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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MANUAL DA CONQUISTA / Rachel Van Dyken
MANUAL DA CONQUISTA / Rachel Van Dyken

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

O chá? De canela.

A cafeteria? Isolada. Meio escura. Convidativa.
A garota? Atrasada.
E não era só um atraso descolado, mas o tipo de atraso que me fazia pensar que ela não ia aparecer, o que era comum em um primeiro encontro. Pelo menos 15% das nossas clientes não apareciam. Era nervosismo. E medo de que nosso sistema não funcionasse para elas e as deixasse em situação pior que antes.
A cadeira de madeira rangeu quando me recostei nela e examinei o pequeno estabelecimento. Há um ano, pessoas estariam pedindo meu autógrafo. Há um ano, eu havia acabado de ser contratado pelo Seattle Seahawks.
Massageei o joelho quando a dor voltou, causando uma irritação imediata que fez o peito arder.
Olhei para o relógio de novo, mordendo a boca, contrariado.
Vinte e três minutos atrasada.
Suspirei e peguei a xícara de chá pela última vez, bebendo enquanto olhava por cima da borda. Mais vinte minutos, e eu iria embora.
A porta de vidro se abriu bruscamente, bateu em uma cadeira vazia, e o sino em cima dela quase caiu no chão. Uma garota miúda, com cabelo castanho e liso entrou. Sua pele clara ficou vermelha quando ela tocou as faces e, nervosa, olhou para o salão.
A maioria não olharia duas vezes para ela.
Mas eu não era a maioria.
Fiquei olhando.
Quando os olhos inquietos finalmente se detiveram em mim, ela corou ainda mais. Não era uma reação feia, só reveladora.
Empurrei a cadeira para trás e levantei.
Tinha a sensação de que ela queria fugir.
Elas sempre ficavam nervosas. Era esperado. Além do mais, eu conhecia bem minha aparência. Não era vaidade, era só uma conclusão lógica que resultava da soma de quantas vezes eu tinha sido levado para cama e quantas vezes me perguntaram se eu era modelo de cuecas.
Definido? Sim.
Cabelo loiro-caramelo que nunca perdia o volume ou as ondulações? Sim.
Uma covinha do lado direito do rosto? Sim.
Sorriso sexy meio de lado? Sim.
Cicatriz no queixo que criava um ar de durão e perigoso? Sim.
Olhos cor de avelã? Sim.
E nem vou começar a falar do tamanho do pênis. Sério, tudo vai ficando melhor na medida que seus olhos descem, confie em mim.
Ela recuou um passo e, meio desequilibrada, tropeçou no rack de revistas.
Várias cópias do Seattle Weekly se espalharam pelo chão.
Ela se abaixou, agitada.
O jeans rasgou nos joelhos.
Sim, eu ia ter de salvá-la. Ela já era um perigo para si mesma.
Com um suspiro paciente, me aproximei devagar. Abaixei, recolhi todos os jornais tranquilamente, depois levantei.
Ela estava paralisada.
Acontecia. Com frequência. E, infelizmente, sempre era um enorme desperdício de tempo.
Porque meus negócios eram muito prósperos, e tempo era dinheiro.
Ela estava atrasada.
E isso significava que não estava me fazendo perder apenas tempo, mas dinheiro também. Normalmente, eu encontrava as clientes em outro lugar, mas estava com pouco tempo e queria vê-la em ação. Mas já estava me arrependendo muito, enquanto ela pegava um punhado de guardanapos de papel, assoava o nariz e enfiava os guardanapos no bolso da frente.
— Levanta — eu disse, tentando não deixar a irritação transparecer na voz.
Ela olhou para mim de boca aberta, com os olhos arregalados, passando de corada a pálida em poucos segundos.
— Ou — cochichei, cravando nela meu olhar penetrante — você pode sentar aí mesmo. Mas duvido muito que seja a melhor maneira de chamar a atenção do barista que está tentando não encarar desde que chegou.
— Mas eu não...
— Não adianta desmentir. — Assenti com um olhar animador. — E se não levantar agora, vai perder sua chance com ele. Muitos especialistas acreditam que o ciúme é a emoção mais crucial que um homem sente antes de se apaixonar. — Estendi a mão.
Ela a estudou.
— Não vou te morder. — Fiz uma careta debochada, depois me inclinei e cochichei em seu ouvido. — Ainda.
Ela não disfarçou o espanto.
— Segura minha mão. — Assenti discretamente. — É para isso que estou aqui, lembra?
Relutante, ela segurou minha mão e levantou, apesar das pernas trêmulas. Olhei para o barista com irritação debochada enquanto ajudava minha nova cliente a se acomodar na cadeira.
— O que é isso? — Ela apontou para o copo vermelho sobre a mesa, diante dela.
— Chá. — Bocejei. — Mas o seu esfriou, provavelmente.
— Odeio chá.
— Não. — Balancei a cabeça e me inclinei para frente, colocando as duas mãos no copo e o empurrando para mais perto dela. — Você ama chá.
Ela franziu a testa.
— Sorria.
— Quê?
— Vai logo.
Ela forçou um sorriso, que transformou seu rosto de um jeito muito positivo. Dentes demais e entusiasmo falso, mas sei trabalhar com entusiasmo. Apatia, desânimo, desespero... aí não é tão fácil.
— Oi... vocês, hum... precisam de alguma coisa? — O Barista Ciumento perguntou ao se aproximar de nossa mesa. Qualquer babaca com meio cérebro saberia que, se precisássemos de alguma coisa, pediríamos no balcão.
— Não. — Nem olhei para ele de novo.
— Ah. — Ele não se afastou. Idiota. — É que...
— Se eu precisar de alguma coisa, minha namorada vai buscar, pode ser? — Dessa vez o encarei. Às vezes, era fácil demais. Sério. Os olhos dele me penetraram, as narinas inflaram, as mãos se fecharam. O cara podia usar uma placa pendurada no pescoço com a palavra “minha” e uma seta apontando para a Descabelada.
— Mas obrigada — minha cliente esganiçou, ajeitando aquele cabelo escorrido atrás da orelha de um jeito meio nervoso, que o idiota devia achar fofo.
Teríamos de trabalhar com esse tom esganiçado. Era uma graça...
Como um cachorrinho gordo que não sabia andar.
Mas para chamar a atenção do barista? Ela precisava evoluir do filhotinho rechonchudo para uma coisa mais perdigueiro — elegante, bonito, único.
O Barista Ciumento se afastou.
— Ele me odeia. — Ela desmoronou na cadeira.
Suspirei, irritado, segurei a mão dela e apertei.
Dedos úmidos. Meus favoritos, disse homem nenhum, nunca.
— Para de dar chilique e senta direito. — Apertei sua mão novamente.
Seu peito arfava como se ela tivesse corrido uma maratona. Merda, se precisasse cuidar de mais um desmaio, eu iria embora.
— Desculpa. — Ela bufou ao se inclinar sobre a mesa. — É que ele falou comigo poucas vezes, e só para perguntar se eu queria açúcar no café.
— Ele odeia café — cochichei. — Cada vez que alguém pede café, ele praticamente rosna. É difícil perceber, se não estiver prestando atenção. Mas ele levanta o nariz, aperta um pouco os olhos e o filho da mãe mostra os dentes, como se tomar café fosse a mesma coisa que chapar atrás da caçamba de lixo.
— Mas... — Ela mordeu o lábio inferior. Era cheio. Suculento. Finalmente! Alguma coisa com que eu podia trabalhar. — Ele trabalha em uma cafeteria.
A impaciência me dominou.
— E você corre 9 quilômetros todos os dias às 15h, e odeia correr. Todo mundo faz o que tem que fazer para conseguir o que quer. Quer ter um corpo legal? Você trabalha para isso. Ele quer comprar peças para a moto? Ele trabalha para isso.
Droga, eu tinha de parar de conversar com clientes quando estava sem dormir.
— Eu preciso anotar tudo? — ela perguntou baixinho.
— Você ama chá. Odeia café. — Estendi o braço e passei o polegar por seu lábio inferior. — Ele não gosta de demonstrações de afeto em público, provavelmente porque gostaria de estar envolvido com uma garota que não consegue tirar a mão de seu homem.
Ela inclinou a cabeça para mim, fechou um pouco os olhos e apoiou o rosto em minha mão. Bingo!
— Me toca — instruí.
— Mas...
— Agora.
Ela engoliu em seco, estendeu o braço sobre a mesa e pôs a mão no meu ombro.
No. Meu. Ombro.
— Mais para baixo.
— Mas... — Ela olhou para o balcão.
— Para de olhar para lá, ou paramos por aqui.
Ela deixou a mão escorregar por meu peito, e o indicador roçou no mamilo. Provavelmente por acidente, mas a reação do barista foi a mesma.
— Agora ria.
— Rir? — Ela riu, nervosa, baixinho.
— Isso também funciona. — Sorri, vaidoso. Essa era sempre minha parte favorita, a parte que fazia de mim um gênio reconhecido. E rico também. O momento em que o cara percebe de repente que tem alguma coisa fermentando entre ele e a garota que tenta chamar sua atenção há semanas, anos, tanto faz.
O Barista Ciumento voltou.
— Shell, se quiser mais alguma coisa além do chá, é só me avisar. — Ele inflou o peito e cruzou os braços.
Lutei contra o impulso de revirar os olhos e mostrar o dedo do meio para o idiota.
— Não. — Shell olhou para mim com uma relutância que se transformou lentamente em triunfo. — Acho que é só o chá.
— Você odeia chá — ele comentou.
— Não — eu disse. — Ela ama chá.
— Babaca — ele resmungou antes de se afastar.
— Ele sabe meu nome.
Shell deixou escapar um suspiro sonhador.
De novo, o impulso de revirar os olhos foi tão forte, que minhas bochechas tremeram.
Dei de ombros e me encostei na cadeira.
— Quem é você? — ela perguntou.
— Ian Hunter. — Assenti. — Cupido profissional e sua única chance de conseguir — levantei as sobrancelhas e deixei escapar um suspiro — aquilo.
O Barista Ciumento nos olhava com os lábios comprimidos.
— Quando começamos? — ela falou tão depressa, que as palavras quase se atropelaram.
Eu sorrio.
— Há três minutos.

 

 

 

 

Shell recitava um monólogo. Para sorte dela, eu estava acostumado com as clientes tagarelando de nervosismo, empilhando as palavras até eu sentir a cabeça começar a doer. Enquanto meu chá quente ficava gelado, eu a deixei falar, tirar do peito tudo que a sufocava.

— E aí meu gato começou a ficar doente, e não conseguimos descobrir qual era o problema.

Fiz que sim com a cabeça.

— Estou tão chateada com minha mãe! Ela nunca me disse que sou bonita!

Tapinha de leve na mão.

— Acha que sou bonita?

Carinha fofa seguida de uma piscada.

— Isso me deixa furiosa. O jeito como os homens me ignoram, como se eu fosse uma nerd. Se eu soubesse usar batom, eu usaria a porcaria do batom! Queria que o gostosão me notasse só uma vez.

— Entendo completamente. — Eu precisava pegar a roupa na lavanderia em dez minutos, e ela estava demorando mais do que eu tinha programado.

— Eu sei. — Shell suspirou, desanimada, adotando uma postura que me fazia sentir vontade de amarrá-la na cadeira com as costas eretas e colocar um livro sobre sua cabeça. — Eu queria...

Sabe o que eu queria? Poder voltar no tempo e remarcar essa cliente na agenda do meu braço direito, Lex. Caramba, ela falava demais.

— Burrice, não é?

Merda. Deixei cair a bola. O que ela queria?

— Acho que nada do que você diz é burrice.

Comentário seguro.

Ela sorriu.

Na mosca.

— Obri... obrigada. — Mais um sorriso. — Sabe, você é um bom ouvinte.

Elas sempre esqueçam que me pagam para ouvir. Sempre.

Shell olhou para minha boca. Ai, lá vem. Tinha de admitir, ela estava evoluindo pelos estágios da minha cartilha muito mais depressa do que eu esperava.

— Você é bem... gato.

— Eu sei — respondi em um tom entediado. — Mas não esqueça, você é minha cliente. Estou ajudando você a se ajudar.

Shell fez cara de intrigada.

— Quer dizer que nunca sai com suas clientes?

Não, porque todas elas estavam apaixonadas por outra pessoa, e eu não tinha tempo para brincar de herói. Quase sempre criava uma catástrofe da qual o crush tinha de salvá-las, fortalecendo esse relacionamento e as afastando de qualquer ideia de heroísmo que pudessem ter sobre mim. Fazia sentido, se você pensasse bem nisso. As mulheres com quem eu lidava eram tão carentes de atenção masculina, que tinham dificuldade para distinguir entre minha encenação e sentimentos verdadeiros. Por isso eu sempre deixava minhas regras muito claras.

— Nunca — respondi em um tom incisivo. — Shell, meu bem. Vou mandar um e-mail com a agenda da próxima semana. Avise se tiver algum problema com os horários, mas nada de telefonemas, entendeu?

Ela assentiu devagar.

— Só mensagens de texto e e-mails. Não falamos por telefone. E se me vir pelo campus, finja que não me conhece. Fora da relação comercial, somos estranhos. E se alguém perguntar sobre a Cupidos S.A.*...

Ela suspirou.

— Já sei, já sei. Entrego o cartão vermelho com o logo do Super-Homem na frente e o C gigante no verso.

Pisquei. Nosso cartão era genial. Parecia só um cartão bobo do Super-Homem, mas, na verdade, a mensagem estava no verso. A mensagem está sempre nos detalhes aos quais as pessoas raramente prestam atenção.

— Ótimo. — Levantei e estendi a mão. — Só preciso de sete dias.

Ela olhou para o barista, que continuava nos fuzilando com os olhos.

— Espero que esteja certo.

Revirei os olhos, a puxei para um selinho rápido e cochichei:

— Eu nunca erro.

— Seu perfume é picante.

Ah, que fofa, um elogio. Talvez eu só precise de seis dias. Afinal, um dos dias é dedicado ao aprendizado de como afagar o ego de um homem. Olha só, minha pequena gafanhota, ela aprendia depressa!

— Obrigado. — Pus a mão na parte de baixo de suas costas e a guiei para fora da cafeteria.

— Tchau, Ian.

Ela se afastou e entrou em um Honda vermelho. Caramba, pensei que ela fosse o tipo de garota que dirige um Jetta verde. Bom, não dá para acertar todas.

No minuto em que entrei no Range Rover, meu celular tocou.

— Como ela é? — Lex bocejou do outro lado da linha. Imaginei que ele estivesse atolado em e-mails, já que o ano tinha começado há duas semanas, e todo mundo que respira faz promessas de Ano Novo para mudar de vida — Porque sua lista de espera é enorme, e se ela não for promissora, tenho aqui uma garota que me prometeu favores sexuais se eu puser o nome dela no topo.

— Tira da lista — respondi. — Se ela sabe como oferecer esse tipo de favor, também sabe como descolar o homem que quer.

— Anotado. — Lex riu, contido.

Não podia esquecer de verificar se ele realmente havia retirado a garota da lista, em vez de fazer promessas falsas só para poder pegar alguém.

— Ah — disse Lex. — Gabi disse que se você não chegar até a hora do jantar hoje à noite, ela vai colar sua mão no pênis. Mas ela foi mais explícita.

— Sempre é. — Sorri. — Manda uma mensagem para ela e avisa que estou indo.

— Ok. — Ele desligou.

Eu não escolhi essa vida. Não acordei um dia dizendo: “Puxa, não seria demais ajudar mulheres sem-graça a descolar aquele cara?”. E antes de sair bufando, encare os fatos. Quase 60% das mulheres casam com alguém abaixo de suas expectativas, o que significa que a maioria se conforma com um homem estragadinho. O cara que, provavelmente, ganha menos que elas; nunca se exercita; come cachorro-quente no café da manhã, no almoço e no jantar; e, vamos encarar, precisa de Viagra aos quarenta anos.

Uma pesquisa rápida na internet, e você encontra os fatos.

Mulheres são, por natureza, criaturas inseguras, e se aos 35 anos elas ainda não se casaram, provavelmente vão casar com o cara careca e de bom coração.

E não tem absolutamente nada de errado nisso.

É como quando você adota um cachorro e escolhe o de olhar preguiçoso porque sente pena dele, e tem certeza de que o filho da mãe não vai fugir nunca.

Então, qual é a diferença entre um se acomodar e outro se acomodar?

O primeiro é fofo. O cachorro de olhar preguiçoso, ou, nesse caso, o homem realmente é o melhor para a mulher. Um encontro de almas gêmeas. Esses são os casais que você vê de mãos dadas e se pergunta se a garota tem algum problema de visão. É a mãe alta e gostosona e o pai baixinho. A musa da faculdade e o cara com barriguinha de cerveja. A líder de torcida e o nerd.

Por alguma razão, o universo aceita isso. Eu aceito.

O que não aceito? O se acomodar que é inseguro, de natureza desesperada.

Reconheço que é mais raro.

Mas está se tornando cada vez mais comum.

É quando uma garota nunca atinge todo seu potencial, se acomoda com menos do que merece. É a garota quietinha que nunca teve alguém que ensinasse a ela como usar maquiagem. A gordinha que come os próprios sentimentos, mas tem uma personalidade hilária e devia, com toda certeza, ser par do quarterback.

São as almas gêmeas que nunca se encontrarão.

É minha irmã.

Quieta, tímida, um pouco desesperada, mas linda. Ela era apaixonada por um cara do meu time. E quando digo apaixonada, quero dizer que ela bateu com o carro na caixa de correspondência uma vez, quando o levei para passar o feriado do Quatro de Julho em casa.

O mais maluco? Ele estava a fim dela, mas por ser insegura e acanhada, ela nunca deu sinal verde para ele. Teve medo de dar um passo adiante e percorrer sua metade do caminho.

Eu era egoísta demais para me importar, e ela me fez jurar que eu nunca interferiria. Um ano passou. Ele cansou de esperar; ela cansou da “rejeição”.

E ela se acomodou com o parceiro de laboratório, Jerry.

Hoje ela é casada com um fracassado que acha que videogame é um esporte olímpico e deve acreditar que, quando a cerveja acaba, a fada cervejeira enche a geladeira à noite, enquanto ele dorme. O idiota provavelmente acredita que os búfalos também foram extintos.

E o meu amigo? Acabou de ser contratado pelo Steelers e fez uma propaganda da Nike recentemente.

Eu estava na festa de aniversário da minha irmã há nove meses, sentado no sofá da casa dela, quando minha vida deu um estalo. Meu joelho doía muito, mas essa dor não era nada, comparada àquela de ver a expressão de total desolação no rosto dela ao ver meu amigo na televisão, enquanto Jerry gritava para ela pegar o bebê, porque ele queria continuar jogando no Xbox.

Minha irmã merecia mais que isso. Merece mais. E enquanto aplicava gelo no joelho, graças a um incidente infeliz sobre o qual não quero falar, tive uma revelação.

Se ela fosse mais segura, se soubesse ler os sinais, soubesse como conquistar o homem que merecia, ela seria mais feliz. Um grama de confiança teria mudado a vida dela, e saber como ler um homem, como ler uma situação? Caramba, aprender só uma regra da minha cartilha teria mudado a vida dela.

Não estaria estagnada em Yakima, Washington, o lugar que é conhecido como a Palm Springs de Washington, mas, na verdade, se quer saber minha opinião, é um centro de drogas e gangues, pior que Los Angeles.

Ela é uma garota de Seattle cercada de vacas, drogas, tratores, e sai uma noite por semana para ir ao Applebee’s.

Para piorar as coisas, ela não pode voltar para Seattle, porque o marido assumiu o controle da empresa de tratores da família e todo o clã vive lá há mais de quarenta anos. Não havia nada que eu pudesse fazer. Nada que ela pudesse fazer, exceto mandar uma mensagem ou telefonar de vez em quando.

Então, basicamente, ela estava presa no inferno até alguma coisa mudar essa situação. Mas pelo jeito... A paz mundial chegaria antes disso.

Não posso fazer nada por ela.

A única família que me restou.

Além de Gabi, mas ela eu nem conto, porque não é parente de sangue e, provavelmente, me atacaria com o objeto pontiagudo mais próximo se eu a chamasse de irmã. Isso tem a ver com ela não querer que todos os homens disponíveis fujam quando descobrem o vínculo entre nós. Uma vez. Ameacei um cara no colégio uma vez, e agora ela se recusa a me contar qualquer coisa sobre sua vida sexual, ou a falta dela.

Dei de ombros. Sempre que ela usa uma saia curta, a única coisa que sinto é a necessidade de protegê-la e aprender a costurar, porque assim posso acrescentar mais pano ao comprimento da saia.

Então, sim, essa é minha história.

Foi assim que a Cupidos S.A. começou.

Pense em namorar como você pensaria em um jogo de futebol. Os treinadores têm suas cartilhas, regras que os jogadores decoram durante dias, semanas, anos até, e elas funcionam. Não é suficiente saber jogar o jogo; você precisa saber ler as jogadas, ler seu adversário.

É com isso que a Cupidos S.A. tem a ver. E se você pudesse estudar uma cartilha do namoro? Temos regras para todo tipo de cenário de relacionamento, e nosso processo funciona. Basicamente, criamos uma versão de Minority Report para relacionamentos. Vemos o “desastre afetivo” antes que ele aconteça e fazemos os ajustes necessários.

Nenhuma aflição nisso. Não sou um cretino triste e solitário que precisa de terapia porque meus pais me ignoraram quando eu era pequeno — embora tenham me ignorado, e provavelmente ainda me ignorariam, se não tivessem morrido em um acidente aéreo bizarro quando eu tinha sete anos.

Não sofri de amor pela vizinha que finalmente me notou, mas me trocou pelo meu melhor amigo. Fala sério. Você já me viu?

E não, não estou tentando compensar as coisas em doses homeopáticas.

Acho que já ficou claro que tudo vai bem no departamento físico.

Sou rico.

Sou brilhante — pergunte aos meus professores.

Tenho mais mulheres que um homem consegue manter, mesmo que seja um homem com o meu apetite. E sou basicamente o Super-Homem moderno, salvo as mulheres delas mesmas, enquanto meu melhor amigo, Lex, entra em cena no papel de meu ajudante.

Antes que você pergunte... sim. Isso é uma droga. Estou furioso por não poder jogar na NFL.

Mas quando um homem não pode jogar... ele ensina.

E eu fui mais que um simples jogador de futebol.

Eu fui o jogador.

O astro dos esportes.

E... das mulheres.

O melhor de todos.

Então quem pode ser melhor que um jogador de verdade para ensinar às mulheres como não cair em joguinhos?

Exatamente.

Não é como se eu tivesse virado a página; só aprendi a usar os dois lados da folha. Brilhante? Absolutamente.

— Merda. — Quase bati no Corolla na minha frente quando o toque personalizado do número da Gabi explodiu nos alto-falantes. — Sim? — Atendi. — A que devo a honra?

— Não sou sua cliente, Ian! — Gabi gritou. — Pode parar com essa vozinha mansa de coach do amor. Você prometeu!

— Prometi. — Que diabo eu tinha prometido? Cinema hoje à noite? Era o que eu achava que tinha prometido. O semáforo ficou verde. Meus pensamentos continuavam em branco. O motorista de trás buzinou, e eu acelerei.

— Você esqueceu, não é?

— Sobre nosso programa hoje à noite? — Eu ri. — É claro que não.

— Às vezes, me pergunto por que somos amigos.

— Porque você gosta de olhar para mim enquanto durmo?

— Uma vez, Ian! — Ela rosnou um palavrão. — Sua sorte é que eu não guardo rancor. Vou fazer uma festa de boas-vindas para as duas garotas novas na casa, e você ficou de trazer batatas e molhos. E a festa começou há meia hora.

A lavanderia ia ter de esperar.

— Essa festa estava na minha agenda?

— Você e essa droga da agenda! — ela gritou. — Desculpa, não tenho tempo para acessar o Gmail e editar a agenda para você ter tempo para mim.

— Seria bem mais fácil para o Lex, se você fizesse isso.

— Você sabe que o Lex é mais sua vadia que seu amigo atualmente?

— Afe. — Tossi. — Torce para eu não contar isso para ele.

Ela ficou em silêncio. Porque era isso que fazia quando falávamos sobre o Lex. Fingia que não tinha planos para pôr fogo na cama com ele, e eu fingia não notar que, mesmo quando eles estavam brigando, ela ainda parecia suplicar pela atenção dele, mesmo que fosse negativa.

Mas nós dois sabíamos que o elefante continuava na sala, com a cara estampada em tudo.

Suspirei.

— Desculpa, Gabs. Chego aí em quinze minutos, ok?

— Acho bom — ela resmungou. E desligou.

A música voltou quando entrei no estacionamento do primeiro mercado que vi e corri como um louco para comprar o que tinha prometido. Quanto mais ocupado ficava, mais minha memória piorava, e era por isso que eu tinha uma agenda física e outra on-line, que até meus professores sabiam acessar, caso eu não estivesse em sala de aula, já que eu era monitor da turma. Eu era um aluno excelente; treinei meus professores para administrar bem minhas agendas, e era um bônus quando eu podia dar aula no lugar deles, porque assim eles podiam fazer coisas mais importantes.

Peguei todos os pacotes de batatas e molhos que consegui encontrar, promessas de calorias vazias, e gemi ao ver que só havia um caixa aberto, e o cara na minha frente tinha dez cupons.

Eu toparia pagar suas compras, se ele me deixasse passar primeiro.

— Posso atendê-lo aqui, senhor — uma voz animada anunciou à minha direita.

Um sorriso lento se espalhou por meu rosto quando virei.

— Ah, puxa, obrigado.

A menina ficou vermelha e acendeu a lâmpada do caixa.

— Hum, vai a alguma festa?

O leitor de código de barras apitava a cada item registrado.

— É para minha irmã. Bom, ela é praticamente minha irmã. E eu sou o tonto que esqueceu de levar os petiscos.

— Não parece um tonto. — A voz ficou rouca quando ela arqueou as sobrancelhas.

— Talvez deva dizer isso a ela, assim eu não teria que rastejar...

Os olhos dela se iluminaram.

— Saio em dez minutos.

— Ah, eu só levaria cinco. Top.

— Quê?

— Seu top. — Apontei para a camiseta branca e lisa. — Ficou lindo com seu tom de pele.

Vi suas pupilas dilatarem.

Às vezes, era fácil demais.


* Wingman Inc. no original.

 

 

— Finalmente! — Gabi gritou ao abrir a porta e arrancar as compras da minha mão. — Você não disse quinze minutos?

— Eu disse quinze? Podia jurar que falei vinte. E aquela caixa precisava da minha ajuda, então...

Gabi estreitou os olhos.

— Está cheirando a perfume barato.

— Horrível, não é? Quem ainda usa Campos de Baunilha? Acho que sua avó ainda compra essa merda, mas ela tem oitenta anos. Adquiriu o direito de ser uma criatura cheia de hábitos.

— Fez de novo?

— Fiz o quê?

Fingi inocência enquanto Gabi tirava as compras das sacolas. Gabi morava a alguns quarteirões do campus da Universidade de Washington, e eu morava alguns quilômetros distante da casa dela. Era conveniente para nós dois.

Eu garantia que nenhum idiota a atormentasse só por existir.

E ela cozinhava para mim.

De vez em quando, até preparava e embalava um almoço infantil com carinhas sorridentes. Provavelmente, eu morreria de fome sem ela. Algo que ela gostava de enfatizar todos os dias.

Gabi revirou os olhos verdes e prendeu rapidamente o cabelo castanho e comprido em um coque bagunçado.

— Às vezes, eu quero te matar. — Ela suspirou. — Nossa, me sinto muito melhor sem isso me sufocando.

— É para isso que estou aqui. — Pisquei. — Sou sua terapia pessoal.

Ela torceu o nariz.

— Falando sério. Esse cheiro é horrível, cara.

Levantei a camisa e fiz uma careta.

— Como é que cinco minutos com a Garota do Mercado me transformaram em um comercial ambulante de perfume?

Gabi suspirou e apontou para o andar de cima.

— Vai. Banho. Eu cuido da comida. Ainda tem roupa sua no meu quarto. Só... — ela espirrou e torceu o nariz — se livra desse fedor.

— Ela tem nome — brinquei. Não que eu lembrasse. Mas não era minha culpa. Enquanto ela ocupava a boca comigo, sua cabeça escondia o crachá de identificação. Viu? Não era minha culpa.

— Um dia. — Gabi balançou a cabeça. — Você vai ser fisgado. — Ela franziu a testa. — Ou é pescado?

— Uuuh. — Fingi um arrepio e me inclinei para beijar sua testa. — Essa sacanagem eu não conheço. Mal posso esperar.

Ela me empurrou e deu um tapa na minha bunda.

— Sobe. Vai, antes que comece a atrair mais.

— Atenção?

— Garotas sem futuro. — Gabi assentiu com ar sério. — Sabe, dessas que gostam de uma rapidinha...

— Lex! — Eu a interrompi decidido quando meu melhor amigo entrou na cozinha. 1,80m de pura galinhagem musculosa.

Pior que eu.

O que significava que ele merecia uma medalha, provavelmente.

Ou um distintivo.

Ou um patch bordado com a letra P de “putaria”. O distintivo da sacanagem.

Gabi ficou tensa ao meu lado.

— Vou tomar uma ducha — avisei, e os deixei sozinhos. Eu sabia bem que, em relação a esses dois, a melhor coisa era ficar fora do caminho.

Odeio apartar briga. Na última vez, ganhei um olho roxo e um chute no saco, tentando manter a paz.

E com todas as clientes que tinha agendadas para o restante do semestre, a última coisa que eu queria era aparecer em uma reunião com os dois olhos inchados.

Subi a escada pulando os degraus, bati na porta do banheiro antes de entrar, tirei a roupa rapidamente e entrei na área do chuveiro.

Tudo de que eu precisava continuava onde eu tinha deixado, no armário do canto.

E antes de começar a me olhar com desconfiança, não esqueça, Gabi é como uma irmã para mim, tanto que a única vez que sequer pensei em beijá-la foi durante a noite da patinação no oitavo ano, e tenho certeza de que foi porque alguém batizou minha Mountain Dew.

De qualquer maneira, beijei, e foi horrível. Ela vomitou, sério. Mas temos certeza quase absoluta de que foi virose, e não minha falta de jeito para beijar que provocou a reação.

Fizemos um acordo alguns dias depois disso.

Juramos segredo.

E nunca mais voltamos a ter problemas.

Então, não, não sinto ciúme da fascinação dela por Lex, mas provavelmente, se algum dia ele correspondesse, eu o penduraria em um poste de telefone e colocaria fogo em suas bolas. A obsessão dela era fofa, e eu sabia que nunca daria em nada. Porque ela era virgem.

Ele não era.

E homens como Lex sabem que mulheres como Gabi valem ouro. Ele não poderia pagar esse preço, nem se vendesse sua alma corrompida.

O cheiro conhecido do meu sabonete líquido Molton Brown pairava no ar, ardendo no nariz, mas, ao mesmo tempo, me fazendo relaxar.

Eu só deixava o Molton na casa da Gabi.

Em casa, era Jean Paul Gaultier.

E se passava a noite fora de casa e tinha reunião com alguma cliente marcada para o dia seguinte, levava Old Spice. Era outra coisa que envolvia números. Pelo menos 30% dos caras na faculdade usavam Old Spice, o que significava que a garota começava a associar meu cheiro com o de outros homens, o que relaxava seus limites e a deixava à vontade. Porque, como qualquer especialista em relacionamentos sabe, o olfato é o caminho mais fácil para estabelecer lembranças e conforto.

Não tem como errar nessa.

Outro motivo pelo qual Lex tem um valor inestimável para a empresa: ele adora gráficos, dados e fatos curiosos.

A batida forte fez a porta tremer.

— Juro pelo deus do banho, se não sair daí logo, vou arrombar a porta e dar a descarga.

— Cinco minutos, Gabs.

— Você e seus prazos irreais!

Desliguei o chuveiro, enrolei uma toalha na cintura e fui para o quarto dela.

Suspirei, fechei a porta, soltei a toalha e acendi a luz.

Ela comprou uma cômoda nova?

A dela era marrom.

Essa era preta.

E o perfume em cima da cômoda era novo.

Curioso, peguei a embalagem de Prada e cheirei, e nesse momento a porta do quarto abriu.

— Santo Garfield e lasanha! — disse uma morena alta com uma quantidade exorbitante de cabelo escuro e ondulado. Ela cobriu o rosto com as mãos e recuou tropeçando. A porta tinha começado a fechar atrás dela, e a maçaneta encontrou sua bunda. Ela gemeu, cambaleou para frente e se apoiou no cesto de roupa suja perto de onde eu estava.

O cesto era de plástico.

Não era de aço.

Então, naturalmente, no minuto em que ela apoiou o peso, ele quebrou. A roupa suja se espalhou pelo chão, ela caiu de joelhos, e o horrível short preto de basquete subiu, revelando coxas musculosas.

Sorrindo, me inclinei e, ainda nu, apontei para a calcinha fio-dental cor de rosa.

— Dá para ver que você é o tipo de garota que gosta de shorts masculinos.

A moça de cabelo castanho cobria o rosto como o Primo Itt da Família Adams. Lentamente, ela tirou o cabelo da frente dos olhos.

— O que está fazendo no meu quarto? — Sua voz baixa era acusadora, meio sexy, se eu fechasse os olhos e a imaginasse em outro corpo.

— Quer dizer, o quarto da Gabi.

— Não. — As narinas dela dilataram. — É meu quarto.

— E você é quem? — Estendi a mão, porque era um cavalheiro, em primeiro lugar, um galinha, em segundo, e porque minha avó costumava bater na minha bunda toda vez que eu me apresentava sem um aperto de mão firme.

Ela mirou de olhos arregalados para o meu corpo nu.

— Tudo bem — decidi, dando de ombros. — Mas tenho só três minutos, literalmente, antes de Gabi acabar comigo. Prefere a cama ou o chão, já que já está aí?

E Gabi dizia que eu não era caridoso? Droga, olha só para mim, pronto para distribuir orgasmos de graça.

— Quê? — Os olhos errantes da garota nova finalmente encontraram os meus. Caramba, algumas pessoas cobravam por esse tipo de olhar. — Do que está falando?

— Bom, agora só temos dois minutos e meio. Não vou dizer que não é difícil, mas acho que consigo fazer alguma coisa que provoque pelo menos uns gemidinhos. Talvez um ou dois gritos.

— Gritos? — ela repetiu, e franziu a testa. — Do que está falando? E por que está pelado?

— Estava procurando as roupas, antes de você invadir minha privacidade.

— No meu quarto.

— Olha só. — Olhei para o meu relógio. — Estamos entrando em território perigoso. Já me chamaram de Super-Homem na cama, mas não sei se consigo repetir 2014, apesar de adorar a ideia de quebrar mais um recorde. Então, se vamos fazer isso mesmo, você tem que se apressar e tirar a blusa, pelo menos.

— Você é — seu rosto ficou vermelho — um stripper para a festa?

Hummm. A ideia tinha seu valor. Eu podia fazer um show gratuito, o que me transformaria em um santo, considerando o que costumava cobrar de cada cliente.

— Não. — Estendi a mão.

Ela não a segurou, e tomei a iniciativa de levantá-la do chão e colocá-la em pé. Ela esperneou. Até tentou me morder. Agora sim. Um pouco de entusiasmo!

— Me põe no chão! — Ela se debateu.

Eu a soltei longe de mim e cruzei os braços.

— Sinto muito, o tempo acabou. Você só tem dez segundos, e nem eu consigo fazer um milagre desse — apontei para a camiseta larga, o short enorme e, puta merda, ela usava meias três quartos — calibre. — Engoli a saliva. — Só um palpite, mas você estudou em casa? Homeschooling?

Seu rosto ficou vermelho de vergonha ou raiva.

— Não! E eu moro aqui. Este é meu quarto!

— Mas é o quarto da Gabi.

— Trocamos hoje de manhã! — Ela bateu o pé no chão. A garota usava um chinelo Adidas, modelo antigo. Eles ainda fabricavam esse modelo? Hummm. Era como ver um T. Rex de verdade. — Por que está olhando para os meus pés?

— Isso aí deve valer uma nota. — Bati com um dedo no queixo e continuei olhando para o chinelo horroroso. — Impressionante. Realmente impressionante.

— Está me ouvindo? — ela gritou. — Veste uma roupa e sai do meu quarto. Ou não veste nada e só sai do meu quarto. Tanto faz.

— Exatamente. — Assenti com ar sério. — Era o que eu ia fazer, quando você entrou. Agora — falei lentamente —, você disse que trocaram de quarto?

Ela confirmou balançando a cabeça.

— O que significa que o quarto de Gabi...?

Ela apontou para o corredor. Tive uma vaga lembrança de Gabi ter comentado que mudaria para o quarto menor, porque as duas novas moradoras dividiriam o quarto.

— Ah, você deve ser Serena.

— Blake — ela grunhiu. — Serena é a loira.

E aposto que ela também era gostosa. Serena era nome de mulher gostosa. Blake? Era o nome que se dava a uma menina que o pai esperava que fosse menino e, portanto, projetava nela todos os seus sonhos de criar um garoto. Dez pratas como o pai a tinha obrigado a praticar todos os esportes, e ela era produto de um divórcio, ou foi criada por mãe ou pai solteiro.

— Por que ainda está aqui... pelado? — Dessa vez ela desviou o olhar, cobrindo o rosto com as mãos.

— O que tem de errado em estar nu? Sabe que todo mundo nasce assim, certo?

— Apenas... — ela não olhou de novo, mas apontou para a porta — saia.

— Quem perde é você. — Eu ri. — Podia ter dado uma sacudida no seu mundo.

— Meu mundo não precisa ser sacudido.

Parei no meio do caminho para a porta, voltei, cheguei bem perto para garantir que meu hálito roçasse seu pescoço, e sussurrei:

— É aí que você se engana, Blake. Toda mulher precisa de uma sacudida em seu mundo, pelo menos uma vez. Ou melhor, se for eu quem vai sacudir? Duas vezes.

A postura dela era rígida, e a única dica que eu tinha abalado suas emoções era a respiração acelerada, junto com o pulso. Inclinei-me ainda mais e lambi uma parte daquele pescoço que me provocava. Depois me afastei.

— Foi um prazer te conhecer.

A batida da porta quando eu saí quando acertou meu traseiro. Não dá para ganhar todas. Não que eu quisesse ganhar a Garota Adidas. Meu prato já estava cheio demais. A última coisa de que precisava era uma moleca sexualmente reprimida que usava moletom porque era confortável.

 

 

Eu ainda balançava a cabeça depois de me vestir, descer a escada e entrar na pequena sala de estar. Tipo, chinelo Adidas?

Lex estava ocupado conversando com uma garota que eu achava que era Serena, uma loira de olhos grandes e meigos e um corpinho que, provavelmente, estaria embaixo do dele em algumas horas. Ou melhor ainda, ela estaria em cima fazendo todo o trabalho, enquanto o filho da mãe cruzava as mãos atrás da cabeça, bocejava e orientava: um pouco mais para a direita.

Ele era mandão na cama e fora dela; provavelmente fornecia manuais que suas mulheres tinham que decorar antes de ter a honra de transar com ele.

Blake ainda não havia descido.

E na TV passava Game of Thrones. Temporada três, exatamente onde Gabi e eu tínhamos parado. Eu não hesitaria em fingir uma doença no próximo episódio para todo mundo ir para a cama, e eu poder ver a série sem ser interrompido. Era bem a minha cara.

— Ian — Gabi resmungou. — Foram dez minutos. Fala que você não fez isso.

— Não fiz. — Pisquei para Lex e peguei uma cerveja da bancada, depois comecei a encher meu prato de salgadinhos.

Gabi beliscou minha cintura e torceu.

— Merda! — As batatas quase caíram do meu prato. — Por que fez isso? Tomei banho, não estou mais com cheiro de vagabunda juvenil, não tem de quê!

Gabi soltou minha pele e me empurrou, apoiando as mãos em meu peito.

— Cadê a Blake?

— Essa é a do time de basquete?

— Não. — Gabi revirou os olhos, depois me olhou com desconfiança. — Cadê ela?

— Futebol?

— Não.

— Tênis?

— Ian, se você tocou nela, juro que arranco os cachinhos dourados da sua cabeça um por um.

Mordi um Dorito Ranch.

— Golfe?

— Vôlei — Blake anunciou, parando ao nosso lado. — Na verdade.

Estalei os dedos.

— Isso explica as roupas.

Gabi olhava para mim e para ela.

— Roupas?

— Qual é o problema com as minhas roupas? — Blake olhou para baixo.

Eu ri. Elas não.

Pigarreei, comi uma batata e sorri. E disse:

— Absolutamente nenhum.

— É seu? — Blake apontava para mim como se eu não fizesse parte da conversa.

— Infelizmente. — Gabi suspirou. — Sabe quando os pais dizem para você não alimentar os bichinhos na rua? — Ela me encarou. — No começo ele era fofo, como todos os filhotes. Depois começou a morder todos os meus amigos.

— Também amo você, fofinha. — Eu a beijei na testa e dei um tapa em sua bunda. — E foram mordidinhas de amor.

Blake nos observava com os olhos arregalados.

— Ian — Lex gritou. — Vai fazer isso ou não vai? Tenho um teste amanhã cedo.

Essa era sua abordagem. E ele era tão bom nela, que até eu tive de me curvar e dar um tapinha na bunda dele.

Lex era um gênio da computação.

Um nerd bonitão.

Eu imaginava que ele era o que aconteceria se Bill Gates renascesse como um deus grego. Um dia, Lex dominaria o mundo. Isto é, se parasse de transar com as mulheres erradas, as alunas favoritas de seus professores.

As garotas o adoravam porque ele era inteligente. Pena ele usar seus poderes para o mal. De certa forma, ele era o vilão do meu herói.

Eu salvava as garotas de se conformarem com tontos, fracassados e modelos do garoto de fraternidade; ou seja, eu as salvava de homens como Lex. E Lex garantia, valendo-se de pesquisa e de seus programas ilegais para computador, que nossas clientes eram legítimas.

Ele ficava com as más.

Eu ajudava as boas.

Acho que alimentávamos os poderes um do outro. O equilíbrio perfeito entre bom e mau.

Serena riu de alguma coisa que Lex disse. Droga, ela provavelmente riria se ele soletrasse “astronauta” corretamente.

Contive o impulso de revirar os olhos. Não me leve a mal, eu pegava garotas como ela a cada duas semanas para diminuir a pressão, mas elas só serviam para isso; a única contribuição que davam à sociedade era não se importarem com nada, exceto com o fato de caras como Lex e eu terem tanquinhos e as deixarem tocar cada músculo enquanto riam baixinho.

— Sim. — Joguei meu corpo musculoso no sofá e me estiquei. — Episódio final. Fiquem à vontade para ver, meninas, mas se alguém falar, eu fecho a boca com fita adesiva.

— Ainda não! — Gabi correu e parou na frente da TV. — Essa é uma festa de boas-vindas para minhas duas novas colegas de casa. Temos que socializar primeiro.

— Ah. — Assenti. — Certo.

A sala ficou em silêncio.

— Porra, se isso não é um encontro às cegas forçado... — falei para mim mesmo. Mais ou menos.

Ei, era uma sala pequena.

— E você sabe bem do que está falando. — Gabi estreitou os olhos.

E eu paralisei. Porque, se havia alguma coisa sobre a qual estávamos de acordo, era que nunca falávamos sobre a Cupidos S.A. Era como o Clube da Luta, só que melhor, porque tinha a ver com impedir garotas tristes de transar com babacas.

Para de balançar a cabeça. O que eu fazia no meu tempo livre, fora do expediente, era totalmente diferente. Eu não transava com garotas tristes; transava com as burras. Perceba a diferença.

— Fala sério, Gabs. — Lex puxou Serena para longe de mim. — Relaxa. Já conhecemos as garotas, Ian trouxe comida, e você continua solteira. — Ele mostrou os dentes e passou a mão no cabelo escuro e curto. — Tudo em seus devidos lugares.

Gabi avançou nele.

Pulei entre os dois e, rápido, segurei o corpo dela contra o meu e caí no sofá de couro. Gabi podia ser pequena, mas era ligeira.

— Shhh — sussurrei no ouvido dela. — Você sabe que ele só está agindo como um cretino porque não transou essa semana.

Lex falou um palavrão e voltou para perto de Serena no sofá. Ele era um cara bonito e simpático, a menos que estivesse no mesmo ambiente que Gabi. Então, perdia a cabeça e ficava parecido com a Crazy Eyes de Orange Is the New Black.

— Vamos ver o último episódio — sugeri. — Depois comemos a sobremesa.

Olhei para Serena ao falar “sobremesa”. Lex também olhou para ela.

Gabi me deu uma cotovelada perigosamente perto da virilha.

— Ele já marcou território nela — cochichei em seu ouvido. — Não se preocupe.

— Você me dá nojo. — Ela apertou o “play” e se apoiou em mim.

Fiz uma careta e cochichei de novo.

— Você me ama, irmãzinha.

— Às vezes, me pergunto por quê.

— Eu faço a média do grupo subir uns dois pontos, pelo menos, reconheça.

— Só porque tem cabelo bonito — ela resmungou.

— Essa é minha garota.

Sorrindo, eu a acomodei ao meu lado de um jeito bem confortável, mas tive a sensação de que era observado. Virei a tempo de ver Blake cobrir o rosto outra vez com aquela enorme quantidade de cabelo e olhar para os chinelos feios.

Hum. Fiquei pensando em qual seria sua história, mas só até ouvir a conhecida trilha sonora de GoT e ser tragado de volta pelo mundo de fantasia que fazia o meu parecer brincadeira de criança.

Dez minutos depois, senti o olhar de novo.

Eu me ajeitei no sofá e virei.

Blake não estava olhando para mim, mas estava escrevendo no celular.

Durante GoT.

O que equivalia a dormir no meio de um filme da Marvel.

Tossi.

E como ela não desviou os olhos do celular, levantei do sofá, caminhei até o banquinho onde ela estava sentada e a tirei de lá.

Ela gritou quando a joguei no sofá e limpei as mãos na calça jeans.

— Pronto, agora estamos todos confortáveis e juntos. Celulares em cima da mesa. — Olhei para o que estava na mão dela. — Agora.

Ela me olhou de um jeito sinistro, mas jogou o aparelho em cima da mesa, junto com os nossos, e cruzou os braços.

— Não devia ter dado comida para ele — cochichou para Gabi.

Gabi bateu de leve na mão dela e respondeu no mesmo tom:

— Isso me atormenta dia e noite, Blake, dia e noite.

 

 

Manhãs. Eu gosto das manhãs. Com um Starbucks na mão, sento no lugar de costume perto da Drumheller Fountain, mais conhecida como Frosh Pond. Joguei muitos calouros lá dentro no meu tempo, mas, como formando, meu nível de maturidade evidentemente subiu muito.

A névoa da manhã era gelada, sempre era gelada, mas eu me recusava a escolher outro lugar.

Eu era como o Sheldon de The Big Bang Theory.

O lago era meu sofá de couro. O espaço bem na frente de Bagley Hall era minha almofada pessoal no sofá.

— Droga. — Lex bocejou, barulhento, ao se aproximar de mim, deixando claro que, para ele, o café não dava resultado. — É cedo.

— São sete. — Bebi mais um gole do meu Pike Place Roast. — Só é cedo se você passou a noite toda acordado com...?

Lex sorriu.

— Serena. Ela é selvagem na cama. Esqueceu meu nome duas vezes. Perguntou se eu acreditava em unicórnios. Já foi na Comic-Con três vezes, cada uma delas como um personagem diferente de X-Men. Seu poder é a capacidade de recitar o alfabeto ao contrário, e ela chorou quando pedi o telefone.

— Cacete. — Assobiei baixinho. — Ela deve ter te incentivado a fazer seu melhor jogo a noite toda.

Lex revirou os olhos.

— Eu nunca faço menos que meu melhor jogo.

— É claro — concordei, condescendente. — Então a única vez que deu em cima da Gabi foi por acaso?

— Eu estava bêbado — ele se defendeu. — Podemos não falar sobre a Gabi a esta hora da manhã? Isso estraga meu dia inteiro.

— É claro, galinha. Cadê a agenda?

Fomos sentar em um dos bancos. Esse era o lance com a Cupidos S.A. Nunca fazíamos reuniões de trabalho em casa, nunca levávamos clientes para a casa. Era uma regra tácita. Não misturar negócios e prazer. Percebemos que precisávamos de algumas regras bem rígidas, especialmente porque a última coisa que queríamos era que todo mundo soubesse quem estava por trás da empresa.

Fazíamos todo o trabalho no campus.

É claro, as garotas sabiam, depois que conheciam um de nós.

Mas tinham de jurar segredo. Basicamente, elas assinavam um contrato estabelecendo que, se dissessem uma palavra sobre a Cupidos S.A., nós as processaríamos.

Você deve estar se perguntando como outras pessoas no campus não descobriram.

É fácil.

Lembra o que eu disse sobre não misturarmos negócios e prazer? Então, olhando de fora, é tudo prazer.

Éramos jogadores antes; somos jogadores agora.

As pessoas deduzem que saímos com todo mundo, todas as cores do arco-íris; todos os tamanhos, todos os formatos, não discriminamos. Por isso somos sempre tão acessíveis para todas as mulheres no campus. Um dia, eu saía com uma modelo; no outro, ajudava uma garota cega a andar de bicicleta pela primeira vez.

Você entendeu.

No nosso mundo, toda mulher é bonita. Toda mulher tem um propósito. Toda mulher está atrás de um homem, uma inacessível obra de arte em forma de homem.

Pense em nós dois como corretores.

Não precisa agradecer, mundo.

— Então... — Lex pegou o celular e o segurou perto do meu. Imediatamente, uma planilha Excel apareceu na minha tela. — Você tem a Shell durante o resto da semana, e depois tem uma brecha antes de dois meses totalmente ocupados. Duas garotas por semana, começa daqui a três semanas. Consegue dar conta, ou quer que eu fique com uma?

Li os nomes depois do de Shell.

— Qual é a história dela?

— Avery Adams. — Lex riu de um jeito misterioso. — Ah, ela é divertida.

— Divertida tipo vou me divertir de verdade, ou vou querer acabar com minha vida depois de passar uma semana com ela?

— Segunda opção, acho. — Lex assentiu enquanto digitava no celular. Em seguida, abriu um arquivo completo dela, com idade, peso, curso, pratos preferidos, hobbies, sonhos, manequim e bebidas à base de café de que gostava. Podemos dizer que nosso formulário de inscrição é extenso. Normalmente, cada cliente demora algumas horas para preencher. — Está apaixonada pelo parceiro de estudos.

— Todas estão, não?

— Ele é do curso de Química, um ano mais novo que ela.

Levantei as sobrancelhas em uma reação interessada. Normalmente era o contrário, o cara era mais velho. Mais novo era uma mudança divertida.

— E ele está mais interessado na deformação do anel de ciclopropano e ciclobutano, que é exatamente a matéria que ele está ensinando para ela agora. Ela continua fingindo que não entende.

— Bom, eu teria que fingir que entendo. Que diabo é uma deformação do anel?

— Eu faço Administração — Lex bufou.

— Os nerds de ciências — resmunguei.

— Ela foi reprovada três vezes, o cara está começando a achar que ela é burra, o que não é verdade, e isso, evidentemente, prejudica as chances que ela tem de se amarrar com ele.

— Se amarrar. — Deixei as duas palavras rolarem um pouco na minha cabeça. — Então isso não é só uma viagem rápida à Transolândia. Ela quer...

— Bebês. — Lex se arrepiou, e eu fiz uma careta de desgosto.

— Que bom. — Para ela. — Tem alguma coisa no histórico dele que revele quanto está disponível para compromisso?

— Os pais são casados há 25 anos. Basicamente, pelo que vi, ele é acanhado e esquisitão. E a garota até que é bonitinha, se tirar os óculos. Meu palpite: ele se sente intimidado. Ponho as informações dos dois no meu programa, e o resultado é um match perfeito. — Ele rolou a tela até a base da página. — Se conseguirem passar com sucesso por esse primeiro encontro, meus dados apontam 98% de chance de continuarem juntos e... — ele grunhiu a palavra final — comprometidos.

— Ela sabe beijar? — Bebi um gole lento de café, e o líquido queimou minha garganta. Não era muito pior que ensinar uma garota a beijar. Desconfortável, demorado e, até me arrepiei, na maior parte das vezes, elas faziam um negócio com a língua que dava a impressão de que minha boca era refém de um alienígena.

— Passou pelo teste com excelente rendimento, embora pareça um pouco confusa sobre o que a língua deve fazer quando o beijo fica mais profundo. Dei um A pelo esforço e um C+ pela execução.

Dava para trabalhar com esse tipo de material.

— E o corpo?

— Toda mulher tem corpo bonito.

E as pessoas nos chamavam de cretinos.

Pelo menos sabíamos que toda mulher tinha alguma coisa a oferecer, independentemente de quanto a embalagem podia ser esquisita. Sempre havia alguma coisa. Sempre.

— E? — incentivei.

— Ela é meio baixinha. E o Romeu também.

— Experiência sexual?

— Ela teve dois parceiros e achou os dois ruins.

— Se ele não souber o que faz, isso pode ser um problema.

— Podemos dar algumas dicas, ou ter uma conversa conveniente sobre como satisfazer uma mulher enquanto ele estiver pegando o café de todo dia. Se ele não sabe o que faz, vai ficar para ouvir. Se sabe, vai se afastar dando risada.

Concordamos balançando a cabeça.

Apertei um pouco os olhos quando o sol começou a aparecer entre as nuvens.

— Vai ser fácil, então.

— Vai. — Lex passou para a cliente seguinte. — Essa aqui apareceu no site hoje de manhã, mas como sua agenda está cheia, não sei se vai querer que eu aceite a inscrição dela.

— Aceita — respondi sem olhar para a tela. — Tenho algum tempo.

— Mas...

— Preciso ir. — Levantei, alonguei os braços e segurei o café acima da cabeça. — Shell tem aula cedo com o Babaca, e fiquei de ir com ela até lá e carregar seus livros, depois beijar sua testa.

— Isso é velho demais, meu amigo. — Lex riu sem muito entusiasmo. — Não é o beijo de língua que chama a atenção do cara.

— Não é. — Bati com o punho fechado no dele e comecei a me afastar. — É o beijo delicado.

— Sempre é o beijo delicado! — Lex gritou atrás de mim.

Eu tinha o pressentimento de que, quando terminássemos a faculdade e essa merda viralizasse, o Facebook tentaria comprar nossa empresa por um bilhão de dólares.

 

 

O campus da UW estava agitado. Alunos passavam apressados uns pelos outros, enquanto a névoa úmida da manhã pairava no ar. Só mais um motivo para eu amar Seattle — o clima era intenso, cheio de promessas.

Shell agarrou minha mão quando paramos diante de um dos prédios da Administração. Usei a mão livre para acenar para Gabi, que passava por ali. Ela me encarou. Era em momentos como esse que eu me convencia de que era capaz de ler os pensamentos das mulheres simplesmente olhando para elas — e era o único filho da mãe sortudo que era capaz disso.

Viu? Super-herói.

Era isso que o olhar dela dizia.

Caramba, outra? Já? Não acabou de ajudar aquela garota na semana passada, aquela com a história triste sobre como realmente queria a paz mundial, mas ninguém a levava a sério por causa da risada nervosa?

O caso de Stella foi fácil. Levou quatro dias. O cara não conseguiu nem ver o que passou por cima dele. Em um minuto, eles eram só amigos. No outro, eu vi o carro dele estacionado diante do prédio dela... Durante a noite... inteira.

— Nojento — Gabi tinha dito. — Estava fazendo reconhecimento durante as transas dos dois?

— Prefiro chamar de pesquisa — respondi.

— Ela não riu no funeral do pai dele?

— Verdade. É risada nervosa, e isso é um negócio sério. — Mais um revirar de olhos. — Almoço mais tarde? — É claro.

— Divirta-se salvando o mundo de garota em garota.

— Não é o que faço sempre?

Tudo bem, talvez ela não tenha falado “divirta-se salvando o mundo”. Posso ter exagerado essa parte para me beneficiar.

— Estou nervosa — Shell falou e apertou minha mão. — E se ele não me notar de novo? Ou pior, se isso não der certo e...?

— Você leu nossas estatísticas. Quando foi que não deu certo? — Respirei fundo. — É por isso que fornecemos nossos índices de sucesso junto com as planilhas de Perguntas Frequentes, para as clientes não terem dúvida de que dá certo. Mas você tem que seguir as regras, entende?

