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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MAIS PROFUNDO QUE A MEIA NOITE / Lara Adrian
MAIS PROFUNDO QUE A MEIA NOITE / Lara Adrian

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Com dezoito anos, Corinne Bishop era uma beldade, uma espirituosa jovem mulher vivendo uma vida de privilégios como a filha adotada de uma promissora família. Mas, seu mundo mudou num instante quando foi raptada e feita prisioneira pelo maldoso vampiro Dragos. Após muitos anos cativa e atormentada, Corinne é resgatada pela Ordem, um grupo de Vampiros guerreiros envolvidos numa guerra contra Dragos e seus seguidores. Com sua inocência roubada, Corinne também perdeu parte de seu coração, bem como a única coisa que lhe deu esperança durante sua prisão, e a única coisa que importa a ela agora, é que estava livre.

Designado para vigiar Corinne em sua viagem para casa, está um formidável espécime da Raça, de olhos dourados, chamado Hunter. Antes, o mais mortal assassino de Dragos, Hunter agora trabalha para a Ordem e está decidido a fazer Dragos pagar por seus muitos pecados. Ligado a Corinne pelo desejo mútuo, Hunter terá que decidir quão longe irá para acabar com o reinado do mal de Dragos — mesmo que o cumprimento de sua missão quebre o coração de Corinne no caminho.

 

 

 

 

O clube era privado, muito fora do caminho, e por uma maldita boa razão. Localizado no fim de um beco estreito, incrustado no distrito do Bairro Chinês de Boston, o lugar atendia a um exclusivo e discriminado público. Os únicos humanos permitidos dentro do velho edifício de tijolo eram as fixas jovens atraentes — e alguns bonitos homens — mantidos à mão para satisfazer cada ânsia da clientela noturna.

Escondida dentro das sombras de um vestíbulo arcado ao nível da rua, a porta metálica desmarcada não dava nenhuma indicação do que estava atrás dela, não que algum morador ou turista em seu perfeito juízo fizesse uma pausa para olhar. A placa grossa de aço estava protegida por uma alta grade de ferro. Fora da entrada, um grande guarda parecia uma gárgula com um boné tricotado e couro preto.

O macho era Raça, como eram os dois guerreiros que emergiram da escuridão do corredor. Ao som das suas botas triturando a neve e a sujeira congelada no pavimento, o guarda de plantão levantou sua cabeça. Sob um nariz grosso, bulboso, lábios finos mostravam dentes torcidos e as pontas agudas das presas de vampiro. Os olhos se estreitaram nos recém-chegados não convidados, e soltou um rosnado baixo, sua respiração quente emitindo vapor das suas narinas como plumas no ar da noite frágil de Dezembro.

Hunter registrou uma corrente de tensão em movimento no seu parceiro de patrulha quando os dois se aproximaram do vampiro de guarda. Sterling Chase estava nervoso depois que deixaram o complexo da Ordem para a missão desta noite. Agora, andava num passo agressivo, tomando a dianteira, seus dedos flexionando e contraindo enquanto descansava a mão na pistola semiautomática presa no seu cinto de armas.

O guarda veio para frente, também, ficando bem no seu caminho. As grandes coxas se estenderam, as botas plantadas no pavimento quando a grande cabeça do vampiro abaixou. Os olhos que antes estavam estreitados, agora ficaram mais apertados com o reconhecimento de Chase.

— Você está brincando comigo. O que quer aí fora no gramado da Agência de Execução, guerreiro?

— Taggart. — Disse Chase, mais rosnando que saudando. — Vejo que sua carreira não teve nenhum perigo de melhorar desde que deixei a Agência. Reduzido a porteiro que brinca de sip-and-strip[1], né? O que vem depois — segurança de Shopping?

O agente enrugou seus lábios numa maldição madura.

— Requer muita coragem mostrar sua cara, principalmente aqui.

A risada de resposta de Chase não foi nem ameaçadora nem divertida.

— Tente olhar num espelho algum dia, logo conversaremos sobre quem tem coragem mostrando sua cara em público.

— Este lugar pertence à Agência de Execução. — Disse o guarda, cruzando os braços carnudos no peito musculoso. Um tórax cruzado por uma larga cinta de couro com um coldre de armas, e ainda mais equipamento em volta da cintura. — A Ordem não tem nenhum negócio aqui.

— Sim? — Chase grunhiu. — Diga isto a Lucan Thorne. Ele é quem terá sua bunda se não sair do nosso caminho. Assumindo que nós dois ficaremos aqui esfriando nossos pés sem nenhuma boa razão para não decidirmos retirá-lo nós mesmos.

A boca do Agente Taggart se apertou com a menção de Lucan, o líder da Ordem era um dos mais antigos e mais formidáveis da nação de Raças. Agora, o olhar fixo cuidadoso girou de Chase para Hunter, que estava atrás do seu colega guerreiro em silêncio. Hunter não tinha nenhuma disputa com Taggart, mas já tinha calculado pelo menos cinco modos diferentes de inutilizá-lo — matá-lo rápido e seguro, direto onde estava — caso a necessidade surgisse.

Era o que Hunter foi treinado para fazer. Nascido e criado para ser uma arma empunhada pela mão impiedosa do principal adversário da Ordem, estava há muito tempo acostumado a observar o mundo em termos lógicos, impassíveis.

Ele já não servia o vilão chamado Dragos, mas suas habilidades mortais permaneciam no núcleo de quem, e o que ele era. Hunter era letal — infalivelmente assim — e na conexão instantânea do seu olhar fixo com Taggart, ele viu a compreensão severa refletindo nos olhos do outro macho.

O Agente Taggart pestanejou, logo recuou, desviando do olhar de Hunter e abrindo caminho à porta do clube.

— Achei que estaria disposto a reconsiderar. — Chase disse, quando ele e Hunter foram a passos largos para a grade de ferro e entraram no estabelecimento da Agência de Execução.

A porta devia ser à prova de som. Dentro do clube escuro, a música barulhenta chocava com luzes multicores, girando e iluminando uma parte central feita de vidro espelhado. Os únicos bailarinos eram um grupo de três humanos semi nus que rodavam juntos na frente de um público de vampiros, com olhar quente, sentados em cabines e mesas no andar abaixo do palco.

Hunter olhou a loira de cabelos longos no centro subindo num poste metálico que ia até o teto. Girando seus quadris, ergueu um de seus enormes seios, artificialmente redondos até encontrarem sua língua parecida a uma cobra. Enquanto brincava com o mamilo furado, os outros bailarinos, uma mulher tatuada com o cabelo roxo espetado e um jovem de olhos escuros que mal cabia dentro da sunga de vinil vermelha brilhante em volta dos seus quadris, se moveram, pelo lado oposto do palco e começaram suas próprias rotinas de solo.

O clube emitia um cheiro forte de perfume envelhecido e suor, mas o cheiro penetrante mofado não podia mascarar o odor de traços de sangue humano fresco. Hunter seguiu o rastro olfativo com seu olhar fixo. Levou-o a uma cabine de canto distante, onde um vampiro da Agência de Execução no terno padrão escuro e camisa branca se alimentava judiciosamente da garganta pálida de uma mulher nua, que gemia se espreguiçando através do seu colo. Mais alguns machos da Raça bebiam de outros Anfitriões de sangue humanos, enquanto outros no estabelecimento pareciam mais atentos na satisfação de necessidades mais carnais.

Junto dele perto da porta, Chase estava como uma pedra. Um rosnado baixo estrondava do fundo da sua garganta. Hunter observou a alimentação e o espetáculo teatral dentro do lugar com um pouco mais que um relance de avaliação, mas o olhar fixo de Chase estava fixo e faminto, tão saliente como o de outros machos da Raça reunidos ali. Possivelmente até mais.

Hunter estava muito mais interessado num punhado de cabeças que agora se viravam dentro da multidão de Agentes Executores. Sua chegada foi notada, e as olhares ferviam lentamente de cada par de olhos que pousavam neles, o que dizia que a situação podia ficar feia muito rapidamente.

Mal tinha registrado a possibilidade, quando um dos vampiros que os fitavam se reclinou num sofá próximo e levantou para confrontá-los. O macho era grande, como eram seus dois companheiros que levantaram com ele, abrindo caminho pela multidão. Todos os três estavam visivelmente armados sob seus ternos escuros finamente cortados.

— Bem, bem. Olhem só quem chegou. — O Agente na liderança falou pausadamente, um sotaque do Sul nas suas palavras lentamente medidas e nos seus refinados, quase delicados, traços. — Quantas décadas de serviço com a Agência, mas nunca se juntou a algum de nós em um lugar como este.

A boca de Chase se curvou, mal escondendo suas presas alongadas.

— Você soa desapontado, Murdock. Esta merda nunca foi minha praia.

— Não, você sempre se manteve acima da tentação. — Respondeu o vampiro, seu olhar fixo tão perspicaz como seu sorriso. — Tão cuidadoso. Tão rigidamente disciplinado, até nos seus apetites. Mas as coisas mudaram. A gente muda, não é, Chase? Se vir algo que goste aqui, só tem que dizer. Em nome do passado, se por nada mais, hum?

— Viemos obter informação sobre um Agente chamado Freyne. — Hunter interpôs quando a resposta de Chase pareceu demorar mais que o necessário. — Assim que tivermos o que precisamos, partiremos.

— É isso mesmo? — Murdock o observou com uma curiosa inclinação de cabeça.

Hunter viu o olhar do vampiro correr sutilmente por seu rosto para observar os dermaglifos que riscavam o lado do seu pescoço e em volta da sua nuca. Levou apenas um momento para o macho discernir o padrão complicado de Hunter, as marcas de pele indicando que era Gen-Um, uma raridade entre a Raça.

Hunter não chegava perto das idades dos seus colegas guerreiros Gen-Um, Lucan ou Tegan, contudo, nascido de um dos Anciões, seu sangue tinha cada gota pura. Como seus irmãos Gen-Um, sua força e poder eram maiores que dez vampiros de geração posterior. Foi criado para o exército pessoal de assassinos de Dragos — uma criação secreta conhecida só pela Ordem — que o fazia muito mais letal que Murdock e essa dúzia de Agentes no clube juntos.

Chase pareceu sair da sua distração finalmente.

— O que pode nos dizer sobre Freyne?

Murdock encolheu os ombros.

— Está morto. Mas acho que isso já sabem. Freyne e sua unidade foram todos mortos na semana passada numa missão para recuperar um jovem raptado de um Darkhaven. — Deu uma sacudidela lenta de cabeça. — Bastante penoso. Não só a Agência perdeu vários bons homens, mas seu objetivo na missão resultou menos que satisfatório também.

— Menos que satisfatório. — Chase ridicularizou. — Sim, pode dizer isto. Pelo que a Ordem entende, a missão para resgatar Kellan Archer foi fodida de seis maneiras diferentes no domingo. O menino, seu pai e avô — inferno, a maldita família Archer inteira — todos apagados uma única noite.

Hunter não disse nada, deixando Chase jogar a isca como quisesse. A maior parte do que dizia era verdade. A noite da tentativa de resgate foi embebida por sangue e terminou com muita morte, o pior reservado aos membros da família de Kellan Archer.

Mas ao contrário da afirmação de Chase, houve sobreviventes. Dois, para ser exato. Ambos foram levados para longe da carnificina daquela noite e estavam seguros agora sob a custódia protetora da Ordem em seu complexo privado.

— Não discordo que as coisas podiam ter terminado melhor, tanto para a Agência como para os civis que perderam suas vidas também. Os erros, embora lamentáveis, acontecem. Infelizmente, nunca teremos certeza de onde colocar a culpa do drama da semana passada.

Chase riu sob sua respiração.

— Não esteja tão certo. Conheço-o e Freyne deu para trás. Inferno, metade dos homens neste clube venderam favores a ele regularmente. Freyne era um idiota, mas sabia reconhecer uma oportunidade quando a via. Seu maior problema era sua boca. Se estava envolvido em algo ligado ao rapto de Kellan Archer ou ao ataque que deixou o Darkhaven de Archer em escombros — e só para argumentar, digamos que estava implicado — então as chances são muito boas que tenha dito a alguém. Estou disposto a apostar que se vangloriou a pelo menos um perdedor sentado nesta merda de clube.

A expressão de Murdock foi se apertando a cada segundo que Chase falava, seus olhos começaram a se transformar com fúria, as íris escuras reluzindo com a luz ambarina a cada decibel que a voz de Chase aumentava na multidão.

Agora metade da sala fez uma pausa para olhar na sua direção. Vários machos se levantaram dos seus assentos, Anfitriões de sangue humanos e os bailarinos meio-drogados nos colos foram empurrados rudemente à parte quando uma horda crescente de Agentes ofendidos começou a convergir para Chase e Hunter.

Chase não esperou que a multidão atacasse.

Com um rosnado cru, pulou no bando de vampiros, apenas um relâmpago de punhos balançando, e dentes e presas rangendo.

Hunter não teve nenhuma escolha a não ser se juntar à rixa. Passou com dificuldade pela multidão violenta, seu foco no seu parceiro e na intenção de tirá-lo disto inteiro. Ele se desfez de cada um que chegava com esforço mínimo, perturbado pela maneira feroz com que Chase lutava. Seu rosto estava esticado e selvagem enquanto lançava soco após soco nos corpos que o pressionavam por todos os lados. Suas presas estavam enormes, enchendo sua boca. Seus olhos queimavam como carvão na sua face.

— Chase! — Hunter gritou, xingando quando sangue Raça espirrou transportado pelo ar — do seu parceiro ou de outro macho, não podia estar seguro.

Nem tinha muita possibilidade de descobrir.

Um borrão de movimento do outro lado do clube chamou a atenção de Hunter. Ele desviou seu olhar na direção e encontrou Murdock fitando-o, um celular apertado na sua orelha.

Um pânico inconfundível cobriu suas feições quando seus olhares se encontraram por cima da multidão barulhenta. Sua culpa era óbvia agora, escrita na tensão que branqueava em volta da sua boca e nas gotas de transpiração que apareciam na sua testa brilhando nas luzes giratórias do palco vazio. O Agente falava rápido no telefone agora, seus pés o transportando em um ímpeto ansioso em direção ao fundo do lugar.

Na fração de um segundo que Hunter levou para se livrar de um agente, Murdock desapareceu de vista.

— Filho da puta. — Hunter se arqueou para além da briga, abandonando Chase para perseguir o que sabia ser o líder que esperava encontrar esta noite.

Estalou numa corrida, confiando em sua velocidade de Gen-Um para levá-lo aos fundos do clube, por uma porta que ainda estava entreaberta, balançando para o corredor de tijolo estreito por onde Murdock fugiu. Não havia nenhum sinal dele no corredor, mas o eco agudo de passos correndo em uma rua do lado adjacente seguia a brisa frígida.

Hunter decolou atrás dele, virando a esquina quando um grande sedan preto freava no meio fio. A porta de trás foi aberta. Murdock pulou, fechou-a com um barulho atrás dele quando o motor do carro rugiu mais uma vez.

Hunter já ia em direção a ele quando os pneus cantaram no gelo e asfalto, então, com um salto de metal gritando, o veículo se lançou na rua como um demônio na noite.

Hunter não perdeu um minuto. Pulando para o lado do edifício mais próximo, se agarrou na escada de incêndio enferrujada e quase se catapultou para o telhado. Correu, as botas estraçalhando as telhas quando pulou de um telhado ao outro, mantendo uma pista visual no veículo que fugia evitando o tráfego noturno na rua embaixo.

Quando o carro girou por uma esquina para um beco escuro vazio, imediatamente Hunter se lançou no ar. Desceu no teto do sedan com um choque dissonante de osso. A dor do impacto foi registrada, mas por menos de um segundo. Ele se agarrou, sentindo apenas calma determinação quando o motorista tentou se livrar dele fazendo zigue-zague com as rodas.

O carro se moveu aos arrancos e desviou, mas Hunter ficou onde estava. A mão aberta no teto, os dedos de uma mão agarrados na borda superior do para-brisa, enquanto balançava sua outra mão e liberava sua 9 mm do coldre nas costas. O motorista tentou outra rodada de zigue-zagues na rua, quase batendo num caminhão de entrega estacionado em sua tentativa de se livrar do passageiro indesejado.

Com a semiautomática na mão, Hunter se levantou numa sacudidela felina do teto para o capô do sedan que corria. Deitado, mirou no motorista, o dedo friamente no gatilho, pronto para explodir o bastardo atrás do volante e pôr suas mãos em Murdock, e tirar do bastardo traidor todos os seus segredos.

No momento em que reduziu a velocidade, um instante — somente a menor centelha de tempo — a surpresa o tomou.

O motorista usava um colar preto grosso em volta do pescoço. Sua cabeça estava raspada, a maior parte do seu couro cabeludo coberto com uma rede entrelaçada de dermaglifos.

Ele era um dos assassinos de Dragos.

Um Caçador, como ele.

Um Gen Um, nascido e criado para matar, como ele.

A surpresa de Hunter foi prontamente eclipsada pelo dever. Estava mais que disposto a exterminar o macho. Foi sua promessa à Ordem quando se uniu — seu voto pessoal para apagar até a última das máquinas assassinas do jardim de Dragos.

Antes que Dragos tivesse a chance de soltar toda sua maldade no mundo.

Os tendões no dedo de Hunter se contraíram no segundo que levou para realinhar sua Beretta[2] no centro da testa do assassino. Começou a apertar o gatilho, quando sentiu o carro apertando debaixo dele quando o motorista apertou o freio.

Borracha e metal fumegaram em protesto, mas o sedan parou de repente.

O corpo de Hunter continuou a se mover, voando pelo ar e pousando várias dezenas de metros adiante no pavimento frio. Ele rolou na queda e ficou de pé como se nada acontecesse, a pistola levantada e disparando ao redor do carro imóvel.

Viu Murdock deslizar do assento traseiro e empreender sua fuga por um beco sombrio, mas não houve nenhum tempo para lidar com ele antes que o Gen Um saísse do carro também, o cano de uma pistola de grande calibre travada e carregada, mirando em Hunter. Eles se enfrentaram, a arma do assassino erguida para matar, os olhos frios com a mesma determinação sem emoções que centrava Hunter na sua posição sobre o gelo no asfalto.

Balas explodiram das duas armas ao mesmo tempo.

Hunter se esquivou do perigo como se estivesse em câmera lenta. Sabia que seu oponente faria o mesmo quando Hunter corresse na direção dele. Outra saraivada de tiros explodiu, uma chuva de balas desta vez, quando os dois vampiros descarregaram seus pentes um no outro. Nenhum deles teve mais que golpes superficiais.

Eram muito parecidos, treinados pelos mesmos métodos. Ambos difíceis de matar, prontos para lutar até sua última respiração.

Num borrão e com intenção letal, o par jogou suas armas de fogo vazias e partiu para a batalha corpo a corpo.

Hunter desviou dos socos violentos e rápidos do assassino quando rugiu para cima dele. Desviou de um chute que poderia ter acertado seu maxilar, não fosse por uma inclinação de sua cabeça, então outro ataque visando sua virilha, mas desviado quando Hunter agarrou a bota do assassino e o torceu em uma volta no ar.

O assassino recuperou seu apoio sem muita dificuldade, vindo direto para mais. Ele lançou um soco e Hunter agarrou seu punho, os ossos esmagados quando apertou, então usou seu corpo como alavanca enquanto puxava o braço esticado para trás no cotovelo. A articulação partiu com um estalo agudo, mas o assassino simplesmente resmungou, a única indicação que sentiu certa dor. O braço danificado pendia inútil ao lado quando virou para lançar outro soco no rosto de Hunter. O soco acertou, rasgando a pele somente acima do olho direito e atingindo tão forte que a visão de Hunter ficou cheia de estrelas. Ele se livrou da ofuscação momentânea, ainda a tempo de interceptar um segundo ataque — punho e pé vindo para ele juntos.

Para trás e para frente, os dois machos respirando com muito esforço, ambos sangrando em vários lugares onde o outro tinha conseguido vantagem. Nenhum pediria clemência, não importava quanto tempo ou quão sangrento fosse o combate.

A clemência era um conceito estranho para eles, o contrário da compaixão. Duas coisas que foram banidas no curto tempo em que foram crianças.

A única coisa pior que clemência ou compaixão era o fracasso, e quando Hunter pegou o braço quebrado de seu oponente, e jogou o grande macho na terra com seu joelho plantado no meio da espinha do assassino, viu o reconhecimento do fracasso iminente cintilando como uma chama escura nos olhos frios do Gen Um.

Ele perdeu esta batalha.

Sabia, tanto quanto Hunter sabia, quando um lampejo brilhou no grosso colar preto, em volta do pescoço do assassino, no instante seguinte.

Hunter estendeu a mão livre para pegar uma das pistolas jogadas no asfalto. Ele a sacudiu em volta da sua mão, manejando a coronha metálica como um martelo, logo abaixou no colar que rodeava o pescoço do assassino.

Novamente, e mais forte agora, um soco amassando o material impenetrável que alojava um dispositivo diabólico. Um dispositivo feito por Dragos e seu laboratório com um único objetivo: assegurar a lealdade e obediência do exército mortal que produziu para servi-lo.

Hunter ouviu um pequeno zumbido quando a cobertura temperada provocou a detonação próxima. O assassino de Dragos se ergueu com sua mão boa — se para parar a ameaça ou tentar pará-la, Hunter nunca teria certeza.

Ele rolou longe... Em seguida os raios ultravioletas foram liberados de dentro do colar.

Houve um relâmpago de luz cegante — veio e foi num instante — quando o raio letal separou a cabeça do assassino num movimento limpo.

Quando a rua mergulhou na escuridão, Hunter fitou o cadáver queimando sem chama do macho que tinha sido como ele de tantos modos. Um irmão, embora não houvesse nenhum parentesco entre nenhum dos assassinos no exército pessoal de Dragos.

Ele não sentiu nenhum remorso pelo morto diante dele, só um sentido vago da satisfação por ter um assassino a menos para executar os esquemas distorcidos de Dragos.

Não descansaria até que não houvesse ninguém.

 

Como fundador e líder da Ordem — inferno, como macho Gen Um da Raça com pelo menos 900 anos de vida e, mais alguns — Lucan Thorne não estava acostumado a levar bronca de ninguém.

No entanto, ouvia em silêncio ardente enquanto um agente de Agência de Execução de alto escalão de nome Mathias Rowan o enchia sobre o que aconteceu um par de horas antes, num dos redutos privados da Agência, em Chinatown. O clube para onde enviou dois guerreiros da Ordem, Chase e Hunter, em patrulha naquela noite. Mal podia fingir surpresa ao ouvir que as coisas saíram do controle, ou que houve uma fodida tempestade de violência e Chase terminou no meio dela.

Ou melhor, no início, meio e fim de tudo, de acordo com Rowan.

Em circunstâncias normais, Lucan, nem pessoalmente nem pela Ordem, daria a mínima aos ânimos dentro da Agência. Durante o tempo que existiam, a Ordem e a Agência de Execução operavam em seus próprios termos, por suas próprias leis. Lucan fundou a Ordem baseado na justiça e ação; o credo da Agência era mergulhado na política e na construção de um império desde o início.

Isso não significa que não havia bons homens, de confiança, nas suas fileiras — Mathias Rowan era uma dessas exceções notáveis. Sterling Chase era outra. Não muito mais que um ano atrás, Chase era parte da elite da Agência de Execução, um bem-educado, bem conectado, bem-educado menino de ouro cuja carreira poderia não ter conhecido limites.

E agora?

A boca de Lucan se apertou em consideração sombria, enquanto andava sozinho na sala privada que ele e sua companheira, Gabrielle, compartilhavam na sede subterrânea da Ordem. Não podia descartar que Chase era um trunfo valioso para a Ordem desde que trocou suas engomadas camisas brancas e ternos da Agência pelo uniforme básico de combate preto e os métodos sem piedade de um guerreiro. Veio a bordo totalmente comprometido com os objetivos da Ordem e suas missões. Fez um estudo rápido sobre patrulhas e cobriu mais de uma das bundas dos guerreiros no calor de suas batalhas.

Mas Lucan também não podia negar que nos últimos meses Chase estava patinando em um gelo fino danado. Ele vinha perdendo sua vantagem, às vezes, seu foco. A raiva de Lucan oscilava perigosamente perto do “está-fora”, enquanto ouvia o resumo de Mathias Rowan do combate completo, que teve lugar no centro da cidade.

—Tenho relatos de três agentes espancados a uma triz de perderem suas vidas e outro que se parece com alguém que foi enviado a uma máquina trituradora, — disse Rowan na outra extremidade da chamada. —Isso sem contar os feridos caminhando ou os que ainda estão desaparecidos também. Para os homens, estão todos dizendo que seus guerreiros entraram no lugar procurando uma desculpa para começar o problema. Chase, em particular.

Lucan sussurrou uma maldição baixa. Teve um mau pressentimento sobre colocar Chase na patrulha desta noite em Chinatown. Foi a razão porque mandou Hunter junto — a cabeça mais fria na Ordem para acompanhar o canhão mais solto. O fato que nenhum deles ligou para se reportar, na última hora, não estava fazendo-o se sentir melhor sobre essa decisão.

—Olha, — disse Rowan, então exalou um suspiro desolado. — Considero Chase um amigo, e por um longo tempo. Ele é a razão pela qual concordei em ajudar quando se aproximou de mim para ser os olhos e os ouvidos da Ordem dentro da Agência. Quanto ao que está acontecendo com ele pessoalmente, não posso dizer onde vai parar, mas para seu próprio bem — talvez para o bem de todos — é melhor ele começar a perceber isso. E longe de mim te dizer como administrar as coisas dentro de sua operação, Lucan...

—Sim, — ele interrompeu, curto e direto no ponto. — Longe disso, Agente Rowan.

O silêncio durou mais que um momento do outro lado. Lucan sentiu uma mudança no ar em torno dele e olhou para cima enquanto Gabrielle entrava na sala.

Pôs Rowan em espera com apenas uma palavra de advertência, simplesmente porque queria ver sua bela companheira se movendo. Ela trazia uma bandeja de chá vazia de sua biblioteca e silenciosamente a colocou na cozinha. A bandeja foi preparada para duas: Gabrielle e outra fêmea que chegou ao complexo mais cedo naquela noite. Apenas uma das xícaras foi esvaziada. Apenas um dos pratos de porcelana limpo de seu pequeno bolo de chocolate e diversos outros confeitos.

Lucan não tinha que adivinhar qual das mulheres comeu. Um pouquinho de chocolate em pó sujava o arco exuberante da boca perfeita de sua companheira de cabelos castanhos. Ele lambeu os próprios lábios, enquanto observava Gabrielle, faminto, como sempre, pelo gosto dela. Se não fosse pelo negócio perturbador à mão, sem falar do pequeno dilema que esperava sua decisão no outro quarto, Lucan poderia ter dispensado todas as demandas sobre ele, exceto a que o deixava nu, com sua mulher, no menor tempo possível.

A rápida olhada que ela deu a ele, disse que sabia a direção de seus pensamentos. É claro, a verdade provavelmente estava escrita por todo seu rosto. Levou apenas um arranhão de sua língua para sentir a borda afiada de suas presas emergentes, e pela forma como sua visão ficou nítida, adivinhou que seus olhos estavam mais âmbar que cinza agora, seu desejo o transformando à sua verdadeira natureza quase da mesma maneira que faria a sede de sangue.

Um sorriso lento se estendeu sobre os lábios de Gabrielle enquanto caminhava em direção a ele. Seus grandes olhos castanhos eram profundos e suaves, os dedos sensíveis e convidativos quando tocou seu rosto tenso. Seu toque o acalmou, como sempre, e seu rugido soou mais como um ronronar enquanto ela enfiava os dedos em seus cabelos escuros.

Com Mathias Rowan na linha parada, Lucan afastou o telefone enquanto inclinava a cabeça para baixo em direção a boca de Gabrielle. Roçou os lábios através dela, sua língua varrendo levemente todo o traço de pó de chocolate que dava sabor ao seu beijo.

— Delicioso, — ele sussurrou, vendo o brilho faminto de sua íris refletido nas profundezas insondáveis dos dela.

Gabrielle colocou os braços ao redor dele, mas estava franzindo a testa enquanto prendia seu olhar. Manteve a voz baixa, mas articulou as palavras.

— Está tudo bem com Hunter e Chase?

Ele balançou a cabeça, pressionando um beijo em sua testa. Era estranho dispensar sua preocupação. No ano e meio que estava ligado pelo sangue a Gabrielle, tinham compartilhado tudo. Confiava nela mais que já confiou em alguém, em todos seus consideráveis anos de vida.

Era sua companheira, sua parceira, sua amada. Como sua confidente mais preciosa, merecia saber o que sentia como homem. O que temia em seu coração e alma, como líder deste complexo, que em algum momento, começou a parecer mais como uma casa para ele do que o centro nervoso estratégico das missões da Ordem.

Enquanto seus guerreiros lutavam diariamente com seus próprios demônios pessoais, enquanto a Ordem tomava alguns golpes, algumas perdas graves, mas também alguns triunfos tão necessários — enquanto a população do complexo aumentava para quase o dobro do que era a dois anos atrás, quando vários guerreiros se apaixonaram e encontraram suas companheiras — um fato perturbador permanecia.

Ainda não foram capazes de parar Dragos e sua loucura.

Dragos ainda respirava, ainda era capaz de causar derramamento de sangue e destruição como a que orquestrou na semana passada com o rapto de um jovem do Darkhaven de uma poderosa família Raça, e a subsequente demolição de sua residência matando todos dentro, era um fracasso que Lucan tomava como muito pessoal.

Era uma realidade que feriu seus sentimentos.

Mas isso era algo que não podia compartilhar com Gabrielle, não agora. Não podia suportar fazê-la sentir o mesmo pavor que o perseguia. Assumia muitos de seus encargos, tantos quanto possível, para si mesmo. Até que tivesse todas as respostas, até que seus planos estivessem no lugar e prontos para serem postos em prática, o resto era seu para suportar.

— Não se preocupe, amor. Tudo está sob controle. — Ele deu outro beijo carinhoso em sua testa. — Como vão as coisas no outro quarto?

Gabrielle deu de ombros e balançou a cabeça.

— Ela não fala muito, mas não é de admirar, considerando tudo que passou. Tudo que quer é ir para a casa de sua família. Também é compreensível, é claro.

Lucan grunhiu, em total acordo. Não queria nada mais que pôr sua convidada a caminho. Simpático à situação da mulher ou não, a última coisa que precisava era de outro civil no complexo nos próximos dias.

— Imagino que não conseguimos qualquer palavra sobre sua saída daqui, não é?

— Nada na última hora. Brock disse que, ele ou Jenna, chamariam assim que o tempo limpasse o suficiente em Fairbanks para deixá-los partir.

Lucan amaldiçoou.

— Mesmo que a nevasca pare agora, facilmente passarão um dia inteiro longe ainda. Vou ter que mandar alguém em seu lugar. Talvez seja uma boa maneira de tirar Chase dos meus cabelos por um tempo. Diabos, depois do que acabei de ouvir esta noite, pode ser a única coisa que me impeça de matá-lo.

Gabrielle estreitou seu olhar sobre ele, toda profissional agora.

— De jeito nenhum vai mandar esta pobre mulher para Detroit, com Chase como acompanhante. Não vai acontecer, Lucan. Vou levá-la eu mesma antes de deixar isso acontecer.

Ele não foi totalmente sério, para começar, mas não estava disposto a discutir com ela. Não quando seu queixo se erguia naquele ângulo teimoso, que dizia que absolutamente não tinha intenção de recuar.

— Certo, esqueça o que eu disse. Você ganhou.— Agarrando seu braço próximo, ele deixou sua mão vaguear até a curva de seu cotovelo. — Como sempre ganha?

— Porque sabe que estou certa. — Ela se moveu mais perto, levantando-se na ponta dos pés até sua boca roçar a dele. — E porque — admita, vampiro — não me teria de outra maneira.

Arqueamento sua testa esbelta, mordiscou seu lábio inferior, em seguida, deslizou fora do seu abraço antes que ele pudesse aceitar seu desafio. Não que já não estivesse aceitando. Gabrielle sorriu, plenamente consciente de sua condição quando girou ao redor e começou a voltar para a biblioteca e para sua convidada à espera.

Lucan parou até que ela estava fora da sala, trabalhando para reagrupar seus pensamentos. Pigarreando, tirou Rowan da espera e colocou o telefone de volta no ouvido. Deixou o Agente pendurado no silêncio por tempo suficiente.

— Mathias, — disse ele. — Quero que saiba que a Ordem aprecia tudo que fez para nos ajudar até agora. Quanto ao que aconteceu esta noite no clube, asseguro que não foi minha intenção. Percebo que sendo diretor da Agência na região, isso o coloca numa posição desconfortável.

Era o mais próximo de um pedido de desculpas que pôde reunir. Há muito tempo, embora não escrita, a política entre os guerreiros de Lucan e os membros da Agência era se abster da melhor forma que podiam, cagando um no outro a metros de distância, mas ultimamente as circunstâncias mudaram.

Como tudo mudou, e drasticamente.

— Não estou preocupado comigo mesmo, — respondeu Rowan. — E não me arrependo da minha decisão de ajudá-lo. Quero Dragos preso, o que for preciso. Mesmo que isso signifique fazer alguns inimigos próprios dentro da Agência.

Lucan grunhiu em reconhecimento pelo voto.

— Você é um bom homem, Mathias.

— Depois de tudo que o bastardo fez, especialmente o terror da semana passada, como não poderia querer que ele acabasse tão mal como você e seus guerreiros puderem? — A voz de Rowan estava afiada com uma paixão que Lucan entendia muito bem. — Não me choca que haja corrupção no seio da Agência, ainda menos que um Neandertal como Freyne se alie com um louco retorcido como Dragos. Eu só queria ter visto essa possibilidade antes que explodisse na minha cara na noite do resgate de Kellan Archer.

— Não está sozinho nesse lamento, — respondeu Lucan, sóbrio com o pensamento. Enviou vários guerreiros nessa missão também, assegurando que o jovem do Darkhaven fosse resgatado em segurança de seus raptores — um trio de Gen Um assassinos que levou o menino por ordem de Dragos. O principal objetivo foi alcançado, mas não sem um monte de danos colaterais e perguntas perturbadoras subindo em seu rastro.

— Como está o menino? — Rowan perguntou.

— Ainda se recuperando em nossa enfermaria. — O abuso físico de Kellan Archer foi grave, mas foi a angústia mental que sofreu durante e após seu rapto que deixou Lucan ainda mais preocupado pelo jovem macho Raça a longo prazo.

— E seu avô?

Lucan pensou em Archer, o macho mais velho, em silêncio por um momento sombrio. Lazaro Archer era um dos poucos Gen Um restantes na população da Raça, e um idoso por aqui. Quase mil anos de idade, viveu uma vida estritamente pacífica, no último par de séculos na Nova Inglaterra como chefe do Darkhaven da família. Teve filhos fortes, que tiveram seus próprios filhos — Lucan não tinha certeza de quantos filhos Lazaro e sua Companheira de Raça ao longo da vida tinham.

Não que isso importasse.

Não mais.

Numa noite simplesmente encharcada de sangue, a Companheira de Raça de Lazaro e todos os seus parentes em sua casa, no Darkhaven de Boston, foram exterminados. Um dos filhos de Lazaro, o pai do menino, Christophe, foi assassinado à queima-roupa por Freyne, o traidor que fazia parte do resgate de Kellan pela Agência de Execução. Lazaro e Kellan eram tudo que restava da linhagem Archer, embora sua sobrevivência ainda não fosse pública.

— Tanto o menino como seu avô estão tão bem como se pode esperar, — respondeu Lucan. —Até que eu possa determinar por que foram alvejados por Dragos, não estarão seguros em qualquer outro lugar, além daqui, no complexo.

— É claro, — respondeu Rowan. Houve uma pausa do outro lado, em seguida, uma inalação de sua respiração. — Conhecendo Chase, tenho certeza que se culpa por parte do que aconteceu durante a missão de resgate...

Lucan sentiu as sobrancelhas apertarem com a lembrança de mais um dos problemas recentes de Chase, enquanto em serviço.

— Deixe-me preocupar com meus homens, Mathias. Você mantenha um olho nos seus.

— Certamente, — respondeu ele, em tom profissional. — Vou lidar com qualquer sequela do incidente na noite do clube. Se alguma coisa interessante aparecer, entretanto, sobre Freyne ou sua conexão com Dragos, tenha certeza que vou estar em contato.

Lucan murmurou seus agradecimentos. Se Rowan não tivesse feito uma carreira tão sólida para si mesmo dentro das fileiras superiores da Agência poderia muito bem ser um guerreiro em seu lugar. Deus sabia que a Ordem poderia usar mais mãos e cabeças de nível, se as coisas ficassem pior em sua guerra com Dragos.

Ou se as coisas continuassem afundando com um determinado membro de sua equipe atual.

Tão logo o pensamento provocou uma dura ruga na mandíbula de Lucan, a linha interna do complexo tocou com uma chamada do laboratório de tecnologia. Terminou sua conversa com Rowan, então apertou o botão do alto-falante no interfone.

— Estão aqui, — Gideon anunciou antes que Lucan tivesse chance soltar um Olá. — Só os vi entrando pelos portões da propriedade. Os vejo nas câmeras de vigilância enquanto falamos. Estão se dirigindo para o estacionamento agora.

— Porra, já era tempo, — rosnou Lucan.

Desligou o interfone e saiu de seus aposentos. A batida de suas botas de combate pretas ecoaram nos longos e serpenteantes corredores de mármore branco que corriam como um sistema nervoso central através do coração do complexo subterrâneo. Contornou a esquina e comeu a distância em direção ao laboratório tecnológico, onde Gideon passava praticamente 24 h/7dias nesses dias.

À frente dele, sua audição aguda pegou o lamento sussurrado do hidráulico do elevador garantindo sua descida da garagem localizada um nível acima do complexo cem pés abaixo do solo.

Quando chegou ao laboratório tecnológico, Gideon saiu para encontrá-lo no corredor. O guerreiro britânico, e gênio residente no complexo estavam deixando sua excentricidade interior ter sua liberdade esta noite, vestido de jeans cinza desleixado, tênis verde Chuck Taylor[3] e uma camiseta amarela Hellboy. Seu cabelo loiro estava mais despenteado que o habitual, como se tivesse passado as mãos sobre o couro cabeludo mais de uma vez durante a espera por notícias de Hunter e Chase.

— Faz muito tempo desde que vi essa carranca assassina, — disse Gideon, seu olhar azul afiado sobre as lentes claras sem aro. — Parece que está prestes a mastigar esses caras e cuspi-los.

— Cheiro que alguém já fez isso por mim, — rosnou Lucan, as narinas flamejando com o cheiro de sangue Raça recém-derramado antes mesmo que as portas de aço polido do elevador se abrissem para deixar sair o par de guerreiros errantes.

 

— Tem certeza que não quer algo para comer ou beber?

Gabrielle voltou para a biblioteca, as bochechas coradas, os olhos castanhos parecendo de alguma forma mais brilhantes do que quando saiu com a bandeja de chá há poucos minutos. Seu olhar à deriva por um momento, a companheira de Lucan Thorne levou as pontas dos dedos aos lábios num gesto ausente que não chegou a esconder o sorriso, pequeno e privado, que curvava sua boca. Ela piscou um instante depois e caminhou para retomar seu lugar no sofá.

— Sinto muito mantê-la esperando. Lucan e eu ficamos presos numa pequena negociação, — disse ela, de modo hospitaleiro como faria um velho amigo, apesar do fato que eram estranhas, até poucas horas antes naquela noite. — Está muito frio para você aqui? Olhe para você, está tremendo.

— Não é nada. — Corinne Bishop afundou mais em seu cardigan cinza pálido e balançou a cabeça, até mesmo quando um tremor sacudiu mais profundamente dentro de seus ossos. — Estou bem, realmente.

Seu desconforto não tinha nada a ver com a temperatura dentro do complexo da Ordem. Luxo e hospitalidade a cercavam aqui, gostos que mal podia compreender. Ficou maravilhada com a sede subterrânea surpreendentemente grande, desde o momento em que chegou, e certamente a biblioteca elegante, onde estava sentada agora com Gabrielle era a sala mais requintada em que esteve já há algum tempo.

Sua casa nos últimos anos era pouco melhor que um túmulo. Desde o momento de seu sequestro quando tinha apenas dezoito anos, Corinne foi mantida prisioneira, juntamente com uma série de outras jovens fêmeas, todas levadas cativas por um louco chamado Dragos, pelo simples fato que cada uma das mulheres nasceu Companheira de Raça.

Com as mãos cruzadas no colo, Corinne olhou abaixo e de braços cruzados correu o polegar pelo lado da pequena marca de nascença vermelha na parte traseira de sua mão direita — a pequena marca de nascença que cada Companheira de Raça tinha em algum lugar de sua pele. Foi essa marca de lágrima e lua crescente, que a fez ser parte de um mundo extraordinário — o mundo secreto, eterno da raça. Foi a razão pela qual foi tirada da pobreza e negligência certas quando criança, depois que foi abandonada na porta de trás de um hospital em Detroit, poucas horas após seu nascimento.

Aquela diminuta marca de nascença vermelho-sangue foi seu ingresso na vida de Victor e Regina Bishop, seus pais adotivos. O casal com laços de sangue com seu próprio filho Raça abriu sua mansão suntuosa no Darkhaven, tanto para Corinne como para sua irmã adotada mais nova, Charlotte, dando às duas indesejadas, meninas não reclamadas, um lar amoroso e tudo de melhor que a vida tinha para oferecer.

Se apenas fosse adulta o suficiente para apreciar todas as bênçãos que tinha.

Se tivesse a chance de dizer para sua família mais uma vez que os amava... antes que um vilão chamado Dragos a arrancasse e a jogasse longe no que parecia um inferno interminável.

Foi o pequeno sinal vermelho de nascença nas costas de sua mão que causou tanta dor e desgosto. Foi torturada e abusada, mantida viva contra sua vontade e suportou coisas que mal conseguia pensar, muito menos falar, agora que estava livre dos horrores. Tanto ela como as outras cativas de Dragos — próximas de vinte, conseguiram sobreviver ao tormento e experimentos por tempo suficiente para serem resgatadas pelos membros guerreiro da Ordem e suas incrivelmente corajosas Companheira de Raças.

Nos últimos dias desde seu resgate, Corinne e as outras reféns libertadas ficaram em Rhode Island, no Darkhaven de outro casal, cuja generosidade e carinho foi uma dádiva de Deus. Amigos de confiança da Ordem, Andreas Reichen e sua companheira Claire proveram todas as libertadas com roupas, abrigos — qualquer coisa que pudessem possivelmente precisar para ajudar a recuperar algum sentido de normalidade quando a vida começasse de novo, fora do alcance de Dragos.

A única coisa que Corinne precisava era de sua família. Ficou surpresa ao saber que, de todas as Companheira de Raças capturadas e presas por Dragos, era a única levada de uma família Darkhaven. As outras fêmeas foram recolhidas em abrigos ou arrancadas de existências solitárias, sem saber que eram especiais de alguma maneira, até que a maldade de Dragos arrancasse a venda de seus olhos.

Mas Corinne sabia o que era. Tinha uma família que a amava, que com certeza sentiu sua falta e, eventualmente, lamentou quando se passaram décadas, sem seu retorno. Era diferente das outras vítimas de Dragos. No entanto, sofreu o mesmo que elas — talvez mais, pois pensar em seus pais e irmãos angustiados a tornava desafiadora face ao seu captor.

A urgência de estar de volta onde pertencia, de volta entre as pessoas que poderiam ajudá-la a se curar — talvez as únicas pessoas capazes de ajudá-la a recuperar tudo o que perdeu durante seu tempo em cativeiro — era uma necessidade que a consumia, mais e mais enquanto os dias e horas passavam, custando um tempo precioso.

Só podia esperar que a recebessem dentro de seu lar, mais uma vez. Só podia rezar para que durante os longos anos em que esteve fora, não tivessem se esquecido dela. Só podia desejar de todo coração que ainda pudessem amá-la.

Olhou para cima e encontrou o olhar preocupado de Gabrielle.

— Quando Brock acha que estará de volta a Boston?

Gabrielle exalou um suspiro suave quando balançou a cabeça lentamente.

— Provavelmente não em um dia ou mais. Poderá ser mais que isso, se a neve não parar em Fairbanks muito em breve.

Corinne mal podia esconder sua decepção. Saindo de seu cativeiro, descobriu que seu guarda-costas de infância de Detroit era um dos seus salvadores, e teve o primeiro sabor verdadeiro de esperança. Brock se tornou um membro da Ordem desde seu desaparecimento. Também se apaixonou recentemente. Foi esse amor que o levou para o Alasca há alguns dias, mas deu sua palavra a Corinne, que logo que ele e sua companheira, Jenna, voltassem, eles pessoalmente, a levariam em segurança para sua casa em Detroit.

Corinne precisava do apoio de Brock. Sempre foi seu confidente, um amigo de verdade. Enquanto era jovem, confiou nele para mantê-la segura. Ela precisava saber que estava segura agora, e ter certeza que nenhum perigo poderia tocá-la enquanto fazia sua viagem de volta.

Uma parte de seu medo era a preocupação que não pudesse ter força para bater na porta da frente de sua família, sem alguém como Brock, alguém que pudesse confiar completamente, em pé ao seu lado.

— Soube por Claire e Andreas que não entrou em contato com sua família, — disse Gabrielle suavemente, invadindo seus pensamentos. — Eles não têm ideia que esteja viva?

— Não, — respondeu Corinne.

— Não gostaria de ligar para eles? Tenho certeza que gostariam de saber que está aqui, que está sã e salva, e voltando para a casa deles em breve.

Ela balançou a cabeça.

— Foi há tanto tempo. Lembro da nossa central telefônica antiga, mas nem saberia como alcançá-los...

— Isso não é problema, você sabe. — Gabrielle fez um gesto na direção de uma caixa branca e plana que repousava sobre a mesa próxima da biblioteca. — Não seria preciso mais que um ou dois minutos para encontrá-los no computador. Poderia chamá-los agora. Se quiser, pode até mesmo falar com eles em vídeo.

— Obrigada, mas não. — Os termos e conceitos eram muito novos para Corinne, quase tão avassaladores como a ideia de falar com qualquer um dos seus pais sem estar lá em pessoa para tocá-los, sentir seus braços em volta dela mais uma vez. — É justo que eu... Eu não saberia o que dizer a eles após todo esse tempo. Não saberia dizer...

Gabrielle deu um aceno compreensão.

— É preciso estar lá em pessoa para fazer isso.

— Sim. Só preciso ir para casa.

— É claro, — disse Gabrielle. — Não se preocupe. Vamos ter certeza que chegue lá o mais rapidamente possível.

As duas olharam para cima quando uma batida soou tranquila no batente da porta do corredor fora da biblioteca. Uma loira bonita com pálidos olhos lavanda abriu a porta do corredor e espiou o quarto.

— Estou interrompendo?

— Não, Elise. Entre. — Gabrielle se levantou e fez sinal para a outra mulher entrar. — Corinne e eu estávamos conversando enquanto esperamos por uma palavra de Brock e Jenna.

Elise entrou e deu um sorriso caloroso para Corinne.

— Pensei em descer e me sentar com as duas por um tempo até que todos cheguem das patrulhas.

Corinne foi apresentada a algumas das mulheres da Ordem quando chegou mais cedo naquela noite. Elise, lembrou, era a Companheira de Raça de um guerreiro chamado Tegan. Disseram que ele e a maioria dos outros membros da Ordem estavam em missões em outros lugares na cidade, todos focados no único objetivo de caçar Dragos e todos aqueles leais a ele.

O pensamento lhe deu uma grande dose de confiança. Certamente com um grupo extraordinário como este, determinado a pegá-lo, Dragos ficaria sem chance de escapar.

E ainda assim o fazia.

Uma e outra vez, como Corinne entendeu, conseguia ficar um passo à frente da Ordem. Eram uma força poderosa, mas Corinne sabia em primeira mão que Dragos não estava sem seu próprio poder. Ele tinha seus próprios soldados, sua própria tática terrível.

E era louco — perigosamente. Corinne sabia disso em primeira mão, e as memórias terríveis do que sabia incharam sobre ela como uma onda de escuridão, antes que pudesse detê-las. Ela cambaleou sob o peso de suas lembranças torturadas quando se levantou do sofá para ficar ao lado de Gabrielle e Elise. A ansiedade veio rápido desta vez, mais rápido que antes. Quando Gabrielle a deixou sozinha na biblioteca, Corinne, de alguma forma conseguiu ficar de novo sob controle.

Mas não desta vez.

As estantes do chão ao teto vacilaram em sua mente enquanto as paredes da biblioteca pareciam espremer, fechando por todos os lados. Na parede em frente a ela, uma grande tapeçaria, bordada descrevia um cavaleiro escuro que olhava furiosamente num cavalo preto, parecia agora se torcer e distorcer, as feições do homem e seu bonito cavalo se transformando em algo demoníaco e zombador.

Ela fechou os olhos, mas a escuridão não melhorou as coisas. De repente, estava de volta nas celas da prisão de Dragos. De volta às covas sem luz, nua e tremendo. Sozinha num vazio úmido, esperando a morte. Orando por ela, como seu único meio de escapar ao horror.

Corinne puxou um bocado de ar, mas sentiu apenas o menor suspiro de oxigênio entrando em seus pulmões quando o espaço ao seu redor fechou em direção ao nada.

— Corinne? — Gabrielle e Elise, ambas, disseram o nome dela, ao mesmo tempo. As duas mulheres estenderam a mão para segurá-la, mantê-la estável.

Corinne se ouviu sem ar.

— Preciso sair desta cela...

— Pode andar? — Elise perguntou, a voz urgente, mas no controle. — Segure-se em nós, Corinne. Vai ficar bem.

Ela conseguiu um aceno de cabeça à medida que a ajudavam a sair para o corredor. Mármore branco fresco se espalhava em ambas as direções. A passagem era longa e sem fim, de imediato, calmante. Ela deixou o brilho das pálidas paredes imaculadas preencherem sua visão quando respirou fundo e sentiu um pouco da constrição em seus pulmões começar a deslizar.

Sim, graças a Deus.

Já estava melhor.

Gabrielle estendeu a mão para tirar algumas mechas de cabelo escuro de Corinne de seus olhos.

— Está bem agora?

Corinne assentiu, ainda respirando com dificuldade, mas sentindo que o pior de sua ansiedade desapareceu.

— Às vezes eu apenas... Às vezes sinto como se ainda estivesse lá. Continuo trancada naquele lugar horrível, — ela sussurrou. — Sinto muito. Estou tão envergonhada.

— Não. — O sorriso de Gabrielle era simpático, sem ser compassivo. — Não tem que se desculpar ou se envergonhar. Não entre amigos.

— Vamos lá, — disse Elise. — Vamos levá-la até a mansão. Podemos dar um pequeno passeio em torno das terras lá fora até se sentir melhor.

 

Quando o elevador do complexo vindo da garagem subterrânea fez uma parada amortecida, Hunter olhou para seu parceiro de patrulha ferido, avaliando-o em silêncio.

Cabeça baixa em seus ombros, o cabelo castanho dourado coberto de sujeira caído sobre a testa, Sterling Chase estava encostado na parede oposta do elevador, sua respiração serrando através dos dentes. Seu uniforme preto estava rasgado e encharcado de sangue, lacerações, contusões e inchaço fazendo uma bagunça no maltratado rosto. Seu nariz estava quebrado, certamente, o lábio superior dividido aberto e sangrando em seu queixo. Mais que provavelmente, sua mandíbula estava fraturada também.

As lesões no guerreiro pela briga na cidade eram numerosas, mas nada que não cicatrizasse com o tempo e uma alimentação decente.

Não que parecesse que Chase estava preocupado com sua condição.

As portas do elevador se abriram e ele saiu para o corredor na frente de Hunter, a arrogância em cada passo.

Lucan bloqueou seu caminho, poucos passos para fora. Colocou a palma da mão no centro do peito de Chase para detê-lo fisicamente, quando o outro homem pareceu inclinado a fazer uma pausa.

— Teve uma boa noite em Chinatown?

Chase grunhiu, seu lábio cortado abrindo mais quando deu um sorriso escuro para Lucan.

— Presumo que Mathias Rowan entrou em contato com você.

— Isso mesmo. Mais que eu posso dizer de qualquer um de vocês, — respondeu laconicamente Lucan, seu olhar furioso viajando brevemente da aparência gasta de batalha de Chase para Hunter, cujo uniforme estava manchado por sua própria quota de sangue derramado pelos agentes da Agência de Execução. — Rowan me contou tudo sobre a merda que caiu. Diz que tem agentes mortos e feridos e todos com quem falou colocaram a culpa pela agressão não provocada diretamente sobre você, Chase.

Ele zombou em resposta.

— Não provocada, minha bunda. Cada um dos agentes no lugar estava procurando um motivo para me irritar.

— E não podia esperar para obrigá-los, é isso? — A resposta de Chase foi um olhar furioso, e Lucan balançou a cabeça. — O que está fazendo é imprudente, cara. Esta noite de merda é apenas mais uma bagunça que deixou para alguém tratar. Tem sido um padrão com você ultimamente, e não gosto. Nem um fodido pedacinho.

— Me mandou fazer um trabalho, — Chase revidou sombriamente. — Às vezes as coisas se complicam.

Os olhos de Lucan se estreitaram, a raiva irradiando de seu corpo agora, um calor palpável que Hunter podia sentir de onde estava, a poucos passos de distância com Gideon.

— Não tenho certeza que sabe qual é seu trabalho mais, Chase. Se soubesse, não estaria voltando aqui de mãos vazias, cheirando a sangue derramado e atitude. Até onde sei, não conseguiu nada lá fora esta noite. Quanta informação reuniu sobre Freyne? Estamos mesmo a uma porra de centímetro mais perto de conseguir bloquear Dragos ou qualquer um de seus outros possíveis associados?

— Talvez estejamos,— Hunter interveio.

Agora Lucan virou sua cara feia para ele.

— Explique.

— Um agente chamado Murdock, — Hunter respondeu. — Se aproximou de mim e Chase quando chegamos ao clube. Trocamos algumas palavras, mas não apresentou qualquer informação útil. Uma vez que a briga começou, pareceu notavelmente ansioso. Eu o vi dar um telefonema para alguém antes que escapasse em meio ao caos.

— Esta é uma vantagem? — Chase murmurou com desdém. — É claro que Murdock correria. Conheço esse cara. É um covarde que prefere enfiar uma faca em suas costas do que enfrentar uma luta de frente.

Hunter ignorou o comentário de seu parceiro de patrulha, enquanto mantinha o olhar apurado do líder da Ordem.

— Murdock fugiu para o beco atrás do lugar. Um carro já estava chegando lá para pegá-lo. O motorista era um assassino Gen Um.

— Bom Cristo, — observou Gideon ao lado de Hunter, empurrando sua mão através dos espetados e curtos cabelos loiros.

A face de Lucan endureceu, enquanto Chase ficava totalmente silencioso onde estava, ouvindo atentamente os outros agora.

— Eu persegui o veículo a pé, — Hunter continuou. — O assassino foi neutralizado.

Alcançou a parte traseira de seu uniforme e tirou o colar detonado que removeu do assassino. Gideon pegou o anel de polímero preto carbonizado de sua mão.

— Mais um para adicionar à sua coleção, hein? Está acumulando uma pontuação bastante alta. Bom trabalho.

Hunter apenas piscou pelo elogio desnecessário.

— Onde está Murdock? — Lucan perguntou.

— Se foi, — Hunter respondeu. — Fugiu do local, enquanto eu estava inutilizando o motorista. Aí precisei escolher entre rastreá-lo ou voltar para dentro do clube para recuperar meu parceiro de patrulha.

A decisão de ajudar seu companheiro guerreiro o fez parar por um momento. A lógica e a formação como um dos soldados de Dragos exigiam que realizasse suas missões como uma única entidade: eficiente, impessoal, e totalmente independente. Murdock era uma meta quantificada. Interrogá-lo, certamente, proporcionar informação valiosa; sua captura era imprescindível para o sucesso da patrulha da noite. Para Hunter, capturar o agente que escapou parecia um objetivo bastante lógico.

Mas a Ordem operava sob um princípio diferente, que se comprometeu a seguir quando se juntou a eles, não importava como contrastava com o mundo que conhecia. Os guerreiros tinham um código entre eles para cada missão, um entendimento que, se uma equipe saía junta, voltaria junta, e nenhum homem jamais foi deixado para trás.

Nem mesmo se isso significasse perder um inimigo ativo.

— Eu conheço Murdock, — disse Chase, levando o dorso da mão ao queixo para enxugar um pouco de sangue que escorria por sua pele. — Sei onde vive, conheço os lugares que é susceptível de sair. Não vai demorar muito tempo para encontrá-lo...

— Você não está fazendo a merda, — Lucan interrompeu. — Estou tirando-o desta missão. Até que eu diga o contrário, todo e qualquer contato com a Agência passa por mim. Gideon pode desenterrar tudo que precisamos das propriedades de Murdock e hábitos pessoais. Se acha que tem algo mais útil para adicionar, passe para Gideon e eu decido como e quando — e decido quem é melhor para ir atrás do bastardo do Murdock

— Que seja. — Os olhos azuis de Chase brilhavam escuros sob as sobrancelhas abaixadas. Começou a se afastar.

A cabeça de Lucan virou só um pouco, sua voz tão baixa como o trovão distante.

— Não disse que acabamos.

Chase zombou.

— Me parece que tem tudo sob controle, então para que precisa de mim?

— Isso é algo que venho me perguntando a noite toda, — respondeu Lucan uniformemente. —Que porra é essa de que preciso de você?

Chase murmurou algo baixo e mal-humorado em resposta. Deu outro passo e, de repente Lucan estava bem na frente dele, tendo se movido tão rapidamente que foi difícil até mesmo para Hunter localizá-lo. Empurrou Chase com uma dose dura de força Gen Um, um golpe frontal que enviou o guerreiro voando pela parede do corredor.

Chase se endireitou com uma maldição assobiada. Os olhos brilhantes como brasas brilhantes, se adiantou com um rosnado que mostrava as presas.

Desta vez foi Hunter que se moveu mais rápido.

Interceptando a ameaça ao líder da Ordem — seu líder — se colocou entre os dois vampiros, com a mão presa na garganta de Chase.

— Quieto, guerreiro, — ele aconselhou seu irmão de armas.

Era a única advertência que Hunter permitiria a ele. Se Chase se encolhesse para mais agressão, Hunter teria pouca escolha além de esmagar a luta dele.

Dentes e presas apertadas, os lábios abertos mostrando suas gengivas, Chase manteve seu olhar fixo numa frouxa, silenciosa resposta. Hunter sentiu uma mudança de movimento no espaço do corredor atrás dele. Ouviu um suspiro feminino — apenas um puxar macio de ar através dos lábios entreabertos.

O olhar de Chase parou naquela direção e um pouco da fúria que o esticava o abandonou. Quando relaxou, Hunter o deixou ir e se afastou do confronto.

— O que está acontecendo aqui fora, Lucan?

Hunter virou junto com os outros machos no corredor e se encontrou diante da Companheira de Raça de Lucan, Gabrielle, de pé atrás deles com duas outras mulheres. Hunter conhecia a loira de ossatura fina com olhos pálidos de lavanda. Era Elise — Companheira de Raça de Tegan — quem ofegou, sua mão ainda erguida na direção da sua boca.

— Estou fora daqui, — murmurou Chase, notavelmente subjugado quando empurrou Hunter para passar pelos outros e saiu pelo corredor em direção aos seus aposentos.

Hunter dificilmente notaria a partida do guerreiro.

Sua atenção estava voltada para a terceira fêmea no corredor agora. Pequena e de pele clara por trás da cortina de cabelos de ébano que parcialmente escondiam o rosto de sua visão, ela se mantinha totalmente paralisada naquele momento. Ele não conseguia desviar o olhar dos grandes olhos azuis esverdeados que puxavam delicadamente em seus cantos externos. Era perda de tempo tentar descobrir sua cor específica, então não tentou, em vez disso tentou determinar por que achava sua presença tão marcante.

— Está tudo bem? — Gabrielle perguntou, se movendo com preocupação óbvia para Lucan.

— Sim, — respondeu ele. — Está tudo bem agora.

Hunter se aproximou da mulher não identificada, notando que seus pés estavam se movendo até ficar de pé diretamente diante dela. Ela olhou para ele, então, levantou o ovalado rosto perfeito dela, até que seu olhar viajasse além das manchas de sangue nele e seus olhos ficassem presos um no outro.

Ela era uma estranha para ele, mas ainda assim, estranhamente familiar também.

Ele inclinou a cabeça, tentando decifrar a sensação peculiar de que a viu em algum lugar antes. Deixou escapar o pensamento que estava batendo em torno de seu cérebro.

— Eu conheço você...?

Gabrielle limpou a garganta e se aproximou como se pretendesse proteger a mulher dele.

— Corinne, este é Hunter. É um membro da Ordem. Diga Olá, Hunter.

Ele resmungou a saudação, ainda olhando para ela.

— Vi você na noite do resgate, — disse ela calmamente. — Foi um dos guerreiros que levou a mim e as outras para o Darkhaven de Claire e Andreas.

Então, ela estava entre as cativas que Dragos mantinha. Supunha que fazia sentido. Deu um aceno vago, sua curiosidade pouco satisfeita com seu lembrete. Mas não a viu em Rhode Island, estava quase certo disso. Tinha certeza de que se lembraria dessa face, daqueles olhos luminescentes.

— Receio que ainda não tenho um ETA[4] de Brock e Jenna, — disse Gideon para a beleza de cabelos escuros. — A previsão do tempo no Alasca não parece boa por mais três dias, no mínimo.

— Mais três dias? — A testa lisa de Corinne enrugou com uma pequena carranca. — Realmente preciso ir para casa. Preciso da minha família agora.

Lucan soltou um suspiro.

— Entendido. Já que Brock está a alguns milhares de quilômetros e um par de nevascas longe de Boston, no momento, alguém terá que...

— Vou levá-la. — Hunter sentiu o olhar de Lucan aterrar sobre ele no instante em que as palavras saíram de sua boca. Ele encontrou o olhar do outro Gen Um e deu um aceno decisivo. — Farei com que chegue em casa em segurança para sua família.

Parecia uma tarefa simples o suficiente para gerenciar, mas todos nas imediações caíram num silêncio repentino, demorado. A mais atingida de todos parecia ser a própria Corinne. Ela olhou para ele em silêncio, e por um segundo se perguntou se iria recusar sua oferta.

— Isso levará cerca de 14 horas de carro, — disse Gideon. — Isso é um par de dias no total, já que estamos falando sobre viagens apenas à noite. Se saísse agora, poderia avançar cerca de uma centena de quilômetros antes do sol começar a subir. Ou posso ter um dos nossos aviões corporativos abastecido e pronto para sair ao entardecer. Um par de horas de voo e estará lá.

Lucan olhou fixamente para ele, então, deu um aceno de cabeça.

— Quanto mais rápido, melhor. Vou precisar de você de volta na patrulha amanhã à noite.

— Considere feito, — respondeu Hunter.

 

Chase estava sentado no escuro sozinho, agachado sobre as pernas num canto sombrio da pequena capela do complexo.

Não sabia por que suas botas o levaram ali, ao santuário, tranquilo à luz de velas, em vez de seus aposentos pessoais mais abaixo pelo corredor. Nunca foi de procurar conselho ou perdão de um poder superior, e Deus sabia que provavelmente estava muito longe da oração de qualquer maneira.

Com certeza não tinha nenhuma esperança de absolvição. Nem de cima, e nem de Lucan ou seus outros irmãos da Ordem também. Nem mesmo de si mesmo.

Ao contrário, cultivava sua fúria. Saudava a agonia de suas feridas, o beijo ardente da profunda dor que o fazia se sentir vivo. Quase a única coisa que podia lhe dar algum sentimento. E, como um drogado, perseguia esse sentimento com abandono imprudente e desesperado.

Melhor que a alternativa.

Dor era alta, escura e ímpia, e que o impedia de procurar a outra amante, mais perigosa.

Sem dor, tudo que teria seria a fome.

Sabia onde acabaria, claro.

Seu intelecto não estava tão perdido quanto seu corpo ou sua alma; a razão dizia que um dia esta coceira feia iria matá-lo. Havia algumas noites — cada vez mais, ultimamente — que simplesmente não se importava mais.

"Sterling, está aqui?"

A voz feminina fez sua cabeça levantar, concentrando toda sua atenção da mesma forma que fez no corredor na saída do elevador, há poucos minutos. Ele levantou a cabeça e ouviu seus movimentos, mesmo que o viciado nele preferisse o isolamento das sombras que o escondiam de sua visão.

Ele atraiu aquelas sombras, puxando-as profundamente de seu talento pessoal Raça, para reunir a escuridão ao seu redor. Era uma luta chamar seu dom; mais difícil ainda mantê-lo no lugar. O soltou por um momento, pouco depois assoviando uma maldição áspera, quando até mesmo as sombras o abandonaram.

— Sterling? — Elise chamou suavemente na capela.

Seus passos eram cuidadosos quando entrou, como se não se sentisse totalmente segura com ele. Mulher inteligente. Mas, ainda assim, ela não parou para se afastar e o deixar como ele gostaria.

— Fui aos seus aposentos, então sei que não foi para lá. — Ela exalou, o suspiro soando confuso e um pouco triste. — Pode se esconder dos meus olhos, mas sinto sua presença aqui. Porque não responde?

— Porque não tenho nada a dizer.

Palavras duras. E totalmente imerecidas, principalmente pela fêmea que era Companheira de Raça de Tegan desde o ano passado, e, muito antes disso, a viúva do próprio irmão de Chase. Quentin Chase foi abençoado incomensuravelmente quando Elise o escolheu para seu companheiro — e não tinha ideia que seu irmão mais novo abrigava um segredo, uma luxúria vergonhosa pela felicidade que Quent e Elise conheciam.

Pelo menos já não tinha que lidar com esse desejo indesejado.

Pelo menos se livrou de sua fixação. Havia uma nobreza manchada nele que queria acreditar que foi capaz de sentir o querer por Elise ir, porque ela deu seu coração a outro de seus irmãos — um irmão de armas que mataria por ela, morreria por ela, como ela faria por ele.

O amor de Tegan e Elise era inquebrável, e embora Chase nunca tivesse testado, a verdade era mais simples, sua sede pela dor substituiu Elise como objeto principal de sua obsessão.

No entanto, ainda se encontrava prendendo a respiração enquanto ela entrava mais na capela e o encontrava curvado no canto de trás, sua espinha encaixada no ângulo das paredes de pedra.

Silenciosa, caminhou a curta distância entre as duas colunas de bancos de madeira. No mais próximo de onde ele estava agachado no chão, ela se sentou na borda e apenas olhou para ele. Ele não tinha que olhar para saber que seu rosto bonito estaria marcado com a decepção. Provavelmente, piedade também.

— Talvez não tenha me entendido, — disse ele, pouco mais que um grunhido. — Não quero falar com você, Elise. Deve sair agora.

— Por quê? — ela perguntou, ficando exatamente onde estava. — Assim, pode ficar de mau humor em privado? Quentin estaria chocado ao ver você assim. Teria ficado envergonhado.

Chase grunhiu.

— Meu irmão está morto.

— Sim, Sterling. Morto no cumprimento do dever para a Agência de Execução. Morreu com nobreza, fazendo o seu melhor para tornar este mundo um lugar mais seguro. Pode honestamente dizer que é o que você está fazendo?

— Eu não sou Quent.

— Não, — ela disse. — Você não é. Ele era um homem extraordinário, um homem corajoso. Você poderia ser ainda melhor que ele, Sterling. Poderia ser muito mais do que aquilo que vejo diante de mim agora. Sabe, já ouvi como você está em missões recentemente. Vi você voltar muitas vezes, rasgado e volátil. Tão cheio de raiva.

Chase levantou e se afastou dela alguns passos, mais que pronto para terminar com a conversa.

— O que faço é da minha conta. Não é sua preocupação, nem eu sou.

— Sei, — ela respondeu. Ela levantou do banco para se aproximar dele. Ela fez uma careta, os braços cruzados sobre o corpo esguio à sua frente. — Prefere que todos que se preocupam com você simplesmente o deixem sangrar sozinho, é isso? Quer que eu e todos os outros apenas permitam que se sente num canto escuro em algum lugar e sinta pena de si mesmo.

Ele zombou e girou um olhar duro sobre ela.

— Eu pareço estar sentindo pena de mim mesmo?

— Parece um animal, — ela respondeu, sua voz calma, mas não tanto que ele pudesse confundir com medo. — Está agindo como um animal, Sterling. Olho para você ultimamente, e sinto como se não o conhecesse mais.

Ele prendeu seu olhar confuso.

— Nunca me conheceu, Elise.

— Fomos uma família, uma vez, — ela o lembrou gentilmente. — Pensei que éramos amigos.

— Não era amizade o que eu queria de você, — ele respondeu sem rodeios, deixando-a absorver a admissão franca que só teve coragem de dançar ao redor, educadamente, agora. Quando ela deu um passo cauteloso de volta ao corredor aberto, ele riu, auto satisfeito. — Sinta-se livre para fugir agora, Elise.

Ela não fugiu.

O passo para trás foi tudo que se permitiu. A Companheira de Raça de Tegan já não era a criança abandonada que Chase prometeu a Quentin proteger. Era uma mulher forte, que fez sua própria viagem ao inferno e voltou, e não tinha quebrado. Não estava prestes a quebrar por Chase agora, não importa com que força tentasse empurrá-la para fora de sua vida.

Como se para provar a si mesmo, ele diminuiu a distância entre eles.

Estava sujo de sangue e sujeira, mesmo ele mal podia suportar o mau cheiro em si mesmo. Mas, apesar das poucas polegadas que o separavam da beleza pristina de Elise, ela não se afastou. Sua expressão era de tristeza e expectativa, antes mesmo que ele abrisse a boca para dizer as palavras que iriam libertá-lo desta última corda frágil no seu passado.

— A única coisa que eu sempre quis de você, Elise, era abrir suas pernas e...

Ela lhe deu um tapa forte no rosto, um sólido estalo que ecoou no silêncio da capela. Seus pálidos olhos ametista brilhavam à luz das velas, com as lágrimas não derramadas.

Nem uma única caiu, não por ele.

Provavelmente nunca, pelo olhar aflito com que segurou o dele.

Chase se afastou, um passo cambaleante para trás, a mordida do toque de sua mão ainda quente em sua pele. Ele ergueu os dedos para tocar sua bochecha ardendo.

Então, sem outra palavra ou pensamento para o que poderia estar na frente dele, desapareceu sob o olhar condenatório de Elise — e fugiu até a escadaria da capela, para a noite de inverno — usando toda a velocidade que a genética Raça podia oferecer a ele.

 

Corinne estava à beira de um amplo pátio de mármore que dava para o pátio traseiro cheio de neve da propriedade da Ordem, ao nível do solo. Sozinha por um momento, enquanto Gabrielle buscava casacos para elas dentro da mansão, inclinou a cabeça para trás sobre seus ombros para puxar um longo suspiro do ar frio de dezembro. O céu de inverno estava escuro e sem nuvens acima dela, um mar insondável de meia-noite azul salpicado com brilhantes estrelas cintilantes.

Quanto tempo se passou desde que cheirou o revigorante aroma levemente enfumaçado da brisa de inverno?

Quanto tempo desde que sentiu o ar fresco contra seu rosto?

As décadas de sua prisão se arrastaram lentamente no início, nos dias em que estava determinada a marcar o tempo, lutando a cada segundo como se pudesse ser o último. Depois de um tempo, percebeu que não era a morte que seu raptor queria. Para seus propósitos, precisava dela viva, mesmo que mal. Foi então que parou de contar, deixou de lutar, e sua noção de tempo borrou numa única noite, sem fim.

E agora estava livre.

Amanhã, estaria em casa com sua família.

Amanhã, sua vida começaria de novo e seria uma nova pessoa. Ela sobreviveu, mas em seu coração, se perguntava se poderia estar inteira novamente. Tanto foi tirado dela. Algumas coisas que nunca poderiam ser reconquistadas.

E outras...

Teria tempo depois para chorar todas as coisas que perdeu para o mal de Dragos.

Fechando os olhos, respirou fundo outra baforada de ar limpo da noite. Quando soltou, o som do riso de uma criança a assustou com uma sacudida.

No começo, achava que era apenas um truque de sua mente, um dos muitos jogos cruéis que a escuridão gostava de jogar durante o tempo no cativeiro. Mas então a risada encantada voltou, trazendo a brisa além de algum lugar no pátio do vasto jardim.

Era o riso de uma menina — uma criança de talvez oito ou nove anos, Corinne divagou, vendo como a menina corria alegremente através da branca neve, agasalhada como um boneco de neve num casaco rosa grosso e calças combinando.

Atrás dela, a apenas alguns passos, vinha um par de cães, decididamente incompatíveis, soltos, as línguas para fora da boca, alegres, enquanto a perseguiam. Corinne não pôde deixar de sorrir para o terrier marrom que tentava desesperadamente chegar na frente do cão maior, mais elegante. Para cada passo do célere e belo animal, um lobo cinzento e branco, o vira-lata latia desconexo, lutando na sua esteira, finalmente se jogando direto através das longas pernas de seu companheiro, a fim de ser o primeiro a chegar na menina.

Ela gritou quando o pequeno cão correu em seus tornozelos e a abordou, latindo alegremente quando o segundo cão chegou até eles com seu abanar de cauda grossa e começou a lamber o rosto da criança.

— Ok, ok! — a menina deu uma risadinha. — Luna, Harvard — ok, vocês ganharam. Eu me rendo!

Quando os dois cães a deixaram para lutar e rosnar um com o outro em vez disso, duas mulheres já atravessam o gramado nevado de outra parte do jardim. Uma delas estava claramente grávida por seu tamanho, sob seu casaco, andando num ritmo cuidadoso ao lado de uma mulher alta, de aspecto desportivo que segurava o par de coleiras em sua mão enluvada.

— Jogue limpo, Luna, — ela gritou para o maior dos dois cães. Ele respondeu de imediato, abandonando seu companheiro canino e fazendo um círculo em torno de sua óbvia feliz proprietária.

— Essa é Alex, — disse Gabrielle, dando a volta para a borda do terraço, onde Corinne estava. Vestia um casaco de lã escura, e trazia outro para Corinne. Carregava a menor fragrância de cedro, e parecia tão confortável como um cobertor quente quando Corinne entrou nele. — Alex é companheira de Kade, — Gabrielle continuou. — Estava com ele quando você chegou mais cedo esta noite, assim não teve chance de conhecê-la.

— Lembro-me dela, no entanto, — Corinne respondeu, seus pensamentos voltando à véspera de seu resgate. — Ela e algumas outras mulheres nos ajudaram a sair daquelas gaiolas na adega. Foram quem nos encontraram.

Gabrielle assentiu.

— Isso é certo. Alex e Jenna estavam lá, junto com Dylan e Renata. Se Tess não estivesse prestes a estalar a qualquer momento com o bebê de Dante, acho que estaria lá com elas também.

Corinne olhou de volta para o pátio enquanto as duas mulheres as avistavam e cada uma levantava a mão em saudação. A menina caiu em mais uma rodada de risos, girando nas proximidades, com os dois cães ansiosamente a perseguindo.

— A adorável encrenqueira ali é Mira, — Gabrielle disse, balançando a cabeça com as travessuras da criança. — Renata cuidava dela quando as duas viviam em Montreal. Quando ela e Nikolai se apaixonaram no verão passado, trouxeram Mira ao complexo com eles para viverem juntos como uma família. — A companheira de Lucan estava radiante quando olhou para Corinne. — Não sei quanto a você, mas adoro um final feliz.

