Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
MARIDO POR ENCOMENDA
Proprietária de rancho precisa imediata e desesperadamente de um homem! Os interessados deverão:
Ter entre 25-45 anos, ser gentil, educado e querer um relacionamento sério.
Ter grande experiência na área agropecuária, que saiba montar a cavalo, cuidar de rebanhos e lidar com empregados.
Ter sólida experiência anterior, principalmente habilidade para lidar com um banqueiro teimoso.
Tenho vinte e seis anos e posso oferecer uma casa confortável, três refeições completas e uma das mais belas vistas do Texas Hill Country. (Coloco-me à disposição para discutir mais detalhes de caráter pessoal). Os interessados deverão enviar cartas com currículo e referências para "Srta. Bluebonnet", Box 42, Crossroads, Texas.
Hunter Pryde pegou o jornal e releu o anúncio. Seus lábios se curvaram num sorriso frio e cruel.
— Então, Leah precisa desesperadamente de um marido — murmurou. — Interessante. Muito, muito interessante.
Leah foi interrompida bruscamente pelo candidato
— Será um casamento de verdade? Não posso assumir um compromisso sem saber as condições do casamento.
Erguendo os olhos do currículo de Titus T. Culpepper, Leah perguntou:
Por acaso refere-se aos seus direitos conjugais, sr. Culpepper?
Se isto significa saber se dormiremos juntos, então, respondo que estou me referindo aos meus direitos conjugais, sim.
— Resmungando, empurrou a preciosa cadeira Chippendale, que pertencera à mãe de Leah. — Você é uma mulher bonita, srta. Hampton. Sempre tive um fraco por louras de olhos azuis.
Leah esforçou-se para não demonstrar a contrariedade.
Estou... lisonjeada, mas...
Tudo bem. Já entendi — ele a interrompeu novamente.— Desde que eu consiga o que quero, não me importo. Acho, também, que não precisaremos nos embaraçar pelo fato de não dormirmos na mesma cama.
Creio que ainda seja cedo demais para discutirmos a respeito de direitos conjugais ou qualquer outro assunto desse tipo — Leah esclareceu num tom desencorajador. Pretendia encontrar um marido simpático, dócil, disposto a manter um relacionamento platónico. Um rápido e ardente romance na juventude, já fora suficiente. — Quanto ao seu currículo, sr. Culpepper...
Titus T.
Desculpe. Não entendi.
As pessoas me tratam por Titus T. Se vamos mesmo nos casar, pode começar a chamar-me pelo meu nome.
Claro. — Leah relanceou os olhos pelos papéis à sua frente. A entrevista não transcorrera como esperava. Sentia-se decepcionada. Infelizmente, já eliminara todos os candidatos anteriores a Titus T. Ainda faltava entrevistar o último candidato do dia. Um certo H.P. Smith. — Pelo currículo, vejo que tem muita experiência com ranchos.
— Na verdade, dirigi uma fazenda. Mas, rancho... fazenda...— Ergueu os ombros. — Tudo a mesma coisa. Desde que eu saiba onde colocar o balde para ordenhar uma vaca, não importa se foi fazenda ou rancho, não é mesmo?
Ela o encarou, perplexa.
Importa, sim. E muito.
Não, no meu modo de pensar. — Titus T. olhou-a com curiosidade. — O anúncio dizia que você também precisa de um homem de negócios. Para quê?
Ele tocara no ponto crucial do anúncio. Leah precisava de um marido experiente na área financeira, para cuidar de seus interesses. Só assim, poderia dedicar-se ao rancho. Hesitou, relutando em comentar a respeito da precariedade de sua situação monetária. Porém, não tinha outra saída, exceto contar a verdade.
— O rancho está enfrentando graves dificuldades financeiras. Com toda honestidade, iremos à falência se eu não conseguir um empréstimo. O gerente do banco explicou que, se eu tivesse um marido que, além de rancheiro, fosse um administrador experiente, não nos negariam o empréstimo. Por isso, publiquei o anúncio.
Titus T. concordou com um movimento de cabeça.
— Desagrada-me saber que um docinho como você tenha problemas com cálculos. Ficarei muito feliz em poder cuidar do seu dinheiro. — Titus T. abriu-se num sorriso expansivo.
— Por uma questão de segurança, acho uma boa ideia colocar tudo em meu nome. Depois, convencerei o gerente a nos conceder um empréstimo generoso. Nunca mais precisará se preocupar com esses assuntos.
Leah esforçou-se para não demonstrar a repulsa que aquele homem lhe causava. Não havia motivos para continuar com a entrevista. Desde o primeiro momento, percebera que Titus T. era um aventureiro. Não deveria sequer tê-lo recebido. Entretanto, estava tão desesperada que não podia se dar ao luxo de dispensar os candidatos. Inclinando a cabeça, tentou demonstrar que considerara as palavras dele.
— Claro. Não vejo qualquer problema com relação a isso — mentiu sem o menor escrúpulo. Ergueu-se, jogando a longa trança para as costas. — Desculpe, mas nosso tempo se esgotou. Tenho outra entrevista marcada. — Esperava que o candidato seguinte fosse mais agradável. Até aquele momento, as alternativas estavam praticamente descartadas.
Agora, srta. Hampton...
Agradeço por ter vindo — interrompeu-o, com a esperança que ele entendesse que a conversa estava encerrada. Sem esconder o aborrecimento, apoiou as mãos na escrivaninha de carvalho. Movimentou a cabeça em direção à porta. Queria Titus T. Culpepper fora do escritório e de seu caminho o mais rápido possível. Se preciso, chamaria Patrick, o capataz. — Eu o avisarei assim que me decidir.
Titus levantou-se, aproximando-se dela.
— Melhor pensar muito bem antes de tomar essa decisão. Com uma rapidez incrível, ele a abraçou. Leah virou o rosto a tempo, impedindo que Titus a beijasse.
— Ora, doçura. Seja boazinha — ele rosnou ao ouvido dela. — Como vai saber que tipo de marido serei, se não trocarmos alguns carinhos?
— Largue-me!
Entre revoltada e assustada, encontrou forças para desvencilhar-se, surpreendendo-o. Aproveitando o momento de surpresa, Leah atravessou a sala em direção à estante, de onde tirou o rifle. Apontou a arma para Titus T.
— Melhor ir embora, sr. Culpepper. Imediatamente — esbravejou, encostando o cano do rifle na barriga dele.
Recuando, ele ergueu os braços.
Calma, srta. Hampton. Não precisa se zangar. Era apenas um beijinho. Já que vamos casar...
Aconselho-o a esquecer a ideia — afirmou com convicção. Alguns fios de cabelos caíram sobre seus olhos, mas Leah não se atrevia a largar a arma, para afastá-los.
Titus T. fitou-a com ar de desafio.
— Tudo por causa de um beijo? A menos que se case com um rato, qualquer homem que honre as calças que usa exigirá muito mais de você!
O atrevimento e a vulgaridade dele a desconcertaram. Mesmo assim, recusou-se a discutir, principalmente porque não tinha argumentos. Naquele esquema louco que montara, esse era um ponto no qual preferia não se aprofundar.
Esse problema não é seu, uma vez que não será você esse homem, sr. Culpepper.
Orgulho bobo! — Titus pegou o chapéu surrado do cabine ao lado da porta. — Então, por que colocou o anúncio no jornal, se não deseja um marido de verdade? Isso é o que chamo de falso anúncio.
Furioso, ele saiu da sala. Leah o seguiu, ainda com o rifle nas mãos. Sem olhar para trás, Titus T. atravessou a varanda, desceu os degraus e entrou na caminhonete velha e empoeirada. Leah esperou, até vê-lo desaparecer na estrada.
— Devo ter enlouquecido para acreditar que daria certo —resmungou, afastando o cabelo do rosto. — Céus, o que estou fazendo?
Leah conhecia a resposta. Estava fazendo exatamente aquilo que seu pai esperaria que ela fizesse, diante da oferta de uma das maiores empresas do Estado, interessada em comprar o rancho. Casar-se para proteger sua avó e a propriedade.
Enquanto todos os rancheiros da região, envolvidos pelas táticas da Lyon Enterprises, haviam vendido suas terras, Hampton Homestead permanecia firme. Mesmo completamente cercada pelo inimigo, a família recusava-se a vender o rancho.
Quando o representante da Lyon Enterprises aparecera com a última proposta da empresa, a avó fora categórica:
— Por mais tentadora que seja a oferta, não venderemos a propriedade. Só sairei daqui morta. Meu avô morreu lutando por estas terras. Meu pai também. E, se preciso, seguirei o exemplo deles.
Depois, cruzando os braços, erguemdo queixo desafiadoramente em direção ao emissário, que não se atreveu a contestar tanta determinação.
Leah acreditava que, se, por qualquer motivo, tivessem que sair do rancho, a avó morreria de desgosto. Era primordial que conservassem o rancho nas mãos da famíMa. Para tanto, precisaria, obviamente, encontrar uma solução para as dificuldades que enfrentava. E, se não conseguisse um empréstimo bancário com urgência, fatalmente perderia as terras.
Passara três longos anos discutindo com o gerente do banco, até descobrir que não concediam financiamento a mulheres solteiras, ainda mais na faixa dos vinte anos. A relutância era ainda maior, pelo fato de Leah cuidar sozinha da avó e do rancho. Além disso tudo, havia outro agravante, que tornava as coisas piores. O interesse de uma empresa sólida em comprar as terras. O banco usava isso como uma desculpa irrefutável para negar o empréstimo.
Nesse Ínterim, entre discussões intermináveis, Leah soubera que os bancos se mostravam menos rígidos, quando o marido, cabeça do casal, além de rancheiro, era o administrador das finanças da propriedade.
Diante disso, não vacilara em publicar um anúncio no jornal, procurando por um marido. Tremeu só em lembrar de Titus T. Culpepper. Infelizmente, nenhum dos entrevistados daquele dia preenchia os requisitos exigidos.
No íntimo, o que desejava mesmo era um cavaleiro vestindo uma armadura brilhante, montado num cavalo branco, com uma espada na mão, pronto para enfrentar os dragões que a ameaçavam. Uma fantasia de adolescente, admitia. Entretanto, não podia proibir seu lado romântico de sonhar com o impossível.
Leah verificou as horas. O último candidato chegaria a qualquer instante. Esperava que esse homem fosse mais adequado, que os demais entrevistados. Dócil o suficiente para atender a todas suas exigências e um administrador experiente para satisfazer o banco.
Como se adivinhando seus pensamentos, um cavaleiro solitário apareceu no horizonte. Pouco mais do que uma sombra, contra o alaranjado do céu ao entardecer. Estreitou os olhos, estudando atentamente a figura do homem que se aproximava.
Com certeza, tratava-se de H.P. Smith, o último candidato.
Ele cavalgava lentamente, muito à vontade na sela, balançando num ritmo cadenciado e natural. Mesmo a distância, Leah notou que o cavalo era bonito. O pelo castanho, sem manchas, a crina e o rabo cor de ébano, brilhando sob os raios dourados do sol. O animal tinha aparência de selvagem. Um selvagem que o cavaleiro dominava com facilidade.
Leah estremeceu. Alguma coisa naquele homem a perturbava. Não saberia explicar o motivo. De repente, teve a impressão de conhecê-lo. A intuição lhe assegurava que não se tratava de uma fantasia. Reconhecia o modo como sentava na sela. A maneira simples, segura, com que controlava o animal. A postura ereta e autoritária dos ombros. Até mesmo a posição do chapéu era levemente familiar.
Protegeu os olhos com a mão, perguntando-se quem seria aquele homem.
Esperou, atenta a todos os movimentos do estranho. Ele atravessou o portão do rancho, com a segurança de quem conhecia bem o lugar. Como se fosse o proprietário. Leah notou os cabelos pretos sob a aba do chapéu, as feições sérias e bem delineadas, como talhadas em mármores. Desmontou, amarrando as rédeas no poste. Sem demonstrar o mínimo constrangimento, caminhou com passos seguros em direção a Leah.
Enquanto caminhava, tirou as luvas, pendurando-as no cinto. Leah observou as mãos grandes e fortes. Conhecia aquelas mãos! Mas, de onde? Uma imagem atravessou sua mente, como um relâmpago. Lembranças de dedos ásperos acariciando seus seios, provocando um misto de dor e êxtase. Ela gemeu.
O estranho ergueu o rosto. Os olhos pretos e frios transmitiam ameaça e promessa. Naquele momento, Leah descobriu quem era ele e porque viera.
— Decididamente, este não é meu dia — ela resmungou. Movida pelo instinto, ergueu o rifle e atirou.
O primeiro tiro atingiu o chão, apenas alguns centímetros diante dele. O homem não se intimidou. Continuou andando, com os olhos fixos em Leah. O segundo disparo detonou entre os pés dele, espirrando terra nas botas pretas.
Acelerando os passos, ele subiu os degraus de dois em dois. Num movimento rápido, tirou o rifle das mãos de Leah. jogando-o no chão. Segurando-a com firmeza pelos ombros, abraçou-a, inesperadamente.
Você nunca teve boa pontaria — ele murmurou com voz enrouquecida. Depois, a beijou.
O beijo era tudo aquilo que Leah se lembrava e muito mais.
Ele sempre combinara força com ternura, porém, aquele beijo continha uma exigência cruel, que parecia dominar o corpo e a mente de Leah, paralisando-a. Os lábios dele subjugavam-na com voracidade e paixão.
Completamente fora de controle, Leah o enlaçou pelo pescoço, redescobrindo a largura dos ombros dele, a rigidez dos músculos das costas e do peito. Com dedos trémulos, tocou a base da garganta, sabendo que, se apertasse, ele perderia as forças. Porém, algo impediu seu gesto. Ele fora seu primeiro amor... o único amor. Havia uma ligação entre ambos, que nada poderia destruir.
Para sua surpresa e embaraço, Leah correspondia ao beijo. Regozijava-se com as lembranças que aquele beijo despertavam. De repente, sentia-se reviver nos braços dele, transformando-se, novamente, na mulher que fora, um dia. Enquanto o lado emocional se inebriava, a parte racional de Leah não se esquecia do quanto sofrera nas mãos dele. Por isso, conhecia o perigo que corria e o preço que pagaria se permitisse que ele derrubasse as barreiras que, às duras penas, erguera a seu redor. Não suportaria passar por novo sofrimento. Aquele homem quase a destruíra uma vez. Não lhe daria oportunidade para completar a destruição.
Beijava-a lentamente, como o conquistador acossando sua presa. Ele não conteve um débil gemido de satisfação. Foi esse som que a trouxe de volta à razão. Com dificuldade, conseguiu desvencilhar-se dos braços dele. Recuou alguns passos. Tocando os lábios com dedos trémulos, fitou-o com os olhos arregalados, não acreditando que aquele homem era Hunter Pryde. O único homem a quem esperava jamais reencontrar!
Ele a encarou, com ar divertido.
— Hei, Leah! Há quanto tempo, não? — cumprimentou-a.
As palavras dele despertaram um mundo de mágoa. Leah esforçou-se para não demonstrar as lembranças dolorosas que o beijo ressuscitara. Não entendia como Hunter podia agir com tanta naturalidade, depois de tudo o que acontecera.
— Nem tanto tempo assim. O que está fazendo aqui, Hunter?— perguntou com voz fria. — O que quer?
Ele riu.
— Você sabe muito bem o que quero. O que sempre quis.
Leah negou com um movimento de cabeça.
— Não. O rancho, não.
O rancho? Arrisque outro palpite, Leah. — Ele tirou um recorte de jornal, do bolso da camisa. — Vim em resposta ao seu anúncio.
Você não está falando a sério...
Nunca falei tão sério em minha vida.
A voz soou como um aviso. Leah recuou mais alguns passos.
Você não está agindo direito. Aliás, nem deveria ter vindo. Você sequer marcou entrevista! — Ela sabia que a desculpa era inconsistente, porém, precisava impedi-lo de avançar o sinal.
Por que não me entrevista agora?
Sem chances.
Não concordo. Exatamente por não concordar, foi que respondi ao seu anúncio com o nome de H.P. Smith.
Leah fechou os olhos por um momento. Depois da experiência desagradável com Titus T. Culpepper, ela depositara todas as esperanças no desconhecido H.P. Smith. Exagerara demais ao sonhar com o cavaleiro de armadura brilhante. Hunter Pryde não tinha nada de cavaleiro. Era um antigo namorado, um vaqueiro no sítio do pai, um ladrão que roubara seu coração, antes de desaparecer como a neblina da madrugada. Mas, nunca um cavaleiro.
Ele guardou o recorte de jornal no bolso e segurou-a pelo cotovelo.
Para dentro, Leah! Temos muito o que discutir.
Não! — ela protestou, soltando o braço. — Não tenho nada para discutir com você.
Depois de pegar o rifle do chão, Hunter descarregou-o.
Sugiro que reconsidere sua decisão, Leah.
Com as mãos nos quadris, ela o encarou:
Você não é bem-vindo aqui.
— Ultima chance, Leah. Tenho certeza de que, no íntimo, você não quer brigar comigo.
As palavras eram frias. A ameaça implacável. A expressão dos olhos quase a impedia de respirar. Leah preferia que Hunter não a olhasse daquela maneira. Não entendia o comportamento dele. Nunca o prejudicara. Apenas o amara. E, em troca desse amor, ele a abandonara.
Sentiu que começava a entrar em pânico. Precisava reagir.
Do contrário, não conseguiria enfrentá-lo. Conhecia-o muito bem. Para lidar com ele, precisaria de calma, de tato, de in teligência. Decidiu ouvi-lo para depois mandá-lo embora.
— Ok, Hunter. O que tem a me dizer?
O ruído das balas na mão dele, incomodava-a.
— Entre, Leah.
Ela não ofereceu resistência. Em silêncio, foram direto para o escritório. Hunter fechou a porta e deteve-se nas fotos de família, penduradas na parede. Observou com atenção uma foto de Leah, tirada na época em que ambos se conheceram. Ela acabara de completar dezoito anos.
— Imaginava que seus cabelos tivessem escurecido. —Virou-se para Leah. — Enganei-me. Continuam tão claros como prata. De tão macios, pareciam seda. Espero que não tenham mudado.
Pare com isso, Hunter! — ela ordenou.
Ele olhou de novo para a foto.
Não retrata a realidade.
Se está se referindo à foto, não concordo. Eu era exatamente assim.
Nem tanto. — Ele sorriu com ironia. — A foto não revela a paixão... nem a crueldade que você possuía. — Encarou-a.
— Ainda possui?
Leah contraiu os lábios.
— Mudei muito nestes anos todos. Não percebeu? Procurando assumir uma postura mais autoritária, parou atrás da escrivaninha de carvalho. Hunter não se intimidou. Tirando o chapéu, jogou-o sobre o móvel, sentando-se na beirada, próximo à Leah.
Você sabia que o anúncio era meu, não é? — ela começou, determinada a encerrar a conversa o mais rápido possível. — Como?
Pelo apelido. Srta. Bluebonnet.
Sim, claro. Papai costumava chamar-me assim, por causa dos meus olhos. — Após uma breve pausa, perguntou: — Por que veio, Hunter? Não acredito que seja em resposta ao anúncio.
Você sabe o motivo de minha vinda.
Posso imaginar. — Observada por aqueles olhos negros perscrutadores, Leah sentia-se intimidada, como nunca antes em sua vida.
Hunter Pryde mudara. Oito anos atrás, aos vinte e cinco ele era rebelde, em aparência e atitudes. Usava cabelos longos amarrados por uma tira de couro, num rabo-de-cavalo. Os olhos refletiam uma feroz determinação de vencer num mundo que não o compreendia. Porém, o que mais a atraíra, fora o rosto. Os maxilares bem torneados, o nariz aquilino, as feições marcantes transmitiam força e vitalidade.
Braços e pernas compridos, ombros largos, músculos rígidos, lembravam uma mistura do sangue de conquistadores com índios americanos. Nos braços dele, Leah sentia-se viva e vibrante e sabia que jamais conseguiria amar outro homem.
E, estava certa. — Veio assistir à ruína dos Hampton? E isso?
Hunter sorriu com cinismo.
— Dominados, sim. Arruinados, jamais. Não era o lema do seu pai? Não, Leah. Apenas, vim para saber o motivo de não ter vendido o rancho, já que a situação está tão difícil. Será que não havia outra saída? Precisava recorrer a isto? — Tirou novamente o recorte do bolso, amassando-o.
Leah chocou-se com a reação dele, porém, permaneceu impassível. Não aceitaria recriminações de ninguém. Principalmente de Hunter.
Esse não é um problema seu — defendeu-se. — Não devo satisfações a ninguém, muito menos a você, Hunter.
Estou assumindo este problema, Leah — corrigiu-a, num tom ríspido. — E quero ouvir uma explicação.
Ela respirou fundo, tentando manter o autocontrole.
— Você está realmente interessado, ou trata-se apenas de curiosidade?
Hunter cruzou os braços.
Se não estivesse realmente interessado, não teria vindo até aqui.
Pois bem. Não tinha outra escolha, a não ser apelar ao anúncio.
Essa desculpa não me convence. Sempre temos escolha. Você tomou a decisão errada.
Você não é obrigado a concordar com minhas decisões, porém, isso não significa que estejam erradas. — Fez uma pausa por um instante. — Tenho enfrentado sérias dificuldades. Papai morreu um ano depois de sua partida.
—Sei.
Surpresa, Leah ergueu a sobrancelha.
— Sabe?
Ela não pode evitar uma pontada de decepção. Hunter soubera e nunca se preocupara em procurá-la para ver se precisava de ajuda, de apoio, de proteção. Encolheu os ombros. Não, nunca precisara de proteção. Fora forte o suficiente para proteger a si mesma. Também para proteger a avó, o rancho. Cuidara de tudo sozinha, com sacrifício, abnegação, desprendimento.
— Li o obituário no jornal. — Hunter inclinou-se e Leah prendeu a respiração, inebriando-se com o perfume da loção pós-barba. — É natural que o rancho tenha entrado em decadência, desde então. Você pode ser eficiente, dedicada e bem-intencionada, porém, está muito longe de possuir a experiência de seu pai.
Por um momento, Leah sentiu-se frágil e vulnerável. Perguntou-se como pudera envolver-se com Hunter. Mesmo aos dezoito anos, deveria ter percebido a frieza da alma e a perspicácia da mente, sob a aparência de homem atraente e charmoso.
— Não vou perder tempo em defender-me. Não me importo absolutamente com sua opinião a meu respeito. Além do mais, você não tem o direito de me julgar. Agora, diga logo o que veio fazer aqui e saia das minhas terras.
Ela percebeu um brilho de raiva nos olhos dele. Num movimento rápido e inesperado, Hunter agarrou-a pela cintura, prendendo-a entre as pernas.
Você não adivinha por que estou aqui? Encarando-o, respondeu:
Você veio atendendo ao anúncio.
— Muito mais que isso, Leah. Muito mais — murmurou. Os lábios se curvaram num sorriso irónico. — Vim por causa do rancho. — As pupilas se dilataram. — E... por você.
Por uma fração de segundos, o choque paralisou Leah. Recuperando-se rapidamente, ergueu o queixo, enquanto lutava para desvencilhar-se.
Tenho pena de você, Hunter, porque não conseguirá nada.
Veremos.
Desistira de lutar. Em vez de resistir, decidiu usar as armas que possuía. Palavras.
Você realmente acreditou que, depois de tantos anos, chegaria aqui e, com, um estalar de dedos, me teria aos seus pés? Sua arrogância é ultrajante. Depois de tudo o que me fez, eu não deveria nem permitir que ultrapassasse os limites do rancho!
Um pouco melodramático, não acha?
Contendo-se para não perder o controle diante de Hunter, ela esbravejou:
— Melodramático? Atrevido! Você roubou minha inocência! Você me usou, me enganou, interessado apenas no rancho! — Toda a amargura reprimida durante tantos anos, de repente, explodia com a força de um vulcão. — Eu tinha apenas dezoito anos e estava perdidamente apaixonada. E, você me usou!
— Mentira! Eu apenas peguei o que você me oferecia.
A crueldade dele a atingia impiedosamente. Fitou-o direto nos olhos.
— Não queira fugir da responsabilidade. Você obteve o que queria, sem se preocupar com o sofrimento dos outros.
— Você nunca soube o que eu queria. Ainda não sabe. Leah revoltou-se com a ideia de que Hunter a julgava tão cega e ingénua, a ponto de não perceber suas verdadeiras intenções. A garota crédula e cega de amor que ele conhecera no passado, não existia mais. Por culpa e obra dele. Indignada, atacou-o:
Você não mudou, Hunter. Continua ambicionando a mesma coisa que há oito anos. Minhas terras. Não seja pretensioso!
Não é pretensão, Leah. Nunca foi. Se encarar a realidade dos fatos, verá que estou certo. Que sempre estive certo.
Puxou-a para mais próximo. Lentamente, abraçou-a, envolvendo-a em seus braços fortes, impedindo qualquer possibilidade de fuga. Leah pressionou as mãos contra o peito dele, lutando para manter uma pequena distância entre ambos. Entretanto, aquele toque foi o bastante para despertar emoções esquecidas. Sentiu os olhos embaçados pelas lágrimas, mas, com esforço, as conteve. Naquele momento, as lágrimas não ajudariam em nada.
— Por que está agindo assim? — ela indagou. — Depois de tantos anos?
— Porque isso me dará o que mais desejo.
Ela riu, num misto de dor e desilusão.
Há oito anos, quando você me disse essas mesmas palavras, ingenuamente, acreditei que era a mim que queria. Enganei-me. Era o rancho que você queria.
Eu disse?
Sim! Só por esse motivo que me levou para a cama? Por que assim realizaria seu sonho? Não deu certo, não é mesmo?
Levei para a cama? Uma explicação curiosa para algo que fizemos juntos e que, aliás, está muito longe da verdade. Além disso, Leah, pelo que me lembro, nunca nos utilizamos de uma cama!
Leah recusou-se a sentir vergonha de um ato que considerava a experiência mais bonita de sua vida.
E verdade. Nunca utilizamos uma cama, porque você foi embora antes que surgisse a oportunidade para tanto. Você não teria partido, se meu pai não tivesse ameaçado de deserdar-me. Ele me obrigou a escolher entre você e o rancho.
E, você fez sua escolha.
Leah segurou-o pela camisa, incapaz de controlar-se.
— Como pode afirmar se não estava mais aqui para saber? Mas, uma coisa é certa. Se tivesse me decidido por você, teria cometido um erro do qual me arrependeria amargamente. Nunca me ocorreu imaginar que, sem o rancho, eu não valia nada para você. — Ao descobrir essa verdade, Leah sofrera muito. Somente o orgulho ferido dera-lhe forças para não desmoronar. — Então, depois de iludir-me, para vingar-se do meu pai, desapareceu na estrada.
Hunter pegou-lhe as mãos, obrigando-a a soltar a camisa.
Vamos ser justos. Não desapareci. Fui expulso.
Oh, não é verdade. Esperei-o na cabana durante horas. Não é engraçado? — Um leve tremor percorreu o corpo de Leah, machucada pelas lembranças que, há muito, enterrara. — Naquela tarde, fazia muito calor. Mesmo assim, esperei. Temia ser descoberta por algum peão que, por qualquer motivo, decidisse passar a noite na cabana. Mas, não fui embora. Repetia para mim mesma, que você viria. As horas pareciam uma eternidade. Anoiteceu e eu ainda procurava uma desculpa para sua ausência.
Pare, Leah!
Ela não conseguiu conter as recordações que fluíam como o vento.
— Era noite de lua cheia. Sentei no chão. Pela janela da cabana acompanhava a caminhada da lua pelo céu.
Hunter a fitou, impassível e distante.
— Chovia.
Não, até às duas da manhã — corrigiu-o, num fio de voz. — A chuva entrava pelas goteiras, mas, como uma tola, fiquei. — Movimentava a cabeça, desesperadamente. — Fiquei e fiquei e fiquei!