Shell balançou a cabeça.

O novo corte de cabelo fazia maravilhas por seu rosto, e a franja dava um toque bonito e moderno que o senhor Barista iria adorar, isto é, se ele a reconhecesse. Fiz questão de dar dicas a ela sobre o que vestir, mas sempre — e quero dizer sempre — dizia uma coisa às garotas: uma mulher nunca deve mudar quem ela é por um cara. Nunca. E se mudou? Então eles não nasceram para ficar juntos. Ajudávamos a melhorar o que elas já tinham, mas nunca as mudávamos.

Porém, graças a Lex, geralmente sabíamos se o jogo seria ruim antes de ele acontecer, e orientávamos de maneira estratégica essas garotas para que tivessem um desempenho melhor.

Tudo em um dia de trabalho.

O Barista Ciumento virou a esquina e estava prestes a olhar em nossa direção.

— Lá vem ele. — Parei e puxei Shell para mim. — Sorria.

— Estou tentando!

— Você parece nervosa.

— Estou nervosa. — Seu lábio inferior tremia um pouquinho.

— Ei, ei... — Segurei seu rosto. O flerte era sempre mais realista quando elas estavam nervosas, porque o nervosismo também podia parecer ternura, confiança, amor. — Você vai se sair bem.

Ela já estava se saindo bem. Encostou o corpo no meu com os olhos arregalados de medo, mas de onde eu estava, meu palpite era que o senhor Barista estava pronto para me dar um soco na cara diante de tão óbvia adoração.

Beijei seu rosto, roçando delicadamente a bochecha na dela antes de sussurrar em seu ouvido:

— Se ele olhar para cá, olha para o outro lado como se sentisse culpa.

— Mas...

— Faz o que estou dizendo, Shell. Eu também tenho aula. — E, diferente do prédio dela, o Paccar Hall ficava a uma boa caminhada de vinte minutos pelo campus, o que significava que precisava ir embora.

Ela inclinou a cabeça.

— Agora agarra minhas costas com as pontas dos dedos como se estivesse enterrando as mãos na minha pele. Faz parecer desesperado.

Ela fez.

— Ai!

— Desculpa — ela choramingou.

— Ótimo. — Recuei e beijei sua testa, e meu olhar encontrou o do senhor Barista quando ele xingou e virou a cabeça para o outro lado.

— Ele me notou? — A voz dela tinha uma nota animada.

— Ah, notou. — Sorri, depois toquei seu queixo com o dedo. — Agora, durante a aula, ele provavelmente vai sentar do seu lado. Deixa, mas tenta não falar com ele. Se ele puxar conversa, seja educada, mas não muito animada. Ele vai pensar que falei para você não conversar com ele, e vai se esforçar mais. Vai ficar maluco, porque você parece triste e nervosa, e ele vai achar que tem algo errado no nosso relacionamento, e vai te atormentar o dia inteiro, até você contar todos os detalhes sórdidos. Pode dar seu telefone, mas não responda a primeira mensagem. Responda a terceira. Sempre a terceira.

Eu tinha acabado de pincelar as regras um, dois, três e quatro.

Regra número um: Deixe-os curiosos, ligeiramente enciumados.

Regra número dois: Não demonstre muito interesse. Seja sempre educada.

Regra número três. Forneça um canal de contato, mas mantenha a bola do seu lado do campo.

Regra número quatro: Nunca responda a primeira mensagem, ligação, e-mail etc. Por alguma razão, o cérebro encara a terceira tentativa como a última antes de você parecer desesperado.

— E se ele não...?

— Ele vai. — Pisquei. — Agora vai.

— Terceira mensagem, evasiva, educada — ela murmurou para si mesma enquanto andava decidida em direção ao prédio.

— É como ver patinhos saírem do ovo e finalmente entrarem na água — disse uma voz profunda ao meu lado.

Sorri.

— Lex, o que faz do meu lado do campus?

— Olhou sua agenda? — O sorriso dele era exagerado para as nove da manhã.

— O que você fez?

— Eu, nada. — E levantou as mãos. — Tenho certeza de que vou ter notícias suas mais tarde.

Eu estava prestes a abrir minha agenda quando percebi a hora.

— Merda.

Corri como louco para o prédio da Paccar, torcendo para não me atrasar novamente. A desculpa “minha tia estava doente e precisava de alguém com quem conversar” não convenceria pela terceira vez, e esse professor em particular me odiava, porque Lex transou com a filha dele.

Podíamos ser melhores amigos, mas eu olhava antes de pegar, sabe? Lex não se importava com quem seu apetite afetava; se queria alguma coisa, ele pegava. Estranho, considerando que dedicava tanto tempo e energia à Cupidos S.A. A empresa era seu bebê, seu amor. Por outro lado, embora fôssemos melhores amigos, Lex era discreto. Compartilhava as coisas com o computador e, às vezes, em um bom dia, compartilhava coisas pessoais comigo, mas era raro.

Havia duas coisas em que Lex confiava neste mundo: tecnologia e sexo. Nenhuma das duas nunca o decepcionou. Daqui a trinta anos, Lex estará sentado na varanda de sua mansão, bebendo limonada com seu computador/robô sussurrando palavras doces em seu ouvido.

Eu quase bati em um banco enquanto corria.

Merda. Merda. Merda.

Faltando um minuto, abri a porta da sala de aula e atropelei um baixinho.

— Desculpa, cara! — Abaixei para ajudar a pegar seus livros.

Esmalte rosa? Bom, cada um na sua, acho.

— Você — disse uma voz muito feminina.

Um capuz cobria a cabeça da criatura. Eu olhei mais de perto e me arrependi.

Blake.

E ela estava furiosa. Por outro lado, minhas partes femininas provavelmente também ficariam furiosas se eu usasse sutiã esportivo apertado, camiseta regata e short comprido de basquete. E, caramba, ela não desistia do chinelo.

— Por que você está sempre... em todos os lugares? — ela disse com cara de desgosto.

A aula ainda nem tinha começado, mas eu já era um indivíduo muito constrangido. Sabia que todos os olhos naquela sala estavam voltados para mim e, provavelmente, perguntando por que eu não estava seduzindo a garota com roupas de homem.

Não dá para seduzir assexuais, pessoal.

Entreguei os livros a Blake. Ela os arrancou das minhas mãos e bufou, tirando o capuz da cabeça.

Com isso eu podia trabalhar.

Seu cabelo estava com um tom castanho-dourado, grosso, brilhante, a primeira coisa que se notava ao olhar para ela, além dos chinelos, é claro.

— Administração? — Apontei para os livros.

— Óbvio. Por que eu estaria aqui, se não tivesse que assistir à aula?

— Para me seguir. — Pisquei. — Não seria a primeira vez que me seguem.

Provavelmente, não será a última.

— Você tem uma opinião muito favorável sobre si mesmo.

— Há quem diga que não é favorável o bastante. — Ri baixinho quando algumas meninas na primeira fileira começaram a sussurrar alto o suficiente para qualquer pessoa com duas orelhas poder ouvir:

— Muito gostoso.

— Três vezes! Ela disse que foi a melhor noite de sua vida.

Blake rangeu os dentes e lançou dardos envenenados com os olhos.

— Suas fãs?

— Tem vaga no fã-clube.

Blake passou por mim e subiu os degraus até as últimas cadeiras vazias. Eu a segui, principalmente por curiosidade, mas também pela necessidade de me distanciar das meninas da primeira fileira, que provavelmente tentariam passar a mão em mim durante a aula toda.

A última vez que isso aconteceu, não consegui nem terminar! E esse “terminar” tinha a ver com a aula de economia.

— No ano passado, elas fizeram pôsteres — comentei com um suspiro, sentando ao lado dela.

De queixo caído, ela apontou para os outros assentos vazios dos dois lados, assentos que colocariam pelo menos algumas cadeiras entre nós.

— Carteiras. Cadeiras. É uma sala de aula, nada inesperado nisso. Posso te ajudar com mais alguma coisa?

— Senta em qualquer outra cadeira, menos essa.

— Essa aqui? — Dei um tapinha na cadeira entre minhas pernas e sorri descaradamente, enquanto ela ficava vermelha. — Pensando em alguma coisa, docinho?

— Só... — Ela largou o livro em cima da mesa e deixou a bolsa no chão. — Não fala comigo!

— Ok.

Ela me olhou chocada, com a boca entreaberta formando um pequeno O, me fazendo imaginá-la de joelhos na minha frente. Chupei o lábio inferior, deixando os pensamentos entrarem em território perigoso. Por outro lado, ela estava vermelha de novo, ficava vermelha com frequência, e devia ser muito travada para seguir as orientações em qualquer tipo de atividade oral. Pena.

Sorrindo, me acomodei na cadeira. Fiz o possível para estudar em silêncio... não precisava falar com ela para conhecê-la. A maioria das coisas importantes sobre as pessoas eram aprendidas apenas pela observação.

Além disso, a aula estava começando.

O professor falava sem parar sobre organização empresarial e diferentes funções organizacionais em uma corporação.

Eu desliguei, porque tinha minha empresa. Sabia como funcionavam os papéis dentro de uma organização. Isso era como voltar à primeira série depois de se formar com louvor. Mas fiquei colado à cadeira e estudei Blake pelo canto do olho.

O rosto dela não era feio. Notei algumas sardas no nariz e nas bochechas, como se alguém as tivesse salpicado quando ela nasceu para criar um efeito em seu rosto. Ela seria bonitinha, se o cabelo não caísse constantemente sobre os olhos, me impedindo de ver qual era o formato do rosto ou a cor dos olhos.

Bufando, ela puxou o cabelo para trás e prendeu em um rabo de cavalo baixo.

Soltei um pequeno suspiro.

Totalmente acidental.

— Vai fazer isso mesmo? — ela sussurrou, ríspida.

Eu me inclinei, deixando a mão tocar o encosto da cadeira dela e os dedos dançarem ao longo de seu pescoço.

— Você vai?

— Não estou... interessada.

— Em homens?

— Em você — ela respondeu, incisiva. — Agora pare o que está pensando e preste atenção na aula. Vim transferida de Boise State este semestre e já sinto que estou atrasada.

— Ahhh. — Estalei os dedos.

— O quê? Ahhh o quê?

De repente, tudo fazia sentido.

— Você é de Idaho? Me diz em que cidade você nasceu, porque com certeza não foi Boise.

Ela se mexeu na cadeira, afastando-se de mim enquanto me olhava de lado.

— Riggins.

— Meu Deus, me livre das pequenas cidades que só têm um supermercado.

— Para — ela sussurrou — de falar.

— Ok. — Olhei para ela com um meio sorriso calculado, só o suficiente para a deixar curiosa. — Já tenho tudo de que precisava, mesmo.

Percebi que ela queria perguntar do que eu estava falando, mas tinha um autocontrole impressionante. Tinha de reconhecer.

Ela era de uma pequena cidade de Idaho. Veio para cá transferida por quê? Meu palpite era o pai. Eu ainda apostava na coisa do pai solteiro. Ele foi transferido pela empresa. Pensei nas possibilidades. Boeing? Ou Microsoft? Talvez até Amazon. Droga, Seattle abrigava a matriz de tantas grandes corporações, que eu só podia chutar.

Olhei de novo para os chinelos.

Meu palpite era Microsoft. Pai nerd de computador, sem nenhuma noção de moda, que costumava trabalhar de casa via satélite. Bingo!

Tentei prestar atenção na aula, mas me distraí com como ela batucava com a caneta.

E com o fato de ela usar perfume e esmalte rosa. Que garota se vestia como ela e usava esmalte rosa e perfume Prada? Ela estava com aquela calcinha fio-dental rosa embaixo do short de basquete? Com toda certeza, eu poderia trabalhar com isso, quando a hora chegasse. A calcinha ficaria ótima pendurada em um tornozelo, com as pernas dela para cima. Partes minhas pulsaram de interesse quando considerei as possibilidades de explorar todas as suas diversas... nuances.

Um mistério.

Eu não tinha um desses há muito tempo.

Ou um desafio. Ah, pena que ela não era uma cliente. Eu poderia fazer muita coisa com aquelas pernas. Na verdade, elas não me enlaçariam, infelizmente, porque nunca me envolvi com clientes. Não por falta de tentativa da parte delas.

A aula terminou uma hora depois.

Nós dois levantamos. Eu a deixei passar por mim e sussurrei:

— Azuis.

Ela parou, mas não se virou.

— O quê?

— Seus olhos. — Passei por ela e sussurrei em seu ouvido: — Um tom de azul lindo e frio.

— Como minha alma. — Ela estreitou os olhos. — Será que pode me deixar em paz?

— Por que ia querer isso? — Eu a acompanhei quando ela começou a andar a passos largos. — Além do mais, qualquer amiga da Gabi é minha amiga.

— Isso é realmente uma pena para mim.

— Então, você me viu pelado — falei alto o bastante para as pessoas que passavam me ouvirem. — Grande coisa.

De olhos arregalados, ela colocou a mão sobre minha boca e me empurrou contra a parede. Sorri contra a palma da mão dela.

Ela se aproximou.

— Não me impressionou — sussurrou, espalhando uma nuvem de hálito fresco de hortelã.

Afastei a mão dela e ri.

— Você é uma mentirosa de merda. Por outro lado, pode ter sido a primeira vez que viu um homem nu e, portanto, está esperando para me comparar com o triste e infeliz indivíduo com quem vai acabar. Aposto que ele vai usar óculos.

Ela franziu a testa.

— Qual é o problema com óculos?

— E vai ser careca. — Balancei a cabeça pensativamente, depois apontei para sua têmpora. — Bem aqui.

Revirando os olhos, ela recuou e foi embora.

Só para constar, eu deixei.

Ela estava menos de 2 metros além da porta, quando se virou pela última vez.

Elas sempre faziam isso.

Sempre fariam.

Acenei.

Ela mostrou o dedo do meio.

Podia ter me beijado, teria sido igual.

 

 

A luz do sol atravessou as nuvens, uma raridade em janeiro, quando geralmente era tudo cinza e chuvoso. O som calmante da fonte foi interrompido no minuto em que meu toque do Super-Homem brotou do celular. O dever me chamando.

— Funcionou! — Shell gritou no telefone. Mal tive tempo de salvar meu tímpano afastando o telefone enquanto ela continuava gritando.

— Claro que sim — respondi com tom entediado. Se não soubesse o que estava fazendo, seria péssimo no meu trabalho. Algumas meninas passaram perto do banco e acenaram. O vento soprou mais forte, respingando um pouco de água da fonte na garota mais próxima de mim. A camisa branca e reveladora estava ficando molhada. E não deixei de notar que ela se debruçou sobre a água, virou para ter certeza de que eu estava olhando, depois enfiou o dedo na boca e chupou. Com força.

Pena ela ter arruinado a blusa para chamar minha atenção. Quase tive pena dela, e então ela virou de frente para mim.

Ou não. Pena coisa nenhuma. Deus abençoe os Estados Unidos.

Ela me mandou um beijo.

Eu respondi com uma piscada.

As amigas dela riram da nossa interação.

Nesse momento, eu esperava ou a risadinha solitária ou o olhar de ódio. Normalmente, eu só recebia o segundo quando já tinha ficado com a garota e esquecia o nome dela, ou que dormimos juntos. Por isso eu tinha o Lex! E a porcaria da agenda. Para não esquecer informações importantes.

— Shell, lembra do que eu falei sobre telefonemas. — Ela precisava se acalmar. A menos que ele tivesse um pênis de ouro e conseguisse derrubar sozinho todos os Vingadores, a gritaria era desnecessária. Totalmente! O cara gostava de chá. Isso dizia muito. — Você precisa me ouvir com atenção.

Ela suspirou ao telefone.

— Eu sei, eu sei. Só fiquei empolgada. Não vai acontecer de novo, Ian. Você é o cara!

— Eu sei. Ele vai tentar se aproximar quando estiver sozinha. Não deixa.

— Mas...

— Regra número cinco: Diga que está ocupada. Daqui em diante, você está sempre ocupada, até eu dizer que não está. Entendeu?

— Mas, Ian, está dando certo. Tipo, ele me convidou para sair duas vezes hoje.

— Duas vezes não é nada, e ainda não terminamos com as regras. — Peguei minha agenda antiquada e anotei o número dois ao lado do dia dois. Ele cumpria os estágios rapidamente, para um hippie bebedor de chá. Os caras geralmente chegam ao primeiro estágio do ciúme e ficam lá por um tempo, raramente fazem um movimento ou invadem o território de outro homem até o terceiro ou quarto dia. — No minuto em que ele parar de convidar, ele vai começar a falar. É aí que você pega o cara. Não quando ele te convida para sair, mas quando ele exige seu tempo e espera do lado de fora do seu dormitório até conseguir.

— Uau. — Shell suspirou. — Isso é... romântico.

— Conheço os homens. — Dei uma olhada no relógio. — Tenho que correr. Cliente nova.

— Obrigada, Ian. Tchau. E...

Desliguei.

Não tinha tempo para formar relacionamentos com as clientes, principalmente com as que choravam quando eu cortava toda comunicação no final do contrato. Era melhor manter todas as conversas breves e diretas, em vez de deixar nossa pequena transação se transformar em uma confusão romântica que poderia acabar destruindo meus negócios.

Com um suspiro relaxado, me encostei no banco. Os óculos escuros D&G escondiam meus olhos para que eu pudesse estudar as pessoas que passavam. Geralmente era fácil reconhecer as novas clientes. Elas quase sempre se aproximavam do banco onde eu estava sentado, e pareciam prestes a vomitar. Várias viraram e começavam a andar para o outro lado, enquanto outras se aproximavam de mim e começavam a chorar.

Franzindo a testa, olhei para o aplicativo da agenda no celular. Lex tinha marcado 12h. Era 12h5min. Eu podia estar comendo em um tailandês com a Gabi, em vez de ficar ali no frio e na umidade esperando uma garota criar coragem para se aproximar de mim.

É claro, elas nunca sabiam que era eu por trás da empresa, até verem quem estava sentado no banco. Essa era parte da beleza do jogo.

Lex e eu decidimos manter as coisas simples. Se as meninas não conhecessem nossa identidade antes de serem aceitas como clientes, não teríamos de nos preocupar com as consequências se as rejeitássemos.

E rejeitávamos muitas solicitações, mas isso era antes da reunião.

Irritado, deslizei o dedo pela tela do telefone para ligar para Lex e dizer para dispensar a cliente, mas alguém desabou no espaço ao meu lado.

Curioso, levantei a cabeça.

— Blake? — Quase ri alto. De jeito nenhum.

Pálida, ela desviou o olhar e murmurou:

— Você realmente está em todo lugar.

— Como Deus, só que menos poderoso.

— Surpreendente que consiga dizer o nome dele sem ser atingido por um raio.

— Bom, é melhor não ficar muito perto, só por precaução.

Revirando os olhos com exagero, ela deslizou para a parte mais afastada do banco, cruzou os braços e bateu um pé.

— Esperando alguém? — Ah, isso era bom demais.

Blake fingiu não me ouvir. Ainda mantinha o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo, a camiseta regata e larga da Nike tinha manchas de tinta, e o short rosa da Nike seria fofo, se fosse do tamanho certo. Ela esteve acima do peso, e depois não comprou roupas novas?

— Olha só. — Blake descruzou os braços e olhou para mim. — Eu pago para você ir embora agora.

— Paga como?

— Hummm? — Ela começou a roer a unha do polegar. Esse hábito nervoso precisava acabar. Provavelmente, eu teria de começar uma lista.

Inclinei mais o corpo em sua direção.

— Como vai me pagar?

— Em rúpias. — E me encarou. — Em dinheiro, seu idiota.

— Não vai rolar. — Cheguei mais perto para encostar a coxa na dela e fingi que olhava para o celular. A curiosidade sempre vencia. Eu só tinha de esperar.

— Tudo bem, como eu me livro de você?

Bingo!

— Fácil. — Eu ainda olhava para a tela bloqueada do celular, que tinha um emblema do Super-Homem com um C no meio. — É só me pagar na moeda que eu escolher.

— Tem uma moeda própria, ou algo assim?

— Algo assim. — Tirei os óculos escuros e guardei no bolso da frente da jaqueta de couro. — Ou me paga com dez minutos do seu tempo, ou me paga com um beijo. Como parece que você prefere comer merda a passar mais um segundo comigo, aceito o beijo. Vai ser mais rápido e, provavelmente, vai aumentar sua popularidade. Você pode até ter a sorte de ver sua foto no meu feed do Twitter.

— Não. — Ela gargalhou. — Não vai rolar.

— Tudo bem. — Pus os óculos de sol novamente.

— Olha só. — A voz dela ficou desesperada. — Vou encontrar uma pessoa, é importante, e não quero você aqui. Na verdade, a orientação foi bem específica, eu devo estar sozinha, ou o contrato seria... — Ela olhou para as mãos. — Só... vai. Agora.

— Um beijo... — sussurrei. — Sou tão feio assim? Não consegue nem me beijar?

Cerrando os dentes, ela resmungou um palavrão, depois segurou meu rosto e me deu um dos beijos mais rápidos da minha vida — na bochecha.

Na. Minha. Bochecha.

— O que foi isso? — Toquei o lugar onde ela beijou. — Sério? Que porra é essa?

— Um beijo! — Ela levantou as mãos. — Agora vai!

Dei risada, destravei a tela do telefone e abri o arquivo com as informações dela. Eu sempre esperava até depois da primeira reunião para saber o nome da cliente e ler seu arquivo, pois achava injusto julgar alguém com base apenas na reputação. Lex sabia os nomes, mas eu só ficava sabendo quando elas sentavam no banco.

Fazia parte do meu processo.

Ela era de Idaho, o que eu já sabia, mas não se mudou com um dos pais. O bom e velho pai continuava em Riggins. Pontos para a suposição do pai solteiro, porém. Não, ela se mudou para alguns estados mais longe... por causa de um cara.

— Interessante.

— O quê? — Ela roeu a unha com mais força. — Deixa para lá. Estou indo embora. Foi uma ideia idiota.

Deixei que ela desse três passos antes de falar:

— Acha que David aprovaria essa atitude? Aqui diz que ele valoriza o otimismo acima de tudo. — Fiz uma pausa breve, como se refletisse. — Merda, o que ele está estudando? Espiritualismo?

Blake congelou. Depois virou devagar, pálida como um lençol.

— Como sabe disso?

— Invadi sua conta de e-mail.

Ai. Não sabia que era possível ela empalidecer ainda mais.

— Uau, você parece um pouco verde. — Levantei, segurei seu braço e comecei a andar a seu lado. — E era brincadeira. — Quando passamos embaixo da árvore mais próxima, eu a empurrei contra o tronco e tirei os óculos de sol novamente, e dessa vez inspecionei o rosto dela atentamente. Queixo forte, olhos azuis, as sardas de novo, lábios carnudos. — Muito bonito.

— O que é isso?

— Cupidos S. A. — respondi em um tom arrogante. — Mas como já temos alguma intimidade...

— Não. — Blake balançou a cabeça. — Deve haver algum engano.

— Lamento. — Afastei-me o suficiente para que ela tivesse algum espaço. — Não tem engano nenhum. Lex e eu somos o cérebro por trás do serviço de relacionamento que mais cresce no noroeste do Pacífico.

Blake exalou lentamente.

— Mas... você é um...

— Galinha?

Ela assentiu.

— Eu gosto de mulher. — Dei de ombros. — E ajudo as mulheres, todos os tipos de mulheres, a encontrar o par perfeito. Isso é errado?

— Mas...

— Temos muito trabalho pela frente! — Inclinei a cabeça. — Sabe o que é Victoria’s Secret?

— Você é um idiota.

— Dã, eu sou homem. Mas também sou seu novo coach do amor. Não cobro duzentos dólares por dia para ser seu amigo.

Assenti, e meu corpo vibrou de emoção com o desafio — ela seria cliente, com certeza.

— Eu cuido disso. Isto é, se ainda estiver interessada nesse David.

Ela parecia hesitante. A linguagem corporal era completamente fechada, o que me fez entender que seria difícil derrubar suas barreiras. Especialmente porque dava para perceber que não era minha maior fã. Por outro lado, não precisava ser. Talvez eu precisasse lembrá-la disso.

— Olha só. — Lambi os lábios e estendi a mão. Ela a segurou, felizmente. — Nosso índice de sucesso é de 99%. Siga as regras, siga os meus conselhos e orientações, e em pouco tempo você vai estar enchendo o mundo de pequenos Davids.

— Filhos? — Ela engasgou.

— Ou o que você quiser. Vou buscar o rapaz para você. Nosso procedimento só falha se você se recusa a jogar de acordo com as minhas regras. — Arqueei as sobrancelhas ao ouvir o barulho de seus dentes rangendo. — Ou quando o cara não é seu par ideal. Mas se você está aqui, isso já está resolvido, e se me ouvir, vai ficar com esse cara. Mas se, por alguma razão, esse David não for uma Madre Teresa que salva almas e caga arco-íris, ou se você mudar de ideia, a gente encontra alguém que seja melhor para você. É o programa perfeito. Acredite, Lex o projetou, e ele é um gênio.

Essa era sempre a parte que eu odiava. A parte do pensamento, quando eu esperava o cliente dizer sim ou não. As mulheres analisavam demais todas as coisas, e eu não tinha tempo para isso. Ser paciente me fazia tremer.

— Anonimato é a chave. Em público, as pessoas especulam se estamos namorando, ou talvez juntos. Em particular, eu sou o treinador, te ajudo a encontrar a sexualidade adormecida que você esconde embaixo de todo esse cabelo e daqueles chinelos. E depois de alguns dias, ou — fiz uma careta para as roupas dela — talvez algumas semanas, no seu caso — ela me olhou, furiosa —, nos separamos com um aperto de mão ou um high five, se preferir, e você vai saltitando em direção ao pôr do sol com seu único e verdadeiro amor.

— Posso pensar?

— É claro. — Assenti. — Você tem dois minutos. Aliás, perdeu a parte em que eu falei em pôr do sol? Verdadeiro amor?

— Dois minutos? — Ela começou a arfar.

— Meu tempo é precioso. Além do beijo, é outra das minhas moedas, a coisa mais valiosa que tenho. Não o desperdice.

— Foi um impulso. Uma garota do meu time me deu seu cartão depois que reclamei de ser invisível para David e...

— Megan — eu disse, estalando os dedos. — Menina legal. Ajudei a escolher as cores da cerimônia de casamento antes que o coitado soubesse que ela gostava dele.

Blake abriu a boca.

— Está dizendo que foi você quem sugeriu flor de laranjeira e branco?

— Eles se complementam muito bem. Além disso, ele é jogador de futebol e daltônico nos dois olhos. O cara não enxerga nada, e ela precisava de ajuda.

— Então você não só conhece todo mundo na faculdade, mas também conhece todos os atletas?

— Tenho muito espírito escolar. Quer ouvir o hino de guerra? — Blake olhou para o chão. — Trinta segundos.

Ela levantou a cabeça.

— Vinte.

O pânico começava a aparecer em seus olhos, que se moviam entre mim e uma rota de fuga.

— Dez.

— Tá bom! — ela gritou.

— Legal.

Com um puxão, ela soltou o cabelo do rabo de cavalo e o refez.

— Que foi?

Franzi a testa.

— Tudo isso é de verdade?

— O quê?

— Seu cabelo.

— Sim.

Sem pedir permissão, soltei seu cabelo do elástico e deixei deslizar pelos dedos, curtindo a sensação sedosa.

— Os homens são malucos por cabelo comprido. Acho que desde os primeiros dias, quando os homens das cavernas agarravam as mulheres pelo cabelo, arrastavam para suas tristes camas de feno e faziam amor com elas.

— Essa — Blake balançou a cabeça — deve ser uma das coisas mais ofensivas que já ouvi.

Dei de ombros.

— Vai se acostumando. A partir de agora, você vai ouvir muita merda. Não acredito em dourar a pílula. Honestidade é a chave e, baby, eu tenho que ser muito honesto aqui. — Soltei um suspiro alto. — Se quer chamar a atenção do capitão do time de basquete, temos muito trabalho pela frente.

Os ombros dela caíram.

— Mas eu sou o melhor. — Passei o braço em volta da cintura dela e a puxei para mim. — Começamos hoje à noite.

— Hoje à noite?

— Vou mandar por e-mail o questionário para o segundo estágio e o cronograma assim que eu falar com Lex. — E me afastei dela. — Ah, e se David te procurar durante esse processo, fala comigo primeiro. Se ele mandar uma mensagem hoje, ignore. Se telefonar, diga que está ocupada com seu novo parceiro de estudo.

— Você?

— Eu não sou só seu parceiro de estudo, Blake. Daqui em diante? Sou seu tudo.

— Ótimo — ela resmungou.

— Ah, é. — Pisquei para ela. — Pode acreditar.

 

 

— Você vai querer dar uma olhada nisso! — Lex gritou no minuto em que entrei em nossa casa compartilhada a alguns quilômetros do campus. Tínhamos uma visão incrível de Puget Sound, graças à casa que meus pais ricos deixaram para mim quando morreram. Em vez de pagar Lex por seus serviços, deixava ele morar comigo de graça. Não que ele realmente precisasse. Ele já trabalhou para a Apple e podia cobrar quanto quisesse por todas as atividades de hackeamento que realizava paralelamente.

De maneira egoísta, eu continuava desejando que a Microsoft aparecesse para que ele não fosse embora. Éramos inseparáveis desde crianças, e a última coisa que eu queria era treinar um melhor amigo.

Mas, nas palavras dele, “trabalhar para Bill Gates seria como trabalhar para o inimigo”, e ele via o Windows como o equivalente a cuspir no túmulo de Steve Jobs.

Nossa casa de dois andares era uma relíquia dos anos cinquenta, mas tinha sido completamente reformada antes de nos mudarmos no semestre passado, por isso, embora o exterior ainda tivesse uma aparência antiga, inclusive com uma varanda e janelas com molduras brancas, o interior era uma casa dos sonhos da HGTV.

Cada quarto era uma suíte master com lareira e varanda. Tínhamos mais 200 metros quadrados de área externa, onde havia uma churrasqueira espetacular, um lugar para fogueira e um bar com vista para Lake Union.

Outra razão pela qual não misturamos negócios com prazer: tínhamos certeza de que, se deixássemos alguma garota conhecer nossa caverna masculina, ela nunca mais iria embora. E então encontraríamos escovas de dentes brilhantes, absorventes e biscoitos caseiros em todos os lugares errados. Estremeci ao pensar nisso e joguei minha chave sobre a bancada de granito a caminho da sala de estar, onde Lex estava trabalhando.

— Durante todo esse tempo na Cupidos S.A. — Lex não desviou o olhar da tela —, nunca vi uma cliente responder às perguntas desse jeito.

— Qual delas?

Ele riu.

— Qual você acha?

— Nossa pequena atleta que usa chinelos Adidas como se ainda fosse 1992. Aposto que o primeiro animal de estimação que ela teve chamava Slim Shady.

Lex gargalhou.

— Praticamente. Eminem.

— Droga!

— Sei que você se orgulha de precisar de menos de uma semana para uma cliente ganhar o beijo do verdadeiro amor, mas caramba, irmão, ela é... um caso complicado.

— Não pode ser pior que Tara.

Nós dois estremecemos.

Tara foi uma das nossas primeiras clientes. Nunca tinha beijado um homem, as sobrancelhas pareciam ser uma só, e quando Lex tentou treiná-la, ela começou a chorar no meio do beijo, porque tinha medo de que ele a mordesse.

Quando ele perguntou por que Tara tinha esse receio, ela contou que o pai disse que todos os garotos mordiam.

Imagino que o que deveria ser uma tática contra a gravidez na adolescência acabou resultando no soco que Lex levou na cara, e eu tive de terminar a lição do beijo.

Foi horrível.

Quando finalmente conseguiu descobrir que o beijo podia ser especial, pessoal e romântico, ela se apegou emocionalmente a mim e a Lex, o que tornou praticamente impossível, para nós, fazê-la seguir qualquer regra.

Caramba, ela era a razão para termos regras e por nunca abrirmos exceções. A última coisa que precisávamos era de outra Tara.

Lex riu.

— Falando nisso, reorganizei sua agenda e assumi duas das suas clientes para liberar algum tempo para — ele apontou para a tela — isso.

— Não pode ser tão ruim.

— Não — disse Lex. — Na verdade, é pior.

— Quer dizer que ela é virgem, que nunca beijou um homem, não sabe soletrar a palavra “orgasmo”, fica vermelha quando as pessoas falam sobre sexo e acredita em amor à primeira vista?

Lex permaneceu em silêncio.

— Merda — murmurei. — Você imprimiu o questionário?

Ele aproximou uma pilha de papéis da minha cara.

— Olha o número quinze.

Passei os olhos pelas perguntas até encontrar a que ele pediu, que abordava relacionamentos: O que você usaria em um primeiro encontro? Sua resposta: Algo confortável. Costumo suar quando estou nervosa, então talvez um moletom folgado? Ou um chapéu. Os chapéus são bons porque dão um ar misterioso. Tive uma súbita visão de Blake com um capuz rosa gigante e um chapéu dos Yankees que achatava as orelhas.

— A dezesseis é minha favorita. — Lex riu, cruzando as mãos atrás da cabeça e me observando enquanto eu lia.

Meu primeiro beijo foi... Sua resposta: Espero que seja ótimo! Ela havia digitado uma carinha sorridente com um emoji de coração. Isso não era um bom presságio para minha carga de trabalho. Mal consegui segurar um gemido alto.

Suspirei.

— Não é à toa que ela beijou minha bochecha.

— Ela o quê? — Lex quase caiu da cadeira. — Ela beijou você ... onde?

Apontei para minha bochecha esquerda.

Lex olhava fixamente, como se ainda tivesse dificuldade pa ra acreditar.

— Não brinca.

— Ela cresceu em uma cidade distante chamada Riggins.

— Cara, tenho que te lembrar que meus avós tinham uma fazenda em Montana com cerca de cinquenta mil cabeças de gado. Não existe desculpa para isso.

— Vou me encontrar com ela hoje à noite. — Sentei no sofá ao lado de Lex, lendo rapidamente as respostas. — Você queria fazer o resto dos testes com ela, ou...?

— Oh, não. — Rindo, Lex levantou as mãos. — Essa é toda sua, irmão. Acabei de assumir duas das suas clientes, o que significa que minha agenda está ficando tão ruim quanto a sua. Não vou mais ter tempo para fazer o trabalho sujo. — O trabalho sujo sempre incluía um teste rápido de beijo seguido de algumas perguntas muito pessoais relativas a sexo.

Lex nunca havia se importado com isso antes.

E eu com certeza não queria sentar na frente de Blake com um diagrama do corpo humano e pedir para ela apontar as zonas erógenas.

— Ei. — Lex me deu um tapa nas costas. — Olha para o lado positivo.

— Qual?

— Marissa ligou. — Ele ficou em pé. — Ela quer um pouco de carinho, e de acordo com sua agenda, você tem cerca de duas horas livres antes de se afundar em Educação Sexual 101.

— Quem é Marissa mesmo?

— Regata vermelha. Na semana passada, no Dante, ela tentou te apalpar. Eu interferi. Ela estava muito bêbada. Você deu seu telefone.

Balancei a cabeça. Eu realmente não lembrava dela.

Lex suspirou.

— Peitos grandes?

Franzi a testa.

— Calça jeans que parecia ter sido pintada no corpo e botas marrons de caubói.

— Ahhh. — Assenti devagar. — Merda. Lembrei das botas, porque faziam a bunda dela parecer enorme de um jeito muito convidativo.

Lex riu e bateu com um pedaço de papel na minha mão.

— Número de celular, e-mail e a habitual verificação de antecedentes. Tudo certo, mas tenha cuidado. Segundo o perfil dela no Facebook, seu único objetivo na vida é salvar os lobos.

— Bom. — Sorri descaradamente. — Precisamos de salvação.

— É verdade. — Ele riu comigo, enquanto eu digitava rapidamente o número dela.

— Alô? — Ela atendeu no primeiro toque. Erro de novata. Nenhuma garota entendia? Terceiro toque. Sempre espere até o terceiro toque. Se você atende no primeiro, significa que está desesperada. O segundo sugere basicamente a mesma coisa e dá ao cara a ideia de que você estava sentada vasculhando o Instagram dele, esperando que ele ligasse.

— Marissa — murmurei. — É Ian.

— Oi! — Afastei o telefone da orelha. Já tinha aturado gritos suficientes para um dia. — Como vai?

— Livre. Você?

Ela soltou uma risada rouca.

— Tão livre quanto quiser que eu esteja.

— Onde você mora?

— Por que não podemos ir à sua casa?

— Lamento. — Reagi, incomodado. — Está em reforma. Loucura, mas um lobo escapou do zoológico e conseguiu entrar na minha casa. Eu o salvei de ser baleado usando minha pistola de tranquilizante, mas o estrago no chão já tinha sido feito. Eles têm unhas afiadas, sabia? — Podia quase sentir que ela balançava a cabeça concordando, enquanto eu pegava minha chave do balcão e saía na chuva.

— Eu simplesmente amo lobos.

— Eles não são demais? — respondi, revirando os olhos. — Qual é seu endereço, gatinha? — Merda, eu já tinha esquecido o nome dela. Melissa? Manila?

Ela mandou um endereço que ficava a uns vinte minutos de carro, então, quando chegasse à casa dela, só me restaria uma hora antes de precisar voltar ao campus para encontrar Blake. Merda. E ainda tinha de falar com Shell também.

— Ian? Está ouvindo?

— Não, mas você vai me ouvir em breve — brinquei, depois desliguei o telefone.

No minuto em que cheguei à casa dela em Queen Anne Hill, sorri. Era um anúncio da garota de fraternidade...

Bati na porta.

Ela abriu antes que eu pudesse bater novamente.

Nenhuma mulher entendia o poder do três?

Disfarcei a contrariedade. Ansiosa demais. Mas nessa visita? Não tinha importância. Lembre-se, eu dormia com garotas burras, não tristes. E pela cara dela? Era desmiolada demais para sentir essa emoção, sabe, a menos que alguém atirasse em um lobo. Nesse caso, tenho certeza de que ela estaria chorando.

— Foi rápido. — O peito dela arfava quando puxou a porta para me deixar entrar.

Respirei fundo.

— Você fez biscoitos?

Ela assentiu e ajeitou o cabelo atrás da orelha.

— Pensei que poderia estar com fome.

— Ah, estou — respondi sem desviar os olhos de sua boca. — E se estiver tudo bem com você, queria comer alguma coisa.

— É claro! — Ela começou a se afastar, imaginei que para ir à cozinha. Eu a puxei de volta contra meu corpo já carente.

— Não estava falando sobre os biscoitos.

O corpo dela amoleceu contra o meu.

— Não estava?

Mordi seu pescoço.

— Ah, não. Acho que encontrei alguma coisa mais doce.

Ela gemeu, se esfregando em mim.

— Quarto? — ofeguei, já tirando sua blusa.

— Última porta à — abri o sutiã — esquerda.

— Ótimo. — Joguei minha camisa no chão, depois a fui levando de costas em direção a seu quarto. — Porque só tenho uma hora e realmente quero fazer valer a pena.

— Tenho certeza de que vai.

— Pode acreditar. — Recuei e olhei em seus olhos castanhos. — Eu sempre faço.

Ela deu um gritinho quando minha boca encontrou a sua em um beijo frenético.

— Hummm — cantarolei sem me afastar. Depois sussurrei: — Aqueles biscoitos são de gotas de chocolate?

— Sim. — Mais gemidos ofegantes enquanto eu tirava sua legging rapidamente e a jogava de lado, junto com o resto das minhas roupas.

— Você não perde tempo. — Seus lábios estavam inchados dos meus beijos. Empurrei o cabelo loiro e reto para longe do rosto maquiado.

— Tempo... é tudo. — Eu me inclinei e a beijei mais intensamente, depois a levantei pelo quadril e enlacei suas pernas em mim.

— Ah. — Ela arqueou sob mim. — Ah, uau.

Lambi seu pescoço enquanto deixava os dedos fazerem a maior parte do trabalho, trabalho para o qual eu não tinha tempo ou energia. Ela caiu em meus braços cinco minutos depois.

Dez minutos depois, estava gritando meu nome enquanto a cabeceira da cama quase derrubava a parede.

E quinze minutos depois disso, meu corpo suado desabou sobre o dela enquanto eu sussurrava:

— Já falei que eu realmente amo lobos?


— Shell. — Minha voz estava calma, mas minha cabeça latejava. Estava morrendo de fome, e a última coisa que eu queria era discutir com uma cliente sobre por que eu estava certo e ela, errada. — Não dou a mínima se ele está lá fora fazendo uma serenata para você com o Drake. Não o deixe entrar.

— Mas... — Sua voz era chorosa. Droga, por que elas sempre choramingavam? — ele está sendo tão doce!

— Os homens são sempre doces quando estão atrás de uma bunda — resmunguei, depois farejei o ar. Droga, que tipo de perfume a Garota Lobo usava? Era como se tivesse acabado de encontrar, no departamento de cosméticos, uma vendedora confusa que esborrifou em mim cinco marcas diferentes de “Sou Fácil”. — Você me paga para te ajudar a ter sucesso. Não vai ter sucesso com ele se continuar tentando violar as regras. As regras foram estabelecidas para te beneficiar, não para fazer mal a ele.

— Eu sei. — A voz de Shell tremeu. — É que... é difícil.

— Vai valer a pena. — Parei na vaga mais próxima do campus que consegui encontrar, o que significava que eu ainda teria de correr 5 quilômetros para encontrar Blake na hora. — Prometo.

Ela ficou em silêncio, depois murmurou um obrigada antes de desligar. Quebrei a regra do telefonema com Shell só porque sua mensagem me deu a impressão de que ela estava a dois segundos de se jogar pela janela nos braços do Barista Ciumento.

As clientes sempre argumentavam quando as coisas estavam indo bem. Quando iam mal? Quando percebiam que o Príncipe Encantado era um idiota? Elas choravam. Enxurradas de lágrimas. Nesses períodos, eu dava a elas o número de alguns conselheiros no campus e deixava claro que, apesar de lamentar, não era namorado delas. Eu me negava a ser a caixa de ressonância quando elas começavam a se queixar de todos os homens serem filhos de Satanás.

Desliguei o carro e atravessei o campus correndo. Encontraria Blake no Husky Union Building. Estava morrendo de fome, por isso quebraria uma das minhas próprias regras — ia compartilhar uma refeição com ela.

Talvez eu devesse ter levado alguns biscoitos da... como era o nome dela, mesmo? Fechei os olhos enquanto minha mente fazia uma reprise rápida de algumas horas atrás, quando a joguei contra a parede, ela gritou meu nome e eu gritei...

— Marissa.

Assenti. Maldito nome difícil de lembrar. Ela me ofereceu biscoitos novamente quando eu estava saindo, mas as garotas só faziam isso para te convencer a voltar. Oferecer um biscoito a um homem depois do sexo é como dizer a uma criança para fazer xixi antes de colocá-la no carro para uma longa viagem. De repente, elas dizem Sim, eu realmente preciso ir ao banheiro. Você planta a ideia.

Portanto, se eu tivesse aceitado o biscoito de Marissa, teria plantado a ideia de que queria mais biscoitos dela. E a última coisa que eu precisava era permitir que ela, ou qualquer outra garota, pensasse que eu aceitaria um compromisso só porque gostava de doces.

Pensar nisso era suficiente para fazer todo meu corpo vibrar em alerta.

Mas comer com Blake era diferente. Não era uma pegadinha.

E com certeza não era um encontro.

Eu nunca comia com clientes. Compartilhava um café, tomava uma cerveja, mas nunca comida. Comida significava que havia algo mais, algo mais profundo. No minuto em que a comida era posta na mesa, era como se todo o comportamento da garota mudasse, como se o fato de eu pagar pela refeição significasse que eu queria comer outras coisas dela, e mais de uma vez.

Essa regra eu aprendi da maneira mais difícil.

Lex, o filho da mãe, ainda estava traumatizado com o último encontro há mais de um ano. Ele ainda se recusava a combinar um happy hour com uma cliente. Era café ou água. Chocante que ele e eu quase sempre obtivéssemos os mesmos resultados quando aceitávamos clientes. Meus métodos eram mais brandos, comparados aos de Lex. Digamos apenas que ele tem um jeito todo especial de seduzir.

O suor escorria pela nuca quando tirei a jaqueta de couro, a pendurei no braço e abri a porta do HUB. Essa era Blake, lembrei. Não precisava me preocupar com a possibilidade de ela ter expectativas mais altas por causa de uma refeição. Ela mal suportava ficar no mesmo espaço comigo. Posso dizer que minha índia não gostou do seu pioneiro.

Soltei um suspiro, e lá estava ela, olhando para o celular com os ombros encolhidos, os chinelos à mostra, só que dessa vez o elástico no cabelo era cor-de-rosa.

Eles ainda vendiam essas coisas? Ou ela só comprava essas merdas no eBay para mexer com minha cabeça?

— Blake? — Flexionei o dedo para chamá-la. Eu queria ver como ela caminhava em minha direção, como se aproximava dos homens. Blake deu de ombros, enfiou o telefone no bolso fundo e frouxo do short de basquete e se aproximou, rígida. Andando como se tivesse uma estaca na bunda.

O cabelo estava bem preso em um rabo de cavalo baixo, dando a impressão de que sorrir faria o rosto doer.

Quando ela parou na minha frente, falei um palavrão e soltei seu cabelo.

— Ei! — Sua cabeça foi puxada para trás com a força do movimento. — Ai!

— Não. — Segurei o elástico entre nós. — Só... não.

— Mas...

— Nunca — disse, devagar, enquanto o arremessava do dedo na direção da lata de lixo. Errei por alguns centímetros. O que significava que alguma pobre alma poderia descobrir aquele pequeno e triste tesouro e fazer bom uso dele. Espero que não, pelo bem de todos; pelo bem de todos os olhos. — Que descanse em paz.

Blake deixou cair os ombros quando um grupo de homens pisou em cima dele.

— É a única coisa que mantém meu cabelo preso.

— Vamos encontrar outra coisa que não te deixe com cara de protagonista de Napoleon Dynamite, ok?

Ela estreitou os olhos.

Recuei alguns passos.

— Uau. — Segurei seus ombros e me aproximei. — Seus olhos mudaram de cor da noite para o dia?

— Não. — E os arregalou. — Por quê? — E pôs as mãos no rosto. — Não dormi muito essa noite. Meus olhos devem estar vermelhos.

Na verdade, era o contrário. Estavam lindos, mais claros do que os tinha visto na aula. Tinha um pouco de verde contornando a íris. Era fascinante.

— Ian? — Blake sussurrou. — Que foi?

— Nada. — Recuei e forcei uma risadinha. — Só... vamos. Sou capaz de comer uma vaca inteira nesse momento.

Abri uma mensagem de Lex enquanto dava uma olhada na praça de alimentação.


— O que acha do Asian? — Não esperei Blake responder, só a guiei em direção à fila e pedi arroz frito e algo que parecia frango, mas tinha um tom cinza. — O que você quer?

— Nada — Blake respondeu depressa.

Estranhei.

— Não quer comer? Nada?

— Eu, ah... — Ela corou. — Não trouxe minha bolsa. — Fiquei de queixo caído.

— Puta merda... Você tem uma bolsa?

— Engraçadinho.

— É Guess? — Sorri.

Ela me deu um soco no braço enquanto eu continuava tentando adivinhar.

— Tommy Hilfiger? Calvin Klein? Ai, droga. Por favor, me diz que é só uma maleta Caboodles disfarçada de bolsa. Isso faria minha semana.

Blake ficou vermelha, e eu soube que estava perto.

— Coach. — Suspirei. — Vamos descolar uma bolsa Coach para você.

— Mas isso não combina com minhas roupas.

Eu a olhei da cabeça aos pés e me obriguei a ficar quieto, para não dizer nada ofensivo. Para ser franco, estava muito curioso sobre o que combinaria com suas roupas e igualmente horrorizado com a possibilidade de ela ter uma resposta.

— E aí? — Ela pôs as mãos na cintura. — Vai comer ou não vai? — O cara do caixa parecia pronto para desistir.

— Já disse que não trouxe a bolsa.

— Nós ouvimos — o cara disse, amargurado. — Mas tenho certeza de que o Papai Warbucks pode te emprestar uma grana.

Revirei os olhos.

— Está com fome? — Ela assentiu.

Acenei com a mãos para o caixa como se fizesse mágica.

— Então você come. Melhor pedir — sussurrei pelo canto da boca — antes que ele cuspa na sua comida.

— Rolinhos primavera. — Ela assentiu novamente. — Quatro.

— Finalmente — ele murmurou, digitando o pedido e pegando minha nota de vinte. No minuto em que o dinheiro trocou de mãos, senti o formigamento novamente.

Não era um formigamento bom, como aquele depois do orgasmo.

Era um formigamento ruim, do tipo que você sente quando uma garota pega suas bolas de um jeito hostil.

Engoli em seco e acompanhei a fila, franzindo a testa. Seria possível? Essa era a primeira refeição que eu comprava para uma mulher desde o ensino médio?

Olhei para o recibo como se fosse uma sentença de morte, depois o enfiei no meu bolso rapidamente. O que os olhos não veem, o coração não sente. Não era um encontro. Não estava alimentando Blake porque gostava dela. Só estava com fome e me sentia culpado por comer na frente dela.

— Você está bem? — Blake tocou meu ombro.

— É claro. — Mantive a calma, esperei a comida e carreguei nossa bandeja para a mesa dos fundos. Enquanto atravessávamos o espaço cheio, os cochichos começaram. Eu nunca me cansava disso.

Do jeito como as garotas olhavam para o meu corpo.

A vibração que elas emitiam quando eu passava um pouco mais perto, deixando que sentissem o cheiro bom da minha colônia, ou promovia um “contato acidental” ao roçar o corpo no delas para chegar ao meu lugar.

— Você é nojento — Blake anunciou quando sentamos.

A comida fumegava.

— É assim que retribui seu cafetão nesse seu período faminto de carência?

— Cafetão nada. — E franziu o cenho. — Como faz isso? Dominar as garotas desse jeito? Todas continuam olhando, cochichando, encarando. Uma delas tirou uma foto.

— Duas, na verdade — corrigi e dei de ombros.

— Por quê? — Blake empurrou meu prato da bandeja. — Não é como se você fosse famoso ou algo assim.

Minhas mãos congelaram.

Na verdade, meu corpo inteiro se contraiu. Não era arrependimento, não necessariamente. Mas ela tocou em um assunto delicado que, aparentemente, não sabia existir. A maldita dor fantasma voltou. Pigarreei e peguei a garrafa de água, enquanto Blake continuava me encarando como se eu fosse um quebra-cabeça que precisava ser resolvido.

— Você é? — ela perguntou finalmente.

— Era. — Onde estava o molho de soja? Eu procurava o sachê embaixo dos guardanapos, quando Blake me deu um. — Obrigado.

— Vai deixar por isso mesmo? Ou vai explicar?

— Não tem muito o que explicar. — Merda, era como um encontro. Comecei a suar imediatamente. Era por isso que não compartilhava refeições com as clientes! Isso as fazia pensar que tínhamos algo real, pessoal. Droga! — No segundo ano de faculdade, consegui uma dispensa para participar do draft da NFL. Joguei no Seahawks, mas — o som de metal batendo em metal me tirou do pesadelo — me machuquei... E aqui estou eu! — Ela deixou o queixo cair.

— Você realmente voltou para a faculdade? Depois disso?

— Mastiga com a boca fechada, por favor. Ajuda na digestão. E por que não? — Joguei o sachê de soja vazio de volta na bandeja e comecei a comer o arroz. — Queria me formar.

— Mas...

— Podemos conversar sobre mim, mas você me paga para falar de você. Então?

Ela enrijeceu a postura.

Foi uma atitude cretina, basicamente para lembrá-la que eu era o cupido contratado, não seu amigo. Eu paguei pelos rolinhos primavera, fim da história. Ela me pagava por meus serviços, não pela história da minha vida. Talvez eu também precisasse do lembrete. Eu não compartilhava nada pessoal, ponto final.

De repente, Blake empalideceu e desabou, se encolheu como se tentasse se tornar invisível, mas não tinha esse superpoder.

— Opa, o que aconteceu agora?

— Ele está aqui! — ela falou entre os dentes.

— Eu sei. — Não virei. Ele tinha acabado de entrar com DJ, um goleiro sênior e mais alguns caras do time. — Estamos fazendo um pequeno reconhecimento... Você conhece o cara desde os quatro anos, de acordo com seu perfil, e costumavam tomar banho juntos. Por que está tão tímida com ele agora? Ele viu a mercadoria, irmã.

— Naquela época, eu ainda não tinha os produtos!

— Talvez ainda não tenha. — Dei de ombros. — Não dá para saber, com essas camisetas largas. Está usando sutiã?

— Sim! — As bochechas pálidas de Blake ficaram vermelhas. — É um sutiã esportivo!

— Não — respondi com ironia. — Conta uma novidade. Aposto que é branco. Aposto que é da Adidas.

Mais rubor.

— Temos que ir, antes que ele veja a gente.

— E isso seria ruim por quê...?

— Toda vez que estou com ele, me comporto como um dos caras. Não quero mais que ele me veja assim. Já é ruim o suficiente ele ainda me chamar de “chapa” de vez em quando. É hora de ter mais. Eu quero mais. — Ela debruçou sobre a mesa e apoiou a cabeça nas mãos. — Quero que ele saiba que tenho peitos.

— Preciso lembrar que o júri ainda não pode opinar sobre isso?

— Eu tenho!

— Me mostra.

— Não!

— Mostra.

— Estamos em um lugar público.

— Legal. — Fui para o outro lado da mesa, arrastando a cadeira no chão com um barulho alto, até minha coxa encostar na dela. Passei o braço sobre seus ombros e a puxei para mim. — Acho que vou ter que descobrir no tato.

— Se tatear alguma coisa, eu corto seus dedos.

— Corta nada — sussurrei em seu ouvido. — Imagina que é David. — Ela ficou ainda mais tensa. — Relaxa — sussurrei novamente. O cabelo dela cheirava a Hawaii. Flores frescas e protetor solar invadiram meus sentidos. Era refrescante. Um pouco atordoante, de um jeito bom. Levantei um pouco o nariz e inspirei.

— Está cheirando meu cabelo?

— David está olhando?

— Não, ele está comendo.

— O filho da mãe nem imagina, então, porque sem dúvida ele te viu. Só tem quinze pessoas aqui. Ok, vira de costas para ele, de frente para mim.

— Estou desconfortável.

Beijei a região logo abaixo da orelha dela.

Ela soltou o ar com um barulho alto.

— Ótimo. Encosta em mim e relaxa. — Meu braço direito a envolveu, enquanto a mão esquerda subia pela coxa em direção à blusa.

De olhos arregalados, ela acompanhou minha mão até vê-la deslizar sob sua blusa. Então olhou nos meus olhos, como se aquilo fosse um filme de terror e ela tivesse medo de olhar.

Era empolgante vê-la olhar para mim. A maioria das garotas desviava o olhar, a maioria só fechava os olhos e gritava meu nome.

Ela olhava através de mim.

Olhos fixos nos meus. Olhos que confiavam com muita facilidade.

— Respira — instruí. — Inspira e expira.

Blake fechou os olhos por alguns segundos, antes de abri-los e expirar lentamente.

Meus dedos dançavam ao longo de suas costelas. Eu resistia ao impulso de franzir a testa. Por que diabos ela escondia o corpo? Estava em forma, de verdade. Ela era uma atleta. A pele era macia, aveludada. Minha mão encontrou a beirada do sutiã esportivo. Não a toquei por baixo dele; não era esse o meu trabalho. Na verdade, apalpá-la também não fazia parte do meu trabalho, mas eu tinha um duplo objetivo.

No minuto em que minha mão tocou o sutiã, ela respirou fundo, o peito arfou e seu corpo ficou tenso.

Puta merda. Minha reação continuava bloqueada. Seus seios eram perfeitos, e era óbvio que existiam. A vontade de apalpar mais do que por alguns segundos era suficiente para fazer meu corpo pulsar. Em vez disso, afastei a mão lentamente quando David se aproximou da nossa mesa.

— Blake? — David tinha quase 1,90 m e era o atual armador dos Huskies. Tinha cabelos cacheados e escuros e covinhas que as garotas talvez achassem atraentes. Era um pouco magro, mas, pelo que eu ouvi, ele era um cara legal. Mas era retraído, não namorava, raramente ia a festas e gostava de ir para casa nos fins de semana prolongados. Que sono. — Não tinha te visto. — E olhou para mim. — Quem é seu... amigo?

