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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MAKTUB / Paulo Coelho
MAKTUB / Paulo Coelho

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Maktub, que quer dizer "está escrito”, é uma coletânea de textos (histórias, parábolas, crónicas) que foram publicados diariamente em jornais entre 1993 e 1994. Baseado em histórias e fatos de diferentes culturas e partes do mundo, trata se de um resumo da filosofia de vida de diversos povos, e não de um livro de conselhos. E uma obra que oferece ao leitor a possibilidade de refletir e de se (re)encontrar consigo mesmo.
Não é um livro de conselhos — mas uma troca de experiências.
Grande parte é composta de ensinamentos de meu mestre, no decorrer de onze longos anos de convivência. Outros textos são relatos de amigos, ou pessoas com quem cruzei uma vez — mas me deixaram uma mensagem inesquecível. Finalmente, existem livros que li e as histórias que — como diz o jesuíta Anthony Mello — pertencem à herança espiritual da raça humana.
Maktub nasceu de um telefonema de Alcino Leite Neto, então diretor do caderno “Ilustrada” na Folha de S. Paulo. Eu estava nos Estados Unidos, e recebi a proposta sem saber exatamente o que ia escrever. Mas o desafio era estimulante, e resolvi ir em frente; viver é correr riscos.
Ao ver o trabalho que dava, quase desisti. Além do mais, como precisava viajar para a promoção de meus livros no exterior, a coluna diária virou um tormento. Entretanto, os sinais me diziam que continuasse: uma carta de leitor chegava, um amigo fazia um comentário, alguém me mostrava os recortes guardados na carteira.
Lentamente, fui aprendendo a ser objetivo e direto no texto. Fui obrigado a fazer releituras que sempre adiei, e o prazer deste reencontro foi imenso.
Comecei a anotar com mais cuidado as palavras de meu mestre. Enfim, passei a olhar tudo que acontecia à minha volta como um motivo para escrever Maktub — e isto me enriqueceu de tal maneira que hoje sou grato por esta tarefa diária.
Selecionei, neste volume, textos publicados na Folha de S. Paulo entre 10 de junho de 1993 e 11 de junho de 1994. As colunas sobre o guerreiro da luz não fazem parte deste livro: foram publicadas em O manual do guerreiro da luz.

 


 


O viajante está sentado no meio do mato, olhando uma casa humilde à sua frente. Já esteve ali antes, com alguns amigos, e na época tudo que conseguira notar foi a semelhança entre o estilo da casa e o de um arquiteto galego — que viveu há muitos anos, e jamais colocara os pés naquele local.

A casa fica perto de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e é toda construída com cacos de vidro. Seu dono, Gabriel, sonhou em 1899 com um anjo que lhe dizia: “Constrói uma casa de cacos.” Gabriel começou a colecionar ladrilhos quebrados, pratos, bibelôs e jarras partidas. “Tudo caquinho transformado em beleza”, dizia Gabriel de seu trabalho.

Durante os primeiros quarenta anos, os moradores locais afirmavam que era louco. Depois, alguns turistas descobriram a casa, e começaram a trazer os amigos; Gabriel virou gênio. Mas a novidade passou — e Gabriel voltou ao anonimato. Mesmo assim, continuou construindo; aos 93 anos de idade, colocou o último caco de vidro. E morreu.


O viajante acende um cigarro; fuma em silêncio. Hoje não está pensando na semelhança entre a casa de Gabriel e a arquitetura de A. Gaudí. Olha os cacos, reflete sobre sua própria existência. Também ela — como a de qualquer pessoa — é feita de pedaços de tudo que se passou. Mas, em determinado momento, estes fragmentos começam a tomar forma.

E o viajante relembra um pouco do seu passado, vendo os papéis em seu colo. Ali estão pedaços de sua vida; situações que viveu, trechos de livros que sempre recorda, ensinamentos do seu mestre, histórias dos amigos, fábulas que algum dia lhe contaram. Ali estão reflexões sobre o seu tempo, e sobre os sonhos de sua geração.

Da mesma maneira que um homem sonhou com um anjo e construiu a casa que está diante de seus olhos, ele tenta ordenar estes papéis — para compreender sua própria construção espiritual. Lembra-se de que, quando criança, leu um livro de Malba Tahan chamado Maktub! e pensa:

“Será que eu devia fazer o mesmo?”


Diz o mestre:

Quando pressentimos que chegou a hora de mudar, começamos — inconscientemente — a repassar um tape mostrando nossas derrotas até aquele momento.

É claro que, à medida que ficamos mais velhos, nossa cota de momentos difíceis é maior. Mas, ao mesmo tempo, a experiência nos deu meios de superar estas derrotas, e encontrar o caminho que permite seguir adiante. É preciso também colocar esta fita em nosso videocassete mental.

Se só assistimos ao tape da derrota, vamos ficar paralisados. Se só assistimos ao tape da experiência, vamos terminar nos julgando mais sábios do que realmente somos.

Precisamos das duas fitas.


Imagine uma lagarta. Passa grande parte de sua vida no chão, olhando os pássaros, indignada com seu destino e com sua forma. “Sou a mais desprezível das criaturas”, pensa. “Feia, repulsiva, condenada a rastejar pela terra.”

Um dia, entretanto, a Natureza pede que faça um casulo. A lagarta se assusta — jamais fizera um casulo antes. Pensa que está construindo seu túmulo, e prepara-se para morrer. Embora indignada com a vida que levou até então, reclama novamente com Deus.

“Quando finalmente me acostumei, o Senhor me tira o pouco que tenho.”

Desesperada, tranca-se no casulo e aguarda o fim.

Alguns dias depois, vê-se transformada numa linda borboleta. Pode passear pelos céus, e ser admirada pelos homens. Surpreende-se com o sentido da vida e com os desígnios de Deus.


Um estranho procurou o abade Pastor no mosteiro de Sceta.

— Quero melhorar minha vida — disse ele. — Mas não consigo deixar de pensar em coisas pecaminosas.

O abade Pastor reparou que ventava lá fora, e pediu ao estranho:

— Aqui está muito quente. Será que o senhor podia pegar um pouco de vento lá fora, e trazê-lo para refrescar a sala?

— Isto é impossível — disse o estranho.

— Da mesma maneira, é impossível deixar de pensar em coisas que ofendem a Deus — respondeu o abade. — Mas se você souber dizer não às tentações, elas não vão lhe causar nenhum mal.


Diz o mestre:

Se existe alguma decisão a ser tomada, é melhor ir adiante e aguentar as consequências. Você não vai saber de antemão quais serão estas consequências.

Todas as artes divinatórias foram feitas para aconselhar o homem, jamais para prever o futuro. São excelentes conselheiras e péssimas profetizas.

Diz a oração que Jesus nos ensinou: “Seja feita a Vossa Vontade.” Quando esta Vontade mostra um problema, traz junto a solução.

Se as artes divinatórias conseguissem ver o futuro, todo adivinho seria rico, casado e feliz.


O discípulo se aproximou do mestre:

— Durante anos busquei a iluminação — disse.

— Sinto que estou perto. Quero saber qual o próximo passo.

— E como você se sustenta? — pergunta o mestre.

— Ainda não aprendi a me sustentar; meu pai e minha mãe me ajudam. Entretanto, isto são apenas detalhes.

— O próximo passo é olhar o sol por meio minuto — disse o mestre. O discípulo obedeceu.

Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo à sua volta.

— Não consigo vê-lo, o brilho do sol ofuscou meus olhos — respondeu o discípulo.

— Um homem que apenas busca a luz, e deixa suas responsabilidades para os outros, termina sem encontrar a iluminação. Um homem que mantém os olhos fixos no sol termina cego — comentou o mestre.


Um homem caminhava por um vale dos Pireneus quando encontrou um velho pastor. Dividiu com ele seu alimento, e ficaram um longo tempo conversando sobre a vida.

O homem dizia que, se acreditasse em Deus, teria que acreditar também que não era livre, já que Deus governaria cada passo.

O pastor então o levou até um desfiladeiro, onde se podia escutar — com toda nitidez — o eco de qualquer ruído.

— A vida são estas paredes, e o destino é o grito de cada um — disse o pastor. — Aquilo que fizermos será levado até o coração Dele, e nos será devolvido da mesma forma.

“Deus costuma agir como o eco de nossas ações.”


Maktub quer dizer está escrito. Para os árabes, “está escrito” não é a melhor tradução — porque, embora tudo já esteja escrito, Deus é misericordioso, — e só gastou sua caneta e sua tinta para nos ajudar.

O viajante está em Nova York. Acordou tarde para um encontro, e, quando desce, descobre que seu carro foi rebocado pela polícia.

Chega depois da hora, o almoço se prolonga mais do que o necessário, ele pensa na multa — irá custar uma fortuna. De repente, lembra-se da nota de um dólar que encontrou no dia anterior. Estabelece uma relação louca entre aquela nota e o que aconteceu de manhã. “Quem sabe eu peguei a nota antes que a pessoa certa a encontrasse? Quem sabe tirei aquele dólar do caminho de alguém que estava precisando? Quem sabe interferi no que estava escrito?”

Precisava livrar-se dela — e neste momento vê um mendigo sentado no chão. Entrega rapidamente o dólar.

— Um momento — diz o mendigo.

— Sou um poeta, quero pagar com uma poesia.

— A mais curta, porque estou com pressa — responde o viajante.

O mendigo diz:

— Se você continua vivo, é porque ainda não chegou aonde devia.


O discípulo disse ao mestre:

— Tenho passado grande parte do meu dia pensando coisas que não devia pensar, desejando coisas que não devia desejar, fazendo planos que não devia fazer.

O mestre convidou o discípulo para um passeio na floresta perto de sua casa. No caminho, apontou uma planta e perguntou se o discípulo sabia o que era.

— Beladona — disse o discípulo. — Pode matar quem comer suas folhas.

— Mas não pode matar quem simplesmente a contempla — disse o mestre. — Da mesma maneira, os desejos negativos não podem causar qualquer mal se você não se deixar seduzir por eles.


Entre a França e a Espanha existe uma cadeia de montanhas. Numa destas montanhas existe uma aldeia chamada Argelès. Nesta aldeia existe uma ladeira que leva até o vale.

Todas as tardes, um velho sobe e desce esta ladeira.

Quando o viajante foi a Argelès pela primeira vez, não reparou nada. Da segunda vez, viu que um homem sempre cruzava com ele. E, cada vez que ia àquela aldeia, reparava mais detalhes — a roupa, a boina, a bengala, os óculos. Hoje em dia, sempre que pensa na aldeia, pensa também no velhinho — embora ele não saiba disso.

Uma única vez o viajante conversou com ele.

Querendo brincar, perguntou:

— Será que Deus vive nestas lindas montanhas à nossa volta?

— Deus vive — disse o velhinho – nos lugares onde deixam Ele entrar.


O mestre encontrou-se com os discípulos certa noite, e pediu que acendessem uma fogueira, para que pudessem conversar.

— O caminho espiritual é como o fogo que arde diante de nós — disse. — Um homem que deseja acendê-lo tem que se conformar com a fumaça desagradável, que torna a respiração difícil e arranca lágrimas do rosto.

Assim é a reconquista da fé.

— Entretanto, uma vez o fogo aceso, a fumaça desaparece, e as chamas iluminam tudo ao redor — nos dando calor e calma.

— E se alguém acender o fogo para nós? — perguntou um dos discípulos. — E se alguém nos ajudar a evitar a fumaça?

— Se alguém fizer isso, é um falso mestre. Que pode levar o fogo para onde tiver vontade, ou apagá-lo na hora que quiser. E, como não ensinou ninguém a acendê-lo, é capaz de deixar todo mundo na escuridão.


Uma amiga pegou seus três filhos e resolveu viver numa pequena fazenda no interior do Canadá.

Queria dedicar-se apenas à contemplação espiritual.

Em menos de um ano apaixonou-se, casou de novo, estudou as técnicas de meditação dos santos, lutou por uma escola para os filhos, fez amigos, fez inimigos, descuidou do tratamento dentário, teve um abscesso, pegou carona debaixo de tempestades de neve, aprendeu a consertar o carro, degelar os encanamentos, esticar o dinheiro da pensão no final do mês, viver do seguro-desemprego, dormir sem calefação, rir sem motivo, chorar de desespero, construir uma capela, fazer reparos na casa, pintar paredes, dar cursos sobre contemplação espiritual.

— E terminei entendendo que a vida em oração não significa isolamento — diz. — O amor de Deus é tão grande que precisa ser dividido.


— Quando você começar seu caminho, vai encontrar uma porta com uma frase escrita — diz o mestre. — Volte e me conte qual é esta frase.

O discípulo se entrega de corpo e alma à sua busca. Chega um dia em que vê a porta, e volta até o mestre.

— Estava escrito no começo do caminho: isto não é possível — diz.

— Onde estava escrito isso, num muro ou numa porta? — pergunta o mestre.

— Numa porta — responde o discípulo.

— Pois coloque a mão na maçaneta e abra.

O discípulo obedece. Como a frase está pintada na porta, também vai se movendo com ela. Com a porta totalmente aberta, ele já não consegue mais enxergar a frase — e segue adiante.


Diz o mestre:

Feche os olhos. Não precisa sequer fechar os olhos. Basta imaginar a seguinte cena: um bando de pássaros voando. Ok, agora me diga quantos pássaros você vê: cinco? onze? dezessete?

Seja qual for a resposta – e dificilmente alguém sabe dizer o número exato —, alguma coisa fica bem clara nesta pequena experiência. Você pode imaginar um bando de pássaros, mas o número de aves fugiu ao seu controle. Entretanto, a cena era clara, definida, exata. Em algum lugar existe a resposta para esta pergunta.

Quem definiu quantos pássaros deviam aparecer na cena? Você não foi.


Um homem resolveu visitar um ermitão que vivia perto do mosteiro de Sceta. Depois de caminhar sem rumo pelo deserto, terminou encontrando o monge.

— Preciso saber qual o primeiro passo que se deve dar no caminho espiritual — disse.

O ermitão levou-o até um pequeno poço e pediu que ele olhasse seu reflexo na água. O homem obedeceu — mas o ermitão começou a jogar pedrinhas na água, fazendo com que a superfície se movesse.

— Não poderei ver direito o meu rosto enquanto o senhor jogar pedras — disse o homem.

— Assim como é impossível para um homem ver seu rosto em águas turbulentas, também é impossível buscar Deus se a mente estiver ansiosa com a busca — disse o monge. — Este é o primeiro passo.


Na época em que o viajante praticava meditação zen-budista, havia um momento em que o mestre ia até o canto do dojo (local onde os discípulos se reuniam) e voltava com uma varinha de bambu.

Certos alunos — que não haviam conseguido concentrar-se direito — levantavam a mão: o mestre se aproximava e dava três golpes em cada ombro.

No primeiro dia, isto pareceu medieval e absurdo.

Mais tarde o viajante entendeu que muitas vezes é necessário colocar no plano físico a dor espiritual, para ver o mal que ela causa.

No caminho de Santiago, ele aprendeu um exercício que consistia em cravar a unha do indicador no polegar quando pensasse em algo prejudicial.

As terríveis consequências dos pensamentos negativos são percebidas muito tarde. Mas, fazendo com que esses pensamentos se manifestem no plano físico através da dor, entendemos o mal que nos causam.

E terminamos por evitá-los.


Um paciente de 32 anos procurou o terapeuta Richard Crowley:

— Não consigo parar de chupar o dedo — disse.

— Não ligue para isso – respondeu Crowley. — Mas chupe um dedo diferente a cada dia da semana.

A partir deste momento o paciente — toda vez que levava a mão à boca — era instintivamente obrigado a escolher o dedo que devia ser objeto de sua atenção naquele dia.

Antes que a semana terminasse, estava curado.

— Quando o mal torna-se um hábito, fica difícil lidar com ele — conta Richard Crowley. — Mas, quando ele passa a nos exigir atitudes novas, decisões, escolhas, então temos consciência de que não vale tanto esforço.


Na antiga Roma, um grupo de feiticeiras conhecidas como Sibilas escreveu nove livros contando o futuro de Roma. Levaram os nove livros para Tibério.

— Quanto custa? — perguntou o imperador de Roma.

— Cem moedas de ouro — responderam as Sibilas.

Indignado, Tibério expulsou-as. As Sibilas queimaram três livros e voltaram:

— Continuam custando cem moedas — disseram.

Tibério riu e não aceitou: pagar por seis livros o mesmo que pagaria por nove?

As Sibilas queimaram mais três livros e voltaram com os três restantes:

— Continuam custando cem moedas de ouro — disseram.

Tibério, mordido pela curiosidade, terminou por pagar — mas só conseguiu ler parte do futuro de seu Império.

