Lady Calandra deveria ter vários pretendentes batendo às suas portas.
Mas a super proteção do irmão, o Duque de Rochford, conseguiu assustar todos os pretendentes adequados a mão dela. Todos os homens, exceto o misterioso Conde de Bromwell.
Callie se sente atraída pelo enigmático conde, apesar dos violentos protestos de seu irmão.
Em desafio aos desejos do irmão, Callie tece um plano para se encontrar com Bromwell mais uma vez, e recorre à ajuda da casamenteira Francesca Haughston.
Mas quando segredos sombrios envolvendo o duque e do conde veem à luz, poderá ser demasiado tarde para Callie fugir da armadilha para a qual caminhou...
O baile de aniversário de lady Odelia Pencully era o evento mais relevante do ano, apesar da temporada ainda não ter começado. Não ter sido convidado era causa de escárnio social, e não ir a caso de ser convidado, era impensável.
Lady Pencully tinha laços sangüíneos ou algum tipo de parentesco com a metade das famílias mais influentes da Inglaterra. Era filha de um duque, condessa graças a seu matrimônio, e um dos pilares da alta sociedade; em definitivo, muito poucos ousavam contrariá-la.
Em sua juventude tinha reinado sobre a alta sociedade tal e como o fazia sobre sua família, com uma língua afiada e uma vontade férrea, e apesar de ter optado com o tempo por permanecer durante temporadas cada vez mais longas em sua propriedade campestre e mal fosse a Londres, continuava sendo alguém a ter em conta. Mantinha-se a par dos escândalos e das notícias de última hora graças a sua afeição por receber e enviar correspondência, e quando acreditava que devia dar a alguém o benefício de seu conselho, não tinha nenhuma dúvida em lhe enviar uma carta.
De modo que, quando anunciou que ia celebrar seu aniversário número oitenta e cinco com um grande baile em Londres, ninguém de importância ou com pretensões a subir no escalão social se atreveu a correr o risco de não ir, apesar de que se celebrava em janeiro, a época do ano mais difícil e em que não se realizavam muitos eventos. Nem a neve, nem o frio, nem as dificuldades que implicava abrir uma casa londrina para uma breve visita bastavam para parar os pés das damas da alta sociedade, que se consolavam dizendo, para variar, que esse ano haveria alguém em Londres no inverno, já que todos com certa relevância iriam participar da festa de lady Odelia.
O duque de Rochford, sua irmã lady Calandra e a avó de ambos, a duquesa viúva do Rochford, contavam-se entre os que tinham deixado suas propriedades campestres para ir a Londres. O duque era um dos poucos que poderia ter se atrevido a recusar o convite de lady Odelia, mas tinha decidido não fazê-lo; além de ser seu sobrinho neto e de tratar-se de um homem que tomava muito a sério suas obrigações familiares, tinha vários assuntos pendentes em Londres.
A duquesa viúva tinha decidido ir à festa porque, apesar da irmã mais velha de seu defunto marido jamais lhe ter caído bem, era uma das poucas pessoas que restava de sua geração.
Embora, tal como sempre se encarregava de explicar, lady Pencully era alguns anos mais velha que ela e se tratava de uma das poucas mulheres que a duquesa considerava de sua mesma classe social; em definitivo, lady Odelia era sua igual, apesar de que às vezes mostrava uma chocante falta de boas maneiras.
A carruagem no qual viajavam os três avançava pouco a pouco em uma longa cauda que se estendia por Cavendish Crescent em direção à casa de lady Pencully, e lady Calandra, a mais jovem, era a única que estava entusiasmada com a noitada que se avizinhava.
Seus íntimos a chamavam Callie, e tinha vinte e três anos. Já fazia cinco anos que tinha debutado em sociedade, assim um simples baile, sobre tudo um oferecido por uma octogenária, não a teria entusiasmado muito em condições normais, mas estava há vários meses no Marcastle, a principal propriedade campestre da família Lilles, e aquele tempo lhe tinha sido interminável devido à elevada quantidade de dias chuvosos e à presença constante de sua avó.
A duquesa estava acostumada ficar durante grande parte do ano em sua casa do Bath, onde desfrutava reinando sobre o reduzido e plácido cenário social daquela comunidade, e pontualmente viajava até Londres para assegurar-se de que sua neta estivesse comportando-se com decoro; entretanto, ao término da última temporada social tinha decidido que já era hora de que lady Calandra se casasse, e conseguir que se comprometesse com um cavalheiro apropriado, é obvio se tinha convertido em seu principal objetivo. Por isso tinha optado por não ir ao Bath durante o inverno, e se tinha exposto às frite correntes de ar que açoitavam a histórica propriedade familiar do Norfolk.
Callie tinha passado os últimos meses encerrada por culpa das inclemências do tempo, suportando os sermões de sua avó sobre o rígido comportamento que devia manter e sobre seu dever de contrair matrimônio, e escutando suas opiniões sobre os distintos cavalheiros do reino, assim estava entusiasmada ante a idéia de ir a uma festa em que ia poder desfrutar de suas amizades, das fofocas, da música, e do baile. O fato de que se tratasse de uma festa de fantasia era um estímulo acrescentado, já que além de lhe proporcionar a oportunidade de passá-lo em grande imaginando um disfarce, a noite dava-lhe certo ar de mistério.
Depois de dar voltas e mais voltas ao assunto e de falá-lo com sua costureira, tinha decidido disfarçar-se com uma indumentária própria do reinado do Enrique VIII.
A touca justa de estilo Tudor ficava muito bem, e o intenso tom carmesim do vestido enfatizava seus cachos negros e a palidez de sua pele e, além disso, dava uma pausa a respeito do habitual tom branco ao que deviam ater-se as jovens casadouras como ela.
Callie lançou um olhar a seu irmão, que estava sentado em frente a ela. Como era de esperar, Rochford não pôs nenhum disfarce, e vestia um típico e elegante traje negro de etiqueta com uma camisa branca e uma gravata também branca perfeitamente amarada. Sua única concessão era uma máscara negra que, somada a seu considerável atrativo, dava-lhe um ar romântico e ligeiramente sinistro que bastaria sem dúvida para que a maioria das damas que estivessem no baile suspirassem por ele.
Ao dar-se conta de que estava olhando-o, seu irmão sorriu com afeto e lhe disse:
- Tem vontade de voltar a dançar, Callie?
Devolveu-lhe o sorriso. Embora alguns pudessem pensar que seu irmão fosse um homem distante e frio, inclusive sério, ela sabia que estavam equivocados; simplesmente, era uma pessoa reservada a quem custava abrir-se a outros. Sua atitude não a surpreendia, já que ela mesma tinha aprendido que havia muita gente disposta a congraçar-se com um duque, ou com a irmã de um, com a esperança de obter algum benefício social ou monetário. Estava quase convencida de que Sinclair tinha tido mais experiências amargas nesse sentido que ela, já que o título e a fortuna da família tinham passado a suas mãos quando ainda era muito jovem, e não tinha contado com o amparo e os conselhos de um irmão mais velho.
O pai de ambos tinha morrido quando ela tinha cinco anos, e sua mãe, uma mulher cheia de doçura com um ar constante de tristeza, não se tinha recuperado da perda e haviam falecido nove anos depois. Além de sua avó, o único familiar próximo que ficava era seu irmão, que tinha tido que assumir também o papel de tutor. Como Sinclair tinha quinze anos mais que ela, tinha acabado sendo uma espécie de pai jovem e indulgente, e Callie tinha a suspeita de que tinha aceitado a ir a Londres porque sabia o muito que ela ia desfrutar da festa de sua tia avó.
- Muitíssimas. Parece-me que a última vez que o fiz foi nas bodas do Irene e Gideon.
Tanto os amigos como os familiares do Callie sabiam que era uma moça muito ativa que preferia cavalgar ou passear pelo campo a costurar junto à chaminé, e que nem sequer no final da temporada estava farta de dançar.
- Não se esqueça do Natal - disse o duque, com um brilho travesso no olhar.
- Dançar com meu irmão enquanto a dama de companhia de minha avó toca o piano não conta.
- A verdade é que foi um inverno bastante aborrecido. Prometo-lhe que iremos logo ao Dancy Park.
- Estou desejando voltar a ver Constance e Dominic. Como está grávida, suas cartas transbordam felicidade.
- Não deve falar desse tipo de assuntos com um cavalheiro, Calandra - lhe disse a duquesa.
- Mas só é Sinclair - lhe respondeu Callie com voz serena, enquanto continha a vontade de suspirar com impaciência.
Como estava acostumada às estritas opiniões que sua avó tinha sobre o comportamento adequado de uma dama, esforçava- se por evitar ofendê-la, mas começava a perder a paciência depois de passar três meses agüentando seus sermões. Rochford a olhou com um sorriso enquanto dizia a sua avó:
- Estou a par das maneiras pouco convencionais de minha irmã.
- Ri de tudo o que queira, mas uma dama da categoria de Callie deve comportar- se sempre com a maior das discrições, sobre tudo se ainda está solteira. Um cavalheiro jamais se casaria com uma dama que não se comporte como é devido.
- Nenhum cavalheiro se atreveria a falar mal de Calandra - lhe disse Rochford, enquanto seu rosto adquiria a expressão de gélida altivez a qual Callie chamava para si mesma de seu "rosto de duque".
- É claro que não - se apressou a dizer sua avó - Mas quando uma jovem procura marido, deve ser especialmente cuidadosa com o que diz e faz.
- Está procurando marido, Callie? - Rochford se voltou para sua irmã, e a olhou com expressão interrogativa - Não sabia.
- Não, não estou procurando marido - respondeu ela com firmeza.
- Claro que sim - a contradisse sua avó - Admita-o ou não, uma mulher solteira sempre procura marido. Já não é uma jovem em sua primeira temporada, querida. Tem vinte e três anos, e quase todas as jovens que foram apresentadas em sociedade no mesmo ano que você estão comprometidas inclusive a filha de Lorde Thripp, apesar do rosto de pão que tem.
- Sim, está noiva de um conde irlandês que tem mais cavalos que boas perspectivas… ao menos, isso foi o que me disse a semana passada - disse Callie.
- Espero um marido muito melhor para você, é claro, mas é muito irritante que essa mocinha se comprometeu antes que você.
- Callie tem tempo de sobra para encontrar marido - disse Rochford a sua avó - Asseguro que grande quantidade de pretendentes me pediriam sua mão, se recebessem a mais mínima amostra de encorajamento.
- Sim, mas você nunca encoraja ninguém - disparou sua avó com azedume.
- Não pretenderá que permita que libertinos e caça-fortunas cortejem a Calandra, não é verdade?
- É obvio que não. Rogo que não se faça de idiota, Sinclair - a duquesa viúva era uma das poucas pessoas que não se deixavam intimidar pelo Rochford, e estava acostumada a lhe dar sua opinião sem restrições - A única coisa que digo é que todo mundo sabe que quem mostra interesse em sua irmã não demora para receber sua visita, e são poucos os homens dispostos a lhe fazer frente.
- Não sabia que era tão aterrador - comentou Rochford com calma - E mesmo se assim fosse, custa-me acreditar que Callie pudesse interessar-se por um homem que não tivesse coragem suficiente de falar comigo cara a cara para poder cortejá-la - se voltou para sua irmã, e lhe perguntou:
- Interessa-lhe algum cavalheiro em concreto?
- Não, sinto-me feliz tal e como estou.
- Não continuará sendo a jovem mais cobiçada de Londres de forma indefinida - lhe disse sua avó.
- Nesse caso, que desfrute da situação agora que pode - as palavras firmes do Rochford deram por concluída a conversa.
Callie se sentiu agradecida pela intervenção de seu irmão, e se voltou para a janela. Afastou para um lado a cortina para observar aos convidados que iam descendo das carruagens que tinham em frente, mas não pôde evitar pensar nas palavras de sua avó.
Tinha sido sincera ao dizer que se sentia feliz tal e como estava, ao menos em grande medida. Durante os meses da primavera e verão desfrutava do torvelinho social londrino, dos bailes, das peças de teatro, e da ópera, e durante o resto do ano também se mantinha ocupada. Tinha amizades para visitar, e como ao longo dos últimos meses estreitou sua relação com Constance, a esposa do visconde do Leighton, aproveitava para ir visitá-la quando estava no Dancy Park, já que tal propriedade estava a uns quilômetros do Redfields, o lar do Dominic e Constance.
O duque tinha numerosas propriedades que visitava de forma periódica, e ela estava acostumada a acompanhá-lo. Quase nunca estava aborrecida, já que gostava de montar a cavalo, dar longos passeios pelo campo, e não rejeitava a companhia dos aldeãos nem da criadagem. Levava as rédeas da casa do duque desde os quinze anos, assim sempre estava atarefada. Mas apesar de tudo, sabia que sua avó tinha razão. Já ia sendo hora de que se casasse, porque daí a dois anos iria completar os vinte e cinco, e nessa idade a maioria das moças já estava casadas. Se continuava tal como estava além dos vinte e cinco, não demoraria em considerá-la uma solteirona, e era consciente de que não era um status muito agradável.
O certo era que não tinha nada contra o matrimônio. Não era como sua amiga Irene, que sempre tinha afirmado que jamais se casaria e que tinha mudado de opinião assim que tinha conhecido lorde Radbourne. Ela pensava casar-se, queria ter um marido, filhos, e um lar próprio, mas o problema radicava em que não tinha conhecido à pessoa adequada. Em uma ou duas ocasiões se havia enamorado ante um sorriso masculino que a tinha deixado sem fôlego, ou ante uns ombros largos cobertos por um uniforme de hussardo que lhe tinham acelerado o coração, mas tinham sido teimosias passageiras que não tinham demorado a desvanecer- se.
Não podia imaginar-se tomando o café cada manhã durante o resto de sua vida com nenhum dos homens a quem conhecia, e lhe era inconcebível a mera idéia de entregar-se a algum deles nos vagos, misteriosamente fascinantes, e aterradores ritos do leito conjugal. Tinha ouvido outras jovens falando com entusiasmo de algum ou outro cavalheiro, e se tinha perguntado como seria cair com tão aparente facilidade no profundo abismo do amor. Expor-se aquelas moças conscientes do outro lado da moeda de um amor assim… não podia esquecer as lágrimas que tinha derramado sua mãe, inclusive anos depois da morte de seu pai, nem o triste e lânguido fantasma no que se converteu muito antes de morrer também.
Perguntou se lhe era tão difícil apaixonar-se porque era consciente do sofrimento que podia conduzir o amor, ou se talvez sofresse alguma carência, se havia algo que faltava em seu interior.
Quando a carruagem se deteve diante da escadaria de entrada da mansão e um lacaio abriu a porta do veículo, apressou-se a afastar para um lado aqueles pensamentos tão melancólicos. Não ia deixar que nada, nem as críticas de sua avó nem suas próprias dúvidas, arruinassem-lhe a primeira noitada na cidade.
Depois de comprovar que tinha posto a máscara que lhe cobria meio rosto, tomou a mão que lhe oferecia seu irmão e desceu da carruagem.
Ao entrar no salão de baile os recebeu lady Francesca Haughston, a quem era fácil reconhecer a pesar da máscara de cetim azul que levava. Estava impressionante vestida em tons nata, dourado e azul, e se tinha disfarçado de uma pastora idílica. Sua cabeleira de cachos dourados estava segura com laços azuis que combinavam com o que tinha amarrado sob a manga de seu cajado branco, e vestia uma sobressaia drapeada de cetim azul que revelava a saia branca com babados que havia debaixo. A parte superior de cada dobra estava decorada com uma roseta, e calçava também umas sapatilhas douradas.
- Suponho que estou ante uma pastora de conto de fadas - comentou Rochford, enquanto se inclinava sobre sua mão.
- Pelo que vejo, decidiu não se incomodar em escolher um disfarce - lhe respondeu ela, depois de saudá-lo com uma reverência - Deveria tê-lo suposto. Vai ter que responder ante lady Odelia, estava empenhada em que o baile fora de disfarces.
Lady Francesca apontou para a mulher que estava sentada do outro lado do salão. Lady Odelia estava sobre um estrado, entronizada em uma cadeira de espaldar alto e estofada em veludo azul. Levava uma peruca de cachos alaranjados, o rosto pintado de branco, uma coroa dourada, uma gola alta e engomada que se erguia do vestido por detrás de sua cabeça, um colar de pérolas de várias voltas que caía sobre um corpete de brocado, e um grande número de anéis.
- Ah, a boa rainha Bess - disse Rochford, ao seguir o olhar de Francesca - Suponho que a de avançada idade, claro.
- Que não o ouça dizer isso - lhe advertiu Francesca - Como não pode permanecer de pé durante muito tempo, decidiu receber a seus convidados como uma rainha em seu trono. A verdade é que me parece bastante apropriado - se voltou para Callie, e estendeu as mãos para ela enquanto sorria com afeto - Callie, querida, pelo menos posso contar com você. Está linda.
Callie lhe devolveu o sorriso. Conhecia lady Haughston sempre, já que era irmã do visconde do Leighton e se criara no Redfields, perto do Dancy Park. Como Francesca era alguns anos mais velha que ela, desde menina lhe tinha tido afeto e admiração. Ao casar-se com lorde Haughston partiu do Redfields, mas continuaram se vendo de forma esporádica quando Francesca ia visitar seus pais. Mais tarde, quando ela tinha sido apresentada a sociedade, tinham tido muito contato, porque então Francesca já estava há cinco anos viúva e se convertera em uma das damas mais influentes da alta sociedade. Tinha um estilo impecável, e apesar de seus trinta e poucos anos, continuava sendo uma das mulheres mais formosas de toda a cidade.
- Não posso me comparar a você nem brincando, está deslumbrante - respondeu Callie – Como conseguiu tia Odelia que aceitasse receber aos convidados?
- Fez muito mais que isso, querida. Como não se sentia capaz de organizar um baile em sua própria honra, a tarefa recaiu sobre sua irmã lady Radbourne, e também sobre a nova condessa do Radbourne. Já conhecem Irene, não é verdade? - Francesca se voltou para incluir na conversa à mulher que estava junto a ela.
- É claro - disse Callie.
A alta sociedade era um grupo bastante reduzido, e fazia anos que conhecia lady Irene de forma superficial. Vários meses atrás, tinha começado a conhecê-la melhor como resultado de seu matrimônio com Gideon, lorde Radbourne, que tinha um parentesco longínquo com o duque e com ela.
- Olá, Callie, me alegro de vê-la - Irene a olhou com seu característico sorriso franco – Francesca está contando o muito que abusei de sua boa fé?
- Não foi um abuso - lhe disse Francesca.
Irene pôs-se a rir. Era uma mulher alta com uma densa cabeleira loira e ondulada, e estava deslumbrante disfarçada com a toga branca própria de uma divindade grega. Seus olhos dourados brilhavam risonhos. Era óbvio que o matrimônio lhe tinha feito muito bem, porque estava mais bonita que nunca.
- O que quer dizer é que foi pior que um abuso - Irene olhou a Francesca com afeto antes de acrescentar - Como me é difícil organizar festas, ela se encarregou de quase tudo, assim terá que felicitá-la como tudo ficou tão bem.
Francesca a olhou sorridente antes de voltar-se para receber ao resto de convidados que foram chegando, e Callie avançou pela linha de recepção para Irene e seu marido, lorde Radbourne.
Gideon se tinha disfarçado de pirata, e a vestimenta encaixava bem com sua aparência pouco convencional.
Graças a seu escuro cabelo desgrenhado e a sua considerável corpulência, parecia um homem acostumado a abordar navios para roubá-los em vez de um cavalheiro, e não parecia se incomodar em ter um alfanje seguro sob a larga faixa que levava.
- Boa noite, lady Calandra - lhe disse, antes de saudá-la com uma pequena reverência – Obrigado por vir - esboçou um pequeno sorriso que suavizou um pouco suas feições pétreas - É agradável ver um rosto familiar.
Callie lhe devolveu o sorriso. Todo mundo sabia que Gideon não se sentia confortável entre os membros da alta sociedade, porque devido a uma série de estranhas circunstâncias se criara rodeado de pobreza nas ruas de Londres e tinha sobrevivido graças a seu engenho. Tinha recuperado o lugar que lhe correspondia quando já era um homem feito, e não tinha acabado de encaixar entre a nobreza. Não era muito dado a falar, e de momento se tinha engenhado para evitar ir à maioria dos eventos sociais que se celebravam, mas tinha encontrado o par perfeito, já que igual a ele, Irene não tinha papas na língua na hora de dizer o que pensava nem prestava atenção ao que pudessem opinar os outros. A Callie parecia um homem muito interessante.
- É um prazer estar aqui, o verão em Marcastle estava tornando-se muito tedioso; além disso, me teria sido impensável recusar o convite de tia Odelia.
- Isso mesmo parece ter pensado meia Inglaterra - comentou Gideon, enquanto percorria o salão com o olhar.
- Deixe que a acompanhe até a convidada de honra, Callie - disse Irene, ao tomá-la pelo braço.
- Traidora - resmungou seu marido em voz baixa, embora olhasse com expressão cálida sua esposa - O que quer é aproveitar a oportunidade de afastar-se desta condenada linha de recepção.
Irene soltou uma gargalhada, e olhou lorde Radbourne com um sorriso travesso.
- Pode vir conosco se quiser, Francesca pode ocupar-se dos convidados que vão chegando.
Lorde Radbourne adotou uma pose pensativa, e comentou:
- Devo receber os convidados, ou enfrentar tia Odelia. A verdade é que se trata de uma escolha difícil. Não há uma terceira opção mais atraente, como por exemplo, entrar correndo em um edifício em chamas? - a expressão com a que olhou a sua esposa era quase uma carícia – Será melhor que fique. Com certeza tia Odelia está desejando voltar a me repreender porque não vim disfarçado de sir Francis Drake como ela queria, com um globo terrestre sob o braço.
- Um globo terrestre? - disse Callie à Irene em voz baixa, enquanto iam para lady Odelia.
- Sim, como símbolo de dar a volta ao mundo. A verdade é que não estou convencida de que sir Francis Drake chegasse a circunavegar o globo terrestre, mas esse pequeno detalhe traz sem cuidado à tia Odelia.
- Não estranho que Radbourne não quisesse vir com esse disfarce.
- O que menos graça lhe fazia não era o globo terrestre, mas os calções curtos abalonados.
- Surpreende-me que tenha conseguido que se disfarce. Sinclair só aceitou colocar uma máscara.
- Não tenho dúvida de que o duque tem mais dignidade a perder - brincou Irene – Além disso, tenho descoberto que o poder de persuasão que pode chegar a exercer uma esposa sobre seu marido é incrível. - Seus olhos brilharam atrás da máscara dourada, e seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso cheio de sensualidade.
Callie sentiu que lhe ruborizavam as faces ante o que implicavam aquelas palavras, e sentiu uma familiar pontada de curiosidade. As mulheres não costumavam falar do leito conjugal se havia uma jovem casadoura perto, assim não sabia grande coisa do que ocorria na privacidade do dormitório de um casal; entretanto, assim como à maioria de moças que se criavam no campo, tinha certa idéia da mecânica básica do ato, ao menos entre cavalos e cães. Não podia evitar perguntar-se como eram os sentimentos e tanto as emoções como as sensações físicas que formavam parte daquele ato tão privado. Não podia perguntar sobre o assunto abertamente, é obvio, assim tentava recavar toda a informação possível a partir das conversas alheias que conseguia ouvir e dos comentários isolados que pudessem escapar a alguém. O que acabava de dizer Irene diferia do que tinha ouvido dizer outras mulheres casadas. Embora tivesse feito o comentário em tom de brincadeira, seu tom de voz refletia satisfação, não, mais que isso, sua voz tinha o tom sensual de alguém que desfrutava a fundo da "persuasão" a que tinha feito referência.
A olhou de esguelha, consciente de que era possível que Irene estivesse disposta a falar com ela do assunto. Tentou encontrar a maneira de represar a conversa naquela direção, mas antes que lhe ocorresse algo, olhou para o outro extremo do salão e a mente ficou em branco ao ver um homem apoiado com negligência contra uma coluna. Tinha os braços cruzados, um ombro contra a coluna em questão, e estava vestido de cavalheiro do século XVII.
Usava um chapéu de aba longa com um lado elevado e uma pluma no outro, luvas macias de couro com manoplas largas e longas que lhe cobriam as mãos e parte dos antebraços, calças beje com a parte inferior enfiadas em botas que lhe chegavam até os joelhos, e finas esporas douradas nos calcanhares. Na parte superior vestia um gibão carente de adornos que combinava com as calças, e uma capa curta e arredondada que se atava ao pescoço e ficava segura a um lado atrás da elegante espada que levava a cintura.
Parecia recém tirado de um dos quadros que representavam aos nobres que tinham lutado e morto pelo rei Carlos I. Era um homem elegante, magro e duro, e a máscara escura que lhe ocultava a metade superior do rosto acrescentava o ar romântico e misterioso que o rodeava. Estava contemplando o salão com uma expressão arrogante e de ligeiro aborrecimento, mas seus olhos se detiveram em seco quando se encontraram com os dela.
Apesar do homem não se mover e sua expressão permanecer inalterável, Callie soube de forma instintiva que se pôs em alerta de repente. Seus lábios se curvaram em um sorriso, e tirou o chapéu de plumas antes de saudá-la com uma extravagante reverencia.
Ao dar-se conta de que estava olhando-o embevecida, Callie se ruborizou e se apressou a alcançar Irene.
- Conhece esse homem disfarçado de cavalheiro? - perguntou- lhe em voz baixa.
Irene olhou a seu redor.
- Onde? Ah, já o vejo. Não, parece-me que não o conheço. Quem é?
- Tampouco sei. Parece intrigante.
- Deve ser pelo disfarce - comentou Irene com cinismo - Até o homem mais aborrecido pareceria interessante vestido assim.
- Pode ser - disse Callie, sem muita convicção, enquanto continha a vontade de virar-se para olhá-lo.
- Por fim chegou, Calandra! - exclamou lady Odelia com sua potente voz, ao vê-las aproximar- se do estrado.
- Feliz aniversário, tia Odelia - lhe disse Callie, com um sorriso.
Lady Odelia era uma mulher de aspecto imponente, com ou sem o disfarce da Elizabeth I. Assentiu com majestade, e indicou à Callie que se aproximasse com um gesto digno de uma rainha.
- Aproxime-se para me dar um beijo, menina, e deixa que a veja.
Callie se inclinou obedientemente, e beijou a sua tia avó na face. Lady Odelia a puxou pelas mãos, e a observou antes de dizer com satisfação:
- Está tão bonita como sempre, é a mais bonita de todas - olhou ao Irene, e acrescentou – de todas as mulheres da família Lilles.
Irene assentiu com um sorriso. Era uma das poucas mulheres da alta sociedade que não temia lady Pencully; de fato, caía-lhe bem e gostava de sua forma de ser franca e direta. As duas haviam se enfrentado em algumas discussões intensas que tinham feito com que todo mundo escapasse correndo, depois do que ambas tinham ficado acaloradas, com os olhos cintilantes, e muito satisfeitas.
- Não sei o que acontece com os homens de hoje em dia - prosseguiu dizendo lady Odelia - Em meus tempos, alguém teria caçado a uma jovem como você no mesmo ano de sua apresentação em sociedade.
- Ou melhor, lady Calandra não quer que a cacem - comentou Irene.
- Não tente lhe colocar na cabeça suas idéias radicais, Callie não quer converter-se em uma velha solteirona. Verdade que não, querida?
- Não, tia - Callie conteve um suspiro, e se perguntou se ia ter que passar a noite agüentando aquele assunto.
- É obvio que não! Nenhuma moça inteligente o quereria. Já é hora de que se exponha o assunto a sério, Calandra. Peça a Francesca que a ajude. Sempre pensei que essa jovem tem mais corto que crânio, mas engenhou para conseguir que Irene se casasse, e isso foi todo um milagre.
Irene olhou para Callie com uma careta muito cômica antes de dizer lady Odelia:
- Pela forma em que lady Radbourne e você falam do assunto, parece que foi lady Francesca quem se encarregou de tudo, e que seu neto e eu não tivemos nada a ver.
- Ah! Se o tivesse deixado em suas mãos, ainda estaríamos esperando - apesar de suas palavras, lady Odelia tinha um brilho travesso no olhar.
As duas prosseguiram discutindo em brincadeira, e Callie se sentiu aliviada ao dar-se conta de que Irene tinha desviado a atenção de lady Odelia do assunto de seu celibato. Lançou um olhar de agradecimento a sua amiga, que por sua vez respondeu com um sorriso.
Permaneceu em silêncio enquanto elas foram puxando uma série familiar e inacabável de assuntos sobre os quais adoravam discutir, mas ergueu o olhar quando Irene se calou de repente. Ao dar-se conta de que sua amiga estava olhando para ela, ou melhor, para algum ponto por cima de seu ombro, começou a voltar-se para ver o que lhe tinha chamado a atenção, e nesse momento ouviu uma voz masculina a suas costas.
- Desculpem, alteza, mas venho pedir a esta bela dama que me conceda a seguinte dança.
Callie se voltou de repente, e abriu os olhos como pratos ao encontrar-se cara a cara com o desconhecido disfarçado de cavalheiro.
Callie se deu conta de que aquele homem era inclusive mais interessante de perto. A máscara negra que ocultava a metade superior de seu rosto, ao mesmo tempo enfatizava seu queixo forte e cinzelado e sua boca bem definida e sensual. Os olhos que a observavam através da máscara tinham uma expressão mais cálida do que poderia considerar- se apropriada. Era alto, tinha ombros largos e uma cintura estreita, e transparecia uma poderosa masculinidade que se devia só em parte ao disfarce que levava.
Estava convencida de que não o conhecia, assim tinha sido muito ousado ao convidá-la a dançar; entretanto, apesar de saber que teria que recusá-lo, o certo era que estava desejando tomar sua mão e permitir que a conduzisse à pista de baile. O problema se radicava em que não ia ter a possibilidade de poder aceitar seu oferecimento, porque estava segura de que lady Pencully ia repreender lhe por ser tão atrevido. Conteve um suspiro de resignação, e esperou com pesar as inevitáveis palavras de sua tia avó.
- É claro - disse lady Odelia com satisfação.
Tanto Callie como Irene a olharam desconcertadas, mas ela se limitou a sorrir agradada ao cavalheiro e, ao ver que Callie permanecia imóvel, indicou- lhe com um gesto que se fosse com ele.
- Não fique aí plantada, moça. Vá à pista de baile antes que a orquestra comece a tocar de novo.
Era o que Callie queria fazer, assim não necessitou que o dissessem duas vezes. O fato de que lady Odelia lhe tivesse cada permissão para dançar com aquele homem bastava para cumprir com os requisitos do decoro, e também evitaria que sua avó a repreendesse; entretanto, dançar com um perfeito desconhecido tinha algo de ilícito que lhe era muito excitante.
Apressou-se a posar a mão no braço que lhe oferecia, e, foram para a pista depois de descer do estrado. Era muito consciente do contato daquele braço sob seus dedos, dos músculos duros que se ocultavam debaixo do tecido macio.
- Não deveria dançar com você - ela mesma se surpreendeu um pouco ao ouvir o tom coquete de sua própria voz.
- Por quê? - disse ele, sorridente.
- Não o conheço, senhor.
- Como pode sabê-lo com certeza? Levamos máscaras.
- Estou convencida de que é a primeira vez que nos vemos.
- O principal objetivo de um baile de fantasia é ignorar quem são todos os outros, não é? É de esperar que dance com um completo desconhecido.
Callie sentiu uma estranha calidez ao ver como a olhava, e lutou por aparentar naturalidade.
- Ignorar a identidade de todo o mundo parece um pouco perigoso, não?
- Pode ser, mas por isso é excitante.
- Já vejo. Devo entender que é excitação o que procura?
- O que procuro é prazer, minha senhora - respondeu ele, com um sorriso.
- Seriamente? - Callie arqueou uma sobrancelha. Sabia que teria que cortar pela raiz aquela conversa, mas foi incapaz de resistir ao formigamento que a percorreu ante suas palavras e seu sorriso.
- É claro, o prazer de dançar com você - a julgar pelo brilho de seus olhos, tinha adivinhado o que ela estava pensando.
Estendeu as mãos para ela quando soaram os primeiros acordes de uma valsa, e Callie sentiu que lhe acelerava o coração quando ficaram em posição. Compartilhar uma valsa com um desconhecido era mais ousado que dançar uma dança folclórica com ele. Estavam muito perto um do outro, ela tinha posado uma mão na sua, e ele a rodeava quase por inteiro com um braço. Era um tipo de dança muito íntimo, que estava vetado nas reuniões mais conservadoras das zonas rurais; de fato, inclusive em Londres, ela mesma só a tinha compartilhado com homens com quem já tinha dançado previamente pelo menos uma vez. Jamais lhe teria ocorrido que a dançaria com um desconhecido de quem nem sequer sabia seu nome.
Mas apesar de quão estranha era a situação, não podia negar que gostava de estar em seus braços, e sabia que o rubor que sentia lhe acalorando as faces só se devia em parte ao exercício físico da dança.
Os dois permaneceram em silencio a princípio, e Callie se concentrou em lhe seguir o passo. Sentia-se como na festa de sua apresentação em sociedade, já que tinha medo de equivocar-se ou de cometer alguma estupidez, mas não demorou em se dar conta de que era muito bom bailarino.
Segurava-a pela cintura com firmeza, e seus passos estavam perfeitamente compassados com a música. Começou a sentir-se mais relaxada, assim decidiu desfrutar da experiência.
Ao erguer o olhar para ele pela primeira vez, conteve o fôlego ao dar-se conta de que estava observando-a. Tinha uns olhos cinza que sob a luz tênue do salão pareciam da cor de um céu tormentoso, e sentiu que se perdia em seu olhar. Estavam tão perto, que conseguia ver suas espessas pestanas negras. Perguntou-se quem seria. Não lhe era nada familiar, e embora fosse improvável que um disfarce bastasse para mascarar por completo a uma pessoa, custava-lhe acreditar que não tivessem se encontrado em algum lugar durante os últimos cinco anos.
Ou melhor se tratava de um intruso que tinha aproveitado que a festa era de fantasia para penetrar sem ser convidado mas era pouco provável, porque lady Odelia parecia havê-lo reconhecido.
Possivelmente era uma espécie de ermitão que não gostava da alta sociedade, mas nesse caso, por que tinha decidido ir a aquela festa? A julgar por seu comportamento, não parecia tímido nem insociável.
Talvez levasse uns anos no estrangeiro. Poderia tratar- se de um soldado, de um oficial da armada, de um embaixador, ou de um simples viajante contumaz.
Sorriu um pouco ao dar-se conta de que estava dando rédea solta a sua imaginação. Com certeza a explicação era muito simples; ao fim e ao cabo, não conhecia todos os membros da alta sociedade.
- Eu a adoro - disse ele de repente.
- O que?
- Seu sorriso. Esteve me olhando carrancuda todo o tempo, assim temia ter obtido sua desaprovação sem a conhecer sequer.
- Desculpe - Callie se deteve o dar-se conta do que implicavam suas palavras - Assim admite que não nos conhecemos, não é?
- Sim, admito-o. Não a conheço de jeito algum, estou convencido de que reconheceria a uma mulher como você apesar de um disfarce. Não podem ocultar sua beleza.
Callie se surpreendeu ao notar que se ruborizava. Não era uma jovenzinha inexperiente, assim em condições normais um cumprimento galante não bastaria para perturbá-la.
- E você não pode ocultar que é um adulador terrível.
- Fere-me profundamente, achava que me saia bem.
Callie não pôde conter uma pequena gargalhada, e sacudiu a cabeça.
- O fato de que não nos conheçamos tem fácil remédio - lhe disse ele, ao cabo de uns segundos - Me diga quem é, e eu farei o mesmo.
Callie voltou a sacudir a cabeça. Apesar da curiosidade que lhe inspirava aquele homem, gostava de dançar e flertar com ele sabendo que não tinha nem idéia de quem era ela. Assim não tinha que preocupar- se com os motivos ou as intenções que pudesse ter, não tinha que sopesar cada uma de suas palavras para tentar adivinhar se estava sendo sincero, nem tinha que perguntar se estava flertando com ela ou com uma herdeira.
Inclusive os homens que não necessitavam de seu dinheiro, os que não a cortejavam para consegui-lo, eram conscientes de como era rica. Para eles, sua linhagem e sua fortuna a definiam tanto como seu sorriso ou sua forma de ser. Nunca poderia saber o que teriam opinado sobre ela se tivesse sido a filha de um simples cavalheiro em vez da irmã de um duque, e gostava de saber que aquele homem estava flertando com a Callie de verdade, que se sentia atraído por ela.
- Não podemos revelar nossas respectivas identidades, isso acabaria com o mistério. Você mesmo disse que o objetivo de um baile de fantasia é ignorar a identidade de outros, isso é o que proporciona mistério e excitação.
Ele pôs- se a rir.
- Acaba de me golpear com minhas próprias palavras, minha senhora. Não é justo que uma mulher tão formosa tenha, além disso, um engenho aguçado.
- Suponho que está acostumado a ganhar qualquer discussão.
- Às vezes não me importa perder, mas não é o caso. Lamentaria muito perdê-la.
- Como pode perder algo que não possui?
- Perderia a oportunidade de voltar a vê-la. Como voltarei a vê-la, se desconhecer seu nome?
Callie lançou um olhar coquete.
- Tão pouca fé tem em si mesmo? Parece-me que encontraria a maneira de fazê-lo.
- Sua fé em mim me é muito gratificante, minha senhora - lhe disse ele, com um sorriso - Mas ao menos aceita em me dar alguma pista, não é?
- Claro que não.
Callie estava exultante. Sentia-se maravilhosamente livre em não ser quem era, em não ter que preocupar- se o que dizia poderia prejudicar a seu irmão ou empanar o sobrenome familiar. Era maravilhoso poder ser uma jovem normal durante uns segundos, e flertar sem temor com um cavalheiro bonito.
- Já vejo que devo perder a esperança nesse sentido - disse ele - Poderia me dizer ao menos de que está disfarçada?
- Não adivinhou? – perguntou ela, com fingida indignação - Me sinto desacorçoada, acreditava que meu disfarce era obvio.
- É uma dama da época dos Tudor, disso não há dúvida. Mas não é da época da soberana que escolheu lady Pencully, não, eu diria que pertence ao reinado de seu pai.
- Acertou.
- E é uma rainha, disso não há dúvida - quando ela assentiu com majestade, acrescentou - Deve ser a tentadora Ana Bolena.
Callie soltou uma gargalhada.
- Temo que se enganou de rainha. Não sou uma mulher capaz de perder a cabeça por um homem.
- Katherine Parr, é obvio. Teria que ter adivinhado. Bastante formosa para conquistar a um rei, e bastante inteligente para conservá-lo.
- E o que me diz de você? É algum cavalheiro em particular, ou um dos homens do rei sem mais?
- Um sem mais. A idéia foi de minha irmã, mas tenho a sensação de que sugeriu a idéia em brincadeira.
- Falta-lhe o cabelo adequado, teria ficado bem com uma longa peruca de cabelo negro.
Ele pôs-se a rir.
- Neguei-me com firmeza. Minha irmã tentou me convencer a pôr uma, mas me mantive firme.
- Sua irmã também veio ao baile? - Callie se disse que talvez a conhecesse, e percorreu o salão com o olhar.
- Não. Parei para visitá-la quando vinha caminho de Londres, ela não virá à cidade até que comece a temporada - a observou divertido, e perguntou - Está tentando averiguar quem sou?
- Pegou-me, senhor.
- Pode me tirar essa informação com facilidade, meu nome é...
- Não, não seria justo; além disso, descobrirei sua identidade quando averiguar quem sou e vier me visitar.
- Sério? - arqueou as sobrancelhas, e o brilho que iluminou seus olhos não se devia à diversão - Concede permissão para que a visite?
Callie inclinou a cabeça e fingiu que pensava nisso. O certo era que suas próprias palavras a tinham surpreendido um pouco, e as tinha pronunciado sem pensar. Era bastante ousado lhe dar o visto de bom para que a visitasse um homem a quem acabava de conhecer, sobre tudo antes que ele o pedisse. Sua avó, que era muito convencional, teria se horrorizado ante seu atrevimento, mas apesar de saber que deveria retratar- se, não queria fazê-lo.
- Sim, parece-me que sim - lhe disse, com um sorriso.
A dança terminou pouco depois, e Callie se sentiu pesarosa quando saíram da pista. Ruborizou-se quando ele fez uma reverência e lhe roçou a mão com os lábios a modo de despedida, apesar de sua luva impedir que sentisse o contato diretamente na pele. Enquanto o via afastar-se, perguntou-se quem era, se iria visitá-la, se havia sentido a mesma atração que ela ou se tratava de um sedutor que tinha decidido passar uns minutos flertando. Com algumas perguntas às pessoas adequadas poderia descobrir seu nome, mas preferia continuar sem sabê-lo, porque o mistério aumentava a antecipação e a excitação que sentia.
Não dispôs de muito tempo para seguir pensando nele, porque não demorou em conceder todas suas danças e se a hora seguinte na pista. Estava desfrutando de um descanso necessário, tomando um copo de ponche enquanto conversava com Francesca, quando viu que sua avó se aproximava agarrado ao braço de um homem loiro de aspecto solene, e não pôde conter um gemido.
- O que acontece? - perguntou-lhe Francesca.
- Minha avó se aproxima com um possível pretendente.
- Ah, já vejo - comentou, ao seguir a direção de seu olhar.
- Está obcecada com a idéia de que tenho que me casar quanto antes. Parece-me que acredita que passarei o resto de minha vida sendo uma solteirona se não me comprometer este mesmo ano.
Francesca lançou outro olhar para o casal que se aproximava, e franziu ligeiramente o cenho.
- Acredita que Alfred Carberry lhe convém?
- Acredita que Alfred Carberry conviria a ela. Está na linha sucessória para herdar um condado, mas tendo em conta de que tanto seu avô como seu pai estão vivos e muito sadios, parece-me que não obterá o título até que tenha uns sessenta anos.
- É um homem muito insípido e aborrecido, igual ao resto de sua família. Suponho que não pode evitá-lo, porque vive em um rincão afastado do Northumberland, mas acredito que você não gostaria de ser sua esposa.
- Claro, mas é que se trata de um homem muito respeitável.
- Sim, é uma das razões pelas quais é tão aborrecido.
- Mas para minha avó parece ideal.
- Além disso, tem quase quarenta anos.
- Sim, mas segundo ela, os homens de minha idade tendem a ser frívolos, e se corre o perigo de que façam algo inapropriado. Prefere que sejam insípidos e aborrecidos, e que pertençam a uma boa família. Uma fortuna seria um extra bastante grato, mas não é imprescindível.
- Céus! Possivelmente deveria vir para ver-me. Meu mordomo tem instruções de não deixar entrar em casa a ninguém insípido e aborrecido, seja homem ou mulher.
Callie pôs-se a rir, e abriu o leque para cobrir a boca antes de sussurrar:
- Se minha avó a ouve dizendo algo assim, proibirá-me que vá visitá-la.
- Por fim a encontro, Calandra. É de estranhar que não esteja na pista de baile. Está tão encantadora como sempre, lady Haughston.
- Obrigada, duquesa - Francesca a saudou com uma reverência - Devo lhe devolver o cumprimento, já que esta noite está espetacular.
Aquilo era certo. A avó de Callie tinha uma cabeleira branca como a neve que nessa ocasião trazia presa, era magra, e mantinha o corpo bem erguido. Continuava sendo uma mulher impactante, e em seus tempos tinha sido uma beleza. Como tinha um gosto delicioso na hora de vestir, Callie se considerava afortunada por não ter sido o alvo de suas críticas. A maioria dos problemas nesse aspecto tinham surgido durante sua primeira temporada em sociedade, já que em várias ocasiões sua avó lhe tinha impedido que usasse algum ou outro vestido que não era branco.
- Obrigado, querida - a duquesa aceitou o cumprimento com naturalidade, e sorriu com majestade.
- Conhecem o honorável Alfred Carberry, não é? - voltou- se para o homem em questão, e ajeitou para ficar de frente a Francesca e deixá-lo mais perto de Callie - Senhor Carberry, permita que lhe presente lady Haughston e a minha neta, lady Calandra. Como está sua mãe, lady Haughston? Deveríamos ter um bom bate-papo, porque juraria que não o tinha visto desde as bodas de lorde Leighton - posou uma mão no braço de Francesca ao olhar a Callie e ao senhor Carberry, com o que conseguiu estabelecer uma separação entre os dois pares. Sorriu com indulgência, e acrescentou - certamente aos jovens não interessa nos escutar fofocar. Senhor Carberry, por que não tira calandra para dançar enquanto lady Haughston e eu nos pomos em dia?
Francesca arqueou ligeiramente uma sobrancelha ao ver-se incluída no grupo da duquesa enquanto que o honorável Alfred, que tinha pelo menos sete ou oito anos mais que ela, era considerado um jovem, mas teve que reconhecer que lhe tinham ganho a partida e não pôde evitar admirar a perícia da duquesa; de modo que, depois de lançar um olhar risonho ao Callie, deixou que a dama a afastasse do casal.
- Rogo que não se sinta obrigado a dançar comigo pelo que disse minha avó, senhor - começou a dizer Callie, com um sorriso um pouco tenso.
- Tolices - lhe disse o senhor Carberry, com o tom afável que estava acostumado a empregar com seus familiares mais jovens - Será uma honra dar umas voltas pela pista de baile com você. Está desfrutando da noite, não é verdade?
Callie se resignou ante o inevitável, e se consolou dizendo- se que ao menos lhe seria mais fácil evitar falar com ele enquanto estavam dançando. Sentiu-se aliviada ao ver que começavam a tocar uma alegre dança folclórica quando chegaram à pista, já que assim não teriam nem tempo nem fôlego para conversar, embora por desgraça se tratava de uma peça bastante mais longa que uma valsa.
Enquanto dançava não deixou de percorrer o salão com o olhar, com a esperança de vislumbrar a pluma do chapéu do desconhecido disfarçado de cavalheiro. Depois só teve tempo de sorrir quando o senhor Carberry lhe agradeceu pela dança, porque imediatamente se aproximou seu seguinte par, o senhor Waters. Apenas o conhecia, já que se tinham visto uma única vez com antecedência, e apesar de ter a suspeita de que ia à caça de uma esposa rica, ao menos era um bom conversador e dançava bem.
Quando a dança terminou, o senhor Waters a convidou a dar um passeio pelo salão, e decidiu aceitar. Eram quase dez da noite, assim os convidados não demorariam a passar para jantar a um salãozinho que havia no lado oposto do corredor. Tinha medo de que sua avó fosse procurá-la com alguém "apropriado" que pudesse acompanhá-la ao jantar, assim queria tentar evitá-la de momento. Quando começaram a percorrer a periferia do salão, seu acompanhante começou a conversar de banalidades como a grandiosidade do lugar, como era animada a música, ou o calor que fazia depois de dançar, e finalmente se deteve o chegar a uma das portas que davam a terraço, que estavam abertas para deixar entrar um pouco de ar fresco.
- Aqui se está muito melhor, não é? Dançar pode chegar a acalorar o bastante.
Callie, que começava a acreditar que não era um conversador tão interessante como tinha acreditado, assentiu distraída. Voltou a percorrer o salão com o olhar e por fim localizou a sua avó, mas teve que conter um gemido ao ver que estava falando com lorde Pomerade. Custou-lhe acreditar que estivesse planejando martirizá-la com a companhia daquele homem sofrível. Era mais jovem e menos insípido que o senhor Carberry, mas era tão arrogante, que acreditava que aos que o rodeavam era interessante até o último detalhe de sua existência.
- Esse par fez o mais sensato - comentou o senhor Waters.
- O que? - Callie seguiu com o olhar fixo em sua avó.
Ele lhe indicou o terraço com um gesto, e disse:
- Sair para tomar um pouco de ar fresco.
- Sim, suponho que sim - ao ver que sua avó se voltava para percorrer o salão com o olhar, Callie soube sem dúvida que estava procurando-a, assim virou de repente para lhe dar as costas e se apressou a dizer - Sim, têm razão, ar fresco - sem mais, saiu apressadamente ao exterior.
Seu surpreso acompanhante duvidou por um instante antes de sorrir e de apressar-se a segui-la.
Callie se afastou rapidamente do salão, e foi para a zona mais afastada e escura do terraço. Tinha os braços e o pescoço desprotegidos ante o ar invernal, mas como estava acalorada pelo baile e o ambiente carregado do salão, o afresco lhe foi agradável no momento. Deteve-se quando chegaram ao corrimão que marcava o limite do terraço superior, consciente de que sua avó não poderia vê-la nem que lhe ocorresse aparecer pela porta que dava ao salão.
- Sinto muito - disse a seu acompanhante com um sorriso - Terá acreditado que estou louca ao ver- me sair de forma tão apressada.
- Não, louca não. Pode ser que um pouco impetuosa - Waters lhe devolveu o sorriso, e a segurou pelas mãos - Devo supor que estavam tão ansiosa como eu por conseguir que estivéssemos a sós - enquanto Callie o olhava estupefata, levou uma de suas mãos enluvadas aos lábios e a beijou. - Não tinha percebido, tinha esperanças, mas não me tinha atrevido nem a sonhar que me correspondesse.
- O que? - Callie tentou soltar-se, mas ele a agarrava com muita força.
Nesse momento, deu-se conta do engano que tinha cometido ao tentar escapar das maquinações de sua avó. Se tivesse tratado de outro cavalheiro, de algum ao que conhecesse melhor, não teria havido nenhum problema, já que sem dúvida o homem em questão se teria limitado a rir ante seu apuro com a duquesa, e lhe teria devotado sua ajuda; entretanto, estava claro que o senhor Waters tinha interpretado mal a situação ou possivelmente tinha decidido aproveitar a oportunidade para tentar conquistá-la, porque ela continuava suspeitando que se tratava de um oportunista.
Retrocedeu um passo, mas ele avançou para ela sem soltar a sua mão e a olhou com ardor ao dizer:
- Sem dúvida sabe como são profundos meus sentimentos por você, o amor que arde em meu coração.
- Não! Temo que me interpretou mal, senhor Waters. Solte-me a mão, por favor - lhe disse com firmeza.
- Antes deve me responder. Lady Calandra, rogo que faça realidade meus sonhos.
- Não continue, senhor Waters! - Callie puxou a mão com força, e conseguiu soltar-se - Sinto lhe ter dado uma falsa impressão sem querer, mas rogo que demos por resolvida esta conversa.
Tentou ir para a porta do salão, mas ele a deteve ao agarrá-la pelos braços.
- Me escute, por favor. Amo-a, Calandra, meu coração e minha alma ardem por você. Rogo que me diga que me corresponde, que em seu coração brilha uma faísca...
- Detenha-se imediatamente - lhe ordenou Callie com firmeza - Será melhor que voltemos para o salão, e que esqueçamos o que aconteceu.
- Não quero esquecê-lo. Cada momento que passo a seu lado tem um valor incalculável para mim.
Callie chiou os dentes. Não suportava suas palavras enjoativas, e cada vez, estava mais convencida de que não era sincero. Aquele homem não sentia nada por ela, o único que lhe interessava era seu dote, assim decidiu deixar de tentar mostrar- se considerada.
- Certamente quererá esquecê-lo assim que conte a meu irmão! - disparou, antes de tentar soltar-se com um puxão.
Ele afundou os dedos em seus braços com mais força para continuar segurando-a, e esboçou um sorriso. Sua fingida atitude carinhosa se desvaneceu tão rápido como tinha surgido.
- Acaso pensa dizer ao duque que esteve flertando com um homem no terraço? – disse-lhe com ironia -Vamos, faça. Suponho que insistirá em que nos comprometamos imediatamente.
- É um néscio se de verdade se acredita em algo assim. Não estive flertando com você, e quando lhe contar o que se passou, terá sorte se não lhe arrancar a cabeça.
- Sério? - seus olhos se iluminaram com uma luz muito inquietante - Estará tão ansioso por desfazer-se de mim se sua reputação está danificada sem remédio? Atraiu-a para si com um puxão, e se inclinou para beijá-la.
- Não! - o grito abafado de Callie foi uma mescla de fúria e frustração.
Ergueu as mãos para empurrá-lo enquanto lutava com ele, afastou o rosto a um lado, e lhe deu um bom pontapé na tíbia. Waters soltou uma maldição enquanto tentava controlá-la, e a arrastou pelo terraço até conseguir segurá-la contra a parede. Ao sentir o contato da pedra através do fino tecido do vestido, Callie fincou os dedos em sua camisa, agarrou toda a carne que pôde, e a retorceu em um forte beliscão que fez que ele soltasse um grito muito gratificante.
De repente, alguém agarrou por trás de seu atacante, separou-o dela de um puxão, e o agarrou pelo pescoço com força. Callie ficou boquiaberta ao ver que se tratava do desconhecido disfarçado de cavalheiro.
- O que acontece, não tem nada que dizer? - disse o homem ao Waters. Apertou-lhe o pescoço com mais força, e Waters abriu os olhos como pratos enquanto lutava por respirar - Não é tão valente quando não enfrenta a uma mulher indefesa, não é?
- Por favor, não o asfixie - disse Callie com voz um pouco trêmula, enquanto se afastava da parede.
- Está segura? Parece-me que o mundo não sentiria falta deste indivíduo.
- Não acredito que lady Odelia gostasse de encontrar a um morto em seu terraço durante sua festa de aniversário - comentou Callie com ironia.
O cavalheiro sorriu, e afrouxou um pouco a mão com a que segurava ao Waters.
- De acordo, soltarei- o se for o que quer.
Waters tomou uma baforada de ar, e disse:
- Lamentarão.
O cavalheiro o silenciou na hora ao lhe apertar de novo o pescoço, e comentou:
- Já o lamento - o soltou e o agarrou pelos ombros com um movimento brusco, fez- lhe dar meia volta, e o empurrou de costas contra o corrimão. Agarrou-o pela gola da camisa, e o inclinou para trás - Não sei se está bastante familiarizado com a casa de lady Pencully para saber que daqui até o jardim há uma queda de sete metros. Eu em seu lugar teria isso em conta antes de voltar a nos ameaçar. Lady Pencully não gostaria que alguém caísse do terraço na noite de sua festa de aniversário, mas não demoraria a superá-lo. A ninguém pareceria estranho que um convidado ébrio caísse pelo corrimão e se estrelasse contra o chão de pedra que fica justo debaixo, e como você estaria morto, ninguém poria em dúvida minha versão dos fatos. Expressei- me com clareza?
Waters, que tinha os olhos como pratos, limitou- se a assentir emudecido.
- Bem, já vejo que nos entendemos o um ao outro - o cavalheiro retrocedeu um pouco para que Waters pudesse endireitar- se, mas não o soltou. Olhou-o nos olhos, e acrescentou - Se chegar ouvir uma só palavra sobre este incidente, ou algum rumor sobre esta jovem dama, saberei de onde saiu e me ocuparei de você, assim lhe sugiro que mantenha a boca bem fechada; de fato, parece-me que seria boa idéia que se afastasse de Londres quanto antes. Fará-lhe bem passar uma longa temporada no campo. Está claro?
Waters se apressou a assentir. Não se atrevia a olhar nem ao cavalheiro nem à Callie.
- De acordo. Venha, saia daqui - o cavalheiro o soltou e retrocedeu, e quando Waters partiu a toda pressa, voltou-se para o Callie e lhe disse - Está bem? Machucou-a?
Callie estremeceu, e se deu conta de repente do frio que tinha.
- Estou bem. Obrigada, eu... - foi incapaz de prosseguir.
- Tome, faz frio - tirou a capa, e a pôs sobre os ombros.
- Obrigada - Callie se aferrou ao objeto, e o olhou em silêncio. Seus olhos pareciam luminosos sob a luz tênue, e estavam inundados de lágrimas.
Ele respirou com força, e comentou.
- É muito bela. Não é de estranhar que um descarado como esse tentasse aproveitar-se de você, não deveria sair do salão com alguém assim.
- Já sei, fui uma idiota - Callie esboçou um pequeno sorriso trêmulo. - Não sou tão ingênua para sair o terraço com um desconhecido, mas é que estava tentando evitar minha avó, e agi de forma impulsiva.
- Por que queria evitá-la? Acaso é uma avó malvada? – perguntou ele em tom de brincadeira.
- Não, mas gosta de me procurar possíveis pretendentes.
- Já vejo. As avós são quase tão temíveis como as mães na hora de fazer de casamenteiras.
- Foi muita sorte que apareceu de forma tão oportuna. Estou em dívida com você, obrigada por me resgatar. - Callie estendeu a mão com solenidade.
Ele tomou entre seus dedos, ergueu- a até seus lábios, e lhe beijou o dorso com suavidade.
- Satisfaz-me ter podido ajudá-la, mas não foi questão de sorte. Vi que a conduzia para a porta, e desconfiei de suas intenções.
- Estava me observando? - Callie se sentiu feliz ao pensar que, enquanto ela tentava localizá-lo entre a multidão, ele tinha estado fazendo o mesmo.
- Estava cruzando o salão para lhe pedir outra dança, mas os músicos deixaram de tocar e me dava conta de que era a hora do jantar. Então vi que esse indivíduo a conduzia para o terraço.
- Foi muito amável ao nos seguir.
- Qualquer outro homem teria feito o mesmo.
- Não todos - disse Callie com um sorriso. Baixou o olhar até suas mãos unidas, e acrescentou - Ainda não me soltou a mão, senhor.
- Sim, já sei. Quer que o faça? - sua voz adquiriu um tom sensual.
Callie o olhou nos olhos, e sentiu que lhe acelerava o coração.
- Né... não, a verdade é que não.
- Bem, porque eu tampouco quero. - Roçou- lhe o dorso da mão com o polegar, e Callie sentiu o efeito da pequena carícia em todo o corpo.
- Parece-me que mereço uma pequena recompensa por ter afugentado a esse descarado.
- O que quer? – perguntou ela, quase sem fôlego. Estavam tão perto, que podia sentir o calor de seu corpo masculino e cheirar o aroma de sua colônia. O coração o martelava no peito, mas não de medo como com o senhor Waters, mas sim de excitação.
- Que me diga como se chama.
- Calandra - lhe disse ela com voz suave.
- Calandra - repetiu ele em voz baixa, como saboreando cada sílaba - É um nome mágico.
- Eu não diria tanto. Meus íntimos me chamam Callie.
- Callie - ergueu sua mão livre, e acariciou a linha de seu queixo com o polegar - Sinta-se bem.
- Mas agora não estamos em pé de igualdade, porque eu continuo sem saber como se chama.
- Bromwell. Meus amigos me chamam Brom.
- Brom - disse Callie com voz abafada. A carícia de seu polegar fazia que lhe fizesse cócegas a pele, e sentia um torvelinho de sensações percorrendo a dos pés a cabeça.
- Em seus lábios soa muito melhor - disse ele, enquanto lhe traçava o lábio inferior com o polegar. Enquanto seguia o movimento de seu próprio dedo com o olhar, seus olhos se iluminaram ainda mais e seus lábios se suavizaram.
Callie sentiu que uma estranha calidez ia expandindo- se por seu abdômen. Ao ver que se inclinava um pouco mais para ela, soube que estava a ponto de beijá-la, mas em vez de duvidar ou de tentar afastar-se, ergueu-se para ele e sentiu uma explosão de calor em seu interior quando seus lábios se encontraram.
Começou a tremer, e as terminações nervosas de seu corpo pareceram cobrar vida, e centrar-se no movimento lento e maravilhoso da boca daquele homem sobre a sua. Nunca antes havia sentido algo assim. Tinham-lhe roubado um ou dois beijos, mas nenhum deles tinha sido tão doce e ardente, nunca tinha experimentado o que sentia ante a pressão aveludada daqueles lábios. E nenhum dos homens que a tinham beijado com antecedência tinham movido a boca contra a sua, nenhum lhe tinha aberto os lábios e a tinha penetrado com a língua.
Aquela carícia tão íntima a sobressaltou, mas sentiu uma onda de prazer. Soltou um som abafado que refletia uma mescla de surpresa e de excitação, e ergueu as mãos de forma instintiva para abraçar-se ao seu pescoço. Ele a rodeou com os braços, e a apertou com força contra seu corpo musculoso. O mero toque da pluma de seu chapéu na face a estremeceu, mas ele soltou um gemido rouco cheio de desejo e frustração, puxou- o de uma vez, e o lançou a um lado enquanto a beijava com paixão crescente.
Callie se agarrou a seu gibão enquanto sentia que caía, que se inundava em uma voragem de desejo, e se sentiu ao mesmo tempo ansiosa, temerosa, e mais viva e exultante que nunca. A calidez de seu corpo masculino a envolvia por completo. De repente, ele ergueu a cabeça e a contemplou com a respiração ofegante; depois de uns segundos, levantou uma mão e ergueu a máscara de Callie para poder lhe ver o rosto.
- É tão bela - sussurrou com voz entrecortada, antes de tirar sua própria máscara.
Callie se surpreendeu ao dar-se conta de que era inclusive mais atraente sem o efeito acrescentado da máscara. Tinha maçãs do rosto altas e marcadas que enfatizavam a força de seu queixo, e suas sobrancelhas negras e retas acentuavam o tom cinza de seus olhos. Embora não fosse dada às imagens poéticas, disse- se que tinha o rosto de um anjo, mas não dos de harpa e nuvens esponjosas, mas sim dos aguerridos que protegiam as portas do céu com uma enorme espada.
- E você também - o disse sem pensar, e se ruborizou ao dar- se conta de quão muito inocente tinha sido o comentário.
Ele soltou uma pequena gargalhada tremente, e lhe disse com voz rouca:
- Minha querida Calandra, corre perigo estando aqui comigo, a sós.
- Acha que não posso confiar em você? - perguntou-lhe ela com incredulidade.
- Acho que é perigoso que confiem em qualquer homem, tendo em conta seu aspecto e o efeito que provoca - sua voz enrouqueceu ao pronunciar o último. Desceu a palma da mão por seu braço pouco a pouco, e a afastou com relutância antes de retroceder um passo - Deveríamos entrar - disse, antes de lhe devolver a máscara.
Callie tomou a contra gosto. Não queria afastar-se dele, nem pôr fim a aquele momento e às novas sensações que a inundavam, mas o fato de que aquele homem insistisse em que deviam retornar ao salão fortaleceu ainda mais o que sentia por ele.
- Quer saber meu nome completo? - perguntou-lhe, sorridente.
- Assim seria mais fácil, mas asseguro que a encontraria fosse como fosse.
- Então, deveria vir ao... - Callie se interrompeu ao ouvir a voz de seu irmão a suas costas.
- Callie? Calandra!
Voltou-se de repente, e olhou para o extremo oposto do longo terraço. O duque estava justo diante da porta, olhando a seu redor, e avançou um pouco mais enquanto voltava a chamá-la com expressão carrancuda.
- Maldição!
Seu acompanhante arqueou as sobrancelhas ao ouvi-la resmungar em voz baixa uma palavra tão pouco feminina, e sufocou uma gargalhada antes de dizer:
- Já vejo que não se entusiasma vê-lo.
- É meu irmão, e certamente põe o grito no céu. Enfim, não serve de nada esperar. Será melhor passar o mau pedaço quanto antes - Callie foi para seu irmão com a confiança própria de alguém que jamais tinha recebido nenhum castigo além de alguma pequena reprimenda.
Seu companheiro a seguiu, e a alcançou justo quando ela exclamou:
- Estou aqui! Deixa de gritar, Sinclair. Não aconteceu nada.
Rochford se relaxou visivelmente, e se apressou a ir ate eles.
- Que demônios faz aqui fora? Está bem?
Nesse momento chegaram à zona iluminada do terraço, e Callie ouviu que seu acompanhante inalava com força e se detinha em seco. Começou a voltar-se para ele para lhe perguntar o que passava, mas se deu conta de que seu irmão também parara de repente e estava olhando-o com fúria.
