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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MARCADOS PELO CASAMENTO / Izabella Mancini
MARCADOS PELO CASAMENTO / Izabella Mancini

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Cara Constância,
Sei que é muito brega escrever uma carta nos dias de hoje, mas como estamos a muitos quilômetros de distância e em países diferentes pensei que seria a maneira mais real de chegar até você.
Peço que me perdoe por tudo que aconteceu em nosso primeiro compromisso e que possa repensar sobre nosso futuro. Eu preciso de você e sei que sua família também precisa de mim.
Cometi muitos erros e rogo a você uma segunda chance. Estou disposto a aceitar seus termos e tudo o que for necessário. Em troca peço apenas sua fidelidade e respeito... Sei que faltei com os mesmos no passado, mas juro lhe entregar o meu melhor a partir de agora.
Você aceita reatar nosso noivado em nome de nossas famílias?
Com carinho,
Tiago Guimarães Sampaio.


 

Realmente uma carta é algo inusitado e talvez por ela você tenha levado algum crédito.

Confessor que não te odeio por ter sumido quando éramos prometidos, mas sim por ter reaparecido de suas sombras. Apesar de tudo, sua volta significa a salvação de minha família e a reestruturação da sua.

Em nome dos negócios, exijo fidelidade e respeito, assim como propôs, mas alerto que no primeiro sinal da falta deles estará tudo acabado entre nós.

Minha resposta é sim, mas não pense que com ela você ganhará uma esposa. Minha única condição para me tornar sua esposa é jamais ser sua mulher.

A contragosto e obrigada pelos fatos,

Eu aceito.

H. Constância Chastel.


P ela primeira vez em quase toda uma vida Heloísa Chastel se sentia livre.

As luzes do baile brilhavam a seus olhos mais do que o belo show da torre de Paris um dia lhe proporcionou.

Sequer as mais refinadas recepções da alta sociedade ou as festas de aniversário milionárias pareciam mais atrativas que aquela animada e barulhenta festa. As músicas indecentes e as pessoas se divertindo ao redor era o verdadeiro significado de proibido para ela. Talvez por isso tenha sido a vida toda criada como uma boneca de porcelana... Para jamais poder ser .

— Constância, você está ficando louca de vez, é isso? — A voz de Adele, sua melhor amiga desde a época do colegial, ecoava em seus ouvidos em meio à música alta do lugar. Ambas se esgueiravam entre as pessoas e Heloísa cumprimentava todas elas — Se quiser mesmo ficar e curtir o baile é melhor parar de dar pinta de patricinha. O pessoal daqui não curte esse tipo de coisa não!

— Adele, para de me chamar assim! — Sussurrou quando pararam em frente ao bar. Sentaram-se na alta banqueta uma de frente para a outra e Heloísa encarou os olhos azuis e límpidos da amiga com certa cautela — Meu nome é Heloísa, eu já disse!

— Na sua casa todos te chamam de Constância e eu acabo esquecendo... Fiquei lá por apenas três dias e já me acostumei, desculpa! — A garota de cabelos azuis sorriu diante da expressão de tédio da amiga — Constância é um belo nome, não acha? É diferente...

— Era o nome da minha avó, por isso meu pai colocou como nome do meio e todos me chamam assim, mas prefiro mil vezes Heloísa... É mais atual — O barman se aproximou e perguntou-lhes o pedido — Oh... Desejo uma água com gás e talvez... Um champanhe? — Adele corou e encarou o garçom.

— Duas cervejas, por favor — O rapaz sorriu e assentiu de maneira engraçada após notar como Heloísa parecia deslocada naquele lugar — Heloísa, pelo amor... Você não está em uma festinha da "gran fina" com seus pais, garota! Se liga!

— Nunca bebi cerveja na vida... Você que ficou louca! — As duas riram.

— Que vida é essa que você leva, hein, gata? E ainda reclama de seus pais quererem te arruar um noivo para te fazer ainda mais rica... Fala sério... — O barman depositou as cervejas no balcão e as duas pegaram em seguida. Heloísa encarava a garrafa com estranhamento, mas bebeu um gole após Adele fazer o mesmo.

— Por favor, não me lembre desse detalhe agora! A última coisa que quero é lembrar que estou noiva de um cara que detesto e ferrou com a minha vida toda! — Suspirou desanimada e ainda estranhando o gosto amargo da cerveja.

— Te ferrou por quê? — Adele questionou um pouco mais alto, uma vez que a música era realmente o que tomava o ambiente — Sua mãe disse que vocês são prometidos há muito tempo...

— Exatamente. Mas aí ele decidiu quebrar o compromisso quando fugiu para a Europa com uma fulana que se apaixonou. Fiquei feliz, confesso... Eu estava prestes a noivar quando saísse do colégio, mas pude ir para o Canadá estudar ao invés de me casar — Heloísa sorriu ao se lembrar da experiência de poder se dedicar ao que amava. Estudou moda e empreendedorismo por quatro anos, até ser intimada a voltar pela família.

— Como assim? Ele te largou sem mais nem menos? — Adele parecia estarrecida e Heloísa negou.

— Nós não convivíamos. Apenas nos vimos algumas vezes durante a infância... — Explicou sem deixar de notar a surpresa no olhar da amiga — O fato é que por uns dois anos pensei estar livre dele e de toda essa história de casamento. Meu pai e o dele são primos de algum grau distante, tinham planos... Ele decepcionou toda a família e foi praticamente deserdado, mas agora, ao que parece, voltou arrependido e a família dele e meus pais me propuseram novamente essa história.

Heloísa abaixou o olhar. Sua empolgação diminuiu grandemente e Adele tocou sua mão com carinho. Arrependeu-se de ter tocado em um assunto tão delicado e que parecia mexer tanto com as emoções da amiga.

— Você não precisa se casar, Helô... Seus pais não colocaram uma arma na sua cabeça, pelo contrário! Tio Heitor e tia Flora são muito legais, eles te amam... — Heloísa a interrompeu.

— Tenho meus motivos, amiga. Ainda não posso te contar quais, mas os tenho... Um dia você vai entender! — Garantiu com lágrimas nos olhos — Mas não viemos para cá para falar disso, certo? Te pedi para me trazer no baile para me divertir, não para chorar...

— Claro amiga... Estou com você para o que der e vier! — Heloísa secou algumas lágrimas abaixo de seus olhos escuros e perfeitamente maquiados — Qual vai ser?

Ajeitando o cabelo longo e escuro que lhe descia até a cintura, Heloísa sorriu por trás da tristeza e suspirou aliviada. Ao menos momentaneamente.

— Eu quero um homem, Adele... Um homem para me fazer esquecer de vez todos os problemas — Adele teve de rir diante das palavras da amiga.

— Você está falando sério? — Franziu o cenho e Heloísa riu baixinho — Não era você que queria se guardar para o casamento e aquele bla bla bla todo?

— Quando pensei que poderia me casar com alguém que escolhesse, sim... Mas agora que terei de encarar Tiago Sampaio me recuso a casar virgem e intocada... Não vou dar esse gostinho a ele depois de ter me feito acreditar que eu poderia ser livre e voltar atrás — Adele não podia crer no que ouvia.

Heloísa Chastel, sempre recatada e invejavelmente inteligente, a única virgem de vinte e dois anos que conhecia, em nada se assemelhava com a garota machucada e tristonha que via a sua frente.

Adele não podia imaginar o que havia no coração da moça. Não podia imaginar como a doença de Heitor Chastel, pai dela, tomou conta de toda sua vida como uma avalanche. Heitor, o chefe da família e pai orgulhoso de Constância - como costumava chamá-la – tinha pouco tempo de vida graças a um agressivo câncer e sem ele nada funcionaria nos negócios da família.

Flora, sua mãe, não sabia nada da vida que não fosse administrar um lar. Hannah, sua irmã mais velha, desde a infância era cadeirante e tratada pelos pais como uma inválida. Mesmo que Heloísa a encorajasse, Hannah acreditava que jamais poderia ser normal devido a sua deficiência. Sem tios ou alguém para confiar, cabia somente a Heloísa salvar a família da total ruína antes que o pai partisse e deixasse as três mulheres da casa sem um norte para os negócios.

Precisava se casar com Tiago Sampaio.

A família Sampaio era a única na qual seu pai confiava. Ernesto Sampaio – pai de Tiago – era primo de seu pai e um homem honesto para ajudá-la com os negócios da família. Os Sampaio, por sua vez, também precisavam da parcela de benefícios. Precisavam se reerguer dos rombos nas contas causado por um golpe e do escândalo com o filho. Casar o herdeiro com uma Chastel era a única opção.

Casar-se com o filho de Ernesto e ter aliados confiáveis para administrar a fortuna de sua família era sua única saída!

Não podia fraquejar agora. Não podia deixar todos na mão! Amava seus pais e sua irmã mais do que tudo em sua vida e teria de, por eles, sacrificar sua liberdade. Sua esperança se baseava em apenas uma coisa... Tiago ser compreensivo o suficiente para lhe dar o divórcio assim que os problemas entre eles estivessem resolvidos. Assim que as dívidas dos Sampaio sumirem e Heloísa se tornar uma boa administradora, ambos poderiam ser livres um do outro e entrarem em um bom acordo.

Apesar de tudo, nutria em seu peito uma única certeza... Não se entregaria ao casamento com a ideia românica de amor que nutriu após descobrir que Tiago havia fugido com outra. Após descobrir que não precisava casar por arranjo decidiu se guardar para o homem certo e seguir os princípios cristãos que sua família seguia. Queria encontrar um amor. O homem certo. Sonhou com isso por muito tempo, teve alguns namorados, mas nunca foi capaz de se entregar por completo.

Agora, diante do casamento que aconteceria em poucos meses, se entregaria ao primeiro que lhe agradasse e pedia silenciosamente para que acontecesse. Não tinha coragem de se entregar a um estranho, sabia disso, mas tinha um desejo. De Tiago ela jamais seria...

— Ele ao menos é gato? — Adele questionou após tomar algumas cervejas e já estar um pouco alta. Algumas amigas se reuniram a elas na noite animada e todas dançavam juntas em meio à pista.

— Quem? — Feliz com o momento descontraído, Heloísa dançava em frente à amiga sem sequer notar a quantidade de homens que reparavam nela.

— Tiago Guimarães Sampaio — Adele disse o nome dele como se anunciasse uma celebridade — Ele é gato?

— Ah, como vou saber? A última vez que o vi éramos crianças. Sequer me lembro do rosto dele. Estava sumido até pouco tempo com a mulher que fugiu, nem sei se já voltou ao Brasil — Comentou um tanto ofegante por estar dançando há muito tempo — Vamos beber algo?

— Melhor... Tem uma rodinha ali que não para de encarar — Adele sussurrou enquanto caminhavam para o bar — Acho que seu top cor de rosa fez sucesso, amiga. Tem um novinho ali babando em você.

Heloísa olhou por cima do ombro um pouco tímida e após sentar-se no banco alto do bar analisou seu vestuário. Usava calça jeans cintura alta, um cropped rosa claro e sapatos combinando. Não era uma megaprodução e talvez esse fosse o objetivo... Não chamar atenção em meio aos demais.

— Não tem nenhum novinho ali, Adele — Comentou inocentemente enquanto pegava sua água. Prendeu o cabelo longo por conta do calor em um coque alto.

— Aí amiga... Novinho é jeito de falar! — A garota de cabelo azul gargalhou — Estou falando daquele gato ali no piso de cima, na grade. Ele não para de te olhar faz um tempão.

As duas olharam rapidamente para o rapaz, que disfarçou um pouco a atenção em Heloísa.

— Será que ele me reconheceu? — Assustada, Heloísa encarou a amiga.

— Quem vai te reconhecer aqui, menina? Estamos no meio do povo... Até parece que você é uma celebridade, né, fala sério... — As duas riram — Se bem que está escrito "patricinha" na sua testa.

— Meus pais são conhecidos, sei lá... Às vezes já me viu em alguma revista, não sei... — Deu de ombros, despreocupada. Adele tinha razão. Não tinha chances de alguém que conhecesse seus pais frequentar em um baile como aquele.

— Ele está te achando gata, isso sim! — Heloísa corou um pouco. Viu o tal rapaz de relance e ele parecia interessante — Porque não vai lá?

— Eu? — Quase engasgou com a água e Adele assentiu — E falo o que para ele?

— Que você está querendo perder a virgindade — Heloísa gargalhou das palavras da amiga e desconsiderou.

— Melhor voltarmos a dançar... Acho que a cerveja já subiu demais aí — Voltaram para a pista de dança e Heloísa não pôde evitar lançar um olhar para o estranho admirador de olhar enigmático.

Encontrou, além dele, vários olhares lhe dando atenção e percebeu que realmente era uma estranha no ninho.

Será que corria algum perigo, afinal?


Tiago bebericou a cerveja uma vez mais sem compreender o que de fato fazia ali.

Não gostava de festas, muito menos de bebedeira, mas naquela noite em especial sentia um imenso vazio em seu peito. Não era fácil lembrar todo desgosto que deu aos pais, principalmente por uma mulher que jamais valeu nada.

Manuela arrasou sua vida quando descobriu que tinha aberto mão de sua família por uma trambiqueira. Uma mulher que apenas fez enganá-lo.

— Você nunca desconfiou que ela queria te dar um golpe? — Era o que sempre perguntavam — Tudo era tão óbvio! — Diziam.

Não, ele jamais soube. Sequer podia pensar que aquela mulher tão sensual e vivaz era uma ex-garota de programa procurando um otário para enganar. Sentia-se péssimo pelo rombo que sua cegueira em relação a ela deixou nos cofres da família e da empresa Guimarães Sampaio e o que mais lhe arrasava era recordar a decepção nos olhos de Margot, sua mãe. Era o filho mais velho, afinal. O príncipe que seus pais tanto sonharam! O principal herdeiro da família!

Diego, seu irmão mais novo, não tinha juízo para os negócios, gostava de bagunça e festas, mas após sua presepada com Manuela passou a ser o centro das apostas da família. Brenda, sua irmãzinha caçula, ainda era uma menina para sequer pensar em assumir qualquer coisa. Cabia a ele a responsabilidade de reerguer a família e tirar da lama a empresa Sampaio.

Sabia, no entanto, que havia somente um caminho.

— E ela ao menos é gostosa como a outra era? — Pegou a conversa de seu irmão com Gabriel, um amigo que os acompanhava na tal festa.

— Quem? — Diego respondeu rindo enquanto bebiam.

— A herdeira dos Chastel... Como é mesmo o nome dela?

— Constância — Tiago respondeu prontamente, interrompendo a conversa atrás de si. Os dois se voltaram para ele e pararam ao seu lado na grade do mezanino. Tiago olhava em direção fixa para a pista de dança lá em baixo.

— Está ligado, hein, mano? — Diego bateu nas costas dele e Tiago seguiu bebendo sua cerveja em silêncio — Constância... Que nome feio do caramba! Já se percebe que a família não gosta muito dela!

— É isso que eu estou falando... Se ela for gostosa como a Manuela era, talvez valha a pena... Queria eu ter tomado um golpe daquela gata! — Gabriel não atraiu a atenção de Tiago.

Diego, por sua vez, queria ter dito que já tinha ido para a cama com Manuela, mas certamente arrumaria encrenca com o irmão. Preferiu manter tudo em silêncio.

— Para te falar a verdade sequer lembro do rosto dela... Faz tantos anos que sequer sei como ela é — Tiago seguia um tanto fixo na pista de dança com os outros dois ao lado.

— Se você cruzar com sua noiva sequer vai reconhecê-la? — Tiago deu de ombros e concordou — Que história mais louca... Eu que não me casaria com uma mulher que sequer me lembro do rosto!

— Sorte a minha ela ainda querer casar comigo... Depois de tudo que eu aprontei.

— Nós sabemos que ela não tem escolha, não é, Tiago? Está fazendo isso por interesse, assim como você — Diogo comentou tentando animá-lo — Você deveria sair dessa fossa por aquela vagabunda e aproveitar seus últimos momentos solteiro! Olha só o tanto de mulher que tem aí dando sopa e você pensando na Manuela, cara...

— Manuela não, mano... Na Constância — Corrigiu ainda em tom derrotado — Vou encontrar com ela ainda essa semana e sequer sei o que dizer para me redimir. Não quero começar um casamento com a carga negativa de tudo que fiz.

— Você só precisa casar. O resto se ajeita com o tempo — Diego tocou no ombro do irmão — É impressão minha ou aquela mina está te prendendo? Se não para de olhar, cara.

Tiago suspirou. Não era impressão dele, de fato. Desde que seu olhar cruzou com a tal moça do top rosa não conseguia parar de encará-la fixamente. Era como se algo o puxasse para ela, algo tão forte que desconfiava ser somente tesão. Era linda, mas não como as gostosas que estava acostumado... Era bela como uma princesa.

— Ela é linda, não é? — Comentou sem deixar de encará-la — Toda linda... Não tem defeito.

— É bonita, mas não faz seu tipo... Tipo Manuela, toda malhada... — A moça em questão era magra, alta e de cabelos longos e castanhos. Tinha uma beleza delicada e lindos e expressivos olhos escuros que voavam como asas de borboleta ao piscar.

— A última coisa que quero no mundo é alguém parecida com a Manuela — Encarou Diego um tanto severamente — Mas também vou me casar. Não posso pegar ninguém mais não.

— O que? Vai deixar passar? Pode ser sua última chance... — Diego incentivou animado.

De fato, tinha inveja do irmão. De fato, sempre queria colocá-lo em maus lençóis por isso. Tiago somente não percebia que Diego estava sempre por trás de seus problemas.

— Minha última chance foi há muito tempo, cara... Agora não tem mais volta — Tiago bateu na grade para sinalizar que aquilo era um assunto encerrado e deu as costas ao irmão e ao amigo sem pensar muito mais.

Ficar ali parado e admirando a beleza da linda garota que roubou sua atenção não era uma boa ideia agora. Precisava esfriar a cabeça e voltar sua atenção a assuntos extremamente necessários... A prioridade em sua vida naquele momento era como faria para convencer Constância Chastel a criar ao menos afeição por ele após ter dado tantos foras com ela e sua família ao fugir com outra. Sabia que Constância não o amava, mas não foi bem visto pelos Chastel depois de tal situação envolvendo a filha.

Estaria zangada? Sentindo-se rejeitada? Talvez odiasse a ideia de se casar tanto quanto ele e isso fosse ainda pior!

Não sabia nada sobre ela, apenas que precisava conquistar sua confiança para assim recuperar o prestígio e a fortuna de sua família.

— Por favor, me solta! — Saiu do banheiro masculino após lavar o rosto e ouviu uma voz vacilante e nervosa próxima ao banheiro feminino. Estreitou o olhar em direção ao som, porém tudo era muito escuro naquele lado do salão — Eu já disse que não, me deixa em paz!

A voz era de mulher e rapidamente Tiago olhou ao redor para ter certeza de que não havia nenhum segurança por perto. Aproximou-se do som e encontrou uma garota – a garota de top cor de rosa – espreitada contra a parede e um rapaz com os braços estendidos ao lado dela de modo a prendê-la contra parede. A expressão apavorada refletia no medo evidente exibido nos grandes olhos escuros que se encontraram com os de Tiago em seguida.

— Oi! — Heloísa disse a ele como se fossem conhecidos de longa data. Tiago hesitou, mas entrou na onda.

— Oi... Está tudo bem? — O rapaz rapidamente retirou os braços e se afastou dela. Parecia envergonhado pela maneira como Tiago e Heloísa se encaravam... De maneira cúmplice e familiar. Nenhum dos dois conseguia explicar tamanha sincronia.

— Porque você não me disse que estava acompanhada? — O rapaz questionou a Heloísa, que olhou para Tiago um tanto nervosa — Foi mal, cara... — Fez um sinal positivo em direção a Tiago e saiu de fininho de volta ao salão.

— Fala sério... Uma mulher precisa estar acompanhada para ser respeitada... É mesmo o fim do mundo! — Tiago comentou com a menina, que parecia tímida e muito desconcertada — Você está bem? Meu nome é Tiago.

Encantando pela beleza da garota, Tiago aguardou sua resposta. Seria a vida lhe mostrando que precisava aproveitar sua última chance?


A o ouvir o nome dele, Heloísa não conseguiu evitar um sorriso ao constatar a grande coincidência que se manifestava naquele instante.

— Tiago? — Ela riu baixinho. Sentiu confiança pela colocação e postura respeitosa do rapaz, por isso resolveu apertar a mão que lhe estendia.

— Achou meu nome engraçado? A maioria das pessoas gosta, acha bonito... É bíblico, sabia? — Brincou notando que ela ainda sorria com os olhos escuros reluzindo. Era ainda mais encantadora de perto, pôde notar.

— Não, é só que... — Deteve-se ao encará-lo novamente — Deixa para lá. Sou Cons... Heloísa! — Corrigiu antes que fizesse a bobagem de se apresentar com seu nome do meio e o mais usado por todos. Ali era melhor ser informal e sempre se apresentava aos amigos como Heloísa — Helô.

— Heloísa... — Repetiu ele de maneira encantada. A luz irradiada pelo sorriso da menina era quase tão contagiante quanto à beleza dos olhos de borboleta — Então está tudo bem, né? Aquele cara, por acaso...

— Não, você chegou a tempo. Obrigado por... — Apontou para trás de si e notou que não se lembrava de ter ficado tão desconcertada antes diante de ninguém, muito menos um homem desconhecido.

— Melhor tomar mais cuidado com as pessoas aqui, viu? Nem todo mundo é de boa — Alertou por notar que a garota nitidamente estava deslocada.

— Aí, é que eu... Eu não sei... Eu... — Não sabia como dizer.

— Não é daqui, não é? — Heloísa corou e ele prosseguiu — É fácil perceber isso... O seu sapato custa mais que o salário mensal de muita gente aqui — Apontou para o salto de marca cara que Heloísa usava — Sei por que minha mãe tem vários dessa marca, eu mesmo já lhe dei de presente alguns.

— Então você também não é daqui? — Tiago deu de ombros. Ambos conversavam entre os banheiros masculino e feminino — Nossa, que fora! Pensei que meu disfarce estava arrasando.

— E está! — Tiago afirmou não querendo decepcioná-la — Mas sei como se comportam as moças da alta sociedade... Seus modos são impossíveis de ignorar — Heloísa sorriu pela gentileza — Só toma cuidado... É sério!

Ambos queriam dizer algo a mais um ao outro antes de saírem dali, no entanto, o laço forte do compromisso que tinham em suas vidas pessoais segurou as palavras. Heloísa pensou em Tiago, seu noivo , e Tiago pensou na carta que recebeu de Constância, sua noiva . Ambos engoliram em seco.

— Obrigado novamente — Heloísa disse apressando-se para longe dele, contendo a vontade crescente de ficar um pouco mais.

— Disponha. Se cuida — Tiago acenou com a palma da mão suando.

Acompanhou com o olhar a bela garota de pele clara e cabelos negros sumir em meio à multidão e suspirou levando as mãos aos olhos. Depois de Manuela, jamais conseguiu olhar para outra de maneira tão avassaladora novamente. A garota de top cor de rosa era como uma princesa a seus olhos, mas não podia se deixar levar.

Jurou fidelidade a Constância e ela não o perdoaria se descobrisse a presepada.

Como ela iria descobrir, afinal?

Voltou para o banheiro e lavou o rosto novamente, voltando para o baile após fazê-lo. Seu olhar caçou Heloísa em meio à multidão e rapidamente a encontrou encostada ao bar com uma garota de cabelos azuis ao lado. A garota tagarelava incansavelmente e Heloísa parecia perdida em pensamentos enquanto vasculhava o salão em busca de algo em especial... O olhar dele.

Tiago a encarou através do espaço e Heloísa sorriu timidamente, lançando um aceno tímido em sua direção para em seguida virar-se de costas. Será que era comprometida? Parecia tentada, mas não disposta a lhe dar trela.

— Ainda não pegou? — Diego apareceu ao seu lado abraçado com uma loira alta.

— Eu já disse que não posso. Constância. Esqueceu? — Pegou a cerveja recém-aberta do irmão e saiu caminhando após lhe dar as costas.

Se fosse comprometida, o que uma garota como ela estaria fazendo em um baile no subúrbio? Estreitou o olhar enquanto a analisava de longe, em meio à multidão. Heloísa tinha voltado para a pista de dança com a amiga e as duas se divertiam animadas. Se fosse sua namorada, de fato não gostaria nada da situação.


— Heloísa Constância ou Constância Heloísa, eu sei lá! — Adele esbravejou após ouvir a amiga falar sobre o tal rapaz que a salvou no banheiro — Sabe onde se encontra um homem que fala bem sobre as mulheres hoje em dia? Na lua, minha filha! Não existe! Todos são uns babacas machistas... É melhor você ir lá pegar esse menino ou eu faço isso por você!

— Pode parecer um príncipe, mas é claro que tem um detalhe para atrapalhar. Ele tem o mesmo nome do... — Fez cara de nojo — Meu noivo. Pode acreditar?

— Ele se chama Tiago? — Adele gargalhou enquanto dançavam em meio a pista e Heloísa concordou — E se fosse realmente o Tiago?

— Ah Adele! O que o Tiago filhinho de papai iria fazer aqui? Fala sério... A única louca sou eu! É mais fácil um raio cair na minha cabeça do que encontrar meu próprio noivo no baile. Seria azar demais, não acha? — Adele concordou e teve de rir.

— A única coisa que eu sei é que você ficou noiva por uma carta e nem sequer um anel decora seu dedo ainda! Isso significa que você é livre! — Heloísa negou, mas havia algo de real naquilo tudo — O tal Tiago não para de olhar... Você não disse que queria um homem?

— Se ele quisesse ficar comigo teria ao menos me chamado para dançar, não acha? — A garota de cabelo azul pensou por um momento — Acho que não está tão afim assim. Apenas me ajudou a agradeci pelo fato. Fim da história, vida que segue...

No mesmo momento um sorteio foi anunciado no palco de dança. Todos os solteiros do salão tinham um número e Heloísa havia pego uma ficha na entrada em tom de brincadeira. O intuito era formar três casais e desencalhar alguns naquela noite. A brincadeira era famosa e atraia atenção e visitantes para o baile.

Dois casais já haviam sido sorteados quando o número dele foi chamado. Tiago era o número setenta e dois e foi praticamente empurrado pelos amigos até o palco. Seus amigos caçoavam dele, que foi arrastado para o palco e negou querer alguém.

— Foram os caras que pegaram esse número para mim, eu nem sabia que teria isso — Disse no microfone ao lado da apresentadora, que achou graça da sinceridade dele.

— Tudo bem amigo, você não é obrigado a nada. Mas não vai sequer conhecer a pessoa sorteada na sua vez? Olha só... Pode ser o destino, hein? — Timidamente, Tiago deu de ombros em uma atitude educada — Beleza... Vamos lá... Se mostre aí moça número quarenta e oito!

Adele levou as mãos aos lábios quando notou que seu número era justo aquele! Sem pensar duas vezes, colocou a fichinha na mão de Heloísa e chamou a atenção para as duas.

— Você ficou louca? — Heloísa sussurrou ao ver o que a amiga havia feito.

— Vai... Vai lá! — Incentivou animada.

Heloísa foi puxada pelas pessoas e sem acreditar no que estava acontecendo chegou ao palco, subindo as escadas para encarar Tiago novamente. O rapaz sequer podia acreditar no que via! Foi como se o mundo houvesse parado ao ver que justamente Heloísa era a garota número quarenta e oito. A sua garota. Sorriu ao vê-la sem esconder a empolgação e ela retribuiu da mesma maneira, aproximando-se dele um tanto nervosa.

— Você... De novo! — O tom de voz da moça era contido e entusiasmado. Tiago sorria sem esconder a empolgação.

— Nós de novo — Comentou encarando-a.

— E aí... Valeu a pena esperar pela garota quarenta e oito? — A apresentadora questionou a ele ao vê-los trocando palavras. Tiago concordou — Vamos conseguir ao menos um abraço?

Heloísa sorriu diante do olhar questionador de Tiago e não hesitou em corresponder ao abraço que ele ofereceu. Foi envolta pelos fortes braços do rapaz, que com sua estatura alta e sorriso encantador conseguiu embriagá-la com o perfume másculo que emanava de sua barba por fazer.

Tiago sentiu o corpo frágil de Heloísa estremecer dentro de seu abraço e algo dentro de seu peito desfaleceu. Ela também estava envolvida por ele! Ambos se encararam após o longo abraço e ficaram próximos alguns segundos. A maquiagem de Heloísa, mesmo sendo linda e bem trabalhada, não conseguia brilhar mais que seu intenso olhar doce. Havia algo nela além da beleza de princesa que encantou Tiago a primeira vez. Algo que jamais conseguiu enxergar em outra mulher, sequer em Manuela, que acreditou por muito tempo ter sido o amor de sua vida.

— Agora sim. Diante dessa grande coincidência... Será que podemos dançar... Ou prefere tomar algo? — Tiago não podia fugir dela e tão pouco queria.

Notou que a garota olhou para o dedo anelar das duas mãos antes de respondê-lo, mas não questionou o ato. Encarando-o séria, Heloísa concordou.

— Tomar algo — Corrigiu quando se sentaram no bar. O barman logo se aproximou — Dançar não é meu forte.

— Devo intervir — Disse após pedir uma água com gás para ela e uma para ele — Estou te vendo dançar desde que cheguei e acho que você dança maravilhosamente bem. Bem até demais.

O olhar dele a corroía a alma. Fazia seu coração palpitar rapidamente. Suas palmas soavam quando os olhos escuros desciam por ela de relance. Mesmo tímido, Tiago conseguia conquistá-la. Nunca esteve diante de um homem que era capaz de devorá-la com os olhos e aquilo a fazia sentir como se fosse a mulher mais linda e desejada do universo.

— Eu vi você me olhando — Comentou encarando a garrafinha de água — Mas depois que nos encontramos achei que houvesse sido impressão. Você não disse nada e...

— É que eu... Bom... — Coçou a barba delicadamente, buscando na cabeça algo plausível a ser dito.

— Você tem namorada? — Tiago se calou por alguns segundos.

— É complicado te explicar. Acho que você não entenderia — Suspirou — Me desculpe se te ofendi, mas...

— Não, tudo bem. Eu também tenho a minha história bem louca que talvez você não entenda — Surpreso, Tiago tirou um grande peso dos ombros, assim como ela. O sorriso de ambos se alargou — Eu só queria... Queria esquecer tudo que eu tenho por um momento, sabe?

— Sim — A resposta dele era contente. Heloísa sequer percebia como Tiago se identificava com exatamente cada palavra dita por ela — Eu também. Queria esquecer tudo que fiz, fui, sou e serei.

— Cheguei aqui pensando que desejava alguém para esquecer por um momento, mas não tinha realmente coragem de procurar essa pessoa. Mas, ao que parece, o destino me trouxe você — Os olhos brilhantes e doces o encararam profundamente e Tiago se derreteu por tamanho encantamento provocado por ela — Primeiro quando me ajudou e agora... Com o número quarenta e oito.

Heloísa estendeu o número para ele e Tiago o pegou carinhosamente. Fez o mesmo com a sua fichinha, passando-a para Heloísa.

— Não vou ser covarde. Estou te olhando desde que cheguei e fiquei louco para te chamar para dançar, mas... — Heloísa o interrompeu.

— Esquece ela que também vou esquecer dele — Sem notarem, ambos se aproximaram a ponto de ficarem centímetros da face um do outro.

— Amanhã a gente também se esquece? — Heloísa concordou meigamente — Acho que essa vai ser a parte mais complicada, então.

Tiago segurou com firmeza o rosto dela e a puxou para um beijo urgente contra seu peito. A garota retribuiu sua afronta com a mesma urgência, deixando clara e nítida vontade que nutriam desde o primeiro momento. Heloísa não perdeu tempo em se estreitar nos braços do rapaz, que deslizou as mãos até sua cintura e a pressionou de encontro a ele com voracidade.

A paixão evidente deixava claro que aquele encontro teria apenas um destino final...

Heloísa jamais havia se sentido daquela maneira.

Nunca esteve nos braços de um homem que a beijava como Tiago beijava e que parecia tão apaixonado quanto ele se mostrava. Seus poucos namorados e os ficantes de adolescência pareciam nada diante dele e todos sempre tiveram medo de tocá-la por saber da rigidez de sua família e do grande poder que havia no nome dos Chastel. Ali, no entanto, era apenas Heloísa nos braços de alguém que não a conhecia como uma herdeira intocável.

Não acreditava, tão pouco, em amor à primeira vista, mas podia dizer que a partir daquela noite estava segura de que existia química à primeira vista.

— Espera... — Heloísa o afastou delicadamente após algum tempo e apertou os olhos pelas sensações. Não sabia exatamente o que dizer e muito menos como expressar a magia que sentia desabrochar em seu coração — Eu não...

— Quer sair daqui? — A pergunta direta e objetiva fez com que Heloísa demonstrasse de imediato sua inquietação. Olhou para os lados em busca de Adele, mas sua amiga se atracava em um longo beijo com um garoto ao longe.

Comprimiu os lábios enquanto analisava o rosto belo de Tiago, que ansiosamente aguardava sua resposta.

— Para onde? — Questionou tomando a mão que ele lhe estendia.

Tiago sorriu ao agarrar sua mão e a puxou de encontro a um novo beijo. Heloísa agarrou os ombros dele e correspondeu ao beijo estando convicta de que não poderia fugir mais. Qualquer impasse era derrubado diante da avassaladora vontade de ficar com o familiar desconhecido.

— Isso é o de menos. A gente inventa — Tiago a puxava entre a multidão de pessoas e não podia conter a repentina felicidade.

Era demasiadamente estranho dizer, mas se sentia como no primeiro amor. Não sabia dizer se sua empolgação se devia ao desejo enorme que sentiu pela linda garota ou porque aquela era sua última aventura antes de se casar com Constância Chastel.

— Tiago! — Deteve-se já na saída da festa, ainda de mãos dadas com Heloísa, para encarar Diego e Gabriel vindo em sua direção. Suspirou derrotado.

— Quem é? — Heloísa perguntou baixinho, parando ao lado dele.

— Meu irmão... — Respondeu um pouco tímido — Fala cara. Já estou vazando.

Diego analisava Heloísa mais de perto sem esconder a curiosidade, encarando-a atentamente dos pés à cabeça. Heloísa, por sua vez, via alguma familiaridade no irmão de Tiago, mas não sabia dizer de onde ela vinha. Ambos eram muito parecidos. Altos, de cabelo castanho-claro, olhos escuros, barba e sorriso encantador. Usavam, também, o mesmo estilo de roupas. Jaqueta de couro, jeans e botas.

— Não é nada, mano... — Desconversou ainda analisando Heloísa. Gabriel também a observava como se quisesse dizer algo — Você vai com a sua amiga, então? Beleza, desculpa!

— É. Vou com...

— Helô — Ela completou dizendo seu apelido e acenando para eles com um sorriso tímido.

— Helô... — Diego falou baixinho e com um pequeno sorriso. Tiago a puxou com delicadeza e ambos começaram a caminhar até o estacionamento — Beleza. Divirtam-se!

— Se alguém perguntar, diz que estou bem, falou? — Diego respondeu com um sinal positivo e ficou parado na calçada observando o irmão caminhar para seu carro agarrado com a bela garota.

— Espera aí mano... — Gabriel dizia observando o casal se beijando e se abraçando parados na porta do carro escuro de Tiago — Essa mina é conhecida.

— Você acreditaria se eu dissesse que aquela mina é a Constância Chastel?


— C onstância Chastel? A noiva do Tiago? — Gabriel gargalhou pensando ser uma brincadeira, mas Diego manteve-se sério — Ah... Você está zoando! Até parece que ela ia ser... — Diego assentiu positivamente enquanto assistia Tiago abrir a porta do carro para Heloísa entrar — É sério? Não pode ser... O que a Constância Chastel faria em um baile de periferia?

— O que nós estamos fazendo em um baile de periferia? — Diego disse como se fosse obvio e Gabriel pensou silenciosamente — Viemos para cá para não sermos reconhecidos e ir parar em colunas sociais, ela deve ter pensado no mesmo! Muitos fazem isso.

— Mas a mina disse que se chama Helô, você mesmo ouviu — Gabriel ainda não acreditava, porém, a segurança de Diego o fazia desconfiar. Realmente era um rosto conhecido.

— Constância é um nome do meio, cara, mas quase ninguém sabe disso. Agora advinha qual é o primeiro nome da herdeira dos Chastel? — Gabriel deu de ombros e Diego falou como se anunciasse um prêmio — Heloísa!

— Caramba... Como você sabe disso? — Diego sorriu vitorioso.

— Andei pesquisando sobre ela — Respondeu de maneira sorrateira — Sabe como é... Tenho meus interesses — Retirou um cigarro do bolso e o acendeu.

— Não me diga que você ainda está com a ideia de se casar com ela no lugar do Tiago e se tornar o principal herdeiro? — Diego sorriu enquanto tragava e soltava a fumaça na noite gélida.

— Principal herdeiro é o de menos! Quero me tornar presidente da Guimarães Sampaio no lugar do babaca do meu irmão e ser sócio majoritário e principal administrador das empresas e fortuna Chastel. De quebra, é claro, me casar com uma tremenda gata! — Diego falava em tom sonhador — É isso que vai acontecer com o cara que se casar com a herdeira dos Chastel depois que o velho Heitor morrer... Montar na grana e no poder! Sei que o velho, pai dela, tem pouco tempo.

Gabriel encarava o amigo de maneira desacreditada. O brilho de cobiça no olhar de Diego chegava a ser assustador. O carro de Tiago saiu em direção ao centro da cidade e sumiu no cruzamento.

— Você sabe que isso não vai rolar, não é? Seus pais deram a chance para Tiago e essa menina é prometida dele desde criança. O Tiago é o filhinho favorito — Diego deu de ombros e continuo fumando.

— Tiago perdeu todo crédito quando fugiu e não vai ser difícil colocá-lo em uma nova enrascada. Principalmente quando todo mundo souber que ele e ninguém menos que a senhorita perfeitinha se encontraram em um baile de periferia um pouco antes de casar — Respondeu confiante — Imagina o escândalo...

— O que vai mudar?

— Primeiro, a reputação dela vai para o lixo e isso será péssimo diante da sociedade. Os Chastel são tão recatados e sérios, não é? — Gabriel concordou — Um ponto a meu favor. Não me importo de casar com vagabunda. Segundo, Tiago é todo moralista e está calejado pela outra vagabunda que lhe deu o golpe. Imagina a cabeça do cara quando descobrir que pegou a própria noiva em um baile? Esse noivado tem os dias contados e eu nem precisei fazer nada!

Diego sorria atoa com a eminente vitória e Gabriel o encarava sem compreender direito toda a inveja que o mesmo demonstrava ter do irmão.

— Acha que Tiago não sabe que é ela? É praticamente impossível!

— Claro que não sabe! Tiago está baqueado pela Manuela ainda e sequer teve tempo de pensar em Constância. Ele chegou hoje cedo da Europa e não parou um minuto... Acha mesmo que se eles soubessem o que de fato são um do outro estariam de boa assim em se encontrarem em uma balada de pegação? Se liga, mano!

— Que coisa mais esquisita, não acha? Os dois não se reconhecerem sendo que em breve vão se casar — Gabriel mostrava-se totalmente confuso com a história, porém Diego exalava confiança.

— Como eu disse... Esse noivado tem os dias contados e eu não precisei fazer nada para atrapalhar. Foi tudo muito melhor do que eu esperava.


Heloísa sentia um frio estranho lhe percorrendo a espinha e sabia muito bem que em nada tinha a ver com a temperatura do ambiente.

O carro de Tiago era um modelo do ano, deixando claro que ele não estava blefando em relação a sua situação financeira. Não era um mentiroso e realmente pertencia a alta sociedade e seguia o mesmo padrão de vida que ela. Perguntava-se, apenas, como nunca haviam se cruzado antes. Não quis entrar em detalhes sobre a vida pessoal e sequer falaram qualquer coisa. Nada além daquela noite importava, muito menos a maneira como cada um deles vivia. O trajeto percorrido de carro foi curto devido à ausência de transito e a empolgação de se beijarem a cada momento em que o semáforo fechava. Não se recordava de dizer nada, somente aproveitar a química e a intensidade dos sentimentos que descobria em secreto.

— Onde nós estamos? — Heloísa perguntou assim que desceu do carro em um hotel simplório aos arredores de São Paulo.

— É um hotel que sempre venho quando quero sumir um pouco. Conheço os donos e eles são tranquilos e sigilosos — Heloísa segurou a mão dele enquanto o manobrista tomava o volante e caminhou até o elevador analisando o ambiente.

Era mesmo um local familiar e muito tranquilo, não havia nenhum movimento naquela altura da madrugada, beirando a uma da manhã. Não comentou, mas gostou de não ter sido levada para um motel qualquer. Realmente Tiago não parecia ser maluco ou coisa do tipo e Heloísa agradecia silenciosamente pelo fato.

— No que está pensando? — Tiago questionou quando entraram no elevador e ficaram sozinhos lá dentro. Heloísa encarou os olhos escuros sem esconder a gratidão que impactava sua alma.

— Você parece um sonho, sabia? Parece que alguém ouviu meus desejos e te materializou, não é possível... — Tocou a barba dele com carinho e o olhar apaixonado. Tiago retribuía sua devoção e a puxou para um selinho longo — Por outro lado, não sei nem te explicar o que estou fazendo aqui!

— É uma loucura, eu sei, mas você me deixou louco! — A porta do elevador foi aberta e desceram no penúltimo andar. Tiago abriu a porta e Heloísa entrou em seguida, dando de cara com um quarto espaçoso e simples, totalmente decorado em branco e bege.

Retirou os sapatos e caminhou para dentro enquanto Tiago fechava a porta e se livrava de suas pesadas botas.

Havia uma cama grande no centro, um sofá do outro lado e uma ampla sacada onde ela se dirigiu em seguida. Abriu a porta de vidro e se deparou um uma vista incrível de São Paulo de cima, algo gigante e assustador. Sentia-se nada comparada a imensidão da metrópole e teve certeza de que não podia desperdiçar a oportunidade.

Tiago, mesmo que tivesse o mesmo nome dele , era outro. Aquela noite seria única e jamais voltaria a ter essa oportunidade novamente.

O vento ricocheteava os cabelos longos de Heloísa quando Tiago chegou por trás dela tocando sua cintura de maneira delicada. Pousou o rosto na curva do pescoço dela e sua barba a fez se arrepiar momentaneamente. Fechou os olhos diante da sensação de borboletas que dominou seu estômago e tocou a mão dele que descansou em sua barriga.

— Ainda tem tempo de fugir. Quer mesmo ficar? — Sussurrou ao ouvido dela — É loucura... — Beijou o pescoço dela com carinho e sentiu o corpo frágil estremecendo em suas mãos.

— Mas loucura ainda seria ir embora — Virou-se para ele delicadamente e apertou os olhos com a sensação doce dos braços fortes lhe rodeando a cintura — Você promete que amanhã vai me esquecer?

Tiago sorriu diante da inocência daquela pergunta e tocou o rosto de Heloísa com carinho. Beijou a ponta do nariz dela a fazendo sorrir.

— Como te esquecer, menina? Uma coisa linda dessas, tão encantadora... Não tem mais mulher assim, não — O beijo de Tiago exalou sua verdade.

Cada traço de Heloísa era lindo e doce. Desde os olhos em formato de borboleta até as mãos pequenas que o tocavam, nada passava despercebido diante de seu olhar apaixonado. Apaixonado seria muito para apenas algumas horas perto dela? Talvez fosse loucura, de fato, mas não sabia controlar.

A única coisa real em sua alma era o sentimento de libertação por estar enfeitiçado por uma linda menina que em nada tinha a ver com Manuela. Podia amar de novo, podia desejar novamente e duvidava seriamente se a doce Heloísa não era mais tentadora que a louca sensual que o envolveu no passado. Naquele momento não existia outra além dela.

Já havia ido para cama com outras mulheres em situações parecidas no passado, em momentos de diversão na adolescência e farra com amigos de faculdade, mas nunca se deu ao trabalho de pensar em um hotel – e não motel – que a agradasse ou passar a ela qualquer credibilidade. Era notório que Heloísa realmente não costumava estar em tal situação e Tiago respeitava o fato.

— Sinto muito, Tiago, mas essa noite é tudo que posso oferecer. Por isso é melhor não se apaixonar por mim — Ela falava sério, por isso o rapaz concordou.

— Dou minha palavra que farei o possível.

Enlaçou a cintura dela novamente e a sorveu em um beijo longo e apaixonado. Heloisa o correspondeu com a mesma intensidade, sentido a maneira voraz como ele erguia uma de suas pernas delicadamente ao prensá-la contra uma das paredes do quarto.

A pressão dele entre suas pernas era maravilhosa, assim como o delicioso arfar de suas respirações transpassadas. Sem pensar, ergueu as mãos até os ombros largos empurrando a jaqueta de couro para o chão, sentindo no mesmo momento as mãos fortes se infiltrando por baixo até o feixe de sua calça jeans. Tiago baixou sua calça tão rápido quanto ela retirou a camisa dele. O beijo parecia inquebrável e a força que pulsava de ambos refletia no imenso desejo que se manifestava no toque quente e arrebatador de suas peles.

Heloísa o retribuía a altura, sem fazê-lo desconfiar nem por um segundo que tinha em seus braços nada menos que uma virgem.

A mesma se esqueceu de sua secreta condição ao descer os dedos pelo peitoral desnudo e pousá-los no cinto da calça dele, que a ajudou com a façanha rapidamente. A ficha do que estava acontecendo somente caiu quando Helô se viu deitada na cama apenas de lingerie com o corpo quente e forte de Tiago sobre o dela, tão imponente que a fazia se sentir como um grão de areia em meio ao deserto.

Queria dizer algo, mas a voz lhe faltava pela sensação incrível de sentir a pele dele queimando com a dela. Apertou os dedos nas costas largas quando sentiu a boca dele deslizando por seu ombro e levando consigo a alça de seu sutiã cor de rosa. Pela primeira vez ficaria nua em frente a um homem e a insegurança ganhou um espacinho em seus pensamentos.

Com experiência e maestria, Tiago removeu o sutiã do frágil corpo e se deleitou com a visão tentadora de seus seios nus. Atreveu-se a beijá-la ali com cuidado, sentindo a pele clara estremecendo sob seus lábios. Ela tremia e soube no mesmo momento que não se tratava apenas de desejo.

— Helô... Tudo bem? — Tiago ergueu-se para ela e encontrou seus brilhantes olhos escuros tomados por confusão. De um lado o prazer e do outro a insegurança — Eu fiz algo que...

— Não, não... Espera — Empurrou-o com cuidado de modo a tirá-lo de cima dela. O rapaz a deixou sentar e ajeitou-se em frente a ela no colchão. Helô puxou a camisa dele jogada ao lado para cobrir os seios e o ato soou estranho para Tiago — Eu é que fiz algo errado.

— Não, você está incrível e... — O olhar tímido de Heloísa e a maneira como ela mordiscava os lábios o fez parar — Desculpe. Você quer me dizer algo, não quer? — Helô concordou rapidamente — Então fala... — Segurou a mão dela com carinho — Pode confiar.

A proximidade dele ainda a embriagava os sentidos e o fato de estarem com as faces a centímetros era suficiente para desejar retomar de onde pararam. Tiago se segurava ao máximo para não voar nela com todo seu tesão, mas demonstrava interesse em ouvi-la.

— Você vai querer me matar e sei lá o que vai pensar de mim, mas não é justo esconder isso e... Eu nunca fiz isso — Tiago continuava na mesma postura.

— Eu sei — Respondeu simplesmente.

— Sabe?

— Sei que você provavelmente nunca saiu com um cara estranho e deve estar achando que acho coisas sobre você, mas está enganada! Somente nós dois estamos vivendo isso e sentindo essa coisa louca que existe entre a gente. É o sentimento mais forte que já experimentei... Sei lá se é tesão ou paixão, paixão com tesão e... — Heloísa tapou a boca dele com as mãos para que ele parasse de falar e com o ato a blusa que cobria seus seios caiu.

Ajoelhada em frente a ele, a única coisa que os afastava era a própria mão dela separando-lhes os lábios. Seus olhos se fundiam em uma comunicação inexplicável.

— Eu sou virgem.

Tiago ficou estático diante das palavras dela e da intensidade de seu olhar sincero. Não podia sequer questionar se era vítima de uma brincadeira, uma vez que a maneira assustada como ela aguardava sua reação era a explicação concreta de que tudo era verdade.

A explosão de sentimentos em seu peito se tornou ainda mais intensa, visando que mesmo sendo uma virgem aquela linda garota estava em sua cama seminua e totalmente disposta a se entregar em nome da ligação louca que instantaneamente nasceu entre eles. Não ia ignorá-la, mesmo que sentisse a responsabilidade nos ombros. Simplesmente não podia.

— Você quer que eu vá embora? — Heloísa questionou com a voz vacilante.

— Você quer ir? — Segurou o rosto dela com carinho. Heloísa negou e tocou a face dele também — Então não vai... Mas me faz um favor? — Ela concordou — Nunca mais me peça para esquecê-la.

Tiago a beijou com ainda mais devoção e a deitou novamente com cuidado. Cuidado. Essa era a palavra agora. Em meio a algo tão visceral Tiago teria de ter cuidado.

— Tiago... — Sussurrou enquanto o sentia beijando seu corpo com carinho e retirando sua calcinha. Agarrou com nervosismo o lençol e sorriu, nervosa.

— Não se preocupa que eu vou... — Postou-se sobre ela novamente e beijou-lhe os lábios — Ter calma.

— Ok — Assentiu segurando-lhe a nuca e o puxando para um beijo — Acho que também não vou conseguir te esquecer.

Para Tiago era tudo muito claro.

Não existiria Constância Chastel que o fizesse esquecer sua virgem Heloísa, a coisa mais linda e doce que um dia cruzou seu caminho. Podia se casar com a rica herdeira, mas jamais se esqueceria de sua bela e intocada garota do baile. Ela já tinha lugar em sua vida sem ter, já era muito sem nada ser.

Perdeu-se nas pintas acima de seus lindos seios, na longa cascata de cabelos castanhos e no doce aroma que exalava sua pele. Nunca de fato teve uma mulher em sua vida completamente sua e agora tinha Heloísa, algo verdadeiro, puro e sincero. Afastou suas pernas com cuidado e ergueu uma delas ao redor de seu quadril. Ela suspirou diante de sua invasão, apertando os olhos quando o sentiu em seu interior plenamente.

Heloísa não mentiu.

Era somente dele, pôde sentir no exato momento em que a penetrou.

A sensação de fazer amor com ela era a mais perfeita que já experimentou em vida, talvez a coisa mais maravilhosa em meio ao caos de toda sua história. Segurou-lhe o rosto com carinho dominado pelo prazer e colou sua testa na dela. O suor descia por sua face e sua respiração se transpassava com a de Heloísa, ambos ofegantes, entregues, cansados...

— Olha para mim — Pediu ele com a voz ofegante e os olhos escuros se abriram em sua direção — Sinto muito, mas não vou poder te esquecer amanhã...

— Eu também não — Completou com um sorriso apaixonado.

E talvez nunca o fizessem.

Eram as palavras mais belas refletidas em um quarto dominado pelo amor e o silêncio.


— H annah! — Flora Chastel passou pela porta da sala de visitas da mansão como um furacão, deixando claro que procurava algo incansavelmente.

— Sim senhora? — A filha mais velha do casal Chastel não se virou para responder a mãe. Seguiu parada com sua cadeira de rodas em frente ao piano dedilhando as teclas com a maestria e atenção de sempre.

— Por acaso sabe onde está Constância? — Hannah seguiu tocando, mas com um pequeno sorriso desenhado nos lábios.

— Está no quarto dela, mamãe, é claro! — Respondeu educadamente e com tom despreocupado.

— Não, não está! — Esbravejou Flora caminhando até uma das grandes janelas e espiando por trás da cortina em direção ao jardim central — Ninguém sabe dela desde que saiu de casa ontem com a tal Adele. Constância sabe que não gosto daquela garota e ainda por cima some com ela... Céus!

— Não gosta dela porque ela é pobre, mamãe, somente por isso? Adele é muito legal — Comentou em tom tranquilo. Flora olhou em direção a filha um pouco envergonhada.

— Claro que não! Apenas não me agradam os modos dela que em nada condizem com a educação que dei a você e sua irmã... Onde já se viu ter o cabelo azul? Que coisa mais desagradável! — Hannah nomeou a cabeça negativamente, mas seguiu envolvida por sua música clássica — Como Constância pode desaparecer desse jeito, meu Deus? Estou prestes a chamar a polícia!

Hannah parou de tocar ao ouvir a mãe mencionar a polícia e se virou em direção a ela após manobrar a cadeira.

— Constância tem vinte e dois anos, mãe. Não faz nem vinte e quatro horas que ela está fora de casa... Ninguém vai fazer nada! — Flora desdenhou.

— Constância é uma das maiores herdeiras do país, será que você esquece isso? Ela jamais poderia ter saído desta casa sem um segurança ou ao menos ter me avisado aonde ia! Até o carro ela largou para trás! — O tom apreensivo de Flora deixava claro toda sua preocupação — Realmente não sabe onde está sua irmã? — A pergunta era desconfiada.

— Como eu poderia saber? — A garota de cabelos curtos na altura dos ombros e grandes olhos verdes encarava a mãe da mesma maneira desconfiada — Se esqueceu que eu realmente não posso ir a lugar nenhum sem que vocês saibam? — Apontou para a cadeira de rosas e Flora engoliu em seco.

— Claro que não, filha — Seu tom era mais calmo — Estou dizendo isso porque Constância te conta tudo que faz.

— Mas desta vez ela não me disse nada — Mentiu. Obviamente sabia que a irmã havia ido a uma festa com Adele, mas não podia contar sobre o fato. Seus pais surtariam na menor possibilidade.

Flora caminhou até Hannah e tocou seu rosto com carinho. Apesar de ser linha dura, o lado maternal de Flora era muito aguçado e estava sempre tentando proteger suas meninas.

— Você sabe que não existe nada mais importante para mim do que você e Constância... — Hannah concordou — Por isso não suportaria se sua irmã fizesse algo do qual pudesse se arrepender.

— Está falando isso porque ela está revoltada em ter que se casar com um idiota como Tiago Sampaio? — A verdade estampada nas palavras de Hannah fez com que Flora removesse a mão de seu rosto — Está com medo que Heloísa faça uma besteira? Ela tem seus motivos, não é?

— Heloísa não! — Repreendeu Flora — Constância sabe da importância deste casamento e ela foi a primeira a aceitar a ideia — Voltou a postura de antes, mas uma pontada de culpa assolava sua voz — Deus sabe que nós não queríamos um casamento arranjado para nossa filha, mas na atual situação é nossa única opção!

— Era melhor eu me casar com ele, não acha? — A dureza nas palavras de Hannah tocaram o coração de Flora — Afinal, estou presa nesta maldita cadeira e não tenho nada a perder... Já minha irmã tem muita saúde e pode viver de verdade. É uma injustiça fazer isso com ela! Condená-la a casar com um homem que ela não gosta!

— Eu e seu pai queremos te proteger, Hannah, por favor, compreenda... — Hannah desviou do toque que a mãe direcionava a seu cabelo e a encarou tristemente.

— Você não tem coragem de dizer, mas todos sabem que ninguém nunca irá querer se casar comigo porque sou deficiente, não é? — Flora negou — Imagine se o Tiago Sampaio vai querer ter uma esposa com problemas!

— Claro que não é isso, querida! Um dia vai aparecer alguém que te mereça, alguém bom o suficiente para cuidar e amar você, meu amor! — Hannah a interrompeu.

— Me poupe de suas desculpas, mãe. Sei muito bem o que todos pensam sobre mim — Flora separou os lábios para responder, mas foi impedida pela filha, que prosseguiu rapidamente — Agora é melhor você sossegar e deixar a Constância viver em paz pelo menos uma vez na vida! — Hannah deu as costas para a mãe e movimentou sua cadeira para longe da sala, em direção a seu quarto, que ficava no primeiro andar da casa.

Alcançou seu celular sobre a penteadeira e ligou para Constância várias vezes sem sucesso. A irmã realmente estaria encrencada ou apenas dormindo na casa de Adele?

"É melhor voltar antes que a mamãe mande a polícia atrás de você".

Escreveu a mensagem pedindo silenciosamente para que a irmã lesse e voltasse antes que os pais arruinassem seus últimos momentos de diversão.


Heloísa abriu os olhos antes mesmo que o dia raiasse lá fora e olhou ao redor um tanto confusa.

Estava completamente nua em uma cama desconhecida com apenas um lençol de seda cobrindo-lhe o corpo. Puxou a ponta do lençol um tanto receosa e sentou-se na cama para analisar melhor o ambiente. É claro!

Não tinha sido um sonho, afinal. Tudo foi verdadeiro e aconteceu bem ali, naquele leito. Sentiu a face corando quando notou que havia um pouco de sangue nos lençóis e recordou do que havia feito, de fato. Cobriu o rosto com as mãos pelas inúmeras recordações e suspirou pesadamente.

— Meu Deus... O que fui fazer? — Sussurrou para si mesma, mas bastou vê-lo parado na sacada sem camisa, do outro lado da porta de vidro, para se recordar do que a levou a perder a virgindade com um estranho que conheceu em um baile.

Tiago.

Aquele estranho conhecido a enfeitiçou de tal maneira que a fez perder completamente a cabeça!

Olhou ao redor em busca de suas roupas, mas viu todas elas espalhadas pelo cômodo em lugares distantes. A coisa mais próxima era a camisa dele, algo que lhe serviu perfeitamente como um vestido. Encarou o tecido branco enquanto fechava os botões até a altura dos seios e desceu da cama um tanto receosa. Ele não havia ido embora, pelo menos. Ainda estava ali e não havia notado que estava sendo observado pelas costas.

Os primeiros raios de sol começavam a aparecer no horizonte e a vista silenciosa era linda daquela altura. Tiago parecia pensar e sua expressão séria fez Heloísa duvidar se deveria realmente interrompê-lo. Suas mãos afastaram a porta de vidro calmamente e no mesmo instante o rapaz a encarou. Um belo sorriso desenhou seus lábios enquanto a assistia e Heloísa sorriu após parar ao lado dele em frente a grade da sacada, ambos com os dois cotovelos apoiados na mesma.