Diz o mestre:

Faz parte da arte de viver não barganhar com a oportunidade.


As palavras são de Rufus Jones:

— Não estou interessado em construir novas torres de Babel usando como desculpa a idéia de que preciso chegar até Deus.

“Estas torres são abomináveis; algumas são feitas de cimento e tijolos; outras, com pilhas de textos sagrados. Algumas foram construídas com velhos rituais, e muitas são erigidas com as novas provas científicas da existência de Deus.”

“Todas estas torres, que nos obrigam a escalá-las desde uma base escura e solitária, podem nos dar uma visão da Terra — mas não nos conduzem ao Céu.”

“Tudo que conseguimos é a mesma e velha confusão de línguas e emoções.”

“As pontes para Deus são a fé, o amor, a alegria e a oração.”


Dois rabinos tentam de todas as maneiras levar o conforto espiritual aos judeus na Alemanha nazista. Durante dois anos, embora mortos de medo, enganam seus perseguidores — e realizam ofícios religiosos em várias comunidades.

Finalmente são presos. Um dos rabinos, apavorado com o que pode acontecer dali por diante, não pára de rezar. O outro, ao contrário, passa o dia inteiro dormindo.

— Por que você está agindo assim? — pergunta o rabino assustado.

— Para salvar minhas forças. Sei que vou precisar delas daqui por diante — diz o outro.

— Mas você não está com medo? Não sabe o que pode nos acontecer?

— Eu tive medo até o momento da prisão. Agora que estou preso, de que adianta temer o que já aconteceu?

O tempo do medo acabou; agora começa o tempo da esperança.


Diz o mestre:

Vontade. É uma palavra que a gente deveria colocar sob suspeita durante algum tempo.

Quais são as coisas que não fazemos porque não temos vontade, e quais aquelas que não fazemos porque são arriscadas?

Eis um exemplo do que confundimos com ”falta de vontade”: falar com desconhecidos. Seja uma conversa, um simples contato, um desabafo, raramente conversamos com desconhecidos.

E sempre achamos que “foi melhor assim”.

Terminamos sem ajudar e sem sermos ajudados pela Vida.

Nossa distância faz com que pareçamos muito importantes, muito seguros de nós mesmos. Mas, na prática, não estamos deixando que a voz de nosso anjo se manifeste através da boca dos outros.


Um velho ermitão foi certa vez convidado para ir até a corte do rei mais poderoso daquela época.

— Eu invejo um homem santo que se contenta com tão pouco — disse o rei.

— Eu invejo Vossa Majestade, que se contenta com menos que eu — respondeu o ermitão.

— Como você me diz isto, se todo este país me pertence? — disse o rei, ofendido.

— Justamente — falou o velho ermitão. — Eu tenho a música das esferas celestes, tenho os rios e as montanhas do mundo inteiro, tenho a lua e o sol, porque tenho Deus na minha alma. Vossa Majestade, porém, tem apenas este reino.


— Vamos até a montanha onde Deus mora — comentou um cavaleiro com seu amigo. — Quero provar que Ele só sabe pedir, e nada faz para aliviar nosso fardo.

— Pois vou para demonstrar minha fé — disse outro. Chegaram à noite no alto do monte — e escutaram uma Voz na escuridão:

Encham seus cavalos com as pedras do chão!

— Viu? — disse o primeiro cavaleiro. — Depois de tanto subir, ele ainda nos faz carregar com mais peso.

Jamais obedecerei!

O segundo cavaleiro fez o que a Voz dizia. Quando terminaram de descer o monte, a aurora chegou — e os primeiros raios de sol iluminaram as pedras que o cavaleiro piedoso havia trazido: eram diamantes puríssimos.

Diz o mestre:

As decisões de Deus são misteriosas; mas estão sempre a nosso favor.


Diz o mestre:

Meu caro, preciso lhe dar uma notícia que talvez você ainda não saiba. Pensei em suavizar esta notícia, pintá-la com cores mais brilhantes, enchê-la com promessas de Paraíso, visões do Absoluto, explicações esotéricas — mas, embora tudo isto exista, não vem ao caso agora.

Respire fundo e prepare-se. Sou obrigado a ser direto e franco e — posso assegurar — tenho absoluta certeza do que estou dizendo. É uma previsão infalível, sem qualquer margem para dúvidas.

A notícia é a seguinte: você vai morrer.

Pode ser amanhã, pode ser daqui a cinquenta anos, mas, cedo ou tarde, você vai morrer. Mesmo que você não concorde. Mesmo que tenha outros planos.

Pense com todo cuidado no que você irá fazer hoje. E amanhã. E no resto dos seus dias.


Um explorador branco, ansioso para chegar logo ao seu destino no coração da África, pagava um salário extra para que os seus carregadores índios andassem mais rápido. Durante vários dias, os carregadores apressaram o passo.

Certa tarde, porém, todos se sentaram no chão e depositaram seus fardos, recusando-se a continuar. Por mais dinheiro que lhes fosse oferecido, os índios não se moviam. Quando, finalmente, o explorador pediu uma razão para aquele comportamento, obteve a seguinte resposta:

— Andamos muito depressa, e já não sabemos mais o que estamos fazendo. Agora precisamos esperar até que nossas almas nos alcancem.


Nossa Senhora, com o menino Jesus nos braços, desceu à Terra para visitar um mosteiro.

Orgulhosos, os padres fizeram fila para homenageá-la; um declamou poemas, outro mostrou iluminuras para a Bíblia, outro recitou o nome dos santos.

No final da fila estava um padre humilde, que não tivera chance de aprender com os sábios da época.

Seus pais eram pessoas simples, que trabalhavam num circo. Quando chegou sua vez, os monges quiseram encerrar as homenagens, com medo de que ele comprometesse a imagem do mosteiro.

Mas também ele queria mostrar seu amor pela Virgem. Envergonhado, sentindo o olhar reprovador dos irmãos, tirou umas laranjas do bolso e começou a atirá-las para o ar — fazendo malabarismos que seus pais lhe haviam ensinado no circo.

Foi só então que o Menino Jesus sorriu, batendo palmas de alegria. E só para ele a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um pouco seu filho.


Não procure ser coerente o tempo todo. Afinal, São Paulo disse que “a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus”.

Ser coerente é usar sempre a gravata combinando com a meia. É ser obrigado a ter, amanhã, as mesmas opiniões que tinha hoje. E o movimento do mundo — onde fica?

Desde que você não prejudique ninguém, mude de opinião de vez em quando, e caia em contradição sem se envergonhar disso.

Você tem este direito. Não importa o que os outros pensem — porque eles vão pensar de qualquer maneira.

Por isso, relaxe. Deixe o Universo se movimentar à sua volta, descubra a alegria de ser uma surpresa para você mesmo. Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios”, diz São Paulo.


Diz o mestre:

Hoje seria bom fazer algo fora do comum.

Podemos, por exemplo, dançar na rua enquanto caminhamos para o trabalho. Olhar nos olhos de um desconhecido e falar de amor à primeira vista. Dar ao chefe uma idéia que pode parecer ridícula, mas em que acreditamos. Comprar um instrumento que sempre quisemos tocar, e nunca nos arriscamos. Os guerreiros da luz se permitem tais dias.

Hoje podemos chorar algumas mágoas antigas que ainda estão presas na garganta. Telefonaremos para alguém com quem juramos nunca mais falar (mais de quem adoraríamos escutar um recado em nossa secretária eletrônica). Hoje pode ser considerado um dia fora do roteiro que escrevemos todas as manhãs.

Hoje qualquer falha será admitida e perdoada. Hoje é dia de se ter alegria na vida.


O cientista Roger Penrose caminhava com alguns amigos, conversando animadamente. Fizeram silêncio apenas por um momento, para atravessar a rua.

— Lembro que, enquanto atravessava, um pensamento incrível me ocorreu — diz Penrose. — Entretanto, assim que chegamos à outra calçada, retomamos o assunto, e não consegui recordar o que havia pensado segundos antes.

No final da tarde, Penrose começou sentir-se eufórico — sem entender por quê.

— Tinha a sensação de que algo importante me havia sido revelado — diz.

Resolveu recapitular cada minuto do dia, e — ao lembrar-se do momento em que atravessava a rua — a idéia voltou.

Desta vez ele conseguiu escrevê-la.

Era a teoria dos buracos negros, uma verdadeira revolução na física moderna. E tornou a surgir porque Penrose foi capaz de lembrar-se do silêncio que fazemos sempre que atravessamos uma rua.


Santo Antão vivia no deserto, quando se aproximou um jovem:

— Padre, vendi tudo que tinha e dei aos pobres. Guardei apenas umas poucas coisas para me ajudar a sobreviver aqui. Gostaria que me ensinasse o caminho da salvação.

Santo Antão pediu que o rapaz vendesse as poucas coisas que havia guardado, e, com o dinheiro, comprasse carne na cidade. Na volta, devia trazer a carne amarrada em seu corpo.

O rapaz obedeceu. Ao voltar, foi atacado por cachorros e falcões, que queriam um pedaço da carne.

— Eis-me de volta — disse o rapaz, mostrando o corpo arranhado e as roupas em frangalhos.

— Aqueles que dão um passo novo e ainda querem manter um pouco da vida antiga terminam dilacerados pelo próprio passado — foi o comentário do santo.


Diz o mestre:

Viva todas as graças que Deus te deu hoje. A graça não pode ser economizada. Não existe um banco onde depositamos as graças recebidas, para utilizá-las de acordo com a nossa vontade. Se você não usufruir estas bênçãos, irá perdê-las irremediavelmente.

Deus sabe que somos artistas da vida. Um dia nos dá fôrmas para esculturas, outro dia nos dá pincéis e tela, ou uma pena para escrever. Mas jamais conseguiremos usar fôrmas em telas, ou penas em esculturas.

A cada dia, o seu milagre. Aceite as bênçãos, trabalhe, e crie suas pequenas obras de arte hoje.

Amanhã você receberá mais.


O mosteiro na margem do rio Piedra está cercado por uma linda vegetação — verdadeiro oásis nos campos estéreis daquela parte de Espanha. Ali, o pequeno rio transforma-se numa caudalosa corrente, e se divide em dezenas de cachoeiras.

O viajante caminha por aquele lugar, escutando a música das águas. De repente, uma gruta — debaixo de uma das cachoeiras — chama sua atenção. Ele olha cuidadosamente a pedra gasta pelo tempo, as belas formas que a natureza cria com paciência. E descobre, escrito numa placa, os versos de R. Tagore:

— Não foi o martelo que deixou perfeitas estas pedras, mas a água, com sua doçura, sua dança, e sua canção. Onde a dureza só faz destruir, a suavidade consegue esculpir.


Diz o mestre:

Muita gente tem medo da felicidade. Para estas pessoas, esta palavra significa mudar uma série de hábitos — e perder sua própria identidade.

Muitas vezes nos julgamos indignos das coisas boas que acontecem conosco. Não aceitamos — porque aceitá-las nos dá a sensação de que estamos devendo alguma coisa a Deus.

Pensamos: “É melhor não provar o cálice da alegria, porque, quando este nos faltar, iremos sofrer muito.”

Por medo de diminuir, deixamos de crescer. Por medo de chorar, deixamos de rir.


O mosteiro da Sceta assistiu, certa tarde, a um monge ofender o outro. O superior do mosteiro, abade Sisois, pediu ao monge ofendido que perdoasse seu agressor.

De jeito nenhum — respondeu o monge. — Ele fez, ele terá que pagar.

Na mesma hora, o abade Sisois levantou os braços para o céu e começou a rezar:

Meu Jesus, não precisamos mais de Ti. Já somos capazes de fazer os agressores pagarem por suas ofensas. Já somos capazes de tomar a vingança em nossas mãos, e cuidar do Bem e do Mal Portanto, o Senhor pode afastar-se de nós sem problemas. Envergonhado, o monge perdoou imediatamente seu irmão.


— Todos os mestres dizem que o tesouro espiritual é uma descoberta solitária. Então por que estamos juntos? — perguntou um dos discípulos.

Vocês estão juntos porque um bosque é sempre mais forte que uma árvore solitária — respondeu o mestre. — O bosque mantém a umidade, resiste melhor a um furacão, ajuda o solo a ser fértil. Mas o que faz a árvore forte é a sua raiz. E a raiz de uma planta não pode ajudar outra planta a crescer.

“Estar junto no mesmo propósito, e deixar que cada um cresça à sua maneira, este é o caminho dos que desejam comungar com Deus.”


Quando o viajante tinha dez anos, a mãe obrigou-o a fazer um curso de educação física.

Um dos exercícios era pular de uma ponte na água. Ele morria de medo. Ficava no último lugar da fila, e sofria com cada menino que pulava na frente, porque em pouco tempo chegaria o momento de seu salto. Um dia, o professor vendo seu medo — obrigou-o a ser o primeiro a pular.

Teve o mesmo medo, mas acabou tão rápido que passou a ter coragem.

Diz o mestre:

Muitas vezes temos que dar tempo ao tempo. Outras vezes, temos que arregaçar as mangas, e resolver a situação.

Neste caso, não existe coisa pior do que adiar.


Buda estava reunido com seus discípulos certa manhã, quando um homem se aproximou.

— Existe Deus? — perguntou.

— Existe — respondeu Buda.

Depois do almoço, aproximou-se outro homem.

— Existe Deus? — quis saber.

— Não, não existe — disse Buda.

No final da tarde, um terceiro homem fez a mesma pergunta:

— Existe Deus?

— Você terá que decidir — respondeu Buda.

— Mestre, que absurdo! — disse um dos seus discípulos. — Como o senhor dá respostas diferentes para a mesma pergunta?

— Porque são pessoas diferentes — respondeu o Iluminado.

— E cada uma se aproximará de Deus à sua maneira: através da certeza, da negação e da dúvida.


Somos seres preocupados em agir, fazer resolver, providenciar. Estamos sempre tentando planejar uma coisa, concluir outra, descobrir uma terceira.

Não há nada de errado nisto — afinal de contas, é assim que construímos e modificamos o mundo. Mas faz parte da experiência da vida o ato da Adoração.

Parar de vez em quando, sair de si mesmo, permanecer em silêncio diante do Universo.

Ajoelhar-se com o corpo e com a alma. Sem pedir, sem pensar, sem mesmo agradecer por nada. Apenas viver o amor calado que nos envolve. Nestes momentos, algumas lágrimas inesperadas — que não são nem de alegria, nem de tristeza — podem jorrar.

Não se surpreenda. Isto é um dom. Estas lágrimas estão lavando sua alma.


Diz o mestre:

Se você tiver de chorar, chore como as crianças.

Você foi criança um dia, e uma das primeiras coisas que aprendeu em sua vida foi chorar; porque faz parte da vida. Jamais esqueça que você é livre, e que demonstrar emoções não é uma vergonha.

Grite, soluce alto, faça barulho se tiver vontade — porque assim choram as crianças, e elas sabem a maneira rápida de sossegar seus corações.

Você já reparou como as crianças param de chorar? Alguma coisa as distrai, algo chama a atenção delas para uma nova aventura.

As crianças param de chorar muito rápido.

Assim será também com você — mas apenas se chorar como chora uma criança.


O viajante almoça com uma amiga advogada em Fort Lauderdale. Um bêbado animadíssimo, na mesa ao lado, insiste em puxar conversa o tempo todo. À certa altura, a amiga pede ao bêbado para ficar quieto. Mas ele insiste:

— Por quê? Eu falei de amor como um homem sóbrio nunca fala. Demonstrei alegria, tentei comunicar-me com estranhos. O que há de errado nisto?

— O momento não é apropriado — responde ela.

— Quer dizer que existe hora certa para demonstrar felicidade?

Depois desta frase, o bêbado é convidado para a mesa dos dois.


Diz o mestre:

Devemos cuidar de nosso corpo — ele é o templo do Espírito Santo, e merece nosso respeito e nosso carinho. Devemos aproveitar ao máximo nosso tempo — é preciso lutar por nossos sonhos, e temos de concentrar nossos esforços neste sentido.

Mas é preciso não esquecer que a vida é composta de pequenos prazeres. Eles foram colocados aqui para nos estimular, ajudar nossa busca, nos dar momentos de repouso enquanto travamos nossas batalhas diárias. Não existe pecado algum em ser feliz. Não existe nada de errado em — uma vez ou outra — transgredir certas regras de alimentação, de sono, de alegria.

Não se culpe se — de vez em quando — você perde tempo com bobagens. São os pequenos prazeres que nos dão os grandes estímulos.


Enquanto o mestre viajava para divulgar a palavra de Deus, a casa onde vivia com seus discípulos pegou fogo.