— O mundo poderia ter muito mais deles, — murmurou Corinne, aquecida pela sorte de Mira, mesmo enquanto uma espécie de frio dolorido abria uma fissura mínima no centro de seu ser. Empurrou o vazio longe quando Alex e Tess caminharam juntas, até os degraus de mármore do grande pátio terraço.

A respiração de Gabrielle fez uma nuvem na escuridão.

— Não está muito frio para você aqui fora, Tess?

— Está maravilhoso, — respondeu a beleza grávida enquanto rebolava ao lado de Alex. Suas bochechas estavam avermelhadas dentro do capuz profundo de seu casaco. — Juro, se Dante tentar me manter enfiada dentro do complexo por mais um dia, pode não viver para ver o nascimento de seu filho. — A ameaça estava difundida por completo nos olhos marejados e no sorriso radiante. Ela estendeu a mão coberta pela luva. — Oi, sou Tess.

Corinne rapidamente apertou o punhado de lã quente e deu um pequeno aceno de cabeça de saudação.

— Prazer em conhecê-la.

— Alex, — disse a outra Companheira de Raça, oferecendo a mão e um sorriso de boas vindas também. —Não posso nem dizer que é um alívio saber que você e as outras levadas por Dragos estão seguras agora, Corinne.

Ela assentiu com a cabeça em resposta.

— Sou grata a todas vocês, muito mais que palavras podem dizer.

— E amanhã à noite, Corinne está indo para casa, — acrescentou Gabrielle.

— Amanhã? — Alex olhou interrogativa. — Isso significa que Brock e Jenna voltarão do Alasca agora?

— Ainda estão atrasados pelas tempestades de neve, — Gabrielle respondeu. — Mas Hunter se ofereceu para acompanhar Corinne até Detroit no lugar de Brock.

No silêncio longo que pareceu cair sobre as mulheres da Ordem, Corinne reviveu o momento em que o guerreiro, estranhamente imenso e ilegível fez sua oferta para levá-la para casa. Não esperava isso dele, certamente. Não parecia o tipo caridoso, nem mesmo na noite de seu resgate, quando ele e alguns outros guerreiros da Ordem levaram as cativas libertadas de Dragos ao Darkhaven em Rhode Island.

Hunter pareceu duro naquela noite. Com seus traços cinzelados, e quase dois metros de músculos volumosos, era o tipo de homem que dominava toda a sala que entrava, sem sequer tentar. Enquanto as horas após o resgate foram preenchidas com emoção para todos os envolvidos, Hunter era o único tranquilo, o único que se manteve de lado e apenas cumpriu sua missão com eficiência estoica.

Mais tarde naquela noite, uma das outras mulheres sussurrou o que ouviu Andreas e Claire falando em privado sobre Hunter. Disse que soava como se ele — não muito tempo atrás — fosse aliado de alguma forma com Dragos. Corinne não poderia fingir que não reconheceu o ar de perigo que cercava o misterioso guerreiro. Não podia negar que o pensamento de estar perto dele a enervou então, e agora.

Não demorou muito para imaginá-lo chegando ao complexo há pouco tempo, com suas roupas manchadas de sangue e combate, o terrível arsenal de armas que usava em torno de sua cintura fina. Levou muito menos esforço recordar a cor chamativa de ouro de seus olhos e seu olhar de falcão se fixando no seu, no instante que a viu.

Por que chamou sua atenção, não podia começar a adivinhar. Tudo que sabia era que se sentia presa por seu olhar penetrante, analisada de uma forma que a fez se sentir tanto animada quanto exposta.

Mesmo agora, sua pele arrepiava só de lembrar dele.

Ela estremeceu com a sensação, embora seu corpo não estivesse nem perto do frio, dentro das dobras isolantes de seu casaco. No entanto, tentou afastar a sensação, passando as mãos para cima e para baixo nos braços para afastar a formigação peculiar que aquecia suas terminações nervosas.

— Hunter! — Sem aviso, Mira pouco pulou do seu jogo na neve e se lançou numa precipitada corrida pelo quintal. — Hunter, sai com a gente!

Corinne moveu a cabeça junto com as outras mulheres, seguindo Mira até o conjunto de portas francesas que dava para o terreno da mansão atrás delas.

Hunter estava dentro daquelas portas de vidro.

Já não estava vestido para combate — coberto da cabeça aos pés de negro — mas, recentemente, tomou banho, vestiu calças largas e uma camisa branca fora da calça que mostrava o padrão elaborado de dermaglifos que cobriam o peito e o tronco. Seus grandes pés estavam descalços, apesar da época do ano, e as pontas curtas e úmidas de seu cabelo louro pendiam caídas sobre a testa.

E a estava estudando novamente... a estudando ainda. Quanto tempo estava parado ali?

Corinne tentou desviar o olhar dele, mas seus penetrantes olhos dourados não a liberavam. Seu olhar não deixou Corinne para reconhecer a criança se aproximando até o último momento, quando Mira se jogou em seus braços fortes.

Ele a ergueu sem esforço e a segurou no ar na dobra do cotovelo esquerdo, ouvindo enquanto a menina conversava animadamente sobre todas as suas aventuras do dia. Corinne mal pôde ouvir o que ele disse, mas era óbvio que gostava da criança, mantendo sua voz baixa e indulgente.

Nos poucos momentos que conversou com ela, algo passou por seu rosto outra vez ilegível. Algo que o fez ficar ainda mais sério. Enviou mais um olhar na direção de Corinne — um olhar persistente que parecia furar através dela — antes de lentamente descer a criança até o chão. Então se afastou, de volta ao coração do complexo.

Mesmo depois que saiu, mesmo depois de Mira correr de volta para brincar com os cães no quintal cheio de neve e as outras Companheira de Raças retomarem sua própria conversa, Corinne ainda podia sentir o calor inquietante dos olhos de Hunter nela.

 

Ele viu o rosto de Corinne Bishop em algum lugar antes.

Não durante seu resgate das celas da prisão de Dragos. Não no Darkhaven em Rhode Island, onde ela e as outras reféns libertadas foram levadas para abrigo e proteção.

Não, ele viu essa mulher meses antes disso, estava certo agora.

A percepção o atingiu como um golpe físico quando pegou a pequena Mira em seus braços alguns instantes atrás. Tudo que precisou para lembrá-lo foi um vislumbre do rosto inocente da criança — nos olhos da jovem Companheira de Raça, que tinha o poder de refletir o futuro.

Embora as lentes de contato especialmente criadas normalmente silenciassem o dom de Mira, como faziam esta noite, houve um tempo, meses atrás, quando Hunter inadvertidamente olhou em seus olhos parecidos com espelho e viu uma mulher pedindo por sua misericórdia, implorando para não ser o assassino que nasceu para ser.

Na visão, a mulher tentava alcançar sua mão, pedindo desesperadamente que poupasse esta vida — apenas esta, apenas por ela.

Deixe-o ir, Hunter... Por favor, estou implorando... Não faça isso!

Você não consegue entender? Eu o amo! Ele é tudo para mim...

Apenas deixe-o ir... tem que deixá-lo viver!

Na visão, a expressão da mulher era de derrota quando ela percebeu que ele não cederia, nem mesmo por ela. Na visão, a mulher gritava com a angústia de um coração partido um instante mais tarde, quando Hunter puxou o braço fora de seu alcance e desferiu o golpe final.

Aquela mulher era Corinne Bishop.

 

Seu nome era Dragos, como seu pai antes dele, embora somente alguns o conhecessem como tal.

Apenas um punhado de associados necessários, seus tenentes nesta sua guerra própria, estavam a par de seu verdadeiro nome e origem. Claro, sabia que seus inimigos agora também sabiam. Lucan Thorne e seus guerreiros da Ordem o expuseram, conduzindo-o ao chão mais de uma vez. Mas ainda não venceram.

Nem iriam, se assegurou enquanto estudava as linhas amadeiradas de sua propriedade privada.

Fora das janelas bem fechadas que bloqueavam a escassa luz do meio-dia, uma tempestade de inverno uivava. Rajadas de vento e neve vinham do Atlântico, batendo no vidro e sacudindo as telhas enquanto açoitavam acima das rochas escarpadas de seu covil na ilha. As altas árvores verdes em torno de sua grande propriedade assobiavam e gemiam enquanto o vendaval batia para o oeste, em direção ao continente, apenas a alguns quilômetros de distância do rochedo isolado que agora chamava de lar.

Dragos apreciou a fúria da tempestade que se alastrava lá fora. Sentia uma tempestade semelhante se agitando dentro dele toda vez que pensava na Ordem e nos ataques que fizeram contra seu funcionamento. Queria que sentissem o chicote da sua ira, que soubessem que quando viesse coletar sua vingança — muito em breve — estaria encharcada de sangue e completa. Sem perdão, sem conceder nenhuma piedade.

Ainda estava ruminando sobre os planos que tinha para Lucan e os seus — até então impenetrável e secreto complexo em Boston — quando uma batida soou educada nas portas fechadas do seu estúdio.

— O que é? — Ele vociferou, seu temperamento tão curto quanto sua paciência era fina.

Um de seus Subordinados abriu a porta. Era bonita e jovem, com seus cabelos loiros orvalhados de morango, a face pêssego e creme. Ele a viu esperando numa vila de pescadores de Podunk, um par de semanas atrás e decidiu que podia se revelar divertida para ele de volta ao seu covil.

E assim ela foi.

Dragos se alimentou dela atrás de uma lixeira do restaurante que cheirava a tripas de peixe e água salgada. Ela lutou no início, arranhando seu rosto e o chutando momentos antes que sua mordida tomasse totalmente sua garganta delicada. Ela soltou um grito curto e tentou acertar o joelho em suas bolas.

Ele a estuprou, brutalmente, repetidamente, e com prazer. Então a esvaziou quase ao ponto da morte e fez dela o que era agora: sua Subordinada, abnegada, dedicada, totalmente escravizada a ele. Ela não resistia a qualquer coisa que exigisse dela, não importa o quão depravada fosse.

A garota entrou em seu estúdio com uma inclinação recatada de cabeça.

— Tenho a correspondência desta manhã de sua caixa postal no continente, Mestre.

— Excelente — ele murmurou sombrio, quando ela entrou com um punhado de envelopes e os colocou sobre sua mesa grande no centro da grande sala.

Quando ela girou para enfrentá-lo, sua expressão era branda, mas receptiva, o olhar típico de um Subordinado aguardando o próximo comando de seu mestre. Se dissesse para ajoelhar e chupá-lo ali e agora, faria isso sem a menor hesitação. Responderia com obediência igual se dissesse a ela para pegar o abridor de cartas de prata e cortar sua própria garganta.

Dragos inclinou a cabeça e a estudou, se perguntando qual dos dois cenários o divertiria mais. Estava prestes a resolver, quando seus olhos se desviaram para um grande envelope branco apergaminhado assentado em cima do resto de sua correspondência recebida sobre a mesa. O endereço do remetente era de Boston e a caligrafia manuscrita na frente do convite capturou sua atenção.

Descartou a Subordinada com um movimento frouxo de seu pulso.

Sentando nas almofadas de couro grossa de sua cadeira enquanto a menina saia calmamente do estúdio, ele pegou o envelope branco e sorriu, passando os dedos pela cuidadosa escrita à mão com letras que enunciavam o último pseudônimo que usava nos círculos humanos.

Dragos assumiu tantas identidades falsas ao longo dos séculos de sua existência, tanto entre os da Raça como com os humanos, que quase não se preocupava em acompanhar mais. Já não importava; seu tempo de esconder quem era, e do que era capaz, estava quase chegando ao fim. Estava tão perto agora. Não importava a interferência recente da Ordem. Seus esforços para frustrá-lo eram insignificantes, e já era tarde demais também.

O anúncio da festa de feriado em sua mão era apenas mais um passo no seu caminho para o triunfo. Esteve cortejando o jovem senador de Massachusetts na maior parte do ano, seguindo o político jovem e ambicioso a cada movimento e garantindo que os cofres da campanha do senador permanecessem mais que amplamente cheios.

O humano acreditava que estava destinado à grandeza, e Dragos estava fazendo tudo que podia para que subisse tão alto e tão rápido quanto possível. Todo o caminho até a Casa Branca, se tinha algo a dizer sobre isso.

Dragos abriu o envelope e leu os detalhes do convite. Seria um evento exclusivo, um jantar de alto valor e arrecadação de fundos dos amigos do senador, para não mencionar seu mais influente e mais generoso contribuinte de campanha. Não perderia essa festa por nada no mundo. Na verdade, mal podia suportar a espera.

Em apenas algumas noites mais, inclinaria a mesa a seu favor, e ninguém seria capaz de impedi-lo de ver sua visão se realizar. Certamente não os humanos. Estariam ignorantes até o fim, assim como pretendia.

A Ordem não seria capaz de detê-lo também. Estava se certificando, agora mesmo, depois de enviar um dos seus peões Subordinados para recuperar as armas especializadas que precisava para combater Lucan e seus guerreiros neste novo tipo de guerra, e para garantir que ninguém, na Ordem, estaria de pé para ficar em seu caminho novamente.

Quando pôs o convite do senador de volta sobre a mesa, seu laptop tocou com uma mensagem de e-mail recebido de um serviço gratuito não determinável. No horário certo, Dragos pensou, enquanto clicava para abrir o relatório de seu Subordinado no campo. A mensagem era simples e sucinta, o que esperaria de um recruta ex-militar.

Ativos localizados.

Contato inicial com sucesso.

Avançar com a recuperação como planejado.

Não havia necessidade de resposta. O Subordinado conhecia os objetivos de sua missão, e para fins de segurança, o endereço de e-mail já estaria desativado na outra extremidade. Dragos excluiu a mensagem de sua caixa e se recostou na cadeira.

Lá fora, a tempestade de inverno continuou ventando. Se recostou e fechou os olhos, ouvindo sua fúria num estado de calma satisfeita, sabendo que todas as peças de seu grande plano estavam finalmente caindo no lugar.

Seu nome era Dragos, e logo cada homem, mulher e criança — da Raça e humanos igualmente — se curvariam a ele como seu senhor e rei.

Tudo mudava.

 

Que era o pensamento que repercutia na cabeça de Corinne desde o momento em que ela e Hunter chegaram em Detroit na noite seguinte.

Décadas de prisão nos laboratórios de Dragos a deixaram lutando para se adaptar às inúmeras novas mudanças e avanços no mundo que conhecia, desde o modo como as pessoas conversavam e se vestiam, até a forma como viviam, trabalhavam e viajavam. Desde o momento da sua libertação, Corinne sentiu como se estivesse de alguma forma pairando em outro plano da realidade, uma estranha perdida num estranho mundo do futuro.

Mas nada a atingiu tão fundo como a sensação que teve quando ela e Hunter deixaram o aeroporto num carro fornecido pela Ordem e se puseram a caminho da cidade para o Darkhaven de seus pais. O centro da cidade vibrante não era mais o que lembrava. Ao longo do rio, a terra com espaços abertos agora estava cheia de prédios, alguns lisamente modernos, luzes brilhantes dos prédios de escritórios; outras estruturas parecendo muito vagas, abandonadas e quebradas. Apenas um punhado de pessoas caminhava pelas ruas, se misturando rapidamente ao longo da avenida principal, passando pelos corredores negligentemente sem luz.

Mesmo no escuro, a dualidade da paisagem de Detroit era chocante, inacreditável. Quadra por quadra, parecia que o progresso sorria para um lote de terra, enquanto cuspia em outro.

Ela não sabia o quanto estava preocupada até Hunter parar o grande sedan preto em frente à propriedade Darkhaven iluminada pela lua, que uma vez chamou de casa.

— Meu Deus, — ela sussurrou de seu assento ao lado dele no carro quando alívio a invadiu. — Ainda é aqui. Estou finalmente em casa...

Mas mesmo o Darkhaven parecia diferente do que se lembrava. Corinne se atrapalhou ao desafivelar o cinto de segurança, ansiosa agora, e mais que pronta para ficar livre das restrições desconfortáveis que Hunter insistiu que usasse durante a viagem. Ela se inclinou para frente, olhando pela janela do passageiro escurecida. Sua respiração saiu num suspiro preso enquanto olhava além do pesado portão de ferro na entrada e a cerca pelo perímetro, nenhum dos quais estava lá quando morou lá antes.

Era apenas um sinal dos tempos perigosos para toda a cidade, ou seu desaparecimento fez seu indomável pai se sentir tão vulnerável que emparedou a si mesmo e ao resto de sua família atrás de uma prisão em seu próprio país? Seja qual for a causa, culpa e tristeza apertaram seu coração ao ver a barreira rodeando antes terras pacíficas.

Além da entrada parecendo uma fortaleza estava a mansão de tijolos vermelhos, cujas majestosas janelas com muitas cortinas brilhavam com luz suave, no final do longo passeio de paralelepípedos. Os carvalhos altos que ladeavam a calçada tinham amadurecido e espessado em sua ausência, seus ramos nus do inverno atingindo uns aos outros pelo alto sobre o pavimento, como um dossel de braços protetores. À frente, a meio caminho da relva que se espalhava pela frente da grande casa em arquitetura grega, o chafariz de pedra calcária e a piscina onde ela e sua irmã mais nova adotada, Charlotte, costumavam brincar no calor do verão, quando as meninas tinham algum tempo foi substituído por pedras decorativas e uma coleção de árvores decorativas.

Como o terreno parecia vasto quando era a criança que vivia aqui. Como parecia mágico este mundo privado, especial para ela na época.

Como levou tudo isso terrivelmente apenas alguns anos mais tarde, como uma jovem obstinada que não conseguia ficar longe o suficiente e rápido o bastante.

Agora o queria de volta com uma necessidade que era nada menos que desesperada.

Corinne levou seus dedos até a boca, um soluço pequeno saindo da parte de trás de sua garganta.

— Não posso acreditar que realmente estou aqui. Não posso acreditar que estou em casa.

Teve o impulso de agarrar a maçaneta da porta, ignorando o rosnado baixo de seu estoico companheiro ao lado no assento do motorista. Corinne saiu do veículo e caminhou alguns passos até o caminho privativo em direção ao portão de ferro. Uma rajada de vento frio soprou através da paisagem de neve na frente dela, esfriando seu rosto e fazendo-a se entocar um pouco mais em seu casaco de lã grossa.

Às suas costas, sentiu um súbito calor que emanava em direção a ela e soube que Hunter estava lá agora. Ela nem sequer o ouviu sair do carro para segui-la, se movia tão furtivamente. Sua voz atrás dela era baixa e profunda.

— Deveria permanecer no carro até que esteja com segurança entregue à porta.

Corinne se afastou dele e caminhou até tocar as barras pretas altas do portão fechado.

— Sabe há quanto tempo fui embora? — Ela murmurou. Hunter não respondeu, apenas ficou em silêncio atrás dela. Ela fechou os dedos ao redor do ferro frio, exalando um sopro curto de vapor em seu riso, sem humor. — No verão passado, seriam 75 anos. Pode imaginar? Isso é o quanto da minha vida foi roubado de mim. Minha família em casa... todos pensando que estava morta.

Doía pensar na dor de seus pais e irmãos pelo seu completo desaparecimento. Por algum tempo depois que foi levada, Corinne se preocupou como sua família estava passando. Por muito tempo depois do seu sequestro, se agarrou à esperança de que procurariam por ela, que nunca parariam de procurar até que fosse encontrada, especialmente seu pai. Afinal, Victor Bishop era um homem poderoso na sociedade Raça. Mesmo naquela época, era rico e bem relacionado. Tinha todos os meios à sua disposição, então porque não rasgou sua cidade e cada um entre aqui e sua prisão até que sua filha fosse encontrada e trazida para casa?

Era uma pergunta que a roeu a cada hora de seu cativeiro. O que não sabia era que, em seguida, seu sequestrador numa continuação doentia convenceu sua família e todos que a conheciam que já não estava viva. Brock, que era seu guarda-costas desde a infância, muito antes de se tornar um guerreiro da Ordem, a puxou de lado depois do seu resgate, e explicou tudo que sabia de seu desaparecimento. Embora fosse gentil com os fatos, não tinha como suavizar os detalhes horríveis que Brock revelou a ela.

— Poucos meses depois que foi levada, o corpo de uma fêmea foi retirado do rio, não muito longe daqui, — disse a Hunter em silêncio, sentindo repulsa por aquilo que descobriu. — Tinha a mesma idade que eu, a mesma altura e constituição. Alguém a vestiu com minha roupa, o vestido que eu usava na noite em que fui levada. Fizeram algo mais também. Seu corpo...

— A mulher foi mutilada, — Hunter interveio quando a repulsa fez suas próprias palavras baixarem. Olhou para ele em dúvida. Ele encontrou seu olhar com um prático. — Brock falou sobre seu desaparecimento. Estou ciente de como o corpo foi alterado numa tentativa de esconder a identidade da vítima.

— Alterado, — Corinne respondeu. Ela soltou o queixo, franzindo a testa sobre a mão direita, aquela com a distintiva marca de nascença de Companheira de Raça. — Para convencer minha família que a mulher morta era eu, o assassino ou assassinos também cortaram suas mãos e pés. Ainda levaram sua cabeça.

Bílis subiu de seu estômago quando considerou a crueldade — e total depravação — que seria necessária para fazer algo assim a outra pessoa.

Claro, as coisas que Dragos fez a ela e as outras Companheira de Raças presas em seus laboratórios eram apenas fracionalmente menos hediondas. Corinne fechou os olhos apertados para barrar as memórias que voavam como morcegos saindo da escuridão: celas úmidas de concreto. Mesas frias de aço equipadas com implacáveis, inevitáveis algemas de couro grosso. Houve muitas agulhas e sondas. Exames e procedimentos. Dor, fúria e desespero total.

Os uivos terríveis, arrancados da alma dos loucos e moribundos, e aqueles que estavam perdidos em algum lugar entre isso.

E sangue.

Tanto sangue dela, e o que era regularmente forçado abaixo por sua garganta para que ela, como as outras fêmeas que foram levadas, permanecessem espécimes jovens e viáveis para os fins retorcidos de Dragos.

Corinne estremeceu, envolvendo os braços em volta do vazio, profundo frio que parecia explodir através do seu centro. Era uma dor do vazio que estava tentando manter sob controle por um tempo muito longo. Apenas ficou mais amplo nos dias após seu resgate.

— Está frio — disse seu estoico acompanhante de Boston. — Deve retornar para o veículo até que a veja em segurança entregue à casa.

Ela concordou, mas seus pés ainda permaneceram. Agora que estava lá, agora que o momento que orou por tanto tempo para se tornar realidade, realmente estava acontecendo, não tinha certeza se tinha a coragem de enfrentá-lo.

— Acham que estou morta, Hunter. Todo esse tempo, eu não existia para eles. E se esqueceram de mim? E se ficaram mais felizes sem mim? — A dúvida pressionava sobre ela. — Talvez devesse ter tentado contato com eles antes de sair de Boston. Talvez vir aqui assim não seja uma boa ideia.

Ela girou para encará-lo, na esperança de encontrar alguma garantia que seus medos eram infundados. Queria ouvi-lo dizer que seu súbito ataque de nervos era nada mais que isso, algo reconfortante que Brock diria se estivesse com ela agora. Mas a expressão de Hunter era inescrutável. Seus olhos dourados de falcão sobre ela, sem piscar. Corinne soltou uma respiração suave.

— O que faria se fosse sua família lá em cima naquela casa, Hunter?

Um ombro volumoso levantou ligeiramente sob seu casaco preto de couro.

— Não tenho família. — Ele disse, casualmente, como poderia dizer que estava escuro lá fora no momento. A afirmação do óbvio. Aquela que não convidava a perguntas, mas apenas a fazia querer saber mais sobre ele. Era difícil imaginá-lo de qualquer outra forma que o sóbrio, quase severo guerreiro, à sua frente. Difícil imaginá-lo com o rosto suavemente arredondado de uma criança em vez dos ângulos agudos das maçãs do rosto e as quadradas linhas implacáveis de sua mandíbula. Era impossível imaginá-lo sem o traje de combate preto e o arsenal de lâminas e armas que brilhavam por entre as dobras de seu casaco longo.

— Deve ter pais, — ela incitou, curiosa agora. — Alguém deve ter criado você.

— Não há ninguém. — Ele olhou além dela então, num movimento momentâneo de seu olhar. Sua mandíbula estava rígida, os olhos dourados estreitados e duros. — Fomos notados.

Mal disse isso, holofotes de segurança acenderam em torno da propriedade um após o outro, iluminando o quintal e garagem. O clarão era cegante, inescapável. Preocupação se infiltrou nas veias de Corinne quando meia dúzia de homens armados saíram de algum lugar atrás das luzes. Os guardas eram Raça, claro, e vinham para ela e Hunter tão rápidos e duros, que Corinne mal podia acompanhá-los.

Hunter não tinha esse problema.

Deu um passo em frente a ela num instante, orientando-a às suas costas com um braço firme, mas suave, mesmo enquanto se movia para uma pronta posição de combate. Não tirou nenhuma de suas armas quando os guardas de seu pai chegaram ao portão com ameaça em seus olhos, cada um dos seis vampiros brandindo um rifle grande e preto, os canos agora apontados no peito de Hunter.

Corinne não pôde deixar de notar que, mesmo sem a ameaça de uma arma na mão, apenas a visão de Hunter parecia ter tomado os guardas de seu pai mais que de surpresa. Nenhum de sua própria espécie o confundiria com qualquer coisa, além de Raça, e com base na sua aparência coletiva de cautela enquanto examinavam seu uniforme preto e frieza letal, não levaram mais de um segundo para perceber que também era um membro da Ordem.

— Baixem suas armas, — disse Hunter, sua calma irritante nunca soando tão mortal. — Não tenho nenhum desejo de machucar ninguém.

— Esta é uma propriedade privada, — um dos guardas conseguiu deixar escapar. — Ninguém passa pelo portão sem aviso prévio.

Hunter inclinou a cabeça.

— Abaixem. Agora. Suas. Armas.

Dois deles obedeceram, como que por instinto. Quando outro começou a baixar seu rifle também, um silvo soou de um dispositivo preso ao colarinho. Uma voz masculina individual veio do nada:

— Que diabo está acontecendo lá fora, Mason? Relate de uma vez!

— Oh, meu Deus, — Corinne sussurrou. Reconheceu o tom barítono em franca expansão no instante em que o ouviu, mesmo enquanto sentia uma raiva incomum. Esperança disparou através dela como se fossem asas, espalhando todos os seus medos anteriores e a incerteza. Espiando por trás de Hunter, ela praticamente gritou seu alívio. — Papai!

A companhia de guardas não podia ter olhado mais atordoado. Mas quando ela tentou se desviar de Hunter e dar um passo à frente, um deles levantou o cano longo de sua arma. Hunter estava contra o portão um segundo antes disso, se Corinne tivesse que adivinhar. Observava com espanto como o guerreiro se colocou na frente dela como um escudo vital de músculos, ossos e intenção pura, mortal.

Não poderia dizer como foi capaz de agarrar o rifle do guarda tão facilmente, mas num momento o cano de aço preto estava apontado para ela e no outro, foi dobrado num ângulo grave, arrancado por entre as barras de ferro do portão. Hunter enviou um olhar de advertência para o resto dos homens de seu pai, nenhum dos quais parecia ansioso para testá-lo.

A voz de Victor Bishop veio pelo dispositivo de comunicação novamente.

— Alguém me diga o que diabos está acontecendo. Quem está aí com você?

O guarda chamado Mason era alguém que Corinne reconhecia agora. Era uma parte da família Bishop, pelo que se lembrava, um macho Raça bondoso, mas grave, que foi amigo de Brock e gostava de jazz, quase tanto quanto ela. Naquela época, usava o cabelo acobreado-dourado elegantemente penteado para trás com brilhantina. Agora era um corte mais curto, um boné laranja brilhante que fazia os olhos grandes parecem ainda maiores.

— Srta. Corinne? — Perguntou hesitante, olhando para ela em descrença óbvia. — Mas... como? Quer dizer, bom senhor... é — pode realmente ser você?

Ao seu aceno mudo, um sorriso apareceu em seu rosto. O guarda sussurrou uma maldição suave quando agarrou o aparelho de comunicação na lapela do casaco e o aproximou da boca.

— Sr. Bishop, senhor? É Mason. Estamos embaixo, no portão da frente, e, uh... bem, senhor, não vai acreditar, mas estou olhando para um milagre aqui.

 

A fêmea estava segura e seu trabalho aqui estava feito.

Isso era o que Hunter disse a si mesmo quando Corinne Bishop foi entregue em segurança nas mãos de seu pai. Os guardas imediatamente abriram as portas para ela, em meio a repetidos pedidos de desculpas pela forma hostil, inadvertidamente, que foi atendida. O chamado Mason tinha os olhos úmidos, enquanto olhava para ela, a voz embargada pela emoção mal contida quando passou a mão sobre o rosto e murmurou sua descrença ao vê-la em pé diante dele. Agitando os outros guardas à frente, Mason envolveu um braço protetor em torno dos ombros pequenos de Corinne e começou a levá-la pelo calçamento de paralelepípedos.

Hunter ficou atrás, apenas dentro do portão, olhando-a fazer seu caminho em direção à mansão à frente.

A tarefa de entregá-la em segurança na sua casa estava cumprida, o que o deixava livre para retornar ao aeroporto, onde um avião particular da Ordem esperava para levá-lo de volta à Boston. Em um momento, Corinne Bishop estaria abrigada dentro do Darkhaven de sua família, e em apenas poucas horas, poderia retomar o negócio mais urgente de buscar Dragos e o exército de assassinos Gen Um que o servia.

No entanto, havia ainda a questão da visão de Mira...

Corinne se virou para olhar para ele enquanto era levada mais longe até a calçada pelos guardas de seu pai. Seus longos cabelos de ébano voavam na brisa fria, chicoteando os fios escuros em seu rosto pálido e testa. Os lábios entreabertos, como se fosse falar, mas as palavras não saíssem, turvando quando sua respiração ficou presa no vento e voou para longe. Seu olhar permaneceu nele. Ele sentiu esse olhar assombrado atravessando até ele na distância, tão palpável como um toque.

Enquanto observava Corinne Bishop sendo guiada para longe dele, viu no lugar o rosto com lágrimas e desespero selvagem da mulher na visão que Mira precognitizou. Ouviu a voz dela, falhando com medo e angústia.

Por favor, estou implorando ...

Eu o amo ...

Tem que deixá-lo viver ...

Sob a lógica, lembrava que o dom vidente da criança nunca estava errado, no entanto, algo estranho puxava de dentro de Hunter. O estrategista nele foi rápido em sugerir que a visão era um enigma que exigia ser resolvido. O assassino nele advertia que a premonição de Mira podia levá-lo a um inimigo a ser descoberto e destruído.

Mas havia outra parte dele que olhava para Corinne Bishop, naquele momento, com sua beleza terna e resistência de aço, que saiu da prisão de Dragos com sua espinha ereta, e não conseguia entender como era o único a finalmente a esmagar como viu na visão de Mira.

Sentia um respeito ímpar por ela, pelo que pudesse ter sofrido nas mãos de Dragos. Mais estranho ainda, era perceber que não queria ser o único a causar dor e lágrimas à Corinne Bishop.

Foi essa parte ilógica, muito distante da humana, que o fez olhar além dela e começar a girar de volta ao seu veículo à espera no final do passeio. Se a deixasse agora, as chances eram boas que nunca cruzasse com a fêmea novamente.

Poderia voltar para Boston, e a visão que se danasse.

Quando deu os primeiros passos, a porta da frente da mansão foi aberta com um gemido agudo feminino.

— Corinne! Tenho que vê-la! Quero ver minha filha!

Hunter fez uma pausa para olhar por cima do ombro enquanto uma atraente mulher morena corria para fora da casa. Não parou para pegar um casaco, aparentemente deixou tudo que estava fazendo e correu para fora apenas com uma blusa de cetim branco e uma saia, escura e estreita. Seus sapatos de salto alto clicavam e derrapavam quando voou sobre o caminho de paralelepípedos, soluçando enquanto corria para os guardas e Corinne no centro da longa calçada.

Corinne rompeu com os outros e correu ao seu encontro.

— Mãe!

As duas mulheres caíram num abraço forte, ambas chorando e rindo, apertando uma a outra, enquanto cada uma falava numa corrida de palavras sussurradas pontuadas por lágrimas de alegria.

Victor Bishop estava apenas um momento atrás de sua companheira aliviada. O chefe do Darkhaven veio em silêncio, com o rosto pálido e flácido ao luar, as sobrancelhas negras baixaram mais sem piscar os olhos escuros. Um grito engasgado na garganta parou o macho Raça.

— Corinne...

Ela olhou para cima quando ele disse seu nome, acenando timidamente quando se aproximou dela.

— Sou realmente eu, papai. Oh, Deus... Nunca pensei que veria algum de vocês de novo!

Hunter observa como a reunião continuava, ouvindo enquanto o aflito pai de Corinne tentava dar sentido a tudo que estava acontecendo.

— Não entendo como isso pode ser, — murmurou Bishop. — Já se foi há tanto tempo, Corinne. Estava morta...

— Não, — ela assegurou, saindo de seus braços para encontrar seu olhar atordoado. — Fui levada naquela noite. Tudo foi feito para acreditar que eu estava morta, mas não estava. Todo esse tempo, fui mantida como prisioneira. Mas nada disso importa agora. Estou tão feliz por estar em casa novamente. Nunca pensei que estaria livre.

Victor Bishop balançou a cabeça lentamente. As sobrancelhas afundaram mais, aprofundando seu olhar confuso.

— Mal posso acreditar. Depois de todos estes anos... Como é possível que esteja parada aqui na nossa frente agora?

— A Ordem — Corinne respondeu. Seu olhar encontrou Hunter através do grupo de guardas Bishop. — Devo minha vida aos guerreiros e suas companheiras. Eles encontraram o lugar em que eu estava sendo mantida. Na semana passada me resgataram e as várias outras cativas, e nos levaram para uma casa segura em Rhode Island.

— Na semana passada — Bishop murmurou, soando tanto surpreso como perturbado. — E ninguém pensou em nos dizer? Deveríamos ser informados que estava bem — deveria ser dito que estava viva, pelo amor de Deus.

Corinne gentilmente puxou as mãos dela.

— Não podia deixar você ouvir isso de ninguém além de mim, em pessoa. Queria ser capaz de ver seu rosto e colocar meus braços em torno de vocês quando dissesse o que aconteceu comigo. — A expressão dela era solene, quase triste, um olhar que não escapou a Hunter. — Oh, papai... há tanta coisa que preciso dizer a você e a mãe, aos dois.

Enquanto a mãe de Corinne a abraçava apertado e abafava outro soluço, a mandíbula de Victor Bishop estava ficando cada vez mais tensa.

— E seu raptor? Bom Deus, por favor me diga que o bastardo que roubou você de nós está morto.

— Vai estar, — respondeu Hunter, sua interrupção atraindo todos os olhos ali reunidos. — A Ordem o persegue enquanto falamos. Logo quem fez isso não existirá mais.

O olhar estreitado de Bishop escrutinou Hunter da cabeça aos pés.

— Logo não é bom o suficiente quando é a minha família em risco, guerreiro. — Ele fez um gesto para seus homens. — Fechem essa porta e liguem os sensores de perímetro. Não devemos ficar aqui por mais tempo. Regina, leve Corinne para dentro da casa. Estarei bem atrás de vocês.

Os guardas de Bishop correram para atender seus comandos. Quando a mãe de Corinne se dirigiu em direção à casa dela, Corinne se separou e voltou para onde estava Hunter. Estendeu a mão para ele.

— Obrigada por me trazer para casa.

Ele a olhou por um momento, dividido entre seu olhar forte e firme e a mão pálida e delicada que estendia para ele, esperando por seu reconhecimento.

Hunter pegou seus dedos finos em suas mãos.

— De nada, — ele murmurou, cuidando para não esmagá-la enquanto sua grande mão devorava a menor.

Não estava acostumado a contato físico, e nunca precisou de qualquer gratidão. Ainda assim, era impossível não notar como a pele de Corinne era macia contra sua palma e dedos. Como veludo quente contra a dura e áspera mão calejada pelas armas.

Não devia significar nada, mas de alguma forma a ideia de tocar nessa mulher despertou todos os tipos de interesse dentro dele. Interesses indesejáveis, injustificados, um ponto que se tornou ainda mais claro enquanto os pedidos angustiados de Corinne na visão de Mira ecoavam no fundo de sua mente.

Por favor, estou implorando... Não faça isso!

Você não consegue entender? Eu o amo! Ele é tudo para mim...

Ele a soltou, mas mesmo após o contato ser quebrado, seu calor ficou aninhado no berço da sua palma enquanto fechava a mão a levava de volta para o lado de seu corpo.

Corinne calmamente limpou sua garganta, cruzando os braços em si mesma.

— Por favor, diga a todos na Ordem — e a Andreas Reichen e Claire também — que serei eternamente grata por tudo que fizeram.

Hunter inclinou a cabeça.

— Viva uma boa vida, Corinne Bishop.

Ela olhou para ele por um longo momento, então deu-lhe um aceno fraco e girou para se juntar à mãe. Quando as duas mulheres partiram para a casa juntas, Victor Bishop entrou na linha de visão de Hunter, e sua cabeça se virou para ver as mulheres caminhando de volta até a calçada. Quando estavam bem fora do alcance da sua voz, exalou uma maldição baixa.

— Nunca sonhei que este momento chegaria, — ele murmurou enquanto olhava para Hunter mais uma vez. — Enterramos décadas atrás essa garota. Ou, como se vê, o que pensávamos ser essa garota. Demorou muito tempo para Regina perder a esperança que houvesse algum engano e o corpo que meus homens puxaram do rio meses depois não era realmente sua filha.

Hunter ouviu em silêncio, observando a torção no rosto de Bishop e o rubor da emoção enquanto falava.

— Quase destruiu Regina, quando perdemos Corinne. Ela ficava esperando por um milagre. Manteve a esperança por mais tempo do que imaginei ser possível. Eventualmente, desistiu. — Bishop correu a palma da mão sobre a testa enrugada e, lentamente, balançou a cabeça. — E agora ... graças a Deus e à Ordem, hoje à noite ela finalmente teve seu milagre. Todos tivemos.

Hunter não reconheceu o louvor, nem a mão estendida do vampiro Darkhaven na frente dele. Manteve os olhos treinados na forma de se retirar de Corinne quando ela e sua mãe andaram o resto da longa entrada, em seguida, entraram pela porta da frente aberta da casa calorosamente iluminada à frente. Olhou até que a porta foi fechada atrás delas e estava certo que sua responsabilidade temporária estava totalmente transferida para o abrigo dos braços de sua família.

No silêncio alongado, Victor Bishop limpou a garganta quando deixou sua mão deslizar de volta para seu lado.

— Como vou conseguir pagar a Ordem pelo que fez aqui esta noite?

— A mantenha segura, — disse Hunter, então se afastou de Bishop e foi até seu veículo esperando na rua.

 

Um pulsar furioso rufava nas veias de Lucan, quando se sentou com vários membros da Ordem no laboratório de tecnologia do complexo. Com os cotovelos plantados na borda da longa mesa de conferência, ele e os outros ouviam com desgosto enquanto Gideon revia suas conclusões sobre Murdock, o agente de Execução, que fugiu da cena, ontem à noite, no clube privado em Boston e ainda devia aparecer em qualquer lugar.

— Além dos clubes sip-and-strip que tende a frequentar, nosso menino Murdock também parece preferir anfitriões de sangue raros — muito jovens. Há mais de uma citação em seus registros da Agência pela solicitação de um humano menor de idade, e não apenas solicitação com intenção de se alimentar. Além disso, algumas citações de força excessiva entre as populações civis do Darkhaven e os humanos. Tenham em mente, isto é apenas merda do seu processo geral. Se eu cavar mais fundo que a superfície, serei obrigado a ter uma pilha inteira de outras coisas desagradáveis sobre esse cara.

Gideon interceptou e puxou os registros do vampiro do IID, a base de dados e informações que registrava quase todos os indivíduos Raça conhecidos na existência. Haviam exceções, é claro, ou seja, Lucan e um número incontável de outros Raças Gen Um, nascidos antes de qualquer tipo de tecnologia em vigor. Lucan olhou para o monitor de tela plana, onde uma fotografia de um homem de cabelos castanhos com um oleoso sorriso muito presunçoso enchia a tela.

— E a família? Qualquer um que possa ser espremido por informação do possível paradeiro do bastardo?

Gideon sacudiu a cabeça.

— Nunca teve Companheira de Raça, e não há parentes listados em qualquer arquivo. Outra coisa, Murdock só está no local nos últimos cinquenta e tantos anos. Antes disso, no tempo que seus problemas com as crianças e violência não eram documentados, fazia parte da Agência em Atlanta. Parece que o diretor daquela região recomendou pessoalmente Murdock, para transferência e promoção em sua posição aqui.

Do outro lado da mesa, sentada de uniforme preto e equipamentos de patrulha como os guerreiros machos reunidos, a companheira de Nikolai, Renata, zombou. Seu cabelo escuro na altura do queixo balançou na linha da mandíbula, enquanto se inclinava para trás e cruzava os braços sobre o peito.

— Que maneira mais fácil de se livrar de um problema que o embalar e enviar para outro lugar? Vi muito disso acontecendo entre as equipes dos orfanatos em Montreal.

— Parece que este Murdock é escória que precisa ser detonada, — Rio disse do outro lado de Niko e Renata. Seus olhos de topázio ardiam com desprezo, a teia de cicatrizes de combate do lado esquerdo do seu rosto tornando seu olhar ainda mais selvagem.

Outro dos guerreiros, Kade, de escuros cabelos espetados, deu um aceno de cabeça.

— É uma pena que Hunter e Chase não acabaram com ele no clube na noite passada. Podiam fazer um favor ao mundo.

— Murdock é escória, — Lucan concordou — mas se há alguma chance de que possa estar conectado a Dragos ou sua operação, mesmo remotamente conectado, então precisamos ter certeza que mantém a respiração pelo tempo suficiente para nos levar lá.

— E sobre Sterling? — Foi Elise quem falou, sua voz hesitante quando se virou para olhar para Lucan, de seu assento entre ele e seu companheiro, Tegan. Enquanto o resto do grupo reunido esteve ocupado com a conversa de suas missões e a nova prioridade de localizar o Agente Murdock, Elise esteve tranquila, pensativa. Agora sua preocupação estava impressa no plano da boca e no lavanda tempestuoso de seus olhos. — Se foi há quase 24 horas. Houve qualquer notícia dele?

Por um momento, ninguém disse nada. A ausência de Sterling Chase era o elefante na sala, o tema na mente de todos, mas não em suas línguas.

— Nenhuma palavra, — respondeu Gideon. — Seu celular toca direto para a caixa postal e não está retornando minhas chamadas.

— O mesmo aqui, — Dante colocou do outro lado da mesa de conferência. De todos os guerreiros, o companheiro de Tess era facilmente o aliado mais próximo de Chase. Apenas um ano ou mais atrás, quando Chase veio a bordo com a Ordem, ele e Dante estavam prontos para voar na garganta um do outro. Desde então, porém, tinham um ao outro como amigos e irmãos. Mas mesmo Dante parecia em dúvida sobre Sterling agora. — Tentei chamar um pouco antes de virmos para esta reunião, mas não obtive resposta. Harvard está se esquivando duro neste momento.

— Isso não é próprio dele. — Elise olhou para Tegan enquanto ele estendia a mão para atrair a dela. — É muito responsável para apenas sair assim, sem qualquer explicação.

— Ele é? — A pergunta de Tegan era gentil, mas havia tensão em sua mandíbula, uma proteção feroz, quando olhou para sua companheira ao lado dele. — Sei que quer pensar o melhor de Chase, mas precisa olhar para isso com olhos claros agora. O viu na noite passada, Elise. Me contou como ele agiu com você na capela. Era o Chase que acha que conhece?

— Não, — ela respondeu calmamente, os olhos baixos, enquanto balançava a cabeça loira lentamente.

Mais cedo naquele dia, Elise repassou a todos seu confronto com Chase, momentos antes dele abandonar o complexo, como a atacou, cheio de raiva e grosseria. Lucan se eriçou ao ouvir sobre a coisa toda, mas não mais que Tegan. O outro Gen Um ainda vibrava com malícia palpável pelas ações de Chase, apesar do cuidado com que lidava com os sentimentos de sua amada companheira por seu ex-parente.

— Eu não deveria tê-lo ferido, — murmurou Elise. — Sabia que estava chateado. Deveria ter me afastado e o deixado sozinho. Isso foi o que ele me disse para fazer. Não deveria tê-lo forçado.

— Ei, — disse Tegan, ternamente levantando seu queixo com as pontas dos dedos. — Não o forçou naquela noite pela porta. Ele foi voluntariamente. — Tegan olhou para Lucan, então. — Vamos encarar, Harvard estava andando numa maldita linha fina por muito tempo. Talvez seja a hora de todos começarmos a olhar para ele com olhos mais claros. Hora de parar de inventar desculpas para Chase e reconhecer, o que tenho certeza, mais de um de nós está pensando ultimamente.

Lucan pegou o significado no olhar conhecedor de Tegan e na afirmação que pairava sobre a sala como uma mortalha funerária. Inferno, como podia refutar o ponto de Tegan, considerando a própria história recente de Lucan e a batalha que travou, a não muito tempo, para resistir à fraqueza que assolava todos os Raças?

— Sede de Sangue, — Lucan disse, triste com o pensamento. Olhou para os rostos dos irmãos de sua raça ao redor da mesa, mais consciente que todos, exceto Tegan, do que significava se tornar viciado na sede. Uma vez que um vampiro pisava nesse caminho, a queda era rápida. O prumo ficava muito longe e você nunca mais voltava. — Sem ofensa, T, mas espero que esteja errado.

O olhar de Tegan permaneceu estável, muito certo.

— E se eu não estiver?

Quando ninguém mais preencheu o silêncio respondendo, Dante sussurrou uma maldição.

— De qualquer maneira, precisamos trazer o rabo de Harvard de volta para o complexo e colocá-lo na linha. Alguém precisa dizer a ele para consertar sua merda antes que seja tarde demais. Vou partir seu duro crânio pessoalmente, se isso for necessário.

Lucan queria concordar com o argumento de Dante, mas se viu balançando a cabeça enquanto considerava.

— Chase sabia o que estava fazendo quando saiu daqui. E se não sabia, então com certeza sabe agora. Temos problemas maiores para lidar que limpar outra merda de Harvard. Ele é AWOL[5], e traz na esteira uma missão fodida que poderia estar ainda mais fodida, não fosse por Hunter ter saído com Chase na patrulha. Não vamos esquecer que foi Chase quem não conseguiu manter Lazaro e Christophe Archer seguros durante o resgate de Kellan, na semana passada. Ele tem falhado à torto e à direito. Francamente, está se tornando uma responsabilidade.

— Posso ir atrás dele, tentar trazê-lo de volta, — Dante insistiu. — Quer dizer, Cristo, Lucan. Provou ser sólido nos combates. Salvou meu traseiro mais de uma vez, e fez muita coisa boa para a Ordem desde que chegou. Não acha que merece algum benefício da dúvida aqui?

— Não, se seu comportamento põe em risco os objetivos da Ordem, — respondeu Lucan. — E não se põe em perigo a segurança deste complexo ou alguém dentro destas paredes, com sua presença. Como disse Tegan, ninguém empurrou Chase para fora. Saiu daqui por sua própria vontade.

Dante olhou em silêncio sombrio, juntamente com os outros sentados ao redor da mesa.

Isto não era o que Lucan queria fazer, mas era o líder aqui, e, em última análise, sua palavra era lei. Nenhum dos guerreiros levaria o assunto adiante. Nem mesmo Dante, que caiu de volta em seu lugar e murmurou uma maldição baixa.

Lucan limpou a garganta.

— Agora, vamos voltar para Murdock.

Antes que pudesse terminar o pensamento, as portas do laboratório de tecnologia de vidro se abriram e a Companheira de Raça de Rio, Dylan, correu para a sala. Seu rosto salpicado de sardas estava pálido contra a cor de fogo de seus cabelos, seus olhos arregalados com pânico.

— Tess me enviou — ela deixou escapar, derrapando até parar. — Está na enfermaria. Precisa de ajuda rápido!

Dante pulou de seu assento.

— Oh, porra. É o bebê?

— Não. — Dylan balançou a cabeça. — Nada disso. Tess está bem. É Kellan Archer. Algo está errado com ele, realmente errado. Está sentindo um monte de dor. Não podemos fazê-lo parar de convulsionar.

A reunião terminou numa corrida movimentada, Lucan e Dante liderando o caminho. Todos correndo até a enfermaria, no outro extremo do corredor.

Dylan não exagerou quando disse que a situação com o jovem Kellan Archer era ruim. O jovem Raça estava dobrado em seu leito na enfermaria, segurando seu abdômen e gemendo em agonia óbvia.

— Suas náuseas começaram a agravar cerca de meia hora atrás, — Tess ofereceu quando o grupo lotou a sala. O avô de Kellan, o civil Gen Um Lazaro Archer, estava ao lado da cama, Tess do outro. Sua mão tocava de leve nas costas do adolescente enquanto outra convulsão profunda encrespava através de seu corpo.

— O que há de errado com Kellan? — Perguntou Mira, que estava nas proximidades com a Companheira de Raça de Gideon, Savannah. A menina segurava um livro aberto no peito, como se estivesse o lendo recentemente. Seus olhos estavam arregalados e ansiosos. — Será que vai ficar bem?

— Kellan tem uma péssima dor de barriga — Savannah disse, olhando para Gideon e Lucan enquanto guiava a criança para longe da cama. Ela falou e se moveu com calma absoluta, mas seus olhos castanhos escuros estavam cobertos de preocupação.

O fato era que ninguém sabia o que estava errado com Kellan Archer. Em vez de se recuperar depois de ser sequestrado e torturado a mando de Dragos, parecia estar ficando mais fraco. Precisava se alimentar, isso era certo, mas ainda não estava em forma para se aventurar a sair e encontrar um anfitrião por conta própria.

Já era bastante ruim Lucan ser forçado a abrir a sede da Ordem para Lazaro Archer e seu neto após Dragos arrasar seu Darkhaven e matar seus parentes. Se as coisas não melhorassem com Kellan em breve, Lucan teria de quebrar mais uma regra do complexo e trazer ao interior um humano para alimentar a criança.

Renata estendeu a mão para pegar a mão de Mira.

— Vamos, Ratinha. Por que não vêm comigo e Savannah por um tempo? Podemos voltar quando Kellan se sentir melhor, certo?

Mira concordou, mas manteve a cabeça virada para o jovem que sofria na cama até as outras duas Companheira de Raças a retirarem do quarto. Mal saíram, o jovem vampiro se dobrou num profundo espasmo, a saliva escorrendo de sua boca aberta.

— Por favor, — Lazaro Archer disse. — Por favor, faça algo para ajudar meu menino. Ele é tudo que me resta.

Um gemido terrível saiu da garganta do jovem Raça. Ele arquejou engasgado e, em seguida, com um grande suspiro de seu torso, se inclinou sobre a cama da enfermaria e começou a vomitar. Um fluxo de líquido saiu de sua boca quando se inclinou para frente e vomitou novamente.

Dante saltou para frente e puxou Tess do caminho, protegendo-a contra ele. Dylan e Rio correram para pegar toalhas de papel do armário próximo, enquanto Elise entrava em cena para confortar o jovem e ajudar a limpá-lo.

Ele continuou com espasmos, mesmo depois que seu corpo expulsou o pouco que tinha. Tentou falar, um gemido envergonhado de desculpas, mas só conseguiu um som raspante.

— Shh, — Elise sussurrou, acariciando seu cabelo úmido amassado pelo colchão. — Tudo bem agora, Kellan. Não se preocupe com nada, exceto se sentir melhor.

Dylan estava em suas mãos e joelhos abaixada, limpando a bagunça no chão enquanto Rio trabalhava em trocar o cobertor sujo e lençol. Lucan ouvido a respiração de Dylan engasgar e viu quando ela, de repente se ergueu ao lado da cama de Kellan Archer.

— Um... vocês? — Levantou então, um monte de toalhas de papel molhadas na mão. — Acho que sei o que estava deixando Kellan doente.

Lucan olhou, uma sensação de enjoo em seu próprio intestino quando Dylan estendeu os papéis sujos e encharcados. No centro estava um disco de prata do tamanho de uma moeda.

— Ah, Cristo. Ah, porra, — murmurou Gideon. Seu rosto ficou frouxo quando estendeu a mão para tirar o objeto do seu ninho molhado de saliva e ácido estomacal. — Não acredito nisso. Filho da puta!

— O que é isso? — Tegan perguntou, sombrio como o resto deles.

— É um chip de GPS, — respondeu Gideon. — Um maldito dispositivo de rastreamento. — Ele passou a mão por cima da sua cabeça e virou o rosto para Lucan. — Estamos comprometidos.

Lucan exalou, a magnitude de seu erro o acertando como um trem de carga no centro do seu ser.

Agora tudo fazia sentido. O rapto de Kellan Archer. O resgate muito fácil. O ataque simultâneo no Darkhaven de Archer — um ataque tão profundo, que asseguraria que o menino não tivesse outro lugar para ir, apenas o complexo e a proteção da Ordem.

Dragos encenou a coisa toda, tudo para essa finalidade.

Sabia onde moravam agora. Sabia há dias, desde que Lucan tomou a decisão de permitir a presença dos civis na casa da Ordem.

A única questão que permanecia era o tempo que demoraria para Dragos ou seu exército de assassinos trazerem esta guerra até aos portões da frente da mansão.

 

— Está com fome, querida? Pedi a Tilda para preparar algo bom para você, mas se quiser alguma coisa para comer antes do jantar ficar pronto, só precisa pedir e eu busco para você. Qualquer coisa que quiser.

— Estou bem. — Corinne se afastou da janela do quarto a que foi levada um pouco antes, depois que sua mãe a levou para casa e seu pai desapareceu em seu estúdio para conferenciar com Mason e os outros guardas do Darkhaven.

O barulho e a atividade estavam deixando Corinne desconfortável. Agora que estava em casa, tudo que queria eram alguns momentos privados sozinha com seus pais. Tempo suficiente para dizer o quanto sentiu falta de sua família... e como precisava desesperadamente de sua ajuda.

Quando sua mãe começou a pedir em voz alta à cozinha que levassem uma bandeja de comida até o quarto, Corinne se aproximou e apertou suas mãos.

— Estou bem, realmente. Por favor, não sinta que precisa me paparicar.

— Mas não posso evitar. Sabe quantas vezes rezei pela possibilidade de paparicá-la de novo? — A pele de Regina Bishop estava úmida e fria, os dedos tremendo enquanto Corinne os agarrava num aperto urgente. Lágrimas nadavam em seus olhos gentis. — Bom senhor, está realmente aqui? Estou olhando para você, sentindo você, viva e linda como sempre, mas mal posso acreditar que isso está acontecendo. Vivemos um pesadelo depois que desapareceu.

— Eu sei, — Corinne reconheceu suavemente. — Sinto muito por tudo que passaram.

— Lottie gritou por semanas depois que você desapareceu. Vai ficar tão feliz ao saber que está em casa novamente.

Corinne sorriu com a ideia de se reunir com sua irmãzinha. Embora ambas nascessem com a marca de Companheira de Raça, ela e Charlotte não estavam relacionadas pelo sangue. No entanto, foram ferozmente devotadas uma a outra, talvez ainda mais, tendo nascido na negligência e abandono na infância, só para se tornarem família quando adotadas pelos Bishops.

— Ela está aqui, mãe?

— Oh, não, querida. Charlotte tem seu próprio Darkhaven em Londres, com seu companheiro e seus dois filhos. Na verdade, seu filho mais novo e sua Companheira de Raça acabam de celebrar o nascimento de seu primeiro filho há poucas semanas.

Corinne sentiu um solavanco agridoce em seu núcleo. Cinco anos mais nova que Corinne, Lottie era uma adolescente desajeitada quando do rapto de Corinne. Agora estava crescida com um Companheiro e seus próprios filhos adultos. Corinne deveria estar feliz por sua irmã, no fundo, estava. Mas a notícia só tornava o ponto mais forte que o tempo passou desde que Corinne foi embora.

Muito mais dolorosa era a lembrança de todas as coisas que perdeu, coisas preciosas que foram tiradas dela, enquanto Dragos a mantinha presa. Agora que estava aqui, de volta à casa de seus pais, poderia reunir toda a sua energia para recuperar os pedaços de sua própria vida quebrada.

— Não vi Sebastian quando chegamos mais cedo, — disse ela, lembrando do belo Raça jovem e estudioso que foi tão paciente com suas irmãs adotadas. Passava dos vinte anos quando Corinne foi sequestrada. Agora, provavelmente era líder de seu próprio Darkhaven, com uma bela Companheira de Raça e meia dúzia de filhos.

O longo silêncio que encontrou sua pergunta fez Corinne puxar uma respiração ansiosa.

A boca de Regina Bishop tremeu.

— Claro, não saberia. Perdemos Sebastian para a Sede de Sangue quarenta anos atrás.

Corinne fechou os olhos.

— Oh, Deus. Não nosso doce Sebastian.

— Eu sei, querida. — A voz da mãe era baixa, ainda repleta de tristeza pela perda de seu filho décadas mais tarde. — Sebastian mudou nos anos depois que você desapareceu. Sabíamos que estava lutando, que sua sede o consumia, mas se afastou de nós. Tentou esconder seus problemas de nós, não aceitava ajuda. Fez uma matança terrível na cidade naquela noite. Quando chegou em casa, estava coberto de sangue. Nenhum de nós conseguiu alcançá-lo. Já era um Renegado, longe demais para ser salvo. E sabia disso. Sebastian sempre foi tão perspicaz, tão inteligente e sensível. Se trancou no estúdio de seu pai. Ouvimos o tiro um momento mais tarde.

— Sinto muito. — Corinne a abraçou, sentindo a angústia enquanto a outra mulher sufocava um soluço apertado. — Deve ter sido terrível.

— Foi. — Os olhos tristes encontraram o olhar dela enquanto se afastava do abraço de sua mãe. — Até que tenha perdido um filho — e até hoje à noite, quando pensava que tinha perdido dois — ninguém pode imaginar como é sentir o vazio no interior.

Corinne não disse nada, sem saber como responder. Carregava seu próprio vazio, suportava sua própria perda, mesmo agora. Foi essa perda que a trouxe para sua casa, até mais que suas próprias necessidades egoístas de conforto e os braços protetores de sua família.

— Deve reconhecer esta sala, não é? — Perguntou a mãe de forma abrupta, enxugando os cantos dos olhos.

Indiferente, mas feliz com a distração momentânea, Corinne olhou ao redor. Seu olhar viajou sobre a elegante cama trenó de cerejeira escura e a cabeceira antiga e a cômoda que ainda parecia tão familiar para ela, apesar de todos estes anos. A roupa de cama e as cortinas da janela eram diferentes. Como também as paredes, não mais envoltas em metros de seda pêssego cintilante, mas pintadas com uma calmante tinta fosca cinza pomba. — Este costumava ser meu quarto.

— Ainda é, — respondeu Regina, um brilho forçado em sua voz. — Vamos deixá-lo exatamente como era antes, se for isso que quer. Podemos começar amanhã, querida. Vou levá-la para comprar um novo guarda-roupa na parte da manhã, e podemos marcar uma consulta com meu decorador para reformular todo o quarto, de cima abaixo. Vamos deixar tudo como era e vai parecer que nunca se foi um dia. Tudo pode ser feito exatamente como era antes, Corinne. Você vai ver.

Corinne notou que estava balançando a cabeça apenas quando notou a expressão cabisbaixa de sua mãe.

— Nada pode ser igual. Está tudo mudado agora.

— Vamos corrigir isso, querida. — A mãe assentiu, como se apenas sua certeza o fizesse assim. — Está em casa agora, e isso é a coisa mais importante. O resto não importa.

— Sim, — Corinne murmurou. — Não importa. Coisas que me aconteceram quando fui embora. Coisas terríveis que preciso falar para vocês. Para ambos, você e papai...

Ela não tinha a intenção de deixar isto escapar. Sua intenção era sentar com os pais juntos e caminhar com eles suavemente através das circunstâncias do seu cativeiro da melhor maneira possível. Agora sabia que não haveria maneira graciosa para transmitir a verdade, enquanto olhava o pavor crepitando no bonito rosto de Regina Bishop.

As duas poderiam passar por irmãs em público, ambas jovens, o processo de envelhecimento parado perto dos trinta anos. Era o mesmo para todas as Companheiras de Raça, devido às suas anomalias genéticas e ao poder vivificante encontrado no sangue de um macho Raça. Corinne foi embora há mais de setenta anos — mas dificilmente mostrava a idade. Foi mantida viva, deliberadamente jovem e viável, porque era onde estava seu valor para seu captor.

Regina Bishop via essa verdade agora, Corinne viu quando percebeu, como se sua mãe não a olhasse realmente de perto, até aquele momento.

— Me diga, — ela sussurrou. — Me diga o que aconteceu com você, Corinne. Por que alguém iria querer te prejudicar?

Corinne deu um aceno lento de cabeça.

— Por que alguém iria querer ferir qualquer uma das jovens Companheiras de Raça que foram capturadas junto comigo? Insanidade, talvez. Mal, certamente. Essa é a única maneira de explicar as coisas que me fez. A tortura e os experimentos...

— Oh, querida, — Regina chorou, as palavras perdidas numa respiração sufocada. — Todo esse tempo? Todos esses anos, sofreu tais coisas? Para quê?

— Estávamos destinadas a um propósito muito específico, — Corinne respondeu, sua voz soando dura até para seus próprios ouvidos. — O que nos levou e trancou numa prisão sem luz e nos tratou como gado, precisava de nossos corpos para ajudá-lo a criar seu próprio exército. Nós não éramos as únicas cativas. Ele também tinha outro, uma criatura de que só ouvi falar nas histórias que Sebastian costumava contar para Lottie e eu, para nos assustar.

O rosto da mãe perdeu toda a cor.

— O que está dizendo?

— Havia um antigo preso nos laboratórios também — disse ela, fazendo Regina Bishop recuar sem respiração. — Nosso captor o usava para experimentos também. E o usava para reprodução, o pai de vampiros Gen Um, vampiros criados para a escravidão, mais parecidos com ele que o louco que controlava a todos nós.

Por um longo momento, sua mãe simplesmente a olhou, muda e pálida. Uma lágrima rolou pelo seu rosto quando entendeu tudo.

— Oh, minha querida filha...

Corinne limpou sua garganta. Foi tão longe até agora, precisava falar o resto.

— Lutei a cada chance que tive, mas no final foram mais fortes. Levou um longo tempo, mas eventualmente treze anos atrás, o melhor que posso adivinhar, conseguiram o que queriam de mim. — Ela teve que puxar uma respiração profunda, a fim de continuar. — Quando estava nessas celas de laboratório horríveis, dei à luz a um filho. Tenho um filho lá fora em algum lugar. Foi roubado de mim, poucas horas depois que nasceu. Agora que estou livre, tenho a intenção de trazê-lo de volta.

 

Algo não estava certo.

Quando Hunter estacionou o carro no hangar particular da Ordem no aeroporto, não parava de pensar na reunião de Corinne com sua família no Darkhaven. Continuou se perguntando por que seus instintos de predador estavam circulando ao redor de Victor Bishop como um cão numa trilha quase fria.

Quase, mas não completamente.

Algo na reação de Bishop pelo reaparecimento de Corinne não soava verdadeiro. O macho Raça parecia chocado certamente, e, obviamente, veio ver a jovem que estava morta para todos os seus parentes por um tempo tão longo.

Como qualquer líder de Darkhaven, Bishop estaria especialmente preocupado com a segurança imediata de sua casa e seus habitantes. Foi cauteloso e protetor, todas as coisas que se podia esperar. Mas Hunter detectou algo mais em Bishop, algo que parecia correr mais fundo que sua expressão externa de espanto e alívio pelo regresso inesperado de Corinne.

Houve uma distância no olhar quando Victor Bishop olhou para sua filha. Houve uma hesitação no homem, uma pitada de distração em seu comportamento, mesmo quando a abraçou e disse o alívio que era vê-la novamente. Victor Bishop estava escondendo algo. Algo relacionado de alguma forma com Corinne; Hunter tinha certeza disso.

Então, novamente, quem era ele para julgar quando se tratava de qualquer manifestação de emoção?

Foi criado para lidar com lógica e fatos, não sentimentos. Seus instintos estavam afinados para discrição e combate, busca e destruição de qualquer alvo. Nessas coisas, era perito. E eram essas coisas que o esperavam em Boston — tanto para a busca do agente de Execução que fugiu do clube em Chinatown como para extirpar e destruir, e Dragos e seus incontáveis assassinos criados.

Mas ainda...

A suspeita resmungava para Hunter quando saiu do veículo e caminhou em direção ao jato corporativo no interior do hangar privado. À sua frente, abaixado sob o Cessna, um dos pilotos saiu e o cumprimentou com um sorriso educado.

— Sr. Smith, — murmurou o homem. Ele e seu copiloto eram parte de um serviço de fretamento discreto mantido permanentemente pela Ordem. Hunter sabia pouco sobre o arranjo, apenas que os humanos que operavam os jatos privados, exclusivamente para a Ordem eram os melhores de sua categoria e recebiam uma boa quantia para não fazer perguntas de sua clientela tipicamente noturna. — Estamos liberados para taxiar e decolar, logo que estiver pronto, Sr. Smith.

Hunter deu um aceno leve de reconhecimento, seus instintos ainda picando quando colocou o pé no primeiro degrau. Foi então que a constatação o golpeou.

Algo que Victor Bishop disse.

— E seu raptor? — Ele exigiu de Corinne.

— Bom Deus, por favor me diga que o bastardo que roubou você de nós está morto.

Embora nem Corinne nem Hunter mencionassem quaisquer detalhes sobre onde ela esteve ou quem se ocupava dela, Victor Bishop falou como se soubesse que a culpa por sua captura repousava sobre um único indivíduo.

Um indivíduo que deixava o líder do Darkhaven visivelmente ansioso. — Paranoia — foi a palavra que veio à mente de Hunter quando se lembrou das ordens apressadas que enviou aos guardas de Bishop numa corrida pelos portais da propriedade e a empurrar a Companheira de Bishop e Corinne para a mansão. Agora que Hunter pensava sobre isso, Victor Bishop agia como um homem à beira de um cerco próximo.

A pergunta era: Por quê?

— Há alguma coisa errada, Sr. Smith?

Hunter não respondeu. Girou saindo da escada do avião e voltou pelo chão de concreto do hangar do aeroporto, as botas batendo forte a cada passo. Voltou para o carro e ligou o motor.

O sedan preto rugiu para a vida, os pneus cantando enquanto socava o acelerador e voltava para enfrentar Victor Bishop e qualquer segredo que estivesse escondendo.

 

Corinne sentou com sua mãe na mesa da sala de jantar, olhando num estado de distração quieta quando Tilda trouxe a última travessa da cozinha do Darkhaven. A comida parecia maravilhosa, cheirava ainda melhor, mas não tinha apetite. Seu olhar continuava no vestíbulo adjacente, apenas fora da sala de jantar formal, nas portas fechadas de estúdio de seu pai.

— Tenho certeza que vai terminar a qualquer momento, querida. — Regina sorriu para ela do assento à sua direita. — Não quer que a gente espere por ele e deixe a refeição deliciosa de Tilda esfriar.

Na cabeceira da mesa, a cadeira de seu pai estava vazia. Um lugar definido para ele, mas a porcelana e o cristal estavam lá apenas por tradição, já que nenhum Raça consumia alimentos ou bebidas humanas. Corinne não fez nenhum movimento para começar a comer. Olhou para a cadeira de mogno vaga, desejando que Victor Bishop se afastasse de seus negócios e fosse para seu lugar como provedor — o protetor — de sua família.

— Que tal começar com uma sopa, — Regina disse, levantando a tampa da grande terrina de prata que estava sobre a mesa entre elas. Vapor aromático flutuava acima da tigela profunda. Ela mergulhou uma concha, serviu então a sopa para Corinne. — Não tem um cheiro delicioso? É um consommé de carne muito delicado com cebolinha e cogumelos selvagens.

Corinne sabia que sua mãe apenas tentava cuidar dela, tentava trazer um pouco de senso de normalidade a uma situação que não era nada normal. Olhou seu prato de porcelana cheio de sopa e legumes e queria gritar.

Não podia comer agora. Não podia fazer nada até que falasse com seu pai e o ouvisse garantir que ninguém, nem mesmo um monstro sádico como Dragos, poderia mantê-la longe de seu filho. Até que ouvisse aquelas palavras e fosse capaz de acreditar que era possível encontrar seu filho e trazê-lo de volta, nada mais importava.

— Talvez eu devesse ir falar com ele em seu estúdio, — ela disse, já saindo de sua cadeira na mesa e ficando em pé.

Sua mãe abaixou a colher, franzindo as sobrancelhas finas.

— Querida, o que está errado?

Corinne saiu da sala de jantar e se adiantou pelo hall de entrada, as mãos remexendo ansiosas ao seu lado a cada passo.

Enquanto se aproximava das portas fechadas do escritório privado de Victor Bishop, um choque agudo de vidro quebrado soou dentro.

— Papai? — Preocupação perfurou seu centro. Corinne encostou a palma da mão contra a madeira polida e deu algumas pancadinhas na porta. Estava em pânico, sua mão hesitante, um súbito medo escura varrendo sobre ela. Mais sons de luta emanavam de dentro, um farfalhar de papéis caindo, um grunhido abafado. — Papai, está tudo bem?

Ela tentou o trinco. Desbloqueado, felizmente. Sua mãe e um par de guardas do Darkhaven de seu pai, Mason e outro macho Raça, estavam logo atrás dela, enquanto abria a porta e entrava.

Para sua surpresa, completa confusão e descrença — Victor Bishop estava jogado sobre a superfície de sua mesa, asfixiado sob a esmagadora grande mão, apertando para baixo como um vício em sua garganta. A pessoa a agredir seu pai era a última pessoa que Corinne esperava ver.

— Hunter, — ela sussurrou, incrédula, aterrorizada.

Sua mãe gritou o nome de Victor, em seguida, quebrou numa rajada de soluços.

Atrás de Corinne, Mason e o outro guarda se moveram com cautela. Sentiu sua tensão, sentiu os dois machos Raça medindo suas chances de tirar suas armas e desativar esta ameaça imprevista. Nunca teriam sucesso.

Corinne viu a verdade disso no rosto sem emoção de Hunter. O olhar em seus olhos de ouro era calmo, uma frieza letal. Corinne viu em um instante que tirar uma vida era algo que este guerreiro faria sem pausa alguma. Só tinha que aumentar seu aperto, apenas flexionar seus dedos fortes e esmagaria a vida de seu pai em um segundo.

Preocupação esfaqueou Corinne, e nesse instante de medo e preocupação, sentiu uma corrente de poder mexer dentro dela. Era seu talento subindo calmamente, o zumbido baixo de energia Sonokinesis[6] que permitiria a ela agarrar qualquer som e manipulá-lo a alturas ensurdecedoras. Ele a arrepiava agora, de pé em riste. Mas não podia arriscar. Não com a garganta de seu pai presa no aperto de Hunter.

Quando Mason avançou ligeiramente para frente, mais disposto que ela a testar a intenção de Hunter, Corinne o deteve com uma agitação fraca de cabeça.

Estava chocada, confusa. O que Hunter estava fazendo de volta aqui no Darkhaven? Não precisava saber como chegou lá dentro. As pesadas cortinas nas portas francesas do estúdio balançavam na brisa de inverno que vinha de fora. Ele entrou furtivamente, um intruso com um único propósito, um único alvo em mente.

— Por que? — Ela murmurou. — Hunter, o que é isso?

— Diga a ela. — Ele virou aquele olhar impiedoso de volta para seu pai. Victor Bishop estalou, tentando agarrar a mão inflexível em sua garganta, mas era inútil. Seus músculos relaxaram e sua cabeça caiu atrás sobre a mesa com um baque, sem conter um gemido. Hunter mal piscou. — Fale a verdade, ou vou te matar aqui e agora.

O pulso de Corinne batia nas têmporas, o medo torcendo seu interior. Não sabia o que provocava maior preocupação: a ameaça letal ao Raça que a criou, ou o pavor que estava roendo as bordas de sua mente quando olhou para Hunter e reconheceu que não era um macho para agir precipitadamente.

Não, não faria nada se não fosse deliberado. Não o conhecia muito, mas Hunter se portava com reserva fria, uma capacidade que não deixava espaço para irracionalidade ou erros.

O fato que seu pai estava na mira da ira deste guerreiro colocava um nó no intestino de Corinne. Ela tinha profunda e instintiva consciência que seu mundo estava prestes a se abrir na frente dela. Não achava que podia suportar isso, não depois de tudo que passou. Não depois de tudo a que sobreviveu.

— Não, — disse ela, querendo negar a sensação que a inundava agora. Se agarrou a essa negação, mesmo que a sentisse tão frágil como um fio ao seu alcance. — Por favor, Hunter... não faça isso. Por favor, deixe-o ir.

Ele inclinou a cabeça ligeiramente em direção a ela enquanto falava. Algo peculiar passou pelo seu olhar, um lampejo de distração. Talvez um momento de dúvida? Mas não fez nenhum movimento para soltar seu pai. Em seguida, as sobrancelhas baixaram numa carranca.

— Ele sabe o que aconteceu com você na noite que desapareceu. Sabia o tempo todo que foi levada, e por quem. Sabia muito mais que isso.

— Não. Isso é impossível. — Sua voz soava tão baixa, pouco mais que o ar empurrando de seus pulmões. Sentiu o fio da negação começar a se desgastar. — Está errado sobre isso, Hunter. Está cometendo um erro terrível. Papai, por favor... diga que ele está errado.

Victor Bishop pareceu esvaziar ainda mais naquele instante. Estava suando, tremendo, reduzido a um fraco estado de rendição sob o poder implacável de Hunter. O rosto bonito que usava para infundir conforto, quando Corinne era criança, agora vergava, corado e brilhando com gotas de suor. Seus olhos encontraram os dela em seguida, e ele estalou algo que soou como um fraco pedido de desculpas.

Corinne ficou dormente, sentindo todo o sangue drenar da cabeça e membros. O peso se estabeleceu em seus pés, quase a derrubando de joelhos. O ar ao redor de Mason e do outro guarda ficou visivelmente tenso, os homens esperando que a situação explodisse ou se dissolvesse.

Ao lado dela, Corinne sentiu o corpo da mãe tremer, tão fora de equilíbrio quanto ela.

— Victor, não poderia saber tais coisas, — Regina insistiu. Sua mão pálida pairava perto de sua boca, tão delicada quanto um pássaro até que caiu para baixo ao seu lado. — Lamentou esta menina quando desapareceu. Estava quebrado, como o resto de nós. Não podia ter fingido esses sentimentos. Estou ligada pelo sangue a você como sua Companheira de Raça, e saberia que era sincero.

— Sim, — ele conseguiu coaxar. Corinne viu os tendões na grande mão de Hunter deslizar para cima, mas apenas o suficiente para permitir a menor liberdade. Victor Bishop ainda estava preso, ainda totalmente à mercê do guerreiro. — Sim, Regina, eu fiquei de luto. Fiquei arrasado por ela ir embora. Teria protegido minha família, por qualquer meio. Isso foi o que fiz, na verdade. Só estava tentando proteger o que restou da minha família, e assim não tive escolha a não ser permanecer em silêncio.

Corinne fechou os olhos quando as palavras afundaram, inesperadas e amargas. Não conseguia falar, só podia levantar as pálpebras e manter o firme olhar de ouro do guerreiro cuja face não revelava surpresa ou piedade. Apenas uma compreensão grave.

