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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MANDARIM DAS MIL CHINAS / Lou Carrigan
MANDARIM DAS MIL CHINAS / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Brigitte está de partida para Malta quando Tio Charlie chega com más notícias. Um agente alemão foi assassinado por um chinês no cais do porto de Nova York. E a estrela da espionagem germânica está a caminho da cidade para investigar o crime. Baby vai adiar suas férias na Vila Tartaruga e aprender o que quer dizer a expressão "Mil Chinas"...

Heinrich Thomas estava parado à beira do cais de Nova York. A sua volta, uma pequena multidão aguardava a chegada do transatlântico Ulysses que deveria atracar dentro de poucos minutos. Thomas estava carrancudo e parecia zangado; talvez não se sentisse satisfeito por saber que uma pessoa indesejável ia desembarcar naquele porto depois de ter viajado vários dias desde a Inglaterra.

Continuava carrancudo enquanto via o navio se aproximar, já quase prestes a começar as manobras para o encostamento nas docas. Estava tão absorto em seus pensamentos, que o sexto sentido apurado que existe na maioria dos agentes secretos falhou. Naquele momento, Thomas não detectou o perigo que se acercara dele e só o pressentiu quando a lâmina de aço da navalha penetrou em seus rins.

O contato com o aço lhe causou um impacto gelado, mas nenhuma dor. Talvez esta até existisse, mas foi anulada pelo fator surpresa que se tornara muito maior naquele instante.

Heinrich Thomas ainda não tinha entendido o que estava acontecendo quando novamente a navalha lhe perfurou os rins e agora, o sangue jorrava qual uma cascata pelo ferimento.

A dor também chegou abruptamente como o clarão de um relâmpago e, só então, o cérebro do alemão Heinrich Thomas compreendeu o que estava acontecendo, pôde coordenar os pensamentos e classificar a agressão que sofrera.

A dor também começava a aumentar. Devia planejar uma defesa com urgência, precisava ser rápido e certeiro, pois notava que as forças estavam diminuindo.

Não teve chance de fazer o que estava pensando, pois novamente sentiu o contato do aço, aumentando o sofrimento que o afligia.

Thomas sentiu frio, muito frio. Agora tinha a impressão de que alguém tentava arrebentar sua cabeça a machadadas. A respiração tornou-se arquejante, escutava gente gritando, já não via e não podia fazer mais nada. Caiu de joelhos, sentia o chão fugindo de sob seu corpo e acabou estatelado à beira do cais, para nunca mais se levantar.

 

 

 

 

O chinês abriu a porta do carro e se sentou ao lado do motorista que arrancou imediatamente.

 

— Matou o alemão, Ho Ming? — perguntou alguém que estava sentado no banco traseiro.

 

Virou-se para trás e viu os outros dois chineses que o observavam com muita atenção. Ele, porém, não desviava os olhos do mais velho, fitando-o quase com veneração, enquanto o segundo passageiro continuava com um sorriso servil nos lábios.

 

— Está morto, Mandarim — respondeu com orgulho. — Sempre fui um craque em matar e sei que ninguém consegue sobreviver a meus ataques diretos e certeiros. Vi como o sangue brotou do ferimento quando enfiei a navalha em seus rins. O homem caiu com os olhos esbugalhados como só acontece com aqueles que morrem surpresos.

 

— Formidável! Alguém mais viu você?

 

— Bem, isso foi inevitável, porque o cais estava semeado de gente que aguardava o atracamento do navio. Mas sei que ninguém prestou muita atenção em um chinês pequeno, franzino e atarracado como eu. Se Ho Ming fosse um tipo como Mandarim ou Kui, o caso já teria outra repercussão — respondeu, rindo.

 

Kui também riu. Era um chinês grandalhão, forte e musculoso.

 

— São essas distrações que provam a falta de inteligência e perspicácia dos brancos — retrucou o Mandarim sorrindo.

 

Ho Ming sentiu inveja quando viu os dois brilhantes enormes implantados na gengiva do chinês mais velho. Aqueles diamantes que substituíam os dois dentes centrais superiores deviam valer uma fortuna. O trabalho certamente fora feito por um dentista que tinha aptidões para obras artesanais ou por um artesão que desejava ser dentista.

 

O carro agora corria pela estrada que ligava a cidade de Nova York ao Kennedy Airport.

 

Subitamente, todos se calaram. Ho Ming percebeu que não estavam com vontade de falar e se virou para a frente.

 

Esse foi o maior erro de sua vida.

 

Kui rapidamente introduziu a mão no bolso do paletó de corte impecável. Pegou um pedaço de corda de seda que tinha as pontas arrematadas por nós artísticos, inclinou-se um pouco para a frente e com gestos rápidos, precisos, passou o cordão pela garganta de Ho Ming. Em seguida, puxou-o para trás.

 

O chinês se surpreendeu e procurou afastar a corda que lhe apertava o pescoço como uma serpente que se estivesse enrolando nele, enquanto ia tentando estrangulá-lo. Porém, a víbora de seda continuava colada a sua carne. A respiração já estava ofegante e Ho Ming compreendeu que devia agir com rapidez, velocidade, se desejava salvar-se daquela agressão inesperada.

 

Abriu o paletó muito elegante e com a mão direita pegou a navalha que estava em um dos bolsos internos. Acionou a mola com rapidez e a lâmina pulou silenciosamente da bainha. Com ela tentou cortar a corda que o asfixiava, mas nada conseguiu.

 

Não era dos que se entregavam com facilidade e nem ia desperdiçar as forças que ainda lhe restavam.

 

Levantou a navalha mais um pouquinho e a enfiou na mão de Kui. Este urrou de dor, mas não soltou a corda, bem ao contrário, puxou-a com mais força até perceber que Ho Ming estava com todos os ossos do pescoço totalmente deslocados e partidos.

 

O chinês suspirou profundamente, o assassino retirou a “serpente” que apertava a garganta do outro; o carro deu uma guinada e o cadáver precipitou-se de encontro ao para-brisas.

 

Mil Chinas

 

— Então você não sabe quando volta? — reclamou Frankie.

 

— Não, não sei — respondeu Brigitte.

 

— Agora está ficando mais tempo lá do que aqui... Não sei por que não se muda logo de uma vez para a Vila Tartaruga!

 

— Você sabe que já faz muito tempo que não vou lá — retrucou Brigitte Montfort com maus modos. — Há muito tempo não visito Número Um.

 

— Pra quê? Por que visitá-lo se ele não sai de Nova York?

 

— Isso é verdade — sorriu Brigitte. — Você não conhece aquele ditado, se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à montanha?

 

— Entendo, você é a montanha e ele é o Maomé. Como não tem ido à Vila Tartaruga, ele tem vindo a Nova York. Só que desta vez, é a montanha que vai procurar Maomé. Aquele espião ignorante!

 

Brigitte olhou com surpresa para o amigo.

 

— Frankie, tem coragem de chamar o Número Um de ignorante?

 

— Claro. É um espião maldito que não serve para nada. Quer saber por que eu o julgo desse modo?

 

Brigitte Montfort entrecerrou os olhos azuis que se detiveram demoradamente no amigo.

 

— Não quero saber de suas explicações, camarada. Eu sei o que você está tramando. Pretende reter-me aqui com essa sua conversa sem-fim, só porque deseja que eu perca o horário do avião para Paris. Não adianta, querido. A única coisa que posso fazer é convidá-lo para vir comigo. Por que nós dois não passamos alguns dias agradáveis com o Número Um!

 

— Que convite mais bacana! Vou com você e passo o tempo todo apreciando os dois apaixonados arrulhando à minha volta! Até seria bom se eu fosse! Minha presença estragaria o idílio de meus melhores amigos!

 

Brigitte ria a valer, fez um sinal para Peggy, a governanta, apanhar as malas e levá-las ao elevador.

 

Naquele momento, a campainha da porta soou.

 

— Peggy, solte as malas e vá ver quem é — pediu.

 

A governanta abandonou a sala e Minello continuou olhando para a bagagem, e para a amiga que o fitava sorrindo. De repente, disse com raiva:

 

— Não me entendo! Em vez de perder meu tempo olhando para você, fico contemplando a beleza de suas malas.

 

— São bonitas, têm classe e merecem ser contempladas, Frankie.

 

Brigitte calou-se por instantes e murmurou:

 

— Tio Charlie! Foi ele quem chegou.

 

Minello piscou atônito. Não entendia como Brigitte podia ter um ouvido tão aguçado, uma perspicácia tão sutil que adivinhava a presença das pessoas, os sons, as vozes e, portanto, não se surpreendeu quando Peggy reapareceu acompanhada de Tio Charlie, isto é, Charles Alan Pitzer, o chefe do Setor da CIA de Nova York, o homem que era o chefe direto da agente Baby.

 

— Olá! Tudo bem?? — chegou cumprimentando amavelmente.

 

Porém as feições dele mudaram quando percebeu as malas no chão.

 

— Você vai viajar, Brigitte?

 

— Estava pensando fazer uma viagem, ou você não me dá licença?

 

— Se está desejando...

 

— Por que você não pergunta também quais são os meus desejos? — interveio Frankie Minello. — Será que é isso que estou desejando?

 

— Seus desejos não me interessam — retrucou Pitzer.

 

— Mesmo sabendo que pensa desse modo lhe direi quais são eles: estou torcendo para você se aposentar, bruxo! Quando isso acontecer, Brigitte abandonará a espionagem, deixará de se arriscar à toa em prol de uma humanidade que cada dia está mais podre e desgraçada!

 

— Vocês me deixam falar duas palavras? — interrompeu-os a espiã. — Se ambos querem bater boca, muito bem. Podem ficar à vontade em meu apartamento, tenho um estoque de champanhe para vocês. Podem ficar aqui pelo tempo que quiserem e eu vou embora para Malta. Que tal minha proposta?

 

Pitzer olhou para ela e depois, para Frankie.

 

— O que aconteceu há poucas horas no porto de Nova York não pode afetá-la diretamente, mas achei que você gostaria de tomar conhecimento do fato.

 

— O que foi que aconteceu? — perguntou a espiã.

 

— Um chinês matou pelas costas, a navalhada, um alemão que foi identificado como Heinrich Thomas, agente da BND, para ser mais preciso, da Hauptabteilung I ou H-I1.

 

Brigitte ficou calada por alguns segundos, pensativa e depois perguntou:

 

— Esse homicídio pode significar algo para nós?

 

— Não sabemos.

 

— Compreendo, mas se a gente partir da premissa que o chinês também era um espião... eu gostaria de saber por que um agente da Lien Lo Pou ia assassinar um agente secreto da Alemanha Ocidental diante de tantas testemunhas, em pleno cais de Nova York? Logicamente, só podemos saber que o matador era um chinês porque todas as testemunhas declararam isso — raciocinou Brigitte em voz alta.

 

— Exatamente. Havia muita gente aguardando que o Ulysses atracasse. O transatlântico estava manobrando para encostar no cais e o alemão estava entre aquelas pessoas. O chinês aproximou-se dele e o matou com três navalhadas perfeitas que seccionaram os rins em três partes. Em seguida, desapareceu. Ninguém teve tempo para reagir ou tentar detê-lo... E eu não creio que algum dos presentes tivesse ousadia para tanto.

 

— Entendido. O chinesinho é um verdadeiro profissional!

 

— Era isso exatamente que eu ia dizer — concordou Pitzer. — O chinês é um matador profissional.

 

— Na verdade não sei o que pensar... Acredita que eu deva me interessar pelo caso por algum motivo especial? Ou você acha que não devo intervir...? Por acaso o homicídio afetou algum dos meus Johnnies?

 

— Não, nenhum deles.

 

— Então... por quê?

 

— Vim procurar você porque Gunther Mann está a caminho de Nova York.

 

— Quem é ele? Nunca ouvi falar de Gunther Mann.

 

— É o Número Um do serviço de espionagem da BND. Gunther Mann é o espião que os alemães ocidentais utilizam quando um caso é realmente importante.

 

— Você está querendo dizer que esse caso é importante? — perguntou Minello.

 

— Frankie, deixe de bancar o tolo — exigiu Brigitte.

 

— Só me meti na conversa porque se você continuar gastando tempo com esse velho azarento, acabará perdendo o avião que ia tomar para Paris. Você não estava pensando em passar dias magníficos em Vila Tartaruga, minha querida?

 

— Quer fazer o favor de se calar?

 

Minello sorriu. Olhou para Peggy e fez sinais, a fim dela vir sentar-se a seu lado. Depois serviu champanhe, em duas taças e ofereceu uma delas à governanta que mal podia prender o riso que estava prestes a explodir. Já conhecia sua patroa e Minello há muito tempo e sabia que suas briguinhas e querelas não passavam de chuvas de verão.

 

Brigitte não dava atenção aos dois e continuava analisando os fatos.

 

— Pelo que pude deduzir, até agora não sabemos o que está acontecendo, mas a chegada de Gunther Mann demonstra que embora continuemos ignorando as causas do crime, o caso por si só já é suficientemente importante e deve merecer as atenções da CIA.

 

— Foi exatamente o que pensei — confirmou Pitzer.

 

A espiã ficou calada por frações de segundo e depois perguntou:

 

— Tio Charlie, como é esse tal de Gunther Mann?

 

— Quando está trabalhando torna-se um tipo implacável. Se alguém o aborrece, pode ter certeza que terá seus dias abreviados... É um homem rígido que não tolera complicações.

 

— Um tipo perigoso que só faz o que bem entende, sem pensar nos demais? — perguntou Brigitte.

 

— Não posso lhe responder essa pergunta por que não o conheço suficientemente só posso dizer que é um tipo perigoso que inspira muito cuidado.

 

— Ou seja — interveio Minello novamente. — É um homem perigoso que erra sozinho sem pedir opinião aos outros.

 

— Ele sempre age por sua cabeça — confirmou Pitzer, entregando um maço de fotografias a Brigitte.

 

Esta começou a repassá-las lentamente, estudando a fisionomia do alemão. Seu rosto era frio, seco, impenetrável. As feições eram duras. Os olhos azuis, gélidos. Os cabelos eram louros, muito louros e a espiã sorriu ao pensar que nunca tinha visto alguém com cabelos tão dourados. Não podia dizer que o alemão fosse um tipo bonito, mas era atraente e devia ter sempre um harém a sua disposição, embora já aparentasse mais de quarenta anos.

 

— Um cara impressionante — comentou ao ver a última foto e fazendo um gesto de resignação quando Minello puxou-a de suas mãos. — Tio Charlie, também trouxe fotografias de Heinrich Thomas?

 

— Lógico, Brigitte. Trouxe várias, vivo e morto.

 

Pitzer entregou-as e continuou comentando:

 

— Thomas também era um ótimo agente da H-I, da BND, mas certamente com menos cartaz que Gunther Mann.

 

— Ora, tio Charlie, poucos agentes podem ser comparados com esse homem. Creio que nem mesmo entre os boxeadores, escritores ou cantores podemos encontrar muitos indivíduos com têmpera igual à dele. Os homens fora de série não proliferam pelo mundo, em nenhuma profissão. Infelizmente, Heinrich Thomas não tinha cara de poder igualar-se ao chefe, mas nem por isso podemos dizer que fosse um anjinho. Ele estava residindo nos Estados Unidos?

 

— Em Chicago.

 

— Se morava em Chicago, o que veio fazer em Nova York?

 

— De acordo com as evidências, veio esperar a chegada do transatlântico Ulysses.

 

— Entendo, ou melhor, procuro entender. O que poderia haver no transatlântico que pudesse interessar ao espião?

 

— Até o momento não encontramos nada. Os fiscais aduaneiros estão rebuscando todos os pontos e cantos do navio, inclusive os viajantes que estão sendo submetidos a interrogatórios. A carga está sendo vistoriada e esperamos chegar a um resultado positivo.

 

— Aguardemos. Houve alguma intervenção da Lien Lo Pou? Por acaso está ocorrendo alguma atividade extra entre os nossos colegas de espionagem da China? O pessoal está sendo mobilizado fora da maneira rotineira?...

 

— Não. Tudo está calmo entre os chineses. Até se pode dizer que mais parece que todos eles tenham sido varridos da face da terra e que a Lien Lo Pou deixou de existir.

 

— Tio Charlie, nunca acreditei em quimeras — riu Brigitte. — Você conseguiu alguma descrição do chinês que assassinou Heinrich Thomas? Não me venha com aquela tolice que só os abobalhados vivem repetindo: Dizem que todos os chineses têm a mesma cara.

 

— Claro que não acredito nesta besteira. Já tenho gente trabalhando na feitura do retrato falado, porém enquanto este não fica pronto, continuamos sabendo apenas que o assassino era um homem que aparentava de trinta e cinco a trinta e oito anos, que se vestia com muita elegância. Algumas testemunhas declararam que ele era chinês forte, alto, com tipo de atleta. Só isso consegui descobrir até agora.

 

— Tio Charlie, você acaba de descrever um tipo comum à maioria dos colaboradores da Lien Lo Pou. Não concorda comigo?

 

— É verdade, meu bem — confirmou Pitzer.

 

— Mas tanto eu como você sabemos que se a Lien Lo Pou quisesse matar Heinrich Thomas sem levantar suspeitas em torno dos chineses, poderia usar outros meios e outros colaboradores mais eficientes que agiriam na calada sem criar problemas.

 

— O que nos força a concluir que a agência Lien Lo Pou não deve ter qualquer ligação com o assassino que matou Heinrich Thomas, embora todas as testemunhas tenham declarado que ele era um chinês. Se a Lien Lo Pou realmente foi a responsável pela morte do agente alemão, agiu assim porque fazia questão que os demais serviços de espionagem soubessem que foi um espião chinês, filiado àquela agremiação quem matou Thomas. E como nós conhecemos, ou melhor, acreditamos conhecer os nossos colegas asiáticos, só podemos atestar que não foram os agentes chineses que se encarregaram da morte do nosso colega alemão.