— Bom dia — Tiago disse enquanto a olhava dos pés à cabeça — Como acordou?

— Parece que tomei uma surra, mas está tudo bem — Comentou arrancando uma risadinha baixa dele — E você?

— Ótimo. Pensativo. Confuso — Pontuou as palavras com equilibro e sinceridade — Eu... Não sei nem o que te dizer — Encarava o horizonte a sua frente e ela fazia o mesmo.

— Você não tem que me dizer nada — Heloísa deu de ombros e abaixou o olhar.

— Se você tivesse me dito que era sua primeira vez eu podia, sei lá... — Ela o interrompeu.

— Ter fugido? — Arriscou dizer em tom divertido.

— Ter te levado para um lugar melhor, talvez. Ter ido com mais calma e... — Heloísa tocou a mão dele carinhosamente, mas sem se aproximar muito.

Tiago queria explicar que nunca antes esteve com uma virgem e dizer a maneira como Heloísa o enlouquecia, mas não conseguia formar frases diante dela usando sua camisa. Se possível, estava ainda mais linda do que na noite anterior.

— Foi incrível. Nunca pensei que ia ser tão especial — Olhou em direção a ele com um sorriso constrangido — Você foi maravilhoso comigo, Tiago — O sorriso de Heloísa tinha a ver com o nome dele.

Tiago se virou em direção a ela e apertou a mão que tocava a sua.

— Porque você ri toda vez que fala meu nome? — Questionou apertando o olhar pela dúvida.

— Tenho um motivo, mas talvez você não acredite — Respondeu simplesmente e ele seguiu encarando-a em busca da resposta — Você tem o nome do... Do meu noivo.

— Noivo? — Tiago cuspiu as palavras como se houvesse dito algo proibido. Heloísa mantinha a expressão constrangida — Você é noiva? — Ela assentiu positivamente. Não ia perder tempo explicando que ficou noiva por uma carta, mas o fato é que tinha um compromisso estabelecido com Tiago Guimarães Sampaio de toda maneira — Mas porque dormiu comigo se está noiva? — A confusão estampada nos olhos dele tornava tudo ainda mais complicado.

— Não me peça para explicar nada, Tiago, por favor! — Pediu inocentemente — Nós combinamos que seria apenas uma noite.

Tiago a tomou pela cintura com ímpeto e prensou-a contra o vidro da porta atrás deles. Heloísa perdeu a respiração pela proximidade e a maneira sedutora como ele a analisada dos pés à cabeça de maneira possessiva.

— Você não pode casar com esse cara, Heloísa — O tom de voz dele expressava sua agonia crescente.

Ela não dizia em voz alta, mas Tiago podia ver a dor estampada nos belos olhos escuros da menina. Era muito claro que Heloisa não amava o tal noivo. Sentia como se a visse pedindo socorro bem a sua frente, mas dentro de suas possibilidades limitadas, não havia nada que pudesse fazer para salvá-la de um destino cruel.

— Como não? — Respondeu já com lágrimas nos olhos. Tocou o rosto dele tomada pelos avassaladores sentimentos que voltavam a dominar seu frágil coração. Ele a tinha em suas mãos da mesma maneira que ela tinha a ele.

— Você é minha... Não preciso de mais que uma noite para saber disso. Seja lá qual for o motivo de você ter entrado em minha vida ontem, apenas posso ser grato por ter conhecido este sentimento. Sinto, aqui — Levou a mão ao centro do peito — Que você é minha.

Heloísa sorriu com a declaração tocante e inesperada. Sentia o mesmo em relação a ele, mas não podia concordar com suas palavras. Não havia como ser dele se estava prometida a Tiago Guimarães Sampaio.

Tocou o rosto belo a sua frente deslizando os dedos pela barba macia e o puxou para um beijo longo. Seu coração explodia com a simples possibilidade de tê-lo perto e palpitava com a intensidade dos sentimentos que aquele Tiago fazia nascer em sua alma.

— Porque a vida te trouxe somente agora? — Sussurrou contra os lábios dele — É só o que me pergunto desde que te encontrei — Suspirou e abaixou o olhar ainda com o corpo entre os braços dele — Eu... Sinto muito, Tiago.

— Não posso me conformar.

— Você sabe que tudo que posso oferecer é apenas uma noite. Deixei tudo muito claro para você, além do mais, sei que você também tem alguém! — Tentou respirar fundo e manter a calma, porém a tristeza transbordava ao encarar a maneira desolada como Tiago a admirava.

— Tenho, tenho sim... Mas essa que tenho não significa nada para mim e jamais vai significar! — A trouxe mais perto até se embriagar com a doce fragrância de seu cabelo — Eu largo tudo por você, Heloisa. Já larguei tudo antes por uma mulher que não valia nada, que dirá por uma que vale a pena!

— Não, Tiago, por favor — O afastou um pouco — Entenda. Não podemos seguir com isso e é o melhor para nós dois. Entenda.

Doía muito para Heloísa ser realista com Tiago, mas era necessário. Não havia como seguir com aquela história e se insistisse certamente iria se machucar. Gostou dele a ponto de entregar sua virgindade em uma noite, o que poderia fazer a longo prazo em nome da loucura que aquele homem fazia crescer em sua alma?

Tiago abaixou o olhar e concordou.

Lembrou de sua família e de como os decepcionou um dia. Lembrou, também, de Constância Chastel. Precisava se casar com ela de uma maneira ou de outra. Não havia para onde seguir. Heloísa, sua virgem de uma noite, não tinha espaço em sua vida minimamente dirigida pelo dinheiro.

— É melhor eu ir — Tiago ergueu os olhos para ela quando Heloísa saiu de seus braços e adentrou ao quarto novamente — Preciso voltar antes que minha família coloque a polícia atrás de mim.

— Não, espera! — Agarrou a mão dela e a puxou em direção a ele — Se não podemos nos ver nunca mais, ao menos fique um pouco mais e me dê, pela última vez, a felicidade de te ter perto de mim — Helô ia responder, mas foi calada por um beijo desesperado. Antes que pudesse pensar melhor, infiltrou os dedos pelo cabelo dele e agarrou-o com as pernas em sua cintura. Se arrependeria se não experimentasse um pouco mais daquela magia que não podia simplesmente ignorar — Só saio de dentro de você um minuto antes de perdê-la.

Uma vez mais Tiago experimentou a delícia de ter Heloísa sob ele contra os lençóis macios e marcados pela defloração de sua pureza. Uma vez mais deslizou as mãos contra o corpo frágil e aproveitou até o último minuto a doçura daquele beijo e o incrível toque das mãos pequenas em sua pele.

O toque apaixonado da garota descansava em seu rosto enquanto se beijavam ardentemente, a respiração frenética lhe roçava a face com o mesmo ardor com o qual seus corpos se tornavam um.

— Tiago... — Ela gemeu enquanto abraçava o rosto dele contra seus seios após o máximo prazer.

Tiago a abraçou, beijando sua pele com devoção enquanto jurava para si mesmo que um dia, fosse onde fosse, iria reencontrá-la.

Não haveria Constância Chastel que o separasse de sua doce Heloísa.


— C onstância, pelo amor de Deus! — Hannah exclamou assim que viu a irmã abrindo a porta de seu quarto no andar de baixo — Onde você estava, sua louca?

Heloísa tinha o aspecto cansado e usava as mesmas roupas do dia anterior, top cor de rosa, calça jeans cintura alta, carregava nas mãos seus saltos e uma jaqueta de couro preta sobre os ombros. A jaqueta dele.

Sentou-se na cama da irmã sem esconder o nervosismo e a imensa tristeza que tomava conta de todo seu ser. Hannah, que jamais viu a irmã mais nova chorando, se surpreendeu ao notar os olhos inchados da garota e as lágrimas rolando em sua bochecha. Em silêncio se aproximou com a cadeira de rodas o máximo que podia e esperou que Heloísa Constância dissesse algo, finalmente.

— Eu estava em um sonho, Hannah... Um sonho tão maravilhoso que infelizmente tive que acordar — Dizia entre as lágrimas que tentava secar de maneira desengonçada — Sinto como se tivesse caído de uma nuvem e batido a cabeça com toda força, sabe?

— Alguém te machucou, irmã? Do que você está falando? A mamãe esta maluca atrás de você! — Segurou a mão que Heloísa estendeu — Me conta.

— Eu estava com um homem que conheci ontem no baile que fui com Adele — Os olhos verdes de Hannah saltaram no rosto sem esconder a surpresa pelo que escutou.

— Homem? — Heloísa assentiu positivamente, ainda triste e baqueada — Como assim, você ficou doida?

— Fiquei, Hannah... Fiquei completamente louca! Você não sabe como ele me deixou louca! — Revirou os olhos de modo a evidenciar todo o desejo que Tiago despertou nela — Tão louca que eu... — Olhou para a irmã um tanto constrangida — Eu fiz uma besteira.

— O que? Não, Heloísa Constância Chastel, por favor, não me diz que você... — Heloísa a encarava seriamente, agora mais contida em relação as lágrimas.

— Essa jaqueta é dele. Peguei antes que ele saísse do banho e desapareci — Disse referindo-se a peça que descansada em seus ombros e exalava o perfume embriagante de Tiago. Heloísa retirou a mesma dali e levou até o nariz para absorver o aroma — É a única lembrança que vou ter do meu homem para sempre.

— Espera... Você está me dizendo que chegou essa hora da manhã porque ficou a noite toda na cama de um desconhecido? — Hannah sussurrou com medo de que alguém ouvisse. Heloísa apenas devolveu seu olhar, ainda agarrada com a jaqueta de couro de Tiago — Você se entregou a um homem desconhecido? — Heloísa assentiu e Hannah deixou o queixo cair, cobrindo os lábios com as mãos — Constância! Meu Deus! E o seu casamento? E o herdeiro dos Guimarães Sampaio? E o nome da nossa família?

— Hannah, por favor! — Pediu em tom desesperado — A última coisa que me importa agora é esse maldito desse herdeiro dos Guimarães Sampaio que me fez de otária no passado e agora quer se casar! Esse cara não tem direito nenhum sobre mim e eu me sinto muito feliz em não me entregar a ele pura como vim ao mundo!

Colocou-se de pé e voltou a colocar a jaqueta sobre os ombros. Hannah a assistia como se não acreditasse no que via. Aquela garota em nada parecia com sua irmã caçula, sempre tão doce, divertida e obediente.

— Já pensou no escândalo que vai ser quando mamãe e papai souberem disso, Constância? — Questionou seriamente preocupada.

— Eles não precisam saber! — Deu de ombros.

— Acha mesmo que o herdeiro dos Guimarães Sampaio vai achar graça dessa história envolvendo seu nome?

— Ninguém além de você vai saber de algo, Hannah. Você vai contar a alguém por acaso?

— Claro que não! Você é minha irmã e eu te amo, mas não posso concordar com o que você fez! Nós somos moças de família, moças da sociedade! Temos o dever de representar o nome dos Chastel, Constância, somos uma família religiosa e tradicional! Veja só o que você fez! Perdeu a virgindade com um homem qualquer em um baile? — Hannah parecia decepcionada e pela primeira vez Heloísa colocou os pés no chão.

Sua irmã sempre foi sua melhor amiga e jamais a viu ser tão dura em relação a qualquer coisa. Os olhos verdes de Hannah demonstrando indignação serviram de espelho para que Heloísa percebesse a grande decisão que havia tomado de maneira impensada.

— Não adianta você me olhar desse jeito — Sua voz soava rouca pelo nó na garganta — Agora já está feito.

— Constância! — Hannah chamou, mas era tarde. A irmã saiu porta a fora e subiu as escadas em direção a seu quarto no andar de cima.

Heloísa bateu a porta e se jogou na cama com vontade de chorar ainda mais. Já não bastava tudo que estava vivendo, ainda por cima tinha que ter Hannah para lhe mostrar as loucuras que vinha fazendo? Sabia, no fundo, que ela estava certa.

Foi um ato inconsequente ter se entregado a Tiago sem ao menos conhecê-lo, principalmente estando noiva em meio a um compromisso de negócios. Ouviu a voz de sua mãe no corredor, por isso apressou-se a entrar no banheiro após esconder a jaqueta de couro em meio a suas roupas no closet.

A água quente do banho lavava seu corpo e levava consigo o cheiro dele em sua pele. Pela primeira vez em sua vida lamentou tomar um bom banho. Apertou os olhos e se apoiou na parede, lembrando de cada momento vivido ao lado dele. Mesmo que sua razão gritasse que era uma loucura, não conseguia de nenhuma maneira lamentar a noite que viveu ontem. Havia sido sem sombra de dúvidas a coisa mais incrível de toda sua vida!

Saiu do banho dentro do roupão e com a toalha na cabeça para encontrar Flora sentada em sua cama com os braços cruzados em frente ao peito.

— Mamãe... — Disse cansadamente após analisar a expressão enraivecida da matriarca — Bom dia.

— Bom dia, Constância? Acha que estou tendo um bom dia, se desde que acordei estou procurando minha filha como uma louca por aí? — Heloísa nada disse, somente ouviu — Aonde é que você estava?

— Estava com Adele.

— Mentira. Eu mesma liguei para casa de Adele e os pais dela disseram que nenhuma das duas apareceu por lá! — Repreendeu duramente.

— Eu não disse que estava na casa dela, disse? — Flora reconsiderou — Estávamos em uma festa juntas e ficamos lá até amanhecer.

— Uma festa, Constância? — Cuspiu as palavras.

— Sim, mamãe, uma festa! Tenho vinte e dois anos, sou adulta e posso ir a uma festa! — Relembrou e caminhou em direção ao closet — Será que isso é pecado?

— Será que você esqueceu que vai se casar dentro de alguns dias? — Flora saiu atrás da filha e ficou atrás dela enquanto a mesma escolhia roupas no closet.

— Alguns dias? — Heloísa se virou rapidamente para encará-la.

— Sim, alguns dias! Seu pai e eu estamos cuidando dos preparativos. Não deve demorar mais que algumas semanas — A garota engoliu em seco e voltou a escolher as roupas — Por isso acho um absurdo que se comporte como uma adolescente, uma vez que está noiva!

— Noiva de quem? — Apanhou um vestido verde claro — Porque até agora não tive o desprazer de conhecer meu futuro carcereiro.

— É exatamente sobre isso que vim falar. Hoje à noite teremos um jantar com os Guimarães Sampaio. Finalmente você e Tiago vão se conhecer. Além disso, precisamos conversar sobre negócios.

Heloísa deteve-se por alguns segundos. Finalmente ia conhecê-lo, então. Era estranho ouvir o nome de seu amante proibido sendo dito por sua mãe, principalmente quando se referia a seu futuro noivo por um acordo.

— Negócios... É claro! — Sorriu sem humor e voltou ao quarto com sua mãe a seu encalço.

— Espero que essa tenha sido a última vez que você apronta uma dessa, Constância! Tomara que tenha curtido muito sua festinha com sua amiga desmiolada, pois certamente foi a última! Agora você é comprometida e tem que zelar por sua imagem e pela de seu marido! — Heloísa mordeu os lábios e seguiu encarando a mãe — Não compreendo seu comportamento. Você foi a primeira a se propor a casar com o herdeiro dos Guimarães Sampaio quando soube da doença de seu pai! O que mudou agora?

Abaixando o olhar, Heloísa voltou a colocar os pés no chão e lembrou-se do que realmente importava.

— Sei que errei. Desculpe-me — Flora tentava compreender a filha, mas não encontrava explicação para uma mudança tão repentina — Vou ser diferente quando me casar, é tudo questão de adaptação. Ainda não me acostumei.

— Oh, querida! — Flora abraçou a filha com carinho e as duas sentaram no sofá sob a janela — Tiago é um cavalheiro. Vocês podem não se amar de imediato, mas jamais irá te fazer qualquer coisa ruim. Eu e seu pai jamais proporíamos algo assim se ele fosse um tipo ruim.

— Mas ele não fugiu com aquela mulher vigarista?

— Mais uma prova do quão bobo ele é — Heloísa abaixou o olhar — Tiago tem um bom coração. Conheço os pais dele a muito tempo, vocês dois brincavam quando crianças, não se lembra? — Ela negou — Te garanto que não é um rapaz ruim.

— Tudo bem, mamãe. Você sabe que por você, papai e Hannah me casarei com ele... Não vou decepcioná-los.


— E aí, mano? — Diego, sentado na mesa de Tiago, levantou-se rapidamente quando o irmão chegou no escritório para trabalhar — Que cara é essa?

— E aí — Respondeu monótono e desanimado — O que você estava fazendo na minha mesa, cara? — Colocou sua chave e carteira na gaveta e sentou-se em sua cadeira de maneira cansada.

— Apenas te esperando — Não admitiria em voz alta que estava imaginando a si mesmo no futuro ocupando a cadeira de presidente do grupo Empresarial Guimarães Sampaio. Em um futuro nada distante onde graças a fortuna dos Chastel não teriam mais qualquer problema financeiro — Mas que cara é essa? Pensei que ia te encontrar radiante pela noitada com a gata de ontem.
Como era mesmo o nome dela? Helô?

Diego sentou-se na cadeira de frente para o irmão do outro lado da mesa.

— Não quero falar sobre isso, por favor — Tiago pediu um café para a secretaria e ligou o computador.

— Mas por quê? Não me diga que ela desistiu na hora h? Ou você que não deu conta? — Diego gargalhou ao provocar o irmão.

— Cala boca, mano, está louco? — Diego seguia gargalhando — Se quer mesmo saber? — Sufocando com a história na garganta, Tiago teve de desabafar — Foi uma noite incrível, cara, sem igual. Nunca na minha vida imaginei viver um negócio desses — Tapou o rosto com as mãos ao se lembrar de cada momento.

— Sério? — Diego fingiu um sorriso — Aí sim, hein? Mas e ela? Cadê?

— Aí vem a parte ruim. Ela sumiu, cara. Sai da cama para tomar um banho e deixei-a cochilando, mas quando voltei ela tinha sumido sem deixar rastro — Comentou decepcionado e pensativo — Preciso encontrá-la de novo, Diego. Preciso muito!

— Espera aí, cara. Você gamou desse jeito em uma noite, é isso? — Sem compreender, Diego encarava o irmão tentando descobrir o porquê de tanto interesse — Qual é a dela?

— Gamei é pouco, irmão. Essa mina mexeu onde nem a Manuela conseguiu mexer... Estou falando daqui — Colocou a mão sobre o peito.

— Você está me falando que está apaixonado por uma qualquer que pegou na balada, irmão? Fala sério! — Desdenhou Diego — Você não tem jeito mesmo, irmão! Basta aparecer uma gostosa que você logo cai de quatro, né?

— Ela não era uma qualquer não, Diego — Aproximou-se do irmão para falar mais baixo — Era virgem, você acredita?

Diego se calou diante das palavras do irmão e pensou por alguns segundos. Não contava, realmente, com essa preciosa informação. Constância Chastel, a herdeira mais cobiçada do país, havia entregado sua virgindade a um estranho na balada? Não podia acreditar.

— Virgem? Não... Só pode ser brincadeira! Essa raça nem existe mais, cara — Seu tom brincalhão não retirou a expressão séria de Tiago — Você tem certeza?

— Absoluta — Garantiu enfaticamente — Também pensei que era brincadeira quando ouvi, mas... Eu vi. Eu senti — Diego tentava controlar a empolgação. Tudo se tornava ainda mais interessante! A própria Constância havia cavado sua própria ruína quando se entregou a Tiago daquela maneira — O problema é que ela tem um noivo.

— Eu que não queria estar na pele dele, pensa? — Provocou Diego — Sua noiva vai para balada e se entrega para o primeiro cara que encontra pela primeira vez? Imagina... Você pode ter se apaixonado, mas isso é coisa de vagabunda.

— Não fala assim dela, Diego! — O tom de voz de Tiago se alterou — Nós não sabemos nada sobre a vida dela para tirar conclusões! Ou você esqueceu que eu também tenho uma noiva?

— Mas você é homem — Deu de ombros.

— E você acha que Constância Chastel vai se importar com seu pensamento machista? Acha que ela aceitaria saber de tudo isso em uma boa e iria engolir a desculpa que sou homem? Me poupe! — O nervosismo de Tiago começava a assustar Diego — Ela iria querer me matar e certamente terminaria nosso noivado.

— Me desculpe, irmão, mas se essa menina fosse minha noiva eu também a chutaria em dois minutos! Se me fez de corno uma vez, pode fazer novamente. E se ela for uma oportunista igual a Manuela?

— Cala boca, Diego! Eu lá quero saber do noivo dela, pouco me importa essa cara... — Pensativo, Tiago parecia bolar algo em sua mente — Preciso dar um jeito de encontrá-la. Você me ajuda?

— Espera aí... O que? Hoje à noite você vai conhecer sua noivinha milionária e está pensando em encontrar a menina da balada? — Diego sorria desacreditado — Fala sério. Que feitiço é esse?

— Me ajuda ou não? — Insistiu — Você viu o rosto dela.

— Ajudo, é claro. Quando é que nego algo para meu irmão mais velho, afinal? — Sorriu sem humor, mas saltitando por dentro. Não precisaria ir muito longe para cumprir sua promessa e colocar ainda mais lenha naquela interessante fogueira — Aposto que ela não deve estar muito longe. E sobre a Constância Chastel?

— Ah... Constância, Constância, Constância... Para onde quer que vou esse nome me assombra, me persegue! — Recostou-se a cadeira e esfregou a testa — Essa é um grande problema em minha vida.

— Um problemão! — Diego mordeu a língua ao pensar em todo o contexto — Mas... O casamento acontece em poucas semanas.

— Não precisa me lembrar.

— Porque você não larga tudo e volta para a Europa com a Manuela? — Tiago retirou a mão de frente aos olhos e o encarou desconfiado.

— Se eu encontrar Manuela a jogo na cadeia em seguida! É bom que não apareça mais em minha frente.

— Você não a ama mais? — A pergunta de Diego era objetiva.

Tiago nada respondeu, apenas levantou de maneira nervosa e caminhou até o pequeno bar no canto da sala. Retirou de lá dois copos e uma garrafa de whisky. Serviu-se e entregou um copo para o irmão.

— Proponho um brinde... — Diego ficou de pé e assistiu ao irmão — Aos novos recomeços.

— Isso quer dizer que...?

— Que desejo nunca mais voltar a ver Manuela e encontrar minha Heloísa — Ambos beberam juntos.

Diego atentou-se ao fato de que Tiago não havia garantido que esqueceu Manuela.

— Tenho certeza que ela está bem mais perto do que você imagina irmão. Tenho certeza!


H eloísa Constância se olhou uma vez mais no espelho após terminar de se arrumar para a grande recepção que haveria em sua casa.

Ajeitou novamente o vestido bege colado a seu corpo, tomando cuidado especial com as mangas que deixavam seus ombros a mostra. O vestido era longo e ornava muito bem com o batom vermelho que cobria seus lábios, realçando ainda mais a maquiagem perfeita. O cabelo longo descia por suas costas até o início do quadril, por isso decidiu prendê-lo para trás e ajeitou a franja para o lado. Estudou moda por quatro anos e sabia se apresentar, no entanto, toda aquela produção em nada condizia com seu estado de espirito.

Sentou-se rapidamente quando sentiu vontade de chorar e teve de se controlar para conter as lágrimas. Desta vez não tinha a ver com sua história louca de uma noite, mas com Tiago Guimarães Sampaio, seu futuro marido.

Se existia alguém que realmente lhe despertava o ódio em todo mundo, certamente essa pessoa era ele! Era muita petulância voltar depois de quatro anos e insistir em se casar com ela após de ter lançado o nome de Constância Chastel na boca de toda a sociedade. Surpreendia-lhe, mais do que tudo, seus pais toparem reatar a parceria após tal situação.

Sentia raiva por Tiago tê-la trocado por outra mulher, não podia negar. Mesmo que não o amasse, foi a primeira vez que se sentiu totalmente rejeitada por alguém. Cresceu com a ideia romântica do casamento, mas acabou sendo tragada pela realidade quando foi trocada por seu noivo com apenas dezessete anos. Tinha sim remorso. Tinha sim vontade de lhe dizer não!

Jamais assumiu em voz alta, mas se pegou chorando algumas vezes quando se recordava de toda a história. Será que não havia sido o suficiente?

Segurando as lágrimas, apanhou seu telefone para pesquisar o nome dele. Precisava olhar nos olhos de Tiago Sampaio e deixar muito claro que ela jamais seria dele mesmo que a lei dissesse que sim. Chegou a digitar no buscador, mas foi interrompida quando seu pai bateu na porta de seu quarto levemente e a abriu em seguida.

— Papai? — Secou as lágrimas rapidamente e apagou o visor do celular — Como o senhor está?

Nitidamente cansado, Heitor Chastel se aproximou da filha usando um de seus belos trajes e uma gravata na mesma cor do vestido dela. Aproximou-se e beijou-lhe a testa carinhosamente.

— Minha querida Constância — Dizia orgulhoso enquanto analisava a beleza da herdeira — Minha estrela! Você está linda, querida.

— Ora papai... — Sorriu timidamente — O senhor diz isso porque me ama.

— Todos podem ver sua incrível beleza, filha — Declarou orgulhoso — Como está o coração para sua noite de noivado, oficialmente? Tiago vai trazer um anel e finalmente sua mãe vai parar de me perturbar dizendo que vocês ficaram noivos por uma carta! — Revirou os olhos em sinal de tédio. Heloísa sorriu.

— Até nisso vocês combinaram, papai? Até no fato dele me dar um anel? — Seu tom desolado tocou o coração de Heitor, que tomou sua mão com carinho.

— Não. A ideia partiu de Tiago — Garantiu — Constância... Você sabe que se quiser desistir do casamento a hora é agora.

— Não, papai. Vou me casar com Tiago — Sua convicção era nítida — Mamãe, o senhor e Hannah precisam disso e é o que farei. Meus bisavós e avós deram o sangue pela fortuna que temos hoje e não irei desonra-los. Não posso faltar com a minha família que sempre me deu tudo.

— Está pensando em todos, mas e você, querida? — Tocou o queixo dela após vê-la tão triste — Você ao menos vai tentar ser feliz com Tiago? Vocês dois fazem parte do mesmo mundo, tem os mesmos objetivos... Seria tão fácil! Eu e sua mãe nos casamos nas mesmas condições e estamos há mais de vinte anos juntos. Pode dar certo!

— Vou tentar — Agarrou a mão do pai com carinho. Pensar que iria perde-lo em poucos meses doía demasiado, por isso Heloísa buscava ignorar o pouco tempo de vida que o câncer ainda cedia a Heitor — Eu prometo. Antes preciso conhecê-lo, finalmente. Não me lembro dele.

— Claro... Vocês eram duas crianças quando se conheceram e depois... Bom... Depois Tiago foi estudar em colégios militares, fugiu e... — Interrompeu-se — Eles estão na sala nos esperando junto a meus convidados.

— Certo papai — Assentiu em postura firme.

— Eu queria apenas te dizer que o casamento será em seis semanas — Heloísa engoliu em seco diante da novidade que a pegou desprevenida.

— Seis semanas? — Sussurrou com um nó se formando em seu estômago.

— Algum problema para você? — Voltando a si, negou.

— Não. Quanto antes, melhor — Declarou olhando para o chão.

— Vamos descer então — Heitor ofereceu o braço e Heloísa aceitou seu convite com um belo e triste sorriso — Minha estrela vai brilhar mais do que todos nesta noite.


Tiago não se recordava da mansão dos Chastel, mas certamente se agradou imensamente com a simpatia de Flora, sua futura sogra, que fez questão de tratá-lo como um rei após sua chegada. Hannah, a filha mais velha dos Chastel, ficava todo o tempo quieta e reclusa em sua cadeira de rodas, limitada a conversar com poucas pessoas. Admitindo para si mesmo, sentiu pena da bela moça de olhos verdes. Apresentou-se a ele com muito carisma e de imediato gostou dela. Perguntava-se porque os Chastel tinham tanto empenho em deixá-la a margem dos planos da família. Talvez proteção demais, imaginou.

Seus pais, Ernesto e Margot, conversaram longamente com a mesma enquanto Brenda, sua irmã de onze anos, tentava roubar sua atenção mostrando em seu celular algumas coisas do colégio. Ainda não havia tido nenhum sinal de Constância e, para piorar, não conseguia parar de pensar no telefonema que estava para receber. Havia colocado um investigador particular atrás de Heloísa e aguardava o retorno para ver se o mesmo tinha conseguido alguma informação com os organizadores do baile de ontem.

— Tiago, você está bem esquisito — Brenda comentou sentada ao lado do irmão mais velho e usando seu lindo vestido de festa cor de rosa e uma bonita tirada entre os fios escuros de seu cabelo longo — Está com dor de cabeça?

— Não baixinha, não — Desconversou levando a taça de champanhe aos lábios e dando uma grande golada — Problemas do trabalho, só isso!

— Está ansioso para ver a Constância? Eu já te disse que ela é linda? Parece até uma princesa... Eu queria ser linda igual a ela — Falante, Brenda seguia entretendo o irmão e foi uma boa companhia até o celular vibrar em seu bolso.

Saiu de perto da menina e caminhou até o lado de fora da casa para atender em paz ao telefonema.

— Tiago, consegui ter acesso a lista de presentes no baile de ontem. Não me pergunte como, mas consegui — O investigador disse do outro lado da linha.

— Ótimo Carter, ótimo! Veja quantas com o nome Heloísa tem aí e me passe todos eles — Pediu sem conter a empolgação.

— Esse é o problema — A resposta o fez prestar mais atenção — Tem apenas uma garota com esse nome aqui e... Você está sentado?

— Como assim, sentado? Fala logo cara, o que foi? — Insistiu já começando a suar dentro de seu terno caro.

— A única garota com o nome Heloísa nesta lista assinou como Heloísa C. Chastel.

Tiago paralisou diante da frase e foi como se o mundo houvesse parado por um segundo. Tudo era muito turbulento em sua mente ao passo em que nada fazia sentido.

— O que? — Questionou totalmente confuso — Chastel? Você tem certeza?

— Absoluta.

— Isso é alguma piadinha, Carter? Porque se for, não tem graça!

— Eu pesquisei e o nome dela completo é Heloísa Constância Chastel. O nome da... Da sua noiva.

Tiago afastou o telefone do ouvido e olhou em direção a mansão dos Chastel. Sua irmã Brenda veio correndo em sua direção com o olhar empolgado e saltitando.

— Tiago! Tiago! Corre! A Constância está descendo! Vem! — A garota agarrou sua mão e ele deixou ser puxado para dentro por ela.

Seu corpo executava atos e ele sequer podia raciocinar. Era como ser levado no automático em direção ao ápice de sua loucura. Entrou na sala com os demais convidados e infiltrou-se entre eles a tempo para assistir Heitor, um rosto conhecido, descendo pela escada de braços dados com uma linda mulher.

— Meu Deus — Sussurrou sentindo seu coração perder uma batida — Não pode ser — Cobriu os lábios com as mãos sem disfarçar o baque.

Era ela .

Aquela linda mulher usando um vestido bege elegantíssimo, de batom vermelho e olhar marcante era Heloísa, a própria virgem da boate que esteve na cama dele na noite anterior!

— Aquela é Constância Chastel? — Questionou a Brenda baixinho.

— Sim! Aquela é sua noiva! Linda ela, não é, maninho?

Apoiou-se em Brenda por um minuto enquanto seu olhar não conseguia se desprender dela... Heloísa era Constância.

Constância era Heloísa!

Quais as chances de algo assim acontecer, afinal? A única coisa que pôde pensar era que estava sendo feito de idiota por todo esse tempo!


Heloísa desceu as escadas ao lado do pai vasculhando os convidados presentes na sala de visitas em busca do rosto de seu futuro marido. De imediato não o encontrou em meio a rosto desconhecidos. Recordava-se apenas de Margot Guimarães Sampaio e foi exatamente ela a primeira a lhe cumprimentar.

— Constância! Como você está linda! — Abraçaram-se rapidamente e Heloísa sorriu de maneira cordial.

— Obrigado, senhora Sampaio. A senhora também está ótima — Educada, recebeu o abraço de um homem alto que julgou ser Ernesto, o primo de seu pai.

— Certamente não se lembra de mim, Constância, mas eu sim me recordo de você! Continua com a mesma carinha de quando era menina, porém ainda mais linda — Elogiou beijando-lhe a mão com um grande sorriso satisfeito.

— Realmente não me lembro, senhor Sampaio, mas é um prazer revê-lo — Parados ao pé da escada, o garçom passou e serviu taças de champanhe ao quarteto. Heloísa agarrou a sua com ímpeto.

— Onde está Flora para brindar este momento? — Heitor espiava ao redor e o casal Sampaio fez o mesmo.

— E Tiago, é claro! — Margot interveio olhando em busca do herdeiro — Tiago! Tiago! — Chamou ao vê-lo parado ao lado de Brenda em meio aos convidados. Caminhou em meio à multidão em busca dele e teve de lhe segurar a mão — Não está me ouvindo, garoto? — Sussurrou no ouvido dele, que a encarava como se nada visse — Venha, vamos brindar com sua noiva!

Enquanto Margot arrastava Tiago, Flora se juntou ao marido e a filha, que mantinha o olhar longínquo e sem reparar onde Margot estava com o filho. Porém algo lhe chamou a atenção a ponto de fazê-la gelar por dentro.

— E ai, família! Finalmente vou conhecer a cunhadinha! — Diego apareceu em meio a todos e Heloísa não disfarçou a surpresa ao reconhecê-lo. Ignorando seu olhar assustado, o rapaz caminhou em direção a ela e a envolveu em um abraço cordial — É um prazer, Constância. Sou Diego, seu cunhado.

— Eu... Eu conheço você — Sussurrou próxima dele e, disfarçando, Diego fingiu surpresa e se afastou dela repentinamente.

— Está tudo bem Constância? — Heitor sussurrou ao ouvido da filha quando a notou desconcertada.

Heloísa nada disse. Diego. Aquele rapaz era o mesmo que viu no baile, o que se apresentou como irmão de Tiago! Desesperada, Heloísa olhou ao redor em busca de Margot e a encontrou de imediato vindo em sua direção de braços dados com ninguém menos que ele ...

Deixou a taça escapar de suas mãos quando notou a presença dele. O mundo escapou de seus pés e seus lábios se separaram em uma expressão desacreditada. Ambos se encaravam como se não acreditassem no que viam e a palidez no rosto de Constância preocupou a todos que assistiam a cena.

O Tiago do baile também era Tiago, seu noivo!

Parecia estar envolvida em uma cena de filme, uma vez que não conseguia parar de encará-lo e o rapaz devolvia a conexão de maneira assustadora. Usava um terno elegante, tinha o cabelo bem arrumado e o olhar desacreditado. Ao mesmo tempo, havia certa desconfiança envolvida em tudo aquilo.

— Filha, está tudo bem? — Heitor voltou a perguntar quando notou que a filha não esboçava reação e Heloísa não disfarçou a maneira como suas pernas estremeceram. Alguém limpava a taça que se quebrou a seus pés quando seu pai lhe retirou do meio dos convidados e a levou para o sofá da sala ao lado, um local mais reservado.

— Não estou me sentindo bem, pai. Acho que minha pressão caiu — Sentou-se com a mão na cabeça e o corpo todo tremendo.

— Vou chamar um médico, querida — Preocupado, Heitor media o pulso da garota.

— Não pai, não precisa. Já vou melhorar — Rapidamente Flora, Ernesto, Margot e Tiago apareceram a sua frente. Ao encará-lo novamente sentiu uma pontada firme em seu coração. Aquilo somente podia ser um pesadelo.

— É melhor chamar um médico, Constância — Flora interveio de maneira preocupada, sentando-se ao lado de Heloísa no sofá — Ela nunca foi de passar mal — Disse aos demais.

— É melhor vocês deixarem ela respirar — A voz de Tiago chamou a atenção dela, que o encarou com todos reparando em ambos pela primeira vez — As coisas acontecem muito rápido. Muitas emoções para apenas uma noite.

O olhar e o tom de voz dele deixavam claras suas reais intenções. Estava provocando-a. Não havia como fugir agora, pensou ela. Estava feito! Seja lá qual havia sido o propósito do destino, ele estava ali, bem diante de seus olhos. Apenas orava silenciosamente para que seu noivo, seu amante proibido de outrora, não desse com a língua nos dentes em frente a seus pais.

Sustentando o olhar provocante de Tiago, Heloísa se colocou de pé com uma força que sequer sabia existir dentro de si. Parou diante dele na mesma postura desafiadora.

— Você tem razão. Fortes emoções — Pontuou com o coração disparando no peito. Surpreso, o rapaz dizia muito com apenas o olhar — Sou Constância Chastel — Esticou a mão em direção a ele, que aceitou no mesmo momento. A intensidade de seu toque e a maciez de sua pele não deixaram dúvidas de que sim, era ele!

— Tiago. Guimarães. Sampaio — Pontuou cada palavra com ironia — Constância — Balançou a cabeça sem esconder a indignação.

— Finalmente se conheceram! — Flora parou em frente aos dois e abraçou os ombros da filha — Agora, por favor, vamos planejar esse casamento com a cabeça no lugar, certo?

— É um prazer revê-la — Tiago falava com Heloísa, ignorando totalmente a mãe dela.

— É um prazer — Repetiu igualmente focada.

Heloísa não conseguia raciocinar logicamente, visando que seu maior sentimento naquele instante era o medo. Temia grandemente que Tiago contasse algo sobre a noite anterior. Seus pais iriam matá-la e por certo o casamento seria afetado diante de toda a confusão que provocaram. O olhar de ambos era igualmente desacreditado, sem ao menos medirem as consequências do que aconteceria em seguida.

No fundo, Heloísa acreditava estar sendo vítima de uma artimanha. Tiago sabia quem ela era na noite anterior? Por acaso estava testando-a?

— Precisamos voltar para sala. Vocês podem conversar depois. Os convidados estão esperando, afinal, isso é uma festa de noivado! — Flora disse puxando a filha pelo braço, retirando-a da frente de Tiago com certa apreensão.

O clima pesado entre a dupla era notório, mas todos acreditaram ter a ver com a situação do casamento arranjado. Tiago ficou sozinho na sala quando todos voltaram a sala de visitas e rapidamente Diego entrou atrás do irmão com uma taça nas mãos e expressão de falsa surpresa.

— O que está acontecendo aqui, cara? — Diego questionou colocando uma das mãos no ombro do irmão mais velho — É o que estou pensando? A menina que você pegou no baile é a Constância Chastel? — Diego separou os lábios fingindo choque.

— Você acredita nisso? — Reclamou com os nervos à flor da pele e o rosto queimando de raiva — Ela estava me fazendo de idiota durante todo o tempo e eu aqui, de quatro por ela, procurando-a como um louco... — Passou os dedos entre os fios de seu cabelo e começou a andar de um lado para o outro — Sou o maior otário do universo!

— Não, espera... Acha que ela sabia que você era noivo dela quando ficou com você ontem no baile?

— Claro que sabia! Claro que sim! Me fez de idiota ficando comigo daquele jeito, me fazendo pensar que era uma garota diferente e... — Cobriu os lábios de modo a segurar as palavras — Como fui idiota! É claro que estava se vingando de mim!

— Pensando bem, faz todo sentido — Sabendo que nada daquilo era verdade, Diego deu corda aos impulsos do irmão — Ela deve ter armado para você pensando que estava se vingando por você tê-la trocado pela Manuela. Deve ter te pregado uma peça, né? Imagina... Fez todo um teatro para você cair como um patinho e agora deve estar rindo a suas custas.

— Como fui burro! Burro! — Dizia a si mesmo de maneira inconformada — Mas cara... O que ela ia ganhar com tudo isso?

— Ué... — Diego buscava na mente algo que incendiasse ainda mais os ânimos de Tiago — Te mostrar que ela não é qualquer coisa para ser trocada. Te mostrar que você pode se apaixonar por ela também ou quem sabe... Quem sabe despertar o seu amor para te fazer sofrer?

Tiago se deteve por um instante. Apesar de não acreditar na coincidência do dia anterior, não podia se esquecer de que Heloísa... Ou Constância... De fato era virgem quando se entregou a ele.

— Só sei de uma coisa, cara. Não estou entendendo nada e ela vai me explicar isso direitinho... Ah se vai! — Tiago voltou ao salão repleto de convidados e apanhou uma taça de champanhe rapidamente. Diego o seguia de perto.

— Para que você vai perder tempo com mulher desse tipo de novo, cara? Já não basta a Manuela? — Dizia seguindo o irmão por onde ia. Tiago procurava Heloísa entre todos — Imagina quantos cara ela não pegou naquela balada, de certo não é mulher para se casar. Se eu fosse você, contava tudo logo e detonava com esse noivado! Armas para isso você tem!

Mesmo não concordando com as ideias machistas do irmão, Tiago sabia que Diego tinha razão. Bastava contar a história toda a seus pais e os pais dela que um grande problema estaria formado. Sabia que hoje em dia as moças não se casavam mais virgens e coisa e tal, mas os Chastel são uma família religiosa e tradicional que sempre exibiram a honra das filhas como um troféu.

Seria fácil se livrar do casamento se contasse o que houve.

— Não, não vou fazer isso — Mordeu os lábios após pensar — É isso que ela quer! É isso! — Afirmou convicto a Diego — Ela me armou tudo isso exatamente para que eu contasse a nossos pais e ela se visse livre do casamento.

— O que? — Diego, sabendo que nenhum dos dois havia se reconhecido naquele dia, chegava a se divertir com os absurdos que Tiago dizia.

— Ela não quer se casar comigo! Foi isso que quis dizer na carta... Disse que jamais seria minha mulher, mas teve de chegar as últimas consequências para que de fato não fosse! — Diego não escondia a expressão confusa.

— Mano, calma... Você está muito nervoso, põe a cabeça no lugar e... — Tiago o pegou pelo paletó e o puxou para perto. Diego jamais viu o irmão tão fora de si em sua vida.

— Você não vai abrir o bico sobre nada, entendeu? — Falou bem próximo ao irmão, que o encarava seriamente — Não vai dizer a ninguém o que sabe!

— Ok cara. Não vou falar nada não. Agora dá para me soltar, por favor? — Tiago o soltou com força e o rapaz ajeitou suas roupas — Você está muito irado, mano. Calma!

Tiago virou a taça de champanhe nos lábios e olhou ao redor novamente. Precisava falar com ela. Era uma questão de honra! Heloísa o olhou de longe e, em um sinal claro que tinha medo dele, seguiu em direção a área externa da mansão. Tiago não pensou duas vezes antes de segui-la rapidamente. Era chegada sua hora e Constância... Heloísa ... Não poderia escapar dele.


H eloísa encontrou Brenda, a irmã caçula de Tiago, no jardim quando saiu para fugir do olhar dele. A garotinha pela qual sempre teve tanta estimar era sua futura cunhada e sangue do sangue daquele que agora significava sua total ruína!

Não podia imaginar o que seu sonho de uma noite poderia virar nas mãos de Tiago Sampaio.

Nada fazia sentido em sua mente e a única coisa plausível a ser pensada era que ele de fato sabia quem ela era naquela noite e fez tudo de caso pensado. Não podia pensar que houvesse acontecido uma coincidência tão grande daquele jeito!

— Constância, você me ensina a fazer essa maquiagem? Está linda! — Brenda sentou-se ao lado dela e com sua inocência conseguia distraí-la longe dos olhares curiosos dos demais.

— Claro que ensino... — Tocou o rostinho dela e notou que a garotinha tinha os mesmos olhos do irmão mais velho — Mas você é linda sem qualquer maquiagem, Brenda.

— Obrigado Constância. Você parece uma princesa! — Tiago apareceu no mesmo momento e parou diante das duas com as mãos nos bolsos. Seu olhar comia Heloísa dos pés à cabeça, fazendo com que encará-lo fosse ainda mais constrangedor.

— Brenda.... — Disse o nome da irmã, mas a garotinha o interrompeu.

— Tiago! Estava aqui falando com a sua noiva de como ela é linda... Eu te não disse que ela parecia uma princesa? — A empolgação de Brenda era grande e o irmão não pôde evitar um comentário.

— Você tinha razão. Ela é mesmo muito linda — O elogio repentino fez com que Heloísa erguesse o olhar para ele com certa surpresa, mas rapidamente disfarçou o interesse — Será que posso conversar com minha... Noiva... — Disse com um sorriso desacreditado, passando os dedos pelos lábios — Por um instante, irmã?

— Claro! — A pequena se colocou de pé e Heloísa fez o mesmo — Com licença, Constância!

Brenda saltitou para longe de ambos e Heloísa tentou fugir, mas Tiago foi rápido o suficiente para agarrar o pulso dela com maestria e puxá-la para perto novamente.

— Você fica.

— Me solta! — Puxou o braço da mão dele e se afastou alguns passos — O que está fazendo aqui? Porque ainda não foi contar para todos que... — Deteve-se quando seu rosto corou. Abaixou o olhar — O que quer de mim?

— O que quero de você? — Questionou baixinho, aproximando-se mais dela — Quero saber o que ganhou me fazendo de idiota! Quero que me expliquei porque me fez acreditar que você era uma desconhecida em um baile, quando na verdade é minha noiva! — Heloísa franziu o cenho.

— Acha que vou cair nesse papinho idiota? Foi você quem me enganou! Por acaso estava me testando? Se tem alguém que ganhou alguma coisa aqui foi você, eu apenas perdi o pingo de dignidade que me restava! — Tiago sorriu sem humor e apoiou as mãos na cintura.

— Ainda quer me fazer acreditar que é inocente em tudo isso... É bem pior do que eu pensava! — Incrédula, Heloísa se aproximou dele de modo que ninguém pudesse ouvi-los.

— Acha mesmo que eu iria me entregar pela primeira vez se desconfiasse por um minuto sequer que aquele homem era você? — Apoiou o dedo no peito dele de maneira nervosa — Se tem uma pessoa no mundo que detesto, essa pessoa é Tiago Guimarães Sampaio!

— Você me detesta? — Afastou o dedo dela de seu peito, mas aproximou-se a ponto de seus rostos ficarem a centímetros. Heloísa estremeceu com a proximidade. Ele de fato mexia muito com ela! — Não parecia que você me detestava quando estávamos juntos naquele quarto... Quando você estava nua nos meus braços e...

Heloísa ergueu a mão e rapidamente lhe acertou um tapa no rosto. Tiago levou a mão ao local e olhou ao redor para ver se alguém os assistia. Estavam sozinhos.

— Nunca mais volte a falar sobre isso! — Pediu com a voz vacilante — E sim... Te detesto! Não te suporto muito mais agora que descobri quem você realmente é!

— Eu nunca menti! — Agarrou-a pela cintura com ímpeto e Heloísa pousou as mãos em seus ombros fortes em uma tentativa de afastá-lo. Mesmo brigando com ela, Tiago sentia necessidade de tê-la em suas mãos. O fogo que ardia em seu peito inflava ainda mais com a discussão — Me apresentei como Tiago, meu verdadeiro nome! Foi você quem disse se chamar Heloísa, quando na verdade se chama Constância!

— Meu nome é Heloísa Constância Chastel e todos sabem disso! — O empurrou fortemente e Tiago a soltou quando algumas pessoas saíram para a área externa. Ambos tentaram aparentar normalidade — A culpa não é minha se você é um total desinformado.

— Tiago? Constância? — Margot, mãe de Tiago, apareceu repentinamente e ambos se afastaram com o susto eminente — O que está acontecendo aqui?

Ambos paralisaram diante da pergunta de Margot, que os encarava de maneira desconfiada e um tanto decepcionada. Heloísa encarou o chão sem saber o que dizer e coube a Tiago tentar desfazer o clima perante a mãe.

— Estamos apenas conversando, mãe — Respondeu desconcertado. Por certo sua mãe presenciou a maneira como falavam rispidamente um com o outro e o agarrão que deu em Constância.

— Conversando? Vocês estavam discutindo em meio ao noivado... Quero saber qual o motivo, dado fato que acabaram de se conhecer — Margot tentava manter a compostura e conversava em tom centrado.

Foi a vez de Heloísa erguer o olhar para Tiago em total desespero. Se ele dissesse a verdade, certamente estaria com sérios problemas! O que faria se não se casasse com o herdeiro Guimarães Sampaio? Como dirigiria sozinha os negócios dos Chastel? Pior do que tudo, como encararia seus pais após os mesmos descobrirem que se entregou a um estranho que conheceu em uma festa? Toda sua honra diante deles estaria arruinada!

Parte dela odiava Tiago e toda a situação que os envolvia, mas a outra sabia que precisava dele, por isso praticamente implorava com seu olhar para que o rapaz nada dissesse.

Tiago, por sua vez, apoiou as mãos na cintura e olhou ao redor buscando em sua mente uma desculpa para enrolar a mãe. As palavras engasgavam em sua garganta, mas não tinha coragem de contar que havia sido enganado por Constância. Mesmo que fosse o certo a ser feito, Tiago não conseguia dizer que havia ido para cama com sua própria noiva após encontrá-la em um baile qualquer. Suas poucas palavras colocariam fim a seu noivado e, no fundo, não queria proferi-las.

— Eu fiquei com ciúmes de Hel... Constância — Heloisa não escondeu a surpresa e muito menos disfarçou a expressão confusa. Tiago explicava de maneira nervosa, mas convincente — A vi conversando com um convidado muito próxima, eles se abraçavam, mas no final não passava de um amigo, não é mesmo?

Heloísa travou, mas concordou com as palavras dele rapidamente.

— Sim, somente um amigo do colégio, filho de amigos dos meus pais — Afirmou dando de ombros. Margot olhava de um para o outro sem compreender tudo muito bem, mas parecia acreditar.

— Sabe como eu sou, não é mamãe, sou muito impulsivo — Coçando o rosto, Tiago tentava não demonstrar a mentira — Tenho ciúmes até da Brenda, que dirá de minha noiva, principalmente ela sendo tão linda — Heloísa sorriu de canto ao ouvir o elogio, mas sabia que tudo fazia parte da história — Por sorte tudo já se aclarou. Inclusive, me desculpe, Heloísa.

— Constância , Tiago — Corrigiu Margot educadamente, passando os braços ao redor dos ombros da moça — Espero que não volte a se comportar grosseiramente com sua noiva. Estou decepcionada.

— Não, senhora Sampaio, está tudo bem — Heloísa sorriu para a sogra — Eu também ficaria nervosa se fosse ao contrário. Está desculpado, certamente, Tiago — Ambos se encararam com cumplicidade, mas Tiago rapidamente desviou o olhar.

Não podia voltar a cair nas artimanhas dela. Não sabia, tão pouco, como ainda topava esconder seu jogo.

— Está vendo como ela é gentil e doce, filho? Aonde mais você arrumaria uma moça como essa hoje em dia? — Tiago sorriu.

— Na balada que não, não é mãe? — Ironizou e Heloísa suspirou.

— Claro que não. Balada não é ambiente para se arrumar noiva, mas para se divertir com coisas do mundo — Inocente, Margot seguia plena — Bom... Acredito que seja hora de entrarmos. Heitor já vai começar o discurso de noivado. O anel está aí, filho?

Margot caminhava abraçada a Heloísa e Tiago seguia as duas. Tocou o bolso para constatar se realmente carregava a joia.

— Está — Respondeu simplesmente.

— Certo. Preciso ir ao encontro de Flora e encontro vocês na mesa — Margot soltou Heloísa e caminhou para longe apressadamente, deixando ambos parado em frente à entrada principal.

Heloísa suspirou e apertou os olhos. Tiago seguia parado diante dela.

— Porque você mentiu? — Questionou simplesmente, encarando-o duramente — Porque não acaba de uma vez com isso?

— Porque preciso da fortuna Chastel — Nervoso, aproximou-se a centímetros da face dela — E você também precisa de mim, de meu pai, de nossa administração. Nós precisamos um do outro, Constância Chastel.

A rispidez de Tiago advinha da ideia de ter sido feito de idiota por Heloísa, que não suportava ser tratada como uma qualquer e muito menos acreditava nas boas intenções do noivo. Contrariada, empurrou o peito dele levemente para que se afastasse.

— Não precisa de você para nada, Tiago Guimarães Sampaio! Minha fortuna não tomou um golpe de uma idiota qualquer, pelo contrário! Continua crescendo cada vez mais — Declarou seguramente — Por isso, confesso que seria um enorme favor vê-lo contando tudo a todos. Me livrar de você seria o melhor presente de noivado que eu poderia receber hoje.

Apressando-se a ir para longe, Heloísa deu as costas a Tiago e se infiltrou entre os convidados até sumir diante de sua vista. Irado, Tiago retirou de dentro do bolso o anel de noivado cravejado de diamantes e encarou o mesmo com a alma em chamas. Não podia acreditar ter sido feito de idiota por Constância, justo a mulher que jurou a si mesmo ao menos tentar amar.

Constância Chastel antes de Heloísa aparecer era digna de admiração, respeito e valor. A Constância após Heloísa significava sua total ruína, uma vez que a mesma o tinha totalmente em suas mãos! Apertou os olhos pela sensação ardente que o preenchia. Não contou a verdade porque só sabia pensar no lindo par de olhos escuros que o encarava e da maneira inocente como ela parecia nervosa.

Não contou a verdade porque, no fundo, não queria perder que acabou de reencontrar.

Apenas não admitiria isso em voz alta.


— O que está acontecendo com você, Constância? — Hannah perguntou quando todos os convidados se reuniram na sala de recepção — Você parece extremamente perturbada!

— E estou, irmã — Sussurrou desconcertada — Quando você souber do que se trata certamente me dará razão e irá querer me matar.

Não teve tempo de manter o diálogo, uma vez que seu pai finalmente atraiu a atenção para eles, parados a frente de todos os convidados junto a família Guimarães Sampaio. Tiago parecia estar nervoso e Heloísa sequer conseguia erguer os olhos.

— É com muito orgulho que Ernesto e eu estamos aqui, diante todos, para anunciar a união de nossos herdeiros — Heitor dizia cheio de si e nitidamente feliz. Heloísa se perguntou quando havia visto o pai tão satisfeito pela última vez. Era claro que o casamento de negócios trazia a ele um conforto inimaginável, pois sua ideia era deixar a esposa e as filhas nas mãos de pessoas confiáveis após sua morte eminente — Tiago e Constância, por favor.

Heloísa apertou os olhos e disfarçou o nervosismo em caminhar até o pai e se colocar frente a frente com Tiago. O olhar dele, mais do que tudo e todos, a perturbava! Tiago não sabia dissimular que existia algo além entre eles, dada sua ansiedade em encontrá-la e a maneira como a olhava.

"Não parecia que você me odiava quando estava comigo naquele quarto... Quando te tive nua em meus braços".

Engoliu em seco ao se lembrar das palavras dele. Ao confrontá-lo, Heloísa não conseguia se defender. Tiago a tinha por inteiro. Conhecia todas suas armas.

Ernesto e Heitor discursaram longamente sobre a construtora Guimarães Sampaio, sobre a grande fortuna e o grupo dos Chastel, mas era como se Heloísa e Tiago não pudessem ouvi-los. Ambos apenas se encaravam esperando o momento em que algum deles iria entregar tudo sobre a tórrida noite de amor, mas de fato nenhum deles conseguia fazê-lo.

Heloísa, por outro lado, buscava naquele ardente olhar resquícios do Tiago carinhoso e apaixonante que conheceu naquela noite. Não podia crer que o homem que fez amor com ela tão maravilhosamente em sua primeira vez era o mesmo que a acusava de enganá-lo. Não podia crer, tão pouco, que Tiago fosse tão santo na história. Qual seria seu plano, afinal, ele realmente precisava mais dela do que ela dele. A fortuna dos Chastel era indispensável para a recuperação da construtora Guimarães Sampaio e para Tiago era uma questão de honra reerguê-la.

Será que desejava tê-la em suas mãos, por isso fez com que fosse para a cama com ele?

Afastou o pensamento. Tiago não sabia que ela era virgem naquela noite. Ou sabia?

— Vamos, Tiago! — Ernesto dizia em tom divertido, tocando a nuca do filho, que o olhava a espreita — Finalmente pode colocar o anel de noivado no dedo de sua noiva!

O momento tão esperado por suas famílias chegou e Tiago finalmente se aproximou de Heloísa. Pediu a mão dela, que rapidamente foi erguida, colocando-se entre as dele. Tiago retirou o anel do bolso e deslizou no dedo dela com rapidez, porém em sua mente vários momentos marcantes apareciam.

Parecia um sonho ver sua doce Heloísa diante de si, tão linda e encantadora naquele vestido bege e batom vermelho. Parecia um sonho fazer dela sua noiva, principalmente por saber que ela era somente dele e havia se entregado com tanta paixão. Seu coração e seu corpo jamais clamaram tanto por uma mulher como por ela, porém sabia muito bem que quem estava ali não era sua Heloísa, mas sim a astuta Constância Chastel, a herdeira mais desejada do momento.

A mulher que certamente brincou com ele.

Os convidados aplaudiram após Tiago terminar a tarefa e coube a Brenda o próximo pedido.

— Agora o beijo! — A garota gritou animada e saltitando ao lado do irmão mais velho.

— Qual é, baixinha! — Tiago brincou, mas todos pareciam realmente esperar o momento em que se beijariam.

Heloísa o encarava sem reação e, diante do olhar esperançoso de seus familiares, Tiago tomou o rosto dela entre as mãos com destreza.

— Você não se atreveria... — Calou o sussurrou dela com um beijo calmo e rápido, mais incrível o suficiente para fazê-los sentir novamente a chama que os consumiu naquela noite.

Uma chama forte demais para ser esquecida... Simplesmente apagada.

— Agora sim, noivos, Constância Chastel — Respondeu em tom provocativo ao ouvido dela após se afastarem.

Somente a voz dele a fazia estremecer e Constância realmente o odiava por isso. Repudiá-lo era impossível daquela maneira.


H eloísa perdeu as contas de quanto tempo chorou após a festa acabar.

Refugiou-se em seu quarto durante toda a madrugada sem sequer ouvir tudo que seus pais tinham a dizer. A única coisa que precisava era ficar sozinha para poder colocar as ideais no lugar.