— Ele nos confiou este lugar, e não soubemos cuidar direito — diz um dos discípulos.

Imediatamente, começam a reconstruir o que sobrou do incêndio — mas o mestre volta antes da hora, e vê os trabalhos de reconstrução.

— Então, estamos melhorando: uma casa nova! — diz, com alegria.

Um dos discípulos, envergonhado, conta a verdadeira história: o local onde moravam fora destruído pelas chamas.

— Não consigo entender o que está me contando — responde o mestre. — O que vejo são homens com fé na vida, começando uma nova etapa. Aqueles que perderam a única coisa que tinham estão em melhor posição que muita gente; porque, a partir de agora, só têm a ganhar.


O pianista Arthur Rubinstein atrasou-se para o almoço num importante restaurante de Nova York. Seus amigos começaram a ficar preocupados — mas Rubinstein finalmente apareceu, ao lado de uma loura espetacular, com um terço de sua idade.

Conhecido por seu pão-durismo, nesta tarde ele pediu os pratos mais caros, os vinhos mais raros e sofisticados. No final, pagou a conta com um sorriso nos lábios.

— Sei que vocês devem estar estranhando — disse Rubinstein —, mas hoje fui ao advogado fazer meu testamento. Dei uma boa quantia para minha filha, para meus parentes, fiz generosas doações para obras de caridade. De repente, me dei conta de que eu não estava incluído no meu testamento: era tudo dos outros!

“A partir daí, resolvi me tratar com mais generosidade.”


Diz o mestre:

Se você está percorrendo o caminho de seus sonhos, comprometa-se com ele. Não deixe a porta de saída aberta, através da desculpa: “Ainda não é bem isto que eu queria.”

Esta frase guarda dentro dela a semente da derrota. Assuma o seu caminho. Mesmo que precise dar passos incertos, mesmo que saiba que pode fazer melhor o que está fazendo. Se você aceitar suas possibilidades no presente, com toda certeza vai melhorar no futuro.

Mas, se negar suas limitações, jamais se verá livre delas. Enfrente seu caminho com coragem, não tenha medo da crítica dos outros. E, sobretudo, não se deixe paralisar por sua própria crítica.

Deus estará com você nas noites insones, e enxugará as lágrimas ocultas com Seu amor.

Deus é o Deus dos valentes.


O mestre pediu aos seus discípulos que conseguissem comida. Estavam viajando, e não conseguiam se alimentar direito.

Os discípulos voltaram no final da tarde. Cada um trazia o pouco conseguido por meio da caridade alheia: frutas já podres, pães duros, vinho azedo.

Um dos discípulos, porém, trazia uma saca de maçãs maduras.

— Farei sempre todo o possível para ajudar meu mestre e meus irmãos — disse ele, dividindo as maças com os outros.

— Onde você arranjou isto? — perguntou o mestre.

— Tive que roubá-las — respondeu o discípulo. — Os homens só me deram alimentos velhos, mesmo sabendo que pregamos a palavra de Deus.

— Pois vá embora com suas maçãs, e não volte nunca mais — disse o mestre. — Aquele que rouba por mim, terminará roubando de mim.


Saímos pelo mundo em busca de nossos sonhos e ideais. Muitas vezes colocamos nos lugares inacessíveis o que está ao alcance das mãos. Quando descobrimos o erro, sentimos que perdemos tempo, buscando longe o que estava perto. Culpamo-nos pelos passos errados, pela procura inútil, pelo desgosto que causamos.

Diz o mestre:

Embora o tesouro esteja enterrado na sua casa, você só irá descobri-lo quando se afastar. Se Pedro não tivesse experimentado a dor da negação, não teria sido escolhido como chefe da Igreja. Se o filho pródigo não tivesse abandonado tudo, não seria recebido com festa por seu pai.

Existem certas coisas em nossas vidas que têm um selo dizendo: “Você só irá entender meu valor quando me perder — e me recuperar.” Não adianta querer encurtar este caminho.


O mestre reuniu-se com seu discípulo preferido e perguntou como ia seu progresso espiritual. O discípulo respondeu que estava conseguindo dedicar a Deus todos os momentos de seu dia.

— Então, falta apenas perdoar os seus inimigos — disse o mestre.

O discípulo virou-se, chocado:

— Mas eu não preciso! Não tenho raiva de meus inimigos!

— Você acha que Deus tem raiva de você? — perguntou o mestre.

— Claro que não! — respondeu o discípulo.

— E mesmo assim você pede Seu perdão, não é verdade?

Faça o mesmo com seus inimigos, mesmo que não sinta ódio por eles. Quem perdoa, está lavando e perfumando o próprio coração.


O jovem Napoleão tremia como vara verde durante os ferozes bombardeios no cerco de Toulon.

Um soldado, vendo-o assim, comentou com os outros:

— Reparem como ele está morto de medo!

— Sim — respondeu Napoleão. — Mas continuo combatendo.

Se você sentisse a metade do pavor que estou sentindo, já teria fugido há muito tempo.

Diz o mestre:

O medo não é sinal de covardia. É ele que nos dá possibilidade de agir com bravura e dignidade diante das situações da vida. Quem sente medo — e apesar disso segue adiante, sem deixar-se intimidar — está dando uma prova de valentia. Quem, entretanto, enfrenta situações arriscadas sem dar-se conta do perigo, demonstra apenas irresponsabilidade.


O viajante está numa festa de São João, com barraquinhas, tiro ao alvo, comida caseira.

De repente, um palhaço começa a imitar todos os seus gestos. As pessoas riem, e ele também se diverte. No final, convida-o para tomar um café.

— Comprometa-se com a vida — diz o palhaço. — Se você está vivo, você tem de sacudir os braços, pular, fazer barulho, rir e falar com as pessoas — porque a vida é exatamente o oposto da morte.

“Morrer é ficar sempre na mesma posição. Se você está muito quieto, você não está vivendo.”


Um poderoso monarca chamou um santo padre — que todos diziam ter poderes curativos — para ajudá-lo com as dores na coluna.

— Deus nos ajudará — disse o homem santo. — Mas antes vamos entender a razão destas dores. A confissão faz o homem enfrentar seus problemas, e o liberta de muitas coisas.

E o sacerdote começou a perguntar tudo sobre a vida do rei, desde a maneira como tratava seu próximo até as angústias e aflições do seu reinado. O rei, aborrecido por ter de pensar em problemas, virou-se para o homem santo:

— Não quero falar sobre esses assuntos. Por favor, me traga alguém que cure sem fazer perguntas.

O padre saiu e voltou meia hora depois com outro homem.

— Eis de quem o senhor precisa — disse ele. — Meu amigo é veterinário. Não costuma conversar com seus pacientes.


Discípulo e mestre iam pelo campo certa manhã.

O discípulo pedia uma dieta necessária para a purificação. Por mais que o mestre insistisse que todo alimento é sagrado, o discípulo não queria acreditar.

— Deve existir uma comida que nos aproxima de Deus — insistia o discípulo.

— Bem, talvez você tenha razão. Aqueles cogumelos ali, por exemplo — disse o mestre.

O discípulo animou-se, pensando que os cogumelos lhe trariam purificação e êxtase. Mas deu um grito ao chegar perto:

— São venenosos! Se eu comer algum deles, morro na hora! disse, horrorizado.

— Além desta, não conheço qualquer outra maneira de se aproximar de Deus por meio da alimentação — respondeu o mestre.


No inverno de 1981, o viajante caminha com a mulher pelas ruas de Praga, quando vê um rapaz desenhando os prédios à sua volta.

Gosta de um dos desenhos e resolve comprá-lo. Quando estende o dinheiro, repara que o rapaz estava sem luvas — apesar do frio de -5°C.

— Por que você não usa luvas? — pergunta.

— Para poder segurar o lápis.

Conversam um pouco sobre Praga. O rapaz resolve desenhar o rosto da mulher do viajante, sem cobrar nada. Enquanto espera o desenho ficar pronto, o viajante percebe que algo estranho acontecera; conversara quase cinco minutos com o rapaz, sem que um soubesse falar a língua do outro. Foram apenas gestos, risos, expressões faciais — mas a vontade de compartilhar alguma coisa fez com que entrassem no mundo da linguagem sem palavras.


Um amigo levou Hassam até a porta de uma mesquita, onde um cego pedia esmolas.

— Este cego é o homem mais sábio de nosso país — disse.

— Há quanto tempo o senhor é cego? — perguntou Hassam.

— Desde que nasci — respondeu o homem.

— E o que o transformou em um sábio?

— Como não me conformava com minha cegueira, tentei ser astrônomo — respondeu o homem. — Já que não podia ver os céus, fui obrigado a imaginar as estrelas, o sol, as galáxias. À medida que me aproximava da obra de Deus, terminei me aproximando de sua Sabedoria.


Em um remoto bar da Espanha, perto de uma cidade chamada Olite, existe um cartaz escrito por seu dono: “Justamente quando consegui encontrar todas as respostas, mudaram todas as perguntas.”

Diz o mestre:

Sempre estamos muito ocupados em procurar respostas; consideramos respostas coisas importantes para compreender o sentido da vida.

É mais importante viver plenamente, e deixar que o próprio tempo se encarregue de nos revelar os segredos de nossa existência. Se estamos ocupados demais em encontrar um sentido, não deixamos a natureza atuar, e nos tornamos incapazes de ler os sinais de Deus.


Uma lenda australiana conta a história de um feiticeiro que passeava com suas três irmãs quando se aproximou o mais famoso guerreiro daqueles tempos.

— Quero casar-me com uma destas belas moças — disse.

— Se uma delas casar, as outras vão sofrer. Estou procurando uma tribo onde os guerreiros possam ter três mulheres — respondeu o feiticeiro, afastando-se.

E, durante anos, caminhou pelo continente australiano, sem conseguir encontrar tal tribo.

— Pelo menos uma de nós podia ter sido feliz — disse uma das irmãs, quando já estavam velhos e cansados de tanto andar.

— Eu estava errado — respondeu o feiticeiro. — Mas agora é tarde.

E transformou as três irmãs em blocos de pedra, para que quem por ali passasse pudesse entender que a felicidade de um não significa a tristeza de outros.


O jornalista Wagner Corelli foi entrevistar o escritor argentino Jorge Luis Borges.

Ao terminar a entrevista, ficaram conversando sobre a linguagem que existe além das palavras, e sobre a imensa capacidade que o ser humano tem de entender o seu próximo.

— Vou lhe dar um exemplo — disse Borges.

E começou a dizer algo numa língua estranha. No final, perguntou de que se tratava.

Antes que Wagner pudesse dizer qualquer coisa, o fotógrafo que estava com ele respondeu:

— E a oração do pai-nosso.

— Exato — disse Borges. — E eu a estava recitando em finlandês.


Um treinador de circo consegue manter um elefante aprisionado porque usa um truque muito simples: quando o animal ainda é criança, ele amarra uma de suas patas num tronco muito forte.

Por mais que tente, o elefantinho não consegue soltar-se. Aos poucos, vai se acostumando com a idéia de que o tronco é mais poderoso que ele.

Quando adulto, e dono de uma força descomunal, basta colocar uma corda no pé do elefante e amarrá-la num graveto que ele nem tenta libertar-se — porque se lembra que já tentou muitas vezes, e não conseguiu.

Assim como os elefantes, nossos pés estão amarrados em algo frágil. Mas como, desde criança, nos acostumamos com o poder daquele tronco, não ousamos fazer nada. Sem saber que basta um simples gesto de coragem para descobrir toda nossa liberdade.


Não adianta pedir explicações sobre Deus; você pode escutar palavras muito bonitas, mas, no fundo, são palavras vazias. Da mesma maneira que você pode ler toda uma enciclopédia sobre o amor e não saber o que é amar.

Diz o mestre:

Ninguém vai conseguir provar que Deus existe, ou que não existe. Certas coisas na vida foram feitas para serem experimentadas — nunca explicadas.

O amor é uma destas coisas. Deus — que é amor — também é.

A fé é uma experiência infantil, naquele sentido mágico que Jesus nos ensinou: “É das crianças o Reino dos Céus.”

Deus nunca vai entrar por sua cabeça — a porta que Ele usa é o seu coração.


O abade Pastor costumava dizer que o abade João rezava tanto que não precisava mais se preocupar — suas paixões haviam sido vencidas.

As palavras do abade Pastor terminaram chegando aos ouvidos de um dos sábios do mosteiro de Sceta.

Este chamou os noviços depois da ceia.

Vocês têm escutado dizer que o abade João não tem mais tentações a vencer — disse ele. — A falta de luta enfraquece a alma. Vamos pedir ao Senhor que envie uma tentação bem poderosa para o abade João. E, se ele vencer esta tentação, vamos pedir outra e mais outra. E quando ele estiver de novo lutando contra as tentações, vamos rezar para que ele jamais diga "Senhor, afasta de mim este demônio”. Vamos rezar para que ele peça: “Senhor, dai-me força para enfrentar o mal.”


Existe um momento do dia em que fica difícil enxergar direito: o crepúsculo. Luz e as trevas se encontram — e nada é totalmente claro ou totalmente escuro. Na maior parte das tradições espirituais, este momento é considerado sagrado. A tradição católica nos ensina que às seis horas da tarde devemos rezar a ave-maria. Na tradição quéchua, se encontramos um amigo à tarde e estamos ainda com ele no crepúsculo, devemos começar tudo de novo, saudando-o novamente com um boa-noite.

No momento do crepúsculo, o equilíbrio do planeta e do homem é testado. Deus mistura sombra e luz, quer ver se a Terra tem coragem de continuar girando.

Se a Terra não se assusta com à escuridão, a noite passa — e um novo sol torna a brilhar.


O filósofo alemão Schopenhauer caminhava por uma rua de Dresden, procurando respostas para questões que o angustiavam. De repente, viu um jardim, e resolveu ficar horas seguidas olhando as flores.

Um dos vizinhos notou o comportamento estranho daquele homem, e chamou o Guarda Civil. Minutos depois, um policial se aproximara de Schopenhauer.

— Quem é o senhor? — perguntou o policial, com voz dura.

Schopenhauer olhou de alto a baixo o homem à sua frente:

— Se o senhor souber responder esta pergunta — disse o filósofo — eu lhe serei eternamente grato.


Um homem em busca da sabedoria resolveu ir para as montanhas, pois lhe disseram que a cada dois anos Deus aparecia ali.

Durante o primeiro ano, comeu tudo o que a terra lhe oferecia.

No final, a comida acabou, e teve que retomar à cidade.

Deus é injusto! — exclamou. — Não viu que fiquei aqui durante todo este tempo, procurando ouvir sua voz.

Agora tenho fome, e volto sem escutá-Lo.

Neste momento, um anjo apareceu.

— Deus gostaria muito de conversar com você — disse o anjo. — Durante um ano lhe deu alimento. Esperava que você cuidasse de sua alimentação no próximo ano. Entretanto, o que você plantou? Se um homem não é capaz de produzir frutos no lugar onde vive, não está preparado para conversar com Deus.


Nós pensamos: “Bem, realmente parece que a liberdade do homem consiste em escolher a própria escravidão. Trabalho oito horas por dia, e, se for promovido, passarei a trabalhar doze horas. Casei, e agora não tenho mais tempo para mim mesmo. Procurei Deus, e sou obrigado a ir a cultos, missas, cerimônias religiosas. Tudo que é importante nesta vida — amor, trabalho, fé — termina se transformando em um fardo pesado demais.”

Diz o mestre:

Só o amor nos faz escapar. Só o amor ao que fazemos em liberdade.

Se não podemos amar, é melhor parar agora. Jesus disse: “Se teu olho esquerdo te escandaliza, fura-o. É melhor estar cego de um olho do que fazer com que todo o teu corpo pereça nas trevas.”

A frase é dura. Mas é isso aí.


Um ermitão conseguiu jejuar durante um ano, comendo apenas uma vez por semana. Depois de tanto esforço, pediu que Deus lhe revelasse o verdadeiro significado de determinada passagem bíblica.

Não escutou qualquer resposta.

— Que desperdício de tempo — disse o monge para si mesmo. — Fiz todo este sacrifício e Deus não me responde!

Melhor sair daqui e encontrar algum outro monge que saiba o significado deste texto.

Neste momento, apareceu um anjo.

— Os doze meses de jejum serviram apenas para você acreditar que era melhor que os outros, e Deus não escuta os vaidosos disse o anjo. — Mas quando você foi humilde, e pensou em pedir ajuda ao seu próximo, Deus me enviou.

E o anjo revelou ao monge o que ele queria saber.


Diz o mestre:

Reparem como certas palavras foram construídas para mostrar claramente o que querem dizer.

