Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
Maior que o Sol
O passado se mobiliza e luta contra o futuro!
Surge o ano 2.326 da cronologia terrana e neste meio tempo, desde os acontecimentos narrados no volume 149, efetuaram-se alterações substanciais na Galáxia.
A partir de 1o de janeiro de 2.115, data em que Atlan abdicou do cargo de Imperador de Árcon, não existe mais nem o Império Solar, nem o Arcônida, mas tão-somente o Império Unido, a cuja frente está Perry Rhodan como Grande Administrador, enquanto o arcônida Atlan exerce a função de chefe da USO, cujos especialistas formam o chamado “Corpo de Bombeiros Galáctico”.
Sempre que surgem problemas ou crises que extrapolam o âmbito planetário, isto é, que afetam as relações intragalácticas, entra em campo então a USO. A precipitada fuga do Ser do planeta Peregrino e a concessão da imortalidade na forma de vinte e cinco ativadores celulares transtornaram todos os povos da Via Láctea. Espaçonaves disparam de um sistema ao outro, de planeta em planeta! Mas poucos são os felizardos que têm a sorte da Explorer 2.115, que descobre algo Maior que o Sol...
Gus Orff, chefe da Divisão de Cosmonáutica da Explorer 2.115, quarentão e de baixa estatura, com traços fisionômicos marcantes, olhou com preocupação para o Tenente-Coronel Thomas Herzog.
Tyll Leyden deixava naquele instante a central de comando, tranqüilo. Era-lhe completamente indiferente o que Herzog e Orff pensavam a respeito dele. Ambos disseram não à sua proposta, para a qual esperava certamente um sim.
— Ainda não! — disse ele para si mesmo, já fora da sala de comando.
Assim que a porta se fechou atrás de Tyll Herzog, comandante da Explorer 2.115 disse:
— Um jovem muito singular, este Orff. É um homem deste que tenho de aturar em minha nave? Parece até que, enquanto está andando, dorme.
Era um julgamento injusto e Gus Orff discordou:
— Não se deve esquecer que o aspecto de Leyden nos dá uma impressão errônea. Durante os últimos dez minutos, representou muito bem o fleumático. E isto você não compreendeu, Herzog. Mas não pense que ele vai desistir do seu projeto. Quer apostar comigo que, de qualquer maneira, tentará realizar o que quer?
O Tenente-Coronel Thomas Herzog era comandante da Explorer 2.115 há já oito anos e seu porte esportivo não deixava perceber os quarenta e dois anos de idade. O homem irradiava juventude, num ritmo de atividade dinâmica. Não era terrano, seu planeta pátrio era Rual, no sistema Rigel, planeta este que era uma segunda Terra, pois lá residiam dezessete milhões de terranos.
Pelos traços fisionômicos, podia-se perceber que Herzog não era da Terra. Cada planeta marca seus habitantes com uma característica diferente. Sua pele tendia para a cor de ouro velho e seus cabelos para um azulado forte. Mas era apenas isto que diferenciava Herzog de um terrano.
O tenente-coronel passou os olhos pelo seu próprio uniforme, deteve-se nas pontas dos sapatos e fixou de novo os olhos em Orff, dizendo:
— Gostaria mais de fazer uma aposta. Leyden não vai contar com minha permissão. Seu desejo de fazer uma experiência com a Teoria Falton é um desperdício de tempo inútil. Aliás, você já lhe disse isto.
Orff sorriu.
— É verdade, esta também é minha opinião, mas o negócio tem uma faceta melindrosa. Leyden é astrônomo e físico, enquanto eu, embora chefe da divisão, sou apenas astrofísico. E, pelo conhecimento que tenho do rapaz, acho que ele não nos diz tudo que sabe, pois não é de falar muito.
— Será que seu pupilo predileto terá outras qualidades? — perguntou Herzog, com sarcasmo.
Gus Orff sorriu de novo.
— Por que motivo você quer saber se tenho prazer em ter Leyden em minha divisão?
Herzog se inclinou para a frente e olhou firme seu interlocutor.
— Há quanto tempo voamos juntos nesta espaçonave?
— Oito anos... Você, um dia mais do que eu.
— E será que nestes oito anos não consegui conhecê-lo? Não, você não me engana. Tenho certeza de que protege seu “peixinho” Leyden. Por quê?
A última pergunta parecia um desafio.
— Por que o homem entende alguma coisa da sua área. Embora não seja um gênio, os resultados não lhe escorregam pela manga do paletó, mas são produto de trabalho árduo e de sérias pesquisas. O homem é competente, e muito estimado pelos colegas, embora não tenha amigos...
— Não tem amigos? — interrompeu-o Herzog, olhando admirado.
— Entre seus colegas, não. Agora, tem amigos a bordo. É de fato um homem singular! Está sempre longe, mas quando é necessário, é o primeiro a chegar. Não é espalhafatoso, mas cumpre seu dever. Entende agora por que me sinto contente com ele na minha equipe?
— É... mas isto não quer dizer sim nem não. Orff, você ainda não me explicou por que está convencido de que Leyden terá seu projeto aprovado, apesar da negativa de agora.
Orff fez um gesto denunciando incerteza.
— Não lhe posso explicar, Tenente-Coronel Herzog. Ainda não conheço Leyden tão bem assim, neste particular. Não sei como ele se arranja, pois sempre acaba conseguindo o que quer. Lança mão costumeiramente de novos meios. Procura-os e acha.
— Pois então, estou curioso agora para ver como vai conseguir impor sua vontade. De qualquer maneira, não aprovo seu projeto. E você?
— Também continuo com meu “não”.
— Mas, apesar disso, é de opinião de que ainda conseguirá nosso sim, não é?
O comandante olhava curioso para o cientista.
— Certo — disse Gus Orff, sem titubear.
— É isso... — resmungou Herzog, passando a mão esquerda pelo cabelo. — Começo a me interessar pelo jovem.
Havia duzentos anos, os primeiros aparelhos de exploração espacial começaram a penetrar no denso emaranhado estelar da Via Láctea. Perry Rhodan não iria certamente repetir os mesmos erros dos acônidas, dos arcônidas ou de outras raças que dominavam a Cosmonáutica. Nenhum destes povos estava preocupado em estudar, sistematicamente e com profundidade científica, a imensidão da Galáxia.
Rhodan criou uma frota especial para esta incumbência, daí surgindo as naves do tipo Explorer.
Mesmo no atual Império Unido não se criavam tipos novos de espaçonaves de um dia para outro. Quando os primeiros trinta Explorer regressaram de suas missões, foi uma verdadeira chuva de reclamações por parte dos comandantes. Algumas eram a respeito de coisas supérfluas; outras, porém, eram procedentes e naves tinham de ser reinstaladas ou reformadas. Solicitaram até a instalação de canhões transformadores, o que Rhodan recusou peremptoriamente. Até o presente momento, os terranos eram os únicos que possuíam essa arma tão destruidora.
Por três anos consecutivos, estas trinta naves estiveram em missões e por três anos os comandantes se queixaram, quando de regresso de suas longas viagens.
Destes três anos de fase experimental, surgiram os Explorer, os atuais aparelhos de pesquisa do Império Unido. Cerca de dez mil já haviam saído dos estaleiros espaciais, derivando-se do projeto inicial cruzadores pesados, esféricos, de quinhentos metros de diâmetro. No tocante à tripulação destas naves, nunca houve coisa igual em toda a Galáxia. Era constituída exclusivamente de cientistas. E mais: cabia a cada unidade mil especialistas.
Com o Explorer número 9.618, encerrou-se a série. E toda esta gigantesca frota estava sob o comando direto de Rhodan. Todo aquele que tivesse idéia da imensidão da Via Láctea, saberia que sua exploração seria coisa para milênios. Não era apenas a extensão da Galáxia que tornava esta tarefa tão difícil, mas suas centenas e centenas de milhões de sistemas e seus planetas. Já antes de se aterrissar, podia-se saber que muitos deles não tinham condições de vida. Mesmo assim as gigantescas naves tinham que aterrissar. O grande administrador defendia a tese de que planetas inadequados à vida humana, podiam servir para seres vivos de outra espécie.
Todos os dados coletados nos relatórios de pesquisa dos Explorer eram levados para o cérebro impotrônico da Lua.
O Explorer 2.115 estava a 52.419 anos-luz Galáxia a dentro, na direção do centro da Via Láctea.
Depois do diálogo com Gus Orff, o Tenente-Coronel Herzog se dirigiu à central de sua espaçonave. As muitas centenas de sóis, numa densidade incrível, continuavam ainda inundando a nave com sua claridade suave, como há duas horas atrás. O que se via na tela panorâmica era algo surpreendente, embora a distância entre um sol e outro fosse sempre maior que um ano-luz. Assim, o espectador podia ver vários sistemas ao mesmo tempo.
Atrás da nave de exploração espacial, um sol ia ficando cada vez menor. A grande estrela central, de um brilho vermelho-escuro, arrastava quatro planetas que acabaram de ser pesquisados. Já estavam catalogados no arquivo sideral sob o número 484 e seus muitos dados científicos já tinham entrado para o computador de bordo. E o resultado geral foi:
Sem valor prático para o Império. Riquezas do solo nos diversos planetas não são comerciais.
Com apenas a metade da velocidade da luz, a nave prosseguiu para seu próximo objetivo. Uma grande parte dos cientistas ainda estava ocupada com os resultados finais dos estudos sobre o número 484. Por este motivo a nave não podia, ainda, passar para o vôo linear. Na central de comando, não havia nenhuma novidade. Herzog saiu de seu posto para a cabina de rádio. No caminho, seu pensamento voou até o Imortal, embora não conseguisse imaginar muita coisa com aquela figura singular do planeta Peregrino. Acreditava, porém, que o poder do Ser era ilimitado. Nos poucos passos para o posto de radiotransmissão, Herzog constatou como estava empolgado com a idéia de se tornar possuidor de um dos tais ativadores celulares distribuídos pela Galáxia.
“Quem é que não queria ser imortal?”, pensava o tenente-coronel.
Um outro pensamento lhe martelava simultaneamente a cabeça. Sua vida não passaria a ser então uma fuga permanente dos outros homens, também ávidos de lhe tomarem o miraculoso objeto prolongador da existência? Foi água na fervura...
Em pouco tempo, esqueceu o desejo de possuir um destes objetos maravilhosos. Parou diante da portinhola da cabina de rádio. Não queria saber mais nada dos ativadores espalhados pela Galáxia e tudo que se relacionava com eles. Na sua fantasia, ocupava o lugar central a figura de Leyden, julgando ver a cada momento o jovem esbelto, de rosto comprido, o astrônomo e físico de vinte e nove anos. Seu cabelo louro-cinza era penteado para trás ou cortado bem rente? Herzog não sabia mais. Nem conseguia mais se lembrar de sua fisionomia, mas guardava muito bem na memória a voz dolente e indiferente do jovem quando expunha seu projeto.
Gus Orff já lhe explicara o que era a Teoria Falton. Este arcônida, morto há seis milênios e meio, desenvolvera uma teoria, pouco antes de morrer, segundo a qual se podia constatar, através de algumas medições no espaço, quais os sóis que tinham planetas e se estes eram habitados.
Esta velha Teoria Falton fora redescoberta há poucos meses. Não era, pois, de se estranhar que Perry não a tivesse ainda experimentado. Dava a impressão de que Tyll Leyden metera na cabeça que tinha de ser ele o primeiro cientista a pôr em prática esta teoria.
— Não nos interessa nada disto! — disse Herzog em voz alta, para si mesmo. — Quem é que vai dar importância a um projeto assim tão ultrapassado... o próprio Orff também não vê muita coisa nesta idéia de Leyden.
O tenente-coronel se sentia até um pouco melindrado quando concluiu:
— Meu amigo, vou controlar, agora bem de perto, de que maneira você vai executar sua função como membro da tripulação.
Havia ainda traços de desânimo em seu rosto, ao penetrar na cabina de rádio. Todas as naves Explorer estavam equipadas com instalações de rádio de grande potência, dispondo também dos aparelhos mais modernos de decifração de códigos, de transmissores de funcionamento automático que emitiam ininterruptamente pedidos de socorro, caso a tripulação, por qualquer catástrofe, estivesse impedida de fazê-lo. Quanto ao lado técnico, não faltava nada. Desde os tempos em que se conhecia a existência, na Via Láctea, dos acônidas, dos arcônidas e dos terranos, nunca houve instalações melhores para naves de exploração.
Os cientistas trabalhavam com os conhecimentos dos acônidas e dos arcônidas e, também, com os resultados de suas pesquisas. No setor científico não podia ocorrer erro algum. O fator falha humana era mantido, através de constantes testes, de exames rigorosos, num nível tão baixo, que até agora somente três Explorer se perderam.
No íntimo, o Tenente-Coronel Herzog tinha orgulho de sua tripulação.
— Alguma novidade? — perguntou ao cientista de serviço na sala de rádio.
— Nenhuma. Mas a caçada aos ativadores espalhados pela Galáxia toma proporções inauditas, senhor. Os preços de aluguel de naves particulares subiram astronomicamente. Conforme nos dizem os radiogramas, chegou a haver tumulto e insurreição em espaçonaves dos superpesados e muitos cargueiros viajam com tripulação completa. Todos correm como loucos atrás dos ativadores de células. A faixa de emergência do hiper-rádio está literalmente congestionada com pedidos de SOS Jamais vi uma situação como esta, em que tantas espaçonaves pedem socorro ao mesmo tempo.
— Estes “turistas da loucura”! — disse Herzog, zangado. — Mas acho que nas nossas imediações não se encontrará nenhuma nave particular.
O oficial sorriu.
— Aqui, tão longe assim? — indagou abanando a cabeça.
Ia dizer mais alguma coisa, quando irrompeu o sinal de alarma.
O Tenente-Coronel Herzog saiu correndo da cabina de rádio e, quando a porta da central de comando se abriu para ele, fechou os olhos completamente ofuscado. Um trecho de mais de quatro metros quadrados da tela panorâmica parecia um holofote, com mais de cem milhões de lúmenes.
— Amortecer a luz! — gritou Herzog, com as duas mãos tapando os olhos.
— Então teremos de voar no escuro — disse uma voz.
Herzog reagiu imediatamente.
— Parem a nave! Apaguem as luzes. Por que não se fez isto até agora?
— A nave já está parada, senhor. A nave está às escuras — disse o piloto.
Assim que o comandante pôde ver normalmente, a gigantesca tela redonda estava apagada na sua frente. E o primeiro oficial lhe fez um breve relato:
— Nossos aparelhos de rastreamento estavam a zero, senhor. A nave voava normalmente com a metade da velocidade da luz. De repente, no verde 67:34.00, surgiu um foco de luz pontiagudo, que logo desapareceu. Nossos diafragmas se fecharam automaticamente, mas não foi suficiente. O pouco de luz que aqui entrou nos deixou cegos. Como pode ser isto?
Alguém sussurrava alguma coisa atrás do primeiro-oficial. Eram os primeiros resultados da avaliação. Os instrumentos não falharam com aquele dilúvio de luminosidade.
— Falem mais alto, transmitam os resultados ao comandante — gritou o primeiro-oficial.
O Departamento de Física se manifestou pelo intercomunicador. Sinais luminosos indicavam que mais três departamentos queriam entrar em contato com a central de comando.
Esta explosão luminosa que atingiu a Explorer 2.115 subitamente não parecia ser de origem natural.
Os ouvidos de Herzog ficaram atordoados com tantos lúmenes, candeias, lux e outros termos óticos. E de permeio, soou a voz do chefe do Departamento de Física. Falava de uma provável bomba de raios luminosos de longa duração.
Herzog olhou, por sobre os ombros de seu piloto, para o painel de comando e se sentiu mais aliviado ao perceber que os postos de defesa estavam de prontidão.
— A que distância de nós se deu esta explosão luminosa?
Herzog não tinha ainda nenhum dado concreto.
Do rastreador de distância, veio um gemido.
— Senhor — explicou o homem do aparelho — só lhe posso transmitir dados avulsos. O “negócio” luminoso ainda corre atrás de nós.
— O quê?! — espantou-se Herzog.
— É isto mesmo, senhor. Quando surgiu o brilho intenso, a distância era de 1,7 milhões de quilômetros, enquanto voávamos com a metade da velocidade da luz. Nos seis segundos seguintes, o jato de luz aproximou-se 300 mil quilômetros de nós. Quando paramos, sua velocidade se reduziu quase a zero e depois continuou devagar ao nosso encontro. A luz cessou há poucos segundos.
Herzog virou-se para o microfone que o ligava com o Departamento de Física.
— Vocês acompanharam o que foi dito?
— Ouvimos perfeitamente, senhor. Infelizmente, devido ao alarma, nosso departamento ficou vazio. De nossa parte, nada temos a dizer.
Herzog concordou, ordenando ao piloto:
— Mande cancelar a escuridão.
E pela tela panorâmica penetrou na sala de comando a luz de bilhões de sóis. O tenente-coronel examinou os instrumentos e viu que todos funcionavam, menos os rastreadores de energia e de matéria, cujos ponteiros estavam a zero.
— Não compreendo isto — disse descontente. — Energia que não pode ser localizada... um jato de luz que nos segue! Resolver este mistério é mais uma solução para nossos cientistas.
E virando-se para o piloto:
— Se houver nova irrupção de luz, corte toda iluminação. Pode continuar na rota normal.
Três horas mais tarde, novo alarma. E a tripulação se transformou em cientistas...
Vinham de toda parte, das casas de máquina, das usinas, do departamento kalupiano e dos postos de defesa. Corriam para os elevadores antigravitacionais, à procura de seus lugares de trabalho.
Tyll Leyden chegou com muito jeito à zona neutra do elevador. Dobrou os joelhos para abrandar a queda e quase intuitivamente virou-se para o lado, a fim de ajudar um colega a não cair desastradamente.
— Você não aprende nunca, hein? — disse calmo, segurando o outro.
— Estas freadas são muito bruscas — protestou o homem, ao invés de agradecer a Leyden.
— Você acha? — disse Leyden, continuando seu caminho.
Logo atrás do poço do elevador ficava o armário dos uniformes de combate. Leyden despiu o seu, dependurou-o no armário, em lugar fácil de pegar e caminhou depois, pelo corredor estreito, para seu local de trabalho. Para um rapaz de vinte e poucos anos, os movimentos eram um tanto lentos. Mesmo assim, era ele o primeiro a chegar ao trabalho e isso todos os dias, embora os colegas não o notassem.
Pouco depois veio Gus Orff, vendo Tyll Leyden já sentado diante da entrada de dados do computador.
— Leyden, você já está executando a incumbência que lhe deu o Tenente-Coronel Herzog?
— Sim, mais ou menos — respondeu Leyden sem interromper o que fazia.
Orff ficou indeciso, não estava acostumado a ouvir Leyden neste tom.
— Em que projeto está trabalhando, Leyden?
— Ultimando uns retoques sobre a órbita dos quatro planetas. Estou quase acabando. Virão depois os exames dos diversos campos de indução e de sua localização. Finalmente, interpretação das medições trazidas pela sonda solar.
— Mas isto vai levar ainda muito dias, Leyden. Interrompa um pouco estas pesquisas. Não compreendo como você não se interessa pelo último fenômeno da explosão luminosa...?
Na pergunta havia um quê de recriminação.
No recipiente de coleta das respostas do computador caiu um cartão perfurado, mas Leyden olhou primeiro para Orff.
— Qual é o trabalho que o senhor tem para mim? Em que setor?
Gus Orff estava para explodir. A indiferença de Leyden já lhe mexia com os nervos. Disse um tanto áspero:
— Para meu departamento, você vai se responsabilizar pelo estudo geral do fenômeno “explosão luminosa” ou bomba luminosa, como dizem. Ninguém sabe o que foi.
— Está certo, mas será de sua incumbência comunicar isto ao departamento. O senhor ainda não tomou o café da manhã? Eu ainda não.
Orff queria gritar, mas desistiu. Assim foi que Tyll Leyden continuou tranqüilo o caminho para a cantina.
Alimentou-se bem. O café da manhã era-lhe a refeição principal e só a interromperia mesmo por motivo de alarma.
Leyden estava exatamente saboreando as belas ameixas arroxeadas, quando surgiu Gus Orff diante de sua mesa.
— Leyden, já faz meia hora que você está sentado à esta mesa do desjejum...
— Sei disso — respondeu tranqüilo. Gus Orff procurou se dominar. Inclinando-se para a mesa de Leyden, disse:
— Você não vê que todo o Departamento Astrofísico está esperando por você? Todos já entregaram seus trabalhos e ficam por aí olhando para nós.
Leyden olhou para Orff irritantemente calmo, dizendo:
— O senhor não pode incumbir um colega mais velho de dirigir esta pesquisa? Poderia, então, pelo menos tomar meu café em paz.
Não reinando situação de alarma, Tyll Leyden tinha direito a setenta minutos para seu desjejum. Numa carga de trabalho diário de, às vezes, mais de doze horas tempo padrão, todo cientista fazia jus a esta pausa de descanso. Isto sabia Leyden, como também Orff. Sendo assim, o jovem cientista não pensava em deixar de lado as apetitosas frutas. Parecia não saber ou não queria saber o que sua fleuma causava a Orff.
Este esbravejava:
— Mesmo que toda a Galáxia desapareça do espaço, você continuará sendo o chefe do projeto em meu departamento!
— Não compreendo por que o senhor está assim tão nervoso — disse, se dedicando à saborosa refeição.
Depois, seus olhos acompanharam Orff que a passos largos se retirou da cantina, esbarrando num robô. Olhou calmo para o relógio, percebendo que tinha ainda doze minutos. Mas não tinha nada mais para comer. Saiu também da cantina, mas não esbarrou em nenhum robô.