— Não tinha escolha, — Victor Bishop repetiu. — Não tinha ideia que retaliaria contra mim como fez. Deve acreditar em mim.

— Victor, — sua mãe engasgou. — O que está dizendo?

Seus olhos deslizaram se afastando de Corinne, em direção à Companheira que foi parte de sua vida nos últimos cem anos.

— Ele disse que teria meu apoio de uma forma ou de outra, Regina. Pensei que era mais esperto que ele. Sabia que tinha mais ligações. Mas vê? Isso era o que queria de mim, minhas conexões. Precisava do meu apoio para ajudá-lo a subir mais rapidamente dentro da Agência.

Ainda pronto para matar ao seu capricho, Hunter emitiu um rosnado baixo quando o pai de Corinne deixou sua feia confissão escorrer.

Não, ela se corrigiu internamente. Victor Bishop não era seu pai. Não mais. Era um estranho para ela, mais distante nestes últimos minutos do que nas muitas décadas em que saiu de sua casa.

— Houve ameaças quando me recusei a me juntar à sua causa, — disse Bishop, o desespero engrossando as palavras. — Não sabia do que ele era capaz no momento. Meu Deus, como poderia saber o que estaria disposto a fazer?

— Quem ameaçou você, Victor? — Sua Companheira de Raça perguntou: a vacilação desvanecendo tanto de sua voz como de seu comportamento. — Quem roubou nossa filha de nós?

— Gerard Starkn.

— O Diretor Starkn? — Regina murmurou. — Esteve nesta casa mais de uma dúzia de vezes ao longo dos anos. Esteve aqui antes e depois que Corinne desapareceu. Bom senhor, Victor, deve fazer uns 50 anos agora, mas lembro que você discursou na sua recepção, quando foi eleito para o Conselho Superior da Agência de Execução. Está dizendo que ele tinha algo a ver com isso?

Corinne franziu a testa, confusa agora. O nome desconhecido criava uma esperança selvagem, desesperada. Talvez houvesse algum tipo de erro aqui, depois de tudo. Se não sabia que foi Dragos quem a levou, talvez as mãos de Victor Bishop não estivessem tão ensanguentadas como temia.

Mas o olhar sombrio Hunter a despiu dessa esperança, mesmo frágil. Deu um aceno vago de sua cabeça, como se soubesse a direção de seus pensamentos.

— Dragos utilizou muitos apelidos. Incluindo este. Gerard Starkn e Dragos são uma e a mesma coisa.

Corinne olhou para Victor Bishop, em busca de algum vestígio de honestidade no rosto que já não conhecia.

— Você sabia? Sabia que o homem que chama de Gerard Starkn era na verdade um monstro conhecido como Dragos?

Aprofundou sua carranca, os olhos vazios em reconhecimento.

— Já disse tudo que sei.

— Não, — ela murmurou. — Não me contou tudo. Sabia o que aconteceu comigo, mas não veio atrás de mim. Esperei. Orei, todos os dias. Disse a mim mesma que você não ia descansar até que eu fosse encontrada. Até que estivesse a salvo, e de volta para casa. Mas ninguém nunca veio por mim.

— Eu não podia — ele disse. — Starkn me disse que se eu fosse contra ele, não haveria mais dor. Disse que se eu vacilasse em meu apoio a ele politicamente, ou se tentasse expô-lo pelo que fez para chegar em sua posição no seio da Agência, o preço para meu desafio seria muito maior do que o que eu já havia pago. Tem que entender, tudo que tem que entender, é que fiz o que fiz, a fim de proteger minha família, o que restou dela.

Regina puxou uma respiração aguda, instável.

— E então simplesmente o deixou manter nossa filha? Corinne era família — família, maldito. Como pode ser tão insensível?

— Ele não me deixou alternativa, — respondeu Bishop, deslizando os olhos de volta para Corinne. — Starkn prometeu que se tentasse encontrá-la, ou se permitisse a qualquer um suspeitar que tinha você, estaria de luto por Sebastian em seguida. E assim continuei meu silêncio. Tendo certeza que suas exigências eram obedecidas .— Sua voz falhou por um momento. — Sinto muito, Corinne. Tem que acreditar nisso.

— Nunca poderei acreditar em qualquer coisa que diga novamente, — ela respondeu, ferida sim, mas não a ponto de quebrar.

Passou por pior que isso. Estada batida e cansada pelo peso de sua traição, mas ainda havia um longo caminho escuro à sua frente.

Quando estava lá, tentando conciliar tudo que estava ouvindo, um horror fresco começou a se estabelecer sobre ela.

— A menina, — disse ela, novas peças se encaixando no quebra-cabeça do seu engano. — Depois de eu ser levada, havia uma moça que foi recuperada do rio...

Victor Bishop lançou seu olhar horrorizado.

— Você se foi, e Starkn deixou claro que nunca voltaria. Enquanto houvessem perguntas sobre seu desaparecimento... havia esperança que podia estar viva.

A verdade caiu sobre ela como chumbo, frio e pesado.

— Era o único que queria que todos se convencessem que eu estava morta. Oh, Jesus... matou uma garota inocente. A cortou em pedaços, apenas para cobrir seus próprios pecados.

— Ela não era nada, — respondeu Bishop para justificar o assassinato. Uma aresta de raiva penetrava sua voz quando continuou. — Era lixo de sarjeta comum, vendendo-se para qualquer um em frente ao mar.

— E o que dizer de mim? — Corinne perguntou, sua própria indignação crescendo. Derramava sobre ela numa corrida furiosa. — Devia ser nada para você também. Deixou que me levassem, me mantivessem todo esse tempo como um animal numa gaiola. Pior que isso. Será que nunca soube o que estava acontecendo comigo em suas mãos? Já parou para pensar que poderiam estar me torturando, degradando... destruindo tudo o que eu era, pouco a pouco? Será que nunca imaginou o tipo de tortura que um louco sádico como ele seria capaz, nas entranhas da prisão onde me manteve e a todas as outras cativas que coletou?

Regina Bishop se dissolveu numa profusão de lágrimas. Bishop não disse nada, apenas olhou para Corinne e sua Companheira em silêncio tenso.

— Me solte, — ele rosnou para Hunter, cujos dedos estavam outra vez mais apertados em torno de sua garganta. — Eu disse para me largar. Deve estar satisfeito agora. Tem a confissão que veio aqui arrancar de mim.

Hunter se inclinou sobre ele.

— Agora vai me dizer tudo que sabe sobre Gerard Starkn. Preciso saber onde está e quando o viu pela última vez. Preciso saber quem são seus associados, tanto no interior da agência como fora dela. Vai me dizer cada detalhe, e vai me dizer agora.

— Não sei de mais nada, — Bishop estalou drasticamente. — Faz mais de uma década desde que sequer pensei no homem, muito menos o vi. Não há mais nada a dizer, juro para você.

Mas Hunter não parecia convencido. Também não parecia inclinado a liberar Bishop de suas mãos assassinas, nem mesmo se desse as respostas que procurava. Corinne podia ver a verdade da intenção letal de Hunter na calma constante de seus olhos.

Bishop percebeu isso também. Começou a se contorcer e lutar. Ele pinoteou na superfície de sua mesa, chutando com suas pernas e enviando uma pilha de livros encadernados em couro ao chão.

O talento de Corinne, cantarolando com mais intensidade em suas veias agora, se prendeu na percussão daqueles livros caindo. Não conseguia puxá-lo de volta. O ruído cresceu rapidamente, explodindo num rolo prolongado de trovão que estremeceu o quarto e sacudiu todos dentro.

— Corinne, pare! — Sua mãe gritou, tapando os ouvidos enquanto o barulho estremecia e estrondeava, cada vez mais alto agora.

Sob o barulho subindo, os lábios de Bishop se abriram em volta de seus dentes, expondo as pontas de seus dentes emergentes. Raiva e medo transformaram os olhos de seu castanho normal para o âmbar ardente da Raça. Suas pupilas afinaram e esticaram, tornando-se fendas de gato.

Hunter, no entanto, permaneceu frio, totalmente no controle. Poupou Corinne da explosão de energia cinética apenas com um breve aviso antes de parecer sintonizar a distração completamente. Seus olhos mantinham sua cor dourada, com o rosto fortemente inclinado, tenso e magro, focado, mas não furioso. Apertou os dedos em torno da laringe de Bishop.

Corinne abriu seus lábios, a respiração ofegante e passou. Fez seu talento retroceder e estava à beira de gritar que toda essa loucura cessasse.

Mas foi Regina quem falou primeiro.

— Henry Vachon, — ela desabafou. Victor rosnou, e era difícil dizer se sua ira agora era dirigida mais ao seu atacante ou a sua agitada Companheira de Raça. Regina olhou para longe dele, levantando o queixo e falando diretamente com Hunter. — Me lembro de outro macho Raça, também da Agência de Execução. Estava ao lado de Starkn quase constantemente, sempre que o via em público. Seu nome era Henry Vachon. Estava em algum lugar ao sul... New Orleans, se bem me lembro. Se quiser encontrar Gerard Starkn ou como quer que se chame agora, comece com Henry Vachon.

Hunter inclinou a cabeça num gesto vago de reconhecimento, mas ainda tinha a mão na garganta de Bishop.

— Solte ele, — Corinne murmurou baixinho. Estava enojada com tudo que ouviu, mas não tinha a vingança em seu coração. Nem mesmo pelo pai que a traiu tão insensivelmente. — Por favor, Hunter... deixe-o ir.

Era o mesmo olhar estranho de antes, da primeira vez que pediu para não machucar Victor Bishop. Corinne não conseguia ler a cintilação estranha que esmaecia o ouro de seus olhos. Era uma pergunta, uma pausa silenciosa de incerteza ou expectativa.

— Ele não vale a pena, — disse ela. — Deixe-o viver com o que fez. Não existe mais para mim.

Quando Hunter soltou suas mãos, Bishop rolou para o chão tossindo e cuspindo. O rosto gentil de Regina estava abatido, vermelho de tanto chorar. Começou a soluçar de novo agora, se desculpando com Corinne, pedindo perdão pelo que Victor fez. Tentou puxar Corinne para seus braços, mas o pensamento de ser tocada por qualquer pessoa agora, era demais para suportar.

Corinne recuou. Se sentia presa na sala, sufocando nos confins do Darkhaven que já não era sua casa e jamais seria novamente. As paredes pareciam pressionar dentro dela, o chão se movendo, fazendo seu estômago enjoar e sua cabeça girar.

Tinha que sair de lá.

Mason estendeu a mão para segurá-la quando deu um passo desajeitado para abrir as portas do estúdio. Ela se esquivou de seu alcance, evitando sua mão confortadora e olhos piedosos.

— Preciso de ar, — ela sussurrou, ofegante com o esforço para formar as palavras. — Eu não posso... Preciso... sair daqui.

E então estava correndo.

Através da entrada da grande casa e para fora pela entrada de automóveis. Em algum lugar próximo, ouviu a melodia brilhante da música de Natal, canções alegres saindo para a noite. Uma perda profunda se instalou dentro da alma de Corinne. Sugou o ar frio, puxando respirações rápidas dentro e fora de seus pulmões enquanto corria pelo passeio coberto de neve.

 

Corinne já estava no portão fechado na rua quando Hunter lançou Victor Bishop aos destroços de seus pecados e saiu do Darkhaven, pelo gramado congelado. Ela parecia muito pequena, frágil de alguma forma, apesar da força que mostrou dentro da casa. Agora que estava aqui fora, sozinha na escuridão, ele percebeu o quanto realmente estava ferida. Seu corpo estremecia, resistindo a uma dor que só podia adivinhar enquanto se agarrava ao ferro preto do portão, os ombros caídos, a cabeça baixa.

Chorava baixinho enquanto ele se aproximava. Sua respiração soprava em nuvens pálidas na escuridão. Os soluços ficaram quietos, mas pareciam vir de um lugar muito profundo dentro dela. Não sabia o que dizer quando se aproximou dela. Não tinha nenhuma palavra de conforto, não tinha nenhuma ideia do que ela podia querer ouvir.

Estendeu a mão, com a intenção de colocá-la em seu ombro trêmulo como viu os outros fazendo em momentos de aflição compartilhada. Inexplicavelmente, sentiu uma vontade de reconhecer sua dor. Ela parecia tão sozinha naquele momento, queria mostrar a ela que reconhecia que ela acabava de perder algo importante para ela na volta àquela casa: sua confiança.

Ela notou sua presença antes que ele tivesse chance de tocá-la.

Fungando, levantou a cabeça e olhou para ele acima do ombro.

— Você... fez qualquer coisa com ele?

Hunter deu um aceno lento de cabeça.

— Ele vive, embora não entenda por que acharia sua morte tão inaceitável.

As sobrancelhas finas se juntaram numa carranca.

— Ele me amou uma vez. Até alguns minutos atrás, era meu pai. Como pôde fazer isso comigo?

Hunter olhou em seus olhos ferozes, entendendo que não esperava respostas dele. Ela devia saber, como ele, que a covardia de Victor Bishop provou ser mais forte que seu vínculo com a criança que adotou e criou como sua filha.

Corinne olhou por ele, para a escuridão além de seu ombro.

— Como pode viver consigo mesmo todo esse tempo, sabendo o que fez, não só para mim, mas para o resto da família através das mentiras que disse? Como pode dormir depois de matar uma garota e usar sua morte como parte de seu engano?

— Ele não é merecedor da misericórdia que lhe deu esta noite, — Hunter respondeu, sem maldade na declaração, somente uma verdade triste. — Duvido que tivesse a mesma consideração.

— Não quero vê-lo morto, — ela sussurrou. — Não poderia fazer isso com minha mãe Regina. Ele terá que encontrar uma maneira de responder a ela, não a mim. E nem a você ou a Ordem.

Hunter grunhiu baixo em sua garganta, menos que convencido. A razão principal por Victor Bishop ainda estar respirando foi o apelo de sua filha traída. Hunter foi pego de surpresa quando ela pediu para poupar o homem. Não deveria ter feito. Era a visão que Mira previu, depois de tudo.

No entanto, não tão perfeitamente como ele lembrava. A situação parecia diferente. Corinne parecia diferente, implorando não com desespero apaixonado, como testemunhou na visão de Mira, mas com um cansaço derrotado.

E não apenas isso, Hunter refletiu. O resultado da visão era diferente do que a criança vidente mostrou a ele. Ele parou sua mão. O golpe foi alterado, o que nunca aconteceu antes.

Parecia mal, incorreto.

Parte dele estava sendo atraída de volta à residência Darkhaven mesmo enquanto estava lá. Foi treinado para nunca deixar pontas soltas que poderiam desvendar sobre ele mais tarde. Hunter testemunhou um homem quebrado, alguém que comprovadamente era maleável e fraco. Essas coisas poderiam ser manipuladas por alguém mais forte, já que esteve com Dragos por todos aqueles anos. Enquanto esta noite Victor Bishop parecia um adversário de pouca importância, apesar de sua riqueza e quaisquer conexões políticas restantes, o predador experiente em Hunter se contraia com a necessidade de terminar seu trabalho.

Conhecendo a pequena Mira e seu dom extraordinário, se perguntou como era possível que não desafiasse os apelos de Corinne e desse o golpe final.

Ele a viu tremer na sua frente quando uma rajada gelada soprou o protegido portão de ferro.

— Preciso sair daqui, — ela murmurou, girando em direção às barras altas. — Não pertenço a este lugar. Não mais.

Ela agarrou o portão com ambas as mãos e o sacudiu, cada vez mais duro, um grito sem palavras irrompendo dentro de sua garganta. Ela jogou a cabeça para trás e protestou para as estrela no céu negro.

— Me deixe sair, maldição! Preciso sair deste lugar agora mesmo!

Hunter se moveu atrás dela e colocou as mãos em cima das dela. Ela se acalmou, cada músculo dentro dela tenso e imóvel. Mesmo que estivesse tremendo, seu corpo estava quente contra seu peito. O calor era uma coisa viva, uma presença quase insuportável que fazia todos os seus sentidos incendiarem como circuitos despertados.

Corinne deve ter sentido isso também. Puxou as mãos debaixo das dele e cruzou os braços na frente dela. Ele percebeu agora o quanto estavam perto, apenas um centímetro separando a coluna de seu peito e tronco, seu pequeno corpo preso na frente dele, na gaiola dos seus braços.

Era tão pequena e delicada, mas ainda assim havia uma energia desafiadora que irradiava ao seu redor. Ele a puxou mais perto, a seduziu a respirar, retornando o toque para suas incrivelmente suaves mãozinhas, testando o calor do sedoso cabelo longo e escuro contra seu rosto mal barbeado.

Não estava acostumado a reconhecer a tentação, muito menos ceder a ela. E ainda assim se manteve num momento desconcertante, ignorando a súbita aceleração de seu pulso e o calor que ardia em suas veias.

Quando ela se retirou e se esquivou, Hunter sentiu um rápido alívio. Ar frio encheu o espaço entre seus braços. Corinne ficou ao seu lado quando se moveu para mais perto da barra do portão de ferro e a puxou o suficiente para eles escaparem.

Alarmes imediatamente saíram de volta para a casa. Holofotes piscaram, derramando iluminação ao longo da entrada do Darkhaven e das paredes do perímetro.

Corinne olhou para ele sob a luz amarela pálida de segurança.

— Me tira daqui. Não me importo para onde vamos, apenas que seja longe deste lugar, Hunter.

Deu-lhe um aceno triste, então fez um gesto para ela segui-lo até o carro que deixou estacionado na rua quando voltou para enfrentar Bishop. Correram juntos, Corinne saltando para o banco do passageiro enquanto Hunter dava a volta para pegar no volante.

Ele partiu, tomando nota do fato que ela não olhou para trás sequer uma vez enquanto deixavam o Darkhaven atrás deles na escuridão. Ela se sentou rígida no assento ao lado dele, seu olhar distante, olhando o para-brisa, mas focada em absolutamente nada.

Rodaram em silêncio por mais de 20 minutos, até que chegaram numa zona calma da cidade e encontraram um lugar para encostar.

— Devo informar o complexo, — disse ele, recuperando o celular do bolso de seu casaco de couro.

Corinne mal o ouviu, os olhos vagos ainda fixos no horizonte distante.

Hunter ligou, esperando ouvir a saudação típica de Gideon.

— Fale comigo. — Em vez disso, foi Lucan que respondeu. — Onde está?

— Atraso em Detroit, — respondeu Hunter, detectando uma nota de urgência e impaciência tensa no líder da Ordem. — Alguma coisa está errada — ele adivinhou em voz alta. — Houve movimentos relativos a Dragos?

Lucan murmurou uma maldição escura.

— Sim, poderia dizer isso. Acabamos de descobrir que ele sabe a localização do complexo. Assumimos que ele sabe. Algumas horas atrás, Kellan Archer vomitou um dispositivo de rastreamento. Gideon o está analisando enquanto falamos.

— O sequestro foi uma manobra, — disse Hunter, juntando os pedaços. Fazia sentido lógico agora, o ataque não provocado sobre os civis que teve lugar ao longo da última semana. Para Dragos garantir que a Ordem fosse simpática com o rapaz, matou sua família e arrasou seu Darkhaven. O jovem precisava ser isolado, deixando pouca escolha para a Ordem além de tomá-lo sob sua proteção.

— Nós entramos direto nela, — Lucan comentou firme. — Tomei a decisão de romper com o protocolo e trazer o menino para o complexo. Inferno, poderia muito bem ter aberto a maldita porta para Dragos e o convidado para entrar.

Hunter nunca ouviu falar que Lucan se arrependesse. Se o velho Gen Um já teve dúvidas, não as mostrou a Hunter antes de agora. O que só enfatizava a gravidade da situação.

— Sei como funciona Dragos, — disse Hunter. — Vi a maneira como pensa, como faz suas estratégias. O jovem Archer está no complexo por mais de um par de dias.

— Setenta e duas horas, — interrompeu Lucan.

Hunter sentiu o olhar de Corinne sobre ele com a menção do nome de Dragos. Ela escutava em silêncio agora, seu belo rosto ferido, banhado pela luz esverdeada do painel do sedan em marcha lenta. Hunter podia sentir seu medo como um arrepio quando continuou falando com Lucan.

— Dragos saberia que o dispositivo não poderia passar despercebido por muito tempo. Já começou a organizar um ataque, mesmo antes de colocar sua astúcia em movimento. Quando atacar, virá ao complexo de uma forma que garantirá o maior dano à Ordem.

— Está em busca de sangue, — respondeu Lucan. — O meu sangue.

— Sim. — Hunter sabia, por seu tempo servindo Dragos, que estava tão obcecado pelo poder, que essa batalha entre ele e a Ordem se transformou em algo pessoal. Dragos procuraria aniquilar o obstáculo no caminho de seus objetivos, mas sua raiva o obrigaria a fazê-lo de uma forma que infligiria a dor mais profunda sobre Lucan Thorne e aqueles sob seu comando.

O complexo de Boston não era seguro para ninguém agora, mas não havia necessidade de Hunter dizer. Lucan sabia. Sua voz sóbria reverberava com a gravidade da situação, mas seu pesado silêncio era ainda mais revelador.

— Houve complicações com minha missão em Detroit, — Hunter disse a ele, um relatório que foi respondido com uma maldição profunda, madura. Deu a Lucan um resumo do que aconteceu no Darkhaven com Corinne e sua família, desde a suspeita que teve que Victor Bishop estava escondendo alguma coisa, até a revelação que deixou o futuro de Corinne no limbo, mas que rendeu à Ordem o que poderia ser um antigo líder e associado de Dragos.

— Henry Vachon, — disse Lucan, testando o nome que Regina Bishop lhes deu. — Não o conheço, mas tenho certeza que Gideon pode acompanhar o filho da puta. Tenho certeza que não preciso dizer o quanto é importante para nós explorar qualquer vantagem sobre Dragos que pudermos.

— Claro, — Hunter concordou.

— Vou colocar Gideon fazendo uma pesquisa no IID de Vachon e volto a você com o que encontrarmos. Devo ter informação dentro da hora, — disse Lucas. — E sobre Corinne? Ainda está com você?

— Sim, — Hunter respondeu, olhando para ela enquanto falava. — Está comigo no carro agora.

Lucan grunhiu.

— Bom. Quero que a mantenha por perto. Enquanto estamos no caos aqui no complexo, não é uma boa ideia qualquer um de vocês voltar agora.

Hunter fez uma careta, ainda olhando para o rosto interrogativo de Corinne.

— Está colocando a mulher sob minha custódia?

— Por enquanto não posso pensar em qualquer outro lugar mais seguro para ela ficar.

 

Apesar da má notícia que se abateu sobre a Ordem mais cedo naquela noite, Lucan não cancelou qualquer das patrulhas atribuídas. Se qualquer coisa, o clima em torno do complexo foi reforçado mais um grau.

Ou vinte.

Para Dante, parecia que o relógio de contagem regressiva de uma bomba-relógio foi ativado no instante em que Kellan Archer vomitou o dispositivo de rastreamento de Dragos. Todos entenderam o que isso significava, e a antecipação de problemas no horizonte que os atingiria a qualquer momento não deixou ninguém incólume.

Mas medo e inércia não parariam a tempestade que se aproximava. Tinham que ficar mais agressivos, sondar todos os cantos, cada pedra, se isso significasse deixá-los até um centímetro mais perto de pôr suas mãos sobre Dragos. Devia ser localizado, e devia ser parado, agora mais que nunca.

Essa razão, e a fúria que seguiu em sua esteira, foi a única coisa que deu a Dante a força para deixar o lado de Tess e sair em patrulha com Kade naquela noite.

Seu coração estava no complexo, mas sua cabeça estava completamente no jogo, procurando nos lugares mais remotos pelo agente que escapou, Murdock, ou pela presença dos assassinos de Dragos na cidade... qualquer coisa.

E por toda a noite, parte dele se manteve atento a outro cara também.

— Espere aí, — disse a Kade, que acabava de levar o Rover[7] por um trecho de estrada de terra pela Mystic em Southie. — Viu aquele cara ali?

Kade retardou o SUV preto e olhou na direção que Dante apontava.

— Não vejo ninguém, exceto um par de prostitutas passadas que gostam de saltos Lucite[8] e roupas Forever Twenty-One[9]. Clássicas.

Dante não era capaz de compartilhar o humor do outro guerreiro mesmo que tivesse um ponto válido sobre as prostitutas se arrastando no canto, no outro extremo da quadra.

— Acho que poderia ser Harvard, — disse ele, quase certo de que a grande figura sombreada que desapareceu do outro lado de um velho armazém de tijolos era Raça. E pela forma como o homem se movia, a forma como se portava, mesmo quando escapuliu na escuridão da surrada quadra industrial, Dante estava mais que disposto a apostar que era Sterling Chase. — Pare o carro.

— Mesmo que fosse Harvard, não acho que isso é uma boa ideia, cara.

— Foda-se o que pensa, — retrucou Dante, a preocupação com seu amigo AWOL superando todo o resto. — Encoste, Kade. Vou sair.

Não esperou o veículo parar. Saltou fora e começou a correr em direção ao lugar em que viu o vampiro. Kade estava bem atrás dele, xingando baixo sob seu fôlego, mas preparado para cobrir suas costas, independentemente.

Eles viraram na beira do armazém de tijolo e se encontraram olhando para um pátio ferroviário de baixa renda à frente. Uma linha de vagões órfãos estava num conjunto de trilhos, ao lado de um enferrujado carro grafitado, aberto apenas o suficiente para que alguém passasse se espremendo. Um grupo de humanos estava por perto, reunidos em torno de um tambor de metal que brilhava e queimava lixo dentro dele. Aqueciam as mãos sobre o recipiente, passando um pequeno cachimbo de crack de um para o outro.

Os viciados mal olharam para cima quando Dante e Kade passaram por eles. Seus rostos estavam vazios, fantasmagóricos. Fediam a narcóticos, bebidas e roupa apodrecida. Seu cabelo era sujo, os corpos fedendo pela falta de banho. Os olhos vidrados sem foco, suas mentes estilhaçadas, perdidas no alcance sedutor de seus vícios.

— Jesus Cristo, — Kade sibilou, enojado. — Se Chase se rebaixou a ficar aqui nesta merda, deve estar mesmo fodido.

Incapaz de negar a verdade nessa declaração, Dante sentiu sua mandíbula apertar ao ponto de dor. Chase estava fodido. Soube tão logo ouviu o que aconteceu na capela com Elise. O fato que pulou para fora da Ordem foi apenas outro prego no seu próprio caixão.

Mas Dante não estava pronto para desistir dele.

Tinha que acreditar que Harvard não se perdeu completamente. Talvez se pudesse encontrá-lo, dar algum sentido a ele. Dar-lhe um toque sobre a merda que se abateu no complexo algumas horas atrás e o deixar saber que era necessário.

E se todas essas opções falhassem, Dante estava pronto e disposto a chutar o traseiro autodestrutivo de Harvard de agora até a próxima semana.

— Foi por aqui, — disse Dante. — Tem que estar aqui em algum lugar.

Kade ergueu o queixo, apontando para o vagão aberto. Dante acenou com a cabeça. Era o único lugar que Chase poderia estar escondido, apesar de Dante saber muito bem, como qualquer outra pessoa na Ordem, que se Chase não quisesse ser encontrado, seu talento de dobrar as sombras seria uma cobertura eficaz, não importa onde estivesse.

Juntos, ele e Kade se aproximaram do carro. Dante caminhou até o fosso de trevas que derramava na grande caixa de metal. O cheiro fétido de mais humanos abandonados flutuava para fora quando se ergueu acima e deu uma olhada rápida em todo o pessimismo do lugar. Sua visão era impecável no escuro, como a de todos da sua espécie. Não viu nenhum sinal de Chase entre os homens e mulheres dormindo, nem no pequeno número amontoado sob um cobertor compartilhado, olhando para ele com olhares vagos.

Chase não estava lá, nem mesmo nos confins das sombras.

— Harvard, — disse ele, tentando alcançá-lo de qualquer maneira. Talvez se ouvisse uma voz familiar...

Nada além de silêncio.

Esperou por um momento, uma parte dele triste pelas vidas desperdiçadas que se espalhavam pelo interior do vagão sujo e suas sagacidades além de fumar sobre o barril queimando lixo. Eram estranhos, humanos, nascidos para viver e morrer no espaço de menos de um século. Mas em suas perdidas expressões sem esperança, viu seu amigo Sterling Chase.

Era isso o que estaria à frente de Harvard se ninguém parasse sua espiral descendente? Não queria ir por aí, não queria imaginar que Harvard poderia estar numa guerra com seus próprios demônios. Não queria acreditar que Tegan e Lucan poderiam estar certos e que Chase podia estar caindo num vício de sangue. Não havia pior destino para um Raça que sucumbir à Sede de Sangue e virar um Renegado.

E uma vez perdido, não havia praticamente nenhuma esperança de voltar à sanidade.

— Maldito, — ele soltou entre os dentes cerrados.

Caiu do vagão para o chão congelado perto dos trilhos. Quando aterrissou, sentiu a batida de seu celular no bolso do casaco.

Ele o puxou e bateu na marcação rápida antes que pudesse cuspir uma explicação para Kade.

— Seu celular — disse ele, ao ouvir o primeiro toque começar do outro lado da linha. — Se Harvard fugiu dessa maneira, então talvez tenha seu celular.

As palavras cortaram quando um trinado suave soou a várias dezenas de metros de distância.

Os olhos prateados de Kade brilharam sob suas erguidas sobrancelhas negras.

— Te pegamos, Harvard.

Eles partiram numa corrida de morte, ambos sapateando através do pátio ferroviário em direção ao toque abafado à frente.

Dante não queria ter esperança, um frio de medo avisando que mesmo que achasse Harvard, poderia não gostar do que o esperava do outro lado da linha. Temperado com a expectativa, liderou Kade longe dos trilhos e entre um par de edifícios parecendo armazéns. Teve que desligar abruptamente, praguejando quando o telefone foi para a caixa postal. Discou novamente e o toque soou ainda mais perto.

Santo inferno, estavam praticamente em cima dele agora.

Não havia ninguém ao redor. Nem uma alma, nem mesmo os humanos.

Ele e Kade correram mais longe, mais rápido, até que o toque do telefone de Chase tocava em estéreo contra seu ouvido e de algum lugar muito perto.

— Por aqui, — disse Kade, caindo numa pilha de lona congelada e rejeitos plásticos. Cavou na pilha, jogando a merda para toda parte enquanto se enterrava em direção ao fundo.

Quando abrandou, e emitiu uma maldição, Dante soube que atingiu um beco sem saída.

Kade levantou o celular, com o rosto marcado pela decepção, mas não surpresa.

— Ele nos abandonou, cara. Estava aqui, como disse. Mas não queria ser encontrado.

— Harvard! — Dante gritou, mais chateado que qualquer outra coisa naquele momento. A preocupação torcia seu intestino, o coração martelando no peito. Enviou sua raiva em todas as direções em volta dele, girando para fazer a varredura da área, fútil ou não. — Chase, porra, sei que está aqui. Diga algo!

Kade desligou a campainha e deslizou o telefone no bolso.

— Vamos, vamos sair daqui. Harvard se foi.

Dante acenou com a cabeça em silêncio. Ontem à noite, Sterling Chase saiu da Ordem depois de inúmeras cagadas e desculpas. Agora abandonou o amigo mais próximo que tinha entre os guerreiros. Estava virando as costas para todos os seus irmãos, e com base no que aconteceu aqui esta noite, Dante teve que admitir que Chase estava fazendo isso deliberadamente.

O Harvard que conhecia nunca faria isto.

Kade estava certo.

Harvard se foi, provavelmente para sempre.

 

Hunter não falou duas palavras a ela no tempo entre sua chamada para a Ordem e a volta ao aeroporto nos arredores de Detroit. Não que Corinne estivesse procurando conversa. Sua cabeça ainda estava se recuperando do que ocorreu no Darkhaven, o coração ainda cru, aberto como um corte no centro de seu ser.

Ela foi para casa procurar sua família e descobriu a traição em seu lugar. Ainda mais doloroso, suas esperanças do poder de Victor Bishop e seus recursos para encontrar seu filho perdido estavam agora acabadas.

Em quem devia confiar agora, quando a única família que já conheceu, conscientemente a abandonou a um monstro?

O desespero entupia sua garganta enquanto estava na cabine escura do veículo, olhando sem ver a paisagem, o cenário iluminado pelo luar enquanto Hunter navegava pelo labirinto de estradas para acessar o aeroporto privado, indo em direção a um complexo de hangares ao lado do terminal público e das pistas.

Corinne não conseguia parar de pensar em seu filho, o precioso bebê que Dragos roubou de seus braços momentos depois que ela deu à luz. Seria um menino crescido agora, um adolescente que nunca conheceu sua mãe.

Indefesa como prisioneira de Dragos, ela não tinha calendários, relógios, nem mesmo os confortos mais escassos. Contava os anos de seu filho da única maneira que podia: em períodos de nove meses, marcados pelo tempo observando as gestações de outras Companheira de Raças cativas. Treze ciclos de nascimento desde o momento que teve seu bebê recém-nascido até o dia de seu resgate, na semana passada.

Apesar das circunstâncias de sua concepção horrível, Corinne amava profundamente seu bebê desde o instante em que o viu. Era dela, uma parte vital de quem era, não importa quão barbaramente veio a este mundo. Ela se lembrou da angústia da falta dele. Sentia ainda a tristeza de saber, em seus ossos, que estava vivo, mas incerta de onde foi levado ou o que aconteceu com ele.

É isso a roía até agora. Resistiu à sensação fresca de lamento quando Hunter estacionou dentro de um hangar sem marca, onde o elegante jato branco privado esperava. Ele pegou seu celular e fez uma chamada. Sua voz profunda e baixa parecia nada mais que o ruído de fundo — um trovão profundo, mas estranhamente reconfortante. Apenas o som dele falando, forte e calmo, uma presença confiante, tão facilmente no controle de tudo ao seu redor, de alguma forma fez as grandes ondas das suas memórias parecerem mais navegáveis.

Ela a ancorava, quando as ondas de memórias dolorosas de seu fracasso para manter seu bebê perto — e seguro — continuavam a afundá-la.

Se hoje à noite, a reunião desastrosa, serviu para alguma coisa, foi para aumentar a determinação que se tornou de ferro, agora que entendia como o abandono brutal podia ser. Não abandonaria seu filho. Andaria através do fogo do inferno para encontrá-lo. Nem mesmo Dragos e seu mal a impediriam de se juntar com seu filho. Não deixaria nada nem ninguém atrapalhar seu caminho.

Hunter estava terminando sua breve conversa por telefone, ela notou. Desligou o celular, em seguida, enfiou de volta o pequeno dispositivo no bolso do casaco.

Ela olhou por cima e seus olhos se encontraram no interior pouco iluminado do carro.

— Está tudo bem com seus amigos em Boston?

Embora ele não falasse sobre sua primeira chamada para o complexo da Ordem naquela noite, Corinne ouviu o suficiente do fim da conversa para saber que algo ruim aconteceu enquanto Hunter estava com ela. Ouviu o nome de Dragos e a menção de um jovem rapaz do Darkhaven cuja família e lar foram recentemente perdidos para a violência de Dragos. Do pouco que entendeu, e pela indescritível, quase proibitiva expressão de Hunter agora, parecia bastante claro que Dragos, de alguma forma, conseguiu ganhar essa mão.

— Estão em terrível perigo, Hunter?

— Estamos no meio da guerra, — ele respondeu, sua voz irritantemente calma soando mais sombria que apática. — Até Dragos estar morto, todo mundo está em perigo terrível.

Não estava falando somente sobre os moradores do complexo da Ordem. Nem mesmo dos guerreiros da Nação e Raça combinados. A guerra a que Hunter se referia abrangia algo muito maior do que isso. Ele estava falando de ameaça Dragos para o mundo no total.

Se mais alguém dissesse tal coisa, ela poderia ter classificado de dramático. Mas este era Hunter. Exagerar não era parte de seu léxico pessoal. Era efetivo e conciso. Era exato com suas palavras e seus feitos, o que só fazia o peso de sua declaração se instalar mais pesadamente sobre ela.

Corinne se acomodou, incapaz de segurar seu olhar de ouro penetrante. Ela girou a cabeça e olhou para fora pela janela do lado do passageiro, observando a lateral do pequeno jato aberto para permitir que as escadas se dobrassem e descessem para o piso de concreto do hangar.

— Está me mandando de volta para Boston?

— Não. — Hunter desligou o motor do carro. — Não estou te enviando para qualquer lugar. Vai ficar comigo por enquanto. Lucan me deixou como seu guarda temporário.

Ela olhou longe do avião à espera e arriscou outro olhar para seu companheiro distante. Queria argumentar que não precisava da guarda de ninguém, não quando mal teve o gosto da liberdade, amarga como foi até agora. Mas seu anúncio levantou uma grande questão.

— Se não estamos indo para Boston, então para onde o avião está indo?

— New Orleans, — ele respondeu. — Gideon foi capaz de comprovar a lembrança de Regina Bishop de Henry Vachon. É dono de várias propriedades na área de New Orleans e presumimos que mora lá. A partir deste momento, Vachon é nosso elo mais viável para Dragos.

O coração de Corinne bateu duro em seu peito. Henry Vachon era a melhor ligação da Ordem com Dragos... o que significava que seria seu melhor vínculo com Dragos. Talvez a única ligação que teria para descobrir o que aconteceu com seu filho.

Tanto quanto queria rejeitar a ideia de estar amarrada a Hunter ou a qualquer outra pessoa, uma parte maior sua entendia que tinha poucas opções e ainda menos recursos à sua disposição. Se engatar seu vagão em Hunter, a deixaria mais perto de Henry Vachon e qualquer informação sobre seu filho, ela o faria.

— O que vai fazer, — ela perguntou — se for capaz de encontrar Vachon?

— Minha missão é simples: determinar sua conexão com Dragos e extrair qualquer informação útil que possa. Em seguida, neutralizar o alvo para desabilitar qualquer precipitação potencial futura.

— Quer dizer que tem intenção de matá-lo, — disse Corinne, não uma pergunta, mas uma compreensão sombria.

Os olhos severos de Hunter não mostravam qualquer vacilo.

— Se eu determinar que Vachon tem de fato uma aliança com Dragos — passada ou presente, deve ser eliminado.

Ela se sentiu balançando levemente, mas por dentro não sabia o que pensar. Não podia sentir piedade por Henry Vachon se tinha algo a ver com seu calvário, mas outra parte dela se perguntava como o trabalho brutal de Hunter devia impactar a quem lidava com tanta frequência com a morte.

— Será que nunca te incomodam, as coisas que precisa fazer? — Ela fez a pergunta antes que pudesse decidir se era da conta dela perguntar ou não. Antes que tivesse tempo de se preocupar se queria ou não saber a resposta. — Será que a vida realmente significa tão pouco para você?

O duro rosto bonito de Hunter não vacilou. Os ângulos das maçãs altas e o corte quadrado da mandíbula estavam rígidos, implacáveis como afiado aço. Só sua boca parecia macia, os lábios cheios, nenhuma carranca, nenhum sorriso, apenas plácida neutralidade, enlouquecedora.

Mas eram seus olhos que a mantinham paralisada. Sob a coroa de cabelos loiros tosquiados, seus olhos eram penetrantes, sondavam. Tão nitidamente como se dava dentro dela, no entanto, pareciam ainda mais determinados a não revelar nada de si mesmo, não importa o quão profundamente ela procurasse.

— Lido com a morte, — ele respondeu então, nenhuma desculpa ou pretexto. — É um papel para o qual nasci, que fui treinado para fazer muito bem.

— E nunca duvidou? — Ela não podia evitar pressionar, a necessidade de saber. Querer compreender este macho Raça formidável que parecia tão solitário e sozinho. — Nunca se pergunta o que faz, nem uma vez?

Algo escuro brilhou em seu rosto naquele instante. Houve um lampejo de evasão em seus olhos, pensou ela. Breve, mas impossível de esquecer, e acabou um segundo mais tarde quando desceu seus cílios enquanto pegava as chaves do carro e as jogava no console central do veículo.

— Não, — ele respondeu finalmente. — Não questiono nada que meus deveres me obrigam a fazer. Nunca.

Ele abriu a porta do motorista e começou a sair do veículo.

— O avião está pronto para nós. Temos de ir agora, enquanto a noite ainda está do nosso lado.

 

— Eles estão a caminho de Nova Orleans agora.

Lucan olhou para cima quando Gideon terminou sua chamada com Hunter e voltou para a mesa de conferência do laboratório de tecnologia onde Tegan e ele estavam, debruçados sobre um conjunto de projetos desenrolados.

— Sem mais perguntas sobre Corinne Bishop ou seus parentes em Detroit?

— Hunter não parece estar em questão, — respondeu Gideon. — Disse que tinha a situação sob controle.

Lucan grunhiu, irônico, apesar do peso da discussão anteriormente em curso.

— Onde já ouvi essa frase antes? Famosas últimas palavras de mais de um de nós ao longo do último ano e meio.

— Sim. — Gideon levantou uma sobrancelha acima da sua armação em tons de pálido azul. — Normalmente, seguida não muito tempo depois por uma chamada do campo, que a situação assim sob o controle, de repente está totalmente FUBAR[10].

O próprio Lucan não estava acima da culpa a esse respeito, nem Tegan ou Gideon, nesse assunto. Ainda assim, era de Hunter que estavam falando.

Tegan pareceu pegar sua linha de pensamento.

— Se eu não visse esse macho voltar sangrando, em algumas ocasiões, de suas missões mais desagradáveis, diria que era feito de aço e cabos, não músculos e ossos. É uma máquina. Fazer cagadas não está em seu DNA. Não haverá nenhuma surpresa de Hunter.

— É melhor que não, — respondeu Lucan. — Com certeza temos as mãos cheias o suficiente como já está.

Com isso, os três voltaram a atenção para os planos que Lucan espalhou sobre a mesa. As plantas eram algo que vinha trabalhando em particular nos últimos poucos meses, logo depois que começou a perceber o quanto o complexo estava se tornando vulnerável com Dragos perseguindo a Ordem.

Era o projeto para uma sede totalmente nova.

Já havia adquirido a terra — cerca de 200 hectares em Green Mountains, Vermont e os planos estavam quase completos para um abrigo subterrâneo de alta segurança, com técnicas e métodos mais avançados, que poderiam abrigar uma pequena cidade nas suas muitas câmaras subterrâneas e instalações especialmente concebidas. Era imenso, incrível, exatamente o tipo de lugar que a Ordem precisava agora que Dragos sabia a localização do complexo.

O único problema era que o tamanho e o escopo demorariam facilmente um ano ou mais para serem alcançados.

Precisavam de alguma coisa hoje, não no futuro.

— Talvez a gente deva pensar sobre separação, — Gideon sugeriu depois de um tempo. — Nenhum de nós está sem dinheiro ou sem propriedades próprias. Quer dizer, nenhuma das nossas propriedades é tão segura como este complexo, tão segura como aqui. Mas não estamos sem opções. Talvez a coisa mais inteligente, e mais rápida, seria cada um de nós levar nossa companheira e nos mudarmos para outros locais.

Os olhos verdes de Tegan brilharam escuros quando deslizou um olhar sepulcral para Lucan. Não havia necessidade de perguntar o que o outro guerreiro Gen Um estava pensando. Lucan e ele, embora historicamente nem sempre nos melhores termos, eram os últimos dos membros fundadores da Ordem. Por cerca de sete séculos — desde que a Ordem foi fundada — lutaram lado a lado, viveram inúmeros infernos pessoais e triunfos. Mataram um para o outro, sangraram pelo outro... às vezes até choraram pelo outro. Apenas para chegar neste lugar juntos.

Juntos, não divididos.

Lucan via uma ferocidade primitiva e medieval no olhar de Tegan agora. Entendia isso. Sentia isso também.

— A Ordem não se divide, — respondeu Lucan, conciso com a fúria pelo que Dragos estava forçando-os a considerar. — Somos guerreiros. Irmãos. Parentes. Não vamos deixar ninguém nos dispersar em terror.

Gideon assentiu com a cabeça, solene e silencioso.

— Sim, — ele disse, encontrando seus olhares. — Me fodi, certo? Ideia de merda total. Não sei o que diabos estava pensando.

Eles compartilharam uma risada tensa, todos conscientes que o resto do complexo confiava que decidissem o destino de todos. E suas malditas escolhas eram poucas. Dragos os tinha presos como peixes num aquário agora, e a qualquer momento podia começar a atirar.

— Reichen e Claire têm propriedades na Europa, — Gideon apontou. — Quero dizer, não que seria ideal termos que desocupar o complexo aqui e nos realocarmos no exterior, muito menos a qualquer momento.

Lucan considerou a opção.

— E sobre o laboratório de tecnologia? Não podemos nos dar ao luxo de impedir o ataque de Dragos, mesmo se sairmos daqui. Com que rapidez seria capaz de montar outro em outro local?

— Não seria totalmente perfeito, — respondeu Gideon. — Mas tudo é possível.

— E sobre Tess? — A pergunta de Tegan caiu sobre eles como um martelo. — Realmente acha que ela aguenta o tipo de movimento que estamos falando? Nesse assunto, acha que Dante está disposto a correr esse risco?

Tegan balançou a cabeça, e Lucan sabia que estava certo. Não podiam pedir a Tess e Dante que comprometessem sua saúde e bem-estar, ou a de seu filho prestes a nascer, num esforço de realocação daquela magnitude.

Para não mencionar o fato que Lucan tinha suas dúvidas sobre a viabilidade da criação da nova sede da Ordem tão longe da presumida base de operações de Dragos. Seria um inferno muito mais fácil manter a pressão sobre o bastardo de perto.

Enquanto Lucan lidava com as impossibilidades da situação, pegou um movimento em sua visão periférica e notou Lazaro Archer passando pelas paredes de vidro do laboratório. O civil Gen Um parou na porta e levantou a mão num gesto de permissão.

Lucan olhou para Gideon.

— Deixe-o entrar.

Gideon se inclinou para sua estação de trabalho e apertou um botão, liberando as portas do laboratório de tecnologia com um som macio.

Lazaro Archer entrou, formidáveis 2 metros, sua primeira geração de genes dando-lhe a aparência de um guerreiro, embora vivesse suas muitas centenas de anos à distância do combate e derramamento de sangue.

Até Dragos pôr seus olhos na família de Archer.

— Como está Kellan? — Lucan perguntou, vendo o stress de tudo que aconteceu nos olhos do ancião sombrio da Raça.

— Está ficando melhor a cada hora, — Archer respondeu. — Era o dispositivo que o deixava tão mal, aparentemente. É um garoto forte. Passará por meio de tudo isto, não tenho dúvidas.

Lucan deu-lhe um aceno lento.

— Fico feliz por vocês dois, Lazaro. Lamento que sua família foi pega no meio da guerra da Ordem com Dragos. Não pediu por isso. Com certeza não merecia tudo que passou.

Os olhos escuros de Archer estavam um pouco mais agudos quando caminhou até a mesa para se juntar aos guerreiros. Seu olhar caiu brevemente sobre os planos abertos antes de voltar a olhar para Lucan. — Se lembra o que eu disse, naquela noite, depois que meu Darkhaven foi reduzido a cinzas e escombros, e meu único filho, Christophe, morto a tiros do meu lado no veículo onde esperamos pelo resgate de Kellan? Eu te fiz uma promessa.

Lucan lembrava.

— Me disse que queria ajudar a destruir Dragos. Ofereceu seus recursos para nós.

— Isso mesmo, — Archer respondeu. — Tudo o que precisar, é seu. A Ordem tem minha lealdade extrema e respeito, Lucan. Muito mais agora, depois do que aconteceu hoje com Kellan. Meu Deus, quando penso que todos estão em maior risco, simplesmente por virem em nosso auxílio.

— Não, — Lucan o interrompeu. — Não há culpa aqui. Não sua ou do menino. Dragos usou você. Vai pagar por tudo que fez.

— Quero ajudar, — Archer disse novamente. — Ouvi de algumas das mulheres que você estava aqui discutindo planos para mudar o complexo.

O olhar de Lucan viajou de Tegan e Gideon de volta para Archer.

— Tínhamos esperança, mas pode não ser viável neste momento.

— Por que não?

Lucan fez um gesto para as plantas.

— Temos planos em andamento, mas não podem ser implementados a tempo de fazer uma diferença real. Nossa única opção é mudar nossas operações ao exterior, mas com Dragos concentrando seus esforços aqui na Nova Inglaterra, tanto quanto podemos determinar, nos afastar alguns milhares de quilômetros de distância não é exatamente nossa melhor escolha.

— E sobre o Maine?

Lucan franziu o cenho.

— Temos um punhado de hectares aqui e ali, mas nada que pudesse funcionar como base viável para o complexo inteiro, temporário ou não.

— Você não tem, — Archer respondeu lentamente. — Mas eu, por outro lado, tenho realmente este lugar.

 

Chase se levantou devagar, um cheiro adocicado de fumaça subindo por suas narinas e o puxando da escuridão de um sono denso e pesado.

Seus olhos se recusavam a abrir. Seu corpo estava lento, os membros frouxos, parecendo chumbo, onde estava deitado de bruços sobre a superfície fria e dura que aparentemente era sua cama. Gemia pela garganta seca, parecendo ter algodão em sua boca. Com esforço, conseguiu levantar uma pálpebra e perscrutar seu entorno fétido.

Estava num vagão velho. Enferrujado em alguns lugares, pequenos orifícios através do metal comido que agora emitiam a cegante luz branca do lado de fora.

Luz do dia.

Brilhava em raios acima de sua cabeça, onde o teto era pouco mais que delicadas rendas, algumas delas a esmo remendadas com pedaços de madeira e plástico. Não o suficiente para cobri-lo. Um feixe brilhante de luz solar estava voltado diretamente para as costas de sua mão nua. Tinha uma queimadura feia em sua pele — parte do fedor que o acordou.

— Santa foda. — Chase se ergueu e se agachou num canto sombreado.

Foi quando viu a outra fonte de odor fétido do vagão. Um macho humano morto estava nas proximidades de onde dormia. O casaco com capuz verde do exército foi arrancado de seus ombros, seu rosto se contorcia em horror, de um branco medonho. Sua garganta estava perfurada e rasgada em vários lugares. — Atacado — parecia a melhor maneira de descrever a evidência grotesca da alimentação frenética de Chase.

Lembrou de sua sede rasgante. Lembrou de deslizar no interior do abrigo ocupado do vagão, fazendo os viciados sem-teto gritar quando viram seus olhos brilhantes e dentes arreganhados. Quando os humanos fugiram de seu abrigo improvisado, agarrou o mais lento do grupo, a presa mais fácil de seu rebanho.

O homem grande foi derrubado lutando, mas não tinha qualquer chance. Nada poderia parar a necessidade selvagem que rodava em espirais tão escuras e profundas dentro de Chase quando jogou o humano no chão imundo do vagão e se alimentou.

Ele o drenou.

Matou.

A vergonha envolveu Chase enquanto olhava para o que fez. Cruzou uma linha aqui, quebrou um princípio imutável da lei Raça. Jogou fora seu próprio senso de honra, a única coisa a que se agarrava tão firmemente por todos os seus anos de vida.

E havia a questão da Ordem. Ele desperdiçou sua confiança. Ontem à noite, quando Dante e Kade o viram, foram atrás dele preocupados, se encolheu nas sombras do pátio ferroviário como um verme. Sabiam que estava lá, usando seu talento para se esconder, ignorando deliberadamente suas chamadas. Se tinham alguma fé nele, a rompeu em pedaços, se recusando a enfrentá-los.

Doeu ignorá-los, Dante especialmente, mas machucaria ainda mais deixar qualquer um de seus companheiros guerreiros vê-lo no estado em que estava. Esteve caçando a noite toda, já tinha se alimentado uma vez, mas não era o suficiente para saciar. A Sede o levou para dentro da miserável área industrial perto do rio, onde prostitutas e viciados, como ele, tendiam a se agrupar. Sua sede não conhecia nenhuma vergonha ou desejo, só a necessidade.

Chase ainda ansiava, apesar de ter bebido mais do que precisava apenas algumas horas atrás.

Olhou para o homem morto, ofendido pela visão e pelo cheiro dele. Precisava sair de lá. Com uma dor fresca e a necessidade florescendo em suas entranhas, Chase despojou o cadáver de seu casaco, em seguida, tirou a camisa cinza urze e as calças jeans. Suas próprias roupas, o uniforme preto que usava quando deixou o complexo da Ordem na noite anterior, estavam encharcadas de sangue e revoltantes por sua alimentação descuidada. Ele as tirou, em seguida, colocou a roupa do humano. O jeans e a camisa eram pequenos para o tipo de Chase, e provavelmente não foram limpas desde que seu antigo proprietário as pegou no Boa Vontade.

Chase não se importava, contanto que não aparentasse como se tivesse assassinado alguém. Levando seu uniforme em ruínas numa mão, caminhou até a porta parcialmente entreaberta do vagão. Ele a empurrou mais aberta e olhou para fora numa visão que poucos de sua espécie voluntariamente testemunhavam.

A luz do sol incidia de um céu azul brilhante no meio da manhã. Iluminava o chão, brilhando ao longo da neve suja e lama congelada do pátio ferroviário. Apesar da feiura de seu entorno, havia uma beleza em vislumbrar o momento em que a primeira luz do dia, num novo amanhecer, desafiava a miséria ao seu redor.

Ele também desafiava a urgência de sua sede, tomando uma pausa onde estava e simplesmente olhando para o mundo miraculoso que habitou. Aquele que sentia escorregar por entre os dedos a cada pulso em suas veias.

Chase ergueu o braço como uma viseira para proteger os olhos hipersensíveis do brilho impossível. Inclinou seu rosto para cima e deixou o calor, esse desconhecido glorioso, aquecer seu rosto.

Começou a picar.

Em pouco tempo, começou a murchar.

Quanto tempo seria necessário para que o sol o assasse até ficar crocante? Provavelmente meia hora, adivinhou, saboreando o queimar ácido enquanto sua pele em todo o rosto e testa ficava mais quente. Trinta minutos, e não haveria mais fome. Nem mais vergonha. Nem mais luta para se manter fora do abismo que parecia tão acolhedor, tão abençoadamente escuro e sem fim.

Considerou a noção de um longo tempo, torturante, testando sua vontade.

Mas falhou, mesmo nisso.

Com as garras de sua sede afundando cada vez mais dentro dele, Chase saiu da borda do vagão e caiu no chão abaixo. Atravessou os trilhos e jogou sua roupa arruinada de guerreiro na boca de um barril de lixo fumegante.

Então, escapuliu rapidamente para encontrar abrigo e esperar o anoitecer, quando poderia começar sua caça mais uma vez.

 

Eles chegaram em Nova Orleans, nas primeiras horas escuras da madrugada e tomaram um táxi do aeroporto para um hotel que Hunter assumiu ser o coração da área turística. O ruído da rua e de música ecoava de baixo até sua janela, no quarto andar, até muito depois do dia amanhecer, criando uma raquete que manteve seus sentidos em alerta máximo, antecipando o menor indício de problemas.

Não que tivesse qualquer intenção de dormir. Quase não precisava de descanso, uma hora ou duas, no máximo, a cada dia. Era como foi treinado, uma disciplina que mantinha seu corpo pronto para qualquer situação, sua mente pronta para uma resposta rápida.

Corinne, por outro lado, dormiu como os mortos após sua chegada.

Ele sabia que ela estava esgotada, fisicamente drenada. Suas emoções foram tributadas, também, mas se ela queria entrar em colapso num ataque de improdutiva auto piedade e lágrimas, ele tinha que dar-lhe o crédito. Ela o segurou com força notável. Parecia determinada, uma vez que deixou o Darkhaven de Bishop. Desafiante, mesmo.

Ela foi bastante agradável quando ele disse que estava sob sua tutela, e não houve histerismo irracional quando a informou que sua missão para a Ordem era levar a ela — ambos — direto ao território do potencial inimigo Henry Vachon, um aliado conhecido de seu sequestrador e torturador. Corinne parecia quase ansiosa com a ideia, um fato que despertou uma curiosidade vigilante nele.

Agora, ouvia os sons da água em movimento na banheira no cômodo adjacente. Corinne foi se refrescar pouco depois do meio-dia, após ter dormido durante toda a manhã, enquanto ele se debruçava sobre mapas da cidade e regiões periféricas na pouca luz que entrava no quarto do hotel, pela cortina puxada na sala de estar.

Ele notou que ela esqueceu de fechar totalmente a porta, e nos últimos 37 minutos — a duração total de seu tempo deitada nua na banheira — ele propositadamente evitou olhar para a fresta fina de luz dourada que derramava na escuridão onde estava sentado.

Ele se focou nos mapas abertos que pegou na entrada do hotel na sua chegada. Continham as ruas abreviadas, destinadas principalmente aos turistas cujos objetivos principais eram, aparentemente, encontrar os mais próximos restaurantes, bares e clubes de jazz. Hunter pediria informação sobre Henry Vachon para Gideon em breve, até então, sentiu que seria um uso benéfico de seu tempo se familiarizar com as várias ruas e distritos. Fazer algum reconhecimento virtual até o pôr do sol, quando poderia se aventurar e ver a cidade de Vachon por si mesmo.

Qualquer coisa para manter seu olhar afastado da porta parcialmente aberta do outro lado da sala.

Sua determinação foi testada quando ouviu o gorgolejar da água descendo quando ela puxou a tampa. Sua pele chiou contra a porcelana quando se mexeu lá dentro, o líquido espirrado indicando que tinha levantado da banheira. Viu o braço fino alcançar uma grossa toalha branca na barra de metal polido na parede. Ouviu o farfalhar de pano quando ela começou a secar a água de seu corpo.

Ele forçou os olhos de volta ao trabalho que cobria a mesa de café na frente dele. Com concentração total, estudou a parte do mapa onde estavam atualmente, com a intenção decorar a grade multicolorida e os nomes das ruas correspondentes: o hotel estava numa área chamada de Bairro Alto Francês. Esta parte da cidade abrangia vários quarteirões entre Iberville Street e St. Anne Street e era cercada por um lado por uma rua chamada Rampart do Norte e, do outro lado, pelo Mississipi.

Através da fresta suavemente iluminada da porta aberta, teve um vislumbre da coxa nua de Corinne. A toalha caiu, então o pé dela descansou sobre a tampa fechada do sanitário, enquanto secava a longa e esbelta perna até sua panturrilha.

Um calor que aquecia sua barriga agora deslizou mais abaixo.

Hunter queria desviar o olhar.

Ele queria.

Mas depois ela se moveu de novo, e seu olhar enraizou na pequena curva arredondada do seio. O mamilo que o coroava era rosa escuro, um contraste irresistível para sua pele cremosa. Olhou para aquele doce botão rosa no alto de sua carne macia e pálida. Nunca viu um seio nu de uma mulher antes. Em cinema e televisão, no complexo, de vez em quando, é claro, mas nenhum deles, exemplos grosseiramente inflados, poderiam se comparar à perfeição delicada que viu na forma nua de Corinne.

Queria ver mais dela, e o chocou o quanto queria isso. Quando a viu entrar e sair do seu campo de visão escasso, a excitação começou a rodar em torno dele e apertar. Sua pele ficou quente e apertada, muito apertada no peito e ao longo de seu pescoço. Mais abaixo, a tensão piorava a cada segundo, mexendo seu sexo, enrijecendo com o súbito ímpeto de sangue em suas veias.

Ele resmungou baixinho, embora se fosse de choque ou vergonha, não tinha certeza. Não queria sentir esta curiosidade por ela, essa consciência sexual não desejada. Ele foi treinado, disciplinado sem compromisso desde que era um menino para estar acima das necessidades básicas ou desejos.

No entanto, não conseguia afastar sua atenção de Corinne Bishop agora.

Mesmo enquanto se movia para aliviar o incômodo de sua roupa desconfortável, ele olhava, roubando outra olhada, esperando por um vislumbre mais longo. Desejando uma breve trapalhada da grande toalha branca para que pudesse banquetear seus olhos sobre ela completamente e saciar a curiosidade que o fazia se inclinar sobre o cotovelo para um campo de visão mais vantajoso.

Suas têmporas pulsavam, quase tão insistentes quanto o pulsar que se instalou em sua virilha. Se não estivesse erguido tão rigidamente, de modo implacável, poderia estar tentado a passar a mão sobre a exigente prova de sua excitação, mesmo que fosse apenas para aliviar a dor. Mas ao contrário, lutou contra o impulso. Friamente.

Todo o macho nele estava bloqueado nela naquele momento, e Corinne teria que ser inconsciente para não sentir o peso de seus olhos famintos sobre ela.

Talvez ela sentisse algo, afinal.

Ela girou de repente e tentou desviar da abertura na porta estreita. Quando se moveu, a toalha que ele estava disposto a deixar cair saiu de seu alcance. Ela balançou abaixo de um lado, expondo sua coluna e a curva de seu traseiro em forma de coração.

Sua respiração cessou, presa numa lixa baixa em seus pulmões. Não pela beleza feminina do seu corpo, mas pela selvageria que evidentemente foi infligida sobre ela em algum momento.

Uma teia de cicatrizes vermelhas cortavam a pele lisa de suas costas, do ombro às nádegas. Vergões hediondos deixados por um chicote — provavelmente uma longa corrente, baseado no estrago de sua pele — o atingiu com uma espécie de admiração sem graça.

O que foi forçada a suportar?

O quanto profundamente o mal de Dragos a cortou?

Todo o calor que sentia um momento antes foi eclipsado pela visão daquelas cicatrizes. Sentiu-se lavado por algo indescritível e desconhecido para ele naquele instante, sentimentos que pareciam se erguer de algum lugar lá no fundo, um lugar inacessível, muito fora de seu alcance. Pesar pelo que foi feito a ela o invadiu, bem com uma onda escura de fúria pelo animal responsável.

Ele amaldiçoou, incapaz de manter o desprezo dentro dele.

A cabeça de Corinne virou, jogando o preto cabelo molhado contra seus ombros nus quando se apressou a se cobrir com a toalha. Seus olhos entraram em confronto com o olhar dele através do espaço fino da porta aberta. Havia desafio em seu olhar firme, uma brutalidade que o fez sentir como se saber de seus ferimentos fosse tão grave quanto a própria punição e violação foi para ela.

Hunter desviou o olhar, afastando seu olhar de volta para seus mapas.

Manteve os olhos baixos mais por respeito que por simpatia, que nem sequer percebia que era capaz até agora. Ouviu quando os pés descalços de Corinne deram um par de passos sobre o piso do chão do banheiro.

A porta rangeu quando ela lentamente a fechou e trancou firmemente, bloqueando-o fora.

 

— Sim, é claro. Entendo. — Victor Bishop estava perto da lareira em seu estúdio esta tarde, falando pela linha privada do Darkhaven. Debateu sobre fazer a chamada, mas apenas por causa da ira que suas potenciais notícias indesejadas poderiam trazer sobre ele.

No final, achou que estava em seu melhor interesse reafirmar sua aliança, a certeza que levantava uma bandeira da cor adequada para que não se encontrasse sob o fogo inimigo não provocado mais uma vez.

— Se eu puder fornecer qualquer informação adicional, tenha certeza, entrarei em contato com você outra vez. — Ele limpou a garganta, desprezando o temor que colocava uma oscilação de constrangimento em sua voz. — E, por favor, ah, se você... tenha certeza que saiba que não tenho nada a ver com nada desses atuais acontecimentos. Nunca traí sua confiança. Estou agora, e permanecerei, ao seu serviço.

Com apenas um reconhecimento, apenas uma murmurada palavra de adeus, a chamada abruptamente foi desligada na outra extremidade.

— Droga, — rosnou Bishop, tirando o telefone longe de sua orelha. Ele girou, meio tentado a jogar o receptor sem fio na parede mais próxima. Deu uma parada, surpreso ao descobrir que não estava sozinho.

Regina estava atrás dele, em silêncio, seus olhos avermelhados o condenando.

— Pensei que ainda estava na cama, — ele observou, consciente baixo quando passou por ela e cuidadosamente colocou o telefone no seu console em sua mesa. — Parece cansada, querida. Talvez deva voltar e descansar um pouco mais.

Ela foi direto para a cama depois que Corinne e o guerreiro de Boston deixaram o Darkhaven. Ele não tentou falar com ela na hora, sabia que sua admissão na noite passada era uma violação que nunca poderia consertar. Nem mesmo seu laço de sangue compartilhado com Regina seria suficiente para consertar o que estava quebrado. Estavam ligados um ao outro pelo sangue e voto, mas sua confiança, seu amor, nunca seria verdadeiramente seu novamente.

Tinha que admitir, parte dele estava aliviado. A mentira foi um fardo por muito tempo, pesado demais para manter a máscara de pai enlutado e perplexo quando sua conexão visceral com Regina estava sempre lá, pronta para fazê-lo fracassar. Era bom ter tudo às claras agora. Libertador, apesar do desprezo que sentia como veneno queimando se infiltrando.

O desprezo de Regina, derramando através de seu olhar acusador e do baque frenético de seu pulso, que repercutia em suas próprias veias.

— Com quem estava falando, Victor?

— Não era importante, — ele respondeu, a rejeitando com um olhar estreitado.

Ela deu um passo na direção dele, as mãos apertadas dos lados.

— Está mentindo para mim novamente. Ou melhor, ainda. Me adoece pensar quanto tempo tem mentido para mim.

A raiva queimou nele.

— Volte para a cama, querida. Está claramente exagerando, e odiaria que dissesse coisas que vai se arrepender mais tarde.

— Lamento tudo agora, — disse ela, olhando para ele com uma careta de dor. — Como pôde fazer as coisas que fez, Victor? Como pode viver consigo mesmo, sabendo o que fez para Corinne?

— O que não parece capaz de compreender, — ele rosnou, — é que o que fiz, fiz por nós. Pelo nosso filho. Starkn viria atrás de Sebastian. Não estava prestes a colocar nosso menino, nosso filho de carne e osso, em jogo.

Regina olhou boquiaberta para ele como se a golpeasse.

— Corinne era nossa filha também, Victor. Ela e Lottie eram tanto nossas crianças como Sebastian. As trouxemos para nossas vidas, para nossos corações, da mesma forma como se nascessem de nós.

— Não era o mesmo para mim — ele arrebentou, batendo o punho sobre a mesa. A raiva fútil o percorria quando pensava em seu filho, jovem, sensível, muito contemplativo, que deveria ter o mundo na palma da sua mão. O filho promissor, que poderia ter tudo isso e mais, se não fosse pela teia do engano que Bishop tão cuidadosamente teceu ao redor deles.

Não com cuidado suficiente, refletia agora.

Foi essa teia que finalmente encontrou Sebastian, estrangulando sua bondade, seu futuro.

— Não importa, — Bishop murmurou para sua Companheira claramente indignada. — O que está feito está feito. Foi tudo por nada, de qualquer maneira. Perdemos Sebastian independentemente de tudo que fiz para protegê-lo.

Os olhos de Regina se mantiveram apertados. Ela o olhou, também conscientemente.

— Nunca foi o mesmo depois que Corinne desapareceu, — disse ela, mais para si que para Victor. — Me lembro como Basti se afastou apenas alguns anos mais tarde, como parecia distante de nós nas últimas semanas... antes que sua Sede de Sangue assumisse.

Bispo odiava o lembrete. Odiava recordar como foi doloroso perceber que seu único filho virou Renegado — se perdeu para sua sede, seu vício em sangue, a mesma coisa que dava vida, força e poder aos Raça. Basti foi fraco, mas foi a descoberta da corrupção de seu pai que o empurrou sobre a borda.

Regina leria sua culpa agora, mesmo sem seu laço de sangue.

— O que aconteceu, Victor? Traiu Sebastian também, não é?

Bishop apertou seus molares juntos, furioso que ela o fizesse reviver o que foi o pior momento de sua vida. O segundo pior foi superar o dia em que Sebastian, bêbado de uma matança, levou uma das próprias armas de Victor até sua cabeça e puxou o gatilho antes que alguém pudesse impedi-lo.

— Ele percebeu, não foi? — Ela apertou. — Enganou o resto de nós, mas não a ele. De alguma forma ele descobriu a verdade.

— Cale a boca, — Bishop rosnou, sua mente cheia de lembranças.

Sebastian e seu senso de organização e ordem. Estava tão orgulhoso do armário de armas em mogno que fez com suas próprias mãos, um presente para seu pai. Queria que fosse uma surpresa, e começou a transferência da estimada coleção de armas antigas de Victor do antigo armário para o novo, quando descobriu o painel oculto na parte inferior.

Todos os segredos mais sombrios de Victor estavam no esconderijo privado.

Sebastian descobriu sobre a prostituta que foi morta para parecer Corinne. Havia recibos da loja de uma costureira para as roupas feitas às pressas nas exigentes especificações de Victor. Uma nota onde o joalheiro era amigo de Victor, contendo um esboço de um colar feito sob encomenda para corresponder ao que Corinne usava na noite do seu desaparecimento.

Documentos tolos que deveriam ser queimados junto com a esperança de alguma vez ver Corinne novamente.

Sebastian ficou horrorizado com sua descoberta, mas manteve seu silêncio. Victor o proibiu de falar do assunto, o ameaçou, pelo amor de Deus. Disse que Sebastian expor sua mentira seria convidar a morte de todos eles.

O terrível segredo foi um fardo que Sebastian não pode suportar.

— Foi você, — Regina disse, sua voz dura. — Foi o responsável pelo que aconteceu com nosso filho. Meu Deus... foi você que o levou a Sede de Sangue, a explodir os miolos nesta mesma sala.

A fúria de Bishop explodiu.

— Eu disse para calar a boca!

Embora Regina estivesse surpresa com a nitidez de sua voz, ela não vacilou. Suas mãos ainda apertadas, nós dos dedos brancos por sua própria indignação, se aproximou da mesa onde ele estava.

— Destruiu a vida de Sebastian, tão certo como destruiu a de Corinne, e ainda não é suficiente para você. Iria traí-la mais. — Ela olhou para o telefone agora em seu receptor. — Fez isso, não foi? Exigiu que o fizesse... para salvar seu próprio pescoço, mesmo se fosse às custas do dela. Não posso viver assim, não com você. É um covarde, Victor. Me dá nojo.

Ele a golpeou, passando toda a mesa para acertá-la com uma mão fechada, dura no rosto.

Ela caiu no chão pela força do golpe. Ele deu a volta e olhou para ela, fervendo de raiva agora, suas presas enchendo a boca. Ela não se acovardou. Levantou a cabeça, o olhou nos olhos, sem nem mesmo pestanejar, viu sua íris transformada, que banhava o rosto num brilho âmbar. Sua língua foi para o canto da boca, testando o pequeno corte que sangrava um fio escarlate em seu queixo.

— Tem alguma ideia do que foi feito a ela nestes anos todos? — Ela o desafiou acidamente. — Foi estuprada, Victor. Espancada e torturada. Experimentada como uma espécie de animal. Teve um bebê naquela prisão. Isso mesmo, Corinne tem seu próprio filho. O levaram para longe dela. Ela realmente achou que você poderia ajudá-la a encontrá-lo, trazê-lo de volta para ela. Tudo que ela queria era que fôssemos uma família novamente, inclusive ela e seu filho.

Bishop ouviu, mas permaneceu impassível. Nem mesmo as lágrimas de Regina, agora escorrendo pelo rosto, tiveram algum efeito. Ele estava no fundo do poço e por tempo demais. Em vez de perder tempo sentindo pena ou remorso por coisas que não podia mudar, já estava calculando maneiras de torcer esta situação para que pudesse ganhar um favor de Gerard Starkn ou Dragos, qualquer que fosse o nome que o macho poderoso usasse agora.

Sem oferecer uma palavra, nem uma mão, observou Regina se levantar. Podia sentir seu desprezo fervendo em seu sangue.

— Quero que saia, Victor. Hoje à noite, quero que saia deste Darkhaven.

Era uma demanda tão ridícula, que ele riu alto.

— Espera que eu saia da minha própria casa?

— Isso mesmo, — ela respondeu, firme como jamais a viu. — Porque se não fizer isso, vou expor sua corrupção para a nação Raça inteira. Você, Gerard Starkn, Henry Vachon... todos vocês.

Desafiadora, ela girou nos calcanhares e se dirigiu para a porta aberta do estúdio. Ele não a deixou alcançá-la.

Num segundo, saiu de onde estava em pé no centro da sala e apareceu diretamente à sua frente, bloqueando seu caminho para a entrada além.

Ele a agarrou violentamente pelos braços, depois falou com os dentes cerrados.

— Não fará tal coisa. Você, minha cara, vai cuidar de sua língua de merda. Cuidará de seu companheiro, se sabe o que é bom para você.

Os olhos dela se arregalaram, e viu sua garganta se mover enquanto engolia. Antes de falar, ele o confundiu com medo.

— Ou o que? — Ela perguntou, muito ousada para seu gosto. — O que vai fazer, Victor, me matar?

Apesar de ser raro o suficiente para ser praticamente desconhecido, sobretudo nestes tempos modernos, civilizados às vezes, não seria o primeiro macho da Raça a perder o controle do lado mais selvagem de sua natureza e matar sua companheira.

Quando olhou para Regina, percebeu o quanto mais fácil seria para ele ficar sem ela agora. Seus pecados morreriam com ela. E Corinne, onde quer que acabasse, se sequer pensasse em ficar em seu caminho, não custaria absolutamente nada arrancá-la deste mundo como uma rebarba presa sob sua sela. Ela não era nada para ele agora, ainda menos do que foi na noite em que Gerard Starkn a roubou.

O aperto de Bishop em sua Companheira de Raça aumentou, quase por vontade própria. Ela franziu a testa, a dor apertando seu rosto bonito.

— Está me machucando, — se queixou, lançando um olhar nervoso por cima do ombro como se procurasse ajuda.

Ele estava doente, com raiva agora, e frio, com a constatação que, tanto quanto sua confiança nele foi destruída, assim também sua fé nela.

— Me ameaçar foi uma coisa muito estúpida a fazer, Regina. Eu poderia ser capaz de desculpar seu desprezo por mim, mas como tão solicitamente apontou, se tornou uma ameaça para minha vida. É um risco que não posso pagar.

O gatilho de uma arma sendo puxado o pegou de surpresa. Mas não mais que a sensação de metal frio descansando contra a têmpora direita.

— Precisa tirar as mãos dela, senhor. Agora.

Mason.

Sem olhar, conhecia a voz baixa, constante de um de seus mais antigos guardas. E viu o homem em ação mais de uma vez, o suficiente para entender que estava numa situação muito desagradável. Honrado, Mason não recuaria de uma luta a menos que não estivesse mais respirando. Tanto mais quando estava vindo em defesa da linda Regina, a quem Bishop suspeitava há muito tempo, secretamente significava mais que simplesmente a senhora do Darkhaven para Mason. Mason a protegeria até a morte, Bishop não tinha dúvida.

O que significava que teria suas mãos sangrentas com as vidas de ambos antes que este dia terminasse.

Não importa, Bishop pensou, desprovido de misericórdia.

Estava pronto para fazer tudo o que precisava para colocar sua vida, seu futuro sobre um curso menos complicado.

— Eu disse solte-a. — Mason empurrou o cano frio da pistola um pouco mais insistentemente contra a têmpora de Bishop.

Bishop liberou Regina de seu poder, cumprindo rigorosamente a ordem emitida, mas apenas tempo suficiente para deixar o guarda acreditar que a situação estava sob controle. Assim que sentiu o dedo de Mason no gatilho relaxar, Bishop blasfemou contra ele com dentes arreganhados.

Regina gritou quando ele tirou a arma do alcance do outro macho. Ela começou a correr do estúdio quando a arma caiu ruidosamente no chão da entrada.