 

Minello tomou dois goles do champanhe e olhou para Peggy.

 

— Você está pescando alguma coisa da conversa?

 

— Eu? — sorriu a governanta com boa vontade. — Claro que não estou entendendo nada de nada!

 

— Nem eu tampouco. Pois então, vamos aproveitar a ocasião para festejar a afinidade que existe entre nossas duas mentalidades e inteligências — riu Minello.

 

— Frankie, por favor, não faça essa barbaridade! — repreendeu Brigitte. — Se você colocar cerejas no champanhe, faça o obséquio de não usar o caviar. As duas coisas não se combinam de forma alguma.

 

— Querida, cada um faz como acha melhor. Quer um exemplo: pato com pinhas é um dos pratos mais apurados e clássicos da cozinha chinesa e na realidade, eu e você também o apreciamos bastante. Talvez até esse velho abutre também o aprecie.

 

— Minello, não estamos brincando e nem tolero gente inoportuna — Pitzer falou, irritado.

 

Frankie sorriu como um garotinho apanhado em falta, olhou para Brigitte que o contemplava de cara fechada e pensativa.

 

Só depois de alguns segundos, ela murmurou:

 

— Frankie, você não está insinuando que os chineses estão colocando um prato de pato com pinhas em nossa frente?

 

— Da cozinha chinesa se pode esperar tudo, meu amor — retrucou Minello com um de seus melhores sorrisos.

 

Pitzer calou-se por instantes. Agora começava a compreender o significado do pato com pinhas.

 

Então, os chineses tentavam embrulhá-los? Brigitte começou a rir, não estava admirada com a perspicácia de seu amigo mais querido.

 

— Tio Charlie, parece que devemos entrar em contato com Lien Lo Pou imediatamente, embora nós dois estivéssemos pensando de forma diferente, Frankie tem razão. Talvez os chineses tenham colocado a nossa frente um de seus pratos exóticos e perturbadores.

 

William Chu Lai era o proprietário do restaurante chinês mais famoso de Nova York. Naquela manhã ficou paralisado pela surpresa quando ouviu a campainha da porta e a abriu. Não acreditada que a senhorita Montfort estivesse na sua frente, sorrindo, linda de morrer.

 

— Bom-dia, Bill — cumprimentou-o sorridente.

 

Não, não estava sonhando e nem vendo aparições.

 

— Senhorita Montfort, esta é a surpresa mais agradável que já tive! — falou o jovem com alegria.

 

— Muito obrigada. Posso entrar?

 

— Claro, claro!

 

Brigitte entrou no apartamento confortável e pequeno. William Chu Lai fechou a porta e lhe indicou um pequeno corredor que a levaria para o interior dos cômodos.

 

Chu Lai fez sinal para ela sentar-se em um sofá de veludo. A espiã sorriu, sentou-se no meio dele e ficou olhando para o dono da casa que continuava sorrindo, embevecido.

 

— Como está seu avô?

 

— Muito bem, mas acredito que não vá mais dirigir o restaurante. Vovô já está idoso e todos nós desejamos que agora ele se poupe. Nosso velho precisa descansar.

 

— Bem que merece um descanso — concordou Brigitte. — Conheço seu avô há anos, desde quando comecei a frequentar o restaurante. Eu e ele sempre fomos amigos e nos entendemos perfeitamente.

 

— Sei disso. Ele sempre fala que a senhorita não é um das grandes conhecedoras da comida chinesa, mas, no entanto, é a pessoa que mais entende da humanidade em si.

 

— Chu Lai, talvez esse seja o maior elogio que me fizeram! Agradeça a seu avô em meu nome. Imagino que você se preparasse para sair. Já é hora dos preparativos serem iniciados. Sabemos que quando anoitece seu restaurante fica repleto.

 

— É verdade, é isso mesmo que acontece diariamente. Veio procurar-me para fazer alguma encomenda especial?

 

— Um pedido muito especial que nada tem a ver com cozinha. Você seria capaz de me fazer um favor?

 

— Sim... Por que não?

 

Chu Lai se sentou em uma poltrona, Brigitte acendeu um cigarro, olhou para todos os lados e em seguida, olhou novamente para o jovem.

 

— Bem, antes de comentarmos sobre o pedido, desejo deixar uma coisa bem clara entre, nós dois. Jamais falaremos sobre este assunto, tanto faz se você me ajuda ou não. Outra coisa, não deverá mencioná-lo ou comentá-lo com quem quer que seja. Vou solicitar-lhe um favor pessoal que poderá acatar segundo sua conveniência. Se decidir atendê-lo, ficarei grata a você, mas devemos esquecer-nos do assunto tão logo nos separemos. Eu também me esquecerei desta conversa, embora não totalmente a ponto de não me lembrar deste dia, caso você venha a necessitar de minha ajuda... Entendeu?

 

— Perfeitamente. Deseja tomar alguma coisa ou?...

 

— Não. Tenho que sair daqui para o aeroporto com urgência. Só desejo saber de uma coisa, William: Você sabe se aconteceu algum fato especial no bairro chinês? Não pense que faço esta pergunta para aproveitá-la em uma de minhas reportagens. A informação que me der somente servirá de índice para minhas próprias observações. Eu jamais faria algo que pudesse prejudicá-lo.

 

— Meu avô sempre disse que a senhorita é uma mulher fora de série. E começo a compreender que meu velho tinha razão.

 

— Seu avô fala com a sabedoria da idade e, sobretudo, com a sabedoria de seu espírito perspicaz. William, sei que economicamente você é um dos chineses mais importantes de Nova York. Seu avô ganhou muito dinheiro com o restaurante e a família continua pelo mesmo caminho. Alguns até comentam que os herdeiros são mais negociantes do que foi o velho avô. Também comentam que os Lai sempre sabem de tudo que esteja acontecendo no bairro chinês de Nova York porque sempre são notificados. Você é um Lai e pode me dizer se aconteceu algo extraordinário naquele bairro, pode?

 

William Chu Lai passou a língua pelos lábios ressequidos e a espiã percebeu que havia medo estampado em suas retinas.

 

Repentinamente, Chu Lai sorriu com mais segurança e murmurou:

 

— Senhorita Montfort, ele passou por Nova York.

 

— Quem? — perguntou Brigitte.

 

— O Mandarim.

 

— O Mandarim? Que Mandarim é esse?

 

— Nunca ouviu falar no Mandarim das Mil Chinas?

 

Brigitte o fitou perplexa.

 

— Mandarim das Mil Chinas? Do que você está falando?

 

— Ora! A senhorita sabe que em todos os países espalhados pelo mundo existem pequenas comunidades de chineses ou um bairro chinês. Pois bem, essas pequenas comunidades, esses pequenos bairros se assemelham a milhares de pequenas Chinas e têm um Mandarim.

 

A jornalista não escondia seu assombro.

 

— Por Deus! — sussurrou. — Nunca tinha ouvido nada sobre esse assunto! Mil Chinas!

 

— Senhorita Montfort, o número mil é usado como um simbolismo, que serve para esclarecer que há muitas Chinas espalhadas pelo mundo todo, pena que a maioria delas seja apenas de pequenos povoados ou bairros sem muita importância. No entanto, onde existe uma China sempre há um imperador.

 

— O quê? — Brigitte estava atônita.

 

— Bem, o termo é simplesmente uma nomenclatura de chefia, todos sabem que nós, os chineses gostamos de usar nomes imponentes.

 

— Uma ideia criada com muita genialidade. Os chineses também têm um imperador aqui em Nova York? — perguntou com interesse.

 

— Sim.

 

— E quem é ele?

 

— Lamento, mas não posso lhe dizer isso.

 

— Por que não?

 

— Na realidade não posso dizer-lhe mais nada, senhorita Montfort. Creio que já falei mais do que devia. Por minha vez, eu também gostaria de lhe fazer uma pergunta: Por que está tão curiosa para saber se aconteceu alguma coisa diferente, algo raro no bairro chinês? Não lhe passou pela mente a ideia de que se algo incomum ocorresse no bairro, alguém teria interesse de lhe passar a notícia? E por que está desconfiando que algo incomum esteja acontecendo entre os chineses residentes em Nova York?

 

— Caramba! Você num instante consegue fazer maior número de perguntas do que eu — riu Brigitte.

 

— Talvez seja preferível que ambos desistamos de fazer tantas perguntas — falou Chu Lai cortesmente.

 

Brigitte o encarou enquanto pensava que talvez ele tivesse razão. Para que envolvê-lo naquele assunto? Se dissesse que procurava localizar um chinês que havia assassinado um espião da Alemanha Ocidental, talvez Chu Lai lhe perguntasse por que a senhorita Montfort estava tão interessada no caso e como ela tinha tomado conhecimento deste, se nenhuma notícia sobre o assassinato saíra nos jornais de Nova York.

 

E que desculpa poderia dar ao jovem se este relacionasse a jornalista do Morning News com o mundo da espionagem?

 

Sorriu amavelmente e murmurou:

 

— Sabe de uma coisa, William? Você está certo. Também acho melhor pararmos de fazer tantas perguntas. De qualquer modo, muito obrigada pela informação.

 

Levantou-se e o rapaz a imitou.

 

— Não tive a intenção de feri-la — falou com sobriedade.

 

— Fique descansado porque não me feriu. Somente expôs seu ponto de vista. Eu me portava de modo muito curioso e impertinente. Ontem, um amigo meu, Frank Minello que você deve conhecer, esteve no bairro chinês e teve a impressão que havia uma agitação maior entre todos. Fez algumas perguntas a amigos, mas nenhum deles comentou o que estava acontecendo. Resolvi vir procurá-lo; você me falou sobre as Mil Chinas, mas nada comentou sobre as atividades dos grupos.

 

— Não fazemos nada que seja muito importante. Algumas reuniões e conferências culturais. Outras vezes, todos se reúnem para discutir os problemas do bairro e de seus moradores. Falando sinceramente, pode-se dizer que as Mil Chinas se parecem bastante com os clubes; onde todos se conhecem e discutem os problemas comuns à maioria.

 

— Entendo, podem também ser comparadas com algumas irmandades de atividades secretas?

 

— Não. Nossa sociedade não se parece com estas irmandades.

 

— Muito bem — Brigitte se levantou e se despediu. — Tenho que ir embora, William.

 

1 A BUD é a sigla como é conhecida a BUNDESNACHRICHTENDIEST, a Agência Federal de Informações da Alemanha Ocidental. A H-I é sua seção operacional da agência, semelhante ao Grupo de Ação da CIA.

 

Os alemães

 

Gunther Mann era um alemão que media mais de um metro e oitenta de altura, porte atlético e forte como um touro. A CIA já descobrira que ele viajava com passaporte falso, usando o nome de John Darren, cidadão inglês.

 

As investigações estavam sendo chefiadas pela agente Baby que ordenara que ninguém criasse dificuldades para Mann. Com isso, ele não teve problemas ao desembarcar, passar pela alfândega e pelos outros trâmites obrigatórios.

 

Dois homens o aguardavam no aeroporto. Um deles se encarregou da bagagem e depois, afastaram-se em um carro Lincoln, modelo antigo que já devia estar encostado há muito tempo. Rodaram para Nova York ou mais concretamente, para Manhattan onde os companheiros de Mann já haviam alugado um apartamento em um edifício sóbrio e discreto, localizado na Quarta Avenida.

 

O espião jantou às nove horas da noite com os dois homens caladões e inexpressivos que não o soltavam um instante sequer. Já passavam das nove e meia quando o telefone tocou.

 

Um dos sujeitos o atendeu. Não disse uma palavra, apenas escutou e depois, falou “de acordo” e desligou.

 

Saíram em seguida e às dez em ponto, entravam em um bar da Rua Quarenta e Dois que estava muito animado. A alegria era geral e ninguém tinha tempo de observar as pessoas que estavam a sua volta. Apenas um indivíduo, com as feições um tanto exóticas, prestou atenção nos espiões que chegavam e fez um sinal para Gunther Mann aproximar-se.

 

Este caminhou até a mesa que o tipo estava usando e quando puxava a cadeira para sentar-se, reparou que ele tinha uma garrafa de uísque e outra de refrigerante à sua frente. Deduziu que fosse daqueles que apreciavam as duas bebidas misturadas. Sorriu, intimamente, e pensou que cada homem tem suas próprias peculiaridades e não seria ele quem perderia tempo em analisá-las.

 

— Tudo bem? O que conseguiu descobrir? — perguntou.

 

— Veja bem — o oriental falou em inglês. — Não sou chinês. Sou filipino. Pelo meu tipo físico posso andar livremente entre os chineses, mas não desejo complicar minha vida. Já tenho alguma experiência e sei que só conseguirei as informações que deseja, se me expuser a alguns perigos... e acho que estes não compensam, entende?

 

— Você é muito gozado, homem! — disse Mann, friamente. — Estipulou um preço para fazer o trabalho e meus companheiros lhe pagaram o que pediu, não foi?

 

— Sim.

 

— Se eles cumpriram sua parte, você agora terá de cumprir a sua. Não precisará se expor a grandes perigos como pensa porque só necessito de poucas informações que facilmente poderá obter. Descubra somente alguns pontos, ou melhor, a ponta da meada e eu saberei desenrolar o restante da mesma, até chegar à parte principal. Compreendeu?

 

— Sim. Tentei descobrir algumas coisas, mas nada consegui. O que há de mais certo, foi a chegada do Mandarim a Nova York. No entanto, esta não foi cercada de muitas alegrias porquê os chineses descobriram que pessoas estranhas à colônia já tinham sido avisadas e sabiam que ele ia chegar.

 

— Só isso pôde descobrir? — perguntou Mann: — Não ouviu algum comentário sobre o assassino do alemão ocorrido no cais? Não sabe se o Mandarim ainda permanece em Nova York ou se continuou viagem?

 

— Não. Ninguém comentou sobre o assunto. Só sei o que já falei. Agora já posso ir embora?

 

— Maldição! — falou Gunther Mann com os lábios entrecerrados. — Você está morto de medo, seu covarde!

 

— Estou mesmo, sim, senhor. Posso ir embora? — perguntou novamente.

 

O espião autorizou-o com um gesto. O homem se levantou rapidamente e quase correu para a porta da taberna, desaparecendo em seguida.

 

Mann divisou os dois companheiros que estavam sentados a uma mesa próxima, olhando-o, à espera de instruções. Adiantava seguir o filipino? Não. Seria um trabalho inútil, uma perda de tempo. O homem estava muito assustado e certamente arrependido por ter aceitado a proposta para vasculhar um bairro chinês, e embora tivesse recebido uma quantia vultosa, só havia repassado informações conhecidas. Quem não sabia que o Mandarim havia chegado à cidade de Nova York?

 

O espião alemão estava entretido, acendendo um cigarro quando a loura chegou ao bar. Era uma mulher linda, muito elegante, porte felino, semelhante ao de uma gata que parecia muito perigosa, traiçoeira, com aqueles olhos verdes enormes e luminosos.

 

Ela entrou. Gunther Mann não a viu no primeiro momento, estava muito absorto com os pensamentos que povoavam seu cérebro. Porém, repentinamente, notou sua presença, era muito bonita para passar despercebida.

 

A loura falava com um dos garçons que a atendia, sorridente. Em seguida, ela se afastou do balcão e se encaminhou resolutamente para a mesa dele. Sentou-se na cadeira que o filipino deixara livre. O espião continuava calado, contemplando a mulher com os olhos gélidos.

 

— Como está, herr Mann? — perguntou em alemão perfeito. — Fez boa viagem?

 

Sentiu uma onda de frio correr dentro de si. Olhou de revés para os dois companheiros e observou que estavam tensos, fitando o lado oposto do bar. Olhou naquela direção e viu dois camaradas altões, louros, que pareciam fregueses comuns, se não o fitassem tão fixamente.

 

Desviou os olhos para o outro lado do salão e viu mais dois tipos atléticos que também o olhavam fixamente. Naquele instante, a porta foi aberta e outro homem louro e bonitão entrou no bar.

 

Gunther Mann mordiscou o lábio inferior e novamente fitou a loura que continuava sentada à sua frente. Era uma mulher lindíssima, com uns olhos verdes, expressivos, que poderiam endoidar qualquer um.

 

— Maldição! Por que a CIA veio se intrometer? — sussurrou. — E não comece a negar, eu sei que é a agente Baby.

 

— Pelo que vejo não há necessidade de eu me apresentar. O cadáver de seu companheiro Heinrich Thomas está preparado, pronto para ser remetido à Alemanha Ocidental. Contudo, ainda não encontramos uma pista de seu provável assassino. Cheguei a pensar que talvez o senhor me pudesse adiantar alguma coisa e isso me faria economizar tempo e trabalho.

 

— Como início, já começou perdendo seu tempo — retrucou Gunther, secamente.

 

— Como queira. Espero que o senhor saiba aproveitar melhor o seu quando estiver trancafiado em uma cela. Sabemos que entrou nos Estados Unidos portando um passaporte falso. Isso já é crime suficiente para ser detido e encarcerado. Está desejando uma prisão, senhor Darren?

 

— Não espere impressionar-me. Eu já desconfiava do prestígio que exerce sobre todos e agora, vejo que minhas desconfianças eram corretas. É muito mais fácil se conseguir resultados positivos quando se tem um bom grupo de guarda-costas e a proteção de uma CIA inteira. A senhorita sempre anda com tantos protetores como os que a acompanham hoje?