Por que? Por que ficou? — ele insistiu. — Olhe para mim, Leah. Olhe dentro dos meus olhos e conte todas suas mentiras. Sim, porque não acredito em nada do que está dizendo.
Como você pode afirmar isso, se não estava lá para testemunhar minha ingenuidade?
Diga! — ele esbravejou.
Forçada pelo tom imperioso, ela ergueu a cabeça. Hunter afastou uma mecha dos cabelos louros do rosto de Leah. Apesar de tocá-la com ternura, a expressão dele continuava fria.
— Fiquei porque esperava que me levasse embora, como prometera — admitiu com voz trémula. — Quando o dia amanheceu, finalmente compreendi, que você não viria. Então, jurei que jamais confiaria em homem algum. Diga-me a verdade, Hunter. O que aconteceu? O que houve de tão relevante para que desaparecesse sem qualquer explicação, impedindo-o de voltar?
— Aconteceu o delegado Lomax.
Leah ergueu a sobrancelha, sem entender o significado das palavras dele.
— O que...
Hunter a interrompeu com uma estrondosa gargalhada.
Deixe disso, Leah! Toda essa história de ter ficado à minha espera na cabana, enfrentando um calor infernal, de olhar a lua... tudo isso não passa de uma grande mentira. Tudo invenção. Você sabe muito bem disso. Entretanto, gostei da parte das goteiras no telhado. Muito patético.
O que o delegado tem a ver com seu desaparecimento?
Como eu prometera, fui até a cabana. Você não estava lá. Mas, o delegado estava, acompanhado de alguns policiais.
Não acredito.
Foi preciso seis homens para expulsar-me da cabana. Em sua comovente narrativa, você esqueceu de mencionar os móveis despedaçados, os vidros quebrados. Ou a porta arrebentada. Eles conseguiram me vencer, mas, não foi fácil.
Não sei... — Leah forçou a memória, na tentativa de lembrar se reparara nos móveis ou nas vidraças. — Realmente, as coisas estavam meio bagunçadas, mas...
Hunter interrompeu-a:
Creio que estava ocupada demais observando as estrelas, que nem reparou nos estragos. — Puxou-a pela trança. — Ou, talvez, não tenha reparado porque é tudo mentira. Admita.
Naquele dia, você não esteve na cabana.
Estive!
—- Mentira. Somente duas pessoas sabiam do nosso encontro. Você e eu. Não abri a boca. Desde que o delegado apareceu em seu lugar, Leah, só há uma explicação. Você mudou de ideia e, temendo minha reação, correu para pedir socorro ao papai.
Não é verdade.
Não? Então, me diga. Se tivéssemos nos encontrado na quela noite, você teria partido comigo?
Leah nunca lhe mentira antes. Continuaria sendo sincera, independente das consequências.
— Não, Hunter. Não teria partido com você.
Ele contraiu os músculos do rosto. Por um momento, Leah esperou por uma explosão de raiva. Não sentiu medo. Tinha certeza de que Hunter jamais a agrediria fisicamente.
— Não acredito. — Soltou-a e levantou-se, como se quisesse manter-se distante dela.
Leah sabia que suas explicações não mudariam nada. Porém, precisava tentar. Pela primeira vez, tocou-o espontaneamente no braço.
Há uma razão para eu afirmar que não teria ido embora com você...
Basta, Leah. Já ouvi demais. Você subestinia minha inteligência. Além do mais, suas desculpas absolutamente não me interessam.
Leah ergueu os ombros, consciente de que não poderia obrigá-lo a ouvi-la.
Então, por que está aqui? — indagou. — Para que provocar mais mágoas? Mágoas que nenhum de nós precisa enfrentar?
Porque é o dia de hoje que importa. Seu rancho e o anúncio.
— Não permitirei que coloque as mãos no rancho... ou em mim — preveniu-o com determinação. — Desista e vá embora. Jamais me casarei com você.
O som de uma gargalhada irónica invadiu o escritório.
— Não estou lhe propondo casamento, doçura.
Leah sentiu o rosto corando.
Deduzi que veio por esse motivo. Trouxe o recorte de jornal e insinuou...
Insinuei o que?
Que estava interessado em casar comigo. — Sustentou o olhar divertido de Hunter. — Você veio, atendendo ao meu anúncio, não é?
Não para propor casamento. Vim, porque você não publicaria o anúncio se não estivesse desesperada. Portanto, creio que poderíamos fazer uma troca. Quero o rancho, Leah, e farei o possível para consegui-lo.
Fitaram-se por um longo momento. Antes, que ela tivesse tempo de responder, ouviram o som insistente de uma buzina. Hunter espiou pela janela.
— Chegou alguém. Outro pretendente, talvez. Passando por ele, Leah se aproximou da janela. Reconheceu pick-up estacionada na frente da casa. O motorista pressionou a buzina novamente.
Oh, não — ela resmungou. — Parece que hoje é o dia das surpresas. Surpresas desagradáveis, aliás. — Pegou o rifle que Hunter pusera na estante.
O què está acontecendo, Leah? — Hunter quis saber. — Quem é seu visitante?
Buli Jones. É o capataz do Circle P.
Circle P.?
Uma organização nova, a única existente por aqui, com exceção do nosso rancho. Todos os ranchos da região foram adquiridos por uma grande companhia, a Lyon Enterprises. Agora, estão tentando me intimidar. Olhe, peço por favor. Fique fora disso. Esse assunto não lhe diz respeito.
Hunter não discutiu. Colocando o chapéu, seguiu-a até a varanda. Negligentemente apoiado na porta da caminhonete, Buli Jones cumprimentou-a:
— 'tarde, dona Hampton. — Atirou a ponta do cigarro no canteiro de rosas.
Ignorando as palavras dele, Leah parou.no primeiro degrau da varanda.
Fora das minhas terras, antes que eu chame o delegado — ordenou com rispidez.
Pelo visto, está de mau-humor, dona. Pode chamar o delegado, se isso a fará sentir-se melhor. Mas, você sabe e eu sei, que ele não virá. Ele já está cansado dos seus telefonemas.
Leah não tinha como contra-argumentar uma verdade. Como defesa, apontou o rifle para Buli.
— Diga logo por que veio e desapareça daqui, antes que o mande de volta para casa com um tiro na testa.
Buli Jones não se mostrou nada intimidado. Pelo contrário, riu visivelmente divertido. Com um movimento de cabeça, apontou para Hunter.
— Esse hombre é um dos seus pretendentes? Não me parece muito apropriado.
Hunter sorriu sem entusiasmo.
— Dê um tempo, amigo.
Leah não escondeu sua surpresa. Se Buli referira-se a Hunter como um pretendente em potencial, era porque sabia a respeito do anúncio. Não imaginava como descobrira. Sem dar chances para os dois homens conversarem, interveio:
Então, veio por causa do anúncio, Jones?
Uma das razões — ele concordou. — Gostaria de apresentar-me como candidato, porém, não creio que aceite.
Acertou.
Quanto ao outro motivo... — Calou-se para acender outro cigarro. Tragou, soltando lentamente a fumaça pela boca.
Leah conhecia essa manobra. Uma tentativa para enervá-la. Infelizmente, ele conseguia.
Fale logo, Jones.
Ora, ora. Para que tanta pressa? — Deu de ombros. — Quer que eu seja objetivo? OK. Vou direto ao assunto. Vim para lhe dar um pequeno conselho de amigo.
De amigo?
Sou do tipo de rapaz cordial, sabia? — Avançou um passo na direção dela. — Se me der uma chance, descobrirá o quanto sou amistoso.
Ela não soube exatamente o que o fez parar. Se o ruído da arma sendo engatilhada ou se o movimento rápido de Hunter. De qualquer modo, Buli Jones estremeceu. Olhando para Hunter, Leah percebeu o que contivera os movimentos do capataz.
Sempre achara os olhos de Hunter fascinantes. Num minuto se mostravam frios e distantes, no outro, brilhando com fogo e paixão. Havia uma ameaça implacável estampada nos olhos negros. E, pela primeira vez, se apercebia que, além de fascinantes, poderiam se transformar em ameaçadores. Hunter encarou Buli Jones.
— Se tiver mais alguma coisa para dizer, sugiro que diga logo. Rápido.
Buli fulminou Hunter com um olhar de fúria. Todavia, obedeceu. Voltando-se para Leah, explicou:
— Parece que a Lyon Enterprises está se cansando de brincar de gato e rato com você. A companhia é poderosa e conta com muita gente influente...
— Estou morrendo de medo — Leah retrucou. Novamente, Buli atirou a ponta do cigarro no canteiro de rosas.
— Mas, morrerá. Ouvi dizer que o novo chefão é intransigente. Você não tem chance.
Mesmo não demonstrando, Leah se apavorou com aquela revelação.
— Você repete a mesma coisa a séculos. — Esforçou-se para aparentar uma calma que estava longe de sentir. — Tenho conseguido lidar muito bem com essas ameaças.
— Até agora, o tratamento tem sido com luvas de pelica. Leah conteve a raiva.
— Você considera atos infames como poluir poços, arrebentar cercas de arame ou espantar meu rebanho de ovelhas como tratamento com luvas de pelica?
Ele riu.
— Queríamos apenas nos divertir um pouco. Porém, tiramos a luvas, dona. Depois, não venha dizer que não avisei.
Virando-se, caminhou de volta até a pick-up. Ligou o motor, partindo em alta velocidade. Em silêncio, Hunter e Leah observaram a caminhonete de Buli Jones afastar-se, deixando para trás, uma nuvem de poeira.
Hunter tirou o rifle das mãos dela, colocando-o sobre o parapeito da varanda.
— Há mais alguma coisa que esqueceu de me contar? —ele murmurou num tom sarcástico.
Leah ergueu o queixo.
Um ou dois pequenos detalhes, sobre os quais não vale a pena discutirmos. Mesmo porque não são da sua conta.
Não concordo. Acho melhor voltarmos para o escritório e discutirmos sobre esses pequenos detalhes.
Não! Recuso-me a discutir assuntos do rancho com você! Mesmo que você estivesse interessado no meu anúncio, isto é, em casar comigo, não o escolheria para o cargo.
Hunter ergueu uma sobrancelha.
Cargo? Pensei que quisesse um marido.
E, quero. Porém, uma vez que não está interessado...
Lutava para que sua voz não traísse a angústia. — Creio que já se divertiu um bocado, por hoje. Agora, vá embora, por favor.
Negando com um movimento de cabeça, ele disse:
— Ainda não terminamos nossa conversa e não sairei daqui enquanto não esclarecermos tudo. Se isso significa candidatar-me ao... cargo, considere-me candidatado.
Esqueça. Você não reúne as qualificações necessárias. Com isso, dou por encerrada nossa conversa.
Sou qualificado, sim. Em todos os aspectos.
Leah não pretendia continuar com aquela charada, entretanto, não tinha escapatória. A menos, que o ameaçasse com a arma. Como já tentara esse artifício, sem resultado, decidiu enfrentá-lo.
Um desafio? Pois bem, vamos por partes. Requisito número um. Você quer um homem entre vinte e cinco e quarenta e cinco anos. Sem problemas.
Leia o anúncio com mais atenção, Hunter. Mencionei um homem gentil e educado. Você não é gentil, nem educado.
Os olhos negros e impiedosos encararam-na.
— Você ainda se lembra bem, não?
Fingindo não perceber o tom irónico, ela prosseguiu:
O anúncio também diz que esse homem precisa querer um relacionamento sério. Não me diga que, finalmente, está disposto a estabelecer-se.
Isso vai depender de entrarmos num acordo. Requisito número dois. Experiência em administrar ranchos. — Cruzou os braços. — Pretende discutir sobre minhas qualificações aqui?
Ela negou com um movimento de cabeça. Afinal, não havia nada sobre o que discutirem.
— Reconheço suas habilidades profissionais — ela admitiu com franqueza.
Hunter sorriu levemente.
— Você reconhecerá muito mais, antes mesmo que eu termine minha exposição. Número três. O candidato deve ter grande experiência anterior, principalmente, que saiba lidar com banqueiro teimoso. — Com a ponta do dedo, empurrou o chapéu para trás. — Você está diante da pessoa certa.
— Estou?
Alguma coisa nas atitudes de Hunter a preocupou. Ele agia como se aquela situação toda não passasse de um jogo. E, mais. Hunter conduzia esse jogo, como se Leah já o tivesse perdido, sem saber. O sorriso de Hunter tornou-se ameaçadoramente predatório.
— Você está enfrentando dificuldades financeiras e o banco não concorda em conceder-lhe empréstimo, a menos que tenha um marido na retaguarda. Acertei?
Leah cerrou os dentes.
Quase — foi obrigada a confessar. — Mas, repito, não será você o escolhido. Assunto encerrado.
Nem pensar. Não há um único banco no mundo, que não atenderia a um pedido meu.
— Desde quanto? — ela indagou, mordazmente. Hunter se aproximou, prendendo-a contra a coluna da varanda.
Passaram-se oito anos, desde nosso último encontro, querida. Muitas coisas aconteceram nesse espaço de tempo. Não sou mais aquele pobre diabo que conheceu. Você precisa de mim, Leah. Com urgência, muita urgência. Vou provar-lhe.
Não preciso de você — negou com veemência. — Jamais precisarei.
Ah, precisará, sim! — Embora a voz soasse macia e carinhosa, as palavras ecoaram asperamente. — Porque não conseguirá ajuda bancária sem mim. Garanto. Amanhã mesmo você se certificará dessa verdade.
Leah respirava com dificuldade.
Pode provar?
Darei todas as provas que quiser. — Inclinou a cabeça Os lábios quase se tocavam. — Como vê, sou bem qualificado.
Não concordo. Você mesmo admitiu não ser gentil, nem educado. Uma vez que esse é dos requisitos exigidos... — Ergueu os ombros. — Receio ter que dispensá-lo.
E, eu receio, ter que insistir. No mundo dos negócios, todas as transações estão sujeitas a concessões. Você terá que abrir um precedente no requisito gentil e educado.
Quais serão as suas concessões?
Nenhuma. — Riu. Com a ponta do dedo, empurrou o chapéu para trás. — Diga-me, Leah. Por que não vendeu o rancho?
Ela respirou fundo, com impaciência.
Pensei que soubesse. Hampton Homestead pertence à família há...
Gerações. Seu pai sempre repetiu essa frase com orgulho. Por isso, jamais permitiria que o rancho, ou sua filha, caíssem nas mãos de um mestiço, cujas origens não vão além do orfanato onde foi abandonado.
Leah o encarou, perplexa.
— Ele disse isso?
Sim, disse. Mas, não tem importância. Você não tem opção. Leah. Soube, através de fontes seguras, que está à beira da falência. Se vender o rancho, pelo menos, terá dinheiro para viver com conforto.
Há outra alternativa — desafiou-o.
O anúncio.
Não me olhe como se eu fosse doida. Não foi uma decisão precipitada, nem acho que seja bobagem. O banco não me negaria o empréstimo, se tivesse um marido, misto de administrador e rancheiro.
Eles lhe deram alguma garantia?
Não por escrito. O gerente do departamento de empréstimos, Conrad Michaels, é um velho amigo de família. Apesar de não ter tido possibilidade de nos ajudar antes, ele acha que nosso déficit será facilmente superado. Foi de Conrad a ideia de casa mento. Depois de casada, o banco não me negará um empréstimo.
Leah nunca vira Hunter tão furioso.
— Você está dizendo que foi Michaels quem a convenceu a publicar o anúncio esse anúncio inconsequente?
Não é inconsequente — protestou. — É prático. Conrad simplesmente sugeriu que eu procurasse, o mais rápido possível, por um marido com as qualificações necessárias.
Ele sugeriu, é? Na posição dele, como gerente bancário? — Hunter não se preocupava em esconder o desprezo. — Nunca lhe ocorreu que ele poderá ter dificuldades em manter a promessa? Ele está subordinado a uma diretoria que poderá continuar não concordando com o empréstimo. Nesse caso, como você se sairia da encrenca? Falida e casada com algum vaqueiro qualquer, que a explorará em tudo o que puder, antes de abandoná-la na miséria.
Você deve saber muito bem, uma vez que é especialista nessa arte.
Não fale sem conhecimento de causa, Leah — preveniu-a. — Case com o próximo candidato que aparecer por aqui e receberá de volta somente problemas.
— Não é nada disso. Confio em Conrad. Ele conseguirá o empréstimo, tenho certeza.
Hunter cerrou os olhos, demonstrando que não compartilhava com a opinião de Leah. Mas, não comentou nada.
—Com relação ao anúncio? — ele indagou.
A ideia foi minha. Precisava soluções rápidas. — Cruzou os braços. — Não posso negar que consegui.
Bem, se conseguiu um gentil e educado, está de parabéns.
Dispenso seus cumprimentos. Tudo o que preciso, é da aprovação de Conrad.
Não duvido que seu amigo gerente se prontifique a certificar-se de que o candidato é realmente qualificado como rancheiro e administrador. E, como marido e amante? Quem irá se certificar nesse particular? — A voz de Hunter soou rouca e sedutora. — Gentil e educado não será capaz de satisfazê-la na cama. Nem em milhões de anos.
Leah sentiu o rubor cobrindo as faces.
Esta é a última das minhas preocupações — murmurou.
É assim que vê a vida de casada?
Um relacionamento sem graça, com um marido sem a menor ideia de como agradar a esposa?
Novamente, as imagens passaram pela cabeça de Leah. Imagens dela e Hunter abraçados sob o céu azul. As roupas espalhadas, a nudez de seus corpos rolando pela grama. Não pode evitar de lembrar com saudade desses momentos felizes. Porém, sabia que não deveria deixar-se envolver por essas emoções. Não, se quisesse salvar o rancho.
Isso não é tão importante — defendeu-se. — Pretendo conservar o rancho. Nem que para isso tenha que casar com o primeiro sujeito que aparecer na minha porta. Nada do que disser, vai mudar minha decisão.
Eu sou o único homem realmente qualificado que surgiu na sua porta, Leah.
A insistência de Hunter começava a irritá-la.
— Você não está me levando a sério. A situação é muito mais complicada do que imagina. A Lyon Enterprises está interessada em comprar o rancho. Usa todos as artimanhas para pressionar-me. Você conheceu Buli Jones. Ele já convenceu muitos dos meus empregados a se demitirem, oferecendo, em troca, quantias vultuosas. Não menti quando o acusei de cortar as cercas, de espantar meu rebanho, de poluir poços. O homem que se casar comigo, deverá ser capaz de lidar com tudo isso. — Colocou as mãos nos quadris. — Talvez agora, conhecendo os fatos, você resolva ir embora de vez.
Num movimento rápido, Hunter a abraçou.
— Não me ameace, Leah. Aposto como não gostará das consequências. Fale a verdade. Você está sendo mesmo hostilizada ou tudo não passa de outra de suas fantasias?
Leah não tentou desvencilhar-se.
Não é fantasia. Hoje, você teve uma pequena mostra. Se não acreditar em mim, pergunte ao capataz. Patrick é um dos poucos que ainda não se renderam aos encantos da Lyon.
É verdade, mesmo?
Claro.
Está mesmo disposta a casar-se com um desconhecido, para tentar salvar o rancho?
Estou.
Nesse caso, só há uma alternativa.
Já disse. Não venderei o rancho.
Não será preciso. Você vai casar comigo.
Se não estivesse nos braços dele, certamente, Leah cairia, derrubada pela surpresa.
O que?
Você ouviu. Nós nos casaremos e conseguiremos seu empréstimo.
Leah o fitava deslumbrada. Havia força e determinação nos olhos dele.
Pensei que não quisesse casar comigo.
Não foi minha primeira intenção. Porém, quanto mais considero a ideia, maior o apelo.
Esta é a proposta mais insultante que já ouvi em toda. minha vida.
Posso ser ainda mais insultante, acredite.
Se quiser que o aceite, aconselho-o a não exagerar. Fitaram-se em silêncio. Lentamente, Leah desviou o olhar.
Você aceitará — Hunter sussurrou com satisfação. Exausta, Leah não conseguia pensar com clareza. Precisava de tempo. Tempo para ficar sozinha e ponderar, para decidir. Desconfiava que Hunter não lhe daria esse tempo.
— Como posso acreditar que conseguirei o empréstimo? Hunter contraiu os músculos do rosto.
— Tenho alguma influência. Não sou mais aquele pé-de-chinelo de oito anos atrás.
Nunca o encarei dessa maneira — Leah reagiu de pronto.
Qual é sua resposta, Leah? Tem vinte e quatro horas para decidir. Vende o rancho para mim ou casa comigo.
Parece que não me deixou muitas saídas.
Você tem uma saída. Eu.
Novamente, Leah notou a expressão fria e distante de Hun-ter. Nesse momento, odiou-o. Odíou-o por despertar-lhe desejos muito esquecidos. Odiou-o, pela capacidade incrível de remexer em suas emoções.
— Vinte e quatro horas, Leah. Depois disso, não terá mais chance. — Sem mais nenhuma palavra, afastou-se.
Leah permaneceu ainda por muito tempo na varanda, incapaz de mover-se, incapaz de pensar. Por fim, com um suspiro abafado, escondeu o rosto entre as mãos, dando vazão às lágrimas.
Hunter colocou a pasta sobre a escrivaninha de L.seu escritório. Após uma leve batida na porta, seu assistente, Kevin Anderson, entrou na sala.
— E, então? Ela concordou em vender o rancho? Hunter tirou alguns papéis de dentro da pasta, colocando-os de lado.
Ainda não. Mas concordará... de um modo ou de outro. — Ele olhou para seu assistente, com expressão de contrarie dade. — Por que não me falou de Buli Jones e de tudo o que ele anda fazendo?
O capataz? — Kevin hesitou por um momento. Depois, ergueu os ombros. — Não pensei que fosse importante.
Claro que é importante — Hunter advertiu-o asperamente. — As decisões devem ser minhas. Não suas.
Desculpe, chefe. Não acontecerá de novo. — Kevin pausou por um instante, antes de perguntar num tom cauteloso: —Imagino que tenha conhecido o capataz.
Sim.
Ele o reconheceu?
Hunter não respondeu de imediato. Aproximou-se da janela. Houston se descortinava diante de seus olhos. A intensa umi-dade vinda do Golfo do México prenunciava uma nova onda de calor sobre o sul do Texas.
— Não — disse, por fim. — Não me reconheceu. Também, não me preocupei em apresentar-me.
Melhor assim. Que faremos com ele?
Por enquanto, nada. — Hunter se voltou, encarando o assistente. — Talvez, no futuro, tenha que tomar algumas atitudes.
Como quiser. Você é o chefe.
De hoje em diante, quero que me mantenha informado de tudo. Mesmo de coisas que julgar sem importância. Não pretendo ser apanhado em flagrante outra vez.
Sim, senhor. Desculpe, senhor. Com licença. — Kevin saiu da sala.
Hunter sentou-se e abriu uma pasta com o nome Hampton Homestead. Espalhou sobre a escrivaninha inúmeras cartas, documentos, fotos. Escolheu duas fotos de Leah. Uma idêntica à que vira no escritório do rancho. Outra, de um mês atrás.
Observando a foto mais recente, sentiu a força de um desejo incontrolável, intenso, inesperado, dilacerando seu corpo. Ainda a desejava. Queria acariciar os cabelos soltos de Leah. Queria tocar novamente sua pele macia e perfumada. Deixou a foto sobre a mesa.
— Logo, logo — prometeu a si mesmo.
Na manhã seguinte, a avó de Leah procurou-a no quarto.
— Precisamos conversar — Rose disse, oferecendo-lhe uma xícara de café.
Leah fechou os olhos. Não conseguira dormir e a claridade do sol a incomodava.
— Se é sobre Hunter, por favor, esqueça. Não quero discutir sobre isso.
— E sobre Hunter.
— Por favor, vovó. Não insista.
— Preciso confessar algo e você vai me ouvir, nem que para isso tenha que jogá-la ao chão e me sentar em cima.
Leah sorriu.
Podemos, pelos menos, conversar durante cinco minutos sobre o tempo, enquanto bebo meu café?
O dia está quente e ensolarado. Vinte graus na sombra. Melhor beber seu café rápido. E sobre Hunter.
Leah suspirou. Entre outras, a teimosia e a determinação eram características da personalidade da avó.
Do que se trata?
O que ele contou ontem, sobre o delegado, é verdade — Rose declarou.
Como sabe? Escutou nossa conversa?
Sim. Não estou nem um pouco envergonhada por admitir isso. Estou, sim, muito envergonhada por ter traído sua confiança, oito anos atrás. Leah, fui quem preveniu seu pai sobre os planos de fugir com Hunter. — Girava nervosamente a aliança no dedo.
Leah já desconfiava. A avó fora a única pessoa com quem comentara o assunto.
Você contou a meu pai...
Contei porque não queria que você partisse. Fui muito egoísta, não?
Eu prometi que não iria embora!
Leah colocou a xícara sobre a mesa de cabeceira e saiu da cama. Contara tudo à Rose, simplesmente porque não poderia sair de casa, sem despedir-se da avó. Porém, não esperava ser surpreendida com uma notícia triste, que mudara todos os seus planos. A avó revelara que seu pai sofria de uma doença incurável e que teria pouco tempo de vida. Diante disso, Leah não teve alternativa. Apesar de todo o amor que nutria por Hunter, não poderia abandonar o pai num momento tão crítico. Não seria justo.
Leah fitou a avó.
— Eu disse que iria ao encontro de Hunter para explicar sobre a doença de papai. Pretendia pedir-lhe para esperar...para voltar depois... depois...
Rose encolheu os ombros.
— Talvez ele tivesse concordado. Mas, eu não tinha certeza. —Suspirou. — Ouça, garota. Tomei uma decisão. Quero que se case com Hunter.
O quê? — Leah arregalou os olhos, atónita.
Está surda? Eu disse que quero que se case com Hunter —Rose repetiu.
Por quê?
Porque... — Rose ergueu o queixo, num gesto determinado.— Bem, hoje logo cedo, recebi um telefonema de Conrad Michaels.
— O que ele queria?
Oficialmente, para comunicar sua aposentadoria. Oficiosamente, para que soubéssemos que não poderemos mais contar com sua intercessão junto ao banco. A mensagem que captei foi que não conseguiremos empréstimo bancário em qualquer circunstância.
Hunter! — Leah exclamou.
— Foi o que me ocorreu também. — Os olhos da avó se, estreitaram. — Acha que ele é tão influente, a ponto de forçar o afastamento de Conrad?
-— Possivelmente. Se Hunter é tão impiedoso quanto suspeitamos, não é à toa que queira que me case com ele.
Pois, acho que devemos tirar vantagem dessa impiedade toda.
Acha mesmo?
Inclinando a cabeça, Rose olhou fixamente para a xícara de café que segurava nas mãos, como se as respostas para seus problemas estivessem lá. Por fim, ergueu os olhos, fitando Leah com expressão dura.
— Você tem duas opções. Poderá vender o rancho ou brigar com a Lyon Enterprises. Se quiser vender, dê a palavra e, então, desistimos e nos mudamos daqui. Mas, se quiser vencer a Lyon, Hunter é o homem indicado para ajudá-la. A decisão de casar-se ou não com ele, é sua. Única e exclusivamente sua. Porém, aconselho-a a aceitá-lo. Homens como Hunter aparecem uma vez só em nossa vida. Você teve muita sorte. Ele não baterá à sua porta duas vezes.
Sorte? Leah tinha suas dúvidas. Hunter acreditava que fora ela quem contara a Ben Hampton seus planos de fuga. Por isso, imaginava que ele voltara, apenas para vingar-se. E, ao deparar com o anúncio, apressou-se em tirar proveito da vulnerabilidade dela.
Olhou para a avó. O rosto de Rose era a imagem do desespero. A perda do rancho significaria sua morte. Leah sentiu uma sensação estranha ao constatar que, de certa forma, tinha o destino de sua avó nas mãos. O poder de vida ou morte. De repente, compreendeu que só havia um caminho a seguir.
— Vou telefonar para Hunter — comunicou à avó.
