescendo.

Tudo se alinhava na minha cabeça em uma flecha perfeita apontando para a árvore.

— Podemos ir lá embaixo?

Brook estava olhando para a árvore. — Sim.

Dois minutos depois, saí pela porta lateral para o pátio interno e desci o caminho de pedra. Eu estava a quinze metros da árvore quando senti a magia na minha frente. Parei e me concentrei na minha visão sensitiva. Uma parede de magia surgiu na minha frente, brilhando levemente com prata pálida. Uma Proteção, um feitiço defensivo projetado para impedir a entrada de intrusos. Correntes de poder passavam por ele.

Algumas Proteções brilhavam com cores translúcidas, tanto para intimidar quanto para avisar de que a barreira existia e entrar nela machucaria. Esta era invisível para alguém sem meu tipo de visão. E, a julgar pela intensidade da magia, tocá-la machucaria você o suficiente para deixá-lo se contorcendo de dor por alguns minutos ou derrubá-lo completamente.

Eu me virei e caminhei ao longo da Proteção, com Brook me seguindo. O feitiço seguia o canteiro curvo de flores.

— Qual é o objetivo da Proteção?

— Ninguém sabe, —disse Brook.

— Você já perguntou a Gendun?

— Na verdade sim. Ele apenas sorriu.

Ótimo.

À frente, um espaço de dois metros de largura cortava o círculo da Proteção. Parei, olhei e vi outra Proteção. Este era um labirinto mágico, com anéis de Proteções dentro de outros e no centro de tudo a macieira.

— Ela está nos observando, —Brook assobiou.

— O que?

— Janela do segundo andar, à esquerda.

Olhei para cima e vi Lisa nos olhando. Nossos olhares se conectaram. O rosto de Lisa tinha essa estranha mistura de emoções, parte curiosidade, parte medo. Ela me descobriu. Ela entendeu que eu vi a Proteção de alguma forma e que sabia sobre a macieira, e ela estava com medo agora. Não podia ser de mim que estava com medo. Eu não era tão assustadora. Ela estava com medo de que eu encontrasse Ashlyn?

Um brilho verde cintilante explodiu nas costas de Lisa. Ele se transformou na silhueta de um lobo de dois metros e meio de altura. A fera olhou para mim com olhos de fogo.

Meu coração acelerou no peito como um passarinho assustado. Algo antigo me olhou através daquele fogo. Algo inimaginavelmente velho e egoísta.

O lobo estremeceu e desapareceu. Se eu tivesse piscado, eu teria perdido isso.

— Você viu aquilo?

— Viu o que? —Brook perguntou.

Então eu vi isso com a minha visão sensitiva.

Lisa se virou e foi embora. Minha testa ficou gelada. Passei a mão pelo meu rosto e vi o suor frio na minha mão. Ai credo.

As coisas estavam fazendo cada vez mais sentido. Eu me virei para Brook. — Vocês têm uma biblioteca?

Ela me deu uma olhada como se eu fosse idiota. — Sério? Você realmente precisa fazer essa pergunta?

— Lidere o caminho!

Brook se dirigiu para a porta. Assim que ela chegou, a porta se abriu e Barka bloqueou o caminho. — Ei!

Brook passou por ele e marchou pelo corredor, cerrando os dentes, parecendo que iria derrubar quem estivesse em seu caminho. Eu a segui.

Barka me alcançou. — Onde vocês estão indo tão rápido?

— Para a biblioteca.

— Está pegando fogo e precisam de nós para apagá-lo?

— Não.

Barka deve ter ficado sem coisas espirituosas para dizer, porque ele calou a boca e nos seguiu.

A biblioteca ocupava uma vasta sala. Prateleiras forravam as paredes. Com a magia indo e vindo como a maré, os leitores eletrônicos não eram mais confiáveis, mas a biblioteca também os tinha. Se você precisasse encontrar algo rapidamente, os e-readers12 eram sua melhor aposta. Você só tinha que esperar até que a magia desaparecesse e a tecnologia assumisse novamente.

Infelizmente a magia não mostrava sinais de ir embora.

Andei pela biblioteca, verificando os rótulos nas prateleiras. Filosofia, psicologia ...

— O que você está procurando? —Brook perguntou. — Eu posso encontrá-lo mais rápido.

— Mitologia grega e romana.

— Dois-nove-dois. —Brook virou-se e desapareceu entre as estantes de livros. — Aqui.