 

— Senhor Mann, talvez seja um bom espião, mas indiscutivelmente também é um grande imbecil. Boa-noite!

 

— Espere, não se vá... — falou de má vontade. — Talvez possamos fazer um acordo.

 

— Não — retrucou a espiã americana para a surpresa do alemão. — Agora já é tarde demais, senhor Mann.

 

— Por que tarde demais? O que está querendo dizer?

 

— Que não perco tempo com imbecis. E o senhor acaba de me demonstrar que também é um deles. Há pouco tempo, mantive uma excelente relação de trabalho com um colega russo que demonstrou ser um tipo inteligente1. O senhor é um grande convencido, um presunçoso, mas prepare-se para enfrentar uma cadeia americana. E isso somente acontecerá por estar usando um passaporte falso. Mais tarde, investigaremos e faremos a vida pregressa de Gunther Mann e só então poderemos acusá-lo pelos crimes que tem cometido.

 

— É uma mulher rancorosa!

 

— Sou como sou. Reconheço os meus defeitos e minhas qualidades. Entretanto, pressinto que o senhor carece desta modéstia. Julgou-se importante demais para aceitar meu apoio, auxílio ou colaboração e, infelizmente, enganou-se, senhor Mann.

 

— Escute, eu fui o primeiro que sugeriu um acordo.

 

— Se tivesse aceitado minha ajuda quando comecei a falar, tudo teria sido diferente. Mas pensou que nossas relações dependeriam unicamente de sua vontade, isto é, se achasse viável manter um trato com a agente Baby esta teria de concordar, porém, se o senhor achasse que o acordo era desnecessário, ela também deveria acatar suas decisões. Pensava que a política de boa vizinhança poderia ser refeita quando bem entendesse com apenas um estalar de dedos quando, então, a menina tolinha viria correndo como um cachorrinho de estimação para atender a vontade de seu dono. Senhor Mann, a agente Baby só faz aquilo que planeja, entendeu?

 

O garçom aproximou-se carregando os copos e a garrafa de champanhe que colocou em cima da mesa.

 

— Obrigada. Pode ficar com o troco.

 

A loura entregou uma cédula ao empregado do bar que parecia pairar nas nuvens, pois não se lembrava de haver recebido em toda sua vida gorjeta mais polpuda.

 

O espião alemão contemplou sua colega americana, sorrindo.

 

— Apesar de tudo ainda me convidará para o champanhe?

 

— Negativo — replicou, enquanto se levantava. — Não, senhor Mann, vou beber este champanhe em melhor companhia. Agora, vá se levantando sem chamar muita atenção. Aceite este convite e caminhe até o automóvel que está estacionado perto da porta. Não pense desacatar minhas ordens, ou então, trate de sacar a arma logo de uma vez, pois os rapazes acabarão com sua vida.

 

Brigitte apanhou a garrafa do champanhe e começou a andar para a porta. Mann olhou para todos os lados e viu os agentes americanos de prontidão, observando-o.

 

O alemão também olhou para seus dois companheiros. Estavam lívidos, porém os fregueses da casa não pareciam notar que algo muito estranho estava acontecendo naquele momento. Isso só era pressentido pelos parceiros que estavam jogando aquele jogo de espionagem.

 

— Mulher maldita! — resmungou.

 

Levantou-se em seguida e caminhou para a porta. Saiu à rua e viu que dois homens saíam logo após. Um destes o desarmou e o mandou entrar no carro que estava parado à frente da porta do bar.

 

Reconhecia que sua situação estava diferente, havia mudado em um piscar de olhos: O espião mais famoso da Alemanha Ocidental que podia gozar do privilégio de colaborar com a agente mais famosa do mundo, tornara-se seu prisioneiro. Agora estava no automóvel que o levaria para um destino desconhecido. Olhou pelo espelho retrovisor e viu que outro carro os seguia e nele, estavam seus dois companheiros acompanhados pelos três agentes americanos.

 

E para completar seu fracasso, ficara sem beber o champanhe.

 

Brigitte serviu o champanhe em quatro taças e apanhou uma delas com os dedos aristocráticos e de aspecto delicado. Bebeu um gole da bebida e sorriu. Em seguida, olhou para os três agentes da CIA que a contemplavam.

 

— Rapazes, podem beber calmamente. Verifiquei que não está envenenada.

 

Os três espiões riram divertidos e apanharam suas taças.

 

Enquanto isso, os três alemães continuavam sentados no sofá, desarmados, mas não amarrados, como se os da CIA os considerassem inofensivos. Esta situação devia ser humilhante para os espiões da BND, que contemplavam a cena em silêncio total como se estivessem assistindo a um filme americano de suspense, no qual três espiões se encontravam presos em um chalé em local desconhecido.

 

Esta situação, contudo, não chegava a surpreender os germânicos porque se a CIA era uma organização poderosa fora dos Estados Unidos, só poderia ter mais poder e força quando agia naquele país.

 

— Está bom, realmente? — interessou-se Brigitte.

 

— Está ótimo! — asseverou um dos Johnnies.

 

— Pena que o grupo inteiro não esteja aqui para tomar esta bebida deliciosa.

 

— Os outros chegarão daqui a pouco. Agora estão providenciando algumas coisas que eu solicitei. Também pedi que comprassem mais champanhe para todos beberem à vontade. Bem, enquanto esperamos, devíamos usar o rádio para perguntar se surgiu alguma novidade.

 

— Qual de nós três deverá providenciar a ligação? — perguntou um dos Johnnies.

 

— Pode ser você mesmo, quem mandou fazer tanta pergunta?

 

Novamente os espiões começaram a rir. Os alemães estavam com um humor péssimo, principalmente Gunther Mann, pois percebia que a loura não estava vibrando e nem parecia impressionada por ter em suas mãos o homem mais perigoso da BND.

 

De repente, não se conteve mais e perguntou:

 

— Posso saber o que fazemos aqui?

 

— Estamos aguardando um helicóptero que levará vocês três para um lugar seguro. E estou esperando algumas informações que deverão chegar a qualquer momento, herr Mann.

 

— Não terá coragem de nos aprisionar.

 

Brigitte o fitou com surpresa e exclamou:

 

— Não? Por que não?

 

— Se ficarmos presos em uma prisão americana, nossos companheiros que estão servindo na Europa caçarão os seus Johnnies por todo o país e em poucos dias a situação estará transformada em uma verdadeira balbúrdia. Entendeu o que tento explicar?

 

— Talvez sim, mas então o invencível Gunther Mann ficará totalmente desmoralizado porque eu, pessoalmente, farei tudo que puder para todos os serviços mundiais de espionagem serem notificados que o agente Número Um germânico, passou vários dias preso nos Estados Unidos e que isso somente sucedeu porque na realidade o grande Gunther Mann não passa de um grande imbecil, de um grande ignorante.

 

Gunther Mann estava mais branco que a neve e olhava para a agente americana com hostilidade. Esta ia dizer mais alguma coisa, porém calou-se quando o Johnny que saíra para fazer a ligação pelo rádio, apareceu à porta.

 

Olhou para o rapaz que exclamou:

 

— Não estou entendendo mais nada! Adivinhe quem mais está jogando neste time?

 

— Os russos? — arriscou Brigitte.

 

— Não, os albaneses!

 

— Os albaneses? — perguntou, surpreendida.

 

— Está falando de cidadãos que nasceram na Albânia, aquele país pequenino da Europa?

 

— Exatamente.

 

Brigitte ficou em silêncio, pensativa e depois, sorriu. Por que ficar tão admirada? No passado os chineses e os albaneses eram grandes amigos e aliados e agora, talvez estivessem colaborando no caso do Mandarim das Mil Chinas. Só não entendia o por que da presença dos alemães ocidentais.

 

Finalmente, Baby olhou novamente para o grande espião germânico e notou que este estava tenso, embora fizesse o máximo para aparentar uma calma inexistente.

 

— E como soubemos que os albaneses estão metidos nisto? — perguntou Brigitte, finalmente.

 

— Três deles foram detidos quando chegavam à Nova York, procedentes de Paris. Pareciam estar com muita pressa e seus passaportes falsos chamaram a atenção dos funcionários do Serviço de Imigração; estes avisaram o Chefe do Setor da CIA em Nova York e foi este serviço que ordenou a detenção dos viajantes. Brigitte, sabe o que estes disseram? — perguntou o Johnny que recebera a mensagem.

 

— Não. O quê?

 

— Que vieram seguindo Gunther Mann.

 

— Por quê?

 

— Resolveram fazer isso quando souberam que ele viajava para os Estados Unidos para caçar o Mandarim. Os albaneses também desejam pegá-lo há algum tempo, embora os três agentes tenham declarado não saber as causas que motivaram essa perseguição. Receberam ordens de somente localizar o Mandarim das Mil Chinas e se encontrasse alguma facilidade, deviam prendê-lo e avisar Tirana imediatamente.

 

— Entendo, o Mandarim é uma personalidade que anda causando sensação mundial. Já percebeu como os alemães e os albaneses chegaram aos States procurando uma chance, uma oportunidade para retê-lo? Talvez até comecem a chegar agentes de outros países.

 

— Sensacional! Um tipo que cria uma convulsão quase mundial, deve ser uma pessoa bastante interessante. Garanto como não gasta seu tempo organizando festas beneficentes entre dois ou três clubes rivais. Chame nossos chefes do setor e lhes diga que quero que me tragam os três albaneses aqui, com urgência! Quero conversar com eles e, sinceramente desejo que sejam mais inteligentes do que herr Mann.

 

— É a senhora que está armando todas as dificuldades — resmungou Gunther Mann. — Se quiser, posso explicar tudo que está acontecendo e depois, podemos fazer um brinde a nossa união com o champanhe.

 

— Não preciso de suas explicações. Portanto, fique calado.

 

— Está querendo divertir-se as minhas custas? — O alemão estava rubro de ódio. — Estou oferecendo uma explicação de tudo!

 

— Já disse que não estou interessado em suas explicações, herr Mann!

 

— Convencida! Não está interessada, mas terá de ouvir-me.

 

— O senhor está surdo? — perguntou um dos Johnnies, parando à sua frente. — Feche essa boca, canalha ou eu arranco todos seus dentes! Ela mandou você se calar e terá de obedecê-la!

 

Mann disse uma imprecação em alemão e mordeu os lábios com raiva. Estava furioso, mas sabia que nada poderia fazer.

 

Brigitte olhou seu relógio de pulso e disse:

 

— Os albaneses ainda vão demorar. Acho que vou tirar um cochilo.

 

— O que devemos fazer se o helicóptero chegar?

 

— Johnny, quando o helicóptero chegar eu o escutarei e então, decidiremos o que devemos fazer. Se os albaneses chegarem, também acordarei. O mesmo acontecerá se nossos companheiros aparecerem com mais algumas garrafas de champanhe, pois para ser sincera, ainda não saciei minha sede. Uma garrafa é muito pouco para quatro pessoas.

 

Os Johnnies sorriram e continuaram vigiando os alemães. Brigitte foi para o quarto dormir, arrancou a peruca loura e retirou as lentes de contato verdes. Deitou-se na cama e adormeceu em segundos. Só acordou uma hora mais tarde, colocou a peruca e as lentes novamente.

 

Em seguida, voltou à sala e tudo parecia igual. Contemplou os prisioneiros e se dirigiu para o quarto onde tinham instalado o rádio. O Johnny que trabalhava com ele a fitou, sorrindo e avisou:

 

— Os albaneses estão chegando.

 

— Ótimo. A Central nos informou quais as providências que já foram tomadas?

 

— Não.

 

— Chame novamente, insista. E aproveite a oportunidade para pedir que se dediquem a qualquer assunto ou problema que se relacione com a China ou com os chineses.

 

— Okay.

 

Em menos de três minutos, chegava o primeiro carro com os agentes da CIA que traziam víveres e champanhe. Pouco depois, chegava mais um carro com quatro agentes da CIA e os três albaneses que eles detiveram há pouco.

 

Brigitte quase riu ao vê-los. Dois deles eram altos, fortes e quase albinos, porém o terceiro era um tipinho baixote, gorducho e amorenado. O aspecto deles provocou o riso da agente mais famosa do mundo porque os Johnnies os haviam detido assim que chegaram à Nova York e eles continuavam usando as roupas albanesas que nada tinham de qualidade ou elegância; com elas qualquer pessoa jamais ganharia um concurso de beleza.

 

Era uma e meia da madrugada e o chalé que estivera silencioso até pouco antes, agora estava em plena ebulição. Houve distribuição de pasteizinhos e empadinhas, de cerveja, de champanhe e mais tarde, alguém achou por bem coar um café quentinho. Quando todos comiam e bebiam, chegou o helicóptero que já estava aguardando para transportar os alemães.

 

Os três albaneses continuavam de pé, encostados em um canto da sala e contemplavam a atividade do pessoal da CIA com interesse; também pareciam um pouco assustados e apreciavam a bela moça loura que dirigia a operação. De repente, ela se aproximou deles e lhes ofereceu mais alguns docinhos e perguntou:

 

— Vocês querem champanhe ou cerveja?

 

— O quê? — perguntou o albanês baixinho.

 

— Quero saber se querem champanhe ou se preferem tomar uma cerveja?

 

Os homens se entreolharam perplexos e um deles perguntou:

 

— Então podemos tomar champanhe?

 

— Podem tomar o que desejarem. Que tal, gostariam de tomar um cafezinho?

 

— Preferimos o champanhe — respondeu um rapidamente. — O café pode ficar para mais tarde.

 

Brigitte falou com um dos Johnnies e este entregou uma garrafa de champanhe a eles. Depois, foi conversar com o encarregado pelo rádio, mas nem teve tempo de falar porque o rapaz sacudiu a cabeça negativamente.

 

A espiã voltou à sala. Os alemães continuavam sentados no sofá, quietos sem comer ou beber, enquanto os albaneses comiam com apetite e bebiam com prazer. Agora estavam sentados no chão e não pareciam preocupados com os enigmas do futuro.

 

A espiã americana puxou uma cadeira para perto deles e se sentou.

 

— Diga-me, como deverei chamá-los enquanto conversamos. Em seguida, se quiserem, poderão dormir algumas horas para refazer as energias, e ao meio-dia meus companheiros os levarão ao Kennedy Airport, onde tomarão, um avião que os levará de regresso à Europa. Combinado?

 

1 Ver UMA VÍBORA, nº 472 desta coleção.

 

Chegada a São Francisco

 

Os albaneses estavam estupefatos, de boca aberta, sem acreditar que aquilo fosse acontecer realmente. Finalmente, um deles falou:

 

— Meu nome é Hahxi e meus companheiros são Topsi e Wied. E você, como se chama?

 

— Sou a agente Baby da CIA. Vocês não me reconheceram?

 

Os agentes albaneses continuavam pasmos e faziam caras tão gozadas que Brigitte não pôde conter o riso e soltou uma gargalhada, enquanto dizia com humor:

 

— Bem, já fomos devidamente apresentados. Agora vamos falar de, um assunto que nos interessa. Por que vinham seguindo Gunther Mann?

 

— Começamos a fazer isso quando soubemos que ele andava perseguindo o Mandarim e nós também desejamos encontrá-lo.

 

— Por quê?

 

— Porque há mais de quinze anos, ele promoveu um combate entre albaneses e alemães, o qual provocou a morte de sete homens nossos.

 

— E cinco alemães — interveio Gunther Mann com voz irritada.

 

O agente da CIA que momentos antes lhe falara, dizendo que devia obedecer as ordens de Baby, aproximou-se dele e sem maiores explicações, desferiu um murro certeiro em seus lábios. O alemão caiu para trás, com os lábios partidos e sua cabeça ficou apoiada no encosto do sofá. Estava quase desmaiado, enquanto seus companheiros continuavam imóveis e assustados.

 

— O que você ia dizer, Hahxi? — perguntou Brigitte, amavelmente.

 

O albanês olhou para Gunther Mann e explicou:

 

— Ele falou a verdade quando afirmou que cinco alemães morreram no confronto. Todos os cinco eram agentes da BND. O culpado dessas mortes foi exclusivamente o Mandarim. Ele estava trabalhando conosco, como agente albanês. Confiávamos nele. Era chinês e a China sempre apoiara a conjuntura comunista da Albânia.

 

— Sim, sei que China e Albânia sempre foram dois países amigos, e aliados. E foi por isso que não os surpreendia que um agente chinês colaborasse no serviço secreto albanês, não é verdade? O que mais aconteceu?

 

— Aconteceu que o Mandarim enquanto trabalhava conosco, também trabalhava com os alemães como agente da BND. Nosso serviço descobriu que fazia isso exclusivamente por dinheiro. Solicitamos informações sobre sua pessoa a Lien Lo Pou e aquele serviço de espionagem comunicou que não havia nenhum agente com o nome de Mandarim entre seu pessoal.

 

— Fantástico! — exclamou Brigitte, realmente surpresa. — O tal Mandarim deve ser um tipo muito esperto, dizia colaborar com vocês e no entanto, só obtinha benefícios pessoais, agindo como agente duplo de duas organizações poderosas.

 

— Exatamente. Tentamos prendê-lo, mas ele deve ter pressentido alguma coisa, pois conseguiu fugir com ajuda da BND. Naquela época, os alemães ignoravam que ele também trabalhava conosco, e enviaram todos os esforços para ajudá-lo e foi naquela ocasião que houve verdadeiros combates entre os componentes das duas organizações, com várias mortes de ambos os lados. Finalmente, os alemães conseguiram salvar o Mandarim. Mais tarde, remetemos uma comunicação a eles, dizendo que aquele confronto fora uma coisa estúpida e desnecessária, que só acontecera porque não aceitaram os pedidos de conversações que pedíramos para lhes participar que o Mandarim também fora um de nossos colaboradores. Pode imaginar o que aconteceu, os alemães se enfureceram, mas o Mandarim já não se encontrava na Alemanha Ocidental e tomara rumo ignorado. Pois bem, desde então, tanto os albaneses como o pessoal da BND vivem procurando prendê-lo, mas nossas buscas têm sido infrutíferas.