Pela primeira vez, Leah viu o brilho de lágrimas nos olhos da avó.
Não aceite a primeira oferta, garota — aconselhou-a. — Negocie e só terá a ganhar com esse casamento.
Não sou sua neta por acaso, vovó. Não permitirei que Hunter comande o espetáculo sozinho.
Só depois de completar uma lista de exigências que pretendia apresentar a Hunter, Leah percebeu que ele não deixara o
número de seu telefone. Esse fato, porém, não chegou a representar um problema. Exatamente vinte e quatro horas após o encontro do dia anterior, Hunter telefonou.
Qual é sua resposta? — indagou, sem preâmbulos.
Gostaria de encontrá-lo para discutir a situação — ela ponderou.
Você quer discutir os termos de. rendição?
Sim. — Leah chocou-se com o som da própria voz.
Agora, você está sendo sensata. Como vê, desistir, não é tão mau quanto parece.
Bem, onde posso encontrá-lo? — Mudou deliberadamente de assunto.
Estou em Houston. Não precisa dirigir até aqui. Estarei à sua espera amanhã, ao meio-dia. Na cabana.
Leah não acreditava no que acabara de ouvir.
Isto não é uma brincadeira, Hunter.
Nem pretendo que seja. Estou falando sério, Leah. Encontre-me amanhã, ao meio-dia, na cabana. Como antigamente. Espero que não mude de ideia. Não haverá uma segunda chance.
Não houve há oito anos atrás. Por que agora seria diferente?
Será diferente — ele prometeu.
Sim, tudo será diferente.
Muito bem, Leah. Ainda há esperança para você.
Ela tentou se controlar, determinada a ignorar as provocações.
— Preferia encontrá-lo no escritório. O que acha? Hunter? —ela falava sozinha. Mais do que provocada, sentia-se ultrajada.
Lentamente, colocou o fone no gancho. As perspectivas para um futuro ao lado de Hunter não eram nada encorajadoras.
Entretanto, não poderia carregar para sempre a culpa do episódio da cabana. Tentara explicar, mas, aparentemente, Hunter não acreditara em sua inocência.
No dia seguinte, depois do café da manhã, Leah foi até o pasto, para ver Dreamseeker, o garanhão recém-adquirido. Ao chegar junto à cerca, assoviou. O cavalo preto veio galopando pela grama. Parou a alguns metros de distância, escavando a terra e balançando o rabo.
—Não faça charme, rapaz — Leah brincou. — Trouxe uma coisa para você. — Abri a mão, de modo que o animal visse os torrões de açúcar. — Venha. Sei que você gosta.
Sem hesitar, o cavalo se aproximou da cerca. Comeu o açúcar na palma da mão de Leah. Depois, mordiscou de leve os dedos dela, num gesto de domínio. Com um relincho, galopou de volta ao pasto.
Leah cruzou os braços, recusando-se a deixar-se abater pela tristeza. Fizera sua escolha. Uma escolha que protegeria o garanhão, protegeria o rancho, protegeria a avó e todas as criaturas que viviam sob sua responsabilidade.
Entendera por que Dreamseeker a mordera. Quisera provar que ainda era livre para se aproximar e, depois, fugir. Isso a entristeceu ainda mais, pois sabia que vivia uma mentira.
De volta à casa, Leah selou um cavalo e foi para a cabana. Apesar de primavera, o tempo estava mais quente e úmido do que aquele fatídico dia de oito anos antes. O ar estava abafado, carregado com a ameaça de tempestade. Leah tremeu. As coincidências que cercavam os dois encontros pareciam assustadoras demais.
Ao chegar, Leah amarrou o cavalo. Hunter não chegara ainda. Leah parou na porta, relutando em entrar na cabana. Relutando em enfrentar mais lembranças. Durante oito anos, evitara esse local. Porém, justamente por causa de Hunter, não poderia evitá-lo mais. Respirou fundo e, de queixo erguido, abriu a porta da cabana.
Entrou cautelosamente, olhando ao redor. Surpreendeu-se com o que viu. Estava tudo limpo e em ordem. A mesa, duas cadeiras, a cama. Uma fina camada de poeira era o único sinal de negligência. Alguém cuidara da conservação da cabana. Quem? Por quê?
Revivendo velhas lembranças?
Leah se voltou.
Hunter? Você me assustou.
Uma silhueta surgiu no limiar, bloqueando a luz do sol.
— Não deveria assustar-se com tanta facilidade. Procurando alguma coisa para dizer, com um gesto apontou para os objetos.
— Está tudo igual. Pensei que estivesse tudo destruído. Ele encolheu os ombros..
Um rancho com estas dimensões precisa de cabanas, para os empregados descansarem quando trabalham nos pastos.
O clima estava tenso. Leah não conseguiria suportar por muito tempo aquele situação de confronto. Decidiu não prolongá-la. Encarando-o, perguntou num tom defensivo:
Por que quis encontrar-me aqui?
Apenas para aborrecê-la.
Conseguiu. Essa foi a única razão?
Não. Poderia ter pedido que fosse até Houston. Porém, considerando nossa história... — Apoiou-se na porta.
Com as mãos na fivela do cinto, a calça jeans delineando os músculos das pernas, era todo masculinidade e atração. Leah desviou o olhar. Não queria lembrar-se das vezes em que ele desvestira os jeans e a camisa, expondo seu corpo para uma Leah apaixonada e ansiosa.
Obrigou-se, desesperadamente, a concentrar-se na conversa.
— Você leva muito mais vantagens do que eu, por negociar aqui — ela argumentou. — Despertando velhas memórias, jogando com meus sentimentos de culpa... tudo isso poderá me enfraquecer, não é?
— Sim. Jogo para vencer. Melhor compreender esse ponto desde agora, Leah.
Ela contraiu os lábios.
E se não compreender?
Compreenderá. Você e eu vivemos num círculo. Voltamos ao ponto de partida. Todavia, não é a mesma coisa. Você mudou. Eu mudei. Nossa situação mudou.
Em que mudou? — Leah indagou, curiosa. — Em que você mudou? O que fez, depois que deixou o rancho?
Hunter hesitou. Por um instante, Leah pensou que não responderia.
Primeiro, concluí meus estudos. Depois, trabalhei vinte e quatro horas por dia para construir minha... fortuna.
Suponho que foi bem-sucedido.
Diria que sim.
É tudo o que tem para me dizer? Que estudou e enriqueceu?
Sim.
Leah o encarou, cheia de suspeitas. Sem dúvida, Hunter não revelara tudo. Havia muito mais para contar.
Por que tanto mistério? — questionou-o, dando voz às suas preocupações. — O que está escondendo?
Ainda me agredindo, Leah?
Tenho o direito de saber. Afinal, é o meu rancho que está em jogo.
Hunter negou com um movimento de cabeça.
O rancho pode ser seu. Mas quem está no comando sou eu. Quero que isso fique bem claro.
Não, não está nada claro! — esbravejou. — Aliás, vou logo avisando que não admitirei que fique jogando nosso passado no meu rosto, a todo momento. Não passarei o resto da minha vida, pedindo desculpas por uma falta que não cometi.
Não pretendo tocar mais nesse assunto, Leah. Creio que precisamos esclarecer certos pontos, para que não haja nenhuma dúvida na sua cabeça. Não quero que diga, depois, que não avisei.
Avisou-me?
Há sete anos, você está administrando sozinha este rancho, levando-o quase à ruína. Agora, estou aqui com a intenção de salvá-lo. E conseguirei. Entretanto, você terá que entender e aceitar que eu assumi o comando. Não admitirei que me questione na frente dos empregados ou que discuta minhas decisões. Terá que confiar em mim, Leah. Inteiramente. Sem perguntas. Começaremos agora.
— Você esteve longe durante tanto tempo... Não me parece razoável...
Num movimento brusco, Hunter arregaçou a manga da camisa.
Está vendo esta cicatriz? — Uma linha comprida e tortuosa marcava o antebraço.
Sim. — Leah sentiu um frio na espinha.
Eu a ganhei quando o delegado jogou-me pela janela. Há outra, na coxa. Um dos homens de Lomax tentou marcar um gol com a espora. Quase conseguiu. Quebrei a clavícula e algumas costelas nesta porta. — Examinou-a com atenção. — Ainda está fora de esquadro. Depois de tudo, parece que deixei minha marca aqui.
Constrangida, Leah perguntou-se como o pai e o delegado Lomax puderam agir com tanta crueldade.
— Você voltou para vingar-se, não? — perguntou num fio de voz. — Quer o controle do rancho para vingar-se do modo como meu pai o tratou e, também, porque não fui embora com você?
Acredite no que quiser, Leah. — Inclinou-se na direção dela. Suas palavras soaram frias e duras. — Veja bem. Fui expulso destas terras uma vez. Não acontecerá de novo. Se não concordar com minhas imposições, venda o rancho. Mas, se casar comigo, não espere uma sociedade. Nos meus negócios, quem dá as ordens sou eu.
Sua palavra é lei. É isso?
Exatamente.
Acontece que também tenho algumas condições.
Ah, sim? Quais são?
Leah tirou do bolso a lista que preparara. Ignorando o riso abafado de Hunter, indagou:
Como ficam meus empregados? Estão conosco há muitos anos. Como poderá me garantir que nada mudará em relação a eles?
Não estou garantindo nada. Se cumprirem suas tarefas satisfatoriamente, ficarão. Do contrário...
Leah sentiu um sinal de alarme. Todos os empregados sempre foram dedicados e cumpridores de suas tarefas. Todavia, poderiam não ser suficientemente bons, dentro dos padrões de Hunter.
Pensou em Patrick. Com uma perna defeituosa, não era tão forte e rápido como um capataz deveria ser. Pensou no casal Mateo e Inez Arroyas. Inez era uma governanta competente, mas tinha seis filhos para cuidar. Leah sempre insistira para que as crianças viessem em primeiro lugar, mesmo em detrimento do serviço da casa. Mateo era excelente no trato com cavalos. Porém, tendo perdido um braço num acidente de automóvel, tinha dificuldades em conseguir emprego.
Duvidava que Hunter compartilhasse de sua opinião.
Mas..
Já começou a questionar meus julgamentos? — ele perguntou num tom suave.
Não, exatamente. Gostaria de ter algum tipo de garantia que essas pessoas não serão demitidas. — Percebeu que a expressão dele tornava-se séria. — Sou responsável por elas —forçou-se a explicar. — Não conseguirão trabalho em outro lugar.
Não sou um homem desumano ou insensato. Seus em pregados não serão demitidos sem justa causa.
Não era propriamente uma garantia, mas era o melhor que conseguira dele.
— E minha avó?
Um brilho de raiva surgiu nos olhos dele.
— Pensa que não sei o quanto Hampton Homestead significa para ela?
— Você não pretende obrigá-la a mudar-se? Imediatamente, Leah percebeu que o ofendera.
Por mais que a ideia me atraia, não é minha intenção arrancá-la de seu lar. Qual a próxima pergunta da lista?
Quero um acordo pré-nupcial, estabelecendo que, em caso de divórcio, ficarei com o rancho.
Não haverá divórcio. Ela levantou o queixo,
Então você não faz objeção a esse acordo, não? Hunter passou a mão pela nuca, denotando impaciência com a lista.
Melhor deixar que nosso advogado cuide desses detalhes. Recuso-me a começar um casamento, discutindo um divórcio imaginário.
Ok.
Próxima?
Leah respirou fundo. O último item poderia ser o mais polémico de todos.
— Não dormirei com você — falou num só fôlego. Hunter sorriu com ironia.
Este quesito é o que há de mais irreal. E você sabe muito bem disso.
Eu...
Leah não completou a frase, pois Hunter a interrompeu bruscamente.
Será um casamento de verdade. No mais completo sentido da palavra. Dormiremos juntos, beberemos, comeremos, faremos amor juntos.
De jeito nenhum — ela protestou, à beira do desespero. — Você quer o controle do rancho e terá. Eu não faço parte da permuta. Não aceito!
Aceitará, Leah, e gostará — afirmou com segurança. —Eu a conheço muito bem para saber o que é melhor para você.
Você conheceu uma garota de dezoito anos, inexperiente e ingénua. Mas não sabe nada a respeito da pessoa na qual me transformei. Não sabe absolutamente nada sobre meus sonhos, minhas esperanças, meus anseios. E jamais saberá.
Outro desafio? — Hunter se aproximou dela. — Poderemos resolver isso agora mesmo! A cama é um pouco estreita, mas não tem importância. Garanto que não se decepcionará.
Leah recuou.
Atrevido! Não poderá me forçar!
Não costumo usar a força. Aliás, não será necessário.
Por um terrível momento, Leah imaginou que ele se dispunha a provar o que afirmara. Que, num movimento rápido, a seguraria, levando-a para a cama. Aliviada, percebeu que Hunter relaxava, apesar do olhar intenso e misterioso.
— O que tem a dizer a respeito de filhos? — ele perguntou inesperadamente. — Ou será que esse item está fora da sua lista?
Os fatos haviam se precipitado de tal maneira, que Leah esquecera-se por completo do assunto.
Você quer filhos? — ela indagou, meio incerta. Hunter continuava a olhá-la com desconfortável intensidade.
Você quer? Ou devo perguntar se você quer meus filhos?
Um dia, sonhei com isso — confessou ém voz baixa.
E agora?
Olhou-o, tentando esconder o nervosismo.
— Sim, quero ter filhos.
— Não os terá, se eu concordar com suas condições. Tire essa exigência da sua lista, Leah. Está totalmente fora de cogitação.
Leah não concebia a ideia de entregar-se a ele sem amor, sem compromisso. Todavia, não tinha escolha.
— Hunter, por favor...
Ele a tocou. Segurando a cabeça de Leah entre as mãos, obrigou-a a fitá-lo.
— Faremos amor, você e eu, e teremos filhos. Muitos. As chances de nascerem loiros com olhos azuis são mínimas. Você poderá suportar isso?
— Não sou meu pai. Sei que não acredita, mas é verdade. Acha que amarei menos um filho só porque é moreno, em vez de louro? — Atreveu-se a acariciar os cabelos pretos de Hunter.
Ele tomou-lhe a mão, pousando-a sobre o braço cicatrizado. A palidez de Leah contrastava com sua pele bronzeada.
A diferença de cor incomoda a muita gente.
Não a mim. Nunca incomodou.
Hunter assentiu, aparentemente aceitando as palavras dela.
Mais alguma condição?
Não. Entretanto, não prometo que jamais o questionarei. Amo este rancho e farei o possível para proteger o pessoal daqui.
Agora, isso é comigo.
O que não significa que não me preocuparei.
As preocupações também fazem parte do meu trabalho. Leah concordou. Faltava apenas uma questão para ser resolvida.
Sobre o casamento...
— Quero casar no final da semana. Diga-me onde e quando. Estarei lá. Não quero que passe de sábado.
:— Assim rápido? Falta menos de uma semana!
Você já está com segundas intenções, Leah?
Não... Há muito para ser feito e o tempo é curto.
Arrume tempo. — Apertou-a em seus braços. — Agora, preciso ir. — Beijou-a.
O beijo afastou os fantasmas do passado. Por mais que tentasse opor-se a ele, mantendo um pedaço de si mesma protegido e em segurança, Hunter derrubava todas as suas resistências com incrível facilidade.
O beijo se tornava mais exigente. Hunter acariciou o seio de Leah, tocando o mamilo enrijecido sob o tecido fino da blusa. Ela não se rebelava... Permitia que Hunter a tocasse como desejava, que explorasse seu corpo como queria, que a conduzisse por caminhos de sonho e prazer, que conhecera somente com ele.
Por um instante, Leah imaginou que ainda significava algo de especial para Hunter, que a queria muito mais do que ao rancho. Porém, o momento de magia se desfez, quando se lembrou que tudo não passava de um jogo de interesses, de vingança.
Por fim, Hunter a soltou.
Telefone-se contando sobre os detalhes — instruiu-a, caminhando para a porta. — Precisaremos obter a licença o mais rápido possível.
Mais uma coisa — ela pediu. Após uma breve hesitação, prosseguiu: — Conrad Michaels aposentou-se. Você foi o responsável pela aposentadoria dele?
— Sim.
Leah suspeitava. Mesmo assim, chocou-se por ouvi-lo admitir o fato com naturalidade.
— Por quê?
Hunter não respondeu. Saiu da cabana, obrigando-a a segui-lo. Montou seu cavalo. Leah o alcançou.
— Hunter, por favor. Por que forçou Conrad a aposentar-se? Ele a fitou em silêncio, por um longo momento. Depois, inclinou-se, com um brilho ameaçador nos olhos negros.
Porque ele a colocou em risco.
Do que está falando?
Do anúncio.
Fui eu quem publicou o anúncio, não Conrad.
Você foi uma tola, Leah. Será que não imaginou o perigo que corria, entrevistando desconhecidos dentro da sua própria casa?
Por isso aposentou Conrad.
Acredite-me, tomei a decisão certa. Precisava fazer alguma coisa, antes que ele a influenciasse com outras ideias malucas. Considerando que Conrad é um velho amigo da família, resolvi facilitar as coisas para ele.
Um pensamento passou pela mente de Leah.
— Se você é tão poderoso, suficientemente poderoso para forçar a aposentadoria de Conrad, por que faz tanta questão do rancho? — interrogou-o. — O rancho deve ser peixe pequeno para você. Por quê, Hunter? Por quê?
Um sorriso irónico surgiu nos lábios dele. Com a ponta do dedo, afastou o chapéu da testa.
— Minha querida futura esposa, esta é uma pergunta à qual não pretendo responder.
Com isso, afastou-se. Nuvens escuras cobriam o céu, anunciando a tempestade que não tardaria a cair. Um relâmpago cortou o céu, na direção que Hunter seguia.
Leah suspirou, perguntando-se se a fúria da natureza era um presságio de coisa tristes ou uma promessa.
Com apenas cinco dias para os preparativos, Leah _ 'decidiu que a melhor solução seria um casamento íntimo no rancho. Depois da cerimónia, ofereceria um jantar apenas para os amigos mais íntimos e os empregados.
Além do mais, não conseguiria suportar um dia inteiro de comemoração, quando, na verdade, o casamento não seria mais do que um acordo de negócios.
A avó não discutiu os planos de Leah. Apenas insistia para que convidasse Conrad Michaels.
Talvez sua presença desagrade a Hunter, mas Conrad é um velho amigo de família — Rose argumentou. — Gostaria que a conduzisse até o altar.
Não creio que Hunter se incomodaria. O problema é se Conrad se sentirá à vontade na presença de Hunter — Leah observou. — Vou telefonar para Conrad para saber o que ele pretende fazer. Não o pressionarei.
Conrad mostrou-se amável e ansioso.
— Apreciaria muito a oportunidade de melhorar meu relacionamento com Hunter — ele confessou. — Mereci a repreensão dele.
— Repreensão? — Leah repetiu. — O que ele disse? Após um embaraçoso silêncio, Conrad admitiu:
Oh, nada demais. Ele fez algumas observações justas, principalmente com relação ao seu anúncio.
Que observações?
Que não deveria tê-la encorajado a procurar por um marido — a explicação veio rápida. — Agora, pensando melhor, concordo que foi uma loucura. Jamais me perdoaria se algo de ruim tivesse lhe acontecido, Leah.
Mas acontecera. Hunter respondera ao anúncio.
— De qualquer modo, o resultado foi satisfatório — ela men tiu. — Não se preocupe mais. Está tudo bem.
Depois de confirmar a presença de Conrad, despediram-se.
Os dias seguintes transcorreram como um turbilhão. Leah passava o tempo providenciando jantar, flores, decoração e a licença de casamento. Por fim, cansada de tanta confusão, pediu à avó e a Inez:
O resto é com vocês.
Mas, sehorita, por favor — Inez protestou. — O casamento deve ser perfeito. E se cometermos algum erro? Não se importa?
Leah se importava. Esse era o problema. Como não se importar com o casamento dos seus sonhos, se a cerimónia da sexta-feira seria uma farsa?
O que decidirem para mim estará perfeito. Apenas mantenham a simplicidade.
E o vestido? — Rose lembrou, antes que Leah saísse da sala. — Parece que está esquecendo de propósito, não?
Pretendo comprá-lo quinta-feira. — Recusava-se a admitir a verdade contida nas palavras da avó.
— Oh, não, querida — Rose contestou com a costumeira obstinação. — Já tenho o vestido de noiva para você. Sua mãe o usou no casamento dela e é o vestido mais extraordinário já vi em toda minha vida. Está no sótão. Limpo, bem conservado, perfeito. Experimente-o. Talvez precise de ajustes.
Leah obedeceu com relutância. No sótão, não teve dificuldades em encontrar uma caixa com o nome da mãe e a data do casamento. Levou-a para direto para o quarto. Precisava de alguns momento de privacidade para examinar o vestido de noiva. Passou a chave na fechadura da porta, abriu a caixa.
Segurou o vestido, sentindo um aperto na garganta. A avó tinha razão. O vestido não tinha nada de comum. Sua mãe era professora de história medieval. O modelo, que refletia sua obsessão pela época, incluía o véu de tecido finíssimo e a tiara de prata. Era bonito e romântico. O tipo de vestido que qualquer mulher sonharia em usar.
Sentiu os olhos lacrimejando.
O vestido prometia felicidade e alegria. Não uma transação comercial. Prometia uma vida de risos e companheirismo. Não conflitos e desentendimento, que era o que esperava de um casamento vazio. Acima de tudo, o vestido prometia amor eterno. Não a amargura e a mágoa que consumiam seu futuro marido.
Sem se dar tempo para reconsiderar, guardou o vestido e a caixa em baixo da cama. Depois, correu para o pasto. Assoviou para Dreamseeker, precisando, pelo menos por um instante, sentir-se como o garanhão. Livre, selvagem e dono de sua vontade. O cavalo não atendeu a seu chamado. Leah, então, sentiu-se mais sozinha e abandonada do que nunca.
Você disse que não posso usar o vestido? — Leah perguntou a Inez. — Por quê?
Arruinado, sehorita. Sinto muito.
Arruinado? Como?
O ferro! Queimei seu vestido!
— O vestido não precisava ser passado! A governanta não continha as lágrimas.
Desculpe. Queria tudo perfeito. Estava entusiasmada e...— Torcia as mãos. — Perdoe-me.
Tudo bem, Inez — Leah procurava acalmá-la. — Só que vou me casar dentro de uma hora. E, agora? Não posso descer assim. — Apontou para o conjunto de calcinha e sutiã de seda.
— A senõra Rose sugere que use o vestido de su madre.É lindo!
Leah fechou os olhos. Antes que tivesse coragem de mover-se até o closet, a fim de vestir a primeira roupa que lhe caísse às mãos, Inez entregou-lhe o vestido de noiva. Tocou o corpete bordado em pérolas e fios prateados. Realmente, era um vestido encantador. E pertencera à sua mãe.
Sabendo que qualquer discussão seria absolutamente infrutífera, permitiu que a governanta a ajudasse a vestir-se.
— O cinto, sehorita.
Inez segurou a corrente de prata, enrolando-o duas vezes na cintura de Leah. A corrente, também toda adornada com pérolas, ia até a altura dos joelhos. Com os movimentos, os elos repicavam levemente.
Maravilhosa — Inez murmurou. — Agora, vamos cuidar dos cabelos. Vai deixá-los soltos?
Pensei em trançá-los.
Rapidamente, Inez fez duas tranças estreitas. Puxando-as para a nuca, enrolou-#s num coque.
Ficou bem — Leah aprovou.
O resto dos cabelos ficará solto — Inez explicou, ajeitando os cachos. Por fim, colocou o véu e a tiara de prata. Recuando alguns passos, bateu palmas. — Qué hermosal O sehor Hunter é um homem de sorte.
Leah não respondeu. Como explicar à governanta que aquele encenação toda nada tinha a ver com a sorte. A menos que considerasse como má sorte.
— Quanto tempo falta? — indagou.
Apenas alguns minutos. O sehor Michaels está à sua espera no pé da escada.
Estou pronta. — Pegou o buque de flores do campo. Presente das crianças Arroya. Beijou o rosto de Inez. — Obrigada pela ajuda. Agora, pode ir. Descerei num minuto.
A governanta saiu, fechando a porta. A sós, Leah mirou a estranha refletida no espelho. Perguntou-se o que Hunter pensaria ao vê-la vestida de noiva. Ridícula? Atraente? Talvez nem se preocupasse com a aparência dela. Fechou os olhos e orou em silêncio. Orou para que, algum dia, Hunter encontrasse paz e felicidade naquele casamento... e, quem sabe, amor. Mais relaxada, caminhou em direção à porta. Não poderia demorar mais.
À medida que descia os degraus, o tecido do vestido farfalhava como folhas ao vento. Conrad a esperava. Olhou-a. A reação dele foi tudo o que Leah desejara. Fitava-a boquiaberto, como se não acreditasse nos próprios olhos.
Leah — murmurou, com voz enrouquecida e surpresa. — Minha querida, parece um sonho! Isso me faz imaginar...
Imaginar o quê?
Imaginar que, afinal, não fui tão irresponsável por incentivá-la a publicar o anúncio — confessou. — Tem certeza de que este casamento é o que deseja? Ainda há tempo para mudar de ideia.
Você sabe tão bem quanto eu que é tarde demais. De qualquer modo, não mudaria de ideia.
Conrad concordou com um movimento de cabeça.
— E isso aí. — Ofereceu-lhe o braço. — Vamos?
De braços dados, caminharam para o galpão, construído em toda a extensão da casa. Foi a vez de Leah surpreender-se. Grandes vasos de flores perfumadas decoravam o local. O toque romântico ficou por conta da luz radiante das inúmeras velas espalhadas por todos os cantos. O clima combinava perfeitamente com o estilo medieval do vestido de noiva.
Seu olhar procurou por Hunter, no outro extremo do galpão. Sentiu suas pulsações aceleradas. O cowboy desaparecera. No lugar dele, havia um homem que vestia smoking com a mesma naturalidade com que usava jeans. Extremamente sofisticado e distante.
Os cabelos negros reluziam à luz das velas. Os olhos brilhavam como lavas, queimando com fogo e paixão.
O súbito silêncio causado pela chegada de Leah chamou a atenção dele, que a fitou com intensidade. De repente, o ar de indiferença dissolveu-se. Sua expressão ganhou vida, vibrando em toda sua ferocidade. Olhava-a como um guerreiro observava sua próxima conquista. Ele era o prémio. Leah controlou-se para não virar as costas e sumir dali.
Conrad começou a andar. Leah o acompanhou. Para não fugir ao tema, instrumentos de cordas tocavam músicas medievais. Com os olhos fixos em Hunter, deixou-se conduzir por Conrad, alheia ao que se passava ao seu redor. Como num sonho, viu Hunter pegar em sua mão.
O padre começou a cerimónia. Leah não ouviu uma só palavra. Nem mesmo recordava-se de ter feito os votos de casamento. A aliança que Hunter colocara em seu dedo era o início das mudanças que ocorreriam em sua vida. Observou a aliança por longo tempo, estudando o trabalho em ouro e se perguntando o motivo pelo qual ele escolhera aquele modelo delicado.
— Leah — Hunter despertou-a daquele estranho estado de letargia.
Olhou-o confusa.
Sim?
Já somos marido e mulher. — Enlaçou-a. — É hora de beijar a noiva.
Apesar de saber que aquela situação toda não passava de uma manobra de Hunter para conseguir o controle do rancho, Leah foi incapaz de resistir aos carinhos dele. Perdeu-se naquele abraço, sucumbindo ao calor de seu primeiro beijo como esposa de Hunter.
— Leah, minha mulher — ele murmurou, fitando-a direto nos olhos.
O olhar de satisfação a irritou. Felizmente, a irritação desapareceu, dando lugar à alegria de receber os cumprimentos dos amigos e empregados.
Depois, todos se dirigiram à sala de jantar, também enfeitada com flores e velas. Leah e Hunter sentaram-se frente à frente mesa principal. Durante todo o jantar, Leah sentiu o olhar intenso de Hunter, acompanhando todos os seus movimentos. À medida que o tempo passava, mais se conscientizava da presença dele.