Bishop arremeteu contra seu guarda. Era um jogo igual, Bishop tinha a vantagem de sua determinação feroz, sua fúria, a loucura batendo em seu sangue e cérebro. Com um rugido desengonçado, agarrou Mason pelo peito e o jogou com toda sua força contra a parede mais distante do estúdio. Não deu ao guarda um segundo para reagir.

Pulando sobre ele, esmagou o calcanhar de seu mocassim italiano na virilha de Mason. O vampiro gritou em agonia, com os olhos ardendo como brasas, as presas arrancando de suas gengivas.

Bishop riu. Não podia evitar a si mesmo tomar algum prazer na dor que estava fazendo ao outro homem. Mataria Mason lentamente antes de estrangular Regina com as próprias mãos.

Quando o pensamento dançou em sua mente, pegou uma onda de movimento na entrada.

Regina voltou, não foi muito longe. Tinha a arma de Mason em suas mãos.

Bishop balançou um olhar duro sobre ela, bem a tempo de ouvir o metálico pop do martelo quando apertou o gatilho. A bala saiu, navegou em direção a ele numa pequena nuvem de fumaça. Saiu do seu caminho no último momento. Atrás dele, a porta com cortinas francesas explodiu com um estrondo de vidro quebrando. O sol da tarde derramou pelo buraco nas cortinas grossas, trazendo com ele a fria brisa de Dezembro.

Bishop bufou, a ponto de ridicularizar as mãos trêmulas e a mira ruim de sua Companheira de Raça.

Mas então ela disparou novamente. Disparou contra ele de novo, e de novo, e de novo, e desta vez não havia nenhuma chance de escapar da saraivada de balas. Ela acionou até que a arma esvaziou nele.

Ele cambaleou atrás sobre os calcanhares, olhando para o campo escarlate, que escoava fora do seu peito. Não podia parar o sangramento, só podia olhar com espanto perplexo o estrago infernal. Sentiu seu coração trabalhando para manter o ritmo, cada respiração uma raspagem de garras em seu peito. Suas pernas fracas falharam debaixo dele.

Mason agora estava de pé, diante dele, a animosidade rolando de seu corpo grande como uma nuvem escura.

Bishop sabia que esse era seu fim.

Apenas as balas não poderiam matá-lo, mas tiraram muito da sua necessária força. Seus pulmões estavam perfurados, seu coração também. Mas se agarrou rápido em sua fúria, a única coisa que deixaram no presente, no seu momento final.

Com um rugido que parecia rasgar lá de dentro, Victor Bishop começou a correr para alcançar sua Companheira.

Mãos inflexíveis o detiveram. Se apoderaram dele e o levantaram do chão. E então estava voando, lançando atrás, pelas altas portas francesas que se abriam para o gramado de seu Darkhaven. Seu corpo caiu através das cortinas e vidro, descansando quebrado e sangrando no chão gelado lá fora.

Olhou para o céu acima dele, incapaz de se mover. Incapaz de salvar a si mesmo da morte dolorosamente lenta que o esperava quando olhou acima com espanto para a luz, gloriosa e impiedosa do dia.

 

Dragos fechou seu celular, a irritação ainda raspando pela notícia que recebeu há poucas horas de seu tenente, em Nova Orleans.

Henry Vachon, um antigo aliado de seu tempo na Agência de Execução, estava seriamente preocupado por estar prestes a receber uma visita de um dos membros da Ordem. Dragos não duvidava nem por um momento. Com base na informação que Vachon recebeu de um Victor Bishop muito ansioso em Detroit, Dragos estava adivinhando que a retaliação da Ordem seria mais uma questão de quando do que de se.

Para acalmar Vachon e garantir que a operação não perdesse mais um trunfo para os guerreiros de Lucan, Dragos chamou reforços pesados e deu ordens para matar. Quanto a Victor Bispo, serviu seu propósito há muito tempo. Agora não era nada, apenas uma responsabilidade, não importa como aparentemente rastejou quando ligou para alertar Vachon do problema. Se Bishop fosse tolo o suficiente para mostrar sua cara, Dragos teria grande prazer em arrancá-la.

Seu mau humor das últimas horas não foi ajudado em nada pelos pulos infernais de sua limusine enquanto o motorista manobrava num trecho esquecido por Deus, numa estrada de terra rural no norte do Maine.

— Tem que acertar todos os malditos buracos? — Ele latiu para o Subordinado. Ignorou o pedido de desculpas que se seguiu, em vez disso olhou pela janela milha após milha de floresta pantanosa congelada e escura. — Estou sendo sacudido aqui há mais de quatro horas desde que chegamos ao continente. Quanto mais falta?

— Não muito, Mestre. De acordo com o GPS, estamos quase lá.

Dragos grunhiu, seu olhar ainda seguindo a desolada paisagem passando. Deixaram a última cidade atrás deles uma centena de quilômetros atrás, se o grupo resumido de casas de uns cinquenta anos de idade, e automóveis enferrujados realmente pudesse ser chamado de cidade. Civilização humana não parecia se esticar a este extremo norte, não em grande número. Ou foi varrida de volta em direção às cidades pela terra acidentada e falta de indústrias.

Apenas as almas mais intrépidas escolheriam construir sua vida nesta fronteira deserta. Ou aqueles com uma boa maldita razão para viver fora da rede, distantes dos humanos que tanto desprezavam.

Homens como os seres que Dragos estava a caminho de encontrar agora.

O governo humano os chamava de terroristas, cidadãos descontentes procurando culpar seu descontentamento e falhas pessoais de ninguém além de si mesmos. Outros os chamariam de bombas-relógio sociopatas, apenas esperando a próxima crise política ou financeira para justificar sua violência. Para a maioria de ambos os lados do argumento, homens como estes eram considerados insanos, anomalias dentro da norma da sociedade humana.

Entre si, sem dúvida chamavam uns aos outros de heróis, patriotas. Qualquer um dos três que o aguardava provavelmente iria tão longe a ponto de ser um mártir disposto, emulando um punhado de celebridades de sua laia, que apostaram e passaram suas vidas nos altares de sua justa indignação moral. Era essa crença fervorosa em suas causas pessoais, a dedicação perigosa e a ânsia de agir sobre ela, que primeiro trouxe esses homens à atenção de Dragos.

O fato que todo o grupo passou algum tempo na lista dos vigiados do governo dos EUA na última década só fez a perspectiva de recrutá-los muito mais doce.

Do banco de trás da limusine, Dragos olhou pelo para-brisa quando seu motorista diminuiu, então virou para um caminho ainda mais estreito no caminho de terra. Este era menos estrada que caminho, uma linha embalada por neve e gelo que levava a uma espessa área florestada.

As luzes do farol saltaram quando o sedan sacudiu e bateu ao longo da trilha. Exceto pela leve marca de correntes de uma caminhonete usada por seu outro Subordinado, aquele que organizou a reunião para ele no dia anterior, não parecia que alguém esteve neste pedaço de terra esquecido por Deus.

O outro Subordinado, um oficial de inteligência do Exército, estava esperando lá fora num celeiro em ruínas no final da estrada.

Caminhou até a porta do lado do passageiro da limusine até ela parar.

— Mestre, — ele cumprimentou, inclinando a cabeça quando Dragos saiu. — Esperam pelo senhor no interior.

— Diga ao meu motorista para desligar o motor e os faróis e esperar por mim aqui, — murmurou Dragos. — Isso não deve demorar muito.

— Claro, Mestre.

Dragos pisou com cuidado sobre o caminho de gelo que serpenteava em direção à luz fraca brilhando dentro do velho celeiro. Não pode evitar fazer uma pausa para olhar a dilapidada estrutura de madeira com suas tábuas soltas, podres e envelhecidas, o cheiro de animais flutuando. Nem podia evitar o sorriso que curvava sua boca enquanto pensava sobre a vitória que logo seria sua.

Que irônico que dentro deste destruído e naufragado edifício — nas mãos de radicais locais e perdedores — estava o meio perfeito para assegurar o fim, total e irrevogável, do poderoso Lucan Thorne e sua maldita Ordem.

 

Corinne se sentou numa das duas camas de casal no quarto de hotel em Nova Orleans, clicando de canal em canal pelo controle remoto da televisão. A atividade mantinha sua mente ocupada por pouco tempo, mas a impedia de rondar pelos limites de seus pequenos aposentos, como um gato enjaulado. Mas a novidade da vibração e ruído, todas as imagens vívidas piscando na tela com apenas um aperto de botão, há muito desapareceu.

Olhou para Hunter, que parecia ficar mais distante, mais silencioso a cada minuto que passava desde que o sol se pôs. Ele falou com Gideon em seu celular cerca de uma hora atrás, discutindo o plano de Hunter destinado a localizar e se infiltrar nas propriedades conhecidas de Henry Vachon na área. Quando encontrasse Vachon, o levaria para um local isolado e o interrogaria para obter informações sobre Dragos. Só precisava descobrir o paradeiro atual de Vachon e entrar sem ficar preso ou morto no processo.

Tudo parecia muito ousado, extremamente perigoso.

Ela desligou a televisão, deixando o controle remoto na cama enquanto se levantava para olhar o mapa marcado que estava aberto sobre a mesa do outro lado da sala. Hunter descartou o mapa de papel em favor de um eletrônico em seu telefone celular.

Ela estudou as áreas circuladas onde a Ordem acreditava que as propriedades de Vachon estavam situadas. Durante o voo de Detroit e o tempo que passou presa no quarto de hotel esperando o anoitecer com Hunter, Corinne tentou descobrir uma maneira de encontrar Henry Vachon por conta própria e pleitear seu caso com ele sobre a volta de seu filho.

Se deixasse Hunter encontrá-lo primeiro, Vachon estaria tão bom como morto. Mas se pudesse de alguma forma interceptar essa reunião, contar com a misericórdia de Vachon por quaisquer meios magros que tivesse, talvez houvesse uma chance de que pudesse encontrar seu filho. A preocupava, apenas pensar, em se colocar ao alcance de um dos fiéis seguidores de Dragos. Mas então, se Henry Vachon realmente esteve presente na noite em que foi sequestrada, então já tinha visto o pior. Enfrentou sua crueldade depravada uma vez e sobreviveu, a enfrentaria e a Dragos mais uma vez se pudesse trazer seu filho.

Era um plano desesperado. Um tolo, que poderia ser equivalente ao suicídio.

Mas estava desesperada. E estava disposta a arriscar tudo que tinha na esperança de se reunir com seu filho.

Ela olhou para Hunter, de pé perto das portas de vidro deslizantes, a grande silhueta de seu corpo iluminada pelo luar e pelo brilho dos postes na avenida abaixo. Cantarolava uma música no ar fora do hotel, o lamento suave de um saxofone, alguém tocando blues. Se desviou para o vidro também, atraída como sempre pelos sons suaves de poesia veiculados em notas e acordes. Escutou por um tempo, vendo o velho no canto oposto da rua tocar seu trompete com toda a paixão de alguém com menos da metade de sua idade.

— Quando vai sair para começar a procurar Vachon?

Hunter levantou a cabeça e encontrou seu olhar.

— O mais cedo possível. Gideon está em busca de registros das propriedades de Vachon, plantas antigas de construção, esquemas de segurança, coisas que vão ajudar com meu reconhecimento. Se for capaz de as transformar em quaisquer dados úteis na hora, vai me ligar.

— E se não encontrar nada para ajudá-lo?

— Então vou continuar sem ele.

Corinne balançou a cabeça, surpresa com a resposta franca. Ele não parecia alguém que deixaria obstáculos em seu caminho, mesmo que isso significasse invadir o acampamento inimigo com nada mais que seu juízo e armas que pudesse ter em seu corpo.

— Acha que Vachon dirá onde Dragos está?

O rosto de Hunter estava severamente confiante.

— Se ele souber, irá me dizer.

Ela não queria adivinhar como faria para ter certeza disso. Nem podia manter seu olhar penetrante por mais de um momento quando estava apenas a um par de metros de distância dela.

Estar perto dele, sentir o peso palpável de seu olhar de ouro, só a lembrava de como ficou assustada ao encontrá-lo olhando para ela enquanto se banhava naquela tarde. Ficou mais que assustada. Ficou assombrada, totalmente chocada com o calor que ardia em seu olhar de outra forma inescrutável. Uma onda de calor correu através dela quando o revivia agora, muito pior, pois não havia uma porta para se fechar entre eles.

Deveria estar ofendida por ele a olhar, se não temerosa. Então, como agora, o olhar de Hunter a perturbava. Não pelo medo que esperava, que devia sentir, mas pelo seu próprio sentido de consciência. O guerreiro estoico não olhava para ela como um objeto que precisava proteger ou ter piedade, mas como mulher.

Pelo menos, até que viu as cicatrizes.

A evidência externa do que sofreu era feia o suficiente, mas as feridas mais terríveis estavam dentro. Havia ainda uma parte dela brutalizada e ferida que não saiu da prisão de pesadelo de Dragos, uma parte dela que nunca poderia sair para a luz do dia. Deixou tanto de si mesma lá atrás, nessas celas de laboratório úmidas, que não tinha certeza se estaria inteira novamente.

E era essa parte dela que abominava a ideia de estar fechada num espaço tão pequeno como o banheiro minúsculo do quarto do hotel. Deixou apenas a mínima fresta na porta, apenas o suficiente para tranquilizar a si mesma de que podia ver além do pequeno recinto, que tinha o poder de sair a qualquer momento. Que não estava trancada ou desamparada, à espera da próxima rodada de tortura por parte de quem tinha a chave.

Mesmo agora, só de pensar em espaços confinados e portas gradeadas parecia fazer as quatro paredes contraírem para dentro dela. O pulso acelerou, a garganta apertou pela crescente onda de ansiedade, e Corinne se virou para as portas de correr que davam para a cidade pela pequena varanda. Ela estendeu as mãos, as palmas contra o vidro frio enquanto simplesmente focava na respiração e tentava acalmar seu coração.

Não foi o suficiente.

— O que está errado? — Hunter perguntou, franzindo a testa enquanto ela puxava um par de respirações rápidas, arfantes. — Está doente?

— Ar, — ela engasgou. — Preciso de ar....

Ela se atrapalhou com o mecanismo da porta de vidro, finalmente, a abrindo toda, mas tropeçando para fora da varanda. Hunter estava bem ao lado dela quando se agarrou ao corrimão de ferro forjado e puxou gole após gole do limpo ar da noite aberta. Sentiu sua presença como uma parede de calor ao seu lado, a grande forma aparecendo perto, observando-a com preocupação, em silêncio.

— Estou bem, — ela murmurou, tudo ainda girando em torno dela, os pulmões ainda presos num torno. — Não é nada... Estou bem.

Ele estendeu a mão e pegou o queixo levemente na mão, virando seu rosto para ele no escuro. Sua expressão era mais profunda agora, aqueles olhos de ouro sondando sob a linha franzida na testa.

— Você não está bem.

— Estou bem. Precisava de um pouco de ar fresco, isso é tudo. — Ela recuou um pouco e ele deixou a mão cair. O calor de seu toque persistiu. Podia sentir as grandes linhas de seus dedos fantasmas em sua pele quando exalou um suspiro trêmulo.

Ele olhou para ela, observando-a tremer não apenas pelo frio na noite abafada de Nova Orleans.

— Você não está bem, — ele disse novamente. Sua voz era suave desta vez, mas não menos firme. — Seu corpo precisa de mais descanso. Precisa de alimento.

Seu olhar foi para a boca dela enquanto falava. Ele permaneceu lá, colocando um novo tipo de clamor em suas veias.

— Quando foi a última vez que fez uma refeição, Corinne?

Deus, ela nem sabia. Provavelmente mais que 24 horas por agora, já que a última coisa que comeu foi no complexo em Boston antes que saíssem para Detroit. Ela deu um encolher de ombros vago. Teve muito tempo para se acostumar com a sensação de vazio da fome durante seu tempo em cativeiro. Dragos alimentava a ela e às outras apenas com frequência suficiente para mantê-las vivas. Às vezes, quando sua rebelião a confinava na solitária, era autorizada a comer ainda menos do que isso.

— Estou bem, — ela disse, desconfortável com o escrutínio e a preocupação de Hunter. — Só precisava sair por um tempo. Tudo que preciso é de um pouco de ar.

Parecendo não muito convencido, lançou um olhar medindo a sacada até a rua abaixo. Sons subiam na brisa da agradável noite: pessoas conversando e rindo, enquanto passeavam, veículos retumbando nos paralelepípedos da avenida adjacente, o músico na esquina próxima se movendo de uma canção a outra com a alma. Os aromas de carne assada e molhos picantes colocaram um rosnado traidor no estômago de Corinne.

Hunter olhou para ela, em seguida, sua cabeça se inclinou numa pergunta.

— Certo, — disse ela. — Poderia comer alguma coisa, suponho.

— Então venha comigo, — ele respondeu, já voltando para o quarto.

Corinne o seguiu, uma parte dela simplesmente ansiosa para estar na rua vibrante lá fora, de volta entre os vivos. Sua parte mais cautelosa entendia que se ia pôr seu plano em movimento, esta noite, em busca de uma forma de contatar com Henry Vachon sozinha, então era melhor encher seu estômago e se preparar para a missão desesperada que estava à frente dela.

 

Acabaram num pequeno restaurante a alguns quarteirões do hotel, longe da maioria do tráfego turístico.

Não parecia muito para Hunter. Uma caverna escura num lugar com não mais que vinte mesas dispostas do lado oposto de um modesto palco tosco e uma pequena pista de dança. O trio no palco tocava algo lento e sensual, a cantora fazendo uma pausa para apreciar o homem no piano e outro que explodia uma sequência de notas tristes num trompete curto.

O ar estava nublado com os odores misturados de comida gordurosa e temperos estranhos, fumaça da churrasqueira e perfume, e muitos corpos humanos para seu gosto. Mas Corinne parecia mais que feliz por estar lá. Assim que ouviu a música derramando na rua, entrou como um míssil e insistiu que era onde queria comer.

Hunter não teve participação no assunto. Como seu corpo não precisava daquele sustento, estava mais do que disposto a deixá-la decidir onde iria.

Quanto às suas próprias necessidades, fazia alguns dias que se alimentou. Podia aguentar mais, mas era imprudente empurrar seu metabolismo de Gen Um muito mais que uma semana sem saciar sua sede. Sentiu as pontadas da sede torcendo em suas veias quando sentou na mesa de canto com Corinne, de costas para a parede mais próxima, seu olhar lendo atentamente a multidão de humanos que enchiam o velho estabelecimento cavernoso.

Não era o único macho Raça visualmente peneirando a multidão de Homo sapiens. Viu o par de vampiros, logo que ele e Corinne entraram. Não representavam uma ameaça, apenas um par de civis do Darkhaven de braços cruzados avaliando potenciais Anfitriões da mesma forma que ele estava. Assim que o notaram os observando do outro lado do caminho, se retiraram para as sombras nebulosas como um casal de peixinhos que acabava de ver um tubarão na piscina.

Após os jovens machos desapareceram, ele olhou por cima da mesinha para Corinne.

— Sua refeição é suficiente? — Perguntou ele.

— Incrível. — Ela largou a bebida — algum tipo de mistura clara, à base de álcool derramado sobre cubos de gelo e uma fatia grossa de limão. — Tudo é, ou melhor, estava delicioso.

Ele não precisava perguntar, com base em como rapidamente e com entusiasmo, ela atacou o prato de peixe à milanesa com amêndoas e legumes cozidos no vapor. E isso depois de já ter consumido um prato de sopa picante e dois pães cobertos da cesta na borda da mesa.

Mesmo que claramente gostasse da comida, parecia ficar mais quieta, pensativa, enquanto se sentavam ali. Ele a observou passar seu dedo ao longo da borda do copo baixo de cocktail. Quando seu olhar encontrou o dele do outro lado da mesa à luz de velas, se viu enredado em seus exóticos olhos escuros. O brilho da pequena chama brincava com sua cor, escurecendo seu usual azul esverdeado para verde floresta profundo. Havia assombro nos olhos de Corinne Bishop, seus segredos mais dolorosos presos atrás de uma moita impenetrável de verde mutável.

Ele não achava que ela diria seus pensamentos. E tanto quanto se via curioso, não achava que devia perguntar. Em vez disso, ficou em silêncio enquanto ela fechava os olhos e balançava com a música vinda do palco. Acima do ruído de vozes e barulho de servir, ouviu Corinne cantarolando suavemente junto com as palavras cheias de tristeza da cantora.

Depois de um longo momento, ela levantou as pálpebras e o encontrou olhando para ela.

— Esta é uma antiga canção de Bessie Smith, — ela disse para ele com expectativa, como se devesse saber o nome. — É uma das melhores dela.

Ele ouviu, tentando entender o que Corinne gostava nela. O som era bastante agradável, um passeio preguiçoso de uma música, mas as letras pareciam banais, quase sem sentido. Deu de ombros.

— Os humanos escrevem canções sobre coisas estranhas. A cantora parece muito carinhosa com o novo aparelho da cozinha.

Corinne tinha seu copo nos lábios, no meio de terminar o último gole de sua bebida. Ela olhou para ele por um longo momento antes de um sorriso quebrar sobre seus lábios.

— Ela não está cantando sobre um aparelho de cozinha.

— Está, — ele respondeu, certo que não ouviu mal as linhas. Estudou a cantora agora, em seguida, deu um aceno para Corinne afirmando quando a letra veio ao redor novamente. — Bem ai. Ela diz que depois que seu homem foi embora, ela saiu e comprou o melhor moedor de café que pôde encontrar. Diz mais de uma vez, na verdade. — Ele fez uma careta, incapaz de encontrar a lógica em qualquer uma das palavras. — Agora ela mudou sua aparente afeição para um mergulhador.

O sorriso de Corinne se alargou, então riu alto.

— Sei o que diz a letra, mas isso não é o que significa. Não tudo. — Seus olhos ainda dançavam com diversão, e ela inclinou a cabeça para ele em dúvida. Estudando-o agora. — Que tipo de música gosta, Hunter?

Ele não tinha certeza de como responder. Ouviu algumas das coisas que os outros guerreiros tocavam no complexo, mas não tinha afinidade particular por nada disso. Nunca pensou sobre música de uma forma ou de outra, nunca parou para considerar se alguma o atraía. Qual seria o ponto nisso?

Agora olhava para a linda Corinne Bishop, sentada apenas a um braço na frente dele, banhada pela luz de velas e o prendendo em seu olhar, linda e sorrindo. Engoliu em seco, atingido por como era realmente rara.

— Eu gosto... disso, — ele respondeu, incapaz de arrastar seu olhar para longe dela.

Ela foi a primeira a quebrar o contato visual, olhando abaixo quando pegou o guardanapo branco imaculado de seu colo e o esfregou nos cantos de sua boca.

— Foi há muito tempo desde que tive uma refeição maravilhosa como esta. E blues, é claro. Costumava ouvir esse tipo de música o tempo todo... antes.

— Antes que fosse levada — disse ele, vendo crescer sua expressão reflexiva, assombrada. Sabia que era muito jovem quando Dragos a raptou. Ouviu que era cheia de vida, sempre rindo e pronta para a aventura. Podia ver esses traços agora, quando ela, inconscientemente, influenciada pela melodia mais animada que vinha do palco, batia o pé numa batida calma debaixo da mesa. — Brock mencionou que costumava acompanhá-la para dançar em clubes que conhecia, em Detroit.

— Me acompanhava? — Quando a cabeça de Corinne se ergueu, ela tinha um meio sorriso irônico. — Se isso foi o que disse, só estava sendo educado. Eu era uma praga insuportável quando Brock me escoltava. Costumava levá-lo para cada clube de jazz num raio de cem quilômetros da cidade. Ele não aprovava, mas acho que sabia que se não me levasse, eu encontraria um modo de ir sozinha. Tenho certeza que houve muitas vezes que devia odiar ter que cuidar de mim.

Hunter balançou a cabeça.

— Ele cuidava de você. Ainda o faz.

Seu sorriso de resposta foi suave, tranquilo.

— Fiquei muito contente em ver que está feliz. Fico feliz que encontrou uma companheira em Jenna. Brock merece tudo de bom na vida.

Estava tranquila quando a garçonete veio para limpar os pratos e remover o copo de coquetel vazio.

— Quer que traga outra vodca?

Corinne deu um aceno de despedida.

— Melhor não. Esta já parece estar indo direto para minha cabeça.

Hunter recusou, assim, seu copo de cerveja permaneceu intocado, pedido apenas para manter as aparências logo que chegaram. Depois que a garçonete os deixou sozinhos, Corinne o fitou no fulgor oscilante da luz de velas. Suas pupilas eram piscinas escuras, hipnotizantes e intermináveis. Quando falou, sua voz era rouca e suave, de alguma forma tentadora.

— E você, Hunter? Como era quando criança? De alguma forma, não acho que era do tipo selvagem, impulsivo.

— Não era nenhuma dessas coisas, — ele concordou, lembrando suas origens sombrias. Foi sério e disciplinado por tanto tempo quanto podia se lembrar. Tinha que ser; falhar em qualquer área de sua educação significaria sua morte.

Ainda estava olhando para ele, ainda tentando montar o quebra-cabeça.

— Sei que me disse que não tem família, mas sempre viveu em Boston?

— Não, — ele respondeu. — Vim para cá quando entrei para a Ordem no verão passado.

— Oh. — Ela parecia surpresa com isso, e não inteiramente satisfeita. — Está com eles há pouco tempo. — Ela olhou de volta para a mesa e escovou algumas migalhas de pão perdidas. — Quanto tempo esteve a serviço de Dragos?

Agora ele foi o único pego de surpresa.

— Na primeira noite, no Darkhaven de Claire e Andreas, — explicou ela. — Alguém ouviu falar de você. Sobre o fato de que era aliado de Dragos. — Ela o olhou de perto, com cuidado. — Isso é verdade?

— Sim. — Simples. Honesto. Um fato que aparentemente já sabia. Então, por que sentia a súbita vontade de morder a palavra de volta? Por que tinha o impulso de tranquilizá-la, que embora tivesse servido Dragos, não representava nenhuma ameaça para ela?

Não podia dizer isso a ela. Porque na boca do estômago, se perguntava se era verdade.

Será que não representava uma ameaça para ela?

A visão de Mira parecia indicar o contrário. Desde que deixou o Darkhaven de Detroit, vinha tentando desprezar a visão como já acontecida — alterada, o profetizado resultado frustrado durante seu confronto com Victor Bishop.

Mas algo não estava certo sobre isso.

Nada alterou as visões da criança vidente antes. Seria um tolo ao pensar que aconteceria agora, só porque se encontrava intrigado com a sombriamente bela e ferida Corinne.

Ele a ouviu exalar rápido, mas sutil quando absorveu sua admissão franca. Em vez de se inclinar para frente na pequena mesa, ele notou que estava agora gradualmente se afastando, fisicamente recuando até sua espinha bater contra as costas da cadeira. Por um longo momento, ela permaneceu em silêncio, o olhando através da luz fraca e da neblina fina que pairava na sala.

— Quanto tempo o serviu? — Ela perguntou, cuidadosa agora.

— Por tanto tempo quanto me lembro.

— Mas não mais, — disse ela, estudando seu rosto enquanto falava. Pesquisando, ele adivinhou, algum sinal em sua expressão de que podia confiar nele.

Manteve seus traços educados, deliberadamente neutros, enquanto tentava decidir se era ela quem tinha algo a esconder dele.

— Agora faço para a Ordem o que costumava fazer para Dragos.

Seus olhos prenderam os dele com desoladora compreensão.

— Morte, — disse ela.

Hunter inclinou seu queixo em reconhecimento.

— Quero que ele e todos os que o servem, destruídos. Se tiver que caçá-lo e derrubar até o último de seus seguidores, um por um, vou vê-lo feito.

Estava apenas afirmando um fato, mas Corinne olhou para ele com uma suavidade estranha em sua expressão desconfiada. Havia uma pergunta no seu olhar, muito sensível para seu gosto.

— O que ele fez para você, Hunter? Como Dragos o machucou?

Para seu próprio espanto, Hunter descobriu que não conseguia falar as palavras. Nunca foi relutante em admitir o isolamento e a disciplina de sua educação. Nunca se importou o suficiente sobre si mesmo ou qualquer outra pessoa sentisse qualquer indício da humilhação de ser criado como um animal, pior que isso.

Nunca ficou envergonhado de ser um Gen Um antes, filho de um antigo, o último sobrevivente alienígena, que junto com seus irmãos alienígenas, era pai da Raça inteira na Terra. Dragos secretamente manteve o poderoso vampiro drogado e preso dentro de seu laboratório por algumas longas décadas. A mesma criatura selvagem era desencadeada por Dragos com incontáveis Companheira de Raças cativas, como Corinne e outras fêmeas recém-libertadas.

Como a Companheira de Raça desconhecida que deu à luz a Hunter enquanto estava presa nessas celas fétidas.

Não tinha ideia do que poderia ter acontecido com ela, não tinha qualquer memória sua. Mas, vendo Corinne Bishop, tendo visto as provas nas costas delicadas das muitas torturas que sofreu, Hunter sentiu uma vergonha súbita e profunda, que o fez querer negar qualquer ligação com Dragos ou os horrores de seus laboratórios.

Um tendão saltou na mandíbula, então respondeu:

— Não precisa se preocupar com o que aconteceu comigo. Nada foi pior do que aquilo que Dragos fez a você.

Sua carranca aprofundou com desaprovação. Mesmo no escuro, podia ver a cor subindo em seu rosto. Sem dúvida, ela sabia que estava se referindo às suas cicatrizes. Cicatrizes que não teria visto se não estivesse espionando-a em seu banho.

Esperou que ficasse zangada com a lembrança, tinha o direito, supôs. Não teria negado que olhou. Provavelmente não teria negado que admirou o que viu. Por toda a noite, esteve tentando esquecer dela nua no banheiro do quarto de hotel. A memória voltava vividamente agora, insistente, apesar de seu esforço para bani-la de sua mente.

Como as cicatrizes, que eram chocantes, mas não esmaeciam sua beleza. Não aos seus olhos.

Ela o atordoava como tentação, diria, mas ela não gostaria de ouvir.

Corinne o encarou por muito tempo, então deslizou a cadeira para trás e começou a se levantar.

— Vou encontrar um banheiro, — ela murmurou.

Ele se levantou com ela, seus olhos varrendo a multidão.

— Vou com você.

— Para o banheiro das mulheres? — Ela deu-lhe um olhar de dispensa. — Espere aqui. Eu já volto.

Impedido de segui-la através do restaurante, ela lhe deu pouca escolha além de resfriar seus calcanhares na mesa. A viu indo em direção ao sinal luminoso marcado Feminino, — em seguida, desapareceu pela porta escura balançando.

Corinne passou apenas um minuto ou dois no banheiro, em pé com as costas apoiadas na parede oposta da pia de porcelana e do espelho lascado. Apenas tempo suficiente para recuperar o fôlego, para juntar seus pensamentos da melhor maneira possível. Seu cocktail com o jantar realmente foi direto para sua cabeça. Por que mais teria se sentado à mesa com Hunter, falando de música e relembrando seu passado, quando deveria estar interrogando-o sobre qualquer informação que ele e a Ordem reuniram sobre Henry Vachon?

Se Hunter não comentasse suas cicatrizes, ou a lembrasse não muito sutilmente que as viu mais cedo no hotel, ainda podia estar sentada lá, se perdendo nos prazeres simples da boa comida e bebida e música que tanto amava quando menina. Estava mesmo desfrutando da companhia dura de Hunter, o que só enfatizava o quanto um pouco de álcool a afetou.

Ela saiu do banheiro, voltou para a caverna fumacenta do restaurante. De pé, sem a parede do banheiro para mantê-la estável, sua cabeça estava leve, suas pernas moles quando desviou para a banda de três componentes que cantava para uma pista de dança cheia de casais balançando lentamente.

Corinne estava à beira do pequeno quadrado de madeira usada e observava a movimentação das pessoas entre a luz de velas e as sombras. Corpos pressionados juntos, braços em volta uns dos outros enquanto a música envolvia o clube inteiro. Sorriu melancolicamente, incapaz de conter o sorriso nos lábios quando reconheceu a letra sensual, mas desafiadora.

Outra canção de Bessie Smith. Outra atração do passado, de volta num momento em que era inocente, sem saber o quão mal, cruel e feio o mundo poderia ser.

Fechou os olhos e sentiu a música velha e familiar sobre ela, tentando-a em direção ao seu porto seguro. Era apenas uma ilusão, sabia disso. Não podia fugir de onde estava agora, não importa o quanto desejasse apagar tudo que passou. Não podia ignorar onde estava, o que perdeu... o que ainda precisava fazer.

Sabia de tudo isso, mas com a voz da cantora a embalando num balanço suave na borda da pista de dança, não conseguia resistir ao apelo. Era só por um minuto, uma indulgência breve que saborearia, olhos fechados, os sentidos à deriva, flutuando numa maré tranquila.

Quando levantou as pálpebras, um momento depois, Hunter estava bem na frente dela.

Ele não disse nada, apenas se erguia sobre ela, uma parede de músculo e energia escura, o calor da sua presença nos escassos centímetros que os separavam, parecendo absolutamente nada. Seu bonito rosto duramente esculpido estava inescrutável como sempre. Mas seus olhos brilhavam como brasas, queimando sem chama.

Era o mesmo olhar que viu nos olhos dele no hotel, só que agora não havia porta para fechar entre eles. Não havia lugar para ela se esconder do olhar aquecido deste homem perigoso, mortal. Mas não foi medo que inundou suas veias quando Hunter olhou para ela agora. Não foi nada assim.

Algo elétrico, espontâneo e poderoso, passou entre eles naquele instante. Era a única maneira que podia explicar como suas mãos se estenderam para ele, as palmas em seus ombros largos. A única maneira que podia compreender o impulso que a fez descansar o rosto em seu peito forte e sussurrar:

— Dance comigo, Hunter. Apenas por um momento?

Agarrada a ele, ela balançou lentamente na letra de Bessie, sua orelha pressionada contra a batida pesada do coração de Hunter. Ele não estava dançando, mas ela não se importava. Seu calor a cercava, a fazia se sentir segura, embora fosse provavelmente a pessoa mais perigosa na sala.

Seus braços a envolveram depois de um longo momento, suas mãos grandes descansando levemente, ligeiramente na base da sua coluna. Estava duro, quase sem jeito. Não podia ouvi-lo respirar mais, só o aumento de seu batimento cardíaco, tão pesado e intenso que quase afogava todos os outros sons.

Ela levantou a cabeça e olhou para ele, suas mãos ainda apoiadas nos ombros largos. Seus olhos dourados soltavam faíscas âmbar, estreitando suas pupilas como fendas de gato. Desejo rolava dele, inconfundível e quente. Ela se moveu de volta a um passo hesitante, colocando um espaço fracionário entre eles, apesar de seu próprio pulso estar barulhento com uma consciência súbita e intensa.

E desejo.

A assustou, tão profundamente a trespassava. Desejo era algo estranho para ela depois de tudo que passou. Depois do que sofreu, pensava que nunca aceitaria um toque masculino. Mas o fazia agora. Inacreditavelmente, talvez estupidamente, ansiava por tocar este guerreiro de pedra, mais letal que qualquer outra coisa naquele momento.

Se forçou a dar outro passo para trás, se afastando.

— Obrigado pela dança, — ela murmurou, a confusão confrontando com o calor em espiral através dela. — Obrigado por isso. Por me trazer aqui hoje à noite. Pensei que tinha esquecido como era me sentir... normal. — Ela olhou para baixo, longe do calor escaldante de seus olhos. — Não achava que era possível sentir... mais nada.

Seu toque foi leve, mas firme sob seu queixo. Ele levantou o rosto na ponta de seus dedos, até que seus olhares estavam presos mais uma vez. Ele abaixou a cabeça em direção a ela.

E então a beijou.

Delicadamente, sem pressa, passou os lábios através dos dela. Seu beijo era quase hesitante, como se não soubesse como tirar mais do que estava disposta a dar. Tão intoxicante como era sua boca contra a dela, também era doce, a primeira vez que foi tocada com tanto cuidado, tão cheio de ternura. Que um homem formidável como Hunter pudesse possuir tanta paciência e contenção era um espanto para ela.

Não foi fácil para ele. Ela viu a verdade um momento mais tarde, quando seus lábios se separaram e ela olhou nos olhos de ouro transformados em incêndios gêmeos que a murcharam com seu calor âmbar. A cabeça abaixou na direção dela, só uma respiração entre suas bocas na escuridão enevoada que os rodeava. As pontas de seus dentes brancos brilhavam atrás de seu lábio superior. A cor cobria seus dermaglifos que faziam arcos graciosos e florescentes ao longo das laterais do pescoço e em torno de sua nuca.

Ele a queria.

O pensamento deveria amedrontá-la, não a atrair mais perto. Ela olhou para ele, ansiando contra toda a razão por outro sabor da sua boca sensual. Suas mãos tremiam contra as costas dela, onde ainda a segurava de sua dança breve. Quando puxou até tocar sua bochecha, seu toque era leve como pena, tão suave quanto seu beijo, apesar da aspereza calejada de seus dedos.

Corinne exalou superficialmente enquanto ele acariciava com o polegar seu lábio inferior. O queixo erguido em seu punho, ele inclinou a cabeça abaixo em direção a ela, mais uma vez...

E então ele congelou.

A tensão o varreu num instante, uma nova tensão, esta fria e uma batalha cautelosa. Seus olhos chicotearam pelo clube lotado.

— Temos problemas — disse ele, voltando para o modo de guerreiro. — Não é seguro agora. Preciso te tirar daqui.

— O que foi, Hunter? — Ela tentou seguir a direção de seu foco, mas tinha mais de uma cabeça acima dela. — O que está vendo?

— Vampiros, — ele disse, sua voz baixa, discreta. — Um grupo deles está vindo pela frente do restaurante. Há um Gen Um entre eles. Um dos assassinos de Dragos.

O coração de Corinne bateu duro contra suas costelas.

— Tem certeza?

— Não pode haver dúvida.

Sua resposta foi tão grave, que teve que lutar para recuperar o fôlego.

— Ainda os vê? O que estão fazendo?

— Procurando na multidão. — A mão dele encontrou a dela e a pegou com força. — Meu palpite é que estão procurando por nós.

Ele a puxou mais dentro da multidão na pista de dança, costurando através dos casais alheios, seu olhar nunca deixando a área da presumida ameaça, na entrada.

— Por que estariam procurando por nós? — Ela perguntou quando correu junto ao seu lado, o pânico tremulando como asas escuras no peito. — Como Dragos sabia que estávamos em Nova Orleans?

— Porque alguém lhe disse onde procurar, — respondeu laconicamente Hunter. — Alguém que eu deveria ter matado quando tive chance.

Victor Bishop.

Oh, Deus. Ele a traiu mais uma vez.

O que foi um erro estúpido pensar que não o faria. Pior ainda, o tornou possível persuadindo Hunter a poupá-lo. Agora, só podia esperar que não custasse a vida de nenhum deles.

Doente com o pensamento, furiosa com pesar, Corinne apertou firmemente a mão de Hunter enquanto ele a puxava pela multidão em direção aos fundos escurecidos do estabelecimento.

 

Eles irromperam pela porta dos fundos do lugar, o único objetivo de Hunter para levar Corinne Bishop para a segurança. Quando a porta de aço se abriu para a viela traseira, um par de machos Raça vestindo os ternos da Agência de Execução chegavam apressados ao exterior.

Tarde demais.

Hunter os avaliou e descartou como obstáculos insignificantes antes mesmo do primeiro ter a chance de alcançar a arma no coldre ao seu lado. Liberando a mão de Corinne, Hunter pegou a cabeça do macho da frente e deu-lhe uma torção violenta. A coluna vertebral quebrou como tiros abafados quando o corpo sem vida caiu no chão.

O segundo guarda caiu também rapidamente.

Hunter olhou para trás, para Corinne, que estava atrás dele, atingida pelo silêncio.

— Vamos — disse ele. — Não temos muito tempo.

Hunter puxou o celular do bolso das calças enquanto corriam ao longo de um labirinto de becos estreitos. Chamou Boston e retransmitiu para Gideon o que estava acontecendo.

— Porra, — murmurou o guerreiro na outra extremidade. — Se Dragos está preocupado o suficiente para enviar assassinos até New Orleans, acho que é seguro assumir que a ligação entre Dragos e Vachon é válida.

— O que significa que a conexão entre Bishop e Dragos continua, — respondeu Hunter quando navegou passando por uma loja de venda de Voodoo, pés de galinha e outras partes de animais abaixo de um beco particularmente estranho. — Isso é uma questão que resolverei com Bishop mais tarde.

Gideon explodiu uma expiração afiada.

— Não precisa, cara. Victor Bishop foi morto esta tarde em seu Darkhaven. O relatório apresentado à Agência, em Detroit, afirmou que atacou sua Companheira e poderia fazer muito pior se não fosse interrompido por um de seus agentes de segurança na propriedade.

— Quem o matou?

— Alguém chamado Guy Mason, de acordo com os relatórios.

Hunter grunhiu em reconhecimento, lembrando a forma protetora do guarda do Darkhaven que saiu na porta, quando ele e Corinne chegaram. Olhou para ela agora e viu o olhar de compreensão sobre seus traços pálidos enquanto lutava para se manter com seus passos longos. Pelo menos, Victor Bishop a feriu pela última vez. Alguma parte irracional dele queria que fossem suas mãos que terminassem a duplicidade do bastardo por tudo que fez a ela.

— Precisamos de um lugar para ir, — disse Gideon.

— Não está no hotel?

— Não. Os mapas e minhas armas foram deixados no quarto.

— Bem, considere-os perdidos. Não pode voltar lá agora, cara. Malditamente arriscado.

Uma conclusão óbvia, Hunter pensou. Se os homens de Dragos estavam varrendo a cidade por algum sinal deles, devia assumir que também verificariam os hotéis da área.

— Escute, — disse Gideon. — Acabou de perder a vantagem da surpresa com Vachon. Lucan está aqui comigo agora e concorda. Levar esta missão sozinho, agora, é muito arriscado. Além disso, tem a fêmea para pensar. Lucan diz que é hora de abortar. Volte para o avião. Vou conseguir te tirar daí agora.

Hunter sentiu um argumento subindo para a ponta de sua língua. Tinha um gosto estranho para ele; ele, que foi criado para seguir ordens, nunca questionar suas ordens. Mas parte dele queria isso, queria ver Henry Vachon e Dragos punidos pelo que fizeram para Corinne e as outras. Rangeu ao pensar que esta pista ficou fria, simplesmente porque perdeu uma vantagem tática.

Antes que pudesse apontar isso para seus irmãos em Boston, Gideon voltou na linha.

— Acabei de falar com os pilotos. Vão estar abastecidos e esperando você chegar. A que distância está do aeroporto?

Hunter navegou fora de seu atual beco e achou uma rua que reconheceu e que o levaria a uma das principais vias no meio do Bairro Francês.

— Estamos a pé agora, mas a 20 minutos no máximo do veículo.

— Chegue lá, — disse Gideon. — Chame quando estiver no ar. Então vamos encontrar um lugar para ambos, até que a merda se assente aqui em cima. Não podemos nos dar ao luxo de perder mais um de nossas fileiras. Já é ruim o suficiente estarmos com um homem a menos.

— Um a menos? — A observação o pegou desprevenido. Algo frio e apertado agarrou sua barriga com o pensamento de perder um de seus companheiros guerreiros. — Houve uma morte em campo?

— Porra, você não ouviu. É Harvard. Ele se foi, saiu pela noite antes de você sair para Detroit e não foi visto ou ouvido desde então. Dante e Kade encontraram seu celular num rio em Southie. Odeio dizer isso, mas parece que Chase pisou fora da borda e não tem intenção de voltar. — Gideon ficou quieto, contemplativo por um momento. — Perguntou se houve uma morte na Ordem? Vou dizer, isso é exatamente como parece por aqui agora. A única coisa que vai ser pior é quando, em algum lugar abaixo da linha, alguém em seu relatório de patrulha informar que abateu um Renegado e era Harvard.

— Espero que esta noite não chegue — disse Hunter, tão profundamente atingido que quis dizer isso.

— Você e todo o resto de nós no rancho, — respondeu Gideon. — Enquanto isso, vamos esperar que mais nada vá para o inferno, certo? Então, levem suas bundas para o aeroporto o mais rápido possível. Relatório de volta depois que a fêmea estiver segura.

— Considere feito, — Hunter respondeu severamente.

Deslizou o telefone de volta no bolso e correu com Corinne para procurar um meio de transporte para fora da cidade.

 

Não percebeu os humanos até que estavam quase em cima dele.

A cabeça baixa, Chase tinha a boca presa ao pescoço de uma anfitriã de sangue que seguiu desde uma casa de crack nas entranhas da cidade há pouco tempo. Agora, resmungou irritado quando o farol do veículo que se aproximava ricocheteou nas paredes de tijolos da estreita rua onde se agachava com sua presa.

O carro da polícia rondava lentamente entre os prédios antigos, o farol chicoteando nas laterais enquanto se aproximava da metade da marca.

Chase se precaveu, puxando sua anfitriã frouxa mais nas sombras da caixa de lixo que o protegia apenas dos policiais à frente dela. A loira de cabelos de palha gemeu, se pela calmaria de sua sucção em sua carótida ou pelo burburinho da cocaína que contaminava seu sangue com sua trava adocicada, ele não tinha certeza. Ela tentou se mover, mas a segurou abaixo, não muito satisfeito, mesmo sabendo que tomou mais que o suficiente já.

O carro da polícia se arrastou mais adiante, chegando cada vez mais perto de onde avidamente se alimentava.

Algum pingo de sanidade o avisou para chegar nas sombras. Ele as agarrou com sua mente, tentou dobrá-las à sua vontade, reunir a escuridão ao seu redor, a fim de se esconder da ameaça da lei humana que estava a poucos segundos de virar sua luz desagradável em sua direção.

Chase arranhou para dobrar as sombras, mas seu talento era muito difícil de manter. Balançou fracamente e foi embora, indo e vindo, e durando não mais que meros segundos de cada vez.

Ele rosnou, frustrado pela perda de controle.

Quanto tempo antes que sua capacidade escorregasse de suas mãos completamente? Viu os efeitos da Sede de Sangue sobre os outros. Sabia de seu poder destrutivo. O vício comeria seu talento Raça, então sua sanidade, sua humanidade... e, eventualmente, sua alma.

O pensamento se infiltrou através da névoa de sua alimentação avarenta, tão amargo como o sangue drogado que escorria da sua garganta. Com um rosnado, arrancou a boca da ferida e a lambeu para selar, a repulsa por si mesmo e pelo ser humano que poderia ter drenado e secado, não fosse pela interrupção da polícia se aproximando.

Arrastou seu corpo quase inconsciente mais atrás do grande recipiente de lixo. Ela iria se recuperar em um curto tempo, não lembrando nada dos últimos minutos. Ela sacudiria sua letargia estranha e se levantaria, livre para voltar ao vício que a trouxe a esta rua esquálida, em primeiro lugar.

E quanto a ele?

Chase grunhiu, com a cabeça ainda zumbindo quando limpou o sangue do seu queixo onde estava agachado na sujeira do beco. O deslizamento lento da viatura de polícia o manteve encolhido na borda da caçamba por muito mais tempo do que gostaria. Esperou, observou, cauteloso enquanto o carro parava em frente de onde estava agachado, rangendo os freios. A sirene do veículo deu um curto vaio antes da luz azul acender, banhando o beco na luz pulsante. Uma das portas abriu, em seguida, fechou com um baque surdo.

— Alguém aí atrás? — A voz firme, profissional com pesado sotaque de Boston. As solas das botas trituravam na calçada congelada. Um silvo agudo de estática veio do rádio do policial quando se moveu mais perto. — Nada de vadiagem aqui, especialmente vocês, degenerados drogados e viciados. — Outro passo mais perto. Mais dois e os humanos estariam bem na frente dele. — Vai largar essa porra de baseado, a menos que queira que a gente te leve para a delegacia.

Chase saltou de seu esconderijo como algo saído de um pesadelo.

Num grande salto, se lançou acima e sobre a cabeça do policial confuso. Desceu sobre o capô da viatura estacionada tão leve quanto um gato, então correu antes que qualquer um dos policiais de Boston tivesse oportunidade de registrar o que acabavam de testemunhar.

Chase correu com toda a velocidade que possuía pela genética de sua raça. Ainda tinha isto, ainda tinha a força e resistência de sua natureza selvagem. Se qualquer coisa, cheio pelo sangue que consumiu amplificou a besta nele. Ele saiu, entrando mais e mais na noite, mais longe e mais longe das luzes brilhantes e do tráfego do feriado agitado das principais vias.

Não sabia por quanto tempo correu.

Não tinha certeza de onde estava quando finalmente desacelerou o suficiente para notar que estava longe da cidade. Já não rasgando ruas, estacionamentos ou bairros, mas mergulhando através de campos abertos cobertos de neve e matas espessas no subúrbio da floresta. À sua frente, não muito longe na distância, uma colina de granito ampla cheia de pinheiros crescia na paisagem circundante. Ele a registrou vagamente, uma das reservas naturais que os humanos preservavam. Uma das manchas remanescentes de terreno natural protegido da ameaça de expansão urbana que sufocava todos os lados.

A localização piscou algo enterrado num canto escuro de sua mente, um pensamento fugaz que devia conhecer este lugar. Esteve aqui uma vez, anos atrás. Chase sacudiu a distração mental enquanto entrava na preservada floresta, não importando onde estava, só que estava em movimento, colocando milhas das luzes da cidade atrás dele.

Caiu sobre suas coxas num trecho espesso da floresta de terra, descansando as costas contra o tronco de um carvalho muito alto. Os ramos nus tremiam acima de sua cabeça, a lua lutando para espreitar através da densa cobertura de nuvens, à noite. Por um longo tempo, o único som que ouviu foi sua própria respiração dura, o som ritmado de seu pulso em seu peito arfando.

Ele ficou lá, sem saber onde sua sede o levaria a seguir.

Na verdade, mal estava incomodado para dar a mínima.

Os lábios curvaram para trás de seus dentes e presas, ele sugou o ar invernal, estremecendo com o frio e o aperto em suas tripas envenenadas. Apesar de suas entranhas retorcidas, de se fartar com muito sangue tomado com muita frequência, não podia evitar saber onde encontraria sua próxima dose. Olhou para o céu à meia-noite e tentou adivinhar quanto tempo ainda tinha para se alimentar antes do amanhecer o levar de volta a se esconder para aguardar a noite mais uma vez.

Oh, sim, pensou, rindo para si mesmo em meio a louca diversão. Tudo que precisava era soltar a besta que já tinha suas garras duramente presas nele já.

No entanto, foi a besta que sussurrou para ele como a floresta estava estranhamente calma à sua volta. Foi ainda o predador que despertou sua atenção, totalmente afiada.

A uma distância incalculável de onde repousava, um galho quebrou na escuridão. Depois outro.

Chase ficou parado, em silêncio. Esperando.

Alguém se aproximou de dentro do matagal.

Ele viu um instante mais tarde — um menino magro, vestido com jeans frouxos, botas de corrida enquanto dava um olhar ansioso atrás em direção à escuridão da floresta às suas costas. Usava uma jaqueta de inverno, mas sob o zíper aberto, sua camisa estava rasgada, salpicada de manchas escuras.

Tal de intrusão abrupta, bizarra não parecia real. Pensou que o menino fosse uma alucinação primeiro. Algum truque estranho de uma mente perdida.

Até o cheiro pungente de medo preencher suas narinas. Ossos quebrados, medo abjeto.

E sangue.

O menino estava sangrando de uma pequena ferida no pescoço, riachos gêmeos que não escaparam da visão aguda de Chase. O cheiro de doces glóbulos vermelhos atingiu seus sentidos como um trem de carga. Rolou agachado em suas mãos e joelhos enquanto a criança corria mais perto de onde se escondia.

E então, de repente, o menino não estava sozinho.

Uma mulher saiu da escuridão vários metros atrás dele. Em seguida, outra criança, esta mais velha, um adolescente com arregalados olhos aterrorizados. Um homem caiu da samambaia distante um momento mais tarde. Seguido por outra mulher, mancando e chorando. Ela também estava suja de sangue, sangrando de uma marca de mordida no braço dela. Eles se moviam em direções distintas, fugindo como uma manada de veados assustados.

Como o jogo esportivo que estavam, Chase percebeu, a verdade em que tropeçou varrendo sobre ele com a compreensão fria.

Clube de sangue.

Essa era a familiaridade mesquinha deste lugar. Ele esteve aqui antes, mais de uma década atrás, ele, Quentin e um esquadrão de agentes da Agência de Execução invadiram, respondendo aos rumores que um grupo de caça ilegal organizava uma noite de esporte nos subúrbio de Boston em Park Hills Blue.

Não tinha que ouvir o uivo animal de um dos vampiros em busca desses humanos condenados para saber que estava de pé no meio de um dos jogos mais depravados de sua espécie. Proibido pela lei Raça durante séculos, os clubes que organizavam a caça de humanos como esporte e tudo mais que um vampiro pudesse desejar era condenado, mas não completamente abolido. Ainda havia aqueles que desafiavam as leis. Ainda havia aqueles círculos sociais fechados para membros muito exclusivos, a restauração da elite pervertida da Raça.

Chase procurou o desprezo que devia sentir por algo tão repreensível. Sentiu a centelha de indignação, sua antiga ética da Agência formigando com o impulso de intervir, mas não foi suficiente para impedir seus dentes de rasgar de suas gengivas quando a fragrância acobreada de sangue derramado permeou pelo mato. Fome enrolou dentro dele, fazendo com que seu pulso corresse quente e selvagem em suas veias.

Quando os humanos se aproximaram do ponto cego onde estava agachado, ele ficou de pé.

Seu olhar âmbar queimando sua visão, ele saiu de seu esconderijo diretamente em seu caminho.

 

Chegaram ao aeroporto a bordo de um El Camino[11] roxo que Hunter conseguiu numa rua em Nova Orleans.

O homem que deixou o veículo em marcha lenta no meio-fio estava envolvido numa discussão acalorada com um par de jovens seminuas na esquina — mulheres que pareciam pensar que lhes devia dinheiro. Enquanto saltava do carro para gritar e amaldiçoá-las, Hunter colocou Corinne do lado do passageiro, então suavemente deslizou ao volante e saiu em disparada antes que o homem tivesse a oportunidade de notar que tinham ido embora.

O jato da Ordem os aguardava no hangar privado enquanto dirigiam o veículo roubado para o espaço cavernoso. Corinne olhou para Hunter, ainda tentando conciliar seu toque terno no clube de jazz com a violência letalmente eficiente que tirou duas vidas no beco.

— Os guardas na cidade, — ela murmurou enquanto ele estacionava o carro e desligava o motor. — Quebrou o pescoço deles como se não fossem nada mais que galhos.

Sua expressão era ilegível, completamente neutra.

— Temos que ir agora, Corinne. Gideon já chamou antes para alertar os pilotos. Estarão esperando por nós lá dentro.

Ela engoliu o pedaço de gelo que atravessava sua garganta desde que fugiu do clube.

— Matou aqueles homens, Hunter. A sangue frio.

— Sim, — disse ele composto. — Antes que tivessem a oportunidade de fazer o mesmo para nós.

Eu lido com a morte.

Isso foi o que disse a ela, na noite passada. Nasceu para o papel de assassino e foi muito bem treinado para fazer coisas impensáveis. Até agora, eram apenas palavras. Só a ameaça de perigo. Agora estava sentada ao lado dele, prestes a segui-lo para fora do carro roubado e para o avião que a levaria com ele, Deus-sabe-onde.

E ainda, quando ele saiu de trás do volante, em seguida, deu a volta para abrir a porta e estender a mão para ela, ela a tomou.

Andou com ele, todo o piso de concreto do hangar em direção à escadaria abaixada que levava para a cabine do jato particular. Hunter subiu os degraus à frente dela, então fez um gesto em direção à cabine espaçosa.

— Os pilotos devem estar na cabine — disse ele quando ela passou por ele de cabeça baixa para um dos doze grandes assentos reclináveis de couro no interior. — Vou dizer-lhes que estamos aqui.

Corinne girou a cabeça em reconhecimento.

Mas quando sua atenção correu de volta para Hunter, tudo parecia muito silencioso em torno deles. Seus olhos reluziram com o aviso. Estendeu a mão para ela.

— Corinne, saia. Saia daqui.

Antes que tivesse chance de reagir, uma coisa enorme, um macho da Raça, facilmente tão grande quanto Hunter e vestido da cabeça aos pés de preto numa roupa justa, explodiu da área da cabine fechada atrás dele.

Hunter girou com velocidade relâmpago, juntando seu atacante e mantendo agarrada a mão que segurava uma sórdida pistola preta. Tiros soaram — uma bala se alojando no teto acima da cabeça de Hunter, duas mais detonando ao lado do interior da cabine. A janela estalou, seu vidro temperado trincando em torno do grande buraco redondo deixado em seu rastro.

Corinne agachou atrás das costas altas de um assento de couro, observando numa mistura de terror e espanto enquanto Hunter atingia o pulso de seu agressor com a borda de sua mão. A arma caiu no chão da cabine, sendo chutada por Hunter quando aplicou mais uma série de similares socos, golpes cortantes no pescoço do outro homem e na mandíbula.

Este não quebrou como os do par de guardas fora do clube de jazz. Se igualava a Hunter em tamanho, e quando Corinne olhou em horror frenético, percebeu que também se igualava nas habilidades mortais.

O outro homem agarrou Hunter pelo pescoço e o bateu na parede mais próxima. Ele espancava Hunter com socos incrivelmente rápidos no rosto e no crânio. Hunter se torceu e conseguiu se desviar das pancadas. Com uma mão apertou o pulso do seu atacante, puxou o braço do outro homem, até que Corinne ouviu os ossos estalando sob a tensão.

No entanto, o atacante de Hunter proferiu nada mais que um grunhido quando girou ao redor para enfrentá-lo, tentando obter a vantagem mais uma vez. Hunter não parecia disposto a deixar que a tivesse. Enfiou o calcanhar da bota ao lado da rótula do outro macho, então deu mais um duro golpe no seu meio, então do lado do crânio coberto de preto. O assaltante caiu até o chão, a malha cobrindo a cabeça escorregando com o impacto, expondo seu rosto.

Corinne soltou um suspiro assustado.

Enquanto o cabelo grosso de Hunter era cortado perto de seu crânio, a cabeça desse vampiro era totalmente careca. Um padrão intrincado de dermaglifos de Gen Um rastreavam em torno das orelhas e na parte superior da cabeça arredondada. Sua cor estava silenciosa, mostrando que não havia nenhuma fúria ou dor, o que faria as marcações do outro macho Raça de pele clara, estarem com cores profundas, turbulentas. Sob as barras escuras das sobrancelhas do intruso, os ferozes olhos cinzentos eram tão lisos e frios como aço.

Estava tão calmo e tranquilo como Hunter. E cada pedaço tão letal.

Embora os dois parecessem diferentes um do outro, também eram iguais.

Ambos nasceram assassinos.

Ambos foram treinados para matar ao comando de Dragos.

No instante que tomou para ela perceber isso, Hunter tinha seu pé destinado a descer sobre o rosto do outro homem. Quando os músculos da coxa flexionaram e o calcanhar começou sua descida dura, o outro homem rolou fora do caminho e se lançou em direção a pequena cozinha do jato entre a cabine e a porta da cabine destruída.

Com o braço quebrado balançando inútil ao seu lado, o intruso estendeu a mão e puxou para baixo um armário cheio de objetos de vidro. Girou para Hunter, brandindo um caco muito brilhante de cristal como uma lâmina. Deu um golpe grave, e só por pouco Hunter escapou e se esquivou de lado, então investiu o punho na parte baixa do abdômen de seu atacante. O golpe o surpreendeu, a lâmina de vidro quebrando sob seus pés enquanto a luta os empurrava mais para dentro da cozinha.

Corinne poderia correr para fora. Deveria, provavelmente. Mas a ideia de deixar Hunter lidando com este assassino que aparentemente não desistiria estava fora de questão. Se arrastou de trás do assento da cabine, procurando algum meio de ajudá-lo. Seu talento era inútil para ela aqui. Sem o auxílio de uma onda sonora constante, sua habilidade de aumentar o volume de energia do som não poderia ser convocado.

Mas se pudesse colocar suas mãos sobre a arma que estava a apenas alguns metros entre ela e a zona de combate...

Ela viu tarde demais.

O atacante de Hunter já estava indo nessa direção ele mesmo, se defendendo de Hunter enquanto lutava com o pé para trazer a arma ao seu alcance.

Eles se revolviam e se esforçavam, alternando golpes que teriam deixado machos menores inconscientes. E logo, num momento que passou tão rapidamente que Corinne dificilmente poderia registrar o movimento, o assaltante de Hunter tentou agarrar a arma e a apontou diretamente para seu rosto.

— Não! — Os pés de Corinne se moveram, mesmo antes que pudesse respirar e gritar mais uma vez. Correu atrás do outro homem e se atirou em suas costas. Se agarrando com uma mão, enfiou as unhas na carne macia de seu rosto e olhos. Arranhou tão duro como pôde, animalesca em sua necessidade de impedir que uma das feras de Dragos prejudicasse alguém que amava.

O assassino treinado sequer respirou sob seu ataque. Seu cotovelo voltou com força contra o lado de seu rosto, esmagando seus lábios contra os dentes. Ela sentiu gosto de sangue na boca. Sentiu que escorria pelo queixo quando o lábio partiu.

E então estava voando para trás, jogada de suas costas largas como se fosse absolutamente nada.

Falha ou não, sua tentativa de distração deu a Hunter oportunidade suficiente para desviar a arma do seu objetivo quando o invasor disparou outra rodada. Hunter abaixou a cabeça e bateu no outro homem com toda a força de seu corpo, os ombros largos levando o outro homem ao chão.

Hunter o empurrou em direção à porta aberta no topo da escada abaixada. Os dois caíram fora do avião juntos. Corinne se levantou e correu para a porta, observando que os dois caíam no concreto duro abaixo.

Hunter deu uma rápida olhada para ela, apenas o suficiente para verificar que estava bem. Sentiu o calor de seus olhos dourados quando iluminaram seu rosto na trilha fina de sangue que agora ela limpava de seu queixo.

Ela ouviu seu rosnado baixo, o primeiro som que proferiu durante toda a extensa luta brutal. Quando se voltou para o assassino que estava semiconsciente, preso debaixo dele no chão, os movimentos de Hunter eram precisos e inflexíveis. Pegou a arma da mão frouxa de seu atacante e se levantou. Sentando sobre o grande corpo vestido de preto, Hunter mirou o cano da arma na cabeça careca coberta por glifos.

Não, isso não era certo, Corinne notava agora.

Não estava apontando para a cabeça do assassino exatamente, mas sim no rígido anel peculiar preto que circulava seu pescoço como uma espécie de colar.

Mesmo do alto da escada, podia ver os olhos do assassino se arregalando, ao entender como Hunter nivelava a arma no anel grosso, preto fosco. Agora, viu o medo no outro homem. Agora, finalmente, viu seu reconhecimento da derrota.

Hunter atirou.

Um relâmpago de luz respondeu ao som do tiro, tão brilhante e penetrante que Corinne teve que proteger os olhos por sua explosão súbita. Quando clareou um instante depois, fumaça fina se levantava do lugar onde estava o assassino, seu grande corpo sem vida no concreto, com a cabeça limpamente cortada.

— Oh, meu Deus, — ela sussurrou, sem saber o que acabava de testemunhar.

Hunter saiu de trás da escada abaixada quando ela chegou ao degrau.

— Você está bem?

Ela acenou com a cabeça, depois a sacudiu levemente, tentando entender o que aconteceu aqui.

— Como você... O que fez com ele?

Estoico mais uma vez, exceto pelas faíscas âmbar que brilhavam escuras quando seu olhar caiu no lábio dividido, Hunter a levou para longe da carnificina no chão. Se aproximou e pegou o grosso anel preto do pescoço carbonizado do assassino.

— Os pilotos foram mortos antes de chegarmos. Dragos deve ter olhos por toda a cidade agora. Pode enviar mais como este atrás de nós. Temos que ir agora.

Ela deu um olhar incrédulo por cima do ombro quando a guiou para longe do corpo.

— Só vai deixá-lo lá?

Hunter deu um aceno triste.

— As portas do hangar estão abertas. Chegando a manhã, o sol vai destruir o que sobrou dele.

— E se não o fizer? — Ela apertou. — E se Dragos ou seus homens chegarem aqui primeiro e perceberem o que fez? E se forem atrás de você?

— Então, vão saber o que os espera se tentarem. — Ele estendeu a mão para ela, a palma para cima, esperando que ela a pegasse. — Vamos sair daqui, Corinne.

Ela hesitou, mordendo a incerteza nas bordas de sua consciência. Mas então enfiou a mão na dele e deixou que a levasse longe da carnificina.

 

A fêmea humana gritou quando viu Chase emergir atrás do grande carvalho. Quando viu seu rosto banhado com luz âmbar de seu olhar transformado, deu outro grito de gelar o sangue e desviou bruscamente, na tentativa de evitá-lo. Poderia derrubá-la facilmente.

Poderia, mas no instante seguinte, madeiras explodiram enquanto o clube de sangue se aproximava em busca de seus brinquedos em fuga. Saindo da escuridão nos calcanhares dos humanos, um vampiro desceu de um salto, transportado pelo ar para atacar um dos homens correndo. Quando afundou os dentes na garganta de sua presa, mais três machos da Raça emergiram das sombras em grande velocidade, todos convergindo para os humanos aterrorizados como uma matilha de lobos babando.

Foi quando Chase avistou um rosto que reconheceu.

Murdock.

O filho da puta.

Chase ouviu rumores de interesses perversos do macho durante seu tempo na Agência de Execução, então acreditava que não deveria ser nenhuma surpresa ver Murdock sair da escuridão para agarrar o menino com a camisa ensanguentada.

Mas foi surpresa para Chase. Desviou sua atenção da sua própria sede de sangue de forma mais eficaz que uma boa dose de sol do meio-dia. Ele se enfureceu ao ver Murdock após a briga um par de noites atrás, em Chinatown, tempo que parecia a uma centena de anos atrás para ele agora.

E sentiu repulsa ao ver Murdock agarrar uma mecha de cabelo da criança em seu punho quando o jogou no chão, preparado para atacar o pescoço delicado num ângulo melhor para se alimentar.

Chase voou no vampiro com um rugido selvagem.

Arrancou Murdock de cima do menino chorando. Enquanto o jovem humano fugia frenético, Chase caiu com Murdock na neve e espinhos. Deu um soco no queixo do vampiro, deleitando-se pelo estalo vicioso de osso quebrando sob seus dedos.

Um dos amigos de Murdock do clube de sangue percebeu a invasão. Deixou cair o humano que prendia e pulou nas costas de Chase. Chase pinoteou. O vampiro bateu duro numa árvore próxima.

Murdock começou a lutar, prestes a fugir. Antes que pudesse ter a chance, Chase agarrou um galho caído de carvalho irregular e arrebentou o joelho de Murdock. Ele uivou em agonia, rolando para longe embalando o membro quebrado enquanto Chase voltava sua atenção para o outro vampiro, que estava voltando por ele, sibilando através das arreganhadas presas ensanguentadas.

Chase riscou o chão com o longo pedaço de carvalho preso firmemente na mão, enquanto o companheiro de Murdock estava pulando em cima dele. Chase impulsionou o ramo irregular num rápido, furioso movimento acertando o bastardo do meio da carne e osso do esterno, bem no coração.

Os restantes dois participantes do clube de sangue pareceram perder o interesse em seu esporte, quando viram um de seus próprios caído no chão numa poça de sangue, jorrando da ferida aberta no peito, e outro se contorcendo de angústia na samambaia congelada nas proximidades. Congelaram onde estavam, afrouxando o aperto e deixando suas presas horrorizadas soltas para escapar.

Chase se virou na direção deles, seus olhos âmbar disparando raios ambarinos selvagens na floresta escura, sua arma escorregadia apertada na mão, pronta para fazer mais danos.

Sem uma única palavra, o par de Agentes transgressores da lei disparou em direções opostas, desaparecendo na noite.

A floresta se calou mais uma vez, exceto pelos gemidos aflitos de Murdock.

Chase respirou limpeza. Intelecto e razão lentamente se filtravam através do nevoeiro escuro de sua fúria e da sede lancinante que ainda andava nele. A situação em que se encontrava agora não era ideal. Um agente morto sangrando no chão. Mais dois à solta para identificá-lo como os tendo atacado sem provocação. Dada sua reputação, ultimamente, não haveriam poucos que acreditariam se dissesse que tropeçou numa caçada de sangue ilegal e só fez o que precisava a fim de impedi-la.

E depois havia o problema dos humanos que escaparam, correndo. Sabia tão bem como qualquer um de sua espécie quão perigoso era permitir que os humanos voltassem para a população em geral sem antes limpar suas memórias de todo o conhecimento da Raça. Séculos de convivência cuidadosa poderiam ser dizimados num instante, se suficientes humanos histéricos gritassem a palavra — vampiro.

Chase rosnou, dividido entre a responsabilidade pela sua Raça e a necessidade mais profunda, mais pessoal de tirar de Murdock qualquer informação sobre Dragos.

Chase sabia a coisa certa a fazer. Deu um passo longe de Murdock, pronto para ir atrás dos humanos que escaparam e conter a situação.

O lamento das sirenes distantes, mais altos a cada segundo, o fez parar. Podia ser tarde demais já.

Olhou abaixo para Murdock.

Murmurando uma maldição, ergueu o vampiro ferido acima do ombro, então entrou pela floresta com ele.

 

Havia gasolina suficiente no tanque do El Camino roxo do cafetão para levá-los a uma boa distância longe da cidade. Longe da roda animada da New Orleans central, as casas eram pequenas e esparsas, muitas ainda em condições precárias ou abandonadas pela devastação do furacão que soprou em anos anteriores.

Enquanto Hunter dirigia, manteve um olho calculista no horizonte oriental onde o dia estava prestes a nascer. O silêncio profundo azul do outro lado da meia-noite já dava lugar aos tons pastéis da manhã. Olhou para Corinne, que estava em silêncio no banco do passageiro. Seu lábio partido estava inchado e ferido. Seus olhos fixos na estrada vazia à frente. Parecia cansada, com os ombros delicados tremendo se de choque ou frio, não sabia ao certo.

— Vamos parar logo — disse ele. — Precisa descansar, e o amanhecer está chegando.

Seu assentimento foi vago, pouco mais que um tremor de reconhecimento. Ela puxou uma respiração instável. Soltou-a lentamente.

— Você o conhecia?

Hunter não tinha que perguntar a quem estava se referindo.

— Nunca o vi antes desta noite.

— Mas você e ele... — Ela engoliu em seco, em seguida, aventurou um olhar de soslaio para ele. — Lutavam da mesma forma. Nenhum dos dois pararia até que o outro estivesse morto. Eram tão cruéis, tão implacáveis. Tão insensíveis como você sobre isso.

— Nós dois fomos treinados para matar, sim.

— Ao comando de Dragos. — Ele sentiu o olhar fixo sobre ele enquanto falava, viu sua expressão atingida em sua visão periférica. — Quantos são?

Hunter deu de ombros, incerto.

— Só posso adivinhar nossos números. Nunca fomos informados sobre o outro. Dragos nos manteve isolados, com apenas um Subordinado Treinador para cuidar de nossas necessidades básicas. Quando éramos chamados ao serviço, nosso trabalho sempre foi feito sozinho.

— Já matou muitas pessoas?

— Chega, — ele respondeu, em seguida, fez uma careta e balançou a cabeça. — Não, não será suficiente até que veja Dragos morto e enterrado. Mesmo se eu tiver que derrubar cada um dos outros como eu, a fim de chegar até ele. Em seguida, ele será suficiente.

Ela virou seu olhar de volta para a estrada, silenciosa e contemplativa.

— O que era a coisa que usou para matar o assassino no aeroporto? Ele estava usando algum tipo de colar. Você o pegou quando saímos, e vi que estava apontando para ele quando atirou nele. A explosão foi ofuscante.

Hunter ainda podia ver a explosão de luz penetrando em sua mente. Havia momentos em que ainda podia sentir a mordida confinante de sua própria coleira, a que tirou na noite que entrou para a Ordem.

— É um dispositivo de obediência projetado por Dragos. No interior, as casas do colarinho concentram luz ultravioleta. Não pode ser adulterado ou removido sem acionar o detonador. Só Dragos pode desativar o sensor.

— Oh, meu Deus, — ela sussurrou. — Quer dizer que é uma algema. Uma letal.

— Efetiva, certamente.

— E você? — Perguntou Corinne. — Não usa um colar assim.

— Não mais.

Ela o observou atentamente, com os olhos presos nele quando virou ao largo da estrada principal e seguiu em direção a uma rua lateral que parecia ser uma linha de casas abandonadas.

— Se costumava usar esse dispositivo terrível demais, como conseguiu se libertar?

— Dragos teve pouca escolha além de me libertar. Ele montou uma reunião com seus aliados no verão passado num local privado fora de Montreal. A Ordem descobriu que estava lá e se moveu para o ataque. Dragos me mandou como cobertura exclusiva, enquanto ele e seus homens fugiam pela porta dos fundos.

Sentiu a compreensão grave nos modos silenciosos de Corinne, enquanto ouvia.

— Estava te mandando sozinho contra quantos da Ordem? Ele queria que morresse.

Hunter deu de ombros.

— Só me mostrou a medida do seu desespero, e seu desprezo por mim. Ele e eu sabíamos que se eu não saísse para enfrentar os guerreiros nesse momento, ele e seus companheiros não teriam chance de escapar. Eu disse que iria, mas só se me libertasse do meu vínculo.

Foi um longo tempo desde que pensou sobre aquela noite nas florestas fora de Montreal. Na verdade, sua jornada rumo à liberdade começou ainda mais cedo que aquele verão, na noite em que invadiu o interior da casa de um vampiro Gen Um chamado Sergei Yakut com ordens de Dragos para matá-lo e se encontrou olhando para os hipnotizantes olhos, parecendo espelhos, de uma menina inocente.

— Foi Mira quem me deu coragem para exigir minha liberdade — disse ele, sentindo um calor no centro do seu peito por apenas pensar na criança. — Ela é vidente. Tem o dom da premonição. Foi em seus olhos que me vi saindo do controle de Dragos. Se não fosse por ela, poderia nunca saber que era possível viver de outra maneira.

— Ela salvou sua vida, — Corinne murmurou. — Não admira que cuide dela como faz.

— Daria minha vida por ela, — ele respondeu, tão automático quanto respirar.

E era verdade. A observação o sacudiu em algum nível, mas não podia negar o carinho que tinha pela menina. Se tornou ferozmente protetor com ela, assim como estava se sentindo protetor da linda mulher sentada ao lado dele agora.

Mas onde sua afeição por Mira era um calor suave, seu respeito por Corinne Bishop era algo completamente diferente. Era mais profundo, queimava com uma intensidade que só parecia crescer mais forte a cada momento que estavam juntos. Ele a desejava, o que se tornou evidente quando a beijou antes. Queria beijá-la novamente, o que era um problema.

Quanto aos outros sentimentos que provocava nele, não sabia o que fazer com isso. Nem queria saber. Seu dever era com a Ordem, e não havia espaço para distrações. Não importa o quão tentadora pudesse ser.

Corinne levou um longo tempo antes que respondesse.

— Toda criança merece ter alguém disposto a fazer o que for preciso para mantê-la segura, garantir sua felicidade. Isso é o que a família supostamente faz, não é? — Quando olhou para ele agora, sua expressão parecia incomodada, perseguida de alguma forma. — Não acha que é verdade, Hunter?