 

— Perfeito. E como souberam que a BND estava informada que poderiam prender o Mandarim aqui na cidade de Nova York?

 

— Temos pessoal lotado em Paris e foi aquele departamento que notou certo alvoroço entre os alemães residentes na cidade. Nós há algum tempo, temos, não sei como explicar-me, mas digamos alguns amigos na Alemanha Ocidental e, foi desse modo que soubemos o que estava acontecendo. A BND recebera informações de que o Mandarim havia passado por Paris, já estava voando para Nova York e que os agentes alemães nos Estados Unidos estavam informados de sua viagem. Não tivemos tempo para tomar o mesmo avião que Mann, mas tínhamos a esperança de localizá-lo tão logo chegássemos a esta cidade.

 

— E como poderiam fazer isso?

 

— Alguns de nossos amigos o esperariam no Kennedy Airport e o seguiriam. Desse modo, ficariam cientes de onde se encontrava, porém, assim que descemos do avião, começaram os contratempos e acabaram aqui.

 

— Bem, se havia gente de vocês no aeroporto, presumo que haja alguns albaneses tentando entrar em contato com vocês. Já devem saber que Gunther Mann está em poder da CIA. Possivelmente, se nos seguiram, devemos estar com a casa cercada.

 

— Talvez esteja certa, Baby — admitiu Hahxi.

 

Brigitte sorriu, tomou alguns goles do champanhe pensativa e disse:

 

— Então o Mandarim anda envolvido em assuntos de espionagem...

 

— Atualmente, não sabemos o que anda fazendo, mas somos testemunhas que no passado andou colaborando conosco e com a BND, não entendemos como podia enganar a nós e a agência rival.

 

— Muito obrigada, Hahxi. Vocês querem mais champanhe?

 

— Que pergunta! Porém também gostaríamos de outra coisa...

 

— Do quê?

 

— Parece que você está querendo nos devolver rapidamente como se fôssemos uma mercadoria que desagradasse...

 

— Pensem bem, não seria qualquer espião que numa situação idêntica, iria permitir um retorno tão fácil, rapazes.

 

— É verdade, mas quem sabe talvez preferíssemos que essa volta não fosse tão fácil, que parecesse mais honrosa — explicou Hahxi. — As coisas aconteceram com tanta rapidez e facilidade que temos a sensação de ser filhotes de passarinhos que caíram do ninho quando tentavam voar.

 

— Os melhores espiões de todos os tempos tiveram seus dias críticos — respondeu Brigitte com um sorriso.

 

— Porém, nós dois já estamos estudando inglês há algum tempo, conhecemos alguns truques e técnicas de espionagem, embora saibamos que não podemos ser comparados com o pessoal da CIA, mas nos cremos competentes. Entende?

 

A espiã mais famosa do mundo olhou sorrindo para os albaneses e disse:

 

— Está bem, conversaremos mais tarde. Agora continuem o jantar.

 

Levantou-se, mandou entregar uma garrafa de champanhe aos albaneses e disse a um de seus Johnnies:

 

— Já podem levar os alemães. Que continuem incomunicáveis e que sejam submetidos ao Regimento Número Nove.

 

O agente assobiou baixinho. Os companheiros de Mann estavam brancos como a neve e o espião famoso procurava aparentar uma indiferença que estava longe de si. De repente, fez menção de falar alguma coisa, porém o agente que o tinha esmurrado, deu dois passos e parou perto dele e, isso foi suficiente para ele continuar calado.

 

Dois minutos mais tarde, o helicóptero estava preparado para alçar voo com os alemães a bordo. Enquanto a viagem era preparada, Brigitte conversava com o piloto.

 

— Que continuem incomunicáveis mesmo quando nas celas. Passem um rádio à BND em meu nome, avisando que não há necessidade de procurarem reféns para uma possível troca, pois dentro de quarenta e oito horas devolveremos Mann e seus colegas. Entendido?

 

— Sim. Mas me diga uma coisa só por curiosidade: que Regimento Número Nove foi aquele que você citou?

 

Brigitte soltou outra gargalhada e respondeu:

 

— O tal regimento nunca existiu. Só fiz menção a ele para assustar os alemães. Ah, outra coisa, diga que desejo que a Central transmita uma notícia a nível internacional a respeito do agente alemão Gunther Mann, na qual deverá ser declarado que ele foi preso pela agente Baby, submetido a certos tratamentos, que acabou informando a respeito da missão fracassada e que agora, os agentes da CIA estão cientes de muitos mistérios que protegem a BND, bem como dos detalhes sobre a modernização de seus sistemas de segurança.

 

— Essa notícia bomba equivale à morte do grande espião Gunther Mann...

 

— Sei quais serão os resultados. Foi ele quem me forçou.

 

O helicóptero levantou voo e Brigitte entrou no chalé.

 

Novamente sentou-se perto dos albaneses.

 

— Eis o trato que faremos — avisou. — Vocês três permanecerão aqui no chalé até que eu solicite alguma colaboração, se é que ainda necessitarei dela. Se eu não precisar da ajuda dos albaneses, virei visitá-los e os colocarei a par de tudo que ocorreu durante o serviço. Depois devidamente informados, poderão regressar à Albânia como se nunca tivessem estado nas mãos da CIA. Quanto a seus companheiros que rondam a casa, deverão entrar, assim que eu e meus Johnnies saiamos daqui. Comunique-lhes que também deverão permanecer aqui com vocês aguardando meu pedido de colaboração ou minha visita informal. Entendido?

 

— Claro.

 

— O que acham da proposta!

 

— Está aceita.

 

— Hahxi, se não cumprirem o trato, que estamos fazendo, irão arrepender-se amargamente.

 

— Baby, não está tratando com imbecis ou retardados mentais...

 

— Nem tampouco com tipos ignorantes — sorriu a espiã, amigavelmente. — Até a volta!

 

Segundos mais tarde estava no quarto do rádio e de novo, o agente moveu a cabeça negativamente.

 

Ela voltou para o quarto de dormir, precisava descansar, mas quase em seguida, o Johnny entrou no aposento.

 

Parou perto da cama e viu a moça ressonando. O homem chegou a hesitar, sem saber se devia acordá-la ou deixá-la descansar mais um pouco.

 

Finalmente, colocou a mão em seu ombro e a mulher abriu os olhos.

 

— Perdão, Brigitte, não queria acordá-la, mas a mensagem acaba de chegar.

 

— E...

 

— Você recomendou que tivessem cuidado extremo com todas as notícias que se relacionassem com a China e chineses... Pois bem, conforme as sindicâncias foram sendo desenvolvidas, o fiscal descobriu algo que julguei ser importante para você. Quando as autoridades examinavam as condições do Ulysses e a relação de pessoas que viajavam, descobriram que havia seis chineses no navio. Dois como passageiros e quatro como tripulantes. A central recorreu ao FBI que finalmente conseguiu localizar e identificai cinco daqueles chineses, pois seus dados constantes na papelada eram verdadeiros.

 

— E sobre o sexto indivíduo o que descobriram?

 

— Usava o nome de Hui Tsi Mao e viajava com passaporte holandês. Era passageiro da primeira classe do transatlântico, mas não o localizaram em canto algum, parece que se converteu em fumaça assim que pôs os pés em Nova York.

 

— Muito bem, Johnny. Continuem imprensando o fiscal com perguntas. Eu me encarregarei do Mandarim.

 

— Como poderá se encarregar dele se ninguém o localizou?

 

— Sei, mais ou menos, onde encontrá-lo.

 

— Sabe onde o Mandarim está? — o agente a fitava com assombro.

 

— Creio que sim. Penso que desta vez não conseguirá fugir — olhou para o relógio de pulso e continuou: — Antes de vinte e quatro horas, teremos o Mandarim das Mil Chinas em nossas mãos. Você gostaria de colaborar em sua captura?

 

— Claro! — exclamou o. Johnny. — Estou acompanhando o trabalho desde o início e gostaria de ir até o final do mesmo!

 

— Certo! Avise o Johnny II e o Johnny III — quase riu Brigitte. — Nós quatro voltaremos imediatamente a Nova York. Gostaria de rever meu amigo antes de ele já se ter deitado, antes de ter adormecido porque então, é bem capaz de nem escutar minhas chamadas.

 

William Chu Lai não estava dormindo, mas já estava de pijama e preparava para deitar-se. Sentia-se cansado, o restaurante tinha muito movimento e ele trabalhava bastante para atender a freguesia. Quando chegava em seu apartamento só tinha vontade de dormir, descansar, a fim de preparar o corpo para a luta do dia seguinte.

 

Desta vez já não ficou tão surpreso quando viu a senhorita Brigitte Montfort, ao abrir a porta.

 

— Entre — suspirou Chu Lai. — Perdoe-me por recebê-la de pijama, mas eu já me preparava para...

 

— William, entre nós não precisa haver certos protocolos — disse Brigitte entrando e fechando a porta do apartamento. — Não desejo comprometê-lo e nem tampouco, prejudicar a China ou a comunidade chinesa de Nova York. Você tem liberdade de agir como quiser, até mesmo matar-me se achar que isso iria solucionar o problema. No entanto, se eu demonstrar que minha intervenção foi benéfica para você e outros chineses honrados, prometa-me que jamais mencionará o meu nome, relacionando-o com este assunto. Concorda?

 

O jovem chinês suspirou novamente e perguntou:

 

— O que a senhorita deseja de mim?

 

— Quero que me diga para onde foi o Mandarim depois que chegou a Nova York.

 

— Não sei.

 

— Sei que sabe, William. Talvez você não o tenha visto, mas sabe onde ele está. Tudo que acontece no bairro chinês de Nova York é comunicado aos Lai. Ando até desconfiada que você seja o Imperador desta China e se não o for, como penso, deve fazer parte do conselho ou direção da mesma.

 

— A senhorita Montfort me confunde — murmurou o jovem atleta.

 

— Afinal o que está procurando? O que está pretendendo?

 

— Prefiro conversar sobre as pretensões do Mandarim. Desde que chegou só tem fomentado conflitos, brigas e mortes. E se esta situação continuar, é certa que algumas das Mil Chinas acabarão sendo prejudicadas.

 

Chu Lai pareceu ficar preocupado. Há poucas horas haviam feito um comentário semelhante no restaurante, porque o homem de confiança do Mandarim havia assassinado Ho Ming. Bem, era verdade que o chinês não era uma pessoa que merecesse prantos e velas, mas sua morte comprovava os comentários da jornalista.

 

— Senhorita Montfort, se eu não confiar e se eu não a ajudar, meu avô será capaz de me escalpelar vivo — comentou, sorrindo. — O Mandarim foi para São Francisco com seu homem de confiança, um tal de Kui, que também é um homem perigoso.

 

— Então ele foi para São Francisco? Você sabe se foi Kui quem matou um alemão no cais de Nova York?

 

— Não. Quem matou Heinrich Thomas foi Ho Ming. Este sim, foi morto por Kui, que obedecia a ordens do Mandarim.

 

— William, tenho a impressão que a colônia chinesa não está satisfeita com a chegada desse homem, não é verdade?

 

— Nunca foi preciso que um sujeito chegasse ao bairro chinês de Nova York para nos dizer o que devemos fazer e de que modo precisamos viver. E o pior é que ele chegou provocando mortes.

 

— Parece que alguns se sentem amedrontados.

 

— Todo homem que não acata as ordens impostas pelo Imperador da China local, quando estas partiram diretamente do Mandarim, sempre têm de enfrentar problemas enormes. Alguns de meus amigos estão assustados, mas outros se sentem exultantes e felizes por estarem vivendo em uma China que faz parte das Mil Chinas que estão distribuídas pela face da Terra. Há muitos chineses que vivem aqui, no bairro chinês, mas juram que não vivem na América, mas num pedacinho da China secular.

 

— Compreendo o problema. Você conhece o Mandarim pessoalmente?

 

— Não, mas sei que já é um homem idoso, de idade avançada e que tem dentes de diamante.

 

— Dentes de diamante?

 

— Exato. Como a maioria dos velhos deve ter perdido alguns dentes e ao invés de mandar fazer uma implantação ou uma prótese móvel, preferiu mandar encastoar diamantes nas gengivas desdentadas.

 

Brigitte estava assombrada e custou a voltar ao normal. Quando se refez olhou detidamente para o jovem chinês e murmurou:

 

— Vou embora, mas por favor, não se esqueça do trato que fizemos. Combinado?

 

A senhorita Montfort desceu no aeroporto de São Francisco às duas da tarde. Não trazia bagagem, apenas a maleta vermelha estampada de florezinhas azuis.

 

No mesmo avião tinham viajado os Johnnies I, II e III, mas todos fingiam não se conhecer e se portavam como se estivessem viajando sós. Desembarcaram normalmente e dois carros já os esperavam.

 

No primeiro, entrou Brigitte Montfort e no que vinha logo atrás, entraram os três rapazes. Ela observava pela janela o carro deles que se afastava quando a porta do seu foi aberta e um homem se sentou seu lado e no mesmo momento.

 

— Você deve ser o Johnny-São Francisco, não é? Muito prazer em conhecê-lo.

 

— Sou o Johnny-Sem-Número — riu o rapaz que estava na direção.

 

— Não precisamos nos preocupar com os números e você a partir de agora pode ser o Johnny IV, embora depois deste serviço, depois que eu estiver devidamente informada e orientada, faça com vocês o que faço com todos os Johnnies. Eles não se envolvem na execução do serviço, não dão palpite e só colaboram quando peço ajuda. Agora tratemos do assunto principal: os dois chineses já estão me esperando?

 

— Evidente.

 

— Pois bem, depois que me levarem a eles, voltem ao aeroporto e aguardem a chegada do agente da Lien Lo Pou.

 

Johnny-São Francisco não escondia sua perplexidade.

 

— Quem vai chegar? — perguntou depois de um silêncio mais ou menos prolongado.

 

— Devem esperar um agente da Lien Lo Pou que vai chegar, vindo não sei de onde. Talvez até more aqui em São Francisco, assim como pode chegar de Paris, Pequim ou Honolulu... Só espero que chegue logo.

 

— Então você solicitou que a Lien Lo Pou enviasse um de seus agentes? Acredita que eles aceitarão o convite?

 

— Se não aceitarem, pior para eles. Sabe que na agência das American Lines está um pacote que deverá ser entregue pessoalmente ao agente que esperamos? É um radiotransmissor, porém quando ele usá-lo, vocês terão de detectar as chamadas e conversas. Depois, se comunicarão imediatamente comigo. Isso é tudo. Quem são os chineses com quem vou tratar?

 

— Dois tipos diametralmente opostos. Um é honesto, estimado e cidadão americano; seu nome é Bernardo Tao. O outro é um aproveitador que não vale nem o que come, um verdadeiro rato do bairro chinês, seu nome é Sui Robson.

 

— Este caso deverá ser bastante interessante. Onde eles estão? Era um chalé fora da cidade?

 

— Absolutamente. Pensamos que seria bem melhor mantê-los perto. Conseguimos pegá-los no bairro chinês, demos umas voltas pela cidade e os deixamos no distrito de Marina, vizinho do bairro onde ambos moram.

 

— Artifício bastante inteligente — elogiou a espiã. — Esperemos que esses dois cidadãos das Mil Chinas sejam suficientes para esclarecer as coisas razoavelmente. Espero que ambos estejam em celas separadas e bem afastadas entre si, tal como foi solicitado pela nossa Central.

 

— Lógico.

 

— Você não devia duvidar de nós — disse o Johnny que estava na direção. — Somos obedientes e costumamos obedecer todas as ordens que recebemos, mesmo as mais extravagantes.

 

— Sabe que você é um rapaz bem simpático? — riu Brigitte.

 

As mortes prosseguem

 

Quando a mulher gorducha, abrutalhada, de cabelos louros e crespos, olhos azuis com lampejos de curiosidade que tentava simular atrás de óculos com lentes grossas e pesadas se sentou na frente de Bernard Tao, o chinês pressentiu que ia enfrentar o momento mais difícil de sua vida.

 

— O senhor está passando bem, senhor Tao? — perguntou ela.

 

— Quem é você — murmurou.

 

— Pode me chamar de Flor de Lotos — retrucou, sorrindo. — Está bem instalado ou deseja que meus companheiros melhorem suas acomodações?

 

— Não, não... Estou bem. Só desejo me ver longe daqui.

 

Flor de Lotos concordou com um sorriso, passando os olhos em torno. O quarto era escuro, desarrumado e todo manchado de graxa, havia rodas e pneus de carros espalhados pela peça, duas poltronas também imundas, uma lamparina pequena pendurada no teto que clareava o aposento escassamente e uma janelinha esmirrada que dava para o pátio da garagem.

 

— Depois que o senhor nos facilitar a informação que precisamos, será levado para um local mais confortável — disse Flor de Loto. — Já devíamos ter providenciado isso, mas tudo foi feito de forma muito apressada. Não se preocupe porque todos nós o trataremos muito bem e não sofrerá quaisquer danos ou riscos. Bem, isso se você se decidir a colaborar conosco.

 

— Quem são vocês e o que esperam de mim?

 

— Só esperamos que o senhor nos diga quem realmente é o Imperador da China de São Francisco, que é uma das Mil Chinas que estão espalhadas pelo mundo.