Quase ao final do jantar, Hunter se levantou com o copo na mão.
Um brinde — anunciou. Todos os convidados se voltaram para ele.
Um brinde à noiva? — Conrad indagou.
Um brinde à minha esposa — Hunter ergueu o copo._ A mulher mais bonita que já conheci. Que todos os seus sonhos se realizem... e valham o preço que ela está pagando.
Os convidados responderam ao brinde. Em seguida, foi a vez de Leah se levantar.
— Ao meu marido. A resposta aos meus sonhos. — Bebeu o líquido num só gole.
Antes da meia-noite, os convidados começaram a se despedir. Rose combinara passar o fim de semana em casa de amigos. Os empregados ganharam alguns dias de folga. Somente Patrick ficaria no rancho para cuidar dos animais. Porém, conhecendo-o tão bem, Leah sabia que não o veria até a manhã de segunda-feira.
Depois da saída do último convidado, Leah e Hunter pararam no hall. A tensão entre eles era quase palpável. Leah apertou as mãos, sentindo novamente o peso da aliança. Lembrou-se do pensamento que lhe ocorrera durante a cerimónia.
—Você comprou as alianças ou...
Hunter a interrompeu.
—Lógico que as comprei. Ou será que pensa que encarreguei minha secretária para comprá-las.
—Nem sabia que você tem secretária — confessou. — A propósito, Hunter, o que você faz?
Após um instante de hesitação, ele decidiu: :— Bem, digamos que trabalhava numa empresa resolvendo situações problemáticas que ninguém conseguia resolver. Leah caminhava pela sala, apagando as velas.
Imagino que seja um bom profissional. Então, por que largou tudo para retornar ao campo?
Quem disse que larguei?
Ah, não? — Leah não escondeu a surpresa.
Em caso de urgência, o pessoal sabe onde éncontrar-me. — Segurando-a pelo braço, tirou-a de perto de algumas velas colocadas em nível mais baixo. — Cuidado. Odiaria ver este vestido em chamas.
Foi de minha mãe. Não tinha certeza se você gostaria dele.
Gosto — Hunter sussurrou à meia-voz. Retendo a respiração, Leah disse:
Ainda não respondeu à minha pergunta.
Que pergunta?
Por que resolveu voltar para o rancho, já que tem um bom emprego?
Trata-se de um trabalho interminável. Agora, esqueça. A menos que queira começar uma discussão na nossa noite de núpcias.
Ela não entendera sua explicação sobre o emprego, mas não insistiu.
Hunter apagou as velas restantes, deixando a sala na semi-escuridão.
— Tenho um presente de casamento para você. — Tirando uma caixa de dentro de uma cesta de flores, entregou-a a Leah. — Abra.
Ela desembrulhou a caixa lentamente. Ao abri-la, deparou com uma curiosa pedra azul presa a uma corrente por um aro de ouro.
— Igual à sua! — Leah exclamou. Seus olhos lacrimejaram.
O único objeto de identificação, deixado com Hunter no orfanato, fora um pingente feito com uma pedra idêntica à réplica que oferecera à Leah. Ele a usava como talismã, embora nunca tenha conseguido descobrir suas origens.
— Achei que uma corrente de ouro ficaria melhor do que a minha tira de couro.
— Obrigada. É linda. — Entregou-lhe a caixa e virando de costas, pediu: — Coloque, por favor.
Suspendeu o véu e os cabelos para que Hunter colocasse a corrente em volta de seu pescoço. A pedra aninhou-se entre os seios dela, fria e pesada contra a pele macia.
Antes que se desse por conta, Hunter a ergueu nos braços. Leah apoiou-se nos ombros dele. Com o coração descompassado, admitiu que o inevitável estava por acontecer. Hunter atravessou o hall, subindo as escadas em direção do quarto principal.
Leah tentou protestar, mas, ao deparar com o quarto todo ornado com flores e velas, sorriu. Sua avó pensara em todos os detalhes. E, ao destinar esse quarto para o casal, Rose demonstrava que aceitava a posição de Hunter como chefe da família.
Onde é o quarto de Rose? — ele perguntou, como se adivinhasse os pensamentos de Leah.
No térreo. Ela tem uma ala independente, construída quando meus pais se casaram. Vovó sempre quis manter não só sua privacidade, como também a do casal.
Hunter forçou um sorriso.
— Então, ainda há esperanças para uma amizade entre sua avó e eu.
Colocou-a no chão. O sorriso desaparecera. A expressão dos olhos dele se intensificava. Tirou a tiara de prata e o véu da cabeça de Leah. Recuou alguns passos.
— Tire o vestido. Não quero rasgá-lo.
O ruído das correntes, o farfalhar do tecido, os sapatos, as mãos de Hunter ajudando-a... Na mente de Leah, tudo acontecia em câmera lenta. De repente, no meio do quarto, sentiu-se terrivelmente consciente de seu corpo coberto apenas pelo conjunto de seda.
— Hunter—murmurou. — Creio que ainda não estou preparada.
Relaxe — aconselhou-nà com voz abafada. — Não há pressa. Temos todo o tempo do mundo. — Abraçou-a. — Lembra-se de como fomos felizes juntos?
Não somos mais os mesmos, Hunter. Nossos sentimentos mudaram.
Algumas coisas não mudam. E isso é uma delas.
Os olhos dele brilhavam, cheios de calor e ansiedade. As feições sérias refletiam desejo. Com a ponta do dedo, tocou no queixo de Leah, obrigando-a a fitá-lo.
Ela estremeceu. Hunter sempre fora extremamente carinhoso. Um amante que combinava sensibilidade com paixão. Por isso, fazer amor com ele fora uma experiência que Leah jamais esquecera.
— Quero fazê-la feliz, Leah. — Beijava-a no lóbulo da orelha, no pescoço. Com dedos ágeis, ele desabotoou o sutiã.
Leah fechou os olhos. Sabia como era maravilhoso fazer amor com Hunter. O que a preocupava, porém, era o dia seguinte, quando teria de encarar a realidade. Tocou-lhe o seio e seu coração parecia querer explodir sob a palma de sua mão. Por um longo momento, ainda hesitou entre entregar-se à magia do momento ou reprimir suas emoções.
Foi tudo tão rápido — tentou argumentar.
Faremos com que se prolongue. — Com a ponta do dedo, acariciava o mamilo, quase a enlouquecendo.
Tirou o paletó e a gravata. Desabotoou a camisa e depois conduziu Leah até a cama. Cuidadosamente, colocou-a sobre o colchão, deitando-se a seu lado. Enterrou os dedos nos cabelos encaracolados.
Desejei fazer isto, desde o momento em que vi a foto — ele confessou.
Que foto? — Leah olhou-o confusa. Pelo modo como falava, Hunter dava a entender que vira uma foto recente. Mas, onde? quando?
Os músculos dele se contraíram. Hunter levou algum tempo até explicar:
A foto que estava sobre a escrivaninha de seu pai. Você aparece com os cabelos soltos.
Na época em que você trabalhou aqui, meus cabelos eram curtos.
Sim. Mas gosto deles compridos. — Ele se esquivou, sem se preocupar em esclarecer a confusão.
O clima de encantamento esvaiu-se. Leah se afastou.
Hunter — balbuciou. -— Não posso.
Seu nervosismo é natural —ele comentou num tom frio, sem esboçar qualquer tentativa para tocá-la.
Não é apenas nervoso. — Cobriu-se com o lençol, sob o olhar perscrutador dele. — Você conseguiu seu objetivo, Hunter. Estamos casados e não podemos voltar atrás. Ainda há pouco, você mesmo disse que teríamos todo o tempo do mundo. Por que apressar-me, pondo em risco nosso relacionamento? Novamente, ele se contraiu.
— Acredita que se fizermos amor prejudicaremos nosso relacionamento?
Mordendo o lábio, ela concordou com um movimento de cabeça.
Prejudicaremos, sim, se não estivermos preparados. Com toda sinceridade, Hunter, não estou preparada ainda.
Quando estará? — perguntou num tom áspero.
Não sei.
Tente adivinhar, Leah. Minha paciência não é infinita.
— Não foi isso que você falou, há cinco minutos. Hunter a segurou pelos ombros.
Há cinco minutos atrás, minha querida, você estava tão ansiosa quanto eu para consumar nosso casamento. Você me quer tanto quanto a desejo, Leah. Não adianta negar.
Isso é luxúria, não amor. Luxúria não é suficiente para mim. — Consciente do quanto inadvertidamente revelara, ela se desvencilhou dos braços dele e saiu da cama. — Eu... eu preciso apenas de mais algum tempo. É tão difícil entender? Estou pedindo demais?
Ele soltou uma gargalhada. Passou a mão pelos cabelos, denotando impaciência.
— É inevitável que aconteça o que você está tentando adiar. Hoje, amanhã, depois... Qual a diferença?
Encarou-o com expressão desesperada.
— Quarenta e oito horas. — Aguardava ansiosa. Hunter relaxou e Leah sorriu timidamente.
Ok, Leah. Esperarei. Todavia, não extrapole. Minha pa ciência tem limites.
Estou certa que sim. — Aproximou-se da porta. — Vou trocar de roupa.
Não demore.
Com a cabeça erguida e envolta no lençol, saiu em direção ao seu quarto de solteira.
Escolheu uma camisola simples. Depois de vesti-la, sentou-se na cama, ruminando seus pensamentos. Não tinha certeza se melhorara ou piorara a situação, já crítica. Encolheu-se, abraçada ao travesseiro. Se ao menos Hunter a amasse... Tocou o talismã que ele lhe oferecera como presente de casamento O amor de Hunter mudaria tudo. Entretanto, precisava encarar a realidade. Quanto mais rapido aceitasse esse fato, menor seria o sentimento de frustração
Por mais que tentasse se mostrar realista, não conseguiu evitar que as lagrimas corressem pelas faces.
Leah acordou ao amanhecer incomodada por um estranho peso sob suas pernas. Virando a cabeça, deparou com Hunter dormindo a seu lado. Aquela visão despertou-a por completo. Olhou ao redor, certificando-se que não sonhara. Estava de volta ao quarto principal.
Lembrava-se vagamente de Hunter entrando em seu antigo quarto, onde cochilara abraçada a um travesseiro.
— Dormiremos juntos, mulher — murmurara.
Levara-a nos braços para o quarto do casal. Leah não protestara. Ao contrário. Enlaçando-o pelo pescoço, apoiara a cabeça em seu ombro.
Hunter a colocara na cama perfumada com o aroma de flores. Depois disso, lembrava-se apenas da sensação de calor e paz invadindo-a, corpo e alma, quando ele a envolvera num abraço protetor e aconchegante.
Leah olhou-o novamente, estudando as feições marcantes com grande curiosidade. Mesmo adormecido, não perdia a imponência, a força, o carisma. A barba crescida só servia para intensificar a aura de perigo e agressividade que emanava dele, como uma segunda pele. O lençol até a cintura, deixava à mostra o dorso nu. Leah se inebriava com aquela visão, contendo o ímpeto de acariciá-lo. Temendo ser descoberta num momento de fraqueza, decidiu levantar-se, antes que Hunter acordasse.
Saiu silenciosamente do quarto. Na cozinha, pegou uma maçã e torrões de açúcar. Ainda de camisola, foi até o pasto. O vento batia em seu corpo e balançava seus cabelos. Assoviou para Dreamseeker, que atravessou o pasto a galope. Quando parou ao lado da cerca, Leah ofereceu-lhe a maçã. O animal comeu avidamente. Depois, não satisfeito, roçou a cabeça no ombro de Leah, até que ela se comovesse e lhe desse o açúcar. O garanhão esperava, com os músculos vibrando. Leah estendeu a mão e, enquanto Dreamseeker comia, acariciou-o no pescoço, satisfeita com a demonstração de confiança.
— Que diabos está fazendo?
A voz de Hunter os assustou. Dreamseeker fugiu a galope e Leah tremia de susto e raiva.
— Droga, Hunter! Precisava chegar assim tão de mansinho, feito um gato?
Ele cruzou os braços.
Gato?
Sim! Você assustou Dreamseeker e a mim também.
Sei — sua voz soou distraída e maliciosa.
De repente, Leah percebeu que, com o sol às suas costas, a camisola tornara-se transparente. E, absorvido pela visão, Hunter não estava absolutamente preocupado com o fato de tê-los assustado.
— Hunter Pryde, às vezes o odeio, sabia? — esbravejou, antes de iniciar o caminho de volta.
Não chegou longe. Hunter a alcançou.
Pode me odiar à vontade, mulher. Nada vai mudar. Quanto mais depressa se conscientizar disso, melhor.
Não soii nenhuma idiota. Você casou comigo apenas por que essa foi a única forma de colocar as mãos no rancho. Entretanto, isso não quer dizer que venceu a parada, Hunter. Não vou desistir.
Não? — Ele sorriu divertido. — Veremos.
Leah precisava convencê-lo e, sobretudo, convencer a si mesma.
Você não vencerá, Hunter. Não permitirei. Jamais!
Quanta paixão! Quanta energia! — ele murmurou, enlaçando-a. — Tudo desperdiçado aqui. Por que não entramos e nos beneficiamos com tudo isso?
Você prometeu esperar. — Leah reagiu. — Ainda não estou pronta.
Não? — Nos olhos negros, um brilho cínico. — Acorde, mulher! Não me custa nada quebrar a promessa.
Num movimento rápido e inesperado, Hunter a pegou nos braços, levando-a de volta para casa. No hall, colocou-a no chão, sem, contudo, soltá-la.
— Hunter, por favor, deixe-me ir — pediu num tom de súplica. Evitava encará-lo. Não se atrevia a ver a paixão que sabia estar estampada nas feições fortes e determinadas. Se o fizesse, com certeza, não resistiria.
—> De jeito nenhum. — Beijou-a, abalando seu equilíbrio.
Por fim, soltou-a. Leah o fitou com olhos angustiados. Não queria que Hunter a tocasse, a beijasse, obrigando-a a voltar à vida. Não pretendia experimentar novamente a dor que seu amor por ele lhe causaria.
Todavia, desconfiava que Hunter não se preocupava com os sentimentos dela. Ele tinha métodos próprios. E ela estava nos últimos lugares em sua lista de prioridades.
— Na noite passada, eu a preveni. Não esperarei eternamente. — Puxou a manga da camisola. — Se a encontrar de novo andando assim, não me responsabilizarei por meus atos, ouviu? Agora, vá trocar de roupa.
Leah abriu a boca para revidar, mas Hunter não lhe deu chance.
— Vou inspecionar o rancho. Sairei daqui a cinco minutos. Com ou sem você.
Leah trocou de roupa rapidamente. Vestiu jeans, camiseta e botas. Trançou os cabelos, pegou o chapéu e desceu as escadas pensando que deveria levar seus objetos e roupas para o quarto que, agora, dividia com Hunter.
— Tem tempo — resmungou.
Encontrou Hunter no estábulo, selando dois cavalos. Ele estendeu uma sacola de papel.
Pegue. Está com fome?
Obrigada. Estou faminta. — Verificou o conteúdo da sacola. Doces que Inez preparara para o casamento. — Trouxe café?
A garrafa térmica está na mochila. Sirva-se. — Olhou-a. — Coloquei a égua Appaloosa em outra cocheira. Há um rombo, lá no fundo. — Apontou o local danificado. — Parece que precisaremos de um telhado novo.
Pedirei a Patrick para providenciar o conserto..
Não. — Ele empurrou a aba do chapéu. — Eu disse que o estábulo precisa de um telhado novo.
Leah guardou a sacola com os doces. Tirou a garrafa térmica da mochila.
Mais um daqueles testes conjugais?
Vai começar, é?
Leah ignorou a advertência.
— Um teste — continuou. — Você diz que precisamos de um telhado novo. Eu digo que não. Você diz que é o chefe e que vamos comprar um telhado novo. E eu digo que não temos condições. Você diz que vamos comprar de qualquer maneira, mesmo que fiquemos sem comer durante um mês. Se eu disser qualquer outra coisa, você dirá que, antes de nos casarmos, em prometi isto e concordei com aquilo. Dirá, também, que é o chefe e que sua palavra é lei. Não é isto que está acontecendo?
Rindo, Hunter concordou com um movimento de cabeça.
Exatamente. Fico feliz por saber que você aprende fácil. — Entregou-lhe uma capa impermeável amarelo brilhante. — Leve isto. — O homem do tempo previu chuva.
Hunter, realmente, não temos condições para comprar um telhado novo. — Enrolou a capa, amarrando-a na sela. — Do contrário, já teríamos comprado na primavera passada, ou na anterior ou na anterior da anterior.
— Compraremos um telhado novo. — Montou no cavalo. — E, não precisaremos ficar sem comer durante um mês.
Após uma breve hesitação, Leah também montou.
— Pode me explicar como?
— Deixe as preocupações comigo, mulher. — Estalou o língua, incitando o cavalo a trotar.
Passaram a manhã visitando a parte leste da propriedade. Leah começou a enxergar o rancho com os olhos de Hunter. O resultado não a agradou em nada. Em todos os cantos, havia sinais de negligência. Cercas cortadas. Estacas caídas. Uma parte do gado apresentava evidências de vermes e a maioria dos animais não havia sido marcada, nem vacinada.
A sudeste das terras, Hunter desmontou às margens de um riacho.
O que seus empregados estão fazendo, Leah? — ele perguntou, contrariado. — Não há desculpas para o estado precário do rancho.
Tem faltado dinheiro — defendeu-se. — Não posso pagar empregados suficientes para cuidar de tudo.
Sinto decepcioná-la. Independente da quantidade, seus empregados não estão trabalhando absolutamente nada.
Muito do que vimos não é por culpa deles, mas minha. Não tenho tido tempo para inspecionar pessoalmente.
Bobagem, Leah. Qualquer capataz competente resolveria esses problemas.
Você me garantiu que ninguém seria demitido antes de provarem suas habilidades. Sei que a situação não é lá essas coisas, mas dê-nos uma chance. Diga-nos o que quer e faremos o possível.
Ele tirou as luvas, pendurando-as no cinto.
— Tudo o que quero é que desça desse cavalo e sente para conversarmos.
Leah resistiu.
Se sentarmos sob a nogueira, pegaremos carrapatos.
Você pegou da última vez? — Tirou o chapéu.
Ela fechou os olhos. Então, Hunter se lembrava do lugar. De repente, desejou saber se sua parada ali fora casual ou premeditada.
Bem, encontrei um ou dois — admitiu.
Esta noite examinarei seu corpo.
Agradeço, mas prefiro não me expor.
Ora, Leah. Desça! — Estendeu-lhe a mão. — Não a trouxe até aqui para recomeçarmos uma discussão. Quero conversar com você. Deixaremos as recordações para outro dia.
Relutantemente, ela desmontou.
Sobre o que quer conversar?
Sobre os reparos e os empregados.
Então começaremos pelos reparos — ela sugeriu. — Já conseguiu o empréstimo? Por isso planeja trocar o telhado do estábulo?
Planejo também substituir as cercas, fixar as estacas, aumentar seu rebanho. Sim, consegui o empréstimo. Temos dinheiro suficiente para deixarmos o rancho em dia. Porém, não é somente a falta de conservação que concorre para a ruína de um rancho.
Leah sentou-se na grama, ao lado de Hunter.
— Hora de discutirmos sobre os empregados?
— Acertou. Antes de nos casarmos, tive oportunidade de conhecer alguns deles.
Então sabe por que os contratei. — Fitou-o direto nos olhos .
Leah...
Não diga nada, Hunter. Primeiro, você vai me ouvir. — Calou-se por um momento, escolhendo as palavras certas para convencê-lo. Precisava proteger seus empregados, a qualquer custo. — Não será fácil meus empregados fixos conseguirem outra colocação. Quando conheci os Arroyas, eles moravam numa choupana, sem as mínimas condições de higiene e na mais absoluta miséria. Patrick quebrou a perna ao salvar uma criança quase atropelada por um motorista bêbado. Quando se recuperou do acidente, foi despedido pela Lyon Enterprises, que não admitia um empregado com defeito físico em seu quadro de funcionários.
Hunter estreitou os olhos.
Ele trabalhava para a Lyon Enterprises?
Sim. Patrick era o capataz do Circle P. Buli Jones o substituiu.
Então, você o contratou.
— Sim. Sei que o trabalho dele ou dos Arroyas nem sempre é perfeito. Mais importante do que isso, para mim, é que eles recuperaram a auto-estima. Asseguro que se esforçam para fazer o melhor possível. Mas, se você exigir, tentarão o impossível, se necessário. Considero essas pessoas como membros da família. Não me peça nada que possam prejudicá-los, porque não concordarei.
Com o olhar perdido no horizonte, Hunter comentou:
Você sempre teve um fraco pelos pobres-coitados e injustiçados. Creio que foi isso que a atraiu em mim.
Não é verdade... — Calou-se, temendo revelar demais. Sempre o considerara um homem ambicioso, determinado, movido pela paixão e força. Nunca um pobre-coitado.
Bem, entendo que queira proteger seus amigos. Contudo, repito que não poderá dirigir o rancho sem uma ajuda competente.
Hunter — ela pediu. — Por favor, dê uma chance a eles. Uma só. Juro que não pedirei mais nada.
Ele a olhou com ar de quem não acreditava.
Não mesmo?
Não, porque não valerá a pena salvar o rancho, se não puder salvá-los também.
Hunter ergueu a sobrancelha, com expressão séria.
— Você desistiria do rancho se tivesse que escolher entre obter lucro ou substituir o pessoal?
Leah refletiu por alguns instantes, antes de responder.
Suponho que sim. Do contrário, eu não seria melhor que a Lyon Enterprises. E, se quisesse ser igual à essa empresa, teria vendido o rancho há muito tempo!
Tem certeza?
Claro.
Ok. Vou atendê-la. Por enquanto. Não posso garantir nada em relação ao futuro. De acordo?
Tenho de concordar, não?
Agora, vamos inspecionar o outro lado do rancho. Depois, voltamos para casa.
Estou pronta. Vamos?
Ainda não. Primeiro, quero uma coisa de você.
O quê? — perguntou desconfiada.
Quero que me beije.
O quê? — ela repetiu.
Você ouviu bem. Quero um beijo. Estou me esforçando para esperar até que esteja pronta. Porém, não vejo mal algum num simples beijo. — Sustentou o olhar contrariado de Leah.
— Ora, mulher! Não pedi nada de mais!
Concordando que não havia nada de extraordinário no pedido, e antes que mudasse de ideia, Leah tocou o rosto dele, acariciando a pele bronzeada. Lentamente, seus dedos se enterraram nos cabelos negros. Roçou os lábios nos dele. No íntimo, esperava que Hunter a tomasse nos braços, consumando o que claramente desejava. Todavia, ele não se moveu.
Leah continuou. Beijava-o no pescoço, no queixo, nos lábios. Depois, então, o beijou realmente, como uma mulher beija o homem amado. De repente, Hunter reagiu, correspondeu com uma voracidade que derrubou as defesas dela. Ele a abraçou e, nesse momento, Leah admitiu que não lhe negaria nada.
Num movimento quase imperceptível, Hunter deitou-a na grama, inclinando-se sobre ela. Abrindo os olhos, viu, horrorizada, uma faca na mão dele.
— Você está exagerando, Jones! O que está fazendo aqui? —Hunter vociferou.
Leah não percebera que o capataz do Circle P se aproximara, a cavalo. Hunter percebera.
— Mande seu protetorzinho guardar a faca, Leah — Buli Jones gritou. — Ou então serei obrigado a usar isto. — Mostrou rifle. — Entendeu o que eu disse, hombre? Depois, ninguém poderá me acusar por defender minha vida.
Os olhos de Hunter brilhavam, irados e ameaçadores.
— Você conhecerá a força desta lâmina em sua pele, antes de pensar em tocar na arma. Entendeu, muchacho? Suma da qui! Rápido!
Por um instante, Leah pensou que Buli atiraria. A mão do capataz encostou no rifle, antes de pousar na perna.
Você ainda é novo por aqui, hombre. Por isso, desta vez vou perdoar seu atrevimento. Da próxima, não escapará. Não recebo ameaças de ninguém. De ninguém!
Último aviso. — A faca brilhava na mão de Hunter. — Saia daqui!
Você vai se arrepender, Leah. — Resmungando, Jones se afastou.
Hunter guardou a faca e abraçou Leah, que tremia.
Calma — murmurou com os lábios nos cabelos dela. — Ele já foi.
Buli Jones poderia ter atirado em você.
Esqueça, Leah. Já passou.
Ela se aninhou nos braços dele, precisando, mais do que nunca, de seus carinhos. Hunter a beijou. Não com a mesma paixão desesperada de minutos antes. O beijo foi tão terno e carinhoso, que a comoveu.
— Ele me assusta, Hunter — confessou.
Fale-me sobre Jones. — Não era um pedido, mas, sim, uma ordem.
Já lhe contei muita coisa. Bem, embora não possa provar, desconfio que ele seja o responsável pelas nossas cercas danificadas, pelos poços poluídos e mesmo pela fuga de alguns animais.
Imagino que, por causa de Jones, você não inspeciona o rancho sozinha. Por isso, não tem acompanhado os problemas de perto, não é?
Ela confirmou com um movimento de cabeça.
—E só permito que os empregados saiam em grupo. Fico apavorada com o que possa acontecer.
—Você já informou à Lyon Enterprises sobre esses... incidentes? Leah lançou-lhe um olhar mordaz.
De quem você acha que partem as ordens?
Tem provas?
Desvencilhou-se dos braços dele. A irritação substituíra o medo.
— Se tivesse provas, Buli Jones estaria na cadeira e eu já teria processado a Lyon Enterprises. Você casou comigo por causa do rancho, não é? Pois bem, trate de defendê-lo. Do contrário, ambos perderemos.
Hunter colocou o chapéu.
Vamos.
Agora? Sem terminar a discussão?
Quero verificar os outros pastos, antes que escureça.
Vamos seguir a mesma direção de Jones. E se o encontrarmos de novo?
A expressão de Hunter tornouTse impenetrável.
Serei obrigado a me identificar — afirmou.
Por favor, Hunter. Por que não voltamos para casa? Poderemos inspecionar esses pastos amanhã. Para que procurar mais problemas?
Os lábios dele se curvaram num sorriso desanimado. Leah achou que ele insistiria em cavalgar até os demais pastos. Por fim, concordou.
— Ok. Deixaremos para amanhã.
No escritório, Hunter tirou o fone do rancho. Hesitou por algum tempo, antes de discar. Depois de alguns toque, alguém atendeu.
Kevin Anderson.
Hunter. Conte-me as novidades. — Ouvia em silêncio, fazendo algumas anotações. — Tudo bem. Por enquanto, não faça nada. Espere até eu voltar.
Algum problema? — Kevin perguntou.
Tive outro confronto com Buli Jones. A voz de Kevin soou alarmada.
Ele sabe quem é você?
— Ainda não. Poucas pessoas sabem sobre nosso casamento. Jones poderá se tornar um problema, quando descobrir.
O que quer que eu faça?
Mande-me a pasta dele. Ainda hoje
Mandarei. O que mais? Você o quer... fora de cena? Hunter passou a mão pelos cabelos.
Não. Por enquanto, não.
Como quiser. Você é o chefe.
Obrigado, Kevin.
Desligou. Olhou para o relógio. Hora de deitar com sua bela esposa. Hora de enlaçar aquele doce, macio, atraente corpo íeminino em seus braços e... dormir.
Paciência. Tudo o que precisava era de um pouco mais de paciência. E, então, aquele doce, macio, atraente corpo feminino seria todo seu.
Leah deslizou dos braços de Hunter, assim que o dia seguinte começou a clarear. Lembrando-se do aviso dele, dessa vez, vestiu-se antes de descer para a cozinha. De posse de uma maçã e torrões de açúcar, correu para o pasto à procura de Dreamseeker.