Tomemos a palavra “preocupação”, e dividamos em duas: pré e ocupação. Significa ocupar-se de uma coisa antes que ela aconteça.

Quem, em todo este universo, pode ter o dom de ocupar-se de uma coisa que ainda não aconteceu?

Nunca se preocupe. Esteja atento ao seu destino e ao seu caminho. Aprenda tudo que precisa aprender para manejar bem a espada da luz que lhe foi confiada. Repare como lutam os amigos, os mestres e os inimigos.

Treine bastante, mas não cometa o pior dos erros: acreditar que sabe qual o golpe que o adversário vai aplicar.


É sexta-feira, você chega em casa e pega alguns jornais que não pôde ler durante a semana. Liga a TV sem som, coloca um disco. Usa o controle remoto para passar de uma estação a outra, enquanto folheia algumas páginas e presta atenção na música que está tocando. Os jornais não trazem nenhuma novidade, a programação da TV é repetitiva, e você já ouviu este disco dezenas de vezes. Sua mulher está cuidando das crianças, sacrificando o melhor da sua juventude, sem entender direito por que está fazendo isto.

Uma desculpa passa por sua cabeça: “Bem, a vida é isto mesmo.” Não, a vida não é isto mesmo. A vida é entusiasmo. Pense onde você deixou seu entusiasmo escondido. Pegue sua mulher e seus filhos, e vá atrás dele, antes que seja tarde demais. O amor nunca impediu ninguém de seguir seus sonhos.


Na véspera de Natal, o viajante e sua mulher faziam um balanço do ano que estava terminando.

Durante o jantar no único restaurante de um povoado nos Pireneus, o viajante começou a reclamar de algo que não tinha ocorrido como desejava.

A mulher olhava fixamente a árvore de Natal que enfeitava o restaurante. O viajante achou que ela não estava mais interessada na conversa, e mudou de assunto:

— Bela a iluminação desta árvore — disse.

— É verdade — respondeu a mulher. — Mas, se você reparar bem, no meio destas dezenas de lâmpadas há uma que está queimada. Me parece que, em vez de ver o ano como dezenas de bênçãos que brilharam, você está fixando seu olhar na única lâmpada que não iluminou nada.


— Vê aquele homem santo, humilde, caminhando pela estrada? — disse um demônio para o outro. — Pois vou até lá conquistar sua alma.

Ele não lhe dará ouvidos, porque só presta atenção em coisas santas — respondeu seu companheiro.

Mas o demônio, ardiloso como sempre, vestiu-se como o Arcanjo Gabriel e apareceu para o homem.

— Vim para ajudá-lo — disse.

— Talvez você esteja me confundindo com outra pessoa — respondeu o santo homem. — Nunca em minha vida fiz nada para merecer a visão de um anjo.

E continuou o seu caminho, sem saber do que havia escapado.


Ângela Pontual assistia a uma peça de teatro na Broadway, e saiu para tomar um uísque no intervalo.

A sala de espera estava lotada; as pessoas fumavam, conversavam, bebiam.

Um pianista tocava. Ninguém prestava atenção à música.

Ângela começou a beber e olhar o músico. Ele parecia entediado, fazendo aquilo por obrigação, doido para que o intervalo terminasse.

Já no seu terceiro uísque, meio tonta, aproximou-se do pianista.

— Você é um chato! Por que não toca apenas para você? — vociferou.

O pianista olhou surpreso para ela. E, no minuto seguinte, começou a tocar as músicas que gostaria de estar tocando. Em pouco tempo, a sala de espera estava em total silêncio. Quando o pianista acabou, todos aplaudiram com entusiasmo.


São Francisco de Assis era um jovem muito popular quando resolveu largar tudo e construir sua obra. Santa Clara era uma bela mulher quando fez voto de castidade.

São Raimundo Lull conhecia os grandes intelectuais da sua época quando se retirou para o deserto.

A busca espiritual é, sobretudo, um desafio. Quem usa para fugir de seus problemas não irá muito longe.

De nada vale retirar-se do mundo aquele que não consegue fazer amigos. Não adianta fazer voto de pobreza porque se é incapaz de ganhar seu próprio sustento. Não adianta ser humilde quando se é covarde.

Uma coisa éter — e renunciar. Outra coisa é não ter — e condenar quem tem. É muito fácil para um homem impotente sair pregando a castidade absoluta, mas que valor tem isso?

Diz o mestre: Louve a obra de Deus. Vença a si mesmo enquanto enfrenta o mundo.


Como é fácil ser difícil. Basta ficar longe dos outros e, desta maneira, não vamos sofrer nunca.

Não vamos correr os riscos do amor, das decepções, dos sonhos frustrados.

Como é fácil ser difícil. Não precisamos nos preocupar com telefonemas que precisam ser dados, com pessoas que pedem nossa ajuda, com a caridade que é necessário fazer. Como é fácil ser difícil. Basta fingir que estamos numa torre de marfim, que jamais derramamos uma lágrima. Basta passar o resto de nossa existência representando um papel. Como é fácil ser difícil. Basta abrir mão do que existe de melhor na vida.


O paciente virou-se para o médico:

— Doutor, o medo me domina, me tira a alegria de viver.

— Aqui no meu consultório tem um ratinho que come meus livros — disse o médico. — Se eu ficar desesperado com este ratinho, ele se esconderá de mim, e não farei outra coisa na vida a não ser caçá-lo.

Portanto, eu coloco os livros mais importantes num lugar seguro, e deixo que ele roa alguns outros.

“Desta maneira, ele continua um ratinho e não se torna um monstro. Tenha medo de algumas coisas, e concentre todo o seu medo nelas — para que tenha coragem no resto.”


Diz o mestre:

Muitas vezes é mais fácil amar que ser amado.

Temos dificuldades em aceitar a ajuda e o apoio dos outros.

Nossa tentativa de parecermos independentes não permite que o próximo tenha oportunidade de demonstrar seu amor.

Muitos pais, na velhice, roubam dos filhos a chance de dar o mesmo carinho e apoio que receberam quando crianças. Muitos maridos (ou mulheres), quando são atingidos por certos raios do destino, sentem-se envergonhados de depender do outro. E, com isto, as águas do amor não se espalham.

É preciso aceitar o gesto de amor do próximo. É preciso permitir que alguém nos ajude, nos apóie, nos dê forças para continuar.

Se aceitamos este amor com pureza e humildade, vamos entender que o Amor não é dar ou receber — é participar.


Eva passeava pelo Jardim do Éden quando a serpente se aproximou.

— Coma esta maçã — disse a serpente.

Eva, muito bem instruída por Deus, recusou.

— Coma esta maçã — insistiu a serpente porque você precisa ficar mais bela para o seu homem.

— Não preciso — respondeu Eva —, porque ele não tem outra mulher além de mim.

A serpente riu:

— Claro que tem.

E como Eva não acreditasse, levou-a até o alto de uma coisa, onde existia um poço.

— Ela está dentro desta caverna; Adão escondeu-a ali.

Eva debruçou-se e viu, refletida na água do poço, uma linda mulher. Na mesma hora, sem titubear, comeu a maça que a serpente lhe oferecia.


Trechos de uma anônima “Carta ao coração”:

“Meu coração: eu jamais te condenarei, te criticarei, ou terei vergonha de tuas palavras. Sei que és uma criança querida de Deus, e Ele te guarda no meio de uma luz radiante e amorosa.“

“Confio em ti, meu coração. Estou do teu lado, sempre pedirei bênçãos em minhas orações, sempre pedirei para que tu encontres a ajuda e o apoio de que necessitas.”

“Confio no teu amor, meu coração. Confio que irás dividir este amor com quem merece ou necessita. Que meu caminho seja o teu caminho, e que caminhemos juntos em direção ao Espírito Santo.”

“E te peço: confia em mim. Saiba que te amo, e que procuro dar-te a liberdade necessária para que continues batendo com alegria em meu peito. Farei tudo que estiver ao meu alcance para que jamais te sintas incomodado com a minha presença à tua volta.”


Diz o mestre:

Quando decidimos agir, é natural que surjam conflitos inesperados. É natural que surjam feridas no decorrer destes conflitos.

As feridas passam: permanecem as cicatrizes, e isto é uma bênção. Estas cicatrizes ficam conosco o resto da vida, e vão nos ajudar muito. Se em algum momento — por comodismo ou qualquer outra razão — a vontade de voltar ao passado for grande, basta olhar para elas.

As cicatrizes vão nos mostrar a marca das algemas, vão nos lembrar os horrores da prisão — e continuaremos caminhando para frente.


Na sua epístola aos Coríntios, São Paulo nos diz que a doçura é uma das principais características do amor.

Não esqueçamos nunca: o amor é ternura. Uma alma rígida não permite que a mão de Deus a molde de acordo com Seus desejos.

O viajante caminhava por uma pequena estrada no norte da Espanha quando viu um camponês deitado num jardim.

— O senhor está amassando as flores — disse.

— Não — respondeu ele. — Estou tentando tirar um pouco da doçura delas.


Diz o mestre:

Reze todos os dias. Mesmo sem palavras, sem pedidos, sem entender por que, faça da oração um hábito. Se no começo for difícil, proponha a você mesmo: “Vou rezar todos os dias desta próxima semana.” E renove esta promessa a cada sete dias.

Lembre-se de que você não está apenas criando um laço mais íntimo com o mundo espiritual; também treina a sua vontade. É através de certas práticas que desenvolvemos a disciplina necessária para o verdadeiro combate da vida.

Não adianta esquecer a promessa, e no dia seguinte rezar duas vezes. Tampouco adianta rezar sete orações num mesmo dia, e passar o resto da semana achando que cumpriu sua tarefa.

Certas coisas precisam acontecer na medida e no ritmo certos.


Um homem mau, ao morrer, encontra um anjo na porta do inferno.

O anjo lhe diz:

— Basta você ter feito alguma coisa boa nesta vida, e esta coisa boa o ajudará.

O homem responde:

— Nunca fiz nada de bom nesta vida.

— Pense bem — insiste o anjo.

O homem então se lembra de que, certa vez, enquanto andava por uma floresta, viu uma aranha no seu caminho — e deu a volta, evitando pisá-la.

O anjo sorri e um fio de aranha desce dos céus, permitindo que o homem suba até o Paraíso. Outros condenados aproveitam para subir também — mas o homem se vira e começa a empurrá-los, pois tem medo de que o fio se rompa.

Neste momento o fio arrebenta, e o homem é de novo projetado no inferno.

— Que pena — o homem escuta o anjo dizer. — Seu egoísmo transformou em mal a única coisa boa que você fez.


Diz o mestre:

A encruzilhada é um lugar sagrado. Ali o peregrino tem de tomar uma decisão. Por isso os deuses costumam dormir e comer nas encruzilhadas.

Onde as estradas se cruzam, se concentram duas grandes energias — o caminho que será escolhido, e o caminho que será abandonado. Ambos se transformam em um caminho só — mas apenas por um pequeno período de tempo.

O peregrino pode descansar, dormir um pouco, até mesmo consultar os deuses que habitam as encruzilhadas. Mas ninguém pode ficar ali para sempre: uma vez feita a escolha, é preciso seguir adiante, sem pensar no caminho que deixou de percorrer.

Ou a encruzilhada se transforma em maldição.


Em nome da Verdade, a raça humana cometeu seus piores crimes. Homens e mulheres foram queimados.

A cultura de civilizações inteiras foi destruída.

Os que cometiam os pecados da carne eram mantidos à distância. Os que procuravam um caminho diferente eram marginalizados.

Um deles, em nome da “verdade”, terminou crucificado. Mas — antes de morrer — deixou a grande definição da Verdade. Não é o que nos dá certezas.

Não é o que nos dá profundidade.

Não é o que nos faz melhor que os outros.

Não é o que nos mantém na prisão dos preconceitos.

A Verdade é o que nos faz livres.

— Conhecereis a Verdade, e a Verdade nos libertará — disse Ele.


Um dos monges do mosteiro de Sceta cometeu uma falta grave, e chamaram o ermitão mais sábio para que pudesse julgá-la.

O ermitão se recusou, mas insistiram tanto que ele terminou por ir. Antes, porém, pegou um balde e furou-o em vários lugares. Depois, encheu o balde de areia e se encaminhou para o convento.

O superior, ao vê-lo entrar, perguntou o que era aquilo.

— Vim julgar meu próximo — disse o ermitão. — Meus pecados estão escorrendo atrás de mim, como a areia escorre deste balde. Mas, como não olho para trás, e não me dou conta dos meus próprios pecados, fui chamado para julgar meu próximo!

Os monges desistiram da punição na mesma hora.


Estava escrito na parede de uma pequena igreja nos Pireneus: “Senhor, que esta vela que acabo de acender seja luz e me ilumine em minhas decisões e dificuldades. Que seja fogo para que Tu queimes em mim o egoísmo, orgulho, e impurezas.

Que seja chama para que Tu aqueças meu coração e me ensines a amar.

Eu não posso ficar muito tempo em Tua igreja.

Mas, deixando esta vela, um pouco de mim mesmo permanece aqui. Me ajuda a prolongar minha prece nas atividades deste dia. Amém.”


Um amigo do viajante resolveu passar algumas semanas num mosteiro do Nepal. Certa tarde, entrou num dos muitos templos do mosteiro, e encontrou um monge, sorrindo, sentado no altar.

— Por que o senhor sorri? — perguntou ao monge.

— Porque entendo o significado das bananas — disse o monge, abrindo a bolsa que carregava, e tirando uma banana podre de dentro. — Esta é a vida que passou e não foi aproveitada no momento certo, agora é tarde demais.

Em seguida, tirou da bolsa uma banana ainda verde.

Mostrou-a e tornou a guardá-la.

— Esta é a vida que ainda não aconteceu, é preciso esperar o momento certo — disse.

Finalmente, tirou uma banana madura, descascou-a, e dividiu-a com meu amigo, dizendo:

— Este é o momento presente. Saiba vivê-lo sem medo.


Baby Consuelo tinha saído com o dinheiro contado para levar o filho ao cinema.

O garoto estava animadíssimo, e a toda hora perguntava quanto tempo demorariam para chegar.

Ao parar no sinal, viu um mendigo sentado na calçada — sem pedir nada.

— Dê todo o dinheiro que você carrega para ele — escutou uma voz dizer.

Baby argumentou com a voz — havia prometido levar o filho ao cinema.

— Dê tudo — insistiu a voz.

— Posso dar metade, meu filho entra sozinho, e eu espero na saída — disse ela.

Mas a voz não queria conversa:

— Dê tudo.

Baby nem teve tempo de explicar para o garoto: parou o carro e estendeu todo o dinheiro que carregava para o mendigo.

— Deus existe, e a senhora me mostrou isto — disse o mendigo.

— Hoje é meu aniversário. Eu estava triste, envergonhado de estar sempre esmolando. Então resolvi não pedir nada e pensei: se Deus existe, ele me dará um presente.


Um homem vai passando por uma aldeia, em pleno temporal, e vê uma casa se incendiando.

Ao se aproximar, nota um outro homem — com fogo até nas sobrancelhas — sentado na sala em chamas.

— Ei, sua casa está pegando fogo! — diz o peregrino.

— Eu sei disso — responde o homem.

— Então por que você não sai?

— Porque está chovendo — diz o homem. — Minha mãe me disse que a chuva pode nos trazer pneumonia.

Zao Chi comenta sobre a fábula: “Sábio é o homem que consegue mudar de situação quando se vê forçado a isto.”


Em certas tradições mágicas, os discípulos tiram um dia por ano — ou um final de semana, se for necessário — para entrar em contato com os objetos de sua casa. Tocam cada coisa e perguntam em voz alta:

— Preciso realmente disto?

Pegam os livros na estante:

— Vou reler este livro algum dia?

Olham as recordações que guardaram:

— Ainda considero importante o momento que este objeto me faz lembrar?

Abrem todos os armários:

— Há quanto tempo tenho isto e não usei? Será que vou precisar mesmo?

Diz o mestre:

As coisas têm energia própria. Quando não utilizadas, terminam se transformando em água parada dentro de casa — um bom lugar para mosquitos e podridão.

É preciso estar atento, deixar a energia fluir livremente. Se você mantém o que é velho, o novo não tem espaço para manifestar-se.


Uma velha lenda peruana fala de uma cidade onde todos eram felizes. Seus habitantes faziam o que desejavam e se entendiam bem — menos o prefeito, que vivia triste porque não conseguia governar nada.

A prisão estava vazia, o tribunal nunca era usado, e o tabelionato não dava lucro, porque a palavra valia mais que o papel.

Um dia, o prefeito mandou vir operários de longe, que fecharam com tapume o centro da praça principal; ouviram-se martelos batendo, e serras cortando madeira. No final de uma semana, o prefeito convidou a todos da cidade para a inauguração. Com solenidade, os tapumes foram retirados, e apareceu... uma forca.