O Tiago que fez amor com ela naquela noite incrível era o mesmo Tiago que a levaria para o altar em nome de uma fortuna. O mesmo Tiago que a trocou por outra. O mesmo Tiago que a traiu naquela noite. Sim, Tiago a traiu, e apenas se deu conta do fato quando ouviu a opinião de Hannah sobre tudo isso.

— Esse rapaz é um safado, né? Além de te trocar por outra, volta, se diz arrependido e vai para a cama com a primeira que aparece estando noivo? — Indignada com tudo que ouviu, Hannah tentava consolar a irmã na manhã seguinte ao noivado quando as duas puderam finalmente conversar — Se você errou, ele também errou na mesma proporção! Por isso, minha irmã, seque essas lágrimas e dê a volta por cima!

— Você sabe como a sociedade é machista. Você sabe que para ele o argumento de "ser homem" justifica aquela noite, mas para mim... — Sorriu sem humor — Aquela noite me torna uma vagabunda, ainda mais por ter sido minha primeira vez.

— Mas ele te traiu, Constância! — Hannah disse um pouco mais alto, porém conteve-se quando a irmão pediu que abaixasse o tom — Ele te mandou aquela carta garantindo que mudaria, no entanto, foi para cama com... Heloísa!

Heloísa piscou algumas vezes buscando compreender.

Tiago traiu Constância com Heloísa. Constância também traiu a Tiago, afinal, ambos eram noivos...

— Se for assim, eu também o traí — Hannah revirou os olhos.

— Ele fez isso pela segunda vez, esqueceu? — Abaixando o olhar, Heloísa jamais se sentiu tão inútil e rebaixada.

A confusão de sentimentos era intensa, por isso não se conteve em ir até seu closet e retirar de lá a jaqueta de Tiago quando Hannah terminou a conversa. Trancou a porta do quarto e sentou-se na cama com a peça de roupas em mãos, admirando-a e tragando o cheiro másculo e delicioso que exalava dela.

Odiava a ideia de gostar dele.

Odiava a ideia de ainda não conseguir desvencilhar o Tiago daquela noite com seu noivo.

— Constância — Seu pai bateu na porta — Está pronta?

— Estou, papai — Respondeu do lado de dentro enquanto secava as lágrimas — Desço em um minuto!

— Leve um casaco... Está chovendo — Sem pensar muito nos fatos e sabendo estar atrasada, Heloísa colocou a jaqueta de Tiago nos ombros e saiu porta afora em busca do pai, que não questionou o fato da jaqueta ser grande demais para ela.

Desde que descobriram da doença, Heloísa costumava ir com Heitor todos os dias ao escritório e participar ativamente das decisões do grupo Chastel. Sabia que ainda tinha um longo caminho pela frente, no entanto, já se julgava capaz de tomar decisões simples e compreender alguns assuntos antes considerados complexos. Os anos que passou estudando empreendedorismo em paralelo com moda lhe ajudaram muito no cuidado do grupo empresarial da família.

— Esse não é o caminho da administração central do grupo Chastel, papai — Comentou quando notou que o motorista desviava o carro para outro sentido.

— Ah... Esqueci de comentar! Hoje vamos à construtora Guimarães Sampaio acertar alguns detalhes do contrato entre eles e nosso grupo. Para te adiantar, cobri os rombos nos cofres dos Sampaio e Tiago se tornará presidente do grupo Chastel com você quando eu... Quando eu faltar.

Heloísa não escondeu o espanto ao ouvir tais palavras.

— O grupo Chastel cobriu um rombo milionário em troca do Tiago? Ah, papai, por favor! Não pensei que nossos milhões valiam tão pouco! — Heitor sorriu à espreita.

— Tiago pode parecer um inútil, Constância, mas é um genial administrador... Exceto, é claro, quando não está enfeitiçado por uma qualquer por aí. Mas todos merecem uma segunda chance, não é mesmo? Não existe ninguém em que eu confie mais do que Ernesto para te ajudar a cuidar do grupo Chastel.

Certa que a reunião na construtora seria entediante e enfadonha, Heloísa buscou se distrair junto a seu pai durante todo o tempo. Cada segundo ao lado de Heitor era um presente para ela, visando que muito em breve não o teria mais a seu lado. Todos a cumprimentavam com sorrisos e abraços, deixando claro o quão importante era seu casamento com Tiago.

— Porque não vai até a sala de Tiago, Constância? — Ernesto sugeriu após se cumprimentarem — Margot e Diego também estão lá. Aproveite e chame todos para reunião.

Sem conseguir disfarçar o descontentamento, Heloísa seguiu pelo corredor em direção a sala dele com as pernas bambas. Encontrá-lo não fazia parte de seus planos, muito menos estando ainda tão abalada com a situação. Não tinha como fugir de Tiago e isso a assustava.

Aproximou-se da porta e teve um sobressalto ao ouvir a conversa que acontecia lá dentro. Não teve coragem de bater ao se dar conta que ela era o tema principal da conversa.


Tiago encarava a mãe e o irmão parado atrás de sua grande mesa de maneira sem compreender ao certo onde ambos queriam chegar.

— O que estão querendo dizer com esse circo todo sobre mim e Heloísa? — Sua pergunta pegou Margot de surpresa. A matriarca, sentada na cadeira à frente do filho do outro lado da mesa do mesmo, franziu o cenho em confusão.

— Heloísa? Mas quem é Heloísa? Estou falando de você e Constância...

— Desculpe... É que eu... — Não sabia como explicar que a garota que conheceu com aquele nome era a mesma que sua noiva. Apertou os olhos e suspirou — Ainda não me acostumei.

— Exatamente por isso estamos tendo essa conversa — Margot falava nervosa e Diego seguia sentado ao lado da mãe com expressão tranquila. Buscava ofuscar toda a ansiedade em busca de que seu plano desse certo — Não pude deixar de notar como brigaram em pleno noivado e a forma pouco amigável como se trataram. É evidente que não se suportam!

Sem saber o que dizer, Tiago se manteve calado. Não gostava de mentir e tão pouco podia desmentir o que sua mãe havia presenciado.

— Helo... Quer dizer, Constância e eu temos alguns problemas de relacionamento que serão resolvidos em pouco tempo — Garantiu tentando parecer convicto, porém muito inseguro. Poderia confiar nela?

— Por isso mamãe me fez uma proposta — Diego interveio roubando a atenção do irmão.

— Proposta? — Irônico, Tiago sentou-se para ouvir com mais calma — E no que isso me interessa?

— Acho melhor Diego se casar com Constância Chastel — Tiago parou de sorrir no mesmo momento e abaixou a mão que descansava em seus lábios antes curvados em um sorriso irônico — Ele sempre teve um comportamento mais dócil que você, Tiago, e não carrega bagagens negativas relacionadas aos Chastel. Seria mais... Prudente — Margot buscava as palavras corretas a serem ditas.

— Pois é, maninho. Você está muito nervoso ainda pelos seus problemas e talvez ela não te aceite assim tão fácil por tê-la abandonado. Nossos negócios correm risco... Não acha?

O sangue de Tiago ferveu nas veias de maneira tão avassaladora que sequer pôde se controlar. Colocou-se de pé no mesmo momento de maneira impulsiva e sem esconder o descontentamento.

— Isso é um absurdo — Suas palavras soaram atropeladas — Mãe... Como a senhora propõe uma coisa assim?

— Meu filho, compreenda... Não podemos perder nosso negócio com os Chastel! Talvez Constância se sinta mais à vontade se casando com Diego do que com você por causa de toda aquela história com a tal Manuela. Seu pai e eu pensamos na possibilidade faz um tempo, mas somente agora realmente consideramos — Tiago ouvia tudo em silêncio, mas seu coração batia tão rápido no peito que secretamente temia perder as forças — Não quero te ver preso em um casamento infeliz.

Não existiam palavras contra o argumento Manuela. Não existia maneira de se livrar da culpa, porém a simples ideia de ver Constância se casando com outro o tirava do chão! Constância era Heloísa e ela pertencia a ele de todas as maneiras, apenas não sabia como dizer isso em voz alta.

Ouviram duas batidas na porta e o olhar de Tiago se prendeu a quem entrava em seu escritório.

— Com licença — Constância entrou na sala e imediatamente Tiago reconheceu a jaqueta de couro que usava sobre os ombros. Deteve-se enquanto a encarava sem saber o que fazer — Tio Ernesto convocou todos para a reunião.

— Constância, querida... — Margot se colocou de pé rapidamente e caminhou até ela de modo a lhe prender em um longo abraço — Estávamos falando de você.

— Espero que bem — Sorriu de maneira tímida e encarou Tiago, que ainda permanecia observando-a dentro de sua jaqueta. O sangue fervia em suas veias por vê-la em sua roupa, principalmente porque se recordava de como havia ido parar com ela.

— Sempre bem... Bom, vamos? Hora da reunião — Diego passou por Constância assim que Margot se afastou e lhe deu um beijo rápido no rosto, acompanhado de um sorriso galanteador.

— Essa jaqueta... Não é do Tiago? — Comentou despertando a atenção de sua mãe.

A garganta de Heloísa secou e ela retirou a peça dos ombros quando notou o desconforto no olhar de ambos. Tiago ainda parecia nervoso e pensativo atrás de sua mesa.

— Sim, eu... Vim devolvê-la — Sorriu timidamente.

— E como isso foi parar com você, querida?

— Nos encontramos fora daqui para conversar, não é? — Finalmente desperto de seus pensamentos, Tiago caminhou até eles visando ajudar a moça a contornar a situação.

— Sim. Nós somos noivos... Temos muito a conversar — Margot sorriu satisfeita com as palavras e Diego olhou para Tiago dando a entender que sabia da verdade — Será que podemos conversar um minuto?

Margot se apressou a retirar Diego da sala e fechar a porta, deixando Heloísa e Tiago frente a frente. Vê-lo usando roupa social no escritório da construtora era realmente diferente, mostrando pela primeira vez que realmente estavam envolvidos em um contrato de negócios. Tiago a encarava com as mãos nos bolsos da calça sem saber por onde começar.

— Dei falta da jaqueta, mas ela realmente fica melhor em você — Heloísa estendeu-a para ele, que não se moveu — Pode ficar. Apenas não volte a aparecer usando ela em minha frente porque tenho lembranças que não convém e me dá vontade de... — Deteve-se antes de falar demais.

— Faço questão de devolver — Sua voz soava ríspida — Exatamente porque quero evitar tais recordações. Tudo aquilo... Tudo foi um erro — Tiago sorriu de canto.

— Realmente acha que foi um erro? — Heloísa concordou.

— O pior de todos eles — Sua convicção o convenceu.

— Meus pais querem que você se case com Diego. Pelo jeito não vai precisar lidar com seu erro por um bom tempo — Heloísa não escondeu a maneira como as palavras a atingiram.

Ouviu atrás da porta cada palavra dita por Margot, porém não acreditava que Tiago tocaria no assunto. Viu nos olhos dele uma propriedade que a assustou de imediato. Porque pensar na possibilidade de se casar com outro que não fosse ele a deixava nervosa, a fazia retornar a angústia de quando não conhecia o rosto de seu noivo? Não estava entregue a um estranho, mas ao homem que a conquistou em uma noite. A possibilidade de se casar com o irmão dele fez seu coração estremecer em desespero.

— Talvez seja o melhor a ser feito, uma vez que meu noivo é um completo idiota que pensa coisas erradas sobre mim — Tiago franziu o cenho pela confusão — Você também tem culpa... Naquela noite você me traiu!

— Te traí com você mesma? — Riu coçando a barba.

— E se não fosse eu? Se fosse outra Manuela? Voltaria a me enganar como fez no passado, não é, Tiago? — Tiago a pegou pela cintura de maneira a aproximá-la a centímetros de seu rosto. Heloísa tentou empurrá-lo, porém Tiago era mais forte que sua pouca resistência.

— Por acaso não se lembra que eu estava disposto a não ficar perto de você? O que nos aproximou foi o tal sorteio e... — Dizia tomado pelo nervosismo de estar tão perto dela. O cheiro feminino e doce o embriagava como na primeira noite.

— E? — Ela perguntou enraivecida.

— E o fato de você ter me deixado louco desde a primeira vez que te vi dançando na pista com aquela garota maluca de cabelo azul — Pega de surpresa pela declaração, Heloísa o empurrou fortemente. Tiago a soltou tomado pela decepção — Você faz isso comigo... Me deixa fora de mim! Eu perdi o controle de tudo!

— Quantas não fazem isso com você, Tiago Sampaio? — Ironizou com as pernas ainda bambas e as palmas suando pela proximidade de alguns instantes — Qualquer rabo de saia te faz perder o controle. Não pense que sou tão idiota apenas porque em um ato de loucura te entreguei minha virgindade... Não vai me tirar de boba por apenas uma noite — Tiago mordeu os lábios pelas palavras dela.

Prestes a sair da sala, Heloísa sentiu a mão dele lhe puxando de volta de encontro a seu peito forte. Nervosa, tentou atingi-lo com um tapa, mas sua mão foi segurada no ar.

— Você não vai me tirar de otário por uma presepada — Referiu-se a Manuela e Heloísa não escondeu o descontentamento — Acredite ou não, o que aconteceu entre nós dois foi diferente. Você sabe que foi... Eu sei que você sabe!

Heloísa não conseguia acreditar nele.

Não conseguia acreditar no homem que fugiu com outra no passado e que foi para cama com Heloísa estando noivo de Constância. Não conseguia acreditar naquele olhar que a despia apenas pousando em suas roupas.

— Não me importo em casar com você ou com seu irmão... Preciso que esse pesadelo acabe logo! Tudo que realmente me importa é o grupo Chastel — Tiago não sabia mais o que dizer — E tudo que sei é que você pode ter essa cara de santinho, Tiago Sampaio, mas você não vale nada!

Heloísa colocou a jaqueta nas mãos dele e a peça foi agarrada rapidamente. Tiago segurou o pulso dela com delicadeza e Heloísa suspirou por não aguentar mais ser agarrada por ele. Seu coração corria e o desejo lhe consumia com cada contato. Odiava amar senti-lo.

— Tudo que sei é que Heloísa foi minha amante e Constância vai ser minha mulher — Sussurrou próximo do rosto dela de maneira convicta — Guarde minhas palavras.

— Veremos no casamento — Afastou-se dele com um empurrão e seguiu porta afora sem olhar para trás.


— C arter... Conseguiu alguma notícia sobre aquele caso especifico? — Tiago sussurrava enquanto caminhava pelos corredores de sua nova casa.

Havia acabado de adquirir aquela linda propriedade para onde se mudaria com Constância após o casamento. Ernesto e Heitor circulavam pelo local junto a Margot, Brenda, Diego e Flora. Todos pareciam animados com o imóvel, exceto pela principal protagonista. Heloísa Constância havia se recusado a estar presente na visita e seus pais tentavam a todo custo justificar sua ausência.

— Ainda não consegui localizar Manuela em nenhum lugar, Tiago, e olha que isso é extremamente difícil. Tenho contatos em toda Europa... Acredito que ela tenha vindo para cá — Carter, seu detetive particular, soava confuso do outro lado da linha.

— Continue procurando, mova céus e terras se for necessário! — Nervoso, coçou a barba em sinal de inquietude e suspirou cobrindo os olhos — Preciso saber alguma notícia sobre Manuela, qualquer coisa!

— Calma Tiago... Cedo ou tarde ela vai aparecer! Ninguém se esconde por tanto tempo assim.

Uma mão forte apertou o ombro de Tiago, que se virou imediatamente em direção a mesma. Era Diego parado ao seu lado tentando compreender um pouco mais do interessante assunto que vinha escutando a pouco.

— Quer morrer, cara? — Tiago deu um tapa na mão do irmão e olhou ao redor, preocupado.

Não havia ninguém perto deles. Todos os demais conversavam ao lado da piscina, pôde ver da vidraça da sala.

— Quem quer morrer é você ficando atrás dessa Manuela chave de cadeia — Provocou, mas intimamente saltitava de alegria por saber que o irmão ainda procurava a antiga amante — Você não disse que não queria ver essa praga nunca mais?

— E não quero, mas não é tão simples — Falava em tom baixo e extremamente cuidadoso. Diego havia pego a conversa pelo meio e não seria fácil enrolá-lo — Nós ainda temos assuntos a tratar.

— Que assunto, cara? — Curioso, Diego se aproximou ainda mais do irmão. A expressão de Tiago era de um homem prestes a explodir, aumentando ainda mais a necessidade de Diego de ver o circo pegar fogo. Algo lhe dizia que o assunto era realmente sério — O que você pode ter para resolver com essa vigarista? Não me diga que ainda está apaixonado por ela?

— Claro que não, maluco! — Tiago ralhou olhando para os lados — E pare de falar sobre ela que meus sogrinhos estão aqui! Podem pensar algo ruim e contarem para Heloísa...

— Ah... Fala sério! — Diego desdenhou em tom de deboche — A última coisa para qual a Constância está é ligando você! Sequer veio conhecer a mansãozinha que vocês compraram para o casalzinho feliz morar — Tiago fechou a cara e suspirou novamente.

Seis semanas haviam se passado desde a última vez que a viu com seu casaco nos ombros. Seis semanas que Heloísa Constância fugia dele como gatos fogem de banho. Seis semanas pensando nela e em como chegar até ela. Parecia que uma enorme barreira se ergueu entre ambos quando se encontraram depois daquela noite.

Sua princesa virou uma inimiga.

Amanhã era seu casamento e não tinha certeza se ela apareceria.

— Acha que ela seria capaz de me deixar plantado no altar? — Diego deu de ombros diante da expressão transtornada do irmão.

— Bem capaz. Depois de tudo que aconteceu entre vocês... — Tiago mordeu a língua — Você deveria ligar para ela ou fazer uma visita, eu sei lá! Se mexe, cara! A nossa fortuna está nas suas mãos, meu querido...

— É, meu querido — Devolveu o tapinha que o irmão lhe deu nas costas — Tentei ligar para a casa dela, mas ela não me atendeu. Tentei as redes sociais, mas ela me bloqueou de tudo! Imagina se tenho cara de baixar lá na mansão dos Chastel? Claro que não!

— Fiquei sabendo de uma parada aí, mas não sei se te conto — Diego ajeitava o cabelo escuro tentando desviar a atenção dos demais da conversa de ambos. Era notório como Tiago parecia perturbado.

— Que parada? Agora que começou, termina — Louco para contar, Diego se voltou para ele chegando ainda mais próximo.

— Sua querida Constância vai para uma festa hoje com a tal de Adele maluquinha de cabelo azul, amiga dela — Tiago não disfarçou a maneira como se surpreendeu com o fato — É por isso que ela não está aqui, não só para te evitar, mas porque elas vão sair juntas.

— Como você sabe disso? — Sussurrou ainda desacreditado. Constância estaria querendo realmente lhe dar o troco?

— Encontrei a amiga dela no facebook e adicionei. Não foi difícil, não é, ela tem cabelo azul! — Disse como se fosse obvio — Ela postou algo sobre ir a uma festa hoje, eu chamei ela no chat como quem não quer nada e desenrolei o papo.

— Isso quer dizer que... — Diego o interrompeu.

— Que você vai ser corno de novo, só que desta vez talvez não dê muita sorte de ser com você mesmo — Tiago o fuzilou com o olhar.

— Cala boca, mano — Sussurrou contrariado e tentando disfarçar a maneira como fervilhava por dentro — Você sabe onde vai ser essa festa?

— E eu sou lá de fazer as coisas pela metade? — Diego retirou o celular do bolso — Mandei por mensagem.

— Beleza, valeu — De expressão fechada, Tiago se segurava para não esmurrar a parede e tudo à sua frente.

Enquanto estava alipensando nela e se gostaria da casa que escolheu para eles, Heloísa apenaspensava em se divertir e sair para uma festa as vésperas do casamento deles!Duvidava realmente se havia casamento no dia seguinte. Acreditava que pagaria o maior mico de sua vida, mas ao menos conseguiria chegar até ela.

— Você vai atrás dela? — Diego o seguia de perto, mas Tiago o ignorou — Será que ao menos pode me responder o que tanto quer com a Manuela?

A resposta de Tiago pairou no ar tão vaga quanto sua expressão enraivecida.


O vestido de noiva pendurado em seu quarto lhe lembrava a todo o momento que em algumas horas seria esposa de Tiago Sampaio e Heloísa se maquiava olhando-o de canto através do espelho.

Durante seis semanas se dedicou a tarefas insossas para o casamento. Em meio a inúmeras escolhas envolvendo decoração, cardápio e provas e mais provas de vestido pôde esquecer durante algum tempo a existência daquele que seria seu marido. Fugiu de Tiago o quanto conseguiu e se dependesse dela jamais voltaria a encontrá-lo, no entanto, suas possibilidades eram mínimas.

Desejou boa noite aos pais após ouvir um sermão longo sobre não ter ido conhecer a casa que Tiago escolheu para morarem após o casamento. Aquele imóvel era a primeira parte da junção das famílias, que agora formariam um verdadeiro império unidas em um casamento de faixada. Não conseguia se agradar com a ideia e não era falsa a ponto de sorrir para um homem que a julgava de maneira tão errada.

— Não consigo te entender — No banco de carona do carro de Adele, Heloísa contemplava a vista da cidade sob uma forte ameaça de tempestade de verão. Teve de sair escondida dos seguranças usando antigos macetes que apenas uma garota criada a sete chaves conhecia — Você não ficou toda apaixonadinha pelo Tiago quando perdeu a virgindade com ele? Ele ser seu noivo é tipo... Uau! Você vai casar com um cara que gosta, no final de tudo.

— Ele acha que eu o enganei para não precisar casar — Respondeu tristonha e sincera. Não precisava mentir para sua melhor amiga — Me trata como se eu fosse uma qualquer.

— Credo, Constância!

— Pois é... É o que ele pensa de mim! Que sou uma vagabunda porque me entreguei naquela noite — Tentava conter o tom desolado, mas buscava ser forte — O que penso dele também não é algo positivo. Ele me traiu duas vezes! Primeiro com Manuela e depois com Heloísa. Não pensou duas vezes antes de me levar para a cama e fazer juras de amor. Até prometeu abandonar Constância para ficar com Heloísa, você acredita?

Confusa, Adele dirigia mastigando um chiclete e com expressão engraçada.

— Ele pensa isso mesmo ou é o que você acha? — Heloísa a encarou finalmente desviando o olhar da vidraça molhada da janela — Ele te falou isso? Que você é uma vagabunda por ter ficado com ele?

— Não, mas... — Adele revirou os olhos — O jeito que ele fala comigo... O jeito que ele me olha... — Suas lembranças a faziam se arrepiar — Parece que está me comendo com os olhos, sabe? Me perturba.

— Ele te deseja, sua louca — Adele disse como se fosse óbvio, arrancando um olhar confuso da amiga — Significa que está doidinho para fazer de novo.

Adele explodiu em uma gargalhada após levar um tapa da amiga, que seguia séria e presa na ideia de que Tiago a repudiava.

— Quer saber, Adele? Não estou nem aí para ele! — O carro estacionou no estacionamento próximo da festa onde as duas iriam e Heloísa destravou seu cinto de segurança enquanto a amiga reunia suas coisas — Estou estudando empreendedorismo e administração com ainda mais afinco e assim que estiver uma administradora de ponta e segura quanto aos negócios não precisarei mais dos Guimarães Sampaio para nada! Meto o pé neste casamento e pronto!

— Exato — Adele concordou e as duas desceram do carro — Você tem que ser independente acima de tudo. Isso quer dizer que vai se casar amanhã?

— Não posso te responder isso agora, mas... — Sussurrou enquanto caminhava até a entrada da festa — Penso em meus pais. Em Hannah. Meu pai está muito doente e eu preciso de ajuda com o grupo Chastel, não me resta escolha! Se realmente me casar deixarei bem claro a Tiago as minhas condições.

— Que condições? — Entraram na festa após entregarem os convites aos seguranças. Tratava-se de uma festa mais sofisticada que o baile de outrora, porém tão animada quanto — Não me diga que vai exigir coisas dele?

— Claro que vou... E muitas!

A confusão instalada no coração de Heloísa era enorme. Se casaria, de fato, no dia seguinte? Conseguiria mesmo encarar Tiago Guimarães Sampaio todos os dias de sua vida sem se lembrar de suas traições e da maneira machista como ele lidava com a noite vivida por eles?

Tudo estava pronto. A festa estava paga. A casa comprada. Os contratos de negócios devidamente firmados. Apenas seu coração se despedaçava por simplesmente não conseguir esquecer o Tiago daquela noite... O Tiago que a teve por inteiro e jamais existiu.

Adele se divertia na pista de dança e Heloísa a observava sentada no bar com uma cerveja na mão. O novo sabor da bebida não lhe agradava, mas a fazia esquecer por algum momento toda a loucura que era sua vida. Por um momento invejou a animada Adele e sua história. Por um momento desejou não ser herdeira de uma fortuna tão grande e muito menos filha de pessoas influentes. Naquele momento apenas queria ser uma garota qualquer que podia se divertir sem pudores e fazer de sua vida o que bem entendesse. Não que não pudesse, de fato, mas não era ingrata e inconsequente com todos que a amavam e faziam de tudo por ela. Não podia fraquejar.

— Você quer dançar? — Um rapaz alto e forte se aproximou dela com um sorriso cordial. Heloísa ergueu os olhos em direção a ele sem qualquer ânimo e pensou em negar, mas a inquietude em seu coração a fez assentir. Precisava esquecer Tiago. Precisava se dar uma chance. Colocou-se de pé com a cerveja em mãos e caminhou com o estranho até a pista de dança — Nunca te vi aqui antes... — Comentou educadamente.

— É porque nunca vim aqui antes — Respondeu educada. O rapaz a encarava intrigado.

— Você não parece daqui — O mesmo papo de Tiago. Teve de conter a vontade de revirar os olhos, principalmente para ela mesma. Tudo ou qualquer coisa a fazia se lembrar dele.

— É porque não sou daqui.

— Hum. Interessante — Aproximou-se um pouco mais dela, lhe tocando a cintura. Heloísa estava prestes a empurrá-lo quando ouviu seu nome ser proferido por alguém atrás de si — Qual é seu nome?

— Heloísa! — O estranho olhou para trás junto a Heloísa, que se assustou ao notar que Tiago Sampaio se aproximava deles com a expressão fechada e o olhar gélido. Parou ao lado de ambos e apontou para o rapaz que abraçava a moça — Larga a minha mulher!

O estranho sorriu de maneira desdenhosa, mas soltou a cintura de Heloísa um pouco ressabiado.

— Se ela é sua mulher, porque estava bebendo sozinha ali no bar? — Heloísa cruzou os braços sobre o peito e, desafiadora, encarou Tiago de baixo. Não sabia como ele havia chegado ali, mas odiava o fato de gostar de revê-lo.

— Não sou nada desse cara — Encarava Tiago friamente — E se algum dia chegar a ser, vai ser por muito, muito pouco tempo! — Dando as costas aos dois, Heloísa caminhou para longe da dupla bebendo sua cerveja e se esgueirando entre as pessoas. Achou Adele no meio da pista e a puxou para o bar de maneira desengonçada — Preciso ir embora. O Tiago está aqui.

— O que? — A garota e cabelo azul olhava por cima do ombro e o viu se aproximando — Caraca... É ele mesmo!

— Heloísa! — Dizia o nome dela sem esconder o nervosismo. Em nada parecia com o executivo da construtora Guimarães Sampaio usando jaqueta de couro, botas e com o cabelo bagunçado. Tomado pelo ciúme de vê-la com outro, sequer conseguia ficar parado — Vem! Nós precisamos conversar!

— Quem você acha que é para ficar me dando ordens, querido? — Ironizou parada ao lado da amiga — E qual é a sua, hein? Será que nem na minha despedida de solteira posso ter uma trégua da tua cara?

Contrariado, Tiago apertou os olhos.

— Despedida de solteira? Incrível sua despedida de solteira! Se agarrando com um cara qualquer e enchendo a cara! Acha que não sei quais são seus planos para amanhã? — Heloísa olhou para os lados com meio sorriso.

— Não me importa o que você pensa... E você não é ninguém para me julgar! Já te falei que só quem compra essa tua cara de santinho é quem não te conhece! — Aproximou-se um pouco mais dele.

— E você me conhece por acaso, Constância ? — Sentindo o clima esquentar, Adele interveio.

— É um prazer te conhecer, Tiago. Sou Adele, best friend da Constância — Estendeu a mão para ele, que aceitou envergonhado.

— Me desculpe, é que essa menina me deixa... Fora de mim... — Heloísa seguia encarando-o. Realmente parecia tirá-lo do sério e gostava daquilo.

— Acho melhor vocês dois conversarem, né? Afinal, amanhã vão se casar e esse negócio de casamento é bem doido — Adele comentava com seu jeito brincalhão — Amiga, qualquer coisa... Estou por aí!

Saiu de fininho, mas Heloísa se recusou a ficar no mesmo lugar que Tiago. Saiu para o outro lado, em direção a saída da festa. Sequer olhava para os lados, ignorando totalmente o chamado ansioso dele a suas costas. Assim que saiu da festa sentiu o gelado da chuva e se deteve em um local coberto. Suspirando, deu uma longa golada na cerveja que ainda estava em sua mão.

— Você está pensando que sou o que? O maior otário do país? — Tiago a alcançou, parando a frente dela.

— Se não é o maior, está chegando perto! — Provocou, mas apenas ganhou um olhar reprovador por parte dele — A única coisa que realmente não pensei é que seria seguida por você por aí.

— Eu te segui porque sabia que você voltaria a fazer besteira... E pelo jeito estava certo, não é? — Heloísa apertou os olhos em sinal de confusão e cruzou os braços em frente ao peito, apoiando a ponta da garrafa de cerveja nos lábios — Te encontrei se agarrando com um babaca na frente de todo mundo!

— Você está certo, mas em partes — Seguia provocando-o — Da outra vez realmente cometi um erro terrível pegando o maior otário do país, mas desta vez a coisa era diferente... Se você não houvesse atrapalhado...

Tiago, totalmente fora de si por somente imaginá-la nos braços de outro, a agarrou por um dos braços e a trouxe para perto, de modo a praticamente colar seus rostos.

— Se quer sair com suas amigas, saia! Mas me botar chifre em público, não! Isso não vou admitir! — Dizia entredentes, mas sem conseguir afastar o olhar dos lindos olhos escuros da moça.

— Quer dizer que não posso fazer o mesmo que você fez comigo? — Apontou o dedo indicador da mão que segurava a garrafa em direção ao rosto dele — Além de otário você é hipócrita, Tiago Sampaio, e eu detesto gente hipócrita!

Heloísa não pensou duas vezes antes de virar o resto da cerveja de sua garrafa no rosto dele, fazendo Tiago soltá-la de imediato pelo susto. Feliz pela peripécia, Heloísa correu em meio a chuva buscando fugir dele e se divertiu ao vê-lo procurando-a em meio a tempestade.

Indignado com a audácia da herdeira Chastel, Tiago a perseguiu até encontrá-la próxima a rua seguinte, ao lado de um poste, esperando para atravessar. Sequer soube como, mas a agarrou pela cintura e a prensou contra o poste com toda raiva contida em seu peito. Os cabelos molhados se colavam a face da garota, que o encarava com os olhos escuros assustados e o peito se elevando pela breve corrida que disputaram.

— Quando vai compreender que nunca te traí verdadeiramente? — Questionou tentando controlar a vontade louca de gritar absurdos para ela. Diante daquele olhar doce, de sua singela beleza em um vestido azul e jaqueta jeans, se via incapaz de maltratá-la — Quando vai entender que eu sequer te conhecia quando fugi com Manuela? Agora é diferente... — Tocou a bochecha dela com carinho e Heloísa se manteve imóvel sob o toque cálido e a chuva fria — Agora eu conheço seu rosto. Seu corpo. Você toda.

Hipnotizado por ela, Tiago se aproximou dos lábios arroxeados pelo frio e lhe roubou um beijo ao vê-la surpresa por sua ação e imóvel em seus braços.

Heloísa queria afastá-lo, mas não tinha forças suficientes em seu coração ao ver seu Tiago, o Tiago daquela noite, refletido nos olhos escuros daquele homem. Envolveu-o pelo pescoço com ardor e aprofundou o beijo com a mesma intensidade que usava para discutir com ele segundos atrás. Se deixou ser beijada para poder lembrar de cada detalhe, de cada gosto, de cada gesto de ambos naquela noite. Não precisava de mais do que aquilo para criar coragem no dia seguinte.

Não precisava mais do que se lembrar de que, de alguma forma, a vida a fez pertencer a ele.


T iago ajeitava a gravata vermelha de maneira nervosa, caminhando de um lado para o outro no altar da bonita igreja onde a família Chastel escolheu fazer o casamento.

Diante de seus olhos estava toda a sociedade empresarial mais influente do momento e seus familiares de todas as partes do país. Mais de quatrocentos convidados e nem todos viriam para a cerimônia religiosa... Engoliu em seco diante de tantos olhares curiosos e da possível vergonha que poderia passar.

Coçava a barba de maneira nervosa, buscando esquecer de alguma maneira o desastre da noite anterior.

Vindo de Heloísa, tudo era possível!

Após o beijo, Heloísa o afastou nervosamente e cobriu os lábios com as mãos, apertando os olhos. Encarou-o após alguns segundos sob a chuva e cuspiu a seus pés, apontando novamente o dedo em riste na direção de seu peito.

— Nunca mais volte a me tocar, ouviu bem? Nunca mais! — Falava forte, em plenos pulmões, com o olhar dominado pela raiva. Tiago não compreendia o porquê de tanto ódio... Não entendia os pensamentos que Heloísa acreditava que ele tinha sobre ela e a maneira como ainda doía ter sido trocada por Manuela — Se eu disser sim amanhã, pode ter certeza que o farei por meus pais e por minha irmã, não por você! Você, seus pensamentos, aquela noite e seus beijos, para mim, não significavam nada!

Dando-lhe as costas, Heloísa correu para o outro lado da rua em direção a um ponto de táxi, mas foi impedida por Tiago, que lhe segurou o braço.

— Não vou deixar você voltar sozinha! Eu te levo! — Desvencilhando-se dele, Heloísa buscava algum carro disponível, mas não havia nenhum.

A chuva forte ainda caía sobre ambos e os relâmpagos se desenhavam no céu escuro. Molhada dos pés à cabeça e totalmente abalada por Tiago, pensou em desistir, mas não seria tão fácil sair dali sozinha, uma vez que não podia voltar para a festa naquele estado. Notando que a garota baixou a guarda, Tiago a guiou até seu carro, onde ambos entraram e ficaram em silêncio ouvindo a desastrosa tempestade continuar.

Claro que Heloísa se lembrou do carro dele. Claro que se lembrou de como se abraçaram e se beijaram intensamente ali dentro, algo que tornou o clima ainda mais tenso.

— Tomara que amanhã não esteja chovendo... Vai estragar nosso casamento — Tiago comentou após ligar o carro e começar a dirigir em meio às ruas molhadas. Heloísa apenas ignorou o comentário, nervosa por estar sozinha com ele — Posso fazer apenas uma pergunta? — Sussurrou após parar o carro no farol.

— Posso fazer uma antes de você? — Tiago concordou imediatamente — Acha mesmo que eu sabia quem você era naquela noite?

Tiago abaixou o olhar sem saber ao certo o que responder.

— Às vezes sim, às vezes não... — Deu de ombros — Está aí uma resposta complicada de dar.

— Você é realmente é um babaca — Voltou ao tom ríspido — O que eu ganharia com isso? Por acaso não se lembra o que eu era antes de te conhecer? — Corou após dizer, mas se conteve longe dele.

Tiago agarrou o volante ainda mais forte em sinal de nervosismo. Parando para pensar de maneira racional, Heloísa não tinha motivos para enganá-lo. Olhou-a de canto e encontrou o lindo rosto molhado coberto pelos fios úmidos de cabelo escuro colados as bochechas rosadas.

Sua Heloísa. Sua Constância.

Abaixou o olhar e suspirou pesadamente, concordando em silêncio. Se ela quisesse fugir dele, certamente já poderia ter feito.

— Você tem razão — Surpresa, Heloísa o encarou — Me desculpe por tudo que eu disse. Sou um idiota por ter te tratado daquele jeito.

O silêncio dominou por alguns instantes, até que Heloísa conseguiu quebra-lo com suas incertezas relacionadas aos interesses do casamento arranjado.

— É verdade ou apenas está dizendo isso por medo de eu não me casar e você perder a oportunidade de colocar a mão na grana da minha família? — Tiago revirou os olhos e acelerou o carro pelo descontentemente.

— Será que não consegue falar comigo sem ser para me provocar ou me chamar de mentiroso?

— Fala logo! — Heloísa insistiu já sem paciência — Qual é a sua brilhante pergunta?

Tiago suspirou e seguiu dirigindo, encarando as gotas de chuva forte se chocando contra o para-brisa. Mordeu os lábios quando parou no farol já próximo da mansão Chastel e voltou-se para ela, que esperava a pergunta um tanto ansiosa, as mãos unidas em seu colo sobre a barra do vestido azul molhado.

— Realmente ficou chateada quando fugi com a Manuela ou isso tudo é só uma desculpa para me afastar? — Heloísa sustentou o olhar dele durante alguns segundos, mas rapidamente voltou-se para frente após recuperar a sanidade.

— Que mulher gosta de ser trocada? — Tiago estacionou em frente à mansão dos Chastel.

— Outra pergunta não é uma resposta — Insistiu Tiago, virando-se em direção a ela. A luz de fora foi acesa e alguém apareceu na varanda de entrada. Era Heitor, usando pijamas e com o celular em mãos — Acho que você está com problemas.

Ambos olharam em direção ao pai da garota, que estreitava a visão em direção ao carro.

— Droga... — Sussurrou para si mesma.

— Vem, vamos descer.

Tiago saiu do carro e Heloísa o seguiu, ambos subindo as escadas em direção a Heitor, que não escondeu a surpresa ao vê-los juntos e molhados da cabeça aos pés. A presença do rapaz de certo livrou Heloísa de um problema e trouxe contentamento a Heitor, que após uma breve desculpa dada pelo casal insistiu para que Heloísa fosse se deitar para descansar para o casamento. Parada aos pés da escada, Heloísa chamou Tiago antes que o mesmo saísse pela porta da frente. O rapaz se virou rapidamente, encarando-a.

— Sua resposta é antes não, agora sim — Foi tudo que disse antes de subir silenciosamente para o quarto.

Antes não, agora sim.

A sentença acompanhou Tiago durante todo caminho de volta e fez sentido apenas quando se encostou em sua cama e fechou os olhos para se lembrar da noite onde Heloísa foi sua.

Antes daquela noite não havia se chateado com sua fuga com Manuela. Após ela, sim.

Parado no altar, enxergou um lampejo de esperança para o casamento que tinha tudo para ser um caos. Se havia se magoado pela fuga dele após a noite que passaram juntos significava que no fundo, bem no fundo, Heloísa Constância poderia chegar a sentir algo bom por ele. Talvez seu casamento pudesse dar certo.

Todos já aguardavam a chegada da noiva que, por tradição, havia se atrasado. Tiago se aproximou de Adele, uma das madrinhas da cerimônia, e parou ao lado dela com as mãos nos bolsos de seu bonito traje formal de noivo. A moça de cabelo azul usava um vestido longo no mesmo tom de seu cabelo e o encarava surpresa pela abordagem.

— Me diz, por favor, que sua amiga não vai desistir de casar agora — Sussurrou sorrindo cinicamente, como se conversassem algo banal. Adele devolveu o sorriso cínico e fingiu ajeitar a rosa no bolso dele — Ela já está atrasada quarenta minutos.

— Acho melhor você começar a rezar, amigo. Aproveita que já está dentro da igreja e ajoelha — Continuava sorrindo para ele, que murchou o sorriso imediatamente.

— Ela não faria isso, faria? — Olhou para as centenas de convidados sentando na igreja e gelou por dentro.

— Até parece que você não conhece a Helô.

Nervoso pelo comentário de Adele, Tiago voltou ao altar e tentou disfarçar a inquietude. O celular vibrou em seu bolso e, visando desliga-lo, se atentou ao fato de que era uma chamada de Carter, seu detetive particular. Afastou-se um pouco do altar e atendeu com a mão em frente aos lábios.

— Cara, não é uma boa hora. Estou no altar esperando minha noiva! — Sussurrou de costas para as pessoas, que já cochichavam entre si.

— Desculpe, Tiago! Pensei que o casamento já havia terminado...

— É, estou achando que sim — Comentou nervoso, virando-se para a entrada da igreja que seguia vazia — Fala, o que tem para mim?

— Manuela, cara... Ela está no país! Na cidade, para ser mais exato — Tiago se deteve ao ouvir tal notícia.

— Você sabe que não é dela que quero saber — Disse friamente, ainda mais nervoso.

— Sobre isso, não sei nada. Mas acredito que esteja com ela. Não existe outro lugar para estar — Tiago apertou os olhos, mas foi rapidamente tomado pela surpresa de ver uma movimentação na entrada da igreja e todos se ajeitando para o início do casamento.

— Graças a Deus... — Sussurrou para si mesmo, afastando o celular do ouvido e o enfiando no bolso sem sequer se despedir de Carter.

Voltou para o altar notando a expressão de alivio de seus pais e sentindo um grande peso saindo dos próprios ombros.

Tudo aconteceu muito rápido e não demorou até ver Heloísa entrando na igreja de braços dados com Heitor Chastel. Jamais imaginou se emocionar em uma situação como essa, principalmente se tratando de um casamento por contrato, mas ao vê-la tão linda vestida de noiva sentiu o coração amolecendo e o rosto esquentando.

O vestido de Heloísa era colado ao corpo, branco, de mangas longas e com pérolas espalhadas por todos os lados. Não era um vestido tradicional, porém certamente lindo e especial, assim como sua noiva. O cabelo longo descia pela cintura e uma pequena tiara decorava o mesmo. Mais próximos, pôde notar um discreto colar em seu pescoço com o nome "Chastel" escrito. Heloísa não dava ponto sem nó e aquele colar deixava claro a ele o motivo daquele casamento... A única coisa que importava para ela, como havia dito a ele uma vez...

A fortuna Chastel. Seu império. Seu nome. Seu prestígio.

Heitor beijou a testa da filha e apertou a mão de Tiago rapidamente, passando-a para ele com carinho.

— Obrigado por vir. Você é bem-vinda — Sussurrou de maneira irônica, próximo dela, para que somente Heloísa o escutasse.

— Para de palhaçada — Respondeu baixinho e ambos caminharam até o altar. Tiago teve de sorrir. Nem mesmo parecendo uma princesa Heloísa conseguia ser doce e amável com ele.

— Você está linda... Mais do que nunca — Sincero, segurou a mão dela quando pararam em frente ao padre.

— Já estou aqui, Tiago. Pode parar — Seguia sussurrando.

— Porque não consegue falar direito comigo nem na frente do padre?

— Porque não acredito em você.

Visando não discutir no altar, Tiago se limitou a segurar a mão dela enquanto o padre começava a conduzir a cerimônia.

Heloísa o observava de canto de olho, guardando para si a maneira como o estava achando lindo usando seu traje de noivo e com o cabelo devidamente arrumado. O perfume de Tiago a embriagava e mesmo que quisesse demonstrar infelicidade com o casamento, não podia realmente fazê-lo. Um sorriso tímido se desenhava em seus lábios quando perdia a concentração e não podia negar que existia algo dentro dela, uma parte escondida, emocionada por aquele momento.

O casamento arranjado contra sua vontade estava exatamente como sempre imaginou que seria seu dia especial e até mesmo o noivo parecia a pessoa certa para estar ali, agora.

Exceto, é claro, por ser um mentiroso traidor.

Brenda entrou trazendo as alianças com um sorriso inocente e feliz, saltitando com seu vestido branco e tiara de flores nos cabelos escuros. Tiago deu um beijo carinhoso na irmã antes de apanhar os anéis, duas grossas alianças de ouro com o nome de ambos decorando o interior, junto a data daquele dia. A primeira coisa que Heloísa notou foi seu primeiro nome gravado ali, não Constância, como todos costumavam chama-la.

Tiago gravou o nome pelo qual a conheceu e o fato não deixou de surpreendê-la.

— Heloísa Constância Chastel e Tiago Guimarães Sampaio, eu vos declaro, marido e mulher.

Tiago se aproximou dela gentilmente e segurou o bonito rosto entre suas mãos.

— Não vai me fazer desfeita, por favor — Pediu baixinho sob os olhares de todos.

— Aí, Tiago... — A calou com um beijo antes que pudesse fazer algo para pará-lo.

Heloísa apenas se deixou beijar enquanto ouvia a comemoração dos convidados e não olhou para ele quando se separaram.

A felicidade de Ernesto e Margot, Flora e Heitor não podia ser ignorada. Comemoravam como se houvessem feito o negócio de suas vidas e de fato o fizeram. Ernesto e Margot recuperavam naquele momento o prestígio da família e Heitor sentia a segurança de poder partir deixando a esposa e as filhas em boas mãos.

Saindo da igreja, os convidados se espreitavam para se dirigirem até o local da festa. Heloísa seguia próxima do noivo, mas conversava com a mãe e a irmã sobre os próximos passos do dia. Diego se aproximou do irmão coçando a cabeça, nervoso, puxando-o pelo braço.

— Você viu quem está lá atrás? — Tiago se voltou para o irmão rapidamente.

— Quem? — Ergueu o olhar sorrindo, sem esconder a satisfação pelo casamento.

— Olha só... — Seguiu o olhar do irmão e não pôde acreditar no que viu — Manuela.

Sentada ao fundo, no último banco, estava ela.

Linda. Sensual. Desafiadora.

Usava um chapéu que escondia parte do rosto, mas o cabelo negro, o olhar frio e a roupa decotada não deixavam dúvida. O olhar se dirigia para Tiago, assim como um pequeno sorriso irônico. O rapaz coçou a barba sem saber o que fazer, olhando para Heloísa sorridente ao lado da família.

A presença de Manuela arruinaria tudo que vinha pouco a pouco construindo com Constância.

— Como ela entrou aqui? — Diego não soube o que dizer, uma vez que não podia contar que a ajudou a entrar.

— Você a conhece... Ela dá jeito para tudo — Notando que havia sido vista, Manuela começou a caminhar em direção a eles.

Nervoso, Tiago foi até Heloísa e a puxou pelo braço em meio a igreja vazia.

— O que foi, Tiago? — Questionou surpresa, virando-se para ele.

— Precisamos ir, eu... — Não pensou que Manuela tivesse coragem de se aproximar deles, mas a mesma o fez sem pensar duas vezes, parando em frente a Heloísa com segurança e um largo sorriso.

— Você deve ser Constância, a herdeira dos Chastel — A voz dela ecoou aos ouvidos de Tiago como uma canção de horror. Não sabia o que fazer, muito menos como sair daquela situação. Diego se divertia com a cena — Meus parabéns pelo casamento. Você está linda!

Imóvel ao lado da esposa, Tiago encarava Manuela como se quisesse matá-la. Seguia sendo a peçonhenta em pele de rainha como sempre foi. Heloísa, por sua vez, apertou a mão dela de maneira inocente e com um sorriso lindo nos lábios.

— Obrigada, agradeço pela felicitação — Manuela sorriu para ela e em seguida para Tiago.

— Nos vemos — Disse a ele com a voz forte e decidida.

Tiago engoliu em seco, apertando os olhos e suando frio de nervoso. Não podia armar um escândalo, do contrário, Heloísa poderia transformar a festa deles em um inferno se soubesse quem realmente era aquela mulher. Tudo estava indo bem, sua esposa parecia animada... Não podia colocar tudo a perder agora, muito menos por Manuela!

— Quem era? — Heloísa perguntou a ele quando Manuela se afastou.

— Ninguém importante — Respondeu somente, um pouco envergonhado.

— Vem, Constância. Você precisa se trocar para festa! — Flora e puxou educadamente, afastando-a de Tiago, que não conseguia controlar o nervosismo diante da situação.

Soube, naquele instante, que não deveria ter omitido nada sobre Manuela.

 

H eloísa sentia-se tola pela felicidade que exalava em seu casamento, mas não podia negar que o sentimento a embriagava de tal maneira que era impossível ignorá-lo.

Não era segredo para muitos que o casamento de Tiago e Heloísa foi feito através de um negócio entre os Sampaio e os Chastel, mas o contentamento do casal não deixava dúvidas de que algo existia entre ambos.

— É tão bom te ver feliz, minha filha — Heitor comentou em dado momento da festa, após Heloísa jogar o buquê de flores para as convidadas solteiras. A animação dela era motivo de vários cumprimentos — Pelo visto você e Tiago estão se dando bem, não é mesmo? Pela cena que vi ontem...

— Nunca vamos nos dar bem, papai. Não se engane — Aproximou-se do rosto do pai e lhe deu um beijo carinhoso — Isso é um negócio, esqueceu?

— O Tiago gosta de você, Constância. Vejo pelo jeito como ele te olha — Garantiu convicto e lhe dando uma piscadela. Tiago os observava de longe, bebendo champanhe e conversando com uma roda de amigos. Ergueu a taça em direção a eles — Basta que largue de ser tão cabeça dura. Eu sei como minha herdeira consegue ser astuta e difícil quando está disposta a tanto.

Passou a festa recebendo cumprimentos, presentes e sem ter tempo de ficar a sós com Tiago, algo que estava lhe tirando a paz. Não sabia como tudo seria quando a festa acabasse e ambos ficassem no completo vazio.

— Vou sentir sua falta, irmã — Hannah segurou a mão da irmã quando todos já haviam ido e restavam apenas seus familiares se despedindo. Linda em seu vestido de madrinha, a irmã mais velha de Heloísa parecia ainda mais encantadora com os olhos verdes emoldurados em uma incrível maquiagem — Vai ser difícil ficar lá sem ter minha caçulinha para conversar.

— Não se engane. Vou aparecer sempre que puder, mais do que você imagina — Abaixando-se na altura da cadeira de rodas, Heloísa abraçou a irmã com carinho — Eu te amo. Muito!

— Também te amo, Constância.

Ao erguer-se, Heloísa se deparou com Tiago parado ao lado dela. Já tinha a gravata frouxa ao redor do pescoço, alguns botões da camisa aberta e o olhar cansado. Assim como ela, que já estava usando o vestido rosa claro e sapatilhas baixas que escolheu para a comemoração.

— Vamos, esposa? — Tiago a abraçou pelos ombros, mas Heloísa o afastou em seguida — Como sempre, amável — Comentou com Hannah, que riu baixinho.

— Cuida da minha irmã, hein, Tiago — Hannah brincou e Tiago foi até ela. Lhe tomando uma das mãos, depositou um beijo carinhoso ali. Tinha um carinho grande por Hannah, sempre educada e inteligente.

— Melhor dizendo... Devo tomar cuidado quando estou com a sua irmã — Hannah riu ainda mais e Tiago seguiu segurando sua mão. Heloísa os observava de braços cruzados e um pouco incomodada pela forma como Tiago parecia ter intimidade com Hannah.

— Você é muito querido, Tiago. Estou feliz que seja meu cunhado agora — Sincera, Hannah sorriu para ele.

— Não são todos que pensam isso, sabe? — Soltou a mão de Hannah — Acho que casei com a irmã errada — Brincou e piscou para Hannah.

Rapidamente Heloísa fechou a expressão e cruzou os braços.

— Está arrependido, meu bem? Olha, Hannah, se você quiser eu coloco dentro de uma caixa e amarro para presente — Apontou para Tiago e deu as costas aos dois, saindo na direção oposta.

Tiago correu atrás dela e parou ao lado quando Heloísa começou a pegar seus pertences para ir embora.

— Nem casou e já virou ciumenta, esposa? — Dizia próximo do ouvido dela, também pegando suas coisas.

— Para você, Heloísa ou Constância — Virou-se para ele após colocar a bolsa de lado nos ombros — Esposa é só no papel.

— Sendo assim, Heloísa, não precisa ter ciúmes da sua irmã, aliás. Agora ela é minha irmã também — Suspirando pelas palavras dele, Heloísa mordeu os lábios — Já se despediu de todo mundo? — Ela assentiu — Podemos ir?

— Infelizmente.

Tiago caminhou com ela até o carro, observando que Heloísa mantinha os braços cruzados em frente ao corpo em uma postura defensiva.

— Tive a impressão de que estava gostando da festa... Você parecia animada.

— Sou uma boa atriz — Desdenhou quando Tiago estendeu a chaves, oferecendo o carro para ela dirigir. Rapidamente apanhou as chaves e se sentou no banco do motorista após ele abrir a porta para ela. Era estranho saber que estava indo para casa com ele. Mais estranho ainda era estar se acostumando a vê-lo sempre.

— Devo admitir, você finge muito bem — Acomodado no banco do carona, Tiago a observava dirigindo concentrada e atenta — Lembro bem como você fingiu que gostava de mim naquela noite quando fizemos amor. Você realmente parecia estar apaixonadinha e...

— Se não quer que eu bata o carro no primeiro muro em uma tentativa desenfreada de tirar a sua vida, fica quieto! — Esbravejou o fazendo se calar — Já disse para você nunca mais falar sobre isso!

— Tem razão, tudo bem, me desculpe! — Tiago dizia fazendo sinal de paz com os dedos — Não está em meus planos uma briga em plena lua de mel.

— Que lua de mel? Ah tá, lua de mel... Você está bem louco, querido — Desdenhou em uma risada forçada — Será que está esquecendo que isso aqui — Gesticulou entre ambos — É um casamento de fachada?

— Fachada? Não... Pelo que eu saiba os papeis que assinamos estão dentro da lei e essas alianças aqui — Mostrou a mão esquerda para ela e seguiu em sua postura irônica — Simbolizam que tudo é real. E também tem aquela outra história nossa, não é? Aquela que você não quer que eu comente... Aquela lá garante mais ainda que você é minha mulher.

— Eu não vou para lua de mel nenhuma com você! — Heloísa disse entredentes — Preciso ir para as reuniões do grupo Chastel e tenho obrigações! Meu pai precisa de mim a frente dos negócios e agora de você também, infelizmente.

— Constância... Já comprei as passagens — Insistiu em tom sério, percebendo que a garota falava a verdade e não parecia nenhum pouco disposta a viajar com ele.

— Então terá de devolvê-las! — Estacionou a frente ao endereço onde o aplicativo de rota a direcionava. Esticou o pescoço para ver a casa e teve de admitir para si mesma que se impressionou com o tamanho da mesma. Era quase tão grande quanto a de seus pais, talvez um pouco mais simples, porém incrível — É aqui onde vamos morar?

— Bem-vinda ao castelo, princesa — Tiago brincou descendo do carro e Heloísa o seguiu. Cruzou os braços diante do peito enquanto assistia Tiago retirando algumas coisas do carro e rapidamente viu um casal de senhores aparecendo. A simpática senhora era magricela, tinha cabelos escuros e usava um uniforme. O rapaz ao lado era alto, moreno e sorridente — Ah, claro... — Tiago aproximou-se dela e sorria animado para a dupla — Constância, esses são nossos colaboradores, Gael e Hipólita. Gael vai ser nosso motorista e Hipólita cuidará da casa para você não quebrar a unha e eu demonstrar meu completo desastre com tarefas domésticas. Gael, Hipólita... Essa é Constância, minha esposa.

— É um prazer — Constância se adiantou a cumprimenta-los com um aperto de mão.

— Não era Heloísa, senhor Tiago? — Hipólita interveio de maneira confusa.

— Heloísa Constância, Hipólita — A moça disse meigamente — Pode me chamar como quiser.

Ambos ajudaram Tiago a descarregar as malas enquanto Heloísa olhava cada detalhe da casa, impressionada. Não havia dado nenhuma opinião sobre a mesma, porém o lugar ficou maravilhoso, como se a mesma houvesse decorado. Caminhou em silêncio pelos cômodos, conhecendo cada parte que seus olhos podiam alcançar enquanto Hipólita e Gael narravam a Tiago alguns assuntos relacionados ao dia-a-dia.

Alcançou a parte de cima, onde ficavam os quartos, e olhou para todos um tanto curiosa. Alguns não tinham nada mais que o básico, porém o maior deles estava decorado com alguns de seus objetos pessoais e que apenas poderiam ser encontrados em seu quarto na casa de seus pais. Adentrou ao mesmo e notou que algumas coisas de Tiago também estavam por lá, dando a entender que dividiriam o mesmo espaço.

Não pôde deixar de reparar no bom gosto que o mesmo tinha para artigos decorativos, muito menos nas fotos de ambos espalhadas pelo local.

— Espero que tenha gostado — Virou-se para encontrar Tiago parado na porta do quarto — Confesso que recorri a Hannah para me ajudar com a decoração. Ela sabe bem seus gostos e me deu um grande auxilio.

Parada ao lado da cama e de frente para o criado mudo, Heloísa abaixou os braços e mordeu os lábios.

— Não posso negar que a casa é maravilhosa, de fato, mas eu não vou dormir no mesmo quarto que você — Tiago torceu os lábios e se aproximou um pouco mais dela, parando a sua frente com as mãos enfiadas nos bolsos.

— Quando é que vamos parar com essas bobagens, Heloísa? Nós já somos casados, não tem porque continuar com essa implicância gratuita direcionada a mim — Tiago retirou a gravata que descansava frouxa em seu pescoço, assim como o paletó dos ombros. Os primeiros botões da camisa branca estavam abertos, dando visão de parte do peito dele a ela — Vai querer mesmo ficar nesse clima de desavenças quando as coisas podem ser mais fáceis?

— Fáceis como? — Afastando-se dele, Heloísa caminhou para o outro lado do quarto. Podia ser fácil usar palavras ferinas com ele, mas não era tão simples resistir aos sentimentos que lhe causava, principalmente o desejo de senti-lo como na primeira noite em que o viu — Quer que eu banque a esposinha para você, é isso mesmo? Já não basta a humilhação de ter que me casar com o homem que me trocou por outra e ver sua família se aproveitando da doença do meu pai para botar a mão na fortuna Chastel, ainda tenho que ceder para você? Faça-me rir, Tiago Sampaio!

Rindo sem humor, Heloísa seguia deslizando o olhar curioso pela impecável decoração do quarto, predominantemente branco, salmão e bege, suas cores favoritas e que certamente Hannah conhecia.