Fiquei de pé, consciente de que minha altura não era menor que a dele, mas entre nós dois, eu poderia facilmente acabar com ele. Tinha o corpo de um jogador de futebol e trabalhava duro para mantê-lo assim, mesmo depois da lesão.

Os olhos de David se estreitaram quando eu estendi a mão.

— Meu nome é Ian.

— Ian? — DJ levantou o punho. Eu bati nele. Sua noiva era outra cliente feliz, uma das do Lex, mas não que ele soubesse.

— E aí, cara?

— Ah, ei, vocês se conhecem? — DJ perguntou. — David, devia ter visto esse cara jogar.

— Ah, é? — David cruzou os braços. Cem dólares como a última coisa que ele queria ouvir era minhas histórias dos dias de glória.

— Não, não vamos aborrecê-lo. — Dei risada. — É um prazer te conhecer, David. Quer dizer que é amigo da minha garota?

— Sua garota? — ele repetiu, e as sobrancelhas quase sumiram na raiz do cabelo. — Sua garota?

E isso, essa reação era meu objetivo de vida, o que eu esperava. Tinha acabado de tocar Blake com intimidade. Ela ainda sentia os efeitos, processava as substâncias químicas que eram liberadas quando qualquer tipo de ação íntima acontecia. Os homens, por algum motivo, percebiam esse tipo de liberação hormonal, o que significava que, pela primeira vez em toda a sua vida, David finalmente via Blake como uma mulher.

O rubor dela ajudou.

E o cabelo solto.

De costas retas, ela estufou um pouco o peito. Meus dedos ardiam para explorar o tesouro que eu tinha acabado de descobrir. Em vez disso, eu pisquei.

— É, minha garota.

— Não sabia que estava namorando — David murmurou enquanto os olhos passavam pelo peito dela, depois se afastavam.

Eu gargalhei.

— Quem é você? O pai dela? — Ele não respondeu, e eu insisti: — Ah, que fofo. Você sempre foi uma figura paterna para minha Blake?

Blake fez um ruído aflito ao meu lado quando estendi a mão para ela e a ajudei a ficar de pé.

— O quê? Ah, não! — Ele riu, nervoso. — Somos amigos desde que aprendemos a andar.

— Que história fofa. — Balancei a cabeça como se fingisse estar impressionado. — Bem, foi bom conhecer o pai da Blake. — Ri. — Brincadeira. Foi um prazer te conhecer, cara. — Apertei a mão dele, depois apoiei o braço sobre os ombros de Blake, acenando para me despedir de DJ ao deixar a bandeja na bancada e sair da praça de alimentação.

Blake ficou em silêncio até chegarmos ao estacionamento.

Essa era geralmente a parte em que a garota surtava e pulava comemorando, ou tentava me dar uma joelhada nas bolas.

Não, nunca agarrei as partes de nenhuma outra cliente, mas tempos desesperados e tudo...

Beijar? Sim, normalmente era assim que provocava a primeira reação das clientes, mas Blake nunca havia sido beijada, e eu ainda era um cavalheiro. Não tinha o direito de tirar esse beijo dela, não quando ela evidentemente o guardava para ele.

Uma voz na minha cabeça gritou que eu tinha feito muito mais apalpando seus peitos, mas o canalha em mim deu de ombros.

Hormônios liberados. Reação provocada. Funcionou. Bingo!

— Você está bem? — Eu a soltei.

— Isso foi — ela pressionou as têmporas — realmente estressante.

Dei risada ao sentir a adrenalina correndo nas veias.

— Geralmente é. — Seus olhos brilhantes encontraram os meus.

— Obrigada. Acho que foi a primeira vez que ele realmente olhou para mim...

— Como se você tivesse peitos.

Blake riu mais. Era uma risada profunda e um pouco viciante. Ela assentiu, empolgada.

— Exatamente.

— E aí, agora você vai na Victoria’s Secret?

Puro prazer fez seus olhos brilharem.

— Só se você for comigo.

Merda.

Normalmente, eu não precisava ter todo esse trabalho. A cliente típica sabia o que era um batom.

Eu a olhei de cima a baixo. É, ela não era típica. De jeito nenhum. Era especial, mas juro que não conseguia entender o porquê.

— Tudo bem — resmunguei. — Mas depois vai ter que me pagar um frozen yogurt.

Acenei quando ela correu em direção ao dormitório e voltei lentamente ao meu carro.

O celular vibrou com uma notificação de mensagem.

Eu sabia que devia ser a Shell, mas não queria pensar nas outras clientes. Queria pensar em Blake. E em todo o meu tempo de cupido, nunca fiz isso.

Nunca pensei duas vezes em uma garota. Nunca levei trabalho para casa.

Mas ainda estava pensando em Blake muito depois de ela ter ido embora.

E não era no sentido de Caramba, como posso ajudá-la? Era principalmente sobre o motivo de ela correr atrás de um cara que não tinha visto que tinha uma coisa boa diante dele por mais de dez anos. Eu estava exagerando na interpretação. Os homens são cegos, fim da história.

Malditos rolinhos primavera.

É, vamos pôr a culpa neles.

 

 

— Vou contar até cinco. — Bati na porta do provador pela última vez. — E depois vou entrar.

— Não! — A voz de Blake era abafada. — Estou... É... Estou... — Xingando, encostei a testa na porta de madeira rosa.

— Blake. Estou morrendo de fome.

— Você está sempre morrendo de fome! Por que não come antes das nossas reuniões?

— Sou ocupado! Odeio barras de proteína. Esqueço. E Gabi não mandou meu almoço!

Ela ficou quieta. Depois:

— Gabi manda seu almoço?

Gemendo, tentei de novo, segurei a maçaneta e girei. Ainda trancada.

— Gabi é horrível. Ela devia ter vindo.

— Gabi tinha prova.

— Quer saber quantas provas zerei por causa dela? Absolutamente nenhuma, porque ela nunca precisou de mim durante uma prova, mas eu teria ido ajudá-la. Talvez. Se ela estivesse morrendo, ou se o único jeito de ser aprovada fosse transar com a professora.

— Sério?

— Não. Mas melhores amigos fazem sacrifícios!

Blake soltou outro gemido sofrido.

— Acho que não serve.

— Eles mediram você. Serve. Só me diz se ficou bom para podermos ir. — Dei uma olhada no relógio. — Gabi disse que o jantar era às 18h, e já são quinze para as seis.

— Isso é muita pressão. — A voz dela era aflita. — Não consigo. Tipo, como sei se ficou bom? São peitos.

Gemi.

— Peitos são sempre bons. Pode acreditar.

— Peitos são nojentos!

Nenhum homem jamais disse. Nem os gays.

Uma das vendedoras me olhou de cima a baixo.

— Vocês dois precisam de alguma coisa?

— Estamos ótimos — falei. — Apenas tendo uma discussão muito acalorada sobre a beleza dos seios. — Olhei para o peito da vendedora. — Seu número é qual? Talvez 42?

Carrancuda, ela se afastou.

Graças a Deus.

— Blake — cochichei.

Nenhuma resposta.

Nunca tive uma cliente tão difícil. Normalmente, elas pulavam quando eu mandava, perguntavam a que altura e continuavam pulando até eu estar satisfeito. Blake lutava comigo o tempo todo.

— Abre a porta antes que eu passe por baixo dela. Vou escolher os sutiãs, pode fechar os olhos, se quiser, para não ter que me ver olhar para você, certo? — Meu estômago praticamente comia o fígado. — Preciso de proteína. Abre. A. Porta.

A porta se abriu lentamente. Aproveitando a brecha, eu a empurrei e abri um pouco mais, entrei, tranquei a porta e virei.

Blake estava de frente para mim, com as mãos na cintura, o rosto vermelho-beterraba, o corpo... perfeito. Minha língua quase caiu da boca, como a de um cachorro.

A maioria das garotas passa fome para ter um abdômen assim, o que era repulsivo. Mas o dela? Tinha músculos, músculos de verdade, mas ainda eram femininos.

Ela também tinha um belo bronzeado, só o suficiente para mostrar que passava algum tempo ao ar livre, ou talvez tivesse apenas a pele naturalmente mais escura.

Continuei olhando, e senti a garganta completamente seca.

— E aí? — A voz dela era fraca. — Muito horrível? Em uma escala de um a dez, quanto?

Eu a tinha convencido a comprar roupas de ginástica novas para substituir as antigas. Sabia que nunca conseguiria mudar completamente seu estilo. Ela gostava de roupas de ginástica? Tudo bem, que pelo menos comprasse o número certo e as que indicavam o gênero correto. Tentei afastá-la das calças de moletom e das peças boyfriend, mas ela acabou me convencendo, e eu disse que se ela comprasse pelo menos cinco peças novas cor-de-rosa de elastano, eu a deixaria levar um moletom largo e horroroso. Ela reagiu como se eu oferecesse um milhão de dólares.

No momento, ela usava um short de yoga curto e azul.

E um sutiã esportivo preto com sustentação, que fazia maravilhas por seus peitos.

E pelo mundo em geral.

Puta merda.

Engoli em seco e fiquei mais irritado por meu corpo estar reagindo como se nunca tivesse visto uma garota sem blusa antes.

— Blake, está ótimo.

— Você parece entediado!

Era necessário, caramba! O que ela queria que eu fizesse? Demonstrasse interesse? Excitação? Vontade? Curiosidade? Eu sentia todas essas coisas. Só tentei ignorar a loucura que quicava na minha cabeça e disse:

— Seus peitos são muito bons. Empinados, felizes, simplesmente... incríveis.

Acabei de dizer que os peitos dela são “felizes”?

— Você acha? — Ela olhou para os seios e os segurou.

Puta merda, ela estava se apalpando, mesmo? Apoiei a mão na porta e respirei fundo.

— E ainda é confortável — ela disse.

— É mesmo? — Consegui falar, meio sufocado, enquanto ela sacudia um pouco os peitos com as mãos.

Meu Deus, ela sabia o que estava fazendo?

Agitando uma capa na frente de um touro. De repente, meu jeans ficou apertado em todos os piores lugares, e tentei imaginar Lex pelado, qualquer coisa para fazer meu pau entender a palavra “cliente”, o que significa zona proibida.

Outra primeira vez.

Era porque eu estava com fome.

E Marissa? Melissa? Não tinha me satisfeito. Gozei, ela também gozou, mas a experiência toda me deixou vazio, entediado e, para ser bem honesto, um pouco deprimido. Além disso, os seios dela perdiam na comparação. Tive de me perguntar que diabos estive fazendo durante toda minha vida, se essa era a primeira vez que eu tinha uma reação tão forte a seios.

Algo em Blake me fez pensar se eu tinha conhecido saciedade até esse momento. E eu não tinha ideia sobre o que me confundia tanto nela e em toda a situação. Era incapaz de identificar, e quanto mais pensava, mais minha cabeça doía.

A fome faz coisas estranhas com os homens.

— É. — Mais uma sacudida, depois ela virou, olhando para o espelho. Eu não sabia o que era pior. Ela olhando para os próprios peitos ou tocando neles. — Não sou boa nisso. Cresci sem mãe e cheguei à puberdade muito cedo. As meninas debochavam de mim, e os meninos apontavam. — Os ombros dela caíram novamente.

Poderíamos, por favor, voltar às sacudidas? Eu era fã daquela Blake.

Essa que se encolhia como um tatu esquisito? Não muito.

O que me fez lembrar por que eu a estava ajudando. Salpique um pouco de pó encantado de confiança em todo seu corpinho rijo, junte uma roupa de ginástica provocante e leve-a para a academia para o segundo round. Moleza.

— Uma mulher deve se orgulhar de seu corpo. — Encontrei o olhar dela no espelho. — Se você se sente bem com sua aparência — minhas mãos vibravam para segurar seus seios, sentir o formato que exibiam, apontar todos os ângulos e curvas que deixavam um homem maluco, que faziam um homem desejar —, isso reflete diretamente na maneira como você se comporta. — Ergui os ombros enquanto nos olhávamos pelo espelho, depois dei um passo na direção dela, e dessa vez botei as mãos em seu quadril e deslizei os dedos pelas laterais. — Os homens se excitam pela visão, as mulheres, pelo toque. Se você veste roupas do seu número, garante que ele não vai mais te ver como amiga, mas como parceira. E é isso que você quer... certo?

Ela passou a língua nos lábios e assentiu.

— Certo.

Meu coração se apertou. Eu nem imaginava por quê. Tirei as mãos dela rapidamente, ri e falei:

— Você está fantástica. David vai ser um homem de muita sorte. Em pouco tempo, ele vai comer na sua mão.

O momento passou.

Se é que foi um momento.

Comida. Pouco açúcar no sangue. Alienígenas invadindo meu corpo. Eu precisava sair desse espaço apertado antes de fazer alguma bobagem, algo inviável.

— Confia tanto assim na sua capacidade? — ela perguntou. E arqueou as sobrancelhas.

Olhando para ela no espelho, eu já podia imaginá-lo se apaixonando por ela. Embaixo de todo aquele cabelo, havia um rosto muito bonito, um corpo lindo e seios que fariam qualquer homem com dois olhos chorar de gratidão.

— Não — falei com honestidade. — Mas confio muito na sua.

A vendedora bateu na porta.

— Tudo bem aí?

— Sim — respondi pela Blake.

— Senhor, precisa sair do provador. Não permitimos que os clientes... hã... brinquem com o produto antes de comprar.

— Brincar? — perguntei, meio tonto.

— Brincadeiras adultas.

— Ah — disse em voz alta, piscando para Blake pelo espelho. — Está falando de sexo?

Ela bateu mais forte.

— Senhor! Saia imediatamente.

A expressão horrorizada de Blake fez tudo valer a pena. Eu ri. Ela precisava sair da zona de conforto, se quisesse chegar ao primeiro beijo com David.

Suas bochechas ficaram vermelhas.

Virgens.

— Quase... — Comecei a ofegar, depois bati na parede. — Mas é muito bom.

— Senhor!

— Espera.

— Senhor, agora! Vou chamar a segurança!

Blake abriu a boca, mas eu a cobri com a mão.

— Isso!

Ela me mordeu.

— Ai! — Recuei, sacudindo a mão. — Tirou sangue?

— Qual é o seu problema? — Ela bateu no meu peito e abriu a porta. Três vendedoras e pelo menos uma dezena de clientes esperavam do outro lado, boquiabertas. — Ele estava brincando.

Pus a cabeça para fora.

— Não estava. Olharam para ela? Ah, e vamos levar tudo. — Mostrei meu Visa Platinum e pisquei.

Ninguém se mexeu de imediato, depois a vendedora mais próxima de nós pegou o cartão, enquanto Blake dava as roupas para ela.

— Mais alguma coisa?

— Sim. — Sorri, malicioso. — Vocês têm câmeras de segurança nos provadores, ou isso é ilegal? Porque o que aconteceu lá dentro deveria ter sido gravado, sabe?

Blake abaixou e cobriu o rosto com as mãos, enquanto algumas vendedoras assentiam com ar de aprovação.

— Ele está brincando. — Blake me bateu de novo. — Bebeu o dia todo. A semana toda, na verdade.

— Estou completamente sóbrio.

— Ele também é um mentiroso patológico. — Blake me empurrou para o balcão da loja para concluirmos nossas compras.

— Acho isso errado.

Ela observou a mulher ir para trás do balcão e começar a registrar as coisas antes de passar meu cartão.

— Isso o quê?

— Você comprar minha lingerie.

— Eu sempre pago as roupas das minhas clientes, e a maquiagem, yoga, o que for necessário, depois mando a conta no final. Deduzo no imposto.

— Yoga? — Blake perguntou assim que saímos da loja.

— Sim, uma vez. Tive uma cliente que precisava muito aprender alguns movimentos novos. Sua única habilidade era “papai e mamãe”, e mesmo assim o cara ainda tinha dificuldade para chegar em O-Town. — Pus os óculos de sol e ri. — Ela me agradece até hoje pela sugestão.

— O-Town? — Blake franziu a testa. — Aquela boyband?

Parei, depois balancei a cabeça devagar.

— Você disse Riggins, Idaho? Tem Internet lá? McDonald’s? Me diz que tem Taco Bell, pelo menos.

Blake ainda parecia genuinamente confusa.

— De que tipo de movimentos ela precisava? Sabe, além do — ela engoliu em seco — outro.

Bati no ombro dela de leve.

— Vai com calma. Você acabou de comprar seu primeiro sutiã de verdade. Mal sabe engatinhar. Esses movimentos são para velocistas.

— Eu corro.

Eu me encolhi por dentro.

— Não, não corre.

— Sim, eu corro!

— Sabe que estou falando sobre o Kama Sutra, certo?

Mais confusão.

— Isso é um tipo de comida?

Um cara ao meu lado grunhiu e fez uma careta, como se dissesse: O coitado tem de ir para casa com ela?

— Não. — Balancei a cabeça enquanto andávamos no meio de toda aquela gente no shopping center Cidade Universitária. — E o fato de você ter perguntado isso em voz alta me decepciona muito.

— Eu era uma moleca — Blake se defendeu.

— Molecas ainda precisam conhecer a terminologia, Blake.

Abri a porta para ela, ignorando o fato de ter falado que “era”, no passado. Alguém precisava comprar um espelho para ela, depois queimar todas as roupas de menino que mantinha no quarto.

— Mais uma coisa — eu disse. — Falando em quartos. E camas em geral.

— O que é?

— É o segundo dia.

Ela mordeu o lábio inferior. Deste ângulo, eu podia me imaginar provando seu sabor, indo ao encontro de sua boca, ensinando a ela a arte de beijar.

— E?

— Normalmente — meus olhos acompanharam a língua rosada que deslizava pelo lábio superior, umedecendo-o — no segundo dia eu sei qual é o seu nível de habilidade.

— Por causa do meu questionário?

Assenti.

— E alguns outros... testes.

— Pensei que estivesse com fome. Fala de uma vez.

Meu estômago roncou.

— Sabe de uma coisa? Vamos falar sobre isso hoje à noite depois do jantar. — Minha postura melhorou. — Sobremesa?

— É claro. — Ela sorriu. — Ok.

Sim. Tínhamos dois significados muito diferentes para essa palavra. E ela ia descobrir isso muito em breve. Ela podia ter passado por um estágio do meu treinamento, mas estava prestes a começar a fase do treinamento de campo, e eu era muito rígido quando se tratava de garantir que minhas clientes sabiam exatamente como lidar com o cara que estavam tentando agarrar.

 

 

Jantares semanais com Gabi começavam a ficar cada vez mais intensos. Não porque ela estava ocupada, mas porque Lex e eu éramos um pacote, e desde o primeiro ano em que ele a confundiu com uma pessoa que não minha melhor amiga desde a infância, as coisas foram de mal a pior.

Agora? Toda vez que eles estavam no mesmo quarto juntos, eu meio que esperava que um deles acabasse no hospital.

No minuto em que chegamos em casa, Blake subiu correndo com as bolsas. Eu me concentrei muito nos chinelos dela, por necessidade. O resto parecia firme, tonificado, bronzeado. Inclinei minha cabeça quando ela caminhou até o topo da escada e se virou. Seus seios estavam realmente começando a ser o destaque do meu dia.

Algo me bateu na parte de trás da cabeça.

— Ei! — Eu me virei e encarei Gabi. Ela estava séria. Não sorria, olhos estreitados. — Por que fez isso?

— Se você magoar a garota, corto seu apêndice favorito.

— Gabi boba. — Sorri. — Isso é uma desculpa para me tocar?

— Garanto que, se eu tocar em você, isso vai acabar mal.

— Provocação. — Pisquei.

— Para com isso. — Ela me deu um tapinha no nariz. — Não desperdiça sua energia sexual comigo. Sem chance!

Revirando os olhos, a enlacei com um braço e fomos para a cozinha, onde o cheiro de pão francês e macarrão perfumava o ar.

— Já contei quanto sinto falta dos nossos jantares semanais? Acha que devemos mudar para jantares diários? Sabe, para eu não morrer de fome?

Gabi saiu do meu abraço.

— Aprenda a cozinhar.

Fiz biquinho.

— Não é que eu não saiba. — Peguei um pedaço de pão quente e uma taça grande de vinho. — É porque sua comida sempre tem um gosto melhor.

Gabi gemeu alto.

— Droga, as garotas realmente caem nessa? Ainda?

— Ah. — Dei de ombros e balancei a mão para dizer que mais ou menos. — Nove em cada dez.

— Você me enoja.

— Você diz isso todos os dias.

— Porque é verdade todos os dias.

— Quando o jantar fica pronto? — Serena saltou para dentro da sala, literalmente, balançando a cabeça da esquerda para a direita. Talvez seja assim que garotas como ela constroem mais células cerebrais. Sacudem o ar e a pressão entre os ouvidos explode, criando pequenos filhotes de células cerebrais.

Gabi enfiou a cabeça na geladeira.

— Quando Lex chegar.

— Então já está pronto? — ela perguntou.

Deixa para lá. Não tem filhotes de células cerebrais. Contive o impulso de apontar para o espaguete fumegante e o pão sobre o balcão de café da manhã. Não parecia pronto?

— Tecnicamente — respondi por Gabi. — Mas não vamos comer — enfatizei a palavra “comer”, mesmo tendo acabado de comer pão — até meu ajudante chegar.

— Ajudante, é? — Serena cruzou os braços, forçando os peitos a se encontrarem e quase tocarem o queixo.

— Ah, eu pensei que você soubesse. — Fiz uma cara triste. — Eu sou o herói nesse cenário... Tenho até uma capa. Ele é basicamente o Robin do meu Batman.

— O Batman é gostoso.

— O Robin também — Gabi disse na defensiva.

Uau. Ela acabou de defender Lex? Toquei sua testa. Ela empurrou minha mão e me entregou o queijo parmesão.

A porta se abriu, e Lex entrou, segurando duas garrafas de Cab.

— Desculpa, o trânsito estava um cu.

— Olha a boca — Gabi criticou.

Lex e eu nos olhamos, antes de ele se aproximar do pote do palavrão e jogar uma nota de um dólar lá dentro.

Gabi e seus malditos padrões duplos. Ela xingava com frequência. Mas não permitia palavrões na cozinha. Ela era parte italiana, e as cozinhas de sua família representavam paz, amor e outras coisas que eu sempre esqueço. Xingar na hora do jantar? Proibido.

O que, conhecendo Lex, era como pedir para ele se transformar em uma garota e me dar um beijo de língua. Ele dizia que, quando estava na cozinha de Gabi, xingava mentalmente e bebia para não cortar os pulsos.

Lex murmurou alguma coisa, roubou minha taça de vinho e bebeu.

— Estamos fazendo isso mesmo? — perguntou, limpando a boca com as costas da mão.

Serena não tirava os olhos gulosos de Lex. Duvidava muito que ele tivesse ligado para ela, mas ele era mestre em fazer as coisas parecerem fáceis e menos estranhas quando se tratava de cagar onde dormia e vice-versa. Gabi sabia de alguma coisa?

Não estava batendo nele.

Portanto, provavelmente não sabia.

— Cadê a outra moradora da casa? — Lex perguntou, servindo-se de mais vinho e esvaziando a taça.

— Aqui! — Blake entrou na cozinha.

Lex cuspiu o vinho. A bebida respingou no chão. Ele começou a tossir e sufocar.

Gabi deu um tapinha furioso em suas costas, provavelmente deslocando algumas costelas.

— Você está bem?

— Caralho! — Lex gritou, com a voz rouca depois de engasgar.

Gabi ofereceu o pote, Lex resmungou e depositou outro dólar.

— O que aconteceu? — Blake perguntou, cruzando os braços e fazendo o corpo parecer... mais gostoso, se é que era possível.

Os chinelos estavam ali.

Mas todo o resto, dos tornozelos para cima era... caramba, era bom. Pernas bem musculosas brotavam do short azul curto, de ioga, a regata branca e o sutiã esportivo de oncinha mantinham os meninos exatamente onde deveriam estar.

E o cabelo estava solto.

Sem maquiagem, ela era três vezes melhor que Serena. E Serena parecia ter acabado de assaltar uma Sephora e experimentado todo o estoque.

— Estou... — Lex tossiu na mão. — Desculpa, eu só... hipoglicemia.

— Boa — sussurrei.

Ele olhou para mim, irritado, mas não disse nada. O silêncio começou a se prolongar e alcançar lentamente proporções estranhas.

— Vamos sentar? — Esfreguei as mãos e fui para a mesa ao lado da cozinha, ao redor da qual havia um conjunto de cadeiras verdes e azuis, além de duas cadeiras cinza dobráveis. Gabi havia comprado a mesa em um bazar de garagem, e os pratos eram herança da avó. Tinham florezinhas nas laterais e sempre me faziam refletir sobre como seria a vida com uma família de verdade, com as crianças se sentando com os pais e para comer e participar das conversas.

Não com babás preparando a comida e os pais telefonando uma vez por semana.

E depois parando de ligar.

E depois morrendo.

— Então, Blake... — Lex colocou uma quantidade generosa de molho sobre uma pilha de espaguete fumegante e entregou o primeiro prato a Gabi, já que ela havia cozinhado. Na cozinha da Gabi, os cozinheiros sempre comiam primeiro. — Gostei do novo visual.

— Obrigada. — Ela ficou muito vermelha. — Ian me ajudou muito.

— Ah, aposto que sim. — Lex sorriu.

Chutei o pé dele por baixo da mesa enquanto ele continuava servindo todo mundo. Serena olhava para Blake. Olhava fixamente.

Eu conhecia aquele olhar.

O jantar estava prestes a se tornar real.

— Acho que ficou legal. — Serena deu de ombros. — Quero dizer, se você gosta de malhar.

— O que, claramente, é o caso. — Apontei. — Olha para ela.

Serena entortou a boca e acho que mostrou os dentes.

— Não é como se ela estivesse usando um vestido. Isso é malha elástica. Essa coisa não saiu de moda há anos?

— Para quem não frequenta academia? — Dei de ombros. — Não sei. O alongamento de cabelo também não tem alguns anos? — Tinha certeza de que, se puxasse o cabelo dela, soltaria uma mecha.

O rosto de Serena ficou vermelho antes de ela puxar o prato das mãos de Lex e derrubá-lo no colo de Blake, o que não foi um acidente.

— Ai, meu Deus. Desculpa. Escorregou.

Gabi levantou para pegar guardanapos, enquanto Blake só olhava para seu colo. Então, com um gesto que eu nunca imaginaria, ela começou a empilhar o espaguete no próprio prato, antes de lamber cada dedo.

Segurei a cadeira com as duas mãos. Puta merda, isso era demais. Molho de espaguete... quem poderia imaginar?

— Está tudo bem. — Blake riu. — Posso jogar tudo na máquina. São roupas de ginástica. Tenho certeza de que daqui a algumas semanas elas vão estar bem piores que isso.

Isso calou Serena.

O jantar estava tranquilo, embalado apenas pelo barulho dos talheres na porcelana. Eu sabia que não ia durar. Afinal, Gabi e Lex estavam sentados um do lado do outro.

Era contra as leis da natureza eles não brigarem.

— Uau. — Blake deu um tapinha na barriga chapada. — Estava uma delícia, Gabi. Muito obrigada.

— Agradeça ao Ian. Ele implorou pela noite do espaguete.

— Eu imploro todas as noites — falei. — E não apenas por espaguete. Na semana passada, eu queria ravioli.

— Tem certeza de que não é italiano? — Gabi riu e começou a recolher os pratos.

— Não. — Fiquei em pé. — Você cozinhou. Lex e eu cuidamos da limpeza.

Lex ergueu as sobrancelhas.

— Ah, é?

Eu o encarei.

Lentamente, ele empurrou a cadeira, levantou e me ajudou a levar tudo para a cozinha. Uma vez longe dos ouvidos das garotas, ele assobiou e disse:

— Cara, bom trabalho. Eu nem a reconheci.

Sorri, orgulhoso.

— Ficou bonitinha, não é?

Lex começou a rir.

— Você está maluco? Ficou mais que bonitinha. — Ele deu um passo para trás e espiou a saleta, depois voltou para a cozinha. — Ficou gostosa.

Gostosa? Deixei a palavra flutuar um pouco na minha cabeça, depois a expulsei de lá.

— É, acho que sim.

— Você acha?

Pratos. Eu precisava lavar a louça, porque se me concentrasse demais na transformação de Blake, entraria em um mundo de dor, e não do tipo emocional. Não, seria dor física. Meu corpo já respondia como se minhas mãos não estivessem na água e sabão, mas deslizando por aquela pele.

Gemi mentalmente. Não tinha tempo de parar na casa de alguma garota aleatória e aliviar a dor.

— Você já a beijou? — Lex perguntou enquanto eu dava um prato para ele pegar. O prato caiu da minha mão, mas, felizmente, ele o pegou antes de chegar ao chão. — Vou aceitar isso como um não.

— Ela nunca beijou ninguém. Seria... errado. — Dei outro prato. Lex não aceitou. Em vez disso, olhou para mim, boquiaberto.

— Você está... se apaixonando por ela?

— O quê? — Caí na gargalhada. — De jeito nenhum. Você viu os chinelos dela?

— Ela não usa chinelo na cama, amigo.

— Qual é nossa regra número um?

Esfreguei outro prato vigorosamente, enquanto imagens dos seios atraentes invadiam todos os cantos do meu cérebro.

— Não se apaixonar pelas clientes.

— Não. Se apaixonar. — Esfreguei com mais força. — Pelas. — Minha mão estava começando a doer. — Clientes.

— Está limpo, irmão. — Lex arrancou o prato das minhas mãos e me deu um tapinha nas costas. — E foi você quem fez as regras. Não eu.

— Temos uma empresa legítima, uma que nós dois esperamos que seja o principal aplicativo de relacionamentos do mundo. Por que estragar tudo se apaixonando por uma garota triste que quer o cara que nunca olhou para ela?

Lex sorriu, e seu sorriso cheio de dentes me fez querer apelar para a violência.

— É mesmo, por quê?

— Você está falando bobagem e está me irritando. Vai discutir com a Gabi, ou algo assim.

— Então não vai ter beijo?

Suspirei e me apoiei na pia.

— Não. Não, a menos que seja absolutamente necessário.

— Hmmm.

A conversa das meninas ficou mais alta quando eles entraram na cozinha.

— Não tem sobremesa? — Blake disparou.

Congelei.

Lex e eu ainda estávamos de frente para a janela da cozinha, e vi sua expressão presunçosa na vidraça. Assim como ele me viu mostrando o dedo do meio sobre a água da louça.

— Sobremesa? Eu não fiz — disse Gabi — Mas ...

— Na verdade. — Virei rapidamente. — Sobre isso ... Blake, posso falar com você lá em cima por um minuto?

— Sim. — Mas ela hesitou.

— Ótimo. — Segurei sua mão e a puxei em direção à escada, rezando para Gabi e Lex brigarem feio, para eu ter uma desculpa para ligar para a polícia e sair dessa casa antes que eu quebrasse mais uma regra.

Entramos no quarto, fechei a porta e me aproximei dela. Ela recuou até as pernas baterem na cama.

— Você parece chateado — ela disse.

Franzindo a testa, peguei sua blusa manchada de espaguete e a puxei para cima.

Blake deu um gritinho quando encaixei os polegares no short de elastano e o abaixei até os tornozelos. Felizmente, ela tirou os chinelos e os shorts.

Eu levantei.

E pisquei.

Estava alucinando?

— Você... — Tossi na minha mão. — Você está... — desviei o olhar, tentando restaurar o equilíbrio de poder —, com uma calcinha fio-dental.

Uma coisa era saber que ela usava uma, mas ver a prova? Era quase intoxicante.

— É confortável — Blake disse dando de ombros. — E eu não planejava tomar um banho de espaguete ou ser despida pelo meu coach do amor.

— Coach do amor. — Eu ainda não olhava para ela. — Adoro o jeito como diz isso.

— Esse strip tem algum objetivo?

Balancei a cabeça.

— Tirar a roupa deve ter sempre um objetivo.

As sobrancelhas dela se ergueram.

Meus olhos travavam uma batalha com minha cabeça. Queriam olhar para aquela bunda quase nua, mas a cabeça dizia que nenhuma parte do processo de triagem incluía apalpar pele macia ou pedir que ela virasse, se curvasse e arqueasse as costas. Infelizmente.

O cabelo de Blake caía despenteado sobre ombros, dando a ela uma aparência selvagem e sexy com a qual, eu tinha certeza, David não saberia o que fazer.

Maldito David.

— Ian?

— Precisamos lavar suas roupas — falei, atordoado.

— E eu precisava da sua ajuda para tirá-las?

— Próxima lição. — Eu realmente precisava me recuperar antes de perder a cabeça. — O beijo.

Blake caiu na cama e soltou um pequeno gemido.

— Você leu minhas respostas. Nunca beijei ninguém.

— Não vou te beijar.

Ela levantou a cabeça, e os olhos azuis abriram um buraco no meu peito, provocando ardor, aperto ou... o que estava acontecendo comigo?

— Não.

— Isso é normal? Você costuma beijar suas clientes, ou só ensina para elas?

— Cada cliente é um caso diferente — falei. — Mas agora, vou me limitar a ensinar como fazer ele te beijar, e te ver de uma maneira sexual. Acha que consegue lidar com isso?

Ela assentiu.

Os seios balançaram um pouco. Passei a mão na cabeça e me aproximei do armário.

— Você tem moletons enormes aqui, ou alguma coisa assim?

Blake parou atrás de mim. O calor do corpo dela me tocou. Mais alguns centímetros, e seus seios roçariam minhas costas, e nessa posição eu poderia me inclinar para frente e, com um movimento, rápido, girar, cercá-la com os braços e colocá-la sentada em cima de mim.

Muito fácil.

— Bem — seu braço roçou o meu — aqui.

— Momento de honestidade. — Fiz uma careta para o moletom azul. — Por que você usa essas roupas?

Blake vestiu o moletom e bufou.

— Todos nós temos nossos pequenos prazeres, certo?

— Acho que sim.

Engraçado, um dia atrás, eu não teria olhado duas vezes para ela naquele moletom, mas agora que realmente a conhecia? E sabia o que havia por baixo? Era sexy demais cobrindo o quadril e a parte da superior da coxa. Pura provocação.

E eu lidava bem com provocações.

Era um cara que preferia gratificação instantânea.

Ela sentou na cama e cruzou aquelas pernas lindas. Minha mente enlouqueceu com diferentes possibilidades, ângulos, posições.

— Ian?

Esfreguei as mãos.

— Certo. Então, amanhã vamos malhar juntos. Dei outra olhada nos horários do David, e ele malha das cinco às sete da manhã. Precisamos chegar à academia antes dele, e aí o pegamos de surpresa. Pelo seu horário, você normalmente se exercita quando ele sai da academia. Existe uma razão para isso?

Blake roeu a unha do polegar. Puxei a mão dela e a segurei firme, arqueando as sobrancelhas enquanto esperava a resposta.

— Acho que assim é mais fácil para ele falar comigo. Se eu aparecer no fim do treino, ele vai estar cansado demais para erguer muralhas. Acha que é bobagem?

— Não. Não é bobagem, é só falta de informação. A última coisa que um cara quer fazer depois de malhar é flertar com uma garota. Agora, antes? Ou mesmo durante? Sem problemas. A adrenalina bomba durante os treinos e, se tiver uma gostosa assistindo, pode acreditar que vai ser uma hora de encher os olhos.

— Você disse gostosa. — Blake deu de ombros. — Não bonitinha.

— Você é gostosa — resmunguei. — Acredite em mim. É só usar uma das roupas que escolhemos, entendeu?

Ela assentiu e inflou um pouco o peito. Eu queria abrir o zíper do moletom. Só precisava de cinco segundos, talvez seis, então sairia do quarto e a deixaria lá.

— Certo. — Soltei as mãos dela. — Então, quando ele nos vir juntos, vamos ter que flertar. O problema é que você sempre se encolhe quanto te toco.

— Eu, não!

Segurei seu rosto. Ela se encolheu e estreitou os olhos.

— Estou tocando seu rosto, não cuspindo em seus olhos, Bochechinha.

Ela rangeu os dentes.

— Boa. — Aprovei. — Essa expressão irritada? Muitas vezes é confundida com tesão. Então talvez eu só te irrite durante o treino. Não deve ser difícil, é só me imaginar te incomodando o tempo todo. Na verdade, me imagine olhando para sua bunda e para os seus peitos o tempo todo. Porque eu garanto, isso vai acontecer. Noventa minutos no paraíso. Dá para acreditar que sou pago por essa merda? — Era provocação, mas provavelmente eu olharia pra ela mesmo. Quem não olharia?

Seu peito arfava quando ela me empurrou. Usei o impulso do empurrão para puxá-la para mim.

— Agora — olhei para nossos corpos colados — digamos que isso aconteça amanhã. O que você vai fazer?

— Sair.

Blake tentou escapar. Cruzei as pernas atrás dela.

— Ah, desculpa. Não é bem isso. — Pressionei os tornozelos contra sua bunda, trazendo-a contra o peito. — Próxima pergunta. Se estivermos assim bem perto, você resiste ou cede?

Ela era forte. Eu tinha de reconhecer. Blake tentou se afastar de mim, e suas mãos estavam perigosamente perto do meu rosto.

— Resisto. — Seus lábios quase roçaram os meus. Foi doloroso quando ela não percorreu a distância que faltava. O desejo que eu sentia por ela era tão antinatural, que eu não sabia o que fazer com ele, então o escondi.

— Errado. — Sorri, virando-a de costas e levantando seus braços acima da cabeça. — Linguagem corporal é tudo. Você não quer parecer muito brava comigo, mas também não quer ser mansa. No momento, está fazendo um bom trabalho equilibrando os dois. Se as coisas começarem a desandar, talvez eu tenha que te beijar, e preciso saber que, se o fizer, você não vai me dar uma joelhada nas bolas nem arrancar meus olhos com as unhas.

— Talvez. — Ela rangeu os dentes e baixou os olhos. Um sorriso presunçoso apareceu em seu rosto. — Acho que vai ter que descobrir.

— Não jogue com um jogador. Isso nunca dá certo, Bochechinha.

— Por que está me chamando de “Bochechinha”?

Soltei seu pulso e deslizei a mão pela lateral do corpo até a coxa nua, depois movi os dedos até tocar uma das nádegas.

— Bochechinha.

Vi a raiva em seu rosto quando ela sufocou um gritinho e tentou escapar.

— A aula ainda não acabou. — Pressionei o corpo com mais força contra o dela. — Se eu te beijar, você não precisa me beijar de volta, mas não me empurre. Só deixe rolar.

— Por que isso é importante?

— Porque... — Aquela posição estava começando a fazer meu corpo reclamar de várias maneiras. — Se ele achar que estamos muito felizes, vai achar que não tem chance. Se estivermos brigando, ele achará que você é chata ou, pior ainda, dramática. Precisamos do equilíbrio perfeito. Só deixe rolar, e tente não perder a cabeça quando sentir minha língua.

— Isso é necessário? — ela perguntou, a voz desesperada.

— Totalmente. — Sorri.

— Acho que o tempo da aula acabou. — Blake parecia furiosa.

— Ótimo. — Saí de perto dela e bati as mãos como se as limpasse. — Te pego às 4h30.

— Tão cedo — ela resmungou. — É bom que isso dê certo.

— Nunca deixou de dar certo. — Parei na porta. — A menos que... — virei para encará-la — esteja arrependida?

— Não! — Blake tentou se aproximar de mim e tropeçou no edredom.

Eu a segurei antes que desse com a cara no chão, mas o impacto de seu corpo me jogou contra a porta.

Nossas bocas se tocaram.

Acidentalmente.

Mas no estado em que eu estava, foi o suficiente. Como acender um pavio, jogar gasolina em cima de um fogo crepitante.

Eu me inclinei.

— Seu filho da puta doente! — ouvi Gabi gritar. — Ian, desça daí agora!

— Ah, que inferno — resmunguei. Soltei Blake, abri a porta e desci a escada correndo.

Gabi estava socando as costas de Lex, que a carregava pela cozinha, com um olhar transtornado, como se estivesse procurando um interruptor para acionar com o peso dela.

— Tudo bem aqui? — Ri, cruzando os braços e me apoiando no batente da porta.

— Ah, tudo ótimo! — Gabi gritou, levantando a cabeça por um instante para olhar para mim, antes de bater na bunda dele de novo.

— Um pouco para a esquerda. — Lex falou, sacudindo Gabi para cima e para baixo. — Ou, se realmente quiser brincar, pode dar uma apertada.

— Eu vou te matar quando estiver dormindo! — Gabi gritou.

— O que aconteceu? — perguntei a Lex enquanto Gabi gritava palavrões.

— São cinco dólares, vadia — Lex riu. — Estamos na cozinha! — Com a mão livre, ele puxou o pote para a ponta do balcão e virou Gabi na direção dele.

— Você é um filho da mãe doente!

— Ela descobriu sobre Serena?

— Para — Gabi bateu na bunda dele de novo — de enfiar — outro tapa — seu pinto — dois socos, e Lex caiu na gargalhada — doente — vi Lex a levantar sobre o peito, e o rosto dela bateu na bunda dele — nas minhas colegas de casa!

Lex sorriu quando olhou para ela.

— Foi um acidente.

— Acidente! — Os olhos de Gabi eram frenéticos quando ela moveu a mão da bunda para as bolas dele e apertou.

Lex gritou e a soltou.

— Porra!

Ela caiu no chão, e Lex também caiu, segurando as partes doloridas.

— Sua vadia!

— Foi um acidente. — Gabi deu de ombros.

Suspirando, fui ajudar Gabi a se levantar.

— Veja o lado positivo. Pelo menos agora, não precisa mais se preocupar com ele indo atrás dela. Levou só um dia.

Gabi nos olhou.

Lex se apoiou na cabeça dela para levantar, depois se aproximou de mim, mancando.

— Acho que é hora de ir embora.

— Espera! — Gabi levantou e pegou o pote do palavrão. — Dois dólares.

— Está brincando, porra? — Lex rosnou.

— Três. — Ela sorriu e sacudiu o pote.

Ergui as sobrancelhas em sinal de respeito quando Lex soltou uma série de palavrões, depois jogou uma nota de dez dólares no pote e beliscou a bochecha dela.

— Odeio números ímpares.

— Não esquece de fazer uns exames na clínica gratuita, Lex. Quem sabe o que pode ter aí agora?

— Não se preocupe. Vou estar curado antes de transar com você. — Ele piscou.

Ela o atacou de novo, e eu empurrei Lex para a porta.

— Hora de ir, cara. — Acenei para Gabi. — Até a próxima. Semana que vem vou querer lasanha!

— Enfia a lasanha no...

Bati a porta quando ela gritou o palavrão.

— Cara. — Eu ri. — Você precisa aprender quando é hora de parar.

— Não consigo. — Lex passou por mim. — Um dia vou matar essa garota de verdade. Ou ela vai me matar. Espero que não se importe de tirar seus dois melhores amigos da prisão.

— É realmente impossível vocês se darem bem?

A cara azeda de Lex disse tudo. E como se não bastasse, ele continuou juntando palavrões ao nome de Gabi quando entramos no carro e saímos dali.

 

 

— Obrigado pelo café — Blake murmurou. — Não sou uma pessoa muito matinal.

— Eu sou. — Saboreei casualmente meu Pike Place Roast preto enquanto andávamos entre os aparelhos de musculação. — Bem... — Joguei o copo na lata de lixo mais próxima e peguei um chiclete de canela. — Hora do show.

Sem pedir, Blake roubou o chiclete da minha mão e se arrepiou.

— Está muito frio aqui.

— Bom, se você usasse roupas...

Ela me deu uma cotovelada.

— Eu vesti o que você disse que devia vestir.

— Está usando sutiã esportivo. — Apontei para o sutiã preto e rosa que levantava os meninos. — E calça justa de tecido elástico. Praticamente pelada, portanto.

Blake prendeu o cabelo com um elástico grosso e pôs as mãos na cintura.

— Vamos fazer isso antes que eu fuja.

— Bem, como não tenho tempo para malhar hoje, vamos fazer um dos meus WODs.

— WODs?

— Crossfit. — Dei de ombros. — Workout of the day, treino do dia. Fazemos um aquecimento rápido, eliminamos um EMOM e alguns levantamentos de peso máximo e terminamos tudo com um AMRAP e alongamento.

Blake me olhou com uma expressão vazia.

— Está falando em código?

— EMOM, every minute on the minute, todas as atividades dentro de um minuto. AMRAP, as many reps as possible, o máximo de repetições possíveis.

— Parece divertido — ela disse com sarcasmo.

Pisquei e bati na bunda dela.

— Vamos lá, Bochechinha. Temos pesos para levantar e homens para deixar com ciúmes.

— Tudo em um dia de trabalho. — Ela massageou a bunda e olhou para mim, mas eu já estava muito ocupado preparando nosso aquecimento para me importar.

Peguei dois pesos de sete quilos para ela e três para mim.

— Vamos fazer uma corrida de 200 metros e dez flexões, seguidas de flexões livres de braço e prancha, tudo bem?

Blake apontou para baixo com o polegar, depois sorriu.

— Vou ficar dolorida, não é?

— Tão dolorida, que não vai conseguir andar — respondi com um sorriso malicioso.

— Duplo sentido? — Ela riu. — Legal.

— Coach do amor. Faz parte da descrição do cargo.

— Faz?

— De quatro.

— O quê? Para correr?

— Não. — Eu ri. — Sempre quis dizer isso. Dominação, sabe... Ei, posso te amarrar mais tarde?

— Não. — Blake estava vermelha. — Duvido que isso faça parte do programa.

— Não rejeite antes de experimentar. — Eu corri para longe dela.

Ela resmungou um palavrão e me seguiu.

— A resposta ainda é não.

Acelerei.

— Olhos vendados?

— Não!

Virei e comecei a correr para trás.

— Acho que isso também é um não para fantasia, hein?

— Cliente — ela disse a palavra devagar, depois passou correndo por mim. — Isso significa que o único homem que vai me amarrar é o David.

Alguma coisa beliscou o meio do meu peito enquanto eu tentava impedir que o comentário dela vazasse pelas pequenas rachaduras que ela criava no meu coração. O que estava acontecendo comigo?

David.

Alguém poderia realmente odiar esse nome e essa pessoa. E todos os outros homens do universo que jogavam basquete.


— Eu sei por que Gabi diz que quer te matar você o tempo todo! — Blake gritou.

— Mais dois! — Meu peito bateu no chão, levantei, pulei no lugar batendo palmas e abaixei de novo.

Blake estava aguentando bem. Eu nem precisava desacelerar, o que era impressionante. Ela só reclamou uma vez quando começamos a fazer sacrifícios por flexões-burpee, o que significa, basicamente, que você faz burpees até perder a vontade de viver.

— Eu. — Ela aproximou o peito do chão. — Odeio. — Tentou levantar. — Burpees.

— Mais um!

Seus braços tremiam quando ela levantou e finalmente conseguiu erguê-los e dar um pulinho. Seu rosto lindo pingava suor. Com um sorriso largo, ela levantou a mão para um high five.

Estava me cumprimentando?

Depois de levá-la ao inferno?

Eu bati em sua mão, depois a puxei contra o peito suado.

— Ahhh! — Ela se apoiou em mim. — Obrigada por isso. Meus exercícios não são nada perto disso. Você não... — Ela desviou o olhar. — Deixa para lá.

— O quê?

— Você malha assim todos os dias?

— Sim. — Joguei uma toalha para ela e olhei meu relógio. David estava atrasado, não que eu me importasse. Tinha esquecido dele durante a malhação na academia.

— Pode recusar. — Blake estendeu as mãos para frente. — Mas se importaria se eu viesse algumas vezes por semana? Posso até pagar para você, ou algo assim. Meu treinador tem insistido para eu treinar cardio ultimamente, e acho que isso vai ajudar.

Revirei os olhos.

— Não precisa me pagar... Não sou treinador. Você só vai fazer meus exercícios comigo. Fico entediado sozinho e, por algum motivo, Lex se recusa a malhar comigo.

— Puxa, por que será? — Blake brincou, jogando a toalha suada no meu rosto.

— Ei! — Eu a agarrei e joguei sobre o tatame no chão, mantendo o corpo sobre o dela. — Está cansada?

— Exausta. — Ela riu. — Mas adoro essa sensação.

— É a melhor — disse, e senti a garganta subitamente seca quando ela olhou para minha boca.

— Então — eu me afastei um pouco —, vou te ajudar com o alongamento e...

Blake arregalou os olhos e inclinou a cabeça para a direita, como se dissesse: Olha!

David caminhava em nossa direção, balançando a cabeça no ritmo do hip hop e batucando no celular. Sempre imaginei que homens como ele ouviam Josh Groban. Ele até parecia uma versão mais alta dele.

— Fica calma. — Segurei sua perna e a empurrei esticada em direção à cabeça, depois coloquei o corpo sobre o dela, minhas pernas entre as dela. Basicamente, era uma posição do Kama Sutra, mas vestidos e sem final feliz. Droga.

Balançando a cabeça, Blake fechou os olhos e soltou um pequeno gemido.

— Ai, isso dói.

— Desculpa. — Meus dedos se atrapalharam quando deslizaram da panturrilha até a coxa. — Caramba, você é firme. — Seus músculos tremiam sob meus dedos enquanto eu os massageava lentamente.

— Isso. — Ela suspirou. — Bem. Aí.

Apertei um pouco mais, depois comecei a alongar sua perna até estarmos quase peito a peito. Ela arqueou as costas quando minha mão encontrou o nó.

— Desculpa. — Fiz uma careta e continuei massageando.

— É uma delícia. — O nó relaxou, e eu fui para a próxima perna dela.

— Ahhh. — Ela quase gozou no tatame.

— O treinador não ajuda vocês com isso? — perguntei, tentando manter as mãos focadas em realmente alongá-la, em vez de passar dos músculos para partes que não precisavam de alongamento.

— Ele me apalpou três vezes — ela resmungou. — Acho que leva o trabalho dele para o lado... pessoal.

— Chute nas bolas, da próxima vez. Depois ponha a culpa nos seus reflexos incríveis. — Empurrei com mais força sentado sobre sua perna, levantando a outra acima da cabeça. Meu corpo estava realmente gostando do alongamento, mas não porque aliviava a tensão. Na verdade, aumentava, e roupas de ginástica não eram muito discretas. Ela só precisava olhar para baixo para ver como eu estava animado para ajudá-la de todas as maneiras possíveis, dia e noite, noite e dia.

— Blake? — Uma voz profunda interrompeu nossa sessão de alongamento. Olhei para cima e sorri para David, o tipo de sorriso que um homem dá quando sabe que o outro está com ciúmes e não pode fazer nada.

— Ah, oi. — Blake se apoiou nos cotovelos enquanto eu abaixava sua perna. — Não tinha te visto aí, David.

— Você parece... — Ele apontou para o corpo dela e engoliu em seco, os olhos expressando um interesse óbvio.

— Esgotada — ela disse. E começou a rir segurando minha mão. — Ian sabe como me fazer trabalhar.

Quase gargalhei ao ver a raiva que passou pelo rosto de David. Como eu me atrevia a tocar na amiga dele? Só para irritá-lo, beijei a mão dela e pisquei.

David se aproximou de nós.

— Se quiser alguma ajuda... na academia, pode falar comigo.

— Oh. — Blake olhou para mim e para David. — Muito legal da sua parte, mas...

— Acho que estou cuidando de tudo, David. — Ri como se insinuasse alguma coisa.

— Bem, a oferta está de pé. — David se afastou lentamente. — Foi ótimo te ver, Blake. Você está... muito bem.

E olhou para os seios dela.

O que, por sua vez, fez todos os homens em um raio de 80 quilômetros compartilharem de sua admiração.

— Obrigada!

Quase gemi quando ela alongou os ombros, fazendo o peito se projetar um pouco. Minha mão tremeu, junto com meu pau.

— Hum. — O pobre David parecia pronto para engolir a língua enquanto movia as mãos para a frente do corpo e assentia. — Até mais.

O idiota estava escondendo a genitália.

Ele foi imediatamente para o supino e fez quase cem na barra. Sério, cara? O sofrimento seria terrível se ele não fizesse um aquecimento pelo menos.

Mas o Gigante Bobão era mais ardiloso do que eu esperava. Não fingiu que não estávamos olhando. Sabia que estaríamos.

Gigante Bobão manhoso e alegre. Fiz uma careta quando ele começou a levantar os quase cem como se não fosse grande coisa. Ele ficou de pé, com o peito inflado, e olhou para nós como se dissesse: “Ah, ainda estão aí? Olha isto”.

Ele acrescentou mais quinze quilos.

Tive de admitir. Ele era um idiota, mas era um idiota forte.

— Uau. — Blake respirou fundo.

Olhei para ela e vi os olhos arregalados acompanhando os movimentos dele. Ah, não.

Rangendo os dentes, quase a agarrei ali mesmo. Ela estava mesmo impressionada com esse idiota? A linha entre pessoal e profissional estava desaparecendo diante dos meus olhos, porque tudo que eu queria era empurrá-la contra a parede e mergulhar nela.

Vivia uma situação que nunca tinha enfrentado antes. Uma situação em que a garota e o cara naquela interação natural de sou homem, olha como estou rugindo — ah, meu Deus, olha como você é forte, realmente fazia meu peito doer.

Tinha dito a Blake que, se fosse necessário, eu a beijaria.

De repente, isso se tornou extremamente necessário.

Era uma declaração.

Sem permitir que meu cérebro oferecesse as razões lógicas para essa ser uma má ideia, me inclinei para Blake e a beijei.

No minuto em que nossas bocas se encontraram, ela arfou.

Esperava que ela se fechasse completamente, o que me fez virá-la de costas para David, para que ela não nos denunciasse. Em vez disso, ela colocou os braços em volta do meu pescoço, e colou o corpo ao meu.

E abriu a boca.

Seu sabor era de café e canela. Puta merda. Alguém devia fazer um chiclete com essa mistura.

Invadi sua boca, mergulhei, saqueei, basicamente plantei minha bandeira e a saudei, sempre passando as mãos em suas costas, apertando a pele, desejando que o calor entre nossos corpos chamuscasse as roupas para que eu não precisasse perder tempo as arrancando de seu corpo.

Suas mãos agarraram meu cabelo quando inclinei a cabeça para o outro lado, provocando sua boca. Fazendo amor com os lábios.

Um barulho alto ecoou.

Nós nos afastamos.

— Desculpa — David chamou do outro lado da sala de musculação. — Derrubei o peso.

Desculpa meu ovo.

Tanto faz. Eu não me importava. Porque eu era o cara que estava com a garota.

Não que ela fosse minha.

Ou que não seria dele em alguns dias.

Merda.

— Isso foi — Blake mergulhou no meu peito enquanto eu a envolvia com um braço — um ótimo primeiro beijo.

Droga! Eu estava estragando tudo. Eu fui o primeiro beijo dela? Eu? O prostituto declarado? O cara que ela estava pagando? Não era por mim que ela estava apaixonada.

E isso foi como um coice.

Ela se guardava para alguém importante, enquanto eu nunca me guardei para ninguém.

O pensamento me atormentou durante toda a caminhada até meu carro.

 

 

Shell sentou perto de mim e fingiu estudar a cafeteria. Trocamos alguns toques de mão aqui, olhares demorados ali, e uma caneta caindo estrategicamente, para dar a impressão de que eu olhava para a frente de sua blusa.

E, bum, como num passe de mágica, o Barista Ciumento apareceu. Tom. Merda, eu odiava o Tom. Não por ele ser um babaca, mas porque se recusava a ir além da fase autoritária do “eu sei o que é melhor para você”. E isso estava começando a me irritar de verdade. Era a última fase, aquela em que o cara deixava de ser protetor e passava a fazer besteira de verdade.

Shell não merecia esse limbo. Tinha feito um ótimo trabalho, e se ele não conseguia ver a mulher que ela era, nós dois, ela e eu, deveríamos ter uma conversa bem franca, e só fiz isso com uma cliente em toda minha carreira. Não queria que virasse hábito.

Além do mais, quanto mais cedo eu terminasse com a Shell, mais cedo poderia...

Franzi a testa. O quê? Terminar com a Blake? Era isso que eu queria? Mastiguei o canudinho do smoothie até ele não prestar para mais nada.

— Querem mais alguma coisa? — Tom nos ofereceu. Ele sempre falava no plural, mas ignorava completamente minha existência e mantinha os olhos castanhos e preguiçosos cravados em Shell.