Com rápidas instruções, Tyll Leyden distribuía o trabalho a seus colegas.
— O que aconteceu, todos nós sabemos. O Tenente-Coronel Herzog quer ser esclarecido sobre a natureza da explosão luminosa. O que cada um de nós tem de fazer, também já é sabido.
Os colegas deixaram o salão de conferências. Orff deteve Leyden à saída.
— Leyden, este será seu último vôo a bordo da Explorer 2.115, se, hoje, por sua culpa, o Departamento Astrofísico sofrer um vexame.
Tyll Leyden olhou sereno para seu superior.
— Sendo um dos mais jovens, que posso dizer ainda? Não tenho nenhum poder em minhas mãos. O chefe da divisão é o senhor.
— Não! — esbravejou de novo Orff. — Você não vai escapar, não. Vai ter poderes e, para ficar tranqüilo, vou perguntar expressamente ao comandante se está de acordo.
— A mim, o senhor não precisa tranqüilizar, Orff. Estou tranqüilo. Aja como achar melhor.
Deixou para trás um Gus Orff tremendo de ira. Neste momento, Gus lamentava as palavras ditas hoje ao comandante sobre Tyll Leyden.
A pergunta “É um homem deste que tenho de aturar em minha nave?” tinha agora outro significado.
Logo depois disso, o comandante declarou concordar com que Orff outorgasse amplos poderes ao astrônomo e físico Tyll Leyden para o esclarecimento da explosão luminosa.
— Está certo — foi a única coisa que Leyden disse, quando Orff lhe fez tal comunicação.
Nem sequer interrompeu o que estava fazendo. Orff já estava de novo na porta de saída, quando começou a imaginar o que o jovem estaria fazendo. O astrônomo estava sentado diante da tela panorâmica, parado, como se esperasse alguma coisa.
Orff logo descobriu que Leyden fizera uma ligação de hipercomunicador.
— Que pretende, Leyden?
— Não quero passar vexame, Orff.
A tela panorâmica tremulava e os olhos de Gus Orff se arregalaram. Mister Tyll Leyden falava com o cérebro impotrônico da Lua terrana!
“Como é que o rapaz chegou a isto?”, perguntou-se Gus.
O tipo bizarro das linhas cerebrais de Natan, que pensava independente, se estabilizou no vidro fosco. As frases de Leyden eram sucintas, com muitos dados numéricos. Tudo isto sem nenhuma anotação, tudo de memória.
— Por favor, espere um pouco — soou a voz metálica da impotrônica da Lua.
Depois de dezoito segundos, veio a resposta:
— No banco de dados não há nenhum registro de fenômenos luminosos. Por cálculos de probabilidade, com uma margem de certeza de cinqüenta e seis por cento, trata-se de uma criação artificial. Há mais outras perguntas para responder?
— Não — disse Leyden desligando. Deixou o local e se dirigiu para o Departamento de Astrofísica. Orff desistiu de acompanhá-lo, para não se irritar ainda mais.
Thomas Herzog não ficou menos surpreso quando, do departamento veio a exigência de não alterar a velocidade da nave.
Não era a voz de Leyden?! O comandante estava admirado, mas transmitiu a ordem ao piloto, de permanecer com a metade da velocidade da luz.
Tyll Leyden não tinha mãos a medir, ia de um canto para ao outro, estava quase em toda parte das dependências da nave. Através do intercomunicador, entrava em contato com muitos outros cientistas da Explorer. Fazia perguntas breves, pedia este ou aquele favor, solicitava medições exatas, conseguindo assim com sua intensa atividade fazer com que dois terços dos cientistas estivessem engajados em sua pesquisa.
Mas Gus Orff não estava bem claro a respeito do objetivo perseguido com tanta insistência por Leyden. Quando lhe perguntou se já conseguira algum resultado parcial, a resposta foi apenas um gesto vago.
Os especialistas em energia se apresentaram. E alguém do Departamento de Astronomia indagado a respeito das pesquisas apenas respondeu:
— Não sei que posição tomar, pois me falta uma visão do conjunto. Pergunte por favor em A-10.
O cientista do outro lado da linha ficou irritado.
— Então chame, por favor, o chefe do projeto.
Chamaram Tyll Leyden. Depois de muito procurar, foram encontrá-lo no Departamento de Cibernética, no convés D. Estava em condições de informar.
— Por que nos colocou neste trabalho desagradável? — queria saber um colega do Departamento de Energia.
— Estou precisando com toda urgência dos resultados. Perdão, estão me chamando.
Leyden sabia mentir sem ficar vermelho. Ninguém o chamara, apenas não queria dar satisfações desnecessárias.
O técnico em Cibernética, com quem estava trabalhando, olhou espantado para ele.
— Não ouvi ninguém chamar você, Leyden. Mas esta pergunta que não quis responder, eu também gostaria de fazê-la. Olha que já fiz um bom trabalho.
Apontou então para uma pilha de folhas perfuradas.
Tyll Leyden olhou para o relógio.
— Santo Deus! Esqueci-me do encontro com Orff. Muito obrigado pelos resultados.
Agarrou-se à pilha de folhas e o deixou com seus colegas no convés D. Pegou a escada rolante e foi para A-10.
Gus Orff não sabia nada de um encontro com Tyll Leyden! Por meio de uma circular no Departamento de Astronomia, Leyden ordenou que todas as perguntas a ele dirigidas fossem anotadas. Fora disso, não queria ser perturbado. Trancou-se, então, em sua sala de estudos.
Três horas depois, Thomas Herzog perguntava a Gus Orff se já se podia contar com alguma explicação para a bomba luminosa.
— Eu mesmo não sei — disse Orff, visivelmente aborrecido. — Leyden não permite que se olhe o que está fazendo.
— É por isso que está requisitando setenta por cento dos cientistas?
— Vamos dar mais uma hora para Leyden, senhor — propôs Orff, a quem a pergunta do comandante não fora muito agradável.
Ele mesmo não compreendia como Tyll Leyden conseguira arregimentar tantos departamentos para sua missão.
Vinte e três minutos antes de expirar o prazo de uma hora, que não chegara ao conhecimento de Tyll Leyden, ele liga o intercomunicador para Gus Orff.
— Acho que temos o resultado.
— Como? Que houve? Do que está falando?
— Ora essa! Da explosão luminosa, que realmente não foi nenhuma explosão luminosa...!
— Que foi então?!
Orff gritava mais do que falava.
— Nada de raio de luz. Simplesmente um novo método de rastreamento para assinalar espaçonaves que voam para dentro do sistema ou ultrapassam determinada zona — a voz de Leyden nada tinha de excitação, muito menos de ar triunfante. — Neste conjunto de circunstâncias, tomei a liberdade de experimentar a Teoria Falton, a fim de comprovar na prática sua exatidão.
— Repita isto, por favor — pediu Orff, com voz indecisa.
Tyll Leyden dava, às vezes, impressão de ser meio surdo. Não repetiu nada. Acrescentou apenas:
— A suposta explosão luminosa foi um raio detector vindo do hiperespaço ou de outro contínuo. Parece trabalhar à base de outros rastreadores de relevo, por meio dos quais consegue delinear a zona de libração do nosso binômio tempo-espaço. O que vimos como um raio luminoso de maior duração não pode ter sido outra coisa do que o hiperespaço...
— Não fale tanta bobagem!
— Esta recriminação você deve fazer aos nossos instrumentos de medição e aos positrônicos, Orff. Estou apenas repetindo o que nos mostraram. Se vimos o raio vindo do hiperespaço como luz, não foi realmente luz, pois, do contrário, nossos rastreadores de energia a teriam registrado.
— Explique-se mais claramente, Leyden!
Orff estava agora sentado perto da tela. Um sinal luminoso à direita de sua escrivaninha indicava que o comandante estava ouvindo a comunicação e vendo-o também, embora não fosse visto por Tyll Leyden.
— Constatou-se a duração do raio, e a invasão luminosa que percorreu toda a nave deixou pequenos rastros em forma de energia desaparecida. Pelo raio de rastreamento, que durou 6,09 minutos, a Explorer 2.115 foi deliberadamente virada do avesso e muito bem examinada. Não vá dizer agora que isto é impossível. Assim o afirma nossa positrônica.
— Continue!
De alguma maneira, Gus Orff estava impressionado com a certeza de Leyden.
— Temos, pois, de estar precavidos com o sistema solar que temos à frente, a 3,93 anos-luz. Conforme a Teoria Falton, num planeta deste sistema há vida.
— E os seres que o habitam devem ter usado o tal raio de rastreamento? Leyden, não banque o ridículo.
Não deu nenhuma importância a esta observação boba.
— Considero meu projeto como executado e comprovado, Orff. Os documentos estão à sua disposição.
— É isso que você pensa, não é? O comandante e eu lhe proibimos terminantemente de experimentar a Teoria Falton. Você foi de encontro a esta proibição e terá que arcar com as conseqüências.
Nos olhos de Leyden nem se notava que acabara de ouvir palavras ásperas. Nenhum músculo de seu rosto se contraiu.
— Com isto já me sinto liberado da missão recebida, Orff. Ainda tenho um saldo de doze minutos, do meu tempo do desjejum matinal.
A ordem de Orff para que Leyden continuasse na tela do vídeo não o pegou mais. Já havia desligado o intercomunicador.
Quando Orff chegou correndo à sala de Tyll, encontrou-a vazia. Na mesa de trabalho do jovem astrofísico estavam todos os documentos empilhados em ordem, bem à vista. Orff chamou cinco dos seus mais experimentados colaboradores. E os cinco juntos começaram a examinar os papéis. A pequena positrônica ficou o tempo todo sobrecarregada com o controle dos cálculos. As folhas que o computador ia despejando confirmavam sempre os resultados, que tinham servido de base para Tyll Leyden.
— Que é isto aqui? — perguntou Orff zangado, ao ver um bloco grosso. — Quem de vocês já se ocupou alguma vez com a Teoria Falton?
Ninguém se apresentou.
— Eu também não entendo nada a respeito — disse Gus Orff. — Como é que este rapaz pode afirmar que, a uma distância de 3,93 anos-luz há um sistema solar com um planeta com vida inteligente?
O comandante foi entrando.
— Ouvi tudo, Orff. Estou a par das afirmações de Leyden. Mas então, é verdade esta história do raio de rastreamento que reconheceu até o tipo de construção de nossa nave?
Gus Orff olhou pensativo para Herzog.
— Sim, é verdade, senhor. Pelos resultados se chega a esta conclusão. Veja aqui estes diagramas dos bancos de dados, dos transformadores e das usinas energéticas. Aqui... em toda parte está registrada a pequena queda de energia. Tenho de confessar, isto é uma obra-prima de Leyden. Mas só em pensar num dedo investigador hiperespacial, fico todo arrepiado. Só falta agora que a Teoria Falton dê certo.
Nas palavras de Orff havia uma certa apreensão quando continuou:
— Vou mandar examinar por outros departamentos os resultados das pesquisas. Muitas coisas aí pertencem a setores especializados. Senhor, está aborrecido com o fato de Leyden ter executado a Teoria Falton, embora nossas ordens fossem terminantemente contrárias?
Herzog nem respondeu.
— Como foi que este jovem conseguiu arregimentar colegas de outros departamentos para sua missão? Grande parte destes homens estavam ocupados em esclarecer o fenômeno da explosão luminosa. Onde está Leyden?
Um técnico que ouvira a pergunta do comandante, ao entrar, respondeu:
— Mister Leyden está no aposento ao lado, procurando terminar o trabalho que não conseguiu antes, devido ao alarma.
E bem baixinho, para ninguém ouvir, Thomas Herzog sussurrou:
— Orff, seu colaborador, o Tyll Leyden, é um fenômeno!
A Explorer 2.115 não voou para o sistema em que Tyll Leyden previu, com a aplicação da Teoria Falton, a existência de um sol com planetas, sendo que um deles era habitado por seres inteligentes.
O destino da nave de exploração era agora um sol vermelho-claro a 2,7 anos-luz de distância. A maior parte do trajeto, a espaçonave percorrera com a tração linear, no semi-espaço, e se aproximava, já no plano das coordenadas vermelhas, do relativamente pequeno sol.
A Explorer 2.115 emergiu da zona de libração para o contínuo normal, quando todos os instrumentos de rastreamento indicavam a presença do sol. Sucederam-se então as medições da gravidade. O espectro foi decomposto e o campo magnético do sol foi examinado. O âmbito das pesquisas se estendeu dos processos atômicos de combustão até o núcleo do sol. Cerca de trezentos homens e algumas mulheres estavam superocupados com tarefas específicas. Os demais faziam, no momento, serviços de tripulação.
O pequeno sol não tinha planetas, sendo assim, de pouco interesse. Já o número de classificação que recebera, dizia tudo: 00-289. É claro que tinha que ser catalogado, mas foi colocado na série de zero-zero.
Era no convés A, onde estavam a central de comando e a sala de rádio, que se encontrava também o Centro de Coordenação. Para aí vinham os resultados das pesquisas de todos os departamentos. Aí é que se estudava e selecionava o valor das pesquisas. O relatório correspondente, que era distribuído aos chefes de departamentos, era sucinto, contendo, em linguagem clara, os dados principais, de maneira que até mesmo um leigo os podia compreender.
Thomas Herzog lera o relatório. Dentre os muitos sóis em torno deles, a coordenação selecionara três para o próximo vôo. O sol sobre o qual Tyll Leyden fizera sua previsão, pela Teoria Falton, não estava incluído.
Na explosão luminosa, neste terrível raio de rastreamento vindo de algum hiperespaço, ninguém pensava mais. Era nisto que estava pensando Thomas Herzog. Aquele fenômeno mais do que estranho não lhe saía da cabeça, causando-lhe um certo mal-estar. Mas no seu protesto mudo, fora injusto com alguns homens. Gus Orff se apresentou pelo intercomunicador de bordo. Perguntou se a coordenação havia apresentado sua sugestão a respeito do rastreador, no relatório.
— Não! — disse Herzog. — Mas não me venha de novo com o argumento de que a coordenação não tem direito de existir. É o único meio que tenho para traduzir a pesada linguagem técnica dos meus cientistas em palavras que se possa compreender. Afinal de contas, os técnicos dos departamentos não são semideuses. Mas, foi bom você ter tocado neste assunto, Orff. Propuseram-me três roteiros de exploração. Mas não vou usar nenhum deles e sim voar para o sol de Leyden.
— Eu também lhe queria propor isto, Herzog.
— Está certo. Apesar da opinião da coordenação e de sua positrônica, vamos voar para o sol de Leyden — disse o comandante.
E desligou. Pensativo, pôs de lado o relatório da coordenação. Não estava pensando mais no seu conteúdo, nem na conversa com Gus. Estava auscultando seu íntimo, parecendo estranho a si mesmo. Tinha a impressão de já não ser o mesmo.
Todo comandante de rota espacial do Império, tinha atrás de si um longo e intenso currículo psicológico em todas as suas ramificações. Thomas Herzog revolvia seu acúmulo de conhecimentos para achar uma explicação para seus sentimentos súbitos.
Num impulso inexplicável, ligou o intercomunicador para Gus Orff. Nem chegou a esperar os poucos segundos até aparecer a imagem na tela.
— Uma pergunta confidencial, Orff: Como você se sente ao pensar no sol de Leyden?
— Bem... — houve uma pausa. Havia espanto no rosto de Orff, depois surpresa. — Esquisito, estou ansioso para saber qualquer coisa sobre o sol de Leyden. Puxa vida! Será que o fleumático Leyden dispõe de um poder de sugestão assim tão forte?
— Não desligue, não, Orff. Vou consultar a positrônica.
Orff ficou ouvindo o comandante falar e ouviu também a informação da positrônica. De acordo com o teste psicológico, Tyll Leyden não tinha a menor predisposição para dons extra-sensoriais.
— Então, meu colaborador se tornou um tipo curioso tão-somente pelo modo singular de trabalhar e de tratar com seus companheiros.
— Estou quase acreditando — respondeu Herzog. Mas sua voz não parecia muito convencida. — De qualquer maneira, seu Tyll Leyden vai merecer agora minha atenção especial. Por que está fazendo este gesto negativo, Orff?
— Porque eu também já me propus fazer isto, há mais tempo. Observei-o por muito tempo, sem conseguir descobrir nada. Continua como sempre foi: fleumático e de poucas palavras, vagaroso em tudo que faz.
— Nem tanto, não foi tão vagaroso assim quando experimentou a Teoria Falton. Mas, é isto. Vamos voar para o tal sol. Estou curioso para ver o que nos espera.
— Acontece a mesma coisa comigo, senhor.
Os oito homens na coordenação não ficaram satisfeitos. Não era a primeira vez que viam de perto a ameaça à sua jurisdição. Contra seu parecer expresso e contra a própria positrônica, o Tenente-Coronel Thomas Herzog resolvera sobrevoar o sistema solar descoberto por Leyden. Os membros da coordenação emitiram um boletim, salientando que o computador colocara este sol no quadragésimo oitavo lugar.
A resposta de Herzog foi lacônica:
— Quem manda aqui não é a positrônica, mas o comandante.
Sua ordem não causou nenhuma surpresa na central de comando. A tal explosão luminosa, que devia ter sido um raio de rastreamento oriundo do hiperespaço, ainda continuava sendo o assunto mais quente da tripulação. Existia por toda parte uma ponta de curiosidade para saber se os dados de Tyll Leyden estavam certos.
Quando, minutos mais tarde, o comandante, saindo de sua cabina, penetrou na central de comando, a Explorer 2.115 já estava em nova rota, acelerando a fim de atingir a velocidade necessária para engrenar a tração kalupiana.
As espaçonaves tipo Explorer se diferenciavam muito das demais naves do Império, não apenas pelo labirinto de elevadores antigravitacionais, mas principalmente pelo fato de que as instalações mecânicas não estavam concentradas dentro da esfera. Partindo do ponto de vista de que a tripulação era simultaneamente a equipe de pesquisa científica, a conseqüência seria que as instalações técnicas deveriam ser construídas nas imediações dos respectivos departamentos. A colossal frota das Explorer — quase dez mil unidades — era neste ponto fora de série. Comandantes e tripulações de naves de outro tipo não saberiam se mover nas Explorer, sem treinamento prévio.
O problema de criar uma espaçonave isenta de barulho era, pelo menos até então, insolúvel. Quando a Explorer 2.115 começou a acelerar para o vôo linear, um ronco infernal encheu toda a nave. No Departamento de Astrofísica, alguns cientistas pararam de trabalhar.
— Ninguém pode suportar um barulho deste — gritou um deles, comprimindo os ouvidos.
Ao lado dele estava sentado Tyll Leyden. Não ouviu nenhum barulho, nem mesmo o grito de seu colega da esquerda. A única coisa que lhe interessava era a Teoria Falton.
De acordo com informações fragmentadas, que ainda existiam sobre o arcônida Falton, pertencia ele, há seis mil e quinhentos anos atrás, a um grupo de cientistas independentes. Na época, não foi levado a sério por seus contemporâneos, o que, porém não o perturbou. Dotado de grande pendor para pesquisar os mistérios da Natureza, estabeleceu bom número de teorias. De que tipo foram estas teorias, não se chegou a saber. Mas acontece que num arquivo arcônida, muito antigo, semidestruído e redescoberto por acaso, achou-se, entre outras coisas, um volume que devia ter pertencido ao cientista Falton. Quando se pesquisou o volume, veio à luz uma teoria maluca, segundo a qual, através de muitas medições, se estaria em condições de afirmar com toda certeza se um sistema solar tinha ou não planetas e se neles existia vida inteligente.
Na Revista Científica da Administração da Frota, fora publicada há dois meses a Teoria Falton e, naturalmente, ridicularizada.
E Tyll Leyden se arriscou a ser ridicularizado. Uma batida forte de mão espalmada no seu ombro, veio arrancá-lo de suas divagações.
— Leyden, você quer ser mais forte que o barulho das máquinas? — era o mesmo homem que gritara a seu lado e estava agora apontando para os outros colegas. Ninguém mais trabalhava.
Indiferente, Leyden olhou em volta.
— Sim, é verdade, há muito barulho aqui — e pegando seus documentos se retirou.
Assim que a porta se fechou atrás dele, alguém disse:
— Não é por nada que não tenho nenhuma amizade com ele. Leyden também parece não se importar com nada.
O jovem fleumático foi à cantina e pediu um café bem forte. De repente ouviu-se no intercomunicador de bordo:
— Mister Leyden, procurar mister Orff. Mister Leyden, procurar mister Orff.
Com a maior naturalidade, se bem que um pouco lento, Leyden apanhou os documentos e deixou a cantina.
Assim que entrou no escritório de mister Orff, Leyden ouviu a pergunta-surpresa:
— Você veio correndo?
— Naturalmente, Orff. Da cantina para cá é um bom pedaço.
— Não. Quero dizer: você ficou preocupado e por isso andou depressa?
— Como de costume.
Orff desistiu. Leyden era mesmo incorrigível neste ponto.
— Venha comigo.
Ali ao lado se encontrava o teleobservatório, uma tela luminosa de cem metros quadrados. E naquele imenso espaço surgia um sol amarelo. Diafragmas de diversos tamanhos colocados diante da tela deixavam entrar uma determinada quantidade de luz que não ofuscasse os olhos.
— Este é seu sol, Leyden — disse Orff com certa solenidade.
Tyll Leyden escondeu sua surpresa.
O sol amarelo possuía um só planeta. Mas que planeta! De proporções descomunais. Uma coisa fora do comum em todo o emaranhado de estrelas da Galáxia. Seu diâmetro era de 2 milhões 213 mil quilômetros, portanto cerca de 800 mil quilômetros maior que seu próprio sol. Um planeta maior que sua estrela-mãe.