Fiz a varredura dos títulos. Enciclopédia dos mitos gregos e romanos. Ponto!

Os olhos de Brook se iluminaram. — Merda! Claro. As maças. É tão claro que eu poderia me dar um tapa por ser tão idiota.

— Você chegou lá. —Arranquei o livro da prateleira e levei-o para a mesa mais próxima, folheando as páginas para chegar à letra E.

— O que está acontecendo? —Barka perguntou.

— Ela encontrou Ashlyn. Ela está em uma árvore, —Brook disse a ele.

— Por quê?

— Porque ela é uma Epimélide13, —murmurei, procurando a listagem certa.

— Ela é um o quê?

— Uma dríade da maçã, seu idiota, —Brook rosnou.

Barka levantou a mão. — Não lembro! O grego e o romano foram três semestres atrás.

— Epimélides são as dríades de macieiras e guardiãs de ovelhas, —expliquei.

Barka se reclinou novamente na mesa. — Isso é um pouco aleatório.

— Epimélide vem de Melas14 e significa tanto maçãs como ovelhas, —disse Brook.

— Isso explica por que ela está com medo de Yu Fong, —eu disse. — Ele é calor e fogo. Fogo e árvores não se dão bem.

— E alguém deixou uma impressão de lobo em sua mesa. Os lobos são os inimigos naturais das ovelhas, —disse Barka.

— Alguém estava tentando aterrorizá-la. —Brook caiu na cadeira, como se de repente estivesse exausta. — E nenhum de nós jamais prestou atenção por tempo suficiente para ver isso.

— Foi Lisa. —Eu examinei a introdução para a dríade. Tímida, reclusa, blá-blá-blá ... sem inimigos naturais. Nenhuma menção de lobos mitológicos.

— Como você sabe?

— Ela tem um lobo dentro dela. Eu vi. É por isso que os poderes dela estão mais fortes. Acho que ela fez um acordo com alguma coisa e acho que essa coisa quer Ashlyn.

Eles se entreolharam.

— Que tipo de magia você tem, exatamente? —Barka perguntou.

— O tipo certo. —Puxei uma cadeira e me sentei ao lado de Brook. — Se Lisa tivesse feito um acordo com um demônio de três cabeças ou algum tipo de quimera, eu poderia encontrá-lo, mas um lobo, poderia ser ...

— Qualquer coisa, —Brook terminou. — Quase toda mitologia com uma floresta tem um canídeo. Pode ser francês ou celta ou inglês ou russo ou qualquer outra coisa.

— Algum de vocês pode se lembrar dela dizendo alguma coisa sobre um lobo? Talvez haja um diário que ela tenha feito?

— Eu vou descobrir. —Brook se levantou e foi direto para a mesa da biblioteca.

Folheei o livro mais um pouco. Dríades não eram muito conhecidas. Elas eram criaturas instáveis, facilmente assustadas, bonitas. Basicamente objetos sexuais. Eu acho que os gregos antigos realmente não tinham muito acesso a pornografia, então deve ter sido divertido imaginar que cada árvore escondia uma linda garota dócil com grandes peitos.

De alguma forma eu tinha que salvar Ashlyn, e não apenas daquela macieira, mas de toda essa situação. Não sabia ao certo se Lisa tinha feito algum tipo de acordo com a criatura. Posso estar errada, posso estar exagerando toda a situação. A única coisa que eu sabia com certeza era que sozinha não tinha forças para lutar em um combate. Minha magia não era o tipo que me daria vantagem em um combate corpo-a-corpo, e essa coisa ... bem, pela intensidade da magia do lobo que eu senti, essa coisa daria trabalho até mesmo aos lutadores do Bando.

Às vezes eu desejava ter nascido um metamorfo. Se eu fosse Curran, apenas morderia a cabeça daquele lobo.

Curran. Humm. Agora havia um pensamento inteligente. Puxei um pedaço de papel de rascunho da pilha da escrivaninha da biblioteca, escrevi um bilhete e o li. Ele faria isso. Depois que eu apontei todas as suas deficiências, ele faria isso apenas para provar que estou errada. Agora me senti muito feliz comigo mesma.

Brook voltou da sua pesquisa com uma expressão enojada no rosto. — Macieiras. Ela verificou livros sobre macieiras.

— Tudo bem. Barka, você pode levar essa nota para Yu Fong?

Ele encolheu os ombros. — Claro. Eu gosto de viver perigosamente. —Ele tirou o bilhete dos meus dedos. — Até mais tarde!