 

Flor de Lotos notou a transformação sofrida pelo prisioneiro. Seu rosto ficou cadavérico, os olhos se abriram como se fossem pular das órbitas e foram pousar nos dois Johnnies que continuavam perto da porta.

 

— Não sei do que está falando — respondeu com muito custo.

 

— Na verdade só desejamos localizar o Mandarim, mas admitimos que você ignore seu paradeiro — retrucou Brigitte, amavelmente. — Por isso perguntamos se você, por acaso, poderia nos indicar o do Imperador. Talvez este nos possa dizer onde está o Mandarim. Se você nos auxiliar, será muito bom, porém se continuar sem colaborar conosco, só poderá sair perdendo. Se nos ajudar, imediatamente será solto e juramos que ninguém jamais saberá qual foi o sujeito que nos forneceu os endereços do Mandarim ou do Imperador. Porém, eu o aconselho a não continuar teimando, senhor Tao... O senhor já pensou em todas as coisas que poderão acontecer com sua família, com seus filhos?

 

— Por favor, com minha família não... — suplicou o chinês.

 

— Pense que se por acaso chegarmos a descobrir a identidade e o endereço que procuramos sem sua ajuda, naturalmente ficaremos com ódio do senhor, embora também lastimemos sua sorte. Já pensou como nos vingaremos do homem que não quis colaborar com a CIA? Pois bem, a notícia correrá como um rastilho pelo bairro chinês e todos ficarão sabendo que foi o senhor quem nos facilitou os endereços que desejamos descobrir. Que tal? Acredita que nenhum fanático procurará vingar-se do senhor molestando seus entes queridos?

 

— Não podem fazer isso comigo — quase soluçava o chinês.

 

— Admito que a jogada é suja, mas tenha certeza que a usaremos — admitiu Flor de Lotos. — Veja bem, se tiver boa vontade em colaborar conosco nada de mal acontecerá com o senhor, com sua família ou tampouco com qualquer um dos moradores da Chinatown. Se o senhor não nos auxiliar outro o fará, a fim de se ver livre das consequências que talvez pudesse sofrer. Agora, irá ou não nos dizer onde está o Mandarim?

 

— Não sei onde ele está!

 

— Então, pelo menos, diga-nos quem é o Imperador da Chinatown de São Francisco.

 

— É... Son Hei, o antiquário.

 

— Muito obrigada, senhor Tao.

 

Flor de Lotos levantou-se e saiu daquela sala imunda. Johnny São Francisco a conduziu a outro quartinho que também dava para o pátio da garagem e parecia estar tão sujo como o interior.

 

O chinês chamado Sui Robson era mais jovem e tinha aspecto de malandro. O modo como se vestia e os trejeitos que usava, demonstravam o homem folgazão que era. Naquele momento, sentava-se em um banco de madeira que fora colocado atrás de algumas prateleiras. Fumava calmamente e, quando viu a espiã, examinou-a com olhar de deboche.

 

— Puxa vida! Que mulher mais feia! — exclamou.

 

Flor de Lotos sentou-se em outro banco que estava à frente do dele. Sabia que ia conversar com um tipo gozador e que nada tinha de tolo. Devia ser um boa-vida espertalhão, pois os Johnnies não o trariam para conversar com ela se fosse um cara que não lhe pudesse dar as explicações que andava procurando.

 

— Você mandou me sequestrar? — perguntou Robson. — Está pensando me seduzir, velhota?

 

Flor de Lotos meteu a mão pelo decote do vestido apanhou uma navalha que abriu e em seguida a encostou na garganta do tipo.

 

— Se não me disser quem é o Imperador da China de São Francisco, eu o matarei, Sui!

 

Ele olhou mais detidamente para os olhos que o contemplavam através das lentes dos óculos e sussurrou:

 

— É Son Hei, o antiquário da Rua Ho.

 

Empurrou a porta da loja de antiguidades e a campainha soou. Fechou a porta e novamente a campainha tilintou.

 

Flor de Loto passou os olhos rapidamente pelo local e observou que a parede do fundo da loja. Era inteiramente recoberta por uma cortina, que também devia cobrir a porta de comunicação para o interior do prédio.

 

Rapidamente percebeu que naquele recinto havia só objetos de arte que em sua maioria eram asiáticas, principalmente chineses e muito poucos, europeus. Havia desde grampos de cabelo trabalhados em marfim até bacias e jarrões de porcelana finíssima, bem como trabalhos executados em jade ou malaquite. Tudo estava encantadoramente exposto para qualquer colecionador se sentir atraído, tão logo entrasse na loja de antiguidades mais famosa de São Francisco.

 

A cortina foi ligeiramente afastada e um ancião de barbas brancas e ralas entrou. O que mais chamou a atenção de Flor de Lotos foi o nariz largo e achatado que não combinava com seu rosto. O velho usava óculos pequenos demais para o formato de sua testa e ela presumiu que só devia usá-los para ler, pois todo o tempo os seus olhinhos vivos a espreitavam por cima deles, como se quisesse adivinhar quem era a mulher que entrara na loja.

 

— Em que posso servi-la? — perguntou finalmente.

 

Flor de Lotos sorriu amistosamente.

 

— O senhor é Son Hei?

 

— Evidente.

 

— Também é o Imperador da Chinatown?

 

O ancião pestanejou ligeiramente e depois encarou-a fixamente. Em seguida, desviou os olhos para a porta envidraçada que lhe permitia ver o movimento da rua. Depois, olhou novamente para a mulher que estava a sua frente.

 

— Veio sozinha?

 

— Não — respondeu Flor de Lotos.

 

— Então entre, por favor. É mais discreto — respondeu o velho.

 

Abriu a cortina para ela passar. A espiã entrou resolutamente, sem demonstrar medo algum. Atravessou o corredor e chegou à sala que era tão bem decorada como a loja, porém com muito mais conforto. Havia um divã forrado de seda azul celeste que a encantou, especialmente por estar bordado de rosas vermelhas.

 

— Que maravilha! — murmurou. — Suponho que não esteja à venda.

 

— Acredito que não — retrucou o velho chinês. — Mas nada a impede de sentar-se nele. Quer uma taça de chá ou café? Não quer uma dose de uísque?

 

Flor de Loto foi sentar no centro do divã encantador e olhou fixamente o chinês.

 

— Senhor Hei, só vim aqui para o senhor me dizer onde posso encontrar o Mandarim.

 

— Por quê o está procurando?

 

— Bem... como eu diria?... Digamos que o procuro por questões profissionais.

 

— Profissionais? — repetiu com surpresa. — Por quê profissionais?

 

— Ambos nos interessamos por espionagem.

 

— Engana-se. O Mandarim não se interessa por essa atividade.

 

— Pois bem, se eu e o senhor nos entendermos bem, poderei facilitar-lhe algumas informações que o farão pensar diferente.

 

— Se está pensando que nos entendermos bem significa um modo de que eu facilite seu encontro com o Mandarim, esqueça-se dele. O máximo que poderei fazer, será escutá-la atentamente e depois repetir a ele tudo que ouvi, tudo que me disser.

 

— O Mandarim não é propriamente um espião, mas uma pessoa que vive da espionagem e se for necessário, também dos assassinatos.

 

— Isso é uma mentira!

 

— Há dois dias, um agente da Alemanha Ocidental chamado Heinrich Thomas, estava no cais de Nova York, esperando o atracamento do navio Ulysses quando um chinês chamado Ho Ming o assassinou a facadas. Minutos mais tarde, este chinês foi morto por Kui, um dos guarda-costas do Mandarim.

 

— Como a senhora sabe de tudo isso?

 

— Há anos aprendi a fazer perguntas certas a pessoas adequadas.

 

— Quem é a senhora?

 

— Agente da CIA.

 

O velho pestanejou surpreso, novamente; passou a mão pelos lábios e se sentou em uma cadeira antiga, de estilo rebuscado que estava em frente a sua visita. Ele a fitava com interesse e Brigitte notou que seus olhinhos puxados tinham muita vivacidade.

 

— A senhora pretende que eu confie em uma agente da CIA?

 

— Meus companheiros já estão no porto de São Francisco aguardando a chegada de um agente da Lien Lo Pou. Assim que ele chegar, serei avisada pelo rádio — disse Flor de Lotos espalmando a mão na maleta estampada que estava sobre seus joelhos. — Se desejar, poderei mandar que alguém o traga até aqui quando, então, o agente chinês poderá falar sobre as atividades do Mandarim no continente europeu, atividade antiga e perigosa. Poderá falar somente daquelas que tomamos conhecimento, pois ele deve ter feito ou promovido muitas violências, que nos passaram desapercebidas ou que então foram atribuídas a agentes de outros serviços de espionagem. E há mais uma coisa, senhor Hei, se o Mandarim começou a se ativar, depois de passar tantos anos em inatividade, é porque está tramando algum golpe.

 

— O quê? O que está querendo insinuar?

 

— Nada, Apenas desejo que raciocine comigo. Nós todos conhecemos pessoas que têm alguma semelhança com o Mandarim. Conheço muitas que são capazes de fazer qualquer coisa para satisfazer seus propósitos pessoais, que na maioria das vezes são criminosos. Essas pessoas costumam ser ególatras e fazem o impossível para satisfazer o ego, mesmo que tenham de enganar ou trair a muitos. O Mandarim também não está enganando a milhares de chineses que vivem nas Mil Chinas?

 

— Como a senhora pode saber de tantas coisas?

 

— Eu já lhe expliquei, senhor Hei. Apenas faço perguntas e analiso as respostas.

 

— Porém há um erro — falou Son Hei. — Os cidadãos das Mil Chinas somente têm atividades úteis e agradáveis tais como reuniões culturais sociais e recreativas. Nunca o Mandarim deu alguma ordem que pudesse ser considerada perigosa ou desonesta. Nós, os Imperadores, naturalmente estaríamos a par de sua natureza.

 

— Não estou discutindo a boa fé dos senhores, os Imperadores, e nem tampouco a natureza de suas atividades sociais, culturais e muito menos a essência das comunidades chinesas que se distribuem pelas Mil Chinas. O que estou querendo dizer é que o Mandarim está conseguindo outras coisas ou tramando algo para tirar algum proveito dos chineses que vivem pelas Mil Chinas, embora tenha de enganá-los.

 

— O que poderá estar tramando?

 

— Não, sei. Quantos chineses vivem nas Mil Chinas? Três mil?

 

— Não, devemos ser quase dez milhões.

 

— Dez milhões de sujeitos manipulados!... Se o senhor não me informar onde poderei encontrar o Mandarim, desconfio que nossa entrevista terminará de forma não muito agradável.

 

— Senhora, está ameaçando um velhinho indefeso?

 

— Não, jamais tentaria agredi-lo, mas poderia converter sua loja em escombros. Gostaria que isso acontecesse, senhor Hei?

 

— Isso seria pior do que matar-me! — exclamou o ancião.

 

— Era o que eu imaginava. Onde está o Mandarim?

 

— Jamais o delatarei. A senhora iria procurá-lo com vários homens somente para prejudicá-lo. Creio que nenhum Imperador lhe facilitará essa localização. Bem, talvez algum Imperador já o tenha traído porque a senhora sabe de muitas coisas. Quem foi que lhe forneceu as informações?

 

— O senhor é um chinês velho e astuto — sorriu Flor de Lotos. — Porém sou uma espiã veterana e não admito que me façam perguntas quando sou eu quem dirige a orquestra. Já fui suficientemente amável, mas a minha paciência está chegando ao fim e a nossa conversa também está terminando. Quero que me diga onde está o Mandarim!

 

Son Hei pareceu titubear, sem tirar os olhos da espiã. Depois sorriu um sorriso amplo que deixou à mostra os diamantes que lhe enfeitavam a dentadura. Naquele instante, Brigitte compreendeu que o Mandarim em pessoa estava a sua frente e certamente, alguém devia estar atrás dela.

 

Não se surpreendeu quando o cordão de seda passou velozmente pelo seu rosto e se encostou à garganta ainda sem excessiva pressão, enquanto o sorriso do velho chinês se tornava mais amplo, refletindo todo o brilho de seus dentes de diamante.

 

— Kui é técnico nestas coisas — disse, sorrindo. — Seu serviço é rápido. A senhora me concederia o prazer de admirá-la enquanto ele a estrangula?

 

O velho fez um sinal expressivo a Kui, mas nenhum dos dois tinha avaliado conscientemente a inimiga.

 

O maior erro deles foi gastar aqueles segundos com palavras desnecessárias que permitiram a Brigitte reagir.

 

Quando Kui se dispunha a apertar a corda de seda, ela encostou a mão esquerda na nuca. Com isso, são mão ficou entre a esquerda do chinês e seu pescoço. Inopinadamente, levantou-se do divã ficando de pé, enquanto ia erguendo o braço até este ficar na posição vertical, sempre segurando a mão do chinês. Kui sem saber como as coisas tinham acontecido, percebeu que agora sua mão estava quase sendo esmigalhada sob a pressão da axila da mulher desconhecida.

 

Não teve tempo para analisar mais nada porque tudo aconteceu numa rapidez incrível.

 

Flor de Lotos continuava apertando sua mão sob a axila esquerda, enquanto ia inclinando o corpo para a frente girando-o para a direita em uma contorção violentíssima. Kui gritou ao se ver balançando no ar e jogado ao chão com um violento Makikomi, do judô.

 

Porém, ele também teve sorte porque o chão era inteiramente recoberto por um tapete valiosíssimo e foi este quem diminuiu os efeitos da queda. O chinês não perdeu os sentidos e reagiu imediatamente.

 

Agora, a corda de seda tinha resvalado do pescoço de Brigitte e caía sobre seu ombro direito e seio esquerdo. Bem, Kui sabia que não tinha mais condições de estrangular a inimiga, mas puxou a corda com a força que ainda lhe restava. A espiã pensou que ele ia cortá-la em dois pedaços.

 

Ela fazia esforços para se livrar da laçada interna quando viu o Mandarim falar em chinês com o auxiliar e, em seguida, sair da sala.

 

A visão começava a falhar quando ela conseguiu segurar a pistolinha que sempre trazia presa à coxa esquerda com tiras de esparadrapo. Puxou-a rapidamente, assestou-a para trás e disparou a esmo. Ouviu o urro de dor de Kui e o impacto da bala penetrando em suas carnes. Disparou novamente e a pressão cedeu um pouco. Disparou de novo e quase gritou de horror quando viu Kui com o olho vazado, a cara vermelha de sangue, caindo a seu lado.

 

A espiã respirou profundamente quando sentiu-se livre da corda que estava oprimindo seu seio. Ajoelhou-se no chão, sentindo-se zonza. Sacudiu a cabeça diversas vezes procurando restabelecer-se. Passou os olhos pela saleta e viu a maletinha estampada, arrastou-se até ela. Abriu-a, apanhou o rádio e o ligou.

 

— Sim? — perguntou imediatamente o Johnny de São Francisco.

 

Brigitte queria falar, mas não tinha forças. Fez um esforço tremendo e conseguiu balbuciar:

 

— Johnny... o Mandarim... está tentando... fugir.

 

— Vamos entrar agora mesmo!

 

Ela não teve tempo para falar mais nada porque uma mão lhe arrancou o rádio. Levantou a cabeça e viu dois chineses muito parecidos com Kui. Eram altos e fortes. Um deles apanhou o rádio enquanto o outro apontava a pistola na direção de sua cabeça. O Mandarim também se aproximou deles e falou-lhes rapidamente no idioma chinês.

 

Um dos rapazes levantou Brigitte com brutalidade, mas quase ao mesmo tempo soltou-a e gemeu de dor, quando recebeu um pontapé violento no baixo ventre que o deixou fora de combate. Ela se curvou para apanhar a arma do homem, mas seu companheiro lhe deu um golpe na cabeça. Flor de Lotos teve a impressão que o cérebro iria estourar dentro do crânio e isso foi tudo.

 

O silêncio da loja foi quebrado por gritos e passos. O Mandarim deu algumas ordens e o chinês que tinha recebido o golpe no ventre conseguiu levantar-se com dificuldade. Ambos seguraram Flor de Lotos e a levantavam do chão quando Johnny-São Francisco surgiu, acompanhado de dois companheiros, mas estacaram ao ver a agente, amparada pelos dois chineses que mantinham as armas encostadas em sua cabeça.

 

— Pelo pouco que pude interceptar da mensagem, já sei que ela é a agente Baby — falou o Mandarim. — Pois bem, se não quiserem que ela morra, se não quiserem terminar com a carreira profissional dessa espiã notável, nem um só movimento — ameaçou o velho.

 

Os Johnnies se entreolharam e o Mandarim sorriu, deixando seus diamantes à mostra.

 

— Eu e meus homens vamos sair daqui pela porta de trás — disse o velho calmamente. — E esperamos que possamos nos afastar sem grandes problemas... porque se eles surgirem, estouraremos a cabeça de Baby.

 

Johnny-São Francisco passou a língua pelos lábios e avisou:

 

— Estamos com o quarteirão cercado. Deixe-me avisar meus colegas pelo rádio, para não impedirem a fuga de vocês. Eles precisam saber do que está acontecendo.

 

— Ideia excelente — concordou o Mandarim.

 

O agente acionou o rádio e explicou ao companheiro o que estava acontecendo. Quando desligou-o, olhou para o Mandarim que começava a afastar-se de costas, na companhia de seus dois guarda-costas que continuavam segurando Brigitte e mantendo as pistolas, agora, quase encostadas à sua cabeça.

 

Os agentes da CIA continuaram imóvel até a chegada dos outros dois companheiros que estavam na rua.

 

— Eles se afastaram de carro — disse um dos recém-chegados. — Conseguimos anotar o número da placa.

 

— Não devíamos permitir que eles a levassem! — exclamou Johnny II.