— Na verdade — ela bocejou, alongando os braços sobre a cabeça e, como instruí, massageando a nuca —, queria saber se você não trabalha como massagista nas horas vagas.

Perfeito. O texto foi dado com precisão, como ensaiamos, o que era um sucesso, considerando que, nas quatro primeiras vezes que tentou comigo, ela gaguejou e quase gritou “massagista”, depois roncou no meio de uma risada nervosa. Escondi o sorriso atrás da caneta enquanto anotava mais umas bobagens sobre ética nos negócios. Eu percebi a ironia, pode acreditar.

Tom sorriu, radiante.

— Não, mas sou bom com as mãos, mesmo assim.

Olhei para as mãos de aparência fraca. Duvido, mas duvido muito, cara. Tinha certeza de que, se pudesse dar uma sacudida no mundo de Shell com aquelas mãos, o mais provável era que ela elaborasse mentalmente a lista de compras enquanto ele se esforçava para provocar alguma reação.

Tom tocou o pescoço dela e começou a massagear, enquanto Shell olhava para mim por entre os cílios longos e movia os lábios para formar Oba!

Fingi estar concentrado demais no meu estudo para notar.

Tom chegou mais perto dela, colou o peito em suas costas. Depois se inclinou para frente e sussurrou:

— Vou limpar sua agenda.

— Limpar? — ela repetiu, surpresa. — Não entendi.

— Olha para ele. — Sabia que o “ele”, nesse caso, era eu. — Estou em cima de você, e ele nem se incomoda.

Verdade. Eu me incomodava mais com a câimbra na mão de tanto escrever e com a dor nas costas de ficar debruçado em cima do livro.

— Shhh — Shell protestou. — Ele é muito legal, depois que você o conhece de verdade, é...

Hora do show.

— Shell — falei com tom duro. — Vamos embora.

Levantei e comecei a recolher minhas coisas.

— E se ela não quiser ir com você? — Tom cruzou os braços, como eu esperava, e sua postura protetora era reveladora. Encoste a mão nela, e arranco sua cabeça. Ou, nesse caso, ele organizaria um sarau de poesia e usaria as palavras, porque violência não é nada legal. Paz mundial. Salvem as baleias. Leite de soja. Ponto final.

— Shell. — Franzi a testa. — Qual é?

Ela se levantou, apesar das pernas trêmulas.

— Ian, tudo bem, temos que ir e...

— Shell! — Tom a agarrou pelo cotovelo e a puxou para o círculo protetor de seus braços. — Ele é seu parceiro de estudos, não seu namorado.

— Na verdade... — Fiz uma careta.

O rosto de Tom adquiriu um tom estranho de roxo.

— Não mais.

— Não mais o quê? — Droga, minhas costas estavam doendo. Por que os homens sempre demoraram tanto para fazer sua declaração de posse? Arar a terra, fincar a bandeira e cantar o hino da vitória.

Ele olhava para mim e para Shell, de um para o outro.

E então, a raiva desapareceu. Lá vem. Em três, dois, um.

— Shell. — Tom a segurou pelos ombros e a virou de frente para ele. — Eu gosto de você. Sempre gostei de você.

Graças a Deus, uma confissão!

— Lembra quando você sempre pedia café, mas nunca experimentava misturar um pouco de leite e mel?

E essa era minha deixa para cair fora. Alguém me salve do discurso “descobri que sempre foi você”.

Ela assentiu, e seus olhos se encheram de lágrimas.

— E aquela vez que ficou até muito tarde, dormiu em cima do livro, eu te acordei, e você disse...

— Só mais uma xícara!

Os dois riram juntos.

Puta merda, fingir que estava furioso era difícil, quando eu estava a um passo de uma dor de cabeça e eles viajavam pela estrada das lembranças românticas.

— Ele nem te conhece como eu. — Tom a puxou para mais perto, movendo as mãos sobre as dela como se os dedos tentassem acasalar com suas palmas. — Termina com ele.

Isso. Por favor. Pelo amor de Deus. Termina comigo.

Tenho de admitir, Shell fingiu estar dividida quando abaixou a cabeça e, bem devagar, disse:

— Ian, acho melhor você ir.

Vi o triunfo passar pela expressão de Tom.

A vitória pulsava em meu peito.

E assim, Tom vencia o último round... O último round era sempre do cara, a menos que o programa de computador dissesse que ele era um completo idiota. Mas até agora, o programa era infalível, sempre nos ajudou a distinguir os vencedores dos perdedores. E por mais que Tom me irritasse, eu sabia que, no fundo, ele gostava da Shell de verdade, e se eles conseguissem superar os próximos meses, provavelmente se casariam em um ano, mais ou menos. Os dois eram calouros imaturos, egoístas, e fazia sentido que tivessem demorado um pouco para superar suas inseguranças e se entenderem.

Seis dias.

E Shell tinha seu homem.

— Se é isso que você quer — falei para ela, e guardei os livros dentro da bolsa a tiracolo —, não vou ficar no seu caminho. Só não esquece, eu vou estar aqui quando esse babaca te dispensar, e ele... — Olhei para ele de cima, desafiante. — Ele vai.

— Você precisa ir embora. — Ele a segurou com mais força, com uma fúria possessiva nos olhos. — Agora.

E pronto.

Ciúme era uma coisa; salvá-la era outra. Mas no minuto em que o olhar dele passava da salvação para a admissão, e finalmente entrava no terreno da posse? Bem, eu podia dar parabéns ao casal pelo relacionamento. Projetei tudo da melhor maneira possível. Plantei as sementes, molhei e esperei que crescessem.

A menos que um incêndio queimasse toda a lavoura, elas ficariam bem.

Mais uma cliente satisfeita.

Passei por ele e entrei rapidamente no carro, liguei o motor e saí do estacionamento, tudo isso para mostrar como estava ofendido por ele ter invadido meu território.

Ouvi a notificação de mensagem quando parei no semáforo.


A luz ainda era vermelha, por isso respondi:


Joguei o telefone para o lado e ri.

— Eu sei.

Mas minha arrogância durou pouco.

Porque uma visão breve dessa mesma mensagem mandada por Blake passou por minha cabeça como uma onda ruim.

Aconteceria.

E logo.

Já estávamos trabalhando há quatro dias.

Eu disse a ela que precisava de uma semana, talvez duas, dependendo das circunstâncias. Merda, e ela progredia bem. Provavelmente, nem percebia que já não se escondia mais atrás do cabelo, nem encurvava os ombros na cadeira durante a aula. Seus ombros tinham se alinhado, ela fazia contato visual regularmente e, droga, estava linda.

Até se abria mais comigo, compartilhava preferências e antipatias, coisa que, normalmente, eu não incentivava. Mas, nesse caso, era como se ela precisasse aprender a se sentir confortável com os homens, por isso aceitei. Não tinha nada a ver com querer saber mais sobre ela, ou como seu jeito de contar histórias animadas me fazia rir.

Droga, gemi mentalmente. No ritmo em que as coisas iam, não me surpreenderia nem um pouco se David já tivesse tentado contato com ela.

Pensei em todos os cenários. Ela não mandou nenhuma mensagem o dia todo. Isso significava que ele entrou em contato. Ela ainda precisava de mim? Por que isso importava? Por outro lado, ela podia estar doente. Merda, podia estar com alguma virose, ou alguma coisa assim, e estava constrangida, porque vomitava em tudo e não conseguia nem olhar para o celular sem sentir o quarto girar. E eu aqui sendo um babaca.

Quando parei em outro semáforo, mandei uma mensagem para ela.

Nada.

Batucando no volante, resmunguei um palavrão e fiz um retorno para ir à casa da Gabi. Só queria dar uma olhada nela. Só uma vez. E não era paranoia, era preocupação.

Uma voz irritante em minha cabeça lembrava que nunca me preocupei com uma cliente antes. Nunca pensei duas vezes nelas. Mas ignorei essa voz, porque era uma oposição direta ao que eu sentia em todos os outros lugares do corpo.

Talvez Blake precisasse de mim.

 

 

Quando parei na frente da casa, estava convencido de que Blake tinha só 24 horas de vida, e sua única possibilidade de sobrevivência era transar muito comigo.

De algum jeito, no meu devaneio, passei de jogador da NFL desbotado a alguém que usava traje de voo e óculos aviador, como Tom Cruise em Ases indomáveis.

E como ela estudava enfermagem, uma das minhas fantasias eróticas preferidas, vestia um uniforme indecente com meias sete oitavos e sapatos vermelhos de salto alto.

Meu corpo se contraiu dolorosamente quando tentei, sem sucesso, me impedir de explodir dessas fantasias idiotas. Como eu havia passado de dar uma olhada nela a querer estar dentro dela?

Caramba, minha imaginação era gráfica.

Corri para a casa, entrei e gritei:

— Gabi! Blake! Serena! Alguém aí?

— Meu Deus. — Gabi levantou do sofá, meio atordoada. — Tem gente tentando dormir.

— Desculpa. — Cheguei perto dela e despenteei seu cabelo. — Não vi você aí. Cabelo legal. Vai encontrar os sem-teto embaixo da ponte para uma orgia mais tarde?

Seus olhos de gato diminuíram de tamanho quando ela bufou aborrecida e empurrou meu peito sem muita força.

— Estou doente, babaca.

Pulei para trás e tropecei, bati no abajur e o derrubei no chão com um barulho alto.

— Ah, fala sério! — Ela assoou o nariz em um lenço de papel, e o coque no topo da cabeça balançou. — Tem sorte por não ter tido uma gonorreia, com toda essa atividade sexual! E tem medo de um resfriadinho.

— Odeio germes. — Ajeitei o abajur em cima da mesinha, mas mantive uma boa distância entre mim e a doente.

Gabi jogou o lenço na minha cara. Desviei e me afastei mais.

— Ian — ela grunhiu —, você dorme com germes o tempo todo.

— Desinfeto todas antes de dormir com elas. Faz parte do procedimento, antes de jogar uma mulher na parede e dar a ela a honra de um boquete.

Ela franziu a testa.

— Ou na cama...

Os olhos se estreitaram ainda mais.

— Mas na semana passada foi uma porta.

Ela gemeu.

— Nós quebramos.

— Chega! — Mais lenços sujos voaram na minha direção. — O que você quer aqui?

— Eu, ah... — Merda. Não podia mentir para minha melhor amiga. — Tive uma ideia para a Blake, e mandar mensagem dirigindo é uma coisa que as pessoas não aprovam. Não viu os outdoors?

— Não podia só telefonar para ela?

— Eu nunca telefono para uma cliente, a menos que seja absolutamente necessário.

Também não faço verificações domiciliares, mas...

— Ela está lá em cima. Um cano do banheiro estourou, tem água para todo lado. Eu ia chamar o encanador, mas ela falou alguma coisa sobre um amigo do pai dela ser encanador, e de repente apareceu um cara alto dizendo que resolvia o problema com o pé nas costas. — Gabi deitou de novo. — Quem ainda fala “com o pé nas costas”?

— Que bom que você sabe consertar canos! — A voz de Blake soou lá em cima.

— Também limpo canos. — A risada era familiar.

— David. — Cuspi o nome dele.

— Quem? — Gabi tentou levantar, mas cobri sua boca com uma almofada e a silenciei. Ela agitou os braços. — Não consigo. Respirar.

— Para de falar, ou vou te sufocar de verdade — cochichei, jogando a almofada no chão ao ajoelhar ao lado do sofá, sentindo os ouvidos vibrarem com a estática enquanto tentava ouvir a conversa lá em cima.

— Não entendi qual é o problema.

Peguei a almofada e olhei para Gabi com ar ameaçador.

Ela levantou as mãos.

— Acho que isso... — Um trambolho pesado caiu no chão com um barulho alto; um trambolho de verdade, não o David — resolve o problema.

— Por que não ligou para mim? — Bati na cabeça de Gabi com a almofada.

— Caramba, é mesmo, por que será? — ela respondeu, debochada. — Porque quando a lava-louça quebrou, você disse que só consertava se eu dançasse na frente dela de topless, depois rebolasse coberta de óleo de coco.

Eu ri.

— Fala que não considerou a possibilidade, pelo menos.

— E você não entende por que sonho com sua morte.

Sacudi a almofada diante dela.

— Você me ama.

— É sempre muito nítido. Ontem à noite sonhei que você era atropelado.

— O carro era legal?

Ela deu de ombros e tirou a almofada da minha mão.

— Um Honda.

— Pesado. Devia ser alguém com quem transei.

— A maioria dirige Jettas.

— Estranho, não é? Mas de vez em quando aparece um Honda, ou um Nissan bonitinho. Mas essas garotas têm uma tendência a querer mais de uma noite, e eu sou um só, então...

Passos na escada.

Fiquei parado onde estava, ajoelhado no chão ao lado da minha amiga doente, e vi a cabeça de David aparecer, depois o corpo longo e esguio. Ele vestia jeans rasgado e camiseta branca. Eu torcia para ter rolado um cofrinho bem cheio de pelos enquanto ele consertava o cano.

Blake apareceu atrás dele, e seu sorriso era largo, empolgado.

Ótimo. Isso era maravilhoso. Eu estava muito satisfeito com minha nova cliente e sua capacidade de atrair o Homem Cofrinho.

— Obrigada de novo, David. — Blake cruzou os braços. Ela realmente não sabia que efeito isso tinha sobre um homem? A saliência saltava do decote da camiseta preta de corrida.

Espera aí, eu não comprei aquilo. De onde saiu essa peça?

Tossi.

Atitude patética. Eu sabia, e Gabi também sabia, pelo jeito como arqueava as sobrancelhas. Até a porcaria da almofada parecia estar me julgado, inflando na minha direção.

— Também está ficando doente? — Blake descruzou os braços e se aproximou de mim.

— Muito — respondi afirmando com a cabeça.

Gabi abriu a boca para protestar, mas soltou um gritinho agudo quando belisquei sua perna.

— Ah, não. — Blake tocou minha testa, e a mão dela estava fria. Ei, talvez eu estivesse mesmo ficando doente. Preocupada, ela se inclinou e colou a boca na minha têmpora. Estudantes de enfermagem. Eu adorava todas elas.

— Blake? — David chamou da porta. — Ele deve estar bem, e a última coisa de que você precisa é ficar doente agora, com uma prova na sexta-feira. O que acha de irmos tomar um sorvete?

Droga, ele era rápido.

Mais rápido do que eu esperava.

Porcaria.

Qual é? De repente, ele percebe que ela tem peitos e um cara que dá mais atenção, e agora quer ir tomar sorvete? Como se tivessem dez anos?

Tossi de novo, e dessa vez exagerei. O filho da mãe queria brincar? Eu ia brincar.

Fingi ânsia de vômito, depois empurrei Blake com delicadeza.

— Ele tem razão. A última coisa que quero é que você fique doente, e depois de... ontem à noite... talvez você já esteja com alguma coisa. — Minha voz ficou rouca, mais baixa, carregada com uma conotação sexual e com uma promessa de nunca desistir.

Blake abriu a boca. Eu balancei a cabeça de leve.

— Tem razão. — Ela suspirou, derrotada. — Já devo ter sido contaminada.

— É bem provável — respondi, e ela assentiu, fingindo tristeza. — Desculpa, baby. Se eu soubesse, não tinha passado a boca em você todinha. Droga, eu sou muito idiota.

David apertou a sacola que estava segurando.

— Desculpa — murmurei, olhando para ele. — Esqueci que estava aí.

— Outro dia? — Blake falou para David. — Não quero que você fique doente e perca o grande jogo.

Grande jogo? Que grande jogo? Eu precisava começar a prestar mais atenção à agenda dele.

Mas o cara jogava basquete.

Era atleta? Com toda certeza.

Entrava em confronto direto com homens de quase cento e cinquenta quilos em intervalos de poucos segundos? Não.

Era durão? Como eu?

Nem perto disso.

Ele lidava com homens suados e bolas.

Eu lidava com atacantes enlouquecidos de testosterona.

Costumava lidar, no passado.

Maldita dor no joelho.

— Tem razão. — David olhou para mim com cautela. — Bom, você tem meu telefone, então...

— É isso aí. — Blake levantou, com os seios balançando. Fiquei olhando para aquilo como um gato que ganha a primeira bola de lã.

Queria tocar.

— A gente se vê! — Quicando, quicando, quicando. Mãe de...

Olhei para o outro lado. Era necessário. Caso contrário, teria de explicar para todo mundo na sala por que esse vírus causava ereção. E essa... não parecia ser a melhor conversa para ter com uma cliente.

Uma cliente. Uma cliente. Uma cliente.

Se eu continuasse repetindo a posição dela em minha vida, talvez não me sentisse tão perto de jogá-la em cima da mesa e...

— Ian? — Blake apareceu na minha frente.

Merda. Falei alguma coisa em voz alta? Olhei para Gabi em busca de ajuda.

Ela olhava para a almofada, me ignorando completamente.

O que significava que estava furiosa. Sabia que eu não tratava Blake como uma cliente normal. Teria de ser mais cuidadoso no futuro.

Fiquei em pé e comecei a recitar o discurso de sempre.

— Na próxima vez que ele te convidar para sair, diz que está ocupada. Vai estar sempre ocupada, até eu avisar que está livre, entendeu? A regra número três da cartilha estabelece essa diretriz com clareza de detalhes.

Blake se afastou um passo e assentiu, séria.

— E não vai aceitar que ele telefone ou tente ter contato mais próximo, não quando, tecnicamente, está com outro cara. Isso faz você parecer fácil, e nosso relacionamento parecer irreal.

Gabi olhou para nós, desconfiada.

— Está acontecendo alguma coisa que eu deveria...?

— Você está doente, Gabs. — Empurrei a almofada contra o rosto dela. — Sabe o que dizem, “dormir, dormir, dormir”!

— Ela não está respirando. — Blake apontou para a almofada.

— Ela respira pelo cabelo — respondi. — Está tudo bem.

Gabi me empurrou, se livrou da almofada e arfou.

— Viu? Totalmente bem. — Pigarreei. — Eu, ah... vejo vocês mais tarde. — E saí da casa, suando.

Não porque estava doente, mas porque tinha a sensação de que logo ficaria. As coisas progrediam depressa demais entre ela e David. Senti uma vontade repentina de analisar o programa dos dois com mais atenção.

E esperava que Lex estivesse em casa para ajudar.

 

 

— Lex! — gritei assim que passei pela porta. — Reunião de emergência. Agora!

Lex apareceu alguns segundos mais tarde, com os óculos de armação escura escorregando pelo nariz e uma caneta na boca. Fiquei um pouco irritado por constatar que os óculos o faziam parecer mais inteligente do que já era.

— Qual é?

E aí ele usa expressões como “qual é”, e eu me sinto muito melhor em relação ao meu lugar no mundo.

— David. Qual é o programa? Ela está progredindo bem depressa, e ele parece estar respondendo de acordo com o esperado, mas tem alguma coisa nele que não encaixa. — Na verdade, era eu, só eu, mas morreria antes de admitir. — Pode abrir o arquivo dele?

Lex me olhou, intrigado.

— O arquivo do David? Quer ver o arquivo dele?

— Por que está repetindo o que acabei de perguntar?

Lex se apoiou no batente.

— Ah, não sei. Porque, normalmente, você só dá uma olhada no resumo que incluo no pacote. Por que isso agora?

— Curiosidade — menti.

— Sei. — Lex sorriu, depois foi para a sala de estar, onde estava seu laptop. — E essa curiosidade tem alguma coisa a ver com sua incapacidade de controlar a vontade de transar com a cliente?

Revirei os olhos.

— Não transo com clientes.

— Ainda.

— No minuto em que eu transar com uma cliente, isto aqui vira uma casa de prostituição bem lucrativa, ok?

Lex levantou as mãos, depois encostou na cadeira quando o logotipo da Cupidos S.A. surgiu na tela.

David Hughes e Blake Olson. Match com 87% de sucesso depois dos primeiros trinta dias.

— Oitenta e sete? — repeti. — Isso não é muito alto?

Lex foi clicando no restante da estatística, principalmente números que foram incluídos depois da análise do questionário de Blake, que Lex correlacionava com os interesses, a formação, as notas, os hábitos de estudo, hábitos alimentares, relacionamentos e, sim, até o histórico médico de David.

Lex hackeava tudo.

Sim, não era totalmente legal. Talvez fosse completamente ilegal. Mas estávamos ajudando pessoas. Eu tinha meu discurso pronto para o FBI, se algum dia eles me chamassem.

— Quem tem alergia a passas? — comentei ao ler o histórico médico.

Lex fechou o laptop e virou.

— Se o jornal de amanhã anunciar que o armador do Huskies quase morreu de choque anafilático, vou ter de me preocupar? Ou só vou precisar fornecer seu endereço à polícia?

Dei risada.

— Por favor, como se eu fosse descer tanto de nível.

— Gabi telefonou.

— Gabi nunca telefona.

— Ela estava preocupada.

— E ligou para você? — Agitei as mãos, depois encostei na cadeira. — Ela te odeia.

— Sim, ela disse isso umas dez vezes antes de chegar no motivo para a ligação.

— Gritou?

— Quando ela não grita? — Lex fez um ruído de desgosto. — Ela acha que você está pegando a Blake.

— Não aconteceu nada disso.

— Vai acontecer?

Engoli a saliva.

— Não.

— Puta merda. — Lex pulou da cadeira e tocou minha testa. — Está doente? Desde quando não pega alguém?

— Gabi está doente. — Eu me afastei dele para ir à cozinha. — Leve sopa para ela. Seja um bom amigo. Preciso trabalhar.

Pensei que tivesse funcionado, até sentir Lex respirando na minha nuca, enquanto eu estudava o conteúdo da geladeira.

— Você gosta dela — ele afirmou.

— Também gosto de iogurte. Quer que eu enfie o pau nele também?

Lex gargalhou.

— Nunca imaginei que veria esse dia. E vamos ver se adivinho, você nem entrou no radar dela.

Bati a porta da geladeira.

— Nem tenho que entrar, eu sou seu coach! Tenho que ajudar Blake com David, não me servir de seus produtos!

— Ela tem belos produtos.

— Cala a boca, porra! — Avancei nele, mas a gargalhada me fez parar.

— Caramba, a coisa é séria. E você não sabe nem por quê.

— Porque ela é estudante de enfermagem. E você sabe que 90% das fantasias masculinas incluem uma enfermeira sexy, uma policial safada ou uma professora sexualmente reprimida.

— Meu garoto. — Lex me deu uma colher para o iogurte. — Só não esqueça, elas assinam contratos. Mantenha suas partes ansiosas longe das dela, ou vai acabar encrencado. O contrato estabelece que, se transar com ela, a cliente pode nos processar. Fizemos de propósito, para conquistar a confiança delas, mas também para nos limitar. E nunca foi um problema.

— E nem será. — O iogurte tinha um gosto horrível.

Minha cabeça parecia mais quente.

E minha pele estava úmida.

Gabi!

Racionalmente, sabia que era impossível estar doente depois de tê-la visto hoje, o que significava que estava acontecendo alguma coisa. Mas minha paciência estava no limite, e eu precisava culpar alguém.

— Por quê? — Joguei a colher na pia e me apoiei nela. — Um dia, vou matar Gabi e pedir para você enterrar o corpo. Só não faça perguntas quando esse dia chegar, está bem?

— Por que um dia? Por que não agora? — Lex parecia confuso.

Minha cabeça começou a latejar.

— Droga! Está doente?

— Ah, não. Mas eu tomo multivitamínico. Sua ideia de vitamina é engolir uma superdose uma vez por semana, quando começa a se coçar depois de ter transado na grama.

— Gabi deve ter me contaminado — resmunguei. — Vou para cama, vou dormir até isso passar e torcer para não morrer. Se eu acordar zumbi, pelo menos tira umas fotos legais, antes de me decapitar. Beleza?

— Prometo. — Lex assentiu, sério, enquanto eu seguia pelo corredor até meu quarto e batia a porta.

A última vez que fiquei doente foi logo depois do recrutamento para o time.

Imediatamente antes de minha vida mudar para sempre.

Ficar doente era uma coisa ruim, porque era como se o universo me dissesse que as coisas iam ficar bem ruins.

 

 

O mesmo sonho de novo.

Meu cérebro tinha dificuldades para reprimir as imagens, com meu corpo tremendo de frio. Maldita febre.

Virei para o lado e fechei os olhos, mas o rosto do garotinho continuou me assombrando.


— Pode me dar um autógrafo? — ele pedia, e pulava no lugar.

Peguei minha caneta preta e ajoelhei para ficar da altura dele.

— Cara, vou te dar meu autógrafo e ingressos para o jogo de amanhã.

— Mentira! — ele gritou. — Pai, pai, adivinha?

O pai me disse “obrigado”, e uma lágrima solitária escapou de seu olho. Eu não conseguia desviar o olhar da dor lancinante que aquela lágrima expressava.

— Qual é seu nome?

O garotinho arregalou os olhos azuis.

— Tyson! Tyson Montgomery!

Era bonitinho como ele gritava o próprio nome, como se não conseguisse acreditar que estava se apresentando para mim.

Assinei seu boné do Seahawks e peguei dois ingressos para o jogo. VIP. Eram parte do meu bônus. Eu queria os ingressos para poder dar para as pessoas, mas principalmente, queria os ingressos para dar para aqueles que precisavam muito esquecer tudo por um tempo. Porque era isso que o futebol fazia por mim.

Ele me ajudava a esquecer os pais malucos.

A infância horrível e solitária.

Ajudava a esquecer que eu ainda era sozinho.

— Para você. — Entreguei os ingressos a ele.

— Obrigado. — O pai apertou minha mão quando fiquei em pé. — Não sabe o que isso significa. A mãe dele... acabou de falecer e... — A voz dele falhou.

— É um prazer. — Soltei a mão dele no mesmo instante em que ouvi um grito distante.

— Cuidado! — um homem avisou quando um carro apareceu na esquina em alta velocidade, derrubando uma barraquinha de cachorro-quente e uma da loja da NFL do lado de fora do estádio.

Mal tive tempo de reagir ao ver o carro vindo na direção do garotinho, que tinha acompanhado a fila e esperava outro autógrafo.

— Sai daí! — gritei.

Meus colegas de time empurravam os fãs para fora do caminho, enquanto o garoto continuava paralisado, atordoado. O carro ia diretamente para ele.

— Sai daí! — gritei novamente e corri para ele, empurrando-o ao mesmo tempo em que o carro bateu no lado esquerdo do meu corpo, me jogando para cima.


— Ei — uma voz feminina chamou, enquanto alguma coisa fria tocava minha cabeça. — Está tudo bem. É só a febre.

Acordei com o peito arfando, a perna doendo.

Blake tirou a compressa fria e olhou para mim, preocupada.

— Você está bem?

— Você está aqui. — Ai, merda, merda, merda. Lex ia me matar.

Ela estava em minha casa.

Nunca permitíamos clientes em nossa casa. Nunca.

Eu estava doente, mas não o bastante para esquecer as regras que tinha estabelecido. As mesmas que jurei jamais deixar de cumprir para Lex. E ela não estava só na minha casa, estava no meu quarto. Na minha cama.

— Mandei uma mensagem para você. Eu até liguei. — Blake mergulhou o pano em água gelada e torceu. — Você não respondeu nem atendeu. Passou quase doze horas apagado. Finalmente, ameacei Gabi, que ameaçou Lex, que finalmente me deixou entrar, depois de eu ameaçar pôr fogo na casa.

A risada escapou antes que eu pudesse evitar.

— Tudo isso é preocupação comigo?

— Com você? — Ela piscou. — Ah, não, isso é egoísmo. Se perder meu coach, perco meu amor. Simples assim. — Ela piscou.

O cabelo castanho e ondulado estava preso em uma trança frouxa. Mechas suaves caíam em torno do rosto, despertando em mim a vontade de puxá-las de leve, ou enrolar uma delas no dedo.

— Desculpe. — Toquei meu rosto. Estava suado, escorregadio. Levei as mãos à camisa. Estava sem ela. — E desculpe pelas roupas. — Ela não corou. Toda profissional, começou a empilhar travesseiros à minha volta, preocupada com a posição em que eu estava, depois pegou outro cobertor.

— Você estava horrível quando cheguei aqui. Lex disse que era o último estágio da sua transição para lobisomem, e falou para eu não me assustar, se você me atacasse e mordesse. Espero que seja brincadeira, porque sua aparência combinava com isso.

Gemi.

— Eu me sinto horrível. E repugnante.

Sorrindo, ela tocou meu rosto com o pano novamente. A sensação era muito boa. Deixei escapar um gemidinho e a segurei pelo pulso antes de conseguir me conter.

Ela paralisou.

E eu me arrependi imediatamente.

— Desculpe. — Pigarreei para limpar a voz rouca. — É que a sensação é muito boa.

— Que bom.

— Sabe o que me faria ainda mais feliz agora?

— Sopa? — ela adivinhou.

— Você de uniforme de enfermeira. Qual é seu manequim? Um 38 com curvas? Um 40? Acho que tenho algumas fantasias no closet, se quiser...

Ela jogou o pano no meu rosto, e senti a água escorrer por meu pescoço. Rindo, afastei o pano e me surpreendi ao ver que ela também ria.

Blake revirou os olhos.

— Você é meio que um porco.

— Verdade, mas sou mais um desses porquinhos fofos, sabe? Que cabem em uma xícara de chá. Ainda um porco, mas você quer ficar com ele, porque é adorável.

— Não era bem isso que eu queria dizer. — Ela puxou o cobertor, me expondo ao quarto gelado.

— Ahhh — gemi. — Por que está me torturando?

— Tira a calça.

— Quê? — Meu corpo se contraiu tão depressa, que quase caí da cama.

Blake suspirou.

— Você é nojento.

— Uau, obrigado. Também te amo.

— Tira a calça. Agora.

— Sou nojento, mas quer que eu tire a calça. Nunca provoquei esse tipo de reação em uma mulher antes. Muito menos na cama.

Blake não respondeu. Só se dirigiu ao banheiro da suíte e abriu a torneira da banheira.

Minha cabeça voltou a latejar. Com um gemido abafado, pressionei as têmporas com os dedos.

— Temos que baixar a febre. — Ela voltou ao quarto. Acho que voltou. Estava vendo tudo dobrado. Era por isso que eu odiava germes e Gabi, na ordem inversa.

Acenei para Blake como se a dispensasse.

— Me deixa morrer. — O calor invadiu minha cabeça, e ela latejou mais forte.

— Nenhum homem fica para trás — ela brincou. Depois puxou minha calça jeans. Que bom. Não só estava indefeso diante de uma garota que queria levar para a cama, como ela acabou de me despir e nem parecia impressionada.

Eu estava pelado.

E mesmo assim, nenhum comentário de apreciação.

Droga. Nem entrei no jogo, e já tinha perdido.

— Levanta. — Ela me ajudou a ficar em pé. Felizmente, era uma atleta, por isso era forte. Eu sabia que não estava ajudando muito, considerando que tropeçava e cambaleava a caminho da banheira.

— Por que está fazendo isso? — perguntei. Olhei para ela e vi três rostos iguais. Mas ela ainda era bonita, e em meu estado febril, não havia nada que eu quisesse mais do que beijá-la, ou só me apoiar em seu pescoço como um patético desperdício de humanidade.

— Simples. — Ela sorriu para mim. — Apesar do seu autoritarismo e do humor grosseiro, gosto de você.

Gosta como eu gosto? Ou gosta tipo “ei, você é um bom amigo”? Quase gemi alto com essa minha narração interna.

Bom trabalho, Ian. Talvez no recreio você peça para o Lex entregar um bilhete e pedir para ela marcar a resposta correta.

— Também gosto de você. — Sorri para ela.

— Então entra na banheira.

Olhei para ela, tentando transmitir uma mistura de desafio e força.

— Entra... antes que eu chame Lex para vir pôr você lá dentro. E tenho uma razão muito boa para acreditar que, no quarto, ele é como uma granada explodindo na sua cara.

— Como chegou a essa conclusão?

— Fácil. Ele foi ver a Gabi, depois que viu como você estava doente. Passou a noite toda com ela, e ouvi muitos gritos.

— Lex? — Cheguei perto da beirada da banheira. — Meu melhor amigo Lex? Devia ter chamado a polícia. Ele vai matar a Gabi.

— Ela mandou uma mensagem dizendo que está bem.

— Ela está com febre! É claro que está bem! Vi dois unicórnios e um elefante voador só no caminho da minha cama até aqui.

— Dumbo? — Blake riu. — Você viu o Dumbo?

— Eu tinha pavor de orelhas grandes quando era pequeno. — Por que estava dizendo isso em voz alta? Por quê? Por quê? Por que, Deus? Mas só estava acontecendo, continuava acontecendo. — Acho que era porque me chamavam de Orelhas Grandes, e depois, quando as crianças conheceram o Dumbo... foi o começo do fim. Eu me recusava até a comer orelha de macaco, o biscoito palmier, porque achava que iam fazer minhas orelhas crescerem mais. Muito triste, perdia sempre a melhor parte no parque.

— Entra — disse Blake, ignorando meu comentário sobre orelhas de elefante.

Lentamente, fui entrando com a ajuda dela, me acomodando, e gritei palavrões que nenhuma dama da natureza dela jamais deveria ter de ouvir.

— Filha da puta! — berrei. — Odeio você! Não gosto mais de você. Retiro o que disse. Tudo. Quero sair daqui. Por que tão fria?

— Não está fria. — Blake me segurou. — Você tem essa sensação porque está muito quente. Temos que fazer a febre baixar.

— Eu sempre estou quente, Blake. — Bati na mão dela para tirá-la da minha testa. — Viu? Sentiu? Estou curado. Recuperação milagrosa. — E me encolhi um pouco quando a dor latejante persistiu, depois quase morri de rir quando vi um Dumbo voando na minha frente. — Odeio orelhas grandes. Por que ninguém entende?

— Orelhas grandes são péssimas — Blake concordou comigo. — E febre também é horrível. Portanto, preciso da sua cooperação enquanto continuo enchendo a banheira, ok?

Inclinei o corpo para trás, batendo os dentes.

— Pior momento da minha vida. Segundo pior.

Blake olhou para mim, curiosa.

— Qual foi o primeiro?

— Quando eu quase morri.

Ela ficou em silêncio.

— Esta noite, morri em seus braços... — cantei e comecei a fechar os olhos. — A banheira não é tão ruim, Blake.

— Eu sei.

— Acho que podemos ser melhores amigos. Só tenho dois. Mas vou matar os dois em breve, então vai abrir uma vaga.

— É bom saber.

— Mas você vai ter que cozinhar para mim.

A risada melodiosa de Blake fez meu corpo se contrair, mas a água fria me poupou de constrangimentos. Espera, por que eu estava na água? Por que Blake estava aqui?

— Eu cozinhava para meu pai e meu irmão o tempo todo.

— Sério? Seu irmão é bonito como você?

Os olhos de Blake ficaram mais suaves.

— Ele morreu.

— Sinto muito. — Procurei a mão dela às cegas. Estava muito cansado, mas era importante confortá-la, só estar ali, ao lado dela. Percebi como ela se curvou, como se esquecesse todos os estágios da transformação de mulher insegura a confiante. — Morrer é uma droga.

Não sabia o que mais poderia dizer.

— É. — Ela riu baixinho e balançou a cabeça. — É mesmo, Ian.

— Blake?

— Hum. — Ela fechou a torneira com a mão livre. Eu ainda segurava a outra.

— Eu gosto de você.

— Também gosto de você.

— Apesar das minhas orelhas grandes?

— Por causa delas.

— É o que todas as mulheres... — bocejei — dizem.

— Aposto que sim...

A dor latejante começou a diminuir. Não lembro de ter saído da banheira, mas lembro de sentir a mão de Blake quando mergulhei em um sono reparador.

 

 

Minha mão tocava alguma coisa macia. De olhos fechados, apertei, e apertei de novo. Ah, puxa, um sonho bom. Muito nítido. Como se os seios dela estivessem realmente ali, no meu quarto, na minha cama. Na minha mão.

Bom, já que estava sonhando...

Montei em cima de Blake e usei as duas mãos, segurei tudo que podia, apertei de novo quando as pontas dos dedos encontraram os mamilos.

Ela abriu os olhos.

— É evidente que já se sente melhor — sussurrou, depois me empurrou.

— Não — respondi rindo. — Ainda estou delirando. O que decidimos sobre a fantasia de enfermeira?

Blake vestiu rapidamente um moletom com capuz, cobrindo a regata branca e o short preto e curto.

— Nada de fantasia de enfermeira. Você já está bom. E eu preciso ir treinar.

— Que tipo de enfermeira é você? Dorme com um paciente, depois vai embora à primeira luz do dia! Eu devia te demitir. — Sorri e bati no espaço ao meu lado na cama. — Mais cinco minutos?

— Ei, só estou cumprindo as regras, coach! Seu contrato não diz que não pode dormir com as clientes? — Ela piscou.

Droga, ela era uma graça. Queria beijar aquela boca sexy.

— Sexo — concordei, balançando a cabeça. — Não dormir. Dormir é algo que incentivamos. Sabia que pelo menos 60% dos insones se transformam em homicidas?

— Isso é mentira. — Ela cruzou os braços. — E eu preciso mesmo ir treinar.

— Tudo bem. — Tentei levantar. — Espera! — Ela esticou as mãos para frente.

Mas era tarde demais.

O lençol escorregou, e eu estava completamente nu, olhando para o meu corpo e me perguntando se ela ficaria ofendida ao ver que o breve contato físico afetou minha masculinidade.

— Isto aqui — apontei — é matinal.

— É claro. — Seu rosto ficou vermelho. — Eu vou... — E recuou em direção à cômoda, derrubando minha colônia e um protetor labial. Ela se abaixou depressa para pegá-los.

Deixei escapar um gemido quando sua bunda balançou no ar.

— Não está ajudando, Blake.

Ela devolveu os objetos à cômoda e estendeu a mão para a maçaneta, mas errou a mira três vezes, antes de gritar tchau, sair e bater a porta.

O quarto ficou em silêncio.

Fiquei me perguntando se era uma coisa ruim ela ter saído correndo depois de ver minha ereção. Isso nunca aconteceu antes. Na verdade, o normal era um queixo caído, um começo de desfile, muitos gemidos e, em dois casos, sutiãs descartados espontaneamente.

A porta se abriu.

— Desculpa! — Blake apareceu. — Só queria lembrar que tem que ficar na cama.

— Mas...

— Na cama! — A Enfermeira Ratched estava de volta. Ela me encarava com os olhos azuis e frios, me desafiando a tentar discutir. De repente senti que recebia um cuidado de mãe. O que era estranho, porque meu pau ainda não havia recebido a mensagem. — Toma o paracetamol que deixei para você, e eu volto depois do treino para trazer sopa.

— Comida? — Fiquei interessado.

— Comida. — Ela baixou os olhos por um instante antes de pigarrear e apontar. — Não devia dar um jeito... nisso?

— Isto? — Merda, falar sobre meu mastro só piorava as coisas; a rigidez, a dor, o constrangimento. Meu corpo parecia querer novas alturas. — Uma boa enfermeira não ficaria para ajudar?

Ela revirou os olhos.

— Você é nojento de verdade, sabe disso, não sabe? — Ela sorria, o que me fez pensar que estava brincando. Ou... puta merda... ela estava flertando comigo?

— Eu te proíbo oficialmente de andar com Gabi. O que ela disse sobre mim para ter essa opinião tão ruim a meu respeito?

— Por que acha que é a Gabi? — Ela deu de ombros. — E tem mais. Você é um galinha.

— Eu toparia mudar de vida, se você me ajudasse com isso, doutora.

— Estou indo embora.

— Foi alguma coisa que eu disse? — Ri da expressão horrorizada, mas abaixei depressa, a tempo de desviar do protetor labial que passou perto da minha orelha, arremessado com uma velocidade impressionante que eu não esperava.

— Vou cuspir na sua comida! — ela avisou antes de bater a porta.

Só me ajeitei novamente na cama porque, além de saber que erraria o vaso se tentasse fazer xixi, ela voltaria com comida.

Com comida.

Para mim.

Droga. Estava acontecendo alguma coisa. Alguma coisa... que eu realmente não queria reconhecer. Eu sempre reagia às mulheres. Sempre. Apreciava todas elas, achava todos os formatos e tamanhos atraentes. Mas nunca reagi a uma cliente, ultrapassei esse limite. Com Blake era mais que isso — eu sentia que era mais — porque, quando estávamos juntos, eu não queria que o prazo acabasse. Não fingia estar ouvindo, e não olhava para o relógio e dava todas as dicas não verbais da necessidade de encerrar a reunião.

Eu gostava dela, só isso. Simples assim. Ela era bonita, mas alguma coisa me dizia que, mesmo que ainda estivesse vestida com os moletons largos e usando um elástico felpudo no cabelo, eu não teria demorado muito para descobrir o tesouro que ela era embaixo de tudo isso.

Blake era leal e esforçada. E se importava, mesmo com alguém com quem não devia se importar... eu.

Na noite passada, enquanto estava com febre, tive aquele momento. Um momento de clareza. Eu era o Grinch cujo coração havia triplicado de tamanho. Olhei para baixo.

Ou talvez fosse só meu pau.

De qualquer maneira, não era mais só a reação física instantânea. Tinha alguma coisa nela, algo que me fazia querer dar um soco na cara de David e roubar Blake para mim.

Comida.

Ela não levaria comida para ele.

Comida significava...

Ai, merda.

Significava alguma coisa.

— Certo?

E agora eu estava agindo como todas as minhas clientes, aflito e desesperado para chamar a atenção da pessoa que queria. Fantástico.

Ainda estava no jogo, mas no banco, no aquecimento, sentindo as tábuas embaixo da minha bunda dura, enquanto David marcava o touchdown da vitória. Maldito David.

Suspirei, peguei o celular na mesa de cabeceira e mandei uma mensagem para Lex.


Ele respondeu imediatamente.

 

 

 

 

 

 

 


Olhei intrigado para o telefone.

 

 

 

Deixei o telefone de lado e sorri, imaginando que bom médico Lex havia sido para Gabi. Aposto que ele jogou o remédio nela, depois gritou porque ela não melhorou imediatamente. Lex não era paciente, não com Gabi. Eu queria falar com ela também, mas estava exausto de repente.

Com um gemido, esfreguei os olhos, me ajeitei depressa embaixo das cobertas e voltei a dormir.

 

 

Quando Blake voltou à minha casa, eu tinha tomado banho e estava na sala vendo reprises de Game of Thrones. Quando ouvi as batidas na porta, sabia exatamente quem era.

Levantei no mesmo instante em que Lex foi abrir a porta.

Ai, merda. Eu teria de explicar por que ela estava de volta.

— Oi, Lex. — Blake se ergueu na ponta dos pés, beijou o rosto dele e seguiu para a cozinha, como se tivesse privilégios de namorada.

Curioso, vi pelo canto do olho quando ela deixou duas sacolas de delivery sobre a mesa e começou a tirar embalagens de dentro delas.

Lex fez um biquinho, se aproximando mais dela do que eu teria gostado.

— Por favor, diz que trouxe comida para mim também.

Rosnei do meu lugar no sofá.

— Ah, oi, Ian. Não tinha visto você aí — Lex mentiu.

Mostrei o dedo do meio, enquanto Blake continuava espalhando uma quantidade insana de embalagens de comida sobre a mesa.

— Trouxe seu favorito. — Blake sorriu para meu sócio como se eles fossem melhores amigos. Qual é? — Chow mein, certo?

— Com porco?

Bebi água da minha garrafa, depois levantei de repente, caminhando meio tonto em direção ao bar.

— É claro. — Ela empurrou a embalagem, e o cheiro de comida tailandesa, chinesa e...

— Panera Bread — gritei, mais alto do que era necessário.

— Perdoa o Ian — disse Lex. — Às vezes acho que ele gosta mais de comida que de sexo.

— E às vezes — sentei —, dependendo da garota, é verdade.

Blake mordeu o lábio e ficou um pouco pálida antes de empurrar um recipiente de plástico preto com sopa em minha direção.

Ela ficou pálida quando mencionei sexo.

Isso significava que ou estava com ciúme por não ser ela, ou totalmente incomodada por eu ser o tipo de homem que saía e fazia sexo sem sentido com garotas igualmente sem sentido.

Olhei para a sopa e franzi a testa.

— Está muito quente? — Blake perguntou, dando a volta no balcão para me entregar um guardanapo.

Ela cheirava a baunilha queimada. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto, e algumas mechas da confusão de ondas em castanho-dourado ainda estavam molhadas. Ela não usava maquiagem, só alguma coisa nos cílios e brilho nos lábios.

Contive um gemido. Ela era bonita de verdade. Toda ela.

Mesmo vestida com o moletom boyfriend cuja compra acabei permitindo. Cor-de-rosa. Ai, ela e o rosa.

Olhei para baixo.

Os chinelos tinham voltado, mas por alguma razão, era como se, enquanto ela os estivesse usando, na minha cabeça, estaríamos bem. Como se, no minuto em que ela não se sentisse mais confortável perto de mim, eu perderia a cabeça e... não sei. Meus planos não iam tão longe, porque não deixaria que isso acontecesse.

— Sim — respondi. — A sopa está muito quente. — E me inclinei para frente, até minha boca estar a centímetros da dela. — Sopra?

— Quer que eu sopre sua sopa — ela declarou em um tom gelado. — Quantos anos você tem? Doze?

— Treze — Lex interferiu. — Rápido, conta para ela sobre a barba que acabou de aparecer. Ah, e os testículos desceram há uns dois dias, então, se acontecer uma mão boba... bom, ele é novato e está com tesão.

— Estou triste — olhei para Lex — por Gabi não ter conseguido arrancar suas bolas.

— Não por falta de persistência — ele resmungou, e a expressão perdeu um pouco da exuberância.

— Ah, sim. — Peguei a colher, e Blake me deu um pedaço de pão francês. — Gabi disse que, na próxima vez que tocar nos seios dela, vai ser atropelado pelo cortador de grama.

Lex riu.

— Ela não sabe nem ligar essa coisa. E eu não toquei em nada dela. — Ele se arrepiou. — Tenho cara de quem quer uma doença incurável? Só queria ver se ela estava com febre, toquei sua testa e... minha mão escorregou.

— Da testa. — Dei risada. — Isso é... uau... impressionante. Ela devia estar com um sutiã do tipo push-up.

Levei a sopa aos lábios e soltei a colher.

— Merda, está quente mesmo.

Blake revirou os olhos, depois se inclinou e soprou a sopa de tomate. Os lábios carnudos formaram um O perfeito.

Fiquei olhando.

Até Lex olhou.

O silêncio era absoluto.

Finalmente, ela olhou para nós.

Lex virou e começou a assobiar, enquanto eu continuava olhando.

— Você sopra bem — falei com minha voz mais romântica.

— Vindo de você, esse é um elogio e tanto. — Ela balançou a cabeça.

Mantive o rosto impassível, mas odiava que ela pensasse assim sobre mim. E eu nunca me importava com o que as garotas pensavam.

Porque, em grande parte, as garotas com quem eu convivia faziam isso com frequência, sabe, pensar em qualquer coisa depois do sexo. Não havia sentimentos, nem compartilhamento, só prazer mútuo. Até agora, eu me considerava um homem de sorte por encontrar mulheres que só queriam alívio. Agora? Era como se eu estivesse perdendo alguma coisa. Algo importante.

— Come. — Blake piscou, pegou uma salada de frango e começou a devorá-la como se não comesse há semanas.

De novo, Lex e eu paramos.

Eu por estar absolutamente fascinado por ver uma mulher, sem ser Gabi, comer de verdade sem falar sobre dieta.

Lex porque seu maior afrodisíaco eram os comerciais da Carl’s Jr. Era o pornô dele. Vai entender.

Eu nunca deixaria Blake comer hambúrguer na frente dele. Nunca. Nem os baratos, tipo McDonald’s.

— Hum... — Tossi, cobrindo a boca com a mão, e ela levantou a cabeça e nos olhou. — Tem frango aí na sua... ali. — Apontei para o canto da boca.

Ela corou, limpou a boca e balançou a cabeça.

— Desculpa. Eu sempre fico faminta depois do treino. E não tive tempo para pegar nem barrinhas de proteína, porque passei a noite toda ocupada bancando a enfermeira.

— Sem a roupa de enfermeira — reclamei.

— Você ainda tem aquilo? — Lex perguntou.

— Vocês são... — Blake levantou. — Bom, digamos que faz todo sentido, isso que vocês fazem.

— O quê? — A sopa estava esfriando, e tomei mais um pouco. — Salvamos as mulheres delas mesmas. E mais importante, as ajudamos a conquistar o homem de seus sonhos. Se isso é errado, não quero estar certo. — Pisquei, e Lex levantou a mão para um high five.

Blake deu a volta na mesa e tocou minha testa com força.

— Ai. — Quase caí da cadeira. — Que violência, Blake.

— Ontem à noite você disse que gostava. Estou só cumprindo as ordens.

— Eu disse?

— Sim. — Ela tirou a mão. Apesar do brilho nos olhos, não consegui decifrar o que ela estava pensando. — Antes de me mandar lamber suas orelhas.

— Zona erógena — respondi, sorrindo. — Não descarta antes de experimentar.

— A febre passou.

— Que bom. — Levantei e fui buscar meu computador.

— Ei, o que está fazendo? — Blake tirou o computador das minhas mãos.

— Vou... trabalhar? Tenho uma média geral quase perfeita, e preciso mantê-la assim. Tenho que mandar e-mails para os meus professores, ver se não há novas clientes para serem entrevistadas e...

— Não. — Ela abraçou o computador. — Você está fraco por causa da febre. Hoje só precisa descansar. Amanhã você pode trabalhar.

— Sou seu coach do amor. Se eu descansar, isso significa que você não vai ter seu homem.

Ela mordeu o lábio inferior e franziu a testa.

— Já esperei tanto tempo. O que é mais um dia?

Suspirei e estendi a mão para o computador.

Ela o manteve contra o peito.

— Blake.

— Ian.

Olhei para Lex, pedindo ajuda, mas ele já havia saído da sala.

— Tudo bem. — Suspirei. — Vou sentar aqui e ver televisão durante o resto da tarde, e vou para a cama às 18h.

— Não está mentindo, está?

— De jeito nenhum.

— Tudo bem. — Blake continuou abraçando o computador e foi sentar no sofá. — O que vamos ver?

— Você não pode ficar.

— Por que não?

— Porque não! — Tinha trabalho para fazer. Não estava brincando sobre os deveres de casa e a necessidade de verificar se estava tudo dentro dos prazos. Quanto mais depressa me livrasse dela como cliente e a jogasse nos braços do idiota do David, mais depressa ela perceberia que ele era um cretino e voltaria correndo.

Certo? Tudo que eu sabia era que desejava que nosso tempo acabasse, porque então seria justo eu entrar no jogo, em vez de ficar assistindo a tudo do banco.

— Somos amigos — ela anunciou.

Quase vomitei.

— O que foi que disse?

— Amigos.

Foi o que pensei. A bomba começada com A.

— Tenho dois. Não preciso de outro. Sabe como é aquela história da terceira roda... — Dei de ombros. — Mas se quiser um upgrade, posso dar um jeito. Pode ser uma amizade — estendi a mão, depois a outra —, mas com bônus, como em um emprego de verdade.

— Amizade colorida.

— Ei, foi você quem disse, não eu.

— Ian.

— Oi?

— Senta, cala a boca e tenta não voltar a delirar.

Com um suspiro frustrado, sentei na ponta do sofá mais afastada dela. Não por não me sentir intoxicado por sua presença, mas por perceber, de repente, que não tinha autocontrole com ela, e não queria que ela soubesse quanto me afetava.

Quanto eu queria sentir seu gosto muitas, muitas vezes.

E quanto me ressentia por saber que ela jamais ia me querer do mesmo jeito.

Pela primeira vez na vida, queria uma garota que não podia ter.

E isso era uma porcaria.

 

 

— Ian? — Blake chamou. De algum jeito, ela havia conseguido mudar do lado dela do sofá para o meu. Nosso sofá de couro era legal; uma das extremidades era mais longa, com almofadas de um material cujo nome não sei, e uma pessoa podia se recostar com os pés para cima e assistir ao filme.

— Que foi, Bochechinha? — Bocejei, passei um braço sobre os ombros dela e paralisei. Merda, era natural demais.

Ela se aninhou em mim.

Todo meu corpo se contraiu de prazer quando ela apoiou a mão no meu peito e suspirou profundamente.

— Fala — insisti. — E saiba que só não pausei Game of Thrones porque já vi esse episódio umas mil vezes. Caso contrário, teria posto fita adesiva na sua boca. Você foi avisada.

— Uau. — Ela exalou com um barulho alto. — Obrigada.

— E aí? — Deslizava os dedos para cima e para baixo por seu braço. Era instintivo; não conseguia e não queria deixar de tocá-la. Ela usava uma regata de corrida cor-de-rosa e short de tecido elástico que mostrava uma boa parte do traseiro redondo e das belas pernas. — Em que está pensando?

— Você já...? — Ela ficou meio tensa, como se dissesse a si mesma para relaxar, e se recostou em mim. — Já pensou que alguma coisa que queria não é mais o que você quer?

— Tipo... como se passasse a vida inteira correndo atrás de um objetivo, e de repente esse objetivo mudasse?

Ela se afastou bruscamente e olhou nos meus olhos.

— Sim, é exatamente isso.

Endireitei as costas.

— Blake, isso é a vida.

— Mas... — Ela passou as mãos no cabelo e refez o rabo de cavalo baixo. — Parece muito inconstante passar de uma coisa para outra.

— Essa é uma das coisas para as quais serve a faculdade. — Franzi a testa. — Descobrir-se... perceber que, bom, talvez usar o chinelo da Adidas de 1992 não seja tão legal quanto pensava. — Sorri.

Blake gargalhou.

— O chinelo não é meu, babaca.

— Roubou o chinelo horroroso de um desconhecido e decidiu que, ei, vamos trazer essa tranqueira de volta.

Ela franziu o nariz. Era uma graça.

— Não foi bem assim. O chinelo era do meu irmão, e... depois que ele morreu, sei lá... eu só... quis me sentir perto dele.

— E saqueou o closet que era dele?

— Tudo tinha o cheiro dele. —Ela desviou o olhar com ar distante. — Era confortante.

— Até ter que lavar tudo.

Mais uma gargalhada.

— Até meu pai me obrigar a lavar tudo, sim. Faz só dois anos. Ainda sinto saudade dele.

— Como ele morreu?

— Acidente de carro. — Ela se encolheu embaixo do meu braço. — Um motorista bêbado. O de sempre. Antes eu ficava furiosa quando falava sobre isso, mas quando comecei a usar as roupas dele, elas pareciam quase uma armadura invisível.

— Odeio dar essa notícia, Bochechinha, mas esse chinelo é qualquer coisa, menos invisível.

A almofada voou na minha cara.

— Ei! — gritei, enquanto ela tentava levantar e escapar de mim. — Ah, não, de jeito nenhum. — Eu a segurei pela cintura e joguei de volta no sofá, depois debrucei sobre ela.

— Para! — Blake agitava os braços e gargalhava. — Não pode me obrigar a ficar!

Lambi sua bochecha.

— Sinto muito, mas a regra é clara. Se lamber, é seu.

Ela parou de rir.

— Ah, é?

Assenti, sério.

— Primeira regra do jardim da infância. Não prestava atenção à aula?

— Devo ter perdido essa.

— O tema aparece junto com segurança em incêndios.

Ela segurou minha cabeça com as duas mãos e puxou. Minha testa quase tocou a dela. De repente, respirar se tornou muito difícil, enquanto ela olhava para minha boca. E bem devagar, ela inclinou a cabeça e lambeu minha bochecha.

Cada parte do meu corpo sentiu aquela lambida.

E queria sentir de novo.

Fechei os olhos e me arrepiei de novo.

— Acho que já falei para você não desafiar um jogador.

— Só estou seguindo as regras.

— Às vezes — segurei seu queixo —, odeio minhas regras.

Ela engoliu em seco.

— Eu também.

Não sei quem tomou a iniciativa, ela ou eu, mas de repente estávamos nos beijando, ou melhor, eu estava em cima dela, beijando sua boca enquanto ela enlaçava meu corpo com as pernas e me puxava para perto.

Era o paraíso.

Era o inferno.

Gemendo, rolamos para o chão, ela ficou em cima, eu embaixo, depois trocamos.

Ela não beijava como se fosse inocente. Beijava como se a boca tivesse fome da minha. E corresponder a esse beijo era como finalmente encontrar a única garota que eu queria beijar, talvez mais que transar com ela.