As pessoas começaram a se perguntar o que aquela forca estava fazendo ali. Com medo, passaram a procurar a justiça para qualquer coisa que antes era resolvida de comum acordo. Recorriam ao tabelião para registrar documentos que antes eram substituídos pela palavra. E voltavam a escutar o prefeito, com medo da lei.

A lenda diz que a forca nunca foi usada. Mas bastou sua presença para mudar tudo.


O psiquiatra alemão Viktor Frank descreve sua experiência num campo de concentração nazista: "...no meio de castigo humilhante, um preso disse: 'ah, que vergonha se nossas mulheres nos vissem assim!’ O comentário fez lembrar o rosto de minha esposa e, no mesmo instante, me jogou para fora daquele inferno. A vontade de viver retomou, me dizendo que a salvação do homem é por e pelo amor.

Ali estava eu, no meio do suplício, e ainda assim capaz de entender Deus, porque podia contemplar mentalmente a face de minha amada.”

“O guarda mandou que todos parassem, mas não obedeci — porque não estava no Inferno naquele momento. Embora não tivesse como descobrir se minha mulher estava viva ou morta, isto não mudava nada. Contemplar mentalmente sua imagem me devolvia a dignidade e a força. Mesmo quando retiram tudo de um homem, ele ainda tem a bem-aventurança de lembrar-se do rosto de quem ama — e isto o salva.”


Diz o mestre:

Daqui por diante — e por algumas centenas de anos — o universo vai boicotar os preconceituosos.

A energia da Terra precisa ser renovada. As ideias novas precisam de espaço. O corpo e a alma precisam de novos desafios. O futuro bate à nossa porta, e todas as idéias — exceto as que envolvem preconceitos — terão chance de aparecer.

O que for importante ficará; o que for inútil, desaparecerá. Mas que cada um julgue apenas as próprias conquistas: não somos juízes dos sonhos de nosso próximo.

Para ter fé em nosso caminho, não é preciso provar que o caminho do outro está errado. Quem age assim, não confia nos próprios passos.


A vida é como uma grande corrida de bicicleta — cuja meta é cumprir a Lenda Pessoal.

Na largada, estamos juntos — compartilhando camaradagem e entusiasmo. Mas, à medida que a corrida se desenvolve, a alegria inicial cede lugar aos verdadeiros desafios: o cansaço, a monotonia, as dúvidas quanto à própria capacidade. Reparamos que alguns amigos desistiram do desafio — ainda estão correndo, mas apenas porque não podem parar no meio de uma estrada. Eles são numerosos, pedalam ao lado do carro de apoio, conversam entre si, e cumprem uma obrigação.

Terminamos por nos distanciar deles; e então somos obrigados e enfrentar a solidão, as surpresas com as curvas desconhecidas, os problemas com a bicicleta.

Perguntamo-nos finalmente se vale a pena tanto esforço.

Sim, vale. É só não desistir.


Mestre e discípulo caminham pelos desertos da Arábia.

O Mestre aproveita cada momento da viagem para ensinar ao discípulo sobre a fé.

— Confie suas coisas a Deus — diz ele —, Deus jamais abandona seus filhos.

De noite, ao acamparem, o Mestre pede que o discípulo amarre os cavalos numa rocha próxima. Ele vai até a rocha, mas lembra-se dos ensinamentos do Mestre:

"Ele está me testando”, pensa. “Devo confiar os cavalos a Deus.” E deixar os cavalos soltos.

De manhã, o discípulo descobre que os animais fugiram. Revoltado, procura o Mestre.

— Você nada entende sobre Deus — reclama. — Eu entreguei a Ele a guarda dos cavalos. E os animais não estão lá.

— Deus queria cuidar dos cavalos — responde o Mestre.

— Mas, naquele momento, Ele precisava de suas mãos para amarrá-los.


Talvez Jesus tenha enviado alguns de seus apóstolos ao inferno para salvar almas — diz John. — Mesmo no inferno, nem tudo está perdido.

A ideia surpreende o viajante. John é bombeiro em Los Angeles e está em seu dia de folga.

— Por que você diz isto? — pergunta.

— Porque tenho experimentado o inferno aqui na terra.

Entro no meio de edifícios em chamas, vejo pessoas desesperadas tentando sair, e muitas vezes cheguei a arriscar minha vida para salvá-las. Sou apenas uma partícula neste universo imenso, forçado a agir como herói no meio dos muitos infernos de fogo que conheço. Se eu — que não sou nada — consigo agir assim, imagine o que Jesus não deve fazer! Com certeza, alguns de Seus apóstolos estão infiltrados no inferno, salvando almas.


Diz o mestre:

Grande parte das civilizações primitivas costumava enterrar seus mortos na posição fetal. “Ele está nascendo para uma outra vida, de modo que vamos colocá-lo na mesma posição que estava quando veio para este mundo”, comentavam. Para estas civilizações — em constante contato com o milagre da transformação —, a morte era apenas mais um passo no longo caminho do universo. Aos poucos, o mundo foi perdendo a suave visão da morte.

Mas não importa o que pensamos, o que fazemos, ou em que acreditamos: vamos todos morrer um dia.

É melhor fazer como os velhos índios iaqui: usar a morte como conselheira. Perguntar sempre: “Já que vou morrer, o que devo fazer agora?”


A vida não é pedir ou dar conselhos. Se precisamos de ajuda, é melhor ver como as outras pessoas resolvem, ou não, seus problemas.

Nosso anjo está sempre presente, e muitas vezes usa os lábios de alguém para nos dizer algo. Mas esta resposta nos vem de maneira casual, geralmente quando, embora atentos, não deixamos que nossas preocupações turvem o milagre da vida.

Deixemos nosso anjo falar de maneira como ele está acostumado — quando ele achar que precisa.

Diz o mestre:

Os conselhos são a teoria da vida — e a prática, em geral, é muito diferente.


Um padre da Renovação Carismática do Rio de Janeiro estava num ônibus, quando escutou uma voz dizendo que devia levantar-se e pregar a palavra de Cristo ali mesmo. O padre começou a conversar com a voz:

— Vão me achar ridículo, isto não é lugar para sermão.

Mas algo dentro dele insistia, era preciso falar.

— Sou tímido, por favor não me peça isto — implorou.

O impulso interior persistia.

Então ele lembrou-se de sua promessa — aceitar todos os desígnios de Cristo. Levantou-se — morrendo de vergonha — e começou a falar do Evangelho. Todos escutaram em silêncio. Ele olhou cada passageiro, e raros desviaram os olhos. Disse tudo o que sentia, terminou o sermão, e sentou-se de novo.

Até hoje não sabe que tarefa cumpriu naquele momento.

Mas tem absoluta certeza de que cumpriu uma tarefa.


Um feiticeiro africano conduz seu aprendiz pela floresta. Embora mais velho, caminha com agilidade, enquanto seu aprendiz escorrega e cai a todo instante. O aprendiz blasfema, levanta-se, cospe no chão traiçoeiro, e continua a acompanhar seu mestre.

Depois de longa caminhada, chegam a um lugar sagrado. Sem parar, o feiticeiro dá meia volta e começa a viagem de volta.

— Você não me ensinou nada hoje — diz o aprendiz, levando mais um tombo.

— Ensinei sim, mas você parece que não aprende — responde o feiticeiro. — Estou tentando lhe ensinar como se lida com os erros da vida.

— E como lidar com eles?

— Como deveria lidar com seus tombos — responde o feiticeiro. — Em vez de ficar amaldiçoando o lugar onde caiu, devia procurar aquilo que te fez escorregar.


O abade Pastor estava certa tarde no mosteiro de Sceta quando recebeu a visita de um ermitão.

— Meu orientador espiritual não sabe como me dirigir — disse o recém-chegado. — Devo deixá-lo?

O abade Pastor nada disse, e o ermitão voltou para o deserto. Uma semana depois, foi de novo visitar o abade Pastor.

— Meu orientador espiritual não sabe como me dirigir — disse. — Resolvi deixá-lo.

— Estas são palavras sábias — respondeu o abade Pastor.

— Quando um homem percebe que sua alma não está contente, ele não pede conselhos; toma as decisões necessárias para preservar sua caminhada nesta vida.


Uma jovem se aproxima do viajante.

— Quero lhe contar algo — diz. — Sempre acreditei que tinha o dom da cura. Mas não tinha coragem de tentar com ninguém. Até que um dia meu marido estava com muita dor na perna esquerda, não havia ninguém por perto para ajudar, e eu resolvi — morrendo de vergonha — colocar minhas mãos sobre sua perna, e pedir que a dor passasse. “Agi sem acreditar que seria capaz de ajudá-lo, quando o escutei rezando. 'Faça, Senhor, com que minha mulher seja capaz de ser mensageira de Tua luz, de Tua Força’, dizia ele. Minha mão começou a esquentar, e as dores logo passaram. Depois perguntei por que havia rezado daquela maneira. Ele respondeu que foi para me dar confiança. Hoje sou capaz de curar, graças àquelas palavras.”


O filósofo Aristipo cortejava o poder da corte de Dionísio, tirano de Siracusa.

Certa tarde encontrou Diógenes preparando para si mesmo um pequeno prato de lentilhas.

— Se você cumprimentasse Dionísio, não seria forçado a comer lentilhas — disse Aristipo.

— Se você soubesse comer lentilhas, não seria forçado a cumprimentar Dionísio — respondeu Diógenes.

Diz o mestre:

É verdade que existe um preço para tudo, mas este preço é relativo. Quando seguimos nossos sonhos, podemos dar a impressão aos outros de que somos miseráveis e infelizes. Mas o que os outros pensam não importa: o que importa é a alegria em nosso coração.


Um homem que vivia na Turquia escutou falar de um grande mestre que morava na Pérsia.

Sem hesitar, vendeu todas as suas coisas, despediu-se da família, e foi em busca da sabedoria.

Depois de anos viajando, conseguiu chegar diante da cabana onde morava o grande mestre. Cheio de temor e respeito, aproximou-se e bateu.

O grande mestre abriu a porta.

— Venho da Turquia — disse. — Fiz esta viagem inteira para fazer apenas uma pergunta.

O velho olhou com surpresa:

— Está bem. Pode fazer apenas uma pergunta.

— Preciso ser claro no que vou perguntar; posso fazer a pergunta em turco?

— Pode — disse o sábio —, e já respondi sua única pergunta. Qualquer outra coisa que você quiser saber, pergunte ao seu coração; ele dará a resposta.

E fechou a porta.


Diz o mestre:

A palavra é poder. As palavras transformam o mundo e o homem.

Todos nós já escutamos dizer: “Não se deve falar das coisas boas que nos acontecem, pois a inveja alheia destruirá nossa alegria.”

Nada disso: os vencedores falam com orgulho dos milagres em suas vidas. Se você coloca energia positiva no ar, ela atrai mais energia positiva — e alegra aqueles que realmente lhe querem bem.

Quanto aos invejosos, aos derrotados — estes só poderão lhe causar algum dano se você lhes der este poder.

Não tema. Fale das coisas boas da sua vida para quem quiser ouvir. A Alma do Mundo precisa muito de sua alegria.


Havia um rei de Espanha que se orgulhava muito de sua linhagem, e que era conhecido por sua crueldade com os mais fracos. Certa vez, caminhava com sua comitiva por um campo de Aragón, onde — anos antes — havia perdido seu pai em uma batalha.

Ali encontrou um homem santo remexendo uma enorme pilha de ossos.

— O que fazes aí? — perguntou o rei.

— Honrada veja Vossa Majestade — disse o homem santo. — Quando soube que o rei de Espanha vinha por aqui, resolvi recolher os ossos de vosso falecido pai para entregar-vos. Entretanto, por mais que procure, não consigo achá-los: eles são iguais aos ossos dos camponeses, dos pobres, dos mendigos e dos escravos.


Do poeta afro-americano Langston Hughes:

“Eu conheço os rios.”

“Eu conheço rios tão antigos como o mundo, e mais velhos que o fluxo de sangue nas veias humanas.”

“Minha alma é tão profunda como os rios.”

“Eu me banhei no Eufrates, na aurora da civilização.” “Eu fiz minha cabana na margem do Congo, e suas águas me cantaram uma canção de ninar.”

“Eu vi o Nilo, e construí as pirâmides.”

“Eu escutei o canto do Mississipi quando Lincoln viajou até New Orleans, e vi suas águas tornarem-se douradas ao entardecer”

“Minha alma se tornou tão profunda como os rios.”


— Quem é o melhor no uso da espada?

— perguntou o guerreiro.

— Vá até o campo perto do monastério — disse o mestre.

— Ali existe uma rocha. Insulte-a.

— Por que devo fazer isto? — perguntou o discípulo. — A rocha jamais me responderá de volta!

— Então, ataque-a com sua espada — disse o mestre.

— Tampouco farei isto — respondeu o discípulo. — Minha espada se quebrará. E se atacá-la com minhas mãos, ferirei meus dedos sem conseguir nada. Minha pergunta era outra: quem é o melhor no uso da espada?

— O melhor é o que se parece com a rocha — disse o mestre. — Sem desembainhar a lâmina, consegue mostrar que ninguém poderá vencê-lo.


O viajante chega ao vilarejo de San Martin de Unx, em Navarra, e consegue localizar a mulher que guarda a chave da bela igreja romântica, no povoado quase sem ruínas.

Muito gentilmente, ela sobe as ruelas estreitas e abre a porta. A escuridão e o silêncio do templo medieval comovem o viajante. Conversa um pouco com a mulher — e à certa altura comenta que, embora seja meio-dia, pouco se pode ver das belíssimas obras de arte que estão ali dentro.

"Só podemos ver os detalhes ao amanhecer”, diz a mulher.

“Conta a lenda que era isto que os construtores desta igreja queriam nos ensinar: que Deus tem sempre uma hora certa para nos mostrar sua glória.”


Diz o mestre:

Existem dois deuses. O deus que nossos professores nos ensinaram, e o Deus que nos ensina. O deus sobre o qual as pessoas costumam conversar, e o Deus que conversa conosco. O deus que aprendemos a temer, e o Deus que nos fala de misericórdia.

Existem dois deuses. O deus que está nas alturas, e o Deus que participa de nossa vida diária. O deus que nos cobra, e o Deus que perdoa nossas dívidas. O deus que nos ameaça com os castigos do inferno, e o Deus que nos mostra o melhor caminho. Existem dois deuses. Um deus que nos esmaga com nossas culpas, e um Deus que nos liberta com Seu amor.


Certa vez perguntaram ao escultor Michelangelo como fazia para criar obras tão magníficas.

— É muito simples — respondeu Michelangelo.

— Quando olho um bloco de mármore, vejo a escultura dentro. Tudo que tenho de fazer é retirar as aparas.

Diz o mestre:

Existe uma obra de arte que nos foi destinado criar.

Ela é o ponto central de nossa vida, e — por mais que tentemos nos enganar — sabemos como é importante para nossa felicidade. Geralmente esta obra de arte está coberta por anos de medos, culpas, indecisões.

Mas, se decidimos tirar estas aparas, se não duvidamos de nossa capacidade, somos capazes de levar adiante a missão que nos foi designada. E esta é a única maneira de viver com honra.


Um ancião que está para morrer procura um jovem, e narra uma história de heroísmo: durante uma guerra, ajudou um homem a fugir.

Deu-lhe abrigo, alimento e proteção. Quando já estavam chegando a um lugar seguro, este homem decidiu traí-lo e entregá-lo ao inimigo.

— E como você escapou? — pergunta o jovem.

— Não escapei; sou o outro, sou aquele que traiu — diz o velho. — Mas ao contar esta história como se fosse o herói, posso compreender tudo o que ele fez por mim.


Diz o mestre:

Todos nós precisamos de amor. O amor faz parte da natureza humana — tanto quanto comer, beber, e dormir. Muitas vezes sentamos diante de um belo pôr-do-sol, completamente sós, e pensamos:

“Nada disto tem importância, porque não posso compartilhar toda esta beleza com alguém.”

Nestes momentos, vale a pena perguntar: quantas vezes nos pediram amor, e nós simplesmente viramos o rosto para o outro lado? Quantas vezes tivemos medo de nos aproximar de alguém, e dizer, com todas as letras, que estávamos apaixonados?

Cuidado com a solidão. Ela vicia tanto quanto as drogas mais perigosas. Se o pôr-do-sol parece não ter mais sentido para você, seja humilde, e parta em busca de amor. Saiba que — assim como outros bens espirituais —, quanto mais estiver disposto a dar, mais você receberá em troca.