— Pode falar tudo de mim, mas não acusar meus pais de se aproveitarem da doença de Heitor... Meu pai e ele são primos, quase irmãos. Sei bem como meus pais se envergonham de tudo que envolve nosso nome e como está sendo doloroso para meu pai perder o melhor amigo — Surpresa com a intensidade com a qual Tiago defendia o pai, Heloísa se virou em direção a ele.

— Será que se compara a dor de estar prestes a perder um pai? — Tiago abaixou o olhar rapidamente e apertou os olhos. Ergueu-o novamente e encontrou Heloísa parada a sua frente, de braços cruzados e com lágrimas retidas — Você acha que ter sido trocada é a pior coisa da minha vida? Não, Tiago... Existem dores bem piores, pesos ainda maiores e situações incontroláveis como essa que estou vivendo.

— Heloísa... — Ela ergueu a mão pedindo para que Tiago se calasse.

— Já carrego grandes responsabilidades nos ombros e, por favor, não torne tudo mais complicado! Não vou dormir com você, nós dois — Gesticulou entre eles com as mãos — Apenas existe no papel e nunca, jamais, vamos ter qualquer intimidade — Secando uma lágrima em sua bochecha, Heloísa dizia duramente. Era complicado abrir seu coração, principalmente com o medo que tinha de se machucar. Não podia confiar no homem que a traiu duas vezes — Você entendeu? Nosso casamento é um documento com prazo de validade.

— E quando termina esse prazo? — Questionou rapidamente, surpreendendo-a — Talvez eu posso fazer algo para que ele se prolongue.

Sorrindo sem humor, Heloísa suspirou.

— É uma tarefa quase impossível.

Em silêncio, Tiago ergueu uma das mãos e tocou o rosto dela com carinho. Heloísa tentou se esquivar, mas a insistência dele a venceu. Apenas se retesou sob o toque e o encarou firmemente com seus olhos em formato de borboleta.

— Eu sei que você me acha um idiota, mas sinto muito por seu pai — Confessou seriamente, sem conseguir evitar o tom tristonho — E esse monte de responsabilidade aí que você tem... Isso tudo também é meu. Mesmo que esteja apenas no papel, agora nós somos senhor e senhora Chastel Guimarães Sampaio. Nós estamos juntos.

Heloísa desejou por um segundo ter alguma confiança em Tiago, mas não conseguia acreditar em suas palavras. Depois de tudo que havia aprontado, a única forma de acreditar nele era tendo em troca alguma prova. Abaixou o olhar e o rapaz retirou a mão de seu rosto, buscando não se iludir com a beleza de suas promessas.

— Qual de nós dois vai dormir neste quarto? — Questionou após alguns segundos de silêncio. Coçando a barba, Tiago olhou ao redor em busca de algo a dizer.

— Pode ficar, se desejar. Me ajeito em algum dos outros — Deu de ombros. Heloísa concordou e passou a andar pelo cômodo novamente.

— Sendo assim, vou tomar um banho e descansar. Estou acabada pelo dia especial — Ironizou e Tiago seguiu parado no mesmo lugar — O que foi?

Mordendo os lábios, Tiago a encarava sem esconder o interesse.

— Hoje é nossa lua de mel, afinal — Relembrou um pouco tímido e Heloísa ergueu uma sobrancelha — Já sei que não vamos... — Gesticulou entre eles — Mas podemos ao menos brindar, o que acha?

— Brindar a quê? — Apoiou a mão em frente aos lábios com o olhar desdenhoso em direção a ele.

— Ao sucesso do negócio entre nossas famílias — Sugeriu após pensar — Te espero lá em baixo... — Sem esperar resposta, Tiago caminhou em direção a porta e segurou a fechadura com a porta ainda aberta — E sobre... Bom... — Apontou para a cama com um gesto de cabeça e Heloísa corou — Sei que uma hora vai acontecer. Não adianta ficar fugindo e cheia de marra... Uma hora você vai me pedir — Deu uma piscadela após um olhar sem vergonha em direção a ela, que torceu os lábios ao caminhar até a porta e o empurrar para fora.

Tiago ria quando ela fechou a mesma, escorada na parte de dentro. Podia ver nos olhos de Heloísa o nervosismo que lhe causava e era esperto o suficiente para saber que sua esposa, no fundo, se inquietava com sua presença.

— Nem nos seus melhores sonhos, garoto! Nem nos seus melhores sonhos!


Tiago tomou um banho rápido no quarto ao lado do de Heloísa e, após escolher uma bermuda e uma camiseta vermelha, desceu até a cozinha para pegar o vinho que havia deixado reservado para aquela noite. Certamente esperava uma lua de mel recheada de bons momentos, mas Heloísa não cederia tão facilmente e de fato duvidava que seria tarefa simples conseguir a confiança dela. Não sabia, tão pouco, se a moça aceitaria se juntar a ele no brinde que propôs.

Desejou boa noite para Hipólita e Gael após dispensá-los e caminhou até a área de piscina com a garrafa e duas taças em mãos. Já era tarde, cerca de meia-noite, quando se sentou com os pés dentro da água e apoiou as mãos atrás de si, limitando-se a admirar a bela cascata d'água a sua frente e toda a decoração da área externa da casa. O céu acima de sua cabeça brilhava com grandes estrelas e a brisa noturna casava perfeitamente com a boa temperatura.

Sentia-se satisfeito com o casamento, havia sido uma festa linda, mas não conseguia parar de pensar em Manuela e em sua ousadia em falar com Heloísa. Isso o preocupava, quase tanto quanto o fato de ter omitido para a esposa quem era aquela estranha.

Sua vontade era matar Manuela e questionar tudo que tinha entalado na garganta, mas não pôde botar tudo a perder. Em frente a Heloísa, aquela mulher não existia! Precisava de alguma forma encontrá-la a sós o mais rápido possível!

Encarando sua mão esquerda aberta, Tiago observava a aliança que descansava no dedo anelar e o ouro da mesma parecia reluzir ainda mais sob a luz da lua. Havia se casado com Constância Chastel, afinal. Agora era um homem comprometido e marido dela depois de tudo.

— Constância Heloísa... Heloísa Constância — Sussurrou para si mesmo. A imagem dela dançando na noite em que se viram pela primeira vez povoava seus pensamentos de maneira incansável — Porque fui tão bobo de ter fugido da primeira vez? Tudo poderia ter sido tão diferente.

— Está falando sozinho ou já está bêbado? Não me diga que temos fantasmas por aqui? — Caminhando seguramente pela beirinha da piscina, Heloísa se equilibrava como se estivesse em uma corda bamba, os braços abertos e um pé frente ao outro em passos curtos.

— Vai cair daí, menina. Depois não fala que não avisei — Tiago a observava de canto de olho sem esconder a surpresa por reencontrá-la.

Não pensou que viesse, muito menos que ficasse tão linda de cabelos molhados, short jeans e uma regata branca. Parecia uma garota qualquer, não mais a noiva perfeita ou a impecável herdeira dos Chastel. Era como ter em sua frente a Heloísa da noite na boate em que dançaram juntos e se apaixonaram. Sorrindo, continuou a se equilibrar até chegar perto dele, onde se abaixou e colocou também os pés dentro da piscina.

— Estou impressionada — Dizia enquanto analisava a piscina e toda área externa. Tiago puxou a taça vazia e serviu vinho na mesma — Nunca imaginei que você tivesse bom gosto para alguma coisa.

— Impressionado estou eu em ver a senhorita resguardada sair da toca depois de me enxotar — Heloísa riu baixinho e chutou a água com um dos pés. Alguns respingos voaram em direção a ele, que lambeu os lábios com expressão enraivecida, segurando as duas taças.

— Passa uma para cá, fominha! — Pediu fazendo sinal com a mão — Lugar de noivo se embebedar é no casamento, não na lua de mel — Tiago passou a taça para ela e se aproximou um pouco mais. Heloísa apenas o espiou, mantendo a postura para sentir o doce aroma que exalava do vinho — Um brinde, então... Foi para isso que desci.

— Um brinde a nossas famílias, a nossos negócios... — Heloísa assentia — E a nós!

Com um sorriso pequeno, a garota chocou sua taça com a dele levemente e ambos beberam um pouco do vinho.

Tiago queria quebrar o silêncio dizendo o quanto ela estava linda com aquele ar sincero e despreocupado, mas conhecendo-a, resolveu segurar a língua. Qualquer coisa dita de maneira errada poderia provocar um caos e pretendia seguia em paz, na medida do possível, com sua esposa. Pigarreou um pouco e disfarçou ao notar o olhar confuso dela sobre a maneira como ele a analisava e encheu um pouco mais sua taça para se munir de coragem.

— Não vai mesmo viajar comigo amanhã? Comprei passagens e reservei um hotel incrível no Uruguai — Arriscou dizer em encará-la, limitando-se a beber seu vinho.

Heloísa abaixou a taça e o encarou.

— Uruguai? — Surpresa, deu de ombros — Foi Hannah quem deu a dica, certo? — Tiago apenas sorriu, entregando-se — Aquela espertinha... Bom... Não seria uma má ideia, mas não posso ir. Não posso deixar meu pai.

— Acredito que ele não vá se importar — Sem resposta, Tiago já sabia qual era o parecer dela — Sendo assim, vou adiar a reserva. Para o final do ano, pode ser?

— Qual é, Tiago? — Chutando a água novamente, Heloísa afundou um pouco mais da perna na piscina — Estamos fazendo planos como um casal de verdade agora?

Nervoso com a provocação, o rapaz respirou profundamente.

— Nós somos um casal de verdade, garota, mesmo que você não queira admitir — Tiago a acompanhou ficando de pé e retirando por cima da cabeça a blusinha regata, para em seguida abaixar o short jeans. Heloísa usava um biquíni preto cortininha e a visão dela se despindo a sua frente foi o suficiente para fazê-lo quase derrubar a taça que segurava entre os dedos — Nossa... Achei que nossa lua de mel não fosse rolar — Sequer conseguia raciocinar diante da visão, por isso bebia o vinho sem parar.

— Menos, garoto — Jogando as roupas para o lado, Heloísa afundou o pé na água novamente.

Não era boba e podia notar a maneira como Tiago a encarava, deslizando o olhar por todo seu corpo sem esconder a admiração. O olhar dele queimava sua pele clara, fazendo-a sorrir de costas a ele. Estava muito enganado se achava que seria provocado apenas com palavras, por certo. Heloísa era ainda mais perspicaz.

— Que isso, garota... Porque você tirou a roupa? — Ela o encarou por cima do ombro e Tiago estava mais vermelho do que imaginava — Não que eu esteja reclamando... Caramba... — Sorrindo, Heloísa sentou-se na beira da piscina e afundou novamente as pernas na água — Melhor... Melhor botar a roupa de volta.

Coçando a barba, Tiago evitava olhar para ela, mas era impossível ignorar tamanha visão.

— Larga de ser chato — Heloísa pulou dentro da piscina e sorriu com a sensação de alivio do calor. Tiago a observava tentado, mas imóvel pela pressão no baixo ventre — Você não vem?

Heloísa perguntou antes de mergulhar e sumir sob a água, fazendo Tiago sequer hesitar antes de tirar a camisa e pular atrás dela.


O s braços fortes de Tiago alcançaram a cintura de Heloísa após uma pequena perseguição na piscina, que terminou com a garota erguida no ar pelas mãos dele. A mesma tentava se soltar, mas pela força do rapaz, apenas lhe restou a opção de apoiar as mãos nos ombros fortes e terminar de gargalhar enquanto podia.

— Vai, me solta! — Pedia ainda rindo, com o queixo dele apoiado em sua barriga.

— Não! Vai passar frio aí em cima. Está pensando o que? Vai ter que pagar por ser uma esposa muito malcriada! — Heloísa o empurrava com os joelhos e Tiago cedeu, largando-a, mas logo mergulhou atrás dela novamente.

Dentro da casa, Hepólita olhou pela janela após se assustar com a movimentação na piscina e Gael fez o mesmo.

— Que ideia mais maluca... Ir para piscina de madrugada — Gael comentou com ambos escondidos atrás da cortina. Hepólita sorriu.

— É um casal apaixonado, Gael. É normal.

— Apaixonado? Mas eles não casaram por causa de dinheiro, madrinha? — A senhora torceu os lábios e voltou a fechar a cortina, pegando o rumo do quarto dos empregados novamente.

— Acho que não, meu filho. Ou as coisas mudaram, não é?

Lá fora, Heloísa nadava para longe de Tiago buscando fugir dele sem sequer compreender o porquê de estar ali, quando na verdade deveria estar no quarto, se preparando para seus afazeres do dia seguinte. Não sabia, tão pouco, porque diabos cedeu e resolveu descer com ele para brindar. Sabia bem que tudo não passava de uma desculpa para ficar com ele e o fato a constrangia...

Sentir que o desejava era como uma traição consigo mesma, mas não podia evitar.

— Te peguei! — Tiago a agarrou novamente e Heloísa riu pelas cócegas que seu toque causava, principalmente quando a prensou contra a parede da piscina — Você é terrível, hein... Fica me dando canseira.

Presa entre a parede e o corpo dele, Heloísa tentou empurrá-lo pelos ombros, mas acabou erguida novamente, desta vez sentando-se na beira da piscina. Tiago não perdeu tempo em se aproximar e ficar entre seus joelhos, segurando-os.

— Hei, sai fora — Tentou chutá-lo, mas Tiago foi mais rápido e, se apoiando nos braços, pulou para ficar frente a frente com ela — Vaza, Tiago!

A viu engolir em seco com a proximidade de seus rostos e a maneira descompassada como alterou sua respiração. Sorriu por saber que mexia com ela, que lhe causava efeitos.... Encarando-lhe os lábios, mandou rapidamente a pergunta.

— Porque uma hora você me trata como amiguinho e na outra me escorraça? O que eu te faço, garota? — Heloísa se calou, mantendo a postura séria. Tiago desceu os olhos pelo corpo da esposa, detendo-se longamente nas gotinhas que pingavam do belo rosto para o busto — Parece que tem medo de mim.

— Tenho, tenho mesmo — Respondeu erguendo a mão e tocando a barba dele com a ponta dos dedos, pousando um deles em seus lábios — Tenho medo de cair na sua lábia e me ferrar, como sempre acontece com quem confia em você.

Heloísa se aproximou como se fosse beijá-lo, mas o empurrou pelos ombros e Tiago caiu na piscina novamente. Rindo, pulou novamente na água e o sentiu alcança-la no mesmo momento. Parados frente a frente dentro da água, Tiago a encarava com seriedade.

— Não vou discutir com você sobre isso. Sei que terei de te provar que as coisas não são como pensa — Olhando para ela, Tiago não sabia se podia imaginar alguém mais linda. Não conseguia disfarçar a maneira como o encantava, principalmente estando tão próxima.

— Vou esperar sentada, então — Deu de ombros e se aproximou um pouco dele, ficando a centímetros de seus lábios — Bom... A companhia foi boa, mas acho que preciso dormir. Boa noite, maridinho — Se aproximou para lhe dar um beijinho no rosto e Tiago a pegou pela cintura com força, colando o corpo dela ao dele.

— Fica fazendo isso... Fica... — Heloísa engoliu em seco, tão próxima dele que podia sentir seu coração — Fica colocando esses biquínis, fica se esfregando em mim na piscina, fica me chamando de maridinho... Fica me provocando que na hora que eu te pegar, você vai ver! Não quero nem saber de lamentações!

Tiago a soltou com ímpeto, lembrando do que disse mais cedo no quarto.

Heloísa teria de pedir a ele.

Ainda impactada, Heloísa se afastou rapidamente e saiu da piscina com as pernas bambas, mas disfarçando por conta do frio. Apanhou suas roupas do chão e começou a vesti-las mesmo molhada.

— Aí Tiago, você está bem doidinho — Terminando de abotoar o short, calçou os chinelos. Tiago acompanhava cada movimento dela sem perder nada — Sabe quando isso vai acontecer? — Mandou um beijinho para ele no ar — Nem nos seus melhores sonhos!

Afundando-se na água, Tiago apertou os olhos pela provocação.

Heloísa... Constância... O estava tirando a razão!


Heloísa sorria sozinha quando deitou em sua nova cama de casal, admirando o belo quarto, após retirar o biquíni e colocar um pijama.

Deslizou a mão lentamente por sua barriga, parando-a ao final dela com uma mordida nos lábios. Apertou os olhos ao se recordar da maneira como Tiago a encarava, sem sequer disfarçar o enorme desejo que sentia por ela. Nunca pensou que pudesse se sentir tão atraída por alguém, principalmente sendo ele Tiago Guimarães Sampaio.

Não estava em seus planos provoca-lo quando decidiu dar um mergulho na piscina, mas tudo casou perfeitamente e não podia negar que adorava saber que o tinha a seus pés. Não podia negar, tão pouco, a vontade imensa que sentia de chama-lo para seu quarto de modo a aproveitarem a lua de mel. Ainda se lembrava da sensação de estar nos braços dele, dos beijos calorosos e a maneira doce como Tiago a tratou no dia em que foram um.

O que sentia por ele e a amedrontava. Temia ceder e se entregar, colocando de vez a fortuna dos Chastel e todo o resto a perder. Era uma mulher sozinha à frente de um império, afinal, e mesmo que seu pai confiasse sua vida aos Sampaio, ela não o faria. Não se colocaria nas mãos de Tiago, muito menos o tornaria seu dono. Não seria esposa dele, de fato consumado, enquanto não confiasse de verdade em seu caráter.

Suspirou pesadamente ao ouvir passos no corredor e a porta ao lado se fechando. Era ele, certamente, e havia acabado de se deitar.

Aconchegou-se entre as almofadas com o perfume de Tiago impregnado em seu cabelo e seus beijos marcados em sua memória.


— Bom dia Hipólita — Tiago entrou na sala de jantar usando bermuda escura, camiseta branca de seu time favorito e o cabelo bagunçado. A senhora assentiu com um sorriso, terminando de colocar o café da mesa — E Constância?

— A senhora saiu cedo, senhor Tiago — Respondeu educada, separando uma xícara para ele — Estava muito bem arrumada e disposta.

— É o que? — Ao sentar-se, encarou-a nervoso — Saiu? E disse aonde ia?

— Sim... Disse que ia trabalhar — Recostando-se na cadeira, Tiago apertou os olhos — Mas ela estava bem.

— Eu juro que tento ter paciência com essa garota, mas está difícil — Confessou após um suspiro, buscando uma maça em meio as frutas e apanhando o café para bebê-lo em um longo gole — Pode tirar a mesa, Hipólita. Já vou sair.

— O senhor vem para o almoço? — Assustada com a atitude repentina dele, questionou. Tiago nitidamente não sabia o que fazer e negou com um aceno curto antes de apanhar as chaves do carro no aparador e sumir porta a fora.

Dispensou o motorista e ele próprio dirigiu até a cede do grupo Chastel. Era o único ali usando roupas casuais e com expressão indignada. Subiu cumprimentando as pessoas ao redor, que sequer disfarçavam a surpresa por vê-lo ali apenas um dia após o casamento. O elevador parou no último andar do arranha-céu, exatamente na sala da diretoria.

— Heitor... — Cumprimentou assim que avistou o sogro sentado em sua cadeira de presidente com alguns papeis ao redor e uma enfermeira próxima. O homem parecia cada vez mais debilitado — Que surpresa te ver aqui.

— Sou eu quem diz isso, caro Tiago — Colocando-se de pé com certa dificuldade, Heitor se aproximou do genro — O que houve?

— Heloísa... — Respondeu tentando conter as emoções diante da saúde frágil do sogro — Ela insistiu em vir para cá no dia seguinte ao nosso casamento. Acordou sem me dizer nada e sumiu sem me dar chance de conversar.

— Constância é muito difícil, meu caro — Colocou uma das mãos sobre o ombro do genro, que suspirou — Tentei argumentar com ela, mas não adiantou. Todos estão falando, mas ela diz não se importar.

— Mas eu me importo! Vim busca-la e Heloísa vai comigo, nem que seja na marra! — Garantiu enfaticamente, ganhando apenas um olhar admirado de Heitor.

— Ela está na sala de reuniões — Heitor sussurrou como se fosse um segredo. Tiago já ia saindo, mas Heitor o chamou de volta — Tiago... Posso te fazer uma pergunta?

— Claro, até duas — Parando com as mãos na cintura, encarou o olhar confuso do sogro sem ter ideia do que estava por vir.

— Já reparei que você chama Constância de Heloísa desde que a conheceu. Você é a única pessoa que faz isso, acredito que ninguém em todo nosso círculo social sequer se lembre que o primeiro nome de minha filha é Heloísa — Tiago comprimiu os lábios diante da abordagem, sem ter ideia do que responder — Porque? Por acaso existe algo entre vocês que eu desconheça?

Abaixando o olhar, Tiago voltou-se para ele rapidamente.

— Não compreendo sua pergunta, Heitor, me desculpe.

— Você e Constância se conheceram mesmo naquela noite de noivado em que curiosamente minha filha passou tão mal ao te ver pela primeira vez? — Tiago ergueu o rosto e convenceu a si mesmo que deveria fugir da questão.

— Heitor... Chamo Constância de Heloísa porque foi assim que ela se apresentou a mim e é assim que ela prefere ser chamada, sinto dizer. Sei que Constância é o nome da sua mãe, mas é a verdade — Heitor concordou, mas ainda exibia no rosto um olhar curioso. Tiago apertou a mão do sogro com educação — Bom, me desculpe por sair assim, mas preciso ir resolver minha grande questão. Até mais, Heitor.

Saindo da sala apressadamente, rumou em direção a sala de reuniões e não se importou com quem estava lá dentro, abrindo a porta para encontrar Heloísa parada diante de poucas pessoas, que reconheceu como funcionários do grupo Chastel. Surpresa ao vê-lo, a moça retirou os óculos de grau do rosto e o encarou fixamente, desviando a atenção de todos para ele.

— Tiago... — Sussurrou aflita, olhando ao redor — O que está fazendo aqui?

Usando um belo vestido social vermelho, saltos e com o cabelo devidamente escovado, Heloísa assemelhava-se mesmo a uma executiva. Tiago se impressionou com sua presença, mas não desviou o foco.

— Sou eu quem te pergunta o que você está fazendo aqui — Respondeu aproximando-se dela com certa urgência, ficando mais próximo e de costas para os demais — Pode juntar suas coisas que nós vamos para casa agora.

— Você enlouqueceu, é? Estou trabalhando, querido — Sussurrou a centímetros dele, tentando parecer casual diante dos demais.

— Trabalhando um dia depois do casamento? Nós temos cinco dias de recesso pela lei e, se você não quer viajar, tudo bem, mas não vai colocar nosso nome ainda mais na boca das pessoas... Pode pegar suas coisas! — Impaciente, Heloísa apertou os olhos.

— Nossa, que curioso. Você preocupado com o que vão pensar de nós — Cruzou os braços em frente ao peito. O rapaz apertou a testa em nervosismo.

— Pega as coisas ou prefere que eu te arraste daqui no colo? — Notando que o marido estava mesmo nervoso e os demais analisando toda cena, Heloísa refez a postura e apanhou sua bolsa, casaco e celular um pouco desconcertada.

Vendo-a reconsiderar, Tiago se acalmou e foi até a porta, assistindo-a pedir para uma das funcionárias conduzir a reunião antes de sair com ele da sala.

— Você é louco... Completamente fora da razão! — Tiago pegou a bolsa das mãos dela de modo a ajuda-la com suas coisas, mas nada fazia Heloísa parar de brigar em meio ao caminho — Se você está pensando que manda em mim, está muito enganado! Apenas saí daquela sala para não passar vergonha e porquê...

— Não mando em ninguém, do mesmo jeito que você não tem o direito de expor nosso casamento ao ridículo! — No elevador, Heloísa cruzou os braços diante do peito e o encarou duramente — Você não trabalha durante esses cinco dias do mesmo jeito que eu também não! Nós estamos em lua de mel!

— Você é insuportável! — Murmurou quando desceram no estacionamento e rumaram para o carro dele.


— Pensei que íamos para casa... — Heloísa comentou quando Tiago parou o carro em um shopping famoso da cidade.

— Se formos você vai inventar de trabalhar por lá, por isso te trouxe para almoçar fora em nosso primeiro almoço oficial como casal — Abrindo a porta para ela descer, Tiago observou-a olhar ao redor e colocar o cabelo atrás da orelha de maneira surpresa — Gostou ou vai arrumar confusão?

— Não, está tudo bem. Preciso mesmo comprar algumas coisas — Comentou dando de ombros e vendo-o fechar a porta com um pequeno sorriso — Você vai se entediar fazendo compras ao meu lado.

— Se esse for o único jeito de te manter satisfeita, tudo bem — Sincero, caminhava ao lado dela com as mãos nos bolsos e o olhar mais calmo. Ele vestia roupa casual, camisa de futebol e bermuda. Heloísa, por sua vez, deixava transparecer a executiva importante que era. O contraste entre ambos fez a moça sorrir sozinha enquanto encarava a figura do casal em um espelho no elevador — O que foi?

— Sempre detestei esse negócio de camisa de futebol porque eu odeio futebol... E agora, olha só... Meu marido gosta de usá-las — Seu sorriso pequeno o fez sorrir também.

— É a primeira vez que você se refere a mim como marido — O sorriso de Helô desmanchou e Tiago prosseguiu — Tudo poderia ser mais fácil, não é?

— Não entendi — Desceram do elevador no andar das lojas.

— Se você parasse de me afastar e considerasse de uma vez a ideia de sermos de fato um casal — A moça parou em frente a uma grande vitrine de uma loja de roupas e fingiu ignorar Tiago enquanto admirava as peças. O rapaz seguia ao lado dela — Tudo seria mais simples entre nós.

— Se você parasse de insistir em um assunto sem fundamento, também — Entrando na loja com o pretexto de comprar um presente em agradecimento para Hannah pela ajuda com o casamento, Heloísa fez suas compras enquanto Tiago a assistia sentando em um banco da loja.

Jamais se imaginou sentando em um shopping assistindo Constância Chastel fazer compras, muito menos após tantas atribulações. Pior que isso, nunca pensou que a encararia com olhar apaixonado e se sentiria o mais infeliz dos homens por não conseguir ser ao menos suportado por sua própria esposa.

Não pensou que se apaixonaria, de fato, pela linda herdeira dos Chastel.

A noite em que a conheceu como Heloísa no baile mudou completamente sua vida e toda a história que existia ao redor de ambos.

Viu o momento em que Heloísa tocou uma roupinha de bebê na cor amarelo e encarou a peça por longos minutos. A moça parecia concentrada, talvez pensando demais em algo, e desviou o olhar para Tiago em um relance. Ao notar ser encarava, desviou rapidamente para outra direção a largou a peça rapidamente. Tiago viu quando Heloísa saiu da loja pela outra portaria e a seguiu, contrariado. Heloísa batia o pé em nervosismo e secava lágrimas em seu rosto quando ele a alcançou.

— O que foi agora, Heloísa? — A moça o afastava com veemência, por isso Tiago soltou o braço dela.

— Nada, não se mete... — Curioso, Tiago respirou profundamente.

— Você está chorando, eu só quero te ajudar — Frustrada, Heloísa o encarou.

— Estou pensando na minha vida. Nos meus pais. No meu pai, para ser mais exata — Compreendendo-a, Tiago se calou — Queria ser uma filha exemplar, da qual ele se orgulhasse, dar a ele tudo que deseja antes de partir...

— Você é exemplar, Heloísa. Seu pai se enche de orgulho quando fala sobre você, sobre sua carreira, sua história e...

— Acha que ele se orgulharia em saber o que aconteceu entre nós dois naquela boate? — Questionou em tom mais baixo, secando as lágrimas — Acha que se orgulharia em saber quem realmente eu sou?

— Heitor jamais vai saber de nada... E não foi tão grave assim. Aquela noite não te define — Surpresa pelas palavras dele, ergueu os olhos escuros para o rosto do rapaz — Não vejo porque está tão aflita. Você dá orgulho a seu pai... É uma filha incrível, uma mulher incrível. Olha só o que você fez por ele... Se casou comigo! — Ele riu pela ironia e ela revirou os olhos. Mordendo os lábios, Heloísa sustentava o olhar repleto de admiração de Tiago — O que mais Heitor pode querer vindo da grande executiva do grupo Chastel que ele tem como filha?

— Ele quer um neto — Tiago não escondeu a surpresa ao ouvir tais palavras. Apoiou a mão na cintura para escutá-la melhor — Foi o que me disse hoje cedo, quando cheguei ao grupo Chastel. Disse que eu deveria estar com meu marido providenciando o neto dele, antes que a morte batesse a sua porta.

— Isso é problema desde quando? — Heloísa ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços com as compras penduradas neles — Se quiser a gente faz hoje o neto, sem problema nenhum!

— Para, Tiago — Constrangida, Heloísa começou a caminhar e ele a acompanhou de perto — Não é tão simples...

— É mais simples do que você pensa — Teve vontade de rir do tom dele, mas se conteve — Mas compreendo seu lado. Você não quer ter um filho com um homem que não ama.

Heloísa parou de caminhar no mesmo momento, encarando o chão. Não tinha resposta para a colocação de Tiago, muito menos quando sequer sabia se era verdadeira. Não se imaginava tendo um filho com outro homem além dele e isso a incomodou. Ergueu o olhar em sua direção e encontrou o rosto belo do rapaz tomado por decepção. Tiago parecia cansado e ela arredia.

— Não tem a ver com isso, é que eu... — Suspirou e se aproximou ainda mais para falar — Eu não posso ter filhos.


— N ão pode? — O questionamento dele foi sério — Mas como...

— Preciso fazer um tratamento devido a alguns problemas que tenho de ovulação... É algo complicado, sabe? — Tiago roeu a unha enquanto pensava nas palavras dela — Poder eu até posso, mas não é tão fácil e talvez nunca dê certo.

Tiago tocou o ombro dela carinhosamente.

— Existe tratamento? — Sua pergunta foi objetiva, sem enrolação, e Tiago reparou que a constrangeu um pouco — Me desculpe, Heloísa, mas esse assunto também me afeta. Você é minha esposa!

Corando pela vergonha, Heloísa deu-lhe as costas e voltou a caminhar. Tiago a seguia de perto. Não queria encará-lo. Obviamente estava chateado por ter se casado com ela sem saber de sua condição. Como se sentiria ao saber que não poderia ser pai enquanto casado com ela?

— Me desculpe você por não ter deixado subscrito no contrato que você se casou com uma mulher incompleta! — Tiago a puxou pelo pulso, fazendo-a parar em frente a ela com certa violência.

— Não fale assim de si mesma! — Esbravejou, mas rapidamente retomou a postura tranquila ao notar os olhos marejados da moça. Heloísa parecia mexida, nervosa, chateada... Jamais a viu tão vulnerável e seu coração amoleceu — Você não é incompleta por não poder ter filhos.

— Vamos ver se vai pensar do mesmo jeito quando seus pais começarem a cobrar o herdeiro Guimarães Sampaio — Secou uma lágrima no canto do olho esquerdo e respirou profundamente — Mas não se preocupe! Nosso casamento é um documento com prazo de validade e em breve poderá encontrar uma mulher que te dê herdeiros.

— Não quero procurar ninguém — Garantiu enfático, atraindo um olhar curioso da moça — Se existe um tratamento, vamos atrás dele quando a hora chegar.

— Pode não dar certo, como eu disse. As chances são pequenas — Chegaram até a praça de alimentação e Heloísa se sentou em uma das mesas. Tiago sentou-se frente a ela.

Não encontrou palavras a ser ditas naquele momento e temeu tocar em qualquer assunto que a machucasse. Jamais pensou que o assunto " filhos" fosse deixar Heloísa tão abalada. O olhar escuro se direcionava para o longe, distante dele, mas em algum momento durante o silêncio novamente se reencontraram e ele lhe lançou um sorriso tímido.

— Podíamos esquecer esse assunto por enquanto e comer algo, o que acha? — Heloísa concordou com um aceno, irracionalmente nervosa para que toda sua vulnerabilidade fosse deixada de lado — Comida japonesa, pode ser? — Concordou e Tiago se levantou deixando a chave do carro sobre a mesa — Já volto, então.

Vendo-o se afastar, Heloisa não sabia o que de fato pensar sobre o marido.

Esperava que Tiago se enraivecesse ao descobrir seu problema, talvez até a culpasse e se afastasse. Inconscientemente era isso que desejava... A raiva dele. O ódio. Talvez assim ficasse salva de si mesma e da tentação de ceder ao que ele lhe oferecia.

Não era fácil dizer que não o queria quando na verdade o desejava. Não era simples resistir ao homem que a tinha pode inteiro e que habitava no secreto de seu coração. Suspirou pesadamente, mas uma ligação de Hannah a fez se distrair enquanto aguardava o marido retornar com o primeiro almoço de casamento de ambos.


Tiago aguardava o pedido sem conseguir enxergar Heloísa em sua mesa devido à distância, mas sentia que havia desarmando-a com sua atitude em relação a novidade que acabara de receber.

Ela não podia ter filhos.

Talvez pudesse, mas teriam muitas dificuldades.

Engoliu em seco ao pensar em tudo, mas não conseguia realmente absorver a mensagem. A única coisa que realmente o amedrontava era pensar que muito em breve, tanto seus pais quanto os Chastel, começariam a cobrar deles a chegada do herdeiro. Era uma questão de tempo até o problema começar a ser gerado.

Não falarem sobre aquilo era adiar o inevitável.

— Com licença, senhor — Uma garotinha de aproximadamente quatro anos apareceu a sua frente e Tiago rapidamente desviou o olhar do celular para o rosto angelical — Minha mãe pediu para lhe entregar isso.

A menina estendeu um bilhete em sua direção e Tiago se retesou diante de seu familiar olhar. A garota, na verdade, era uma criança extremamente familiar. Apanhou o bilhete sem nada dizer, abrindo-o em seguida.

Te vejo hoje, as 20h, no lugar de sempre.

Não se atrase. Temos assuntos de seu interesse.

Caso não apareça, serei obrigado a tratar com Heloísa Constância. Ela parece ser muito mais maleável do que você.

Sua Manu

Manuela!

Ergueu o olhar rapidamente em busca da garotinha, mas em questão de segundos a pequena havia desaparecido. Seu coração pulou no peito enquanto observava todos os cantos do local, direcionando o rosto para todos os lados em busca da criança.

— Tabata... — Sussurrou baixinho, com os olhos marejados e a respiração arfante — Tabata!

Alguém lhe tocou o ombro e era um rapaz dizendo que seu pedido havia sido chamado no painel de vendas. Sem conseguir encontrar Tabata ou Manuela, Tiago caminhou nervoso até o balcão se perguntando se aquele momento não havia sido um sonho.

O bilhete descansava entre seus dedos e deixava claro que tudo era real, por isso teve de enfiá-lo no bolso dianteiro com força. Heloísa não podia saber de nada! Como reagiria diante do fato de Manuela estar de volta? Como reagiria ao saber sobre Tabata, principalmente diante do que havia acabado de confessar-lhe?

Retornou para a mesa e encontrou-a mexendo no celular despreocupadamente.

— Está tudo bem, Tiago? — Questionou assim que o marido sentou e lhe estendeu a bandeja com a comida — Você está pálido.

— Sim, tudo bem — Olhava ao redor e Heloísa reparou.

— Aconteceu alguma coisa? — Tocou a mão dele com calma, notando-a realmente estranho. Tiago observou o toque doce da moça e teve a certeza de que não poderia contar nada.

Heloísa mostrou-se contente com a reação dele diante de sua confusão e dizer qualquer coisa agora acabaria com o pequeno passo que havia acabado de dar. Manuela acabaria com tudo que construiu tão lentamente.

— Pensei ter visto alguém que eu conhecia... Mas foi somente impressão — Sorriu para ela e apertou seus dedos. Heloísa recolheu a mão em seguida — E você? Está mais calma?

Heloísa assentiu enquanto comia um pedaço de salmão grelhado.

— Não tem outro jeito — Deu de ombros. Tiago tentava parecer tranquilo, mas por dentro estremecia — Obrigado por suas palavras. Sei que temos nossas diferenças, mas devo reconhecer quando alguém é gentil comigo. Obrigado, Tiago.

— Por nada, Heloísa.


Diferente do esperado, o tempo que passou com Tiago foi proveitoso e leve. Heloísa não pôde destratá-lo depois de sua empatia, muito menos ignorar a frase dita com tanta ênfase.

"Não quero procurar ninguém ". Quero você, em outras palavras, com problema ou seu problema.

Realmente não esperava isso dele.

Observava a chuva caindo em seu vidro na janela alta do quarto e não podia parar de pensar em como sua vida mudou e ainda mudaria dali por diante. Não era mais a menininha protegida na mansão dos Chastel, mas uma mulher de família e com um império a ser administrado. Sentia nos ombros o peso de suas responsabilidades e entre tudo isso havia Tiago. Seu marido. Seu enigma.

Sentia vontade de se jogar nos braços dele como da primeira vez em que o vira, mas algo forte demais a impedia de prosseguir. O medo. A insegurança. O receio de ser novamente traída. Ele traiu Constância com tanta facilidade... Poderia muito bem agir da mesma maneira e trair Heloísa! Frágil como estava, não sabia se conseguiria suportar a dor de perde-lo. Era por isso que não queria se entregar... Tinha medo de perder mais alguém que amava.

Viu perfeitamente o momento em que Tiago saiu de casa em direção ao carro, parado em perto da janela de seu quarto. O mesmo entrou no veículo após destravá-lo mesmo sob forte chuva e a curiosidade de Heloísa aflorou.

Não desceu para o jantar e tão pouco o viu após chegarem do shopping, uma vez que ficou trabalhando durante todo o tempo no quarto, e sequer podia imaginar o que o marido fazia saindo àquela hora sem nada explicar.

— Explicar... — Sussurrou para si mesma enquanto assistia o carro dele indo par ao longe — Pouco me importa o que ele faz ou deixar de fazer da vida.

Ao menos era sobre isso que tentava se convencer.


Tiago desceu do carro sentindo a chuva caindo sobre suas costas intensamente.

Não se preocupou em chegar molhado, muito menos em qualquer coisa relacionado a sua aparência. Tudo o que precisava naquele momento era encontrar Manuela, custe o que custar!

Bateu na porta do quarto vinte e cinco três vezes e não demorou nem um segundo até que a mesma fosse aberta. O sorriso debochado da mulher diante dele era corriqueiro e muito familiar. Estranhamente amedrontador.

— Tiago, meu amor... Que pontual você continua sendo — Tiago passou pela porta sem muito rodeio, ouvindo Manuela fechar a mesma atrás de ambos — Pensei que sua esposa fosse achar estranho você sair essa hora da noite. Imagine só se ela souber que você veio me encontrar em nosso motel favorito, onde sempre nos encontramos anos atrás?

O olhar debochado e emoldurado pelo belo rosto fizeram o estômago de Tiago afundar em repulsa. Como era possível uma mulher que um dia o envolveu em uma arrebatadora paixão ter se transformado na coisa que ele mais odiava na vida? Manuela usava uma camisola preta sensual e tinha o cabelo longo e negro preso em um coque frouxo. O rosto todo pintado com maquiagem e os pés descalços no chão.

— Não fale dela... — Apontou o dedo em direção ao rosto dela. Era nítido como estava nervoso, uma vez que todo seu rosto estava vermelho — E não estou aqui para te encontrar. Sabe muito bem porque vim. Onde está ela? — Manuela sorriu debochadamente e lhe deu as costas, caminhando até o frigobar — Anda, fala, Manuela! Onde deixou Tabata para vir para cá?

— Ela está bem — Garantiu levando uma garrafa de água aos lábios — Pode ficar tranquilo. Eu jamais faria mal a nossa filha.

— A sua fonte de renda, você quer dizer — Esbravejou sentindo as gotinhas de água de chuva pingando de seu cabelo úmido — Exijo que me deixe ver minha filha! Exijo que...

— O que, Tiago? Exige conviver com ela? — Parou diante dele sustentando um olhar avassalador — E o que vai dizer a seus pais? Vai dizer que escondeu sua filha por quatro anos e somente agora a trouxe para conhecê-los? E para sociedade? — Tiago engoliu em seco e suspirou, apoiando as mãos na cintura — E para Constância Chastel, sua inocente esposinha? Será que Constância vai aceitar uma filha bastarda do marido com a mulher com a qual foi traída no passado?

— Isso tudo é um problema meu, mas se deseja tanto saber, eu lhe direi... Contarei a verdade para todos sem pensar nas consequências. Tudo o que me importa agora é minha filha! — Tiago tremia de nervoso e por isso não baixava a guarda.

— E a fortuna dos Chastel? E seu precioso casamento com Constância? Como ficará a fortuna dos Guimarães Sampaio se você colocar tudo a perder novamente? — Engolindo em seco, Tiago tomou ciência de que ela tinha razão.

Constância não podia saber, de fato, o que havia acontecido no passado tão já, muito menos agora com a confissão de que talvez não pudesse ter um filho biológico. O que pensaria sua esposa se soubesse que teve uma filha com Manuela no passado, por isso teve de ir embora? O que pensaria se soubesse que enquanto estavam noivos, Tiago engravidou Manuela?

— Você vai botar tudo a perder se continuar aparecendo perto de Constância! Ficou louca de ir falar com ela? — Agarrou o braço de Manuela, mas ela o puxou com força.

— Pelo visto muito te importa o que ela pensa, não é? — Tiago comprimiu os lábios — Você sempre teve horror a ela, porque mudou de opinião agora? — Manuela estreitou o olhar e se aproximou ainda mais dele — O que ela tem de especial, Tiago? Aquela magrela puritana não tem nada que faça o seu tipo...

— Heloísa é muito mais mulher do que você jamais vai ser em vida, minha filha — Desdenhou — E nós dois — Gesticulou entre ambos — Somente temos um assunto em comum... Tabata. É por ela que estou aqui.

Manuela jogou a garrafa de água fechada sobre a cama, nitidamente abalada com as palavras duras de Tiago. O encarou com sangue nos olhos.

— Não quer matar a saudade? — Abriu os braços em um claro convite para que fossem para cama.

— Não seja tão baixa! Quando nos separamos, deixei claro que jamais iria me envolver com você de novo — Seu olhar não era capaz de expressar a repulsa que sentia em vê-la depois de ter arruinado toda sua vida em nome de uma mulher que apenas queria lhe aplicar um golpe e não mediu esforços para tanto — Estou aqui por Tabata. Você não tem o direito de me afastar de minha filha!

— Uma filha que você nunca reconheceu verdadeiramente... Uma filha que nunca significou nada em sua vida! — Tiago a encarava um tanto envergonhado, mas ciente de que não era o único culpado.

— Eu não podia reconhecê-la naquele momento, mas sempre dei tudo que ela precisa e fui embora com você quando me disse que estava grávida! — Relembrou em alto e bom som, fazendo Manuela cruzar os braços diante do peito — Estive ao seu lado no dia do parto, fui a primeira pessoa que a pegou no colo quando nasceu... Sempre fui pai dela e larguei tudo em nome dessa função, inclusive Constância Chastel!

Cada palavra fazia Tiago se sentir um pouco acalentado. Ter decepcionado a família e Constância foi terrível, mas seu motivo era nobre... Seus pais, os Chastel, a sociedade, todos eles rejeitariam sua filha e Manuela, por isso teve de fugir. Naquele momento, pressionado a se casar e com Manuela grávida, ir embora com ela era a única opção! Talvez se pudesse voltar no tempo teria feito diferente e encarado a situação, mas há cinco anos atrás era apenas um moleque envolvido em problemas que sequer conseguia pensar racionalmente. Não teve outra escolha, além de desaparecer.

Após o nascimento da menina, Manuela passou a usá-la como instrumento de chantagem com Tiago e sua vida se tornou um inferno.

— Não me culpe por seus erros.

— O único erro de minha vida foi ter confiado em você! — Cansado, suspirou — Afinal, porque voltou? Não era o que você queria? Dar um golpe da minha família? Não conseguiu? Porque voltou?

Manuela comprimiu os lábios e se sentou na beira da cama.

— Acha que eu estava sozinha nisso? — Tiago sorriu de canto e coçou a cabeça — Tinha mais gente envolvida e foram eles que ficaram com a fortuna. Eu fui só um meio de chegarem até você.

— Espera que eu acredite nisso? — Desdenhou — Anda, fala logo, Manuela! Porque voltou?

— Por qual outro motivo eu estaria aqui, se não fosse por dinheiro?

— Porque me casei com Constância Chastel, não é? Porque agora sim minha família é realmente milionária e estou, finalmente, ao lado da mulher que sempre deveria ter sido minha escolha! Uma mulher decente, honesta, de boa família... — Manuela atingiu o rosto de Tiago com um tapa forte e o rapaz a agarrou pelos braços — Nunca mais volte a fazer isso!

Soltando-a com força, Manuela caiu sobre a cama.

— Agora você enche a boca para falar dela, não é, Tiago? E sim... Você tem razão! Voltei para te infernizar mesmo! Não vou permitir que viva um conto de fadas com sua noivinha enquanto eu saio pelo mundo tendo que fazer mil e uma coisas para sustentar sua filha sozinha! — Tiago sorriu ironicamente.

— Nunca te faltou nada, muito menos para minha filha! Apenas deixei de te dar dinheiro depois que você sumiu com minha fortuna e minha filha!

— Já falei que não fiquei com o dinheiro da sua família, também fui passada para trás por pessoas que me usaram para chegar até você — Voltou a afirmar de maneira convicta e Tiago teve de admitir que ela parecia falar a verdade.

Analisou-a por alguns momentos e encontrou desespero em meio ao semblante firme. O dinheiro roubado era muito e se não fosse verdade o que Manuela dizia, porque, então, estaria ali, diante dele, correndo risco de ser presa e tantas coisas mais?

— Então você quer dinheiro? É por isso que voltou?

— Fiquei sabendo do casamento dos herdeiros Chastel e Guimarães Sampaio. Agora você pode, novamente, dar uma boa vida a sua família, que no caso somos Tabata e eu — Tiago gargalhou baixinho.

— Tabata é minha filha, ela é minha família. Você e eu nunca fomos casados e jamais teremos nada — Garantiu enfaticamente — Se quer dinheiro, me deixe ver Tabata. Se me garantir que está bem e em segurança, teremos uma conversa.

Tiago lhe deu as costas, mas Manuela agarrou seu braço.

— Onde vamos nos reencontrar?

Tiago retirou o braço do toque dela.

— Naquele mesmo shopping, no mesmo lugar, as duas da tarde, amanhã — Manuela concordou.

— Você não deveria estar em lua de mel, a propósito? — Tiago deu de ombros diante da pergunta dela.

— Isso não é problema seu!

Tiago lhe deu as costas, mergulhando novamente em meio à na tempestad e .


D urante todo o caminho a mente de Tiago não parou de fervilhar sequer um segundo. Não conseguia parar de pensar na pequena Tabata e em como estaria sendo sua vida com Manuela.

A garotinha sequer deveria lembrar quem era seu pai. A prova disse é que não o reconheceu no shopping, quando lhe entregou o bilhete. Tinha menos de três anos quando Manuela sumiu após aplicar um golpe milionário, levando-a a seu encalço. Não se lembrava dele.

Sentia-se confuso diante de tudo que o cercava... Como explicaria a existência da garotinha a seus pais? Principalmente, como encaixaria sua história e de Manuela com seu casamento com Constância? Tabata era fruto de sua traição e não poderia ficar oculta por muito tempo.

Estacionou em frente à casa e entrou se molhando ainda mais, conferindo no relógio que já beirava as onze da noite. Acendeu a luz da sala com cautela, sendo surpreendido após erguer o olhar.

Constância estava sentada na escada com uma xícara em mãos.

— Boa noite — Heloísa disse com a voz tranquila e o olhar curioso.

Tiago gelou por dentro e toda a água da chuva que pingava de seu cabelo e roupas de converteram no que o aquecia. Largou lentamente a chave do carro e a carteira sobre o aparador mais próximo e seguiu encarando-a longamente. O que fazer? O que dizer? Como agir?

— Boa noite — Respondeu com a voz tremula. A moça se colocou de pé após deixar a xícara de lado, exibindo a ele sua camisola de seda branca. Parecia inocente demais, porém o traje lhe deixava ainda mais elegante e podia ver as curvas discretas sob o tecido — Heloísa, eu...

— Não, não precisa me explicar nada! — Ergueu uma das mãos enquanto falava, demonstrando estar calma. Uma mentira! Por dentro o ciúme a corroía — Apenas fiquei preocupada, não é? Te vi saindo em meio a essa chuva toda... Imagina se acontece algo? Estamos sozinhos aqui e... — Deteve-se ao notar a expressão curiosa no rosto do rapaz.

— Ficou preocupada comigo, esposa? — Tiago se aproximou dela em passos certeiros, fazendo com que Heloísa erguesse o queixo em sinal de afronta. A proximidade com ele a fazia perder a postura firme — Pensei que isso... — Gesticulou entre eles da mesma maneira que Heloísa costumava fazer. Um sorriso mínimo nasceu nos lábios dela — Fosse apenas um negócio.

— E é. Que bom que você existe para me lembrar sempre desse detalhe — O rosto molhado de Tiago lhe atraia a atenção. O herdeiro dos Guimarães Sampaio jamais pareceu tão atraente como naquele momento em que estava parado diante dela totalmente molhado, com os cabelos revoltos e a camisa azul clara colada ao corpo com os primeiros botões abertos. Parecia o Tiago daquela noite... Seu Tiago, seu amante secreto — Boa noite.

Heloísa deu-lhe as costas e subiu alguns degraus. Não demorou até alcançar o topo da escada, muito menos até sentir a proximidade de Tiago em suas costas.

— Espera, Constância — Sequer conseguiu pensar antes de se virar. Tiago a agarrou pelo braço e a prensou contra a parede em um beijo surpreendente e avassalador!

Heloísa levou as mãos aos ombros fortes na intenção de empurrá-lo, porém não teve forças ao sentir o toque cálido em sua cintura e o beijo intenso contra seus lábios. Agarrou-lhe o cabelo com ímpeto, prensando-se contra ele de maneira igualmente desesperada. O corpo grande e molhado a fazia estremecer de frio, mas também de desejo. Não podia negar que o queria a cada instante, desde a primeira vez. Não podia negar que dentro de sua alma o nome de Tiago estava marcado a ferro e fogo.

— Sei que você me quer também — Tiago falava com os lábios colados nos dela e as mãos enfiadas em seu cabelo escuro puxando-a ainda mais contra seu corpo — Porque não paramos de fingir, Heloísa, porque não nos entregamos ao que sentimos?

— Tiago... — Sussurrou tão baixa que sequer pôde considerar. Ele a beijou novamente, deslizando as mãos sobre a seda fria da camisola. Sentir o corpo dela era o que mais ansiava, mas somente aquela pequena prova era pouco diante de todo seu amor.

— Eu te disse naquela noite que sentia que você era minha...

— Será que você esquece que eu já fui sua? — Sussurrou ofegante, colocando as mãos no rosto dele. Seus lábios se atraíam com intensidade e desespero.

— Você é, Heloísa! Você é minha de todas as maneiras, não adianta fugir — A moça cobriu os lábios dele com as mãos tremulas e se recompôs.

— Prometi a mim mesma que não deixaria ninguém nunca mais me enganar, Tiago — Haviam lágrimas nos olhos dela e o desejo de Tiago foi freado assim que as notou — Você saiu sem me dizer para onde ir, voltou tarde e agora quer que eu me entregue para você sem mais nem menos? — Ele não era capaz de proferir nenhuma palavra diante das dela. Manuela. Todo o resto. Heloísa tinha razão! Tiago abaixou o olhar — Eu não posso... Sinto muito.

Heloísa afastou-se de Tiago mesmo sentindo em seu coração que deveria ficar. Entrou para seu quarto e fechou a porta sentindo em seu corpo o cheiro dele, o sabor de seus lábios, o calor de suas mãos e a água da chuva molhando sua pele.

Tiago não negou quando ela insinuou que ele havia saído para encontrar outra mulher. Não negou quando falou sobre o passado, sobre sua traição, sobre seu comportamento... Levando a mão ao peito, Heloísa deixou as lágrimas rolarem no rosto livremente. Tiago habitava em seu ser, no mais íntimo de seus pensamentos. Bastava um toque dele para seu corpo cantar, para todo seu desejo de mulher aflorar.

— Estou apaixonada por ele... Não posso, não posso... — Sussurrou para si mesma, sabendo que tudo aquilo terminaria com seus sentimentos destroçados.

O casamento de ambos era um documento com prazo de validade, afinal. Seu amor teria de acabar.


Dias depois...

Heitor precisou de ajuda no escritório e Heloísa teve a desculpa perfeita para voltar ao trabalho antes do prazo sem que Tiago a confrontasse. O próprio tinha também seus afazeres, retornando para as atividades sem delongas.

— Como vão as coisas com Tiago? — Hannah questionou enquanto tomava chá com a irmã em um intervalo do trabalho.

Notou a maneira tímida com a qual Heloísa tratava o tema. A moça pousou a xícara no pires e se endireitou, evitando encarar a irmã. A Heloísa representante do grupo Chastel era uma mulher elegante, distinta e séria. Usava óculos de grau, saia e poucas joias. Tiago sempre a admirava em silêncio antes de saírem juntos pela manhã.

— Estranhas — Confessou sentindo-se leve por ter finalmente alguém para tratar — Trabalhamos o dia todo, jantamos juntos e não conversamos muito.

— Só isso? — Hannah parecia curiosa. Os olhos azuis brilhavam atrás dos óculos grandes. Constância suspirou — E quanto as responsabilidades do casamento... Você sabe...

Corando, Heloísa olhou para os lados de modo a vasculhar se não havia ninguém por perto e voltou-se para a irmã.

— Dormimos em quartos separados — Sussurrou e Hannah não escondeu o choque — Não temos intimidade.

— Mas, espera... Vocês não já... — Faz um gesto com as mãos.

— Aí, Hannah, por favor! — Olhou novamente ao redor e puxou sua cadeira mais próxima da cadeira de rodas da irmã — Não tocamos nesse assunto. É como se nunca houvesse acontecido. Somos dois estranhos vivendo sob o mesmo teto e só!

— Mas o papai disse que ele vem te buscar todos os dias. Que vocês parecem bem — Heloísa sorriu ironicamente.

— Fachada, irmã. Tudo fachada para ninguém ficar falando demais — Hannah segurou a mão de Heloísa repentinamente.

— Constância... O Tiago gosta de você — Garantiu enfaticamente — É nítido pela forma como ele fala com você, como te olha... Se vocês estão casados, aquela história do baile foi automaticamente anulada e o melhor a ser feito é tentar ser feliz com ele, não acha?

Heloísa virou-se para o lado esquerdo e viu Tiago, em sua sala, falando ao telefone e totalmente alheio ao seu olhar. Aquele homem era um enigma para ela. Como podia sentir tantas coisas por ele de uma só vez? Como podia estar apaixonada pela mesma pessoa que a magoou tanto no passado, o homem que sempre repudiou em mente?

O Tiago que amava era o homem que conheceu naquela noite. O Tiago que repudiava era o que tinha ali, agora. O cheio de segredos. O misterioso. O que voltou depois de tudo e conseguiu se casar com ela.

— Querida Constância! — Margot entrou na sala surpreendendo as duas irmãs — Espero não estar atrapalhando o momento fraternos de ambas, mas preciso muito falar com minha querida nora.

Heloísa se colocou de pé e foi abraçada carinhosamente pela mãe de seu marido, que não escondia a admiração pela nora perfeita.

— Você não interrompe, Margot. Por favor, sente-se — Acomodando-se, Margot ainda segurava a mão esquerda de Heloísa — Do que se trata?

— O aniversário de Tiago está chegando e eu gostaria muito de fazer uma festa para ele. Faz anos que não posso essa data com meu filho e, agora que estamos juntos, acho propício comemorar — Dizia animada e Heloísa tentava sorrir ao máximo — Preciso de sua ajuda com a festa e a surpresa, é claro!

— Que ótima ideia, Margot! — Hannah interveio ao notar a irmã sem reação — Tiago vai adorar uma surpresa com a família... Não acha, mana?

— Claro... É claro, Margot. Pode contar comigo para o que for necessário! — A contragosto, Heloísa assentiu e sorriu.

Margot falava repleta de empolgação todas suas ideias para a festa e Heloísa avaliava Tiago ao longe, pelo vidro, em sua sala. O mesmo saiu para o corredor e algumas funcionárias se aproximavam dele para comentar algo. Apesar das moças sorrirem sugestivamente, Tiago permanecia em postura séria e comentava apenas o necessário. Aquilo fez Heloísa reconsiderar.

Ao final da conversa, dirigiu-se até o corredor onde Tiago conversava com algumas pessoas e, ao notarem sua presença, todas se afastaram. Margot estava ao seu lado e Hannah do outro. Tiago cumprimentou a todas e tomou a mão da esposa de modo a beijá-la carinhosamente. Heloísa corou, mas seguiu firme.

Conversaram brevemente e, ao ficarem a sós, Heloísa afastou-se minimamente dele de modo a encará-lo.

— Não gosto que fique conversando com as funcionárias em rodinhas. Acho tudo isso muito desnecessário — Mexia no cabelo discretamente e Tiago sorriu enquanto colocava as mãos nos bolsos da calça.

— Não se preocupe. Todos sabem que meus olhos são voltados totalmente para você — Heloísa rodou os olhos em sinal de tédio e suspirou — Podemos ir agora ou o ataque de ciúmes vai durar mais tempo?

— Ciúme, eu? Acha mesmo que eu teria ciúmes? Me poupe, Tiago — Passou diante dele e o rapaz a seguiu de perto — Apenas quero respeito.

— Mas eu te respeito... Respeito até demais, se quer saber — Garantiu ao entrarem no elevador. Heloísa o encarou de maneira confusa — Não me olhe assim, não. Eu deveria ser mais firme e te mostrar quem manda nessa relação.

Heloísa gargalhou audivelmente e Tiago torceu os lábios.

— Era só o que me faltava... Você se tornando um grosseirão — Tiago sorriu e olhou ao redor, reparando que estavam sozinhos no elevador.

— Não era sobre isso que eu estava falando — Puxando-a pela cintura, Tiago lhe apertou em um beijo intenso e surpresa. A moça, pega desprevenida, separou os lábios e o apertou pelos ombros, retribuindo o beijo com a mesma ansiedade.