- Se afaste de minha irmã!
Callie ficou atônita ante a desacostumada falta de educação de seu irmão, e o olhou boquiaberta antes de apressar-se a aproximar- se dele.
- Por favor, Sinclair! Interpretou mal a situação - lhe disse, enquanto estendia a mão para ele em um gesto pacificador.
- Entendo-a à perfeição - lhe disse ele, sem afastar os olhos do cavalheiro.
- Não, não tem nem idéia - declarou ela com firmeza - Este homem não me fez nenhum dano; de fato, ajudou-me.
Voltou-se para seu acompanhante, e viu que estava olhando a seu irmão com uma expressão igualmente de pétrea. Conteve um suspiro de exasperação ante aquele comportamento tão tipicamente masculino, e disse:
- Permita que o apresente a meu irmão, o duque do Rochford.
- Sim, já o conheço - lhe respondeu o cavalheiro, com voz gélida.
Callie olhou de um ao outro, e se deu conta de que havia uma estranha tensão entre ambos que não tinha nada que ver com o fato de que ela tivesse estado no terraço com um homem.
- Lorde Bromwell - saudou-o Sinclair, com uma atitude inclusive mais rígida que antes. Sem voltar-se para olhar para Callie, disse-lhe - Volte para o salão, Calandra.
- Não - respondeu ela - Sinclair, seja razoável e deixe que lhe explique.
- Callie! - a voz de seu irmão pareceu estalar como um chicote. - Já me ouviu, volte para o salão.
Callie se sentiu doída por seu tom de voz, e notou que se ruborizava. Sinclair estava tratando a como se fosse uma menina a quem deveria mandar à cama.
- Não me fale assim, Sinclair!
Ele se voltou para ela de repente.
- Disse-lhe que entre. Já!
Callie respirou fundo enquanto se debatia entre a fúria e a dor. Esteve a ponto de protestar, de lhe exigir que não a tratasse assim, mas se deu conta de que não podia provocar uma cena tão desagradável durante a festa de lady Odelia. Em qualquer momento poderia sair alguém; de fato, nem sequer sabia se havia alguém escutando no jardim. Não queria que a vissem discutindo com seu irmão, já estava bastante morta de calor por ter sido tratada como uma menina diante daquele homem a quem ma conhecia.
Fulminou a seu irmão com o olhar, mas engoliu suas palavras. Depois de despedir-se de lorde Bromwell com uma tensa inclinação de cabeça, foi para o salão sem fazer nenhum comentário.
O duque se limitou a observar ao outro homem em silêncio até que Calandra desapareceu pela porta, e então disse com voz firme:
- Deixem em paz a minha irmã.
Aquelas palavras pareceram fazer graça ao Bromwell, que cruzou os braços e o observou durante uns segundos antes de dizer:
- Que irônico é ver o duque do Rochford tão preocupado pela honra de uma jovem, mas suponho que a situação é diferente quando a dama em questão é a irmã do duque, não é?
Pôs-se a andar para o salão, mas se deteve em seco quando Sinclair o agarrou pelo braço. Depois de baixar o olhar para a mão que o segurava, voltou a erguê-lo e olhou ao duque com expressão gélida.
- Ande com cuidado, Rochford - disse com voz suave - Não sou o moço de há quinze anos.
- Sério? - Rochford o soltou antes de acrescentar - Naquele tempo foi um néscio, mas agora é um verdadeiro louco se acha que vou permitir que machuque a minha irmã.
- Parece-me que lady Calandra é uma mulher adulta, Rochford. E é você o louco, se acha que pode evitar que seu coração escolha o caminho que gostar.
- Maldição, Bromwell advirto-o mantenha-se afastado de minha irmã.
Lorde Bromwell o olhou com expressão inescrutável, e se foi dizer uma palavra.
Callie estava furiosa. Não recordava ter estado tão zangada, nem com seu irmão nem com ninguém, em toda sua vida. Era inconcebível que se atrevesse a lhe falar como se fosse seu pai, e ainda por cima diante de um desconhecido.
Tinha um nó na garganta e lhe ardiam os olhos, mas se negava a chorar. Não queria que ninguém percebesse de como estava afetada.
Atravessou o salão sem olhar nem a direita nem a esquerda. Nem sequer estava segura do que pensava fazer, só sabia que queria afastar- se tão rápido quanto fosse possível do que acontecera no terraço. Apesar da fúria que a cegava, notou que o salão estava quase vazio, e que os músicos já não estavam no pequeno cenário que se montara para eles.
Ao dar- se conta de que os convidados deviam estar no salãozinho que havia ad outro lado do corredor, desfrutando do bufei que se dispusera a modo de jantar informal, dirigiu- se para ali; no último momento, recordou que ainda levava vestida a capa da fantasia de lorde Bromwell, assim a tirou e a dobrou apressadamente.
Quando entrou no salãozinho, olhou a seu redor e por fim localizou a sua avó. Estava sentada em uma pequena mesa com tia Odelia e outra mulher mais velha, e cada uma delas tinha em frente um prato transbordante de delícias. Lady Odelia estava falando sem cessar, e a duquesa, cujas costas erguidas não tocavam o espaldar da cadeira, escutava-a com cortesia, mas com os olhos empanados de aborrecimento.
Foi para a mesa, e assim que a viu chegar, sua avó lhe disse:
- Onde se meteu, Calandra? Não a encontrava em nenhuma parte, assim pedi a Rochford que a procurasse.
- Encontrou-me - Callie lançou um rápido olhar às outras duas mulheres antes de acrescentar - Avó, poderíamos partir agora mesmo?
- É claro - a duquesa começou a levantar- se imediatamente. Era óbvio que se sentia aliviada - Encontra-se bem?
- Dói-me a cabeça - Callie se voltou para sua tia avó, e esboçou um sorriso forçado - Sinto muito, tia Odelia. É uma festa maravilhosa, mas não me encontro muito bem.
- Não se preocupe. Certamente se deve a tanta excitação - respondeu, com certa petulância.
Voltou-se para a outra mulher, e a peruca laranja se moveu um pouco quando fez um enérgico gesto de assentimento - As jovens de hoje em dia não têm a resistência que tínhamos nós na sua idade - voltou a olhar para Callie, e lhe disse - Vá tranqüila, querida.
- Farei que um dos lacaios vá dizer a Rochford que queremos ir - disse a duquesa, antes de voltar-se imperiosamente para um dos criados.
- Não! Né... poderíamos ir sem mais? A cabeça me dói cada vez mais, Certamente Rochford encontrará a forma de retornar a casa sozinho.
- Sim, suponho que sim - a duquesa se aproximou dela, e observou seu rosto com preocupação - Tem o rosto um pouco corado, talvez tenha febre.
- Parece-me que lady Odelia tem razão e não é mais que a excitação da noite - disse Callie - Com certeza a dor de cabeça se deve ao ruído e ao muito que dancei.
- É melhor que vamos imediatamente - a duquesa se despediu das outras duas mulheres com uma inclinação de cabeça. Enquanto cruzavam o salãozinho, baixou o olhar e se deu conta de que Callie levava algo na mão - O que é isso que leva, menina?
- O que? Ah, isto - Callie olhou a capa dobrada, e a apertou com mais força - Não é nada, estava guardando para alguém. Não tem importância.
Sua avó a olhou com estranheza, mas não insistiu no assunto e foram em silencio para o roupeiro. Ao passar junto à enorme porta dobro de carvalho que dava ao salão principal, ouviram a voz de Rochford.
- Espera, avó.
A duquesa se voltou, e o olhou sorridente.
- Olá, Rochford. É uma sorte que o tenhamos encontrado.
- Sim - limitou-se a responder ele.
Callie se deu conta de que já não parecia tão furioso; de fato, seu rosto parecia inescrutável e carente de expressão alguma. Quando a olhou, ela se limitou a lhe devolver o olhar em silêncio.
- Vamos já - disse ele.
- Suponho que agora temos que partir quando quer, não? - disparou Callie.
- Querida, mas se acaba de me dizer que quer ir para casa - disse sua avó com perplexidade.
- Vamos imediatamente - Sinclair lançou a sua irmã um olhar cortante.
Callie teve vontade de lhe exigir que não lhe falasse naquele tom de voz, quis protestar por sua atitude autoritária, mas como sabia que se o fizesse pareceria uma idiota, limitou-se a assentir e se voltou para a porta sem dizer uma palavra.
- Sinto muito, Sinclair - disse sua avó - Calandra não se encontra bem.
- Isso é óbvio - comentou o duque com sarcasmo.
Um dos lacaios lhes entregou seus casacos, e subiram à carruagem. A duquesa e Rochford fizeram algum ou outro comentário sobre a festa durante o trajeto, mas Callie permaneceu em silêncio. Sua avó lhe lançou vários olhares de estranheza, mas seu irmão apenas a olhou.
Callie sabia que estava comportando-se como uma menina ao negar-se a lhe falar ou a olhá-lo, mas não podia fingir que não se passava nada; além disso, não sabia se seria capaz de falar dos sentimentos que formavam redemoinhos em seu interior sem ficar a chorar de raiva, e não estava disposta a cair tão baixo. Era melhor parecer infantil ou idiota que deixar que seu irmão pensasse que estava chorando porque a tinha machucado.
Quando chegaram em casa, Rochford desceu da carruagem e ajudou a descer à duquesa. Tentou fazer o mesmo com Callie, mas ela fez caso omisso de sua mão e foi para a casa sem lhe dirigir a palavra. Ele soltou um suspiro, e a seguiu em silêncio. Quando entraram na casa, a avó e ela se dirigiram para a ampla escada que conduzia para o piso superior. Entregou o chapéu e as luvas ao mordomo e depois pôs- se a andar para seu escritório, mas de repente se deteve e se virou.
- Callie - ao ver que ela subia o primeiro degrau da escada sem deter-se, exclamou - Callie, pare agora mesmo! - sua voz ressoou no amplo vestíbulo. Ele mesmo pareceu sobressaltar-se um pouco pelo tom brusco que tinha empregado, porque acrescentou com mais suavidade - Calandra, por favor, isto é ridículo, quero falar com você.
Ela se voltou, e o olhou da escada.
- Vou deitar me - disse com frieza.
- Antes temos que falar. Venha, será melhor que vamos a meu escritório.
Os olhos de Callie, tão parecidos com os de seu irmão, relampejaram com a fúria que tinha estado contendo durante a última meia hora.
- O que acontece? Agora não posso me deitar sem sua permissão? Dirige até o último detalhe de nossas vidas?
- Maldição, sabe que isso não é certo!
- Sério? Pois durante a última meia hora não deixou de me dar ordens.
- Callie, Rochford! - a duquesa os olhou com perplexidade - O que significa tudo isto? O que se passou?
- Nada que deva preocupá-la - disse ele.
- A única coisa que aconteceu é que meu irmão se converteu em um déspota.
Rochford soltou um sonoro suspiro, e passou a mão pelo cabelo.
- Maldição, sabe que isso não é verdade. Quando me comportei como um déspota consigo?
- Nunca, até agora - Callie piscou ao sentir que os olhos se enchiam de lágrimas.
Como Rochford sempre se mostrara compreensivo e tolerante com ela, era especialmente duro para ela assimilar a forma em que a tinha tratado na festa. Sempre tinha sido um irmão carinhoso e benévolo, e ela se havia sentido afortunada pela relação que tinham, sobre tudo quando algumas de suas amigas lhe contavam como eram autoritários seus pais ou seus irmãos.
- Sinto tê-la ofendido, Callie. Desculpo-me se tiver sido muito brusco - disse ele com rigidez.
Sua atitude paciente e razoável só serviu para enfurecê-la ainda mais.
- Brusco? - Callie soltou uma gargalhada seca e carente de humor - Acha que seu comportamento foi brusco? Eu diria que foi abusivo, ou inclusive ditatorial.
- É óbvio que tomou isso mau, mas devo recordá-la que estou aqui para protegê-la. Sou seu irmão, cuidar de você é minha responsabilidade.
- Já não sou uma menina! Sou mais que capaz de cuidar de mim mesma.
- Pois ninguém o diria, tendo em vista que a encontrei a sós no jardim com um desconhecido - replicou ele com secura.
- Callie! - exclamou a duquesa, horrorizada.
- Não estava no jardim, mas no terraço, e não aconteceu nada de mau. Bromwell se comportou como um cavalheiro; de fato, ajudou-me, porque me salvou de um homem que estava me tratando com insolência.
- Céus! - sua avó levou uma mão ao coração, e a olhou boquiaberta - Callie! Esteve a sós no jardim com dois homens?
- Não estava no jardim!
- O lugar não tem importância - disse Rochford.
- Vou desmaiar - apesar de suas palavras, a duquesa avançou alguns passos até ficar ao pé da escada, justo entre os dois irmãos, e disse à Callie - Não dou crédito ao que estou ouvindo. Como pôde fazer algo tão escandaloso? Como é possível que tenha tão pouca consideração comigo, para com sua família? Sinclair tem razão, tem a responsabilidade de cuidar de você. É seu irmão, e o chefe de família. Tem direito a te dizer o que deve fazer, e você deveria lhe obedecer. Como é possível que tenha saído sozinha ao terraço com um homem? Alguém poderia tê-la visto. Deveria estar agradecida pelo fato de que seu irmão estivesse ali para salvá-la, estremeço só pensando no que poderia ter passado em caso contrário.
- Não teria passado nada, já disse que não corria nenhum perigo. Não causei nenhum escândalo - protestou Callie, ruborizada.
- Está sob o controle de seu irmão até que se case e tenha seu próprio lar - disse a duquesa com firmeza.
- Claro, e então estarei sob o controle de meu marido!
- Parece Irene Wyngate.
- Irene não tem nada de mau, estaria encantada de ser como ela. A diferença da maioria de mulheres que conheço, tem caráter e decisão.
- Avó, por favor - Rochford sabia que a duquesa estava piorando ainda mais a situação.
- Mas dá no mesmo, porque não me casarei enquanto meu irmão continuar tratando a meus pretendentes como se fossem criminosos.
Rochford soltou uma gargalhada seca, e lhe disse:
- Bromwell não será nunca seu pretendente.
- Isso não o duvido, tendo em conta que me humilhou diante dele.
- Bromwell? O conde do Bromwell? - sua avó os olhou sobressaltada.
- Sim.
Os olhos da duquesa brilharam com interesse, mas não teve tempo de fazer nenhum comentário, porque Callie se antecipou.
- O que tem de mal lorde Bromwell, Sinclair? Por que lhe parece tão horrível que estivesse com ele?
- Não deveria estar a sós no terraço com nenhum homem - lhe disse seu irmão.
- Por que disse que não será alguma vez meu pretendente? Por que reagiu assim ao vê-lo? Por que lhe parece tão inapropriado?
Rochford permaneceu em silencio durante uns segundos, e finalmente lhe disse:
- Não somos amigos.
- E isso o que tem que ver? Está dizendo que não posso me casar com alguém que não seja seu amigo? A quem me propõe, a um de seus velhos colegas eruditos? Ou melhor, gostaria que me casasse com o senhor Strethwick, ou com sir Oliver.
- Está tergiversando minhas palavras de propósito, Callie. Sabe perfeitamente bem que não tem que se casar com um de meus amigos.
- É obvio que não! Neste momento, sinto que não o conheço. Jamais teria pensado que poderia se comportar como um déspota comigo, que se mostraria tão desconsiderado por meus desejos e meus sentimentos.
- Comporto-me assim porque me preocupo com você.
- Por quê? Por que é tão inapropriado esse homem? Sua família não é bastante boa? Não tem uma posição bastante elevada?
- Isso não tem nada que ver, é um conde.
- Acaso é um caça-fortunas? Está interessado em meu dinheiro?
- Não, sei que é um homem muito rico.
- O conde do Bromwell é um solteiro muito cobiçado - comentou a duquesa - Há poucos duques, assim tanto faz que não seja um deles, e não seria desejável que se casasse com algum membro da família real. A verdade é que um conde seria uma boa opção para você, e tem uma família distinta e de antiga ascendência. - Voltou-se para seu neto, e perguntou - É verdade que têm algum parentesco com lady Odelia?
- Sim, embora distante. Seu pedigree não é o problema.
- Então, do que se trata? - insistiu Callie.
O duque olhou de uma para outra, e ao final disse:
- É um velho assunto que não precisa vir à luz. Proíbo-a que se aproxime por seu bem, Callie.
- Proíbe que me aproxime? - Callie o olhou horrorizada, e sentiu como se a tivessem golpeado no peito quando seu irmão assentiu - Como pode? Não posso acreditar que me tenha humilhado assim! É incrível que lhe tenha dito que não posso vê-lo, como se fosse uma menina ou deficiente mental, como sim não tivesse vontade própria, nem a capacidade de tomar minhas próprias decisões.
- Eu não disse isso! - exclamou ele.
- Não é preciso, está implícito quando me ordena com quem posso me relacionar e com quem não.
- Fiz o melhor para você!
- E eu não tenho nem voz nem voto, não é verdade? - Callie estava rígida, e tinha os punhos apertados.
Estava tão furiosa, tão ferida, que teve medo do que pudesse chegar a dizer nesse momento, assim deu meia volta e começou a subir a escada.
- Callie! - Rochford foi atrás dela, mas se deteve o pé da escada e a olhou com frustração.
Voltou-se para sua avó como lhe pedindo conselho, mas ela cruzou os braços e o olhou com expressão pétrea.
- Comporta-se assim por sua culpa, sempre foi muito tolerante com ela. Criou ela mal e deixa que faça o que a agrade, e aqui tem o resultado.
O duque soltou um som de frustração, e foi de novo para seu escritório; entretanto, voltou-se de repente para sua avó, e lhe disse:
- Concluirei em breve os assuntos de negócios que tinha pendentes em Londres. Por favor, se encarregue de que esteja tudo preparado para que possamos retornar ao campo depois de amanhã.
Callie começou a passear de um lado a outro do quarto, feita uma fúria. Sua camareira, Belinda, estava esperando para ajudá-la a despir-se, mas como estava muito alterada para ficar quieta enquanto a jovem desabotoava os botões, disse- lhe que podia retirar- se; em todo caso, sentia- se incapaz de conciliar o sono.
A camareira titubeou por um instante antes de partir em silêncio, e Callie continuou passeando como uma possessa. Ouviu que sua avó passava diante da porta com seu habitual passo pausado, mas não ouviu seu irmão e supôs que se retirara a seu aposento preferido, seu escritório. Estaria lendo tão tranqüilo um livro ou uma carta, ou repassando as contas que ia analisar com seu administrador no dia seguinte. Certamente não estava rilhando os dentes, nem cheio de fúria e de indignação, porque, para ele, o assunto estava resolvido.
Callie se sentou de repente na cadeira que havia junto à cama. Não estava disposta a permitir que a tratassem assim. Até o momento, considerava- se uma dama que vivia tal como se desejava muito, dentro dos limites que impunham as regras sociais. Acreditava que era livre para fazer o que lhe desse vontade, que tinha as rédeas de sua própria vida; embora cedia bastante ante sua avó para evitar problemas, fazia isso por decisão própria, não por obrigação.
Ia aonde gostava e com quem queria, escolhia os eventos que queria ir e descartava os que não lhe interessavam, a criadagem ia a ela para receber instruções, e comprava o que tinha vontade com seu próprio dinheiro. Sim, o administrador era o que se encarregava de pagar as faturas, mas porque isso era o habitual; de fato, Sinclair também estava acostumado a delegar o pagamento de suas faturas para um administrador. E apesar de que fosse seu irmão quem investia seu dinheiro, ele explicava tudo com detalhe e lhe perguntava o que queria fazer. Sempre lhe fazia caso e seguia seus conselhos, porque era o mais sensato; ao fim e ao cabo, Sinclair sempre tinha tido muito êxito nos negócios.
Mas acabava de dar- se conta de que a liberdade que acreditava possuir era uma mera ilusão, e que não tinha tido problemas até então porque não tinha contrariado seu irmão. Ele não tinha posto objeções em relação a suas amizades, aos lugares onde ia, ao que comprava, nem às decisões que tomava, mas ela se enganara ao acreditar que gozava de liberdade; simplesmente, tinha vivido em uma jaula tão grande, que não encontrara com barras até esse momento.
Ficou de pé de repente. Não estava disposta a agüentar aquele atropelo. Era uma pessoa adulta, havia muitas mulheres que na sua idade já estavam casadas e com filhos. Na sua idade, Sinclair já estava há cinco anos em posse do título. Não ia acatar sem mais suas ordens, porque isso implicaria lhe dar autoridade sobre ela. Não estava disposta a deitar- se sem mais, e a levantar- se no dia seguinte como se não tivesse se passado nada.
Depois de pensar durante uns segundos, foi para a pequena escrivaninha que havia contra uma das paredes. Escreveu uma nota apressadamente, assinou-a e dobrou-a, e depois de selá-la, escreveu o nome de seu irmão na parte dianteira e a deixou contra o travesseiro. Pegou sua capa, abriu um pouco a porta, e passou com cuidado; depois de comprovar que não havia ninguém, saiu silenciosamente e foi rapidamente pelo corredor até a escada da criadagem. Desceu até a cozinha, que estava em silêncio. O jovem crave estava encolhido em seu colchão diante da chaminé, e permaneceu dormindo enquanto ela passava nas pontas dos pés junto a ele e saía para o exterior.
Fechou a porta com cuidado, e percorreu o estreito caminho que ladeava a casa. Ao chegar à rua, olhou a ambos os lados, cobriu a cabeça com o capuz, e se afastou da casa com passo decidido.
Do outro lado da rua, a várias casas da mansão ducal, havia uma carruagem parada. Estava ali há alguns minutos, e o condutor tinha começado a dormitar embrulhado em seu casaco. No interior do veículo havia dois homens. Um deles, o senhor Archibald Tilford, estava sentado com expressão de aborrecimento, e se entretinha dando voltas e mais voltas a sua bengala de punho dourado. Tinha em frente seu primo, o conde do Bromwell, que estava olhando pela janela aberta para a casa dos Lilles.
- Quanto tempo vamos passar aqui sentados, Brom? - disse Tilford, com certa impaciência - Tenho uma garrafa de porto e uma partida de cartas me esperando, e o tijolo quente que colocou o condutor está esfriando. Terei os pés gelados em dez minutos.
O conde o olhou impassível, e disse:
- Tente agüentar um pouco, Archie. Não faz nem um quarto de hora que chegamos.
- Não sei por que está vigiando uma casa às escuras. Que demônios espera ver estas horas da noite?
- Não sei - respondeu Bromwell, sem afastar os olhos da casa.
- Está claro que não vai sair ninguém tão tarde, não sei por que se empenhou em ver a casa do Rochford. Deus, passaram quinze anos, não? Acreditava que tinha se esquecido do duque.
Bromwell se voltou a olhá-lo, e disse:
- Eu nunca esqueci.
Tilford encolheu os ombros com negligência. Tinha aprendido a ignorar aquele olhar intenso que podia fazer tremer de medo a homens feitos e direitos.
- Faz muito tempo, e Daphne se casou - ao ver que seu primo não respondia, Tilford acrescentou - O que está tramando?
- O que sabe sobre a irmã do Rochford?
Archie respirou com força.
- Lady Calandra? - vacilou por um instante antes de dizer com cautela - Não estará pensando em alguma artimanha que envolva a irmã do duque, não é? Todo mundo sabe o muito que a protege.
Você também saberia, se não tivesse passado os últimos dez anos enclausurado em sua propriedade, gerando dinheiro.
- Nunca se queixou do dinheiro que ganhei para a família.
- Claro que não. Mas já acumulou uma fortuna mais que suficiente, assim é hora de que a desfrute de um pouco e vivas uma vida normal para variar. Por isso veio a Londres, não? Para desfrutar um pouco da vida.
- Suponho que sim - respondeu Bromwell, sem muita convicção.
- Pois uma vida normal não inclui estar sentado em carruagens velhas enquanto se espiam casas às escuras.
- Vai contar me o que sabe sobre lady Calandra.
- De acordo. É uma dama jovem, formosa, e rica.
- Têm pretendentes?
- Claro que sim, mas recusou a todos, pelo menos, aos que se atreveram a cortejá-la a pesar do duque. Se murmura que não pensa casar-se, dizem que os Lilles são frios.
Bromwell esboçou um sorriso, e murmurou:
- Pareceu-me que a dama não tem nada de fria.
Archibald se mexeu com nervosismo.
- No que está pensando, Brom?
- Em como se pôs nervoso o duque esta noite ao ver-me com lady Calandra. Foi muito divertido.
Aquelas palavras não deveriam tranqüilizar ao seu primo, porque pareceu alarmar- se ainda mais.
- O duque o esfolará se faz algum mal a lady Calandra.
- Acha que lhe tenho medo?
- Não, claro que não, mas eu tenho medo de sobra pelos dois.
- Não se preocupe, Archie. Não penso fazer nenhum mal a lady Calandra; de fato, penso ser encantador com ela - o sorriso que esboçou não era nada tranqüilizador.
Tilford soltou um gemido abafado.
- Sabia, sabia que estava tramando algo. Isto não vai acabar bem. Brom, por favor, não poderíamos nos ir daqui e nos esquecer deste assunto?
- De acordo - disse Bromwell, pensativo - Já vi tudo o que queria - começou a descer a cortina da janela, mas se deteve e se inclinou para diante para poder ver melhor a rua - Não, espera. Alguém está saindo. Uma mulher.
- Uma criada está saindo a esta hora? - Archibald pareceu interessar- se, e se voltou para levantar o outro lado da cortina - Talvez tenha um encontro com um lacaio, ou...
- Maldição! - exclamou Bromwell em voz baixa - é lady Calandra em pessoa.
Quando a mulher ocultou a cabeça e o rosto sob o capuz e pôs- se a andar pela rua, tirou a bengala de seu primo e a utilizou para abrir a janela que havia junto à cabeça do condutor. Depois de lhe dar instruções, reclinou-se de novo em seu assento e correu a cortina enquanto a carruagem seguia à mulher.
- Acha que é lady Calandra? - perguntou Archie com incredulidade- O que está fazendo na rua, sozinha, e a estas horas?
- Boa pergunta - comentou seu primo, enquanto tamborilava o dedo indicador contra os lábios com expressão pensativa.
Archie jogou para um lado a cortina, o suficiente para poder dar uma olhada, e comentou:
- Adiantamo-nos a ela.
- Já sei.
A carruagem virou à direita na rua seguinte, e se deteve pouco a pouco. Bromwell abriu a porta, e desceu do veículo.
- Brom! Que diabos está fazendo? - perguntou seu primo.
- Não posso permitir que uma dama vá sozinha pela rua a estas horas, não é? – respondeu ele com um sorriso; sem mais, fechou a porta da carruagem e partiu.
Enquanto Callie avançava a toda pressa, o som de seus passos era a única coisa que rompia o silêncio da noite. Ao arquitetar o plano não tinha pensado em como estaria escura e solitária a rua, só tinha lhe parecido relevante o fato de que ninguém a veria andar pela rua sem uma criada ou algum tipo de acompanhante; entretanto, enquanto passava junto às silhuetas escuras e enormes das casas, deu-se conta de que se sentiria mais segura com alguém a seu lado, embora fosse sua inofensiva criada.
Em condições normais não era assustadiça, mas a fúria que a tinha empurrado a sair ia desvanecendo- se, e pouco a pouco ia tomando consciência de que os ladrões e os malfeitores aproveitavam a escuridão da noite para cometer todo tipo de maldades. Estava na melhor zona de Londres, assim em teoria deveria estar mais segura que em qualquer outro lugar, mas não pôde evitar recordar as histórias que tinha ouvido sobre cavalheiros que tinham sido atacados quando retornavam a casa ébrios depois de estar em alguma taverna; além disso, se um ladrão tinha intenção de entrar para roubar alguma mansão, certamente optaria por fazê-lo a aquela hora da noite.
E até no caso de não haver nenhum ladrão perto, era consciente de que um cavalheiro, sobre tudo um ébrio, podia chegar a ser perigoso e podia dar por feito que uma mulher que estava sozinha na rua de noite não era decente, mas sim se dedicava a vender sua virtude. Ela não tinha nenhuma vontade de que a confundissem com uma rameira. Sobressaltou-se ao ouvir uma carruagem a suas costas, mas não se voltou e se esforçou por andar com passo firme. Era possível que o ocupante do veículo não visse a parte baixa do vestido que aparecia por debaixo da capa, e a confundisse com um homem, ou que nem sequer olhasse pela janela.
Suspirou aliviada ao ver que a carruagem ultrapassava, e que seguia estralando pela rua até desaparecer pela primeira esquina. Acelerou ainda mais o passo enquanto cruzava a seguinte intercessão, e subiu de novo à calçada. Lady Haughston vivia a umas quantas ruas de sua casa, e embora em circunstâncias normais lhe parecesse uma distância muito curta, nesse momento parecia muito assustador longa. Dispôs-se dar meia volta e retornar, mas se disse que não podia comportar- se como alguém medroso e seguiu adiante.
Ao ver que uma figura dobrava a esquina um pouco mais adiante, ao final da rua, vacilou por um instante e sentiu que acelerava o coração. Limitou-se a diminuir o passo, porque estava convencida de que, se desse meia volta e fugisse correndo, o desconhecido a perseguiria embora fosse por curiosidade; além disso, havia algo naquele homem que lhe chamou a atenção, algo que a fez insistir em continuar avançando enquanto entreabria os olhos para tentar vê-lo melhor. O desconhecido não levava nem casaco nem capa, e tampouco chapéu. Apesar de que fosse óbvio que se tratava de um homem, estava vestido de forma um pouco estranha. A jaqueta tinha as mangas abaloadas, e as calças pareciam bastante largas. Não usava a típica vestimenta de um cavalheiro. De fato, ninguém ia vestido assim; além disso, parecia ter a bengala presa a um lado do cinturão.
Primeiro pensou que devia tratar- se de um maluco, mas depois se deu conta de que... não, a idéia que lhe tinha passado pela cabeça era completamente descabelada. deteve- se em seco enquanto ele continuava avançando sem pressa, e com cada um de seus passos foi convencendo- se mais e mais de que não estava vendo visões.
- Lorde Bromwell! - assim que a exclamação saiu de seus lábios, arrependeu- se de ter aberto a boca.
Disse-se que teria que ter dado meia volta, que teria que ter retornado a sua casa imediatamente. Lorde Bromwell ia acreditar que era uma lunática, não, pior ainda, acreditaria que era uma mulher de moral duvidosa. Era impensável que a irmã de um duque se vendesse, mas ao vê-la pela rua no meio da noite, qualquer um suspeitaria que tivesse um encontro amoroso. Se uma mulher casada tivesse esse tipo de comportamento, consideraria- se escandaloso, mas seria desastroso no caso de uma jovem casadoura.
Caiu-lhe a alma aos pés ao dar-se conta de que aquele homem ia olhá-la com desprezo a partir desse momento; além disso, se contasse a alguém que a tinha visto naquelas circunstâncias, ela ficaria com a reputação feita em migalhas, e o escândalo salpicaria a toda sua família. Um conhecido não daria como fato que estava metida em algo reprovável, embora pudesse chegar a pensar que era uma inconsciente, e estava convencida de que muitos cavalheiros manteriam a história em segredo para evitar que o duque do Rochford e sua família ficassem em evidência. Mas aquele homem apenas a conhecia, e se por acaso fosse pouco, Sinclair se tinha mostrado beligerante e até depreciativo com ele. Não queria nem imaginar o que seu irmão devia lhe ter dito quando ela tinha retornado ao salão e os tinha deixado sozinhos. Bromwell não tinha razão alguma para protegê-la; de fato, era provável que aproveitasse aquela oportunidade para vingar- se de seu irmão.
Nem ela mesma entendia a atitude do Sinclair. Pôs-se tão furiosa ao ver que se entremetia em seus assuntos e que dava como fato que podia lhe ordenar o que devia fazer, que não parou a pensar por que se mostrar tão perturbado ao vê-la a sós com aquele homem em concreto. Era possível que Bromwell tivesse uma má reputação, talvez fosse dado a seduzir a jovens casadouras, e Sinclair sabia. Por sua mente passaram um sem- fim de possibilidades, cada qual mais horrível, durante o instante que permaneceu imóvel. Justo quando estava pensando como uma iludida que era possível que ele não tivesse reconhecido sua voz, que com um pouco de sorte não conseguiria vê-la bem graças à capa e que talvez tivesse tempo de fugir, ele foi direto para ela e a olhou com expressão de assombro.
- É vocês, lady Calandra?
Callie se encheu de coragem e engoliu em seco. Tinha que enfrentar à situação, acontecesse o que acontecesse. Devia fazer tudo o que estivesse em suas mãos para evitar que o bom nome de sua família ficasse manchado por culpa de sua impulsividade.
- Boa noite, lorde Bromwell. Não estranho que o surpreenda ver-me - disse, enquanto tentava encontrar uma desculpa razoável que explicasse sua presença ali.
- A princípio acreditei que meus olhos me enganavam - se deteve menos do meio metro dela, e acrescentou- Não deveria estar na rua a estas horas, onde está sua família?
Callie apontou para o outro extremo da rua.
- Todos estão em suas respectivas camas. Quanto a mim, não podia dormir.
- E por isso decidiu sair para dar um passeio? - seu tom carecia de inflexão, mas suas sobrancelhas arqueadas refletiram sua incredulidade.
- Já sei que acha que sou uma irresponsável.
- Absolutamente - disse ele, com um sorriso - Tenho uma irmã, assim sou consciente de como é restritiva nossa sociedade, de como podem ser opressivas as normas a uma jovem com iniciativa própria.
Callie não pôde evitar lhe devolver o sorriso, e se disse que tinha sido uma idiota por ter medo. A atitude de lorde Bromwell não parecia condenatória; de fato, tanto seu sorriso como seu rosto e sua voz refletiam amabilidade e compreensão. E tampouco tinha aspecto de ser um libertino, porque não a tinha olhado de forma lasciva, não tinha usado um tom de voz sugestivo, nem lhe tinha feito nenhuma proposta indecorosa.
- Devo entender que não contará a ninguém?
- Que saiu para passear? É obvio que não. Não tem nada de estranho encontrar-se a uma jovem que está passeando, não é verdade?
- Não, claro que não.
- Por favor, permita que a acompanhe de volta a casa - disse, enquanto lhe oferecia o braço com galanteria.
- Não vou a minha casa, mas a de lady Haughston.
Suas palavras pareceram desconcertá-lo um pouco, e Callie se sentiu aliviada ao ver que não tentava averiguar por que tinha decidido ir de noite à casa de Francesca. - Nesse caso, a acompanharei a casa de lady Haughston, mas terá que me indicar o caminho.
Já devera ter deduzido que não estou familiarizado com Londres.
- Estava convencida de que não o tinha visto antes - Callie segurou seu braço, e puseram- se a andar.
- Desde que herdei o título, mal saí de minha propriedade. Lamento ter que admitir que minhas propriedades estavam em uma condição deplorável. Não tive tempo para...
- Para frivolidades?
Ele sorriu ao olhá-la, e lhe disse:
- Não quis insinuar que a vida na cidade seja pura frivolidade.
- Não me ofendeu, asseguro; de fato, sou consciente de que grande parte da vida aqui é muito frívola.
- Um pouco de frivolidade não tem nada de mau.
Passear com aquele homem era excitante, inclusive a conversa corriqueira que mantinham tinha um tom de uma sensação de atrevimento e emoção. Era muito incomum que ela estivesse a sós com um homem, além de seu irmão, e estar com um a sós de noite, em uma rua escura, era inconcebível. Era a primeira vez que fazia algo que pudesse escandalizar aos que a conheciam, mas não se arrependia de suas ações; de fato, estava um pouco surpreendida, porque não se sentia culpada nem desconfortável, mas livre e entusiasmada.
Era uma mulher muito sincera, assim teve que admitir que o que sentia não se devia tão somente à aventura de estar ali há àquela hora. Aquele homem em particular era o causador da maior parte da excitação que formava redemoinhos em seu interior. Contemplou de soslaio a firme e reta linha de sua mandíbula, a forma de seu queixo, a barba incipiente que começava a obscurecer sua face. A dureza e o poder que transparecia foram além de sua força física, da largura de seus ombros e de sua altura, e se refletiam também no ar de confiança e competência que tinha. Era óbvio que, enquanto conversava com ela e sorria, permanecia alerta e vigilante. Seus olhos cinza não perdiam detalhe do que os rodeava, e seus músculos estavam tensos e preparados para entrar em ação. Era o tipo de homem a quem os outros iam em caso de surgir algum problema, mas, por outro lado, ela tinha a impressão de que não era aconselhável contrariá-lo.
Sobressaltou-se ao dar-se conta de que, em certo modo, parecia-se com seu irmão. Não era tão refinado como Sinclair e tinha um encanto mais malicioso, mas intuía nele o mesmo núcleo férreo, um centro imutável que ficava oculto atrás da superfície aristocrática e da educação britânica.
Ele pareceu dar-se conta de que estava observando-o, porque se voltou para ela e se limitou a olhá-la em silencio sem sorrir. Callie sentiu que uma corrente de intensa atração a percorria de cima abaixo, e se apressou a afastar o olhar por medo de que seus olhos revelassem aquela reação tão visceral.
Lorde Bromwell a desconcertava. Jamais se havia sentido assim com nenhum outro homem, mas por alguma razão, a incerteza a atraía em vez de repeli-la. Desejou saber o que tinha Sinclair em seu contrário, por que tinha reagido de forma tão negativa ao vê-la com ele.
- Devo me desculpar pelo comportamento de meu irmão - disse, ao olhá-lo de novo.
- É lógico que um homem se preocupe com sua irmã, que queira protegê-la. Como também tenho uma, entendo-o à perfeição.
- Espero que não seja tão estrito na hora de protegê-la.
- Não, não o sou. Ela ficaria feita uma fúria se tentasse lhe dizer o que deve fazer. É um pouco mais velha que eu, embora não acharia nenhuma graça saber que o disse a alguém, assim costuma mais ser ela a mandona - o brilho de diversão desapareceu de seus olhos quando acrescentou com voz fria - Mas mesmo assim, enfrentaria a qualquer homem que tentasse lhe prejudicar.
- Quero muito a meu irmão e a minha avó, mas às vezes podem ser um pouco cansativos.
- Por isso decidiu ir à casa de lady Haughston a estas horas da noite?
Callie vacilou por um instante antes de responder.
- Vou vê-la para lhe pedir um favor.
Sentiu-se aliviada ao ver que ele não insistia em que respondesse a sua pergunta, nem comentava que era uma hora um pouco estranha para ir pedir um favor. Era consciente de que tinha cometido uma loucura agir de forma tão impulsiva, tinha sido uma sorte se encontrar com lorde Bromwell, e não com um rufião.
- Deve acreditar que sou jovem e tola, que me deixei levar pela ira - comentou, um pouco ruborizada.
- Não - respondeu ele, com um sorriso - O que acho é que é jovem, e muito formosa - permaneceu em silencio por um segundo, e seus olhos adquiriram de novo um brilho travesso - E possivelmente também uma fonte de dores de cabeça para sua protetora família.
- Disso não me cabe nenhuma dúvida - lhe disse ela, com uma gargalhada.
Callie teve que fazer um esforço consciente para conseguir afastar os olhos dele, e mesmo assim, sabia que tinha ficado olhando-o durante mais tempo do que se considerava apropriado. Tinha a garganta seca e a mente em branco. Disse-se que parecia uma colegial em seu primeiro baile, e se esforçou por encontrar algum comentário adequado.
- Não pôs o chapéu - desejou ter mordido a língua assim que fez aquele comentário tão absurdo.
- Não fui capaz de ir pela rua com um aspecto tão ridículo.
- Ridículo? Absolutamente! Com o chapéu estava muito elegante.
Callie sentiu que lhe acelerava o pulso ao dar- se conta de que estava flertando de novo com ele, como na festa. Ele respondeu da mesma forma, com um tom de voz desenvolto, mas que deixava entrever uma calidez e um significado subjacentes, e com um brilho especial no olhar.
- Você tampouco tirou a fantasia - jogou o capuz um pouco para trás com o indicador, e deixou descoberta parte da touca Tudor - Me alegro, assenta- lhe muito bem.
Callie se deu conta de que se detiveram e estavam muito perto um do outro.
- Mas me alegro de que tenha tirado a máscara - acrescentou ele com voz rouca, sem afastar os dedos da borda de seu capuz. - Têm um rosto muito formoso para ocultá-lo, mesmo em parte.
Callie conteve o fôlego quando lhe acariciou a face com as pontas dos dedos.
Achou que ia beijá-la, e o coração começou a martelar no peito ao recordar a paixão que tinha explodido entre os dois e a pressão aveludada, sensual e exigente de seus lábios. Mas ele afastou a mão e pôs- se a andar de novo, assim não teve mais remédio que seguir seu exemplo apesar de ter o pulso acelerado e os joelhos um pouco trêmulos. Perguntou-se se ele havia sentido o mesmo desejo que ela.
Não demoraram em chegar a elegante casa em que vivia Francesca, e Callie sentiu que lhe caía a alma aos pés conforme foram aproximando-se. Quando se detiveram ao pé dos degraus da entrada principal, esboçou um sorriso forçado e estendeu a mão com educação.
- Bom, já chegamos. Obrigada por me acompanhar até aqui, espero não tê-lo desviado muito de seu caminho.
- Foi agradável - ele tomou sua mão, mas em vez de inclinar a cabeça, permaneceu imóvel sem soltá-la, contemplando seu rosto - Mas quero que me prometa que não voltará a fazer algo tão perigoso. Me enviem um bilhete se planejar outro passeio a meia-noite, prometo-lhe que a acompanharei para mantê-la a salvo.
- Serei muito mais precavida de agora em diante, não necessitarei de você.
- Está segura disso? - arqueou uma sobrancelha com um gesto malicioso, e com uma rapidez que a surpreendeu, rodeou-a com o outro braço e a atraiu para seu corpo antes de inclinar-se para beijá-la.
O beijo de Bromwell era tal e como o recordava, inclusive muito melhor. Sentiu a dureza de seus dentes contra a boca, e a suavidade de sua língua penetrando-a. Sabia um pouco a porto, e sobre tudo a desejo. Ao notar que lhe fraquejavam os joelhos, rodeou-lhe o pescoço com os braços e se segurou enquanto lhe devolvia o beijo.
Soltou-lhe a mão, deslizou as suas por suas costas, e foi descendo-as por cima da capa. Quando chegou à curva de suas nádegas, acariciou-a com a palma antes de afundar um pouco os dedos para erguê-la contra si. Ao notar a dureza de sua ereção contra seu corpo, Callie sentiu uma mescla de sobressalto e curiosidade que se acrescentou ante a cálida umidade que surgiu entre suas coxas. Soltou um suave som cheio de paixão, e ele gemeu por sua vez antes de levantar a cabeça. Ficou olhando-a com os olhos brilhantes, e com uma expressão que refletia uma ligeira surpresa mesclada com desejo.
- Não, parece-me que estou enganado. É você a perigosa - murmurou com voz rouca. Depois de respirar fundo, soltou- a e retrocedeu um passo - chegou a hora de nos despedir – retrocedeu outro passo, e sorriu de orelha a orelha ao dizer: - Prometo-lhe que voltaremos a nos ver.
Deu meia volta e se foi, mas Callie se deu conta de que se detinham junto a uma árvore duas casas mais abaixo e se voltava para ela. Sentiu-se agradecida ao perceber que estava esperando que entrasse na casa, enquanto ao mesmo tempo protegia sua reputação ao não aparecer com ela.
Conteve um pequeno sorriso enquanto subia os degraus, respirou fundo para tentar acalmar o ritmo frenético de seu coração, e bateu na porta. Ao ver que ninguém respondia, deu-se conta de que cabia a possibilidade de que Francesca ainda estivesse na festa de lady Odelia; ao fim e ao cabo, era óbvio que o próprio lorde Bromwell ia a caminho de casa quando se encontraram. Também era possível que a criadagem se deitara já, mas nesse caso, alguém acabaria ouvindo que batiam na porta e não demoraria em ir abrir. O mordomo de Francesca a reconheceria e a deixaria entrar, por muito estranho que lhe parecesse que apresentasse ali em plena noite.
Sentiu-se aliviada quando um lacaio abriu ao cabo de uns segundos. A princípio entreabriu a porta um pouco, mas arqueou as sobrancelhas com assombro e abriu de todo ao vê-la.
- Senhorita? - perguntou-lhe, claramente desconcertado.
- Lady Calandra Lilles - Callie se esforçou em mostrar-se muito digna.
O homem não pareceu acreditar de tudo, mas o mordomo apareceu nesse momento a suas costas, vestindo um gorro de dormir e um roupão.
- Minha senhora! - exclamou, antes de dizer ao lacaio- Afaste-se e deixe entrar a senhora.
- Sinto chegar a esta hora, Fenton - lhe disse Callie ao entrar.
- Não se preocupe, você sempre é bem recebida nesta casa. Cooper a conduzirá à saleta amarela enquanto eu informo lady Haughston de sua visita - depois de fazer uma reverência ante ela e de fazer um gesto imperioso ao lacaio, apressou- se a subir ao piso superior em busca de Francesca.
Callie seguiu ao lacaio, que a conduziu pelo corredor até à saleta amarela. Não era o aposento maior, mas se tratava do preferido de Francesca. Suas janelas davam ao pequeno jardim lateral, e de manhã o sol entrava totalmente. Devido a seu reduzido tamanho, ainda estava um pouco quente graças às brasas do fogo que se acendera durante a tarde.
Callie se aproximou da chaminé para aproveitar o calor residual, e Francesca chegou apressadamente pouco depois enquanto acabava de amarrar o cinto de seu robe de brocado. Sua cabeleira loira lhe caía nas costas, e uma expressão de preocupação escurecia seu rosto de porcelana.
- O que faz aqui, Callie? - perguntou- lhe, enquanto ia para ela com as mãos estendidas - aconteceu algo mau?
- Não! - Callie se sentiu envergonhada - Lamento tão, não parei para pensar. Não pretendia alarmá-la, não aconteceu nada.
- Graças a Deus! Achei que... não sei nem o que me passou pela cabeça - se ruborizou um pouco, e soltou uma pequena gargalhada - Perdoe-me, devo lhe parecer uma tonta.
- Claro que não. A tonta sou eu, não deveria ter vindo a esta hora. É normal dar por sentado que aconteceu algo mau, desculpe- me que a tenha alarmado.
- Isso é o de menos. Venha, sente- se. Quer uma xícara de chá?
- Não, já causei bastante rebuliço em sua casa. Estou bem.
Callie se sentou na beira de uma cadeira, e Francesca fez o mesmo no extremo de um sofá enquanto a olhava com preocupação.
- Está segura? Segundo você, não se trata de uma emergência, mas - olhou a seu redor com uma expressão eloqüente - Veio sozinha?
- Sim. Já sei que não é de todo seguro, mas não podia permanecer nem um minuto mais naquela casa!
- Em sua casa? - Francesca a olhou boquiaberta.
- Sim. Sinto me ter apresentado de improviso tão tarde. Suponho que estará muito incomodada, mas não sabia a quem mais recorrer.
- Pode vir para mim quando o necessitar - Francesca a puxou pela mão, e acrescentou - E não se preocupe pela hora; em todo caso, ainda não me tinha deitado, estava escovando o cabelo. Além disso, Fenton adora desfrutar de um pouco de agitação. Não estranharia que aparecesse breve com chá e massas.
- É muito amável - Callie sorriu, e acrescentou com certo acanhamento - Sempre a considerei virtualmente como uma irmã.
A expressão de Francesca se suavizou. Deu- lhe um ligeiro apertão na mão, e lhe disse:
- Obrigada, querida. Agradeço isso de verdade, eu sinto o mesmo por você.
- Houve uma ocasião em que achei que iria converter-se em minha irmã de verdade. Não recordo o porquê, mas acreditei durante semanas até que Sinclair me negou isso de forma categórica, claro. Naquela época, ainda era uma menina.
Produziu-se um profundo silêncio. Callie sabia que Francesca estava desconcertada por sua inesperada visita noturna, e que estava esperando com educação que se explicasse, assim suspirou profundamente e lhe disse:
- Perdoe- me. Agora que estou aqui, não sei o que dizer - se deteve durante vários segundos antes de prosseguir - Sinclair e eu tivemos uma briga terrível esta noite.
Francesca a olhou com os olhos como pratos.
- O que se passou? Acreditava que se davam muito bem.
- E assim é, ao menos até agora, mas esta noite... - vacilou antes de continuar, porque não gostava de arejar os desacordos familiares, nem sequer ante alguém a quem conhecia de toda a vida.
- Não é preciso que me conte isso se não quiser - disse Francesca com tato - Poderíamos falar sobre a festa de lady Odelia, por exemplo. Foi um êxito, verdade?
- Sim - Callie a olhou sorridente - E você é uma anfitriã consumada, mas tenho que lhe dizer o que se passou. Tenho que contar a alguém, e acho que você pode me ajudar se quiser.
- Claro que a ajudarei-a curiosidade de Francesca aumentava. - Venha, conta-me o E não se esforce em adoçá-lo. Conheço seu irmão desde antes que você, e duvido que me escandalize pelo que possa me dizer.
- Não é nada escandaloso; de fato, trata-se de algo bastante mundano. O que passa é que meu irmão nunca se comportou de forma tão déspota.
- Entendo.
- Bom, ao menos, não comigo. Foi muito grosseiro com um cavalheiro com quem eu tinha estado dançando, e que segundo minha avó, é um pretendente de todo aceitável. E me tratou como... como se fosse uma menina! - Callie se ruborizou ao recordar o acontecido, e sua voz cobrou força enquanto a vergonha e a fúria emergiam de novo - Já sei que não é correto que estivesse a sós no terraço com o conde, mas não foi culpa sua; de fato, ajudou-me com um tipo que estava me importunando, mas Rochford nem sequer deixou que me explicasse e me ordenou que retornasse ao salão, como se fosse uma menina a quem deveria mandar a seu quarto sem jantar. Senti-me humilhada.
- Entendo-a. Com certeza , quando se tiver acalmado, Rochford se dá conta de que...
- Por favor, não se ponha de seu lado também!
- Claro que não, querida. Estou segura de que se comportou de forma abominável, descobri que os homens costumam fazê-lo. Mas certamente lamentará haver-se precipitado assim que reflita.
- Duvido-o. Tentei falar com ele sobre o assunto quando chegamos a casa, mas se negou a me dar uma explicação. Segundo ele, comportou- se assim pensando em meu bem-estar e se supõe que tenho que me conformar com isso!
- Sim, entendo sua irritação.
- Minha avó me disse que ele tem razão, e que tenho que obedecê-lo; segundo ela, estou sob o controle de meu irmão até que me case e que quer dizer que ela também se acha com direito a dirigir minha vida.
- Não estranho que se tenha zangado - disse Francesca, que conhecia bem à duquesa viúva.
- Sabia que me entenderia! - exclamou Callie, aliviada.
- Claro que a entendo. É muito duro que seus familiares lhe digam o que tem que fazer. Depois de desafogar-se e de ver que contava com o apoio e a compreensão de Francesca, Callie
Começou a sentir-se um pouco pueril. Sorriu um pouco envergonhada, e disse:
- Sinto muito, não deveria ter vindo incomodá-la, mas é que estou cansada das regras e das restrições. Minha avó ficou todo o inverno conosco, e não deixa de me dizer que a minha idade já teria que estar casada, inclusive tia Odelia me disse hoje que vou a caminho de me converter em uma solteirona.
- Não deve permitir que lady Pencully dite sua vida. Sei que é mais fácil dizê-lo que fazê-lo, porque a verdade é que é uma mulher que me dá um medo terrível. Optei por evitá-la todo o possível.
- Mas não é sua tia avó. Em todo caso, ela não me incomoda muito, ao menos não se dedica a falar sem cessar de obrigações, responsabilidades, e de como é importante não decepcionar à família nem fazer algo que possa manchar nosso bom nome.
- As famílias podem ser uma carga muito pesada. Minha mãe queria que me comprometesse com alguém adequado durante meu primeiro ano em sociedade.
- O que fez? - perguntou-lhe Callie com curiosidade.
- Decepcionei-a, mas lhe asseguro que não foi nem a primeira nem a última vez.
- Estou cansada de tentar agradar a outros.
- Pode ser que está há muito tempo tentando agradar a muita gente, acho que já vai sendo hora de que comece a pensar em si mesma.
- Por isso vim vê-la! Sabia ser a única que podia me ajudar.
- Não consigo entender o que quer que faça. Ajudarei-a no que possa, é obvio, mas temo que nem Rochford nem a duquesa vão ter muito em conta minha opinião.
- Não, não quero que fale com eles, mas sim me ajude a encontrar marido.
- Desculpe? - Francesca olhou boquiaberta ao Callie.
- Decidi que vou casar me, e todos dizem que é a pessoa a que se deverá ir na hora de procurar marido.
- Mas acredita que está indignada porque sua avó e lady Odelia estão te pressionando para que se case, parece-me que está tentando contentá-las de novo.
- Absolutamente. A verdade é que não sou contra o casamento. Não sou uma intelectual que prefere passar a vida lendo a casar- se, nenhuma mulher tão independente como Irene, nem me dá medo unir minha vida a de um homem. Quero me casar, ter um marido, filhos, e um lar próprio. Não quero passar o resto de minha vida sendo a irmã do Rochford ou a neta da duquesa. Quero minha própria vida, e a única forma de tê-la é me casando.
- Mas, se o que quer é valer por si mesma tem mais de vinte e um anos, e possui uma fortuna considerável.
- Sugere que me independi? Para que? Para que toda a alta sociedade comece a especular sobre as razões que me empurraram a me afastar de meu irmão? Para ter que escutar como minha avó me exorta sem parar sobre minha ingratidão e sobre as obrigações que tenho para com meu irmão e para com ela? O que quero não é romper com minha família, mas ter uma vida à margem deles e deixar de estar sujeita a tantas restrições, mas continuaria tendo limitações, embora me fosse viver sozinha. Teria que contratar uma acompanhante mais velha que eu, preferivelmente uma viúva, para que vivesse comigo; mesmo assim, por ser uma mulher solteira, continuaria sem poder ir sozinha a nenhum lugar e sem poder fazer nada por minha conta. Já sabe como são as coisas, Francesca. Uma mulher não tem a mínima liberdade até que se case. Eu adoraria pôr um vestido de baile verde, ou azul real, ou de qualquer outra cor que não fosse o branco.
Francesca soltou uma gargalhada.
- Recordo o que sentia ao estar em suas circunstâncias, mas duvido que só queira te casar para poder pôr um vestido azul.
- Às vezes acredito que sim - Callie soltou um suspiro, e admitiu - Claro que não é só por isso. Quero me casar. Às vezes sinto que vou avançando sem rumo fixo, que me limito a me deixar levar à espera de que minha vida comece de verdade. Quero começá-la de uma vez por todas.
Francesca se inclinou para diante, e a olhou muito séria.
- Estou certa de que tem um sem- fim de pretendentes. Bastaria uma simples tua indicação para que uma dúzia de homens se apresentasse em sua casa para pedir sua mão em casamento.
- É certo que não me faltam pretendentes, mas muitos deles são caça-fortunas. Parece-me que alguns cavalheiros não se atrevem a aproximar- se de mim por ser quem sou, que não querem parecer oportunistas ou que acreditam que vou rechaçá-los porque carecem de uma fortuna ou de um título bastante importante. As pessoas dão por assentado que sou uma pessoa altiva e elitista, mas você me conhece e sabe que não é assim.
- Claro que não.
- E há alguns que não se aproximam por culpa de Rochford. É uma sorte quando se trata de algum caça-fortunas ou de alguém que não me cai bem, mas Sinclair é tão amedrontador, que afugenta a cavalheiros muito agradáveis.
- Sim, o duque pode ser bastante imponente - admitiu Francesca com secura.
- Isso é pouco. Se protestar por sua atitude, limita-se a me olhar com sua "cara de duque" - imitou a seu irmão pondo uma expressão altiva antes de acrescentar - e me diz que só pensa em meu bem-estar.
Francesca pôs-se a rir.
- Sim, conheço bem essa expressão. Usa- a quando não quer que o questionem.
- Exato.
- Tem algum possível pretendente em mente? - perguntou- lhe Francesca com tato.
- Não, absolutamente - apesar de sua apressada resposta, Callie não pôde evitar pensar em lorde Bromwell, e se perguntou se poderia ser um possível candidato.
Aquele homem tinha algo que a atraía, algo que ia além de seu atrativo físico e de seu sorriso cálido. Quando estava com ele, sentia- se diferente, mas sabia que era uma tolice expor-se poderia chegar a casar- se com ele. Apenas o conhecia, e seu irmão não queria nem vê- lo.
Negou com a cabeça para enfatizar suas palavras, mas Francesca a observou com perspicácia e finalmente disse com suavidade:
- Não preferiria esperar um pouco? Ainda está em idade casadoura. Tanto Irene como Constance se casaram passados os vinte e cinco, e você só tem vinte e três. Não é preciso que se precipite, pode ser que acabe aparecendo o homem adequado para você.
Callie sorriu com ironia, e lhe perguntou:
- Refere-se a poder me apaixonar? Que talvez apareça um atraente desconhecido que me torna louca? - voltou a pensar em lorde Bromwell, mas se apressou a afastá-lo de sua mente. Seu interesse por casar- se não tinha nada que ver com ele, nada absolutamente - Antes acreditava que algo assim chegaria a me passar, mas isso era quando tinha dezessete ou dezoito anos e estava desejando ser apresentada em sociedade. Não demorei em perceber de como era improvável. Conheci a muitos homens que cumpriam com os requisitos necessários, mas nenhum deles me chegou ao coração. Senti-me atraída por alguns, mas de forma efêmera. Flertava um pouco, dançava, escutava suas adulações, e durante uma ou duas semanas chegava a pensar que o homem em questão podia ser o eleito, mas ao pouco tempo começava a lhe ver algum defeito, a notar alguma coisa sua que me incomodava, e não demorava em me perguntar o que tinha visto nele - com certa tristeza, acrescentou - Acho que acontece é que os membros de minha família não nos apaixonamos. Olhe ao Rochford, foi o objetivo de todas as mães com filhas casadouras, e nunca caiu preso do amor.
- Sim, suponho que isso é certo - murmurou Francesca.
- E imagina a minha avó rebaixando-se a sentir uma emoção tão plebéia? Estou segura de que se casou com meu avô porque era o melhor partido disponível.
- A verdade é que é difícil imaginá-la louca de amor - Francesca soltou um risinho.
- Às vezes, pergunto-me se há algo que falta em nosso interior, mas pode ser que é mais fácil ser como Sinclair e como eu. Minha mãe estava muito apaixonada por meu pai, e chorou por ele até o dia de sua morte. Acredito que se sentiu quase feliz ao morrer, porque assim pôde reunir- se com ele. O que mais lembro dela é sua tristeza. Passava seus dias como um fantasma, como uma carcaça a qual tinham arrebatado o coração. Parece- me que possivelmente é melhor conservar o coração intacto.
- Pode ser, mas quando alguém vê como são felizes Constance e... Dominic
Callie sorriu de orelha a orelha, e comentou:
- Estão tão apaixonados, que inclusive o ar parece mais luminoso a seu redor. Deve ser maravilhoso sentir algo assim por alguém.
- Sim, é certo.
- Alguma vez esteve assim apaixonada, Francesca?
- Acreditei estar - respondeu ela com ironia.
Callie se ruborizou, e se apressou a dizer:
- Sinto muito, não pretendia...! Sou uma grosseira desconsiderada, me tinha esquecido que esteve casada.
- Eu também costumo esquecê-lo - a julgar por sua expressão, era óbvio que preferia esquecer seu matrimônio por completo.
- Sinto muito - Callie se inclinou para frente, e a puxou pela mão.
Não tinha chegado a conhecer muito bem ao marido de Francesca, porque tinha morrido no ano em que ela tinha sido apresentada em sociedade e não costumava acompanhar a sua esposa quando esta ia a Redfields para visitar sua família, mas por alguma razão, tinha a impressão de que seu irmão o detestava; além disso, sua avó tinha comentado em alguma ocasião que Francesca se arrependera de ter se casado com ele.
- Não se preocupe - Francesca lhe deu um pequeno apertão na mão - Enfim, não estávamos falando de mim, mas sim de você.
Era óbvio que queria mudar de assunto, assim Callie lhe soltou a mão e se reclinou em sua cadeira antes de dizer:
- De acordo. Vai ajudar-me?
- Claro que sim, isso nem se pergunta. Mas não sei o que posso fazer, além do que sua avó e você podem conseguir com facilidade. Ela conhece todos os membros da alta sociedade, e você não necessita de ajuda quanto a estilo ou encanto.
- Agradeço o cumprimento. Minha avó me disse que tem um toque mágico na hora de encontrar a alguém o par perfeito. Só terá que fixar-se nos últimos meses, desde a última temporada uniu a dois casais que agora são a viva estampa da felicidade.
- O fato de que tanto Constance como Irene encontrassem ao amor de suas vidas é mérito delas e de seus respectivos maridos, não meu - Francesca soltou uma pequena gargalhada - De fato, tinha pensado em outro homem para Constance.
- Parece-me que subestima o papel que teve em sua união. Sou consciente de que é uma perita no que diz respeito a tudo o relacionado com a alta sociedade, e que ninguém pode me ajudar tanto como você. É certo que minha avó conhece muitos homens adequados, e que me está desejando apresentá-los, mas não levam em conta os mesmos parâmetros que eu. Só lhe interessam o dinheiro, a família, e o título de um possível candidato, e deixa de lado o aspecto físico, a compatibilidade e o caráter. Duvido que se pergunte sequer se um possível marido tem senso de humor. Mas você sabe como são as pessoas além de sua posição social. Deu-se conta de que Irene e Gideon pareciam feitos um para o outro inclusive antes que ela mesma.
- Claro, porque ela estava empenhada em negá-lo, e eu não.
- Mas entende o que quero dizer, não é verdade?
- Sim. Quer encontrar um marido que cumpra seus requisitos, não os de sua avó.
- Exato. Nem os de minha avó, nem os de meu irmão, nem os da alta sociedade. Meus.
- Espero que sua fé em minhas habilidades não seja desmedida, mas vou ajudá-la em tudo o que possa.
- Perfeito - Callie a olhou sorridente - Não sabe o que me alegram suas palavras, porque vou pedir um favor inclusive maior.
- Me diga.
- Já sei que estou abusando de sua generosidade, mas é que eu gostaria que iniciássemos a busca quanto antes; além disso, queria lhe pedir... Enfim, seria amável de deixar que viva consigo? - Callie ficou vermelha como um tomate, e antes que Francesca pudesse articular palavra, apressou- se a acrescentar - Sinclair quer retornar à propriedade assim que acabe com seus assuntos em Londres, mas eu preferiria ficar na cidade e pôr mãos à obra quanto antes. Não posso ficar na mansão familiar sem uma acompanhante, e embora minha avó aceitasse ficar comigo, a verdade, não quero que o faça. Não quero tê-la me pisando os calcanhares noite e dia, falando sem parar de possíveis candidatos. E não suporto a idéia de retornar ao Marcastle e agüentar seus sermões sobre minhas obrigações.
- É compreensível. Claro que pode ficar comigo, será divertido. Poderemos traçar nossos planos, sair às compras, e fazer uma lista dos candidatos. Adiantaremos trabalho antes que comece a temporada, e para mim será um prazer tê-la aqui. Mas não sei se Rochford aceitará.
- Com certeza que sim, não tem razão alguma para opor-se. Embora esteja bastante irritado comigo, não acredito que seja capaz de negar-me que viva consigo durante uma temporada, com certeza a considera uma acompanhante adequada; quanto a minha avó, não pode objetar nada depois do muito que sempre a elogiou.