Um missionário espanhol visitava uma ilha quando encontrou três sacerdotes astecas.

— Como vocês rezam? — perguntou o padre.

— Temos apenas uma oração — respondeu um dos astecas.

— Dizemos: “Deus, Tu és três, e nós somos três. Tende piedade de nós.”

— Vou ensinar uma oração que Deus escuta — disse o missionário.

Ensinou uma oração católica, e seguiu seu caminho. Pouco antes de retornar à Espanha, teve que passar por aquela mesma ilha onde estivera alguns anos antes. Quando a caravela se aproximava, o padre viu os três sacerdotes caminhando sobre as águas.

— Padre, padre — disse um deles. — Por favor, torne a nos ensinar a oração que Deus escuta, porque não conseguimos lembrar.

— Não importa — respondeu o padre, ao ver o milagre.

E pediu perdão a Deus, por não haver entendido que Ele falava todas as línguas.


San Juan de la Cruz ensina que, em nossa caminhada espiritual, não devemos procurar visões, ou sair atrás de declarações de outros que percorreram este caminho. Nosso único apoio deve ser a fé — porque a fé é algo límpido, transparente, que nasce dentro de nós, e não pode ser confundida.

Um escritor estava conversando com um padre e perguntou-lhe o que era a experiência de Deus.

— Não sei — respondeu o padre. — Tudo que tive até hoje foi a experiência da minha fé em Deus.

E isto é o mais importante.


Diz o mestre:

O perdão é uma estrada de mão dupla.

Sempre que perdoamos alguém, estamos também perdoando a nós mesmos. Se somos tolerantes com os outros, fica mais fácil aceitar nossos próprios erros. Assim, sem culpa e sem amargura, conseguimos melhorar nossa atitude diante da vida.

Quando — por fraqueza — permitimos que o ódio, a inveja, a intolerância fiquem vibrando ao nosso redor, terminamos consumidos por esta vibração.

Pedro perguntou a Cristo:

— Mestre, devo perdoar sete vezes meu próximo?

E Cristo respondeu:

— Não apenas sete, mas setenta vezes.

O ato de perdoar limpa o plano astral, e nos mostra a verdadeira luz da Divindade.


Diz o mestre:

Os antigos mestres costumavam criar “personagens” para ajudar seus discípulos a lidar com o lado mais sombrio da personalidade. Muitas das histórias relacionadas com a criação de personagens se transformaram em famosos contos de fadas.

O processo é simples: basta colocar suas angústias, medos, decepções em um ser invisível que está do seu lado esquerdo. Ele funciona como o “vilão” de sua vida, sempre sugerindo atitudes que você não gostaria de tomar — mas termina tomando. Uma vez criado tal personagem, fica mais fácil não obedecer a seus conselhos. É extremamente simples. E por isso funciona muito bem.


Como posso saber a melhor maneira de agir na vida? perguntou o discípulo ao mestre.

O mestre pediu que construísse uma mesa. Quando a mesa estava quase pronta — bastando apenas cravar os pregos da parte de cima —, o mestre aproximou-se.

O discípulo cravava os pregos com três golpes precisos.

Um prego, porém, estava mais difícil, e o discípulo precisou dar mais um golpe. O quarto golpe enterrou o prego fundo demais, e a madeira foi atingida.

— Sua mão estava acostumada com três marteladas — disse o mestre. — Quando qualquer ação passa a ser governada pelo hábito, ela perde seu sentido; e pode terminar causando danos.

“Cada ação é uma ação, e só existe um segredo: jamais deixe que o hábito comande seus movimentos.”


*Perto da cidade de Soria, na Espanha, existe uma antiga ermida encravada na rocha, onde vive — há alguns anos — um homem que abandonou tudo para dedicar-se à contemplação, O viajante vai procurá-lo numa tarde deste outono; é recebido com toda hospitalidade possível. Depois de dividir um pedaço de pão, o ermitão pede que o acompanhe até um riacho próximo, para colher alguns cogumelos comestíveis.

No caminho, um jovem se aproxima.

Santo homem — disse tenho escutado dizer que, para atingir a iluminação, não devemos comer carne.

É verdade?

Aceita com alegria tudo o que a vida te oferece — responde o homem. — Não pecarás contra o espírito, mas tampouco blasfemarás contra a generosidade da terra.


Diz o mestre:

Se a caminhada está muito difícil, procure ouvir seu coração. Procure ser o mais honesto possível consigo mesmo, veja se está mesmo seguindo seu caminho, pagando o preço dos seus sonhos.

Se mesmo assim você continua apanhando da vida, chega um momento em que é preciso reclamar. Faça isto com respeito, como um filho reclama de um pai, mas não deixe de pedir um pouco mais de atenção e de ajuda. Deus é pai e mãe, e os pais sempre esperam o melhor de seu filho. Pode ser que o ensino esteja sendo puxado demais, e não custa nada pedir uma pausa, um carinho.

Mas nunca exagere. Jó reclamou na hora certa, e teve seus bens de volta. Al Afid habituou-se a reclamar de tudo, e Deus deixou de escutá-lo.


As festas de Valência, na Espanha, têm um curioso ritual, cuja origem está na antiga comunidade dos carpinteiros. Durante o ano inteiro, artesãos e artistas constroem gigantescas esculturas de madeira. Na semana de festa, levam estas esculturas para o centro da praça principal As pessoas passam, comentam, deslumbram-se e ficam comovidas com tanta criatividade. Então, no dia de São José, todas estas obras de arte — exceto uma — são queimadas numa gigantesca fogueira, diante de milhares de curiosos.

— Por que tanto trabalho à toa? — perguntou uma inglesa, enquanto as imensas labaredas subiam aos céus.

— Você também vai acabar um dia — respondeu uma espanhola. — Já imaginou se, neste momento, algum anjo perguntasse a Deus: “Por que tanto trabalho à toa?”


Um homem muito piedoso viu-se, de repente, privado de todas as suas riquezas. Sabendo que Deus era capaz de ajudá-lo em qualquer circunstância, começou a rezar:

— Senhor, faz com que eu ganhe na loteria — pedia ele. Durante anos e anos ele rezou, e continuou pobre. Finalmente chegou o dia de sua morte e, como era muito piedoso, foi direto para o céu.

Lá chegando, recusou-se a entrar. Disse que vivera toda a sua existência de acordo com os preceitos religiosos que lhe ensinaram, e que Deus jamais fizera com que ganhasse na loteria.

— Tudo que o Senhor prometeu não passa de uma mentira — disse o homem, revoltado.

Estive sempre pronto para ajudá-lo a ganhar — respondeu o Senhor. — Entretanto, por mais que eu quisesse ajudá-lo, você nunca comprou um bilhete de loteria.


Um velho sábio chinês caminhava por um campo de neve quando viu uma mulher chorando.

— Por que choras? — perguntou ele.

— Porque me lembro do passado, da minha juventude, da beleza que via no espelho, dos homens que amei. Deus foi cruel comigo porque me deu memória. Ele sabia que eu ia recordar a primavera de minha vida, e chorar.

O sábio ficou contemplando o campo de neve, com o olhar fixo em determinado ponto.

A certa altura, a mulher parou de chorar:

— O que estás vendo aí? — perguntou.

— Um campo de rosas — disse o sábio. — Deus foi generoso comigo porque me deu memória. Ele sabia que, no inverno, eu poderia sempre recordar a primavera, e sorrir.


Diz o mestre:

A Lenda Pessoal não é tão simples como parece. Pelo contrário, pode ser uma atividade perigosa. Quando queremos algo, colocamos em marcha energias poderosas, e já não podemos esconder de nós mesmos o verdadeiro sentido de nossa vida.

Quando queremos algo, fazemos uma escolha do preço a pagar.

Seguir um sonho tem um preço. Pode exigir que abandonemos velhos hábitos, pode nos fazer passar dificuldades, ter decepções etc.

Mas, por mais alto que seja este preço, nunca é tão alto como o que é pago por quem não viveu sua Lenda Pessoal. Porque estes um dia vão olhar para trás, ver tudo o que fizeram, e escutar o próprio coração dizer:

“Desperdicei minha vida.”

Acreditem, esta é uma das piores frases que alguém pode ouvir.


Em um dos seus livros, Castañeda conta que, certa vez, seu mestre mandou-o colocar o cinto da calça na direção contrária à que estava acostumado.

Castañeda assim o fez, certo de que estava aprendendo um poderoso instrumento de poder.

Meses depois, comentou com seu mestre que graças àquela prática mágica estava aprendendo mais rápido que antes.

— Ao inverter a direção do cinto, transformei energia negativa em positiva — disse.

O mestre deu gostosas gargalhadas.

— Cintos nunca modificaram energia! Mandei você fazer isto para que, sempre que vestisse a calça, lembrasse que está num aprendizado mágico. Foi a consciência do aprendizado — e não o cinto — que fez você crescer.


Um mestre tinha centenas de discípulos.

Todos rezavam na hora certa — exceto um, que vivia bêbado. No dia da sua morte, o mestre chamou o discípulo bêbado e lhe transmitiu os segredos ocultos.

Os outros se revoltaram.

— Que vergonha! — diziam. — Pois nos sacrificamos por um mestre errado, que não sabe ver nossas qualidades.

Disse o mestre:

— Eu precisava passar estes segredos para um homem que eu conhecesse bem. Os que parecem muito virtuosos, geralmente escondem a vaidade, o orgulho, a intolerância. Por isso escolhi o único discípulo em que eu podia ver o defeito: a bebedeira.


Do padre Cisterciense Marcos Garcia:

“Às vezes Deus retira uma determinada bênção para que a pessoa possa compreendê-Lo além dos favores e dos pedidos. Ele sabe até que ponto pode provar uma alma — e nunca vai além deste ponto.”

“Nestes momentos, jamais digamos 'Deus me abandonou’. Ele jamais faz isto: nós é que podemos, às vezes, abandoná-Lo. Se o Senhor nos coloca uma grande prova, também sempre nos dá as graças suficientes — eu diria, mais que suficientes — para ultrapassá-la.” “Quando nos sentimos longe do Seu rosto, devemos nos perguntar: estamos sabendo aproveitar o que Ele colocou em nosso caminho?”


Às vezes passamos dias ou semanas inteiras sem receber nenhum gesto de carinho do próximo.

São períodos difíceis, quando o calor humano some, e a vida se resume a um árduo esforço de sobrevivência.

Diz o mestre:

Devemos examinar nossa própria lareira. Devemos colocar mais lenha, e tentar iluminar a sala escura em que nossa vida se transformou. Quando escutarmos nosso fogo crepitando, a madeira que estala, as histórias que as labaredas contam, a esperança nos será devolvida.

Se somos capazes de amar, também seremos capazes de sermos amados. É apenas uma questão de tempo.


Alguém quebrou um copo no jantar.

— Isto é sinal de boa sorte — comentaram.

Todos os presentes conheciam esta tradição.

— Por que isto é sinal de boa sorte? — perguntou um rabino que fazia parte do grupo.

— Não sei — disse a mulher do viajante. — Talvez seja uma antiga maneira de sempre deixar o hóspede à vontade.

— Não é a explicação correta — respondeu o rabino.

— Certas tradições judaicas dizem que cada homem tem uma cota de sorte, que vai usando no decorrer de sua vida. Pode fazer com que esta sorte renda juros, se usá-la apenas para coisas de que realmente necessita — ou pode desperdiçá-la à toa. “Também nós, judeus, dizemos ‘boa sorte’ quando alguém quebra um copo. Mas isto significa: que bom, você não desperdiçou sua sorte tentando evitar que este copo quebrasse. Então, vai poder usá-la em coisas mais importantes”


O abade Abraão soube que perto do mosteiro de Sceta havia um ermitão com fama de sábio.

Foi procurá-lo e perguntou:

— Se hoje você encontrasse uma bela mulher em sua cama, conseguiria pensar que não é uma mulher?

— Não — respondeu o sábio —, mas conseguiria me controlar.

O abade continuou.

— E se visse moedas de ouro no deserto, conseguiria ver este ouro como se fossem pedras?

— Não — disse o sábio —, mas conseguiria me controlar para não pegá-las.

Insistiu o abade Abraão:

— E se você fosse procurado por dois irmãos, um que o odeia, e outro que o ama, conseguiria achar que os dois são iguais?

Disse o sábio:

— Mesmo sofrendo por dentro, eu trataria o que me ama da mesma maneira que aquele que me odeia.

— Vou lhes explicar o que é um sábio — disse o abade aos seus noviços, quando voltou. — É aquele que, em vez de matar suas paixões, consegue controlá-las.


W. Frasier escreveu durante toda sua vida sobre a conquista do Oeste americano. Orgulhoso de ostentar em seu currículo o roteiro de um filme estrelado por Gary Cooper, conta que poucas vezes em sua vida conseguiu se aborrecer com algo.

— Aprendi muita coisa com os pioneiros americanos — diz ele. — Lutavam contra os índios, cruzavam desertos, buscavam água e comida em regiões remotas.

E todos os registros da época mostram uma característica curiosa: os pioneiros só escreviam ou conversavam sobre as coisas boas. Em vez de reclamar, compunham músicas e faziam piadas sobre as dificuldades enfrentadas. Assim conseguiam afastar o desânimo e a depressão. E hoje, com meus 88 anos, procuro me comportar da mesma forma.


O texto é adaptado de um poema de John Muir:

“Quero deixar minha alma livre para que ela possa desfrutar todos os dons que os espíritos possuem.” “Quando isto for possível, não tentarei conhecer as crateras da lua, nem seguir os raios de sol até sua fonte. Não procurarei entender a beleza da estrela, ou a desolação artificial do ser humano.”

“Quando souber como libertar minha alma, seguirei a aurora, e buscarei voltar com ela através do tempo.”

“Quando souber libertar minha alma, mergulharei nas correntes magnéticas que deságuam num oceano onde todas as águas se cruzam, e formam a Alma do Mundo.” “Quando souber libertar minha alma, procurarei ler a esplêndida página da Criação desde o princípio.”


Um dos símbolos sagrados do cristianismo é a figura do pelicano. A explicação é simples: na total ausência de comida, o pelicano abre seu peito com o bico, e oferece a própria carne aos filhotes.

Diz o mestre:

Muitas vezes somos incapazes de entender as bênçãos que recebemos. Muitas vezes não percebemos o que Ele faz para nos manter espiritualmente alimentados. Há um conto sobre um pelicano que, durante um inverno rigoroso, consegue sobreviver ao seu auto — sacrifício por alguns dias, oferecendo sua própria carne aos filhos. Quando, finalmente, morre de fraqueza, um dos filhotes comenta com o outro:

— Ainda bem. Eu estava cansado de comer todos os dias a mesma coisa.


Se você está insatisfeito com alguma coisa — mesmo que seja uma coisa boa, que gostaria de realizar e não está conseguindo —, pare agora.

Se as coisas não andam, só existem duas explicações: ou sua perseverança está sendo testada, ou você precisa mudar de rumo.

Para descobrir qual das opções é correta — já que são atitudes opostas —, use o silêncio e a oração. Aos poucos as coisas vão ficando misteriosamente claras, até que você tem forças suficientes para escolher.

— Uma vez tomada a decisão, esqueça por completo a outra possibilidade. E siga adiante, porque Deus é o Deus dos Valentes.

Disse Domingos Sabino:

— Tudo sempre acaba bem no final. Se as coisas não estão bem, é porque você ainda não chegou ao final.


O compositor Nelson Motta estava na Bahia quando resolveu visitar a Mãe Menininha do Gantois. Tomou um táxi e, no caminho, o chofer perdeu o freio. O carro rodopiou no meio da pista de alta velocidade, mas — além do susto — nada de grave aconteceu.

Ao encontrar-se com Mãe Menininha, a primeira coisa que Nelson contou foi o quase acidente no meio caminho.

— Existem certas coisas que já estão escritas, mas Deus dá um jeito de que passemos por elas sem nenhum problema sério. Ou seja, fazia parte do seu destino um acidente de carro nesta altura de vida — disse ela.

— Mas, como você vê — conclui Mãe Menininha —, aconteceu tudo, e não aconteceu nada.


Faltou algo em sua palestra sobre o Caminho de Santiago — diz uma peregrina ao viajante, assim que saem da conferência.

— Tenho notado que a maioria dos peregrinos — seja no Caminho de Santiago, seja nos caminhos da vida — sempre procura seguir o ritmo dos outros — diz ela.

“No início de minha peregrinação, procurava ir junto com meu grupo. Me cansava, exigia de meu corpo mais do que podia dar, vivia tensa, e terminei tendo problemas nos tendões do pé esquerdo.

Impossibilitada de andar por dois dias, entendi que só conseguiria chegar a Santiago se obedecesse meu ritmo pessoal.