O elevador parou no estacionamento e se abriu, fazendo com que ambos se separassem ao notar a presença de mais pessoas. Corados, saíram limpando os lábios e se dirigiram ao carro em silêncio. O recado de Tiago com o beijo era claro e Heloísa se retorcia por dentro por ter gostado de entendê-lo.

— Não pense que seus beijos me intimidam — Entraram no carro dele e Tiago seguia sorrindo.

— Claro que não... Você estremece nos meus braços por nada — Heloísa separou os lábios em expressão de indignação.

— Você está louco! Imagina que eu estremeço com você... — Desdenhou com a voz hesitante.

— Você me quer... Fala que não, mas você me quer — Heloísa mordeu os lábios e virou o rosto na direção oposta.

— É você que me quer, mas nunca irá me ter de verdade — O tom dela era provocativo e Tiago deu de ombros.

— Já tive. Aliás, já tenho! — Heloísa sorriu de canto.

— Por pura sorte. Porque eu não sabia que era você — O tom brincalhão dela acendeu o fogo no peito de Tiago. Estaria sua Heloísa, finalmente, cedendo?

— O que acha de jantarmos em um lugar diferente hoje? — Surgia, ali, uma oportunidade de Tiago tocar o coração de sua esposa. Heloísa pensou por alguns minutos.

— Talvez seja interessante passar um tempo fora de casa — Não demonstrava muita importância, porém percebia nitidamente como Tiago buscava agradá-la.

Seria uma boa ideia deixar-se aproximar?

— Te espero para o jantar, então — Heloísa assentiu ao entrarem em casa e Tiago sequer podia conter o sorriso — Coloque uma roupa bonita. Vou te levar em um lugar incrível.

— Está dizendo que minhas roupas normais não são boas? — Provocou indo em direção as escadas.

— Não, claro que não. Você está sempre linda, mas hoje será especial — Heloísa apenas lançou um olhar curioso por cima dos ombros enquanto se afastava dele em direção aos quartos.

Não podia negar que sentia um frio no estômago ao pensar na palavra especial . Não podia negar, também, que ela e Tiago formavam uma boa dupla. Parada diante do espelho de seu quarto, pegou-se pensando nas vezes em que se trombavam pelos corredores de casa e se encaravam como se esperassem algo um do outro.

Ele esperava apenas um gesto.

Ela esperava que o passado de apagasse de sua memória.

Pensou nas palavras de Hannah e nas do próprio Tiago. Não seria mais fácil se entregar de uma vez? Já era mulher dele, afinal, tanto no cartório quanto na cama. Porque se negar a viver o que estava predestinado? Tiago estava diferente, talvez houvesse nele realmente algum arrependimento. Apenas não podia entregar seu coração... Talvez isso sim fosse arriscado demais.

Tomou um longo banho e separou um de seus melhores vestidos. Pegou a peça vermelha e trabalhada em mãos, mas, ao coloca-la no corpo, reconsiderou. Não iria se vestir como uma madame para sair com Tiago. O conheceu de calça jeans em uma balada e foi assim que o atraiu. Aquela noite era como um recomeço, por isso decidiu realmente dar uma nova chance a si.

Retirou do armário a mesma roupa que usou da primeira vez em que se viram.

O top cor de rosa. Calça jeans clara e cintura alta. Uma sandália. Enrolou as pontas do cabelo longo. Maquiou-se pouco, realçando o delineador em forma de borboleta e o batom rosa-claro. Olhou-se no espelho de teve de sorrir. Estava exatamente como naquela noite. Apanhou a mesma bolsa, o celular e caminhou até as escadas.

— Constância? — A voz dele vinha do andar de baixo, um tanto ansioso — Estou pronto! — Dizia em alto e bom som.

Heloísa parou no topo da escada e o viu de cima. Também não usava nada muito ousado, calça escura, camisa vermelha e jaqueta de couro. Parecia-se muito com a primeira vez em que se viram. Tiago voltou o olhar para a escada quando a escutou descendo e pôde ver nos olhos dele a surpresa. Por pouco não derrubou o celular das mãos.

O belo par de olhos castanho brilhava ao vê-la diante dele como na primeira vez em que se viram.

Descendo as escadas, Heloísa sorria para ele sem esconder certa emoção. Tiago parecia ter se convertido em estátua ao encará-la, lembrando-se a cada segundo da noite em que a conheceu.

— Senhor Tiago, senhora Constância... — Hipólita entrou na sala um tanto receosa pela intensa troca de olhares de Tiago e Heloísa. Tiago apenas ouvia, pois tudo que via era sua esposa — Devo servir o jantar?

— Pode se recolher, Hipólita. Eu e meu marido vamos jantar fora hoje à noite — Respondeu ao notar que Tiago não o faria. Ainda a encarava profundamente, surpreso e sem palavras.

— Tudo bem. Boa noite, então — Sorriu para Heloísa de maneira cumplice e a moça retribuiu.

Ao ficarem a sós, Heloísa se aproximou dele a ponto de ficarem a centímetros de diferença. Tocou o queixo do marido e fechou sua boca. Ambos riram.

— Podemos ir ou vai ficar parado aí? — Movimentou a cabeça em direção a porta. Tiago sorriu e pegou a mão dela entre as suas, levando-a aos lábios para dar um beijo longo.

— Heloísa.

Foi tudo o que disse.

Foi quem ele conheceu. Por quem se apaixonou.

Tê-la ali, diante dele novamente, era como ganhar sua segunda chance.


— V ocê é linda.

Foi à única coisa que Tiago disse ao tocar o cabelo dela com carinho e colocar os fios escuros atrás da orelha da moça. Os olhos de Heloísa brilhavam como da primeira vez em que se viram e Tiago não escondia a felicidade. O fascínio. O amor que sentia, plenamente.

Amor .

Ao vê-la diante de si teve a certeza de que a amava e não podia contestar tal sentimento. Constância Chastel roubou seu coração, o derrubou de seu orgulho, escalou seus planos e o fazia temer seus segredos. Podia aceitar qualquer coisa, menos perdê-la novamente.

— Vamos? — Heloísa tocou o braço dele e sorriu meigamente — Ou pretende desperdiçar todo meu figurino?

— Sei exatamente onde devemos ir para exibi-lo — Garantiu com uma piscadela, oferecendo a mão para que segurasse. Para sua surpresa, Heloísa aceitou, entrelaçando os dedos nos dele com carinho.

O caminho todo foi forjado no mistério, sorrisos tímidos e expressões constrangidas. Tudo era como um primeiro encontro e, apesar de ter planejado um lugar refinado, Tiago a levou para uma festa. Um baile. Aquele baile . Cobrindo os lábios com as mãos, Heloísa saiu do carro quando estacionaram.

— Não acredito Tiago! — O rapaz sorria bobamente diante da empolgação quase infantil da esposa, que parecia uma menininha feliz com sua primeira boneca — Então foi isso que planejou?

Entraram no baile e todo o barulho familiar os envolveu, porém tamanha cumplicidade de ambos, pareciam estar alheios a todo o resto.

— Não... Mas não tive dúvidas de que deveríamos vir até aqui quando te vi descendo as escadas como na primeira vez em que nos encontramos — Garantiu apaixonado, demonstrando que tinha apenas olhos para ela — Quero começar de novo, Constância. Começar como deveria ter sido.

— E como deveria ter sido? — Tiago tocou o rosto dela e a puxou para mais perto.

— Eu não deveria ter te largado nunca depois daquela noite em que você foi minha — Aproximou os lábios dos dela, mas Heloísa colocou a mão na frente, antes que se beijassem.

— Você errou — Sussurrou próxima dele, falando quase colado em seus dedos pousados sobre a boca do marido — Nossa história começou ainda na adolescência, quando você foi embora e sequer me deu uma explicação.

— Não vai me perdoar nunca, não é? — Sussurrou abaixando a mão dela, aproximando-se o máximo que podia — Sou um homem e cometo erros! Tive um motivo forte para fazer o que fiz e, repito, eu não te conhecia. Jamais trairei a confiança de Heloísa como traí a de Constância Chastel por um único motivo... Aqui, naquela noite, eu me apaixonei por você.

Forte. Intenso. Decidido.

Foi assim que Tiago soou e tudo aquilo abalou o coração frágil da moça, que sustentava o olhar do marido com convicção.

— Me explique então.

— Explicar o que? — Confuso, aguardou.

— Porque foi embora. Conte-me tudo. Conte-me quem é você de verdade.

Tiago reconsiderou.

Olhou para Heloísa, tão linda e doce a sua frente, e imaginou o que ela faria se soubesse sobre sua filha agora. Lembrou-se da confissão dela com o problema para ter filhos. Olhou ao redor e pegou-se pensando que poderia perdê-la, uma vez mais, se fosse demasiadamente precipitado.

— Aqui não é hora, muito menos lugar, para termos uma conversa tão séria — A moça mordeu os lábios, mas concordou — Promete que direi em um momento mais apropriado. Apenas peço que confie em mim — Aproximou os lábios dos dela a ponto de sentia sua respiração — Me dê uma chance de recomeçar... Apenas uma, eu peço.

— Porque acha que estou aqui Tiago? — Sussurrou rendida, trêmula e completamente apaixonado nos braços dele. Tiago a envolveu pela cintura com fervor, embriagado pelo doce perfume da esposa — Não aguento mais fugir de você...

— Não aguento mais dormir na mesma casa que você, sentindo seu cheiro, te vendo todo dia... E não poder fazer nada — Sussurrava próximo dela, segurando-a perto pela cintura e pelo cabelo.

— Não poder te tocar... — Heloísa tocou o rosto dele com carinho

— Não poder te sentir... — Tiago a aproximou ainda mais de seu corpo, sentindo todo seu calor.

— Não poder estar com você... — Fechou os olhos quando ele colou os lábios nos dela.

— Não poder te amar como quero... Como sonho todas as noites.

Tiago a beijou com ímpeto e Heloísa sequer pensou em recusar. Retribuiu o beijo do marido lhe abraçando os ombros fortes, rendendo-se a paixão de ambos com todo o fogo contido em seu peito. Não podia enganar a si mesma. Não podia recusá-lo. Estava perdidamente apaixonada por Tiago e não importava mais se ele era um mentiroso. Talvez se machucasse. Talvez se enganasse... Mas não havia mais como fugir do risco.

Foram para a pista de dança e dançaram como não fizeram da primeira vez. Divertiram-se. Beijaram-se. Entregaram-se.

As mãos de Tiago não se distanciavam de Heloísa e muito menos a moça se afastava dele. Era como se fossem um. Qualquer pessoa ali podia notar a felicidade do casal mais bonito da festa.

Com os braços envoltos no pescoço de Tiago, Heloísa encarou sua própria aliança descansando no dedo anelar da mão esquerda. Parecia um sonho o fato de estar casada com seu amante secreto, o homem que despretensiosamente escolheu para perder a virgindade naquela mesma boate.

— No que está pensando? — Tiago sussurrou ao ouvido dela enquanto se moviam lentamente. Suas mãos percorriam a cintura da moça, pousando em seu quadril de maneira possessiva.

A desejava loucamente e contava os segundos para irem para casa. Não aguentava mais toda a pressão de seu corpo por ela, muito menos os olhares dos homens ao redor em direção a sua mulher. Era a mais linda, a mais completa, principalmente a seus olhos.

— Em como a vida é maluca. Quem diria que eu me casaria com você — Olhando nos olhos dele, teve a impressão de estar diante do Tiago daquela noite e ele notou a diferença — O homem que escolhi para mim naquela noite...

A Heloísa que estava ali falava com o Tiago daquela noite, por isso se rendeu, se derreteu, se entregou... Ela enxergava o homem que a tinha, não o herdeiro Guimarães Sampaio.

— Aquele Tiago e seu marido são a mesma pessoa, Constância — O fato de chama-la de Constância a fez despertar para a realidade — Nós dois somos o mesmo homem.

— Eu sei, mas existe uma diferença — Sussurrou de maneira sincera... Tão pura que o tocou profundamente — Um deles me tem por inteira e o outro me destruiu por um momento.

— Então deixe o que te tem por inteira consumir nossa história. Prometo te fazer esquecer a outra parte — Sussurrou ao ouvido dela de maneira cumplice — Por favor.

— Me tenha novamente, Tiago — Sussurrou tocando a nuca dele, deslizando as palavras em seu ouvido com lábios aveludados — Me faça esquecer.

Por hora, aquilo bastava.

Tiago não soube dizer como chegou até em casa, muito menos como subiram as escadas até o quarto dele, o mais próximo no corredor.

Heloísa paralisou diante do olhar dele quando fechou a porta, talvez pensando um pouco mais sobre as consequências. Tiago caminhou até ela e lhe segurou o rosto com carinho, abraçando-a pela cintura e deslizando as mãos por sua pele.

— Quero ser sua como nunca fui de outro homem. Como você me ensinou naquela noite — As palavras dela atingiram o coração dele de maneira visceral, despertando um sentimento que jamais imaginou sentir por qualquer mulher.

Um sentimento que o assustava. Algo tão grandioso que apenas podia ser chamado de amor .

Os dedos trêmulos de Heloísa tiraram a jaqueta de Tiago, deslizando-a pelos ombros fortes, em seguida, correndo até os primeiros botões da camisa vermelha. Tiago, que já havia despido o corpo dela daquela mesma roupa, soube perfeitamente o que fazer para retirar o top cor de rosa e a calça jeans com maestria.

Os olhos escuros de Heloísa brilhavam sob a luz fraca do quarto e ela parecia tão nervosa como da primeira vez.

Tiago não teve pressa em beijá-la com carinho, deslizando as mãos pelas curvas dela com delicadeza. Desabotoou o sutiã antes de deitá-la sobre os lençóis de sua cama, admirando a maneira como o cabelo escuro se espalhava ao cair no travesseiro. Amava tudo nela... Desde os olhos escuros e curiosos até a maneira sensual como seu corpo se movia sob o dele.

— Você é linda... — Era tudo que conseguia repetir enquanto a beijava o colo, os seios, a barriga e onde podia alcançar.

Heloísa mordiscava os lábios e se retesava sob os beijos apaixonados. Podia sentir em seus poros a maneira como ele a admirava. Não podia ignorar a maneira sublime com a qual fazia amor com ela, o doce roçar de seus lábios... Apaixonada, agarrou os fios do cabelo dele em suas mãos e o puxou para cima quando resistir ficou insuportável e o acomodou entre suas pernas.

Sentia necessidade de tê-lo perto. Tão perto que sequer poderia saber onde um começava e o outro terminava. Rendida por seu marido, Heloísa suspirou em meio ao beijo quando Tiago começou a penetrá-la. Apertou os olhos e segurou os ombros dele ao senti-lo se acomodando, pedindo espaço, controlando-se para não amá-la com todo o desejo contido no peito.

— Tiago, espera... — Sussurrou respirando fortemente contra os lábios dele.

— Estou te machucando? — A voz dele saiu engasgada, ofegante, sensual. Heloísa negou com um aceno, fascinada pela maneira como Tiago a encarava. Não era apenas desejo de homem e mulher, havia amor em seu olhar. Havia doçura. Carinho. Redenção.

— Eu... — As palavras não saíam e os olhos dela se encheram de lágrimas.

— Eu também — Ele respondeu com um pequeno sorriso e tocando o rosto dela timidamente.

Não era preciso ser dito para ser compreendido, porém Tiago fez as palavras de Heloísa se concretizarem com o amor que depositava nela.

Heloísa se entregou aos braços do marido sem reservas, igualmente apaixonada, fascinada com a maneira como Tiago a amava. Mais forte que a primeira vez. Mais intenso. Mais vivo. Mais certo. Não existiam palavras.

Tiago a assistiu se rendendo ao prazer certo de que não podia tolerar perdê-la. Heloísa era parte dele, talvez a parte mais certa e incrível, e não podia deixar que seus erros do passado interferissem em seu casamento. Aquela mulher era tudo de mais incrível que a vida poderia lhe dar e teria o mundo que desabar para que ela fosse tirada dele.

Deitou-se contra os seios dela ainda ofegante, cansado e trêmulo. Sentia os dedos vacilantes lhe percorrendo o cabelo enquanto recuperava o fôlego e podia ouvir o coração acelerado de Heloísa em seus ouvidos. Abraçou-a repleto de contentamento e extasiado.

— Você me faz completo, Heloísa — Garantiu erguendo o olhar para ela e encontrando confusão em seus olhos escuros — Eu...

— Não — Sussurrou pousando os dedos nos lábios dele — Não diga o que estou pensando que vai me dizer.

— Acha que eu mentiria? — Ela sorriu sem humor.

— Você ainda pode quebrar meu coração — Havia tristeza em seu olhar apaixonado. Tiago sorriu de canto.

Poderiam se passar mil anos... Demorar muito para que Heloísa de fato acreditasse nele. Ter se entregado não significava um perdão absoluto, mas uma forma de tentar e ela deixou isso bem claro.


Tiago foi tomar um banho e Heloísa se esticou em meio aos lençóis dele.

O cheiro másculo estava por todos os lados, embriagando-a. Seu coração sabia que amava aquele homem, mas não podia admitir para si mesma estar se entregando para Tiago Sampaio tão facilmente. Mordeu os lábios ao se lembrar de tudo. Apertou os olhos pela sensação das mãos dele contra seu corpo.

Ele era seu marido.

O casamento deles merecia uma chance.

O celular dele tocou sobre o criado mudo e Heloísa sentou-se, cobrindo-se com o lençol azul. O mesmo parou de tocar, mas voltou novamente em questão de segundos. Deveria ser algo urgente e talvez fosse melhor entregar a ele. Era madrugada, afinal, deveria mesmo ser importante!

Aproximou-se do aparelho e viu um número desconhecido, sem qualquer identificação. Seria um trote?

Ou uma amante .

O pensando fez seu coração acelerar e rapidamente Heloísa se lembrou da noite em que Tiago saiu de casa sem qualquer explicação. Apertando os olhos e suspirando, Heloísa não podia acreditar. Novamente o celular tocava e não pôde conter a curiosidade. Atendeu o mesmo sem hesitar.

— Alô, Tiago? — Dizia a voz do outro lado da linha e parecia aflita — Sou eu, Manuela. Tiago?

Heloísa desligou o aparelho rapidamente, olhando para o mesmo em suas mãos como se fosse a pior coisa que já havia colocado os olhos. Reparou, naquele instante, que havia a ponta de algo saindo da capinha do aparelho na parte de baixo. Era um papel. Retirou a capa do celular e pegou o mesmo, abrindo-o, notando que era um recibo. Um recibo de entrada para um motel .

Enjoada, sequer notou quando a porta do banheiro foi aberta e Tiago apareceu no quarto.

— Heloísa? — A voz dele a fez despertar para a realidade, erguendo o olhar furioso e os olhos tomados por lágrimas em sua direção — O que...

— Sou eu quem te pergunto Tiago! — Esbravejou arremessando o celular na direção dele e mostrando o recibo em suas mãos — O que significa tudo isso?

Engolindo em seco, Tiago observou o celular tocando em suas mãos e o número desconhecido surgindo na tela. O número de Manuela. O recibo do motel, da noite em que foi encontrá-la.

— Heloísa, por favor, eu posso... Eu posso explicar — Tiago sequer conseguia falar. Heloísa tinha o rosto aflito, desesperado, demonstrando decepção e desolamento. Furiosa, foi até ele e lhe deu tapas onde as mãos podiam alcançar.

— Como fui tola... Como fui idiota! — Tiago se desviava os tapas dela, tentando entender o que a esposa dizia entre as lágrimas — Todas as vezes que confio em você sou traída, todas!

— Eu não te traí, Heloísa, por favor, eu jamais...

— Você jamais? E esse recibo de motel aqui? — Jogou o papel sobre ele e Tiago apertou os olhos — E essa ligação que eu atendi e a tal Manuela disse seu nome? O que pode dizer sobre isso, seu traidor? — Esbravejava em alto e bom som.

— Tudo tem uma explicação, eu... — Heloísa o encarava nervosa — Ela voltou e me pediu para encontrá-la. Nós temos um assunto em comum, mas jamais fiquei com ela de novo!

— Encontrá-la no motel? — Desdenhou secando as lágrimas e recolhendo suas roupas do chão — Você é a maior decepção de minha vida, Tiago! — Colocou a calcinha e vestiu a camisa dele para poder sair logo dali — Cheguei a pensar que poderia ser um sonho bom, mas me enganei. Você é um pesadelo. Maldito dia que te conheci naquela boate — Aproximou-se dele enquanto chorava, empurrando-o com força — Maldito dia que te deixei me fazer mulher. Maldita eu, por ter confiado e me entregado para você de novo! Quero divórcio... Não para ontem, nem para daqui dois meses... Para agora!

Saindo do quarto dele, Heloísa foi em direção ao seu com Tiago ao seu encalço.

— Heloísa, por favor, espera... Eu juro que jamais toquei nela novamente, posso explicar, eu... — A moça bateu a porta na cara dele e Tiago encostou a testa na mesma.

Precisava esperá-la se acalmar. Daquele jeito as coisas não dariam certo.

O celular vibrou em sua mão, mas desta vez não era Manuela e sim a delegacia.

— Delegacia? — Sussurrou para si mesmo, voltando para seu quarto — Alô?

Manuela foi presa.

Tabata estava no hospital, vitima de maus tratos pela própria mãe.

E cabia a Tiago recuperá-la.


H eloísa abriu a porta do quarto, minutos mais tarde e dignamente vestida, decidida a jogar umas boas verdades na cara de Tiago, mas o marido havia desaparecido.

Chegou a tempo na sala de vê-lo através do vidro entrando no carro e partindo rumo ao desconhecido. Parecia realmente muito apressado e certamente deveria ser pelo telefonema dela. Rumou para o quarto com a decisão tomada. Não ficaria nem mais um minuto vivendo ao lado dele!

Tiago prometeu o mundo enquanto faziam amor e menos de uma hora depois de irem para cama ele corria atrás da amante! Não podia tolerar pelo simples fato de que o amava e já era tarde demais para jogar com a razão.

Chorou, mais uma vez, por Tiago Guimarães Sampaio. Socou o travesseiro, agarrou os joelhos e se rendeu a tristeza de saber que amava um traidor. Um cretino. O pior tipo de homem que podia existir!

Seu celular tocou e ignorou pensando ser ele, mas as chamadas persistiam. Apanhou o aparelho e se assustou ao ver o número de Hannah no visor.

— Alô? — Disse entre lágrimas, secando algumas no rosto pálido.

— Constância? Você está chorando? — A irmã disse nervosa — Já está sabendo, então? Quem te avisou?

— O que? Hannah... — Tentou se recompor — Do que está falando? O que foi?

— Espera... Está tudo bem? — Hannah rebateu ainda mais confusa — Porque está chorando?

— Pelo cretino, safado, sem vergonha que tenho como marido — Explicou enraivecida — Porque está me ligando?

— O papai, Constância — O tom de Hannah se tornou aflito — Ele está mal. Está na UTI. É melhor você vir... Os médicos não deram um bom prognostico.

A garganta de Heloísa fechou. Seus olhos se abriram demais. As mãos suaram. Como pode todos seus pesadelos se tornarem reais em apenas uma noite?

— Estou indo para aí — Garantiu e desligou sem mais delongas.

Trocou-se rapidamente, sem pensar em Tiago, apenas em seu pai. Saiu com o cheiro dele no corpo e no cabelo... Com seus beijos e caricias gravados na alma. Rumou para o hospital rapidamente, subindo para encontrar a mãe e a irmã desesperadas na sala de visitas.

— Onde está Tiago? — Flora questionou ao vê-la tão abalada, de olhos inchados e sozinha.

— Não sei — Respondeu secamente, sem rodeios — Tão pouco quero saber.

Hannah apertou a mão da irmã enquanto explicava a situação do pai. O câncer chegava em estágio final e os médicos não tinham mais o que fazer. Talvez Heitor não passasse daquela noite.

Ao menos Heloísa pôde chorar sem esconder-se. Chorou pelo pai, principalmente, mas por Tiago também. Depositou naquele homem esperanças de um futuro mais feliz, de ter sua própria família, mas tudo acabou antes mesmo de começar. Perdia o pai e Tiago na mesma noite, algo doloroso demais para ser enfrentado sozinha.


Tiago observava a filha sobre a cama sem acreditar que aquele pequeno anjo havia sido vitima de uma maldade tão grande.

Chegou ao hospital arrasado, nervoso, sem sequer raciocinar corretamente tudo ao redor. Saiu sem falar com Constância porque ela estava muito nervosa e arrependeu-se, porém precisaria de mais tempo para explicar tudo corretamente.

— Onde está Tabata? — Disse a atendente da ala pediátrica — Sou... Sou o pai dela.

Rapidamente chegaram uma policial e uma assistente social e as duas lhe fizeram muitas perguntas. Seria necessário um exame de DNA, uma vez que Tiago não havia reconhecido a paternidade formal da menina, e o rapaz não se opôs em nenhum momento. Tudo o que queria era ver a garotinha e ter certeza de que estaria bem.

— Ela levou uma surra da própria mãe a ponto de provocar-lhe algumas fraturas. Está com a costela trincada, o braço quebrado e bateu a cabeça. Por sorte não teve hemorragias internas e está fora de risco de morte — A médica lhe garantiu enquanto caminhavam até o quarto da garotinha — Ela poderá ter alta daqui quatro dias, se tudo correr bem. O senhor vai ficar com ela?

— Vou... Vou sim — Precisava falar com Constância primeiro, mas daria um jeito de cuidar da filha. Não podia, e nem queria, abandoná-la agora — Já perdemos muito tempo.

A porta foi aberta e Tiago viu Tabata depois de muitos meses.

Tinha o mesmo rosto angelical. Os olhos dele. A boca rosada e pequenina. As expressões inocentes. O cabelo escuro e liso. A pele clara. Tiago se aproximou dela e lhe tocou a mão com carinho. Dormia como um anjo, mas estava machucada.

Se Manuela aparecesse a sua frente naquele momento certamente a mataria. Por justiça estava presa e se dependesse dele ficaria lá por muitos anos. Por certo descontou na garotinha o fato dele não ter ido ao seu encontro novamente. Foi vê-la no dia seguinte ao motel, no shopping, mas ela somente queria dinheiro e não levou a menina. Apenas a encontraria quando ela lhe levasse Tabata. Como não podia alcança-lo, descontou sua raiva em Tabata, mas agora estava presa e lá permaneceria.

Seria o gatilho perfeito para também indiciá-la sobre o golpe da família. Por certo Manuela ficaria na cadeia por muitos anos, mas agora Tabata era responsabilidade dele.

Engoliu em seco enquanto olhava para a menininha.

Amava a filha, certamente, mas seria um grande desafio. Como contar a todos sobre ela? Como contar a Constância? Será que sua esposa aceitaria a menina entre eles, uma vez que a pequena lembraria sempre Manuela?

Retirou o celular do bolso após vibrar e viu uma mensagem de Hannah.

Meu pai está em estado grave na UTI. Talvez não passe desta noite. Constância está conosco no hospital central.

Heitor estava morrendo no mesmo hospital em que Tabata estava internada! O local, que atendia tanto planos de saúde quanto ao público, abrigava os dois na mesma noite.

Heloísa precisava dele.

Tabata precisava dele.

Como desejava ser dois naquele momento!

No entanto, não era. Havia algo a ser feito e não podia mais esperar.

— Aqui está meu número de telefone — Disse para a enfermeira que o acompanhava — Estou neste mesmo hospital. Se ela acordar, pode, por favor, me ligar?

— É claro — A moça sorriu um pouco confusa pelo nervosismo de Tiago, que lhe explicou a história rapidamente — Desejo melhoras ao seu sogro. Se sua filha acordar, ligo em seguida. Fique tranquilo.

— Obrigado — Tiago lançou um olhar doce para Tabata antes de sair. A menina dormia como um anjo e, pelas contas da enfermeira, demoraria a acordar.

Rumou para a sala de visitas da UTI adulta sem pensar em mais nada. Não podia mais esconder de Heloísa tudo o que vinha acontecendo. Não era justo com ela e era a única maneira de se redimir depois de tudo.

Assim que o elevador abriu avistou Hannah sentada ao lado da irmã e a mãe das duas em pé frente a elas. Flora foi a primeira a vê-lo e caminhou até ele com os braços abertos, em sinal de apoio. Tiago a abraçou sem desviar o olhar de Heloísa, que não havia notado sua presença até então. Jamais vira a esposa tão abalada como naquele momento, chorando no colo da irmã.

— Como ele está Flora? — Sussurrou para a sogra, que comprimiu os lábios e deixou transparecer a tristeza com os olhos cheios de lágrimas.

— Os médicos não deram esperanças. Estamos apenas... Esperando — Deu um sorriso curto e sem humor.

— Sinto muito — Tocou o ombro dela carinhosamente e naquele momento viu Hannah sussurrar algo no ouvido de Constância. A moça rapidamente ergueu os olhos para ele e se colocou de pé, rumando em sua direção.

— O que você está fazendo aqui?

Nunca sentiu medo de qualquer mulher, porém Heloísa parecia ser a mais assustadora de todas elas, tamanho ódio em seu olhar. A moça tremia, apontando o dedo em riste no rosto do marido. Tiago não recuou, enfrentou-a, porém em uma postura humilde e ponderada.

— Vim assim que soube de seu pai e... — Ela o empurrou e Tiago apertou os olhos, dando apenas um passo vacilante para trás.

— Vai embora! — Dizia um pouco alto, atraindo olhares — Não quero sua presença, não quero te ver nunca mais! — Flora a abraçou pelos ombros, mas Heloísa se livrou da mãe rapidamente — Vai embora!

— Constância, por favor! — Flora sussurrou no ouvido da filha, voltando a abraçá-la — Isso é um hospital! Porque está gritando com seu marido?

— Ele não é meu marido, é um traidor! — Disse enfaticamente, baixando o tom, porém se aproximando de Tiago a ponto de ficarem a centímetros — Já disse que não quero te ver nunca mais! Nunca mais! Vai embora antes que isso vire uma tragédia!

— Você vai me escutar primeiro! — Tiago a pegou pelos ombros, de modo a impedi-la de sair. Hannah e Flora eram as únicas na sala com eles e os assistiam sem esconder a surpresa pela cena tão intensa — Eu não fui para o motel com Manuela para passar a noite, não fui para cama com ela!

— Ah não? — Riu ironicamente, o empurrando, mas sem conseguir se livrar de seus braços — Foi fazer o que? Brincar de casinha? De bambolê, de boneca?

— Fui tratar de uma pendência do passado! — Dizia nervoso — Não me deitei com ela, tenho nojo daquela mulher! Ela voltou a aparecer e foi lá o local marcado, não tinha como chegar até ela de outra maneira! — Tiago parecia sincero, mas Heloísa não acreditava em uma só palavra — Sei que não tenho como te provar que não fiz sexo com ela, mas eu te dou minha palavra!

— Sua palavra? — Desdenhou, desta vez aproximando o rosto do dele a ponto de tocarem os narizes — Desde quando sua palavra vale alguma coisa, Tiago Sampaio? Nunca valeu e nunca valerá sequer um centavo!

— Você está esquecendo tudo que vivemos ainda hoje, Heloísa? — Provocou já desestabilizado — Está esquecendo as promessas que fizemos um para o outro horas atrás, quando você se entregou para mim?

— Não te fiz promessa nenhuma — O empurrou e Tiago a soltou — Porque bem no fundo eu sabia que você voltaria a me machucar!

— Mas eu te fiz promessas... Jurei nunca mais te magoar, jurei te fazer feliz, jurei que te amava — Heloísa apenas ria ironicamente — Querendo ou não, precisa acreditar em mim!

— Nunca! Jamais! Não mais! Cometi o erro de te deixar me tocar, mas o meu coração você não vai mais usar — Hannah e Flora se olhavam de maneira surpresa, quase tímida, sem saber o que fazer em meio à situação. Intervir parecia impossível, dado o nervosismo do casal — Vai embora!

— Não sem antes de mostrar uma coisa... — Arrasado, Tiago teve de apelar para os sentimentos da moça — Por favor, venha comigo.

— Não vou a lugar nenhum com você — Garantiu secando as lágrimas — Meu pai está morrendo e...

— Por favor — Tiago também tinha lágrimas nos olhos e parecia atordoado. Heloísa hesitou diante do pedido profundo — Por favor... Eu me ajoelho aos seus pés se for preciso.

Disposto a se ajoelhar, Heloísa o segurou pela camisa antes que ele se abaixasse completamente. Seu olhar, próximo ao dele, queimava no rosto belo sem qualquer pudor. O que Tiago pretendia com tudo aquilo, afinal? Engoliu o orgulho e todo o resto. Não pôde ignorá-lo.

— Tiago...

— Estou implorando, Heloísa — Insistiu tocando a mão dela, mas a moça a puxou rapidamente — Por favor.

— Depois disso você some — Advertiu suspirando, virando-se para encarar a mãe e a irmã — Volto em um minuto — Simplesmente disse, saindo em direção ao elevador. Tiago nomeou a cabeça timidamente.

— Com licença.

Hannah e Flora se entreolharam de maneira tímida e confusa, assentindo para o casal, que seguiu para o elevador sem falar muito mais. Heloísa sequer olhava no rosto de Tiago, apenas mirava o chão completamente atordoada. Sequer sabia por que estava atendendo a um pedido dele.

— Obrigado por me ouvir — Ela o cortou rapidamente.

— Se eu não saísse de lá iria acabar falando demais na frente da minha mãe — Secou as lágrimas na bochecha — Minha vontade é te matar, Tiago.

— Injustamente. Jamais menti para você — Tentou tocar nela, mas Heloísa lhe deu um tapa na mão. Tiago suspirou — Mesmo que não acredite e todas as evidências estejam contra mim, jamais toquei em uma mulher depois que estive com você.

Heloísa sorriu debochadamente, deixando claro que não acreditava nele.

— Para onde está me levando? — O elevador se abriu e saíram no corredor da pediatria. Seguia Tiago de perto — Por acaso isso tudo é alguma brincadeira? — Puxou o ombro dele antes de chegarem em frente a um quarto. Uma das enfermeiras acenou para ele. Ambos usavam o adesivo de "visitante" nas roupas.

— Eu te trouxe para ver o motivo pelo qual tive de reencontrar Manuela. O motivo pelo qual a procurei — Explicava com as mãos na cintura e o olhar atordoado, repleto de medo.

— Você andou bebendo? — Olhando para ele, Heloísa parecia incrédula — Você é louco, Tiago.

Dando-lhe as costas, Heloísa paralisou quando a voz dele ecoou atrás de si no corredor.

— Tenho uma filha — Foi tudo que disse. A moça, parada, seguiu no mesmo lugar. Alguns segundos depois, Tiago continuou — É por isso que eu precisei reencontrar Manuela. Tenho uma filha com ela.

Heloísa virou em direção a ele lentamente, encarando os olhos escuros e amados com surpresa. Estática, olhou para os lados e coçou os mesmos, pousando os dedos ali.

— Uma filha? — Disse mais alto do que pensou.

— Ela tem quatro anos — Heloísa franziu o cenho. Parecia não acreditar em nada do que lhe era dito — O nome dela é Tabata Luiza.

A moça, enfim, começava a acreditar. Tiago estava sério diante do olhar confuso dela, deixando claro que realmente estava falando a verdade. Mordendo os lábios, Heloísa largou as mãos ao lado do corpo.

— Como... — Tiago apertou os olhos. A hora difícil havia chegado. Teria de explicar tudo.

— Manuela engravidou quando nós dois estávamos noivos da primeira vez — Heloísa escutava atentamente. Tiago se aproximou dela ainda mais. Seus olhos não se separavam — Foi por isso que fugi. Ela me seduziu, eu me encantei e acabei engravidando-a — Confessou um tanto constrangido, mas seguro das palavras. Não conseguia olhar nos olhos da esposa — Não tive coragem de contar aos meus pais, eles jamais iriam aceitar Manuela com a criança, pois era claramente uma oportunista, apenas eu não tive a maturidade para enxergar isso — Suspirou. Heloísa escutava em silêncio, inexpressiva — Enfim... Como me apaixonei, resolvi ir embora e criar meu filho com ela. Fomos para a Europa, a bebê nasceu e ficamos juntos duramente um bom tempo. Até que ela me roubou... Roubou minha família... E foi embora levando Tabata. Ela não tinha nem três anos direito.

Heloísa o encarava e tocou o queixo dele de maneira a fazê-lo levantar o olhar. Tiago a encarou com os olhos cheios de lágrimas e a dor estampada ali.

— Isso não é uma brincadeira, é? — Questionou seriamente. Tiago negou, agarrando a mão dela nas suas.

— Me perdoe, Constância — Abaixando o olhar novamente, Tiago dizia em meio ao nervosismo — Me perdoe por ter sido um covarde.

— Acha que meu perdão te vale de alguma coisa? — Soltou as mãos das dele.

— Mais do que pensei que alguma coisa pudesse significar em minha vida — Declarou sinceramente, deixando uma lágrima rolar no rosto — Por favor.

Heloísa nada disse sobre isso, desviando o olhar para a porta. Havia um forte nó em seu peito. Nó da mentira. Nó da dor. Queria mata-lo por ter escondido isso dela por todo esse tempo.

— A sua... Filha... — Mordeu os lábios ao dizer. Não podia negar que se sentia furiosa, enraivecida, enciumada... — Está aqui? — Apontou para o quarto. Ele assentiu — Por quê?

— Manuela a espancou — O olhar da moça foi de ciúme para horror em alguns segundos — Ela está presa e me chamaram para assumir a guarda dela.

— Espancou? — Sussurrou quase sem voz. O horror estampado na face — Que tipo de mulher é essa, Tiago? — Heloísa deu um tapa no braço dele, que não se moveu — Que tipo de vagabunda é essa pela qual você me trocou tantas e tantas vezes?

— Preciso cuidar de Tabata. Preciso leva-la para casa — Heloísa o interrompeu.

— É por isso que está abrindo o jogo agora, então? Porque precisa levar sua filha para casa? — Cruzou os braços diante do peito. Sentia-se como uma peça em um jogo desconexo. Sentia-se frustrada. Não conhecia, definitivamente, o homem que amava.

O pior de tudo é que achava que jamais chegaria a conhecer. Não podia confiar nele!

— Contei porque não aguentava mais esse peso nas minhas costas! — Explodiu em sentimentos, aproximando-se e pegando-a pelos braços. Heloísa sentia-se minúscula diante dele — Eu tinha medo... Medo de sua reação destruir o pouco que vínhamos construindo tão lentamente.

— Acha que não está acabado? — O olhar dele foi de completa desolação — Acha que isso não destruiu tudo?

— Eu sigo te amando — Declarou sinceramente, em alto e bom som, fazendo o coração dela acelerar — Te amo como no primeiro momento em que te vi e lamento muito por fazê-la sofrer. Sei que não mereço uma mulher como você.

— Como eu? — Não conseguiu segurar uma lágrima, muito menos os tremores — O que eu sou para você, que sempre fugiu de mim? Fugiu de Constância com Manuela. Fugiu novamente com Heloísa. Agora me traiu novamente com tantos segredos...

— Você é pura. Doce. Limpa. Boa — Pontuou cada palavra — Me arrependo cada segundo de não ter dado a oportunidade ao nosso casamento da primeira vez. Seria tudo diferente.

— Você... — Ela o empurrou antes que caísse em suas palavras fáceis — É um grande mentiroso! Traidor! Safado! Sem vergonha — Tiago concordou com a raiva dela, mas sentia que todas eram ditas da boca para fora. Não esperava, realmente, ser recebido com beijos e flores da parte dela.

— Sei disso.

— Vamos, ande — Caminhou até a porta e tocou a maçaneta.

— Como? — Confuso, a seguiu.

— Quero conhecer a sua filha.


O s sentimentos de Heloísa eram demasiadamente confusos e não podia negá-los para si mesma.

Era humana, afinal, e tinha que passar pelas dores e temores para superar o insuperável.

Tiago não somente havia a traído, mas também tinha tido uma filha como fruto de sua infidelidade quando eram noivos. Por outro lado, podia compreendê-lo um pouco a mais, também. Havia uma criança em jogo, e em nome do amor paterno e de sua responsabilidade, deixou-a no passado. Dois pesos e duas medidas. Duas histórias. Apesar de tudo, sentia sim, ciúme. Raiva. Ansiedade. Inquietude. Insegurança.

Havia um elo mais forte do que imaginava entre Tiago e a tal Manuela. Algo que Heloísa talvez nunca pudesse lhe dar. Um filho .

Notou que o pegou de surpresa quando abriu a porta do quarto da menina e adentrou ao mesmo. Tiago demorou a processar tudo, mas seguiu-a assim que recuperou a noção. Esperava tudo da esposa, menos que partisse dela a ideia de ver a menina pela primeira vez. Pensou que fugiria, gritaria, se oporia... No entanto, Heloísa deu o primeiro passo e lá estava ela, parada diante da cama de Tabata, que dormia em paz.

— Ela se parece com você — A voz de Heloísa era um pouco triste.

A garotinha era bonita e frágil, muito magra e de aparência abatida. Tiago pensou que a tristeza de Heloísa era pela descoberta, mas a moça não conseguia enxergar seus dilemas diante de uma criança espancada pela própria mãe desacordada em uma cama de hospital. Aquilo era cruel demais, doloroso demais. Chegava a ser insuportável.

Movida por um sentimento fraterno, Heloísa caminhou até a beira da cama e tocou a mão pequena na sua com carinho. Tão pequena e tão indefesa... Seu coração apertou.

— O que foi? — Tiago questionou baixinho, confuso pelos atos da esposa.

— Isso é culpa sua! — Sussurrou de volta, nervosa.

— Minha? Mas eu não fiz nada e... — Ela o interrompeu. Discutiam em sussurros.

— Se não houvesse feito filho em uma mulher completamente louca e sem coração isso não teria acontecido! — Tiago mordeu os lábios e Heloísa voltou o olhar para a garotinha. Sentia pena. A mais profunda pena — Que horror...

— Os médicos disseram que ela vai ficar bem — Garantiu e Heloísa pareceu um pouco mais aliviada — Ela vai poder ir para casa.

Constrangida com a situação, Heloísa concordou. O ato fez Tiago criar esperanças. Talvez tudo não fosse por água abaixo, então. Colocando-se de pé, Heloísa saiu do quarto após se despedir da garotinha com um aperto em sua mão e caminhou para fora com Tiago a seu encalço.

— Preciso voltar para ver meu pai — Tiago a segurou pelo pulso.

— Posso levar Tabata para nossa casa? — Heloísa o encarou um tanto confusa.

— Você não devia me pedir isso, Tiago — Dizia sinceramente — Ela é sua filha. Não existe opção para você diante do que aconteceu.

— Sei que não. Mas comprei aquela casa para você e se você me disser que não a quer lá, terei de ir para outro canto com ela — Heloísa desviou o olhar do dele — Vai mesmo se separar de mim?

— Estou furiosa, mas não por sua filha, e sim por você ter ido encontrar a mãe dela no motel e me escondido isso tudo durante tanto tempo. Você se casou comigo mentindo sobre uma filha ... Isso é grave — Tiago concordou,

— Sei que é, mas isso não responde minha pergunta — Seguiu sério — Vai mesmo se separar de mim?

Heloísa rodou os olhos no rosto e suspirou.

— Podemos não falar disso agora? Meu pai está na UTI, sua filha está internada — O peso da situação recaiu sobre Tiago novamente — Sua Manuela está presa!

— Ela não é minha — Pontuou rapidamente — Você é. E se depender de mim Manuela ficará lá para sempre.

— Tchau, Tiago — Apertou o botão do elevador e deu as costas a ele — Me mande noticias sobre... Sobre sua filha.

— E você sobre seu pai — Heloísa assentiu, entrando no elevador em seguida.


Heitor Chastel não morreu naquela noite, mas se tornou um paciente paliativo incapaz de retornar a vida normal. Agora teria de receber tratamentos em casa. Heloísa sabia o que aquilo significava... O império Chastel era responsabilidade dela e de Tiago, totalmente.

— Ele tem uma filha? Foi isso mesmo que ouvi? — Hannah questionou a Heloísa quando a irmã mais nova lhe contou o ocorrido — Mas como...

— Aquela Manuela. Ele a engravidou, por isso foi embora — Explicou cheia de dúvidas, deitada na cama com a irmã — Por favor, Hannah, prometa que não vai contar isso a ninguém por enquanto!

Havia ido para a casa de seus pais para pensar melhor em tudo, evitando encontrar Tiago por agora. Sentia pena da garotinha, mas não conseguia ficar lá naquele momento. Era tudo tão recente, tão irreal... Precisava de seu tempo, de seu espaço. Tão pouco queria dividir a atenção de Tiago. A menina ficou sem o pai por muito tempo e era seu direito tê-lo por perto.

— Isso explicar muita coisa, então. Ele foi assumir a filha, afinal.

— Mas me casei com ele sem saber sobre ela.

— Isso é uma tremenda mancada — Hannah deixou escapar — Mas ele deveria ter medo de sua reação, não é? Você é louca... — Heloísa a cutucou — Ai! Vai me dizer que teria se casado se ele tivesse contado que teve uma filha com a amante?

— Não, não teria — Heloísa confessou sinceramente — Mas já me casei. E sabe o que isso significa, não sabe?

— Casamento é para vida toda — Hannah relembrou — Ao menos quando se existe amor. No caso, você não ama o Tiago — Olhou para a irmã — Ou sim? — Heloísa revirou os olhos e apertou as mãos no rosto. Hannah separou os lábios pela atitude afirmativa da irmã — Você o ama, Constância? Está apaixonada pelo seu marido?

— Aquele cachorro, safado, sem vergonha! — Dizia nervosa, sem retirar as mãos do rosto. Hannah gargalhou, abraçando-a.

— Meu Deus, isso é ótimo! — Exclamou animada — Se você o ama vai saber suportar tudo que acontecer.

— Não sei se consigo... — Hannah a encarou.

— Como sabe que o ama? — Questionou de maneira inocente — Sente borboletas no estômago quando ele te beija?

— Sinto uma avalanche de coisas quando ele me beija — Confessou ainda com o rosto coberto — Sinto que meu mundo vai desabar quando ele vai embora. Sinto meu coração voando quando ele me toca — Seu tom era apaixonado — Sinto que meu peito vai explodir cada vez que Tiago me diz algo bonito... Ou quando me olha enquanto fazemos amor.

— Nossa, hein... Isso porque ele nunca iria te tocar — Hannah brincou e Heloísa a cutucou de novo — Estou brincando, senhorita apaixonada.

— Você não sabe do que estou falando, Hannah — Heloísa suspirou.

— E nunca vou saber — Relembrou — Nenhum homem vai me querer do jeito que eu sou.

— Não falei por isso — Heloísa retirou as mãos do rosto e a encarou — Falei porque você é virgem.

— E por isso também.

— Claro que não. Um dia alguém vai te querer, você é incrível. Basta esperar.

Pensou a noite toda pensando em como Tiago estaria. Já era alta madrugada quando chegou uma mensagem dele avisando que a menininha havia acordado e estava bem.

Espero que tudo fique bem para ela.

Respondeu e, enfim, pôde dormir.

Não culpava a pequena Tabata por nada, mas sim Tiago. Ele era sempre o grande culpado por suas inúmeras decepções. Não pôde, tão pouco, se esquecer da maneira como a menina estava machucada. Doía pensar nela. Doía pensar no que deveria ter passado nas mãos da mãe para chegar ali daquele jeito. Se havia alguém que Heloísa odiava no mundo, essa pessoa certamente era Manuela.


Tiago dormiu na cadeira ao lado do leito de Tabata e a menina acordou assustada em meio à madrugada, sentando-se e o acordando.

— Tabata? — Colocando-se de pé, Tiago se aproximou da cama um tanto receoso. A menina no analisava assustada, com os olhos escuros cheios de lágrimas.

— Quem é você? — Questionou nervosa, olhando para os lados.

— Sou Tiago... Seu pai — Parou a uma distância segura para não assustá-la — Está tudo bem. Quero cuidar de você.

— Eu não tenho pai — Disse severamente, quase como um animal assustado — Ela disse que ele foi embora — Ela era Manuela. O tom de voz da garotinha era doloroso — Onde ela está?

— Não vai mais te machucar — Garantiu tentando passar segurança, mas muito confuso com as reações da menina. Da ultima vez que a viu ela sequer falar e agora era capaz de manter um dialogo — Eu sou seu pai sim e você vai ficar comigo agora. Meu nome é Tiago, como já disse.

Calada, o analisava com atenção. Encostou-se aos travesseiros da cama e rodou os olhos pelo quarto.

— Estou com dor — Reclamou torcendo o rosto.

— Vai passar em breve — Dirigiu-se ao botão para chamar a enfermeira — Quer comer? — Foi à primeira coisa que o ocorreu dizer. Ela negou, ainda receosa. Parecia não gostar dele — Você pode confiar em mim.

— Ela disse que você não gosta de mim, que me deixou como um trapo velho — Tiago negou.

— Ela mentiu.

A enfermeira entrou no quarto e teve muito mais tato para lidar com a garotinha, que com ela agiu de maneira mais a vontade. Tiago sentia-se um inútil, mero coadjuvante em meio à situação. Tabata o odiava e a culpa era de Manuela. Talvez merecesse, afinal.

Passou o restante da noite esclarecendo coisas com a policia, recebendo instruções para assumir definitivamente a paternidade da filha. Não achou necessário fazer o exame de DNA devido à semelhança física... Ninguém precisava de muito para saber que a pequena era filha dele, dada à aparência de ambos. Isso sequer entrou em discussão. Soube por Flora que Heitor estava melhor, que passaria para o quarto, ao invés da UTI, e se acalmou por saber que Heloísa havia ido para casa com Hannah.

— Vou até minha casa pegar alguns documentos e já volto para te buscar — Tabata não falava com ele, apenas ficava calada vendo televisão ou reclamando das dores no corpo para as enfermeiras. A psicóloga infantil disse que se tratava de uma menina muito maltratada por todos ao redor e teria um perfil mais retraído, como esperado — Vou trazer roupas para você.

A menina assentiu as palavras dele.

— A enfermeira disse que você é meu pai — Finalmente acreditava após ter ouvido de outras pessoas — As outras crianças tem pai desde sempre. Porque eu não tive?

— Podemos falar sobre isso depois? — Tiago coçou a cabeça e Tabata abaixou o olhar, demonstrando decepção — Prometo que já volto.

Um olhar curioso. Foi tudo que Tiago recebeu da parte da garotinha como resposta.

Era difícil conhecer a filha depois de tanto tempo e não reconhecê-la como o bebê que viu da ultima vez. De certo era a mesma criança, mas havia crescido muito. Sequer usava fraldas! Sabia que a amava, mas não conseguia demonstrar. Não conseguia transpassar suas barreiras. Não conseguia ser ele mesmo. Era como se fossem estranhos um ao outro.

Ao entrar em casa, deparou-se com algo que o surpreendeu. Constância estava parada em meio à sala, de frente a janela, analisando a paisagem. Virou-se para ele assim que a porta se fechou.

— Pensei que tinha ido embora — Tiago comentou ao vê-la tímida, de braços cruzados em frente ao peito — Ou espera que eu vá?

— Como está a garotinha? — Questionou rapidamente, o semblante sério e as mãos tremulas — Como é mesmo o nome dela?

— Tabata — Heloísa repetiu o nome baixinho — Tabata Luiza. Eu escolhi Luiza, a mãe escolheu Tabata.

— Como ela está? — Enfatizou, ignorando a parte que mencionava a mãe da garota. Mesmo que odiasse a si mesma por isso, Heloísa morria de ciúme da tal Manuela.

— Melhor... Ainda sente dores, mas está fora de perigo. Vai precisar repousar alguns dias — Esclareceu Tiago, notando que Heloísa parecia aliviada — Vou buscá-la agora no hospital — Coçou a cabeça ao dizer.

Ficou claro que se tratava de um pedido silencioso para que a esposa se decidisse. Heloísa abaixou o olhar e concordou.

— Pedi para Hipólita preparar o quarto para ela — Surpreso, Tiago a encarou sem esconder a admiração. Esperava tudo dela, menos uma atitude como essa — Comprei algumas coisas... — Não o olhava nos olhos, parecia muito tímida, mas sem dar o braço a torcer — Bonecas, brinquedos, roupa de cama, roupas de menina... Mas tudo no improviso. Não sei bem como funciona.

— Você fez isso? — A voz de Tiago soou como um sussurro. Um silêncio perturbador se instalou entre eles — Obrigado, Heloísa.

— Constância — Corrigiu erguendo o queixo em sinal de autoridade. Aquilo evidenciava a Tiago que todos os passos que haviam dado até ali regrediram de volta ao inicio. Ou, quem sabe, avançaram para o fim — Não pense que faço isso por você.

— Não? — Tiago avançou alguns passos e a moça não se moveu — Porque está aceitando minha filha, se não é por mim?

— Pelo grupo Chastel. Por meu pai — Garantiu convicta — Pelo nome de minha família. É mais fácil aceitar do que me separar e arcar com o escândalo. Se eu aceita-la, todos terão de aceitar também — Tiago sentiu o peso daquilo.

— Está fazendo para me proteger, então? Se você aceitar, ninguém poderá dizer nada, não é? — Heloísa negou, mas sabia que também era verdade.

— Faço para evitar o escândalo. E, mesmo que seja difícil aceitar para mim mesma, sinto pena dessa criança que foi tão maltratada pela vida quando nasceu tendo você e aquela desumana como pais — Tiago abaixou o olhar diante dela. Heloísa era muito mais do que podia suportar. Cada palavra dela mexia diretamente com o coração dele — Traga a menina e vamos ver como enfrentar essa situação sem comprometer o nome de nossas famílias. Até tudo isso acabar.

Até tudo isso acabar.

Nada doía mais do que ouvir aquela palavras vindo dela.

Reuniu todos os documentos e coisas necessárias e rumou ao hospital para buscar a filha. A partir dali, tudo seria diferente.


T iago abriu a porta traseira do carro para a menininha descer.

Com seus pés pequenos, Tabata desceu do veículo sustentando o braço machucado na tala e exibindo alguns roxos pelo corpo frágil. Heloísa sentiu pena novamente, enquanto a observava de longe, parada na janela da sala.

Fechando a porta, Tiago retirou os óculos escuros do rosto e falou algo com a pequena, que apenas o encarou curiosa e não disse nada. Ela não dizia nada. Agia como se o pai não estivesse ali, mesmo Tiago fazendo o possível para entretê-la.

Heloísa aguardou o momento em que ambos chegariam a sala e não pôde evitar sentir as palmas das mãos soando quando a porta se abriu. Tabata rapidamente olhou para ela ainda mais curiosa, desta vez encarando o pai em busca de uma resposta. Tiago colocou as poucas coisas da menina – uma mochila rosa e suja e pequena – no sofá antes de prosseguir.

— Tabata, essa é Heloísa Constância, a moça da qual lhe falei — Explicou calmamente — Minha esposa. Sua madrasta.

— Madrasta? — Assustada com o termo, talvez por ouvi-lo muito em filmes infantis de maneira negativa, a menina recuou alguns passos.

— Não se preocupe — Heloísa se aproximou um pouco — Não precisa me chamar assim. Pode me chamar de Helô, de Constância, de tia, do que quiser... — Tentou melhorar o clima e a menina assentiu.

— Pode ser Tia Helô, então.

— Como você gosta de ser chamada? — Heloísa se aproximou ainda mais ao ver que a garotinha parecia mais a vontade — Tabata ou Luiza? Seu pai me disse que são seus dois nomes. Eu também tenho dois nomes, Heloísa Constância, mas prefiro Heloísa.

A menina pensou um pouco.

— Prefiro Luiza — Tiago encarou Heloísa sem acreditar que em menos de cinco minutos sua esposa havia conseguido mais de sua filha do que ele mesmo.

— Luiza. Ouviu Tiago? Agora vamos chamá-la de Luiza.

— Certo. Luiza. Eu também prefiro — Era mais uma maneira de esquecer o passado.

— Quer conhecer a casa, Luiza? Temos muito espaço aqui — Luiza aceitou a mão que Heloísa estendeu e a seguiu. Tiago ficou boquiaberto — Você vai gostar da piscina, aposto!

Não precisou de muito para Luiza ouvir Heloísa com mais confiança, apesar de demonstrar estar muito insegura. Tiago as seguia em silêncio e até sorria com as coisas bobas que a esposa dizia para a filha, buscando, é claro, entrosamento. Conhecia um pouco o lado moleca de Heloísa, mas não esperava vê-la empenhada em deixar Luiza à vontade.

Subiram para o quarto e a menina não escondeu o encanto ao entrar no mesmo. Mesmo com uma decoração básica e com poucos brinquedos, correu para agarrar as bonecas e analisar a mesa de pintura.

— Vou mesmo morar aqui? — Questionou a Heloísa, que sorriu — Isso parece um castelo.

— Nada menos para uma princesa — Heloísa respondeu contente, tocando o cabelo escuro da menina, que olhava para as mãos de Heloísa esperando receber um tapa — Fique calma... Não vou te bater! Eu e Tiago não gostamos disso, aqui ninguém bate em ninguém — Abaixou-se na altura dela, que ainda olhava assustada.

— Eu sou a princesa? — Heloísa concordou — E você é o que?

— Hum... Não sei...

— A Rainha? — As duas sorriram — E o Tiago o Rei?

— Pode ser — Respondeu animada — Não é Tiago? — Tentou coloca-lo na conversa.

— Claro... O que as duas quiserem farei — Concordou enfático — Sempre.

Perdido.

Era assim que se sentia diante de Heloísa e sua filha.

Como era estranho saber que tinha uma filha... Alguém que dependia totalmente dele agora e que vinha com uma carga terrível alimentada por Manuela. A odiava por isso. A odiava por fazer Tabata passar por tantas coisas ruins e, principalmente, por odiá-lo.

A menina parecia gostar bem mais de Heloísa do que dele, a primeira vista. Talvez isso fosse bom... Ou talvez uma catástrofe! Não sabia por quanto tempo ela permaneceria por perto.

— Tiago?

Era noite quando Heloísa adentrou a seu escritório. Ele seguia bebendo whisky e trabalhando, tentando a todo custo esquecer o que estava por vir. Sua família, os julgamentos... Pior de tudo... Encarar Manuela uma vez mais. Iria precisar vê-la.

— Heloísa — Respondeu com a voz meio embargada, nitidamente alto pela bebida, fazendo com que ela franzisse o cenho — Ou melhor dizendo... Constância.