Assoviou, mas o animal não atendeu. Assoviou novamente, em vão. Imaginou que Dreamseeker, talvez, estivesse na outra extremidade do pasto. Enquanto esperava, Leah comeu a maçã, observando o nascer do sol. Os raios iluminavam os campos, tornando as cores mais vivas, mais vibrantes. Sem dúvida, essa era sua hora favorita do dia.
Ouviu o ruído de passos às suas costas.
Bonito, não? — ela perguntou em voz baixa.
Muito. — Hunter apoiou-se na estaca da cerca. — Não a assustei?
Não. Você bateu a porta da cozinha.
Da próxima vez, serei mais discreto — ele comentou, bem-humorado. — Seu cavalo ainda não apareceu?
Não. Talvez o encontre durante nossa inspeção. Pronto?
Ainda não. — Segurou-a pelo braço.
Algo errado? — Fitou-o apreensiva.
— O que acha? Esta manhã você fugiu novamente. Leah se retraiu diante do olhar de censura. Concordara em dormir com ele, sem contestar. Porém, não admitiria que Hunter controlasse seus horários.
— Considera isso um problema?
— Sim. Não gosto disso. Amanhã, quero que comece o dia nos meus braços.
Desvencilhando-se, recuou alguns passos.
Que diferença faz?
A pergunta o divertiu.
Acorde comigo e verá a diferença.
Leah deu de ombros.
Vou pensar no assunto. Gosto de ficar sozinha pela manhã.
— Quero algum tempo só com você. Os casais precisam de privacidade... intimidade.
O momento da verdade chegara. Leah respirou fundo. Se entendera bem as palavras dele, na manhã seguinte começaria a cumprir suas obrigações de esposa, transformando o casamento numa união verdadeira. Esse pensamento a apavorava. Temia que, ao se apossar de seu corpo, Hunter se apossasse também de seu coração.
— Tudo bem — concordou, por fim. — Amanhã cedo, será nossa hora.
Ele inclinou a cabeça.
Temos a tarde e a noite inteiras para discutirmos.
Hunter...
Hora de trabalhar! — interrompeu-a. Um brilho divertido iluminava os olhos dele. — Ainda temos daqueles sonhos que comemos ontem?
Claro! Inez deixou-nos bem abastecidos. Vou buscar.
— Traga a garrafa de café, também. Vou selar os cavalos. Alguns minutos depois, já cavalgavam em direção aos pastos localizados ao sul. O cavalos pareciam inquietos, agitando-se ao menor movimento.
— Alguma coisa na ar? — Leah olhou ao redor, preocupada. —Ladyíinger nunca agiu assim!
Os animais estão assustados. Seus empregados não no taram a presença de puma por aqui?
Não. — De repente, Leah sentiu um aperto no coração.
— Dreamseeker!
— Nada de pânico! Não afirmei que seja uma puma. Apenas considerei a possibilidade.
Atentos ao menor sinal de alerta, quase não conversaram, depois disso. Já nos limites do rancho, Hunter parou para examinar uma cerca danificada.
—Aqui terminam suas terras e começam as da Lyon Enterprises, não? — perguntou, claramente aborrecido com as condições da cerca.
Sim.
Você está procurando problemas, permitindo que os estragos cheguem a este ponto. Basta um empurrão para seu rebanho passar para o lado de lá. Amanhã cedo providenciaremos o conserto.
E Buli Jones? — Leah não escondia a preocupação. Os músculos do rosto de Hunter se contraíram.
Esqueça Buli Jones. Eu me entendo com ele.
Por volta do meio-dia, terminaram a inspeção. Cavalgando por uma colina, logo descobriram o motivo da inquietação dos animais. A cerca entre os dois ranchos estava no chão. E, nas terras da Lyon Enterprises, Dreamseeker pastava tranquilamente... ao lado de uma égua do Circle P., capturada pelo garanhão.
Hunter puxou as rédeas. Olhou de relance para Leah.
Aquele não é o seu garanhão?
Sim. E Dreamseeker.
— Não é qualquer cavalo que tem a audácia de quebrar uma cerca para se aproximar de uma égua. Dá para contar as vezes que isso acontece.
Sem pensar nas consequências, Leah foi em busca do garanhão. Hunter a alcançou antes que atravessasse os limites do rancho.
Que diabos pensa que vai fazer? — bloqueou a passagem dela.
O que você acha? Vou buscar meu cavalo. Saia da frente, Hunter. Não tenho muito tempo.
Ele a olhou sem acreditar.
Você não está falando a sério!
Claro, que estou. Se Buli Jones encontrar Dreamseeker na propriedade do Circle P, atirará primeiro, depois fará perguntas. Quero tirar meu cavalo de lá, antes que isso aconteça. — Puxou as rédeas, disposta a realizar seu intento.
Percebendo as intenções de Leah, Hunter segurou a sela de Ladyfinger, impedindo qualquer movimento da égua.
Pense no risco que está correndo.
Hunter, estamos perdendo um tempo precioso. — Preparou-se para desmontar, a fim de ir a pé atrás de Dreamseeker. Mais uma vez, ele a segurou.
Como pretende trazê-lo de volta? Laçando-o? Ora, Leah, ele não se afastará facilmente da égua.
Preciso agir rapidamente, antes que Buli Jones apareça.
Leah, não seja teimosa! Não cometa uma estupidez. Veja. Você tem duas opções. Ou deixa o cavalo nas terras da Lyon até que o... entusiasmo esfrie ou...
Ou? — ela repetiu com impaciência.
Ou você fará exatamente o que eu disser, para ter o animal de volta.
Leah abriu a boca para contestar, porém ele a interrompeu.
— E, então? Já decidiu?
Bastou um olhar para Dreemseeker para ela saber que não tinha escolha.
— Ok. Será como você quiser. Quando tempo demorará para trazê-lo?
— Vai depender do interesse dele pela égua. Amarre Ladyfínger fora das vistas dos animais e fique ao lado da cerca. Vou laçar a égua e tentar trazê-la para cá. Dreamseeker a seguirá. Quando ambos estiverem em nossas terras, levante a cerca. Se algo sair errado, fique calma e não interfira. — Fitava-a com uma expressão que não admitia contestações. — Entendeu?
— Entendi. — Seguiu as instruções dele. Tirou da caixa de ferramentas, o material que precisaria. Calçou as luvas e procurou um lugar meio encoberto junto à cerca. — Já estou pronta.
Hunter atravessou o pasto lentamente. Não querendo provocar o instinto selvagem de Dreemseeker, manteve distância da égua. Passaram-se dez minutos antes que surgisse a oportunidade para laçá-la. Leah prendeu a respiração no momento em que a corda planou no ar... para cair diretamente no alvo. Com a rapidez de um cowboy experiente e com desejo de concluir a tarefa antes que Dreamseeker percebesse suas intenções, Hunter começou a puxar a corda, trazendo a égua.
O animal lutou, tentando resistir. Hunter suava e Leah podia ouvir o ruído da sela. Já estavam quase na metade do caminho quando Dreamseeker percebeu o que se passava. O cavalo que Hunter montava não precisou mais de estímulo. Ao deparar com o garanhão galopando direto na direção deles, redobrou os esforços. Até mesmo a égua perdeu a relutância.
Dreamseeker os alcançou. Em vez de atacar Hunter, o garanhão mordiscou a égua que, rapidamente, mudou de direção.
— Leah, fique calma!
Disposto a reconquistar o próprio território, Dreamseeker conduziu a égua em direção ao rancho Hampton. Hunter teve apenas que deixar o caminho livre.
— Levante a cerca rápido, antes que ele mude de ideia.
Hunter postou-se entre Leah e garanhão furioso. Dreamseeker hesitou por um momento, incerto entre enfrentar os intrusos ou fugir com sua conquista. Hunter se retesou, pronto para qualquer eventualidade.
Sem perder um único segundo, Leah fincou as estacas, fixando o arame farpado. Com um relincho, o garanhão rendeu-se. Afastando-se, conduziu a égua para o lado extremo do pasto. Certo de que o perigo passara, Hunter desmontou, amarrando o cavalo na cerca.
Onde está Ladyíinger?
Arrebentou as rédeas e fugiu. Creio que percebeu que Dreamseeker causaria problemas.
Você voltará comigo. Iremos embora assim que terminarmos os reparos.
Certo. — Ela não se atreveu a discutir.
Hunter a ajudou a reparar a cerca. Trabalharam em silêncio durante algum tempo. Leah foi a primeira a falar.
— Que faremos com a égua?
Nada. Depois, a levarei de volta para os pastos do Circle P.. Leah interrompeu seu trabalho.
E, Buli Jones?
Para sua surpresa, Hunter sorriu.
— Enviarei a ele uma fatura de despesas com reprodução! — Fixou a última carreira de arame e virou-se para Leah. — O garanhão já foi selado?
Ela negou com um movimento de cabeça. ,
Não, mas...
Ainda é selvagem? — Hunter não esperou pela confirmação.
Vou soltá-lo.
Suando frio, Leah esfregava as mãos.
— Você não está pensando em...
Ele é muito perigoso e não quero colocar sua segurança em risco.
Nesse caso, terá que soltar os touros, vacas e todos os animais do rancho — ela rebateu, em desespero de causa. — Sim, porque, de acordo com as circunstâncias, qualquer um poderá tornar-se perigoso.
Não adianta argumentar. Não mudarei de ideia. — Fixou uma estaca, martelando com fúria.
Leah não sabia como explicar o significado de Dreamseeker. Hunter jamais entenderia. O garanhão representava a fantasia de ser livre, independente, irresponsável. Ao mesmo tempo em que sonhava em domá-lo, desejava que o animal continuasse vivendo sua liberdade, assim como ansiava experimentar sua própria liberdade. Esse era um sonho impossível, mas não se importava.
Encarou-o.
Não faça isso. Não o solte. Dreamseeker é tudo para mim.
Mais um caso de pobre-coitado?
— Talvez. Imagino que outros compradores o tenham rejeitado. Parece que é meio abusado no pasto, o que explicaria sua inquietação.
Hunter apoiou-se na estaca. A camisa xadrez grudava no peito musculoso. Gotas de suor brilhavam no pescoço e os cabelos caíam na testa.
Perde seu tempo, tentando me convencer a ficar com o animal. Ele é muito perigoso. Aliás, ontem, você jurou que não me pediria mais favores. Lembra-se?
Lembro. Não estou pedindo outro favor. — Sorriu inocentemente. — Estou apelando para sua compreensão.
Está me pressionando? Ela ergueu os ombros.
Estou. Mas é muito importante para mim.
Hunter franziu as sobrancelhas e Leah pôde notar o conflito que ele enfrentava, entre o bom senso e o pedido dela. Finalmente, ele cedeu.
Um mês. Se eu conseguir domá-lo, ou pelo menos deixá-lo mais dócil, ele fica. Porém, nesse meio tempo, você fique bem alerta. Ok?
Ok. — Seu sorriso de abriu.
Esta é a última vez, Leah — preveniu-a. — Não exagere. Agora, monte.
Meu cavalo... — lembrou-o.
Não esqueci. Cavalgaremos juntos.
Soltou as rédeas da égua. Olhando de Hunter para o animal, Leah prendeu a respiração. Com os dois juntos, montados no mesmo animal, o caminho de volta seria longo demais. Estremeceu.
A exemplo das manhãs anteriores, no dia seguinte Leah já se preparava para sair da cama, quando lembrou-se de sua promessa. Suspirando, deitou-se novamente, puxando o lençol até o queixo. Inesperadamente, Hunter descobriu-a, enlaçando-a num abraço aconchegante.
Bom dia, mulher — murmurou junto à orelha dela.
Bom dia — respondeu, esperando que Hunter forçasse uma aproximação maior.
Como as quarenta e oito horas que ela pedira haviam se esgotado na noite anterior, Hunter estaria em seus direitos. Ofegando, ele fechou os olhos.
O sol já nasceu — ela comentou, tentando disfarçar o nervosismo.
Uh-huh.
Roçou a ponta do nariz na face de Leah, que se retraiu.
Bem, agora que você já acordou, creio que posso levantar-me. Tenho muito serviço e...
O serviço pode esperar — ele respondeu, com voz enrouquecida. — Relaxe. — Com o queixo encostado na cabeça de Leah, ele prosseguiu: — Apenas relaxe e converse comigo.
Conversar? — Mostrou-se confusa, quanto às intenções dele. — Sobre o quê?
Qualquer coisa. Tudo. Sobre o que lhe vier à mente.
Ok — concordou, consciente do tremor de sua voz. —Quais seus planos para hoje?
Pretendo começar a domar Dreamseeker pela manhã.
Você disse que a cerca danificada teria prioridade.
Claro. Hoje mesmo estará reparada.
Tenha cuidado. — Hesitou em confessar seus temores.— Não confio em Buli Jones.
Serei cauteloso.
É que... — Puxou uma mecha de cabelos que caía na testa. De repente, sentiu que, de tão próximos, os corpos se tocavam. Embaraçada, perdeu o fio da conversa.
Hunter notou. Gentilmente, segurou o rosto de Leah entre as mãos.
— Serei cauteloso — repetiu. Então, beijou-a calorosa e intensamente.
Leah não reclamou. Nem poderia. Deixou-se envolver, correspondendo com a mesma avidez. O beijo tornava-se mais e mais íntimo, exigente. Sentindo a capitulação, Hunter pressionou o corpo contra o dela. Leah reagiu de imediato, relaxando e acompanhando os movimentos dele.
Hunter desabotoou os botões de pérola da camisola de Leah, ajudando-a a despi-la. Fitou-a embevecido. A claridade da manhã brincava com as linhas marcantes do rosto dele. Ajoelhado sobre ela, Hunter parecia um conquistador, um guerreiro de bronze pronto para apossar-se do que tanto almejara. Os olhos negros brilhavam como chamas.
Assustada com a expressão dele, instintivamente, cobriu-se com o lençol. Sabia que não deveria adiar mais, porém, de repente, sentiu-se em pânico.
Não! — O protesto veio antes que ela se desse por conta.
Não lute contra mim. — Fitava-a com os olhos cheios de paixão. — Não a machucarei, Leah. Você sabe como sempre foi muito bom. Continuará sendo.
Eu sei, eu sei — balbuciou, contendo um soluço. — Mas... não posso evitar. Nunca mais será a mesma coisa. Não posso obrigar-me a sentir o que senti no passado, só porque casei-me com você... Apenas porque é o que você quer.
E, você não quer? — Com a ponta do dedo, tocava o mamilo rígido. — Se você acredita nisso, então, está mentindo para si mesma. A reação do seu corpo desmente suas palavras.
Tem razão. — A confissão, sincera e dolorosa, dilacera va-a. Tudo o que queria era entregar-se àquele abraço e inebriar-se com aqueles momentos fugazes de prazer, sem preocupar-se com as consequências. Entretanto, alguma coisa inexplicável impedia-a de seguir adiante. Hunter já conseguira muito. Não se atrevia a conceder-lhe mais. Ainda não.
Entregue-se a mim, Leah. — Sua voz soou áspera, carregada de desejo. — Você me quer. Pare de resistir.
Ela movimentou a cabeça várias vezes, negando veementemente.
Não pretendo ser uma peça nesse seu jogo de vingança. Você já conseguiu o rancho. Não poderá ter à mim, também. Não, assim facilmente. Nem com tanta indiferença.
Você acha que isso tudo é indiferença? — Segurou-lhe a mão, obrigando-a a tocar em sua pele ardente. — Toque-me. Depois, repita se é indiferença.
Incapaz de resistir, seus dedos contornaram as linhas do tórax e do abdómen.
— Se você sente algo por mim, diga — ela pediu. — Diga que não se trata apenas de sexo, de atração física. Diga, com toda a honestidade, que não existe uma parte secreta de você querendo resolver velhas diferenças. — Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Diga, por favor, Hunter. Só assim não me sentirei usada.
Tenso, Hunter apertou os ombros de Leah. Depois, pendeu a cabeça até os seios dela. Uma lágrima escorreu pela face de Leah. Obtivera sua resposta. Arriscara e perdera. O silêncio de Hunter o condenava. Mesmo sem emitir uma única palavra, ele deixava claro que suas motivações estavam longe de ser puras, que seus atos não eram inspirados por um sentimento nobre, chamado amor.
— Poderia tê-la à força — ele murmurou contra os seios de Leah.
Ela queria acreditar que tal afirmação não passava de uma ameaça inconsistente, resultado da frustração.
Você disse que não costuma usar a força. Mudou de ideia? — Tentou desvencilhar-se da pressão do corpo dele, porém Hunter a segurou pelo ombros, impedindo-a de mover-se. —O fato de conseguir o que deseja não melhorará em nada nossa situação — ponderou.
Não diga bobagem! Melhorará em muito minha situação. E, aposto até meu último dólar, como melhorará a sua, também.
Leah não poderia negar a verdade. Apesar das tentativas de conter as lágrimas, elas teimavam em correr pelas faces.
Desculpe. Gostaria de tornar-me sua mulher de fato. De entregar-me a você, sem medo, sem reservas. Para mim, existe uma grande diferença entre praticar sexo e fazer amor. Sinto muito, mas não tão liberal assim.
Não esperava que fosse. Esperava apenas que se resignasse diante do inevitável e encarasse a realidade, — Com os dedos enroscados nos cabelos dela, forçou-a a fitá-lo. — E a realidade é uma só. Nosso casamento não só será consumado, como também levaremos uma vida normal de marido e mulher. Poderá acontecer hoje, amanhã ou depois... Não importa. Em breve, mulher, você ansiará por meus carinhos. Garanto. —Você está errado—ela insistiu, mas ambos sabiam que mentia. Hunter enxugou-lhe as lágrimas, com mão calma e carinhosa. — Desta vez, não a forçarei. Todavia, preste atenção. Não estou prometendo nada com relação à próxima.
Depois, saiu da cama, deixando Leah enfrentando seus pensamentos e a inexorável conscientização de que lutar contra Hunter era uma atitude fútil. Por mais que resistisse, seu corpo a traía, impedindo-a de interromper o que Hunter começara naquela manhã. Uma vez acontecido, ele venceria a luta, definitivamente.
Leah foi até o curral, para ver Hunter trabalhando com Dreamseeker. As crianças Arroyas e alguns empregados também assistiam ao confronto homem-animal.
— Quieto, rapaz. Quieto. — Hunter procurava acalmar o animal.
Leah observava as mãos dele, ouvia a voz tranquilizante e não pôde evitar de notar que ele lidava com o garanhão nervoso do mesmo modo como a acalmara minutos antes, na cama. Não teve a menor dúvida de que Hunter venceria a batalha de vontades, de determinação... assim como não duvidava que ele também venceria a batalha iniciada no quarto de casal. Era inevitável.
Depois de encerrar seu trabalho com Dreamseeker, Hunter passou o resto da manhã com os empregados, dando início aos reparos no rancho.
À medida que transcorriam os dias, Leah começou a relaxar. Hunter não a pressionava. E, ao contrário do que imaginara, ele não fez grandes mudanças. Conforme prometera, deu uma nova chance aos empregados.
Era no que Leah acreditava, até que Inez, assustada, foi à sua procura no estábulo.
Senora, venha rápido. Os homens estão brigando.
Onde?
Atrás da cocheira.
Sem hesitar, correu até a cocheira. Lá chegando, deparou com um empregado recém-contratado, Orrie, um rapaz de vinte anos, caído ao chão. Em pé, Hunter, com os punhos cerrados. Ao redor deles, os demais empregados formavam um círculo.
— Hunter! — ela gritou, revoltada por ele brigar com um dos seus contratados, principalmente um rapaz tão jovem.
Lançou-lhe um rápido olhar.
— Afaste-se, Leah! Isto não lhe diz respeito. Cambaleando, Orrie se levantou.
— Ele me despediu, srta. Hampton. Ele não tinha o direito de despedir-me. Por favor, ajude-me.
Incerta, Leah olhava de Orrie para Hunter.
O que aconteceu? Hunter contraiu os lábios.
Você me ouviu, Leah. Afaste-se.
Precisa fazer alguma coisa, srta. Hampton — Orrie insistiu. — Você não pode permitir que ele me despeça. Ele está tentando mudar tudo.
Deve haver um mal-entendido. Hunter prometeu uma chance para todos — Leah tentou acalmar os ânimos. — Continue seu trabalho. — Olhou para os rostos ansiosos à sua volta. — Esse foi o acordo, certo?
Então ele não está cumprindo o acordo. — A expressão de Orrie era de amargura. — Eu não fui o único despedido. Lenny também. Ele proibiu Mateo de cuidar dos cavalos.
Leah não conseguia esconder a contrariedade.
— Você não pode fazer isso, Hunter!
— Posso e devo. — Virou-se para os homens. — Vocês já receberam minhas ordens. Ao trabalho! — Sem uma palavra, desapareceram de cena.
Orrie a fitou com os olhos mais tristes e patéticos que Leah jamais vira.
Não vai deixar ele me despedir, não é, srta. Hampton?
O nome dela é Pryde. Sra. Pryde — Hunter o corrigiu friamente. — E ela não tem nada a dizer. Vai receber seu salário. E, depois, pegue sua mochila e suma daqui.
Orrie hesitou.
Srta. Hampton... Pryde? Leah se aproximou de Hunter.
Posso saber o motivo?
Hunter cruzou os braços.
— Não há nada para saber. Esse assunto é entre mim e o rapaz. Sugiro que volte para casa.
Olhou-o, perplexa.
O quê?
Você ouviu. Você está interferindo. Despeça-se do seu amigo e vá para casa.
Por um longo momento, Leah o fitou, imóvel, furiosa demais para falar e incerta demais quanto às consequências de permanecer no local. Abafando um impropério, afastou-se, sentindo o rosto arder pela ofensa.
— Srta. Hampton, por favor, faça alguma coisa! — Orrie gritou. — Por favor!
Leah parou.
Sinto muito, Orrie. Está fora do meu alcance.
Então, é assim? Vai permitir que ele me despeça? Vai obedecer às ordens desse... desse mestiço bastardo?
Ela arregalou os olhos, entre surpresa e repugnada.
— Nunca mais use essa expressão perto de mim! — repreendeu-o. Percebendo que cometera um erro imperdoável, Orrie se apressou em remediá-lo.
— Bem... não foi isso que eu quis dizer — desculpou-se. —Procure entender. Estou desesperado. Não tenho para onde ir.
Leah precisou de toda sua força de vontade para não ceder às súplicas do rapaz.
— Sinto muito. Não há mais nada que eu possa fazer. —Recomeçou a andar.
Não olhou para trás. Em casa, refugiou-se no escritório. Pela janela, observou a partida de Orrie. Hunter também assistia, enquanto o rapaz colocava seus pertences na pick-up de Patrick. Depois que o veículo desapareceu de vista, Hunter virou-se em direção à casa, com expressão cansada e preocupada.
Leah mal teve tempo de afastar-se da janela, quando Hunter entrou no escritório, batendo a porta atrás de si.
— Agora, você e eu — anunciou com voz furiosa. — Acho que temos um pequeno assunto para resolver.
Assustada com a entrada tempestuosa de Hun-Lter no escritório, Leah perguntou o óbvio:
— Está zangado?
Em passos largos, ele se aproximou, trombando com o porta-chapéus.
Como adivinhou?
Também estou zangada — defendeu-se. — Melhor conversarmos.
Calmamente — Hunter ironizou.
Sim. Como duas pessoas civilizadas. — Ela usou a cadeira de couro como proteção. — Ok?
Como resposta, Hunter empurrou a cadeira, prendendo Leah contra a parede.
Isso quer dizer sim? — ela insistiu, contendo a respiração Um músculo pulou no rosto dele. Com um som gutural, ele demonstrou estar muito mais furioso do que Leah imaginava. Tentou escapar, mas Hunter segurou-a pelo pulso. Num movimento rápido, pegou-a pelos quadris, colocando-a no ombro.
— Hunter! Solte-me! — ela gritou com voz aguda, antes de sentir o mundo de cabeça para baixo.
Passou o braço pelas pernas dela, na altura dos joelhos, imobilizando-a completamente.
Vamos conversar, sim, querida esposa. Mas, não aqui, onde sua avó e os empregados poderão ouvir.
Ponha-me no chão. —Com as mãos nas costas dele, Leah tentava soltar-se, em vão.
Se você quiser, poderemos conversar na cabana. — Ele ergueu os ombros, fazendo-a saltar com um saco de batatas.
Com dificuldade para respirar, Leah parou de lutar.
—Não! — protestou. — Por que não conversamos aqui mesmo? O escritório é um lugar excelente. Só você começar a conversa, para notar como é agradável.
— Já disse não!
Quando chegaram à porta, Leah entrou em pânico.
Hunter, por favor. Coloque-me no chão. Ignorando-a, atravessou o hall, cruzando com Rose.
Boa tarde, Rose. Vou dar um passeio com minha mulher.
Não diga — Rose cruzou os braços. — Creio que terá problemas para dirigir.
Você não imagina do que somos capazes, quando nos determinamos a realizar um intento. Não nos espere para jantar, Rose.
Saiu de casa, direto para o pátio. Abriu a porta de sua pick-up e, praticamente, jogou-a na cabine. Depois, fechou a porta com toda a força.
— Espere aqui — ordenou.
Antes que Leah tivesse tempo para protestar, Hunter afastou-se em direção ao estábulo. Alguns minutos depois, voltou com duas varas e a caixa de apetrechos para pesca. Leah o olhou, sem acreditar.
Para que tudo isso? — perguntou assim que ele entrou no veículo.
Para pescar.
Isso, eu sei. É que... Bem, pensei que quisesse conversar. Mas, já que prefere pescar...
Não precisa ficar contente. Teremos nossa conversa, sim. Por enquanto, considere este passeio como... um calmante.
E as varas?
Minha recompensa por não tê-la matado. — Ligou o motor. — Se for esperta, fique bem quieta e reze para que demore bastante para chegarmos lá.
Mas...
Quieta! — Ele explodiu com fúria. — Mulher, você está a um passo do desastre. Aconselho-a a não me provocar mais.
Achando conveniente seguir o conselho dele, Leah permaneceu em silêncio durante todo o trajeto. Logo descobriu o lugar escolhido. Hunter entrou por um caminho estreito, que levava até um lago pequeno, ainda dentro dos limites do rancho. Por seu isolamento, esse fora um dos lugares prediletos para os encontros dos dois namorados, oito anos atrás.
Hunter... — começou, quando se aproximavam do lago.
Ainda não — interrompeu-a. — Ainda não estou suficientemente calmo para lidar com você.
Estacionando a pick-up no final da estrada, Hunter desceu da cabine. Pegou os apetrechos e um cobertor.
— Vamos — ordenou.
Com relutância, Leah saiu do veículo, procurando por um lugar para sentar-se. Suspeitava que Hunter pretendia ficar no lago por muito tempo. Nesse caso, nada como um mínimo de conforto. Abriu o cobertor mexicano multicolorido na grama à margem do lago, tirou as botas e as meias e arregaçou a calça jeans até os joelhos. Mergulhando os pés na água fria, perguntou:
O que faremos primeiro? Conversar ou pescar?
Ambos. — Hunter olhou-a de relance. — Quer uma vara?
Sim, obrigada.
Vasculhou a grama até encontrar um grilo. Fechando os olhos, colocou o inseto no anzol e jogou a linha para o meio do lago. Sentou-se novamente no cobertor, tentando relaxar, apesar de apreensiva com a próxima e inevitável conversa.
Hunter preparou seu anzol, lançando-o à água também.
Após alguns minutos de silêncio, Leah decidiu enfrentá-lo.
Você não podia despedir Orrie.
Mas despedi.
Por quê?
Não insista. Não é sobre esse assunto que quero discutir com você.
Leah não se deu por vencida.
— E Mateo9 Ele adora cuidar dos cavalos. Precisava tirar-lhe essa tarefa? Por que despediu Lenny também? É um bom empregado e um homem maravilhoso.
Hunter contraiu os lábios.
Já disse e repito. Não é essa a questão.