— Eu não sei. — Ele reduziu na frente de uma casa shotgun[12] meio escura com janelas cobertas por tábuas e um alpendre caído. Parecia abandonada, assim como o resto das casas que ainda estavam por ali depois que as águas recuaram anos antes. As fundações de cimento carcomidas, sufocadas pelo mato marcavam os lugares onde outras casas estiveram. — Isto deve ser suficiente, — disse a Corinne quando estacionou o veículo.

Ela ainda o fitava estranhamente do lado do largo assento do El Camino.

— Nunca teve ninguém, nem mesmo quando era criança? Nem mesmo sua mãe?

Ele desligou o motor e tirou a chave.

— Não havia ninguém. Fui afastado da Companheira que me deu a luz no laboratório de Dragos, quando ainda era um bebê. Não tenho nenhuma memória dela. O Treinador Subordinado atribuído a mim por Dragos era responsável pela minha criação. Tal como foi.

Seu rosto ficou pálido e frouxo.

— Nasceu no laboratório? Você foi... tirado de sua mãe?

— Todos fomos, — ele respondeu. — Dragos engendrou nossas vidas a partir do instante que fomos concebidos. Controlava tudo, para garantir que nos tornássemos máquinas de matar perfeitas e leais apenas a ele. Nascemos para ser seus assassinos. Somos Hunters, e nada mais.

— Hunters. — A palavra soava como madeira na sua língua. — Pensei que Hunter fosse seu nome. É seu nome?

Ele podia ver que estava confusa. Sua carranca franziu mais profunda enquanto processava, em silêncio, tudo que estava ouvindo.

— Hunter foi a única coisa de que fui chamado desde o dia em que nasci. É o que eu sou. O que serei sempre.

— Oh, meu Deus. — Sua exalação suave tremeu um pouco. Outra coisa cintilou em seu rosto naquele momento, algo que não poderia entender. Parecia tristeza. Parecia horror fresco crescendo. — Todas as crianças nascidas nos laboratórios de Dragos foram levadas. Todas foram criadas como você? Todos aqueles inocentes meninos. Isso é o que se tornaram todos eles...

Não era uma pergunta, mas respondeu com um aceno solene.

Corinne fechou os olhos, sem dizer nada mais. Virou a cabeça longe dele, em direção ao vidro escuro da janela do passageiro.

No silêncio repentinamente desajeitado que se alongava, Hunter se abaixou e abriu a porta do motorista.

— Espere aqui. Vou verificar a casa e ter certeza que é um abrigo adequado.

Ela não respondeu. Nem sequer olhava para ele, seu rosto agora dobrado em seu ombro direito. Enquanto se afastava, pensou ter notado lágrimas descendo por seu rosto.

Corinne quase pulou fora do veículo, mal Hunter entrou na casa. A estadia prolongada no espaço confinante seria suficiente para aumentar sua ansiedade, ainda mais considerando o que testemunhou esta noite no aeroporto. Mas era algo muito pior que a mandava fugir do carro para o úmido ar livre antes do amanhecer.

Medo e horror tomavam conta dela, ameaçando virar seu estômago do avesso quando tropeçou na direção de uma laje de concreto no quintal abandonado da porta ao lado. Afundou no cimento úmido e escondeu o rosto nas mãos.

Em todos os seus muitos pesadelos sobre o que poderia acontecer com seu filho, nunca imaginou o destino brutal que Hunter acabava de descrever para ela.

Hunter.

Bom senhor, não era nem mesmo um nome verdadeiro. Apenas um rótulo para um objeto, não diferente de um que pudesse ser usado para se referir a uma lâmina ou uma pistola, ou qualquer outra ferramenta fabricada com o único propósito de destruir.

Insignificante.

Dispensável.

Desumano.

Ela limpou as lágrimas que começaram a cair antes mesmo de Hunter sair do veículo. Seu coração doía por seu sofrimento passado, mas o partia no peito ao perceber que seu bebê-menino, bonito e inocente que adorou no instante que o viu, ainda estava preso dentro do mundo horrível de Dragos.

Um soluço subiu pela garganta quando se lembrou do rosto doce da criança berrando que entregou cerca de treze anos atrás. Ainda podia ver a imagem dos punhos minúsculos se debatendo quando a enfermeira Subordinada o levou para o outro lado da sala de parto para lavá-lo e envolvê-lo num cobertor branco liso. Ainda podia ver seus olhos amendoados verdes e azulados, como os dela, seu couro cabeludo coberto de dermaglifos coroado com um punhado de cabelos negros sedosos, da mesma cor do dela.

Seu filho teria sua capacidade de Sonokinesis também, herdada geneticamente dela, da mesma forma que herdaria sua força de Gen Uma e poder da criatura que o procriou. O talento que Corinne deu ao seu filho era algo que Dragos nunca poderia tirar dele. Essa capacidade seria para sempre dele como era dela, não importava o que Dragos fizesse nos anos que teria que se curvar em suas missões retorcidas e ideais.

Seu filho tinha um nome também. Corinne o sussurrou para ele nesse primeiro momento que seus olhos se encontraram e prenderam na sala de parto. Ele a ouviu falar, mesmo nos poucos minutos escassos fora de seu ventre, tinha certeza disso. E a ouviu chorar por ele enquanto a enfermeira Subordinada o levava embora um instante depois, para nunca mais ser visto novamente.

Deus, quantos dias, semanas e meses — quantos anos chorou sua ausência da sua vida? E agora, ao pensar para o que nasceu. Isso a deixava doente com a angústia de imaginar no que poderia ter se tornado nos treze anos em que Dragos o controlou.

Esperança e desesperança se agitavam dentro dela. Talvez não estivesse vivendo uma existência horrível, depois de tudo. Talvez fosse levado para algum outro propósito, não algemado aos caprichos de Dragos por um colar ultravioleta mortal. Não forçado a existir como uma máquina de matar sem saber quem realmente era, sem ninguém para segurá-lo ou cuidar dele ou amá-lo.

E se fosse um dos muitos meninos Gen Um que Dragos criava como assassinos em seus laboratórios? Talvez tivesse de alguma forma escapado de sua escravidão horrível como Hunter fez. Talvez seu filho não estivesse mais vivendo. Por um segundo vergonhoso, desejou vê-lo morto, apenas para poupá-lo da existência sombria que Hunter descreveu.

Mas estava vivo. Ela sabia, da mesma forma que todos os pais deviam saber, independentemente de quanto tempo ou distância os separasse de seu filho. No fundo de sua medula, estava certa que seu menino ainda estava respirando.

Em algum lugar...

A desesperança de encontrá-lo quando nem sabia por onde começar a procurar pressionava sobre ela quando sentou sozinha na laje de concreto, olhando para o deserto vasto, vazio do que provavelmente foi um agradável bairro da periferia de New Orleans. Agora não havia quase nada restando dele. Famílias desabrigadas, casas abandonadas e em ruínas, inúmeras vidas perdidas por uma força além do que foram impotentes para parar.

Ela resistiu a sua própria tempestade nas décadas que Dragos a aprisionou. Ele não a abateu ainda. Não tinha vencido. Não enquanto tivesse fôlego em seu corpo.

Só podia rezar para que seu filho fosse igualmente resistente.

Hunter conseguiu fugir e começar uma vida nova, afinal. Mas, Hunter teve a Ordem lá para ajudar a tirá-lo de sua existência anterior. Teve Mira para incutir esse vislumbre muito necessário de esperança, de que poderia ter uma chance, uma saída.

O seu filho o que tinha?

Não sabia que havia alguém que o amava e queria que fosse livre. Não podia saber que havia esperança, fina como era, que alguém desejava encontrá-lo e dar-lhe a vida que merecia.

Quanto a Corinne, não sabia onde seu filho estava, e muito menos se podia ser recuperado. E havia Hunter e a Ordem. Para eles, seu filho era apenas mais um dos ativos mortais de Dragos. Que todos se comprometeram a destruir — acima de todos Hunter, que conhecia melhor do que ninguém o quão perigoso os outros como ele eram. A Ordem declarou guerra a Dragos e a todos os que o serviam, e por boas razões. Veriam seu filho como inimigo.

Embora não quisesse pensar nisso, havia uma parte de seu medo que se preocupava que pudessem estar certos.

Corinne enxugava com as costas da mão seu rosto úmido quando Hunter saiu da casa ao lado. Ele a viu sentada ali e caminhou ao longo da esfarrapada grama sufocada pela lama. Estava contra a escuridão na penumbra da madrugada que se aproximava, suas grandes botas de combate pretas mastigando a relva enquanto suas pernas longas e musculosas o traziam mais perto. O casaco batia atrás dele como uma vela de couro preto a cada passo dado.

Ele fez uma careta enquanto se aproximava.

— Por que deixou o veículo?

Ela limpou a última de suas lágrimas.

— Não gosto de espaços fechados. Além disso, foi uma longa noite, e estou cansada.

Ele parou na frente dela, a olhando em dúvida.

— Está chorando.

— Não. — A mentira foi provavelmente muito rápida para ser convincente, mas para seu alívio, Hunter não pressionou. Seu olhar estava enraizado em sua boca, franzindo as sobrancelhas mais profundamente.

— Seu lábio está sangrando de novo.

Instintivamente, ela disparou sua língua para fora para encontrar o pequeno corte que ganhou mais cedo naquela noite. O gosto de sangue era somente um leve rastro, nenhum motivo para alarme. Mas os olhos de Hunter estavam fixos nela ainda. Suas pupilas estreitaram. Âmbar brilhava no ouro de sua íris.

— O amanhecer está vindo — disse ele, sua voz um rosnado, baixa e rouca. — Venha comigo. A casa está vaga há algum tempo. Vai nos fornecer abrigo adequado.

Ela levantou e o seguiu. A residência abandonada cheirava a mofo, salmoura e barro. Hunter andava na frente dela, fechando as cortinas enrijecidas que ainda pairavam sobre a janela quebrada na sala de estar. Acima de suas cabeças, um ventilador de teto pendia como uma tulipa de cabeça para baixo, suas lâminas de madeira distorcidas pela enchente que subiu para engoli-lo Deus sabia quantos dias antes de finalmente baixarem.

Apenas alguns itens de mobiliário se mantinham no lugar, em meio a lembranças quebradas, papel de parede descascado e coberto de poeira e detritos que se espalhavam pelo chão. Hunter pisou sobre eles, achando o melhor caminho para ela. Numa porta aberta adjacente ao fundo do corredor, fez uma pausa para ir em frente.

— Eu limpei um lugar aqui, onde poderá descansar um pouco.

Corinne caminhou até ele e olhou dentro. A maior parte do espaço estava vazio, varrido do lixo que assolava a outras áreas da casa. Um fino colchão manchado de lama foi empurrado na posição vertical ao lado contra a parede mais distante, mantido no lugar por uma cômoda, mas a tempestade destruiu as gavetas.

Hunter tirou o longo casaco de couro e o abriu no centro do piso limpo.

— Para você dormir, — disse ele, quando ela virou um olhar interrogativo para ele.

— E você?

— Eu vou relatar para a Ordem, então ficarei de guarda na outra sala, enquanto você descansa. — Ele girou para sair, de volta ao corredor.

— Espere. Hunter... — Ela colocou os braços em torno de si mesma, já se sentindo muito sozinha nos confins da sala sombria. — Vai ficar comigo aqui... apenas até eu dormir?

Ele a olhou, sem falar, por quase mais do que ela podia suportar. Sabia que ele era provavelmente a última pessoa a quem devia pedir conforto, especialmente depois do que o viu fazer esta noite. Afinal, o ouviu falar de sua criação e sua missão pessoal com a Ordem, e sabia que este macho potencialmente mortal era o pior aliado que poderia ter em sua necessidade de encontrar — e salvar — seu filho.

No entanto, quando olhou para Hunter nas sombras suaves da casa devastada pela tempestade, não viu crueldade ou selvageria. Viu a mesma restrição e ternura que mostrou a ela no clube de jazz na cidade, momentos antes que a beijasse tão inesperadamente na pista de dança. Seus olhos dourados ardiam com o mesmo calor agora, o calor de seu olhar desviando lentamente para a boca.

Agora Corinne ficou muda, imóvel, sem saber o que a incomodava mais: o pensamento de beijá-lo novamente, ou o pensamento que poderia simplesmente virar as costas e deixá-la ali sozinha.

— Deite-se, — ele murmurou, sua voz grossa e rouca. As pontas de suas presas brilhavam atrás de seu exuberante lábio superior enquanto falava.

Corinne se afastou dele e deitou em seu casaco aberto. Moveu-se até ela numa ronda lenta, predatória, e depois abaixou ao lado dela enquanto se estendia provisoriamente ao seu lado em cima do macio couro preto. Seu corpo era um longo muro de calor ao longo de sua coluna e costas curvadas, suas firmes e sólidas coxas contra as dela. Embora estivessem completamente vestidos, cada terminação nervosa veio à vida com consciência. Desejo desfraldava profundamente dentro dela, um estiramento lento como penas, colocando uma vibração em seu batimento cardíaco já errático, roubando sua já frágil respiração, superficial.

O braço de Hunter veio ao seu redor, um monte de ossos pesados e musculoso a enjaulando gentilmente contra ele. Potência irradiava de cada centímetro de seu corpo, mas em vez de medo ou ansiedade com a sensação de estarem confinadas, Corinne se sentia protegida.

Se sentia segura, algo que não conhecia por um tempo muito longo.

Segura nos braços do homem mais letal que já conheceu.

 

O meio da manhã na sede da Ordem de Boston normalmente significava apagar as luzes, um pouco de sono para Lucan e o resto dos moradores do complexo.

Não hoje.

E, embora ninguém dissesse, tanto o chefe dessa casa, Lucan, quanto o restante, sabiam que a tensão agarrada neles estava se aproximando do ponto de ruptura. Mesmo Mira parecia subjugada, a perspicaz criança vidente calmamente dando as últimas mordidas em suas panquecas e salsichas, ao lado de Renata na grande mesa de jantar, em vez de tagarelar a mil milhas-por-minuto como era usual.

A reunião para o café da manhã improvisado foi ideia de Gabrielle. O fato que as residentes femininas da Ordem fossem jantar no recinto ao lado de seus companheiros guerreiro, em vez de na mansão no nível da rua foi insistência de Lucan. Embora parecesse estranho ter todo mundo lotando seus aposentos e de Gabrielle, dezenove pessoas se reuniam em torno da longa mesa que Gabrielle especialmente encomendou meses atrás de um artesão de um Darkhaven local. Era muito mais fácil que o pensamento de ter alguém fora de sua vista, nas horas do dia, quando não podia fazer nada para protegê-los.

Protegê-los? Merda.

Que maldita piada se tornou. Lucan zombou de si mesmo, consciente de que a Ordem nunca esteve mais vulnerável. O antes — seguro — complexo foi reduzido a um frágil verniz de segurança agora que Dragos tinha acesso à sua localização exata.

Não só isso, mas Dragos estava aparentemente indo em ofensiva a outros lugares também, conforme a chamada de Hunter para a sede, algumas horas atrás. O ataque no hangar do aeroporto por um dos assassinos Gen Um de Dragos deixou os dois pilotos mortos e Hunter encalhado em New Orleans com a fêmea civil Corinne Bishop. Estavam escondidos em algumas ruínas pós-Katrina[13] à espera do pôr do sol e instruções adicionais de Lucan.

E ainda havia a questão da ausência prolongada de Sterling Chase. Lucan declarou o guerreiro desligado desde que foi a AWOL, mas o fato é que o incomodava ter perdido Harvard. Incomodava a todos, e sua ausência na mesa e nas missões era sentida por toda a Ordem. Mas querê-lo de volta não o traria de volta, uma vez que foi decisão de Chase sair, teria que ser sua decisão voltar.

A única coisa boa que aconteceu no complexo recentemente foi o retorno seguro de Brock e Jenna do Alasca, na noite passada. O macho Raça enorme de Detroit e sua companheira muito humana sentavam na outra ponta da mesa de Lucan, os longos dedos escuros de Brock presos nos delgados de Jenna, mais pálidos enquanto o casal conversava com Kade e Alex. O fato de Jenna não ser Companheira não parecia fazer seu vínculo com Brock menos intenso. Então, novamente, chamar Jenna Darrow de humana não era mais muito confiável, considerando o grãozinho do tamanho de um arroz de DNA alienígena e material biotecnológico que a mulher carregava em sua medula espinhal nas últimas semanas.

Só esteve fora por alguns dias, mas nesse tempo o pequeno dermaglifo que espontaneamente apareceu na sua nuca antes, já começava a rastejar em direção ao redor de seus ombros. Era a coisa se desdobrando, uma marcação de pele Raça sobre a carne de uma humana — uma humana fêmea, além disso. Acrescente a isso o fato que o corpo de Jenna parecia se curar dos ferimentos numa velocidade semelhante à dos tipos como Lucan, combinado com sua nova força sobre-humana e agilidade, e a ex-policial do Alasca se preparava para ser uma adição infernal ao arsenal pessoal da Ordem.

Quão longe a transformação genética de Jenna chegaria ainda, ninguém sabia.

Jesus, que viagem de merda estranha era, Lucan pensou enquanto olhava o círculo de rostos reunidos ao redor da mesa. A maioria daqueles rostos era desconhecida para ele apenas um ano e meio atrás, e agora eram tão familiares como parentes de sangue.

Mesmo Lazaro Archer e seu neto, Kellan, pareciam menos estranhos aos membros da família do complexo no punhado de dias que estavam sob a vigilância da Ordem. Lázaro se provou um macho forte, honrado. Quanto a Lucan, permanecia humilhado pela oferta do outro Gen Um de sua fortaleza no Maine como sede provisória da Ordem. Era uma tábua de salvação que precisavam, e que pretendia aproveitar o mais rapidamente possível.

— Quero agradecer novamente por sua oferta, Lazaro, — disse ele, olhando para o lado esquerdo da mesa onde Acher estava, sorrindo à toa enquanto ouvia o debate espirituoso ocorrendo entre seu neto adolescente e a jovem Mira sobre mais um livro que leram recentemente.

Os escuros olhos azuis de Lazaro Archer eram solenes quando encontrou o olhar de Lucan.

— Por favor, não precisa me agradecer. Devo a você e a Ordem mais do que posso possivelmente pagar. Salvou a vida de Kellan, e salvou a minha. Estarei sempre em dívida. Além disso, — acrescentou com um encolher dos ombros largos, — este lugar ao norte está praticamente ocioso desde que eu o construí na década de 1950. Eleanor o conceituou como ridículo, ela riu, disse que estava louco quando disse que queria construir um bunker seguro e um abrigo antiaéreo sob a casa, como tantos humanos estavam fazendo durante o período de sua chamada Guerra Fria. Ela disse que em caso de um desastre nuclear, preferia ir para cima numa nuvem de poeira, como o resto da população do que cozinhar como um bando de sardinhas em lata abaixo da nossa casa. Nunca fui capaz de convencê-la a passar sequer uma noite lá em cima. Tão teimosa quanto bonita, minha Ellie.

Lucan viu a expressão do Raça mais velho outra vez melancólica quando falou de sua Companheira de Raça. Era uma das primeiras vezes que mencionava seu nome desde que o ataque ao seu Darkhaven a matou e ao resto da família Archer. Eleanor Archer e todos os outros na residência privada foram reduzidos a cinzas e escombros a mando de Dragos. Todas essas vidas perdidas, para que Dragos pudesse dar um aperto mais firme em torno da garganta da Ordem.

Lazaro Archer exalou e balançou a cabeça.

— Não pensei no lugar ou — ou na aversão de Ellie por ele — há um tempo muito longo. Como disse antes, se encontrar o imóvel adequado para a Ordem, considere seu.

Lucan acenou com a cabeça em reconhecimento.

— Vamos tomar essa decisão hoje à noite, quando formos olhar o lugar.

De alguns lugares do outro lado da mesa, Gideon chamou a atenção de Lucan e entrou com mais detalhes.

— Tenho um laptop carregado com software CAD[14] e comunicações que levaremos conosco ao lugar. Podemos importar fotos do lugar dentro e fora, então o software irá convertê-los em projetos e esquemas durante o voo. Também tenho receptores de satélite prontos para que possamos obter algumas comunicações informais ligadas assim que chegarmos lá e executarmos os testes que vou precisar, a fim de nos prepararmos para o deslocamento.

Lucan mal conseguia reprimir seu sorriso ao ouvir Gideon deslizar de modo tão nerd.

— A técnica hocus-pocus[15] é toda sua, enquanto estivermos lá em cima.

Ele percebeu que Savannah se movia intranquila, junto a Gideon enquanto falavam sobre a planejada viagem ao norte. Gideon não perdeu a reação de sua Companheira também. Deu-lhe um aperto de mão gentil onde descansava sobre a mesa.

— Não se preocupe, amor. É apenas uma viagem de campo, não uma missão. Sem armas ou explosivos envolvidos. O que é uma pena, — acrescentou ele, abrindo um sorriso torto.

Mesmo de onde Lucan estava, podia ver que os suaves olhos castanhos de Savannah estavam sóbrios. Mais que sóbrios, estavam sombrios com terror. Sua voz era suave, mais ferida que Lucan nunca a ouviu.

— Não posso fazer piadas sobre isso, Gideon. Não mais. Esta merda está ficando muito malditamente real para mim.

De repente, ela se levantou da mesa e começou a limpar o prato vazio e talheres. Como alguma mostra de solidariedade feminina, Gabrielle, Elise e Dylan rapidamente seguiram o exemplo de Savannah, pegando o que podiam, depois desaparecendo atrás dela através da porta de vaivém que levava para a cozinha adjacente.

Gideon limpou a garganta.

— Aparentemente, vou precisar alisar algumas penas antes de sair hoje à noite.

Lucan grunhiu.

— Talvez rastejar um pouco.

— Ela se preocupa com você, — Tess disse a Gideon, a mão pousada sobre a curva grande de sua barriga grávida. — Nunca vai deixar transparecer o quanto, porque sabe que precisa dela para ser forte. Mas está lá com ela sempre. — Ao aceno de reconhecimento de Gideon, Tess virou um olhar terno para próprio companheiro, Dante, ao lado dela. — A preocupação é com todos, cada vez que um de vocês sai numa missão. Toda vez que deixam o complexo, estão carregando nossos corações com vocês.

— Preciosas cargas, — Dante disse, levantando a mão do alto da barriga redonda de sua criança por nascer e pressionando os lábios na palma da mão.

O sorriso de resposta de Tess se torceu numa careta de dor. Ela puxou ar, em seguida, soltou em um assobio lento.

— Seu filho está ficando inquieto novamente esta manhã. Acho que é melhor eu... voltar para nosso quarto e... deitar... por pouco tempo.

Dante entrou em ação, ajudando-a cuidadosamente com Renata, Jenna e Alex atuando como observadoras de cada lado deles. Lucan estava de pé antes de perceber que, assim como o resto dos machos da Raça acoplados na sala, todos estavam em silêncio cauteloso, vendo provavelmente como inúteis se sentiam.

— Estou bem, — exclamou Tess, também sem fôlego para o gosto de Lucan. Ela caminhava lentamente, cuidadosamente, um braço segurando a parte inferior da barriga, o outro segurava firmemente em Dante, que gentilmente a conduzia longe da mesa. Tecnicamente não deveria dar a luz em outro par de semanas, e apesar de Lucan não ser especialista em tais coisas, adivinhava que o bebê da Ordem estaria chegando mais cedo do que tarde.

— Pode chegar até o sofá no outro quarto, querida? — Dante perguntou, tenso e preocupado, o futuro pai dedicado e delirante.

Tess dispensou a pergunta com um aceno curto.

— Quero andar... é melhor se eu andar um pouco. Uma vez que eu deite, ficarei lá por um tempo.

— Certo, — disse Dante. — Vamos levá-lo devagar e lento, tudo bem? É isso, querida. Passos lentos. Está indo muito bem.

O casal disse algumas rápidas despedidas, em seguida, começou uma caminhada sem pressa de volta aos seus aposentos no complexo. Gabrielle voltou para a sala de jantar com Savannah e as outras, a tempo de ver Tess e Dante indo embora. Depois de alguns momentos de silêncio constrangedor, Mira virou um olhar preocupado para Renata.

— O bebê de Tess está pronto para nascer?

O olhar sóbrio de Renata viajou aos rostos ansiosos na sala antes de voltar novamente para Mira, com um sorriso paciente e carinhoso.

— Sim, acho que sim, ratinha. Não vai demorar antes que o bebê chegue.

Mira franziu o cenho.

— É melhor Hunter se apressar e voltar para casa, ou não verá o bebê quando chegar aqui. Onde está, afinal?

— Ainda em uma missão, — Niko respondeu, suavemente dentro da figura do pai que se tornou para a menina. — Hunter tem algumas coisas importantes a fazer em New Orleans, mas vai voltar assim que puder.

— Bem, isso é bom, — Mira declarou. — Porque precisa estar aqui antes do Natal, com certeza. Sabe que ele nunca teve um Natal antes? Prometi que faria uma decoração para o quarto dele.

Quando a menina falou dos feriados iminentes, uma mortalha maior caiu sobre a sala de jantar. Lucan sentiu o peso dos muitos olhares deliberadamente o evitando, todos esperando que mostrasse seu mau humor e anunciasse a uma criança inocente que não haveria Natal no complexo.

Inferno, não tinha certeza que haveria um complexo no Natal, que estava — droga, a menos de duas semanas.

Renata ajoelhou ao lado da cadeira de Mira na mesa.

— Tenho uma ideia, Ratinha. Por que não vem comigo e me mostra o que está fazendo para Hunter?

— Certo, — ela respondeu, em seguida, se virou para Kellan com um sorriso brilhante. — Quer ver também?

— Claro. — O adolescente deu de ombros como se não pudesse importar menos, mas estava fora de seu assento, assim que a palavra deixou seus lábios. Galopou sombriamente atrás de Renata e Mira, arrastando braços e pernas desengonçadas.

— Renata está certa sobre o bebê, você sabe. — Savannah abordou todos na sala. — Tenho um monte de boas parteiras na linhagem da minha mãe, e já assisti nascimentos suficientes para saber que provavelmente é questão de dias antes de Tess entrar em trabalho de parto. Do jeito que está se movendo, poderiam ser questões de horas.

Lucan sentiu uma ruga pressionando sua testa. — Dias ou horas? Precisamos de mais algumas semanas.

Lazaro Archer o encontrou com um olhar sábio.

— A natureza não dá a mínima para a conveniência, e nunca deu.

Lucan grunhiu, bem ciente da verdade irônica. Também sabia que poderia ganhar um tempo precioso se pudesse bater um martelo sobre Dragos de alguma forma, se o desgraçado fugisse novamente. Tempo que precisavam para avaliar um possível deslocamento do complexo, e o tempo que Tess e Dante mereciam a fim de receberem seu bebê com alguma aparência de normalidade, em condições de paz.

Ele olhou para Gideon.

— Na melhor estimativa, quanto tempo para estar instalado e funcionando se determinar que a mudança para as instalações de Archer é viável?

— Tendo o laptop, viajamos. Assumindo que podemos estabelecer o acesso via satélite lá em cima sem nenhum problema, posso conseguir nossos sistemas básicos mancando em poucas horas. O conjunto enchilada — redes, telecomunicações, câmeras de segurança, calor e sensores de movimento, etecetera, vai levar um par de semanas, no mínimo.

Lucan soltou uma maldição juntamente com seu suspiro baixo.

— Tudo bem. Não é uma ótima notícia, mas vamos ter de fazê-la funcionar. E quanto a Dragos? — Ele perguntou ao grupo reunido. — Qualquer coisa sobre o possível paradeiro de Murdock?

— Nada firme, — Tegan respondeu do outro lado da mesa. — Tenho questionado alguns de seus associados conhecidos, mas ninguém sabe. Ninguém que encontrei viu ou ouviu falar dele desde o incidente na outra noite em Chinatown. Enquanto isso, Rowan sonda sobre Murdock dentro da Agência. De uma forma ou outra, vamos encontrar o filho da puta.

Lucan assentiu com seriedade.

— Vamos fazer isso logo, sim? Agora, ele é nosso melhor tiro para atingir Dragos. Enquanto estamos trabalhando nesse ângulo, Hunter vai correr esta noite para reconhecimento sobre Henry Vachon em Nova Orleans. Com base no ataque que Dragos ordenou ontem à noite, parece que a conexão entre Vachon e ele é mais do que válida.

Uns poucos olhares graves se encontraram no grupo, num reconhecimento silencioso por Hunter e sua companheira civil sobreviverem a um dos assassinos de Dragos. A expressão de Brock era a mais preocupada. Compreensível, considerando a história que teve com Corinne Bishop no passado, quando serviu como guarda-costas do Darkhaven de sua família em Detroit. O guerreiro ficou quase incontrolável quando soube rapidamente os detalhes da malfadada reunião de Corinne com Victor Bishop e as revelações que resultaram na sua saída da casa de Detroit. Ainda estava visivelmente indignado com a notícia.

— Henry Vachon é, obviamente, escória, com ou sem conexão fresca com Dragos, — ele disse, sua voz profunda retumbando com fúria. — Eu, pessoalmente, gostaria de ver o bastardo arrastado e esquartejado, mas odeio a ideia que Hunter tenha que sair e deixar Corinne desprotegida mesmo por um minuto enquanto recolhe a informação que precisamos.

— Me preocupa também — respondeu Lucan. — O conforto de Hunter é que estão num lugar seguro no momento, mas precisam encontrar um abrigo melhor. Infelizmente, não podemos arriscar os hotéis da área, nem podemos ter certeza de qualquer um dos Darkhavens local. Temos que assumir que qualquer um na população civil lá poderia ter laços secretos tanto com Henry Vachon como o próprio Dragos.

— E quanto a alguém na população humana? — Perguntou Savannah quando todas as cabeças viraram em sua direção. — Sei de um lugar que estariam seguros por um tempo. Não é muito longe da cidade, mas é um caminho quase desconhecido, se puder chegar.

— Savannah, — Gideon a interrompeu lentamente. — Não podemos pedir a ela.

— Quem é a humana em questão? — Lucan perguntou.

Savannah encontrou seu olhar.

— Minha irmã Amelie. Está morando no pântano Atchafalaya há mais de 70 anos. E é confiável. O fato de Gideon e eu estarmos vivos hoje, de pé aqui na frente de todos vocês, é testemunho disso.

Gideon assentiu, embora com relutância.

— Savannah e eu devemos a Amelie Dupree nossas vidas. Ela é sólida, Lucan. Aposto minha vida nisso. Apostei, na verdade.

— Amelie sabe o que Gideon é, — Savannah acrescentou. — Sabe sobre ele desde a noite em que apareceu na sua porta procurando por mim há uns trinta anos, e manteve nosso segredo todo esse tempo.

A notícia relâmpago que um humano nos pântanos da Louisiana estava a par da existência da Raça não aliviava exatamente as rugas de Lucan. Ainda assim, sabia que seria um tolo se não considerasse a opção que Savannah e Gideon acabavam de sugerir. Alianças humanas raramente eram sua primeira escolha, na verdade, as classificava como últimas, tanto quanto estava preocupado, mas a situação era desesperadora e o tempo definitivamente não estava ao lado da Ordem no momento. — Quanto tempo acha que pode levar para contatar sua irmã?

— Eu posso chamá-la agora, — disse Savannah. — Sei que estará disposta a nos ajudar. Tudo que preciso dizer é quando deve esperar que sua companhia chegue.

— Diga-lhe que estará lá, logo que a noite cair, — respondeu Lucan.

 

Corinne dormiu sem acordar até bem tarde. Hunter, mesmo agora, agachado sobre as pernas no pequeno quarto, ainda podia sentir as curvas suaves de seu corpo pressionando contra ele. Ainda podia sentir o cheiro do perfume de seus cabelos e pele das horas que passou em volta dela enquanto ela cochilava.

Agora, a observava respirar dentro e fora, antecipando cada inalação lenta, hipnotizado pelo ritmo de seu pulso, que chutava num ritmo mais rápido sob a pele de alabastro fino na base de sua garganta elegante.

Sua fome por ela não tinha diminuído, apesar da distância física que ficou feliz em colocar entre eles. A queria de uma forma que o assustava, que superava até mesmo a sede da Raça mais primitiva. Seu desejo por ela o perturbou antes, mas agora, após o tormento de a ter contra ele na maior parte do dia, invadiu todos os seus sentidos. Pior que isso, invadiu sua lógica, fazendo-o se fixar em seu conforto quando deveria estar planejando sua missão de reconhecimento para mais tarde naquela noite.

Tentou lutar para trazer de volta seu foco para a chamada que recebeu da Ordem algumas horas atrás. Encontraram uma casa segura para Corinne e estava o oeste, uma hora de carro da cidade. Iria ao pôr do sol, a levaria para o abrigo atribuído, em seguida, partiria sozinho para investigar os locais conhecidos de Henry Vachon e esperar recolher informação sólida de onde o desgraçado podia ser encontrado. A antecipação de se aproximar de um dos prováveis tenentes de Dragos fez o predador nele coçar pelo anoitecer.

Corinne soltou um gemido no catre improvisado no chão. Hunter se pôs de pé, os pensamentos de Dragos e seus colegas postos de lado no instante em que ela começou a se mexer. Suas pernas se mexiam como se estivesse lutando para se livrar de alguma restrição invisível. A boca retorcida num esgar enquanto puxava ar, goles rápidos, com sons aflitos.

Hunter abaixou atrás dela em seu casaco de couro e a puxou para ele. Não sabia o que dizer para acalmá-la. Não tinha experiência para usar, então simplesmente passou os braços ao redor dela vagamente enquanto ela se debatia e deslocava em seu abraço. Estava ofegante agora, sussurrando indiscriminadamente, o pânico parecendo aumentar a cada segundo que passava.

Sentiu a batida frenética de seu pulso quando um grito rasgou de seus lábios. Era uma única palavra, uma exclamação respirada que a assustou e acordou, seu rosto agora a menos de uma polegada de distância do dele. Suas pálpebras sacudiram e abriram.

— Você está segura, — ele disse a ela, as únicas palavras que tinha enquanto olhava para as aterrorizadas piscinas verde-azul de seu olhar. Ele ergueu a mão lentamente e varreu uma mecha de cabelo escuro de sua testa úmida. — Está segura comigo, Corinne.

Ela deu um aceno de cabeça fraco.

— Tive um pesadelo. Pensei que estava lá... naquele lugar horrível.

— Nunca mais — disse a ela. Era uma promessa, que um pouco depois percebeu que estava preparado para morrer. Ela não vacilou quando ele continuou a acariciar a inclinação delicada do seu rosto e a linha da mandíbula. Seus olhos, no entanto, permaneceram fixos sobre ele, o estudando.

— Quanto tempo ficou comigo enquanto eu dormia?

— Um pouco.

Ela deu uma pequena sacudida de cabeça, não o impedindo de deixar seus dedos perdidos no calor de seu cabelo sedoso desatado.

— Ficou muito tempo. Me segurou, para que eu pudesse dormir.

— Você me pediu, — ele respondeu.

— Não, — ela respondeu suavemente. — Eu só pedi para ficar até eu adormecer. O que fez foi... muito gentil. — Seus olhos estavam focados sobre ele com gratidão tal que o humilhou. Quando ela falou novamente, sua voz estava tranquila, como se as palavras fossem difíceis de vir. — Não estou acostumada a ser abraçada. Apenas posso lembrar como era ser tocada com qualquer quantidade de cuidado ou ternura. Não sei como deveria me sentir mais.

— Se estou te causando desconforto.

— Não, — ela respondeu rapidamente, chegando a pressionar levemente a palma da mão contra o peito dele. Ele continuou lá, um pedaço fino de calor descansando sobre o baque pesado de seu batimento cardíaco. — Não, você não me causa qualquer desconforto, Hunter. De modo nenhum.

Ele franziu a testa, observando sua grande mão acariciar os contornos incrivelmente delicados do rosto. As pontas dos dedos estavam calejadas pelo manuseio de armas e lidar com a violência. Sua pele raspava contra a perfeição aveludada dela.

— É a melhor coisa que já toquei. Quero ser cuidadoso com você. Me preocupa que vá quebrar sob minhas mãos ásperas.

Ela sorriu para isso, uma curva aprofundando seus lábios que ele queimava por beijar.

— Suas mãos são muito gentis. E gosto da maneira como está me tocando agora.

O elogio sussurrado atravessou seu corpo como o choque de um raio. Seu pulso martelou em seus ouvidos, o sangue correu em suas veias e artérias como uma inundação súbita, inchando de lava. As pontas de seus dentes se esticaram, respondendo como, obviamente, uma outra parte de sua anatomia. Lutou contra a resposta febril de seu corpo, certo de que poderia controlá-la enquanto traçava a ponta de seu queixo, então arrastou o seu polegar sobre a curva suave do seu lábio inferior. Deus, era suave. Tão bonita.

Ela exalou um pequeno suspiro de prazer quando ele continuou a estudá-la com as mãos e os olhos.

— Sempre é tão cuidadoso e carinhoso com suas mulheres?

Ele deu de ombros, uma pequena admissão que não havia outras mulheres, nem mesmo uma vez. Foi criado como uma máquina, negava qualquer contato físico para manter a disciplina. Até os últimos dias em que esteve com Corinne, não sabia desejar mais nada.

— A intimidade não teve lugar na minha formação, — disse. — Este não é o tipo de contato para que fui treinado.

— Bem, está indo muito bem, se me perguntar.

Mais uma vez ela sorriu e, novamente, seu corpo respondeu com um pontapé de necessidade quente. Sabia que ela tinha que sentir a vibração que parecia zumbir através de cada célula em seu ser. Tinha que sentir a saliência dura de sua excitação, que pressionava insistentemente contra sua coxa, que de alguma forma se encravou entre suas pernas enquanto estava lá, menos de um centímetro os separando.

Queria beijá-la. Queria aliviar a dorzinha que estava se abrindo dentro dele enquanto curvava a mão em torno de sua nuca e a puxava para mais perto. Ela não resistiu, nem mesmo por um instante.

Hunter se moveu para ela e inclinou a boca sobre a dela. O beijo que compartilharam na noite anterior foi inesperado, doce e hesitante. Esse beijo era algo totalmente diferente.

Seus lábios se fundiram, as faces pressionando junto, mãos estendidas, segurando firme. Esse beijo era faminto e urgente, ganancioso com o desejo mútuo. Hunter envolveu a mão em torno da cabeça de Corinne para puxá-la mais em seu abraço. Cada batida de seu coração mandava fogo disparado em suas veias. Suas presas latejavam, irrompendo de suas gengivas ao seu comprimento total e enchendo sua boca. Seu pênis pulsava contra a suavidade deliciosa de seu corpo, acendendo algo primitivo nele, animal e algo não totalmente dentro de seu controle.

Não achava que seu desejo pudesse subir mais alto, mas então sentiu o estímulo liso da língua de Corinne quando deslizou loucamente ao longo de seu lábio superior. Ele gemeu algo ininteligível, incapaz de palavras quando seu corpo estava à beira do estalo de suas amarras. Ele entreabriu os lábios num fôlego áspero e quase perdeu a cabeça quando a ponta da língua de Corinne arremeteu no interior.

Se beijaram por um longo momento, seu corpo inteiro duro, enquanto Corinne parecia ficar ainda mais dócil em seus braços, derretendo em seu abraço. Sentiu o esmagamento suave de seus seios contra o peito, e curioso, se abaixou para esfregar a palma da mão sobre o tecido fino de seu suéter. Envolveu um dos pequenos montes, maravilhado como parecia erótico acariciá-la e ouvi-la soltar trêmulos suspiros de prazer em resposta.

Não podia chegar perto o suficiente agora. Precisava de mais disso... mais dela.

O pulso feroz, desejo rugindo através dele com uma intensidade que quase o esmagava, Hunter a rolou de costas sob ele. A cobriu com seu corpo, sua boca presa à dela num beijo exigente, a força com que batia sua excitação fazendo seus quadris esfregar contra sua pélvis.

Embora nunca houvesse provado a liberação sexual, a necessidade agora avançava contra ele com afiadas garras. Sentiu Corinne torcer sob ele, a ouviu gemer enquanto ele deslizava suas mãos pelos braços dela. A necessidade de possuí-la, reclamá-la, batia junto com cada batida pulsante do seu coração.

Levou um momento para perceber que Corinne ainda estava gemendo, não com a mesma fome feroz que pulsava nele, mas com algo que soava perturbadoramente como medo.

Ele prendia as mãos dela acima de sua cabeça, seus dedos presos em torno de seus pulsos delicados como algemas. Ela se contorcia embaixo dele ainda, e através da névoa sem graça de sua necessidade egoísta, de repente entendeu que estava lutando, se contorcendo para se livrar do aperto incansável de seu corpo.

Seu gemido saiu como um choramingo, então um soluço sem fôlego.

Horrorizado de si mesmo, Hunter rolou longe dela de uma vez.

— Sinto muito, — ele desabafou, sentindo-se pior que estúpido quando ela se levantava do chão, os braços cruzados sobre si mesma como um escudo. — Corinne, eu não queria... Eu sinto muito.

Ela deslizou um olhar murcho.

— Não tem que pedir desculpas. Não deveria ter permitido. Eu deveria saber que não poderia fazer isso, — disse ela, puxando uma respiração forçada. — Não estou pronta para isso, Hunter. Talvez estivesse louca para pensar que podia.

Quando ela se afastou, ele se esforçou para arrastar de volta seus sentidos.

— É por causa de Nathan?

Sua cabeça se voltou para ele. Sua expressão ficou horrorizada, os olhos arregalados de alarme. Sua voz era quase inaudível.

— O que disse?

— Nathan, — ele respondeu. — É o nome que chamou em seu sono, pouco antes de acordar de seu pesadelo. Ele é a razão pela qual não está pronta? Será que é porque seu coração pertence a outro homem?

Ela não estava respirando. Olhou para ele imóvel pelo que pareceu uma eternidade.

— Não sabe o que está falando, — respondeu ela, finalmente, as palavras cortantes. — Não chamei o nome de ninguém em meu sono. Deve ter imaginado.

Ele não tinha, mas se absteve de empurrá-la ainda mais. Seu momento juntos estava partido, mais ainda naquele mesmo instante. Apesar de seu pulso ainda vibrar, seu sexo ainda desenfreado e dolorido pela liberação, podia ver que ela não queria nada com ele agora. Seu silêncio se prolongou, seu rosto fechado quando se afastou dele, com medo agora. O olhar em seus olhos parecia acusá-lo de alguma forma, como se de repente se lembrasse que era um estranho para ela... talvez até mesmo um inimigo.

Ele se sentiu estranho, embaraçado, confuso. Coisas estranhas para ele até agora, por causa desta mulher. Por causa de seu cuidado com ela, e ficou encurralado pelo olhar que ela lhe deu enquanto ela colocava ainda mais espaço entre eles.

A visão de Mira voltou para ele como um tapa na cara. Corinne suplicante. Em lágrimas. Implorando que poupasse a vida do homem não podia suportar perder.

Hunter agora tinha certeza que sabia o nome do macho.

Nathan.

Não sabia por que esse conhecimento o fazia apertar os dentes, mas aconteceu. Fechou suas mandíbulas juntas com tanta força que seus molares doeram.

— Hunter, — Corinne começou, se interrompendo para inspirar instável. — O que aconteceu entre nós agora...

— Isso não vai acontecer de novo, — ele terminou para ela.

Quando a luxúria e o orgulho o atingiram como esporas gêmeas, mentalmente socou as emoções inúteis abaixo. Se agarrou à rígida disciplina que sempre o serviu tão bem — uma disciplina que parecia ter a intenção de iludir quando encontrou o olhar confuso e ferido que nadava nos olhos lindos de Corinne Bishop.

— O sol vai cair em breve, — disse-lhe. — Vamos sair logo que comece.

Ela se encolheu, a preocupação cobrindo sua expressão agora.

— Onde?

— Uma casa segura foi conseguida. Vai ficar lá enquanto continuo minha missão para a Ordem.

Ele se virou e a deixou de pé atrás dele na sala sozinha.

 

— Sr. Masters, certamente aprecio a generosidade que mostrou com minha campanha nos últimos meses. Este cheque — o senador arqueou uma sobrancelha bem cuidada quando olhou mais uma vez a considerável doação corporativa. — Bem, senhor, francamente, uma contribuição dessa magnitude é humilhante. É sem precedentes, na verdade.

Dragos ergueu os dedos sob o queixo e sorriu de sua cadeira de veludo do outro lado da mesa do político em ascensão.

— Deus abençoe a democracia, e a Suprema Corte dos EUA.

— De fato. — O senador riu um pouco desconfortável, seu pomo de Adão lutando contra o colarinho branco engomado da camisa do smoking e gravata borboleta preta. Seu impecável cabelo loiro dourado estava vagamente penteado para trás do rosto bonito, pitadas de cinza de cada lado das têmporas dando ao senador algo entre um ar de sabedoria e distinção.

Dragos se perguntou se ganhou as mechas distintas em algum salão caro, então decidiu que não se importava. Era a política do senador — e suas conexões com a elite da Ivy League[16], que Dragos se interessava mais.

— Sinto-me honrado que você e a Terra Global demonstrem tanta fé nos objetivos da minha campanha — disse ele, adotando um olhar sério que provavelmente o marcava na encantadora Boston como o solteiro mais elegível que já se pediu em sua jovem vida privilegiada. — Tem minha garantia pessoal que todo o dinheiro que contribuiu será colocado em uso prudente, bom.

— Não tenho dúvidas, senador Clarence.

— Por favor — disse, deslizando o cheque na primeira gaveta da sua mesa e a fechando. — Deve me chamar de Robert. Ah, inferno, me chame de Bobby, todos os meus amigos o fazem.

Dragos devolveu o sorriso polido.

— Será Bobby.

— Quero que saiba, Sr. Masters, que compartilho seu compromisso com as questões reais que estão impactando nossa grande nação. Prometi fazer minha parte em Washington para ajudar a trazer-nos de volta aonde merecemos estar, onde precisamos estar, como o maior país do mundo. E quero que saiba que minha luta está apenas começando, agora que tenho a honra de ocupar este cargo num momento tão crucial da nossa história. Estou aqui porque quero fazer a diferença.

— Claro, — Dragos entoou, pacientemente sentado ouvindo os destaques vermelho-branco-e-azul de um discurso que já ouviu mais de uma vez, enquanto Bobby Clarence estava em plena campanha eleitoral. — Você e eu compartilhamos muitos dos mesmos interesses. Nada menos que sua dedicação e iniciativas ao antiterror. Admiro sua postura de tolerância zero sobre aqueles que se engajam em tal atividade deplorável. Confio em estar disposto a traçar uma linha dura quando se trata de assuntos de segurança nacional.

Bobby Clarence se inclinou para frente em sua mesa, os olhos apertados com intensidade praticada.

— Entre eu e você, Drake, se é que posso? — Dragos gesticulou para ele continuar, sorrindo para si mesmo enquanto concedia permissão para o humano se dirigir a ele por um de seus muitos apelidos. — Entre você e eu e estas quatro paredes, não seria contrário a trazer de volta as execuções públicas quando se trata de todo e qualquer verme terrorista, especialmente os que brotam como ervas daninha em nosso próprio solo americano. Pendure os bastardos por suas bolas e atice um bando de cães famintos em suas entranhas, eu digo. Infelizmente, meu assessor provavelmente me diria que não faz um grande slogan de campanha.

Soltou uma risada gregária, humor que Dragos compartilhou, embora não exatamente pelos mesmos motivos. A risada de Dragos era diversão privada e a antecipação quase vertiginosa do momento em que puxaria as cordas que resultariam em seu triunfo final sobre a Ordem.

O viva-voz na mesa do senador zumbiu com uma chamada recebida. Ele se desculpou educadamente, em seguida, levantou o fone no ouvido e apertou o botão.

— Sim, Tavia? Mm-hmm. Tudo bem, tudo bem. Ah, maldita. Já é hora? Por favor, telefone ao escritório do presidente e peça desculpas por mim, sim? Diga que estou em meu último encontro do dia e vai ter que ir em frente em nosso apoio. Vamos nos juntar com ele e os outros o mais rapidamente possível. Sim, sei como ele odeia mudanças de última hora nos planos, mas estou certo de que vai ter que lidar com isso. — Bobby Clarence enviou uma piscadela de bom e velho menino na direção de Dragos. — Diga-lhe que estou atrasado por causa de um assunto de Segurança Interna. O que deve lhe dar algo para mastigar até chegarmos lá.

O senador encerrou o telefonema com sua assessora e ofereceu a Dragos um encolher de ombros apologético.

— Ninguém me disse que ser eleito seria a parte mais fácil deste show todo. Cumprir minha agenda é outra coisa, especialmente nesta época do ano. Eu te digo, passei mais tempo num maldito smoking no mês passado do que nas trincheiras onde pertenço.

— Você é um homem ocupado, — Dragos respondeu, sentindo que a exasperação opulente e a ostentação social era apenas parte da fachada pública do menino dourado. Com certeza jogou bem nas eleições, e isso era tudo que importava a Dragos, já que estava apostando uma boa quantidade de dinheiro no fato que a estrela brilhante de Cambridge o deixaria cara-a-cara com os corretores da humanidade no verdadeiro poder.

— Tem compromissos a manter, e não devo te atrasar mais, — Dragos anunciou, se levantando da cadeira de convidado apesar da pressa do senador em garantir que tinha todo o tempo do mundo para falar com ele. — Obrigado por concordar em me ver tão rápido e ainda no final do dia.

O senador Clarence deu a volta na mesa e ajudou Dragos a vestir seu casaco de caxemira. Estendeu a mão e pegou a mão Dragos num aperto amigável.

— Foi um prazer falar com você hoje, Drake. Me congratulo com a oportunidade de fazê-lo novamente, a qualquer hora.

Andou com Dragos para a porta e a abriu para ele. De pé do outro lado, a mão erguida como se estivesse apenas a um segundo de bater, estava uma mulher muito alta, muito jovem e atraente vestida com um terninho social cinza de gola alta, blusa marfim. Seus espessos cabelos caramelo-marrom estavam presos num rabo de cavalo em sua nuca, e sem um único fio fora do lugar. Tudo combinado, era uma visão que poderia ser desconcertante em uma mulher menos bonita, mas não aqui.

— Ah! Tavia, — Bobby Clarence falou sem pensar enquanto Dragos parava em frente a ela, impressionado com a visão da jovem a meras polegadas do seu rosto. Ela deu um passo brusco para trás, seu olhar inteligente indo do sorriso intrigado de Dragos ao sorriso suave do seu empregador. O senador colocou a mão no ombro de Dragos. — Drake, já conheceu minha assistente pessoal, Tavia Fairchild?

— Um prazer, — ele ronronou, abaixando a cabeça em saudação.

— Sr. Masters, — ela respondeu, aceitando a mão oferecida e dando uma agitação breve, mas com firmeza profissional. — Não tivemos oportunidade de nos conhecer, mas reconheço seu nome das diversas correspondências do senador.

— A memória de Tavia para nomes e rostos é rara, — ostentou seu chefe orgulhoso. — É minha arma secreta, sempre me mantendo no horário e informado. Ou pelo menos, tentando.

— Não tenho nenhuma dúvida, — respondeu Dragos, incapaz de tirar os olhos da mulher.

Cílios escuros fecharam seu olhar verde primavera, quase ansiosamente, um instante antes de sua atenção deslizar longe dele, deixando-o imaginando se a algum nível instintivo a mulher sentia que era mais do que aparentava sob seu terno conservador e casaco de caxemira. Dragos ficou fascinado por ela, encantado realmente, quando se virou para o senador e entregou uma pequena caixa embrulhada para presente enfeitada com uma fita vermelha e um raminho de azevinho alegre fresco.

— Para a esposa do presidente. É um broche antigo que encontrei numa loja na Newbury Street na semana passada. Percebi que coleciona camafeus.

— O que eu disse, Drake? — Bobby Clarence disse, erguendo o queixo quadrado perfeito em sua direção quando pegou o presente e o chocalhou um pouco. — Arma secreta. Está sempre me fazendo parecer melhor do que realmente sou.

Tavia Fairchild parecia tomar o elogio ligeiramente, permanecendo imperturbável.

— Devo chamar a garagem e pedir para trazer o carro para você, senador Clarence?

— Sim, isso seria ótimo, Tavia. Obrigado. — O senador deu um tapinha amistosamente no ombro de Dragos novamente enquanto sua assessora muito articulada voltava para sua mesa e pegava o telefone para chamar o motorista. — Posso persuadi-lo a vir junto, Drake? Poderíamos falar um pouco mais, e ficaria feliz em apresentá-lo a algumas das boas pessoas do jantar Beneficente de hoje à noite. Acho que encontrará um monte de indivíduos que pensam e gostariam de compartilhar seus pensamentos com você sobre algumas das coisas que discutimos.

Dragos se permitiu um sorriso indulgente.

— Temo não poder. — Suas metas estão fixadas um pouco mais alto do que se reunir com bombeiros caipiras da cidade e do departamento de polícia. — Obrigado pela oferta. No entanto, realmente devo ir agora.

— Tem certeza? — O senador pressionou com um sorriso vencedor. — Apenas a comida já vai valer a pena. Esses caras gostam de comer. Também gostaria, especialmente a 500 dólares por prato, preparado pelo melhor chef italiano de North End.

— Ah, — objetou Dragos, — Mantenho uma dieta muito rigorosa. A comida italiana não combina comigo.

— Ah, sinto muito em ouvir isso. — Bobby Clarence riu quando caminhou até um armário próximo e enfiou os ombros num casaco aparentemente forrado de seda. — Vai estar na festa do feriado de amanhã à noite na minha casa, não vai?

Dragos deu-lhe um aceno.

— Não perderia por nada no mundo.

— Excelente. Tavia realmente me impressionou, organizando o baile inteiro para mim, inclusive sobrescrevendo os convites a mão.

— É mesmo? — Dragos deu outro olhar de avaliação à jovem fêmea, que já recuperava seu próprio casaco e bolsa, e estava no processo de desligar seu computador e colocar os telefones do escritório no correio de voz.

— Não deveria anunciar isso publicamente, — O senador Clarence acrescentou, — mas temos confirmado um convidado surpresa de honra para amanhã à noite. Um bom amigo e mentor dos meus tempos de Cambridge. Alguém que estou certo que vai se interessar em conhecer, Drake.

Embora o jovem político jogasse com sutileza, Dragos não precisava de nenhum indício mais para adivinhar que o bom amigo VIP de Bobby Clarence era ninguém menos que seu professor de faculdade bem sucedido que engatou seu vagão em outra estrela em ascensão e ocupava a segunda maior sede do poder no país. Era essa ligação que fazia Bobby Clarence tão valioso para Dragos.

Amanhã à noite, Dragos seria dono das mentes — e almas — de ambos os homens.

— Até então, — disse ele, estendendo a mão ao senador e dando ao inocente humano uma sacudida entusiasmada. Ele olhou para a bonita assistente de Bobby Clarence e ofereceu um aceno cortês de sua cabeça.

— Srta. Fairchild, um prazer finalmente conhecê-la.

Com seu olhar perspicaz o seguindo, e a despedida do senador otimista ecoando no corredor adjacente, Dragos saiu do escritório e se dirigiu ao elevador. Quando chegou ao nível da rua e entrou em sua própria limusine à espera, as bochechas queimavam pela ampla disseminação de sua alegria, um sorriso descaradamente ansioso.

 

Demorou cerca de uma hora para fazer o caminho para a casa segura que a Ordem arranjou para eles. Rodaram várias milhas fora da estrada, viajando ao longo de uma estrada de terra que levava mais fundo numa área de pântanos baixos e aglomerados de ciprestes misteriosos, espalhados pelo musgo.

Quando Hunter fez uma curva numa garagem sem marcação, Corinne assumiu que era um caminho — os faróis do carro iluminaram vários pares de olhos amarelo-brilhantes pairando ao nível do solo à frente. A capoeira densa balançou quando as criaturas do pântano se esconderam dentro dela e correram de volta para a escuridão de seu domínio selvagem.

— Tem certeza que este é o lugar certo? — Corinne perguntou quando Hunter entrou mais fundo na escuridão. — Não parece que alguém, em qualquer lugar, faria uma casa.

— Não há engano, — ele respondeu. — É aqui que reside Amelie Dupree.

Foi a primeira coisa que disse a ela na viagem inteira. O soldado estava de volta, impassível em pleno vigor agora, não que devesse ficar surpresa com seu tom profissional. Não tinham exatamente deixado as coisas nas melhores condições mais cedo.

Embora quisesse falar sobre o que aconteceu — explicar sua reação apavorada ao que foi tão agradável, tão incrivelmente prazeroso, o embaraço manteve sua língua pressionava no céu de sua boca. Isto, e o alarme atordoante de ouvir a voz de Hunter dizer o nome de seu filho em voz alta.

Não estava preparada para isso. Ainda não, de fato. O instinto de proteger seu filho, negar sua existência, se isso pudesse significar mantê-lo a salvo de ser descoberto, seguro de danos, se ergueu nela da mesma forma que puxaria sua mão para longe de uma chama. A mentira foi um reflexo, e agora estava entre Hunter e ela como um abismo.

Ela desviou o olhar de seu rosto ilegível, o carro diminuiu e os faróis iluminaram o cascalho de madeira cinzenta de uma casa rústica velha, aninhada profundamente entre as árvores espectrais, coberta de musgo. Uma idosa mulher negra num vestido floral estava sob o abrigo da varanda coberta, observando a chegada deles. Seus braços estavam cruzados sob o peito amplo, mas quando o carro se aproximou e parou, levantou a mão num aceno lento de saudação.

Hunter desligou o motor e pôs as chaves no bolso de seu casaco de couro.

— Espere aqui até que eu diga que é seguro.

Quando saiu do veículo e caminhou para encontrar a velha, Corinne imaginou que tipo de ameaça esperava dela. Mas podia ver pela forma como se portava, a linha dura nos ombros e a marcha firme de suas longas pernas, que era sua formação no controle de suas ações agora.

Por ter passado tantas horas junto com ele, era fácil esquecer o quão grande era, como puramente letal poderia ser. Irradiava perigo, mesmo sem as habilidades que faziam dele um dos mais mortais soldados de solo de Dragos. Por sentir sua boca se mover tão ternamente na dela, era fácil esquecer o quão imperdoável suas mãos poderiam ser se sentisse uma ameaça inimiga ou tivesse motivos para suspeitar. Ele não queria arriscar aqui, não importa o quão inócuo pudesse parecer. Corinne queria dispensar seu cuidado, mas se era superprotetor, percebeu com uma pequena quantidade de humildade, era porque queria mantê-la segura.

Ele se moveu com a graça de uma pantera e precisão militar, e quando caminhou até o sorriso da avó anfitriã, por um momento Corinne se preocupou com a pobre velha gritar de pavor e correr para o outro lado. Mas ela não o fez. Corinne ouviu uma doce voz suave através do vidro da janela do lado do passageiro, acolhendo Hunter e a ela e pedindo-os para entrar.

Hunter virou a cabeça e encontrou o olhar de Corinne. Deu um aceno vago, então se aproximou e abriu a porta antes que ela tivesse chance de sair por conta própria. Voltou com ela para a mulher idosa e colocou a mão de Corinne na mão espalmada que esperava para saudá-la.

Os olhos nublados, leitosos disparavam para frente e para trás no vazio enquanto Amelie Dupree pegava a mão de Corinne, num aperto quente. Seu sorriso era amplo e radiante, cheio de uma bondade que parecia irradiar de dentro dela. E quando falou, sua envelhecida voz era doce, e musicalmente rouca.

— Olá, criança.

Hunter fez as apresentações rápidas, enquanto o olhar cego de Amelie os procurava no escuro. Deu a mão para Corinne de forma maternal.

— Vem agora, criança. Tenho uma chaleira assobiando no fogão e uma panela de gumbo[17] fervendo durante toda a tarde.

— Parece delicioso, — disse Corinne, sem escolha, mas a acompanhou quando Amelie Dupree a levou a subir os degraus rangentes da varanda. Olhou para Hunter, notando que ele ficou para trás, seu celular já pressionado em seu ouvido, sem dúvida informando a Ordem que chegaram sem incidentes.

A casa não parecia grande coisa de fora, mas dentro o mobiliário era novo e bem conservado, as paredes pintadas em quentes tons terra e adornadas com arte e antigas fotografias emolduradas. Uma imagem em particular chamou a atenção de Corinne enquanto caminhava atrás de Amelie Dupree, maravilhada com a capacidade da velha em navegar pelo cômodo sem assistência ou hesitação.

Corinne fez uma pausa para olhar mais de perto a fotografia que chamou sua atenção. Não era atual — devia ter muitos anos, com base nas roupas estranhas e o amarelado sob o vidro. Mas o rosto da mulher vibrante e jovem com um halo de cachos ébano em volta era inconfundível. Corinne a conheceu no complexo da Ordem em Boston.

— Minha irmãzinha linda, Savannah, — Amelie Dupree confirmou, voltando ao lado de Corinne. — Meia-irmã, na verdade. Tivemos a mesma mãe, que Deus tenha sua alma, doce e atormentada.

— Não sabia, — disse Corinne, retomando sua caminhada atrás da mulher de cabelos grisalhos até a alegre cozinha amarela na parte de trás da casa.

A chaleira apenas começava a assobiar no fogão. Amelie se guiava pelos botões, infalivelmente desligando o gás da chaleira enquanto a panela coberta de gumbo borbulhava na boca seguinte. Ela abriu o armário e tirou um par de canecas de barro.

— Conhece minha irmã? — Ela perguntou, seus dedos abrindo para viajar pela superfície do balcão agora e parar numa vasilha de estanho.

— Eu a conheci apenas brevemente, — Corinne respondeu, sem saber o quanto devia divulgar a alguém fora do complexo da Ordem, mesmo se houvesse uma relação de sangue. — Savannah parece muito boa.

— Eles não viram com ninguém melhor, posso jurar, — Amelie confirmou, um sorriso em sua voz cadenciada. — Nós não nos falamos muito, apenas algumas vezes por ano, mas continuamos exatamente de onde paramos, como se ela nunca tivesse partido.

Corinne viu a velha colocar os saquinhos de chá nas canecas, em seguida, alcançar um pegador de panelas que pendurava num ganchinho em concha à frente do fogão. Estava tentada a oferecer ajuda, mas Amelie Dupree era notavelmente capaz sozinha. Usando o dedo indicador de uma mão para marcar a borda da caneca, despejou a água quente sem se queimar ou derramar uma única gota. A própria Corinne não seria tão exata.

— E como está aquele homem perfeito dela? — Amelie casualmente perguntou enquanto andava com as duas xícaras fumegantes para a mesa. — Se encontrou minha irmã, sei que deve ter conhecido Gideon também. Os dois se juntaram pelo quadril — uh meu Deus, há pelo menos 30 anos agora.

A mulher idosa sentou, apontando para Corinne a cadeira ao lado dela. Já que Hunter parecia estar usando seu tempo fora, sentou e soprou suavemente a parte superior de sua caneca.

— Mm-mm, — Amelie entoou contemplativamente, seu olhar cego parecendo perdido em pensamentos. — Difícil acreditar que passou tanto tempo desde que todos os problemas ocorreram.

— Problemas? — Corinne perguntou enquanto cuidadosamente tomava um gole de chá quente. Não podia negar que estava curiosa para saber mais, não apenas sobre a mulher que abriu sua casa para Hunter e ela, mas também sobre o casal que parecia uma parte tão integral da Ordem.

— Não gosto de desenterrar memórias ruins, criança, e esta é uma das piores. — Ela estendeu a mão para cobrir a de Corinne com a sua, dando-lhe um tapinha. — Muito sangue foi derramado naquela noite. Duas vidas quase se perderam aqui mesmo fora do meu gramado. Sabia que Gideon era diferente desde o primeiro momento em que coloquei os olhos sobre ele, anos antes da velhice começar a roubar minha visão, é claro. Nunca teria adivinhado o que era realmente, se não tivesse visto com meus próprios olhos. O tiro devia tê-lo matado. O que atingiu Savannah deveria tê-la matado também, e teria, se ele não fizesse o que fez para salvá-la. Se não tivesse mordido seu próprio pulso e lhe dado seu sangue.

Corinne percebeu que estava prendendo a respiração, ouvindo com fascínio extasiado.

— O viu alimentá-la... sabe o que ele é, Amelie?

— Raça. — A velha balançou a cabeça. — Sim, eu sei. Me disseram tudo naquela noite. Me confiaram suas vidas, e é uma verdade que quero levar para minha sepultura quando meu tempo acabar, eventualmente. — Amelie tomou um gole de seu chá. — Esse homem lá fora... ele também é um dos tipos de Gideon. Mesmo uma velha mulher cega como eu pode ver isso. Tem um poder obscuro sobre ele. Senti a vibração vindo dele antes mesmo que saísse do carro.

Corinne olhou sua caneca.

— Hunter é um pouco... intimidante, mas vi o melhor dele. É honrado e corajoso, como você, Savannah e Gideon devem saber.

Amelie deu um grunhido baixo. Ainda estava segurando a mão direita de Corinne, seu polegar esfregando ociosamente sobre a marca de nascença em forma de meia-lua. Enquanto continuava a traçar o contorno da pequena marca, Corinne percebeu que ela a estudava.

— É exatamente como a dela, — ela murmurou, sua testa enrugada. — Savannah tem essa mesma marca de nascença, exceto que a dela é no seu ombro esquerdo. Minha mãe costumava dizer que era o lugar onde as fadas a beijaram antes de colocá-la no ventre da mamãe. Então, novamente, Mama a tocava ela mesma.

Corinne sorriu.

— Cada Companheira de Raça nasce com essa marca em algum lugar em seu corpo.

— Hum, — a velha meditou. — Acho que isso faz você e Savannah irmãs de algum modo, então, não é?

— Sim, suponho que faz, — Corinne concordou, aquecida, tanto pelo chá como pela aceitação da anfitriã. — Mora aqui há muito tempo, Amelie?

Ela confirmou com a cabeça cinza.

— Setenta e dois anos estive neste mesmo lugar. Nascida direto no outro quarto, na verdade. O mesmo com Savannah, embora no momento em que nasceu, eu já fosse crescida e com idade suficiente para ajudá-la a nascer. Eu tenho 24 anos a mais que minha irmãzinha.

Setenta e dois anos, Corinne pensou, estudando o rosto envelhecido e o cabelo cinza prateado. Se não fosse por um antigo que forçou seu sangue nela todo o tempo que esteve na prisão de Dragos, no laboratório, o corpo dela seria mais ou menos 20 anos mais velho que o de Amelie Dupree. Parecia irônico agora que a mesma coisa que desprezava — os nutrientes que lhe davam vida vindos de uma criatura de fora desta terra — lhe permitiu sobreviver à tortura de Dragos. Ele a mantinha forte quando tudo o que queria era deitar e morrer. Foi por causa desse sangue estranho que teve um filho em algum lugar, um pedaço de seu coração que estava deslizando cada vez mais longe de seu alcance.

— Você tem outra família? — Ela perguntou à Amelie quando a dor no peito passou a ser maior do que podia suportar.

A mulher idosa respondeu.

— Oh, sim. Duas filhas e um filho. Tenho oito netos também. Minha família está toda espalhada agora. As crianças, nunca tiveram amor pelo pântano da mesma maneira que eu. Não está em seu sangue, nos seus ossos, do jeito que está em mim e no meu falecido marido. Foram para as cidades, logo que puderam. Oh, vêm me ver a cada semana ou assim, ter certeza que estou bem e ajudam a cuidar das coisas ao redor da casa, mas nunca é suficiente. Especialmente quanto mais velha fico. Idade faz você querer prender todos que ama perto enquanto pode.

Corinne sorriu e deu, a quente mão idosa alinhada, um aperto suave. Estava feliz pela cegueira da mulher idosa naquele momento, grata que a lágrima escapando pelo canto do olho passaria despercebida.

— Não acho que precisa ser velha para se sentir assim, Amelie.

O rosto da mulher gentil se inclinou ligeiramente, uma expressão pensativa varrendo suas feições.

— Faz muito tempo desde que viu seu filho?

Corinne se calou, de repente se perguntando se os olhos nublados viam mais do que ela assumiu. Sentindo-se ridícula, levantou a mão livre e acenou brevemente na frente do olhar de Amelie. Nenhuma reação. De alguma forma a velha olhou sua mente? Ela olhou por cima do ombro, se certificando que Hunter não pudesse ouvir.

— Como poderia saber?

— Oh, não sou vidente, se é isso o que pensa, — disse Amelie com uma risada suave. — Savannah é a única em nossa linha de família com qualquer tipo de verdadeiro dom. De acordo com Mama, a menina estava mais para Cajun cigana, mas quem pode dizer? O pai de Savannah era pouco mais que um rumor em nossa família. Mama nunca pareceu ansiosa para falar dele. Quanto a mim, fiz partos por anos suficientes para reconhecer uma mulher que deu à luz. Algo muda numa mulher depois que traz uma vida ao mundo. Se é sensível a essas coisas, pode senti-lo como uma intuição, acho.

Corinne não tentou negar.

— Não vejo meu filho desde que era uma criança. Foi levado para longe de mim logo depois que nasceu. Nem sei onde está.

— Oh, filha, — Amelie engasgou. — Sinto muito por você. Sinto muito por ele também, porque posso sentir o amor que tem por ele em seu coração. Precisa encontrá-lo. Não deve desistir da esperança.

— Ele é tudo que importa para mim, — respondeu calmamente Corinne.

Mas mesmo quando disse isso, sabia que não era inteiramente verdade. Alguém mais começava a importar também. Alguém que queria confiança e verdade. Alguém que se sentia mal por evitar e mentir, quando mostrou a ela nada mais que ternura.

Odiava o muro que estava construindo entre eles. Queria derrubá-lo antes que subisse mais alto, e isso significava abrir-se para ele completamente. Queria confiar nele, e isso significava dar-lhe o poder de provar que estava certa... ou errada, se acabasse por ser a tola.

Tudo que sabia era que precisava dar a ele essa chance.

— Vai me desculpar por um momento, Amelie? Eu quero ver o que está segurando Hunter.

Ao aceno de acordo da velha, Corinne levantou da mesa e caminhou de volta para frente da casa. Antes mesmo que saísse para a varanda, viu o carro roxo de Hunter indo embora.

A deixou por sua missão, sem dizer uma palavra.

 

Murdock voltou à consciência com um grito sufocado.

Chase viu o vampiro se debater e lutar com as correntes que o suspendiam pelos tornozelos na viga central de um antigo silo de grãos vazio, em algum lugar nas profundezas de Podunk. O sangue escorria das lacerações e contusões de horas antes no corpo crivado do Agente nu. O ar dentro do silo era frio, acrescentando a tortura para o filho de uma cadela que teimosamente se recusava a dizer a Chase o que ele precisava saber.

Na maior parte das horas do dia que passaram dentro do abrigo infestado de ratos, Chase tentou tirar informação de Murdock. Quando isso não funcionou, e quando a fina paciência de Chase começou a acabar com o sol baixando e sua sede picando, pegou a própria lâmina de Murdock e tentou arrancar a verdade dele.

Em algum ponto, o vampiro desmaiou. Chase não notou até sua própria mão estar banhada no sangue do outro homem, o corpo grande caindo frouxo, indiferente a qualquer quantidade de dor infligida.

E assim Chase baixou a lâmina e esperou.

Viu Murdock lutar para voltar ao estado de alerta, as correntes estridentes no abrigo fechado. O macho tossiu e cuspiu sangue no chão cerca de seis metros abaixo de sua cabeça. A grande mancha no concreto sujo, era uma piscina congelada de sangue e mijo empapando os restos mofados de alimentação do gado há muito esquecida e dispersa, gelo incrustado com excrementos de animais nocivos. A poça brilhante de células vermelhas frescas atraiu seus olhos como um farol, fazendo com que ansiasse esquecer esse negócio que precisava ser feito e, em vez disso sair para caçar.

Murdock pinoteou e contorceu, assobios saindo quando seus olhos enevoados encontraram o olhar fixo de Chase no piso do silo.

— Bastardo! — Ele rugiu. — Não sabe com quem está fodendo!

Chase envolveu seu punho um pouco mais apertado no final de mais uma longa corrente — esta envolvida em torno do pescoço de Murdock e deu um puxão, bem duro.

— Isso significa que está pronto para falar? — Levantou-se, lentamente folgando o laço da corrente ao redor de seu pescoço e de seu punho quando se aproximou. Quando estava apenas a um par de metros, parou. — Qual sua conexão com Dragos? E devo te alertar que se continuar a me dizer que o nome não significa nada para você, vou bater na sua cara com um taco de golfe até virar uma polpa e você descobrir isso.

Murdock soltou um rosnado, seus olhos estreitados, cobertos de crostas de sangue queimando com raiva âmbar.

— Ele vai me matar se eu falar com você.

Chase deu de ombros.

— E eu vou te matar se você não falar. Isto é o que se chamaria de rock clássico e lugar duro. Desde que sou o único segurando a corrente e a lâmina que vai começar a te cortar em pedaços pequenos, sugiro que tente não me irritar mais do que já fez.

Murdock o olhou. Sua mandíbula estava firme, mas havia uma nota de medo em seus olhos brilhantes de carvão.

— Há outros que estão mais próximos à operação de Dragos do que eu. Tudo que está procurando, não sou quem pode falar.

— Infelizmente, é o único que tenho por perto no momento. Então pare de testar minha paciência e comece a falar. — Para provar seu ponto, Chase apertou mais um pouco de corrente em torno de seu punho.

Cristo, odiava estar tão perto do homem. Não só por causa do forte desejo de esmagar os miolos por sua participação no clube de sangue, entre seus outros pecados repulsivos, mas também por causa de todo o maldito sangue. Embora o sangue Raça não oferecesse alimento para sua própria espécie, a visão e o cheiro dele fresco, derramando hemoglobina fazia a parte primitiva de Chase vibrar como uma víbora na boca do estômago.

Murdock dificilmente seria capaz de perder o fato de que as presas de Chase estavam enchendo a boca. Seu próprio olhar espelhava o fogo âmbar que murchava entre as fendas dos olhos agredidos de Murdock, embora não de dor ou medo ou fúria, mas pelas garras da fome que, de alguma forma, começava montá-lo quase a todo o momento.

Essa parte selvagem dele rosnou quando se forçou a ficar em frente a Murdock.

— Diga-me onde encontrar Dragos.

Quando a resposta não veio rápido o suficiente, Chase transportou seu braço para trás e golpeou como um martelo se punho envolto na corrente do lado do crânio de Murdock. O vampiro uivou, um dente disparou de sua boca num fluxo de sangue vermelho escuro.

O intestino de Chase apertou, uma emoção hedionda, selvagem, subindo em suas veias enquanto observava Murdock vomitar um rio escarlate sobre o concreto abaixo. Uma alegria doentia e raivosa insistia para dar outro soco, rasgar a peça lamentosa além da merda, como tanto merecia.

O pegou de surpresa como a escuridão dentro dele estava se tornando poderosa. Como exigia a selvageria, a loucura profunda que sentia agora ao seu alcance.

Na verdade, o aterrorizava.

Ele a empurrou para baixo — tão para baixo como poderia forçá-la a ir — e estendeu a mão para agarrar Murdock por seu queixo. Foi uma luta encontrar sua voz em meio ao rugido agitado da batalha tendo lugar dentro dele. Quando finalmente falou, sua voz era rouca, raspando na parte traseira de sua garganta. Seus lábios arreganhados longe de seus dentes e presas num rosnado.

— Onde. Está. Dragos?

— Eu não sei, — ofegou Murdock. Chase levantou o bolo de correntes para atacar novamente. — Eu não sei! Eu não sei, eu juro para você! Tudo que posso dizer é que quer ver a Ordem destruída.

— Não diga, — Chase o interrompeu com firmeza. — Agora me diga uma coisa que eu não saiba, antes que eu termine aqui e agora.

Murdock puxou algumas respirações rápidas.