“Demorei mais que os outros, tive que andar sozinha muitos trechos — mas foi só porque respeitei meu próprio ritmo que consegui completar o caminho.

Desde então aplico isso a tudo que preciso fazer na vida.”


Creso, rei da Lídia, estava decidido a atacar os persas — mas, mesmo assim, resolveu consultar um oráculo grego.

— Você está destinado a destruir um grande império — comentou o oráculo.

Contente, Creso declarou guerra. Depois de dois dias de luta, a Lídia foi invadida pelos persas, sua capital saqueada, e o próprio Creso preso. Revoltado, pediu a seu embaixador na Grécia que voltasse ao oráculo para dizer que haviam sido enganados.

— Não, vocês não foram enganados — respondeu o oráculo ao embaixador. — Vocês destruíram um grande império: a Lídia.

Diz o mestre:

A linguagem dos sinais está a nossa frente, para nos ensinar a melhor maneira de agir. Entretanto, muitas vezes tentamos; distorcer estes sinais — de modo que eles “concordem” com aquilo que queremos fazer de qualquer maneira.


Buscaglia conta a história do quarto rei mago, que também viu a estrela brilhar sobre Belém — mas sempre chegava atrasado aos lugares onde Jesus poderia estar, porque pobres e miseráveis viviam pedindo sua ajuda. Depois de trinta anos seguindo os passos de Jesus pelo Egito, Galiléia, Betânia, o rei mago chega a Jerusalém; é tarde demais, o menino já se transformou em homem e está sendo crucificado naquele dia. O rei havia comprado pérolas para Cristo, mas precisou vender quase todas para ajudar as pessoas que encontrou em seu caminho. Sobrou apenas uma pérola — e o Salvador já está morto.

— Falhei na missão da minha vida — pensa o rei mago.

Neste momento, escuta uma voz:

— Ao contrário do que pensas, tu me encontrastes durante toda a sua vida. Eu estava nu, e me vestistes.

Eu tive fome, e me deste de comer. Eu estava preso, e me visitastes. Eu estava em todos os pobres do teu caminho.

Muito obrigado por tantos presentes de amor.


Um conto de ficção científica fala de uma sociedade onde quase todos nasciam prontos para uma tarefa; técnicos, engenheiros ou mecânicos. Uns poucos nasciam sem qualquer habilidade; estes eram enviados para um asilo de loucos — já que apenas os loucos eram incapazes de dar alguma contribuição à sociedade.

Um dos loucos se rebela. O asilo tem uma biblioteca, e ele tenta aprender tudo que pode sobre ciência e arte. Quando acredita que já sabe o suficiente, decide fugir — mas é capturado e levado para um Centro de Estudos fora da cidade.

— Seja bem-vindo — diz um dos encarregados do centro.

— São justamente aqueles que são forçados a descobrir seu próprio caminho que nós admiramos mais. Pode fazer o que quiser a partir de agora, pois é graças a pessoas como você que o mundo consegue avançar.


Antes de partir para uma longa viagem, o comerciante foi despedir-se da mulher.

— Você nunca me deu um presente à minha altura. — disse ela.

— Mulher ingrata, tudo que lhe dei me custou anos de trabalho — respondeu o homem. — O que mais poderia lhe dar?

— Algo que fosse tão belo como eu.

Durante dois anos a mulher esperou seu presente.

Finalmente, o comerciante regressou.

— Consegui encontrar algo que fosse tão belo como você — disse ele. — Chorei com sua ingratidão, mas resolvi cumprir seu desejo. Pensei todo este tempo no que seria um presente tão belo quanto você, mas terminei encontrando. E estendeu para a mulher um pequeno espelho.


O filósofo alemão F. Nietzsche disse certa vez:

"Não vale a pena viver discutindo sobre tudo; faz parte da condição humana errar de vez em quando.”

Diz o mestre:

Há pessoas que fazem absoluta questão de estarem certas nos menores detalhes. Nós mesmos, muitas vezes, não nos permitimos errar.

O que conseguimos com esta atitude é o pavor de seguir adiante.

O medo de errar é a porta que nos tranca no castelo da mediocridade. Se conseguimos vencer este medo, estamos dando um passo importante em direção à nossa liberdade.


Um noviço perguntou ao abade Nisteros, do mosteiro de Sceta:

— Quais são as coisas que devo fazer para agradar a Deus?

— Abraão aceitava os estranhos, e Deus ficou contente.

Elias não gostava de estranhos, e Deus ficou contente.

Davi tinha orgulho do que fazia, e Deus ficou contente.

O publicano diante do altar tinha vergonha do que fazia, e Deus ficou contente. João Batista foi para o deserto, e Deus ficou contente.

Jonas foi para a grande cidade de Ninive, e Deus ficou contente.

“Pergunte à sua alma o que ela tem vontade de fazer. Quando a alma caminha de acordo com os seus sonhos, ela dá alegria a Deus.”


Um mestre budista viajava a pé com seus discípulos, quando reparou que discutiam entre si quem era o maior entre eles.

— Pratico meditação há quinze anos — dizia um.

— Faço caridade desde que saí da casa de meus pais — dizia outro.

— Sempre segui os ensinamentos de Buda — dizia um terceiro. Ao meio-dia, pararam debaixo de uma macieira para descansar. Os galhos estavam carregados, e vergavam até o chão com o peso das frutas.

Então o mestre falou:

— Quando uma árvore está carregada de frutos, seus ramos se abaixam e tocam o chão. Desta maneira, o verdadeiro sábio é aquele que é humilde.

“Quando uma árvore não tem frutos, seus ramos são arrogantes e altivos. Desta maneira, o tolo sempre se crê maior que seu próximo.”


Na Última Ceia Jesus acusou, com a mesma gravidade — e na mesma frase — dois de seus apóstolos.

Ambos cometeram os crimes previstos por Jesus.

Judas Iscariotes caiu em si, e condenou-se. Pedro também caiu em si, depois de negar por três vezes tudo aquilo em que acreditava.

Mas, no momento decisivo, Pedro entendeu o verdadeiro significado da mensagem de Jesus. Pediu perdão, e seguiu em frente, mesmo humilhado.

Ele também podia escolher o suicídio. Em vez disso, encarou a outros apóstolos, e deve ter dito algo assim:

“Ok, falem do meu erro enquanto durar a raça humana. Mas deixem-me corrigi-lo.”

Pedro entendeu que o Amor perdoa. Judas não entendeu nada.


Um famoso escritor caminhava com um amigo quando um garoto atravessou a rua sem notar um caminhão que vinha a toda velocidade. O escritor — numa fração de segundo — atirou-se na frente do veículo e conseguiu salvá-lo. Mas, antes que alguém o parabenizasse pelo ato heróico, deu um soco no rosto do menino:

— Não se deixe enganar pelas aparências, meu filho — disse ele. — Só o salvei para que você não possa evitar os problemas que terá como adulto!

Diz o mestre:

Às vezes temos vergonha de fazer o bem. Nosso sentimento de culpa tenta sempre nos dizer que, quando agimos com generosidade, estamos mesmo é tentando impressionar os outros, “subornar” Deus etc. Parece difícil aceitar que nossa natureza é essencialmente boa.

Cobrimos os gestos bons com ironia e descaso — como se amor fosse sinônimo de fraqueza.


Ele olhou a mesa, pensando no melhor símbolo de sua passagem pela Terra. Tinha diante de si as romãs da Galiléia, as especiarias dos desertos do Sul, as frutas secas da Síria, as tâmaras do Egito.

Deve ter estendido Sua mão para consagrar uma destas coisas — quando, de repente, lembrou que a mensagem que trazia era para todos os homens, em todos os lugares.

E talvez romãs e tâmaras não existissem em determinadas partes do mundo.

Tornou o olhar à Sua volta, e outro pensamento lhe ocorre: nas romãs, nas tâmaras, nas frutas, o milagre da Criação se manifestava por si mesmo — sem qualquer interferência do ser humano.

Então ele pegou o pão, deu graças, partiu-o e deu aos seus discípulos dizendo:

“Tomai e comei todos vós, porque isto é o Meu corpo. Porque o pão estava em todos os lugares. E porque o pão, ao contrário das tâmaras, das romãs e das frutas da Síria, era o melhor símbolo do caminho até Deus.

O pão era o fruto da terra E DO TRABALHO do homem.


O equilibrista pára no meio da praça, pega três laranjas e começa a atirá-las para o alto. As pessoas se reúnem a sua volta, prestam atenção na graça e na elegância de seus gestos.

— A vida é mais ou menos assim — comenta alguém com o viajante. — Temos sempre uma laranja em cada mão, e uma solta no ar; é aí que está toda a diferença. Foi jogada com habilidade e experiência, mas tem seu próprio rumo.

Assim como o equilibrista, atiramos um sonho no mundo, e nem sempre temos controle sobre ele. Nestas horas, é preciso saber entregá-lo a Deus e pedir que, no seu devido tempo, ele cumpra com dignidade seu percurso e caia realizado, em nossas mãos.


Um dos mais poderosos exercícios de crescimento interior consiste em prestar atenção a coisas que fazemos automaticamente — como respirar, piscar os olhos ou reparar nas coisas à nossa volta.

Quando fazemos isto, permitimos que nosso cérebro trabalhe com mais liberdade — sem a interferência de nossos desejos. Certos problemas que pareciam insolúveis terminam sendo resolvidos, certas obras que julgávamos insuperáveis terminaram se dissipando sem esforço.

Diz o mestre:

Quando você precisar enfrentar uma situação difícil, procure usar esta técnica. Exige um pouquinho de disciplina — mas os resultados são surpreendentes.


Um sujeito está na feira vendendo vasos.

Uma mulher se aproxima, e olha a mercadoria. Algumas peças estão sem desenho, outras foram decoradas com todo cuidado. A mulher pergunta o preço dos vasos. Para sua surpresa, descobre que todos custam a mesma coisa.

— Como o vaso decorado pode custar o mesmo que um vaso simples? — pergunta ela. — Por que cobrar igual por um trabalho que demorou mais tempo para ser feito?

— Sou um artista — responde o vendedor. — Posso cobrar pelo vaso que fiz, mas não posso cobrar pela beleza.

A beleza é grátis.


O viajante sentia-se solitário ao sair de uma missa. De repente, foi abordado por um amigo: — Preciso muito falar com você — ele disse.

O viajante viu naquele encontro um sinal, e ficou tão entusiasmado que começou a conversar sobre tudo que considerava importante. Falou das bênçãos de Deus, de amor, disse que o amigo era um sinal de seu anjo — pois se sentia solitário minutos atrás, e agora tinha companhia.

O outro escutou tudo em silêncio, agradeceu, e foi embora. Em vez de alegria, o viajante sentiu-se mais solitário que nunca. Mais tarde se deu conta — no seu entusiasmo, não tinha dado atenção ao pedido daquele amigo: falar.

O viajante olhou o chão, e viu suas palavras jogadas na calçada — porque o universo estava querendo outra coisa naquela hora.


Três fadas foram convidadas para o batizado de um príncipe. A primeira lhe concedeu o dom de encontrar seu amor. A segunda lhe deu dinheiro para fazer o que gostava. A terceira lhe deu a beleza.

Mas — como em toda história infantil — apareceu a bruxa. Furiosa por não ter sido convidada, lançou a maldição:

— Porque você já tem tudo, eu vou lhe dar ainda mais.

Você será talentoso em tudo aquilo que fizer.

O príncipe cresceu belo, rico e apaixonado. Mas jamais conseguiu cumprir sua missão na Terra. Era excelente pintor, escultor, escritor, músico, matemático — e não conseguia completar qualquer tarefa, porque logo se distraía, e queria fazer uma coisa diferente.

Diz o mestre:

Todos os caminhos vão ao mesmo lugar. Mas escolha o seu, e vá até o final — não tente percorrer todos os caminhos.


Um texto anônimo do século XVIII fala de um monge russo que procurava um guia espiritual.

Um dia lhe disseram que em certa aldeia existia um ermitão, que se dedicava dia e noite à salvação de sua alma. Ouvindo isso, o monge foi procurar o santo homem.

— Quero que me guie nos caminhos da alma — disse o monge.

— A alma tem seu caminho próprio, e o anjo a guia — respondeu o ermitão. — Reze sem cessar.

— Não sei rezar desta maneira.

Quero que me ensine.

— Se você não sabe rezar incessantemente, então reze pedindo a Deus que lhe ensine a rezar incessantemente.

— O senhor não está me ensinando nada — respondeu o monge.

“Não há nada que ensinar, porque não se pode transmitir Fé como se transmitem os conhecimentos de matemática. Aceite o mistério da Fé, e o universo se revelará.”


Diz Antonio Machado:

“Golpe a golpe, passo a passo,

Caminhante, não há caminho,

o caminho é feito ao andar.

Andando, se faz o caminho

e se você olhar para trás

tudo que verá são as marcas

de passos que algum dia

seus pés tornarão a percorrer.

Caminhante, não há caminho,

o caminho é feito ao andar.”


Diz o mestre:

Escreva. Seja uma carta, ou um diário, ou algumas anotações enquanto fala ao telefone — mas escreva.

Escrever nos aproxima de Deus e do próximo.

Se você quiser entender melhor seu papel no mundo, escreva. Procure colocar sua alma por escrito, mesmo que ninguém leia — ou, o que é pior, mesmo que alguém termine lendo o que você não queria. O simples fato de escrever nos ajuda a organizar o pensamento e ver com clareza o que nos cerca. Um papel e uma caneta operam milagres — curam dores, consolidam sonhos, levam e trazem a esperança perdida.

A palavra tem poder.


Os monges do deserto afirmavam que era necessário deixar a mão dos anjos agir. Para isto, de vez em quando faziam coisas absurdas — como falar com flores ou rir sem razão. Os alquimistas seguem os “sinais de Deus”; pistas que muitas vezes não fazem sentido, mas que terminam levando a algum lugar.

Diz o mestre:

Não tenha medo de ser chamado de louco — faça hoje alguma coisa que não combina com a lógica que você aprendeu. Contrarie um pouco o comportamento sério que lhe ensinaram a ter. Esta pequena coisa, por menor que seja, pode abrir as portas para uma grande aventura — humana e espiritual.


Um sujeito está dirigindo um luxuoso Mercedes Benz quando o pneu fura. Ao tentar trocá-lo, descobre que falta o macaco.

— Bem, vou até a primeira casa, e peço emprestado — pensa, enquanto caminha em busca de ajuda.

— Talvez, o sujeito vendo meu carro, queira me cobrar algo pelo macaco — diz para si mesmo.

— Um carro como estes, e eu precisando de macaco, ele vai me cobrar dez dólares. Não, talvez cobre cinquenta, porque sabe que preciso do macaco. Ele vai se aproveitar, talvez cobre cem dólares.

E, à medida que anda, o preço vai subindo. Quando chega na casa, e o dono abre a porta, o sujeito grita:

Você é um ladrão! Um macaco não vale tanto!

Pode ficar com ele!

Qual de nós pode dizer que nunca se comportou desta maneira?


Milton Ericksson é autor de uma nova terapia que começa a ganhar milhares de adeptos nos EUA. Aos doze anos de idade, foi vítima da poliomielite. Dez meses depois de contrair a doença, escutou um médico dizer a seus pais:

— Seu filho não passa desta noite.

Ericksson, logo em seguida, ouviu o choro de sua mãe.

Quem sabe, se eu passar desta noite, ela talvez não sofra tanto? — pensou.

E decidiu não dormir até o dia amanhecer.

De manhã, gritou para a mãe:

— Ei, continuo vivo!

A alegria em casa foi tanta que, a partir daí, resolveu sempre resistir mais um dia, para adiar o sofrimento dos pais.

Morreu aos 75 anos, em 1990, deixando uma série de livros importantes sobre a enorme capacidade que o homem possui para vencer suas próprias limitações.


Santo homem — disse um noviço para o abade Pastor — tenho o coração cheio de amor pelo mundo, e a alma limpa das tentações do demônio. Qual o meu próximo passo?

O abade pediu que o discípulo o acompanhasse na visita a um doente que precisava de extrema-unção.

Depois de confortarem a família, o abade reparou que, num dos cantos da casa havia um baú.

O que há dentro deste baú? — perguntou.

As roupas que meu tio nunca usou — disse o sobrinho do doente. — Sempre pensou que ia surgir a ocasião certa para vesti-las, mas elas terminaram apodrecendo ali dentro.

— Não esqueça aquele baú — disse o abade Pastor para seu discípulo, quando saíram. — Se você tem tesouros espirituais no seu coração, coloque-os em prática agora. Ou eles apodrecerão.