 

— Se reagíssemos ela estaria morta — falou o Johnny de São Francisco. — Brigitte está viva e enquanto estiver viva muita coisa poderá acontecer. Se eu fosse o Mandarim não me sentiria muito feliz tendo Baby por prisioneira.

 

— Bem, isso é verdade — sorriu Johnny I.

 

— Vamos passar os olhos pela casa e a loja.

 

— Como pode se manter tão calmo, sabendo que Baby está em poder daqueles assassinos? — protestou Johnny III.

 

— Não estamos nada tranquilos e nem tampouco os chineses têm Baby — retrucou o Johnny de São Francisco. — Assim que ela recuperar os sentidos, os chineses estarão correndo perigo de morte. Vamos ver o que há nesta casa.

 

Encontraram o cadáver dentro do armário. Quando o abriram, o corpo do velho quase caiu em cima deles. Era um tipinho miúdo, delicado, que tinha os olhos negros desorbitados. Um dos espiões levantou o queixo do cadáver e todos viram o talho que tinha no pescoço, provocado pelo cordão de seda que o estrangulara. E agora todos sabiam que Kui fora o autor daquela morte.

 

— Este pobre homem deve ser o antiquário Son Hei — murmurou o Johnny-São Francisco.

 

— Tragam alguém para identificá-lo e comuniquem sua morte à polícia. Em seguida, desapareceremos daqui.

 

Não encontraram mais nada que os pudesse interessar na casa. Johnny II comunicou o encontro do cadáver às autoridades e eles se preparavam para abandonar o local, quando vários vizinhos se aproximaram e entre estes estava um chinês jovem, que começou a chorar quando viu o ancião estrangulado.

 

— Mataram meu avô! — ele gritava. — Juro! Farei o que puder para ver o Mandarim morto, longe da vida de todos os chineses!

 

Naquele instante, Johnny II se aproximou do Johnny de São Francisco e avisou:

 

— Um agente da Lien Lo Pou que se apresentou no aeroporto solicitou contato pelo rádio.

 

— Mande ele nos esperar na garagem.

 

Depois, o Johnny-São Francisco olhou para o jovem chinês e lhe disse:

 

— Creio que você sabe muitas coisas sobre o Mandarim das Mil Chinas, uma vez que seu avô era o Imperador de São Francisco. O que pode me dizer a respeito do velho que tem diamantes no lugar dos dentes?

 

— Ele é um criminoso maldito. Há muito eu vinha dizendo para vovô abandonar o cargo. O Mandarim deve desaparecer da face da Terra!

 

Surpresas inesperadas

 

— Quem diria, depois de passar uma vida inteira sendo respeitada, considerada, a senhorita fosse acabar seus dias nas mãos de um Mandarim — sorriu o velho mostrando os dentes que valiam milhões de dólares. — Compreendo que a senhorita sé sinta humilhada. Esperava que tudo ocorresse de maneira diferente. Creio que tudo lhe esteja parecendo indigno. Se pelo menos tivesse exterminado um dos Imperadores!... Como sabe um Mandarim verdadeiro apenas é o secretário obscuro de seu Grande Senhor, ou, esclarecendo, ele é o secretário do Imperador. No entanto, como pode ver, este Mandarim está manejando dezenas, centenas de Imperadores. Bem, falam que na vida nada é categórico e que sempre surgem algumas exceções e surpresas. Falando-se francamente, senhorita desconhecida, nossas vidas são caixas de surpresas. Creio que devemos nos conhecer um pouco melhor. Seria delicada a ponto de me dizer como se chama?

 

Brigitte viajava no banco traseiro do carro, imprensada entre seus dois atléticos vigilantes. Tinha as mãos amarradas sobre o colo. Aqueles brutamontes lhe tinham arrancado praticamente toda a roupa e também a peruca loura que usava. Agora, salvo as lentes de contato verdes que ocultavam seus olhos azuis magníficos, ela estava com o aspecto da jornalista do Morning News, em carne e ossos.

 

No banco dianteiro viajavam um chinês quase gigante, forte e espadaúdo que dirigia o carro e o Mandarim, que também já havia tirado os disfarces e a maquiagem que usara. Agora parecia um velhinho agradável com a cabeleira e barba muito brancas.

 

— Então, não vai me dizer quem é? — perguntou. — Tanto faz porque seus minutos estão contados. Além disso, tenho a impressão de conhecê-la, mas não consigo recordar-me de onde.

 

Um dos chineses que estavam sentados ao lado da espiã falou alguma coisa que ela não entendeu. Em seguida, o homem agarrou seus seios apertando-os com brutalidade. Brigitte deu um pulo no banco e ficou branca como cera. Todos eles riram, inclusive o velho.

 

Porém, a risada coletiva silenciou quando a espiã jogou a cabeça contra o chinês que a havia machucado e o golpeou com a testa. O golpe ocorreu inesperadamente: o impacto foi tão forte que o sangue começou a brotar do corte produzido em cima da sobrancelha esquerda de seu agressor. O chinês pôs a mão no ferimento e se preparava para rebater o golpe, dando uma coronhada lia face de Baby, porém o Mandarim o deteve com uma ordem rápida e seca.

 

Quando os ânimos de seus subordinados já pareciam estar mais calmos, ele soltou uma risada e disse:

 

— É uma mulher bastante corajosa, mas infelizmente toda essa garra terminará daqui a pouco, assim que chegarmos a nosso destino. Tudo poderia ser diferente se a senhorita resolvesse colaborar. Evitaria muitos sofrimentos e afrontas sexuais. Poderíamos fazer um acordo, o que me diz?

 

— Que acordo?

 

— Descobri que algo não estava funcionando muito bem em Paris. Por isso preparei minhas malas esperando que ao chegar em Nova York não ocorressem outras irregularidades. Contudo, assim que cheguei a esta cidade, comecei a ter, não posso dizer que fossem problemas, mas algumas inquietudes. Notei que as coisas não estavam ocorrendo conforme tinha planejado. Que havia algo estranho no ar. Por isso, decidi prosseguir minha viagem para São Francisco, onde o Imperador local, ultimamente, comportava-se de modo pouco submisso. E quando eu me dispunha a visitá-lo, informaram-me que aqui estavam ocorrendo algumas coisinhas que também vinham gerando certas preocupações. Suspeitei que alguém me estivesse perseguindo, sem dúvida tentando localizar-me com a ajuda do Imperador local. Foi por isso que me adiantei, uma vez que já tinha decidido silenciar o dito Imperador. Depois, também decidi ocupar seu posto à espera dos acontecimentos que deveriam ocorrer. Estava convencido que poderia enganar a população inteira, menos algumas poucas pessoas que conhecessem Son Hei pessoalmente. Praticamente não tive oportunidade para descobrir nada do que estava acontecendo, logo a senhorita apareceu fazendo-me perguntas inteligentes e demonstrando que está a par dos problemas das Mil Chinas. Agora pergunto: como conseguiu conhecer tantas coisas sobre os Imperadores e por quê veio visitar precisamente o Imperador de São Francisco? Talvez porque sabia que eu estava para chegar a esta cidade?

 

— Talvez — confirmou.

 

— Só poderia ter recebido informações sobre mim em Nova York. Quem foi que a informou? Responda somente esta pergunta e eu lhe prometo que sua morte será rápida, sem dor e que não permitirei que meus homens a maltratem sob hipótese alguma.

 

— Nunca faço pactos com assassinos.

 

— Por favor, senhorita, sou apenas um humilde Mandarim que com sua inteligência consegue manter unidas as pequenas Chinas que estão espalhadas pelo mundo e...

 

— Economize suas palavras, velho cretino! — cortou a espiã americana. — Sei perfeitamente que o que está tramando é algo relacionado com a espionagem tal como já aconteceu há alguns anos na Europa, quando por sua culpa morreram cinco agentes alemães e sete albaneses.

 

— Como pôde ficar tão bem informada?

 

— Procurei me informar sobre tudo porque sei o que está tramando, ou melhor, sei que se utiliza de algo que se relaciona com a espionagem, mas que não chega ser um ato de espionagem propriamente, tal como tem feito tantas vezes impunemente. Porém, isso terminará definitivamente quando o agente da Lien Lo Pou chegar.

 

As faces do Mandarim mudaram de cor.

 

— Do que está falando? Quem falou de mim a Lien Lo Pou?

 

— Parece que não esperava por notícia semelhante — sorriu Brigitte. — Creio que consegui afetar sua confiança.

 

— Com que pessoa ou seção da Lien Lo Pou contatou? Fale!

 

— Não dirigi minha mensagem a pessoa ou seção determinada. Simplesmente notifiquei a Lien Lo Pou que o Mandarim estava nos Estados Unidos e que eu desconfiava que muitas vezes, ele usava o nome daquela organização indevidamente.

 

O silêncio tornou-se denso e o Mandarim continuou contemplando a espiã americana com incredulidade.

 

— A senhorita comunicou tudo isso a Lien Lo Pou? O que lhe responderam?

 

— Não sei, porque o senhor impediu que eu recebesse a resposta.

 

O chinês que estava à direção fez um comentário, o Mandarim lhe respondeu e todos caíram no silêncio outra vez. São Francisco já tinha ficado para trás e agora subiam uma avenida que fora construída em uma colina. A alameda era muito florida, com chalés de dois andares, cercados de jardins sem cuidados, mas não se via ninguém.

 

O carro parou na parte mais alta da colina. Todos falaram rapidamente e baixinho, trocando opiniões e ideias que Brigitte não pôde entender porque falavam em chinês. O carro, em seguida, reiniciou a marcha e parou, poucos minutos mais tarde, diante de uma casa lindíssima, cercada de grades de ferro trabalhado e com jardins que mais pareciam tapetes floridos. Com que por encanto, os portões deslizaram sobre as dobradiças e se abriram inteiramente para permitir a entrada do carro.

 

— Quem vive aqui? — se interessou Brigitte. — Alguma vedete?

 

O chinês que havia recebido a cabeçada aplicou-lhe um tremendo soco. A espiã quase perdeu os sentidos e eles arrancaram-na do carro com violência e brutalidade. Levaram-na para dentro da casa e a jogaram em uma poltrona.

 

A cabeça de Brigitte continuava meio zonza e foi com surpresa que se deparou ao homem de raça branca que a contemplava com expressão de susto. Estava recostada ao balcão do bar e tinha um copo de uísque na mão.

 

— O que ela faz aqui? — exclamou.

 

Os chineses o olhavam agora com curiosidade.

 

— Você a conhece, Gable? — perguntou o Mandarim.

 

— Claro! É a famosa Brigitte Montfort!

 

O Mandarim olhou para ela, mordeu os lábios com seus diamantes dentais e murmurou:

 

— Bem que eu a achava parecida com alguém conhecido... A jornalista mais badalada do mundo, além de ser espiã. A agente mais famosa da CIA, onde sempre resolve os casos com muito êxito. Baby é a espiã mais famosa do mundo.

 

— Oh, não — gemeu Gable com apreensão..

 

O Mandarim sacudiu a cabeça com desalento.

 

— Compreendo que nos metemos em dificuldades, mas as coisas nem sempre acontecem conforme planejamos. Já tive contratempos em Paris e está claro que também temos um traidor em Nova York. Gable, acalme-se porque tudo será solucionado... Você tem o recibo da última contribuição ao Fundo Imperial?

 

Gable meteu a mão no bolso do casaco, apanhou um envelope que entregou ao Mandarim. Este o abriu, sacudiu a cabeça e o guardou. Depois, olhou novamente para o interlocutor.

 

— Desta vez não posso ficar aqui nem por poucas horas. Além de todos os contratempos que tive em Paris, essa maldita comunicou-se com a Lien Lo Pou, informando que o Mandarim está operando nos Estados Unidos. Isso vai provocar reações imprevisíveis em Pequim e quando eles iniciarem a ação, quero estar bem longe daqui. Posso usar seu helicóptero?

 

— Não está em casa. Está sendo revisado...

 

— Não me diga que o helicóptero está avariado!

 

— Não. Somente está sendo vistoriado. Posso telefonar à oficina e pedir que o tragam imediatamente.

 

— Faça isso e mande-o trazer agora mesmo! O mais rápido possível!

 

Gable se dirigiu para o telefone e o velho de dente de diamante se sentou em uma poltrona à frente de Brigitte.

 

Esta o contemplou com curiosidade e percebeu que o chinês estava muito preocupado. Gable voltou segundos mais tarde e avisou:

 

O helicóptero nos será entregue daqui a dez minutos. Só o entregariam amanhã de manhã, mas como falei que preciso dele agora mesmo... Querem tomar alguma coisa? Ou preferem comer algo?

 

— Talvez fosse conveniente nos preparar um lanche para a viagem — disse o Mandarim. — Você está sozinho, ou tem mais alguém em casa?

 

— Não. Sabe que quando vocês vêm para cá, dou folga aos empregados com exceção de Hugh e Randolph que são de absoluta confiança.

 

— Certo. Que nos preparem algo para levarmos. Tong, vá à cozinha para ajudá-los. Pei e Fang vão para fora e esperem a chegada do helicóptero.

 

— E ela? — indagou Pei, apontando para Brigitte.

 

— Não se preocupem com ela — respondeu o Mandarim apanhando a pistolinha encastoada de madrepérola. — Eu e Gable podemos controlá-la. Façam o que devem fazer e tudo terminará muito bem.

 

Fang e Pei saíram para o jardim e Tong se encaminhou para a cozinha, a fim de ajudar Randolph e Hugh.

 

Brigitte ficou sozinha com o Mandarim e Gable. Ambos não conseguiam esconder a preocupação.

 

— Não entendi o que está fazendo entre tantos chineses — sorriu Baby, olhando para Gable.

 

— Ocupe-se de seus assuntos — resmungou o homem.

 

— É isso que estou fazendo. Sou uma espiã e, portanto, tenho que espionar para saber de tudo. Que história é essa de recibo do Fundo Imperial?

 

— Já que é tão esperta, adivinhe logo de uma vez — replicou Gable com sarcasmo.

 

— Não gostaria de que eu lhe contasse uma história chinesa? — sorriu novamente a espiã americana. — Podemos intitulá-la de O Mandarim Das Mil Chinas. Tratava-se de um velhinho canalha e sem-vergonha que gostava de enganar todos os chineses que estavam espalhados pelo mundo. O Mandarim era um espertalhão que sabia tocar as fibras mais sensíveis do ser humano. Foi ele quem inventou esta história das Mil Chinas, um truque com o qual conseguia ludibriar os chineses que habitavam fora da China. Estes já se sentiam nostálgicos da Grande Mãe China e ele conseguia lhes proporcionar estímulos diversos, a ponto de fazer com que todos os chineses que estavam fora da China se sentissem unidos entre si a ponto de formarem uma pequena China dentro das cidades onde residiam. E foi com a criação desses núcleos pequenos que o Mandarim conseguiu, depois de algum tempo, ser o senhor das Mil Chinas. Talvez tivesse pensado em se nomear o Imperador, mas recapacitou porque este cargo lhe parecia imponente demais e... foi assim, que começou a nomear os Imperadores locais. Com essas nomeações granjeou a simpatia do povo chinês. Ele teve ensejo de se proclamar o Grande Pai de Todos os Imperadores, porém este termo também lhe pareceu imponente e foi então que teve uma ideia brilhante: poderia ser o Mandarim das Mil Chinas, ou seja, algo semelhante a um secretário comum a todos os Imperadores das Mil Chinas. Este cargo seria mais modesto e aceitável pelos chineses que estivessem distribuídos pelas Mil Chinas. E foi ocupando um lugar tão modesto que ele iniciou a operação Fundo Imperial que criava a obrigatoriedade de todas as Chinas contribuírem anualmente com uma determinada quantia ao Fundo Imperial. Claro que não seria o pobre Mandarim quem iria viajar de China em China para arrecadar o donativo. Achou melhor organizar o serviço de modo que houvesse alguém responsável pela arrecadação do Fundo Imperial de todas as Chinas de cada país. O dinheiro arrecadado seria depositado em um determinado banco suíço... Na verdade, este não é o ponto mais importante da história. O Mandarim contratou um cobrador para recolher os donativos pela comunidades chinesas dos continentes. Depois, tinha de reunir todas as contribuições para com elas fazer um só depósito no banco. Mais tarde o Mandarim passava para receber o recibo. Por causa disso, ele tinha de visitar todos os continentes uma vez por ano, a fim de recolher os comprovantes bancários. Em seguida, retornava a seu esconderijo habitual. Desse modo, com o dinheiro do Fundo Imperial, ele foi acumulando uma fortuna imensa e prometia que quando esta ficasse maior, iria entregá-la pessoalmente ao Mandarim que estava na Grande Mãe China, em pleno coração da Ásia. Entretanto, além dessas contribuições obrigatórias dos chineses, o Fundo Imperial também era incrementado com o dinheiro arrecadado pelos cúmplices do Mandarim, que cometiam toda sorte de crimes: assassinatos, contrabando de drogas, roubos, assaltos e os maiores vandalismos que existem. Logicamente que, entre tantas irregularidades, o Mandarim nem podia pensar em praticar a espionagem, que sempre requer uma especialização mais apurada, mais delicada. Espionagem é uma atividade na qual uma pequena indiscrição facilmente pode prejudicar o trabalho de vários anos. Não, não adiantava utilizá-la entre os chineses das Mil Chinas, pois entre estes grassava a criminalidade comum. Procurou encontrar um ponto de apoio em cada país, este não precisava forçosamente ser um chinês, até achava que seria melhor ele sempre ser natural daquela região para ter mais liberdade de locomover-se. Com essas facilidades, a riqueza continuou crescendo, sempre cercada pela delinquência que agia com muito cuidado, a fim de não despertar suspeitas entre os Imperadores das Mil Chinas e quando algum desconfiava de algo, o Mandarim sempre agia como mediador, pedindo para ele se calar, pois se continuasse reclamando, os criminosos poderiam atacar seus compatriotas bons e honestos, como revide. Os Imperadores ficavam assustados e com isso, o Mandarim continuava a cada ano acumulando mais riquezas. Agora pergunto-lhe, o Mandarim tencionava entregar essa fortuna à China? Só um tolo acreditaria que ele fizesse isso algum dia, não concorda comigo?