— Certo, certo... ele tem um plano. Quer se livrar de todos vocês, toda a Ordem. Diz que precisa, se quiser alguma chance de ver seu grande esquema funcionar.

— Grande esquema, — Chase repetiu, sentindo que talvez finalmente estivesse chegando a algum lugar. — Que porra Dragos quer?

— Eu não tenho certeza. Não sou parte do círculo íntimo. Respondia a um tenente dele que veio para Boston de Atlanta. Freyne respondia a ele também.

— Qual o nome desse tenente? — Chase exigiu. — Diga-me onde posso encontrá-lo.

— Não se incomode, — respondeu Murdock. — Ninguém ouve falar dele desde a semana passada, por isso as probabilidades são que irritou Dragos e foi morto. Dragos não dá a ninguém a oportunidade de o foder duas vezes.

Chase rosnou uma maldição baixa.

— Certo, então me diga um pouco mais sobre seu círculo íntimo. Quem mais está nele?

Murdock balançou a cabeça, espalhando gotas de sangue nas botas de Chase.

— Ninguém sabe quem tem esse tipo de acesso a ele. É muito cuidadoso.

— Como pretende atingir a Ordem?

— Eu não sei. Algo grande. Algo que está trabalhando por um tempo, pelo que ouvi. Está tentando descobrir onde o complexo está. Antes de Freyne ser morto, mencionou algo sobre um chamariz. Algum tipo de cavalo de Tróia.

— Ah, porra, — Chase murmurou.

A suspeita doente serpenteava através dele, quando considerou como Dragos faria algo como Murdock acabara de descrever. Através da névoa de sua fome atroz, pensou sobre a noite do resgate de Kellan Archer. A aniquilação de um Darkhaven — o ataque a Lazaro Archer que deixou a Ordem com pouca escolha, além de levar os dois membros sobreviventes da família ao complexo para proteção.

A coisa toda rolou da maneira que Dragos pretendia? Poderia o filho da puta ter usado o incidente de alguma forma, para expor a sede da Ordem? E para que fim? As possibilidades eram numerosas, cada uma fincando em suas entranhas como uma estaca de ferro.

Chase mentalmente sacudiu o foco de volta para o interrogatório.

— O que mais sabe sobre seus planos?

— É isso aí. Isso é tudo que sei.

Chase estreitou um olhar sobre o vampiro, a raiva queimando junto com a suspeita. Balançou a cabeça.

— Não acredito em você. Talvez precise de algo para ajudar a refrescar sua memória.

Quebrou o punho na cabeça de Murdock novamente. Um corte na bochecha rasgada do vampiro, e Chase não pode conter o rosnado animal que irrompeu à vista e o cheiro de mais sangue ainda.

— Fala, porra, — ele sussurrou, o fio desencapado da sua humanidade sendo devorado pelo monstro que tirava sua parte. — Não vou perguntar de novo.

Murdock parecia convencido agora. Tossiu, um som molhado, quebrado.

— Está usando humanos dentro da polícia para serem seus olhos e ouvidos. Fez Subordinados, muitos deles. Ouvi dizer que está falando de um político recentemente, que deve ser o novo senador que acabou eleito.

Passou muito tempo desde que Chase deu a mínima para a política humana, mas mesmo ele não estava tão distante que não estivesse ciente do jovem promissor da Ivy League que acabava de sair de Cambridge e parecia destinado a uma rápida ascensão na etapa nacional.

— O que isto tem a ver com ele? — Chase exigiu.

— Vai ter que perguntar a Dragos, — Murdock estalou através de um lábio partido e queixo inchaço. — Sejam quais forem seus planos, há uma boa chance que envolvam esse cara, Clarence, de alguma forma.

Chase o considerou por um momento, olhando para o agente com desprezo.

— Tem certeza que é tudo que pode me dizer? Não vou encontrar algo mais interessante se fizer um buraco do outro lado de seu fodido crânio?

— Já disse tudo agora. Não sei mais nada, dou minha palavra.

— Sua palavra, — Chase murmurou baixo sob seu fôlego. — Espera que aceite a palavra de um frequentador de clubes de sangue pedófilo que venderia sua própria espécie a um pedaço torcido de merda como Dragos?

Os olhos de Murdock assumiram um brilho cauteloso, preocupado. Seu sotaque do sul parecia mais grosso que o sangue vazando ao lado de sua boca.

— Disse que queria informações, e eu dei a você. Olho por olho, Chase. Me solte. Deixe-me ir.

Chase sorriu, realmente divertido.

— Deixá-lo ir? Oh, não acho isso. Acaba aqui mesmo. O mundo será um inferno de um lugar muito melhor sem tipos como você nele.

A risadinha de resposta de Murdock beirava a loucura, como se entendesse que não tinha esperança de ficar em pé nesta situação e pretendesse sair balançando.

— Oh, que rico, Sterling Chase. Sua autojustiça não conhece limites, não é? O mundo será um lugar melhor sem mim. Já se olhou no espelho, ultimamente, meu rapaz? Posso ser tudo que me chamou, mas você não é melhor também.

— Cale a boca, — Chase rosnou.

— Não acha que eu não notei o fato de que seus olhos estiveram ardendo âmbar como uma fornalha esse tempo todo. Quanto tempo faz desde que suas presas não enchem sua boca?

— Eu disse para calar a boca, Murdock.

Mas ele não se calou. Porra, não ia se calar.

— Como seria para um viciado desesperado como você não estar tentado a ajoelhar e absorver o sangue que está saindo de mim para esse piso de merda abaixo? Não, será que seus companheiros cheios de si da Ordem amariam te ver assim, como o fodido Renegado que realmente é? Faça um favor ao mundo e saia fora dele.

Chase não podia tolerar mais. Não podia suportar ouvir a verdade, especialmente vindo de escória como Murdock. Balançou seu punho nas correntes reforçadas para o rosto do vampiro, mandando-o balançando pelo comprimento da corrente em seus tornozelos. Chase arrancou Murdock para trás e martelou novamente, golpe após golpe. Bateu até haver pouco para bater.

Até que o corpo sem vida pendurado de Murdock, silenciou a terrível verdade dita.

Chase baixou a corrente em torno de seu punho latejante. Então lançou Murdock para o alto. O corpo caiu no chão do silo velho num pesado estampido de carne e osso, a corrente chocalhando abaixo atrás dele.

Chase virou e saiu, deixando a porta aberta para que os outros predadores da noite se alimentassem da carcaça e o sol de amanhã levasse o que permanecesse.

 

— Pela primeira vez, ao que parece a sorte está do nosso lado, Lucan.

Gideon ficou no centro do abrigo antiaéreo cavernoso, escondido sob o Darkhaven de Lazaro Archer, na época da Guerra Fria a um par de horas ao norte de Augusta, Maine. Como Archer avisou, o lugar não se aproximava do tamanho e complexidade do complexo da Ordem, mas Lucan tinha que concordar com Gideon: Parecia ser a melhor opção — a única opção imediata — que tinham no momento.

Aninhado num terreno remoto, com duzentos hectares de floresta virgem que provavelmente viu mais alces e ursos negros que humanos nos últimos dois séculos, a propriedade não era nada se não privada. A própria residência em si era uma fortaleza de dez quartos se alastrando em oito mil metros quadrados de pedra e madeira grossa. Robusta, em comparação com a elegante mansão em Boston ou a sofisticada casa de pedra, onde Lazaro Archer e sua família viviam antes de Dragos os destruir em massa. Os terrenos adjacentes eram impenetráveis e proibitivos, um muro natural feito de altos pinheiros e espinhos salpicados de samambaias.

— Gostaria de ter mais a oferecer a você, — disse Archer ao lado de Lucan. Seu rosto robusto estava delineado na luz pálida da lâmpada fluorescente de segurança que pendia no túnel de concreto que conduzia de volta até a casa. — Não posso expressar plenamente o quão profundamente lamento o papel da minha família nos planos de Dragos. Que usasse Kellan como um peão involuntário.

— Esqueça, — respondeu Lucan. — Nenhum de nós estaria nessa situação se não fosse por Dragos. Quanto a essa exploração, como Gideon diz, é uma vantagem que nós com certeza precisamos agora.

Archer balançou a cabeça enquanto os três voltavam a pé até o túnel, muito fundo.

— Embora a casa estivesse desocupada todos estes anos, uma empresa local de gestão de propriedade esteve responsável pela manutenção e conservação.

— Deixe-os saber que seus serviços já não são necessários, — respondeu Lucan. — Se o contrato precisar ser pago, me avise e serão tomadas providências para cuidar de quaisquer despesas ou incidentes.

— Muito bem, — disse Archer. — Em quanto tempo espera começar a mudança?

Lucan inclinou um olhar para Gideon.

— Pode estar pronta para receber a primeira leva de equipamentos amanhã à noite?

Os olhos de Gideon eram afiados e determinado sobre os aros de seus óculos em tons de azul.

— O espaço é apertado, mas manejável. Posso ter que usar uma combinação de hardwire[18] e coaxial[19] ao invés de wireless[20] com base no material e espessura das paredes aqui em baixo, mas sim... posso fazer isso acontecer, logo amanhã à noite.

Lucan assentiu.

— Parece que estamos no negócio.

Gideon passou pelo chão até o outro lado de Archer.

— Antes de ir, gostaria de dar outro olhar no sistema de segurança que tem no lugar, Lazaro.

— Sim, claro.

O celular de Lucan vibrou no bolso do casaco enquanto Gideon e Archer continuavam discutindo os pontos mais perfeitos da propriedade.

— Sim, querida? — Lucan disse enquanto atendia a chamada de Gabrielle. — Tudo bem em casa?

— Ah, sim e não, — respondeu ela. Mesmo que sua voz hesitante não a entregasse, saberia. Através dos laços de sangue que dividia com sua Companheira, Lucan sentiu a mistura de excitação e ansiedade picando em suas veias como se fosse nas dele mesmo.

— O que está acontecendo?

— É Tess, — ela disse. — Lucan, ela está tendo contrações. O bebê está a caminho.

 

Hunter abandonou o El Camino roubado no pântano vários quilômetros distante da casa de Amelie Dupree e fez o resto da caminhada até New Orleans a pé. Não encontrou nenhuma atividade na primeira residência de Henry Vachon e foi demarcar outro endereço de Darkhaven que Gideon lhe dera.

Por mais de uma hora, seu reconhecimento não rendeu nada, exceto saber que Henry Vachon apreciava um estilo de vida principesco numa grande mansão suficiente para uma dúzia de pessoas, mas habitada apenas por ele mesmo e um pequeno grupo de guardas Raça comuns. Hunter reduziu esse número para três, quando invadiu a parte de trás da casa e de forma eficiente cortou as gargantas dos homens postados na porta.

Rastejou para dentro do que pareciam ser velhos quartos de empregados, em seguida, rapidamente, silenciosamente, tomou as escadas que levavam até o segundo andar do imóvel.

O Gen Um assassino esperava por ele no topo da escada. Hunter ainda tinha a lâmina na mão. A jogou, mas os reflexos do outro macho sentiram o assalto chegando, e rápido, bem treinadas mãos golpearam o punhal à distância. Hunter apoiou suas mãos nos dois lados da parede da escada e se levantou num chute quando seu adversário se lançou em direção a ele.

Se encontraram no meio do voo, caindo duro pelos degraus e rolando um pouco antes que Hunter conseguisse a vantagem. Tinha uma outra lâmina embainhada no cinto de armas. A puxou e cortou num instante, um toque de sua mão num corte limpo toda a garganta do Gen Um, rasgando as roupas pretas de nylon de combate, pele, músculo e osso. O assassino ficou mole, sangrando nas escadas enquanto Hunter se erguia e subia o resto do caminho até os aposentos do andar de cima.

Ouviu movimento atrás de uma porta fechada para o corredor. Prosseguiu em direção a ela e chutou a coisa, arrancando-a das dobradiças. Quando a madeira estilhaçada caiu no tapete ricamente colorido de um quarto suntuoso, teve um vislumbre de uma figura retirada desaparecendo num banheiro adjacente. Hunter o seguiu, piscando lá em menos de um instante.

Henry Vachon se encolhia no chão de mármore entre o vaso sanitário banhado a ouro e uma banheira profunda. Tinha um celular na mão, os dedos digitando loucamente sobre o teclado minúsculo. Hunter lançou a lâmina ensanguentada em seu punho, tirando um dos dedos de Vachon no processo.

O vampiro sibilou de dor, os olhos selvagens com surpresa e medo. O celular escorregou de sua mão, quebrando em pedaços contra o implacável chão de pedra polida.

— Que diabos está fazendo aqui? — Vachon exigiu, sua voz estridente e irritante. — O que quer de mim?

Hunter inclinou a cabeça.

— Tenho certeza que sabe. Quero informações.

— É um idiota se acha que vou dar algo para você, — ele revidou, segurando sua mão arruinada. Sangue florescia como uma flor abrindo contra o peito, manchando a frente de sua camisa de seda branca e calça cinza sob medida. — Minha lealdade não será quebrada por gente como você. Vou levá-lo para a sepultura.

Hunter deu um passo adiante, sem se abalar com o desafio.

— Sei mais de uma centena de maneiras para infligir o máximo de dor em um corpo sem matá-lo. Mas cem farão com que deseje a morte. Uma delas por certo soltará sua língua.

Vachon desajeitadamente se pôs de pé no canto, suas meias absorvendo o sangue, deslizando sobre a superfície do piso vitrificado.

— A Ordem vale o preço que vai pagar por atrapalhar Dragos? Está colocando um alvo muito grande em suas costas, traindo quem criou você, assassino.

Hunter balançou a cabeça.

— Dragos não é criador. É um destruidor. É um covarde e um louco, que assassina inocentes e tortura mulheres indefesas e crianças. Dragos e todos aqueles leais a ele em breve serão mortos. Quanto a você, Henry Vachon, vou ter mais que um pouco de satisfação pessoal em terminar sua vida inútil.

A expressão do macho vacilou um pouco, formando um vinco no centro de sua testa.

— Eu? O que fiz para você?

— Não para mim, mas para ela, — Hunter respondeu, achando estranhamente difícil conter a ira na sua voz.

— A criança de Bishop? — Vachon parecia genuinamente surpreso, mas apenas por um momento. Seu sorriso era pervertido, um toque profano de sua boca. — Ah, sim. Esteve farejando suas saias, não é? Um homem teria que ser cego e mudo para não pegar uma amostra disso. Mesmo um homem como você, criado para ser mais máquina que carne.

Hunter sentiu uma chama quente acender em sua corrente sanguínea, mas se recusou a ser fisgado. Deixar que Vachon achasse o que quisesse sobre ele; sua opinião, como sua própria existência, não tinha sentido.

— Dragos pretende um ataque grave contra a Ordem. Vai me dizer quando e onde e como esse ataque deve ser realizado.

Vachon apenas olhou para ele, um brilho perturbador em seus olhos escuros.

— Você já fodeu ela, assassino? Ou apenas está esperando?

— Havia um sinalizador forçado no estômago de um civil, — Hunter continuou, ignorando os golpes, embora a ideia deste detrito falando sobre Corinne tão grosseiramente fizesse sua mandíbula se apertar. — Se Dragos pretende usar este sinalizador para guiá-lo para a sede da Ordem, então vai invadir o complexo ou executar alguma forma de destruição?

— Ela é um belo pedaço de traseiro, é sim, — Vachon ronronou. — Acredite em mim, posso entender como uma mulher como ela pode embaralhar a cabeça de um macho, fazê-lo esquecer o que ele realmente é. Quanta disciplina seria necessária para resistir a rastejar dentro de algo tão quente e apertado.

— Não fale dela, — Hunter soltou, espantado com o surto de raiva que corria espinha acima. Seus olhos estavam quentes em seu crânio, sua visão queimava com fúria âmbar. Tentou falar e ficou surpreso ao sentir a presença de suas presas, as pontas como navalhas contra sua língua. Olhou com fúria assassina para Henry Vachon. — Está muito abaixo dela. Longe demais para sequer mencionar seu nome, seu filho da puta nojento.

— Abaixo? — Hunter não gostou da risada divertida que saiu por entre os lábios finos de Henry Vachon. — Estive em cima dela e atrás dela. Mais de uma vez. Dragos e eu, ambos tivemos nossas voltas com ela na noite em que a tiramos desse clube em Detroit. Diabinha espirituosa. Lutou como um demônio. Lutou tão duro quanto podia por anos depois que ele a trancou com as outras, apesar de todo bem que fez a ela.

As palavras feias — a horrível verdade do que estava ouvindo partiu o último fio frágil do controle de Hunter. Saltou sobre Henry Vachon, derrubando o homem contra a parede e quebrando o mármore polido com a força de seu impacto. Não percebeu como estava cego de ódio naquele momento.

Não percebeu o quão perdido estava pela explosão da sua raiva até que sentiu o gosto de sangue em sua língua e viu que tinha o pescoço de Vachon preso entre os dentes e presas.

Com um grito primitivo, Hunter afundou suas mandíbulas mais profundo em torno da carne vulnerável e tendões. Balançou a cabeça, arrancando a garganta do vampiro e silenciando suas palavras ofensivas para sempre.

Sangue estava por toda parte em seus olhos, em seu cabelo. Escorrendo pelo queixo. Provou isso como um veneno amargo deslizando por seu esôfago.

Olhou para a profanação, o horror selvagem dos espasmos do corpo de Vachon, morrendo, mas ainda de pé com as mãos sangrando. Sua cabeça ficou um pouco confusa por um segundo. Imagens brilhavam em sua mente.

Vachon, pegando com mão firme e puxando os longos cabelos escuros de Corinne, segurando-a enquanto a estuprava. Era tão vívido, real, tão maldito.

A fúria rugia acima de Hunter. Ele inclinou a cabeça para trás e berrou quando uma nova rodada de imagens encheram sua visão: Vachon e Dragos, observando o antigo que estava contido e drogado numa mesa de laboratório comprida. Não muito longe dali, uma gaiola com aproximadamente duas dúzia de mulheres, todas Companheiras presas, gritando e chorando enquanto uma delas era arrastada para fora por um Subordinado e caminhava em direção à mesa como um sacrifício indo para o altar.

Hunter gemeu, doente, ao perceber o que estava testemunhando.

Mas como era possível?

Outra imagem bateu sua mente. Desta vez era Vachon supervisionando a remoção do pesado equipamento de laboratório na parte de trás de vários containers grandes sob o manto da noite profunda. Engradado após engradado eram carregados em caminhões à espera, com Dragos dando sua aprovação de onde estava nas proximidades.

Inferno Santo.

Estas eram as lembranças de Vachon.

Memórias que carregava em seu sangue.

Hunter ainda podia saborear o cheiro terrível em sua língua. Sentiu seu talento ganhar vida dentro dele, tornando-se conhecido para ele pela primeira vez. O sangue Raça dava-lhe o poder de olhar dentro das memórias do outro.

Jesus Cristo.

Este era o dom de que fugira toda a sua vida? Ele se sentiu mal com o conhecimento.

Queria cuspir o gosto amargo do sangue de Vachon de sua boca. Ao contrário, se agarrou à garganta rasgada do vampiro e bebeu um pouco mais.

 

Chase apertou o número no teclado do telefone público da cidade pela terceira vez. Então, pela terceira vez, soltou uma maldição e bateu o fundo do receptor no gancho antes da linha ter a chance de tocar na outra extremidade.

— Porra, — ele murmurou, passando os dedos sobre a parte superior de sua cabeça, onde uma enxaqueca disparou durante a maior parte da noite.

Sabia a fonte da dor de cabeça. A dor chata penetrava em seu estômago, instando-o a esquecer o telefonema que parecia incapaz de fazer e guiar seu olhar em direção a algo mais produtivo.

Seu corpo tremia pela necessidade de alimentação. Tentou ignorar o frio que soava em suas veias, batendo dentro dele, deixando os nervos na borda, inquieto e cheio de tiques. Pelo menos, suas presas tinham diminuído. Seu olhar não estava lançando luz âmbar no lixo da esquina do centro da cidade escura onde estava, nem refletindo de volta como olhos de gato no acabamento cromado lascado da caixa do telefone público.

Não estava totalmente perdido, pelo menos. Torturado com a queimação, abatido pela fome ou não, não caiu na Sede de Sangue. Não era Renegado, ainda não.

Ainda assim, estava num mau caminho e sabia disso.

Não tão longe que não pudesse lembrar tudo que Murdock confessou e que o gelava com as ramificações do que isso poderia significar para a Ordem.

Pegou o receptor novamente e teclou o número que sabia que Gideon, de alguma forma, montou no complexo. Prendeu a respiração quando a chamada conectou e começou a tocar. No meio do segundo tom, a linha foi atendida.

— Sim.

Chase franziu a testa, pego de surpresa pela voz profunda que não carregava o tom familiar de Gideon ou o sotaque britânico. Começou a responder, mas a palavra saiu toda enferrujada, com a garganta seca e queimando pela sede que precisava ignorar. Engoliu a sensação de serragem e tentou novamente.

— Tegan... é você?

— Harvard — foi a resposta fria do guerreiro Gen Um. Não era uma saudação. Nem mesmo amigável. — Que diabos quer?

A atitude era merecida, mas entretanto, doeu. Chase respirou e soltou lentamente.

— Estou surpreso ao ouvi-lo atendendo, Tegan, — disse ele, na esperança de quebrar parte do gelo do outro lado da linha. — Gideon normalmente não gosta que ninguém brinque com seus brinquedos no laboratório de tecnologia.

— Vou dizer de novo, Harvard. O que quer?

Assim, o gelo não ia a lugar nenhum. Deveria saber, ele supunha. Afinal, foi o único que saiu da Ordem. Nada dizia que o queriam de volta ou, pelo inferno, até mesmo reconhecer que existia. Chase limpou a garganta seca.

— Preciso falar com Lucan. É importante.

Tegan grunhiu.

— É uma pena. Sou tudo que tem agora. Então, comece a falar ou pare de desperdiçar meu tempo.

— Encontrei Murdock, — ele deixou escapar.

— Onde?

— Não interessa agora. Está morto. — A poucos metros acima da rua, uma prostituta de fim de noite saiu acima da calçada e começou a divagar em direção a Chase nos altos saltos vermelhos. Seu casaco de inverno curto estava aberto, expondo uma perna e o decote e muita garganta nua para seu estado frágil de espírito. Chase arrancou seu olhar da refeição em potencial e girou sobre seus calcanhares e encostou a testa contra o metal frio da caixa de telefone público. — Murdock me deu algumas informações que Lucan vai querer ouvir. Não é bom, Tegan.

O guerreiro exalou uma maldição dura.

— Não achei que seriam. Diga-me o que sabe.

— Dragos está intensificando seu jogo. Fez Subordinados dentro das agências policiais locais, de acordo com Murdock. Aparentemente, também tem uma ereção com alguns políticos locais. Murdock mencionou algo sobre esse novo senador, que acabou de ser eleito.

— Cristo, — Tegan disse. — Não gosto do som de nada disso.

— Certo, — Chase concordou. — Mas isso não é o pior do que descobri. Murdock me disse que Dragos tem os olhos postos em acabar com a Ordem. Disse que Dragos falou sobre o uso de algum tipo de cavalo de Tróia. Tenho um sentimento ruim que tem algo a ver com a entrada dos Archers no complexo, na semana passada.

— Você não diga, — Tegan comentou, parecendo aborrecido agora. — Novas notícias para você, Harvard. Depois que fez seu ato de desaparecimento, algumas noites atrás, o garoto cuspiu um dispositivo de rastreamento. Não lembra de onde veio ou como foi parar dentro dele. Desde que seus sequestradores o deixaram inconsciente logo depois que o levaram, provavelmente o garoto foi alimentado à força enquanto estava fora no frio.

— Porra, — Chase assobiou. — Então Murdock estava certo. E agora Dragos sabe a localização do complexo.

— Ao que parece, — respondeu Tegan.

— Qual é o plano, então? Como Lucan quer lidar com a situação por aí? Não pode simplesmente sentar e esperar que Dragos faça seu ataque...

Chase percebeu que havia um monte de silêncio do outro lado da linha. Tegan estava ouvindo, mas sua falta de resposta parecia muito deliberada para ser mal interpretada.

— O que podemos fazer sobre isso é um negócio da Ordem, cara.

Não havia nenhuma animosidade na declaração, apenas o ponto do guerreiro que era bastante claro. Negócios da Ordem. E Chase não tinha mais lugar na discussão.

— A menos que esteja chamando porque quer voltar, — continuou Tegan. — Se fizer isso, uma justa advertência: provavelmente terá que pôr suas habilidades de advogado formado em Harvard para trabalhar, se quiser falar com Lucan. Mesmo Dante, está mais chateado com você que ninguém por aqui.

Os olhos fecharam pela repreensão merecida, e Chase abaixou a cabeça e exalou um longo suspiro. A última coisa que Dante precisava era lidar com essa merda, quando sua Companheira estava apenas a algumas semanas de distância de dar a luz de seu filho.

— Como ele e Tess farão? — Chase murmurou. — Já deram um nome ao bebê?

Tegan ficou quieto por um longo momento.

— Por que não volta para a sede e pergunta você mesmo?

— Não, — Chase respondeu, sua boca no piloto automático quando levantou a cabeça e olhou para os viciados em drogas e prostitutas, todos perdedores, que perambulavam em torno da rua degradada na imundice do distrito de Boston, na parte baixa. — Não estou na cidade no momento. Não tenho certeza de quando estarei voltando.

Tegan o cortou com uma maldição baixa.

— Ouça-me, Harvard. Está fodido. Nós dois sabemos o que está acontecendo, então uma palavra de conselho, não tente fazer merda. Tem um problema sério. Talvez esteja mais profundo do que pode sair, mas o fato de que esteja falando comigo agora, o fato que está ai, debatendo se ainda está são ou passou do ponto de se cuidar, me diz que ainda tem chance de reverter sua merda. Pode voltar, mas tem que fazê-lo antes que seja tarde demais para acertar as coisas.

— Eu não sei, — Chase murmurou. Parte dele queria agarrar o ramo de oliveira oferecido com as duas mãos e não deixar cair. Mas havia outra parte dele que recusava a necessidade de parentesco ou perdão. A parte dele que não conseguia parar de olhar para a jovem mulher, muito disposta, que já tinha acomodado sua bunda vestida de minissaia contra a parede de tijolos vermelhos do edifício ao lado dele. Ela o olhava também, sem dúvida, experiente o suficiente para ler a nota de interesse em seus olhos com capuz.

— Chase, — Tegan disse, expressando seu nome como uma demanda enquanto os segundos passavam sem resposta ainda. — Tem uma escolha séria a fazer, cara. O que quer que eu diga a Lucan?

A prostituta deu um aceno de cabeça e começou a escapulir pelo seu caminho. Chase sentiu um rosnado enrolando na parte traseira de sua garganta enquanto ela se aproximava. A fome que se escondia tão perto da superfície de sua consciência tornou-se viva apesar de seus melhores esforços para contê-la. Sua gengiva latejava com o surgimento de suas presas.

— Porra, Chase. — Ele já afastava o receptor longe de seu ouvido quando a voz profunda de Tegan vibrou através do plástico. — Está cavando sua própria sepultura, porra.

Chase colocou o telefone de volta no gancho, em seguida, contornou para levar a jovem para as sombras com ele.

 

Hunter correu por Nova Orleans, a pé, sua cabeça ainda zumbindo com a enxurrada de lembranças que atraiu do sangue de Henry Vachon. Viu coisas incrivelmente sujas. Atos horríveis feitos com a aprovação de Dragos e através do próprio doente do Vachon.

Custou toda a disciplina de Hunter evitar reviver o pior dessas memórias — as que envolviam a jovem e inocente Corinne, a violação e tormento que sofreu nas mãos de ambos os homens Raça na noite em que foi raptada. Hunter treinou seu foco em vez disso, uma memória diferente sugada de Henry Vachon nos momentos finais da vida do vampiro.

Quando deu seu último suspiro, um momento antes de Hunter ter certeza que foi gasto em agonia suprema, Vachon soltou a localização de uma instalação de armazenamento vizinha a Metairie — o local onde, a poucos meses, Vachon entregou alguns conteúdos do laboratório apressadamente desmontado de Dragos.

O prédio de tijolos brancos ficava num terreno de esquina plano, perto da rodovia e da ferrovia, um bloco de dois andares, condomínios do outro lado da rua e uma sede corporativa vaga ao lado. Hunter se moveu em silêncio sobre o concreto, iluminado pelo luar até a instalação de armazenamento adjacente cercada pelo estacionamento, passando um punhado de caminhões de aluguel e veículos de passeio estacionados, partilhando a fina luz amarela de uma única lâmpada de segurança no poste. O local estava fechado para a noite, as portas de vidro na frente fechadas pelo interior por uma cortina de metal.

Hunter circulou ao redor até o lado, parando em frente à câmera de circuito fechado que vigiava pelo canto superior do edifício. Do outro lado do prédio, uma porta de metal que marcava — Não entre — dava acesso simples o suficiente para a instalação. Hunter segurou a maçaneta e a inclinou até que o mecanismo de bloqueio se soltou. Ele entrou, e rumou para o número da unidade que as memórias no sangue de Vachon forneceram.

Estava localizada na extremidade do corredor interior da instalação. Hunter fez um rápido trabalho forçando o cadeado industrial, soltando-o com um puxão firme. Ele abriu a porta de metal enrugado e entrou na caixa de dez por cinco metros. Quando cruzou o limiar, sentiu uma vibração fraca em seu ouvido interno e olhou abaixo para ver que seu pé tropeçou num alarme silencioso de um sensor de movimento. Não teria muito tempo antes que alguém respondesse ao alerta.

Felizmente, não havia muito para se ver dentro da unidade. Um cofre à prova de fogo assentado logo após a entrada. Em direção à parte traseira havia um par de tambores baixos, redondos, de aço inoxidável tampados com um selo de vácuo hidráulico que parecia uma roda de metal polido, de direção. Reconheceu os recipientes pelas memórias recolhidas de Henry Vachon, mas saberia seu propósito, mesmo sem a ajuda de seu talento.

Armazenamento de recipientes criogênicos.

Estavam ligados a uma fonte de alimentação portátil grande, seus medidores de temperatura interna dando leitura negativa de 150 graus Celsius. Hunter retirou o lacre do contêiner mais próximo dele e levantou a tampa pesada. Nuvens geladas de nitrogênio líquido espumaram para fora pelo topo aberto. Hunter a tirou e olhou para dentro, onde incontáveis frascos estavam armazenados dentro do congelador. Não tinha que puxar nenhum deles para entender que continham amostras de células e tecidos, todos originários do laboratório secreto de Dragos.

Os resultados de experimentos físicos e testes genéticos provavelmente, coisas que Hunter só poderia adivinhar, enquanto olhava para os numerosos frascos aninhados em várias camadas dentro do recipiente.

Tão espantado como repugnado, Hunter voltou sua atenção para o cofre. Arrombou a porta do painel pequeno e encontrou uma pilha de arquivos em papel e fotografias, junto com um punhado de discos de armazenamento portátil de computador.

Tinha que levar todo esse material — tudo na unidade de armazenamento de Vachon — para as mãos da Ordem.

Com esse objetivo em mente, foi para o estacionamento adjacente e pegou um dos caminhões baú da HotWired[21] estacionado no escuro lá fora. Ele o levou para a entrada lateral e o deixou em marcha lenta enquanto corria de volta para a unidade para coletar o conteúdo.

Havia carregado o cofre e um dos recipientes crio[22] no caminhão e estava prestes a se virar e pegar o último, quando percebeu que não estava sozinho. O alarme silencioso aparentemente era direto para Dragos, se o Gen Um assassino agachado em posição de batalha fora do reboque aberto do caminhão fosse qualquer indicação.

O grande macho se impulsionou em seus pés e saltou para frente, um borrão vestido de negro da cabeça aos pés contra a noite. Bateu em Hunter, levando-os mais para dentro do caminhão. Bateram contra o recipiente crio, o aço inoxidável ressoando como um sino com a força do impacto.

Hunter subiu duro e se chocou com o estômago do assassino com o ombro. O macho caiu de costas, mas ficou lá por apenas um instante antes que estivesse de pé mais uma vez, vindo para Hunter com um punhal, firme na mão.

Uma luta feroz se seguiu. Hunter viu uma janela de oportunidade quando o assassino se virou para desviar um de seus golpes e deixou sua cabeça e pescoço um alvo aberto. Hunter levou a borda de sua mão até a laringe do outro homem, um golpe mortal na traqueia que esmagou o vampiro. O assassino chiou e cambaleou por um instante, depois fixou um olhar assassino em Hunter e partiu em frente novamente com sua lâmina.

Hunter o bloqueou com um golpe reflexo de seu braço. Girou seu cotovelo, envolvendo sua mão em torno do pulso do assassino. O movimento trouxe o antebraço do assassino para baixo com um duro estalo na frente da coxa Hunter, quebrando o membro e inutilizando-o. Quando a lâmina caiu no chão do caminhão e o assassino deu uma guinada para frente, Hunter agarrou a coleira de radiação ultravioleta, preto e balançou a cabeça do Gen Um para baixo contra a borda do recipiente de armazenamento criogênico.

O sangue jorrou do grave golpe. Mas o assassino não estava pronto para desistir ainda. Deu um soco na frente da rótula de Hunter, um golpe que poderia tê-lo derrubado se Hunter não o visse vindo. Chutou o assassino para trás, alcançando a tampa do recipiente de nitrogênio líquido e a manivela rígida. Retirando-a, Hunter a abriu. Antes do assassino poder ficar em pé mais uma vez, Hunter o tirou do chão. Empurrou sua cabeça no recipiente abaixo de zero que formava névoa, em seguida, fechou a tampa e segurou o homem preso sob ela.

Demorou alguns minutos antes do vampiro parar de se debater.

O corpo ficou mole, braços e pernas imóveis na névoa de ar frio que continuou a derramar no chão numa nuvem branca.

Depois de outro longo momento, Hunter levantou a tampa. A cabeça do assassino estava congelada, o queixo caído, os lábios azuis e sem brilho, olhos cegos incrustados com cristais de gelo. Hunter empurrou o cadáver para o lado. Ele caiu com um baque duro aos seus pés, a coleira preta grossa circulando seu crepitante pescoço enquanto se quebrava em vários pedaços e caía.

A interrupção em sua tarefa atual resolvida, Hunter voltou para pegar o último container crio e o carregou no caminhão.

 

Corinne ouviu um barulho no quarto de hóspedes enquanto se enxugava de seu banho na casa segura.

— Amelie? — Ela chamou por trás da porta parcialmente aberta. Devia ser mais de meia noite, mas Corinne estava muito ansiosa para dormir. — Só um segundo. Já saio.

Ela desdobrou o robe que sua anfitriã lhe deu e o colocou, suas mãos rapidamente fechando o cinto da roupa grossa de chenille cor de rosa que parecia veludo e cheirava a sol-aquecido, algodão seco. Certa que seu corpo cheio de cicatrizes estava coberto, abriu a porta do banheiro um pouco mais e saiu para o quarto.

Não era Amelie.

Era Hunter, coberto de sangue. Contusões marcavam as maçãs do rosto afiadas. Suas mãos estavam apertadas ao seu lado, as juntas raspadas e contundidas. Nunca o viu tão cru, tão mergulhado na violência de sua profissão.

— Meu Deus, — ela sussurrou, se movendo em direção a ele em estado de choque e preocupação. — Hunter... você está bem?

— Não importa o sangue. Não é meu, — disse ele, impassível, a voz calma mais profunda do que nunca.

Quando começou a tirar o casaco de couro manchado de sangue, Corinne correu para ajudá-lo.

— As botas também — disse ela, olhando o sangue que as cobria também.

Enquanto se inclinava para desamarrar uma delas, ela se agachou para soltar a outra. O sentiu a observando num estranho silêncio mais estranho que seu habitual homem-de-poucos-palavras. Parecia estudá-la agora, seu escuro olhar ouro encoberto ainda enigmático, mas afiado com uma suavidade que não tinha visto nele antes.

— Vou levá-las, — ela disse, pegando suas grandes botas de combate pretas numa das mãos, o longo casaco de couro na outra. — Venha comigo.

Ela se virou para carregar tudo de volta para o banheiro enquanto Hunter seguia atrás dela. Colocou o casaco e as botas na banheira, depois pegou um dos panos limpos que estavam dobrados na parte de trás do vaso sanitário. Colocou-o sob a torneira na banheira, torceu para tirar a água quente enquanto Hunter estava acima da pia, perto da porta.

Esteve chateada com ele a noite toda, com raiva por tê-la deixado sem dizer nada. Preocupada por ele sair para fazer seu trabalho perigoso para a Ordem e poder ser morto. Agora, só podia olhar para ele, aliviada por ter voltado inteiro, mesmo que parecesse que atravessou uma zona de guerra para chegar lá.

Ela sentou na beirada da banheira e ficou olhando enquanto ele enchia de água fria a bacia e limpava o rosto. Quando terminou, bochechou diversas vezes, sacudindo a água ao redor da boca e cuspindo. Mais e mais, como se houvesse um sabor que não podia se livrar não importa como duro tentasse. Água escorria do queixo enquanto olhava para ela, os ângulos duros de seu rosto parecendo ainda mais graves nas luzes do globo brilhante acima de sua cabeça no lavatório.

— Sua camisa está arruinada, — ela disse, notando ainda mais sangue embebido no tecido preto de malha de seu uniforme de combate. Ela caminhou até ele e pôs o pano úmido na borda da pia. Ele não disse nada enquanto ela pegava a bainha pegajosa, embebida em sangue da camisa e a tirava, descobrindo seus dermaglifos que cobriam o torso e o peito, largo e musculoso. Ficou atrás enquanto ela enchia a bacia com água fria e colocava a camisa dentro. Enquanto fazia isso, ele pegou a toalha e se esfregou para limpar. Deixou cair o pano sujo na pia com sua camisa.

— Encontrou Henry Vachon. — Não era uma pergunta, porque a evidência parecia bastante clara enquanto a água ficava vermelha na bacia. Ela olhou para Hunter e viu seu assentimento sóbrio. — Você o matou?

Ela esperava uma confirmação plana, uma declaração sem emoção da verdade que era o modo usual do guerreiro de resposta. Em vez disso, Hunter estendeu a mão e gentilmente tomou seu rosto nas mãos. Ele inclinou a cabeça para a dela e a beijou com um cuidado que lhe roubou o fôlego. Quando a boca finalmente deixou a dela, olhou em seus olhos com intensidade calma, mas feroz.

— Henry Vachon nunca a machucará novamente.

Corinne não pode evitar a maneira como seu corpo derreteu com o beijo sensível de Hunter. Seu coração derreteu um pouco, aquecido pela maneira cuidadosa que a tocou agora e pela maneira como seus fascinantes olhos dourados prendiam seu olhar tão calorosamente. Queria permanecer no prazer de ambos, mas um nó de medo se formava na boca do seu estômago.

Vachon estava morto. O fato de que um dos piores monstros dos pesadelos de sua vida não respirava mais devia ser boa notícia para ela. Era, mas com a morte de Henry Vachon, sua conexão com Dragos — a única ligação que Corinne tinha para encontrar o filho dela estava cortada agora também.

Relutante, saiu das mãos ternas de Hunter.

— Foi capaz de obter qualquer informação dele sobre Dragos ou sua operação?

Hunter concordou com a cabeça gravemente.

— Depois que saí da propriedade de Vachon, encontrei uma instalação de armazenamento em outra parte da cidade. Havia equipamentos de laboratório dentro, bem como um cofre contendo registros de computador e arquivos de papel, com fotografias e notas de laboratório.

Esperança acendeu vagamente com o pensamento.

— Que tipo de arquivos? Que tipo de equipamento? Onde está esta unidade de armazenamento? Precisamos ir para lá. Precisamos olhar tudo que pudermos. Algumas coisas que encontrou podem levar direto para Dragos.

Hunter estava balançando enquanto ela falava.

— Eu tirei tudo da unidade. Está em um caminhão baú que escondi perto do pântano atrás dessa casa. Mas está certa. Podem ser pistas úteis que podem levar a Ordem até Dragos. Tenho a intenção de levar o conteúdo para Boston, logo que possível.

Mais que tudo, Corinne queria correr para fora e encontrar o caminhão que Hunter mencionou e rasgar tudo que encontrasse. Tinha certeza que a chave para localizar o filho dela estava em algum lugar desses registros e arquivos de laboratório. Tinha que estar, ou teria poucas chances preciosas de saber onde seu filho podia estar.

Ela olhou para Hunter, sabendo que o enganou por reter a verdade sobre seu filho. Ela olhou em seu olhar, intenso e sério e sentiu a mesma pontada de culpa que sentiu mais cedo naquele dia. Ele a beijou novamente, e sua culpa foi agravada, mais desagradável pelo fato que Hunter estava lá, sendo assim terno e amável com ela.

Corinne olhou para o chão, envergonhada e assustada.

— Há algo que precisa saber, — ela disse suavemente. — Algo que eu devia ter contado antes. Eu devia ter contado o que aconteceu comigo enquanto estava na prisão Dragos, mas estava com medo. Precisava ter certeza que poderia confiar em você.

— Eu sei o que eles fizeram. — Sua voz profunda vibrava em seus ossos. Ele puxou seu queixo para cima, até que estava olhando em seus olhos mais uma vez. — Sei o que Dragos e Vachon fizeram para você na noite em que a levaram. Sei como violaram você.

Esta não era a verdade que pretendia contar a ele, mas tudo era a mesma coisa, a respiração de Corinne queimava em seus pulmões. Estava confusa, horrorizada. Enojada ao pensar que Hunter estava ciente de sua mais profunda humilhação. Queria morrer naquela noite, parte dela morreu então, sua inocência roubada num momento horrível. Sua voz tremeu um pouco.

— Cc-como poderia saber...?

— Vachon. Se vangloriou muito, pouco antes de eu o matar. — Faíscas âmbar ardiam nos olhos de ouro de Hunter, enquanto falava. — Arranquei sua garganta com meus dentes e presas. Não conseguia controlar minha raiva quando percebi o que aquele filho da puta sádico fez para você, que ele tinha gostado.

Corinne ouviu seu relato sobre o que ele fez, momentaneamente distraída da confissão que ela ainda não fez a ele. Ela mal podia acreditar que o guerreiro rígido, e perfeitamente disciplinado admitia ter perdido o controle.

Sobre algo que foi feito para ela.

— Tive a certeza que sua morte foi uma agonia, — Hunter continuou. — Queria que ele sofresse. Eu queria que sangrasse.

E ele o fez, Corinne pensou, mais atônita que chocada com a profundidade da violência que Hunter infligiu ao outro macho. Ele estava praticamente se banhou no sangue de Vachon, pela maneira como parecia apenas a poucos minutos atrás.

— Foi seu sangue que me mostrou o que fez, Corinne. Vi todas as culpas de Henry Vachon, todos os seus segredos. Seu sangue me mostrou tudo.

Ela franziu a testa, incerta do que ele estava dizendo.

— Eu não entendo.

— Nem eu, não até hoje à noite, — disse Hunter. — Quando afundei meus dentes no pescoço de Vachon, engoli um pouco de seu sangue. Isso nunca aconteceu antes, ingerir sangue da Raça. Assim que deslizou na minha garganta, suas memórias se abriram para mim.

— Você é um leitor de sangue, — ela respondeu. — Nunca soube que era seu talento?

Ele balançou a cabeça.

— Dragos se assegurou que todos os seus assassinos soubessem o mínimo possível sobre si mesmos ou coisas que pudessem torná-los únicos. Não conhecia meu talento até que o sangue sujo de Vachon o despertou.

E agora conhecia sua degradação. Bom senhor, poderia ter visto todos os espancamentos e violações? Será que viu como foi despojada e quebrada, forçada a suportar a tortura indizível junto com as outras cativas presas nas celas de prisão de Dragos?

Corinne se afastou de Hunter, sentindo-se exposta. Se sentia suja e envergonhada, vergonha que ele soubesse de seu calvário horrível e feio, que ela mesma não estava bem preparada para enfrentar. Desviou para o quarto, precisando de espaço para recuperar o fôlego, juntar seus pensamentos.

Não sabia que Hunter a seguiu até que sentiu o calor de suas mãos descansando levemente em seus ombros atrás dela. Ele a virou para encará-lo. Não ofereceu nenhuma palavra, simplesmente a envolveu em seus braços e a segurou contra o calor e a força de seu corpo.

Corinne se agarrou a ele, também precisando da proteção sólida de seus braços para negar a si mesma o conforto de senti-lo segurando-a perto. Hunter inclinou a cabeça, trouxe sua boca até a dele. Ele a beijou, uma fusão lenta dos seus lábios nos dela. Seu peito nu estava quente e aveludado, macio sob as palmas de suas mãos. Sentiu o fraco padrão de seus dermaglifos, sentiu a aceleração de seus batimentos cardíacos por baixo das pontas dos dedos viajando.

Ela recuou de seu beijo e seu olhar encontrou o dele. Suas íris de ouro estavam quentes com âmbar, suas pupilas afinando rápido enquanto o ar acelerava com o calor do desejo.

Sabia onde isto a levaria. Para seu espanto, o pensamento não a aterrorizou como esperava que fizesse. Mas não podia fingir que estava preparada, ou que sabia como tocá-lo — como estar com ele, da forma como outra mulher poderia.

Ele a beijou novamente, e ela sentiu o suave roçar de suas presas contra o lábio. Sob suas mãos, seus glifos estavam pulsantes e vivos, sua respiração arfante rapidamente dentro e fora de seus pulmões.

— Hunter, espere... — Ela mal conseguia encontrar as palavras, mas precisava que ele entendesse o que estar com ele significava para ela. — Eu não fiz isso antes. Sabe o que aconteceu enquanto eu estava... — Ela não podia dizer. Não podia falar as palavras que permitiriam a Dragos e seus feitos doentios entrarem neste momento que pertencia só a ela e Hunter. — Precisa entender que eu nunca... fiz amor.

Ele olhou para ela, algo escuro e possessivo em seu olhar âmbar dourado.

— Nem eu — Ele deu um acento lento de sua cabeça enquanto carinhosamente acariciava sua bochecha. — Não houve ninguém, nunca.

Corinne engoliu, muda, atingida por um instante.

— Nunca?

Seu toque viajou ao longo da inclinação do queixo, em seguida, patinou suavemente nos lábios.

— A intimidade era proibida. Era uma fraqueza querer contato físico. Era uma falha desejar qualquer coisa, especialmente prazer. — Ele a beijou de novo, e um rosnado baixo retumbou profundamente em seu peito. — Nunca soube o que era desejar tocar uma mulher. Ou a fome de beijar uma mulher.

— E agora você sabe? — Ela perguntou hesitante.

— Desde que conheci você, Corinne Bishop, não estive pensando em outra coisa.

Ela não conseguiu conter o sorriso pela confissão, apesar de que ele a fez com mais que desconcerto. Talvez até mesmo um traço de aborrecimento. Ela estendeu a mão e entrelaçou os dedos em torno de sua nuca. Ele aceitou a sugestão e inclinou a cabeça para pegá-la em outro beijo profundo. Desta vez, ardente. Ela sentiu sua paixão na forma de fome, quando cobriu sua boca com a dele e na demanda erótica de sua língua, uma vez que varreu ao longo da abertura dos lábios, empurrando para dentro, assim que ela os separou para puxar uma respiração superficial.

Ela se moveu com ele, deixando-o puxá-la para a cama. Ele afastou a manta quando a guiou para baixo, no colchão, então se espalhou ao lado dela. Os lábios ainda presos juntos, as mãos ainda explorando um ao outro com ávido interesse, Corinne sentiu os dedos traçando uma das cicatrizes no meio das costas. A maioria curou com a ingestão forçada do sangue do Ancião, mas outras, eram feridas que foram infligidas com intenção de que ficassem permanentes. Feridas destinadas a quebrar o espírito da jovem mulher que lutou contra a subjugação por mais tempo do que seria sábio.

— Não, — ela sussurrou, sua voz embargada e ansiosa. — Por favor, Hunter ... não olhe para elas. Não quero que veja tudo que é feio sobre mim. Hoje não.

Ela esperava sentir seu toque se afastando das marcas horríveis, mas em vez disso, ele continuou. Ele se apoiou em seu cotovelo e, lentamente, a olhou da cabeça aos pés. Seu olhar quente levou seu tempo estudando as cicatrizes deixadas pela tortura elétrica frequente e pelas diversas punições que duravam semanas sem fim.

Ela sabia como era terrível olhar para ela, mas Hunter a olhava com aberta admiração, como se fosse a coisa mais bonita que já tivesse visto.

— Nada sobre você é pouco atraente para mim, — ele murmurou. — As cicatrizes são apenas cicatrizes. Seu corpo é suave e forte, perfeito para mim. Nunca poderia me cansar de olhar para você. Sei que nunca poderia me cansar de tocar em você assim.

Como se para enfatizar seu ponto, se abaixou para ela e beijou a pior falha na sua pele. Lentamente, trabalhou seu caminho até sua boca e pressionou outro doloroso e possessivo beijo, estonteantemente quente nos lábios.

Seus glifos avolumaram para uma cor escura agora, o elegante entrelaçado de seus padrões Gen Um vivos com índigo, ouro e vinho — todas as cores luxuriosas do desejo Raça. Corinne tocou o círculo bonito e os arcos, traçando os dedos abaixo através de seu abdômen, onde as marcas da pele desapareciam sob o cós de seu uniforme.

Ela correu a ponta do dedo ao longo da borda das calças pretas. O calor penetrou na palma da sua mão, enquanto movia seu toque um pouco mais abaixo. Ao lado de sua orelha, Hunter soltou um gemido baixo. Sua grande mão desceu sobre a dela, os dedos longos a engolindo, pressionando seu carinho em direção à ponta dura de sua ereção.

Ela não sentiu apreensão ou incerteza quando o tocou sobre o zíper esticado. Seu sexo parecia enorme, duro como pedra. Para seu espanto, o pensamento trouxe uma emoção escura, sensual, e não o choque de pânico que temia e arruinaria tudo.

Hunter enterrou a boca na curva do seu pescoço, deixando-a louca com sua língua enquanto ela levava seu tempo explorando a amplitude e o sentindo através da barreira fina de suas roupas. Sentiu a mão dele timidamente descendo entre as pernas dela, a envolvendo com a palma da mão, amassando-a gentilmente. Prazer se desdobrou profundo dentro dela, espalhando um calor delicioso por todo o caminho até as pontas dos dedos das mãos e pés. Muito rápido, ele se moveu e, em seguida sua mão estava guiando a dela sobre ele, ajudando-a a abrir seu uniforme, empurrando o resto de sua roupa longe.

Ambos estavam nus agora, lado a lado, indulgentes em longos momentos sem pressa de beijos e toques, carinhos e carícias enquanto descobriam o corpo um do outro. Corinne podia sentir a saliência de aço de seu sexo contra o quadril. Alimentou uma curiosidade aquecida nela, uma necessidade de estar mais perto... de tomá-lo profundamente em seu corpo.

Ela enganchou uma perna sobre a dele, deixando seus quadros mais juntos que antes. Hunter estava rangendo os dentes, a mandíbula tão apertada que achava uma maravilha ele não quebrar seus molares. Quando ela acariciou com os dedos por cima do ombro volumoso, se deleitando na corrida de cores que inundavam seus glifos ao toque dela, notou que ele tremia.

Ele se detinha, deixando que ela definisse seu ritmo.

Ela se inclinou e o beijou, usando sua língua para mostrar a ele que estava pronta. Que sabia o que ia acontecer entre eles agora e o acolheria. Hunter gemeu e a arrastou contra ele. O comprimento espesso de sua excitação chutou duro entre suas coxas.

— Venha dentro de mim, — ela sussurrou contra a boca dele. Estendeu a mão e o guiou para lá. — Faça amor comigo, Hunter.

A cabeça larga de seu sexo a cutucou, quente e inflexível. Ela se deslocou para encontrá-lo, então suspirou com prazer, imperturbável quando ele entrou com um longo golpe sem pressa, a enchendo completamente. Lágrimas saltaram atrás de suas pálpebras fechadas pela intensidade de sua junção. Sensações a inundavam, cada fibra em seu ser respondendo a invasão gloriosa. O corpo inteiro dele parecia tão rígido como pedra sob suas mãos. Ele tremia se contendo, se movendo dentro dela cuidadosamente, com tanto zelo, tanta reverência, que ela queria chorar.

Balançando dentro dela, a empurrando em direção a um êxtase que nunca conheceu e muito menos imaginava ser possível, ele pegou seu gemido em um beijo sensual. E então ela estava se partindo, uma explosão doce de prazer e emoção que soltou dentro dela enquanto a onda de seu primeiro orgasmo levava seus sentidos para o céu num grito sufocado de liberdade.

Hunter se perdeu nos sons doces e no impressionante poder da paixão de Corinne. Ela parecia tão bem, enrolada em torno dele, seu corpo pequeno estremecendo e tremendo, um tremor minúsculo após o outro acariciando o comprimento rígido de seu eixo enquanto bombeava seus quadris contra ela.

Nunca sentiu nada tão glorioso.

Nunca imaginou que prazer assim poderia ser possível. Ele o governava naquele momento, exigindo que ele lhe desse rédea solta, mesmo quando queria levar seu tempo, fazer deste último momento algo que pudesse saborear cada segundo.

Queria tomar cuidado com Corinne. Queria ser gentil com ela depois de todos os abusos que conheceu de outros machos. E assim se manteve num ritmo controlado, mesmo enquanto ela gozava sob ele, cada doce convulsão de seu sexo o deixando mais próximo de se desfazer. Ele a beijou e acariciou, segurando-a contra seu corpo, empurrando e saindo com a máxima moderação, até que seu clímax atingisse o ápice e começasse a vazar.

Sua respiração tremeu perto de sua orelha. Em seguida, ele a puxou suavemente e sentiu uma umidade quente contra seu rosto. Ela estremeceu em seus braços novamente, e através da névoa vertiginosa de seu prazer, percebeu que estava chorando.

— Corinne, — ele ofegou, recuando para olhar para ela preocupado. Ele congelou, incapaz de se mover em face de suas lágrimas. — Ah, Deus. Estou te machucando.

— Não, — ela sussurrou em torno de um soluço baixinho. — Não, isso não me machuca. É tão bom. Está me fazendo sentir algo que nunca conheci antes, Hunter. Não sabia que podia ser assim. É impressionante como parece bom para mim agora. Não quero que isso acabe.

Aliviado por ela estar bem, ele a beijou e voltou ao seu ritmo. Que estivesse chorando de prazer por causa de seus corpos unidos o fez querer bater no peito com os punhos e rugir de orgulho para o teto. Era um impulso estranho, animalesco, possessivo e cru, mas sentia todas essas coisas e muito mais quando olhou para as lágrimas rolando pela face da bela Corinne, sua respiração suavemente ofegante entre seus lábios separados quando balançou dentro dela devagar, com golpes indulgentes.

Ela gemeu quando ele encontrou um ritmo forte, suas unhas curtas cravando em seus ombros enquanto se agarrava a ele. As coxas circularam seus quadris, puxando-o mais apertado contra seu corpo. Seu calor úmido o apertava tão firmemente, torcendo-o de dentro para fora quando uma onda furiosa começou a crescer e se avolumar na base de seu pênis.

Tentou retê-la. Rosnou com a força de sua vontade, mas não foi suficiente. O corpo de Corinne continuou a sugá-lo, levando-o em direção a um ritmo febril que apenas aumentou a fome ainda mais. Ele empurrou mais profundo a cada golpe duro, mais rápido, até que a pressão que se enrolava quebrou seu controle e rugiu por ele como fogo em suas veias.

Ele conteve o grito que teria abalado a casa, enterrando seu rosto na curva do pescoço delicado de Corinne enquanto seu corpo estremecia e convulsionava, e seu primeiro orgasmo verdadeiro na vida saia em jatos dele num fluxo ardente de liberação.

Ele murmurou algo ininteligível enquanto seu pau contraía com deliciosa intensidade contra a vagina apertada e quente. Não conseguiu conter a maldição esfarrapada, não mais que poderia conter a reanimação imediata ocorrendo dentro dela. Estava duro novamente, todas as terminações nervosas animadas e prontas para começar tudo de novo.

Os dedos Corinne se arrastavam preguiçosamente em suas costas enquanto ela se movia sutilmente abaixo dele, um convite sem palavras, que não estava prestes a recusar.

— Não precisa de um momento para recuperar o fôlego? — Ela perguntou, um sorriso sensual nos seus olhos quando ele olhou para ela.

— Tudo que preciso agora é mais disso, — ele rosnou. — Mais de você.

— Eu preciso também. — Seus braços se envolveram ao redor do pescoço dele e ela o puxou na direção dela para um beijo lento e inebriante. Sua língua brincou a abertura dos lábios e ele se perdeu.

Hunter impulsionou profundo, centímetro por centímetro, enchendo-a. Não continha seu desejo por ela agora. Nenhuma quantidade de disciplina era forte o suficiente para segurá-lo, agora que tinha um gosto do verdadeiro prazer com Corinne. Envolvendo seu seio na palma da mão, tornou seu beijo febril, suas línguas, enquanto seus corpos ondulavam num ritmo comum, dando e recebendo com igual medida.

Ela se partiu primeiro, ofegante e gemendo, sua espinha graciosa se arqueando sob ele enquanto seu sexo apertava como um punho aumentando a sensação. Sua própria liberação estava bem atrás dela. Ele estremeceu rígido, voltando para casa com uma necessidade tão feroz que o possuía.

Quando a puxou mais perto, sentindo a corrida quente de sua semente jorrando dentro dela, Hunter conheceu um êxtase que eclipsou tudo o mais. Somente se entreteve por uma fração de segundo — caso tivesse uma existência normal, sem o passado sombrio que o moldou. Pergunta inútil, sua lógica o avisou — imaginando que gostaria de ter uma mulher ao seu lado, a experiência que alguns dos outros guerreiros tinham com suas companheiras.

Era uma indulgência perigosa, sonhar. Mas não mais perigosa que a pressa repentina de protegê-la, a possessividade primitiva que sentia quando pensava em Corinne. Ele matou por ela hoje à noite, e o faria novamente, sem hesitação, se achava que ela poderia vir a se machucar.

E no fundo de sua mente, enquanto se saciava em seu corpo e aproveitava o conforto nos braços sensíveis, se perguntou se ele poderia ser a maior ameaça para a felicidade de todos.

 

Dante passeou pelo corredor fora da enfermaria do complexo, tentando não pensar no fato que sua Tess, bonita e corajosa estava em agonia absoluta do outro lado da porta. Esteve em trabalho de parto durante toda a noite e agora, também na parte da manhã. As contrações só estavam piorando, cada vez mais frequentes a cada hora que passava.

Tess estava lidando com a coisa toda como uma campeã.

Quanto a ele, toda vez que a ouvia gemer com outro ataque de dor, tinha certeza que ia desmaiar.

Por isso que finalmente se retirou para o corredor há pouco tempo. Provavelmente a última coisa que Tess precisava era vê-lo ficar branco como um lençol ao seu lado, os joelhos se transformando em geleia sob ele.

Através dos laços de sangue que compartilhavam, sentia a dor de Tess como dele. Desejava como o inferno poder arcar com tudo sozinho. Dor? Poderia lidar com isso, sem problema, era a ideia que a fêmea que amava estivesse sofrendo, que o fazia querer socar algo ou vomitar num canto. Mas sentia a grande força de Tess, e ficou maravilhado com sua tenacidade, a milagrosa força puramente feminina que dava à sua companheira resistência para continuar lutando através da exaustão e agonia prolongada, necessárias para trazer seu filho ao mundo.

Deu um rápido olhar através da pequena janela de seu quarto na enfermaria. Gabrielle e Elise estavam de um lado da cama. Vieram a algumas horas atrás e ficavam segurando as mãos de Tess, esfregando sua testa com um pano úmido, a alimentando com cubos de gelo enquanto o processo se arrastava aparentemente sem fim. Gideon estava monitorando seus sinais vitais — sob seu juramento solene para Dante que o faria com os olhos fechados, para não ver mais de Tess que Dante achava confortável compartilhar.

A melhor parte de tudo isso, porém, era Savannah. Estava lidando com o parto, sua herança de família, de tal forma que dava a Dante a garantia que precisava de que tudo ficaria bem no final. Pelo menos, esperava por Deus que tudo ficasse bem.

Enquanto isso, se sentia muito inútil.

Começou outro vai-e-vem pelo corredor, se perguntando onde diabos Harvard estava quando precisava dele.

Se estivesse lá agora, vendo Dante pendurado no corredor como um fantasma de guelras verdes, Chase o pegaria pelas bolas de agora até a próxima semana. Teria envergonhado Dante por ser tão covarde, o chutaria de volta para a enfermaria se fosse isso que precisasse.

Merda. Dante realmente sentia falta do guerreiro espertinho que era seu amigo mais próximo na Ordem desde algumas mudanças no ano passado.

Ex-guerreiro e antigo amigo, mentalmente corrigiu, ainda chateado como o inferno sobre a fodida situação toda. Não suavizava em nada sua opinião que Chase telefonasse na noite passada para que soubessem que foi contra as ordens diretas de Lucan e caçou Murdock sozinho.

E para quê? Além de uma vaga menção do possível interesse de Dragos num político local, a parte mais sólida da informação que Chase conseguiu espremer do bastardo foi o fato que cedo ou tarde, Dragos estava conseguindo a localização do complexo. Notícias que a Ordem estava muito bem consciente já.

Pelo que Tegan repassou a todos sobre sua breve conversa com Chase, não soava como se contassem em ouvi-lo novamente em breve — se voltariam a ouvi-lo. Tegan era da opinião que Chase estava deslizando ladeira abaixo. Mencionou a palavra — Renegado — algo que nem Dante, nem nenhum dos outros guerreiros estavam ansiosos para aceitar, mas se viram pressionados para contradizer.

Dante passeou outra vez pelo corredor, enfiando a mão pelo cabelo escuro e torcendo, lançando maldições murmuradas. Era tempo dele começar a se acostumar com a ideia que Harvard não era mais uma parte da Ordem. Não era mais uma parte de suas vidas.

Dante queria se chutar sobre a conversa que teve com Tess, recentemente, sobre chamar Chase para ser padrinho de seu filho. Teve que trabalhar muito duro para convencê-la de que Chase poderia ser invocado para algo tão importante, e agora o filho da puta se foi e o fez parecer um idiota, mesmo por apenas sugerir.

No final, os instintos de Tess nessa área se provaram muito melhores. Gideon ficou atordoado por seu pedido, e tanto ele como Savannah aceitaram a responsabilidade com graça e convicção. Se alguma coisa acontecesse com Dante e Tess, não poderiam esperar guardiões melhores para seu filho.

Com esta certeza fresca em sua mente, Dante olhou acima para encontrar Elise enfiando sua cabeça loira para fora da porta da sala da enfermaria.

— É hora, — disse ela, a suave luz brilhando em seus pálidos olhos ametista. — O bebê está quase aqui agora, Dante.

Isso o mexeu por dentro, seu coração pulando em sua garganta. Moveu-se para o lado de sua Companheira, levando a mão dela aos lábios e apertando um beijo em sua palma úmida.

— Tess, — ele sussurrou, sua língua grossa, alegria e preocupação rastejando até sua garganta. — Como está indo, meu anjo?

Ela começou a responder, mas depois seu rosto franziu apertado e o aperto na mão dele se tornou forte. Savannah disse calmamente para empurrar, que estavam quase lá. Tess se empurrou para cima da cama da enfermaria. Um grito rasgou de sua boca, e Dante sentiu suas pernas ficarem um pouco vacilantes sob ele. Ele a segurou próxima, no entanto. Já era ruim suficiente que passasse a última hora se escorando nas paredes do corredor, e não estava disposto a deixar que Tess ficasse mais um segundo sem ele ao seu lado.

A dor se arrastou por um par dolorosamente longo de minutos antes que Savannah instruísse Tess a empurrar novamente e relaxar. Ela estava ofegante quando olhou para Dante, suor cobrindo sua testa. Ele o enxugou com o pano que Gabrielle lhe entregou, em seguida, pressionou um beijo carinhoso na testa de sua bonita companheira.

— Tem alguma ideia do quanto eu te amo? — Ele murmurou, prendendo seu olhar molhado. — Tess, é tão incrível. Está linda, tão incrivelmente corajosa. Vai ser uma grande mãe para nosso filho.

Seus lábios se abriram em volta de seus dentes quando um novo grito explodiu de sua garganta e a afogou. Dante sentiu a adrenalina da dor quente rugindo através do corpo delicado de Tess. Era além de intensa, uma angústia que o fazia querer jurar que nunca pensaria em outro bebê se isso significasse colocar Tess neste tipo de provação.

— Certo, pessoal, — Savannah disse, sua voz tão suave como um bálsamo. — Aqui vamos nós agora. Mais um empurrão, Tess. Está quase aqui.

Dante inclinou a cabeça abaixo ao lado de seu rosto e sussurrou palavras de encorajamento privadas, coisas destinadas apenas para Tess. Elogios para o que estava dando a ele nesta noite, e promessas de devoção por ela que não poderia adequadamente expressar em palavras débeis.

Ele segurou sua mão enquanto a contração final a retorcia. Ele gritou com alegria quando seu filho finalmente apareceu, um pequeno pacote rosa se retorcendo, seguro no alto e berrando nas mãos especialistas de Savannah. E chorou sem vergonha quando encontrou o olhar de Tess, bonito e exaltado naquele momento próximo, amando-a com cada partícula de seu ser.

Ele se inclinou e beijou sua Companheira incrível, puxando-a para seu abraço e partilhando a euforia deste momento precioso de suas vidas juntos, principalmente sabendo como chegava no meio de tanto tumulto e conflito.

Depois de alguns minutos, Savannah veio com o pacote impossivelmente pequeno que era seu filho recém-nascido.

— Sei que deve estar ansiosa para abraçá-lo, — disse ela, colocando o bebê nos braços de Tess à espera. — Ele é lindo. Perfeito em todos os sentidos.

Tess começou a chorar novamente, tocando ternamente as bochechas minúsculas do bebê e sua boca como um botão. Dante ficou maravilhado com a visão de seu filho. Ficou maravilhado com a mulher que lhe deu tal milagre, algo igualmente precioso para ele como o incrível dom de seu amor. Acariciou um cacho de cabelos loiros úmidos longe de seu rosto.

— Obrigado, — disse em voz baixa. — Obrigado por tornar minha vida tão completa.

— Eu te amo, — ela respondeu, levando a mão aos lábios e beijando o centro de sua palma larga. — Gostaria de dizer Olá ao seu filho?

— Nosso filho, — disse ele.

Tess assentiu, muito orgulhosa e linda quando ele pegou o pequeno pacote em seus braços. Suas mãos superavam o bebezinho. Sentiu-se desajeitado com ele, estranho quando tentou encontrar uma base confortável para o recém-nascido em seus braços grandes demais. Finalmente, descobriu a maneira de segurá-lo, tendo o máximo cuidado para fazer tudo certo. Tess sorriu para ele, sua alegria derramando em suas veias, juntamente com sua própria felicidade.

Deus, seu coração estava tão cheio, parecia perto de explodir.

Dante olhou para o rosto rosado, aos berros, de seu filho.

— Bem-vindo ao mundo, Xander Raphael.

 

Corinne ficou ao lado da cama naquela manhã seguinte, vendo o sono de Hunter. Estava deitado nu em seu estômago, masculino e bonito, uma grande e imensa extensão de pele — coberta por glifos e músculos volumosos. Roncava levemente, descansando tão profundamente como os mortos.

Sua noite juntos foi incrível, e nunca sentiu mais completa do que quando descansou em seus braços depois de terem feito amor. Mas a noite já tinha passado há um longo tempo, e exceto pelas poucas horas que foi capaz de fechar os olhos e dormir, seus pensamentos se centraram numa coisa: a urgência de encontrar seu filho.

Foi essa necessidade que a fez se levantar antes do amanhecer, escapar do calor reconfortante de Hunter, e sair para o pântano para procurar o caminhão que deixou lá quando retornou de Henry Vachon. Ela teve sorte, e encontrou o caminhão baú branco destrancado atrás da casa de Amelie sobre o rio. Corinne entrou e passou a maior parte de uma hora olhando atentamente as resmas de arquivos em papel e fotografias que encontrou num saco dentro do cofre quebrado.

Os arquivos do laboratório de Dragos. Décadas de registros.

Folheou cada um, procurando por qualquer coisa que pudesse levá-la perto de descobrir o destino de seu filho ou de outras crianças, nascidas dentro do laboratório. Encontrou prontuários e resultados de experimentos em milhares de páginas com códigos e jargões que não significavam nada para ela. Para piorar a situação, nenhum dos arquivos continha os nomes de seus sujeitos. Como uma espécie de inventário de ativo insensível, os registros de Dragos continham apenas números de caso, grupos de controle e estatísticas frias.

Todos que havia tocado, cada vida que arruinou dentro da loucura infernal de seu laboratório — não significavam nada para ele.

Menos que nada.

Corinne cavou através das pilhas de papéis restantes, num acesso de indignação impotente. Queria rasgar todos os registros ofensivos em pedaços minúsculos. Mas, quase no fundo do conteúdo do cofre, os dedos roçaram o couro liso de uma bolsa de arquivos grandes. Ela o puxou para fora e jogou os arquivos em seu colo, peneirando-os até mesmo pelo menor fragmento de esperança.

As entradas escritas a mão não eram mais que os inventários impessoais que estavam em outros arquivos. Exceto que havia algo diferente sobre estas datas e anotações. Algo que fez os pelos finos na nuca de Corinne arrepiarem com suspeita... com uma certeza, um terrível conhecimento.

Ela segurava a bolsa de couro de arquivos em suas mãos agora, quando se aproximou da cama onde Hunter estava apenas começando a despertar. Devia a ter sentido no silêncio do quarto fechado. Sua cabeça saiu do travesseiro, piscando as pálpebras abertas sobre o ouro do seu olhar penetrante.

Ele viu que ela estava vestida, que ainda estava respirando com dificuldade de sua corrida de volta para a casa de Amelie, e franziu a testa.

— O que há de errado? Foi a algum lugar?

Ela não podia esconder a verdade dele por mais tempo. Não depois do que compartilharam na noite passada. Ela devia muito a ele. Devia sua confiança.

— Eu tinha que saber, — ela disse calmamente. — Não conseguia dormir. Não podia ficar parada, deitada no conforto de seus braços, sabendo que alguns dos segredos de Dragos estavam nas proximidades.

— Deixou a casa segura sem me dizer? — Hunter sentou, moveu-se para a beira da cama, e meteu seus grandes pés descalços no chão. Sua carranca ficou mais escura, mais que uma carranca. — Não pode ir a qualquer lugar sem mim lá, para protegê-la, Corinne. Não é seguro para você agora, nem mesmo durante o dia.

— Eu tinha que saber, — ela repetiu. — Tinha que ver se havia qualquer coisa que pudesse me ajudar a encontrá-lo...

Algo escuro cintilou no bonito rosto de Hunter, duro. Parecia temer, como se esperasse algo sinistro. Sua carranca vincou mais sua testa orgulhosa, e olhou para a bolsa grande que ela segurava em suas mãos.

Quando não falou logo, ela engoliu em seco e forçou as palavras por sua garganta seca.

— Tinha que saber se algum dos registros que tirou de Henry Vachon continha informações que poderiam me levar ao meu filho. A criança que dei à luz no laboratório de Dragos.

Hunter a olhou, depois afastou o olhar. Sua maldição baixa era vívida quando passou a mão por cima da sua cabeça.

— Você tem um filho.

Mesmo que sua voz fosse baixa, sem raiva ou qualquer outra emoção, ainda soava como uma acusação para ela.

— Sim, — ela disse. Ele não olhava para ela agora. Uma distância estranha começou a se espalhar entre eles, crescendo mais fria a cada momento. — Queria dizer a você, Hunter. Quis até agora, mas estava com medo. Não sabia a quem podia recorrer, nem em quem podia confiar.

A distância emocional, aparentemente, não era suficiente para ele. Se levantou da cama e caminhou, nu e indecente, para o outro lado da sala, acrescentando espaço físico entre eles.

— Essa criança, — ele disse, lançando um olhar sombrio para ela. — É Gen Um, como eu? Criado do Antigo que Dragos mantinha vivo para seus experimentos doentes?

Corinne balançou a cabeça, a garganta apertada.

— Depois de tudo que me fizeram enquanto estive presa lá, o pior foi quando levaram meu bebê para longe de mim. Eu o vi apenas por alguns instantes, logo depois que nasceu, e então ele se foi. O pensamento sobre ele foi tudo que me manteve viva através das coisas que me foram feitas. Nunca sonhei em ser realmente liberada. Quando puxei meu primeiro sopro de ar fresco após o resgate, prometi a mim mesma que gastaria cada respiração seguinte, até mesmo se fosse meu último trabalho, para me reunir com meu filho.

— Essa é uma promessa que não pode realmente manter, Corinne. Seu filho está desaparecido. Ele se foi, assim que Dragos o tirou de seus braços.

Ela não queria ouvir isso. Não aceitaria.

— Gostaria de saber se está morto. O coração de uma mãe bate com seu filho durante nove meses, dia após dia. Em meus ossos, em minha própria alma, ainda sinto bater o coração do meu filho.

Hunter exalou uma maldição afiada, nem mesmo olhando para ela agora.

Ela continuou, decidida a defender seu caso.

— Tentei manter o controle dos anos, mas era difícil saber com certeza. Meu filho tem cerca de treze anos agora, pelo minha melhor estimativa. Apenas um garotinho.

— É um assassino agora, Corinne. — A profunda voz de Hunter a sacudiu, assustando-a com uma raiva que nem esperava, nem sabia que tinha. Seu rosto estava tenso, a pele esticada sobre as maçãs do rosto e a mandíbula afiada rígida. — Nunca fomos meninos, nenhum de nós. Entendeu? É a vida de seu filho, será um Hunter, como eu. Aos treze anos, estava totalmente treinado, já experiente em lidar com a morte. Não pode esperar que seja diferente para ele.

As palavras duras cavaram uma dor aguda no centro dela.

— Tem que ser. Tenho que acreditar que, se está lá fora, e sei no meu coração que está, que vou encontrá-lo. Vou protegê-lo, da maneira que não fui capaz no dia que nasceu.

Hunter ficou em silêncio quando se virou longe dela, devagar balançando a cabeça em negação. Corinne pousou a bolsa de arquivo de couro e caminhou até ele. Colocou a mão em seu ombro. Os dermaglifos sob a palma da sua mão pulsavam quente com sua raiva, mas não podia deixar de notar como as cores tempestuosas silenciavam ao seu toque, seu corpo respondendo ao dela, mesmo que ele tivesse a intenção de se afastar.

— Eu preciso encontrar meu filho, Hunter. Preciso vê-lo e tocá-lo, ter certeza que sabe que eu o amo. Agora que estou livre, tenho que encontrá-lo. Tenho que tentar dar-lhe uma vida melhor. — Ela se movimentou na frente dele, forçando-o a encontrar seu olhar. — Hunter, preciso lembrar de tudo sobre o dia em que meu filho nasceu. Algo que poderia ser dito ou feito por Dragos ou seus Subordinados que poderiam me levar ao meu filho. Algo que pode estar guardado em minhas memórias. Preciso de você para me ajudar a lembrar de tudo sobre esse dia.

O rosto de Hunter ficou ainda mais tenso quando absorveu o que estava propondo. Ele agarrou a mão dela e a afastou para longe dele com uma maldição rosnada.

— Quer minha ajuda? Sabe o que isso significa?

— Sim, — ela admitiu. — E sei que é pedir muito a você. Mas estou pedindo porque é a melhor esperança que tenho agora. Provavelmente você é a única esperança que tenho de encontrar meu filho.