Os místicos dizem que, quando começamos nosso caminho espiritual, queremos falar muito com Deus — e terminamos por não escutar o que Ele tem para nos dizer.

Diz o mestre:

Relaxe um pouco. Não é fácil; temos a necessidade natural de sempre fazer a coisa certa, e achamos que vamos conseguir isto se trabalharmos sem cessar.

É importante tentar, cair, levantar e seguir adiante. Mas vamos deixar que Deus nos ajude. No meio de um grande esforço, vamos olhar para nós mesmos, deixar que Ele se revele, e nos guie.

Vamos permitir que, de vez em quando, Ele nos coloque no colo.


Um abade do mosteiro de Sceta foi procurado por um jovem que queria seguir o caminho spiritual.

— Pelo período de um ano, pague uma moeda a quem lhe agredir — disse o abade.

Durante doze meses, o rapaz pagava uma moeda sempre que era agredido. No final do ano, voltou ao abade para saber o próximo passo.

— Vá até a cidade comprar comida para mim — disse. Assim que o rapaz saiu, o abade disfarçou-se de mendigo e — tomando um atalho que conhecia — foi até aporta da cidade.

Quando o rapaz se aproximou, começou a insultá-lo.

— Que bom! — comentou o rapaz com o falso mendigo.

— Durante um ano inteiro tive que pagar a todos que me agrediam, e agora posso ser agredido de graça, sem gastar nada!

Ouvindo isto, o abade retirou seu disfarce.

— Você está pronto para o próximo passo, porque consegue rir dos problemas — disse.


O viajante caminhava com mais dois amigos pelas ruas de Nova York. De repente, no meio da conversa banal, os dois começaram a discutir, e quase se atracaram.

Mais tarde — já com os ânimos serenados — sentaram-se em um bar. Um deles pediu desculpas ao outro: Tenho reparado que é muito mais fácil ferir pessoas que estão próximas — disse. — Se você fosse estranho, eu teria me controlado muito mais.

Entretanto, justamente pelo fato de sermos amigos — e de você me entender melhor que ninguém —, terminei sendo muito mais agressivo. Esta é a natureza humana.

Talvez esta seja a natureza humana.

Mas vamos lutar contra isto.


Existem momentos em que gostaríamos muito de ajudar determinada pessoa, mas não podemos fazer nada. Ou as circunstâncias não permitem que nos aproximemos, ou a pessoa está fechada para qualquer gesto de solidariedade e apoio.

Diz o mestre:

Resta-nos o amor. Nos momentos em que tudo o mais é inútil, ainda podemos amar — sem esperar recompensas, mudanças, agradecimentos.

Se conseguimos agir desta maneira, a energia do amor começa a transformar o universo à nossa volta.

Quando esta energia aparece, sempre consegue realizar seu trabalho.


O poeta J. Keats (1795-1821) dá uma bela definição de poesia. Se quisermos, podemos entender também como uma definição de vida: “A poesia nos deve surpreender pelo seu delicado excesso, e não porque é diferente. Os versos devem tocar nosso irmão como se fossem suas próprias palavras, como se ele estivesse lembrando algo que, na noite dos tempos, já conhecia em seu coração.”

“A beleza de um poema não está na capacidade que ele tem de deixar o leitor contente. A poesia é sempre uma surpresa, capaz de nos tirar a respiração por alguns momentos. Ela deve permanecer em nossas vidas como o pôr-do-sol: algo milagroso e natural ao mesmo tempo.”


Quinze anos atrás, numa época de profunda negação viajante estava com sua mulher e uma amiga no Rio de Janeiro. Haviam bebido um pouco — quando chegou um velho companheiro, com quem tinham compartilhado as loucuras dos anos 60 e 70.

— O que você está fazendo? — perguntou o viajante.

— Sou padre — respondeu o amigo.

Ao saírem do restaurante, o viajante apontou para uma criança que dormia na calçada.

— Está vendo como Jesus se preocupa com o mundo? — disse.

— Claro que estou vendo — respondeu o padre. — Ele colocou aquela criança bem na sua frente, e fez questão de que você visse, para que pudesse fazer alguma coisa.


Um grupo de sábios judeus reuniu-se para tentar criar a menor Constituição do mundo. Se — no espaço de tempo que um homem leva para equilibrar-se em um só pé — alguém fosse capaz de definir as leis que deviam reger o comportamento humano, seria considerado o maior dos sábios.

— Deus pune os criminosos — disse um.

Os outros argumentaram que isto não era uma lei, mas uma ameaça; a frase não foi aceita.

Nesse momento, aproximou-se o rabino Hillel. E, colocando-se num pé só, disse:

— Não faça com seu próximo aquilo que você detestaria que fizessem com você; esta é a Lei. Todo o resto é comentário jurídico.

E o rabino Hillel foi considerado o maior sábio e seu tempo.


O escritor G. Bernard Shaw notou um grande bloco de pedra na casa de seu amigo, o escultor J. Epstein.

— O que você vai fazer neste bloco? — perguntou Show.

— Não sei, ainda estou decidindo — respondeu Epstein.

Shaw ficou surpreso:

— Quer dizer que você planeja sua inspiração? Não sabe que um artista tem que ser livre para mudar de idéia quando deseja?

— Isto funciona quando, ao mudar de idéia, tudo que você precisa fazer é amassar uma folha de papel que pesa cinco gramas. Mas quem lida com um bloco de quatro toneladas, tem que pensar diferente — foi a resposta de Epstein.

Diz o mestre:

Cada um de nós sabe a maneira de realizar melhor seu trabalho. Só quem tem uma tarefa conhece as suas dificuldades.


O abade João Pequeno pensou: “Preciso ser igual aos anjos, que nada fazem, e vivem contemplando a glória de Deus” Naquela noite, abandonou o mosteiro de Sceta e foi para o deserto.

Uma semana depois, voltou para o convento. O irmão porteiro escutou-o bater na porta, e perguntou quem era.

— Sou o abade João — respondeu. — Estou com fome.

— Não pode ser — disse o irmão porteiro. — O abade João está no deserto, se transformando em anjo.

Já não sente mais fome, e não precisa trabalhar para sustentar-se.

— Perdoa meu orgulho — respondeu o abade João.

— Os anjos ajudam os homens. Este é o seu trabalho, e por isso contemplam a glória de Deus. Eu posso contemplar a mesma glória, se fizer o meu trabalho diário. Ouvindo as palavras de humildade, o irmão porteiro abriu a porta do convento.


De todas as poderosas armas de destruição que o homem foi capaz de inventar, a mais terrível — e a mais covarde — é a palavra.

Punhais e armas de fogo deixam vestígios de sangue.

Bombas abalam edifícios e ruas. Venenos terminam sendo detectados.

Diz o mestre:

A palavra consegue destruir sem pistas. Crianças são condicionadas durante anos pelos pais, homens são impiedosamente criticados, mulheres são sistematicamente massacradas por comentários de seus maridos. Fiéis são mantidos longe da religião por aqueles que julgam capazes de interpretar a voz de Deus.

Procure ver se você está utilizando esta arma. Procure ver se estão utilizando esta arma contra você. E não permitia nenhuma destas duas coisas.


Wiliams procura descrever uma situação muito curiosa:

“Vamos imaginar que a vida seja perfeita. Você está num mundo perfeito, com pessoas perfeitas, tendo tudo o que quer, com todo mundo fazendo tudo direitinho, na hora certa. Neste mundo você tem tudo o que deseja, apenas o que deseja, exatamente como sonhou. E pode viver quantos anos quiser.

“Imagine que, depois de cem ou duzentos anos, você senta num banco imaculadamente limpo, diante de um cenário magnífico, e pensa: ‘Que chato! Falta emoção!*

Neste momento, repara um botão vermelho na sua frente, escrito: SURPRESA!

“Depois de considerar tudo o que esta palavra significa, aperta este botão? Claro! Então você entra por um túnel negro, e sai no mundo em que você está vivendo neste momento.”


Uma lenda do deserto conta a história de um homem que ia mudar-se de oásis, e começou a carregar o seu camelo. Colocou os tapetes, os utensílios de cozinha, os baús de roupas — e o camelo aguentava tudo. Quando ia saindo, lembrou-se de uma linda pena azul com que seu pai o tinha presenteado.

Resolveu pegá-la, e a colocou em cima do camelo. Neste momento, o animal arriou com o peso, e morreu.

“Meu camelo não aguentou o peso de uma pena”, deve ter pensado o homem.

Ás vezes pensamos o mesmo do nosso próximo — sem entender que nossa brincadeira pode ter sido a gota que transbordou a taça do sofrimento.


Às vezes a gente se acostuma com o que vê nos filmes, e termina esquecendo a verdadeira história — diz alguém ao viajante, enquanto ele olha o porto de Miami.

Lembra-se dos Dez Mandamentos?

Claro. Moisés — Charlton Heston — em determinado momento levanta seu bastão. As águas se dividem, e o povo hebreu atravessa a grande água.

Na Bíblia é diferente — comenta o outro. — Ali, Deus ordena a Moisés: “Diz aos filhos de Israel que marchem.” E só depois que começam a andar é que Moisés levanta o bastão, e o mar Vermelho se abre.

“Porque só a coragem no caminho faz com que o caminho se manifeste


O trecho foi escrito pelo violoncelista Pablo Casals: “Eu estou sempre renascendo. Cada nova manhã é o momento de recomeçar a viver Há oitenta anos que eu começo meu dia da mesma maneira — e isto não significa uma rotina mecânica, mas algo essencial para minha felicidade. “Eu acordo, vou para o piano, toco dois prelúdios e uma fuga de Bach. Estas músicas funcionam como uma bênção para minha casa. Mas também é uma maneira de retomar contato com o mistério da vida, com o milagre de ser parte da raça humana.”

“Mesmo fazendo isto há oitenta anos, a música que toco nunca é a mesma — ela sempre me ensina algo novo, fantástico, inacreditável.”


Diz o mestre:

Por um lado, sabemos que é importante buscar a Deus.

Por outro, a vida nos distancia Dele; sentimo-nos ignorados pela Divindade, ou estamos ocupados com nosso cotidiano. Isto nos dá um sentimento de culpa: ou achamos que estamos renunciando demasiadamente à vida por causa de Deus, ou achamos que estamos renunciando demasiadamente a Deus por causa da vida. Esta aparente lei dupla é uma fantasia: Deus está na vida, e a vida está em Deus. Basta ter esta consciência para entender melhor o destino. Se conseguimos penetrar na harmonia sagrada de nosso cotidiano, estaremos sempre no caminho certo, e vamos cumprir nossa tarefa.


A frase é de Pablo Picasso: “Deus é um artista. Ele inventou a girafa, o elefante e a formiga.

Na verdade, Ele nunca procurou seguir um estilo — simplesmente foi fazendo tudo o que tinha vontade de fazer.”

Diz o mestre:

Quando começamos a percorrer nosso caminho, um grande pavor nos acomete; sentimo-nos obrigados a fazer tudo certinho. Afinal, já que cada um tem uma vida única, quem inventou o padrão do “tudo certinho”? Deus fez a girafa, o elefante e a formiga — por que precisamos seguir um modelo?

O modelo só serve para mostrar como os outros definem suas próprias realidades. Muitas vezes admiramos os modelos dos outros, e muitas vezes, podemos evitar erros que outros já cometeram.

Mas quanto a viver — bem, isto só nós temos competência para tanto.


Vários judeus piedosos rezavam numa sinagoga, quando começaram a escutar uma voz de criança dizendo:

A, B, C, D.

Tentaram concentrar-se nos versos sagrados, mas a voz repetia:

— A, B, C, D.

Aos poucos, foram parando de rezar. Quando olharam para trás, viram um menino que continuava dizendo:

— A, B, C, D.

O rabino aproximou-se do garoto:

Por que você está fazendo isto? — perguntou.

— Porque não sei os versos sagrados — respondeu o menino.

— Então, tenho a esperança de que, recitando o alfabeto, Deus pegue estas letras e forme as palavras corretas.

— Obrigado por esta lição — disse o rabino. — E que eu possa entregar a Deus os meus dias nesta terra da mesma maneira que você entrega suas letras.


Diz o mestre:

O espírito de Deus presente em nós pode ser descrito como uma tela de cinema. Por ali passam várias situações — pessoas amam, pessoas se separam, tesouros são descobertos, países distantes se revelam.

Não importa qual o filme que está sendo projetado: a tela permanece sempre a mesma. Não importa se as lágrimas rolam, ou se o sangue escorre — porque nada pode atingir a brancura da tela.

Assim como a tela de cinema, Deus está ali — atrás de toda a agonia e êxtase da vida. Todos o veremos quando o nosso filme terminar.


Um arqueiro caminhava pelas redondezas de um mosteiro hindu conhecido por sua dureza nos ensinamentos quando viu os monges no jardim — bebendo e se divertindo.

— Como são cínicos aqueles que buscam o caminho de Deus — disse o arqueiro em voz alta. — Dizem que a disciplina é importante, e se embriagam às escondidas!

— Se você disparar cem flechas seguidas, o que acontecerá com o seu arco? — perguntou o mais velho dos monges.

— Meu arco se quebrará — respondeu o arqueiro.

— Se alguém vai além dos próprios limites, também quebra sua vontade — disse o monge. — Quem não equilibra trabalho com descanso, perde o entusiasmo, e não chega muito longe.


Um rei mandou um mensageiro até um país distante, levando um acordo de paz para ser assinado. Querendo aproveitar a viagem, o mensageiro comunicou o fato a amigos que tinham negócios importantes naquele país.

Estes pediram que o mensageiro demorasse alguns dias, e por causa do acordo de paz — escreveram novas ordens, e mudaram a estratégia de seus negócios.

Quando o mensageiro finalmente viajou, já era tarde para o acordo que levava; a guerra estourou, destruindo os planos do rei e os negócios dos comerciantes que atrasaram o mensageiro.

Diz o mestre:

Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver nossa Lenda Pessoal, a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos sobrecarregando de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos sonhos.


O viajante está no porto de Sydney, olhando a ponte que une as duas partes da cidade, quando se aproxima um australiano e pede que ele leia um anúncio de jornal.

São letras muito pequenas — diz o recém-chegado. — Não consigo enxergar e deixei meus óculos em casa.

O viajante também está sem os óculos de leitura.

Pede desculpas ao homem.

— Então é melhor esquecer este anúncio — diz ele após uma pausa. E, como deseja continuar a conversa, comenta:

— Não somos apenas nós dois. Deus também tem a vista cansada. Não porque esteja velho, mas porque escolheu assim. Deste modo, quando alguém próximo a Ele faz alguma coisa errada, Ele não consegue ver direito, e termina perdoando a pessoa — temendo ser injusto.

— E quanto às coisas boas? — pergunta o viajante.

— Bem, Deus nunca esquece os óculos em casa — riu o australiano, afastando-se.


Há algo mais importante que a oração? — perguntou o discípulo ao mestre.

O mestre pediu que o discípulo fosse até um arbusto próximo e cortasse um ramo. O discípulo obedeceu.

— A árvore continua viva? — perguntou o mestre.

— Tão viva como antes — respondeu o discípulo.

— Então vá até lá e corte a raiz — pediu o mestre.

— Se eu fizer isto, a árvore morrerá — disse o discípulo.

— As orações são os ramos de uma árvore, cuja raiz se chama fé — disse o mestre. — Pode existir fé sem oração, mas não pode existir oração sem fé.


Santa Teresa d’Ávila escreveu:

“Lembre-se: o Senhor nos convidou a todos e — como Ele é a pura verdade — não podemos duvidar deste convite.

Ele disse: “Vinde a mim os que estão com sede, e eu lhes darei de beber.”’

“Se o convite não fosse para cada um de nós, o Senhor teria dito: ‘Vinde a mim todos os que quiserem, porque vocês não têm nada a perder.

Mas eu darei de beber apenas àqueles que estão preparados.’”

“Ele não impôs qualquer condição. Basta caminhar e querer; e todos receberão a Água Viva do seu amor.”


Os monges zen, quando querem meditar, sentam-se diante de uma rocha: “Agora vou esperar esta rocha crescer um pouco”, pensam.

Diz o mestre:

Tudo à nossa volta está mudando constantemente. A cada dia, o sol ilumina um mundo novo. Aquilo que chamamos rotina está repleto de novas propostas e oportunidades. Mas não percebemos que cada dia é diferente do anterior.

Hoje, em algum lugar, um tesouro o espera. Pode ser um pequeno sorriso, pode ser uma grande conquista — não importa. A vida é feita de pequenos e grandes milagres. Nada é aborrecido, porque tudo muda constantemente. O tédio não está no mundo, mas na maneira como vemos o mundo.

 

 

                                                                  Paulo Coelho

 

 

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