— Como é, Leyden, você perdeu a língua? — perguntou Orff bruscamente.
Sem dizer uma palavra, Leyden mostrou uma folha de seus papéis, apontando para uma pequena anotação manuscrita:
Diâmetro do planeta: cerca de dois milhões de quilômetros?
— Deixe-me ver. — Orff tirou-lhe o papel da mão e o ficou estudando. — Que é isto? Como é que chegou a este resultado de medição do diâmetro?
Orff teve que sair correndo atrás de Leyden, que já estava de pé diante do aparelho de detectar medições. O aparelho afirmava que o gigantesco planeta possuía dezessete luas e quase todas estas luas eram maiores do que a Terra.
— Leyden, como é que você conseguiu estes dados? — queria saber o chefe do Departamento de Astrofísica.
— Elaborei-os de acordo com a Teoria Falton — disse Leyden sem tirar os olhos do detector de medições.
O pequeno computador acoplado com o detector trabalhava sem parar e ainda não terminara com a avalancha dos números.
Dos fundos, disse um colega de Leyden:
— O gigante é um mundo congelado de metanol. Sóis e Galáxias! Um planeta que é maior que seu sol. Um verdadeiro Hércules...
Um nome adequado! O sistema foi catalogado sob o número 485 e o ciclópico planeta recebeu o nome de Hércules.
Pelo intercomunicador ouviu-se o comandante, cuja voz tremia de emoção.
— Orff, disseram-me na central de comando que este planeta gigantesco tem nada menos que dezessete luas do tamanho da Terra. Há alguma coisa de certo nisso?
— Tudo certo, senhor.
— Será possível? Tudo certo?! E o senhor pode me dizer agora por que motivo, durante a revisão deste tópico, há cerca de quarentas horas, não se observara nem sol, nem planeta gigante?
A voz de Herzog estava já muito mais suave.
Orff teve de pedir primeiro a Leyden que respondesse ele mesmo à pergunta do comandante, dando-lhe a explicação possível.
O jovem cientista passou a mão pelo cabelo louro-cinza, de corte curto e disse com toda descontração:
— Durante a revisão feita há quarenta horas atrás, nossa distância do sistema era de quatro anos-luz. Entre nós e este sistema estava como verdadeira muralha o supergigante, mas também uma faixa de irradiação, suficientemente forte para falsear os resultados de nossas medições.
Depois de dar essas explicações, calou-se. Com isto, Leyden julgou cumprida sua missão de dar informações e continuou calmo a observar o quadro inaudito na grande tela. À direita, o sol amarelo; no centro, dominando tudo, Hércules. No setor de ampliação se podia ver um certo número de luas. Maiores detalhes não se podiam distinguir, A Explorer 2.115 ainda estava muito longe do sistema.
A positrônica do detector de massa deu o sinal verde. Da fenda do computador saiu uma folha perfurada. Orff não perdeu tempo em recolhê-la, mas Leyden foi mais rápido.
Foi a primeira vez que Orff ficou realmente espantado. Não teve, porém, tempo para refletir de que maneira foi que Leyden passou na sua frente.
Olhando por sobre os ombros de Leyden, Orff leu também os sinais codificados. Os dois homens não repararam na atividade febricitante em torno deles. O detector de massa achara para Hércules valores inverossímeis. Inverossímeis também eram os dados sobre a gravitação dos dezessete satélites. Moviam-se entre 0,9 até 1,3 gravos.
Um colega do teleanalisador soltou um grito de surpresa:
— Já registramos três satélites com atmosfera de oxigênio!
Gus Orff ficou tão empolgado pelos valores registrados pelo detector de massa e pela notícia da existência de oxigênio em três luas do planeta, que disse com espontaneidade:
— E se agora o hiper-rádio anunciar que acabamos de receber um radiograma de uma das luas com os dizeres, “bem-vindos ao nosso mundo”, eu acreditaria piamente.
Viu Tyll Leyden, pachorrento, ao seu lado. Sua indiferença o irritava:
— Com os diabos, que acontece com você que não fica excitado ao menos uma vez?
— Mas, senhor... é o que está acontecendo agora, estou muito excitado!
Leyden julgou ter respondido plenamente à pergunta de seu superior.
Gus Orff sussurrou aos ouvidos do jovem:
— Pode-se saber por que está assim tão excitado, mister Leyden?
Sem dizer nada, apontou para Hércules, e, pegando numa lanterna com foco especial para salientar detalhes na tela, deixou a seta luminosa pousar sobre a linha do equador do planeta.
— Este é o terceiro satélite. Será que o senhor adivinha por que eu gostaria tanto que nós aterrissássemos logo neste terceiro mundo? Porque sinto em mim este desejo tão grande e isto me excita.
Apagou a lanterna de detalhes e a colocou de novo sobre a calculadora, enquanto Gus Orff olhava para ele desconfiado.
Do teleanalisador alguém gritou para Leyden:
— A terceira lua completamente livre. Atmosfera de oxigênio. Leyden, o detector de massa já determinou com exatidão a gravidade?
Leyden ainda estava com a ficha perfurada na mão. Olhou então para ela.
— Sim, já está calculado. Gravidade 1,09 gravos.
Não disse nada mais além disso. Era mesmo um homem de poucas palavras.
O Tenente-Coronel Herzog retomou o comando manual de sua nave. O gigantesco Hércules surgia tão imponente que queria ser o único responsável por uma aterrissagem perfeita na terceira lua, tão grande como um planeta. No fundo, estava até um pouco nervoso só em pensar neste terceiro satélite de Hércules. A nave esférica se aproximava do gigante com velocidade reduzida e seu comandante tentava se controlar.
Que circunstância influíra em sua decisão de descer exatamente neste terceiro satélite? Ou quem o influenciara?
Perdido em pensamentos, olhava para o painel de instrumentos, sem ver nada. O oficial que normalmente pilotava a Explorer 2.115 notou o desligamento total de Thomas Herzog e, sem dizer nada, de sua poltrona de co-piloto assumiu a direção.
Quanto mais Herzog pensava nestas coisas, mais misteriosas ficavam. Não esquecia também o raio rastreador provindo do hiperespaço. Viriam, também, desta terceira lua o raio rastreador e a onda de sugestionabilidade, que o acometia? Sabia que se podia transmitir, por hiper-rádio, forças hipnóticas, mas sabia também que a Explorer 2.115 possuía aparelhos que detectariam, na hora, tais manipulações e dariam o aviso. Mas queria agir com toda segurança. Ordenou, pelo intercomunicador, que durante cinco minutos se interrompesse toda recepção radiofônica.
Era uma coisa perigosa e contra o regulamento. A freqüência da central da administração não poderia nunca ser interrompida. Mas Herzog achou que sua ordem tinha justificativa neste caso. Passaram os cinco minutos e, durante este tempo, Herzog se controlou ininterruptamente. O desejo de aterrissar na terceira lua parecia, entrementes, ter ficado ainda mais forte. Enquanto uma certa idéia lhe passava pela cabeça. Virou a poltrona giratória e olhando para seus oficiais, perguntou:
— Quem prefere descer em outro lugar que não seja a terceira lua?
O fato de todos só desejarem pousar na terceira lua o deixou mais desconfiado ainda.
— Assuma a direção... — disse ele para seu piloto, vendo então surpreso que ele já estava há mais tempo nos comandos.
Dominou-se rapidamente, deixou a central de comando e entrou em contato com Gus Orff. Era o único homem, conforme sua opinião, com quem podia se abrir com franqueza sobre um assunto tão grave.
— Vou neste instante para aí — disse Orff depois da ligação e pegando o elevador antigravitacional chegou ao convés A.
O comandante o aguardava ansioso. Orff sentou-se numa poltrona.
— Orff, qual é o planeta que você sugere para descermos?
O chefe da Divisão de Cosmonáutica não sabia o que esta pergunta podia pretender.
— A terceira lua, senhor — respondeu Orff sem pestanejar. Viu depois o gesto de confirmação do comandante. — Há alguma coisa errada em minha resposta?
— Sim, Orff. Em seu departamento se falou primeiro do nosso antigo ponto de aterrissagem. O que foi combinado na hora? Por favor, reflita bem!
— Não é preciso, senhor, todos... puxa vida! Todos nós fomos a favor da terceira lua. Mas o primeiro foi Tyll... Santo Deus! Que está acontecendo conosco nesta espaçonave?
— Ser-lhe-ia muito grato se conseguisse falar com mais objetividade — disse Herzog, dominando com dificuldade a tensão nervosa. Gus Orff começou a falar e a atenção de Herzog aumentava. Quando Orff parou, o comandante disse hesitante:
— Teria o maior prazer em submeter Leyden a um teste psicológico.
— Ah! Isto não, senhor! — protestou Orff. — Leyden foi o primeiro a me pôr a par de sua inquietação.
— Isto podia ser uma simples tentativa de se proteger contra suspeitas.
— Não creio não, Herzog. Leyden não tem nada a ver com este fenômeno.
Batendo forte com o punho na mesa, Herzog exclamou:
— Será que é o próprio satélite que está por trás de nosso desejo de aterrissar nele?!
— Não teria coragem de afirmar uma coisa desta. O perigo de me tornar ridículo seria muito grande...
— Continuo com suposição arraigada de que temos a bordo um paranormal que nos influencia à base de hipnose. E o maior suspeito é Tyll Leyden. Temos de submetê-lo a um teste parapsíquico e isto tem de ser feito sem ser percebido pelos demais.
Apertou uma tecla do intercomunicador e entrou em contato com a enfermaria de bordo.
— Doutor Lao, apresentar-se ao comandante.
O médico chegou rápido. Confirmou ter também o desejo de que a nave aterrissasse no terceiro satélite. Mas, quando recebeu a ordem de submeter o astrônomo e físico Tyll Leyden a um teste parapsicológico, calou-se.
— Quero o mais depressa possível o resultado. Enquanto isto, a Explorer 2.115 ficará parada — ordenou e, a seguir, entrou em ligação com o piloto. — Aqui fala o comandante. Pare a nave. Fim.
Na outra extremidade, estava sentado Gus Orff, visivelmente insatisfeito.
— Eu não faria isto, senhor.
— Manterei minha decisão. Por favor, doutor Lao, liquide este caso, mas com tal discrição que ninguém, além de seus auxiliares, tome conhecimento do caso.
Depois que o médico se ausentou, Herzog, como tentando se defender perguntou:
— Onde iremos parar se a nave for comandada por um hipnotizador, Orff?
— E ela está sendo comandada por um hipnotizador? — contra-atacou Orff.
— Por quem, então?
Orff não respondeu nada. Não sentia a consciência tranqüila. Considerava-se um traidor... Um traidor de Tyll Leyden.
O teste estava em andamento. Leyden estava em sono profundo. Lao e seus auxiliares se entreolharam sem saber o que fazer. O homem submetido ao teste parapsicológico era completamente normal.
— Devemos parar por aqui? — propôs um deles.
Lao pediu ao comandante autorização para isto.
— Não! Prossiga até o fim.
O teste se completou e meia hora mais tarde Leyden voltou a si do profundo sono. Sua primeira pergunta foi:
— Sou normal?
— Perfeitamente normal, mister Leyden — respondeu-lhe o doutor.
Sem dizer uma palavra, o homem testado saiu do laboratório. Seu rosto não deixava perceber o que pensava.
Voltou para o Departamento de Astrofísica no convés C e lá procurou a biblioteca de bordo. O catalogador positrônico lhe retirou três volumes das estantes e Leyden os foi devorando todos, fazendo sempre anotações.
— Que pena! — disse ele, ao terminar a consulta do terceiro volume.
Somente neste último volume foi que soube do regulamento que autoriza todo comandante de espaçonave, em caso de suspeita justificada, a proceder ao teste parapsicológico na pessoa suspeita.
Tyll Leyden foi tão honesto a ponto de achar que houve de fato suspeita justificada.
Não mais depressa do que o habitual, dirigiu-se para seu local de trabalho e continuou o que vinha fazendo antes.
Em queda livre, a Explorer 2.115 continuava orbitando Hércules. Neste gigante de metanol, extremamente frio, não havia muita coisa para observar. Não era outra coisa do que um imenso mundo gelado até as camadas mais profundas. Podia ser totalmente ignorado se não tivesse as dezessete luas. Onze delas giravam em torno de Hércules normalmente. Seis em sentido oposto. Todas, porém, estavam, quase à mesma distância do planeta.
No teleobservatório, a expressão mais usada por todos era: “Incrível!”
Os espaços relativamente pequenos entre uma lua e a outra indicavam que este prodigioso sistema provinha já de tempos imemoriais. Alguns julgavam que em quase todos os satélites com atmosfera de oxigênio, em número de dez, as condições climáticas eram as mesmas.
Durante a queda livre da Explorer 2.115, o computador da central de comando estava à disposição dos cientistas. Tal fato foi bem aproveitado por eles, ficando então completamente satisfeitos com os resultados, embora, agora, nem todos tivessem a mesma ânsia de chegar o mais depressa possível à terceira lua.
Automaticamente, toda a atenção convergiu para o tão esperado satélite. A distância média entre ele e o planeta era de 984 mil quilômetros, como logo se constatou. E através de outros dados, calculou-se sua rotação em 21:80 h, aliás, mais tarde corrigida para 21: 85 h.
A composição da atmosfera não se distinguia do ar terrano.
Gus Orff compareceu novamente ao seu departamento. Ao ver Leyden sentado à mesa de trabalho — em nada diferente do normal — sacudiu a cabeça admirado. Se estivesse no lugar de Leyden, não iria ter forças para um trabalho mental depois de teste tão exaustivo como o parapsicológico...
“A gente tem de ser mesmo fleumático...”, pensava Orff.
Lembrava-se da fracassada suspeita do comandante.
“Ninguém a bordo conseguiu convencer o comandante a descer na terceira lua!?”
Ao chegar de novo à central de comando, o Tenente-Coronel Herzog deu ordem para modificar a rota: o destino seria agora a lua número um. Os dados vieram logo e a Explorer 2.115 passou da queda livre para o vôo normal. Quem estava agora pilotando era o próprio comandante. Ninguém percebia nele a luta interna contra o desejo de descer no terceiro satélite.
A nave já estava na direção da primeira lua de Hércules. Todos os aparelhos automáticos de bordo, feitos especialmente para a classe Explorer, começaram a funcionar, assim que a nave esférica penetrou nas camadas superiores da atmosfera, de gases venenosos. Depois da quarta volta em torno da lua número um, o satélite hostil à vida humana passou a ser registrado cartograficamente e os primeiros dados importantes começaram a surgir.
Com novas alterações de rota, o cruzador de pesquisa foi à segunda lua. Tinham de se apressar para poder ver ainda a superfície do segundo satélite, pois entraria em breve no lado de sombra do grande planeta Hércules.
Esta segunda lua também não tinha nada de extraordinário. Quando a positrônica deu o rumo para o terceiro satélite, Thomas Herzog respirou mais aliviado. Novamente em queda livre, sob o ronco dos motores em retro-rotação, a Explorer 2.115 de aproximava de seu objetivo.
Como um disco gigantesco, ocupando uma grande parte da tela de cem metros quadrados, via-se o esplêndido Hércules.
Alguns homens na nave não estavam mais em condições de suportar esta visão. O medo — sem fundamento — de que o colosso pudesse desmoronar em cima da nave os deixava em estado de pânico.
A 100 mil quilômetros do terceiro satélite, a nave freou. Os aparelhos de absorção abrandaram o impacto. Hércules estava agora atrás da espaçonave. Das profundezas do espaço, uma outra esfera estelar voava de encontro aos homens, como se estivesse subindo para eles. Em toda aterrissagem era sempre este quadro fascinante que se repetia.
O solo verdejante, banhado de luz, surgiu de repente aos olhos ansiosos da tripulação. Pouco depois, apareceu um mar que se estendia por boa parte da curvatura do satélite. Tudo que os instrumentos revelavam chegava também ao oficial dos postos de artilharia. A nave estava de prontidão.
O continente alongado, depois do oceano, tinha em alguns pontos algo parecido com estepes. Agora, porém, surgiam florestas de eqüissetáceas. Este tipo de vegetação indicava por si que a temperatura média devia ser bem elevada. A nave continuou na direção de montanhas que se assemelham ao Himalaia, passando elegante por sobre os picos de mais de oito mil metros. Foi quando se ouviu na central de comando o grito:
— Uma cidade!
Thomas Herzog obrigou sua nave de quinhentos metros de diâmetro a fazer uma curva arriscada. A cadeia de montanhas estava atrás deles. Aos pés do paredão de oito mil metros, num vale ovalado, viram restos de uma cidade. Um quilômetro antes das ruínas, num chapadão pedregoso, Herzog fez pousar suavemente sua nave esférica. Quando o ronco dos motores de propulsão silenciou e só se ouvia o leve zumbido das usinas energéticas, muitos homens já estariam talvez, pensando: “Até que enfim acabou o barulho infernal!”
Os postos de artilharia continuaram ocupados, bem como os aparelhos de rastreamento. Na tela de ampliação, as ruínas da cidade eram vistas com mais detalhes.
Os arqueólogos não tinham mãos a medir, mas antes que pudessem botar os pés fora da nave, o comandante enviou uma sonda dupla: foguetes especiais que, depois de realizado o levantamento, voltavam automaticamente para a nave. Foram comunicados ao comandante os resultados da análise completa do ar. Não causou admiração ver a elevada temperatura média de 23,5 graus. Já contavam com isto. O edifício mais alto no meio das ruínas era uma torre semidestruída de cerca de cinqüenta metros de altura. Devia ser uma velha fortaleza.
Herzog quis saber por quanto tempo teriam ainda a luz do dia.
— Por oito horas e vinte minutos — veio a resposta.
O comandante entrou, então, em contato com a comporta principal.
— Descarregar os flutuadores blindados. Comando de ação conforme ordem A-l!
Isto queria dizer: visita a um mundo aparentemente pacífico, mas sempre em traje de combate e com armamento completo...
Depois de mais ou menos hora e meia, o tenente-coronel voltou com uma comitiva de oito especialistas de vôo de reconhecimento que fizera no flutuador blindado. Com exceção daqueles que deviam ficar de prontidão na nave, todos os demais podiam sair. Instruções especiais de como se portar num mundo novo assim, não eram necessárias para uma equipe tão bem treinada.
A preocupação número um era sempre a segurança. Robôs-operários construíram em volta da nave uma barragem energética que, em caso de ataque, significava a morte do invasor. Sem se incomodarem com o que se passava atrás deles, os arqueólogos se preocupavam somente com as ruínas de uma velha cidade à sombra de um pico de montanha de mais de oito mil metros, coberto de neve, formando um belo contraste com um céu azul sem nuvens.
Os arqueólogos não tiveram necessidade de um físico para determinar a idade daquelas ruínas. Uma simples ferramenta manual, arcônida, era suficiente. Aliás, em todas as medições que fizeram, o resultado era sempre o mesmo: 37 mil anos. Eram mais de trezentos cientistas que se moviam por entre os escombros. Cada um esperava ser o primeiro a encontrar uma cópia ou representação do ser vivo que desaparecera com esta cidade.
Aos pés dos escombros da torre, foi dado o alarma. Um arqueólogo procedera a medições de idade na construção mais alta da cidade e o ponteiro de seu instrumento apontava para 41 mil anos. Portanto, os fundamentos da torre eram quatro mil anos mais velhos que as outras construções.
— Aqui não há mais nada para se investigar — diziam vários arqueólogos, voltando para a nave.
Esperavam mais destas ruínas. Não era realmente muito interessante andar correndo por entre pedras corroídas pelo tempo. O chefe dos arqueólogos, porém, se pôs em contato com a nave, através do rádio individual. Pediu que enviassem perfuradores para sondagem. Pouco depois chegaram estas ferramentas trazidas pelos robôs de serviço.
Uma delas foi posta em ação a trinta metros do pedestal da torre, depois de quase meia hora de montagem. Os robôs programados para esta atividade se encarregaram do serviço. E a solidão do satélite foi perturbada pelo leve zumbido dos motores de perfuração que trabalhavam a três metros de altura, por meio de força antigravitacional. A perfuração mesmo era rápida e, sem ruído, iam retirando do chão placas e placas de cascalho fino, criando assim um tubo contínuo.
A cada fase de perfuração, avançava-se mais ou menos um metro solo a dentro. Um detector especial colocado na cabeça da broca interrompia a perfuração automaticamente, sempre que dentro do trecho perfurado se encontrasse qualquer coisa que não fosse de origem natural. Quando a perfuração passou dos seis metros de profundidade, a medição de idade já estava por volta de 80 mil anos. Nesta altura, o detector acusou algo de extraordinário no cascalho escavado do solo. Com a paciência que lhes é peculiar, os arqueólogos removeram todo o cascalho, com cuidado. Um deles descobriu, perplexo, um estilhaço de metal, que não apresentava nenhum sinal de alteração. Sua idade foi constatada na faixa de 108 mil anos!
— Que é isto? Nem ferro, nem aço, nem outro metal qualquer conhecido!
Olhavam o achado como tão importante que comunicaram o fato ao comandante Herzog.
— Gostaríamos ainda de mandar fazer outras perfurações em lugares diferentes, senhor.
— Por favor, não precisam pedir autorização para isto — respondeu Herzog.
Depois fez então uma pergunta singular:
— Os senhores pretendem ficar nesta lua mais tempo ou gostariam de partir agora?