Ele a olhou, incrédulo ou enojado, ela não sabia dizer. Calor queimava em seus olhos, mas ela não quis voltar atrás. Não podia. Não quando se sentia mais próxima do que nunca das respostas que tanto precisava.

— Hunter, por favor, — ela sussurrou. — Eu quero que beba de mim.

 

Olhando para o rosto sério, a face suplicante de Corinne, Hunter sentiu como se tivesse levado um tiro de canhão em seu intestino.

Não podia acreditar no que ela estava propondo. Mais que isso, percebeu que esteve furioso todo esse tempo, por que não contou da existência de seu filho — um Hunter, como ele, pelo amor de Deus. Estava ali, pedindo para ajudá-la a encontrar seu filho, mas Hunter sabia que tudo que a esperava no final desta jornada era decepção e desgosto.

Um coração que provavelmente seria obrigado a quebrar pessoalmente, se o adolescente se revelasse do mesmo tipo assassino que o próprio Hunter era na mesma idade. Havia pouca esperança de algo diferente. Hunter conhecia muito bem o tipo de disciplina e treinamento rígido e condicionado que já teria ocorrido na curta vida da criança.

A visão de Mira rugiu em cima dele naquele momento. Agora entendia. Agora percebia com certeza qual a vida que Corinne implorava para poupar nesse futuro caso profetizado. E sabia também que o nome que gritou no meio de seu pesadelo algumas noites atrás, não era de um amante, mas da criança que perdeu para o mal de Dragos.

— Me ajude a encontrar meu filho, Hunter, — ela disse, o toque suave de sua mão contra o rosto numa súplica que temia não ter força para negar. — Me ajude a encontrar Nathan.

Pensou nas lágrimas que derramaria, se permitisse que a visão de Mira se realizasse. Considerou o ódio que certamente sentiria por ele, se realmente encontrasse seu filho, apenas para arrancá-lo dela de novo — permanentemente — se Hunter fosse forçado a dar o golpe fatal previsto. Não poderia ser o que iria acelerar essa dor para ela.

E lá permanecia o fato que, se bebesse o sangue dela, estaria ativando uma ligação com ela que nada, além da morte, poderia quebrar. Nem mesmo o ódio dela o manteria longe dela, caso se permitisse provar seu sangue de Companheira de Raça.

— Corinne, — ele disse suavemente, puxando a mão dela e a segurando na dele. — Não posso fazer o que pede. Mesmo se minha capacidade de ler as memórias do sangue se estender além da minha própria espécie, o que está pedindo teria consequências de longo alcance.

— Sei o que isso significa, — ela insistiu. — Não quer nem mesmo tentar?

— Não funciona em humanos mortais, — ele apontou, na esperança de dissuadi-la. — Me alimentei deles por toda a minha vida, sem nenhum efeito psíquico qualquer. Há uma boa chance de meu talento se limitar somente às memórias Raça. Se beber de você agora, onde isso vai nos levar? É uma Companheira de Raça. Nosso laço de sangue seria inquebrável. Seria para sempre.

Sua expressão silenciou, os cílios cobriram seu olhar.

— Deve pensar que sou do pior tipo de pessoa, por pressioná-lo a me dar algo que tem todo o direito de guardar para uma fêmea que será digna de você, mais adequada como sua Companheira de Raça.

— Deus, não, — ele murmurou, odiando que ela houvesse entendido mal. — Não é nada disso. Qualquer homem teria o privilégio de tê-la. Não percebe isso? Sou eu que sou indigno. — Ele levantou o queixo, implorando para ver que queria dizer cada palavra. — Se eu beber seu sangue e meu talento funcionar como espera, não quero ser o único a desapontar você.

— Como poderia? — Ela perguntou, sua testa vincada em confusão.

— Se meu talento funcionar e encontrarmos seu filho, não quero que me despreze, se o menino estiver além da nossa ajuda.

Ela deu uma pequena sacudida de cabeça.

— Desprezar você? Acha que poderia fazê-lo responsável pelo que aconteceu com Nathan? Não iria, Hunter. Nunca...

— Nem mesmo se fosse forçado a levantar a mão contra ele em combate?

Sua expressão ficou temerosa agora, cautelosa.

— Não faria isso.

— Se a questão fosse protegê-la, não teria escolha, — ele respondeu severamente. — Se concordar em ajudá-la a encontrá-lo, Corinne, não posso fazer nenhuma promessa de que o resultado será o que espera.

Ela o considerou por um longo momento, tempo durante o qual Hunter debatia se divulgava ou não a visão que o perseguia quase desde o primeiro momento que colocou os olhos na bela Corinne Bishop. Alguma parte tola dele tinha esperança de que seu talento não seria suficiente para ler as memórias de seu sangue ou que, de alguma forma, em desafio ao dom infalível de Mira de premonição, poderia impedir a eventualidade das lágrimas de Corinne e apelos inúteis por sua misericórdia.

No tempo que levou na tortura mental, Corinne respirou fundo e encontrou seu olhar mais uma vez. Não havia hesitação em seus olhos, apenas resolução, inabalável determinação.

— Faça isso, Hunter. Se se preocupa apenas um pouco por mim, então por favor, faça isso. Aceito qualquer risco, e vou confiar em você para fazer o que precisa.

Ele se sentiu mal com o medo na bravura de suas palavras. O conhecimento do que provavelmente estava à frente deles fez seu estômago torcer com bile amarga.

Mas, então, Corinne se aproximou dele. Juntou seus longos cabelos escuros e os pôs de lado, expondo o pescoço para ele. Ela inclinou a cabeça, uma oferta que sabia que seria fraco demais para negar.

— Por favor, — ela sussurrou. — Por favor... faça isso por mim.

Seu olhar quente enraizou no pulso pequeno que assinalava sob a pele delicada. Saliva subiu em sua boca. Suas presas arrancaram de suas gengivas, um lembrete de quanto tempo fazia desde que se alimentou. O sangue de Henry Vachon podia ser classificado mais como veneno que alimento, uma impureza que ansiava para apagar com o sabor de algo doce e inebriante, como o néctar que fluía através das veias tentadoras de Corinne.

— Por favor, — ela murmurou novamente, uma tentação que não podia resistir.

Hunter pôs a boca em seu pescoço e cuidadosamente um pouco abaixo, penetrando a carne macia com as pontas nítidas de suas presas. Ela engasgou com a invasão, seu corpo tenso pela dor momentânea que a afligiu. E então estava derretendo contra ele, seus músculos frouxos e flexíveis quando puxou o primeiro gole do seu sangue em sua boca.

Ah, Deus... ela era muito mais do que jamais poderia imaginar.

Seu sangue quente corria sobre sua língua como um bálsamo. O sentiu sendo absorvido em seu corpo, em suas células. Em cada partícula de seu ser.

Ela era doce e quente contra sua língua, o cheiro de seu sangue enchendo suas narinas com o aroma delicado de bergamota e violeta. Ele o respirou, encharcando seus sentidos com o delicioso sabor dela, um gosto que seria carimbado em cada fibra do seu ser, enquanto estivesse vivo para tomar fôlego.

Embora este fosse um ato de compaixão, de necessidade, não uma verdadeira ligação de sangue entre ele e sua Companheira, tudo nele, tudo no sangue quente e masculino, respondeu ao gosto quente e doce de Corinne, como se ela pertencesse a ele em todos os sentidos.

Excitação rugiu em cima dele rapidamente, um desejo que atingiu suas veias e fez seu pau endurecer como um incêndio. Ele a agarrou mais perto enquanto bebia ainda mais. Sentiu um calor inflamar dentro dele e soube instintivamente que o vínculo estava tomando forma, independentemente da intenção, a atando a ele inexoravelmente. Era sua agora, e a lógica que moldou toda a sua vida vazia pareceu abandoná-lo enquanto tentava dizer a si mesmo que permitir esta ligação visceral por qualquer motivo, era um erro.

Tudo que sabia era o calor do seu sangue, uma vez que o encheu, o prazer de segurá-la em seus braços... a necessidade que o fazia gemer de desejo quando a levantou e levou para a cama.

Ele a deitou, sua boca ainda presa ao pulso que batia como um tambor pequeno contra sua língua. Queria fazer amor com ela novamente, a queria nua e se enterrar o mais profundamente possível dentro do conforto de seu corpo.

Seus sentidos foram inundados com a necessidade, seu corpo em chamas, elétricas e rígidas com a força de sua paixão por ela.

No começo, não notou a súbita piscada das trevas que sacudiu sua mente. Tentou afastá-las, perdeu para todo o prazer que era Corinne. Mas as imagens abruptas continuaram chegando, batendo no fundo de sua consciência.

Flashes de uma cela de prisão escura.

Subordinados vestidos com uniformes brancos de laboratório, entrando no círculo onde Corinne estava.

Os gritos de uma mulher em agonia... seguidos pelo lamento de um recém-nascido.

Hunter recuou do pescoço de Corinne, atordoado, atingido.

— O que foi? — Ela perguntou, seus olhos arregalados, com medo. — Está bem?

— Porra, — ele ofegou, espantado que seu talento estava respondendo, ainda horrorizado pelo que ela passou. Mais imagens atingiram seu cérebro, sons de tortura e loucura. A desesperança que a cercou por todos esses anos. — Corinne ... meu Deus. O que fizeram com você, e por tanto tempo. Estou vendo tudo... tudo que foi obrigada a suportar.

Ela estendeu a mão e colocou sua mão em torno de sua nuca. A dor nos olhos dela brilhava, embora não tão intensamente como a determinação impressa em seu rosto adorável.

— Não pare. Não até encontrá-lo.

Ele não podia negar, mesmo que quisesse. Se Corinne sobreviveu ao horror da realidade, então poderia examinar através dela psiquicamente e recuperar o que achava que poderia levá-los mais perto de seu filho.

Hunter bebeu um pouco mais, deixando a terrível angústia e tortura varrer sobre ele como uma maré oleosa. Esperou por algo irrefutável, alguma pista sólida que o ancorasse, fornecesse algo na vida árida de agonia que foi a existência Corinne na prisão do laboratório de Dragos.

Mas não havia linha para agarrar. Nada além de uma correnteza salobra que Corinne de alguma forma conseguiu passar sozinha.

Por causa do amor de seu filho, ela disse. Tudo por causa dele.

Por causa da esperança que a sustentava, que se juntaria com seu filho um dia.

Nathan se tornou sua tábua de salvação.

Como ela sobreviveria se o tempo viesse — como a visão de Mira previu, quando Hunter negaria os apelos de Corinne por misericórdia e daria o golpe que finalmente levaria sua esperança longe dela para sempre?

Era uma eventualidade que o comia como um veneno, muito pior quando estava se alimentando da veia aberta de Corinne, colado a ela intimamente, apesar de saber que estava destinado a quebrar seu coração.

O pensamento o envergonhou. Com um rosnado de auto aversão, parou de beber e delicadamente lambeu os furos que fez em sua garganta, sabendo que devia selá-los e libertá-la. Isso não foi sobre prazer ou vínculo, ela veio para ele por ajuda e ele recolheu tudo que podia de suas memórias. Não havia necessidade de continuar, não importa o quanto fosse prazerosa a sensação de estar segurando esta fêmea.

Sua fêmea.

A declaração veio de algum lugar dentro dele, de algum lugar fora de seu controle. Argumentou que era apenas um título. Seu corpo, seus sentidos Raça, tudo dentro dele estava afinado com Corinne agora que seu sangue o alimentou. Era apenas uma resposta biológica, sua natureza primitiva reclamando um direito que não tinha.

Mas havia uma outra parte dele que reconhecia que seus sentimentos por Corinne estavam se intensificando, e que foi antes mesmo que tomasse o primeiro gole de sua veia. Ele cuidou dela. Queria que estivesse segura, que fosse feliz. Queria que seu sofrimento finalmente chegasse ao fim.

Todas as coisas que não podia prometer, já que a visão de Mira o espreitava como um espectro no fundo de sua mente.

Ele se afastou da garganta delicada de Corinne e começou a passar sua língua pelos furos que suas presas deixaram em sua pele. Antes que pudesse selar as pequenas feridas Corinne gemeu um protesto macio. Seu corpo arqueou para ele mais febril agora, quente e excitado, seus membros delgados grudados nele e impedindo seu recuo.

Ouviu os outros guerreiros falando sobre o vínculo de sangue antes, mas nada o preparou para a corrida de sensações eróticas inundando sua consciência agora. Através de seu talento, o sangue de Corinne deu a ele vislumbres brutais de suas memórias, mas era uma conexão mais profunda que falava com ele agora. Sentiu seu desejo. Sentiu sua necessidade dolorida, sua excitação amplificada pela picada que despertou esse vínculo inquebrável.

Pressionou a boca na garganta, mais uma vez, tomando uma outra pequena amostra do seu sangue doce e exótico. Podia sentir isso correndo através de seu corpo, o alimentando, animando. Sua pulsação em seus próprios ouvidos e em suas veias, um tempo compartilhado que era tão forte como um tambor de guerra, o dirigindo.

— Ah, Deus... Corinne, — ele murmurou contra sua pele aveludada. Apesar de a única coisa decente a fazer, a coisa honrada era se afastar dela, descobriu que era impossível deixá-la ir. Ela se contorcia contra ele, apertando-o mais perto. A respiração dela corria rápida em ofegos quando lentamente puxou de sua veia.

— Faça amor comigo, Hunter, — ela sussurrou, e toda sua vontade o abandonou num instante.

Ela não se importava de tão desesperada parecia — não podia evitar. Não quando seus sentidos estavam cheios do prazer erótico da alimentação de Hunter em seu pescoço.

Corinne fechou os olhos e se arqueou contra ele, enquanto a pressão de sua boca em sua garganta — o terno raspar de suas presas — fazia seu corpo derreter lentamente e começar a ferver com desejo crescente.

Isso não era para ser sobre prazer. Pediu para Hunter beber dela como uma necessidade, muito provavelmente o único meio que tinha para encontrar pistas sobre seu filho. Entrou nisso com a expectativa que seria desagradável, talvez até mesmo doloroso, se sua experiência anterior a ensinou algo.

Deveria saber que seria diferente com Hunter. Gentil como foi quando fez amor com ela na noite anterior, igualmente carinhoso com ela agora. Suas mãos a seguravam com cuidado. Seu corpo imenso, tão poderoso e letal, quando necessário, estava envolvido no dela protetor, seus braços um abrigo confortante que a fazia se sentir seguro e acarinhada.

Não era virgem, não seu corpo ou seu sangue, ambos roubados dela no laboratório de Dragos, mas com Hunter sentia tudo novo. Se sentia limpa.

Apesar de que ele concordar em beber dela, aceitando a ligação em si mesmo quando não havia nenhuma promessa entre eles, por um momento, imprudente e completamente egoísta, Corinne se permitiu fingir que era real. Os céus a ajudassem, mas era fácil esquecer que não era, quando a fazia se sentir tão incrivelmente bem.

— Faça amor comigo, Hunter, — ela sussurrou de novo, desesperada para senti-lo dentro dela.

Ele deu um baixo, estrangulado gemido quando passou a língua nos furos gêmeos em seu pescoço e os selou. A despiu em segundos, suas mãos fortes acariciando seu corpo enquanto ela flutuava na onda inebriante do prazer induzido por sua mordida.

Quando estava nua, ele ficou na beira da cama e olhou para ela, seus quentes olhos âmbar brilhantes tanto de sua alimentação como pelo desejo. As presas que penetraram na garganta há pouco brilhavam brancas como pérolas, as pontas afiadas enchendo a boca. Seu sexo grosso estava totalmente ereto, tão glorioso quanto o resto dele. Ele a olhou predatório e poderoso, e ela nunca viu nada tão magnífico como este bonito macho Raça.

Corinne se deitou e bebeu a visão dele, maravilhada por parecer ainda mais formidável despido do que quando completamente vestido e armado para o combate. Cada centímetro dele era impecável, músculo e pele dourada lisa. Seus dermaglifos rastreavam a partir da nuca até o tornozelo, uma intrincada teia de reviravoltas elaboradas e redemoinhos, arcos e cones. As marcas de Gen Um na pele pulsavam como tatuagens vivas, inundadas com ricos tons variando com seu desejo.

Ele vagou de volta para a cama, deslizando as mãos acima pelo comprimento de suas pernas e abrindo suas coxas para recebê-lo quando cobriu seu corpo com o dele. Ela estava molhada e pronta para ele, ansiosa para senti-lo enchendo-a. Ele não a decepcionou. A cabeça embotada de seu pênis encontrou seu núcleo e voltou para casa com um lento impulso que roubou sua respiração.

— Oh, — ela suspirou, seu sangue se apressando quando seu corpo recebeu a invasão sensual. Ela ofegou seu nome quando ele se moveu dentro dela, não o emparelhamento doce e contido da noite anterior, mas um acasalamento apaixonado e animal que rapidamente a levou em direção a um clímax rápido.

Hunter devia saber a urgência de sua necessidade. Parecia compartilhá-la. Com a sua cor âmbar brilhante nos olhos fixos nos dela, se ocupou acima dela e disparou dentro e fora com uma paixão que a deixou ofegante e sem ossos embaixo dele. Mais e mais empurrou seus sentidos, cada golpe magistral a deixando cambaleante. Ela o viu através da névoa de seu clímax que se aproximava, seus olhares presos enquanto ele ia profundo, duro e forte.

— Oh, Deus, — ela sussurrou, mais ofegante que as palavras. E então não tinha respiração ou palavras.

Seu orgasmo inundou por ela. A onda de calor de felicidade se tornou ainda mais intensa pelo olhar feroz de pura satisfação masculina que se espalhou sobre o rosto bonito de Hunter, enquanto balançava acima dela. Ela ofegou seu nome, seu corpo se agarrou a ele, seus sentidos perdidos no prazer.

Ele continuou, mesmo quando seu clímax a quebrou e deixou seu peso, formigando em espiral por dentro. Hunter puxou os lábios para trás de seus dentes e presas, soltando um rosnado gutural que vibrou em sua medula. Seus olhos ardiam nela, seu olhar âmbar quente a possuindo, a esmagou para si e empurrou com vigor implacável, empurrando-a a alcançar uma outra onda deliciosa de liberação... e ainda outra.

Ele não parou, não até que ambos estavam encharcados e saciados, exaustos e sem fôlego nos braços um do outro.

E então, quando o desejo despertou para tomar conta deles mais uma vez, começaram tudo de novo.

 

— Amelie, deixe-me ajudá-la com isso.

Já estava escuro, 17h, um par de horas depois que Corinne e Hunter finalmente saíram de seu quarto compartilhado na casa segura. Se Amelie notou sua ausência na maior parte do dia, foi educada demais para mencionar.

Agora, enquanto Corinne terminava a arrumação da mesa da cozinha, se virou para ajudar no fogão, onde Amelie estava pegando as luvas do forno, prestes a alcançar e tirar seu jantar da grelha.

— Aqui, — disse Corinne. — Deixe-me pegar isso para você.

Amelie deu-lhe um estalo desdenhoso de língua.

— Não se preocupe com isso, filha. Tenho minha maneira de contornar essa antiga cozinha como a palma da minha mão.

Parecia desnecessário apontar para Amelie que não tinha o benefício da visão para guiá-la. Como ela viu no dia anterior, a mulher de cabelos grisalhos navegava pelo seu espaço como se conhecesse cada centímetro quadrado por instinto. Corinne ficou atrás quando Amelie serviu dois pratos de peixe branco lindamente dourados e crosta amanteigada com um punhado de pimentas aromáticas e especiarias. O aroma flutuava acima do forno, fazendo o estômago de Corinne rosnar, em antecipação.

Amelie tirou as luvas, cantarolando uma das músicas de jazz suave que tocava no aparelho de som na sala adjacente. Com os quadris arredondados balançando no tempo da música, alcançou uma espátula no jarro baixo de barro ao lado do fogão.

— Espero que gostem de peixe-gato, — ela disse, girando para colocar os filés sobre o par de pratos que esperavam na bancada no seu cotovelo direito. Ainda cantarolando e balançando com a voz aguda masculina que pedia para alguém dizer-lhe como é, encontrou sua marca nos pratos quase sem vacilar. — Vou deixá-la nos servir de Dirty Rice[23] e legumes no vapor, se quiser. Pode colocar o pão de milho quente na cesta bem ali.

— É claro, — respondeu Corinne. Colocou um pouco de cada em seus pratos, então levou ambos e o pão de milho para a mesa e tomou seu lugar em frente a Amelie.

— Será que alguma daquelas roupas serviu em seu homem? — perguntou ela.

Corinne começou a corrigi-la sobre Hunter ser dela, mas as palavras demoraram muito a chegar na sua língua. Além disso, depois de tudo o que aconteceu entre eles sob o telhado de Amelie nas últimas 24 horas, se sentiria ainda mais embaraçada ao tentar negar que havia algo entre eles.

— Sim, serviram, — ela disse, simplesmente respondendo à pergunta. — Obrigado por dá-las a Hunter.

Amelie acenou com a cabeça enquanto cortava seu peixe.

— Meu filho está sempre deixando as coisas dele aqui no seu antigo quarto, quando me visita. É um grande garoto, um pouco como seu homem lá dentro. Estou feliz que algo coube nele.

— Bem, apreciamos muito, — disse Corinne.

Ela e Hunter foram capazes de lavar a maioria das manchas de sangue do uniforme que usava quando encontrou Henry Vachon, mas suas roupas ainda estavam na secadora de Amelie, e Hunter foi forçado a pedir uma camisa e calças de corrida. Dizer que qualquer das roupas coube era um estiramento, Corinne pensou, sorrindo para si mesma quando o imaginou na colorida camisa desportiva e calças de nylon brilhantes.

Enquanto ela e Amelie apreciavam seu jantar e a agradável música vindo de dentro do outro quarto, Hunter estava no quarto de hóspedes falando com Gideon e usando o computador do filho de Amelie. Tinha voltado para o caminhão baú há pouco tempo e trouxe mais registros do laboratório de Dragos que Vachon mantinha no armazém. Alguns desses registros eram arquivos de computador, os dados criptografados, mantidos em vários dispositivos portáteis que Hunter estava transferindo para a sede da Ordem, em Boston.

Corinne orou que houvesse algo útil nos registros. Por mais incrível que seu tempo a sós com Hunter tenha sido, escondia um peso em seu coração. Esperava desesperadamente que seu sangue rendesse mesmo que uma pequena pista sobre seu filho e onde poderia encontrá-lo. Mas o talento de Hunter não lhe deu nada para seguir adiante. Nada, exceto a consciência de toda a degradação e corrupção a que foi submetida nas mãos de seu captor.

Embora soubesse de tudo agora, não a mimou ou tentou fazê-la se sentir menos que uma mulher, pela forma como foi tratada, enquanto estava presa dentro do laboratório-prisão de Dragos. Ela se sentiu suja, envergonhada das coisas que fizeram para ela. Se sentiu impotente, uma covarde por deixá-los levar seu filho embora.

Uma vez que foi libertada, sentia uma culpa imensa por ter sobrevivido a tantas outras presas e torturadas ao lado dela que não o fizeram. Tiveram seus filhos roubados também. Filhos que teriam adorado, se não fosse pelo mal de Dragos. Agora, entre as Companheira de Raças levadas por Andreas e Claire Reichen de volta para a Nova Inglaterra, haviam mães que estavam de luto pelos filhos perdidos, cuidando das mesmas feridas emocionais que ela.

Enquanto Corinne calmamente comia seu jantar, sentia uma pontada de egoísmo pela necessidade que a impulsionava a buscar seu próprio filho acima do resto. Tão fina como sua esperança de encontrá-lo parecia, mesmo que falhasse completamente, talvez sua busca pessoal também pudesse abrir a possibilidade para outras prisioneiras recém-libertadas de procurar seus próprios filhos roubados.

Mesmo enquanto pensava, as palavras de advertência de Hunter voltaram para ela, escuras e ameaçadoras:

Nunca fomos meninos, nenhum de nós...

É a vida de seu filho, será um Hunter, como eu... Treinado... experiente em lidar com a morte.

Seu filho está desaparecido. Ele se foi, assim que Dragos o tirou de seus braços.

Não, disse a si mesma. Ainda havia esperança.

Hunter era prova disso. Conseguiu romper com a doutrina brutal que Dragos lhe impôs. Teve a chance de ser algo mais, algo melhor. Isso é tudo que queria para seu filho. Isso é tudo que qualquer uma das outras Companheira de Raças gostariam para seus filhos. Talvez se pudessem salvar Nathan, podia haver esperança para mais vidas roubadas também.

Corinne se agarrou aquela esperança enquanto terminava de comer a refeição maravilhosa que Amelie preparou.

— Tudo estava muito bom, — disse ela, seu paladar ainda formigando pelas pimentas e especiarias frescas, os sabores salgados. — Nunca comi peixe-gato ou arroz sujo antes. Nunca comi tanto pão de milho. É tudo delicioso.

— Ohh, filha. — Amelie deu um aceno lento de sua cabeça, seu tom implicando tanto choque como simpatia. — Você realmente não viveu, não é?

— Talvez não. — Porque a mulher era cega, não via o sorriso melancólico de Corinne quando respondeu. Estava feliz com a privacidade de seus pensamentos quando juntou alguns dos pratos vazios da mesa. Amelie se levantou para ajudar, mas Corinne gentilmente colocou a mão no ombro da mulher. — Por favor, sente-se. Deixe-me cuidar da limpeza, pelo menos.

Com um suspiro que parecia partes iguais de resignação e contentamento, Amelie sentou em sua cadeira à mesa, enquanto Corinne recolhia o resto dos pratos e talheres e enchia uma bacia de água quente e sabão na pia.

Enquanto colocava os pratos na espuma, Corinne não podia deixar de sentir que a comida tinha um gosto mais saboroso, o macio jazz macio no outro quarto parecia mais calmante, tudo parecia mais brilhante, mais vivo e potente após as horas de prazer que passou nos braços de Hunter. Ela se perguntou como seria se sentir desta forma o tempo todo. Era isso o que os casais dentro da Raça sentiam?

Era o calor intenso florescendo no centro de seu ser simplesmente em reação ao conforto físico que Hunter lhe dera, ou algo mais?

Não queria deixá-lo entrar em seu coração. Deus a ajudasse, mas por um tempo muito longo não considerou poder haver espaço para ninguém, exceto a criança que foi forçada a abandonar. Mas quando pensava na bondade de Hunter com ela, quando considerava tudo o que passaram juntos nos últimos poucos dias, não podia negar que ele queria dizer alguma coisa para ela. Algo muito mais que o guerreiro que inicialmente desconfiava, até mesmo temia e agora via como seu aliado mais próximo.

Seu amigo inesperado e, agora, seu amante.

O formidável macho Raça que se colou a ela inexoravelmente, por nenhuma outra razão além de que ela implorou para ele.

Era um presente sagrado, e ele o deu a ela para usar como ferramenta na sua busca pessoal. Deu a ela a mais inestimável coisa íntima que tinha, com quase a menor hesitação.

Sentiu a presença de Hunter agitando o ar atrás dela agora, mas o ronco baixo de sua voz ainda fez seu pulso saltar quando falou.

— Todos os dados do cartão de memória foram enviados para Gideon. Também digitalizei os arquivos de papel relevantes, no caso de qualquer um que considere útil.

Corinne enxugou as mãos em uma toalha, então girou para enfrentá-lo.

— O que ele acha? — Ela perguntou, não de todo tranquila por seu tom sombrio. Ele estava se segurando de alguma forma, com o rosto neutro. Ilegível. Quando o conheceu, o olhar educado a assustou, deixou curiosa, mas agora simplesmente a preocupava. — Será que nada disso significa nada para Gideon?

— Ele vai nos deixar saber. — Hunter cruzou os braços volumosos sobre a grande estampa SAINTS na camiseta preta e dourada apertada. As mangas mal chegavam na metade de seus antebraços, e agora o tecido esticado apertava ainda mais seus ombros largos. — A situação no complexo não é o ideal no momento. Mas Gideon disse que vai nos responder o mais rapidamente possível, se sua análise achar algo promissor.

— Certo, — Corinne respondeu, dizendo a si mesma que era um começo. Tinha pouco a perder se desse errado.

Nathan ainda estava fora de seu alcance, apesar das memórias do sangue que Hunter leu para ela. Os registros de laboratório que foram encontrados na unidade de armazenamento de Henry Vachon eram tudo que tinham agora — estes e a competência tecnológica de Gideon. Ela depositou sua confiança em Hunter, e ele por sua vez, depositou a dele na Ordem. Corinne tinha que acreditar que se houvesse uma solução, a encontraria, desde que tivesse Hunter ao lado dela.

A parte mais difícil agora seria o tempo de espera.

Ela soltou um pequeno suspiro.

— Certo, — disse ela novamente, dando um aceno resoluto como se quisesse se convencer que estava tudo indo para os finalmente.

Quando se virou de volta para a pia para terminar de lavar os pratos, Amelie saltou de seu assento à mesa.

— Tudo bem em Boston com minha irmã e seu homem?

— Sim, senhora, — respondeu Hunter. — Savannah e Gideon estão bem.

— Isso é bom, — disse ela. — Aqueles dois merecem sua felicidade mais que a maioria que conheço. Suspeito que você e Corinne também.

Mortificada pela virada na conversa, Corinne manteve a cabeça baixa, esfregando um obstinado arroz seco que se agarrou a um dos pratos. Tentou se concentrar na música tocando calmamente no estéreo — a música que imediatamente reconheceu — procurando qualquer coisa para focar, mas o silêncio escancarado parecia emanar da direção de Hunter. Ela lavou a espuma do prato e o colocou no escorredor de arame sobre o balcão, sentindo sua pele arrepiar com uma corrente de consciência que ondulava no ar atrás dela. Ele se aproximou, e quando ela olhou para a direita, encontrou Hunter de pé ao lado dela, um pano de prato xadrez vermelho-e-branco em suas mãos grandes.

Corinne não podia suportar seu silêncio, ou o olhar significativo que ele fixou sobre ela enquanto ficava ali, deixando a hipótese de Amelie entre eles como uma pergunta.

— Não é assim para nós, — ela desabafou. — Hunter e eu, nós não somos...

A risada de resposta de Amelie era tão quente e rica como a manteiga.

— Oh, não teria tanta certeza sobre isso, filha. Não teria tanta certeza sobre isso em nada.

— Não somos, — disse Corinne, infinitamente mais calma desta vez, surpresa que fosse capaz de falar pelo modo como Hunter a olhava, tão perto que podia sentir o calor de seu corpo se estendendo para ela, tão perto como seu olhar. Seus olhos dourados estavam enraizados nela, quentes e firmes, varrendo-a de volta num instante às horas de paixão que compartilharam a apenas alguns metros pelo corredor.

— Conheço esta música, — ele murmurou, sua cabeça inclinada para o jazz que flutuava no alto-falante da sala de estar, mas seu olhar ainda a segurava em suas garras aquecidas.

— Ah, sim, — interrompeu Amelie. — Essa é uma de Bessie Smith.

Não que Hunter ou Corinne precisassem da confirmação. Era a mesma canção que dançaram no clube de jazz na primeira noite que chegaram em Nova Orleans. Bastava olhar para Hunter para fazer esse momento voltar à vida na mente de Corinne. Sentiu seu corpo com força contra o dela enquanto dançava com ele, lembrava tão bem do instante sensível quando a beijou, pela primeira vez.

— Gosta de Bessie também? — Amelie perguntou, cantarolando baixinho a letra.

— É minha favorita, — Hunter disse, sua voz baixa, a boca contorcendo numa curva sensual que fez o pulso de Corinne bater duro em suas veias. Se aproximou, contornado pela frente dela e a prendeu entre seus braços. Inclinou a cabeça para seu ouvido e sussurrou só para ela,— E esta música não tem nada a ver com moedores de café.

O rosto de Corinne flamejou, mas era um calor enrolando mais baixo em sua anatomia que a fez estremecer contra ele, quando deixou sua boca viajar sob seu lóbulo da orelha para o oco sensível de sua clavícula. Estava vagamente consciente de Amelie levantando de sua cadeira na mesa. Hunter recuou então, e Corinne teve a chance de puxar novamente uma respiração.

— Amelie, onde está indo?

— Estou velha, criança, e a vida aqui é simples. Depois do jantar, gosto de assistir a programas de jogos e tirar uma soneca. — Seus olhos nublados vagaram muito perto de onde Corinne e Hunter estavam. — Além disso, vocês dois não precisam de mim por aí escutando, quando preferem ficar sozinhos. Posso ser cega, mas não sou surda.

Antes que Corinne pudesse protestar, Amelie deu um pequeno aceno e se arrastou para fora da cozinha em direção ao corredor.

— Não prestem atenção em mim, — ela disse, sua voz melodiosa cheia de diversão. — Vou estar assistindo meus programas com o volume tão alto que não ouviria um furacão.

O sorriso de Corinne se abriu num riso macio.

— Boa noite, Amelie.

Pelo corredor, o som de uma porta sendo fechada ecoou até na cozinha. Hunter pegou as mãos de Corinne nas dele, as secou uma e depois a outra com o pano de prato. O colocou sobre o balcão, então envolveu seus dedos em torno dos dela e a levou para o centro da pequena cozinha.

Enquanto Bessie Smith cantava sobre amor ruim e sexo bom, se abraçaram e oscilaram perto do outro lentamente. O momento parecia completamente puro, sem pressa e pacífico... perfeito. Tanto assim, que colocou uma dor no coração de Corinne.

E embora nenhum deles dissesse, viu seus próprios pensamentos refletidos no olhar de Hunter, nos assombrado olhos dourados.

Quanto tempo poderia um momento perfeito — uma felicidade tão inocente que conseguiram encontrar juntos, aqui e agora — verdadeiramente esperar que durasse?

 

Hunter ficou de costas para a parede do quarto que dividia com Corinne na casa de Amelie, observando o luar brincando em seu corpo nu pela janela aberta. Os sons dos animais do pântano ecoavam na distância, predadores noturnos mortais como ele, chamados pela escuridão e preparados para buscar a presa fresca. Iriam caçar, e, se bem sucedidos, matariam. Amanhã à noite, o ciclo recomeçava.

Era simplesmente o que faziam, o que nasceram para fazer: destruir sem piedade ou remorso, sem questionar se havia mais alguma coisa para eles em outro lugar. Nenhuma base a partir da qual desejavam nada além do que já conheciam.

Hunter conhecia esse mundo.

Navegou por ele sem falhar durante todo o tempo que podia se lembrar.

E sabia melhor que se permitir imaginar cenários sem sentido, especialmente aqueles onde era tentado a se pintar como herói. Um cavaleiro branco de alguma lenda improvável, comprometido a salvar a bela donzela em apuros, como os que leu séculos atrás... antes de seu Treinador Subordinado retirar todos os escassos livros de seus aposentos na fazenda e Vermont o obrigar a vê-lo queimá-los.

Era o herói de ninguém, não importa o quanto esse tempo a sós com Corinne fizesse ele imaginar que poderia ser.

Parte desse desejo era seu laço de sangue com ela. Estava dentro dele agora, nutrindo suas células, tecendo uma conexão visceral que, provavelmente, ampliaria todos os seus sentimentos em relação a ela. Pelo menos, é o que sua razão insistiu que era.

Melhor uma explicação fisiológica que a mais preocupante que esteve batendo em sua cabeça e no centro do peito, nos poucos momentos particulares que passou segurando Corinne em seus braços, dançando com ela no linóleo gasto da minúscula cozinha amarela de Amelie Dupree.

Se pudesse esticar aquele momento para sempre, ele o faria. Sem hesitar, ficaria contente em simplesmente segurar Corinne em seus braços contanto que ela deixasse. Desejava, mesmo agora, depois que terminaram de arrumar a cozinha juntos, então foram para a cama e fizeram amor lentamente.

A batida em seu peito apenas se intensificava com o pensamento, piorando quando podia sentir o cheiro dela em sua pele e seu gosto em sua língua. Queria acordá-la e mostrar mais prazer. Queria a ouvir suspirar seu nome enquanto gemia com a liberação sexual e se agarrava a ele como se ele fosse o único homem que sempre ia querer em sua cama.

Loucamente, mas com uma ferocidade que mal conseguia conciliar, queria ouvir sua promessa de que era o único homem que poderia amar.

Razão pela qual negou a si mesmo o conforto de deitar ao lado dela na cama enquanto dormia. Já havia tomado mais do que tinha o direito dela. Precisava se lembrar de quem ele era. Mais ao ponto, quem nunca poderia ser.

A anfitriã de sua casa segura estava certa sobre uma coisa. Corinne merecia ser feliz. Agora que as memórias de seu sangue mostraram os horrores de sua provação, só podia se maravilhar que ela sobrevivesse, e mais ainda que conseguisse sair da prisão com sua humanidade intacta. Seu coração era ainda puro, ainda aberto e vulnerável, apesar de seu tratamento hediondo.

Da forma como via, ela sofreu muito mais do que ele. Dragos deliberadamente despojou Corinne do seu espírito e alma, onde para Hunter isso simplesmente foi negado desde o início.

Quando a conheceu, Hunter sentiu uma curiosidade sobre a pequena fêmea que saiu das celas do laboratório de Dragos com fogo ainda queimando em seus olhos. A curiosidade evoluiu para uma afinidade estranha para ele, uma inesperada simpatia, quando viu sua luta para se orientar num mundo cuja fundação mudou desde a primeira vez que tentou dar um passo atrás para ele. Não tinha certeza de onde pertencia, incerta em quem podia confiar, mesmo um guerreiro experiente em batalhas poderia ter seus momentos de dúvida.

Mas Corinne não se desintegrou. Nem sob a crueldade de Dragos ou pela depravação de Henry Vachon. Nem mesmo depois, em face da traição inconcebível de Victor Bishop. Era uma pequena guerreira corajosa, numa armadura de 1,65cm.

Tudo por amor ao seu filho.

Agora que Hunter sabia a fonte de sua determinação e coragem, só fazia respeitá-la mais. Ele realmente queria vê-la feliz. Esperava contra toda a lógica e razão, que pudesse se reunir ao seu filho, sem as lágrimas e angústia que Hunter temia estarem esperando por ela.

Por sua própria mão.

Expulsou uma maldição baixa sob seu fôlego.

Como se conhecer a visão de Mira não fosse suficiente para assombrá-lo, ao beber o sangue de Corinne, Hunter acrescentou um outro peso aos seus ombros. Disse a ela que seu sangue não rendeu nada de útil na busca de seu filho, mas houve... alguma coisa. Apenas um fato pequeno, mas potencialmente crucial. Precisamente o que era, ainda não estava certo.

Bloqueado em sua memória no dia em que ela deu à luz ao seu filho, havia uma sequência parcial de números, recitada por um dos Subordinados que a assistiam na sala de parto. Foi uma recitação casual de dígitos, e incompleta, isolada na consciência de Corinne quando foi sedada logo após o bebê nascer e ser removido da sala.

O que os números significavam, Hunter não sabia. Poderiam ser qualquer coisa, poderiam ser nada. Mas os deu a Gideon, juntamente com os arquivos de dados criptografados e os registros de laboratório digitalizados, instruindo o guerreiro que informasse se a sequência retornava uma partida de qualquer tipo.

Hunter não sabia o resultado que esperava mais: a confirmação para Corinne que finalmente localizaram o filho dela, ou nenhum sucesso conectando a sequência a qualquer coisa útil. No entanto, deveria dizer a Corinne o que encontrou, mas não queria criar uma falsa esperança para ela. Queria poupá-la, se pudesse.

Se pudesse, gostaria de poupá-la de cada dor para o resto de sua vida.

Ele passou a mão sobre sua cabeça e se deixou deslizar abaixo agachado no canto da sala. Quando se abaixou em suas coxas, notou um objeto escuro retangular caído no chão apenas sob o pé da cama.

O arquivo na bolsa de couro que Corinne recuperou do caminhão baú naquela manhã.

Em meio a distração agradável de fazer amor, conseguiu ignorar esta parte, quando entrou em contato com o complexo sobre o resto dos registros do laboratório de Dragos. Agora, pegou a bolsa e tirou seu conteúdo.

Arquivos em papel amarelado e notas manuscritas compunham a maior parte dela, mas foi o deformado livro preto que chamou sua atenção e o puxou. Colocou a bolsa e os arquivos de papel no chão ao lado dele, em seguida, abriu a capa do livro. Rabiscos irregulares rastejavam através da parte superior da primeira página.

Assunto n º 862108102484

Hunter olhou para a sequência de números. Não estava familiarizado com ela. Não era qualquer parte da sequência que deu a Gideon, nem qualquer coisa que já visse antes.

E ainda assim seu sangue pareceu parar de fluir em suas veias, seus membros ficando frios.

Virou para a próxima página.

Data de registro: 08 de agosto de 1956. 04:24

Resultado: sucesso de nascido vivo do Gen Um, primeira gestação completa

Status: Programa Hunter Iniciado

Hunter olhou para a página até que as letras borraram juntas e um estrondo começou a subir em sua cabeça. Virou mais o livro, esquadrinhando as entradas posteriores, sua mente absorvendo fatos e dados mesmo quando sua consciência se esforçava para apagar os detalhes.

Santo inferno ...

Estava olhando para o registro de nascimento e progresso do desenvolvimento do primeiro Hunter criado com sucesso no laboratório de Dragos.

Ele.

 

Corinne acordou e esticou o braço do outro lado da cama, em busca do calor de Hunter.

Não estava lá.

— Hunter? — Ela sentou no escuro do quarto, nada mais que a conversa dos pântanos em torno entrando pela janela. — Hunter, onde está?

Quando não veio resposta de qualquer lugar, ela saiu da cama e colocou de volta suas roupas. Seus sapatos estavam no chão perto do pé da cama... e não muito longe de onde se encontravam estava a bolsa de couro com os registros de arquivos do laboratório de Dragos.

Seu conteúdo estava derramado no chão, os papéis espalhados em desordem descuidada.

A visão do arquivo jogado colocou um nó estranho na sua garganta. Isso, e o fato que Hunter foi embora sem uma palavra.

Ela calçou seus sapatos e calmamente saiu do quarto. A televisão de Amelie ainda estava ligada atrás da porta fechada no final do corredor, mas o resto da casa estava em silêncio, vazia.

— Hunter? — Sussurrou ela, sabendo que se estivesse lá, sua audição Raça pegaria até o menor ruído quando se arrastou pela casa em direção à porta de tela na cozinha.

Onde ele foi?

Ela adivinhou que provavelmente sabia. Pisando fora do alpendre de trás, olhou para as sombras do pântano, que escondiam o caminhão baú branco, estacionada várias dezenas de metros dentro da floresta. A grama estava amassado sob seus pés, a umidade do ar da noite salgada no nariz. Ela se arrastou por ela, esfregando o frio que absorvia através de sua pele e ossos.

Quando chegou o caminhão, encontrou a porta traseira aberta. As portas duplas separadas no centro, nada além da escuridão atrás de seus maltratados painéis brancos com a marca da empresa desaparecendo pela sujeira da lama do pântano e sangue seco da noite anterior.

— Hunter, está aqui?

Ela abriu mais as portas e olhou para dentro. Uma lâmpada montada interior no teto clicava por si mesma. Então viu Hunter, sentado na parte de trás do trailer, descalço e sem camisa, a calça de nylon emprestado até a metade de suas panturrilhas marcadas de dermaglifos. Os cotovelos descansavam nos joelhos, as mãos e cabeça pendentes.

Ele olhou para ela, e o olhar vazio nos seus olhos de ouro fez seu coração dar um pulo atrás da caixa torácica.

— O que há de errado?

Ela subiu no caminhão e se aproximou de onde estava sentado. Um diário de capa preta de algum modo estava entre seus pés separados.

— O que está fazendo aqui? — Perguntou ela, sentando na frente dele e dobrando seus joelhos sob ela. — Achou algo mais nos arquivos de Dragos?

Ele pegou o diário e entregou a ela. Quando falou, não havia qualquer inflexão em sua voz.

— Estava entre os papéis dentro da bolsa de couro na casa.

Corinne franziu a testa, levantando a capa e olhando para a caligrafia rabiscada na primeira página.

— É um registro dos laboratórios? — Quando Hunter não respondeu, ela folheou para frente, em seguida, rapidamente espalhavam dezenas de entradas, página após página de anotações manuscritas. — É um registro de nascimento. Meu Deus, este é um livro de nascimento. É uma documentação detalhada do programa de assassinos de Dragos.

— O primeiro, — Hunter respondeu.

A verdade a atingiu antes mesmo que olhasse para ele e visse a desolação no rosto bonito. Este não era apenas qualquer registro velho de laboratório recuperado do início da operação retorcida de Dragos de reprodução... era do próprio Hunter.

Sua respiração ficou presa, e sem saber o que esperar, Corinne virou mais páginas do livro. Nem bem numa quarta parte dele, aleatoriamente leu uma das muitas entradas.

Sujeito: Ano 4

Relatório: Executa a níveis superiores educação e treinamento físico, testes de mais de 50 pontos acima de outros cinco Hunters atualmente no programa

Não foi nenhuma surpresa para ela Hunter se destacar em tudo que fazia, mesmo em idade tão jovem. Parte do ar que estava segurando em seus pulmões saiu agora, e ela folheou para outra entrada no livro.

Sujeito: Ano 5

Relatório de condicionamento inicial concluído; sujeito removido do laboratório para célula individual fora do local; habitação e disciplina a ser monitorada pelo Treinador Subordinado atribuído

Ela folheou mais algumas páginas.

Assunto: Ano 8

Relatório: A aptidão física e mental supera expectativas de testes; conceitos e prática de várias técnicas de execução furtivas dominadas; Treinador recomenda avançar sujeito para viver treinamento objetivo

Uma série de entradas posteriores, registradas em sequência próxima evidente àquela que deixou o sangue de Corinne correndo gelado em suas veias:

Sujeito: Ano 8

Relatório: Primeira morte; treinamento testado em situação de campo contra presa humana (sem disputa)

Relatório: Sucesso em matar civis Raça adolescentes; métodos empregados: corpo-a-corpo e lâminas curtas (sujeito e presa igualmente armados)

Relatório: Sucesso em matar civis Raça adultos; método utilizado: corpo-a-corpo, lâminas curtas/ longas (sujeito desarmado; busca e técnicas de captura pendentes, uso eficiente do meio ambiente e capacitação na execução da presa)

A frieza que sentiu há pouco, era gelo agora, uma doença crescente dentro dela quando considerava o mal que dobraria uma criança para se tornar o tipo de monstro sem alma que Dragos parecia determinado a ter sob seu comando. Olhou para o macho Gen Um estoico — o assassino duro e treinado, que de alguma forma se tornou seu amigo e amante — e não encontrou nenhum medo ou desprezo por aquilo que foi forçado a se tornar.

Se preocupava com ele, profundamente.

Não tinha que procurar muito longe dentro de seu coração para perceber que o amava.

Com a emoção ardendo nos olhos e na parte detrás de sua garganta, virou mais algumas temidas páginas.

Sujeito: Ano 9

Relatório: O treinador notou aumento alarmante na curiosidade do sujeito; perguntas frequentes sobre o propósito da vida, origem pessoal

Relatório: Sujeito encontrado com livros escondidos na cela; volumes aleatórios de ficção, biografia, filosofia, poesia, roubados do quarto do Treinador

Essa citação em particular, tinha uma anotação ainda mais abaixo dela, rabiscada por uma mão furiosa.

Determinação: Restringir o acesso a outros materiais de leitura além do que o programa aprova em manuais, livros técnicos e de treinamento

Ação: Treinador instruído a remover o contrabando do sujeito da cela e destruí-lo

Consideração: Rebelião a ser antecipada como fator limitante à continuação do programa. Sujeito muito inteligente, natural predador e conquistador. Disciplina por si só pode não ser suficiente para mantê-lo submisso.

Melhoria de Processo: Tarefa sendo providenciada pela equipe de tecnologia como meio de assegurar a obediência e lealdade do sujeito dentro do programa Hunter

Corinne fechou o livro e foi para o lado de Hunter.

Estava sem palavras, abatida pela tristeza pelo menino a quem nunca foi dada a oportunidade de ser criança, e humilhada pelo homem que atravessou tal um inferno, solitário e sem luz e ainda tinha a capacidade da gentileza e honra.

Ela tomou seu rosto nas mãos e ternamente o virou para olhar para ela.

— É um homem bom, Hunter. É muito mais do que aquilo que Dragos pensava que era. É muito mais que a soma de seu passado. Deve saber disso, não é?

Ele se afastou, carrancudo, balançando a cabeça.

— Eu a matei.

As palavras foram ditas baixo, uma declaração simples e horrenda de um fato.

— O que está falando?

— Está tudo lá dentro — disse ele, apontando o livro terrível no colo.

Embora odiasse ver a feiura que encontrou nos primeiros anos de Hunter, ele, obviamente, leu a coisa inteira da frente para trás. O pegou novamente e abriu após a primeira página. Desta vez, foi mais lenta, a leitura dos detalhes de seu nascimento e das semanas e meses depois, quando ele — ao contrário de seu próprio filho — foi autorizado a se alimentar da veia de sua mãe e não de estranhos como Nathan ostensivamente foi nutrido quando a ela foi negado até mesmo esse pequeno presente.

E então... ela viu.

Relatório: Sujeito exibe ansiedade pela separação evidente quando removido da presença da mãe, fraqueza observada; falha de comportamento a ser corrigida

Ação: Interação com a mãe eliminada; alimentação mudada para fontes humanas e/ou Subordinado

Corinne virou algumas páginas, o temor fazendo seus dedos tremerem quando encontrou a entrada que fez todo o resto empalidecer em comparação:

Sujeito: Ano 2

Relatório: Sujeito descobriu possibilidade de avistar a mãe no laboratório; sujeito emocional, inconsolável quando recusou contato por treinadores Subordinados; incidente resultou em danos ao equipamento de laboratório, novo desafio exposto ao sujeito

Determinação: Para benefício do treinamento do sujeito, distração potencial futura deve ser eliminada

Ação: Mãe eliminada; em vigor imediatamente, processo de programa modificado para proibir interação entre futuros sujeitos e mães; sujeitos atendidos unicamente por treinadores Subordinados

Os olhos de Corinne estavam muito molhados para ler mais. Afastou o recorde da loucura de Dragos para longe dela, dando-lhe um duro empurrão cheio de ódio.

A voz de Hunter era como madeira ao lado dela.

— Matei minha mãe, Corinne. — As palavras eram planas e sem emoção, mesmo enquanto um par de lágrimas caía, totalmente ignoradas por ele, pela face rígida.

— Não fez tal coisa. — Tão ternamente como se atreveu, Corinne estendeu a mão e passou o dedo pelas faixas de umidade escorrendo em direção à sua mandíbula apertada. Acariciou seu rosto corado, com o coração quebrado e dolorido por este homem. — Dragos fez esta coisa terrível, não você.

— Minha mãe está morta por minha causa, Corinne. Porque eu a amava.

Havia tal profundidade de arrependimento em seus olhos, que ela mal podia encontrar as palavras para oferecer conforto. Nada que dissesse poderia tirar a dor devia estar sentindo. A perda deixou essa dor em seu rastro, não importa o quão distante o vazio.

Corinne sabia, em primeira mão, como Dragos era sem alma, por isso não devia ser nenhuma surpresa saber que considerava o vínculo natural de uma criança inocente com sua mãe uma fraqueza. Uma falha em seu programa de sádicos que poderia ser corrigido com uma ação única, final.

Hunter encaixando as peças agora, após todo esse tempo, certo que era o culpado, a fez querer arrancar o coração de Dragos, preto e doente com as unhas e esmagá-lo em seu punho.

Em vez disso, puxou Hunter para seu abraço e aninhou seu corpo grande contra ela. Ela beijou o topo de sua cabeça e o acariciou suavemente, ela o proteger era improvável, seus braços mal cobriam este macho poderoso quando caiu num silêncio ainda mais pesado no berço de seu colo.

— Não fez nada errado, — ela assegurou a ele. — Amar alguém nunca é errado.

 

Começou a nevar em Boston naquela noite apenas depois do anoitecer. Os flocos do tamanho de moedas seguiam a brisa fria de dezembro, derretendo contra as bochechas de Chase e caindo no topo de sua cabeça. Olhou através das mechas de cabelo pingando que pendiam em seus olhos, observando a pressa do serviço de vans entrando e saindo com as entregas finais na cara propriedade em North Shore do senador Robert Clarence.

Não sabia exatamente como acabou espreitando nas sombras do outro lado da rua da casa do jovem político. Enquanto a Sede de Sangue beliscava seus calcanhares, a curiosidade inata de Chase não o largava, apesar do fato de que não tinha nenhuma razão real para dar a mínima à festa ostentosa que evidentemente ocorreria mais tarde naquela noite.

Aparentemente, era o evento social da temporada, com base no desfile de fornecedores e aluguel de equipamentos. Doze instrumentos de cordas e sopro dos músicos estavam sendo descarregadas na parte de trás da casa quando Chase chegou. Vinte policiais ou mais, uniformizados e com a cara triste do Serviço Secreto estavam em locais estratégicos por todo o terreno, verificando todos os graus.

Chase olhou os homens com seus cortes escova e ternos pretos. Bobby Clarence era uma estrela política em ascensão, mas a proteção enviada pelo governo não estava lá por causa dele. Eram muito numerosos e muito óbvios para serem atribuídos a qualquer coisa menos que um oficial superior do DC[24]. A memória de Chase picou com a trivial e inútil campanha que foi incapaz de evitar ouvir mais de uma vez durante a corrida do humano para sua cadeira no Senado. Era endossado por ninguém menos que o vice-presidente, muito entusiasmado pelo brilhante estudante universitário que impressionou seu professor com uma combinação de integridade e sensibilidade Yankee dos bons velhos tempos.

E agora que Chase pensava sobre isso, uma grave suspeita começava a se estabelecer sobre ele.

Dragos não escondeu o fato de que seus seguidores tinham algum interesse no Senador Clarence, mas e se estivesse de olho em alguém já numa posição de poder ainda maior?

— Jesus Cristo, — Chase murmurou baixo sob seu fôlego. E se alguns desses policiais espalhados em torno da propriedade eram Subordinados que pertenciam a Dragos? O que impediria Dragos de utilizar este tipo de encontro para promover seus próprios esquemas?

Os velhos instintos de Chase o alertaram com um aviso que não podia ignorar. Algo de ruim estava vindo abaixo, nesta festa hoje à noite, podia sentir isso em seus ossos. O senador ou seu convidado VIP — Deus, talvez os dois — estavam em perigo aqui. Chase apostaria sua vida nisso, não que valesse muito nestes dias.

Com pavor o rasgando ainda mais fundo que sua sede de sangue, Chase chamou sua genética Raça para ultrapassar os limites da polícia e do serviço secreto postados lá fora. Era apenas uma brisa fria, um redemoinho de flocos de neve dançando em sua esteira, quando deslizou dentro da casa pela porta dos fundos até a cozinha.

Tão logo estava dentro, mais dois ternos pretos viraram a esquina.

Chase se abaixou na despensa, totalmente silencioso, absolutamente imóvel, enquanto o par de homens do Serviço Secreto passava direto pelo local onde esteve parado. Um deles deu o sinal de fim de alarme para o segundo andar com seu dispositivo Bluetooth, em seguida, se lançou numa discussão com seu companheiro sobre a noite do último jogo de futebol da faculdade. Chase soltou a respiração quando os homens armados saíram da casa para se juntar aos outros no quintal.

Ele começou a sair pela porta da despensa, mas parou abruptamente quando ela se abriu para dentro, quase batendo nele.

— Checou o vinho tinto aqui, Joe? — Uma jovem mulher entrou na despensa, com a cabeça inclinada sobre o ombro enquanto falava com alguém fora da grande despensa. Usava vestido de gola alta, de manga comprida e veludo cor de vinho que se agarrava apertado como um amante ao seu corpo, alto e atlético. O cabelo ondulado, caramelo-marrom caía sobre seus ombros, enquanto ela girava em torno e entrava. — Ah! Aqui está, mais dois Pinot Noir[25], exatamente onde pensei que estariam.

Chase se esforçou para manter as sombras em torno dele enquanto a impressionante fêmea andava até a frente dele e fazia sinal para um homem moreno de smoking e gravata borboleta trazer seu carrinho de mão com rodas para o quarto.

Pareceu demorar uma eternidade para o humano circular e carregar as caixas do caro vinho francês tinto. Não que Chase lembrasse completamente. Tão difícil como era manter a ilusão de seu talento, não achava que se cansaria muito rapidamente de olhar para a mulher confiante, profissional, no vestido Oh Céus.

Finalmente, a última caixa foi colocada no carrinho de mão, as garrafas retinindo dentro.

— Será que tem mais alguma coisa, Sra. Fairchild?

Ela checou o relógio.

— Vou deixar você saber, Joe. Obrigado, — respondeu ela secamente. Ela seguiu atrás dele, que empurrava sua carga pela porta, seu traseiro quente demais para pertencer a alguém que agia tão fria. — Se algum dos outros funcionários precisarem de mim, estarei revisando a seleção de música pela última vez com a orquestra. Diga a todos para ficar com o olhar afiado. Os convidados do senador estarão chegando em precisamente uma hora.

— Sim, Sra. Fairchild, — murmurou Joe, o motorista do carrinho de mão enquanto a porta da despensa se fechava sobre seus calcanhares.

Chase dispersou as sombras em torno dele, logo que ficou sozinho. Sua respiração se apressou rapidamente dentro e fora de seus pulmões, seu corpo parecendo como se tivesse acabado de fazer uma curta corrida. Suas mãos tremiam, suas veias doíam com a necessidade de mais combustível. Maldição. Estava praticamente acabado, e a festa ainda não tinha começado.

Abriu uma fenda na porta e espiou lá fora. Quando estava certo que não haveria mais surpresas, se abaixou e usou sua última reserva para acelerar pelas escadas. Encontrou um quarto vazio no segundo andar sem segurança, onde pretendia esperar até que os hóspedes do senador chegassem.

 

O e-mail de Gideon esperava por eles quando voltaram para casa pouco tempo depois. Hunter fez a chamada de volta para Boston com Corinne sentada ao lado dele no computador e ouviu com um misto de medo e aceitação grave quando Gideon informou que a sequência numérica das memórias parciais do sangue de Corinne voltaram com resultados interessantes.

Havia dois golpes sólidos nos arquivos de dados criptografados recuperados da memória dos cartões que Hunter enviou ao complexo. A má notícia era que, um deles estava ligado a um registro com zero de atividade gravado nele por mais de cinco anos. A boa notícia? O segundo golpe partia de um arquivo ativo.

Após hackear um pouco, Gideon descobriu o que parecia ser algum tipo de coordenada associada ao registro. Usando a confirmação via satélite, triangulou um sinal de GPS a partir de uma pequena cidade no centro-oeste da Geórgia, cerca de 60 milhas fora de Atlanta. A boca de Gideon fazia o processamento tão rápido quanto sua mente quando retransmitiu a informação para Hunter cerca de uma hora atrás. Parecia pensar que com mais algumas horas de exploração, os dados recuperados da unidade de armazenamento de Henry Vachon poderiam render algo ainda maior.

Mesmo intrigado quanto a perspectiva de um golpe contra a futura operação de Dragos, a mente de Hunter estava em questões mais imediatas.

Corinne estava calma, contemplativa, já tinha se despedido rapidamente de Amelie Dupree e se preparava junto ao caminhão baú para a longa viagem pela frente. Estavam na estrada há várias horas agora, indo na direção da Alabama Interstate 85[26]. Hunter achava que podia levá-los até a fronteira da Carolina do Norte antes do sol nascer, quando seria forçado a procurar abrigo longe da ampla cabine do caminhão.

Adicionando outras dezesseis horas, e teria Corinne de volta sã e salva no Darkhaven de Reichen em Rhode Island.

Claro, ela não sabia disso.

Deixou de fora esse detalhe particular de seus planos, pensando que seria melhor falar com ela em particular, uma vez que estivessem na estrada e sozinhos. Agora, porém, estava encontrando dificuldades para juntar as palavras.

Sabendo que iria desapontá-la, provavelmente a machucaria com a verdade, parecia ainda mais difícil após a compaixão que ela mostrou anteriormente naquela noite. Sua cabeça ainda estava se recuperando da descoberta do livro do laboratório e tudo o que continha. Se sentia fora de equilíbrio, então e agora, fora de seu eixo.

Isto é, até se lembrar da sensação dos braços de Corinne envolvidos em torno dele.

Como se sentisse sua luta interior agora, ela levantou a cabeça dos mapas do Google impressos no seu colo e olhou para ele.

— Está tudo bem?

Seu assentimento confirmando pareceu fraco para ele, transparente.

— Mal falou desde que saímos de Nova Orleans. Se houver qualquer coisa que precise...

— Não, — ela disse, balançando a cabeça. — Se não estou muito falante, é só por que estou nervosa. Estou com medo, acho. Não posso acreditar que estamos realmente a caminho para encontrá-lo. Enfim, estou a caminho de encontrar Nathan.

Ela falou o nome de seu filho com reverência e tanta esperança que rasgou por ele. Hunter estava aprendendo a sentir muitas coisas envolvendo Corinne, mas o ácido de culpa queimando por enganá-la era uma dor quase insuportável. Limpou a garganta e se forçou a cuspir a verdade.

— Nós não podemos ter certeza de como são boas as chances de que seu filho esteja realmente na cela que Gideon localizou fora de Atlanta. Mas você e eu vamos mais ao norte que isso, Corinne. Vou levá-la de volta para Rhode Island, para o Darkhaven de Andreas e Claire.

— O que está falando? — Ele viu sua boca abrir pela visão periférica. — Quer dizer que não estamos indo para Atlanta?

— Não seria uma situação segura para você, então enquanto está segura com Andreas e Claire, vou voltar sozinho para investigar. Será melhor assim, para todos os interessados.

Suas veias, cortesia de sua ligação de sangue com ela agora, arrepiaram com o pico repentino de sua indignação.

— Quando estava planejando me dizer isso, antes ou depois de me deixar à porta do Darkhaven?

— Sinto muito — disse ele, o que significa muito. — Sei que isso não é sua escolha, mas além de garantir sua segurança, também quero poupá-la de qualquer preocupação ou decepção.

— É ele naquele local, Hunter, — ela implorou. — Posso sentir isso em meus ossos. Nathan está lá.

Hunter olhou pela autoestrada que se estendia diante dele, para a bonita mãe, protetora, que provavelmente se jogaria na frente de uma rajada de tiros selvagens, se achasse que salvaria seu filho. O pensamento o fez parar para considerá-la atingida. — Os fatos que temos a seguir são poucos, Corinne. Logicamente, por tudo que sabemos, esta informação pode levar a outro dos assassinos de Dragos. Não ao seu filho.

Ela girou sobre o assento do banco longo, focando toda a força de sua raiva nele.

— Pela mesma lógica, pelo que sabemos, pode ser meu filho.

— Mais uma razão. Não quero você lá, Corinne. — Ele soprou um suspiro baixo no vidro do para-brisa. — Se for ele, então pode não acabar bem.

— Como sabe? — Ela cobrou com veemência. — Não pode ter certeza disso.

Outro olhar para ela, percebendo que o que estava prestes a dizer podia destruir tudo o que compartilharam em seu curto espaço de tempo juntos.

— Eu sei, Corinne. Vi como seu reencontro com seu filho acabará. A menininha, na sede da Ordem.

— Mira? — Ela parecia atordoada, confusa. Uma ruga entre as finas sobrancelhas negras. — O que ela tem a ver com isso?

— Houve uma visão, — ele respondeu. — A visão que dizia respeito a você, o menino... e eu.

— O que? — Corinne olhou para ele como se tivessem dado um soco no estômago dela. Embora estivesse claramente surpreendida, havia uma nota de entendimento triste em sua voz macia. — Diga-me o que está acontecendo, Hunter. Mira o fez ver algo desde que fui embora do complexo?

— Não. Foi meses atrás, — ele admitiu. — Muito antes de te conhecer.

Quando olhou para ela agora, ela parecia doente para ele. A palidez desceu sobre o rosto na luz fraca do painel do caminhão. A acusação em seus olhos o cortava como uma lâmina.

— O que está dizendo? O que sabe sobre Nathan? Sabe ou não se vamos encontrá-lo? Mira previu como isso acabará esta noite?

O silêncio de Hunter parecia mais do que ela podia suportar.

— Pare este veículo, — ela exigiu. — Pare isso agora.

Ele desviou para o norte, na estrada de três pistas, o cascalho voando sob os pneus quando desacelerou no acostamento próximo. Estacionou o caminhão e virou o rosto para Corinne ao lado dele. Ela não olhava para ele. Ele não tinha necessidade de ver seus olhos para saber que estariam cheios de mágoa com descrença e confusão.

— Já sabia do meu filho o tempo todo, mesmo antes de me levar para a casa em Detroit?

— Não sabia que era a visão do seu filho, Corinne. Quando vi pela primeira vez a premonição nos olhos de Mira, nem sabia quem você era. Nada disso tinha qualquer significado para mim na época.

Corinne olhou para ele agora, seus olhos desoladores.

— O que exatamente viu, Hunter?

— Você, — disse ele. — Vi você chorando, suplicando para eu poupar uma vida que era tudo para você. Me pediu para deter minha mão.

Ela engoliu em seco, sua garganta soando suavemente quanto o zumbido dos veículos em alta velocidade passando correndo na estrada ao lado deles.

— E o que fez... nessa visão?

As palavras vieram lentamente, amargas. Era tão terrível em sua língua quanto a verdade se sentiria em suas mãos.

— Fiz o que tinha que ser feito. Você pediu o impossível.

Ela puxou uma respiração afiada e mexeu na maçaneta da porta. Hunter poderia pará-la. Poderia congelar as fechaduras com um pensamento e mantê-la presa com ele. Mas sua tristeza o rasgava. Saltou atrás dela, logo atrás dela quando cambaleou para fora, para o gramado enluarado.

— Corinne, por favor, tente entender.

Ela estava furiosa e ferida, agitada.

— Mentiu para mim! — O rugido do tráfego que passava cresceu enquanto ela blasfemava contra ele, seu talento juntando as ondas de som e as agitando como uma tempestade. — Sabia que... todo esse tempo que passamos juntos, e escondeu isso de mim? Como pôde?

— Não sabia quem você tentava proteger. Não sabia quando os eventos profetizados deveriam ocorrer. Poderiam ser anos no futuro. Poderiam não significar nada. Antes de dizer alguma coisa para você, precisava entender o que vi.

O tráfego na pista rápida, e o som dela abalava a terra quando tentava explicar algo a Corinne que sentia indefensável para ele agora.

— As peças não caíram no lugar até que me contou sobre seu filho.

Ela fechou os olhos por um momento, olhando para as estrelas antes de virar um olhar molhado sobre ele.

— E então, depois de tudo que ocorreu entre nós, depois que fizemos amor, depois que bebeu de mim, ainda assim não me disse o que sabia?

— Então, — disse ele, — me importava muito para feri-la com a verdade.

Ela balançou a cabeça lentamente, depois com mais vigor.

— Confiei em você! Foi o único em quem senti que podia confiar. Pensar que fui realmente tola o suficiente para me apaixonar por você!

Um ruído mais violento cresceu quando a força de sua indignação aumentou. Sobre suas cabeças, um poste estalou, os banhando de faíscas. Hunter a tirou do caminho das brasas caindo, a segurou contra ele, apesar de suas lágrimas e luta. Ele apertou um beijo em sua testa. A forçou a olhar para ele, em seus olhos e ver outra verdade que estava escondendo dela.

— Eu também te amo, Corinne.

— Não, — ela sussurrou. — Não acho que consiga.

Ele pegou seu queixo e levantou o rosto para trás na direção dele. Ele beijou seus lábios separados, prontos para protestar.

— Eu te amo. Acredite em mim quando digo que é a única mulher que quero amar. Quero sua felicidade. Significa tudo para mim.

— Então não pode me empurrar de lado, se há uma chance de meu filho estar apenas a algumas horas de distância de onde estamos em pé agora.

Hunter franziu a testa, sabendo que estava perdendo essa batalha. Talvez a primeira batalha que já se rendeu.

Tão delicadamente como podia, ele a lembrou.

— As visões de Mira nunca estão erradas. Se vier comigo, e encontrarmos seu filho, será capaz de me perdoar?

— Se realmente me ama, como amo você, então isso deve ser forte o suficiente para mudar a visão. — Ela estava calma agora, e com ela veio a calma quietude de seu talento. A estrada movimentada retomou seu contexto normal e zumbido. Atrás deles, o motor do caminhão desacelerou da marcha rápida. Ela se estendeu timidamente, colocando a palma da mão sobre o centro de seu peito, onde seu coração batia forte. — Talvez o nosso amor possa mudar a visão.

— Talvez — disse ele, desejando poder acreditar.

O que acreditava era no fato que, se a mandasse embora agora, iria odiá-lo, independentemente do que encontrasse no final do sinal de GPS na Geórgia. Mandá-la embora agora seria esmagar sua esperança e trair sua confiança mais uma vez.

Hunter pegou a mão dela na sua. Juntos, caminharam de volta ao caminhão e a tudo que os esperava no final da estrada esta noite.

 

A festa na casa de férias do senador estava em pleno andamento duas horas e meia depois, e Chase estava ficando entediado.

De seu poleiro na escuridão da galeria do segundo andar, via a multidão de humanos se divertindo no grande salão de baile abaixo. Pessoas passeavam elegantemente vestidas e se misturavam, rindo e se beijando enquanto tentavam manipular bebidas e canapés e uma centena de tópicos de conversa inútil. No fundo, o conjunto de doze instrumentos musicais tocava uma seleção alternada de canções natalinas seculares e peças clássicas.

Chase não podia deixar de notar a beleza vestida de Borgonha[27] que circulava à margem da reunião como uma galinha mãe cuidando de seus pintinhos. A Sra. Fairchild fazia questão de procurar os mais desesperados isolados, os envolvia com um sorriso e alguns minutos do que parecia ser uma conversa genuinamente atenciosa. Fazia apresentações, arrastando os socialmente ineptos em grupos maiores e em pé até encontrarem seus iguais antes de se mover para o próximo.

Ele adivinhou com base em seu comportamento metódico que trabalhava para o senador Clarence, mas olhando a mulher jovem e atraente, Chase se viu perguntando se a descrição de trabalho para o político se estendia além do planeamento de festas e direção social. Talvez o queixo erguido na gola alta e atitude brusca fossem apenas uma fachada. Não parecia tão fria agora. Talvez fosse tão quente quanto seu vestido justo.

Sim, e talvez estivesse perdendo tempo, sentado aqui no campanário como Quasimodo[28], quando tinha coisas mais interessantes a fazer, de volta na cidade.

O nó frio da fome em seu intestino acordou.

Chase olhou impacientemente, vendo o senador “menino de ouro” fazendo rondas com seus convidados. Estava tranquilo. Um profissional consumado, mãos se apertando, beijando enrugadas senhoras de idade nas bochechas, posando para fotos ao longo do caminho. Não era difícil imaginar seu charme e polimento o levando rapidamente a um posto mais alto. Sem dúvida Dragos notou a mesma coisa sobre ele, apesar de Chase estremecer ao pensar no que poderia significar, se o principal adversário da Ordem, começasse a voltar suas atenções para figuras do governo humano.

Abaixo da galeria, houve uma azáfama repentina de atividade. Dois agentes do Serviço Secreto entraram na casa pela grande entrada da frente. Mais três abriram a escura porta dupla de cerejeira e as manteve abertas para os convidados VIP do partido entrarem, outro par de agentes vindo atrás.

Chase já adivinhava quem o recém-chegado seria, mas ainda assim seu pulso saltou com uma pontada aguda de medo escuro e expectativa, quando o senador Clarence se moveu para saudar o vice-presidente chegando. Aplausos subiram de outros convidados enquanto os dois homens sorriam e apertavam os braços antes de começar o requisito encontre-e-cumprimente com o resto da multidão ávida.

Chase percebeu que tinha companhia em cima, uma precaução de segurança extra, já que a segunda maior autoridade do país estava no prédio. Os agentes armados tomavam sua posição na outra extremidade da galeria e relatavam sua disponibilidade no microfone preso à lapela de seus ternos pretos. Chase recuou da borda da varanda e se derreteu na escuridão do corredor.

Quando avançou, pensou ver um vislumbre de um rosto que reconhecia muito bem. Um rosto que certamente não pertencia a uma reunião de humanos.

O agente do Serviço Secreto estava parado no aberto, na outra extremidade da galeria, verificando as imediações, os olhos astutos treinados para detectar qualquer coisa fora da linha. Mas não sentiu o perigo que Chase sentiu. Não poderia saber que um dos homens que estavam entre os convidados não era um homem de verdade.

Chase dobrou as sombras em torno dele, as reunindo perto quando rastejou na direção do parapeito para dar outra olhada.

Maldito, pensou ele, confirmando o pior cenário.

Era Dragos lá em baixo.

Como uma abelha no meio de uma colmeia vibrante, o vice-presidente abria caminho com o senador no meio da multidão animada. Muito em breve, pararam na frente de Dragos. Os três falaram por um momento, dando risadinhas profissionais e apertando as mãos antes de começarem a sair juntos para uma sala privada ao lado do salão cheio e estourando.

Porra.

Oh, não.

Não, não, não.

Chase sabia que não podia deixar Dragos ir a qualquer lugar sozinho com um destes homens importantes. Não podia deixar isso acontecer.

Indecisão o rasgou enquanto lutava para manter seu talento no lugar, o olhar fixo no menor movimento de Dragos. Cada célula Raça em seu corpo o incentivava a saltar por cima da varanda e atacar e matar o desgraçado a sangue frio, antes mesmo que soubesse o que o atingiu. Mas para isso se exporia publicamente, como algo diferente de humano. Se fosse só com ele que tivesse que se preocupar, não se importaria. Mas as ramificações em se mostrar como parte da Raça eram irreversíveis, e também de longo alcance.

Talvez pudesse criar uma distração, algo para causar pânico momentâneo. Algo para fazer os guardas do vice-presidente o levarem para longe da festa e de qualquer conspiração que Dragos planejava, sorrindo ao lado dele.

Chase sentiu o talento deslizar enquanto lutava com o curso de ação a tomar.

As sombras caíram, como névoa por entre os dedos, deixando-o ali revelado.

Nesse mesmo instante, a Sra. Fairchild olhou para cima e o viu. Fez sinal a um dos homens de preto e apontou em direção a Chase. O agente falou em seu dispositivo de comunicação e vários outros chegaram de todas as direções.

Ah, Cristo.

Enquanto isso, Dragos estava quase fora da vista com o senador e o vice-presidente.

Chase atravessou a distância até o homem do Serviço Secreto posicionado na varanda da galeria. Em menos de um segundo, o nocauteou frio e pegou a pistola do coldre ao lado. Chase disparou um único tiro para o ar. Pó de gesso choveu quando a bala afundou no teto abobadado. No salão de baile abaixo, o caos começou.

As pessoas gritavam e se dispersavam, todos correndo para se esconder.

Todos, exceto a Sra. Fairchild. Ela ficou imóvel no centro de toda a loucura, olhando diretamente para ele, seus olhos presos nele como brilhantes lasers verdes.

Chase rapidamente voltou sua atenção para Dragos. Encontrou o olhar furioso com igual ódio e disparou a pistola do agente antes que Dragos tivesse a chance de se esquivar do caminho. O tiro o atingiu direto, derrubando o vampiro.

Tiros foram devolvidos para Chase, explodindo ao seu redor de todas as direções.

No assoalho do salão abaixo, Dragos caiu sangrando. Morto ou moribundo, Chase esperava pelo diabo, mas não podia ter certeza.

Correu para a janela mais próxima, em seguida, mergulhou através dela, num salto voador. Enquanto navegava pela escuridão lá fora, sentiu uma explosão triturando uma lágrima de dor na coxa e no ombro. Ele a sacudiu fora, caindo no gramado coberto de neve abaixo.