— Você andou bebendo? — Questionou aproximando-se, deslizando o olhar pelo cabelo desgrenhado, o olhar vazio e o peito forte. Havia um copo em sua mão — Eu cuidando da sua filha e você enchendo a cara... — Cruzou os braços diante do peito e o observou se levantar, caminhando em direção a ela de maneira torta.

— Ela me odeia... — Seu tom de voz se alterou para algo como tristeza — Me olha como se eu fosse um idiota...

Heloísa coçou a cabeça levemente, um pouco desconcertada. Tiago parou diante dela e pôde sentir o cheiro de bebida forte vindo dele.

— Ela acabou de te conhecer — O odiava por tudo o que vinha passando por culpa dele, mas não podia evitar sentir pena de sua situação. Realmente a menina não gostava do pai.

— Acabou de te conhecer também, mas confiou em você — Apoiou a mão no ombro de Heloísa — Obrigado por fazer tudo que não deveria fazer por mim.

— Não me agradeça — Retirou a mão dele de seu ombro, mas Tiago a puxou para perto — Me solta Tiago, você está bêbado! — Tentou empurrá-lo, mas ele a abraçou com força.

Heloísa apertou os olhos diante da invasão, mas não tentou lutar novamente. Ele era muito mais forte. Deixou-se envolver por ele e ouviu suas palavras atropeladas.

— Você é a melhor coisa que aconteceu em minha vida — Confessou tristonho.

— E você é a pior coisa que aconteceu na minha... — O empurrou sendo irônica, o amparando como podia — Vamos, largue esse copo! Vamos para o quarto, por favor...

— Você vai dormir comigo? — Heloísa gargalhou da piada, o empurrando até a escada. Tiago seguia o curso que ela ditava.

Chegava a ser engraçado vê-lo bêbado, torto, falando coisas sem nexo. Heloísa conseguia ver nele o Tiago que amava, não o homem que a enfiou em toda essa confusão. Sentia pena. Sentia ódio. Mas também sentia amor, não podia negar.

O levou até o quarto e o fez sentar no banheiro, retirando a camisa dele por cima dos ombros fortes. Tiago a encarava como se visse a coisa mais maravilhosa do mundo. Os olhos escuros brilhavam.

— Anda, entre nesse chuveiro — Abriu o chuveiro e ele começou a tirar a calça, mesmo sentado — Não basta cuidar da filha, agora vou ter que cuidar de um bêbado também... Nós temos uma criança em casa, você não pode mais dar esse tipo de vexame.

— Vem comigo — Colocou-se de pé de cueca box, puxando-a pela cintura. Heloísa o empurrou para de baixo da água molhando-se um pouco, próxima dele — Eu te amo, Heloísa.

— Já está falando besteira demais — Ele gritou quando a água gelada lhe atingiu a cabeça — E não sei por que não te largo aqui sozinho...

— Porque você me ama também — Dizia sorrindo, molhado, encarando-a do lado de fora do box com a toalha nas mãos.

A moça jogou a toalha e saiu dali, seguindo para o quarto dele. Irritada, sentou-se na beira da cama e fechou os olhos. Bem ali, naquela cama, havia feito a burrada de dar munição a ele. Ao se entregar deixou bem claro que o amava.

Tiago voltou do banheiro mais lívido, de cabelos molhados, tropeçando nos pés até a cama. Sentou-se ao lado dela, que se ergueu no mesmo momento.

— Boa noite — Disse secamente, mas ele a puxou pelo pulso de volta, de maneira que ambos caíram na cama. Não demorou dois segundos para que Tiago a levasse para os travesseiros, deixando-a entre seus braços fortes — Tiago, para com isso! Nunca mais me meto com você bêbado!

Ela o empurrava, mas Tiago sequer se movia. Começou a cantar uma canção de maneira embaçada, meio confusa. Entediada, Heloísa parou de se mover.


Conheci o amor só de te olhar

Estava quase congelando, você veio para esquentar...

Conheci o amor e ele me fez ver...

Que eu voei tempo demais, deixa eu pousar em você.


Ela conhecia a música, mas jamais imaginou que a mesma a faria perder as batidas do coração. Tiago sussurrou a letra ao ouvido dela até dormir, como em um pedido desesperado para que o perdoasse.

Heloísa fechou os olhos ao vê-lo adormecido, os braços fortes ainda travados ao seu redor. Podia sentir o coração dele contra ela. Podia sentir a respiração forte em seu cabelo. Não tinha forças para sair dali, tão pouco queria...

Não sabia mais o que fazer para fugir daquele homem e de todo o resto. Tocou o rosto dele com carinho, as lágrimas queimando nos olhos escuros.

— Eu voei tempo demais... Deixa eu pousar em você — Repetiu para o silêncio, selando os lábios nos dele.

Tiago tinha razão.

Ela também o amava.


Tiago abriu os olhos e se deparou com Heloísa adormecida ao seu lado. Havia sido a primeira noite que passaram juntos completamente, sem qualquer impedimento.

Sentiu-se um idiota por beber demais, principalmente por ter dado um show na frente dela. Tocou os cabelos escuros delicadamente, depositando um beijo na testa da esposa.

Definitivamente, não merecia aquela mulher. Não era nem um pouco digno dela. Os olhos de borboleta se abriram e Heloísa pulou da cama após notar que estava ao lado dele. Sentou-se desconcertada, nervosa, olhando para si mesma em busca de saber se estava vestida.

— Bom dia — Tiago cumprimentou também se levantando, notando que lhe faltavam roupa.

— Você se aproveitou de mim ontem à noite e me diz bom dia? — Colocou-se de pé de maneira tímida, evitando olhar para o corpo dele. Heloísa era sempre segura e imponente, mas diante de um homem nu parecia uma garotinha colegial — É melhor ficar de pé logo e ir ver sua filha... Se está achando que vou cuidar dela sozinha está muito enganado! A obrigação é sua!

— Sei bem disso — Respondeu sério, parado diante dela com a toalha que usou ontem enrolada na cintura — Você já acorda com a metralhadora na mão, apontada bem na minha cabeça — Simulou segurar uma arma e ela rodou os olhos — Não precisa se preocupar.

— Claro que me preocupo com uma criança... — Desconcertada, o encarava — Precisa encontrar uma escola para ela, também.

— Vou providenciar — Garantiu com um aceno — Mais alguma coisa?

— Sim... — Caminhou até a porta e parou antes de sair, com a mão na maçaneta — Você canta muito mal!

O olhar dela foi sugestivo, talvez tímido, e Tiago corou, mordendo os lábios. Ela saiu em seguida, fazendo-o lembrar da noite anterior em relances. Ele cantou para ela... Dormiu... E sonhou com uma voz doce e um beijo suave.

Após aprontar-se, Tiago desceu para o café da manhã e encontrou sua bela esposa trajando um lindo vestido azul escuro formal, pronta para o trabalho no escritório. Usava óculos de grau, saltos e o cabelo caindo até a cintura preso na franja. Conversava animadamente com Luiza, sentada bem ao lado e sorrindo com os olhos escuros ainda um tanto assustados. A menina estava bem vestida com um dos conjuntos novos que Tiago pediu a Hipólita que comprasse e com o cabelo escuro e liso ajeitado em um belo penteado. Pela conversa, julgou ter sido feito por Heloísa.

— Bom dia Luiza — Tiago disse ao sentar-se na ponta da mesa, roubando o olhar das duas. A garotinha o encarou um pouco perdida — Como passou a noite?

— Seu pai está falando, querida — Heloísa interveio delicadamente, tocando o ombro da menina. Luiza olhou para ela antes de prosseguir.

— Dormi bem — Respondeu somente.

— Ela amou o quarto novo — Heloísa completou com um sorriso — Não vai para o trabalho, imagino — Comentou ao notar as roupas de Tiago, que usava jeans e camiseta.

— Não. Vou levar Luiza para um passeio — A menina voltou a encarar Heloísa como se pedisse socorro.

— Será que é uma boa ideia? — Seu olhar dizia tudo e Tiago compreendeu. Suas famílias ainda não sabiam da menina — Não é melhor ficar em casa passando um tempo de pai e filha? Ela tem muitos brinquedos lá em cima para te mostrar.

— Está certo, você tem razão.

Heloísa se levantou e deu um beijo em Luiza delicadamente, no topo de sua cabeça. A menina agarrou o braço dela como se sua vida dependesse disso.

— Aonde você vai tia Helô? — Questionou nervosa.

— Vou trabalhar... Você vai ficar com seu pai hoje — Respondeu docemente, acariciando o cabelo dela. A garotinha olhou para Tiago com medo — Não se preocupe... Ele tem essa cara de mau, mas é muito bonzinho. Gosta muito de você — Ela não parecia acreditar — Nos vemos mais tarde.

— Tchau, Heloísa — Tiago disse enquanto mordia uma torrada, olhando de canto Heloísa passando por eles.

A moça se deteve e voltou o caminho, sabendo o que aquilo significava. Suas vidas mudaram agora . Pensou consigo mesma. Parou ao lado dele e se abaixou para lhe dar um beijo rápido no rosto.

— Tchau Heloísa — Luiza acenou para ela com a mão livre da tala, sorrindo inocentemente — Obrigado. Você é um anjo bom.

Os olhos dela se encheram de lágrimas com as palavras da menina e seu coração se apertou. Jamais imaginou que um dia faria qualquer coisa para agradar uma criança vinda de Manuela, a pessoa que mais odiava no mundo.


N ão estava sendo fácil para Tiago.

Não como estava sendo para Heloísa. Ou ao menos parecia.

Os dias ao lado de Luiza eram enigmáticos, principalmente por Tiago tentar uma aproximação e a menina sempre repelir, agir como se ele não estivesse ali. Tentou brincar com ela, mas nada. Tentou conversar sobre Manuela, e tudo piorou.

— Porque você não gosta de mim? — Perguntou em dado momento após inúmeras tentativas fracassadas — O que posso fazer para me redimir? O que posso te dar? — Olhou ao redor, no quarto cheio de brinquedos e com a decoração impecável. Contratou o melhor design para preparar tudo aquilo para ela.

— Brinquedos não compram amor — Repetiu olhando para ele seriamente — Foi a Heloísa quem disse isso — E seguiu brincando com sua boneca, sentada em frente à casa de madeira cor de rosa.

Tiago pousou as mãos na cintura e suspirou.

— Então porque não me deixa te dar um abraço? Porque não me trata como trata Heloísa? — Questionou calmo, abaixando-se ao lado dela — Me dê uma chance de mostrar que não sou esse monstro que pensa que eu sou... Sua mãe mentiu para você...

— Vocês dois — Pontuou nervosa, jogando a boneca no chão, com os olhos escuros cheios de lágrimas — Você e ela são dos mentirosos!

Luiza saiu correndo do quarto, deixando-o sozinho em meio aos brinquedos.

Era seu aniversário naquela manhã e nada tinha mudado. Sua filha o odiava e sua esposa parecia impenetrável em uma bolha só dela. A única pessoa que tinha o amor de Heloísa naquela casa era Luiza e Tiago tinha ciência de que perdia toda sua vida entre seus dedos.

A menina o ignorava e amava Heloísa, que por sua vez fazia de tudo para ser ponderada, mas se entregava a felicidade de ter uma criança por perto. Ele sabia que tinha tudo a ver com sua impossibilidade de ter filhos. Luiza era como uma luz para a vida dela.

As duas riam e se divertiam no café da manhã, duas semanas depois de Luiza chegar. Tiago passou reto por elas, não querendo interromper. Iria para o trabalho preparado para o que viesse. Naquela noite, certamente, contaria tudo a sua família. Já era hora de contar sobre a filha e aquela ocasião era certeira.


Heloísa passou toda a manhã ao lado do pai na casa da família Chastel e soube, cada vez que o olhava, que os dias dele não durariam muito mais.

— Você está com um sorriso diferente, querida Constância — Heitor comentou com a voz fraca, sentado em sua cadeira de rodas e com as sondas no nariz — Tiago está fazendo suas vontades?

Corada, Heloísa sorriu fracamente.

— Tiago trouxe uma coisa boa para minha vida... — Referia-se a Luiza, mas ainda não podia falar sobre — Em breve o senhor vai saber o que é.

— Se faz bem a princesa do meu castelo, certamente me fará feliz também — Ela sorriu emocionada, apertando a mão dele com delicadeza — Minha querida Constância... Você me é muito cara... O meu mais valioso tesouro.

Que ele entregou nas mãos de Tiago , um completo idiota! Pensou consigo mesma.

— O senhor me fará muita falta, papai — O abraçou chorando, escondendo o rosto no peito dele. Heitor a abraçou como conseguiu, tocando-lhe os cabelos delicadamente — Não quero que o senhor vá!

— Sempre estarei com você, querida. Sei que não tive um filho homem para cuidar desta família em minha ausência, mas eduquei-a muito bem para ser melhor do que qualquer homem — Sussurrou ao ouvido dela — Você é forte. É boa. É inspiradora. É minha Constância, minha grande herdeira. Jamais deixe que ninguém tire isso de você.

Constância.

A grande herdeira dos Chastel.

Secou as lágrimas no rosto pálido e beijou as mãos do pai com admiração.

— Hoje é aniversário do... Do meu marido — Tentou ser mais cautelosa — O senhor virá participar?

— Certamente, querida — Garantiu calmamente — Pode ser meu ultimo evento em família.

Aquilo pesou no coração dela. Não esperava uma atitude desta vindo do pai. Esperava que Heitor ficasse descansando, esperando a morte em silêncio. Como o grande homem que era, decidia ir à luta e ela temeu por ele. Apresentariam Luiza a família e aquilo poderia ser demais para ele.

Foi para o grupo Chastel após fazer uma ligação para casa e confirmar com Hipólita que Luiza estava bem. Já não sabia mais o que fazer para a menina se dar bem com Tiago. Como ficaria tudo quando o casamento deles chegasse ao fim? Como Tiago se viraria sozinho com a criança sem ela?

— Está tudo certo para a festa, querida? — Margot apareceu animada, carregando em mãos algumas sacolas. Diego vinha a seu encalço com a cara fechada de sempre, sério, exibindo mais algumas tatuagens no braço forte.

— Tudo, Margot — Garantiu sorrindo de canto, sentada atrás de sua mesa de vidro — Vai ser um evento tranquilo, posso afirmar. Meu pai vai estar presente.

— O grande Heitor... — Margot suspirou.

— Ele vai fazer muita falta — Pontuou Heloísa tristemente.

— Mas teremos a grande Constância — Heloísa olhou para Diego um pouco receosa, confusa pelo tom de admiração vindo dele — Que não fica atrás em todos os quesitos.

— Sim, certamente — Margot foi até a nora e lhe tocou o rosto com carinho — Temos muito orgulho de você, querida.

Todos vinham falando sobre ela ultimamente. Tiago trabalhava como um louco atrás de sua figura, mas passava todos os méritos a Constância. Ela não pedia por isso, mas ele fazia como se fosse recompensá-la por todos os problemas que lhe causava. As empresas do grupo Chastel seguiam em plena expansão, crescendo substancialmente o capital, e o nome dela estampava revistas de negócios e moda por todo o país. Era uma das mais visionárias empresárias do momento.

Ela sabia, bem no fundo de sua alma, que se Tiago não a ajudasse, nada disso seria possível. O nome dos Chastel estampava os noticiários, mas ela não era totalmente a protagonista. Devia muito, muito a ele. Esse era um dos principais motivos pelo qual mantinha o casamento.

Não podia confiar nele, não deixava que se aproximasse... Mas o amava em silêncio.

— Até quando você vai aturar meu irmão, hein, Constância? — Margot saiu e ficou a sós com Diego, que se apoiou em sua mesa despretensiosamente.

— Do que está falando? — Não o encarou, seguiu digitando tranquilamente.

— Não precisa mentir aqui não — Piscou para ela de maneira cumplice — Sei da história de vocês. Eu estava na boate, se lembra? — O olhar dela foi para o rosto dele — Sei que você e Tiago se odeiam e essa cena toda que fazem para mostrar que o casamento de vocês é feliz não passa de um teatro.

— Isso não é problema seu, me desculpe, Diego — Respondeu na lata, nervosa, colocando-se de pé.

— Você é uma mulher incrível... Visionária, bonita, milionária... — Pontuou em tom galanteador. Heloísa cruzou os braços diante do peito. Não estava gostando do jeito que seu cunhado falava com ela — Não precisa aturar Tiago para sempre, muito menos os problemas que Manuela trouxeram, se é que me entende...

Ele sabia, então.

— Meu casamento com Tiago tem prazo de validade, todos sabem disso — Seu tom de voz era firme — Mas, como eu disse, é um problema meu e dele.

— É meu também — Diego tomou a mão dela nas suas e Heloísa o encarou, agora, assustada — Gosto de você, Constância. Não quero que sofra ainda mais nas mãos do Tiago — Ela puxou a mão das dele. O recado era muito claro.

— Pode deixar que sei me defender — Recompôs-se novamente — Agora, por favor, me dê licença. Preciso trabalhar.

Diego a pegou pelo braço e a puxou para perto. Heloísa sentiu medo ao encarar os olhos escuros tão próximos. Ele era forte, talvez tanto quanto Tiago, e tinha os braços grandes cobertos por tatuagens.

— Quem te vê assim não imagina o que existe por trás de você, não é? — Dizia próximo do rosto dela — Tiago me contou a noite que tiveram juntos na boate... Ele não sabia que era você, mas me disse tudo que foi capaz de fazer... O que será que meus pais e os seus, principalmente o fragilizado Heitor, iriam pensar se soubessem que a linda, doce e pura Constância se deita com qualquer um por aí como uma vadia?

Heloísa o empurrou, mas não se moveu. Ergueu uma das mãos e acertou um tapa forte no rosto dele, fazendo-o se afastar.

— Tire suas mãos de mim... Nunca mais volte a me tocar! — Disse ponderada, olhando ao redor — Você não seria louco de dizer nada aos meus pais!

— Porque não? Me dê um bom motivo... — Seguia com a mão no rosto onde havia levado o tapa. Ela se aproximou dele e ergueu o dedo em riste em direção ao rosto enraivecido.

— Porque o dinheiro do qual você usufrui vem de mim... Sua família estaria arruinada se algo acontecer com meu casamento com Tiago! — Relembrou nervosa.

Diego a surpreendia. Sempre se mostrava um homem quieto e na sua, mas agora, diante dela, revelava a verdadeira face. Um aproveitador. Um ser humano terrível.

— Não se você largasse dele — A agarrou pelo pulso e a puxou para si, olhando-a dos pés a cabeça com interesse — E se casasse comigo!

— Sabe quando isso vai acontecer? — O empurrou novamente — Nunca! Tiago pode ser o que for, mas pelo menos é honesto e tem um bom coração! Já você... — O olhar dela demonstrava o mais pesaroso desprezo — É o pior tipo de cobra que já vi.

Diego mordeu os lábios em sinal de que estava gostando da afronta dela.

— E se eu tirasse algo que você e Tiago amam? — Ela estreitou o olhar.

— Do que está falando? Saia da minha sala agora! — Heloísa foi caminhar até a porta, mas o que ele disse em seguida a impediu de prosseguir.

— Tabata não é filha de Tiago — A moça paralisou e olhou para ele lentamente — Eu sou o pai biológico dela.

Heloísa travou por um minuto.

— O que...

— Aquela vagabunda também era minha amante — Heloísa não podia acreditar em nada que ouvia — Fomos para cama várias e várias vezes... Estive com ela o tempo todo, instruindo como deveria fazer para enganar Tiago, algo que não é muito difícil.

— Você... — Heloísa cobriu a boca com as mãos — Você está mentindo!

— É o que acha? — Desdenhou, aproximando-se dela.

— Como foi capaz de fazer isso com seu irmão? — Tentou bater nele, mas Diego segurou a mão dela com força, fazendo-a estremecer de raiva — Porque está me contando isso agora?

— Para você tem ideia do que sou capaz, Constância Chastel — Ela mordeu os lábios pela raiva que a dominava. Não sabia se podia acreditar nele ou apenas fazia tudo isso para intimidá-la. Diego se aproximou do rosto dela a ponto de colarem os narizes. Heloísa sentiu nojo — Ou você se separa do meu irmão e se casa comigo, ou eu tiro a menina de vocês dois e sumo com ela, me entendeu?

— Ninguém vai dar uma criança para um bandido! — Respondeu enojada.

— Você e Tiago não têm prova alguma contra mim — Soltou-a tranquilamente, fazendo Heloísa despencar no chão — Você tem duas semanas para dar a noticia a todos — Ela se colocou de pé com dificuldade, apoiando-se na mesa — E ah... — Voltou para perto dela — Não conte nada ao Tiago, do contrário... Você e aquela ratinha vão sofrer as consequências.

— Você não é louco e... — Ele a pegou pelo braço novamente, fazendo-a sentir o poder de suas palavras.

— Não tenho mais nada a perder. Perdi tudo para Tiago a vida toda e essa é minha única chance de conseguir o que realmente desejo — Alguém bateu na porta do escritório e Heloísa conseguiu se livrar dele, mas antes de sair, Diego deixou claro... — Você tem duas semanas.


Heloísa saiu do banho com as mãos tremulas a cabeça girando e o corpo flutuando em nervosismo. Nada conseguia apagar de sua mente a maneira nojenta como Diego a abordou, muito menos tudo que ouviu.

Não conseguia acreditar nele. Não podia crer que a menina fosse, de fato, filha dele, e que estivesse envolvido em tudo que prejudicou Tiago.

"Ela me roubou e disse que outras pessoas estavam envolvidas e ficaram com o dinheiro".

Sentou-se na beira da cama com a voz do marido ecoando na cabeça. Fazia sentido, então. Diego e Manuela eram cumplices e como agora a safada estava presa, Diego não via outra oportunidade de tirar o dinheiro dos Chastel de Tiago. Teria de ser por ela. Diretamente por ela.

— Não vou ser passada para trás por um idiota nojento como aquele — Disse a si mesma enquanto colocava um belo vestido preto que lhe descia até o final das coxas — Não vou!

Tão pouco podia contar a Tiago. Não agora, no aniversário dele.

Saiu do quarto após se maquiar, colocou um elegante salto fino e entrou no quarto de Luiza. A garotinha estava vestida em um lindo vestido rosa com detalhes brilhantes, sapato branco fechado e com o cabelo longo e liso caindo nas costas. Os olhos escuros brilhavam no rosto inocente quando viu Heloísa.

— Tia Helô! — Comemorou animada, olhando-se no espelho e enxergando o reflexo das duas — Como você está linda... — Cobriu os lábios com as mãos — Parece uma princesa de verdade!

Heloísa foi até ela e abaixou-se a sua frente, alisando o vestido da pequena com carinho. Seu coração se encheu de dor. Porque tanta maldade envolvia uma linda criança? Se contasse tudo a Tiago, corria o risco de perder a menina.

Se ela fosse mesmo filha de Diego, tirariam ainda mais a infância e a inocência dela.

Não conseguia decifrar a verdade. Não conseguia saber, de fato, o que era real. Luiza era muito parecida com Tiago, mas Tiago também se parecia com Diego. Os dois eram irmãos!

— Você é uma princesa de verdade, Lulu — Beijou a testa dela carinhosamente — Hoje é aniversário do...

— Do Tiago — Completou a garotinha enquanto Heloísa ajeitava uma tiara branca em sua cabeça.

— Do papai — Corrigiu carinhosamente e a pequena torceu os lábios — Diga papai.

— Papai — Repetiu séria, como se testasse a palavra.

— Vamos a uma festa, mas antes eu comprei um bolo para cantarmos parabéns nós três — Heloísa pegou na mão da pequena e a conduziu para fora do quarto.

Luiza gostou da ideia do bolo e ficou animada ao ver o cenário que Hipólita havia montado na sala. Havia um bolo singelo, mas balões com a idade de Tiago e alguns decorativos faziam a diferença no ambiente. Posicionaram-se quando ouviram o carro dele chegar e, assim que Tiago abriu a porta dianteira, cantaram parabéns.

O rapaz não podia acreditar no que via.

Sinceramente, não se achava merecedor.

Paralisou diante da cena de Heloísa segurando Luiza no colo e cantando parabéns a luz de velas. A menina, que sempre parecia desprezá-lo, cantarolava os parabéns animada, com os olhos felizes, e as duas o faziam se emocionar. Sentiu lágrimas nos olhos.

Depois de tudo que havia feito na vida de Heloísa, ela ainda era capaz de surpreendê-lo.

Tratava a filha bastarda que ele teve com a amante com carinho, organizava uma surpresa e ainda por cima se preocupava em passar um tempo em família. O coração apertou enquanto as assistia. Uma lágrima deslizou em seu rosto e ele foi capaz de escondê-la.

Heloísa e sua filha eram muito mais do que havia pedido a Deus.

Ela, apesar de gritar em plenos pulmões que não o queria, demonstrava a cada instante o quanto o amava.

Silenciosamente Heloísa lutava por seu casamento.


T odos os olhares se dirigiram aos três quando chegaram ao local da festa, um salão sofisticado, porém reservado, voltado apenas para a família e amigos mais próximos.

Tabata segurava a mão de Heloísa e Tiago caminhava ao lado delas, parando frente a frente com os demais. Era para ser uma festa surpresa, mas Heloísa havia adiantado para ele todo o repertório. Tiago tinha de estar preparado e dizer de uma vez para todos sobre a filha.

A ideia havia sido dela, afinal. Heloísa queria aclara tudo de uma vez e encontrou na festa a oportunidade perfeita. Tiago não sabia dizer não para ela, tão pouco podia. Um pedido de sua esposa era como uma ordem a seus ouvidos.

Após os parabéns em sua casa, Tiago ganhou um beijo carinhoso de sua filha após Heloísa pedir baixinho ao ouvido dela. A menina sorriu para ele pela primeira vez, demonstrando que havia esperança para ambos.

— Parabéns, Tiago — Não havia sido papai, mas já era um começo — Obrigado por me trazer para morar aqui com Heloísa e você.

— Você gosta daqui? — Questionou tentando conter a emoção em vê-la feliz. A menina concordou — Que bom... Porque é aqui que você ficará para sempre.

Beijou a testa dela com carinho e sentiu como se Heloísa se retraísse. Seria porque pensava em divórcio?

— Tiago, Constância! — Margot parou frente a eles com a expressão confusa, encarando a garotinha com certa desconfiança — Mas que é essa belezinha de menina?

Luiza agarrou na barra do vestido de Heloísa e olhou Margot assustada. Heloísa olhou para Tiago, que parecia carregar um caminhão nas costas, dada sua ansiedade.

— Ela é minha filha, mãe — Respondeu rapidamente, surpreendendo aos que ouviam — O nome dela é... — Olhou para a garotinha — Luiza — Ela sorriu.

Margot parecia perdida, assim como o pai dele, parado bem ao lado dela.

— Sua filha, Tiago? — Ernesto olhava como se não acreditasse — Mas que brincadeira, hein? Como Constância engravidou, teve uma criança e ela ficou desse tamanho em tão pouco tempo? — Pensando ser uma brincadeira, sorria — Ora, por favor...

— É verdade, Ernesto — Heloísa interveio com a expressão séria — Ela é filha do Tiago e está morando conosco faz duas semanas.

O silêncio dominou o ambiente e todos os presentes, cerca de vinte pessoas, olhavam para Tiago com a interrogação estampada na face.

Uma filha.

— Mas como... — Margot começou, mas Tiago ergueu a mão para que parasse. Não queria falar muito na frente da garotinha.

— Manuela — Respondeu, somente — Ela é minha filha com Manuela.

— Manuela — Ernesto repetiu com certo nojo no olhar — Mas porque só agora, meu filho?

Heloísa observava os pais ao lado de Hannah. Hannah e Heitor usavam cadeiras de rodas e sua mãe, Flores, parada entre eles. Todos assistiam a cena com curiosidade, seu pai parecia nervoso.

— Porque só agora a encontrei e... Bom... — Coçou a cabeça — Depois dou maiores explicações, mãe, por favor.

— Ela se parece muito com você — Margot comentou olhando a menina de maneira receosa, mas emocionada — Meu Deus, Tiago... Você sabia disso, Constância?

— Eu soube a pouco — Confessou segurando a mão de Luiza — Mas está tudo bem.

— Não está tudo bem — Heitor se aproximou com a cadeira mecânica. Flora o acompanhava — Você mentiu para minha filha antes de se casar com ela, Tiago. Isso é muito grave!

— Sei disso, Heitor — Sussurrou constrangido — Já pedi perdão a Heloísa. Ela sabe o quanto me arrependo por tudo que aconteceu.

— Está tudo bem, papai — Tentou parecer calma, mas suas palmas soavam.

Os demais convidados tentavam respeitar o momento da família e saíram de perto, deixando Tiago, Heloísa, Margot, Ernesto, Flora, Hannah, Heitor e Diego a sós no saguão.

Margot chamou a babá de Brenda e pediu carinhosamente que levasse Luiza com elas.

— Não, filha, não está tudo bem — Heitor mostrava-se decepcionado, assim como Ernesto. Ambos se encaravam em busca de uma resposta, mas nenhum deles era capaz de proferir o que pensavam.

— Constância não precisa continuar casada com Tiago se não quiser — Flora interveio em tom enraivecido — Tiago traiu nossa confiança, Heitor! Traiu a todos nós!

— Concordo com você, Flora, infelizmente! — Margot tocou o ombro da amiga em sinal de apoio — Vamos apoiar suas decisões, Constância, em nome de todos. O que Tiago fez é inadmissível! Como foi capaz de esconder uma filha¸ Tiago, uma filha! — Margot foi até o filho e agarrou sua gola da camisa com força — Isso é um absurdo! Ainda mais sendo daquela vagabunda!

Ernesto afastou Margot do colarinho de Tiago e Diego riu baixinho enquanto encarava Heloísa fixamente, quase como um predador. A moça evitava a todo o custo encará-lo, sentindo nojo de si mesma por saber tanto sobre ele e pouco poder dizer.

— Vocês deviam deixar minha irmã falar, não acham? — Hannah interveio seriamente, sentindo pena de Heloísa. A situação era humilhante para ela e Tiago — É ela quem tem que decidir a vida dela.

— Não tem o que decidir — Heitor encarou Ernesto — Vamos dar um jeito, mas minha filha não continua casada com Tiago de maneira nenhuma! Não depois dessa humilhação!

— Sinto muito por todos vocês, mas não vou me separar de Tiago! — Falou em alto e bom som, atraindo o olhar de todos, principalmente de Tiago, parado ao seu lado.

Aquela mulher segura e altiva não poderia ser real, pensou ele. Heloísa encarava a todos com seriedade, próxima dele, elegante.

— Mas como não, menina? — Margot parou frente a ela, indignada — Tiago é meu filho, mas foi um canalha com você!

— Sei muito bem quem é o seu filho, senhora Sampaio — Enfatizou calma — Mas não vamos nos separar agora. Não quando há uma criança entre nós. Apeguei-me muito a garotinha e ela precisa de mim agora. Já sofreu muito e não tem culpa nenhuma do que aconteceu.

— Filha... — Flora sussurrou sem saber o que pensar. Por um lado admirava a atitude dela, mas por outro se sentia confusa.

— Tem certeza do que está fazendo, Constância? — Diego disse em tom seco, quase intimidador. Ela o encarou de longe, séria. Sabia que era uma clara afronta.

— Não se preocupem — Disse a todos, aproximando-se de Tiago a ponto de ficar a centímetros dele — Minha decisão está tomada há muito tempo. Tiago e eu não vamos nos separar.

Tiago a encarou com lágrimas nos olhos e assentiu positivamente.

— É você quem manda, Heloísa Constância — Garantiu querendo sorrir.

— Isso tudo é um absurdo — Ernesto disse a Heitor — Mas o que podemos fazer?

— Não sei o que dizer, mas sei que Constância é grande o suficiente para saber de sua vida. Confio em você, filha... Mas não confio mais em você, Tiago — Heitor encarou o genro com decepção.

— Tiago está tentando reparar seus erros, papai — Heloísa interveio carinhosamente — Ele errou comigo no passado e me pediu desculpas. Eu as aceitei antes de casar-me com ele. Daqui para frente faremos uma nova história.

— Pelo jeito... — Margot, ainda baqueada, tocou o ombro da nora com certa emoção — Temos aqui uma grande mulher apaixonada.

Heloísa corou.

— Teimosa, briguenta, durona... — Tiago pontuou para a mãe — Não pensem que estou passando por isso ileso, não — Fez sinal negativo com a mão — Tudo que tem de linda, tem de esperta. Ela sabe muito bem tirar o melhor e pior de mim.

— Como toda grande mulher faz — Heitor completou.

— Sim, senhor Chastel — Tiago prosseguiu sem esconder a emoção — Sei que não mereço sua filha, tenho total ciência disso... Se ela não fosse quem é, todos nós pagaríamos o preço por isso, principalmente eu.

Heloísa não escondia que estava nervosa e Hannah percebeu o fato. Margot e Ernesto foram com Tiago até Luiza, que se mostrou tímida em conhecer os avós. Margot não negava a emoção, principalmente em ver como a menina era parecia com o filho.

— Se existe alguém mais incrível que você, desconheço, Constância — Hannah comentou com a irmã enquanto as duas assistiam Tiago e os pais conversando com a pequena Luiza — Não sei se teria sua coragem.

— No dia que você amar alguém vai saber como é — Sussurrou tão baixo que Hannah quase nem pôde ouvi-la. Passava os dedos ao redor da taça de champanhe calmamente, rodando em círculos, os olhos baixos — Tiago errou, mas foi antes... Tudo isso foi antes. Ele não me conhecia.

— Ele sabe que você pensa isso? — Hannah tocou a mão dela e Heloísa encarou os olhos azuis da irmã com tristeza.

— Não... Acha que eu o odeio e estou fazendo tudo que faço pela fortuna Chastel. É melhor que pense assim... É melhor que todos pensem assim — Repetiu enfática — Papai está morrendo e não quero que ninguém me veja como uma menininha rica e apaixonada, facilmente movida por sentimentos.

Passou o dedo sob os olhos, secando as lágrimas que se formavam.

— Você não precisa carregar o mundo nas costas, mana — Hannah tocou o ombro da irmã, que sorriu tristemente.

— É tarde demais para pensar nisso.

Heloísa encarava Tiago através do espaço. Ele agora conversava com um homem alto, de cabelos ruivos e óculos de grau. O rapaz em questão era bem apessoado, segurava uma taça de champanhe e a outra mão estava nos bolsos. Ernesto e Margot conversavam com Luiza ao longe, Heitor e Flora acompanhavam e Heloísa podia ver a alegria do pai perto da criança.

Como ele queria um neto...

— Constância — Tiago se aproximou das irmãs. Heloísa se colocou de pé e o admirou junto do amigo — Queria te apresentar alguém... — Tiago parou ao lado dela de maneira carinhosa, exibindo a esposa com orgulho — Esse é Rafael Viana, um grande amigo da faculdade — O rapaz sorria cordialmente para Heloísa e ela esticou a mão para cumprimenta-lo — Rafael, essa é minha linda esposa Constância e minha linda cunhada Hannah.

Rafael esticou a mão para Hannah, que aceitou o cumprimento um pouco encabulada. Ela encarava o rapaz com a expressão desconfiada de sempre.

— É um prazer conhecer as herdeiras Chastel — Disse de maneira simpática — Com todo respeito, Tiago, mas sua esposa e sua cunhada são as irmãs mais belas da alta sociedade.

Tiago sorriu e pousou a mão na cintura de Heloísa, que o encarou de canto.

— Elas são sim — Piscou para o amigo.

— Ele está falando de você, Constância — Hannah, dificilmente acostumada a elogios por não se permitir recebe-los, disse a irmã.

— Estou falando das duas, senhorita Chastel — Rafael afirmou a Hannah, que desdenhou com o olhar.

— Claro que está, ela sabe disso — Heloísa cutucou a irmã, que revirou os olhos — Muito obrigado. É um prazer conhecer um dos amigos de meu marido, senhor Viana. Minha irmã também agradece os elogios.

Hannah curvou os lábios em sinal de tédio.

— Espero que não haja problemas em Rafael trabalhar conosco no grupo Chastel, Constância — Tiago adiantou-se a dizer — É um excelente administrador, trabalha na área de marketing há muitos anos. Já te mostrei o currículo dele, a propósito.

— Tiago deixou claro que serei admitido apenas que você concordar, Constância — Rafael enfatizou.

— Já estou a par de sua contratação, Rafael. Fico feliz em tê-lo em nosso grupo — Heloísa sorriu, animada por saber do grande profissional que admitia em sua empresa — Estamos aumentando o quadro, minha irmã Hannah também vai fazer parte da empresa agora.

— Eu o quê? — Hannah a encarou surpresa.

— Claro que sim — Tiago adentrou a conversa, atraindo o olhar da cunhada — Você também é uma excelente profissional e precisamos unir forças neste momento.

— E quando vocês dois pretendiam me contar isso? — Hannah parecia não acreditar em Tiago e Heloísa — Constância, você sabe que eu não gosto de trabalhar fora e...

— Agora não é uma opção — Disposta a dar mais emoção na vida da irmã, Heloísa prosseguia — É uma questão de necessidade. Precisamos de pessoas de confiança como você e o Rafael na equipe.

Hannah encarou Rafael, que a admirava. Apesar de se enclausurar em sua imagem de cadeirante, Hannah era linda. Tinha belos olhos azuis, cabelos loiros na altura do pescoço e traços marcantes. Sentia a maneira como ele a olhava, mas sabia que muitos homens queria chegar até ela por sua fortuna. Nada disso a impressionava.

— Depois conversamos sobre isso, Constância.

Heloísa concordou com a irmã.

— Como está Luiza com seus pais? — Perguntou a Tiago quando ficaram a sós. Ele parecia perdido de tanto amor que seu olhar demonstrava por ela. Heloísa se constrangia.

— Eles parecem dois babões que nunca viram uma criança — Admitiu um pouco mais animado que antes — Se soubesse que seria assim, tudo seria mais fácil. Mas, claro, estou casado com você, você aceitou a criança e Manuela não estará entre nós — Ela sabia que tudo isso influenciava para a aceitação de Luiza e foi por isso que concordou em seguir casada — Nunca poderei te agradecer.

— Nunca mais me decepcione — Pediu secamente, sem encará-lo, bebericando o champanhe.

— Prefiro morrer — Tiago garantiu, tocando a taça na dela.

Perdoar era difícil, ela sabia, mas tinha de dar uma chance a eles. Aquilo não significava que estava tudo bem.

A hora dos parabéns chegou e, mesmo tumultuada, a festa teve um bom desfecho.

— Quero fazer um brinde especial nesta noite — Tiago estava parado atrás da mesa com bolo com Luiza e Heloísa ao seu lado. A menininha estava no colo da madrasta — Quero agradecer aos meus pais por me abrirem os olhos a tantas besteiras que já fiz na vida. Vocês realmente sabiam o que era melhor para mim. Desculpem-me — Margot pousou a mão sobre o peito em sinal de orgulho e Ernesto sorriu — Quero agradecer a Flora e Heitor Chastel por me permitirem casar com Constância, a mulher mais incrível que já conheci em toda minha vida — Olhou para ela, que o encarava de volta um tanto sorridente, quase desconfiada — A Constância.

— A Constância! — Todos repetiram enquanto brindavam, fazendo-a corar.

Os olhos de Tiago não a abandonava e ela retribuía com cautela, analisando-o, tentando compreender porque, de uma hora para outra, ela parecia valer para ele mais do que todo o dinheiro do mundo.


H eloísa colocou Luiza para dormir após a festa e se animou quando a pequena disse que gostou muito de conhecer os avós. Ela parecia um tanto assustada com Diego, não falou nada sobre ele, deixando subentendido a Heloísa que o conhecia de algum lugar.

Precisava esclarecer aquele assunto de uma vez.

Não conseguia mais parar de pensar no encontro que teve com ele mais cedo e nas ameaças. Como faria para dar um jeito naquele cínico?

— Constância... — Tiago saiu do banheiro com a toalha enrolada na cintura e os cabelos pingando. Não escondeu a surpresa ao vê-la sentada na cama dele usando um robe de seda preto e os cabelos castanhos presos em um coque — O que está fazendo aqui?

Olhou ao redor para ver se havia algo errado, algo que talvez tivesse deixado para trás, um erro seu... Mas não havia nada além do quarto escuro, iluminado pela luz do banheiro. Ela o encarava profundamente, admirando-o em silêncio.

— Não posso fazer uma visita ao quarto de meu marido? — Questionou inocente, cruzando as pernas esguias e atraindo a atenção dele. A garganta de Tiago secou na hora diante da visão.

— Aconteceu alguma coisa, aposto — Tiago caminhou um pouco mais a frente, aproximando-se — O que eu fiz agora?

Heloísa sorriu de canto e se manteve sentada. Ele parou a frente dela, intrigado, cruzando os braços em frente ao peito.

— Tenho uma dúvida, Tiago, mas não quero que me compreenda errado — Tiago fez sinal para que ela prosseguisse. Heloísa se colocou de pé em movimentos delicados, seduzindo-o com o olhar mesmo sem ter a intenção — Posso fazer a pergunta?

— Deve — Assentiu. Heloísa parecia tímida — Fale Heloísa. Seja o que for, direi a verdade, mesmo que isso nos provoque problemas.

Jamais voltaria a mentir ou ocultar qualquer coisa dela. Lá no fundo, Heloísa gostou do que ouviu.

— Está seguro que de Luiza é mesmo sua filha? — Tiago se surpreendeu.

— Sim... Ela é muito parecida comigo, como você pode ver. Até minha mãe disse isso várias vezes — Respondeu como se fosse obvio.

— Você fez DNA? — Tiago negou com um aceno.

— Não achei necessário. Ela se parece comigo e Manuela era muito empenhada em me dar o golpe do baú. Acho que não brincaria com algo tão sério — Heloísa revirou os olhos, desdenhando.

— Nunca confie em uma bandida, Tiago — Relembrou com as mãos na cintura, sem ter coragem de falar tudo que pensava.

— Porque as perguntas? — Curioso, questionou.

— Quero que você faça um DNA — Pediu calmamente — Para tirar essa dúvida logo.

— Achei que você gostasse dela... — Tiago fechou a expressão, um pouco triste, estranhando as atitudes da esposa.

— Gosto muito — Garantiu convicta — Mas acho que devemos ser honestos, também, tanto com você quanto com ela. Vocês dois merecem saber a verdade.

— Que verdade, Heloísa? — Abriu os braços como se não entendesse — Ela é minha filha, é minha cara! É algo obvio!

Ela não podia dizer nada sem ir até o final, por isso baixou a guarda. Se Tiago não queria fazer o DNA, teria de fazer isso sozinha. Concordou com ele.

— Me desculpe — Sussurrou tímida, cruzando os braços — Mas não confio naquela mulher. Ela é capaz de coisas terríveis, imagina só... Confiar em alguém que espancou a própria filha!

— Sei disso, você tem razão... Mas quanto a isso, não tenho duvidas. Luiza é minha filha! — Heloísa mordeu os lábios. Tiago segurou o rosto dela carinhosamente — Fique tranquila. Manuela vai apodrecer na cadeia e nós vamos pegar quem foi que a ajudou a me roubar tanto dinheiro — Heloísa estremeceu. Talvez já soubesse o culpado, mas ainda era cedo para dizer qualquer coisa.

— Vamos sim — Sorriu simplesmente, vendo-o abaixar a mão.

Onde Tiago tocou queimou como fogo, acendendo o coração dela. Heloísa seguiu parada frente a ele, que a assistia um tanto desconfiado.

— Mais alguma pergunta? — Ela deslizou o olhar pelo peito nu de Tiago, vendo as gotas de água do cabelo pingando em sua pele.

— Não — Olhou nos olhos escuros e se aproximou até ficar rente a seus lábios. Uma coragem desconhecida despertou em seu interior, fazendo-a segurar o rosto dele em suas mãos trêmulas — Mas faltou meu presente de aniversário... Aproveita bem... Não sabemos quando você vai merecer ganhar outro!

Beijou os lábios dele com carinho, mas logo Tiago a enlaçou pela cintura com ardor e prensou-a contra seu peito de maneira furiosa. O desejo entre eles era gritante, latente, quase tão intenso quanto à maneira como Tiago a beijava. Ela podia sentir o desejo dele, desejo de homem, contra seu ventre, através da toalha.

Tiago infiltrou umas das mãos entre o cabelo dela, desprendendo-o do coque, fazendo-o cair em suas costas em cascata. Heloísa apertou os ombros dele em sinal claro de paixão, tocando-o na nuca.

Ele a empurrou em direção à cama, mas Heloísa o deteve.

Não iria cometer o mesmo erro novamente. Não iria se entregar tão fácil.

— Boa noite, Tiago — Disse afastando-se, vendo a maneira decepcionada com a qual ele a encarava.

Tiago teve vontade de prendê-la e jogá-la na cama. Teve vontade de ficar por cima dela e exigir que cumprisse seu dever de esposa, mas jamais exigiria nada de Heloísa, a mulher que mandava e desmandava em seu coração.

— Boa noite, esposa — Respondeu quando ela se afastou, limpando os lábios com as mãos.

O gosto dela o acompanhou durante toda aquela noite.


— Por favor, não tire os olhos dela, Brenda! — Heloísa pediu para a cunhada carinhosamente, ainda segurando na pequena mão de Luiza.

— Pode deixar, Constância — Brenda garantiu sorrindo, sempre linda e contente — Não vou tirar os olhos de minha sobrinha favorita nem um minutinho!

Luiza segurou na mão de Brenda, mas sem soltar a de Heloísa.

— Seu pai queria muito estar aqui, mas ele está trabalhando — Heloísa disse para a pequena, ajoelhando-se a sua frente. Os olhos curiosos de Luiza a acompanhavam. A garotinha usava um uniforme escolar azul escuro com saia, camiseta e boina. Tiago havia escolhido a escola de Brenda, uma das melhores da cidade, para que a menina iniciasse os estudos — Tem uma coisa importante para fazer hoje.

— Eu sei — Luiza disse calmamente — Ele foi ver a Manuela — Havia medo em suas palavras — Ele vai me devolver para ela, tia Helô?

Heloísa tocou o rosto da garotinha com carinho.

— De jeito nenhum! Seu pai e eu amamos você — Ao ouvi as palavras de Heloísa, os olhos de Luiza se encheram de lágrimas.

— Me... Amam? — Sussurrou emocionada, olhando para Brenda, que a abraçou de lado — Ela disse que meu pai não gostava de mim!

— Ela mentiu — Heloísa secou uma lágrima que deslizou na bochecha da menina, emocionada, sorrindo — Tiago não vai deixar ela te levar embora. Você vai ficar conosco para sempre!

— Sim! — Brenda saltitou — E muito em breve Constância vai trazer um bebê de dentro da barriga dela para nós duas brincarmos com um bebê de verdade!

Heloísa corou com as palavras de Brenda e Luiza pareceu gostar da ideia.

— É sério? — Tapou a boca com as mãos — Nossa, vai demorar para o bebê chegar?

— Não tem bebê nenhum, meninas, por favor! — Heloísa desconversou — Por enquanto, apenas Luiza, Tiago e eu.

— Eu não quero ir embora, Tia Helô... Não quero ir embora!

As palavras de Luiza ecoavam na cabeça de Constância enquanto assistia a enteada – que já podia jurar amar como uma filha – entrar na pré-escola com Brenda. Em menos de um mês a garotinha já havia evoluído tanto... Não podia permitir que nada de ruim lhe acontecesse!

Manuela, sabia bem, não representava qualquer ameaça! Estava acabada, presa, e lá ficaria por muitos anos. A única coisa que realmente lhe tirava o sono era Diego.

Chegou naquela manhã no escritório do grupo Chastel e encontrou Hannah em sua sala.

— Não acredito que você seguiu com essa ideia absurda de que sou parte da empresa agora! — A loira esbravejou assim que viu a irmã. Heloísa depositou suas coisas sobre a mesa de maneira nervosa, encarando-a — Tem uma sala com meu nome e, para completar, precisarei lidar com o tal Rafael Vianna, amigo do seu marido!

— Qual o problema disso? — Deu de ombros, analisando a expressão vermelha da irmã. Quase tão vermelha quanto o vestido que Hannah usava, muito elegante — Você é uma Chastel tanto quanto eu! É inteligente, importante e capaz! Não me interessa que você tem vergonha de viver, eu quero ajuda agora e você precisa estar aqui!

— O papai está morrendo! — Hannah aproximou-se ainda mais com a cadeira.

— O papai nunca foi duro o suficiente com você! Chega Hannah! Você não é uma incapaz! Lembra que você mesma disse que eu não preciso carregar o mundo nas costas? Pois bem... Você vai me dar uma ajudinha nesse levantamento de peso — Esbravejou ligando o computador — E ah... O Rafael é um excelente profissional, pareceu gostar muito de você!

— Sei bem o que está tentando fazer, Heloísa Constância! — Hannah bateu na mesa da irmã, atraindo sua atenção — Você quer que eu seja livre, que eu trabalhe, que me sinta útil... Mas tudo que consegue é me humilhar ainda mais!

— Porque você é uma tonta! — Heloísa colocou-se de pé — E se eu morrer? E se Tiago morrer? O que vai ser do grupo Chastel se nós dois precisarmos nos ausentar? Esse é o império do papai, Hannah! Somente eu tive que me casar com Tiago, você não pode somente trabalhar para ajudar?

Hannah suspirou, concordando. Heloísa tinha razão. Gostava de se esconder e era hora de dar a cara à tapa.

— Tudo bem, você venceu! — Apertou os olhos — Vou trabalhar, mas não quero dividir tarefas com o tal Rafael.

— Porque não? Porque ele pareceu interessado em você e é gatinho? — Heloísa disse em tom de segundas intenções.

— Ele não está interessado em mim, mas na fortuna Chastel — Relembrou — E deixa só o Tiago ouvir você falando isso de outro cara...

— Precisa parar de pensar que a fortuna Chastel é o centro do mundo — Heloísa piscou para ela.

— Olha só quem está falando isso... Devia ouvir melhor seus próprios conselhos, Grande Constância!

Alguém bateu na porta. Era Rafael. O rapaz fez de tudo para ser cordial, porém Hannah seguiu sendo altiva e temperamental, fingindo indiferença para a presença dele. Heloísa tinha esperança de que o fato mudasse e talvez a irmã abrisse o coração para conhecê-lo.

O celular vibrou. Era uma mensagem desconhecida.

Você tem pouco tempo, Heloísa. Ou você se casa comigo, ou a pequena Tabata vai pagar bem caro por sua desobediência.

Diego. Seu estômago embrulhou. Coçou a testa, apenas pensando no que fazer.

Não podia contar nada a Tiago.

Não podia agir por impulso.

Não podia deixar que nada de ruim acontecesse com Luiza.

— Meu Deus... O que mais me falta acontecer?

O celular vibrou novamente. Era uma mensagem de sua mãe. Uma mensagem que pesava em suas costas mais que o mundo todo somado em duas vezes.

É verdade o que dizem os tabloides?

Heloísa engoliu em seco.

Você e Tiago se conheceram em uma balada e se perderam antes do casamento?

Heloísa abaixou o celular com a testa suando, nervosa, abrindo o primeiro site conhecido que encontrou.

Constância Chastel e Tiago Sampaio: O tórrido romance nascido de brigas, intrigas e traições. Como tudo aconteceu na noite em que Constância – A não tão confiável herdeira dos Chastel - se entregou a Tiago sem saber que ele era seu noivo!

O queixo da moça caiu diante do titulo, sequer imaginando o que vinha a seguir! Eram fotos dela e de Tiago na noite em que se conheceram na boate e relatos específicos sobre aquele dia. Tirando ela e Tiago, apenas Diego, Adele e Hannah sabiam de tudo aquilo.

Apenas um deles seria capaz de traí-los.

Diego.

— Seu cretino! — Heloísa se colocou de pé e saiu de sua sala furiosa, caminhando entre os funcionários com todos os olhares voltados para ela.

Era como se pudesse sentir em sua nuca o sussurro da fofoca de todos. Empurrou a porta da sala de Diego com sangue nos olhos, procurando-o por todos os cantos.

— Estava me procurando, cunhada? — Diego entrou com as mãos nos bolsos e o sorriso cínico.

— Foi você, não foi? — Heloísa gritava em plenos pulmões, caminhando em direção a ele, que sequer se moveu — Foi você quem vazou as fotos e contou tudo para a mídia!

— É o que acha? — Mandou um beijinho cínico para ela no ar, fazendo-a se enojar. Sentou-se em sua cadeira despreocupadamente — Você vai ter que provar...

— Constância! — A voz ríspida vinha da parte de fora do escritório, aproximando-se. Era Ernesto — O que está acontecendo aqui? — Heloísa apertou os olhos diante do sogro, virando-se para ele calmamente.

— Constância! — Margot entrou na sala também, bem atrás do marido — É verdade tudo isso que lemos? — Apontava para o celular em suas mãos — É verdade toda essa história entre você e Tiago?


T iago estava no corredor quando ouviu toda a confusão.

Não conseguiu falar com Manuela no presidio e apenas se ocupou dos tramites legais relacionados à Luiza. Passou em casa na parte da tarde para falar com Hipólita e aproveitou para ver a filha, que pintava desenhos junto da cuidadora. A menina, pela primeira vez, sorriu para ele.

— O que é isso no seu desenho? — Perguntou curioso, esticando o pescoço ao lado dela. Luiza ergueu o papel e mostrou cada detalhe.

— Esse é você — Apontou para a figura mais alta ao lado de duas menores, sob os braços dele, como se fossem protegidas — Essa é tia Helô e eu — Tiago sorriu quando ela o encarou firmemente — Tiago... Já que você é meu pai — Hesitante, prosseguia. Tiago parecia derretido diante da inocência infantil de Luiza — Será que a tia Helô vai achar ruim se eu a chamar de mãe?

Tiago não teve resposta imediata, precisou pensar por alguns segundos antes de continuar.

— Heloísa tem um coração enorme. Duvido muito que ela se importe de ter uma filha tão incrível — Tocou o cabelo da garotinha e ela, pela primeira vez, não se esquivou de seu afago.

Todos olhavam para Tiago enquanto ele caminhava pelo corredor do grupo Chastel. O rapaz deslizou o olhar pelos funcionários achando estranha toda a situação, principalmente quando se aproximou da sala de reuniões e ouviu as vozes elevadas. Vozes familiares. Sua família.

— Tiago! — Empurrou a porta vagarosamente, dando de cara com seus sogros, seus pais, Hannah e Diego. Heloísa, parada ao lado da irmã, parecia envergonhada e enraivecida — Finalmente! — Sua mãe elevou o tom de voz — Pensamos que tinha desaparecido.

Tiago caminhou até Heloísa, encarando-a firmemente. O olhar responsivo dela era nervoso, como se anunciasse algo terrível.

— Estava com Luiza... O que aconteceu? — Perguntou a esposa, que suspirou diante da abordagem.

— Você não viu? — Hannah respondeu no lugar de Heloísa, que parecia petrificada. Tiago jamais a viu tão pálida. Tiago pegou o celular que Hannah estendia e leu a notícia.

Apertou os olhos e pôde entender o que Heloísa estava sentindo. Devolveu o celular para Hannah e encarou a esposa.

— Quem foi? — Perguntou apenas para ela, que tinha uma das mãos em frente aos lábios em sinal de constrangimento. Heloísa olhou para Diego, que encarava Tiago.

— Você que contou para todo mundo, Diego? É isso? A troco de quê, cara? — Tiago ia caminhando até ele, mas Heloísa segurou a camisa do marido, puxando-o de volta.

— Eu não era o único naquela boate, Tiago. Podia ter um jornalista de tocaia e agora que o nome de Constância é tão falado eles resolveram publicar, eu não sei... — Diego mentiu e Heloísa apertou ainda mais a camisa de Tiago nos dedos em sinal de nervosismo.

— Não importa, Tiago — Margot interveio, caminhando até o filho — É verdade tudo isso? — A expressão de descontentamento no semblante de todos era pesarosa.

Tiago encarou Heloísa, que tinha lágrimas nos olhos, mas fazia de tudo para ocultá-las. Ela balançou a cabeça negativamente, dando a entender que não adiantava mentir.

— Vocês dois fizeram aquele show todo por causa de um casamento arranjado e nas nossas costas se conheciam? — Flora segurava no ombro do marido, sentado em sua cadeira de rodas. Heitor encarava Heloísa como se não a conhecesse — O que você foi fazer em uma casa noturna de subúrbio, Constância? Não vê o perigo que correu? Que tipo de pessoa você se tornou, menina?

— Não foi assim, mãe — Heloísa olhava para os pais segurando a emoção. Jamais os viu tão decepcionados — Eu... Estava nervosa porque iria me casar, não queria me casar e... — Encarou Tiago — E fui para a festa com Adele. Mas foi só uma vez!

Diego sorriu ironicamente quando notou que ninguém acreditava nela.

— Estou decepcionada... Nunca imaginei que minha filha se prestaria ao papel de...

— De vagabunda? — Heloísa falou enraivecida, Tiago a trouxe para mais perto desta vez, pedindo calma — É isso que todos vão dizer, não é?

— Você estava noiva, menina! — Flora parecia inconformada — Como foi capaz de ir para cama com outro?

— Esse outro era eu, Flora — Tiago interveio seguramente — E porque vocês não falam sobre mim também? Por acaso só ela me devia lealdade? Todos os nomes pelo qual vocês chamarem Heloísa, terão de me chamar também... Nós dois temos o mesmo peso de culpa nisso tudo — A surpresa pela colocação dele atraiu os olhares.

— Mas poderiam não ser vocês naquela noite... Imagine o escândalo que estaríamos envolvidos agora? — Ernesto falou a Tiago, que não recuou a postura firme.

— Não tem escândalo! — Heloísa encarava Tiago surpresa, sem esconder a gratidão — Todo esse circo é porque eu fui para cama com a minha mulher, é isso mesmo? — Hannah deu uma risadinha — Quem disse que não nos conhecíamos aquela noite? Quem pode garantir isso? Nós éramos noivos e, como tal, estávamos nos divertindo juntos! Qual o problema? Ou por caso isso aqui... — Ele ergueu a mão e mostrou a grossa aliança de ouro em seu dedo — Não significa nada?

Todos se calaram diante das palavras dele. Diego empalideceu.