— Senhor... Se queremos partir ainda neste minuto? Uma pergunta estranha! Ir embora daqui? Pelo contrário. Ainda mais agora... com esta interessante cidade milenar e... Tudo isto é muito importante. Temos o desejo de ficar aqui.
Thomas Herzog confiou seus cuidados ao chefe dos arqueólogos:
— Nós todos temos o desejo inexplicável de permanecer neste satélite. Dentro de poucos minutos vou dar um alarma. Os senhores já sabem então por quê... Prestem atenção nele, mas continuem tranqüilamente em suas pesquisas. Fim.
Neste momento estava voltando a primeira sonda enviada pela Explorer para fazer apanhados cartográficos desta lua e proceder a uma série de medições.
Herzog estava sentado com seus oficiais e Orff. Gus Orff era o único cientista que não entendia nada de assuntos militares.
— Meus senhores — começou Herzog — informem a todos os grupos antes do alarma. Não quero que surja nenhuma desordem, mas gostaria que cada um refletisse sobre esta coisa singular...
Como estas palavras dissolveu a reunião com seu estado-maior, ficando sozinho na cabina com Orff. Os dois se entreolharam em silêncio. Não sabiam o que fazer. Thomas Herzog quebrou o silêncio com uma frase indecisa e em voz alta:
— Tenho apenas suspeita, nada mais do que suspeita...
— Outra vez suspeita de Tyll Leyden? — perguntou Orff, quase com medo.
— Não, respondeu Herzog. — Contra outra pessoa. Mas minha suspeita pode ser coisa sem sentido.
Orff percebeu que Herzog não queria falar a respeito, tentando evitar de tocar no assunto. Mas o comandante foi mais esperto e soube se equilibrar.
— É uma coisa supermisteriosa que todos nós tenhamos o desejo de ficar neste satélite para sempre!... Agora estou mais tranqüilo, pois enviei uma curta mensagem a Perry Rhodan, dando-lhe nossas coordenadas. Vamos, Orff, lá para fora, dar uma olhada nesta cidade em ruínas. Não quer ir?
Era um quadro sem-par aquela gigantesca cadeia de montanhas, cujos picos coroados de neve rasgavam o azul do céu sem nuvem.
Thomas Herzog e Orff, de pé junto à grande comporta, sofriam o impacto desta visão magnífica. Seus olhos vagavam pela paisagem. No alto, os picos nevados e as geleiras; embaixo, aos pés da montanha, se abria em elipse um grande vale com as ruínas de uma cidade morta. Como sinal de que tudo é passageiro, lá estava a majestosa torre mesmo nos seus escombros.
Mas o que mais atraía sua atenção era o maciço de oito mil metros: um paredão escuro de pedra chegando quase até o alto, com muitos quilômetros de extensão, aqui e ali percorrido por filões mais claros. Visto de longe, era uma imensa muralha.
Os dois tiveram que se afastar um pouco. Mais flutuadores blindados eram descarregados. Um forte comando de robôs de serviço saltou do veículo.
A rampa de embarque balançou. Outra sonda voltava. Automaticamente, os robôs a empurraram para o hangar, desaparecendo na Explorer. Orff viu atento a cena.
— Ela também não descobriu sinal de vida inteligente nesta lua. Quem foi que lhe deu o nome de “Impo”?
— Naturalmente, alguém que a achou muito imponente — disse Herzog, quase distraído. — É pena que com a Teoria Falton, Leyden só acertou a metade...
Orff se virou para o comandante e o fitou nos olhos:
— Como é que o senhor pode falar assim? Está mudando de opinião?
— E isto, por acaso, é um erro? Na mensagem a Perry Rhodan fiz até referência à Teoria Falton. Em Terrânia, a estas horas, já a estarão examinando por todos os ângulos.
— Parabéns! — disse Orff. — Eu...
Seus minirrádios de pulso estavam chamando.
Breve — breve — longo — breve — breve.
— Estava suspeitando disto — disse Herzog, muito excitado.
Um dos vinte e cinco ativadores celulares se anunciando! Portanto, aqui, no satélite Impo estava escondido um destes objetos maravilhosos.
Herzog e Orff correram para o elevador antigravitacional.
— Foi daqui que veio a sugestão hipnótica — disse Herzog, assim que chegou ao elevador, rumo à central de comando. — E o desejo de todos nós de permanecer em Impo vem também deste aparelho diabólico.
Seus minirrádios continuavam com os mesmos sinais. Na central, vinham dos possantes alto-falantes. Os homens de plantão na nave estremeceram de medo quando Thomas Herzog entrou, pois todos se sentiam possuídos pelo desejo irresistível de obter o ativador celular, o prolongador da vida, o tesouro que tornava imortal quem o portasse. Quem o achasse e andasse com ele, não conheceria mais o envelhecimento nem a morte. Ficaria sempre com a mesma idade que tinha no momento. Suas células envelhecidas seriam substituídas miraculosamente por forças do ativador.
O Tenente-Coronel Herzog podia imaginar o que se passava na cabeça de seus oficiais. O desejo de possuir um ativador era o mais natural dos desejos. No entanto, todos eles haviam jurado fidelidade ao Império, prometendo obediência às ordens do Grande Administrador. E uma destas ordens era: “Procurem encontrar os vinte e cinco ativadores celulares.”
Um deles estava ali, em Impo. Apresentava-se com aqueles simples sinais Morse. Cada membro da tripulação ouvira e continuava ouvindo o sinal de orientação.
— Chamem os flutuadores blindados! — disse Herzog, como se estivesse comandando uma manobra.
Um atrás do outro, os oficiais se apresentaram. Notava-se na voz deles que tremiam de excitação.
— Sistema de rastreamento cruzado! — ordenou o tenente-coronel.
Olhou de novo em volta. A tensão nervosa na central de comando atingia o clímax.
— Meus senhores — começou Herzog, — eu também gostaria de possuir um ativador, mas fiz um dia o juramento!
Foi uma tirada psicológica, muito inteligente. Herzog se colocava no mesmo plano que seus oficiais. Confessara honestamente que gostaria imensamente de se tornar dono de um ativador, mas ao mesmo tempo lembrava o juramento de fidelidade que fizera.
Houve risadas, em parte não muito sinceras, mas, de qualquer modo, quebrando um pouco a tensão reinante.
Os dois primeiros flutuadores blindados já tinham se apresentado e os dados por eles colhidos estavam sendo elaborados no computador. Entrementes, o posto de levantamento cartográfico manifestara-se. No meio das tomadas fotográficas, o transmissor de sinais Morse se fizera ouvir. Mas o mapa confeccionado com o levantamento cartográfico não podia mesmo ser muito exato devido à precipitação de todos.
Chegaram mais três flutuadores que tentavam também localizar o ponto onde se encontrava o ativador, através do sistema de rastreamento cruzado. Um projetor lançou na tela o mapa recém-confeccionado e o posto de levantamento de dados confirmou ter reproduzido todos os dados da positrônica. Um oficial ligou o projetor com a positrônica.
Cinco linhas, saindo todas de um arco, não convergiam para ponto algum. Mas de qualquer maneira, localizaram o esconderijo do ativador numa área de alguns quilômetros quadrados. Quatro dos cinco flutuadores blindados mudaram de posição, a fim de rastrearem de novo o posicionamento exato do tesouro cobiçado.
Da cabina de rádio veio uma reclamação:
— Com as ondas normais, não se entende mais uma só palavra. Cada um berra mais que o outro.
— Proibido o uso do rádio! — ordenou Herzog. — Por que o senhor não fez isto antes?
Mais do que depressa, o radiotelegrafista desligou o aparelho.
Na tela de projeção apareciam mais quatro linhas que se entrecortavam num certo ponto. A positrônica transmitiu um valor exato e o mapa indicava que o ativador se achava indubitavelmente no maciço de oito mil metros, a cujos pés estava a cidade em ruínas.
Perplexos, Herzog e Gus Orff se entreolharam. Ainda há poucos minutos, estavam sob a eletrizante impressão do majestoso paredão e agora o rastreamento indicava que o ativador estava lá.
— Três a quatro mil metros no coração da rocha — disse um oficial.
Herzog deu o alarma pelo rádio. Todas as pessoas que estavam fora, tinham que voltar depressa para a nave.
— Flutuadores blindados, missão terminada!
Observava atento seus oficiais, fazendo tudo, porém, para que não percebessem. Não deviam notar desconfiança em seus traços. Minutos depois, o comandante respirava aliviado. Seus homens também não eram mais arrastados pela ânsia de possuir o ativador, a qualquer custo. O comportamento de todos, neste momento, não era diferente da atitude normal tomada quando se tratava de resolver um problema sério.
Thomas Herzog procurou conselho na sabedoria do computador. Queria ter informações sobre Ele, o Ser do planeta Peregrino, antes de tomar uma decisão importante. Mas a informação recebida foi muito falha.
— Ele ou Aquilo: o ser sem existência física. Mora no mundo artificial do planeta Peregrino, que, em circunstâncias normais, não pode ser visto. O Ser, encarnação ou personificação espiritual de uma raça, dispõe de poderes inimagináveis.
Herzog não sabia agora mais do que antes. Mas começou a duvidar se este poder inimaginável à disposição do Ser era mesmo ilimitado. Por que razão, por exemplo, o Ser deixara seu mundo particular e o destruíra numa fogueira atômica? Thomas Herzog ouvira também, semanas atrás, a notícia irradiada para todo o cosmo de que Ele se retirava, mas como última recordação deixava, na Galáxia, vinte e cinco vezes a vida eterna, a imortalidade.
Uma destas recordações ali estava, escondida sob alguns milhares de metros de rocha. De lá irradiava os sinais Morse. Este ativador celular tinha características, pelo menos externamente, bem diversas dos até agora encontrados.
Herzog não teve mais dúvidas sobre o motivo pelo qual ele e toda sua tripulação queriam a todo custo descer e permanecer no terceiro satélite do gigantesco planeta. Esta ação hipnótica só podia provir do ativador.
Por estes motivos, temia mais complicações até ter em suas mãos o precioso objeto. Quando se lembrou da horrorosa gargalhada homérica, ouvida em toda a Via Láctea, pôde fazer agora idéia da terrível brincadeira...
O depósito das sondas comunicou:
— Senhor, todas as sondas estão de volta. O material coletado foi encaminhado aos diversos setores de estudo.
Herzog quase não ouviu a comunicação. Estava esperando, impaciente, notícias da comporta principal: queria toda a tripulação a bordo. Um pressentimento novo e inquietante o deixou ressabiado. Desconfiado, perguntou a si mesmo se este estado de indecisão não tinha também sua fonte na irradiação hipnótica do ativador.
Gus Orff já estava saturado do enervante tic-tic e gritou furioso:
— Não se pode tapar a boca desta desgraçada montanha barulhenta?
Herzog entrou em contato com a cabina de rádio:
— Desligue o nosso lado aqui fora. Mas fique na escuta permanentemente. Observe se...
Parou de repente. Mas não foi o único que se assustou. A grande tela panorâmica ficou cada vez mais escura e a iluminação na central enfraqueceu bastante. Também na positrônica o brilho das lâmpadas diminuíra.
— Rastreadores estão falhando: — foi o grito que se ouviu através de toda a sala de comando.
— A intercomunicação de bordo também não funciona mais! — disse Herzog.
Não se conseguia mais nem enxergar as próprias mãos. A escuridão era total na Explorer.
Os geradores de emergência?
Estes não funcionavam!
Ouviu-se ruído do lado da sala de rádio. Parecia que alguém estava tentando abrir a porta manualmente.
— Que está acontecendo com toda a instalação de rádio, senhor? — perguntou alguém no escuro.
— Calma, meu caro, calma! — respondeu Herzog com voz trêmula.
Por um momento se sentiu feliz por estar tão escuro assim, pois ninguém podia ver como ele suava.
Houve um silêncio total. A Explorer 2.115 não era mais do que uma esfera de aço de quinhentos metros de diâmetro, com mil homens a bordo que não dispunham mais de nenhum instrumento técnico. Tudo que funcionava à base de energia positrônica ou eletrônica estava parado. Todos ficaram parados onde estavam, pelo menos na central de comando.
— Meus senhores — começou o comandante — temos de raciocinar bem depressa para conseguirmos dominar esta incrível situação. A comporta principal parece continuar aberta, para nossa felicidade. Por esta abertura receberemos o oxigênio necessário, sendo que isto complica em não deixarmos nenhuma escotilha fechada no interior da nave. A transmissão de ordens terá de ser feita, como na velha Roma, através de mensageiros. Preciso de três homens para prestar informações no convés A. Preciso também de um oficial para cada convés superior, a fim de assumir o comando local, pois assim...
Uma gargalhada estrondosa interrompeu sua frase. Reboou em toda a central, reboou na cabeça dos homens, que reconheceram seu autor.
— Ele está caçoando de nós — disse alguém.
Outros continuavam xingando. Fora o Ser do planeta Peregrino que inventara esta brincadeira de fazer parar todas as instalações da grande nave. Qual foi mesmo a informação que a positrônica de bordo deu sobre Aquilo? Dispõe de poderes inimagináveis!
Esta informação, infelizmente, estava certa.
De repente cessou a gargalhada infernal e uma voz se fez ouvir. Também em toda parte.
— Desgraçado fantasma telepático! — esbravejou um oficial, que não tinha medo de fazer esta imprecação.
— Por que tão irritados, caros amigos? — ouviram eles. — Perry Rhodan compreende melhor as brincadeiras do que vocês. Não é só a morte que vale alguma coisa, mas também a vida eterna. E vocês vão encontrá-la somente se souberem abrir um caminho até ela através dos meios do passado. Vocês têm inteligência bastante, não é verdade, terranos?
Esta última observação encerrava muita ironia. Todo mundo se sentiu atingido, mas ninguém teve coragem de expressar sua opinião. Todos estremeceram de novo quando Ele recomeçou com a gargalhada ensurdecedora. Mas parou de repente, terminando o fluxo telepático.
Todos os setores da Explorer estavam envoltos na mais densa escuridão.
— Temos velas a bordo? — perguntou Herzog.
Quem podia saber isso? Três homens tentavam abrir a escotilha para o convés, com ferramentas manuais.
— Não se utilizem dos elevadores — disse Herzog aos dois que se preparavam para ir ao depósito situado a trezentos metros abaixo, a fim de procurar velas.
— É aqui a central de comando? — perguntou alguém cerca de meia hora depois de ter irrompido a escuridão.
A voz vinha do corredor do convés. Era um mensageiro da torre superior da Explorer.
— Senhor, venha comigo para cima. Lá fora, as ruínas da cidade estão cheias de assombrações.
Que tipo de assombrações? Isso nem o mensageiro poderia responder. O oficial de vigia na torre superior o mandara para a central de comando com a incumbência de levar o comandante o mais depressa possível para cima.
— Acompanhe-nos, Orff — disse o comandante ao cientista.
Herzog transmitiu o comando ao seu primeiro-oficial.
A que altura ficava esta torre de artilharia, só agora souberam, subindo até lá pela primeira vez. Por três vezes erraram o caminho para a escada rolante, no momento, parada.
A primeira réstia de luz lhes surgiu à frente, enquanto davam a volta em torno das peças de artilharia. Depois veio uma escada de aço, bem íngreme, terminando numa diminuta escotilha, cujas portas estavam abertas. Num terraço de uns trinta metros de diâmetro, circundado por um rebordo de quase meio metro de altura, recebeu-os o oficial de serviço na torre.
— Então, onde é que estão os fantasmas? — perguntou Herzog.
— Lá embaixo! — respondeu o rapaz, apontando para as ruínas da cidade.
Orff continuava ao lado de Herzog. Os dois foram caminhando até o rebordo de aço da cúpula totalmente aberta.
— Santo Deus! — disse o comandante. Não falou mais nada. Não podia compreender o que estava vendo...
Das velhas ruínas emergia uma nova cidade!
Forças invisíveis ajuntavam os escombros por toda parte. Forças invisíveis reconstruíam uma cidade. A torre alta se erguia empolgante, passando já dos cem metros, num lindo contraste com o céu azul. Toda a região em volta parecia estranha, completamente alterada.
Um rio, que há meia hora atrás não existia, vinha do flanco sul das colinas, dividindo ao meio o vale ovalado e também a cidade.
Esfregando os olhos, o comandante disse:
— Será que estou sonhando? Ou estou ficando louco?
O rio passava por baixo de uma alta muralha que circundava a cidade.
— Uma verdadeira e inaudita miragem — constatou o oficial da torre. — Só não compreendo por que Ele armou todo este espetáculo.
— Espetáculo armado por Aquilo? — continuou o comandante quase censurando o oficial. — Infelizmente Ele não necessita fazer destas coisas. E o que você chama de miragem, meu caro, é a pura realidade.
O oficial de vigilância da torre não sabia se era ou não hora de rir, mas seu olhar falava por si.
Orff desviou a atenção do comandante Herzog.
— Olhe só para a orla da floresta, à direita. Não está vendo movimento por lá?
Herzog não conseguiu ver nada e se virou de novo para a cidade irreal. Não era pequena, nem grande. Trinta ou quarenta mil pessoas podiam viver aí. Impressionante era também a muralha que a cercava.
— Lá embaixo, mais uma torre!
Era mesmo de arrepiar os cabelos, verse uma torre surgir assim do nada, crescendo cada vez mais para o alto. As casas típicas atrás da muralha, todas de um andar só, tinham janelas redondas, o mesmo acontecendo com as portas e portões. Enquanto se podia ver, os telhados eram quase planos. Mas tudo parecia envelhecido e desolador. Em parte alguma se via vislumbre de qualquer cor.
— Agora estão surgindo portas na muralha de fortificação! Herzog, olhe só! — exclamou Orff, excitado.
E os dois puderam ver que das chaminés das casas saía fumaça. A cidade parecia reviver. De uma altura de mais de quinhentos metros, tinham uma excelente vista para todos os lados. Diante deles estava a cidade ressuscitada dos escombros: uma cidadela, uma fortaleza de pedra e cimento. A muralha a cercava, mas não completamente, faltando talvez um quinto para completar o círculo. O paredão escuro da montanha de oito mil metros de altura completava o quadro.
E o que viam agora era uma cidade sitiada. Grandes levas de seres humanóides surgiram de repente das matas escuras e corriam contra as muralhas da cidade. O vento favorável trazia o alarido guerreiro dos atacantes até a torre de artilharia.
De repente, brilhou um clarão nos bastiões da muralha, bem perto da torre da direita. Uma nuvem de um branco sujo foi levada pelo vento. Entre os atacantes, apareceu uma nuvem de fumaça, dando origem ao pânico entre os guerreiros.
— Canhões! — constatou Herzog.
O estampido da granada chegou até eles. Era o início de um ataque de artilharia pesada, revidado energicamente por aqueles que vinham das florestas.
— Estas criaturas têm três braços — observou o oficial da torre.
— Mas se movimentam com dois pés tal qual humanos! — exclamou Orff.
Das levas de atacantes, destacaram-se alguns guerreiros que, parados, olhavam agora para a gigantesca esfera de aço. Tinham aparência grosseira. Suas pernas podiam ser semelhantes às dos seres humanos. O tronco, no entanto, tinha conformação arredondada. Na cabeça não havia cabelos. Os estranhos seres tinham dois pares de olhos. Em seus troncos redondos havia três braços. Estes guerreiros não tinham mais do que um metro de altura.
Não estavam nus mas, enquanto se podia ver, usavam uma couraça metálica escamada, deixando livre apenas a cabeça redonda, os antebraços e as pernas do “joelho” para baixo.
— Que significa tudo isto? — perguntou o oficial da torre.
Herzog ia se voltando para ele, quando, a cinqüenta metros abaixo de onde estavam, alguma coisa se chocou contra a carcaça de aço da Explorer 2.115 e explodiu. Poucos momentos depois, se ouviu o mesmo estampido desagradável. O oficial da torre de artilharia logo compreendeu a situação.
— Estão nos atacando! Proteção!
E dizendo isto arrastou para dentro da casamata o comandante e Orff.
Uma granada passou esfuziante a poucos metros deles.
Agacharam-se, arrastando-se para trás, até chegarem à escada metálica, quando Herzog disse:
— Felizmente, nada nos aconteceu. Desceram pela escada e na penumbra
Herzog olhou pensativo para o astrofísico:
— Você compreende o que está acontecendo?
— Sim — disse Orff. — Uma brincadeira muito besta. Ele tem um senso de humor muito esquisito.
Pouco abaixo da plataforma bateu forte um projétil, fazendo com que a carcaça de aço da Explorer vibrasse toda. Herzog deu vazão à sua ira. O oficial da torre de artilharia e o mensageiro não puderam ouvir o que ele disse a Orff:
— Gostaria de lhe torcer o pescoço por esta brincadeira estúpida.
— Infelizmente ele não tem pescoço — disse Orff secamente. — Mas quanto mais penso a respeito desta magia, mais suspeito me parece tudo.
— Que quer dizer com isto, Orff?
— Não posso dizer ainda, senhor. Na minha opinião, todo aquele espetáculo lá fora sobre o passado deste mundo é no fundo uma coisa de pouco valor. Ele, que deve ser tão poderoso, não precisaria destas encenações baratas...
Thomas Herzog o interrompeu.
— Tudo depende do ponto de vista pelo qual se olha uma coisa. Aquilo nos disse muito claramente: “E vocês vão encontrá-la somente se souberem abrir um caminho até ela através dos meios do passado.” E para não cairmos na tentação de experimentar de outra maneira, deixou nossa nave completamente paralisada. Eu...
Reboou de novo a gargalhada infernal e Aquilo se manifestou pela segunda vez telepaticamente. Horrorizados, o oficial da torre e o mensageiro caíram da escada metálica.