Ouviu o barulho de passos correndo pela casa e sobre as terras da propriedade. O barulho de armas, todas prontas para explodir o intruso perigoso.

Chase se levantou e começou a correr.

 

Dragos fumegava onde estava deitado, sangrando pela barriga no chão do salão do senador Bobby Clarence. Momentos após o ferimento de bala o atingir, gritos e caos ainda enchiam o ar da propriedade. Aterrorizados convidados da festa humana se espalhavam como passarinhos, enquanto agentes do Serviço Secreto atacavam em massa para levar o senador e o vice-presidente para fora até a sala de segurança.

Maldita Ordem.

Como o encontraram? Como poderiam saber que deviam procurá-lo aqui, de todos os lugares?

Dragos estendeu as mãos para seu estômago enquanto a histeria continuava a inchar em torno dele. Embora sua ferida fosse ruim, não tinha dúvida que sobreviveria. A bala atravessou seu corpo. O sangramento já diminuía, a genética Raça no bom caminho para a reparação dos danos à sua pele e órgãos.

Um par de ternos pretos e vários policiais empurraram pela multidão em fuga para alcançá-lo. Um dos homens do governo falou baixo e urgentemente no dispositivo de comunicação preso em torno de sua orelha. O outro se ajoelhou ao lado de Dragos, unidos por um par de policiais uniformizados com aparência de ansiosos.

Dragos tentou sentar, mas o agente do Serviço Secreto estendeu a palma da mão espalmada para desencorajá-lo.

— Senhor, apenas tente manter a calma agora, tudo bem? Está tudo sob controle aqui. Temos a ajuda vindo para você em apenas alguns minutos.

Ele não esperou pela resposta. Confiante que seria obedecido, voltou para se juntar ao seu companheiro, deixando os dois policiais locais para esperar. Alguns convidados da festa se espalhavam correndo, pressionado a mão na boca quando viam o sangue derramado em sua pressa de sair do salão de baile.

Dragos grunhiu, desprezando todos estes humanos em pânico, quase tanto como desprezava o bastardo da Ordem, que conseguiu desviar meses de trabalho com um único tiro. Era o orgulho mais que a dor que deixava sua boca numa linha apertada, fúria mais que medo que o fazia ranger os dentes tão duro por trás de sua boca que era uma maravilha sua mandíbula não quebrar. Suas presas latejavam, já saindo de suas gengivas e enchendo sua boca. Seus olhos, sempre sobrenaturalmente afiados, estavam ficando ainda mais agudos agora, as bordas de sua visão se enchendo com luz âmbar.

Tinha que sair de lá, e rápido.

Antes que sua raiva o traísse publicamente por aquilo que realmente era.

Dragos olhou para um dos policiais presentes, o mais jovem da dupla. Aquele que lhe pertencia. Agachado ao lado Dragos, o Subordinado aguardava seu comando como um cão ansioso.

— Diga ao meu motorista para trazer o carro para trás, — ele murmurou, sua voz pouco mais que um sussurro. O Subordinado se inclinou, absorvendo cada palavra. — E faça algo para limpar esta sala maldita de todos esses olhos curiosos.

— Sim, Mestre.

O Subordinado se levantou. Quando girou para cumprir a ordem, quase bateu de cabeça em Tavia Fairchild. Ela estava ali, imóvel, seu olhar astuto percorrendo o policial que quase corria para obedecer Dragos, que olhou para ela, em êxtase, mas com interesse cauteloso. Embora só pudesse estar lá por um instante, foi o suficiente. Ouviu o Subordinado chamar Dragos de mestre. Poderia dizer pela ligeira inclinação de cabeça, o leve estreitamento de seus olhos, que estava tentando processar a informação que até mesmo sua mente afiada não tinha a base para compreender.

— Perdoe-me, senhora — murmurou o Subordinado, saindo de seu caminho com um acento estranho de sua cabeça. Ele olhou para Dragos e limpou a garganta. — Senhor, eu já volto.

Dragos balançou a cabeça, seu olhar treinado totalmente em Tavia Fairchild enquanto se levantava a uma posição sentada no chão. O esforço do Subordinado para cobrir seu deslize pareceu satisfazer a bela assistente do senador. Quando o oficial foi embora, seu olhar confuso mudou para um de preocupação quando se voltou para Dragos.

— Os paramédicos foram chamados e uma ambulância está a caminho... — Sua voz sumiu. Ela parecia doente, a cor em suas bochechas se esvaindo enquanto se aproximava dele e ficava boquiaberta com todo o sangue encharcando sua camisa de seda, o smoking branco e o piso do salão abaixo dele. Parecia meio fora de equilíbrio quando abraçou a si mesma. Ela encontrou seus olhos apenas para evitar olhar para sua lesão, e deu um aceno pequeno de cabeça. — Sinto muito. Só estou um pouco tonta. Não passo bem nesses tipos de situações. Sou conhecida por desmaiar com a visão de um joelho esfolado.

Dragos permitiu uma pequena curva de seus lábios.

— Não pode esperar ser perfeita em tudo, Srta. Fairchild.

Ela franziu a testa, visivelmente constrangida. Pelo menos seu enjoo pareceu ajudá-la a esquecer o deslize descuidado da língua do Subordinado. Ela endireitou os ombros, se agarrando ao seu profissionalismo consumado.

— Acabo de deixar o senador Clarence e o vice-presidente, Sr. Masters. Ambos estão ilesos e sob custódia do Serviço Secreto enquanto falamos. Sua preocupação principal era por seu bem-estar, é claro.

— Não é necessário, — Dragos assegurou. — Tenho certeza que a ferida parece muito pior do que realmente é. — Para demonstrar, começou a ficar em pé.

— Oh, não acho que deva — Ela correu para ajudá-lo, mas era seu corpo que balançava mais que o dele, seu rosto empalidecendo novamente, as bochechas pálidas.

— Vou ficar bem, — disse Dragos. Enquanto falava, o policial Subordinado voltava para o salão e tomava o lugar de Tavia ao seu lado, delicadamente o apoiando enquanto informava a Dragos que seu carro estava esperando lá atrás, como solicitado.

— Não acha que deve esperar o Serviço de Emergência? — Ela perguntou, incrédula. — Foi baleado, Sr. Masters... Perdeu uma enorme quantidade de sangue.

Ele deu um leve balançar de cabeça quando seu Subordinado o ajudou a dar alguns passos.

— Será preciso mais que isso para me parar, eu prometo.

Ela o olhou menos que convencida.

— Devia estar na Sala de Emergência.

— Meus médicos pessoais estão melhores equipados para cuidar de mim, — ele respondeu, imperturbável enquanto era escoltado sem problemas para longe por seu Subordinado e outro oficial, que veio dar uma mão. — Além disso, tem outras coisas mais urgentes para cuidar, Srta. Fairchild.

Ele gesticulou em direção à entrada aberta da frente da casa, onde fora, o quintal estava começando a se encher com vans de jornais que chegavam e as luzes brilhantes das câmeras. Tavia Fairchild ajeitou seu vestido cor de vinho e ergueu a cabeça, visivelmente se preparando para o ataque de repórteres que já empurravam seu caminho para a casa. Ao longe, a sirene da ambulância chegando gritava.

Quando estava sendo levado, Dragos ouviu a maldição da jovem, sussurrada baixo, mas quando olhou para ela, Tavia Fairchild estava marchando ao encontro da multidão de abutres como a própria imagem da calma equilibrada.

— É verdade que o atirador estava escondido na casa do senador? — Alguém gritou para ela.

— Onde estão o vice-presidente e o senador agora? — Outro repórter exigia.

E ainda mais perguntas em pânico, uma após a outra:

— Foi o tiroteio um atentado contra o senador Clarence, ou há razão para acreditar que o vice-presidente era o alvo pretendido. — Poderia ser um possível ato terrorista? — Alguém viu o atirador? — É verdade que apenas um homem foi responsável pelo ataque? — Na polícia ou no Serviço Secreto, ninguém sabe nada sobre quem poderia ter feito isso, ou por quê?

Dragos sorriu para si mesmo quando saiu pela porta dos fundos da casa. Talvez o caos inesperado desta noite fosse útil para ele. Talvez todas as perguntas frenéticas e preocupações fossem justamente o que precisava para bater o último prego no caixão da Ordem.

A bala que levou esta noite foi um tiro disparado sobre sua proa, mas estava malditamente bem e pronto para retornar.

Quando subiu em sua limusine à espera, Dragos recuperou seu telefone celular salpicado de sangue do bolso de sua jaqueta do smoking. Não esperaria mais pelo momento oportuno para atacar a Ordem. Era hora do golpe duro. Permanente, se tinha algo a dizer sobre isso.

Com sua chamada para um telefone fixo no sertão no norte do Maine tocando na outra extremidade, Dragos olhava através da limusine de vidros escuros enquanto Tavia Fairchild ficava sob as luzes de uma dúzia de câmeras de notícias, calmamente se dirigindo à multidão agitada.

Enquanto assegurava a todos que tudo estava sob controle, Dragos deu sinal verde para uma missão que, em breve, enviaria toda a cidade a um estado de histeria total.

 

Era mais das quatro da manhã quando chegaram ao local que Gideon assinalou a eles no centro-oeste rural da Geórgia. Corinne estava exausta, cansada da longa viagem e pelo confronto emocionalmente carregado que teve com Hunter várias horas atrás.

Mas mais do que qualquer uma dessas coisas, era o pensamento de realmente estar lá, a algumas centenas de metros da antiga cabana de madeira, à beira do rio, onde Nathan poderia estar vivendo, que deixava todas as suas terminações nervosas hiperalertas e estridentes.

Se estava nervosa antes, ansiosa pelo momento que esperava, onde logo estaria olhando para seu filho e prometendo a vida que tanto queria lhe dar, agora o temia de igual forma. A visão de Mira mudou tudo. O papel que Hunter desempenhava na visão a deixava duvidando que tudo daria tão certo como antes.

Tudo, exceto o amor Hunter por ela.

Era a única coisa em que podia se agarrar, talvez ingenuamente, quando ele desligou a ignição do caminhão e ficou sentado no veículo escuro, vendo pela cabine mal iluminada os cinco hectares de floresta que a cercavam.

— Jure que vai voltar, — pediu a ele. Ele a trouxe com ele ao local, mas inflexivelmente traçou uma linha que não permitia acompanhá-lo dentro da própria casa. — Por favor, tenha cuidado.

Ele balançou a cabeça, enquanto amarrava um par de lâminas no coldre que montava sua coxa por cima do seu uniforme preto. A camisa de mangas compridas que lavou e secou em Amelie completavam sua transformação de volta ao guerreiro que a escoltou de Boston para Detroit, não muito tempo atrás.

Mas agora Hunter não estava nada estoico ou ilegível. Seus olhos dourados a acariciavam com ternura ao mesmo tempo em que sua mão forte se estendia para puxá-la perto de seu beijo.

— Eu te amo, — ele disse a ela ferozmente. — Não quero que se preocupe.

Ela assentiu com a cabeça uma vez.

— Eu também te amo.

— Fique no caminhão. Mantenha-se fora da vista até que eu volte. — Ele a beijou novamente, desta vez mais duro. — Eu não demoro.

Não deu qualquer chance para discutir ou pará-lo. Saiu da cabine e desapareceu na escuridão circundante.

Corinne ficou lá, esperando sozinha, de imediato, lamentando que o deixasse convencê-la a ficar para trás. E se encontrasse problemas? E se fosse descoberto antes que pudesse determinar se Nathan estava morando na casa mesmo? Quanto tempo ela devia esperar antes de...

Um crack de tiros rasgou o silêncio da noite.

Corinne se sacudiu. A súbita explosão laranja subiu perto da frente da cabine quando o ruído ricocheteou nas árvores como um trovão.

— Oh, meu Deus. Hunter...

Antes que pudesse se conter, estava saindo do caminhão, correndo em direção à frente da cabana. Não tinha plano uma vez que chegasse lá, exceto procurar alguma garantia de que Hunter estava ileso. Invencível como parecia, tinha seu coração em suas mãos, e não havia nada que pudesse impedi-la de ir atrás dele agora.

Ela sentiu o cheiro da pólvora enquanto se aproximava da varanda da frente da cabana. Um homem morto estava deitado ali, um rifle saindo fumaça de seu cano onde estava em seu peito. Seu rosto estava congelado num ricto de alarme assustado, o pescoço quebrado de forma eficiente para o lado.

Hunter.

Ele passou por aqui.

Estava em algum lugar dentro da cabana.

Corinne rastejou dentro com cuidado. Imediatamente, ouviu os sons de uma luta acontecendo sob seus pés. Uma caverna. Encontrou a porta da escadaria que levava em direção à perturbação abaixo, e no instante em que debatia a idiotice de ir até lá, o painel de madeira pintada pareceu explodir espontaneamente de dentro.

A força a jogou de costas contra a parede atrás dela. Quando abriu os olhos após o choque, se viu olhando para um olhar que combinava com o seu próprio — esverdeada íris azul rodeada por cílios escuros e felinos, em forma de amêndoas. Os olhos a viam do rosto de um menino. Um menino, magro e musculoso com um metro e setenta, o rosto lindo ainda redondo na mandíbula com os últimos traços da infância.

Mas não era um menino, ela percebeu. Estava vestido com calças de moletom com cordão cinza e uma camiseta branca, apesar do frio da noite. Sua cabeça estava raspada careca, sua pele coberta por dermaglifos. Com terrível aparência, um colar preto grosso circulava seu pescoço.

— Nathan, — ela engasgou.

O instante se transformou em um momento enquanto ele inclinava a cabeça para ela, nenhuma expressão no rosto.

Nenhum reconhecimento qualquer.

E a breve hesitação custou, porque agora Hunter estava no quarto com eles também. Ele se moveu mais rapidamente do que Corinne podia seguir, parecendo se materializar fora do ar fino quando veio por trás de Nathan.

Os sentidos do menino eram tão rápidos quanto seus reflexos. Enfrentou Hunter. Então, se movendo com a mesma velocidade impossível como o macho mais velho, Nathan pôs a mão para fora e Corinne viu que tinha removido um ferro longo e fino do conjunto de ferramentas da chaminé perto do fogão barrigudo a uns pés de distância.

Em vez de usar o ferro como arma, o garoto o enfiou no tubo de escape de metal do fogão.

O tinido de resposta reverberou por toda a cabana. Em seguida, começou a subir, se expandir. Ela sentiu seu próprio poder em Nathan, transmitido ao filho através de seu nascimento, quando entortou as ondas de som com sua mente e as enviou mais altas, persuadindo-as como uma raquete ensurdecedora.

Não tinha dúvida que esse menino era dela, e agora uma onda de alívio e alegria derramava sobre ela. Este era seu filho. Este era seu Nathan.

E esse menino — este perigoso jovem macho Raça ia de encontro à sua força psíquica, empurrando com toda a força em Hunter agora, tentando deixar seu adversário de joelhos. A mandíbula de Hunter estava apertada, os tendões se destacando como cabos em seu pescoço e bochechas enquanto o ataque sonoro se intensificava.

— Nathan, pare! — Corinne gritou, mas sua voz se perdeu sob o grito estridente do talento de seu filho. Tentou apagá-lo com sua própria capacidade, mas seu comando de dom era muito poderoso. Ela não podia silenciá-lo.

Em meio à cacofonia que ele criou, ele se lançou em Hunter, o assassinato brilhando escuro nos olhos impiedosos. Balançou o ferro da lareira para ele numa série rápida de golpes, qualquer um dos quais poderia rachar o crânio de Hunter se não se movesse para desviar.

E isso era tudo que estava fazendo, Corinne percebeu. Hunter não emitia golpes próprios, que poderiam derrubar o macho menor num instante. Poderia tê-lo matado a qualquer momento, se fosse sua intenção.

Mas Hunter só se defendia, como um leão alfa experiente, pacientemente rebatendo o filhote briguento que procurava testar sua coragem. Isto era muito mais perigoso que brincar, Corinne sabia melhor para achar que era menos. Hunter também sabia, e ainda, apesar da agressão com que era tratado, não fez nenhum movimento para infligir dano.

Naquele momento, Corinne o amou mais que nunca.

Nathan continuou se aproximando dele, implacável e calculista, exatamente como seu treinamento o condicionou que fosse. Corinne mais uma vez compreendeu sobre o barulho que evocou. Uniu sua mente em torno dele, tentou montar o ruído numa ferramenta cinética própria.

Teve um vislumbre de Nathan desferindo um golpe do ferro longo no ombro de Hunter. Oh, Deus. Ela morreria se qualquer um deles não saísse disso.

Foco.

Ela se forçou a se concentrar no ruído que estava moldando, puxando-o lentamente para longe do controle de Nathan, enquanto seus esforços eram destinados a matar Hunter.

Corinne envolveu o barulho com seu próprio poder.

Ela o juntou e moldou... então soltou sua massa psíquica em seu filho.

Sua cabeça subiu acentuadamente. Ele deu um olhar furioso, sua confusão e surpresa piscando atrás do propósito sombrio em seu olhar. Podia ler a pergunta em seus olhos de adolescente.

Quem é você?

Mas ele não se importava.

Empurrou de volta para ela ainda mais duro, usando toda a força de seu poder. Corinne gritou e agarrou os lados de sua cabeça. Seus tímpanos estavam gritando, parecendo como se fossem retalhados. Ela caiu de joelhos, depois ao chão com a intensidade da dor.

No mesmo momento, ouviu o barulho de Hunter. Viu seu rosto torcer em fúria quando ela caiu. Vislumbrou um lampejo de movimento quando Hunter ergueu seu punho atrás, depois o enviou voando na direção de Nathan.

Não, seu coração chorava. Não!

— Não! — Ela gritou, e percebeu o barulho agonizante abruptamente cessar.

Hunter estava ao seu lado.

— Você se machucou? Corinne, por favor, fale comigo.

— Onde está Nathan? — Ela murmurou. Ela piscou para Hunter, com medo do que podia ver em seu rosto. Mas só havia o calor lá, a preocupação focada inteiramente sobre ela.

— Vai dar tudo certo. — Hunter se moveu de lado para que ela pudesse ver ao redor onde seu filho estava deitado no chão, parecendo adormecido. — Bati nele, mas está inconsciente, isso é tudo. Venha comigo agora. Vou tirá-lo daqui.

 

— Mira, não vá muito longe com os cães. Fique onde Niko e eu possamos ver você.

— Certo, Rennie! — Mira respondeu de volta através da escuridão dos jardins no pátio atrás da mansão da Ordem. Suas botas esmagavam a neve enquanto caminhava, então olhou para Kellan Archer e revirou os olhos. — Eles acham que eu ainda sou uma criança.

Seu casaco com capuz cor de azeitona assoviou quando ele encolheu os ombros.

— Você é uma criança.

Ela parou de andar e colocou as mãos enluvadas na cintura, franzindo a testa para ele.

— No caso de não saber, Kellan Archer, tenho oito anos e meio de idade.

Sua boca se levantou no canto, como se tivesse dito alguma coisa engraçada. Era a coisa mais próxima que viu de um sorriso dele, por isso mesmo não entendeu a piada, assim ficou ao lado dele enquanto continuava andando. Seguiram a trilha que os cães deixaram no jardim de neve quando fugiram após Kellan brincar com eles. Mira correu para acompanhá-lo, se sentindo um pouco como o pequeno terrier, Harvard, atrás do cão lobo maior, Luna. Era difícil para as pernas curtas de Mira acompanhar os passos largos de Kellan, mas dava dois passos para cada um dos dele, se recusando a ficar atrás.

— Quantos anos tem, afinal? — Ela perguntou a ele, sua respiração ofegante em pequenas nuvens.

Ele deu outro sacudir de seus ombros.

— Quatorze.

— Oh. — Mira contou a diferença em sua cabeça. — É muito velho, então, hein?

— Tenho idade suficiente — disse ele, e de onde ela caminhava ao lado dele, seu rosto parecia muito sério. — Hoje pedi a Lucan se podia ingressar na Ordem. Ele me disse que eu tinha que esperar até ter pelo menos vinte antes de pensar em perguntar novamente.

Mira olhou boquiaberta para ele.

— Quer ser um guerreiro?

Sua boca tomou um ar duro, seus olhos estreitando em algum ponto invisível na distância.

— Quero vingar minha família. Preciso recuperar minha honra que Dragos roubou de mim. — Ele soltou uma risada aguda que não soava como riso, contudo. — Lucan e meu avô dizem que essas não são as razões certas para participar de uma guerra. Se não são, então eu não sei o que é.

Mira estudou o rosto de Kellan, seu coração ferido pela tristeza que viu nele. Nos poucos dias que passou com ele desde que chegou ao complexo, Kellan não falou muito sobre sua família ou seus sentimentos sobre a falta deles. Ela o viu chorar algumas vezes sozinho em seus aposentos, mas ele não sabia disso.

Ele também não sabia que o tomou como seu amigo ele gostasse ou não. Toda noite ela fazia uma pequena oração para ele, um ritual que começou no momento em que ouviu pela primeira vez que o menino foi sequestrado de seu Darkhaven. Ela continuou orando por ele, mesmo depois do seu resgate, pois parecia que ele precisava de ajuda extra para melhorar. Agora se tornou um hábito para ela, que achava que iria parar uma vez que fosse capaz de olhar para Kellan e não ver tanto sofrimento privado em seus olhos.

— Ei, — disse ela, caminhando ao lado dele mais profundamente nos jardins quando continuaram atrás dos cães. — Talvez eu peça a Lucan para ingressar na Ordem um dia também.

Kellan riu — na verdade, virou um olhar surpreendido para ela e riu alto. Tinha uma risada agradável, ela percebeu, a primeiro que já ouviu dele. Tinha covinhas também, uma em cada bochecha magra. Apareceram quando ele riu e balançou a cabeça para ela.

— Não pode ingressar na Ordem.

— Por que não? — Ela perguntou, mais que um pouco incomodada.

— Em primeiro lugar porque é uma menina.

— Renata é uma menina, — ela ressaltou.

— Renata é... diferente, — ele respondeu. — Vi o que ela pode fazer com essas lâminas dela. Ela é rápida, e tem objetivo assassino. É perversa e dura.

— Eu sou muito dura, — disse Mira, desejando que sua voz não soasse tão ferida. — Veja, vou te mostrar.

Ela saiu de seu caminho para buscar algo para jogar. À procura de um bom pau ou uma pedra — qualquer coisa que pudesse usar para impressionar Kellan com suas habilidades — Mira entrou através de canteiros cobertos, em torno dos arbustos envolvidos em estopa, e para o labirinto de estátuas e sempre-vivas que se espalhavam por todo o longo quintal da propriedade.

— Só um segundo, — ela o chamou de dentro da cobertura dos jardins. — Vou direto... voltar...

No início, ela não tinha certeza do que estava vendo. À sua frente no chão iluminado pela lua, sombreado por pinheiros e arbustos ao redor, estava uma forma grande e escura. Luna e Harvard estavam perto dele, alternadamente correndo e parando para cheirar a forma imóvel. O pequeno terrier choramingou quando Mira se aproximou.

— Venham aqui, caras, — ela ordenou aos cães, esperando que ambos de afastassem. Seu coração estava batendo em seu peito, martelando uma centena de quilômetros por hora. Algo estava errado, muito errado. Ela olhou para baixo quando os cães circularam nervosamente aos seus pés. Suas patas deixaram manchas escuras na neve em torno de suas botas.

Sangue.

Mira gritou.

 

Hunter trouxe o jovem assassino até a traseira do caminhão baú e colocou seu corpo imóvel no chão. Corinne estava ao lado dele, segurando a mão de seu filho, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Suas mãos são tão fortes, — ela murmurou. — Meu Deus... Não posso acreditar que são realmente dele.

Hunter não disse nada para estragar seu momento, mas sabia muito bem que o menino estava longe de estar seguro ainda. Foi um risco apenas tirá-lo da casa. O colar de radiação ultravioleta em volta do pescoço estaria programado para permitir apenas uma distância certa da cela do assassino sem a permissão de Dragos. Com o Subordinado morto na varanda da frente, o risco de detonar o colar estava duplicado.

Como se o próprio menino percebesse a fragilidade de sua situação, começou a despertar para a consciência. Começou a lutar para levantar suas pálpebras. Corinne puxou uma respiração, sua tensão e preocupação picando o pulso de Hunter, através de sua ligação.

Hunter segurou o rapaz pelo colarinho, seus dedos em volta do polímero preto grosso. Ele deu um aviso de movimento de sua cabeça.

— Deve ficar parado. Não há lugar para você ir.

— Nathan, não se assuste, — Corinne o acalmou, sua voz doce e quente. — Nós não estamos aqui para machucá-lo.

O olhar do menino acendeu entre os dois. Hunter suspeitava que era por saber o propósito do colarinho, que impedia o assassino adolescente de tentar escapar, mais que a compaixão oferecida por Corinne. As narinas de Nathan queimavam enquanto ofegava sob o aperto de Hunter, seu rosto desconfiado como o de um animal selvagem preso.

— Temos que tirar o colar se o rapaz quer alguma chance de deixar este lugar, — disse a Corinne. — Dragos pode já estar ciente de que seu treinador está morto. Poderia ter sensores e dispositivos de comunicação plantados em todo o terreno.

— Como podemos remover o colar — perguntou ela, encontrando seu olhar com outro aflito. — Sei o que acontece se for adulterado. Não podemos arriscar que...

Quando ela não parecia capaz de terminar o pensamento, Hunter disse suavemente:

— Temos que tentar algo. Se não, poderia ser apenas uma questão de segundos antes de detonar o colar na minha mão.

Ela desviou o olhar de Hunter, em seguida, olhou atrás abaixo para seu filho. Ele estava escutando cada palavra que diziam, em silêncio, mas absorvendo tudo ao redor. Calculando seus meios e probabilidades de fuga, da mesma forma como Hunter estaria fazendo se fosse o único preso por um par de estranhos.

— Estamos aqui porque queremos ajudá-lo, — Corinne disse a ele. Seu sorriso era triste, esperançoso. — Não pode se lembrar de mim, mas você é meu filho. O chamei de Nathan. Que significa "dom de Deus”. Isso é o que você foi para mim, a partir do momento que coloquei os olhos em você.

Ele olhou para ela por um longo momento, piscando rapidamente, estudando seu rosto. Em seguida, sua luta começou, novamente, uma torção cuidadosa e um pulo, testando o aperto de Hunter sobre o colar.

— Uma vez usei um desses também, — disse Hunter, capturando o olhar selvagem e o mantendo firme. — Sou um Hunter, como você. Mas encontrei minha liberdade. Pode ter a sua também. Mas tem que confiar em nós.

O menino foi à loucura agora, e Hunter teve que se perguntar se foi a menção do que disse que o aterrorizou tanto, ou falar de liberdade, um conceito tanto estranho como perigoso para sua espécie, ainda mais que a ameaça do colar.

Na luta de Nathan, o anel preto e grosso de polímero de alta tecnologia bateu com força contra o chão do caminhão. Quando aconteceu, um pequeno LED vermelho piscou adiante.

— O que significa a luz? — Perguntou Corinne, o pânico enchendo sua voz. — Oh, Deus, Hunter... não podemos fazer isso com ele. Tem que deixá-lo ir... antes que se machuque. Por favor, estou implorando, deixe-o ir, Hunter.

Um súbito clarão da visão de Mira atingiu sua mente com as aterrorizadas palavras de Corinne. As empurrou e focou na tarefa na mão.

— Se o deixar ir, estará morto com certeza. O detonador está ativo agora. Não pode fugir sem tirá-lo fora.

E agora que o LED estava piscando, o tempo era ainda menor. Ele olhou ao seu redor, em busca de uma ferramenta para usar na remoção do colar, mesmo entendendo muito bem que interferir com o dispositivo só aceleraria sua explosão.

Então se lembrou dos recipientes criogênicos.

Nitrogênio líquido.

— Levante-se, — disse a Nathan. — Faça isso com cuidado.

Corinne olhou boquiaberta para ele.

— O que está fazendo? Hunter, me diga o que está pensando.

Não havia tempo para explicar. Levou o menino até os tanques, sua mão ainda envolta em torno do anel letal no pescoço.

— Hunter, por favor, não o machuque, — Corinne pediu, mais uma confirmação que a premonição de Mira não podia ser contrariada. — Você não consegue entender? Eu o amo! Ele é tudo para mim...

Hunter segurou firme sua convicção de que estava fazendo a coisa certa, a única coisa viável para possivelmente salvar seu filho. Com a mão livre, alcançou a mangueira que ligava o recipiente crio ao tanque de nitrogênio líquido que a alimentava. Ele o arrancou. Fumaça branca vomitava da mangueira cortada.

— De joelhos, — disse ao menino, guiando-o firmemente para o chão. — Tire a camisa. Quero que a coloque sobre sua cabeça como um capuz, entre a pele e o colar.

— Hunter, — Corinne clamou, chorando, agora. — Por favor, deixe-o ir. Faça por mim...

Seu medo enfiava as garras nele, mas não podia parar agora.

— Este é o único caminho. É sua única chance, Corinne.

Nathan obedeceu, em silêncio, incerto. Quando o topo do tanque estava no lugar, Hunter disse:

— Deite-se em seu estômago.

Lentamente, o menino ficou em posição no chão. Hunter enrolou a ponta da camisa de algodão em torno de sua mão, então segurou firme o colar, a mangueira de nitro líquido na outra. Ele exalou uma maldição baixa, então trouxe a mangueira em direção à parte traseira da cabeça de Nathan e segurou a espuma de produto químico congelante diretamente no colar.

Nuvens de vapor branco espumaram no ar. Mesmo através das camadas de tecido protegendo sua mão, sua pele queimava pelo frio intenso explodindo do invólucro impenetrável e circuitos da invenção cruel de Dragos.

Abaixo dele, o filho de Corinne estava absolutamente imóvel. Ofegou rapidamente, em silêncio, apenas uma criança aterrorizada que estava dando tudo o que tinha para se manter inteiro no que poderiam muito bem ser os segundos finais de sua vida.

Rapidamente, o nitrogênio líquido começou a fluir fino e pulverizar da mangueira. Hunter gostaria de congelar o amaldiçoado colar por muito mais tempo, mas o tanque estava se esgotando. Teria que dar seu golpe agora e esperar o melhor.

— O que está acontecendo? — Corinne perguntou. — Está funcionando?

— Vamos ter que descobrir. — Ele jogou a mangueira e pegou um dos punhais embainhados em sua coxa. Ele o tirou e virou o cabo em torno de sua mão, pronto para bater o fundo sobre o colar congelado.

As mãos de Corinne pegaram seu braço.

— Espere. — Ela balançou a cabeça, seu rosto golpeado com medo. — Não faça isso. Por favor, vai matá-lo.

Podia acabar matando o garoto e a si mesmo, se sua aposta falhasse e o dispositivo saísse naquele momento seguinte. Com Corinne chorando, implorando inutilmente para ele parar, a visão o atormentando — como Mira previu — Hunter puxou o braço de seu alcance.

Então, desceu seu punho abaixo no colar.

Ele quebrou.

As peças se separaram, desmoronando em torno da cabeça de Nathan coberta pela camisa quando o dispositivo se desintegrou. Hunter levantou e se afastou do menino. Corinne lançou os braços ao redor dele.

— Oh, meu Deus, — ela respirou, se agarrando a Hunter, chorando e rindo ao mesmo tempo. — Oh, meu Deus ... Não posso acreditar. Hunter, realmente funcionou!

Nathan ficou imóvel por um momento, ainda deitado de bruços no chão. Então estendeu a mão e puxou a camiseta de alças de sua cabeça. Ele parou, voltando-se para enfrentá-los. Seus dedos tremiam um pouco quando subiram para rastrear a pele nua do pescoço.

Nada além de um anel tingido de branco, onde os produtos químicos o queimaram. A pele se curaria em pouco tempo. O milagre era que estava livre.

— O-o que fez para mim? — Perguntou ele, as primeiras palavras que pronunciou para eles. Sua voz era profunda, mas o raspar áspero da adolescência desaparecia.

— Você está livre, — Hunter disse a ele. — Ninguém pode controlá-lo mais. Graças ao amor de sua mãe, sua determinação em encontrar você, está finalmente livre para viver como escolher.

Corinne se afastou do lado de Hunter e estendeu as mãos para o filho, dando-lhe boas-vindas.

— Quero levar você para casa comigo, Nathan. Podemos ser uma família agora.

Ele deu uma olhada enquanto ela se aproximava dele. Vigiando, desconfiando, franziu a testa e deu um aceno fraco de sua cabeça raspada.

Antes que Hunter pudesse registrar a mudança no menino, a prudência pelos cantos, Nathan estava se movendo. Num flash de movimento Raça, pegou um dos cacos de seu colar e o segurou firmemente contra a garganta de Corinne. Ela engasgou, totalmente despreparada para o assalto.

Hunter rosnou, com os olhos treinados sobre a lâmina improvisada que estava colocado sobre a carótida de sua Companheira. Fosse este rapaz sua carne e sangue ou não, acabava de se declarar inimigo.

Hunter não hesitaria em matá-lo se a ameaça crescesse uma única fração.

Mesmo enquanto Nathan a segurava com ele em direção às portas abertas do caminhão, os olhos de Corinne pediam a Hunter por misericórdia.

— Nathan, — ela disse, tentando mais uma vez alcançar a humanidade de seu filho. — Não tem que ter medo. Vamos ser amigos agora. Vamos ser sua família. Apenas me dê uma chance de ser a mãe que eu deveria ter sido para você.

Aproximou-se das portas, sem dizer nada. O maldito material afiado ainda estava perto de sua veia.

— Nathan, — disse Corinne. — Por favor, apenas me deixe te amar.

Ele a empurrou para frente, uma rejeição violenta a tudo o que ela disse e tudo o que fez para ele.

Então disparou para fora do caminhão, fugindo para a floresta quando a primeira luz da aurora já começava a brilhar no horizonte.

 

Chase realmente não esperava acordar. Sua última lembrança consciente era estar correndo às cegas pela cidade, perdendo muito sangue da ferida de bala na artéria da perna direita e da menor que atingiu o ombro. Teve lesões piores em combate antes, mas isso era antes. Isto era agora, quando seu corpo tremia de fraqueza, sua genética Raça quase indestrutível coxeando pela doença que o fez despertar com um gemido de dor.

Ele tentou sentar, mas não foi muito longe. Restrições de metal prendiam seus pulsos e tornozelos a uma cama de enfermaria. Outra banda larga de aço e couro o amarrava pelo meio do corpo. Amaldiçoou entre os dentes cerrados e deu às algemas uma boa chocalhada dura.

Quando sua visão lentamente entrou em melhor foco, viu uma cabeça escura olhando do corredor para ele através da pequena janela na porta.

Levou um minuto antes que Dante finalmente entrasse. Quando a porta fechou atrás dele, olhou de Chase para toda a sala e balançou a cabeça.

— Você é um idiota, sabia, Harvard?

Chase zombou.

— Obrigado pela preocupação. Espero que não tenha vindo aqui só para me dizer isso.

— Não, eu não, — respondeu Dante, que não mordeu sua isca. — Estive ao lado, sentado com Tess enquanto ela se recupera.

— Tess está na enfermaria? — Recordando a Companheira delicada nas últimas semanas de gravidez, Chase imediatamente se sentiu como um idiota de primeira classe. — Ah, Cristo, cara. Não sabia.

— Como poderia saber? Não estava aqui.

Chase exalou um suspiro curto e acenou com a cabeça em reconhecimento. Não podia dizer que não merecia esta recepção fria. Afinal, fez apenas tudo que podia ultimamente para ter certeza que seria “persona non grata” na Ordem. Especialmente em relação a Dante.

— Então, como ela está? Tudo bem com ela?

— Sim. Tess está muito bem. — Dante deu uma inclinada leve de cabeça. — Assim como o bebê. Ele está descansando ao lado com ela.

Tess já deu à luz? O flash da notícia golpeou Chase como um cano duplo. Não podia conter sua surpresa, ou o pesar que o atingiu ao perceber que estava ausente ao evento que Dante e Tess estiveram ansiosos por muitos longos meses. Inferno, ele esteve bem danado de ansioso sobre a coisa toda. Ele mesmo se perguntou em mais de uma ocasião se Dante estava pensando em pedir-lhe para ser padrinho de seu filho, uma honra que Chase não era digno, mas que aceitaria com orgulho humilde ao mesmo tempo.

Um milhão de anos atrás.

E agora um milhão de milhas fora de seu alcance.

Isso foi tudo que sentiu, olhando para a expressão grave do outro guerreiro, decepcionada quando se aproximou da cama onde Chase estava acorrentado.

— Bem, parabéns, Dante. Para você e Tess, — disse ele. — Quando o bebê veio?

— Ontem pela manhã, poucos minutos antes do meio dia.

Chase adivinhou.

— Então, isso é dez de dezembro?

— Dezessete — Dante respondeu, seu olhar ainda mais sombrio que antes. — Porra, Harvard. Quanto de ruim é isso para você agora? Quero dizer a sério. Nada de besteira.

— Mau, — Chase admitiu. Sua garganta estava seca, a voz pouco melhor que um rosnado áspero. — Mas posso lidar com isso. Eu lidaria com isso muito melhor se não estivesse amarrado a esta cama maldita como um criminoso. — Ele levantou as mãos presas na medida em que as algemas de aço permitiam. Que não era muito.

— Não vai acontecer, — disse Dante sobriamente.

Chase grunhiu.

— Ordens do Doutor?

— Ordens de Lucan. Demorou para convencê-lo a deixar Niko e Renata o trazerem para dentro depois que Mira o encontrou. Não ajuda que seu rosto esteja estampado em todos os noticiários como uma espécie de maldito terrorista doméstico. — Dante exalou uma maldição. — O que fez, posou para fotos antes que perdesse a cabeça e começasse a atirar na Festa de Natal do senador na noite passada?

— Do que está falando?

— Eles já identificaram você, cara. Havia uma testemunha ocular que deu sua descrição para os policiais e o Serviço Secreto. Quem te viu guardou seu rosto até a último poro e bigode. Estão mostrando seu desenho em cada rede e canal a cabo desde então.

— Porra, — Chase murmurou, se lembrando do intenso olhar de laser da atrativa assistente do senador quando o olhou na galeria do salão de baile. — Não pude evitar, Dante. E não importa o que eu fiz. Dragos estava lá. Estava tentando se aproximar do senador e do vice-presidente. Alvejava ambos.

Dante ficou em silêncio, o estudando como se não tivesse certeza de podia acreditar em Chase.

— Viu Dragos na festa do senador? Tem certeza disso?

— Malditamente certo, tenho certeza. Vi o senador apresentá-lo ao vice-presidente no meio de um salão de baile cheio de humanos. Quando os vi saindo para uma reunião privada, vi minha chance e a peguei.

Dante raspou a mão pelo cabelo escuro.

— Viu Dragos, e não chamou por nós? A Ordem deveria ser a única a lidar com a situação. Que diabos estava pensando?

— Uma coisa que não pensei foi em parar para fazer uma chamada telefônica, — Chase argumentou. — Não sabia que Dragos estaria lá. Não sabia que estaria a poucos metros dele, perto o suficiente para colocar uma bala no filho da puta e derrubá-lo. Tudo o que eu tinha era um palpite, e o segui.

— Jesus, Harvard. Esta não é uma boa notícia.

— Está me ouvindo? — Chase gritou, raivoso, adicionando combustível à chama de sua fome por sangue já apertada. — Estou dizendo que atirei em Dragos na noite passada. Vi uma bala o atingindo em cheio e o derrubando. Pelo amor de Deus, talvez devesse estar me agradecendo, em vez de me crucificar por não seguir o protocolo. Estou dizendo que há uma chance muito boa de ter matado o filho da puta.

— Dragos não está morto, — Dante respondeu sobriamente. — Ninguém foi morto na noite passada. Houve relatos de algumas lesões, mas nenhuma delas considerada com risco de vida. Se Dragos estava lá, e atirou nele, como diz que fez, então foi capaz de se levantar e ir embora.

Chase ouviu, as têmporas batendo com fúria crescente.

— Preciso sair daqui. Eu o encontrei uma vez, posso encontrá-lo novamente. Posso consertar isso.

— Não, Harvard, não pode. E não vai a lugar algum. Há muito em jogo para nós agora. Lucan quer sua bunda plantada onde está até que diga o contrário.

Chase não podia conter seu grunhido. Estava chateado que Dragos escapasse e chateado que Lucan, Dante, ou qualquer outra pessoa pensasse que poderia segurá-lo contra sua vontade. Estava recebendo a mensagem alta e clara de que não fazia mais parte da Ordem, e que se danasse se isso significava que poderiam impedi-lo de ir atrás de Dragos por conta própria. Queria Dragos derrubado tanto quanto qualquer um dos guerreiros.

E tinha outra razão igualmente premente para querer ser solto de seu cativeiro no complexo.

— Eu preciso me alimentar, — ele murmurou baixo sob seu fôlego. — O tiro na minha coxa não vai curar muito rápido se eu não arrumar algumas células vermelhas frescas para meu corpo. Preciso estar livre para caçar, Dante.

O olhar do guerreiro perfurou o dele como um holofote de sondagem, não deixando sombras para a decepção de Chase se esconder.

— Você mesmo disse, sua perna está em má forma. Não está em condições de caçar, mesmo que Lucan não sentisse que seria um erro soltá-lo agora.

A sede que o esteve agarrando começou a remexer suas garras ainda mais fundo, o retalhando de dentro para fora. Estava suando, um brilho gelado que o fazia tremer enquanto seu estômago se retorcia num apertado nó.

— Pode se arriscar a me deixar aqui? — Ele disse, sua voz áspera como cascalho, quase sobrenatural. — Posso acabar caçando dentro do complexo, já que há uma humana aqui agora.

O rosto de Dante branqueou um pouco enquanto seus olhos soltavam faíscas de âmbar brilhante.

— Porque está machucado, vou fingir que não disse isso. E vou te fazer o favor de não dizer a Brock também, porque juro a você, aquele macho o mataria com as próprias mãos se sequer soprasse sobre Jenna, humana ou não. Inferno, continue empurrando e eu poderia salvá-lo do esforço.

A bobina de agonia em seu intestino fez Chase zombar de Dante, em resposta.

— Se eu quisesse romper estas restrições, poderia. Sabe disso.

— Sim, sei. — Dante se moveu mais perto, tão rapidamente que os sentidos lentos de Chase não puderam encontrá-lo. Ficou assustado ao sentir o beijo frio do metal afiado pressionado duramente contra sua garganta. As lâminas curvas gêmeas de Dante estavam em sua carne, uma de cada lado do pescoço, quase abrindo sua pele. — Poderia tentar romper as restrições, Harvard, mas agora tem duas boas razões para não fazer isso.

Chase se irritou com a ameaça, que sabia por experiência que devia ter mais respeito.

— Isso é um pouco de amor duro, especialmente vindo de um amigo.

— Meu amigo se foi. Há mais tempo do que quero admitir, — Dante disse, sua voz firme e controlada. Letal, faltando a habitual bravata do guerreiro. — Agora, estou falando com o viciado em sangue olhando para mim com dentes arreganhados e olhos encharcados de âmbar. Ele será o único que vai comer essas lâminas de titânio se achar que eu estou errado sobre ele andando na direção à fina linha da Sede de Sangue.

Ele não afastou as adagas curvas desagradáveis, nem mesmo quando Chase recuou lentamente, deixando sua espinha voltar ao colchão da cama da enfermaria. As bordas afiadas o seguiram, perigosamente perto, testando os nervos de Chase.

Não se atreveu a agravar a situação.

Embora ainda não fosse Renegado, Dante estava certo. Chase podia sentir a Sede de Sangue beliscando seus calcanhares. E não podia ter certeza que o titânio não agiria como um veneno em seu sangue. Olhou furioso para Dante, mas não fez nenhum movimento para tentá-lo.

— Esse é o primeiro movimento inteligente que faz em um longo tempo, Harvard.

Chase não disse nada, esperando para respirar quando as lâminas afiadas se afastassem de sua garganta e o guerreiro que recentemente foi seu companheiro mais próximo o deixou sozinho mais uma vez na sala.

 

As longas horas de luz do dia se arrastaram com lentidão excruciante. Corinne sentia a passagem de cada minuto como se cortasse um pequeno pedaço de seu coração junto com ele.

Nathan foi embora.

Após anos de espera por uma chance de vê-lo novamente, após orações sem fim por um milagre que pudesse de alguma forma, conceder-lhe a capacidade de escapar de sua prisão para se juntar com seu filho e ser a família que sonhou que poderiam ser... ele se foi.

Escorregou por entre os dedos, e não devido a qualquer fim profetizado, mas por sua própria escolha.

O fato que estava vivo e desapareceu apenas ligeiramente ferido era melhor que a ideia de que ela pudesse tê-lo perdido para a visão que Hunter descreveu. Nathan foi embora, e na esteira desse fato, Corinne estava desprovida.

Ela se sentou com Hunter na traseira do caminhão baú, ambos à espera do pôr do sol e outra chance para Hunter procurar Nathan. Ele foi atrás dele minutos após Nathan fugir, mas a procura de Hunter na área terminou ao amanhecer, infrutífera o trazendo de volta ao caminhão de mãos vazias.

Nesse tempo, se moveram vários quilômetros da pequena cabana de madeira que servia como cela de Nathan. Hunter sentiu que o risco de ser descoberto por agentes Dragos era grande demais para permanecer ali por mais tempo do que estiveram. Corinne relutantemente concordou.

Agora, tudo que podia fazer era imaginar para onde seu filho fugiu e orar que seu condicionamento como um dos soldados inquestionáveis de Dragos o trouxesse de volta para Corinne. Isso se o sol que queimava fora do caminhão não o levasse primeiro.

— Se fosse ele, — ela disse a Hunter, — onde iria?

Hunter esticou o braço e pegou a mão dela num aperto suave, a ponta de seu polegar rastreando sobre sua marca de Companheira de Raça.

— Ele é um sobrevivente, Corinne. Isso é o que sua formação o ensinou a ser. É muito inteligente, e está, tenho certeza, extremamente familiarizado com seu entorno. Encontrei uma série de cavernas na área quando procurei por ele. Mesmo agora poderia estar escondido em qualquer uma delas. — Ele a considerou por um momento, depois acrescentou: — Sem o colar para restringir seus movimentos na área imediatamente ao redor da cabana, há também a chance de que pudesse estar em qualquer lugar.

Ela assentiu com a cabeça, e considerou que Hunter não sentia a necessidade de amaciar a verdade. Não haveria mais segredos entre eles, não importa o quão pequenos. Era algo que se prometeram enquanto viajavam para a cabana isolada nas florestas da Geórgia na noite passada, após Hunter contar a visão de Mira e quase os separar.

Corinne exalou um suspiro trêmulo.

— Pelo menos conseguimos mudar o resultado da visão. Se nada mais, pelo menos agora sabemos que nem tudo que Mira vê se torna realidade.

Hunter balançou a cabeça.

— Não houve alteração do que vi nos olhos de Mira. A visão que ela me mostrou foi exatamente o que aconteceu. Foi minha interpretação que estava errada.

— O que quer dizer?

— Tudo o que você disse nos últimos momentos foi parte dela, Corinne. Me pediu para poupá-lo. Pediu para eu deixá-lo ir. Todas as suas palavras, assim como as disse, foram parte da premonição de Mira. — Ele trouxe seus dedos até sua boca e pressionou um beijo neles. — Quando levantei minha mão e a preparei para bater em cima dele, você fisicamente tentou me parar. E deixei minha mão cair de qualquer maneira. Eu tinha — era o único caminho.

— Não entendo, — ela murmurou. — Não matou Nathan. A visão estava errada.

— Não, — disse ele. — O golpe que eu dei devia tê-lo matado — o mataria, se seu colar não estivesse desativado. Isso era a coisa que eu não sabia, a coisa que a visão não revelou para mim. Não percebi até o momento em que estava para acontecer, que o golpe contra seu filho era destinado a salvar sua vida, não tirá-la.

— Graças a Deus, — Corinne sussurrou, se enroscando no abrigo do seu abraço. — Mas Nathan se foi de qualquer maneira. Eu o perdi, da mesma forma.

— Vamos encontrá-lo, — Hunter disse, sua voz profunda e retumbante ao redor, baixa e suave, tão forte quanto seus braços protetores. — Eu te dou meu voto sobre este assunto, Corinne. Não importa quanto tempo leve, ou quanto eu veja passar. Vou fazer isso... Farei isso para você. Tudo para você.

Ela virou a cabeça para olhar para ele, mexida por sua promessa.

— Eu te amo, — ele disse a ela. — Minha vida agora, e para o resto da minha vida, está comprometida com sua felicidade.

— Oh, Hunter, — ela suspirou, a emoção prendendo em sua garganta. — Eu te amo tanto. Já me mostrou a felicidade que não achava possível por um tempo muito longo.

Curvou-se e deixou cair um beijo em sua testa.

— E nunca conheci nenhuma das coisas que me faz sentir em nosso breve tempo juntos. Me faz querer experimentar tudo na vida. Quero experimentar tudo com você ao meu lado... como minha companheira, se me considerar digno.

— Eu não quero viver um dia sem você, — ela confessou. — Você é uma parte de mim agora.

— Eu quero, — ele disse, pegando seus lábios num sensual e apaixonado ajuntamento de suas bocas. Quando se afastou um instante depois, seus olhos estavam brilhando como brasas. Suas presas brilhavam, as pontas afiadas se estendendo ainda mais quando olhou para ela. — Não posso evitar, mas te desejo. Quero provar você novamente. Este sentimento que tenho por você é mais que intenso, — disse ele asperamente. — É uma coisa possessiva, gulosa. Olho para você, Corinne Bishop, e tudo que posso pensar é que seja minha.

— Eu sou sua, — ela confirmou, acariciando o queixo orgulhoso e a musculosa bochecha do macho que queria ao seu lado eternamente. — Eu sou só sua, Hunter. Sua para sempre.

Com um rosnado, ele a puxou para ele, aprofundando mais o beijo.

— Quero que pertença a mim, — ele murmurou contra sua boca. — Quero saber que meu sangue permanece dentro de você, como uma parte de você.

— Sim, — ela engasgou, emocionada com a ideia de se ligar a ele agora e para sempre.

Seus olhos fecharam, ele levou o punho à boca e afundou suas presas na carne. Ele ofereceu a ela, o presente mais precioso que poderia dar a ela. Corinne colocou seus lábios na sua veia aberta e puxou a primeira experiência dele em sua boca.

Seu sangue atingiu a língua como um incêndio.

Grosso e forte, rugindo com poder, era a própria essência de tudo que Hunter era. E agora essa vitalidade a alimentava, enriquecendo suas células, preenchendo seus sentidos... tecendo em cada fibra do seu ser. Sentiu o vínculo tomar posse, uma conexão, radiante e gloriosa. Se agarrou a ela e a deixou se envolver em torno dela, deleitando-se com a saturação total de alegria que tomou conta dela enquanto continuava a beber de Hunter.

Seu sangue obliterou o horror de tudo que ela passou. A tortura foi varrida, a degradação levantada, tudo dispersando como poeira sob o poder do vínculo que estava crescendo agora, se intensificando entre eles.

Quando soltou a veia de Hunter, viu seu magnífico companheiro com fogo nos olhos de paixão e posse... com um amor tão intenso que roubou seu fôlego. Estava ardendo por ele agora, sua própria necessidade amplificada pelo poder inebriante de seu sangue.

Ela mal podia suportar a espera quando ele cuidadosamente puxou seu pulso e selou as feridas com a língua. Ela tremia enquanto se despia, suas próprias roupas indo no instante seguinte.

Ele a cobriu com seu corpo e fez amor com ela, docemente, profundamente... um êxtase que queimava tão brilhante quanto seu amor.

E enquanto este momento de compromisso e conclusão a enchia além de qualquer medida, ainda havia um canto de seu coração que sabia que doeria, desde que seu filho desapareceu. Mas a promessa de Hunter para se posicionar por ela até que o encontrasse lhe dava fé. Talvez não estivesse perdido para ela para sempre. Ainda não.

Com o amor de Hunter, e o vínculo de sangue que fluía através dela, mais forte que qualquer tempestade, tudo parecia possível.

 

A forte chuva que a arrastou para a área das sombras finalmente se dissolvia.

Hunter deu de ombros em seu casaco de couro, se preparando para sair à procura de Nathan uma última vez antes de voltar para a Nova Inglaterra. Baseado em sua rápida checagem com a Ordem há pouco tempo, as coisas estavam indo de mal a pior no complexo. Tanto quanto odiava ir embora sem o filho de Corinne, Hunter também não podia ignorar seu dever com seus companheiros guerreiros.

Mais que isso, precisava garantir que Corinne estivesse em algum lugar seguro e protegida enquanto fazia todos os seus deveres, não a deixando esperando por ele na parte traseira de um caminhão de entrega sem segurança.

— Vou ficar bem, — disse a ele, lendo sua preocupação com uma facilidade que o devia ter perturbado.

Não perturbou, no entanto. Era reconfortante o quão bem que ela veio a conhecê-lo.

Incrível como sua ligação era visceral agora, solidificada pelo seu sangue se misturando.

Ele acariciou seu rosto bonito, corajoso.

— Vou ficar fora apenas por um par de horas. Posso cobrir toda a área perto do rio e do parque estadual em torno dele nesse tempo.

— Obrigada, — disse ela, virando um beijo na palma da sua mão. — Tudo o que acontecer, se o encontrar lá fora hoje à noite ou não, só sei que eu sou grata por estar disposto a tentar.

— Nathan é sua família. Isso significa que é minha família também.

Ela deu um aceno cambaleante quando ele juntou suas coisas. Hunter a olhou nos olhos confiante, sabendo que tinha um desejo profundo de construir uma família maior com ela para lhe dar mais filhos para amar, uma vez que Nathan estivesse a salvo.

Juntos, caminharam até a porta do caminhão. Hunter a abriu para o chiado da chuva constante caindo.

Nathan estava lá fora neste dilúvio.

Ele estava encharcado, descalço e vestido com apenas uma calça de moletom cinza que estava usando quando fugiu naquele dia. Água jorrava pela cabeça raspada e pelo peito musculoso coberto de dermaglifos. Suas mãos pendiam soltas ao seu lado, os dedos pingando água na lama sob seus pés.

Corinne estava muito quieta ao lado de Hunter, como se não confiasse em seus próprios olhos e com medo do menino ser apenas uma ilusão que poderia se partir se tentasse respirar.

Nathan olhou para eles.

— Eu não tenho para onde ir.

— Sim, tem — Hunter respondeu.

Ele estendeu a mão.

Levou um longo momento antes do menino fazer qualquer movimento que fosse. Então, com um aceno de cabeça fraco, ele estendeu a mão e apertou a mão de Hunter, entrando no caminhão.

Ao lado dele agora, Hunter ouviu os pulmões de Corinne expulsando um suspiro suave, trêmulo. O pulso estava batendo, batendo tão duro como um tambor, seu sangue correndo de tal modo que podia sentir sua excitação e sua esperança em suas próprias veias. Mas ela se conteve, fazendo tudo em seu poder para resistir a jogar seus braços em torno da criança em alívio e alegria.

Ficou imóvel, esperando, vendo seu filho amado lentamente fazer seu caminho até ela primeiro.

— É verdade tudo que disse? — Perguntou a ela.

Ela assentiu com a cabeça, as lágrimas transbordando de seus olhos.

— Tudo.

Hunter tirou o casaco e o colocou sobre os ombros encharcados do menino. Nathan olhou para ele, ainda não inteiramente seguro deles.

— Se eu for com você, para onde vai me levar?

— Para casa, — Hunter respondeu.

Ele olhou para Corinne, em seguida, compreendeu num momento realmente o poder que a palavra tinha.

Casa.

Parecia a mesma força impressionante como uma arma forjada de aço, inquebrável como um diamante, tão firme quanto uma montanha.

Casa.

Era algo que nem ele, nem esse adolescente assassino letal conheciam. Algo que ambos encontraram na bela mulher que de alguma forma, milagrosamente, abriu seu coração suave, robusto para ambos.

Hunter pôs o braço sobre os ombros delgados, olhando para ela com todo o amor que transbordava em seu próprio coração. Ele se inclinou perto dela e sussurrou apenas para seus ouvidos:

— Obrigado por me levar para casa.

 

— Vai caminhar durante toda a manhã, Lucan? Algum descanso lhe faria bem, sabe.

Gabrielle deu um tapinha no lugar vazio ao lado dela na cama maciça em seu quarto no complexo. Era meio da manhã de acordo com o relógio no criado-mudo, mas ele andava sem parar desde o dia anterior.

Muito fogo para colocar para fora. Muitas vidas descansando em suas mãos, não menos que o filho recém-nascido de Dante e Tess.

E então Sterling Chase, atualmente esfriando seus calcanhares preso na enfermaria. Lucan e o resto da Ordem estavam em alerta máximo desde que ele apareceu caído na propriedade mais de 24 horas atrás, sangrando de múltiplos ferimentos à bala e ostentando um alvo bastante grande na sua bunda.

As estações de notícias ainda estavam tendo um dia de campo com o esboço de testemunhas oculares que obtiveram dele. Estava sendo jogado em cada transmissão local, nacional e a cabo e era um elemento permanente na Internet em vários sites de notícias desde o incidente na festa do senador. Lucan se perguntou quanto tempo levaria para o calor da perseguição policial humana diminuir.

Não era bom que a Ordem abrigasse um indivíduo procurado pela polícia nas várias entidades locais e pelos malditos federais também.

Estava muito puto com Chase, não só por deixar Dragos fugir, mas também por ser baleado e identificado no processo, mas tinha que admitir que foi uma coisa — um sangrento pressentimento admirável — que colocou Chase na festa do senador. Independentemente de seus problemas pessoais nos últimos tempos, os instintos de Chase eram sólidos, e realmente apesar da fodida execução, não obstante, sua perturbação pública conseguiu impedir qualquer jogada que Dragos tinha na manga.

E havia alguma coisa acontecendo, Lucan tinha certeza disso. O filho da puta conivente não estaria lá pelos canapés e conversa.

Odiava considerar qual poderia ser a intenção de Dragos, considerando o fato que alguns altos funcionários do governo dos Estados Unidos estavam presentes.

Lucan andou por outra faixa rígida no tapete.

— Alguma coisa grande está prestes a explodir. Posso sentir isso em meus ossos, Gabrielle. Alguma merda está prestes desabar, e se eu não colocar minhas mãos em torno dela rápido, vai explodir não apenas no meu rosto, mas em todos os outros também.

— Vem cá, — disse ela, franzindo a testa agora enquanto jogava o lençol e o edredom para dar espaço ao lado de seu corpo nu sobre a cama. Era linda, e tentadora demais para resistir, apesar da gravidade de seus pensamentos. — Está fazendo tudo que pode, — ela disse a ele enquanto se acomodava ao lado dela. — Vamos descobrir isso. Todos nós, juntos. Não está sozinho nisso, Lucan.

Ele se sentiu relaxar enquanto ela falava, seus problemas aparentemente diminuindo apenas pelo fato que ela estava próxima. Era um poder que ela tinha sobre ele, que nunca deixava de surpreendê-lo.

— Como é que algum dia consegui convencê-la a ser minha companheira?

Seu riso macio vibrou contra seu ouvido quando ela repousou em seu peito.

— Não estava envolvendo beijos, se bem me lembro. Talvez até mesmo alguns chutes e gritos. De sua parte, principalmente.

Ele se afastou e olhou em seus olhos escuros.

— Eu não chutei, e definitivamente nunca gritei.

— Talvez não, — ela admitiu, um sorriso irônico puxando seus lábios carnudos. — Mas não caiu fácil, tem que, pelo menos, admitir isso.

— Sou estúpido, de acordo com os rumores, — disse ele. — Metade do tempo, não sei o que é bom para mim.

As sobrancelhas dela subiram.

— Felizmente para você, sei o que é bom para você.

Ela o puxou para seu beijo, selando a boca sobre a dele numa reclamação lenta, penetrante que o deixou duro como granito em seu uniforme. Com um grunhido de pura aprovação masculina, ele a pegou pela nuca sensível e mergulhou sua língua entre os dentes.

Já a tinha pressionado abaixo dele quando a linha telefônica do laboratório de tecnologia começou a tocar.

Os sinos de alerta de Lucan soaram como sirenes quando se afastou do corpo quente de Gabrielle e colocou o fone no ouvido.

— O que está acontecendo, Gideon?

— Você não tem, por acaso, a televisão ligada, não é?

— Não.

A voz de Gideon não tinha sua leveza habitual. Nem perto disso.

— O inferno baixou e está quebrando solto, Lucan. É melhor vir rápido. Precisa ver isso.

 

Chase tirou a cabeça do travesseiro de sua cama na enfermaria, se esforçando para obter uma melhor visão da televisão montada no canto da sala. Que estava sintonizada num daqueles programas matinais de conversa inútil, onde um par de apresentadoras se olhavam e riam de notícias insípidas, enquanto tomavam xícaras de café e piscavam um monte de folheados dentes brancos para a câmera. Mesmo no mudo, a coisa o irritava, mas deixou apenas para dar aos seus olhos algo em que focar, além das quatro paredes da clínica que estava enjaulado, dentro do complexo.

Era isso, ou se deixar enlouquecer e se entregar a fome que ainda o agarrava de dentro para fora. O viciado nele queria sair de lá de qualquer maneira — precisava mais que qualquer coisa — mas sabia que se ficasse teria uma chance mínima de quebrar seu deslize perigoso, teria que passar fome e tirar a Sede de Sangue fora de si mesmo. Não conseguia pensar em nenhum lugar melhor para estar e tentar voltar do que aqui, no complexo, entre os únicos amigos que tinha.

Amigos a quem deu todo o direito de abandoná-lo.

E no entanto o levaram de volta.

O amarraram e trancaram dentro da enfermaria, mas que diabos, não ia olhar os dentes de um cavalo dado.

Mas agora, quando olhava para o monitor, seu estômago afundou enquanto observava o show ser interrompido por uma reportagem ao vivo. Pegou o controle remoto na bandeja com rodas ao lado dele, apenas para ser lembrado de suas restrições enquanto as algemas sacudiam, mas se mantinham firmes. Poderia tê-las arrancado, mas porra. Poderia lidar com o som sem ele.

Aumentando o volume, assistiu com pavor abjeto, em tempo real, as imagens de uma enorme explosão em algum lugar em Boston que enchia a tela. A voz de uma repórter descrevia o que estavam transmitindo.

...No centro da cidade, no prédio da ONU. A polícia está apenas chegando na cena, e o Canal 5 tem equipes de reportagem a caminho agora. Os relatórios iniciais parecem indicar ser uma situação de algum tipo de bomba. Estamos recebendo relatos de danos significativos na construção, e todas as ruas circundantes num raio de dez quadras foram bloqueadas pela polícia...

Puta merda. Chase observou a nuvem turva de fumaça e poeira, e as chamas se elevando em direção à câmera do helicóptero de notícias que circulava a área. Embora parecesse impossível — completamente desprovido de sentido, exceto pelo propósito de criar terror — suas tripas estavam dizendo que isso também tinha o nome de Dragos sobre ele.

...Além disso, fontes na cena relataram que há uma busca ao veículo em curso através da polícia neste momento. Acredita-se que o possível suspeito ou suspeitos deste ato de terror estão no veículo e foram vistos por testemunhas oculares deixando a cena momentos antes desta explosão ocorrer. Canal de notícias 5, do helicóptero, está relatando a cena da perseguição, e os atualizaremos ao vivo com mais informações...

Chase apoiou a cabeça atrás e murmurou uma maldição para o teto. Se Dragos estava envolvido nesse conluio, o que diabos estava fazendo?

Chase queria se soltar de sua recuperação forçada e descer para o laboratório de tecnologia, onde estava certo que todo o resto da Ordem estaria assistindo a mesma reportagem preocupante agora. Gideon constantemente monitorava as agências de notícias humanas, e como essa merda de terror agia no meio da semana, rolando pelos feriados faria um grande respingo.

Mas não pertencia mais à mesa longa no laboratório. Abandonou a Ordem, e não merecia pedir-lhes para que o aceitassem até que tivessem certeza que juntou sua merda.

Enquanto se chutava pela sequência de falhas e cagadas que foram a maior parte de suas missões recentes para a Ordem, o repórter voltou na tela.

— Estamos voltando agora para helicóptero do Canal 5, que está trazendo as últimas imagens de fora da cidade, onde a polícia está em busca do veículo que acreditam estar ligado a este terrível incidente no edifício da ONU esta manhã. Novamente, se está sintonizando agora no Canal 5, foi o primeiro a chegar na cena, trazendo a notícia de uma grande explosão, uma bomba de algum tipo, que foi detonada no centro, apenas momentos atrás...

Enquanto ela falava, Chase viu com espanto, em seguida, suspeita que cresceu a terror abjeto quando uma frota de vans de agentes policiais e SWAT seguia uma caminhonete vermelha último modelo para fora da cidade, em direção a uma área de grandes árvores cheia de propriedades se alastrando e propriedades privadas.

Direto em direção ao domínio da Ordem.

Chase tentou sentar e sentiu suas restrições mordendo seus pulsos e tornozelos. A pulseira de couro e aço reforçado ao redor de seu tronco gemeu enquanto se esforçava para ter uma melhor visão do que estava acontecendo no monitor.

Não era bom.

A busca virou a última curva, indo até a rua iluminada pelo sol em direção ao perímetro exterior da Ordem. Para seu horror, um instante depois, a picape vermelha rugiu acima em direção aos portões da frente da mansão.

Ah, Cristo.

Mãe de Deus, porra...

Faíscas irromperam quando o veículo bateu no portão eletrificado e este caiu completamente. Vários homens saíram do caminhão e começaram a correr até o gramado cheio de neve, a pé. Correndo em direção à mansão com uma dúzia ou mais de policiais quentes em seus calcanhares.

Dragos os enviou aqui.

Sabia disso.

Sabia da mesma forma que agora sabia que este era um ato de retaliação, não meramente alguma coincidência bizarra. Este era Dragos tomando sua vingança pelo que Chase fez na outra noite.

Ele trouxe isso para a Ordem... para seus amigos.

Com um rugido angustiado, Chase se soltou de suas restrições e fugiu da enfermaria utilizando cada grama de velocidade sobrenatural sob seu comando.

 

Lucan estava com o resto da Ordem, todos reunidos no laboratório de tecnologia assistindo ao noticiário, incrédulos.

Sua descrença era nada comparada com o sentido doente de medo, o primeiro sentido verdadeiro de medo que Lucan experimentou em muito tempo, quando a caminhonete vermelha carregando os suspeitos terroristas bateu no portão da mansão.

Um silêncio encheu o laboratório de tecnologia naquele instante terrível.

Estavam em plena luz do dia. Sem chance de escapar. Estavam presos, sem nenhuma escolha, além de assistir o confronto ocorrendo acima do complexo e ter a esperança de que os policiais decidissem não enfiar o nariz ao redor da propriedade ou perguntar pelos proprietários.

E no poço do seu coração pesado, Lucan entendeu que esta era a intenção de Dragos o tempo todo. Foi por isso que plantou o dispositivo de rastreamento em Kellan Archer. Era assim que queria dizer para a Ordem acabar.

Não pela sua mão, mas pelos humanos.

— Sele todos os portais para o complexo e tranque-os, — disse a Gideon. — Se algum desses fodidos criminosos ou a polícia fizerem algo estúpido como entrar na mansão, não queremos que essas pessoas fiquem curiosas sobre o que poderia estar abaixo da casa.

Se o fizessem, a Ordem não teria nenhuma escolha além de matar todos à vista.

E isso seria muito difícil de varrer para debaixo do tapete, especialmente quando toda a sangrenta perseguição estava sendo capturada na cobertura de notícias ao vivo.

— Desligue-os agora — disse ele, batendo com o punho na mesa e causando uma grande rachadura no seu centro. — Isso é o que Dragos está fazendo. Ele os enviou aqui. Direito à nossa maldita porta.

— Os portais do Complexo estão selados, — Gideon relatou. Então ele sussurrou uma maldição, algo que Lucan não queria ouvir naquele momento. — Ah, Cristo. Não acredito nisso.

Ele girou a cabeça para Lucan e apontou para um dos monitores de vigilância interna dentro da mansão.

— Santa foda, — Nikolai soprou do seu lugar entre os outros. — É Harvard. Que diabos está fazendo lá em cima?

— Nos salvando, — Dante respondeu, sem nenhuma inflexão na voz do guerreiro.

Eles observavam em silêncio mudo quando Chase caminhou calmamente na direção da porta da frente da mansão. A abriu para o quintal cheio de policiais uniformizados, membros da SWAT e agentes do Serviço Secreto. Quando levantou as mãos à cabeça num show de rendição, a luz solar refletiu ao seu redor, uma auréola que o iluminou numa silhueta como um anjo vingador.

Um homem correu para interceptá-lo, mais de um falando rapidamente em seu rádio quando deram uma boa olhada em Chase, sem dúvida, cada homem lá fora, o reconhecendo pelo esboço que estava circulando em cada estação e delegacia entre Boston e DC.

Lucan observava, humilde e agradecido. Se não fosse pelo sacrifício de Chase, aqueles homens provavelmente teriam revistado a propriedade distante. Podiam ainda, mas para a Ordem foi concedido um tempo maior para isso acontecer. Em vez de um potencial ataque diurno, a Ordem podia ter a chance de se recolher e limpar tudo ao cair da noite, em vez disso.

Tudo graças a Chase Sterling.

— Cara, isso é fodido, — murmurou Brock ao lado de Lucan. — Não podemos simplesmente deixá-los o levarem assim. Temos que fazer alguma coisa.

Lucan deu um aperto sombrio de sua cabeça, desejando que houvesse uma maneira de ajudar.

— Harvard tirou a opção de nossas mãos. Está verdadeiramente sozinho agora.

 

 

 

[1] Jogo onde se joga uma moeda, o perdedor ou tira uma peça de roupa ou toma um drinque, o ganhador escolhe outro para fazer em seu lugar.

[2] Beretta é o nome genérico atribuído à fábrica de armas de fogo italiana Fabbrica d'Armi Pietro Beretta S.p.A. e às armas por esta fabricadas.

[3] Inventor de várias marcas do famoso tênis All Star. Foi Taylor quem implantou novidades, melhorou o perfil do tênis e ainda acrescentou o remendo no tornozelo. No início, supostamente, os remendos serviam para dar apoio e proteger os tornozelos dos jogadores de basquete e permitir que corressem com mais velocidade.

[4] ETA – Estimated Time of Arrival, Hora Estimada de Chegada.

[5] Militar ausente sem licença; ausência de um dever sem permissão oficial, mas sem a intenção de desertar.

[6] Sonokinesis - Ser capaz de controlar as ondas sonoras e o som.

[7] Land Rover, Marca de carro, de modelo SUV, utilitário.

[8]Marca de grife de sapatos e acessórios.

[9] Marca de grife de roupas e sapatas, que evoca o estilo jovem.

[10] FUBAR - No original: Fucked up beyond all recognition – Fodida além do reparo.

[11] El Camino é uma pick-up de pequeno porte da Chevrolet. O El Camino era o carro de Earl J. Hickey, personagem principal na série homônima My Name is Earl. Sua carroceria é um pouco diferente das outras picapes. O vidro traseiro não desce em 90 graus,mas ele desce inclinado.

[12] Shotgun - Uma casa cuja arquitetura é caracterizada por várias salas juntas numa linha reta da frente para trás:

[13]Furacão Katrina foi um grande furacão, que destruiu uma parte dos EUA uma tempestade tropical que alcançou a categoria 5 da  Escala de Furacões de Saffir-Simpson (regredindo a 4 antes de chegar a costa sudeste dos Estados Unidos da America). Os ventos do furacão alcançaram mais de 280 quilômetros por hora, e causaram grandes prejuízos na região litorânea do sul dos Estados Unidos, especialmente em torno da região metropolitana de Nova Orleans, em 29 de agosto de 2005 onde mais de um milhão de pessoas foram evacuadas. O furacão passou pelo sul da  Flórida, causando em torno de dois bilhões de dólares de prejuízo e causando seis mortes diretas. Foi a 11ª tempestade de 2005 a receber nome, sendo o quarto entre os furacões.

[14] Computer-aided design –Desenho assistido por computador é o nome genérico de sistemas computacionais, softwares, utilizados pela engenharia, geologia, geografia, arquitetura e design para facilitar o projeto e desenho técnicos. No caso do design, este pode estar ligado especificamente a todas as suas vertentes (produtos como vestuário, eletroeletrônicos, automobilísticos, etc.), de modo que os jargões de cada especialidade são incorporados na interface de cada programa.

[15] Hocus Pocus é o nome de um encantamento utilizado por mágicos do século XVII (hocus pocus, tontus talontus, vade celerita jubes) com a função de criar um ar de mistério em suas perfomaces.

[16] Ivy League (Liga de hera) é um grupo de oito universidades privadas do Nordeste dos Estados Unidos da América. Originalmente, a denominação designava uma liga desportiva formada por essas universidades, das mais antigas dos Estados Unidos. O grupo, também referido como as oito antigas, é constituído pelas instituições de maior prestígio científico nos Estados Unidos e no mundo e, assim, atualmente a denominação tem conotação sobretudo de excelência acadêmica, também associada a um certo elitismo e a política de controle da sociedade.

[17] O Gumbo (pronuncia-se gambo) é o prato mais marcante da culinária Cajun da Louisiana (sul dos Estados Unidos). É um guisado ou uma sopa grossa, geralmente com vários tipos de carne ou mariscos, que se come com arroz branco, podendo constituir uma refeição completa.

[18] Ligação de eletrônicos via cabos e fiação elétrica.

[19] È um tipo de cabo, usado para transmitir sinais de áudio, rede de computadores e radio frequência, tem blindagem adicional que protege contra interferências.

[20] Rede sem fio, onde o sinal é transmitido por radio frequência ou infravermelho.

[21] HotWired foi a primeira revista na web comercial, lançado em 27 de outubro de 1994.

[22] Abreviação para criogênico.

[23] Dirty Rice - Um prato de arroz branco cozido com fígado de galinha e moela, cebola, pimentão e temperos.

[24] District of Columbia, Distrito ocupado pela cidade de Washington, a capital dos Estados Unidos da América.

[25]É uma uva tinta da família das Vitis vinifera, originárias da França. É a grande uva da região da Borgonha, sudeste da França, com a qual são produzidos vinhos bastante admirados em todo o mundo.

[26] Importante Rodovia Interestadual no sudeste dos Estados Unidos, começa na Interestadual 65, em Montgomery, Alabama, e termina na Interestadual 95 em Petesburg, Virginia.

[27] Borgonha é um tom de vermelho com uma pequena porção de púrpura associado ao vinho da Borgonha do qual deriva o nome, o qual por sua vez, deriva da região Francesa, Borgonha. A cor borgonha é similar a outros tons de vermelho escuro como bordô. Também pode ser chamada de vermelho vinho ou simplesmente vinho.

[28] Personagem do livro Notre-Dame de Paris, do escritor Victor Hugo, publicado em 1831. Quasimodo nasceu com uma notável deformação física, descrita por Victor Hugo como uma enorme verruga que cobre seu olho esquerdo e uma grande corcunda. Abandonado ainda criança em um domingo de Páscoa, foi adotado pelo arcediago Claude Frollo, que o designou para ser sineiro da Catedral de Notre-Dame de Paris. Devido ao alto som dos sinos da catedral, Quasimodo acaba por ficar surdo. Visto como um monstro pela população de Paris, Quasimodo mais tarde apaixona-se pela cigana Esmeralda e a salva quando ela se envolve em um assassinato.

 

 

                                                                                                    Lara Adrian

 

 

 

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