Não concordo, Hunter. Precisamos, sim, discutir sobre isso.
Você está aborrecida porque tomei uma série de decisões sem consultá-la antes.
Ela respirou fundo, admitindo que Hunter estava certo. Apesar dos inúmeros avisos de que ele cuidaria sozinho do rancho, no íntimo imaginara que Hunter comunicaria suas intenções antes de realizá-las.
— Por que fez isso? Por que demitiu Orrie e Lenny? Por que mudou as tarefas de Mateo?—Diante do silêncio teimoso de Hunter, ela gritou exasperada: — Você não vai me contar, não é?
— Não, não vou.
— Porque essa não é a questão? — indagou, jogando a vara na grama. Engatinhou, para sair de cima do cobertor. — O rancho é meu, também. Tenho o direito de saber. Você prometeu dar uma chance a todos os empregados. Você prometeu!
Largando a vara sobre o cobertor, Hunter a segurou pelo tornozelo antes que ela se afastasse.
— Essa é a questão — ele esbravejou. — Fiz uma promessa e a cumpri. Você fez uma promessa, mas não a cumpriu.
Leah lutava para desvencilhar-se dos dedos dele.
— Não sei do que está falando.
Puxando-a, Hunter se ajoelhou, apoiando as mãos ao lado da cabeça dela.
Quem está no comando do rancho?
Isso não tem importância.
Tem importância, sim. Responda. Quem está no comando do rancho?
A resposta custou muito à Leah.
— Você — obrigou-se a admitir.
Hunter se afastou, permitindo que ela escapasse.
— Otimo. Nesse caso, você se lembra da nossa conversa lá na cabana. — Sua voz não escondia a satisfação.
Leah colocou as mãos nos quadris.
Muito engraçado. Como poderia esquecer? — Absolutamente não era uma de suas recordações mais agradáveis. Cada detalhe daquela conversa fora gravado a fogo em sua memória.
Então, você se lembra também das promessas que trocamos.
Claro.
Eu também lembro. — Estalou os dedos. — Prometi dar uma chance aos seus empregados. Prometi dar um lar à sua avó. Prometi assinar um contrato pré-nupcial. E tudo?
Encarou-o.
— Sim.
— Você prometeu uma única coisa. Qual foi?
Sabia aonde Hunter queria chegar e não gostava do rumo que a conversa tomava.
Bem, parece que não foi uma única coisa — contemporizou.
Então, você não lembra de nada?
Chegara o momento de encarar os fatos. Olhou-o direto nos olhos, mordeu o lábio antes de dizer:
— Prometi que aceitaria sua autoridade para administrar o rancho.
— O que isso significa?
Ela hesitou por um instante.
— Bem... que sua palavra é lei. Que eu não deveria questioná-lo diante dos empregados, nem discutir suas decisões. Que você não trabalha em sociedade —- repetiu as ordens dele.
— Você seguiu essas regras? Cumpriu a promessa? Leah negou com um movimento de cabeça.
Não. — Tampouco cumprira a promessa de tornar o casamento deles numa união verdadeira.
Por isso estou zangado. Quero que confie em mim, que acredite que tudo o que faço, é para seu bem e em benefício do rancho. Vai confiar em mim, sem me questionar?
Você é muito misterioso.
— Sim, sou.
Leah mordeu o lábio. Não sabia como atendê-lo, uma vez que tudo fazia parte de um plano de vingança.
Não creio que possa confiar em você, Hunter. Você está me pedindo para arriscar.
Sim, estou.
Isso é demais — murmurou. Com a ponta do dedo, contornava os desenhos do cobertor. — Não posso atendê-lo. Ainda não.
Passou-se um longo minuto antes que Hunter inclinasse a cabeça.
— Ok. Responderei às suas perguntas. Desta vez.
Leah o fitou surpresa.
Vai me contar por que despediu Orrie e Lenny? E por que proibiu Mateo de cuidar dos cavalos?
Sim. Da próxima vez, confiará ou não em mim. Pouco me importa. Não espere justificativas pelos meus atos. Entendeu? Pois bem. Coloquei Mateo para trabalhar no celeiro. Isso acarretará um aumento de ordenado. Algo que ele e a família necessitam. Além disso, ele entende mais de mecânica do que de cavalos.
Mas... ele entende muito sobre cavalos.
Não, ele entende mesmo é de consertar nossos equipamentos. Quanto a Lenny... Ele não estava satisfeito por trabalhar no rancho. Porém, como não conseguia outro emprego e precisava de dinheiro, sujeitou-se a trabalhar contrariado. Então, o encaminhei para o setor de vigilância do banco em que Conrad Michaels era gerente. Lenny adorou a oportunidade.
Leah surpreendeu-se com esse lado perspicaz do caráter de Hunter.
— E Orrie?
Hunter franziu as sobrancelhas.
Orrie é um ladrão.
Ladrão? Não acredito. O que ele roubou?
— Sua tiara de. prata. Atónita, arregalou os olhos.
O quê? Ele roubou a tiara que usei no casamento? Mas estava no nosso...
Quarto — Hunter completou a frase.
Em silêncio, Leah pegou a vara de pesca. Sentia-se traída e a traição magoara-a demais. Lentamente, recolheu a linha. O grilo desaparecera do anzol, mas não tinha estômago para procurar outro. Perdera o entusiasmo para pescar.
Percebendo tanta tristeza, Hunter a segurou pela trança. Leah não resistiu. Precisava de conforto. Abraçou-a e ela se rendeu aquele abraço.
— Tudo bem? — ele perguntou.
Não — admitiu. — Veja o que acontece quando confiamos em alguém.
Eu sei. Mas não sou Orrie.
Não é. Desculpe, Hunter. Deveria ter acreditado que você faria o melhor pelo rancho.
De pleno acordo.
Também não deveria tê-lo questionado diante dos empregados.
De pleno acordo — ele repetiu. — Desculpas aceitas.
Soltou-a. Inesperadamente, tirou a camisa e as botas.
Depois, em silêncio, destrançou os cabelos dela.
— Hunter, não! — Leah protestou, mas Hunter não a atendeu. Como que hipnotizado, desabotoou a blusa que Leah usava, tocando a pele macia. Contornou as linhas do pescoço e da curva dos seios. Incapaz de controlar-se, inclinou a cabeça, beijando o mamilo enrijecido.
Leah prendeu a respiração. Enterrou as unhas no ombro dele, arranhando-o.
— Hunter! — O nome escapou, carregado de uma inegável carga de paixão e urgência.
De imediato, ele procurou pelos lábios dela. Beijou-a com ardor. Leah explorava o corpo dele avidamente, ansiando por absorvê-lo por completo. A barreira formada pelo tecido da blusa parecia estimulá-lo ainda mais.
Lentamente, Hunter ergueu a cabeça. O rosto moreno refletia desejo, ansiedade. Leah conhecia essa expressão. Sabia que ele chegava ao limite de sua resistência. Olhou-o incerta, dividida entre completar a intimidade que ele implorava e pela qual ela tanto ansiava, ou recuar diante de um ato que consolidaria a posse total das conquistas de Hunter. Fechou os olhos, esperando que ele a despisse, para torná-la sua esposa de fato e de direito. Entretanto, Hunter se afastou. E Leah pôde imaginar o quanto lhe custara afastar-se.
Beijou-a novamente.
— Não aqui. Não assim. Logo, logo — avisou-a com determinação. — Quando você não tiver mais dúvidas, quando não houver a mínima chance de arrepender-se, você será minha.
Numa tarde nublada, Leah voltava da cidade, quando deparou com Hunter dirigindo um trator ao redor da casa.
— O que está fazendo? — gritou.
Hunter não respondeu. Limitou-se a acenar com a mão, continuando seu trabalho. As pás enormes revolviam a terra, destruindo o jardim de Rose. Inez se aproximou.
O que ele está fazendo? — perguntou à governanta, que parara a seu lado.
Não sei. — Inez encolheu os ombros. — Sua avó viu, ficou muito zangada è correu para a cozinha.
Rose voltou à varanda, trazendo uma bandeja com uma jarraf de chá gelado e copos.
— Já que vamos presenciar todo o meu trabalho ser destruído, merecemos um mínimo de conforto.
Leah tirou-lhe a bandeja das mãos, colocando-a sobre uma mesa de ferro. Rose sentou-se, servindo-se de um copo de chá. Olhou na direção trator, que se afastava.
— Onde ele está indo agora? Se Hunter pensa que vai deixar meu jardim desse jeito, está enganado. Quando voltar, vou dizer-lhe umas verdades!
Leah inclinou-se sobre o parapeito.
— Ele foi guardar o trator. Já está voltando.
Hunter foi até a pick-up, de onde tirou várias mudas de plantas.
— Olhe, ele trouxe jasmins! Adoro jasmins — Leah exclamou. —Ainda bem que teve o bom senso de trazer rosas. Do contrário, jamais o perdoaria por destruir meu jardim — Rose queixou-se. Hunter alinhou as mudas ao redor da casa. Depois, regou-as. Virando-se em direção à varanda, falou direto com Rose:
E, então? Não quer ajudar?
Que espécie de jardim é esse?
Não sou jardineiro.
— Pois vou ensinar como é que se prepara um jardim de verdade. Vou buscar minhas luvas — Rose avisou, entrando na casa.
Leah ofereceu um copo de chá gelado para Hunter.
— Muita gentileza sua em refazer o jardim. Da última vez em que Buli Jones estacionou o carro sobre o canteiro de rosas, vovó desanimou e não quis mais replantá-las.
Ele bebeu o chá, devolvendo o copo vazio à Leah.
— Ele não destruirá novamente. — Empurrou o chapéu com o dedo enluvado e Leah pensou que nunca o vira tão atraente quanto naquele momento.
Flores da paz? — ela indagou, numa alusão à antipatia entre Hunter e Rose.
Bem, creio que chegou a hora de nos entendermos. Plantaremos as flores juntos e, nesse meio tempo, conversaremos. Antes de terminarmos o trabalho, já teremos superado nossas diferenças.
Leah sorriu.
Tenho certeza que sim.
Pode apostar.
Rose reapareceu, de chapéu e luvas. Leah voltou para a varanda, de onde observava a avó e Hunter trabalhando na terra.
Hunter prometera mudanças. Realmente, muitas coisas haviam mudado. Reconhecia que, graças a ele, o rancho revivera. Leah sentia que Hunter se tornava cada vez mais importante. Para os empregados, para o rancho, até mesmo para a avó.
Porém, mais do que tudo, Hunter tornara-se importante para ela. Quase vital.
Vendo-o conversar com Rose, sentiu-se invadida por uma onde de ternura. De repente, conscientizou-se de que o amava. Sempre o amara.
Assustada, escondeu o rosto entre as mãos. Tudo o que não queria, acontecera. Amava Hunter. Ele conseguira tudo... o rancho e seu coração. Diante disso, Leah se perguntava o que ele faria quando descobrisse?
Logo cedo, no dia seguinte, chegou a nova oferta áàe Lyon Enterprises, trazida por um mensageiro especial. Leah leu a proposta e, furiosa, saiu à procura de Hunter. Encontrou-o na cocheira, escovando seu cavalo.
— Veja isto. — Entregou-lhe a carta.
Largando a escova, Hunter pegou o papel e leu-o. Comprimiu levemente os lábios. Depois, encolheu os ombros.
— E daí? É só escolher. Aceita a proposta ou amassa o papel e joga fora. — Conduziu o cavalo de volta à baia.
Leah o acompanhou com olhar. Não era essa a reação que esperava.
— É tudo o que tem a dizer? — indagou, decepcionada. Hunter passou por ela, atravessou a coxia em direção do feno. Com a ajuda de dois ganchos, pegou um fardo, levando-o até a baia.
— O que quer que eu diga?
Ela continuava a olhá-lo com ar de frustração.
Bem... sei lá... algo mais concreto, talvez. Estou cansada de ser importunada por essa gente. Achei que você também estaria. Ou não se importa mais se eu vender o rancho?
É o que você quer? Vender? Pensei que o único motivo do nosso casamento era evitar que a Lyon pusesse as mãos no rancho.
Era, mas você parece tão... — Abriu os braços. — Não sei. Desinteressado.
Estou mesmo. Afinal, o rancho não é meu.
Leah estreitou os olhos. Alguma coisa na indiferença dele soava falso. Afinal, ele se casara com a finalidade de proteger o rancho. Não acreditava que Hunter realmente não se importava com o fato de aceitar a oferta da Lyon.
Então, não se opõe que eu venda o rancho?
Não. — Ele interrompeu o trabalho. — Se bem que, de acordo com a lei, não poderá vender sem me oferecer o direito e preferência.
Como assim?
Hunter arregaçou as mangas da camisa e se debruçou no monte de feno, deixando à mostra os músculos rijos do braço.
— O contrato pré-nupcial. Lembra-se? Em caso de divórcio, o direito de ficar com o rancho será exclusivamente seu. Porém, se decidir vender, o direito de preferência é meu, isto é, antes, deverá me oferecer o imóvel. E, só no caso de eu não aceitar, poderá vender para a Lyon ou outro interessado qualquer. — Olhou-a enviesado. — Foi você quem insistiu em assinar esse bendito acordo. Nem se preocupou em ler documento?
Li, sim — mentiu. Ela apenas assinara onde o advogado indicara.
Otimo. — Pelo tom de voz, demonstrava que não acreditara. — Se você o leu, sabe que há mais uma ou duas cláusulas sobre as quais precisamos conversar.
Não vim à sua procura para discutir as cláusulas do acordo pré-nupcial. Quero discutir a oferta da Lyon.
— Pode discutir. Sou todo ouvidos. Ela soltou um longo suspiro.
— Pretendo ir até Houston conversar pessoalmente com a direção da empresa.
Interrompendo o trabalho, Hunter a olhou perplexo.
Você o quê?
Melhor resolver esta questão de uma vez por todas. Vou ao escritório da Lyon Enterprises dizer que definitivamente não venderei o rancho.
Hunter a fitava como se Leah tivesse perdido a razão.
— Se não quiser vender, rasgue a oferta e esqueça o assunto. Não vejo necessidade de ir até Houston apenas por esse motivo.
Preciso ir à Houston.
Por quê?
Já falei. Quero conversar pessoalmente com o pessoal de lá. Os músculos de Hunter se retesaram. Por uma fração de segundo, seus movimentos tornaram-se lentos. Inclinando-se, juntou o que restara do feno. Depois de amarrá-lo, colocou-o na pilha de fardos. Passou por Leah. A aba do chapéu envolvia o rosto dele em sombra. Mesmo assim Leah notou as feições contraídas e um brilho estranho nos olhos escuros. Não conseguiu decifrar se ele estava zangado.
Por que insiste tanto em conversar pessoalmente com a Lyon?
Tenho que encontrar essa gente. — Ergueu a folha de papel no ar. — Esta oferta é o cúmulo! Não vou mais aguentar provocações. Vou deixar bem claro que estão perdendo tempo, pois não vou vender o rancho. De jeito nenhum. Se necessário, mencionarei essa cláusula do acordo pré-nupcíal. Essa que estipula que você tem o direito de preferência, em caso de venda.
Ele negou com um movimento de cabeça.
Não permito que abra a boca com relação a isso. Esse assunto é nosso. Só diz respeito a nós.
Ok — Leah concordou, impressionada com o comportamento estranho de Hunter. — Mesmo assim, quero ir até Houston. Gostaria que você fosse comigo.
Eu? Por quê?
Leah o olhou, ainda mais intrigada.
— Para me dar apoio.
Hunter virou de costas, colocando o pé sobre o fardo de feno. Os ombros caídos refletiam seu estado de tensão. Leah não se atrevia a questioná-lo. Se ao menos pudesse ler os pensamentos dele...
Por fim, olhou-a, concordando.
Ok. Irei com você. Sairemos sexta-feira e passaremos o fim de semana em meu apartamento
Você tem apartamento em Houston? — Não escondeu a surpresa.
Você constatará quando chegarmos. — Hesitou por um instante, antes de pedir: — Leah, quero que me prometa algo.
O quê?
Tirou as luvas, colocando-as no cinto.
Depois que você tiver conversado com o pessoal da Lyon, quero que me deixe lidar sozinho com a situação.
O problema não é seu, Hunter.
E meu, sim. Tudo o que diz respeito ao rancho, é problema meu também. E, lidar com grandes companhias como a Lyon Enterprises faz parte do meu trabalho.
Você acha que não me dispensarão a devida atenção?
Não é isso. Acontece, que tenho mais experiência do que você. Tenho mais know-how para vencer essa guerra.
De repente, uma imagem brilhou na mente de Leah. Um cavaleiro montado num cavalo branco, lutando com o dragão para salvar a donzela. Tinha certeza de que Hunter era o dragão e que ela deveria lutar suas próprias batalhas. Porém, começava a ter esperanças de que enfrentariam juntos todas as batalhas e que a Lyon Enterprises seria derrotada, definitivamente.
Está bem, Hunter. Converse em meu nome com a Lyon.
Otimo. — Enlaçou-a pelos ombros. — Estou faminto. E, você?
— Acho que comeria um boi! — confessou. Juntos, voltaram para casa.
Já era tarde da noite quando Hunter tirou o fone do gancho e discou alguns números. Kevin atendeu.
Sou eu — Hunter se identificou. — Estou indo. Convoque uma reunião.
Algo errado? — Kevin indagou. — O que aconteceu?
Leah recebeu nova oferta da Lyon e quer conversar com o pessoal.
O quê?
Você ouviu.
O que pretende fazer?
Apresentá-la à direção da Lyon. Tem outro jeito?
Eu quero dizer... o que você vai fazer? E se ela descobrir?
Não descobrirá — Hunter falou com certeza absoluta.
Por que não?
Porque ninguém se atreverá a contar-lhe.
Se acharem que isso ajudará a convencê-la, talvez...
Logo notarão que ela confia em mim — Hunter interrompeu-o bruscamente. — Compreenderão, também, que será mais vantajoso ficarem de boca fechada. Além do mais, todos são bem espertos para saberem que não adiantará nada contar a Leah quem sou.
Talvez você tenha razão. Aliás, você sempre tem razão. Comunicarei que você está por chegar.
Por favor, abra o apartamento. Passaremos o fim de semana lá.
Ela não suspeitará de nada? Aquele não é propriamente um apartamento de um homem de classe média.
Leah estará preocupada demais para notar certos... detalhes.
Tudo bem. Vejo-o na sexta.
Ok.
Hunter desligou o telefone. Relaxou o corpo na poltrona. Ansiava por resolver aquela situação, mas não poderia precipitar os acontecimentos. Ouviu uma leve batida na porta do escritório.
Incomodo? — Leah perguntou.
Não. Entre.
Com quem conversava a esta hora da noite?
Com um sócio.
Leah se aproximou. Os cabelos soltos quase chegavam à cintura.
— Algum problema?
Ele negou com um movimento de cabeça.
— Apenas avisei que estarei em Houston durante o fim de semana.
Oh. — Parou meio insegura. — Você... vai deitar logo? Empurrando a cadeira, Hunter caminhou na direção dela.
Agora está bem?
Sim.
Os olhares se encontraram. Hunter nunca vira tanta beleza e graça. Os olhos de Leah brilhavam como ametistas. O rosto em forma de coração estampavam força, caráter e determinação — Quero fazer amor com você — murmurou, enterrando os dedos na cascata de seda dos cabelos dela. — Já fui paciente demais.
Leah apertou as mãos.
— Sei. Mas...
— Sexta-feira. — Segurou-a pelo queixo, obrigando-a a encará-lo. — Quero uma decisão até sexta, Leah.
Lentamente, ela concordou com um movimento de cabeça.
— Ok. Sexta-feira. Marcaremos uma reunião com o pessoal da Lyon e depois, teremos todo o fim de semana só para nós.
Ele sorriu, satisfeito.
Combinado. Agora, mulher, hora de deitar. — Abraçou-a e Leah tremeu nos braços dele.
Hunter...
Sentindo que as defesas de Leah começavam a cair, Hunter a interrompeu com um beijo. Um beijo que antecipava o prazer que ambos compartilhariam durante o fim de semana.
Na sexta-feira, saíram do rancho logo ao amanhecer. A entrevista com o pessoal da Lyon Enterprises estava marcada para a tarde daquele dia.
Leah se vestira com esmero, escolhendo saia e blazer azul-escuro e blusa de seda branca. Os cabelos presos num coque emprestavam-lhe um toque de sofisticação. E, para complementar, decidira usar a corrente que Hunter lhe oferecera como presente de casamento.
Surpreendentemente, Hunter se vestira sem qualquer formalidade. Trocara os jeans por calças de algodão. A camisa xadrez era igual às que costumava usar no trabalho.
Relaxe — aconselhou-a, durante o trajeto. — Ninguém vai torturá-la.
Receio que prefiram estrangular-me — tentou brincar. — Principalmente depois que avisei para não me importunarem mais.
Não exagere. No máximo, a venderão como escrava branca. — Soltou uma gargalhada. — Estou brincando, querida.
Estou começando a acreditar que não foi uma boa ideia ir pessoalmente à Lyon Enterprises.
Quer voltar para casa?
Não. — Agitou-se no banco. — Acha que depois desta conversa me deixarão em paz?
Ele deu de ombros.
— Talvez. Não se anime muito, não. Ele são homens de negócio. Tudo o que querem é consolidar o património da empresa. Se comprar seu rancho significa um aumento substancial nos lucros, então, não tenha dúvidas que continuarão insistindo.
Preciso encontrar um meio de convencê-los.
Quem sabe uma bomba... — ele zombou.
O comentário gerou uma ideia e Leah sorriu misteriosa.
— Tenho minhas dúvidas em relação à bomba, porém, não descarto totalmente a ideia. Talvez uma demonstração menos drástica.
Aguardando o momento propício, abriu o porta-luvas. Remexeu os objetos até encontrar o que procurava. Sem qualquer explicação, guardou, sorrateiramente, algo no bolso do blazer, atenta para que Hunter não percebesse seu gesto.
Continuaram a viagem em silêncio, até Hunter estacionar defronte a um prédio alto, moderno, com janelas de vidro fume.
— Chegamos — avisou-a, entrando no estacionamento. Descendo da pick-up, pegaram o elevador da garagem, que os deixaria no saguão.
No hall, seguiram direto para a mesa dos seguranças.
Em que andar fica a Lyon?
No prédio todo.
No prédio todo? — repetiu, sem esconder o espanto.
— A Lyon é uma grande empresa e o prédio é próprio. — Segurou-a pelo cotovelo. — Vamos.
Leah apertou a bolsa contra o peito. Não imaginara que a empresa fosse tão assustadoramente poderosa. De repente, sentiu-se pequena e vulnerável. Quem poderia defender seu rancho contra esse gigante chamado Lyon Enterprises? Olhou de relance para Hunter. Tudo o que precisava era confiar nele.
Depois de verificarem os documentos, o segurança os acompanhou até o elevador exclusivo da diretoria. Assim que a porta se fechou, Hunter pegou na mão de Leah.
— Ouça, Leah. Esses homens adoram jogar às feras pessoas como você. Não se mostre tão apreensiva. Relaxe. Olhe direto nos olhos deles. Não responda nada que não queira responder. E, principalmente, não perca o controle. Entendeu?
— Entendi. -— As palavras dele deixaram-na mais tensa. Os lábios de Hunter se curvaram num sorriso divertido e Leah concluiu que ele vibrava com aquela situação.
Você terá todo meu apoio. Se precisar de ajuda, estarei a seu lado para socorrê-la. Do contrário, o show será todo seu.
Hunter.
Ele ergueu a sobrancelha.
Sim?
Obrigada.
Não me agradeça. — O tom sério deu às palavras uma conotação sinistra. — Ainda não.
Assim que saíram do elevador, depararam com uma secretária esperando por eles.
Bem-vindos à Lyon Enterprises — ela os recepcionou. — Acompanhem-me, por favor.
Foram conduzidos até o final de um corredor. Abrindo uma porta dupla, com um gesto, a secretária convidou-os a entrar numa sala de reunião. Sentados ao redor de uma enorme mesa de vidro, havia alguns homens e mulheres. Um dos homens se levantou à chegada de Leah e Hunter.
— Srta. Hampton — cumprimentou-a. — É um prazer conhecê-la. Sou Buddy Peterson. Nosso presidente pediu-me para assumir esta reunião, se é que não se oponha.
Leah se opunha, sim. Queria falar diretamente com o cabeça da empresa.
Ele não está aqui?
Bem, ele preferiu que eu negociasse em lugar dele.
Peterson não respondera exatamente à pergunta, mas, baseando-se em sua experiência com Hunter, Leah sabia que não obteria uma resposta direta.
— Pryde — Peterson continuou. — Ficamos muito surpresos quando nos informaram que estaria presente a esta reunião... com a srta. Hampton.
Ficaram, é? Não sei por que, considerando que Leah é minha esposa.
Sua esposa? — Todos trocaram olhares rápidos. Peterson sentou-se. — Bem, nesse caso as negociações mudam total mente de figura.
Hunter afastou o chapéu da testa.
— Muda, sim.
Peterson riu. Em seus olhos, um brilho de cinismo.
Parabéns... Estou impressionado. Eu não teria feito melhor. Leah olhou para Hunter, com expressão confusa.
Eles o conhecem?
Somos apenas conhecidos.
Você não me contou.
— Não era importante. Você tem alguma coisa a dizer para estes senhores?
. — Sim.
— Então, diga.
Leah sentiu-se como um fantoche num jogos sem regras. Olhou para Hunter, assaltada por milhões de dúvidas, mas extremamente consciente de que desconhecia uma peça vital:; de informação. Uma chave que a ajudaria a explicar o clima' misterioso que pairava na sala de reuniões. Suspeitava que, naqueles poucos momentos, já fora falado tudo o que precisaria ser dito, numa linguagem que não conseguira decifrar. Qualquer gesto seu seria considerado vazio, inútil. Porém, decididamente não poderia perder aquela oportunidade impar. Queria dizer algo inesquecível... fazer algo inesquecível. Queria que jamais esquecessem que Leah Hampton Pryde estivera na Lyon Enterprises e que marcara sua presença.
Caminhou até a mesa e estendeu um envelope, que tirara da bolsa.
Recebi esta semana.
Sim, nossa oferta — Peterson falou com impaciência. —Não me diga que pretende aceitar. — Olhou de relance para Hunter. — Nesse caso, poupará tempo e energia de nossa diretoria.
— Não aceito sua proposta e também não quero nunca mais vê-los em minhas terras. Seus empregados já me importunaram muito. Não sou mais aquela mulher vulnerável a quem prejudicaram tanto. — Lançou um rápido olhar na direção de Hunter. Ele assentiu com um movimento de cabeça quase imperceptível. — Agora, tenho ajuda. Não permitiremos mais que Buli Jones contamine nossos poços, corte nossas cercas ou espante nosso gado. Vocês não conseguirão nos intimidar. Nunca mais.
— Sim, sim — Buddy Peterson a interrompeu. — Se já expôs sua decisão...
— Ainda não terminei.
Pegou no do bolso do blazer o isqueiro que tirara do porta-luvas. Acendeu-o. Parando a alguns passos da mesa, aproximou a chama do envelope. Esperou até que pegasse fogo. Depois, atirou o papel em chamas no centro da mesa. Os executivos pularam de suas cadeiras.
Não precisava exagerar — Hunter falou, baixinho. Leah ergueu o queixo,
Ah, precisava, sim. Agora já expus minha opinião.
Sua opinião e algo mais — Hunter murmurou.
Estou satisfeita. Vamos embora?
—Mais um minuto só. Espere-me no carro. Irei em seguida.
Assim que Leah saiu da sala, o alarme começou a tocar. Os executivos fugiam em disparada da sala.
— Desliguem esse alarme! — Buddy Peterson ordenou. Ele continuava sentado, de braços cruzados, indiferente ao jato do extintor de incêndio. — Que loucura, Hunter — gritou, para se fazer ouvir.
— Ela é um tanto... explosiva, não?
Não me referi à ela. Até quando vai manter segredo? Até quando vai esconder dela sua verdadeira identidade?