- É muito esperta. Amanhã mesmo irei vê-la para falar com ela sobre o assunto.
- Obrigada por ser tão amável comigo, Francesca.
- Não diga tolices, vou desfrutar de sua companhia. A vida aqui é bastante aborrecida até começar a temporada social, assim contar com a companhia de uma amiga vai ser um alívio; além disso, contamos com um projeto que vai ter nos muito atarefadas. - Francesca a olhou sorridente, e ficou de pé - Bem, parece-me que já é hora de que descansemos um pouco. Fica dormindo aqui, mandarei um bilhete à duquesa para que não se preocupe.
- Deixei um bilhete a Sinclair sobre meu travesseiro, para que não se assustassem se percebessem que tinha saído de casa, mas certamente se preocupam de qualquer forma - Callie sorriu um pouco envergonhada - Não deveria ter partido de forma tão impulsiva, mas é que sentia que ia explodir se permanecesse ali um segundo só mais.
- É compreensível, foi muito considerada ao deixar um bilhete. Será melhor que escreva outro, para dizer a seu irmão que está sã e salva em minha casa.
- Obrigado, é muito amável - Callie esboçou um sorriso travesso - Sobre tudo tendo em conta que o mais certo é que meu irmão se apresente aqui a primeira hora da manhã.
Francesca não se surpreendeu que as palavras de Callie fossem proféticas. Sua criada despertou- a na manhã seguinte, para informá-la que o duque estava esperando- a no piso de baixo.
- E parece furioso - acrescentou Maisie - Fenton não se atreveu a lhe dizer que ainda não estavam em disposição de receber visitas, assim o levou à saleta principal. A julgar por sua atitude, parece-me que será melhor que o alistemos quanto antes se não quisermos que suba para buscá-la.
- Não se preocupe, o duque não cometeria uma falta de educação tão vulgar nem que a casa estivesse ardendo. Sem dúvida diria algo assim como "Por favor, digam a sua senhora que há um ligeiro problema com um incêndio no piso inferior".
Maisie soltou um risinho enquanto tirava um simples vestido do armário.
- Pode ser que tenha razão, minha senhora, mas advirto- a que parece bastante iracundo.
Francesca suspirou com resignação. Estava quase convencida de que Rochford não ia aceitar a que Callie ficasse ali, nem sequer até o começo da temporada social. Não estava certa de que o duque a consideraria uma acompanhante adequada para sua irmã menor, porque tinha a impressão de que a considerava uma mulher frívola. Rochford sempre tinha tido uma visão mais rígida do mundo que ela. Depois de lavar o rosto e de pôr o vestido que sua criada tinha escolhido, deixou que esta lhe escovasse o cabelo e o recolhesse em um simples coque. Não costumava arrumar-se com tanta pressa antes de receber visitas, mas apesar de não achar nenhuma graça mostrar-se ante Rochford sem estar perfeita, não podia fazer nada a respeito.
Quando desceu à saleta, encontrou- o observando a rua da janela, com as mãos às costas. Levava uma jaqueta azul e umas calças beje, umas botas Weston reluzentes, uma gravata com um nó perfeito, e o cabelo cuidadosamente penteado. Estava tão impecável como sempre, mas quando se voltou para ela, olhou-a com expressão séria e com um brilho de preocupação em seus olhos escuros.
- Bom dia, Rochford - se aproximou dele com a mão estendida.
- Peço-lhe desculpas por me apresentar tão cedo, Francesca - disse ele com rigidez, antes de inclinar- se sobre sua mão.
- Não se preocupe, compreendo que esteja preocupado - se sentou em uma cadeira, e lhe indicou que se sentasse no sofá que ficava diante dela.
- Sim, estou - seu queixo se esticou - Espero que lady Calandra esteja bem.
- Sim, perfeitamente bem. Ainda não se levantou, mas pensei que seria melhor que nós dois conversássemos antes.
Ele assentiu, e evitou olhá-la nos olhos.
- Agradeço- lhe que me enviasse uma nota. Esta manhã me teria alarmado se não tivesse sabido que estava sã e salva aqui.
O duque costumava ser um conversador cortês e experiente, assim o fato de estar expressando-se com tanta rigidez deixava entrever quão agitado estava. Francesca não pôde evitar sentir certa compaixão por ele, mas antes que pudesse fazer algum comentário, ele acrescentou:
- Foi muito amável ao permitir que passasse a noite em sua casa, e devo me desculpar pelas perturbações que possa lhe ter ocasionado ao aproveitar- se assim de sua boa vontade.
- Callie não me causou nenhuma perturbação, e sempre é bem recebida nesta casa. Sinto-me honrada porque sentiu que podia vir - disse ela com firmeza.
O duque se esticou ainda mais, e comentou:
- Suponho que Callie lhe contou que tínhamos tido um desacordo.
- Sim.
Ele a olhou e pareceu a ponto de dizer algo, mas soltou um suspiro e se reclinou contra o sofá.
- Maldição, me parece que cometi um grave engano com ela, Francesca - admitiu a contra gosto.
- Assim é.
Olhou-a com um brilho de diversão nos olhos que suavizou sua expressão, e por um instante pareceu ele mesmo.
- Minha querida Francesca, ao menos poderia fingir que minha confissão sobre minha própria incompetência lhe parece imerecida.
Francesca soltou uma gargalhada, e comentou:
- Isso seria uma perda de tempo - se inclinou para ele, e posou uma mão em seu braço em um gesto de apoio - Não se preocupe, estou certa de que não arruinou a relação que têm com sua irmã. Callie o adora, e também se preocupa que tenham discutido.
- Espero que esteja certa - disse ele, com mais ênfase do que costumava usar.
- Sou consciente de que fui muito severo e não soube dirigir a situação, mas só queria protegê-la.
- Segundo Dom, é o comportamento normal de qualquer irmão. Como o sofri na própria carne, sei que às vezes pode ser reconfortante, mas advirto que há ocasiões nas quais a atitude excessivamente protetora de um irmão pode ser exasperante. Callie é uma jovem muito sensata, e já não é uma menina. Estou certa de que jamais cometeria uma loucura.
- Não desconfiava dela, mas sim do homem com quem estava - comentou Rochford, taciturno.
- De quem se trata? Por que lhe é tão inaceitável? Segundo Callie, é um cavalheiro muito correto.
Ele fez gesto de começar a falar, mas se apressou a afastar o olhar antes de dizer:
- Sim, suponho que é, mas acho que não gosta muito de mim - sacudiu a cabeça, como deixando a um lado o assunto - A verdade é que não se passou nada, mas quando o vi no terraço com ela... enfim, reagi sem pensar. Espero que Callie não me guarde rancor de forma indefinida.
- Certamente o perdoa - disse ela, enquanto dava voltas ao fato de que não lhe tinha dado o nome do homem em questão.
Perguntou- se por que se mostrava tão resistente a lhe dizer de quem se tratava. Tentou recordar se Rochford tinha algum inimigo declarado, mas não lhe ocorreu ninguém em concreto. Ninguém queria inimizar- se com o duque; de fato, as pessoas costumavam estar mais interessadas em ganhar seu favor que em contrariá-lo. E, além disso, ele não havia dito que se tratava de um inimigo seu. A única coisa que lhe ocorria era que, atendo-se ao típico e exasperante comportamento masculino, Rochford considerava que o homem era inapropriado por alguma razão que era muito indiscreta para os delicados ouvidos femininos. Não era de estranhar que Callie se zangara.
- Tenho uma idéia que poderia contribuir para que Callie e vocês superassem este pequeno falha.
- Ah, sim? - o duque a olhou com certa cautela.
Ela pôs-se a rir, e lhe disse:
- Não se mostre tão suspicaz, asseguro- lhe que não se trata de nada horrível. convidei Callie para ficar aqui comigo, ao menos até que comece a temporada; de fato, eu gostaria que ficasse durante o transcurso de toda a temporada, se lhe parecer bem ou se não deseja retornar a Londres para uma estadia tão longa. Parece- me que Callie se aborrece um pouco no Marcastle, e a duquesa... enfim...
Rochford não pôde evitar sorrir ao ver que deixava a frase inacabada, e comentou:
- Sim, já sei como é a duquesa.
- Callie tem muita vitalidade, e deve ser exaustivo para a duquesa cuidá-la - disse Francesca com diplomacia - Sua irmã aprecia tudo o que sua avó tem feito por ela, mas tenho a impressão de que a esgote um pouco que a tenha tão controlada.
- Isso é certo, e é compreensível. Não há situação que minha avó não possa piorar ainda mais com um sermão. Sou consciente de que foi enchendo a paciência do Callie durante todo o inverno, não sei por que se meteu na cabeça passar tanto tempo conosco em vez de ir relaxar se em Bath com suas amizades.
- Parece-me que o celibato de Callie a inquieta cada vez mais.
Rochford soltou um gemido.
- Sua atitude basta para que se deseje renunciar ao casamento por toda a vida, com o único propósito de contrariá-la - olhou-a um pouco envergonhado - Pensará que sou um ingrato ao me ouvir falar assim dela, depois de tudo o que tem feito por Callie e por mim. Assumiu a tarefa de nos cuidar, quando na sua avançada idade poderia ter se limitado a desfrutar de uma bem merecida vida de ócio. Mas não se pode viver segundo seus ditames.
- Conhece bem a meus pais, assim não espere minha comiseração - lhe disse ela, em tom de brincadeira - Sou consciente de que a duquesa se consagrou a suas obrigações familiares, mas acho que agradeceria ter uma pausa, que a liberassem momentaneamente da carga que supõe cuidar de uma jovem cheia de energia. Eu estaria encantada de ter companhia, porque a cidade é muito aborrecida nesta época do ano. Callie e eu poderíamos ir às compras, e ir ao teatro. Para mim seria uma alegria estar acompanhada.
- Foi idéia de minha irmã?
Francesca pôs- se a rir.
- É muito suspicaz. Parece uma boa idéia para Callie, e asseguro que eu estarei encantada de desfrutar de sua companhia. Às vezes me sinto um pouco sozinha.
Ele a contemplou em silencio durante uns segundos, e finalmente a surpreendeu quando encolheu os ombros e disse com aparente despreocupação:
- Se tanto Callie como você desejam isso, estou disposto a permitir que fique aqui. Apesar do que minha irmã possa ter dito, não necessita de minha permissão para ficar umas semanas em casa de uma amiga. Tem mais de vinte e um anos, e não sou um tirano.
- É claro que não. - Francesca o olhou com o sorriso felino que a caracterizava, e acrescentou. - Mas não esqueça que o conheço há muito tempo, e, portanto estou em disposição de afirmar que pode chegar a ser um pouco mandão.
- Sério? Provoco para que me dê um exemplo.
- Poderia lhe dar centenas deles. Lembro que, quando tinha dez anos, entrei a cavalo em suas terras, e assustei a aquele horrível pavão que costumava passear- se com ares de grandeza pelo jardim dianteiro da casa. Você disse que Dancy Park lhe pertencia, e que não queria que incomodasse a seu pássaro.
- Deus, já não me lembrava daquele peru, era um bicho muito escandaloso. - O duque pôs-se a rir.
- Tem certeza de que disse tal coisa? Estranho que não a aplaudisse. Mas se vai trazer à luz exemplos de há tantos anos, devo dizer que foi uma garotinha insuportável, e que se lhe disse o que devia fazer, foi sem dúvida porque merecia isso.
Callie entrou apressadamente na saleta justo quando Francesca estava protestando entre risadas, e sorriu aliviada ao dar-se conta do bom ambiente reinante. Quando a criada lhe tinha levado chá e torradas e havia dito que seu irmão se apresentou na casa tão cedo, temeu o pior.
A idéia de ter um novo enfrentamento com ele tinha feito que lhe formasse um nó no estômago, mas como não podia permitir que Francesca pagasse os pratos quebrados, vestiu-se rapidamente e tinha descido à saleta correndo; entretanto, ao vê-los conversando amigavelmente, disse-se que deveria ter recordado que Francesca era uma perita na hora de converter um desastre social em um triunfo. Acalmar a um duque iracundo devia ser pão comido para ela.
- Olá, Rochford - o disse com certo acanhamento, já que ainda se sentia um pouco desconfortável com ele por causa da discussão da noite anterior.
Ele se voltou ao ouvir sua voz, e lhe disse sorridente:
- Olá, querida.
Callie relaxou imediatamente, e se aproximou dele com as mãos estendidas.
- Sinclair, sinto muito ter partido de casa em meio da noite. Certamente a avó e você estiveram preocupados por minha culpa.
Ele tomou suas mãos, e a contemplou com um sorriso.
- A avó não sabe nada do ocorrido. O lacaio me trouxe a nota de lady Haughston assim que a recebeu, assim soube imediatamente que estava a salvo. Ordenei que sua criada não fosse despertá-la esta manhã, e fui ao seu quarto em busca do bilhete que me tinha deixado sobre o travesseiro. Esta manhã saí que casa antes que a avó descesse para tomar o café da manhã, assim só se surpreenderá um pouco que tenha decidido me acompanhar para fazer uma visita tão matinal - contemplou o vestido que Francesca tinha deixado para Callie na noite anterior - A menos que ache que se dará conta de que o vestido que leva não é seu, duvido que haja algum problema.
- Se der conta, direi que ao final da temporada passada deixei- o esquecido na casa da cidade, e por isso não me viu vestido com ele ultimamente.
- É uma marota muito esperta - disse o duque com afeto - Suponho que sua capacidade para inventar mentiras deveria me pôr nervoso, mas me parece que será melhor correr um denso véu sobre o assunto. Lady Francesca me comentou que teve a gentileza de te convidar a ficar com ela até que comece a temporada, e lhe disse que estou certo de que aceitará encantada.
- Sim, é obvio - Callie sorriu de orelha a orelha - Gosto de Marcastle, mas...
- Sim, já sei que a vida no campo começa a aborrecê-la. Parece-me bem que fique aqui, embora deva advertir lady Francesca que a levará a rastros por todas as lojas da Rua Bruton.
- É muito exagerado! - exclamou, com uma gargalhada.
- Bom, será melhor que ponha seu casaco e seu chapéu e que retornemos a casa, para que possa começar a preparar sua bagagem. Certamente também quererá fazer uma lista das coisas que quer que lhe mande a governanta do Marcastle.
- Não, prefiro comprar coisas novas. - depois de lançar outro sorriso radiante a seu irmão, Callie subiu ao seu quarto apressadamente.
Rochford se voltou para Francesca, e disse:
- Não diga que não a adverti.
- Acredito que não terei problemas no referente às compras - comentou ela, sorridente.
- Callie tem sua própria fortuna, assim pode custear a roupa e esse tipo de coisas, mas me encarregarei de que meu administrador lhe proporcione uma quantia adequada para cobrir seus gastos de manutenção.
Francesca se esticou imediatamente, e sentiu que se ruborizava. Perguntou-se se Rochford suspeitava que tivesse problemas econômicos, se sabia que lorde Haughston a tinha deixado virtualmente na ruína quando tinha morrido cinco anos atrás. Ainda estava à beira da pobreza, e seguia adiante graças aos "presentes" que lhe davam os pais agradecidos das jovens que guiava através das perigosas areias movediças da alta sociedade.
- Nem pensar - lhe disse com firmeza - Não permitirei que uma convidada minha pague por sua manutenção, seria inaceitável.
Rochford se ergueu ao máximo, e a olhou com altivez. Sua expressão era tão exatamente à "cara de duque" que Callie havia descrito a noite anterior, que Francesca esteve a ponto de soltar uma gargalhada apesar de estar morta de embaraço.
- Minha querida lady Haughston - disse ele, como se não se conhecessem desde a infância – não me acha tão falto de maneiras para lhe impor a presença de minha irmã... não quero ouvir seus protestos, sei perfeitamente bem que a idéia de sua prolongada estadia aqui não foi sua, mas dela e que pretenda ainda por cima que pague por seus gastos, não é?
- Claro que não, quer dizer...
Como era possível que Rochford se engenhasse sempre para conseguir que uma pessoa se sentisse equivocada, por muito convencida que estivesse de que tinha razão? Começou a ficar um pouco nervosa sob seu olhar firme e altivo, e não pôde evitar perguntar-se se o tinha ofendido.
- De acordo, então está decidido - disse ele.
- Mas...
- Farei com que meu administrador fale com seu mordomo, para que se levem a cabo os acertos pertinentes.
Durante os escassos minutos que Callie demorou a retornar, o duque voltou a lhe agradecer por ajudar a sua irmã, desculpou-se por haver-se apresentado em sua casa tão cedo, e manteve um fluxo contínuo de comentários corteses até que se despediu com uma elegante reverencia e partiu com sua irmã. Francesca se perguntou quem dos dois tinha conseguido ganhar a partida.
À volta a casa não foi tão horrível como Callie esperava. Seu irmão não voltou a falar do incidente que tinha desencadeado todo o acontecido, e ela também optou por falar de outros assuntos. Como Sinclair tinha tido o cuidado de ocultar a sua avó que ela não tinha dormido em seu quarto a noite anterior, não teve que agüentar um sermão interminável.
A duquesa estranhou um pouco que tivessem ido visitar lady Haughston tão cedo, e se surpreendeu ainda mais quando lhe contaram que Francesca tinha convidado Callie para passar umas semanas em sua casa. A princípio achou que sua neta preferiria voltar para Marcastle antes que aborrecer- se na cidade durante os meses que restavam até o início da temporada social, mas foi um protesto carente de convicção e Callie se deu conta de que parecia aliviada. Ao chegar a tarde, sua avó já estava expondo se seria melhor ir passar uns meses no Bath com suas amizades em vez de voltar para o Marcastle com o Rochford.
A preparação da bagagem foi uma tarefa fácil, porque Callie ia partir com o que tinha chegado, e só ia acrescentar algumas roupas que anteriormente tinha deixado na casa da cidade. Tal como seu irmão havia predito, decidiu que lhe enviassem algumas coisas que tinha em Marcastle, assim preparou uma lista para que ele a entregasse à ama de chaves. Não demorou em ter tudo preparado, assim naquela mesma tarde mudou para a casa de Francesca. Sinclair a acompanhou, mas não demorou muito. Depois de despedir-se dela, de saudar Francesca, e de falar brevemente com o mordomo, foi embora imediatamente.
Callie e Francesca passaram o resto da noite na saleta amarela, conversando sobre o que iriam fazer. Decidiram que o primeiro era comprar roupa; ao fim e ao cabo, não podiam começar a temporada social com vestidos do ano anterior, assim tinham que pôr mãos à obra quanto antes. De modo que, na manhã seguinte, foram às compras pela Rua Bruton e a Rua Conduit, que era onde estavam as chapelarias e as costureiras mais seletas. Retornaram à tarde, exaustas e tremendo pelo frio e pela umidade, mas muito satisfeitas.
- Tenho a impressão de que fomos a todas as chapelarias da cidade - comentou Callie com um suspiro, enquanto aceitava agradecida a xícara de chá que o eficiente mordomo de Francesca lhes tinha servido assim que tinham chegado à casa.
- Se não for assim, não demoraremos em fazê-lo, porque ainda não encontrei o que quero para as tardes do verão - lhe disse Francesca - Mas fomos muito bem com os vestidos. - Sim, embora eu gostaria de poder pôr algo que não fosse branco. Eu adoraria levar um vestido de baile verde, ou inclusive rosa claro.
Francesca soltou uma gargalhada.
- Agradeça que o branco lhe via bem graças a essa impressionante cabeleira negra e a sua tez rosada.
Pensa como fica mal nas loiras, parecemos insípidas.
- Estou certa de que você se destaca com qualquer vestido. Todo mundo sabe que é a beleza reinante de Londres desde sua primeira temporada em sociedade.
- Obrigada pelo cumprimento, mas está exagerando; em todo caso, o reflexo azulado do vestido de baile de cetim rompe um pouco com o branco total.
- Sim, é verdade.
O vestido tinha uma sobressaia drapeada sobre babados de tule branco. A parte superior de cada dobra estava segura com uma roseta azul claro, tinha uma banda azul de cetim ao redor do talhe alto, e as mangas raglan tinham as bordas debruadas com laços azuis.
- O bordado e as pérolas pequenas do outro vestido de baile também são lindos - prosseguiu dizendo Callie – A verdade é que não teria que me queixar, porque sair às compras consigo é muito melhor que fazê-lo com minha avó. Ela sempre insiste em subir os decotes.
- Céus, acha que me repreenderá quando me vir? Não me pareceu que nenhum dos vestidos fosse muito decotado.
- Não o são. Todas as damas, inclusive as debutantes, levam decotes mais pronunciados que os que minha avó me permite. Não o entendo, porque em sua época eram muito mais atrevidas; em qualquer caso, nem sequer ela se atreverá a pôr objeções a um vestido que conte com sua aprovação. Sempre me disse que é a mulher mais elegante de Londres.
- Isso é um cumprimento, todo mundo sabe que a duquesa do Rochford é a elegância em pessoa.
As duas prosseguiram conversando animadamente sobre moda, e tratando com o mesmo entusiasmo as ofertas em laços, botões, bordado, e mantos do Grafton"s que os casacos e os vestidos das costureiras mais exclusivas. Fenton lhes tinha levado uma bandeja com pasteuzinhos e sanduiches junto com o chá, e comeram com apetite enquanto falavam.
Quando ficaram saciadas e acabaram com o repasse das compras, Francesca deixou a um lado sua xícara e comentou:
- Tinha pensado em iniciar nosso pequeno projeto indo ao teatro, mas se estiver muito cansada e não quer ir, só tem que dizê-lo.
- Absolutamente, recuperei forças. - os olhos de Callie se iluminaram - Estarei encantada de ir ao teatro.
- Perfeito. Vou enviar uma nota para sir Lucien, sempre está disposto a se fazer de acompanhante - Francesca se aproximou da pequena escrivaninha que havia junto à janela, sentou-se, e começou a escrever a nota a seu amigo - pensei que assim poderemos fazer um reconhecimento do terreno, ver se há algum solteiro que vale a pena; além disso, temos que fazer uma lista dos requisitos que deve cumprir um possível candidato.
- A verdade é que não sou muito exigente. Não é preciso que seja rico, nem que proceda de uma das famílias mais elevadas; de fato, minha avó costuma dizer que sou muito igualitária. Embora suponha que uma situação financeira acomodada e um bom nome são necessários, se quero estar segura de que não está interessado em meu dinheiro e em minha família.
- O que me diz do aspecto físico?
- Não é muito importante, embora fosse preferível que não fosse terrivelmente feio. Não é preciso que seja bonito, mas eu gosto dos rostos fortes e dos olhos cheios de inteligência - de repente, veio- lhe à mente a imagem de uns olhos cinza emoldurados por sobrancelhas retas. O conde do Bromwell tinha justo o tipo de rosto masculino que a atraía, mas não era tão idiota para escolher marido apoiando-se na aparência física. - Deve ser um homem com o que se possa conversar, e tem que ter senso de humor. Não agüentaria a um marido que estivesse sério todo o dia. E tampouco quero a um erudito, muitos dos amigos do Rochford são terrivelmente aborrecidos quando começam com suas dissertações - olhou a Francesca um pouco envergonhada, e soltou um risinho suave- Suponho que pareço bastante superficial.
- Absolutamente. Com certeza os amigos do Rochford me seriam igualmente aborrecidos como a você - depois de soprar sobre a nota para que a tinta acabasse de secar, Francesca dobrou o papel e o selou.
- Mas tampouco quero um tonto. Rochford só é aborrecido quando está com esses estudiosos com quem mantém correspondência. São cientistas, historiadores, e coisas assim. Mas tampouco eu gostaria de me casar com alguém que fosse incapaz de fazer um comentário inteligente, ou que não pudesse manter uma conversa com o Sinclair - se deteve por um instante - Céus, começo a pensar que tenho mais requisitos do que pensava.
- Está em seu direito, é uma solteira muito cobiçada e o homem que a consiga tem que ser especial. Além disso, assim o processo de seleção será muito mais fácil, porque ao descartar aos tontos, ficam eliminados um bom número dos membros da alta sociedade.
- É perversa! - Callie pôs-se a rir.
- Isso é certo. - Francesca se levantou, e puxou o cordão da campainha para chamar um criado - Convidei sir Lucien para jantar conosco antes da função.
Apesar de que sir Lucien era um de seus melhores amigos e seu acompanhante mais fiel, Francesca sabia que era melhor assegurar-se de sua assistência com um convite para jantar. Como era um solteiro contumaz, e um homem de um gosto e um estilo impecáveis, sir Lucien costumava estar justo de dinheiro, em parte devido a que eram limitados seus ganhos, e sobre tudo porque gastava a maior parte de seus ganhos em roupa e nos reduzidos mas bem situados aposentos onde vivia de aluguel; portanto, estava acostumado a jantar fora, e se valia de seu atraente físico e de seu bom gosto para conseguir que o convidassem.
Depois de encarregar-se de que enviassem a nota, as duas subiram para começar a preparar- se; ao fim e ao cabo, a finalidade de uma noite no teatro não era a peça em si, mas a oportunidade de ver e de ser visto, e deveria se cuidar da aparência com o mesmo esmero que se teria em caso de ir a um baile.
Callie dormiu uma pequena sesta com um pano umedecido com lavanda sobre os olhos, e ao despertar se sentiu como nova. Depois de banhar-se, vestiu com ajuda de sua criada, Belinda, seu vestido de noite preferido. Era branco, é obvio, e tinha tanto a borda inferior da sobressaia como o decote debruados com galão branco. Teria gostado de calçar as chinelas verdes que tinha encomendado aquela tarde, mas como demorariam alguns dias para estarem prontas, teve que conformar- se com umas de brocado. Como única jóia colocou um colar de pérolas e brincos combinando, e completou o traje com um elegante leque e umas luvas longas. Sentou- se em frente a sua penteadeira para que a criada a penteasse. Belinda lhe fez um coque no alto da cabeça, e lhe deixou várias mechas soltas que enroscou cuidadosamente com o pente até formar caracóis. Na parte da frente, optou por deixar que o cabelo mais curto e ligeiramente ondulado emoldurasse o rosto de Callie. Era óbvio que estava esforçando- se ao máximo devido à presença do Maisi, a criada de Francesca, que tinha fama de ser uma artista com o cabelo.
Depois de lhe agradecer sua ajuda, Callie desceu para reunir- se com Francesca, e a encontrou em companhia de sir Lucien. Estavam conversando enquanto tomavam um copo de xerez antes do jantar. Sir Lucien ficou de pé ao vê-la entrar na saleta, e a saudou com uma elegante reverencia.
- Boa noite, lady Calandra. É um prazer acompanhar a duas damas tão belas ao teatro, sou um homem muito afortunado.
- Olá, sir Lucien - Callie o olhou com um sorriso.
Sir Lucien era um homem refinado, criativo e atraente; em definitivo, era o acompanhante perfeito, embora Callie tivesse a suspeita de que estivesse mais interessado no vestido de uma dama que na mulher que havia debaixo. Esse tipo de assunto não se mencionava diante de uma jovem casadoura, mas ela não tinha demorado a perceber que os flertes e os cumprimentos de sir Lucien eram como um jogo para ele. Era um homem que apreciava a beleza em todas suas formas, fosse em um rosto, na forma de um corpo, ou no corte de um vestido, mas jamais tinha visto nele o brilho de desejo que brilhava nos olhos de alguns homens quando a olhavam, por exemplo, lorde Bromwell a tinha olhado com uma expressão intensa e penetrante, e ela tinha notado a calidez quase evidente que emanava de seu corpo quando a tinha abraçado para beijá-la.
Obrigou-se a deixar de pensar nele, e acrescentou:
- Alegra-me que tenha vindo, embora o lamento pela anfitriã que perdeu o prazer de sua companhia.
- Hoje pensava em assistir ao recital que acontece em casa da senhora Doddington, assim devo lhes agradecer que me tenham salvado. Servem uns refrescos excelentes de fato, o pobre do Lethingham leva anos tentando lhe arrebatar a cozinheira, mas seus gostos musicais são deploráveis, e se por acaso fosse pouco, sempre insiste em que suas filhas contribuam com uma peça.
Sir Lucien prosseguiu conversando com calma durante o jantar; ao fim e ao cabo, uma das razões pelas quais nunca lhe faltavam convites era sua capacidade para evitar que uma noite fosse um aborrecimento total. Para Callie, que tinha passado os últimos meses enclausurada no Marcastle, sua companhia foi como um sopro de ar fresco, além de uma boa fonte de informação. Sir Lucien estava a par das últimas fofocas, sabia tudo o que tinha acontecido na alta sociedade, que cavalheiro estava a ponto de fugir do país para evitar que o encarcerassem por dívidas, que dama tinha tido um filho que não tinha nenhuma semelhança com seu marido, e que nobre de velha ascendência tinha desafiado a alguém por culpa de um jogo de cartas.
Não mostrou estranheza pelo fato de que Callie tivesse decidido permanecer na cidade, porque considerava que qualquer em seu são julgamento preferiria ficar em Londres antes que em uma propriedade rural, por muito extensa que fora; entretanto, quando chegaram ao teatro e entraram no camarote que lhes correspondia, pareceu lhe picar a curiosidade quando as ouviu falar sobre dos solteiros que havia entre o público.
- Querida minha, a menos que estejam me falhando os ouvidos, parecem estar considerando quais dos cavalheiros pressentes são possíveis candidatos a um futuro matrimônio.
Callie se ruborizou, mas Francesca lhe respondeu com naturalidade:
- É claro. É a principal ocupação das damas londrinas, cada nova temporada é outro mercado mais.
- Sim, mas estranho o interesse de lady Calandra. Acaso decidiu romper o coração a meia Londres com um possível matrimônio?
- Duvido que fosse um acontecimento tão trágico, mas o certo é que me estou expondo a isso disse
Callie, com um pequeno sorriso.
- Têm em vista a algum afortunado, ou esta temporada vai ser um torneio aberto no qual vai decidir se quem consiguirá sua mão?
- Nem lhe ocorra difundir a notícia a tambor grande e pires, né! Teríamos que agüentar a todos os caça-fortunas da cidade.
- Minha querida Francesca! - sir Lucien levou uma mão ao coração, e fingiu estar horrorizado - Como pode dizer tal coisa? Não direi nenhuma palavra se lady Calandrar e você não quiserem que se saiba. Além disso, assim será muito mais divertido ver como se desenvolvem as coisas. – Levou aos olhos os binóculos que trazia seguros à lapela mediante um cordão negro de seda, e se voltou para percorrer o teatro com o olhar - Vejamos quem poderia ser um possível candidato? Bertram Westin é muito atraente, mas sei que gosta muito de jogar cartas.
- Não, nunca me caiu bem - se apressou a dizer Callie. Lançou um olhar a seu redor, tal como tinha estado fazendo com dissimulação desde que tinham chegado.
Não queria que parecesse que estava procurando a alguém em concreto, mas não teve mais remédio que admitir para si mesma que não se importaria de ver lorde Bromwell entre o público. Apesar de que soubesse que não podia considerá-lo um possível candidato, tinha sido incapaz de tirá-lo da cabeça, e não podia evitar lançar um ou outro olhar para ver se tinha entrado no teatro.
- Aí estão lorde e lady Farrington, no terceiro camarote a partir do cenário - Francesca ergueu seu leque para ocultar sua boca - Seu filho mais velho herdará uma fortuna, embora quase nunca vai aos atos sociais. Por que será?
- Ouvi dizer que é tímido - comentou sir Lucien - Ao que parece, prefere relações como o diria... de índole mais comercial. É mais fácil que enfrentar uma inundação de jovens damas casadouras.
- Céus. Nesse caso, suponho que terá que eliminá-lo da lista - disse Francesca.
- O que me dizem de sir Alastair Surton? - perguntou-lhes sir Lucien, quando viu o homem em questão.
- Sempre está falando de seus cavalos e de seus cães - protestou Callie - Eu gosto de montar a cavalo, mas eu gostaria de poder conversar sobre outros assuntos.
- Sim, é um tipo bastante insípido. Temo que a seleção seja limitada até que comece a temporada - comentou sir Lucien.
- Trata-se de uma inspeção preliminar, de uma missão de reconhecimento. Chama-se assim, não é verdade? – disse Francesca.
- Não sei, o exército não é meu forte.
Francesca lhe deu uma batidinha brincalhona no braço com o leque.
- Lady Calandra, acho que têm o marido perfeito justo neste camarote - comentou sir Lucien.
- Está se propondo como candidato? - Francesca arqueou uma sobrancelha com cepticismo - Todo mundo sabe que é um solteiro contumaz.
- Pode ser que até agora não tenha encontrado o incentivo adequado - o brilho travesso de seus olhos revelava que estava brincando - Queridas minhas, devem admitir que lhes seria difícil encontrar a um homem mais serviçal ou divertido. Sou um bailarino excelente.
- Isso é certo - admitiu Callie, sorridente.
- E quem pode ganhar na hora de falar com familiares velhas e aborrecidas?
- Ninguém - disse Francesca.
- Além disso, sempre me teriam à mão quando necessitassem conselho sobre os vestidos de baile.
- Que mais se pode pedir? - disse Callie.
- O único problema é que teria que se casar, Lucien - concluiu Francesca.
- Sim, esse é o inconveniente - admitiu ele, antes de olhar ao Callie com um sorriso de orelha a orelha - Mas certamente o sacrifício valeria a pena, tratando-se de uma mulher tão formosa como lady Calandra.
Ela pôs- se a rir.
- Ande com cuidado, sir Lucien. O que fará se alguém toma a sério alguma de suas brincadeiras? - Lançou-lhe um olhar risonho, e murmurou - Sempre fica a opção de fugir para o continente.
Sem deixar de sorrir, Callie se voltou de novo para o público; de repente, um movimento em um dos camarotes lhe chamou a atenção, e viu como entravam dois homens conversando amigavelmente.
Ao dar-se conta de que um deles era o conde do Bromwell, sentiu que lhe acelerava o coração e se apressou a afastar o olhar. Esforçou-se por manter os olhos afastados daquele camarote, e esperou uns minutos antes de olhar de novo.
Não havia dúvida, era o cavalheiro da outra noite. Levava umas calças negras, uma jaqueta da mesma cor que deixava entrever o peitilho de uma camisa branca, e uma gravata. Tirou o sobretudo, e estava sentado em uma das cadeiras junto ao outro homem. Tinha o braço apoiado no parapeito do camarote, e estava olhando a seu acompanhante. Callie não podia ver sua expressão, mas recordava à perfeição seu aspecto, o sorriso que começava com um brilho no olhar e se estendia até seus lábios, a cor cinza de seus olhos, que podia passar de ser prateado a adquirir o tom escuro de uma nuvem de tormenta segundo seu estado de ânimo.
Voltou- se para Francesca e sir Lucien, e lhes perguntou:
- Conhecem os cavalheiros desse camarote à direita, que fica quase no centro? Um tem o cabelo escuro e o outro mais claro, quase loiro.
- Refere-se ao camarote que há ao lado do de lady Wittington e sua filha? - perguntou-lhe Francesca.
Callie se voltou para olhar, e se ruborizou ao dar-se conta de que tanto Bromwell como seu acompanhante estavam observando-a por sua vez. O conde esboçou um sorriso, e a saudou com uma ligeira inclinação de cabeça.
- Sim - apressou- se a dizer com voz rouca. Afastou o olhar rapidamente, e o fixou em suas próprias mãos.
- Conhece-o? - perguntou-lhe Francesca, atônita.
- Não exatamente. Também estava na festa de lady Pencully.
- E quem não? - declarou sir Lucien, antes de olhar também para os dois homens – Não reconheço ao moreno, mas o outro é Archibald Tilford - se voltou de novo para o Callie, e comentou - Não é um bom partido para você. Trata-se de um bom tipo, mas vive graças a uma atribuição que lhe dá seu primo. Um momento - sir Lucien franziu um pouco o cenho, e lançou outro olhar para o outro camarote - Sim, pode ser que seja seu primo, o conde do Bromwell… se for ele, trata-se de um firme candidato. Vi- o uma única vez, e isso já faz uns anos, mas sim, pode ser que seja ele.
- O conde do Bromwell, me parece que não o conheço - Francesca se esticou de repente – É o irmão de lady Swithington?
- Exato - disse sir Lucien - Mal vem a Londres. Quando herdou o título foi para sua propriedade do Yorkshire, e isso já faz mais de dez anos. Foi pouco depois de que eu saísse de Oxford. O anterior conde deixou as arcas quase vazias ao morrer, mas dizem que o filho conseguiu uma fortuna; de fato, soube que é imensamente rico.
- Como ganhou o dinheiro? - perguntou-lhe Callie.
- Não tenho nem idéia, querida minha. A única coisa que sei é que a família não fala do assunto, assim é possível que se dedicou ao comércio.
- Não sei por que terá que ocultar que alguém está ganhando dinheiro. Sinclair sempre diz que a nobreza não tem por que implicar pobreza.
- Temo que a nobreza é a única coisa que tem como crédito, para alguns - comentou sir Lucien.
- Sim, mas não é algo muito comercial - declarou Francesca com ironia, com o olhar fixo no outro camarote. Os dois homens tinham deixado de olhar para eles, e estavam conversando de novo; de vez em quando, o conde dava uma olhada ao programa que tinha na mão. Finalmente, acrescentou com naturalidade - Quer acrescentá-lo a sua lista de possíveis maridos?
Callie tentou aparentar indiferença, apesar de que lhe acelerava o coração cada vez que ele a olhava.
- Pois não sei, na festa me pareceu um cavalheiro agradável - olhou a Francesca, e viu em seus olhos um brilho estranho, como de inquietação, que não conseguiu entender. Ao ver que lançava um rápido olhar para sir Lucien antes de baixar os olhos, ficou um pouco tensa e lhe disse - O que acontece, Francesca? Sabe algo sobre esse homem? Há algum assunto turvo em seu passado?
- Não, a verdade é que não o conheço nada - Francesca se moveu com certo nervosismo. Ao ver que Callie a olhava com cepticismo, acrescentou: - Conheço sua irmã, mas de forma muito superficial.
- Sabe algo mau sobre ela?
- O certo é que apenas a conheço. Acho que vive há anos no Gales, na propriedade de seu marido. O homem tinha uma idade muito avançada, e soube que morreu recentemente.
Certamente não demora em retornar a Londres em busca de outro marido rico.
Callie se perguntou a que se devia aquele tom mordaz, porque Francesca não costumava mostrar- se tão áspera; de fato, costumava fazer caso omisso dos comentários cáusticos de outros, e mitigava os seus próprios com engenho e jovialidade. Era óbvio que a irmã do conde não lhe caía nada bem, e que não queria falar do assunto.
- Olhem, a peça está a ponto de começar - Francesca se voltou para o cenário com um alívio patente.
Callie se disse que poderia continuar indagando sobre a irmã do conde durante o intervalo, quando sir Lucien fosse em busca de refrescos e as deixasse sozinhas. Tentou concentrar- se no cenário, mas a peça não era muito boa e morria de vontade de olhar para o camarote do conde. Conseguiu conter- se a base de força de vontade, já que não queria revelar o interesse que sentia por ele, mas não pôde tirá-lo o da cabeça.
Não entendia por que lhe parecia inadequado ao seu irmão. Nem Francesca nem sir Lucien, que eram dois dos pilares da alta sociedade, tinham-no reconhecido a princípio, e estavam muito mais inteirados das fofocas que Sinclair. Ao ver como tinha reagido seu irmão ao vê-la com ele no terraço, tinha começado a temer que se tratasse de um libertino acostumado a seduzir a donzelas casadouras, mas se fosse assim, e até no caso de Francesca não ter ouvido nada a respeito, não havia dúvida de que sir Lucien estaria informado e lhe teria aconselhado que se mantivesse afastada dele.
Se o conde não tinha protagonizado nenhum escândalo, a que se devia a atitude do Sinclair? Devia conhecê-lo de algo, mas sir Lucien tinha comentado que lorde Bromwell passava todo o tempo em suas propriedades do Yorkshire, e seu irmão não tinha terras naquela zona, ao menos que ela soubesse. Jamais tinha ido com ele por ali.
Talvez tivessem tido algum trato de negócios no passado. A diferença da maioria dos nobres, Sinclair não só se ocupava de que suas muitas propriedades fossem prósperas, mas também, além disso, investia tanto seu próprio dinheiro como a fortuna mais modesta que ela tinha herdado. Era possível que seu irmão considerasse que o conde tinha feito algo eticamente incorreto em algum negócio.
Estava convencida de que sua atitude beligerante não se devia a que lorde Bromwell tinha acumulado uma fortuna graças ao comércio, apesar de que a aristocracia considerava que era muito vulgar dedicar-se a esse tipo de ocupações.
Também era possível que Sinclair se limitara a reagir ante a situação. Tinha começado a procurá-la pelo salão, sua preocupação tinha aumentado ao não poder encontrá-la, e se tinha alarmado tanto ao vê-la a sós com um homem no terraço, que tinha dado como fato que o homem em questão era um descarado.
Sim, era o mais provável. E se seu irmão tinha chegado a uma conclusão equivocada sem conhecer sequer ao conde, o mais provável era que acabasse dando- se conta de que se precipitara. Como era um homem justo, não teria mais remédio que admitir que se equivocara ao julgar ao conde com tanta precipitação, e sem provas sólidas. Sinclair era um homem que admitia seus enganos e que não duvidava em desculpar- se fosse necessário, assim certamente acabaria retificando sua atitude com respeito à lorde Bromwell.
Por outro lado, Sinclair o tinha chamado por seu nome, e isso deixava entrever que o conhecia; além disso, a reação do próprio conde parecia indicar que este por sua vez tinha reconhecido a seu irmão.
Ainda continuava dando voltas ao assunto quando as luzes do teatro se acenderam e alguns dos espectadores começaram a levantar-se. Assim que sir Lucien foi lhes buscar uns copos de refrescos, voltou- se para Francesca com a intenção de retomar a conversa sobre a irmã de lorde Bromwell; entretanto, só tiveram tempo de fazer alguns comentários banais sobre a obra antes que alguém batesse na porta do camarote.
Callie tentou dissimular sua irritação enquanto Francesca dava permissão para que o recém-chegado entrasse. Era normal que os assistentes ao teatro ou à ópera fossem saudar se durante os intervalos, mas tinha achado que possivelmente teria tempo de falar um pouco com Francesca antes que começassem a chegar às visitas; entretanto, era óbvio que não ia ter essa sorte. As duas se voltaram com um sorriso de boas-vindas. A porta se abriu, e deu passagem ao homem loiro que sir Lucien tinha identificado como o senhor Tilford… mas não estava sozinho, já que o acompanhava o conde do Bromwell.
Callie apertou com força seu leque e seu coração se acelerou, mas se arrumou para manter uma expressão cortês e tranqüila.
- Espero que não me considerem muito ousado, lady Haughston - disse o loiro, de forma um pouco vacilante - Nos conhecemos na festa de lady Billingsley na passada temporada. Sou o senhor Archibald Tilford.
Francesca não o tinha reconhecido ao vê-lo antes, assim era óbvio que não recordava o encontro, mas como o pobre parecia tão nervoso e inseguro, teve piedade dele e sorriu com amabilidade.
- Sim, é claro. Entrem, por favor.
- Obrigado, é muito amável - disse ele com alívio, enquanto entrava junto com o conde.
O camarote era espaçoso, mas para Callie pareceu que diminuía de repente. Não pôde evitar olhar ao homem que tinha monopolizado seus pensamentos durante os últimos dois dias. Havia- se dito a si mesma que a fantasia de cavalheiro tinha feito com que o idealizasse, que o visse mais bonito do que era em realidade, mas enquanto o olhava com dissimulação se deu conta de que estava inclusive mais bonito vestido com normalidade. Seu corpo longo e magro não precisava o enchimento que proporcionava o gibão, e as calças mais estreitas que estavam em moda enfatizavam a forte musculatura de suas pernas. Não lhe faziam falta nem umas esporas nenhuma espada para acentuar sua masculinidade inata.
- Lady Haughston, permita que apresente meu primo Richard, o conde do Bromwell - acrescentou o senhor Tilford.
- Encantada de conhecê-los - Francesca, que se tinha levantado junto com o Callie, estendeu a mão para o conde antes de indicar ao Callie com um gesto - Lady Calandra Lilles.
Bromwell se voltou para o Callie, e a olhou com um brilho travesso no olhar antes de saudá-la com uma reverência.
- Lady Calandra e eu já nos conhecemos. Lembra- se de mim, minha senhora?
- É obvio - Callie se sentiu aliviada ao ver que sua voz soava tranqüila e natural- O baile de fantasia de lady Pencully foi inesquecível.
- Devo me desculpar por não o reconhecer, lorde Bromwell. Mas ao fim e ao cabo, todos íamos fantasiados - comentou Francesca.
- Sim, mas há quem é memorável inclusive com uma fantasia. Se não recordo mal, você ia vestida de pastora, lady Haughston.
- Assim é.
- E lady Calandra do Katherine Parr, apesar de que é muito jovem para poder ser essa dama na época de seu reinado.
Francesca se voltou para o Callie, e lhe disse:
- Foi Katherine Parr? Confundi-a com a Ana Bolena.
- Minha intenção era representar a uma dama da época dos Tudor, foi lorde Bromwell quem me elevou a rainha.
- Tive claro desde o começo que esse era o título que merecia - disse ele.
Alguém bateu na porta, e dois cavalheiros mais entraram pra as saudar. Quando sir Lucien chegou pouco depois com os refrescos para Francesca e Callie, o camarote ficou bastante abarrotado, assim pareceu o mais normal do mundo que lorde Bromwell se fizesse a um lado para deixar um pouco mais de espaço a outros. Situou-se mais perto do Callie, entre o parapeito do camarote e ela, e comentou com naturalidade:
- Soube que o duque partiu de Londres, surpreendeu-me encontrá-la aqui esta noite.
- Estou passando umas semanas em casa de lady Haughston. Teve a delicadeza de me convidar para que ficasse com ela até que minha família retorne no começo da temporada social.
Estavam tão perto, que Callie teve que levantar um pouco a cabeça para poder olhá-lo no rosto. Sob a luz tênue do teatro, os olhos do conde tinham o cinza escuro das nuvens de tormenta. Ao ver que a observava com atenção, desejou saber o que estava pensando, e se perguntou se tinha pensado nela durante os últimos dias, se tinha alegrado ao vê-la.
O fato de que tivesse ido visitá-las no camarote, apesar do seu primo mal conhecer Francesca, era muito significativo. Callie era consciente de que era possível que se aproximaram pra cumprimentar atraídos pela beleza de Francesca, mas estava convencida de que não era assim; de fato, e a risco de parecer presunçosa, acreditava que lorde Bromwell tinha ido ver a ela. Ao fim e ao cabo, o conde não ficou perto de Francesca, mas tinha engenhado para aproximar- se dela. A mera idéia a entusiasmou tanto, que teve que afastar o olhar para ocultar sua reação.
- Estou muito agradecido a lady Haughston - comentou ele - Temia não voltar a vê-la antes de retornar ao norte.
- Suas terras estão no norte? - perguntou-lhe, como se sir Lucien não tivesse estado lhe contando tudo o que sabia sobre ele.
- No Yorkshire. Sei que vou contracorrente, porque partirei de Londres quando todo mundo começar a chegar para a temporada social, mas na primavera e no verão há muito trabalho em minhas terras - arqueou uma sobrancelha, e acrescentou: - Agora é quando me olha atônita, e me diz que lhe assombra que me encarregue de fiscalizar minha propriedade.
- Engana-se. Acho que se deve prestar atenção a suas propriedades, é a única forma de assegurar- se de que as terras se utilizam corretamente e os arrendatários recebem um bom tratamento.
- É uma dama fora do comum; por regra geral, dizem que careço de refinamento.
- A julgar por seu sorriso, diria que tais afirmações não o preocupam.
- Não estou acostumado a prestar atenção ao que outros possam pensar de mim, é outra das razões pelas quais não consigo me encaixar na alta sociedade.
- Nem todo mundo é tão curto de idéias.
- Me alegro muito de que você se encontre nesse grupo - disse ele, sorridente.
Aquele sorriso a afetou tanto, que Callie ficou nervosa e baixou o olhar. Não estava acostumada a reagir assim ante um homem. Não era uma menina, estava a cinco anos no cenário social e estava acostumada a flertes, olhares encobertos e sorrisos insinuantes. Fazia muito que tinha aprendido a tirar importância a cumprimentos que recebia, e jamais tinha sido das que ficavam sem fôlego ante o olhar de um homem, mas tudo era diferente com o conde.
Acelerava- lhe o coração cada vez que a olhava, e sentia uma sensação muito estranha quando a olhava com um sorriso. Perguntou-se se ele era consciente do muito que a afetava.
Bromwell lançou um rápido olhar a seu primo antes de voltar- se de novo para ela. - Devo partir, Archie está ficando nervoso. Tem medo de que faça algo que a embarace se ficarmos muito tempo. Acredita que perdi as boas maneiras nos anos que passei fora de Londres Embora o certo é que nem sequer sei se alguma vez os tive.
- Certamente exagera, milord.
- Nunca me dei muito bem com a arte da conversa cortês, sou muito dado a expressar minha opinião com sinceridade.
- Não há dúvida de que isso pode ser um inconveniente na alta sociedade, mas me pareceu que na outra noite não tinha nenhum problema na hora de falar; de fato, acredito recordar que se mostrou muito adulador.
- É que com você é fácil dizer uma adulação atrás de outra, porque basta dizer a verdade.
- Viu? É muito eloqüente.
Ele esboçou um sorriso, e lhe disse:
- Como agora já fomos apresentados de forma oficial, permitirá que vá visitá-las?
Callie sorriu e baixou o olhar com uma coqueteria incomum nela, mas precisava dar-se um pouco de tempo. Não podia negar a felicidade que sentia ao saber que ele desejava voltar a vê-la, mas apesar do o desejo ser mútuo, ainda tinha certas dúvidas. Sinclair lhe havia dito que não queria que voltasse a vê-lo, assim estaria transgredindo-o de forma direta se aceitava que o conde a visitasse. Jamais tinha desobedecido a seu irmão, ao menos em algo importante.
Desejou saber a que se devia a animosidade do Sinclair. Perguntou-se se havia algo oculto sob o atraente exterior do conde, alguma debilidade ou algum defeito que explicasse a reação que tinha tido seu irmão ao vê-la com ele. As aparências podiam ser enganosas, e apesar de que se considerava bastante hábil na hora de julgar o caráter de outros, havia homens capazes de enganar inclusive às pessoas mais cínicas e suspicazes; além disso, fazia muito que se dera conta de que a atitude que os cavalheiros tinham ante as damas costumavam distar muito da que mostravam em companhia de outros homens.
O mais prudente seria fazer caso de seu irmão, mas o sorriso do conde a afetava como nenhum outro, e ao recordar como a tinha beijado, sentia de novo um desejo quente que lhe inundava a entre as coxas. Tinha querido apertar- se contra ele, sentir aqueles músculos duros contra sua própria pele, se ruborizava só pensando nisso. Queria voltar a vê-lo, voltar a sentir o contato de seus lábios contra os seus. Possivelmente estava comportando- se como uma imoral, não havia dúvida de que estava sendo desobediente e de que estava deixando de um lado suas obrigações, mas por uma vez ia fazer o que não devia.
Ergueu o rosto, e lhe disse com firmeza:
- Eu gostaria muito de voltar a vê-lo, milord, mas esquece que me alojo em casa de lady Haughston. É ela quem deve lhe dar permissão para me visitar.
Ele esboçou um sorriso, e seus olhos se iluminaram com uma expressão que a deixou sem fôlego.
- Não me tinha esquecido, mas queria saber qual era sua opinião.
Depois de despedir- se com uma reverência, foi para Francesca, que estava falando com o senhor Tilford e com um dos recém chegados junto à porta. Despediu- se dela com uma reverência, e então lhe disse algo.
Francesca se voltou para ela por um segundo antes de olhá-lo de novo, e ao ver que lhe respondia algo com um sorriso, Callie soube que estava lhe dando permissão para que fosse visitá-la.
Foi pesado agüentar o resto da noite. Não estava interessada na peça, e teve que resistir a tentação de olhar para o camarote do conde quando chegou outro intervalo depois do segundo ato. Conversou de ninharias com as pessoas que se aproximaram para cumprimentá-las, mas estava distraída pensando em outras coisas. Sentiu-se aliviada quando a peça terminou e retornaram a casa. Mal falou durante o trajeto, e se deu conta de que Francesca também estava bastante calada. Quando sir Lucien brincou a respeito, sua amiga se limitou a sorrir e admitiu que as duas estivessem cansadas depois de passar o dia em compras.
- Nesse caso, não as entreterei muito - disse ele.
Fiel a sua palavra, quando chegaram à casa acompanhou- as até dentro e partiu imediatamente. Callie subiu com Francesca ao piso superior, e se surpreendeu um pouco quando sua amiga lhe disse:
- Importaria-se vir um momento ao meu quarto? Eu gostaria de falar com você.
- De acordo - Callie entrou na habitação com certo nervosismo, e se perguntou do que quereria lhe falar. Teria lhe ordenado Sinclair que não permitisse que visse o conde? Estava arrependida de havê-la convidado a ficar em sua casa? -. Passa algo de mau?
- Não, claro que não - Francesca esboçou um sorriso - Não terá acreditado que pensava exortá-la, não é verdade?
Callie negou com a cabeça, e lhe devolveu o sorriso.
- Sei que não me exortaria, mas pensei que talvez estivesse se arrependendo de me ter convidado que ficasse consigo.
- Claro que não! Estou encantada de tê-la aqui, mas não sei se... - vacilou por um momento, e franziu um pouco o cenho - Não estou certa de se as visitas do Bromwell contariam com a aprovação do Rochford.
- ouviu algo de mau sobre ele? Cai- te mau?
- Não. Justamente o contrário, causou- me muito boa impressão. É educado, amável e sem dúvida percebeu que também é muito bonito.
Callie não pôde evitar ruborizar- se, e se limitou a dizer:
- Sim, notei- o.
- A única coisa que sei sobre ele é o que nos disse Lucien, nem sequer o conhecia.
Callie sabia que deveria lhe dizer que Sinclair lhe tinha ordenado que se mantivesse afastada dele, havia proibido ao conde que se aproximasse dela. Sabia que não era justo deixar que Francesca agisse contra os desejos de seu irmão sem saber, mas foi incapaz de lhe contar a verdade.
- Se não o conhece, por que acha que não deveria vê-lo?
- Não é que ache que não deveria vê-lo, é que tenho minhas dúvidas - Francesca vacilou por um instante antes de lhe perguntar - É ele o homem por quem discutiu com Rochford?
- Sim - Callie foi incapaz de mentir a sua amiga - Sinclair estava me buscando e nos encontrou no terraço, mas não tínhamos feito nada de mau. Nem sequer tínhamos saído juntos. Cometi a estupidez de sair do salão com outro homem, que ficou impertinente e me agarrou pelos braços quando tentei voltar a entrar.
- Callie! Tentou...
- Tentou me beijar! - Callie se ruborizou de vergonha e raiva - Me pus furiosa, mas então chegou lorde Bromwell e se desfez dele. Demorei um momento em recuperar a calma, e foi então quando Sinclair apareceu e me encontrou com o conde.
- Explicou isso a Rochford?
- Tentei-o, mas se negou a me escutar - disse Callie com indignação - Não deixou que nenhum dos dois lhe esclarecesse a situação, e tampouco explicou a que se devia sua reação exagerada. E agora você me diz que acha que não gostaria que visse lorde Bromwell, mas tampouco me diz por que.
Francesca apertou os lábios, e se virou ligeiramente. Callie teve a sensação de que estava calando sobre algo que queria lhe dizer, assim se apressou a insistir.
- O que sabe? Por que não me conta?
- Não sei por que Rochford reagiu assim, e não sou ninguém para me colocar nesse assunto - respondeu Francesca com desconforto.
- Pode ser que não saiba com certeza, mas está claro que suspeita algo. Tenho direito de saber, sou a pessoa afetada.
- Sim, mas é algo que tem que esclarecer com o Rochford.
- Ele se nega a falar do assunto.
Francesca soltou um suspiro, e finalmente lhe disse:
- Acredito que seu irmão está mais preocupado pela irmã do conde que por ele em concreto. Não sei se Rochford tem algo específico contra Bromwell.
- Meu irmão tem algo contra... como disse que se chamava, lady Smittington?
- Swithington, lady Swithington. Daphne.
Callie notou de novo certa animosidade em seu tom ao falar daquela mulher, assim lhe perguntou:
- Conhece-a?
- Sim, ela estava em Londres quando fui apresentada em sociedade. Naquela época era viúva, seu primeiro marido era bem mais velho que ela e tinha morrido um ano antes mais ou menos. Falava-se muito sobre ela, tinha um comportamento escandaloso e era o centro das fofocas. Não sei até que ponto era verdade o que se dizia sobre ela, já sabe que às moças casadouras, em especial as que acabam de chegar a Londres, são protegidas dos rumores, sobretudo dos mais licenciosos. Mas tinha fama de ser uma mulher dissoluta, inclusive antes que morresse seu marido.
- Tinha aventuras com outros homens?
- Sim. Ao menos, isso se murmurava.
- Mas não é justo que Sinclair culpe ao conde pelo comportamento de sua irmã!
- Não acredito que o faça, mas talvez acredite que os dois irmãos são iguais.
- Isso são puras conjeturas, Sinclair não sabe com certeza. Não sei o que sabe sobre o conde, a única coisa que te posso dizer é que nunca ouvi nada sobre ele. Callie, sabe o frágil que é a reputação de uma jovem. Pode ser que seu irmão não queira que a relacionem com alguém que não seja irrepreensível, ou possivelmente não quer que possa chegar a se casar com o conde pelo escândalo relacionado com lady Swithington. E se não pode se casar com ele, pode ser melhor que não volte a vê-lo.
- Isso é injusto! - Callie abriu os braços em um gesto de frustração, e começou a passear de um lado a outro do quarto. - Não é justo atribuir ao lorde Bromwell os pecados de sua irmã – se voltou para Francesca, e lhe perguntou - Acha que é um dissoluto?
Francesca a olhou com indecisão, e finalmente encolheu os ombros e admitiu.
- Não. A verdade é que ainda não formei uma opinião sobre ele, apenas o conheço. Parece uma boa pessoa, mas sei de primeira mão que às vezes as aparências enganam. É o irmão de lady Daphne, assim há a possibilidade de que sejam iguais em certos aspectos, mas os membros de uma mesma família não têm por que parecer-se. Um de meus dois irmãos é maravilhoso, e o outro era um homem horrível - seu rosto se endureceu - Eu não gostaria que alguém pensasse que sou como Terence devido a nosso parentesco.
- Exato! É mal dar por sentado que lorde Bromwell é dissoluto como sua irmã.
Francesca pareceu duvidar por um momento antes de responder.
- Sim, estaria mal se isso fosse o que está fazendo seu irmão, mas não sabemos quais são suas razões. Se de verdade for tão contrário a que veja o conde...
- E o que se passa comigo? O que acontece como que eu quero? Por que devo permitir que meu irmão tome as decisões por mim? Sou uma mulher adulta, não deveria ter direito a decidir por mim mesma a quem quero ver, com quem quero estar?
- Claro que sim.
- Não vou cometer nenhuma loucura. Acha-me capaz de discernir se um homem quer aproveitar-se de mim?
- É obvio.
- Acredito que é óbvio que não é a opinião do Sinclair a que conta neste assunto, mas a minha.
- Certamente Rochford só quer protegê-la, Callie.
- Já sei, mas estou começando a me cansar das pessoas que querem me proteger me dizendo o que posso e o que não posso fazer.
- É compreensível.
- Quero que me deixem tomar minhas próprias decisões.
- Já sei, querida.
- Vai deixar que o faça, ou vai dizer-me que o conde não pode vir me visitar?
Francesca a olhou com surpresa, e lhe disse:
- Não é isso o que queria dizer, só tentava pôr você de sobre aviso. Não sabia se era consciente do que Rochford pode opinar sobre o assunto.
- A verdade é que não tenho claro o que pensa. Zangou- se muito aquela noite, mas possivelmente foi porque estava preocupado ao não poder me encontrar. Pode ser que sua reação não tivesse nada que ver com o conde em particular, possivelmente teria agido da mesma forma com qualquer outro homem a quem mal conhecesse.
- É possível.
- Parece-me que se arrependeu de seu arrebatamento - Callie vacilou por um segundo antes de acrescentar - Não vou mentir, Francesca. Sinclair me proibiu que voltasse a ver lorde Bromwell.
- Já vejo. Pensa obedecê-lo?
Callie se levantou e ergueu um pouco o queixo.
- Quero tomar a decisão por mim mesma. Sinclair não tem direito a dirigir minha vida, e apesar do muito que o quero, não vou viver como ele deseje muito. Mas entenderia que não quisesse contrariá-lo.
Francesca ergueu o queixo com a mesma firmeza que ela, e lhe disse:
- Não tenho medo ao duque do Rochford.
- Não me zangarei consigo se decidir que não quer que lorde Bromwell venha a nos visitar.
- Obrigada, querida - apesar de seu tom de voz sereno, seus olhos relampejavam - Me zangaria comigo mesma se permitisse que a opinião de outra pessoa, fosse quem fosse, ditasse quem é bem recebido em minha casa. Disse ao lorde Bromwell que pode vir nos visitar, e mantenho isso. E se seu irmão não gosta, pois terá que lutar com o fato de que nem você nem eu estamos sob suas ordens.
- Obrigada, Francesca - Callie sorriu de orelha a orelha, foi para ela apressadamente, e lhe deu um forte abraço - Me alegro tanto de estar aqui...
- Eu também me alegro de contar com sua companhia - Francesca lhe deu uns tapinhas nas costas.
Quando Callie lhe deu boa noite e foi para seu dormitório, Francesca se aproximou da janela. Apesar do cansaço que tinha, sentia-se inquieta. Afastou a um lado a cortina, e olhou para a noite. Perguntou-se se tinha feito o correto. Não queria fazer nada que pudesse expor Callie a uma situação em que pudesse resultar ferida, e continuava se preocupando que lorde Bromwell pudesse resultar ser igual a sua irmã; além disso, não sabia se sua decisão de desobedecer ao Rochford se devia por inteiro ao fato de que Callie tinha direito a fazer o que quisesse, ou se estava influenciada pelo ressentimento que albergava por dele desde há anos.
Decidiu que ia manter se vigilante com o Callie e Bromwell, que ia permanecer alerta se por acaso notasse qualquer detalhe que pudesse indicar que ele era um libertino, ou descarado. Prometeu-se que nada ia fazer mal à Callie enquanto estivesse sob seu teto. Apesar de sua determinação, perguntou-se se deveria informar ao Rochford sobre o que estava passando entre Callie e lorde Bromwell, mas era incapaz de trair assim a confiança de sua amiga.
Igualmente tinha sido incapaz de falar com o Rochford sobre o que tinha acontecido quinze anos atrás. Tendo em conta o passado, não era de estranhar que ele tivesse evitado lhe explicar por que tinha discutido com o Callie.
Só tinha uma opção: Contar à Callie o que sabia; entretanto, como podia lhe dizer que a atitude do Rochford se devia ao fato de que a irmã do conde e ele tinham sido amantes no passado?
Lorde Bromwell foi visitá-las ao cabo de dois dias. Ficou menos de meia hora, o tempo apropriado para aquele tipo de visitas, e Francesca não saiu da saleta em nenhum momento. Durante os últimos dez minutos, também contaram com a presença de lady Tollingford e sua filha lady Mary, assim Callie e ele não tiveram oportunidade de estar a sós. A conversa esteve limitada aos assuntos socialmente adequados como o tempo, a peça de teatro que tinham visto dias antes, e o jantar de gala que o príncipe ia celebrar em duas semanas em honra ao príncipe do Gertensberg.