— Alô, comandante descontente da espaçonave terrana! — disse Ele. — Queria estimulá-lo para a missão que preparei para você e seus homens. Devem achar o ativador com os meios de que dispõem no momento, isto é, na situação em que os deixei de propósito. Vocês se encontram no passado, ou melhor, há trinta e oito mil anos do presente, contado em tempo terrano. Acham que meu amigo Rhodan poderá encontrá-los? Não espere nada do hiper-rádio enviado para Terrânia, comandante! É claro que Rhodan vai aparecer aqui, se a nave não retornar à Terra. Vai encontrar também a Explorer 2.115, mas não a vocês, pois todos os tripulantes já estão mortos há trinta e oito mil anos. Então, terranos, não estão com vontade de encontrar o ativador? Se vocês não o encontrarem, a Explorer 2.115 só poderá sair de Impo daqui a trinta e oito mil anos... aos pedaços, como caco velho... Ha! Ha! Ha! Ha!
Depois se fez silêncio, ouvindo-se apenas o fragor da batalha lá fora.
Nenhum dos mil homens da Explorer podia imaginar que seria possível um trabalho quase normal mesmo nestas condições tão ingratas.
Foram necessárias vinte e quatro horas para que se acostumassem com a nova situação. Mais de oitocentos homens se queixavam de cãibra. Todo deslocamento pelas enormes distâncias da gigantesca nave tinha de ser feito a pé. Nas escadas mal iluminadas era um vaivém ininterrupto. Em cada convés havia pelo menos vinte tripulantes encarregados de controlar as primitivas velas. Felizmente a reserva de velas era maior do que se supunha! Mesmo assim era necessário economizar...
No setor de exploração das sondas descarregadas, não havia mais ninguém que se interessasse pelo ativador.
— É um descaramento nos quererem obrigar a encontrar este objeto desgraçado, mas milagroso, como condição para podermos sair daqui.
Quem disse isto foi um colega de Tyll Leyden que estava encarregado de improvisar um torno mecânico por meio de uma transmissão de roda dentada e outras peças velhas.
Tyll Leyden, que recebera a incumbência de fabricar buchas metálicas, parou por um instante seu trabalho e disse calmo para os colegas:
— Se vocês virarem a roda dentada assim aos solavancos, poderei jogar no lixo a quinta bucha estragada.
— Mas também é uma coisa maluca querer rosquear cem buchas neste torno improvisado! — exclamou um colega.
— Cento e quatro — corrigiu Leyden. — As primeiras quatro já foram jogadas fora. Por que não conseguem rodar uniformemente? O trabalho tem de ser feito, não adianta xingar nem lamuriar.
Leyden estava pensando na bomba de gás soporífero que tinha de ser confeccionada manualmente. As buchas que estavam sendo rosqueadas eram para abrigar o detonador. Ao lado achavam-se as máquinas perfuratrizes que tinham agora de ser operadas manualmente. Estas peças todas pertenciam ao equipamento de emergência de cada Explorer. A existência destas ferramentas a bordo, foi descoberta à luz de vela nos porões da nave. Infelizmente, lhes estava fazendo muita falta o auxílio dos dados do computador. Seria bem fácil achar qualquer coisa na grande nave, perguntando à positrônica, que sabia de tudo com exatidão.
O Departamento de Construção se localizava no convés G, seção 34. Os homens que tinham a incumbência de fabricar armas primitivas se sentiam quase como se estivessem vivendo na Idade Média. Sabiam dizer, até dormindo, como se fabricavam armas de raios energéticos, mas ninguém podia saber a melhor proporção nos componentes básicos da pólvora preta. Da dinamite e de sua preparação, ninguém ouvira falar nada. Obras de consulta a este respeito, infelizmente não existiam, pois todo o conhecimento técnico estava acumulado em fitas magnéticas, e para ouvi-las era necessário energia elétrica. Produzi-la a bordo, seria impossível. Tentaram construir um dínamo e o puseram a funcionar, mas logo depois veio o curto-circuito e o pessoal começou a xingar.
Comida quente não havia mais. Fogo aberto era só permitido na seção de fundição. Assim, a alimentação concentrada era engolida a contragosto.
Mas o que ninguém podia supor, foi realizado: confeccionadas à mão, surgiram as primeiras armas. Depois a produção continuou firme e os artefatos cada vez melhores.
A guerra convulsionava Impo. Eram duas facções que se combatiam mortalmente, embora pertencessem à mesma raça. Parece que não estavam ainda muito longe do descobrimento da pólvora, mas ao invés de usarem metal para seus projéteis, empregavam um material que, até então, os humanos da Explorer não tinham conseguido analisar. Nem por isso, a comandante Herzog censurava seus químicos. Estes cientistas simplesmente não estavam mais acostumados a resolver um problema com os meios rudimentares, como antigamente. Mas quando ficou sozinho com Gus Orff, perguntou:
— Quero saber como, há quatro séculos atrás, quando não havia nem eletrônica, nem aviação espacial, nem nada de tudo isto que achamos tão natural hoje, os homens olhavam para o átomo? Como se pôde construir uma bomba atômica sem o microscópio de campo iônico, sem os conhecimentos dos arcônidas?
Um ronco cavernoso reboou pela Explorer. Isto já vinha acontecendo há algumas horas, em espaços irregulares. A antiga população primitiva de Impo, ressuscitada miraculosamente pelo Ser imortal, tentava dominar a espaçonave terrana por meio de explosões, pós medievais, da velha pólvora dos canhões de carregar pela boca. Aos milhares, aqueles seres estranhos de três braços e de tronco redondo sitiavam a grande nave de exploração. Milhares de canhões surgiam de todos os lados, abrindo fogo ininterrupto contra a moderníssima tecnologia terrana.
A tripulação tinha de presenciar aquele ataque de braços cruzados, pois, pela brincadeira estúpida do Ser, não dispunham os terranos de nenhuma arma. Ficar parado na plataforma da torre de artilharia seria agora muito perigoso, pois os velhos canhões da cidade bem fortificada despejavam fogo contínuo contra a nave. As granadas passavam muitas vezes a pouca distância do rebordo de quase meio metro da plataforma. Os quatro homens, que deviam ficar lá em cima para observar o que se passava em todo o vale, tinham de fugir para dentro da nave, pois a pontaria dos “legendários” atacantes não era tão má assim.
Já eram decorridos três dias de Impo. Dia e noite, se trabalhava na Explorer e muitos homens estavam quase a ponto de não agüentar mais. Foi quando conseguiram o milagre. Tinham agora nas mãos não apenas um número suficiente de armas, mas principalmente uma grande variedade delas, por exemplo, espingardas ou os antigos bacamartes de boa pontaria, bombas de gases soporíferos, foguetes antigos de pólvora, como eram usados há muitos séculos na marinha de guerra, a fim de lançar uma corda para outro navio que estava na iminência de naufragar.
Apenas havia um ponto que ainda não estavam bem claro para o Tenente-Coronel Herzog: se ele, com toda sua tripulação fizesse um ataque contra o inimigo e atirasse de fato, estaria matando realmente seres humanos vivos? Ou não.
Quando Gus Orff o viu entrar em seu departamento, este pensamento ainda o preocupava. Não percebeu que Tyll Leyden também estava naquele recinto mal iluminado. Orff hesitou em externar seu ponto de vista. Mas não Tyll Leyden, que levantou a cabeça e disse com a maior tranqüilidade:
— Não estou interessado em que o chefe me encontre aqui, dentro de um mês, como um esqueleto. O direito de viver e de poder voltar para a Terra é uma coisa que não se pode ceder. Nem mesmo o Ser imortal nos pode tirar isto.
Sem dizer uma palavra, o comandante se retirou do Departamento de Astrofísica. Foi o momento em que não lastimava mais ter em sua tripulação a figura de um Tyll Leyden. Ficou surpreso de ele mesmo, Herzog, não ter chegado a esta idéia. Foi, porém, bastante sincero para confessar que jamais chegaria a uma concisão tão magistral.
A desgraça se abateu sobre os ridículos atacantes, vinda de quinhentos metros de altura. Bolas grandes e pesadas rolavam lá de cima. Quem as recebesse na cabeça, ficaria sem sentidos. Estas bolas não explodiam ao se arrebentarem de encontro ao solo. Um berreiro frenético foi a resposta dos atacantes ao inesperado bombardeio de bolas. Mas logo depois a gritaria cessou. Um atrás do outro, os seres de tronco arredondado iam caindo como para dormir.
As bolas plásticas continuavam a cair. Oitenta homens, atrás do rebordo de meio metro da plataforma da torre, trabalhavam como mouros.
O gás invisível se espalhava com extrema facilidade em todas as direções e tinha um efeito rápido. Prontos para sair, estavam acotovelados nos corredores mais de trezentos homens, preparados para abrir as comportas. Veio então da torre a notícia de que quatro mil bolas plásticas já tinham sido lançadas contra os atacantes e, em breve, o gás soporífero se espalharia. Foi a senha combinada para que a turma dos corredores começasse a agir. Apenas com meios manuais, abriram as comportas, centímetro por centímetro. Depois, muito lentamente, estendeu-se a rampa de desembarque entre os apoios telescópicos da nave.
Todos os atacantes que estivessem no caminho dos terranos eram postos de lado. O inimigo ainda continuava gritando diante da Explorer, enquanto as bolas de gás continuavam descendo. Neste momento começou também o emprego de bombas de gás, jogadas através da fenda da comporta. O diâmetro da Explorer era de quinhentos metros e este círculo interno não podia ser atingido pela torre no alto da grande esfera.
Surgiram os primeiros danos...
A maioria das comportas estavam com uma abertura de quase um metro e o inimigo começou a atirar por aquele vão, o que, aliás, ninguém esperava. Na mesma hora, o Tenente-Coronel Herzog mudou o plano de combate.
— Lancem as bombas de gás lacrimogêneo!
Os comandos, que tinham a única missão de abrir as comportas, suspenderam o trabalho. Colocados um ao lado do outro em carretas primitivas, os foguetes de pólvora rolavam com suas cargas de gás lacrimogêneo.
Levou alguns segundos até que o fogo do estopim atingisse a carga de pólvora. Os homens se afastaram, procurando cobertura, pois tinham sido advertidos do perigo das chamas.
Com um esfuziar infernal, os foguetes dispararam por entre os apoios telescópicos, explodindo ao bater no chão.
— Suponho que estes seres esquisitos, com mais barriga do que corpo, saibam chorar — dissera Herzog, quando lhe fizeram a proposta de bombardear aquela multidão com gás lacrimogêneo.
E sabiam, de fato.
Dentro da espaçonave, os primeiros homens chegaram à fenda da comporta. Não podiam compreender o que viam. O gás lacrimogêneo era cem vezes mais eficiente que o gás soporífero. Ouviam-se gritos estridentes e os homens que estavam junto da comporta viram os atacantes erguendo os braços desesperados e correndo para longe da Explorer, em verdadeira fuga.
— Mais foguetes para cá, rápido!
O oficial que assim gritava, compreendera logo o que estava acontecendo lá fora. Para esta raça parecia que chorar era a pior coisa que podia acontecer. Empurraram-lhe mais uma carreta e ele calculou bem a direção. Pegando o fogo que alguém lhe ofereceu, acendeu o estopim e correu para um abrigo. Este último foguete bateu bem atrás da multidão em fuga, explodindo e liberando o gás. Novos foguetes explodiram por entre os grupos de atacantes desesperados e em fuga desorientada. E outra vez estabeleceu-se o pânico no meio deles.
— Fechar as comportas — foi a ordem para toda a espaçonave.
Mensageiros corriam por toda a parte, em escadas e corredores, a fim de comunicar a ordem a todos. Chegaram completamente esgotados aos laboratórios onde se produzia o gás lacrimogêneo. Ao saberem do inesperado sucesso desta arma defensiva, os cientistas quase não quiseram acreditar. Quando chegou o terceiro mensageiro trazendo ordem expressa do comandante de só produzir, daí para frente, gás lacrimogêneo, os técnicos estavam diante de sério problema. Como poderiam fazer quantidades maiores em pouco tempo, com meios tão primitivos?
A mesma pergunta se fazia na seção das oficinas de foguetes, reinando a mesma preocupação quanto à fabricação das carretas. Mas em toda parte a ordem do dia era: produção em massa.
Uma hora depois, Thomas Herzog controlava pessoalmente tudo. Adiara um pouco mais a saída dos tripulantes da espaçonave.
— Meus senhores — explicava o comandante Herzog aos homens incumbidos da produção de gás — nosso gás lacrimogêneo é a arma decisiva para o tempo que o Ser nos estabeleceu. Estou feliz por não ter sido necessário derramarmos inutilmente sangue desta raça de seres de tronco redondo. Nem por isso estou disposto a pôr em risco a vida de um só membro de nossa tripulação.
“A excelente pontaria da artilharia de nossos inimigos representa um grande perigo para nós. Com foguetes de pólvora que pudessem alcançar alguns quilômetros, este perigo estaria afastado totalmente. Precisamos de foguetes de maior alcance, bem como de uns mil recipientes pequenos para gás lacrimogêneo, recipientes estes que possam ser jogados como granadas de mão. Amanhã, antes do raiar do sol, espero que cinco mil granadas de gás lacrimogêneo estejam à nossa disposição. Contem com o fato de que os grupos de desembarque devem antes estar equipados com estas granadas. Quanto aos foguetes de maior alcance, contamos também com, pelo menos, mil. Procurem inventar alguma coisa que possa melhorar a pontaria das carretas. É o que esperamos de todos vocês, meus amigos.”
Logo a seguir, o comandante deixou os homens entregues a seu trabalho.
Na noite deste dia, Thomas Herzog não conseguiu descansar. Mensageiros do setor de fabricação de gás e do de construção dos foguetes estavam a toda hora batendo à porta de sua cabina, pois estes setores de produção exigiam sempre mais mão-de-obra. Todo cientista que fosse jeitoso em trabalhos manuais era requisitado.
Pelas três horas da madrugada, tinha-se quase certeza de que a tarefa imposta pelo comandante, como um desafio, estaria totalmente executada ao amanhecer, quando estaria terminada a vedação da aparelhagem de engarrafar o gás.
— Que está acontecendo aqui? — perguntou alguém, enxugando as lágrimas.
— Vazamento de gás! — foi o grito alarmante de outro que compreendeu logo a situação.
Mais que depressa, todos deixaram o que estavam fazendo. Tyll Leyden achava-se entre os fugitivos, sendo que o astrofísico procurou imediatamente o uniforme de combate. Atrás dele se fechou logo a escotilha, manualmente. Não se podia correr o risco de inundar toda a astronave com gás lacrimogêneo.
Leyden encontrou um armário com trajes de combate. Vestiu um deles e pegou mais dois. Atarraxou o capacete ao uniforme.
— Que quer você com o uniforme de combate?
Assim foi recebido.
— Entrar aí dentro — respondeu Leyden, conciso.
— Mas, o fornecimento de oxigênio do uniforme não está funcionando. Você vai morrer sufocado com o capacete fechado — tentou o colega precavê-lo.
— Você já ouviu falar em reter a respiração? Quem é que me acompanha?
Um deles se apresentou, mas acrescentando:
— Entre você primeiro sozinho na câmara de gás. Fico aqui fora, caso você comece a sentir-se mal, poderei então entrar para salvá-lo.
Tyll Leyden olhou surpreso para o homem, mas não disse nada do que estava pensando.
— Se eu suspender o braço, então abra a escotilha. Mas rápido!
Examinou bem o uniforme. Todos olhavam para ele sacudindo a cabeça.
— Não sei em que lugar houve o vazamento — disse ele, olhando para os colegas. — Tenho de procurar o ponto. Agora, não posso entrar aí sem o material de vedação. Quem é que vai arranjá-lo para mim?
Este desejo de Leyden era mais fácil de se satisfazer e em pouco tempo pôde meter no bolso três tubos de plástico líquido.
Deu então sinal para que abrissem a escotilha, desaparecendo atrás dela.
— Não vai agüentar e volta logo — disse alguém. — A reserva de ar em seu uniforme, sem o fornecimento de oxigênio, dará apenas para três ou quatro...
— Isto é um suicídio! — afirmou um terceiro.
— Não devíamos tê-lo deixado ir sozinho. De que departamento é este homem?
Ninguém sabia. Leyden era o único da Divisão de Astrofísica que estava trabalhando na fabricação de gás.
— Vou atrás dele — disse o rapaz que prometera salvá-lo em caso de perigo de asfixia.
— Cinco minutos passados! — constatou-se.
— Eu vou — disse o rapaz resoluto, atarraxando o capacete no uniforme.
Abriu-se a escotilha e o rapaz desapareceu, voltando porém poucos segundos depois.
— Não consegui entrar. O maluco fechou a escotilha interna e não consegui abrir.
— Então temos de arrombá-la.
— Arrombar uma escotilha? — espantou-se alguém lá dos fundos. — Com o quê? Com pé-de-cabra ou talvez só com as mãos?
Quem fez a pergunta tinha razão. Só com emprego de armas de raios energéticos é que se podia abrir uma escotilha nas astronaves terranas. De nenhuma outra maneira.
— Este maluco...!
Do outro lado, ouviram-se pancadas fortes contra o aço da escotilha interna. Nunca se vira abrir tão depressa assim. Tyll Leyden veio cambaleando pela fenda estreita, ainda com o capacete atarraxado no uniforme. O rosto estava encharcado.
— O tubo de conexão já está vedado. Tentem agora retirar o gás do recinto — disse, cambaleando mais para a frente.
Fizeram-lhe várias perguntas. Mas ele nada respondeu. Despiu o uniforme de combate, o pendurou no armário e procurou por um chuveiro.
Desde que toda instalação elétrica da nave deixara de funcionar, havia uma proibição severa: não se utilizar dos chuveiros nem se fazer uso de água, pois não havia mais bombeamento e só havia o precioso líquido onde os reservatórios estavam de tal maneira colocados, que a água corria pela própria gravidade.
Tyll Leyden abriu o chuveiro e tirou do corpo os últimos restos de gás. A ducha foi muito rápida. Ele levou algum tempo limpando sua roupa até estar convencido de não conter mais gás. Ao olhar para o relógio, notou que faltava ainda uma hora e meia para expirar o prazo dado pelo comandante.
Subiu pelas escadas rolantes paradas, foi para sua cabina e deitou-se para descansar uns minutos.
Pouco depois, estava dormindo!
O sol se levantava sobre Impo. O vale meio arredondado ficava cada vez mais claro e a neblina deixava ver agora um pouco da cidade, tendo ao centro as duas torres. O paredão liso e escuro da montanha de oito mil metros, onde havia um ativador, parecia um imenso buraco. Atrás do grande maciço montanhoso, estava Hércules, o gigante de metano. Inundado pela luz do sol, exibia sua superfície irregular, parecendo assim ainda mais ameaçador.
Thomas Herzog lançara apenas um olhar furtivo para o planeta que era quase o dobro do seu sol. A ele interessava mais a cidade fortificada, de um passado tão longínquo, e os milhares de guerreiros que guarneciam suas muralhas de cerca de trinta metros de altura.
Com o raiar do sol, recomeçou o fogo cerrado. Provavelmente teriam reforçado bastante a artilharia durante a noite, pois o ribombar dos canhões nunca fora tão forte, como agora pela manhã.
Mas aqueles seres de tronco arredondado lá embaixo na cidade não ficaram devendo nada ao ardor dos terranos. Parecia que foram buscar suas reservas em homens e material pesado e tomaram posição nos bastiões da muralha. Aos primeiros raios do sol, era intenso o reflexo das armas metálicas lá embaixo, enquanto as granadas caíam sem piedade sobre a massa dos atacantes.
Thomas Herzog não podia acreditar que estava presenciando uma batalha em Impo, batalha esta que realmente se realizara há muitos milênios atrás. Ele e sua gente estavam sendo “testemunhas oculares” de uma história remota. Não sabia explicar como o Ser conseguia fazer isto. Manipulava à vontade os milênios passados e fazia ressuscitar uma raça desaparecida há tanto tempo.
As comportas da Explorer 2.115 estavam entreabertas e isto já significava bastante perigo, pois a nave continuava sendo o alvo do fogo de artilharia dos atacantes, principalmente das peças montadas nos bastiões da muralha. Parecia que os seres de tronco arredondado viam na imensa esfera de aço algo de hostil à sua terra. Dos flancos, os homens da muralha e os atacantes, que tentavam chegar até a nave, não paravam de atirar. Os projéteis não poderiam danificar a carcaça de aço, mas seriam extremamente perigosos se viessem explodir próximos ao vão da comporta aberta e a pontaria dos atacantes era muito boa.
Herzog não hesitou em dar a ordem de ataque. Desde que se iniciara o combate com gás lacrimogêneo contra os atacantes, eles recuaram e não tinham mais muita importância no plano estratégico de Herzog. O que o preocupava muito agora era aquela multidão infinda de guerreiros de tronco arredondado. O comandante via claramente que, com seu estoque de bombas ou granadas de gás lacrimogêneo, não poderia fazer muita coisa contra aquele imenso exército que se aproximava da nave. E mesmo que acontecesse o improvável, ainda lhe restaria a conquista da muralha bem armada e do resto da cidade.
Todas as instalações da Explorer 2.115 estavam imobilizadas e não funcionava nenhuma arma de raios energéticos, nem mesmo uma simples pistola térmica.
Olhou para a planície ao lado da cidade, uma região extensa com vegetação alta. Era por aí que devia começar a investida dos terranos para atacar o flanco esquerdo do adversário com foguetes de gás lacrimogêneo. Depois, teriam de avançar até o rio e, na sua margem, sob a proteção da vegetação, penetrar na muralha semicircular. Com trezentos homens, contra presumivelmente cinco mil guerreiros, teriam de vencer o trecho até a muralha.