— Também acho isso um exagero... Qual é o problema? Vocês vivem na pré-história? — Tiago concordou com a cunhada.

Heloísa sentiu-se aliviada com a colocação de Tiago e podia ver que o peso da situação se esvaia, porém, Heitor ainda a encarava com decepção, algo que ia além de qualquer acusação.

— Então é por isso que você sempre chamou Constância de Heloísa — Heitor interveio olhando em direção à filha. Tiago comprimiu os lábios — Vocês tinham uma história além de nós.

Nem um dos dois soube o que dizer.

Não precisaram de muito tempo. Heitor começou a se sentir mal logo em seguida, pedindo ajuda para Flora, que achou melhor leva-lo ao atendimento médico. A movimentação ao redor de Heitor era frenética, tirando o foco do casal problema que se desesperava. Diego se divertia. Era exatamente esse seu propósito... Queria que Heloísa se tornasse de vez a poderosa dos Chastel.

— Papai, calma... — Heloisa caminhava ao lado da maca quando chegaram ao hospital, carregando a culpa nos ombros. Sabia que tudo aquilo era desgosto, nervoso e decepção — Vai ficar tudo bem! Me desculpe...

— Minha filha... Minha querida Constância — A mão frágil de Heitor segurou a da filha com carinho, seus olhos movendo-se lentamente — Não deixe que ninguém te faça mal! Seja forte, Constância, seja forte...

Aquelas foram às últimas palavras de Heitor Chastel, que se despediu da vida e de seu império naquela noite.

Naquele momento, enfim, Heloísa se tornava a grande soberana da fortuna Chastel.


Tiago jamais viu Heloísa tão desolada, abatida... Derrotada.

A grande herdeira dos Chastel, sempre tão altiva e segura de si, havia se reduzido a nada enquanto chorava ao lado do caixão do pai.

Usando calça jeans e camiseta preta de gola alta, Heloísa parecia parte das trevas que a consumia. Parte da culpa também era dele. Parte da história começou no dia em que traiu Constância e acabou com a confiança de Heitor. Ele partiu achando que Tiago era um terrível homem por tudo que havia feito, principalmente por ter enganado sua inocente filha e tirado dela tudo que havia de bom, até mesmo sua pureza.

— Heloísa, acalme-se — Tiago se aproximou dela, tocando seu ombro com cuidado — Sei que não é hora de te pedir isso, mas, por favor... Eu não aguento te ver desse jeito.

Tiago tocou o cabelo dela com carinho, sentindo-a abraça-lo como se a vida dependesse disso. A partida de Heitor era uma tragédia anunciada, mas certamente poderia ter sido evitada se não fosse a notícia bombástica que recebeu.

— Eu queria ter sido melhor para ele, Tiago... Queria que meu pai tivesse orgulho de mim! — Chorava contra a camisa dele, agora do lado de fora da sala fúnebre.

— Heitor tinha muito orgulho de você — Garantiu ao ouvido dela, abraçando-a — Nada no mundo lhe era mais caro do que você e Hannah, Constância, por favor... Ele te amava!

— Não dei a ele um neto... O decepcionei... — Tiago pousou os dedos nos lábios dela.

— Você deu o melhor de si — Pontuou — E ele sabia disso. Sacrificou-se pelo grupo Chastel, se casou comigo por isso e...

— Não foi só por isso que me casei com você — Ela o interrompeu abruptamente, fazendo-o encará-la totalmente surpreso. Os olhos escuros brilhavam com as lágrimas, emocionados e verdadeiros — E ele sabia disso também.

— Então por quê? — Heloísa apenas tocou o rosto dele carinhosamente antes de serem interrompidos por Flora.

Tiago caminhou até a sala fúnebre novamente, parando ao lado do caixão onde Heitor descansava com expressão serena.

— Te prometo que cuidarei de Constância e jamais a deixarei sozinha, Heitor — Garantiu convicto e com lágrimas nos olhos — Jamais a magoarei novamente, eu seria capaz de dar minha vida por ela... Eu prometo!


Heloísa nunca pensou que encontraria conforto para a morte do pai nos abraços e sorrisos de Luiza. A garotinha parecia encher seu mundo de cor, mesmo nos dias mais cinzentos e que a dor parecia dilacera-la.

— Pelo menos o seu pai está com Deus — Luiza disse a ela certa vez em que a viu chorando — Não te deixou porque não gostava de você.

Heloísa sorriu diante da inocência dela, encolhendo-se mais entre as cobertas de sua cama.

— Você tem sorte de ter um pai aqui que gosta muito de você — Relembrou tocando o rosto da pequena — Porque não dá uma chance a ele?

Luiza abaixou o olhar e voltou a erguê-lo, mas desta vez com o mesmo repleto de lágrimas.

— E se ele for embora de novo, tia Helô? E se ele me deixar sozinha? — Heloísa a abraçou com carinho, beijando seu cabelo.

— Você confia em mim? — Sussurrou para a menina, que concordou prontamente — Então acredite... Tiago não vai te deixar. Ele te ama.

— Me ama? — Heloísa concordou.

— Muito... Tenho certeza — Luiza pareceu pensar.

— Eu amo você, tia Helô... Você é como um anjo bom — Tocou o rosto de Heloísa, que sorriu emocionada.

Se havia algo de bom que Tiago havia lhe dado, certamente esse algo era Luiza. Amava aquela garotinha e jamais deixaria alguém fazer mal a ela.

Tiago chegou naquela noite apertando a nuca após mais um dia no escritório. Cansado, retirou a gravata e sentou-se no sofá, mas se alarmou ao ver que havia alguém na piscina. Já era tarde, cerca de onze da noite, por isso foi até o vidro da janela e espiou.

Esse alguém era Heloísa.

Saiu para o lado de fora e a viu nadando de uma ponta a outra da piscina com maestria, o corpo delicado iluminado a luz da lua. Desejou-a no momento em que a viu, sentindo imediatamente o corpo respondendo aos estímulos da carne. Parou e assistiu, sorrindo quando ela ressurgiu da água com os cabelos escuros para trás.

— Boa noite, esposa — Cumprimentou surpreso, feliz por vê-la melhor depois de duas semanas de luto confinada dentro do quarto.

— Boa noite, Tiago — Heloísa foi até a escada e ameaçou subir, mas parou no meio do caminho — Estava te esperando.

— Me esperando? — Ela concordou — Para quê?

— Para você dar um mergulho comigo — Confuso, ouvia — Vai... Tira essa roupa. Venha me acompanhar!

Tiago olhou ao redor e não havia nada nem ninguém, apenas eles e o escuro. Não podia negar nada a Constância, muito menos quando ela pedia com aquele sorriso doce e expressão inocente.

Retirou a roupa dos ombros e ficou apenas de cueca box preta, seguindo-a para a água. Ele pulou e ela rapidamente apareceu ao seu lado, encarando-o.

— O que quer de mim? — Tiago observava as gotículas de água no rosto amado com admiração. Se pudesse se ajoelharia aos pés dela. Heloísa flutuava frente a ele com a água até a boca — Deve haver algum motivo.

Inesperadamente Heloísa o envolveu pelo pescoço e colou sua testa na dele. Tiago fechou os olhos juntos dela, sentindo todo o amor que brotava daquele gesto. Ela o amava, apenas não sabia dizer como.

— Você falou com a Manuela? — Sussurrou próxima dos lábios dele, sabendo perfeitamente como abordá-lo.

— Não — Tiago negou impetuoso — Nunca mais a vi.

Heloísa sentiu a sinceridade nas palavras dele, algo voraz. Mordeu os lábios.

— Será que eu posso falar com ela? — Tiago retesou sob o toque dela.

— Você? — Sussurrou quase sem você — Porque você?

— Preciso falar com ela — Corrigiu.

— O que minha doce Constância teria para falar com uma mulher como aquela? — Tiago parecia confuso.

— Por favor, Tiago... — Sabia que ia ser difícil, mas prosseguiu — Por favor. Eu crio a filha dela... Tenho coisas a dizer.

Tiago reconsiderou.

Heloísa era muito mais para Luiza do que ele e Manuela já foram um dia. Ela tinha razão. Concordou com um aceno, mas com a expressão dura. Não gostava de imaginar as duas frente a frente.

— Tudo bem, mas...

Ela pousou os dedos sobre o lábio dele, aproximando-se ainda mais, colando seus narizes.

— Eu vou saber te recompensar...

A recompensa, talvez, fosse mais para ela do que para ele.


— É isso que eu sou na sua mãe, não é? Um nada... — Tiago se levantou da cama enquanto Heloísa vestia a camisola sentada na beira da mesma. Ela havia pedido que ele saísse de seu quarto após fazerem amor — Você usa seu charme para me seduzir porque sabe que sou louco por você e faço todas suas vontades, mas deixa só eu te falar uma coisa... — Apontou o dedo para ela, que o encarava firmemente — Não precisa fazer sexo comigo para conseguir nada! Faço o que você quiser apenas se me pedir.

— Não fiz sexo com você por isso, Tiago — Colocou-se de pé em postura firme, encarando-o com os olhos escuros sinceros — Sei que você me deixaria falar com Manuela sem isso. Fiz por uma outra razão.

— Qual, então? — Esbravejou, cruzando os braços em frente ao peito.

— Quero um filho. Um filho nosso — As palavras dela o fizeram se calar, deixando os braços caírem ao lado do corpo.

— Mas você não disse que... — Olhou para a barriga dela — Não compreendo.

— Sim, mas fui ao médico. A um especialista em reprodução — Tiago ouvia atentamente — Estou tomando as medicações e fazendo o tratamento. Ele disse que tenho boas chances de conseguir — Heloísa sorriu timidamente, mas parecia falar de um negócio, não de um filho — Era o que meu pai mais queria... Um neto.

— Você podia ter me contado... — Sincero, Tiago não sabia como agir.

— Estou contando agora — Abriu os braços em sinal de redenção — Se você me disse que não quer, paro imediatamente. Nós dois sabemos que esse casamento é um negócio, que uma hora vai acabar... Não pretendo me casar novamente. Quero ter um filho agora para nunca mais precisar pensar nisso.

— Você vai tratar meu filho como parte dos negócios entre os Chastel e os Sampaio, é isso que está querendo dizer, Constância? — Ele usou o nome formal dela, fazendo-a revirar os olhos.

— Vou trata-lo como trato Luiza — Tiago assentiu, pousando as mãos na cintura — O que me diz?

— Tudo que quiser, Constância Chastel... Tudo que você quiser!

— Acaso te desagrada ter um filho comigo? Com a sua Manuela foi muito fácil, não é? — Cruzou os braços.

— Tudo que mais quero é um filho seu... É você que eu amo... Mas não assim — Heloísa se intimidou — Não como um negócio. Como parte de um plano para ficarmos unidos para sempre... Nossas famílias. Te conheço, Constância. É isso que você quer.

Heloísa se colocou de pé e deu as costas para ele, caminhando até a porta e abrindo-a, como se dissesse para ele ir embora. Tiago foi até ela e fechou a porta seguramente, puxando-a pelo braço em direção a seu peito.

— O que está fazendo, Tiago? — Ela tentou empurrá-lo, mas suas mãos se prenderam nos músculos dos braços dele ao invés de reagir. Seu corpo a entregava, a constrangia... O desejava da mesma maneira.

— Você não quer um filho? — Os olhos dele percorreram o corpo dela — Então você o terá!

Heloísa agarrou o rosto dele quando foi beijada, escorando-se contra o peito largo sem hesitação. Tiago a amou com fervor, ao contrário do que costumava, sempre tão carinhoso e delicado. Heloísa jamais imaginou que se renderia a ele daquela maneira tão intensa, abdicando de sua pose de toda poderosa.

Entre quatro paredes, ali, em sua cama, ela se entregava a Tiago sem pudores, sem reservas, escondendo-se atrás dos deveres de esposa.

Apesar de tudo o amava... Tinha cada vez mais certeza disso enquanto gemia o nome dele ao passo em que ele a preenchia até lhe tocar o coração. Aquele homem era o Tiago da boate, o Tiago que erro, mas hoje buscava redenção.

E ela o amava.


— Nunca me imaginei em uma prisão, por isso estou nervosa... — Sussurrou para a advogada ao seu lado.

— Acalme-se, senhora Sampaio — A mulher ruiva, alta e elegante respondeu a ela — Em um minuto a detenta chegará e sua ansiedade acabará. Apenas peço que, por favor, se contenha.

— Ah, por favor, Daniele! — Heloísa mostrou-se indignada — E eu lá sou mulher de descer do salto? De fazer barraco? Ainda mais em uma cadeia pública...

Heloísa se calou quando o carcereiro chegou à sala de visitas com uma das detentas. Alguém que tinha um semblante familiar demais para ser mera coincidência. Colocando-se de pé, ficou cara a cara com a tal, ambas separadas por uma mesa larga.

— Você! — Heloísa não podia acreditar no que via. Era aquela mulher. A mulher do casamento! O sangue ferveu em suas veias.

— Ora, a que devo a honra de tão solene visita — Manuela desdenhava, medindo-a de cima a baixo — A grande Constância Chastel... Porque uma das mulheres mais importantes do país veio me visitar hoje? A que devo a honra?

Manuela se sentou sob o olhar desacreditado de Heloísa, que parecia ter tomado o maior susto da vida. De tudo que Tiago havia lhe aprontado, aquilo sim era o mais deteriorante de tudo! Aquela mulher foi em seu casamento, teve a audácia de falar com ela e ele não fez nada!

— Era você — Disse nervosa — Como teve a cara de pau de ir ao meu casamento? Como... — A advogada a puxou para que sentasse, notando que Heloísa tremia de nervoso e quase voava em cima da mulher do outro lado — Como teve coragem de falar comigo naquele dia?

— Fui convidada, querida — Garantiu piscando para ela — Convidada de honra!

— Por Tiago? — Heloísa sentou-se e a encarou com o mesmo desdém.

— Não... Por Diego — Emendou a resposta rapidamente — Confesso que Tiago lavou um baque ao me ver por lá. Foi tenso — Heloísa não sabia nem o que dizer. Todo seu espetáculo previamente calculado havia caído por terra diante de mais uma traição de Tiago — Mas ele está muito envolvido com seu feitiço, Constância... Ou devo dizer... Heloísa? É assim que ele te chama, não é? Heloísa... — E riu de maneira irônica.

— Você e ele se merecem, se é isso que quer saber... Não me importo com Tiago — Sua voz era dura, assim como o olhar.

— Ah não? — Manuela soou pesarosa — Então o que está fazendo aqui, queridinha? Porque a toda soberana rainha Chastel desceu do trono para se meter em uma cadeia? Veio me peitar a troco do quê, se não o quer?

— Por Luiza — Manuela murchou a postura, ficando séria e amedrontada — É por ela que estou aqui, não por você, Tiago e aquele nojento do seu amante...

— Do que está falando, garota?

— De Diego, não se faça de desentendida que esse termo nem sequer te cabe! — Manuela olhou para a advogada e Heloísa a dispensou, sabendo que Manuela não falaria nada na frente dela — Nós estamos sozinhas e você pode... Na verdade deve... Contar-me a verdade!

— Que verdade, maluca? — Manuela ajeitou-se na cadeira, temendo o rumo da história.

— Quem é o verdadeiro pai de Luiza? O canalha, safado e sem vergonha do Diego ou o idiota, tapado do Tiago? — Manuela riu da maneira de falar dela.

— Então você sabe de tudo? Como descobriu? — Heloísa resolveu ser franca.

— Diego está me ameaçando — Manuela se calou, ficando ainda mais séria — Ameaçou tirar Luiza de mim e de Tiago se eu não largar Tiago e me casar com ele. Disse que é o verdadeiro pai da menina — Manuela encarou o chão por alguns segundos — Agora você me diz... Ele te largou nessa cadeia e quer acabar com a vida da sua filha... Não que você se importe muito com ela, tenho certeza, mas se existe um coração no seu peito... Diga-me a verdade! Não deixe que ele prejudique a menina!

— Tiago sabe disso? — Heloísa negou e Manuela se calou novamente — Apenas bati na Tabata por raiva de Tiago. Ele não me queria, queria você... Era o único jeito de atingi-lo. Perdi o controle.

— Você não vale nada... — Heloísa a encarava com nojo — Então quer dizer que ela é filha dele? De Tiago? — Uma chama de felicidade nasceu no peito de Heloísa.

— Não — Manuela respondeu no ato, depois a encarou — Não sei.

— Como não sabe?

— Fui para cama com os dois muitas vezes... Você é mulher, sabe do que estou falando! — Heloísa revirou os olhos.

— Não, eu não sei... Ao contrário de você, tenho caráter! Só existe um homem na minha vida — Manuela mordeu os lábios, nitidamente enraivecida, invejando-a — Me fala logo... O Tiago é pai dela, não é?

— Não — Manuela foi enfática — É o Diego! Fui para cama com ele muito mais do que com o Tiago naquela época... Ela é filha do Diego!

— Mas pode ser do Tiago! — Manuela negou.

— Ela é filha do Diego, Constância Chastel — Manuela enfatizou novamente, aproximando-se o quanto pôde dela — É melhor descer do castelinho e encarar que sua fantasia chegou ao fim!

Manuela se colocou de pé e lhe deu as costas, parando nas grades enquanto a carcereira se aproximava para abri-las.

— Você não tem coração! Você é um monstro! — Heloísa gritou nervosa, colocando-se de pé — Como pode querer prejudicar sua própria filha por fidelidade a um bandido, como? Sua vagabunda!

Manuela a encarou nervosamente, indo para longe e com a dúvida na cabeça. Ela sabia bem quem era o pai de Luiza, mas jamais diria a verdade e sabia que Heloísa não tinha coragem suficiente para jogar a bomba sobre Tiago. Ele mataria Diego se soubesse, principalmente agora, com a chantagem sobre sua cara e amada Heloísa Chastel.


Heloísa chegou em casa naquela tarde e caminhou em direção ao escritório de Tiago com sangue nos olhos.

Não havia nada que pudesse fazer, além do obvio.

— Constância... — Tiago se alarmou ao vê-la, principalmente pela maneira como parecia consternada. Havia lágrimas no rosto dela. Ódio no olhar — O que foi? Como foi com Manuela?

— Manuela... Seu cretino! — Heloísa jogou sobre ele sua bolsa, atirando em seguida o próprio celular — Aquela vagabunda, ordinária, safada... Era ela o tempo todo! Em nosso casamento... Era ela, Tiago!

— Calma... Olha só, eu sabia que você ficaria nervosa, mas pensei que... — Ele se aproximou, mas levou um tapa forte no rosto. Havia esquecido completamente do fato do casamento!

Permaneceu imóvel, segurando o rosto e encarando-a.

— Você me traiu de novo! — Heloísa infiltrou as mãos no cabelo, por pouco caindo de joelhos — Você me fez de idiota na frente de todos, em nosso próprio casamento!

— Não foi assim... — Tentou explicar — Eu... Não sabia que ela estaria lá! Não quis te contar na hora para não estragar nossos primeiros momentos casados, você estava diferente, falando comigo e...

— Você estragou tudo... Você sempre estraga tudo! — Gritou nervosa, prestes a voar sobre ele com todo seu nervosismo — Você mente...

— Eu esqueci — Tiago suspirou pesadamente — Esqueci completamente que ela foi ao casamento e você a viu! Por isso não podemos mentir, Heloísa, eu já aprendi isso... Nós estamos bem, de boa, e do nada aparece uma coisa aleatória de mil anos atrás para nos atrapalhar! Até quando vai ser assim?

Tiago tocou o rosto dela, mas Heloísa o empurrou.

— Até o dia em que você sumir da minha vida! — Garantiu, mantendo-se firme — Acabou, Tiago! Acabou! Você me prometeu que nunca mais iria me enganar, mentir ou me fazer sofrer, mas veja só... — Apontou para si mesma — Estou sofrendo! Fui enganada! Quanto mais remexo seu passado, mais mentiras, segredos e enganos descubro sobre nós dois!

— O que quer dizer? — Consternado, Tiago aproximou-se o quanto pôde dela — Fala... Fala olhando nos meus olhos que vai me deixar por essa bobagem!

Heloísa hesitou, os olhos brilhando em lágrimas frente a ele.

Seu coração gritava que não queria, mas sua razão dizia que era o único caminho. Estava cansada dele, de Diego e de Manuela! Estava cansada do grupo Chastel, da fortuna, da mídia... Não aguentava mais carregar o mundo nas costas!

— Vou pegar minhas coisas — Deu as costas a ele, mas Tiago a seguiu de perto.

— Não vou deixar, Heloísa, não vou deixar! — Tiago subiu as escadas ao lado dela. Hipólita e Luiza assistiam a cena da porta do quarto da menina e nem isso os fez parar.

Heloísa sabia que faria um bem para Luiza se afastando de Tiago. Não iria se separar dele para se casar com Diego, não... Estava cansada da dor.

Abriu o closet e tirou as peças que mais usava, jogando tudo em uma mala que abriu sobre uma cadeira. Tiago a assistia parado na entrada, a expressão indignada.

— Depois de tudo que nós passamos... — Tiago pegou-a pelo braço com ímpeto, trazendo-a para o peito dele. Heloísa apertou os olhos com a proximidade, virando o rosto para a direção oposta — Depois de ter me dito ontem que queria me dar um filho... Você vai embora assim, sem mais nem menos?

— Sem mais nem menos? — Heloísa quase colou os lábios nos dele enquanto falava, dada à proximidade — Você me traiu duas vezes! Você me escondeu que tinha uma filha com sua amante... Você foi encontrar aquela vagabunda em um motel estando casado comigo! Eu te perdoei todas às vezes, Tiago, mas agora deu! Ela foi ao nosso casamento... E você me fez de idiota na frente de todo mundo! — Confessou a última parte deixando as lágrimas escaparem — Acabei de perder o meu pai, perdi meu chão... Tenho um império nas mãos e você... Você é pior do que o grupo Chastel! Você trouxe o caos para minha vida!

Tiago a soltou, a expressão derrotada.

— Você tem razão — Disse simplesmente — Sou o pior da sua vida e você não merece isso, Constância. Mas eu te amo... Te amo genuinamente.

— É tarde demais — Ela se aproximou e tocou a barba dele com dedos trêmulos, o queixo — Você deveria ter me amado anos atrás, não agora. Agora... Não restou nada!

— Você me ama também — Tiago afirmou, infiltrando uma das mãos no cabelo dela e a trazendo para perto — Pode ir embora, mas o seu coração... — Tiago a puxou para um beijo e Heloísa não conseguiu resistir — Vai ficar comigo!

Heloísa o empurrou com ímpeto, tremendo, mais do que tudo, se render. Não podia fraquejar agora. Deu as costas a ele e apanhou a mala, seus documentos e o que conseguiu apanhar.

Tiago a seguiu, querendo ver com os próprios olhos se Heloísa teria mesmo coragem de abandoná-lo.

— Tia Helô... — Luiza correu até a escada, descendo em passos rápidos. Heloísa se deteve ao ouvir a voz da menininha, virando-se em direção a ela.

Agora vinha a parte difícil.

— Luiza...

— Você vai embora? — Olhava a mala dela — Mas você disse que nunca iria embora...

— Eu... — Olhou para Tiago, que assistia tudo em silêncio ao lado da filha — Eu volto para te ver, querida. Prometo.

— É por culpa do Tiago? — Os olhos se inundavam em lágrimas — Ele te fez mal?

— São coisas de adultos, Luiza, não tem nada a ver com o Tiago — Abaixou-se em frente a ela, tocando-lhe o rosto — Volto para te ver. Prometo! — Beijou-a na testa, recordando-se que precisava ir por ela.

Precisava de tempo.

— Posso ir com você? — Agarrou na perna de Heloísa, que suspirou, pedindo ajuda a Tiago com o olhar.

— Heloísa vai viajar — Tiago tocou no ombro da garotinha — Você precisa ir para a escola, lembra? — Luiza recuou, ficando próxima do pai — Nós dois vamos esperar ela voltar.

As palavras firmes de Tiago atingiram o coração de Heloísa. Era mais doloroso do que imaginava deixar os dois para trás... Era como perder parte de seu coração. Suspirou, assentindo.

— Adeus, Tiago — Disse simplesmente, tocando o rosto de Luiza — Te vejo em breve, querida.

— Adeus, Constância.


T iago recolheu a mão antes de tocar a garrafa de uísque.

Olhou para a porta e pensou duas vezes antes de prosseguir. Não podia se embebedar, Constância diria. Você tem uma criança em casa!

Havia um buraco em seu peito, um eterno vazio. Não conseguia pensar sem que a ideia de viver sem Heloísa passasse por sua cabeça e o reduzisse a nada. Era como olhar o céu e não ver o sol. Era como viver nas trevas. Sentia-se vazio, fraco e impotente... Um nada.

— Senhor... — Hipólita apareceu descendo as escadas enquanto ele subia — A menina está deitada. Já dei janta e banho. Deseja mais alguma coisa?

— Não Hipólita, obrigado — Tocou o ombro dela com carinho — Ela está bem?

— Está triste, pobrezinha — Torceu os lábios em sinal de desolação — Não se conforma que dona Constância tenha ido embora.

Tiago subiu em direção aos quartos e, como costumava fazer todas as noites, espiou pela fresta da porta do quarto de Luiza. Geralmente entrava no quarto na calada da noite, sentava-se na beira da cama e a observava antes de dormir. Era o único momento que tinha para ficar com a filha em paz, sem o famoso desprezo que ela direcionava a ele. Sem se sentir um lixo de pai.

Ela parecia dormir, por isso Tiago sentou-se na beira da cama com cuidado, acariciando o cabelo dela com carinho.

Já sentia em seu coração um forte amor paternal por Luiza, não podia negar. Quando a garotinha chegou tudo era incerto, mas Heloísa mostrou a ele que o amor podia nascer em qualquer circunstância, por pior que fosse, e não conseguia mais imaginar sua vida sem a presença da menina.

— Também não me imagino sem Heloísa, mas, pelo menos, você de mim ninguém tira, filha... Não mais — Sussurrou achando que ela não podia ouvi-lo, mas para sua surpresa os olhos escuros se abriram em direção a ele.

— Você não vai trazer ela de volta? — Luiza estava muito consciente, sinal de que estava acordada todo o tempo.

— Luiza... Você... Te acordei? — A garotinha se sentou, empurrando o edredom cor de rosa com corações. O cabelo escorrido descia até a cintura, o pijama de flores e o olhar de quem havia chorado muito.

— Sempre estou acordada quando você vem — Sussurrou encarando-o tristemente — Mas você nunca falou nada.

— Me desculpe, eu... — Luiza coçou o rosto.

— Porque você só pede desculpas? — Tiago reconsiderou — Você sempre me pede desculpas.

— É porque quero que me desculpe — Enfatizou sendo o mais sincero que conseguia. A menina parecia muito esperta, ligada em cada palavra dita por ele.

— Já desculpei — Garantiu um pouco entediada — Mas você tem que trazer a Tia Helô de volta! Eu a amo — Os olhos escuros se encheram de lágrimas. Tiago tocou na bochecha dela um pouco hesitante e com os dedos trêmulos.

— Não sou um homem bom para ela, filha — Explicou calmamente — Tenho certeza que Heloísa jamais vai deixar de vê-la e de te amar também, mas não posso prometer que vou trazê-la de volta. Não sei se ela me ama como eu a amo.

— Ama sim! — Luiza segurou a mão dele — Ela sempre diz que você é bom, honesto e tem um coração grande — Enumerou as qualidades dele inocentemente — Se ela não te amasse não diria isso!

— Ela diz por que é boa... — Corrigiu — E agradeço a ela por dizer isso a você.

— Mas você é bom — Luiza ajeitou o cabelo longo atrás da orelha — Você me buscou e me trouxe para cá. Aqui ninguém me bate... Ninguém me faz mal. Se você fosse ruim, seria ruim como todos já foram um dia.

Tiago sorriu emocionado. Seu coração se derretia diante da filha e naquele momento percebeu a intensidade do amor que aquela criança causava em seu coração. Era fruto de uma traição, de um erro... Mas não tinha culpa. Não tinha maldade. Heloísa sabia disso desde o primeiro momento, algo que Tiago custou a aceitar. Via nos olhos daquela criança a pureza, a ingenuidade... Arrependeu-se por ver em Luiza algo que o separaria de Heloísa. A menina apenas os uniu mais, tornando-se a coisa mais forte entre eles. Maior até do que seu grande amor.

— Queria poder te dizer que Heloísa vai voltar. Que eu vou trazê-la de volta — Suspirou, tocando o rosto da filha — Mas não posso mentir. Não posso prometer algo que não está ao meu alcance fazer — Luiza murchou a expressão — Por outro lado, posso dar minha palavra de que eu, seu pai, jamais te abandonarei. Jamais deixarei que te levem para longe de mim. Enquanto eu viver, estará protegida.

Luiza sorriu.

— Isso parece bom — Respondeu carinhosa.

— Agora é hora de dormir, não vou te atrapalhar mais. Amanhã tem aula, mocinha — Luiza se deitou e Tiago a cobriu, ajeitando a coberta — Boa noite. Eu te amo.

Tiago disse calmamente, sem pensar muito, colocando-se de pé. Caminhou até a porta e, antes de fechá-la, ouviu a voz da garotinha.

— Também te amo, papai.

A encarou deitada com o coração transbordando felicidade. Finalmente ela havia feito. Finalmente o chamava de papai e dizia que o amava. Sorriu dominado pela alegria.

— Essa é mais uma coisa que te devo, Heloísa — Sussurro para si mesmo.

Tudo de bom que acontecia em sua vida, Tiago devia a ela. Tudo de ruim que acontecia na dela, Heloísa devia a ele. Talvez estivesse errado em insistir em tê-la. Para o bem dela, Tiago deveria deixa-la ir.

Mesmo sabendo disso, Tiago chamou Rafael e os dois foram até a mansão Chastel. Não conseguia dormir sem ela, não conseguia viver sem ela. Sabia que a resposta seria negativa, mais uma briga, porém tinha que tentar.

– Volte para casa, Heloísa, por favor... – Tiago estava parado diante dela com aquele olhar de cachorro pidão e o aroma de cerveja barata.

– Você andou bebendo de novo, Tiago? – A moça encarou o marido, ambos parados em meio à sala da mansão da família Chastel.

Hannah estava atrás dela e Rafael, atrás dele. O rapaz só tinha olhos para a encantadora Hannah, que não conseguia disfarçar o desconforto pelo olhar apaixonado que recebia. Seria possível que aquele rapaz não desistia dela?

– Só bebi uma cerveja com o Rafa – Apontou para o amigo – Mas já coloquei a Tabata na cama faz tempo – Garantiu em tom desolado – Por favor... Volte para casa!

– Chega, Tiago, para de fazer cena na frente dos outros! – Repreendeu envergonhada pela irmã e o amigo.

– Nós podemos deixá-los a sós, se quiserem... – Hannah franziu o cenho. Os olhos azuis o fuzilaram por um momento.

– Não vou a lugar nenhum com o senhor! – Respondeu rapidamente – Será que não vê o quanto os homens só prestam para nos fazer sofrer? Veja minha irmã... – Apontou para Constância, parada diante de Tiago usando robe por cima da camisola de seda – Desde que conheceu Tiago só sofre, é enganada... Sei muito bem o que o senhor quer comigo e não pretendo te ajudar a conseguir!

– Você ainda não contou a ela? – Tiago se virou para Rafael, que negou com um aceno.

– Tiago... – Heloísa repreendeu.

– Contar o que? – Hannah encarava Tiago com curiosidade – Fale, Tiago. O que estão me escondendo?

– Constância, Hannah... – Flora apareceu no topo da escada e analisou a cena de cima – Ora, se não é Tiago Sampaio!

– Boa noite, Flora – Tiago disse baixinho, vendo-a descer as escadas. O olhar da matriarca percorreu a sala – Espero não estar incomodando. Vim pedir a Constância que volte para nossa casa.

– Depois de tudo que você fez? – Flora deu um tapinha no braço dele – Até parece que não conhece minha Constância... – Olhou para o rapaz ao lado dele – Oh meu Deus! – Cobriu a boca com uma das mãos – Você é... O herdeiro da família Vianna de Espanha, não é? – Rafael corou e encarou Hannah, que não disfarçou a surpresa – É uma honra tê-lo em minha casa, rapaz!

– Vianna de Espanha? – Hannah repetiu, sabendo muito bem de quê família se tratava, uma das mais tradicionais e ricas da Europa. Encarou Heloísa, que mordeu os lábios.

– Me desculpe, Hannah – Heloísa sussurro apenas para a irmã, enquanto a mãe entrevistava o rapaz a sua frente – Ele me fez prometer que não diria nada. Queria te conquistar sem que você soubesse que ele é...

– Mais rico do que nós? – Completou a frase de Constância, que assentiu – O que ele quer comigo, Constância? Isso é uma brincadeira?

– Ele quer te conhecer – Sussurrou para ela – Te achou interessante.

– O que? – Hannah não acreditava no que ouvia. Rafael a encarava pedindo desculpas enquanto respondia a abordagem de Flora, que não escondia o orgulho de ter Rafael em sua casa – Mãe... Deixa ele respirar, por favor! – Interveio, fazendo o moço respirar aliviado.

– O Tiago veio conversar com Constância e me convidou para acompanha-lo – Rafael respondeu a Flora – Aproveitei para ver Hannah. É sempre um prazer revê-la.

Flora olhou para Hannah cheia de surpresa e expectativa. A moça não sabia como se portar diante da situação, visando que tudo era muito claro. Rafael não tinha interesse na fortuna Chastel... Como poderia ter? Sua família era milionária também, sólida e expansiva. Era difícil acreditar que um homem bonito e inteligente como ele tivesse interesse nela, visando à vasta gama de pretendentes que caiam a seus pés.

– Nem uma que tenha me encantado como você até hoje – Rafael garantiu quando ficaram sozinhos, após Tiago e Heloísa iniciarem um bate-boca na sala – Você é linda, Hannah. Nunca vi uma mulher com olhos tão lindos em toda minha vida!

Ela sorriu, pela primeira vez.

– Mas sou incompleta – Concluiu fazendo-o comprimir os lábios – Olhe para mim... É muito claro que sempre serei insuficiente.

– Não vejo nada... – Foi o que ele respondeu após alguns segundos – Você tem uma limitação, sim, mas isso não te faz menos mulher do que qualquer outra – Rafael viu a surpresa no olhar azulado da moça – Estou procurando uma esposa decente, elegante, de família tradicional e que faça parte do meu círculo social. Você preenche todos os requisitos, estou seguro. Agora basta saber se eu preencho os seus.

– Foi Tiago que mandou você dizer tudo isso? – Hannah cruzou os braços diante do peito. Rafael sorriu.

– Não... Ele só me disse o quanto você e Constância são especiais e incríveis, que não se encontra mais mulheres assim hoje em dia – Hannah comprimiu os lábios – E ele estava certo! Veja só como insiste para que Constância volte, mesmo sabendo que ela vai ser difícil de convencer?

Os dois olharam para o casal que discutia enfaticamente na sala, um pouco ao longe. Hannah riu.

– Tiago a ama muito – Admitiu – Fez besteira sim antigamente, mas a ama muito! Ele tenta acertar e é isso que importa – Rafael concordou – É isso que eu busco, senhor Rafael Vianna de Espanha – Sincera, ela falava em tom mais ponderado – Um homem que lute por mim como Tiago Sampaio luta pela minha irmã. Um homem que me ame como ele a ama... Digo, depois que se casaram, é claro... A parte de antes eu dispenso!

Ambos caíram na gargalhada e Rafael achou a brecha perfeita para tomar a mão dela na sua com cuidado. Hannah não hesitou, deixou-se ser tocada.

– Não quero te magoar, Hannah, não sou homem disso – Garantiu com convicção, vendo os olhos azuis analisarem-no – Aquele maluco ali – Apontou para Tiago – Ama tanto sua irmã que seria incapaz de apresentar um homem a irmã dela que pudesse machucá-la. Tiago jamais me traria para a vida de vocês se soubesse que sou safado.

– Pois é... Constância o mataria – Rafael concordou com um sorriso – Tudo bem, Rafael – Ela puxou a mão de volta – Eu aceito.

– Aceita se casar comigo? – A felicidade dele transbordava nos olhos escuros.

– Não, claro que não – Hannah desdenhou enquanto ria – Aceito sair com você. Quem sabe para um jantar? Ou uma boate de periferia?

Gargalharam com a referência da história de Tiago e Heloísa, selando ali um acordo silencioso. Hannah não podia acreditar que finalmente alguém entrava em sua vida e Rafael tinha plena certeza que havia encontrado sua futura esposa perfeita.


Constância não voltou para ele.

Seguia firme e irredutível na ideia de que estava cansada, sem mais forças para lidar com Tiago e todos os problemas que ele trazia.

Tiago não pôde lutar contra isso. Não podia obriga-la a amá-lo. Não podia ser egoísta, mas foi atrás da origem do problema.

Manuela caminhou lentamente pelos corredores frios enquanto assistia Tiago parado ao longe, esperando-a.

Ele ainda era lindo como antes. Ainda tinha o rostinho de rapaz inocente, o porte de homem forte e a postura elegante de um membro da alta sociedade. Ainda era o homem que ela enganou, mas que em algum momento, se apaixonou. O olhar dele se cruzou com o dela e Manuela pôde ver toda a raiva contida naquele gesto.


— S abia que cedo ou tarde você voltaria a me procurar, meu amor — Tiago sorriu de maneira irônica diante das palavras dela.

— Menos, Manuela... Menos! — Ela teve vontade de rir. Estava claro que Tiago a odiava, talvez até sentisse pena — Quero as cartas na mesa... Quero saber o que você disse a Heloísa que a deixou tão fora de si.

— Heloísa? — Manuela questionou um pouco confusa.

— Constância — Tiago corrigiu a vendo revirar os olhos — Pode me contar tudo.

— Porque eu deveria? — Tiago apoiou os cotovelos na mesa e se aproximou dela, sentada frente a ele e algemada pelos pulsos caídos em seu colo.

— Porque você me deve isso por ter estragado minha vida. Você me deve isso pela Tabata — As palavras dele eram duras — Você fez com que ela me odiasse! A minha própria filha... — Manuela fechou a expressão, olhando para os próprios dedos — Ela odeia você mais do que a mim, mas quer saber? Existe alguém que Tabata ama... Alguém que a faz feliz como nós dois — Gesticulou entre eles — Jamais fizemos! Alguém que a ama da mesma maneira... — Manuela se mostrou tocada, mordendo os lábios pela menção da filha — Constância. Constância cuida dela com carinho, com amor... Faz por ela tudo que uma mãe deveria fazer!

— Não pode ser... — Sussurrou mais para si do que para Tiago.

— Pois é — Garantiu vendo-a recuar — Constância é tudo para ela e sabe o que aconteceu? Constância foi embora... Constância não está mais ao lado dela por palavras ditas por você, aqui, ontem... — Ela abaixou o olhar enquanto ele bati os dedos na mesa, os cabelos escuros envoltos no rosto bonito — Até quando vai ser um monstro na vida de Tabata, sua filha? Até quando, Manuela?

— Eu não queria machuca-la — Sussurrou entre lágrimas — Foi tudo ideia dele para te provocar, para atrair Tabata para sua vida e destruir seu casamento com Constância, mas parece que o tiro saiu pela culatra, não é? Ela ficou ainda mais próxima de você depois que descobriu da nossa filha...

— Plano dele? Dele quem? — Tiago franziu o cenho, curioso. Aproximou-se o quanto pôde dela — Do que você está falando?

— É tudo culpa dele, Tiago! — Disse um pouco alterada, chorando, nervosa — Por culpa daquele cretino estou aqui! Ele armou tudo, desde o inicio! — Tiago a assistia sem compreender, mas atraído pela situação — Ele foi até o clube de prostitutas onde eu fazia ponto e me contratou para que eu te seduzisse. Me escolheu porque sabia que eu era seu tipo de garota, fui escolhida a dedo! Me disse tudo que você gostava, me instruiu perfeitamente para te seduzir... E você caiu! Você ficou comigo, traiu sua Constância comigo... Depois eu engravidei — Manuela corou — Ele me pagou muito bem para isso!

— De quem você está falando, Manuela? — Nervoso, Tiago rangia os dentes.

— Ele me fez te convencer a fugir para longe na esperança de conseguir se casar com ela no seu lugar, mas não conseguiu. Ela estava tão magoada que o pai dela a deixou estudar o que queria, seguir a diante e tornar-se uma executiva — Manuela chorava, mas Tiago sabia que era sincera — Então o único jeito de te atingir, de tomar o seu lugar definitivamente, seria tirando todo seu crédito com sua família — Explicava entre soluços — Por isso ele me instruiu a te roubar, a colocar a mão no dinheiro de sua família através de você... Só que haviam outras pessoas envolvidas nisso, pessoas pagas por ele, que enganaram a nós dois e ficaram com boa parte do dinheiro — Tiago mordeu os lábios pela indignação — Essas pessoas queriam mais, estavam me ameaçando... Ele achou melhor que eu me afastasse de você, se não seria muito arriscado. Seus pais e você poderiam descobrir tudo!

— Me fala o nome, Manuela — No fundo Tiago já sabia, mas precisava ouvir dela — Me fala...

Lágrimas rolaram no rosto dela, pingando sobre o uniforme laranja da penitenciária.

— Fui embora com Tabata e ele voltou, empenhando-se em separar você de Constância... Mas tudo o que ele fazia, ao invés de separá-los, apenas os unia ainda mais — Tiago sentia vontade de arrebentar a mesa, mas se continha — Então ele mandou eu voltar bem no dia do casamento. Mandou que eu trouxesse Tabata para que Heloísa ficasse decepcionada com você e fosse embora o quanto antes... Ele bateu nela e jogou a culpa em mim para que você ficasse com a guarda dela e ela atrapalhasse seu casamento, mas Heloísa gostou da menina! — Manuela pareceu emocionada — Nunca pensei que ela fosse cuidar da minha filha...

— Me fala o nome, Manuela! — Tiago a agarrou por um dos braços com voracidade.

— É ele! — Gritou de olhos fechados — É ele quem está ameaçando Heloísa... Ele que pediu que ela fosse embora!

— Ele quem? — Insistiu.

— Diego!


— O que você está fazendo aqui com essa mala, Constância? — Flora indagou ao ver a filha entrando em casa com uma mala e o celular na mão.

— Voltei para o lar, mamãe. Separei de Tiago — Disse como se fosse algo corriqueiro, sentando-se no sofá branco e grande com elegância — Mas não se preocupa. Não vai durar muito tempo!

— O que? — Flora aproximou-se dela com a expressão confusa, nervosa — Separou de Tiago, é isso? Por quê?

— Tivemos uma briga... — Tentou contornar a situação, entretida com o celular em mãos — Nada demais.

— Depois de descobrir que ele tem uma filha que te escondeu, você fica com ele, mas após terem uma briga qualquer você separa, é isso? — Constância a encarou.

— É só até eu resolver um probleminha aí... — Flora cruzou os braços diante do peito.

— Você não tem jeito, Constância! — A moça mordeu os lábios, cruzando as pernas — Quando vai tomar juízo nessa cabeça? E a menininha que gosta tanto de você, que você dizia amar como filha?

— Sigo amando... Ela vai vir passar o final de semana conosco.

Flora tentou argumentar com a filha, mas nada mudou a decisão de Heloísa.

— Você enlouqueceu Constância, essa é a única explicação! — Os olhos azuis de Hannah brilhavam inconformados pela presença da irmã na mansão Chastel — Vai largar do Tiago justo agora que descobriu que o ama?

— De quê adianta amar um homem que me engana, Hannah? — Heloísa, sentada na antiga cadeira de Heitor no escritório, digitava algumas palavras no computador. Havia uma taça de vinho ao seu lado — Não posso ficar a vida toda sendo enganada e perdoando Tiago para depois descobrir um erro ainda mais grotesco!

— E sobre perdoar? E sobre o casamento ser para sempre? — Hannah tentava roubar a atenção da irmã, mas Heloísa parecia focada no notebook — Existe algo por trás disso, Constância! Você é igualzinha ao papai... Não desiste nunca das coisas que lhe são caras!

Hannah saiu do escritório contrariada, deixando Heloísa para trás com o coração partido e as mãos no rosto pálido.

— Você tem razão, mana — Tocou o porta retrato com uma foto de Heitor Chastel pousado na mesa — Eu não desisto nunca!

Jamais se casaria com Diego.

Jamais colocaria o império de seu pai nas mãos de um cafajeste!

Apanhou a bolsa e se dirigiu até a casa dela com Tiago, local onde Diego queria encontrá-la. Ele certamente sabia que lá não existiam testemunhas, além de uma empregada. Luiza estava na escola, Tiago havia ido trabalhar e foi o momento perfeito para armar o encontro.

— Olá, Constância — Diego disse ao vê-la entrando pela porta principal, sentado ao sofá — Fiquei surpreso quando sua empregada me disse que você e Tiago se separaram... — Ela colocou a bolsa sobre o sofá, tirando o casaco pelos ombros — Poderia ter me dito ao telefone a novidade. Nos encontraríamos em um lugar mais reservado.

Heloísa sorriu sem humor, as mãos apoiadas no quadril em sinal de tédio.

— Me separei do Tiago sim, mas não tem a ver com você — Seguia longe dele, mas Diego se colocou de pé — Tenho meus motivos.

— É claro que tem... — Diego tocou o queixo dela, mas Heloísa virou o rosto rapidamente — Segue sendo rebelde. Se Tiago não soube te controlar, saiba que comigo vai ser bem diferente. Não sou como meu irmão...

— Com certeza não — Irônica, afastou-se dele.

— Onde fica o seu quarto? — Diego perguntou interessado — Vamos até lá conversar sobre o que preciso.

— De jeito nenhum! — Ela começou a caminhar até a biblioteca — Hipólita não sai da cozinha. Podemos falar aqui mesmo — Entraram e ela fechou a porta — Tiago não vai chegar tão cedo. Está empenhado no grupo Chastel.

— Quanto mais Tiago trabalha, mas a fortuna cresce! — Diego observava Heloísa com olhar predatório, analisando o corpo dela com desejo escancarado. A moça sentia vontade de vomitar cada vez que o encarava. Escondia-se como podia atrás de sua saia plissada rosa e sua blusinha branca simples — Você, principalmente, Grande Constância, a toda soberana do grupo Chastel... Meu irmão trabalha e você leva o crédito... Sinto até pena dele às vezes.

— Se tem algo que você não sente é pena de Tiago... Muito menos amor — Desdenhou, parada do outro lado da mesa — Você não sente nada por ninguém.

— Está enganada. Eu gosto de minha filha Tabata... Tanto, que se você não se casar comigo, ela virá morar comigo — Sorriu de maneira malévola — Acredito que será uma experiência única para todos.

— Seu canalha... — O olhar dela foi de asco — Nunca vou me casar com você e Luiza jamais vai morar contigo! Só por cima do meu cadáver, ouviu bem?

— Você não tem... — Diego se aproximou dela rapidamente, enlaçando-a pela cintura. Constância o empurrou, mas não conseguiu se soltar — Outra escolha!

— Se você não parar com essas ameaças ridículas agora, serei obrigada a te destruir! — Heloísa o empurrada, se debatia, falava como conseguia. Ele cheirava o cabelo dela, causando nojo e repulsa em todo seu ser — Palavra de Constância Chastel... Eu acabo com você!

— Você não tem provas contra mim — Sussurrou ao ouvido dela. Heloísa parou de se debater e o encarou firmemente.

— Você não disse que Luiza é sua filha? — Disse a ele próxima, quase colada a seu rosto — Pois então... Está aí a mais completa prova.

Diego fechou a expressão e a apertou ainda mais em meio a seus braços. Heloísa gritou quando ele a jogou sobre a mesa grande, colocando-se por cima dela. Ela gritava e se debatia, empurrando-o. A mão grande lhe tapava a boca, mas não por muito tempo.

A porta da biblioteca foi aberta e Tiago apareceu diante dos dois, os olhos enraivecidos e decepcionados diante da cena.

Heloísa pensou que fosse morrer quando Diego a soltou e seu corpo caiu no chão sem forças após muito lutar. Gemeu pela dor no pulso e suspirou ao ver o olhar de Tiago.

— Calma, Tiago... — Diego disse ao ver o irmão se aproximando com a fúria no olhar — Nós podemos explicar!


— E xplicar o quê, seu canalha? — Tiago o agarrou pelo colarinho tão rápido que Heloísa sequer soube como aconteceu. Colocou-se de pé rapidamente, segurando o pulso dolorido e as lágrimas — Que você estava tentando abusar da minha mulher, é isso?

— Abusar, eu? — Diego agarrou as mãos de Tiago em seu pescoço, mas não tinha força para brigar com o irmão — Ela queria... Ela sempre quis! Nós temos um caso, Tiago! Faz muito tempo que...

Diego se calou com o soco que Tiago desferiu em sua boca e caiu no chão pelo força do golpe. Heloísa engoliu em seco, afastando-se dos dois, encarando Tiago como se nunca o tivesse visto em sua vida.

— Vai para o quarto, Heloísa! — Tiago gritou para ela, que negou com um aceno. Jamais viu Tiago, aquele rapaz tão calmo e gentil, tão descontrolado como naquele instante. Por um minuto temeu pela vida dele. Certamente seria capaz de matar ou morrer — Eu disse vá para o quarto!

— Tiago... Você precisa saber que... — Tentou se aproximar dele, mas ele fez sinal para que não fosse.

— Já sei de tudo! — Vociferou — Será que pode me respeitar como seu marido pelo menos uma vez? — O coração dela apertou e não lhe restou escolha a não ser sair dali, deixando Tiago com o irmão.

Antes de sair, no entanto, ouviu a voz de Tiago falando com Diego.

— Acha mesmo que não conheço Constância? Acha mesmo que não sei o tipo de mulher que ela é? — Gritava nervoso, fazendo a casa toda estremecer. Hipólita olhava para ela com medo, mas Heloísa fez sinal de que tudo iria ficar bem — Você me traiu a vida toda, você sempre quis tudo que é meu, mesmo que o seu fosse algo melhor! — Tiago dizia nervoso, descontrolado — Mas ela você não terá... Nunca! Jamais! Não percebe que já fez de tudo para tirá-la de mim e nunca conseguiu? Ela é minha, sempre foi minha e nada no mundo vai mudar isso! Nada!

— Senhora... — Hipólita se aproximou de Heloísa, que caiu sentada no sofá — Você está machucada...

— Vou ficar bem, não se preocupe — Sussurrava a amiga — Desculpe por tudo isso, Hipólita.

— Eu liguei para o senhor Tiago e avisei sobre o irmão dele estar aqui. Nunca gostei desse homem — Heloísa sorriu para ela cordialmente, tocando-lhe a mão.

— Obrigado. Você não tem ideia de como isso foi importante.

Heloísa e Hipólita ouviram os gritos e as palavras duras de Tiago. Chamaram o segurança da casa com medo de algo pior acontecer, mas após muita discussão Diego saiu da biblioteca quase derrubando a porta e com o rosto arroxeado, sangrando pelo nariz e o olho inchado.

— Você me paga, sua vagabunda! — Disse a Heloísa apontando o dedo em sua direção — Você e a sua ratinha... Guarde minhas palavras!

— Não tenho medo de você! — Heloísa gritou a ele e Tiago o agarrou pela camisa, o botando para fora com um empurrão.

A briga dos dois continuou do lado de fora e Heloísa subiu para seu quarto temendo o rumo de tudo aquilo. Diego era um canalha, mas era capaz de muito quando contrariado, já estava provado.

Tomou um banho quente e rápido para tirar as marcas dele de seu corpo e rapidamente se recompôs, sentando-se na beira da cama após colocar um vestido de verão florido. O cabelo escuro caia ao seu redor molhado, os olhos inchados pelas lágrimas.

— Heloísa! — Tiago bateu na porta e entrou em seguida. Estava com a camisa branca esgarçada, sem gravata, o rosto vermelho e o cabelo revolto. Havia tomado alguns socos, mas não tanto quanto Diego. Parou em frente a ela com o olhar vazio, decepcionado... Dilacerado. Heloísa não pôde evitar sentir pena dele.

— Sinto muito, Tiago — Sussurrou sentada a beira da cama e com lágrimas nos olhos — Muito mesmo...

— Porque você não me contou? — Abaixou-se frente a ela com a respiração ofegante — Por quê?

— Eu queria evitar isso tudo... Não queria que você sofresse, sei que gostava muito do seu irmão, aquele canalha — Lágrimas deslizaram no rosto dela. Tiago suspirou, cobrindo o rosto com uma das mãos — Queria resolver isso sozinha. Pegar ele com provas.

— Constância Chastel e sua mania de querer carregar o mundo nas costas — Tocou a mão dela com cuidado, porém ainda nervoso — Minha vontade era te sacudir até seu juízo voltar, mas te devo a minha vida. Não tenho o direito de ficar bravo com você, seja qual for o motivo... — Abaixou o olhar para suas mãos unidas — É por isso que foi embora? Por causa dele?

— Ele disse que se eu não casasse com ela e me divorciasse de você iria tirar Luiza de nós — Tiago riu com deboche, erguendo-se para sentar ao lado dela na cama.

— Como ele iria tirar Luiza de nós se sou o pai dela? — Heloísa corou. Foi à vez de ela segurar a mão de Tiago e morder os lábios.

— Ele pode ser o pai dela também, Tiago — Contou tímida, temendo a reação dele. Tiago pareceu tomar um soco no estômago, encarando-a com desolação — A Manuela me disse que ela é filha dele, mas não acredito nela. Não totalmente. Eu não tinha como te pedir o DNA sem contar tudo isso, mas não tive coragem... Tudo é muito sujo. Coitada da Luiza...

— Não sei por que isso me surpreende — Comprimiu os lábios, mas deixou os olhos se encherem de lágrimas — Manuela não presta, Diego também não... Mas eu me apeguei a Luiza. Ela até disse que me ama — Sorriu, emocionado — Não pode ser... Eu tinha planos para ela, Constância! Aprendi a amá-la! — Heloísa o abraçou sem conter a emoção. Apertou os ombros fortes com as mãos trêmulas, acariciando o cabelo dele — Meu Deus...

— Calma, Tiago — Sussurrava ao ouvido dele — Você ainda não sabe — Ele e abraçava de volta com carinho, chorando em seu ombro — Ela pode ser sua filha sim... Queria muito que fosse! É uma menina muito doce, que eu também amo, e não merece ter aqueles dois como pais!

— Sou um idiota... Sempre fui um idiota manipulável com poucas palavras — Olhou nos olhos dela após se separarem — Como uma mulher incrível como você ainda está aqui, ao meu lado, depois de tudo?

Heloísa sorriu docemente e tocou o rosto dele com carinho.

— Está enganado — Disse a ele se aproximando — Você tem um bom coração. É honesto, acredita no lado bom das pessoas, na palavra delas... — Tiago suspirou timidamente — Foi uma vitima do seu irmão, que nunca teve nada de bom dentro dele. Nunca brilhou com luz própria. Ele poderia ter sido melhor do que você, mas escolheu ser uma simples sanguessuga.

— Quem enxerga o lado bom de todos é você — Tiago tocou o rosto dela também — Por isso seu pai tinha tanto orgulho. Por isso todos te admiram. Eu não mereço você, Constância Chastel — Afastou-se e tirou as mãos dela. Heloísa ficou de pé frente a ele, roubando sua atenção.

— Acho que nós dois nos merecemos — Tiago a encarava como se visse a coisa mais linda do mundo — Diego fez de tudo para nos separar, mas a vida com um simples acaso nos uniu naquela noite. Nos uniu de um jeito que ninguém jamais poderá separar. Nós dois... — Esticou a mão para ele, que agarrou no mesmo momento e ficou de pé frente a ela — Fomos vitimas nessa história.

— Prometo que não vou deixar que façam nada contra vocês — Garantiu quando ela se aproximou para abraça-lo. De pé, Heloísa era bem menor do que ele. Tiago tocou o cabelo dela com carinho, a cabeça dela deitada contra sue ombro forte — Prometo.

Não demorou até Luiza chegar da escola com um largo sorriso, correndo para abraçar Heloísa ao vê-la. Ela também abraçou Tiago, deixando claro que estavam em uma relação mais amistosa, com mais harmonia... Sem aquele rancor do passado. Ambos se encaravam a todo o momento pensando na paternidade da menina. Tiago não se conformava e deixava isso muito claro.

Sentia vontade de chorar toda vez que a menininha se aproximava dele. A amava como uma filha depois de todos os problemas. Fugiu com Manuela por causa dela! Mesmo que de maneira torta, Tiago sempre foi seu pai, sempre a considerou como filha...

— Você a trouxe de volta, papai — Luiza beijou o rosto de Tiago com carinho, deixando transparecer sua felicidade infantil — Eu sabia que iria conseguir!

— Ela não disse se vai ficar, querida — Ambos olharam para Heloísa, que sorria para eles de maneira apaixonada.

— Claro que vai, não é, tia Helô? — A menina esticou a mão para ela, que apertou rapidamente. Amava muito Luiza. Era definitivamente uma criança especial e encantadora em meio a uma rede de mentiras por dinheiro e poder. Talvez fosse a mais prejudicada de todos — Você vai ficar comigo e com meu pai? Vai continuar sendo a rainha do castelo?

Heloísa concordou com um aceno e Luiza a abraçou fortemente, emocionada com a reação positiva.

— Vou ficar com vocês, querida — Beijou o cabelo dela com carinho — Sempre.

— Está vendo papai? — Luiza encarou Tiago, que não podia estar mais feliz com a resposta da esposa — Eu disse que ela te amava...

Heloísa corou diante do sorriso dele.

Tiago estava decidido a fazer o DNA, por isso foi até a casa de seus pais e contou a eles tudo o que descobriu. Diego não voltou para lá. Desapareceu e ninguém era capaz de localizá-lo. Ernesto e Margot tomaram um baque gigantesco, principalmente após a notícia de que Luiza poderia ser filha de Diego e do roubo milionário que sofreram por ambição e inveja do próprio filho.

Era noite quando voltou para casa e, após um banho, encontrou Heloísa em seu quarto, olhando pela janela.

— Já está virando moda sair do chuveiro e te encontrar — Comentou roubando a atenção dela, que sorriu de braços cruzados em frente ao peito. Usava uma bela camisola de seda branca com rendas no decote, o cabelo escuro lhe descendo até o quadril. Tiago não pôde evitar admirá-la, tão doce e linda.