Era o que Callie esperava. Uma primeira visita era o prelúdio, o tiro de saída na longa campanha de uma corte, além da ocasião idônea para que a acompanhante, o pai ou o tutor desse uma boa olhada ao possível aspirante.
Lorde Bromwell tinha superado a prova com acréscimo. Levava uma jaqueta de corte impecável que enfatizava a largura de seus ombros, e umas calças de cor beje bastante justas. Era atraente, amável, e tinha maneiras perfeitas apesar dos anos que tinha se afastado de Londres. Comportava-se e se expressava com naturalidade, sem salameques nem falsidades.
Callie se deu conta de que as dúvidas de Francesca foram desvanecendo-se, ao menos em parte. Sua amiga conhecia como ninguém as coisas ocultas da alta sociedade, e podia distinguir a um descarado à léguas, mas foi relaxando cada vez mais durante a visita do Bromwell e passou de um bate-papo banal a uma conversa de verdade. Quando Bromwell lhe lançou um olhar sorridente, Callie não pôde evitar devolvê-lo enquanto sentia que a percorria uma onda de excitação.
Ele voltou para visitá-las no dia seguinte, e nessa ocasião levou- as para passear pelo Hyde Park em sua carruagem. Eram às cinco da tarde, a hora em que era moda sair para passear pelo parque. Alguns iam a pé, outros a cavalo, e muitos outros iam em suas melhores carruagens, fazendo alarde de sua roupa, de seus cavalos, e de sua mestria com as rédeas.
A carruagem do Bromwell era um veículo esportivo de dimensões reduzidas, cujo desenho estava mais concentrado na velocidade que na comodidade, e que tinha sido pensado para dois passageiros, mas era óbvio que Francesca não estava disposta a permitir que Callie fosse passear sozinha com ele, nem sequer em uma carruagem aberta como aquela. Callie se perguntou de novo se sua amiga sabia mais do que dizia sobre a animosidade que Sinclair sentia pelo conde. Parecia- lhe estranho que tivesse reagido de forma tão cortante pelo mero fato de que sua irmã tivesse uma má reputação, e tinha a impressão de que a medula do assunto era algo mais pessoal.
Mas, se Francesca sabia algo mais, por que não o tinha contado? Sua amiga tinha aceitado que o conde fosse visitá-las, assim era pouco provável que tivesse algo tangível em seu contrário, certamente não sabia nada, e estava tão circunspeta porque não queria que Rochford a repreendesse. Apesar de tudo, Callie teria preferido que sua amiga não tomasse tão a sério sua tarefa de acompanhante. Sentou-se justo no meio, entre lorde Bromwell e ela, assim só tinham podido manter uma conversa banal.
Ao longo da semana seguinte, encontraram lorde Bromwell em todas partes. Foi visitá-las em duas ocasiões mais, e coincidiram com ele nas festas de lady Battersea e lady Carrington, e no jantar de gala da senhora Mellenthorpe; entretanto, e para frustração do Callie, Francesca permaneceu junto a ela todo o tempo, assim não teve ocasião de estar a sós com ele. O momento em que o tinha mais perto era quando ele se inclinava sobre sua mão ao saudá-la ou ao despedir- se dela. Começava a pensar que sua amiga estava exagerando um pouco; ao fim e ao cabo, não podia fazer grande coisa com o conde em meio de um salão abarrotado. Não estava acostumada a ter uma acompanhante tão restritiva, já que inclusive sua avó lhe dava certa liberdade nas festas. Francesca não lhe negava o direito a estar sozinha, mas sempre fazia ato de presença quando lorde Bromwell se aproximava. Com certeza, em caso de que lhe pedisse uma dança, Francesca se asseguraria de aproximar- se deles assim que saíssem da pista, e não lhes daria tempo de escapulir para algum lugar para poder falar a sós.
Callie sabia que deveria sentir-se agradecida, porque nem sequer seu irmão poderia zangar-se pelo fato de que ela estivesse na mesma festa que Bromwell se Francesca a tinha vigiada todo o tempo; mesmo assim, sentia-se aborrecida com aquela restrição tão sutil.
Francesca e ela foram no sábado à festa dos Fotheringham. Tentou encontrar ao Bromwell entre a multidão, e ao cabo de meia hora chegou à conclusão de que não tinha ido. Sentiu-se um pouco desiludida, mas ao cabo de um momento, quando Francesca e ela estavam conversando com Irene e Gideon, virou-se e o viu entrar no enorme salão.
Ficou petrificada, e apertou com força o leque, Bromwell estava junto a uma ruiva espantosa que o agarrava pelo braço com familiaridade. A mulher era alta, curvilínea, e levava um penteado de caracóis presos ao estilo Medusa. Trazia um vestido de cetim negro, com o decote e a bainha rematados com bordados e contas em um tom azeviche. O decote baixo deixava ao descoberto seus elegantes ombros, e mal conseguia conter seus seios cheios. A cor negra do traje contrastava à perfeição com seu vivido cabelo vermelho, sua pele pálida, e seus olhos azuis. Tinha uma boca muito fina, mas era uma imperfeição quase imperceptível no conjunto de sua chamativa aparência. De vez em quando se voltava para lorde Bromwell, e lhe sorria com afeto.
Callie sentiu que lhe gelavam as entranhas ao ver que lhe devolvia o sorriso. Francesca pareceu notar algo, porque se voltou e seguiu a direção de seu olhar. Ao ver a mulher, esticou-se e resmungou em voz baixa uma imprecação que fez que tanto Callie como Irene e Gideon se voltassem a olhá-la com assombro.
- Quem é? - Irene se calou de repente - Ah, sim, já me lembro. Estava em nosso baile de compromisso, não é? Lady... - tentou recordar seu nome, e se voltou para seu marido.
- Não me pergunte, nem sequer me lembro dela.
Ao Callie parecia incrível que um homem pudesse esquecer- se de uma mulher assim, mas teve a impressão de que no caso do Gideon era certo. Estava tão apaixonado por Irene, que nem sequer olhava a outras mulheres.
- Swithington - disse Francesca com secura - É lady Daphne Swithington.
- Céus! - Callie ficou boquiaberta, e se sentiu um pouco envergonhada pelo alívio que a invadiu - É a irmã de lorde Bromwell.
- Sim, parece que veio desfrutar da temporada social londrina - Francesca não parecia nada entusiasmada.
Callie olhou para sua amiga com atenção. Estava certa de que a antiga reputação escandalosa de lady Swithington não era a única coisa que a incomodava, já que a julgar pelo que lhe tinha contado, aquela mulher tinha sido o centro das fofocas anos atrás, e depois tinha estado afastada da alta sociedade.
Sua entrada tinha causado alguns murmúrios por todo o salão, mas ninguém estava lhe dando as costas nem olhando-a mau. E o fato de que a alta sociedade pudesse seguir vetando a aquela mulher não explicava a atitude gélida de Francesca, que não era nada elitista. Não pôde evitar perguntar-se se o defunto marido de sua amiga tinha sido um dos muitos amantes de lady Swithington.
Lorde Bromwell e sua irmã saudaram com a cabeça a vários conhecidos enquanto avançavam pelo salão, mas não se detiveram até que chegaram junto ao Callie e seus acompanhantes.
- Lady Haughston, lady Calandra, permitam que os apresente a minha irmã, lady Swithington.
- Lady Swithington e eu nos conhecemos faz tempo - comentou Francesca, com um sorriso gélido.
- Sim, é certo - disse lady Swithington, com um sorriso muito menos reservado.
Callie se deu conta de que era muito mais velha do que lhe tinha parecido de longe. Tinha rugas nos olhos, e lhe formavam uns profundos sulcos junto à comissura dos lábios quando não sorria.
- Lady Haughston e eu nos conhecemos muito bem, não é? - acrescentou, antes de voltar-se para Callie - Me alegro de conhecê-la enfim, lady Calandra. Conhecia seu irmão, mas naquela época era muito pequena - soltou uma gargalhada seca - Francesca, estou revelando como mais velhas somos, não é? Sou terrível.
Francesca tinha deixado de sorrir. Fez caso omisso daquelas palavras, e disse com voz fria como o gelo:
- Acredito que já conhecem lorde e lady Radbourne.
- Sim, é obvio. Conhecemo-nos em sua festa de compromisso, não é verdade? - lady Swithington olhou sorridente ao casal - Acabava de terminar o período de luto, mas como lady Odelia me convidou, achei que não seria incorreto ir. É prima por afinidade de nosso pai, e sempre nos tratou com muita consideração. Verdade que sim, Brom? - voltou-se para seu irmão, e o olhou com afeto.
- Sim, lady Odelia é um encanto - comentou ele com ironia.
Sua irmã lhe deu uma batidinha no braço com o leque, e lhe disse:
- Bromwell, vai fazer que outros levem uma impressão equivocada.
- Duvido-o, porque todos estamos aparentados com lady Odelia - declarou Gideon, com uma gargalhada.
- Agora que lady Daphne está aqui, esperava poder organizar uma saída para o Richmond Park à semana que vem - disse Bromwell- Eu gostaria de contar com a presença de todos. Lorde e lady Radbourne? Lady Haughston? - olhou- os a todos, mas seus olhos se detiveram em Callie. – Lady Calandra?
Callie se apressou a responder, porque tinha a impressão de que Francesca ia recusar o convite.
- Será um prazer, esperemos que faça bom tempo. Devo confessar que começava a ter excesso de energia, um longo passeio a cavalo parece ideal.
- Sim, mas temo que nem lady Calandra nem eu temos cavalos na cidade – interveio Francesca- Me é difícil encontrar tempo para cavalgar, assim só o faço quando estou no Redfields. E como lady Calandra veio a Londres para me visitar, não trouxe nenhuma te suas montarias.
- Não se preocupem por isso - disse Bromwell- Esta semana estive no Tattersall’s, e ainda não enviei à minha propriedade os animais que comprei. Será uma oportunidade perfeita para vê-los em ação.
- Nós temos alguns de nossos cavalos aqui - disse lorde Gideon - Estou certo de que entre todos teremos muitos.
- Então, é obvio que aceitamos. Certamente passamos muito bem - disse Francesca.
Callie sabia que sua amiga tinha aceitado a contra gosto, mas não fez nenhum comentário. Estava entusiasmada ante a idéia de passear a cavalo pelos extensos prados do Richmond Park, e, além disso, em uma excursão assim gozaria de muito mais liberdade que em uma festa. Começava a sentir- se constrangida na cidade, porque adorava montar a cavalo e o fazia freqüentemente quando estava em uma de suas propriedades. Quando estava em Londres costumava passear a passo mais pausado pelo Rotten Row várias vezes por semana, e tinha aproveitado muito pouco tanto o exercício como o ar fresco.
Combinaram ir ao parque na terça- feira seguinte, desde que fizesse bom tempo. Bromwell e sua irmã continuaram conversando com eles durante vários minutos. Francesca permaneceu estranhamente calada, mas lady Daphne levou as rédeas da conversa ao lhe contar em detalhe o trajeto que tinha realizado da longínqua propriedade de seu defunto marido até Londres; ao que parecia, a viagem tinha estado infestada de todo tipo de demoras e problemas, desde ter que retroceder para ir em busca de um baú que tinham esquecido, até uma roda quebrada, passando por uma estadia obrigada em uma estalagem por culpa de uma tormenta de neve tardia.
Irene e Gideon se foram ao cabo de um momento, e Bromwell e sua irmã não demoraram em fazer o mesmo. Lady Daphne estreitou a mão ao Callie ao despedir- se, e lhe disse em voz baixa que estava desejando planejar com ela a excursão. Bromwell se inclinou sobre a mão do Callie, e lhe roçou o dorso com os lábios. Ela esticou os dedos nos seus de forma involuntária, e ele se endireitou e a olhou com uma expressão cálida e sensual.
Quando se afastaram, Callie se aproximou um pouco mais a Francesca e lhe disse com suavidade:
- Não é preciso que vá ao Richmond Park se não quiser. Irene e Gideon estarão ali, sua companhia é mais que suficiente. Não se passa nada, direi que estava indisposta.
- E permitir que Daphne se desfrute porque não tive coragem de passar um dia em sua companhia? - os olhos azuis de Francesca relampejaram com um olhar de aço. - Nem pensar, agüentarei como é - apertou o queixo, e resmungou entre dentes - Assim "quão mais velhas somos", não? Vá! Mas se tem seis anos mais que eu!
Callie ocultou um sorriso atrás de seu leque. Nunca antes tinha visto Francesca mostrando uma língua tão viperina. Sua amiga era consciente de sua própria beleza e de seu posto na alta sociedade, assim jamais se mostrava ciumenta nem invejosa. Quando outras mulheres se comportavam assim com ela, limitava- se a lutar com a situação sem mostrar- se beligerante. Era inclusive tranqüilizador ver que era tão capaz como qualquer de ter um arrebatamento de ira.
Não pensava em comentar que lady Daphne lhe tinha parecido uma pessoa amável e amistosa, e tampouco ia perguntar lhe por que lhe caía tão mal. Seria uma pergunta muito grosseira e pessoal, sobre tudo tendo em conta que tinha a suspeita de que a resposta estava relacionada com o defunto marido de Francesca, que segundo os rumores era um libertino. Era uma lástima, porque teria gostado de saber o que lady Daphne tinha feito a sua amiga para causar tanta animosidade.
A julgar pela expressão de Francesca, era óbvio que ia ficar com a vontade de sabê-lo. Como estava convencida de que sua amiga não ia dizer nenhuma palavra a respeito, deixou a um lado suas perguntas e se concentrou em pensar em um assunto muito mais agradável: na terça- feira que ia passar em companhia de lorde Bromwell.
- Ah, assim está interessado na irmãzinha do duque. Fascinante - lady Swithington olhou de esguelha a seu irmão enquanto se afastavam de Calandra e Francesca.
- Deveria tê-la avisado de antemão - disse ele, com tom de desculpa - mas me pareceu uma oportunidade perfeita quando as vimos chegar. Queria ver que cara punha ao conhecê-la.
- Por quê? Não acreditaria que um desses orgulhosos Lilles ia mostrar algum tipo de remorso, não é verdade?
- Queria saber se tinha idéia do que lhe fez seu irmão. Estava quase seguro de que não sabia, porque foi há muitos anos, mas me picava a curiosidade.
- Chegou a alguma conclusão?
- Estou convencido de que lady Calandra não sabe nada do assunto. - Voltou- se para olhá-la, e acrescentou - Mas não pode se dizer o mesmo de lady Haughston.
- Francesca sempre foi uma simplória - disse Daphne com desdém, antes de abrir seu elegante leque cor marfim.
Abanou-se com frouxidão enquanto avançavam entre a multidão. Quando chegaram ao outro extremo do salão, voltaram-se a olhar para trás. Entre os convidados se conseguia ver de vez em quando Francesca e Callie, que continuavam falando no mesmo lugar onde as tinham deixado.
- O que tem planejado quanto à pequena lady Calandra? Não esperará que acredite que a está cortejando a sério, não é verdade?
- Muito a sério.
- Mas não com a intenção de se casar com ela.
- Conhece-me bem, sabe que seria incapaz de ofendê-la me aliando com os Lilles.
- Sim, claro que o conheço - Daphne esboçou um sorriso petulante - Então, o que pensa fazer? O mais adequado seria que o duque sofresse uma dose de sua própria medicina.
Bromwell a olhou sobressaltado.
- O que quer dizer? Não me acreditará capaz de seduzi-la e abandoná-la, não é?
Daphne encolheu os ombros, e sua expressão se endureceu.
- Parece- me uma vingança perfeita, tendo em conta o que me fez seu irmão. Seria mais cruel que a deixasse grávida e te negasse a te casar com ela.
- Eu não sou como Rochford. Estou certo de que não deseja algo assim a nenhuma mulher.
Daphne lhe sorriu com doçura.
- Às vezes esqueço como é bom comigo. Tem razão, eu não gostaria que outra mulher passasse pelo que eu sofri com o Rochford. Mas é que me parece injusto que o duque não pagasse pelo que fez. - olhou a seu irmão, e franziu o cenho ao ver que ele seguia com os olhos fixos em lady Calandra. - Não seria mal que alguém abaixasse as fumaças a algum dos Lilles.
Bromwell assentiu, porque ele mesmo havia dito o mesmo a seu primo Archie pouco antes, mas franziu o cenho e comentou:
- Não seria justo para Callie.
- Callie? - sua irmã arqueou as sobrancelhas de repente.
- Assim é como a chamam lady Haughston e lady Odelia. Calandra é um nome muito formal para ela.
- Não me diga que sente afeto por essa moça - disparou Daphne com voz cortante.
- Não, claro que não - o cenho do Bromwell se acentuou ainda mais. Olhou a sua irmã, e acrescentou - É uma mulher atraente, mas me traz sem cuidado.
- Me alegro de ouvi-lo. Não terá que confiar nos Lilles.
- Já sei.
Depois de uns segundos, Daphne insistiu:
- O que pensa fazer a respeito de lady Calandra?
- Quero preocupar um pouco ao duque - Bromwell esboçou um sorriso carente de humor - Eu gostaria de o pôr nervoso, que se pergunte quais são minhas intenções, o que vou contar a sua irmã sobre ele, se for pô-la contra ele ou inclusive arrebatá-la ou se penso emulá-lo seduzindo-a e abandonando-a. Um homem carente de honra espera o mesmo comportamento por parte de outros.
- Não vai lhe fazer nenhuma graça que a corteje.
- Disso não há dúvida, já me fez uma advertência.
- Sério? O que fez? O que lhe disse?
- Com sua arrogância habitual, disse-me que me mantivesse afastado de sua irmã; ao que parece, acredita que o mundo inteiro deve lhe obedecer.
- O que fez?
- Pensei em lhe dar um murro, mas sabia que lady Odelia não gostaria que o fizesse. Ter a dois cavalheiros brigando no terraço basta para aguar qualquer festa. Em qualquer caso, dava-me conta de que seria mais divertido brincar um pouco com ele antes, deixar que se desse conta de que não pode dirigir a todo mundo, nem sequer a sua irmã. Suponho que retornará à cidade feito uma fúria quando se inteirar de que tanto ela como eu lhe desobedecemos, e então será ele quem vem ver-me - esboçou um sorriso, e seus olhos cinzas brilharam de satisfação.
- Quer dizer que vai desafiar você a um duelo? - Daphne o olhou com consternação - Não, Brom! Diz-se que é um atirador excelente, poderia matá-lo!
- Não esqueça que eu também me dou bem em disparar.
- Já sei, mas mesmo assim, arriscar sua vida é muito.
- Em qualquer caso, duvido que as coisas cheguem tão longe. Rochford não participou de nenhum duelo, assim não é provável que o faça agora.
- Mas, se o provoca muito...
- O mais provável é que o solucionemos imediatamente a murros - Bromwell sorriu, e sua mão se esticou em um punho apertado.
- Está seguro? A última vez...
- A última vez, eu tinha dezessete anos. Desafiá-lo foi um gesto infantil, agora me será muito mais satisfatório fazer que remoa o pó.
- Bom, se isso for o que quer - disse sua irmã, como se estivesse lhe dando um caramelo a um menino. Puxou-o pelo braço, e lhe disse com satisfação - Me parece um plano perfeito.
A terça-feira da excursão amanheceu um dia límpido, e um pálido sol de fevereiro brilhava no céu sem nuvens. Era um dia perfeito para ir a cavalo da cidade até o parque real. Callie estava entusiasmada, e não deixou de tagarelar durante o café da manhã. Francesca estava muito menos animada, mas como tinha muito bom coração para desalentar a sua amiga, sorriu e assentiu, e lhe deu razão quando Callie comentou que fazia um dia lindo, que iriam passá-lo muito bem, que os trajes de montar as favoreciam, e que era uma sorte que não tivessem que ser brancos.
Callie levava um traje de veludo verde escuro que acabava de estrear, já que o tinha encomendado à costureira durante a saída de compras do primeiro dia. A diferença do que se usava nos vestidos mais modernos, a jaqueta era longa e rodeada à cintura, e tinha alamares negros na parte dianteira e nos punhos. O chapéu era do mesmo tom verde debruado em negro, e o tinha colocado com a parte dianteira ligeiramente inclinada para baixo.
Francesca pensou para si mesma que estava encantadora, e se disse que valia a pena agüentar lady Daphne durante um dia contanto que lorde Bromwell pudesse ver assim a sua amiga. Ao cabo de uma hora, o animado grupo se dispôs a partir para o Richmond Park. Além de lorde e lady Radbourne, lorde Bromwell e sua irmã, e Francesca e Callie, foram também Archie Tilford, a senhorita Bettina Swanson, e o irmão desta, Reginald, um jovem alegre recém saído de Oxford.
A senhorita Swanson e seu irmão foram viajar no elegante landô dos Radbourne junto ao lorde Gideon, que tinha cedido suas montarias a Francesca e tinha comentado sorridente:
- Certamente que o cavalo está agradecido de ter um cavaleiro mais experiente - devido à infância pouco convencional que tinha tido, não se dava tão bem em montar como outros nobres.
Bromwell tomou Callie pelo braço, e a conduziu para uma linda égua branca.
- Pensei que Belíssima seria uma boa escolha, minha senhora - seus olhos se iluminaram com um sorriso fugaz- O nome encaixa à perfeição com você. É uma égua obediente sem chegar a ser dócil, e tem um bom pedigree. Não sabia se era uma boa amazona.
- Sou capaz de me manter sobre a sela - disse ela, com um sorriso.
- Certamente isso significa que é um verdadeiro centauro, e que vou sentir me morto de vergonha por lhe atribuir uma montaria indigna de você.
Callie pôs- se a rir, e acariciou o focinho da égua.
- Estou certa de que Belíssima é uma égua excelente. Verdade que sim, linda? - voltou-se para o Bromwell, e lhe disse: - Obrigada, milord. Certamente é uma escolha perfeita, e que desfrutarei muito montando-a.
- Isso espero - vacilou por um segundo antes de acrescentar - Por favor, me chamem Bromwell, ou Brom. Todos meus amigos o fazem.
Callie ficou olhando-o em silêncio. Suas palavras lhe tinham arrebatado o fôlego.
- Não nos conhecemos o bastante para isso, milord.
- Sério? - em seus olhos se refletiu a lembrança dos beijos que tinham compartilhado, o desejo que os tinha inundado. Afastou o olhar, e disse com um tom mais desenvolto - Espero que cheguemos a nos conhecer muito melhor - se afastou a um lado, e acrescentou - Permita que a ajude - depois de ajudá-la a montar, tirou as luvas de couro que levava para poder ajustar as rédeas.
Callie sentiu o toque de seu braço contra a perna, e apesar da bota e do grosso tecido do traje de montar, sentiu uma pontada de desejo. Foi incapaz de afastar o olhar de seus dedos enquanto ele ajustava as rédeas. Eram longos e elegantes, e ao ver a segurança e a rapidez com a que se moviam, perguntou-se o que sentiria se estivessem acariciando- a, deslizando- se por seu braço, por seu pescoço, e por seu rosto.
Apressou-se a baixar o olhar para suas próprias mãos, e aferrou com força as rédeas enquanto sentia que se ruborizava. Disse-se que era absurdo que sempre perdesse o controle de seus próprios pensamentos quando estava perto daquele homem. Estava convencida de que ele tinha notado sua reação, porque estava olhando- a com uma expressão muito eloqüente, embora talvez estivesse recordando o abandono com o que o tinha beijado nas duas vezes anteriores. Estava confundindo- a com outro tipo de mulher? Pensava que era experimentada naquele tipo de assuntos? A animosidade de seu irmão se devia a que sabia que o conde era um libertino? Acaso estava interessado nela porque acreditava que era uma cabeça-de-vento? Sabia que lhe tinha dado motivos para pensá-lo. Tinha saído sozinha em meio da noite, e tinha permitido que a beijasse, de fato, derreteu-se em seus braços.
Sentiu-se cada vez mais ansiosa. Negava- se a acreditar que aquela fora a razão pela que estava interessado nela; ao fim e ao cabo, era improvável que um libertino passasse tantas tardes e tantas noites em visitas inocentes e festas. Um homem interessado em encontrar uma mulher descarada podia optar por vias muito mais fáceis. O conde a cortejava sem descanso, e seu comportamento parecia indicar que seu interesse nela era muito mais profundo que o que teria um libertino; por outra parte, era bastante realista para dar- se conta de que possivelmente aquilo era o que ele queria que pensasse. Voltou- se para os outros, que estavam montando. Quando seu olhar se posou em lady Swithington, percebeu que esta estava observando-a com uma expressão fria e cheia de malícia.
Callie apertou as rédeas de forma involuntária, e a égua se moveu com nervosismo. Quando conseguiu acalmá-la e voltou a olhar à irmã de lorde Bromwell, esta estava olhando-a com um sorriso cheio de doçura.
- Formam uma bonita imagem a lombos dessa égua, lady Calandra – comentou - Com esse cabelo negro, e montando um cavalo branco eclipsa a todas as demais.
- Ninguém poderia eclipsar sua beleza, lady Swithington - lhe assegurou o senhor Swanson.
- É obvio que não - declarou Archie Tilford - Embora isso não quer dizer que lady Calandra não seja incrivelmente formosa também. Não há dúvida de que têm uma beleza incomparável - olhou a seu redor, e começou a ruborizar-se - Lady Haughston, lady Radbourne, e a senhorita Swanson são igualmente belas, claro. Seria impossível comparar a Afrodite e a Helena de Troya, não é? Embora o certo é que aqui não há duas damas, mas cinco, e...
Lorde Radbourne soltou uma gargalhada que se apressou a dissimular tossindo, e lady Radbourne virou o rosto e tampou a boca com a mão enquanto lhe tremiam os ombros.
- Deixa-o, Archie - disse lorde Bromwell a seu primo - Não podemos esperar que saia do poço no qual se colocou. Senhoras, basta dizer que estão todas na cúspide da beleza, e que não há nem um cavalheiro em Londres que não queria estar em nosso lugar neste momento. Bom, é hora de que nos ponhamos em marcha.
Alguns avançaram diante da carruagem, e outros atrás. Ir a cavalo pelas ruas de Londres requeria concentração, e como, além disso, foram bastante separados, ninguém falou muito. Callie se sentiu agradecida pelo silêncio, porque pôde mergulhar em seus próprios pensamentos. Não podia deixar de pensar no olhar de malícia, talvez inclusive de ódio, que tinha visto nos olhos de lady Swithington. Perguntou-se se tinha sido real, ou um efeito óptico. Estava quase convencida do que tinha visto, mas não entendia por que poderia odiá-la a irmã do Bromwell.
Continuou pensando no assunto durante um momento, mas ao ver que seus companheiros começavam a iniciar conversas quando chegaram aos subúrbios da cidade, deixou o incidente a um lado e se dispôs a desfrutar do dia que tinha por diante. Foram agrupando- se em casais e em trios, e conversaram animadamente enquanto se internavam na campina. Callie tinha medo de que Francesca e lady Swithington se vissem obrigadas a estar juntas, mas se tinha dado conta de que esta última se manteve perto da carruagem desde o começo. Estava flertando sem parar com o jovem Reginald Swanson… e tentava fazê-lo também com lorde Radbourne.
Irene olhou para a carruagem, mas se limitou a revirar os olhos antes de seguir conversando tranqüilamente com Francesca, que ia a seu lado. Sua falta de preocupação era compreensível, porque Gideon se mantinha indiferente ante o flerte de lady Swithington; de fato, estava visivelmente aborrecido, e seu olhar se desviava muito mais para sua esposa, que estava a certa distância da carruagem, que para lady Daphne, que ia a cavalo junto a ele.
De repente, Bromwell avançou até colocar-se junto ao Callie, e ela se surpreendeu ao ver que Francesca permanecia junto ao Irene e ao senhor Tilford, que parecia haver- se atribuído o papel de acompanhante das duas.
Assim as coisas, Callie esteve a sós com o Bromwell durante grande parte do trajeto, mas apesar de que levava toda a semana desejando ter uma oportunidade assim, nesse momento sentiu acanhamento e não soube o que dizer. Era algo incomum nela, porque sempre tinha sido uma pessoa vivaz. Antes de uma festa, sua avó sempre lhe advertia que não falasse muito para evitar chamar a atenção, mas o certo era que nunca lhe tinha feito muito caso nesse aspecto.
Deu-se conta de que sua reticência se devia a que, possivelmente pela primeira vez em sua vida, importava- lhe de verdade cair bem à pessoa que tinha a seu lado. Depois de descartar um comentário sobre o tempo por banal e uma sobre como era formosa à paisagem como insípido, comentou:
- Comprou uma égua magnífica - assim que as palavras saíram de sua boca, deu- se conta de que o comentário era inclusive pior que os que tinham descartado, mas sua insegurança se desvaneceu quando ele se voltou a olhá-la com um sorriso.
- Tinha a esperança de que você gostasse, comprei- a pensando em você - deteve isso em seco e em seus olhos apareceu uma expressão estranha, como se o que acabava de dizer lhe tivesse surpreendido, e se apressou a acrescentar - Quer dizer tinha pensado em organizar uma excursão ao Richmond Park, e esperava que lady Haughston e você pudessem vir. Comprei- a para minha propriedade, é obvio, mas pensei que você poderia montá-la durante a excursão.
- Me alegro - Callie deu uns tapinhas no pescoço do animal, para tentar ocultar o muito que a tinham agradado aquelas palavras- Tem um passo firme, mas com brio. Tinha medo de que fora muito elegante, mas era muito boa para deixar passar. E é óbvio que não deveria me ter preocupado se por acaso seria capaz de dirigi-la.
- Meu pai me subiu a um pônei assim que aprendi a andar. Era um grande cavaleiro, uma das poucas lembranças que ficam dele é tê-lo andando a meu lado enquanto eu aprendia a montar o pônei, preparado para me ajudar em caso de que o necessitasse.
- Morreu jovem? Lamento-o - Bromwell a olhou carrancudo.
- Sim, contraiu uma febre durante um inverno e se foi em questão de semanas. Nem sequer pude vê-lo antes que morresse, porque minha mãe tinha medo de que me contagiasse.
- Sinto muito, e lamento ter trazido a luz umas lembranças tão dolorosas.
Callie o olhou com um sorriso.
- Obrigada, mas não são dolorosas. A verdade é que apenas me lembro de meu pai, morreu quando eu tinha cinco anos e só restam algumas lembranças, e várias delas muito vagas. Às vezes nem sequer sei se me lembro de seu rosto de verdade, ou a partir do retrato dele que estava pendurado no dormitório de minha mãe. Invejo a meu irmão porque o conheceu durante muito mais tempo.
- Para alguns de nós, não é uma alegria ter conhecido a nossos pais durante um tempo prolongado - comentou ele com certa amargura.
- Você não? Quer dizer - ficou calada, porque sabia que a pergunta era muito pessoal.
- Não, não o queria quando estava vivo, e não lhe senti falta quando morreu - disse ele com indiferença.
- Sinto muito! - Callie estendeu a mão para ele, mas a afastou ao recordar que não estavam sozinhos.
- Não, sou eu quem sente. Suponho que se considera uma deslealdade admitir que não se honra o nome de seu próprio pai, mas mentir não me dá bem. Era um homem duro e frio que só se preocupava por si mesmo, e estou convencido de que poucos dos que o conheciam lamentaram sua morte. Mas não deveria ter trazido um assunto tão desagradável, assim vamos falar de outra coisa, de você, por exemplo - a olhou com um sorriso - É óbvio que continuou montando a cavalo depois da morte de seu pai, sua mãe era uma boa amazona?
- Absolutamente - Callie soltou uma pequena gargalhada - A minha mãe não gostava muito de montar a cavalo, mas sabia que eu adorava e queria cumprir com os desejos de meu pai. Isso era muito importante para ela, porque o amava de todo coração. O encarregado das quadras se ocupou de me dar aulas, tal e como tinha feito antes da morte de meu pai, e também me ajudou Sinclair meu irmão - o olhou antes de acrescentar - Por isso se mostra tão protetor comigo. Foi tanto um pai como um irmão para mim em muitos aspectos, e se acostumou a me cuidar.
- Não o culpo por proteger a sua irmã; de fato, eu faria qualquer coisa para proteger à minha.
Olhou à mulher em questão, que seguia junto à carruagem. Lady Daphne estava rindo por algum comentário que tinha feito o senhor Swanson, e tinha a cabeça arremessada para trás de forma que seu pescoço se arqueava de forma sedutora. Levava um traje de montar negro e austero, mas não necessitava de nada que ressaltasse sua beleza; igual ao caso do vestido que tinha usado na festa, o tom escuro contrastava de forma impactante com seu cabelo vermelho, seus olhos azuis e sua tez pálida.
Ao ver que lady Daphne dava um tapinha brincalhão ao senhor Swanson no ombro e que este se ruborizava, Callie olhou a sua irmã Bettina, que parecia bastante mal-humorada; por sua parte, Gideon estava ignorando-os a todos e estava anotando algo em um livrinho. Callie esboçou um sorriso, porque tinha ouvido muitas histórias sobre a multidão de vezes em que lorde Radbourne não se comportara de acordo com as normas sociais. Voltou- se de novo para lorde Bromwell, e viu que estava carrancudo.
- As pessoas às vezes julgam mal minha irmã, porque é uma pessoa muito viva e carinhosa – comentou ele.
Callie não soube o que dizer, e afinal comentou:
- Pareceu- me muito agradável, e é muito bela.
Bromwell a olhou sorridente.
- Sim, e se orgulha disso. Mas lhe tem custado caro em muitos aspectos. As mulheres costumam mostrarem-se resistentes a entabular amizade com ela.
Callie pensou no pouco que lhe tinha contado Francesca sobre aquela mulher, e se perguntou se sua reputação teria sido exagerada, ou inclusive distorcida. Possivelmente era uma pessoa coquete. A sociedade londrina não era nada permissiva, e uma mulher formosa podia despertar a inveja de outras menos afortunadas.
Por outra parte, era possível que as palavras do Bromwell fossem a defesa normal de um irmão, já que havia pessoas a quem custava ver os defeitos de uma pessoa amada; além disso, não podia esquecer o olhar de desagrado que tinha visto nos olhos de lady Swithington, já que não encaixava com a forma amistosa e aduladora com a que a tratava nem com o sorriso doce com a que a olhava. Fosse como fosse, respeitava a lealdade do Bromwell para com sua irmã.
- São só dois irmãos?
- Sim, e como nossas terras estão bastante isoladas, a verdade é que não tivemos outros companheiros de brincadeiras. Meu pai considerava que nenhuma das famílias dos arredores estava a nossa altura quanto à posição social, assim não gostava que nos relacionássemos com elas apesar de que nenhuma vivesse bastante perto para que houvesse uma relação fluída. Minha irmã era mais velha que eu - lançou- lhe um olhar faiscante, e acrescentou - Não me atreveria a comentar nossa diferença de idade diante dela, mas o certo é que eu não era uma companhia adequada para ela. Tinha que encarregar- se de me cuidar, e quando fiz sete ou oito anos, estava muito mais interessada em vestidos e em penteados que em me ajudar a procurar insetos e outros animais pelo jardim. Quando completei onze, já tinha feito sua estréia em sociedade, e então se casou.
- Dá a impressão de que passou muito tempo sozinho.
- Assim é. Felizmente, sempre fui uma pessoa solitária.
- Eu não. Tampouco tinha perto crianças de minha idade, assim passava grande parte do tempo com a criadagem, minha babá, a cozinheira, as criadas. Minha avó estava escandalizada.
- E suponho que sua mãe também.
- Ela não se envolveu muito em minha educação.
Ele a olhou com surpresa, e lhe perguntou:
- Não era uma mãe carinhosa? - ao cabo de um segundo, acrescentou – Desculpe-me, não deveria me imiscuir em seus assuntos.
- Não acontece nada, não me importa falar dela. A verdade é que não posso fazê-lo com minha família, porque é um assunto que entristece ao Sinclair. Ele a conheceu durante muito mais tempo, e recorda como era antes da morte de nosso pai. Era uma pessoa cálida e carinhosa, e quando ele ainda estava com vida, costumava vir nos ver no quarto de brinquedos. Lembro de sair para passear com ela pelo jardim, costumava me dizer os nomes das flores e das plantas. Adorava o jardim. No verão recolhia flores, e deixava que a ajudasse colocá-las em vasos.
- Parece uma mãe maravilhosa.
- Era, e sei que me queria. Mas mudou depois da morte de meu pai. Amava-o com toda sua alma, e quando o perdeu, a tristeza lhe arrebatou a vida e a alegria. Foi como se tivesse morrido junto a ele, embora seu corpo continuasse entre nós. Continuava me querendo, mas não mostrava interesse por nada. Deixou de cuidar do jardim, não recolheu mais flores. Saía para passear, mas quase nunca ia comigo, nem com ninguém. Perambulava sozinha pelo jardim, sentava- se nos bancos e permanecia ali sem fazer nada, com o olhar perdido. - Voltou-se para ele, e disse - Acreditará que sou muito egoísta, porque me queixo de que não me cuidasse sem levar em conta a tragédia que sofreu.
- Não, não acredito que seja egoísta - disse ele com voz suave - Vocês também sofreram uma tragédia, perderam a seu pai e também grande parte de sua mãe.
- Sim.
Callie se sentiu um pouco envergonhada ao notar que lhe enchiam os olhos de lágrimas. Seus pais tinham morrido anos atrás, e fazia muito tempo que não chorava por eles, mas a compreensão que Bromwell mostrava por seu sofrimento a encheu de uma mescla de dor, gratidão e ternura.
Piscou para controlar as lágrimas, olhou para os campos enquanto lutava por recuperar a compostura, e finalmente disse com voz calma:
- Entende- me, não é verdade?
- Sim. Minha mãe morreu pouco depois de meu nascimento. Minha babá foi como minha mãe, e embora tivesse de deixar seu posto quando tive idade de ter uma preceptora, costumava escapulir sempre que podia para ir vê-la. Era a filha de um dos granjeiros que trabalhavam em nossas terras, uma viúva cujo filho tinha morrido pouco depois que minha mãe. Nesse sentido, encaixávamos à perfeição. Seu irmão tinha um filho, Henry, com uma idade parecida com a minha, e foi o único amigo que tive além de Daphne. De modo que sim, entendo-a a perfeição.
- Ainda mantêm sua amizade com Henry?
- Sim - sorriu de orelha a orelha antes de dizer - Por escandaloso que pareça, continua sendo meu único amigo, além de meu administrador. Seu irmão mais velho dirige a granja de sua família, mas Henry sempre teve uma mente muito desperta. Quando éramos pequenos lhe ensinei a ler e a contar, e lhe passava livros às escondidas. Quando herdei o título, contratei-o como administrador. O de meu pai fazia anos roubando nossas arcas, porque meu pai era um cavalheiro muito refinado para incomodar-se em comprovar as contas. As granjas tinham sofrido as conseqüências, e tanto seu administrador como ele se ganharam o descontentamento dos arrendatários - se deteve de repente – Desculpe-me, não era minha intenção tagarelar sem cessar sobre um assunto tão aborrecido. Deve estar lamentando ter aceitado vir a esta excursão.
- Absolutamente - disse Callie com sinceridade - ouvi meu irmão falar sobre seus assuntos de negócios, ao menos os que estão relacionados com a gestão das terras. Devo confessar que não me interessam muito seus investimentos, mas as granjas são um caso à parte. Não se trata de números, mas sim de pessoas com rosto, histórias, e todo tipo de vínculos. Isso sim que eu gosto. Sempre presidi junto ao Sinclair as festividades que se celebram na propriedade, e estou acostumada a dar a boas-vindas a todos os que vêm para a celebração de vinte e seis de dezembro. Como já lhe disse, sempre passei muito tempo com a criadagem, e quando fui crescendo, costumava sair para passear a cavalo acompanhada de algum cavalariço. Conheço todos os granjeiros e a suas famílias, ao menos aos do Marcastle e Dancy Park. Devo confessar que não estou tão familiarizada com o resto das propriedades de meu irmão, porque nunca passei muito tempo nelas.
- Por Deus, quantas residências tem esse homem?
- Bom, além da casa de Escócia, que não tem muitas terras, Sinclair sempre vai sozinho a esse lugar, para pescar, e acredito que também para afastar-se de tudo e deixar de ser "o duque". Também tem a casa de campo do Cotswolds, que formava parte do dote de minha mãe. Segundo ele, entrará em meu dote, mas de momento a administra por mim. Depois há a propriedade do Cornualha. Trata-se de um castelo velho e de aspecto imponente que segundo meu irmão nem sequer vale a pena manter, mas como nas terras há minas, tem que ir de vez em quando de inspeção. E tem outra casa de campo no Sussex… me parece que isso é tudo, excetuando a casa da cidade, que não é um propriedade.
- Isso é tudo? - Bromwell pôs- se a rir - Colocou-me em meu lugar. E eu que me felicitava por ter conseguido tirar da ruína minha propriedade de Yorkshire, e por ter comprado uma casa em Londres.
Callie ficou vermelha como um tomate.
- Me perdoe, não estava alardeando. Não pense mal de mim. Sinclair tem tantas propriedades porque é um duque, bom, e porque ao que parece gosta de administrá-las. Mas muitas propriedades acabaram em suas mãos porque algum duque se casou no passado com uma herdeira que possuía essas terras. Nossos antepassados começaram sendo barões, é obvio, e cada vez que um deles ganhava um título, lhe concediam mais propriedades. - O olhou envergonhada- Estou piorando ainda mais a situação, não é verdade? Mas todas essas propriedades pertencem a meu irmão, não a mim.
- Exceto a casa de campo do Cotswolds - Bromwell a olhou com diversão.
Callie soltou um gemido.
- Sinto muito. De verdade, não é... - deixou a frase inacabada, porque nem sequer sabia o que ia dizer.
Ele pôs- se a rir, e lhe disse:
- Não se desculpe, não pensei que estivesse alardeando. É uma mulher de muito alto berço.
- Não suporto que pensem de mim nesses termos, faz- me parecer muito presunçosa.
- Impossível, duvido que alguém pudesse considerá-la presunçosa. É encantadora, querida minha.
- Não, temo que seja uma faladora que não pode ter a língua quieta; segundo minha avó, é um de meus piores defeitos.
- Parece uma mulher bastante rígida.
Callie pôs-se a rir.
- Estou sendo injusta. O que passa é que se sente orgulhosa de sua família, é compreensível.
Sempre cumpriu com seu dever, inclusive na hora de criar a uma mocinha rebelde quando já não tinha idade de lutar com meninos, e espera que todo mundo siga seu exemplo. O problema é que, segundo seu ponto de vista, o que outros queiram ou o que possam gostar lhe carece de importância.
- E o que querem vocês?
- Não sei. Não ter que me casar com algum duque distinto, nem estar depois na obrigação de ter o número requerido de crianças para agradar a sua família. E tudo porque sou a irmã de um duque - soltou um profundo suspiro, e acrescentou- Às vezes desejaria... não sei... poder ser uma pessoa normal e comum, sem uma fortuna.
- Acho que carecer de uma fortuna lhe pareceria muito desconfortável.
- Já sei. Pensa que sou uma malcriada ingrata. Sou consciente de que não seria feliz se tivesse que economizar até o último penny, ou trabalhar de chapeleira ou de costureira para poder sair adiante. Mas é que às vezes sinto que não existo, a não ser como irmã do Rochford.
Ele a olhou, e lhe disse:
- Prometo que, quando a olho, só vejo a você e a ninguém mais.
Callie se voltou para ele, e sentiu que o resto do mundo se desvanecia. Não havia caminho, nem outras pessoas, nem campina. Só via os olhos cinza daquele homem, que sob o sol tinham adquirido um tom prateado, e só sentia uma estranha sensação que ia estendendo-se por seu interior, e ia enchendo-a até que achou que ia explodir.
Nos olhos do Rochford viu o mesmo torvelinho de emoções. Ele se apressou a voltar a rosto e respirou profundamente, e ela afastou o olhar e lutou por controlar sua expressão, por ocultar ao mundo aquelas emoções desatadas que mal podia conter em seu interior.
- Já chegamos ao parque - comentou Bromwell com alívio.
Callie assentiu, e entraram no caminho de entrada. Os terrenos do parque se estendiam ante eles. Não havia edifícios à vista, só uma ampla extensão de terreno ladeada por árvores em ambos os lados e no horizonte. Não tinha o verdor da primavera, e com a exceção dos discos pinheiros e cedros, as árvores ainda continuavam sem folhas, mas era um lugar formoso sob o pálido sol invernal. Para completar a serena cena bucólica, cervos que estavam na borda do arvoredo ergueram as cabeças e os olharam com aparente interesse antes de partir.
Callie olhou ao Bromwell com olhos faiscantes antes de fincar os calcanhares na égua. O animal estava tão ansioso por correr como ela, e se lançou ao galope. Ouviu que Bromwell gritava algo a suas costas, e que saía atrás dela imediatamente. Não demoraram em deixar atrás os outros. Callie saboreou a carícia do ar no rosto, e a energia desatada da égua. A velocidade avivava ainda mais a força das emoções que formavam redemoinhos em seu interior, e se sentia eufórica.
Quando o vento lhe arrancou o chapéu, pôs- se a rir com abandono. Apesar de incitar à égua para que se esforçasse ao máximo, Bromwell a alcançou e a olhou com um sorriso antes de adiantá-la. Começou a diminuir a marcha ao cabo de um momento até um passo comedido, e ela seguiu seu exemplo.
Como tinham superado a crista de uma pequena colina, os outros tinham ficado fora da vista. Callie pensou que era uma sorte que ninguém pudesse vê-los, porque Bromwell fez com que seu cavalo se aproximasse dela e a olhou com uma expressão tensa e decidida. Abraçou- a pela cintura com um braço, levantou-a da égua, e a sentou diante dele. Enquanto a segurava pelas costas com um braço para que não caísse, acariciou- lhe a face antes de afundar a mão em seu cabelo.
Callie sentiu que a envolvia a calidez de seu corpo masculino. Tinha a respiração acelerada, e apesar de permanecer em silêncio, suas intenções se refletiam com clareza na tensão de seu rosto e no brilho de seus olhos.
Ergueu o rosto para ele. Permaneceram imóveis durante um instante, olhando-se nos olhos, e finalmente a beijou.
Callie sentiu que ardia de desejo, e se estremeceu enquanto ele sufocava e avivava de uma vez as chamas que a consumiam. Quando ergueu uma mão e o segurou pela nuca para aproximá-lo mais, ele gemeu e aprofundou ainda mais o beijo, e seguiu devorando- a até que ela acreditou que ia explodir de desejo.
- Callie, Callie - murmurou com voz rouca, enquanto traçava a curva de seu queixo com os lábios. Desceu a mão desde seu cabelo até seu pescoço, e acrescentou - Estou o dia todo desejando fazer isto. Deus do Céu... Estou a duas semanas desejando isto.
Callie soltou uma pequena gargalhada, voltou o rosto para seu ombro, e sussurrou:
- Eu também.
Ele gemeu de novo e a apertou mais contra si. Voltou a beijá-la enquanto descia uma mão por seu peito, por cima do traje de montar, e ao cabo de uns segundos se afastou um pouco e lhe disse:
- Devemos parar, não demorarão a nos alcançar.
Ao ver que vacilava e que a olhava com olhos obscurecidos, Callie pensou que ia contradizer suas próprias palavras, mas ele virou o rosto enquanto resmungava uma imprecação abafada. Depois de um último beijo breve e duro, desceu- a do cavalo e se apressou a desmontar também.
- Deveríamos procurar seu chapéu.
- Sim - Era difícil para Callie pensar mais à frente do formigamento de seus lábios, do peso de seus peitos, e do quente desejo que se concentrava entre suas coxas.
Quando ergueu o olhar para ele, Bromwell ficou sem fôlego. Estava ruborizada, tinha os lábios rosados e úmidos, seus olhos castanhos resplandeciam, e uma mecha de cabelo que tinha se soltado lhe caía junto à face. Era a viva estampa de uma mulher a que tivessem interrompido enquanto fazia o amor, e sentiu que um desejo descarnado lhe rasgava as entranhas como um animal selvagem.
Ficou sem fala durante uns segundos. Apertou os punhos com força, e finalmente conseguiu dizer com voz um pouco trêmula:
- Callie, não me olhe assim ou acabarei perdendo a honra.
Ela piscou enquanto tentava sair do sensual sonho em que estava mergulhada; ao cabo de uns segundos, seus olhos se aclararam e seus lábios se curvaram em um sorriso deliciosamente provocador. Então deu meia volta, alisou- se o traje, e foi tomar as rédeas de sua égua.
Retornaram sobre seus passos em silêncio. Ambos eram muito conscientes do que tinha acontecido, seguiam muito afetados pelo desejo que ainda não se desvanecera de todo, e nenhum dos dois se via capaz de falar de ninharias. Quando Callie tentou voltar a colocar em seu lugar as mechas de cabelo que tinham se soltado, Bromwell lhe segurou as rédeas da égua para que tivesse as duas mãos livres. Seus dedos se roçaram, e o breve contato bastou para que as chamas de paixão voltassem a avivar-se. Quando chegaram ao topo da pequena colina, viram outros na distância; ao que parecia, tinham decidido deter- se em um lugar bastante abrigado na borda do arvoredo. O condutor da carruagem e o lacaio estavam descendo a cesta com a comida da parte traseira do veículo, e outros acampavam a seu desejo pelos arredores.
Callie respirou aliviada ao dar-se conta de que ainda tinha vários minutos para recuperar a compostura antes de ter que enfrentar-se às demais mulheres. Ao cabo de uns segundos viu seu chapéu, e Bromwell o recolheu e o deu com galanteria.
- Tenho bem o cabelo? - perguntou- lhe com ansiedade. Por sorte, o alfinete continuava fixado ao chapéu, assim o tirou e se colocou o objeto sem problemas.
- Está linda- lhe disse ele, sorridente.
- Não me olhe assim - apesar de suas palavras, não pôde evitar lhe devolver o sorriso - Todo mundo estará perguntando - o que estivemos fazendo.
- Suponho que terão suas suspeitas, mas não estivemos afastados o tempo suficiente para fazer grande coisa. Asseguro que nem minha irmã nem meu primo se irão dar a língua.
- E o mesmo pode dizer- se de lorde e lady Radbourne, e de Francesca. E o senhor Swanson está tão embevecido com sua irmã, que certamente nem sequer se deu conta.
Bromwell soltou uma gargalhada, e comentou:
- Isso é certo. Nesse caso, reza a senhorita Swanson, que é muito jovem e pouco sofisticada - continuaram caminhando em silencio durante uns segundos, e finalmente acrescentou:
- Espero não tê-la ofendido. Não costumo agarrar às mulheres sem mais e arrancá-las de suas montarias.
- Sério? Pois me pareceu um perito - Callie o olhou de soslaio.
Ele a olhou sorridente, e lhe disse:
- É uma descarada, estou tentando me desculpar.
- Não é preciso que o faça. Eu participei ativamente no que aconteceu - Callie foi incapaz de olhá-lo no rosto, e ficou vermelha como um tomate.
Quando por fim se atreveu a voltar- se para ele, viu que estava olhando-a com expressão surpreendida. Ao ver que estava ruborizado, pensou que o tinha envergonhado, mas então viu o brilho de seus olhos e se deu conta de que o que acabava de lhe dizer tinha avivado de novo seu desejo.
- Minha querida lady Calandra, vai me fazer ficar como um idiota - murmurou.
- Por quê?
- Quando estou com você, sempre estou a ponto de...
- Do que?
- De fazer algo como o que acaba de acontecer, por exemplo. Ou de mostrar ao mundo inteiro o pouco cavalheirescos que são os sentimentos que tenho por você.
Ela ficou olhando-o desconcertada, mas ao captar o significado de suas palavras, ruborizou- se ainda mais.
- Lorde Bromwell!
- Viu? Quando estou com você, perco até a capacidade de ter uma conversa cortês.
- Entendo. Assim, se comportar- se de forma pouco cavalheiresca, será por minha culpa, não é verdade?
- A única explicação que encontro a meu insensato comportamento é que você me induz – disse ele com ligeireza, enquanto esboçava um pequeno sorriso- Certamente não é algo que tome por surpresa, deve estar acostumada a enlouquecer aos homens.
- Não, parece- me que é o primeiro.
- É - difícil para eu acreditar, porque é a tentação em pessoa - voltou a olhá-la, e diminuiu um pouco o passo - Seu cabelo, seus lábios quando sorriem, só posso pensar em acariciar sua boca com a minha. Suas palavras a deixaram sem fôlego.
- Brom...
Quando ele se deteve, Callie o imitou e se voltou para olhá-lo. Por um instante, o ar pareceu vibrar entre eles com um desejo quase tangível. Obrigou-se a afastar o olhar, e lhe disse trêmula:
- Não está contribuindo para que possamos aparentar tranqüilidade diante de outros.
- Têm razão - Bromwell respirou fundo, e soltou o ar com um suspiro. Pôs-se a andar de novo, e comentou em tom de brincadeira - Lady Calandra, não lhe parece que é um dia lindo para sair para montar a cavalo?
Ela pôs-se a rir, e foram para os outros conversando sobre banalidades. Quando se uniram ao grupo, pareciam como sempre no exterior, mas por dentro a situação era muito diferente. Callie estava convencida de que jamais voltaria a ser a mesma.
As mulheres do grupo estavam sentadas em um lençol que tinham colocado no chão, e os homens permaneciam de pé. Callie se deu conta de que Francesca e lady Daphne se colocaram tão afastadas quanto lhes tinha sido possível, e a julgar pelo rubor que tingia as faces de sua amiga, era óbvio que não estava de bom humor. Entre as duas estavam sentadas a senhorita Swanson, que parecia alheia à situação, e Irene, que se esforçava por permanecer inexpressiva.
- Lady Calandra, Bromwell! Foram muito peraltas ao escapulir-se assim - disse lady Daphne com um sorriso malicioso. - Esse tipo de comportamento vai fazer com que a gente comece a mexericar.
- Não o farão, a menos que alguém se dedique a difundir rumores - disse Francesca com secura, enquanto lhe lançava um olhar gélido.
- Nenhum de nós vai falar do assunto, é obvio - lady Daphne fingiu sentir-se doída - Todos sabemos o que se sente ao ser jovem e cheio de vida, não é? - olhou com um sorriso coquete aos homens.
- Não é preciso que se preocupem com a reputação de lady Calandra, lady Swithington - lhe disse Irene com calma - Todo mundo sabe que é uma jovem irrepreensível.
- É claro - declarou Bromwell, enquanto ia sentar se junto a sua irmã.
Callie se sentou junto a Francesca, que a olhou com um sorriso e comentou:
- É um dia ideal para montar a cavalo, desfrutou do passeio?
- Sim. A égua de lorde Bromwell é uma maravilha, é óbvio que é um verdadeiro entendido em cavalos.
- Assim é - disse lady Daphne com orgulho - Brom sempre me assessorou nesses assuntos, e também ajudava a meu querido defunto marido.
Enquanto a conversa se concentrava no assunto dos cavalos, Callie se acomodou e se limitou a intercalar algum ou outro comentário enquanto outros falavam. Não se permitiu o luxo de parar-se a pensar no que tinha compartilhado com o Bromwell, deixou-o para mais tarde, para quando estivesse a sós em seu dormitório e pudesse recordar tudo segundo a segundo.
Depois de comer, foi dar um passeio com Francesca, Archie e a senhorita Swanson enquanto outros ficavam conversando. Mais tarde, o grupo inteiro deu um passeio a cavalo pelo parque, e finalmente iniciaram o trajeto de volta a Londres.
- Foi uma saída muito divertida - comentou lady Daphne.
A senhorita Swanson comentou que tinha sido o melhor dia que tinha passado desde que estava em Londres, e seu irmão contribuiu à sua opinião afirmando que tinha sido "genial".
- Devemos planejar outra saída - acrescentou lady Daphne, sorridente - Seria divertido, não é? Já tenho isso! Poderíamos ir aos jardins do Vauxhall.
A senhorita Swanson assentiu encantada, tanto o senhor Swanson como o senhor Tilford convieram em que era uma idéia excelente, e Francesca se limitou a sorrir com rigidez e a murmurar uma resposta vaga.
- Na terça- feira que vem? Diga que sim, lady Calandra - insistiu lady Daphne.
Callie lançou um olhar interrogante a Francesca, que comento:
- Não sei, acho que tenho um compromisso prévio. – a julgar como estava tensa, era óbvio que não queria ir a nenhum lugar com a irmã do Bromwell.
- Mas certamente lady Calandra que pode vir - lady Daphne não parecia entristecida pela possível ausência de Francesca - Seremos um grupo numeroso, a juventude estará bem vigiada - se voltou para Irene e Gideon, e acrescentou - lorde e lady Radbourne também virão, não é?
Irene a olhou antes de voltar-se para Francesca e Callie, e finalmente respondeu:
- Sim, acho que sim.
- Perfeito - lady Daphne esboçou um sorriso triunfal.
- Lady Calandra é livre de ir aonde queira, é obvio - disse Francesca com rigidez.
Callie a olhou com indecisão. Por um lado, queria ir, mas pelo outro, sentia- se culpada, como se estivesse traindo sua amiga.
- Acho que deveria acompanhar lady Haughston a...
- Não diga tolices - Francesca sorriu, e lhe deu uns tapinhas no braço - Não é preciso que venha comigo, acabo de recordar que se trata de uma visita a uma velha amiga. Vá e se divirta.
- Então, está decidido. Com certeza o passaremos muito bem - a irmã do Bromwell sorriu encantada, e começou a falar com a senhorita Swanson sobre os vestidos e as máscaras que poderiam usar para a ocasião.
Callie ficou um pouco atrasada para poder ir junto a Francesca e Irene, e disse em voz baixa:
- Francesca, posso enviar um bilhete para lady Swithington dizendo que não posso ir.
- Sentiria-me mal se perdesse um momento de diversão só porque sou incapaz de agüentar um algumas horas mais em companhia dessa mulher. Deus sabe que não aceitaria se ela fosse minha única acompanhante, mas como Irene e Gideon também estarão ali, não haverá nenhum problema; além disso, sei que quer ir.
- Assegurarei- me de que se mantenha o decoro - lhe disse Irene.
Todo mundo sabia que os jardins do Vauxhall eram o cenário de comportamentos bastante reprováveis, mas se tratava de um lugar onde se podia passar uma noite divertida desde que se fosse com uma mulher casada que contribuísse com respeitabilidade, e que no grupo houvesse cavalheiros que pudessem parar os pés aos jovens que estavam acostumados a passear por ali e que podiam chegar a importunar às moças casadouras.
Callie tinha ido com seu irmão, e sempre lhe tinha parecido um lugar mágico. Havia fontes, falsas ruínas, e atalhos banhados pela luz tênue das lanternas que pendiam das árvores e ao longo dos caminhos; se por acaso isso fosse pouco, uma orquestra tocava em um pavilhão onde havia baile, cantores itinerantes, e às vezes inclusive acrobatas que faziam malabarismos ou que caminhavam sobre a corda bamba.
Estava desejando ir sem ter que agüentar o vigilante olhar de seu irmão, e a idéia de passear pelos atalhos com lorde Bromwell era muito tentadora.
- Obrigada - disse à Irene, sorridente, antes de voltar- se de novo para Francesca - Está certa?
- Sim - sua amiga esboçou um sorriso - Nem sequer sua avó se negaria, sabendo que irá com um grupo numeroso no qual estarão Irene e Gideon; além disso, se negar a ir sem mim, verei-me obrigada a passar uma noite em companhia dessa mulher, e há uma hora prometi a mim mesma que não voltaria a agüentar um suplício assim.
Callie lançou um olhar interrogante ao Irene, mas ao ver que ela se encolhia de ombros e erguia ligeiramente as sobrancelhas, voltou- se de novo para Francesca.
- De acordo, obrigada - lhe disse, com um sorriso afetuoso.
- Não seja tola, o fato de que essa mulher me dê nos nervos não implica que você deva perder uma noite agradável. Enfim, vou galopar um momento para ver se consigo me mimar um pouco - partiu a trote, e não demorou em deixar a todos atrás; finalmente, diminuiu a marcha e seguiu a um passo mais comedido a certa distância de outros.
Callie se voltou para Irene, e lhe perguntou:
- Sabe por que a desgosta tanto lady Swithington?
- A única coisa que me ocorre é que essa mulher pode ser bastante aborrecida, mas vi Francesca agüentar com um sorriso a pessoas muito piores, como por exemplo, minha cunhada.
Callie conteve um sorriso, porque conhecia lady Wyngate, a esposa do irmão de Irene.
- Soube que a reputação de lady Swithington deixava bastante a desejar, mas passaram muitos anos - seguiu dizendo Irene - Nem sequer me lembrava dela. Acredito que esteve no Gales depois, e duvido que tenha causado algum escândalo ali; ao menos, não ouvi dizer nada a respeito. O que está claro é que adora flertar - o disse com total tranqüilidade, apesar de que lady Daphne tinha tentado paquerar com seu marido - Mas duvido que isso tenha incomodado a Francesca, era eu quem tinha vontade de esbofeteá-la.
Callie a olhou boquiaberta.
- Sério?
Irene pôs-se a rir, e admitiu:
- Teria feito isso, mas como Gideon não deixava de me lançar olhares implorantes para que o resgatasse, a verdade é que me foi inclusive engraçado - Irene sorriu, e em seus olhos relampejou por um momento uma expressão que transbordava sensualidade.
Callie teve a impressão de que estava invadindo sua privacidade, e afastou o olhar.
- Pode ser que Francesca se incomodou porque lady Swithington não deixava de falar de você, embora não disse nada de impróprio - prosseguiu dizendo Irene - Se limitou a falar de como é bonita, de suas boas maneiras, e de com monta bem a cavalo. Suponho que queria contribuir à corte de seu irmão, mas talvez tivesse sido melhor que ficasse calada, porque seus comentários só serviam para recordar a todo mundo que nesse momento não estava conosco, mas com lorde Bromwell. Se tivesse havido alguém mal intencionado no grupo, ou se fosse uma jovem menos conhecida, poderia ter dado pé a especulações.
- Comentou-se nossa ausência? Não me dei conta de que demorávamos tanto em voltar, foi um prazer poder cavalgar. - Como se sentiu incapaz de enfrentar o olhar limpo de Irene, virou um pouco a cabeça.
- Ninguém disse nada. Tem tão boa reputação, que seria preciso algo muito pior para danificá-la; além disso, não demoraram em aparecer de novo - Irene se deteve por um segundo antes de acrescentar - Lady Swithington mencionou várias vezes seu parentesco com o duque, pode ser que Francesca pensasse que estava sendo uma intrometida.
Callie assentiu sem muita convicção. Estava segura de que o desagrado que Francesca sentia por lady Swithington se devia a algo mais que os pequenos detalhes que tinha mencionado Irene, mas não queria falar com ninguém às costas de sua amiga. O trajeto de volta transcorreu sem incidentes, e lorde Bromwell não voltou a mostrar nenhum interesse em especial por Callie. Ela sabia que era o mais sensato, já que não seria correto que ele mostrasse preferência por sua companhia depois de ter cavalgado com ela pelo parque, mas sentia falta de sua companhia, e teria gostado de acrescentar alguma lembrança mais as que ia saborear aquela noite quando estivesse na cama.
Depois de despedir- se dela com formalidade, mas com um brilho quente no olhar que falava por si mesmo, voltou a montar e partiu com sua irmã e os amigos desta. Francesca convidou Irene e Gideon para que ficassem um momento para tomar um pouco de chá, mas eles declinaram com amabilidade e partiram também.
Francesca e Callie concordaram em que a única coisa que gostavam depois do longo dia era descansar um pouco, lavar- se, jantar algo ligeiro, e deitar-se. Callie agradeceu poder estar a sós. Apesar do muito que apreciava a sua amiga, nesse momento queria refletir com tranqüilidade. Tomou um longo banho enquanto sua criada aparecia de forma periódica para acrescentar água quente, e depois vestiu um roupão e se sentou em uma banqueta diante da chaminé para pentear- se e deixar que secasse o cabelo.