Ele piscou para Brook e partiu.

— Você vai lutar contra o lobo, —disse Brook. — Você é a pessoa mais estúpida que eu já conheci. Precisamos levar isso para adultos agora.

— Eu acho que Gendun já sabe o que está acontecendo. Ele não teria notado a árvore que estava ganhando vida. Ele não parecia frenético sobre o desaparecimento de Ashlyn e ele disse que o feitiço de localização indicava que ela estava no terreno. Acho que eu terei que resolver isso sozinha.

— Ele estaria colocando sua vida em perigo. —Brook empurrou os óculos de volta para cima do nariz.

— E Ashlyn.

— Eu não consigo explicar isso. Só sinto que sou capaz e preciso fazer isso sozinha. —Talvez fosse algo que só eu poderia fazer. Talvez Ashlyn não confiasse em um adulto, mas confiaria em uma garota da idade dela. Talvez Gendun não tivesse noção da gravidade. Eu não fazia ideia. Eu só tinha que tirar Ashlyn daquela árvore.

Quando estava presa na minha antiga escola, havia momentos em que eu teria me escondido em uma árvore se pudesse. Eu sabia que Kate e Curran e até mesmo Derek, o idiota, viriam me resgatar. Mas sabia que nenhum dos meus amigos da escola fariam. Às vezes você só quer que uma criança como você se importe. Bem, eu era essa garota.

— Eu vou com você, —anunciou Brook.

— Eu não acho que isso é uma boa ideia, —eu disse a ela.

Ela empurrou os óculos para mim.
— Tudo bem. —Eu sorri. — Se mate.


Esperei no pátio em um dos pequenos bancos à beira das Proteções, lendo meu livrinho a vista de todo mundo. Peguei emprestado de Brook. O livro falava sobre como o universo começou com uma explosão gigante. Eu entendi duas palavras, e essas foram a e é.

O dia estava acabando. A maioria dos estudantes já tinha ido embora há muito tempo e os que moravam no dormitório haviam deixado o campus também. Estranhamente, nenhum professor apareceu e me interrogou ou exigiu saber quando eu estava planejando sair. Isso só confirmou minha suspeita de que Gendun sabia o tempo todo o que eu estava fazendo. Talvez ele tivesse algum tipo de razão adulta secreta para resolver esse problema através de mim. Talvez tenha sido um teste. Eu realmente não me importava. Apenas esperava que a magia não fosse embora.

O crepúsculo havia chegado nas asas de uma mariposa noturna, silenciosa e suave. O céu acima de mim escureceu para um roxo lindo e profundo. Estrelas brilhavam no alto, e abaixo delas, como se inspiradas por sua luz pequenos vaga-lumes despertavam e rastejavam de seus abrigos nas folhas. Tarde o suficiente.

Coloquei meu livro no banco e fui em direção às Proteções. A magia ainda estava em alta e quando me concentrei usando minha visão sensitiva as paredes cintilantes das Proteções brilharam levemente. Caminhei ao longo da primeira Proteção e fiz uma pausa. Tinha certeza que seria seguida. Lisa sozinha poderia não ser capaz de lembrar todas as lacunas na Proteção invisível, mas um lobo seguiria meu cheiro com o seu nariz.

Eu teria que perguntar o pessoal do Bando como tornar meu perfume mais forte. Se eu tivesse caspa coçaria minha cabeça, mas eu não tinha. Passei a mão pelo meu cabelo loiro e segui em frente, caminhando pela próxima Proteção até a sua abertura estreita.

Passei pelos anéis de feitiços defensivos, tomando o meu tempo, parando nas lacunas, até que finalmente eu emergi no espaço aberto ao redor da árvore. Flores cobriam os galhos. Flores delicadas, com pétalas brancas coradas de um rosa fraco, floresciam entre pequenos botões cor-de-rosa.

Esperava estar fazendo a coisa certa. Às vezes é muito difícil descobrir qual é a coisa certa. Você faz algo e gostaria de poder voltar no tempo por cinco segundos e desfazê-lo, mas a vida não funciona dessa maneira.

Quem não arrisca não petisca.

Puxei uma maçã Red Delicious do meu bolso. A casca da fruta tão vermelha que era quase roxa. Eu me agachei e rolei a maçã suavemente para as raízes da árvore. Ela parou no pé do tronco.