Até quando for necessário.
Você está fazendo um jogo perigoso. Poderá perder tudo — Peterson avisou-o.
Não perderei. — A voz de Hunter soou ameaçadora. — Um conselho de amigo. Se alguém abrir a boca, você sofrerá as consequências. Aguarde notícias minhas. — Saiu da sala, sem esperar pela resposta.
Já no carro, Leah indagou:
— O que conversaram depois que deixei a sala?
Após dirigir por alguns minutos, Hunter entrou em outro estacionamento. De$ta vez, de um prédio de apartamentos.
Nada de mais.
Hunter! — exclamou, exasperada. — Por que nunca me dá uma resposta completa? O que você disse? Onde os conheceu? Por que tanto segredo?
Estacionou num box com a inscrição H. Pryde na parede. Desligando o carro, apoiou os braços no volante.
— Conheço a diretoria da Lyon devido ao meu trabalho. E não há nenhum segredo. Apenas procuro ser seletivo naquilo que conto a você.
Por quê?
Porque, agora, a Lyon é problema meu. Eu lidarei com eles.
Leah aceitou a explicação. Afinal, depois de tantos anos enfrentando as dificuldades sozinha, era confortável dividir o peso com outros ombros.
Hunter abriu a porta do carro.
— Vamos?
Hunter pegou as malas e caminharam até o elevador. Pressionou o botão do último andar.
Cobertura? — Leah se contraiu. Hunter hesitou por um momento.
Eu tinha um salário excelente, no meu último emprego.
Posso imaginar. Aliás, estou surpresa por deixado esse emprego. Você comentou que ainda presta serviços ocasionais, quando é requisitado. Resolver problemas! É essa sua especialidade, não?
Sim.
Como você disse mesmo que era o nome da empresa?
Não disse. — Cruzou os braços. — Por que o interrogatório, Leah?
— Você deveria adivinhar que eu faria perguntas. — Apertou a bolsa com força. — Estou... surpresa.
— Por eu não ser mais aquele cowboy pé-de-chinelo? Fulminou-o com o olhar.
Já conversamos sobre isso, Hunter. Você sabe muito bem que a questão não é essa. Pediu-me para confiar em você. Cegamente. Porém, não me contou nada sobre sua vida, o que significa que não confia em mim.
Ponto para você, Leah — ele admitiu.
A porta do elevador se abriu suavemente, dando para um hall de entrada. Leah não conteve a surpresa.
Céus! Hunter, que lindo!
Sinta-se em casa, Leah.
Hunter abriu a porta principal. Com os olhos arregalados, Leah entrou. Seus passos ecoavam no assoalho de carvalho do hall que conduzia à sala de visitas.
— Por que não me contou antes? — ela indagou, num fio de voz. — Que jogo você está fazendo, Hunter?
Ele atirou o chapéu, que voou sobre a mesa de centro, caindo bem no meio do sofá.
Ok. Reconheço que omiti um ou dois detalhes a respeito de minha vida nos últimos oito anos.
Um ou dois detalhes? — repetiu com ironia.
Ou três. Que diferença faz? Tenho dinheiro. Tenho um apartamento em Houston. E daí?
É uma cobertura.
Sim. É uma cobertura — Hunter irritou-se. — Isso não muda nada. Ainda somos casados. Ainda administro o rancho. Você ainda é minha esposa.
— Sou?
Ele passou a mão pelos cabelos.
Aonde você quer chegar, Leah?
Por que casou-se comigo, Hunter?
Você sabe por que.
Pelo rancho. Talvez, por vingança. Porém, o que não consigo entender é por quê? Por que se importaria com um pedaço de terra, se você tem tudo isto?
Hunter não respondeu. Leah sabia que poderia passar horas e horas perguntando, que Hunter não responderia. Pegou sua mala.
Gostaria de tomar um banho.
Claro. — Hunter apontou para o corredor. — Terceira porta à direita.
Em silêncio, Leah seguiu pelo corredor. Abriu a porta que ele indicara. Era o quarto principal. Fechou a porta e foi direto para o banheiro. Depois de um banho relaxante, vestiu um robe, voltando para o quarto.
Observou a cama de casal por um longo momento, antes de deitar-se. Queria descansar, mas seus pensamentos insistiam em voltar para Hunter e a conversa de ambos.
A situação tornava-se cada vez mais confusa. Dentro daquele apartamento luxuoso de cobertura, uma prova concreta da riqueza e do poder que de há muito suspeitava, era obrigada a encarar os fatos. Hunter Pryde retornara ao rancho por uma única razão... razão essa que decidira não revelar a Leah.
Por mais que tentasse ignorar, a mesma pergunta martelava sua mente. Com tanto dinheiro, por qual outro motivo Hunter queria o Hampton Homestead e à ela? Qual outro motivo, que não fosse vingança?
Leah? Acorde, querida.
Ela despertou de um sonho maravilhoso, com rosas, alegria, crianças de olhos e cabelos pretos. Abriu os olhos, deparando com Hunter sentado na cama. Parecia recém-saído do banho. Os cabelos úmidos puxados para trás ressaltavam os ângulos do rosto. Também trocara de roupa. Vestia jeans e camisa aberta no peito, deixando à mostra o amuleto que brilhava contra a pele bronzeada.
Que horas são? — ela perguntou.
Hora do jantar. Você dormiu durante duas horas.
Tanto assim? — Sentou-se na cama, ajeitando o robe. — Já deveria estar vestida.
Não se preocupe. Está noite ficaremos à vontade.
Creio que esta roupa seja à vontade demais! — Leah brincou.
Só uma pessoa a verá. — Segurou-lhe a mão. — Quero mostrar-lhe algo.
Curiosa, saiu da cama. Voltaram para a sala de visitas. Hunter apontou para uma escada em espiral, que Leah não notara antes.
Venha comigo. — No final da escada, ele parou. — Me dê a mão e feche os olhos.
Por quê?
Você verá.
Ok. Mas, não me deixe cair.
Num movimento rápido, Hunter a pegou nos braços.
— Confiança. Lembra-se? — murmurou ao ouvido dela. Caminhou alguns passos e colocou-a no chão. — Olhe agora.
Leah abriu os olhos. Suspirou, mal acreditando no que via.
Estavam na laje do prédio. Porém, não era como as lajes de outros prédios que conhecera. Juraria que estavam no meio de um parque. O chão era todo gramado. Havia flores por todos os cantos. Petúnias, amores-perfeitos, rosas, margaridas...
— Parece que você disse à minha avó que não era jardineiro — acusou-o.
Menti — confessou, encolhendo os ombros. Mostrou uma pequena estufa. — As flores mais delicadas ficam ali.
Quem cuida da casa e das plantas quando você está fora?
Tenho empregados. Aliás, deixaram tudo preparado para nossa visita.
Inacreditável.
Está com fome?
Faminta — Leah admitiu. — Vou trocar de roupa.
Não será necessário. Pensei em jantarmos aqui mesmo.
Tudo bem. Antes, porém, satisfaça minha curiosidade. Que tipo de refeição combina com robe e pés descalços?
Um piquenique, claro!
Levou-a até a um canto do jardim, com uma toalha estendida sobre a grama. Num balde com gelo, havia uma champanhe. Ao lado, uma enorme cesta de vime coberta por uma toalha de linho.
Frango frito? — Leah brincou.
E salada de batatas — ele confirmou.
— Fast food"?
Hunter fingiu-se de ofendido.
— Imagine... Encomendei numa rotisseria. Sentando-se, ele tirou a louça de dentro da cesta.
Porcelana? — Leah sentou-se ao lado dele. — Num vi um piquenique com pratos de porcelana!
Não é assim que se usa?
Não exatamente. — Examinou a champanhe. — Perrie Jouet? Taças de cristal? Oh. Hunter estou com medo de tocar nisso tudo! — Fitou-o com ar de desalento. — Por que tudo isso?
Pareceu-me... apropriado.
Leah inclinou a cabeça, tentando disfarçar a emoção.
— Obrigada — sussurrou. — É tudo tão bonito.
Com as mãos, Hunter pegou um suculento pedaço de frango, oferecendo-o a Leah. Sem cerimónias, ela se deliciou, concordando que jamais experimentara um frango tão leve e tão saboroso.
— Não quis confiar-me sua porcelana? — ela brincou.
. Estendendo-lhe a travessa com salada de batatas, ele respondeu:
Não, quando a estou seduzindo.
Com batatas e frango frito? — Com o garfo, serviu-se de algumas batatas. —Esqueça a pergunta. As batatas estão deliciosas..
Que mais você quer? — Indicou o lugar ao lado dele. — Sente-se aqui.
Rindo, Leah aproximou-se. Num clima descontraído, comeram, beberam champanhe e conversaram. Finalmente satisfeitos, Leah não resistiu e acabou pousando a cabeça no colo dele.
Veja o pôr-do-sol — ela murmurou, apontando para as cores vivas que iluminavam o céu.
Esta é uma das razões para jantarmos aqui. — Encheu uma taça de champanhe, entregando-a à Leah. — Ainda temos sobremesa.
Não, obrigada. — Bebeu um gole de champanhe. — Isto é tudo o que preciso.
Hunter enterrou os dedos nos cabelos dela. Leah fechou os olhos.
— Leah, olhe para o céu — ele murmurou.
As primeiras estrelas surgiam no firmamento como pontos de prata no azul que começava a escurecer. Era como se as estrelas caíssem do céu, como gotas de orvalhos entre as flores.
Hunter, por quê? — Não foi capaz de formular a pergunta de modo mais claro. Porém, ele compreendeu exatamente o que ela pretendia dizer.
Eu queria que esta noite fosse perfeita.
Pois conseguiu.
Ótimo. Porque vou fazer amor com você e quero que seja tudo muito especial. — Imóvel, desfrutava da serenidade do momento. — Oito anos atrás, você contou à sua avó sobre nosso encontro na cabana, não?
Leah estremeceu. Essa era a última pergunta que imaginara ouvir naquela noite. Nem pensou em mentir para proteger Rose.
Sim.
Mesmo assim, foi até à cabana e esperou por mim.
Sim — admitiu novamente.
Quando soube que fui preso?
Quando você me contou.
Foi o que imaginei. — Soltou um longo suspiro. — Devo-lhe desculpas, Leah. Não acreditei em você. Pensei que tivesse mentido.
Minha avó contou a verdade?
Contou.
— Melhor assim. — Depois de um momento de hesitação, prosseguiu: — Preciso explicar-lhe por que decidira não partir com você. Não sei se ainda lhe interessa.
Os músculos se retesaram, mas ele concordou.
Claro. Estou ouvindo.
Falei com minha avó sobre nossa partida porque não poderia ir embora sem despedir-me dela. Foi quando soube da doença de papai. Ele sofria de câncer e... estava morrendo.
Precisava ficar para cuidar dele. Por isso mudei de ideia, Hunter. Entretanto, pretendia pedir-lhe para voltar... depois. —Olhou-o, suplicante. — Espero que acredite, pois é a verdade.
Hunter permaneceu em silêncio por um longo tempo. Depois, falou com voz enrouquecida.
Por ter crescido num orfanato, aprendi o quanto é importante confiar. Lá, ninguém se preocupava com a verdade, mas apenas em encontrar um culpado.
Você costumava ser o culpado em potencial?
Nem sempre. Mas com muita frequência.
Nunca tentou explicar?
Para quê? — ele rebateu. — Ninguém teria acreditado. Eu era um mestiço. Não que eu fosse um anjo. Tive minhas parcelas de culpa. Mas, também, não era o único!
Até que um dia... — ela se antecipou.
Como sabe que houve um dia? Leah ergueu os ombros.
Faz sentido. Aliás, sempre acontece um dia na vida de todos nós!
Tem razão. Ok. Um dia... para ser mais preciso, no meu aniversário de quinze anos, acusaram-se de algo que não cometi. Foi a última vez.
Do que o acusaram?
De quebrar uma bola de cristal. Dessas bolas que quando você agita, a água se mistura com pequenos flocos imitando neve. Dentro da água, além dos flocos, havia um cavaleiro armado e um dragão.
Leah se contraiu.
— Cavaleiro e dragão?
— Sim. Eu era fascinado por essa bola, que pertencia a um dos funcionários do orfanato. Todos sabiam dessa minha fixação e, por esse motivo, quando a bola quebrou, eu levei a culpa.
— Mas não foi você quem quebrou.
— Não.
Por que foi a última vez que o acusaram?
Porque, depois disso, fugi do orfanato.
Confiança cega — ela murmurou.
Confiança cega — Hunter repetiu. — Nunca tive alguém que confiasse incondicionalmente em mim. Nunca tive alguém que me apoiasse ou me defendesse diante das injustiças, das desigualdades sociais. Sei que essa coisa de confiança cega é uma fantasia boba... mas é a minha fantasia.
Leah se sentou, enlaçando-o pelo pescoço.
Se eu pudesse colocar minha confiança numa caixa, ofereceria a você como meu presente de casamento — ela declarou. — Como não é possível, dou-lhe minha palavra.
Não prometa nada que não possa cumprir — aconselhou-a.
Nesse caso, prometo tentar. — Um sorriso iluminou o rosto em forma de coração. — Por ora, é o melhor que posso oferecer.
Já é um começo.
Segurou o rosto dela entre as mãos e, depois do que pareceu uma eternidade, beijou-a. Como se tivesse esperado a vida inteira por aquele momento. Não poderia haver mais desculpas para adiar o inevitável. Finalmente, Leah seria dele, ligada com laços mais consistentes do que a aliança que adornava seu dedo.
O beijo de Hunter tinha sabor de champanhe. Um beijo que a deixou desesperadamente ansiosa e faminta.
— Hunter...
Lentamente, ele começou um ritual de sedução. Beijos vorazes atiçava o fogo que ardia entre ambos. Abrindo o robe que Leah vestia, Hunter beijou o pingente de pedra que descansava entre os seios.
Com os olhos cerrados, Leah segurou-o pelos ombros. Inebriava-se com o toque da língua e dos dentes em seus seios. Vibrava com os movimentos das mãos dele, despindo-a.
Você é muito mais bonita do que me lembrava — ele murmurou, com voz enrouquecida pelo desejo.
Ame-me, Hunter. Agora — Leah pediu, tremendo com a força de seus anseios.
Hunter a deitou sobre a toalha. Leah abriu os olhos, fitando-o. Inclinando-se sobre ela, Hunter era a personificação do poder, da força, do desejo.
Por fim, a espera acabou. Os corpos se amoldaram e juntos, iniciaram uma longa viagem em direção a mundos harmoniosamente coloridos. Como no passado, experimentaram o verdadeiro significado do êxtase. Como no passado, Leah entregou-se com toda a força de seu amor por Hunter.
Hunter e Leah passaram todo o final de semana no apartamento, vivendo intensamente aqueles momentos de amor. Para Leah, era o retomar de um amor que nunca morrera. Infelizmente, a reação de Hunter era mais difícil de ser decifrada. Nem por um segundo, Leah duvidou que ele a desejava. Conseguia excitá-lo com um simples toque. Além disso, Hunter era gentil, atencioso. Podia até mesmo sentir uma ponta de carinho nas atitudes dele. Mas, amor? Se sentia algum tipo de emoção, não revelava. Guardava-a a sete chaves.
O fim de semana terminou e, na segunda-feira cedo, retornaram ao rancho.
Alguns dias depois, pela primeira vez, Hunter montou Dreamseeker. Foi uma briga de força, de determinação, de vontade. Leah não pôde evitar a comparação. Como Dreamseeker, também se sentia sufocada pela perseverança de Hunter. Dando tudo de si, enquanto ele se mantinha distante, independente, com o controle da situação. Nunca se sentira tão indefesa, tão consciente de sua vulnerabilidade, nem tão amedrontada.
Nos dias seguintes, seus temores tomaram nova direção. Dreamseeker desaparecera do pasto.
— Sele Ladyfinger — Hunter ordenou. — Não esqueça da capa. Parece que vai chover.
Tentando esconder a preocupação, Leah seguiu as instruções dele.
— Será que Dreamseeker derrubou a cerca novamente? —Leah indagou.
— Não creio.
A cavalo, seguiram para a área onde o garanhão escapara anteriormente. Já estavam quase no limite sul do rancho, quando ouviram um som estridente ecoar pelo pasto.
Leah ouvira aquele som terrível apenas duas vezes em toda a vida e jamais o esquecera. O sangue pareceu gelar nas veias. Lançando a Hunter um olhar assustado, esporeou Ladyfinger e partiu na direção do som. Hunter a seguiu, alcançando-a. Naquele corrida angustiosa até o Circle P, Leah esperava estar enganada. Esperava encontrar Dreamseeker a salvo.
Chegando à linha divisória, pararam por um momento. A cerca fora destruída novamente. O coração de Leah se comprimiu. Não havia dúvida do que acontecera... ou do que estava por acontecer. Outro agudo ecoou pelo campo, respondido por outro apelo igualmente imperioso. Atravessando as terras do Circle P, cavalgaram até o topo da colina. Depararam com Buli Jones montado em seu cavalo, assistindo impassível a cena que Leah tanto temia.
Dreamseeker estava de um lado do pequeno prado, cercando um outro garanhão castanho. Do outro lado, uma manada de éguas nervosas, indubitavelmente, o motivo da luta. Dreamseeker erguia as patas, arreganhando os dentes, atacando com os cascos. O outro garanhão repetia os movimentos ameaçadores.
— A culpa é sua, Leah — Buli Jones afirmou. — Avisei-a para reforçar suas cercas. Agora, é tarde demais. Se o seu garanhão ferir o nosso, você pagará caro. Muito caro. Baby Blue vale uma fortuna. Se ele morrer, vai lhe custar o rancho.
Leah encarou o capataz.
— Você trouxe propositadamente seu garanhão e as éguas para este lado do pasto, apenas para provocar Dreamseeker. Quanto à cerca, saiba que foram reforçadas na semana passada. Se o meu garanhão a arrebentou, foi porque você cortou o arame.
Buli Jones soltou uma gargalhada.
Falar é fácil. Quero ver provar. Aí, a história muda!
Ela não terá que provar nada — Hunter interveio com rispidez. — Eu provarei.
Com um relincho, Dreamseeker ergueu as patas. Depois, voltou à posição normal, preparando-se para o ataque. Baby Blue, com os olhos vidrados, correu na direção do desafiador.
Não! — Leah gritou. Sem considerar os perigos que enfrentaria, pressionou os flancos de Ladyfinger, disparando pela colina.
Leah! Volte — Hunter ordenou.
Ignorando o chamado dele, brigando para manter-se na sela, forçava a égua a seguir até o local da batalha. No meio do caminho, percebeu que o animal, assustado, não conseguiria chegar ao destino. Puxou as rédeas, obrigando Ladyfinger a parar. Em segundos, Leah desceu, pegou a capa de chuva e, a pé, correu até os dois garanhões. Gritava e agitava a capa no ar o mais freneticamente que podia.
Quando já estava muito próximo, Baby Blue ameaçou recuar. Antes que Dreamseeker o atacasse, Leah atirou a capa na cabeça dele. O animal se debateu ferozmente, na tentativa de livrar-se da capa.
— Leah, afaste-se! — Hunter gritou.
Com um movimento rápido, ele a agarrou pela cintura, tirando-a da linha de fogo. Sem a mínima hesitação, colocou-se entre ela e o perigo iminente, munido apenas de uma corda.
Dreamseeker pinoteou loucamente, até desvencilhar-se da capa. Parou por um instante, como se decidindo entre atacar o homem ou o outro garanhão. Essa foi a oportunidade que Hunter precisava. Num movimento exato, o laço voou pelos ares, alcançando exatamente as patas dianteiras do animal. Usando toda sua capacidade física, puxou a corda até conseguir com que Dreamseeker deitasse no chão. Só depois de tê-lo dominado, Hunter amarrou a corda na árvore mais próxima.
Ofegando, virou-se para Leah, transtornado pela fúria. Seus nervos estavam à flor da pele.
Mulher, precisamos ter uma conversa muito séria. Desta vez, você extrapolou.
Simplesmente eu não poderia esperar até que os garanhões se matassem! — Leah se defendeu.
Ah, poderia, sim. Mas nossa conversa fica para mais tarde. Por enquanto, você precisa resolver outro assunto, mais urgente.
Qual?
Apontou para Dreamseeker.
— Seu cavalo.
Leah não acreditava que o garanhão tivesse sido dominado com tanta facilidade. Aliviada, viu Baby Blue se afastando com seu harém de éguas. Aproximou-se de Dreamseeker. Deitado de lado, resfolegava e tremia, sem contudo apresentar ferimentos aparentes. Buli Jones parou a seu lado.
— Saia daqui, Leah — ordenou, furioso. Erguendo a cabeça, notou a arma na mão do capataz.
— Vou acertar esse cavalo selvagem, bem no meio dos olhos— Buli Jones ameaçou. — Se quer seu cavalo vivo, suma daqui.
Leah não percebeu os movimentos de Hunter. Num minuto, Buli estava montado. No outro, estava caído no chão, com a arma fora de alcance e um pé de Hunter em seu peito.
Nunca tivemos a chance de nos apresentarmos — Hunter declarou. — Creio que já é hora de repararmos essa falha imperdoável.
Não me interessa que você é, hombre. Tire esse pé de cima de mim e caia fora das minhas terras. — Retorceu-se, tentado escapar da situação embaraçosa.
Primeiro, estas terras não são suas. — Pressionou um pouco mais o pé sobre o peito de Buli. — Segundo, meu nome é Pryde. Hunter Pryde. Se me chamar mais uma vez de hombre, nunca mais abrirá a boca.
Pryde? — O capataz arregalou os olhos. — Eu o conheço! Você é...
O marido de Leah — Hunter o interrompeu rispidamente.
Droga! Não sabia que você era Pryde... — Buli Jones protestou. — Deveria ter falado logo!
Vou lhe dar duas opções. Você poderá se levantar, montar em seu cavalo e sair daqui amigavelmente. Ou poderá ficar e, então, discutiremos o problema mais tarde. O que decide, muchacho?
Deixe-me levantar. Vou embora.
Hunter recuou alguns passos. Embora parecesse relaxado, com as mãos nos quadris e pernas afastadas, Leah sabia que ele estava atento a qualquer reação de Buli Jones. O capataz se levantou, procurando pelo rifle.
— Não se preocupe. Não precisará mais dele. — Hunter apoderou-se da arma.
Você não pode fazer isso. — Buli montou. — Tenho influência.
Eu tenho mais — Hunter rebateu.
Eu ainda não disse tudo... Hunter o interrompeu.
Quando quiser terminar a discussão, apareça. — Esperou até que o capataz se afastasse o suficiente para não ouvi-lo. Então, voltou-se para Leah. — Agora, sua vez.
Como pôde fazer isso? — perguntou, apontando Buli Jones. — Como pôde demiti-lo?
O olhar de Hunter tornou-se enigmático.
— Digamos que Buddy Peterson achará muito interessante atender à minha... sugestão.
Após refletir por um momento, Leah falou:
Espero que esteja certo.
Estou.
Deu um passo na direcão dela. Leah gelou. Sua vontade era correr pela colina, mas não tinha escapatória. Precisava enfrentá-lo.
— Já sei. Já sei. É a minha vez. Bem, vá em frente. Fale tudo o que quiser falar. Assim, terminamos logo com isso.
Isto não é uma brincadeira, Leah. — Segurou-a pelos ombros. — Você poderia ter morrido sem que eu pudesse fazer nada para evitar.
Ora, já expliquei. Eu precisava salvar Dreamseeker.
O cavalo não é nada comparado com sua segurança. Teria permitido que Jones matasse o animal.
Leah prendeu a respiração.
Você não teria coragem!
Claro que teria. Quero que me prometa que jamais tornará a arriscar sua vida por causa desse cavalo. Do contrário, dou um sumiço nele.
Hunter não estava brincando. Leah compreendeu que ele chegava nos limites de sua tolerância. Movimentou lentamente a cabeça, concordando.
Prometo.
Espero que cumpra sua promessa. Leah apertou as mãos.
Você não venderá Dreamseeker, não é?
— Não se preocupe, Leah. Por enquanto, seu cavalo está a salvo. Monte. Vamos levar esse garanhão para casa. Até lá, esfriarei a cabeça e, então, terminaremos nossa conversa.
Em casa, Hunter telefonou para Kevin Anderson. Sem perder tempo com preliminares, foi direto ao assunto.
— Despedi Buli Jones.
Kevin resmungou uma imprecação.
O que quer que eu faça, agora?
Cuide de tudo. Fique atento para que não haja nenhuma... complicação.
E Leah? Descobriu a verdade?
Creio que não. Mas, considerando que dei o bilhete azul para Jones diante dela, é um milagre que, no mínimo, não suspeite de nada.
Se suspeitar...
— Não se preocupe. Sei como lidar com minha esposa. Um ruído chamou-lhe a atenção. Viu Leah parada na porta, olhando-o, nervosa e insegura. Impassível, acenou para que entrasse.
— Preciso desligar, Kevin. Ligo depois.
Desligou, sem esperar pela resposta. Levantando-se, deu a volta na escrivaninha. Em silêncio, esperou que Leah se aproximasse. Segurou-a pela trança. Desejava-a. Como a desejava! Não tinha dúvidas que ela o desejava também. Estava estampado nos olhos dela, no tremor dos lábios, nas pulsações aceleradas.
Sem se preocupar em esconder a força de seu desejo, apoiou-se na beira da escrivaninha, prendendo Leah entre suas pernas. Os olhos dela se estreitaram. Escureceram quase até cor de violeta. Hunter levou apenas alguns segundos para destrançar os cabelos, que se espalharam pelos ombros como um manto de prata.
Incapaz de resistir, beijou-a.
Não brigue, Leah — murmurou. — Não agora.
Brigar? Por que brigaria com você?
Beije-me, Leah.
Os corpos se fundiram. Enlaçando-o pelo pescoço, beijou-o, entregando-se todo nesse beijo.
Leah olhava para o teto. O luar iluminava o quarto silencioso. Refletia sobre o que ouvira da conversa de Hunter ao telefone.
Olhou-o, adormecido. Naquela noite, a paixão dele excedera a tudo o que já acontecera antes. Por várias vezes, Leah esteve a ponto de confessar-lhe o que nunca traduzira em palavras. Quase lhe dissera o quanto o amava. Porém, alguma coisa a impediu. Talvez, a conversa com Kevin.
Fechou os olhos. Daria tudo para saber o quer Hunter quisera dizer com sei como lidar com minha esposa. Não entendia exa-tamente o motivo, mas, aquele conversa a assustara muito. Muito.
Pela primeira vez, desde o casamento, Leah acordou sozinha na cama, na manhã seguinte. Sentou-se, não gostando em nada da sensação de abandono. Hunter estava certo. O fato de acordar nos braços dele fazia uma grande diferença no transcorrer do dia.
Levantou-se para procurá-lo. Na mesa-de-cabeceira encontrou um bilhete dele, explicando que recebera um chamado inesperado de Houston. Inexplicavelmente, ficou apreensiva com a notícia. Esperava que Hunter lhe esclarecesse que a conversa com o tal Kevin não tinha nada a ver com o casamento deles. Ou com o rancho.
Foi até a janela. De repente o rancho parecia grande demais, sem Hunter. Precisava de distração.
Vou à cidade fazer compras — comunicou à avó.
Passe pelo joalheiro e veja se meu relógio já está pronto — Rose pediu.
Com a pick-up do rancho, dirigiu trinta minutos até a pequena cidade de Crossroads. Perambulou pelas lojas antes de entrar num antiquário. Examinou as peças e, surpresa, deparou com algo que a fascinou.
Uma estatueta de estanho, representando um cavaleiro, montado em seu cavalo, tendo em uma das mãos uma lança que subjugava um dragão com olhos de rubi. Com a outra mão, ele segurava uma donzela, a salvo do perigo. O vestido da donzela lembrava seu próprio vestido de noiva. Considerando a história da bola de cristal que Hunter contara, a estatueta era perfeita. Colocaria a peça no escritório e esperaria até que Hunter a notasse. Talvez, até mesmo entendesse o significado do gesto. Depois de pagar, foi direto à joalheira.