— Todos prontos? — perguntou ele.
Quatro mensageiros saíram correndo para transmitir a ordem aos quatro grupos. Mais uma vez os comandos se postaram à direita e a esquerda da comporta principal, para abri-la assim que o comandante desse o sinal, e abaixar a passarela de descida, o que era indispensável, pois a distância entre a comporta e o solo era considerável.
Quinhentos metros acima deles, estavam agachados trinta homens, atrás das primitivas carretas dos foguetes.
Herzog chegou até a comporta. A armação com os seis foguetes de longo alcance foi empurrada mais para frente. Com alguma dificuldade, um homem fazia a pontaria mirando na muralha semicircular. Alguém lhe deu uma tocha, ele acendeu o pavio e correu para se proteger.
Num sibilar dos infernos, disparou o primeiro foguete de pólvora pela escotilha a fora, espalhando pelo espaço uma densa fumaça. Assim foi o segundo, terceiro, até que chegou o sexto foguete, todos eles com boa pontaria, explodindo somente ao atingir o alvo. Do ponto mais alto da Explorer 2.115, trinta homens estavam acompanhando tudo e viram quando os seis foguetes voaram rumo à cidade, traçando no céu um risco de fogo.
— Está na hora, pessoal! — gritou um deles, e trinta homens acenderam o pavio de trinta foguetes.
Lá embaixo, dos dois lados da comporta, os comandos tentavam abrir as pesadas portas de ferro com força braçal e abaixar a rampa de descida. Centímetro por centímetro, as duas metades foram se afastando para os lados e metro por metro a rampa metálica descia para o chão do satélite.
Uma parte dos atacantes notara os disparos dos foguetes e mesmo os postos de artilharia na beira da floresta não deixaram de ver a trajetória chamejante dos projéteis primitivos. Sabiam de onde vinham. De repente, o fogo cerrado dos canhões inimigos atingiu o bojo metálico da espaçonave terrana.
— Retirar! — gritou Herzog a todo pulmão, fazendo com que sua voz ultrapassasse o das velhas granadas.
As duas equipes da comporta fizeram tudo que podiam para chegar com a rampa de descida até o chão. Mas os milhares de toneladas de aço, que formavam a rampa e ligavam a comporta com o chão, não eram um brinquedo que se manejava facilmente.
Explodiu o primeiro petardo dentro da comporta. Um dos rapazes foi atingido por estilhaços e caiu inconsciente.
No alto da Explorer, na torre de artilharia, perceberam de onde vinha aquela chuva de granadas. Ninguém sabia, porém, se aqueles foguetes de pólvora com cargas de gás lacrimogêneo tinham tanto alcance.
— Objetivo: grupo de artilharia à margem da floresta! — ordenou o oficial que comandava o ponto mais elevado da espaçonave.
Carretas, cada uma com seis foguetes, foram empurradas para o lado esquerdo.
— Apontar e atirar! Depois correr para um abrigo!
Caindo perigosamente nas imediações dos trinta metros do terraço de artilharia, as granadas inimigas enchiam o espaço de um barulho infernal. Mesmo assim, continuou o disparo dos foguetes.
Olhando por cima do rebordo externo do terraço, o oficial acompanhava a trajetória dos foguetes rumo à margem da floresta.
— Eles chegam até lá! Deu tudo certo! — disse o jovem e delirante oficial ao ver o primeiro foguete chegar a menos de cem metros da floresta, bater no chão e explodir toda sua carga de gás lacrimogêneo.
Os foguetes restantes chegaram ainda mais próximos do objetivo. Não tinha a menor importância se o foguete atingia, devido à sua dirigibilidade imperfeita, um pouco mais perto ou mais longe, desviando-se, às vezes, do alvo. O importante era que explodisse dentro da floresta, entre as árvores.
Na íngreme escada metálica, havia uma fila de homens. De mão em mão, subiam os foguetes ininterruptamente para a plataforma de disparo. No momento estavam atirando contra dois objetivos: a artilharia inimiga escondida na floresta e a infantaria diante da muralha da cidade.
O gás lacrimogêneo devia ser mesmo algo de terrível para os seres de tronco redondo. Com o terceiro foguete que explodiu nas imediações da floresta, cessou subitamente o fogo cerrado contra a nave terrana. Mais rápido ainda foi o efeito sobre os guerreiros da muralha semicircular. No trecho da margem do rio, a situação era de pânico.
— Arriar a rampa!
Foi a ordem que se ouviu na comporta principal da Explorer 2.115. Era o sinal para a equipe de Herzog, que estava pronta para desembarcar. Em carretas primitivas, levavam sua artilharia que não passava de foguetes improvisados. Cinco homens tinham a difícil, mas importante tarefa de conduzir um archote aceso, cada um deles, não deixando extinguir o fogo. Quando Thomas Herzog desceu a rampa, viu, por entre os suportes telescópicos da nave que mais três outras rampas estavam arriadas. Ficou contente com isto.
Thomas Herzog, que antes comandava um cruzador pesado da Frota Imperial, começou a sentir admiração por seus cientistas. Portavam-se como soldados experimentados e prontos para a luta. Com cinco foguetes quebraram o poder de fogo de cinco postos. Depois, estiveram sob intenso fogo dos canhões da muralha!
O ataque dos terranos foi interrompido subitamente. Não fossem os trinta homens da plataforma da torre de artilharia no alto da nave, que perceberam logo a situação e passaram seus disparos para os atacantes em volta da nave, o tenente-coronel teria, em poucos minutos, de dar ordem de retirada.
Os foguetes passavam zunindo rumo à cidade. Thomas Herzog não chegou a ver se atingiram o alvo, pois, naquele instante caiu uma granada no chão, a três metros dele, cobrindo-o de terra na hora da explosão. Os estilhaços, felizmente não o atingiram. Mas a poeira foi de encontro a seu rosto. Furioso, esfregou os olhos com força. Neste instante, alguém se aproximou dele, segurou-lhe os braços e lhe disse em voz suave, mas enérgica:
— Assim, não, comandante!
O homem que só lhe soube dizer três palavras, mas que, com incrível agilidade, lhe tirou a areia dos olhos, chamava-se Tyll Leyden. O fato de as granadas esfuziarem ao lado deles, parecia não interessar ao “socorrista”.
— Obrigado, Leyden! — disse o Tenente-Coronel Herzog.
— Não há motivo para isto, comandante — respondeu Leyden que pertencia ao grupo de Herzog e era seu ajudante imediato.
À direita deles estavam três homens, levando uma carreta com foguetes, sem se incomodarem com as granadas que explodiam.
— Fogo, aqui! — gritou um deles.
Um dos portadores de archotes acesos se esgueirou por baixo da carreta e acendeu o estopim. Seis projéteis rasgaram o espaço na direção da cidade.
— Acertamos! Acertamos! — gritavam orgulhosos os homens em volta de Herzog.
Os foguetes atingiram exatamente a saída da água sob a muralha.
Lá da plataforma da torre de artilharia, continuava também o lançamento de foguetes com gás lacrimogêneo, obrigando os atacantes a interromper os disparos.
Herzog olhou em volta e deu ordem de ataque ao seu grupo. Os pontos de ofensiva, que antes os castigavam, não existiam mais. Enquanto avançavam, os foguetes zuniam sobre suas cabeças, fazendo emudecer toda reação. Os grupos de combate chegaram à planície sem receberem um disparo. Já podiam ver o rio com suas margens íngremes.
Herzog pegou o caminho mais longo, tendo de acompanhar três curvas do rio. Trezentos homens marchavam ao longo do curso d’água.
De repente, mais projéteis vinham do declive. Os terranos estavam sendo atacados por uma horda de homens de tronco redondo. Atrás do comandante caiu um terrano se contorcendo no chão. Três outros foram atingidos de raspão, sem que isto os impedisse de continuar lutando. As armas primitivas dos terranos, fabricadas às pressas e sem meios suficientes, eram melhores que as dos velhos habitantes do satélite. Conforme as instruções recebidas, os terranos atiravam para o ar, para não atingirem mortalmente os atacantes. Mas o bombardeio com granadas de gás lacrimogêneo continuava firme contra o ponto de ataque do declive.
Mais uma vez, começou a gritaria e o pânico lá no declive. Três homens da estranha raça desceram correndo, horrorizados e pararam de repente, levantando os braços, aliás os três braços. Depois, saíram correndo, atravessando a pequena distância que os separava do rio. Atiraram-se na forte correnteza e no mesmo instante foram levados rio abaixo.
Lá do declive, não se ouvia mais nada. Mas Herzog queria evitar outro ataque contra seus homens. Incumbiu Leyden, com mais dez homens, de fazer uma inspeção no trecho do declive.
O astrofísico fez apenas um sinal com a cabeça, enquanto seus companheiros eram escolhidos. Depois subiu com eles. Thomas Herzog não viu mais o grupo, até que chegaram aos pés da muralha. Já os havia dado como perdidos, quando Tyll Leyden surge ao seu lado e, sem que ninguém compreendesse, dá um forte empurrão no comandante, fazendo-o cair. Uma forte detonação ao lado de Herzog, impediu Leyden de falar na hora.
— Como no tempo da pedra lascada... — comentou ele, enquanto o comandante compreendia que, mais uma vez, devia a vida ao fiel amigo, pois não percebera que do alto da muralha de trinta metros rolava uma pedra de mais de cinqüenta quilos.
Os terranos conseguiram fazer com que os homens de tronco redondo recuassem mais de três quilômetros.
Através de um sinal luminoso que subiu a boa altura e explodiu em raios vermelhos fortes, o comandante deu a entender ao pessoal da nave, principalmente aos homens da plataforma da torre de artilharia, que já estavam diante da muralha semicircular. Dois foguetes com gás lacrimogêneo explodiram ao lado deles e mais de cinqüenta terranos ficaram com os olhos cheios de lágrimas, maldizendo o produto de suas próprias mãos.
— Atirem os cabos para cima! — ordenou Herzog, enquanto duzentos metros para trás continuavam os foguetes a estourar sobre os bastiões da muralha, a fim de acabar de vez com os franco-atiradores e abrir passagem para os homens de Herzog.
Dez foguetes especiais que levavam as cordas de material plástico para o alto da muralha passaram sibilando na vertical junto ao paredão de trinta metros. A uma determinada altura, calculada pela quantidade de pólvora queimada, desprendia-se automaticamente o estabilizador e assim o foguete entrava numa curva de cem graus, passando para o outro lado da muralha.
Três dos dez foguetes fracassaram. Ao invés de dobrarem a muralha na direção da cidade, mudaram seu trajeto vertical para direção oposta.
Mas sete cordas de náilon já estavam do outro lado da muralha. Sete homens enrolavam os cabos de volta na esperança de que o gancho de ferro em sua extremidade ficasse preso em qualquer saliência das pedras. Cinco vezes se ouviu a expressão:
— Cabo fixado!
As outras duas cordas foram puxadas de volta para o chão.
Começava agora a parte mais difícil da expedição: Galgar trinta e tantos metros em cordas relativamente finas. Já dentro da Explorer, um bom número de voluntários se apresentara para esta missão. Um deles se chamava Tyll Leyden.
— O que é que você não sabe fazer, Tyll? — perguntou Herzog, silenciando pouco depois, pois atrás deles caíam algumas granadas.
— Senhor, dê ordem de manterem a crista da muralha sob fogo constante, que eu sozinho limpo toda a área.
Herzog, agachado ao lado de uma rocha, estava indeciso.
— Isto é suicídio.
— Ficar também parado aqui embaixo, com as granadas caindo, também é suicídio — foi a resposta de Leyden. — Mas, senhor, faça o que achar melhor...
“Leyden, você sabe deixar a gente irritado!”, pensou Herzog. Depois, virando-se para trás, deu uma ordem bem clara:
— Mantenham a crista da muralha sob fogo normal, mas economizem munição.
Quando olhou para o outro lado, Tyll já havia desaparecido.
— E eu considerava este rapaz preguiçoso — disse o comandante consternado.
Leyden já estava perto da muralha, pegou com os colegas algumas granadas lacrimogêneas, meteu-as nos bolsos e segurou numa das cinco cordas de náilon. Neste momento começou o fogo de cobertura. Mas os homens de tronco redondo não pararam de lançar suas perigosas granadas. Vinham da beira da floresta. As primeiras explodiram em distância altamente perigosa para os trezentos homens de Herzog.
Isto, porém, não impediu que Leyden continuasse subindo pela corda. As fendas entre as pedras eram em geral de meio palmo, o que lhe facilitava a escalada. Em poucos segundos estava no alto. O peso que carregava devia atrapalhá-lo um pouco. Pelo menos era o que pensava Herzog, que o acompanhava com olhos preocupados. Tyll, porém, julgava que o que o detinha eram forças brutais, invisíveis.
Ninguém viu as contrações de seu rosto, ninguém ouviu de seus lábios o menor gemido. Ninguém sabia que suas mãos estavam encharcadas de suor e com isso não podia quase segurar a corda.
Já tinha passado da metade dos trinta e tantos metros, e não conseguiu mais prosseguir! Teve de parar. Foi quando alguém gritou-lhe para que olhasse mais para cima. O que viu, então, lhe provocou um calafrio. No canto da amurada, um enorme bloco de pedra era empurrado para fora, centímetro por centímetro. Tyll notou o fogo cerrado das armas por eles fabricadas. Eram seus colegas que tentavam atingir os seres de tronco redondo que empurravam a pedra. Não o conseguiam, porém, o bloco era muito grande e lhes dava boa cobertura contra os terranos.
A mão direita de Tyll pegou a corda dez centímetros para a frente. Tinha que fazer o impossível, se não quisesse ser abatido pelo bloco de pedra. Manteve-se suspenso só com a mão direita; pegando a corda com a outra, fez um laço em torno do pulso esquerdo, apertando-o com o próprio peso do corpo. Olhou na mesma hora para cima. A pedra já estava bem para fora, na iminência de rolar na sua direção. Soltou a mão direita da corda e ficou preso somente pelo laço que dera no pulso esquerdo. Teria ainda tempo para dar outro laço na mão direita?
— Olha a pedra! — gritaram três homens lá de baixo.
Atônito, de respiração presa, o Tenente-Coronel Herzog assistia a tudo. O bloco de pedra despencou do alto. No seu caminho estava um terrano, preso pelo braço esquerdo, a uns quinze metros de altura.
Que fez ele?
Com um galeio forte com as duas pernas, balançou-se para o lado direito, gingando agora de um lado para o outro, como um pêndulo. O bloco de granito passou a pouco mais de um metro de sua cabeça, batendo surdo aos pés da muralha. No galeio de volta, aparou-se nas saliências da muralha irregular. Finalmente parou.
Seu rosto, suas mãos e seus joelhos estavam arranhados, feridos.
“O rapaz conseguiu”, pensava Thomas Herzog, que não perdera Leyden de vista um só momento. “Onde este rapaz arranjou tanta força? Mas por que será que seus movimentos são tão lentos”
Depois de parado, dependurado por dois laços, descansou um pouco, para reunir novas forças. Sabia o que estava dependendo de seu esforço.
A corda de náilon não o preocupava. Não poderia ser cortada por meios comuns. Talvez os habitantes de Impo já tivessem até experimentado cortá-la com faca ou machado. O que lhe causava inquietação eram os grandes agrupamentos dos atacantes que, entrementes, estavam surgindo.
Da altura em que estava via muito mais que seus colegas lá embaixo, aos pés da muralha. Observou também que se abrira um fogo de grande porte contra as tropas inimigas que atacavam, fogo este que tinha seu ponto de partida da plataforma da torre de artilharia. Mas o vento que soprava cada vez mais forte, anulou a ação quase instantânea dos foguetes com bombas de gás lacrimogêneo.
A vanguarda das tropas atacantes de Impo ainda estava a uns dois quilômetros, o que representava uma pausa de meia hora. Mas será que este tempo era suficiente para que trezentos homens transpusessem a muralha?
O jovem cientista desenvolvia um esforço gigantesco e ia subindo sempre mais rápido. Ainda recebeu alguns disparos que não o atingiram, antes de chegar ao alto, com o rosto sangrando, as mãos e os joelhos esfolados. Não teve nem tempo de respirar. Estava preocupado com o avanço dos impôs. Viu pela primeira vez as armas grotescas usadas por eles. Agachado atrás de uma pedra, jogou suas granadas de gás lacrimogêneo contra eles. Aos gritos e em pânico, os impôs debandaram, abandonando a muralha da cidade. Mas o vento favorável lhes levava o gás, e este era a arma mais eficaz.
A escalada da muralha custou aos terranos dezesseis feridos, que foram os últimos a serem puxados para o alto. Das grimpas da muralha fortificada viam toda a cidade que, na hora de sua aterrissagem lhes parecia um montão de ruínas. Viam-se agora como devia ter sido há trinta e oito mil anos: habitada por semi-selvagens e sitiada também por outros semi-selvagens.
As construções davam uma impressão horrenda, confusa, não se podendo falar propriamente em estilo arquitetônico. E os habitantes, que espetáculo constrangedor! Seres de tronco quase esférico, com duas pernas e três braços.
Percebendo a presença dos terranos na muralha, os impôs compreenderam o que isto significava. Aos gritos e em pânico, saíram, quase sem rumo, correndo pelas ruas estreitas e cheias de becos.
— Não sei o que pensar desta civilização — disse Herzog para Gus Orff que estava ao seu lado, olhando perplexo para aquela correria.
— Muito menos eu. Só queria saber por que o Ser nos obriga a ver terríveis e gigantescos fantasmas nestas miseráveis criaturas de um metro de altura. O Ser tem realmente um senso de humor macabro.
Mais ou menos no centro da cidade, o vento fazia surgir no ar uma nuvem de poeira. Herzog e Orff se entreolharam. Um pouco mais para frente, repetiu-se a visão.
Thomas Herzog, manifestou sua opinião.
— Não me vai causar admiração se esta gente está demolindo casas para erguer barricadas.
Os foguetes com carregamento de gás continuavam sua missão. Um disparo luminoso de sinalização anunciou aos trinta homens da plataforma da torre de artilharia que o comando de ataque já havia descido da muralha para a cidade.
Não foi problema passar do alto da muralha para a cidade. Escadas largas e grosseiras, serviam de entrada para as primeiras casas, havendo até em alguns pontos pistas de rolamento, por onde, talvez, levassem seus canhões maiores. Inspecionaram de perto os primitivos canhões, vendo-se na expressão de todos uma clara decepção. Mas, depois, deixaram de zombar da técnica de guerra dos impôs, ao descobrirem granadas de vinte centímetros de diâmetro. Depois de examinar seus detonadores, um dos técnicos disse:
— É uma coisa incrível esta mecânica de precisão. Está em berrante contraste com os canhões de construção tão primitiva. Seria a mesma coisa que, nós terranos, no tempo da pedra lascada tivéssemos os bacamartes do fim da Idade Média e início dos descobrimentos marítimos.
O mistério das granadas e de seus detonadores continuou insolúvel. Com pouco mais de duzentos homens, Herzog começou a atravessar a cidade, a fim de atingir a grande montanha, onde o Ser escondera um ativador. O comandante deixou quatro homens armados junto com os feridos.
A sorte parecia sorrir aos terranos. O vento frio abrandou um pouco quando chegaram a uma ruela estreita. Herzog dividiu sua gente em oito colunas. Seu destino não lhes saía da frente dos olhos, em todas as ruas da cidade, lá estava majestoso o paredão de rocha da montanha, quase que ameaçador. No horizonte, já mudando de posição devido à rotação da lua, via-se o gigante de metanol, o planeta Hércules.
Passo a passo, examinando tudo, os terranos penetraram na cidade em oito ruelas diferentes. Olhavam pelas aberturas das janelas redondas nas casas simples, de construção muito estranha. Não viram um só impo. As casas estavam todas vazias. O grupo de Herzog já estabelecera contato com três colunas. Ninguém, porém, sabia onde estavam as outras.
Mais uma vez irrompeu a artilharia dos antigos habitantes de Impo. As diabólicas granadas vinham de todos os lados, explodindo nas ruelas ou nos telhados das casas baixas. De minuto a minuto o ataque recrudescia e os homens começavam a se inquietar.
Herzog também não podia compreender por que as granadas de gás lacrimogêneo não faziam efeito nos postos de artilharia inimiga. No momento em que se fazia esta pergunta, o chão estremeceu a seus pés. A menos de cem passos deles, houve uma tremenda explosão. Os terranos procuraram abrigo. Nas portas arredondadas das casas, jogavam-se um ao lado ou mesmo em cima do outro, enquanto as vielas lá fora recebiam uma chuva de pedras. Quando, segundos depois, se deu a segunda, a terceira, a quarta e a quinta explosões, os terranos já sabiam com que desespero lutavam os impôs.
Os habitantes da cidade não tinham mais esperança de vencer os invasores gigantes de dois braços, tentavam apenas deter os supostos conquistadores, entupindo com pedras todas as vias da cidade.
Thomas Herzog sabia muito bem que estes impos não existiam mais há muitos milênios neste satélite e que o Ser estava indo longe demais com suas brincadeiras de muito mau gosto. Não ignorava que tudo em volta deles era uma realidade irreal e exatamente isto é que gerava um tremendo desgaste nervoso.
Sem se importar com as granadas que explodiam em toda parte, Herzog deixou seu abrigo e foi, de casa em casa, à procura do grupo que estava incumbido de disparar os foguetes. Em toda a parte a ordem era a mesma:
— Reduzam em quatro quintos a carga de pólvora. Atirem neles para assustar, empurrando-os para a montanha. Tenho de evitar que estes seres de tronco esférico destruam sua própria cidade.