A casca da árvore mudou, rastejou ... uma perna coberta de casca separou-se do tronco e pisou na grama ao redor da árvore. Os dedos tocaram a grama e a casca se transformou em pele humana. Um momento depois uma menina muito pequena se agachou na grama. Prendi minha respiração.

O cabelo de Ashlyn era completamente branco. Não apenas loiro ou platina. Branco.

Ela pegou a maçã. — Red Delicious.

— Oi, Ashlyn.

Ela olhou para mim com olhos verdes. — Oi. Então você me encontrou.

— Não foi muito difícil.

Uma faísca de magia flamejou além das proteções. Ashlyn se encolheu com os olhos arregalados. — Está chegando!

— Tudo vai dar certo.

— Não, você não entende! O lobo está chegando.

Lisa apareceu na Proteção externa.

— Ela está aqui! —Ashlyn murmurou em tom de desespero. — Vá embora! Você vai se machucar.

— Confie em mim.

Lisa correu pelas Proteções, correndo rápido, seguindo minha trilha. Eu pisei na frente de Ashlyn.

Lisa saiu do labirinto da Proteção e parou. — Obrigada por me mostrar o caminho.

Eu me mantive entre ela e Ashlyn. Enquanto Lisa se concentrasse em mim ela não perceberia que havia alguém a seguindo pela Proteção. — O que é o lobo?

— Você o viu?

— Sim.

Lisa suspirou. — É um espírito da floresta. Chama-se Leshii15.

— É uma criatura da floresta? —Ashlyn agarrou meu braço. — Mas por que quer me machucar? Ele é como eu.

— Quer o seu sangue, —disse Lisa. — É fraco, e seu sangue o tornaria mais forte.

— Quer me comer? —Ashlyn sussurrou.

— Muito. Olha, não é pessoal, nunca tive problemas com você, mas estou cansada de ser Lisa ‘A Falsa’.

— Como você fez o negócio com essa criatura? —Eu perguntei a ela.

— O libertei da prisão na Academia dos Magos, —disse Lisa. — Meu pai mostrou para mim. Os magos o prenderam durante a última explosão mágica e deram a ele algumas árvores, para mantê-lo vivo enquanto o estudavam, mas as árvores não são suficientes. Ele quer uma floresta e eu quero que as pessoas me levem a sério. Favorável para mim e para ele.

— Mas não para Ashlyn que será comida viva. Não é nada demais, não mesmo? —Eu disse. Cadela.

— O que eu devo fazer? —A voz de Lisa subiu muito e vi o mesmo medo que eu vislumbrei anteriormente. Exceto que agora estava em seus olhos e estava escrito em todo o seu rosto. — Eu não sabia o que ele era realmente quando o libertei. O negócio foi feito, o carrego dentro de mim e isso me dá poderes. Eu não sabia que ele ia matá-la!

— Você é uma idiota? Essa é a primeira coisa que ensinam em qualquer escola, —eu rosnei. — Nunca faça negócios com criaturas mágicas. É um maldito espírito da floresta! Você sabe o quanto poderoso ele é? Que porra você achou que iria acontecer?

— Cansei de ouvir você, —rosnou Lisa. — Estou acabando com isso agora. Ninguém pediu para você enfiar o nariz onde não é de sua conta. Eu te disse para sair e não me escutou. Você não pode lutar comigo. E agora vocês duas vão morrer. Quem é a idiota, hein?

— Você é uma pessoa terrível, — Ashlyn disse a ela.

— Por mim ... —Os braços de Lisa se ergueram, como se ela tentasse se equilibrar.

Um grito cheio de dor e terror saiu dela. Um fantasma de um lobo enorme e desgrenhado explodiu em seu peito, brilhando com magia verde. Aterrissou na grama, elevando-se sobre nós. Sua pele era cinza. A enorme boca do lobo abriu-se de repente. Presas monstruosas estalaram no ar.

— Agora! —Eu gritei.

Yu Fong atravessou a Proteção até a clareira. Suas íris brilhavam de laranja e ao redor vi pequenas espirais de chamas.

O lobo se virou para encará-lo.

Magia saía de Yu Fong como pétalas de uma flor de fogo. Ela brilhava como um bonito ouro avermelhado e se moldou em um contorno de uma besta translúcida. Ele estava em quatro pernas fortes e musculosas, braços com enormes garras ondulando com chamas. Escamas cobriam seu corpo. Sua cabeça pertencia a uma mistura de dragão e leão chineses, e longos fios de vermelho puro fluíam de ambos os lados de suas mandíbulas. Espinhos eriçaram-se entre a juba carmesim e os olhos eram pura lava derretida. Dentro desta fera Yu Fong sorria, um vento mágico puxando seu cabelo.