 

Gable a escutava fascinado e quando ela se calou, murmurou:

 

— O que está pensando?

 

— Penso que o Mandarim das Mil Chinas está enganando todos os chineses e de forma alguma pensa em entregar sua fortuna a quem quer que seja. Acho isso engraçado porque quanto mais envelhecido e enfraquecido vai ficando o homem, menos necessidade tem de usufruir certas coisas boas da vida. Acho isso muito curioso porque penso que tudo devia ser diferente, por exemplo, quanto mais velha fosse ficando uma pessoa, mais necessidade devia sentir das coisas místicas da vida... Por quê o Mandarim sendo tão velhinho ia querer tanto dinheiro?

 

— Para quê? Demônios, por quê não fala de uma vez?

 

— Ei, não se esqueça que lhe estou contando apenas uma história.

 

— Acabe com tanta conversa e me diga o que o Mandarim de suas história ia fazer com o Fundo Imperial!

 

— Quando uma pessoa chega à velhice somente o poder e a glória chegam a interessá-la, senhor Gable. O verdadeiro poder, a verdadeira glória, pense um pouco: se o senhor fosse um velho chinês só precisaria de um punhado de arroz para viver cada dia... Entretanto, se tivesse reunido uma fortuna enorme que o ajudasse a obter a glória e o poder... como iria consegui-los?

 

— Não sei...

 

— Da maneira mais fácil, senhor Gable. Tornando-se Mandarim da China... Sim, da China, verdadeira e única!

 

Gable estava atônito, olhou para o Mandarim que o fitava com os olhinhos quase fechados e com um brilho intenso. Baby contemplou-os sorrindo e explicou:

 

— Bem, minha história nada tem a ver com o Mandarim ou com os Imperadores... O Mandarim de minha história desejava ser a autoridade máxima da China e ele o conseguiria com a ajuda dos “amigos” que viviam em Pequim e que há muitos anos vinham sendo subornados. com a fortuna fabulosa do Fundo Imperial. Era somente o poder e a glória que seriam concedidas ao velhinho ambicioso e desdentado que desejava governar a Grande Mãe China.

 

— Isso seria uma coisa impossível — balbuciou Gable. — Um desejo que ninguém realizaria facilmente.

 

— Facilmente? — repetiu Brigitte. — O trabalho do Mandarim de minha história não foi fácil, senhor Gable. Ele teve de ter muita paciência, muita perseverança e muita inteligência... Não concorda comigo, Mandarim das Mil Chinas?

 

O velho sorriu e os diamantes cintilaram. De repente, olhou para Gable, levantou a pistolinha de Brigitte em direção a sua cabeça e disparou.

 

Plof.

 

O tiro certeiro penetrou na cabeça de Gable, que caiu morto. O Mandarim se virou para a espiã, mas ela já não estava naquele lugar... e o velho quase gritou de pavor quando a viu arremessando o atiçador da lareira. Ainda tentou disparar contra sua prisioneira, mas Brigitte Montfort foi muito mais rápida e ele teve de se abaixar para não receber o objeto de ferro na cabeça.

 

Naquele mesmo instante, Tong entrava na sala e a moça decidiu que precisava fugir dali. Aproveitou o ensejo e se aproximou da porta envidraçada que dava para o jardim. Estava fechada, mas isso não seria problema para Baby. Cobriu o rosto com as mãos e se arremessou contra a mesma. O vidro fez um ruído ao se quebrar e o barulho ressoou pela casa e jardim. Brigitte nem se preocupou com os cortes que sangravam em suas mãos.

 

Correu para fora e foi se esconder entre as moitas de arbustos, enquanto os chineses não paravam de disparar. Logo em seguida, ouviu vozes que se aproximavam de onde estava. Sentia-se agitada e teve vontade de se afastar correndo, mas raciocinou: Eles procuravam-na, mas não sabiam precisamente onde ela estava, somente por isso, Tong vinha quase correndo sem tomar ás devidas precauções.

 

A espiã levantou os braços e ficou aguardando que o chinês chegasse mais perto... quando ele chegou, sua vida também chegou ao fim.

 

Brigitte deixou as mãos caírem com força na cabeça dele e o golpe foi tão violento que teve morte instantânea.

 

Ela se abaixou calmamente, pegou a pistola que continuava entre seus dedos inertes e foi naquele momento que ouviu o barulho do helicóptero que estava chegando.

 

A fuga

 

O helicóptero apareceu em poucos segundos, preparando-se para descer na área frontal da casa, que era bastante espaçosa. Brigitte pensou em se afastar do esconderijo, mas assim que sua cabeça assomou por entre os arbustos, escutou o clique da arma ao ser destravada e logo em seguida, o som de um disparo com silenciador.

 

A bala passou rente às folhas que encobriam seu corpo, enquanto ela ouvia os gritos do chinês que havia disparado.

 

Também ouviu os gritos histéricos do Mandarim das Mil Chinas, que dava diversas ordens a seus subordinados. Depois ele chamou Tong repetidamente.

 

O helicóptero já havia pousado e o barulho do motor chegava bastante amortecido até onde ela estava. Brigitte não sabia qual era a distribuição dos chineses, mas imaginava que somente um deles a estivesse controlando.

 

Repentinamente, teve uma ideia que julgou magistral.

 

— Eles vão embora e o deixarão aqui! — gritou. — Querem que você continue me controlando para que eu não possa atacá-los!

 

Ouviu-o protestar com raiva e em seguida, mais disparos. Imaginou que tivesse esvaziado o tambor da arma, mas também pensou que talvez o chinês pudesse ter mais alguma arma a seu dispor.

 

O helicóptero agora se aproximava da área de combate restringida aos dois combatentes. Brigitte continuou imóvel, mas o chinês se levantou e começou a correr para o helicóptero que voava quase rasante ao solo.

 

Ele guardou a pistola no bolso e saltou, para se agarrar ao espaço vazio da porta. Quando conseguiu se segurar firmemente à borda, o helicóptero começou a ganhar altura.

 

A agente Baby apontou a arma friamente para o chinês que continuava balançando no ar enquanto se preparava para entrar no aparelho.

 

Plof! Apertou o gatilho da pistola de Tong. O grito do homem ecoou nas alturas, suas mãos resvalaram pelo aparelho e seu corpo foi se precipitar no solo, de uma altura de mais de quinze metros. Brigitte começou a disparar contra o helicóptero, mas este continuava ganhando altura, evidentemente sem ter sofrido qualquer dano.

 

Quase em seguida, um vulto apareceu no vão da porta e foi se estatelar no chão, enquanto o helicóptero continuava afastando-se...

 

A espiã fechou os olhos e permaneceu assim por alguns segundos. Quando os abriu novamente o aparelho já havia desaparecido. Respirou mais aliviada quando se certificou que estava sozinha na casa de Gable que seria inteiramente vistoriada pela CIA. Assim que entrou na cozinha viu os cadáveres de Randolph e Hugh. Brigitte parou perto da mesa, apanhou uma faca e habilmente cortou as cordas que ainda a manietavam. Ia pegar o telefone para pedir o auxílio que fosse necessário naquele momento, pois alguém devia recolher os cadáveres que estavam espalhados pela propriedade quando ouviu o ruído dos carros que se aproximavam. Acercou-se da janela e ficou surpresa, sem poder compreender como os Johnnies a haviam localizado.

 

— Soubemos de seu paradeiro por intermédio do agente da Lien Lo Pou — explicou Johnny-São Francisco quando a espiã o fitou com um olhar mais ou menos inquisitivo. — Ele veio para encontrar-se com você e seu nome é Tsou.

 

O chinês estava perto deles. Aparentava ter um pouco mais de trinta e cinco anos e tinha uma compleição forte, atlética.

 

— Muito bem, senhor Tsou — sorriu amavelmente. — Ficaria aborrecido se tivesse de esperar-me por alguns minutos no interior da casa?

 

O chinês também sorriu e se encaminhou para a entrada. Enquanto isso, a espiã foi ao carro onde apanhou a peruca e a colocou, sempre sendo observada por Johnny-São Francisco, que comentou:

 

— Você está com as roupas rasgadas e sujas de sangue.

 

— Resolverei este problema em segundos. Enquanto vocês percorrem a casa, poderei tomar um banho e me vestir com roupas mais decentes.

 

Quinze minutos mais tarde, Baby aparecia na sala. Estava vestida de homem, tinha alguns curativos presos com esparadrapo nos ferimentos das mãos e continuava usando a peruca loura, bem como as lentes de contato verdes.

 

Sentou-se à frente de Tsou que a contemplava com um olhar de curiosidade.

 

— Senhor Tsou, meus companheiros disseram-me que se sente desapontado com o comportamento e providências tomadas pelos seus colegas da Lien Lo Pou. Se entendi perfeitamente o que eles me falaram, o senhor recebeu duas ordens diferentes, ambas procedentes de Pequim, embora distribuídas por canais diversos. Uma delas esclarecia que o senhor devia vir ao aeroporto de São Francisco, a fim de manter contato comigo. Porém, a outra ordem recebida o mandava vir diretamente a esta casa, propriedade de Norman Gable, para se colocar à inteira disposição de um velho chinês chamado Hui Tsi Mao, a fim de auxiliá-lo sempre que ele solicitasse sua cooperação. Não foi exatamente o que sucedeu?

 

— Sim.

 

— E o senhor já encontrou uma explicação para ordens tão diferentes, sabendo que ambas partiram de Pequim, ou melhor da Lien Lo Pou para ser mais exata?

 

— Não. Não consegui entender a disparidade entre ambas. Não têm sentido comum, mas pensei com meus botões: Se a agente Baby está colaborando no caso, ele merece minha atenção. Somente por sua causa decidi comparecer ao aeroporto. Ali, encontrei-me com seus companheiros e quando estes me explicaram o que esta acontecendo, nós, de comum acordo, decidimos cumprir também a segunda ordem que eu tinha recebido.

 

— O chinês idoso conhecido como Hui Tsi Mao também é o Mandarim das Mil Chinas e os supervisores da Lien Lo Pou que o mandaram vir diretamente à casa de Norman Gable, na realidade são apenas seus cúmplices que agem dentro da espionagem chinesa. Entendeu?

 

Tsou estava estupefato, tanto quanto os Johnnies que assistiam àquele diálogo estapafúrdio.

 

— A senhora deve estar equivocada — murmurou o chinês depois de um silêncio prolongado.

 

— Não, não. Quando falei com o Mandarim e lhe disse que havia encaminhado informações a seu respeito à Lien Lo Pou, ele ficou preocupado e quis saber com que pessoa eu tinha falado. Compreende por quê ficou tão apreensivo? O que pode significar suas preocupações?

 

— Creio que sim, mas gostaria que me desse uma explicação.

 

— Está claro, se eu tivesse entrado em contato com determinadas pessoas ou serviços da Lien Lo Pou, ele não teria ficado tão apreensivo obviamente, pois algumas seções ou algumas pessoas dentro daquela organização estão a seu serviço. Acredito que também haja chineses que ocupam cargos importantes e influentes dentro da política e setores financeiros do país colaborando com Hui Tsi Mao. Ele é um homem sagaz e inteligente que está se cercando de auxiliares importantes e fiéis que o ajudam, a fim dele tornar-se em um dia muito próximo, o Mandarim da China. Da China verdadeira, senhor Tsou!

 

A espiã americana sorriu.

 

— O senhor por acaso já ouviu falar do conto do Mandarim das Mil Chinas e de seu fabuloso Fundo Imperial? A história é interessante e conta que há muitos anos um velho chinês nasceu na China e...

 

— Não! Isso seria impossível! — exclamou o chinês.

 

— O chinês já nasceu velho? — perguntou Johnny III.

 

— Exatamente — sorriu Brigitte, alegremente.

 

— Ele nasceu velho, mau e sobretudo, nasceu muito ambicioso. Assim que chegou a uma idade de mais compreensão, decidiu nomear-se, temporariamente, como o Mandarim das Mil Chinas, esperando que em um dia futuro pudesse ser o Grande Imperador do Novo Império Azul-Celeste.

 

O agente da Lien Lo Pou a escutava em silêncio e quando ela se calou, Tsou tinha o rosto empapado de suor que procurava enxugar com um lenço branco. Estava tão preocupado que não parecia muito interessado no lanche que um dos Johnnies havia preparado.

 

— Não sei se já percebeu o que tudo isso significa — murmurou Tsou com desânimo.

 

— Mais ou menos. Fale para ver se combinamos — retrucou Baby.

 

— Esta seria a maior e a mais silenciosa revolta da história da China de todos os tempos. Nunca houve outro movimento igual para um homem conseguir o poder. Um poder que realmente já está nas mãos daqueles que vêm recebendo parte do chamado Fundo Imperial há mais de trinta anos. Se esse movimento prosseguir, será uma desgraça para a China e poderá converter-se em uma hecatombe mundial!

 

— Infelizmente está certo, senhor Tsou. E penso que deveríamos fazer alguma coisa para abortá-la.

 

— Sim... porém não a compreendo... acaba de prestar um serviço valioso à China e... no entanto, não consigo entendê-la.

 

— O que não está entendendo, senhor Tsou?

 

— Como pôde colaborar agora com a China se sempre foi uma inimiga declarada daquela nação?

 

— Quem não entende, sou eu, senhor Tsou. Do que está falando? — surpreendeu-se Brigitte. — Como pode pensar que eu seja inimiga da China? Jamais ouvi disparate igual!...Não sou inimiga da China e nem de qualquer outra nação ou pessoa. Apenas me debato pelos benefícios que possam ser usufruídos pelo meu país... e é isso o que me faz discordar de algumas coisas, como por exemplo, já tive de enfrentar grupos de chineses que não agiam de acordo com meu modo de pensar, mas isso não me transformou em uma inimiga da China. Agora mesmo, se pudesse, o senhor mataria o Mandarim, mas não seria esse seu gesto que poderia provar que era um inimigo de sua terra natal.

 

Tsou não tirava os olhos dela, enquanto captava os olhares um tanto sarcásticos dos agentes da CIA.

 

— Acho melhor eu partir imediatamente para Pequim. Preciso avisá-los sobre o que está acontecendo! — quase gritou, mas em seguida falou com desalento: — Não posso viajar agora. Preciso capturar Hui Tsi Mao.

 

— Vá em paz e deixe o Mandarim por minha conta.

 

— Eu posso ajudá-la a...

 

— Nada disso. Se solicitar ajuda à Lien Lo Pou, os aliados do Mandarim tomarão conhecimento que algo errado deve estar acontecendo e talvez reajam de modo mais ou menos agressivo. Volte a Pequim normalmente e só comunique a situação atual à presidência da organização.

 

— Sim... E enquanto viajo, ele poderá fugir dos Estados Unidos.

 

— Não, ele não poderá fugir de helicóptero. E nem tampouco se atreverá a tomar um avião, trem ou navio. Terá de permanecer nos States, claro que não pacificamente, mas procurando elaborar um plano que venha a facilitar sua fuga, mas eu não permitirei que o mesmo seja posto em prática.

 

— Como poderá localizá-lo em um país tão extenso?

 

— Olhe, senhor Tsou, a coisa é mais fácil do que imagina e quando o Mandarim chegar a seu destino, eu estarei esperando. Enquanto ele viaja de helicóptero, eu uso um reator atômico da CIA.

 

O Imperador da China de Nova York se chamava Edgar Wai e tinha mais de setenta anos. Era economista e tinha um escritório luxuoso no mesmo prédio onde morava. Mas foi no seu apartamento domiciliar que ele recebeu a visita de uma loura magnífica, exatamente quando o relógio carrilhão batia sete badaladas naquela manhã.

 

Edgar Wai ainda estava de pijama e com a cabeleira branca completamente desgrenhada.

 

— Lamento por tê-lo acordado tão cedo — sorriu-lhe a visitante. — Porém precisamos conversar, Imperador.

 

— O quê? — perguntou, surpreso.

 

— Sei que o senhor é o Imperador da China de Nova York e não temos muito tempo a perder, senhor Wai, porque neste momento o Mandarim das Mil Chinas está voando para cá e sei que está disposto a fazer duas coisas: Uma assassiná-lo, e depois, prejudicar os Estados Unidos. Está entendendo o que vim fazer aqui?

 

— Não — o velhinho moveu a cabeça. — Porém, vamos a minha sala de estar onde podemos conversar mais à vontade. Nunca fui tolo e sei que entenderei os seus propósitos.

 

Gosto de brincar com fogo

 

Edgar Wai escutou alguém abrir a porta do escritório, levantou os olhos e reconheceu o visitante no ato. Ergueu-se lentamente da cadeira, sem tirar os olhos dele, observando que os empregados de sua companhia financeira continuavam trabalhando normalmente.

 

O recém-chegado entrou e fechou a porta.

 

— Boa-tarde, Wai.

 

— Boa-tarde, Mandarim, Resolveu os assuntos em São Francisco satisfatoriamente?

 

— Alguns deles — respondeu Hui Tsi Mao, aproximando-se lentamente da mesa do Imperador de Nova York. — Infelizmente não pude fazer muita coisa porque alguém me traiu.