Porque era uma boca tão gostosa, que me afastar dela para despi-la teria sido um crime.

As línguas se enroscaram quando ela passou a mão no meu cabelo. Toquei seu sutiã, e ela chutou os chinelos para longe, quase acertou minha cabeça.

— Calma — murmurei com a boca sobre a dela.

Ela riu, depois me beijou com mais ardor, e meus dentes quase bateram nos dela quando aprofundei o beijo. A dúvida tornou-se um alarme de incêndio na minha cabeça, mas ignorei o aviso, desesperado por mais Blake. Os lábios dela se moveram embaixo dos meus — quentes, molhados, acolhedores, tão exigentes, que ela me levava quase ao limite.

A porta da frente foi fechada.

Interrompemos o beijo.

Mas não nos afastamos.

Eu sabia que não teríamos tempo.

— Opa. — Lex avaliou a situação. — Ou ele te drogou, ou...

— Treinamento — disparei, olhando para Blake. — Vamos marcar um encontro dela com David. Ele está avançando pelos estágios tão depressa, que imagino que vai tentar alguma coisa no cinema.

O corpo de Blake enrijeceu, e ela desviou os olhos dos meus, depois forçou um sorriso para Lex.

— Acho que já entendi.

Com um empurrão, ela me jogou sentado no chão, e já pegava a bolsa e o celular.

— Obrigada, Ian.

— Blake...

— Sério. — Ela virou, e o sorriso era tão falso, que era doloroso de ver. — Eu, ah... mando uma mensagem amanhã com os detalhes do encontro.

Merda. Eu não ia permitir esse encontro!

Ela bateu a porta.

Eu estremeci.

Lex assobiou baixinho, depois bateu nas minhas costas.

— Bom trabalho, cara. Por que não pode só ser honesto? Uma vez.

— Ela é cliente. — Não estava convencendo ninguém com essa declaração vazia.

— É mais que isso.

— Ela é... — Soquei a almofada, depois a joguei no sofá com força. — É minha cliente. Se é David que ela quer, vou ajudar. Ela merece isso, pelo menos.

— E se não for isso que ela quer? — Lex perguntou em voz baixa. — O que você vai fazer?

— Eu...

— Foi o que eu pensei. — Ele se aproximou do interruptor e apagou a luz. — Te vejo do outro lado.

 

 

Os dias seguintes passaram voando. Blake respondeu às minhas mensagens com educação, e o beijo nunca foi mencionado.

Magoei Blake, sabia disso. Quando fechava os olhos, ainda via a cara de incredulidade, que tinha se transformado em raiva quando ela abaixou a cabeça e saiu de casa.

E era por isso que as mulheres não podiam entrar na minha casa.

Por isso eu tinha regras, droga!

Olhei para o sofá. Como se nele pudesse ver uma reprise repentina do que aconteceu algumas noites antes.

A boca de Blake era doce, suculenta. Pensar nela era suficiente para sentir o pau enrijecer na calça jeans. Minha reação física era suficientemente alarmante sem associá-la ao fato de não conseguir pensar nela, me perguntar se ela estava bem e querer falar com ela.

Só falar.

Sobre nada. Eu só precisava ouvir a voz dela.

Merda.

Lex entrou na sala, me viu enchendo um copo com suco de laranja e riu.

— Laranja agora provoca esse efeito em você — disse. — Preciso esconder as velas de flor de laranjeira na sala, ou é só um estágio?

Revirei os olhos.

— Não é o suco. Nem as laranjas. — Suspirei. — É o sofá.

— Ah. — Uma expressão perplexa passou pelo rosto de Lex. — O sofá?

Assenti.

— Então agora, na hora da sacanagem, você fala em almofadas? Contagem de fios? Couro macio? Ikea?

— Cala a boca. — Cobri o rosto com as mãos e resmunguei alguns palavrões. — O que está acontecendo comigo?

— Cara, se teve uma ereção por causa do sofá, é você quem tem que me dizer.

— Por causa do que aconteceu no sofá.

— Ahhh. — Lex pegou as chaves de cima da mesa. — Está falando da prática de beijo que não era prática de beijo, era você quebrando as regras, e de como eu entrei e, ah, sei lá, mais meia hora, e o sofá teria ficado todo sujo com o sexo que você atualmente não está fazendo.

— Por que somos amigos?

— Tchau. — Lex se despediu mostrando o dedo do meio. — E não que eu seja especialista em relacionamento, porque prefiro dar uma e seguir minha vida, mas talvez deva conversar com ela. — Ele assentiu devagar. — Use suas palavras.

— Ridículo.

A risada de Lex me fez sentir vontade de riscar o carro dele com a chave.

Ou entrar no meu e ir até Puget Sound.

Muito bem. Eu podia usar minhas palavras. Podia consertar tudo isso. E ia consertar tudo isso.

Olhei para o relógio. Tinha duas horas antes da aula, e Blake não tinha aula de manhã.

— Palavras — murmurei ao pegar o celular. — Usar minhas palavras.


— Não é bem isso — avisei ao ver Blake pegar uma almofada do sofá e apontar para o meu rosto, depois, como se pensasse melhor, baixar a pontaria para a região entre minhas pernas.

Passei cinco segundos na casa dela, antes de a Terceira Guerra Mundial explodir.

—Você acha? — ela retrucou, furiosa.

— Estou tentando melhorar as coisas!

— É isso que está fazendo? — ela gritou. — Pediu desculpas por me beijar, depois me beijou de novo!

— Sobre isso... foi o momento. — Ela estava tão linda, que esqueci o discurso grandioso. Só me desculpei pelo fim de semana passado, e dois segundos depois, minha boca estava na sua.

E ela correspondeu.

Por uns quatro segundos.

Depois me empurrou com tanta força, que o café respingou do copo e caiu no meu peito, e acho que deixou uma marca de queimadura que descia até o meu pau.

Péssimo dia para sair sem cueca.

— Ian. — Por que era tão bom ouvir meu nome daquela boca carnuda? Deus devia estar me punindo. A única garota que eu queria, e ela se preparava para me sufocar. Ótimo. — Você não é esse cara, o que só tem um relacionamento. É isso que eu quero. Chega de beijo aleatório. Porque... bem, porque me confunde. E não é justo.

Suspirei e abaixei a cabeça.

— Eu sei, Blake. Desculpa. Fiquei empolgado. Conhece aquela música Blurred Lines?

— Não está melhorando sua situação.

— Desculpa. De novo. — Mas o que eu queria dizer era: Vamos sair. Me dá uma chance. Eu posso mudar.

Mas eu sabia melhor que ninguém.

Homens não mudam. Bom, nunca tentei, mas o lance com Blake? Ela era inocente, doce, e eu podia estragar tudo isso. E se dissesse a ela que queria compromisso, mergulhasse de cabeça e acabasse traindo essa garota?

— Juro — engoli em seco, odiando cada palavra do que ia dizer — que vou te ajudar com o David. E espero que depois... ainda possamos ser amigos.

Vi o desânimo no rosto dela.

— Amigos.

— Engraçado como as palavras que fazem os outros felizes te fazem querer esmurrar uma árvore como Chuck Norris.

Blake gargalhou.

— É, bom...

Não era desconfortável. Se eu tivesse de descrever o momento — eu ainda pingando café, Blake segurando a almofada para impedir minha boca de atacar a sua —, diria que era triste.

Era o que eu sentia.

Tristeza.

Porque gostava dela.

Tossi para limpar a garganta e estendi a mão.

— Amigos?

Ela soltou a almofada, deu alguns passos na minha direção e apertou minha mão.

— Amigos.

— Legal. — Abaixei a mão, flexionei os dedos, fiz uma palestrinha mental na qual os seios dela não eram o tema principal, e a encarei, sério. — Vamos trabalhar, então.

— Não disse que tinha aula?

— Vou faltar. Basicamente, vamos passar o dia tropeçando no David até ele querer se matar. Preparada?

Ela assentiu, mas sem entusiasmo. Era quase como se não soubesse o que mais podia fazer.

— Ainda quer o David, certo?

Meu Deus, fala que não, por favor.

Depois de alguns segundos de hesitação, Blake respondeu:

— David é... um cara legal. Um homem para casar, sabe? O cara que a gente leva em casa. Ele sempre apoiou minha família, e é...

— Seguro — concluí por ela, odiando essa palavra tanto quanto odiava a palavra “amigos”.

Blake fez uma careta.

— Acha que isso é errado?

Caramba, sim. Quase tão ruim quando se acomodar. Mas não tinha o direito de dizer isso a ela. Muitas mulheres gostavam do que era seguro, e acabavam se apaixonando pelo conforto que vinha depois. Segurança não é conformismo, mas parece. Especialmente quando os ombros dela se curvavam daquele jeito.

— Blake. — Eu a segurei pelos braços e puxei. — Sai dessa. Você é sexy, beija tão bem, que acho que nunca vou esquecer o gosto da sua boca, e é um doce. — Revirei os olhos. — Para de fazer essa cara. Ser doce é legal. Você é o equilíbrio perfeito entre sexy e doce. Sua personalidade é como catnip.

— E David é o gato?

— Sim. — E eu era um tigre.

— Tudo bem... e nunca pensei que diria que sou doce, principalmente depois do fracasso da nossa primeira reunião.

Dei risada.

— Mas agora somos amigos, e você não quer mais arrancar meus olhos.

Blake não confirmou.

Mas estendeu a mão.

— Só na metade do tempo. Quando sugere que eu brinque de enfermeira e paciente, ou quando diz para eu ficar pelada, ou quando aperta meus peitos sem permissão, ou me beija só porque não consegue se controlar.

— Isso é muito errado?

— Pelo contrato...

Esfreguei as mãos.

— Vamos mudar de assunto. Veste alguma coisa sexy, vamos sair.

Blake olhou para baixo, para a calça larga de moletom preto e a regata azul e justa.

— Qual é o problema com minha roupa?

— Qual é o problema? — Andei em torno dela, dei um tapa em sua bunda e a apertei até ela dar um gritinho. — Isso. Desculpa. Não consegui encontrar nada embaixo desse tecido preto e pesado.

Ela se afastou, resmungando, mas parou na escada e virou devagar para olhar para mim de um jeito tímido, mas provocante.

— Vai logo — falei.

Ela abaixou o moletom até os tornozelos.

Mostrou as nádegas separadas por uma tira fina de tecido.

Pelo amor de Deus.

— Não tem graça. Se fizer isso de novo, vou comer seu rabo, e não vai ser no sentido figurado. Quebro o contrato quantas vezes puder em 24 horas. Se é isso que quer, continua tirando a roupa. Mas se não consegue andar com os adultos, melhor levar essa bunda fofinha lá para cima, vestir alguma coisa que esconda essa calcinha fio-dental branca e voltar aqui em cinco minutos. Ainda vou ter que trocar de roupa, e você acabou com o nosso café. — Estava torcendo para ainda ter alguma roupa limpa na casa da Gabi.

O sorriso dela desapareceu, e Blake subiu a escada correndo como se o inferno lambesse seus calcanhares. O que não deixava de ser verdade, porque eu estava de língua de fora, babando.

Respirei fundo e tentei me acalmar.

Ela queria David. Merecia David, e eu traria David para ela, mesmo que isso me matasse.

Enquanto ela trocava de roupa, abri o resumo do arquivo de David para ver seu horário de aulas. Ele teria aula em uma hora, e provavelmente iria para a academia em seguida para uma sessão leve de musculação antes do treino.

— Pronto! — Blake apareceu na minha frente.

Baixei o celular e a examinei de cima a baixo, dando uma volta em torno dela como se fosse minha presa, e queria que fosse mesmo.

— Quem te deu essa camiseta?

— Não gostou? — Ela olhou para a regata larga, mas sexy, em cima do sutiã esportivo com estampa de leopardo. — Gabi me emprestou.

Gabi estava testando minha paciência. Primeiro me deixava doente, e agora... agora emprestava roupas sensuais para a colega que morava com ela?

— É legal. — Dei de ombros, virei a cabeça para a esquerda e me inclinei, olhando diretamente para a bunda dura. — Malha nova?

Blake deu uma reboladinha.

E quando uma bunda rebola, minha tendência é dar um tapinha.

Porque, sério, uma rebolada era isso, um convite ao toque, e como homem, era meu dever deixar claro para essa bunda que, sim, estava prestando muita atenção nela ultimamente.

— Ótimo — disse, desviando os olhos da malha de listras cinzas e pretas. — Não.

— O quê? Você acabou de dizer que estava ótimo. — Ela virou e olhou para a própria bunda.

— Não. — Apontei para os chinelos ofensivos. — Se quer o David, vai ter que doar essa coisa, ou melhor ainda, queimar, ou... — sorri para não parecer muito ofensivo — deixar na sua porta, para eu poder roubar e esconder embaixo do meu travesseiro. Teríamos os chinelos para sempre.

Eu estava me tornando um lunático.

Mais um motivo para aproximá-la de David o quanto antes. Se eu continuasse desse jeito, acabaria desenvolvendo ovários e perguntando ao caixa do Walmart onde ficavam os absorventes.

— Eu vou de chinelo.

— Não. — Cruzei os braços. — Não vai.

— Vem me fazer tirar.

— Acha que não consigo? — Estávamos frente a frente e próximos. Eu sentia o cheiro do protetor labial de baunilha. O cabelo castanho e ondulado caía sobre seus ombros.

A tensão era tão forte, que me surpreendi por ainda conseguir respirar.

— Ian — ela ronronou meu nome, e eu desabei. Inferno de mulher. — Por favor?

— Para com isso. — Apontei para seus olhos. — Para de piscar. Sou imune!

Ela continuou piscando com um sorriso cada vez mais largo, cada vez mais adorável e sexy. O que era muito pior, porque com o sexy, você dorme, o adorável, você mantém.

Para sempre.

— Droga. — Revirei os olhos, encerrando o contato visual. — Tudo bem. Mas lembre-se, eu avisei.

— Obrigada. — Ela deu um tapa na minha bunda, como eu tinha feito com ela minutos antes. Senti formigar. Arder. Mas era bom.

Com um gemido, eu a segui para a porta e avancei mentalmente pela linha do tempo. Ela queria David?

Ela o teria. Nesse fim de semana.

Meu coração deu um pulinho.

Decidi que era azia e a segui até a Range Rover sem desviar os olhos daquela bunda.

 

 

— Sabe, pode tirar os óculos de sol. Estamos em ambiente fechado, isso faz você parecer uma fracassada.

Blake me deu uma cotovelada nas costelas e continuou de óculos, erguendo o queixo.

— Você disse para não fazer contato visual, e isso é bem difícil, para mim. Por isso os óculos.

— Cara, olha só aquela virilha.

— A dele?

— Sim, olha aquilo.

Blake ficou vermelha.

— Não vou olhar para a virilha dele!

Uma garota passou por nós apressada, quase derrubou os catálogos do programa de Administração.

Blake cobriu o rosto com as mãos.

— Por favor, fala que eu não disse “virilha” alto.

— Fala de novo, e prometo que vai valer a pena.

Ela abaixou as mãos e me encarou.

— Mais alguma orientação que não envolva eu olhar para a...? — Blake gesticulou e tossiu.

— A...? — Empurrei uma orelha para frente.

Blake passou a língua nos lábios e, ainda vermelha, murmurou:

— Genitália.

Segurei a risada, mas foi difícil.

— Acho que pode fazer melhor que isso, Srta. Graduanda de Enfermagem. Tenho uma ideia, vamos brincar de Dar Nome às Partes!

— Não — Blake sibilou. — Não vamos falar nomes de partes do corpo no corredor enquanto esperamos David passar por aqui! E se ele aparecer quando eu disser...?

— Pênis?

Ela cobriu minha boca com a mão.

— Shhh!

Afastei os dedos um a um. Pegada forte... bom saber.

— Se não consegue dizer o nome, provavelmente não devia estar brincando com isso, sabe?

Ela arregalou os olhos.

— Não estou brincando com o... — e baixou a voz para um sussurro — pênis de ninguém.

— Não é uma pena? — Suspirei. — Ei, tem um que você pode usar para praticar.

— Acho que meu rosto não pode ficar mais vermelho do que está, pode?

— Não sei. Vamos tentar?

— Ian, juro, se disser mais uma palavra... — Ela balançou o indicador diante do meu rosto. Era fofo ver Blake toda constrangida. Quase uma preliminar, mas mais divertida, porque ela era muito inocente.

— Pênis — repeti. — Fala.

— Não!

— Tetas.

— Ai, que inferno — ela resmungou e começou a se afastar. Eu a segurei pelo cotovelo e a puxei contra o corpo.

— Fala sério, Blake. Em algum momento, vai ter que perder o medo de sua sexualidade. E alguma coisa que me diz que David não é tudo isso na cama, e você vai precisar de confiança para dizer a ele o que quer.

— Quê? — Ela virou e pôs as mãos na cintura. — Por que acha que ele é ruim? Quero dizer, eu sou virgem.

— Pois é.

Ela levantou as mãos.

— Então... eu vou ser ruim.

— Impossível. — Meus olhos a examinaram da cabeça aos pés. — Impossível mesmo. Acredite em mim. Conheço essa merda. E o David? A última namorada que foi entrevistada disse que ele merece um A pelo esforço, e que em mais de uma ocasião ela estudou para uma prova durante a tentativa. Sabe? Uma prova durante.

— Durante?

— O sexo.

— Como?

— Bom, ela explicou, e achei bem inteligente. Ela escondia anotações embaixo do travesseiro. Brilhante, não é?

Blake estava boquiaberta.

— Mas isso é tão... impessoal. E horrível. Não devia deixar o corpo todo participar disso? A mente? A alma? Quero dizer, por que fazer sexo, se não vai dar tudo de si sempre?

Quanto mais ela falava, mais difícil era respirar.

Por que, de fato? Porque sexo era bom.

Mas ultimamente, tinha se tornado monótono, tedioso. E depois Blake e eu nos beijamos. E agora tudo nela, até uma simples conversa, era empolgante e novo.

Que merda.

— Ah. — Pigarreei. — Estamos desviando do assunto. A questão é que talvez você tenha que orientá-lo. O que significa que pode ter que falar palavras como “pênis”. Ponto final.

— Tudo bem. — Blake fechou os olhos por alguns segundos, depois os abriu e sussurrou: — Pênis.

— Mais alto. — Sorri.

As orelhas dela brilhavam em tom de giz de cera vermelho.

— Pênis — ela falou mais alto.

Qualquer pessoa que passasse por ali poderia ouvir. Para nossa sorte, uma dessas pessoas foi o David.

— Ah, oi, cara. — Estendi a mão para o bom e velho aperto. — Não tinha te visto aí. Como vai?

David estava de queixo caído por causa do, bem, choque, provavelmente, por sua amiguinha ter acabado de falar o nome de uma parte masculina em voz alta, no corredor do prédio da Administração, como uma profissional.

— Blake? — Ele franziu a testa.

— Ai, desculpa! — Ela tirou os óculos. — Esqueci que estava com eles.

— Não devia esconder seus olhos nunca — ele falou em voz baixa. — São seu traço mais bonito.

Dei risada.

— Ah, desculpa. Pensei que estivesse brincando. — David me olhou feio. — Que foi? Só estava pensando que, se vamos escolher seu melhor traço físico, é claro, porque nós dois sabemos que ela tem uma personalidade fantástica, hum... — Dei uma boa olhada nela. — Eu diria que temos um empate triplo entre bunda, peitos e cabelo. Mas, ei, o que é que eu sei?

Blake me deu uma cotovelada forte nas costelas. Eu não queria ser vulgar. Na verdade, minha intenção era o oposto. Eu usava as palavras como gatilho para atrair o olhar de David. O poder da sugestão, meus amigos.

Rangi os dentes quando David, depois de me ouvir dizer cada palavra, fez uma análise lenta, metódica. Depois, como se uma lâmpada acendesse sobre sua cabeça estúpida, arregalou os olhos e deu um passo para trás, quase atropelando uma aluna que passava correndo.

— É — disse com voz rouca, e tossiu na mão. — Tem razão. É tudo... perfeito.

— E meu. — Pisquei, mexendo a panela de ciúme um pouco mais, tentando ver até onde poderia levá-lo e, ao mesmo tempo, ressaltar com orgulho que ela era minha.

Por enquanto.

Ele virou a cabeça na minha direção.

— Pensei que estivessem só ficando, nada oficial.

— É oficial desde ontem à noite. — Olhei para a boca de Blake e levei a mão dela aos lábios. — Não é, Bochechinha?

Esperava que ela só concordasse e pronto, não que se erguesse na ponta dos pés e beijasse minha boca, segurando minha cabeça com as duas mãos e enfiando a língua até quase minha garganta. Mas como não recusava um beijo dela, de jeito nenhum, correspondi.

Acabei cedo demais, assim que David tossiu.

— Desculpa. — Blake ajeitou o cabelo atrás da orelha como se estivesse constrangida, depois pôs os óculos de sol de um jeito decidido, sexy. — É que a noite foi muito boa.

— Foi — confirmei com um sorriso sacana.

— Ah, que bom — David falou um pouco alto demais. — Estou feliz por você, Blake. Feliz de verdade.

Ele parecia tudo, menos feliz. Na verdade, se essa era a cara dele de felicidade, Blake teria o pior namorado da história dos namorados. O cara parecia pronto para vomitar em nós e chorar ao mesmo tempo.

— Temos que ir. — Acenei com a cabeça para David, segurei a mão de Blake e saímos do prédio.

Assim que chegamos à porta, olhei para trás para aquele último sorriso. Sabia que ele estava olhando para nós, para a bunda dela, principalmente. Estava, e quando levantei as sobrancelhas de um jeito desafiador, o bom e velho David levantou o dedo do meio.

— Ha! — Ri, e segurei a mão de Blake com mais força. — David é divertido, não é?

— O que te deixou de tão bom humor? — ela perguntou.

Não comentei que ela balançava meu braço e ria comigo. Era muito natural segurar a mão dela e rir.

— David me mostrou o dedo.

Ela parou de sorrir.

— Sério? Isso é bem grosseiro, não acha? Por que ele faria isso?

— Porque as mãos dele estavam livres. — Sorri para ela. — E a minha — levantei nossas mãos unidas —, não.

 

 

Mais três dias passaram. Eu esperava concluir o caso de Blake nas próximas 24 horas. Não por querer concluir, mas porque tinha que ser assim. Nossa lista de clientes crescia, e Lex falou que se tivesse de beijar mais uma garota que tentasse obstruir sua garganta com a língua, desistiria de tudo.

Era sábado.

E David não parava de ligar e aparecer aleatoriamente para dar uma olhada no encanamento. Sei. Boa, gênio.

Oi, posso dar uma olhada nos seus canos?

Para quê?

Para ter certeza de que não estão cheios de merda?

Alguns homens realmente não sabem o que estão fazendo. Pelo menos pensa em uma boa desculpa para a terceira vez que aparecer. Sei lá, inventa um pneu furado, pede para usar o telefone, diz que desidratou depois da corrida de 15 quilômetros e precisa beber água.

Mas canos?

De novo?

Ela ia ficar entediada com esse cara. Eu sabia, e torcia para ela já ter começado a perceber, mas tinha uma promessa para cumprir e um contrato para rasgar assim que terminasse meu trabalho.

Então, e só então, eu recuaria, deixaria David se arrebentar, depois apareceria e...

Bom, ainda não cheguei nessa parte.

Parei o carro na frente da casa de Gabi e Blake e virei para pegar no banco de trás os petiscos para o nosso churrasco de começo de primavera. Fazia calor para março, uns dezessete graus, e aproveitávamos todas as desculpas para ficar ao ar livre.

A porta já estava aberta quando virei para frente e olhei para a casa. Blake estava parada na soleira, toda sexy, com a barriga de fora, graças à camiseta curta e ao jeans boyfriend de cintura baixa.

— Legal — falei ao me aproximar dela. — Eu gosto.

Ela virou na minha frente, depois jogou um beijo.

— Que bom, porque não uso há uma eternidade.

Do nada, o sorriso desapareceu e os olhos dela se encheram de lágrimas. Intrigado, deixei as compras em cima do balcão.

— Opa, opa, opa. — Segurei seu rosto entre as mãos. — Ei, que foi?

— É que, ah... — Blake engoliu, e algumas lágrimas correram pelo rosto. — Hoje faz dois anos que ele morreu.

— Merda. — Fechei os olhos e encostei a testa na dela. Depois, sem pedir permissão, eu a abracei.

Blake enlaçou meu pescoço com os braços daquele jeito dela, me sufocando, mas não me incomodei. Abraça mais forte, queria dizer. Qualquer coisa para ela ficar melhor.

Blake soluçou por alguns segundos, antes de seu corpo parar de tremer.

Afrouxei o abraço, mas continuei perto dela.

— Sinto muito. — Usei os polegares para limpar as lágrimas que ainda corriam por seu rosto. — Sei que isso não melhora nada. Nada do que eu diga pode fazer ficar melhor. Mas acho que ele ficaria orgulhoso de você. Não consigo te imaginar crescendo com um irmão tímido que aceitava tudo que você fazia. — E a abracei forte de novo. — Você é uma mulher incrível. Engraçada, doce, atenciosa... Não tem nada em você que eu mudaria. — Suspirei. — Bom, só umas peças de roupa que ele teria incentivado para manter os caras afastados.

Ela gargalhou. Era um som bom de ouvir. Relaxei imediatamente.

— Sim, ele... Bom, não interpreta mal.

— Juro por todos os homens de todos os lugares, se disser que sou parecido com ele, vai me ver surtar e fazer alguma bobagem.

— Diferente do que faz todos os dias?

— Ei, acabei de te confortar. Agora sou o cara que faz bobagens?

Um sorriso provocante surgiu em seu rosto.

— Eu não ia dizer que você é parecido com meu irmão. Só que vocês têm muita coisa em comum. Ele jogava futebol e estava sempre tentando me tirar da zona de conforto. Por isso o jeans. Eu só vestia shorts de basquete, e ele finalmente disse que eu precisava começar a me vestir como mulher. Fazer compras foi uma das últimas coisas que fizemos juntos antes de ele morrer. Nunca usei nem a metade das roupas. Algumas devem ter saído de moda, mas... — Seu lábio inferior tremeu. — Pensei que talvez, se eu tentasse... por ele, sabe?

— Escute. — Toquei seus lábios com um dedo. — Você é bonita com qualquer roupa. Poderia usar shorts de basquete e esse chinelo horroroso todos os dias de sua vida, e seu irmão ainda teria orgulho de você. Garanto.

Os olhos dela se encheram de lágrimas novamente.

— Você acha?

— Eu sei.

— Como?

— Eu me orgulho de você. E não é fácil me impressionar. Sabe quem eu sou, não sabe?

— Ian Hunter — ela disse meu nome com reverência. Deus no céu, e eu queria ser digno do jeito como ela pronunciou meu nome.

— Ei — Gabi chamou do interior da casa. — Vão ficar aí se comendo com os olhos, ou podem trazer a comida?

— Já vamos! — gritei, sem desviar os olhos de Blake. — Vai ficar bem?

O rosto molhado de lágrimas refletia a luz. Ela era... linda. Tão linda, que doía.

— Se você ficar, sim.

— Combinado

— Legal. — Ela pegou as sacolas, depois bloqueou a porta com a mão. — Mas não posso deixar você entrar, a menos que tenha encontrado o chocolate que Gabi e eu pedimos.

Suspirando, enfiei a mão em uma das sacolas e peguei duas barras de Hershey’s Krackel.

— Este chocolate?

Blake pegou o chocolate da minha mãe e cheirou.

— É tão bom.

— Uma pergunta. — Cheguei mais perto. — Entre mim e um Krackel...

— Krackel. — Ela bateu no meu ombro. — Sempre.

— Eu tinha que perguntar.

— Gente! — Gabi gritou de novo.

— Indo! — respondemos juntos, e entramos.

Gabi estava na cozinha preparando hambúrgueres e cachorros-quentes. Ela olhou para nós com a testa franzida.

— Blake, tudo bem? — E me encarou, rabugenta.

— Sim. — Blake tocou as faces. — Só preciso subir por um instante para dar um jeito no rímel borrado.

Eu a vi sair apressada.

O que significava que não me abaixei nem me protegi.

Gabi bateu no meu ombro, depois recuou como se mirasse meu rosto.

— Que foi? — Eu me afastei dela. — Não fui eu que a fiz chorar!

Gabi não parecia convencida.

— Eu falei para ficar longe dela!

— E eu fiquei. — Levantei as mãos em sinal de rendição. — Tecnicamente.

— Tecnicamente?

— Merda, está com aquela cara de novo. Gabs, ela gosta do David, estou ajudando a Blake com isso. Fim da história.

— Transou com ela?

— Quem me dera — resmunguei.

Gabi franziu a testa.

— Como é que é?

— Nada. Ei, Lex está atrasado... Vou ligar para ele. — Virei para sair, mas fui puxado para trás pelo passante da calça jeans.

— Fala.

— Lex pode estar morto.

— Não ligo.

— Pode ter sofrido um acidente grave, e estamos perdendo tempo.

— Fala de uma vez.

— A cinco segundos do último suspiro, e você quer fofocar sobre meus sentimentos?

— Ian.

— Lex está morto. Espero que esteja satisfeita.

Ela puxou minha calça para cima.

— Ei, vai com calma. — Eu me soltei com um movimento brusco e olhei para trás, para a escada. — Tudo bem, versão resumida?

Ela assentiu e cruzou os braços.

— Eu gosto dela.

Gabi assentiu de novo e franziu a testa.

— Espera, é isso? Essa é uma declaração depois de eu ter passado anos vendo você transar com tudo que respira. Você gosta dela?

— Isso. — Pela primeira vez em anos, senti o rosto esquentar de vergonha.

— Você gosta dela. — A voz de Gabi aumentava de volume. Tentei silenciá-la, mas era Gabi. Isso era como cutucar um urso. — Os homens são muito burros. Por favor, me diz que não confessou isso para ela como um post do Facebook. Gosto da Blake. Estou com ela nessa foto. Ah, legal, quinhentos compartilhamentos. Como se estivéssemos no ensino médio!

— Fala baixo! — gritei.

— Agora sim! — Gabi bateu no meu ombro. — Um pouco de paixão. É a primeira vez que você admite gostar de alguma coisa em anos!

— Mentira. Eu adorava aquele seu ratinho fofo.

— O que Lex matou? Aquele rato?

— Pobre Arnold. — Fiz uma careta. — Assunto delicado?

— Em uma noite dessas, o filho da mãe vai perder as bolas dormindo.

— Não chega perto da cama dele. Lex pode achar que você quer alguma coisa que não quer. E a última de que preciso é lidar com Lex depois que ele roçar acidentalmente em um seio e perceber que é seu. Ele vai cortar as próprias mãos, e preciso das mãos ele para criar meus programas de computador e projetar ideias lucrativas.

— Pronto! — Blake desceu a escada saltitante.

Gabi me olhou de um jeito que dizia que essa conversa estava longe de terminar, depois desembrulhou uma barra de Krackel e enfiou aquela coisa na boca.

— Não vai oferecer? — Levantei as sobrancelhas.

— Não — Gabi respondeu com a boca cheia de chocolate. — Come o seu.

— Fui eu que comprei.

— E nós somos universitárias pobres, então... — Gabi sorriu.

A porta da frente bateu. De repente, Lex apareceu carregando duas sacolas enormes de compras.

— Nunca mais, e estou dizendo nunca mais, me peça para ir ao mercado comprar absorvente, ou vou transar com uma desconhecida na sua cama, tirar selfies, ampliar e colar no teto do seu quarto.

Ele deixou as sacolas em cima do balcão. Um pacote de absorventes caiu de uma delas.

Eu ri.

— O ajudante.

— Vai se ferrar — Lex resmungou. — Pelo menos eu sei onde fica. Na sua vez, você teve que perguntar, acabou pegando a moça do caixa e não voltou com a compra.

Olhei de soslaio para Blake. Ela sorria, mas era um sorriso forçado, e de repente todas as minhas transas do passado pareciam pecados, algo que me diminuía aos olhos dela.

— Valeu, cara — murmurei.

— Disponha. — Lex esfregou as mãos. — Eu cuido da churrasqueira, Gabs? Ou você desenvolveu um pênis nas últimas doze horas?

Blake me olhou, confusa.

Expliquei, sorrindo.

— Só os rapazes podem fazer churrasco. Está escrito.

— Onde? — Gabi perguntou, tirando a espátula de churrasco da gaveta e a escondendo às costas.

— Nas instruções quando nascemos — respondi, fingindo espanto. — Vida 101. Sério, às vezes me pergunto se vocês terminaram o fundamental.

Lex gritou “há” e tirou a espátula da mão de Gabi, depois saiu levando um prato com hambúrgueres e salsichas.

— Esse é um tesouro — Gabi bufou, e começou a pegar todos os condimentos.

— Um verdadeiro cavalheiro — respondi, justamente quando uma bola de vôlei voou em direção à minha cabeça. Quase não tive tempo para me esquivar. — Que porra...?

Blake sorriu.

— Topa um joguinho, garoto?

Perplexo, olhei para ela sem esconder o espanto.

— Você acabou de me chamar de...

— Garoto? — Outra cortada em minha direção.

— Chega. — Peguei a bola e saí. — Não queria ter que chegar nisso, Blake, joguei na NFL... Sou bom em esportes.

Lex tossiu.

— Menos golfe.

Ele tossiu de novo.

— E acho que já decidimos que patinação no gelo não conta.

Lex levantou as mãos, depois voltou a cuidar dos hambúrgueres Krackel.

— Você saca. — Quiquei a bola na direção de Blake. — Primeiro as damas sempre. Sou um cavalheiro na quadra e na cama, para sua sorte.

— Ah, uau. Obrigada — Blake respondeu sarcástica. — Só vou ficar mais confortável. — E tirou a camiseta.

Senti cheiro de queimado.

— Lex! — gritei. — Cuida dos hambúrgueres. Eu cuido disso.

— Desculpa. — Ele virou de costas.

Olhei para a pele bronzeada e para o corpo musculoso, enquanto ela estendia os braços acima da cabeça e prendia o cabelo em um rabo de cavalo alto. Ainda estava de calça jeans, mas a cintura era tão baixa e folgada, que ela devia ser multada. E o sutiã esportivo preto era... por alguma razão... uma delícia.

Que delícia.

— Pronto? — ela perguntou.

— Isso é típico de alguém que vai tentar roubar. — Apontei para a barriga dela.

— Ah, isto? — Ela deu de ombros. — Não quero molhar a camiseta de suor. Você entende.

— É claro. — Tirei a camiseta e joguei no chão. — Entendo perfeitamente.

Flexionei os gominhos que muitas mulheres, incluindo algumas professoras, várias vezes chamaram de tanquinho.

Ela arregalou os olhos.

— Jogo da discórdia, disputa entre dois — Lex gritou.

Gabi chegou correndo.

Ah, ótimo... uma plateia.

 

 

— Você sabe que é fisicamente impossível jogar vôlei mano a mano contra mim, não sabe? — Ri, joguei a bola para cima uma, duas vezes, sentindo pena de Blake pela derrota futura. Talvez comprasse mais chocolate para ela, para suavizar um pouco o golpe.

— Sei. Tudo bem. — O rosto de Blake permanecia impassível. Eu não conseguia ler nada em sua expressão. Era assim que seus adversários se sentiam o tempo todo? Estreitei os olhos. Nenhuma piscada, nenhuma hesitação. Ela realmente acreditava que ia ganhar de mim? Para começar, eu era muito mais alto; e era homem. E para completar, tinha bolas, e sabia como usá-las... bem.

— Tudo bem. — Levantei os braços, levando a bola para cima com a mão esquerda. Sim, eu oferecia a bola.

Porque eu era homem, minhas mãos eram enormes, e eu poderia acertar a bola na cara dela com tanta força, que Blake teria que fazer uma cirurgia plástica para consertar o nariz. Mas é claro, sim, vamos jogar limpo.

— Pode sacar primeiro.

— Eu aposto na Blake — Gabi falou da cadeira no gramado.

Lex abaixou a tampa da churrasqueira e puxou uma cadeira. Rindo, ele apontou para mim.

— Vinte dólares dizem que ela o derruba com o primeiro pico — disse Gabi em um tom divertido.

— Você tem uma aposta. — Lex apertou sua mão.

Eles estavam apertando as mãos. Eles estavam sentados um ao lado do outro e a Terceira Guerra Mundial não estava estourando. Abri minha boca para comentar no momento em que Lex puxou a mão e a esfregou no jeans.

— O quê? Com medo de garotas agora?

— Sabe que ele foi indicado para o Heisman, não sabe?

— Heisman Shmeisman — Blake provocou, pulando descalça e balançando os peitos.

— Foco — Lex chamou minha atenção.

— Estou focado!

Ou estava tentando, pelo menos. E me esforçando muito. Para manter o foco. Porra, eles nunca envelheciam, não é?

— Mais vinte como ela o derruba no primeiro saque — Gabi falou em um tom divertido.

— Eu topo a aposta. — Lex apertou a mão dela.

Eles trocavam um aperto de mãos. Estavam sentados lado a lado, e a Terceira Guerra Mundial ainda não havia estourado. Abri a boca para comentar, mas Lex puxou a mão e a limpou no jeans.

— Que foi? Agora tem medo de mulher? — Gabi debochou.

— Só das que podem ser homens. — Lex apontou para a região entre as pernas dela. — Hum, 50% de chance, acho.

— Sou bem capaz de jogar fluido acendedor na churrasqueira.

— E vai queimar sua casa?

— Para que mais eu teria um seguro? — Gabi falou em tom doce, batendo no braço de Lex antes de beliscar seu bíceps.

Era brincadeira. O mundo continua no lugar.

— Pronto? — Blake perguntou.

— Sim. — Joguei a bola para cima. — Saca.

Ela respondeu com um saque comum, e eu devolvi de manchete. Sério, era meio bobo começar o jogo desse jeito morno...

Em um minuto, a bola estava no ar, flutuando na direção de Blake; no outro, eu estava no chão, olhando para o céu e me perguntando se um galho de árvore tinha perfurado meu pescoço.

— Que porra? — murmurei.

Blake estava em pé ao meu lado com as mãos na cintura.

— Desculpa. Quer que eu avise antes da próxima cortada?

— Não. — Sorri. — Sem piedade, é?

— Não. — Ela me imitou.

Com um sorriso sedutor, estendeu a mão. Eu a empurrei e fiquei em pé sem ajuda.

— Não fica brava se eu quebrar sua cara.

— Digo o mesmo — ela respondeu, jogando a bola por cima da rede.

— Cuidado, cara. — Lex riu. — Ela tem o braço forte.

— Você acha? — perguntei.

Gabi ficou em silêncio. Garota esperta.

— E aí? — perguntei. — Vitória por dois pontos de diferença?

Blake jogou um beijo para mim.

— Isso. — Joguei a bola para cima e saquei com toda força. Ela rebateu um instante antes do contato com a grama, mandando a bola por cima da rede. Moleza. Saltei para cortar, mas ela bloqueou a bola, que caiu do meu lado. Rápido, recuei e a peguei com um soco no último instante, devolvendo-a por cima da rede.

Suspirei aliviado quando a bola bateu na grama.

— Ahhh... — Pisquei para Blake. — Na próxima, esportista.

Sua indiferença desapareceu, o rosto de Blake passou da calma ao “posso te matar dormindo e dar seu intestino para os gatos dos vizinhos”.

Deu um passo cauteloso para trás.

— Eu saco. — Ela recuou rebolando para seu lado da quadra. — Lá vai.

A bola veio por cima da rede como um trem-bala. Tive de me jogar para pegá-la, e quase não consegui concluir o passe.

Rebatemos três vezes, ida e volta, antes de ela finalmente pontuar.

Durante uma hora, foi exatamente assim. Continuamos jogando, trocando passes e cortadas, enquanto Gabi e Lex enchiam a cara. Nenhum de nós queria desistir, e cada vez que um de nós pontuava, o outro alcançava em seguida. E Gabi disse que o vencedor teria que abrir dois pontos, não um.

Estávamos jogando há quase noventa minutos.

Eu estava morto de calor.

E de fome.

E perdendo por um.

— Reconhece! — Gabi gritou. — Ela é melhor que você!

— Nunca! — Apontei um dedo para Blake. — E se eu deixar você ganhar?

— Eu vou perceber.

— Hummm.

— Além do mais... — ela piscou, batendo os cílios —, você é competitivo demais para perder desse jeito.

Droga. Assumi minha posição e esperei. Até agora, todos os saques dela foram brutais. No dia seguinte, eu provavelmente estaria como se J. J. Watt tivesse batido na minha cara... repetidamente.

A bola passou por cima da rede em direção à minha esquerda. Tentei me mexer, mas meu joelho travou, e a dor que eu sentia há algumas semanas se transformou em uma agonia desesperadora. Gritei e caí, batendo com o rosto na terra e na grama quando a dor ficou mais forte.

Doía demais para eu me preocupar com o constrangimento. Merda.

— Ai, merda — Lex falou, e de repente estava ao meu lado. — Tudo bem?

Doía. Por que tinha que doer tanto? Ah, certo. Porque faltavam alguns tendões e ligamentos fundamentais, e alguns pinos de metal eram as únicas coisas que mantinham meus ossos no lugar.

— Ian! — Blake se aproximou correndo, com cara de pânico. — O que aconteceu? Precisa ir para o hospital?

— Não, não, não. — Gemi quando tentei sentar e esticar a perna. Normalmente, era a única coisa que ajudava. Bom, isso e os analgésicos, mas eu me recusava a tomar alguma coisa que pudesse causar dependência. — Tudo bem.

Blake levantou minha calça e começou a passar a mão no meu joelho esquerdo.

— Mas... — pigarreei — isso me faz sentir muito melhor.

— Sim, ele está bem. — Gabi revirou os olhos. — Vem, Lex, vamos buscar gelo.

— Isso, Lex. — Um sorriso se espalhou por meu rosto. — Corre.

Ele não discutiu. Provavelmente por saber que eu odiava quando alguém se preocupava comigo, ou se afligia, ou só persistia em sua preocupação ou piedade. Isso me fazia lembrar demais daquele dia; droga, daquela semana, daquele mês. Trinta dias de visitas no hospital, cirurgias, colegas de time com cara de tristeza que basicamente contavam a verdade que eu já sabia, apesar do otimismo dos médicos. Eu estava acabado.

Nunca mais voltaria a jogar.

Blake tirou a mão do meu joelho, ficou em pé e estendeu a mão para me ajudar a levantar.

— Acha que consegue ir até a cadeira?

Engoli um palavrão quando tentei apoiar o peso na perna machucada. Ainda estava dolorida como um dente com um abscesso, mas não o suficiente para precisar de um médico. Já tive esse tipo de dor antes, quando torci o joelho fazendo box jumps. Eu sabia que ia passar, depois de uma quantidade absurda de anti-inflamatórios e cerveja.

Com o corpo coberto de suor, fui mancando até a cadeira de plástico e sentei com um baque surdo, com as pernas grudando no jeans, o jeans colando na cadeira e o suor escorrendo pelas costas.

Blake ajoelhou na minha frente e franziu a testa.

— Vai ter que tirar a calça.

— Não tem nada embaixo.

— Eu fecho os olhos.

— Não vou tirar a calça e desenhar minha bunda suada no plástico. Estou bem. Juro.

Ela não parecia convencida quando tocou meu joelho por cima da calça, apalpando de leve a área inchada na parte de fora, à esquerda, onde ainda havia fricção de osso com osso. Em alguns dias, eu podia jurar que ainda sentia o contato.

Fazer exercício não era a atitude mais esperta, provavelmente, mas meu médico tinha dito que eu não poderia sofrer lesão pior. Essa era a boa notícia. Ei, garoto, sei que só conheceu futebol durante toda sua vida, e talvez eu tenha que amputar, mas a boa notícia é que não está morto!

Era como se estivesse.

— Está começando a inchar. — Blake pressiona com um pouco mais de força, renovando as ondas de dor que se espalhavam por minha perna.

Não consegui evitar um gemido.

Ela se retraiu.

— Desculpa.

— O gelo. — Gabi abriu a porta de tela e jogou uma bolsa azul de gel na direção de Blake. Ela a pegou no ar e colocou sobre meu joelho.

— Vou esquentar a comida — Gabi avisou. — Lex saiu, foi comprar analgésico, o nosso acabou.

— Obrigado, Gabs — respondi, sentindo que o gelo já começava a amenizar o tormento.

— Ok. — Ela bateu a porta.

Blake continuou na minha frente. Seus olhos expressavam preocupação.

— O que aconteceu com seu joelho?

— Simples. — Encostei as costas suadas na cadeira e olhei para os lindos olhos dela. — Uma garota arrogante de topless tentou me matar.

— Não estou de topless. — Ela cruzou os braços.

Um gemido escapou do meu peito quando olhei para aquele peito.

— Tem razão. — Estendi a mão e toquei de leve sua barriga exposta. — Quase topless.

— Não perguntei o que aconteceu agora, te joguei de bunda no chão, literalmente. — Ela sentou no deque na minha frente e abraçou os joelhos. — Parei de acompanhar futebol depois que... — E deu de ombros. — Depois do meu irmão. Era difícil demais.

— Entendo. — Soltei o ar com um sopro barulhento. — Pode acreditar, eu entendo.

— Ah, é?

— Sabe guardar segredo? — Inclinei o corpo para frente quando ela também se inclinou, estreitando os olhos. Ah, ela já estava me desmascarando. Eu adorava isso.

— Sim.

— Salvei a vida de duas velhinhas que estavam atravessando a rua. Nem viram os carros chegando. Já mencionei que elas levavam os gatos? E consegui salvar quatro vidas. Cinco, talvez, se contar a galinha que estava atravessando a rua ao mesmo tempo. O carro me atropelou. E... me deram as chaves da cidade...

— Uau, apenas um inimigo do crime, então?

Assenti lentamente, depois flexionei o dedo.

— E agora vem o segredo.

— Estou pronta.

— Eu sou o Super-Homem.

Ela levantou as sobrancelhas e um sorriso condescendente surgiu em seu rosto, roubando meu fôlego por um momento.

— É mesmo?

— Juro. — Pisquei. — Por que outro motivo meu melhor amigo, também conhecido como meu inimigo, se chamaria Lex? Vou entender, se você quiser provas. A capa está no meu quarto. Quer ver?

— O Super-Homem usa a capa o tempo todo.

— Verdade. A que estou usando agora é invisível, como minha supervisão. O único jeito de abrir seus olhos humanos para minha força sobrenatural é transar comigo.

— Ah. Estava indo tão bem.

— Ei! — Levantei as mãos. — Eu não crio as regras, Bochechinha. Sou só um herói comum.

— Verdade, ele é — disse Gabi. Há quanto tempo ela estava ali? — Aquele pobre garotinho teria morrido. Consegue imaginar o que isso teria causado ao pai? Depois de perder a esposa? Foi incrível, Ian. Não se deprecie. Você salvou a vida dele, e pôs a sua em risco para isso. Ainda não superei aquele telefonema de Lex dizendo para eu ir para o hospital. Disseram que você tinha uma hemorragia e...

— Chega, Gabs — interrompi em tom brando, apesar de aquela coisa muito parecida com raiva me queimar de dentro para fora, me fazendo querer fugir. Mas com uma perna arruinada, tudo que eu podia fazer era ficar ali sentado e ouvi-la me pintar como o herói que eu sabia que jamais seria.

Sim, salvei a vida do garoto.

Sim. Eles me chamaram de herói.

Mas que tipo de cretino egoísta vê os colegas de equipe a caminho do Super Bowl e pensa: “eu devia ter deixado o carro bater nele”.

— O traficante voltou. — Lex apareceu no quintal e jogou a caixa de analgésicos nas minhas mãos.

— Não quer dizer Lex Luthor? — Blake riu, aliviando um pouco a tensão. A mão dela encontrou a minha e segurou.

E não soltou.

Ela devia ter soltado.

Porque alguma coisa entrou em foco naquele momento. Nem Gabi tinha conhecimento dos demônios que me atormentavam, mas alguma coisa me dizia que Blake sabia muito bem como era perder justamente aquilo que o mantinha inteiro a vida inteira.

Perder o futebol foi mais que perder minha identidade.

Em alguns dias, eu tinha a sensação de ter perdido minha alma.

— Gabs... — Blake chamou. — A comida está pronta?

— Ah! — Gabi levantou. — Desculpa, gente, sim... Os pratos estão lá dentro. Querem comer aqui fora, ou na mesa?

— Aqui fora — Blake e eu respondemos ao mesmo tempo.

Gabi ficou em silêncio, como se estivesse nos examinando e chegando a alguma conclusão idiota sobre o motivo de estarmos agindo de um jeito tão estranho. Graças a Deus por Lex.

— Mulher — Lex gemeu. — Para de ser... — ele a empurrou para a porta — você. Só por, tipo, dois segundos. Comida. É só comida. Eles querem comer ao ar livre, nós os deixamos comer ao ar livre. Além do mais, você prometeu torta. Não sinto cheiro de torta.

— Eu disse que ia comprar uma torta, não preparar uma para você. Se você quer casar com sua mãe, vai em frente, Lex.

— É bom que seja de maçã — ele resmungou antes de deixar a porta bater. E voltou depressa com nossos pratos. — Eu cuido da terrorista, mas você me deve essa — cochichou para mim.

— Valeu, cara. — Eu ri quando ele voltou para dentro e gritou: — Stella!

 

 

Terminamos de comer em silêncio. O analgésico começava a fazer efeito, e eu conseguia apreciar a refeição sem fazer careta cada vez que movia a perna. Nuvens em camadas de rosa e vermelho pintavam o céu.

— Está ficando tarde. — Blake levou meu prato para dentro da casa e voltou com um enorme pedaço de torta.

— Eu acho... — peguei o prato da mão dela e enfiei praticamente metade do pedaço na boca antes de concluir o pensamento — que posso me machucar de novo, se é essa a reação que provoco.

— Ah! — Ela olhou para minha boca. — Você tem... maçã...

— Vou guardar para depois.

— Escolheu o lugar perfeito, Super-Homem.

— Meu Deus, eu mataria uma mulher que me chamasse assim na cama.

— E se ela deitar na sua cama...

Um sorriso distendeu meu rosto.

— Vestida...

O sonho acabou e o sorriso desapareceu. Apontei um dedo pra ela.

— Não tem graça.

Ela riu.

— E quanto te chamo de Super-Homem, você finge que é por causa das suas incríveis habilidades sexuais, não por ser realmente um herói.

— Herói nada. — De repente, a torta ficou seca em minha garganta, e tive de me esforçar para engolir. — Acho que essa é a pior parte. As pessoas me chamavam de herói, ainda chamam, de vez em quando. Isso me faz sentir... culpado. E bem indigno. Vivo amargurado por não poder mais jogar futebol, e aquele garoto poderia ter morrido.

— De certa fora, você morreu um pouco.

— Como é que é?

Ela pegou meu prato e suspirou, e os ombros caíram um pouco, como quando ela fica nervosa ou envergonhada.

— Você perdeu uma parte do que te fez ser quem é. Seria como eu trabalhar a vida inteira para disputar uma medalha olímpica de vôlei, e me machucar no dia de embarcar.

— Sim. — Engoli a imensa tristeza que formava um nó na garganta. — Mas eu superei, sabe? Não pense que sou um desses amargurados que vivem presos nos dias de glória, pensando em como teria sido se eu pudesse continuar na NFL. Tive esse sentimento por um dia. Quando os Hawks chegaram ao Super Bowl pela segunda vez. Depois, eu... superei. Completamente. A vontade de não ter salvado o menino, de ter sido mais egoísta, ou mais lento. — Ri e balancei a cabeça.

— Como conseguiu superar?

— Ele foi ao hospital no dia seguinte.

Blake chegou mais perto. Droga, eu queria mergulhar naqueles olhos profundos. Ela era tão... aberta.

— E?

— Eu o chamei pelo sobrenome, Montgomery, ou Pequeno Monty. Ele era pequeno, mesmo. Parecia ainda ter medo do escuro. Ele, hum, me deu seu urso de pelúcia, que se chamava Urso. — Blake riu, e seus olhos se encheram de lágrimas. — A mãe dele tinha morrido de câncer no ano anterior. Era a primeira vez que ele saía com o pai desde aquele dia. O urso tinha sido presente da mãe doze horas antes de ela dar o último suspiro. Era um urso da guarda, Monty me explicou, e servia para ele não sentir medo. — Engoli em seco. — Ele disse que era um urso da coragem.

Uma lágrima correu pelo rosto de Blake.

— Ele me deu o urso, disse que não precisava mais dele, porque tinha a mim. Mas eu poderia precisar, porque ainda faria outra cirurgia. — Suspirei. — Aquele urso leva uma vida louca no meu quarto, sabe?

Blake riu baixinho.

— E Monty?

— Um dia ele vai ser um tremendo jogador de futebol. O pai dele manda para mim a agenda de treino e jogos. Fui a alguns treinos, o que significa que os amigos pensam que ele é mais legal do que realmente é. Ele diz isso.

— Então — Blake se aproximou mais —, moral da história... você é realmente o Super-Homem.

— Há! — Ri. — Para uma pessoa, sim.

— Duas. E, às vezes, isso é tudo que importa, não é?

— É. Acho que sim.

Ela chegou mais perto, e beijei sua boca quando um braço envolveu meu pescoço. Minha língua encontrou a dela, saboreando o gosto doce.

A luz sobre nós acendeu.

Assustamo-nos como dois adolescentes que já deviam ter ido pa- ra casa.

— Ei. — Gabi apareceu na porta de tela. — Querem ver um filme?

— Sim. — Não desviei os olhos dos de Blake.

— Acha que consegue andar até lá? — Os lábios dela ainda estavam molhados do beijo, e tive de desviar os olhos antes de fazer alguma bobagem. De novo.

— É claro. — Levantei sobre a perna boa. — Só preciso me apoiar na minha adversária. Aliás, quero revanche.

— Eu já imaginava. — Ela colou o corpo ao meu, e fomos andando meio desajeitados para a casa.

Lex gritava com Gabi, dizendo que ela havia escolhido o filme na última vez.

Eles pararam de discutir quando entramos na sala.

— Vocês dois. — Ela torceu o nariz. — Nem pensem. Banho, ou não vão sentar no sofá.

— Gabs — choraminguei —, estou cheiroso. Sempre estou cheiroso. Fala para eles, Blake.

Ela me olhou com cara de culpa.

— Está cheirando a... grama.

— E você está com cheiro de terra.

Lex gargalhou.

— Boa, cara. Vai fazer tortinhas de lama mais tarde, ou...?

Mostrei o dedo do meio para ele.

— Tudo bem, vamos tomar banho.

— Mas não juntos! — Gabi protestou.

— Não se preocupe. — Blake riu. — Sou mais o tipo de garota vilã. Quem quer um herói que não pega uma garota suja?

Tropecei nela e quase dei com a cara na parede, enquanto Lex gargalhava.

— Você tem meu telefone, gata — Lex falou, depois começou a gritar. — Ai, para de me arranhar como uma gata raivosa!

Contive um sorriso. Gabi provavelmente o atacava com as unhas. Ela era boa nisso.

Blake subiu na minha frente. Fui atrás dela subindo um degrau por vez, usando o corrimão como apoio.

Tropecei nela de propósito quando chegamos ao topo da escada e cochichei:

— Heróis também se sujam, Bochechinha. E é tão gostoso, que deve ser errado.

Uma veia pulsou em seu pescoço quando ela apoiou as costas e encostou em mim. Como um míssil dirigido pelo calor, minha boca encontrou aquela veia e parou nela. O pulsar frenético em meus lábios dava ao meu corpo ideias vívidas. Minha boca se acostumava à ideia de marcá-la, quando ouvimos a campainha.

— Ignora — cochichei, mordendo o pescoço dela e chupando com força. Ela gemeu, levando as mãos para trás às cegas. Não que precisasse se esticar muito. Eu estava bem ali, ereto, esperando, pressionando o jeans só para senti-la.

— Oi, Blake está?

Era o David.

Ela congelou, abaixou as mãos devagar.

Como eu murchei lentamente.

E o momento passou.

— Blake? — Gabi chamou da base da escada. — David está aqui!

Saí de trás dela e, como uma voz que não reconhecia, disse:

— E aí? O que está esperando?

Vi a indecisão em seu rosto, depois a mágoa, e ela se afastou de mim e desceu correndo.

— Que porra eu estou fazendo? — resmunguei, aflito pelo contato com ela. E não só pelo alívio.

Por ela.