Saboreou com deleite o que tinha acontecido aquela tarde. Recordou cada palavra e cada gesto, os beijos que tinham compartilhado, e a expressão do Brom quando a tinha olhado nos olhos.
Ruborizou-se um pouco ao pensar no que tinham feito, e em sua própria reação. Só pensando nisso voltava a sentir que ardia de desejo. Nunca se havia sentido assim, e lhe era tanto maravilhoso como alarmante.
Não tinha nem idéia do que ia acontecer; de fato, nem sequer sabia o que queria que acontecesse. A única coisa que sabia com certeza era que estava desfrutando mais que nunca da vida, que despertava cada manhã desejando começar o dia. Sabia que aquilo ia ter que terminar cedo ou tarde, e que era muito improvável que a situação tivesse um final feliz. Sinclair acabaria retornando a Londres, ou algum intrometido lhe enviaria uma carta a sua avó ou a ele para lhes contar que o conde do Bromwell estava cortejando-a. Não sabia o que faria seu irmão quando se inteirasse de que tinha continuado em contato com o Bromwell apesar de de ele ter proibido, e não tinha pressa por saber.
Tinha medo de ter um novo enfrentamento com ele, não sabia o que faria se lhe ordenasse que retornasse ao Marcastle e que permanecesse ali durante toda a temporada social. Negava-se a permitir que a controlasse, mas não podia suportar a idéia de que se criasse um distanciamento entre os dois. O que ia fazer se tivesse que escolher entre Sinclair e Bromwell? Essa pergunta dava pé a uma mais ampla: o que aconteceria se optasse por Bromwell? Ele se mostrava muito atento com ela, mas não estava claro até onde estava disposto a chegar; de fato, nem sequer sabia sequer o que esperava dele.
Não estava segura dos sentimentos do conde. Parecia sentir- se atraído por ela, mas continuava estando um pouco receosa devido às advertências de Sinclair. Seu irmão era uma pessoa razoável que não se alterava com facilidade, e ao vê-lo tão convencido de que devia manter-se separada de Bromwell, não podia evitar perguntar-se se o conde escondia algo negativo que ela não alcançava ver. Possivelmente não estava cortejando-a a sério, estaria brincando com ela?
Ele não tinha esclarecido suas intenções, mas ainda era muito cedo para que o fizesse; além disso, ela tampouco tinha claro o que queria, e não tinha nem idéia do que responderia em caso de que Bromwell pedisse sua mão em matrimônio. Jamais tinha sentido por nenhum outro homem o que sentia por ele. Suas carícias a estremeciam, a idéia de voltar a vê-lo acelerava o coração, e seus beijos despertavam nela um desejo maravilhoso e desconhecido. Os dias em que não o via lhe pareciam vazios, e quando o via chegar, sentia como se uma luz se acendesse em seu interior. Era isso o amor?
Talvez fosse um capricho passageiro, ou paixão.
Não sabia. A única coisa que sabia com certeza era que queria continuar sentindo-se assim.
Fiel a sua palavra, lady Swithington convidou-as para irem na terça-feira seguinte aos jardins do Vauxhall.
Em vez de lhes enviar uma nota, apresentou-se ela mesma para convidá-las.
Francesca sorriu com rigidez enquanto reiterava que tinha um compromisso com uma amiga e acrescentava que esperava que Callie pudesse ir, mas o certo era que não gostava da situação. Sabia que Callie estava desejando ir, mas também era consciente de que o duque do Rochford não ia reagir nada bem quando soubesse que sua irmã tinha estado em companhia de sua antiga amante; mesmo assim, ela não tinha a culpa da precária situação do duque em relação à lady Swithington. O culpado era ele, e não podia esperar que ela o protegesse de sua própria idiotice. Mas estava obrigada a proteger Callie, e lady Swithington não era uma pessoa de confiar.
Todo mundo parecia ter perdoado, ou inclusive esquecido, a reputação que lady Daphne se ganhou quinze anos atrás, antes de casar-se com lorde Swithington; além disso, era provável que poucos soubessem da aventura que tinha tido com o duque. Rochford era um homem muito discreto e conservador, e apesar de Daphne tê-lo instigado com descaramento e de forma pública, estava convencida de que ela tinha sido uma das poucas pessoas que tinham tido a desdita de vê-los saindo juntos de um quarto depois de um de seus encontros clandestinos.
No momento, nenhuma dama se negou a receber lady Daphne, e a própria lady Odelia, que era um dos pilares da alta sociedade, tinha-a em alta consideração. Callie não entenderia que de repente a proibissem de relacionar-se com ela, mas lhe explicar a verdade implicaria trazer a luz o que seu irmão queria lhe ocultar.
Francesca sabia que deveria acompanhá-la ao Vauxhall, mas lhe tinha sido quase impossível agüentar a presença de lady Swithington no dia da excursão. Acreditava que as feridas tinham cicatrizado depois de quinze anos, mas voltar a ver Daphne fazia que recordasse todas as razões pelas quais não a suportava. Tinha ido esticando-se mais e mais cada vez que aquela descarada tinha mencionado ao Rochford, até que ao final tinha pensado que ia explodir.
Irene e Gideon iriam estar ali, assim Callie não estaria a sós com lady Daphne e seu irmão, e tampouco ia iniciar amizade com ela; além disso, ninguém ia inteirar-se de que estava ali, porque ia vestir uma capa e uma máscara. Não ia passar lhe nada, e sua reputação seguiria igualmente impoluta. Se Rochford se zangasse, que tivesse ido com mais cuidado no passado.
De modo que decidiu não tentar convencer Callie de que não fosse, mas não pôde evitar sentir uma pontada de inquietação quando chegou à terça-feira e a viu subir à carruagem que tinha enviado lady Swithington.
Por sua parte, Callie estava entusiasmada. Depois de despedir-se de Francesca, reclinou-se no assento enquanto o veículo se dirigia para a casa de lady Daphne, que era o ponto de encontro do grupo. Pôs um vestido de noite branco debruado com bordado prateado, e ainda por cima do traje levava uma capa de cetim negro rematado em branco que lhe tinha emprestado Francesca, e que era elegante e impactante ao mesmo tempo. O capuz estava dobrado para trás para deixar a descoberto os arremates em branco, que contrastavam de forma muito favorecedora com sua cabeleira de cachos negros. Também levava uma máscara que lhe ocultava a parte superior do rosto, e o efeito geral era de sofisticação e mistério.
Soltou um risinho, porque por dentro não se sentia nem sofisticada nem misteriosa. Estava tão entusiasmada como uma debutante antes de seu primeiro baile, e tinha a impressão de que sua excitação era quase tangível.
Quando chegou à casa de pedra cinza de lady Swithington, que desprendia um ambiente festivo graças à quantidade de luzes que tinha acesas, um lacaio a saudou com uma reverência antes de lhe abrir a porta. Um mordomo procedeu a conduzi-la até a saleta, onde havia um grupo muito alegre. Além de lady Swithington, estavam pressentes os irmãos Swanson, o senhor Tilford, e dois jovens cavalheiros e uma moça a quem não conhecia.
- Lady Calandra! - Daphne foi recebê-la, e a pegou pelas mãos - Me alegro de que tenha chegado. Venha, irei apresentá-la ao resto do grupo.
Os homens estavam vestidos à última moda, e levavam os complementos mais estilosos. Um deles tinha um ramalhete tão grande como seu punho na lapela, e a corrente do relógio de outro tinha tantos pinjentes, que era um milagre que não se rompesse. Não deixavam de fazer comentários banais, e suas próprias ocorrências lhes eram muito divertidas, embora Callie não lhes achasse a graça.
Tanto a senhorita Swanson como a outra jovem, uma loira que tinha um risinho bastante estridente, pareciam pensar que eram extremamente encantadores, porque os escutavam com atenção e punham- se a rir cada vez que um deles fazia uma graça. Lady Daphne, que não pôde evitar uma pequena careta quando a loira soltou uma gargalhada especialmente estridente, encarregou- se das apresentações de rigor. A jovem loira era a senhorita Lucilla Turner, e os cavalheiros os senhores William Pacewell e Roland Sackville. Callie teria sido incapaz de dizer quem dos dois era quem ao cabo de uns minutos depois que os apresentaram, mas isso não a preocupou o mínimo, porque não demorou em dar-se conta de que não tinha nem o mínimo interesse em falar com eles.
Saudou com uma inclinação de cabeça aos irmãos Swanson, aliviada ao ver alguém conhecido, e percorreu a saleta em busca de outros.
- Já vejo que está procurando meu irmão - comentou lady Daphne, com um sorriso malicioso. - Ainda não chegou, reunirá-se conosco mais tarde no Vauxhall. Já sabem como são os cavalheiros, sempre estão ocupados.
- Já vejo - Callie sorriu, e se esforçou por ocultar como estava decepcionada - Suponho que lorde e lady Radbourne não chegaram ainda, não é?
- Não, mas ainda é cedo. Permita que lhe ofereça um refresco enquanto os esperamos.
Lady Daphne lhe fez uma indicação a um criado, e ao cabo de um momento, Callie estava tomando um copo de ratafia enquanto falava com sua anfitriã. Sentia-se um pouco fora do lugar, e apesar de não costumar ser uma pessoa tímida, o fato de que não houvesse ninguém com quem tivesse certa confiança fez que permanecesse mais calada do que o normal; além disso, a atitude fanfarrona e afetada dos dois jovens cavalheiros lhe era bastante desagradável.
Os minutos foram passando lentamente, mas Irene e Gideon continuaram sem fazer ato de presença. Lady Daphne olhava carrancuda para o relógio a três por quatro, e depois sorria e dizia com naturalidade que deviam haver-se atrasado e não demorariam para chegar; entretanto, quando a senhorita Turner lhe perguntou por enésima vez se iriam partir já, suspirou e disse:
- Sim, suponho que será melhor que nos ponhamos em marcha. Bromwell não demorará a chegar ao Vauxhall.
- Mas o que se passa com lorde e lady Radbourne? - perguntou-lhe Callie.
- Não sei por que não vieram, certamente e simplesmente se atrasaram um pouco. Quando chegarem, o mordomo lhes dirá que os esperamos no Vauxhall.
- Possivelmente deveria esperá-los - comentou Callie com inquietação. Sabia que Francesca não aprovaria que fosse com lady Swithington e outros sem Irene e Gideon.
- Céus, claro que não - disse lady Daphne com desenvoltura - É possível que algum dos dois se haja sentido indisposto e não possam vir, e então perderia toda a diversão. Ou possivelmente, ao ver que é tão tarde, decidam ir ali diretamente. Não quererá passar sozinha toda à noite, não é verdade?
Não, Callie não queria passar horas esperando sem fazer nada em casa de uma desconhecida.
Sabia que deveria voltar para casa de Francesca, mas não lhe ocorreu uma forma delicada de dizer para lady Daphne que sua amiga, e sem dúvida também sua avó e seu irmão, não a considerariam uma acompanhante adequada. Certamente Irene e Gideon chegariam cedo ou tarde, assim não valia a pena que perdesse toda a noite em vão; além disso, estava desejando ver Bromwell, e poder passear com ele pelos jardins sob a romântica luz tênue das lanternas.
Em todo caso, não podia pedir aos outros que esperassem que a carruagem de lady Daphne a levasse de volta a casa de Francesca, assim esboçou um sorriso forçado e disse:
- De acordo, será melhor que vamos já.
As quatro mulheres foram na carruagem de lady Daphne, e os homens tomaram uma de aluguel. As dúvidas de Callie foram desvanecendo-se durante o trajeto. A conversa entre elas era muito mais tranqüila e agradável, e tinha cada vez mais vontade de ver de novo os jardins e de estar com Bromwell.
Vauxhall tinha a mesma aparência mágica de sempre, e a inquietação de Callie se esfumou por completo quando desceram da carruagem e entraram. Os homens se encarregaram de comprar entradas, e alugaram um dos reservados que se alinhavam ao longo do passeio principal. Foram pelo amplo passeio até chegar ao reservado em questão, que estava perto do pavilhão onde logo ia começar a tocar a orquestra. Todos tomaram assento, e contemplaram o fluxo contínuo de gente que percorria o passeio. Callie se sentia liberada sob o amparo da capa e da máscara, porque podia olhar a todos os que passavam sabendo que ninguém podia reconhecê-la, que não surgiriam rumores que pudessem chegar aos ouvidos de seu irmão.
Ao cabo de uns minutos, um garçom levou um jantar consistente em fatias finas de presunto, frango, e saladas, e encheu os copos com o célebre ponche dos jardins. Era uma bebida bastante forte, e embora Callie só o provasse, não demorou a sentir-se mais relaxada e se dispôs a passar bem. Era muito divertido observar a outros, já que havia gente de todas as formas, tamanhos e classes.
Alguns, dos numerosos jovens pressentes, eram dandis, e outros tinham o físico atlético dos corintios. Também havia muitas jovens solteiras, que flertavam abertamente com os homens. Callie as observou fascinada, e se ruborizou com alguns dos comentários que ouviu. Surpreendeu-se ao ver que alguns dos jovens cometiam a ousadia de olhá-la com descaramento, assim como ao resto das damas que a acompanhava. Tanto a senhorita Swanson como a senhorita Turner responderam com risinhos. Lady Daphne não riu, mas Callie ficou atônita ao ver que levantava o leque e olhava com coqueteria a um ou dois jovens.
Acreditou que os cavalheiros do grupo se encarregariam de afugentar a aqueles descarados, e não lhe custou imaginar-se como teria reagido seu irmão ante tal insolência. Nas ocasiões nas quais tinha ido ali com o Sinclair, sua mera presença tinha bastado para evitar que alguém pudesse olhá-la de forma inapropriada.
Quando a orquestra começou a tocar no pavilhão, as pessoas sairam para dançar na pista que havia bem diante. Para não fazer feio, Callie dançou primeiro com o Tilford e depois com o Pacewell… Ao menos, achava isso, porque continuava sem recordar quem era quem, mas como este último não deixava de pisá-la com estupidez e o fôlego rescendia a álcool, decidiu retornar ao reservado e não voltar a dançar até que chegasse Bromwell se realmente chegasse, pois começava a duvidar.
Ao ver que Gideon, Irene e Brom continuavam sem aparecer, começou a sentir-se cada vez mais desconfortável. A conversa que mantinham seus acompanhantes ia ganhando em volume e estridência conforme ia avançando a noite e o consumo de ponche continuava. Os risinhos das moças cada vez eram mais altos, e as gargalhadas dos cavalheiros mais escandalosas. Começaram a falar arrastando as palavras, a deixar os copos sobre a mesa com muita força, e em uma ocasião, o senhor Sackville ou talvez fosse o senhor Pacewell, quanto mais bêbados estavam, mais lhe custava diferenciá-los, não acertou na hora de deixar o copo sobre a mesa e este caiu ao chão.
O incidente pareceu ser muito engraçado a todos menos a ela; de fato, o senhor Swanson riu com tanta força, que cambaleou para trás, tropeçou com uma cadeira, derrubou-a, e acabou com o traseiro no chão, com o que os outros riam ainda mais.
Callie tomou um pequeno gole de licor e se esforçou por ignorar o que estava ocorrendo a seu redor, mas lhe era cada vez mais difícil. O senhor Pacewell… bom, a quem não lhe tinha caído o copo, fosse quem fosse se inclinou para a senhorita Turner, e estava olhando seu decote com descaramento enquanto lhe murmurava algo ao ouvido. Estava tão perto dela, que estava a ponto de roçá-la com os lábios.
Callie se apressou a afastar o olhar e se voltou para lady Swithington, mas não demorou a dar-se conta de que a dama não estava a fim de restabelecer um pouco de decoro. Estava sentada na parte dianteira do reservado, com os braços apoiados no parapeito, falando em voz baixa com um homem. O desconhecido estava inclinando- se para ela, sorridente, e de repente posou o indicador sobre o dorso da mão de lady Daphne e foi subindo- o por seu braço até o cotovelo.
Callie se voltou imediatamente, mas não sabia para onde olhar. Tomou um gole com nervosismo, e tossiu quando a potente bebida pareceu lhe abrasar a garganta.
Perguntou- se onde estava Bromwell, por que não tinha chegado ainda, e desejou com todas suas forças que estivesse ali. Ele poria fim a aquela situação, e restabeleceria a ordem ao menos, isso era o que devia esperar. Talvez chegasse e se comportasse igual aos outros, possivelmente se embebedasse como os outros e também se dedicasse a devorar com o olhar a todas as mulheres pressentes.
Deu-se conta de que um segundo homem parou diante do reservado para conversar com lady Daphne e a senhorita Swanson, e ficou horrorizada quando elas os convidaram a unir-se ao grupo.
Afastou sua cadeira para um lado tudo o que pôde até ficar contra a parede mais afastada dos outros, e tentou tomar uma decisão.
Estava convencida de que Irene e Gideon não iriam aparecer, e tinha suas dúvidas quanto ao Brom. A noite tinha adquirido tintas escandalosas, e era consciente de que não deveria estar ali. O problema radicava em que não sabia como partir. Estremecia só pensando em internar- se só entre a multidão, já que naquele lugar uma mulher não estava a salvo de comentários grosseiros, olhares lascivos e de coisas inclusive piores.
Mas mal conhecia a seus acompanhantes masculinos, e a julgar por seu comportamento, não estava segura de se podia confiar em que a protegessem; de fato, nem sequer sabia se estaria a salvo com eles. E caso pudesse confiar neles, estavam muito bêbados para ajudá-la.
Deixou o copo sobre uma mesa, e se inclinou para frente. Ao dar-se conta de que estava um pouco confusa, tentou recordar quanto ponche tinha bebido. Um copo, não, dois, porque tinha a sensação de que, assim que deixava um copo meio vazio na mesa, alguém o substituía imediatamente por um cheio. Lady Daphne se assegurou de que ninguém ficasse sem bebida. Nesse momento, deu-se conta de que um garçom estava lhe enchendo o copo de novo. Negou com a cabeça para lhe indicar que se detivesse, mas ele nem sequer pareceu dar- se conta e lhe encheu o copo até cima antes de partir. Callie soltou um suspiro, e lutou por tentar esclarecer as idéias. Ia ter que deixar de tomar golinhos, por muito nervosa que estivesse. Precisava ter a cabeça limpa para sair daquela situação.
- Está sozinha? - um dos desconhecidos a quem Daphne tinha convidado a entrar se sentou junto a ela. Era óbvio que estava ébrio, porque arrastava as palavras - Uma preciosidade como você não teria que estar sozinha.
- Não necessito de companhia, obrigada - lhe respondeu com voz gélida.
Suas palavras deveram lhe ser muito engraçadas, porque o indivíduo soltou uma gargalhada.
- Vá, vá, assim é uma finória. - agarrou o copo que Callie tinha deixado sobre a mesa, e o ofereceu. - Assim não vai divertir se. Anda, toma um traguinho, se animará.
- Não, obrigada.
Ele encolheu os ombros, e bebeu o copo de repente. Então se inclinou para ela, e a olhou fixamente no rosto.
- O que acontece? Não quer passar um bom momento?
Callie se voltou para trás. O homem cheirava a álcool, e tinha os olhos avermelhados.
- Não, não quero - disse com firmeza - Por favor, se afaste de mim.
Não costumava ser tão grosseira, mas era óbvio que não ia obter que partisse a base de pedidos amáveis. Ao ver que a olhava e entreabria os olhos, achou que ia ficar violento, mas ele se limitou a encolher os ombros e se foi para os outros.
Callie sentiu que lhe caía a alma aos pés ao dar-se conta de que alguns de seus acompanhantes se foram enquanto ela lutava com o desconhecido. Nem a senhorita Swanson nem a senhorita Turner estavam no reservado, e tampouco havia rastro dos dois dandis. Olhou para o outro extremo do passeio, e se sentiu um pouco aliviada ao ver que os quatro tinham decidido sair para dançar. Disse-se que não demorariam a voltar, mas ao cabo de uns segundos os perdeu de vista entre a multidão que enchia a pista de baile.
Percorreu o reservado com o olhar; ao que parecia, o senhor Swanson tinha chegado a seu limite, porque estava ajeitado em sua cadeira com os olhos fechados. O senhor Tilford agarrou um copo, encheu-o de ponche, e saiu meio cambaleando pela porta traseira; certamente, iria em busca de acompanhantes mais alegres.
Lady Swithington estava sentada entre os dois homens a quem tinha convidado a entrar, e estava conversando e flertando com eles. Tinha na mão o leque, e de vez em quando o fechava e o usava para dar uma batidinha brincalhona a algum de seus dois acompanhantes. Um deles a pegou pela mão, e depositou no dorso um beijo muito mais longo do que era aceitável, mas em vez de tentar afastar-se, ela se pôs-se a rir e se inclinou para ele para lhe sussurrar algo ao ouvido.
- Lady Swithington, devo partir - disse Callie com veemência - Francesca já teria começado a preocupar-se com minha tardança.
Daphne demorou uns segundos em concentrar-se nela.
- Mas se ainda é muito cedo, querida. Não quererá partir já, não é?
- Lorde e lady Radbourne não vieram, e receio que não deveria estar aqui. Se pudesse mandar procurar sua carruagem - não estava segura de poder chegar sã e salva ao veículo, mas queria partir antes que a situação piorasse ainda mais.
Lady Swithington pôs-se a rir, e moveu a mão em um gesto displicente.
- Ainda não pode partir, querida. Brom não chegou ainda. Não deixem que lorde e lady Radbourne lhe estraguem a festa.
- Não, não acredito que lorde Bromwell vá vir, já é bastante tarde - Callie tentou manter a calma.
Lady Daphne se levantou, e pôs-se a rir.
- A noite mal começou, não pode partir - estendeu uma mão para ela, e acrescentou:
- Venha, una-se a nós. Vamos sair para a pista de baile, e o pobre Willoughby necessita um par. Não é verdade, meu senhor?
O homem em questão olhou ao Callie, e negou com a cabeça.
- Não vai querer vir, é muito distinta.
- Lady Swithington, não gosto de dançar - insistiu Callie.
- Viu? Já lhe disse - disse o tal Willoughby.
- Desejo partir, e acredito que a senhorita Swanson e a senhorita Turner deveriam vir comigo. Estão na pista de baile, sem ninguém que as vigie.
- Podem partir se quiserem, é obvio, assim que chegue Brom - lhe disse lady Swithington, com tom magnânimo - Embora duvide que agrade à senhorita Turner e à senhorita Swanson que as levem a rastros daqui. Enfim, se estiver segura de que não quer dançar conosco... - deu-lhe as costas, puxou pelo braço os dois homens, e os olhou com um sorriso deslumbrante - Vamos, cavalheiros. Estou desejando dançar.
O companheiro do Willoughby soltou uma gargalhada, e murmurou:
- Espero que esteja desejando fazer muitas coisas mais.
Suas palavras não pareceram ofender lady Swithington, que pôs- se a rir e respondeu:
- Já veremos.
- Lady Swithington! - exclamou Callie, horrorizada, enquanto os três se dirigiam para a porta.
Daphne nem sequer pareceu ouvi-la. Saiu do reservado com seus acompanhantes, e fechou a porta.
Callie ficou de pé como uma idiota, e ao cabo de uns segundos, voltou- se e olhou a seu redor. Sua única companhia era o senhor Swanson, que estava adormecido na cadeira. Nunca se havia sentido tão sozinha. Olhou para o exterior, onde o bulício e o descontrole aumentavam por momentos. Lady Daphne e seus dois acompanhantes tinham desaparecido entre a multidão, e não conseguiu ver nenhum dos integrantes do grupo com quem tinha chegado.
Franziu o cenho, e se sentou em sua cadeira enquanto tentava encontrar a forma de sair daquela encruzilhada. Queria pôr- se a correr entre a multidão para a porta, e subir a uma carruagem de aluguel que a levasse de volta a casa, mas estava preocupada com a senhorita Swanson e a senhorita Turner, que obviamente se excederam com o ponche e que eram bastante tontas.
Os homens com quem estavam não eram de confiar. Deveria ter se esforçado mais em evitar que se fossem com eles, e lhe parecia irresponsável deixá-las ali sem mais.
- O que está fazendo sozinha, riqueza?
Callie se sobressaltou, e ao voltar-se viu um homem de meia idade apoiado no parapeito do reservado. Levantou-se enquanto o coração martelava no peito, e apertou as mãos em dois punhos fechados de ambos os lados do corpo.
- Vá embora, por favor. Meu irmão está a ponto de voltar - disse de forma improvisada, enquanto para si mesma repassava as possíveis armas que tinha à mão. Decidiu- se por uma garrafa vazia, assim começou a aproximar- se com dissimulação à mesa onde o senhor Swanson estava apoiado com a cabeça sobre os braços.
- Assim seu irmão, não? - o homem sorriu com incredulidade - Não deveria ter deixado sozinha a uma preciosidade como você. Talvez devesse entrar e lhe fazer companhia até que volte.
- Não me parece uma boa idéia - Callie chegou à mesa, e pegou com força o pescoço da garrafa.
O homem pôs- se a rir.
- Vá, assim quer briga, não é? - apoiou as mãos no parapeito, como se estivesse a ponto de passar por cima para entrar no reservado.
Callie lhe lançou a garrafa. Surpreendeu-se ao ver que lhe batia, embora o certo era que tinha apontado à cabeça e lhe tinha alcançado o peito. O homem se deteve em seco, e a olhou surpreso.
- Não era preciso que ficasse tão violenta - disse com ressentimento. Colocou bem a jaqueta, e depois de lhe lançar um olhar zangado, deu meia volta e partiu.
Callie suspirou aliviada, e se afastou um pouco mais da parte dianteira do reservado. Olhou a seu redor, e se agachou para recolher outra garrafa se por acaso voltasse a necessitar de outra arma. Quando voltou a endireitar-se, gritou sobressaltada ao ver outro homem olhando do parapeito, e levantou a garrafa.
- Callie? É você? - o homem apoiou uma mão no parapeito, e entrou de um salto no reservado - Que demônios faz aqui sozinha?
- Brom! - Callie deixou cair à garrafa, e soltou um soluço enquanto corria para ele e se lançava a seus braços.
Bromwell a abraçou com força, e lhe perguntou:
- O que passou, Callie?
- Oh, Brom - Callie se aferrou a ele com todas suas forças - Não aconteceu nada, tudo está bem.
Deu-se conta de que suas palavras refletiam a pura verdade. Por estranho que parecesse, a presença do Bromwell fazia que se sentisse completamente segura. A ansiedade e o medo se desvaneceram ao sentir a dureza de seu peito musculoso contra a cabeça, ao ouvir o batimento de seu coração sob o ouvido.
- Onde estão todos? Por que demônios está sozinha?
- Não estou - disse ela em tom de brincadeira. Soltou-o a contra gosto, retrocedeu um passo, e esboçou um sorriso irônico ao apontar para o senhor Swanson, que continuava dormindo na cadeira.
O conde se voltou para ele, e seu cenho se aprofundou ainda mais.
- Demônios! Perdeu os sentidos?
- Parece-me que todos bebemos muito ponche, eu mesma estou um pouco enjoada.
- Mas onde está minha irmã? Onde estão lorde e lady Radbourne, e outros? Por que se foram e se afastaram e a deixaram aqui sozinha?
- Irene e Gideon não têm feito ato de presença, mas não sei por que. E os outros saíram a dançar - indicou com um gesto o passeio lotado de gente - Começava a pensar que você tampouco viria.
- Claro que vim, mas Daphne me disse que... - se deteve de repente, e a olhou carrancudo - Quanto tempo faz que estão aqui?
- Não sei, a noite me parece interminável.
- Está claro que está aqui o tempo suficiente para que o senhor Swanson se embriagasse - comentou ele com ironia.
- Sim. Chegamos muito antes das dez, porque a senhorita Swanson queria chegar antes que a orquestra começasse a segunda função.
Bromwell ficou olhando para a zona do passeio durante um longo tempo, e ao final suspirou e disse:
- Não sei como é possível que minha irmã a tenha deixado com o Swanson como única companhia. Estava assim indisposto quando ela partiu?
Callie assentiu, e esboçou um sorriso sem humor.
- A verdade é que não está em condições de me proteger.
- Isso é óbvio. Desculpo-me por não ter chegado antes, devo ter confundido a hora que me disse Daphne. Duvido que lady Haughston permita que volte a visitá-la.
- Acho que seria melhor que Francesca não se inteirasse do que aconteceu, porque se preocuparia desnecessariamente; além disso, estou convencida de que não voltará a acontecer.
Callie não tinha nenhuma dúvida a respeito, porque não pensava aceitar nenhum convite mais de lady Swithington. Bromwell assentiu, embora parecesse um pouco distraído.
- Enfim, mais tarde falarei do assunto com Daphne. Acredito que será melhor que a leve para casa de lady Haughston imediatamente.
- Sim, agradeço-lhe isso - Callie vacilou por um segundo, e acrescentou - A senhorita Swanson e a senhorita Turner ainda estão aqui, deveríamos nos assegurar de que estão bem.
- Não estarão sozinhas também, não é?
- Não, saíram para dançar com o senhor Pacewell e o senhor Sackville.
- Com esses dois fantoches? São uns néscios, mas estou seguro de que cuidarão delas. O principal é levá-la de volta a casa, depois retornarei a pelos outros.
- Obrigada - disse Callie, sorridente.
Ele sorriu também, e ergueu a mão para lhe acariciar a face.
- Lamento profundamente que tenha tido que suportar este desastre, Callie.
- Não foi tão horrível. - Era mentira, mas a presença do Brom fazia que a lembrança do medo que tinha passado fosse desvanecendo-se.
- É muito amável, mas sou consciente de que não está acostumada a agüentar situações como esta. Falarei com minha irmã a respeito.
- Não quero que tenha desavenças com lady Swithington por minha culpa.
- Não se preocupe, não nos repudiaremos o um ao outro. Receio que Daphne passou muito tempo afastada da sociedade londrina, possivelmente não recorda quão restritivas são as normas que regem o comportamento de uma jovem casadoura; além disso, tampouco está acostumada às bebidas alcoólicas tão fortes que servem aqui. É óbvio que não parou para pensar no que fazia. Cubra-se com o capuz da capa, vamos ter que lutar com a multidão buliçosa que há aí fora.
Em vez de esperar que ela o fizesse, agarrou ele mesmo as bordas do capuz e o pôs com cuidado. Permaneceu imóvel durante uns segundos, olhando-a nos olhos e com as mãos no tecido, mas pareceu despertar de seu sonho de repente e retrocedeu um pouco antes de lhe oferecer o braço com galanteria.
Depois de sair pela parte traseira do reservado, rodearam-no e se detiveram o chegar ao passeio lotado de gente. Callie olhou a seu redor, e desejou que Bromwell tivesse estado ali desde o começo da noite, porque assim teria podido desfrutar sem preocupar-se. Voltou-se para ele, e lhe disse:
- Não poderíamos passear um pouco antes de ir? Mal vi os jardins.
Ele a olhou com indecisão, e ao final comento:
- Não acredito que seja correto, está sem acompanhante.
- Não corro nenhum perigo, estou com você.
- Alguns diriam que eu sou o perigo.
- Mas nos dois sabemos que não é assim - disse ela, sorridente.
Perguntou-se pouco antes se Bromwell se comportaria como os outros, mas assim que o tinha visto chegar, deu-se conta de que tinha sido uma tola por pensar algo assim. Aquela noite tinha sido muito estranha, e não conseguia entender o que tinha acontecido nem o porque. Embora não pudesse admitir ante o Bromwell, o certo era que o comportamento de lady Swithmgton tinha sido muito estranho. Tinha a suspeita de que aquela mulher tinha orquestrado tudo, mas não sabia por que o tinha feito.
Mas à margem do que tivesse podido fazer lady Daphne fosse a propósito ou de forma acidental, estava convencida de que lorde Bromwell não tinha tido nada que ver. E também sabia que, se ele tivesse estado ali durante toda a noite, não teria permitido que a situação se descontrolasse. A estupefação e o aborrecimento que tinha mostrado ao chegar falavam por si só. Devolveu-lhe o sorriso, e sua expressão se suavizou.
- De acordo, vamos dar um passeio. O espetáculo pirotécnico deve estar a ponto de começar.
Puseram-se a andar, e não demoraram em deixar o passeio principal. Bromwell a conduziu para um dos atalhos que se internavam entre as árvores. As lanternas que havia na passagem do caminho contribuíam com uma luz tênue, e cintilavam como estrelas entre os ramos. Ao passar foram encontrando fontes, e ruínas falsas artisticamente iluminadas.
Ao ouvir uma detonação, detiveram-se a contemplar o céu iluminado pelos primeiros foguetes. Continuaram passeando enquanto o colorido espetáculo continuava, e foram parando de vez em quando para admirar algum estalo de luz especialmente impactante. Foram avançando por atalhos cada vez mais afastados e menos transitados, e ao final ficaram completamente sozinhos. Callie ouviu um risinho feminino a certa distância seguida do som de passos apressados, e depois tudo pareceu ficar em silêncio. Quando chegaram a um banco de pedra situado junto a um lago, sentaram-se e continuaram contemplando o espetáculo pirotécnico, que ao acabar deixou a sua passagem um silêncio absoluto e um ligeiro aroma de pólvora no ar.
- Foi lindo, obrigada por deixar que ficássemos - disse Callie.
- A única coisa que lamento é que não tenha desfrutado do resto da noite.
- Isso não importa.
Acariciou-lhe a face com um dedo, e sussurrou:
- É tão bela... Tomara...
- O que? - insistiu ela, ao ver que não continuava.
- Não sei... Tomara as coisas fossem diferentes.
- A que se refere? - perguntou- lhe, um pouco desconcertada.
- A nada. Não me faça conta, temo que esta noite tenho um estado de ânimo um pouco estranho. - Se levantou do banco, e se aproximou do lago.
Callie foi atrás dele, e tomou uma de suas mãos entre as suas.
- O que acontece? Posso ajudá-lo em algo?
- Tomara... - se voltou para ela, e a devorou com o olhar. - Não deixo de pensar em você desde a excursão ao Richmond Park… de fato, desde o momento em que a vi pela primeira vez na festa de fantasias. Às vezes acredito que me enfeitiçou. - Tinha a voz rouca, e parecia que lhe arrancavam as palavras de muito dentro.
Percorreu-a uma labareda de desejo tão poderosa, que pensou que ele notaria o calor em suas mãos.
- Não era minha intenção - disse, com voz um pouco trêmula.
- Já sei, é parte de seu encanto. Não tem afetação, é natural, mas atrai a um homem com um simples olhar.
- Não me tinha dado conta de que era tão irresistível - comentou, em um esforço de aparentar despreocupação.
- Nesse caso, pode ser que seu poder só tenha afetado a mim; se for assim, considerar-me-ia afortunado - disse, antes de lhe beijar a mão.
Callie estremeceu ao sentir o contato de seus lábios aveludados na pele, e quando lhe virou a mão e lhe deu um beijo na palma, ela a fechou de forma inconsciente em um punho, como se estivesse guardando aquela carícia. O sangue lhe corria como uma corrente pelas veias. Queria que voltasse a abraçá-la, voltar a saborear sua boca, sentir que a envolviam seu calidez e seu aroma, ter seu corpo duro e masculino contra o seu, como no dia da excursão. Nenhum outro homem a tinha tentado, mas ele a enlouquecia.
Bromwell ergueu a cabeça e a olhou, e de repente a abraçou e começou a beijá-la com paixão. O desejo cobrou vida de repente, consumiu-os e apagou qualquer fresta de prudência. Apertou-a contra seu corpo enquanto a devorava, e quando Callie o rodeou com os braços para aproximar-se todo o possível, gemeu inebriado e seu corpo inteiro estremeceu. Deixou de beijá-la, e depois de deslizar os lábios por sua face, começou a lhe mordiscar o lóbulo da orelha; ao cabo de uns segundos, sussurrou seu nome com voz rouca de desejo, e começou a lhe beijar a orelha, o rosto, e o pescoço.
Callie sentiu que sua pele ardia ao entrar em contato com seus lábios, e estremeceu enquanto em seu interior se formavam redemoinhos de desejo, um profundo desejo.
Com o último vestígio de prudência que restava, Bromwell se afastou um pouco e a levou para as sombras, a um lado do caminho. Callie só era consciente do fogo que a consumia, e o seguiu sem protestar. Enquanto se beijavam uma e outra vez, ele começou a percorrê-la com as mãos por debaixo da capa. Callie sentiu a calidez de seus dedos apesar do vestido, e ficou sem fôlego quando lhe acariciou os seios por cima do traje antes de lhe colocar a mão no decote. Ao sentir o contato de pele contra pele, sentiu-se extasiada e desejou poder sentir suas mãos por todo o corpo.
Quando lhe abriu a capa de repente e pousou os lábios sobre a pele trêmula de seus seios, Callie ofegou de prazer e se aferrou a ele com força, como tentando ancorar-se em um lago que dava voltas a seu redor. Seu próprio corpo lhe era estranho. Palpitavam-lhe as vísceras, e entre as pernas sentia uma tensão cálida e úmida tão prazenteira, que quase era dolorosa. Queria estar com ele, conhecê-lo de uma forma profunda e primitiva. Deu-se conta de que, por escandaloso que parecesse, queria rodeá-lo com as pernas e apertar-se contra ele da forma mais íntima.
Bromwell desceu as mãos até suas nádegas, e afundou os dedos na suave pele enquanto a apertava contra seu membro duro. Ela estremeceu com a respiração ofegante, e teve a impressão de que estava à beira de um precipício enquanto se debatia entre a excitação, a dúvida, e o medo. Ele soltou um som rouco e carregado de frustração, e se afastou um pouco dela.
- Deus do Céu, Callie...
Depois de cobri-la de novo com a capa, abraçou-a com força e apoiou a fronte na sua. Tinha a respiração ofegante, e sua calidez a envolvia. Permaneceram imóveis durante um longo tempo, e o ritmo de seus corações foi normalizando-se pouco a pouco.
- Se não nos detivermos, esquecerei- me de minha honra por completo - Bromwell apertou os lábios contra seu cabelo, e acrescentou - Tenho que levá-la para casa.
Callie sabia que tinha razão, mas não queria partir. Queria que aquele momento não acabasse nunca, queria seguir avançando até chegar à meta que seu corpo ansiava. Deu-se conta de que estava a sós com Bromwell, protegida só pelas sombras, beijando-o, por isso seu comportamento tinha sido inclusive mais atrevido que o das mulheres com as que tinham estado jantando no reservado. Certamente, tinha sido um pouco hipócrita ao escandalizar-se ante a atitude de lady Daphne, tendo em conta que pouco depois se deixou arrastar pela paixão nos braços do Bromwell.
Mas apesar de se comportar de forma imoral, era incapaz de arrepender- se de seus atos; de fato, só lamentava não poder continuar beijando-o. Abriu os olhos, e jogou a cabeça para trás para poder olhá-lo no rosto. Bromwell tinha os lábios sensualmente relaxados e um pouco avermelhados, e os olhos obscurecidos e letárgicos. Ver seu rosto tenso de desejo bastava para excitá-la. Disse-se que entre lady Daphne e ela havia uma grande diferença. A irmã do Bromwell se comportou com descaramento com um homem a quem mal conhecia, e era evidente que qualquer outro lhe teria servido; entretanto, ela era incapaz de expor-se sequer a possibilidade de sentir-se assim com algum outro homem. Lorde Bromwell era o único que despertava aquela paixão dentro dela.
Respirou fundo, e exalou pouco a pouco. Sentia-se de novo à beira de um precipício, mas de um que lhe dava muito medo. Sabia que, se caísse ali, não ia perder a virtude, mas o coração.
Bromwell e Callie mal falaram durante o trajeto de volta a casa. Nenhum dos dois podia deixar de pensar na paixão que seguia latente, mas como nenhum queria falar do assunto, estavam fazendo um esforço consciente por controlar- se.
Ele a acompanhou até a porta da casa de Francesca, e só entrou para despedir-se. Quando retornou à carruagem, sua expressão tencionou e indicou ao condutor que retornasse aos jardins do Vauxhall.
Assim que chegaram, foi com passo decidido ao reservado de sua irmã, e ali encontrou a vários jovens bêbados junto com a senhorita Swanson e outra jovem a que não conhecia. Era óbvio que elas também estavam um pouco ébrias. Sua irmã estava sentada no regaço de um desconhecido que estava beijando- a no pescoço com descaramento.
Em vez de perder tempo em rodear o reservado para entrar pela porta traseira, voltou a saltar o parapeito da parte dianteira. Foi para sua irmã, agarrou-a por pelo braço, e a levantou sem atenção. Ela soltou uma exclamação abafada e se voltou feita uma fúria, mas mudou de atitude ao ver que era ele.
- Brom! Olá, querido. Perguntava-me onde estaria.
- Perguntou-se também onde está lady Calandra? - perguntou-lhe com voz seca.
- Dei por feito que estava consigo - lhe disse, enquanto esboçava um sorriso malicioso.
- Todos vocês tiveram sorte de que fosse assim - disparou ele com fúria.
Daphne o olhou sobressaltada, e pareceu ficar sem palavras.
- Um momento, quem diabos acham que são? - o homem em cujo regaço tinha estado sentada se levantou cambaleante, e acrescentou - Deveria desafiá-lo por falar assim a dama.
- Sou o irmão da dama, e lhe asseguro que só aceitaria o desafio de um cavalheiro. Os homens como você é melhor inculcar um pouco de respeito com os punhos.
- O que? Maldição, desafio que me diga isso na cara! - o homem ergueu os punhos, mas sua postura apenas se parecia com a de um pugilista.
- Acho que acabo de fazê-lo.
Bromwell o agarrou pelas lapelas, levantou-o do chão, e lhe jogou meio corpo por cima do parapeito. Com a outra mão o agarrou pelas pernas, e acabou de atirá-lo para fora. A seguir foi para os dois homens que estavam sentados atrás de Daphne. Ficaram olhando-o meio atordoados pela bebedeira, mas ao ver que se aproximava ficaram de pé de repente e foram cambaleantes para a porta traseira.
- Primo! - Archie Tilford ficou de pé, e o saudou com uma reverência. O gesto lhe teria saído perfeito, se não fosse porque se inclinou muito para diante e teve que agarrar-se a uma cadeira para evitar cair de bruços - Me alegro de vê-lo. Fez bem ao jogar a esses tipos, davam-me mal.
- Maldição, por que não fez algo para evitar este desastre? - perguntou-lhe Bromwell com exasperação.
- Porque... - Tilford pensou nisso durante uns segundos - Porque isso não encaixa comigo, mas com você.
Bromwell se voltou para o Pacewell e Sackville. Apesar do elegante que foi, a velada tinha feito brecha neles, e pareciam bastante piorados.
- Isto é inaceitável! Todo mundo está bêbado?
Olharam-se os uns aos outros, como se não soubessem o que dizer.
- Pelo amor de Deus - acrescentou Bromwell, enojado - Archie, levanta o senhor Swanson com seus amigos e arrume-os para voltar para casa. Encarregar-me-ei de levar às damas a casa de minha irmã.
Os homens se apressaram a obedecer. Levantaram o Swanson da cadeira, colocaram seus braços em cima dos ombros para segurá-lo, e o tiraram do reservado meio a rastros. Tanto a senhorita Turner como a senhorita Swanson, que estava chorando desconsolada, agarraram suas máscaras, suas capas e seus leques; ao que parecia, a primeira tinha perdido um sapato, e não tinha nem idéia de onde estava.
Bromwell fulminou a sua irmã com o olhar, e comentou:
- Lady Swithington terá que lhe emprestar um par. Quando chegarmos a casa, enviará um bilhete a seus respectivos pais ou aos pobres desgraçados que tenham sua tutela para avisar que, como se fez muito tarde e estão exaustas, as duas passarão a noite em sua casa. Isso deveria bastar para proteger sua reputação, desde que nenhum conhecido as tenha visto aqui sem as fantasias.
A senhorita Swanson começou a soluçar, e a senhorita Turner pareceu sair um pouco de seu atordoamento e o olhou com um temor incipiente. Bromwell não lhes prestou nem a mais mínima atenção, e se voltou de novo para sua irmã.
- De acordo, já estou pronta - disse ela com irritação, enquanto recolhia suas coisas. - Tornou-se um distinto, deve-se à influência de lady Calandra? A verdade é que eu não gosto nada de sua atitude.
- Nenhuma palavra mais - lhe disse com voz firme, e com o rosto muito tenso - Nem sequer a menções, se não quiser ouvir quatro verdades. Falaremos disto mais tarde, quando as damas que tem a seu cargo se deitarem.
Lady Daphne se mostrou indiferente ante suas palavras. Vestiu a capa, e saiu do reservado com as jovens lhe pisando os calcanhares. Bromwell as conduziu até a carruagem, e não disse nenhuma palavra durante o trajeto. A senhorita Swanson não deixou de choramingar e de secar os olhos com um lenço, a senhorita Turner parecia calada e abatida, e lady Daphne permaneceu com a cabeça virada para a janela apesar da cortina lhe impedir de ver o exterior.
Quando chegaram a casa, uma criada conduziu às duas jovens aos quartos que lhes atribuíram, e lady Daphne se sentou com um suspiro de exasperação e escreveu as respectivas notas para seus pais, tal como Bromwell lhe tinha ordenado. Depois de encarregar a um lacaio que se encarregasse de entregá-las, voltou- se para seu irmão e cruzou os braços.
- Venha, solta o de uma vez.
- Como demônios lhe ocorreu deixar sozinha lady Calandra nesse lugar? - disse ele, furioso - Não se dá conta do dano que poderia haver causado a sua reputação?
- Desde quando é tão puritano? Estava tentando ajudá-lo.
- Expondo Callie a um grupo de descarados bêbados? Abandonando-a em meio dos jardins do Vauxhall?
- Não acha que está exagerando um pouco? Não a deixei no meio do passeio, mas dentro de um reservado.
- Qualquer um que passasse em frente podia ver que estava sozinha, sem contar o bêbado que ficou dormindo em cima da mesa, claro!
- Sabia que não demoraria a chegar, e que ela não estaria ali muito tempo - explicou Daphne com tranqüilidade - Não esperava que o néscio do Swanson ficasse dormindo, como ia saber que o álcool o afetasse tanto? Minha intenção era que você e ela estivessem a sós. - sua expressão se suavizou, e se aproximou com as mãos estendidas. - Por favor, não se zangue comigo. Só queria ajudá-lo. Percebi que lady Haughston tem muito controlada a lady Calandra, e procurei arrumar tudo para que pudesse tê-la só para você durante um momento - sorriu com satisfação, e acrescentou - Ao menos, o tempo suficiente para que cumprisse com o objetivo.
- Que objetivo? Destroçar seu bom nome? - disse-lhe ele sem aceitar suas mãos estendidas - Como pôde acredita que isso é o que quero fazer? Disse-lhe que não queria destruir sua reputação, não é justo que Callie sofra. Foi seu irmão quem lhe fez mal, assim é ele quem deveria pagar por suas más ações.
- Que mais importa se sofrer? - disse ela - É uma Lilles, assim estou certa de que é tão altiva e fria como o duque e como a harpia de Francesca Haughston. As duas são iguais. Fazem-se de distintas e delicadas como se jamais tivessem tido nem um só pensamento atrevido. Claro, são muito refinadas para pensar sequer em deitar-se com um homem. - Suas palavras estavam carregadas de dureza e amargura.
Bromwell a olhou boquiaberto, e ao final conseguiu dizer:
- Daphne! Nunca a tinha ouvido falar tão. Parece tão...
- Passei quinze anos presa em Gales, com um velho horrível! Não podia vir a Londres, nem desfrutar de um pouco de diversão. Para ele, uma viagem a Bath era o maior dos presentes! E enquanto isso ia me fazendo mais e mais velha, ia perdendo minha beleza... - se deteve de repente, e se pôs- se a chorar.
- Daphne... - suas lágrimas o comoveram, e grande parte de sua fúria se desvaneceu. Aproximou-se dela, e a rodeou com um braço - Sinto muito, sinto que tivesse que se casar à força com um homem muito mais velho que você a quem não amava, e que depois de fazer esse sacrifício perdesse o bebê que esperava. Foi terrível, e não deveria ter passado por algo assim. Tomara tivesse sido mais velho naquela época, mais experiente. Não me teria limitado a ir ver o Rochford feito uma fúria e a tentar desafiá-lo. Desejaria ter podido te ajudar. Mas não é velha, e continua sendo a mulher mais bela de Londres.
Daphne relaxou, e o olhou sorridente apesar das lágrimas que seguiam brilhando como diamantes em seus olhos.
- Diz isso a sério? Realmente acha que sou a mulher mais bela de Londres?
Bromwell pensou no Callie, mas afastou a um lado sua imagem e disse com firmeza:
- Claro que sim, porque é a verdade. Sabe que sempre foi.
- Sabia, sabia que não podia querê-la mais que - lhe disse com satisfação, enquanto secava as lágrimas com os dedos.
- Claro que não - Bromwell se tirou um lenço de um branco impoluto do bolso, e o deu. Depois de soltá-la, retrocedeu um pouco e acrescentou - Como pôde acreditar tal coisa? Não sinto nada por ela, mas não quero fazer mal a uma pessoa inocente. O que me interessa é ajustar as contas com o duque do Rochford. Na última vez que falamos lhe disse que não quero desonrar ao Callie, mas conseguir que Rochford saia de sua guarida e se em frente a mim.
- O que acreditava que aconteceria a ela? Não pode ferir Rochford sem fazer mal a sua irmã. Uma mulher tem ilusões se vir que um homem a corteja. Quando um cavalheiro presta uma atenção especial a uma mulher, é porque quer seduzi-la ou porque pensa casar-se com ela. É um embaraço que finalmente não peça a mão da dama em matrimônio, todo mundo começará a especular sobre o assunto.
- Mas se só comecei a cortejá-la, não... - Bromwell foi incapaz de acabar a frase.
- O que não tem feito? Visitá-la quase todo dia? Convidá-la a ir de excursão ao Richmond Park ou a passear em sua carruagem? Aparecer em todas as festas às quais foi?
- Possivelmente passei mais tempo com ela de que pretendia - admitiu Bromwell, carrancudo- Suponho que não esperava que sempre estivesse tão protegida por suas acompanhantes, pensava que poderia passar mais tempo a sós com ela.
- Por isso preparei o pequeno interlúdio no Vauxhall, para que estivessem a sós - lhe disse Daphne, com expressão triunfante- Rochford não se alarmará se não se cheira um possível escândalo.
Bromwell soltou um profundo suspiro, e passou a mão pelo cabelo.
- Não sei o que dizer. Se o que diz é certo, então o dano já aconteceu. Já a prejudiquei.
- Exato, assim.
- Talvez devesse deixá-la.
- O que? - Daphne o olhou atônita - Quer dizer que pensa abandonar seu plano? Que não vai fazer nada nem ao Rochford nem a ela?
Ele esboçou um sorriso sem humor, e comentou com secura:
- Acredito que Rochford ficará em contato comigo.
- E o que passa com lady Calandra? Deixará de cortejá-la?
- Não sei, tenho que pensar.
Sua irmã fez gesto de protestar, mas Bromwell estava mergulhado em seus pensamentos e a deixou com a palavra na boca ao ir- se sem mais. Ao chegar ao vestíbulo, tomou o chapéu e o casaco das mãos de um lacaio e saiu à rua. Desceu os degraus da entrada enquanto se abrigava, e pôs-se a andar pela calçada. Apesar do vento lhe penetrar por debaixo do casaco, não se incomodou em abotoá-lo enquanto se afastava carrancudo da casa.
Perguntou-se se devia deixar de ver Callie, mas a mera idéia fez que lhe retorcessem as vísceras. Não, não queria acabar com tudo aquilo. Pensou em seu sorriso, em seus faiscantes olhos escuros, nos brilhantes cachos negros que ansiava acariciar. Tinha vontade de dar um murro em algo ante a idéia de não voltar a vê-la, de não voltar a abraçá-la nem a beijá-la.
Mas, no que desembocaria aquela situação se continuasse vendo-a? Certamente, Rochford e ele acabariam enfrentando- se. Veriam-se as caras em um duelo com pistolas ao amanhecer, ou se pegariam em murros. O que estava claro era que aquela história não ia acabar com a proposta de matrimônio que esperava a sociedade londrina.
Soltou uma gargalhada irônica ao imaginar a reação que teria Rochford se lhe pedisse a mão de sua irmã em casamento. O duque jamais daria sua aprovação, e ele não pensava pedi-la. Era impensável que se aliasse com a família do homem que tinha desonrado Daphne, porque estaria traindo-a.
Porém, se não tinha intenção de casar-se com o Callie, não deveria seguir vendo-a. Daphne tinha razão ao dizer que tinha estado cortejando-a abertamente, e se continuava fazendo-o, todo mundo esperaria uma proposta matrimonial. Tal como estavam às coisas, haveria comentários e especulações se deixasse de vê-la de repente, apesar de só estar a várias semanas cortejando-a. O coração encolheu ante a possibilidade de que Callie se convertesse no alvo das fofocas, mas sabia que seria muito pior se prolongava a situação. Com cada dia que passava, cada buquê de flores que lhe enviava, e cada baile que compartilhavam, cimentava- se a certeza generalizada de que pensava lhe propor matrimônio, por isso as fofocas seriam muito piores quando deixasse de vê-la. E se ao final Rochford perdesse a paciência e voltasse para Londres para enfrentar a ele, o escândalo seria inclusive pior, e era possível que Callie tivesse que carregar toda a vida com esse estigma.
Sua expressão carrancuda se intensificou. Como lhe tinha podido ocorrer que cortejar ao Callie seria a forma perfeita de vingar-se do Rochford? Teria que ter ajustado as contas com o duque com um bom direito na mandíbula, e ponto. Ela não tinha nada que ver, não tinha feito nada de mau, mas ia ser a mais prejudicada.
Recordou a conversa que tinha mantido com o Archie, a indiferença que tinha mostrado ante o fato de que Callie era inocente e não merecia que a ferissem.
Acabava de zangar-se porque Daphne tinha feito algo que poderia ter prejudicado a reputação de Callie, mas quando tinha arquitetado sua vingança, não se tinha importado que pudesse resultar ferida por seus planos. Tinha sido um néscio, um néscio frívolo e cruel. Não podia ressarci-la pelo dano que já lhe tinha causado, a única coisa que podia fazer era assegurar- se de que não sofresse mais. Não ia voltar a vê-la. Por que se sentia tão vazio por dentro ao querer fazer o correto?
Callie se sentiu surpreendida e decepcionada ao ver que lorde Bromwell não ia visitá-la de na seguinte, mas não lhe pareceu nada fora do normal; além disso, não se encontrava muito bem. Doía-lhe a cabeça, tinha o estômago um pouco revolto, e a luz que entrava pela janela da saleta fazia com que lhe doessem os olhos. Sabia que sua indisposição se devia ao ponche da noite anterior, porque costumava beber quando muito um pouco de vinho branco nos jantares ou um copo de ratafia ou de xerez. Tendo em conta como se encontrava mal, decidiu que dali em diante se ateria a sua moderação habitual.
Francesca lhe fez várias perguntas sobre a noite da noite anterior, e apesar de que tinha decidido não lhe contar o que tinha acontecido, percebeu que não tinha mais remédio que admitir que lorde e lady Radbourne não tinham estado ali, porque o assunto viria à baila na próxima vez que vissem Irene. Depois de comentar como tinha gostado muito dos foguetes, acrescentou sem andar com rodeios:
- Lorde e lady Radbourne não foram.
- O que? - Francesca deixou cair sobre seu regaço a meia três-quartos que estava cerzindo, e ficou alerta - Não estiveram ali com você?
- Não.
- Mas, o que...? Quem? Céu santo, sabia que deveria ter acompanhado você.
- Não se preocupe, não se passou nada do outro mundo. Tanto lady Swithington como lorde Bromwell estavam ali, éramos um grupo bastante grande. Também foram à senhorita Swanson, seu irmão, e outra jovem.
- Estranho que Irene não nos avisasse de que não podia ir - comentou Francesca com preocupação - Bom, ao menos levava postos a capa e a máscara. Não os tirou, não é?
- Não, é impossível que alguém me reconhecesse. Nem sequer saí para dançar - acrescentou, apesar de ser mentira.
Francesca assentiu. Parecia um pouco mais tranqüila, mas continuava um pouco carrancuda.
- Acho que vou ver Irene esta tarde.
- Acha que um dos dois pode estar doente?
- Não sei o que pensar, mas eu gostaria de saber a que se deveu sua ausência. Irene não é das que mudam de opinião de um dia para outro. Quer vir comigo?
Callie preferiu não fazê-lo. Não queria sair, e esperava que dormir uma sesta com um lenço umedecido com lavanda contribuísse para lhe aliviar a dor de cabeça; além disso, nos últimos tempos preferia ficar em casa devido às freqüentes visitas de lorde Bromwell.
Ele não apareceu em toda à tarde, mas depois da sesta se sentiu muito melhor. Saudou Francesca com jovialidade quando esta retornou de sua visita, mas sua amiga não parecia estar de muito bom humor; de fato, seus intensos olhos azuis lançavam faíscas, e estava visivelmente tensa.
- Daphne Swithington não tem vergonha! - exclamou, quando Callie lhe perguntou se acontecia algo.
- Por que o diz?
- Segundo Irene, lady Swithington lhe enviou uma nota no domingo em que lhe dizia que a noite nos jardins do Vauxhall foi adiada, e que esperava que pudessem levá-la a cabo dali a algumas semanas.
- Ah - Callie não se sentiu muito surpreendida, embora tivesse mantido a esperança de que tudo tivesse sido um desgraçado acidente.
Francesca começou a passear de um lado a outro enquanto destrambelhava sobre o engano de lady Swithington, mas ela estava ocupada dando voltas ao assunto, e mal lhe prestou atenção.
Era óbvio que a irmã de lorde Bromwell tinha orquestrado o que tinha acontecido à noite anterior. Assegurou-se de desfazer-se da influência restritiva do Irene e Gideon, ou possivelmente o que tinha querido evitar era a respeitabilidade do casal. Também estava claro que lhe tinha oculto de propósito que não iriam ao Vauxhall, porque tinha assegurado uma e outra vez que não demorariam a chegar. De modo que não só tinha querido ter liberdade para dar rédea solta a seu comportamento escandaloso, mas também, além disso, tinha querido implicá-la a ela de propósito.
Mas, por que o tinha feito? Tudo aquilo carecia de sentido, porque a única coisa que tinha conseguido lady Swithington era ganhar sua desconfiança. Estava convencida de que Brom não tinha sido consciente do que planejava sua irmã. Ao encontrá-la só no reservado se mostrou surpreso e furioso, e era óbvio que pensava que Irene e Gideon estariam ali; além disso, não tinha comentado em nenhum momento que lhe tivesse sido impossível reunir-se a eles antes, e tinha parecido surpreso que estivessem tanto tempo ali. Quando ela tinha comentado que começava a pensar que não apareceria, ele a tinha olhado surpreso e havia dito algo assim como "Daphne me disse que..." antes de deter-se em seco. Com certeza tinha estado a ponto de dizer que sua irmã lhe tinha indicado que chegasse a àquela hora tão tardia.
A conclusão óbvia era que Daphne sentia uma grande aversão por ela, apesar da amabilidade com a que a tratava. Acaso queria evitar que seu irmão a cortejasse, e estava tentando influenciá-lo contra ela? Se não tivesse arrojado uma garrafa ao descarado da noite anterior, era possível que aquele indivíduo tivesse entrado no reservado e tivesse tentado ultrapassar- se com ela. Como teria reagido Brom se a tivesse encontrado sozinha nos braços de outro homem?
Percorreu- a um pequeno calafrio. Se o objetivo de lady Daphne tinha sido desprestigiá-la a olhos de seu irmão, devia ser uma mulher fria e calculista; além disso, o plano em si deixava bastante a desejar, porque tinha um resultado incerto. Lady Daphne se arriscou a que as coisas não saíssem segundo o previsto, e assim tinha sido. Bromwell tinha chegado a tempo de evitar que passasse algo mau, e se tinha se zangado porque sua irmã a tinha deixado sozinha.
Era uma sorte que não tivesse nenhum compromisso social aquela noite, porque não queria sair, sobre tudo tendo em conta que existia a possibilidade de que se encontrasse com lady Swithington. Passou uma noite tranqüila e agradável em casa, e aproveitou para escrever cartas a sua avó e a seu irmão; entretanto, não teve mais remédio que admitir, ao menos para si mesma, que sentia falta de lorde Bromwell. Custou- lhe recordar a última vez que tinha passado um dia inteiro sem vê-lo.
Esperou ansiosa que fosse visitá-la no dia seguinte, e se surpreendeu ao ver que não aparecia. A última hora da tarde, Francesca lhe disse:
- Onde está lorde Bromwell? A verdade é que me acostumei a vê-lo diariamente.
Callie negou com a cabeça. Tinha uma estranha dor no peito.
- Não sei.
Francesca franziu o cenho, mas comentou com naturalidade:
- Que estranho. A próxima vez que o virmos repreendê-lo-ei por sua desatenção.
Mas não o encontraram aquela noite na festa da senhora Cutterman, e não foi vê-las no dia seguinte.
Callie sorriu com cortesia enquanto conversavam com as visitas e lutou por dissimular que estava pendente em todo momento de sua possível chegada, mas mal podia concentrar- se na conversa. Não podia deixar de pensar nele, se iria visitá-la, e se perguntou a que se devia sua ausência. Perguntou-se se havia dito ou feito algo que o tinha incomodado, ou melhor, se a considerava uma descarada por seu comportamento no Vauxhall. Talvez considerava que ela deveria ter partido assim que a noite tinha começado a descontrolar-se, que nem sequer deveria ter ido sem Irene e Gideon.
Mas seria injusto que a culpasse por ir, tendo em conta que sua própria irmã estava ali para se fazer de acompanhante. Se lady Swithington não se comportara com tanto abandono, se tivesse controlado ao resto do grupo, a situação não se teria desmantelado. Seria injusto que Bromwell a culpasse por algo que tinha sido culpa de sua irmã.
Por outro lado, talvez estivesse evitando- a pelo que tinha acontecido quando se foram do reservado. Ela não tinha querido retornar a casa imediatamente, e tinha preferido dar um passeio. Melhor, considerava- a uma descarada, não se dera conta do muito que a tinha afetado o que tinham compartilhado? Tinha-lhe dado a falsa impressão de que era uma mulher com experiência?
Era possível que lhe tivesse parecido uma desavergonhada. A lembrança dos beijos que tinham compartilhado junto ao lago bastava para ruborizá-la, e não pôde evitar perguntar-se se lhe tinha parecido muito atrevida. Não era justo, porque ele tinha participado tão ativamente como ela nos beijos e nas carícias que tinham compartilhado, mas sabia que freqüentemente os homens eram injustos na hora de julgar moralmente às mulheres. Considerava-se normal que um jovem tivesse relações com uma mulher, mas uma moça ficaria desonrada se deitasse com um homem. Um cavalheiro podia desejar deitar-se com uma mulher, mas se ela cedia, ele não a quereria por esposa.
Isso era algo que lhe tinham advertido desde que tinha sido apresentada em sociedade. Francesca lhe lançou alguns olhares cheios de preocupação ao longo da tarde, e quando as visitas partiram, voltou- se para ela e lhe disse com voz suave:
- Pode ser que lorde Bromwell tenha tido que partir da cidade. Talvez tenha retornado à sua propriedade para encarregar-se de algum assunto urgente, e não teve tempo de lhe mandar uma nota.
- Pode ser - Callie conseguiu esboçar um sorriso- Ou pode ser que seja um homem volúvel, sei que há muitos.