Uau. Ele era um dragão.

O lobo atacou, indo em direção a Lisa. Yu Fong entrou em seu caminho empurrando Lisa para longe. Ela caiu na grama. O dragão abriu a boca. A chama explodiu em um rugido, como um tornado. O fogo engolfou o lobo e a fera desgrenhada gritou, abrindo a boca sem imitir nenhum som.

O lobo atacou Yu Fong mordendo o dragão com seus enormes dentes. Yu Fong cerrou os punhos. Uma parede de chamas altas saiu do dragão e envolveu o lobo.

Calor queimou minha pele.

O lobo se contorceu no casulo de chamas, mordendo e arranhando para se libertar. O rosto de Yu Fong estava sereno. Ele se inclinou para trás, riu suavemente dentro da fera e o fogo explodiu com puro calor branco, chamuscando meu cabelo.

Ashlyn escondeu o rosto nas mãos.

O lobo queimou, crepitando. Observei queimar até não restar nada a não ser uma pilha de cinzas.

O dragão desapareceu, deixando Yu Fong. Ele pisou na pilha de chamas e passou a mão sobre ela, tão elegante e bonito que parecia irreal. As cinzas subiram para o céu em uma rajada de fagulhas e se espalharam pelo pátio além das Proteções, acomodando-se no chão como belos vaga-lumes.

— Bem, é isso, —disse Brook, na Proteção externa. — Ashlyn, eu trouxe um cobertor para você.

Yu Fong deu um passo em nossa direção e Ashlyn deu um passo em direção à árvore.

— Não tenha medo. Eu não vou te machucar, —ele disse, sua voz suave. — Venha, vamos te vestir.

Ao nosso redor, o mundo mudou. A magia desapareceu abruptamente como uma chama de vela sendo soprada por um súbito jato. As Proteções desapareceram. O jardim parecia subitamente comum.

Bem. Que tal isso?

Yu Fong acompanhou Ashlyn para longe da árvore, guiando-a para Brook.

Lisa levantou-se. Suas pernas tremiam. Ela estremeceu e saiu mancando para o pátio. Eu não a persegui. Por que eu faria isso?

Brook colocou o cobertor sobre os ombros de Ashlyn e gentilmente a levou embora. Sentei-me na grama e encostei-me no tronco da macieira. De repente eu estava muito cansada.

Yu Fong se aproximou e olhou para mim. — Feliz Julie Lennart?

— É Olsen, —eu disse a ele. — Eu só puxo Lennart do meu bolso para ocasiões especiais.

— Entendo.

— Obrigada por salvar Ashlyn.

Yu Fong pegou o ramo de maçã mais próximo e o puxou para baixo, estudando as flores frágeis, seu rosto desumano e belo emoldurado pelas flores. Alguém deveria ter tirado uma foto desse momento. Era muito bonito.

— Claro, agora você me deve um favor, —disse ele.

Idiota. Retiro o que disse, esqueça. Ele não era bonito. Na verdade, nunca vi um cara mais feio em toda a minha vida.

— A satisfação de saber que você salvou a vida de Ashlyn deveria ser suficiente.

— Mas eu não salvei apenas a vida dela. Eu salvei a sua também, —disse Yu Fong.

— Eu teria me virado bem.

O olhar que ele me deu dizia alto e claro que achava que eu era louca. — Espero receber esse favor um dia.

— Não prenda a respiração.

— Imagino que terei muitas oportunidades, já que você passará muito tempo aqui, —disse ele.

— O que faz você pensar que vou estudar aqui?

— Você fez amigos, —disse ele. — Você vai se preocupar com eles. —Ele soltou o galho e foi embora. — Vou te ver amanhã, Julie Olsen.

— Talvez! —Gritei. — Eu ainda não decidi!

Ele continuou andando.

Me sentei sob a macieira. De alguma forma, deixar Ashlyn e Brook abandonadas não me dava um sentimento caloroso e tranquilo.

Tinha certeza que não seria nada difícil ser admitida nessa escola.

Eu tinha razão desde início. Kate me pegou em uma armadilha.

Mas, quem sabe, talvez não tenha sido uma coisa tão ruim.

 

 

                                                   Ilona Andrews         

 

 

 

                          Voltar a serie

 

 

 

 

      

 

 

O melhor da literatura para todos os gostos e idades