 

 

O filho da mãe ficou para ver o filme. Melhor parte? Por causa da minha perna, não consegui me meter entre eles, e como meu trabalho era, tecnicamente, me curvar e permitir que ele ficasse com a garota, depois de superar os últimos estágios, eu estava neutralizado.

A desculpa dele era melhor que a minha, pelo menos.

Ele a convidava para sair.

Seria um jantar com ele e o pai. Aparentemente, eles se conheciam há muito tempo. Se eu tivesse de ouvir mais uma história sobre Blake e David construindo uma casa na árvore, ia cagar um tijolo e jogar na cabeça dele.

Até agora, não notei nenhum movimento suspeito por parte dele. David não me encarava, não voltou a mostrar o dedo. Na verdade, tentava ser agradável. Tinha alguma coisa estranha nisso, mas eu não conseguia identificar o que era.

Amizade com o inimigo. Eu conhecia bem isso.

Porque no fim, provaria para a garota que o cara não estava mais com ciúme, só queria a felicidade dela acima de tudo, blá, blá, blá.

E a pegadinha? Qualquer que fosse a garota, ela sempre — e estou dizendo sempre mesmo — acreditava que no cara em que estava interessada, porque ele parecia ter mais autocontrole, enquanto meu trabalho era sempre desafiar esse controle para a garota ser notada. Cores verdadeiras raramente são exibidas durante o tempo da conquista, e eu sabia disso melhor que ninguém. Ele mostrava o que tinha de melhor, lucrava em cima das fraquezas que via em mim.

Nunca me importei, até agora.

Mas agora parecia injusto que, por ser bom no meu trabalho, eu ia perder alguém de quem gostava de verdade.

— Vou fazer pipoca. — Levantei.

— E a perna? — Blake reagiu.

Pelo menos ainda estava preocupada. Mas não levantou para ir comigo, então eu não sabia até onde ia essa preocupação. Ela havia tomado banho, prendido o cabelo em um coque e vestido uma camiseta regata larga que revelava um pouco demais. Coisa que o bom e velho David não notou imediatamente.

— Eu vou mancando. — O ciúme me invadiu quando vi a mão de David em sua coxa. Eu precisava sair dali. Depressa. — São só alguns metros.

Todo mundo protestou, mas cheguei à cozinha e me apoiei no balcão.

Depois de alguns segundos inspirando e expirando como se fosse um recém-nascido aprendendo como os pulmões funcionavam, abri o armário de guloseimas e peguei um pacote de pipocas para micro-ondas, no mesmo instante em que ouvi passos na porta.

— Blake, está tudo bem. Vai ver o filme.

— Não é a Blake. — A voz profunda de David me arrancou do momento de autopiedade.

Com um sorriso forçado, apertei o botão de “ligar” do micro-ondas e virei.

— Precisa de alguma cosia?

— Já entendi — ele disse. — Ela está com você agora. Mas temos uma história. Algo com que não pode competir. Nem agora, nem nunca.

— Ah, puxa, como é que vou competir com uma casa na árvore? — Bati com um dedo no queixo. — Aposto que ter um pau maior ajuda.

David deu um passo ameaçador em minha direção e cerrou os punhos.

— Se encostar nela, juro que vou...

— Dar uns soquinhos? — Apontei para as mãos dele. — Cara, eu também já entendi. Não pode ter a garota, então agora você a quer. Mas ela não é sua. Nunca vai ser. A menos que me mate, o que pode tentar agora, enquanto só posso usar uma perna e a luta vai ser justa.

— Filho da mãe convencido. — Era como se ele tirasse a máscara e revelasse quem realmente era. — Que porra ela vê em você?

— Acho que já discutimos esse tópico. Quer que eu tire a calça e mostre? Ouvi dizer que você gosta de homens, mas não sabia se era verdade, até agora. — Estava provocando, tentando descobrir se o bom e velho David não era tão bom quanto imaginávamos.

O peito de David encostou no meu, como se ele pretendesse me empurrar contra o balcão e socar meu rosto. Ele podia tentar. Não conseguiria, mas podia tentar. Uma boa briga era exatamente do que eu precisava.

Nunca levei os interesses amorosas de uma cliente tão longe, nunca tomei o assunto como pessoal nem levei a situação tão a sério.

Porque, até esse momento, não tinha percebido que estava brigando com ele. Mas estava. Estava brigando com ele.

Não. Balancei a cabeça.

— Você não a merece. Nunca vai merecer.

— E você acha que merece? Um ex-qualquer coisa que perdeu a fama e não consegue se segurar dentro da calça?

— Não. Eu também não a mereço. Mas pelo menos sei disso. Acordo com certeza de que tenho sorte.

— Ei... — Blake entrou na cozinha com a calça de moletom meio caída, revelando uma porção de pele bronzeada. — Não sabia que fazer pipoca exigia tanto esforço.

— É, então, tanta droga na adolescência prejudicou meu cérebro, o David ofereceu ajuda, mas ele está com dificuldade para ler a palavra “ligar” no micro-ondas. Graças a Deus você chegou. — Sorri com arrogância para o cara, que forçou um sorriso e recuou.

— Tenho que ir, Blake. — Ele beijou sua cabeça. — Quinta-feira, às 19h. Não esquece. Meu pai está empolgado para te ver.

— Legal. — Ela sorriu quando ele saiu da cozinha.

Depois, sua expressão foi de eufórica a distante.

— Acho que vou deitar.

— Blake...

— Que é? O que você quer, Ian?

Você. Era o que devia ter dito. Mas abri a boca, e não saiu nada dela.

— Eu sabia. — Ela riu irônica. — Só para constar, talvez eu não esteja aqui quando você encontrar essa resposta.

O micro-ondas apitou.

— É. — Encostei no balcão. — É disso que tenho medo.

 

 

— Odeio manhãs. — Lex bocejou alto e me mandou a lista de clientes das duas próximas semanas.

— Você sempre diz isso. — Peguei a xícara e bebi um gole enquanto lia a lista. — Que diabo é isso aqui?

— Uma troca. Não sabia se ia encarar as mais difíceis, então mandei a lista das clientes que só vão tomar alguns dias. Além do mais, ainda está enrolado com a Blake.

— Quem me dera.

— Há! Filho da mãe. Não consegue arar a terra, não chegou nem perto disso, não é?

— Cheguei bem perto. — Ignorei os olhares descarados. Garotas. Às vezes, eram muitas. Droga. Se eu fechasse os olhos, ainda sentia os dedos de Blake roçando na frente da minha calça. As mãos delicadas só precisavam avançar mais um pouquinho.

Eu estava quase projetando o quadril no banco, quando ouvi a notificação de mensagem. Merda.

 


Meu estômago se contraiu.

— Ai, merda.

— Algum problema? — Lex levantou o olhar do celular, e felizmente não viu a ereção gigante causada pela lembrança de Blake. Eu nunca mais teria sossego, se ele pensasse que uma mensagem de texto era suficiente para provocar esse resultado.

— É. — Suspirei e respondi a mensagem. — Vou ter que inventar um encontro com Blake para ela não vomitar no David.

— E daí?

E daí que eu queria que fosse de verdade. Era isso, babaca.

Pela primeira vez, meu cérebro e meu corpo estavam totalmente de acordo.

— Nada. Só... muita coisa na cabeça.

Uma garota com peitos enormes passou por nós e chamou a atenção de Lex, para minha sorte. Ele disse:

— Entendo exatamente o que quer dizer.

Há duas semanas, eu teria acenado chamando a garota e a teria dobrado bem depressa, de preferência em cima do objeto mais resistente e mais próximo. Mas agora? Pensar em sexo não me causava nenhuma reação. Os peitos falsos eram só isso: falsos. O sorriso também. E caramba, toda garota boba tinha de acenar balançando os dedos? Era como se ela sacudisse minhocas na minha direção, e eu fosse um pássaro querendo dar uma bicada.

A garota parou, olhou para trás, para nós, de um jeito provocante que fez Lex respirar fundo e ficar em pé.

— Eu poderia perguntar se quer vir também, mas alguma coisa me diz que não pode levantar.

E isso fazia de Lex o pavão do cenário.

— Engraçadinho. Vê se consegue dispensar a garota com jeito depois disso, Lex.

— Fala sério. — Ele começou a se afastar, e o andar cadenciado e ridículo surtiu o efeito desejado. A garota olhou para ele da cabeça aos pés, depois começou a respirar mais depressa do que era necessário, para alguém que só estava ali parada com a boca aberta. — Eu sempre consigo. E quando não dá certo, só preciso dar o telefone errado.

— Que bonzinho. Sério, você é um santo!

— Ouviu isso? — ele perguntou à garota. — Sou um santo. Quer confessar seus pecados?

Engoli a risada, olhei para o celular e digitei uma mensagem para Blake.

 

 

 

 

 

Suspirei e respondi sorrindo.

 


Ela não respondeu mais depois disso, e eu precisava trabalhar para criar o encontro perfeito. Meu coração disparou quando abri o catálogo de restaurantes. Merda. Não era um encontro de verdade. Era uma encenação. Tinha feito isso um milhão de vezes. Queria chamar essa vez de “vamos tirar isso da frente de uma vez”. Você faz um treino prático com a garota antes de ela sair com o cara de quem está a fim; assim, não tem surpresa.

A maioria das mulheres cria tanta expectativa sobre o encontro, que não consegue relaxar nem para comer uma folha de alface, muito menos conversar. Lex e eu descobrimos que, se tornássemos o treino tão real quanto possível e acrescentássemos alguns cenários previsíveis, ajudaríamos a acalmá-las e as tornaríamos menos propensas a engasgar com um amendoim ou roncar acidentalmente ao dar risada.

Mesmo não sendo um encontro de verdade, eu não conseguia parar de sorrir.

Essa era nova.

Dei uma olhada na lista de restaurantes, mas nenhum parecia bom ou interessante. Blake não era o tipo de garota para se impressionar com lugares caros e ambiente pretensioso. Ela gostava de comer, e imaginei que gritaria comigo, provavelmente, se eu a levasse a algum lugar onde a ideia de comida fosse uma cenoura regada com vinagre balsâmico.

Meu estômago roncou. Não ligo para o que os homens pensam que as mulheres querem; não tem nada de sexy em uma garota comendo uma folha de alface e bebendo uma vodka soda.

Para começar, alface quase sempre fica enroscado em algum lugar, normalmente entre os dentes da frente, e vodka soda embebeda tão depressa, que, quando você pede a sobremesa, normalmente elas já estão com o pé entre suas pernas embaixo da mesa.

Não vou mentir, aconteceu umas dez vezes. Sei o que pouca comida e muita bebida faz com as mais bobas. E as tristes não são melhores. Pelo contrário, é pior, porque elas ficam nervosas demais para beber, derrubam água em você, e no fim da noite, quando você finalmente terminou de mostrar por que é mais inteligente comer, em vez de passar o dia com fome, elas ficam repentinamente famintas.

Uma vez, uma garota roubou o cesto de pão de um casal.

Outra pediu tanta sobremesa, que vomitou em mim.

Hum. Continuei olhando a lista no celular e sorri quando encontrei o lugar perfeito. Seria... interessante, com certeza.

Lex riu alto. Levantei a cabeça, e não me surpreendi ao ver que a Peitos Grandes já apalpava a bunda dele e cochichava alguma coisa em seu ouvido. Vinte pratas como ele fazia o trabalho de química mentalmente, enquanto tocava a garota. Mais cem como, durante o sexo, ele estaria organizando as anotações para a prova. Às vezes, eu queria entender por que ele ainda se incomodava com isso.

Lex era um filho da mãe. Mas eu adorava esse cara.

Uma semana atrás, eu o teria cumprimentado com um high five.

Agora só me sentia... triste. Um pouco vazio.

Ouvi Lex rir de novo quando eles se afastaram.

Precisava raciocinar direito, e depressa. Lex tinha marcado uma cliente daqui a alguns minutos, mas ela ainda não tinha aparecido e, normalmente, quando apareciam, as novas clientes chegavam cedo, olhavam para o banco, esperavam e observavam tudo de um jeito meio assustador.

Mas hoje? Eu tinha o que fazer. Por isso olhei em volta, esquerda para a direita, direita para a esquerda. Bingo!

Ai, coitadinha, a mulher sozinha e confusa de Keds, jeans boyfriend rasgado e camiseta branca. Que merda, aquilo era uma faixa vermelha na cabeça dela? Hoje era Quatro de Julho? Puxa, pelo menos traz um cachorro-quente, se vai se vestir como se fosse a um churrasco.

Você, falei movendo os lábios sem emitir nenhum som, e a chamei flexionando o dedo. Ela ficou pálida, olhou para trás, depois de novo para mim.

— É. — Assenti. — Você mesma.

Ela olhou para trás de novo.

Meu Deus.

Eu precisaria mesmo levantar?

Finalmente, depois de alguns minutos de hesitação, ela abaixou a cabeça e caminhou na minha direção como se viesse se arrastando.

Quando seu corpo miúdo projetou uma sombra sobre o banco, eu me encostei e a avaliei.

Corte de cabelo em bico. Cabelo castanho. Corpo bonitinho, mas miúdo. Quase uma fadinha. Nenhuma autoconfiança, porque estava encurvada, e o jeito como ela se vestia revelava que não se arrumava, o que significava que confiança nunca fez parte do pacote.

Minha aposta era que... ela ainda se escondia à sombra da mãe e estava pronta para se libertar e viver. Estava lá, na postura e em como se vestia, muito certinha e recatada, como se fosse para o jantar de domingo, não para a faculdade.

Pena que os pais eram... hummm, eu achava... que eles moravam na cidade.

— Você mora no campus? — perguntei.

Ela balançou a cabeça para dizer que não.

— Ainda na casa dos pais, é?

Ela assentiu.

— Tem amigos?

Ela assentiu com vigor.

— Eles moram no campus?

De novo o movimento com a cabeça.

— Ótimo. Você é pobre?

Franzindo a testa, ela levantou a cabeça, e finalmente pude ver seus olhos verdes.

— Não.

Graças a Deus. Ela falava.

— Legal. — Levantei, mas recuei apressado, porque a cabeça dela chegava só na metade do meu peito. — Sua primeira tarefa é avisar seus pais que vai sair de casa. Depois vai encontrar acomodação no campus ou perto dele. Corte as amarras... — Inclinei a cabeça. — Como é seu nome?

— Quem é você? Vim encontrar... — E ficou quieta de novo.

Estendi a mão.

— Meu nome é Ian Hunter. Sou seu novo cupido.

Ela olhou para minha mão, depois a segurou, apertando-a de um jeito tão mole, esquisito, que senti um arrepio.

— Tarefa número dois. — Apertei a mão dela com força. — Os homens gostam de um corpo macio, não de mão mole. Aperta minha mão como você... — tossi — apertaria minha mão.

— Quê?

— É como diz aquela música, os homens querem uma dama na rua, mas uma doida na cama. Considerando como aperta minha mão, imagino que não saiba nada sobre apertar outras partes minhas na cama. Pegada firme é sempre importante. Os caras leem essas coisas. Mais tarde eu mando o cronograma. Olhe o pacote de informações que Lex mandou para você, e não deixe de responder o questionário. Não telefone. Só mensagem de texto e e-mail. Preciso ir.

— Mas...

— Foi um prazer te conhecer...?

— Vivian — ela gritou, sorrindo.

Acenei e me afastei correndo.

 

 

— Não pode ser tão ruim — falei através da porta. Minha testa acabaria atravessada por uma farpa se Blake não se apressasse.

— Mas é. — A voz dela era abafada. — É... muito ruim.

— Ruim a ponto de eu poder te deixar trancada no seu quarto comigo aí dentro? Ou ruim a ponto de o cara que trabalha na Asian Fusion, o que tem as sobrancelhas juntas, recusar seu telefone?

— Bert?

— O nome dele é Bert? — ri.

— Ele é superlegal — Blake falou alto, depois disse um palavrão. Alguma coisa acertou a porta, que abriu um pouquinho, deixando ver a mão de unhas perfeitamente pintadas de fúcsia.

Revirei os olhos e empurrei a porta. Blake recuou. A primeira coisa que vi foi o cabelo. Toneladas de cabelo ondulado, lindo o bastante para me fazer pensar em vender Lex e levar Blake para morar comigo.

— Caramba — resmunguei, estendendo a mão para ela. — Deixou o cabelo solto.

Blake recuou mais um passo. Os olhos foram esfumados sem exagerado, simplesmente perfeitos, os lábios eram de um tom pálido de rosa.

O vestido era preto.

E ela estava certa, era justo.

Nunca fui fã de vestidos de tricô; eles me faziam pensar em avós tricotando na varanda, e essa imagem mental era suficiente para garantir que ninguém terminasse a noite satisfeito.

Mas em Blake?

O vestido de tricô ficava... estonteante.

Envolvia cada curva do corpo e, curto, terminava logo abaixo da bunda. Não tinha mangas, mas a gola era mais alta do que eu costumava ver. Porém, quando ela virou, vi que o vestido era completamente aberto nas costas. Misericórdia, eu adorava as costas dessa garota.

Eu me apoiei na porta.

— Tem certeza de que quer sair?

Blake parou no meio da volta, passando as mãos pelo tecido que cobria suas coxas.

— Ficou tão ruim assim?

— Sim — grunhi, percorrendo a distância entre nós. — Ficou... horrível. Feio, terrível. Nojento. Como espera atrair os homens nessa...? — Minhas mãos desceram pelos braços até o quadril, e depois, incapaz de me conter, eu a puxei para mim. — Monstruosidade?

— Monstruosidade, é? — Ela riu, ofegante. — Por isso continua olhando? É como ver um acidente de carro e não conseguir desviar os olhos?

— Uma coisa do que você disse é verdade. — Massageei seu quadril com os polegares. — Não consigo parar de olhar. Literalmente.

— Vamos sair. — Ela escapou do meu abraço. — Lembra? Isso é um encontro falso para eu não fazer papel de idiota quando David e eu sairmos, na quinta-feira.

— Quem sai em uma quinta-feira? Isso é como ir ao restaurante mais cedo para pagar menos ou levar um cupom.

— Ian... — Blake acenou diante do meu rosto. — É por isso que está bravo? Por que vou sair com ele na quinta?

— É — falei, devagar, tentando pensar em um motivo melhor para ela não sair com ele, algo que não incluísse me contorcer de ciúme ou estar completamente maluco por essa garota. — Odeio quinta-feira como Lex odeia a segunda. Nada de bom acontece em uma quinta-feira.

— Ah, é? — Blake pegou uma bolsinha preta. Perfeita, muito melhor que a mochila que vi no canto. Puta merda. Aquilo era um adesivo?

Apontei para a mochila.

— Ignora. — Ela bateu na minha mão, mas era impossível. A coisa me atraía como um farol de trator.

— Isso é incrível — sussurrei, reverente. — Melhor que os sapatos.

— Ha, ha. — Blake puxou meu braço. — O que estava dizendo sobre as quintas-feiras?

— Calma. — Abri a mochila. Já me imaginava como Capitão Jack Sparrow, descobrindo um tesouro escondido, quando uma presilha de banana apareceu lá dentro. — Julgo os dias da semana com base nos programas da televisão. Nunca tem nada de bom na quinta-feira. Pode acreditar. Ah, olha, mais elásticos de cabelo.

— Tudo bem. — Blake me puxou quando tentei pegar um branco e enorme. — Acabou a apresentação.

— Você seria um sucesso no eBay. — Levantei. — E já que me mostrou... — olhei para trás — aquilo, vou te levar nesse encontro falso para você ter sucesso na quinta e ganhar o primeiro verdadeiro beijo de amor.

— Não é... meu primeiro beijo... agora. — Ela tropeçava um pouco nas palavras.

A tensão pulsava entre nós, como um coração batendo fora do peito. Quis beijá-la de novo, sentir seu gosto... para sempre.

— Ian? — Blake quebrou o clima. — Não fez reserva?

— Fiz. — Engoli em seco e ofereci o braço. — A partir do minuto em que sairmos de casa, imagine que esse é um encontro de verdade. Vou treinar você, e vai me ouvir com atenção, em vez de fazer anotações, e vamos torcer para que, na quinta-feira... — eu receba a notícia de que David sofreu um acidente trágico e não pode mais usar o pau —, você tenha confiança na sua capacidade de conquistar quem você quer.

— Tudo bem. — Blake bufou e riu, nervosa. — Jura que estou bem?

— Não, Blake. — Levantei a mão dela e beijei a parte interna do pulso. — Você está fenomenal.

Ela ficou vermelha.

— E se aquele filho da mãe não disser a mesma coisa, ou mais... se ele não escrever um poema para você... ele não te merece, entendeu?

— Entendi. — Blake puxou a mão e cruzou os braços. — Então, cadê o poema, Ian?

— Que droga, você ouve com atenção demais. — Descemos e saímos de casa. — Linda dama de negro, pura... realeza — falei em voz alta. — O que não te falta é beleza.

— Ah, agora está rimando.

Ri e abri a porta.

— Mas guarde estas palavras para quando não me tiver mais ao alcance da mão. — Levantei seu queixo para ela olhar para mim. — Sempre te guardarei em segurança — que porra eu estava dizendo? — dentro do meu coração.

Ela abriu a boca.

Queria poder dizer que tinha criado essa merda dormindo.

Mas não.

Era mentira.

Eu era um homem de fazer, não de falar.

Porra, tinha certeza de que havia acabado de compor meu primeiro poema de amor, e para uma garota que nem estava comigo de verdade, alguns dias antes de incentivá-la a caminhar para o pôr do sol com um idiota.

— Que lindo, Ian. — Ela segurou meu rosto.

Inclinei a cabeça para trás.

— Bom, você me conhece. Lindo é minha especialidade quando quero alguma coisa.

O sorriso dela sumiu.

Mesa para um, babaca? Ah, olha ali!


— Muito bem, chegou a hora das regras do encontro. Se olhar o Manual, vai ver que o nome disso é “Regras do Deus do Sexo Ian para um Primeiro Encontro de Sucesso”.

Blake revirou os olhos.

— Engraçado, quando olhei a cartilha hoje de manhã, o nome era “Regras do Ian para um Primeiro Encontro de Sucesso”.

— Hum, acho que não te dei a versão atualizada.

— É, deve ser isso. — Ela riu, uma risada leve que devia ter flutuado pela janela, em vez de me acertar no meio da cara, roubar o ar dos meus pulmões e me fazer querer queimar minha própria cartilha, esquecer as regras e ficar com ela.

— Regra número um. — Eu dirigia em direção ao campus, tentando não pensar em Blake em cima de mim. — Nunca toque o aparelho de som de um homem. Não interessa se ele gosta de Enya e você está pensando em se jogar de um carro em movimento. Música não decide relacionamento, a menos que você dê a ela essa importância. Se ele perguntar o que quer ouvir, escolha sempre o que já está tocando, ok?

Blake ficou em silêncio. Depois, séria, como se não me ouvisse, mudou a estação do rádio.

— Mas que porra...? — gritei.

— Não me convenceu! — ela também gritou quando o volume ficou mais alto. — Você ouve música clássica?

— Às vezes — menti. Na verdade, só deixava na emissora dos clássicos porque estudos diziam que esse tipo de música faz as mulheres relaxarem em uma situação tensa, e como eu ajudava garotas normalmente inseguras, deduzi que, se Mozart funcionava com grávidas, também funcionaria com universitárias.

— Mas isso... — Blake riu apontando para o rádio; “Beautiful Now”, de Zedd, berrava pelos alto-falantes, fazendo minha bunda vibrar com os graves — é muito melhor. Admite. Para de ser babaca e balança as mãos como se não tivesse preocupações, yo.

— Uau. Beleza. — Gargalhei. — Primeiro, você é branca... desculpe, tive que dar a notícia. Segundo, um homem com dificuldade auditiva e daltônico saberia que você é branca só pelo jeito como levantou os braços e pôs a língua para fora e... ai, Deus, você acabou de estalar os dedos?

Blake continuou dançando, ou o que imagino que achava que era dançar, balançando o corpo para frente e para trás no banco.

Era muito fofo.

Paramos no farol, e eu aumentei a música.

— Vai, faz também — ela gritou, e abriu a janela.

— Não. — Cruzei os braços.

O farol continuava fechado.

— Faz! — Rindo, Blake começou a me fazer cócegas. — Vai, dança comigo, Ian!

Suspirei, levantei os braços e dei uma gargalhada.

— Ah, não. Sem mãozinha para cima. Pelo menos tenta fazer a coisa como tem que fazer, assim. — Mostrei para ela como dançar no carro.

— Não. — Blake balançou a cabeça. — Se esforça mais. Minha vez de criar as regras. — Ela levantou minhas mãos, e aproximou tanto a boca da minha, que senti o cheiro do chiclete. — Agora estala os dedos e balança.

Fiz o que ela dizia e me senti um impostor.

E ela riu.

Nossas bocas quase se encostaram.

O motorista de trás buzinou.

Resmunguei um palavrão e olhei para o farol. Verde, e eu nem imaginava há quanto tempo. Pisei no acelerador e segui em frente.

— Lição bonitinha — comentei quando a música acabou.

— Também achei. — Blake piscou. — Se o David não me quiser porque vou tentar ajudar a expandir seu gosto musical, ele que... chupe isso!

— Há! — gargalhei. — Boa, mas acho melhor não falar “chupe isso” gostosa desse jeito. Ele pode fazer uma interpretação literal.

Ela fez uma careta, e o techno continuou. Blake dançou no carro durante o caminho todo, até perto da água.

— Vamos fazer um piquenique? — ela perguntou quando saímos do carro.

— Não, teremos de trabalhar para comer. Preparada para isso?

— Sim. — Ela estreitou os olhos. — Jura que não me trouxe até as docas só para me pegar?

— Regra número dois. — Guardei carteira e chave no bolso e estendi a mão para ela. — Quando um homem quiser te surpreender, não questione. Diga apenas o quanto ele é incrível.

— Você é... — Ela se ergueu na ponta dos pés e beijou meu queixo — o melhor encontro de mentira que já existiu.

Resmunguei um palavrão e a puxei para mim.

— Não esquece, você tem que fingir que é de verdade; senão, para que serve? — Meu corpo vibrava com a proximidade.

— Uma noite divertida? Comida boa?

Dei um tapa na bunda dela.

— Ai! — Blake se afastou, rindo. — Tenho certeza de que isso não é permitido no primeiro encontro.

— Ah, ela aprende. — Bati palmas, e ela revirou os olhos. — Preparada? — Estendi as mãos. — Aí vem a carona.

Blake olhou para o píer, para mim, para o píer de novo.

— Vamos andar de canoa?

— Até o restaurante, sim.

Ela sorriu.

— Tenho que admitir que isso é bem legal. Só não sei como vou te ajudar com esse vestido. — E olhou para o vestido curto e justo, envolvendo as coxas justamente onde meus dedos queriam deslizar, penetrar.

— Juro. — Pus a mão para trás e cruzei os dedos. — Não vou olhar para sua saia.

— Regra número três? — Ela levantou as sobrancelhas.

— Os homens sempre mentem — respondi, rindo.

Depois de quinze minutos de esforço intenso, decidi que ajudar uma garota de vestido curto a entrar em uma canoa deveria ser considerado esporte olímpico. O que deveria ser romântico se tornava rapidamente algo pior. Talvez por isso o Água Verde não alugasse canoas no inverno? Felizmente, Lex me ajudou a alugar a canoa para conseguirmos criar o mesmo ambiente.

Blake pegou seu remo e olhou para mim.

— Eu teria sido uma remadora fabulosa, só para você saber.

— Ah, é? — Sorri para ela e peguei o outro remo, depois comecei a remar para a enseada em direção ao Água Verde, o restaurante onde tinha feito reserva. — Por quê?

— Braços longos... — Ela se arrepiou. Parei de remar para dar meu paletó a ela. — Obrigada. — Outro arrepio. — Pernas longas...

Não consegui me conter, olhei para aquelas pernas. Tive de fazer um esforço enorme para não babar.

— Tentando me provocar, Bochechinha? — brinquei, embora meu corpo anunciasse de maneira dolorosa o desejo de conhecer o dela de um jeito bem íntimo.

— Estou conseguindo? — A nota de humor desapareceu da voz.

Engoli em seco, virei e comecei a remar mais forte, tentando focar no esforço muscular dos braços e ignorar o que acontecia em outra parte do corpo.

— Sempre consegue.

— Pensei que todos os homens mentissem.

— Nem todos — respondi com sinceridade. — Não sobre uma coisa como essa, pelo menos.

Já dava para ver o restaurante. Era um dos meus favoritos, algo que quem vai a Seattle precisa conhecer, mas que eu imaginava que ela, por ter acabado de se mudar, ainda não conhecia.

— Olha! — Ela apontou para o píer, onde alguém acenava para nós. Manobrei a canoa para o local, e um dos empregados a puxou rapidamente.

— Sr. Hunter, bem na hora. — Ele estendeu a mão para Blake e a ajudou a desembarcar. — Reservamos sua mesa do lado de fora. Colocamos os aquecedores perto da mesa para sua acompanhante não sentir frio, mas temos cobertores para oferecer, se ficar frio demais.

— Fantástico. — Dei a ele uma nota de vinte dólares e um tapinha nas costas, depois olhei para Blake. — Vamos?

Os olhos dela brilhavam como a luz do sol.

— Sim, Sr. Hunter!

— Sr. Hunter era meu pai. E se os boatos que correm sobre minha babá são verdadeiros, ele era um filho da mãe tarado. Para você, sou sempre Ian.

Blake riu.

— Já ouvi os mesmos boatos sobre você... — e suspirou — Ian.

O jeito como ela falava meu nome sempre me deixava meio tonto. Engraçado, porque há anos vivia cercado de gostosas que o gritavam como doidas, mas o nome nunca reverberou no meu peito como quando Blake o pronunciava.

Um gemido escapou dos lábios dela.

— Que cheiro bom.

O garçom se aproximou e levantou as sobrancelhas.

Sai, cara.

— Meu nome é Júlio, estou aqui para servi-los. Querem pedir alguma coisa?

— Duas margaritas de limão com gelo — pedi antes que Blake pudesse abrir a boca.

— Sal na borda da taça? — Júlio sugeriu.

— Açúcar. — Lambi os lábios e olhei para a boca de Blake.

— Perfeitamente. — Ele se afastou.

— Regra número quatro. — Batatinhas e salsa foram deixados no centro da mesa. — Dois drinques. Nunca três. Você pode estar nervosa, mas se passar da segunda dose, vai começar a perder a inibição, e as coisas podem desandar depressa. Dois é o número de segurança, mas só se você se alimentou normalmente durante o dia.

Blake enfiou uma batata na boca.

— Pareço uma dessas garotas que não come normalmente? Eu como, Ian. Não consigo evitar.

— Não quero que evite. — Dei risada quando ela enfiou outra batata na boca. — Além do mais, você precisa de comida para sustentar todo o esforço que vai fazer mais tarde.

A batata parou no meio do caminho.

— Esforço?

— Sexo. Não é isso que quer com o David, em algum momento?

Ela empalideceu.

— Ah, eu, hum, não tinha pensado nisso.

— Como é que é? — Estava entrando em território perigoso. Ela era minha cliente, e eu devia me preocupar por ela não ter pensado nisso, em vez de ficar eufórico.

— Não penso em David e sexo.

As bebidas chegaram. Júlio pigarreou.

— O especial de hoje é...

— Pode nos dar um minuto?

Ele se afastou, enquanto eu encarava Blake como se ela tivesse perdido a razão.

— Bochechinha, vai acontecer, em algum momento.

Ela se mexeu na cadeira, ajeitou o cabelo atrás da orelha e se inclinou para frente.

— Não quero pensar nisso, porque me dá ânsia de vômito. Vai ser horrível, ele vai odiar, e eu vou fazer papel de boba.

— Regra número cinco. — Balancei a cabeça devagar. — Os homens nunca odeiam sexo. Se o cara não goza, ou é porque confundiu KY com creme anestésico, ou porque é gay e você não tem o produto necessário para fazer ele chegar lá.

— KY?

— Querem pedir? — Júlio perguntou.

Eu o encarei.

Ele levantou as mãos e se afastou. Qual é, não tinha mais nenhuma mesa ocupada?

Blake começou a beber o drinque.

— Blake... — Segurei seu pulso e a ajudei a pôr a taça em cima da mesa. — Se não consegue pensar em sexo com ele, acha que deve... sair com ele? Para que precisa da minha ajuda?

— É que está indo depressa demais. — Ela comeu outra batata. — Queria que ele me notasse, não que me levasse para a cama duas semanas depois do seu plano dar certo.

— Tudo bem. Então é só falar não para ele.

— Eu posso falar não, não posso?

— Regra número seis. Você sempre, e estou dizendo sempre mesmo, pode falar não. Na verdade, em relação ao David, sugiro que diga. Quem sabe onde aquele pau já esteve? Talvez ele tenha herpes. Como pode saber?

— Agora está me deixando apavorada.

— Ótimo, nada de sexo. Vá para um convento. Lex e eu vamos levar chocolate e vinho escondido no seu aniversário todos os anos. — Bati de leve na mão dela sobre a mesa. — A bênção, criança.

Ela me encarou, mas deu risada.

— Para!

— Tudo bem. — Peguei o cardápio. — Vamos pedir, antes que Júlio cuspa nos nossos tacos.

As taças já estavam vazias. Hum, quando foi que bebemos tudo? Escolhemos rapidamente uma seleção de tacos para dividir e pedimos mais uma rodada de bebida.

— Ao nosso primeiro encontro. — Blake levantou a taça e tocou com ela na minha.

— Ao nosso primeiro encontro — repeti. Mas minha cabeça insistia em lembrar que também seria o último.

 

 

— Quebramos uma regra — Blake anunciou. — Você bebeu duas margaritas e uma dose de tequila.

— Porque... — ri e a puxei para mim, enterrando o rosto em seu pescoço — você nunca tomaria uma dose de tequila. Lamento por você. Além do mais, não existem regras que servem para ser quebradas?

Blake olhou para mim, aproximando tanto a boca, que não tive alternativa senão me inclinar para ela.

— Os paddles estão prontos — o empregado anunciou.

— Espera, o quê? — Blake estava em pânico. — Acabamos de comer uma tonelada, você tomou uma dose de tequila, e vamos ter que voltar remando em pé?

— São só 800 metros. Você vai ficar bem. É só tentar não cair do barco.

— Há! — Blake me empurrou com força e pegou o remo de cabo longo. — Nunca fiz isso antes. Se eu me afogar, a culpa é sua.

— Boca a boca. Graças a Deus pela RCP. — Assenti sério. — Faça o que tem que fazer, só não fica brava se eu tiver que salvar sua vida.

— Divirtam-se! — O homem me entregou o remo.

Tirei os sapatos, guardei na bolsa que o funcionário segurava, e que eu tinha feito Lex jurar que viria buscar mais tarde, e corri para Blake.

— Tira os sapatos de salto! — Estendi as mãos.

— Os sapatos?

— É. — Eu os tirei dos pés dela. — Lex vem buscar nossas coisas mais tarde. Descalça é mais fácil. Além do mais, vai estar ocupada demais tentando ficar em pé com o colete salva-vidas.

— Certo. — Ela moveu os dedos, ajoelhou no píer e deslizou para a prancha de joelhos.

— Equilíbrio é a chave — eu disse.

— Ai, céus. — Blake resmungou um palavrão. — Vou destruir o vestido da Gabi.

— Hum, Blake de vestido molhado, eu fazendo boca a boca... será que não é um sonho?

— Não tem graça, Ian!

O funcionário riu quando entreguei a ele o resto das minhas coisas e subi na prancha.

— Vem atrás de mim, Bochechinha.

No começo ela teve muita dificuldade, mas depois de alguns minutos, por ser uma atleta... virou corrida.

Era uma dessas disputas não declaradas. Do tipo que acontece sem ninguém precisar falar nada.

Saí na frente, Blake me ultrapassou, depois eu estava de novo na frente.

— Qual é o prêmio se eu ganhar? — provoquei.

Blake gargalhou.

— Fala sério, quando ganhou de mim?

— Sei, diminui o herói, Bochechinha. Não vai dar certo! Eu vou ganhar do mesmo jeito.

A risada de Blake era como uma carícia quando ela quase me derrubou com sua prancha e me ultrapassou.

— Merda — gritei, e fui atrás dela.

— Pescoço a pescoço — Blake falou quando estávamos a poucos metros da margem.

— O vencedor leva tudo! — avisei.

Blake estava uns 3 centímetros na minha frente.

Então, fiz o que qualquer homem equilibrado faria.

Eu a empurrei para a água.

Um metro de profundidade, no máximo, mas o suficiente para ensopar o vestido.

— Não acredito que fez isso! — Ela bateu com as mãos na água.

— Regra número sete — falei ao chegar na margem. — Nunca confie em um homem durante uma competição.

— Anotado! — Ela me mostrou o dedo do meio, depois subiu pela escada do píer. — Você ganhou.

— É isso aí... ganhei. — Virei, meu queixo caiu e um som estranho escapou de minha boca.

— O que está olhando?

— Você é ainda mais bonita molhada.

— Mas que homem... — Ela revirou os olhos e se aproximou de mim com as pernas e os pés pingando água.

— Sim. — Não consegui mais me conter; eu a puxei para mim e beijei. — Eu sou, mesmo.

Ela estremeceu em meus braços. Não sei se foi por causa do frio ou do beijo, e não fazia diferença.

Não parei.

— Regra número oito — sussurrei com a boca sobre a dela. — Se ele beija, deixa beijar.

— Hummm, ok. — Ela correspondeu, me envolveu com os braços e apoiou o corpo molhado no meu. Podia pensar que seria ruim de cama, mas eu soube, nesse momento, que seu corpo entendia o que precisava acontecer.

A língua tocou de leve na minha quando ela se esfregou em mim.

Merda.

Nem fazia tanto tempo que não ficava com uma mulher.

Mas fazia uma vida inteira que não ficava com a mulher certa.

Nós nos beijamos por segundos, minutos, antes de ela recuar, não só fisicamente, mas no sentido emocional também. E eu sabia que a culpa era minha, eu tinha deixado os limites confusos.

E a fiz acreditar que isso tudo era só um jogo, quando era muito mais.

— Então, quase pronta. — Blake limpou a boca com a mão. — Como estou até aqui?

Meu coração rachou um pouquinho.

— Fantástica.

— Ótimo. — Ela me deu um empurrãozinho. — Você não só deve um vestido para a Gabs, como vou te arrebentar por ter me jogado na água. Quem faz esse tipo de coisa?

— Um filho da mãe vaidoso que gosta de ganhar?

— Ah, só os Ian’s. Boa.

Sorri e peguei a chave. Assim que destranquei a Range Rover, peguei um cobertor do banco de trás e dei para ela.

Blake olhou para o cobertor.

— Será que eu quero saber por que tem um cobertor no carro?

Revirei os olhos.

— Não é pelos motivos que está pensando.

— Ah, não transa no banco de trás?

— Nunca fiz isso. — E a enrolei com o cobertor. — Mas sempre tem uma primeira vez para tudo.

— Não.

— Ah. — Dei um passo para trás. — Que bom que está atenta às regras.

— Estou. Obrigada pela ajuda...

— Disponha. — O encontro terminava. Por que eu deixava? Voltamos para a casa dela em silêncio.

Parei o carro e olhei para a varanda, tentando apagar a luz com a força do pensamento, ou torcendo para a casa ser invadida, porque assim eu teria uma desculpa para entrar com ela.

— Última regra — murmurei. — Se acha que o encontro foi legal e quer que ele continue, pode convidar o cara para entrar.

Blake mordeu o lábio inferior e assentiu.

— Entendi.

Merda. Limpei o rosto com as mãos, depois segurei o volante. Era isso. Não tinha mais nada a dizer.

— Ian?

— Oi — respondi sem olhar para ela.

— Quer entrar?

Meu coração deu um pulo, e virei o corpo inteiro para ela.

— Depende.

— Do quê? — O sorriso dela era confiante, sexy.

— Tem alguma coisa para oferecer? Essa é uma espécie de regra tácita. Não convide o cara presumindo que vai acontecer alguma coisa. Convide para um café, uma bebida, um filme.

— Tenho tudo isso. E aí?

— Bem, então.... — Desliguei o carro. — Eu aceito.

 

 

Fechamos a porta, e o silêncio invadiu a casa, exceto pelo barulho do motor de um carro em um comercial na televisão. Tentei respirar normalmente, mas era quase impossível.

A escuridão dominava o hall.

— Gabs deve estar dormindo — eu disse, principalmente para banir o desconforto com a voz.

— Serena e Gabs foram ao cinema — ela cochichou de volta.

— Ah. — Fechei os olhos. Eu precisava recuar.

Blake soltou o cobertor no chão e virou com um movimento fluido. Seus olhos buscaram os meus.

Estendi a mão para ela, precisava tocá-la. Uma última vez. Só mais uma vez antes de deixá-la ir para o David... Só uma vez antes de...

Mas os olhos dela eram esperançosos.

E ela era sexy demais.

Mais que isso.

Eu tinha passado de coach a cliente... querendo desesperadamente que a garota me notasse, querendo tanto, que faria qualquer coisa para chamar sua atenção.

Os olhos de Blake encontraram os meus. Ela não desviou o olhar.

A vida é cheia de escolhas. Algumas boas, algumas ruins. Nesse momento, eu não sabia se estava fazendo uma escolha ruim, ou se era a primeira escolha boa que fazia em muito tempo.

A tensão pairava no ar enquanto continuávamos nos encarando.

Quando olhei para aquela boca, ela se moveu muito discretamente em minha direção, mostrando sutilmente com o corpo que eu não estava enlouquecendo, que ela me queria tanto quanto eu a queria.

Sem pensar mais, colei a boca na dela, e só interrompi o beijo pa- ra murmurar:

— O David que se dane. Você é minha.

Minhas mãos agarram o vestido, puxando o tecido molhado para baixo, pelas pernas. Ela saiu dele cambaleando, o corpo molhado escorregando no meu. Meus dedos encontraram seu quadril, e eu a levantei enquanto a beijava, línguas se enroscando, entrelaçando. Não sabia onde ela acabava e eu começava. Ela gemeu alto, um gemido que ecoou pelo hall quase silencioso.

As mãos apertavam minhas costas, me agarravam com mais força. Descontrolado, passei a língua em seu lábio de baixo, depois recuei e olhei para a boca molhada, que ataquei de novo de outro ângulo. Meu pau empurrava o jeans, e ela se esfregava em mim.

Encostei na parede com ela nos braços, depois comecei a subir a escada, degrau por degrau. E cada passo que dava era mais um beijo na boca, outro no pescoço. Os gemidos baixinhos seriam minha morte. Terminei de subir a escada e fui para o quarto dela. A porta bateu depois que entramos.

O cômodo estava silencioso.

O único som era minha respiração ofegante.

E a dela.

Devagar, eu a deslizei para baixo contra o corpo, gemendo de prazer quando as pernas dela puxaram minha calça, me fazendo empurrar o quadril em sua direção.

Blake olhou para minha boca. Lambi os lábios em antecipação, ainda sentindo seu gosto, com o corpo tão quente, que me sentia como se fosse explodir. Quando é que foi assim? Quando estive tão... obcecado?

Ela estendeu a mão para mim.

Inclinei o corpo para trás e a chamei com um dedo.

Blake levantou as sobrancelhas.

— Depressa demais?

Dei risada quando a luz do abajur iluminou sua perfeição.

— É, mais ou menos isso. Se a gente não for mais devagar, vai acabar depressa demais.

Não sei se ela ficou vermelha; o quarto estava meio escuro. Mas o que eu conseguia ver era lindo, cabelos ondulados grudando no pescoço, o corpo perfeito e quase nu me chamando para dar uma mordidinha onde eu quisesse. Marcá-la como minha.

— E agora, está quase pronto? — ela provocou.

— Bochechinha. — Segurei as mãos dela e a puxei com força para mim. — Estou pronto desde que vi aquele chinelo sexy.

Rindo, ela recuou, ou tentou, mas eu comecei a beijar seu pescoço, chupei, lambi, provei, como se nunca tivesse estado com uma mulher antes. E talvez não tenha estado mesmo, não com uma mulher como Blake, pelo menos. Ou uma que me deixava maluco só por respirar.

Blake usava a lingerie mais sexy que já vi, e deslizei as mãos pela renda vermelha num gesto de apreciação, enquanto ela aprofundava o beijo. Seu peito arfava, os seios comprimiam meu peito. Senti os mamilos endurecendo.

Eu estava perdido, era um animal consumido pela sensação dela em mim.

Por saber que ela me queria tanto quanto eu a queria.

Eu a soltei para poder admirar a lingerie vermelha, desesperado para ver o que já sentia.

O olhar dela era fogo, mas de repente a insegurança mudou sua expressão.

— Ah, não, nem pensar — resmunguei, puxando-a de volta e beijando sua boca com ainda mais ardor que antes, porque me sentia agressivo, como se fosse morrer se não pudesse estar dentro dela.

— Acho que preciso de mais regras — ela sussurrou quando interrompemos o beijo. — Para saber o que fazer.

— Chega de regras. — Deslizei um dedo pela curva do seio e puxei o sutiã de leve. — Regras no quarto só criam confusão e falta de orgasmos.

— Como sabe?

Merda, eu conhecia aquela cara; ela estava começando a pensar. E pensar nunca era boa coisa. Pensar significava que ela seria a razoável, a que diria “vamos ser só amigos”, quando eu queria tirar sua roupa e preencher seu corpo muitas vezes, até ela desidratar ou quase morrer.

— Eu sei — deslizei a mão por seu braço — porque as mulheres se concentram demais em pensar o sexo, em vez de sentir.

Seu lábio inferior tremeu quando toquei suas costas e abri o sutiã, acariciando a pele nua, memorizando a suavidade. Beijei o ponto de encontro entre o ombro e o pescoço.

— Sente — sussurrei — tudo que quiser. E se disser não... é não.

— Como assim?

Ergui o corpo e segurei seu queixo entre os dedos. Droga, agora ela estava me fazendo pensar, e isso também não era uma boa ideia. Nunca fui muito consciente, até agora.

— No minuto em que você disser não, eu cubro seu corpo com todas as camadas de roupa que encontrar e me afasto de você, fico o mais longe possível. Então não diga não, a menos que seja sério, porque não vou voltar, se você mudar de ideia.

— Sim.

— Não foi uma pergunta, Bochechinha.

Com mãos trêmulas, ela tocou minha cintura, depois o quadril, onde o jeans já estava bem baixo, e procurou o botão. Ela criou novas definições de tortura quando, enquanto brincava com o zíper, explicou:

— Estou dizendo que sim.

— Vai ter que ser mais específica.

Meu pau pulou em estado de alerta quando os dedos tocaram a frente da calça.

Rangendo os dentes, murmurei:

— Você pode fazer melhor que isso.

Não esperava que ela enfiasse a mão na minha calça e me agarrasse.

Mas foi o que ela fez.

E aquela pequena parte do meu cérebro que dizia que essa era uma má ideia, que isso mudaria as coisas para sempre, morreu sufocada por aquela mão.

— Melhor? — ela perguntou.

— Não para de me tocar — falei rangendo os dentes. A inocência dela era envolvente, mas mais que isso, o jeito inocente como ela explorava meu corpo era suficiente para me deixar louco antes mesmo de o sexo começar.

Era bem diferente estar com a garota certa.

Esperar o momento certo.

Ela gemeu e tirou a mão da minha calça.

— Acho que devia tirar o jeans.

— Você acha? — Levantei as sobrancelhas.

Ela me encarou, segurou minha calça e puxou com força.

— Tira.

— Você acabou de me dar uma ordem? No seu quarto? — Sorri, adorando o jeito como ela ficava vermelha.

Blake me tocou de novo.

— Como quiser — gemi. — Sou todo seu.

Despi o jeans devagar. Queria fazer tudo devagar, dar tempo para ela mudar de ideia, mas também para demonstrar sem sombra de dúvida o que ela perderia se disse não.

Ela suspirou alto.

— Estou decepcionada.

— O quê? — Tive que me segurar para não gritar. Quando uma mulher me disse isso?

Ela sorriu para mim provocante.

— Pensei que estivesse com uma Speedo modelo antigo.

— Agora chega. — Eu a agarrei pela bunda, joguei sobre um ombro e fui para a cama. — A hora da brincadeirinha acabou... para você, pelo menos.

Deitei-a de costas e rastejei sobre seu corpo, minha ereção óbvia, a visão turva de desejo.

Blake lambeu os lábios.

— Faz isso de novo — instruí.

— O quê?

— Lambe os lábios. Enquanto eu lambo você. — Fui baixando os olhos para deixar claro que parte dela pretendia lamber. — Confia em mim.

Vi o rubor em seu rosto, mesmo na escuridão. Queria que sua reação fosse sempre arregalar os olhos com inocência.

— Como assim, você...?

Ignorei o comentário constrangido. Ele morreu em minha boca quando a levei a um frenesi de desejo que a fez agarrar meu cabelo e puxar tão forte, que gemi. Minha boca desceu pelo pescoço, desceu mais, até que, finalmente, senti seu sabor pela primeira vez. Ela projetou o quadril.

— O que está fazendo?

— Acho que é óbvio. — Segurei seu quadril com as duas mãos para evitar um olho roxo. — Estou fazendo amor com você... com a boca.

Mais um gemido de Blake e um movimento do corpo, depois as mãos seguraram minha cabeça com tanta força, que comecei a rir com a boca encostada nela, o que a fez gemer ainda mais.

— É claro que é exigente na cama — murmurei depois de levá-la até a Orgasmolândia. Aproximei o rosto do dela e perguntei com tom divertido. — Ainda é sim?

— O que foi isso? — Seus olhos estavam brilhantes, os lábios, inchados. Meu Deus, eu seria capaz de devorá-la... e era o que pretendia fazer, assim que ela estivesse pronta.

— Ah, isso? — Pisquei e beijei sua boca de leve, ainda sentindo seu gosto, querendo guardá-lo, temendo que, depois dessa noite, ele fosse embora. — Isso foi o primeiro round.

— Quantos são? — Seu olhar era esperançoso.

— Com você? Quantos aguentar. E depois... mais.

— Ian?

— Quê?

— Quero fazer você sentir isso também.

— Você faz. — E era verdade. Eu tinha uma ereção de deixar as bolas azuis, bolas de aço, e ela me fazia sentir isso, simplesmente me deixando satisfazê-la, levá-la à beira da loucura.

Blake se apoiou nos cotovelos, depois estendeu as mãos para mim.

— Quero que sinta isso... agora.

— Blake... — Eu queria sexo. Sempre quis sexo. Com ela? Queria horas intermináveis de sexo. Mas... em algum lugar ao longo do caminho, tinha me encantado com mais que a promessa de preencher esse corpo rijo. Queria mais. Queria alguma coisa além do físico, e isso me apavorava.

Porque ela deveria dizer não para mim. Eu não a merecia. Talvez fosse isso... eu sabia que não a merecia.

— Agora. — Ela me puxou, e meu corpo reagiu. Quase a penetrei por acidente, coisa que nunca tinha acontecido comigo antes.

Sentindo cada parte de mim pulsar, me acomodei entre suas coxas.

— Blake...

Ela me agarrava, me tocava em todos os lugares, me deixava louco beijando meu pescoço.

Debrucei sobre seu corpo, me posicionando, alternando entre querer penetrá-la inteiramente e recuar e trancá-la no banheiro.

— Você precisa ter certeza.

— Por favor. — Ela mordeu meu lábio. — É você, eu quero você. — As mãos puxavam meu cabelo e minha cabeça, e ela capturou minha boca. Ela aprendia depressa, considerando que, algumas semanas atrás, não sabia beijar. — Ian...

— Odeio o David — admiti. Por que diabo estava falando o nome dele na cama?

— Ok. — Ela me beijou de novo, de novo e de novo.

Eu me perdi naqueles beijos.

Me permiti.

Nossas bocas se fundiram e eu marquei seus lábios. A sensação das unhas subindo e descendo por minhas costas era do mais puro êxtase. Deslizei uma das mãos entre meu corpo e o dela e toquei sua parte mais íntima.

Blake gemeu baixinho.

Levantei a cabeça e olhei nos olhos dela.

— Regra número nove.

Atordoada, ela me encarou.

— Você não disse que regras na cama impedem orgasmos?

— Regras — falei, pensando em um jeito de perguntar sobre preservativos. Nunca estive em uma situação como essa antes, e não era como no ensino médio, quando tinha aquela primeira compra de camisinhas esperando na carteira.

Blake estava molhada, pronta para mim.

— Blake, preciso... — Engoli a necessidade de já estar dentro dela, tossi e tentei de novo. — Camisinha?

Com um sorriso preguiçoso, ela apontou para a mesa de cabeceira.

— Não imagino que, tipo, nunca, mas esse quarto era da Gabs e...

— Para — abri a gaveta —, pode parar.

Ela riu enquanto eu abria a embalagem e me preparava. De olhos bem abertos, estendeu a mão para mim, mas eu a empurrei.

— Se é sua primeira vez — murmurei, ignorando sua expressão confusa e começando a penetração lenta —, faça valer a pena. E foca em mim, só em mim.

Rangi os dentes e entrei.

Ela deu um gritinho e quase caiu da cama. Fechou os olhos por um instante, depois abriu de novo.

— Se proteção é a regra número nove, qual é a dez?

Comecei a me mexer lentamente.

— Nunca esqueça que sou eu quem faz você sentir essas coisas.

— Isso é uma regra?

— Minha nova regra. — Mais uma penetração completa. — Você é minha, Blake. Ouviu? Minha?

— Sim — ela arfou, e puxou minha cabeça para baixo para me beijar com desespero. — Sim.

 

 

Queria poder dizer que fui um cavalheiro, que a deixei dormir, depois preparei um banho e perguntei onde doía.

Mas a verdade é que perdi a cabeça.

E fiz amor com ela mais três vezes, antes de finalmente quase desabar em cima dela.

Estava tão exausto, que tinha certeza de que, se o mundo acabasse entre cinco e seis da manhã e a única forma de salvá-lo fosse unir forças com Channing Tatum contra os zumbis, eu diria “passo”, bocejaria e viraria para o lado para ter mais uns minutos de sono.

Horas mais tarde, o sol começou a entrar no quarto. Eu me espreguicei na cama e senti um espaço vazio e frio ao meu lado.

Outra primeira vez.

Levantei o corpo e dei de cara com uma melhor amiga muito furiosa, que segurava um travesseiro acima da cabeça e olhava para mim com o mais puro ódio.

— Gabs. — Levantei as mãos. — Você ia me sufocar?

— Considerei a possibilidade. Por dez minutos, pelo menos.

— Merda. — Esfreguei os olhos. — Ficou aí parada com um travesseiro assassino, pensando em me matar, por um período de dez minutos?

— Sim. — Ela estava furiosa. Os olhos estavam transtornados, os cabelos estavam presos dentro de um boné de beisebol. Ela parecia ter acabado de voltar da corrida matinal.

Olhei para o Nike Free cor-de-rosa.

— Tênis legal. É novo?

— Não começa! Não se atreva a mudar de assunto!

— Ah, sim. — Suspirei. — Minha morte iminente. Bem, acaba logo com isso.

— Como teve coragem?

— Para quê? Viver? Respirar? Bom, é simples. Tenho certeza de que nosso amigo Lex consegue explicar os mecanismos do corpo humano, se estiver interessada.

— Ian. — Ela bateu com o travesseiro no meu rosto.

Várias vezes.

Cada vez que eu tentava falar, ela me batia de novo.

— Para! — Derrubei Gabs na cama e joguei o travesseiro para o lado, e só então percebi que ainda estava pelado.

— Nãããoo! — Gabi gritou tão alto, que meu tímpano quase explodiu e caiu da orelha.

— Ah, fala sério! — Corri para me cobrir. — Como se nunca tivesse visto um pênis!

— Esse é seu!

Meu apêndice teve o bom senso de se mostrar acanhado com os gritos e o dedo apontando para ele.

— Gabs... — Vestido, tentei de novo. — Por que está tão brava?

— Minha colega de casa!

— Sabe que Lex transou com a Serena 24 horas depois de ela ter se mudado, não sabe?

— Mas foi o Lex! Ele é um ser humano horrível!

— Tenho certeza de que ele vai gostar de saber que tem sua aprovação.

— Blake é minha amiga. E agora vai ser estranho. E ela é sua cliente! Onde estava com a cabeça?

— Fácil.

— Ela não é fácil! — Gabi gritou.