- Não me deu essa impressão - o cenho de Francesca se aprofundou - Tinha chegado a pensar que... enfim, as conjeturas não servem de nada. Terá que esperar para ver se te manda um bilhete com uma explicação, pode ser que amanhã venha e lhe conte o que passou.
Custou à Callie imaginar qualquer possível explicação, porque à margem do que pudesse ter passado, a aquelas alturas Bromwell tinha tido tempo de sobra para lhe mandar uma nota. Limitou- se a assentir, porque cada vez lhe custava mais ocultar sua preocupação e seus medos. Temia voltar a chorar de um momento para outro, assim estava desejando deixar a um lado àquela conversa. Felizmente, Francesca não insistiu no assunto, e começou a conversar sobre o que poderiam vestir para a noite na ópera que tinham em frente. Callie lhe seguiu a corrente, e deixou que sua amiga levasse o peso da conversa.
Foram à ópera com Irene e Gideon, e ocuparam o luxuoso camarote do casal. Callie se tinha arrumado com esmero, já que ainda ficava certa esperança de ver o Bromwell. Se encontrassem com ele aquela noite, queria que a visse mais bonita que nunca, alegre e despreocupada. Não o viu por nenhuma parte, e não soube se sentia-se triste ou aliviada. O fato de que tivesse estado na ópera teria indicado que não tinha tido de partir de Londres por algum assunto urgente, que não tinha estado doente nem nada pelo estilo, e teria deixado patente que não tinha ido vê-la porque não tinha querido.
No dia seguinte, decidiu sair para fazer várias visitas à tarde. Ultimamente passava muito tempo encerrada em casa, esperando em vão lorde Bromwell, e não queria passar nem um dia mais assim. Não pôde evitar preocupar-se se por acaso fosse vê-la justo quando não estava, mas não deixou que sua decisão fraquejasse. Se fosse visitá-la e não a encontrava em casa, estaria bem empregado, e se daria conta de que ela não estava adoecendo e esperando que fosse fazer ato de presença. Quando retornou a casa não pôde evitar dar uma olhada aos cartões de visita que entregaram em sua ausência, mas não demorou em descobrir que o do Bromwell não se encontrava entre eles.
Francesca tinha tido a delicadeza de não voltar a mencioná-lo desde a breve conversa na tarde anterior. Era incrível que a sua amiga ocorressem tantos assuntos de conversa para evitar o óbvio.
No dia seguinte, foram ao baile de lady Smythe-Furling. Suas festas costumavam ser muito memoráveis, mas era o único evento social que se celebrava aquela noite e Callie tinha decidido sair todo o possível. Queria manter-se ocupada, dançar, conversar, fazer o que fosse possível para manter a distância as dúvidas e o abatimento.
Entretanto, desejou não ter ido assim que entrou pela porta. Enquanto saudava com uma reverência a lady Smythe-Furling e a suas duas filhas, ergueu o olhar e viu o Bromwell no outro extremo do salão, conversando com lorde Westfield junto à pista de baile.
O coração lhe deu um pulo, e lutou por permanecer impassível enquanto a percorria uma onda de esperança que não pôde controlar. Disse-se que ele se voltaria e sorriria ao vê-la, que se aproximaria dela, que tudo voltaria à normalidade e poderia deixar de preocupar- se.
Ao ver que não se voltava nem a olhava, internou-se no salão e procurou manter- se afastada dele. Não pensava ir a seu encontro. Se quisesse falar com ela, ia ter que dar o primeiro passo, mas não o fez.
Callie dançou com o anfitrião, e com o marido da filha mais velha de lady Smythe-Furling. Também o fez com sir Lucien, o amigo de Francesca, e se sentiu mais que agradecida ao ver que ele permanecia a seu lado durante grande parte da noite. Estava convencida de que Francesca lhe tinha pedido que não se separasse dela, e tinha sido muito considerado ao aceitar a passar-se toda a noite lhe fazendo companhia para que não se sentisse tão desconfortável.
Também se sentiu agradecida por ter o carnê de baile cheio, porque assim pôde fingir que estava desfrutando da festa. Dedicou-se a conversar e a rir com desenvoltura, e inclusive conseguiu flertar um pouco com sir Lucien era uma tarefa fácil, porque era um homem capaz de levar quase todo o peso da paquera. Sua fingida alegria ocultava a dor que a embargava. O homem que poucos dias antes a tinha beijado com paixão, que a tinha cortejado durante as duas últimas semanas, nem sequer se tinha aproximado para cumprimentá-la. Talvez fosse uma sorte que não o tivesse feito, porque lhe tinha sido muito difícil manter a compostura até o momento. Não sabia se teria conseguido continuar aparentando indiferença se tivesse estado cara a cara com ele.
As horas foram avançando com lentidão. Estava desejando retornar a casa para poder dar rédea solta às lágrimas na solidão de seu quarto, mas não quis partir antes do tempo. Não queria dar pé a comentários sobre como estava afetada.
Era consciente de que as pessoas já tinham começado a falar do assunto. Lorde Bromwell a tinha cortejado tão abertamente, que todos os pressentes se deram conta de que não se aproximou dela em toda a noite. Tinha notado o peso dos olhares dissimulados, e a forma em que algumas conversas se interrompiam de repente quando ela olhava por acaso para os interlocutores. Aquilo intensificava ainda mais sua dor, mas também fazia que lhe fosse muito imperativo ocultar o que sentia.
Notou que Francesca começava a mostrar sinais de cansaço muito antes do costume, passou a tampar a boca com o leque para ocultar um bocejo e se desculpava por sua suposta fadiga, Callie soube que estava fazendo-o para ajudá-la, para que pudessem partir logo da festa. Não a tomou por surpresa que sua amiga anunciasse de repente que estava exausta e que deviam retornar a casa. Despediram-se imediatamente de seus anfitriões, e ao subir à carruagem suspirou com alívio e se reclinou contra o suave assento de couro antes de dizer com voz calma:
- Obrigada, Francesca.
- Não se preocupe, a verdade é que era uma festa bastante aborrecida - posou uma mão em seu braço, e lhe perguntou - Está bem, querida?
- É claro que sim, embora a verdade é que me sinto um pouco desconcertada.
Francesca assentiu. Era óbvio que sua resposta não a tinha convencido de tudo, mas se limitou a dizer:
- Acho que não terá que subestimar nunca a inconstância masculina, mas estou convencida de que o comportamento de lorde Bromwell está influenciado pela sua irmã odiosa
Callie não pôde conter uma gargalhada, e comentou:
- Querida Francesca, sempre dá um jeito para me fazer rir.
- Minha mãe me disse em uma ocasião que tenho a capacidade de trivializar inclusive o assunto mais sério - ao cabo de um segundo, acrescentou em tom de brincadeira - Me parece que não o disse como um cumprimento.
Francesca fez mostra de sua sensibilidade inata, e não voltou a falar do assunto em todo o trajeto. Quando chegaram a casa, deu- lhe boa noite e se dirigiu para a saleta para, segundo suas próprias palavras, "ocupar- se de vários assuntos".
Callie se apressou a subir a seu quarto enquanto as lágrimas que tinha estado contendo ameaçavam sair à superfície. A criada, que estava esperando-a, olhou-a com estranheza quando lhe disse que podia retirar- se, mas se foi dizer uma palavra.
Quando por fim ficou sozinha, permaneceu imóvel durante uns segundos enquanto deixava cair às barreiras que tinha estado erigindo durante toda a noite. Não se tinha permitido o luxo de sentir a dor, nem sequer tinha querido pensar nele enquanto lutava por aparentar indiferença ante o mundo inteiro, mas nesse momento assimilou a verdade: o ardor de lorde Bromwell esfriara. Por alguma razão, já não estava interessado nela, assim ia ter que viver sem ele. Soltou um som profundo e primitivo, metade gemido e metade soluço, e se lançou sobre a cama enquanto punha-se a chorar.
Na manhã seguinte, Callie amanheceu apática e com os olhos avermelhados, mas quando Francesca sugeriu que seria melhor não aceitar visitas em todo o dia, negou-se com firmeza.
- Não, terei que mostrar a cara cedo ou tarde; além disso, não quero que ninguém me tenha pena. Sei que falarão de mim às minhas costas, que mexericarão sobre o fato de que lorde Bromwell se cansou de minha companhia, mas me mostrando abatida só conseguirei avivar os rumores.
- É uma mulher muito valente, mas temo que sofreremos uma avalanche de visitas.
Apesar de não terem ido vê-las tanta gente como temia Francesca, tiveram toda a tarde ocupada e Callie teve que esforçar-se por fingir que nem notava nem lhe importava a ausência de lorde Bromwell.
As duas se sentiram aliviadas quando se fez muito tarde para que aparecessem mais visitas, e decidiram tomar um pouco de chá. Callie não tinha apetite, mas ao menos tinha a tranqüilidade de saber que não iria incomodá-las ninguém mais.
Entretanto, justo quando Francesca tinha começado a servir o chá, ouviram que alguém batia na porta. Apesar de se olharem surpreendidas, seguiram como se nada acontecia, mas o mordomo não demorou em aparecer na porta com atitude indecisa.
- Né... - depois de uma breve vacilação, disse apressadamente: - Sua Excelência o duque do Rochford acaba de chegar, minha senhora - era óbvio que Fenton não se atreveu a negar a entrada a alguém tão ilustre.
Callie olhou alarmada a Francesca, que parecia igualmente sobressaltada. Era um final péssimo para um dia horrível. Certamente Sinclair soubera que Bromwell tinha estado visitando-a com assiduidade, e tinha retornado à cidade para encarregar- se do assunto em pessoa.
- Faça-o entrar, Fenton - disse Francesca.
As duas ficaram de pé para receber ao duque, que entrou na saleta imediatamente. Levava a roupa de montar, e a julgar como tinha sujas as botas, era óbvio que tinha ido diretamente a casa de Francesca sem deter-se antes na sua própria. Estava despenteado, e sua expressão séria e o brilho de aço de seu olhar não pressagiavam nada de bom.
- Que demônios esteve acontecendo aqui desde que fui? - disse com voz cortante - A avó me enviou uma carta para me avisar de que a viram por toda a cidade com o conde do Bromwell; ao que parece, várias das damas com quem se relaciona inclusive insinuaram que devemos esperar um iminente "anúncio importante".
- Lamento que a carta da avó o tenha importunado, Sinclair, mas não acredito que fosse necessário que devesse dizer-me em pessoa - disse Callie com serenidade.
- Maldita seja, não se faça de inocente! Disse-lhe que não voltasse a ver esse homem, Callie! E quanto a você, Francesca, como pudestes cometer a irresponsabilidade de permitir que esse homem se aproximasse de minha irmã?
- Como ousa me repreender? Acha-se com direito a ditar a quem posso receber em minha própria casa? - disse-lhe Francesca, com voz gélida.
- Não percebeu que pretendia esse tipo? Como pôde permitir que um homem que me odeia tente vingar-se de mim através de minha irmã?
- Se considerar que as visitas que recibo são inadequadas, é livre de tirar Callie de minha casa - disparou ela com fúria - Se sou tão irresponsável, se não tenho critério na hora de decidir com quem falo ou com quem me relaciono, surpreende-me que deixasse a sua irmã a meu cargo.
O duque ficou olhando-a boquiaberto durante uns segundos. Quando franziu o cenho ainda mais e pareceu estar a ponto de responder irado, Callie interveio e disse com firmeza:
- Ninguém vai tirar-me de nenhum lugar. Sou uma mulher adulta, e farei o que me agrade - olhou a Francesca, e disse - A menos que não queira que fique aqui devido ao comportamento grosseiro de meu irmão.
Francesca conseguiu esboçar um sorriso apesar de estar tão tensa, e lhe disse:
- Sabe que sempre será bem recebida nesta casa, Callie. - lançou um olhar de soslaio ao duque que deixava claro que não podia dizer o mesmo dele, e se voltou de novo para o Callie. - Acredito que será melhor que os deixe a sós, para que possam falar com calma.
- Não, não é preciso.
Francesca a interrompeu com um gesto, e lhe disse:
- Acho que seu irmão prefere isso. Está claro que, para ele, tanto o conde do Bromwell como sua família são um assunto pessoal.
Depois de lançar ao Rochford um olhar gélido, saiu do aposento e fechou com cuidado a porta. O duque se esticou ainda mais enquanto a seguia com o olhar, mas quando finalmente se voltou de novo para Callie, esta se lançou ao ataque imediatamente sem lhe dar tempo para falar.
- Como pôde falar assim a Francesca? Foi um grosseiro! Comportou-se como se tivesse algum direito sobre ela, como se pudesse ditar a quem pode ver e a quem não. É inconcebível!
- Sou perfeitamente consciente de que não tenho controle algum sobre lady Haughston - respondeu ele com rigidez - Entretanto, surpreende-me que tenha permitido que um homem a ronde o suficiente para que o assunto se converta na fofoca da cidade, sobre tudo se o tipo em questão é Bromwell.
- Francesca não tem a culpa de nada, assegurou-se de não me deixar sem supervisão. Ninguém se atreveria a insinuar sequer que tenho feito algo escandaloso.
- É obvio que não - declarou ele com impaciência.
- Além disso, como ia saber ela que se ofenderia tanto que um cavalheiro irrepreensível me cortejasse? Francesca nem sequer conhecia lorde Bromwell até que vim viver com ela.
- Acreditei que bastava adverti-la de forma categórica que não queria que voltasse a vê-lo, mas está claro que não me fez caso.
- Não sou uma menina, não pode me proibir que veja alguém sem me dar uma explicação convincente. Se tiver algo concreto contra Bromwell, deveria ter me contado isso - ao ver que seu irmão a olhava com desconforto, acrescentou - O que se passa? O que tem de mau esse homem? Por que o odeia?
- Não o odeio; de fato, não me produz nenhum sentimento, nem bom nem mau. É ele quem me odeia há anos. Assim temi que tentasse machucá-la para poder me ferir de alguma forma.
- Por quê? Nunca me disse nada contra você, a verdade é que nem sequer recordo que chegasse a mencioná-lo. Por que acredita que o odeia até o extremo de me cortejar para fazer mal a você?
- Não é um assunto que deva comentar-se diante de uma dama - disse ele com rigidez.
Callie o fulminou com o olhar, e lhe disse:
- Nesse caso, receio que entre você e eu já está tudo dito - sem mais, deu meia volta e pôs-se a andar para a porta.
- Maldita seja! Estou tentando protegê-la, Callie!
- Suponho que é um gesto muito nobre de sua parte, mas se isso significa que quando tiver vontade vai tratar-me como se não fosse uma mulher adulta, como se nem sequer fosse uma pessoa, não quero seu amparo.
Rochford se esticou ainda mais. Callie soltou um suspiro, e lhe encheram os olhos de lágrimas enquanto punha-se a andar de novo para a porta.
- Espera, Callie. Não vá, contar-lhe-ei tudo.
Ela se voltou a olhá-lo, e se limitou a esperar em silêncio.
- Faz quinze anos, Bromwell desafiou a um duelo - Rochford vacilou por um momento antes de acrescentar - Porque acreditava que eu tinha desonrado a sua irmã.
- O que? Como pôde pensar algo assim? - Callie ficou olhando boquiaberta ao seu irmão.
Ele esboçou um sorriso antes de dizer:
- Não vai perguntar-me se a acusação era certa?
- Claro que não, toma- me como tola? Sei que seria incapaz de desonrar a qualquer mulher, e muito menos a uma dama. Não sou tão inocente para acreditar que não teve relações, mas estou convencida de que foram irreprocháveis e enfim, acordos puramente comerciais.
Ele soltou uma gargalhada, e comentou:
- Não sei por que pensei que a afetaria saber o que ocorreu.
- Eu tampouco, mas não entendo como é possível que Bromwell o acreditasse capaz de fazer algo assim. Não é tolo.
- Ele era muito jovem naquela época, e o informaram mal. Nem sequer me conhecia, assim não sabia que sou incapaz tanto de forçar a uma mulher como de seduzir a uma dama. Não estranho que pudesse chegar a acreditar que eu estava interessado em lady Daphne, porque a metade dos homens da alta sociedade londrina estava fascinado por ela.
- Você foi um deles?
- Não. Naquela época estava interessado em uma dama muito diferente, mas lady Daphne pôs seus olhos em mim. Era uma viúva jovem, e era óbvio que queria casar-se com um homem mais rico que seu primeiro marido. Sempre foi uma ambiciosa, e acreditava que nenhum homem era imune a sua beleza. Decidiu que eu seria sua seguinte vítima, mas eu não estava interessado em ser seu marido nem em ter nada que ver com ela. Deixei-lhe claro que suas esperanças eram em vão, e ficou furiosa comigo. Não estava acostumada a que a rechaçassem. Suponho que, como vingança, convenceu a seu irmão de que eu tinha brincado com seus sentimentos; por isso ele comentou, acredito que inclusive lhe disse que estava grávida de mim.
- Não pode ser! E Bromwell o desafiou?
- Sim, a um duelo com pistolas ao amanhecer. Negou-se a me escutar.
- Aceitou o desafio?
- Claro que não. Bromwell era muito jovem, devia ter dezessete ou dezoito anos e ainda não tinha acabado os estudos em Oxford. Não podia permitir que estragasse sua vida dessa forma, e tampouco estava disposto a errar o tiro de propósito, porque eu não tinha feito nada de mau.
- Você tampouco era muito mais velho... Há quinze anos, disse? Só tinha vinte e três.
- Sim, mas tive que crescer depressa ao herdar o título sendo tão jovem. Então já fazia cinco anos que levava as rédeas do patrimônio familiar, e me sentia ancião em comparação com aquele jovem impulsivo - soltou um suspiro, e admitiu - Suponho que não dirigi bem a situação. Tratei-o com secura, falei-lhe com sarcasmo e desdém, e deixei claro que o considerava um moço que não estava preparado para participar de um duelo; em resumo, deixei isso claro, e, além disso, foi em meu clube, diante de outros cavalheiros. Os jovens são orgulhosos. Ao ódio que sentia para mim por minha suposta afronta contra sua irmã, somou a raiva que sentiu quando o humilhei em público. Depois retornou a Oxford, e se aferrou a sua aversão.
Callie se aproximou de seu irmão, e posou uma mão sobre seu braço.
- Sinto muito, Sinclair. Tomara me tivesse contado isso antes.
- Não se conta este tipo de coisas a uma irmã, não me sinto muito orgulhoso de como dirigi a situação.
- Lorde Bromwell o odeia depois disso? - por fim entendia tudo, por que a tinha cortejado Brom, por que tinha deixado de mostrar interesse nela de forma tão súbita. Seu objetivo era feri-la para vingar-se de seu irmão - Chegou a saber da verdade?
- A julgar por algum ou outro comentário que ouvi ao longo dos anos em boca de terceiras pessoas, soube que continua me odiando. Lady Daphne se casou com outro homem, e embora acredite que não tem filhos, pôde dizer ao Bromwell que tinha perdido o bebê que supostamente esperava. Isso teria acrescentado mais peso a seu papel de mulher marcada pela tragédia. Sempre foi uma boa mentirosa, seu irmão não foi o único que engoliu suas patranhas.
Ao ver sua expressão séria, Callie lhe deu um apertão no braço em um gesto de carinho.
- Sinto muito. É incrível que alguém que o conhecesse, o acreditasse capaz de tratar assim a uma mulher.
- Pode ser que não acreditasse que me levei de forma desonrosa, mas alguns pensaram que tinha uma relação com ela.
- Entre eles a mulher em que estava interessado?
Ele esboçou um pequeno sorriso, e lhe disse:
- Temo que apaixonou-se por outro, não posso culpar a Daphne de tudo o que aconteceu. Descobri que não se pode escolher a quem quer amar.
Callie o olhou carrancuda enquanto sentia uma pontada de tristeza. Jamais se tinha exposto a possibilidade de que seu irmão tivesse estado apaixonado, nem de que tivesse perdido à pessoa amada. O certo era que tinha dado como certo que qualquer mulher aproveitaria encantada a oportunidade de casar-se com ele. Sentia-se um pouco culpada, porque tinha dado por sentado que seu irmão era muito frio e distante para apaixonar-se, e que por isso tinha permanecido solteiro. Como se tivesse intuído a direção que tinham tomado seus pensamentos, Rochford retomou o assunto do conde.
- Em qualquer caso, parece-me que Bromwell não é consciente da verdadeira forma de ser de sua irmã. O amor pode chegar a cegar a uma pessoa; além disso, nenhum dos dois viveu muito tempo entre os membros da alta sociedade. Soube que ele foi ao estrangeiro quando acabou seus estudos, e que quando herdou o título vários anos depois decidiu ficar vivendo em suas terras. O segundo marido de Daphne foi bastante preparado para mantê-la perto, assim estava a muitos anos afastada de Londres; por outra parte, duvido que alguém tenha feito algum comentário diante do Bromwell sobre a falta de moralidade de sua irmã, assim é possível que continue considerando-a uma vítima inocente.
- Parece-me que tem razão. Ele não mencionou em nenhum momento o que aconteceu no passado, mas sempre elogia a sua irmã. Cheguei a conhecê-la, e se mostrou muito agradável comigo.
- Daphne se dá bem com os subterfúgios, assim há gente que a aprecia, como por exemplo, tia Odelia. Entendo a atitude do Bromwell, porque eu enfrentaria a qualquer homem que pudesse lhe ter feito algum dano. Por isso reagi tão mal quando a vi com ele, porque tinha medo de que a machucasse.
- Teria que me ter contado o que aconteceu.
- Tem razão. Estou muito acostumado a vê-la como minha irmã pequena, e me esqueço que é uma mulher maravilhosa e inteligente.
Callie esboçou um sorriso irônico, e comentou:
- Não tão inteligente, porque não me dei conta de que lorde Bromwell estava me manipulando. Acreditei que seu interesse em mim era sincero, mas agora entendo por que me prestava tanta atenção. Não se preocupe, já não vem me visitar. Acredito que essa foi sua vingança. Mostrou-se muito atento comigo para que todo mundo o notasse, e quando deixou de mostrar interesse em mim, todos foram conscientes de minha humilhação. Fui o centro das fofocas. Trata-se de algo parecido ao que aconteceu com sua irmã, embora a uma escala muito menor.
- Não sabe quanto o sinto, Callie - lhe disse seu irmão, enquanto a abraçava com força – Teria dado o que fosse para lhe evitar essa dor.
Callie posou a cabeça sobre seu peito, e se permitiu o luxo de apoiar- se por um momento em sua força. Assim como era quando menina, deixou que a reconfortasse a certeza de que Sinclair se encarregaria de arrumar tudo, mas ao cabo de uns segundos se afastou um pouco dele e o olhou sorridente.
- Não se preocupe, está claro que deveria lhe ter feito conta. Se tiver sido ferida, foi por culpa de minha própria irreflexão, mas o certo é que tampouco estou sofrendo muito. Mais que nada, sinto-me mortificada por minha própria tolice. Senti-me um pouco embaraçada, porque todo mundo percebeu a situação, mas nada mais. Meu bom nome segue impoluto, não acontecerá nada se as pessoas falarem um pouco sobre mim. O assunto ficará esquecido em algumas semanas, outra fofoca acabará convertendo- se no centro de atenção.
- Temi que suas intenções fossem muito mais avessas quando soube que estava cortejando-a - Sinclair esboçou um sorriso. - Deveria perceber que bom senso de não deixar que a pusessem em uma situação comprometida.
Callie recordou os beijos e as carícias que tinha compartilhado com o Bromwell, e foi incapaz de olhar a seu irmão nos olhos.
- Acredito que só se propôs me deixar em ridículo.
- Alegra-me saber que não cometeu a baixeza de tentar ultrapassar os limites com você. A pesar do ódio que sentia por mim e de como estava equivocado, sentia certo respeito por ele devido à lealdade que demonstrou para sua irmã.
Os dois ficaram em silencio durante uns segundos. Era óbvio que para Rochford continuava incomodando falar daqueles assuntos com ela, e como Callie se sentia um pouco culpada pelas liberdades que tinha permitido a Bromwell, não queria falar por medo a dizer mais da conta. Finalmente, Rochford pigarreou e lhe disse:
- Enfim tenho que retornar ao Marcastle, vim de improviso e deixei vários assuntos pendentes. Também tenho que me ocupar de várias coisas no Dancy Park - a olhou com um pequeno sorriso, e acrescentou - Não se preocupe, não tentarei convencê-la de que venha comigo. É óbvio que está bem, e que é capaz de cuidar de si mesma. Fui um idiota ao vir como uma ventania.
- Sim, um pouco, mas no fundo me alegra que o tenha feito, porque me demonstra o muito que lhe importo.
- É claro. Seu bem-estar é o principal para mim, Callie. Não vim por meu "dever familiar", nem pela "honra, de nosso bom nome", nem nada disso.
- Já sei.
- Mas se quer se afastar da cidade durante uma temporada, pode vir a casa comigo - disse, enquanto a olhava com preocupação.
- Suponho que refere a se quero me manter afastada até que deixem de falar de mim, não é verdade? Obrigada, mas prefiro não fazê-lo. Eu não gosto de ser objeto das fofocas, nem de olhares cheios de diversão ou de pena, mas me nego a fugir e a me esconder por um pequeno constrangimento. Só serviria para dar ao assunto mais importância do que tem, acredito que à longo prazo será melhor que fique e espere a tormenta amainar.
- Estava convencido de que diria isso - comentou seu irmão, enquanto a olhava com orgulho.
- Francesca está me ajudando muito. É mais fácil para eu enfrentar à situação tendo seu apoio do que se estivesse sozinha ou com a avó - o olhou com severidade, e acrescentou - Quero que se desculpe com ela pelo que lhe disse antes. Ela não teve a culpa do que se passou, e a verdade é que me advertiu com sua delicadeza costumeira que a reputação de lady Daphne não era irrepreensível muito menos. Disse-me que era possível que você se opusesse a que lorde Bromwell me cortejasse, e isso era algo que eu já sabia. Agora entendo por que era um pouco contra a entrar em detalhes.
- Não estranho que o fosse.
- Tomou muito a sério seu papel de acompanhante, embora esteja segura de que às vezes deve ter se aborrecido muitíssimo.
- É óbvio que fui injusto com ela. Não lhe disse de forma específica que não queria que visse Bromwell, e em todo caso, sou consciente de que não tem autoridade sobre você. Deixei-me levar pela fúria, e me precipitei ao falar. Vou lhe pedir desculpas, é obvio, mas temo que a opinião que tem de mim leva muitos anos cimentada.
Encontraram Francesca no salão principal, sentada ao piano, mas com o olhar fixo na parede e as mãos imóveis sobre o regaço. Detiveram-se na porta, e o duque entrou primeiro.
- Lady Haughston.
Francesca se voltou ao ouvir sua voz, e ficou em pé com uma atitude fria e cortês.
- Excelência.
Ele fez uma careta quase imperceptível de irritação, mas se limitou a dizer:
- Entendo que esteja zangada comigo, e lhe peço desculpas por meu comportamento. Tal como disse, não tenho direito a repreendê-la. Tanto minha irmã como você são livres de ver quem as agrade, é obvio. Só posso alegar em minha defesa meu desejo de proteger a Calandra, espero que me perdoe.
Francesca assentiu com altivez, e lhe disse:
- É claro. Não se preocupe, nunca tomei a sério suas críticas.
- Tira-me um peso de cima - respondeu ele com ironia - Devo retornar ao Marcastle imediatamente. Callie gostaria de ficar aqui com você, se lhe parecer bem.
- Claro que sim, ela sempre é bem recebida nesta casa - alguém que não a conhecesse bem não teria notado a pequena ênfase que pôs na palavra "ela".
- Obrigado - Rochford se despediu com uma reverência - Nesse caso, não a entretenho mais.
Callie o acompanhou até a porta. Ao ver que se voltava a olhar a Francesca, que estava na porta do salão, disse-lhe em tom de brincadeira:
- Não se preocupe, farei o que puder para conseguir que Francesca o perdoe. Os aborrecimentos não costumam lhe durar muito, é uma pessoa muito compreensiva.
- Sério? - Rochford esboçou um pequeno sorriso - Não se preocupe, Callie. Lady Haughston e eu estamos acostumados o um ao outro.
Callie franziu o cenho enquanto via como se afastava, e pela primeira vez, perguntou-se o que havia entre seu irmão e sua amiga. Sempre tinha aceitado Francesca como parte de sua vida, como uma amiga da família. A priori, haveria dito que Sinclair e ela eram amigos, mas nesse momento se deu conta de que havia algo estranho em como se tratavam.
Francesca não tinha com ele a mesma relação afetuosa e relaxada que com seu irmão Dominic ou com Lucien, e tampouco flertava com desenvoltura com ele como com outros membros da nobreza. Inclusive enquanto estavam conversando com naturalidade, entre eles havia uma tensão latente.
Francesca se tinha surpreendido muito quando lhe havia dito que era uma das poucas pessoas a quem Sinclair confiaria a segurança de sua irmã; por sua parte, ele acabava de comentar com ironia que a opinião de Francesca levava muitos anos cimentada, e tinha dado a entender que a dita opinião não era muito boa.
Ela tinha dado como fato que eram amigos, mas começava a duvidar que eles estivessem de acordo com sua apreciação; por outro lado, estava convencida de que não se tinham antipatia. Que ela recordasse, era a primeira vez que Francesca mostrava certa aspereza para o Sinclair, e estava segura de que seu irmão escutava com interesse cada vez que o nome de sua amiga vinha à baila em uma conversa. Dançavam uma valsa juntos em quase todos os bailes nos quais se encontravam. Seria um detalhe sem importância se tratasse de qualquer outro homem, mas seu irmão não costumava dançar muito. Sem deixar de dar voltas ao assunto, voltou a entrar na casa e foi para o salão menor, já que estava convencida de que encontraria ali a sua amiga. Sua hipótese resultou ser acertada.
Francesca estava sentada no sofá, e tinha sobre o regaço uma palhinha de estopa sobre a que estava bordando. Ao ouvi-la entrar, ergueu o olhar e sorriu antes de voltar a concentrar sua atenção no trabalho.
- Solucionou o problema com seu irmão? - perguntou-lhe com naturalidade.
- Sim - Callie vacilou antes de lhe perguntar - Por que não me disse que lorde Bromwell o odeia?
Francesca se ruborizou, e ergueu o olhar para ela por um instante antes de voltar a afastá-lo.
- Porque não sabia, não estava segura de se lorde Bromwell odiava ao Rochford, nem até que ponto. Estava convencida de que era uma possibilidade real, pelo duque e e...
- E lady Daphne?
- Seu irmão lhe contou isso? - perguntou-lhe Francesca, atônita.
- Não teve mais remédio que fazê-lo. Sabia que ia ter que me explicar por que se negou de forma tão categórica a que me visse com lorde Bromwell, por que lhe dava tanto medo o que o conde pudesse estar tramando. E quando me contou que Bromwell desafiou a um duelo...
- O que? - a agulha com a qual estava bordando lhe caiu da mão, e foi pousar no chão.
- Desafiou a um duelo ao Sinclair?
- Sim, não sabia?
Francesca negou com a cabeça com tanta força, que seus cachos loiros foram de um lado a outro sem tom nem som.
- Perdeu o juízo? Todo mundo sabe que Rochford tem uma pontaria endiabrada!
- Parece-me que a fúria o cegou. Sinclair me disse que lorde Bromwell só tinha uns dezessete ou dezoito anos naquele tempo, e que acreditava... enfim, acreditava que meu irmão agira como um descarado com sua irmã, que a tinha seduzido e depois a tinha abandonado.
Sinclair me contou isso com um pouco mais de delicadeza, mas essa é a medula do assunto.
- Como se um homem tivesse que ter o trabalho de seduzir lady Daphne! – exclamou Francesca.
- Bromwell adora a sua irmã, ouvi como fala dela. Estou convencida de que não sabia como era em realidade. Ele era jovem, e estava estudando em Oxford.
- Sim, e Daphne deve ter lhe dito que a tinham desonrado. Com certeza queria pôr a seu irmão entre a espada e a parede, porque ansiava com todas suas forças ser a duquesa do Rochford.
- Está claro que não conhecia muito bem ao Sinclair.
Francesca esboçou um sorriso, e comentou:
- Não, suponho que não. Rochford não gosta que o pressionem. Diga-me, o que aconteceu? Espero que seu irmão não tenha aceitado o desafio.
- É obvio que não, mas me disse que lamenta como dirigiu a situação; ao que parece, mostrou-se muito depreciativo, e acredita que feriu lorde Bromwell em seu orgulho. Brom, quer dizer, Bromwell deve lhe ter guardado rancor depois, e quando teve a oportunidade de vingar-se dele, aproveitou-a imediatamente. Cortejou à irmã do duque, e depois a abandonou de repente e a deixou exposta aos falatórios das pessoas.
- Não sabe quanto o sinto, Callie - Francesca a pegou pela mão, e a olhou com os olhos cheios de lágrimas - Não sabia que tivesse tanto ódio a seu irmão, nem sequer soube sobre o duelo. Estava ocupada com minha primeira temporada em sociedade, e lorde Haughston acabava de me pedir que me casasse com ele. Estava tão imersa em meus próprios assuntos, que suponho não ter prestado muita atenção às fofocas. - não acrescentou que, naquela época, esforçou-se por evitar inteirar-se de algo que estivesse relacionado ao duque do Rochford. - A princípio tive minhas suspeitas sobre lorde Bromwell, mas porque era o irmão de lady Swithington e acreditava que podia ser tão ávido, ambicioso, e libertino como ela. Desconfiei das razões que pudesse ter para cortejá-la, porque pensei que talvez sentisse algum ressentimento por seu irmão, mas não me pareceu apropriado lhe contar que entre o Rochford e Daphne tinha havido algo; além disso, não tinha nem idéia de como era forte a aversão que sentia Bromwell, nem que a utilizaria para vingar-se de seu irmão. Lamento-o muitíssimo, não deveria ter permitido que viesse visitar você. Deveria tê-la vigiado com mais afinco.
Callie sorriu, e lhe apertou a mão para tentar reconfortá-la.
- É muito doce, mas duvido que pudesse fazer algo. Eu sabia que Sinclair não confiava nele, que não queria que me aproximasse. A culpa a tenho eu, por ser tão obstinada e por me negar a fazer caso a meu irmão. Fui uma idiota, acreditei que lorde Bromwell sentia algo por mim.
- É um calhorda, propôs-se romper-lhe o coração de propósito. Prometo que traçarei algum plano diabólico para lhe causar a ruína social.
Callie pôs-se a rir, e lhe disse:
- Não é para tanto, não me rompeu o coração. Disse-lhe antes que não sou uma romântica. Não me apaixonei por ele. Tal como disse a Sinclair, o que sofri é um pequeno constrangimento, mas a temporada social nem sequer começou ainda. A metade de meus conhecidos não está na cidade, e dentro de várias semanas haverá fofocas muito mais interessantes que meus pequenos tropeções.
Francesca não parecia de todo convencida, mas Callie se sentiu aliviada ao ver que não insistia no assunto. Não tinha sido de todo sincera, e lhe era difícil fingir indiferença.
Era certo que acreditava que as fofocas não demorariam a desaparecer, e apesar de que não gostasse que se falasse dela, podia suportá-lo; entretanto, tinha mentido no referente à como se sentia. Seu orgulho não era a única coisa que tinha disso ferido, seu coração também tinha recebido um duro golpe.
Recordava-se uma e outra vez que não se apaixonara por ele, mas não podia negar que os dias lhe eram vazios sem Brom. Sentia falta de falar com ele, ver seu rosto e seu sorriso, ouvir sua voz, sentir a forma em que sua presença enchia um aposento. A noite anterior, quando o tinha visto no outro extremo do salão, o coração lhe tinha dado um salto. O problema radicava em que se sentia sozinha e triste sem ele. Quando se levantava pela manhã se sentia por um instante como antes, mas então a inundava uma profunda tristeza quando recordava que ele já não formava parte de sua vida. Apesar de tudo, estava decidida a que o mundo que a rodeava não notasse seu abatimento, assim fez de tripas coração e seguiu com sua rotina social de sempre; ao fim e ao cabo, uma Lilles tinha que manter as aparências.
Ao longo dos dias seguintes, realizou visitas e recebeu a suas amizades cada tarde, acompanhou a Francesca a festas onde conversou sorridente com amigos e conhecidos, e em nenhum momento deixou entrever no exterior que algumas noites chorava até que ficasse adormecida, e que algumas manhãs desejava não ter que levantar- se.
Durante uma noite no teatro, Sally Pemberton, uma jovem loira de rosto magro, foi visitá-las junto com sua mãe no camarote onde estavam, e depois de conversar durante uns minutos de banalidades, comentou:
- É estranho o pouco que se deixa ver lorde Bromwell ultimamente.
- Ah, sim? Não me tinha dado conta - lhe respondeu Callie, impassível.
- Mas querida, se o tinha virtualmente no bolso. Encontrava-se em todas as festas, em todos os jantares. Tendo em conta a atenção que lhe prestava, acreditava que haveria um feliz anúncio de forma iminente, mas de repente, enfim, não se pode evitar perguntar-se que passou.
- Aprendi que é uma tolice tomar-se a sério as ações ou as palavras de um jovem cavalheiro - lhe disse Callie - Os homens costumam ser volúveis, por isso uma mulher deveria ter a sensatez de manter protegido o coração.
Olhou à senhorita Pemberton com um sorriso sereno, e embora tivesse que apertar os punhos com tanta força que fincou as unhas para conseguir manter-se impassível, embora aquela noite voltasse a chorar até ficar adormecida. Ao menos as senhoritas Pemberton do mundo eram alheias a sua dor.
Como muitas manhãs, descia para tomar o café da manhã com os olhos avermelhados e a tez pálida pela falta de sono, estava convencida de que Francesca se dera conta de que dormia mau, mas sua amiga tinha tido a delicadeza de não fazer nenhum comentário a respeito.
Callie sabia que sua amiga tinha rechaçado multidão de convites, e que escolhia as mínimas necessárias para demonstrar à sociedade londrina que não estava encerrada em casa com o coração quebrado; além disso, Francesca costumava permanecer junto a ela durante quase toda a noite, apressava-se a trocar o rumo da conversa se começava a tomar uma aparência preocupante, ou cortava pela raiz de forma cortante qualquer um que cometesse a insolência de mencionar os falatórios. Embora só fosse por isso, Callie sabia que Francesca sempre ocuparia um lugar especial em seu coração.
Como não viu o Bromwell em nenhuma das festas às quais foi, pensou que era melhor se ter ido de Londres, porque sabia que sua estadia na cidade era transitiva e que preferia viver em sua propriedade; entretanto, em algumas festas ouviu que se mencionava seu nome, e sir Lucien comentou a Francesca que o tinham visto com freqüência no Cribb’s Parlour, um estabelecimento onde costumavam ir os cavalheiros interessados no pugilismo, e que também tinha passado várias tardes no Jackson’s Saloon, onde tinha tido a honra de treinar um pouco com o Jackson em pessoa.
Callie não pôde evitar perguntar-se se Bromwell tinha ficado na cidade para poder ver em primeira mão o dano que tinha causado à irmã do Rochford. Aquela possibilidade reafirmou sua determinação de aparentar normalidade, e a impulsionou a ir a algumas festas às quais não pensava ir por medo a topar- se com ele.
Em cada dia que passava foram chegando à cidade mais membros da nobreza, assim a temporada social teria começo em algumas semanas. Como o número de convites que Francesca e ela recebiam diariamente iam aumentando, cada vez passavam mais noites fora. Sentia-se exausta só pensando nos meses que tinha por diante, na rotina exaustiva de festas e visitas. Não estava segura de se ia agüentar aquilo durante toda a primavera e até junho, não sabia se ia poder ir a um acontecimento social atrás de outro enquanto por dentro se sentia triste e vazia.
O plano original de procurar marido durante a temporada tinha ficado descartado; de fato, perguntava-se por que tinha estado disposta a casar-se, por que tinha querido esbanjar tempo e esforço em procurar um candidato adequado.
Pensou em ir a Marcastle junto a Sinclair, ou melhor, ainda, a Dancy Park, onde poderia passar o dia percorrendo a campina a cavalo ou dando longos passeios a pé. Também poderia visitar Dominic e Constance, desfrutaria de paz e solidão, e não teria que agüentar os olhares dos curiosos que estavam desejando vê-la mostrar algum sinal de dor ou de embaraço. Não teria que preocupar-se com o que faria se encontrasse lorde Bromwell em uma festa. Mas sabia que não podia partir ainda, porque era muito cedo e só conseguiria avivar os rumores. Ninguém partia da cidade justo quando ia começar a temporada social, a menos que tivesse uma razão de peso, e em seu caso, todos dariam por sentado que a razão em questão era um coração partido. Não tinha mais remédio que ficar um ou dois meses mais, até maio, apesar de que a mera idéia fazia que tivesse vontade de chorar.
- Pensei que esta noite poderíamos assistir ao recital que se celebra em casa de lady Wittington - comentou Francesca. Ao ver que não parecia muito entusiasmada ante a idéia, acrescentou - Sim, já sei que às vezes esse tipo de serões são bastante aborrecidos.
- Às vezes?
- Bem, sempre, mas também têm suas vantagens. Duram até as dez quando muito, e como pode fingir que está escutando a música, não tem que se dar ao trabalho de conversar durante todo o momento.
- Sim, mas terá que ser uma grande atriz para ocultar o aborrecimento. Enfim, tem razão, pelo menos só durará duas horas.
A curta duração do serão a animou um pouco, assim se arrumou com menos relutância que de costume e deixou que sua criada levasse alguns minutos a mais na hora de penteá-la. Tal como costumava fazer ultimamente, Francesca arrumou para que fossem das últimas em chegar. Era um detalhe que não chamava a atenção e se atribuía à forma de ser de lady Haughston, mas Callie sabia que sua amiga o fazia a propósito, para cortar o tempo que ela ia ter que passar conversando sobre banalidades e fingindo indiferença ante a ausência de lorde Bromwell.
No vestíbulo se encontraram com lady Manwaring e sua irmã, a senhora Beltenham, e entraram todas juntas no salão de música. Detiveram-se por um momento para tentar encontrar assentos livres, e Callie sentiu que lhe dava um tombo o coração quando olhou para a parede oeste, a que ficava justo em frente das janelas.
Lorde Bromwell estava ali de pé, com o cotovelo apoiado com atitude indolente sobre um pedestal e o olhar fixo nela.
Vê-lo ali a deixou sem fôlego. Fazia uma semana que não o via, duas desde a última vez que tinham estado juntos, e seu enorme atrativo a impactou como no primeiro dia. Sentiu pânico ao ver que se endireitava sem afastar o olhar do seu, porque parecia disposto a aproximar-se dela.
Não poderia suportá-lo, ali não. Era incapaz de enfrentar a ele cara a cara diante de toda aquela gente. Deu meia volta apressadamente, e posou uma mão no braço de Francesca.
- Dói-me um pouco a cabeça, se me desculpar...
- Quer ir embora? Talvez tenha adoecido, ouvi dizer que houve vários casos de febres altas.
- Não, suponho que é pelo calor que faz aqui. Por favor, não se preocupe. Sente-se, e desfruta da música.
Callie se voltou, e saiu do salão sem atrever-se a voltar a olhar para Bromwell.
Callie avançou pelo corredor rapidamente, sem prestar atenção aonde ia. Ao ver a porta entreaberta de uma pequena biblioteca, apressou- se a entrar e fechou a suas costas. Suspirou com alivio ao sentar- se em uma poltrona, e se deu conta de que lhe tremiam as pernas.
Arrependeu-se imediatamente de ter fugido. Estava quase convencida de que alguém devia ter percebido, e se perguntou se ao menos tinha conseguido dissimular um pouco como estava afetada.
Era muito mais difícil manter sua fingida indiferença sabendo que Bromwell estava ali. A princípio, quando tinha deixado de ir visitá-la, tinha esperado encontrar- se com ele cada vez que chegava a uma festa, assim se preparou mentalmente para suportar um possível encontro e tinha albergado um fio de esperança de que tudo voltasse a ser como antes quando voltasse a vê-lo.
Mas como tinha acabado por acostumar- se a não o ter perto, tinha baixado a guarda, e vê-lo de repente a tinha impactado totalmente; além disso, como por fim sabia por que a tinha cortejado e a tinha abandonado, já não restava nem a mais mínima esperança, e a única coisa que sentia ao vê-lo era uma terrível dor.
Sabia que tinha que voltar para o salão, que não podia esconder- se na biblioteca durante toda a noite, nem sequer durante alguns minutos mais. As pessoas não demorariam a notar sua ausência e em começar a murmurar. Se deixasse entrever o muito que a tinha ferido lorde Bromwell, o esforço que tinha realizado durante as duas últimas semanas para aparentar indiferença teria sido em vão.
Fechou os olhos e lutou para preparar-se para a dura prova que tinha por diante, mas os abriu de repente ao ouvir que a porta se abria, e viu lorde Bromwell entrando no aposento. Ficou olhando-o em silêncio enquanto as terminações nervosas de todo seu corpo formigavam, e finalmente ficou de pé e apertou os punhos com força, como se estivesse pronta para brigar.
- Lorde Bromwell - não disse nada mais, e se sentiu aliviada ao ver que sua voz refletia uma serenidade que não sentia por dentro.
Ele fechou a porta a suas costas, mas não se aproximou dela.
- Pensei que... está bem?
- É obvio - lhe respondeu com frieza - Se esperava me encontrar com o coração partido por sua culpa, temo que vai levar uma desilusão.
- Não queria lhe partir o coração! - disse ele, indignado- Só queria... - deixou a frase inacabada, olhou-a com frustração, e começou a passear de um lado a outro da biblioteca – Maldita seja! Não a tive em conta, só pensei em aborrecer um pouco ao duque.
Callie se esticou de pés a cabeça.
- Sou consciente de que eu só lhe interessava como instrumento de vingança contra meu irmão, mas duvido que lhe afete muito algumas fofocas. Sem dúvida lamenta não ter podido manchar meu bom nome, teria sido um escândalo muito maior.
Bromwell se deteve em seco, e se voltou para olhá-la.
- Jamais tive intenção de fazer tal coisa! Tão mau conceito tem de mim? Acha-me capaz de desonrar a uma dama para me vingar de seu irmão?
- O que quer que pense? - declarou ela com fúria. Seu corpo inteiro tremia enquanto a raiva e a angústia que tinha reprimido até o momento emergiam por fim. A dor, as lágrimas, a ansiedade e as dúvidas formaram redemoinhos em seu interior, e sentiu uma fúria tão intensa, que foi incapaz de seguir contendo-a – O que pretendia ao me cortejar? Por isso meu irmão me advertiu que não me aproximasse de você. Queria manchar nosso bom nome, e a forma mais fácil de consegui-lo era me utilizando.
- Sério? - Bromwell se aproximou um pouco mais a ela - Se esse era meu objetivo, por que não a desonrei?
- Suponho que porque teve má sorte.
Agarrou-a com força pelo braço, e lhe disse com incredulidade:
- Diz isso a sério? Por que acha que tive má sorte? Não me faltaram oportunidades e você estava mais que disposta a aceitar minhas atenções - atraiu-a para si com um puxão. – Certamente continua estando.
Inclinou-se para ela, e se apoderou de seus lábios com um beijo selvagem. Callie sabia que deveria sentir- se aterrada e enojada, mas se deu conta com consternação de que não era assim. Aquele beijo febril e possessivo acendeu um fogo em seu interior que foi intensificando-se mais e mais, que explodiu e a consumiu antes de formar redemoinhos como uma bola candente em seu ventre.
Quando a abraçou e a atraiu contra seu corpo musculoso, lhe rodeou o pescoço com os braços e lutaram por aproximar- se todo o possível enquanto se devoravam o um ao outro. Bromwell começou a percorrê-la com as mãos, mas a barreira da roupa fez que soltasse um grunhido de frustração e lhe ergueu o vestido até que pôde introduzir a mão por debaixo da saia.
Acariciou-lhe uma coxa sobre o fino tecido da roupa interior, e então foi subindo a mão até o lugar úmido entre as coxas. Callie estremeceu de prazer, e ele seguiu beijando-a enquanto seus dedos lhe acariciavam a perna, deslizavam- se para a suave curva de suas nádegas, e voltavam para diante para voltar a internar-se entre suas pernas.
Callie estava respirando ofegante, e se moveu de forma instintiva enquanto lhe acariciava o abdômen e voltava a descer até entre suas coxas. Jamais lhe tinha passado pela cabeça que alguém pudesse tocá-la assim, mas a experiência estava enlouquecendo a de prazer. moveu-se de novo, porque queria mais, necessitava mais.
Brom soltou um gemido gutural enquanto traçava com os dedos seu sexo quente e úmido. Acariciou-a uma e outra vez, consumido pelo desejo de poder tocá-la sem o fino tecido que continuava separando-os.
Deixou de beijá-la e foi baixando os lábios por seu pescoço até seus seios, que se erguiam por cima do decote. Saboreou-a com consciência, deixou um rastro úmido com a língua sobre sua pele firme, e a mordiscou com cuidado.
Callie estremeceu, e pensou que ia perder a prudência. O prazer era avassalador, e avivava o fogo que a consumia. Queria sentir as carícias do Brom por todo o corpo, tê-lo em seu interior. Embargava-a um desejo profundo e primitivo de esfregar os quadris contra ele, de abrir as pernas ante a dureza de sua virilidade.
Ele começou a puxar para baixo o decote do vestido com sua mão livre, e lhe baixou a roupa junto com a regata. Quando conseguiu liberar um seio, ficou contemplando- o imóvel durante um longo tempo, e então se inclinou e começou a traçar círculos ao redor do mamilo com a língua antes de soprar suavemente sobre o rastro úmido que acabava de deixar. O mamilo foi esticando- se mais e mais, e Callie sentiu uma labareda de prazer que a deixou sem fôlego e a encheu de desejo. Ele a saboreou pouco a pouco, excitou o tenso mamilo com os lábios, os dentes e a língua, até que finalmente começou a sugar com força enquanto seus dedos se moviam ao mesmo ritmo entre suas pernas.
Brom só podia pensar em deitá-la no chão, em despi-la, em afundar-se nela até alcançar o orgasmo. Estava tão inebriado de desejo ao sentir a calidez e a maciez de sua pele, ao notar seus movimentos e ouvir como ofegava e gemia pelo prazer que lhe estava dando, que acreditou que ia explodir.
Callie tinha os seios pesados e doloridos, e sentia uma palpitação incessante entre as coxas. Arqueou-se contra ele em um gesto mudo que exigia mais, enquanto em seu interior ia crescendo algo intenso e envolvente. Mal teve tempo de reagir quando ele resmungou uma imprecação e se separou dela. Ficou olhando-o, aturdida e um pouco cambaleante. Queria aproximar-se dele de novo, lançar-se a seus braços e lhe rogar que a tomasse, que a conduzisse ao êxtase que seu corpo ansiava, mas conseguiu permanecer imóvel e em silencio graças ao último vestígio de orgulho que restava.
Fixou o olhar em suas costas enquanto ele apoiava as mãos na mesa e lutava por controlar sua respiração acelerada. Continuava trêmula e aturdida, e se sentia tão vulnerável como um bichinho fora de sua carapaça. Foi recuperando a compostura pouco a pouco, e conseguiu levantar o decote e alisar a saia para voltar a ter uma aparência mais ou menos decente. Retrocedeu um pouco, e lhe disse com voz trêmula:
- Suponho que estará satisfeito por ter podido me humilhar.
- Eu humilhei a você? Sou eu quem não pode nem dar um passo - resmungou ele entre dentes.
Callie continuava acalorada e insatisfeita, mas não estava disposta a começar a discutir sobre qual dos dois se sentia mais frustrado.
- Isto é uma perda de tempo - disse com voz tensa, enquanto levava as mãos às faces. Em seu interior, o desejo ia dando passo à dor e a angústia – Não deixarei que me use para fazer mal a meu irmão. A pesar do efeito desatinado que provoca em mim, não conseguirá que arruíne nem seu bom nome nem o meu. Assegurarei-me de não voltar a ficar a sós com você.
- O que acaba de acontecer não foi premeditado. Não tem nada que temer de mim, nem de minhas intenções para com você - se voltou para olhá-la com uma expressão cheia de dor- Quando pus em marcha meu plano, não pensei no que poderia lhe passar, e me desculpo por isso. Só queria irritar ao seu irmão, que se preocupasse se por acaso eu ia fazer lhe o mesmo que fez a minha irmã. Inclusive tinha a esperança de que viesse enfrenta comigo em pessoa, para poder resolver o que começou faz quinze anos. Em nenhum momento me propus prejudicá-la, e Deus sabe que não tinha intenção de acabar desejando-a até tal ponto, que estou me tornando louco. Não esperava passar todos os dias contando os minutos que faltavam até poder estar outra vez junto a você, nem me converter em um néscio disposto a assistir a um evento tão aborrecido como o recital de lady Wittington pela mera possibilidade de voltar a vê-la.
Callie se debateu entre a esperança e o abatimento.
- Nesse caso, por que deixou de vir ver-me? Por que...?
- Porque é impossível que a irmã do duque do Rochford e eu tenhamos um futuro comum! – Brom passou as mãos pelo cabelo, e as pressionou contra a cabeça como se quisesse evitar que explodisse. Deu meia volta, foi para uma das paredes, e se voltou de novo para ela – Seu irmão destroçou Daphne! Deu-lhe falsas esperanças, seduziu-a e a deixou grávida, e então se negou a casar-se com ela.
- Sinclair é incapaz de fazer algo assim! É um homem honrado, jamais causaria um dano semelhante a uma mulher. Além disso, ele me disse que jamais tocou a sua irmã.
- Claro, e você acreditou - comentou ele, com um sorriso irônico.
- É a verdade.
- Não, minha irmã me contou a verdade. Sei o que aconteceu, Callie.
- Sua irmã mentiu - lhe disse ela com firmeza.
- Não - Bromwell a fulminou com o olhar.
- Acaso está dizendo que alguma vez mentiu? Enganou-me ao me dizer que lorde e lady Radbourne iriam também ao Vauxhall. Francesca e eu falamos com Irene sobre o assunto, e ela nos contou que sua irmã lhes havia dito que a noitada foi cancelada. Arquitetou tudo para que eu estivesse ali sem acompanhante, e me deixou sozinha no reservado. Tentou que...
- Já sei! Já sei, fez isso para tentar me ajudar. Achou que me pareceria bem, sabia que eu estava interessado em você e quis me ajudar. Não é o mesmo, não me teria mentido sobre o que aconteceu no passado.
- E meu irmão não me mentiria.
Ele a olhou com uma mescla de dor e pesar, e lhe disse:
- Vê? Os dois somos leais a nossos respectivos irmãos, não temos nenhum futuro.
Callie sentiu uma pontada de dor ao ver que ia para a porta. Depois de abri-la, voltou-se para olhá-la e acrescentou:
- Sinto lhe ter feito mal, Callie. Tomara... - foi incapaz de acabar a frase. Saiu da biblioteca, e fechou a porta.
Callie levou um punho à boca para sufocar um gemido. Conseguiu chegar até uma cadeira, e se sentou enquanto lutava por controlar as lágrimas.
Tinha que partir dali. Era igual para ela se as pessoas mexericassem sobre como tinha reagido ao ver Bromwell, tinha que partir para poder dar rédea solta a seu sofrimento em privado.
Engoliu em seco, encheu-se de coragem, e saiu da biblioteca. Ao chegar ao vestíbulo, encarregou a lacaio que fosse dizer a Francesca que se ia imediatamente. Quando outro dos criados localizou seu casaco e a ajudou a vesti-lo sua amiga saiu apressadamente do salão de música.
- Encontra-se mal, Callie? Iremos agora mesmo - disse, enquanto a olhava com preocupação.
- Não é preciso que me acompanhe, Francesca - disse em voz baixa.
- Não diga tolices - Francesca fez um gesto ao lacaio para lhe indicar que queria seu casaco, e acrescentou - Não posso ficar aqui sabendo que está mau. Disse para lady Manwaring que estava indisposta, ela se encarregará de apresentar nossas desculpas a lady Wittington.
Callie assentiu, e pôs o capuz do casaco para sentir- se um pouco mais protegida. Francesca a conduziu para a rua, e depois de entrar atrás dela na carruagem, sentou- se a seu lado e pegou sua mão.
- O que se passou, Callie? Dei- me conta de que lorde Bromwell se foi do salão de música pouco depois que você saísse, foi falar consigo? Por isso...?
- Sim, por isso! - Callie foi incapaz de seguir contendo suas emoções, e se pôs-se a chorar - É impossível, Francesca! Fui uma idiota ao conservar a esperança de que... - sua voz se quebrou, e soltou um soluço - É tão leal com sua irmã como eu com Sinclair. Tanto faz o que eu sinta, ou o que ele possa sentir por mim. O nosso é impossível.
- Oh, querida - Francesca a olhou com os olhos cheios de lágrimas, e a abraçou enquanto Callie se apoiava nela e chorava desconsolada.
Lorde Bromwell se levantou quando sua irmã entrou na saleta. Foi-se do recital e tinha ido diretamente a casa de Daphne, impulsionado pela tormenta de emoções que formavam redemoinhos em seu interior.
- Brom! - sua irmã sorriu com deleite, e foi para ele com as mãos estendidas.
Sentiu-se um pouco culpado ao vê-la tão contente, porque mal tinha ido vê-la ultimamente. Não tinha querido ver ninguém, nem sequer a sua irmã, e tinha passado a maior parte do tempo em seu clube, bebendo, ou em sua casa, bebendo também. Também tinha ido em várias ocasiões praticar boxe no Jackson’s Saloon, porque dar murros a algo ou a alguém parecia ser o único que lhe dava certa pausa.
- Temia que continuasse irritado comigo pelo que aconteceu nos jardins do Vauxhall - Daphne lhe deu um ligeiro apertão nas mãos - Venha, vamos sentar-nos.
- Sei que o fez para tentar me ajudar.
- É obvio - Daphne o olhou com um sorriso radiante, porque tinha interpretado suas palavras como uma amostra de aprovação - Sabe que é o único que me importa.
Bromwell conseguiu esboçar um sorriso, e comentou:
- Bom, parece-me que ocupo um posto próximo ao das jóias e a roupa.
- Não seja mau! - Daphne lhe deu um empurrãozinho brincalhão no braço - Quer que vamos a algum lugar esta noite? Tem planos? Ouvi falar de um antro de jogo bastante bom. Não posso ir sozinha, é obvio, mas não haverá nenhum problema se for com um acompanhante.
- Receio que não estou de humor para jogos de azar, que a acompanhe algum de seus incontáveis pretendentes. Vim lhe dizer que parto de Londres.
- O que quer dizer? Aonde vai?
- De volta as minhas terras ali estão melhores.
- Mas, o que acontece com Rochford e com lady Calandra?
- Esse assunto está resolvido - Bromwell se levantou e se aproximou da chaminé. Agarrou o atiçador, e removeu os lenhos com o olhar fixo nas chamas.
- Tinham-me comentado que já não freqüentava a sua irmã, mas não pensei que tivesse posto ponto final aos seus planos.
Bromwell voltou a deixar o atiçador em seu lugar, e se voltou para ela.
- O duque não veio me pedir explicações, assim decidi que era inútil alongar a situação.
- Como pode dizer isso? Acreditava que iria vingar se dele pelo que me fez! - Daphne ficou de pé feita uma fúria.
- O que quer que faça?
- Algo mais que ridicularizar um pouco a essa moça!
- Não lhe parece bastante fazer isso a uma mulher inocente?
- Não, claro que não! Não basta para pagar pelo que seu irmão me fez!
- Não posso mudar o que se passou, tomara pudesse. Faria o que fosse para lhe evitar essa dor, por apagá-la de sua mente e de seu coração, mas não posso. Estou seguro de que não quer ferir ainda mais à Callie.
- Quero que a desonre! - disparou ela com raiva.
Bromwell ficou olhando-a sem poder acreditar no que acabava de ouvir.
- Não diz a sério, não é verdade? A dor e a amargura que sente pelo que lhe fez o duque lhe impedem de pensar com clareza, é impossível que queira que manche a reputação de uma jovem inocente. Acreditei que você mesma te tinha dado conta disso quando falamos do assunto, que você não gostaria que fosse um homem capaz de fazer algo assim.
Daphne respirou fundo, e ao final esboçou um sorriso e lhe disse:
- Tem razão, é obvio que eu não gostaria. Não quero que essa moça sofra nenhum dano de verdade, mas é que... me dava conta do muito que a desejava, e... - lhe deu as costas, e se inclinou para colocar bem uma das almofadas que havia sobre o sofá. Agarrou outra, e bateu em outra antes de começar a brincar com as franjas que havia ao longo da borda - Me entristece que vá tão logo, apenas nos vimos durante os últimos anos. Estava desejando desfrutar desta temporada social em Londres com você.
- Já sei, mas tenho obrigações na propriedade que não posso descuidar. A única coisa que posso fazer aqui é me manter em contato por carta com meu administrador e meu agente comercial.
- Que aborrecimento. Tem que aprender a se divertir, deixa de trabalhar tanto. É um cavalheiro.
- Sou um cavalheiro que precisa manter-se ocupado.
- Já o tenho! Por que não vai ao pavilhão de caça de lorde Swithington? Pode descansar ali durante uns dias antes de retornar as suas terras.
Bromwell se sentiu aliviado ao ver que tinha superado seu anterior arrebatamento. Não suportava ver como a tinha amargurado o que tinha acontecido no passado, nem até que ponto sua antiga forma de ser alegre tinha ido azedando-se por culpa do desejo de vingança.
- Daphne, não estamos em temporada de caça. Nesse lugar passarei o dia de braços cruzados.
- Trata-se disso, não? Poderá passear pelo campo, e ler junto à chaminé.
- Isso posso fazê-lo em casa.
- Sim, mas estaria muito mais longe. No pavilhão de caça estará mais perto de Londres, assim poderia ir visitá-lo em alguns dias. Não poderei ir até depois de que se celebre o baile dos Wentwhistle, porque justo ontem confirmei minha participação, mas só faltam alguns dias. No dia seguinte irei vê-lo, e poderemos passar um pouco de tempo juntos. Aseguro que será divertido. Estaremos os dois sozinhos, como quando éramos pequenos, e poderemos falar durante horas sobre tudo o que nos ocorra. Desde que cheguei a Londres, estive pensando em quanto senti sua falta durante todos estes anos.
- Daphne, vimo-nos duas ou três vezes ao ano desde que se casou com lorde Swithington.
- Sim, já sei. Suponho que lhe parecerei uma idiota, mas gostei muito de viver perto de você durante as últimas semanas, e não quero que se acabe ainda. Por favor, me diga que irá ao pavilhão, ou pensarei que ainda continua zangado comigo pelo que aconteceu em Vauxhall.
- De acordo, Daphne - disse ele, com um sorriso - Já sei que costuma fazer o que quer, assim acabaria cedendo cedo ou tarde.
- Isso por descontado - Daphne pôs- se a rir, foi para ele, e o segurou pelo braço - Nos passaremos muito bem, já o verá. vou escrever uma nota à governanta, para que espere sua chegada depois de amanhã, parece-lhe bem?
- Sim, demorarei um dia em deixar meus assuntos em ordem.
- Perfeito - Daphne esboçou um sorriso - Não se arrependerá, já o verá.
Na manhã seguinte, Francesca decidiu que Callie já se esforçara bastante em cobrir as aparências.
- Acho que deveria ficar em casa, ao menos por um tempo - lhe disse, enquanto estavam tomando o café da manhã.
Callie, que mal tinha provado bocado e estava limitando-se a brincar com a comida, olhou a sua amiga sem poder dissimular o muito que a tinham alegrado suas palavras.
- Diz isso a sério? Isso dará pé a falatórios.