— Você tem seus diretos de marido e eu também tenho os meus de esposa, querido — Desdenhou com o sorriso corriqueiro, encarando-o de longe. Tiago usava apenas uma bermuda preta, o cabelo úmido pingando no peito forte e o olhar apaixonado — Está achando ruim?

Ele riu baixinho e terminou de secar o cabelo.

— Não, claro que não... — Penteou o cabelo com os dedos e aproximou-se dela, parando a sua frente. Ambos iluminados pelo clarão da lua — Senti sua falta, Heloísa. Já estava cansado de conviver com Constância Chastel. Oh mulher complicada, fala sério...

Heloísa mordeu os lábios após gargalhar. Sabia por que Tiago dizia isso. Sempre que queria se esconder, tinha de usar a armadura de poderosa e essa era Constância Chastel. Heloísa, no entanto, era aquela que mostrava sua alma, sua doçura, sua beleza... A mulher que ele amava.

— Sempre estive aqui — Tocou o ombro dele com carinho, um pouco hesitante — Nós dois sempre estivemos juntos.

Tiago tomou a mão dela e lhe beijou os dedos com certa emoção.

— E o Diego? Seus pais conseguiram falar com ele, esclarecer tudo? — Tiago negou, suspirando, largando a mão dela.

— Ele sumiu do mapa — Heloísa não escondeu a decepção — Mas meu pai está irado, uma fera! Disse que isso explica muitas suspeitas que alimentou durante anos. Não demoraram nem meio segundo para acreditar em tudo.

— Ótimo. Pensei que seria mais complicado.

— Ele vai ter o que merece — A convicção dele fez Heloísa relaxar — E nunca mais vai colocar nada entre nós. Nunca mais! — Heloísa o abraçou fortemente, deixando contra o peito de Tiago todos seus medos e inseguranças — E não se esqueça de que você não precisa carregar o mundo nas costas, Constância! Não precisa... — Ela se afastou e o encarou com os olhos inundados em lágrimas — Tenho ombros largos, posso fazer isso por nós dois — Ela riu baixinho, lhe dando um tapinha no ombro.

— Posso dormir aqui com você?

Tiago se calou e, surpreso, concordou com um aceno. Ajeitou as cobertas e os travesseiros, chamando-a para seu lado.

Heloísa subiu na cama e se deitou perto dele, a coberta na altura de sua barriga. Tiago se aproximou ainda mais após um momento, ambos olhando para o teto. A puxou para que deitasse sobre ele e Heloísa não hesitou.

— Não sei se um dia eu disse isso com palavras ou sóbrio — Tiago dizia um pouco tímido, sem encará-la — Mas eu te amo. Você é a coisa mais importante para mim.

Heloísa ficou com o silêncio.

— Você já disse isso bêbado, depois cantou uma música sertaneja... E no meio de discussões — Tiago riu baixinho, ambos encarando o teto — Não botei muita fé.

— Nunca ouviu falar que todo bêbado é sincero? — Heloísa olhou para ele e Tiago se voltou para ela — Sincero até demais.

Ela tocou o rosto dele com cuidado, aproximando-se para beijá-lo. Fechou os olhos para absorver a sensação e Tiago se aproximou a ponto de ficar por cima dela, colando seus corpos quentes.

— Quando você disse no velório do seu pai que não se casou comigo apenas pela fortuna Chastel — Heloísa mordeu os lábios diante da abordagem dele. Aquilo era covardia! Não conseguia resisti a ele — O que estava querendo dizer?

Ele queria que ela dissesse com palavras, mas Constância não se sentia pronta.

— Será que você não adivinha? — Erguendo-se, beijou-o nos lábios com ímpeto, descendo os dedos pelo abdômen firme.

Imediatamente recordou-se da primeira noite que tiveram. Sentia que Tiago pensava no mesmo, pois a maneira como a retribuiu, cheio de carinho e cuidado, a fez ir às nuvens como naquele dia.

Separando-se do beijo, Heloísa levou as mãos até as alças da camisola e as baixou juntamente, puxando a peça para baixo. Tiago a encarava sem compreender, mas encantado com a atitude. A pele exposta a seus olhos era macia, doce, delicada... Exatamente como se lembrava.

— O que está fazendo? — Heloísa estava nua sob ele quando Tiago questionou. Ela o envolveu com os braços pelo pescoço, aproximando suas peles.

— Cobrando meus direitos de esposa — Tiago suspirou.

— Apenas para ter o seu filho, como daquela vez?

— Não... Como da primeira vez, quando nós dois não éramos nada — Disse contra os lábios dele, voltando a beijá-lo.

Não podia resistir a ela, porém sorriu ao ver no semblante de Heloísa o quanto estava apaixonada. Ela o amava, ele sabia, mas esperava que estivesse pronta para dizer. Enquanto isso, demonstrava o amor em sua mais concreta forma.

Os dedos dela percorreram o cabelo escuro de Tiago enquanto ele beijava seu corpo com maestria, arrancando-lhe gemidos e suspiros intensos e apaixonados. Sabia perfeitamente como tirar dela o que queria. Ele queria que ela o amasse tanto quanto ele a amava.

Heloísa se entregou de corpo e alma novamente, como na primeira noite, sentindo seu coração e sua alma inflados pelos sentimentos que a invadiam. Em sua vida existia apenas um homem e esse homem era Tiago. O Tiago daquela noite, o Tiago herdeiros dos Guimarães Sampaio... O mesmo Tiago ontem, hoje e sempre!

Agarrou-se aos ombros dele para poder sobreviver quando ele a preencheu até tocar seu coração. Beijou-lhe a testa quando Tiago deitou entre seus seios após terem terminado.

Poderia viver mil vidas, mas jamais se arrependeria de tudo que fez.

Jamais se arrependeria de ter sido dele naquela noite.

— Te amo, Heloísa... Constância... Tudo em você. Nós dois. Para sempre — Ele sussurrou ainda ofegante, beijando-a, entregue.


T iago poderia dizer que se sentia completo, mas não conseguia colocar a mente em ordem enquanto pensava em tudo que Diego havia feito a ele.

Todos os seus problemas, todas as coisas terríveis que havia passado, foram induzidas pelo irmão e isso o machucava profundamente. Jamais imaginou que seu maior inimigo estivesse bem ao lado, sob seu nariz.

— Claro que você tomou a decisão de ficar com Manuela, mas ela foi muito bem instruída por Diego para parecer à mulher de seus sonhos — Rafael dizia enquanto ambos trabalhavam na sala de Tiago — Não foi isso que ela te disse? — Tiago concordou com um aceno, sentado a frente do amigo atrás de sua grande mesa de vidro e com uma caneta entre os dedos, pensativo — Se não fosse seu irmão ter atrapalhado, era para você e sua esposa estarem juntos há muito tempo, meu amigo.

— Não entendo porque tanta inveja. Tanto ódio — Rafael concordou — Sempre amei meu irmão e fiz de tudo por ele. Sinto-me despedaçado, cara.

— Imagino Tiago... — Rafael comprimiu os lábios em uma expressão triste, ajeitando o cabelo ruivo para trás — Quando nos tornarmos oficialmente cunhados, te garanto que serei mais do que um irmão em sua vida.

Tiago sorriu de canto, interessado nas palavras dele.

— Hannah finalmente cedeu? — Rafael sorriu um pouco tímido.

— Saímos para jantar ontem, contei a ela sobre minha família e deixei claras minhas intenções — Tiago assentiu positivamente — A mãe dela está muito satisfeita com nosso relacionamento.

— Flora é uma boa pessoa. Heloísa é a mais durona da família — Rafael riu baixinho diante da expressão de Tiago — Mas é minha joia preciosa. Não troco por nada.

— Nos beijamos — Rafael completo e Tiago fez sinal positivo.

— Agora falta você reunir a família para o jantar de noivado, não é? Não quero minha cunhada falada por aí. Vai ter que pedir a mão dela para mim, ouviu bem? Sou o homem da família agora.

— Se ela me quiser de verdade... Ainda está um pouco receosa. Não consegue acreditar que sou apaixonado por ela desde que a vi pela primeira vez em seu aniversário.

— É cabeça dura igual Constância, mas uma hora ela vai compreender. Você verá — Rafael suspirou.

— Espero.

— Que tal um almoço para comemorar seu primeiro encontro com Hannah, quase uma entrada oficial para a família Chastel? — Tiago parecia empolgado — Heloísa voltou comigo semana passada. Outro motivo para comemorar!

— Ótimo, meu amigo! Ótimo!

Tiago saiu rumo ao almoço com Rafael, pediu para avisarem a Heloísa e foi abordado pela secretária. A senhora o chamou rapidamente.

— A senhora Constância não atende ao celular para dar o recado que me pediu, senhor Sampaio — Disse a ele um pouco ressabiada — Devo me preocupar?

— Não. Heloísa foi levar Luiza e Branda na escola, deve estar ocupada. O celular dela é sempre uma incógnita, sabe como é ocupada.

Tiago não se preocupou e seguiu rumo ao almoço. Sabia que Heloísa não se dava bem com o celular todo momento e, além do mais, naquela manhã haviam feito o exame de DNA entre ele e Luiza. A moça estava mais empenhada em deixar a garotinha feliz do que qualquer coisa. Ambos já sabiam o resultado, mas aceitar era doloroso.

— Se ela fosse sua filha tudo seria mais fácil, não é? — Tiago concordou enquanto almoçava com o amigo.

— Sim... Mas confesso que se ela for minha sobrinha também terei por ela um amor de pai — As palavras eram sinceras enquanto ele bebericava um café após comer — Heloísa e eu vamos ficar com ela independente do resultado, estamos decididos a lutar por isso. Ela não tem culpa de nada.

— Pelo menos não vai ter um vinculo eterno com aquela mulher, aquela prostituta — Tiago concordou — Essa sina vai sair dos seus ombros de alguma forma.

Seu celular tocou.

— Deve ser Heloísa, depois de tanto tempo — Checou o número, mas era desconhecido.

Não estava preparado para o que ouviu. O rosto de Tiago empalideceu enquanto ouvia de um policial que sua esposa e sua filha estavam feitas refém em um cativeiro. Diego era quem as mantinha lá.


Foi tudo muito rápido e Heloísa sequer sabia explicar como aconteceu.

Diego abordou-as no estacionamento do colégio das meninas com uma arma e o fato dele ser irmão e Tiago não levantou suspeita. Brenda havia ido buscar algo com uma colega e ela conversava com Luiza no carro quando aconteceu.

— O que você quer com isso, Diego? — Questionou quando ele a mandou se afastar e sentou ao volante com a arma apontada para ela — Será que não vê que acabou para você?

— Acabou para você também, Constância Chastel — O desdém na voz dele deixavam claras suas reais intenções — Vou acabar com você e sua ratinha. Eu disse que iria se arrepender de ter contado tudo ao Tiago.

— Não fui eu, foi Manuela! — Relembrou nervosa, vendo Tabata assustada no banco de trás — Por favor, para com isso! Olha a menina, por favor... Tenha respeito por ela, ao menos por ela! — Dizia pelo fato de ela ser, possivelmente, filha dele.

— Vou matar você, Constância! — Afirmou enquanto dirigia. Heloísa tentou sair, mas o carro estava travado — Pode começar a se despedir da vida, pois essas são suas ultimas horas.

Heloísa foi dominada por um sentimento frio de medo e abandono, completamente entregue a própria sorte. Diego tirou dela celular e bolsa, ele tinha uma arma! Pensava em si mesma, mas também em Luiza. A Pobrezinha tremia com medo, obviamente sabia quem era Diego e do que ele era capaz.

As duas foram levadas a uma casa abandonada, talvez o lugar onde ele se escondesse.

Brenda, ao reparar que a cunhada e a sobrinha haviam sumido misteriosamente, logo informou aos pais. Disse ter visto Diego por perto. Foi à deixa para compreenderem o que estava acontecendo.

— Se você quer me matar, então vai logo! — Heloísa disse após ser jogada sobre um colchão velho com Luiza. A menina chorava baixinho e Diego gritava para ela calar a boca — É melhor do que ficar fazendo cena e agredindo a gente.

Luiza se agarrou a Heloísa fortemente, temendo por elas. Diego observava as duas com a arma na mão, divertindo-se com a sensação de assistir o terror nos olhos delas.

— Acha que vou simplesmente te matar? — O olhar de Heloísa era coberto de ódio. Sentia revolta por não ter levado os seguranças para a escola, sentia raiva de si mesma por ser tão inconsequente! Não acreditava que Diego pudesse voltar depois da surra que tomou de Tiago e o ódio que despertou nos pais — Fiz de tudo para te ter, Constância Chastel! — A voz dele era carregada de desolação — Coloquei outra mulher na vida do Tiago, mas você não me quis! Fiz Tiago ter uma filha, mas você não a rejeitou, ao contrário! A acolheu! — Encarou Luiza com desdém — Resgatei Manuela das sombras, mas de nada adiantou... Mostrei-te de todas as maneiras que ele era um idiota, mas você parece ser ainda mais burra do que ele! — Gritou a última parte — Como pode uma mulher perdoar tudo que você perdoou? É muita falta de amor próprio, mas não deveria ser assim... Você é muito gostosa para se arrastar por um babaca!

— Você chama de burrice porque não sabe nada sobre o amor — Heloísa tinha lágrimas nos olhos, mas não alterava a expressão de ódio.

— Amor? Você ama um homem que somente te fez sofrer?

— Amo Tiago como jamais ninguém irá amar você! Você é desprezível... Nojento! Sempre teve inveja dele e nunca foi nada além de um verme! — Diego deu um tapa no rosto dela fazendo com que Luiza gritasse. Heloísa gemeu pela dor, ficando ainda mais nervosa. Tocou o lábio e sentiu sangue escorrendo em sua face.

Tremia com a sensação gritante da injustiça. Sentia o medo da morte eminente. Sentia o gelo das sombras a envolvendo.

Diego agarrou Luiza pelo colarinho e a levantou. Heloísa gritou desesperada ao vê-lo levando a menina para o sofá, jogando-a lá com brutalidade.

— Vou espancar ela de novo, mas na sua frente para que sofra... É isso — Dizia como se pensasse, a arma apoiada na boca — Você vai entender como funciona comigo.

— Não! — Heloísa gritou antes que ele se aproximasse de Luiza, absolutamente desesperada. A menininha chorava descontroladamente, agarrada a si mesma e com o pavor estampado nos olhos escuros — Não faça nada com ela, por favor! — Suplicava com alma em chamas, o coração despedaçado e os gritos na garganta — Faz comigo... O que você quiser! Mas com ela não, por favor!

Diego paralisou antes de dar o primeiro tapa em Luiza e olhou para Heloísa com interesse. A mesma podia sentir frio na espinha pela maneira como ele a encarava. Era como estar diante da morte.

— O que eu quiser? — Ela nada respondeu, apenas olhando para a menininha coberta de medo — Sabe que pode ser interessante?

Diego agarrou Luiza novamente e a levou até uma pequena porta, trancando-a lá dentro. A menina gritava alto, mas ele bateu e mandou ela se calar, do contrário, morreria. Voltou-se para Heloísa com um sorriso curto, debochado, puxando-a do colchão pelo cabelo escuro e longo.

— Quem diria... A grande Constância Chastel se oferecendo para mim de tão bom grado... — Heloísa não conseguia se mover diante da mão forte emaranhada em seu cabelo, prendendo-a. O olhar de Diego passou pelo corpo dela coberto de desejo. Ele cheirava cigarro, álcool e suor. O estômago de Heloísa embrulhou diante da sensação avassaladora de terror. Seria estuprada e morta, certamente. Porque fez isso? Por se entregou? Em nome de Tabata? Mas as duas morreriam! Não suportaria ver uma criança sofrendo — Sabe que sempre imaginei como seria... O Tiago ficou de quatro por você naquela noite... Acho que deve ser ainda melhor do que com a vagabunda da Manuela!

— Para com isso Diego, nos leve de volta, resgate o pingo de dignidade que você tem! — Tentava falar, mas já era tarde. Ele avançou em seu pescoço beijando-a ali com sofreguidão.

Heloísa sentia nojo dele, nojo de si mesma. Não podia imaginar uma situação pior em sua vida, mas a possibilidade de vê-lo batendo em Luiza na sua frente era ainda mais assustadora! Não podia tolerar mais sofrimento para aquela criança que não merecia... Não podia, tão pouco, sofrer daquela maneira.

Pensou em Tiago.

Pensou na dor que seu ato de compaixão causaria nele. A decepção de saber que ela, a mulher que gostava de falar aos quatro ventos que tinha apenas um homem em sua vida, havia sido tocada por Diego, um ser tão asqueroso!

Seu estômago embrulhava enquanto lágrimas deslizavam em sua face e soluços sacudiam seu corpo.

— Vai chorar agora? — Ele a apertou mais forte, puxando seu cabelo enquanto levantava o vestido longo e azul que ela usava para tocá-la. Heloísa gritou — É melhor ficar quietinha e colaborar. Do contrário, quem vai sofrer é a sua querida Luiza! — Heloísa chorava tentando se mover, mas não conseguia.

— Ela é sua filha, seu nojento... — Dizia em meio às lágrimas, recordando-se da vez em que viu Luiza no hospital espancada. Sabia que havia sido ele, não Manuela.

Diego era mais forte, infinitamente mais capaz.

— Vai ser muito divertido ver a cara do Tiago quando souber que eu peguei a mulherzinha preciosa dele — Riu baixinho ao ouvido dela e Heloísa não pôde se controlar. Mordeu a mão dele com força, chutando-o quando sentiu que ele estava vulnerável.

Diego a agarrou novamente e a jogou contra a parede. Heloísa bateu a cabeça fortemente e caiu desnorteada sobre o colchão. O mundo girava ao seu redor enquanto tentava abrir os olhos, mas a dor era gritante.

Seria o fim? Ele teria a matado, realmente?

O ouviu chamando seu nome enquanto avançava sobre ela. Agradeceu, antes de apagar, por isso ter acontecido. Não queria se lembrar de Diego a estuprando, de outro homem além de Tiago a possuindo. Sentia culpa, raiva e ódio de si mesma quando apagou.

Mas a pior sensação delas era o nojo. O desprezo. A dor.

O mundo mergulhou em sombras enquanto ela se desfazia.


O mundo girou ao seu redor quando abriu os olhos. Sentiu náusea, tentou se sentar, mas percebeu que era impedida por alguns fios ligados a seu corpo.

— Senhora Chastel? — Olhou ao lado e viu uma médica devidamente paramentada. Era uma senhora de cabelos brancos e óculos de grau — Pode me ouvir? — Ligou uma lanterna minúscula em frente ao seu rosto e Heloísa apertou os olhos.

— O que aconteceu? — Questionou com a voz tremula, erguendo as mãos, mas notando que sua cabeça doía muito — Minha cabeça...

— Você está em um hospital. Sua irmã Hannah, seu cunhado Rafael e sua mãe Flora estão lá fora — Dizia calmamente enquanto testava os sinais vitais de Heloísa — A garotinha, Luiza, está com os avós paternos. Está bem.

— Graças a Deus — Suspirou — E o meu marido? Onde está o Tiago? — A médica comprimiu os lábios e continuou a examinando — Desde quando estou aqui?

— Faz algumas horas que te trouxeram. Você chegou desacordada com pequenos momentos de consciência — Explicou calmamente, finalmente concluindo que ela estava bem — Sofreu uma concussão na cabeça. Pensamos que teria complicações, mas não. Você teve sorte. Vai continuar doendo, mas em poucos dias passará com os devidos cuidados.

— Aquele cretino... — Sussurrou fechando os olhos e sentindo a cabeça dolorida — Aquele nojento... — Lágrimas brotaram em seus olhos e a médica lhe tocou a mão.

— Sinto muito, senhora Chastel — O tom dela era doce e calmo. Sentou-se na beira da cama de Heloísa — A senhora foi encontrada em uma casa abandona, ao que parece, foi sequestrada pelo irmão do seu marido — Heloísa concordou — Pelo que sei vizinhos ouviram a menininha pedindo socorro após algumas horas e chamaram a policia para checar. A polícia encontrou vocês duas lá dentro. A senhora estava desacordada, com o ferimento na cabeça e... — Parecia nervosa — E com as roupas mal colocadas.

— Ele queria bater nela, mas eu disse para que descontasse sua raiva em mim — A médica tocou a mão de Heloísa quando notou o desespero dela.

— Acalme-se — Pediu com cuidado — Já passou.

— Pelo menos eu não me lembro... — Sorriu sem humor, deixando mais lágrimas rolarem no rosto — Mas sinto nojo, doutora. Um nojo incapaz de ir embora, nem todos os remédios para náusea desse hospital poderiam me tirar a sensação horrível que foi estar perto dele, senti-lo me agarrando...

— O exame deu inconclusivo — A médica adiantou-se a dizer — Não sabemos se você de fato foi violentada, Constância.

— Mas eu sei o que senti... Eu sei. Por favor, não conte isso a ninguém. Por favor — A porta foi aberta e por ela passaram Hannah e Rafael. A médica deu lugar aos dois, que pareciam nervosos — O que aconteceu com o cretino do Diego?

Rafael e Hannah se entreolharam com pesar. Havia tensão no ar, nenhum dos dois sabia o que dizer.

— Constância... — Hannah chorava ao lado da cama de irmã. Rafael tocava seu ombro — Você vai precisar ser forte.

— O que houve Hannah? — Olhava ao redor — Onde está Tiago?

— Se acalme...

— Não me peça para me acalmar! Acabei de ser sequestrada, aquele canalha... — Parou de falar ao lembrar o abuso. Não queria que ninguém soubesse por enquanto — Fala, Hannah!

Hannah não conseguia dizer, por isso Rafael se adiantou quando ela tocou sua mão pedindo ajuda.

— O Diego está morto. Ele e o Tiago se encontraram enquanto ele tentava roubar dinheiro do escritório de Ernesto para fugir e acabaram brigando — O rosto de Constância perdeu a cor enquanto ouvia as palavras do cunhado.

— Tiago o matou? — Rafael negou. Heloísa tinha a sensação de estar imersa em um filme de terror.

— Não. A polícia — Hannah completou — Os funcionários do escritório chamaram a polícia quando ouviram a briga e quando Diego tentou fugir foi abordado, mas resistiu e estava armado. Acabou baleado e morreu na rua mesmo.

— E o Tiago? — Agarrou a mão da irmã, que voltou a chorar.

— Diego o baleou — Sussurrou entre lágrimas — Ele está no hospital, Constância — Heloísa perdeu a cor e sentiu o mundo desabando a seus pés — Não sabemos se ele vai resistir. Sinto muito!

E foi como se a verdadeira morte houvesse chegado para ela.


H eloísa já sabia o resultado do teste de DNA.

A primeira coisa que fez ao conseguir ficar de pé foi pedir que o exame fosse feito em Diego antes do enterro, tendo que explicar a Margot e Ernesto tudo o que sabia. Sentia imensa pena dos sogros, que choravam a morte de um filho e tinham o outro internado em um hospital em estado grave. Jamais imaginaram que Diego era um crápula em pele de cordeiro. Jamais imaginaram que o filho poderia ser capaz de atirar no próprio irmão, muito menos para matá-lo.

Ernesto e Margot se desculparam inúmeras vezes com Heloísa e sua família, mas nada no mundo parecia capaz de tirá-la do foco agora. A única coisa que podia pensar era em Tiago.

Saiu do hospital um dia depois de entrar e foi para casa ficar com Luiza. Não tinha forças para ver Tiago. Não naquele momento. A garotinha esperava por ela em prantos, desolada e preocupada. O pai estava internado, entre a vida e a morte com uma bala cravada nas costas por Diego. A mãe, presa. O outro candidato a pai, morto.

— Ainda está doendo, tia Helô? — Sussurrou enquanto as duas estavam deitadas na cama de Heloísa, já tarde da noite.

— O que?

— Onde o Diego te bateu... Eu ouvi você gritando muito — Heloísa a apertou ainda mais contra o corpo, recordando-se do momento em que Diego ameaçou agredi-la. Seus olhos se encheram de lágrimas.

Não contou a ninguém sobre o estupro... Ou suposto estupro. Talvez nunca soubesse a verdade, de fato. Morreria com a culpa e a dor de ter sido tocada por Diego, mesmo sem lembrar se havia sido real.

— Não, querida... — Mentiu — Já não dói mais. A única coisa que dói é a saudade do seu pai — Lágrimas rolavam em seu rosto e Luiza a encarou de baixo.

— Ele vai voltar... — Sussurrou convicta — Disse que nunca iria me deixar.

Heloísa sorriu apaixonada pela garotinha. Beijou a testa dela carinhosamente.

— E não vai.

— Posso te chamar de mãe, tia Helô? — Pediu carinhosamente — Te amo mais do que amo a Manuela.

— Pois para mim você já é minha filha — Emocionada, Heloísa a abraçou ainda mais forte.

Na manhã seguinte, visitou Tiago na UTI. Ele estava desacordado pela sedação e a bala havia sido removida com sucesso. Diego atirou nele pelas costas, o ato mais covarde cometido por ele, Heloísa estava certa. Não se importava com nada, apenas com a saúde de Tiago. O queria de volta.

Nada doeu mais em sua vida – nem sequer o estupro – do que ver o homem que amava sobre uma cama de hospital com fios ligados ao corpo e máquinas mantendo-o vivo. O frio que sentia pela sensação de abandono a atingiu em cheio, roubando a vida que havia em seu peito quando entrou no quarto de UTI. Tiago estava pálido e adormecido... Foi como levar um soco no rosto bem forte, quebrando seu coração.

— Tiago... — Sentou-se ao lado da cama e tocou o rosto dele carinhosamente — Meu Tiago... — Repetiu apaixonado, chorando e emocionada — Meu amor — As palavras engasgavam em sua garganta — Você fez isso por mim, não fez? — As lágrimas saltavam em seu rosto corado — Ele deve ter te dito... Por isso você ficou tão nervoso! Por isso brigaram! Foi minha culpa, não foi? — Seguia acariciando o rosto dele. Abaixou-se perto da mão dele e deitou a face ali — Me perdoe. Perdoe-me por deixa-lo me tocar, mas foi por Luiza... Perdoe-me! Volte para mim, meu amor. Volte! — O ritmo cardíaco de Tiago se elevava, mas não havia reação — Você vai ficar bem, não vai? Você disse que preferia morrer a me magoar, então fique vivo! Por favor... — Suspirou e limpou o rosto — Luiza não é sua filha. Ela é filha dele — Revelou timidamente, os olhos baixos em suas mãos unidas — Mas ela ficará comigo. Conosco. Seus pais concordaram! Nada vai mudar... Você só precisa voltar, Tiago... Eu... Eu te amo.

Heloísa deitou-se contra o peito dele e chorou por alguns minutos ininterruptos. Sentia como se parte dela estivesse morrendo também naquela cama.

Cantarolou baixinho no ouvido de Tiago a música que ele havia cantado para ela uma noite dessas em que ambos perdiam o sagrado tempo que tinham juntos brigando.


Conheci o amor só de te olhar

Estava quase congelando e você veio para esquentar

Conheci o amor e ele me fez ver

Que eu voei tempo demais

Deixa eu pousar em você

 


O império Chastel seguia em plena expansão, Heloísa sequer sabia que havia para onde crescer mais. Os negócios dos Guimarães Sampaio deslancharam após a morte de Diego, que sabotava demais a própria família.

Ernesto e Margot tentavam se recuperar do baque e a neta – que agora sabiam ser filha de Diego, comprovado pelo DNA – era uma grande válvula de escape para que isso acontecesse. Heloísa deixou que Luiza passasse alguns dias com os avós por esse motivo e por ficar sempre no hospital ao lado de Tiago. Imersa em tantos desafios, sequer se lembrava de tudo que havia acontecido naquele sequestro, naquela fatídica tarde. Diego havia levado para o túmulo com ele se havia a estuprado ou não.

— Sou Constância Chastel — Olhou-se no espelho de seu quarto em dada noite, admirando seu semblante forte e orgulhoso. Os cabelos escuros caindo ao lado do rosto, as curvas leves e a expressão angelical — Nada vai me fazer parar.

Repetiu para si mesma sentindo as lágrimas queimando. Não iria entregar sua vida de bandeja a Diego, que mesmo após a morte a atormentava.

— Senhora Sampaio... — A enfermeira a abordou no corredor assim que chegou naquela tarde ao hospital, surpreendendo-a. Sentiu o corpo todo gelando com medo de uma noticia terrível — A sedação foi retirada. O senhor Sampaio acordou — Heloísa estremeceu e olhou em direção a porta, apertando ainda mais a bolsinha contra seu peito. Mediu-se dos pés a cabeça e viu que estava bonita usando um vestido branco rendado e sapatilhas — Ele está chamando por você.

Abriu a porta do quarto com cautela e o viu acordado pela primeira vez em dias.

— Tiago... — Fechou a porta atrás de si, parando em frente à cama com o olhar desacreditado. Cobriu os lábios com as mãos e sorriu ternamente.

— Constância — A voz dele era um sussurro. Usava a camisola do hospital branca, tinha uma sonda no nariz e o cabelo bagunçado — Meu amor — Sorriu ao vê-la, esticando a mão — Linda como na primeira vez que a vi.

Heloísa caminhou até a cama e o encarou de perto, sentindo o coração transbordando pela felicidade de vê-lo. O tiro acertou o pulmão e foi muito grave. Era um milagre tê-lo bem e ao seu lado. Abraçou-o como pôde, chorando contra o ombro forte e aspirando o cheiro dele novamente.

— Você não deveria ter feito aquilo — Repreendeu-o enquanto se abraçavam — Não devia ter brigado com Diego, não deveria ter se arriscado!

— Eu mal acordei e você já está brigando comigo, esposa? — Tiago disse ao ouvido dela em tom engraçado — Pelo visto nada mudou...

— Sim, Tiago — Afastou-se e encarou-o com um sorriso bobo nos lábios e o rosto marcado por lágrimas. Tiago tocou o rosto dela com carinho, secando as lágrimas com os polegares, admirando o lindo semblante apaixonado de sua esposa — Nada mudou. Continuo te amando do mesmo jeito que te amei na boate, na primeira vez que nos vimos...

— Você o quê? — Ele sorria incontrolavelmente — Espera... — Adotou um tom desacreditado — Precisei levar um tiro para que a grande e poderosa Constância Chastel dissesse que me ama, é isso?

— Bobo... — Ela deu um tapinha na mão dele, que a abraçou — Pensei que ia morrer ao te ver aqui... Pensei que nada teria mais sentido, nada valeria a pena! Meu maior medo era que você morresse sem saber o quanto eu te amo, o quanto você é importante para mim, meu amor.

Tiago sorriu emocionado pelas palavras. Afastou o cabelo dela do rosto com carinho, beijando-a nos lábios com cuidado.

— Mais importante que a fortuna Chastel? — Heloísa sorriu timidamente.

— Mais importante do que tudo — Enfatizou — Você é tudo que eu sempre quis... Meu número setenta e dois.

Tiago não pôde evitar gargalhar pela menção do número do sorteio da boate.

— Minha garota número quarenta e oito — Adotou um tom sincero e tocou o queixo dela — Prometi ao seu pai que cuidaria de você com minha própria vida. Levaria todos os tiros do mundo, se fosse necessário, em seu nome — Sussurrou também, beijando-a novamente — Vai... Fala de novo que você me ama, fala para sempre...

Heloísa se divertia nos braços de seu marido, mas os próximos momentos foram de tensão. Contou a ele todos os detalhes, inclusive da morte de Diego. Tiago ficou arrasado, era como ter voltado à sedação. Chorou bastante nos braços dela, lamentou-se por tanto sofrimento, mas agradeceu por finalmente estarem juntos e em paz.

Tiago também contou sobre a briga que teve com o irmão, sobre o fato de ter rastreado o celular dele para encontra-lo e acha-lo justamente no escritório de Ernesto. Contou sobre as confissões de Diego e sobre o tiro que quase o matou. Naquele momento o irmão havia morrido para ele.

Heloísa, no entanto, não contou sobre o estupro... Ou tentativa dele.

Não queria ver Tiago ainda mais arrasado por algo que julgava ser culpa dele. Não queria correr o risco, também, de machucar seu próprio coração.

Nada abalou mais Tiago do que não ser o verdadeiro pai de Luiza. Era terrível para ele ver tudo o que planejou para a garotinha ruindo, mas Heloísa o deixou mais animado quando concordou em ficar com a guarda da menina para sempre. Se dependesse de Tiago, Luiza jamais saberia de nada e cresceria sendo filha dele e de Heloísa.

— A Hannah e o Rafael estão namorando, então? — Tiago questionou enquanto passeavam pelo jardim da casa deles de braços dados.

— Namorando, não. Estão noivos! — Tiago a encarou surpreso — Ele fez o pedido a minha mãe. Estava esperando você acordar para conversarem.

— Que alegria... Pelo menos prestei para uma coisa na vida, juntei um belo casal — Heloísa apertou o braço no dele carinhosamente.

— Você presta para muitas coisas, Tiago — Ele a encarou de cima com orgulho — É um grande homem.

— Você, falando isso de mim? — Heloísa sorriu e ambos pararam perto da piscina.

— Sempre achei isso, bem lá no fundo — Confessou um pouco tímida — Apesar de tudo que aconteceu, sempre vi em você um homem de caráter, honesto, respeitoso... Você nunca me faltou com respeito, nem mesmo quando nos conhecemos na boate. Sempre teve um bom coração.

— Não fui bom o suficiente para você, meu amor — Tiago parecia ressentido — A vida toda vai ser pouco para te recompensar.

— Ninguém é perfeito, Tiago. Ninguém é — Relembrou tocando o rosto dele — Todos cometem erros. Somos de carne e sangue, jamais espere a perfeição de alguém. O que importa são suas qualidades e seu arrependimento, principalmente. Eu sempre soube que você me amava de verdade e estava arrependido sinceramente, por isso te perdoei. Por isso resolvi enxergar o seu melhor lado todos os dias de nossa vida.

— Você tem razão. Obrigado por isso.

— Obrigado você também, por fazer acontecer.

O beijo carinhoso que trocaram foi o inicio de uma noite longe de amor, uma noite no quarto que agora dividiam. Heloísa não sabia passar mais nenhum segundo longe do marido, dizendo a ele todas as manhãs o quanto o amava. Aprendeu a lição... Sabia que era preciso dizer. Cada dia pode ser o último. Cada momento é único. Especial. Inesquecível.


T udo estava em perfeito estado e Heloísa tentava se manter sã fazendo terapia para esquecer o episódio com Diego, mas uma notícia inesperada atrapalhou os planos da moça.

— Parabéns senhora Sampaio — A médica disse a Heloísa enquanto passava um aparelho de ultrassom sobre seu baixo ventre — Você está grávida de onze semanas e dois dias.

— Grávida? — Sussurrou olhando a tela do aparelho totalmente descrente — Mas eu não posso engravidar, eu... Tenho um problema de fertilidade.

— Escute o coração do seu bebê — O barulho forte e vigoroso ecoou pela sala gélida em alto e bom som. O coração da própria Heloísa disparou no peito de maneira descontrolada — Está vendo?

— Não é possível — Repetiu mais para si mesma do que para a médica da emergência.

Sentiu-se péssima no escritório e foi levada ao pronto socorro por Rafael, o único da família que estava por perto na hora. Chegou praticamente desmaiada, a pressão baixa e vomitando. Acreditou ser uma virose, mas na verdade, foi surpreendida pelo destino. A médica apertou seu abdômen e constatou algo errado, sugeriu um ultrassom e a gravidez foi constatada.

— Meus parabéns — A médica voltou a repetir — Você não apresentou atraso menstrual? É uma gravidez avançada, quase no final do primeiro trimestre.

Heloísa se sentou e ajeitou a blusinha azul que usava, escondendo a barriga ainda inexistente, apenas um pouco inchada. Não conseguia parar de olhar para o próprio ventre.

— Como eu disse, estou muito surpresa. Fiz tratamento para engravidar buscando reverter um quadro de infertilidade, mas abandonei o mesmo por motivos pessoais. Minha vida estava bagunçada, meu marido internado... Por isso meu ciclo ficou confuso, sequer notei a ausência, na verdade, estava acostumada a ficar meses sem menstruar — Confessou mais para si do que para a médica — Estou chocada.

— Entendo. Isso acontece com frequência, à ciência não explicar tudo, senhora Sampaio — Sorriu cordialmente para ela enquanto preparava as receitas — Estou receitando acido fólico e ferro para ajudar no desenvolvimento do bebê e exames pré-natais. Procure um ginecologista obstetra da sua preferência o quanto antes.

— Obrigado e... — Olhou para a receita em sua mão e o exame com uma fotinho do bebê — Quanto é onze semanas e dois dias, exatamente?

A pergunta entalada em sua garganta foi, finalmente, lançada ao ar. Tremia toda ao questionar.

— Faltam cinco dias para completar três meses de gestação — Respondeu segura.

— Dá para saber quando o bebê foi feito, o dia exato? — A médica considerou, pensando por um minuto.

— Exatamente não, mas dá para ter uma data aproximada, vamos ver...

Heloísa acompanhou o a doutora fazer os cálculos com olhos atentos, o coração em chamas e o suor brotando na testa. De repente via-se grávida, seu maior sonho em vida, e não sabia dizer se o bebê era mesmo filho de Tiago... Ou de Diego!

Sequer podia pensar em tamanho pesadelo, mas a ideia não podia ser ignorada. Podia ser, não podia?

O mundo desabou a seus olhos quando se deu conta de que o bebê em seu ventre havia sido gerado justo na semana do sequestro. Fez todo o tipo de perguntas à médica da emergência, inclusive contou a ela sua desconfiança, tornando-a sua médica do pré-natal e confidente.

— Existe apenas um jeito de saber a paternidade do seu bebê, Constância — Concluiu — Fazendo um exame de DNA no feto, mas é arriscado. O mais seguro é esperar nascer.

Quarenta semanas. Teria de esperar, no mínimo, trinta, para que o bebê nascesse.

Saiu do consultório arrasada, ouvindo a tempestade cair sobre a cidade e mergulhando nela com o exame na mão. A fotinho de seu bebê se molhava enquanto Heloísa a encara sob a chuva, os cabelos escuros colados ao rosto.

— Verdadeiramente mereço isso, meu Deus? — Sussurrou entre lágrimas, parada sob a chuva forte — Tudo que eu mais queria era um filho e agora não sei se ele veio do homem que amo ou do que mais odiei em toda a vida!

Não sabia dizer quanto tempo passou ali, chorando e sussurrando palavras ao vento, mas entrou no carro com a alma aos pedaços. Como contar isso a Tiago logo agora, que as coisas entre eles estavam tão boas?

Já começava a esquecer do ocorrido com Diego, Tiago se mostrava um marido carinhoso e amoroso... Seu casamento era um paraíso de verdade! Não conseguia pensar na ideia, mas também não poderia esconder para sempre. Já estava de três meses, em breve a barriga começar a despontar de vez! Tiago perceberia... Obviamente notaria!

Não voltou para o grupo Chastel naquela tarde. Em casa, refugiou-se nas cobertas até Tiago chegar ao descobrir que ela havia ido ao hospital.

— Está tudo bem mesmo, meu amor? — Tiago segurava a mão dela com carinho — Tem certeza? Você parece abatida.

— Não é nada, Tiago — O afastou com cuidado — Preciso apenas descansar, somente isso.

Tiago a respeitou, mas sentia que havia algo diferente em Constância. A sempre alegre herdeira dos Chastel parecia outra depois da tarde onde foi ao hospital e Tiago temeu que estivesse escondendo alguma coisa séria.

Heloísa andava impaciente, nervosa e quase nunca ia ao escritório. Tudo pirou quando Hannah, um mês após se casar, deu a noticia que estava grávida. Heloísa jamais chorou tanto como naquela noite. Tiago estranhou ainda mais quando em uma noite a procurou para fazerem amor e Heloísa negou com certo medo, afastando-se dele com olhos desesperados.

— Espera — A segurou pelo braço com cuidado, mas vigorosamente — Você não vai sair daqui sem me contar o que está acontecendo — Heloísa tinha lágrimas marcadas no rosto. O semblante aterrorizado. Parecia sofrer muito e Tiago se retorcia por dentro — Não me ama mais, é isso? Enganou-se em relação aos seus sentimentos e não sabe como dizer?

— Não... — Sussurrou o encarando.

— Seja o que for eu vou compreender, Constância — Segurou a mão dela, mas Heloísa puxou com cuidado — Você não me deixa te tocar... Não me deixa se aproximar tem dias! O que eu fiz? O que aconteceu?

Heloísa apertou os olhos diante dele e pensou no inferno que vivia nos últimos dias, escondendo do mundo o segredo de sua gravidez. No inicio, logo quando soube, pôde continuar fazendo amor com Tiago e seguiu normalmente com a vida, evitando pensando na criança.

Tudo mudou um mês depois, quando a barriga começou a despontar e Hannah anunciou a gravidez.

Sentiu raiva e ciúme ao ver a irmã contente ao lado do marido, ambos soltando fogos e comemorando animadamente a noticia sagrada para a família Chastel. Tiago não escondeu o orgulho dos cunhados, mas também uma pontada de ciúmes.

“Logo vai chegar a nossa vez”.

Disse a ela após o jantar de anuncia da chegada do sobrinho.

Heloísa estremeceu com as palavras. Ele sequer imaginava que a esposa estava grávida há dezesseis semanas, escondendo dele há algum tempo. Sequer imaginava que o filho podia não ser dele.

Luiza morava com eles e ficava aos finais de semana com Ernesto e Margot. Aquele era um dos finais de semana em que a menina não estava por ali, por isso parecia o momento certo. Heloísa não aguentava mais guardar tudo para si, precisava extravasar de uma vez.

Pegou uma das mãos de Tiago nas suas.

— Heloísa... — Ela lhe direcionou um olhar cauteloso antes de pousar a mão grande sobre seu ventre saltado, oculto pela camisola branca que ia até o meio de suas coxas — O que...

— Estou grávida, Tiago — Lágrimas se formavam nos olhos dela, mas o tom de sua voz era firme — Já faz quatro meses.

Tiago paralisou ao sentir o ventre saltado contra seus dedos. Como não notou antes? A barriga dela parecia muito maior que o normal. Ergueu a camisola de Heloísa em um reflexo, vendo com os próprios olhos o tamanho de seu ventre. Era verdade. Estava grávida.

— Meu amor... — Heloísa apertou os olhos e tirou a mão dele de sua barriga quando sentiu o bebê se mover. Já sentia fazia alguns dias, mas não tão intensamente — Meu Deus!

— Era por isso que eu não queria que você me tocasse — Sussurrou quase sem voz, encarando-o de baixo. Descalça era muito menor do que ele — Não queria que você soubesse.

— Mas porque não? — Tiago tinha lágrimas nos olhos. Parecia ser o homem mais feliz do mundo diante dela. Caiu de joelhos, dada à emoção, e abraçou-a pelo quadril. Heloísa fechou os olhos e afundou os dedos no cabelo dele — O meu maior sonho era te ouvir me dizendo isso... Saber que parte de mim está dentro de você... Heloísa... — Olhou-a de baixo e deixou lágrimas rolarem no rosto — Sou o homem mais feliz do mundo, meu amor!

— Tiago — Ele a encarou, dado o tom de voz firme e seco — Eu não sei se esse filho é seu.

Tiago a soltou e sentiu como se houvesse levado um soco no rosto, um soco mais forte que o tiro dado por Diego. Havia algo errado ali. Colocou-se de pé e a encarou confuso.

— Como é que é, Heloísa? — Ela mordeu os lábios e suspirou, fechando os olhos — Não sabe se o filho é meu?

Tiago parecia transtornado. Ela ergueu as mãos lhe pedindo calma.

— Calma, Tiago... Eu...

— Calma? — Tiago disse alto, caminhando para longe dela e temendo suas reações — Como calma? Como assim? Que isso, Constância? Você me disse que fui o único homem da sua vida, o que está acontecendo? Você me traiu, é isso? Por isso escondeu a gravidez?

— Para de pressupor coisas. Calma! — Heloísa não conseguia chorar. Sentia-se encurralada, envergonhada... Suja — Me escuta...

— Te escutar? — Tentava se manter longe dela para não se exaltar demais. Jamais a viu tão transtornada — Você me escondeu uma gravidez por quatro meses e me diz que o filho não é meu e me pede calma?

Gritou. Heloísa teve a sensação de que todas as paredes do quarto ruíam ao seu redor.

— Não tenho certeza se é ou não...

— Como? — Tiago se aproximou a ponto de quase colar o rosto no dela, segurando-a pelos braços — Só me diz como... Por que... Quem?

— Fui estuprada, Tiago — Confessou com lágrimas rolando no rosto. A expressão dele se converteu em terror, beirando a insanidade — Não te contei por que... Porque não queria que você soubesse disso. Não queria que ninguém soubesse! Estou me sentindo imunda...

Um silêncio perturbador se instalou entre eles. Tiago a soltou calmamente, quase paralisado pelo horror em seu olhar.

— Quem fez isso com você? — Seu tom era gélido — Me fala que eu mato, Heloísa. Me fala!

— Não precisa... Ele já morreu — Tiago a encarou com ainda mais surpresa — Naquela tarde, quando me sequestrou... Diego ameaçou bater em Luiza, mas eu me ofereci para apanhar no lugar dela. Ele entendeu como queria e... Começou a me beijar, me acariciar... — Dizia com enjoo — Me jogou contra a parede após eu mordê-lo e eu apaguei. Acordei no hospital com a médica me falando que eu podia ter sido vitima de estupro, dadas as minhas roupas, mas o exame deu inconclusivo.

— Heloísa...

— Chega, Tiago! — Tapou o ouvido com as mãos e sentou-se na beira da cama — Por favor, não quero mais falar sobre isso! Não quero! Você não sabe como foi difícil te dizer isso agora, como foi difícil guardar tudo sozinha durante esse tempo todo... Como foi horrível descobrir essa gravidez e perceber que esse bebê foi gerado justo na semana do sequestro! — Tiago se abaixou frente a ela, tocando as pernas tremulas com carinho — Aquele nojento... Ele... Ai Tiago!

Tiago a abraçou com força, sem deixa-la terminar. Embriagou-se com seu perfume doce, acariciando os cabelos escuros em suas mãos carinhosas. Ela deitou em seu ombro aos soluços, sacudida e abalada.

— Heloísa...

— Me perdoe — Disse segurando o rosto dele — Eu não queria... Juro que não! Não queria que nenhum outro homem tivesse colocado as mãos em mim além de você!

— Mesmo se isso fosse verdade, nada mudaria o que existe entre nós — Tiago garantiu a ela com um sorriso — Nada te faria menos mulher para mim, Heloísa, nada! Muito menos uma coisa terrível e cruel como um estupro.

— Tiago...

— O Diego não te estuprou — As palavras dele foram como uma bomba para ela.

— Como sabe disso?

— Eu não falei nada porque pensei que você sequer considerasse essa hipótese, não sabia que havia desmaiado no sequestro, eu estava desacordado quando tudo aconteceu — Explicava calmamente — Ele atirou em mim porque me contou que te agarrou a força, tocou em você, mas você desmaiou e ele não conseguiu terminar. Pensou que você estava morta quando bateu a cabeça. Disse-me convicto que você estava morta — Heloísa ouvia tudo tomada pela surpresa — Parti para cima dele, nos socamos... Quando estava prestes a sair da sala totalmente desesperado para te achar, ele sacou a arma e atirou.

— Meu Deus...

— Ele não te estuprou. Quero dizer... Pode ter te tocado, mas não existiu um ato sexual entre vocês. Isso ele me garantiu — A sensação dela era de ter tirado muito peso das próprias costas. Deitou-se contra o ombro forte de Tiago e chorou de alivio, tomada pela sensação de paz — Está tudo bem, meu amor.

— Tiago... — Ergueu o olhar para ele, desta vez, cheia de esperança — Isso quer dizer que... — Tocou a barriga carinhosamente, sentindo o pulsar da criança em seu ventre — Que estou grávida de um filho seu!

— Um filho nosso — Completou orgulhoso — Um herdeiro dos Chastel. Um herdeiro dos Sampaio — Tiago sorria com o olhar, tocando a mão dela sobre a barriga saltada.

— Ai... Meu Deus... — Suspirando, permitiu-se chorar de emoção e alegria.

— Mas quer dizer também que você deveria ter me contado, não podia me omitir uma coisa assim, tão importante.

— Tive medo de você me deixar. De acabar com tudo.

Tiago tocou o rosto dela e direcionou para ele.

— Mesmo se esse filho não fosse meu e essa história fosse real, certamente nada me afastaria de você, Constância. Nada! Jamais iria te deixar por isso — A convicção dele a fez se sentir tola por ter escondido tudo — Prometa que nunca mais vai fazer isso. Prometa que vai ser sincera em tudo, mesmo que doa!

— Prometo, Tiago — Assentiu positivamente — Me desculpe.

Tiago a abraçou e deixou que ela chorasse de alivio contra seu peito forte. Acariciou os cabelos escuros e sorriu para o nada, contente pela descoberta. Tocou o ventre de Heloísa e agradeceu, mais uma vez, pelo sonho realizado.

Um milagre em suas vidas.

Um presente do destino para dois estranhos marcados pelo casamento.


T homas Heitor chegou ao mundo no verão daquele mesmo ano.

Tiago foi o primeiro a vê-lo após o parto, segurando o bebê nos braços com a maior emoção do mundo lhe preenchendo o peito. Jamais pensou que pudesse ser tão feliz.

O garotinho era um belo bebê rechonchudo, de olhos escuros e cabelos negros, a pele clara e com sardas nas bochechas. Muito parecido com Constância. Era chamado de Tom por todos, mas Heloísa o chamava de Heitor, como o pai dela.

O milagre de suas vidas era exibido por Constância e Tiago como o maior troféu que poderiam receber. Segundo os médicos, a existência do bebê era um grande milagre, dada a infertilidade de Heloísa. Um milagre que se repetiu.

Hannah deu a luz uma linda menina de cabelos ruivos e olhos azuis, Stela, e foi morar na Espanha com Rafael assim que a bebê começou a andar. Naquele mesmo ano, após Tom fazer o primeiro aniversário, Constância descobriu a segunda gravidez e deu a luz as gêmeas Marina e Marcela, as princesas de Tiago.

Luiza, no entanto, já era uma mocinha de sete anos naquela altura e não tinha um tratamento diferente dos irmãozinhos. A garotinha chamava Tiago de pai e Heloísa de mãe e certamente era o principal motivo de ambos terem permanecido juntos após tantas desavenças.

“Preciosa”.

Era assim que eles a chamavam sempre.

Sabiam que um dia seria doloroso para ela descobrir a verdade sobre sua origem, principalmente quando Manuela conseguiu sair da cadeia e resolveu procurá-la. Foi um momento complicado em que Manuela tentou convencê-la a ir embora com ela, mas Luiza não concordou. Seu lugar era ali, ao lado de Constância, Tiago, seus irmãos e avós. Manuela pediu perdão a Tiago e Heloísa. Desculpou-se com a filha, também. Depois disso desapareceu. Hora ou outra escrevia uma carta para a menina, mas não passavam de palavras. Luiza não era muito amistosa com ela.

Heloísa encarava a vista de sua sala, parada atrás da parede de vidro. Segurava um café em mãos e olhava de hora em hora no relógio para ver se já havia chegado o momento de buscar as crianças no colégio.

Tiago mandou uma mensagem para ela falando sobre uma entrevista que daria a um programa de empreendedorismo em rede nacional. Sorriu diante do celular e ligou a televisão em sua sala, sentando-se na grande cadeira da presidência para assisti-lo.

Ele estava lindo como sempre, usando uma camisa social azul clara, gravata azul escura e o cabelo – milagrosamente – devidamente penteado. A aliança de casamento grossa reluzia em seu dedo anelar da mão esquerda cada vez que Tiago respondia alguma pergunta, gesticulando como lhe era característico. Inteligente, transcorria sobre os assuntos com facilidade, respondendo sobre o sucesso do grupo Chastel e a recuperação incrível da construtora Guimarães Sampaio.

— Para finalizar, senhor Sampaio — A entrevistadora dizia com elegância, segurando a prancheta de perguntas vermelha em frente ao rosto — Todos mandaram perguntas sobre sua esposa. Ela é muito visionária, uma mulher admirável...

— Sim, ela é — Tiago sorriu orgulhoso — Já estou acostumado a responder muito sobre ela. Heloísa não gosta muito de holofotes, ela é mais voltada para o trabalho.

— Heloísa? — A moça questionou um pouco confusa.

— Constância é um nome do meio — Relembrou com um sorriso pequeno e a moça corou.

— Ah, claro... Você nunca se confunde?

— Isso é algo que jamais irei esquecer — Heloísa gargalhou sozinha por se lembrar de como conheceu Tiago naquela boate, da confusão que os nomes causaram para eles.

— Como é ser marido de uma mulher como Constância Chastel, uma gigante do empreendedorismo? Hoje podemos dizer que ela ultrapassou os feitos de Heitor Chastel frente ao grupo?

Heloísa se calou e esperou ansiosa pela resposta do marido. Tiago pensou por um minuto.

— Heloísa é grande em tudo que faz e não se contenta com pouco em todos os sentidos de sua vida, seja na empresa ou com as nossas crianças — As palavras eram orgulhosas e cautelosas — Alguns dizem que me sinto rebaixado por viver as sombras dela frente aos negócios, mas digo com toda tranquilidade do mundo que o meu maior prazer em vida é ser casado com uma mulher tão inteligente e capaz. Ela é infinitamente melhor do que jamais serei algum dia e me ensinou tudo que sei. Tudo o que sou devo a ela e posso garantir que seus feitos são minimamente planejados. E quanto ao Heitor... — Parou por alguns segundos — Ele a criou exatamente para isso. Para ser uma mulher forte, para ultrapassá-lo. É assim que todos os pais devem criar suas meninas, como mulheres fortes e capazes. É assim que eu e Constância criamos Luiza, Marina e Marcela. Para que um dia sejam melhores e mais capazes do que nós. Se você estiver assistindo, Constância, meu amor... Você é grande, como diria seu pai — Heloísa sorriu para a televisão sentindo lágrimas nos olhos — Te amo, minha garota número setenta e dois.

A entrevista acabou e ela permaneceu em frente à televisão desligada, olhando o céu pela vista da sala.

Tiago Guimarães Sampaio.

Dirigiu o olhar para a grande foto deles ao lado dos filhos pendurada sobre a parede da sala. Sorriu com o coração transbordando emoções.

Recordou-se do momento em que o conheceu naquela boate... Do momento em que foram sorteados pelo destino, da noite que tiveram. Se fechasse os olhos ainda podia vê-lo sorrindo para ela, ainda podia sentir a emoção de reencontrá-lo na festa de noivado.

Imersa em pensamentos, buscou as crianças na escola e foi com todos para casa. Os quatro cantarolavam no carro musiquinhas diversas durante o caminho de volta e ela cumpriu a rotina da noite com todos eles.

Tiago chegou sorrindo, abraçando-a com carinho e a ajudou a colocar as crianças na cama.

— Agora é o nosso momento — Sussurrou ao ouvido dela quando ficaram sozinhos, a gravata azul sendo retirada do pescoço.

— Do que está falando, Tiago? — O segurou pelo rosto após um beijo.

— Não me diga que esqueceu? — Tiago a conduziu pela mão até a área da piscina.

— Do que? — Olhou ao redor e viu-se parada perto da piscina com ele.

— Hoje faz sete anos que nos casamos — Heloísa sentiu o corpo todo gelando pela lembrança e cobriu os lábios com as mãos — Não me diga que esqueceu?

— Você sabe que sou péssima com datas, eu... — Suspirou diante do olhar de reprovação dele — Me desculpe, eu...

— Shhh... — Cobriu os lábios dela com os dedos, sorrindo carinhosamente — Pensei em tudo. Pensei no começo.

— Como assim? — Sorriu animada, feliz por ele ter se lembrado. Tiago retirou um anel de ouro rosado do bolso e estendeu a ela. Heloísa pegou com mãos tremulas e o olhar brilhante — Nossa, é lindo...

— Leia a frase escrita dentro dele — Sussurrou próximo, abraçando-a.

— Há oito anos marcados pelo casamento — Constância leu em voz alta, deslizando o anel no dedo anelar junto da aliança de casamento — Marcados pelo casamento — Repetiu gostando das palavras.

— Essa é a nossa verdade — Tiago afirmou de maneira convicta, mostrando seu anel de ouro com a mesma frase para ela — Se não fosse aquele casamento não teríamos encontrado o amor.

— Se não fossem os negócios, você quer dizer... — Ela completou.

— Você se casou comigo por negócios? — Constância considerou.

— Não. Me apaixonei por você naquela noite.

— Me apaixonei por Heloísa — Tocou o peito dela carinhosamente — E eu iria atrás dela até no inferno se fosse preciso. Graças a Deus a vida foi boa comigo e ela apareceu bem na minha frente, como minha noiva. Aquele foi um dos dias mais felizes de toda minha vida.

— E mais loucos da minha... — Constância riu e ele a acompanhou. Tocou o rosto dele com carinho, beijando-o nos lábios delicadamente — Eu te escolheria mil vezes, Tiago. Escolheria você mil vezes como te escolhi naquela boate. O amor pode não ser perfeito como um conto de fadas, mas existe e com você quero tentar e tentar todos os dias.

— Te agradeço imensamente por isso — Sincero, respondeu.

— Aceita dar um mergulho comigo... Como nos velhos tempos?

Tiago sorriu abertamente enquanto ela começava a tirar a roupa de escritório, ficando apenas de lingerie preta. A acompanhou sorridente, retirando a roupa e pulando atrás dela na piscina da casa. Ambos se abraçaram em meio à água, Heloísa com os braços envoltos no pescoço dele e alguns centímetros mais alta. Beijou-o várias vezes, olhando profundamente em seus olhos.

— Te amo, Tiago — Sussurrou apaixonada — Nós dois, para sempre... Marcados pelo casamento.

Pode ter demorado, mas Tiago sabia que seu maior feito em vida era ter conquistado uma mulher incrível e valorosa como Constância Chastel.

Sua eterna e doce Heloísa.

 

 

                                                                  Izabella Mancini

 

 

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