— Espera eu terminar. Fácil, sei onde estava com a cabeça, era nela, eu gosto dela, David é um idiota bizarro, e prefiro morrer a permitir que ele toque nela. E se quer mesmo saber, minha cabeça também estava em coisas como “puxa, ela é gostosa. Caramba, eu quero essa mulher...”.

— Então não vai tentar escapar?

Franzi a testa.

— Pareço alguém que vai pular a janela com uma desculpa sobre ir cuidar do cachorro doente?

— Você nem tem cachorro.

— Mesmo assim, se me arrependesse de ontem à noite, o que não aconteceu, estaria com pressa para ir ver se o coitado do Fido sobreviveu, depois de ter sido atropelado por um Honda.

Gabi me olhava, carrancuda.

— Ela gosta de você.

— Ah, graças a Deus! — gritei. — E eu pensando que ela me odiasse, quando começou a gritar meu nome...

Gabi franziu a testa.

Parei de falar e sorri.

— Cadê a Blake?

— Na cozinha. Acordou assim que o dia nasceu, saiu para correr 6 quilômetros, voltou e decidiu fazer panquecas para o galinha na cama dela.

Pulei da cama e desci a escada correndo.

— Panqueca?

Blake estava na frente do fogão, com o cabelo molhado preso em um coque alto, cantarolando e jogando uma panqueca para cima.

— Só se guardar algumas para o Lex. Falei que ele podia comer aqui, depois que ele ligou para a Gabi logo cedo, surtado porque você tinha faltado à reunião diária no banco.

— Merda! — Olhei para o relógio do micro-ondas. — Não era para eu ter dormido aqui.

Blake virou com o rosto corado.

— Desculpa, você parecia exausto.

— Bochechinha. — Dois passos, e ela estava nos meus braços. — Eu estou exausto, mas do melhor jeito possível. Aquele jeito tipo “tira uma semana de férias da faculdade”, sabe?

— Por que eu tiraria uma semana de férias da faculdade?

— Pense nas possibilidades... dias e noites na cama. Eu posso mudar sua vida.

— Ah! — Blake cruzou os braços. — Talvez já tenha mudado.

Sorri para ela. Era um sentimento novo. Não acordar em pânico para ir embora, mas em pânico para vê-la, ver se ela estava bem, beijá-la de novo e de novo.

— Posso ficar viciado no seu gosto. — Beijei sua boca de leve. Blake descruzou os braços e enlaçou meu pescoço.

— Na cozinha não, gente — Gabi avisou da porta. — Temos que comer aqui.

— Adoro comer — murmurei com a boca na de Blake. — E panqueca? Você sabe que foi assim que a Gabs me manteve por perto, não é? Ela me alimentou. É o que você faz quando quer manter um homem. Se dá comida para ele, ele é seu para toda a vida.

— Por que acha que fui comprar salsicha para acompanhar a panqueca?

Gemi e a beijei de novo.

— É sério, vou lá em cima pegar o travesseiro. — A voz irritada de Gabi penetrou meu bom humor. — Desgrudem. — Ela bateu palmas. — Não estou cozinhando, isso é raro, e quero sentar e tomar meu café sem ver pornografia da vida real.

— Pornô onde? — Lex entrou na cozinha e sorriu para Gabi. — Que linda, Gabs. A maquiagem acabou, ou está tentando ficar com cara de doze anos para pagar meia no cinema?

Gabi o encarou e continuou bebendo o café. Aquele olhar me fez sair da frente, caso ela tivesse descoberto um jeito de matar as pessoas com os olhos.

Lex não se abalou. Pelo contrário, ele parecia apreciar a demonstração de ódio.

— E aí, quem transou ontem à noite? — Lex perguntou depois de pegar uma xícara de café e sentar à mesa.

Gabi apontou para mim, eu apontei para Blake, ela apontou para mim.

Lex franziu a testa.

— Então, ou vocês dois transaram com alguém, ou transaram um com o outro. Qual dos dois?

— Hum... Um com o outro — Blake anunciou, olhando para mim meio tímida antes de piscar. — E foi tudo que as garotas escrevem nas portas do banheiro.

— Ha, ha. — Dei um tapa na bunda dela e fui pegar os pratos.

— Ah... — Lex tossiu. — Você sabe que não pode transar com as clientes.

— Ah, sobre isso... tenho certeza de que nosso contrato foi cancelado no minuto em que ela gritou meu nome.

— Então — Gabi olhou para nós dois — David já era?

— Sim — eu disse.

Ao mesmo tempo, Blake respondeu:

— Não.

Todo mundo ficou em silêncio.

Virei tão depressa, que quase bati na porta aberta da geladeira.

— Como assim “não”?

— Ele ainda é meu amigo! — Blake riu, nervosa. — Preciso ir jantar com ele, pelo menos. Como eu disse, é um amigo.

— Eu também era amigo, e acabamos dando umas quatro, pelo menos, na noite passada. Desculpa, mas não confio na sua capacidade de manter os amigos na distância adequada!

Blake arfou, chocada.

Lex resmungou:

— Ai, merda.

E parecia querer me cumprimentar com um high five, ou se curvar em reverência, ou me desafiar para uma corrida de resistência.

Gabi riu atrás da xícara.

— Então foi só isso para você? — Blake cruzou os braços. — Uma noite na cama?

— Porra, não! — gritei, e me aproximei dela. — E esse é mais um motivo para eu não querer que você saia com o Babacão!

— Ele tem nome!

— Sim, é Babacão!

Blake revirou os olhos.

— Eu o conheço desde sempre. Seria grosseiro cancelar de repente. Já sei. Se vai se sentir melhor, pode ir me levar e me buscar.

— Boa, aluga uma van e faz a mãe da vez do time de futebol!

— Lex, para — falei. — Pergunta para a Gabs sobre ser demitido.

— Como sabe disso? — Gabi gritou, enquanto Lex olhava para ela com ar venenoso.

— Dormiu com o chefe? — ele perguntou com tom ríspido.

— Ah! Odeio vocês! — Gabs bateu no braço de Lex, e eu olhei de novo para Blake.

— Ian. — Ela falou meu nome como se estivesse desapontada por eu sentir ciúme. — Prometo que vai ficar tudo bem, ok?

E estendeu as mãos para segurar meus braços.

Não me mexi.

Ela suspirou e cochichou no meu ouvido.

— Posso tirar o dia de folga, mas vou ter que ir ao treino de vôlei. — E lambeu minha orelha.

A lambida decidiu por mim.

Eu a trancaria no quarto comigo.

E faria tudo que pudesse para que, quando ela fosse encontrar o David, meu nome fosse único em sua boca.

— Voltamos já! — gritei. Depois a joguei sobre um ombro e a levei escada acima para o quarto.

 

 

— Preciso pegar água. — Com um gemido rouco, me arrastei até o banheiro e abri a torneira, lavei o rosto, depois uni as mãos embaixo do jato para conseguir beber.

— Precisa praticar sua resistência. — Blake parou atrás de mim e ligou o chuveiro.

Olhei para ela pelo espelho.

— Eu arrebentei!

— Ah, foi isso que fez? Quando disse que tinha que parar porque estava com dor no tornozelo?

Ela gritou e fugiu quando estalei uma toalha em sua direção.

— Sou ruim em sprint, mas isso não significa que minha resistência é baixa. Se você usasse mais roupa para se exercitar, talvez eu não me distraísse tanto.

— Ah, quase cuspiu o pulmão porque estava distraído?

— Isso. — Tirei a camiseta e joguei no chão. — Distração interfere na minha respiração, e se você não respira direito, falta oxigênio. — Pisquei.

Ela revirou os olhos e me empurrou para fora do banheiro.

— Ei! — gritei quando a porta bateu na minha cara. — Pensei que ir correr com você me desse o direito à hora do banho. Não tinha um gráfico de adesivos? Com favores sexuais cada vez que eu atingisse um objetivo?

Ela abriu uma fresta da porta.

— Você sabe que é maluco?

— Maluco de gostoso? — Empurrei um pouco a porta e subi e desci as sobrancelhas. — Maluco de... satisfatório? Tão maluco que teve não um, não dois, mas três orgasmos, tudo em um período de cinco horas?

Ela ficou vermelha.

Eu sorri.

Ela bateu a porta de novo, e dessa vez trancou.

— Tudo bem — falei. — Garotas precisam de privacidade, eu sei. Vou ficar aqui fora sentado no meu suor, esperando!

— Está reclamando porque ficou para trás! — Blake respondeu do outro lado. — Faça alguma coisa! Senta no chão e para de reclamar!

Eu adorava essa atitude autoritária.

Depois de passar aquele primeiro dia na cama juntos, decidimos que precisávamos nos aventurar na sociedade e ir à faculdade. Eu disse a ela que tinha quase certeza de que podíamos passar em todas as matérias, mesmo faltando à metade das aulas, mas Blake era bolsista e, francamente, eu gostava da faculdade. Então decidi que a melhor maneira de lidar com isso era ir correr com ela, acalmá-la com café, depois explicar minha agenda da Cupidos S.A. e minhas obrigações na empresa, tudo de um jeito que não provocasse um surto.

Blake não quis encerrar o contrato, porque, tecnicamente, cumpri minha parte. David a havia notado, e ela poderia ter ficado com ele.

Se eu não tivesse atrapalhado.

Faltavam só dois dias, porque alteramos a data de validade do contrato para o dia do jantar com David, para não prejudicar meu histórico impecável.

Bom, não exatamente impecável. Havia um ponto negativo, porque fiz o impensável e dormi com ela.

Mas estar com ela agora diferente.

Ela era diferente. Meu objetivo final não era transar com ela e ir embora. Eu a queria comigo enquanto ela quisesse ficar. Para sempre, se possível.

Merda. Estava nisso até o pescoço.

Peguei o celular da mesa de cabeceira e comecei a ler os e-mails dos últimos dias.

Vivian queria marcar uma reunião.

Era apaixonada por um tal de John desde o primeiro ano de faculdade, dois anos atrás, e Lex tinha me mandado os horários dele.

E eu tinha uma nova cliente a partir da próxima semana, alguém que havia passado três anos suspirando pelo... é, você adivinhou, parceiro de estudos.

Sério, nove de cada dez vezes era o parceiro de estudos ou alguém da turma que a garota perseguia em segredo. Eu não me incomodo, mas isso me obrigava a fazer um tremendo trabalho de base. Levar a garota da condição de invisível ao centro do radar do homem em questão não era tarefa fácil. E fazer tudo isso enquanto saía com Blake?

Bom, meus métodos precisariam mudar, porque eu não seria esse cara. O que fingia namorar outras garotas enquanto tinha uma namorada de verdade.

Parei no meio da mensagem que pretendia mandar para o Lex. Minha respiração ficou mais lenta. O peito ficou apertado.

Ela desligou o chuveiro.

Continuei olhando para o telefone.

E tentei lembrar de respirar.

De repente, os pés de Blake surgiram no meu campo de visão. Ela acenou diante do meu rosto.

— Ian? Que foi? Você está com cara de quem vai vomitar.

— Você é minha namorada? — perguntei.

Enrolada na toalha, Blake se juntou a mim na cama.

— Se isso te apavora...

— Não — falei. — Esse é o ponto. Não apavora. Deveria?

— Bom, você não parece ter medo de compromisso. Até agora, você só... transava com qualquer coisa que respirasse.

— Legal, e eu pensando que você ia falar alguma coisa como “Ah, Ian, você só estava esperando a garota certa aparecer e te tirar do chão”!

— Garotas não tiram ninguém do chão. Isso deve estar no seu manual.

— Por que os homens têm que fazer todo o trabalho?

Blake sorriu, tirou a toalha e montou em mim.

— É esse o assunto? Quer que eu trabalhe um pouco?

Assenti, temendo falar e afugentá-la. Nem a toquei. Só... olhei.

— Então, para topar ser meu namorado...

A palavra era perfeita nos lábios dela. Eu era possessivo a esse ponto, gostava de saber que ela era minha, que ninguém mais a veria nua, que nenhum outro homem beijaria sua boca. Era o suficiente para me fazer querer gritar, triunfante.

— Vou ter que... lutar por isso? — ela perguntou.

— Você disse, não eu — sussurrei com tom sedutor. — Ei, por acaso tem uma fantasia de criada naquele closet dos horrores?

— Não.

— Droga. Uniforme de zelador? Fast food? Pelo menos um uniforme do McDonald’s, e vou te pegar com tanta força, que você vai me chamar de Ronald por uma semana.

— Você é bem esquisito.

Agarrei sua bunda e a joguei na cama.

— É, mas você me alimentou, então lembra o que isso significa.

Blake passou a mão no cabelo. Os dedos tocaram meus lábios e pararam neles enquanto ela sussurrou:

— Tenho que ficar com você.

— Isso. — Beijei cada dedo com reverência. — Espero que sim.

— Inseguro?

— Não — menti. — Só... diferente. Isso me faz sentir diferente.

— Às vezes, esse diferente é exatamente o que precisamos.

— Sim. — Beijei sua boca. — É.


Duas horas depois, finalmente saí da casa de Blake, limpo e pronto para ir encontrar Vivian no HUB. Era nosso segundo encontro, e eu explicaria a agenda para ver se era conveniente para ela. Esperava que dar uma olhada no cara por quem ela se interessava me ajudasse a avaliar quanto tempo ele levaria para percorrer os estágios.

Vivian estava no Subway, roendo as unhas e encarando um dos funcionários. Ele era meio baixinho, usava uma viseira da lanchonete virada para trás e dizia “yo” mais vezes do que qualquer pessoa deveria dizer em um período de cinco minutos.

— Yo — provoquei, e sentei na frente dela.

— Ele nem sabe meu nome — ela resmungou.

Ignorei.

— Já saiu da casa dos seus pais?

Atenta ao rapaz, ela assentiu e continuou falando comigo sem fazer contato visual, o que me causava arrepios.

— Fui morar com uma boa amiga perto do campus. Até cortei o cabelo.

— Estou vendo. — E também tinha descoberto batom vermelho e todas as maneiras de pintar os dentes por não saber usá-lo. — Vivian...

Ela continuava olhando para John.

Muito bem. Ela queria chamar a atenção dele? Eu ia cuidar disso.

— Sua vadia! — Levantei e joguei a cadeira no chão. Alunos assustados olharam para nós. — Não acredito que dormiu com ele! Na minha festa? Na minha casa! Na minha cama!

Boquiaberta, Vivian olhou para mim, depois para a fila silenciosa do Subway. A arte do sanduíche oficialmente interrompida.

— Ian, o que está fazendo? — ela murmurou.

— Terminando com você. O que acha que estou fazendo? Você dormiu com meu irmão! — Eu nem tinha irmão. — Na minha festa de aniversário! — Meu aniversário era em novembro. — O quê? Achou que eu não ia descobrir?

Lágrimas encheram seus olhos.

— Ian... — Elas começaram a correr pelo rosto.

— Ei, cara. — John se aproximou e tocou meu braço.

— Não toque em mim! — Eu me afastei.

— Calma, yo, fica frio. — Ele ofereceu um sorriso calmo. — É só que a Vivian aqui... — eu sabia que ele sabia o nome dela — parece bem assustada. E o que quer que tenha acontecido, não é legal resolver na frente de uma plateia.

— Sabe o que mais não é legal? — Eu fumegava. — Ela! — Apontei para Vivian. — Me fazer gostar tanto que queria até perdoá-la por ter feito o impensável. Ela é... — Desviei o olhar. — Ela é linda.

John olhou para Vivian. Rezei para ela ficar de boca fechada, porque o batom vermelho nos dentes faria o oposto de atrai-lo. Por outro lado, talvez ele gostasse do estrago.

— Sim, ela é — disse.

Eu sabia o que ele via, a garota comum com um pouco de batom vermelho. O rosto ainda corado dava a impressão de boca mais carnuda. Os olhos muito abertos pareciam enormes, e o novo corte de cabelo dava a ela um ar de quem tinha acabado de fazer sexo, o que, é claro, me deu a ideia brilhante.

Não era só ciúme que fazia um homem entrar em ação.

Era o simples fato de outro homem ter descoberto um tesouro que passava diante dele há anos, e para o qual ele nunca deu atenção.

Todos os homens queriam ser o primeiro.

Queríamos ser Cristóvão Colombo, Lewis e Clark... você entendeu.

Ele seria sempre o segundo, depois de mim. Era o que pensava. O que significava que se esforçaria duas vezes mais para apagar a lembrança do primeiro na vida dela.

Puxa, eu era brilhante.

— Olha só. — Passei a mão na cabeça tentando parecer estressado. — Viv, podemos conversar lá fora?

Ela assentiu e levantou devagar. Fiquei feliz por ver que ela tinha seguido meu conselho e se vestia de acordo com sua idade. Jeans skinny e regata preta faziam parecer que tinha mais de doze anos.

— Ei. — John segurou o braço de Vivian e cochichou alguma coisa no ouvido dela. Ela assentiu, abaixou a cabeça e saiu comigo.

Assim que saímos, eu a levei para o banco e a fiz sentar.

— Isso foi...

— Shh. — Levei o dedo aos lábios. — Espera uns minutos. Ele deve estar olhando para cá, e se começarmos a conversar agora, vai parecer que estamos resolvendo as coisas. Se ficarmos em silêncio, vamos parecer... um caso perdido. E é essa impressão que temos que dar.

Vivian assentiu e até cruzou os braços.

Depois de cinco minutos, olhei para ela.

— Desculpa por ter te constrangido.

Ela deu de ombros, depois sorriu.

— Ele quer me encontrar quando sair do trabalho. Disse que tinha traído a namorada no ensino médio e sabia como era ruim sentir culpa por uma coisa que é totalmente sua responsabilidade.

— Hum... interessante. Isso não estava no arquivo dele, o que significa, basicamente, que sou mais brilhante do que tinha notado.

Ela chegou mais perto de mim.

— Não, não. — Dei risada e me afastei um pouco. — De agora em diante, vamos nos tratar com frieza, vamos nos manter afastados. Ainda meio juntos, mas... só pelas aparências.

— Certo. — Ela juntou as mãos sobre as pernas. — Vou encontrar com ele, então?

— Sim, é claro. Reclama bastante, fala que não é verdade, porque não é, mas que eu me recuso a acreditar em você porque tenho dificuldade para confiar nos outros. Diz para ele que acabou, praticamente, o que é frustrante para você, porque eu fui o melhor sexo da sua vida.

— Quê? — Ela ficou vermelha. — Não posso dizer isso.

— Fizemos as coisas ao contrário. Normalmente, desperto ciúmes neles primeiro, depois eles oferecem um ombro para chorar quando as coisas vão mal. Mas mudamos a ordem. Diz para ele que está aborrecida porque vai sentir minha falta na cama. Diz que eu era incrível. Diz que grita meu nome à noite, mas acorda sozinha.

— Não acreditamos que estamos tendo essa conversa. — Ela começou a balançar para frente e para trás, olhando para mim e para o gramado, ainda com o rosto vermelho. — Não posso... dizer essas coisas.

— Pode. — Verifiquei o telefone. — E vai. E quando isso acabar, você vai embora, diz que está exausta, que não tem dormido bem. Ele vai pedir seu telefone. Pode dar. Ele vai mandar uma mensagem de boa noite. Não responda antes das três da manhã. Ele vai responder, pode acreditar. E quando ele responder e perguntar por que está acordada, diga que está agitada.

Dei uma olhada no histórico de John. Eles tinham mais ou menos 80% de chance de match. Isto é, se ele parasse de enrolar durante as aulas, terminasse os trabalhos e os entregasse no prazo determinado. Vivian era muito estudiosa.

— Tem alguma prova nos próximos dias?

— Sim, biologia.

— Ótimo. Ele faz essa matéria também, não?

Ela assentiu.

— Diz para ele que a única coisa que te faz esquecer de tudo é estudar... e ele vai se oferecer para estudar com você. Espera um dia, depois aceita a oferta. Manda uma mensagem para mim assim que ele entrar na casa, e eu vou mandar uma mensagem para você enquanto estiverem estudando, para parecer distraída. Ria de algumas mensagens, depois suspire e feche o livro com um movimento irritado. Ele vai dizer que você merece coisa melhor e vai perguntar se já pensou em se envolver com outra pessoa. E aí é especialmente importante que você preste atenção a cada palavra minha.

— Isso está acontecendo depressa demais. — Ela ofegava como se fosse desmaiar.

Ah, que bom, mais uma hiperventilando. Eu não tinha tempo para essa merda hoje. Blake sairia do treino de vôlei em breve, e eu tinha planos para aquela boca, aquelas pernas... para cada parte dela.

— Você quer o cara, não quer?

— Quero.

— Ótimo, então, diz a ele que nunca esteve com mais ninguém. Diga a ele que só beijou...?

Fiquei esperando a resposta.

— Dois caras.

Ótimo, ela estava pegando o jeito.

— Maravilha. O primeiro foi no ensino médio? — Era um chute.

Ela confirmou balançando a cabeça e deu de ombros.

— Bom, os dois foram no ensino médio. Não fiquei com ninguém desde que vim para a faculdade.

— Lamento.

— Pais superprotetores. Eles controlam tudo. Às vezes, é mais fácil aceitar e fazer como eles querem.

— Você saiu de casa. Agora está tudo bem, não?

— Sim. — Ela se animou. — Entendi, dois caras, e depois? Como vou saber se beijo bem? E se não for boa o bastante?

A garota tinha razão.

Levantei um dedo.

— Aguenta aí.

Liguei para o Lex. Ele atendeu no primeiro toque.

— Fala que vai passar pela fonte em poucos segundos.

— Encontro você já.

— Preciso de você.

— Beleza.

Ele desligou.

Vivian franziu a testa quando Lex contornou a fonte e se aproximou de nós. Eu adorava ver como as garotas reagiam a ele. Lex tinha o corpo de um jogador de futebol, mas o cérebro de um... sei lá, de um gênio mau? Era quase como se ele soubesse exatamente que substâncias circulavam no corpo das garotas quando ele sorria, como se soubesse a pressão exata que devia aplicar a cada beijo para provocar uma explosão.

Verdade. No passado, houve momentos em que quis matá-lo e dissecar seu cérebro bizarro. Agora era só interessante de olhar.

— Chamou? — Ele pôs as mãos nos bolsos.

Acenei com a cabeça para Vivian.

— Ela precisa saber como conquistar um cara com um beijo especial.

— É para já. — Ele deixou a mochila no chão. — Vai ser aqui mesmo?

Olhei em volta.

— Sim, mas é melhor ir mais para o meio das árvores para o John não ver.

Ele puxou Vivian pela mão e a levou para as árvores, depois apoiou as mãos em seus ombros.

— Pronta?

— Espera. — Ela olhou para nós dois e sussurrou: — O que está acontecendo?

— O primeiro dia do resto de sua vida — Lex anunciou, sério. — Encara como educação sexual, mas... melhor.

— Já sei sobre os pássaros e as abelhas.

Lex riu e olhou para ela, incrédulo.

— Aposto que sabe.

— Quem é você? — ela perguntou com as mãos na cintura.

— A segunda metade desse inteiro. — Lex apontou para mim.

— Você é gay?

Ele a puxou para perto.

— Se esfrega em mim e vai descobrir, gatinha.

Revirei os olhos.

— Viv, o Lex vai te ensinar a beijar. Eu não posso, porque... — Bom, tecnicamente, podia. Eu só... não queria. Sentia que estava traindo, mesmo sendo só um trabalho. Merda, talvez as strippers sentissem a mesma coisa todas as noites.

— Ele ganhou uma vagina — Lex explicou. — Além do mais, ele pode ter mais experiência, pode até ser melhor que eu na cama, não sei, não temos uma pesquisa recente, mas isso? Isso aqui é minha especialidade. Então segura a onda, docinho, porque vou mudar sua vida.

— A pesquisa foi forjada — argumentei.

Lex encostou a boca na dela, depois recuou.

— Antes de beijar de novo, vou lamber o lábio. Note que eu disse lamber, não lambuzar. Uma lambida de leve, só para os lábios escorregarem. E depois, só uma provocação de leve. — Ele lambeu o lábio e a beijou de novo, dessa vez se demorando um pouco no lábio inferior dela, antes de beijar outra vez. Então, a língua apareceu e encontrou a entrada da boca, antes de ele recuar.

Ela estava de olhos fechados, e se inclinou para frente quando Lex voltou a falar.

— Quando sentir a pressão exata, ponha as mãos na cintura dele. Nunca deixe as mãos caídas, não puxe a cabeça dele, só toque de leve os bíceps, quase como se tentasse se controlar. Entendeu?

Vivian não parecia confiante, mas assentiu, se inclinou e beijou Lex.

Quando terminou, ela deu um passo para trás e esperou.

— Bom.

Lex franziu a testa.

— Hesite um pouco mais, talvez, e toque pelo menos um ponto erótico do meu corpo.

— Ponto erótico? — Vivian franziu a testa.

Lex suspirou como se ensinasse matemática a um aluno do primeiro ano.

— Peito, pau, quadril, cotovelos, ombros, coxa. Mas nesse caso, já vetei abaixo da cintura, então toca meu cotovelo. Ou, se quiser ser mais atrevida, pode tocar a coxa.

— A coxa. Certo, vamos sentar, então?

Lex gemeu.

— Cara, sério, não tenho tempo para isso.

Interferi.

— Viv, se estiver em pé, toca o bíceps. Assim. — Eu a abracei. — E se estiverem sentados, sim, toca a coxa dele de leve. Mas não aperta. Toca como se fosse uma flor, não como se agarrasse uma bola de redução de stress.

— Flores, sim, bolas, não. Entendi.

Lex deu risada.

— Ok, meu trabalho aqui acabou. Divirtam-se, crianças.

Ele se afastou, assobiando, seguido pelos olhares de algumas garotas.

— Acha que entendeu? — Cruzei os braços. — Porque seu tempo está acabando, e tenho coisas para fazer.

— Sim. — Se ela assentisse mais uma vez, a cabeça ia cair do pescoço.

— Para de balançar a cabeça, chega de respostas curtas. Responda sempre com frases completas. Você não tem mais quinze anos. E não balance a cabeça, ou ele não vai ouvir sua voz. E ele precisa ouvir sua voz. Queremos que isso o torture quando ele estiver na cama. Sozinho. Entendeu?

Ela balançou a cabeça uma vez, parou e respondeu:

— Sim, entendi.

— Boa menina. Você tem meu número. Falamos por mensagem.

Andei até meu carro. Ia me atrasar para o jantar, mas isso não tinha importância. Só queria ver Blake.

Eu nem precisava de sexo.

O que significava que alguma coisa estava muito errada comigo.

 

 

— Acho que devia fingir uma gripe — falei enquanto Blake corria pelo quarto, se arrumando para o jantar com David. Eu a atrasei o quanto pude. Primeiro no chuveiro, depois antes de ela se vestir. E agora, enquanto ela calçava os sapatos, eu só conseguia pensar nela usando aqueles saltos comigo, nua. — Pensando bem... usa isso para mim hoje à noite?

Blake riu e ficou em pé.

— Como estou?

Suspirei e fechei os olhos.

— Linda.

— Você nem olhou.

— Porque olhar para você me deixa furioso. Lembro que ele vai olhar para você, e cada vez que penso nele naquele lugar com você, quero cortar a mão que ele usa para arremessar a bola e enterrar no quintal da Gabs.

— Bem gráfico.

— Você nem imagina... — cheguei perto dela — o quanto posso ser gráfico. Quer um exemplo? Tenho vários. — Mordi seu lábio e puxei a alça do vestido preto, beijando o local onde ela havia estado sobre o ombro e tentando abaixá-la ainda mais.

— Ah, não. — Blake apontou um dedo para mim. — Pensa assim: quanto antes eu sair com ele e contar como estou feliz com você, mais cedo podemos esquecer essa história com o David. Além do mais, como já disse, ele é meu amigo.

— Exatamente. E você dorme com um amigo todas as noites.

— Ian, confia em mim. É você que eu quero. Não ele.

Foi nesse momento que eu percebi que ela me dominava de um jeito bem perturbador, porque, pela primeira vez em anos, eu me sentia inseguro. Com medo de nosso relacionamento ser muito recente e de ela escolher o que era confortável.

Com medo de ela se acomodar.

Mas o que me fazia melhor que David?

Merda. E se ela estivesse se acomodando comigo, não com ele? E se eu a estivesse protegendo? E se...

E é por isso que homens como eu não devem namorar nunca, porque homens como eu pensam demais. Homens como eu ajudam as mulheres a conquistar homens como David. Eu sabia exatamente o que ele faria para encantá-la. Sabia exatamente como ele responderia a cada risada, cada suspiro. Droga. Era como mandá-la para a batalha desarmada. Ela não estava preparada para a batalha, não quando David tinha contra mim uma barricada de lembranças da infância.

Eu devia ter estudado mais os resultados de compatibilidade que Lex havia me dado. Pelo menos assim eu saberia quem era o melhor homem, apesar de a simples possibilidade de poder ser ele fazer meu peito se comprimir de raiva.

Se ela tivesse de ser dele, seria.

Mas ela estava comigo.

— Ian? — Blake acenou na frente do meu rosto. — Tudo bem?

— Vai. — Bufei. — Não vou te levar de carro como o namorado maluco que não confia na garota que tem. É sério, vai. Eu, hum, te vejo mais tarde?

— Sim. — Ela franziu a testa. — Passo na sua casa na volta. Tudo bem?

— É claro. — Forcei um sorriso e a beijei no rosto. — Só não deixa ele te tocar. Em lugar nenhum. Nem nas costas, porque isso significa que ele está pensando em passar a mão na sua bunda.

— Prometo. — Ela levantou a mão. — Vai ver um filme, relaxa. Faz um trabalho da faculdade.

Como se eu quisesse estudar estatística enquanto ele olhava para o vestido dela e a imaginava nua. Nem pensar.

— Boa ideia.

— Confia em mim?

— Sim.

Ela me deixou no quarto, pensando em como eu tinha deixado de ser um cara confiante em todas as áreas da vida para ser um cara que se perguntava se tinha cometido um tremendo erro de julgamento ao decidir dar uma chance a ela. Porque, no minuto em que você entra em um relacionamento, entra de verdade, passa a ter a possibilidade de falhar.

E eu não falhava.

Por isso me esforcei tanto depois da lesão. Também por isso não corria riscos, por isso não namorava. Adorava as mulheres. Adorava. E gostava imensamente de sexo.

Mas sexo sempre foi só sexo.

E agora estava associado a Blake.

Merda.

Primeira coisa da lista: abrir aquela maldita pasta, estudar as estatísticas, examinar olhar as dificuldades e tomar uma decisão, mesmo que isso me matasse. Além do mais, o quanto poderia ser ruim? Eu não era um cara horrível, e as coisas iam muito bem com Blake. Tinha certeza de que o programa nos daria uma alta porcentagem de match. Talvez até mais que 90%.

Mas como poderia continuar com ela se soubesse que estávamos condenados ao fracasso? Mesmo gostando dela?

Essa ideia me assombrou durante todo o caminho até em casa.

 

 

Lex deixou os resultados na sala de estar, onde costuma trabalhar. A mesa de jantar estava vazia, exceto por algumas pilhas de pastas e o sempre presente MacBook Pro do Lex.

Puxei uma das cadeiras de metal e sentei, sem desviar os olhos das pastas. Merda, não era nenhum resultado de teste de paternidade. Era só um número.

Um número que me diria de uma vez por todas se eu era o acomodado ou que acomodava.

Porcaria.

Batuquei com os dedos na mesa, depois falei um palavrão, empurrei a cadeira e levantei, debrucei sobre o laptop e continuei olhando, mas hesitando. Para que isso serviria? Se estava errado, se ela combinava mais com o David... se realmente gostava dela, eu desistiria, certo? Por que ia querer magoá-la? Tinha criado a Cupidos S.A. exatamente para pessoas como ela.

Para proteger essas garotas de homens como eu, jogadores. Era isso mesmo que estava acontecendo agora?

— Ai, merda.

Eu estava virando uma garota, pensava em todos os desfechos possíveis, analisava cada ângulo da situação. Basicamente, eu era o Lex com peitos.

— E aí, vai ler ou não vai? — A voz de Lex me fez desviar o olhar do laptop, falar outro palavrão e quase derrubar o computador.

— Ainda não decidi. — Cruzei os braços. — O que está fazendo em casa?

— Eu moro aqui. A menos que me ponha para fora, o que é bem possível, depois dessa leitura.

— Tão ruim assim? — As pastas debochavam de mim com todo seu brilhantismo organizacional. Havia uma aba para cada cliente, e eu vi meu nome. Não precisava ter visto meu nome.

— Ruim nível duas doses de uísque. — Lex foi para a cozinha, abriu e fechou portas de armário, e de repente ele voltou e pôs um copo na minha mão, depois puxou a pasta com o nome “Ian Hunter”.

— Dá uma olhada — disse. — Não diga que eu não avisei. Mas se ajudar, eu topo.

— Como isso pode ajudar? — Esvaziei o copo de uma vez só e fiz uma careta quando o líquido desceu como fogo pela garganta. — Traz a garrafa.

Lex me deu a pasta, pegou o copo e voltou à cozinha. A pasta era grossa, e segurá-la me fez pensar em todas as coisas horríveis que já fiz com as mulheres. Não conseguia acreditar que o amigo que morava comigo mantinha um registro atualizado, para o caso de eu decidir ser idiota o bastante para me apaixonar por alguém.

— Fala a verdade — pedi quando Lex voltou com a garrafa e um copo cheio. Ignorei o copo e peguei a garrafa antes que ele pudesse discutir. — Registrou toda essa merda porque sabia que um dia eu ia atravessar a fronteira para a Compromissolândia? Ou só estava cuidando das nossas clientes?

— Estranho. Porque parece que está me perguntando se isso é pessoal ou só negócios.

— E todas as aulas de ética nos negócios de repente giram na minha cabeça. Obrigado.

Lex fez uma careta e arrancou a garrafa da minha mão.

— Para ser honesto, fiz isso pelas clientes, porque, no fim da história, tudo isso é por elas, não por nós. Eu registrei suas informações assim que vi as coisas começarem a mudar entre você Blake. Assim que notei a permanência.

— Como é que é?

— Não se faz de idiota. Não combina com você. Permanência. Você sempre ficava onde ela estava. Você se inclinava. Cada músculo de seu corpo enrijecia quando ela entrava em um ambiente, você cerrava os punhos quando David aparecia, e seus olhos faziam aquela coisa estranha de fechar um pouco, como se você estivesse tentando se concentrar, ou fazer o trabalho de estatística em sua cabeça, quando, na verdade, estava fazendo tudo que podia para não matar o filho da mãe azarado para quem estava olhando. — Lex virou a garrafa e bebeu um gole enorme.

— Isso é um elogio, Lex, mas se você fosse mulher, só o conhecimento que tem sobre mim já seria considerado tendência para o stalking.

— E eu não sei? — Ele riu. — Sou um gênio, não dá para evitar. Minha bênção, minha maldição.

— Isso. — Senti uma dor de cabeça se anunciando no latejar entre as têmporas. — Tudo bem, é como um Band-Aid. Vou arrancar de uma vez e olhar.

— Posso ler com minha voz sexy, se achar melhor.

— Você tem uma voz sexy? Sério? — Dei risada, peguei a garrafa de volta e bebi um gole menor dessa vez.

— Tenho, uma das minhas conquistas disse isso hoje de manhã, mas acho que ela só queria me convencer a voltar para a cama em vez sair pela janela porque minha casa estava alagando.

Olhei em volta.

— Uau, sim, entendo, é muita água. Ainda bem que temos seguro.

— Foi exatamente o que eu disse.

— Você é um filho da mãe. Sabe disso, não sabe?

— Disse o cara cujo cachorro morreu quantas vezes no ano passado?

— Não mais que dez. É totalmente diferente.

— Cara, você mata cachorros imaginários. Eu, pelo menos, invento uma desculpa sobre um desastre doméstico muito provável.

— Tudo bem. — Levantei as mãos. — Não vou discutir com você. Só vou ler, processar, e depois... — suspirei profundamente — ficar bêbado.

— Vai firme. — Lex levantou. — Mas deixa para beber mais depois de ler e entender completamente os cálculos, está bem?

Assenti e empurrei a garrafa para longe. Tinha tomado uns dois goles no gargalo, talvez, nada digno de nota, mas, mesmo assim, talvez eu quisesse sair para dar uma volta depois, sabe, jogar o carro de um precipício.

A primeira página não era tão ruim.

Mas só tinha meu nome, idade, altura e peso. Merda, não me surpreenderia se Lex tivesse o número do meu seguro também.

A página seguinte tinha as informações de Blake, tudo que eu já sabia.

E a terceira tinha nossos resultados.

O match dela com David estava na casa dos 80%. Eu tinha decorado o número. A porcaria da barra do gráfico estava gravada na minha cabeça como um pesadelo que voltava cada vez que eu fechava os olhos.

Cinquenta.

O número era assustador. Nosso match estava na casa dos cinquenta por centro. Atordoado, continuei lendo.

Pontuei abaixo da média nas seguintes áreas: capacidade de comprometimento e histórico de relacionamento, e acima da média em promiscuidade sexual.

Engoli o nó gigantesco na garganta e continuei lendo.

Estatísticas mostram que se Cliente A iniciasse um relacionamento com Cliente B, existem chances de 50% de um ou os dois acabarem decepcionados e o relacionamento acabar dois meses depois do estágio da lua de mel.

Dois meses.

Nosso programa deu até uma linha do tempo da morte do relacionamento.

Empurrei os papéis para o lado. Não precisava ler mais. Mas a curiosidade era uma desgraça, e eu voltei a ler.

Estatísticas mostram que se Cliente A começar um relacionamento com Cliente C, existe uma chance de 88% de o relacionamento ser bem-sucedido. A relação tem ainda mais chance de sucesso depois que ultrapassar a marca dos três meses.

Não brinca.

Fechei a pasta e olhei o relógio.

Ela estava fora há uma hora. E eu estava em casa, a caminho de me embebedar e sentir pena de mim por causa de uns números idiotas.

Sem pensar, peguei as chaves e fui para a porta.

— Ah, não, nem pensar. — A voz de Lex ecoou no corredor.

— Eu dirijo. Tomei uma dose. E você... sei lá quantas foram. Onde vamos?

Eu me recusava a responder.

— Ah, legal, uma emboscada, então? Divertido. Eu topo.

— Não tem nenhum trabalho da faculdade para fazer? — Passei por ele e peguei a jaqueta. — Nada?

Ele ficou sério.

— Não.

— Que foi? Você nunca fica em casa em um quinta-feira à noite. Em noite nenhuma, na verdade. O que aconteceu?

— Nada. — A resposta foi rápida, e ele encaixou a mandíbula como se tentasse trincar uma fileira inteira de dentes. — Desencana.

— Tudo bem. — Minha cabeça latejava. — E vamos ao U Village. Ele a levou para jantar no Pasta and Co.

Lex riu, depois ficou sério.

— Sério? Pasta and Co?

— Nem todo mundo é especialista em sedução, graças a Deus.

— Massa. Pior comida para um encontro, depois de costelinhas.

— De novo, graças a Deus por isso.

Lex parou na porta.

— Acha mesmo que isso é uma boa ideia? Por mais que eu seja contra qualquer tipo de relacionamento em que você pendure a capa e se comprometa com uma pessoa, espionar a garota pode acabar mal.

— Super-heróis não espionam. Nós... verificamos.

— E como o vilão do seu herói, eu simplesmente invadiria, então quem sou eu para criticar?

— Exatamente.

 

 

Não senti que espionar era errado quando nos aproximamos na minha SUV como se tentássemos encontrar um banco.

— No canto mais afastado — Lex falou ao abaixar os binóculos. — Ela está de frente para ele, não na frente, mas de lado. O filho da mãe pode ter alguma habilidade, afinal. Quer ver?

— Não. — Eu olhava para frente. — A última coisa que quero é ver como ele está sentado perto dela, ou se está derrubando o guardanapo estrategicamente no chão para poder ter uma desculpa para puxar a cadeira para mais perto.

— É assustador quanto você conhece o gênero masculino.

— Derrubar o guardanapo?

— É.

— Puxar a cadeira?

— Sim, caramba.

— Merda. — Esfreguei os olhos. Minha visão estava turva por causa da dor de cabeça. — Ele vai se inclinar e dizer que não a ouve bem por causa do barulho das pessoas. Vai puxar a cadeira de novo até encostar a coxa na dela, até poder tocar sua perna nua. Melhor zona erógena para um encontro.

Lex ficou em silêncio. Depois disse:

— Você devia escrever um livro. Ele está mais sério, parece se desculpar... Puxou a cadeira de novo, mas não consigo enxergar embaixo da mesa.

— Está tocando nela. É claro que está.

— Não tire conclusões.

— Afinal errei alguma até agora? — Perdi a paciência.

Lex não respondeu, e eu ainda não tinha coragem de olhar. Olhar era a gota d’água, uma traição. Eu disse que confiava nela, e usar Lex servia para cumprir minha promessa. Mais ou menos.

— Então, Super-Homem, o que fazemos agora? — Lex perguntou depois de alguns segundos de silêncio.

Meu celular vibrou.

Era uma mensagem de Blake.

Estranhando, abri a mensagem e senti o corpo todo ficar tenso.


— Lex?

Fiquei olhando para o telefone, sentindo a raiva me dominar e pensando em arrebentar o telefone no painel.

— Eles já comeram?

— Tem pão em cima da mesa... mas nada de prato principal. Não, espera. — Ele observou em silêncio. — O garçom se aproximou, mas David o dispensou.

Respondi a mensagem de Blake.


A resposta chegou imediatamente.


— Lex... — Eu precisava sair dali, ou acabaria invadindo o restaurante e causando o caos. — Tem certeza de que eles não comeram?

— Quase absoluta. Por quê?

— Por nada. — Ela estava mentindo para mim sobre uma coisa pequena. O que significava que, se algo importante acontecesse...

Por que me contar o que comeu e dizer que a comida era boa, se ainda nem tinha jantado? Por que inventar uma mentira? Por que eu estava tão paranoico?

— Temos que ir — falei. Eu não podia desmenti-la agora, e era só comida, afinal.

— É, ótima ideia — Lex respondeu, engatando a ré e jogando os binóculos no banco de trás.

— Opa, está com pressa de repente? — Eu ria quando Lex manobrou o carro e a janela ficou de frente para o restaurante.

Foi um olhar.

Uma olhada rápida.

De que me arrependeria pelo resto da vida.

Blake.

David.

Se beijando.

Levantei o celular e tirei uma foto, certo de que, a qualquer momento, ela o empurraria e esbofetearia, levantaria e sairia do restaurante.

Mas não foi o que aconteceu.

Tirei a foto.

E quando Lex saiu do estacionamento, bati o último prego na tampa do caixão do nosso relacionamento. Ah, olha só... duramos três semanas.

Pelo jeito, nosso programa de computador precisava melhorar. Cliquei em “enviar” com a legenda: Espero que tenha gostado da sobremesa.

— Lex — resmunguei quando voltamos para casa. — Quero beber. Agora.

Ele olhou para mim com o rosto ilegível, o que não era comum. Éramos amigos há anos, e ele nunca, em todo nosso tempo de amizade, olhou para mim daquele jeito, nem mesmo quando eu estava machucado no hospital.

Pela primeira vez na vida adulta, meu melhor amigo olhava para mim com pena.

Era horrível.


— Não tem bebida suficiente para você ficar bêbado, essa é a má notícia — Lex anunciou enquanto eu olhava para o balcão da cozinha, dominado por uma mistura de raiva, decepção e, para ser bem honesto, muita tristeza.

Com a tristeza, eu me recusava a lidar.

Porque lidar com a tristeza significava viver o luto, e isso era bobagem. Por que eu choraria a perda de alguém que quase nem tive?

Mas raiva? Com isso eu podia lidar. Como alguém como eu se mete nessa situação? Sim, estávamos condenados ao fracasso. Tudo bem, essa parte eu entendi, mas por que me enganar?

— Como é? — Lex serviu uísque no meu copo e sentou do outro lado do balcão.

— Hum, ter o coração partido? Sei lá, Lex. É uma coceira, como uma pena enfiada na bunda. Mas que porra, fala sério, cara!

— Estou perguntando como é estar do outro lado. Ser o que é rejeitado, mesmo sendo a melhor opção.

— Ah, para. Você viu os números.

— É. Os números. Não me diz que acredita nessa merda. Sim, nossa empresa se baseia nisso, tudo bem. E sim, funciona, na maior parte das vezes. Mas nunca leva em conta a química. Sabe disso, não sabe? Um computador não faz isso.

— E no dia que fizer...

— Sim, estaremos ferrados, porque os robôs terão dominado o mundo. Para sua sorte, eu vou comandar a conquista e guardar um lugar na nave-mãe. — Ele revirou os olhos. — Sério, não acredito que estou tendo essa conversa de mulherzinha com você, mas não existe equação matemática para a química. Nenhuma. Não dá para forçar, e não dá para prever. Ela e David podem parecer bons no papel, mas ele a acende? Os sorrisos dele fazem a Blake querer morrer por dentro? O beijo... derrete a calcinha? Não é isso que as garotas falam?

Levantei a mão, como uma placa de pare.

— Se vai usar expressões como “derreter a calcinha”, acho que precisamos de mais álcool, Lex.

— Finge que eu sou uma garota.

— Melhor não. Nesse momento, estou odiando todas as mulheres, e sou bem capaz de fazer alguma coisa idiota, como te beijar no meio de uma confusão hormonal, depois ter um ataque de raiva e tentar quebrar a garrafa na sua cabeça.

— Primeiro, não me beija. Isso vai estragar nossa amizade. — Ele levantou um dedo, depois outro. — Segundo, nós dois gostamos de garotas, e acho que nem preciso dizer que o estágio experimental acabou quando eu fui aprovado em Inglês 101. — Mais um dedo. — E terceiro, se bater na minha cabeça com uma garrafa, ou mesmo com um travesseiro, vou te derrubar como fiz no sexto ano, quando você contou para a Amanda que todo o metal na minha boca fazia os aliens me enxergarem do espaço.

— Você quer que eu fale? — Ri amargurado. — Sobre como é ver uma garota com quem você acabou de transar beijando outro cara? Ou garota de quem você gosta mentir para você? Isso? — Também fui levantando um dedo de cada vez à medida que fazia minha lista. — É horrível. Quero matar o David. Quero que ela sofra tanto quanto eu estou sofrendo. Quero que a dor no meio do meu peito diminua para eu poder respirar. Quero bater a porta na cara dela, depois pedir desculpas, abraçá-la e implorar para ela me escolher. — Olhei para minha mão com todos os dedos estendidos, depois a sacudi como se, assim, pudesse eliminar os itens da lista. — Quero tantas coisas, e estou tão confuso, que acho que minha única alternativa é me afogar no uísque que, aparentemente, nem é suficiente. Essa é a verdade.

Lex ficou em silêncio.

O relógio da cozinha fazia um barulho que me irritava ainda mais.

— Bem — Lex pigarreou —, você tem duas opções. Contar para ela que a viu e resolver tudo cara a cara, ou só... desistir dela sem nenhuma explicação. Uma delas é mais fácil para você, e a outra é difícil para os dois. Pense nisso, e não cometa o engano de ser dramático. Não esqueça, nós temos um pau.

— Não sei não, acho que ela acabou de arrancar o meu, e achou divertido.

— Foi seu coração, não seu pau. Você sabe qual é a diferença, para de ser idiota e toma esse uísque.

— Só tem duas gotas. Será que se eu bater os calcanhares e fechar os olhos, elas viram duas garrafas?

— Se fizer isso, vou te chamar de mulherzinha de novo.

Com um suspiro frustrado, virei a garrafa e joguei no lixo, depois tirei o celular do bolso.

Sete chamadas perdidas.

Todas da Blake.

— Qual vai ser?

— Eu sou do tipo que conserta — falei. — Vou consertar tudo isso. Ainda temos um contrato, mas de acordo com o acerto que fizemos na última seção, se ele a convidasse para sair e a beijasse, o contrato estaria cumprido. — Olhei para o laptop. — Pode encerrar.

— Hum. — Lex levantou. — Tem certeza de que é uma boa ideia?

— O quê? — Fiquei furioso. — Era isso que ela queria desde o começo, e foi o que aconteceu. Encerra a porra do contrato, manda a cobrança e deleta as informações da minha agenda. Tenho que ir encontrar Vivian de manhã, e na próxima semana tenho cliente nova.

— Ian, pensa bem. Se a ignorar, vai correr o risco de...

— De quê? — gritei. — De ela ir embora para sempre? Já foi. Ela escolheu. Passou as últimas 48 horas na minha cama, e mesmo assim beijou o cara! Ela beijou o cara, Lex. Seria melhor se tivesse dormido com ele. — Ele sabia tão bem quanto eu como um beijo podia ser íntimo. Sexo podia ser casual, mas um beijo? Nunca era. Milhares de pensamento levavam a beijos, milhões de sensações aconteciam durante um, e o beijo era a única preliminar que se repetia na cabeça das mulheres, mais que sexo, na maioria das vezes, por muitos anos.

Você lembra de cada momento daquele primeiro beijo com alguém.

A primeira vez que fez sexo? Na maioria das vezes, é constrangedor, não notável, embaraçoso, e nem é suficientemente bom.

Mas um beijo ficava na memória para sempre.

E sempre havia um motivo para ele.

— Ian, vou perguntar mais uma vez. Tem certeza?

— Deleta o arquivo, Lex. Tecnicamente, ainda sou seu chefe, certo? — Era um golpe baixo. Éramos sócios, mas minha participação na empresa era ligeiramente maior, 60%. Eu sabia que o comentário magoava.

Ele reagiu, furioso, como se fosse me dar um soco na cara.

— Sim.

— Então faz o que estou dizendo.

Deixei Lex na sala e subi a escada pisando firme. Quando estava na metade dela, a campainha soou.

Lex foi abrir a porta.

— O Ian está? — Blake perguntou.

Parei na escada, nas sombras, e fiquei ouvindo.

— Não — Lex mentiu. — Blake, é melhor você ir embora.

— Não! — ela gritou. — Não posso. Ele não entende o que acha que viu. Eu só... preciso explicar.

— Muito bem. — Lex cruzou os braços e ficou parado no meio da porta. — Explica para mim. Por que estava beijando outro cara?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos. Depois disse:

— Preciso conversar com Ian sobre isso.

— Vai ser difícil. Mas eu estou aqui. É falar ou ir embora, não dou a mínima.

— Ele me beijou!

— Essa é velha. E você também beijou. Perdi algum detalhe importante de como você o empurrou, chutou as bolas dele, gritou?

— Eu... empurrei... depois de um tempo.

— E hesitou. Isso não é uma indicação sobre você, ou sobre o que pensa do meu melhor amigo. O mesmo melhor amigo que vai querer desistir do negócio mais lucrativo que vi em décadas, tudo por causa de uma garota que não sabe nem se vestir sem a ajuda dele, mas achou que podia ter coisa melhor e traiu.

Eu segurava o corrimão com tanta força, que minha mão doía. Estava dividido entre a vontade de defendê-la e a de gritar com ela, como Lex fazia.

— Coisa melhor? — Ela riu. — O David? Você é maluco?

— Deve estar orgulhosa. A única garota que derrubou Ian Hunter, e nem ficou com ele. Só deixou o cara de lado assim que o crush da infância olhou para o seu lado. Acha que o David ia te dar alguma atenção se o Ian não tivesse te colocado no radar dele? Acha que ele se importa com você agora?

— Somos amigos. Só isso.

— E você e Ian eram... o quê?

— Namorados! Estávamos namorando!

— Você beijou outro cara. Isso significa que o que tinha com Ian acabou. Pode esperar a conclusão do contrato amanhã cedo. Estou cansado de falar com você e, honestamente, acho que é uma vadia. Pronto. Falei. Vai chorar no seu travesseiro e se queixar de como os homens são horríveis. Melhor ainda, aposto que David adoraria te confortar. Abre as pernas para ele. A conversa aqui acabou.

Ouvi a batida da porta.

Perplexo, esperei Lex me dizer alguma coisa, mas ele estava em silêncio, um silêncio assustador, quando deu alguns passos na frente da porta e chutou a parede.

— Ouviu isso? — ele perguntou com voz rouca.

— Não dava para não ouvir.

— Não tive a intenção de dizer que ela era vadia. Acabei empolgando. — De repente, Lex levantou a cabeça e sorriu. — Pode me agradecer mais tarde.

— Como assim, agradecer mais tarde?

— Nunca pensou em por que se dá tão bem nos encontros? — Ele deu de ombros. — Por que sempre deixei você treinar as clientes na arte da sedução, enquanto eu só trabalho com técnicas de beijo e rompimentos?

— Não, mas tenho a sensação de que vai revelar algum talento oculto. — A dor diminuía quando eu não pensava na voz dela, em como parecia triste.

— Minha especialidade? Rompimentos. Queria mesmo conversar com você sobre isso, mas... acho que podemos acrescentar esse serviço ao catálogo da Cupidos S.A. Ajudamos as pessoas a romper relacionamentos, também podemos ajudá-las a reatar. Se ela gosta mesmo de você, vai voltar em três, dois, um...

Alguém bateu na porta.

Lex levantou as sobrancelhas, depois abriu a porta.

— Não falei para você ir embora?

— Só... — Blake empurrou o peito de Lex — para de falar por dois segundos, para eu poder me explicar sem ter que me defender. Diz para o Ian que eu volto. E se ele não atender o telefone, vou pular a janela. E se estiver trancada, vou quebrar a vidraça com minha mochila, ou alguma coisa igualmente pesada. Não vou parar até ele me ouvir. E acho... — Ela ficou em silêncio. Estava chorando? — Acho que amo o Ian.

Meu mundo parou de girar.

Caí no chão, quase rolei pela escada enquanto esperava Lex dizer alguma coisa.

— Boa resposta. Entramos em contato. — E ele bateu a porta na cara dela.

Depois olhou para mim com um sorriso vaidoso e disse:

— Eu falei.

 

 

Minha cama tinha o cheiro da Blake, o que era irônico, já que eu sabia o que o cheiro fazia com a memória. Por isso só usava determinadas fragrâncias perto das clientes, certas colônias, criando o vínculo, mas garantindo que essa ligação não fosse tão forte a ponto de elas se sentirem mais apaixonadas por mim do que pelo homem que queriam conquistar. Eu precisava ganhar a confiança delas, mas não seu apego emocional.

Nunca, nem em meu sonho mais louco, imaginei que isso me atingiria, que os papéis se inverteriam e eu teria de dormir em uma combinação infernal de lavanda e shampoo com perfume de baunilha, com o corpo tão tenso, que tinha medo até da fricção com o lençol enquanto sonhasse com ela.

Ela disse que me amava.

Eu não sabia se acreditava.

Todo mundo me amava, ou pensava me amar.

E amor não significava aceitar o beijo de outro homem ou, pior, corresponder.

Gemendo, bati no travesseiro ao meu lado, depois o afofei, e acabei paralisado pela nuvem de lavanda e baunilha.

— Droga. — Saí da cama e olhei para o relógio. Seis da manhã, melhor horário para ir malhar, principalmente porque sabia que David já teria saído da academia quando eu chegasse. Não tinha certeza de que não daria uma surra nele, se tivesse essa chance. No mínimo, oferecia ajuda no supino só para deixar o peso cair sobre o peito dele... ou sobre o pescoço.

Bom saber que estava pensando em assassinato.

Uma visão dos braços dele em torno do corpo de Blake me fez cerrar os punhos. Sim. Valeria a pena, só para ver a cara de desespero do filho da mãe.


— Mais dois — disse DJ, amigo do David, tocando de leve a barra enquanto David, com um gemido monstruoso, empurrava o peso para cima. — Mais um!

David quase ergueu as pernas do chão.

Todo o time de basquete era incapaz de levantar peso corretamente? Ou só o David? Ele parecia usar todas as células do corpo para tentar levantar a barra. Eu adoraria se o idiota deixasse escapar um peido e alguém postasse no Twitter. Ah, as hashtags que eu inventaria. Já estava irritado por David ter saído da programação para malhar no meu horário, mas tudo bem.

Voltei às minhas flexões e ouvi mais gritos perto dele.

— Boa, boa — dizia DJ. Ouvi o som de tapas nas costas e, provavelmente, na bunda.

Tinha notado essa parte dos esportes organizados — a cultura, o jeito como musculação e treino acabavam sendo quase uma religião. Não era saudável, e era uma das coisas que me fazia sentir grato por ter seguido um caminho diferente, embora não fosse o caminho que eu teria escolhido para mim no início.