— Bom dia, Leah — Clyde, o proprietário, cumprimentou-a.
— O relógio de Rose já está pronto. — Vendo a sacola da loja de antiguidades que Leah carregava, perguntou: — Achou alguma peça interessante?
Sim. Quer ver? — Leah abriu a caixa, exibindo orgulho samente a estatueta de estanho.
Que peça maravilhosa! — Avaliou-a com olhos de perito.
— Presente de casamento atrasado? — indagou com a intimidade de amigo de longa data. — Estou muito feliz por você, Leah. Hunter é um bom homem.
Uma ideia brilhou na mente de Leah. Mostrando a Clyde o pingente de pedra que Hunter lhe dera, quis saber:
Clyde, é possível fazer uma miniatura disto?
Para colocar no pescoço do cavaleiro? — O joalheiro refletiu por um momento. — Hum... não seria tão difícil. Por acaso, tenho uma pedra que parece ser ideal.
— Quanto tempo levaria para aprontá-la? Os olhos de Clyde brilharam, divertidos.
Creio que o ajuste do anel da sra. Whilehaven pode esperar. Uma hora, está bem?
Otimo.
Posso dar uma pequena sugestão? — Tirou o display de pingentes da vitrina e escolheu uma das peças maiores. Um chapéu de cowboy. Assentava perfeitamente no cavaleiro. — Posso eliminar a argola. Depois do acabamento, fixarei o chapéu na cabeça do cavaleiro, para não cair. O que acha?
Perfeito, Clyde. Adorei sua ideia. Voltarei dentro de uma hora. Obrigada.
Por nada, Leah. Até já.
Exatamente uma hora depois, saía pela segunda vez da joalheira, levando para casa a estatueta completa, com chapéu e pingente de pedra. Para seu pesar, cruzou com Buli Jones. Antes que tivesse tempo para escapar, ele interceptou sua passagem.
Ora, ora, se não é a srta. Hampton. — Acendeu um cigarro. — Oh, desculpe. Sra. Pryde, não é mesmo?
Sim. Se você fosse esperto, se lembraria disso e ficaria fora do meu caminho, antes que Hunter saiba que andou me importunando novamente.
— Não estou nem um pouco preocupado. Seu marido não está. E, quando ele voltar, estarei bem longe.
Leah olhou ao redor, tranqúilizando-se com a presença de algumas pessoas nas imediações. Encarou Buli.
— Tem alguma coisa para me dizer? Se tiver, diga logo. Do contrário, desapareça, antes que toda a cidade caia em cima de você.
— Você sempre foi uma garota irascível e rabugenta. Qual o problema? Seu marido está em Houston, não? — Leah olhou-o surpresa. Buli soltou uma gargalhada. — E, então? Não diz nada? Não vai perguntar como eu sei?
— Não me interessa. — Recusava-se a entrar no jogo de Buli Jones.
— Vou lhe contar uma coisa — Confidenciou, como se praticasse um gesto de generosidade. — Ele está lá, porque convocou uma reunião da diretoria da Lyon Enterprises.
Ela deu de ombros.
— Hunter conhece o pessoal da diretoria. Isso não é novidade para mim.
Buli negou com um movimento de cabeça.
Ele não só conhece, como também comanda a diretoria. Um tremor sacudiu o corpo de Leah.
Que bobagem é essa que você está dizendo?
Agora, está interessada, não é? — Nova gargalhada. —Hunter Pryde é a Lyon Enterprises. Claro, descobri isso só depois que ele me despediu.
Não acredito.
Como quiser, madame. Mas, pense a respeito. — Atirou o cigarro longe. — Lyon... Pryde... Circle P. O elo se fecha. É muito fácil verificar se estou mentindo ou não.
Como? — A pergunta escapou de seus lábios.
Telefone para a Lyon Enterprises. Peça o escritório de Hunter Pryde. Se ele tiver um escritório lá, terá a resposta. Ele se casou com você para se apossar do rancho.
O que eu sei é que Hunter tem um escritório. Isso não significa que seja o proprietário da Lyon Enterprises. Nem que se casou comigo por causa do rancho. — Suspeitava que Buli Jones percebera o desespero contido em sua voz.
— Ele é o proprietário, sim — ele afirmou com absoluta confiança. — Quando se convenceu que você não venderia o rancho, decidiu casar.
Precisava ir embora. Não poderia ficar ali, no meio da rua, sendo envenenada pela maldade daquele homem.
— Saia do meu caminho, Jones. Não quero mais ouvi-lo. —Tentou afastar-se, mas Buli segurou-a pelo braço.
Ele falava rápido. Suas palavras atingiam-na com mordacidade.
Você estava disposta a casar com qualquer cara que aparecesse na sua frente, só para não perder seu rancho. Com o casamento, a Lyon ficaria definitivamente fora do páreo. No instante em que Pryde soube do seu anúncio, surgiu do nada e casou com você. Um golpe de mestre! Numa só tacada, ele conseguiu a garota e a terra, sem gastar um tostão furado.
Ainda sou eu a proprietária do rancho. Não Hunter.
E mesmo? Talvez, ainda seja, por ora. Mas, por quanto tempo? Esses homens de negócio sempre acabam encontrando uma saída honrosa para contornar qualquer situação. E conseguem. Ao passo que, tudo o que você e sua avó conseguirão será um belo pontapé.
Depois disso, Buli Jones a soltou. Acendeu outro cigarro e se afastou. Leah continuou imóvel por um longo momento. Lentamente, voltou para a pick-up. Sentada na cabine, apoiou a cabeça no volante, refletindo sobre o que Buli Jones revelara.
Buli tinha todos os motivos do mundo para estar ressentido com Hunter. Porém, tudo o que ele dissera fazia sentido. Tudo se encaixava, respondendo, de certa forma, às perguntas que nunca tivera coragem de formular a Hunter. E, mesmo que perguntasse, ele não teria respondido. Hunter sempre quisera o rancho, de qualquer maneira. Nunca revelara o motivo.
Talvez, por saber que Leah jamais se casaria com ele, se descobrisse esse motivo.
Precisava pensar com clareza. Buli falara a verdade ou mentira. Era muito simples. Só uma questão de descobrir.
Conrad Michaels! O nome surgiu naturalmente. Claro! Ele tinha amizades influentes. Poderia ajudá-la a descobrir. Ligou motor da pick-up, pegando o caminho de volta para casa. Telefonaria para Conrad. Ele a ajudaria.
Confiança cega, pensou com angústia. Como poderia confiar em Hunter, se, de repente, o cavaleiro transformara-se em dragão?
Respirando fundo, Leah discou o número de Conrad. Depois de alguns toques, ele atendeu.
Alô?
Conrad? É Leah. Tudo bem?
Leah, querida. Como vai?
Bem, obrigada.
Algum problema?
Não, exatamente. Bem, estou curiosa a respeito de algo e creio que possa me ajudar.
— Claro, Leah. — Conrad mostrou-se solícito demais. — Em que posso ajudá-la?
Ela batia o lápis na escrivaninha.
É sobre... nosso empréstimo. O empréstimo para o rancho. Hunter o conseguiu no banco em que você trabalhava? Como você já fizera o pedido antes... pensei que...
Não, não foi com o nosso banco. Seu advogado insistiu para que Hunter fizesse o empréstimo conosco, como parte do seu acordo pré-nupcial. Porém, eu soube que, logo depois do casamento, Hunter conseguiu o dinheiro com uma financeira. Tudo perfeitamente legal.
Mas estava tudo combinado com o seu banco.
Sim.
Leah suspirou. Chegara o momento da pior parte da conversa.
Você sabe que financeira é essa?
Leah, o que é isso? Por que não pergunta a Hunter? Percebendo a tensão na voz dele, arrependeu-se por tê-lo colocado numa situação tão delicada. Infelizmente, precisava saber.
—Estou perguntando a você, Connie — insistiu, usando deliberadamente o apelido de família. — Quero ter certeza de que os pagamentos estão sendo saldados em dia. Que não estou em débito.
Entendo. — A voz soou cansada e envelhecida. Fechou os olhos, odiando-se por envolvê-lo. Todavia, Conrad era a única pessoa a quem poderia recorrer.
Como você está aposentado, imagino que esteja meio fora do circuito. Mas, imagino também, que tenha contatos que possam fornecer a informação. Desculpe por estar lhe pedido este favor. Jamais o incomodaria se não fosse tão importante.
Claro. Vou fazer o possível.
Você será discreto, não?
Não se preocupe, Leah. Serei discreto.
— Obrigada, Conrad. Você é uma grande amigo. Despediram-se. Leah desligou o telefone, riscando o nome dele de uma lista que organizara. Estudando a folha de papel à sua frente, verificou o segundo nome da lista e o número. Essa ligação exigiria mais frieza. Determinada a descobrir a verdade, tirou novamente o fone do gancho e discou. A telefonista atendeu de pronto.
Lyon Enterprises. Com quem quer falar?
Hunter Pryde, por favor.
Um momento.
Após um rápido silêncio, a secretária atendeu.
Felícia Cárter. Pois não? . Leah estremeceu.
Desculpe. Pedi para falar com o escritório de Hunter Pryde.
Sou a secretária do sr. Pryde. Quem quer falar com ele?
Ele está? — insistiu,
Ele estará em reunião com a diretoria durante o dia inteiro. Posso transmitir-lhe o recado, se quiser.
Fechando os olhos, apertou o fone com força.
Não tem recado. — De repente, mudou de ideia. — Espere. O cargo! Sim, qual é o cargo do sr. Pryde na empresa?
Receio que terá que conversar com o sr. Pryde. — A voz de Felícia soou com uma ponta de suspeita. — Qual o seu nome, por favor?
Sem dizer mais nada, Leah desligou o telefone. Pronto. Uma parte da história de Buli Jones já fora verificada. Hunter poderia ser encontrado na Lyon Enterprises. Isso não significava necessariamente que tinha um escritório na companhia. Nem que trabalhava lá. E muito menos que fosse o proprietário da empresa. Repetiu a si mesma que não era o caso de entrar em pânico. Conseguira reunir duas informações. Hunter tinha negócios em Houston com a Lyon Enterprises e que a diretoria estava em reunião. O telefone tocou.
Alô?
Leah? É Conrad.
Pela relutância da voz dele, não foi difícil imaginar que Conrad não apreciara as informações.
Pode falar, Conrad. Estou preparada para tudo.
Não é nada definitivo — apressou-se em explicar. — Por isso, não se precipite nas conclusões. A companhia que concedeu o empréstimo é HP, Incorporation.
HP, Incorporation? Como em... Hunter Pryde, Incorporation?
É... possível, suponho. Não consegui saber nada sobre o contrato de financiamento. Se você quiser mais detalhes, tenho o número do telefone da empresa, em Houston.
Quero, sim. — Anotou o número.
Avise-me, se precisar de ajuda — Conrad prontificou-se. —Esperava que... — Não finalizou a frase. Nem precisava.
— Eu também — disse com gentileza. — Obrigada, Conrad.
Despediram-se. Leah não demorou para fazer a ligação seguinte. Pediu pelo escritório de Hunter e, mais uma vez, a telefonista colocou-a em contato com a secretária.
— Aqui é Felícia Cárter, da Lyon Enterprises — Leah falou. —Estou tentando me comunicar com o sr. Pryde.
— Por que... Creio que hoje ele está trabalhado aí, srta. Cárter. Leah forçou um riso abafado.
Que tola! Estou tão atarefada que devo ter feito alguma confusão na minha agenda. — Depois, num impulso acrescentou: — Não sei como o sr. Pryde consegue ser tão organizado. Deve ser muito difícil administrar duas grandes empresas.
Sim, é difícil. Mas o sr. Pryde é um homem extraordinário. Só contrata os melhores profissionais do mercado. Delegação de poderes. Isso torna sua vida muito mais fácil. Um minuto, por favor. — Leah ouviu um som de vozes conversando, antes de a secretária voltar à linha. — O assistente do sr. Pryde acabou de chegar. Quer falar com ele?
Kevin?
Oh, você o conhece? Ignorou a pergunta.
— Não é necessário. Afinal, não era nada tão importante assim. — A voz tremulou. — Obrigada pela ajuda. — Conseguiu agradecer, antes de desligar.
Não conseguiu evitar que as lágrimas banhassem suas faces. Desprezava-se por ser tão fraca. Afinal, não era o fim de seus sonhos. Ainda tinha a avó e o rancho. Ainda tinha os empregados e Dreamseeker. Mas não era tudo. Queria Hunter. Mais do que qualquer outra coisa, desejava o amor de Hunter. Pior para ela, pois tudo o que Hunter desejava era o rancho.
— O que aconteceu, Leah?
Rose entrou no escritório. Em silêncio, Leah enxugou as lágrimas, esforçando-se para manter as emoções sob controle.
Hunter? — Rose perguntou. — Alguma coisa com ele?
Não! Sim! — Cobriu o rosto com as mãos. Não suportaria nova decepção. — Sua saúde está ótima, se é isso que você quer saber.
Rose se aproximou da escrivaninha.
O que está errado, então?
Hunter é o proprietário da Lyon Enterprises. Isso é que está errado! — Soltou o corpo na poltrona. — Desculpe... Desculpe. Não queria ter soltado a bomba assim...
Hunter é proprietário da Lyon Enterprises — Rose repetiu. — Você está brincando!
É verdade — Leah confirmou com voz cansada. — Acabei de ligar para o escritório dele. Droga! O que faço agora?
Vai conversar com ele, claro.
Conversar? — Perplexa, fitou a avó. — Dizer, por exemplo "Oh, Hunter querido, você realmente se casou comigo para pôr as mãos no meu rancho?" Sim, por que foi só por isso que me pediu em casamento. Aliás, Hunter nunca fez segredo disso.
Rose colocou as mãos na cintura.
— Então, por que se comportar como se fosse vítima de uma grande traição? — argumentou. — Se, como você afirma com tanta convicção, Hunter se casou apenas para se apossar do rancho, qual a diferença entre querer as terras para uma satisfação pessoal ou para comércio? Se você se casou com o proprietário da Lyon Enterprises, tenho a impressão de que a maior beneficiada nesta história toda é você mesma. Leah franziu as sobrancelhas.
Desculpe. Não entendi.
Você entendeu, sim. Pense em tudo o que lhe falei. Sabe o que Hunter ganhou nessa... permuta? Muito trabalho, muitas preocupações e pouco lucro. Em compensação, já que ele é o proprietário da Lyon, você, além de salvar o rancho, conseguiu a Lyon, o Circle P. e tudo o mais que Hunter tem reunido na manga do paletó. — Apontou o dedo em riste para Leah. — Acima de tudo, você tem Hunter. Sim, senhora. Realmente, isso me parece um bom negócio.
Até ele conseguir os documentos do rancho e nos executar judicialmente. Depois, vem o divórcio e nós duas ficamos na rua da amargura.
Rose abriu os braços, num gesto de impaciência.
Você é realmente uma criança tola, Leah. Por que não levanta desse cadeira, pega o carro e vai para Houston? Converse com ele. Abra o jogo. Fale de suas dúvidas. Insista para que conte o motivo pelo qual se casou com você. Esclareça tudo, Leah. Não fique aí, chorando pelos cantos. Vá à luta! Você nem parece uma Hampton!
Já sei o que Hunter...
Ele afirmou ter casado com você por causa do rancho? — Rose insistiu. — Ou é apenas uma suposição?
Desorientada, Rose movimentou a cabeça.
Não sei. Não me lembro. Não creio que ele tenha afirmado. Todas as vezes em que toquei no assunto, ele se retraiu.
Como se tivesse sido insultado. É isso? Ora, eu também me sentiria insultada.
Por quê? — Leah questionou. — Se foi por isso que nos casamos. Não é segredo para ninguém. Por mais que você queira enfeitar o pavão, vovó, eu me casei por interesse e não por amor. Hunter também. Bobagem negar.
Você está certa, querida. Um homem tão rico, poderoso, inteligente, bonito, precisava mesmo sacrificar sua vida e sua liberdade apenas para se apossar de um rancho pequeno no Texas. — Suspirou. — É, me parece razoável.
Leah mordeu o lábio.
—Ora, vovó. Pare de defender Hunter. Você está me confundindo.
— Otimo. Agora, ao ataque. Você o ama? . Só havia uma resposta possível para aquela pergunta tão objetiva. Leah não via razão para esconder a verdade da avó.
— Sim — afirmou sem hesitar. — Mais do que tudo.
O rosto de Rose se iluminou com um sorriso de satisfação.
Isso é tudo que você precisa lembrar. Aqui estão as chaves da pick-up. Jogue algumas roupas na mochila, pegue sua bolsa e... pé na estrada, garota. Vejo-a amanhã. Ou depois... Não importa. Vá para o aquele apartamento de Hunter, em Houston, e providencie alguns bebés. Estou ansiosa para ser bisavó. Rápido. Você me ouviu, Leah?
Claro que ouvi. Pelo seu tom de voz, creio que Inez, suas crianças e, pelo menos, metade dos empregados também ouviram.
Leah obedeceu as ordens da avó sem protestar. Com as chaves da pick-up nas mãos, subiu até o quarto, arrumou uma valise e, antes que mudasse de ideia, seguiu para Houston.
Durante o trajeto, por várias vezes pensou em voltar. Alguma coisa, porém, impulsionava-a para frente. De alguma forma, obteria as respostas que tanto buscara, independente de gostar ou não. Talvez, até convencesse Hunter a dar uma chance para o casamento deles. Afinal, o amava e estava disposta a lutar pelo seu amor.
Devido à tensão, que crescia a cada momento, Leah perdeu o caminho, por duas vezes. Finalmente, chegou ao prédio da Lyon Enterprises. Estacionou a pick-up e seguiu direto até à mesa dos seguranças. Apresentou o documento.
Leah Pryde — identificou-se ao guarda. — Sra. Hunter Pryde. Vou encontrar meu marido.
Pois não, sra. Pryde. Vou avisá-lo de sua chegada.
Não, por favor. — Presenteou-o com um sorriso amável. — Gostaria de fazer uma surpresa.
O vigilante hesitou por um momento. Depois, concordou.
Certo. Pode subir, senhora.
Obrigada.
Com uma calma que estava longe de sentir, tomou o elevador, descendo no andar da diretoria. Dessa vez, não havia uma secretária à sua espera. Olhou de relance para suas roupas, arrependendo-se por não tê-las trocado. Jeans e camiseta de algodão não pareciam muito apropriados para uma visita à sede da Lyon Enterprises.
Com passos lentos, atravessou o corredor deserto. Esperava ser interceptada a qualquer momento. Alguém chamaria a segurança ou... Hunter. Sem olhar para os lados, seguiu para a sala de reuniões. Se tivesse que ser expulsa do prédio, pelo menos, que fizesse por merecer.
A apenas alguns passos da sala, apareceu o primeiro obstáculo.
— Posso ajudá-la? — a mulher alta, de aparência impecável, perguntou.
— Não. — Leah continuou a caminhar, sem lhe dar atenção. A mulher a acompanhou, colocando-se na porta da sala de reuniões.
Sou Felícia Cárter — apresentou-se. — E, você quem é?
Estou com pressa. Desculpe. — Forçando a passagem Leah colocou a mão na maçaneta.
Felícia foi mais rápida. Segurou-lhe a mão, impedindo-a de abrir a porta.
— Muito prazer, srta...?
Leah.
Leah. — Felícia apertou a mão de Leah com dedos de ferro. — Se nos dizer com quem deseja falar e esperar naquela sala, poderemos resolver seu problema.
Nós agradecemos pelo interesse. — Leah olhou na direção que Felícia indicava.
Quando a secretária fez menção de conduzi-la, Leah abriu rapidamente a porta da sala, fechando-a diante da secretária
estupefata. Trancou-a.
— Superado primeiro obstáculo — resmungou, virando-se para a mesa de reuniões.
Horrorizada, constatou que, ao redor da mesa, havia, pelo menos, o dobro de pessoas do que a primeira vez que ali entrara. Todos os presentes a fitavam estarrecidos, como se ela tivesse caído de um disco voador. Sentado na cabeceira da mesa, estava Hunter. À sua direita, Buddy Peterson.
— Não precisa ficar embaraçada. — A voz de Hunter, gentil, mas, estranhamente ameaçadora, quebrou o silêncio da sala. — Venha cá.
— Ok.
Por um longo momento, seus olhares se encontraram. O olhar de Hunter, implacável e distante. O de Leah, uma mistura de desafio e medo.
O telefone ao lado de Hunter tocou. Ele atendeu.
— Sim, Felícia. Ela está aqui. Calma. Cuido disso. — Desligou e se dirigiu à diretoria. — Senhoras. Senhores. Minha esposa. — Murmurinho geral. Depois de um alguns minutos de tensão, Hunter perguntou: — O que poderemos fazer por você, Leah?
Ela tremeu ligeiramente. Durante o trajeto, não ensaiara esse parte da cena. Fitou-o, meio insegura. — Eu queria... — Respirou fundo. — Eu quero saber se você tem alguma coisa para me contar.
Hunter estreitou os olhos. Ajeitou-se na poltrona.
— Não. E, você? Tem alguma coisa para me contar?
Hunter estava mesmo disposto a não revelar quem realmente era. Prevenira de que nunca explicaria nada a seu respeito. Contudo, deveria imaginar que, se Leah fora até Houston procurá-lo, era porque, no mínimo, desconfiava de algo. Hunter deveria saber que as cartas estavam na mesa. Contra ele. Ainda esperava que Leah confiasse nele!
De repente, Leah se conscientizou de que, apesar dos fatos atestarem a duplicidade de Hunter, confiava nele. E que o amava.
Não — murmurou. — Não tenho nada para contar-lhe. Hunter contraiu os lábios.
Você nos dá licença?
Com os olhos marejados de lágrimas, Leah desejou que Hunter nunca tivesse voltado. Que Buli Jones nunca tivesse revelado a verdade. Que nunca tivesse dado ouvidos às palavras do capataz. Acreditara mais em Jones do que em Hunter. Errara. Errara com o marido e com ela mesma. Quando surgira a oportunidade de demonstrar que confiava em Hunter, escolhera por duvidar dele. Hunter jamais a perdoaria.
Com os ombros caídos, preparou-se para deixar a sala. Então, lembrou-se do que Hunter dissera, a respeito de nunca ter tido alguém que confiasse nele, que o defendesse ou apoiasse.
Mordeu o lábio. Não. Não iria embora. Não desistiria. Amava Hunter. Amava-o mais do que tudo na vida. Mais do que amava Dreamseeker. Os empregados. Mais até do que o bendito rancho! Hunter esperava uma confiança cega. Otimo. Era o que ele lhe ofereceria.
— Sim — afirmou, olhando-o. — Tenho algo para dizer sim. Em particular, se possível.
— Senhoras. Senhores. Por favor, assinem os documentos — Hunter ordenou, fechando a pasta e se erguendo. — Se nos derem licença, minha esposa e eu temos uma conversa em particular. — Seguiu até uma porta que dava para uma sala menor. Colocou a pasta sobre a escrivaninha. — O que aconteceu, Leah?
Refletiu antes de falar, procurando pelas palavras certas, para se expressar com clareza e objetividade.
— Durante todo este tempo em que estamos casados, você me pediu uma única coisa. Afirmou que era o que havia de mais precioso para você. Então, propus-me a colocar esse algo numa caixa para dar-lhe como meu presente de casamento. Bem... Aqui está. Meu presente para você. Faça o que quiser com ele. — Abrindo a bolsa, entregou-lhe a caixa com a estatueta de estanho.
Hunter não fez qualquer movimento para pegá-la.
O que é isso?
Abra e descubra.
Só então pegou o pacote. Tirou o papel, abriu a caixa e retirou a estatueta. Leah ouviu a respiração se alterar. Viu as linhas do rosto se contraírem. Erguendo a cabeça, olhou-a. Os olhos negros brilhavam de alegria.
— O que significa? — perguntou. — Que confia em mim?
— Com toda a minha alma.
Ouviram uma batida leve na porta. Buddy Peterson entrou.
Documentos assinados. Já saíram todos. A sala de reuniões está vazia. Bem, você pode respirar aliviado. Correu o risco de perder tutlo.
Mas ganhei. — Olhou para Leah. — Ganhei tudo.
Buddy sorriu.
Espero que tudo mude para melhor, agora que você é o dono do grupo todo.
— Pode apostar que sim — Hunter garantiu. Buddy se retirou, fechando a porta.
Não entendi — Leah disse. — Pensei que você já era proprietário da Lyon Enterprises.
Não era até dois minutos atrás.
E antes?
Bem, eu era o maior concorrente e o pior pesadelo da Lyon.
Por que não me contou?
Porque até que os papéis fossem assinados, não havia nada para contar. Repetindo as palavras de Buddy, eu poderia ter perdido tudo.
Nem tudo. Você não teria perdido o rancho.
Não. Tomei precauções para que o rancho fosse protegido pelo nosso acordo pré-nupcial.
Hunter? — Leah o olhou, hesitante.
Sim? Será que esqueceu de me contar alguma coisa? — Segurando a trança, tratou de soltar os cabelos dela.
Creio que sim. — Sorriu. — Ou melhor, tenho certeza que sim. — Aninhando-se nos braços dele, pousou a cabeça em seu peito. — Já disse que o amo?
Não. Acho que esqueceu de mencionar isso.
Bem, Hunter, desculpe minha insistência, mas... preciso fazer uma pergunta. Só que, desta vez, você terá que me responder. — Recuando, encarou-o. — Por que casou-se comigo?
Hunter não hesitou.
Porque você pretendia se casar com o primeiro homem que batesse à sua porta. Simplesmente, eu não poderia permitir essa loucura. A menos que fosse eu esse homem. Na verdade, sempre pretendi ser o único homem a bater à sua porta.
Você queria comprar o rancho...
Certo. Em princípio, queria apenas bloquear os movimentos da Lyon e deixar a empresa numa posição vulnerável. Depois, percebi que essa era a única maneira de protegê-la contra o poder da Lyon.
Se você estava negociando a compra da Lyon, não acha que foi um risco casar-se comigo.
Realmente, foi um tanto arriscado. Mas valeu a pena.
Hunter... — ela murmurou.
Eu a amo, Leah. Sempre a amei. Como poderia deixar de amá-la? Você realizou meu sonho.
Ela sorriu, com os olhos embaçados pelas lágrimas.
Acho que já é hora para novos sonhos, não? Hunter a envolveu em seus braços.
Desde que você me ajude a realizá-los, Leah. Beijou-a. Um beijo de amor, de paixão, que destruía todas as dúvidas de Leah. Aninhada nos braços de Hunter, ela sabia que encontrara sua vida, seu coração, sua alma. Encontrara seu cavaleiro de armadura reluzente. Seu dragão fora banido para sempre.
Leah folhava o jornal, enquanto tomava o café éáa manhã. De repente deparou com o anúncio, que, literalmente, saltava-lhe aos olhos.
PROCURA-SE UMA ESPOSA
Rancheiro procura urgente por uma esposa. As interessadas deverão:
Ter 27 anos, olhos cor de violeta e cabelos claros como o sol do Texas. Personalidade marcante e força de caráter.
Ter grande experiência na área agropecuária e bom senso para saber quando deve usar esse conhecimento.
Ter sólida experiência administrativa, principalmente a habilidade para lidar com gerentes teimosos.
Estar grávida. Preciso mencionar o nome do médico?
Tenho 34 anos e posso oferecer uma cama confortável e piqueniques sob o céu estrelado do Texas. (Coloco-me à disposição para discutir maiores detalhes de caráter pessoal). Seu marido a espera. Impacientemente!
Recortando o anúncio, Leah levantou-se e correu... correu para seu marido, o grande amor de sua vida... mas, o mais importante, o pai de seu filho.
Day Leclaire
O melhor da literatura para todos os gostos e idades