- Sempre há falatórios, mas demonstrou a todo mundo que não está ferida, que apenas se deu conta de que perdeu a um de seus admiradores, e que não a afetou o mínimo. Faz duas semanas fingindo indiferença, eu diria que é tempo mais que suficiente para sossegar inclusive às línguas mais viperinas.
- Mas as pessoas estarão comentando meu comportamento de ontem à noite, teria que me ter controlado melhor.
- Não se preocupe por isso, o que aconteceu ontem à noite servirá para corroborar nossa história. Foi do recital porque se sentiu indisposta, e para que seja acreditável, deve seguir doente durante uma semana pelo menos, talvez inclusive duas. Quem sabe, pode ser que deva retornar ao campo para poder se recuperar.
Callie esboçou um sorriso, e comentou:
- Isso soa muito bem, mas não sei se gosto da idéia de estar às portas da morte.
- Talvez não seja preciso chegar a tais extremos, as pessoas acabariam inclinando-se a um sem-fim de perguntas. Manter uma mentira pode resultar muito difícil. Bom, digamos que poderia estar doente durante uma semana mais ou menos, e depois começaria a sair um pouco. Mas eu insistiria em que tomasse cuidado e dosasse suas saídas, por medo de que se esgotasse e sofresse uma recaída - Francesca esboçou um sorriso aberto e travesso que trouxe a luz uma covinha em sua face.
Callie não pôde evitar sorrir por sua vez, e lhe disse:
- De acordo, convenceu-me. Não posso negar que vai ser um alívio não ter que ver ninguém.
- Nesse caso, está decidido. Encarregarei- me de cumprir com nossas obrigações sociais durante os próximos dias, embora me parece que vou ter que fazer uma seleção; ao fim e ao cabo, não seria uma boa amiga se não me encarregasse de cuidá-la.
De modo que, enquanto Francesca permanecia no piso inferior para receber às visitas, Callie se retirara a seu dormitório com um livro. Tal como havia dito a sua amiga, para ela era um alívio não ter que fingir uma alegria e uma calma que não sentia; de fato, nem sequer sabia se teria sido capaz de manter a compostura.
Ainda tinha os olhos avermelhados devido à choradeira do dia anterior, e a uma longa noite de vigilia em que os poucos momentos de sono se viram interrompidos pela chegada de mais lágrimas. Pela manhã tinha pensado que era um milagre ainda restarem lágrimas por derramar, mas tinha estado a ponto de voltar a chorar de novo ao ver o vestido que Belinda lhe tinha preparado sobre a cama.
Era o que pusera a primeira vez que Bromwell tinha ido visitá-la.
Apesar de lhe ter sentido falta durante duas semanas, o encontro que tinham tido a noite anterior a tinha deixado destroçada, porque tinha servido para que se desse conta de que era impossível que ele voltasse a formar parte de sua vida. Tinha chegado a estar tão perto do amor, que a perda era demolidora, embora possivelmente já fosse muito tarde, porque começava a perguntar-se se talvez se apaixonará por fim de um homem que jamais se casaria com ela.
Francesca estava sentada em frente a sua escrivaninha a primeira hora da tarde do dia seguinte, perguntando-se como lhe tinha sido tão fácil pagar as faturas do último mês, sobre tudo tendo em conta como tinham comido tão bem e que não tinham regulado nem em carvão nem em velas.
Estava convencida que aquilo tinha algo a ver com a conversa que o administrador do duque havia mantido com seu mordomo sobre os gastos de Callie, mas como não sabia se Fenton as tinha se arrumado para tirar do administrador muito mais dinheiro do que o necessário, ou se o duque teria ordenado a seu empregado que pagasse uma soma exagerada. Nesse caso, restava à dúvida de com qual dos dois deveria zangar-se. O que estava claro era que não ia poder tirar a verdade de Fenton, porque era o ser mais hermético que tinha pisado na face da terra.
Quando o viu entrar na saleta, acreditou por um instante que o fato de que estivesse pensando nele tinha feito que aparecesse por arte de magia, mas o mordomo anunciou que lady Pencully tinha ido visitá-la e estava esperando-a no salão formal.
Aquilo bastou para lhe tirar da cabeça as contas que a tinham tido atarefada. Apesar de que era uma mulher adulta que levava anos dirigindo seus próprios assuntos, lady Odelia fazia que se sentisse como uma colegial. Tinha a impressão de que, quando erguia seus óculos para olhá-la, era capaz de ver todos seus defeitos. Desejou com certa covardia não ter decidido que Callie fingisse estar doente, porque apesar de sua juventude, sua amiga nunca parecia sentir-se intimidada por sua tia avó.
Olhou-se brevemente no pequeno espelho que havia junto à porta, e depois de comprovar que seu penteado estava impecável e que não tinha nenhuma mancha no rosto, saiu enquanto alisava a saia. Lady Odelia sempre ia de visita muito cedo, assim nem sequer cabia a esperança de que chegasse alguém mais que pudesse interrompê-las.
- Boa tarde, lady Odelia - lhe disse com um sorriso ao entrar no salão. Depois de fazer uma reverência, acrescentou: - Me alegro em vê-la, embora me surpreende que ainda não tenha partido da cidade. Está pensado ficar durante toda a temporada social?
- Olá, Francesca - lady Odelia lhe indicou com um gesto que se sentasse na cadeira que havia junto à sua, como se fosse a proprietária da casa. Como era habitual, ia vestida com roupa que levava pelo menos dez ou quinze anos passada de moda, e tinha o cabelo preso em um toucado com plumas. - Sente-se, moça. Não quero ter que esticar o pescoço para olhá-la - esperou que Francesca obedecesse antes de prosseguir. - Ainda não decidi se vou ficar ou não. Não tinha pensado fazê-lo, mas me tenho sentido revigorada desde minha festa. Não há nada como fazer oitenta e cinco anos para que alguém se pergunte se deveria perder o tempo morta de aborrecimento no Sussex.
- Muita gente gosta de ir ao Bath, sobre tudo no verão - comentou Francesca.
- Não vim para falar de planos de viagem.
- Suponho que não.
Francesca se perguntou se estava maquinando algo e tinha ido pedir lhe sua colaboração. A última vez, lady Odelia se tinha proposto casar a um de seus sobrinhos netos, lorde Radbourne, e embora tudo tivesse acabado bem, não pôde evitar sentir- se um pouco receosa. Lady Odelia se dava bem em fazer que outros trabalhassem por ela.
- Fenton me disse que Calandra está doente.
- Sim, é certo - Francesca tentou parecer convincente, porque sempre tinha a sensação de que aquela mulher era capaz de adivinhar se estava mentindo - Anteontem começou a sentir-se mal quando estávamos no recital de lady Wittington.
- Está doente de verdade, ou sente falta desse vadio do Bromwell? - disse lady Odelia com sagacidade.
- Lady Calandra não albergava nenhuma expectativa nesse aspecto - lhe respondeu Francesca com tranqüilidade -; de fato, mal conhece lorde Bromwell, acredito que o conheceu em seu baile.
- O tempo nem sempre é o principal. Maldito moço, não compreendo sua atitude; conforme soube, retornou as suas terras. É uma pena, tinha a esperança de que Callie e ele... enfim, não lhe faltarão os pretendentes.
- Não, é claro que não.
- O que pensa fazer amanhã?
- Né... não estou segura - a pergunta a tinha tomado despreparada, e Francesca tentou ganhar um pouco de tempo. Não sabia por que sua mente, que em geral era rápida na hora de gerar mentiras corteses, sempre parecia ficar por fora quando lady Pencully estava perto. - A que hora?
- Durante todo o dia. Quero visitar a duquesa do Chudleigh, a madrinha de sua mãe - acrescentou, como se Francesca não soubesse a quem se referia.
- Já vejo - lhe disse ela, enquanto sentia que lhe formava um nó no estômago.
- Pensei que poderia me acompanhar. Vive no Sevenoaks, não fica longe de Londres. Suponho que estará encantada de vê-la, e assim poderá escrever uma carta a sua mãe para lhe contar como se encontra sua madrinha. Não sei se sabe que este inverno esteve bastante delicada de saúde.
- Sim, acredito que minha mãe o mencionou - admitiu Francesca à contra gosto.
Não gostava nada de passar o dia metida em uma carruagem com lady Odelia, nem sentada junto a duas anciãs que não deixavam de gritar-se uma à outra. A duquesa estava meio surda, mas se negava a utilizar um aparelho porque, segundo ela, fazia com que parecesse velha; entretanto, tal como acabava de insinuar lady Odelia, era o que sua mãe esperaria dela.
Assim como à Callie, tinham- lhe inculcado desde menina que devia cumprir com seu dever, assim era incapaz de olhar lady Odelia nos olhos e lhe dizer que não ia visitar a anciã madrinha de sua mãe, por muito que desejasse fazê-lo; em todo caso, e se tivesse coragem de negar-se a ir, lady Odelia seguiria insistindo até que acabasse dando-se por vencida, assim seria melhor que cedesse com dignidade.
- Suponho que não acontecerá nada à Callie por estar sozinha um dia - disse ao fim.
- Claro que não. Tem toda a criadagem para cuidá-la, estará perfeitamente bem.
- De acordo, acompanhá-la-ei - Francesca conteve um suspiro de resignação.
- Perfeito! Passarei para buscá-la as nove em ponto.
- Às nove? Às nove da manhã?
- É obvio - lady Odelia a olhou com estranheza - Demoraremos todo o dia, é melhor que vamos quanto antes.
- Claro.
Lady Pencully não alongou muito sua visita, porque já tinha conseguido o que queria. Quando partiu, Francesca pensou com azedume que sem dúvida ia chatear a alguma outra vítima despreparada para conseguir qualquer outra coisa. Subiu imediatamente para ver Callie, que pôs-se a rir quando lhe contou o que tinha ocorrido.
- Bom, me alegro de que meu infortúnio lhe faça tanta graça - disse com fingida indignação, embora em realidade alegrou-se de vê-la rir pela primeira vez em dias.
- Sinto muito, de verdade - lhe disse Callie, com olhos faiscantes- Já sei que vai ser uma tortura para você, mas não sabe quanto me alegro de que decidisse que devo fingir que estou doente.
- Não é preciso, porque se não fosse assim, teria lhe obrigado a vir conosco - Francesca não pôde conter um sorriso, e quando viu que estremecia com teatralidade, acrescentou - Está segura de que não quer vir? Poderíamos dizer que se recuperou de forma milagrosa. Certamente que se aborrece se fica aqui sozinha.
- Prefiro-o a passar meio-dia encerrada em uma carruagem com lady Odelia. Acha que levará a esse horrível cão adoentado que tem?
- Não me lembrava desse vira-lata senil! Não quero nem pensar.
Callie pôs-se a rir ao vê-la tão horrorizada, e se sentiu muito melhor. Não era dessas pessoas que se recreavam em sua própria dor. Prometeu-se que ao dia seguinte encontraria alguma tarefa, algo que a distraísse de seus problemas.
De modo que na manhã seguinte, depois de tomar o café da manhã sozinha no piso de baixo, chamou a sua criada e passou algumas horas revisando seu guarda-roupa, decidindo que roupas ia retocar com um laço ou alguma flor, e quais deveria dar de presente ou destinar ao saco dos trapos velhos.
Como só tinha a roupa que levou de casa e a que tinha comprado recentemente, a tarefa não levou muito tempo, e acabou antes do meio- dia. Se tivesse estado em sua casa, teria subido ao apartamento de cobertura para olhar entre os objetos imprestáveis, e se teria distraído com vestidos antiquados ou brinquedos velhos, mas não podia fazê-lo em casa de Francesca.
Quando começou a pensar de novo em Brom, decidiu que uma novela conseguiria distraí-la, assim foi procurar uma na saleta de Francesca. Enquanto dava uma olhada às estantes, Fenton entrou na saleta e a olhou com uma ansiedade que distava muito de sua habitual expressão imperturbável.
- Minha senhora...
- O que acontece, Fenton?
- Chegou um homem, diz que tem uma mensagem urgente para você. Diz… minha senhora, diz que Sua Senhoria o duque está ferido.
Callie empalideceu de repente enquanto olhava estupefata ao mordomo.
- O que? Meu irmão?
Apressou- se a sair ao corredor e viu um homem no vestíbulo, com o chapéu na mão. A julgar por seu aspecto, acabava de realizar um árduo trajeto a cavalo, e parecia cansado. Foi a toda pressa para ele, e lhe perguntou:
- Traz notícias sobre o duque do Rochford? Aconteceu-lhe algo?
- Está vivo, minha senhora, mas sofreu um acidente - se apressou a responder o homem – Esta carta é para a senhora - acrescentou, ao lhe dar uma folha de papel dobrada e selada onde estava escrito Lady Calandra Lilles.
Callie se apressou a romper o selo, e a abriu com mãos trêmulas. Na parte superior direita estava escrito Blackfriars Monopolize Cottage, Lower Upton, e a data. Baixou o olhar até a mensagem, e começou a ler.
Querida lady Calandra Lilles,
Lamento ter que lhe comunicar que o duque do Rochford sofreu um acidente de carruagem perto de meu pavilhão de caça. Meu marido e um lacaio o transladaram à casa, e chamamos o médico. Tem quebrada a perna e várias costelas, mas se recuperará. Está acordado, e me pediu que lhe peça que venha. O doutor não quer que se mova muito.
Atentamente,
Sra. do Thomas Farmington
Callie soltou um suspiro de alívio, e olhou ao mensageiro.
- Tem certeza que se encontra bem?
- Não o vi com meus próprios olhos, senhorita. Só sei o que me disse a senhora Farmington, mas ela me pediu que lhe assegurasse que o duque está bem.
- Partirei imediatamente. Se pudesse me indicar onde está exatamente Lower Upton…
- No Buckinghamshire. A senhora Farmington me ordenou que alugasse uma carruagem para levá-la até ali assim que lhe desse a mensagem.
- Agradeço-lhe. Vou pegar algumas coisas, poderemos ir em seguida.
Quando o homem assentiu e se foi em busca de uma carruagem de aluguel, Callie se voltou e viu o mordomo, que tinha recuperado sua habitual compostura.
- Ouviu-o, Fenton? - ao vê-lo assentir, acrescentou - vou preparar uma bolsa de viagem com algumas coisas, e irei imediatamente. Deixarei uma nota para que a entregue a lady Haughston.
- Como quiser, minha senhora. Farei que sua criada suba para ajudá-la.
Callie assentiu, e subiu a seu quarto correndo. Os pensamentos se amontoavam em sua mente, e o coração martelava no peito. Perguntou- se qual seria o alcance real das feridas de seu irmão. Segundo a senhora Farmington, estava bem, mas possivelmente a mulher não se atrevera a lhe dizer por carta que seu irmão estava em estado grave. Talvez estivesse ferido gravemente, ou a ponto de morrer; e até no caso que só tivesse alguns ossos quebrados, podiam surgir complicações que podiam causar febre alta, ou inclusive a morte. Fosse como fosse, era óbvio que estava sofrendo e que necessitava de alguém conhecido a seu lado, assim estava decidida a partir quanto antes. Enquanto começava a abrir gavetas e a lançar para a cama a roupa que pensava levar, disse-se que Buckinghamshire não estava tão longe. Certamente chegaria antes que anoitecesse.
Belinda chegou ao cabo de um momento.Tinha os olhos muito abertos, e estava pálida.
- Sua Senhoria está ferido, minha senhora?
- Sim, mas me disseram que não é nada grave. Quebrou vários ossos - disse com firmeza - Parto em sua busca imediatamente.
- Agora mesmo lhe preparo a bagagem.
- Limite-se a meter em uma bolsa de viagem o suficiente para um ou dois dias, vou quanto antes. Como é possível que tenha que ficar com ele durante mais tempo, prepara um baú com mais roupa e me poderá levar isso você mesma na diligência do correio quando mandar chamá-la. Não sei qual é a situação exata. Se podemos lhe transladar, retornaremos a nossa casa da cidade.
Enquanto Belinda lhe preparava a bolsa, Callie escreveu uma nota a Francesca em que lhe explicava de forma sucinta aonde ia e por que. Sabia que Fenton explicaria a sua amiga o que tinha se passado, mas preferia contar-lhe ela mesma com mais detalhe e lhe dizer o nome do lugar onde estava Sinclair. Acabou a nota com a promessa de lhe enviar uma mensagem assim que visse seu irmão e soubesse com exatidão como estava, porque sabia que sua amiga quereria permanecer informada a pesar do desacordo que tinha tido com o Rochford em seu último encontro.
Depois de selar a nota, entregou-a ao Fenton e lhe pediu que a entregasse a Francesca assim que esta chegasse. Belinda já tinha a bagagem preparada, e o mensageiro tinha retornado com a carruagem de aluguel.
Callie não perdeu o tempo em vestir roupa adequada para a viagem, limitou-se a trocar as delicadas sapatilhas que levava por umas botas mais resistentes. Apressou-se a subir à carruagem, e partiram pouco mais de meia hora depois de ter recebido a notícia. Reclinou-se no assento enquanto tentava tranqüilizar-se, e pela primeira vez deixou que sua mente fosse além dos detalhes práticos com os que tinha tido que lutar antes de poder partir. Em primeiro lugar, pensou em quantas feridas podia ter sofrido seu irmão. Tirou do bolso do vestido a nota que lhe tinha enviado a senhora Farmington e voltou a lê-la com mais calma, mas não descobriu nenhum detalhe novo. Continuava sem saber como tinha ocorrido o acidente, e se seu irmão tinha sofrido alguma ferida grave. A senhora Farmington se limitara a lhe dizer que quebrara uma perna e várias costelas, mas isso não bastava para lhe dar uma idéia do estado em que se encontrava. Não podia culpar à mulher, que sem dúvida tinha escrito a nota com pressa, mas teria gostado de ter mais informações; por exemplo, não sabia se as fraturas tinham sido simples ou não. Havia visto suficientes lesões na propriedade para saber que havia uma grande diferença entre um osso quebrado com uma fratura simples que voltava a soldar-se com facilidade, e uma perna fraturada em vários lugares ou em que o osso tinha chegado a romper a pele.
estremeceu ante as imagens que lhe passavam pela cabeça, e se esforçou por pensar em outra coisa. Perguntou-se se Sinclair teria tido o acidente enquanto ia conduzindo sua carruagem aberta de dois cavalos, ou se ia na elegante carruagem ducal que costumava conduzir Haskell, o cocheiro chefe da família. Como os dois eram uns verdadeiros peritos com as rédeas, era de supor que a culpa a tivesse tido outro condutor, mas a senhora Farmington não tinha mencionado que tivesse havido outros feridos até que o certo era que a mulher não se entreteve em explicar o acidente em detalhe.
Por outro lado, não entendia o que estava fazendo Sinclair no Buckinghamshire. Havia-lhe dito que pensava retornar ao Marcastle, e apesar de que não fosse uma perita em geografia, estava quase segura de que nunca tinham passado pelo Buckinghamshire quando viajavam de Londres até a propriedade familiar; além disso, seu irmão partiu de Londres dias atrás, assim era impossível que ainda estivesse a caminho.
Possivelmente se tinha demorado na cidade por alguma razão, mas nesse caso, a teria avisado. Não, aquela possibilidade não tinha sentido, talvez tivesse partido para o Marcastle e tinha decidido ir a outra parte quando estava a meio caminho, embora não era próprio dele ser tão impulsivo. Sinclair costumava fazer o que dizia, assim certamente tinha retornado ao Marcastle, e depois de completar os assuntos que tinha pendentes ali, tinha decidido ir a outro lugar para encarregar- se de alguma outra coisa. Tinha comentado que talvez fosse ao Dancy Park, mas Buckinghamshire não estaria no caminho.
Possivelmente tinha decidido ir à outra de suas propriedades. Se pensava ir às terras que tinha na Cornualha, era possível que tivesse optado por uma rota alternativa que não passasse por Londres. Era estranho que deixasse escapar a possibilidade de ir visitá-la, mas talvez continuasse zangado com ela por sua desobediência e não tinha querido ir vê-la.
Embora também fosse possível que simplesmente tivesse ido visitar um amigo, ou que tivesse ido inspecionar alguma propriedade com a intenção de comprá-la; em todo caso, as razões pelas quais seu irmão estava no Buckinghamshire não tinham importância, mas se concentrava nesse detalhe, pelo menos não podia obcecar- se dando voltas a assuntos muito mais preocupantes, como o alcance de suas feridas, a dor que devia estar sofrendo, ou se o trajeto até o Blackfriars Monopolize ia durar muito.
Só se detiveram para trocar de cavalos, e Callie aproveitou esses pequenos intervalos para estirar as pernas. Em uma das estalagens pediu um pequeno refrigério consistente em carnes frite, pão, e queijo, mas não tinha apetite e acabou deixando quase toda a comida no prato. Sabia que iam o mais rápido possível, já que trocavam de cavalos com a suficiente freqüência para ter sempre animais descansados, mas teve a impressão de que a viagem durava uma eternidade. Pareceu inclusive muito mais lenta quando começou a escurecer, porque deixou de ter a distração da paisagem. Sabia que o tempo lhe teria passado mais depressa se tivesse sido capaz de conciliar o sono, mas nem sequer pôde dar um cochilo. Em sua mente se formavam redemoinhos de dúvidas, temores, e terríveis imagens do Sinclair deitado em uma cama, pálido, dolorido, e com o corpo enfaixado.
Em mais de uma ocasião, desejou que Francesca não se fosse com tia Odelia, porque sabia que a teria acompanhado sem duvidar. Teria sido um alívio contar com seu apoio e poder falar com ela, mas à margem disso, também teria agradecido sua capacidade de organização. Sua amiga sempre sabia o que deveria fazer, e com um sorriso e umas quantas palavras, conseguia obter os melhores resultados dos outros.
Quando notou que a carruagem se detinha, pensou que tinham chegado a outra estalagem e que iriam trocar de novo de cavalos, mas ao afastar a um lado a cortina se deu conta de que estavam diante de uma casa de campo. Não era a casinha coberta de hera que imaginou ao ler a nota da senhora Farmington, mas uma sólida construção de pedra de dois andares com enfeites também de pedra sobre a porta e janelas; como era óbvio que não se tratava de uma estalagem, deu-se conta de que tinham chegado a seu destino.
- Chegamos ao Blackfriars Monopolize? - perguntou ao mensageiro, que tinha passado todo o trajeto na parte superior da carruagem e acabava de descer de um salto para ajudá-la a sair.
- Sim, minha senhora. Parece que todo mundo continua no piso de cima - olhou para as janelas que havia em cima e a um lado da porta principal, que estavam iluminadas.
- Obrigada.
Apesar de saber que Sinclair devia lhe haver dado dinheiro para o aluguel da carruagem e mudanças de cavalos, além de alguma soma paga a seus serviços, deu-lhe uma moeda de ouro.
Como tinha começado a garoar, pôs o capuz do casaco e se apressou a ir para a porta da casa.
Segundos depois de que batesse na porta, abriu-lhe uma mulher baixa e robusta que levava um simples vestido de musselina e um avental branco.
- Me diga.
- É você a senhora Farmington? - perguntou- lhe com ansiedade.
- Sim.
- Sou lady Calandra Lilles. Continua acordado? Onde está?
- No estúdio, senhorita - a mulher se voltou e apontou para o corredor, onde havia uma porta aberta da qual saía luz.
- Obrigada - Callie se apressou a ir para ali, e apenas se deu conta de que a porta principal se fechava a suas costas.
Jogou o capuz para trás sem deter- se, tirou as luvas e as deixou sobre uma mesinha que havia no corredor, e entrou como uma ventania na sala que lhe tinha indicado a senhora Farmington. Deteve-se em seco, e por um instante foi incapaz de assimilar a cena que tinha ante seus olhos.
Lorde Bromwell estava meio reclinado em um sofá, com uma perna estendida para diante sobre o assento e a outra dobrada e com o pé no chão. Estava apoiado contra um extremo do sofá e ligeiramente inclinado, de modo que seu torso ficava em parte contra a esquina. Sua jaqueta e seu lenço estavam atirados com descuido sobre a cadeira que ficava mais próxima a ele, tinha o colete aberto, e a camisa meio desabotoada. A seu lado, no chão, havia uma bandeja de prata em que descansava uma licoreira meio cheia, e na mão tinha um copo que continha o mesmo líquido escuro. Ficaram olhando o um ao outro com estupefação por um momento, e ele foi o primeiro a reagir.
- Callie! - deixou o copo sobre a bandeja de repente, e se levantou um pouco cambaleante - O que faz aqui? - perguntou-lhe alarmado, antes de pôr-se a andar para ela - O que se passou? Está bem?
- O que é o que faz você aqui? - perguntou-lhe ela, quando por fim conseguiu recuperar a fala. Perguntou-se se Bromwell tinha algo que ver com o acidente do Sinclair, se seu irmão não tinha ficado ferido em um acidente, mas em uma briga com o conde-Não o entendo, onde está Sinclair? Encontra-se bem? O que se passou?
- Sinclair? - perguntou ele, claramente desconcertado - Quem é...? Refere-se a seu irmão? Por que demônios acha que poderia estar aqui?
- Pela carta!
Callie meteu a mão no bolso para tirar a carta que tinha recebido, mas se deteve em seco enquanto um sem-fim de detalhes estranhos começavam a encaixar em sua mente. A elegante caligrafia em uma nota que supostamente tinha sido escrita por uma simples mulher de campo, o fato de que aquela mesma mulher tivesse utilizado na carta o tratamento correto que deveria usar com a filha de um duque. Era muito estranho que seu irmão estivesse no Buckinghamshire, o fato da viagem ter estado tão bem organizada e paga, apesar de que Sinclair nem sequer lhe tinha escrito quatro linhas para tranqüilizá-la.
- Enganou-me! - empalideceu de repente, e se sentiu um pouco enjoada.
Bromwell seguiu olhando-a desconcertado, e lhe disse:
- O que quer dizer? Pode-se saber de que diabos está falando?
Callie nem sequer o ouviu, porque começava a dar-se conta de que estava a quilômetros de distância do lugar habitado mais próximo, só em meio da noite com um homem, e que a única pessoa que podia fazer- se de acompanhante era a senhora Farmington, se realmente se chamava assim, claro que sem dúvida estava ao serviço de lorde Bromwell. Sua reputação ia ficar feita em migalhas. De repente, percebeu algo inclusive pior. Com certeza ele não tinha organizado tudo aquilo com a única intenção de arruinar sua reputação, mas, além disso, queria lhe arrebatar sua virtude.
Acreditava ter alcançado o limite da desdita a noite em que se deu conta de que era impossível que tivesse um futuro comum com o Brom, mas nesse momento descobriu que podia sentir-se inclusive pior. Bromwell não pensava casar-se com ela, não a amava, e se por acaso fosse pouco, tinha-a em tão pouca estima, que estava disposto a desonrá-la. Tinha-a enganado, pensava utilizá-la para poder vingar-se de Sinclair, e não lhe importava feri-la e humilhá-la.
- Meu deus! - os olhos se encheram de lágrimas, e levou a mão à boca ao sentir náuseas – Que idiota fui! Passei os dias sentindo sua falta e sofrendo por sua ausência, enquanto que você estava aqui sentado, urdindo seus planos de vingança.
Saiu correndo da sala, e não se deteve nem se voltou a olhar para trás quando ouviu que ele a chamava. Só podia pensar em alcançar a carruagem na qual tinha chegado antes que voltasse a partir, já que estava convencida de que o cocheiro aceitaria levá-la de volta se lhe contasse o que tinha acontecido. Apesar de não ver nem rastro da mulher que lhe tinha aberto a porta, gritou pedindo auxílio.
Ouviu o Bromwell correndo atrás dela pelo corredor, ouviu- o soltar uma imprecação e voltar a chamá-la, assim continuou correndo com todas suas forças. Ao chegar à porta, abriu- a de repente e saiu como uma flecha, mas se deteve em seco ao dar-se conta de que a carruagem já não estava ali. Presa do pânico, olhou a direita e a esquerda, mas não a viu por nenhuma parte. O cocheiro e o mensageiro deviam ter recebido instruções de partir assim que ela entrasse na casa. O mais certo era que a senhora Farmington se fora com eles, e embora não fosse assim, era muito improvável que estivesse disposta a ajudá-la. Conteve com esforço a vontade de chorar, e pôs-se a correr de novo.
- Callie, volte aqui! - Bromwell, que se tinha detido ao chegar à porta principal, apressou-se a ir atrás dela.
Estava chovendo com mais força e fazia frio, mas ela não perdeu o tempo em pôr o capuz para proteger-se. Limitou-se a levantar a saia até o joelho, e a correr tão rápido como pôde. Bromwell tinha estado bebendo, assim possivelmente seria incapaz de alcançá-la. Talvez tropeçasse e caísse. Se conseguisse chegar ao arvoredo, teria mais possibilidades de conseguir fugir dele. Não demorou a dar-se conta de que suas esperanças eram em vão. Ele a alcançou ao cabo de uns segundos, e a agarrou pelo braço para detê-la.
- Me solte! - lutou para libertar-se, e os olhos se encheram de lágrimas tanto de frustração como de raiva. - Rochford o matará por isso! Não, farei-o eu mesma! - Estendeu a mão que tinha livre, e lhe fincou as unhas no braço.
- Maldição! - Bromwell lhe agarrou o pulso, e lhe afastou a mão - Que demônios lhe passa? Ficou louca?
- Jamais o teria acreditado capaz de fazer algo assim! É incrível que tenha caído tão baixo! - gritou de raiva, enquanto lutava com ele e tentava lhe dar pontapés. Quando conseguiu libertar um braço de um puxão, nem sequer se deu conta da dor que sentiu e começou a lhe esmurrar o peito.
- Maldita seja, Callie! Basta já! - obrigou-a a dar meia volta, e a rodeou com os braços por trás.
Manteve-a com os braços presos ao corpo, e lhe levantou os pés do chão.
Callie se debateu durante uns segundos, mas não pôde seguir contendo os soluços e pôs-se a chorar desconsolada. Finalmente, ficou exausta e sem forças em seus braços, enquanto a chuva que continuava caindo sobre eles sem piedade os empapava.
Bromwell a desceu até o chão, e então a tomou em seus braços como se fosse uma menina. Inclinou a cabeça para ela, e sussurrou:
- Callie querida.
Depois de lhe roçar o cabelo com os lábios, deu meia volta e a levou de volta à casa. Ela não resistiu, permaneceu largada e esgotada em seus braços, imersa até os ossos e aturdida pelo brutal ataque de emoções que tinha sofrido.
Assim que entraram na casa, Bromwell a deixou de pé e lhe tirou o casaco empapado. Depois de deixar cair o traje ao chão sem olhar, gritou:
- Senhora Farmington!
As forquilhas que seguravam o penteado do Callie cairam durante a refrega, assim tinha o cabelo solto e jorrando água. O vestido também estava molhado, e tinha as botas enlameadas.
- Senhora Farmington! Maldição, onde se colocou?
Como não levava casaco, Bromwell estava inclusive mais molhado que Callie. Tinha a camisa branca empapada e grudada à pele, o cabelo esmagado contra a cabeça, e estava tremendo.
- Tem que tirar este vestido molhado, Callie - lhe disse, enquanto começava a lhe desabotoar a roupa com dedos trêmulos.
- Não! - afastou-se dele de repente, embora não tivesse forças para tentar fugir de novo nem para lutar.
Ele suspirou com exasperação, e lhe disse com calma:
- Ao menos sente-se.
Agarrou-a pelos braços, levou-a até o banco de madeira que havia a um lado do vestíbulo, e a sentou sem muitas contemplações.
- Fique aqui.
Callie teria se encantado em desobedecer, mas era virtualmente incapaz de mover-se. Jogou a cabeça um pouco para trás, e a apoiou contra a parede. Era consciente de que estava gelada, mas se sentia intumescida e alheia a tudo o que a rodeava. Estava tremendo, e começaram a tocar castanholas os dentes. Bromwell não demorou em voltar, e a cobriu com uma colcha bordada.
- Ao menos lhe dará um pouco de calor.
Callie o olhou com cautela ao ver que tirava a camisa e o colete e os deixava cair ao chão, mas ele manteve as distâncias e se limitou a cobrir-se com outra colcha a modo de xale. Estava tão engraçado, que em outras circunstâncias teria se posto a rir ao vê-lo assim.
Ele jogou o cabelo para trás e espremeu algumas mechas para que escorresse um pouco de água, e depois tentou fazer o mesmo com o cabelo de Callie. Ela tentou lhe afastar as mãos, mas estava muito fraca e seus esforços não serviram de nada. Quando terminou de lhe escorrer o cabelo, Bromwell se ajoelhou diante dela e começou a lhe desatar as botas.
- Detenha-se - disse ela.
- Shhh está gelada e molhada, não penso permitir que morra de frio só porque tenha enlouquecido de repente.
- Não enlouqueci - protestou ela, com voz calma. Bromwell ficou de cócoras, e a olhou sem muita convicção.
- Não, claro que não. Aparece de improviso, embora não consigo compreender por que ou como sabia que eu estava aqui. Começa a desvairar sobre seu irmão, e então se põe a gritar e sai correndo em meio da chuva, embora só Deus sabe para onde se dirigia. Se por acaso fosse pouco, ataca-me quando tento detê-la para tentar averiguar o que acontece. Parece-lhe um comportamento próprio de uma pessoa com juízo? - ao ver que ela se limitava a olhá-lo sem dizer uma palavra, acrescentou - De acordo, fica com as botas postas - pôs ela de pé de novo - Venha, vamos.
- Aonde? - Callie se negou a mover- se.
- Maldição! - levantou-a nos braços de novo, e a levou pelo corredor para o estúdio sem fazer caso de seus protestos. Depois de deixá-la de pé diante da chaminé, agarrou o atiçador para avivar o fogo.
Callie não pôde conter um pequeno suspiro de prazer ao notar a carícia do calor contra sua pele. Sentou-se em um tamborete que havia diante da tela protetora, e inclinou a cabeça para que o cabelo lhe caísse pelo lado mais próximo ao fogo e começasse a secar.
Bromwell se aproximou da bandeja em que estava a licoreira, e depois de encher o copo de novo, retornou junto à Callie e o ofereceu. Ao ver que ela o olhava com suspeita, esticou- se e lhe disse:
- Beba, se não quiser que a obrigue a engolir isso à força.
Callie fez uma careta enquanto tomava um gole. Tossiu um pouco ao sentir que a garganta lhe ardia, mas o licor a esquentou um pouco de dentro e se sentiu melhor imediatamente. Ele pegou o copo, e tomou um gole por sua vez antes de devolvê- lo e de sentar- se a seu lado diante da chaminé.
Callie tomou um gole um pouco menor, e o olhou de esguelha. Bromwell se tinha tirado a pesada colcha, e o fogo iluminava seu peito e seus ombros nus. Tinha os braços sobre os joelhos, o cabelo revolto e úmido, e transparecia uma masculinidade primitiva.
A sua garganta secou de repente, e se sentiu humilhada ao dar- se conta de que em seu interior começava a emergir um calor que não estava relacionado com o fogo que ardia na lareira, mas com o homem que tinha a seu lado.
Quando se voltou para ela e a pegou observando-o, Callie afastou o olhar depressa e se ruborizou, mas ele a agarrou pelo queixo e insistiu com suavidade que se voltasse a olhá-lo de novo. Observou- a em silencio durante um longo tempo, contemplou seus cachos molhados e alvoroçados, o vestido úmido que lhe grudava no corpo e revelava seus tensos mamilos, e seus olhos cinza relampejaram de desejo enquanto sua expressão se suavizava. Acariciou-a com ternura, deslizou o polegar por seu queixo e foi subindo-o até seu lábio inferior.
Callie sentiu que a percorria uma onda de desejo, e percebeu que estava tentada a lhe agarrar a mão e pressionar os lábios contra sua pele. Apesar de tudo, havia algo em seu interior, um impulso primitivo e profundo, que tinha respondido ante a paixão que brilhava nos olhos de Brom, e que queria conseguir que ele a desejasse ainda mais. Levantou-se de repente, e exclamou:
- Não! Não vai poder me seduzir, Brom! Não penso sucumbir ante você, não participarei voluntariamente em seus planos de manchar meu nome!
Ele se levantou também, olhou-a cara a cara, e o desejo que brilhava em seus olhos deu lugar à fúria.
- Eu jamais faria algo assim, e sabe disso.
- Sério? - perguntou ela, com sarcasmo. - Espera que acredite que me trouxe até aqui com enganos para conversar?
Ele abriu os braços de par em par, em um gesto de desconcerto.
- Eu não a trouxe até aqui! Não tenho nem idéia do que se refere, não entendi nada desde que apareceu e começou a balbuciar algo sobre o Rochford.
- Toma-me como tola? - o fato de que queria acreditar nele fazia com que suas palavras lhe doessem ainda mais. - Recebi uma carta em que me dizia que viesse quanto antes, porque meu irmão tinha sofrido um acidente, mas acontece que aqui só está você.
- O que? - olhou-a desconcertado, e no final disse - Não lhe enviei nenhuma carta, Callie. Não sei do que está falando. Alguma vez faria algo assim? Juro pelo mais sagrado que jamais tentaria trazê-la até aqui com enganos para me aproveitar de você, como pôde pensar tal coisa?
O fogo dava um quente tom dourado ao cinza prata de seus olhos. Callie o olhou em silencio durante uns segundos, e de repente se deu conta de que estava sendo sincero e também soube sem dúvidas quem tinha maquinado tudo aquilo.
Tirou a nota do bolso, e a deu com a mão um pouco trêmula.
Bromwell aceitou a folha de papel, e a abriu carrancudo. Como tinha estado protegida no bolso do vestido do Callie, debaixo do casaco, não se tinha empapado, e era legível apesar de estar um pouco úmida.
Callie soube por sua expressão que tinha reconhecido a letra. Ele leu a carta duas vezes antes de devolver-lhe e foi incapaz de olhá-la no rosto ao lhe dizer:
- Esta nota não foi escrita por lady Farmington. É a governanta, e nem sequer sei se sabe escrever. Seu irmão não esteve aqui em nenhum momento. Vim a esta casa quando parti de Londres, depois de falarmos no recital de lady Wittington.
- Onde estamos exatamente?
- O que está na carta é certo, este lugar se chama Blackfriars Monopolize - a olhou por fim nos olhos, e acrescentou - Era o pavilhão de caça de lorde Swithington - nesse momento pareceu triste, cansado, e mais velho do que era. Suspirou profundamente, e lhe deu as costas. - E a letra se parece muito a de Daphne - agarrou o copo, e o tomou de um gole. - Sinto muito, Callie. Não imagina quanto o sinto. - Foi deixar o copo sobre uma mesa, e se voltou de novo para ela. - No melhor dos casos fez isso para me ajudar. Sabia que eu sentia mais do que deveria por você, pode ser que pensasse que eu agradeceria a oportunidade de estar consigo em uma situação como esta. Não sei o que lhe se passa, nunca a tinha visto comportar-se assim. Disse e fez coisas impróprias. Começo a pensar que se obcecou até tal ponto com o que lhe aconteceu, que perdeu a razão. Está decidida a vingar-se pela canalhice que se cometeu contra ela.
- Brom - Callie se aproximou, e posou uma mão em seu braço - Sinclair me jurou que não a tinha deixado grávida, que nem sequer tinha tido uma relação com ela.
Ele ficou tenso, e a olhou com fúria antes de afastar-se dela.
- É normal que o negue, Callie.
- Meu irmão é um homem honrado. Lamenta lhe ter tratado mal, sabe que dirigiu mal a situação. Não era muito mais velho que você, Brom. Mas me jurou que suas acusações eram falsas, e acredito nele. Estou certa de que não me mentiria.
- Já falamos sobre isto. É normal que acredite nele, é seu irmão.
- Alguém lhe falou mal dele? Pergunte a qualquer um, e lhe dirão que o duque do Rochford é um cavalheiro. Seria incapaz de seduzir e abandonar a uma dama, e menos ainda se a tivesse deixado grávida. Sua irmã não chegou a dar a luz, não é verdade?
- Não, perdeu o bebê pouco depois de casar-se com lorde Swithington, mas isso não demonstra nada. Não é estranho que uma mulher sofra um aborto.
- Estava com ela quando aconteceu?
- É obvio que não, tinha retornado a Oxford. Mas isso não significa que não ocorresse - insistiu com firmeza.
Callie se limitou a observá-lo em silêncio, e conseguiu ver a dúvida que relampejou em seus olhos antes que baixasse o olhar. Sabia que estava lutando contra a certeza crescente de que passara os últimos quinze anos acreditando numa mentira, que estava dando- se conta de que a irmã a que queria e em quem confiava lhe tinha mentido.
- De qualquer forma, isso não importa agora - lhe disse ele com aspereza - Se trata de um assunto que não podemos resolver, e que não nos incumbe.
- Nos afeta em cheio - respondeu, muito aborrecida.
- Sim, já sei - olhou-a nos olhos, e disse - Não estou subtraindo importância à situação em que se encontra por culpa do Daphne. À margem das razões que tenha podido ter, o que lhe fez é imperdoável, e não vou permitir que sofra. Devemos nos concentrar nisso, em nos assegurar de que sua reputação não fique danificada.
- Tem que haver algum povoado perto daqui. Esse tal Lower Upton. Com certeza há uma estalagem, irei e pedirei um quarto.
- Sua carruagem se foi, e só tenho um cavalo no estábulo. Não pode perambular sozinha em meio da noite por terrenos que nem sequer conhece. Poderíamos montar juntos, ou eu poderia ir andando a seu lado, mas isso não resolveria o problema. O fato de que chegue passada à meia-noite, a cavalo, só ou acompanhada por um homem, será muito estranho. Não queremos gerar mais rumores, porém evitá-los.
- Quem poderia inteirar- se? A gente da zona não me conhece, usarei um nome falso.
- Será melhor que não a veja ninguém, sabe alguém que está aqui?
- Não acredito. Quando um mensageiro me trouxe a nota, saí para aqui imediatamente em uma carruagem de aluguel que ele mesmo se encarregou de conseguir. Na casa só estávamos os criados e eu, e eles guardam uma lealdade absoluta a Francesca. Nem sequer ela estava ali, porque tinha ido fazer visita com tia Odelia - se deteve de repente, e ficou pensativa.
- O que acontece? - perguntou-lhe Brom.
- Nada, mas me pergunto se isso também foi deliberado. Se Francesca tivesse estado em casa quando chegou a nota, teria vindo comigo, e isso teria jogado por terra o plano.
Bromwell soltou um suspiro, e admitiu:
- Lady Odelia nos tem muita consideração a minha irmã e a mim, diz que ri muito conosco. Estou certa de que não faria nada que pudesse machucá-la, mas se Daphne lhe tivesse sugerido que fosse visitar alguém, e tivesse acrescentado que com certeza Francesca estaria disposta a acompanhá-la, o mais provável é que tivesse aceitado. Deve ter cheirado que minha irmã estava tramando algo, mas certamente nem lhe passou pela cabeça que pudesse ser algo tão pernicioso.
Callie assentiu. Apesar estar furiosa pelo que Daphne tinha tentado lhe fazer, o que mais a indignava era o dano que tinha feito a Bromwell. Para tentar distraí-lo um pouco da dor que devia estar sentindo ao descobrir o verdadeiro caráter de sua irmã, disse- lhe com firmeza:
- Em qualquer caso, Francesca sabe onde estou e sobre a mensagem que recebi, porque lhe deixei uma nota para que não se preocupasse. Estou segura de que jamais diria nenhuma só palavra que pudesse me prejudicar, confio plenamente nela.
- Então, se não se deixa ver pelo povoado, ninguém chegará a saber que esteve aqui. Parece-me que só temos uma opção: vai ter que passar a noite aqui.
- O que? Isso sim que faria em migalhas minha reputação! - exclamou Callie.
- Ninguém saberá que esteve aqui, a menos que o diga. Asseguro-lhe que a senhora Farmington não dirá nenhuma palavra, por medo a perder seu posto. Amanhã irei ao povoado, e alugarei uma carruagem. Retornará a Londres, e ninguém se inteirará do que ocorreu a menos que Francesca tenha comentado com alguém que seu irmão sofreu um acidente nesta zona.
- Não acredito que o tenha feito, não é nenhuma fofoqueira; em todo caso, duvido que ao retornar a casa estivesse de humor para receber visitas ou para sair a algum lugar, certamente estava exausta depois de passar o dia inteiro com lady Odelia. Além disso, estará esperando receber minhas notícias sobre o estado do Sinclair.
- Perfeito, então ninguém se inteirará do ocorrido.
Callie assentiu, e não pôde evitar pensar no fato de que iriam estar sozinhos. Recordou-o iluminado pela luz do fogo, a forma em que as chamas tinham banhado seu peito nu, como tinham tingido sua pele com um resplendor dourado e tinham enfatizado as linhas de seus músculos.
- Prometo que não lhe farei nada - disse ele com voz suave - Dormirei no estábulo se servir para que se sinta mais confortável, assim estará completamente sozinha. A senhora Farmington vive no povoado, e é óbvio que retornou a sua casa. Pode fechar com cal as portas e as janelas.
- Não é preciso que durma no estábulo, acredito em você. - Callie não podia lhe dizer que estava mais preocupada com a atração que sentia por ele, que pela possibilidade de que ele tentasse ultrapassar os limites.
- Obrigada.
Olharam-se nos olhos por um instante, mas os dois afastaram o olhar com desconforto. Bromwell pigarreou e olhou a seu redor, como se esperasse encontrar alguma resposta no aposento.
- Suponho que quererá deitar-se quanto antes, quer que lhe mostre seu dormitório? - disse-lhe por fim.
- Sim, por favor.
Enquanto saíam no corredor, ele comentou:
- Né... enfim, talvez devesse buscar algo para você vestir - ficou vermelho como um tomate - Uma de minhas camisas, ou... - foi incapaz de acabar a frase.
Callie sentiu que se acalorava ao imaginar dormindo com uma de suas camisas. Parecia algo muito íntimo, como se pelo fato de ter posto uma roupa sua fosse sentir sua presença junto a ela. Pensou se sentiria seu aroma masculino no tecido.
Foram pelo corredor para a escada, que estava junto à porta principal. Ao ver sua bolsa de viagem no vestíbulo, Callie supôs que deviam tê-la deixado ali ao chegar, embora não recordava tê-lo visto quando tinha saído correndo da casa.
- Olhe, minha bagagem - foi recolhê-la, mas Brom a tirou da mão - O mensageiro deve ter entrado sem que percebesse.
- Perfeito, assim tem sua própria roupa - lhe disse ele, sem olhá-la nos olhos.
Entre os dois havia uma tensão latente, e Callie se perguntou se ele tampouco podia deixar de pensar em que estavam a sós. Não havia acompanhantes, nem ninguém que pudesse usar a língua. Fosse o que fosse que chegasse a acontecer ali aquela noite, eles seriam os únicos que saberiam.
Subiram a escada, e Brom a conduziu pelo corredor. Quando chegaram à última porta, voltou-se para ela e lhe disse:
- Esta será seu quarto por esta noite. Está bastante frio, assim vou acender a lareira. Desculpe-me um momento.
Estava claro que fazia tempo que ninguém usava aquele quarto, e era certo que fazia frio. Brom foi deixar a um lado sua bagagem e acender o abajur que havia sobre a mesinha de noite, e retornou ao cabo de uns minutos com uns ramos. Pôs uma camisa, mas não se incomodou em metê-la nas calças.
Observou-o em silêncio enquanto ele se ajoelhava junto à chaminé e acendia o fogo, agasalhada pela colcha bordada que lhe tinha dado antes. Quando as chamas começaram a esquentar o quarto, aproximou-se da lareira.
- Espero que não se tenha resfriado - disse ele com um sorriso, antes de lhe afastar uma mecha de cabelo da face.
Callie sentiu o impulso de esfregar-se contra aquela mão como uma gata, de fechar os olhos e desfrutar de sua presença, do contato de sua pele.
Ele afastou a mão, e foi para a janela. Depois de afastar a um lado a cortina, fixou o olhar na escuridão da noite, e ao cabo de uns segundos lhe disse:
- Acho que já te contei que minha mãe morreu quando eu era muito jovem. Minha babá costumava chamar Daphne "minha magrinha", porque me cuidava e brincava comigo. Só nos tínhamos o um ao outro, porque meu pai era... - fez um gesto de desagrado - Jurei que jamais seria como ele, era um homem que nem entendia nem queria as crianças. Esperava que nos comportássemos como adultos, e não dava quartel pelo fato de que uma pessoa fosse jovem. Não admitia a debilidade, nem a estupidez.
- Sinto muito, Brom.
Ele a olhou com um sorriso, e disse:
- Não lhe digo isso para granjear sua compaixão, queria lhe explicar o que minha irmã significou para mim durante todos estes anos. Os castigos de meu pai eram muito severos, inclusive cruéis, e ela tentou me proteger. Costumava me esconder, desculpava-me, às vezes inclusive carregava com a culpa de algo que eu tinha feito porque não suportava ver-me sofrer. Tenho que lhe agradecer muitas coisas.
- Já sei - Callie esboçou um sorriso cheia de tristeza, porque entendia o amor que sentia por sua irmã. Daphne tinha sido a única que o tinha querido, assim era lógico que ele se sentisse incapaz de lhe dar as costas, fizesse o que fizesse.
- Minha irmã teve que agüentar muitos reversos, e eu era muito jovem para protegê-la. Meu pai insistiu em que realizasse um matrimônio vantajoso, já que era muito formosa e tinha muitos pretendentes. Casou-se com um homem muito mais velho que ela a quem não amava, e o fez por nós, para evitar que perdêssemos nossas terras por culpa das dívidas de meu pai. Lembro que a ouvi chorar em seu dormitório na noite anterior ao casamento. Quando por fim ficou livre dele e poderia ter começado uma nova vida, apaixonou-se pelo Rochford. Odiei a seu irmão por fazê-la tão desventurada, pelo fato de que tivesse de casar-se com outro velho, e não ficasse mais remédio que murchar-se durante quinze anos em um lugar afastado de tudo o que ela amava.
Voltou-se para Callie, carrancudo, e acrescentou:
- Mas agora... agora sinto que não a conheço. Tudo o que tem feito para tentar prejudicá-la, este estratagema, o acontecido nos jardins do Vauxhall, mal posso acreditar que minha irmã seja assim, que seja capaz de rebaixar-se até o ponto de urdir esses ardis. Parece ter o coração cheio de ódio e amargura, e não posso evitar me perguntar se nunca cheguei a entendê-la de verdade. Tudo o que me contou era mentira? Era igual agora como naquele tempo, e não me dava conta? Acaso era muito jovem e tolo para me dar conta da verdade?
Sua expressão refletia uma dor tão profunda, que Callie se aproximou dele e posou uma mão sobre seu braço.
- Sinto muito - disse com voz suave, com a cabeça erguida para ele.
Ao ver seus olhos escuros cheios de compaixão, enormes e quentes em seu delicado rosto, Brom ficou tão impactado como no primeiro dia por sua beleza. Seu rosto, emoldurado por aquela cabeleira rebelde de cachos negros, parecia- lhe perfeita em todos os sentidos. Fixou o olhar em seus lábios, e não pôde evitar recordar o que tinha sentido ao beijá-la. Apesar de não estar perto da lareira, sentiu que tinha a pele em chamas.
A colcha lhe tinha caído dos ombros quando tinha estendido a mão para ele. Brom desceu o olhar para seus ombros e seus seios. O decote do simples vestido de algodão só revelava um pouco de pele da parte superior de seus seios, mas o material ainda estava úmido e se amoldava a seu corpo. Ao ver como lhe endureciam os mamilos contra o tecido em uma amostra evidente de desejo, sentiu que lhe acelerava a respiração e que o coração martelava no peito.
A mente ficou em branco. Sabia que devia deixar de olhá-la, mas era incapaz de fazê-lo. Seu corpo inteiro era dolorosamente consciente do contato daquela mão sobre seu braço, que parecia estar em chamas.
- Deveria ir - disse, sem muita convicção.
- Não, não vá.
Callie sabia que todo mundo lhe diria que aquilo não estava bem, mas lhe parecia perfeito. A dor das últimas semanas tinha apagado os medos e as dúvidas. O desejo que tinha visto em seus olhos quando a tinha olhado tinha despertado nela um desejo profundo e primitivo. Queria voltar a sentir de novo o que tinha sentido com ele, e queria experimentar todo o novo e inexplorado que se abria ante ela.
Deslizou a mão desde seu braço até seu torso, e sentiu a curva firme de seus músculos debaixo da roupa. Sentiu uma onda de prazer quando ele inalou profundamente e se esticou de repente, porque saber que a desejava a excitava ainda mais.
- Fica comigo - sussurrou.
- Callie... - ele respirou com força, e lhe disse com voz trêmula: - Está brincando com fogo.
Ela esboçou um sorriso sensual, e o olhou com uma expressão eloqüente.
- Eu gosto do calor, Brom.
Ao ver seu rosto tenso de desejo, Callie se sentiu poderosa e triunfante, e se sentiu ansiosa por comprovar os limites de seu poder. Adorava as sensações que a percorriam, e queria mais, queria tudo. Queria a ele.
- Durante estes últimos dias, não pude deixar de pensar nos beijos que compartilhamos - lhe disse, encorajada - Você não? - ficou nas pontas dos pés, e lhe roçou o queixo com os lábios.
Ele estremeceu, e disse com voz rouca:
- Pelo amor de Deus, Callie, não pensei em outra coisa - quando lhe beijou o queixo, acrescentou - Isto é uma loucura.
- Pode ser que sim. Que mais acontece?
- Amanhã se arrependerá.
- Não, não me arrependerei - Callie voltou a lhe beijar o queixo antes de estirar- se para cima, e lhe roçou a boca com os lábios em uma carícia doce e incitante.
Brom sabia que deveria afastar- se, que um cavalheiro jamais se aproveitaria assim de uma mulher, mas era incapaz de mover as pernas e não se sentia nada cavalheiresco nesse momento.
Callie voltou a lhe roçar os lábios com uma carícia apenas perceptível, voltou a fazê-lo com um pouco mais de força, e se afastou um pouco. Olhou-o nos olhos, e se limitou a esperar. Sentia o calor que emanava de seu corpo masculino, e a tensão que o percorria. Ele tinha os punhos apertados com força, como se estivesse tentando aferrar- se aos últimos vestígios de controle que restavam. Sem afastar o olhar dele, ficou nas pontas dos pés de novo e ergueu a boca para a sua. Brom soltou um gemido gutural, e a rodeou com os braços enquanto baixava a cabeça para beijá-la. A paixão que os dois estavam reprimindo durante tantos dias emergiu com uma força irrefreável. Aferraram-se o um ao outro enquanto se beijavam de forma calorosa. Afastaram-se e começaram a arrancar a roupa, mas foram incapazes de suportar a separação e voltaram a abraçar-se. Enquanto continuavam beijando- se, foram girando como em um baile acalorado que foi aproximando-os cada vez mais à cama.
Brom conseguiu tirar as botas, desabotoou a camisa e a atirou ao chão. Os botões que desciam pelas costas do vestido de Callie mostraram ser mais complicados, mas ao final conseguiram desabotoá-los ou em alguns casos, arrancá-los. Desceu a roupa com um movimento apressado, e a deixou em roupa interior. Os seios de Callie se erguiam por cima do decote bordado da regata, e seus mamilos endurecidos, que transpareciam através do fino tecido de algodão, ficavam justo debaixo da borda e se mantinham fora da vista por pouco. Brom se deteve em seco, e a devorou com o olhar.
Pouco a pouco, de forma quase reverente, percorreu o decote com o indicador e roçou apenas a pele, e sentiu que ela estremecia e gemia com suavidade. Com a mesma deliberação, colocou os dedos no decote e lhe desceu a regata. O toque do tecido endureceu ainda mais os mamilos, e quando por fim ficaram descobertos, acabou de descer a roupa depressa e apenas se deu conta de que o fino tecido se rasgava. ficou sem fôlego ao ver aqueles seios nus, firmes e arredondados, que pareciam estar feitos a medida para suas mãos. Foi incapaz de conter o impulso de tomá-los em suas mãos, de sopesá-los enquanto saboreava o toque daquela pele sedosa, e começou a lhe acariciar os mamilos com os polegares, a traçar círculos a seu redor e a brincar com eles.
Callie sentia que cada uma de suas carícias aumentava o desejo que ardia em seu interior. Não podia ficar quieta, e seu corpo inteiro estremecia e se sacudia. Apertou as pernas com força, para conter o fogo que ia crescendo entre elas. Queria que cada momento durasse para sempre, mas ao mesmo tempo era presa de um desejo avassalador, de um apresso que a impulsionava a encontrar, a agarrar, a ter tudo imediatamente. Estendeu a mão, e começou a lhe desabotoar as calças. Sob o tecido notou um movimento insistente, a prova física do muito que Brom a desejava, e não pôde resistir ao impulso de descer a mão por cima da roupa para acariciar a dureza que havia debaixo.
O gemido de prazer de Brom a encorajou ainda mais, e foi baixando a mão entre suas pernas antes de voltar a subi-la pouco a pouco. Ao chegar de novo à cintura da calça, deslizou a mão por dentro, e a sensação até então desconhecida de pele firme e pêlo hirsuto, de um membro duro que parecia elevar-se para ela ansioso por suas carícias, foi estranhamente excitante para ela.
Enquanto ela realizava sua cautelosa exploração, Brom a beijou com paixão e seguiu lhe acariciando os seios. O desejo que crepitava entre os dois foi ganhando força. De repente, como se não pudesse esperar mais, ele a soltou e retrocedeu um pouco. Depois de tirar as calças sem olhar, aproximou-se dela e lhe tirou a regata e as anáguas sem lhe dar tempo para reagir. Callie se sobressaltou por um momento ao vê-lo ajoelhar-se ante ela, mas então se deu conta de que estava lhe desabotoando as botas. Teve que apoiar uma mão em seu ombro quando ergueu o pé para tirar o primeiro, e a olhou com uma expressão tão intensa e cheia de promessas quando levantou o outro para lhe tirar o segundo, que a deixou sem fôlego.
Brom colocou a mão por debaixo dos calções debruados de encaixe, seguiu a curva da pantorrilha, e foi subindo até a coxa. Colocou os dedos por debaixo da liga, e foi baixando- a junto com a meia com uma lentidão infinita.
Callie engoliu com dificuldade enquanto sentia que aquelas mãos deslizavam por sua perna. A pele formigava, e tinha medo de que os joelhos pudessem fraquejar de um momento a outro. Depois de lhe tirar a outra medeia com o mesmo cuidado, Brom ficou de pé enquanto subia as mãos por suas pernas, por cima dos calções. Quando chegou a cintura da roupa, puxou o laço sem deixar de olhá-la nos olhos e o desatou. Deslizou as mãos por dentro, e afastou a roupa enquanto descia pela curva de seus quadris. Os calções caíram ao chão, e Callie ficou completamente nua.
Devorou-a com o olhar, e seu rosto se esticou de desejo. Callie sabia que deveria sentir-se envergonhada ao estar exposta ante ele, mas se surpreendeu ao dar- se conta de que o pudor perdia a batalha contra a excitação. O olhar do Brom era como uma carícia tangível sobre sua pele, e acrescentava a umidade palpitante entre suas coxas.
- É tão formosa - sussurrou ele com voz rouca, antes de tomá-la nos braços e levá-la à cama.
Depois de colocá-la sobre o colchão, deitou-se a seu lado e se apoiou sobre um cotovelo enquanto posava a outra mão sobre ela. Estendeu os dedos sobre sua caixa torácica, e depois de lhe acariciar os seios, desceu pelo estômago e seus quadris até chegar a uma coxa. Deslizou a mão entre suas pernas, e as separou um pouco antes de ir descendo pela face interior da coxa.
Callie respirou ofegante enquanto ele ia subindo a mão de novo pela coxa, para um objetivo claro, e sentiu que estalava em chamas quando ele chegou por fim ao centro de sua feminilidade e começou a acariciá-la, a explorar com ternura sua parte mais íntima. Mordeu o lábio ante a onda de prazer, e se arqueou contra sua mão. Jamais teria imaginado sequer que poderia sentir algo assim, que seu corpo inteiro poderia derreter- se ante a mais ligeira carícia. Enquanto ela gemia e se movia sob sua mão, Brom sorriu e a olhou com uma expressão triunfal e cheia de desejo. Inclinou- se e lhe beijou um seio, e enquanto ela ofegava de prazer, percorreu com os lábios aquela pele firme, mordiscou-a e a atormentou com a ponta da língua. Quando chegou ao mamilo, começou a traçar círculos a seu redor e a brincar com ele até que por fim começou a sugar com força.
Callie estremeceu ante o prazer misturado de seus dedos e sua boca. Estava em chamas, e o fogo se concentrava no mais profundo de seu abdômen. Retorceu- se sob suas carícias, afundou os calcanhares no colchão, e se aferrou ao cobertor que tinha debaixo.
- Por favor - gemeu se desesperada. Sentia-se como se estivesse a ponto de morrer, de explodir.
Abriu as pernas sem duvidar quando ele se colocou sobre ela, e quando a puxou pelos quadris e a ergueu um pouco, sentiu a ligeira pressão de seu membro duro contra a entrada de seu sexo e se arqueou de forma instintiva para recebê-lo. Ele começou a penetrá-la pouco a pouco, com cuidado, com o corpo inteiro tenso pelo esforço que lhe custava controlar-se.
Callie sabia que a primeira vez sempre doía, mas só experimentou uma maravilhosa sensação de plenitude ao sentir que deslizava em seu interior, que a enchia. Gritou seu nome em uma exclamação abafada de prazer, e ele afundou o rosto em seu pescoço e inalou profundamente seu aroma antes de começar a mover-se de forma rítmica. Ela o rodeou com os braços e as pernas, e não demorou a mover-se ao ritmo de suas longas e firmes investidas. Callie sentia sua respiração ofegante ao ouvido, e estava envolta pelo calor abrasador que emanava de seu corpo. Saboreou a sensação de sentir- se rodeada por aquele homem, de estar imersa nele. A tensão foi ganhando intensidade em seu abdômen com cada investida, foi acrescentando-se mais e mais, até que no final explodiu em uma deflagração que a fez gritar de prazer.
Brom estremeceu e gemeu, penetrou- a uma e outra vez com uma intensidade febril até que seu corpo inteiro se sacudiu de agrado ao alcançar o êxtase. Deitaram- se juntos sobre o colchão, esgotados e completamente saciados, e quando conseguiu encher- se de forças, ele murmurou seu nome e rodou a um lado sem deixar de abraçá-la contra si. Então agarrou o cobertor, e o estendeu sobre os dois. Aninhados, abraçados o um ao outro, ficaram adormecidos.
Callie despertou pouco a pouco. Primeiro notou que fazia muito calor, e depois se deu conta de que tinha algo muito pesado em cima. Abriu os olhos, e se encontrou cara a cara com uma firme extensão de pele coberta por pêlos que faziam cócegas no nariz. Piscou sonolenta, e ao cabo de um segundo despertou de todo. O calor procedia do corpo do Brom, estava deitada contra ele, tinha a face apoiada em seu peito, e o peso que tinha em cima era seu braço, que estava estendido sobre ela.
Sorriu quando recordou de repente o que tinha acontecido à noite anterior. Uma mulher virtuosa se teria sentido envergonhada, mas ela estava cheia de uma felicidade tão grande, que não havia capacidade para nenhum outro sentimento. A pesar do calor que tinha, continuou deitada durante um longo tempo, saboreando a gravuras embriagadoras que os prazeres da noite anterior tinham deixado em seu corpo.
Finalmente, levantou- se da cama e voltou a cobrir Brom com o cobertor. Percorreu o quarto com o olhar, e viu a roupa de ambos espalhada por toda parte. A julgar pelo ruído de rasgões que tinha ouvido enquanto se despiam, o mais provável era que as roupas tivessem ficado imprestáveis, assim era uma sorte que tivesse roupa para trocar.