 

— Você traído? — murmurou Wai. — Como?

 

— Foi você quem informou a alguém que o Imperador de São Francisco era Son Hei? Alguns homens foram procurar-me em sua loja de antiguidades... Passei por momentos bem difíceis naquela cidade e a fuga não foi nada fácil. Para poder chegar até aqui, gastei mais de três dias e necessitei da ajuda de muita gente, mas finalmente cheguei.

 

— Isso é o mais importante. Agora fique sabendo que eu não o traí.

 

— Não foi você quem delatou o nome de Son Hei?

 

— Não.

 

— Só podia ter sido você ou alguém aqui de Nova York. Pois bem, se não foi você, poderá me ajudar na captura do traidor.

 

Edgar Wai sentou-se calmamente à mesa de trabalho, gastou alguns segundos fixando o Mandarim e depois, olhou para o janelão que dava para rua, cujos vidros eram à prova de balas.

 

— Eu soube que Son Hei foi estrangulado no interior de sua loja e tudo parece indicar que foi Kui quem o matou. Quem sabe se não foi seu próprio guarda-costas que o traiu?

 

— Certo. Kui matou Hei em minha presença obedecendo minhas ordens — sorriu o Mandarim. — E é possível que eu também assista sua morte, Wai, uma vez que você ainda não se pôs a minha disposição. Bem ao contrário, tenho a impressão de estar sendo submetido a um interrogatório.

 

— E não acha que seria normal um Imperador fazer perguntas a um Mandarim? — sorriu Edgar Wai. — Por exemplo, posso perguntar-lhe qual o verdadeiro destino que se está dando ao Fundo Imperial?

 

O Mandarim sorriu e falou suavemente:

 

— Percebo que ela já andou por aqui e lhe contou tudo... a sua maneira. E agora, por onde anda aquela mulher?

 

— Às suas costas — falou Brigitte.

 

Hui Tsi Mao virou-se lentamente sem se levantar da poltrona e viu a loura parada perto da porta, com um pequeno rádio na mão esquerda. Não parecia carregar armas. O velho a olhou de cima a baixo e novamente mostrou a dentadura mais cara do mundo.

 

— Está muito elegante, senhorita Montfort. O que é bastante compreensível, pois soube que suas roupas são sempre compradas nas maiores lojas da Quinta Avenida. E a peruca onde foi adquirida?

 

— Ponha-se de pé e coloque os braços para trás!

 

— Raramente ando armado e como sabia que ia encontrá-la aqui, nem me preocupei em apanhar alguma arma. Quando trato com a senhorita, preciso ser sutil, já me convenci que nada conseguirei à força. Sabe dê uma coisa, Wai? A senhorita Montfort venceu Kui quando suas mãos estavam amarradas. Foi um espetáculo digno de se ver.

 

O Mandarim falava enquanto a espiã o revistava, sempre atenta a seus menores movimentos. Depois, empurrou-o novamente para a poltrona, para que se sentasse.

 

Edgar Wai também continuava sentado à sua mesa de trabalho.

 

— O senhor gastou três dias para viajar de São Francisco a Nova York — comentou a espiã. — Sei que poderia ter chegado há mais tempo e quero saber qual foi a causa da demora.

 

— Estive preparando uma viagem à Rússia: bem providenciei a viagem para a senhorita.

 

— Quer dizer que manteve contato com os russos?

 

— Foi minha única opção plausível. Suponho que esteja cercada de agentes da CIA que somente aguardam suas instruções para começarem a agir.

 

— Não são muitos. Que trato fez com os russos?

 

— Prometi entregar-lhes a agente Baby em troca de asilo e proteção permanente pelo resto de meus dias.

 

— Não me diga que os informou sobre minha verdadeira, identidade?

 

— Não. Se eu fizesse isso, talvez os russos preferissem protegê-la e isso seria a última coisa que desejo.

 

— Talvez os russos se desinteressassem do senhor se conseguissem capturar a agente Baby... Já pensou nesta hipótese?

 

— Claro. Porém estou disposto a correr certos riscos, entende? Talvez eles cumpram sua parte, ou talvez não... mas reconheço que não poderia esperar que me fizessem certas concessões. Eu só poderia ser o prejudicado se continuasse lidando diretamente com a senhorita.

 

— Observo que já começamos a nos conhecer um pouquinho — sorriu Brigitte friamente. — Parece que tem certeza que eu vou me curvar a sua vontade, está pensando que irei obedecê-lo cegamente e que facilmente poderá entregar-me aos russos. Não é isso que está pensando?

 

— Se não me acompanhar ao lugar onde eles nos esperam, muitas coisas desagradáveis começarão a acontecer na cidade de Nova York. Tenha certeza que elas serão bastante angustiantes.

 

— Por exemplo?

 

— Para começar: Em determinada zona da cidade, muitas pessoas morrerão nas ruas e ninguém conseguirá descobrir a causa dessas mortes. Em menos de um minuto poderão morrer mais de cinco mil pessoas.

 

— Onde essa hecatombe acontecerá?

 

— Precisamente em Manhattan — sorriu o Mandarim. — Nem adianta perguntar-me como preparei tudo porque não tenciono comentar sobre este ponto. Para ser bem franco a senhorita, só poderá fazer duas coisas a partir deste instante. Primeira: acompanhar-me até onde os russos a aguardam e a segunda: matar-me e enfrentar todas as consequências que advirão desse seu ato.

 

Edgar Wai continuava praticamente paralisado. Brigitte gastou alguns segundos observando o Mandarim das Mil Chinas que agora fazia uma autêntica exibição de seus dentes de diamante.

 

A espiã acionou o rádio, sem lhe dar uma resposta.

 

— Tio Charlie?

 

— Sim.

 

— Vou acompanhar o Mandarim e desejo que nenhum dos nossos impeça a passagem ou que intervenha sob quaisquer hipóteses.

 

— Muito bem.

 

Ela fechou o rádio e olhou para o Mandarim.

 

— Seus amigos são muito dóceis — comentou este.

 

— Eles sabem que quando dou uma ordem, esta deve ser cumprida e não discutida.

 

— Devem ter entendido que essa ordem significa que nem tudo está bem para a senhorita Montfort... Que a Baby venerada por todos se encontra em apuros.

 

— Eles confiam em mim e sabem que eu sempre resolvo meus casos satisfatoriamente.

 

— Senhorita Montfort, se eu pudesse prever como seria interessante esse nosso confronto, já a teria procurado há mais tempo, pois adoro divertir-me.

 

— Se o senhor soubesse o que realmente significa um confronto com a senhorita Montfort, jamais falaria desse modo e nem tampouco teria mandado matar um espião, mesmo que este fosse alemão. Já podemos ir ao encontro dos russos?

 

— Não, ainda não — riu o chinês novamente. — Está tentando distrair-me para ver se eu me esqueço do castigo que programei à cidade de Nova York. Desista porque não conseguirá nada. Desejo que todos os chineses das Mil Chinas continuem me respeitando como o conselheiro, o Mandarim de todos os Imperadores e que, se algum deles cometer um ato de insubordinação ou traição, acabará pagando muito caro. Foi por esse motivo que matei Son Hei e agora, desejo eliminar Wai. Como não estou carregando armas... poderia fazer a gentileza de matá-lo por mim?

 

— Não há necessidade de matar a Edgar Wai — protestou Brigitte.

 

— Obedeça minhas ordens!

 

A espiã mordeu os lábios, levantou a saia e apanhou a pistolinha que sempre trazia aderente com esparadrapo à coxa. Apontou-a para Edgar Wai que estava rígido e pálido.

 

Plof, plof, disparou Baby.

 

O chinês estremeceu, os olhos se abriram e pousaram no Mandarim, enquanto o peito da camisa ia avermelhando com o sangue que fluía dos ferimentos.

 

— Como vê, acaba de destruir meu Império, mas fique certa que ainda pagará bem caro por isso.

 

Brigitte continuou calada. O Mandarim abriu a porta do escritório e ela a acompanhou. Os empregados não tinham notado nada de anormal e continuavam trabalhando. Brigitte observou que havia três agentes da CIA na sala. Apanhou a maletinha vermelha estampada de flores azuis que estava em cima da mesa e saiu à rua, acompanhando o Mandarim.

 

Logo em seguida, surgiu uma camioneta que tinha uma Cruz Vermelha pintada em suas paredes laterais. O Mandarim ria quando a ambulância parou perto deles. Uma pequena multidão contemplava aquela cena de longe.

 

O velho Mandarim se sentou no banco que estava vago e fez sinais para Brigitte se sentar a seu lado.

 

Os russos continuavam calados e contemplavam Brigitte com fascínio.

 

— Como veem, já cumpri minha parte do trato. Ela é a agente Baby. A senhorita poderia entregar-me sua pistola?

 

Brigitte a entregou, sorrindo.

 

— Pode ficar com ela. Está preparada para disparar somente cápsulas de sangue.

 

O Mandarim ficou aturdido e levou alguns segundos calado.

 

— Então, não matou Edgar Wai? — exclamou, finalmente.

 

— Não, como também não irão morrer as cinco mil pessoas como disse, salvo se desejar aumentar esse número para cinco mil e sete. Se alguém fizer uso dessa aparelhagem para provocar as mortes dos habitantes de Manhattan, juro como esta camioneta ficará em frangalhos!

 

Todos os homens a olhavam com curiosidade. O Mandarim perguntou em um sussurro:

 

— O que há dentro da maleta?

 

— Uma carga de dinamite capaz de pulverizar o veículo e tudo que esteja em seu interior.

 

— Lembre-se que também está nele — comentou o velho chinês.

 

— Claro. Já fazem anos que ando brincando com fogo, enfrentando perigos para favorecer meu próximo. Por quê não posso arriscar-me uma vez mais?

 

— A senhorita não terá coragem de fazer o que está prometendo.

 

Ela sorriu e fitou os dois espiões russos.

 

— Vocês também concordam com o Mandarim, colegas? — perguntou na língua russa.

 

— Deixe-me examinar essa maleta — pediu um deles.

 

— Ninguém porá as mãos nesta minha maleta até que se cumpram todas minhas ordens — disse a espiã americana. — Farão isso ou ficaremos reduzidos a um monturo de carne picada. Qual de vocês sonhou em acabar seus dias transformados em hambúrguer?

 

— Acabe com esse falatório inútil e... — começou o Mandarim.

 

— Cale-se, idiota! — interveio um dos russos. — Nós devíamos ter percebido que o jogo dela seria superior ao seu. Ainda estávamos duvidando, pensando que ela não fosse a famosa Baby, porém agora já não temos mais dúvidas.

 

— O que deseja que façamos? — perguntou o outro russo.

 

— Se antes de um minuto esta camionete não estiver estacionada e você não a deixarem de braços cruzados, morreremos todos despedaçados. E o mesmo acontecerá se algum de nossos amigos chineses tentar acionar um desses comandos que, aliás, gostaria que me fossem explicados.

 

— Só o Mandarim poderá fazer isso. Obedecemos a suas ordens e na realidade somente sabemos manejar o rádio — disse um deles.

 

— O que tem a me dizer? — Brigitte perguntou ao velho.

 

— Passamos mais de vinte e quatro horas colocando cargas de gás em diversos pontos de Manhattan. Se acionarmos estes comandos, elas explodirão e o ar ficará misturado com o gás mortal. Falei cinco mil pessoas, mas talvez elas subam à casa dos dez mil — calou-se e olhou para os russos. — O que está acontecendo com vocês? Estão com medo quando é necessário apenas dispararem contra ela e tudo o mais nos sairá muito bem...

 

— Espere! — interveio um dos russos. — O que quis dizer com o “nos sairá muito bem?” Nós nada falamos sobre um assassinato de dez mil pessoas!

 

— Eu lhes ofereço condições melhores — propôs Baby.

 

— Estamos sendo seguidos por alguns companheiros da CIA. Vocês apenas precisam fazer o que disse: desçam da camioneta e se entreguem. Prometo que poderão sair do solo americano sem qualquer problema.

 

— Isso é um absurdo! — gritou o Mandarim. — Somos nós quem podemos impor condições, não ela!

 

— Agora só restam catorze segundos lembrou Brigitte.

 

— Se alguém tentar acionar a aparelhagem, eu também acionarei minha maleta e quando o prazo acabar, iremos pelos ares.

 

O Mandarim a fitava com ódio. Repentinamente, estendeu ambas as mãos tentando apanhar a maleta florida, mal sabendo que ia morrer instantaneamente.

 

A espiã americana levantou o braço direito para se defender e seu cotovelo foi chocar-se com a fronte do Mandarim, que caiu inerte no chão para nunca mais se levantar. Um dos homens tentou manusear o painel de comando para explodir as cargas que estavam distribuídas por Manhattan.

 

Os russos dispararam contra os chineses que controlavam o controle remoto e ambos caíram as cabeças esfaceladas.

 

O interior da camioneta estava salpicada de sangue por todos os lados. Repentinamente, os dois russos mudaram a posição das armas. Ambos apontaram-nas à cabeça de Brigitte.

 

Esta sorriu e os aconselhou:

 

— Creio que seria melhor se os amigos se ocupassem do chinês que está sentado ao lado do motorista.

 

Fang soltou uma exclamação de raiva e como em um passe de mágica uma navalha apareceu em sua mão direita. Olhou para a espiã e arremessou a arma, mas a moça levantou a maleta rapidamente e naquele instante, um dos russos abateu o chinês com uma bala certeira que penetrou em sua testa e perfurou parte da nuca.

 

O outro russo abrira a vigia de comunicação e ordenou ao chinês que conduzia o carro:

 

— Pare, ou eu o estraçalho!

 

O chinês pisou no acelerador. O espião russo não pensou duas vezes e apertou o gatilho, matando o motorista instantaneamente. A camioneta começou a ziguezaguear e acabou batendo no muro de uma casa.

 

Brigitte continuou sentada enquanto ouvia o ruído do choque, quando as portas do veículo foram abertas e quatro agentes da CIA apareceram no interior do carro avariado.

 

— Quietos! — disse um deles apontando a arma para os russos.

 

Brigitte olhou para estes e ambos espiões soltaram as pistolas que foram cair no chão.

 

— Prometi-lhes que teriam passe-livre para Moscou.

 

— Certo — disse o Johnny-São Francisco. — Acompanhem-me!

 

Os dois russos já se preparavam para sair do interior do veículo quando um deles olhou para a moça loura de olhos verdes.

 

— Não tenho mais dúvidas, sei que você é a espiã mais famosa do mundo... só quero saber uma coisa: essa maleta contém realmente uma boa carga de dinamite, ou tudo não passou de uma das muitas jogadas que Baby costuma usar nos momentos mais difíceis?

 

Brigitte Montfort abriu a maleta floreada, levantou a tampa e mostrou o seu conteúdo. Os russos empalideceram ao ver a carga explosiva.

 

— Eu sempre utilizo armas adequadas a cada um dos meus adversários — disse Brigitte com um de seus sorrisos mais belos. — Sabia que o Mandarim usaria de todos os recursos para ter Nova York em suas mãos... e por isso, eu também preparei os meus.

 

— Se os usasse, morreria — balbuciou um dos russos.

 

— Exatamente.

 

Os rapazes não disseram mais nada e saltaram da camioneta quando o chefe do Setor de Nova York subiu logo após.

 

— Por que está tão pálido, tio Charlie? — sorriu Brigitte.

 

— Diaba! Qualquer dia desses você me mata do coração!

 

— Para ser sincera com você, eu também não vivi os momentos mais gloriosos de minha vida. Sei que todos nós morreremos, mas, por todos os santos... por quê precisamos apressar nossos últimos momentos, tio Charlie? A vida é algo maravilhoso!

 

Imperadora

 

— Sabe de uma coisa? Nosso triunfo seria completo se voltássemos a Tirana sabendo o nome verdadeiro da agente Baby — tentou persuadir Hahxi.

 

— Vocês são muito gozados — riu Brigitte. — E também insaciáveis. Estou permitindo que voltem à Albânia com toda a história do Mandarim das Mil Chinas, depois de tê-los convidado para um champanhe francês, já lhes devolvi as armas, os documentos, a dignidade de espiões e... ainda não estão satisfeitos, querem me arranjar complicações...

 

— Nada disso — protestou Topki. — Gostaríamos de lhe mandar um cartão de “Boas Festas” no início do Ano Novo.

 

— Podem fazer isso remetendo-o diretamente à CIA em Langley. E agora, deixando as brincadeiras de lado, não voltem mais aos Estados Unidos, pois se isso acontecer mando prendê-los.

 

Pouco depois os albaneses se despediam e quando o carro deles desapareceu no caminho, Frank Minello apareceu, sorridente.

 

— Ótimo! — Podemos voltar para Nova York!

 

— Não — respondeu ela arrancando a peruca e tirando as lentes de contato verde. — Preciso ir para São Francisco.

 

— Para São Francisco? Por quê? O que você perdeu lá?

 

— Um divã lindíssimo que me encantou e do qual me nomeei herdeira.

 

— Está brincando! Abandonar Frankie por um divã?

 

— Não é isso, querido — riu a divina. — Se quiser, pode ir comigo...

 

— Formidável! Vamos a São Francisco, tratamos do divã e depois podemos jantar num daqueles restaurantes famosos da Chinatown que...

 

— Por favor, Frankie! Tão cedo não quero ouvir nem falar em chinês, quanto mais comer comida chinesa!

 

— Não entendo você, meu amor. Pensei que depois de ter colaborado com a Lien Lo Pou para desbaratar a quadrilha do Mandarim, você desejaria ser a nova Imperadora da China. Mulher é para mandar no homem, você não sabia? Imperadora é superior a Mandarim, ou não é?

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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