Houve perdas. Três terranos foram atingidos por pedras, se bem que os ferimentos não foram graves. Quando soube do que estava acontecendo, Herzog não gostou. Mais uma explosão forte, na rua em que estavam abrigados, assustou o grupo de Herzog. Um bom número de casas ruiu. Mas, finalmente, o comandante ouviu o sibilar dos foguetes e saiu do abrigo para ver em que direção iriam cair. Ficou aliviado ao perceber que, depois de curto vôo, se inclinavam para o solo.
— É melhor que a metade da cidade derrame lágrimas do que seja destruída, mesmo que o Ser possa reconstruir tudo depois — disse o comandante.
Depois disso, cessaram as explosões, ouvindo-se apenas gritos pelas ruelas.
— É o gás! — disse feliz.
Realmente, o comandante estava contente por terem descoberto um meio eficaz, mas que não prejudicava suas vítimas. Esperava assim chegar o mais rápido possível até o paredão da montanha.
Como iam fazer dali para frente, não sabia. Tinha apenas uma vaga esperança de que a montanha possuísse uma caverna, onde, num ponto de difícil acesso, estaria escondido o ativador...
Não obstante a atenta observação, os trinta homens da plataforma da torre de artilharia da Explorer 2.115 não viam mais os foguetes de sinais luminosos do grupo de combate. Fazia já mais de uma hora que fora disparado um sinal luminoso do alto da muralha semicircular. Desde então estavam indecisos, à espera de um novo aviso para saberem em que direção deviam mandar os foguetes com bombas lacrimogêneas. Tinham receio de atingir seus próprios colegas com os disparos de gás contra a cidade. Por outro lado, seria quase inútil bombardear os agrupamentos dos nativos aos pés da muralha. Não dispunham mais de tantos foguetes para desperdiçar sem objetivos mais eficazes. Já haviam perdido muito mais do que se imaginava. Sobravam apenas cerca de cem peças, sendo que não podiam contar com novo suprimento por parte dos laboratórios nas próximas três horas. Foi-lhes comunicado que o estoque em alguns componentes básicos havia chegado a zero e que sua reposição levaria mais tempo.
Naquela altura de quinhentos metros, tinham um ótimo campo visual sobre todo o vale aos pés da montanha. Constataram que a situação na cidade sitiada estava quase resolvida. Os atacantes estavam colocando escadas para galgarem a muralha.
— Fogo neles! — ordenou o oficial do comando de foguetes. — Atirem apenas três!
Os projéteis vararam o espaço e a pólvora preta produzia tanta fumaça que não era difícil acompanhar a trajetória. Um dos foguetes explodiu antes de chegar à muralha, mas os dois outros atingiram o alvo. Mas isto não representou, no momento, grande vantagem, pois o vento cessara quase por completo e o gás lacrimogêneo não seria espalhado.
Mesmo assim, não via mais um só impo nas escadas. Os guerreiros do sopé da muralha fugiram em pânico, mas os outros, que não foram afetados pelo gás, continuaram onde estavam.
— Finalmente! — gritou alguém da plataforma da Explorer.
Apontava excitado para os bastiões da muralha, mais exatamente para uma torre de observação. De suas espias redondas via-se o clarão ininterrupto das explosões. Eram as granadas que choviam contra a multidão das tropas inimigas, cuja artilharia na beira da floresta também emudecera. A torre estava envolta em fogo cerrado de várias direções. Mas suas paredes de um metro de largura resistiam a tudo.
— Os habitantes da cidade ocupam a muralha de novo! — exclamou o oficial. — Estão chegando pelo outro lado!
Chegou até o rebordo da plataforma, debruçou-se e ficou olhando para a cidade. Do paredão escuro, vinham os defensores da velha cidade, partindo de dois pontos diferentes. Mais granadas arrebentavam na muralha e os prejuízos aumentavam entre os atacantes de fora. Os impôs abriam fogo direto do alto da muralha contra o exército inimigo lá embaixo. Não estavam em nada preocupados com o contra-ataque da beira da floresta, como também não davam mais a mínima atenção à presença da nave terrana. As duas facções já haviam chegado à conclusão de que não se podia fazer nada contra aquela gigantesca esfera de aço.
— Só não compreendo uma coisa. Por que estes seres redondos vêm todos do paredão escuro? — disse o oficial, meneando a cabeça. — Deve, pois, haver do lado de dentro da muralha diversos acessos para o alto dos bastiões. Por que fazer esta volta toda?
— Senhor, olhe um sinal lá na muralha, lá onde os nossos subiram por meio de cordas de náilon! — exclamou um rapaz que estava à esquerda do tenente.
— Não vejo nada... onde? — perguntou o oficial excitado, procurando identificar o lugar.
— Estão abanando com uma bandeira ou talvez com uma camisa... é a mesma coisa. Tenente, ainda não está vendo nada?
Finalmente conseguiu ver o pano agitado de um lado para o outro.
— Já notaram bem o alvo? — perguntou o oficial aos dois grupos que estavam atrás da carreta dos foguetes. — Seis disparos à direita e à esquerda de nosso grupo, bem no alto da muralha.
Partiram os foguetes, mas nem todos atingiram o alvo. Quatro passaram por cima, penetrando na cidade. Um explodiu em pleno vôo. Dois pegaram fogo muito depressa e não chegaram nem até a metade do caminho. Os comentários sobre estes disparos errados causaram muita discussão na plataforma. Mas cinco deles explodiram bem em cima da muralha, espalhando a fumaça escura da pólvora para todos os lados.
— Ainda estão vendo sinais no alto da muralha? — perguntou o oficial ao rapaz.
— Não, nenhum sinal.
O grande vale ovalado parecia um trovão contínuo com o ribombar constante dos canhões. A luta pela cidade, na última meia hora, ganhara muito em intensidade.
— Atenção! — disse outro rapaz da plataforma superior da nave, observando que exatamente a quinta escada de ataque estava desmoronando.
Da central de comando chegou um mensageiro, recebendo do tenente um relatório sobre a situação. Não ocultou que estava muito preocupado com o grupo de combate na cidade. Propôs que se considerasse para este comando o estado de alarma número um. Falava também no seu relatório de um pequeno grupo que, no alto da muralha, pedia S.O.S. agitando farrapos. Não podia saber que se tratava dos dezesseis feridos e dos quatro homens que ficaram para protegê-los.
— Os atacantes estão galgando o alto da muralha — foi o grito de alarma na plataforma.
No mesmo momento esfuziavam uns doze foguetes naquela direção, onde os atacantes, saindo da floresta, tentavam subir as escadas.
Apenas um dos doze projéteis errou o alvo. Dois explodiram entre as escadas, de encontro à muralha. A tropa de assalto ali agrupada devia ser de mil homens.
Foi um quadro sensacional ver os impôs saírem correndo para todos os lados, deixando na mão seus colegas das escadas.
Poucos segundos depois, todas as escadas estavam vazias.
— Formidável! — gritou alguém gargalhando.
O tenente o censurou na hora:
— Não vejo nenhum motivo para rir. Quem sabe você está se esquecendo do Tenente-Coronel Herzog e de todo o seu grupo de combate?
— Senhor, sinais luminosos diante do paredão escuro... ou coisa semelhante... Sim, mas que será isto? Oito vezes vermelho?
Sinal luminoso de oito vezes vermelho não estava previsto. O oficial, bem como todos os demais, estavam lidando pela primeira vez com foguetes de pólvora preta. Que estes objetos antigos, de vez em quando, explodiam fora da hora, era um fato já bem conhecido.
Dos fundos, alguém fez uma observação:
— Este aparente foguete de sinalização pode ser um simples artefato não deflagrado.
O tenente se virou de novo para o mensageiro:
— Volte depressa para a central, diga ao primeiro-oficial que, na minha opinião, temos de mandar imediatamente um comando de ação. Vá correndo.
O mensageiro partiu na mesma hora, pegou a escada e sumiu.
— Quantos foguetes temos ainda?
— Setenta e oito.
O tenente não ficou muito alegre com a notícia.
Nenhum dos oito grupos de combate de Herzog dispunha de um único foguete de gás lacrimogêneo. Também o estoque em granadas de mão chegara a um nível assustador. Estavam encurralados na parte demolida da cidade, entre as ruínas das casas. Não iam nem para frente, nem para trás. Estavam cercados por todos os lados pelos seres estranhamente redondos, que não paravam de atirar. Era tão intenso o fogo que ninguém se atrevia a levantar a cabeça.
Por obra do acaso, Thomas Herzog e Tyll Leyden se achavam abrigados juntos numa verdadeira toca. Três quartos desta estavam cercados de escombros de casas destruídas. O quarto restante, que dava diretamente para o paredão da montanha, se encontrava aberto. Três passos atrás deles, estavam também escondidos e abrigados mais seis homens. No outro lado, alguém gritava do fundo de um porão. Mas, com o barulho infernal dos disparos dos impôs, a voz se perdia. Há mais de um quarto de hora que não era possível comunicação de um grupo com o outro.
Herzog não se irritava e Tyll Leyden, por sua vez, não abria a boca. De maneira que Herzog não podia saber se o jovem cientista tinha ou não medo. Viu quando Leyden colocou cinco granadas de gás lacrimogêneo na entrada da toca.
— Que pretende fazer? — gritou-lhe Herzog.
— Fazer com que eles interrompam um pouco o bombardeio — foi a resposta de Leyden.
Por uns momentos, ficaram os dois prestando atenção aos ruídos de fora. Um ribombar de canhões, mais forte do que nunca, encheu toda a cidade. Os dois se entreolharam e sacudiram a cabeça. Compreenderam que os seres de troncos redondos, até então sitiados, tinham ocupado de novo as muralhas da cidade e agora abriam fogo contínuo contra o exército agressor.
Preocupados, pensavam nos feridos deixados na muralha, nos dezesseis homens com seus quatro defensores.
— Em honra dos mortos existentes em nossas fileiras, em virtude desta palhaçada de mau gosto do Ser, eu gostaria de enforcá-lo — disse Thomas Herzog indignado. — Leyden, que está fazendo?
O jovem cientista já estava de novo a seu lado, mas na beira da toca faltavam duas granadas de mão. Ali estavam apenas três. Numa rapidez incrível e a despeito do intenso bombardeio, Tyll se levantou e atirou duas granadas de gás para o lado direito, voltando num pulo para seu abrigo.
Ouviram, então, gritos desesperados e o fogo cerrado deste lado terminou. Leyden voltou a pegar as outras granadas.
— Por favor, fique de gatinhas!
Não interessava saber, agora, que Herzog era seu superior e seu comandante. O fato é que obedeceu e procurou ficar deitado como lhe fora ordenado.
— Retenha a respiração.
Herzog prendeu o ar no pulmão. Assim não podia protestar, mesmo que o quisesse. Tyll Leyden ficou de pé em suas costas e atirou com calculada pontaria duas granadas por uma fresta do lado esquerdo. Ficara talvez dois segundos nas costas de Herzog, com todo seu peso. Os gritos alucinantes se repetiram também do lado esquerdo e o tenente-coronel percebeu que a situação já não era a mesma, que seu grupo ainda tinha possibilidade de se safar dali são e salvo.
Levando a mão em concha à boca, virou-se para trás e gritou:
— Usem as granadas de mão! Saiam dos abrigos.
Alguém pegou-o firme pelo braço e o puxou. Era Leyden que já estava fora da cova.
“Como é que este rapaz consegue isto”, perguntava a si mesmo Herzog, subindo depressa através dos escombros, sempre puxado por Leyden.
A última ordem de Herzog fora ouvida e cumprida aqui e ali. As granadas de gás estouravam em vários pontos. Uma nuvem os envolveu, causando lágrimas em quase todos. Alguns xingavam em voz alta. Mas era o único meio que tinham para poder sair dali. Notavam que a gritaria dos impôs ficava cada vez mais longe. Abstraindo-se de alguns tiros avulsos e sem rumo certo, a artilharia silenciara.
— Para frente! Continuar a marcha! Comuniquem-se se há alguém desaparecido.
Depois de já terem deixado para trás as ruínas da cidade, comunicaram-lhe que felizmente só havia três com ferimentos leves.
Estavam novamente numa ruela. Contavam na certa que todas as casas estivessem vazias.
— Você pode imaginar para onde foi toda esta gente, Leyden?
A resposta de Leyden foi apenas um movimento com a cabeça.
O avanço dos terranos ia maravilhosamente rápido. Por três vezes enfrentaram ataques esporádicos, vindos das laterais. Bastavam algumas granadas de gás para afugentar os homens de três braços.
— Uma coisa que não posso compreender, Leyden. Por que não nos ocorreu a idéia de entrar em contato com estes nativos de Impo.
Leyden, porém, se fez de desentendido e atirou uma granada de mão numa viela à sua direita. Era um grupo de nativos, que se assustaram tanto com o aparecimento dos estranhos que nem tiveram tempo para sacar as armas. A granada explodiu e os pobres coitados saíram correndo. Mais uma vez, Thomas Herzog olhou com respeito para o jovem cientista. Quantas vezes já entrara em confronto com seu comandante, homem formado na Academia Espacial e de longa experiência, descobrindo perigos imprevistos e reagindo com uma presteza admirável?!
Mas o semblante de Leyden continuava calmo, sem vislumbre de orgulho nem ar de triunfo. Preparado para agir, tinha em cada mão uma granada de gás lacrimogêneo.
Aproximavam-se do paredão escuro sem chamar muito a atenção. A face escura da rocha era tão lisa como uma placa de ardósia.
Em alguns trechos, a rocha apresentava veios arroxeados. A ruela, por onde agora a coluna de Herzog ia a passo acelerado, levava para a montanha em boa subida. Numa curva apertada, Leyden e Herzog pararam de repente. Estavam já na periferia da cidade. A duzentos metros deles, se erguia o paredão íngreme, como a querer furar o céu. Viam agora as duas partes da muralha separadas pela rocha alcantilada.
— Santo Deus! — suspirou Herzog ofegante pela corrida morro acima. — Lá embaixo, Leyden, lá está a população desta cidade!
O rio atravessava as partes fortificadas da cidade e, dentro deste trecho, as águas que provinham da montanha eram, às vezes, dez vezes mais extensas do que o rio no vale. Neste trecho mais largo, sobressaía uma enorme ilha, sem ter, porém, nenhuma ponte que a ligasse com a cidade. Uma estranha muralha circundava toda a ilha. As jangadas ancoradas nas margens evidenciavam o tipo de transporte de que faziam uso os impôs. Herzog e sua gente estavam a uns três quilômetros deles.
Ouviram-se vozes por perto. Eram mais dois grupos que também chegavam à montanha. Traziam cinco feridos, um deles gravemente.
Mais um alarma. Lá embaixo, no rio, os impôs atiravam com bacamartes, obrigando os terranos a procurar abrigo. Herzog prosseguiu a marcha com seu grupo, cuja missão era manter os barrigas-redondas afastados do paredão da montanha.
— E por que não atiramos um foguete contra eles lá embaixo? — perguntou alguém da coluna três.
— Quantos estão sobrando ainda?
— Três.
Herzog sacudiu a cabeça. O grupo recebeu a última ordem de iniciar a ação.
— Provavelmente ainda enfrentaremos situações — explicou Herzog — em que estes três foguetes podem ser a nossa salvação. Temos de achar ainda o ativador, meus senhores! E ao olhar esta montanha lisa, me vem à cabeça a pergunta: Como é que vamos penetrar alguns milhares de metros pela rocha? O ativador deve estar exatamente a quatro mil trezentos e oitenta e um metros para dentro do paredão.
O último grupo atingiu a periferia da cidade.
Por que seria que os homens corriam como se fossem tocados por um fantasma ameaçador? Que estavam dizendo?
— Alarma em nossa astronave! Alarma! Os impos se aproximam com canhões e estão atrás de nós.
Os homens chegavam ofegantes e alquebrados. Seu chefe mal podia parar de pé. Com a respiração entrecortada, fez o relatório a Herzog.
— O quê?! — gritou o comandante. Não podia acreditar. No íntimo ainda mantinha a esperança de que o Ser com suas brincadeiras bobas não ia provocar tantas mortes. E agora tinha de ouvir horrorizado que a oitava coluna só conseguira atravessar a cidade com o alto preço de mais três mortos.
O tenente-coronel estava fora de si.
— Sinal luminoso de emergência!
O foguete sinalizador subiu sibilante, mas sua rota não permaneceu estável. Pendulava de um lado para o outro, chegando cada vez mais próximo da montanha, até que se chocou com ela e explodiu. E, ao invés de três listras vermelhas, surgiram oito no ar.
Os homens olhavam atônitos, porque ninguém mais dispunha de foguetes de sinalização. Perderam todo o estoque ao atravessarem a cidade. Os últimos três foguetes de gás lacrimogêneo foram postos na carreta. Mas ninguém acreditava que isto daria para afugentar os impos e seus canhões. O bombardeio vinha, ininterrupto e cada vez mais forte, da muralha semicircular.
O Tenente-Coronel Herzog estava para dar ordens a Tyll Leyden para que voltasse. Porém, não o fez. Já se podiam ver os primeiros impôs com seus canhões, a quase um quilômetro dos homens de Herzog.
— Nós temos ainda três foguetes de gás — disse alguém perto do comandante.
E Herzog estava exatamente pensando nisto.
Como um enxame de vespas alvoroçadas, os impos irrompiam das ruelas com seus canhões. Os homens de Herzog se protegeram de novo. Todos, menos um: Tyll Leyden. Saiu se esgueirando pelo paredão de pedra escura, examinando bem aqueles seres esquisitos.
— Leyden, volte! — gritou-lhe o comandante.
Talvez o cientista não tenha mesmo ouvido a ordem de seu chefe ou talvez não quisesse mesmo ouvir, pois estava interessado em ver o paredão, que lhe parecia muito mais importante que os impôs e seus canhões.
Mas Herzog não podia mais se preocupar com a ação individual do fantástico cientista. A situação estava cada vez mais ameaçadora.
— Disparar o primeiro foguete! — gritou ele para os homens da carreta.
O fogo chegou ao pavio, o pesado projétil carregado de gás lacrimogêneo, em pequena altura, tomou o rumo das peças de artilharia dos impôs, caindo bem no meio dos canhões. Como das vezes anteriores, o quadro se repetiu: pânico geral, e os barrigas-redondas correram em todas as direções.
Mas a frente de ataque da artilharia dos impos tinha pelo menos duzentos metros de profundidade e a nuvem de gás, num momento de falta de vento, não ia além de uns quarenta metros.
— Senhor, vamos ser atacados de novo! — gritou um homem para o comandante, que estava muitos metros para a frente, observando os impos.
Herzog parecia apático, vendo que não podia fazer mais nada.
— Disparar foguetes dois e três! Olhou de novo para o paredão escuro.
Onde estaria Tyll Leyden? Tinha de ir à sua procura.
Mas o chiado dos foguetes o veio desviar destes pensamentos. Segundos depois, levantou-se o segundo e o último foguete, deixando atrás de si um largo rastro de fumaça, rumo à artilharia inimiga.
Mas, que seria aquilo?
Onde ficaram os dois foguetes? Por que razão os homens gritavam?
E o próprio Tenente-Coronel Herzog começou também a gritar.
O comando de ação deixava a Explorer 2.115 e corria para a rampa de desembarque. Como o grupo de Herzog, o novo comando era composto também de trezentos homens, mas em contraste com seus colegas que se retiravam da cidade, não dispunham de um só foguete. Estavam equipados com as armas primitivas, de fabricação caseira: espingardas e bombas de gás em invólucros plásticos.
Seu primeiro objetivo foi a baixada, querendo depois alcançar a muralha semicircular pela margem do rio, sob a proteção da rampa íngreme. Corriam em passo acelerado para a baixada salpicada de vegetação rasteira. A artilharia das duas facções em luta estrondava da orla da floresta e dos pés da muralha.
Alguém olhou para a cidade, vendo uma coisa em que não queria acreditar, começando então a gritar. Todos olhavam espantados para ele e começaram também a gritar.
De repente parou a marcha acelerada e ninguém mais gritava. Todos estavam de respiração presa. Tinham o horror e o pânico estampados no rosto. Subitamente, um deles exclama:
— Não, não pode ser verdade!... isto não pode existir!...
O elevado paredão escuro, embora estivesse exposto aos fortes raios do sol, estava completamente gelado. Todo ele era liso, mas no local em que estava Tyll Leyden, tinha-se a impressão de que o paredão fora especialmente polido.
Leyden olhou pelo paredão acima, sem se preocupar com o sibilar de dois foguetes que esfuziaram às suas costas. Nem sequer olhou para trás, nem se espantou quando descobriu à sua frente uma trilha que levava para o alto, alargando-se cada vez mais. Também não se preocupou com a gritaria atrás dele. Todos os seus sentidos se concentravam agora no que estava vendo: a montanha se abrindo diante dele. Quase não reparou, de tão extasiado que estava, quando uma brisa agradavelmente morna começou a soprar pela fenda miraculosa. À esquerda e à direita, os cascalhos rangiam como se estivessem sendo esmagados. Era quase inquietante ver como a rocha se abria cada vez mais para a esquerda e para a direita.
“Cem metros de altura”, pensava Tyll Leyden, “pelo menos!”
À sua frente, se abriu inesperadamente um enorme portal de duas folhas, com cerca de cem metros de altura e duas paredes negras, da mesma altura, que também se abriam. Leyden calculou a abertura das duas folhas da porta negra em quarenta metros. Não viu nenhuma caverna escura, mas um corredor também de quarenta metros de largura, tão bem iluminado que parecia estar recebendo os raios diretos do sol, um corredor que levava para os oito mil metros de altura e cujo ponto final ele não podia ver do local onde estava.