Na lareira só restavam cinzas, porém mal notou o frio enquanto se aproximava da janela. O quarto continuava estando pouco iluminado, mas a luz que se filtrava por uma fresta da cortina parecia indicar que fazia muito que tinha amanhecido. Afastou a um lado a cortina, e viu a campina banhada pelo sol matinal; ao cabo de uns segundos, deixou- a cair de novo e se voltou para o quarto.
O vestido estava diante de uma cadeira, as anáguas sobre os pés da cama, as botas a mais do meio metro de distância uma da outra, e a regata perto da porta. Voltou-se para a cama depois de recolher tudo, mas ao ver o Bromwell com o olhar fixo nela e apoiado sobre um cotovelo, deu um pulo e lhe caiu a roupa ao chão.
- Assim está muito melhor, a roupa me impedia de vê-la bem - lhe disse ele, sorridente.
- O que está fazendo? Assustou- me!
- Estou olhando- a.
- Por que não disse nada? Pensava que continuava dormindo.
- Já sei, assim pude desfrutar mais da situação - comentou ele, com um sorriso impenitente.
Callie se agachou para recolher a roupa enquanto se ruborizava, e segurou os trajes diante de seu corpo para poder defender- se um pouco.
- Não, não se esconda. Eu adoro olhá-la.
Ela esboçou um pequeno sorriso. A excitação foi abrindo espaço entre o estranho acanhamento que a invadia, e em seu interior começou a ganhar vida aquele desejo quente com o qual começava a familiarizar- se.
- Não é justo, você está coberto.
Aquilo não era de todo certo, porque o cobertor lhe tinha caído até a cintura e tinha deixado descoberto seu peito e braços. Callie teve que admitir para si mesma que a imagem era muito sensual. Brom sorriu de orelha a orelha, afastou a um lado o cobertor, e lhe disse:
- Já está, assim os dois podemos olhar com prazer.
Callie se ruborizou, mas seus olhos pareciam ter vontade própria e percorreram seu corpo de cima abaixo. Contemplou sua pele firme e bronzeada, sua musculatura dura, e a prova inequívoca que demonstrava quanto estava excitado.
- Céus! - abriu os olhos como pratos e se ruborizou, mas o desejo que sentia se aumentou ao vercomo seu membro se endurecia cada vez mais.
- Sim, sou seu escravo - admitiu ele, com um sorriso travesso.
- Eu diria que é escravo de seus próprios desejos.
Callie deixou cair a roupa e foi para a cama, e o prazer que sentiu quando ele a percorreu dos pés a cabeça com um olhar cheio de desejo apagou qualquer rastro de acanhamento.
- Só no que respeita a você. Pegou seu braço para acabar de aproximá-la à cama, e depois de endireitar-se e de colocar-se de joelhos na borda do colchão, agarrou-a pelos quadris e a apertou contra si.
Callie o olhou nos olhos, posou as mãos sobre seus ombros, e começou descê-las pouco a pouco. Depois de subir de novo, deslizou- as por seu peito e sorriu com malicia ao notar a pressão de sua ereção contra o abdômen.
- Você gosta da idéia de me fazer sofrer, não é? - disse ele com voz rouca, enquanto lhe salpicava o pescoço de beijos.
- Não, o que eu gosto é da idéia de acabar com seu sofrimento - lhe respondeu ela, enquanto baixava as unhas com suavidade por seu peito.
Brom pôs-se a rir, e lhe mordiscou o pescoço.
- Também eu gosto muito da idéia, minha senhora.
Rodeou-a com os braços, puxou-a até que caiu sobre a cama com ele, e rodou com rapidez até ficar em cima dela. Depois de lhe erguer os braços por cima da cabeça, os manteve sujeitos com uma mão enquanto começava a traçar um caminho descendente de beijos por seu corpo. Saboreou-a e explorou o prazer, e continuou mantendo-a presa sob seu corpo enquanto ela se retorcia de prazer e lutava por libertar as mãos.
- Ainda não. Primeiro me toca agradá-la, depois terá sua vez - murmurou.
Fez amor lentamente e com ternura com a boca e as mãos, aproximou- a cada vez mais à explosão de prazer que a tinha deixado sem fôlego a noite anterior, mas cada vez que estava a ponto de estalar, ele dava marcha atrás antes de voltar a enlouquecê-la. Enquanto saboreava seus seios com a boca, Brom afundou os dedos em seu sexo, e percorreu as dobras quentes e úmidas até chegar ao pequeno botão que se escondia entre eles. Callie se arqueou para ele enquanto soluçava de desejo, e quando ele esticou os dedos e começou a acariciá-la a um ritmo mais rápido, ela se esticou dos pés a cabeça e gritou enquanto o prazer a percorria em intensas ondas.
Quando relaxou de novo e ficou olhando- o com um brilho sensual no olhar, Brom se inclinou para beijá-la com ternura nos lábios e começou a colocar- se entre suas pernas.
- Não, nem pensar - lhe disse ela, com um sorriso. Apoiou as mãos sobre seu peito musculoso, e o empurrou para que se deitasse de costas.
Ele obedeceu sem pigarrear, e a olhou com um sorriso travesso.
- O que acontece? Já tem o bastante? Quer parar?
- Não, parar não, só adiar. Disse-me que teria minha vez.
O sorriso de Brom se alargou ainda mais.
- Sim, é verdade. O que tem planejado para mim?
- Acredito que irei improvisando sobre a marcha, recorda que sou novata nisto.
Ele entrelaçou as mãos atrás da cabeça. Aparentava estar relaxado, mas sua imponente ereção revelava o desejo que o atezanava.
- Sou todo teu, sinta-se livre para improvisar o que quiser.
Seus olhos cinza se obscureceram de paixão quando Callie se colocou escarranchado sobre ele.
Ela deslizou as mãos por seu peito, e começou a explorar com prazer as diferentes texturas dos ossos duros e os músculos firmes, da pele firme e o pêlo hirsuto. Traçou seus mamilos planos com os dedos até que se esticaram, e então se inclinou e começou a atormentá-los tal e como ele tinha feito com os seus. Chupou-os e os rodeou com a língua, saboreou-os até que ficaram duros e tintos de um profundo rosa forte.
Sentou-se e se acomodou em cima dele, e ao ver que Brom soltava um gemido gutural, sorriu com sensualidade e voltou a mover-se. Esfregou-se contra seu corpo duro, e se excitou tanto como ele. Saboreou o contato de pele contra pele, a forma em que o pêlo de seu peito musculoso roçava com delicadeza seus sensíveis mamilos.
Ele a agarrou pelos quadris e tentou fazer que se movesse para baixo para poder penetrá-la, mas Callie sorriu e negou com a cabeça.
- Não, ainda não. Ainda não acabei, nem sequer o beijei.
Colocou-se de quatro sobre ele, e avançou um pouco até que ficaram cara a cara. Ficou olhando-o em silencio durante uns segundos. Brom tinha o rosto tenso, a boca plena e sensual, e os olhos brilhavam como se tivesse febre. Tinha deixado a pose de fingido relaxamento, e segurava com força o lençol que tinha debaixo de si para tentar manter o controle.
Callie lhe beijou a fronte, e foi baixando os lábios por seu rosto. Foi orvalhando de beijos a delicada pele de suas pálpebras fechadas, aquelas maçãs do rosto firmes que a fascinavam, a mandíbula e o queixo, e quando por fim chegou à boca, deu- lhe um beijo longo e profundo. Ao sentir que seus músculos se moviam de forma espasmódica, soube que estava tão desesperado como ela o tinha estado antes.
Ergueu a cabeça, e começou a descer por seu corpo. Ele soltou um gemido de protesto e tentou agarrá-la, mas ela afastou suas mãos e começou a deixar um riacho descendente de beijos por seu peito enquanto sua mão ia descendo também. Deslizou os dedos por seu peito e seu estômago, percorreu a protuberância do osso do quadril, e desceu por sua coxa enquanto ele se retorcia e gemia atormentado.
Callie deslizou a mão pela parte interior da coxa, mas vacilou com certo acanhamento ao lhe roçar os testículos. Ao cabo de um instante, acariciou-o com as pontas dos dedos, e Brom inalou com força enquanto arqueava os quadris de forma involuntária.
- Você gosta disto? - sussurrou ela contra seu pescoço.
Ele só pôde emitir um som inarticulado.
- Tomarei como um sim - disse ela, antes de tomá-lo na palma da mão.
Ao ver que ele estremecia, encorajou- se ainda mais e subiu os dedos por seu duro membro, que parecia palpitar de desejo. Rodeou-o com os dedos, e o acariciou sem pressa enquanto explorava a pele acetinada que o cobria.
De repente, Brom soltou um grunhido rouco e a agarrou pelos braços. Com um movimento veloz, tombou- a de costas, colocou- se entre suas pernas, e a penetrou de uma só investida. Callie soluçou de prazer ao voltar a senti-lo em seu interior. Rodeou- o com os braços e as pernas, e ele a penetrou enlouquecido uma e outra vez até que os dois explodiram de prazer.
Permaneceram durante longo tempo imersos em um estado idílico, flutuando entre o sonho e a consciência. Callie estava deitada de lado com a cabeça apoiada sobre o ombro de Brom, e ele a rodeava com um braço. Sentia-se maravilhosamente saciada e exausta, enquanto sua mente vagava no meio de uma prazenteira neblina. Finalmente, Brom suspirou e afastou o braço antes de dizer:
- Tenho que ir procurar uma carruagem de aluguel no povoado.
- Depois - murmurou ela, enquanto se aninhava de novo contra ele.
Brom soltou uma gargalhada, e deslizou a mão pelas curvas de seu corpo.
- Não conseguirá me tentar até que me esqueça do que tenho que fazer.
Ela se voltou para ele, e o olhou com olhos faiscantes.
- Está me desafiando?
Ele pôs- se a rir, e a beijou no ombro.
- Não, tenho muito claro que acabaria perdendo - beijou- a na boca, mas ao cabo de uns segundos se afastou - Tenho que ir, deve retornar a Londres antes que alguém note sua ausência.
Callie percebeu que tinha razão, mas não queria que aquele momento acabasse tão rápido. Sabia que tudo mudaria assim que se fosse do Blackfriars Monopolize.
Bromwell não se incomodou em recolher sua roupa, e se limitou a agarrar suas botas antes de ir vestir se em seu quarto. Callie suspirou com resignação, e se levantou também da cama. Como fazia frio, cobriu-se com a colcha que Brom lhe tinha dado na noite anterior, quando tinha entrado empapada na casa. Tirou uma muda da bolsa de viagem. Tinha acertado de optar por um vestido simples que abotoava pela frente, assim lhe foi fácil vesti-lo sem ajuda. Estava um pouco amassado, mas não havia ninguém que pudesse vê-lo, e em qualquer caso, acabaria amassando-se de qualquer forma durante o trajeto de volta a Londres.
Brom voltou vários minutos mais tarde com uma jarra de água para que pudesse lavar-se, e lhe disse que ia ver se a governanta se apresentara para trabalhar.
Callie se lavou rapidamente. Penteou-se com certa dificuldade, porque tinha o cabelo bastante emaranhado, mas no final conseguiu prendê-lo em um simples coque. Quando acabou, apressou-se a descer e foi para a parte posterior da casa seguindo o ruído de pratos e panelas de metal.
Encontrou Brom na cozinha, colocando pratos e talheres sobre uma enorme mesa de madeira. Ao ouvi-la entrar, olhou-a sorridente e lhe disse:
- A senhora Farmington não veio, mas fiz chá, encontrei manteiga e geléia, e consegui cortar várias fatias de pão para fazer umas torradas.
- Perfeito - lhe disse ela, com um sorriso radiante. Apesar da torrada estar um pouco queimada por um lado e pouco torrada pelo outro, e do o chá estar muito forte, para Callie foi o melhor café da manhã que tinha comido em sua vida.
Ele brincou sobre suas péssimas aptidões culinárias, e enquanto conversavam e riam, estendeu a mão para ela a três por quatro para lhe acariciar a mão ou para lhe afastar uma mecha de cabelo da rosto, como se não pudesse suportar estar muito tempo sem tocá-la.
Levantaram-se a contra gosto da mesa quando acabaram de tomar o café da manhã e, nesse momento, Callie ouviu um som procedente do exterior.
- É isso um cavalo? - disse, enquanto inclinava a cabeça e aguçava o ouvido. Ao cabo de uns segundos, olhou para a janela, mas só viu parte do pátio e o estábulo. Brom ficou imóvel, e comentou:
- Sim, alguém se aproxima a toda velocidade.
Saíram da cozinha, e quando estavam na metade do corredor, alguém bateu com força à porta.
Olharam-se o um ao outro, e Callie sentiu uma súbita inquietação.
Os golpes continuaram, e quando Brom se aproximou da porta e a abriu, encontrou-se cara a cara com o duque do Rochford.
O duque tinha a roupa manchada pela viagem a cavalo, e as botas enlameadas. Levava o chapéu e o chicote em uma mão, e seu rosto refletia uma fúria gélida.
- Assim é verdade!
Avançou um passo e deu um murro em Bromwell, que cambaleou para trás e caiu ao chão.
- Sinclair, não!
Callie pôs-se a correr para Bromwell, mas quando tentou ajudá-lo, ele afastou a sua mão e ficou de pé. Olhou Rochford com um brilho de aço nos olhos, e se secou com a mão o pequeno fio de sangue que lhe corria pela maçã do rosto.
- Quer brigar? - perguntou-lhe com voz perigosamente suave, enquanto esboçava um pequeno sorriso.
- Brom, não! - exclamou ela.
- O que quero é matá-lo - disse Rochford, antes de atirar o chapéu e o chicote em cima do banco do vestíbulo.
- Sinclair! - Callie se voltou para seu irmão, e o olhou com exasperação.
Nenhum dos dois lhe prestou a mínima atenção. Tiraram-se suas respectivas jaquetas, atiraram-nas a um lado, e começaram a arregaçar a camisa.
- Querem parar por um segundo? Poderiam me escutar? Estou bem, Sinclair. Não é preciso que...
- Claro que é preciso - disparou seu irmão, sem olhá-la sequer.
- Mantenha-se à margem, Callie - disse Bromwell de uma vez.
- Que me mantenha à margem? Não diga tolices! Não posso permitir que brigue com meu irmão!
Era óbvio que não lhe iriam fazer o menor caso, dissesse o que dissesse. Callie olhou a seu redor procurando inspiração, enquanto eles se aproximavam e começavam a mover um ao redor do outro com cautela, com os punhos erguidos.
Bromwell lançou uma esquerda repentina, mas Rochford se afastou a um lado com rapidez e o golpe lhe deu no ombro em vez do rosto. Bromwell lhe deu uma direita que lhe deu totalmente na mandíbula e o jogou para trás. Rochford golpeou de costas contra uma vitrine, e uma figurita de porcelana caiu ao chão e se fez em migalhas.
Bromwell foi até ele para voltar a golpeá-lo, mas Rochford se voltou a um lado, agarrou- o pelo braço, e o lançou para a vitrine. Bromwell se voltou imediatamente, jogou- se contra ele, e os dois se chocaram contra o sofá. Caíram por cima do espaldar, foram parar ao assento, e acabaram no chão enquanto seguiam lutando e dando- se murros. Nenhum dos dois parecia lembrar- se nesse momento das normas do pugilismo.
Callie gritou que parassem, mas foi inútil. Aproximou-se correndo da lareira, agarrou o atiçador, e se voltou de novo para eles. Ao vê-los rodando pelo chão, derrubando mesas e cadeiras, correu para eles com o atiçador no alto, mas não foi capaz de bater em nenhum dos dois.
Enquanto permanecia ali como uma tonta indecisa, com o atiçador ainda no alto, ouviu uma voz feminina a suas costas.
- Custa-me acreditar, Rochford. Uma briga no meio de um salão, e antes do café da manhã? Que primitivo.
Callie se voltou de repente, e ficou boquiaberta ao ver Francesca aos pés da escada, serena e tão composta como sempre. Estava tão surpreendida, que ficou sem palavras; ao que parecia, aquela inesperada aparição também tinha bastado para deter a briga, porque os dois homens se ficaram imóveis e estavam olhando atônitos a recém chegada.
- Levantem-se de uma vez, Rochford. Têm um aspecto ridículo atirado no chão igual a você, lorde Bromwell. Dois cavalheiros como vocês deveriam ser capazes de encontrar melhor forma de entreter-se que quebrar móveis. Com certeza o proprietário desta encantadora casinha se desgostará ao ver todos estes danos.
Como todo mundo permaneceu em silêncio, Francesca foi até o salão, e se deteve na porta.
- Suponho que os dois gostam de boxe, não é? - acrescentou, enquanto eles ficavam de pé com expressão de desconcerto - Acredito que teria sido melhor que ficassem a praticar lá fora, despertaram-me com tanto alvoroço. Com certeza tenho umas enormes olheiras, sobre tudo tendo em conta que Callie e eu chegamos de noite e fomos dormir bastante tarde - Francesca se deteve, e acrescentou magnânima: - Em todo caso, alegra-me ver que gozam de boa saúde, Rochford. Suponho que lhes seriam muito desagradável ter uma perna e várias costelas quebradas.
O duque pareceu recuperar a fala por fim.
- De que demônios está falando, Francesca?
- De suas feridas, é obvio - lhe respondeu ela com doçura - Callie e eu viemos assim que recebemos a carta em que nos avisava de seu acidente. Imagina o muito que nos surpreendemos quando chegamos e descobrimos que não estava aqui.
- Você... vocês estava aqui com Callie? - perguntou-lhe, boquiaberto.
- Sim, é obvio. Viemos imediatamente, assim que recebemos a carta que nos enviou... como se chamava, Callie?
- A senhora Farmington - Callie tentou conter um sorriso.
- Exato, a senhora Farmington. Não podia permitir que Callie viesse sozinha, e embora nos surpreendeu sobremaneira não o encontrar aqui, Rochford, lorde Bromwell teve a delicadeza de permitir que ficássemos passando a noite. Era muito tarde, e duvido que me tivesse sentido confortável na estalagem.
- Não entendo. De que carta estão falando? O que fazem aqui? O que faz ele aqui? – Rochford lançou um olhar furioso ao Bromwell.
- Vivo aqui - lhe disse ele - Melhor dizendo, vim ficar durante uma ou duas semanas.
- E Callie e eu viemos pela carta, Rochford. Acabo de explicar isso. Ainda a tem, Callie? Querida, será melhor que suba para procurá-la para que possamos mostrá-la a seu irmão.
Possivelmente assim poderá entender a situação.
Callie assentiu, e se apressou a subir a seu dormitório. Durante sua ausência, Rochford se dedicou a olhar com suspeita a Francesca, que se limitou a observá-lo com uma expressão fria e ligeiramente desdenhosa, e a Bromwell, que cruzou os braços e o olhou por sua vez com arrogância.
Callie retornou quase imediatamente, e deu a carta a seu irmão.
Ele a leu carrancudo, e quando terminou olhou a Francesca e disse:
- O que significa isto? Quem lhes enviou esta carta? - voltou-se para Bromwell, e lhe disse - Se trata de seu ardil?
- Não, ele não teve nada que ver com isso! - apressou-se a dizer Callie - Se surpreendeu tanto como eu e como Francesca - acrescentou com rapidez.
- Como estávamos bastante cansadas, decidimos nos deitar e esclarecer o assunto pela manhã, mas você apareceu gritando como um louco - comentou Francesca.
- Por que não me há dito que Francesca estava aqui? - perguntou- Rochford à Callie.
- Tentei! - ela cruzou os braços em um gesto combativo, e acrescentou - Como recordará, não me fez nenhum caso.
- Ah. - O duque pareceu um pouco envergonhado.
- Agora toca a você, Rochford. O que faz aqui? - disse-lhe Francesca.
- Também recebi uma carta. Nela me dizia que minha irmã estava aqui com lorde Bromwell, que tinham fugido juntos.
- Entendo - nos quentes olhos azuis de Francesca apareceu um brilho gélido.
- Sim, parece-me que todos entendemos - disse Bromwell com pesar. Deu meia volta, e começou a arrumar uma mesa e uma cadeira que derrubaram.
Francesca segurou o olhar de Rochford durante um longo momento antes de voltar- se para Callie.
- Vamos, querida, será melhor que vamos arrumar nossas coisas. Pode ser que Rochford nos acompanhe de volta a Londres.
- O que me recorda, onde está sua carruagem? Não a vi quando cheguei - Rochford voltou a olhá-las com suspeita.
- Está no estábulo, é obvio - Francesca o olhou como se tivesse ficado louco - Onde quer que esteja?
No silêncio que seguiu a suas palavras, ouviram o som de cavalos que se aproximavam. Os quatro trocaram olhares de surpresa, e Bromwell foi para a porta; entretanto, deteve-se de repente quando ouviram vozes femininas e risadas.
A porta se abriu, e lady Swithington entrou junto a outra mulher. Estava falando com animação, mas se deteve em meio à frase ao ver seu irmão olhando- a com expressão pétrea.
- Olá, Brom! - exclamou, aparentemente surpreendida - Não esperava encontrá-lo acordado tão cedo. Ah, lady Calandra, que prazer tão inesperado - seus olhos foram do Callie ao Rochford, e acrescentou - Rochford, você também está aqui? - sua voz era suave como a seda. Apesar de tentar parecer surpreendida, sua satisfação era óbvia.
- Olá, Daphne - lhe disse Francesca.
Daphne se voltou de repente para ela ao ouvir sua voz, e seus olhos se estenderam em uma expressão de estupefação muito mais genuína.
- Francesca! O que...! Ah, isto sim que é uma surpresa - permaneceu em silencio durante uns segundos, claramente desconcertada, e ao fim se voltou para a mulher que a acompanhava - Sinto muito, permitam que os apresente a minha amiga, a senhora Cathcart. Lady Haughston, lady Calandra, não sei se já se conhecem.
- Sim, acho que nos encontramos em alguma ocasião - Callie se esforçou por sorrir - Encantada de voltar a vê-la, senhora Cathcart.
Aquela loira de rosto magro era uma das maiores fofoqueiras da alta sociedade. Era evidente que a irmã do Brom tinha orquestrado aquela cena, e que tinha preparado tudo para que o escândalo fosse presenciado por alguém que sem dúvida o difundiria por toda a cidade. Lady Swithington continuou com as apresentações. O duque tinha recuperado a suficiente compostura para baixar as mangas e saudar a senhora Cathcart com uma elegante reverencia.
- É um prazer falar com você - disse à mulher. Esboçou um sorriso amigável, mas ao mesmo tempo impedia que seu interlocutor esquecesse que estava falando com um duque - Rogo que desculpem meu aspecto, senhora Cathcart. Receio que não esperava visitas.
- É obvio, Sua Senhoria - a mulher sorriu e se ruborizou. Estava claro que se sentia adulada por estar falando com o duque do Rochford.
- Está um pouco desalinhado, Rochford - comentou lady Daphne - Brom, isso que tem na face é sangue, não é? O que aconteceu?
Os dois homens trocaram um olhar, e foi Francesca quem se apressou a romper o silêncio.
- Estiveram tentando reparar nossa carruagem, não é de estranhar que tenham um aspecto tão desalinhado. Uma roda se colocou em uma sarjeta, e caímos. Foi uma experiência angustiante!
A senhora Cathcart mostrou a consternação e a compreensão de rigor, mas lady Daphne olhou a Francesca com astucia e lhe disse:
- Que terrível. Surpreende-me que não tenham ficado feridos.
- Sofremos uma grande sacudida, asseguro - declarou Francesca com naturalidade. - Não é verdade que sim, lady Calandra?
- Sim, tenho um enorme machucado nas costas, mas felizmente, ninguém quebrou nenhum osso - olhou com firmeza lady Daphne, para lhe deixar claro o que queria dizer.
Depois de um longo momento de silêncio, Daphne comentou:
- Céus, parece que tiveram um dia muito duro, e nem sequer é meio-dia. Foi uma sorte que a carruagem se danificou aqui, justo onde puderam contar com a ajuda de meu irmão.
- É verdade que sim. - disse Francesca com doçura - Lorde Bromwell foi muito amável conosco, todos lhe agradecemos a ajuda que nos prestou. Não é verdade, Rochford? - voltou-se para o duque, e só os que a conheciam bem teriam notado o matiz imperioso que havia latente em sua voz. Rochford apertou a mandíbula, e disse com certa rigidez:
- Sim, agradeço-lhe sua ajuda.
- Foi um prazer, lamento que sua viagem se viu interrompida - disse Bromwell.
- Nesse caso, entenderão que devemos partir imediatamente - comentou Rochford - Foi um prazer falar com você, senhora Cathcart, mas temo que devem nos desculpar.
- Aonde se dirigiam? Acreditava que estavam em Londres - comentou Daphne.
Rochford a olhou com sua expressão mais aristocrática, a que reservava para acabar com perguntas impertinentes, mas Daphne não pareceu sentir- se intimidada.
- Íamos visitar uns amigos antes de seguir rumo ao Marcastle.
- Sério? Quais são esses amigos? Pode ser que os conheça.
O duque arqueou as sobrancelhas ante sua insistência, e lhe disse com voz seca:
- Duvido- o.
- Já basta de perguntas, Daphne - disse Bromwell, com um tom duro que nunca antes tinha usado com sua irmã - Nossos convidados têm que partir, não os entretenhamos mais.
- É claro - Daphne olhou aos outros com um sorriso cordial.
- Vou ao estábulo, para dizer ao condutor que traga a carruagem - disse Rochford, com o olhar fixo em Francesca.
- Excelente idéia - lhe disse ela, com um sorriso frio e sereno.
Rochford se despediu de todos com a reverência de rigor, e saiu da casa.
- Se nos desculparem, Callie e nós gostaríamos de nos refrescar um pouco antes de partir - disse Francesca, enquanto se aproximava de Callie e a segurava pelo braço.
Depois de despedir- se de Daphne e da senhora Cathcart com um sorriso cortês, as duas saíram da sala. Callie evitou olhar ao Bromwell, já que tinha medo de revelar com o olhar o que tinha acontecido a noite anterior.
Enquanto subiam a escada, Francesca a manteve segura pelo braço para que não acelerasse muito o passo. Soltou- a quando chegaram ao piso superior e ficaram fora da vista dos outros, e Callie se apoiou contra a parede e sussurrou:
- Meu deus, Francesca.
Sua amiga negou com a cabeça para lhe indicar que não continuasse falando, e a conduziu pelo corredor. Quando esteve a certa distância da escada, perguntou-lhe com voz calma:
- Tem uma bolsa, ou alguma outra coisa?
Callie assentiu, e lhe respondeu em voz igualmente baixa:
- Sim, está nesse quarto daí.
Ruborizou-se ao pensar no que tinha acontecido ali. Ao recordar que a roupa do Brom continuava ali jogada por toda parte, apressou- se a dizer:
- Já vou buscá-la - entrou no aposento, e saiu ao cabo de segundos com a bolsa de viagem - Como vamos explicar sua presença? Talvez devêssemos atirá-la pela janela, ou escondê-la em algum armário.
- Não, comportaremo-nos como se fosse o mais normal do mundo. Essa costuma ser a melhor opção - agarrou a bolsa, e pôs-se a andar com passo decidido. Quando estavam na metade da escada, disse em voz bastante alta para que a ouvissem outros: - Menos mal que acertamos de trazer uma de minhas bolsas, Callie. É muito difícil nos arrumar sem um pente e algumas forquilhas, não é verdade?
- Sim, é claro - Callie conteve a vontade de sorrir.
- É uma casa encantadora, lorde Bromwell - acrescentou Francesca assim que chegaram ao vestíbulo, antes que alguém pudesse articular palavra- Pertence a sua família sempre?
- De fato, é de minha irmã. Pertencia a seu defunto marido.
- Entendo - Francesca se voltou para Daphne- Foi muito amável ao emprestá-la a seu irmão, lady Swithington. Mas não estranho, porque sou consciente de que sempre está pensando em outros.
Lady Daphne lhe lançou um olhar cheio de ódio, mas Francesca se limitou a sorrir antes de voltar- se de novo para Callie.
- Será melhor que saiamos já, não deixemos o duque se impaciente - olhou à senhora Cathcart com um sorriso cheio de cumplicidade, e acrescentou - Os homens costumam ter pouca paciência, e se mostram muito aborrecidos quando seus planos se torcem, não é?
- Têm toda a razão, lady Haughston - lhe respondeu a mulher - Lamento que tenham que partir tão cedo e que não tenhamos ocasião de conversar tranqüilamente, mas é compreensível que queiram partir quanto antes.
- Vou recolher meu casaco, agora mesmo volto. Francesca foi à cozinha, e retornou ao cabo de um momento com sua bolsinha na mão e com um casaco azul escuro em cima do vestido. Callie se apressou a pegar seu próprio casaco do banco onde Brom o tinha deixado a noite anterior, e as duas se voltaram para a porta.
- Permitam que as acompanhe - disse lorde Bromwell, enquanto se aproximava delas.
- Não é preciso - murmurou Callie. Obrigou-se a olhá-lo, e lutou por manter- se impassível apesar das emoções que formavam redemoinhos em seu interior.
- Insisto - disse ele com firmeza, antes de lhe oferecer o braço. Só olhando-o no rosto tinha vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo. Callie queria lhe acariciar a face onde tinha o corte que lhe tinha feito Rochford, queria beijá-lo uma vez mais e abraçá-lo com força. Sentia a ardência das lágrimas contidas, mas sabia que tinha que controlar- se diante de outros. Devia manter a farsa, sorrir com cortesia e tomar seu braço como se fossem uns simples conhecidos. Despediram-se de lady Daphne e da senhora Cathcart. Era óbvio que a segunda estava encantada com o encontro, porque não estava acostumada a mover-se no elitista círculo a que pertenciam lady Haughston e os Lilles.
A irmã do Bromwell parecia muito menos agradada. Seu sorriso era exagerado, e em seus olhos azuis relampejava o ressentimento. Callie sentia a mesma antipatia para com ela, assim se despediu com a máxima brevidade possível.
Deixaram lady Swithington e senhora Cathcart ali, e saíram da casa. Callie era mais que consciente da proximidade de Bromwell, e lhe tremia um pouco a mão que tinha apoiada em seu braço. Francesca foi imediatamente para a carruagem, que estava saindo do estábulo nesse momento, para que tivessem um momento a sós.
- Callie... - começou a dizer ele.
- Não, por favor - disse ela com voz estrangulada. Apesar de ter medo de voltar a chorar, tinha que olhá-lo pela última vez. No mais profundo de seu peito, onde se alojava um nó duro e gelado, era consciente de que não ia voltar a vê-lo.
Apesar do que tinha feito Daphne, ela sabia que era muito pouco provável que Brom desse as costas a sua irmã. Era de seu próprio sangue, enquanto que ela era... nem sequer sabia o que era para ele. Tinham compartilhado uma noite de paixão incrível, mas Brom não tinha falado de amor nem de compromisso; além disso, era a irmã do homem a quem tinha odiado durante anos, e com quem pouco antes enfrentou a murros.
- Devo ficar e falar com Daphne - lhe disse ele.
- Sei - Callie se voltou para seu irmão, que se aproximava deles sem lhes tirar o olhar de cima. Se prosseguia falando com Brom, acabaria tornando a chorar, e Sinclair se daria conta de que Francesca não lhe havia dito a verdade. Não podia suportar a idéia de que os dois homens a quem queria voltassem a lutar.
- Espere, Callie, não vá ainda - lhe disse Bromwell, enquanto estendia a mão para detê-la.
- Não. Por favor, não - Callie se voltou a olhá-lo. Sabia que os olhos lhe estavam enchendo de lágrimas, mas era incapaz de evitá-lo - Tenho que ir. Adeus, Brom. - fechou a boca com firmeza, e engoliu as palavras que lutavam por emergir de sua boca: "Te amo."
Apressou-se a ir para a carruagem, e viu agradecida que Francesca se aproximava de Sinclair para distrai-lo. Passou junto a eles depressa, e entrou no veículo sem dizer uma palavra.
O duque viu como sua irmã passava rápida, mas nesse momento sua atenção estava concentrada em Francesca. Olhou-a com cepticismo, e apontou com um gesto da cabeça para os cavalos que puxavam a carruagem.
- Encontrei ao condutor escovando aos cavalos. Parecem bastante suarentos e desalinhados, tendo em conta que se supõe que passaram a noite no estábulo.
- Que estranho - lhe respondeu ela com despreocupação- Não me pertencem, é obvio, porque tivemos que trocar de atiro durante o trajeto, mas meu condutor está acostumado a cuidar muito bem dos animais. Talvez estava cansado e ficou dormindo assim que chegamos, eu mesma me deitei em seguida.
- Seriamente? - perguntou-lhe, enquanto a observava com um olhar penetrante.
Devolveu-lhe o olhar sem pestanejar, e lhe disse:
- Sim, estava esgotada. Se não me acredita, pode perguntar à Callie. Como a casa é bastante pequena, tivemos que compartilhar uma habitação.
Ele a observou em silencio durante vários segundos, e finalmente assentiu.
- De acordo. Será melhor que vamos, antes que essa condenada mulher saia e nos siga aborrecendo com mais perguntas. - Ajudou-a na subir à carruagem, e então foi para seu cavalo, que estava atado a um poste que havia a um lado do caminho.
Francesca se sentou junto à Callie, e se voltou para olhá-la imediatamente.
- Está bem, querida? - perguntou-lhe, enquanto pegava sua mão.
Callie assentiu, mas teve que secar as lágrimas.
- Está certa? Já sabe que pode me contar o que quiser, Callie. Prometo que não o direi a ninguém.
- Não há nada que contar - disse Callie com voz calma. Conseguiu esboçar um sorriso, mas não percebeu que era muito pouco convincente.
- De acordo, não se preocupe. Bom, então falaremos de outra coisa, parece-lhe bem?
Callie assentiu, mas não pôde continuar contendo-se e exclamou de repente:
- Francesca, estou apaixonada por ele!
Deu-se conta na noite anterior, quando o tinha olhado nos olhos e tinha sabido sem dúvidas que ele estava lhe dizendo a verdade. Ao confiar nele, ao acreditar nele, tinha- lhe entregue o coração.
- Mas nunca me pedirá que me case com ele - acrescentou.
- Está certa disso? - perguntou-lhe Francesca com calma. - Deve ter se dado conta de que sua irmã planejou o que ocorreu. Além de pô-la em uma situação comprometedora, assegurou- se de que Rochford a pegasse em flagrante, e depois apareceu ela mesma com a maior fofoqueira de Londres. Sua perfídia me surpreendeu inclusive, apesar de que faz anos que não a suporto.
- Sei que Brom se deu conta do que tem feito sua irmã, mas não quer pensar mal dela. Sempre a teve em um pedestal, acredita que tem feito muito por ele. Ontem à noite me contou que ela virtualmente o criou depois da morte de sua mãe e que o protegeu de seu pai, que era um homem terrível. Estou segura de que seria incapaz de lhe dar as costas, por muito que ela faça. E embora fosse assim, como vai casar se com a irmã do homem a quem odeia há anos? Percebi que começou a pôr em dúvida a história que lhe contou sobre Sinclair, mas não quer acreditar que lhe tenha mentido de forma deliberada.
- Daphne sempre teve uma habilidade incrível para enganar aos homens - comentou Francesca, com certa amargura. - Mas o amor é uma emoção muito poderosa, Callie.
- Não disse que ele me ama, sou eu quem está apaixonada - disse ela. As lágrimas começaram a rolar pelas faces, mas não se incomodou em secá-las.
- Vi como a olha.
- Isso não é amor, mas desejo. Jamais me disse que me ama, e receio que nem sequer vou voltar a vê-lo - suas palavras se quebraram com um soluço abafado. Quando Francesca lhe passou o braço pelos ombros e a abraçou com força, ela apoiou a cabeça sobre seu ombro e deu rédea solta às lágrimas.
Callie seguiu chorando durante uns minutos, mas finalmente se endireitou e se secou as lágrimas com seu lenço. Depois de soltar um longo suspiro, disse a Francesca:
- Sinto muito, é a segunda vez que tenho uma choradeira diante de você. Achará que sou uma mulher de lágrima fácil.
- Não, o que acho é que está atravessando uma etapa muito difícil. Houve épocas de minha vida nas quais a única coisa que fazia era chorar -deu- lhe um tapinha na mão, e acrescentou - Não tem do que se desculpar.
- Obrigada - Callie conseguiu esboçar um sorriso trêmulo - E obrigada também pelo que fez antes. Salvou-me, tive medo de que Brom e Sinclair acabassem matando-se.
- Me alegro de ter chegado a tempo.
- Como conseguiu? Fiquei boquiaberta ao vê-la aparecer de improviso.
- Quando retornei ontem da visita à duquesa do Chudleigh, Fenton me deu sua nota, e me contou que Rochford estava ferido e aonde tinha ido. De modo que ordenei imediatamente que me trouxessem a carruagem, e fui atrás de você.
- Então, não decidiu vir porque adivinhou que se tratava de uma armadilha?
- Não, não tinha nem a mínima idéia. Dava-me conta de que Daphne estava atrás do convite de lady Odelia, porque escapou à sua tia avó durante o caminho de volta. Disse-me que a "querida Daphne" tinha razão, que ela acreditava que não gostaria de acompanhá-la, mas que Daphne lhe tinha assegurado que eu estaria desejando ir ver a madrinha de minha mãe. Poderá imaginar como me senti. Se Daphne tivesse estado ali, a teria esbofeteado, mas tive que engolir a raiva e sorrir; entretanto, não imaginei sequer que tinha arquitetado tudo para que eu não estivesse em casa quando chegasse a carta. Supus que o tinha feito para rir a minhas custas.
- Entendo - Callie sorriu ao dizer - Então, partiu a toda pressa porque acreditava que Sinclair estava ferido. Importa- se com o que possa lhe passar, não é?
Francesca pareceu ficar sem palavras. Ficou olhando-a por um momento, e então se ergueu com rigidez e a olhou com uma expressão impassível.
- É obvio que me importa, conheço Rochford desde sempre; além disso, supus que necessitaria que a ajudasse a cuidar dele se estava ferido. Estou convencida de que fica insuportável quando está doente.
- Já vejo - lhe disse Callie, com um sorriso ardiloso.
Francesca a olhou carrancuda, e acrescentou:
- Como lhe dizia, fui atrás de você, mas a carruagem avançava com lentidão. Então já tinha escurecido, e um lacaio teve que andar em frente dos cavalos com uma lanterna nos lances mais escuros. Quando por fim chegamos à casa esta manhã, vi o cavalo do Rochford amarrado a um poste, e como se supunha que seu irmão estava em cama com vários ossos quebrados, pareceu-me bastante estranho. Assim que desci da carruagem, ouvi seus gritos e todo o alvoroço que se montou, assim era óbvio que não estava ferido. Nesse momento percebi que estava ante uma armadilha, e soube com total certeza que a artífice era Daphne.
- Reagiu com rapidez ao mandar sua carruagem ao estábulo.
- Não tive tempo de pensar isso duas vezes. Tinha que convencer ao Rochford de que tinha estado com você todo o tempo, assim a carruagem não podia estar no pátio. Depois de dizer ao cocheiro que fosse ao estábulo e que se ocupasse dos cavalos, fui correndo para a parte posterior da casa e entrei pela porta traseira. Então fingi que acabava de descer pela escada.
- Graças a Deus - Callie pegou sua mão, e lhe deu um pequeno apertão - Salvou a todos de um verdadeiro desastre.
- Prometi ajudá-la no que pudesse.
- Fez mais do que poderia ter imaginado, e não sabe quanto lhe agradeço - vacilou por um instante antes de acrescentar - Mas acho que vou retornar a Marcastle com Sinclair. Achei que ficaria durante grande parte da temporada, para sossegar os rumores, mas isso já não me importa.
- Oh, Callie, sinto muito, tomara ficasse comigo. Não o digo só pela companhia, embora deva confessar que a casa me parecerá muito vazia sem você, mas sim porque não suporto a idéia de que renuncie...
- A encontrar marido? Temo que já não estou interessada nisso; de fato, duvido que chegue a me casar algum dia.
- Não, referia-me a encontrar o amor - a corrigiu Francesca com voz suave.
- Já o encontrei - Callie esboçou um pequeno sorriso - Não fique tão triste, não lamento o que se passou durante as últimas semanas. Por nada do mundo renunciaria ao que tenho feito e aprendido. Não me acreditava capaz de sentir um grande amor, e estava disposta a me conformar com outra coisa: comodidade, companhia... mas descobri o que é amar de verdade, vivi-o, e sei que não me bastaria menos.
- Callie, não perca a esperança de tudo no que respeita ao conde. Está claro o muito que o ama.
- Sim, mas não basta o que eu sinto - disse ela com resignação.
Francesca sabia que não restava mais nada a dizer, assim assentiu enquanto sentia uma profunda e familiar dor no coração. Permaneceram em silêncio enquanto a carruagem avançava a passo lento, levantando a cortina de vez em quando para olhar para fora, e imersas em seus próprios pensamentos. Finalmente, Callie dormiu aninhada contra um dos cantos.
Como os cavalos estavam cansados, avançaram com lentidão a princípio, e não demoraram a deter-se em uma estalagem para trocar de animais. Rochford decidiu deixar ali sua apreciada montaria, e a deixou ao cargo do lacaio de Francesca com instruções de levá-la a Londres no dia seguinte. Aliviaram o passo com os cavalos novos, e chegaram a Londres antes que anoitecesse. Callie havia dito a seu irmão que queria retornar ao Marcastle com ele, assim a deixou em casa de Francesca para que recolhesse as coisas, antes de partir para a sua para encarregar-se dos preparativos pertinentes.
- Enviarei a carruagem para você amanhã pela manhã - disse à Callie - Suponho que lady Haughston e você quererão passar este serão juntas para poder se despedir.
- Obrigada - disse ela, antes de ficar nas pontas dos pés para lhe dar um beijo na face.
Ele a olhou surpreso, e lhe perguntou:
- Significa isto que já não está aborrecida comigo?
- Não aprovo que atacasse ao lorde Bromwell, mas me alegro de que viesse me proteger porque lhe importo. É o irmão melhor do mundo.
- Recordarei-lhe essas palavras da próxima vez que se zangue comigo - disse ele, sorridente, antes de voltar-se para Francesca - Adeus, lady Haughston.
- Adeus, Rochford - estendeu a mão para ele, e acrescentou - Espero que da próxima vez que nos vejamos seja em circunstâncias menos agitadas.
- Em qualquer caso, com certeza não serão aborrecidas - respondeu ele, com um pequeno sorriso, antes de inclinar-se sobre sua mão.
Francesca se surpreendeu ao ver que a mantinha presa durante um instante mais do que o costumeiro. Ergueu o olhar para ele, e se deu conta de que estava observando-a com uma expressão intensa. Deu-lhe um ligeiro apertão na mão, e lhe disse:
- Obrigado.
Ela assentiu de forma quase imperceptível, já que era consciente do que estava oculto atrás daquela única palavra.
Sinclair se foi sem demora, e as duas se dispuseram a preparar a bagagem de Callie. Felizmente, sua donzela já tinha preparado um baú com sua roupa, já que estava à espera que a mandassem chamar desde Blackfriars Monopolize, assim parte do trabalho já aparecia. Não demoraram em preparar o resto, porque Callie estava mais interessada em acabar quanto antes que em ocupar-se de que tudo estivesse perfeito.
Em condições normais, teria remendado possíveis rasgões na roupa, e se teria assegurado de que tudo estivesse limpo e engomado, mas decidiu que teria tempo de sobra para limpeza e remendos quando estivesse em Marcastle. Nesse momento, a única coisa que queria era partir. Apesar de acabarem logo, mal conseguiu pregar olho e passou a noite imersa em uma noite inquieta cheia de sonhos confusos. Sentia-se fora de lugar naquela habitação que tinha sido um quente lar para ela durante perto de dois meses. Em uma ocasião, levantou-se da cama e se aproximou da janela para olhar para fora.
Não havia grande coisa por ver além da rua escura, mas ao cabo de um momento, deu-se conta de que seu nervosismo se devia à vaga esperança de que Bromwell chegasse cavalgando em meio da noite para estar com ela. Apoiou a fronte no vidro e se disse que era uma idiota, que ele não ia aparecer. Finalmente, afastou-se da janela e voltou para a cama.
Na manhã seguinte, a carruagem ducal chegou pouco depois que Francesca e Callie tinham acabado de tomar o café da manhã. Não era o pesado veículo de quatro lugares que a família costumava usar para viajar, e que nesse momento estava em Marcastle, porém uma carruagem de quatro portas menor e elegante que costumavam utilizar para os deslocamentos na cidade.
O cocheiro lhes explicou com certa indignação que o duque tinha alugado uma carruagem de posta para ir ao Marcastle, porque considerava que na carruagem de quatro portas não ia caber toda a bagagem. A hipótese do Sinclair se confirmou, porque tiveram problemas para colocar todas as coisas de Callie no veículo, e não ficou mais remédio que colocar duas das malas menores no interior com ela. Francesca a acompanhou até a carruagem, e se deram um forte abraço de despedida.
- Pra você - Callie tomou sua mão, e lhe deu um pequeno objeto enquanto lutava por conter as lágrimas - desfrutei muitíssimo estando com você, e quero lhe dar algo como amostra de agradecimento.
Francesca baixou o olhar até a palma de sua mão, e viu um colar de ouro com um delicado camafeu marfim e azeviche.
- É lindo, Callie, mas...
- Por favor, fique com ele, Era de minha mãe.
Francesca a olhou atônita, e exclamou:
- Nem por sonho, Callie! Certamente não quer se desprender de algo assim, não posso aceitá-lo.
Tentou devolvê-lo, mas Callie negou com a cabeça.
- Quero que você o tenha. Tenho mais coisas de minha mãe, e eu gostaria de pensar que a você e eu, nos une um vínculo, que somos como irmãs. Por favor, Francesca.
- Tem certeza? - perguntou ela com indecisão.
- Sim, de todo. É importante para mim que o aceite.
- De acordo, se isso for o que quer - Francesca fechou a mão sobre o camafeu, e de repente voltou a abraçá-la com força - Por favor, não se enclausure em Norfolk. Prometa-me que voltará. Quando passar o momento gélido da temporada social, por exemplo.
- Pensarei nisso. E você irá a Redfields, não é? Tentarei convencer ao Sinclair de que fiquemos durante uma longa temporada no Dancy Park.
- Sim, claro que irei.
Francesca teve vontade de chorar quando Callie a olhou com um último sorriso e entrou na carruagem. Permaneceu na rua vendo como se afastava, e quando sua jovem amiga apareceu pela janela e fez adeus com a mão, devolveu-lhe o gesto. Continuou ali até que o veículo dobrou a esquina, e então voltou a entrar na casa e subiu a seu dormitório. Maisie, sua donzela, estava ali, sentada em uma banqueta junto à chaminé, costurando um babado à bainha de um vestido.
- Enfim, lady Calandra já se foi, Maisie - lhe disse com tristeza, antes de sentar-se ante a cômoda.
- Sentirei falta dela.
- Eu também, minha senhora. É um encanto.
Apesar do bem que lhe caía lady Calandra, o que Maisie ia sentir mais eram as copiosas comidas de que tinham desfrutado graças às generosas contribuições do duque. Lady Francesca teria protestado se tivesse informado da quantidade de dinheiro que o administrador do duque lhes tinha ido entregando para pagar pela manutenção de lady Calandra; de fato, certamente se teria posto feito uma fúria e teria insistido em devolver-lhe. Por sorte, Fenton era muito preparado, e se tinha assegurado de tratar ele mesmo com o administrador para que lady Francesca não se inteirasse dos detalhes do acordo. Maisie sorriu para si mesma ao recordar que Fenton também tinha tido o juízo de economizar parte do dinheiro, assim a despensa ia continuar estando bem abastecida durante um ou dois meses mais pelo menos.
Francesca abriu o joalheiro que tinha sobre a cômoda, abriu a tampa, e apertou um botão oculto que fez com que uma gaveta secreta emergisse do falso fundo. Deixou com cuidado o camafeu junto a um bracelete e uns brincos de safiras, e disse a sua donzela:
- Se continuo recebendo presentes que sou incapaz de vender, acabaremos morrendo de fome – fechou a gaveta oculta, e se voltou para ela - Esta temporada vou ter que fazer de casamenteira para alguém que não me importe o mínimo.
- Sim, minha senhora - lhe respondeu Maisie com placidez, antes de cortar o fio e assegurá-lo com um nó.
Como o trajeto até sua casa era muito curto, Callie teria ido a pé se não fosse pela bagagem. Ao chegar, viu vários criados carregando multidão de pacotes na carruagem de posta que esperava em frente da casa. Fiscalizava-os o mordomo, que ao vê-la chegar a ajudou a descer e lhe deu a boa- vinda com formalidade, como se levasse meses sem vê-la, apesar de que na semana anterior ela passara por ali para uma breve visita junto a sua criada. Perguntou-se se os criados tinham ouvido também os rumores, e sentiam pena por ela. Era o mais provável, porque sempre pareciam estar mais em dia que ela mesma sobre os últimos escândalos.
- Olá, Callie - Rochford saiu para recebê-la. Tinha um arroxeado na face, e outro junto ao olho.
- Olá, Sinclair - lhe disse com um sorriso.
Ele a pegou pelo braço, e depois de observar durante uns segundos o trabalho de carga e descarga da bagagem, comentou:
- Estaremos preparados para partir assim que transferirem sua bagagem. A cozinheira nos preparou um montão de comida para a viagem, porque está convencida de que acabaríamos adoecendo se provássemos bocado em uma estalagem.
Callie entrou para falar com a cozinheira e com a governanta, já que sabia que se sentiriam doídas se não o fizesse. Quando voltou a sair, a carruagem estava preparada, e à espera que o cocheiro inspecionasse as rédeas uma última vez.
Rochford estendeu uma mão para ela para ajudá-la a subir, mas nesse momento se ouviu um grito e o som dos cascos de um cavalo que se aproximava. Voltaram-se com curiosidade, e viram um cavaleiro que avançava veloz como uma bala, a uma velocidade que não era nem normal nem segura em uma rua. Ao perceber que se tratava de lorde Bromwell, Callie conteve o fôlego e sentiu que o coração começava a martelar no peito. Era como se seu sonho no que Brom aparecia à carreira para evitar que se fosse se convertera em realidade.
- Espere, Callie! - gritou ele ao chegar por fim. Desmontou de um salto, e acrescentou - Não vá! - lançou as rédeas a um dos criados, e se aproximou de Callie e de Rochford. - Graças a Deus que a encontrei.
- Pelos cabelos - lhe disse o duque, enquanto o olhava com cautela.
- Primeiro fui à casa de lady Haughston, Callie. Acreditava que estaria ali. Quando me disse que pensava partir para Marcastle, temi chegar muito tarde. Tal como lhe disse ontem, tinha que falar com minha irmã. Ela me acabou contando tudo, que planejou o ocorrido ontem para vingar-se de seu irmão, que... - se deteve por um momento, e seu rosto se esticou ao olhar ao Rochford – Admitiu que mentiu sobre você, sobre o que tinha passado anos atrás. Vim me desculpar por tudo. Sinto-o de verdade, o que fez Daphne foi uma canalhice desprezível - parecia destroçado, cheio de tristeza - Rogo que aceitem minhas desculpas pela armadilha que estendeu a todos ontem – se voltou para o Callie, mas se apressou a afastar o olhar.
Ela se perguntou por que se negava a olhá-la. Aquela situação distava muito do reencontro com o qual tinha sonhado. Onde estava a apaixonada declaração de amor? Por que não lhe dizia que não podia viver sem ela? Parecia mais interessado em falar com Sinclair que com ela.
Bromwell olhou ao duque cara a cara, e lhe disse com voz firme:
- Lamento meu comportamento precipitado e impulsivo de há quinze anos, senhor. Fui um néscio ao acreditar em minha irmã, e lamento tê-lo acusado injustamente de algo que era falso. Espero que possa me perdoar. Se não for assim, entenderei, embora o lamente de coração.
Rochford vacilou por um instante, mas ao final lhe ofereceu a mão e lhe disse:
- É normal que um homem defenda a sua irmã.
- Sim, isso é certo.
Estreitaram-se a mão, e entre eles pareceu estabelecer uma comunicação muda.
- Quebrei toda vinculação com minha irmã - acrescentou Bromwell, sem afastar o olhar do duque. Seu rosto refletia a dor que lhe tinha causado aquela decisão. - Sou consciente de que não pode permanecer em nossas vidas depois do que fez, sei que não permitiriam que me casasse com sua irmã se continuasse tendo contato com ela. Por isso vim lhe pedir permissão para cortejar a lady Calandra.
Callie ficou olhando-o boquiaberta, mas Rochford não pareceu surpreso por aquelas palavras.
- Acredito que não vai demorar a descobrir que minha irmã toma suas próprias decisões, mas têm minha permissão.
- Obrigado - Bromwell o saudou com uma inclinação de cabeça, e se voltou para o Callie- Lady Calandra...
- Ah, notou minha presença por fim? Permite-me dar minha opinião neste assunto? Começava a acreditar que meu irmão e você estavam a ponto de redigir um acordo matrimonial e de decidir meu dote por sua conta, e de dar tudo por resolvido.
- O que...? - começou a dizer Brom com indecisão.
- Sou uma mulher adulta! - declarou-lhe ela com indignação. - Se queria se casar comigo, deveria ter me pedido isso, não a ele!
Ao dar- se conta de que estava a ponto de tornar a chorar, entrou correndo na casa, e fechou a porta - batendo-a. Bromwell se voltou para o duque, e lhe perguntou desconcertado:
- O que se passou? O que fiz?
Rochford encolheu os ombros, e ergueu as mãos no gesto típico de um homem que não conseguia compreender o comportamento das mulheres.
Bromwell pôs-se a correr para a casa. Um dos lacaios tentou chegar a tempo à porta para abri-la, mas ele se adiantou e entrou como uma ventania.
- Callie!
Ela estava de pé no enorme vestíbulo abobadado, diante de uma mesa redonda. Não havia ninguém mais à vista, já que os criados se retiraram com discrição. Estava com os braços cruzados, com o olhar fixo em um vaso que havia no centro da mesa. Ao ouvir que a chamava, voltou- se para ele e o olhou com expressão furiosa.
- Não o entendo, Callie - lhe disse, enquanto se aproximava dela - Acreditava que me diria... enfim, acreditava que aceitaria se casar comigo. Não sabia que tinha alguma objeção.
- Não quero me casar consigo para que possa sossegar sua consciência - disparou, enquanto engolia as lágrimas. - Não quero me casar com você porque considera que se enganou com meu irmão há quinze anos, nem porque é o correto, nem porque sua irmã nos pôs em uma situação comprometedora com suas artimanhas.
- De que demônios está falando? - protestou, enquanto seu próprio gênio começava a emergir também. - Não disse nada disso!
- Não é preciso que o diga, está claro que sou uma carga para você. Nem sequer se dignou a me olhar nem a me sorrir. Concentrou-se em meu irmão e foi a ele a quem pediu perdão, como se fosse a pessoa mais implicada em todo este assunto, e eu tivesse que aceitar sem mais suas decisões.
- Falei com ele porque queria fazer as coisas como Deus manda! Queria fazer as pazes com ele, para que não existisse o risco de que brigassem. O fato de que anseio me casar com você não tem nada que ver com o duque, nem com minha irmã, nem com as fofocas, nem com o que possa pensar as pessoas.
- Nesse caso, por que quer fazê-lo?
Ele a olhou estupefato, e exclamou:
- Pois porque a amo, claro! Porque não posso suportar a idéia de viver sem você. Quando estava no pavilhão de caça, antes que chegasse, a única coisa que fazia era contemplar os dias vazios que tinha ante mim. Dias intermináveis, amargos, e cheios de solidão, porque você não estaria ao meu lado. Amo-a tanto, que minha vida não tem sentido sem você. Por isso quero me casar com você!
- Oh, Brom! - as lágrimas brotaram incontidas, mas Callie não lhes prestou atenção. Lançou-se para ele, e lhe rodeou o pescoço com os braços. - Essa é a razão perfeita.
Ele a abraçou com força, e afundou o rosto em seu cabelo.
- Então, quer se casar comigo? Prefere que lhe peça isso de joelhos?
- Não, não é preciso, fique onde está - disse ela, enquanto chorava e ria ao mesmo tempo. - Sim, aceito me casar com você.
Brom selou o acordo com um beijo longo e profundo. Quando levantou a cabeça, olhou-a nos olhos e lhe disse:
- Callie, amo-a como jamais pensei que poderia amar a alguém.
- E eu o amo - disse ela, enquanto o olhava radiante de felicidade.
Tinha ido a Londres para procurar marido, e tinha encontrado o amor. Olhou-o sorridente, e ficou nas pontas dos pés para beijá-lo de novo.
Francesca percorreu com o olhar o salão de baile da mansão londrina dos Lilles. Estava decorado com as que sem dúvida eram todas as flores primaveris disponíveis em um raio de oitenta quilômetros ao redor, e a metade dos membros da alta sociedade estavam pressentes. Algumas horas antes, a catedral tinha estado igualmente abarrotada para a cerimônia.
Não era de estranhar, porque se tratava das bodas do ano. O fato de que a irmã de um duque contraísse matrimônio era um acontecimento, sobre tudo se fosse a única irmã do dito duque e ele sentia adoração por ela. Não se tinha reparado em gastos, nem para a cerimônia das bodas nem para o jantar de celebração posterior, e as pessoas não tinham deixado de falar do assunto desde que se anunciou o compromisso. Os convites tinham sido mais cobiçados que os vale para entrar no Almack"s, e ninguém tinha querido admitir que não tinha sido convidado.
Francesca estava na fila de convidados que esperavam seu turno para felicitar aos recém casados, que estavam junto ao duque e à avó do Callie. Sabia que a irmã do Bromwell também tinha sido convidada, apesar do que tinha feito. Callie era consciente do muito que Brom queria à Daphne, e não tinha tido coração para permitir que a separasse de suas vidas por completo.
Felizmente, Daphne não estava recebendo aos convidados junto à família, e ela esperava poder evitá-la por completo. Como sempre, o duque era o homem mais atraente de todos os pressentes. Saudou-a com uma reverência, e a olhou com olhos faiscantes.
- Ah, aqui temos à dama que fez possível este casamento.
- O mérito não é meu - lhe disse Francesca - O amor triunfou, como quase sempre.
- Sobre tudo quando tem um general tão hábil como você.
- Francesca! - Callie a abraçou com força. Estava radiante de felicidade, e seus grandes olhos castanhos brilhavam como estrelas.
- Olá, Callie. Bromwell. Espero que sejam muito felizes, embora esteja claro que já o são.
- Isso é certo - Bromwell levou a mão de sua esposa aos lábios, e lhe beijou os dedos - Como não ia ser, se estou casado com a mulher mais bela do mundo?
Callie se ruborizou enquanto sorria. A julgar como se olhavam, era óbvio que mal eram conscientes do que os rodeava. Só tinham olhos um para o outro.
Francesca sorriu, e entrou no salão. Tinha que começar a procurar a alguém a quem pudesse guiar através das traiçoeiras águas da temporada social, que já estava em seu ponto alto. O tempo começava a apressar. Tinha pensado em encontrar alguém assim que Callie partiu de sua casa, mas tinha estado muito atarefada com os preparativos das bodas e não tinha tido tempo para fazer indagações. O certo era que não a entusiasmava a idéia de se fazer de casamenteira para outra jovem. Com o passar do último ano tinha passado muito bem, e, além disso, tinha feito amizade com todas as mulheres que tinha ajudado, assim não gostava de pensar em um enfoque mais frio e comercial.
Ao cabo de uns minutos, ouviu que um murmúrio percorria o salão, e ao voltar-se para ver o que acontecia, viu o Brom e ao Callie saindo à pista de baile. Detiveram-se no centro, e esperaram que a orquestra começasse a tocar a primeira valsa que iriam compartilhar como marido e mulher. Ao ver o amor com o que se olhavam, teve que conter as lágrimas.
De todos os casais que tinha unido, aquela era a que a fazia mais feliz. Callie era como uma irmã para ela, de fato, em outros tempos tinha acreditado que seriam irmãs de verdade. Afastou a um lado as lembranças com impaciência, mas não pôde evitar que seus olhos se voltassem para o irmão de Callie. Estava junto à pista de baile, contemplando como sua irmã dançava com seu novo marido.
De repente, o duque se voltou para ela, e seus olhos se encontraram. Olharam-se durante um segundo, mas ela afastou o olhar e rompeu a conexão. Fixou o olhar em suas luvas, e se concentrou em alisar bem cada dedo.
- Bem, suponho que estará encantada.
Voltou- se ao ouvir uma voz feminina justo detrás de seu ombro, e se encontrou cara a cara com lady Swithington.
- É obvio que o estou, por lady Calandra e lorde Bromwell - lhe respondeu com frieza - Estou convencida de que serão muito felizes.
- Claro, são um casal de tontinhos - Daphne lançou um olhar cheio de cinismo para os recém casados - Mas referia- me a você, suponho que estará encantada ao saber que menti sobre o Rochford - seus olhos azuis estavam carregados de veneno.
- Jamais teria acreditado que a deixou grávida e se negou a casar-se contigo, ele seria incapaz de fazer algo assim. Em qualquer caso, naquela época nem sequer me inteirei desse rumor, assim não me afetou.
- Mas a rechaçou de qualquer modo, não é verdade?
Francesca a fulminou com o olhar.
- Não estava disposta a me casar com um homem que estava tendo uma aventura com outra mulher, apesar de não querer casar-se com ela - se deteve de repente ao ver uma mudança reveladora na expressão de Daphne, e sentiu que a percorria um calafrio. Engoliu em seco, e conseguiu dizer com voz trêmula - Também mentiu sobre isso, não é? Fez com que parecesse que os descobriam em flagrante, mas foi um de seus estratagemas!
Daphne esboçou um sorrisinho malicioso, e lhe disse:
- Claro que foi uma mentira. Entre nós não houve nada, Rochford te era tediosamente fiel. Se tivesse estado menos pendente de ti mesma e mais apaixonada por ele, teria percebido.
Francesca lhe deu as costas, e seus olhos se concentraram de novo no duque do Rochford. Sentia-se fraca e aturdida, e lhe tremiam tanto as pernas, que pensou que ia desabar se. Abriu passagem entre a multidão às cegas, sem olhar a direita nem a esquerda. Alguém a segurou pelo cotovelo com firmeza, e ouviu a voz de Irene.
- O que se passa, Francesca? Encontra-se mau?
- Sim, um pouco.
- Venha, sente- se - sua amiga a conduziu até um banco, e se sentou a seu lado- Será melhor que vá buscar algo de beber para você.
- Não, estou bem. Só precisava me sentar. Soube de algo que me impactou, isso é tudo.
- O que aconteceu? Vi-a falando com essa odiosa lady Swithington, certamente lhe disse algo que a alterou - quando Francesca assentiu, acrescentou – Não acredite em nada do que lhe haja dito, certamente era uma mentira.
- Não, estou certa de que desta vez me disse a verdade - a voz de Francesca refletia uma profunda dor- Receio que cometi um terrível engano anos atrás. Fui muito injusta com Rochford, tratei-o muito mal.
- A que se refere? Você jamais faria algo terrível.
- Fiz isso, não acreditei nele quando me jurou que estava me dizendo a verdade - olhou para a multidão, e tentou encontrá-lo de novo. - E o que é pior, acredito que o que fiz é o que lhe levou a optar pelo tipo de vida que tem.
- Do que está falando? Tem uma vida invejável.
- Mas não se casou. Acredito que talvez começou a desconfiar das mulheres por culpa do que eu fiz.
- Diz isso a sério?
- Sim, e tenho que ressarci-lo.
- Como?
- Está claro, devo lhe encontrar uma esposa - disse Francesca com firmeza.
Candace Camp
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