Terminei a última flexão e caí no tatame, esperando a respiração voltar ao normal, a frequência cardíaca baixar, e estava ali quando vi o par de chinelos surgir diante dos meus olhos.

Adidas 1992 preto e branco, número 36.

Lentamente, levantei a cabeça, depois sentei no tatame.

— Sim? — Mantive um tom irritado, seco. Não era difícil, já que estava exausto do treino e extremamente bravo. Com ou sem amor, ela beijou outro cara.

Traição era traição.

Ponto final.

O cabelo ondulado de Blake estava preso em um rabo de cavalo, e ela usava óculos de armação preta. Eu nem sabia que ela usava óculos. Uma boa porção de abdômen estava à mostra, cortesia do short de basquete e do sutiã esportivo cor de rosa.

Podia bem imaginar quantos homens nesse momento aumentavam a carga de peso para impressioná-la, sem saber que ela não era do tipo que se impressionava com isso. Eu sabia.

Atletas entendiam essas coisas, especialmente quando mal conseguiam tirar a barra do apoio.

— Blake! — David gritou do outro lado da academia.

Rangi os dentes e tentei não perder a cabeça. O que ela estava fazendo aqui?

— Escuta. — Blake ignorou David e se inclinou, baixando o tom de voz. — Preciso falar com você em particular.

— Não recebeu meu e-mail? — Levantei de repente e enxuguei o pescoço com uma toalha. — Assunto encerrado.

— Não mesmo. — Seus lábios tremeram, e ela tocou meu braço. — Ian, te amo. Desculpa pelo beijo, eu posso explicar. Não teve a ver com você. Fiquei confusa.

— Não brinca! — respondi com uma gargalhada vazia. — Olha só, você fez um grande favor a nós dois.

— Ah, é? — Foi sua vez de se irritar e cruzar os braços, o que levantou seus seios e deu a qualquer um que estivesse por perto material para horas de fantasias sexuais.

— É. — Puxei os braços dela e os segurei junto do corpo. Melhor assim. — Nosso índice projetado de sucesso... não era bom. Então, a menos que queira arriscar com 50% de chance... — Dei de ombros e acenei com a cabeça para David, que se aproximava — melhor ficar com o que sempre quis.

Como pude não perceber que ele andava de um jeito esquisito? Linhas retas, amigo, linhas retas.

Blake estreitou os olhos.

— Isso tudo mudou. Você sabe.

— É o sexo — expliquei. — Acontece uma reação química que te liga emocionalmente a uma pessoa quando você transa com ela. Espera alguns dias, vai passar. Para mim também.

— Ian. — A voz dela soou mais aflita. — Estou dizendo que te amo, e você está me dispensando. Não gosta de mim? Nem um pouquinho?

Sim. Gostava muito. E nesse momento, independentemente do que ela dissesse, do que sentisse por mim, eu sabia que teria de fazer a escolha por ela.

Porque não valia a pena correr o risco. Ela valia a pena, sem dúvida. Mas eu? De jeito nenhum.

Era horrível não acreditar em mim mesmo, mas e se eu a magoasse? E se, nessa situação, eu fosse o Jerry da vida dela, o marido da minha irmã? O homem com quem ela se acomodaria, para depois, dez anos mais tarde, ainda suspirar por outro?

— Ian? — Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Vai. Seu namorado está esperando.

— Meu namorado está na minha frente.

— Não mais — sussurrei, olhando pela última vez para aquela boca, aqueles olhos. Tive de desviar o olhar. — Seja feliz.

— Você é?

— O quê?

David estava cada vez mais perto de nós.

— Feliz?

— Isso importa? — David passou um braço em torno de Blake e tentou beijá-la.

— Para mim, sim.

— Ian! — David estendeu a mão livre. — Bom te ver, cara.

Olhei para a mão dele, depois o encarei, ignorando abertamente a oferta de amizade, porque ele só queria o aperto de mão da vitória. O que dizia: ei, sinto muito por você ter perdido, filho da mãe patético, mas leva um prêmio de consolação pelo esforço. Sem ressentimentos, certo? Ah, sim... foi você que ensinou a ela aquela coisa de arquear o corpo na cama? Valeu, cara. Muito obrigado.

— Porra — resmunguei, e fingi meu melhor sorriso. — A gente se vê. E David?

Incrível. Ele continuava sorrindo.

— Sim?

— Cuida bem dela.

— Ah. — Ele beijou a cabeça de Blake. — Já cuidei. Ontem à noite.

Blake estreitou os olhos.

E antes que eu percebesse o que ia fazer, enfiei a mão na cara dele.

Algumas vezes.

— Ian! — Blake gritou, enquanto braços fortes envolviam meu peito e me puxavam de cima do corpo de David, no chão. Tentei voltar para cima dele.

— Cara. — DJ me segurou com mais força. — Para com isso, irmão. Para.

— Seu desgraçado! — gritei. — Se desrespeitar ela de novo desse jeito, eu te mato!

David exibiu os dentes cobertos de sangue.

— Era brincadeira. — E tocou o nariz, que já começava a ficar roxo. — Caramba, irmão, aprende a brincar.

Brincadeira? Quem brincava sobre ter transado com uma garota na frente dela? A culpa comprimiu meu peito, porque, sério, quantas vezes fiz a mesma coisa?

— Ian — Blake me chamou.

Eu não conseguia nem olhar para ela.

Resmungando um palavrão, saí da sala de musculação seguido por olhares horrorizados e curiosos.

— Ian! — Blake me alcançou e segurou meu braço. — Não é o que está pensando.

— Fala. — Eu nem reconhecia mais minha voz. — Foi antes ou depois?

— O quê?

— Você falou para o Lex que me ama... foi antes ou depois de ter trepado com ele?

— Nunca! — Blake me empurrou. — É sério? Como passou do beijo para o sexo?

— Não sei, me diz você. Basicamente, eu te ensinei esse caminho.

— Inacreditável! — Ela me empurrou com mais força. — Eu falo que te amo, e você não só me empurra para ele, como me acusa de ter dormido com ele?

— Era o que você queria.

Meu rosto ardeu com o tapa.

— Acabou? — perguntou, e passei por ela.

— Sim. Acabei. — Ela voltou para a sala de musculação, e eu continuei a caminhada da vergonha até meu carro.

Engraçado, algumas semanas atrás, o que acabou de acontecer teria sido o cenário perfeito para o cara finalmente notar a garota. Nem eu teria conseguido criar um final tão bom.

O único problema?

Não era ficção.

Não era armação.

Era a vida.

Quem inventou essa história de “se você ama, deixe ir”, nunca esteve apaixonado. Sim, era exatamente isso que eu estava fazendo.

Deixando ela ir.

Para o melhor homem.

Que, pela primeira na vida eu percebia, não era eu.

 

 

— Ian! Está ouvindo? A gente se beijou. Foi incrível...

Porra, mesmo que tivesse sido o pior beijo da vida, ainda teria sido incrível, porque quando você está apaixonado ou gosta de verdade de alguém, consegue justificar quase tudo.

Ah, claro que ele tem hálito de café. Trabalha no Starbucks! Ele bebe café!

Ian, seu bobo. Não, ele bateu os dentes nos meus de propósito!

Ele disse que queria ficar comigo há anos. Anos! Dá para aguentar isso? Não, não dá. Por favor, para de falar.

Ou a minha favorita: Ele diz que mais saliva deixa tudo melhor, porque boca seca acaba com o sexo oral. Juro.

É isso aí, e as bolas caem se você não transa antes dos quarenta.

Não, sério. Procura coisa melhor.

— Ian! — Vivian estalou os dedos na minha frente. — Depois do beijo, como faço para ele continuar interessado?

Sério, eu precisava pensar em uma certa garota que, nesse momento, caminhava de mãos dadas com um certo cara a caminho do HUB.

— Você... — Enlouquecido pela imagem, segurei a mão de Vivian. — Bom, um beijo é legal, mas é o segundo que diz ao cara que não foi ilusão. Dessa vez, deixa ele te beijar, mas dá uns sinais misturados. Não pode ser tão fácil.

— Entendi. Sento mais longe dele, talvez?

David riu de alguma coisa que Blake falou. Ela vestia jeans e camiseta curta que deixava à mostra a pele bronzeada.

— Ian! — Vivian gemeu.

— Isso. — Sem pensar, puxei Vivian para o meu colo, bloqueando a imagem de David e Blake. — Brinca com ele, e quando ele se aproximar, você recua, desse jeito. — Eu me inclinei, ela recuou e sorriu.

Eu me sentia oco. Vazio.

— Bom trabalho, Vivian. O beijo tem que ser divertido, depois pode ficar apaixonado. Mas sem muita pegação... isso não cabe no segundo beijo, nem no terceiro. Faça ele esperar. Quando vão se encontrar de novo?

— Bom. — Vivian se mexeu no meu colo. Que bunda ossuda! Alguém devia dar uns biscoitos para a garota. Gosto do corpo feminino, mas come, pelo amor de Deus. — Vamos estudar hoje à noite.

— Lugar público. Depois pode ir beber alguma coisa, diz para ele relaxar um pouco.

— Entendi. — Vivian se mexeu de novo.

Blake e David já deviam ter desaparecido.

— É isso aí. — Botei Vivian no chão e fiquei em pé justamente quando David e Blake olharam para mim. Sua boca sugeria que ele a tinha beijado. Mas ela não parecia satisfeita. Não, estava furiosa.

Não precisa me agradecer por ter realizado seu maior desejo, princesa. Agora para de me encarar.

— Cliente antiga? — Vivian acenou para eles com a cabeça.

— Mais ou menos. — Peguei o celular. — Manda uma mensagem para mim com sua localização hoje à noite, e eu vou estar por perto para ter certeza de que não vai precisar de um cupido.

— Você leva seu trabalho a sério, não é?

David me mostrou o dedo do meio por trás de Blake. Eu sabia que o filho da mãe tinha alguma coisa errada!

— Você nem imagina.

— Obrigada, Ian. — Vivian se afastou, e eu prometi a mim mesmo que cortaria os cabos do freio do carro de David quando Blake não estivesse no banco do passageiro. Nunca faria mal a ela. Mas o David? Queria arrancar cada membro de seu corpo.


— Blake depositou o pagamento — Lex anunciou quando entrei em casa e deixei as coisas da faculdade em cima da mesa.

— Eu fiz o que era certo. — Repetia isso com frequência ultimamente.

Na minha cabeça durante o banho. Antes de dormir, quando ainda sentia o cheiro dela nos lençóis, por mais que os tivesse lavado. Antes da aula, depois da aula. Basicamente, esse era meu novo mantra. Fiz o que era certo.

Exatamente sete horas mais tarde, eu repetia isso mais uma vez, espalhado no sofá, pensando em quantas fatias de pizza um homem podia comer antes de morrer de indigestão. Seria menos doloroso que afogamento? Lex choraria minha morte? Ou só lucraria com minha overdose de pizza e convenceria a Domino’s a criar um sabor com meu nome?

Um pensador profundo. Era nisso que a vida tinha me transformado. Bem, e em alguém que não tomava banho, comia demais e assistia às reprises de Game of Thrones.

Em um momento de total fraqueza induzida por um porre de pizza, mandei uma mensagem para Blake.


Ela respondeu imediatamente.


E encerrou a mensagem com uma carinha sorridente.

Uma carinha sorridente significava que ainda havia esperança. Certo?

Ai, merda, e o professor vira estudante. Eu sempre digo às minhas clientes que uma carinha sorridente não significa “quero transar com você”, às vezes quer dizer só “estou feliz”.

Então ela estava feliz por me mandar para o inferno?

Franzi a testa quando outro personagem de GoT foi decapitado.

E não senti nada.

Merda, a vida ia mal quando você não sentia a morte de um dos seus personagens favoritos.

— Levanta — Lex ordenou.

Respondi mostrando aquele dedo eloquente para deixar bem clara minha opinião, e continuei olhando para o sangue que jorrava do pescoço do cara.

Hum, talvez eu devesse ser ator e me deixar matar. Melhor que morrer de comer pizza. Não queria que meu caixão cheirasse a pepperoni.

Peguei a garrafa de Jack Daniel’s. Não tinha mais nada nela. Droga.

Lex pegou o controle remoto em cima da mesinha e abaixou o volume.

— Sério, levanta daí e para de se lamentar. Está me assustando. Vamos para o bar.

— Não.

— Cara. — Lex desabou no sofá. — Está acabando comigo. Tudo bem, a estatística de um relacionamento não mente. É verdade que eles têm maior probabilidade de sucesso. MAS ELA TE AMA!

— Precisa gritar?

— Por favor, essa garrafa vazia está aí desde as dez da manhã. Você está bebendo água e comendo pizza... esse é seu mecanismo de defesa. É nojento.

— Delivery da Pagliacci. Ninguém supera. E não dá ressaca.

— Olha. — Uma pasta caiu no meu colo.

— Que porra é essa?

— A comparação do seu histórico com o dela.

— Lex — resmunguei. Isso era jogar sal na ferida. Sério. — Não quero ficar mais deprimido. — Empurrei a pasta para o lado.

Lex suspirou.

— Amo você como se fosse um irmão. Mas essa pasta está acabando com a sua vida. Quero que veja a estatística. A verdadeira estatística.

— Verdadeira? — repeti e endireitei as costas, subitamente interessado. — Como assim, estatística verdadeira?

Lex levantou as mãos.

— Olha, talvez eu tenha... maquiado um pouco os números...

— Maquiado... para mais, não para menos?

Lex tossiu na mão fechada.

— Lex! — Avancei nele, mas toda aquela pizza me deixou lento. — Que porra você fez?

— O que tinha de fazer! — ele gritou. — Você é um idiota, sério.

— Obrigado? — Balancei a cabeça. — Mas ainda quero saber o que você fez.

— Eu te conheço.

— Eu também me conheço, obrigado.

— Não, eu te conheço de verdade. — Lex passou a mão na cabeça. — Você dormiu com uma cliente. Uma cliente, Ian. Nossa empresa se baseia primeiro em sua capacidade de não fazer isso, mas também de ser incrivelmente bom no que faz. Lembra quando começamos? Qual foi o juramento que fizemos?

Engoli o amargo na boca.

— Nunca se apaixonar.

— Certo — Lex concordou. — E naquela mesma noite de bebedeira, o que você me fez jurar?

Não respondi.

— Ian, porra! O que você me obrigou a fazer?

— Fiz você jurar que não deixaria eu me apaixonar.

— E por quê?

— Porque estava cansado de perder... perdi a capacidade de jogar e superei, mas não gostei do sofrimento emocional. Bom, quem gostaria? Por isso pedi para você me proteger sempre.

— Então... — Lex abriu a pasta. — Foi o que eu fiz.

Olhei para a planilha e quase o joguei no chão.

— Puta merda! Como é que isso pode me fazer sentir melhor?

Lex gargalhou.

— Não consegui. Mudei os números por cinco pontos, cara. Cinco pontos inteiros. E foi o suficiente para te derrubar. Não entende? Cinquenta por cento? Cinquenta e cinco por cento? Não importa. Os números mentem. O coração...

— Poeta do cacete. É assim que descola tanta bunda — falei, irritado.

— Eu raramente uso as palavras, Ian. Raramente...

— Então ela ainda estaria se acomodando comigo.

— Só tem um jeito de descobrir. — Lex levantou e estendeu a mão. — Sei onde David vai estar hoje à noite, e dizem que ele vai para a farra sozinho, enquanto Blake vai sair com a Gabs. Vamos sair para beber?

Olhei para ele, intrigado.

— Qual é? Acha que o Abraçador de Árvore é tão ruim quanto eu quero que seja? Não sabe quanto eu sonho com isso.

Lex balançou a cabeça.

— Não, cara, porque você está péssimo. Duvido que consiga embarcar em um avião sem ultrapassar o limite de peso.

Levantei a camiseta.

— Tanquinho. Já ouviu falar?

— Para de me seduzir. — Lex virou e cobriu os olhos. — Onde enfia tanta comida?

— Uma garota já me perguntou isso uma vez. Não respondi, só mostrei meu enorme...

— É óbvio que já está melhor. — Lex estendeu a mão de novo. — Vai tomar uma ducha e vestir uma roupa que chame sexo. Lembra das estatísticas mais importantes? Os homens geralmente fazem bobagem nas primeiras duas semanas de um novo relacionamento. E por quê?

— Complexo de Deus — resmunguei. — Finalmente ganharam na loteria, e querem pagar bebida para todo mundo.

— Complexo de Deus. Traduzindo: roubei a garota do Ian Hunter, o que significa que posso ter a mulher que eu quiser, venham, gatinhas, vou mostrar para vocês o que um homem de verdade pode fazer.

Fiz uma careta.

— Fala sério, elas nem sentem aquela coisinha.

— É isso aí — Lex assentiu. — Minha missão aqui está cumprida. Vai se arrumar. Saímos em quinze minutos.

 

 

O ambiente do bar sempre foi meu preferido. Na verdade, qualquer lugar que tenha garotas disponíveis e álcool... é lá que acontece minha noite perfeita.

Mas não hoje.

As garotas pareciam todas muito ansiosas e falsas.

As luzes eram fracas.

A agitação era mais irritante que empolgante. E para completar, Lex já tinha encontrado a garota que era parecida com Gabi. Quando comentei a semelhança, acho que ele ficou traumatizado, porque bebeu três doses de tequila e resmungou:

— Não tem a menor chance.

Fomos de táxi até o bar e, pelo jeito, eu voltaria sozinho. Coisa que não acontecia há anos.

O álcool não surtia o efeito esperado; eu precisava dele para amortecer a dor que ainda rasgava meu peito cada vez que eu pensava em Blake.

E David ainda não estava por ali, embora Lex tivesse garantido que ele viria. No geral, era uma noite de merda, e graças a toda aquela pizza que comi, o álcool ainda não exercia nenhum efeito no meu cérebro.

— Oi — uma garota asiática me cumprimentou, interessada. Ela parecia uma modelo da Victoria’s Secret. — Eu te conheço?

Houve um tempo em que minha resposta teria sido “todo mundo me conhece”. Hoje?

— Não. — Sorri e passei por ela a caminho do bar. — Jack com gelo. Triplo — pedi ao meu melhor amigo, o que me ajudaria a ficar bêbado e esquecer que, nesse momento, David provavelmente estava com aquelas mãos patéticas no corpo de Blake.

Porra, Lex. A noite não ia dar em nada.

Eu não estava nem perto de ficar bêbado. Só tinha um jeito de resolver isso.

Levantei o copo. Quando me preparava para beber um gole, vi através do fundo do copo cheio de gelo uma silhueta alta se movendo no meio das pessoas.

David.

Baixei o copo e tentei ver quem estava com ele. Porque não era Blake. Eu não queria tirar conclusões. Era cedo demais. Podia ser uma amiga, ou a namorada de outro jogador do time. Os atletas estão sempre juntos, não seria nenhuma novidade.

Ele riu alto, já meio bêbado, depois abaixou a cabeça... e beijou a boca da garota.

Opa. Não era amiga.

Sorri quando ele a beijou com mais intimidade. Depois agarrou a amiga dela, uma garota baixinha e vulgar, e a beijou também.

A baixinha usava um vestido fúcsia justo que qualquer prostituta poderia comprar por cinco dólares e uma carreira de coca.

— Vem cá, vadia! — ele gritou com voz pastosa, balançando o corpo de Gigante Bobão para a garota número um, enquanto a número dois colava em suas costas. A pista de dança abriu espaço para eles. Fiquei observando, fascinado. Ele não dançava nada, mas estava chapado demais para se importar.

— Eu falei — Lex comentou atrás de mim, surgindo do nada. — Complexo de Deus.

— Acontece com os melhores — concordei, me sentindo mais animado a cada minuto.

— E com os piores. — Lex balançou a cabeça em sinal de desaprovação quando David começou a girar o quadril e se balançar para frente e para trás. — Se o homem não consegue acompanhar o ritmo, deve ser uma merda na cama. Tenho pena das garotas bêbadas.

— Não é? —Virei e voltei para perto do balcão. Lex me seguiu. — Ei.

— Não gostou da bebida?

— A bebida é ótima. — Empurrei duzentos dólares para o garçom. — Mas tenho um serviço para você.

Ele olhou para baixo, cobriu o dinheiro com a mão e perguntou:

— De que precisa?

— Está vendo o Gigante Bobão logo ali? — apontei. — Quero saber o que ele pede, quem paga, a história das garotas. E pode servir quatro doses por conta da casa para soltar um pouco o quadril do moço, entendeu?

— Legal. — O garçom guardou o dinheiro no bolso de trás.

— Eu volto em uma hora. Tenta mantê-lo aqui. Se a festa embalar, eu pago a conta, não importa o valor.

— Vou tentar.

— Movimento clássico — Lex bebeu um gole do drinque. — Acho que nosso trabalho aqui está feito. Encontro você em casa. Só não a deixa gritar muito, ok?

Revirei os olhos, tentando ignorar meu coração disparado. Se ela fosse para minha casa? Caramba, e ela fosse para casa, eu a amarraria na minha cama para ela nunca mais ir embora.

Mandei uma mensagem para Blake perguntando onde ela estava e avisando que, se ela não fosse para o centro da cidade, eu ficaria bêbado e cantaria ópera embaixo da janela do quarto dela até as quatro da manhã.

Ela não respondeu, e eu menti, disse que precisava de carona e perguntei se era normal ver o Pinóquio depois de comer cogumelos.

A tela do meu celular acendeu um minuto depois.

E assim, sem mais.

Eu voltei ao jogo.


— Não parece tão chapado — Blake falou séria, batendo a porta do carro e puxando para baixo o vestido cinza de tricô para cobrir a bunda. Quase não cobriu, aliás, e eu fiz uma prece de gratidão. Tentei parecer alterado, o que era difícil, considerando quanto queria beijá-la e devorar sua boca, em vez de fingir que fazia amor com o poste de telefone.

— Estou. Muito chapado. Quer beber?

— Não. Não quero beber. Não sou mais sua namorada, lembra? E a única garota de quem você é amigo tentou te matar enquanto você dormia.

— Gabs sempre exagera quando conta essa história. Eu não estava dormindo, estava fingindo.

— A facada também foi falsa? E o sangue?

Uma vez, Gabi cortou meu braço sem querer quando tentava me assustar no Halloween.

— Estamos desviando do assunto — Blake falou, irritada. — Entra no carro, vou te levar para casa. Não acredito que vim. Qual é o problema comigo?

Ela fazia aquela coisa bonitinha de falar sozinha e roer a unha, como se isso fosse resolver sua dúvida.

— Nenhum. — Olhei para ela, especialmente para as pernas. — Sério, não tem. Nenhum problema.

— Como é que é? — Ela pôs as mãos na cintura e projetou o quadril. Engoli um gemido, mas foi difícil. Quase tão difícil quanto não a beijar e jogar em cima do ombro.

— Que fofa. Gabs te ensinou esse negócio de balançar a cabeça? — Ri.

— Você está bêbado. Você percebe que da última vez que eu o vi, você quase matou o David e ao mesmo tempo partiu meu coração. Nesse momento eu te odeio, mas é bom saber que não vai lembrar de nada amanhã.

— Não estou bêbado. — Eu a puxava para o bar, enquanto ela tentava me levar para o carro. — Mas tenho que confessar uma coisa.

— Ah, é? — Ela parou de resistir.

— E sei que isso não é romântico, mas... te amo. — Dei de ombros.

Blake congelou.

— Você acabou de mandar um “te amo”? Bêbado?

— Eu menti, não estou chapado. E sim, falei que te amo, porque é verdade. Porque em um mundo complicado onde um ex-jogador da NFL decidiu mudar o mapa da cena dos relacionamentos, ele se perdeu e acabou se apaixonando por uma cliente.

Blake não parecia convencida.

Eu também não estaria. Mas que merda, passei um ano dando conselhos sobre relacionamentos, e não conseguia fazer uma declaração convincente!

— As estatísticas mostraram que não havia match para nós. Lex maquiou os números, mas foram só cinco pontos. Ainda temos só 55% de chance de dar certo. E quer saber a verdade?

Ela assentiu.

— Se for capaz disso...

— Quero você — e a puxei para mim — desesperadamente. Preciso de você. Sou louco por você. — Segurei a parte de trás de sua cabeça e puxei. Nossas bocas se encontraram, minha língua tocou a dela antes de recuar. — Mas fiquei com medo.

— Ian Hunter? Com medo? — Seu lábio inferior tremeu. — Não acredito. — Ela segurava minha camisa.

— David tinha mais de 80% de chance — reconheci, sentindo necessidade de jogar limpo. — E os números não mentem... nunca mentem. Eu tenho medo de você se contentar comigo, quando David é o cara que você sempre quis. Pronto, falei, já fiz minha confissão de insegurança. Se você me desculpar, vou encher a cara e esquecer que acabei de contar que sinto medo de relacionamentos.

Ela me segurou pela camisa e puxou.

— Não vai, não. Não pode fazer um discurso épico e sair de cena batendo os pés.

— Não foi épico — falei. — E eu nunca bato os pés. Eu me arrasto. Às vezes saio na ponta dos pés, mas só quando estou fugindo do quarto de uma garota, e acho que não preciso explicar os motivos por trás disso.

Os olhos de Blake lacrimejavam.

— Prova.

— Quer que eu me arraste?

— Prova que me ama. É isso que eu quero. Fez um discurso épico, disse que também me ama, e talvez eu consiga entender o método na sua loucura. Mas até onde eu sei, talvez só não queira que o David fique comigo. Como vou saber que meu lugar é ao seu lado?

Pensei nisso por um minuto.

— Sinceramente?

Ela assentiu.

— Você nunca vai ter essa certeza. Do mesmo jeito que a estatística falhou comigo, as palavras também não me ajudam. Acham que falham para todo mundo, uma hora ou outra, principalmente quando mais precisamos delas. Parece que, justamente quando quero ser eloquente, minha língua cola no céu da boca. — Fiz uma pausa, aflito para convencê-la do que eu sentia. — Posso pegar a mulher que eu quiser — Blake bufou. — Menos você. Posso virar, entrar naquele bar e sair de lá com qualquer uma, menos a que eu quero de verdade. Provavelmente porque, quando as palavras significam alguma coisa de verdade, quando guardam alguma coisa poderosa, elas sempre soam menos importantes do que são. Minhas atitudes... — segurei sua mão — também são insuficientes. Você vai ter momentos de dúvida, principalmente por causa do meu trabalho. No fim, só quem vai estar realmente do nosso lado somos nós e o fato de nos amarmos. Não temos a promessa do tempo. Nem de que vai ser perfeito. E não posso prometer que vou acertar na primeira tentativa. Olha só a confusão que eu já fiz! Mas... — eu a puxei contra o peito — juro que vai ser só você sempre, Blake, só você que eu levo para casa à noite e com quem eu quero acordar todas as manhãs. Amo você. E se me der um tempo, eu vou provar. Cada minuto do dia que me deixar viver com você.

— Uau — Blake enxugou os olhos. — Isso foi...

— Ah, para — Lex falou de algum lugar atrás de nós. — Beija logo, ele e vão para casa. O David está completamente bêbado e...

— David está aqui? — Ela se afastou de mim.

— Ah, é, tem isso — confirmei. — O David está aqui.

— Entendi — ela falou por entre os dentes. — Não que isso seja importante, não estamos namorando.

— Não?

Lex riu.

— Você... — virei e apontei para ele — é um filho da mãe doente. Sabia?

Ele deu de ombros, e eu olhei para Blake.

— David é um idiota — ela disse. — Quando eu disse que não podia namorar com ele porque gostava de outra pessoa, ele falou que gostar não tinha nada a ver com a história, ele só queria trepar comigo, agora que eu sou uma gostosa.

Lex e eu olhamos para ela, perplexos.

— Bom, então... — dei de ombros — acho que não preciso te atrair para o bar e mostrar quanto o nosso jovem David desceu. Tenho certeza de que ele está com uma prostituta, talvez duas. Se quiser ter certeza, basta chamar a polícia. — Mostrei o celular.

Blake gargalhou.

— Até que seria engraçado. Eu preciso de uma bebida depois des- sa confissão.

— Mulherzinha — Lex tossiu.

Revirei os olhos.

— Pode esperar, Lex.

Ele bateu nas minhas costas.

— Não, obrigado. Eu amo minha vida. Não preciso esperar, não tem mulher que vai me tirar do chão.

— Espero que não, já que você tem um pau. Não é assim que as coisas funcionam.

— Gente? — Blake chamou. — Quem vai pagar minha primeira dose?

— Essa honra cabe ao seu namorado. — Lex bateu de novo nas minhas costas. — Acho que vou dar um tempo com a Gabs... divirtam-se.

— Como é que é? — Estranhei. — Você odeia a Gabs.

— Ah, eu disse que ia dar um tempo? Não, queria dizer torturar. Fiquei sabendo que ela está sozinha em casa, e ela ainda odeia palhaços. Tenho uma peruca e uma buzina no porta-malas do carro. Quais são as chances?

Bati com o punho no dele.

— Cuidado para não levar um tiro.

— Não posso prometer nada. — Ele acenou para nós e fez sinal para um táxi.

— Para quem odeia tanto, ele passa muito tempo... irritando a garota. — Blake viu Lex se afastar.

Dei risada.

— É assim há anos, e vai continuar assim. É melhor só ignorar — sugeri e cheirei seu pescoço. Depois entramos no bar.

David dançava com algumas garotas bêbadas.

— Seu perfume é uma delícia — falei.

Blake riu, depois virou de repente me beijou, enquanto eu acenava para o garçom.

— Duas doses de tequila! — gritei depois do beijo. Girei Blake na minha frente para ela poder assistir ao espetáculo gratuito que David oferecia. Cochichei no ouvido dela: — Reconheça que quer gravar aquilo. — David encoxava a garota baixinha, mas por causa da diferença de altura, ele parecia tentar encaixar o pênis pequeno na axila dela. — Talvez eu deva fazer um mapa para ele, sei lá.

Blake se apoiou em mim.

Respirei fundo, e ela projetou o quadril para trás e me olhou por cima do ombro.

— É, porque qualquer uma sabe que a tática para marcar gol no jogo... é sua.

— Adoro quando você elogia minha habilidade sexual... repete. — Beijei seu pescoço, e ela tentou me tocar. Tentou virar, mas a mantive onde estava e, lentamente, virei para o bar. — Mãos na madeira.

Ela tentou me tocar de novo.

— Engraçadinha. — Mordi sua orelha. — Sarrafo errado, gata.

Ela apoiou as mãos no balcão.

— Debruça.

Ela ficou parada, depois olhou para mim. Estamos em público, murmurou.

— Exatamente. — Meu corpo pegava fogo. — Só um aperitivo, só para mim. Ninguém mais vai ver, não com o Show do David em andamento.

Ela olhou para trás, e eu também.

Sim, todo mundo acompanhava a catástrofe que acontecia do outro lado do salão. A coitada teria uma marca de pênis na axila, junto com um esfolado de zíper. A manhã seria triste para ela.

— Ok. — Blake debruçou no balcão e pegou nossas bebidas. A visão era linda. Vi só um pedacinho da bunda, o suficiente para querer me tornar um exibicionista.

— Linda. — Apertei aquela bunda antes de virá-la lentamente, pegar um copo e brindar com ela. — Aos recomeços?

— E aos finais felizes.

— E assim a virgem vira vagabunda. Meu trabalho aqui es- tá concluído.

— Disse o galinha.

— Que vai para casa com você. Agora rebola para a porta. Tenho umas ideias que envolvem corda e fita adesiva.

— Ian!

— Quê? Estava pensando em fazer uns consertos na casa, menina sacana.

Ela ficou vermelha.

— Vem, vamos sair daqui antes que eu te leve para o banheiro. Com você, tenho que manter a classe.

— Não sei... acho que eu topo o banheiro.

— Hum. — Continuei andando com ela para a porta. — Talvez na próxima. Hoje eu quero você na cama. Não vou declarar meu amor e depois te levar para um banheiro público, por mais que esse vestido seja sexy e eu não lembre de ter comprado ele para você.

— É da Gabi.

— Às vezes, eu amo aquela garota.

— E às vezes, em raras ocasiões, ela te ama.

Rindo, beijei a cabeça de Blake e murmurei:

— Vamos para casa.

 

 

Nunca uma viagem de carro durou tanto tempo. Para piorar, algumas ruas do centro estavam em obras, e o trajeto que deveria ter consumido poucos minutos demorou quase vinte.

— Tudo bem?

— Não. — Meu corpo todo doía.

— Ian?

— Hum? — Virei para Blake. As mãos dela estavam unidas no colo, o vestido de tricô era quase indecente, subia pelas coxas. Tentei segurar sua mão, mas ela a puxou. — Que foi?

— Eu correspondi ao beijo.

— Ai, merda. — Era o fim da noite de diversão. — Blake, sério, não quero falar sobre ele. Acabou. Foi um momento de fraqueza...

— Momento de fraqueza? — Ela gargalhou. — Não, eu beijei de volta para ter certeza.

— Certeza? — O operário balançou a bandeira na minha frente. Progredíamos a passos de tartaruga sobre uma ponte. Eu não podia mais olhar para Blake, mas sentia sua apreensão. — Certeza de quê?

— Dos meus sentimentos.

Estávamos quase na minha casa. Olhei de lado para ela.

— Pelo David?

— Não. — Ela engoliu. — Por você.

— Blake, não quero ser ofensivo, na boa, mas onde estava com a cabeça?

— Sei lá! — Ela levantou as mãos. — Eu só... queria ter certeza. Você foi meu primeiro... tudo, e eu não sabia, e estava me apaixonando depressa demais. E aí ele se aproximou, e eu pensei, bom, pelo menos vou ter certeza do meu amor pelo Ian. Porque, sim... eu te amo.

— E mesmo assim... — Parei na entrada de casa e desliguei o carro. — Você o beijou.

Blake suspirou.

— Deixei que ele me beijasse. Não tentei evitar de cara porque fiquei chocada com quanto era horrível, como parecia errado. O jeito como ele me beijava era...

— Por favor, me poupa dos detalhes.

— O gosto era estranho.

— Já pedi para me poupar dos detalhes. — Tirei a chave da ignição. — Acho... que consigo entender por que aconteceu, mas, Blake, foi um beijo de sete segundos, no mínimo. Eu contei.

— Sete segundos de tortura. E quando acabou, ele limpou a boca.

— Ah, não. Saliva demais? — Dei risada.

— Talvez ele tenha sido um sereio em outra vida, e o único jeito de sobreviver em terra firme é manter muito líquido dentro da boca.

— Você pode não acreditar, mas essa conversa está me deixando excitado, Bochechinha.

— Pensa em mim! — Ela levantou as mãos. — Vou ter que viver com essa lembrança.

— Acho que sei como você pode... apagá-la. — E debrucei sobre o console.

— Ah, é? — Ela sorriu, segurou minha cabeça e aproximou a boca da minha. — Seu gosto é sempre bom.

— Eu sou Ian Hunter. É claro que sou gostoso.

— Metido.

— Em você? Cada segundo do dia.

Entramos em casa vestidos, mas assim que fechamos a porta, os sapatos de Blake voaram longe, e ela tirou os braços do vestido, que desceu até a cintura. Era quase impossível desviar os olhos dos seios redondos, que pela primeira vez não estavam dentro de um sutiã esportivo cor de rosa, mas empinados sobre um pedacinho de renda preta que eu sabia que arrancaria com os dentes mais tarde. Lentamente, ela continuou descendo o vestido, olhando nos meus olhos enquanto o empurrava pelas coxas nuas e soltava sobre os tornozelos. Lambi os lábios.

— Ansiosa? — Sorri, apreciando o show particular mais do que ela poderia imaginar.

— Hm? — Ela virou, ainda com o vestido nos tornozelos. — Não, só não gosto de perder tempo. — Chutou o vestido para o lado e tirou o sutiã, depois despiu a calcinha preta e sexy que parecia um short.

A luz da lua entrava na sala e banhava seu corpo com um brilho branco e sensual. Cabelos ondulados cobriam seus ombros, dando a ela um ar etéreo, como um sonho.

— Amo você com qualquer roupa — confessei enquanto me aproximava dela. — Short de basquete, elástico felpudo no cabelo, chinelo Adidas. Só quero que jure que vai estar sempre nua na minha cama.

Ela lambeu a boca. O rosto ficou corado.

— Mas e se eu usar uma lingerie bem sexy?

— Bom, acho que posso abrir uma exceção. — Puxei uma mecha de cabelo, que acariciou um seio como eu queria. — Mas só em ocasiões especiais.

— Que ocasiões seriam essas? — Ela enlaçou meu pescoço com os braços.

— Natal. — Beijei um canto de sua boca. — Ano Novo.

— Hm, combinado.

— Calma, ainda não acabei. — Toquei seus lábios com um dedo. — Dia dos Namorados, Dia do Presidente, Dia da Marmota. — Ela riu. — Dia da Bandeira, é claro... fala sério.

— É claro — ela murmurou com a boca na minha.

— Quatro de Julho. Por causa dos fogos.

— Mais algum dia?

— Às quartas-feiras. Segundas também.

— Todo dia, então?

— Quase. É o seguinte, vou fazer uma agenda para você, e nos dias onde houver “nua”, você tem que estar nua. Nos outros, pode usar sua criatividade.

— Está programando sexo?

— Será? Não, acho que estou planejando a diversão, mas entendo que sua mente inocente fique confusa. E, é claro — beijei sua boca —, os aniversários são sempre especiais.

— Naturalmente.

— Eu mando instruções para o strip-tease e o sabor do bolo de que tem que sair.

— Você é muito mandão.

— Gosto das coisas certinhas. — Desci as mãos até seu quadril e a puxei para mim. — Isso é ruim?

— Não. É muito, muito bom.

— Ah, obrigado. — Dei risada e a beijei de novo, e o calor do fogo quase incendiou minhas roupas quando segurei seus seios, me inclinei e lambi um mamilo.

— Chega. — Blake puxou minha camisa. Eu a tirei. Depois foi o jeans, que ficou preso nos sapatos e me obrigou a pular até o sofá, onde caí e a puxei para cima de mim. — Sem cueca?

— Desnecessário — respondi, rindo. — Demora muito para tirar.

Os olhos azuis passearam por meu corpo e pararam na cintura. Ela tocou meu quadril, depois foi deslizando a mão devagar, descendo.

— Explorando? — provoquei.

Ela assentiu, depois me agarrou com uma das mãos.

Meus joelhos tremeram, e um gemido escapou da minha boca. O toque era elétrico, como se os dedos projetassem ondas de energia através da minha pele. Os lábios carnudos estavam comprimidos em sinal de concentração.

— Chega disso. — Minhas terminações nervosas respondiam ao fascínio dela por meu corpo. — Ou vou passar vergonha, e ninguém quer isso.

Os olhos de Blake encontraram os meus.

— Eu sei o que eu quero.

— Ah, é? — Cruzei as mãos atrás da cabeça. — O quê? Bolo?

— É, Ian. — Ela se debruçou sobre mim, e a pele quente fez contato com meu corpo. — Quero bolo.

— Sirva-se. — O jeito como ela se movia sobre mim era quase hipnótico. — Mas tenho mais algumas ideias.

— Que bom — ela sorriu.

E relaxou.

Movimento errado.

Segundos depois, eu estava em cima dela no chão, no tapete macio.

— Melhor que bolo... quero sentir seu gosto. — Capturei um seio com a boca e passei a língua em torno do mamilo.

— Ian! — Blake riu e arqueou as costas, depois cruzou os tornozelos atrás de mim.

— Shhh. Estou curtindo o momento aqui.

— Com meus peitos?

— Nunca tive uma conversa particular com eles, sabe? Com cada um deles. E é importante não demonstrar favoritismo no quarto... essa é outra regra. — Soprei a pele onde minha boca estava pouco antes. — Caso não saiba.

— O que está fazendo comigo? — ela gemeu.

— Tudo que posso fazer sem morrer de desidratação ou nos mandar para a cadeia. Tudo bem? — Passei para o outro mamilo. — Porque quero continuar com a conversa por aqui. — Lambi o vale entre os seios. — Se já terminou de falar.

Ela ficou quieta.

Com exceção dos gemidos que escapavam de sua boca.

Tocar Blake era como pular em uma fogueira e descobrir que o fogo não queimava, mas despertava uma necessidade que não podia ser saciada, por mais que eu tentasse. Cada beijo exigia outro, cada gosto da pele — uma mistura de sal e mel —, tudo me deixava mais faminto. Nunca tive esse tipo de necessidade antes, o que me deixava mais aflito para cobrir cada centímetro daquele corpo com a boca.

Blake tentou me segurar, mas afastei suas mãos e segurei seus braços acima da cabeça.

— Não acabei.

— Eu já! — Ela se contorceu.

— Está chegando lá?

— Sim!

— Então curte. — Segurei seus pulsos com uma das mãos, enquanto a outra descia devagar e parava exatamente sobre o ponto onde eu sabia que ela a queria.

— Ian!

Sorrindo, ajoelhei, virei Blake de costas e a puxei lentamente para o meu colo.

— Uau. O quê...?

Nossos corpos se uniram.

A cabeça dela repousou em meu ombro, e meus lábios passearam por seu pescoço no mesmo ritmo que embalava nossos corpos, cada penetração acompanhada por um beijo.

Blake agarrou meus pulsos e pressionou o corpo contra o meu. Seus olhos se fecharam quando a levei à beira da explosão, mas parei.

Ela abriu os olhos.

— Ian, não gosto de implorar.

— E eu não gosto de ver a mulher que eu amo de olhos fechados enquanto explode em meus braços.

Ela manteve os olhos abertos, e eu a penetrei com loucura, gemendo quando senti o corpo dela se contrair em torno do meu. Depois, ela se encostou em mim, relaxada, enquanto eu acariciava seu corpo e sentia a pele aveludada, macia demais para ser real.

— Você me ama — Blake sussurrou.

— Amo.

— Fala. — Sua voz era rouca. — Foi a mochila Caboodle ou o chinelo?

— Os dois. — Eu ri. — Com certeza, os dois.

 

 

Fomos para a cama depois de uma parada rápida na cozinha para pegar comida.

Meu quarto era decorado em tons de cinza e preto, masculino, mas não a ponto de fazer uma garota não se sentir à vontade, o que era estranho, já que nunca tive nenhuma em minha cama, além de Blake.

A ESPN berrava gloriosa na tela plana diante da cama. As cores da tela criavam um caleidoscópio sobre o edredom branco. Blake correu para a cama e deitou no meio dela. Quando as cores iluminaram seu rosto, fazendo dela parte do show, senti a boca seca e tive um daqueles “momentos”. Ela estava ali de verdade. A fantasia se tornou realidade.

Eu merecia?

— Pôs mais travesseiros na cama — Blake comentou enquanto abria um pacote de Ritz Crackers.

Sim, merecia. Um sorriso distendeu meus lábios.

— E só percebeu agora? — Joguei os travesseiros para fora da cama. Quatro caíram na poltrona de couro preto, o outro quase derrubou tudo de cima da cômoda.

— Já tinha notado. — Blake mordeu um biscoito. — Mas só mencionei agora. Foi você, ou a Gabs?

— Eu, Bochechinha. — Pisquei e roubei o biscoito da mão dela. — Não pareço ser capaz de decorar um quarto?

Ela me olhou e franziu a testa.

— Acho que sim, mas para que ter trabalho, se nunca trouxe mulheres para cá? Mais travesseiros fazem a cama parecer convidativa.

— Uau, parece que você entrou na minha cabeça. Parecem inofensivos, se é isso que quer dizer.

— Exatamente! — Blake bateu no espaço entre nós. — É tipo “ei, não é um lance de uma noite só, tenho muitos travesseiros”. Um lance de uma noite só não precisa de travesseiros.

— Ah, não. É assustador você perceber as coisas desse jeito. Está procurando emprego?

— Transar com você não é emprego, desculpa.

— Droga! — Peguei outro biscoito da mão dela, e Blake me olhou feio e jogou a caixa em mim.

— Para de roubar minha comida. Pega na caixa, como um ser humano normal, ou não vai mais tocar nos meus peitos.

— Tetas... são tetas. Peitos é como um aluno do ensino médio fala, e morre de vergonha porque mencionar a palavra é suficiente para ter uma ereção na frente da sala de aula enquanto fala sobre sua avó preferida.

A expressão horrorizada de Blake era eloquente.

— Por favor, me diz que inventou isso.

— Pergunta para o Lex se inventei. Mas pergunta quando eu não estiver por perto. Não quero levar outro soco.

Blake gargalhou e me deu o biscoito que estava comendo.

— Não precisa mais se servir, depois dessa.

— Essa é minha garota. — Peguei a garrafa de vinho que tínhamos levado para o quarto. — Mas é sério. Quer um emprego?

— Iaan...

— Para com isso. Parece que a Gabi te ensinou a esticar meu nome desse jeito para me fazer sentir culpa, antes mesmo de eu pedir um favor!

— Ah, é um favor?

— Na verdade, não. É um empreendimento conjunto, podemos dizer. Quer ouvir? — Mostrei a garrafa. — Dose dupla.

Blake hesitou, mas estendeu a mão para a taça.

— Dose dupla.

— Se a dama quer dose dupla, leva dose dupla. — Enchi a taça quase completamente e entreguei para ela. — Então, estive pensando...

— Fascinante, Ian, continua. Que grandes pensamentos acontecem aí? — Ela apontou para meu pau.

— Cheia de graça. — Revirei os olhos. — Agora que foi apresentada a ele, não se incomoda mais com constrangimento em público. Bom saber. Vou guardar a informação para mais tarde. — Servi vinho para mim e me acomodei encostado na cabeceira da cama. — Não posso continuar trabalhando como antes. Agora tenho uma namorada, estou em um relacionamento sério. Se as pessoas souberem que estamos juntos de verdade, a Cupidos S.A. não vai mais dar certo. Preciso pensar em um plano diferente.

— Hum... — Blake bebeu um gole de vinho. — Pode continuar aconselhando e orientando as garotas. Isso quase sempre é suficiente. Seria quase como um coach comum. Eu te chamava de coach do amor.

— Verdade. E Lex poderia ficar com o trabalho prático, já que é solteiro e vai morrer assim, provavelmente.

— Ele deve adorar seu otimismo em relação ao futuro dele.

— Ele concorda comigo. Pode acreditar, ele aceita sua condição com uma alegria assustadora que só se vê em pré-adolescentes assistindo a reprises de Baywatch.

— Então ele não vai se incomodar. — Blake olhou para a televisão e franziu a testa. — Hum, Ian... a ESPN ainda passa matérias sobre você?

— Quê? Por quê? — Olhei para a TV. A emissora passava reprises dos recrutamentos mais promissores do ano anterior.

Eu tinha visto o programa milhares de vezes.

E sempre doía.

Mas agora não mais.

Normalmente, eu desligava a televisão, saía, ia malhar, beber, ou me concentrava em outra coisa, mas com Blake na minha cama, comendo biscoito, era menos doloroso. A dor passou, e no lugar do buraco que havia antes, agora eu tinha... ela.

Segurei sua mão e aumentei o volume da TV.

— Uau! — Ela exclamou, encantada. — Você é incrível!

— Eu era um defensor. Nunca fui quarterback. — Mas sentia um orgulho inevitável.

O locutor recitava nomes e números, explicando cada contratação. Meu nome surgiu na tela.

— Ian Hunter, indicado ao Heisman. A contratação mais promissora disputou só duas partidas antes de sofrer um acidente bizarro que acabou com sua carreira, mas o bônus de dez milhões de dólares deve ter aliviado a frustração.

O locutor riu, e Blake abriu a boca, completamente chocada.

— Seu filho da mãe! — Ela se jogou em cima de mim e me molhou com o vinho. — Dez milhões de dólares, e cobra mais de duzentos por dia!

— Se eu cobrasse pouco — expliquei, rindo —, ia parecer que não valorizo meu conhecimento. Aliás, estornamos seu depósito. Mas se está tão brava, podemos rever as tarifas da Cupidos S.A.

— Fala sério! É claro que não precisa ser caridade, mas você não precisa do dinheiro.

— Não precisaria mesmo que não tivesse o bônus da NFL — contei, sério e preocupado, com medo de estarmos entrando em território perigoso.

— Ah, é, seus pais?

— Eles deixaram esta casa... e mais algumas. — Não queria contar tudo. Para quê? Era só dinheiro. E isso sempre me fazia sentir vazio.

O futebol tinha me dado alguma coisa.

Mas Blake me dava muito mais.

Ela sorriu.

— Desculpa, acho que surtei.

Era difícil explicar a emoção que me invadiu quando ouvi essas palavras, mas acho que foi alívio. Não podia deixar Lex perceber que agora examinava meus sentimentos como uma mulher.

Ela apontou a mancha de vinho tinto no edredom branco.

— E desculpa por ter arruinado seu edredom.

— Vai ter que me compensar por isso. Trabalho forçado. — Sorri, confiante. — No quarto. Está interessada?

— Por quanto tempo?

— Para sempre.

— Hm, melhor começar agora, então.

— Ótimo. — Deixei a taça de vinho sobre a mesinha e murmurei: — De joelhos, Bochechinha.

 

 

Eu estava observando.

Mas eles não sabiam.

Não sabia dizer se isso tornava tudo mais ou menos impróprio. Não que eu me importasse. Bom, sóbrio, pelo menos, eu não me importava.

Mas estava bêbado.

E lá estavam eles.

Beijando, abraçando. De mãos dadas. Tudo que eu queria era dar com a garrafa de cerveja na cabeça do Ian, sacudir o cara e gritar “Que porra é essa, por que está estragando a vida perfeita?”

Ele tinha tudo.

Mesmo depois do acidente, ainda tinha tudo. Mulheres, sexo, mais mulheres. Já falei sexo? Porque ele fazia muito.

E agora? Estava abrindo mão de tudo isso. Por quê? Por uma bunda? Como se não pudesse escolher as melhores do campus?

— Que fracassado — bufei, embora uma parte minha sentisse que eu perdia alguma coisa, embora estivesse no meu apogeu.

A garçonete trouxe mais uma cerveja, se inclinou e quase derrubou os seios empinados do decote.

— Noite dura, Lex?

— Que diferença faz... se você sabe que vai fazer ficar ainda mais dura?

Ela riu.

— Por que é tão metido?

— Olha para você. Dois minutos, e já está falando sobre meu assunto favorito.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Até bêbado você é bom.

— Baby... — Levantei, apoiei as mãos no balcão e me inclinei para aproximar a boca daquela orelha. — Eu sou o melhor.

— Hum. Meu intervalo começa em cinco minutos.

— É claro. — O intervalo sempre começava em cinco minutos, como se elas nunca fizessem isso. Eu ouvia mais isso do que meu nome no meio do sexo. Mas tudo bem, qualquer coisa que as fizesse sentir melhor por transar no corredor de um bar barato.

Senti um tapa nas costas, e Ian sentou no banco ao meu lado, acompanhado por Blake.

— Então... — ele disse, olhando para mim e para ela. — Tive uma ideia.

— Estou bêbado. Vamos deixar você e suas ideias para amanhã. — E olhei para a garçonete gostosa por cima do gargalo da garrafa. — Além do mais, vou dar uma em cinco minutos.

— Você sempre vai dar uma em cinco minutos, às vezes dez. Aprende a segurar por mais tempo, cara. — Ian deu dois tapinhas no meu rosto. — Mas o assunto é outro. Presta atenção.

Tentei olhar para ele, e vi seu rosto fora de foco.

— Você tem três minutos. Ela está me comendo com os olhos, e eu estou entediado.

— Quando não está?

— Quanto estou fazendo sexo.

Blake pigarreou.

— Ele não devia ter perguntado.

— Está com inveja? — Pisquei para ela.

Ian me deu um soco no braço.

— Opa, desculpa. Bêbado, lembra?

— Gabs topou — Blake revelou.

— Sempre direta. — Ian revirou os olhos. — Não podia ter dado uma amenizada, tipo “aquela garota gostosa que vocês dois conhecem precisa pagar a faculdade”, ou “olha só, temos uma vaga”!

— Gabs. — Eu sentia o gosto do nome dela na língua, como se tivesse engolido uma bala azeda. — De jeito nenhum.

Fiquei em pé.

— Espera. — Ian segurou meu braço e me fez sentar de novo. — Ela precisa pagar cinco mil de mensalidades até o fim do semestre. É um jeito de ganhar dinheiro, e você disse que queria ampliar o negócio e começar a aceitar clientes do sexo masculino. Por que não? Qual é o problema?

— Ah, não sei. — Bebi vários goles de cerveja e bati no peito para soltar o ar. — Ela pode me matar? Ou me atropelar? Envenenar meu cigarro? Ah! — Estalei os dedos. — E ela me odeia. E eu a odeio. É um ódio recíproco que funciona muito bem para nós dois, então... — Levantei. — Desculpa, mas não mesmo.

Ian olhou para Blake, que olhava para as próprias mãos.

— Ai, merda, o que vocês fizeram?

— É que... — Ian respirou fundo. — Já falei para ela que seria legal.

A cerveja sacudiu no meu estômago, deu uma cambalhota, um salto mortal e um triplo, depois ameaçou voltar.

— Não vou treinar ninguém — avisei. — De jeito nenhum. Sou capaz de estrangular aquela garota.

— Ótimo — disse uma voz feminina atrás de mim. — É recíproco.

Virei lentamente e me vi diante da inimiga, a garota por quem não conseguia sentir nada além de ódio e repulsa, por mais que ela fosse sexy.

— Oi, baby. — Eu me inclinei e mordi sua orelha, só para irritar. — Você sabe que eu alivio o estrangulamento se puder enfiar o pau em você ao mesmo tempo. Ouvi dizer que gosta desse tipo de coisa.

Aconteceu tudo ao mesmo tempo.

A garrafa de cerveja virando em cima da minha cabeça.

O joelho subindo entre minhas pernas.

A dor, eu caído no chão com o diabo em pé ao meu lado, com o salto sexy apertando meu peito.

— É — Ian assentiu. — Acho que essa nova sociedade vai funcionar bem. Não vai?

— Com certeza — Gabi respondeu.

— É... — gemi, sentindo que toda cerveja que eu tinha consumido ameaçar lavar os sapatos vermelhos de salto alto. — Vai ser louco. Ótimo.


Eu lanço muitos livros... O que significa que faço uma tonelada de agradecimentos e, ainda assim, sempre consigo esquecer pessoas que tornaram o livro possível...

Como o caixa da Albertsons que não me julgou quando comprei duas garrafas de vinho e anunciei que tinha um encontro com meu computador e uma cena que, na verdade, não queria escrever. Tudo bem, não bebi as duas garrafas, provavelmente foi uma só ao longo de algumas horas. Mas sério, gente, isso é difícil demais, e sou muito grata por ter uma equipe tão incrível à minha volta.

Skyscape, seu pessoal trabalha muito para garantir que todos os livros que lançam sejam impecáveis. Obrigada por me desafiarem constantemente a ser melhor, o que, é claro, abrange Melody, minha editora... você é durona. E não é só força de expressão. Você é o tipo de editora que me faz chorar dentro de uma caixa vazia de cereal, enquanto tento justificar o uísque no meu café de manhã, e eu adoro cada minuto disso. Você faz de mim uma escritora melhor, e sou eternamente grata por isso!

Para minha equipe beta e de edição inicial – Katherine Tate, Kathleen Payne, Jill Sava e Liza Tice – obrigada por garantirem que todos os livros tenham seu sabor especial!

Minha incrível agente, Erica Silverman, como sempre, é a voz da razão em todas as situações. Obrigada por ser uma amiga tão querida. Sinto que somos família.

Minha assessora de imprensa, Danielle Sanchez da InkSlinger PR, obrigada pelo trabalho duro com cada um dos lançamentos. Sangue, suor, lágrimas!

Blogueiros e críticos, vocês são incríveis! Nunca deixo de me surpreender com como estão sempre dispostos a dar uma chance a todos os lançamentos; vocês fazem muito por mim, e sou muito grata!

E leitores... . . Nem sei o que dizer, sério. É uma bênção ter vocês. Vamos fazer um acordo: eu continuo escrevendo e vocês continuam lendo. Ok?

E finalmente, preciso agradecer a Deus. Ele é o primeiro, sempre o primeiro em minha vida.

Sem Ele, não sou nada.

Nate e Thor, vocês dois são super-heróis da vida real. Sou abençoada de muitas maneiras por vocês!

Como sempre, obrigada por lerem! Fiquem atentos para o próximo livro sobre a Wingmen, Inc. Vocês não vão querer perder a história de Lex. Afinal, existe uma linha muito tênue entre amor e ódio, não é?

 

 

                                                                  Rachel Van Dyken

 

 

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