Ouviu atrás de si os passos de muitos homens. Virou-se, ainda com o pensamento em outras coisas.
— Oh!... — disse esfregando os olhos.
Mas o quadro não se alterou. Não chegou a ver os trezentos homens que corriam atrás dele. Procurou a cidade, mas não havia mais cidade nenhuma, como também não ouvia mais o fragor dos canhões. Lá estavam apenas as velhas ruínas da cidade morta, as mesmas já vistas quando da aterrissagem da Explorer 2.115. Desapareceu o rio e o trecho da orla da floresta.
O passado deixara de viver! Desapareceu de uma hora para outra, tudo por obra e graça do Ser!
Duas mãos pousaram em seus ombros. O Tenente-Coronel Herzog estava a seu lado, olhando-o sem dizer uma palavra. Esta era, também para Leyden, a melhor linguagem.
O pavor ainda morava no corpo e na mente daquela leva de terranos que sentiam a volta ao seu tempo real com muito mais comoção que Tyll Leyden. Há poucos instantes, sumiram-lhe de vista os dois últimos foguetes, começando simultaneamente a desaparecer também os contornos dos canhões vomitando fogo. As casas baixas, de telhados planos, de portas e janelas redondas, voltaram à insignificância de ruínas. O ribombar dos canhões cada vez mais baixo, até desaparecer totalmente. Assim tudo voltou ao real, diante daqueles homens perplexos e mudos.
Desapareceram os impos, desapareceu a cidade com sua muralha semicircular. Das duas torres imponentes, restaram apenas ruínas da menor delas. Mais ao longe, entre pedras envelhecidas pelos milênios, estava o flagrante contraste da perfuradeira moderna, tendo para operá-la robôs de serviço.
O rio, que cortava a cidade, dissolveu-se aos seus olhos, e ao longe se via a Explorer 2.115 com seus suportes telescópicos apoiados na rocha. Como um manto protetor, o campo magnético envolvia a gigantesca esfera. Este foi um lado dos estranhos fenômenos. O outro não foi menos impressionante...
Os homens viam perplexos como o paredão escuro se abriu para os dois lados, como foi recuando até se abrir em um arco imenso de cem metros de altura por uns quarenta de largura, convidando-os a penetrar na montanha.
— Parem! — ordenou Thomas Herzog. — Até que eu tenha certeza de que o Ser acabou de vez com suas brincadeiras perigosas que nos custaram inclusive vidas humanas... Chega de mortos e feridos!
Herzog e cerca de trezentos homens em volta dele estremeceram de repente. A insuportável gargalhada do imortal lhes veio violenta.
— Thomas Herzog! Como você me julga mal! Minhas brincadeiras jamais foram perigosas. Você devia saber disto. Determine aos seus homens que não escondam de você a visão para a cidade.
Os homens liberaram a entrada. Queriam também saber o que havia lá fora. Um grupo de uns vinte veio correndo para a frente. Depois surgiram mais três.
— Estes são os homens que morreram na luta contra os impos — disse o chefe do grupo, gaguejando.
— Ha! Ha! Ha! Ha!... — gargalhava o Ser novamente. — E quem é de vocês que pode apresentar agora um só arranhão? Thomas Herzog, tive de tomar como simples piada o fato de você querer me enforcar. Por que levou a mal esta simples brincadeira? Com a morte não se brinca, muito menos com a vida eterna. Um ativador espera por vocês. A que profundidade ele está, no coração da montanha, vocês já sabem. Mas não percam tempo em procurá-lo. Somente Tyll Leyden é quem vai encontrá-lo.
A voz parou e trezentos homens olhavam para Tyll Leyden, que ali continuava imóvel. Não tinha nada a dizer sobre a profecia ou a previsão do Ser do planeta Peregrino.
Irrompeu de novo a gargalhada.
— Tyll Leyden — gritava Aquilo — sua piada foi a maior que um terrano já contou. Tyll Leyden, você me diverte.
— O que foi que você pensou, Leyden? — indagou o comandante, se encaminhando para o cientista.
Não conseguia compreender que uma brincadeira pudesse levar o Ser a ficar alegre.
— Esqueça isto! — disse Leyden.
— Eu acredito nele — continuou o Ser, em voz mais branda. — Mas não existe motivo de impedi-los de saber da grande piada. Quando lhes disse há pouco que somente Tyll Leyden era quem iria achar o ativador celular, ele pensou: “Que me interessa este objeto bobo? O que desejo é saber o que existe neste paredão imenso.” Ha! Ha! Ha! Ha!... meu amigo, você me causou surpresa e alegria. É pena que não possa mais ficar na presença de vocês, como de fato, já não estou. O que estão ouvindo agora vem diretamente do ativador celular... tudo foi solucionado por ele. Muitas vezes é fácil e mais prático agüentar estas brincadeiras, principalmente quando se tem que evitar uma região perigosa. Vocês ainda vão ver o que os espera...
Mais uma vez ecoou a gargalhada, que foi diminuindo até sumir.
Da Explorer 2.115 chegaram os primeiros flutuadores blindados e o Tenente-Coronel Thomas Herzog entrou em contato pelo minicomunicador com seu primeiro-oficial. Com o desaparecimento da cidade e dos impos, voltaram a funcionar normalmente todas as instalações da chave. O primeiro-oficial estava querendo experimentar os motores de tração e para isto veio pedir ao comandante que permitisse a volta à espaçonave pelo menos dos técnicos.
Retendo oito técnicos, Herzog ordenou que os demais voltassem para a nave. Mas se assustou com a reação à sua ordem, pois era visível a ganância nos olhos de quase todos, ganância pela imortalidade.
— Meus senhores, dei-lhes a ordem de voltarem para a nave — disse com tom mais enérgico. — Posso lhes pedir este favor agora?
Hesitantes e vagarosos os homens se puseram em movimento. Tyll Leyden se aproximou do comandante e lhe deixou alguma coisa na mão: um desintegrador. Ninguém reparou em tal gesto.
Seus colegas o notaram somente quando, em seguida, o cientista dirigiu-se até a carcaça de um estranho aparelho e retirou lá de dentro... o ativador...
— Ei-lo aqui!... — disse entregando o tesouro cobiçado a seu comandante.
Oito homens de olhos arregalados contemplaram o objeto que tornava imortal quem o possuísse. A calma e a naturalidade de Tyll Leyden testemunhavam seu total desinteresse. Sabia que jamais teria possibilidade de andar com um ativador.
Enquanto o misterioso tesouro passava de mão em mão até chegar de novo às mãos de Herzog, Tyll Leyden ficou observando aquela imensa galeria.
Máquinas espalhadas por todos os cantos funcionavam com leve ruído, a quatro mil metros de profundidade, no coração da imensa rocha, onde estavam os oito cientistas. Nenhum deles descobrira o menor vestígio de explicação para o funcionamento de tudo aquilo. Qual seria a finalidade daquele acúmulo de instalações, em berrante contradição com aquela civilização extinta há muitos milênios?
Um dos cientistas desvendou o mistério:
— Não podem ter sido os impos os construtores desse soberbo conjunto. As dimensões das máquinas e a altura em que estão seus quadros de comando encontram-se em flagrante contraste com a pequena estatura dos seres de tronco arredondado.
Caminhando para o imenso salão das instalações, os terranos se lembraram que, durante as escavações que fizeram com a perfuratriz em redor das ruínas da torre central, acharam, em diversas camadas, sinais de civilizações muito antigas.
— Que idade podem ter estas instalações? — perguntou Gus Orff, um dos componentes do grupo de oito cientistas.
Ninguém se atreveu a dar uma resposta.
Depois disto, Thomas Herzog pegou o ativador e o pendurou no pescoço.
— Vou ficar com ele até voltarmos para a astronave, depois vou guardá-lo em cofre-forte, ficando um comando de robôs encarregado de sua vigilância. Ninguém deve sucumbir à tentação e cometer um... crime.
Tyll Leyden se afastara do grupo novamente e caminhava entre as máquinas estranhas. De repente perdeu o equilíbrio e o chão faltou-lhe... Um campo magnético o pegara e o carregara suavemente para cima. Ao virar a cabeça para trás, viu surgir uma abertura circular no teto e para lá estava sendo atraído. Sentia um bem-estar inexplicável, ao passar pela abertura. Uma luz difusa o envolvia. Não podia dizer se estava dentro de uma grande tubulação. Momentos mais tarde, seus pés encontraram chão firme.
Parou e prendeu a respiração. Estava num recinto diferente.
— Não! — ouviu sua própria voz. — Não é nenhum recinto, não é nenhuma galeria. Isto é a montanha de oito mil metros. Escavaram-na por dentro até uma camada de poucos metros...
Ao olhar para o alto, compreendeu o sentido de tudo aquilo. Leyden julgava estar vendo a Via Láctea... toda a Via Láctea!
Ela flutuava acima dele com seus milhões de sóis, com seus milhões de sistemas, com suas nebulosas e com seus espaços quase sem estrelas. Flutuava a milhares de metros dele e ele estava no centro de uma superfície redonda, calculada por ele com um diâmetro de quatro a cinco quilômetros.
Onde se encontrava?
“Cheguei ao cume da montanha”, pensava ele, quando uma corrente invisível o pegou e levou mais para cima.
Tyll Leyden não acreditava em assombração, era cientista.
Esta instalação que o levara para o alto era dirigida pelos seus fluxos mentais. Mas como era possível uma coisa assim?
“Gostaria de ter chão firme sob meus pés, novamente”, pensava ele com toda concentração.
Era apenas uma experiência. Na mesma hora deixou de flutuar para cima e com a mesma velocidade voltou a descer. Nunca vivera uma situação assim.
Chegando de novo ao chão, olhou para cima.
“Meu Deus!”, pensou assustado. “Quem construiu tudo isto?”
O que estava vendo no alto não era nada de projeção, era puramente a Via Láctea, reduzida milhões de vezes, mas em exatíssimas proporções.
— É uma coisa impossível — balbuciou.
Mas o desejo ardente de ver de mais perto aquele quadro miraculoso, foi-se esvaindo. Enquanto era levado numa trilha suspensa, passou-lhe pela cabeça que era impossível tecnicamente fazer uma miniatura perfeita da Via Láctea. Não se podia jamais pensar em construir um conjunto deste: milhões de órbitas estabilizadas energeticamente e dirigidas entre si... milhões de astros em rotação constante! Quanto mais subia, mais se convencia de estar diante de uma projeção em duas dimensões, mas em virtude de truques técnicos, dando a impressão de três.
De vez em quando, Tyll olhava para baixo e sua visão sobre a superfície circular estava cada vez mais nítida. Não estava totalmente vazia, no lado de fora havia instrumentos, não sendo possível identificá-los de longe.
Sua ascensão terminou de repente. Na sua opinião, devia estar a uns quinhentos metros da projeção. Estava pensando no planeta Hércules com seu sol e suas dezessete luas. Era isto que queria ver na projeção.
Neste mesmo momento, recomeçou sua subida, mas desta vez não vertical, mas em sentido bem oblíquo. Aproximava-se cada vez mais da projeção da Via Láctea. Estava já a menos de cem metros das regiões periféricas dos trechos sem estrelas da Galáxia.
Foi quando julgou, de repente, estar fora da direção que pretendia. Quando se virou, viu abaixo de si um sol miniatura, ficando cada vez menor. Era um minúsculo sol artificial, movendo-se livremente pelo espaço.
— Não! — ouviu seu próprio grito. — Não pode ser! Estou sonhando!
Não estava sonhando não.
Estava cercado de estrelas e muitas delas tinham planetas. E estes planetas, de tamanhos diversos, giravam, em órbitas invisíveis, em torno da estrela-mãe. Era tudo realidade, não havia projeção nenhuma, ali o impossível se tornou realidade. No coração da montanha havia uma Via Láctea em miniatura. O astrônomo e físico Tyll Leyden ficou empolgado com a maravilha.
Um pequeno solavanco lhe veio chamar a atenção. No seu íntimo desejara muito ver o sistema solar onde se encontrava no momento, isto é, onde a Explorer 2.115 aterrissara. Seus pensamentos se concentraram na terceira lua, em Impo. Ofuscado, teve que fechar os olhos. Três pontos de intensa luminosidade pareciam olhar para ele: um sol, um planeta gigantesco, maior que seu sol, e um outro corpo menor. O sol 485, o gigante de metanol e Impo. Leyden chegou até três metros deles. Observou como Impo girava em torno do gigante de metanol e como os três corpos siderais aos poucos esmaeciam.
Será que alguma coisa registrara suas observações e estava preocupada pelo fato de ele saber agora onde se localizavam estes corpos no meio de milhões de sóis?
Bem junto dele, três planetas orbitavam seu sol. Não estava compreendendo algo e tentou tocar num destes planetas. No mesmo momento, deu um grito, pois uma forte pancada fez com que seu braço voltasse à posição normal.
“Será que esta reação é também dirigida?”
Não foi possível responder a si mesmo. Olhou em volta. Sentia grande vontade de ver de perto o maior emaranhado de estrelas da Galáxia.
Foi uma nova experiência. Quem lhe deu a pancada no braço, também o manteve um pouco afastado do seu objetivo. Estava agora a quarenta metros do emaranhado de estrelas.
Leyden desejou também ver a Terra. No mesmo momento, saiu flutuando e o raio transportador o levou pela Galáxia a dentro. Lá estava o Sol, a estrela-mãe do nosso sistema.
Tyll Leyden se esquecera do lugar onde estava, não tendo mais nenhuma noção de tempo. Flutuava a três ou quatro mil metros acima do solo, levado de um lado para o outro pelo raio transportador. Já há muito desistira de procurar explicar a si mesmo a natureza deste raio singular. Contemplando aquela imitação perfeita como um todo, chegou à conclusão de que sua inteligência não seria capaz de entendê-la.
Subitamente, uma idéia maluca lhe passou pela cabeça. Não sabia que continuava sorrindo, desde que ali chegara. Mais uma vez, lhe veio o desejo de ver esta reprodução da Via Láctea como se fosse um observador colocado na Terra. No mesmo instante, teve a impressão de ver a destruição de uma galáxia, com todos os detalhes. O raio transportador o levou para baixo e acima dele se moviam, num jogo inimaginável, milhões e milhões de sóis, numa profusão de luz por todos os lados. Depois subiu novamente e viu contente uma galáxia mais familiar, aquela que conhecia da Terra.
Mas, de uma hora para a outra, Tyll Leyden começou a se sentir culpado de um crime. Não poderia ter provocado a destruição desta fantástica reprodução em miniatura com seu desejo desenfreado? Só então notou que o silêncio em torno dele era opressor. Compreendeu também que o fato de se ter afastado por tanto tempo de seu grupo era uma transgressão de mais de vinte parágrafos do severo regulamento. Provavelmente já haviam providenciado comandos de busca por sua causa.
Pensou em descer. Comparava-se agora a alguém que bebera demais. Mas uma sensação de indescritível felicidade inundava sua alma!
Já era noite escura quando saiu da montanha com um comando de busca e foi muito depois da meia-noite que deixou a cabina do Tenente-Coronel Thomas Herzog. Com ele estavam os astrônomos, físicos e robólogos convocados especialmente.
Na manhã seguinte, após poucas horas de repouso, Tyll Leyden mostrou ao grupo de trinta especialistas o caminho do seu planetário maravilhoso.
Desapareceram as últimas dúvidas sobre seu relatório depois que cada um deles foi apanhado por um inexplicável raio transportador e levado para ver aqueles quadros mirabolantes.
Leyden não estava entre os homens que foram transportados para o alto. Interessavam-lhe muito mais os instrumentos da periferia do grande observatório astronômico, instrumentos estes que, na tarde anterior, vira apenas de cima. Alguns robôs, e arqueólogos perplexos, estavam com ele. Suas medições da idade dos aparelhos acusavam valores de um milhão e trezentos até um milhão e cem mil anos.
Os cientistas achavam irreal tais cifras e como argumento principal aduziam que, neste espaço de tempo tão grande, o maciço da montanha teria perdido pelo menos cem metros, pela ação natural do próprio tempo. Assim, este espaço interno não existiria mais, se fosse mesmo tão antigo assim, como afirmavam os instrumentos de medição. Devia existir ali influências misteriosas que falsificavam o resultado das medições.
Thomas Herzog observava muito o jovem astrofísico. A cada dia, aumentava sua admiração e interesse pelo extraordinário cientista. Em seus movimentos vagarosos, não tomava parte das discussões dos arqueólogos. Estava com os robólogos, ouvindo atento suas explanações.
Ouviu-se de repente um grito. Todos se alarmaram e correram por entre corredores altos e largos, repletos de instrumentos, parando, assustados diante de uma estátua que se movia lentamente em seu pedestal. Este pedestal, porém, não tocava o chão.
Um homem?
Não!
Uma figura esbelta, sem braços nem pernas, uma figura de mais de dois metros que escondia seu corpo sob um véu que lhe caía em dobras. A cabeça não parecia de ser humano. Não tinha boca nem nariz, mas possuía dois olhos e estes brilhavam de dentro para fora. Olhos humanos!
Mas, qual seria o homem que teria nos olhos tanta sabedoria, perspicácia e bondade?
A cabeça estava estilizada, como também a indumentária na forma de um véu caído em pregas. Será que nesta estilização se poderia ver o significado desta figura singular?
— É um dos antepassados, da “velha-guarda”, como dizemos nós — interveio assustado um especialista em robôs. — Um ser dos tempos remotos.
A expressão “velha-guarda” correu de boca em boca. À tarde, os arqueólogos se viam obrigados a confessar que, nestas ruínas e neste planetário fantástico, só podiam falar em milhões de anos. Mediram a montanha de oito mil metros. O maciço montanhoso, com galerias e neve eterna nos pontos mais elevados, devia ter para os arqueólogos mais de um bilhão e meio de anos.
— Onde foi parar esta raça?
Nem mesmo no fim do terceiro dia se podia responder a esta pergunta. Nem com as pesquisas realizadas com a estátua que girava lentamente, cercada por máquinas gigantescas e misteriosas, se podia dizer algo sobre quem criara, na imensidão do passado, este verdadeiro milagre. Mas, que esta raça conhecia toda a Via Láctea, em seus mínimos detalhes, não restava dúvida. A prova cabal ali estava: a fiel reprodução da Galáxia em miniatura. Seu planetário confirmava os altos conhecimentos de Astronomia.
Depois de milhões e milhões de anos, as constelações ainda eram as mesmas!...
A Explorer 2.115 já estava pronta para decolar. Pelo hipercomunicador, Thomas Herzog comunicara ao Grande Administrador Perry Rhodan que estava voltando com um ativador celular. A maior parte de seu relatório, porém, foi dedicada à descoberta do planetário.
À proposta de Rhodan para que deixasse no satélite um grupo de cientistas, Herzog pôde responder:
— Já designei cem homens para ficarem na terceira lua do gigante de metanol.
Depois disto, ligaram-se os motores para o pré-aquecimento. Neste momento o astrofísico Tyll Leyden se anunciou. Era um dos cientistas que ficariam no satélite.
O jovem entrou na cabina de comando. Seus movimentos continuavam ainda extremamente lentos, mas desta vez o comandante não quis chamá-lo de lerdo.
— Acho que descobri alguma coisa, senhor — começou Leyden com sua modéstia. — Agora há pouco, por acaso. Com alguns agrupamentos de estrelas, parece que o miraculoso planetário não está muito cem por cento. Faltam-me os dados para fazer uma comparação exata. Na próxima nave que vier para Impo, será necessário nos trazer material abundante a respeito.
Para Herzog, este particular parecia de pouca importância.
— Isto é tão importante assim, Leyden?
— Como achar melhor, senhor.
— Espere um pouco, Leyden! Não como eu achar melhor, mas como você o diz. O que é que está errado com alguns grupos de estrelas?
— Não sei bem, senhor. Não tive muito tempo para examinar melhor, faltou-me também material para conferir.
— Leyden — começou Herzog, mais curioso — você sabe mais do que me disse até agora. Fale mais claro, por favor.
A resposta do cientista foi calma:
— De fato não sei nada, senhor. Mas antes, no planetário, fui acometido com o mesmo sentimento estranho do dia em que a montanha se abriu na minha frente.
— O que deve constar deste material de comparação, Leyden? Santo Deus, por que não quer falar?
— Providencie para que na próxima nave venham bons mapas siderais, os melhores que houver no Império Unido.
Herzog disfarçou sua decepção, pois esperava outra coisa, algo muito mais sensacional. E tudo não passava de simples mapas.
— Fique tranqüilo que providenciarei tudo. É só isto que deseja?
Tyll respondeu apenas com um sinal de cabeça e Herzog engoliu seu desencanto.
— Gostaria de conversar uma coisa com você. Devo mencionar sua experiência com a Teoria Falton?
— Como achar melhor, senhor!
Herzog perdeu a paciência.
— Leyden, com a sua preguiça de falar, você se torna um homem horroroso, estraga assim toda a sua carreira.
— Isto não tem nenhuma importância para mim. Gostaria muito mais de saber se o raio transportador de Impo já se dissolveu ou não.
— Quer dizer que sua carreira de cientista não lhe interessa?
— Não me tornei cientista para fazer carreira — foi a resposta de Leyden.
Não precisava dizer mais nada. Herzog respirou profundo e olhou para o relógio. Em dez minutos decolaria sua nave. Tinha de tomar as últimas providências. Em certo sentido estava feliz em se despedir de Tyll Leyden. Não suspeitava, porém, quantas vezes ainda seus pensamentos se voltariam para ele.
Kurt Brand
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